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Series & Trilogias Literarias
Os Jogadores...
O capitão pirata é Liam O'Neill, favorecido da Rainha Elizabeth. Um jogador inteligente, tanto na cama como fora dela, que está determinado a vencer Katherine deliberadamente e avançar em sua causa secreta. Mas agora ele tem que arriscar tudo para ter sucesso em um jogo muito perigoso, através de um engano doloroso... E quebrar todas as regras.
Whitehall 1562
A rainha estava nervosa. Com duas dúzias de seus cortesãos preferidos, todos vestidos de seda e brocado, ela esperou o chefe do clã dos O’Neill.
Era muito jovem. Ainda não tinha trinta anos e reinava desde quase os quatro. Por intuição sabia que seus conselheiros tinham razão em pensar que a Irlanda deveria ser dominada. Mas lhe parecia uma tarefa imensa e impossível.
Os lordes irlandeses eram bárbaros, imersos em tolas rivalidades, guerras sanguinárias e impregnados por sua antiga cultura gaélica.
O’Neill era o pior de todos, sabia. Não obstante, parecia que finalmente o selvagem chefe irlandês, que era um de seus mais irredutíveis inimigos estava para se submeter a sua real vontade, apresentando-se a ela de joelhos.
Estava esplêndida, e segundo a opinião pública era bastante atraente. Seu vestido de brocado tinha um decote pronunciado, e um imenso colar vincado lhe emoldurava o rosto branco. Suas saias amplas estavam subordinadas a uma crinolina, armação que estava em moda, e no tecido costurado com milhares de minúsculas pérolas brancas. Em torno da cintura esbelta havia uma corrente de ouro enfeitada de pérolas e rubis. No pescoço usava um belo colar de ouro ornamentado com um pingente de rubi, e também rubi oscilava em suas orelhas. Nos cabelos, a touca era de seda negra bordada com fios de ouro e pérolas.
Elizabeth podia ter só trinta anos, e talvez estivesse nervosa por causa de Shane O’Neill, mas sua expressão era implacável e seu aspecto distinto era o de uma rainha em tudo.
Todos os seus cortesãos estavam vestidos elegantemente como ela: usavam coletes coloridos com mangas abalonadas, calções estreitos e exibiam grossos colares cobertos de pedras preciosas, formando um mar brilhante e ostentoso de espectadores.
Ao lado dela estavam de pé os três conselheiros preferidos; seu primo Tom Butler, Conde de Ormond; sir William Cecil, secretário de estado e Robert Dudley, terceiro oficial da casa real.
Mal os cortesãos começaram a murmurar entre eles, sentiu-o chegar e pensou:
— Maldição! Não posso acreditar: O’Neill finalmente se rende.
Não esse O’Neilll, corrigiu-se. O Conde de Tyrone. Estava vindo submeter-se, a adotar um titulo nobiliário inglês, a ser parte da trama do reino da Inglaterra. Sir Henry Sydney, o chefe de suas tropas na Irlanda havia lhe convencido que a rendição de O’Neill e uma política dura eram o melhor método para que se civilizasse aos selvagens irlandeses, pôr-lhes de joelhos e portanto, lhes conceder terras com títulos, privilégios e deveres ingleses.
A multidão ficou boquiaberta.
Elizabeth ficou boquiaberta.
O’Neill apareceu. Alto, quase um metro noventa de corpo Maciço, vestia uma capa de cor açafrão com bordados de arminho, que lhe ondeava ao redor dos ombros. Uma espécie de broche celta o sustentava. Sob a capa usava unicamente uma tosca túnica até os joelhos e estava com os pés, tornozelos e panturrilhas nus. Seu grosso cinto era coberto de ouro e dele pendia uma imensa espada, e uma faca irlandesa de aspecto ameaçador brilhava entre as dobras de sua veste. Seu ombro direito sustentava um Machado de batalha irlandês que parecia ter um metro e meio de comprimento.
Atrás dele havia doze homens de pés descalços e com a cabeça raspada. Eram Maciços e altos como O’Neill. Também usavam o Machado irlandês, mas vestiam peles de lobo sobre uma túnica laminada fora de moda.
As pessoas retrocederam para as laterais da sala real, como se tivessem medo. Elizabeth começou a suar. Se O’Neill, segundo sua sanguinária reputação, fosse detento de fúria homicida, indubitavelmente todos os presentes na sala morreriam.
Logo um grito ensurdecedor transpassou a sala e O’Neill se jogou aos pés de Elizabeth.
A rainha se sobressaltou. Ormond e Dudley saltaram diante dela em um gesto protetor, levando suas mãos às espadas cerimoniais. Logo a soberana começou a relaxar Quando o se deu conta que certamente estava assistindo a uma espécie bárbara de forma de submissão, a sua própria autoridade. Mas O’Neill estava falando alguma coisa. Estava louco? Trocou um olhar com Robert Dudley.
— Ele fala em gaélico, como o selvagem que é. — Murmurou Dudley, enquanto a cor lhe voltava à face. — Provavelmente esteja tentando nos enganar com esta comédia. Sei muito bem que é capaz de falar inglês com muita facilidade. — Dudley fez uma careta.
— O Grande estorvador não podia fazer menos que se exibir com este espetáculo, mas o que deseja obter?
Elizabeth não fazia idéia do que lhe sugeria o estranho comportamento de O’Neill, e não respondeu, sem saber o que fazer.
Não entendia uma só palavra do que o imenso selvagem estava dizendo, e olhou impotente para Ormond e Cecil que estavam tão perplexos como ela, porque O’Neill estava desafiando todos os protocolos. Logo um movimento lhe chamou outra vez a atenção sobre a cena que se estava desenvolvendo aos seus pés. Outra quase dúzia de sequazes de O’Neill haviam entrado na sala, atrás dos soldados de aspecto
selvagem, mas haviam ficado na entrada. Salvo um, um jovem que se afastou do grupo e agora estava se dirigindo a ela.
Deteve-se diante dela, ao lado do prostrado O’Neill. Era alto quase como o chefe do clã irlandês, mas era jovem, perto de dezessete anos e sua estrutura imponente, embora sinuosa e sólida ainda estava para se consolidar.
Enquanto Elizabeth notava tudo isto foi impactada pelo rosto. Os espessos cabelos dourados emolduravam o mais belo rosto que ela jamais havia visto e seu coração começou a pulsar veloz. Por alguma razão ele lhe parecia familiar, mas depois encontrou seus olhos cinza e frios, e estremeceu.
Quem ele era?
Ele se ajoelhou. — Sua majestade, se deseja traduzirei o que diz o chefe O’Neill.
Elizabeth se recompôs, endireitou os ombros e deu ao jovem um olhar autoritário.
— Acredito que quer dizer o Conde Tyrone, senhor. — Disse-lhe.
Um olhar gélido se fixou sobre ele. O moço não disse uma palavra.
Agora sim, pensou ela, e uma faísca de excitação a inflamou. Parecia que O’Neill tinha intenção de se submeter, mas o silêncio do jovem lhe dizia que se seguiria um braço de ferro, duro de torcer. E a sensação que lhe percorria as costas tinha pouco a ver com O’Neill, mas com o extraordinário jovem.
— Pode apresentar-se a nós.
Ele se levantou e lhe fez uma reverência.
— Liam O’Neill.
A mente de Elizabeth funcionou rapidamente.
— Não… Não o filho de Mary Stanley… Não o filho do chefe O’Neill? — Tomada pela surpresa, ela havia deixado escapar o proibido título nobre gaélico.
O sorriso dele era sarcástico.
— Precisamente.
Ela suspirou brevemente. Conhecia Liam, quase que desde o dia de seu nascimento. Mary Stanley estava de viajem para a Irlanda com o marido, um oficial da Coroa, Quando o seu navio foi assaltado por piratas. Violada e grávida de O’Neill havia sido imediatamente repudiada por Sir Stanley, que a enviara a Londres, para sua família. A rainha Catarina, última esposa de Enrique VIII ficara apiedada e fora amável com ela, por isso Mary chegou a ser uma de suas damas de companhia. A mente de Elizabeth era cheia de imagens de um menino belo e solene, logo depois de um jovem sério e introvertido.
Elizabeth se esforçou para afastar o passado.
— Em que ano seu pai o reclamou e veio a Londres para buscá-lo?
Novamente aflorou o sorriso sarcástico.
— Faz sete anos. — O tom se fez menos grave e o olhar gélido abandonou seus olhos. — Como está Bess?
Ela sentiu que Dudley se enrijeceu e logo viu com a extremidade do olho, que a mão dele que apertava a espada. Roçou-lhe o braço.
— O moço já é um homem. — Disse com voz não muito baixa, com um tom áspero, mas seu coração sobressaltou fugazmente. — E também impertinente.
Ele se inclinou novamente, com a expressão indecifrável e sem mais traços de calor.
— Traduza. — Ela lhe ordenou, agora furiosa com ele, com seu pai assassino e consigo mesma.
— Shane O’Neill lhe pede perdão. — Disse bruscamente Liam, sem indicar emoção alguma. — Ele é filho legítimo de Bachach, enquanto o Matthew nasceu de um ferreiro casado com uma mulher de nome Allison e a respeito disso se cometeu muitos enganos. Matthew não tem e nunca o teve o direito de reclamar a sucessão,
mas justiça seja feita, esclarece que há somente um único herdeiro das terras em questão e o herdeiro legítimo é O’Neill.
Houve um momento de silêncio. Elizabeth baixou o olhar sobre Shane O’Neill, ainda estendido no piso de madeira, perguntando-se como se dirigir a ele e portanto a seu impávido filho.
— Matthew não morreu? — Perguntou embora já soubesse a resposta. Havia sido assassinado por Shane O’Neill.
Corriam também boatos que muitos primos de O’Neill haviam sido duvidosamente mortos, acidentalmente. A segunda das intrigas, que havia aprisionado o pobre Bachach, seu pai, para poder usurpar a chefia e as terras, e agora também Bachach tinha morrido.
— Sim. — Respondeu o filho. Não lhe deu explicações e em seus olhos não apareceu sequer uma ameaça de arrependimento.
De repente Shane se levantou. Elizabeth não se moveu, mas os três homens ao lado dela se sobressaltaram.
Elizabeth se concentrou em O’Neill. Tinha que lhe conceder a permissão, como ela e o Conselho tinham concordado.
Mas, em nome de Deus, como devia se dirigir a ele? Estava claro que havia se oporia ao título inglês de Conde, e ela não estava segura de ter que concedê-lo.
Ele se demonstrava claramente desdenhoso, claramente perigoso. Entretanto, tinha que obter um armistício.
Dudley se inclinou para ela.
— Não deve chamá-lo chefe O’Neill. E não deve insultá-lo.
Elizabeth apertou os dentes.
Cecil sussurrou: — E como não aceitará seu título devemos pensar em outra Condecoração, outro apelativo, algo que pense ser importante.
Elizabeth observou os dois homens que estavam a sua frente: o pai hirsuto e desordenado como um urso, notório assassino, violador e selvagem; o filho magro, dourado, parecido um Adônis. Shane estava rindo, com os olhos resplandecentes, e Liam a fitava sem maior expressão. Nesse momento notou que Liam estava vestido exatamente como o pai, com uma tosca capa e uma túnica, mas descalço. Lembrou-se de um menino de colete e calções, com sapato de couro, uma pluma vermelha que ondeava no chapéu, e se viu envolta por uma onda de piedade. Seus olhares se encontraram, o dele sarcástico, e ela sufocou a compaixão que podia sentir. Agora, sem dúvida ele era um selvagem como seu pai, certamente perigoso e pelo qual não terei que provar piedade.
Cecil disse em voz baixa: — O’Neill, o Grande. É certo que gostará.
— Difícil. — Rebateu, Ormond. — Não é muito diferente de chefe O’Neill.
— Não importa. — Se opôs Dudley. — Ele está aqui e obedeceu à rainha, há mais que obedecer ao prostrar-se diante dela.
Elizabeth sorriu para O’Neill.
— O’Neill, o Grande.— Disse em voz alta, consciente da surpresa das pessoas e do claro prazer de Shane. — Primo de St. Patrick e amigo da rainha da Inglaterra. Concedemos-lhe o perdão e o acolhemos calorosamente na cidade de Londres, lhe desejar que Deus o benza.
O sorriso de Shane desapareceu.
Sua sucessão à propriedade das terras dos O’Neill não havia sido reconhecida, e ele como todos os outros sabia muito bem.
A taberna era formada por um só ambiente fedorento e cheio de fumaça. Muitos corpos sujos eram amontoados no lugar noite após noite, ano após ano, e freqüentemente os clientes ébrios haviam feito suas necessidades, sem se preocupar de sair ou subir ao andar superior.
Agora o ambiente estava abarrotado como sempre, mas não tinha ficado nenhum inglês depois que a horda selvagem e espantosa de Shane havia chegado. Os irlandeses engoliam cerveja, jarra atrás de jarra, cantando vulgaridades ou vitórias, apalpando o traseiro das faxineiras que passavam.
Liam estava sentado sozinho em um canto, a observar de longe as celebrações. Ainda estava bebendo a primeira taça de cerveja e raramente se embriagava.
Não cantava e não sorria, seu olhar se deslocava sobre os rostos familiares que lotavam a taberna, como sempre, para pousar sobre o pai, como se o descobrisse por um motivo bem preciso.
Shane estava em pé e brindava à rainha covarde, sem coragem, falando traiçoeiramente e se alguma das criadas ou o proprietário contasse alguma coisa Shane poderia perfeitamente terminar a noite na Torre de Londres.
Nesse momento, com seus atos seu pai estava beirando o desastre e ele não importava. Era filho de Shane somente porque era fruto da violência feita a sua mãe e pelo fato que carregava nas veias sangue comum. E, embora sete anos antes ele pensasse que Shane era invencível, agora sabia que nenhum homem era imortal e um homem como Shane, que vivia de maneira tão perigosa brincava com a morte.
Sabia que não derramaria lágrimas no dia que o pai encontrasse o Criador, e mais, sabia que encontraria somente alívio.
Shane era todo sorriso enquanto o engolia a décima jarra da noite. A cerveja não fazia nada a ele, nada o afetava. Shane terminou sua bebida enquanto seus homens gargalhavam, estendeu uma mão e segurou uma das criadas que passava. A moça foi presa tão de surpresa que deixou cair à bandeja e todas as jarras que sustentava. Shane a postou sentada sobre seus joelhos, já com uma mão apertada como um grilhão em volta de sua cintura. A outra dentro do decote lhe tocava um seio. Seus homens estalaram em risadas ante a vista da carne nua.
Liam se enrijeceu. Em sua mente viu sua mãe, pálida, loira, amargurada e surpreendentemente bela como a última vez que a tinha visto, Quando o tinha dez anos e havia sido levado para longe, por um pai que nunca havia conhecido.
Apagou a imagem de sua mente e Observou seu pai e à criada, desejando que ela aceitasse Shane como faziam as moças irlandesas, com ânsia. Na Irlanda ele era um herói.
Mas a criada tinha uma expressão aterrorizada e se meneava sem sucesso, enquanto o Shane ria e espremia o mamilo. A jovem começou a chorar.
Liam se levantou.
Não tinha medo do pai, todavia o respeitava. Havia deixado de temê-lo há anos atrás. Obrigara-se a isso.
Abriu caminho através das mesas lotadas e Shane o viu se aproximar. Parou de acariciar a jovem, com os olhos brilhantes de expectativa. A moça também o viu e permaneceu completamente calada, com os olhos arregalados.
— Deixe-a ir. — Disse Liam.
Shane explodiu numa gargalhada fragorosa, afastando a moça de seus joelhos com tanta brutalidade que ela caiu.
O homem se levantou em toda sua grandeza e a jovem fugiu.
Liam se enrijeceu, se preparando para o inevitável. Nenhum homem, nem sequer o filho, podia desafiar O’Neill sem derramar o sangue como conseqüência. O punho carnudo de O’Neill se adiantou e Liam interrompeu o golpe, mas cambaleou para trás, com o tremendo impacto. Seu pai pesava cento e dez quilos e não tinha nem uma grama de gordura em seu maciço corpo. Ambos sabiam que Shane era bem mais forte, mas o que somente Liam sabia era que um dia a balança se inclinaria para o seu lado. Procurava maneira que assim fosse. E esperava com ânsia por esse dia.
Liam perdeu o equilíbrio. Recebeu o golpe seguinte do pai no ventre, dobrando-se em dois por causa da dor. Mas não gritou. Também havia aprendido a aceitar estoicamente a dor.
Outro punho o golpeou na maxilar e o jogou sobre uma mesa. Liam caiu pesadamente sobre a superfície de madeira, atirando no chão os cálices de cerveja e pratos de comida, enquanto o o sangue saía de sua boca.
Shane toureava em cima dele.
— Força moço, não tem ainda o suficiente? — O’Neill zombou dele. — Não saboreou ainda a amargura da derrota?
Liam se obrigou a sentar e logo depois lhe disse:
— Um dia, — disse em voz baixa, — te matarei.
Shane explodiu em risos.
— Deverá se apressar, se quer me mandar para o Criador.
Pai e filho trocaram olhares. Shane rindo, Liam sem expressão, salvo os olhos que gotejavam ódio.
Shane baixou o rosto coberto pela barba, para o do filho.
— É um fraco. — Grunhiu. — Lutar contra mim por uma mulher sem valor, uma rameira inglesa? Ela não significa nada! — Pensa me substituir como chefe dos O’Neill? Ah! Nenhum irlandês o proclamará nunca como seu chefe, não com esse escuro sangue inglês em suas veias! Não quero que você me substitua!
Liam não disse nada, limpando com a manga o sangue que lhe saía da boca. Mas as palavras brutais do pai tinha sido um golpe que não pôde deixar de receber.
Entretanto disse:
— Deixe a moça loira em paz. Essa morena está disponível: serviu nossos homens durante tudo o jantar.
— Covarde! Shane cuspiu. — Tomo o que quero, Quando o quero. Eu sou o chefe! — De repente ele lançou outro golpe de punho tão forte, que a cabeça de Liam explodiu de dor.
Quando o abriu os olhos estava no chão e luzes brilhantes dançavam diante dele. Os ruídos da taberna e gargalhadas de ébrios, canções e roucas conversas o envolviam. Lentamente se sentou, e logo se levantou. Seu pai estava jogando dados, com a rameira morena colada a ele. Não obstante o pulsar doloroso da cabeça, Liam sorriu tristemente. A faxineira havia escapado. Era uma pequena vitória, mas em todo caso, uma vitória.
Normandia, Janeiro 1571
Ela tinha sido esquecida.
Katherine sabia que não havia outra possível explicação ao fato de que a quase seis longos anos adoecia na abadia de St.Pierre. Sob seus joelhos o pavimento de pedra da capela era duro e frio como o gelo. Murmurava as preces que tinha na memória, enquanto o pensava que nenhuma das cartas que havia enviado ao pai em Munster tivera resposta, sequer uma. Desesperada, finalmente no verão anterior mandara uma missiva para sua Eleanor, sua madrasta. Também não tivera resposta.
Sentiu-se sufocar de medo e desespero. Era a de manhã, o início de um novo dia e embora estivesse rezando com as outras irmãs do convento, esse era o dia no qual a vida devia começar novamente. Esse era o dia em que ela devia usar toda a sua coragem: teria que enfrentar a abadessa, por sua situação.
Não tinha escolha. Tinha dezoito anos e estava cada dia mais velha. Já havia passado outro ano e em poucos meses teria dezenove anos. Não podia envelhecer encerrada no convento! Seriamente, não podia! Queria viver. Queria um marido, uma casa sua e filhos.
Agora, estava na idade da qual já devia ter tido dois ou três filhos roliços que caminhasse ao redor de suas saias. Oh, Deus! Como puderam esquecer sua existência?
Seis anos antes estava cegada pela dor para se preocupar, Quando o Eleanor lhe sugerira, não, insistira que fosse para o convento.
Sua família estava à deriva, depois de ter suportado tremendas perdas na batalha de Affane, em pátria, na Irlanda meridional. Trezentos dos soldados mais fiéis de seu pai haviam sido massacrados pelas forças de Tom Butler, o Conde de Ormond, na margem do rio Blackwater e seu pai fora ferido e capturado pelo mesmo.
Mas Katherine havia sofrido bem mais que pela derrota dos seus e a captura do pai. Em efeito, nesse dia tinha perdido seu noivo. Hugh Barry havia sido ferido mortalmente na terrível derrota.
Katherine era prometida a ele desde o berço. Os Barry eram parentes e ela e Hugh haviam crescido juntos, visto que o rapaz possuía só um ano a mais que ela. Ele tinha sido seu amigo da infância, seu confidente; havia lhe dado seu primeiro beijo.
Sua morte destruíra seus sonhos e também seu futuro.
Aturdida pela dor obedecera a sua madrasta, agradecida de poder refugiar-se em um longínquo convento antes que pudessem lhe arrumar um casamento. Perder Hugh fora particularmente doloroso para ela, porque no ano anterior em Affane sua mãe tinha morrido. O Conde de Desmond era o terceiro marido de Joan FitzGerald e Katherine sua única filha. Mãe e filha eram muito unidas e Katherine sentia muito sua ausência.
Mas havia pensado que logos acertado outro casamento, que passaria um ou dois anos em um convento e que se casaria, segundo o plano, no dia de seu aniversário.
Entretanto, Eleanor havia lhe escrito uma só vez, no final do primeiro ano, explicando que se encontrara com o Conde e o mesmo era prisioneiro na Torre de Londres, a espera do perdão da rainha. Nos cinco intermináveis anos que haviam se seguido, não recebera nenhuma só palavra, nem de seu pai e nem da madrasta.
E a verdade era que tinha medo.
As preces terminaram. Katherine fez o sinal da cruz e murmurou: — Amem. — antes de se levantar.
Permaneceu atrás, permitindo às outras Mademoiselles em precedê-la na fila. Eram todas aristocratas como ela. Algumas eram viúvas, outras muito pobres para se casar ou eram a filha de sobra que a família não podia manter.
A seda e o brocado rangiam enquanto o as mulheres deixavam a capela. Fora fazia um frio imenso e Katherine se apertou na capa desgastada, com bordas de pele. Deteve-se no pátio enquanto o as damas entravam no refeitório, onde era servido pão fresco, tortas quentes, carne e queijo, cerveja e vinho.
— Está decidida?
Katherine se voltou trêmula, mais pelos nervos que pelo frio e encontrou sua querida amiga e confidente Juliet, que devia ter deixado o convento em fevereiro, apesar do mau tempo porque seu tutor lhe tinha ordenado voltar para casa na Cornualha.
— Sim.
Juliet, surpreendentemente clara de pele, mas escura de cabelos, com uma boca plena e carnuda, fitou Katherine diretamente nos olhos.
— Desta vez, certamente a abadessa te dará a permissão para que vá. Como pode se recusar outra vez?
O coração de Katherine pulsou forte. Segurou a mão de Juliet.
— Tenho medo que ela rechace novamente minha súplica. — Admitiu. Katherine já havia se dirigido à abadessa duas vezes lhe pedindo permissão de voltar para casa. A abadessa negara explicando que não só Katherine não tinha a permissão de seu pai, mas também não dispunha sequer de uma escolta.
Juliet sorriu.
— Não seria maravilhoso viajarmos juntas? Oh, como espero que a abadessa ouça seu rogo e julgue com justiça!
Katherine se sobressaltou. Estava absolutamente desesperada, e não esperançada. Embora a abadessa fosse gentil e bem intencionada, e geralmente de bom caráter, era firme e decidida como tinha que ser para dirigir um convento cheio de Mademoiselles confiadas a seus cuidados, por famílias ricas e poderosas. Mas Katherine nunca estivera tão decidida.
Tinha que convencer à abadessa que ela devia voltar para casa mesmo sem a permissão de seu pai. Preparou um bom discurso. Era 1571. Um ano novo, hora de começar novamente.
As duas jovens atravessaram o pátio, Katherine muito preocupada para falar e até para notar o frio invernal intenso, enquanto Juliet se declarava quão feliz estava de voltar finalmente para casa em Thurlstone.
O refeitório ressoava com risos felizes e bom humor e as Mademoiselles desfrutavam a primeira refeição do dia. As jóias de seus anéis faiscavam enquanto o gesticulavam uma com a outra. As criadas, muitas das quais haviam chegado junto com suas damas serviam-nas de modo que não tinham que se levantar da mesa por qualquer razão.
Lady Montaignier, a Condessa do Sul-Rigaud tinha a seus pés quatro filhotes ansiosos, cheios de expectativas, cujas cabeças frisadas estavam adornadas por broches de rubi em forma de pequenas coleiras.
Em efeito estavam tão bem vestidas, cheias de jóias e bem servidas, que um visitante não saberia se tratar de uma abadia pensaria estar em um salão de uma casa nobre.
Katherine era uma das estranhas exceções. Seus vestidos eram velhos e muito remendados. Nunca tivera mais nada desde seu décimo quinto aniversário, o ano em que os recursos com os quais havia chegado, acabaram.
Novamente o medo se apoderou dela. A abadessa havia sido ricamente paga no momento de sua chegada seis anos antes, e tinha esperado que chegassem mais recursos necessários para a manutenção de Katherine. Acabado o dinheiro, a abadessa escrevera ao pai de Katherine, mas seu pedido de dinheiro tinha sido ignorado. O Conde não se dera ao trabalho de responder a carta e os outros pedidos foram ignorados.
Por sorte, a abadessa havia generosamente concedido à jovem permanecer no convento, apesar de não ter um sustento financeiro.
Seu estômago se contraiu. Cada vez que pensava que o pai não havia mais se comunicado com a abadessa pela questão de sua manutenção, se sentia terrivelmente desiludida.
Conhecendo o pai, pensou que ele novamente estaria em guerra com os Butler.
Gerald não permitiria nunca que o desastre de Affane ficasse impune e, portanto estava demais preocupado para pensar em sua única filha. Talvez fosse culpa de Eleanor se ele a ignorar. Possuía somente alguns anos a mais que Katherine, era muito bela e calorosa. Adorava-a, mas especialmente ela não gostava de Katherine.
Sua inquietação aumentou. Sabia que seu pai não ficaria contente em vê-la Quando o chegasse a Askeaton Castle sem ser convidada e nem esperada. Talvez ficasse zangado se Eleanor lhe tivesse sussurrado alguma coisa ao ouvido. Entretanto, ela estava disposta a desafiar sua fúria, com intuito de tornar realidade seus sonhos. Mas antes devia convencer a abadessa a autorizá-la a abandonar o convento sem a permissão de seu pai. Era uma façanha monumental.
Terminada a refeição, Katherine e Juliet trocaram olhares perspicazes e se separaram.
Katherine não se dirigiu para o dormitório, mas para o escritório da abadessa. Sua ânsia cresceu ante o encontro que teria dali a pouco, a aposta em jogo era muito alta e sabia que não podia perder. De fato podia permanecer mais na abadia, seriamente, não podia. A vida estava lhe escapando; e era absolutamente injusto e não era possível que fosse seu destino.
Seu destino devia ser muito distinto.
O rosto corado da abadessa demonstrou preocupação e interesse.
— Quer voltar para casa. — Ela suspirou.
Katherine estava em pé diante da mela mês de mogno, atrás da estava sentada a Madre superiora.
— Não posso permanecer aqui. Não sou adequada para esta vida. Devo voltar para casa, recordar a meu pai que existo. Certamente ante isso, meu pai me arrumará um casamento. — Seu olhar era direto, mas suplicante. Madre, eu sempre desejei um marido, uma casa e muitos filhos. Já tenho dezoito anos. Em poucos anos nenhum homem me quererá.
A abadessa duvidava. Katherine era uma jovem de extraordinária beleza, apesar de ser de estatura alta, rosto perfeitamente oval, belos traços, surpreendentes olhos verdes e cabelos vermelhos. A mulher se levantou, a cor lhe voltava as bochechas. Estava em um dilema, um terrível dilema. Estudou à moça.
— Minha querida, acredite-me que ainda tem alguns anos mais antes de chegar a ser velha e enrugada.
Katherine tentou protestar.
A abadessa levantou uma mão, interrompendo-a.
— Sou perfeitamente consciente de que não é adequada para esta vida. Sei desde o primeiro dia que chegou, uma caprichosa selvagem de treze anos. Não tenho dúvidas que será uma excelente esposa. A natureza, claramente te dotou para procriar muitos filhos sadios. Mas o que me pede é impossível. Enviá-la para casa sem a permissão de seu pai? Não posso! — Mas já enquanto o falava um sentimento de culpa abria caminho dentro dela, porque sabia que Katherine nunca receberia de seu pai a permissão para voltar para casa. E sabia muito bem, inclusive o que esperava Katherine: por isso se sentia terrivelmente incômoda.
Katherine umedeceu os lábios e Quando o falou seu tom de voz era tenso.
— Não me entenda mal. Estou muito agradecida pela caridade que me concedeu permitindo que permanecesse aqui. Sou infeliz aqui, mas tem toda minha gratidão. Você foi sempre muito gentil comigo.
A abadessa se sobressaltou, mas Katherine não pareceu notar.
— Há outra razão pela qual desejo voltar para a Irlanda. — Continuou a moça em tom premente. — Temo que tenha acontecido alguma coisa. Como é possível que meu pai possa ter se esquecido de lhe enviar o dinheiro para minha manutenção? Não tem sentido. Devo voltar. Suplico-lhe, Madre. Para saber como fui esquecida dessa maneira. Não posso permanecer aqui. Talvez, meu pai necessite de mim. Ou talvez esteja verdadeiramente ocupado para pensar em mim.
A abadessa provou uma pontada de compaixão pela jovem sob sua responsabilidade e gentilmente disse:
— Se seu pai tivesse precisado de ti teria mandado lhe chamar, minha querida.
A mulher não sabia o que mais adicionar, nem que coisa fazer, enquanto o debulhava o rosário, preocupada. Se alguma vez houvesse um momento para dizer a verdade a Katherine era agora, entretanto, ela havia aceitado enganá-la, pela paz e a serenidade da mente da jovem.
A superiora não tivera outra escolha, para que Katherine terminasse na rua, pobre e desprotegida.
Havia sido um engano antes e era agora, lhe esconder os fatos.
Mas nesse momento, com maior razão, ela não ousava lhe dizer a verdade. O medo a impedia. O medo e uma estranha e maior sensação que neste caso se tratasse de uma obra do destino.
— Estou aqui há cinco anos e meio. — Implorou Katherine. — Não sabia Quando o cheguei, que não seriam enviada para casa depois de um ou dois anos. Por favor, devo ir. Sei que uma vez que esteja em casa tudo irá bem, que meu pai imediatamente procurará acertar para minha situação. — Seu olhar encontrou o da abadessa,
— Posso voltar com Juliet. Não haverá outra oportunidade igual.
A abadessa olhou a essa jovem bela e inteligente.
— Aconselharia a maior parte de minhas moças a confiar em Deus. — A Madre respondeu lentamente. — E elas me obedeceriam. Você não.
— Não posso obedecê-la. — Respondeu em voz baixa Katherine. — Não se me ordene permanecer aqui.
E a superiora tomou sua decisão.
Não porque Katherine tinha sido tão infeliz por tantos anos e porque sofria em ver uma de suas moças tão infeliz. Nem porque havia uma mulher que se merecia viver no mundo era precisamente essa moça. Era porque sabia muito bem o que pretendia dizer Katherine. Conhecia-a muito bem. Se lhe negasse a permissão para ir, a jovem fugiria e só a idéia a consumia em um atroz pânico.
Uma mulher comKatherine que viajasse sozinha e sem escolta... Bom Deus! Terminaria maltratada, inclusive poderia chegar a ser uma concubina em um harém de algum turco. Seus olhares permaneceram fixos por um instante. Estava claro que Katherine não aceitaria um não como resposta. E então esse era modo mais seguro.
Suspirou
— Deixarei você ir, Katherine. Mas devo te advertir. O mundo lá fora não é como parece. É possível que volte para casa só para se profundamente desiludida. Inclusive seu pai possa fazer com que volte aqui.
— Oh, Madre, obrigado! Katherine estava sorrindo profusamente, ignorando à sutil e velada advertência. — Obrigado por sua preocupação, mas ele não me mandará de volta. Prometo! Em um impulso abraçou à abadessa.
— Muito bem. — Concluiu a mulher.
Radiante Katherine lhe agradeceu novamente.
Depois que ela saiu, a abadessa voltou para sua mesa, pegou uma pena de ganso e molhou-a no tinteiro. Não sorria mais e seu rosto estava sulcado pela preocupação. Havia sido muito indulgente. Deveria ter rechaçado a permissão. Entretanto, Katherine teria fugido e ela não podia permitir tal coisa. O convento não era uma prisão e o mundo lá fora não era certamente um lugar seguro.
A mulher tremia.
Não era muito tarde para revelar a Katherine parte da verdade ou inclusive toda. Salvo que… Ela não se atrevia. Como uma marionete suspensa pelos fios devia obedecer a seus patrões. E confiar em um destino superior. Ela se inclinou sobre o pergaminho e com muito cuidado começou a escrever explicando com grande detalhe o que recentemente havia ocorrido e do que Katherine estava a fazer.
O tutor de Juliet tinha enviado seis homens para escoltá-la até sua casa. Junto aos homens enviou uma breve carta na qual Richard Hixley expressava com certa irritação o fato de Katherine viajar com sua sobrinha.
Katherine não demorou a entender o porquê. Juliet era uma rica herdeira inglesa e ela não era mais que uma irlandesa. Não era a primeira vez que tropeçava no esnobismo dos ingleses; alguns deles consideravam os irlandeses somente uma raça de selvagens.
Não importava.
O que contava era que finalmente voltaria para casa, e no último mês o tempo passou em um ritmo muito lento. Katherine já não aguentava mais o desejo de ver o fértil solo da Irlanda meridional e ansiava muito voltar para casa, para o Castelo de Askeaton, uma sólida fortaleza de pedra construída na Idade Média e situada em uma ilha do rio Deel.
O convento ficava a menos de uma hora de viagem de Cherbourg, onde as esperava a pequeno navio que atravessaria o canal da Mancha. O caminho para Cherbourg não estava bem conservado e as horas se arrastavam lentamente. Mas por volta de meio-dia a monotonia da breve viagem foi interrompida. Uma companhia de atores itinerantes passou ao lado delas. Um dos homens era moreno e atraente, e bastante audaz e descarado. Não teve mais olhos que para Katherine. Desejava conhecê-la e não parecia estar disposto a aceitar um não como resposta.
Katherine tentou ignorá-lo, mas se sentia adulada e divertida pelo interesse por ela. Finalmente ele, manifestando dor e mostrando claramente seu talento de ator tirou o chapéu com plumas, e instigara a sua companhia a prosseguir.
As moças e sua escolta chegaram ao porto e subiram rapidamente a bordo do navio. O homem responsável pelo grupo, sir William Redwood, aconselhou-as a permanecer no interior do camarote durante todo o tempo da breve travessia da Mancha.
Informou-lhes que zarpariam com as primeiras luzes da alvorada da manhã seguinte e chegariam em Dover se os ventos eram favoráveis, antes da noite ou à alvorada do dia seguinte. Juliet lhe agradeceu com cortesia e logo foram deixadas sozinhas no camarote.
Katherine se dirigiu para a minúscula janela e fitou a água escura da baía. O crepúsculo estava descendo sobre o porto e uma estrela brilhava trêmula. Estremeceu com alívio. A casa. Antes era um sonho e logo seria uma realidade.
Estava para iniciar uma nova vida e lhe custava esperar o feliz futuro que certamente obteria.
Katherine estava profundamente adormecida, mas se sobressaltou com um grito. Estava sonhando os verdes prados de Munster. Hugh estava vivo e ela era uma jovem esposa. Moveu a cabeça, para se liberar do tolo sonho notando a luz resplandecente do sol que filtrava através da única abertura na parede do camarote. A julgar pelo resplendor, a alvorada devia ter passado a um bom pouco, mas nem ela e nem Juliet estavam acordadas, e não se deram conta.
Katherine estava perplexa e vagamente incômoda. Por que havia se despertado tão angustiada? E o que era o estranho barulho que ouvia sobre sua cabeça?
Logo, ouviu um ruído que nunca havia ouvido em sua vida. Um estrondo ensurdecedor. Ninguém nunca havia lhe nunca do que se tratava, mas ela compreendeu imediatamente. Era um canhão.
Seu coração pareceu parar. Rogou a Jesus, a Deus e a Virgem, de estar ainda adormecida, ainda presa do sonho. Mas depois ressoou outro golpe, ainda mais perto e mais estrepitoso que o anterior e ela entendeu... Bom Deus, não era um sonho.
Oh, Deus, estavam lhes atacando!
— Juliet! — Precipitou-se para a janela enquanto Juliet saltava, mas não conseguiu ver nada mais que um incrível sol de inverno brilhar sobre o mar cinza, calmo e infinito. Se pudesse ter um dia perfeito era esse.
Retumbou outro golpe e desta vez Katherine ouviu o ruído de madeira que se destroçava, antes de tapar os ouvidos. Parecia que um mastro enorme havia caído sobre a ponte.
— Estão nos atacando! Gritou Katherine voltando-se para Juliet que estava sentada em seu beliche, imóvel e pálida como a morte.
— Quem? — Gritou Juliet. — Quem poderia atacar este navio?
A mente um pouco obscurecida de Katherine entrou em foco.
Juliet era uma rica herdeira e ela a filha do Conde de Desmond. Oh, Deus. Os piratas infestavam as águas do Canal da Mancha, como também as da França, Espanha e além da Inglaterra e Irlanda.
Depredavam qualquer carga, inclusive humana.
— Oh, Deus. Tenha piedade de nós. — Murmurou Katherine
Juliet se levantou e se dirigiu à janela.
— Katherine?
Katherine não podia falar. E da ponte superior ouvia os homens gritar em poder do pânico e a palavra era: — Piratas!
— Não se vê nada! Gritou Juliet, olhando por sobre o ombro de Katherine.
Logo outra explosão induziu às moças a se abraçar enquanto o o navio saltava como um cavalo enlouquecido. Caíram juntas sobre o piso, rolando. Os homens estavam gritando e algo de imenso e duro estrelou contra a ponte, precisamente sobre suas cabeças. O navio gemeu como se fosse um ser vivo atacado de uma grande dor.
Agora os mosquetes disparavam e Katherine sentiu o aroma acre da pólvora. Rogou que fosse a tripulação a disparar, para defender o navio dos assaltantes.
Logo se deu conta que um homem estava gritando: — Disparem na proa! Disparem na proa! E logo o grito foi apagado por uma dúzia de outros gritos.
Katherine e Juliet se abraçaram pálidas de susto.
— O que faremos? — Sussurrou Juliet.
Katherine se esforçou para pensar, apesar do medo denso e paralisante.
— Devemos permanecer aqui embaixo. Com a porta trancada. — Ela se viu invadida por imagens de piratas sujos e selvagens que desciam em uma horda frenética para assaltá-la. Sentiu-se desvanecer.
— Mas… E se o navio afundar? Afogaremo-nos! E se estivesse afundando neste momento?
Nesse momento, Katherine se deu conta que em todo caso, neste momento estavam em um grave perigo. Se o navio afundasse e elas permanecessem embaixo, se afogariam. Se subissem em busca de sir William e dos outros podiam muito bem morrer como certamente já estavam morrendo os homens. E se o navio fosse capturado… Katherine não queria pensar.
Não devia pensar, pois de outro modo perderia o fragilíssimo controle que tinha sobre si, rendendo-se ao terror cego.
Devia permanecer calma.
— Não estamos afundando. — Observou Katherine com o tom de voz o mais normal possível. — Se assim fosse ouviríamos os homens gritar aterrorizados.
— Sim, tem razão. — Concordou Juliet, cujas unhas afundavam na mão de Katherine, mesmo através da manga da camisola.
— O navio endireitou.
Katherine se levantou, e com as pernas entreabertas tentou manter o equilíbrio contra qualquer possível balanço.
— Permaneceremos aqui embaixo. — Decidiu Katherine, enquanto Juliet também se levantava.
— Até que não aconteça algo que nos faça pensar que o navio está nas mãos dos rivais. Então subiremos. Juntas. Não antes.
Juliet assentiu, sem adicionar uma palavra, tomando a mão da amiga.
Katherine respirou profundo esforçando-se para aparecer calma. Depois se voltou para a janela e ficou petrificada. Em seu campo visual tinha aparecido um navio, um grande galeão negro, com as imensas velas brancas que ondulavam ao vento e os canhões negros brilhantes à luz do sol, investia para eles. Nunca tinha visto algo tão ameaçador e letal.
Enquanto Katherine observava, ele se aproximava sempre mais.
Juliet também viu o navio dos piratas e se sobressaltou.
As duas moças permaneceram na janela, incapaz de se mover, paralisadas pelo terror, inutilmente tentando expulsar o pânico, ouvindo as explosões que estavam rasgando o navio. Explosões que se escutavam com crescente freqüência. A embarcação tinha começado a se inclinar à direita. O caos reinava na ponte acima e a batalha parecia continuar até o infinito. O tempo parou.
Depois, de repente o estrondo cessou.
Katherine e Juliet estavam com as mãos estreitamente coladas.
Nesse momento levantaram outros gritos de triunfo e o navio se inclinou pesadamente, como se fosse empurrado por algo, logo se ouviu o entrechocar terrível de espadas.
— Abordaram-nos. — Gritou Katherine, alterada pelo medo. — Abordaram-nos!
Juliet soluçou levando a mão à boca.
Katherine apenas engoliu em seco.
— Juliet… Sabe o que nos acontecerá agora.
Os olhos de Juliet se encheram de lágrimas.
— Mas depois… Vão nos resgatar.
— Quer viver sem virtude?
Juliet respirou fundo.
— Não sei, Katherine. Tenho só quinze anos. Só sei que não quero morrer.
Katherine tratando de sabia que não queria morrer, mas tinha ouvira lendas e boatos e imaginava se dali a poucas horas, ela e Juliet desejariam estar mortas.
— Não temos armas. — Observou em tom surpreendentemente calmo, fechando por um instante os olhos.
— Não podemos nos opor aos piratas. — Respondeu Juliet.
— Nos opor, não. — Rebateu Katherine olhando a amiga. — Mas podemos pôr fim a nossa vida.
Seus olhares se encontraram e as moças já não falaram mais. Não havia nada a dizer. Mesmo se tivessem encontrado a coragem de se matar antes que os piratas saqueassem o navio e as capturassem, não tinham os meios para tanto. Não podiam fazer nada, mais que ser valentes e esperar seu destino.
Começou uma hora depois.
Alguém tentou forçar a porta do camarote para abri-la. Quando o viu que não conseguia gritou em uma língua estrangeira. Katherine e Juliet não falaram, nem se moveram e continham a respiração por medo de serem descobertas. O intruso se afastou.
As moças agora estavam vestidas e se dado conta de não ter nenhum desejo de ser capturadas, de camisolas. Juliet se dirigiu à amiga.
— Estava falando em gaélico. Poderia ser irlandês? Ou escocês?
— Não estou segura. — Respondeu Katherine indecisa. De repente seus olhos se encheram de lágrimas.
— Se pensa que se forem irlandeses nos perdoem a vida, porque eu também sou, equivoca-se. Os piratas não são leais a ninguém Juliet, só a si mesmos. Você sabe disso.
— Sshh! Estão retornando.
As moças se paralisaram, uma nos braços da outra, enquanto o os homens conversavam fora da porta. Logo a porta foi golpeada e a madeira se fez em pedaços. O fio de uma tocha apareceu através das lascas.
Katherine apertou Juliet contra si. Era maior que a amiga e por alguma razão se sentia responsável por ela. Protegeria Juliet se conseguisse. Mas seus joelhos cediam e as pernas lhe tremiam terrivelmente.
Uma mão apareceu entre a madeira e o ferrolho foi afastado para o lado.
A porta se abriu e dois marinheiros com calças negras e túnicas simples entraram no camarote. Eram homens imensos, com espadas e adagas, e estavam com as armas e a roupa manchados de sangue.
Os piratas se detiveram, se imobilizaram surpresos em ver as jovens. Depois se olharam. Um deles, corpulento e calvo, deu um passo adiante observandoo alternativamente Katherine e Juliet. Katherine ficou na frente de Juliet: ela e o pirata se olharam fixamente nos olhos. Katherine estava tensa e esperava seu luxurioso assalto. Mas não foi assim.
O homem se limitou a falar com o outro pirata e o fez em gaélico. E Katherine compreendeu, enquanto Juliet não.
Ele disse: — Vamos levá-las para o capitão. Ele ficará contente.
Katherine estava com o coração pulsando loucamente na garganta.
— Quem é seu capitão? Perguntou com falsa coragem.
— Exijo vê-lo imediatamente.
Se o marinheiro ficou surpreso que ela tivesse entendido o gaélico, ela também não demonstrou.
— Não tenha pressa moça. O capitão espera vê-la.
Katherine pegou Juliet pela mão, esperando lhe induzir coragem para enfrentar a dura prova que as esperava, mas os piratas as afastaram levando cada um uma moça. Katherine gritou lutando para se liberar de seu sequestrador, mas ele a bloqueou com firmeza, e a empurrou para o estreito corredor até a escada, com Juliet que os seguia, junto ao outro homem.
Katherine gemeu Quando o saíram à ponte. Tudo estava falsamente tranqüilo, mas havia piratas por todos os lados, que vestidos com calças curtas, brandiam suas longas espadas. Notou que todos os homens da tripulação francesa estavam acorrentados e que vários estavam feridos, talvez até seriamente.
Também sir William e seus homens estavam algemados ou vigiados. Sir William parecia estar ileso e furioso, mas seus olhos se encheram de alívio Quando o viu que as moças não haviam sido tocadas.
Katherine fez seu olhar percorrer a ponte. Parte da popa estava trincada pelo fogo e a ponte de madeira chamuscada e suja de fuligem, enquanto o a fumaça ainda se elevava no ar. Também algumas partes do parapeito estavam queimadas. Um dos mastros estava destroçado em dois e jazia como uma imensa árvore quebrada no meio da ponte e os grandes tecidos das velas formavam pilhas infladas. Quando o visualizou a ponte de proa, o notou.
Sem que ninguém dissesse soube que ele era o chefe dos piratas.
Katherine o fitou. Seu coração pulsava tresloucadamente. Ele estava em pé no castelo, com calça clara e botas, com uma camisa larga de linho branco com os cordões soltos que ondeavam ao redor dele. Era um homem Maciço, bem mais alto que ela. Com ombros largos, cintura estreita, pernas longas e fortes. Possuía os cabelos dourados e curtos, que resplandeciam mais que o sol. Estava com uma mão sobre a espada embainhada e permanecia agilmente em equilíbrio cavalgando o navio, como este cavalgava as ondas lá abaixo. Controlava a ponte sob ele como se estivesse controlando seu próprio reino.
Katherine sentiu o poder e viu sua arrogância e o odiou por tudo o que lhe tinha feito e o que estava por fazer. Logo sentiu que ele também estava controlando-a.
Através da ponte calcinada, seus olhos frios e interrogativos encontraram os dela. Katherine sentiu frio. Nunca em sua vida havia se sentido tão vulnerável. Ele a fitava e entre eles se criou liga invisível, como se um potente fio enrolasse ao redor deles, sempre mais apertado. Katherine reteve o fôlego.
O homem mostrou um lento sorriso. E ela se sentiu como uma pobre lebre presa à terra e ele um falcão que revoava lentamente no alto, preparando-se para matá-la.
Katherine se plantou sobre os pés Quando o o marinheiro a empurrou bruscamente para adiante, para ele, lhe fazendo atravessar a ponte.
— Não. — Protestou com pânico puro, que apagava qualquer demonstração de coragem que poderia ter manifestado. Pânico e medo, puro.
O pirata dourado a observou, já sem sorrir.
— Não. — Gritou novamente Katherine, sobressaltando-se como uma mula.
Com uma leve inclinação da cabeça dourada, o pirata fez gesto ao marinheiro e o homem a empurrou acima dos degraus da ponte onde se encontrava o capitão.
O navio estava ondeando e Katherine se sentia débil, não só pelo terror, mas também pela difícil prova de suportar a longa batalha; Quando o o marinheiro a soltou, seus joelhos cederam e ela caiu sobre a ponte aos pés do pirata.
Katherine se segurou às pranchas de madeira do pavimento desejando se levantar, mas seu corpo se recusava obedecê-la e não pôde fazer outra coisa que levantar os olhos.
Ele a fitou de sua altura incrível. O vento levantava um curto cacho do cabelo dourado do rosto surpreendente, revelando as maçãs altas, destacadas e distinguidas do rosto e, uma maxilar forte e decidida e um nariz bem desenhado. O vento não cessava lhe esvoaçando a camisa larga contra o corpo. Os cordões abertos permitiam mostrar uma parte de seu amplo e bronzeado peito, enquanto o o fino tecido lhe delineava o tórax em todo o seu tamanho, o estômago plano e os quadris estreitos. A camisa ondulante revelou também a consistência de seu membro entre as pernas.
Katherine respirou com dificuldade esperando que ele fosse um desses dandys que usavam armadura, uma proteção, de outra maneira a mataria Quando o a violentasse.
Os olhos cinza e brilhantes encontraram os seus e Katherine não pôde afastar o olhar.
— Sou Liam O’Neill.— Disse sorrindo satisfeito. — O capitão deste navio.
Katherine não conseguiu responder, não pôde afastar os olhos dos seus.
Algo começou a dissolver nos olhos dele: seu sorriso aumentou, mas estava bem longe de ser tranqüilizador.
— O que é que capturei? Um trofeu muito bonito. Um verdadeiro tesouro. Parece uma jóia entre tanto chumbo. — Venha, minha querida. Venha.
Antes que Katherine pudesse reagir, o pirata de ouro estava inclinado sobre ela e com uma mão de aço a levantou. Seus olhares se encontraram e nos dele brilhou a satisfação.
De repente Katherine voltou em si e se soltou de seu braço, mas inutilmente porque não conseguiu se soltar. Ele sorriu e seus dentes brancos brilharam.
— Tire as mãos de cima de mim! — Gritou Katherine, enquanto o no tom de sua voz crescia o histerismo.
Os olhos cinza se encheram de surpresa, rapidamente seguida pela diversão.
— Como queira, Mademoiselle.
No instante em que ficou livre, ela retrocedeu afastando-se dele e esfregou a mão, sem afastar os olhos dos dele. Ele a fitava em preguiçosa expectativa: estava tremendamente seguro de si. Katherine se deu conta que estava visivelmente tremendo.
Como poderia esse homem não estar seguro de sua vitória?
Era o capitão dos piratas, o rei dessa horda de ladrões e ela era a impotente prisioneira.
Olhou para a direita, para as ondas cinza e frias do mar de inverno.
— Não há como fugir, Mademoiselle. — Disse devagar o pirata. — Desde que não queira morrer.
O pensamento estava precisamente lhe vindo à mente, mas ele se deu conta imediatamente, então Quando o Katherine se voltou com a intenção de se jogar na tumba de água, ele saltou e a atraiu por trás contra o corpo musculoso e a envolveu em um abraço.
Ela gritou impotente, aterrorizada e furiosa, lutando desesperadamente para fugir . O aperto de aço não fez mais que alimentar sua raiva e a aumentar seus vãos esforços de resistência. De repente, sentiu-se tão fraca pelo cansaço que acreditou se deprimir em seus braços.
Finalmente o homem se aborreceu e a estreitou mais forte e ela se viu obrigada a permanecer absolutamente quieta.
— Melhor assim. — Ele sussurrou contra seu pescoço e ouvido. — Não posso lhe permitir fugir, Mademoiselle. Verdadeiramente só conseguiu estimular meu apetite.
Katherine estremeceu. Ele a teria violado imediatamente na ponte, diante de todos?
— Por favor.
— Por favor? Ele ainda a estreitava forte sua da cintura. Quando o falou a boca lhe roçou o pescoço e lhe pareceu que se acenderam centelhas de desagradáveis sensações. O corpo dele comprimido contra o seu era quente, muito duro. Katherine nunca havia estado assim com um homem: era chocante e atemorizante. Tinha dificuldade para respirar.
— Por favor, deixe-me ir. — Era muito consciente da virilidade dele.
Ele a girou para lhe fitar o rosto.
— Vamos, minha querida. Não tenho nenhuma intenção de lhe fazer mal. Não tenha medo.
Katherine retirou o braço do dele, mas de repente se sentiu tranqüila e demonstrou em sua expressão.
Ele fez uma careta.
— Não me entendeu bem. Não te farei mal, mas não pensará em me dissuadir dos prazeres de seu corpo, certo? Nunca ouviu dizer que tudo se justifica no amor e na guerra? Não entende que o troféu é dos vencedores e que você é o melhor tesouro que eu tenha encontrado em algum um tempo por estas bandas?
Katherine permaneceu imóvel.
— Isto não é amor.
Ele fez uma breve pausa, apenas distinguível.
— Não.
— E atacar um pequeno navio como este não é uma guerra. É pirataria. É agressão selvagem. — Gritou Katherine.
O olhar dele se obscureceu, mas seus dentes brancos brilharam novamente.
— Mas eu sou um selvagem, minha bela Mademoiselle, e o jogo de palavras, por mais divertido não me podem se afastar de seu encanto e de meus planos perversos.
Katherine ficou tensa, enquanto o a raiva violenta se misturava ao medo.
— Como é possível discutir com um selvagem?
— Um empreendimento difícil. — concordou ele.
— Deve me deixar ir. Meu pai…
Ele a interrompeu. — Não.
Katherine fitou os olhos frios e cinza e se deu conta de que não conseguiria dissuadir o homem de seus propósitos. O ódio penetrou nela. — Maldito!
A reação dele foi uma amostra dos dentes brancos e uma gargalhada.
— Dos lábios de uma freira?
— Você se elege Deus de minha vida! Ela chiou furiosa
— Eu só pretendo levá-la à cama, Mademoiselle. Não matá-la.
— É a mesma coisa.
O olhar dele se tornou pensativo.
— Quer se matar antes de se deitar comigo? Ou talvez depois?
Ela deu uma olhada para o mar. Sabia que não tinha coragem para tanto, mas mentiu. — Sim.
— O suicídio é um pecado mais grave que fornicar. — Seu olhar a gelou.
— Então talvez no final sinta remorso.
O pirata lhe levantou o queixo.
— Como é tola. Não permitirei que se suicide. Demonstrarei quão tola é.
— Não. — Respondeu Katherine sacudindo a cabeça. — Não. Não há nada que possa fazer para me convencer a me deitar com você.
Ele deixou fugir um lento e claro sorriso e por um instante não disse nada.
— Amanhã de manhã, Katherine, você sussurrará palavras de amor doces e eternas em meus ouvidos, me suplicando que não abandone seu leito.
Katherine gemeu: incrédula só podia olhar fixamente para o atraente rosto arrogante.
Liam se voltou para o pirara grande e calvo que a tinha acompanhado.
— Escolte as Mademoiselles ao Sea Dagger, MacGregor. E se faltar um só cabelo de suas cabeças, você pirata calvo terminará no mar sem discussões.
— Sim, capitão.— Respondeu MacGregor, aparentemente imperturbável frente à ameaça.
Quando o o corpulento marinheiro a pegou pelo braço e a escoltou através do navio de guerra enganchada ao mercante, Katherine se sentiu aliviada. O primeiro confronto havia terminado, não havia sido violada e até o momento havia sobrevivido.
Mas ele deixara bem claro suas intenções.
Ela seria transportada para o navio dos piratas e em certo ponto da noite ele a levaria para a cama. Tinha obtido somente uma pequena prorrogação.
Mas uma pequena prorrogação era melhor que nada. Katherine estava com menos medo: certamente se fosse inteligente conseguiria fugir de um destino bem pior que a morte.
MacGregor deixou Juliet e Katherine a sós no camarote do capitão. Katherine estava surpresa e Juliet aterrorizada.
Era essa a alcova de um pirata?
O camarote era todo revestido de madeira de teca. Dezenas de tapetes cobriam em grande parte o piso de tábuas de carvalho polido. Sob uma das cinco janelas havia uma meia dúzia gigantescas almofadas turcas, bordadas e com orlas. Um pequeno sofá acolchoado de seda verde esmeralda fazia pensar que alguém, talvez o capitão dos piratas se recostasse de acordo ao costume muçulmano, sobre as almofadas.
Uma grande mesa de jantar, quase negra, com um pesado suporte de quatro pernas estava disposta do outro lado do camarote.
Seis cadeiras espanholas, com respaldo de pele, a rodeava. E dos lados da mesa era utilizada como escritório porque estava coberta de mapas, cartas geográficas, tinteiro e pluma, além de livros.
Contra uma parede havia uma biblioteca alta quase até o teto, abarrotada de volumes encadernados com pele.
Em outra parede havia um belo armário de pinheiro, cujos lados havia duas delicadas cadeiras francesas com almofadas azuis e bordadas.
Na outra parte do camarote havia um leito, apropriado para um quarto real de Hampton Court. O dossel era de damasco púrpuro, com a parte inferior bordada com fios de ouro. As cortinas eram de veludo também púrpuro, mantidas presas por cordões de cor vermelha e ouro. A cama estava coberta por uma colcha de cor vermelha e ouro e almofadas bordadas similares as que Katherine fazia no convento, Katherine não reconheceu o brasão sobre o respaldo da cama, mas notou a flor de lis e soube que era francês.
Também havia uma bela arca esculpida aos pés da cama.
Reconheceu imediatamente o motivo celta na tampa com o cadeado: essa arca provinha de sua terra natal.
E alem disso, nas paredes do camarote havia uma série de obras de arte.
Katherine se dirigiu a Juliet que estava de pé diante da porta.
— Que lugar é este?
— Katherine, este camarote é um testemunho de todos os navios que o pirata saqueou.
Katherine se deu conta que Juliet tinha razão. O camarote era a prova de muitos anos de roubos selvagens e sanguinários assaltos cometidos em alto mar e era a prova evidente dos métodos perversos do pirata. Logo Katherine viu o leito.
Naturalmente havia notado antes, mas não fez conta. Agora o olhou atentamente. Com os olhos da mente viu a si mesma deitada no suave colchão que se movia e o pirata em cima dela, que a violava gargalhando. Deu um grito e atravessou correndo o camarote, ultrapassando Juliet. Tentou desesperadamente forçar a porta, mas esta estava trancada por fora.
Juliet a abraçou.
— Katherine qual sua intenção?
— Não sei. Tenho tanto medo. — Katherine olhou ao redor, finalmente escolheu se sentar em uma das pesadas cadeiras espanholas. Abriu muito os olhos, Quando o pegando a cadeira se deu conta que esta não se movia. Estava fixa no assoalho. Deu-se conta que tudo no camarote devia ser da mesma forma. Deixou-se cair na cadeira e fechou os olhos. Sentia-se terrivelmente cansada, mas seu coração pulsava rápido com angústia da espera, com o horror que estava por vir, e sabia que teria que seguir tentando se defender.
Em efeito não acreditava na declaração do pirata de que não lhe faria mal: tal afirmação feita por um homem como ele era ridícula. Katherine sabia que tinha que revelar que era filha do Conde de Desmond. Certamente, uma vez a par de sua identidade, ele deixaria intacta sua virtude e a devolveria a seu pai depois de um esplêndido resgate.
Katherine recordou os olhos cinza e lânguidos do pirata. Não tinha visto um homem olhar a dessa maneira antes que agora. Estremeceu. O instinto lhe sugeria que o pirata brincaria com ela como um gato com um rato e logo a violentaria, com resgate ou não. Fez o sinal da cruz, rezando para estar errada.
Um momento depois ele entrou no camarote. Katherine se levantou de um salto Quando o a pesada porta se fechou à suas costas. Juliet se precipitou para o ponto onde estava sentada a amiga, mas o homem não lhe dignou nem sequer um olhar.
Seus olhos pousaram sobre Katherine: despiram-na. Katherine mal respirava e tinha a sensação que seu coração iria saltar fora do peito. Ruborizou-se anta a insolência do homem.
Finalmente ele afastou o olhar dela para se voltar para Juliet e lhe fez um gesto com um dedo.
— Você Mademoiselle, venha comigo.
Juliet ficou petrificada.
Katherine estava horrorizada. O que ele queria fazer a sua jovem amiga? Pretendia abusar das duas? Levantou e se postou diante de Juliet.
— E-ela fica-c-conmigo.
Ele arqueou uma sobrancelha e explodiu em uma gargalhada.
— Como é valente, minha Mademoiselle. Mas não será você a dar ordens em meu navio. Venha Mademoiselle.
Juliet não se moveu e Katherine a puxou pelo braço, lhe impedindo de obedecer.
— O que pretende lhe fazer?
Ele a olhou atentamente.
— Não aquilo em que obviamente está pensando, minha querida. Não tenho nenhuma necessidade de sua amiga. Seu encanto me manterá ocupado esta noite. Mas, a menos que você não deseje ter público, a Mademoiselle deve ir.
Katherine deglutiu e enrubesceu. Não soltou Juliet.
— C-capitão.
Ele parecia divertido.
— Pensa pedir resgate por mim?
Seu olhar desviou dos olhos da moça, de sua boca plena e logo desceu para o seio aplainado pelo modelo do vestido. Os mamilos de Katherine estavam rígidos por causa de sua respiração ansiosa e difícil. Ele havia notado o estado esquálido de seu vestido ou o encanto ao qual ele havia recentemente feito menção?
— Não deve pensar algo assim! — Gritou em um rompante. — Não sou uma criada. Sou a filha de um Conde!
Ele arqueou levemente uma sobrancelha bronzeada.
— Juro sobre a cruz que é verdade. — Ela se apressou em explicar. — Sou a filha do Conde de Desmond.
Ele respondeu: — Lady Juliet, deseja sair à força deste camarote?
Juliet moveu a cabeça negativamente, livrou-se de Katherine e se dirigiu rápida para o pirata. Katherine estava alterada pelo pânico, consciente do fato que seu destino estava para se cumprir.
O capitão do Sea Dagger abriu a porta: MacGregor estava ali à espera, com suprema indiferença.
Juliet foi entregue ao marinheiro e Quando o a porta voltou a fechar, o pirata fitou Katherine com um leve sorriso que se estendia pelo rosto. Moveu-se para ela.
Katherine perdeu o controle e enquanto o ele se aproximava precipitou-se para a porta. Ele a segurou com facilidade enquanto o ela tentava fugir pelo lado. Pouco depois se encontrou cravada contra a porta pela qual pensava fugir. As imensas mãos do homem lhe oprimiam os ombros, incrustando-a contra a madeira e repentinamente colocou uma das coxas entre suas pernas, em um gesto muito íntimo.
Katherine não podia se mover.
— Não seja tola, minha querida. Não tenho intenção de lhe fazer mal. Nunca faria mal a uma flor como você. Vou tomá-la sim, mas não por mal.
Katherine tentou se recompor ante o tom doce e sedutor, o que não era uma fácil tarefa já que estava apertada contra o corpo forte.
— Sou a filha de um Conde. — Ratificou desesperada. — Ele lhe matará por causa desta violação.
— É bem difícil que Desmond me mate. — Respondeu ele em um tom ligeiro. Não estava nada impressionado pelo parentesco.
— Então não o conhece. — Insistiu Katherine.
— Conheço-o. — Ele a contradisse e lhe tocou o rosto com a mão. Acariciando sua face e o queixo. Katherine permaneceu paralisada, desejando ardentemente que ele cessasse com o toque de mariposa.
— E logo a conhecerei. — Ele sussurrou, aproximando a boca da dela. — Logo a conhecerei.
Nesse momento Katherine, ela estava intensamente ciente de sua virilidade. Ele murmurou: — Você é uma beleza, o tipo de mulher que obceca os sonhos de um homem.
Katherine o fitou. Ele não se moveu e ela estava consciente de sua virilidade e do que logo aconteceria se ela não conseguisse algum modo de se defender. E por um instante não soube, não pôde se mover.
Repentinamente lutou e se dobrou para ele, mas o homem não fez mais que estreitar o círculo.
— É bem difícil que tenha sonhado, porque acabamos de nos encontrar!
Ele riu por um instante. — Estou indo muito rápido, e não é minha intenção. Mas não se afastou dela. — Relaxe, minha querida. Relaxe. Não pode ganhar nenhum jogo de amor entre nós. Eu tenho muita experiência. Não tenho intenção de te fazer mal. Tenho intenção de te dar agradar.
Katherine permaneceu imóvel, mas por um breve momento.
— Pensa roubar minha virtude e não me fazer mal? É impossível! E um homem como você jamais poderá me dar agradar, de maneira nenhuma.
Ele se pôs a rir. E enquanto o ria deslizou um braço atrás das costas dela, atraindo-a ainda mais em seu abraço. Novamente lhe tocou o rosto, tocando a pele com os dedos.
— Tola. Inocente. Imatura.
Katherine se sobressaltou: seu tom de voz era extremamente suave.
— Deixe-me. — Murmurou.
— Posso te dar agradar, e o farei minha querida, de todas as maneiras possíveis. — Continuou a fitá-la.
Ela mal conseguiu compreender o significado das palavras. Mas ruborizou.
Imagens loucas e emaranhadas de um homem e uma mulher abraçados passaram rapidamente por sua mente. O homem grande, audaz e loiro.
— Haverá só um instante de dor, — murmurou ele, — depois haverá tanto prazer que esquecerá todo o resto, salvo seu desejo.
— Não! Nunca! Gritou ela expulsando as imagens de sua cabeça.
A resposta dele foi um sorriso. — Saboreie-me. — Disse-lhe e logo se inclinou para roçar seus lábios com os dele.
Katherine não cedeu. Tentou lhe golpear o peito, mas foi impossível. Rapidamente ele segurou seus pulsos imobilizando-a completamente. A boca dele era firme, mas gentil: começou a excitar o canto de seus lábios com a língua e ela se deu conta que estava retendo o fôlego. Quando o não se abriu para ele, o homem começou delicadamente a lhe morder o lábio inferior. Enquanto o isso seu membro pulsava com força entre suas pernas, onde havia se acomodado. Seu coração pulsava tão rapidamente, que pensou que explodiria. Finalmente inspirou em busca de ar, já incapaz de negar o acesso a seus pulmões.
O homem soltou um gemido gutural enquanto o lhe tomava completamente a boca. Katherine gritou, lutando novamente, em vão. A língua afoita entrou profundamente em sua boca. Era um assombroso ato de posse.
Seus joelhos cederam e ela desceu, mas ele a sustentava impedindo-a de cair. Repentinamente ele afastou a boca da dela. Aturdida, Katherine levantou os olhos para ele. Ainda não podia se mover. Ninguém jamais insinuou que tal espécie de beijo era possível. Então se deu conta de estar agarrada aos ombros fortes e tentou afastá-lo.
Ele permitiu um pouco de distancia entre os corpos quentes.
Com dificuldade, ela tentou afastar os pensamentos da cálida e forte sensação e falou. Não era verdade, mas disse: — Meu pai não pagará nenhum resgate, se abusar de mim.
Ele sorriu, inclinou a cabeça e lhe beijou o pescoço. Katherine gemeu. A boca dele moveu sobre o pescoço formando um imaginário colar de beijos. Katherine sentiu o coração pulsar cada vez mais forte, mas tão forte que certamente ele devia ouvi-lo. Logo Liam levantou a cabeça, sorrindo novamente.
— Não haverá nenhum abuso, minha querida. Nunca abusaria de uma mulher como você.
— Você não me leva a sério! — Ela protestou.
— Não, ao contrário, te levo muito a sério. — Ele murmurou, fitando seus olhos.
Katherine não pode compreender o significado das palavras, mas estava segura que escondiam bem mais do que havia entendido.
— Então, me libere sem me fazer mal. — Rebateu.
Os olhos dele brilharam sobre seu rosto e logo desceram para seus seios.
— Não posso.
Katherine gritou: — E por que não?
Ele cerrou o queixo. Estava mortalmente sério nesse momento e era difícil acreditar que tão somente minutos antes estivesse sorrindo. Novamente lhe acariciou a face com delicadeza.
— Porque você é a mulher mais bela que eu já tenha visto, e te desejo muito.
Katherine não podia acreditar.
— Mas não pode me ter! Eu não sou uma bela maçã vermelha que se pode pegar e devorar, por um capricho. Eu sou Katherine FitzGerald, filha do Conde de Desmond, nascida e criada nobre. Você não pode me ter!
Ele a fitou, brilhante inquebrantável. Precisou de um tempo antes de replicar. — Ao contrário. Não só posso, como a terei. Parece-me que não o entende. Não estamos em Desmond. Estamos em meu navio. Em mar aberto. Eu aqui sou o rei, dono de todos e de tudo o que vê. No momento que caiu em minhas mãos, pertence-me. Katherine, não tenho a intenção de fazer mal a você. Eu não violo virgens. Agora você tem medo de mim, mas antes que a noite termine demonstrarei que seu temor não tem razão de ser.
Por um momento ela o fitou, sem palavras. No instante seguinte vislumbrou o grande leito, além dos ombros dele.
— Pense no resgate que pode obter! C-certamente vale muito mais que um fugaz prazer!
Ele curvou imperceptivelmente os cantos dos lábios.
— Não ouviu o que eu disse? Não tenho nenhum desejo de pedir resgate por você. — Ele levantou seu queixo e baixou os olhos sobre seus lábios. — O resgate é a última coisa que me passa pela mente.
Completamente consciente que ele pretendia beijá-la novamente, ela gritou:
— Deixe ir! Suplico-te.
Ele a fitou enquanto o algo cintilava no fundo de seus olhos. Roçou-lhe novamente a face e logo a fitou diretamente os olhos.
— Você não me entende. Sinto ser eu a te informar os fatos, porem ainda que deseje informar, o que não é, não poderia obter um resgate.
Katherine ficou rígida. De repente estava mais assustada que antes.
— O que está dizendo? Sussurrou
Ele hesitou e logo se tornou ríspido.
— Seu pai se encontra na prisão da rainha e está lá há muitos anos.
Katherine o fitou, incapaz de emitir um som, incapaz até de respirar.
Ele a escrutinou.
— FitzGerald foi preso por alta traição e suas terras e seu título foram confiscados. Efetivamente, já não há um Conde de Desmond. Nem Conde e nem condado, só um prisioneiro em desgraça.
Katherine o fitou surpresa e incrédula.
A mente de Katherine se rebelava. Não podia ser verdade!
A voz do pirata irrompeu seus pensamentos.
— Portanto, Katherine, seu pai não pode pagar um resgate e nem te ajudar.
Ela o fitou, com os olhos verdes furiosos.
— Não lhe acredito! Está mentindo!
Ele permaneceu calmo.
— Não, não estou mentindo. Digo o que todos sabem. Digo como estão as coisas.
Katherine se recusava a acreditar. Não podia acreditar. Seu pai um prisioneiro da Coroa, privado das terras e do título? Oh, Deus! Não, não era possível.
O tom dele se tornou mais gentil.
— Mas seu pai está vivo, Katherine. Não foi enforcado. Acredito que ainda está em Southwark, onde se encontra em arresto domiciliar.
Katherine estremeceu, ofegando.
— Southwark? — Ela estava desconcertada. Southwark, não Desmond. Seu pai era prisioneiro da Coroa, obrigado a permanecer em Londres, em exílio.
— É compreensível que esteja perturbada. — Ele lhe disse observandoo-a de perto.
Katherine o odiou. Odiou-o por sua indiferença, por suas intenções, por lhe ter ocultado e logo revelado as terríveis notícias. Porque havia lhe revelado a horrível verdade.
— Você não entende nada de mim. — Respondeu magoada. Lágrimas enchiam seus olhos. — Afaste-se de mim!
Liam apertou a maxilar e afastou-se friamente dela. Imediatamente Katherine se deixou encostar contra a parede, começando a tremer. Se o pai era prisioneiro da Coroa e privado de tudo o que possuía, então sua partida do convento havia sido inútil. Se o pai caíra tanto em desgraça, em exílio, então ela também estava circunscrita ao exílio e a desgraça. Porque sem um título e um dote, ninguém a quereria. De repente se encontrou sem um futuro, sem sonhos e sem esperanças. De um momento a outro era Lady João Ninguém.
— Beba isto.
Katherine levantou o olhar raivoso para o homem que lhe estendia um cálice de brandy.
— Não.
— Teimosa. — Ele disse calmamente. — Não seja tola. Beba. — Ele segurou seu queixo aproximando o cálice de seus lábios.
Katherine se sentiu afogar Quando o ele inclinou o cálice fazendo cair algumas gotas do forte líquido em sua garganta. Com um gesto rechaçou o brandy, que se espalhou sobre a pele bronzeada da mão dele. Ele apertou os lábios e a ira se apresentou em seu olhar.
— Não sou um homem terno. Nem gentil. Mas estou tentando ter paciência contigo, — lhe advertiu — para te domar como um cavalo selvagem. Não tenho nenhum desejo de te quebrantar, Katherine. Apesar de que meu apetite por você permaneça intenso.
Ela suspirou profundamente.
— Não sou um cavalo que se coloca no cabresto, para ser adestrado.
— Mas é uma mulher. Uma mulher sem protetor e como todas as mulheres, necessita de um homem que a proteja e guie.
— E você pensa que é esse homem? Pensa ser meu protetor? Gritou furiosa. — De me amordaçar ao seu gosto?
— Não te estou dando nenhuma escolha.
Furiosa, Katherine tentou fugir, mas ele a segurou com seu potente braço, esmagando-a contra o peito. Ele apoiou o brandy sem soltá-la e Katherine se enrijeceu imediatamente. O último lugar onde queria estar era nos braços dele, aprisionada contra o corpo sólido e excitado. Lutou para se afastar.
— Tenho uma natureza muito vigorosa, ele disse muito suavemente. — E eu suspeito que adaptamos um ao outro.
— Nós não adaptaremos! Use sua luxúria em outro lugar!
— Não.
Ela fitou os olhos cinza e duros e compreendeu tudo. A ele não importava nada dela, nem de seus sentimentos. Ele sabia que não tinha uma família e nem nome que pudesse protegê-la. Ele não possuía consciência e obteria vantagem de sua difícil situação. Nada impediria de arruiná-la se quisesse. Era só questão de tempo.
Katherine desejou poder pensar com claridade.
Ainda devia conseguir desenredar o labirinto de estupor, incredulidade e medo. Certamente devia existir uma saída. E depois, ela era Katherine FitzGerald. Certamente devia ter restado alguma coisa. Alguma pequena soma escondida, um pedaço secreto de terra. Restavam seus tios e parentes. E seu antigo e orgulhoso nome.
— Deixe-me. — Disse-lhe.
Ele obedeceu.
Consciente do fato que seu coração ainda pulsava freneticamente, Katherine retrocedeu. Ele não se moveu. Observandoo-a, com os olhos ao mesmo tempo frios e ardentes.
A frieza, ela sabia, provinha da falta de coração. A cor provinha de suas vísceras.
Katherine se postou entre a pesada mesa e ele e segurou no respaldo de uma cadeira espanhola. Talvez, só talvez, ele tenha mentido, embora não acreditasse mais.
Isto explicava porque nos últimos três anos e meio não tinha sido enviado dinheiro ao convento, porque seu pai não tinha respondido a nenhuma de suas cartas ou da abadessa. Em todo caso, agora devia saber tudo o que fosse possível.
— Fale sobre meu pai.
Ele sacudiu os ombros em um gesto cheio de graça e se dirigiu para ela. Apoiou um quadril estreito contra o canto da mesa e a fitou.
— O que quer saber?
— Tudo. — Sua voz tremia. — Não posso acreditar que tenha ido à prisão por traição. Que esteja prisioneiro… Em desgraça.
O pirata a fitou intensamente. Tão intensamente que Katherine desviou o olhar. Finalmente ele falou: — Depois de Affane, Butler prendeu seu pai e Clonmel. A rainha ordenou que ambos se apresentassem a corte e seu pai foi imediatamente enviado à Torre de Londres, onde permaneceu por dois anos. Ela e seu Conselho não sabiam o que fazer com ele. Naturalmente ela estava furiosa com Tom Butler, pela parte que tivera na disputa, mas o perdoou.
— Naturalmente. — Comentou rígida Katherine. Tom Butler, o Conde de Ormond, não era só o mais odiado inimigo de seu pai, mas também primo da rainha Elizabeth e, portanto seu favorito. Katherine se inclinou para o pirata, e as mãos abertas sobre a mesa quase tocavam a pele dele.
— Mas, por quê? — Gritou raivosa. Meu pai anteriormente já havia transgredido, e sempre tinha sido perdoado! Por que a rainha não o perdoou, Quando o perdoou Ormond?
— Ela era mais jovem Quando o perdoou seu pai.— Respondeu Liam, sem meios termos. — Estava contrariada, acredito, sobre questão da Irlanda. Ela sentiu que devia começar a colocar os nobres irlandeses aos seus pés, especialmente seu pai, que se recusou aceitar sua autoridade em suas terras. Não esqueça que Ormond é súdito leal. Entretanto, seu Conselho estava dividido e se formaram facções. Alguns guiados por Dudley e sir William Cecil eram partidários do perdão e a volta de seu pai a Desmond. Outros guiados por Ormond preferiam a destituição, para sempre.
Katherine se segurou a mesa. — E Tom Butler ganhou.
Ele assentiu.
— Mas, com a ajuda de seu pai. Depois de dois anos foi concedido a ele residir em Southwark, com vigilância e certas restrições. Como poderá bem compreender, ele tentou fugir, mas o capitão do navio que devia ajudá-lo se mostrou um Judas. Acredito que a rainha ficou verdadeiramente contente que afinal possuía uma acusação formal com a qual pôde se desfazer de Desmond. Ele foi processado por traição e mandado a prisão. Suas terras e seu título foram embargados, dois anos atrás. Por isso sei que ainda está preso em St. Leger House, em Southwark.
Katherine estava confusa com tudo o que ele havia dito. Confusa e desiludida. Em sua cabeça ressoava o mesmo estribilho: Lady Dom Ninguém... Lady Ninguém.
— Está me dizendo que meu pai é prisioneiro desde depois de Affane?
Ele assentiu, observandoo-a.
— Finalmente prevaleceu à condição de submeter à Irlanda meridional ao controle da Coroa, de uma vez por todas. Devido que seu pai talvez fosse o senhor mais poderoso da Irlanda e o mais audaz, seu destino estava escrito no instante em que Butler o tornou prisioneiro em Affane.
Katherine fechou os olhos, rendendo-se a um momento de desespero. Seu pai estivera em uma ou outra prisão, desde o momento em que ela havia deixado a Irlanda, para a França. Fazia seis anos que era banido. Tinha perdido tudo. Como era injusto.
— Não posso acreditar. — Murmurou. — Bom Deus. Não posso.
E agora ela tinha perdido tudo. Agora não tinha futuro. Nenhum nobre a quereria. Nenhum, salvo o pirata que nesse momento a desejava.
— Deve enfrentar a realidade, se quer sobreviver. — O tom seco lhe fez levantar o olhar para ele, que a fitava.
— Ouça bem, a uma pessoa que sabe disso. Eu sou um homem de mar, sem clã e sem país. E para sobreviver devo conhecer todo acontecimento importante em todo mundo e agir em conseqüência.
Ela continuou a fitá-lo sem pestanejar.
— Você é um O’Neill. Não o entendo. Tem um clã, tem um país. E se tiver escolhido outra coisa, então é culpa de sua estupidez.
O sorriso dele se apagou.
— Meu pai era irlandês, como você, mas minha mãe era inglesa. A mim não foi dado escolha. A estupidez tinha bem pouco a ver com a união de meus pais. Foi somente violência. Os O’Neill me consideram inglês como a rainha. Os ingleses pensam que eu seja um selvagem, como meu pai. — Falou francamente, sem piedade de si mesmo e nem nostalgia.
Katherine o fitava e o que ele disse a golpeou com força. Sua situação era similar. Como ela, ele tinha um nome inútil e não tinha uma família a lhe velar as costas. Ele havia sobrevivido enfrentando a realidade e se protegendo de qualquer tempestade que podia surgir. Agora estava aconselhando-a a se proteger da mesma particular tempestade.
— Portanto, a única maneira que tenho para sobreviver é aceitando-o em meu leito? Concluiu ela, amargamente. — Apesar de tudo represento a vítima perfeita para um homem como você. Não há ninguém que o desafie pelo que me faça, ninguém me vingaria se me arruinar. Não haverá crises políticas se me raptar ou abusar de mim.
Agora os olhos dele manifestavam um aberto interesse.
— Uma mulher inteligente. — Murmurou. — Bela, teimosa e inteligente. Que raridade.
Para sua vergonha, Katherine ruborizou. As palavras não poderiam ser adulações, embora soassem como tal. A mulher ideal não era teimosa e nem inteligente, mas casta e dócil, pronta à obediência em todas as questões fossem pequenas ou grandes. Mas ele estava sorrindo como se estivesse totalmente feliz por seu descobrimento. Katherine levantou o queixo. — Não serei sua vítima. Não acredito ter ficado sem um protetor. Não acredito que possa fazer de mim o que quiser e sair impune de similar crime.
Ele elevou o queixo enquanto o se levantava em toda sua grandeza.
— É uma vítima, Katherine. Você é uma vítima das circunstâncias políticas. — Seu olhar era duro. — Não fui eu que decidi o destino de seu pai. Não fui eu a pronunciar sua culpa e sua sentença. Não me culpe pelas ações imprudentes de seu pai e a determinação da rainha em pôr fim a esse desafio. Não fui eu que a privei de sua herança, de seu nome ou de sua posição na vida.
— Eu o culpo por seus atos imprudentes. — Gritou ela desdenhosa, com os punhos apertados.
O sorriso dele tremeu.
— Eu nunca sou imprudente. — Ele deu uma volta pela mesa, para se aproximar dela e Katherine retrocedeu até parede. Seu coração começou a pulsar forte Quando o ele se deteve diante dela. Seu sorriso era perigoso. — Mas você tem razão em uma coisa.
Ela não queria conhecer seus pensamentos, portanto permaneceu em silêncio.
O olhar dele pousou sobre ela.
— Você tem um protetor, Katherine. Um só protetor em todo mundo. E sou eu.
Ela gemeu.
— Mas você não me protege de si mesmo!
Nesse momento ele riu. Um som quente e divertido.
— Você interpretou tudo errado. Você não precisa ser protegida de mim. Eu não tenho intenção de te fazer mal. Minha intenção é te proteger do resto do mundo, de pensar em suas necessidades, de te dar prazer. Desejo que venha a mim de maneira espontânea. Não tem nada mais a fazer, Katherine. Não tem outra escolha nesta vida. — Seu olhar se tornou ainda mais escuro. — No mesmo instante em que a vi soube que seria minha amante.
— Não. — Respondeu rígida Katherine. — Minha resposta é não! Não tenho intenção de ser sua amante! Era terrivelmente difícil para ela pronunciar essa palavra.
— Mudará de idéia Quando o se acalmar. Quando o tiver a oportunidade de se reconciliar com o destino e as circunstâncias.
— Nunca mudarei de idéia! Meu pai pode ser um prisioneiro, mas eu ainda tenho meus sonhos! E Katherine sabia que era verdade. Nada podia matar seus sonhos. Nem os duros atos da vida e nem esse homem pouco amável.
— Seus sonhos morreram. — Ele lhe disse vagarosamente. — Mortos pelas circunstâncias. Mortos pelo destino.
— Não! Ela tentou reter as lágrimas. Ele a observou, mas ela quase não o viu.
— Maldito Butler! Amaldiçoou amargamente.
— Maldito Conselho… Maldita rainha!
— Katherine! Doce Mãe de Cristo! O que aconteceu? Gritou Juliet.
O pirata havia saído Quando o ela tinha começado a chorar e Katherine se deixou cair como um peso morto sobre a mesma cama que estava decidida evitar. Não tinha dado conta do tempo transcorrido e nem do fato que Juliet havia entrado no camarote.
Agora, enquanto Juliet a abraçava, lentamente ela se sentou. Sua cabeça lhe doía, por causa da longa conversa que tinha tido com o pirata e a exaustiva tarefa de se defender dele. Também estava exausta porque havia passado cada momento, desde que a tinha deixado sozinha, a analisar as opções e alternativas que tinha diante de si. Até o momento não possuía nenhuma.
Correspondeu ao abraço de Juliet.
— Estou bem. — Sussurrou. Não era totalmente verdade. — Não acont…— Sua voz quebrou. — Ele não tomou minha virtude.
— Graças a Deus. — murmurou Juliet, e com o olhar cheio de preocupação afastou o cabelo vermelho do rosto de Katherine. — T-te… fizeram mal?
Katherine vacilou.
— Não realmente. — Ainda estava surpresa pela sensualidade traidora de seu próprio corpo e inclusive no momento, não conseguia afastar de sua mente a imagem dourada dele.
— Você está bem? Não lhe fizeram mal? — perguntou-lhe.
Juliet assentiu.
— Ele ordenou à tripulação se manter afastada de nós.
O olhar de Katherine era sério.
— Estava com tanto medo, Katherine. Mas evidentemente apesar de tudo, esses demônios têm alma. Esse calvo, o MacGregor, me disse que geralmente o capitão não permite assaltos ou violência sexual, e que nós em particular não devemos nos preocupar. Em efeito, o navio francês foi liberado e me disseram que ninguém da tripulação foi ferido.
Katherine desdenhou. — Quer dizer que não lançaram ninguém ao mar? Não acredito!
Juliet pareceu não ouvi-la: em seu rosto se notavam impressas linhas de ansiedade.
— Quais planos ele tem para nós? Vai pedir um resgate?
Katherine recordou o que Liam havia dito.
Seu queixo endureceu.
— Juliet, meu pai perdeu as terras e o título. É prisioneiro da rainha.
Juliet se sobressaltou. — Oh Katherine!
O rosto de Katherine se obscureceu. — Não acredito que ele tenha me mentido. — Tentou imaginar seu poderoso pai despojado de tudo o que tinha, obrigado a um desonroso exílio. Tentou, mas não conseguiu. Certamente seu pai, seu audaz e inteligente pai tinha um plano para recuperar tudo o que havia perdido. Não podia ser exatamente como o pirata havia dito.
— Temo que para mim não haja nenhum resgate.
— Mas então o que fará contigo se não pretender te usar? — Perguntou Juliet.
Katherine olhou sua amiga nos olhos.
— Você não entendeu. Ele tem toda a intenção de me usar.
Juliet a fitou, com as sobrancelhas arqueadas. Mostrava-se claramente incapaz de compreender Katherine.
Katherine havia esquecido o quant Juliet era ingênua e protegida.
— Ele pretende me seduzir, me fazer prisioneira consciente de sua paixão.
Juliet gemeu e a cor rosa inundou suas bochechas.
— O que pretende fazer? — Gritou Juliet.
— Não sei. — Respondeu Katherine e logo adicionou triste: — Lutar.
De repente as duas paralisaram ouvindo a porta se abrir. Fitaram a porta que se abriu lentamente. Mas no camarote só entrou um rapazinho, de não mais que dez ou onze anos, que trazia uma bandeja coberta. Claramente trazia a comida. O aroma de um suculento guisado de boi fez às jovens se levantarem. A última vez que haviam comido foi no camarote do navio francês, na noite anterior e agora a escuridão estava atacando o dia.
O menino as Observou .
— O capitão me ordenou que trouxesse um pouco de comida. — Seu sotaque indicava que era francês. Ele pôs a bandeja sobre a mesa, levantando o guardanapo que a cobria.
— Se necessitarem de algo mais, eu sou Guy.
Katherine fitou o menino. Repugnou-lhe a idéia que o pirata explorasse um rapaz tão jovem. Com toda probabilidade tinha sido raptado de sua casa e vendido a ele. O menino estava muito magro, para gozar de boa saúde. E por sua expressão duvidava que fosse feliz.
— Obrigado, senhor Guy.
Ele riu. — Somente Guy.
— Guy? — Chamou Katherine antes que ele se fosse. — Para onde se dirige este navio?
— Para o norte. Ele se voltou, para se dirigir à porta.
Liam entrou, surpreendendo Katherine que não tinha lhe ouvido entrar. Seus olhos se encontraram por um instante, mais que devido, como se fossem íntimos amantes. Não estranhos. Não inimigos.
Katherine enrubesceu afastando o olhar.
Liam foi até a mesa, mas não se sentou.
— Venham Mademoiselles . Que boa comida temos aqui. Boeuf bourguignon, vinho tinto, pão fresco e torta de maçã quente.
Katherine queria rechaçá-lo. Juliet a fitou, também com um indício de rebelião. Mas ambas estavam famintas e se levantaram. Cabeça alta, Katherine atravessou o camarote com Juliet atrás de si, atenta em manter os olhos fixos para frente, mas longe do pirata. Sabia que ele estava observandoo-a, que olhava só a ela. E não podia mentir. Sabia que se encontrava em meio de uma grande guerra, que ela devia ser absolutamente vencedora. Os cabelos de sua nuca lhe faziam cócegas e picavam pelo mal-estar. Tinha a sensação, que para seu pesar, a guerra mal tinha começado. Deixou-se cair em uma cadeira. Foi somente depois que ela e Juliet se acomodaram que ele ocupou seu posto à cabeceira.
— Onde nos está levando? — Perguntou-lhe.
A indecisão foi apenas perceptível.
— Estou levando-a ao norte, para minha ilha natal.
Katherine perdeu todo interesse pela comida. Fitou-o atentamente, odiando-o. Ele correspondeu ao olhar.
— E eu? — Perguntou Juliet interrompendo o silêncio que se instalara entre os dois.
O pirata sequer a olhou.
— Você será acompanhada até a Cornualha. — Disse.
Katherine afastou o prato. Consciente que o céu escurecera e que haviam aparecido as primeiras estrelas. Logo ele a conduziria ao seu leito. Depois disso a levaria para sua ilha.
Devia fugir.
Quando o terminaram de comer e os pratos foram retirados, no camarote se produziu um desagradável silêncio. Katherine atreveu a levantar o olhar. O pirata sustentava uma taça de brandy, saboreando-o e fitando-a sob os longos cílios. Sob luz dourada da lanterna seus olhos brilhavam prateados. Atrás de sua cabeça, ela vislumbrava o dossel do leito.
Katherine afastou o olhar, mas muito tarde.
— Parece-me compreender que vocês duas procediam de um convento.
Katherine mal o fitou. — Sim.
— Certamente sua família não a chamou para casa?
Katherine sabia que ele falava somente para ela. O que lhe importava? Sua hostilidade aumentou.
— Eu não fui chamada de volta para casa. Mas agora sei por que meu pai esqueceu-se de mim. Seus problemas são muito sérios. — Entretanto estava triste pelo fato de que nem ele e nem Eleanor tivessem considerado oportuno de lhe fazer saber sobre as terríveis notícias sobre seu cativeiro.
— Em troca, eu fui chamada de volta a casa. — Intrometeu Juliet
— E foi útil para que Katherine se unisse a mim. É incomum, não é, que uma Lady abandone o convento sem a permissão de sua família? — O pirata a fitou.
Katherine explodiu.
— Decidi tomar em minhas mãos as rédeas de meu destino. Não tinha nenhuma intenção de envelhecer nesse convento.
— Realmente. — Murmurou ele com um tom de voz leve como a carícia de uma pluma sobre a pele.
Katherine enrubesceu. De repente se deu conta do quanto parecia ser desobediente, vulgar e independente. Naturalmente, não tinha nenhuma importância do ele que pensasse. Mas seu tom de voz soou defensivo.
— Meu pai não respondia minhas cartas. Eu não sabia nada de sua situação. Só sabia que devia voltar para a Irlanda.
— Há muitas mulheres que não desejam mais que a vida cômoda e protegida do convento.
Ela o fitou. — Eu não.
Ele lhe sorriu. Foi um instante de trégua. Sua expressão era íntima e calorosa.
— Alegro-me. — Disse. — Você é sem dúvida a mulher mais intrigante já encontrei, Katherine.
Ela apertou as mãos sobre o colo e baixou o olhar sobre elas, sem fôlego. Ele nem sequer tentou ocultar o próprio desejo: não lhe importava que Juliet fosse testemunha de seus propósitos. Era imoral e desprezível e Katherine tinha medo dele, por mais que tentasse esconder.
E ela sabia que não era atraente.
O olhar dele acariciou a cabeça inclinada da moça. Katherine levantou o olhar de repente e seus olhos se encontraram. Sentiu o pânico gorjear em seu peito. Atrás do belo rosto inquietador, ela continuava a ver o leito. Como poderia evitar a catástrofe? Como?
Ele sorriu.
— Lady Juliet, me permita acompanhá-la até seu camarote.
Juliet ficou tensa e não se moveu.
Katherine se segurou a mesa. Estava com os olhos muito abertos e aterrorizados.
— Juliet permanecerá aqui e dormirá comigo, Certo?
Ele se levantou lentamente, erguendo-se em toda sua estatura: seu sorriso era lânguido. Mas não havia nada de desenvolto no brilho de seus olhos sérios.
— Lady Juliet?
Juliet se levantou, olhando assustada para Katherine, que se encontrou a suplicar: — Por favor, deixe que Juliet fique aqui. Comigo.
O olhar dele deslizou de seu rosto para o corpo e não se dignou a responder. Pegou Juliet por um braço e guiou-a para a porta do camarote. Katherine Observou horrorizada.
Ele abriu a porta, chamou um marinheiro e Juliet lançou um último olhar desesperado para Katherine e logo desapareceu.
O pirata fechou a porta, voltando-se lentamente para ela.
— O que me fará agora? — Bramou Katherine, que já não tentou esconder o pânico que a assaltava.
Ele cruzou os braços e se apoiou na porta.
— Tenho intenção de te seduzir, Katherine.
Katherine ficou tensa, esperando que ele avançasse para ela. Ele demorou. Não tinha pressa, porem estava seguro que havia ganhado.
Katherine detestou sua arrogância tanto quanto detestava tudo nele. Apertou os punhos ao longo de seu corpo. Passou-lhe pela mente, que se lhe desse uma bofetada se sentiria muito satisfeita.
— Não tenho intenção de matá-la. — Ele murmurou com a voz aveludada.
— Não, mas pensa só em me destruir.
Ele sorriu-lhe estendendo a mão, para tocar seu rosto.
Katherine levantou os punhos e o golpeou no queixo.
Ele os esquivou com reflexos tão rápidos que seus dedos sequer tocaram sua pele. Um segundo depois ele lhe prendia as duas mãos, imobilizando-a.
Nos olhos de Katherine apareceu o estupor. Não se moveu, não falou, não ousou nem respirar. Seu peito se avultou. Observou -lhe o rosto tentando adivinhar o que ele faria. Sabia que estava considerando várias possibilidades.
E foi surpreendida. Rápido como uma serpente, ela a levantou pelos joelhos tomando-a em braços. Katherine começou a se debater violentamente Quando o viu que ele estava caminhando para a cama.
Estava acontecendo todo muito depressa!
Ele se deixou cair sobre o colchão Macio, com a moça ainda nos braços.
— Shhh— Lhe ordenou. — Fique tranqüila. Tenho somente a intenção de te beijar.
Ele mentia claro, e ainda que não, Katherine não tinha nenhuma intenção de obedecer.
Atirou a cabeça para trás, de modo que os lábios dele encontraram sua Macia garganta e não a boca. Imediatamente, a jovem se deu conta de ter cometido um grave engano.
Sensações indomáveis, mas nada desagradáveis lhe vieram à mente enquanto o ele beijava a pele sensível de seu pescoço. Reprimiu um gemido. Sentiu-o sorrir, e logo se enrijeceu Quando o ele passou a mão sobre seu seio. Imediatamente o mamilo ficou túrgido. Katherine gritou tentando lhe afastar a mão.
Ele ignorou seus esforços de deslocá-lo, como teria ignorado um mosquito insistente, e a recostou de costas sobre o leito, inclinando-se sobre ela, reclamando seus lábios antes que ela pudesse se mover ou protestar.
Katherine se mexeu ainda mais, afundando as unhas em sua clavícula para afastá-lo. Ele pareceu não notar. Era absolutamente paciente. Sua boca suave, branda e doce acariciava-lhe os lábios, levemente roçando-a, brincando. Como era conhecedor. A seu pesar, diminuiu a resistência. Seus dedos se abriram e seu corpo se tornou cada vez mais dócil. A boca dele se fez mais firme, aproveitando-se imediatamente da situação empurrando a ponta da língua contra a dela. Sem se dar conta, ela entreabriu os lábios.
Liam emitiu um suave gemido, um ruído essencialmente erótico. Katherine ouviu um divertido chiado fugir da boca enquanto o ele deslocava o peso sobre ela, aprofundando o beijo.
Ela queimava de desejo, enquanto o fogo se difundia de suas pernas e suas vísceras. Todo o corpo lhe doía, seu sangue pulsava insistente, enquanto o sua mente se recusava a funcionar.
Ele soube. Sorriu contra seus lábios. Uma risada sensual, plena, espessa. Começou a girar languidamente os quadris, acariciando-a com seu membro. Katherine atirou a cabeça para trás, afastando a boca da dele, gritando. Ele apertou o corpo contra ela, mais insistente, mais perigoso.
— Katherine. Sussurrou. — Minha querida.
Sua mão se insinuou sob o suave tecido lhe acariciando a coxa através do fino tecido de sua roupa íntima. Logo sua mão se estendeu perigosamente, acariciando a carne suave e túrgida de sua intimidade.
Katherine estava aturdida, mas a carícia a chocou trazendo-a de volta a si. Bom Deus. O polegar estava acariciando levemente os grandes lábios agora, seguindo-lhes o perfil, tocando a pele nua. Um pensamento coerente a atacou. Devia opor resistência. Se não o fizesse agora, ele faria muito mais que acariciá-la onde ninguém nunca havia ousado antes.
Teria lhe roubado a virtude ainda antes que ela se desse conta do que estava fazendo.
Ele afastou os lábios dos dela e gemendo pronunciou novamente seu nome: — Katherine!
Katherine respirou e se obrigou a agir… Golpeou os punhos contra seus ombros largos.
— Não!
Surpreso, ele se deteve. Seu olhar tenebroso estava um pouco ofuscado e perplexo Quando o encontrou o dela. Katherine o empurrou com força e Quando o viu que não conseguia deslocá-lo ergueu um joelho contra o membro volumoso. Liam deu conta de suas intenções e nesse preciso instante elevou os quadris bem a tempo de evitar o golpe. No ato perdeu o equilíbrio. Katherine lhe deu um empurrão e logo fugiu deslizando pelo outro lado do leito, para o chão.
Também estava aturdida e sem fôlego. Deteve-se somente por um instante, mas um instante muito longo. Enquanto o tentava se levantar, ele estendeu a mão e lhe segurou uma mecha de cabelos na nuca. Katherine gritou.
Liam se apoiou no leito, com o rosto perto o dela, usando seus cabelos como rédeas. Estava com os olhos bem abertos, furioso, incrédulo. A boca tensa no rosto fechado, raivoso.
Katherine cerrou os lábios em uma careta em resposta, mas as lágrimas lhe encheram os olhos. Logo começaram a descer, não querendo, um afronta ao seu orgulho, e ele suavizou a pressão. Sua fisionomia mudou. Amaldiçoou furiosamente e a soltou. Katherine caiu.
Sentiu-o se levantar. Ela tentou recuperar o controle e finalmente obteve. Estreitando os braços ao redor da cintura, levantou o olhar. Um engano. Não era possível não notar como ele estava excitado. Katherine enrubesceu desviando os olhos para qualquer lado, menos para ele, desejando poder esquecer a excitação que de qualquer maneira lhe tinha acendido. Desejando poder ignorar o insólito e instável batimento de seu coração nesse momento.
— Odeio-te. — Disse com voz rouca.
— Não me odiava um segundo atrás.
A raiva e a tensão no tom da voz a obrigaram procurar seus olhos. O fogo cinza em seus olhos a assustou, Katherine nunca tinha visto uma raiva similar antes de agora. Encolheu-se contra o pé da cama. Por um momento pôde afastar o olhar. E justo porque que estava decidida a ignorar algo que estava nascendo dentro dela. Algo de forte e quente. Gritou: — Odiava-o antes, como o odeio agora, O’Neill!
Um sorriso desagradável se formou nos lábios dele.
— Está transformando uma prazerosa sedução em algo muito pior.
— Uma prazerosa sedução?
— Sim… uma prazerosa sedução para ambos. — Seu olhar escureceu visivelmente.
— Não tente negar.
O medo a oprimiu Quando o afinal compreendeu o verdadeiro significado do que ele dizia.
— Que quer dizer por algo muito pior? Está ameaçando me violar?
Ele inflou o nariz.
— Algumas mulheres gostam de um pouco de força. Talvez você seja desse tipo.
Katherine abriu os olhos.
— Não fique com essa cara de surpresa. Entretanto eu estou esquecendo que você estive encerrada em um convento por seis anos. — Seu sorriso era retorcido. — Porém, antes que se abandone à histeria, quero te assegurar que eu jamais violo às mulheres. Nunca violei, não violarei agora, e não violarei jamais. Nem sequer se me provocarem.
Ela não lhe acreditou. E desejou rir desdenhosa, mas em vez disso emitiu um som reprimido e lastimoso.
— Disse recentemente tinha muito prazer em obrigar aquelas mulheres que… — Ela não pôde continuar. Estava ainda chocada em pensar que algumas mulheres verdadeiramente gostavam de um homem forte e brutal. Foi invadida por imagens, imagens desse pirata dourado que possuía pela força, uma mulher sem rosto, febril e ansiosa.
— Posso ser rude ou gentil. Só tem que me dizer o que deseja. – Ele Observou-a.
— Eu quero… Que você… Deixe-me em paz.
Sua risada foi arruda.
— Você me deseja dentro de ti, minha querida.
As palavras explícitas, por um instante a atordoaram.
— Você é um selvagem, um homem que saqueia quem é mais fraco que você. — Se abaixou no piso, fitando-o de abaixo para cima. Está me depreciando como depreciou outras mulheres. Não lhe quero!
— As outras mulheres me acolheram entre seus braços.
Katherine começou a rir.
— Eram prostitutas e da rua.
Ele se inclinou sobre ela zangado.
— Eu não vou para a cama com prostitutas virulentas. Minha última amante era uma Condessa.
Ela o fitou. Nada disposta a acreditar, mas ele estava tão furioso que acreditou que dizia a verdade. Como ele tinha feito para conquistar uma Condessa? Não conseguia imaginá-lo. Não importava que ele fosse surpreendentemente bonito.
— Algumas mulheres não temem à paixão. — Ele disse fitando-a de perto. Seu peito se elevou. — Mas não foram criadas em um convento e nem são virgenzinhas chorosas.
Katherine gritou. Levantou-se rapidamente, lívida, ignorando a voz interior que lhe sugeria retroceder.
— Eu não temo à paixão. — Respondeu. — Não há nada mais que eu deseje que é estar com um homem. Um homem nobre, um homem bom. Um homem que seja meu marido.
Ele a Observou em silêncio, os ombros rígidos. Finalmente disse:
— E quem seria este modelo de virtude?
Katherine levantou o queixo.
— Ainda não o encontrei.
A risada dele foi fria, cruel, zombeteira.
Furiosa pelo fato dele estar rindo dela, gritou: — Estive no convento por seis anos, portanto, como conseguiria encontrar um? Entretanto saiba que não desejo um pirata, ladrão assassino e sem Deus.
O fogo cintilou nos olhos dele. Ele sustentava na mão uma garrafa de brandy e a levou a boca. Bebeu não um gole, mas vários, enquanto o seu olhar permaneceu fixo nela.
Katherine se arrependeu de suas palavras sabendo que havia passado dos limites, e muito. Temia que ele enfurecesse novamente e agisse como uma besta selvagem obrigando-a a se submeter a sua vontade.
Ele a olhou com frieza.
— Devo estar louco. — Disse. — Para me enredar com uma mulher como você.
— Então me deixe ir. — Não houve dúvida de parte dela.
— Não.
— Por favor.
Ele não respondeu.
O peito de Katherine se elevou. — Então me viole e terminemos isso de uma vez.
Seu olhar a esfolou, o rosto se contraiu. A garrafa voou longe e explodiu contra uma das paredes. Logo, para seu horror estava em cima dela.
Katherine estava arrependida pelas essas palavras imprudentes, estúpidas e por sua impulsividade! Gritou enquanto o ele a levantava e a lançava em cima da cama. Tentou fugir, então ele a segurou por um pé e puxou-a. Logo estava em cima dela, prendendo-a.
Katherine permaneceu quieta. Ele estava tão imóvel quanto ela, salvo pelo pulsar de seu corpo contra o dela e a respiração ofegante que lhe saía do peito.
— Quer que eu te viole de uma vez?
— Não!
Ele rolou para longe dela e se levantou da cama.
Katherine se levantou e sentou. Encolheu-se no canto mais longe do leito, longe dele, comprimindo as costas contra o encosto de madeira.
Ele a olhou imperturbável. O aço resplandeceu em seus olhos faiscantes.
Katherine respirava com dificuldade, com os olhos fixos na letal espada que apareceu em suas mãos.
Nenhum dos dois se moveu, nenhum dos dois falou.
De repente a espada voou de suas mãos e se cravou na parede perto da cabeça dela, a poucos centímetros de sua face. Katherine fitou o fio vibrante, enquanto o o medo deslizava através de seu corpo, em fios de suor. Logo piscou e seus olhares de encontraram duramente. Os olhos dele brilhavam furiosos.
De repente ele se voltou. Com longos passos atravessou o camarote e abriu a porta que um instante depois se fechou com uma batida de fora.
Katherine voltou à cabeça e olhou a espada cravada na parede. Cobriu o rosto com as mãos começando a tremer.
A promessa de Liam era cristalina.
Katherine sabia que não devia desafiá-lo.
Era tarde. Não tinha idéia da hora exata, mas imaginou que fosse quase meia-noite. Não dormiu. Absolutamente não conseguiu adormecer, apesar de estar exausta, a espera que o pirata voltasse, preparando-se para outra batalha. Havia permanecido sentada no canto do leito, com as costas encostadas contra a parede, exatamente onde ele a tinha deixado.
Alguns momentos antes ele havia retornado ao camarote. Katherine agora o observava em silêncio, com os olhos abertos e atentos, mas ele não olhou em sua direção enquanto o atravessava o ambiente, com seu passo bonito um pouco mais lento que o costume. Estava ébrio?
Katherine deixou de lado o pensamento. Recordava de sua infância em Askeaton, e qual efeito tinha o licor nos homens. Sentiu-se ainda mais tensa.
Ele não a olhou. Abriu o armário e de repente tirou a camisa. Katherine conseguiu reprimir um gemido ante a nudez da costa bronzeada. Não pôde deixar de notar como a calça aderia as nádegas duras.
— O que está fazendo?
Ele se voltou, com o olhar direto, mas estranhamente doce.
— Vou trocar de camisa.
Katherine recusou olhar a extensão de seu peito, ligeiramente coberto de pelos dourados que desciam além do ventre duro e plano. Com grande alívio, ele vestiu uma túnica branca como a neve. Ela se deu conta de que o aroma de brandy provinha da camisa que ele atirou longe distraidamente.
No momento, ela estava com os olhos fixos nele, que se deteve o centro do camarote com os braços nos quadris em uma pose de lobo de mar.
— Devemos entrar num acordo. Você e eu.
Ele tropeçou com as palavras e ela interiormente se sentiu aliviada. Ele estava sóbrio, ou quase. Observou -o atentamente sem responder. Sabia agora que não devia incitar seu temperamento ou sua luxúria.
Ele pousou os olhos no rosto dela.
— Você é verdadeiramente bela, Katherine. Sabe que sonho com você a noite?
Ela se sentou ainda mais reta dando-se conta que depois de tudo ele estava ébrio, porque haviam se visto pela primeira vez só essa manhã.
— Há mulheres muito belas no mundo.
— É certo. — Concordou ele, e por alguma razão isso a chateou.
Ele apoiou as mãos sobre os quadris estreitos traindo uma tensão permanente nele.
— Há muitas mulheres belas no mundo, mas quantas são intrépidas e inteligentes?
De repente ela o fitou nos olhos.
— Está brincando comigo?
Nesse momento ele riu. Um som rico e quente. — Não, querida. Não estou brincando com você.
Ela ficou rígida. Não gostou nem do som de sua risada nem de suas palavras doces, e se ergueu contra a parede.
— Você tem medo de mim. — Ele enrijeceu o queixo e seu olhar já não era tão doce. — Devo pedir que desculpe meu comportamento.
Ela abriu muito os olhos. O pirata estava pedindo desculpas por suas ações bestiais?
— Você é muito sedutora, mas eu devia ter me controlado. Como desculpa, posso alegar que não esperava que tivesse tanto caráter. — Seu olhar a penetrava.
— Esta não é uma boa desculpa. Um cavalheiresco nunca me atacaria dessa maneira, como você fez.
Os cantos de sua boca se elevaram, mas a expressão parecia carregada de ironia.
— Mas, como você disse sou um selvagem.
— Pode negar?
— Nem me daria o trabalho. — Nesse momento sua fisionomia se tornou mais áspera. — É bom que me provoque. Nunca tinha encontrado uma mulher que tenha me deixado tão furioso. — Suas têmporas pulsavam e o rosto traía o desgosto. — Nunca antes havia tocado uma mulher tão zangada, que agora.
Katherine não pode rir, menos que desdenhosa. Ele não só era um pirata, mas também um O’Neill. Era um clã de selvagens, quase uma raça à parte, que vinham do canto mais remoto da Irlanda setentrional. Pensou no infame Shane O’Neill que havia sido chefe do clã, até sua morte um ano antes. Katherine o vira uma vez, Quando o tinha só nove anos. Ainda recordava o quanto lhe pareceu grande, escuro e feio. Espantoso e feroz.
— Dito pela boca de um O’Neill? — Gritou-lhe. — Os O’Neill são bem famosos por sua violência contra as mulheres!
O olhar afiado como o fio de uma navalha foi de encontro ao de Katherine. Ela apertou mais ainda as costas contra a parede. Tinha que se controlar! Não podia provocá-lo!
Ele não falou. Emanou um profundo suspiro e deu-lhe as costas, com os punhos sempre nos quadris. Quando o finalmente se voltou, disse em voz baixa e tensa: — Não pretendo brigar contigo. Não a capturei para brigar.
Ela deglutiu com dificuldade sabendo perfeitamente que ele havia lhe capturado.
— Vamos parar esta guerra, Katherine. Não tem sentido. Você desesperadamente tem necessidade de alguém que a proteja e eu estou muito ansioso em protegê-la. Certamente, neste momento já se deu conta de não ter outra escolha, e uma vez que tenha vivido um pouco comigo compreenderá que é bem longe de uma experiência má.
Katherine afastou para um lado as imagens de sua mente, que agora a assaltavam continuamente. Dele e dela, ardentes e abraçados. Os sentimentos que não desejava lembrar, as sensações que não tinha provado antes; tudo. Desejava esquecer tudo para sempre.
— Quero voltar para casa.
O olhar cinza adocicou e ele titubeou.
— Mas você não tem uma casa.
Ela engoliu o nó que fechava sua garganta, pensando em Askeaton Castle, em Castlemaine e Shanid. — Quero ir onde está meu pai. — A voz lhe tremeu e ela pensou que parecia uma menina tola e assustada.
O pirata a fitou com uma emoção no olhar, que ela não pôde identificar.
— Então deseja voltar para FitzGerald, para viver com ele e sua bela esposa no exílio, na pobreza e desgraça?
Seu peito se elevou e tornou a baixar.
— Queria me casar. Queria me casar com um irlandês e voltar para a Irlanda. Quero filhos e uma casa minha. Meu pai me encontrará um marido adequado. Estou segura.
— Seriamente? — Perguntou Liam gentilmente.
— Sim!
— E que tipo de casamento poderá fazer agora, Lady FitzGerald? Quer se casar com um camponês ou um escrivão?
Ela não podia imaginar se casar com um camponês ou um escrivão; a idéia era tão chocante que não pôde falar por um minuto inteiro. E desejava que ele cessasse de fitá-la daquele modo, como se mostrasse compaixão por sua difícil situação.
— Meu pai me arrumará um casamento adequado a minha posição social.
— Sua posição social já não existe.
Ela apertou os braços ao redor da cintura.
— Basta! Insisto que me deixe ir. Para que eu possa ir onde ele está!
— Mas você é meu troféu. — Respondeu ele sério, sem sorrir. — Capturei-a no mar. Agora me pertence. E eu não posso te entregar.
Ela estava desesperada. — Por que não?
Sua resposta foi um olhar impenetrável.
Katherine apertou os punhos e golpeou violentamente a colcha.
— Você é uma maldição!
Um sorriso atravessou o rosto de Liam.
— Educada em um convento e amaldiçoa novamente? Vamos, Katherine, não é digno de uma Lady.
Ela o fitou, furiosa.
— Volte para os braços de sua Condessa.
O sorriso dele permaneceu.
— Pensa me dissuadir mostrando os piores traços de seu caráter? Não funciona.
Katherine abriu os olhos, esgotada pelo terror.
— Então, me terá contra minha vontade.
Sustentou-lhe o olhar.
— Pretendo fazer você mudar de idéia, Katherine.
— Você é um selvagem! Um pirata! Um sanguinário selvagem, O’Neill! — Gritou. — Nunca conseguirá jamais me fazer mudar de idéia sobre você! Talvez, com o tempo possa reduzir meu corpo à escravidão… — Não pôde continuar. As lágrimas desciam por sua face.
Liam estava com a fisionomia séria, o queixo rígido e os olhos semi fechados pareciam lâminas negras.
— Sou um selvagem, um pirata. Sou um O’Neill, mas agora você é minha e não tem nenhuma escolha.
— Não! Recuso-me a acreditar!
Ele finalmente se aproximou dela e permaneceu de pé ao lado do leito.
— Eu sou seu destino, Katherine. Como posso te convencer disso?
— Devo ver com meus olhos que Desmond já não existe. Devo ouvir com meus ouvidos que um resgate é impossível.
Liam a fitou pensativo por um longo momento.
— Que assim seja, Katherine. — Concluiu.
Katherine apertou a capa com bordas de pele enquanto o a barco avançava nas águas turbulentas do mar. As últimas horas da noite eram muito frias e densas de névoa. Três marinheiros os acompanhavam, ela o pirata, e dois deles cuidavam os longos remos. MacGregor estava sentado ao lado dela, talvez, para impedir de tentar algo fútil e tolo. Mas Katherine não tinha nenhuma intenção de se lançar para a morte. Não agora que finalmente a sorte estava de seu lado. E tampouco tinha intenção de fugir. Esperava que seu pai comprasse sua liberdade.
De pé na proa e quase esquecido do frio, da escuridão e do barco ondulante estava Liam O’Neill. Parecia um todo, com barco, com o mar. Ela fitou as costas largas coberta pela capa, incapaz de evitar se perguntar que tipo de homem era. Logo pensou que não importava. Logo se libertaria dele e ficariam só lembranças desagradáveis.
O acesso ao Tamisa onde chocavam várias correntes foi terrível. Katherine teve que morder os lábios para evitar gritar Quando o a pequena embarcação saltou no alto para depois cair bruscamente sobre as ondas. Se segurou no assento Quando o a barco se elevou novamente. Mesmo com seu horror e estupor, O’Neill não se moveu da proa e permanecia indiferente ao perigo. Uma vez somente se voltou para lhe observar. Na noite escura e brumosa, Katherine notou que ele estava sorrindo, como se divertisse, com seus dentes de um branco brilhante, na escuridão e nas sombras. Ela baixou a cabeça e se pôs a rezar. Ele estava louco. Todos estavam loucos, parecia, e ela logo estaria morta. Mas depois de algum tempo se deu conta que a barco já não balançava tão violentamente, em efeito, agora ondulava ritmicamente. Levantou a cabeça e abriu os olhos: agora se encontravam no rio e as ondas eram bem mais plácidas. Bem logo a barco tocou uma margem arenosa. Os marinheiros desceram, afundando-se na água e puxando a embarcação para a praia. Também O’Neill havia saltado. Voltou-se e esperou que a barco estivesse perto dele. Katherine se levantou lentamente. Ele estendeu os braços e a levantou, para depositá-la na margem argilosa.
Ela se soltou, e olhou ao redor, perguntando-se onde se encontravam. Longe de Londres, naturalmente, a que devia estar a muitas milhas da desembocadura do rio. Deu-se conta da audácia do pirata. Se o pegassem na Inglaterra seria processado por seus crimes e condenado a morte. Seria afortunado se somente fosse decapitado. De outro modo seria enforcado, estripado. Esquartejado. Seriamente era arriscado de sua parte se aventurar em território inglês. Arriscado e tolo.
Entretanto, sabia que ele não era um homem estúpido. Katherine o fitou de soslaio: Liam estava falando com seus homens em tom brusco e em voz baixa. Seu rosto parecia esculpido em pedra, seu perfil era glorioso e severo. E seus homens se apressavam a lhe obedecer imediatamente. Era um pirata. Um homem que a aborrecia, mas era indiscutível um homem que sabia mandar em seus subordinados.
Katherine pensou que a arrogância explicava sua ousadia a descer a terra, com a suprema confiança em suas possibilidades.
Liam acenou a MacGregor e Katherine foi conduzida ao longo da praia pelo marinheiro escocês, seguindo o pirata. Os outros dois marinheiros ficaram. De repente apareceram as torres de um castelo em meio à névoa, não muito longe.
À medida que se aproximavam a névoa se elevou e caiu repetidamente revelando-lhe as muralhas externas. O céu estava clareando anunciando a alvorada que estava chegando.
Mantendo a voz muito baixa, insegura pensando que se fossem descobertos seria uma vantagem para ela ou não, Katherine murmurou:
— Onde estamos, O’Neill?
— Em Tillbury Castle. — Respondeu Liam, também com voz muito baixa. — Espere aqui com o Mac.
— Mas, aonde vai?
Ele a ignorou, desaparecendo nas sombras.
Passaram muitos minutos, Katherine sabia que ele não podia entrar no castelo porque as grades estariam fechadas até o nascer do sol. Mas, de todo modo, devia haver uma aldeia nos arredores e ele indubitavelmente tinha ido procurar um meio de transporte para eles.
Novamente pensou sobre o quão corajoso ele era. Roubar cavalos sob o nariz do dono de um castelo, e seus habitantes. Estava estupefata. Era audaz e arrogante. Mas a contra a vontade teve que admitir que ele era realmente intrépido.
Mas ele voltou sem nenhum qualquer transporte. Montado em um cavalo escuro, com a capa ondulando, ele parecia um salteador do meio da noite. Katherine foi colocada sobre um cavalo menor, antes pestanejar. Imediatamente estavam se dirigindo a trote pelo o caminho para Londres.
— Sabe cavalgar? — ele lhe perguntou, com os joelhos roçando os dela.
— Um pouco tarde para perguntar, Não? — Respondeu Katherine acomodando-se na sela, agradecida por ter não montado de lado.
Ele sorriu-lhe.
— Uma moça irlandesa como você deve saber cavalgar, Katherine. Ficaria decepcionado se assim não fosse.
Por um breve momento ela encontrou seu olhar, pensando que ele estava louco, para estar gostando da aventura.
Depois decidiu se concentrar em sobre o que tinha a fazer.
Quando o menina tinha sido uma boa amazona, mas já havia passado muito tempo. Ainda estava muito escuro, o que dificultava a visão. Katherine decidiu deixar seu cavalo seguir o curso.
Quantas suspeitas poderiam provocar em quem cruzasse por eles, antes da alvorada.
Katherine olhou às suas costas, para o castelo que desaparecia, e um tremor a percorreu. O que aconteceria se fossem capturados pelos homens da rainha? Deixariam-na ir? Era um pensamento agradável.
Entretanto, seu pai era prisioneiro da rainha.
O que Elizabeth faria a ela, a filha de um homem, um Conde, acusado de traição?
Seria banida também para prisão. Em Southwark? A captura também significaria a perda da liberdade, a ruína de seu futuro? Ela decidiu não fazer nenhuma tentativa de chamar a atenção sobre si ou o grupo. Pelo menos, por agora.
Cavalgaram dura e rapidamente por várias horas. A névoa diminuiu e o sol começou a despontar no céu cinza, em uma ardente bola alaranjada, e logo Londres apareceu diante deles.
Torres, pináculos e muitas chaminés trincavam o céu sem nuvens, com a imensa e imponente catedral de St. Paul em meio a tudo. Katherine Observou Liam que cavalgava sempre ao seu lado, com MacGregor às suas costas. Procurou um indício de medo em seus traços, mas encontrou somente decisão.
Atravessaram um portão e ultrapassaram uma rua deserta e depois outra. A cidade logo despertaria, mas eles não viram ninguém. Às vezes ouviam vozes de alguns bêbados que cantavam melodias obscenas, fora de tom, e riam grosseiramente. Liam parecia conhecer as ruas como a palma de sua mão. Não tinha sentido.
Eles rodearam as paredes da Torre de Londres e Katherine não pode acreditar. Pensou que ele estava louco. Nenhum homem, que para viver desafiava a autoridade da rainha, teria ousado se aproximar tanto desse temido lugar que um dia poderia muito bem chegar a ser seu destino. Ninguém, por mais audaz e arrogante que fosse.
Atravessaram a Ponte de Londres e viraram para o este. Entraram em um miserável bairro, de botequins e bordéis. Alguns cavalheiros bem vestidos estavam saindo de uma das casas e Katherine fingiu não ver as várias mulheres semi nuas paradas nas esquinas. Uma rameira voluptuosa saudou o pirata com a mão, chamando-o com palavras estridentes e plenas de sedução. Katherine sentiu o rosto e as orelhas queimarem, mas Liam parecia não ter sequer ouvido a obscena proposta.
De repente se encontraram frente a um edifício quadrado, uma espécie de depósito, que bloqueava a rua. Liam dobrou à esquerda e Katherine o seguiu automaticamente. Do outro lado havia um edifício de dois pisos com um teto negro bicudo rodeado por paredes de pedra. Liam deteve o cavalo e desmontou.
— Espere aqui. — Ordenou a MacGregor e a Katherine.
Não se dirigiu à entrada principal, mas do lado, desaparecendo da vista.
Quinze minutos depois a grade da frente se abriu, Liam se encontrava à sombra com a capa arremessada para trás, sobre os ombros largos, que revelava um colete sobre a camisa, além da calça larga e as botas altas até as coxas.
Katherine esporeou o cavalo para avançar, enquanto o seu coração pulsava com um repentino alívio.
Finalmente voltaria a ver seu pai. Finalmente! Katherine se apressou a descer do cavalo e correu até a porta de entrada, adiantando-se de Liam. Bateu forte na porta e Quando o viu que ninguém respondia, golpeou outra vez.
De repente uma mulher gritou de dentro:
— Quem é a esta hora indecente?
— Eleanor! — Gritou Katherine. — Sou eu! Katherine FitzGerald!
O ferrolho foi afastado e a porta abriu. Eleanor olhou incrédula Katherine e logo para o pirata.
— Por Deus! O que faz aqui?
Era uma mulher pequena e magra, de extraordinária beleza. Os cabelos castanhos claros lhe emolduravam o rosto ovalado e perfeito. Quando o falou revelou dentes muito brancos. Era uma Butler, filha do barão de Duboyne e tinha exatamente três anos mais Katherine.
— Voltei para casa. — Sussurrou Katherine com um sorriso.
Mas Eleanor com correspondeu ao seu sorriso.
— Esta não é exatamente uma casa. — Eleanor respondeu com amargura. Logo se afastou para um lado.
— Vai fazer uma surpresa a seu pobre pai e ele não está bem. Venham para dentro.
Com o corpo rígido e resistente fez um gesto para Katherine, Liam e MacGregor, que entrassem.
Liam se voltou e falou em tom seco:
— Permaneça fora Mac. Bastará um assobio se aparecer alguma visita.
MacGregor assentiu e desapareceu movendo-se com surpreendente graça e rapidez, para um homem tão grande e rude.
Eleanor fechou a porta.
— Deveria nos ter dito que viria. — Disse em tom seco.
— Escrevi muitas cartas. Meu pai não as recebeu? — Perguntou Katherine
— Recebi várias de suas missivas, mas não desejava turvar a paz de sua mente com pretensões egoístas de uma filha consentida. Deus só sabe que já tem muitos problemas.
Katherine ficou rígida.
— Não me parece egoísmo pedir voltar para casa e querer se casar.
— E qual seria seu dote? — Rebateu em tom cáustico Eleanor. — Duas vacas e um carneiro?
Katherine não podia acreditar no que a outra mulher estava dizendo.
Ela sabia muito bem que não gostava de Eleanor. Sempre soubera, desde o primeiro dia em que ela havia chegado com Gerald em Askeaton Castle, fresca e jovem noiva.
A lembrança ainda era dolorosa para Katherine, não porque Eleanor fosse tão bela e feliz, mas porque seu pai também ficara feliz e sorria de orelha a orelha. Joan, sua mãe havia sido sepultada menos de um mês antes.
— Não pode estar tudo perdido. — Disse Katherine. — Deve ter restado alguma coisa para um dote.
— Tudo foi confiscado ou destruído. — Explodiu Eleanor, furiosa. — Devo pedir esmola aos meus vizinhos. Vivemos de pão e cidra!
Katherine recusava acreditar no que estava ouvindo.
— Onde está meu pai? Quero vê-lo imediatamente!
— Gerald está dormindo, mas vou despertá-lo, já que O’Neill está contigo. Esperem aqui. — Com insolência, Eleanor passou diante de Katherine sustentando uma vela coberta por uma cúpula de vidro e se dirigiu para uma estreita escada.
Katherine olhou para Liam, perplexa que Eleanor o conhecesse. Logo recordou que seu pai, muitos anos antes, tinha tido vínculos com Shane, o chefe dos O’Neill. Na realidade a Irlanda era um mundo pequeno para os que ali nasceram.
Indubitavelmente, o pai de Eleanor, o barão Duboyne havia traficado com os O’Neill.
Mas de que negócios podia se tratar?
Estava decididamente incômoda enquanto o esperava impaciente no escuro corredor, que seu pai se apresentasse. Possivelmente, a situação de seu pai era pior do que ela temia?
As esteiras de palha do solo estavam puídas. Estava muito escuro para ver, mas Katherine tinha a desagradável sensação de que o corredor estava bastante vazio. Também recordou a camisola e o roupão de Eleanor. A madrasta que recordava sempre estava esplêndida com peles, veludos e jóias. Em efeito, não tinha visto um só anel nos dedos de Eleanor. Seu coração se sobressaltou.
Katherine se deu conta do olhar curioso de Liam.
Deu-lhe as costas e de repente começou a tremer. Se tudo o que Eleanor havia dito era verdade, então bom Deus, o que aconteceria com todos eles?
E o que seria dela?
Levantou os olhos encontrando o olhar imperturbável de Liam. Katherine teve medo do que lhe esperava.
— Acorde! Chamou Eleanor acendendo uma vela e apoiando-a sobre o único baú do quarto, que se encontrava ao lado do estreito leito de seu marido.
Gerald se sentou. Esfregando-os olhos, com a touca de dormir na cabeça.
— Por Deus, mulher! O que está acontecendo? Acaso está queimando a casa?
— Não. — Disse Eleanor sentando-se a seu lado e tomando o nos braços.
— Gerald, sua filha está aqui.
Gerald iscou forte, finalmente acordado. Era um homem magro com a pele incrivelmente branca e os olhos escuros como a noite.
— Minha filha? — Repetiu.
— Deus finalmente ouviu minhas preces! — Disse Eleanor. — Porque nos enviou sua filha, com nada menos que com o Senhor dos Mares!
Gerald estremeceu.
— Do que está falando, Eleanor? Enlouqueceu?
— Não estou louca! — Eleanor estava radiante.
— É Liam O’Neill! O infame pirata. O filho de Shane O’Neill está além desta porta, lá embaixo no corredor! Oh, Gerald! Finalmente! Finalmente Deus nos enviou uma grande e maravilhosa ocasião, não entende?
Gerald já tinha colocado os pés no chão e se levantava. Em frente à porta, sua expressão já não era aturdida, mas sorridente.
— Sim, querida, entendi. Faça-os entrar. — Respondeu
O toque de Liam em seu ombro a fez se sobressaltar e logo se voltar para fitá-lo.
— Venha. — Lhe disse, com gentileza. — Sua madrasta está nos chamando.
Katherine não queria sua compreensão e nem sua piedade e não era o que viu em seus olhos. Com o coração que pulsava rapidamente, Katherine se precipitou para a escada fracamente iluminada que levavam ao quarto, adiante de Liam.
Seu pai estava em pé no centro do pequeno quarto austero, em roupas de dormir.
Ante a visão do rosto escuro e muito belo, Katherine gritou. Gerald sorriu e a atraiu em seus braços.
E Katherine se segurou a ele. Fechou os olhos apoiando rosto contra seu peito. Ele estava magro, mas quente e forte. Certamente estava em condições de resolver sua situação terrível.
— Katie... — Está tudo bem?
Katherine lhe sorriu fracamente. — Sim, não estou… Ferimento.
O olhar de Gerald pousou brevemente em Liam e logo voltou novamente para sua filha.
— Como você cresceu! — De repente estava com os olhos cheios de lágrimas. — Como ficou bonita. A imagem de sua querida mãe. Nunca teria acreditado.
Seis anos antes, Katherine era alta e muito magra: não exatamente bonita. Ela enrubesceu feliz ao ser comparada com sua bela mãe.
— Não me pareço com ela. — Sussurrou.
Mas seu pai estava olhando para o pirata.
— Sim. Parece muito.
Katherine pousou o olhar sobre Liam, observandoo que agora os dois homens estavam se fitando em um estranho silêncio. Não pôde mais que compará-los nesse momento.
Gerald não só era magro e velho, como também pálido. Tão pálido como nunca tinha visto antes e não acreditava que essa palidez se devia exclusivamente ao fato de estar na prisão. Mostrava profundas linhas ao redor da boca e dos olhos, como se sempre estivesse zangado. Logo a colocou a um lado e com uma careta se moveu rigidamente até uma cadeira. Katherine então compreendeu as rugas marcadas em rosto e se deu conta que ele coxeava e sofria.
Seu olhar se pousou no pirata. Liam O’Neill tinha uma estrutura poderosa, forte e jovem. Tinha uma cor dourada, também a pele, visto que estava sempre ao ar livre e ao sol. Era muito mais alto que Gerald e de todos no aposento . Expor uma inegável força, potente e indômita ao mesmo tempo.
— Pai, o que aconteceu a sua perna? — perguntou Katherine.
Ele se sentou com dificuldade na cadeira.
— É meu maldito quadril. Nunca sarou bem depois de Affane. Foi uma bala de mosquete. As noites frias de inverno são as piores. Agora não está tão mal. — Ele lhe sorriu fracamente.
Katherine caiu de joelhos diante dele.
— Pai como pôde acontecer tudo isto? Foi tudo confiscado pela Coroa? E foste exilado, com esta pobreza? Não há esperança, nenhuma possibilidade de obter justiça?
Os olhos negros brilharam. Ele sentou na cadeira.
— Há pouca esperança, Katherine. E nenhuma de parte da rainha.
Katherine mal respirou. Até esse momento havia esperado no fundo de si mesma, como teria feito uma criança, que se tratasse de uma série de grandes mentiras. Ou que seu potente e invencível pai teria um plano para concertar todos os enganos que haviam lhe feito. Prometeu-se que não choraria. Um tempo atrás, Gerald FitzGerald, Conde de Desmond tinha sido um potente senhor da Irlanda, como seu pai e o pai de seu pai antes dele.
Tinha nascido para o poder e sabendo que sempre o teria, sobre o Desmond e os outros nobres irlandeses. Esta era a maior das injustiças que ela nunca teve que enfrentar.
— Katie meu exílio não é um destino fácil. Vivo para voltar para a Irlanda, não penso em outra coisa. Mas não quero que você chore, minha querida. Pelo menos não estou encerrado na Torre, graças a Eleanor. — Ele sorriu para a esposa. — No ano passado ela veio de Desmond e moveu céus e terras para conseguir uma audiência com a rainha e finalmente convenceu Elizabeth a me mandar para sir Warham Leger. — Seu olhar pousou em Liam. — Como fez para passar pelos os guardas, O’Neill?
Liam sorriu.
— Fácil. Estavam ocupados com a cerveja e o jogo de dados. Agora sonham bebidas e jogos.
Katherine secou as lágrimas com a mão.
— O que faz com minha filha, O’Neill? Vê-los juntos é algo surpreendente.
Liam apoiou a mão em um ombro de Katherine antes que ela pudesse falar.
— Sua filha conseguiu sair do convento que você a enviara. Aconteceu de eu capturar o navio em que ela viajava. E visto que não há ninguém que a proteja, eu assumi o papel.
Katherine saltou.
— Pai, ele me capturou e me tem contra minha vontade. Quer que eu seja… Sua amante.
Gerald se levantou.
Katherine paralisou dando-se conta que devia ter se calado e fitou os dois homens, um primeiro e depois o outro. Os dois se fitavam como rivais atentos, preparados para um duelo. Também Eleanor observava-os, com os olhos vivos de interesse.
Finalmente Gerald falou.
— Sorte para você, O’Neill ter encontrado minha extravagante filha que havia escolhido fugir do convento na França, enquanto o eu estou exilado desta maneira, em tal pobreza e incapaz de agir contra você.
— Sim.
Katherine gritou.
— Mas, pai! Certamente está em condições de pagar um pequeno resgate por mim! E de convencer este homem a não seguir com suas tentativas.
— Cale-se, filha. — Advertiu Gerald.
Katherine deu um passo atrás, respirando com dificuldade. Mas não conseguiu ficar calada. Não podia. Não enquanto o seu futuro estava em jogo.
— Pai, eu devo ser liberada. Não posso permanecer com esse pirata. Desejo me casar. Certamente meu tio poderá arrumar uma soma razoável ou de outro modo, você poderá fazer qualquer acordo com o pirata.
A expressão de Gerald se adoçou um pouco e finalmente a fitou.
— Katie, eu não possuo outra coisa que a roupa que levo no corpo e o ar que respiro. Não estou em condições de pagar ao pirata nenhuma soma em dinheiro, pequena ou não. E não posso encontrar um marido para você. Já não. Nenhum homem respeitável a quereria. Nenhum.
Ela gemeu. — Mas…
— Ousa discutir comigo?
Katherine se sobressaltou levemente, logo endireitou os ombros elevando a cabeça direita.
— Não. — Murmurou.
Gerald respirou profundamente, agora tremendo.
— Não me restou nada! Despojaram-me de tudo. Tomaram e deram a esses malditos ingleses. Não tenho nada e você ainda se lamenta de não ter um marido!
Katherine fitou o pai através de um véu de imprevistas lágrimas.
— Desmond foi destruída. — Adicionou Eleanor com voz estridente. — O ambicioso primo de seu pai, FitzMaurice se apressou em se lançar no combate depois de Affane e incitar aos outros Senhores irlandeses para expulsar os ingleses. Mas, bom Deus, ele queimou todo o país e o que ficou intacto foi queimado depois por sir Henry Sydney! Hoje os irlandeses se escondem nos pântanos e nas refloresta, pobres e nobres são a mesma coisa. Homens, mulheres e crianças congelam e morrem de fome! — Eleanor secou as lágrimas. — Desmond está destruída. Seu pai perdeu tudo r você vem aqui agora pensando que podemos te encontrar um marido? Nossos problemas são muito graves para que nos preocupemos de tais tolices.
Katherine estava transtornada. Sentia-se uma egoísta, pelo menos tanto quanto seu pai e sua madrasta a acusavam.
— Perdão.
— Se eu somente soubesse o que FitzMaurice está fazendo agora. — Gerald chiou com veemência. — Maldito primo!
— FitzMaurice foi levado a Glen Aberlow pelo novo presidente de Munster. — Lhe explicou Liam. Todos o olharam, inclusive Katherine.
— Permaneceu tranqüilo no inverno, mas imagino que reaparecerá e que preparará novas batalhas muito em breve.
— Sim, a primavera é uma ótima estação para a guerra. — Explodiu, Gerald.
— FitzMaurice sustenta ser o Conde de Desmond, no lugar de seu pai. — Explicou bruscamente Eleanor a Katherine. — É muito inteligente. Inclusive agora goza do apoio da Igreja e da Espanha. Não se deterá até que não tenha roubado seu legítimo proprietário!
Katherine estava extremamente pálida e seu coração pulsava loucamente. Dolorosamente.
— Eu nada sabia de tudo isto. — Murmurou.
Mas seu olhar deslizou novamente sobre Liam O’Neill. Como podia saber ele tantas coisas, já que sustentava não ter um clã, nem um país, nenhuma vida, alem da do mar?
— Agora sabe. — Gerald estremeceu impotente e raivoso.
— Deve ficar na França, Katie. Eu não estou em condições de te manter.
Katherine apertou os braços ao redor de sua cintura.
— Eu vou mantê-la. — Liam interveio tranqüilo.
Gerald deu a Liam seu olhar mais áspero.
— Não. Não permitirei que use minha filha como qualquer moça do campo. Ela descende de duas nobres famílias.
Liam sorriu fracamente.
— Temo que neste caso não possa impedir.
Eles agiam como se duas mulheres houvessem saído do quarto.
Gerald olhou somente para Liam.
— Quanto você parece ao seu pai?
Liam sacudiu os ombros com indiferença.
— Sou exatamente como ele. Ou pelo menos assim se diz.
— Eu não acredito. — Respondeu Gerald sorrindo triste. — Penso que você é muito, muito distinto de Shane O’Neill. O fato de que Katie ainda esteja ainda sã e salva é a prova.
— Pode pensar o que quiser, FitzGerald. — Liam sacudiu novamente os ombros. — Mas agora que mostrei a Katherine que ela não tem outra escolha, que permanecer comigo, iremos embora.
— Não. — Sussurrou Katherine, com a voz embargada pelas lágrimas reprimidas. E fitou Liam com aberta hostilidade, o filho do notório vicioso Shane O’Neill. Não havia lhe dito e ela devia ter imaginado. Seu pai se equivocara. O pirata era exatamente como Shane. Soubera desde o começo.
Gerald declarou: — Tenho uma proposta a te fazer, O’Neill.
— Seriamente? — Ele perguntou cético. — O que poderia me propor que me possa realmente me interessar?
Katherine fitou seu pai e seu sequestrador, nada contente pelo rumo que a conversa tomava. Seus temores haviam crescido enormemente.
Gerald não concedeu um olhar a Katherine.
— Quanto a desejas?
Katherine gemeu esperando ter ouvido errado.
— O bastante para retê-la contra sua vontade e contra o bom sentido. — Liam admitiu tranqüilo.
Gerald se dirigiu com passo rígido para Liam, seus olhos eram duas chamas ardentes.
— O bastante para casar com ela?
Katherine gritou horrorizada, mas foi ignorada.
Liam permaneceu em silencio por um instante.
— Que necessidade tenho de ter uma esposa?
— Todos os homens necessitam de uma esposa. Ela não tem dote, mas lhe entregaria com minha bênção. — Disse Gerald. — Eu posso estar na miséria e Desmond destruída, mas Katherine tem sangue nobre. A linha dos FitzGerald remonta diretamente de Guillerme, o Conquistador. E ela é exatamente como sua mãe. E sua mãe ao Conde de Ormond sete belos varões antes de morrer. Você não pode pensar em nada melhor. Você é o bastardo dos O’Neill, filho de uma mulher inglesa. O clã nunca te denominará seu senhor. Seus parentes nunca o aceitarão. Os ingleses o odeiam e o temem. — Os olhos negros de Gerald brilhavam como fogo. — Mas eu te aceitarei, Liam.
— Pai! — Gritou Katherine, tremendo sem controle. — Não!
Os olhos de Liam pareciam duas ranhuras.
— Eu não necessito de uma esposa que me de filhos e você sabe disso. Não necessito de filhos. Como constatou corretamente, eu não sou nobre. O que herdariam? O monte de pedras que chamo de casa? Minhas três navios piratas? — ele riu com voz rouca. — Eu não desejo uma esposa, FitzGerald. Nunca necessitei que um clã. Se ela me der um filho, então seu sangue será azul em vez de vermelho.
— Um dia. — Sussurrou febrilmente, Gerald. — Seu filho poderia herdar uma parte de Desmond.
Katherine apertava a cintura com os braços dizendo-se que não era certo. Não podia ser certo.
O sorriso de Liam era malicioso.
— Sua oferta não tem sustentação. Desmond não existe mais.
Katherine fitou o rosto duro e belo do pirata e o odiou mais que nunca.
Por um longo momento, Gerald permaneceu em silêncio. Um momento no qual os homens se dedicaram a fitar-se nos olhos avaliando as necessidades e as ambições um do outro. Gerald quebrou a tensão crescente.
— Se eu ainda fora o Conde de Desmond você a quereria, embora fosse um horrível asno, num piscar de olhos e sem dote!
Liam inclinou a cabeça.
— É provável.
Gerald o olhou.
— Em vista de que não pode me dissuadir de meus propósitos, senhor, é melhor irmos embora. — Liam concluiu devagar.
Katherine se pôs a chorar em silêncio. O pouco orgulho que restava lhe impedia de se lançar aos pés do pai, segurar em seus joelhos como uma garotinha temerosa de ser abandonada, e levada longe. Sua traição era como uma espada cravada no peito.
— Terei sua cabeça O’Neill. — Disse finalmente FitzGerald. Mas seu tom era suave. E seus olhos ainda brilhavam.
— Seriamente? Desejo-lhe boa sorte. — Liam se voltou para Katherine.
— Venha. Vamos imediatamente.
Katherine levantou a cabeça e através das lágrimas viu que ele não estava nada comovido. Mas decidido como sempre. E esperava. Para Liam tinha sido só um pequeno jogo, nada mais e ela uma estúpida. Porque tivera a esperança que Gerald fizesse um verdadeiro esforço para derrotar seu sequestrador, mas não acontecera sido assim. Ao contrário, ele a ofereceu em casamento.
O olhar acinzentado de Liam e encontrou e sustentou o dela. Sua mão se fechou sobre a de Katherine que estava tão entorpecia até para se desligar.
— Vamos, Katherine. — Disse quase com gentileza. — Sua causa está perdida.
Katherine reprimiu um soluço.
Gerald os fitou-os atentamente, com expressão indecifrável.
Liam se dirigiu à porta, pegando Katherine por um braço e empurrando-a com força. Ela estava decidida a não pensar porque machucava demais.
Uma vez que se encontravam na escuridão do primeiro andar, Eleanor o chamou e Liam se deteve, com o braço ainda ao redor da cintura de Katherine. A mulher correu escada abaixo e os alcançou.
— O’Neill. Há algo que deve saber.
— Então se apresse.
Katherine não queria ouvir mais nada de Eleanor, mas a seu pesar, levantou o olhar para a madrasta.
Eleanor sorriu.
— Embora pense que ele não interferirá, não posso estar segura. Talvez se zangue porque lhe roubaste o que lhe pertence.
Liam estava irritado.
— Fala de enigmas e não tenho tempo para joguinhos. Fale claro, Lady FitzGerald.
— Muito bem, falarei. Estou falando de Hugh Barry.
Ao ouvir o nome de seu amado noivo morto, Katherine ficou aturdida.
— Que brincadeira é esta? — Gritou
— Hugh morreu, Eleanor. Morreu em Affane há seis longos anos atrás.
— Não, Katherine. — Rebateu Eleanor. — Não sabia que ele sobreviveu aos ferimentos? Quando o chegou o momento de sepultá-lo junto aos outros, se deram conta que ainda estava vivo. Entretanto, estava perto da morte e passou ainda muitas semanas antes que os médicos estiveram seguros que sobreviveria. Foi um milagre. Um presente de Deus, dizem. Ele está vivo, Katherine. Hugh Barry está vivo.
Katherine vacilou. Liam a sustentou. Katherine sabia que devia se tratar de uma mentira. Uma horrível, maligna e dolorosa mentira. Porque se Hugh tivesse estado vivo a teria procurado muitos anos antes.
Não obstante… Não era possível que Eleanor dissesse semelhante mentira. O piso pareceu oscilar precariamente sob seus pés e ela se sentiu atordoada. Caiu nos braços de Liam.
E Quando o o pirata falou, sua voz lhe pareceu estranha e distante.
— E quem diabos é Barry? — Perguntou
Eleanor sorriu. — O noivo de Katherine desde que era uma menina. O homem que devia ter se casado com ela Quando o fizesse quinze anos. — Ela deu um longo olhar a Liam.
— Provavelmente, finalmente, apesar de tudo, decidirá se casar com Katherine, O’Neill.
Havia deixado de se preocupar com muitas coisas há muito tempo atrás, Quando o era um menino irlandês da corte, repudiado e bastardo, cruelmente ludibriado e escarnecido por outros meninos.
Liam Observou Katherine que secava os olhos com a ponta da capa.
Disse a si mesmo que não se importava. Recusava tomar decisões com o coração.
O fato de se preocupar era em todo caso perigoso, mas para ele podia reabrir velhas feridas que há tempo haviam se curado e, portanto cicatrizadas e esquecidas.
Com o rosto impassível, Liam a conduziu de volta ao cavalo, sempre lhe envolvendo os ombros e sustentando-a. No estado de histeria que se encontrava não estava capacitada para cavalgar sozinha.
De repente, o que estava por fazer superou o estado de choque de Katherine, a qual estremeceu. Com grande surpresa se voltou de repente para fitá-lo e lhe falou sibilando: — Não tenho nenhuma intenção de cavalgar com você, O’Neill!
— Não está em condição de cavalgar sozinha. — Ele rebateu.
As lágrimas lhe encheram os olhos e desceram ao longo das bochechas. — Não quero cavalgar com você. — Repetiu chorando e correu para o cavalo que MacGregor sustentava: montou fazendo revoar as saias, descobrindo as pernas.
— Então deve se acalmar. — Disse Liam seco, mas contra sua vontade, seu tom se tornou mais suave. — Pode cavalgar, Katherine?
Ela o fitou como se ele tivesse traído seu amor e sua confiança, portanto, tomou as rédeas das mãos de MacGregor.
Liam se deu conta imediatamente do que ela pretendia fazer. Enquanto o empunhava as rédeas fazendo girar de repente o cavalo e esporeando-o duramente com os calcanhares, Liam estendeu a mão para segurar as rédeas.
Falhou. O cavalo partiu e Katherine começou a galopar através da entrada principal, enquanto Liam saltou sobre a sela, amaldiçoando.
Embora os atos da jovem o irritassem, enquanto o tentava rapidamente alcançá-la, não pôde fazer outra coisa que admirá-la.
Abaixando-se, conseguiu segurar as rédeas do cavalo dela e desaceleraram o galope até reduzi-lo a um trote irregular. Katherine gritou furiosa.
Ele a Observou . A alvorada estava descendo atrás dela e seus cabelos a muito já sema touca estavam incendiados pelo sol nascente. Sua beleza o enfeitiçava, e seu espírito o surpreendia.
Como era peculiar, como o tentava, mesmo agora. As vísceras lhe pulsavam em pensar como seria domar uma mulher assim.
Liam esporeou seu cavalo para acompanhar o de Katherine. Seu joelho roçava a dela.
— Não tenho intenções de permitir que escape, Katherine.
Ela estava pálida e furiosa e ainda chorava.
— Mas eu tentarei!
Não confiando nela, Liam segurou firme a rédea na mão devido ela estar dominada pelas emoções tão violentas que era possível tentar fugir outra vez.
Contava com o fato que depois que ela se acalmasse se tornasse mais razoável. Que reconhecesse afinal, que não havia outra opção mais, que ficar com ele.
Entretanto, estava perturbado por um profundo sentido de culpa que nunca tinha provado na vida, porque a retinha contra sua vontade. Nenhuma mulher lhe havia oposto resistência antes. Observou Katherine enquanto o prosseguiam galopando e atravessando a Ponte de Londres, ultrapassando carruagens, carroças e mulas. Nunca tinha tentado seduzir uma virgem antes.
Pensou em Hugh Barry. Seu noivo ainda estava vivo. Liam se viu invadido por uma emoção violenta, terrível. Estava claro que ele não a deixaria livre de maneira alguma, para que voltasse para ele.
Havia desejado-a desde o primeiro momento em que a vira e nunca tinha sido assim tão paciente em sua vida. Cedo ou tarde a faria dele, não importava que Hugh Barry ainda estivesse vivo.
Agora era ele seu protetor. Ele e ninguém mais.
Ela correspondeu ao seu olhar e elevou o queixo, decididamente numa expressão de desafio: pretendia combater contra ele até o fim e a admiração de Liam por ela cresceu.
Mas esse desafio era perigoso. Ela era perigosa. Ele tinha de algum modo recolhê-la, entretanto não podia derrotá-la como faria a um verdadeiro inimigo.
Tinha que domá-la, seduzi-la, conquistá-la. Porque ele não era como seu pai, como havia mencionado FitzGerald. Shane O’Neill teria abusado da moça sem piedade e depois teria cansado se dela e entregue como pasto aos seus homens.
Liam sabia malditamente bem de não ser absolutamente como o pai, apesar da comparação que freqüentemente faziam. Entretanto, maldição, ele sentia remorsos e Shane O’Neill não havia sentido um só remorso em toda sua vida.
Mas, não havia lugar para uma consciência em sua vida.
Os homens que sobreviviam graças à astúcia e à força de vontade, com a espada e o canhão, faziam-no graças a uma total falta de consciência. A sua era uma vida de constante guerra. A vitória significava a sobrevivência. E, portanto aos vencedores correspondia a pilhagem, o troféu. E Katherine FitzGerald era um dos muitos prêmios que tinha conquistado.
Mas não só um prêmio, oh não.
Voltou-lhe a mente o oferecimento de Gerald FitzGerald de lhe dar Katherine por esposa, cruel e sarcástico como tinham sido os ricos jovens ingleses de nobre nascimento Quando o ele era um menino na corte; bom Deus. Ele não necessitava de uma esposa. Não necessitava de filhos. Na realidade estava decidido a não tê-los. E o fracasso de sua vida terminaria com ele. Não deixaria um filho como herança, como não lhe transmitiria a angústia.
Além disso, recordava muito bem o horror de Katherine Quando o seu pai a tinha oferecido para esposa. Entretanto, embora não necessitasse uma esposa, embora se recusasse a ter filhos achava que pensar em casar com Katherine era tentador.
Era impensável que um homem como ele pudesse se casar com uma mulher como ela. Se consolou com cinismo. Quão era ansiosa a impotência em se aliar com o poder, pensou. FitzGerald, a tempo atrás era um nobre Conde e agora estava ansioso para dar sua filha como esposa ao filho de Shane O’Neill.
Liam se perguntava o que Gerald pensava ganhar tornando-o seu genro. Talvez, pensasse se servir dele para fugir de Southwark como tinha tentado fazer dois anos antes, com outro capitão do mar que se tornara um traidor?
Duvidava. Só um tolo repetiria o mesmo engano duas vezes. Com toda probabilidade, Gerald procurava muito mais que fugir de sua prisão. Pensava em limitar o controle que ele possuía dos mares em que navegava?
Para vencer seu primo FitzMaurice?
Ele conseguiria facilmente depredar os navios francesas e espanholas que transportavam mantimentos e provisões para o rebelde irlandês. Mas isto não podia ajudar FitzGerald que estava na prisão, no exílio e que tinha perdido Desmond para sempre.
Isto só debilitaria FitzMaurice tornando-o fácil presa para os homens da rainha.
O que esperava FitzGerald obter de uma aliança com o homem que o mundo havia rotulado como o Senhor dos Mares?
Uma possibilidade começou a incomodar Liam. Endireitou-se na sela e deu a Katherine um olhar mais severo. Não tinha pressa, recordou do mesmo modo, Katherine era dele e se ele ousasse pensar no impensável e fazer o impossível, uma amante poderia facilmente se converter em uma esposa.
Apesar de suas intenções em permanecer indiferente como uma pedra, de permanecer sem consciência, a sensação de culpa o atormentava. Olhou furtivo para Katherine outra vez. Importava-lhe o bem da moça, certo? De outro modo ela voltaria para a Irlanda, para mendigar o pão, nada diferente das outras vítimas sem casa da guerra, que se encontravam lá. Ela necessitava de seu amparo, necessitava dele. E com o tempo aprenderia a gostar como tinha gostado a todas as outras mulheres. Procuraria a maneira que assim fosse.
Iria agradá-la no leito e fora dele. Cobriria-a de uma impensável riqueza.
Seus olhares se encontraram e se prenderam. Ela continuava a desafiá-lo e o ressentimento e a antipatia lhe faziam resplandecer o olhar.
Agora estavam deixando Londres as suas costas e Liam sentiu por sua prisioneira uma pontada de compaixão que não pôde reprimir e nem controlar. Seu coração parecia lhe doer e a sensação era fastidiosa. Recordava muito bem o que significava ver que levavam tudo para longe, ser impotente, uma vítima inocente e recalcitrante daqueles que detinham o poder, sob o poder absoluto de outros. Como ele próprio tinha naquele dia, dezesseis anos atrás, Quando o Shane O 'Neill abruptamente apareceu em sua vida mudando-a para sempre.
O menino a ouviu gritar e se aproximou silenciosamente da janela, abaixando. Deu-se conta que sua mãe estava chorando e seus temores aumentaram. Levantou a cabeça para olhar para fora.
Gemeu.
No pequeno pátio fora da casa, uma dúzia de homens estava montada em seus cavalos. Todos eram grandes e vestiam peles de urso rasgadas e usavam velhos escudos de ferro nas costas. Mostravam a cabeça calva e imensas espadas desciam de um lado do quadril. Debaixo dos mantos de pele todos usavam túnicas de lã tosca e tinham as pernas e os pés nus.
O menino ficou observandoo-os. Nunca antes tinha visto homens tão estranhos e selvagens.
— Não pode fazer isso, Shane! — Chorava sua mãe.
O menino olhou para a mãe. Mary Stanley era uma bela mulher com traços delicados e finos. Era elegante, mas agora estava com os olhos escuros de medo.
O pequeno gritou Quando o o imenso estrangeiro de cabelos emaranhados parou em frente a ela levantou o braço.
— Basta, mulher. — Gritou Shane. E a golpeou.
A mãe caiu por terra. O som do bofetão ecoou pelo pátio. Com um grito o menino correu para fora de casa, se dando conta muito tarde em não ter armas com as quais lutar contra o intruso.
— Pare! — E saltou em cima do desconhecido.
— Por Deus, o que é isto? — Shane O’Neill era quatro vezes maior que ele e se esquivou com pouco esforço. Ele caiu no barro ao lado de sua mãe que o segurou nos braços, com o rosto pálido de medo e as lágrimas que lhe brilhavam em seus olhos.
Mas ele não queria seu amparo. Queria protegê-la. Saiu de seus braços e se levantou.
Shane estendeu a mão e segurou pelas costas de sua veste de veludo, levantando-o literalmente do chão.
Shane se voltou para seus homens.
— Este é meu filho? — Estava incrédulo. — Um bobo inglês?
Liam deixou de lutar, porque simplesmente não havia maneira de se livrar do aperto do homem.
Esse homem, Shane O’Neill, o pai que ele nunca tinha conhecido, o homem que havia violado sua mãe anos antes Quando o ela se encontrava em viajem pelo mar. Mary havia lhe contado a verdade, mas ele tinha ouvido a historia muitas vezes, que era sussurrada as suas costas e da mãe, Quando o Mary e ele viviam na corte. Antes com a rainha Catherine Parr, e depois com a princesa Elizabeth.
Agora os guerreiros irlandeses gargalhavam. Riam ante a visão do menino com colete azul e calça branca, que estava pendurado nas mãos de seu chefe.
Aborrecido, Shane o deixou tão de repente, que ele aterrissou de costas sobre o solo duro. O odiou entrou dentro dele, que imediatamente se levantou.
— Não toque em minha mãe.
O sorriso de Shane alargou e logo se pôs a rir.
— Eu faço o que quero, moço. E de agora em diante você fará como eu digo. Agora você virá comigo.
— Não! — Sua mãe se levantou cambaleando e segurou desesperada o braço de Shane, com parte do rosto torcido e sujo de sangue.
Ele permaneceu imóvel.
— O menino vem comigo! — Trovejou Shane. — Por Deus, agora me dou conta que quase cheguei muito tarde, que você o transformou em um tipo de homem, do qual os outros mofam! Por Deus! Não quero que meu filho seja um inglês afetado e fraco!
— Senhor, não! — Sua mãe caiu de joelhos, segurando a barra da túnica de Shane. — Por favor, Shane. Não faça isso. Por favor, não leve meu filho! Rogo-lhe. Não posso suportar.
Shane a chutou para longe. Antes que o menino pudesse reagir e correr para a mãe, ou fugir do pai, Shane o pegou por uma orelha.
— Vamos para Tyrone. Sim, de agora em diante você é um O’Neill. Agora cavalgará comigo, rapaz. Farei de ti um homem, um verdadeiro O’Neill, ou o matarei. — E o arrastou adiante, levantou-o e colocou sobre um imenso cavalo marrom.
Ele estava aturdido e dolorido. Tinha a sensação que lhe haviam arrancado a orelha da cabeça, mas conseguiu se sentar na sela. Cheio de pânico e ciente dos soluços sufocados de sua mãe que lhe rompiam o coração, estava decidido a fugir.
— Quer me desobedecer? — Gritou Shane lhe agarrando o joelho ossudo, impedindo-o de deslizar pelo outro lado do cavalo. Logo a mão suja bateu em outra parte de sua cabeça. Em seu cérebro explodiram centelhas e seu estômago se revoltou. Quando o se recuperou estava atrás dele no cavalo e já se afastando ao trote de Stanley House.
— Liam! Liam! Oh, Deus, Liam! — Gritava sua mãe. Ele se voltou sobre a sela, apesar do aperto tenaz de Shane. Sua mãe estava perseguindo-os, atrasada por suas e soluçando, com as mãos estendidas. Chamou-o novamente e desta vez tropeçou e caiu no pó, em uma pilha de seda e veludo.
Um soluço lhe fugiu do peito.
— Nenhum de meus filhos chora. As lágrimas são para as mulheres, não para os homens. — Grunhiu Shane, lhe golpeando novamente a cabeça.
Ele engoliu outro soluço, sufocando-o e depois outro, e mais outro, ignorando a dor do coração e da cabeça.
A primeira lição de seu pai tinha sido cruel, mas foi uma lição que aprendeu em seguida.
E desde então nunca mais tinha chorado.
— Sir William!
William Cecil dormia em seu leito com dossel em Cecil House, em Londres. Seu ajudante de quarto teve que chamá-lo várias vezes antes que o secretário se movesse. Resmungando, sentou-se.
— O que acontece Horace? Bom Deus! É passado da meia-noite!
— Sir William, há um cavalheiro que o espera no saguão. Insiste que é muito urgente e que precisa lhe falar!
Cecil gemeu e jogou de um lado as grossas mantas e saiu do leito. Seu criado o ajudou a vestir o roupão de pele. Seguindo, Cecil deixou o dormitório. Abriu os olhos e logo os fechou Quando o viu o visitante. Se voltou. — Pode nos deixar sozinhos, Horace.
O ajudante obedeceu, fechando a pesada porta de nogueira às suas costas.
Cecil se voltou para seu hóspede coberto por um manto.
— O que aconteceu?
— Foi um amanhecer muito estranho em St.Leger House. — Começou o visitante. — Quando o fiz minha ronda, os guardas estavam despertando. Alguém os pegara de por surpresa, mas um deles despertou a tempo de ouvir algumas vozes no pátio. Uma era a de Eleanor FitzGerald. Logo pôde se levantar a tempo de ver três cavalheiros que fugiam para a Ponte de Londres. Um dos cavalheiros era um homem insolitamente alto com cabelos loiros. Os outros, um deles era uma mulher.
— Eleanor FitzGerald tem encontros amorosos ao amanhecer? — Perguntou bruscamente Cecil.
— Não, era uma mulher distinta, bem mais alta que Eleanor. Entrou em sua casa.
Cecil absorveu tu de cenho franzido.
— Três visitas em St.Leger House. O que estarão tramando agora, em nome de Deus, FitzGerald e sua esposa? Quem ousaria se aliar a eles?
Cecil não esperava que seu agente lhe respondesse e continuou a falar, essencialmente para si mesmo. — FitzGerald deve se resignar ao exílio perpétuo daquela maldita terra que ele chama de pátria. Duvido que faça algum dia. E agora, novos visitantes. — Cecil se voltou para o espião. — Instrua seus homens que St.Leger deve ser vigiada dia e noite. Se estes visitantes voltarem devo saber quem são.
O agente assentiu e partiu.
Cecil lhe falou com o aposento vazia, sério.
— Por Deus! Visitantes noturnos deve significar conspiração e FitzGerald ainda conspira contra a rainha! Conspirar com o Conde Lame agora? Quem poderia ser tão tolo ou tão ousado? — Cecil estava muito pensativo.
Estava farto do problema irlandês. Um problema infinito de desafios e rebeliões, causados por celtas selvagens e meio loucos; era uma questão que tinha que resolver.
A rainha devia ter o controle completo da Irlanda, de outro modo, os inimigos da Inglaterra instalariam uma base perigosa. E não havia dito sempre desde o começo, que era uma loucura transladar FitzGerald da Irlanda? E estava certo. A prova era o louco e muito ardiloso James FitzMaurice, o chefe dos rebeldes que gozava do apoio da França, Espanha e da Igreja.
Sir William estava decidido a conhecer a identidade dos novos conspiradores.
Provavelmente, só provavelmente haveria uma oportunidade que poderia ser do agrado de todos, e terminar com o assunto.
O homem gritou.
Os soldados estavam impassíveis enquanto o observavam o corpo tenso na roda. Quando o os terríveis gritos cessaram um deles se adiantou, com jaqueta vermelha, calça clara e uma espada que claramente não era de cerimônial.
O senhor de Tillbury Castle aproximous rosto ao do homem.
— Vamos, marinheiro. Agora pode falar? Por que você e seu amigo desembarcaram em Tillbury Beach? A quem transportam? A quem esperam? Tem apenas um minuto para dizer o que quero saber de ti. Da próxima vez a roda girará e lhe arrancará os braços e talvez também as pernas.
— Rogo-lhe! Tenha piedade. Deus. Não! — Soluçou o marinheiro. — Eu direi!
O senhor assentiu. — Fale.
— Nós… Nós somos do SeaDagger.
O castelão abriu muito os olhos.
— O SeaDagger? O navio de Liam O’Neill?
O marinheiro fez um grunhido gutural, que obviamente era uma afirmação.
— O’Neill está aqui? Em Tillbury?
— Não, senhor. Nós o estamos esperando para levá-lo ao navio.
O senhor começou a rir e esfregou as mãos, realmente contente.
— Sangue de Deus! Possivelmente hoje seja meu dia de sorte! O quanto ficará feliz a boa rainha, Quando o eu lhe entregar o mais famoso Senhor dos Mares!
De repente se voltou para o marinheiro ainda na roda.
— Onde foi O’Neill? Que missão foi cumprir?
O marinheiro balbuciou. — Não sei.
O desgosto atravessou o rosto do Senhor do castelo, que fez um gesto ao homem para girar a roda.
O marinheiro gritou. Gritou e gritou.
Troteavam pela estrada e logo Tillbury Castle aparecia diante deles. Katherine estava tão cansada que mal se sustentava na cela. Cansada de não poder mais pensar. Seu corpo protestava de dor, os músculos lhe doíam pelas muitas horas que havia passado montada na sela. Mas à vista do castelo que se recortava contra o céu azul lhe deu força.
Embora a estivesse conduzindo para seu destino, o navio pirata, estava muito exausta para se preocupar com qualquer outra coisa que não fosse descer do cavalo o mais breve possível. Depois de ter descansado pensaria no futuro.
Até esse momento devia se segurar ao conhecimento de que Hugh estava vivo.
Porque esse conhecimento a enchia de alternativas e isso lhe dava esperanças.
De repente Liam se ergueu na sela e pôs sua mão na espada.
— Mac, — murmurou, — há algo que não está certo.
MacGregor estendeu a mão sobre a pistola e segundo depois foram rodeados por um bando de homens armados com espadas.
Uma dúzia de homens a pé apareceu dos bosques e se jogaram sobre eles.
Katherine gritou enquanto o as espadas se cruzavam.
Liam não desmontou, instigou o cavalo adiante enquanto o se lançava e enfrentava o primeiro assaltante, evitando imediatamente os golpes do homem e ferindo-o no peito. O homem caiu, o sangue que se estendia sobre seu colete. Seu cavalo, ferido pela espada relinchava furioso e começava a sangrar.
O terror de Katherine não diminuiu Quando o se deu conta de estar rodeada por Liam e o escocês, como se tratassem de protegê-la. Liam continuava a lutar, com os mesmos resultados, decapitando ou ferindo outro soldado. Enquanto o isso, MacGregor lançou sua pistola de lado depois de ter matado um assaltante, e agora brandia a espada com a mesma capacidade mostrada por seu capitão.
Katherine apertou as rédeas, observandoo com desenfreado terror que Liam e MacGregor rechaçavam os numerosos assaltantes. O terreno ao seu redor já estava coberta por coletes cinza. Como era possível que Liam e MacGregor pudessem verdadeiramente derrotar todos os soldados? Entretanto parecia que a vitória estava ao alcance deles.
Logo Katherine viu chegar reforços. Mosqueteiros.
Seu coração pareceu parar no peito. Katherine abriu a boca para advertir Liam. Muito tarde.
A bala de um mosquete assobiou ao lado de sua cabeça e depois outra. Liam ainda estava ocupado em um duelo com a espada, com seus dois últimos adversários.
Katherine nunca tinha imaginado que um mortal pudesse combater com tanta energia e tão letalmente, despachando seus opositores um atrás do outro.
Logo um terceiro projétil transpassou o ombro de Liam, deixando um buraco em sua capa. Ele havia sido baleado no ombro esquerdo, por atrás. Se tivesse sido o direito estava perdido.
Mesmo como estava, seu braço direito se moveu com rapidez de um raio decapitando o último adversário. Logo tudo terminou, minutos depois que havia começado. Os mosqueteiros os rodeavam. Uma dúzia de mortais mosquetes carregados e preparados para disparar contra eles.
Liam baixou a espada e MacGregor fez o mesmo. Ambos ofegavam, com o rosto empapado de suor. Tinham os braços e mãos cobertos de sangue. Katherine olhou a mancha de sangue nas costas de Liam. Seu estômago ameaçou esvaziar e seu corpo todo tremia.
Um homem se separou do grupo, avançando a cavalo, para enfrentar Liam. O colete vermelho era guarnecido por correntes de ouro e cintas negras. Usava chapéu com pluma de maneira conservadora.
Sustentava a espada com uma mão enluvada, de maneira quase distraída. Mas não havia nada de fraco em seus olhos negros e nem em sua expressão dura.
— Sou sir Walter Debrays. Senhor de Tillbury. — Ele anunciou. — Derrube sua espada, capitão O’Neill. É meu prisioneiro.
Liam sustentou o olhar por uma fração de segundos, logo depôs as armas.
Foram escoltados através de uma ponte levadiça, que havia sido baixada através das barras e pararam em um segundo pátio. Foi ordenado desmontar. Katherine obedeceu porque estava assustada. Embora não amasse seu sequestrador, sabia que dentro poucos dias ele encontraria o Criador. A nenhum pirata seria concedido viver, sequer na prisão. Por alguma razão, não lhe pareceu justo.
Mas não podia pensar nisso agora. Encontrava-se entre Liam e MacGregor, dolorosamente consciente da batalha silenciosa de Liam contra o sofrimento.
Debrays se interpôs entre eles, empurrando Katherine adiante.
Ela havia colocado o capuz colocado e o homem o atirou para trás.
— Quem você é? — Perguntou-lhe.
Katherine não respondeu.
Naturalmente deveria revelar ser uma prisioneira e então ele a libertaria. Mas dessa maneira agregaria o crime de seqüestro aos muitos outros dos quais Liam seria acusado. Pensou. Ele merecia um castigo, mas não acreditava que merecesse a morte.
Apesar de tudo, ele não tinha lhe violado. Sim, havia capturado. Mas nem ele nem seus homens tinham feito mal a ela e nem a Juliet.
— Não responde. — Debrays sorriu e se dirigiu a Liam. — Sua mulherzinha é muito bela, O’Neill. Dizem que suas mulheres são sempre jóias estupendas.
A expressão de Liam permaneceu indecifrável.
Em efeito, parecia irritado, apesar de sustentava o braço esquerdo ferido apertado contra o torso.
— Não é minha mulher. É minha prisioneira.
Debrays gargalhou, incrédulo.
— Se fosse sua prisioneira, O’Neill, ela não o olhariam com tanta preocupação! Vamos, dizem que é mais que inteligente, mas esta resposta é muito estúpida.
Um músculo da maxilar de Liam enrijeceu.
Finalmente ele voltou seu olhar em Katherine e ela pensou ler nele uma advertência.
Debrays sorriu e atraiu-a a si. Deslizou uma mão sob a capa para apertar um seio. Katherine gritou, chutando-o. Liam saltou adiante, e logo foi contido por quatro estoques de ponta afiada contra o peito, que lhe rasgaram a camisa. Deteve-se.
Debrays arqueou uma sobrancelha sempre acariciando o seio de Katherine e mostrando-o.
— Ahhh… Somos possessivos com nossos brinquedos, não?
— Ela é minha prisioneira. — Ratificou bruscamente Liam.
— E eu pretendia obter um resgate por ela. Foi a razão pela qual pus os pés em terra inglesa. Ela é Katherine FitzGerald, Debrays, a filha do Conde de Desmond. Sugiro tratá-la com o respeito que merece.
Debrays sobressaltou.
Katherine umedeceu os lábios. Tinha-lhe passado pela mente que Debrays, diferente de Liam, lhe violado e gozado ao lhe causar o abuso.
Deu-se conta de que Liam estava defendendo-a.
— Eu sou filha de Gerald e Joan FitzGerald. — Conseguiu murmurar. — E exijo que tire suas mãos de minha pessoa.
O homem a retirou. Olhou-a fugazmente e logo para seu rosto pálido e gracioso. Apertou o queixo.
— Randolph, leve-a para dentro e consiga tudo o que necessite. — E se voltou para Liam. — E você O’Neill, irá para o calabouço enquanto o espero as ordens do grande Almirante.
Um jovem soldado se postou ao lado de Katherine, o olhar curioso. Katherine o ignorou. Liam e MacGregor eram rudemente empurrados através do pátio. Katherine reprimiu um grito. A capa de Liam estava quase completamente vermelha nas costas. Deu-se conta que ele poderia muito bem morrer por causa do ferimento, não pelo laço de um verdugo.
— Lady FitzGerald?
Katherine voltou os olhos para o indeciso soldado, logo para enfrentar o senhor do castelo.
— Sir Walter! — Exclamou. — Não pode levar esse homem ao calabouço sem antes ser examinado por um medico.
Debrays, arqueou uma sobrancelha.
— Como está preocupada com seu bem-estar, Lady. Ou talvez não seja somente sua prisioneira? Ou provavelmente não seja sua prisioneira?
Katherine recordou o grande corpo excitado de Liam sobre o dela e a tempestade de desejo que havia provado como resposta. Enrubescendo, respondeu:
— Fui raptada no ma,r senhor. Efetivamente, o capitão O’Neill fez seu pedido de resgate só poucas horas atrás. — Mentiu.
— E a prisioneira começou a babar pelo viril capitão? — Zombou Debrays.
— Não!
— Então não se preocupe com seu bem-estar, Lady FitzGerald. — Debrays fez um sinal de cabeça ao soldado. — Leva-a para dentro, Randolph.
— Sim, senhor. — Randolph a pegou pelo cotovelo e Katherine não teve outra escolha que segui-lo através do pátio e a entrada principal. Disse a si mesma que estava contente. Finalmente estava livre de seu sequestrador. Mas continuava vendo as costas ensangüentadas. Continuava imaginá-lo em um calabouço escuro, perto da morte.
A Katherine foi atribuída um aposento pequeno no piso acima da entrada e uma criada pessoal que se ocupasse dela. Tomou um banho, mas tinha pouca fome. Os acontecimentos de toda sua aventura, desde a captura no mar continuavam a obcecá-la.
Recordava como seu pai havia lhe entregado em casamento a Liam O’Neill. Pensou no feirmento do pirata e se perguntou se poderia supurar, matando-o.
Passou uma noite inquieta. Sonhou com o pai, mas não um esquálido prisioneiro em St.Leger House, mas como o Conde de Desmond no comando de Askeaton, sua casa. Em seus sonhos, Gerald era audaz, efervescente e estava vestido com suas roupas melhores. E sua elegante mãe, a Condessa Joan, ainda vivia.
Katherine se surpreendeu Quando e Hugh apareceu. Um jovem sardento, que tentava lhe roubar um beijo. Estava feliz em agradá-lo. Beijaram-se, riram e se beijaram novamente. Mas depois Liam se materializou e os separou.
Katherine não era mais uma menina, mas uma mulher. E Hugh havia desaparecido.
Quando Liam a abraçou, seus braços se derreteram no sangue. Katherine gritou. Liam se tinha ido e suas mãos jorravam sangue.
Katherine despertou como se não tivesse dormido nada. Devido estar na Inglaterra recitou uma breve e furtiva prece, ajoelhada em seu quarto, depois de ter enviado à criada a procurar algo para comer. Tentou terminar de rezar antes do retorno da mulher. Embora a rainha não perseguisse abertamente os católicos teria que se adaptar com os novos ritos religiosos.
Passou o resto da manhã a passear, nervosa, incapaz de se impedir de pensar em Liam. Disse a si mesma que não importava se o ferimento supurasse e ele morresse, mas seriamente não pensava assim.
Um dos homens de Debrays apareceu, um pouco depois de meio-dia.
Era o jovem soldado Randolph.
— Deve vir comigo, Mademoiselle. Por favor, traga sua capa.
Katherine não tinha outra opção e seguiu o soldado ao longo da estreita escada de pedra. Seu coração lhe pulsava rápido e forte. Talvez Debrays tivesse decidido, depois de tudo, permitir que se preocupasse com Liam? Ou a liberaria? A última possibilidade não lhe parecia possível. Pelo menos não ainda.
Quando o entrou em pátio, notou-o e estremeceu. Do outro lado do pátio, Liam e MacGregor chegavam escoltados por seis soldados. Embora estreitasse os olhos ante a luz do dia, após de ter ficado na escuridão total por mais de vinte e quatro horas, Liam caminhava sem necessidade de ajuda. Seu braço estava amarrado ao lado do corpo, em com uma tosca atadura. Enquanto o se aproximava, ela viu que sua camisa havia sido tirada e era usada como atadura e suporte. Sob a capa manchada de sangue, ele estava nu da cintura para cima e os músculos do ventre e do peito se contraíam enquanto o se movia. Viu também seu rosto avermelhado pela febre. Mas já tinha visto coisas piores. Claramente o pirata possuía a constituição de um boi.
Seus olhares se encontraram. A expressão dele era divertida e consciente, como se advertisse a preocupação dela, e o brilho que a fazia enfurecer a induziu lhe fazer uma careta. Liam estava bem longe de morrer. Devia saber que uma pequena bala de mosquete não era nada para ele.
De repente Debrays disse às costas dela:
— Deve estar contente, Lady. Está vendo seu sequestrador.
Katherine ficou rígida e se voltou lentamente.
— Estou feliz que esteja vivo, sir Walter. Chama-se caridade cristã e gentileza humana, nada mais.
— Eu gostaria de um pouco de sua caridade cristã. — O homem rebateu, rindo.
Katherine permaneceu rígida. Esse homem sabia ou observava muito. Não tinha como saber que entre ela e Liam havia acontecido coisas bem mais que inocentes. Ou tinha?
Ela se deu conta de ter enrubescido sentindo-se culpada. Estava ansiosa para se afastar de Tillbury e deste homem perigoso.
— Por que reuniu todos no pátio?
Os dentes amarelos de Debrays brilharam.
— Vocês foram convocados a irem a Whitehall, Lady FitzGerald. Os três. A rainha solicita imediatamente vossas presenças.
Katherine se assustou e seu olhar encontrou o de Liam, que não havia reagido ante a notícia que seria enviado a uma audiência com a rainha, à prisão e em última instância, à morte.
À exceção de sua recente visita pai em Southwark, Katherine nunca havia estado em Londres antes. Até dia horrível da batalha de Affane, Quando o somente tinha treze anos, nunca havia chegado além de Cork, ao oeste e Galway ao nordeste, salvo uma vez Quando o acompanhara seus pais a Dublin.
Dublin era a cidade maior da Irlanda, mas como se encontrava na região de Pale e era controlada por lordes ingleses, onde residiam. O Conde de Desmond e sua esposa não freqüentavam muito a cidade.
Londres fazia Dublin empalidecer. Indubitavelmente era a cidade maior que Katherine já havia visto. E havia tanto a ver! Desde as grandiosas casas dos aristocratas nobres ao largo do Tamisa, aos antigos edifícios periféricos com o teto de palha que abrigavam bordéis, peixarias e armazéns. Imponentes catedrais se sobressaíam sobre os bairros de ruas estreitas e cheias de lixo e de casas de madeira.
Mulas magras transportavam pilhas de lenha se sobressaíam tanto ao lado de carruagens esplêndidas engalanadas com os brasões da família e criados de libré, que podiam alimentar uma família pequena para um ano inteiro.
Estudantes com trajes escuros roçavam os ombros de jovens artesãos e ambos se voltavam com olhares suspeitos ou hostis para nobres que eram transportados de maneira tão arrogante.
Mendigos de todas as idades e sexos percorriam esses meios de transporte e se um nobre ou uma Lady ousassem atravessar a rua a pé, mesmo escoltados, os ladrões e trombadinhas imediatamente começavam a trabalhar.
Havia mercado em qualquer parte e Katherine estava excitada ao atravessar um com as bancas cheias de mercadorias e produtos que ela nem sabia que existiam no mundo, muito menos em um só lugar.
Notou as espécies e sedas do longínquo Oriente, vidros de Veneza e peles das refloresta suecas e norueguesas.
Havia todo tipo de adornos, chapéus para homens, luvas, pedras preciosas, franjas de todas as cores, plumas exóticas, almofadas bordadas e perfumadores esmaltados até estranhas e baixas cadeiras francesas. Havia um mercador que vendia potes de cosméticos. Katherine viu pó branco como o leite e outras várias tonalidades.
Outro vendia somente aquecedor, e bom Deus era de prata. Outros, tortas e doces. Teria gostado muito de andar entre as pessoas no mercado, observar as mercadorias e os cavalheiros e as madames que discutiam e negociavam com os mercadores, artesãos e camponeses, os artigos que pretendiam comprar.
Mas não era possível. Não nesse dia. Era uma prisioneira. Não do pirata, mas da rainha. Estava se dirigindo a uma audiência com a soberana, e talvez ao encontro de seu destino.
O King Street Gate apareceu diante deles. O coração de Katherine começou a pulsar desordenadamente. Ela olhou para Liam que cavalgava entre dois dos homens de Debrays, mas não demonstrava sinal de temor, nem de contrariedade ou terror. Não podia acreditar que ele não tinha sentimentos e teve que admirar sua compostura, porque ela estava destroçada.
No instante que passaram a grade através da arcada baixa de pedra, uma vintena de guardas da rainha, esplêndidos em vermelho e ouro, vieram ao encontro.
Percorreram uma rua pavimentada para o interior do imenso pátio, com os vastos jardins particulares à direita, as sebes ainda verdes, as árvores e os campos de tênis, as arenas para as rinhas de galos à esquerda. Do outro lado dos jardins havia outras galerias e vários alojamentos. De frente para eles se encontrava a nova Banquet House da rainha, a Privy Gallery e a parte do palácio que continha a Sala do trono, a Câmara do Conselho e os aposentos. Longe à direita, Katherine pôde ver a Capela, e além desta o rio Tamisa.
Os cavalos se detiveram. O capitão da guarda, um homem espigado e de cabelos escuros, desmontou e se aproximou de Debrays, que por sua vez desceu do cavalo. Falaram brevemente e o capitão voltou os olhos azuis para Liam e logo para Katherine.
O homem teve um fugaz estremecimento Quando o seus olhares se encontraram.
Um momento depois se afastou de Debrays e se postou ao lado de Katherine.
— Sir John Hawke, capitão do guarda. — Ele se inclinou. — Se importaria em desmontar, Lady FitzGerald?
Katherine desceu do cavalo e quase cai, por causa do cansaço e a tensão. Hawke a colocou imediatamente de pé. Ela deu um passo para trás e de repente se deu conta de que os olhos de Liam estavam cravados nela. Surpreendeu-se. Tinha a crença que a ele não importava que fosse tratada com familiarmente por outro homem, mesmo por que não houvera nada de indecoroso.
— Lady FitzGerald? — Disse o capitão educadamente, e seus olhos azuis continuavam a fitá-la. — Queira me seguir.
A Katherine não restava mais que obedecer, por que não era uma proposta, mas uma ordem. Olhou novamente para Liam e viu que ele estava à retaguarda e rodeado por vários guardas, como MacGregor. Debrays os acompanhava com seus seis homens.
O capitão Hawke os escoltou para a Gallery, uma larga estrutura de madeira que percorreram em todo o seu comprimento. Katherine reprimiu uma exclamação. O teto era forjado de pedra e ouro e os painéis de madeira eram lavrados com centenas de figuras.
Diante deles, uma porta maciça fechada. O grupo se deteve e todos esperaram que um mestre de cerimônias da corte anunciasse sua chegada.
O coração de Katherine pulsava irregularmente. Não podia compreender com Liam se mantinha tão calmo. Não havia necessidade que lhes dissessem que a rainha estava dentro daquela imponente porta fechada.
Uma fila de damas e cortesãos saiu da Câmara particular e Katherine abriu a boca surpresa. Não fez mais que observá-los. Nunca havia visto similar elegância, similar riqueza. Os homens usavam sapatos de couro com fivelas de ouro ou prata, belas calças de seda de todas as tonalidades imagináveis. Os coletes com os lados acolchoados e bordados, de mangas curtas ou cheias de fitas. Seus rostos eram emoldurados por golas fantásticas e quase todos usavam bigodes e barba curta. Grossas correntes de ouro e anéis de pedras preciosas faiscavam. Muitos deles usavam chapéus negros com extravagantes plumas.
Katherine Observou às mulheres.
Seus vestidos eram mais dos mais ricos brocados, veludos e sedas que jamais havia visto. Com saias imensas, sustentadas por crinolinas espanholas que tornavam suas cinturas ainda mais finas.
Todas as mulheres usavam cintos de ouro ou prata, cobertos de jóias, nos quais penduravam chaves ou um leque ou um espelho. Os corpetes dos vestidos eram baixos e quadrados, com mangas bufantes As golas que as mulheres usavam eram fantásticas como a dos homens. Também usavam correntes, brincos e estranhos anéis. Todas usavam golas. Ou de seda ou de veludo, todas eram bordadas e freqüentemente cobertas de pedras preciosas ou pérolas.
Katherine também se deu conta de que todas as mulheres estavam maquiadas. Eram todas muito pálidas, com as bochechas brancas como a clara de ovo, sobrancelhas depiladas e os lábios vermelhos. Algumas inclusive pintaram filhas linhas vermelhas no seio semi exposto, quase com indecência por causa do decote pronunciado, parecendo pequenas veias.
Quando o grupo passou, Debrays foi introduzido sozinho na Câmara. As portas foram fechadas.
Katherine se sobressaltou, se dando conta de ter permanecido deslumbrada com o desfile da nobreza. Olhou para Liam e notou que ele estava sorrindo levemente ante sua reação a tão evidente esplendor da corte da rainha Elizabeth.
Estava furiosa, ante a idéia de que ele pudesse pensar que ela era uma camponesa. Pior ainda, seu vestido era velho, muito velho e embora estivesse conservado se dera conta do quão estava fora de moda. Além disso, não estava maquiada, e não saberia por onde começar. Como devia parecer insignificante a ele. Um patinho feio em meio a cisnes. Desviou o olhar, com os lábios cerrados firmemente.
Sangue de Deus! Como ele podia ficar ali olhando para ela de tal forma, Quando o estava para se reunir com a rainha, e que em poucos momentos mais seria enviado à Torre de Londres?
As mulheres, sim eram belas!
Certamente uma delas teria atraído seu olhar predador. Pensar de outra maneira era impossível!
Katherine continuou a manter as costas para Liam, com os ombros empertigados. E as portas da Câmara particular ainda estavam fechadas. O que estava dizendo Debrays, a rainha?
Talvez estivesse dizendo que duvidava que Katherine fosse à rebelde prisioneira de Liam? A rainha acreditaria? Ela a libertaria e permitiria voltar para casa, para se casar com Hugh?
Katherine se deu conta de que sua decisão havia se tornado muito forte. Compreendia nesse momento que os últimos seis anos tinham sido para ela uma grande perda. Havia ficado em tal e completo isolamento, que tinha perdido seis anos cruciais, precisamente na flor se sua vida. Não só soubera nada do destino do pai e de Desmond. Não só havia sido particular de um marido e de filhos, mas também de um mundo maravilhoso e moderno.
Não era muito tarde, pensou com raiva, para recuperar o que havia perdido. Ainda não era velha. Teria filhos e uma vida toda dela. Certamente depois de dar a luz algum filho poderia voltar a esse excitante lugar.
Tentou se imaginar com Hugh e filhos sorridentes e alegres, enquanto o exploravam os mercados de Londres; mas como não o vira Quando o era um moço não tinha a imaginá-lo como homem. Deixou de pensar.
As portas se abriram de improviso e Debrays apareceu, com a fisionomia alegre.
Katherine se encheu de pânico. Seu pai havia caído em completa desgraça e ela também teria que padecer a mesma sorte, em poucos minutos. Ser relegada ao lado de seu pai em Southwark não era melhor que voltar para convento.
Decidiu se mostrar cautelosa ao máximo. Da rainha sabia somente o que diziam os boatos; que era culta, que falava muitos idiomas fluidicamente e que se zangava facilmente. Que freqüentemente perdia a paciência Quando o seus súditos a chateavam. Mas que também era justa. Katherine rogou que o dia estivesse em plano de justiça. E se preparou para defender sozinha sua causa, porque ninguém a ajudaria.
Um homem apareceu na porta, fugazmente rodeado por duas colunas de mármore que se erigiam para sustentar o alto teto da sala de espera, onde estavam esperando.
Seu olhar se voltou para Liam, MacGregor e se deteve um instante sobre Katherine.
— Sou sir William Cecil. Sua majestade vai recebê-los.
Katherine mal respirou e olhou fugazmente para Liam, que sorria levemente. Um sorriso de estímulo? Seguiu Cecil sempre sentindo os olhos de Liam cravados nela e MacGregor logo atrás.
De repente tropeçou, em frente à rainha da Inglaterra. Elizabeth estava sentada no trono sobre um assoalho. Estava imóvel, como se fosse esculpida em rocha e por um momento Katherine a fitou. A rainha correspondeu ao seu olhar.
Estava tão esplêndida, que dominava o incrível aposento e Katherine não pôde sequer notar o fantástico afresco de Holbein na parede atrás de dela. Não viu nada mais que a rainha da Inglaterra.
A soberana vestia um vestido de damasco purpúreo embutido com milhares de contas de ouro e um fio que descia e fazia ressaltar sua cintura estreita, marcada por uma grossa corrente de ouro ornamentada com rubi e pérolas.
O vestido com um decote pronunciado revelava o grande colo de marfim fazendo com que a Rainha parece um pouco voluptuosa. Um rubi maior que o polegar de Katherine aparecia entre os seios. A cabeça estava emoldurada por um ornamento rosa e branco, o maior que Katherine já havia visto.
Seu cabelo vermelho era crespo e atirado para trás de maneira austera, com uma touca de veludo escuro bordada com pedrarias multicoloridas.
A rainha estava com trinta e sete anos. Em tempo passado devia ter sido bela, e ainda era atraente.
A pele de cor marfim era imaculada, não estava maquiada de cor de clara, e o rosto ovalado era perfeito, enquanto o os olhos embora cansados brilhavam e emanavam inteligência. Sua figura era muito delgada. Se não tivesse o nariz largo e a boca fina de seu pai, ainda seria uma beleza, apesar da idade.
William tossiu.
Ela se conscientizou de estar coibida como uma moça do campo. Enrubescendo fez uma reverência.
Quando o se levantou viu o olhar da rainha se voltar para Liam O’Neill. Era um olhar frio, autoritário e, entretanto havia um resplendor neles. Depois se dirigiu a Katherine, que ainda estava lívida de vergonha.
— Está conspirando com seu pai contra nós, jovem?
Katherine gemeu e sentiu que desfaleceria.
— Perdão?
— Você ouviu muito bem. Está conspirando com seu pai contra a Coroa da Inglaterra?
Katherine gemeu novamente. Não havia passado por sua mente que alguém pudesse lhe acusar de conspiração. De traição!
— Não, Sua Majestade! Como pode pensar algo tão abominável?
O olhar de Elizabeth se deteve em Katherine, dos pés a cabeça.
— Quando o Senhor dos Mares tem um encontro com FitzGerald e sua filha antes da alvorada devo pensar o pior.
Katherine ficou chocada. Fitou Liam, que permaneceu imperturbável.
Na realidade, o tolo se mostrava indiferente, apesar da atadura, como se estivesse relaxado.
Sob a capa aberta, Katherine viu que seu peito nu não se movia. Ele não tinha intenção de falar? De interromper a perigosa discussão antes que avançasse mais que o devido?
— Sua Alteza! Disse Katherine. — O Senhor dos, quero dizer, Liam O’Neill me raptou no mar. Ele se encontrou com meu pai para pedir um resgate. Nada mais! Posso assegurar! — Katherine estava com seu rosto vermelho por ter novamente mentido e desta vez para a rainha da Inglaterra.
A rainha a fitou.
— Mas por que estava presente, se não para planejar uma traição, jovem?
Katherine ficou pálida e sua mente se obrigou freneticamente a trabalhar em busca de uma resposta acreditável.
— Supliquei a ele. Eu não via meu pai há seis longos anos.
Elizabeth estudou Katherine, aparentemente sem abrandar-se, logo se dirigiu a Liam.
— É verdade, canalha?
Ele sorriu.
— Sim. Capturei um pequeno navio francês, sem sequer sonhar em conseguir capturar similar prêmio, Sua Majestade. E certamente conhece como as coisas funcionam em alto mar. A pilhagem foi minha. Tudo. Por isso fui até FitzGerald pedir um resgate. Nada mais.
Katherine se voltou para Liam, que ainda mostrava a sombra de um sorriso, e logo para a rainha cujos lábios estavam firmemente cerrados em uma linha fina e indecifrável.
— Esta é uma história bela e muito boa. — Seu tom de voz pressagiava uma reprimenda.
O sorriso de Liam brilhou mais sedutor que nunca.
— A jovem soube ser muito convincente. Não vi nada de errado em consentir que me acompanhasse até seu pai.
A rainha o fitou. — E lhe fez mal?
Liam inclinou a cabeça. — Realmente, não.
Katherine ainda estava aterrorizada e também incrédula, incerta se dessa maneira Liam a defenderia da acusação de conspiração.
O que estava acontecendo? Quase lhe parecia que a rainha conhecia Liam. Melhor, parecia que gostava de dele. Mas não era possível. Liam era um pirata.
— Sua Majestade, — Katherine apressou-se em intervir, — Ele não me fez nenhum dano. O’Neill diz toda a verdade e eu lhe suplico que me libere.
Elizabeth se voltou para Katherine a qual, muito tarde, deu-se conta de ter interrompido uma conversa particular.
Uma sobrancelha avermelhada se elevou.
— Defende este homem depois do que ele lhe fez?
Katherine enrubesceu.
— Sou virgem, Sua Alteza. Ele deixou-me a virtude. E por isso sou agradecida.
— Que homem de honra. - Murmurou a rainha para Liam. — Entretanto, sua reputação não se apóia em honra e nem em coração terno. — Logo se voltou para Katherine. — Você o defende. Debrays sustenta que gosta dele.
— Não! — Protestou Katherine. — Eu não gosto dele!
Elizabeth a fitou com dureza, como se não acreditasse em nenhuma palavra do que a jovem dizia.
— Ele me raptou, me impediu de voltar para casa, e disse que… — Katherine se interrompeu. Não podia revelar toda a verdade. Revelar que Liam pretendia fazer dela sua amante.
— O que lhe disse este desgraçado, jovem? — Perguntou a rainha.
Katherine empalideceu sob o tom severo.
— Fale! — Exigiu a rainha. — Use sua voz!
Katherine estava paralisada. De seu rosto havia desaparecido todo o rastro de cor e não conseguia proferir uma só palavra.
Liam de adiantou e com calma declarou.
— Pedi Lady FitzGerald seja minha amante. Já que não tem quem a proteja, desta maneira assumirei com agrado este compromisso.
RA rainha olhou Liam com frieza, e logo seu olhar relampeou fugazmente em direção a Katherine, e declarou:
— Você não mudou, Liam. Mas suas maneiras de pirata se tornaram muito audazes.
— Se a ofendi, seriamente lamento. — Rebateu Liam.
— Duvido! — Gritou a rainha. —Então era tudo um jogo? — Perguntou Elizabeth. — Pedir um resgate Quando o nenhum resgate podia ser pago, satisfazer o capricho de uma jovem para visitar seu pai, e finalmente fazer dela sua amante quando o tudo terminasse? Acaso não sabem todos que gosto de um jogo Majestade? — Ele inclinou a cabeça. Um sorriso marcava os cantos de seus lábios. — Acredito que não haja ninguém que se oponha, certo? Não FitzGerald que caiu em desgraça. Não o irmão que tem somente dois anos. E certamente, não sua madrasta que não quer rivais em casa.
Katherine piscou. Era a primeira vez que ouvia dizer que tinha um irmãozinho.
A rainha se levantou. Claramente furiosa. — Patife! Não somos objetos! Seus jogos estão indo muito longe! Este jogo diz algo mais! Patife insolente!
Liam se sobressaltou e Katherine também. Logo, Liam adicionou:
— Eu nunca a trairia, Bess.
Katherine gemeu, segura de que Liam seria levado para a Torre, por ter se dirigido à rainha com tal falta de respeito.
Elizabeth olhou para Liam, somente para ele, com os olhos muito abertos, olhar duro, analisando as palavras enquanto Liam permanecia imóvel.
— Você ultrapassou limites, O’Neill. Muito. — Ela comentou finalmente, o peito elevado. — E duvido que se dê conta. Sua arrogância merece uma rápida e segura lição. Não pode saquear por seu prazer, sem pensar em nós. FitzGerald pode ter caído em desgraça, mas a jovem é nossa súdita saída do convento, não um prêmio para um homem como você. Você se excedeu, mas estou segura que não ao ponto de conspirar com FitzGerald.
Liam tinha baixado o olhar. Katherine não podia ver seus olhos.
— Talvez, seus ardores esfriem se passar um pouco de tempo na Torre. — Disse a rainha e fez um gesto aos dois guardas, que saltaram e logo seguraram Liam por um braço.
— E pense a todas suas culpas, pirata! — Adicionou em um tom sinistro.
Katherine sufocou um grito, observando Liam ser conduzido para fora.
Nessa mesma tarde, a Câmara particular novamente foi liberada dos favoritos da rainha, salvo William Cecil.
— Mandou chamar Ormond?
— Logo estará aqui, Sua Alteza. — Respondeu Cecil.
— E a jovem FitzGerald?
— Dorme nos aposentos em que foi colocada. Até agora não fez nada que dê para acreditar na hipótese da traição. — Acrescentou Cecil.
Elizabeth caminhava nervosa, e era bem consciente de estar mostrando uma figura magnífica. Como seu pai, ela era vaidosa e por ser mulher, sua vaidade talvez fosse superior a de seu augusto pai.
Não só sabia de ser a mais bela e bem vestida a corte, sabia também que nenhuma mulher dançava como ela. Nenhuma outra mulher tinha tantos admiradores.
— Não ouvi uma tolice como essa. — Disse finalmente fitando Cecil. — É certo que a jovem FitzGerald foi até Liam O’Neill levar uma mensagem secreta de seu pai. E FitzGerald nos odeia, quer uma só coisa. Fugir para Irlanda e nos trair.
— Talvez. — Admitiu Cecil.
— Não há nenhuma outra explicação para esse encontro antes do amanhecer. Nenhuma! — Declarou Elizabeth, furiosa. — E finalmente cedeu. — Maldito, desgraçado, Cecil. Como ele pôde me fazer uma coisa desta? Meu pirata de ouro, maldito! Não sei nada dele em um ano, e agora isto! Quantas vezes eu o chamei a corte, em todo este tempo? — Ela continuou a caminhar sem querer saber de resposta. — Pergunto-me, quantos navios saqueou, dos quais não sabemos nada. Pergunto-me se viola todas as mulheres que viajam nos navios! Deveria duvidar? — Seu rosto estava tenso. — Ah, agora já não é um menino triste e sozinho. Pensa em perverter essa pobre virgem. E talvez também planeje me trair. — De repente os olhos de Elizabeth se encheram de lágrimas.
— Sua Majestade, atente em não chegar a conclusões equivocadas. O’Neill é muito ardiloso e inteligente para se deixar pegar desse modo, enquanto o tenta uma traição e duvido que as coisas sejam como parecem.
— O que diz?
— O’Neill até agora nos foi útil e acho difícil que um homem tão inteligente arrisque seu futuro, para misturar-se à política irlandesa. — O tom do Cecil era brando, mas não muito.
— Ele se tornou muito audaz, muito seguro de si. — Comentou Elizabeth, mas menos segura que antes. — Não pensa que pode ser capturado.
— Possivelmente. Mas enquanto o é óbvio pensar o que ganharia FitzGerald com similar aliança, pense um pouco em quais seriam as vantagens para O’Neill.
— FitzGerald teria tudo a ganhar. Poderia usar Liam para fugir e voltar para Munster, de maneira que possa lutar contra seu primo FritzMaurice, para voltar a obter o controle sobre os seus e suas terras. Liam não tem nada qaue ganhar. — Observou Elizabeth, perspicaz. — Salvo a promessa de algum ganho futuro, que não convenceria Liam à traição. A outra coisa que poderia ganhar é a moça. Mas não vale nada.
— Concordo. A moça não vale nada com seu pai no exílio, sem título, terras e sem poder. — Disse precavido Cecil. — Quão diferente seria a conversa se a jovem fosse filha de um poderoso Conde. Então o objetivo de Liam O’Neill seria bastante claro.
— E então pensa que O’Neill está somente se divertindo pedindo um resgate?
— Não estou seguro. — Cecil ficou a caminhar pelo aposento detendo-se para observar a figura de altura natural do rei Enrique VIII, pintado na parede oposta. — Devemos consentir que o jogo se desenvolva completamente, Sua Majestade. Devemos ver até que ponto se expõe os jogadores.
— Se O’Neill se aliou a FitzGerald, eu não gosto. Temos muitos problemas com esse papista do FitzMaurice. — Elizabeth não pôde reprimir um tremor. Sua cabeça lhe doía, mas não estava em condições de dizer se era por causa dos problemas com a Irlanda ou porque se sentia traída por Liam. — Por Deus, o que ainda retém Ormond? — Explodiu.
— Você conhece FitzGerald mais que nenhum outro; passaram a inteira vida como inimigos. Ele sabe se esta conspiração é verdadeira.
— Ouço passos. — Disse Cecil e se aproximou das portas fechadas e as abriu bem a tempo do Conde de Ormond ser anunciado.
— Tom! Estamos ansiosos para contigo!
O Conde de Ormond, conhecido como Black Tom por causa de sua pele escura e de seu aspecto negro, entrou na sala com passos longos e decididos. Seus ombros largos estavam cobertos por uma capa marrom com pelos de Marta em suas bordas, que jogou para trás com dissimulada irritação.
— Há uma umidade espantosa lá fora esta noite. — Comentou seco. — Certamente não é noite para perambular por Londres.
— Mas você veio para Londres depressa, não? — Disse Elizabeth com frieza. Ele a fizera esperar por mais de uma hora. — O motivo é grave, querido Tom.
Ele a fitou enquanto o tirava as grossas luvas sacudindo-as em suas robustas coxas.
— Sim. É verdade, querida prima, que mandou o Senhor dos Mares para a Torre?
— Só por um pouco de tempo. — Elizabeth falou lentamente, de maneira a poder julgar a reação dele ao que estava para dizer. — De modo que possa esfriar o raivoso apetite por sua jovem meio-irmã, a filha de sua querida mãe Joan, Katherine FitzGerald.
Ormond se sobressaltou e logo amaldiçoou
O Conde de Ormond finalmente sorriu.
— Você gosta de me lembrar do fato que minha mãe se casou com aquele bastardo do FitzGerald.— Não adicionou o que todos sabiam e que no momento havia se tornado noticia, que Joan Butler, Condessa de Ormond, casou-se com Gerald FitzGerald apesar do fato dele ter vinte anos a menos que ela e quase a mesma idade de seu filho mais velho.
Elizabeth estava tranqüila.
— Nunca viu sua meio-irmã, Tom?
— Uma vez, há muitos anos atrás. — Ele grunhiu — E pensa que me importa saber alguma coisa da bastarda de FitzGerald, mesmo que seja minha meio-irmã?
— Oh, vamos, Tom. Certamente não quer ver sua inocência devastada por alguém com Liam O’Neill.
A expressão de Ormond era vazia.
— Seriamente, não sente nenhuma emoção por ela? Não sabe que se parece muito a Joan, embora tenha o cabelo vermelho e não loiro. É uma bela moça e alta e cheia de orgulho, embora se sente diminuída.
— Importo-me tanto com ela, como a qualquer camponesa rameira.
Elizabeth suspirou.
— Deve saber que a jovem sustenta ter sido raptada por O’Neill.
Ormond não reagiu.
— O’Neill nos contou uma história absurda a qual acho difícil acreditar. — Elizabeth relatou ao primo o encontro em St.Leger House, ao amanhecer.
— Sangue de Deus! — Gritou Ormond. — O’Neill e FitzGerald conspiram! É necessário detê-los!
— Realmente imaginei que conseguiria comovê-lo. — Disse Elizabeth satisfeita.
A maxilar de Butler estava fechada.
— Sabe o que poderia acontecer se o filho de Shane O’Neill se aliou a FitzGerald? Dentro de poucos meses FitzGerald fugiria e voltaria para a Irlanda. No próximo ano nesta mesma data seria tão poderoso como antes.
A rainha ficou séria Quando o fitou Cecil.
— Não falamos que outra coisa. Mas Cecil não está convencido desta aliança.
Ormond respirou. — Então se equivoca. FitzGerald é malditamente ardiloso e deve ter dado sua filha a O’Neill para atrai-lo.
— Mas a moça não vale nada.
Ormond estava exasperado.
— Vamos, não para O’Neill.
— E que pensa? — Perguntou Elizabeth
Ormond se pôs a caminhar.
— Liam é o bastardo de Shane O’Neill, um homem que morreu como traidor e cujas terras foram confiscadas pela Coroa. O pirata é rico, seus espiões sabem muito bem, mas nunca ninguém se infiltrou na caverna de pedra onde vive. Ninguém conhece a extensão de seus tesouros. É rico, mas para quem? Não tem família. Não tem um clã. Os irlandeses não confiam nele. E, não é precisamente um inglês. É irlandês, prima. É sangue irlandês que flui em suas veias, não importa que sua mãe seja Mary Stanley. — Ormond olhou para Cecil e à rainha. — Eu sei que é isto o que quer esse pirata. Todos os homens normais querem se elevar com o casamento e os filhos. Eu estou seguro que FitzGerald o enrolou com a oferta e a promessa de alguma recompensa futura. Indubitavelmente a promessa de uma parte das terras de Desmond.
Os olhares de Elizabeth e Cecil se encontraram. Cecil disse:
— Devido que seria entre todos o mais que tem a perder, a rainha a parte, se FitzGerald reconquistasse sua posição na Irlanda, ressalta rapidamente as conclusões que não poderiam ser exatas, Tom.
Ormond amaldiçoou.
— Mesmo que FitzGerald voltasse para Desmond, com sua terra estão destruídas e muitos de seus parentes mortos, nunca mais teria o poder que tinha antes. Eu não compartilharei o domínio da Irlanda com ele! — Sua expressão era atordoada. — Não sei como minha mãe pôde se casar com esse maldito. — Disse rude dirigindo-se para Elizabeth, ignorando Cecil, e segurou sua mão. — Nenhuma aliança deve ser aceita, queridíssima prima. FitzGerald usará com grande eficácia o poder de O’Neill sobre os mares. Não só para fugir daqui. No inverno poderia reduzir à fome de seu primo FritzMaurice. Isto nos daria um grande prazer, naturalmente, mas uma vez que FitzMaurice seja eliminado, ele poderia bloquear seus portos reais, para deixar suas tropas morrer de fome. E rapidamente deverá enfrentar uma vez mais o poder e o desafio de Desmond. — Os olhos escuros de Ormond queimavam. — Oh, Deus. Não queira que os dois primos se unam contra nós!
O silêncio caiu no aposento.
Finalmente Elizabeth se sentou. Estava preocupada.
Não falou por um longo momento, nada disposta a acreditar que Liam O’Neill estivesse contra dela. Certamente não era verdade. Como havia dito William, não havia nenhuma prova no momento.
— Mary Stanley era, é minha amiga e Quando o Catherine Parr morreu levei-a a minha casa. Ela e seu menino. Tinha piedade dos dois, mãe e filho, como todos. Sabiam ser ambos diferentes, que lhe oferecia caridade. — Ela levantou o olhar. — Recordo ter observad Liam que brincava sozinho no jardim de Hatfield House, num dia da primavera. Era um dia não muito diferente do de hoje. Não era com calor, mas não muito cinza, com o sol pálido. Usava um pedaço de pau como se fosse uma espada e era tão orgulhoso que lutava contra o mundo inteiro. — Ela suspirou. — Estava tão sozinho. Tão solitário. Era um menino tranqüilo. Nunca falava se não fosse interrogado. Nunca ria. E os outros meninos eram cruéis com ele, atormentavam-no e lhe diziam na cara que era um bastardo irlandês.
— Não é mais um menininho agora. —Comentou duramente, Ormond. — Não cometa este engano. Não permita que seus antigos afetos interfiram em sua capacidade de julgar. Ele é um homem perigoso.
A rainha o fitou.
— Não posso eliminar o passado, como se nunca houvesse existido. Ainda não sei me traiu. Eu acredito que ele também sente afeto por mim. Certa gratidão.
— Não deve pensar desta maneira! — Disse, Ormond. — Deve vê-lo pelo que é! Não sua bela cara, mas seu coração frio e estéril.
Elizabeth fitou seu primo.
— Então não deveria favorecer tampouco a você, querido Tom, já que temos uma história particular.
— Não temos laços de sangue. — Recordou-lhe. — E nossa causa é a mesma. Eu lhe sou sempre fiel. — Elizabeth suspirou.
— Sim, nossa causa é uma só e confio em você. — Ele disse lhe fazendo gesto de se aproximar dela.
Quando o chegou a seu lado ela lhe apertou a mão, acariciando-a. — Sei que só tenta me proteger. — Logo o apertou as têmporas. — Verdadeiramente me recuso a acreditar que Liam O’Neill seja um selvagem traidor como era seu pai. Somente a idéia é um golpe ao meu coração, a minha alma.
— Seu encontro é uma prova do complô contra nós, contra você. — Rebateu Ormond. — Prima, me ouça, agora. Mantenha O’Neill na Torre. Se não deseja processá-lo e enforcá-lo, mantenha-o lá até murchar. E me mande à moça. — Ormond disse sem meios termos. — É minha meio-irmã. Quem melhor que eu pode ser seu tutor? Vou enviá-la a um de meus irmãos em Kikenny Castle e será mantida sob vigilância.
Elizabeth se voltou para Cecil.
Tendo pacientemente esperado seu turno para falar, Cecil disse:
— O’Neill ainda não foi considerado culpado. Não temos motivo para retê-lo como um criminoso comum.
— Certamente é culpado de pirataria. —Ormond explodiu em uma risada implacável. — Sou capaz de encontrar uma dúzia de testemunhas de seus atos sanguinários.
Elizabeth levantou a mão. Mostrava o rosto muito pálido.
— Não. Não haverá nenhuma acusação de pirataria.
Ormond estava aborrecido e se voltou, sem notar o olhar que Cecil e Elizabeth trocaram. Cecil deu um toque no braço dela.
— Tem razão, Sua Majestade, porque se mantivermos O’Neill prisioneiro e mandarmos a jovem para onde Ormond quer, não saberemos nunca se FitzGerald está tramado contra nós. Deixe-o ir. Deixe-os ir. Os dois. Farei com que sejam vigiados por meus agentes. Assim seus atos nos dirão a verdade.
Ormond tinha se voltado para fitar a soberana e seu conselheiro.
— Isso é um maldito engano! Vai lhe custar caro!
Mas Elizabeth estava assentindo.
— Sim, o plano é muito simples, mas ótimo. Deixemos que as ações deles nos digam a verdade. Sei onde quer chegar, Cecil.
Cecil sorriu.
— Sim. Vamos deixá-los ir embora. — Conveio Elizabeth dando um leve tapa no ombro rígido de Ormond. — E saberemos imediatamente se estão conspirando ou não. Se forem para a Irlanda aumentará as suspeitas de sua culpa. Deteve-se.
— E se Liam se casar com a jovem, então saberemos que Tom tem razão. Será a prova da culpa que procuramos.
Katherine havia recém despertado e tinha terminado seu asseio matutino Quando o foi chamada pela rainha. Era um novo dia, mas tinha mais medo do anterior. Por acaso a rainha havia decidido que tinha prova suficiente para acusá-la de conspiração, ou que Deus não permitisse, de traição? E o que seria de Liam O’Neill? O que havia lhe acontecido?
Katherine pensou que era simples curiosidade e não preocupada com o destino do pirata. Apressou-se em seguir o guarda que tinha sido enviado a chamá-la, com as mãos suadas, sem fôlego. Não seguiram para a sala de audiências, mas para os aposentos reais. O saguão era uma grande sala de espera com painéis nas paredes, tetos dourados e tapetes novos e brilhantes sobre o piso de nogueira.
A rainha se encontrava com sir William Cecil, mas também estava presente outro homem. Alto e moreno, ele a fitava com olhos negros e frios. Embora tivesse passado muito tempo desde a última vez que havia se encontrado, Quando o ela tinha nove ou dez anos, reconheceu-o. Era seu meio-irmão, o filho mais velho do primeiro casamento de sua mãe. O pior inimigo de seu pai, Thomas Butler, Conde de Ormond.
— Lady Katherine. A rainha a acolheu sorridente.
Katherine se prodigalizou em uma reverência. Seu coração martelava em seu peito e ela se perguntava o que Ormond fazia ali e por que a rainha estava se comportando com tanta amabilidade. Elevando-se notou a rainha vir ao seu encontro. Não pôde sorrir. A rainha se deteve diante dela.
— Não deve ter mais medo, minha querida jovem. — Ela disse com gentileza. — Nos informamos que sua história é verdadeira.
Katherine abriu os olhos, muito surpresa.
— Verdade? — Logo, dando-se conta de aparecer culpada, ruborizou. — Quero dizer, obrigado Sua Majestade. — Fez outra reverência.
Mas desta vez a rainha a fez se levantar. Katherine era mais alta que ela.
— Rogo-lhe que perdoe nossas suspeitas, mas certamente sabe que seu pai nos deu um desgosto tremendo com suas traições e nós sempre devemos estar alerta.
Sabiamente Katherine não respondeu. Não podia afastar o olhar da expressão doce da rainha. Elizabeth sorriu.
— Por sorte você não se parece com ele, mas com sua querida mãe falecida.
Katherine pensou que devia dizer algo, portanto respondeu:
— S-sim.
— Tom! — Ela chamou numa ordem e Ormond deu um passo adiante fitando Katherine.
— Lembra-se de sua mãe, John?
Ele respondeu com o queixo apertado, com os dentes apertados.
— Sim.
Elizabeth assentiu.
— Sua mãe era uma grande e bela mulher. Conhecia-a bem. Fomos boas amigas. A primeira vez que seu pai pôs a prova nossa paciência fomos obrigados a encerrá-lo na Torre e ela veio diretamente a mim para interceder por ele, muito aturdida. Asseguramos-lhe que só queríamos dar uma lição ao jovem Conde canalha, e efetivamente no ano seguinte ele foi liberado. — Elizabeth ficou séria.
Katherine se ouviu dizer:
— Mas chegou em casa muito tarde, porque minha mãe havia morrido.
A expressão de Elizabeth se tornou mais severo.
— Sim. Sua memória funciona bem. Não obstante, era muito pequena então.
— Tinha doze anos. — Disse Katherine fitando os pés.
Como havia ousado dizer uma coisa assim, embora fosse verdade? Como havia se arriscado novamente ir às nuvens na presença da rainha?
— Sua Majestade, me perdoe. Eu amava tanto minha mãe. Ainda não me conformei com sua perda.
Elizabeth a brindou com leves e t afetuosos oques na mão
— Compreendemos. Também nós choramos sua partida. Todos os que a conheciam choraram. Agora por que não saúda seu meio-irmão? Está muito ansioso por tê-la encontrado.
Duvidosa, Katherine elevou o olhar da rainha. Para Butler. Não havia nenhuma avaliação em seus olhos escuros ameaçadores.
— Senhor, — disse incômoda. — Bom dia.
— Lady Katherine… Irmã querida. A rainha tem razão. Você é exatamente como mamãe. — Ele não parecia contente.
Katherine pensou que todos haviam mentido. Sua mãe, Quando o jovem e também Quando o se casou Gerald aos quarenta anos era uma verdadeira beleza em sua época. Katherine sabia não ser igualmente bela. Mas aceitou educadamente a falsa adulação.
— Honra-me… Obrigado.
Ormond não adicionou nada mais e o silêncio se fez presente entre eles.
Elizabeth lhe deu um olhar irritado e logo conduziu Katherine pelo aposento e lhe indicou uma pequena cadeira. Katherine se sentou com compostura, para não parecer uma camponesa. Apoiou os braços nos de madeira da cadeira sentindo-se muito tola.
A rainha se sentou em uma cadeira de balanço ao seu lado e lhe tocou afetuosamente as mãos.
— Não deve mais se preocupar com Liam O’Neill.
Katherine se alarmou.
— Não… Não terá morrido?
A rainha explodiu em risos.
— Não, Katherine, não. Ele está vivo. É preciso bem mais que uma bala de mosquete para derrotar o Senhor dos Mares.
Katherine não se sentiu menos aliviada. Era consciente do fato da rainha estar lhe observandoo de perto, portanto disse:
— O’Neill é um pirata. Não é certo?
— Claro que é um pirata. Por que me pergunta isso?
Katherine pensou temerosa em entrar em águas perigosas.
— Parece que você o conhece, Sua Alteza.
A rainha novamente começou a rir.
— É obvio que o conheço. Quando o meu pai se casou com Catherine Parr fui viver com ela e meu irmão, o príncipe Eduardo. A mãe de Liam era Mary Stanley, a sobrinha do primeiro marido de Catherine, Edward Borough. Estava gestante, em desgraça, mas Catherine teve piedade dela e a nomeou uma de suas damas de companhia. Eu vi Liam imediatamente depois de nascer, Quando o era um recém-nascido molhado, vermelho e barulhento.
Katherine ficou atônita.
A rainha encolheu os ombros.
— Inclusive Quando o meu pai morreu, eu permaneci na casa de Catherine. Ela era como uma mãe para mim. Três anos depois ela se casou com o Tom Seymour e continuei com ela. O mesmo fez Mary Stanley e seu filho. Na verdade Quando o Catherine morreu, Mary veio ficar em minha casa. Nessa época Liam tinha quatro anos. Recordo-me muito bem, porque pouco depois era seu aniversário. Ela e Liam ficaram comigo até que minha irmã Maria subiu ao trono. — O tom de Elizabeth era diligente. Visto que falava de Maria, a Sanguinária. — Depois me pediu permissão para ir para casa de seus pais em Essex, por causa da forte fé religiosa. Permiti pensando que fosse melhor assim.
A mente de Katherine estava trabalhando impetuosamente.
Liam não era precisamente um pirata selvagem. Havia nascido na corte e tinha sido criado com um príncipe e uma princesa. Por uma rainha.
E embora fosse médio irlandês devia ser protestante como tinha sido sua mãe. Não podia acreditar no que a rainha estava contando. Observandoo sua expressão, Elizabeth sorriu.
— Parece surpresa.
— E estou. O’Neill é inglês ou irlandês. Nobre ou canalha?
— Ambas as coisas. — A rainha respondeu com franqueza, e já não sorria. — Não se esqueça que seu pai era Shane O’Neill, um assassino selvagem, o homem que violou brutalmente sua mãe. E Shane veio reclamá-lo Quando o era um menino de dez anos, arrancando o dos braços da mãe, para criá-lo como um selvagem.
Katherine a fitou.
— Está bem interessada por Liam O’Neill. — Observou distraída a rainha. — Ele é atraente, não?
Katherine pensou que não enrubesceria, mas lembrava todas as expressões dele; o sorriso ligeiramente divertido, o tom sedutor e o corpo forte, duro e excitado que se pressionava contra o dela. Enrubesceu.
— Você está livre agora, sabe. — Anunciou-lhe a rainha Quando o notou que ela não respondia
Katherine gritou e impulsivamente segurou nas suas, as mãos da rainha.
— Sua Majestade! Obrigado! — De repente liberou as mãos pálidas e frias, mas a soberana retomou as suas, apertando-as.
— Somos amigas agora, Katherine. Lembre-se. E agora, quais intenções têm?
Katherine pensou nos prados verdes perto de Askeaton, nas florestas e colinas, em Hugh e se inclinou ansiosa.
— Vou para casa!
— Onde está seu pai, em Southwark?
Muito tarde Katherine se deu conta de sua estupidez. Não tinha mais uma casa na Irlanda. Tudo havia sido requisitado pela Coroa.
— Rogo-lhe que me perdoe, Sua Majestade. Nestes últimos anos permaneci encerrada no convento e não sabia nada de todo o acontecido ao meu pai… Para mim, Munster é ainda a minha casa.
Elizabeth murmurou uma resposta tranqüilizadora, mas seu olhar encontrou o de Cecil e logo o de Ormond.
Katherine se deu conta, mas não compreendeu a razão. Pigarreou.
— Voltarei para a Irlanda. — disse com audácia.
— E o que fará lá? Aonde irá?
— Onde meu noivo está.
A rainha se surpreendeu.
— Você é comprometida?
— Com Hugh Barry, o herdeiro de Lorde Barry. Sou comprometida com ele desde o berço, mas depois de Affane fui enviada para o convento. Esperei muitos anos para me casar, Sua Majestade. Não sou mais uma jovenzinha, mas uma mulher de dezoito anos. Desejo me casar com ele, Sua Majestade. Imediatamente.
A rainha a fitou, com as sobrancelhas arqueadas. Seu olhar brilhou para Cecil e logo para Ormond.
Perguntou para Ormond:
— O que sabe de toda esta história?
Ele encolheu os ombros.
— Lembro-me do noivado, mas não recordo como possa ter terminado. Acredito que deva enviá-la a Irlanda, onde Barry está. — Seus olhos se mostravam sérios.
Elizabeth olhou atentamente para Katherine fazendo-a pensar que havia feito algo errado. Então a rainha sorriu.
—Bem, então você deve tomar o caminho da Irlanda, minha querida. Para o seu casamento. Para Hugh Barry.
Katherine tremeu de alívio. Mas uma vez mais notou a rainha trocar olhares com seus homens.
Era tarde. Logo os sinos da igreja divulgariam a meia-noite. Liam estava ouvindo-o Quando o a porta do pequeno quarto onde havia sido encarcerado se abriu. Podido ter sido pior. O fato que estivesse em um verdadeiro quarto, com uma cama e um candeeiro indicava que conseguiria a desenredar as suspeitas da rainha. Não estava surpreso a o ser chamado há essa hora.
Um homem coberto com uma capa abriu a porta sem dar nenhuma explicação e Liam não pediu. Colocou a capa manchada de sangue sobre os ombros semicerrando levemente os olhos e seguiu o homem sem dizer uma só palavra. Baixaram as três rampas de escadas e saíram para o embarcadouro no rio. Um pequeno bote os esperava. Liam subiu nele com o enviado da rainha. Dois homens começaram a remar pelo o Tamisa até Whitehall.
Embora encerrado em um espaço limitado e sem ar por todo o dia, evitou respirar muito profundo o ar noturno do rio. Se com a chegada do calor não havia nada de agradável no Tamisa, sequer havia em uma noite fria.
E mentalmente se preparou para o que lhe esperava.
Pouco depois foi conduzido ao longo das escadas de Whitehall, através da entrada do Rio, e acima nos alojamentos particulares da rainha. Quando o finalmente entrou em seus aposentos notou que ela estava toda vestida de vermelho, sentada ao lado de uma mesa, concentrada em escrever.
Observou -o e esboçou um olhar zangado, que logo desapareceu para dar lugar a um sorriso.
— Às vezes você é seriamente um canalha, Liam.
E assim a rainha havia mudado de humor. Agora ele se sentia mais seguro e avançou. Elevou a mão dela aos lábios, roçando-a. Ela se retraiu enrubescendo como uma virgem, coisa que notoriamente era.
— Isto não o levará a nenhuma parte, patife.
Nessa noite estava com bom humor. Estava contente. Melhor brincando que suspeitando, mas agora quem devia suspeitar era ele. Bess estava fazendo algum jogo ou seu humor diferenciado era somente o resultado de sua natureza volúvel? Sorriu, com os olhos brilhantes.
— Como são agradavelmente macias suas mãos, Bess. — Murmurou. Todos sabiam o quanto ela era vaidosa e como cuidava suas belas mãos. — Suaves e belas.
Ela se sentiu agradada e não pôde esconder. Beijou-lhe levemente a mão fazendo-lhe um gesto para que se sentasse.
— Devo oferecer-lhe minhas desculpas. — Disse audaz.
Liam permaneceu em silêncio, esperando que ela falasse, sabendo que devia ficar bem atento para não dar um passo em falso. Não era realmente inocente com respeito à acusação de conspiração. Era somente a questão em que grau. Porque estava fazendo planos. E embora fosse plenamente inocente, a inocência nem sempre fazia bom jogo com as vítimas de uma injustiça. Devia saber se ela o considerava inocente ou estava fazendo um jogo com ele.
— Tenho testemunhas do seu saque de seu navio francês e do rapto de Katherine FitzGerald. — Disse a rainha
Ele duvidou da veracidade de suas palavras, porque necessitava tempo para individualizar as testemunhas, mas não disse. Se esta era à base da repentina compreensão da rainha, então ela ainda acreditava que ele podia traí-la.
Elizabeth sempre era ardilosa.
— Estou aliviado. Mas meu coração ainda dói, Bess. Que você possa pensar que eu possa traí-la.
— Meu coração doía. — Respondeu ela, inclinando-se para lhe escrutinar o rosto.
Liam sabia que apesar de suas dúvidas, ela desejava que ele fosse inocente. Tomou a pequena mão entre as suas e a apertou com ardor, afundando os dedos na carne suave.
— Sou seu amigo, — disse devagar em um tom terno e íntimo, — para sempre.
Ela concedeu sua mão enquanto o se apoiava nele, braço a braço, como se ardesse à paixão.
— Espero. Eu espero ardentemente, Liam. — Seus olhares se encontraram e ele ficou totalmente consciente do poder que exercia sobre ela. Os lábios da rainha estavam levemente entreabertos e tremiam. Ela suspirou novamente. O ar improvisadamente se aqueceu.
— Liam. — Ela murmurou.
Ele se enrijeceu, fitou-a nos olhos e notou o desejo. A rainha já não ali. Em seu lugar estava a mulher que ele conhecia de toda uma vida. Abralou-a.
— Bess,— repetiu ele, — sou seu amigo.
E era verdade. Nunca esqueceria o que ela havia feito por sua mãe, Quando o ele era um somente uma criança, um menino. Nunca esqueceria que ainda antes de ser a rainha, ela havia sido gentil com sua mãe, ao contrário da maior parte das demais mulheres da corte. Mas nunca tinha sentido desejo algum por sua rainha. Embora para um homem como ele, para qualquer homem, poderia ser vantajoso.
Ela encostou-se a ele. Seu corpo tremia visivelmente.
— Lamentei sua ausência Liam. Por que ficou longe durante tanto tempo?
Ele sorriu com gentileza.
— Minha vida é dura, Bess. Não tenho nenhum grande palácio que me atraia a esta terra. Ganho a vida no mar.
Ela murmurou insegura: — Isto poderia mudar.
Liam paralisou.
Elizabeth começou a se ruborizar-, mas não baixou o olhar.
Agora, seu coração pulsava bem forte.
— Embora se me atribuísse um grande palácio, isto não me tornaria um inglês.
— Mas é meio inglês.
— Sim. — Ele lhe tocou o lábio inferior com um dedo.
— E meu pai era, e sempre será Shane O’Neill.
— Mas você não é como ele. Seu olhar era audaz. — Ou é?
— Não. — Ele sustentou seu olhar sabendo que se ela lhe desse mais um sinal teria que beijá-la.
Ela postou uma mão em seu peito, acima do coração que pulsava loucamente. Seus olhares se encontraram novamente.
— Sinto ter pensado que você estava conspirando com FitzGerald, mas você pode certamente compreender, porque o encontro parecia muito estranho. Agora, naturalmente sabendo a verdade por minhas testemunhas sobre o rapto de Katherine, compreendo que somente estava procurando um resgate. Obviamente que a jovem de grande beleza era uma agradável companhia para a viagem, não uma chatice.
Ela sorriu-lhe com muito ardor, mas seu olhar passeou dos olhos dele para os traços de seu rosto, para se deter finalmente em seus lábios.
Ah, Bess, pensou ele. A história soava absurda até para seus lábios. Ela não acreditava que ele fosse inocente, embora quisesse. E seus olhos ardentes e cheios de desejo significavam que a queria como seu amante. Por quanto tempo?
Liam não tinha nenhum desejo de ir para a cama com sua rainha. Por enquanto o sabia. Apesar dos boatos sobre ela e Robin Dudley, que ela havia renomado Conde de Leicester, e de seu primo Tom, ela era virgem e como tal queria permanecer. Ele era um homem e tinha experiência e sabia que ela o achava muito atraente. Este não seu primeiro encontro particular, muito protegido. E não era a primeira vez que ela flertava com ele, que o tocava e lhe dava longos olhares furtivos.
Entretanto, nessa noite os sinais eram mais claros que nunca.
Com Leicester ou com Ormond, os dois homens que amava há muitos anos era abertamente afetuosa, o que explicava o porque de tantos falatórios sobre eles. Leicester freqüentemente gozava da companhia da rainha durante o dia, um pouco com Liam fazia nesse momento, a meia-noite. E algumas vezes Elizabeth se referia a Ormond como o marido negro e circulavam muitos boatos sobre o fato de que ele compartilhava com ela muito mais que sua companhia. Ninguém sabia de seguro que acontecia atrás das portas fechadas dos aposentos de Sua Majestade. Se havia um homem que poderia ser seu amante era Leicester, porque havia ficado bem claro que ela o preferia, a Ormond.
Liam era absolutamente consciente que chegar a ser o amante da rainha o ajudaria nesse momento, do ponto de vista político. No futuro, poderia ser perigoso.
Tolamente esperava que nessa noite ela não decidisse levá-lo para a cama, se tivesse o costume de ter amantes. Em efeito, nenhum homem, sabia, podia rechaçar a rainha. E tampouco ele poderia.
Mas não desejava usá-la. Esse não era o modo pelo qual pagaria tudo o que lhe devia.
Elizabeth estava sentada imóvel, olhando para as mãos. Levantou os olhos para ele. O desejo brilhava em seu olhar.
Liam ficou paralisado por um instante, mas por instinto logo atuou. Atraiu-a para si esperando que ela se recuperasse:
— Bess? Seriamente é isto o que quer?
A expressão dela se tornou escura. Sua boca fechou e ele esperava ouvi-la dizer que sim. Mas depois, ela gritou algo incoerente e se levantou, precisamente como uma virgem assustada ou uma Rainha Virgem. Pôs-se a caminhar de um lado a outro e Liam deu um profundo suspiro, evidentemente aliviado.
— Entretanto, — continuou ela, com as costas voltadas para ele e os ombros trêmulos. — a verdade não te absolve de outros crimes, Liam.
Ela voltou a fitá-lo, como poderia ter feito uma mãe com um menino desobediente.
— Não pode raptar uma aristocrata e sair impune. Embora se trate da filha de um Conde traidor arrogante e em desgraça. Ela é virgem e foi educada em um convento.
— Arrependo-me pelo engano cometido. — Respondeu ele com absoluto desapego, sem se arrepender de nada. Ambos sabiam.
— Que castigo deveria te impor?
Ele se levantou lentamente.
— Já não tenho sofrido o bastante? Uma bala no ombro e uma noite na Torre? — Seu tom era doce.
— Você dificilmente pagou por aterrorizar a pobre Katherine.
Liam sorriu malicioso.
— Ela foi dificilmente aterrorizada.
Elizabeth o fitou com a expressão cada vez mais dura.
— Não. Imagino que ela não pôde resistir aos seus beijos e a suas carícias.
Ele correspondeu ao olhar dela, que já não sorria.
Sentia-se preso, pela rainha por uma parte e Katherine por outra.
Talvez a rainha estivesse com ciúme de seu interesse Katherine?
— Se ela não se objetou, não a Conde ne. Só a mim.
— Sim. Conde no somente você, como um lascivo desgraçado e um com muita experiência. — A rainha rebateu, irritada.
Então ela estava com ciúme. Era um bom sinal para Katherine, mas não para ele.
— Acaso queria que não fosse um verdadeiro homem?
O olhar de Elizabeth deslizou por seu corpo e se deteve em sua virilha.
— Sabe que não o quereria. — Retrocedeu. — Não pode ter a jovem.
Liam ficou atento em não revelar sua desilusão. Não tinha contado com a possibilidade da rainha se enciumar de Katherine.
— Sua Alteza, o mercante francês foi o quinto que capturei este ano.
Ela o enfrentou, com a maxilar tensa.
— Não pense poder negociar comigo! — Ela gritou. — Sei malditamente bem quantos navios franceses você capturou, pirata! O embaixador francês me pede repetidamente sua cabeça! Catarina de Medicis me escreveu e pôs um preço por sua cabeça!
Liam começou a rir.
— Não me diga. E o que lhe respondeu?
Ela o fitou.
— Respondi-lhe que se conseguisse capturar o Senhor dos Mares o processaria, mas que até ali ele havia evitado à marinha inglesa exatamente como se esquivou de qualquer outro no mar.
Liam sorriu.
— Não seja muito insolente! Sabe muito bem que se outro país te capturar não posso fazer nada por você. De verdade, seu tolo!
— Sei muito bem o destino que me espera se terminar em uma prisão francesa, ou na roda espanhola. Sua expressão se tornou dura. — Sempre fui leal e você sabe muito bem disso, Bess. Fiz mais por você que toda sua maldita marinha. Cinco navios francesas, duas das quais se dirigiam a Escócia para apoiar os rebeldes, e três navios espanhóis, dos quais um galeão carregado de prata que se dirigia a Holanda. Vamos, mereço um prêmio.
— E pensa que seu prêmio possa ser a moça?
— Agora ela não tem valor para ninguém. Não tem uma posição social, não tem dote. Vou tratá-la bem. Não abusarei dela.
E um excitante pensamento se insinuou em sua mente, que talvez um dia pudesse se atrever a casar com ela. Se pudesse conseguir conduzir o jogo que mal tinha começado, e ganhá-lo!
— Ela está de noiva.
— O compromisso é antigo e feito muitos anos atrás. Duvido que Hugh Barry esteja esperando se casar com ela.
— Em todo caso existe, e eu lhe permiti voltar para a Irlanda, para se casar com ele.
Liam empalideceu. Um instante depois estava furioso e não pôde conter a própria raiva.
— E meu prêmio?
Elizabeth pegou alguns papéis de sua mesa e jogou em cima dele.
— Pegue! Os documentos que suplicou que eu te entregasse. Contra todos os navios espanhóis e não só com aqueles que ajudam os católicos da Escócia, da Irlanda e de Flanders. Que coisa? Não está satisfeito? Agora está dentro da legalidade, Liam. Pelo menos em respeito aos espanhóis que você gosta tanto de saquear.
Liam pegou os papéis que o autorizavam a depredar todos os navios espanhóis. Que o eximiam de qualquer exigência espanhola a seu respeito. Na Inglaterra já não poderia ser acusado de saque contra os navios espanhóis e no mar poderia ser mais implacável e mais audaz quanto fosse com os franceses. Não tinha documentos contra eles, só um acordo com a rainha que odiava Catarina de Médicis. Odiava-a e a temia, entretanto não estava disposta ajudar abertamente os Huguenotes franceses, como já tinha feito no passado.
— Não está contente? Vamos, Liam. Não posso acreditar que você deseje tanto à moça. E apesar de tudo, ela não é tão especial.
Em troca, assim era.
Tinha pensado bem pouco em outra coisa que não fosse à bela, orgulhosa e inteligente Katherine FitzGerald desde Quando o a tinha capturado. Desejara-a no primeiro momento que a tinha visto. Ainda estava furioso por ter ganhado um prêmio, para de repente ver-se arrebatado. Havia sido enganado. E era uma coisa estranha. Realmente estranha. Mas se não perdesse a cabeça e se esperasse, então certamente seria o vencedor. Como sempre. Essa, claramente não era noite para pressionar à rainha por causa de outra mulher.
Mas como poderia triunfar?
Não podia raptar Katherine novamente. Elizabeth já suspeitava de conspiração com FitzGerald e ele não se atreveria a provocar novamente suas suspeitas. Não, deveria ficar atento. Ser mais ardiloso. Elizabeth devia ser manobrada para o seu lado. Mas como?
Um fato era certo. Não podia permitir Katherine se casar com Barry.
Inclinou-se, compungido.
— Estou feliz em ter os papéis, Bess. Feliz e agradecido. Não se arrependerá. Terei aos espanhóis sob meu domínio, como você deseja que faça.
Elizabeth assentiu, mas seu olhar estava sério.
Liam fitou seus olhos. — E deve me perdoar. Sou um homem diabólico. — Fez uma pausa significativa. — Não é fácil ser um homem. Sou vigoroso… E depois saber que lhe negam o prêmio...
A expressão de Elizabeth se adocicou.
— Você é um homem fascinante, Liam. Um canalha até a medula, e sabe o quanto isso é atraente.
Ele sorriu-lhe.
— E você é uma rainha sedutora, Mademoiselle.
Ela também sorriu.
— Tenho um favor que te pedir. Tinha intenção que fosse um castigo para você, mas agora… Seria um agrado para mim. E… Um sinal de quanto confio em ti.
Ele se inclinou. Por dentro se sentia tenso e ansioso.
— Estou as suas ordens.
— Você a trouxeste. Peço-lhe que a escolte até Barry.
Liam escondeu rapidamente a surpresa e o prazer. No intimo se sentia ganhador porque sabia que apesar de tudo teria ganhado a batalha.
— Como desejas, Bess.
Elizabeth sorriu e Liam se deu conta que ela estava tão satisfeita tanto quanto ele.
No dia seguinte, Katherine almoçou na sala dos Banquetes antes do meio-dia, com centenas de outros cortesãos. O aposento era imenso e sustentado por mais ou menos trinta vigas, cada uma de doze metros. As paredes eram pintadas de maneira que se assemelhassem pedra e estavam marcadas por hera e flores adornadas com lantejoulas de ouro. O teto era pintado de maneira que parecia um céu, com sol, estrelas e nuvens e dele pendiam imensos cestos de vime com vários tipos de frutas exóticas. Havia dez filas de cadeiras, quase todas ocupadas. Na sala presumia-se mais de 290 janelas.
O almoço era suntuoso e ensurdecedor. Katherine custou a acreditar no que via. Achou difícil comer, não porque estava apertada entre dois grandes gentil-homem que se mostraram ansiosos, como sir John Campton e lorde Edward Hurry de Campton Heath e Hurry Manor, respectivamente, mas, porque havia muitas coisas a olhar.
Achou difícil tentar dissuadi-los de suas descaradas insinuações, que chegaram a ser vergonhosas Quando o ela relutante disse seu nome.
—Uma beleza irlandesa. — Disse Hurry. — Tão longe de casa?
Katherine respondeu com um gesto da cabeça, cortando em dois um pedaço de pão que gotejava de manteiga, cuidando em não animá-lo.
Dos dois lados sentia que lhe davam cotoveladas. Hurry fez outro comentário que ela ignorou. Mastigou o pão incapaz de saborear o sabor. Seu olhar continuou a vagar pelos outros cortesãos, uma visão resplandecente, e logo sobre o céu pintado sobre ela e finalmente para a ruma animada de espectadores sentados ao longo da parede que continuavam a chamar os comensais sob eles.
Deixou de tentar comer. Não tinha fome. Depois do almoço chegaria sua escolta e ela começaria a viagem para casa. Por mais interessante fosse à corte, como estava entusiasmada e feliz ante a idéia de partir! Logo chegaria a Askeaton e ela pensava no orgulhoso castelo com suas torres redondas, na mansão medieval quadrada sobre a ilha que dominava a espessa floresta que rodeava Logh Shannon. Já não cabia em si.
Logo se reuniria a Hugh. Tentou imaginar a surpresa dele. Decerto havia pensado nela como esposa de Deus em todos esses anos. Quase riu ante a idéia de assumir os hábitos de freira. O que queria era um casamento e filhos.
Indubitavelmente estava caminhando para um brilhante destino como esposa de Hugh. Hugh Barry certamente agora seria um homem valente e forte. Seu pai e seus primos eram atraentes. Nenhum deles era feio. E ela amava Hugh. Uma vez em seus braços esqueceria o pirata de ouro, tão apropriadamente chamado de Senhor dos Mares.
Entretanto, não podia se imaginar no leito com Hugh, em seus braços. Mas decerto era porque não o via há tanto tempo e porque acreditara que estivesse morto.
Uma vez casada procuraria a maneira de libertar seu pai. Era intolerável que ele permanecesse pobre e prisioneiro em St.Leger House. A rainha estava demonstrando ser uma boa amiga e ela decidiu que voltaria a corte para defender a causa de seu pai diante dela, para convencê-la sobre a injustiça de seu exílio. Embora soubesse que não havia esperança nem para o título nem para a devolução das terras. Pelo menos ele poderia voltar para a Irlanda, para Askeaton onde havia nascido.
Observou novamente a incrível sala sabendo que não gostaria de voltar.
Finalmente deixou o prato de estanho de um lado, incapaz de evitar seus temores. Devia enfrentar a verdadeira razão de sua falta de apetite. Embora estivesse entusiasmada ante a idéia que Hugh estar vivo e que se casaria com ele, também estava preocupada. Não se via há anos. Como seria o encontro? E se ele não a quisesse mais? Por que não havia mandado procurá-la em todos estes anos?
E por que a imagem de Liam O’Neill continuava atormentado sua mente?
— Em que está pensando tão absorta, Mademoiselle? — Perguntou uma voz macia e familiar.
Katherine ficou rígida.
Inclinou-se atrás e Quando o a voz se pronunciou novamente, a língua lhe roçou o lóbulo da orelha.
— Não está cheia de alegria agora que vai voltar para sua casa? — Liam zombou dela.
Katherine se voltou bruscamente para fitá-lo. Parecia que ele havia se materializado do nada, com o pensamento.
— P-mas, o que faz aqui?
Ele explodiu em gargalhada e de repente deslizou entre ela e Lorde Hurry que se deslocou para o lado para lhe dar lugar. Imediatamente, ela sentiu a coxa dura como uma rocha de Liam pressionar a dela.
Ele pegou sua mão.
— Bom dia, querida. — Murmurou-lhe como estivessem sozinhos no quarto, ou pior no leito.
Ela retirou a mão bruscamente.
— Então já não está na Torre!
— Não.
— Não entendo. — Seu coração pulsava aceleradamente. A coxa quente pressionava a dela, que não atrevia a se mexer.
— A boa rainha considerou perdoar minhas atitudes pecaminosas. — Ele sorriu. De repente tocou sua perna e a apertou.
Katherine afastou-lhe mão.
— Quer dizer que usou todo o seu encanto para lhe liberem, canalha!
— Talvez. — Seus olhos brilhavam.
Ela se irritou.
— Não me surpreende que nem a rainha consiga resistir. — Tentou lhe dar as costas, mas virar para o lado era muito incômodo, então se pôs a fitar o prato.
— Um elogio de seus graciosos lábios, Katherine? Nunca teria acreditado poder ver este dia. Guardarei-o no coração.
Ela estava tão furiosa, que apunhalou a carne com a faca.
— Pode guardar o que quiser, O’Neill.
Ele sorriu.
— Então escolho manter você no coração.
E antes que Katherine pudesse responder, ele se inclinou ainda mais perto e novamente sua mão deslizou pela da coxa da jovem.
— Por que está tão furiosa, minha querida? Acreditei que se alegraria de ver que o laço do carrasco me ignorou.
— Não estou nada contente em ver que está vivo e que… Está bem! — Ela afundou o cotovelo em seu ombro e teve sucesso ao vê-lo retirar a mão.
— Estou tentando comer, O’Neill. Se quisesse conversa não escolheria você como companheiro.
— Ora vamos, Katherine. Confesse. Seu coração não é de pedra. Não Quando o se trata de mim. Estava preocupada comigo. — Liam se aproximou ainda mais, de maneira que ela sentiu sua respiração contra a face e o pescoço.
Katherine já tinha tido o suficiente. Nunca confessaria o que ele desejava ouvir. Mesmo que de certo modo fosse um pouco verdade. — Você é a última pessoa ao mundo pela qual me preocuparia. Agora vá embora!
Liam voltou a rir.
— Temo não poder te atender, minha querida.
Ela se voltou para fitá-lo, com os olhos verdes em chamas.
— Não tem assassinatos e abordagens a fazer, pirata? Ou parou para me torturar?
— Não há nenhum assassinato urgente para cometer hoje. — Ele respondeu brandamente. — Mas amanhã... Ah, amanhã é outra história.
— Então é melhor que eu vá, se você teima em ficar.
Entretanto, Katherine não teve nenhuma possibilidade de se mover, porque ele pegou rapidamente sua mão e fitou atentamente seu seio. — Mas posso acrescentar a tortura na lista de minhas obrigações de hoje, Katherine. Uma tortura doce e delicada.
Ela ruborizou. — Não sei de que tolice está falando.
— E eu acredito que você mente. — Ele murmurou.
Ela se meneou para retirar a mão presa na dele e para se afastar da mesa, assim não teria que suportar suas brincadeiras, insinuações e alusões e nem a proximidade de seu corpo poderoso.
Ele retirou a mão, embora retirar lhe acariciou os dedos.
— Sugiro que termine o almoço, Katherine. Haverá poucas ocasiões de comer alguma coisa depois que abandonarmos Whitehall.
— Como? — Katherine sobressaltou.
— Eu não pretendo parar uma só vez depois que deixarmos Whitehall. — Explicou Liam. — Desejo estar no mar e em viagem o mais breve possível, antes de anoitecer.
Katherine o fitou, calada.
Ele sorriu-lhe, lento e predador ao mesmo tempo.
— A rainha não lhe explicou? Devo te escoltar até sua casa.
Katherine não podia acreditar no que ouvia.
— Vamos, querida, não faça essa cara de desilusão. Poderia me sentir ofendido.
— Como é possível ela ter pensado uma coisa desta! — Gritou Katherine. — Certamente você está brincando ou mentindo!
Liam fitou-a da cabeça aos pés.
— Não estou brincando ou mentindo, minha querida. A rainha deseja que eu pague por meus pecados e como eu impedi sua viagem para casa agora devo te ajudar a completá-la. — Ele sorriu.
— Não irei com você. — Gemeu Katherine. — Você não tem nenhuma intenção de me escoltar para casa! Você me raptará…— Ela balbuciou, com as bochechas em chamas.
Ele voltou a sorrir.
— E que outra coisa acha que eu possa fazer?
Ela se apoiou na mesa, para se levantar. O desejo de fugir foi totalmente instintivo.
Ele apoiou sua enorme mão sobre das dela e desta vez com força, de maneira que ela não pôde se mover.
— Katherine eu a levarei até Hugh. Não sou tão tolo a ponto de despertar a ira da rainha, como suspeita, repetindo o rapto. Mas… — Seu olhar se obscureceu e ele encolheu os ombros.
O coração de Katherine pulsou forte. Podia acreditar nele? Acreditar que ele a levaria para casa, que não tinha intenção de desafiar à rainha raptando-a uma segunda vez?
Estava estupefata e quase não podia pensar. Supôs que devia acreditar. Liam seria um verdadeiro estúpido se fizesse a rainha se zangar, depois de ter conseguido o perdão dela.
Katherine provou uma pontada de ciúme amargo. Certamente a rainha devia ter sido graciosamente seduzida para ter aceitado similar loucura. Perdoar o pirata e encarregá-lo a acompanhar até sua casa. Katherine fitou seus olhos. Não duvidava que ele tentasse seduzi-la. Prometeu-se que não conseguiria. Disse em voz clara: — A rainha aprova meu casamento com Hugh.
Liam não respondeu.
— Se violar o que pertence a Hugh provocará também à ira da rainha.
Novamente Liam não lhe respondeu. Limitou-se a fitá-la com seus olhos prateados.
— Então, você está derrotado, O’Neill.
Finalmente ele deixou-a notar o sorriso aparecer em seu rosto e Katherine começou a se sentir incômoda. Ele não tinha aspecto de um homem ao qual se nega uma presa.
— Seriamente estou, Katherine? — Perguntou ele.
Ela estava séria e se negou a responder. Seus olhares se encontraram. O instinto lhe sugeriu que havia chegado o momento de se levantar da mesa. Quase saltou. Tarde. Ele segurou seu queixo, sustentando-o. Seus joelhos tremeram e ela voltou a se sentar. E Liam logo lhe atraiu seu rosto para o dele, reclamando seus lábios.
Katherine levantou a mão para rechaçá-lo, mas foi inútil. Ele aumentou a pressão com suavidade e ela se viu obrigada abrir a boca. Imediatamente ele impôs a língua em sua boca e a invasão provocou diversas sensações. Um calor líquido se alastrou por seu corpo, se concentrando entre suas coxas.
Ela gemeu na boca dele. A língua dele se movimentava e ela estava aturdida. Seu corpo tremia. À medida que o beijo continuava, ela se sentia mais atordoada. Combateu a debilidade que estava se apoderando dela e conseguiu lhe dar um golpe no ombro. Ele grunhiu e continuou a beijá-la, desta vez lhe envolvendo a língua com a dele.
Katherine conseguiu emitir um ruído, mas era rouco e parcialmente de protesto. De qualquer jeito havia aberto as mãos e agora o segurava pelos ombros.
Separou a boca da jovem, sem sorrir, os olhos em chamas. Estupefata, Katherine o olhou, absolutamente sem fôlego.
Gritos masculinos e brincadeiras ressoaram entre risos e murmúrios das mulheres. Logo explodiu uma ensurdecedora aclamação e os espectadores começaram a felicitá-los. Katherine se sobressaltou, voltou a si e olhou ao seu redor. Pareceu-lhe que centenas de homens fitavam ávidos e as mulheres lançavam olhares cobiçosos a Liam. Levantou-se. Saltou em pé. Desta vez ele permitiu, acompanhando-a, com uma mão sob seu cotovelo.
— Se estou derrotado, então me diga o que foi isto?
O olhar de Katherine encontrou o olhar viril e ela temeu logo perder sua virtude.
Por alguma razão, a aposta no jogo havia mudado. Entretanto, ela não sabia que jogo estavam jogando. Sabia somente ser sempre o prêmio que ele estava decidido reclamar.
Poucas horas depois, Katherine estava a bordo do Sea Dagger que fluía de volta ao mar aberto. Havia dedicado a Juliet somente alguns vagos pensamentos nos dias anteriores, mas agora estava feliz em voltar a ver sua amiga, e as duas se abraçaram calorosamente. A permanência de Juliet no navio do pirata tinha transcorrido sem acontecimentos significativos, entretanto Katherine tinha muitas coisas a contar e relatou a amiga tudo o que havia acontecido desde Quando Liam a acompanhara para ver seu pai. Juliet a ouviu, com os olhos muito abertos.
— E agora, o que acontecerá? — Perguntou Juliet, Quando o ela terminou.
— Estamos viajando para a Cornualha, de modo que você possa voltar para casa. — Respondeu Katherine. — E logo O’Neill me acompanhará até Hugh Barry.
Juliet segurou a mão da amiga.
— Por que está tão preocupada?
Com o rosto pálido, Katherine fitou os olhos da amiga.
— Porque temo o que o pirata está programando para esta noite.
Guy estava com a porta do camarote de seu capitão aberta e Liam entrou transportando uma pesada bandeja. Havia de um momento o crepúsculo, as lanternas estavam acesas e o camarote estava quente e iluminado. Apoiou a bandeja sobre a mesa do comilão, procurando as moças. Abriu muito os olhos, logo os fechou, Quando o viu que Juliet estava deitada na cama, com Katherine que se ocupava dela sentada a seu lado.
Que brincadeira era essa? Era assim Katherine pensava derrotá-lo? Havia ficado muito irritado, para se mostrar verdadeiramente divertido.
— Necessita de algo mais, senhor? — Perguntou Guy.
Liam se voltou fitando com carinho o rapazinho que havia encontrado vagando pelo porto de Cherbourg, dois anos antes.
— Não. — Respondeu Liam.
— Descanse, Rapaz. Você merece, após uma boa jornada de trabalho.
Guy sorriu de repente, incapaz de esconder sua alegria provocada por tão simples palavras de agrado. Seu rosto se iluminou antes dele se voltar para sair.
— Nada de jogo de dados e de álcool. — Disse, Liam.
Guy voltou os olhos para Liam, ruborizando-se.
— Não, senhor Capitão.
Quando o Guy fechou a porta, Liam se voltou para observar às moças. Juliet gemeu.
Ele suspirou. Devia ter imaginado.
Dirigiu-se para o leito. Deu-se conta que Katherine evitava seu olhar e que estava sentada imóvel, rígida. Também por alguma razão ele estava rígido. Não via à hora da chegada da noite. Uma noite que ele pretendia passar no leito com Katherine a seduzi-la. A agradá-la.
— Vejo que Juliet se sente mal. — Observou .
Finalmente Katherine levantou o olhar.
— É o estômago. Está com tremendas dores. Tenho medo de deixá-la.
— Imagino que lamentará toda a noite, não?
— Não sei. — Respondeu Katherine, tranqüila.
Liam baixou a mão para tocar a fronte de Juliet, que não abriu os olhos. Estava com as bochechas vermelhas, mas isso poderia ser por causa de ruge.
— Não tem febre.
— Não.
— Imagino que quer cuidá-la, não?
Katherine assentiu com tal ânsia que ele começou a rir.
Ele suspirou.
— Katherine, amanhã Juliet deixará este navio. E então ficaremos sozinhos. Você e eu pelo resto da viagem.
Ela ficou pálida.
Ele se inclinou, de modo, que facilmente poderia lhe beijar o nariz se quisesse.
— Somente está adiando o que é inevitável. — Disse-lhe em voz baixa
Katherine arqueou uma sobrancelha, mas permaneceu muda
Liam se voltou rapidamente, decidindo lhe dar uma trégua, caso a moça de cabelos escuros estivesse realmente doente.
Saiu do camarote deixando a bandeja com a comida.
Na manhã seguinte Quando o voltou, não havia nenhuma farelo de pão.
— Juliet! Ele lhe fez algum mal?
O tio de Juliet não era um homem particularmente gentil e afetuoso, mas essas foram às primeiras palavras que pronunciou Quando o a viu. Ela conseguiu lhe sorrir, quase em lágrimas, mas eram lágrimas de alegria por estar finalmente em casa.
— Foi somente uma aventura, tio. — Ela disse com acanhamento. Ele sempre conseguia intimidá-la.
— Eu não chamaria o que aconteceu realmente uma aventura. — Ele rebateu sério. — Mas você está aqui e parece sã e salva.
Hixley enfrentou Liam duramente.
O pirata havia levade Juliet para casa e tranqüilamente explicado como tinha capturado o navio no mar e logo ter recebido ordem da rainha para acompanhar Juliet imediatamente a Thurlstone.
— E espero que compreenda capitão, porque não o convido para almoçar conosco.
Liam encolheu os ombros. Seu rosto não mostrava qualquer expressão.
— Não tenho nenhum desejo de almoçar com você, sir Richard, porque devo voltar para meu navio. — Ele fez uma reverência para Juliet com uma ampla reverência, de verdadeiro homem de corte. Logo se voltou sob os passos e se dirigiu à porta.
Juliet se sobressaltou e correu atrás dele.
— Capitão! Capitão O’Neill!
Ele se deteve, já voltando levemente a fitá-la, arqueando uma sobrancelha dourada.
— Por favor, cuide bem de Katherine, e que ela também fique ilesa.
O olhar de Liam sustentou a dela por um instante.
— Cuidarei muito bem dela. — Ele disse finalmente. — Prometo. — E saiu.
— Venha comigo, Juliet. — Richard disse. — Desejo falar com você.
Juliet ficou observandoo-o ansiosa. Voltou-se incapaz de sorrir. Seu tio era de altura média, mas bastante digno. Possuía um rosto agradável, mas seus olhos escuros eram duros e frios. Seu pai o nomeara tutor de suas propriedades antes de morrer, depois que havia adoecido. A mãe havia morrido muitos anos antes.
Ela e Hixley não tinham nenhum laço de sangue. Ele havia se tornado seu tio Quando o se casou com sua tia. Possuía uma rica propriedade mais ao norte de Thurlstone Manor, à beira do oceano Atlântico. Juliet sabia que a tutoria o obrigava dividir seu tempo entre Thurlstone e sua casa, esposa e seus filhos.
O anseio de Juliet aumentou. Imaginou que ele desejava discutir, mas não haveria uma discussão.
— Tio, eu acabo de chegar, tenho fome e estou cansada e também suja. Não podemos conversar mais tarde?
— Esta noite teremos hóspedes. — Ele lhe anunciou sem meios termos.
Juliet não teve escolha. O seguiu até o castelo.
Thurlstone era uma fortaleza medieval, mas rica graças aos vastos depósitos de ferro no solo, que tinham sido descobertos por seu avô e que extraíam continuamente. As paredes eram cobertas de tapeçarias de cores brilhantes; acima dos quais pendiam os estandartes. Onde se destacava o grande dragão preto de Stratcheclyde em uma faixa de ouro e um campo de vermelho. Armas medievais, que estavam na família por gerações, também enfeitavam as paredes. Do teto de madeira desciam os estandartes de Stratcheclyde.
Entraram em uma larga galeria de tijolos que tinha sido adicionada sobre o solar original antes da morte pai de Juliet. Richard se voltou para uma das janelas de vidro e Juliet se sentou em um banco.
— Naturalmente, sabe por que lhe chamei de volta.
Juliet assentiu sentindo-se triste. Inclusive sabia que deveria estar excitada.
Ele se voltou para fitá-la. Pareceu transpassá-la com o olhar.
— Sei que ainda é muito jovem para o casamento, mas estou ficando velho, e me é difícil administrar bem as duas propriedades.
Juliet pensou ser gentil e não dizer nada, mas balbuciou:
— Mas farei dezesseis anos só em Junho.
Ele sacudiu os ombros, indiferente.
— Redigi uma lista de candidatos para você, homens de boa família, e pretendo acertar seu noivado antes de seu próximo aniversário. Ele a fitou diretamente. — Estes pretendentes desejam conhecê-la.
Juliet não pôde impedir que seu lábio inferior tremesse.
Os pretendentes desejavam conhecê-la. Ela não era nada ingênua. Desejavam verificar se ela não era magra como um esqueleto ou gorda como uma vaca. Enquanto o ela não tinha nenhum desejo de conhecer nenhum deles.
— Não me parece feliz, Juliet.
Sabia que devia agradecer ao tio por todos os seus esforços. Disse em sussurro: — Só tenho quinze anos. As outras mulheres não se casam antes dos dezoito.
— Eu devo encontrar alguém que se ocupe de Thurlstone. — Rebateu severamente Richard.
— E o que acontece se… Eu não gostar?
Richard a fitou surpreso.
Ela enrubesceu e baixou o olhar sobre o colo.
— É uma tolice. — Advertiu-lhe Richard.
— Se começar a chorar vou enviá-la aos seus aposentos como o faria com uma menina.
Juliet não disse nada e não chorou.
Richard continuou:
— Na verdade a lista de pretendentes não é grande. Decidi-me por três pessoas, depois de ter conseguido dez vezes mais.
Três pretendentes. Deveria enfrentar somente três pretendentes.
Não se sentia aliviada. Dava-se conta da iminência da questão. Antes de Junho estaria de noiva. Oh, Deus! Com um homem que não conhecia, que não queria e a amava.
Levantou-se e de qualquer modo conseguiu falar.
— Obrigado, tio. Obrigado por tudo o que tem feito por mim.
E Quando o finalmente se encontrou sozinha em seus aposentos recostou-se apertando uma almofada, sonhando com o amor e se perguntando por que era algo tão impossível.
Juliet havia partido. Katherine apertou os braços diante da janela do camarote de Liam, observandoo o sol que se escondia, como uma bola vermelha incandescente, sobre a ponte da Cornualha. O navio continuava avançar para o nordeste em direção à costa da Irlanda.
Navegavam no oceano Atlântico. Era bem mais agitado que o canal da Mancha e ao longo da costa da Cornualha. Estava com as pernas entreabertas, com um ombro contra a parede, enquanto o o navio balançava entre as ondas, empurrado pelos ventos fortes e favoráveis. O sol já estava baixo no horizonte que estava ficando negro como o breu.
Como conseguiria evitar Liam O’Neill essa noite?
Katherine não tinha respostas.
Continuava a recordar seu beijo na sala de banquetes da rainha. Seus joelhos enfraqueciam e o sangue fervia em suas veias.
Katherine roçou o rosto contra a parede lisa de madeira. Estremeceu. Voltou a pensar em suas mãos. Nas mãos perigosas.
Pensou em Hugh, o homem que estava para enfrentar. O homem com o qual se casaria. Oh, Deus! Não havia lugar em sua mente para Liam O’Neill. Maldição ele ser tão atraente. Tão viril.
Enrijeceu o corpo ao ouvir a porta abrir e se voltou. Era somente Guy, o rapazinho.
Trazia-lhe o jantar.
— O capitão disse que pode para jantar sozinho. Ele virá mais tarde.
Katherine fitou Guy.
— Quanto mais tarde?
Guy encolheu os ombros e a deixou.
Katherine olhou a bandeja: sentiu o aroma do pão fresco e do peixe frito, mas não tinha fome. Novamente se voltou para a janela. O sol agora havia desaparecido e o mar estava negro, como o céu, e não havia como saber onde terminava um e começava o outro.
Katherine permaneceu de pé, imóvel, tentando não pensar. Era impossível. Sabia o que lhe aconteceria. Observou as estrelas piscarem e a lua aparecer. Lua cheia. O terror brigava com uma sensação de expectativa. Entretanto sabia que tinha que se opor a ele. Tinha que combater e ganhar.
Voltou-se e se dirigiu à mesa para se servir. Não um copo de cerveja, que era freqüentemente o que as mulheres bebiam, mas uma taça de vinho francês. Bebeu-o rapidamente esperando que se acalmasse seus nervos, mas não pareceu fazer algum efeito sobre ela.
Somente Quando Liam apareceu no vão da porta que se deu conta de ter permanecido numa total escuridão. Ficou rígida. Observou -lhe.
Ele sorriu e logo fechou a porta devagar. Atravessou o camarote, aparentemente sem pressa. Procurou novamente os olhos dela.
Seu coração pulsou rápido. Não havia equívoco sobre suas intenções. Impossível.
Ele a estudou, logo olhou para a mesa e não disse nada Quando o viu que ela não havia tocado na bandeja com a comida. A taça de vinho estava meio vazia sobre a mesa.
Logo afastou, se dirigindo para o leito. Ela o Observou enquanto o colocava o candelabro sobre uma pequena prateleira entranhada e o cobria com uma cúpula aberta de vidro. Fechou a portinhola da prateleira, assegurando assim a luz, então a fitou.
— Venha, Katherine.
— O quê?
— Venha.
Ele estava com as pernas entreabertas e as mãos nos quadris.
A luz da vela cintilava em sua face e Katherine Observou que o volume em sua calça era mais evidente que nunca.
— Não tenho intenção de dormir com você.
O sorriso se tornou pícaro, fastidiosamente mais confiado e sedutor.
— Esta cama é o bastante grande para nós dois.
— Você não está pensando simplesmente em compartilhar a cama. — Ela disse.
— Eu não a obrigarei a fazer nada que não queira. — Respondeu ele com voz persuasiva e aveludada.
Katherine emitiu um sufocado som.
— Venha, Katherine.
A jovem hesitou e logo se precipitou para a porta que sabia estar aberta. Ele a impediu antes que tivesse atravessado o camarote, murmurando delicadamente em seu ouvido, enquanto o a atraía para seu corpo duro.
— Desejo-a, Katherine.
Ela permaneceu congelada. Ele estava com os braços em volta de sua cintura e o membro túrgido pressionava o sulco de suas nádegas. Seus lábios passeavam por seu pescoço.
— Quero te agradar, Katherine. — Sussurrou-lhe e logo a levantou nos braços e a levou até o leito.
Liam depositou Katherine no centro do leito, recostando-se em cima dela. Por um instante fitou seus olhos, e nesse instante Katherine sentiu cada centímetro dele, desde o peito até os dedos dos pés. O quadril a pressionava e seu membro estava apoiado contra sua intimidade.
Tudo lhe passou pela mente, na velocidade do raio. O convento e a fuga, a violenta captura do mercante francês sobre o qual havia escapado e Liam controlando tudo do castelo de proa, como se fosse seu reino. E Hugh... Hugh que a esperava para lhe dar seu nome, sua casa e seus filhos.
Doce Katherine. Liam a chamou com voz rouca e seu polegar acariciava sua face com a mão tremula.
Katherine fitou os olhos velados e quase ficou hipnotizada pelo desejo que leu neles. Como era forte e potente. Mas ela não estava totalmente perdida. Ainda restava uma fibra em seu cérebro. Tinha as mãos livres e as levantou a fim de arranhá-lo, de forçá-lo a deixá-la. Mas Liam lhe segurou as mãos antes que pudesse tocá-lo, cruzando sobre sua cabeça de tal forma, que de repente uma pontada de dor emanou de seus braços e ombros. Ele a impediu de se mover bloqueando suas pernas com as coxas firmes.
— Basta! — Ordenou-lhe. —Maldição, mulher. — Não tenho intenção de lhe fazer mal!
— Você está mentindo! — Gritou Katherine pensando em seu beijo, em suas mãos. Estremeceu sob dele.
— Você tem intenção de me arruinar. Me violar!
Ele estava sério.
— Não tenho nenhuma intenção de te violar. Nem agora, nem nunca. Portanto, basta de opor resistência.
— Não acredito. — Ela explodiu. — Você é filho de Shane O’Neill!
— Como estou cansado que continuamente me recordem esta circunstância infeliz. — Ele respondeu irritado.
— Então deveria se comportar como um cavalheiro. — Katherine tentou novamente se soltar, mas não pôde. — Ele violou sua mãe, não? Pobre Mary Stanley!
Liam dilatou as aletas nasais e seus olhos se ofuscaram ainda mais, mas o tom de voz era tranqüilo.
— Eu não sou meu pai, Katherine. Não esqueça isso. E agora, lhe demonstrarei. — disse com meio sorriso, mas este não chegou aos seus olhos. Baixou a cabeça, para beijá-la.
Katherine jogou a cabeça para o lado e a boca de Liam desceu em sua face, onde pousou delicadamente. Seus beijos eram leves como plumas. Ela ofegou.
— Eu pertenço a Hugh!
— Depois desta noite você saberá que existe um só homem para você. E esse homem não é Hugh Barry. — Ele ainda sustentava suas mãos acima da cabeça, mas agora com uma só, com a outra ele lhe voltou o rosto, para que o fitasse e lhe cobriu os lábios.
Katherine se moveu freneticamente, mas só conseguiu ir ao encontro de sua ereção. Imobilizou-se.
Desta vez ele não a obrigou abrir a boca, e ela recusou abri-la. Mas parecia que não tinha pressa. Roçou-lhe os lábios com os seus.
Lágrimas se formaram nos cantos dos olhos que ela mantinha estreitamente fechados.
Ele já estava desencadeando em seu corpo um vendaval de desejo e ela sabia que seria assim, Quando o ele se deteve para murmurar:
— Renda-se a mim, Katherine. — Ela voltou o rosto para o outro lado e ofegando respondeu:
— A rainha aprova meu noivado com Hugh!
Os olhos de Liam cintilaram.
— Sabe que Bess rapidamente muda de idéia.
Katherine desejou que ele deslocasse o corpo, para que ela não se sentisse tão ciente do pulsar de cada polegada dele.
— Ela ficará furiosa com você se você realmente fizer isso!
Ele sorriu, inclinou-se e com a língua saboreou a linha fina de seus lábios. A boca fechada de Katherine afrouxou levemente, mas a jovem conseguiu sufocar um gemido.
— Não se preocupe com Bess. — Ele murmurou.
A língua lambia um ângulo de sua boca e depois o outro. Logo ele se deteve, olhou para ela e disse com voz rouca: — Eu me entendo com Bess.
Katherine ficou rígida, atordoada. Enquanto o ele falava havia começado a ondear o quadril languida e delicadamente, sempre fitando seus olhos. Ela sentiu que se sucumbiria, porque o efeito era o mesmo de empurrar seu membro duro como uma rocha contra seu sexo suave e túmido. Finalmente ela gemeu, arqueando-se sob ele para acolhê-lo.
Ele começou a rir e tomou-lhe a boca acariciando o interior com a língua. Katherine sabia que estava para sucumbir.
Para seu pesar, também seus quadris se elevavam incessante e ansiosamente contra ele. Seu corpo estava em chamas e tinha somente um pensamento fixo. Elevar as pernas já abertas para acolhê-lo todo dentro de si.
Hugh. Devia se lembrar de Hugh. Shane O’Neill. Devia lembrar quem era o pai desse homem e quem era também esse homem. Um pirata selvagem e um assassino. Não devia ceder sua virtude a Liam O’Neill. Todo seu futuro estava em jogo.
Segurou-se a esse pensamento e lhe mordeu a língua.
Ele gritou de dor e de raiva antes de ar um salto e se colocar em pé. Katherine gritou dando-se conta que havia lhe mordido e que não havia sangue nos cantos de sua boca.
Agora ele se encontrava em pé e furioso ao lado da cama e uma das mãos que lhe cobria a boca. Ela então se deu conta que estava livre e apressou em se sentar, afastando-se dele o mais longe possível.
— Rameira! — Explodiu ele finalmente. Então ela notou um fio de sangue.
— Maldita rameira! — Seu rosto se fez duro e sério.
Katherine compreendeu então que estava em perigo e gritou:
— Não! Sinto muito!
Mas ele se inclinou sobre ela, pegou-a por um braço e a jogou no meio do leito. Logo se recostou sobre ela. Antes que Katherine pudesse se levantar ele amarrou-lhe a mão a uma coluna do leito, com um dos cordões de cor vermelha e ouro que serviam para amarrar as cortinas do dossel.
— Maldita rameira! — Ele repetiu em um longo suspiro e levantou- lhe o outro braço, ignorando o fato que ela tentava desesperadamente lutar. — Quase me cortou a língua em duas. Maldição!
— Você me obrigou a isso! — Katherine gemeu, puxando das cordas que a amarravam. — Eu estava me defendendo!
Ele amarrou-lhe também os tornozelos aos pés da cama e se levou para fitar-lhe, sério. Sinistro.
— Você foi afortunada, Katherine. Foi somente um pequeno corte. — De repente ele elevou apenas os cantos dos lábios. — Se tivesse me mutilado, um dia se lamentaria.
Ela se zangou. Esqueceu que estava amarrada.
— Deveria ter mordido mais forte!
Ele abriu muito os olhos.
— Está tentando me provocar, agora?
Katherine compreendeu a loucura de provocar-lhe a ira.
— Não! Não! Rogo-te. Solte-me! Por favor. — Nunca tinha ficado tão vulnerável e exposta em toda sua vida, Havia sido uma loucura esquecer sua difícil situação, embora fosse por um breve momento. Mas não era o medo que lhe causava os batimentos surdos em seus ouvidos.
Ele não respondeu. Seus olhos estavam numa cor prateada admirável e enquanto o sorria, em suas mãos apareceu uma adaga.
— Castigo— disse em voz baixa.
Katherine puxou as cordas. Não estavam tão apertadas e ela não estava totalmente imobilizada. Descobriu que podia se mover um pouco.
Ele se dirigiu para ela e enganchou a adaga no centro do decote de seu vestido. Katherine começou a compreender suas intenções e permaneceu paralisada pelo choque. Liam fez a adaga deslizar lentamente deslizar através da seda azul descolorida sobre o vale de seus seios. Atemorizada, Katherine Observou a lâmina enquanto o ele desvendava sua roupa intima. A faca deslizou ao longo de seu colo, do ventre e das pernas. Katherine não moveu um músculo, sequer ousando respirar. Logo ele rasgou o tecido até seus pés, abrindo o vestido em dois. Entretanto, a faca não a tocou uma só vez.
— Basta. — Exigiu com voz rouca. Ofegava, e a cada pausa ele lhe abria um corte em sua veste.
Liam fitou seus seios apertados pelo tecido. Deteve-se observandoo os mamilos túrgidos. Seu olhar procurou o dela e depois prendeu a lâmina no decote da regata. Sempre fitando seus olhos, ele começou a deslocar a lâmina entre seus seios.
Katherine gemeu, observandoo a extensão de pele marfim enquanto o o tecido se abria em dois. Com muito cuidado, ele fez descer a lâmina por seu ventre e entre as pernas. Um instante depois, também a fina proteção estava aberta em duas.
Katherine ofegava. A única peça de suas vestes que ainda estava intacta cobria suas partes intimas. Ele mais uma vez levantou o olhar para seu rosto. Os olhos brilhavam selvagens, e os traços do rosto eram duros. Katherine não pôde afastar os olhos e nem respirar.
Ele enganchou a lâmina da adaga no centro da cinta-liga de renda que ela usava ao redor da cintura, revelando-lhe o umbigo. Katherine olhou a lâmina cintilante. Não podia afastar os olhos da lâmina prateada que começava a rasgar o delicado tecido, para deslizar sobre seu ventre revelando o ninho formado por pêlos avermelhados. Mal notava a lâmina fria entre suas pernas.
Ele levantou o olhar de repente, obscurecido. Katherine emitiu um gemido e umedeceu os lábios, apreensiva. Parecia que todas as suas terminações nervosas estavam inchadas e pulsavam alucinadamente.
Ele apertou a maxilar e logo fez a faca deslizar pelo interior de cada perna.
Depois a embainhou e a fitou atentamente.
Estendeu as mãos e as duas metades das vestes cortadas se abriram revelando inteiramente os seios sólidos, plenos, a frágil caixa torácica, à junção das coxas, o ninho de pêlos vermelho escuro e finalmente as longas pernas.
Katherine exalou apenas um suspiro. No camarote fazia um calor tremendo e ela sentia dificuldade para respirar. Abriu a boca para lhe dizer que se detivesse, mas somente conseguiu movimentar cabeça de um lado a outro. Seu corpo inteiro ondulou.
— Você é muito bela, Katherine. — Ele disse com voz rouca, sentando-se ao seu lado. Acariciou-lhe um seio e Katherine gemeu. O mamilo já duro pareceu inchar sob sua mão.
Ela nunca havia imaginado que um homem pudesse lhe proporcionar essas sensações tocando a pele nua.
— Você usa vestidos bem adequados, que esConde m o presente que Deus que lhe deu. — Ele lhe acariciou o mamilo e logo a fitou. — Você gosta disso, Katherine?
Ela moveu a cabeça, negando.
Ele explodiu em risos, imprevisto e brutal.
— Então é uma mentirosa ou uma tola. — Seu olhar procurou o outro mamilo e delicadamente o manipulou entre os dedos.
— Sei muito bem que não é tola, minha querida.
Katherine o fitou, destroçada entre o medo e o desejo, enquanto o ele se inclinava para acariciar os mamilos com a língua, um a um. Estava perdida. Seus os olhos se fecharam e ela gemeu. Um gemido longo e baixo. Profundo.
Ele murmurou algo doce e começou a sugar.
Katherine sobressaltou. Mas ele a tocava e a estimulava. Quanto mais a sugava, doloroso e túrgido se convertia seu sexo.
Katherine gemeu, gritou e tentou se sair dele e ficou surpresa Quando o suas mãos a livraram. Não se tinha dado conta que de algum jeito ela havia cortado os cordões que a prendiam. Então segurou sua cabeça, gemendo e aconchegando-o ao seu seio.
Ele baixou a cabeça e Katherine gemeu. Liam beijou-lhe o ventre, o umbigo. Ela o envolveu com as pernas e furiosamente elevava os quadris contra ele. Mas logo ficou imóvel Quando o ele acariciou seu sexo com as mãos.
Ela ofegava, pois ele ainda estava beijando seu umbigo, enquanto o seus dedos estavam separando as dobras úmidas e espessas de sua carne. Gemeu, Quando o ele a acariciou tão intimamente, gritando Quando o o polegar penetrou o interior dos grandes lábios para subir rapidamente para seu clitóris.
Katherine estremeceu. Mal era consciente que seus beijos estavam se transformando perigosos, porque enquanto o ele lhe estimulava o sexo, sua cabeça descia cada vez mais por seu corpo. Não se moveu enquanto o ele lhe beijava o interior da coxa, e seu rosto roçava o caminho por onde havia brincado.
Liam beijou-lhe a fenda.
Gemendo, Katherine o chamou.
Ele abriu-a mais e a beijou novamente, languidamente. Katherine se empurrou contra ele. Mantendo-a aberta, Liam acariciou-a com a língua perita. Ela Gemeu. E gemeu. Gritou enquanto o uma imensa e terrível onda de angústia cresceu dentro dela, para se transformar em um prazer que a abateu, culminou-a.
Katherine relaxou sobre a cama. O êxtase desapareceu e o prazer se acalmou.
De repente sentiu os cabelos sedosos em suas mãos e os segurou firmemente. Então se conscientizou da sensação de sua face ainda apoiada no interior de sua coxa e de seus dedos que ainda vagavam em seu sexo.
Por um instante soube o que ele lhe tinha feito. Como tinha previsto, seu corpo havia o acolhido com luxúria. Mesmo que ele fosse um Condenadopirata e filho do famoso violador Shane O’Neill, ela o havia acolhido, se incendiado por ele. E com ele havia previsto, sem necessidade de violá-la.
Não teria. Somente bastaria usar sua habilidade com e depois de algum momento ela lhe teria suplicado para que a penetrasse.
Katherine se voltou para um lado, com um soluço brotando do peito, e se deu conta que ainda estava com as pernas amarradas. Voltou-se de costas cobrindo o rosto com as mãos, pensando que explodiria a chorar de vergonha diante dele.
— Katherine?
Foi inútil. Katherine soluçava com o rosto entre as mãos.
Liam levantou-lhe a cabeça e ela sentiu que ele a observava.
— Por que, em nome de Deus, está chorando? —Perguntou-lhe brusco.
Ela deixou cair às mãos e o fitou com fúria homicida.
— Está contente? Está contente? De ter demonstrado quanto é viril e que rameira eu sou?
Ele abriu os olhos, estupefato.
— Faça o que quiser. — Ela disse comprimindo um punho contra a boca. — Maldigo a você. Que Deus te amaldiçoe. Como te odeio, O’Neill! Como te odeio!
Ele a fitou.
— Você não é uma rameira, Katherine e sabemos disso. — Ele disse com voz rouca.
Katherine cobriu o rosto com as mãos, esperando que ele a tocasse novamente. Mas ele não a tocou.
— Não chore, Katherine.
Katherine o ouviu, mas ignorou. Estava lutando para controlar a própria histeria e seu ódio repentino e total pelo homem que a seduzira com facilidade.
Ouviu-o amaldiçoar violentamente e depois lhe desatar as pernas.
Imediatamente se afastou para longe dele dando-lhe as costas. Talvez assim fosse milagrosamente deixada em paz. Não acreditava.
O silêncio se apropriou do camarote. De repente ele tocou seu ombro. Katherine congelou.
— Você não é uma rameira. — Liam repetiu. — Não faça mal a si mesma. O que fizemos é natural entre um homem e uma mulher, Katherine. Especialmente com o tipo de desejo que temos em comum. —
Katherine se voltou rapidamente.
— Nós não temos nenhum desejo em comum! — Gritou sabendo perfeitamente que estava mentindo.
A expressão de Liam era enigmática, ainda que claramente cética.
Katherine desejou não se voltado para ele. Especialmente depois de ter dito uma mentira tão evidente. Mas se reencontrou observandoo-o. Os olhos cinza brilhavam e um fio de suor descia ao longo de suas têmporas. Estava com as narinas dilatadas e a respiração nada regular. No pescoço se via os músculos tensos e a veia que pulsava forte e regular.
Estava com a camisa molhada de suor e completamente desabotoada revelando o tórax musculoso e grande parte do ventre plano. Sabia que não deveria baixar o olhar, mas o deslizou uma só vez. E somente uma bastou.
Ele era um homem atordoante e tão poderoso com o corpo quanto com a mente em sua vontade, e ainda estava terrivelmente excitado.
Ele observava, seguindo seu olhar.
— É certo. Ainda a desejo, Katherine. Preciso de você.
Ela queria cobrir os ouvidos. Até suas palavras eram sedutoras.
— Mas eu não quero você. — O olhar dele a provocou, e Katherine teve a graça de ruborizar. Antes que ele pudesse afirmar o óbvio, que recentemente ela o tinha desejado muito, ele disse:
— Talvez seja meu corpo que te deseje, mas eu quero Hugh.
Ele cerrou o queixo e grosseiramente lhe respondeu:
— Por seis anos você acreditou que ele estava morto. Agora está tentando me dizer que todo este tempo foi fiel no coração e na mente, a um homem que pensava que estava morto?
Dificilmente pensou em Hugh em todos aqueles anos, não depois dos primeiros meses de luto, mas assentiu.
— Eu o amo. É meu noivo e logo nos casaremos.
Liam sorriu. E era um sorriso muito perigoso.
— Seriamente?
Katherine se enrijeceu.
— Sim.
Dominador, imediatamente ele se aproximou.
— Não acredito. — Disse.
Não era possível que ele soubesse de seus temores mais secretos, que Hugh tivesse lhe esquecido e que não tinha nenhuma intenção de casar com ela.
— Está errado. — Sussurrou. Era difícil fazer às palavras sair.
— Seriamente? — Ele curvou os lábios e seus olhares se encontraram. Entre eles se interpôs um instante de silêncio opressivo.
— Descobriremos bastante logo, Katherine. Vamos descobrir se seu amor a quer verdadeiramente.
— Sim. — Katherine conseguiu responder, apertando a colcha.
Liam permaneceu absolutamente imóvel.
— E quando o ele te descartar, então virá livremente a mim?
Ela respirou fundo. As palavras eram fortes, secas e rasgaram o ar como um látego.
— Virá? — Ele insistiu, com os olhos em chamas.
— Então virá a mim, livremente?
— Não.
Ele a fitou por um momento. Voltou-se e saiu.
Enquanto o fechava a porta com força, Katherine se recostou cansada leito.
E passou muito tempo antes que ela conseguisse dormir.
Liam se dirigiu à ponte do navio fundido à escuridão da noite. O vento era forte e regular, um bom vento para navegar, que lhe açoitava o rosto e o corpo. Deteve-se na proa, em um círculo de luz da lua, consentindo as gotas geladas que salpicavam do mar lhe molhassem o rosto.
Estava tenso. Estava rígido, com a tensão esculpida em cada traço de seu corpo. Sentia-se tenso como um arqueiro a ponto de lançar uma flecha.
Os prantos, as maldições e as acusações lhe ressoavam nos ouvidos.
Ele não era como Shane O’Neill. Maldição. Ele não era um assassino e nem um violador. Saqueava os navios para a rainha, nunca sem sua aprovação implícita. E seu objetivo eram sempre políticos. Bem poucas pessoas morriam nessas batalhas, muitas menos que nas guerras. Era sua regra liberar à tripulação dos navios capturados, enquanto o pegava o prêmio conservando-o ou usando como queria. Nunca tinha violado uma mulher, e nunca o faria.
Liam estremeceu. Já estivera com muitas mulheres. Muitas. Algumas, como Katherine, vítimas inocentes capturadas por ele no mar como conseqüência de sua pirataria. Mas nunca tinha tentado seduzir uma mulher que não tivesse experiência ou que não mostrasse um sinal de interesse.
Até Katherine.
Havia decidido seduzir Katherine, apesar de sua falta de experiência, apesar de sua reticência. Sabia que devia manter-se afastado dela por causa de sua reticência, sua inexperiência. Mas não conseguia.
Ela era uma mulher assombrosa, uma mulher extraordinária. Uma mulher muito diferente de sua infame mãe, Joan Butler Fitzgerald. Seu orgulho, sua postura e sua independência não o desgostavam. Ao contrário. Conhecendo-a, por certas atitudes, desejava-a mais que nunca. As outras mulheres não possuíam luz diante dela.
Mas não queria ser como o pai, pilhando onde não era desejado, a sua vontade. E Katherine estava decidida a se opor a ele e sabia que podia seduzi-la até que lhe suplicasse que a fizesse dele. Mas agora suspeitava que se tivesse feito algo pareci, ela o teria odiado ainda mais.
Recordou-se, que uma sedução forçada poderia ser algo parecido a um estupro, que o tornava justamente o filho de Shane O’Neill.
Liam se firmou ao corrimão molhado do navio. Que diabos fazer?
Um homem de bons princípios a deixaria ao encontro Hugh Barry. Liam sabia não possuir princípios tão bons.
Estava furioso. Furioso consigo mesmo porque a desejava obsessivamente. Estava furioso com ela por tê-lo empurrado além dos limites, por ter lhe mostrado o quão realmente se parecia com o pai. E se envergonhava.
Por ter agido como um animal. Por ter se convertido em uma besta selvagem diante de Lady Katherine FitzGerald. – Era um animal nada diferente de seu pai.
Katherine estava diante da janela do camarote de Liam. Abriu os olhos porque divisou terra. Notou claramente a Costa irlandesa.
Havia passado o dia remendado o vestido. Já lavada e vestida se precipitou para fora do camarote, voando sem fôlego pela estreita escada. Atravessou a ponte sem refletir, para correr ao parapeito. Sorriu observandoo sua pátria que não via há longos seis anos. O sorriso aumentou em seus lábios enquanto o observava a clara faixa da praia, na base do escarpado que começava a ficar maior à medida que se aproximavam. Jogou para trás a cabeça e explodiu em uma risada jubilosa.
— Bom dia, Katherine.
Sua risada morreu e ela se voltou para Liam. Não tinha visto mais ele, desde a noite anterior, Quando o quase a seduzira completamente.
Ele não sorria e tampouco ela.
Seu olhar passeou rapidamente sobre seu rosto, detendo-se sobre seus lábios, para logo baixar fugazmente sobre seus seios. Não havia duvida no que pensava. Katherine se sentiu enrubescer. Também ela havia lhe observado a fundo. Não pôde se impedir. Se a horrível noite de intimidade não tivesse acontecido.
— Bom dia. — Conseguiu responder afastando o olhar, para observar à Costa, tentando ignorar sua proximidade.
Esperava que não tivesse nenhum efeito sobre ela.
— Você está feliz em me ver? — Ele murmurou. — Eu esperava que uma breve separação pudesse torná-la um pouco mais afeiçoada a mim.
Katherine continuou sua observação, com a cabeça ereta.
— Eu amo um homem e ele não é você.
— Ah, sim. Seu amante perdido no tempo. Ou deveria dizer morto no tempo?
Ela se voltou com os olhos cheios de orgulho.
— Preferiria que não falasse dele.
— Mas é impossível. — Liam sustentou seu olhar. — Sinto-me consumir de ciúmes ao pensar em você e Hugh.
Katherine não conseguiu se mover.
Seu tom se adocicou, — mas seguramente você sabe disso, Katherine, — em uma rouca carícia.
Seu coração acelerou.
— Eu só sei que você é um desgraçado sem consciência, dedicado à sedução, ao assalto de navios e ao assassinato.
Ele sorriu lentamente.
— Eu abro meu coração a você, que me joga isso na cara. Você é cruel, Katherine.
— Você somente diz tolices. — Katherine gritou. Nesse momento queria ir embora dali, deixá-lo, mas intuía que se fosse ele a deteria.
— Passei duas noites terríveis.
Seu coração batia loucamente. Podia imaginar porque ele não tinha dormido bem. Imaginava o quanto se debatera na cama, ardendo em um fogo proibido até o amanhecer, exatamente como tinha acontecido a ela.
— A mim… A mim não importa. — Disse, finalmente.
Liam limitou-se a responder com outro lento sorriso. Um sorriso descarado e de superioridade.
Ele imaginava. Imaginava que ela havia dormido mal como ele, e exatamente pelas mesmas razões. Com bochechas ardentes, Katherine olhou para a Costa.
— Estou surpresa de não ver nenhum sinal que esteja em grau de reconhecer. — Efetivamente, ela não se recordava dos escarpados tão íngremes rodeando o estuário de Shannon.
— Conhece Cork? — Liam cruzou os braços e se apoiou no parapeito ao lado dela.
— Cork! — Katherine gritou ao se voltar para ele.
— Estamos chegando a Cork? Não em Askeaton? — Desembarcaremos em Cork, e alcançaremos Barrymore a cavalo. É lá que vivem os Barry, não?
Ela o olhou, estupefata.
— P-mas, pensei que primeiro iríamos para casa!
— Por quê? — Liam estudou-lhe o rosto. — Você ama Hugh, certo? Certamente seu primeiro pensamento é correr para seus braços. Askeaton fica a cinqüenta milhas daqui.
A desilusão a quebrou.
— Mas por mar poderíamos chegam antes da noite, não?
— Recebi instruções de te escoltar até Hugh Barry, — ele disse com firmeza, — da rainha, em pessoa.
Katherine se sentiu desfalecer e novamente se voltou para observar os escarpados. Agora se dava conta que se estavam se dirigindo para a baía. Havia uma guarnição inglesa em Cork, que era uma cidade inglesa.
— Eles dispararão no navio, assim que o reconheçam. — Ela Observou temerosa.
— Não, não acredito. — Liam rebateu, olhando para o céu.
Ela se voltou e viu que ele havia içado a bandeira da rainha.
Não pensarão que seja uma armadilha?
— Talvez— encolheu os ombros.
— Tenho cartas seladas de Sua Majestade para o governador Perrot, que lhe informa de minha missão. — Os olhos cinza encontraram os dela.
Katherine desprezou a desilusão. Não importava. Certamente logo poderia ir até Askeaton. Era melhor ir diretamente até Hugh. Depois, de todo mode Barrymore não ficava longe de Cork e logo ela estaria com Hugh, que era a resposta de seus sonhos.
Sir John Perrot chegou pouco depois que haviam atracado e subiu no navio com uma grande escolta de homens armados. Era um homem muito gordo, com cabelo vermelho e uma barba comprida da mesma cor brilhante. Usava colete vermelho aberto sobre o imenso ventre. Entretanto, não era uma figura cômica.
Havia sido nomeado Lorde governador de Munster em dezembro, pela rainha. Tinha ordem de aniquilar os rebeldes que tentavam expulsar os colonos ingleses, e que até esse momento parecia que conseguiam. Tinha ordem de caçar o chefe dos traidores, James FitzMaurice. Era um homem decidido, um soldado famoso, mas já não tão jovem. Diziam que era filho ilegítimo do rei Enrique VIII.
Liam esperou por ele e sua comitiva no topo da passarela. Tranquilo, mas com sua espada. Os dois homens se encontraram face a face e trocaram algumas palavras. Depois Liam passou ao governador uma carta com o selo real. Perrot a abriu e se dispôs a lê-la por um longo minuto. Finalmente levantou o olhar para ele e enrugou a testa. Conversaram e log Liam se voltou e fez um gesto para Katherine que se aproximasse. Katherine havia permanecido em pé junto a MacGregor, ao lado de um dos mastros, observandoo o contato entre os dois.
Seu coração estava acelerado, mas agora ela se sentia aliviada, Não tinha que se preocupar se Liam fosse detido. Não só porque era um pirata, mas porque era um pirata irlandês, crime ainda mais grave.
Perrot fitou Katherine, um pouco depreciativo. Notou a costura que percorria a frente de seu vestido. Não se inclinou e nem lhe beijou a mão e disse:
— Então você é a filha de FitzGerald. Ouvi dizer que ele que está longe de Desmond, não?
Katherine ficou rígida.
— Sim, meu pai sente nostalgia e têm saudades suas terras.
Perrot sorriu.
— Desmond já não pertence a FitzGerald, moça. Sabemos disso. Então deve se casar com o herdeiro dos Barry, não? Ouvi dizer que ele está apoiando secretamente esse papista louco, o FitzMaurice.
Katherine respondeu seca: — Não sei nada disso. — Logo, ela sentiu Liam que segurava seu cotovelo com firmeza, em sinal de aviso.
— Pode lhe entregar uma mensagem de minha parte. Capturarei FitzMaurice e apresentarei sua cabeça à rainha. No dia em que esteve fora das muralhas de Cork e declarou que a rainha é uma bastarda herética, ele decretou seu destino. E pensar que acredita poder derrubar a Coroa! Ele está louco e se arrependerá de seus atos. Diga a Barry que sua cabeça se juntará a do papista, se ele atrever partir contra mim. Aniquilarei estes rebeldes. Até o último. Ouça-me bem.
Katherine ignorou a pressão da mão de Liam que agora era tão forte que lhe provocou uma pontada de dor pelo braço.
— Nenhum inglês conseguirá aniquilar toda a Irlanda! — Rebateu com orgulho. — É algo impossível.
O rosto de Perrot ficou vermelho.
Liam a afastou.
— Não faça conta, lorde Perrot. Ela está confusa, por causa da tensão do noivado e por outros problemas femininos. — Ele interveio com tom conciliador. — Não sabe o que diz.
Katherine teve a tentação de lhe dar um chute na canela. Fitou-o furiosa, mas ele a ignorou.
— Quando o poderemos obter nossos documentos de viagem? — Perguntou ele
Perrot se voltou para fitar Katherine.
— Se pensa induzir seu noivo à traição, pense muito bem. Não tenho nenhuma dificuldade em convocar também sua cabeça junto com os outros traidores, jovem FitzGerald.
Liam afundou os dedos em seu braço.
— Sir John, ela foi criada sempre em um convento. Não sabe nada do mundo, dos homens e de como estão às coisas por aqui. — Sorriu timidamente. — Não fará nada mais nem nada menos que seduzir seu homem na cama. Asseguro-lhe.
O olhar de Perrot cintilou no dianteiro do vestido da jovem.
— E será também uma boa farra. Acredito, eu. Mas, você sabe disso. Ãh, O’Neill? — Ele riu
Liam também sorriu.
Katherine fervia de raiva.
Perrot dignou à moça outro olhar e se voltou, para declarar depois por sobre o ombro: — Terá os documentos dentro uma hora, capitão. Mas saiba uma coisa. Se não fosse a rainha a ordenar sua missão, eu a teria impedido. — Ele percorreu novamente a passarela que rangeu sob sua massa imensa. Depois ameaçou a seus soldados:
— Ninguém deve deixar este navio sem minhas ordens!
Liam e Katherine permaneceram a observá-lo enquanto o ele era ajudado a montar seu cavalo, antes de partir a galope. Quando o se teve ido, ela se soltou de Liam, esfregando o braço.
— Verme!
Liam semicerrou os olhos.
— O diz isso dele ou de mim?
Katherine — De você! — Katherine gritou, — Você não é um irlandês de sangue vermelho, mas um inglês de sangue azul. Sim, você agiu como tal hoje!
— Isto eu já ouvi dizer. — Replicou Liam, com o rosto tenso e os olhos em chamas. — E você, é uma louca total em insultar o homem mais poderoso da Irlanda.
— Poderoso! Ora! — Ele explodiu. — Meu pai era poderoso, e ele é um sapo gordo e falador. Imagino que terá gostado da troca de sarcasmos.
Liam a fitou, ameaçador.
— Sem permissão de viagem, não iremos à parte alguma.
— Permissão de viagem? Por que necessitamos de tais documentos? — Katherine perguntou.
— Lorde Perrot estabeleceu novas leis desde a sua nomeação e todas com o fim de tornar mais difícil a vida dos irlandeses. Uma destas não se permite viajar. Ninguém pode ir a parte alguma sem a permissão com seu selo. E isto é válido também para nós.
Katherine o fitou, desconcertada.
— Mas é intolerável!
— Não mais intolerável o fato que ter banido os histriões, poetas, nativos e outros mais. — Replicou Liam.
Katherine ficou gelada.
— ele desterrou a harpa e a poesia?
— Entre outras coisas.
— Que porco! — Chiou Katherine
— Na realidade, é um soldado honorável e capaz. E agora também governador, renomado pela rainha Mesmo agora que temos a bênção da rainha, se quiser ele poderia nos prender. Especialmente depois da maneira que você falou com ele. Ele tem poder de vida e morte sobre nós dois, Katherine. Te aconselho a não esquecer. — Liam se afastou.
Pálida, Katherine o Observou se afastar. Pálida, mas já não zangada.
Cork era uma importante cidadela comercial e já o era da Idade Média. Suas ruas eram estreitas e cobertas de paralelepípedos, as casas com um ou dois pisos eram parcialmente construídas em pedras apoiadas umas com as outras e eram modeladas com estuque e revestidas de madeira. Freqüentemente, no piso de baixo era onde se estabelecia o comércio, onde artesãos e comerciantes desenvolviam seus negócios e os padeiros preparavam pães e tortas.
Uma velha igreja Normanda de encontrava à sombra de uma imponente catedral, cuja construção foi terminada durante o reinado de Enrique VIII.
O castelo amuralhado e a guarnição em seu interior ficavam adjacentes ao porto. A cidade inteira era murada. Dois verões antes Cork havia sido assediada por FitzMaurice e os rebeldes. O assédio não tinha durado muito, porque eles haviam se retirado Quando o receberam a notícia da chegasse de sir Henry Sidney. Sir Henry abastecera a cidade tanto de comida como de tropas, mas FitzMaurice já tinha sido declarado traidor da Coroa, não por ter saqueado o país ou por ter matado a todos os colonos ingleses que havia encontrado, mas por ter denunciado publicamente à rainha como herética, diante das muralhas da cidade.
Enquanto o Katherine, Liam e MacGregor atravessavam a cavalo a porta setentrional da cidade, a jovem estava desolada.
Antes a campina que rodeava Cork era exuberante, salpicada de vacas e ovelhas, de granjas férteis e de campos de cevada e aveia. As granjas eram protegidas por densos bosques que subiam pelas ladeiras das colinas.
Agora tudo havia mudado.
A terra tinha sido devastada pela guerra e os campos e as granjas incendiadas e estéreis. Os bosques estavam devastados e os sicômoros enegrecidos entre os poucos pinheiros que restaram. Montes de pedra que antes haviam sido cabanas marcavam os pontos nos quais existiam as granjas.
— Oh, bom Deus! — Exclamou Katherine. — O que aconteceu? Maldição aos ingleses! Malditos!
Liam lhe deu um grave olhar.
— Desgraçadamente seu primo FitzGerald fez tantos danos, como sir Henry Sidney. Ele estava decidido expulsar os colonos, embora isso significasse destruir as terras. E obteve a intenção. Naturalmente, a rainha enviou sir Henry Sidney contra ele. E caçando FitzMaurice e empurrando-o para o oeste, Sidney deixou para trás uma análoga esteira de destruição. Se esta guerra continuar, toda a Irlanda meridional será inútil e morta para todos.
Katherine não pôde rebatê-lo. Foi invadida por horríveis imagens dos espessos e impenetráveis bosques perto de Askeaton Castle queimados e enegrecidos, de campos sem vegetação e cinzentos como a cinza. Fez o cavalo emparelhar com o de Liam tão bruscamente, que seus joelhos se encontraram.
— E Askeaton?
O olhar dele se tornou caloroso.
— Não sei se perto de sua casa houve alguma batalha, Katherine. A maior parte dos combates ocorreu entre em Cork ao este e Limerick, entre Tralee e Kilmallock.
— Limerick! — Ela quase gritou. Havia uma guarnição real em Limerick e estava só a vinte milhas ao norte de Askeaton, sobre Longh Shannon.
— Oh, Deus. Devo ir para casa.
Liam a fitou de soslaio.
— Esta deve ser uma decisão de Barry,não?
Ela o fitou de volta, incapaz de afastar o olhar. Não podia acreditar que estava viajando para Barrymore e que logo chegaria. Engoliu.
— Sim. Será uma decisão de Hugh.
Não estavam longe de Barrymore.
As mãos de Liam sustentavam as rédeas tremendo, rendendo irritado ao animal. Seu instinto lhe sugeria jogar ao vento toda a cautela. Podia imaginar raptar Katherine mesmo nesse momento, e cavalgar como um louco para Cork e para o Seja Dagger. Uma vez em alto mar ninguém nunca o capturaria. Se chegasse em Earic Island, ela seria sua até Quando o quisesse.
Ninguém ousaria assaltar sua fortaleza na ilha e Katherine não possuía nenhum protetor, admitindo que alguém fosse o bastante louco para ousar e falhar.
Liam sabia que tinha que agir com mais sutileza e com muita astúcia, como nunca.
Um segundo rapto seria o último recurso. Preferia não pôr novamente a paciência da rainha à prova. Inadvertidamente havia alimentado suas suspeitas, que agora desejava dissipar.
Era um jogo ruim o seu. E para poder ganhar e sobreviver devia estar nas boas graças da rainha. De um golpe poderia ser acusado de traição, teria as concessões sobre os mares anuladas e sua cabeça se tornaria alvo de uma recompensa generosa. Não gostava da idéia de ser perseguido pelos mares por homens como Drake e Hawkins. Não lhe atraía a idéia de ficar completamente sozinho, embora não era tão estúpido e nem tão romântico a ponto de pensar ter seriamente uma pátria e uma rainha.
Não obstante, como devia aparecer irônico seu recente comportamento. Havia saqueado um navio francês politicamente insignificante e esperava que os conselheiros de Elizabeth logo se dessem conta disso e se perguntassem com que propósito havia feito. Ninguém podia suspeitar a verdade. Não ainda. E se alguém fosse tão ardiloso de suspeitar alguma coisa, não havia provas. Somente hipóteses.
Liam sabia que devia ser precavido, paciente e circunspeto.
Sabia ter que ser mais ardiloso que nunca, se quisesse derrotar os jogadores nessa partida particular, se quisesse vencer. Porque tinha se decidido casar com Katherine e verdadeiramente achara a oferta de casamento do pai dela, interessante e excitante. Teria que tomar em suas mãos as rédeas da luta de seu pai e, portanto dedicar-se à conspiração.
Não. Um segundo rapto não seria, provavelmente necessário. Liam estava seguro que Barry não tinha nenhuma intenção de se casar com uma mulher pobre e sem títulos.
Entretanto, não podia estar absolutamente seguro. Katherine era uma mulher extraordinária e era possível que Barry perdesse a cabeça e esquecesse seu estado atual.
Não importa o que acontecesse, não podia consentir o casamento. Absolutamente. Não podia permitir que Barry e nenhum outro homem possuisse Katherine. Seu destino já estava escrito há muito tempo antes, Quando o tinha lhe visto pela primeira vez. E ele, Liam O’Neill, de um modo ou outro era seu destino.
Castle Barry surgiu dos topos do bosque, emergindo sobre uma pequena colina sem árvores, além deles. Liam cerrou o queixo combatendo o ciúme e a posse, que nunca tinha provado antes. Voltou os olhos à Katherine. Suas bochechas estavam vermelhas de excitação e seus olhos brilhavam. Imaginou-a enquanto o corria para os braços de Barry. Imaginou o beijo luxurioso dele e a resposta ardente de Katherine.
Liam recordou a si mesmo de agir lento, mas decididamente. Esta era uma batalha que não tinha absolutamente que perder.
Katherine interrompeu seus pensamentos:
— Graças a Deus, que aqui não houve guerra. — Ela disse em um tom de voz inseguro.
Agora estavam percorrendo o caminho que levava para o perímetro do castelo. Trotearam um pouco mais e se dirigiram para a ponte levadiça. As grades de ferro estavam abertas e não apareceu nenhum guarda para detê-los. Liam avançou e encontrou a corda de um sino, que puxou.
O sino soou forte interrompendo o silêncio da campina irlandesa e fazendo os pombos aninhados na muralha voarem assustados. Barrymore havia sido construída na Idade Média, nada insólito, e a casa principal de pedra dominava a fortaleza, e com o passar dos séculos foi adicionado outros edifícios.
Entretanto, não se viam tijolos ou vidros por nenhuma parte. O pavimento do pátio interior era de terra, não de paralelepípedos. Não havia nenhum sinal de modernidade. Era como se tivessem empreendido uma viagem no tempo, em um mundo de cavalheiros com cota de malha e as jovens vestidas com túnicas simples. O castelo parecia deserto e Liam quase esperou ver aparecer no pátio os fantasmas dos cavalheiros mortos a muito tempo.
Katherine olhou para Liam.
— É muito estranho. Não há ninguém?
— Assim parece. Ele respondeu contente pelo fato de Hugh Barry não se encontrar em casa. — Perguntaremos na aldeia. — Adicionou.
Liam fez um gesto com a cabeça e girou o cavalo, com Katherine e MacGregor atrás dele, Quando o de repente se deu conta de um contingente de cavalheiros que estavam se aproximando rapidamente pelo oeste da planície. O grupo se lançou a galope, depois de evidentemente localizar os três diante da entrada do castelo.
Liam segurou as rédeas do cavalo de Katherine e incitou o seu atravessar a ponte levadiça e a seguir o caminho, onde se fossem atacados, teriam mais espaço para fugir.
MacGregor permaneceu do outro lado de Katherine, com a mão na pistola. Liam abriu a capa, de maneira poder segurar sua espada, no caso de precisar dela.
— Quantos são? — Disse Katherine, assustada. — Não pensará lutar contra uma dúzia de homens armados, não é?
Liam não respondeu, observandoo os cavalheiros que galopavam para eles. Ouviu Katherine gemer e segurar em seu braço. Sentiu uma pontada no coração, porque adivinhou quem era os irlandeses. Porque eram realmente irlandeses, por que todos estavam vestidos com a capa cinza, característica da região, e muitos deles montavam cavalos pequenos, criados ali, e outros exibiam as máscaras dos rebeldes, com mecha de cabelos desordenados sobre os olhos para esconder os traços.
— É seu noivo? — Perguntou-lhe.
Ela assentiu radiante.
Liam Observou o homem que era noivo de Katherine, desprezando-o a primeira vista.
Era bem mais jovem que Liam, mais próximo à idade de Katherine, e como ela tinha os cabelos vermelhos e a pele clara. Na realidade, Hugh Barry era um homem atraente. Bem mais bonito que a média. Seus eram traços toscos, mas agradáveis, e os olhos de um azul intenso. Liam pousou a mão na espada: talvez, apesar de tudo, a fera que estava nele matasse o homem nesse mesmo dia.
Hugh fez deter seu cavalo de repente.
— Sou lorde Barry. — Ele declarou, com o olhar em Liam, não em Katherine. — Declare se são amigos ou inimigos.
Liam apertou o punho de sua espada. Como lhe ardiam às mãos, causado pelo desejo de luta! Barry era só um rapaz, embora valente e com certa experiência. Liam pressentia. Notava. Entretanto era um rapaz e ele poderia matá-lo em poucos segundos se permitisse à fera dentro de si se liberar.
Deixou cair à mão.
— Liam O’Neill. — Começou dizer sorrindo contra a vontade, mas logo foi interrompido.
— Hugh! — Gritou Katherine com voz rouca. — Oh, Deus. Hugh! — As lágrimas desceram pela face dela.
Liam notou e ficou paralisado.
Hugh se voltou para ela, claramente perplexo.
— Pensei r-realmente que seu estivesse morto. — Ela soluçou
A surpresa e o choque transformaram a expressão dele.
— Katherine? Katherine FitzGerald?
Ela assentiu, sem se mover e sem respirar, com os olhos admirados.
— Bom Deus! — Exclamou ele. — Katie! Pequena Katie! — E logo explodiu em uma gargalhada, mostrando seus dentes brancos e fortes. Rapidamente se precipitou para ela, tirou-a do cavalo e a colocou no seu, entre seus braços.
Katherine estava tão surpresa que se segurou forte em Hugh, sentada de lado sobre seus joelhos, enquanto o o cavalo se movia sob eles.
— Katie Fitzgerald. — Ele repetiu, e os braços ao redor dela a estreitavam. Sorrindo pousou um leve beijo em sua boca, depois seus olhares se encontraram. Foi então que o sorriso de Barry desapareceu e logo a fitou, com as sobrancelhas arqueadas.
Katherine sorriu insegura, porem seu coração batia aliviado, porque havia pensado: oh Deus, somente havia pensado, que ele cairia aturdido ao vê-la, que a jogaria longe.
Sempre fitando, mas já sem sorrir, Hugh desmontou com Katherine nos braços, e logo a colocou delicadamente de pé. Estreitou-a ligeiramente pela cintura e arqueou as sobrancelhas, pousando o olhar em todo seu corpo, detalhe por detalhe.
— Deus, Katie. Não a reconheço mais. Você se converteu em uma mulher esplêndida.
Katherine soltou um som sufocado, parte de uma risada.
— Sim, seriamente bela. — Ele confirmou, agora em voz baixa.
Katherine umedeceu os lábios. Estava nervosa e um pouco confusa. Era Hugh. Não um estranho, que a sustentava tão intimamente e logo seria seu marido. Hugh. Não um estranho. Mas ela não o via há seis anos.
— Você também. — Conseguiu replicar. — Se converteste em um homem atraente. Não é mais um menino ossudo.
— Sim. — Ele murmurou aproximando-a, até que seus quadris se roçaram. — Já não sou um menino que te suplicava por ter um beijo e não sabia exatamente que fazer.
Katherine percebeu suas intenções e se começou a se incomodar.
— Era muito doce. — Mas comentou.
— Mas não o suficiente. Ele replicou baixando a cabeça.
Katherine ficou tensa Quando o ele a beijou. Seu instinto era rechaçá-lo. Mas ele era seu noivo e sua mente frenética lhe impôs permanecer imóvel, a aceitar seu beijo, a prender-se a ele como deveria fazer. Os lábios de Barry eram insistentes e firmes. Queria que ela abrisse a boca, Liam havia lhe acostumado. Liam. Oh, Deus. Liam. Liam que agora estava observandoo-a.
Katherine não queria resistir a Hugh, entretanto, não conseguia relaxar. Não, enquanto Liam esta lhes observandoo. Mas Hugh logo seria seu marido. Tinha que corresponder ao beijo.
Segurando-o pelos ombros, Katherine começou a retribuir com decisão e paixão porque era Hugh, o homem que amava.
Finalmente o beijo terminou. Hugh a fitou com os olhos bem abertos e ofuscados.
Katherine deu um passo para trás afastando-se dele, com o coração martelando, afirmando que o beijo dele havia sido maravilhoso. E ela não tinha intenção de comparar esse beijo com os de Liam.
— Virgem Santa. — Exclamou Hugh com um gemido. — Que bela mulher você se converteu.
Katherine enrubesceu consciente que dos homens de Hugh que os rodeavam, de Liam que não se moveu e não havia feito nenhum ruído. Ousou olhar sobre o ombro e notou a fúria cega em seu olhar. Sobressaltou-se.
Havia ele lhe dito a verdade, Quando o tinha admitido seu ciúme ante a idéia dela com Hugh?
Mas Quando o ele deu um passo adiante, para o lado de Katherine, sua expressão era impenetrável.
— Eu sou a escolta de Katherine, lorde Barry. Não poderíamos entrar? Chegamos a Cork só hoje e fizemos uma longa volta para chegar antes do crepúsculo. Lady FitzGerald está muito cansada e faminta. — Seu sorriso brilhou frio e perigoso.
Katherine não estava cansada e nem faminta, mas se sentiu aliviada pela solicitude de Liam.
Por que ele havia lhe chamado com o título que não lhe correspondia usar? Era como se quisesse lembrar Hugh as pretensões de propriedade.
Hugh voltou em si
— Que tolo de minha parte. Fiquei tão maravilhado em encontrar Katie aqui. E que mulher. — Seu olhar deslizou sobre ela com excessiva audácia. — Venham. Jantaremos na sala.
Quando o um jovem e um idoso se adiantaram para levantar a grade metálica, Katherine tentou não fitar Liam. Pensou que era muito afortunada que Barry ficasse feliz em vê-la. Que a desejasse e quisesse levá-la ao seu leito. Esqueceu os temores dos últimos seis anos, claramente sem motivo.
Hugh se aproximou, pegou sua mão e a pôs sob o braço.
— Deve ficar ao meu lado, Katie. — Disse em tom íntimo e o sorriso malicioso. Deu-lhe um pequeno toque na mão e logo entraram em Castle Barry, a casa de Hugh, que logo seria sua casa.
Em Barrymore, a grande sala da mansão original ainda era usada como salão de banquetes, e entraram diretamente nele. Estava escassamente decorada e no solo se encontrava as mesmas velhas esteiras. As paredes estavam nuas e algum criado entrou para acender as tochas. Imediatamente serviram fatias de pão, queijo, carnes fritas e cerveja, em uma bandeja e colocada sobre a longa mesa de cavaletes. Os homens de Hugh rapidamente se acomodaram.
Katherine se perguntou se sua memória não estava falhando. Na verdade se recordava da sala Quando o era uma menina, Quando o as paredes eram cobertas de preciosas tapeçarias e as brilhantes mesas de carvalho eram alinhadas ao longo das paredes. Quando o as bandejas eram de prata e se usavam belas taças de vidro provenientes de Londres e sobre as mesas havia talheres de prata. Recordava-se de um aposento perfumado e limpo. Não pestilento como agora. Lembra-se dos criados bem vestidos e um banquete digno de um rico senhor, senão de um rei. Hugh notou que ela estava observandoo ao seu redor. Sua fisionomia estava séria enquanto o a fazia se acomodar à mesa, ao seu lado.
— Perdemos tudo nos últimos anos, Katie. — Explicou-lhe. — Tive que vender todos os móveis e a maior parte dos cavalos. Meus homens se foram com FitzMaurice, salvo os poucos que você vê aqui. Não posso ter muitos criados porque não estou em condições de alimentá-los. Mas não é somente o clã dos Barry que sofre. Todos os grandes clãs, daqui ao sul, padeceram e ainda padecem. Tenho que me repetir que estou contente, que Castle Barry ainda está em pé e que esteja em minhas mãos, mas não é suficiente.
— Sinto muito, Hugh. — Sussurrou Katherine. — Vimos os rastros da guerra por toda parte. É aterrorizante.
Ele assentiu aproximando uma bandeja e pegando uma parte de carne a colocou em seu prato. Katherine se deu conta que Liam estava sentando-se em um banco a sua esquerda e ficou rígida. Seu joelho, debaixo da mesa, roçava-lhe a perna.
Imediatamente se voltou para Hugh.
— Seus vassalos foram se reunir com meu primo FitzMaurice?
Ele assentiu.
Katherine pegou a faca.
— Minha madrasta me disse que ele se comporta como se fosse o Conde de Desmond.
Hugh a fitou.
— Eu também ouvi dizer. Mas Quando o o encontrei, ele se fazia chamar capitão de Desmond e nada mais. E saber que foi pessoalmente seu pai a nomeá-lo, depois de se tornar prisioneiro da rainha. Alguém tinha que cuidar de Desmond.
Katherine não sabia.
— Ele pensa em usurpar as terras de meu pai?
Hugh pegou sua mão.
— Katie, querida. Desmond não pertence mais ao seu pai. Quando o as terras foram confiscadas, muitos ingleses se estabeleceram nelas. Centenas. Muitos desses colonos morreram e FitzMaurice os queimou. Outros foram capturados e enforcados. Outros, ele os expulsou novamente para as cidades inglesas da costa, onde pediram refúgio. A maior parte dos irlandeses abandonou nossa terra. Somente alguns poucos se atreveram a permanecer e custodiar suas terras. Graças a FitzMaurice.
Ela o firou.
— Você fala como se ele fosse um grande herói.
— É um grande soldado, Katie. E ele somente manteve os clãs unidos para poder se opor aos ingleses. Até os irmãos de Ormond se uniram a nós na batalha, por certo período. Sir Henry Sidney não conseguiu pegá-lo e tampouco conseguirá. — Hugh cuspiu pronunciando o nome de Perrot.
— E você Hugh? Você também apóia FitzMaurice? — Katherine tremia. — Combate ao lado deste usurpador?
— Como você é valente ainda, como a Katie que conheci a tempo atrás. — Hugh se recusou responder dando-lhe um tapa afetuoso na mão. — Chega destas lúgubres notícias agora. Na realidade, os relatos de guerra não são adequados aos doces ouvidos de uma Mademoiselle. Devemos falar de nós e devo ainda falar com o homem com quem você viajou. — Hugh fitou Liam, além dos ombros de Katherine.
Katherine não respondeu, pensado o pior. Que secretamente Hugh apoiava FitzMaurice, o primo e inimigo de seu pai, um homem resolvido a usurpar o patrimônio de Fitzgerald.
Liam se balançava indolentemente no banco.
— E de que coisa quer falar?
Hugh se sobressaltou.
— Seu nome. Liam O’Neill. Não existirão por acaso, dois homens com o mesmo triste e famoso nome?
— Duvido.
Os olhos de Hugh brilharam.
— Está me dizendo que o Senhor dos Mares está aqui sentado a minha mesa?
Liam assentiu, servindo-se de uma taça de cerveja
Hugh cruzou os braços.
— E rogo-lhe, que me diga como é que veio escoltar Katherine até aqui.
Nas mãos de Liam apareceu uma adaga. Era uma adaga de combate, duas vezes mais larga e três vezes mais fina que as facas que se colocava na mesa, com as quais os hóspedes deveriam comer. Ele usou-a para cortar um pedaço de carne, colocando-o no prato e cortando-o em dois. Não havia uma adaga mais afiada que essa. Nenhuma adaga que podia se mover mais rápida, porque a luz prateada brilhou como um raio.
— Capturei-a no mar.
Hugh se levantou.
Liam também se levantou, sorrindo.
Katherine deixou de lado o pensamento de que Hugh Barry, que ela deveria desposar, fosse aliado do inimigo de seu pai.
Levantou-se e decididamente se postou entre os dois homens.
— Hugh! Por favor! Não é o eu você acha! É por decisão da rainha.
Hugh não olhou para Katherine
— Oh, seriamente?
O sorriso de Liam não vacilou, logo afastou Katherine para o lado, atrás dele.
— A rainha em pessoa.
Hugh protestou e os olhos de Liam cintilaram. Já tarde, Katherine se deu conta de seu engano.
Se Hugh estivesse secretamente aliado a FritzMaurice, então era um inimigo da Coroa, da rainha. E já que Liam havia sido enviado pela rainha, isto faria dele um inimigo.
Quase que histericamente, Katherine compreendeu que Hugh também era seu inimigo, porque era aliado de FitzMaurice e contra seu pai. Entretanto, deviam se casar.
— Sabe, não me surpreende que tenha laços com a rainha. Seu sangue está manchado. Seu sangue é metade inglês. — Replicou Hugh com veemência. — E foi educado na corte inglesa entre princesas e príncipes ingleses, por tutores heréticos protestantes.
— Certo. — Liam não fez gesto de se defender.
Katherine se postou diante dele.
— Mas seu pai era irlandês, como você e eu, Hugh. Ele é meio irlandês.
— Seu pai era um assassino, se a memória não me falha. — Insistiu Hugh
Liam sorriu com frieza.
— Seria bom que não esquecesse, porque sustentam freqüentemente que eu seja exatamente como ele.
Katherine segurou Hugh pelo braço obrigando-o a fitá-la.
— Hugh, a rainha perdoou Liam por seus crimes e lhe ordenou que me escoltasse até aqui. É tudo. Ele não tem nada mais a ver com ela. É um pirata, e eu disso estou segura!
— Defende-o? — Hugh estava alterado. — Você defende este bastardo meio inglês? Defende o filho de Shane O’Neill? Um pirata que matou e saqueou e que não lhe é fiel a ninguém, sequer a seu clã?
Katherine vacilou. De um lado se lembrava da ponte incendiada e destroçada do pequeno navio mercante francês que Liam O’Neill havia assaltado, e ainda ouvia os gemidos dos homens feridos, mas ele não havia matado ninguém. Havia deixado à tripulação francesa livre, depois de ter pegado o que desejava. E não havia feito mal a Juliet. Logo pensou em com Liam, sem piedade, havia lhe amarrado ao leito. Cortando-lhe as vestes com a faca. Mas… Havia respeitado sua virtude. Katherine sabia que naquela ele poderia continuar com a sedução, mas havia se detido Quando o ela começou a chorar. Em voz baixa respondeu:
— Ele me escoltou até aqui, para você. Sem me fazer mal, Hugh.
Hugh lhe Observou o rosto e logo o vestido.
— Quem destroçou teu vestido, Katherine?
Katherine nesse ponto, ela não duvidou.
— Passei estes últimos anos na França. — Ela se apressou a explicar sem afastar os olhos do rosto de Hugh. — Fugi do convento onde minha madrasta havia me enviado depois de Affane. Estava procurando uma passagem para voltar para casa. Um marinheiro nas docas me conseguiu.
Hugh acariciou-lhe a face.
— Pobre Katherine.
Katherine fechou os olhos, assim ele não a veria mentir, e apoiou o rosto na mão de Barry.
— Sim, pobre Katherine. Confirmou Liam, em tom glacial. — Como é comovedora sua preocupação, lorde Barry.
Katherine se afastou de Hugh e Observou Liam, Notou novamente a luz prateada em seus olhos. Ele estava zangado, mas não tinha nenhum direito em estar, se ela recentemente havia lhe tinha salvado a vida. Hugh, de fato o teria matado ao saber que ele havia cortado seu vestido, sem querer saber outros detalhes. Mas logo ela se deu conta que não seria assim. Hugh certamente tentaria matá-lo, mas Liam sairia vitorioso em uma luta entre os dois, e também se deu conta que o pirata ficaria feliz em destruir Hugh. Estremeceu.
Hugh fitou-a.
— Você tem tido o bastante, eu sei. Foi enviada a França, seu pai está na prisão e privado de seus bens, e agora isto. — Ele lhe roçou o braço, acariciando-a.
— Venha comer. Precisa recuperar forças. — Ele ignorou Liam.
Katherine assentiu, contente que a tensão havia se relaxado e se sentou com ele, postando sua atenção em seu prato. Notou que também Liam tornou a se sentar. Emitiu um profundo suspiro, aliviada. Não queria ver sobre o piso de pedra de Hugh, o sangue de nenhum dos dois.
Katherine não tinha nenhuma vontade de comer a carne fria e logo pegou uma parte de queijo e pão duro. Entretanto, notava os dois homens ao seu lado que comiam com grande apetite. Deu um olhar furtivo em Hugh.
Ele verdadeiramente havia se convertido em um homem atraente. Seu nariz era um pouco largo, mas adequado ao rosto redondo de maxilar quadrada. A boca era bem formada e os olhos eram de um azul brilhante. O cabelo era mais vermelho que os seu. Deveria se sentir feliz. Todas as mulheres sonhavam com um marido atraente. Ela também havia sonhado com um marido atraente e sexualmente viril. Hugh era as duas coisas e ela deveria se sentir no sétimo céu. Pensou que assim fosse.
Tentou não olhar para Liam. Sangue de Deus! Não queria comparar os dois homens. Não, não compararia. Entretanto, a imagem de Liam lhe ocupava a mente. De ouro, rude, excepcional. Ele era o sol, e ao seu lado qualquer homem, inclusive Hugh, era só uma estrela amigável e longínqua.
Katherine interrompeu bruscamente os pensamentos e se concentrou na comida.
Hugh havia terminado de comer e se voltou para fitá-la, sorrindo e satisfeito. Apoiou uma mão sobre a sua, lhe acariciando os dedos. Katherine viu seu olhar pleno de amor e se sentiu um pouco preocupada.
— Então você se educou em um convento. — Disse ele e seu o olhar percorreu e decote do vestido.
Mais, por que ela havia feito um bom trabalho ao reparar o vestido, seu seio voluptuoso ficava achatado, e o olhar dele a irritou.
— Sim.
— Que perda de tempo, Katie.
Katie se moveu na cadeira. O que Hugh queria dizer?
O homem sorriu, com maneiras gentis.
— A Katie que eu conhecia estava sempre descalça e corria livre pelo ar. Recordo-te uma menina com de longas tranças, enquanto o subia pelas árvores. Não consigo imaginá-la internada em um convento, com uma agulha na mão, bordando.
— Converti-me em uma ótima coisa ira, por conseguinte, muitos homens poderiam dizer que não desperdicei meus anos no convento.
Ele explodiu em risos.
— Um talento que todas as mulheres deveriam adquirir, não há dúvida! — Sua expressão se fez mais cálida.
— Lembro-me que sua mãe ficava desesperada porque não obtinha de maneira nenhuma fazer com que você aprendesse esta bela arte feminina. E seu pai sorria. Gerald sempre ria de seus jeitos de menino.
Katherine sorriu. Como Hugh, lembrava da forma que o pai se divertia com suas diabruras e o profundo mal-estar de Joan FitzGerald cada que via sua filha correr descalça, despenteada e quase sempre com calça e colete masculino. E recordou nesse momento também, como seu pai gostava. Secretamente, ele se orgulhava de sua habilidade de subir em árvores e de cavalgar como um menino. Katherine sorriu radiante ao Hugh.
Liam pousou a taça ruidosamente sobre a mesa e novamente a encheu de cerveja.
— Katie, há uma coisa que não entendi. Ouvi bem? Por que a rainha ordenou O’Neill a te acompanhar até mim.
Katherine assentiu.
— Foi muito amável da parte dela. Temia que me mandasse para meu pai em St.Leger House.
— Bem, — disse Hugh, — estou muito contente que você esteja aqui e poderá ficar comigo sempre, mas por que te enviou aqui, em vez de enviá-la a seu pai ou seu tio?
Katherine ficou petrificada.
— Katie?
Ela estava bem consciente do fato de Liam estar observandoo como um falcão, a espera para atacar. Obrigou-se a fitá-lo. Sua expressão fria, atenta e prudente. Voltou-se para Hugh.
— A- onde mais t- teria que me enviar, Hugh? Somos noivos. Fez bem me enviar aqui, com você.
Hugh continuava a lhe sustentar a mão, mas claramente estava boquiaberto.
— Hugh? —Katherine chamou-o, hesitante
Soltou-lhe a mão.
— Katherine! O que, em nome de Deus, te faz pensar que ainda somos noivos?
Katherine se segurou a borda da mesa.
— Somos noivos do berço. C – me corrija se estiver errada. O noivado nunca foi anulado.
Hugh a olhou com evidente irritação
O coração de Katherine começou a pulsar desordenadamente.
Ele se recompôs, segurando-lhe as duas mãos.
— Katherine, não sei como te dizer isto.
Katherine se impôs a respirar e tentou acreditar que tudo acabaria bem.
— O noivado estabelecido por nossos pais concernia o casamento com a filha do Conde de Desmond. Efetivamente, no contrato se nomeava três vezes a filha do Conde de Desmond. Seu nome de batismo aparecia uma só vez.
— Não entendo.
Ele apertou o queixo e seu olhar procurou os lábios dela, depois seus seios.
— Sangue de Deus. Você é bela, mas… não é a filha de Desmond. O Conde não existe mais. O compromisso de casamento deixou de existir. Entende agora?
Katherine se levantou.
— As terras de meu pai foram confiscadas pela Coroa, o título foi eliminado. Mas eu ainda existo, Hugh.
Hugh também se levantou.
— Katherine, eu levei o assunto aos tribunais. Os juízes estabeleceram, que como seu nome foi citado uma só vez, o noivado era entre eu e a filha do Conde, não entre eu e Katherine Fitzgerald.
Ela gemeu.
— Estabeleceram os juízes. Aconteceu depois da detenção de seu pai.
Ela estava estupefata, mas intimamente compreendia que havia algo estranho, porque ele não havia mandado chamá-la em todos os anos, em que ela esteve longe. Agora tudo fazia sentido. A filha do Conde de Desmond não existia mais. Hugh Barry não desposaria Katherine Fitzgerald, uma mulher sem eira e nem beira.Uma ninguém. Levantou o queixo, embora seus olhos se enchessem de lágrimas.
— E quem levou o assunto aos tribunais, Hugh?
— Eu, naturalmente. Katie, por mais bela que você seja, eu não posso me casar contigo. Você não tem dote, nem nome e nem nada. Você entende, não?
Ela se impediu chorar.
— Além disso, estou noivo a três anos da filha do Conde de Thomond. Neste verão ela fará quinze anos e nos casaremos.
Katherine não pôde refrear um gemido. Respirou com dificuldade, mas endireitou os ombros.
— Não me interessa.
— Katie. Hugh lhe segurou um braço.
— Conversaremos em particular.
— Não.
— Por favor.
Para Katherine, verdadeiramente não importava o que ele tinha a dizer, porque ele mesmo havia esclarecido que só se casaria com a filha de um nobre, uma mulher de classe adequada, uma que não havia empobrecido, como ela. Então se deu conta que Liam estava se levantando ao seu lado.
— Katherine está cansada, Barry. Sua conversa particular pode esperar.
— Não acredito. — Hugh respondeu seco.
Katherine captou imediatamente a tensão que novamente estava crescendo entre os dois homens. Somente reprimida momentaneamente.
Odiavam-se e esperavam somente uma desculpa para atacar um ao outro. O ambiente podia ser cortado com uma faca.
— Está bem. — Concordou se aproximando de Hugh. Faria tudo para evitar um encontro que terminasse a terrível noite.
Hugh sorriu, segurando pelo braço. Guiou-a através da sala, para a estreita escada. Katherine sentiu o olhar de Liam sobre eles e sua vibrante ira, mas não se preocupou.
Embora Hugh tivesse lhe assustado, porque depois de todos os anos já passados havia se convertido em um estranho, sempre restava o fato que tinha sido seu pequeno noivo. Seu rechaço havia sido brutal, a traição lhe transpassara a carne e os ossos e chegara à alma. Como ela havia secretamente temido, ele não a queria. Havia lhe esquecido. Escolhera outra. O único pensamento que lhe vinha agora na mente era o que seria dela agora?
E a imagem dourada de Liam ocupou sua mente.
Hugh fechou a porta do quarto no andar de cima, onde não havia nada mais que a cama.
— Pode dormir aqui esta noite, Katie. — Disse
Ela encolheu os ombros e se afastou, para ficar no centro do quarto. Deu-lhe as costas.
Ele lhe aproximou por trás.
— Lamento que não saiba de nada e que tenha feito toda esta viagem pensando em se casar comigo, Katherine.
Ela não respondeu. Tinha conseguido se recompor e se voltou para ele. Pela primeira vez, se deu conta de ser ligeiramente mais alta que ele.
— Mas também estou contente, porque você é a mulher mais bela que eu jamais tenha visto e se você não tivesse vindo, talvez nunca mais nós tivéssemos tornado a nos ver.
— Não importa. — Respondeu ela tranqüila
— Oh, sim. Claro que importa— Hugh lhe roçou a face e Katherine sobressaltou.
— Sou seu amigo, Katherine. Se pensar bem, se dará conta que não tem nenhum lugar para onde ir. Voltar para Londres, para a prisão de seu pai, St.Leger House. Askeaton foi abandonada e você será um peso econômico para seu tio e seus parentes, cuja situação é pior que a minha. Eles perderam tudo Quando o seu pai perdeu Desmond. Não me surpreenderia que a enviassem novamente para a França, alem do que não podem se permitir de te pagar a viagem, menos ainda os gastos do convento.
Katherine estremeceu, de mal-estar e temor.
— Não me jogarão nas ruas. Certamente estarão em condições de me dar o que comer e, além disso, temos outros castelos, outras casas.
— Castlemaine, Shanid, Newcastle e Castleisland, somente citando algumas posses de seu pai, todas foram abandonadas. Na realidade, em Castlemaine estão hospedadas as tropas da rainha.
Katherine gemeu horrorizada.
— Seus parentes ainda conservam Dingle, segundo o que me parece, mas é só uma pequena torre e agora esta bem cheia de gente. — Continuou Hugh fitando seus olhos. — Não há lugar para você, lá.
— Não acredito em você!
— Nunca te mentiria, Katherine. — Contestou Hugh, não sem gentileza
Katherine estirou as dobras do vestido. Por alguma razão nunca tinha pensado que tudo estava perdido. Tudo, salvo Dingle e talvez algumas velhas residências.
— Não podem ter você com eles. — insistiu Hugh. — Deseja se casar com um pastor de ovelhas? Com um camponês?
Ela o fitou e fez gesto negativo com a cabeça.
— E não pode permanecer aqui. — Ele concluiu.
Katherine enfrentou seu olhar. Queria chorar. Que suposição era essa?
— Por que está com essa expressão tão surpresa? Pensa que te abandonaria só por causa meu vínculo com outra?
— Está me oferecendo uma casa? — Ela perguntou confusa
Ele sorriu.
— Sim, é assim. Uma casa, com um teto sólido acima da cabeça, comida na mesa e um bom leito quente.
Katherine o Observou mais ainda e notou fogo em seus olhos. Começou a respirar com dificuldade.
— Está dizendo que terei um leito só para mim ou fala de seu leito?
Ele explodiu em risos.
— você sempre foi inteligente, Katie. Meu leito. Que compartilharia comigo. Não poderia ter minhas mãos longe de ti se compartilharmos o teto, minha querida. Você é muito bela e eu te desejo. Você é o sonho de um homem. Sinto muito que seu pai tenha sido despojado de suas propriedades.
Katherine apertou os punhos.
— Você é um ótimo amigo, Hugh.
— Por que está zangada, Katherine? Já não é uma jovenzinha. Foi O’Neill quem rasgou seu vestido, não?
Ela ficou pálida.
— Eu sabia! E era virgem Quando abandonou o convento, certo? — ele estava lívido de raiva.
Ela encontrou a voz
— Ainda sou, Hugh.
Ele abriu muito os olhos.
— Então sou muito feliz e O’Neill um estúpido. E então Katie? O que te parece? Ficará comigo?
Katherine procurou forças encontrar as palavras.
— Não posso acreditar no que está dizendo. — Disse com amargura. — Não posso acreditar em meus ouvidos.
— Não é um insulto. — Hugh se apressou em defender. — Não sou seguramente, o primeiro homem a ter uma amante, e nós somos amigos. Amigos de muito tempo e você não será infeliz.
Ela estava para explodir em choro, mas não choraria. Não diante dele.
— Houve uma época em que eu te amava, — disse, — mas agora acabou.
Katherine correu e se precipitou escada abaixo.
Provavelmente agora o odiasse. Não se lembrava de ter sido tão ferida dessa maneira. Os degraus eram elevador e lisos, por séculos de uso. Tropeçou e escorregou. Mas Liam estava esperando-a e a recolheu.
Por um instante Katherine o abraçou impulsivamente, recuperando o equilíbrio.
Fitou seus olhos cinza e não notou sua raiva, nem a preocupação, mas recordou que ele era somente outro homem que desejava usá-la para seu próprio prazer.
— O que ele queria? — Liam perguntou-lhe.
Katherine explodiu.
— Naturalmente o que querem todos vocês os homens!
Os olhos o fulminavam e estavam cheios de lágrimas.
— Queria que permanecesse em Barrymore para lhe esquentar a cama. — Ela respondeu amargamente. — Não sou o bastante adequada para ser sua esposa, mas seria uma puta perfeita! — Ela fugiu dele, mas não conseguiu dar um passo porque Liam estendeu um braço e a segurou, fazendo-a girar violentamente.
— E o que lhe respondeu? — perguntaram-lhe Liam, com o rosto perto do dela. Com os olhos ardentes
Ela se voltou.
— Deveria tê-lo mandado para o inferno! Agora mando você, O’Neill. Vá para o inferno e me deixe em paz! Deixem-me em paz os dois! — Katherine se liberou e correu para fora, na noite fria e escura.
Apoiada na muralha do castelo, dura de frio e sem sua capa, ela chorou. As lágrimas terminaram logo, mas o frio permaneceu e seus gélidos tentáculos envolveram seu coração.
Liam olhou Katherine. Apesar de ter ganhado uma importante batalha, graças à derrota de Hugh, e estivesse feliz pelo rechaço de Katherine, estava preocupado por ela. Mas não a seguiu. O impulso existia, mas resistiu.
Katherine não tinha por ele uma consideração maior que agora tinha por Hugh, e possivelmente até menos. Ela havia amado Hugh. A história era longa e íntima, uma história que ninguém nunca podia anular; inclusive, não obstante o rechaço de parte dele, que era somente de natureza política, ela o amava ainda.
De outro lado, ele e Katherine não tinham nenhum passado em comum, além de alguma lembrança. E RAM somente lembranças de seu rapto e dos momentos em que ela, obstinada havia passado na cama com ele.
Liam ouviu Hugh descer a escada e se voltou. Não havia se equivocado. Hugh tinha rechaçado Katherine. Embora se ele não tivesse feito tal coisa, se estivesse no lugar de Hugh, este havia agido como faria qualquer outro nobre. Os lordes não se casavam com mulheres esfarrapadas e sem dinheiro. Era um fato. Seus olhares se encontraram. Liam compreendia perfeitamente o homem. Hugh não se casaria com Katherine. Não nessa situação, mas estava decidido fazer dela sua amante. Tinham muitas coisas em comum.
Como dois potentes alces que encontram os chifres, seus olhares se fundiram por longo momento, hostis e decididos. O desafio era evidente. Aceito pelos dois. Só um deles venceria e obteria Katherine como prêmio. Liam se voltou para a mesa e Hugh o seguiu e encheu uma taca de cerveja para os dois.
— Então, O’Neill... Katie tinha razão ou não? Negocia com a rainha ou não? — Perguntou Hugh
Liam bebeu a cerveja. Preferia bem mais o vinho vermelho francês, mais denso.
— E por que diabos, interessa-lhe?
— Não me agrada hospedar ingleses em minha casa.
— Então pense que sou irlandês.
Hugh o fitou.
— Quisera poder pensar, mas sou muito prudente em meus julgamentos.
Liam se limitou a sorrir, esperando a ver até onde Hugh queria chegar, mas já imaginava.
Hugh continuou.
— É um herético?
Liam sorriu, mas não tinha um sorriso agradável.
— Sou protestante.
— Então simpatiza com sua rainha protestante.
Liam notou que Hugh não ousava definir a herética Elizabeth, como masfaziam outros papistas. Os católicos.
— Sigo os ventos da sorte.
Agora Hugh sorriu.
— Portanto, não é fiel nem a Deus e nem à rainha.
Liam sorriu novamente, com os olhos brilhantes.
— E você deseja me oferecer uma grande fortuna, Lorde Barry?
Barry sorriu.
— Não acontece todos os dias, que o Senhor dos Mares vem a minha casa me visitar. Se não tratasse de tirar vantagem da situação seria um verdadeiro estúpido.
— Ainda não cheguei à conclusão se é um estúpido ou uma serpente. — Respondeu Liam em tom leve. — Talvez sua oferta seja interessante.
Barry o fitou.
— O país está em guerra.
— Disso sabe até as crianças.
— Os espanhóis apoiaram os irlandeses no inverno passado. Foi um ano terrivelmente frio. Sem seus fornecimentos teria falecido muito mais que uma centena de pessoas.
Liam começou a tamborilar os dedos na mesa.
— Pensa que pode me comover? Eu não tenho compaixão por ninguém.
Hugh murmurou
— Assim dizem. Dizem que também saqueia sem piedade, as muitas nações que navegam nos mares. Que ninguém consegue fugir se tiver decidido lhe caçar. Também é sabido que prefere os navios espanhóis a todos os demais.
O olhar de Liam era impenetrável. Elevou os ombros.
— Você está equivocado. Um tesouro é um tesouro e não importa a quem pertence.
Barry se inclinou para diante.
— Nós podemos ter necessidade de você, O’Neill.
— Nós?
Barry apertou o queixo.
— FitzMaurice e os outros grandes lordes que lutam pela liberdade de nossa terra, contra os ingleses e a rainha.
— Está me pedindo de que me lance na batalha junto a um grupo de papistas traidores? — Liam perguntou tranqüilo, arqueando uma sobrancelha
— Você já é um traidor, O’Neill. Estou surpreso que a rainha tenha perdoado seus crimes sanguinários. Não consigo imaginar que possa ter lhe devotado para obter seu perdão. Mas se ela lhe encerra novamente na Torre de Londres, nós dois sabemos que terminaria provavelmente enforcado.
— Tremo de medo.
— Não tem muito a perder e sim, muito a ganhar se unir-se a nós.
Liam curvou a boca.
— Eu vejo tudo a perder e bem pouco a ganhar, Barry.
— Não tem uma mínima compaixão por sua terra natal?
— Mas eu sou inglês, recorda?
Barry enrubesceu.
— Shane O’Neill lutou contra a Coroa até o dia em que foi assassinado. Nunca ninguém lutou contra a Coroa mais duramente e com maior coragem que ele. Odiava aos ingleses. Odiava a rainha.
— Como disse há um momento atrás, ele era um assassino, não um herói. E, além disso era um violador e um selvagem. — Liam replicou friamente Liam.
Barry arqueou as sobrancelhas.
— Peço-lhe que me desculpe. Não nos conhecíamos.
— Então é um afortunado. — Replicou Liam, sem meios termos. — Não me comoverá com súplicas ligadas ao meu pai. Importa-me pouco contra quem ele lutou e por que.
— Posso tentar engendrar um encontro com oitzMaurice, para depois de amanhã, se desejar. — continuou Barry, inclinando-se para frente, com expressão decidida. — Eu não pude convertê-lo a nossa causa, mas ele é mais apaixonado e já convenceu pessoas muito menos interessadas que você.
Liam se levantou.
— Mesmo que o diabo em pessoa Barry, me ofereça a imortalidade, não conseguiria me converter à causa do papado e da traição.
Também Barry se levantou.
— Cristo, você é bem devoto!
O sorriso de Liam era tenso.
— Não tenho nenhum desejo de me misturar aos católicos fanáticos que não pensam mais que lançar homens, mulheres e crianças na fogueira.
Ele afastou rapidamente as lembranças vívidas. Lembranças que não só eram visuais, enquanto o seus ouvidos se enchiam de gritos terríveis e inesquecíveis de uma mulher, e o aroma de sua carne que queimava.
— Nunca houve fogueiras na Irlanda!
— Não ainda. Mas FitzMaurice enforcou crianças, além de homens e permitiu que as mulheres e crianças morressem de fome. — E tudo isto no nome de Deus! — Os olhos de Liam lançavam dardos. — Encontre outro com o qual possam fazer seus joguinhos de traição, Barry. Eu não tenho nenhuma intenção de encontrar FitzMaurice, salvo para entregá-lo à rainha.
Barry permaneceu observandoo o furios Liam que atravessava a sala até uma esteira que MacGregor que havia estendido n terra.
— Não lhe acredito! Hugh gritou. — Não acredito que você seja fiel à rainha. Eu acredito que é possível comprá-lo, amigo.
Liam mexeu a esteira com a ponta da bota, de modo que um lado se apoiasse na parede. Sorriu.
— Tem razão em dizer que é possível comprar. Mas somente Quando o o preço justifica o risco e nesta circunstância se trata de um preço que você não pode se permitir pagar.
Barry voltou a sentar estendendo a mão para pegar mais cerveja. Liam se apoiou a esteira se perguntando se o outro ouvira a última parte de seu discurso. Duvidava.
Mas, já estava deitado e na escuridão pensou o quanto a Coroa temia e desprezava FitzMaurice que era uma ameaça bem maior que FitzGerald teria sido, e o quanto os ingleses tentavam desesperadamente capturá-lo para pôr fim à rebelião. A rainha seria uma soberana bem agradecida se FitzMaurice fosse obrigado a se render. Efetivamente, Liam imaginou que o homem que capturasse FitzMaurice poderia pedir uma recompensa, não importando qual.
E FitzGerald era o inimigo do pai de Katherine.
Entretanto, se o papista fosse apressado, não seria nenhuma vantagem para FitzGerald permanecer prisioneiro e sem nada em St.Leger. A menos que não se comprovasse alguma coisa que apressasse sua reintegração como Conde de Desmond e o seu retorno à Irlanda. Perguntou-se, que coisa poderia acontecer.
E se perguntou também se atreveria a jogar uma partida perigosa e mortal, se ousaria destruir o poder da Irlanda meridional. Um tremor de excitação o atravessou. Enquanto o tentava adormecer sua cabeça examinava as incríveis possibilidades e sentia, que apesar as recentes declarações, logo se deixaria envolver na rebelião papista contra a Coroa, de um modo ou outro.
Entranhada na mais profunda escuridão Katherine estava enrodilhada em sua esteira. Engolindo as lágrimas, perguntava-se o que aconteceria. Havia abandonado o convento para poder se casar. Tinha abandonado o convento sem saber a situação do pai, sem saber que ele não possuía os meios e nem a vontade de lhe conseguir um casamento. E naturalmente seus tios e primos e todos os vassalos dos FitzGerald haviam perdido tudo Quando o Gerald havia sido presi por traição e as terras confiscadas. Hugh tinha razão em lhe dizer que não tinha nenhum lugar aonde ir. O que ele não disse era que ela não tinha a ninguém em quem amparar.
Salv Liam O’Neill. Mas ele era a causa da maior parte de seus problemas e, portanto nunca podia ser a solução.
Uma imprevista rajada de gelo entrou no pequeno quarto.
Katherine dormia completamente vestida e coberta com a capa orlada de pele e por mantas que havia encontrado na cama, mas estremeceu perguntando-se qual era a causa da corrente de ar. Logo se enrijeceu. Ouviu o fraco movimento de um tecido. Seu coração começou a pulsar violentamente, envolvido em uma repentina onda de medo.
— Katie? — Hugh lhe tocou delicadamente o ombro.
Katherine gemeu voltando-se fitá-lo, deitada de costas. Ele havia colocado um pequeno candelabro no piso e se ajoelhou ao lado dela. Sorriu-lhe.
Katherine se sentou rapidamente, com a mão sobre o peito.
— Hugh! O que faz aqui? Você me assustou! Pensei que seria assassinada em meu leito!
Ele sorriu vagarosamente e logo lhe acariciou a face. Katherine permaneceu imóvel e ele lhe acariciou os lábios com o polegar
— Não vim te matar, Katherine. Vim te convencer.
Ela compreendeu. Havia sido uma tola em não compreender imediatamente suas intenções. Agora via claramente a excitação em seus olhos.
— Vá embora, Hugh.
Ele explodiu em uma gargalhada deslizando uma mão sobre o ombro e depois subitamente a estreitou com força.
— Não. Não ainda.
Ela lutou para se liberar.
— Vá!
— Não te farei mal, ou melhor, haverá um pouco de dor a princípio. Já possuí outras virgens, Katie. Sou um homem que sabe o que faz. — Ele a empurrou de costas, imobilizou-a lhe comprimindo um joelho entre as coxas e se deitou sobre ela.
Katherine gritou, esperneando frenética tentando atacá-lo.
Ele sufocou-lhe os gritos com a boca e segurou-lhe as duas mãos levantando rapidamente a saia de seu vestido até a cintura e abriu suas pernas com o joelho. Katherine se debatia com maior força, aterrorizada e consciente do fato que ele estava totalmente excitado. Ele abriu a calça liberando seu membro que a roçou no ventre. Katherine ofegou tentando rechaçá-lo. Ele afastou a boca da dela.
— Maldição, Katie! Somos amigos! Relaxe! Ordenou-lhe. — Você gostará!
— Não somos amigos. — Ela disse, ofegando com dificuldade. Logo se inclinou e mordeu o braço dele, com toda a força que lhe restava.
Ele gritou e lhe deu uma bofetada no rosto. A dor invadiu Katherine que permaneceu imóvel e surpresa. As estrelas explodiam e ela ficou vagamente consciente dos dedos que lhe apalpavam a carne virgem entre as coxas. Sabia que tinha que se recuperar, mas sentia os membros pesados e sem vida. Logo sua mente voltou a funcionar e o pânico a dominou. Seria violada. Sacudiu-se… E de repente o corpo de Hugh foi afastado.
As imagens eram confusas. Hugh voava pelo quarto e logo bateu a cabeça contra a parede. Sua visão voltou e viu Liam levantar Hugh e lhe dar um potente soco no queixo. Hugh gemeu, segurando o rosto, mas Liam o levantou novamente e desta vez lhe atingiu no abdômen. Hugh resfolegou e no momento seguinte caia como um saco vazio.
A adaga apareceu na mão de Liam. Ele cutucou Hugh que estava gemendo e semi consciente. Depois se dirigiu a Katherine:
— Ordene-me e eu o mato. Ou o castrarei, se preferir.
Katherine baixou a saia do vestido, observandoo a cena. Seu coração ainda estava acelerado e já sem controle. Estava tremendo e com vontade de vomitar.
— Não. Não.
Ele guardou a adaga e fitou-a.
Katherine se deixou cair contra a parede, se voltou se recostando no leito e vomitou.
Ele procurou o urinol no canto do quarto e o colocou debaixo de seu queixo. Mas ela já não tinha nada a vomitar. Liam colocou o recipiente ao piso e tocou-lhe as costas. Ela tremia violentamente.
— Katherine. — Liam a chamou, com voz rouca
Ela se tornou para trás cobrindo o rosto com as mãos, não se permitindo chorar. Mas era demais. Conhecia Hugh desde que havia nascido. Como era possível que tentasse violá-la?
— Katherine. — O tom de voz de Liam se tornou era duro e ele se sentou ao seu lado no leito estreito. — Ele lhe mal?
Ela reprimiu os soluços e reteve o fôlego. Conseguiu sacudir a cabeça uma vez, negando.
Liam afastou-lhe as mãos do rosto e reteve-as entre as suas.
— Ele lhe mal? — Voltou a perguntar
Rechaçando o rio de lágrimas, Katherine sacudiu novamente a cabeça
— N-não.
Ela notou o queixo de Liam se contrair. Sob a parca claridade da vela.
Ele duvidou. Seus olhares se encontraram. Logo ele acariciou-lhe delicadamente o rosto, roçando-o com o polegar. Katherine fitou os solenes olhos cinza e não conseguiu se mover.
Logo o olhar de Liam se transformou em gelo. Ele lhe voltou o rosto para o lado.
— Ele te agrediu.
Katherine assentiu, controlando-se com todas as suas forças. Porque estava para se jogar nos braços dele.
Com a veia na têmpora pulsando visivelmente, Liam estudou a parte do rosto onde Hugh havia batido. Katherine já se dava conta do quanto doía, pois Quando Liam a tocou, ela se sobressaltou. Liam a soltou e se levantou.
— Vou matá-lo. — Ele declarou.
— Não! — Katherine segurou a mão. Foi nesse momento que notou que a mão dele sangrava. Soltou-a. Seus olhares se fundiram novamente.
— Eu… Por favor. Basta! — Por esta noite já tenho o bastante!
Liam Observou -a por um longo momento. Refletindo, finalmente assentiu. — Você é uma mulher valente, Katherine. Valente e especial. A maioria das mulheres em uma situação desta estaria histérica.
Ele sustentou seu olhar.
— Eu estou… Histérica. — Não conseguia afastar os olhos dos dele.
Liam sorriu fracamente e foi como se o sol de repente estivesse expulso as nuvens negras e ameaçadoras.
— Não me parece seriamente que esteja histérica. — Logo ele ficou sério. — Não posso criticar Hugh porque te desejar tanto. — Disse-lhe disse ainda fitando-a. — Censuro-lhe unicamente a falta de delicadeza. — Liam se dirigiu para a porta que havia permanecido aberta. — Farei que levem Lorde Barry ao seu leito. Como não há ferrolho na porta trarei minha esteira para cá. De todo modo, esta noite Barry não virá mais te atormentar.
— Sim. — Katherine respondeu incômoda.
— Liam, obrigado.
Ele se deteve. O eco de seu nome pareceu revoar entre eles. Parecia-lhe muito íntimo. Finalmente se moveu, já gritando para chamar os homens. Pouco depois Hugh foi transferido para seus aposentos por dois de seus homens e Katherine permaneceu acordada, sabendo que Liam também estava, fora da porta do quarto.
Partiram depois do amanhecer. O tempo aprazível dos últimos dias havia desaparecido e a manhã era úmida e fria, e uma densa neblina que os envolvia. Hugh Barry não assistiu à partida. Permanecia em sua cama, evidentemente curando os ferimentos e o orgulho.
Katherine galopava ao lado de Liam e MacGregor tentando esquecer tudo o que Hugh havia lhe dito e feito. Tentando não recordar que Liam havia lhe salvado. Às vezes se perguntava se não havia sonhado a maior parte dos acontecimentos da noite anterior. Não o quase estupro, tão horrível e real que nunca esqueceria, mas o toque gentil e doce de Liam. Ele havia se preocupado com ela. Ficara estava segura disso naquele momento, e era agora.
Mas nessa manhã não havia lhe dirigido uma palavra. Observou -a com um olhar fugaz seu rosto contundido, mas logo voltou os olhos em outra direção. Katherine sabia que estava horrível. Havia se visto em um espelho. Sua face direita estava inchada e arroxeada. Katherine se descobriu desejando uma leve preocupação por parte dele, como a noite anterior, mas nada notou.
Diminuíram a velocidade ao atravessar um córrego. Katherine pensou que esse era o melhor momento para falar do que a obcecava: aonde iria nesse momento. Quando o os cavalos voltaram à velocidade normal novamente, Katherine duvidou, insegura de como tinha que se dirigir a ele depois que a noite anterior, que ele havia lhe salvado tão galantemente. Seu nome de batismo estava na ponta da língua, mas lhe parecia muito íntimo para usar nessa situação tão delicada.
— O’Neill?
Os cavalos alcançaram a margem oposta.
— Estamos retornando ao Seja Dagger? — Perguntou nervosa
— Sim.
As batidas de seu coração se aceleraram. Estaria pensando ele que era sua prisioneira, agora que Hugh havia lhe rechaçado? Estava com medo de fazer a seguinte pergunta, mas não tinha escolha. Devia saber suas intenções.
— Onde me leva?
O olhar de Liam era penetrante. Por um instante Katherine acreditou que ele não lhe responderia.
— Devemos conversar, Katherine. Mas não agora. — E ele não a olhou mais. — Conversaremos Quando o estivermos novamente em meu navio.
Mas Katherine não podia esperar.
— É sobre meu futuro, que desejas conversar? — Ela perguntou.
— Sim.
— Então devemos conversar agora!
— Há rebeldes desesperados por toda parte, em busca de presas como nós. Este não é o momento.
De repente ele instigou seu cavalo ao galope e o de Katherine o seguiu imediatamente. Cheia de angústia, ela deixou que o animal avançasse.
Antes de meio-dia chegaram à cidade e entraram pela porta norte. Prosseguiram a passo firme ao longo das ruas estreitas e logo o porto apareceu ante seus olhos, com Cork Castle e a guarnição britânica à esquerda. Muitos veleiros e navios menores balançavam ociosos ao capricho das ancoras. O Sea Dagger cavalgava as ondas no meio da baía, também ancorado, negro e ágil com as velas brancas que inchavam ao sabor do vento, mostrando em tudo o que era. Um navio pirata que expirava de desejo de ser liberado, para percorrer os mares com os ventos.
Katherine voltou os olhos para Liam e se deu conta que seus traços se atenuaram Quando o avistou o navio. Não podia censurá-lo por estar tão orgulhoso de seu navio. Esso navio podia ser a arma de um pirata, mas era uma arma magnífica e ativa. Katherine pensou que por alguma razão, o navio e seu proprietário eram perfeitos um com o outro.
— Nos deixarão partir?
Detiveram-se no inicio do porto. Katherine notou que estavam baixando uma embarcação para vir buscá-los.
— Ninguém poderia me deter se tentassem. — Respondeu Liam como se declarasse algo bem óbvio.
— Mas… E Sir John Perrot?
Ele a fitou.
— Acredito que queira falar comigo antes que eu vá. Entretanto, como não tenho nada a dizer, não penso em fazer a cortesia de permanecer aqui a esperar que me dê permissão para partir. — Ele sorriu. — Um homem tão mal educado merece um comportamento descomedido. Ou não?
Katherine não pôde corresponder ao sorriso. Não tinha nenhuma dúvida que Perrot ficaria furioso Quando o descobrisse que o Sea Dagger havia partido.
— Você se diverte. — Comentou de repente. Era uma acusação, mas também uma surpreendente demonstração de ter entendido.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Você ama o perigo. Você gosta da idéia de desafiar Perrot partindo antes que lhe dê permissão. Você gosta do perigo!
Ele começou a rir.
— Nunca pensei muito sobre isso, mas provavelmente tenha razão.
Desmontou do cavalo. — Jovem! — Ele chamou.
Logo chegou um rapazinho correndo.
Liam deu algumas moedas ao mesmo.
— Leve estes cavalos para o estábulo!
As moedas desapareceram imediatamente,
— Sim. Sim, senhor. — Ele respondeu, mas logo perguntou: — Você é o capitão pirata? — O maroto tinha os olhos bem abertos, em meio ao rosto sujo. Seus olhos eram azuis e imensos.
— Sim sou eu. — Liam logo replicou com certa ferocidade. — Agora, vá antes que resolva te levar comigo!
O jovem pegou as rédeas dos três cavalos e começou correr, com os grandes animais trotando atrás dele.
Katherine olhou severamente para Liam.
— Você se diverte assustando-o?
Liam sorriu e o efeito foi impressionante.
— Ele esperava ver um pirata grande e mau. O mínimo que eu podia fazer era lhe dar algumas ordens.
Katherine correspondeu seu sorriso.
No rosto dele o sorriso desapareceu e ele a fitou antes de voltar rapidamente o olhar para a baía. Katherine ficou observandoo os ombros largos cobertos pela capa. Na noite anterior ele havia se preocupado por ela. Estava quase segura. Mas agora ele agia indiferente, como um estranho. Por quê? Não conseguia entendê-lo. Não podia entendê-lo.
Mas por que desejava entendê-lo? Ele era um pirata e ela não deveria esquecer. Pirata e filho de Shane O’Neill.
Mal o Sea Dagger saiu ao longo da baía para alto mar, Liam deixou o leme nas mãos do contramestre e desceu do castelo de proa.
Permaneceu na proa observandoo a água acinzentada que vinha ao encontro do casco. Fazia um frio glacial, mas ele gostava das gotas de água que salpicavam em seu rosto.
O Sea Dagger gostava de velocidade. Havia sido projetado para esse fim. Era rápido, leve e ágil. Quando o estivessem em mar aberto, ele abriria todas as velas e o deixaria navegar livremente. Mas para onde?
Sabia de ter pouco tempo. Devia apresentar logo sua oferta a Katherine; ela estava esperando para conversar sobre seu futuro com ele.
Tinha medo. Era algo muito estranho. Não conhecia o medo Quando o se aproximava uma batalha. Somente uma calma glacial e a agilidade da mente e dos sentidos. Mas agora estava com medo de uma mulher. Estava com medo do rechaço de uma mulher.
Katherine havia rechaçado Hugh, o amor de sua infância. Liam se encontrava rígido de tensão. Seria tolo pensar que ela o aceitaria como seu protetor. Ele, um infame pirata e filho de um assassino. Sua oferta deveria ser superior às que até agora lhe tinha feito.
Não obstante, parecia-lhe que não era suficiente. Recordava muito bem o orgulho de Katherine FitzGerald e o seu desprezo. Mas... Não havia mudado alguma coisa entre eles na noite anterior?
Liam temia pensar. Temia esperar, mas o sangue lhe corria rápido nas veias ante o só pensamento. Ante somente a esperança.
Entretanto, tinha medo de encontrá-la. Apoiou-se ao parapeito, reticente em se voltar. Seu coração batia forte no peito e sua mente dizia que era um estúpido, em ousar além de suas possibilidades, em aspirar um prêmio digno de um homem muito distinto. Um homem bem melhor que ele.
Mas seu coração atrevia a ser contraditório.
Finalmente Liam se voltou atravessou toda a extensão do navio para descer, para enfrentar Katherine e lhe pedir que fosse sua esposa.
Katherine estava em pé diante da janela, incapaz de gozar o fresco toque da brisa marinha em seu rosto. Esperava por Liam. Observou a praia e a margem de bosques da baía que se afastava, enquanto o entravam em mar aberto.
Perguntou-se com ânsia, sobre o que ele desejava conversar. Perguntou-se o que lhe reservava a essa altura, seu futuro.
— Katherine? Queria conversar contigo.
Ao som da voz de Liam seu coração bateu freneticamente e seus ombros se enrijeceram. Lentamente se voltou.
Ele fechou a porta do camarote as suas costas. Seu rosto uma expressão indecifrável. Observou -a, atentamente deixando-a intranqüila.
Ela pensou no que Hugh havia tentado na noite anterior e em com Liam havia lhe salvado. Recordou o leito com dossel vermelho de Liam, do outro lado do camarote. Lembrou-se do cordão vermelho e ouro, do cortinado.
— Para onde me está levando?
Ele avançou para ela, mas parou a poucos passos. — Katherine, não estou disposto a deixá-la ir.
Ela ficou petrificada.
Os olhos dele escrutinaram seu rosto antes de encontrar os dela.
— Posso te oferecer muitas coisas.
Ela não disse uma palavra. Seu coração pulsava alucinado, sabendo o que ele diria mais adiante. Não tinha nenhum desejo de enfrentar outra proposta ilícita. Não tinha nenhum desejo de ser tentada, nem sequer um pouco, por esse homem. Começou a negar com a cabeça.
Então ele começou a falar rapidamente.
— Te observei no dia em que passamos por Smithfield Market. — Liam sorriu. Seu olhar era franco. — Observei seu desejo pelos vestidos e as mercadorias. Vi a alegria espelhar repetidamente seu rosto. Notei, que ao seguirmos em frente, você se voltava para olhar. Parecia uma menina que se afastava de uma feira, contra a vontade.
Os olhos de Katherine estavam cravados no belo rosto. Apesar da raiva e a desilusão, se lembrava muito bem das incríveis e ricas mercadorias que tinha visto no mercado e recordava ainda mais, o esplendor e a elegância dos cortesãos e das damas da rainha. Todas o que ela nunca teria.
— Eu posso dar tudo o que você nunca sonhou. Não sou um homem de se enaltecer, mas desta me enaltecerei. Sou mais rico que muitos reis, Katherine. Quer mantos de pelo de Marta ou visom? Ou arminho, lince? — Liam elevou os ombros. — Pode ter todos. Você é uma mulher que nasceu para desfrutar das coisas belas. Você é uma mulher para dar alegria, pare ser mantida como um tesouro e mimada como uma rainha. — Ele baixou os olhos para o velho e horrível vestido remendado. — Você deveria ser adornada de sedas, veludos e rendas. Deveria andar vestida com o esplendor e a riqueza da realeza, Katherine. Usar diamantes nas orelhas, e rubis à cintura, e se desejar, esmeraldas e safiras no cabelo. Ou talvez prefira algo mais sóbrio? Então pérolas e ouro. Nem há limites, Katherine. Basta que você peça e tudo será seu.
Liam lhe oferecia suas incríveis riquezas para que aceitasse ser sua rameira. Katherine estremeceu de raiva, de dor. Enquanto o isso, uma parte secreta dela ardia de desejo. Na noite anterior ele a salvara de Hugh. Na noite anterior, ele não era o pirata. Na noite anterior Liam tinha sido um herói, gentil e atento.
— Hugh foi um tolo mal educado. — Disse Liam. — E também pobre. Sei que não sou um nobre, mas eu nunca te faria mal. Acredito ter lhe demonstrado isso.
Ela havia demonstrado, mas sua oferta esclarecia que, apesar de tudo, não era muito diferente de Hugh.
— Rechacei a abominável oferta de Hugh. E rechaço a sua. — Disse em tom seco. — Eu nunca serei a amante de ninguém.
Liam a fitou, com seu o olhar acinzentado como o oceano, e de modo inescrutável.
— Katherine, eu não estou pedindo para que seja minha amante. Estou pedindo de ser minha esposa.
Katherine não compreendeu. Certamente estava sonhando!
— Estou pedindo que seja minha esposa. — Liam repetiu.
Agora, ela notava claramente a veia que pulsava em sua têmpora.
Uma onda de choque a envolveu. Não podia se mover, ou mesmo pensar.
— Minha casa é longe, ao norte. É uma ilha impenetrável. Lá estaremos seguros de todos os que possam pensar de nos contrariar; embora, na verdade penso que o escândalo de nosso casamento passe rapidamente. Você não disse repetidamente, que deseja se casar? Não disse mais de uma vez, que quer um marido e uma casa toda tua? Mesmo que eu não a use, na ilha há uma casa nova e bela como qualquer casa inglesa. E se você não gostar, eu a demolirei e construirei outra. — Ele lhe fitava, com os olhos sérios. Agora, escuros como o carvão. — Seu pai deseja esta união. Seria útil para ele. Eu seria útil para ele.
Katherine voltou a respirar, com dificuldade. O peito se elevou e ela mantinha as mãos apertadas ao longo do quadril. De repente se encontrou a combater a tentação, que era grande.
— Oh, Deus! — Sussurrou com agonia. Liam estava oferecendo seu nome. Seu nome. Estava lhe propondo um casamento.
O tom dele era rude.
— Deveria refletir muito bem sobre minha proposta, Katherine. Você é uma mulher inteligente. Não terá nunca outra proposta de casamento, como esta. Terá outras ofertas de camponeses ou homens de posição social parecida, mas você nunca não poderia ser a esposa de um granjeiro. Precisa de um pouco de tempo para pensar? — Ele não sorria, e não havia lhe sorrido. — Compreendo que esteja surpresa.
Dizer que ela estava surpresa era um eufemismo.
— Por quê?
Ele estremeceu.
— Por que Liam? Por que agora quer casar comigo?
Liam se mostrava tenso.
— Refleti muito sobre a oferta de seu pai. Eu a quero, mas não a obrigarei. Quero que você venha para mim, livremente.
— Entendo. — Finalmente as lágrimas lhe sulcaram o rosto e ela as secou com um gesto impaciente.
— Leve o tempo que quiser, para pensar. — Ele disse já se voltando para sair.
— Não. — Respondeu Katherine, friamente. — Não necessito de tempo para considerar um casamento contigo.
Ele se deteve.
— Não posso me casar contigo, Liam. Sinto muito. Não posso me casar com um pirata. — Katherine se abraçou, tremendo. — Meu pai pode ter caído em desgraça, mas sempre sou Katherine FitzGerald. Eu nasci nobre. Nunca poderia me casar com um pirata. Sem contar que meu pai deseja esta união por razões políticas.
Ele ficou rígido, imóvel como uma estátua esculpida. Em seu rosto, entretanto, estavam gravadas rugas de dor.
— Sinto muito. — Sussurrou Katherine
— Não está serena. — Liam disse, finalmente. — Você ainda está transtornada por causa noite passada. Vou...
— Não. — Katherine interrompeu-o, secando-as lágrimas com os dedos.
Ele apertou o queixo.
— Não tem outra escolha agora, Katherine. Minha oferta é a melhor você possa conseguir. Peço a você que seja esposa. Outros homens, nobres como Hugh, lhe pedirão que seja sua amante.
Katherine se voltou, mostrando seu medo. Ele tinha razão.
— Talvez uma boa noite de sono e reflexão te faça mudar de idéia.
Katherine sentiu-o se voltar para Said do camarote.
— Não tenho intenção de mudar de idéia!
Oh, Deus! Ela se deixou cair contra a parede, já próxima ao pranto.
Ele disse:
— Minha oferta permanece em pé. Pense em tudo o que posso te dar, Katherine. Talvez supere o desprezo que sente por minhas origens, pelo que sou.
Liam saiu.
Katherine abandonou o corpo no assoalho. Pedia, talvez, mais do pediam outras mulheres? Por que o mundo havia conspirado contra ela, para subtrair o que lhe correspondia? Era uma nobre. A filha de um Conde. Mas sua vida estava reduzida a receber vergonhosas propostas de nobres como Hugh e ofertas de casamento de piratas. Katherine apertou os joelhos contra o peito.
Sabia que Liam O’Neill tinha razão: Katherine FitzGerald não tinha outras possibilidades e não teria receberia nenhuma oferta melhor.
Mas ela não poderia se casar com o filho de Shane O’Neill. Nunca.
Nem sequer se ela, verdadeiramente, quisesse.
Katherine logo se deu conta de ter outra alternativa. Estava chegando à noite. Correu para fora do camarote, para nada surpresa descobrir que a porta estava aberta. Na ponte, aconchegou-se mais na capa, enquanto o observava ao redor a procura de Liam. Novamente ele estava no leme do navio. Seu coração bateu forte. Correu para ele e com certa dificuldade, começou a subir a escada que dava acesso ao castelo de proa, onde ele se encontrava.
Ele a notou imediatamente.
— Espere, Katherine.
Liam entregou o leme a outro marinheiro e correu para ela. Inclinou-se e aparentemente sem esforço. a levantou. Katherine recuperou o equilíbrio segurando-se a ele, para logo soltar as mãos. A sensação de seus músculos permaneceu.
— Queria conversar com você, Liam.
Seus olhos brilharam.
— Reconsiderou minha proposição?
Katherine não se equivocou sobre o desejo que notou no tom da voz dele.
— Não… Não reconsiderei. Não posso. Não me casarei com você.
Ele se sobressaltou.
— Tenho outra opção. — Ela prosseguiu decidida a ignorar a desilusão que ele não conseguia dissimular. Liam estava observandoo-a de muito perto.
— Desejo voltar com a rainha. — Ela anunciou.
Ele levantou uma sobrancelha escura.
— E se lançará aos seus pés a suplicar sua piedade?
— Sim! — Ela gritou. — Melhor sua piedade que aquela de homens como Hugh e você, e um destino tão horrível!
— E se ela decidir te enviar para seu pai? Ou voltar para o convento?
Katherine levantou o queixo.
— Que assim seja.
Mas não tinha nenhuma intenção de ser enviada a um solitário exílio em Southwark ou para uma existência igualmente solitária em um convento. Estava preparada para apresentar súplicas por seu futuro se fosse necessário.
Ele torceu os lábios. — Portanto, eu sou o pior dos males.
Ela ficou tensa. Não havia dito isso.
— Você nega, por acaso, quem é e de onde vem?
Sua expressão se tornou sarcástica. — E como poderia?
Suas palavras a alteraram. Ele a transtornava.
— Você é um pirata, O’Neill e sabemos disso. — Respondeu raivosa. Nunca sentiria simpatia alguma por esse homem. Não devia. — Leve-me para Londres. Ou agora sou sua prisioneira, independente de meu rechaço?
— Katherine, se você fosse uma prisioneira e eu somente um pirata, faria meu seu belo corpo, a despeito de sua vontade. Com ou sem violência.
Katherine não disse nada. Sabia que não era realmente necessário contradizê-lo.
— Parece-me que existem vários graus de barbaridade. — Ele adicionou, e com um sorriso sardônico sacudiu os ombros. — Entretanto, esta besta que não lhe fez nenhum mal, que inclusive a salvou de ser violada por seu querido e nobre amigo Hugh, cumprirá todos os seus desejos.
Ela não se moveu.
— Deseja voltar para a rainha e suplicar que lhe ajude? Provavelmente tenha razão. Talvez ela se decida a lhe arrumar um casamento. — Seus olhos brilhavam. — Quem sabe em toda a Inglaterra deva existir um nobre a quem não importará que você seja pobre, irlandesa e católica e sem seu título.
— É o que espero. — Katherine mal pôde balbuciar.
Ele sustentou seu olhar frio e raivoso.
— Você não se rende nenhuma vez, certo?
— Não.
— Você é exatamente como seu pai. — Liam lhe deu as costas e gritou uma ordem. Os homens começaram a subir pelos mastros e lentamente o navio começou a voltar. Katherine o Observou voltar para leme. Dizia a si mesma que estava simplesmente sendo razoável e que não importava estar sendo injusta com ele. Ele era um pirata, filho de Shane O’Neill. Ele havia escolhido a vida que levava, enquanto o ela não havia feito escolha alguma.
E embora o que estivesse fazendo era justo, Quando o o navio finalmente voltou às velas para o sul, não pôde menos que se sentir ansiosa. Não havia garantias. A rainha Elizabeth havia sido gentil com ela antes, mas durante seu primeiro encontro lhe acusara de conspiração e traição. Podia- somente esperar que a terceira vez ela fosse outra vez gentil. Sabia que perfeitamente podia ser enviada a Southwark. E ficar prisioneira como seu pai, pelo resto de sua vida.
Dois dias depois estavam navegando pelas águas do Rio Tamisa até Whitehall.
Katherine não pôde deixar de se surpreender que Liam levasse o navio diretamente até o palácio da rainha. Era verdade que ele havia sido perdoado. Perdoado e encarregado de levá-la até a Irlanda, mas parecia incrivelmente audaz para um simples personagem. Inútil dizer, que antes de sua chegada ao palácio já sabiam que eles estavam chegando. Foram acolhidos pelos homens da rainha que lhe informaram que Sua Majestade receberia imediatamente.
Devido ainda não ser hora do jantar, a rainha ainda não tinha descido para a Sala das Audiências. Foi ordenado esperar quase uma hora fora das portas de seus aposentos particulares, onde a soberana estava se vestindo.
Katherine repetiu mentalmente as palavras das súplicas que pretendia fazer e a cada minuto que passava ficava mais nervosa e mais temerosa. Liam parecia aborrecido.
As portas da rainha se abriram e apareceu um alto homem e atraente. Katherine teve que fitá-lo duas vezes. Depois de Liam, ele era o homem mais belo que tinha visto. Ele a notou e sorriu. Seu sorriso logo murchou e apagou Quando o se deu conta da presença de Liam. Um instante depois ele desapareceu.
Katherine ficou observandoo-o.
— Quem é ele?
Liam a fitou.
— Robert Dudley, Conde de Leicester.
Katherine ouvira muitas histórias sobre ele. Nos primeiros anos do reinado, murmuravam que a rainha o teria desposado, até que, o entregou como esposo a sua prima e rival Maria, a rainha da Escócia.
Maria havia rechaçado o homem, e agora comentavam que era amante e o preferido de sua prima. Dudley se enfureceu, mas depois Elizabeth lhe denominou Conde de Leicester elevando-o a uma classe digna de um casamento real. Alguns diziam que o fato dele ser ofertado a Maria era um truque, a fim de que Elizabeth pudesse elevar sua classe, para depois se casar com ele. Entretanto, depois de todos os anos passados o casamento não havia acontecido.
Estava claro, desde começo, que Elizabeth tinha um fraco por Dudley. Diziam que ela estava apaixonada e que passava muito tempo a sós com ele. Dudley havia se casado com Amy Robsart, mas alguns anos depois ela havia caído escada abaixo e quebrado o pescoço. O tribunal havia instituído que era um acidente, mas muitos diziam que havia o toque de Dudley no meio, que esperava dessa maneira se liberar dela, para se casar com a rainha. Outros diziam que rainha teria conspirado com ele e programado o assassinato. A morte prematura de Amy tornava impossível seu casamento, coisa que teria acrescentado as acusações de homicídio.
Katherine nunca havia prestado atenção às intrigas que chegavam até o convento na França. O comportamento da soberana interessava a todos em qualquer lugar e particularmente as mademoiselles isoladas nos conventos.
Agora, observandoo Dudley, ela conseguiu imaginar porque a rainha estava apaixonada por ele.
Mas um assassinato? Ela tinha visto Elizabeth somente duas vezes, mas sentia que era algo impossível.
— Ainda está olhando para ele, Katherine. E ele já se foi há algum tempo. — Observou Liam, com voz fria.
Katherine se sobressaltou e enrubesceu.
Liam se voltou, com evidente ira. Katherine se deu conta que era mesquinho de sua parte se alegrar por causa de seus ciúmes. Apesar de tudo, ela não o queria. Não, não queria nem seus ciúmes ou seu apetite sexual e nem seu amor. E se um homem como ele fosse capaz de uma emoção tão romântica, este homem com toda a probabilidade, não seria Liam.
Um instante depois apareceu uma dama da rainha, que os introduziu no aposento.
Elizabeth ainda não se encontrava, então eles permaneceram em silêncio, a esperá-la. Finalmente La apareceu na ante sala . Através da porta aberta, Katherine conseguiu observar o aposento. Era muito escuro, pois possuía somente uma janela. Entretanto, através dos vidros Katherine enxergou o Rio Tamisa, onde muitas embarcações coloridas e um navio passavam em meio a um grupo de cisnes que nadavam preguiçosamente. E esse momento, em tributo à soberana, um galeão estava disparando uma salva de tiros canhão.
Katherine não pôde menos que observar ainda por um instante, o aposento mais privado da rainha. O teto era completamente dourado, mas ela fixou seu olhar no leito. Era extraordinário, composto com madeiras de muitas cores distintas. Com colchas de seda e veludo, bordadas em prata já e ouro. No lado oposto ao leito pendiam sedas indianas.
A rainha estava sozinha na ante sala . Katherine se perguntou se havia recebido Dudley sem a presença de alguém.
Se assim fosse, conhecendo os homens, ela duvidava que só houvessem conversado.
— Katherine? — A rainha sorriu, já caminhando para ela, com as mãos estendidas. — Doce Katherine! Abraçou-a sempre sem olhar para Liam. Ela mostrava o rosto enrubescido e os olhos ardentes. — Embora esteja surpresa em vê-la, estou muito feliz!
Katherine quase desmaiou aliviada, mas se compôs radiante ante a rainha.
— É maravilhoso estar novamente na corte, Sua Majestade. Disse, sinceramente.
Na verdade, no momento em que avistara as muitas torres de Londres seu coração começara a pulsar muito forte.
— Trouxe seu noivo? Lorde Barry? Mas, você é Lady Barry agora, certo?
A ficionomia de Katherine ficou séria.
A rainha a Observou e logo voltou os olhos para Liam
— Há algo que não esteja bem?
Liam se inclinou.
— Sua Majestade.
A rainha enrubesceu levemente.
— Liam, por favor, o que aconteceu?
— Lorde Barry está comprometido com outra, Sua Majestade.
Elizabeth abriu ligeiramente os olhos e fitou à jovem.
— Portanto, o noivado e o casamento terminaram?
— Então, no fim o noivado estava quebrado? Mas sua família não sabia disto?
Katherine lhe explicou que Hugh havia apresentado o contrato aos juízes irlandeses, para decidir sua validez, uma vez que Gerald havia sido preso por traição e privado de seus bens.
— Pobre querida. — Comentou a rainha, lhe dando um toque afetuoso na mão. — Então esteve na Irlanda para caçar moscas e agora volta para corte.
Liam fitou Elizabeth.
A rainha se dirigiu a ele.
— E quão generoso de tua parte, Liam, trazer a jovem aqui para Londres. Presumo que pretende estar com seu pai, certo? Ou já lhe contaram as tristes novidades?
— Katherine ainda não falou com FitzGerald. — Explicou Liam, tranqüilamente.
A rainha arqueou uma sobrancelha, mas não disse nada.
Katherine se deu conta que estava retendo o fôlego. Soltou-o.
— Sua Majestade, eu poderia falar?
— Pois sim. — Sorriu Elizabeth
Apreensiva, Katherine apertou as mãos. — Hugh me considerou indigna de ser sua esposa, por que já não sou filha de um Conde. Meu pai, sem títulos ou bens agora é pobre. Eu sei. Mas… Meus sonhos não mudaram. Eu não mudei.
Elizabeth inclinou a cabeça.
— Continue, por favor.
Katherine avançou.
— Somente desejo o que espera uma mulher, Sua Majestade. Uma casa, um marido e filhos. Desejo muito estas três simples coisas. Desejei-as sempre! Katherine FitzGerald não mudou. Não, e meus sonhos permanecem fortes como nunca. Arrisquei muito ao abandonar o convento, porque permanecer ali solteira, sem casa e estéril não era melhor que morrer de uma morte terrível e lenta. Sua Majestade, eu me submeto a sua piedade, a sua generosidade. Sei que não tenho nada a oferecer, só a mim mesma, e sei que sem títulos e dotes uma mulher vale pouco. Sei também que sou um pouco alta, mas como pode ver sou graciosa, e um pouco importante. Sou forte e bem feita e estou segura de poder ter dois, três ou até quatro filhos. Por favor. Sua Majestade fez o que considerava justo Quando o confiscou Desmond de meu pai. Eu sou filha dele. Devo talvez compartilhar sua sorte? E a Senhora não disse de ter sido uma querida amiga de Joan? Em sua memória, talvez, agisse. Rogo-lhe, Não poderia me encontrar um homem simples, mas nobre? Compreendo que não possa ser de alta classe, rico, e bem provável um viúvo. Com filhos, inclusive. Gosto de crianças. Eu criaria os filhos de outra, como faria com os meus. Por favor, Sua Majestade.
Katherine levou as mãos ao peito como se orasse e em silêncio suplicou a Deus poder conseguir comover à rainha. Mas uma vez dito o que tinha a dizer, permaneceu imóvel, com o olhar preso no da rainha, ansiosamente esperando sua resposta.
Elizabeth a Observou , pensativa e sem sorrir.
Também Liam a observava, com olhar penetrante e expressão tensa.
Finalmente Elizabeth se movimentou e tomou as mãos de Katherine entre a suas, estreitando-as fortemente.
— Sua súplica foi absolutamente eloqüente, Katherine.
Katherine engoliu em seco e seu coração inchou, tomado de esperança.
— Refletirei sobre a questão. — Disse a rainha
Katherine ficou rígida, pois havia esperado uma resposta imediata.
A rainha lhe soltou as mãos.
— Agora tenho assuntos de estado em que me ocupar. — Ela começou a se afastar, mas logo se deteve. — Katherine, permaneça na corte até que não tenha tomado uma decisão sobre esta questão. Uma de minhas damas lhe mostrará seus aposentos. Liam, não se vá porque depois desejo conversar contigo.
E com isto ela os deixou. Suas saias sussurrantes lhe ondeavam ao redor do corpo.
Katherine se voltou e encontrou o olhar penetrante de Liam.
Não importava que estivesse zangado ou desiludido, portanto elevou o queixo em uma demonstração de superioridade, que não sentia.
— Sangue de Deus. — Ele finalmente expressou. — Você é até muito brilhante. — E segurou uma de suas mãos.
— O que aconteceu? — Katherine perguntou, mas muito tarde
Em seguida ele a atraiu estreitando-nos braços, a aprisionou contra o peito e com a outra mão lhe levantou o queixo.
— Muito brilhante, e malditamente bela. Ainda te desejo como esposa, Katherine.
Katherine abriu muito os olhos e fez jeito de protestar, mas Liam a interrompeu com a boca firme e exigente. Katherine se acalmou.
Embora viesse à corte em busca de marido, o beijo poderia ser seu adeus e não queria lutar contra ele. Não nesse momento. Os lábios dele tocaram os dela que os entreabriu. Um momento depois lhe envolveu os ombros enquanto o ele introduzia a língua em sua boca. Katherine se rendeu e como o desejava já a algum tempo, correspondeu ao beijo.
Desesperadamente. Sugou-lhe a boca. Seus dentes se chocaram e suas línguas se fundiram frenéticas. Ela afundou as unhas nas costas largas.
Katherine se deu conta que estava voltando a terra. Liam ficou de joelhos. Ela se apoiou nele, sustentada por seus braços, ele continuou a beijar a boca úmida e aberta, que lhe correspondia febrilmente.
Os dedos de Katherine deslizaram pelo interior da camisa aberta. Tocar esse homem era como tocar uma pedra aveludada que vivia e respirava.
Ofegava dentro da boca macia e quente. A mão deslizou para o ventre dele, frenética, apalpando, explorando. Liam gemeu.
E nenhum dos dois viu o homem no vão da porta, que os observava. A primeira reação de William Cecil foi tossir ou pigarrear, para advertir os amantes de sua presença, para interrompê-los. Mas nos últimos dias havia pensado longamente sobre o triângulo FitzMaurice, FitzGerald e O’Neill. Lentamente tinha pensado que O’Neill havia assaltado um insignificante navio francês e politicamente sem nenhum valor, a menos que considerasse Katherine FitzGerald preciosa. Observandoo-os. Notando a paixão de Liam, suspeitou que Ormond estivesse com a razão. E finalmente seus pensamentos se cristalizaram. Fechou silenciosamente a porta do aposento, se voltou e percorreu a sala de espera. Deteve uma faxineira que passava.
— Deixe para depois os trabalhos dos aposentos da rainha. — Ele ordenou.
E os olhos da mulher procuraram a porta fechada. Seu olhar demonstrava ter entendido o pedido. Fez uma reverência e se afastou.
Enquanto o Cecil percorria a sala, pensava. Liam era um amigo ou inimigo? Até que ponto chegaria sua aliança com FitzGerald? Porque estava seguro que havia uma aliança. E, finalmente se perguntava se havia uma maneira de usar à moça para controlar a O’Neill. Ou talvez, Katherine FitzGerald o controlasse na forma mais antiga do mundo?
A rainha sorriu para Leicester ao seu lado. Ela estava sentada no trono.
— Estou feliz que você esteja aqui, Robbie. — Disse-lhe.
Ele sorriu lhe tocando a mão com grande confiança.
— Suas preocupações, são minhas preocupações, Sua Majestade. Sempre. Mas, isto você sabe.
Elizabeth estava agradecida o fitou seu primo Ormond que sorria para os dois. Cecil permanecia impassível.
— Recebi uma mensagem de sir John Perrot. — Declarou a rainha. — Sustenta que a jovem FitzGerald é uma rebelde, como todos os irlandeses, nem mais nem menos. É como seu pai e que não devemos confiar nela. Ele mandou seguir a jovem e O’Neill. Eles foram ao Castle Barry, nada mais. Eles ficaram, mas uma única noite. Não havia nada abertamente suspeito a relatar, exceto pelo fato que O'Neill partiu de Cork apressadamente, sem esperar os papéis, e naturalmente o fato de que Katherine não se casará com Barry. Mas como sabemos, O’Neill trouxe a moça diretamente aqui, a nós, e isto não é um ato de conspiração.
Era uma ação brilhante, tal como O’Neill era brilhante, pensou Cecil, mas não disse nada.
Ormond se irritou.
— Era um truque desde o começo. Ela não foi a Munster para se casar com Barry, mas para entregar informações recebidas do pai, Sua Majestade. FitzGerald voltou a fazer seus truques. Só que esta vez convenceu o Senhor dos Mares de aderir a sua causa.
Leicester estava irritado e deu fitou Ormond com desaprovação.
— Não há provas que O’Neill conspire com FitzGerald, Butler. Teu histerismo está te levando à loucura.
— Ah, sim? E você, o que propõe? — Perguntou Ormond a Dudley, lívido de raiva. — Soltar um traidor?
Leicester fitou friamente seu principal rival pelo afeto da rainha. Desde que FitzGerald havia sido expulso da Irlanda, ninguém era mais poderoso que Ormond.
— FitzGerald não é um traidor como seu primo, Tom. Estaríamos bem melhor se ele recuperasse suas terras e expulsasse longe esses malditos papistas!
— Basta! — Interveio a rainha, antes que Ormond pudesse replicar. — Pensei que havíamos concluído esta história há três anos, Quando o decidimos processar FitzGerald por traição. Não tenho nenhuma intenção de voltar atrás sobre minhas decisões, agora. Quero seguir adiante. — Elizabeth se voltou para Cecil.
— O que pensa, sir William? Meu pirata de ouro está conspirando contra mim?
O secretário respondeu:
— Embora as provas pareçam aumentar, há outras possíveis explicações para a conduta de O’Neill. Não posso afirmar que exista uma conspiração contra Sua Majestade. Não ainda. — Seu rosto impassível não deixava entrever seus pensamentos mais íntimos e as conclusões que havia recentemente chegado. Era seu costume não incomodar à rainha com assuntos que ela não precisava conhecer.
— Obviamente que ele está metido em uma conspiração. — Quase gritou Tom Butler.
— Bom Deus, você não têm um pouco de sentido comum? Por qual razão O’Neill deveria ter levado a moça até seu pai? E se FitzGerald está reunindo aliados, o sul ficará em guerra, por muitos anos mais! Quer que FitzMaurice e FitzGerald perambulem livremente na Irlanda? — Ele perguntou à rainha.
— Sabe que não é assim. — Gritou ela.
Os olhos de Leicester encontraram os de Cecil e permaneceram estáticos. Embora não fossem exatamente amigos, e ambos se mostravam ciumentos da recíproca influência sobre a rainha, de tempo em tempo se aliavam em alguma causa. E esta era uma ocasião propicia. Depois de um instante, Cecil afastou o olhar.
Leicester pegou a mão de Elizabeth.
— Certamente O’Neill está fascinado pela beleza da jovem. Pode ser um maldito pirata, mas é um homem. E é famoso por suas conquistas femininas – Lembra-se da Condessa Marian? — Leicester sentiu prazer em notar a rainha se sobressaltar. — Como sempre, esse pirata quer somente duas coisas. Ouro e a satisfação de seus apetites sexuais.
— Você continua a apoiar FitzGerald. — Ormond o acusou.
— Vocês dois devem sempre discordar? — Elizabeth se irritou. Comprimiu as mãos e enrubesceu por causa tensão.
— Uma coisa é certa. Perrot sustenta que não devemos confiar na jovem, que é muito leal a FitzGerald e a sua família. Eu confio no julgamento de sir John. Mas que ela seja uma traidora… — Elizabeth deixou as palavras no ar. — Não acredito. Não, Liam. Ele não me faria uma coisa assim.
Ormond rebateu imediatamente.
— Bess! Ela é uma traidora! Que nãos engane! Dê-me ela em custódia e esta conspiração terminará!
Leicester entrecerró os olhos.
— De repente você tem sentimentos fraternais por sua irmãzinha há muito tempo perdida, Tom? — Ou são sentimentos mais viris? — Insinuou.
Ormond o ignorou e se aproximou ainda mais da rainha.
— Queridísima, prima. Permita que eu me encarregue dela. Sou seu meio-irmão e não há nada estranho que lhe ofereça meu amparo. Eu a enviarei para meus irmãos em Kilkenny, onde será vigiada de perto. Não poderá entrar em contato com seu pai. Posso assegurar.
— Ela me pediu que lhe arranje um marido. — Explicou Elizabeth. — Sua súplica foi muito eloqüente e ela me esclareceu que seu único desejo é ser a esposa de um nobre. Se disse a verdade não é possível que exista uma conspiração entre ela, seu pai e O’Neill.
— Tudo é um teatro. — Ormond a interrompeu.
— É uma jovem inteligente. Sua súplica demonstrou. — Murmurou Elizabeth. — Deus sabe que sua mãe era uma mulher muito inteligente e FitzGerald é ardiloso como uma raposa.
Cecil interveio.
— Eu lhe aconselho de deixá-la em paz. Também penso que ela seja inocente. E se não for deixemos que leve adiante a conspiração. FitzGerald é só um prisioneiro e como tal, pode fazer bem pouco mal. Se for culpada, a moça nos levará a caverna do lobo. Se existir. — Cecil quase não se moveu. Contava com o fato que O’Neill fosse bem ardiloso, para ser surpreendido no jogo mortal que estava urdindo.
Ormond gemeu. Leicester fitou Cecil sem dizer nada e ele sustentou tranqüilo o seu olhar. Embora Cecil não se importava nada com Leicester, desta vez sabia que se compreendiam e que eram aliados. Leicester por razões úteis, pois desprezava Ormond. Cecil porque desejava proteger seu país e sua rainha.
— Você poderia,— Leicester sugeriu com tom indiferente, — dá-la em casamento a alguém próximo a você. Alguém que possa vigiar e controlá-la ou usá-la se for necessário.
Elizabeth se voltou de repente em sua direção. Não sorria.
— Se tivesse dois homens como você, eu poderia desposá-la com um deles. — Sua expressão era dura como o diamante.
Ele sorriu. Os dentes brancos que brilhavam contra a pele escura.
— Mas eu sou um só e me romperia o coração se você me desse uma esposa.
O olhar de Elizabeth se tornou severo.
— Vamos decidir. — Ela anunciou. — Combinaremos todas as idéias que foram expostas aqui. A jovem no momento permanecerá solteira, porque se decidimos casá-la devemos pensar bem. Permanecerá conosco na corte. — Elizabeth sorriu. — Como dama de companhia. E lhe daremos certo grau de liberdade, até lhe permitiremos visitar o pai, na esperança de poder descobrir se é desonesta. E para ficarmos seguros de não perder nenhuma malandragem lhe atribuiremos uma criada pessoal, que vigiará cada movimento e nos conte diariamente.
Todos sorriram. Decidido. Katherine seria uma dama de companhia da rainha na esperança que conduzisse a todos à guarida de conspiração e traição.
Liam foi chamado pela rainha, não a meia-noite como da vez anterior, mas na manhã seguinte e bem antes do meio-dia. De todo modo, ele não havia esperado uma audiência noturna. Não depois de ter visto Leicester sair dos aposentos da rainha, o que tinha sido claramente um encontro particular e amigável. Leicester evidentemente havia tornado a desfrutar dos favores da rainha.
Liam se sentiu aliviado.
Elizabeth o recebeu em seu escritório. Estava magnificamente vestida e na presença de duas de suas damas de companhia. Eram duas nobres casadas, que apesar disso, estremeceram e sorriram para Liam ruborizando graciosamente, tentando capturar sua atenção.
Liam ignorou as tentativas de sedução e desdenhosa, Elizabeth as afastou. Fechou a porta com firmeza e os dois ficaram sozinhos.
Sorriu-lhe, mas estava tensa.
— Foi generoso de sua parte escoltar a pobre Katherine de volta a Londres, Liam. — Disse, extraindo uma carta selada da manga do vestido. — Talvez por estar desiludida após o fracasso com Hugh Barry. — Ela o examinou atentamente.
Liam lhe presenteou um fugaz sorriso, mas logo ficou sério.
— Katherine não estava nada contente. Mas é uma mulher forte e se parece muito com Joan. Está pensando no futuro e espera que eu seja generosamente disposta com ela e que lhe arrume um bom casamento.
Liam ficou rígido.
— E você será generosa com ela, Bess?
Elizabeth lhe sustentou o olhar.
— Talvez. Tenho a impressão que você esteja, por alguma razão, incomodado com este pensamento.
Ele encolheu os ombros, incapaz de encontrar uma resposta adequada.
A rainha o fitou.
— Ainda está intacta ou você se comportou à altura de sua fama de pirata?
— Ainda está intacta.
Elizabeth arqueou uma sobrancelha.
— Então sua fama é toda uma fantasia?
O sorriso reapareceu nos lábios de Liam. E com ela a mais leve covinha na face.
— A mais fantasiosa das fantasias.
Elizabeth compreendeu.
— Patife! Se ainda é virgem, imagino que não seja por falta de empenho de sua parte.
— Não tinha me advertido para frear minha paixão?
— Sim, é certo. Mas Quando o você me obedece, Liam?
— Você é minha rainha. Eu sou seu humilde e obediente criado. — Liam inclinou a cabeça.
Elizabeth gemeu.
— Certamente a moça mostrou opôs resistência mostrando mais sentido comum do que pensei.Mas, realmente sua súplica demonstrou que é inteligente. Quase me comove com sua eloqüência.
— Então atenderá sua súplica?
— Ainda devo decidir o que farei com ela, mas em todo caso, ela não é para um homem como você. Não pode tê-la, Liam. — Elizabeth o fitou, sem pestanejar.
Ele correspondeu o olhar com igual firmeza. Mas dentro do peito, seu coração estava lhe abandonando.
Ela não podia esconder bem o ciúme que tilintava ao redor de seu corpo, como uma serpente venenosa. Ele teria que encontrar uma maneira de induzir Elizabeth a apoiar sua causa.
— Não consentirei nunca um casamento entre vocês, por razões políticas e sociais. Entende-me? — Ela adicionou
Liam escolheu as palavras com muito cuidado.
— Eu nunca disse que queria casar com a Mademoiselle em questão.
— E não se casará com ela. Não a usará como os homens costumam fazer com uma mulher desprotegida. — Elizabeth continuou a fitá-lo. — Agora seremos nós a protegê-la. Pedimos-lhe para deixar de persegui-la. — Elizabeth se interrompeu e seu tom de voz adocicou. — Talvez com o tempo encontre um cavalheiro que se case com ela. Em todo caso, não será fácil, mas ainda mais difícil seria se você abusasse dela e ela ficasse grávida de um filho teu.
— Portanto, a súplica dela teve êxito. — Liam não conseguiu conter a raiva.
O olhar de Elizabeth era severo.
— Eu lhe disse. Ainda não decidi o que fazer com ela. Seu pai é um traidor e um desgraçado, mas eu verdadeiramente queria bem a mãe dela, Joan FitzGerald. E é por ela, que de certo modo estou bem disposta a ajudar Katherine. Decidi que a jovem será uma de minhas damas de companhia.
Liam abriu os olhos desmedidamente, mas conseguiu conter o suspiro de alívio.
— Katherine não ficará descontente. Acredito que seja adequada para a vida de corte, por um certo período de tempo.
— Concordo. — Elizabeth lhe entregou a carta selada.
Liam não rompeu o selo. Fitou-a com expressão interrogativa, enquanto o finalmente se conscientizava.
— Outra carta. — Sorriu.
— Estou segura que será muito feliz.
— E a quem poderá saquear agora o Sea Dagger, com a aprovação da Coroa?
— Poderá perseguir qualquer navio que comercialize com os rebeldes guiados por FitzMaurice ou quem os apóie, de uma maneira ou outra.
Liam não disse nada.
Seu belo rosto e os olhos frios não mostravam por nenhum sinal de emoção, nem de aprovação ou de desafio.
— E estará autorizado a capturar qualquer navio que se atreva apoiar algum outro rebelde, contra minha autoridade na Irlanda. —Ela adicionou, com a mesma firmeza.
Liam assentiu, fazendo a carta deslizar em um bolso da capa.
– Qualquer outro. Inclusive Gerald FitzGerald.
Por conseguinte, o jogo havia verdadeiramente começado, Liam pensou. Ele tinha feito a jogada de abertura raptando Katherine, seguida pela segunda jogada Quando o havia lhe conduzido ao encontro do pai. A cartada da rainha era muito mais precisa e muito mais excitante.
— Não está contente? — Ela perguntou algo áspera.
— Estou muito contente. — Murmurou.
Verdadeiramente, apesar do fato do prognóstico lhe ser desfavorável e que a aposta do jogo era muito elevada, seu sangue fervia de anseio e da excitação que mostram os cavalos de corrida, Quando o detidos na linha de partida de uma competição.
Havia decidido seu rumo.
Não só queria que Katherine como esposa, mas também seu pai recuperar as terras e o título. Pois recentemente Quando o foi acusado de conspiração e traição, as acusações eram falsas. Se semelhantes acusações fossem removidas seria o certo. Devia proceder com cautela, como todos os traidores.
— Bem,— disse Elizabeth lhe tocando a manga, — Estou procurando a maneira justa de te recompensar por tudo o que tem feito por minha causa.— Adicionou em voz baixa fitando-o nos olhos. — Eu dependo de você, Liam. Você é meu pirata de ouro.
— Ficarei agradecido por qualquer recompensa, Bess. Mesmo que não me ofereça nenhuma.
— Todos os homens desejam uma recompensa. Não tema fazer seu pedido, Liam. Aceitarei com muito prazer.
Liam inclinou a cabeça. Quando o chegasse o momento, recordaria Elizabeth dessas palavras.
— Obrigado, Bess.
— Não há de que, Liam. — Sorriu Elizabeth. — Tem a permissão para que vá, Liam.
Ele se voltou para sair.
Ela pegou sua mão.
— Ficarei muito ansiosa até vê-lo novamente. — Disse de improviso.
Ele pensou uma fração de segundo.
Estreitou-lhe a mão, inclinou-se e lhe roçou a face com os lábios.
— Eu também, Bess. — E depois de um instante, se voltou e saiu.
Elizabeth permaneceu a fitá-lo enquanto o ele lhe abandonava, a fachada de realeza havia caído. Em seus olhos reluziam os sonhos insatisfeitos de uma jovenzinha.
— A rainha me escolheu como sua criada. — Anunciou à jovem. Era pequena e suave. Loira, mas bem graciosa. Chamava-se Helen.
Katherine ainda estava em estado de choque. A rainha havia lhe informado poucos minutos antes, que não só permaneceria a corte, como também seria uma de suas damas de companhia. Katherine estava muito mais que excitada. Sequer havia pensado em solicitar similar honra, porque se tratava de uma verdadeira honra. Nunca teria acreditado que tal honra pudesse ser concedida a ela, a filha de um traidor irlandês.
E somente um dia antes estava perdida, sem um lugar aonde ir e sem futuro.
Agora tinha um lugar onde viver e um propósito.
Não era o casamento, mas era a melhor alternativa. E na verdade, a ela não desgostava a idéia em ser por certo período, a dama de companhia da rainha. Como seria fascinante a vida na corte!
— Helen,— disse Katherine observandoo a moça, — talvez possa começar fazendo com que me tragam um banho, por que não tive oportunidade de me lavar nos últimos dias. E não tenho vestidos limpos. Poderia encontrar algo para me cobrir, enquanto o tento lavar e engomar meus vestidos?
Katherine começou a se preocupar com a falta de roupa. As damas de companhia se vestiam de forma maravilhosa. Ela tinha somente um vestido rasgado.
— Acredito que sim. — Respondeu Helen sorrindo.
— Bom.— Katherine ficou rígida Quando o Helen se voltou para sair. Liam O’Neill a observava da porta do pequeno aposento.
Seu coração começou a bater aceleradamente. Ele ainda não havia partido. Pensou no modo que ele havia lhe beijado no primeiro dia, nos aposentos da rainha. Ele lhe havia iniciado no desejo que agora a consumia, feroz e indômito. E com ele, a vergonha.
Oh, como recordava seu comportamento indecente!
Não só tinha incitado-o a beijá-la e o retribuíra com igual ardor, como também havia tocado a pele nua de seu peito e do ventre, com incrível audácia.
Efetivamente, não ousava imaginar o que poderia ter acontecido se Liam não tivesse recuperado a razão e se recordado de que se encontravam nos aposentos da rainha!
Mordeu o lábio desejando desesperadamente que ele se fosse, embora não fosse assim.
Liam a fitou sério, sem sorrir. Sequer dignou um olhar a Helen, que saia.
— Vim me despedir.
Katherine lhe deu as costas, com os pensamentos confusos, quase sem fôlego. Recordou que de qualquer maneira ele era um pirata, e que não era justo que ela desfrutasse de seus beijos. Que o desejasse.
Não. A menos que chegasse a ser sua esposa, o que estava fora de questão.
— Pensei que já havia partido. — Conseguiu dizer em tom duro
— Não pode demonstrar que se importa, embora somente um pouco? — Liam perguntou brusco.
Katherine não se voltou e se recusou a responder, afirmando a si mesma que não importava.
O silêncio encheu o aposento.
Katherine se esforçou em ouvir o que ele estava fazendo, se estava se movimentando. Lembrou-se de sua proposta de casamento no navio. Ela estava louca só em pensar e sentir essa estranha dor no peito.
De repente ele apoiou as mãos em seus ombros.
— Quando o se renderá a mim, Katherine?
Ele havia se aproximado pelas costas e ela sequer tinha ouvido.
Katherine se retraiu.
— Não me toque!
Os olhos de Liam cintilaram.
— Você não me tem medo, Katherine. Você tem medo do que faço a você. Tem medo da paixão que alberga em seu seio. Você tem medo da mulher que há dentro de si.
Ela recusou considerar essas palavras.
— Não. Eu tenho medo de você. De nada mais.
Nesse moment Liam começou a rir, divertido.
— Como se tornou mentirosa. Não teve medo de mim ontem, nos aposentos da rainha.
Ela ruborizou.
— Perdi a cabeça, obviamente.
— Obviamente. — Os olhos de Liam brilhavam. Estendeu novamente a mão para ela, aproximando-a a si.
— Mas eu amo sua loucura, Katherine. Não quer me enviar ao mar, com uma saudação adequada?
O coração de Katherine acelerou. Ele estava partindo e desta vez era verdade. Ela se sentia destroçada. Era ridículo que estivesse atordoada, mas era impossível negar. E se ele morresse? Ele vivia no fio da espada. Seu trabalho era saquear. Piratear, assassinar e assaltar navios. Oh, Deus.
O feito que ele pensasse em sua segurança era uma loucura e tudo havia ficado pior, por que uma faísca dentro de pedia um último beijo de adeus. Na verdade não faria mal a ninguém, porque ele estava partindo de verdade. Provavelmente não o veria nunca mais.
E não lhe devia, talvez, certa gratidão por tudo o que havia feito por ela até esse momento?
— Que pensamentos afligem essa cabecinha inteligente? — Perguntou Liam.
Katherine tentou se convencer que não o beijaria nunca mais. Era um equívoco e ponto final. Entretanto, seu corpo começou a tremer.
— O-onde vai?
— Vou saquear navios espanhóis. — Ele respondeu com um leve sorriso e um brilho diferente nos olhos. — A rainha me deu passe livre.
Katherine gemeu. De repente tudo fazia sentido. Ele não era um pirata, mas um corsário. E o aval da Coroa.
— Deveria ter compreendido! Você deveria me ter dito, desgraçado!
— E teria feito alguma diferença? Não tinha nenhuma permissão para capturar o navio francês que você estava. — Ele a hipnotizou com seus olhos cinza.
Ela recordou o cheiro da pólvora e da fumaça, a ponte quebrada e queimada e os homens feridos. Estremeceu.
— Não.
Liam tocou-lhe o queixo com um dedo firme.
— Você me parece triste, Katherine. Triste por que isto não faz nenhuma diferença. Nunca serei um cortesão elegante. Nunca serei um nobre.
— Sei muito bem disso. — Katherine lhe disse. E essa era a razão pela qual ela não se casaria com ele. Pela qual nunca poderia se casar com ele.
— Você é ingênua. — Liam Observou , rude. — Se acautele com as intrigas, com a maledicência ou coisas parecidas. Não confie em ninguém. Cuide-se dos homens como Leicester. Especialmente dele.
Katherine fitou os olhos escuros e brilhantes de Liam.
— Estou em condições de cuidar de mim mesma.
Nesse ponto ele começou a rir.
— Sim, é certo. E é uma coisa extraordinária. — ele ficou sério. — Leicester tentará levantar suas saias antes do fim de semana.
Ela se sobressaltou.
— E eu o matarei, se ele se apropriar do que me pertence. — Declarou Liam.
Katherine gemeu e tentou se afastar dele, mas Liam apertou mais ainda seus ombros, com os olhos penetrantes. Sacudiu-a.
— Você pode negar o quanto quiser, mas você é minha. Chame de paixão, de obsessão ou como prefere, mas você está em minhas veias, Katherine. E eu não posso renunciar a você.
Ela moveu a cabeça, afundando os dedos na camisa, incapaz de falar, seu coração martelava em seu peito, a ponto de deixá-la sem fôlego.
Ele ignorou o débil gesto de negação.
— Lembre-se de minhas palavras. Quando o for o momento, voltarei te buscar, Katherine. Juro-lhe.
Ela reencontrou a voz.
— Não. — Lutou contra ele. — Bastardo arrogante! — Mas uma parte secreta em seu intimo estava excitada ante a idéia de ser tão desejada por esse homem.
Ele soltou um som baixo e gutural e a estreitou contra o corpo excitado. Katherine se deu conta do membro túrgido.
— Bom. — Ele disse fitando os lábios trêmulos. — Muito, muito bom. — E tocou- a face afastando trás uma mecha de cabelos. Logo se inclinou e pousou os lábios sobre os dela.
Podia ser seu último beijo, independente do que ele afirmava e Katherine não pôde esquecer. Bom Deus, não conseguia resistir! Liam a empurrou contra a parede e logo ela se encontrou escanchada na poderosa coxa, precisamente como a moça apaixonada que havia nela teria desejado fazer. As mãos dele lhe derretiam. Katherine afastou os lábios dos dele e jogou a cabeça atrás, gemendo de prazer. Liam tocou seus seios, inclinou-se e lambeu os mamilos rígidos, esfregando o sexo contra ela. Cada movimento levava o membro pulsante ao encontro do sexo ardente de Katherine. A jovem afundou o rosto no pescoço firme, estremecendo. Rápido como uma serpente, Liam deslizou uma mão sob sua saia. Tocou-lhe os grandes lábios, úmidos e túrgidos, sob o calção de algodão. Katherine teve um espasmo, gemendo. Liam continuou a acariciá-la até que ela se deixou cair contra ele, suplicando.
— Não! Basta!
Ele a sustentou.
A jovem se segurou a ele, voltando a si, temerosa de levantar a cabeça e encontrar o olhar sarcástico.
— Kate. — Ele a chamou em voz baixa. — Doce precioso, Kate. — Ela a empurrou novamente contra a parede e lhe levantou o queixo.
Katherine não pôde fazer nada mais que fitar seus olhos.
— Você é minha. Minha. Lembre-se disso, nas longas noites solitárias ou Quando e Leicester ou aqueles como ele vierem re caçar. — Ele se voltou e se dirigiu para a porta, mas logo se voltou novamente. — Voltarei e Quando o acontecer será para vir te buscar.
Pouco depois que Liam saiu, um criado trouxe um saco envolto em um tecido para Katherine. Ela a pouco havia se vestido. Ainda se sentia fraca, por causa do apaixonado encontro com Liam e de algum modo se sentia abandonada. Não tinha sentido, pensou. Estava feliz por que ele havia partido.
Fitou o criado, que tinha o grande pacote nas mãos.
— O que é isso?
— Um presente de parte de Liam O’Neill. — Respondeu o homem.
Seu coração voltou a pulsar forte. Pensou que tinha que despedir o homem com o presente, mas disse:
— Coloque-o sobre o leito.
Quando o o criado se retirou, Katherine fechou a porta com a trava. Logo correu para o leito, abrindo o pacote de cor neutra. Pegou um vestido de cor turquesa brilhante, bordado com fios de prata. Logo descobriu outros dois vestidos, igualmente belos. Naturalmente ele havia incluído os acessórios, como as camisas de baixo e espartilho. Katherine apoiou com cuidado os vestidos sobre a cama.
— Maldição, Liam! — Sussurrou em tom rouco e piscou uma lágrima, logo apertou o vestido contra o peito. Afundou o rosto contra a seda suave. As palavras de adeus de Liam ainda lhe ecoavam na mente. Você é minha. Minha. Minha…
Inspirou, sempre estreitando o vestido, até que se deu conta que estava amassando-o. Endireitou-se e imediatamente o estendeu.
— O que quis dizer com isto?
Era caridade, generosidade ou ambas as coisas?
Ou tentava seduzi-la, sabendo muito bem o quanto secretamente ela desejava essas belas coisas? Ou pensava somente em demonstrar que tinha razão. Que ela era dele. Portanto ele a vestiria como os outros homens faziam suas esposas? Ainda pensava em se casar com ela?
Se fosse assim, equivocara-se. Katherine olhou com desejo a pilha de vestidos sabendo que nunca poderia usá-los. Nesse caso, ele havia pensado erroneamente. Não poderia usá-los. Não porque as pessoas especulariam sobre como conseguira obter vestidos tão finos e caros, mas porque sentiu sua debilidade, sentiu que ela poderia ser seduzida por ele, até de longe.
Katherine olhou para o vestido que ela estava vestindo, que Helen havia conseguido para ela. Seu desânimo triplicou. Era um simples vestido marrom aveludado, que uma vez que provavelmente tinha sido bastante bonito, mas agora estava bastante surrado. Os punhos das mangas estavam puídos e descoloridos e a barra da saia estava desmanchada. Suspirou. Logo, apressadamente e antes de se arrepender tirou uma bela gola do meio da pilha de vestidos sobre a cama. Com mãos tremulas, colocou-a sobre o vestido. Observou -se no pequeno espelho sobre a única mesa do aposento. Melhorara bastante seu aspecto. E não se torturaria em pensar em quem havia lhe agradado.
Katherine abriu a porta.
— Helen?
A criada chegou.
— Mademoiselle?
— Por favor, dobre os vestidos que estão em cima do leito e guarde-os com cuidado, já que não vou usá-los. — Sua voz soava trêmula.
Helen assentiu e lhe disse: — Mademoiselle, o Conde de Ormond está lá embaixo, na sala. Deseja lhe falar.
Katherine se enrijeceu.
— Quer que lhe diga que já está ocupada? — Helen lhe propôs, astutamente.
Katherine recuperou o fôlego.
— Não, não. — Respondeu.
Desceu ao encontro pensando era tolice ter medo. Agora ela era uma das damas da corte da rainha e embora Ormond fosse inimigo de seu pai há muito tempo, também era seu meio-irmão e certamente não lhe faria nenhum mal. Pelo menos, não nesse momento.
Katherine hesitou antes de entrar na Stone Gallery, no piso inferior. O tempo não estava ruim e através das janelas ao oeste, as damas e cavalheiros passeavam pelos atalhos dos jardins particulares. De uma série de janelas no lado oposto da sala se avistava o Tamisa, onde os pescadores e os barcos disputavam lugar, e nas margens as carruagens se adiantavam uma da outra. Muitos outros cortesãos estavam na sala ou reunidos em pequenos grupos, a conversar.
Katherine viu Ormond no mesmo instante que ele a viu.
A jovem não se moveu enquanto o o Conde se afastava de um grupo de nobres, para ir a seu encontro. Ele estava com o mesmo aspecto da última vez que se viram. Um homem alto, escuro, imponente e vestido com roupa escura, quase funesta. Não sorria. Katherine tentou se acalmar recordando-se que eram unidos por laços familiares.
Ele pegou seu braço.
— Queria falar com você, Katherine. — Disse-lhe voltando para o local de onde ela havia chegado.
Katherine estava rígida, mas tentou relaxar.
— O que aconteceu, senhor?
Sempre, sem nenhum sorriso.
— Queria conhecer um pouco minha irmã.
Katherine se sentiu incômoda. Recordou as advertências de Liam em não confiar em ninguém à corte.
— Improvisadamente experimenta algum sentimento por sua irmã, a muito tempo perdida? — Perguntou esforçando-se para manter um tom leve.
Começaram a caminhar ao longo da sala, atrás de outro casal. Ele sempre a segurava por um braço.
— Acredito que sim.
Katherine enfrentou o olhar áspero. Finalmente se liberou de seu toque. Ele queria algo dela, mas não conseguia compreender o que era.
— Está feliz, Katherine? Você tem a honra de ser denominada dama de companhia, pela rainha.
— Sim. Estou sou feliz. — Katherine sorriu. — O certo é que me sinto muito honrada. Embora…
— Embora?
— Embora no fim gostasse que ela acolhesse minha súplica.
— Sua súplica?
Ela fitou-o novamente.
— Meu pedido para me encontrar um marido.
— Ahhh! Então não está chorando por Hugh Barry.
Katherine se alarmou.
— Hugh havia sido meu noivo por muitos anos e eu era feliz, Senhor. Quando o pensei que havia morrido em Affane, senti muita dor. E foi parte por causa de minha dor que me enviaram para as freiras na França. Quando o voltei para Southwark, fiquei cheia de alegria ante a notícia de que Hugh estava vivo. — Katherine se interrompeu detendo-se na frente de um quadro do rei Enrique VII.
— Mas? — Ormond estava levemente atrás dela.
Katherine se voltou para fitá-lo.
— Fiquei dolorosamente triste ao saber que o tribunal havia julgado nulo nosso noivado. Entretanto conheci um lado de Hugh que antes não suspeitava que existisse. — Ela apertou a maxilar . — Me permita dizer que apesar de tudo estou contente que não tenhamos nos casado.
— O que ele fez? — Perguntou Ormond
Para seu grande desgosto, as lágrimas encheram seus olhos ante a lembrança da tentativa de violência sexual. Moveu a cabeça.
Ormond a fitou surpreso.
— O que ele fez, Katherine?
Ela Observou o olhar tenebroso de seu meio-irmão.
— Não… ele não se comportou como um cavalheiro, mas depois de todo eu já não sou uma Lady. —
A expressão de Ormond era imperturbável.
— Sinto muito. — Ele disse finalmente. — Imagino que não deve ser fácil perder tudo o que possuía.
Ela se voltou a fim de fitá-lo, duvidosa se ele se compadecia ou não de sua terrível situação.
— Se sente, então talvez possa se inclinado a me ajudar de algum modo, Senhor.
Um músculo da maxilar dele se sobressaltou, mas ele não respondeu.
Katherine sentiu suspeita. Esse homem era um enigma.
— Estou pedindo muito? Ao meu meio-irmão?
— Tenho a sensação que você já tenha começado a fazer pedidos. — Declarou Ormond.
— Sinto ter falado. Peço-lhe que me desculpe. — Katherine fez gesto de se voltar. — Não necessito de sua ajuda, apesar de todo. — Se deu conta que a ele não importava nada que se referisse a ela.
Mas a mão do homem a deteve. Girou-a para fitá-la novamente.
— Você se parece com nossa mãe. — Ele Observou com tom gentil.
Katherine sobressaltou.
— Não estou dando ênfase à semelhança física, que é muito forte. — Estava sério. — Joan não sabia Quando o devia frear a língua. Sempre era direta. Direta, decidida e inteligente.
— É um elogio?
— Possivelmente. Se aspira ser como ela. — Seu tom de voz de repente se tornou amargo.
— É obvio que quero ser como ela— Katherine não pôde menos que gritar.
— Seriamente? — Ele se mostrava sinistramente sarcástico.
— Mas, você sabe ao menos o que diz? Joan era forte e inteligente. Mas criou o maior escândalo de seu tempo Quando o começou a relação com seu pai.
Katherine se zangou.
— Ela morreu e você profana seu amor.
— Amor? — Ele explodiu em risos.
— Seu pai era ainda um moço Quando o Joan começou a pensar em se casar com ele, pouco depois da morte de meu pai. Na realidade para colocar um fim neste caso foi obrigada a se casar apressadamente com sir Bryan. Mal sir Bryan adoeceu, nossa mãe começou a passear a cavalo com seu pais pelos campos. Seu pai tinha somente com dezoito anos e era mais jovem que eu. Em qualquer lugar aonde eu ia ouvia falar de sua relação. Ela o acompanhava abertamente para todos os lados. Na caçada em Munster. Reunia-se com ele na feira de Galway e até ficou como hóspede um certo tempo em Askeaton. Era algo escandaloso, o máximo da falta de respeito, não só pelo pobre sir Bryan que estava morrendo, mas também por ela mesma, a Condessa de Ormond, e por mim e meus irmãos.
Katherine sempre soubera da diferença de idade entre seus pais, mas não tinha pensado muito. Muitas viúvas casavam com homens mais jovens. Mas agora sentiu a dor de Tom Butler.
— Deve ter sido muito difícil para você. —Murmurou
E não pôde evitar ficar chocada com conduta indiscreta de sua mãe, mas ao mesmo tempo orgulhosa ante sua vontade de ferro e do rechaço em se dobrar ante as regras da sociedade.
Ele lhe devolveu um olhar duro.
— Foi mais que difícil. A luta entre Ormond e Desmond remontava de gerações anteriores e o fato que minha mãe se comportasse desse modo com o herdeiro dos Desmond era uma afronta direta a mim e aos meus. Era e é imperdoável.
Katherine levantou o queixo.
— Ele amava muito Gerald, apesar da idade. Foi um casamento de amor.
— Sim, ela o amava. — Admitiu Ormond, sério. — E também isto é imperdoável.
Katherine a essa altura sentia compaixão por Tom Butler, lendo-lhe a alma.
— Também amava a você. — Ela disse. — Lembro-me que Quando o era uma menina, meu pai reuniu seu exército para encontrar com você. E lembro-me de minha mãe que chorava por sua salvação! Desobedeceu meu pai e corria atrás, enquanto o ele ia ao seu encontro.
— Sim. — O rosto dele se iluminou. — Por treze anos ele andava aqui e ali entre o marido e o filho, entre dois grandes exércitos que estavam escondidos como cães de caça prontos a lutar. Os soldados de ambos os exércitos começaram a chamá-la de Anjo da Paz. E ela implorava primeiro a ele e depois a mim, repetidamente, de amanhã, meio-dia e a tarde. Pedia-nos para cessar a luta. Era infatigável. — Ele olhou para fora da janela. — Era um Anjo da Paz. —
— E? — Katherine quase não podia respirar.
Ormond sorriu levemente.
— Não posso recordar quem de nós cedeu primeiro. Finalmente não houve nenhuma batalha. Os dois exércitos, um conduzido pelo marido e o outro pelo filho recuaram e voltaram para casa.
As lágrimas brilhavam nos olhos de Katherine.
— Joan era uma grande mulher.
— Era formidável, inteligente e decidida. Muito decidida. Não importava o mínimo sobre o escândalo que causara casando-se com Gerald, Na verdade, ela ria. — Ormond a fitou.
Katherine se abraçou, se sentindo incômoda.
Pensou em Liam nesse momento e à paixão que o pensamento lhe provocava. Agora sabia que esse lado escuro lhe provinha também de sua mãe e não só de seu pai.
Mas ela, certamente não era como Joan em tudo.
Katherine não podia se imaginar rir por causa de um escândalo, que poderia nascer com respeito a ela e o pirata Liam O’Neill. Um escândalo que a faria se horrorizar, morrer de vergonha.
— ele abusou que ti? — Perguntou Ormond de improviso.
Katherine sabia que ele também se referia a Liam, mas fingiu não entender.
— Quem?
— O pirata. O’Neill. Não se fale de outra coisa na cidade. Uma centena de damas e cavalheiros presenciou o beijo que ele te deu na Sala dos banquetes, antes que te levasse a Irlanda. Agora corre boatos que alguém a viu com ele nos aposentos da rainha, em uma posição comprometedora, inclusive escandalosa.
Katherine ficou vermelho. Oh, Deus. Alguém havia lhe visto nos braços de Liam? Mas, quem?
— Você se parece com Joan, mais do que eu acredito?
— Não! — Ela protestou de repente enfurecida. — Não estou ansiosa em provocar um escândalo na corte! Eu não dou risada Quando o ouço estas intrigas! Eu não quero nada do pirata. Nada, salvo que me deixe em paz! Estou decidida a me casar com um homem bom e temente de Deus! É muito importante para mim.
O olhar de Ormond era penetrante.
— E seu pai, o que deseja que você faça?
— Não sei. — Respondeu honestamente Katherine. Não pôde evitar uma resposta amarga. — Não o vejo desde a noite em que O’Neill me acompanhou até ele. Duvido que saiba que Hugh me traiu. Duvido… Que lhe importe alguma coisa.
Ormond não disse nada, sua expressão era impenetrável.
— Senhor, — Katherine continuou com franqueza, — já completei dezoito anos. Embora seja feliz, quero dizer excitada, pela denominação da rainha, o tempo corre ao meu contrário. Ultrapassarei a flor da idade. — De repente sua expressão mudou e ela começou a suplicar. — Não me pode ajudar, senhor? Você é primo da rainha. Não pode convencê-la? Não peço muito, só um cavalheiro de bom caráter.
Ormond fitou a irmã. Ela se parecia com Joan e para ele era muito doloroso. Mas ela não era Joan. Sua irmã não tinha nenhum poder e havia sido particular do título e os bens. Tinha somente sua beleza, da qual homens como Hugh Barry E Liam O’Neill queriam aproveitar. Apesar do intenso interesse de proteger o poder dos Ormond, não lhe importava muito que Katherine fosse usada por um dos dois homens. Embora não lhe interessasse ter uma irmã, ambos tinham a mesma mãe. Recordou a si mesmo que ela não podia ser tão inocente e sincera como parecia. Tinha todos os motivos para conspirar o seu pai. A fim de recuperar o que tinha perdido e se fosse como Joan usaria a beleza para atrair um homem poderoso como O’Neill.
E se era assim, seu desejo de se casar devia ser um truque ardiloso e inteligente.
Devido ao interesse de O’Neill por ela, o melhor que podia fazer era arrancá-la dele. — Apoiarei tua causa, Katherine. — E que melhor maneira, que lhe dar um marido? — Sim. — Disse de repente. — Apoiarei sua causa.
Ela gemeu e bateu palmas, com infantil alegria.
— Obrigado, senhor meu irmão.
Ormond conseguiu sorrir. Voltou-se rapidamente temendo que ela quisesse abraçá-lo. Agora estava decidido a lhe encontrar um marido e não estava preocupado ante a perspectiva de ter que convencer à rainha.
Entretanto estava muito confuso.
A alegria de Katherine lhe havia parecido infantil e sincera. Muito sincera.
Entretanto, não podia ser verdadeira. Não era possível.
Katherine FitzGerald tinha que ser uma conspiradora e ele estava decidido a demonstrá-lo.
— Katherine. — Sussurrou Lady Hastings. — Você ouviu? É certo?
Katherine estava reunida na sala com as outras damas de companhia, a espera que a rainha saísse de sua ante sala . Na sala de espera também estavam dúzias de nobres. Condes, barões e cavalheiros, todos funcionários ou favoritos reais, inclusive seu meio-irmão. O Conde de Ormond e o Conde de Leicester. Lorde Robert Dudley e o responsável dos Estábulos. Havia uma vintena de guardas pessoais da rainha, todos vestidos de vermelho.
Katherine sabia que as outras damas se calaram para ouvir sua resposta. Do mesmo modo, sentiu os olhos de Leicester fixos nela, como acontecia freqüentemente.
— Perdoe, Lady Hastings, ao que se refere?
Anne Hastings, sorriu e levantou o leque.
— Vamos, Katherine. Você sabe muito bem do que estou falando. A corte não deixa de falar a uma inteira semana. Será verdade? Será possível que Liam O’Neill se afastou da rainha e somente dois dias depois assaltou os navios carregados de dinheiro, do rei Felipe?
O coração de Katherine se acelerou.
A corte pensava que ela era sabia tudo sobre Liam O’Neill. Ormond não havia mentido Quando o lhe contara que todos sabiam que Liam havia colocado as mãos nela. Ainda antes que se desencadeassem os rumores sobre sua ultima travessura, a damas haviam lhe bombardeado com perguntas indiscretas sobre ele. A ela havia parecido bem evidente que muitas das damas da rainha, todas casadas e de alta classe, para não dizer também muito belas, estavam interessadas no pirata de um modo que não deviam. Por toda a semana havia tentado fingir de não o conhecia muito bem e que não havia sido beijada de maneira indecente, fosse em público ou não.
Liam O’Neill era o assunto preferido da corte.
Um dia depois de ter deixado Whitehall havia assaltado um galeão espanhol que rumava para os Países baixos. E não era qualquer galeão. Este estava carregado de lingotes prata e de ouro que o rei Felipe da Espanha havia enviado ao duque de Alba, para sua campanha contra os rebeldes protestantes de seu país. E além disso, o Sea Dagger tinha somente a metade do tamanho do navio espanhol e como certo, com a metade de canhões. E Liam o atacara.
Por toda a semana tinham circulado na corte, os rumores de sua surpreendente vitória.
Mas todos se perguntavam se era verdade. E também Katherine.
Seria possível que o navio bem menor conseguisse derrotar um navio espanhol de guerra?
Parecia impossível.
Na verdade, o contrário parecia bem mais provável.
Katherine se sentiu gelada ante a idéia de que Liam derrotado, amarrado, prisioneiro e enviado a uma prisão espanhola. Tentou se tranqüilizar afirmando a si mesma que se houvesse homem capaz de sobrevive, era precisamente Liam O’Neill.
Mas, e se ele tivesse morrido?
— Katherine! — Chamou-a novamente e mais alto, Lady Hastings. — É possível que seu pirata seja tão audaz e temerário?
Katherine enrubesceu e encontrou o olhar descarado de Leicester. Sabia que ele havia ouvido cada palavra, e se voltou para Anne.
— Ele não é meu pirata, Lady Hastings. E protesto contra o uso destes termos!
Anne pousou seu leque oriental com cabo de mármore no braço de Katherine.
— Se não é seu, — ela murmurou, — então você é uma tola - De boa vontade seria meu!
Katherine não teve outra atitude, que fitá-la surpresa. E foi isentada de responder porque a rainha apareceu,, seguida de suas quatro damas.
Katherine reprimiu um gemido. Não passava um dia em que ela não se maravilhasse da magnificência da rainha. Nesse dia ela estava vestida toda de branco. Seu vestido de seda era coberto de pérolas e bordado com fios de ouro. Suas anáguas prateadas eram muito bordadas em um tom mais claro, de ouro e pérolas. Rubis marcaval sua cintura, ao redor do decote e as orelhas. Sua gola era imensa e fantástica e cada minúsculo ponto acomodava uma pérola brilhante. Quando o saiu com uma pequena coroa na cabeça, os estavam ali imediatamente se ajoelharam e Quando o ela presenteou-a com um sorriso, também se ajoelhou, com o coração pulsando forte.
A rainha avançou. Os homens, todos magnificamente vestidos e cheios de jóias precederam-na enquanto o ela deixava seus aposentos. Atrás dos barões, dos Condes e dos cavalheiros da Liga, estava o Chanceler que carregava os selos de estado, em uma bolsa de veludo vermelho.
A seu lado caminhavam dois cavalheiros de libré. Um com o cetro real e o outro com a espada em uma bainha vermelha.
A rainha seguiu rodeada pelo corpo de sua guarda pessoal, todos de classe nobre, provenientes das melhores famílias, que carregavam espadas douradas de batalha. Seguiam-lhe, as quatro criadas de honra e logo as damas de ante sala . Finalmente a seguia, Katherine e as outras seis damas de companhia.
Caminharam através da sala de audiências até outra sala, onde esperavam muitos cortesãos e peticionarios.
Quando o a rainha passou, todos se inclinaram sincronizadamente.
Na sala de espera da capela, ela se deteve para que lhe apresentassem algumas solicitações, que acolheu com um sorriso gracioso.
Algumas pessoas, talvez não acostumadas a corte, ou possivelmente sim, gritaram: — Deus lhe salve, Reina Elizabeth!
Elizabeth sorriu novamente, murmurando: — Agradeço-vos, queridos súditos.
E logo seguiu seus cavalheiros para o interior da capela, para a missa matutina.
Quando o Katherine se ajoelhou para o serviço em um dos últimos bancos, finalmente pode se responder sobre a pergunta de Anne Hastings.
Naturalmente sabia dos rumores. Liam era audaz e temerário, para atacar o navio carregado de ouro do Rei Felipe. Claro que era. Provavelmente riria, mesmo no momento – se ainda estivesse livre. Se estivesse vivo.
E logo se encontrou a rezar pelo bem-estar do pirata, pedindo a Deus que o protejesse e o salvasse.
Mais tarde nesse dia, Katherine atravessou a Ponte de Londres rodeada por uma dúzia de guardas da rainha. Que visão!
Cada guarda vestia uma brilhante libré vermelha, com uma rosa de ouro bordada nas costas.
Cada um usava uma sela dourada recoberta de veludo vermelho em um esplêndido cavalo coberto com uma manta bordada de prata.
Katherine estava ofuscada em comparação a tanto esplendor, vestida como estava com o emprestado vestido de veludo marrom e sua velha capa cinza. Mas não importava. O que contava era que a rainha havia lhe dado permissão para visitar seu pai. Claro que desde que não interferisse em seus deveres, e que advertisse à soberana sobre fato de se afastar do palácio. Como a rainha era gentil. Inclusive havia lhe dito que levasse a criada Helen com ela, para que se ocupasse dela durante a reunião de família.
Katherine sabia que deveria se sentir uma rainha ao ser escoltada dessa forma, até a casa de seu pai.
Mas não era assim. Estava cheia de ânsia.
Já fazia várias semanas que estava na corte, e nunca tinha ido visitar o pai. Seu último encontro tinha sido muito doloroso. Katherine havia tentado evitar lembrar as tentativas de FitzGerald entregá-la a Liam O’Neill.
Agora as lembranças dos terríveis momentos enchiam sua mente, não obstante que quisesse desesperadamente esquecer. Propôs-se ser decidida. Ela e Gerald conversariam normalmente, como deviam fazer pai e filha que estava há muito tempo separados.
Apesar de tê-la traído, ela amava a seu pai.
As grades de St.Leger House estavam abertas a essa hora e apenas o grupo entrou a cavalo no pátio. Eleanor apareceu na porta, com os olhos assustados. Imediatamente viu Katherine, que sorriu, entretanto sem descer do cavalo.
Sir John Hawke, o capitão da guarda, que havia sido gentil em acompanhá-la pessoalmente até seu pai, desceu de seu cavalo e se dirigiu para Katherine, que montava um dos cavalos dos estábulos reais. O homem fazia uma bela figura em seu uniforme vermelho, com emblema de soldado e gentil-homem.
Katherine notou que ele reteve-a por um instante mais do que o necessário, Quando o a ajudou descer.
Liam a tornara consciente de todas as insinuações de desejo que acontecia entre um homem e uma mulher. Sir John a cortejava. Desde Quando o ela havia entrado a serviço da rainha era claro que ele, entre muitos outros cavalheiros, lhe achava atraente. Sir John provinha de uma ótima família e embora o patrimônio de sua família estivesse um pouco cambaleante, se ela o segurasse seria uma grande sorte. Era bonito, agradável e nobre. Ouvira bons comentários sobre seu caráter e sua família. Entretanto não era ele que a mantinha acordada na noite. E ela teria gostado que ele fosse o homem de seus sonhos, mas desgraçadamente Liam O’Neill a obcecava, mesmo de longe.
Sir John se inclinou diante dela.
— Lady FitzGerald, faça sua visita com calma. Eu a esperarei.
Ela não pôde evitar flertar um pouco. Ficara tanto tempo no convento que agora, apesar de estar vestida com um feio vestido de veludo marrom sentia-se jovem, feminina e livre.
Roçou-lhe ligeiramente o braço e piscou como havia visto Anne Hastings e outras damas fazer.
— Obrigado, senhor. É muito gentil.
Os olhos dele brilharam.
Katherine se voltou para ir ao encontro da madrasta de rosto sério.
— Soubemos que estava aqui e que é uma das damas da rainha! — Eleanor atacou-a em tom raivoso. — Então traiu seu pai, Katherine?
O sorriso de Katherine desapareceu. — Eu não traí meu pai!
— Não? Você é um deles. Está bem claro! — Eleanor lhe deu as costas e entrou na casa.
Katherine não se moveu. Embora não imaginasse uma calorosa acolhida da parte de Eleanor, não esperava uma acusação de traição de parte do próprio pai.
Eleanor teria razão? Nessas últimas três semanas tinha ficado muito bem, envolta nos acontecimentos da corte e da rainha, e daqueles que estavam por perto. Isto a tornava desleal em comparação ao seu pai?
Katherine se deu conta que sir John se postou ao seu lado. Não queria que ele soubesse o quanto estava confusa. Logo lhe deu um sorriso brilhante e correu para dentro da casa.
Gerald estava apoiado a uma bengala, na sala fracamente iluminada. Não sorria. Escrutinou-lhe o rosto enquanto o avançava. Katherine temia que também ele a chamasse de traidora. Mas ele não chamou.
— Então a rainha te ofereceu seu amparo, Katie? Muito bem.
Katherine quase desmaiou de alívio. Tocou-lhe um braço, desejosa de abraçá-lo.
— Não está zangado, pai? — ela logo se deu conta que Helen estava entrando no aposento com um cesto que continha alguns mantimentos enviados pela rainha.
— Não. — Parecia que ele ia acrescentar algo mais, mas depois logo notou a criada. — Quem veio contigo, Kate?
Katherine deu meia volta no corpo. — A rainha me deu uma criada, pai.
Gerald assentiu, logo guiou Katherine para a mesa.
— Ouvi dizer que Barry decidiu romper o compromisso.
Katherine se sentou e Observou o pai se acomodava com dificuldade no banco.
— Sim. — Ela sentia a garganta oprimida. — Hugh nunca se importou comigo. Só queria o dote da filha de um Conde.
Gerald lhe deu um toque afetuoso nas costas.
— Os homens são assim. Deveria saber disso. Fale-me de Desmond. — Ele se inclinou para ela, ansioso e impaciente.
— Oh, pai. Houve uma guerra.
Eleanor apareceu da cozinha junto com a criada trazendo pessoalmente uma bandeja de madeira, enquanto o a outra trazia a cerveja.
— Sim, tudo está queimado.
— É certo, Katherine? — A mulher pousou a bandeja com pão e queijo, na mesa.
— Foi quase todo destruído. — Admitiu Katherine.
— E Askeaton?
— Não sei. Não foi dada a permissão para ir até lá. Liam me disse que o castelo foi abandonado. Que muitas de nossas propriedades foram abandonadas. É certo?
Gerald assentiu.
— Então agora é Liam? — Perguntou Eleanor
Katherine enrubesceu.
Gerald de deu um olhar feroz a mulher.
— E FitzMaurice? Não soube nada do traidor de meu primo? Estou surpreso que não tenha se apropriado de Askeaton e feito dela sua residência! — Gerald tinha os punhos fechados.
Eleanor se levantou. — Soube que ele se faz denominar Conde de Desmond? — Ela perguntou a Katherine, sem esperar que a enteada respondesse. — Deixe que eu lhe diga. Ele está tentando se apropriar das terras e do título de seu pai. Assim terá poder suficiente e obrigará à rainha a lhe entregar tudo o que era nosso! Enquanto o nós somos obrigados a pedir esmolas e eu a servir à mesa como uma taberneira qualquer!
O coração de Katherine estava quebrado.
— Estou feliz que o compromisso tenha acabado. — Disse orgulhosa ao seu pai. — Como poderia me casar com Barry, se é aliado de FitzMaurice contra você?
— Você é uma boa moça, Katherine. — Respondeu Gerald, que mostrava dor. De repente se levantou, se apoiando na bengala. — Não tenho fome. — Anunciou. — Necessito de um pouco de ar, Katie. Venha dar um passeio comigo.
Como Katherine já tinha comido com as outras damas, terminando os restos da rainha que serviam para alimentar os criados, ela se levantou.
Abandonando a sala, Helen os seguiu.
Gerald se voltou e a afastou com um gesto da mão. — Não é necessário. — Ele disse em tom amigável. — Não pode ajudar a minha esposa na cozinha, em vez disso?
Helen assentiu com a cabeça.
Fazia frio lá fora, mas havia sol. Katherine e seu pai caminharam de braços dados pelo pátio, com Gerald apoiado na filha. Katherine era conciente da presença de sir John e dos outros soldados que faziam guarda na entrada principal, fingindo que não os observavam. Gerald se deteve.
— Não podemos confiar em ninguém, Katie. — Ele disse.
Katherine o fitou.
— Não tem espiões em sua casa, tem?
— Não é minha casa. É St.Leger. — O pai explicou. — Mas Cecil tem espiões em toda parte. Pode estar segura disso.
Katherine ficou aturdida e as palavras que se seguiram lhe desconcertaram mais ainda.
— Não confie em ninguém. — Ele asseverou com força. — Tampouco em sua jovem e graciosa criada.
Ela se sobressaltou.
— Mas, pai! É ridículo! A rainha em pessoa a nomeou para que se ocupe de mim. Foi muito gentil da parte dela.
— Ouça-me, filha. Ouça-me bem. Não confie em ninguém.
Katherine se sentiu incômoda e assentiu, mas perguntou-se se o pai havia decidido dar o passeio, por causa dos espiões de Cecil ou por causa da criada. Era muito espantoso pensar. Não era possível que Elizabeth pretendesse vigiá-la. Na verdade, não era possível.
— Fale-me de O’Neill.
A Inquietação de Katherine aumentou.
— Quer falar daquele pirata?
— Precisamente dele. — Confirmou Gerald olhando-a.
Katherine sentiu as bochechas arder.
— É um pirata. — Ela se repetiu, séria. E rogou para que seu pai encontrasse outro assunto para conversar. Era impossível que ousasse ainda pensar o impensável.
Katherine estava contente por ele não saber da proposta que Liam lhe fizera.
Gerald segurou a mão.
— Você está em posição de me ajudar, minha querida. E eu tenho desesperadamente necessidade de sua ajuda. Ajudará a esse seu pobre e exilado papai?
Katherine sentiu as batidas de seu coração aumentar. — Como posso te ajudar?
— Você está instalada na corte. Não poderia ser melhor que isto. Fique amiga da rainha. Atrai-a gentilmente, muito gentilmente de sua parte. Houve um tempo que ela queria Joan muito bem. Queria-a muito e de tanto em tanto me ajudou. Se chegar a gostar de você também, e estou seguro que gostará, é possível que consigamos obter minha liberdade. Posso reconquistar Desmond, se voltar para a Irlanda, Katie. Uma vez em casa, os nobres me seguirão e o mesmo nossa gente.
A jovem olhou para o pai, que agora estava ereto e esquecido da dor, com os olhos escuros ardentes e a excitação que ela recordava ter visto freqüentemente Quando o era uma menina.
Ele não pedia muito.
A rainha havia injustamente lhe privado de sua casa, sua classe e suas terras e Katherine sabia que teria de ajudá-lo a recuperar tudo o que havia perdido.
Era seu pai… Mas… Sentia que somente pensar no que havia pedido estava equivocado, porque ela já amava a rainha, que tinha sido boa e generosa com ela.
Não lhe parecia justo aproveitar da amizade, de seu amor, sequer por uma causa desse tipo.
Gerald a segurou por um braço.
— E devemos aproveitar O’Neill com atenção. Com mais atenção que Bess.
Katherine não conseguia a respirar.
— O q-quê?
— O está louco por você. Um homem louco por uma mulher é uma arma potente. Um homem assim se guia facilmente. Tenho necessidade dele. Katie. Ele é o Senhor dos Mares. Se eu voltar para a Irlanda, ele me poderá ajudar muito. E também, se fosse nosso aliado poderia muito bem derrotar FitzMaurice que está de conluio com os espanhóis, os franceses e os escoceses, por causa dos mantimentos e abastecimento do exército. Sim, devemos ter O’Neill ao nosso lado.
— O que está pedindo para fazer? — Katherine perguntou temerosa.
— Faça-o se divertir. Faça com que te persiga. Não lhe deixe fazer o que quer com voce, moça. Freqüentemente os homens se aborrecem do troféu conquistado. É a caça o que os diverte. Deixa-o caçar. Atrai-o para você. Se seu apetite sexual aumentar o bastante, pode ser que eu consiga levá-la ao altar. É o meu maior desejo, Katherine. Quero vê-la casada com ele.
Katherine quase se sufocou. Havia acreditado que esse terrível assunto estivesse definitivamente concluído. Oh, Deus. Não estava, e agora compreendia o perigo em que se encontrava.
— Pai, ele é um pirata. — Conseguiu dizer, com um nó na garganta. — Não compreendi antes e tampouco compreendo agora. Eu sou sua filha. Como pode me propor outra vez, tal aliança?
— Porque não tenho outros aliados. — Se alterou Gerald. — E se tiver que procurar um, então prefiro que seja muito poderoso. Ele é a chave de meu futuro e de minha liberdade, Katie. E também é a chave de seu futuro e sua liberdade.
— Ele é um que assassino. Assalta navios. Um ladrão. Não é nobre e é filho de um violador de mulheres e não tem consciência! — Ela se recusou a pensar no outro lado da personalidade de Liam, o que não era mau e nem indigno.
Gerald a fitou, com a maxilar muito apertada.
— O’Neill te deseja muito. E está se entregando precisamente em nossas mãos. É um sinal do destino, minha querida. E nós devemos agir em nossa vantagem. Você deve seguir minhas instruções.
Katherine afastou o olhar, abatida e confusa.
— Eu queria fazer um casamento honrado. — Ela sussurrou. — Quero ter o que me corresponde.
— Nunca recuperará sua honra, até que eu volte a Desmond. — Gerald rebateu seco. — Barry não a quis por uma só razão. E todos os homens sensatos compartilharão seu parecer. Você não tem escolha, Katie. Não te dou nenhuma opção.
De qualquer maneira, Katherine conseguiu endireitar os ombros e levantar o queixo. Uma lágrima apareceu no canto de seu olho.
— Não posso, pai. — Disse. Estava com um nó no peito, que lhe doía terrivelmente. — Não posso.
— Pode sim. — Disse Gerald em tom autoritário. — Porque é minha filha e me deve lealdade mais que qualquer outro, Katherine FitzGerald. Mais que a si mesma. —
Katherine tentou se afastar.
— Katie. — Seu tom se adocicou. — Você é a única pessoa que pode me ajudar agora, não entende? Neste momento você tem o poder de insuflar a vida em minha alma morta. Katie? Você deve me ajudar.
Katherine fitou-o destroçada, enquanto o secava as lágrimas. E também se sabia ter pouca opção, não disse. Não disse que Liam O’Neill já havia lhe proposto casamento e que provavelmente o proporia novamente se recebesse o mínimo indício de aceitação de sua parte.
Obstinada e persistentemente, os sonhos sobre seu futuro não morreriam. E certamente não incluíam Liam O’Neill. Claro que não.
À rainha gostava máscaras. E a comédia que desenrolava neste momento contava a história das cinco filhas do deus do rio africano Niger, e incluía sultões, ninfas, dragões marinhos e numerosos outros monstros.
Para aquela precisa apresentação, a rainha havia ordenado que toda a corte que presenciasse usasse mascara, de qualquer maneira.
Os cortesãos haviam obedecido e Katherine havia ficado surpresa ao observar todo o tipo de disfarces, desde deusas gregas escandalosamente vestidas de seda, até reis tribais que usavam grinaldas de flores e frutas como coroas.
De sua parte, ela não tinha meios econômicos para comprar os materiais necessários para um vestido, mas Helen havia lhe encontrado uma esplêndida máscara de cetim vermelho, com pérolas e contas que ela usou com seu batido vestido de veludo marrom.
A apresentação tinha terminado pouco depois de meia-noite e extremanete agradada à rainha se levantou para aplaudir os atores.
Depois a corte havia começado a festejar e os criados se tornaran mais animados e buliçosos à medida que a alvorada os envolvia.
Nessa altura os músicos, de flauta, harpa e viola, tocaram uma vivaz dança irlandesa e uma gaita de fole se uniu a eles.
Apesar de estar perpetuamente desesperada pela interminável resistência dos nobres irlandeses a sua autoridade, a vivaz dança era o ritmo preferido da rainha. Katherine bateu fortemente as mãos Quando o a dança começou. Não conseguia manter os pés firmes e desejava dançar. Muito.
Leicester era o acompanhante da rainha.
Estava vestido de Julio César e usava somente uma toga branca que lhe deixava a mostra uma ampla parte do tórax e um dos ombros. Na cintura, ele trazia uma imensa espada antiga.
Usava uma coroa dourada na cabeça, que parecia ser ouro de verdade.
Katherine os Observou , sorrindo e a admirada. Não a rainha que era uma excelente bailarina, mas o Conde, cujos dentes muito brancos brilhavam e as pernas nuas e fortes não erravam um passo.
Entre a multidão alguém lhe segurou um cotovelo.
— Venha jovem FitzGerald. Ensine-me a dança de sua terra natal.
Katherine se voltou para encontrar os intensos olhos azuis de John Hawke. Como ela, ele usava um disfarce simples, mas resplandecia em seu uniforme vermelho e calça branca. A máscara que lhe cobria a metade do rosto.
— Como poderia recusar, — ela gritou,. — Quando o meu sangue canta e meus pés ardem com desejo de dançar?
Ele lhe sorriu e se traiu, porque enquanto o a fazia girar pela sala ficou evidente que já havia dançado a música mais de uma vez. Mas ele não era irlandês. Ninguém na corte era, com exceção do Conde Ormond que já havia abandonado a festa, demonstrando ser tétrico como seu comportamento deixava a entender freqüentemente.
Katherine sabia dançar, inclusive melhor que a rainha e se dispôs a tanto.
Seus joelhos se elevaram tanto, que a saia e as anáguas ondearam ao redor de suas coxas, ao ponto de revelar as pantorrilhas torneadas e os joelhos.
Katherine usava meia branca simples, mas nesse dia, por estranha razão, como havia usado a gola que Liam havia lhe dado, novamente tinha pegado o pacote e tirado um par de ligas vermelhas. Não combinavam com a meia branca, com a roupa intima ou com o vestido, mas a ela não importara.
Dançava, girava, saltava e dançava.
Sir John também sorria e dançava sustentando-a com pulsos firmes e imitando cada movimento que ela fazia, decidido a acompanhar seu passo e dançar no mesmo ritmo.
Estavam se divertindo imensamente e trocavam sorrisos. Ela notou que seu olhar se dirigia para suas coxas onde a liga aparecia, para o peito ofegante, sobre o decote e depois voltava para baixo.
Mas ela não se importou. Estava se divertindo como nunca em sua vida e se sentia viva e muito bela.
Quando o a dança terminou, Katherine caiu contra ele, em seus braços.
— Sangue de Deus! — Ele murmurou em seu ouvido, estreitando-a. — Ninguém é capaz de dançar como você!
Ela se afastou se pôs a ir.
— Seriamente, espero que não! Que irlandeza eu seria, se um grupo de cavalheiros e damas ingleses me superasse?
— Esta é uma declaração de traição. — Murmurou uma voz profunda atrás dela.
Katherine se voltou e encontrou o Conde de Leicester a sua frente.
Sir John tirou as mãos de seus braços.
— Quer dançar comigo? — Ele lhe perguntou com um sorriso amável, mas seus olhos ardiam.
Katherine olhou instantaneamente a sua volta, em busca da rainha.
Elizabeth estava dançando com outro de seus favoritos.
— Não conheço esta dança. — Respondeu nervosa. Não tinha que ser muito inteligente para saber que a rainha não se agradaria se ela dançasse com Robert Dudley. Ela freqüentemente mostrava ciúme dele.
Recentemente havia afastado duas damas, duas irmãs, Francis Howard e Lady Douglas Sheffield, uma das quais era viúva, porque obviamente estavam apaixonadas por ele.
Leicester segurou-lhe um cotovelo.
— Eu lhe ensinarei.
Alarmada, Katherine olhou para John Hawke em busca de ajuda. Ele estava rígido, mas depois Anne Hastings encostou ao seu lado e conduziu o capitão para o centro da sala, colando-se a ele com muito ímpeto.
Katherine se encontrou guiada a uma dança bem mais tranqüila, com a mão entre as do Conde. Seu coração parecia querer romper-lhe o peito, mas não de cansaço.
Enfrentou novamente seu olhar sério.
Ele lhe sorriu, mas com o olhar em seu seio.
Embora se usasse vestidos indecentemente decotados, Katherine nunca havia seguido a moda.
Seu coração acelerou ainda mais Quando o os olhos de lhe lamberam a pele nua.
Em sua mente cintilou uma lembrança. Ela com as mãos amarradas com um cordão ouro e vermelho se meneando em um leito, enquanto Liam O’Neill lhe sugava e estimulava seus mamilos com a língua.
— Este vestido não lhe faz justiça, minha querida. — Observou , Leicester.
— Sou absolutamente consciente. — Respondeu Katherine, um pouco agressiva.
Também se lembrou da advertência de Liam, que Leicester tentaria lhe levantar a saia. Já havia passado três semanas desde que tinha chegado a corte e freqüentemente, Quando o ele visitava à rainha, seu olhar a procurava primeiramente, embora fugaz. Mas nunca haviam conversado ou ficado sozinhos, até esse momento.
— Você merece sedas e veludos melhores, e esmeraldas e pérolas melhores.
Katherine errou um passo.
— E você me daria isso?
Sua fisionomia tornou séria. Seu olhar baixou aos lábios que ela com audácia havia pintado de vermelho.
— Sim. Eu lhe dar, Katherine. Nestas últimas semanas, você sempre foi para a parte oposta da sala, a cada vez que me via chegar. Não tem nenhuma razão para me temer, minha querida. Não tenho nenhuma intenção de lhe fazer mal.
— Não? — Seu tom era seco. — Então o que busca, senhor?
O belo rosto ficou tenso.
— Excluindo o casamento, desejo ser seu amigo e estou seguro que sabe disso.
Ela sabia. Como Hugh Barry, ele desejava fazer dela sua prostituta. Katherine tentou se afastar, mas a mão dele era uma presa de aço e ela não conseguiu.
Ela o fitou. Ele não já não sorria.
— Katherine, você não entende bem. Deus, eu sou o Conde de Leicester agora. Sou um dos homens mais ricos e poderosos do reino. Eu me casaria com você num fechar de olhos, porque não necessito de um dote, mas de uma esposa amável e disponível e de filhos plenos de saúde, minha querida. Tenho a sensação que você estaria disposta e é evidente que nasceu para gerar filhos. Mas eu não posso me casar. — Seu tom não era de amargura, mas de resignação. — Não posso me casar com mulher alguma. Um dia, se Deus quiser… — Ele olhou para a rainha e Katherine sabia que ele esperava chegar a ser rei da Inglaterra, mas não disse.
— Venha. Vamos conversar em particular. Este assunto não pode esperar.
Katherine ficou gelada Quando o ele rodeou-lhe a cintura empurrando-a entre a multidão.
Deu um olhar por sobre o ombro e viu que Elizabeth os observava. Seu coração se encheu de terror.
Travou os pés como teria feito uma criança, mas Leicester era grande e forte e não tinha nenhuma intenção de deixar que o detivessem. Empurrou-a adiante, virtualmente arrastando-a entre a alegria das pessoas. Um momento depois se encontrava em uma sala deserta e ele a empurrou para dentro de uma ante sala vazia. Levantou-lhe a máscara e segurou seus braços. Estreitou tão forte que seus joelhos se tocaram.
— Não diga não ainda. — Ele disse oprimindo forte um dedo sobre seus lábios. — Katherine, eu sou amigo de seu pai.
O protesto de Katherine morreu.
— Eu sou um das pessoas que se opuseram a Ormond Quando o ele levou seu pai prisioneiro à rainha, depois de Affane. Butler queria que seu pai fosse privado de suas terras e do título. Eu sou um dos que apoiou seu pai nos anos seguintes, e até me opus à idéia de um processo por traição.
Katherine fitou Leicester nos olhos, sem fôlego e aterrorizada.
Mas sua mente estava célere.
Leicester era muito poderoso e podia fazer com que a rainha o ouvisse. Podia ainda apoiar a causa do pai, se tivesse um motivo para fazê-lo. Assustada começou a mover a cabeça, com um movimento de negação.
— Não diga não outra vez. — Ele lhe disse com os olhos brilhantes. — Vou levá-la a Kenilworth, onde farei que não lhe falte nada, Katherine. Mas teremos que ser muito discretos.
— Discretos! — Ela gemeu tentando outra vez, sem conseguir, rechaçá-lo. — Você não conhece o significado dessa palavra. — Ofegou. — A rainha nos viu sair juntos! Ele me despedirá como dama de companhia, nesta mesma noite! — Ela estava tremendo porque mais que tudo se sentia capturada.
Leicester permaneceu em silencio por um instante.
— Talvez seja o melhor. — Ele comentou, finalmente. — Não é uma boa coisa para nós, que você permaneça aqui a corte.
Katherine não podia acreditar.
— Não há nenhum nós! E não quero cair em desgraça com a rainha! Bom Deus, realmente não quero!
— Você está fingindo. — Ele lhe disse atraindo-a brutalmente.
Katherine ficou rígida. Havia se dado conta da enorme protuberância sob a toga. Em muitas ocasiões desde que havia chegado a corte tinha notado sua virilidade, mas tinha preferido ignorá-la, pensando, como outras damas, que ele usasse uma proteção.
Certamente não a usava agora. Não usava nada embaixo da toga romana. Seu membro, que não apertado pela proteção de lã, esfregava no tecido macio que lhe cobria o ventre.
— Notei como você me olha. — Ele sussurrou empurrando-a contra a parede. — Pensa que eu sou um jovem e que me possa me equivocar?
Katherine se sentiu sufocar.
— Não faça isso, senhor. — Lhe suplicou.
Ela não o achava desprezível. Como sir John, ele era um belo homem viril e ela não era insensível ao seu encanto. Não enquanto o o corpo sólido se apertava contra ela. Mas era somente uma sombra, em respeito ao desejo que Liam O’Neill suscitava nela. Era bem consciente da diferença.
Ele estudou sua expressão tensa e logo inclinou a cabeça. Katherine afastou rapidamente o rosto e ele lambeu-lhe a pele delicada do pescoço.
Mais uma vez tentou rechaçá-lo e Leicester deslizou uma mão dentro de seu decote, estimulando um mamilo com o polegar, que ficou túrgido em seguida.
Por fim, já que ele sabia que poderiam ser surpreendidos e com graves conseqüências, interrompeu seu toque e se afastou imediatamente. Katherine o fitou com os olhos muito abertos, o rosto avermelhado e seriamente assustada.
— Você gostará, Katherine. — Disse-lhe
Ela queria dizer que não gostaria, porque não haveria nenhuma história entre os dois.
Entretanto ele era, como havia muito bem sublinhado, um dos homens mais poderosos do reino. Se havia alguém que pudesse ajudar seu pai era precisamente o Conde de Leicester. Katherine sabia que Leicester era um aliado bem mais poderoso que Liam O’Neill.
— Não aceitarei um não como resposta. — Ele sussurrou roçando sua face com seu hálito.
E Katherine se deu conta que ele a obrigaria a se deitar com ele, quisesse ela ou não.
E se ele a tivesse, com a violência ou não, ela não teria a possibilidade de recorrer a ninguém porque a rainha culparia a ela. Não a ele.
Mas se fosse ardilosa poderia usá-lo, como Gerald havia lhe pedido para fazer com Liam.
Sufocando um grito, ela se voltou e fugiu. Não para a sala de jantar, mas para as escadas do piso superior, para seu aposento.
Nunca havia se sentido tão à deriva em alto mar, que poderia ser navegado somente por pessoas bem mais peritas que ela.
Com só uma vela que emanava uma luz opaca e trêmula, Katherine pendurou a bela máscara e o simples vestido em um gancho ao lado do leito.
Perguntou-se onde estaria Helen, cuja tarefa era ajudá-la a se preparar para ir para a cama.
Indubitavelmente havia se deixado arrastar pela festa e não esperava que sua ama se retirasse tão cedo. Katherine não podia criticá-la.
Era uma tarefa difícil desabotoar sozinha a crinolina, mas conseguiu tentando não pensar em Leicester e que poderia ter acontecido se ele estivesse decidido a levar adiante o que tinha começado nessa noite.
Apoiou o espartilho sobre o único baú do aposento, tirando a camisa de baixo e o calção de linho.
Sentando-se tirou os sapatos e logo enrolou as meias, de uma só uma vez.
As laterais de seus seios estavam vermelhas por causa da sustentação do espartilho. Era o preço que tinha a pagar por usar um espartilho apertado. Começou a massagear-se com delicadeza.
Era um ritual de todas as noites e um tempo Quando o estava no convento e era do todo inocente. Até então havia ignorado a doce rigidez dos mamilos, causada por seus dedos, e a onda de prazer que lhe fluía no sexo.
Agora lhe era impossível ignorar o despertar do desejo. Tocando seus seios, Katherine voltou a pensar em como Leicester a havia tocado.
Ele era o tipo de homem que uma mulher, toda mulher, sonhava em se casar. Rico, e ao mesmo tempo poderoso, viril e belo.
Mas Leicester não estava disponível, não como marido pelo menos, e não para ela. Para mulher nenhuma. Ele pertencia à rainha e todos sabiam.
Katherine se sobressaltou. Massageou os seios uma vez mais, desejando que fosse Liam O’Neill, um homem que nenhuma mulher sonhava em se casar, a tocá-la essa noite. Não Leicester.
Deteve as mãos. Entre seus dedos, os mamilos estavam eretos, rosados, vermelhos e tão tensos que doíam. Era impossível ignorar o calor febril que lhe pulsava entre as coxas, um calor tão forte que a fez gemer.
— Em quem está pensando? Em John Hawke, Robin Dudley ou em mim?
Katherine saltou dando um pequeno grito.
Liam estava no vão da porta aberta, apoiado contra o marco. Ela abriu muito os olhos porque por um breve instante não o havia reconhecido.
Ele estava vestido de árabe. Usava calça larga branca, uma ampla faixa de cor púrpura e a espada, que agora ela reconheceu.
Tinha o peito e o tórax nus, na cor carvalho escuro. Também havia tingido os braços, o pescoço e o rosto. Até os cabelos. E usava um turbante vermelho para completar o disfarce. Seus olhos cinza pareciam de prata em contraste com a pele escura.
Logo se deu conta do que ele via, do que estava vendo nesse momento, e sentiu seu rosto se inflamar.
Ele sorriu sem alegria e entrou no aposento e deu um chute na porta para fechá-la, atirando longe o turbante: os músculos do peito e do tórax se esticaram enquanto o se dava volta para ela. Seu olhar lhe deslizou as pálidas curvas, detendo-se nos seios formosos e os mamilos eretos e depois na zona do púbis. afastou-se da porta.
— A quanto tempo está aqui? — Gritou ela.
Ele foi ao seu encontro. Seu sorriso não era amável. Por um instante tocou o membro volumoso.
— O tempo suficiente para desfrutar de um ótimo pequeno espetáculo. Bem melhor que aquele exibido lá abaixo.
Katherine o fitou. Ele havia lhe visto. Agora estava furiosa e envergonhada.
Dando-lhe as costas, pegou uma manta da cama. Enquanto o a envolvia freneticamente ao redor do corpo, sentiu-o se aproximar dela.
Katherine voltou a fitá-lo, precisamente enquanto o ele lhe arrancava manta e a jogava pelo aposento. Pegou-a pelos braços.
— Não me respondeu.
Ela levantou o queixo, apesar do repentino temor. Ofegando. Consciente de estar nua em seus braços. Seus mamilos roçavam os suaves pêlos de seu peito.
— Não te devo nenhuma explicação, canalha.
Ele grunhiu.
— Eu a vi flertar Hawke e depois com Dudley!
Ela gemeu e se contorceu esperando se afastar, para golpeá-lo com força. Ele gargalhou apertou-lhe uma nádega. Ela se paralisou. Liam a estreitou contra o membro ardente coberto de seda. Katherine sufocava pelo desejo avassalador, exigente e febril.
Ele sorriu novamente. Para piorar sua situação, ele acariciou com os dedos desde o sulco de suas nádegas até a conjunção das coxas. Katherine gemeu Quando o ele começou a incitar seu canal virginal.
Ele cerrou o queixo tão forte que pareceu quase se quebrar. Seus olhos brilhavam.
— Você está pronta para o sexo! Em quem estava pensando?
— Em Leicester! — Ela respondeu mentindo. Sabendo que o fato o enfureceria.
Ele a empurrou longe, que ela caiu sobre o leito.
— Maldição! Eu sabia!
Katherine ficou de quatro pés sobre o leito, ofegando. — Ele me oferece mais que você! — Murmurou com voz rouca, sabendo que o estava provocando sua cólera, mas incapaz de se deter. Sabia que o que estava para acontecer e ansiava. Queria com todo o seu coração. De fato, a prudência havia lhe abandonado no momento que ele apareceu.
Liam elevava-se sobre ela.
— O que ele te ofereceu? Que coisas Katherine? — Ele rosnou. — A parte de seu membro grosso?
Ela se sentou sob as pernas, consciente que o olhar dele pousava em seu seio ondulante.
— Kenilworth— Era um exagero e não exatamente a verdade.
Liam a fitou e logo explodiu a rir.
— Você é uma estúpida. A rainha te decapitaria se fosse sua esposa. Decapitaria e lhe arrebataria tudo o que ele lhe desse. Entende-me Katherine?
Ela o fitou, em atitude desafiante.
— Você está com ciúme porque ele pode me dar mais que você. Porque ele é nobre, enquanto o que você não é mais que um pirata. Nada mais que o filho de Shane O’Neill.
As narinas de Liam se inflamaram.
— Ele pode dar mais a você? — Liam pegou a mão dela e a oprimiu contra seu membro. Katherine gemeu sentindo-o duro, pulsante. — Dizem que ele tem um membro grande, mas eu também tenho. Quer compará-los antes de tomar uma decisão, Katherine?
Katherine emitiu um gemido, incapaz de falar, com os músculos tensos nas coxas, até que finalmente gritou.
Liam a empurrou de costas e ela caiu rendida, com os joelhos abertos.
Seus olhares se encontraram. Katherine se deu conta de estar agindo como uma desavergonhada e sabia que estava para perder sua tão amada virgindade. Por alguma razão, essa noite ela já não lhe importava mais.
Liam segurou seus joelhos firmemente, inclusive provocando um pouco de dor, obrigando-a a abrir as pernas.
— Você está me levando além de minhas possibilidades. — Ele explodiu, observandoo-a
De repente, estendeu a mão e afundou um dedo dentro dela, até que foi detido pela membrana que ainda protegia sua inocência.
Katherine deixou fugir seu nome e se arqueou para ele. Ele não se moveu e ela começou a gemer sem recato, meneando-se.
— Então Leicester ainda não lhe fez dele. — De repente ele a tocou com rudeza. — Nem nunca fará, Katherine. Entendeu-me?
Ela se sobressaltou, se dando conta do que ele havia feito.
— Bastardo! — Ela gemeu já se sentando tentando fazer com que retirasse a mão. Mas ele não se moveu.
— Pensa, pensa me examinar? Como um médico? Eu te amaldiçoo!
— Cada vez é mais difícil acreditar que você se educou em um convento. — Liam balbuciou e logo deslizou dois dedos dentro dela. Katherine inspirou, enrijecendo-se.
— Recoste-se. — Liam ordenou-lhe. — E terminaremos esta questão agora. Não que a Leicester importa se você é virgem ou não. Mas não permitirei que ele leve o que estabeleci que seja meu!
Embora não houvesse nada que Katherine desejasse mais que o enorme membro de Liam, rígido e duro dentro dela, suas palavras a enfureceram. Ajoelhou-se golpeando-lhe o peito com os punhos. Ele os segurou gargalhando, coisa que a fez se zangar ainda mais.
— Não te pertenço. — Ela murmurou. — Pertenço para mim mesma e um dia pertencerei ao meu marido.
Liam explodiu de rir, verdadeiramente divertido, e logo a puxou para si fazendo-a recair em seus braços.
— Querida, — ele murmurou em tom sedutor, — odeio te dizer, mas nenhum homem se casará contigo depois do que faremos agora.
Um instante depois lhe cobriu a boca com os lábios, obrigando-a abri-la, com um puro domínio masculino.
Ele havia lhe dado banho gelado, sem apagar seu desejo, mas obrigando-a a aceitar a realidade. Ela queria esse homem abominável e desprezível.
Ela queria que ele entrasse dentro dela, que a inseminasse como um garanhão faz com uma égua.
Oh, Deus. Como o desejava.
Mas não desejava, seriamente, ser uma prostituta. Nem dele ou de Leicester. Nem de nenhum outro.
Queria um marido, uma casa e filhos. Desejava essas coisas a muitos anos, a mais tempo que quanto queria o corpo poderoso de Liam e seu toque ardente.
Afastou os lábios de Liam.
— Basta. — Disse com lágrimas nos olhos.
Ele segurou seu entre as mãos, ofegando.
— Basta de joguinhos. — Ele grunhiu.
— Não. — Ela chorou desviando o rosto. — Oh Deus. O que está me acontecendo? — Disse sacudida por soluços. Não se reconhecia mais. A mulher que tinha aparecido nela essa noite era totalmente uma estranha. Como poderia desejá-lo tanto?
— Santo Deus. — Liam disse segurando o queixo dela e lhe obrigando a olhar para ele. — E agora decidiu bancar a virgenzinha novamente?
Ela fitou os penetrantes olhos acinzentados e logo, impotente, Observou a boca perfeita.
— Não posso. — Murmurou em tom rouco, com o olhar suplicante diretamente nos olhos dele. — Oh Deus. Eu sou tão má, Liam. Desejo-te. Desejo você. Mas não posso te dar minha virtude. Não posso.
Ele a Observou , com a boca curvada para baixo, incrédulo e desiludido ao mesmo tempo.
— Estes teus joguinhos podem matar um homem. — Ele disse finalmente, rude e descortês.
Katherine engoliu em seco.
— Também estou morrendo. — Ela murmurou.
Seus olhares se encontraram e cruzaram centelhas. Katherine abriu os olhos Quando o ele a recostou de costas. Quis protestar embora estirasse as pernas.
— Shhh. — Liam tocou seus lábios com um dedo. Katherine fechou os olhos e o mordeu, confiando nele.
Liam se inclinou sobre ela, lhe beijando delicadamente a face. Logo gemeu impaciente, e pouco a pouco sua língua estava dentro dela, roubando-a. Com a mão lhe acariciava a parte interior das coxas, com o polegar dentro das dobras espessas de seu sexo.
Katherine gemeu e um instante depois sentiu a língua dele. Seu desejo explodiu e ela chorou e se lamentou ao mesmo tempo.
Liam estava recostado ao seu lado e a atraiu para si. Sem lhe dar trégua, pois ainda estava aturdida, pegou a mão dela e a colocou ao redor de seu membro nu. A jovem abriu os olhos e gemeu. Liam lhe apertou forte a mão, obrigando-lhe a acariciar o membro enorme e duro. Túrgido.
Katherine abriu muito os olhos, fascinada. Seu coração pulsava forte. Baixou o olhar do rosto dele até seu membro. Havia sonhado tocá-lo. E esta era a realidade e bem melhor que qualquer sonho.
Sem atinar apertou-o, estreitando sua presa e se inclinou e beijou-lhe a ponta túrgida. Liam ofegou e se arqueou. Katherine afastou a mão dele da sua e o acariciou um pouco insegura, até que ele novamente a guiou, mostrando como agradá-lo.
Depois que alguns momentos, Liam gemeu forte.
Katherine se aninhou em seus braços, sobre ele, tremula.
Ele a abraçou forte e sussurrou:
— Tudo vai ficar bem. Ainda cuidarei de você, meu amor.
Nenhum dos dois viu Helen em pé, em um canto do aposento.
— Mademoiselle? Perdoe-me, deve despertar.
Katherine suspirou. Estava ainda no leito, com o rosto sepultado no travesseiro, e se sentia quente e mimada entre as mantas e peles.
Não queria despertar, não ainda, estava tão cansada que tinha dificuldade de se mover. Realmente se sentia drogada. Helen a chamou novamente e Katherine rolou se afastando da criada e no momento, como um raio, recordou o que tinha acontecido na noite anterior.
Reteve o fôlego. Liam.
Oh, Deus. Liam havia entrado em seu aposento e feito amor, se podia dizer, com ela. Oh, sim. Tinha sido uma coisa maliciosa e maravilhosa e ela ainda era virgem, milagrosamente. Sorriu.
Estirou os dedos dos pés e contraiu os músculos pensando em como ele a tinha amado, não uma, mas duas vezes. E a segunda tão imensa, completa e perfeitamente que finalmente teve que suplicar para que ele parasse.
Seu rosto esquentou.
Katherine Observou a parede de pedra branca, ao lado oposto do aposento, enquanto o Helen se movia aqui e acolá.
Agora ele havia partido.
Havia adormecido em algum momento antes do amanhecer e não se deu conta de Quando o ele saiu. Quando o notou sua ausência, de certo modo sentiu-se abandonada.
Quando o voltaria vê-lo?
O leve sorriso e mesmo sua alegria desapareceram. Estava louca. Louca em sentir sua partida, louca em recordar o ardente encontro, do sonhador e malicioso.
Ele era um terrível pirata. Ela era uma nobre. Não tinha direito fazer as coisas vergonhosas que tinha feito. Nenhum direito, não.
Não se moveu, transtornada pela desilusão. Quanto se equivocava. Tinha todos os direitos de se tornar prostituta, recordou. Seu pai recentemente havia lhe pedido que se tornasse.
Katherine fechou os olhos. Mesmo se Gerald aprovasse o que ela tinha feito, não podia sentir prazer sobre sua conduta. Envergonhava-se. Especialmente porque não pretendia entrar no jogo de Gerald. Não queria ser a esposa de Liam. Entretanto, tinha representado muito bem a parte da prostituta. Bem melhor do que ele havia lhe pedido.
Sua verdadeira natureza era bem mais escura e muito menos nobre do que havia pensado.
Talvez, os homens a observassem e intuíssem sua natureza sensual. Provavelmente notassem. Pensou amargamente.
Seria por isso que Hugh Barry e o Conde de Leicester, dois homens de exímia linguagem, queriam fazer dela sua amante e não esposa?
Era possível que o homem que a fitasse notaria a paixão proibida que lhe percorria as veias?
Que ironia. Hugh Barry e o Conde de Leicester queriam fazer dela sua amante, enquanto o Liam O’Neill a desejava como esposa.
Katherine sacudiu o travesseiro.
Talvez, Gerald conseguisse dá-la como esposa a Liam O’Neill. Cada vez havia mais possibilidades, devido seu recente comportamento, e ao fato de que ela não podia resistir ao abraço do pirata.
Mas Katherine, embora consciente de seus próprios deveres com o pai, tinha esperado que Liam não voltasse para corte, que a deixasse em paz, que desaparecesse de sua vida, para assim ela poder dispor de seu futuro de maneira satisfatória.
Mas agora lhe parecia que um dia Gerald obteria seu propósito.
Mas seria, apesar de tudo, tão terrível?
Ela instantaneamente ficou horrorizada com o fugaz pensamento.
— A rainha deseja falar com você, Mademoiselle, — Disse Helen interrompendo seus turbadores pensamentos. — Na verdade, ela está ociosa esta manhã.
Katherine sentou rapidamente na cama, enquanto o as mantas caíam até a cintura, esquecida de ter dormido sem a camisola. A rainha! Sangue de Deus! Que horas seriam? —
— Por que não me despertou antes? — Ela havia adormecido somente algumas horas, mas saltou da cama, nua como havia nascido.
— São quase as oito e a rainha deseja lhe falar antes da missa. Não a despertei antes porque parecia morta, muito cansada pelos excessos da noite passada.
Katherine gelou fitando os grandes olhos azuis da Helen, que se limitou a sorrir docemente, com expressão inocente e sem qualquer significado oculto. Naturalmente ela não podia saber de nada.
Naturalmente ela se referia à festa que se desenvolvera na sala do primeiro piso. Apesar do aroma de homem e mulher que flutuava no aposento, e de que ela adormecera nua.
— Apresse-se, Mademoiselle. Não deve fazer a rainha se zangar. — Helen estava sustentando a roupa intima de Carol Katherine, que necessitava de um banho, mas que não poderia fazer antes da noite. Assentiu. Maldição. Pensou ao mesmo tempo incômoda e irritada.
Vestiu o calção de linho.
— A rainha deseja falar comigo? Por qual razão?
Helen encolheu os ombros, ajudando-a a colocá-la camisa e a crinolina.
— Não sei, Mademoiselle. Ela enviou Lady Anne para chamá-la. E eu disse à Mademoiselle que iria imediatamente.
Katherine já estava pronta para usar no vestido. Deveria estar ao lado da rainha antes das oito horas, como todas as demais damas, mesmo se fossem as damas de ante sala que ajudavam à rainha a despertar e se vestir. Apressou-se a colocar o vestido, mas ficou paralisada Quando o notou um pacote envolto em seda vermelha e amarrado com uma faixa da mesma cor, sobre o baú aos pés da cama.
— O que é isso? — Ela murmurou.
Helen encolheu de ombros, lhe alcançando o pacote.
— Não sei. Já estava aqui esta manhã Quando o entrei para despertá-la.
Só podia ser de Liam. Katherine fitou Helen, mas a expressão da criada era vazia Quando o pegou a touca de Katherine da mesa.
Com o coração que lhe martelava forte no peito, Katherine pegou o presente e o abriu. Abriu enormemente os olhos.
— Mas… O que é isto? Que formoso!
Ela e Helen analisaram a frágil trama do tecido branco, costurado com motivos tão intrincados, na realidade, que a malha parecia estar unida somente por fios muito finos.
— Nunca vi nada assim antes. — Katherine gritou verdadeiramente encantada.
— Eu sim. — Helen disse em voz baixa. — É renda espanhola.
Katherine fitou o tecido suave e branco
— Renda espanhola. — Murmurou pensando nos punhos das mangas e no decote de seu vestido. — É maravilhoso. É sensacional.
— Sim. — Helen concordou em tom solene. — Sequer a rainha recebeu uma algo assim. O embaixador espanhol se pôs a usar a renda há pouco tempo. — Explicou Helen. — Todos o notaram. As damas ficarão verdes de inveja Quando o souberem que você o tem.
Katherine se sentou novamente no leito, com o vestido ainda desabotoado, e a desdobrar o tecido.
Um pequeno objeto selado caiu do meio do tecido. O coração de Katherine retumbou Quando o ela rompeu o selo. Havia somente duas simples palavras rabiscadas no pergaminho: Desfrute-o. Liam.
Katherine trouxe o pergaminho ao peito, pensando à louca paixão que haviam compartilhado na noite anterior. Era um engano. Apesar das instruções de seu pai.
Mas seriamente incrível era seu comportamento, não o dele.
E também nesse momento seu corpo ardia ao pensar em Liam.
Katherine desdobrou o pergaminho levantando-se de repente.
Na única mesa do aposento estava a isca que usava para acender o abajur e os candelabros. Esfregou-o e ateou fogo no pergaminho. Quando o este começou a queimar o deixou cair na bacia que continha a água fresca.
Endireitou o corpo, suspirou profundamente e afastou seus pensamentos.
A rainha estava lhe esperando.
— Helen, devo me apressar. Por favor, me ajude a fechar os botões e me pentear.
Enquanto o Helen obedecia, Katherine olhava o renda branco.
Helen a ajudou e rapidamente a penteou e recolheu seu cabelo. Por fim estava ela estava e Helen se dirigiu porta, para abri-la.
Mas Katherine não a seguiu. Pegou uma adaga antiga com o cabo de marfim, que não usava para comer, mas para enfeitar a corrente ao redor de sua cintura e cortou uma longa faixa do tecido.
Olhando-se no espelho de sobre a mesa e a colocou no decote.
Logo se voltou e se adiantou a Helen, enquanto o caminhava a passo rápido, ao encontro da rainha.
Sentiu coração se encolher no peito Quando o a rainha a fitou e ordenou que todos saissem da sala de espera.
Como um raio, Katherine recordou Leicester que dançava com ela e que depois a obrigara a segui-lo fora da sala, para um quarto escondido, para poder fazer sua proposta. Enrubesceu e em seu estômago se formou um nó, de medo e o horror.
— Venha. — Lhe ordenou a rainha Quando o ficaram sozinhas.
Katherine se aproximou sentindo que desmaiaria.
— Você se converteu em uma pessoa devassa, Katherine FitzGerald?
Seus olhos se desmesuraram.
— Rogo-lhe perdão?
— Não lhe bastam os cuidados de um só homem?
Katherine deglutiu com dificuldade.
— Sua Majestade, eu não estou de todo segura que…
— Eu a vi com lorde Robert ontem de noite! — A rainha estava de pé, raivosa.
— Somente… Somente dançamos. — Katherine se desculpou.
— E então foi para dançar que ele a afastou que nossa presença?
Katherine não conseguia responder, recordando a boca de Leicester sobre seu pescoço, as mãos dentro de seu decote.
— Eu não q-quero seus cuidados, Sua majestade. — Disse com voz trêmula.
— Não? É John Hawke que prefere ou talvez Liam O’Neill?
Katherine quase desmaiou.
— Eu… o que…
— O pirata veio visitá-la ontem de noite ou não? — Perguntou a rainha.
Katherine respirou fundo. Como era possível que a rainha soubesse?
Helen. Helen devia tê-los visto. Seu pai tinha razão. A jovem era uma espiã. De qualquer modo, elevou o queixo.
— Sim.
A rainha arqueou uma sobrancelha.
— Portanto, confessa ter tido um encontro clandestino em seus aposentos?
Katherine assentiu.
A rainha esbofeteou sua face com força.
A jovem gritou de dor, porque a rainha usava muitos anéis e um deles havia lhe arranhado.
Não obstante, não ousava se retirar nem tocar a face agredida e dolorida.
— Como se atreve a se comportar como uma prostituta em nossa corte?
Katherine não respondeu, enquanto o seus olhos se enchiam de lágrimas. Mas não queria chorar. Este era o preço que devia pagar por um comportamento pecaminoso e sensual.
— Sua mãe se envergonharia de você. — Adicionou Elizabeth. — Pelo menos ela teve o bom senso de conceber o herdeiro de um Conde!
Katherine baixou a cabeça. Não havia uma só palavra que pudesse pronunciar em sua defesa.
— Seriamente, pensa em se casar moça ou quer ser uma mulher de ninguém?
Quando o notou que Katherine não respondia, a rainha ladrou.
— E então?
— Eu q-quero me casar.
— Isso Ormond também assegura. — A rainha a fitou, menos raivosa, agora. — Nós a recebemos porque amávamos sua mãe e nos sentimos, de algum modo, responsável por você. Evidentemente Ormond havia decidido apoiar sua causa. Pediu-nos que lhe permitir se casar, apesar da desgraça de seu pai. Nós pensamos, mas agora… Não sabemos.
Katherine tinha o coração gelado de horror. De repente parecia que poderia obter tudo o que sempre tinha sonhado e não ousava perder a oportunidade que lhe tinha dado.
— Sua Majestade…
— Rua! Como podemos lhe encontrar um marido decente, se você não tiver nada de valor. Se não lhe ficou sequer sua castidade. Quer levar no ventre o filho de outro homem?
Katherine umedeceu os lábios.
— E – eu não levo seu filho no ventre.
— Liam O’Neill é um mulherengo perito. Não está querendo me dizer que é impotente! Não minta!
— Não lhe estou mentindo! — Protestou Katherine apertando as mãos. — ele respeitou minha virtude. Juro por tudo o que é mais sagrado! Oh Deus. Sinto muito. Sinto tanto!
A rainha a escrutinou.
— Fique de joelhos e suplique nosso perdão.
Katherine obedeceu.
— Rogo-lhe, Sua Majestade, que me perdoe. Peço-lhe perdão humildemente.
O tom da rainha se atenuou.
— Levante se, Katherine, e seque as lágrimas.
A jovem se levantou.
— Deve proceder com cautela. Você é muito bela e muitos homens a caçarão com propostas mais ou menos audazes. Você deve ser forte. Não deve ceder. Tampouco a um belo desgraçado com Liam O’Neill. — Seu olhar se tornou sério e Katherine sentiu que ela estava pensando em Leicester.
— Tem razão. — Admitiu Katherine, apertando as dobras do vestido. — Cometi um engano muito grave.
— Talvez, a vida da corte não seja para você. — A rainha refletiu em voz alta.
Katherine sentiu desilusão. A rainha a enviaria para longe e ela não podia culpá-la.
— Penso que já hoje você não estará mais conosco. Vá para o seu aposento e reflita sobre seu passado e sobre o futuro. Enquanto o isso pensaremos o que faremos com você.
Ela havia sido despedida. Horrorizada e sentindo-se sempre mais presa deixou a sala de espera.
Fora, as damas da rainha, os conselheiros, o guarda real e vários nobres estavam esperando por Elizabeth.
Katherine não ergueu os olhos enquanto o se abria passo entre a multidão. Até que alguém lhe tocou o braço obrigando-a a levantar o olhar. Encontrou os olhos de Leicester e neles ela leu uma expressão interrogativa.
Com um pequeno grito, ela se liberou dele e correu para fora do salão.
Não havia como fugir, pensou confusa.
Parecia que não havia modo de resolver seu dilema, presa como estava em uma rede urdida por tantos homens, de intrigas secretas e poderosas ambições.
Katherine estava deprimida Quando o desceu para jantar, por que haviam lhe concedido sair do isolamento de seu aposento.
Enquanto o se sentava à mesa no Salão dos banquetes, teve a sensação que a maior parte da corte sabia que ela tinha caído em desgraça.
Rogou que não fosse assim. Rogou que ninguém soubesse de alguma coisa, fora que se encontrava em desgraça, porque tinha passado alguns minutos com Leicester. Se as pessoas soubessem que havia se entretido com Liam O’Neill em seu aposento na noite anterior estava arruinada, embora ainda fosse virgem.
Mas os olhares dirigidos em sua direção não eram malignos ou acusadores. Eram de compaixão. Katherine se interrogou onde se sentar e com quem. Anne Hastings lhe sorriu fazendo gestos de se aproximar. Quando o Katherine se aproximou, ela se levantou e a envolveu com um braço.
— Minha pobre querida! Não se aflija muito, Katherine! — Sussurrou-lhe. — Você não é a primeira que foi cortejada por Leicester e desafiada severamente. Ela está somente protegendo o homem que pensa que lhe pertence.
Katherine provou um profundo alívio enquanto o se sentava ao lado de Anne no banco.
— Mas lhe pertence, não?
Anne encolheu os ombros.
— Ela o tornou rico e nobre, mas ele é bastante homem de algum dia fazer o que lhe agrade. Finalmente terá que se casar novamente, para ter um herdeiro legítimo.
Katherine mordeu o lábio. Não diria a Anne que Leicester não havia precisamente lhe proposto casamento. Voltou-se e fitou a mulher de cabelos escuros.
— Anne, o que mais falam sobre mim?
Anne a fitou de soslaio.
— Na verdade, não muito. — Ela limpou a boca com a manga do vestido. — Bem, corre um estranho boato, que seu pirata estava presente na festa de ontem à noite.
Katherine se gelou.
— É certo ou não?
— Não sei. — Katherine pôde mentir.
— Humm. Certamente se tivesse aparecido, todos teriam notado. Não é possível não ver um homem como ele, embora mascarado.— Anne pegou uma coxa de frango e começou a comer.
Katherine se sentiu mais aliviada. Se era esse era o boato que circulava sobre Liam O’Neill, então sua reputação estava a salvo. Mas nesse momento se deu conta que havia arriscado sua ruína. Sua própria vida. Decididamente esteve bem perto. Não devia acontecer mais.
Era inteligente o bastante em saber que se acontecesse novamente, se encontraria muito perto do casamento com o pirata e ainda não estava pronta para renunciar seus sonhos, apesar do que lhe disse seu pai.
Devia haver uma maneira para ajudar Gerald, uma maneira que não implicasse chegar a ser a amante de Leicester ou esposa de O’Neill.
Katherine pensou no Conde de Ormond. Parecia, que apesar de tudo, seu meio irmão apoiava sua causa, sugerindo à rainha a lhe encontrar um casamento adequado.
Outra ironia golpeou Katherine.
Entre todos os homens da corte, o mais acérrimo inimigo de seu pai estava demonstrando ser seu melhor aliado. Talvez Ormond conseguisse, lhe tirando dessa maneira, o problema de seu futuro.
— Ela confessou. Estava com Liam O’Neill na noite passada.
Ormond estava lívido.
— Da próxima que vê-lo, eu o mato.
A rainha não estava olhando para ele, mas para Leicester que a fitava impassível ante as palavras. Elizabeth lhe sorriu, bastante docemente.
— Há algo que não está bem, querido Robin?
Dudley voltou a si e sua expressão se tornou mais relaxada. Um sorriso se desenhou em seus belos traços escuros.
— Esse pirata tem uma grande audácia em vir aqui na sua corte sem ser convidado e se introduzir nos aposentos da Mademoiselle.
— Talvez, ela o tenha convidado. — Disse a rainha observandoo Leicester. — É um homem muito belo. Todas as minhas damas quase desmaiam Quando o entra em um aposento.
O sorriso de Leicester desapareceu. Era algo notório o quanto era orgulhoso de seu aspecto e do fato que muitas mulheres suspiravam por ele.
— Duvido seriamente que a jovem FitzGerald convide um homem para o seus aposentos, com esse fim.
— Ahh… Então a conhece bem?
Leicester apertou o queixo. — Sabe bem que não a conheço! Dançamos juntos somente uma vez.
— E talvez depois possa ter acontecido um beijo?
Leicester lhe fulminou com o olhar. Elizabeth nesse momento teve medo, apesar de ser a rainha e ele somente um súdito, porque lhe pereceu ter abusado além do conveniente.
Não se moveu Quando o Leicester se adiantou fitando-a de cima a baixo. Seu coração começou a pulsar mostrando sua reação feminina, ante sua cercania e seu poder.
— Sou um homem, Bess. Como sabe muito bem, — ele disse em voz tão baixa que somente ela podia ouvir, — e se lhe roubo um beijo, por que se preocupa? — Seus olhos eram dois tições ardentes. — Sabe muito bem que não caçaria em outra parte, se me desse o que desejo.
Elizabeth tremia. Nesse momento desejou que estivessem sozinhos.
Sabia que se a conversa fosse particular, Dudley a teria tomado nos braços, quisesse ela ou não. Isso era o que mais gostava dele e também o que menos gostava. Porque a mulher que estava nela era feliz, mas a soberana estava furiosa.
Elizabeth o fitou novamente. Como sempre, não conseguia estabelecer o que significavam verdadeiramente suas palavras.
Referia-se ele ao seu corpo, que até o momento havia negado com muito sucesso ou ao trono?
— Vou me negar a você até Quando o quiser, Robin. — Declarou finalmente. — E você naturalmente, poderá beijar a quem quiser.
Leicester continuou a fitá-la, se recusando ceder. Elizabeth se assustou. Talvez estivesse incitando-o além do aconselhável.
Então sorriu. Mostrou-lhe um amplo sorriso e tocou sua. — Perdoe, querido. Por ser muito sufocante, como não deveriam ser as mulheres.
Ele relaxou.
— Deixe-me que visitá-la esta noite, Bess.
Ela afastou o olhar do dele.
— Pensarei.
Leicester lhe apertou a mão, impedindo que ela se voltasse para o outro lado.
— Eu irei, Bess. — Ele lhe advertiu.
O coração de Elizabeth pulsava fortemente. Fazia muitas semanas que não ficava sozinha com Dudley. Finalmente assentiu e enquanto o se voltava notou a satisfação em seus olhos. Ela não pôde menos que ansiar a noite que lhe esperava.
Elizabeth fitou Ormond.
— Você ganhou, Tom. Estou de acordo com você. Devemos encontrar um marido a jovem, e depressa.
O rosto de Ormond se iluminou de surpresa, enquanto o Leicester ao lado dela ficou rígido.
Entretanto, nesse momento não se atreveu expressar e Elizabeth sabia muito bem. Nesse momento que Cecil se aproximou.
— Mudou de idéia, Sua Majestade? Com respeito ao que tínhamos concordado anteriormente?
— Sim. — Ela respondeu com firmeza. Havia absolutamente mudado idéia. Não era insólito para quem a conhecia, entender que ela podia dar um golpe à direita e outro à esquerda sem se preocupar muito em olhar para trás.
Agora Elizabeth decidiu soltar aos seus mais confiáveis conselheiros uma parte da verdade, mas não toda.
— Não estou convencida que seja uma conspiradora. Agora a conheço um pouco mais e acredito que seriamente seja muito ingênua para ser envolvida em qualquer golpe, seja com seu pai ou com O’Neill. Entretanto, não me surpreenderia que estes dois homens estejam pensando usá-la em seus jogos. Quero eliminá-la como peão deste jogo, antes que o jogo comece.
William Cecil não disse nada. Entretanto, sabia muito bem que a partida já havia começado. Obtivera relatórios surpreendentes de seus espiões alguns dias antes.
O Sea Dagger fora avistado ancorado em Dingle Bay, perto de Askeaton. A baía também podia ser usada pelos papistas de FitzMaurice. Devido FitzGerald estar em Southwark, Cecil acreditava que o fato do Sea Dagger se encontrar em Dingle Bay significava o início de um jogo muito mais perigoso, no qual O’Neill se compenetrara a fundo. E Cecil estava fascinado. Como era ardiloso o pirata, se conseguisse chegar até onde ele pensava.
Mas não disse nada porque precisava permitir o pirata de fazer o que desejava.
Elizabeth levantou as mãos, chamando a atenção de todos os presentes sobre ela.
— Quero que a jovem se case com uma pessoa fiel a mim. — Ela afirmou. — Se casar, seu valor para Liam chegará a zero e para seu pai muito menos ainda.
Ormond sorriu satisfeito.
— Tem em mente algum vassalo leal?
Elizabeth assentiu, sem adicionar qual o fator que principalmente a induzira a tomar a decisão de casar Katherine.
Não tinha nada a ver com a conspiração e a traição, mas somente com a paixão.
A moça era muito bela e sedutora para permanecer a corte e constituía uma provocação constante para os favoritos da rainha. A rainha não podia permitir que seduzisse Leicester e não lhe importava que Liam O’Neill parecesse enfeitiçado por ela. Na realidade, até o querido e amado Tom parecia ter certa fraqueza por ela. Há um tempo advertia certa mudança nele. Não. Ter Katherine na corte era um grave engano. Tinha sido uma tola desde o início, lhe permitir ficar.
Imaginou Katherine relegada na Cornualha em um imóvel no campo, grávida e com uma série de crianças grudadas em sua saia. Não pôde menos que sorrir. Leicester, O’Neill, Black Tom não aa chariam.
— Na verdade, já falei com o noivo. — Seu sorriso se relaxou. — Embora John Hawke procure algo melhor que uma esposa irlandesa católica e sem dinheiro, eu lhe darei uma pequena propriedade em Kent, como dote. — A expressão de Elizabeth era serena. — Sir John aceitou. A data para o casamento está marcada para 15 de Abril. Faltam quatro semanas. Agora somente devo informar à jovem que seu futuro está arrumado. — Adicionou Elizabeth. — Indubitavelmente ficará muito feliz em ter conseguido alcançar seu grande desejo.
E Cecil se perguntou, qual seria a próxima jogada do pirata.
— Katherine!
A jovem se voltou depois de ter deixado o Salão de banquetes.
John Hawke se aproximou dela.
— Podemos conversar?
Ela levantou o olhar para o belo rosto e notando o brilho em seus olhos e correspondeu ao sorriso.
— Parece muito contente, senhor. — Disse alegre. — Qual é a causa, senhor?
Ele sustentou seu olhar.
— Vamos dar um passeio pela galeria. — Ele lhe propôs. Um instante depois a segurava por um braço.
Katherine descobriu que enquanto o caminhavam ele a fitava com intensidade.
— Verdadeiramente está de bom humor, senhor. Faz-me bem ver uma pessoa tão feliz. Mas por quê?
— Você é uma jovem impaciente. — Brincou ele baixando o tom de voz, em atitude íntima. — É impaciente em tudo, Katherine?
O sorriso de Katherine desapareceu. Havia algo estranho no ambiente. John Hawke estava bem mais afetuoso que de costume e imaginou se suas palavras tinham algum significado sexual, coisa que não lhe agradava nada.
Até o momento John sempre havia se comportado educadamente e galante, à diferença de Leicester e Liam.
Não desejava vê-lo transformado em um predador vulgar. Retirou a mão de seu braço Quando o entraram na galeria, que estava vazia porque a maior parte da corte ainda estava no Salão dos banquetes.
— Surpreendi-a? — Ele perguntou imediatamente preocupado.
Ela se deteve e o fitou.
— Não estou segura.
Ele tocou fugazmente sua face.
— Katherine, eu não tenho nenhuma intenção de incomodá-la... — Ele se interrompeu. — Tenho grandes notícias.
— Quais?
Ele não sorria mais e seu olhar a escrutinou.
— A rainha deseja que nos casemos e eu aceitei. Se você estiver de acordo, é claro.
Katherine gemeu, estupefata.
A imagem de Liam lhe atravessou a mente como um raio. Liam dos cabelos de ouro e os olhos cinza, com seu belo rosto tenso de paixão enquanto o se inclinava sobre ela. O corpo sólido e poderoso que pulsava contra o seu.
Afastou a imagem, mas não foi fácil. Piscou e viu o homem de cabelos escuros, com o rosto sério e os severos olhos azuis.
— Você ficou pálida. Acreditei que possuía uma boa opinião sobre mim.
Katherine esforçou para esclarecer as idéias.
— E possuo. Só estou muito surpresa!
— Vai se casar comigo, Katherine? — Perguntou Hawke
Katherine o fitou. Fitou Sir John Hawke, capitão do Guarda, um homem atraente e nobre.
Seus sonhos estavam para se realizar. Seus sonhos de ter um marido belo e nobre, uma casa toda sua e muitos filhos adoráveis. Bastava lhe dizer sim.
Pensou novamente em Liam. A ira a assaltou e ela afastou a imagem. Pensou em seu pai prisioneiro e em desgraça, despojado de tudo o que tinha, que dependia dela para convencer o pirata da bondade de sua causa.
Mas ela não desejava se casar com Liam, não!
— Não deseja se casar? —John perguntou muito tenso.
Ignorando todas as conseqüências, Katherine tocou seu braço.
— Não! Desejo me casar, sim! — Ela umedeceu-se os lábios. — Eu me casarei com você, Sir John.
Ele sorriu e os olhos dele se iluminaram, depois a pegou pelos ombros e Katherine ficou tensa sabendo muito bem que ele pretendia beijá-la. Seus olhos, sob os longos cílios estavam com uma tonalidade azul opaco.
Ele apertou a maxilar e Katherine não se moveu.
— Você é uma mulher muito bela, Katherine. E estou muito feliz que seja minha esposa. — Declarou com voz rouca e logo perguntou.
— Já foi beijada antes?
Katherine enrubesceu.
— Sim. — Murmurou incerta.
De repente lhe veio à mente, tudo o que tinha feito. Tinha sido beijada na noite anterior, e estreitada entre braços firmes. Havia sido acariciada e muito, muito mais. Oh, Deus. Por outro homem. Mas hoje, hoje ela estava comprometida. E se sentiu suja. Suja e indigna de um homem como Sir John, por causa do que tinha feito.
Graças a Deus, sir John não sabia. Não haveria de saber nunca.
— Não me importa. — John disse rudemente. — Não sou tolo. Estou seguro que você teve muitos admiradores ardentes. — Mas não a beijou.
Katherine umedeceu novamente os lábios.
Não lhe faria uma confissão, não devia. Mas tampouco lhe mentiria.
Bom Deus. O homem logo seria seu marido e não devia começar o casamento com mentiras, com infidelidades de prostituta.
— Tive algum admirador, — sussurrou conseguindo mostrar um débil sorriso, — mas agora saberei afastá-los se atreverem me cortejar outra vez.
Ele não sorriu, mas seus olhos brilharam.
— Ninguém mais se atreverá lhe fazer a corte, Katherine. Não conhece minha reputação? Há poucos espadachins melhores que eu em toda a Inglaterra. Somos noivos. Casaremo-nos dentro quatro semanas. Ninguém, sequer o pirata O’Neill, se atreverá tocar o que me pertence.
Katherine tentou imaginar John Hawke e Liam O’Neill lutando. Era um pensamento horrível. Um dos dois homens certamente morreria no combate. Se não matassem um ao outro.
Logo foi afastada de seus pensamentos porque John Hawke a aproximava dele e baixava a boca em sua direção.
Insegura, segurou seus ombros enquanto o a boca do homem se movia docemente sobre seus lábios. Seu beijo era gentil, não premente, não com o ardor que tinha esperado. Katherine se sentiu aliviada. Não estava com humor para beijar ninguém nesse momento.
Mas seu alívio desapareceu logo porque os lábios se tornaram insistentes, incitando-a a abrir a boca.
Como os outros homens que a tinham cortejado, ele também era perito na arte da sedução.
Entretanto, não conseguia obedecer a suas ordens.
Estremeceu. Não de desejo, mas de desilusão.
Ele se equivocou com sua reação e a empurrou contra a parede.
Katherine lhe permitiu que sugasse os lábios e depois o pescoço, intimando-se a não rechaçá-lo, o tempo todo consciente do grande membro que pulsava contra ela. Recordou a si mesma, que ele era atraente, nobre e gentil.
Entretanto, seu corpo permaneceu indiferente.
Oh, por que não podia sentir a paixão que havia provado por Liam O’Neill na noite anterior?
Finalmente ele afastou os lábios de seu pescoço.
Katherine se esforçou a fitá-lo, garantindo-se que com o tempo se adaptaria a ele. Que procuraria seu abraço como tinha procurado o de Liam na noite passada.
Mas o sentimento de culpa a consumia. Pareceu-lhe ler conflito nos olhos de Sir John. Conflito e desilusão. Mas depois ele sorriu e a envolveu com um braço, e ela se deu conta de ter entendido mal.
Eles se casariam em Londres na catedral de St.Paul. A rainha e toda a corte presenciariam a cerimônia, e depois os noivos viajariam para Barby Hall, a propriedade que Elizabeth havia dado a Katherine em dote, onde aconteceria a primeira noite de casados.
Os preparativos do casamento se iniciaram brevemente. Enquanto o isso Katherine partiria para visitar a casa ancestral de sir John na Cornualha, para conhecer o pai dele e se familiarizar com os futuros deveres de anfitriã de sua propriedade.
Katherine estava feliz.
Logo seria uma mulher casada, e não uma mulher casada com qualquer um, mas a esposa de um cavalheiro que indubitavelmente com o tempo teria seu cargo elevado, a serviço da rainha.
Um dia poderia chegar a ser cavalheiro da ordem da Liga ou até conselheiro particular.
Freqüentemente Elizabeth premiava aqueles que lhe eram fiéis, com títulos nobres e riquezas, como havia feito com Leicester.
Há um mês antes, sir William Cecil havia sido renomado Lorde. Lorde Burghley agora era tesoureiro do reino, um dos homens mais poderosos da Inglaterra.
Katherine estava verdadeiramente feliz.
Isto era o que cada mulher sonhava. Um casamento e a segurança de um homem atraente e nobre, de uma linhagem antiga.
Não um pirata que entra furtivo em quartos escuros no meio da noite, com intenções malvadas e imorais. Não um pirata que assalta navios de passageiros, saqueando e capturando mulheres inocentes, com a intenção de satisfazer os próprios apetites sexuais, pensando bem pouco nas vítimas impotentes.
Katherine sabia de ser muito afortunada. Era a mulher mais afortunada que existia, sem dúvidas.
Não havia tornado a ver seu pai desde que o compromisso havia sido anunciado. Tinha ignorado os chamados de Gerald, que haviam lhe chegado imediatamente após ter aceitado a proposta de John.
Também tinha ignorado a própria consciência, recusando-se a pensar que tinha desobedecido a seu pai. Mas Quando o o pensamento se insinuava muito forte, muito insistente e invasor afirmava-se, que ser a esposa de um cavalheiro inglês lhe permitiria muito bem ajudá-lo.
De fato, com o tempo conversaria com o marido sobre a situação de seu pai e com o tempo começaria a advogar por sua causa ante a rainha. Sabia que Elizabeth era muito afeiçoada a John Hawke que era um de seus favoritos, depois de Ormond e Leicester.
Certamente a rainha ouviria Sir John Quando o chegasse o momento de lhe pedir que Gerald voltasse a Irlanda.
Partiram imediatamente para a Cornualha.
Katherine tentou acelerar a partida, ansiosa em abandonar Londres.
Fosse para se adiantar de Gerald e Eleanor, os quais tentariam chegar à corte ou por Liam, o qual era tão audaz que poderia perfeitamente conseguir outro encontro noturno, desta vez com conseqüências catastróficas.
Enquanto o isso, noite após noite permanecia em seu leito acordada, incapaz de dormir, sem pensar em seu noivo, mas sim no condenado pirata.
O pai de John, sir Henry Hawke, era um homem atraente, mas um pouco cheio de corpo. Os acolheu ainda antes que desmontassem do cavalo.
Katherine compreendeu por sua áspera expressão, que ele não estava contente com casamento e ela imaginou quais seriam as razões dessa aversão. Ela era irlandesa. Seu pai era um prisioneiro da rainha que havia caído em desgraça. E embora escondesse sua verdadeira fé, como pedia os verdadeiros crentes, todos imaginavam que ela era católica.
Ela e John haviam conversado sobre a questão da educação religiosa dos filhos, mas sem sucesso.
Ele era um protestante e não suportava à Igreja. Katherine não podia imaginar praticar sua fé, sem as vestimentas litúrgicas e lendo em inglês o Livro das Preces Comuns, o livro de preces da Igreja anglicana.
Deixaram de lado o assunto, antes de começar a brigar, decidindo conversar sobre o mesmo mais adiante.
Embora que, se sir Henry Hawke não estivesse contente com ela, tendo indubitavelmente esperado que o estupendo filho conseguisse se casar com uma herdeira com título, não foi descortês ou mal educado e finalmente começou a amansar.
O segundo dia da permanência em Hawkehurst, Katherine fez um surpreendente descobrimento.
Ela e Hawke estavam na pradaria montando dois Pôneis da Cornualha e desfrutando de um dia agradável de março. Ele começou lhe falar dos hóspedes que estariam presente a uma festa dada por seu pai em sua honra, na qual conheceria os Senhores e as damas do lugar.
Katherine ficou surpresa em saber que o vizinho de Hawke era lorde Hixley de Thurlstone Manor. Juliet era sua vizinha!
— John minha mais querida amiga do convento onde passei os últimos anos era Juliet Stratheclyde, herdeira de Thurlstone e tutelada de Lorde Hixley.
Hawke a olhou.
— Stratheclyde morreu a alguns uns anos atrás e me pareço me recordar que tinha uma filha, embora não sei se foi enviada a um convento.
Katherine esporeou seu pônei, para alcançar o de John.
— John, por favor! Vamos a Thurlstone Manor! Oh, por favor!
John sorriu.
— Ficam belos seus olhos, Quando o brilham desta maneira. Sim, vamos visitá-los.
Esperaram na grande sala, admirando as ricas tapeçarias, a prata e as poltronas acolchoadas. Juliet estava fora. Havia saído para andar a cavalo e Lorde Hixley estava inspecionando as minas. Mas o mordomo enviou um rapaz dos estábulos, para avisá-los.
John e Katherine conversavam enquanto o esperavam
Depois, Quando o Katherine ouviu passos apressados se voltou sorrindo. Juliet entrou na sala. Nunca a tinha visto tão graciosa, com os longos cabelos negros soltos até a cintura e as bochechas rosadas por estar ao ar livre. Seus os olhos brilhavam. Ele vestia um vestido verde de damasco, que acentuava sua estupenda cor.
— Katherine! Oh, Katherine!
As duas moças se abraçaram e acariciaram os braços uma da outra.
— Você já era uma beleza antes, mas agora este clima a tornou ainda mais bela, Juliet!
— Katherine como você é doce! E asseguro que tampouco você é uma bruxa. O que faz aqui? — O olhar de Juliet pousou sobre Hawke e seu sorriso se apagou. Fitou-o e suas bochechas enrubesceram levemente.
Katherine sorria para ela, Quando o se deu conta que Juliet não tirava os olhos de cima de seu belo noivo. Voltou-se para apresentar John. Enquanto o o apresentava seu sorriso tremeu. Hawke olhava para Juliet com a mesma intensidade que ela o fitava.
Katherine não falou mais e um estranho silêncio se fez na sala. Um silêncio carregado de tensão.
Hawke retornou em si e com uma expressão rigidamente formal fez uma reverência.
— Lady Stratheclyde. — Ele murmurou. — Estou feliz de conhecê-la. — Seu olhar, que havia permanecido sobre o Juliet, desceu até seus pés, fugaz, mas inegavelmente viril.
Katherine já não sorria.
Parecia que Juliet não sabia o que dizer.
Fitou nervosamente Katherine e logo seus olhos voltaram para Sir John.
— Sir John… Permita-me … Me congratular com você… Com você e Katherine… Por sua boa sorte.
O maxilar de Hawke estava cerrada.
Ele assentiu e logo dirigiu o olhar para uma das belas janelas da sala.
Katherine estava desiludida. Certamente se equivocava. Não era possível que o ambiente se enchera de faíscas por causa dos dois. Não, não era possível.
Para remediar a situação, Juliet se forçou a sorrir e começou a conversar em um tom de voz muito brilhante.
— Estou tão feliz por você, Katherine. — Ela disse sem fôlego. — Como é feliz! Quando será celebrado o casamento? Quanto tempo permanecerá em Hawkehurst? — Seu sorriso era precioso. — Quando voltará?
Katherine observou John, que se voltara de costas e estava estudando uma tapeçaria de Guillerme, o Conquistador de Hastings. Tinha a sensação que ele estava preso da conversa.
— Casaremos-nos em 15 de Abril, em Londres. Permaneceremos em Hawkehurst duas noites mais.
Juliet ficou desiludida.
— Então não a verei mais? —Ela disse voltando a ser como antes.
— Não vem à festa dada em minha honra e a de John? — Perguntou-lhe Katherine.
— Não acredito. — Disse Juliet.
— Não foi convidada?
Juliet pensou.
— Naturalmente, sim… Mas meu tio prefere que não vá.
— por quê?
John não contestou.
— Katherine, eu esperava que pudéssemos passar um pouco de tempo juntas antes de sua partida. Eu gostaria que ficasse mais tempo.
Katherine pegou a mão.
— Podemos dar um passeio no jardim? — Ela se dirigiu a seu noivo. — John, você acharia ruim se eu e Juliet passeássemos alguns minutos juntas?
Pela primeira vez desde que voltara às costas a elas, ele fitou-as, mas seu olhar se dirigiu a Juliet. Detendo-se no belo rosto delicado com forma de coração.
— Katherine, não devemos demorar. Meu pai convidou vários hóspedes para o almoço. E quase é meio-dia, agora.
— Sei disso. Por favor.
Ele se dulcificou, assentindo.
— Então, apresse-se. — Lhe recomendou
Juliet pegou Katherine pela mão, brindando Hawke com um olhar pleno de gratidão.
As duas moças correram para ao jardim e se detiveram debaixo de uma cerejeira.
— Juliet, você está com algum problema?
Juliet fitou Katherine, com um olhar improvisamente infeliz.
— Como você é afortunada. — Ela lhe sussurrou, — Vai se casar com um homem como Sir John.
Katherine gelou, imaginando que Juliet estivesse a ponto de confessar sua inesperada atração por John Hawke.
— Meu tio pretende me comprometer em meus dezesseis anos, que acontecerá em seis semanas. Restringiu as possibilidades em três candidatos. Oh, Deus! Lorde Carey tem o triplo de minha idade, embora ainda seja um homem atraente. Mas já teve duas mulheres e tem seis filhos. Ralph Benston é um moço magro e furunculoso que não consegue manter suas mãos quietas. O terceiro pretendente é Simon Hunt. Na realidade é muito gentil, mas é muito gordo. Odeio todos! — Gritou Juliet.
— Oh, Juliet. — Exclamou Katherine, aliviada por que seus temores não se concretizaram. Mas sentia muita compaixão por Juliet e não sabia o que dizer.
Uma nobre não se casava por amor, mas eram sempre possível bons compromissos.
— Não pode falar com Hixley? Não pode procurar um marido que também te agrade?
— É impossível. — Respondeu Juliet. — A ele não importa nada do eu sinta. Inclina-se por Lorde Carey, que é tão espantoso. Não sei o que fazer. Como posso me casar com um completo estranho que somente quer Thurlstone e a quem devo me fazer de esposa por toda a vida?
Katherine lhe apertou a mão.
— Você é muito bela, Juliet. Estou segura que todos os três homens não só querem Thurlstone.
Juliet enrubesceu.
— É horrível! Poderia aceitar em sua cama um homem que não ama e deixar que te toque e te beije? — Ela estremeceu.
Katherine se sentiu culpada, pensando em Liam O’Neill.
Mas lhe perdoou a resposta porque Juliet disse com amargura:
— Mas você não tem este tipo de problemas. Está para se casar com homem atraente e nobre. Como a invejo, Katherine. — Juliet afastou o olhar, enrubescendo. — Como é afortunada. — Sussurrou
— Sim. Sou seriamente, afortunada. — Replicou Katherine, sempre se sentindo culpada. E seu coração começou a pulsar forte.
Pouco depois, ela e John deixaram Thurlstone, a caminho de Hawkehurst. Juliet que os saudava, com o rosto enrubescido e um sorriso nos lábios. Seu olhar que seguia Hawke.
Ele, ao contrário, parecia absolutamente decidido a ignorar Juliet. Fixou o olhar na pradaria diante de si. Mas, novamente, suas bochechas estavam vermelhas e Katherine notou que ele estava com expressão aturdida.
Estou errada. Pensou Katherine, de repente abatida.
Entre eles não havia explodido nenhuma faísca. Naturalmente, Juliet o achava atraente, como todas as mulheres. Mas ele será meu marido. Eu serei sua esposa. Ele não a acha atraente. É a mim quem ama.
E para piorar sua situação, Liam O’Neill ousou novamente aparecer em sua mente. E sorria.
Um sorriso sarcástico.
Gerald estava sentado no escuro salão de St. Leger House, sozinho.
Estava amaldiçoando sua filha.
Ela havia lhe desobedecido. Não lhe ouvira e havia traído-o.
Não tinha seduzido e prendido Liam O’Neill, a última e desesperada esperança dele. Não. A rainha havia lhe comprometido com um maldito inglês. Não só inglês, mas indiscutivelmente fiel à Coroa.
Sir John Hawke, o capitão da Guarda.
Mas Katherine não compreendia que cada dia que ele passava no exílio forçoso em Southwark, exalava suas últimas forças?
Não podia viver dessa maneira, empobrecido e em exílio. Não. Não seriamente não podia. Como ela pôde lhe fazer semelhante coisa? E ainda ignorar seus chamados! Maldição!
Não fez outra coisa que pensar que era teimosa como a mãe.
De repente sentiu um profundo desejo por sua primeira esposa, Joan. Embora ela tivesse trinta e seis anos e ele dezesseis Quando o se encontraram pela primeira vez, sua paixão não tivera limites. Joan ainda era extraordinariamente bela. Bem mais bela que todas as jovens que possuíam a metade de sua idade. E na cama… Gerald suspirou.
Ela conhecia truques que ele nunca havia imaginado. Sua paixão era obstinada, como ela.
E havia lhe sido leal até a alma, apesar de seu filho ser o Conde de Ormond e inimigo de seu marido. Joan nunca o havia traído. Fora-lhe fiel e o amara até o dia de sua morte.
Era uma de suas grandes tristezas de sua vida, que ela tivesse morrido sozinha em Askeaton sem ele, enquanto o estava preso na Torre de Londres. Prisioneiro da rainha. O fato havia acontecido sete anos atrás.
— Gerald? Por que está aqui e sentado ao escuro? — Perguntou-lhe a esposa entrando no aposento.
Gerald piscou Quando o Eleanor acendeu velas, até que a sala fria e escassamente mobiliada se iluminou.
Em certos momentos ela lhe lembrava Joan. Era muito bela e muito inteligente. E também teimosa. Uma boa companheira, como havia sido Joan.
— Estou pensando. Por quê?
— Bem, não há nada que você possa fazer. — Ela disse amargamente, lhe lendo o pensamento. — Deveria deserdar essa sua filha traidora. Deveria!
Gerald não faria, jamais. Era desleal e merecia alguns tabefes, mas era sua única filha. A única que tivera com o Joan.
— Deserdá-la? — Riu amargamente. — Não possuo nada, agora. Como posso deserdá-la?
— Ela e John Hawke voltaram para Londres hoje. Se você não falar, eu irei. — Declarou a mulher, com os olhos ardentes.
Gerald a olhou.
— Não. Não quero discórdia entre vocês duas. — Ele declarou. — Entretanto, este assunto ainda não terminou. Não até que toquem os sinos na igreja.
Eleanor o fitou.
— A que está pensando?
Gerald nesse momento sorriu.
— Traga-me uma pluma, mulher. Necessitaremos de um mensageiro que nos seja fiel.
Eleanor voltou com a pluma, o tinteiro e um pergaminho, com os olhos azuis acesos de excitação.
— O que vai fazer, meu querido?
Gerald pensou um instante, logo começou a escrever.
— Eu não erro ao julgar os homens. Quero informar o pirata, sobre os acontecimentos. Se existe alguém o bastante inteligente e audaz para fazer alguma coisa, esse é Liam O’Neill.— Ele sorriu a esposa. — Ainda há tempo suficiente, acredito eu, para que a mensagem chegue até ele, para que possa concertar as coisas.
Eram os últimos gemidos do inverno e o vento gelado assobiava na ilha deserta, que não era mais que um amontoado de rochas e pedras, embora, na margem sul um bosque de abetos desafiava a intempérie, os ventos e o mar. Suas praias eram estreitas faixas de areia, cheias de rochas que emergiam nos recifes.
A onda era violenta inclusive no verão, em uma interminável colisão de água contra a rocha e a terra.
No lado norte da ilha havia um porto fundo, com a boca vigiada por duas torres e um canhão.
No porto, o Sea Dagger e outros navios de O’Neill, todos ágeis e prontos para a batalha, balançavam na enseada.
Havia uma pequena aldeia perto dos moles, onde viviam os marinheiros e os operários dos estaleiros navais trabalhavam.
Também existiam algumas esposas, crianças e uma ou outra prostituta. Existiam, um ferreiro, um açougueiro, padeiro, moleiro, carpinteiro e um comerciante que vendia um sem fim de mercadorias. Existiam também várias cervejarias.
Da aldeia, um atalho subia pelo escarpado até a fortaleza de Liam.
No topo, sobre um leito de granito se encontrava o castelo medieval.
Uma ponte levadiça se estendia sobre um profundo poço e para entrar nas muralhas de pedra era necessário passar por uma grade de ferro e arame farpado. As torres de vigia eram quadradas e com antigas fendas que dominavam os quatro ângulos da fortaleza.
No interior havia uma torre de três pisos, com uma grande sala e vários outros aposentos. Em outra época, a fortaleza havia sido usada por algum nobre em exílio e por outros piratas. Mas recentemente havia sido restaurada com o agregado de uma grande construção de pedra e janelas de vidro. A casa patronal tinha teto de duas águas e duas canaletas em declive e cinco altas lareiras.
Liam havia construído a nova mansão porque odiava a solidão do antigo castelo, que lhe parecia escuro e habitado por fantasmas. Não tinha medo de espíritos, mas havia pensado que uma casa nova e mais luminosa lhe teria aliviado da sensação de isolamento que sentia cada vez que estava na ilha. O castelo, não obstante, a madeira lustrada e as ricas tapeçarias, não o seduzia.
Uma vez tinha havia tentado viver nele. Mas com grande horror havia sido uma experiência de maior solidão, que viver na torre medieval de pedra.
Liam se sentou sozinho em uma mesa. MacGregor estava sentado ao lado do fogo em um banquinho, e tocava uma melodia doce e triste com a gaita de fole.
Guy, o rapazinho estava enrodilhado aos pés de MacGregor e o brilho das chamas dançava em seu rosto magro.
A música deveria tê-lo tranqüilizado, mas Liam nunca havia se sentido tão inquieto.
Os dias passavam lentos, vazios.
Como, em nome de Deus, poderia suportar transcorrer outro dia nesse lugar, Quando o lhe parecia já não poder suportar a própria pele?
Antes, nunca odiara tanto permanecer encerrado na ilha, por causa do tempo gelado e tempestuoso.
Abriu novamente com cuidado a carta. Era de sua mãe, Mary Stanley, escrita duas semanas antes. Embora sempre fosse visitá-la a cada vez que seus assuntos o conduziam às terras inglesas, na última vez não o fizera.
Na verdade, não a via há seis meses e se sentia culpado.
— Meu querido Liam. — Ela escreveu. — Como sempre você está em primeiro lugar em meus pensamentos. Espero que tudo esteja bem. Que Deus o mantenha em boa saúde e longe dos perigos. Cuide-se, meu querido. Lembre-se que não poderei suportar se te acontece alguma coisa. Ouvi as últimas intrigas e verdades, por causa de nossas últimas conversas. Não fiquei muito surpreendida. Deveria ter imaginado que um dia ou outro aconteceria.
Mas raptar Lady Katherine FitzGerald no mar, como se você fosse um pirata perverso, um homem como seu pai!
— Querido Liam. Sei que você não é como Shane, que nunca poderia ser tão cruel e perverso como ele. Mas dizem que Katherine se assemelha muito a mãe, a Condessa de Ormond. Lembro-me muito bem de Joan. Era muito mais que bela, forte e inteligente, que parecia. Se a filha for como ela, temo que entre vocês haja confrontos. Querido Liam, preste atenção com esta jovem. Seu valor, para você superará o valor político. E recorde-se também que Joan foi gentil conosco quando você ainda era um bebê. De todas as damas nobres que encontrei naqueles dias tristes, mas também alegres (você foi minha alegria) ela foi uma das poucas que não agiu com crueldade, a querer minha amizade. Sei que nunca faria mal a sua filha, não de propósito. E compreendo porque você a raptou dessa maneira.
Sei o quanto você é equilibrado, meu querido, se deseja fazê-la tua, como suspeito.
Amor e esperança me agitam o peito.
Liam havia lido a carta pelo menos umas dez vezes. E se envergonhava. Não acontecia freqüentemente com ele, refletir com arrependimento sobre sua vida. Só os tolos meditavam sobre o que não podia ser mudado.
Embora Mary nunca tivesse lhe condenado abertamente por suas vicissitudes de pirata, ele sabia que secretamente ela esperava que um dia ele se transformasse em um nobre inglês puro. E seus desejos eram impossíveis. Eram sonhos cheios de fantasia. Não podia modificar quem e o que tinha sido seu pai, e indubitavelmente Katherine nunca o esqueceria.
O fato de ter nascido fora do mundo inglês ou do irlandês lhe tinha obrigado a tomar o caminho do mar. E como ele, Mary sabia disso.
Dobrou a carta com muito cuidado e a colocou em um pequeno cofre, desses que as mulheres usam para guardar suas jóias, e fechou com chave. A chave ele a guardou no cinto e o cofre em um armário.
Nervoso, começou a caminhar.
Pelo menos no passado, devia cuidar só de si mesmo Quando o devia enfrentar o vazio de sua vida na ilha. Suportava. Mas agora… Agora em qualquer lugar que fosse ou olhasse via uma sedutora mulher de cabelos chamejantes.
Recordou a obstinada rejeição de Katherine ante sua proposta de casamento. O rosto lhe enrubesceu e se sentiu tomado pela ira e a humilhação. Sabia que era muito orgulha para lhe suplicar ou mudar de idéia. Ou de mudar a opinião sobre ele.
Liam Observou as chamas dominando por suas próprias emoções, com uma vontade de ferro. Katherine agora estava na corte, e quanto a isso, não era um mau lugar para ela. A partida estava decorrendo, embora bem longe do fim. Mas chegaria nele.
Liam perguntou-se, se no final de tudo, se casaria com Katherine mesmo contra sua vontade. Conhecendo-a como a conhecia agora, sabia que não era possível.
Entretanto, não podia deixá-la. Cedê-la a outro homem.
Uma maldição lhe fugiu dos lábios, interrompendo o silêncio da sala das paredes de pedra.
Ele se deteve Quando o se deu conta que MacGregor havia deixado de tocar a gaita de fole e que ele seja e Guy estavam lhe observandoo.
Liam se esforçou em sorrir, em benefício do rapazinho.
Guy se levantou.
— Capitão, o senhor necessita de alguma coisa? — Seu olhar ansioso permaneceu fixo em Liam.
Quero uma mulher de cabelos vermelhos cuja paixão é igual à minha. Ele pensou.
— Não, Guy.
Guy duvidou.
— Sente-se. Vá ouvir MacGregor tocar. — Lhe disse, em um tom bem gentil, para ser uma ordem.
Guy relaxou obedecendo e MacGregor disse:
— Está chegando alguém.
Liam ouviu um leve toque do sino da torre de guarda. No inverno era o único sino que se ouvia, por causa dos sibilantes ventos.
Um instante depois entrou um de seus homens, com a face áspera por causa do frio, acompanhado por um visitante protegido por uma capa.
— Capitão. A recém chegou um mensageiro para o Senhor.
Liam Observou o mensageiro que tremendo tirava o gorro, a capa e as luvas.
Certamente havia chegado à ilha a bordo do navio de provisões que Liam mandava mensalmente a Belfast. Não reconheceu ao homem.
Fez-lhe gesto de se sentar e se voltou.
Um criado se materializou e notando o olhar de Liam precipitou sua saída, para voltar com vinho enriquecido com especiarias quentes e outras bebidas.
Liam disse ao homem da face queimado pelo vento frio:
— Jackie, vá até a cozinha se esquentar, e se ainda não comeu, coma comida quente.
O homem das bochechas vermelhas assentiu, desaparecendo atrás do criado.
Liam se sentou no banco em frente ao mensageiro.
MacGregor havia recomeçado a tocar, mas bem mais devagar e Guy se voltou a ouvir o escocês. Liam perguntou tranqüilo:
— Quem o envia?
— Gerald FitzGerald.
Liam ficou rígido. O homem extraiu de sob a capa um pergaminho com um selo e o passou. Liam pensou um pouco, logo se levantou se aproximando do fogo.
Tentando não demonstrar sua ardente curiosidade abriu lentamente à carta.
Um instante depois. Enquanto o lia, seus olhos ficaram enormes e seu rosto ficou pálido de pânico.
Katherine FitzGerald estava noiva, comprometida com Sir John Hawke e se casaria no dia 15 de Abril. A rainha havia lhe atribuído como dote, uma pequena propriedade em Kent.
Liam começou a vermelhar. A fúria o avassalou.
— Que diabo de dia é hoje?
MacGregor depositou a gaita de fole de lado.
— É trinta de Março. — Respondeu.
Liam se esforçou para se controlar, mas não conseguia conter a ira que lhe fervia o sangue, enquanto o imaginava Katherine nos braços de outro homem. Como esposa de outro homem.
Tremia, mas Quando o falou sua voz era gelada.
— Vamos para Londres. — Anunciou tranqüilo, mas o tom traía. A fera que aninhava nele havia se desencadeado.
— Imediatamente.
Mas a tempestade de neve atrasou sua partida.
Por doze dias inteiros.
Os sinos da igreja repicavam.
Os grandes sinos da catedral de St.Paul repicavam, repicavam e repicavam.
A rua diante da igreja estava cheia de gente. Ao longo dela se estendia uma fileira de carruagens e cabriolés a espera dos nobres que no interior da nave presenciavam a cerimônia nupcial.
Nos arredores também havia um enxame de dúzias de cocheiros livres.
E centenas de londrinos lotavam as veredas de fora da imponente catedral. Eram pequenos proprietários latifundiários, nobres de menos estirpe e pessoas comuns.
Um casamento entre nobres era um grande evento e todos estavam curiosos para ver o casal que recentemente havia se unido em casamento.
Finalmente apareceram os noivos. A multidão avistou primeiro o noivo e explodiu em aplausos, algumas mulheres desmaiaram. Sir John Hawke vestia o uniforme vermelho com enfeites em ouro, com a grande espada de cerimônia em sua cintura. Botas negras de cano longo e um chapéu com plumas completavam sua indumentária.
Os murmúrios logo se transformaram em rápidos e sufocados sussurros.
A noiva era tão bela, quanto o noivo era estupendo.
O vestido de veludo branco coberto de pérolas causou inveja em mais de uma jovem, especialmente porque ressaltava as formas perfeitas da noiva.
Mas era seu rosto que fazia homens e mulheres suspirar. Era realmente gracioso em sua forma oval, com maçãs salientes e lábios cheios. Era seu rosto que fazia com que os homens invejassem o noivo, com pensamentos lascivos.
Lançaram sementes no casal, augurando uma união fértil e frutífera.
Foi somente Quando o os dois subiram à carruagem que os esperava, puxada por um casal de cavalos brancos, que todos notaram que o noivo e nem a noiva sorriam.
Era muito estranho.
Em Barby Hall, o fogo crepitava na lareira de granito esquentava a ante sala principal, revestida de painéis de madeira. Sobre o piso de madeira de carvalho haviam sido colocadas esteiras novas e perfumadas. Uma cama com dossel, sem cortinados, mas maciça, estava centrada no meio do aposento, coberta com mantas de veludo verde e azul, e de peles.
As mantas tinham sido abertas.
Katherine sentia o coração quase explodir no peito. O cansaço que sentia após o stress e a tensão do casamento e da festa em Richmond Palace havia desaparecido. Agora ela estava apreensiva. Era a esposa de John Hawke. Oh, Deus. Katherine fechou os olhos enquanto o Helen a ajudava a tirar o vestido e a roupa íntima.
Pensou no pai que havia se recusado a presenciar seu casamento, mas que lhe enviara uma carta cheia de frias recriminações. Pensou no pirata de ouro, mesmo sem querer. Agora, durante sua primeira noite de casada recordava os beijos ardentes que nunca mais teria.
O coração lhe pulsava forte como um tambor.
O que havia feito?
O pensamento indesejado abriu caminho, em sua mente e a fez se zangar. Era muito tarde, pensou convencida, para arrependimentos e dúvidas.
E apesar de tudo estava mais ou menos segura em amar John Hawke.
E era feliz. Era. De verdade. Era o que sempre havia sonhado. Era o que sempre havia desejado e a vida finalmente estava dando o que lhe correspondia: respeitabilidade, nobreza e logo, rogou, o primeiro filho.
Respirou fundo, se aproximando do fogo para esquentar as mãos. Estava casada e tudo se desenvolvia para melhor.
E essa era sua primeira noite de casada.
Receberia seu marido de braços abertos.
Graças a Deus era de natureza apaixonada.
Com toda probabilidade, gostaria. Bem, pelo menos esperava.
Helen havia desatado seus cabelos vermelhos que chegavam até a cintura.
— Pronta, Mademoiselle. Está maravilhosa. Sir John ficará apaixonado por você esta noite.
Katherine pensou em John que não havia lhe sorrido durante todo o dia. Será que estava nervoso, como acontecia à maioria dos noivos?
Ou tinha dúvidas?
De repente pensou em Juliet, que logo seria obrigada a casar com um estranho. Juliet tinha vindo ao casamento com o tio e Katherine havia notado a maneira em que ela olhava para John.
Um pensamento absurdo passou por sua mente. Juliet deveria estar em seu lugar nesse momento. Juliet deveria ser a esposa de John Hawke, a esperá-lo no leito.
Começou a tremer assustada com os pensamentos.
Tudo ficaria bem, pensou respirando fundo e começando a suar, uma vez que passariam juntos a noite.
E se não fosse tudo bem, não importava. Era a esposa de John, segundo a lei de Deus e dos homens, até que a morte os separasse.
Helen saiu do aposento. Ela estava sozinha. Dirigiu-se novamente para a lareira, esperando esquentar o corpo seminu: vestia somente uma camisola transparente de seda marfim, que revelava todas as suas curvas. Uma camisola de noite feita para seduzir.
Agora, ela desejava ter escolhido algo mais modesto. Mas logo se recordou que queria um filho e, portanto tinha que atrair o marido ao seu leito.
Sentiu-os subir as escadas. Ficou gelada.
A família de John e os amigos íntimos haviam lhes acompanhado até Barby Hall, para seguir festejando. Seu coração batia erraticamente. Katherine Observou a porta, ouvindo os companheiros de John que gritavam e lhe davam conselhos indecentes. Estremeceu.
Um instinto primitivo lhe sugeriu de correr para o leito e esconde, mas sabia que era um impulso tolo. Não cedeu.
A porta abriu e John apareceu, mas antes que pudesse voltar a fechá-la, Katherine notou atrás dele uma dúzia de homens ébrios. Homens que gritaram comentários obscenos depois que a viram.
Empalideceu apertando as mãos sobre o peito, incapaz de se mover.
John esbugalhou os olhos no instante que a viu.
Um segundo depois se voltou, amaldiçoou e fechou a porta na cara de seus homens ébrios e vulgares.
Fitou-a sem se mover.
Vestia somente a calça e uma túnica meio aberta. Seus olhos brilharam, com uma expressão que Katherine conhecia bem.
Katherine enrubesceu embora fosse sua esposa. John continuou a fitá-la. Ela conseguiu fazer um débil sorriso, e apesar de sentir-se gelada deixou cair às mãos nas laterais do corpo.
Enfrentou novamente o olhar de John e notou que lhe fitava os seios e logo baixou o olhar até a conjunção das coxas.
Um pensamento horrível desencadeou na mente de Katherine: essa noite ele não pensaria em Juliet.
E ela estava horrorizada.
— John? — Disse. — Quer um pouco de vinho?
Antes que pudesse responder, ela ouviu um ruído seco no piso de abaixo.
John que já se aproximava se deteve.
De baixo se ouviu um homem gritar e um instante depois um ressoar de espadas. Um som inconfundível.
À medida que os ruídos se tornavam mais violentos ouviam-se passos de homens que corriam pela escada.
John se voltou de repente, amaldiçoando porque estava sem sapatos, virtualmente despido e sem espada. Correu até a porta, abrindo-a.
Katherine não se moveu, estupefata.
Liam O’Neill se precipitou para dentro do aposento, com a espada na mão evidenciando a ponta ensangüentada. Ele fitou Katherine.
Um segundo depois estava com a ponta da espada na garganta de John, que retrocedeu para a parede. Katherine cobriu a boca com a mão, alterada. Liam lhe sorriu triunfante, por um breve momento e disse: — Parece-me ter chegado a tempo, não?
Katherine sobressaltou.
Hawke estava furioso.
— Vou matá-lo por isso.
— Como? — Liam zombou dele. — Seus poucos vassalos são um patético amparo e agora estão amarrados. Sua espada está lá embaixo, destroçada em duas por mim. Mas se quer morrer, venha. Enviarei-o com muito gosto para o outro mundo.
John grunhiu e saltou adiante, contra a espada, que entrou na carne. O sangue saltou de sua garganta.
— Não! — Gritou Katherine adiantando-se para detê-los.
Liam a fitou friamente, logo ordenou: — Pegue-a, Mac.
MacGregor estava em pé na porta. Katherine não havia se conta de sua presença, até esse momento. Quando o homem avançou ela gritou, mas não podia fugir para lado nenhum. O escocês a segurou.
Outros homens entraram no aposento. Liam deu alguma ordem seca e logo John se encontrou com as mãos presas atrás das costas, com algemas de ferro.
Logo Liam colocou a espada na bainha e pegou John, empurrando-o para a cama.
Um de seus homens lhe lançou outro par de algemas que ele pegou no ar e amarrou um tornozelo de Hawke em uma coluna do leito.
Hawke ofegava, lívido de raiva.
— Não conseguirá se safar desta.
Liam que até esse momento sorria, como se gostasse de cada um instante do jogo, fitou Hawke. Seu sorriso desapareceu e os olhos acinzentados arderam.
— Esta noite a farei minha como devia ter feito um mês atrás em Whitehall.
Hawke se agitou contra as algemas.
— Já é um homem morto. Eu o caçarei e matarei. Está acabado.
— Ela é minha. Sempre foi minha— Liam se voltou e MacGregor compreendendo suas intenções, imediatamente soltou Katherine.
Katherine se deu conta do que estava para acontecer. O instinto lhe sugeria. Precipitou-se para a porta, mas foi inútil e tolo porque os homens de O’Neill lhe fecharam o caminho. Katherine gritou Quando o a detiveram, mas ninguém a tocou. Procurou uma saída de entre dois sequazes, mas era como tentar romper uma parede de pedra.
Então Liam lhe segurou pelos cabelos, detendo sua fuga.
Ela gemeu de dor e logo, como um cavalo indômito, permaneceu imóvel ofegando, mas vigilante, a espera de saltar longe enquanto o ele se enrolava lentamente seu cabelo ao redor da mão, mantendo-os elevados à medida que se aproximava.
Quando o seus rostos ficaram frente a frente, ele sorriu.
Katherine compreendeu perfeitamente suas intenções e quis se lançar contra ele em um furioso ataque, mas teria o cabelo da cabeça todo arrancado, devido como ele a dominava.
Não se moveu. Seus olhos muito abertos estavam fixos nele.
Liam de repente lhe soltou o cabelo e a levantou e jogou sobre um ombro. Logo atravessou o aposento. Katherine começou a espernear.
Ele lhe deu uma forte palmada nas nádegas. Doeu. Ela se deteve, enquanto o as lágrimas lhe enchiam os olhos.
Levantando o olhar, mesmo pendurada nas costas de Liam, encontrou pela última vez o olhar furioso de John Hawke. Katherine desejava poder tranqüilizá-lo. Notava-se que ele não só estava furioso com o rapto, mas também muito preocupado por ela.
Liam desceu correndo a escada e saiu da casa, com Katherine que se sacudia dolorosamente sobre o ombro.
Ele a colocou em pé imediatamente e alguém lhe atirou uma capa em cima. Logo uma mordaça na boca. Foi colocada sobre um imenso cavalo cinza. Um instante depois Liam montou atrás dela e lhe estreitando a cintura apertadamente, se afastaram ao galope.
— Eu lhe avisei,— ele lhe sussurrou ao ouvido, — que viria te buscar Quando o fosse o momento.
Katherine o fitou com os olhos cheios de lágrimas, louca de raiva e desesperada.
Katherine não tinha outra opção que se sustentar na sela, enquanto Liam levava seu cavalo a galope para longe de Barby Hall, a uma velocidade de um raio.
Ele estava sentado atrás dela, segurando-a bem forte, com o corpo unido ao animal. Percorreram o caminho escuro, seguidos dos homens de Liam, apressando-se para volta ao mar.
A noite estava escura, fria e sem lua. Não se avistava nada. Mas o imenso cavalo corria a toda velocidade, de cabeça baixa, orelhas para trás e resfolegando.
Liam o esporeava duramente. Katherine observava o caminho negro e cheio de sombras que desfilava por eles, perguntando-se se morreriam todos naquela noite.
Estava se recuperando do choque nesse momento, e a raiva fervia em suas veias. Mas a mordaça a impedia de falar, de gritar e não havia nenhum modo de fugir de Liam.
Liam dirigiu o cavalo para fora do caminho.
Katherine sufocou um gemido, Quando o notou o atalho estreito e íngreme que pretendia ele pretendia tomar. Apertou ainda mais a mão na dianteira da sela, mesmo com Liam lhe sustentando firmemente. Queria insultá-lo, segura que nesse ponto os dois quebrariam o pescoço. O cavalo começou a escorregar pela precária descida, sobre as ancas. Mais abaixo Katherine ouvia o ruído das ondas do mar.
O cavalo escorregou, tropeçou e resvalou. Liam explodiu. Amaldiçoou e esporeou o cavalo.
Katherine estava com a face sulcada de lágrimas.
Finalmente o cavalo afundou as patas no terreno arenoso da praia, saltando como um pássaro. Um momento depois, Liam já havia desmontado e lhe tirava da sela. Seus homens se detiveram imediatamente atrás dele. Transtornada como estava, para ela foi difícil conseguir se manter em pé. Tropeçou, mas Liam a sustentou.
Katherine o fulminou, com a expressão carregada de raiva e o golpeou no rosto com os punhos. Conseguiu lhe roçar a face, mas pareceu não incomodá-lo, porque ele se limitou a segurar suas mãos e lhe dar uma sacudidela, ameaçando-a para que se tranqüilizasse. Logo murmurou algumas ordens aos seus.
Mais lágrimas encheram os olhos da jovem que continuou a amaldiçoá-lo mentalmente. Já não estava atordoada e compreendia perfeitamente o que tinha acontecido. Havia sido raptada do leito nupcial!
Katherine viu os homens se aproximar deles. Como fantasmas eles se materializaram do mar e atrás de suas figuras escuras mal delineadas, ela notou sombras que se moviam. Logo se deu conta que as sombras eram uma meia dúzias de barcos.
Katherine caiu em cima de Liam, desesperada. Acreditou ver as imensas velas do Seja Dagger, flácidas, que brilhavam quase prateadas contra a noite.
Não conseguiria fugir e em poucos minutos estaria no navio e só Deus sabia Quando o ele decidiria deixá-la em liberdade.
E nesse momento talvez fosse muito tarde.
Liam a levantou da areia e por instinto Katherine tentou se afastar dele olhando frenética para trás, em busca de qualquer sinal de perseguição, rogando ver John aparecer milagrosamente no topo do escarpado.
Mas lá encima nada se movia, salvo as copas das árvores agitadas pelo vento.
Poucos instantes depois, ela foi colocada em uma barco.
Mas não podia se render. Não podia. Sabendo muito bem que seus esforços seriam em vão, enquanto Liam subia a bordo e ala se levantou com a intenção de fazer uma última tentativa de fuga.
E devido saber que era a última vez, a última oportunidade, ela se moveu com incrível rapidez e força. Estava já quase meio fora da pequena embarcação Quando o Liam se deu conta do que ela pretendia fazer. Atirou-se na água. Katherine ficou aturdida com água gelada Quando o afundou nas ondas, mas não se deteve. Liam lhe gritou algo, logo a alcançando, mas somente conseguiu pegá-la pela capa que escorregou deixando-a parcialmente nua. A Katherine não importou. Estava muito decidida e alterada para sentir o frio penetrante.
Correu para a praia tentando tirar a mordaça, mas o nó estava muito apertado. Sentiu-o atrás dela na água. Sentiu-o se aproximar sempre mais e finalmente ouviu o barulho de suas botas atrás dela.
Teve a coragem de se voltar notou que a tenacidade em seu rosto era superior à sua. A expressão dura a assustou e nesse instante Katherine se deu conta que seu destino já estava traçado para sempre.
Essa terrível certeza a estimulou como nunca. Liam conseguiu lhe segurar a mão puxando-a para trás. Katherine caiu contra ele, resistindo com todas suas forças. Logo ambos caíram nas águas geladas do mar.
Por um momento ela ficou livre novamente e se elevou pé, mas Liam lhe colocou as mãos atrás das costas e a carregou novamente no ombro.
Katherine golpeou-lhe as costas furiosamente com os punhos, que ele ignorou.
— Não pode fugir, Katherine. A lugar nenhum. — Disse-lhe nadando através das ondas para o barco que balançava na água. — Você me pertence, desde este momento.
E Katherine se sentiu invadida de um profundo sentimento de ódio.
O barco se aproximou do navio do pirata. Katherine se sentava trêmula no estreito assento, aconchegando a capa de lã sobre o corpo gelado, depois que Liam havia lhe tirado a mordaça.
Ele estava de pé diante dela, com um braço estendido para a escada de corda, logo se voltou para a jovem, lhe estendendo a mão.
O olhar de Katherine era feroz e não aceitou a mão estendida. Decidida a desafiá-lo, embora significasse se lançar nos braços da morte, voltou o olhar para o mar negro.
Conseguiria!
A água significaria o fim de todos seus sonhos.
Mas poderia fugir de Liam O’Neill?
Ele amaldiçoou e a pôs deme pé.
— Você é uma estúpida. — Ele disse levantando-a pela terceira vez sobre o ombro.
Katherine compreendeu o que ele pretendia fazer, no instante que também se deu conta que não queria morrer.
— Desça-me! — Gritou se contorcendo. — Antes que morramos os dois!
— Continue a resistir e tomaremos um banho, mas não morreremos, Katherine. — Liam disse tranqüilo.
Ela se acalmou, raivosa. De cabeça para baixo avistava o mar negro e sinistro que estava muito perto para que pudesse se sentir tranqüila. Segurou-se em suas costas, com o coração na garganta, odiando-se por ter medo nesse momento, Quando o queria se opor.
Com infinita facilidade, Liam subiu a escada. Entregou-lhe a um dos muitos marinheiros que estavam esperando-os na ponte e a jovem foi colocada em pé. Novamente começou a respirar.
Liam saltou o parapeito e a pegou por um braço. Ela fitou seus olhos tentando se liberar, mas sem sucesso. Ele a empurrou e Katherine tropeçou, por causa do passo rápido imposto por ele.
Desejou poder pensar em um palavrão verdadeiramente horrível. Um instante depois ele estava lhe conduzindo ao longo da estreita escada que levava ao camarote.
Recusando olhar seu sequestrador, Katherine permaneceu ofegando no centro do aposento enquanto ele acendia o candelabro do alto. Seu olhar caiu sobre o leito. Oh, Deus.
Liam se aproximou e Katherine se voltou lentamente para fitá-lo, suspeita e atenta. Com a fisionomia séria ele estendeu a mão para pegar a capa molhada. Katherine se afastou, com olhos furiosos.
— Vá para o inferno!
Ele cruzou os braços e a fitou sem expressão. Seguramente ela imaginou a preocupação que acabara de testemunhar.
— Você me arruinou! — Gritou Katherine. — Nunca me recuperarei deste fato! Nunca!
Um sorriso se formou em seus belos traços masculinos.
— Irá se recuperar, Katherine. Na realidade estou seguro que sua recuperação será bastante rápida.
Katherine se apertou com a capa, que estava verdadeiramente molhada, muito furiosa para sentir frio.
— Acha que vai me seduzir com seu corpo? Não desta vez!
— Não? — Ele se aproximou dela. A jovem ficou tensa, mas não se moveu e ele a Observou de cima a baixo. — O que tem de diferente desta vez, da última na qual estivemos na cama ou da primeira?
Katherine se recusou lembrar a noite do baile de máscaras na corte, Quando o ele havia lhe proporcionado um grande prazer, com os lábios e as mãos. Recusou pensar na primeira vez, Quando o a ele tinha lhe beijado e acariciado, ou a segunda vez, Quando o estava amarrada ao leito e ele havia cortado suas vestes com a adaga. Não queria lembrar nenhuma dessas vezes. Era o passado.
— Por que desta vez você destruiu meus sonhos! — Gritou.
Os olhos de Liam ardiam e Katherine sentiu um estremecimento de temor. Enrijeceu-se.
— Senhora Hawke? — Liam perguntou-lhe com um leve tom de voz, em contraste com a luz que brilhava em seus olhos.
Sabendo que o faria enfurecer e desejando zangá-lo, para humilhá-lo, Katherine explodiu.
— Sim!
— Então, talvez seja mesmo uma prostituta. — Ele atacou em tom agressivo. — Por que pensei que amasse Leicester!
Como lhe fizeram mal essas palavras! Katherine ficou transtornada, pálida. Começou a tremer e não só porque estava completamente congelada, mas porque ele tinha razão. Ela era uma prostituta.
De fato, não obstante tudo sabia o que aconteceria ali naquela cama e também sabia que gostaria de qualquer simples atenção, sem importar que já fosse à esposa de outro.
— Katherine… — Liam a fitou, respirando rápido.
Ela afastou o olhar. Logo sentiu que ele a tocava e fugiu para o outro lado do aposento.
— Não me toque! — Gritou histérica.
O pânico estava derrotando a histeria e finalmente ela se deu conta de que estava cansada até a medula. Como encontrar a força para se opor, para resistir a sua própria natureza pecaminosa? Pensou, que a todo custo, não devia deleitar-se ao fazer amor com ele. Murmurou: — Por favor, me libere. Por favor, me deixe voltar com John. Não me faça isto.
Liam a Observou , com o queixo contraído e por um comprido momento não falou, mas logo, com reticência disse: — Não posso.
— O que quer dizer que não pode? — Katherine se deu conta da nota histérica em sua voz. — Claro que pode me liberar! Claro que pode me devolver a John! Aqui você é o rei e pode fazer o que quiser.
Sua boca se curvou, mas sem alegria, Quando o ele respondeu: — Sim, aqui sou o rei. O rei dos piratas, do vento e do mar. Governo sobre tudo o que vê agora. — Sua expressão era severa. — E também governo você, Katherine!
— Não. Você não manda em mim! — Ela quase soluçou.
— Não? — Ele arqueou uma sobrancelha.
— Você está muito orgulhoso em ser um infame? — Katherine perguntou amargamente. — É assim, não? Você gosta de ser um bandido que não tem que prestar contas a ninguém, salvo a si mesmo! — Ocorreu-lhe uma idéia de feri-lo.
— Você gosta de ser o filho de Shane O’Neill!
Ele aumentou sua ira.
— Odeio ser seu filho.
Katherine avançou para ele, pegando-o pela mão, mas se arrependeu imediatamente de tocá-lo. Retirou a mão de seu braço.
— Então finja não ser seu filho. — Disse devagar. — Comporte-se como um cavalheiro, Liam. Deixe-me ir.
Ele respirou profundamente e seus olhares se encontraram.
— Pede-me muito.
Katherine fitou os olhos cinza e brilhantes. Ele se comportava de maneira racional, falava em voz baixa, mas ela captava que estava que estava excitado. No breve silêncio que seguiu, compreendeu que estava perdida. O pânico a envolveu novamente e ela lançou um olhar à porta, sua única via de fuga.
Como rosto tenso, Liam se voltou e fechou a porta com a chave, colocando-a em um bolso. Quando o a fitou novamente, disse-lhe: — Está com frio.
Katherine então se deu conta que não só estava se congelando na capa molhada, mas também tremendo. Moveu a cabeça negando a evidência, de maneira ridícula, com os olhos fixos nele esperando o próximo movimento.
Liam avançou para ela, que se esquivou. Ele murmurou:
— Tenho intenção de ser paciente contigo esta noite, Katherine. Se quiser ser cortejada, que assim seja. Esta noite não é uma noite de cordas e facas.
Katherine, em pé ao lado da pequena biblioteca gemeu, enquanto as palavras lhe faziam voltar a memória, lembranças que preferia evitar.
Liam sorriu docemente, como se faz com uma criança assustada.
Katherine se apoiou na biblioteca, mas seus olhos se dirigiram fugazmente ao leito. Devia fugir. Mas para onde?
— Eu não posso viver sem você, Katherine. — Ele lhe confessou sustentando seu olhar e dando outro passo em sua direção. Não sorria; o tom de sua voz se tornou baixo, doce e sedutor. — Não consigo viver. Você vem a minha mente nos momentos mais inadequados. A paixão está me fazendo perder a saúde mental.
Os mamilos lhe doíam nessa altura, túrgidos e eretos, comprimidos pela capa de lã molhada. Estava retendo o fôlego e de repente o soltou, fitando-o impotente.
Ele sorriu.
— Por ti, meu sexo está para explodir, Katherine. — Ele se deteve ao seu lado, de maneira que se encontraram quase face a face. — Está toda molhada, gelada. — Ele lhe tocou uma mecha de cabelos molhados que estavam grudados em sua face.
Da ponta dos dedos dele irradiou uma faísca de muito fortes sensações que lhe atravessou todo o corpo. Katherine sobressaltou.
— Não! — Ela fugiu dele e correu para a porta. Tentou abrir, inutilmente.
Liam a Observou e suspirou, urgindo de toda sua força de vontade para dominar a própria impaciência. Sentia o corpo explodir. Estava dolorosamente com necessidade de desafogar, mas não podia ceder à luxúria. Não agora, não ainda. Perguntou-se se ela sabia que ele estava lhe dizendo a verdade. Observou -a, esperando que se acalmasse.
Ela tinha as costas contra a porta e o fitava assustada.
— Quero voltar com John. — Sussurrou em um tom rouco.
Ele tremeu, arriscando perder o controle. Mas finalmente se controlou.
— Não tenho nenhuma intenção de te devolver a John. Eu, pelo menos sou sincero. Desejo-a. Será minha. Será minha por sua própria vontade dentro uma hora.
— Não. — Ele notou que ela tremia.
— E está congelando. — Observou em tom prático. Voltou-se e se dirigiu para o armário, abrindo-o. Extraiu uma grossa toalha de algodão de um lado e de seda do outro. Em tom neutro disse: — Venha aqui, Katherine.
Tremendo, ela moveu a cabeça.
Liam pegou outra toalha para o cabelo.
— Quer morrer de frio?
Katherine o fitou como se nunca pudesse afastar o olhar dele. Estava com os lábios entreabertos e as bochechas avermelhadas.
Não mais de raiva, pensou ele, mas de expectativa do que lhe faria.
— Venha. — Repetiu, escrutinando-a.
Ela não se moveu.
Com aspecto sedutor e em voz baixa repetiu novamente. — Venha.
Ela se moveu lentamente para ele, como se estivesse enfeitiçada.
Ele lhe estendeu a toalha.
Katherine pegou e no gesto, a capa abriu. Liam viu os mamilos grandes e tensos, de cor rubi, debaixo da camisola de seda, que lhe aderia ao corpo e se tornara totalmente transparente. Sabendo não poder controlar o tremor das mãos, nem a agitação no baixo ventre, estendeu a mão para ela.
Katherine não se moveu. Ele lhe tirou a capa, que caiu a terra.
Katherine permaneceu imóvel, como se sequer respirasse.
Então ele avistou toda a nudez.
— Está molhada. — Disse com voz grave, lhe tocando a camisola.
Os olhos enormes da jovem encontraram com os dele.
— Pare. — Ela sussurrou.
Liam não rebateu. Pegou a seda molhada e lentamente a deslizou pela cabeça, descobrindo as longas pernas e o luxurioso montículo de sua feminilidade e os quadris arredondados. Seus olhares se encontraram. Descobriu-lhe os seios. Logo lhe tirou totalmente a camisola e a jogou a um lado. Katherine fugiu, com um pequeno gemido.
Decidido a não lhe saltar em cima, a não mostrar o próprio e quase incontido apetite, voltou-se e pegou a outra toalha. Logo se dirigiu a ela, com os lábios insinuando um leve sorriso de estímulo e murmurando palavras de consolo. Os seios de Katherine ofegavam, suplicando para serem tocados. Liam envolveu delicadamente seus ombros com a toalha, a parte de algodão em contato com a pele, e começou a esfregá-la, secando-a. Somente tocar os músculos de suas costas o excitou ainda mais.
— Você é uma mulher incrível. — Murmurou postando-se atrás dela, lhe secando os braços finos. Katherine está paralisada, mas ofegava.
— Tudo em você me seduz, me excita. — Ele comentou em voz baixa, esfregando os braços dela. — Deteve-se, lhe observandoo por sobre as costas, os seios voluptuosos.
A jovem estava tremendo, embora ele soubesse que já não era por causa do frio.
— Seus seios são maravilhosos, molhados e brilhantes. — Disse.
Ela fez um som sufocado.
Liam movimentou a toalha e lhe passou o lado da seda sobre os seios, secando-os. Primeiro vigorosamente e depois, lentamente. Katherine começou a vibrar, Liam abriu a mão e lhe apertou um seio.
— Amo seus seios. — Disse com voz rouca, acariciando-os. — Oh, Deus. — Gemeu Quando o seus polegares finalmente tocaram os mamilos. — Você está tremendo. — Lhe sussurrou ao ouvido, consciente que seu hálito era quente e erótico. — Está morta de frio, Katie. — Ele friccionou languidamente o ventre com a toalha. Katherine estremeceu e se sobressaltou. E no ato, pela primeira vez ele apertou o membro rijo contra o sulco das nádegas. Embora tivesse sob a proteção da calça, estava tão túrgido que o tecido estava estirado, quase se rompendo. Katherine respirou fundo.
— Vou esquentá-la. Muito. — Liam lhe murmurou contra o pescoço, observandoo a própria mão e a toalha que descia sempre mais. — Eu gosto de te olhar, Katie.
A jovem estava rígida como uma flecha e ele a sentiu deglutir. Pôs-lhe a parte de seda da toalha entre suas pernas e friccionou de cima e a baixo. O tremor de Katherine se tornou incontrolável.
— Abra as pernas. — ele lhe ordenou. — Assim te posso secar toda.
Katherine suspirou, obedecendo.
Liam friccionou a seda sobre o sexo e usou-a para abri-lo e explorar as dobras e finalmente, também tremendo, instigou o polegar contra a toalha e começou a lhe acariciar o clitóris. Katherine se deixou cair sobre ele e logo gemeu. Liam a sentiu se contrair contra sua mão.
Ele a segurou com um braço deixando cair à toalha, e empurrando-a diante, sobre o ventre, no leito. Seu polegar a encontrou novamente. Ela gemeu e meneando-se, explodiu.
Sempre lhe acariciando, agora quase automaticamente, Liam abriu a calça e segurando-lhe as nádegas, postou em seu sulco a ponta rígida de seu membro. Enquanto o os tremores desapareciam, Katherine ficou rígida. Liam gemeu completamente alucinado, por causa da sensação ardente, apertada, Quando o os músculos se contraíram ao redor dele.
Deter-se foi à coisa mais difícil de sua vida, mas conseguiu.
Com o pescoço tenso e o suor que lhe brotava pelo rosto e o peito, inclinou-se para beijar sua face. Katherine se sobressaltou e moveu as nádegas sob dele Não era possível equivocar-se sobre suas intenções. Com um grito selvagem, ele segurou-lhe as nádegas e a penetrou.
Katherine gritou Quando o ele lhe rasgou a membrana virginal. Liam não podia mais se deter e penetrou-a repetidamente sabendo nunca ter sentido tão intenso prazer. Sabendo que nunca sentiria. Katherine se arqueou debaixo dele. Estava molhada e o frenesi de Liam aumentou. Deslizou a mão e lhe tocou o sexo, continuando a penetrar nela, sempre mais profundamente. Katherine lhe segurou a mão, empurrando os dedos dentro dela, as unhas que lhe rasgavam a pele, sobressaltando sob ele, se ondulando. Liam penetrou-a pela última vez, mais profundo, com maior força. E Quando o seu sêmen começou a irromper, ele gritou seu nome. Não uma vez, mas muitas vezes.
Depois, Quando o finalmente os espasmos cessaram encontrou-se ao lado do leito observandoo Katherine estendida com o ventre para baixo. Notou suas mãos segurando as nádegas vermelhas e machucadas, o sangue em suas coxas. Permaneceu a fitá-la, incapaz de acreditar no que havia feito.
Katherine o sentiu deslizar longe dela. Fechou os olhos com força, ainda incapaz de respirar. Volte, sua mente gritava desesperadamente, volte Liam!
Mas ele se afastou e ela o sentiu de pé ao seu lado, a observá-la. Suspirou profundamente esperando desse modo, regularizar o ritmo de seus pulmões, apertando as mantas do leito, tentando controlar a febre ardente do próprio corpo. Mas ele pulsava incessantemente. Talvez, se não se movesse, se ficasse com as pernas abertas, ele voltaria e a penetraria novamente.
Mas ele não o fez.
Ela engoliu, mas tinha a boca seca. Tudo havia acontecido tão rapidamente. Seu acesso ardente e imenso, ela que havia explodido. Ele havia explodido. Tinha a necessidade de senti-lo novamente, não uma vez ou duas, mas que ele a penetrasse profundamente... Oh, Deus. Sim.
Katherine sufocou um gemido. Enrodilhou-se como uma bola e finalmente o fitou.
Ele estava magnífico. Em pé e completamente vestido, com o maxilar rígido e o olhar atônito. Com os cabelos loiros úmidos e despenteados, ele a fitava como se nunca a tivesse visto antes. Katherine começou a se sentir incômoda. Levantou-se e sentou arrastando o travesseiro para cobrir a nudez. Enfrentou seu olhar e o notou sério.
— Eu machuquei você? — Ele perguntou rude.
Por um muito breve instante, Katherine não compreendeu porque ele fazia a absurda pergunta; ela tinha chorado de prazer. E nunca havia sonhado que pudesse ser tão belo tê-lo dentro de si.
— Te fiz mal? — Repetiu ele. A veia da têmpora direita pulsava visivelmente.
Desta vez Katherine compreendeu. Os batimentos de seu coração finalmente estavam se moderando, mas não a dor entre as coxas, porque só em olhar para ele tornava-se mais aguda. Respirou fundo, apertando com força o travesseiro e se dando do que já parecia. Ele tinha tomado sua virtude e de certo motivo era um alívio.
Não era acaso há muito tempo, que secretamente esperava com ânsia este momento?
Katherine permaneceu imóvel. Seu coração novamente se acelerou.
Não se importava em ter perdido a virgindade, mas… Era a última coisa que lhe restava.
E estava casada com John Hawke.
Katherine ficou gelada. Não muitas horas antes, estava ao lado de John trocando juras matrimoniais. E agora estava sentada no leito do pirata, com o corpo ardendo de paixão incontrolável. Ardendo de paixão, por outro homem.
Em sua mente via John Hawke, amarrado no leito nupcial, com a expressão furiosa.
Logo foi presa por um nauseabundo sentido de assombro, que a sufocava. Moveu-se ligeiramente, baixando o olhar sobre a colcha. Viu sangue. Seu sangue.
Havia perdido a virgindade. Era a esposa de outro homem, mas havia sido Liam a tomar sua virtude. E ela dera de boa vontade. Desejava novamente ser dele.
— Katherine? — Ele a chamou.
Ela o fitou. Havia feito uma coisa inexplicável.
— Vá! Gritou.
Ele estremeceu.
— Não queria te fazer mal, Katherine.
Ela deslizou para trás e se sentou com as costas no respaldo do leito, sempre segurando o travesseiro.
— Oh, Deus. Vá!
— Sinto muito. — Ele disse dolorido. — Não queria… Perdi o controle… Sinto muito.
Katherine não o ouviu. Sua mente estava nublada, mas conseguiu compreender uma verdade. Havia perdido bem mais que a virtude.
Havia perdido seus sonhos. Todos, até o último.
Whitehall
A rainha Elizabeth estava pálida.
John Hawke estava em pé diante dela, lívido de raiva, e com a mão apertada no punho da espada. Embora completamente vestido em seu uniforme vermelho, parecia em desordem.
— Suplico-lhe, Sua Majestade. Ajude-me a recuperar a minha esposa. — Ele rogou.
Elizabeth levantou lentamente do trono e seu olhar estupefato se encontrou com o de Cecil.
— Não posso acreditar nesta história.
Cecil se aproximou de Hawke para pousar uma mão sobre o ombro trêmulo.
— Sua raiva logo se passará.
O sorriso de Hawke era ameaçador.
— Equivoca-se, senhor. Ela me levará exatamente aonde desejo ir e me ajudará a matar esse pirata bastardo, Quando o o encontrar.
Elizabeth deu as costas aos homens. As batidas de seu coração ressoavam nos ouvidos. O ciúme a corroia. Havia pensado em separá-los, mas nesse momento o pirata de ouro estava com a moça irlandesa. Desafiando seu desejo.
O enforcamento era muito pouco para ele.
Tremia de raiva e se voltou para Cecil.
— Exijo que ele seja trazido diante de mim, para responder por sua insolência!
— Eu o trago com muito gosto. — Disse Hawke
Elizabeth se voltou fitou Cecil.
— O’Neill chapinha na traição? Ou está possuído por uma luxúria animal? — Ela reteve o fôlego, temendo o pior.
— Logo saberemos. — Cecil respondeu tranqüilo.
Elizabeth pensou na moça e sua raiva redobrou. Triplicou.
— Foi ela a seduzi-lo, tal como o fez com Robin e Tom. — Explodiu. — E pensar que a acolhi na corte, lhe dando muito mais do que lhe correspondia. É culpa tanto da moça como de Liam! Talvez inclusive, tenham planejados juntos o engano!
— Sua Majestade. — Interveio Hawke. — Katherine se opôs ao próprio rapto. Eu estava presente e vi cada um de seus atos. Estava desesperada. Ela ficou transtornada com as ações desse pirata.
Cecil avançou e também falou em tom calmo.
— Talvez, Majestade, você esteja julgando-a muito cedo. É possível que seja novamente uma vítima inocente e só um peão nas mãos desse potente pirata.
— Não acredito. — Replicou duramente a soberana. — Não sei! Não sei por que você a defende, William. A menos que ela o tenha seduzido também!
Cecil não disse nada.
A rainha se dirigiu a Hawke.
— Eu a dei por esposa, para que a controlasse. — Ela o desafiou furiosa com ele.
Hawke baixou a cabeça em sinal de obediência.
Elizabeth voltou o olhar para Cecil. — E agora o que faremos? — Perguntou-lhe. — O que faremos?
— Não há nada que possamos fazer. — Respondeu tranqüilo Cecil
— Nada o que fazer? — Gritou Elizabeth
Hawke se precipitou adiante.
— Sem duvidas, ele deve tê-la levado para sua ilha ao norte, Sua Majestade. Suplico-lhe. Dê-me somente três navios e uma centena de homens. Não só invadirei a ilha, como também a destruirei. E destruirei a ele!
Elizabeth estava pronta a aceitar. Como teria gostado! Mas certa inata cautela a impediu ou talvez fosse afeto pelo bastardo amoral? Devia ser. Imaginou seu belo Liam transpassado pela espada de Hawke e hesitou. Logo seu bom sentido sugeria que Hawke nunca conseguiria derrotar Liam em um confronto. Não corpo a corpo, nem em batalha. Novamente se sentiu invadida pela raiva. Duvidava que Hawke conseguisse, inclusive capturá-lo.
Entretanto, ninguém é mais forte que um homem movido pela vingança.
Se alguém podia capturar o maldito pirata, esse alguém era precisamente John Hawke.
Disse em tom seco
— Não se diz que a ilha é completamente defensível?
Hawke rebateu.
— Nenhum lugar e nenhum homem são completamente defensáveis.
Cecil apoiou a mão sobre as amplas costas de Hawke.
— Não tem sentido atacar a fortaleza por causa de uma mulher, John. Não pode ser derrotado sem grandes perdas humanas de nossa parte.
Hawke não podia acreditar.
— Bom Deus! — Gritou. — Esse bastardo está usando-a. Está lhe fazendo mal!
Elizabeth desviou o olhar, pensando nas informações que tinha recebido sobre Katherine. Nas oportunidades que havia sido descoberta nos braços de O’Neill havia se demonstrado mais que passional. A gora a imaginava com ele, abraçada às costas largas e acolhia seu doce e luxurioso beijo. Que se agarrava a ele.
— Sinto muito, Hawke. — Disse Cecil.
O homem se precipitou e enfrentou à rainha. Dobrou um joelho. — Sua majestade; suplico-lhe. Quero persegui-lo! E se não desejar me ajudar a liberar Katherine, pense que lhe trarei aqui a cabeça desse traidor, Liam O’Neill!
Elizabeth fitou os olhos ardentes.
— Eu também sinto, John. — Disse em voz baixa. — Mas lorde Burghley tem razão. Não posso sacrificar homens e navios por uma mulher, mesmo que deseje a cabeça desse desgraçado. — Não adicionou que não tinha dinheiro para pagar similar aventura, a menos de não subtraísse de assuntos bem mais urgentes.
Hawke se levantou, com uma expressão de raivosa incredulidade no rosto.
Sem dizer nada mais, sem esperar a permissão de despedida, se voltou sobre os calcanhares e saiu do aposento.
Elizabeth o Observou se afastar, suspirando. Em seguida amaldiçoou Liam O’Neill. E finalmente, Cecil. Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Como ele pôde me fazer uma coisa desta?
Cecil pegou a mão.
— Ele é um homem. Os homens devem gastar sua luxúria em algum lugar e você seguramente sabe disto. Ele é aficionado em você, Bess.
— Ora! — Exclamou Elizabeth, mas rogou que Cecil tivesse razão. — O que pensa que fará agora? — A pergunta a atormentava. — Tentará se casar com ela?
Cecil a fitou.
— Desgraçadamente a Igreja não reconhecerá o casamento de Katherine com Hawke, por que foi celebrado fora da fé católica. E seria muito fácil para O’Neill se casar com ela de acordo aos ditames dos papistas.
Elizabeth ficou pálida, apertando os punhos.
— E a Igreja os casaria, pessoalmente. — Ela gemeu. — Inclusive só para fazer uma afronta a mim.
— Pelo menos lhe daria sua bênção. — Admitiu Cecil. No ano anterior, a rainha havia sido excomungada. Tinha sido o modo de a Igreja apoiar o grupo católico escocês.
— Liam é firmemente protestante.
— Seu pai era católico.
— Esse desgraçado poderia mudar facilmente de religião, se pensasse poder obter alguma vantagem com tal manobra. — Elizabeth caminhava nervosa, com os olhos muito abertos. — Se ele se casar com ela, bom Deus, dará prova de sua conspiração com FitzGerald. Justo a prova que necessitamos. — Ela se voltou para Cecil. — Não concederei o divórcio para John Hawke, mesmo que Liam se case com ela!
William dobrou a cabeça.
— E então o que faremos? — A rainha perguntou.
— Esperaremos. — Respondeu Cecil. — Esperemos e veremos. — Mas Cecil já sabia que não deviam esperar.
O’Neill era muito ardiloso para se mover tão rápido, para mostrar suas cartas. O que Cecil não sabia era o que não deviam esperar.
Hawke ignorou os olhares que recebeu ao atravessar o palácio. Alguns de compaixão, outros de brincadeira. Alguns homens, com ciúme de sua influência e poder crescente, riam abertamente. Hawke ignorou-os também, porque em caso contrário, poderia perfeitamente matá-los, de tão furioso que estava.
E depois sua rainha enviado ele para a Torre de Londres.
— Sir John?
Hawke perdeu o ritmo do passo e seu coração se deteve. Apesar de não querer, diminuiu a rapidez.
— Sir John? — Chamaram-no novamente.
Deteve-se rígido, para olhar a pequena figura de Lady Juliet. Esqueceu a raiva e a angústia.
A jovem havia chorado. Sua pele estava manchada por causa das lágrimas e estava com o nariz e olhos vermelhos.
— Lady Strathclyde. — Disse fazendo uma improvisada reverência.
Ela apertou o lenço enrugado no nariz e disse subitamente: — Quero que saiba que sinto. Sinto muito.
Ele a fitou.
— E… Estou tão preocupada com Katherine! — As lágrimas desceram ao longo da face de Juliet.
Hawke sentiu um desejo estranho e terno de tocá-la, de estreitá-la, mas o ignorou.
— Sua preocupação é comovente. — Disse, mas em tom brusco.
— O que acontecerá agora?
Hawke a fitou, mas não foi Juliet quem viu, mas sua bela esposa nos braços de Liam O’Neill. E cada vez que os avistava abraçados, com os olhos da mente, não era um ato de violência sexual que lhe aparecia.
Sangue de Deus! O’Neill era um fascinante canalha com fama de desgraçado. Não obstante ser o filho de Shane O’Neill, sabia que não era um homem que violava mulheres. Hawke estremeceu. Talvez nesse momento, certamente estivessem juntos na cama. Mas Katherine resistiria? Nunca saberia. Sempre existia a possibilidade que ela conseguisse resistir.
— Senhor? — Disse Juliet insegura.
Hawke voltou sua atenção a Juliet. Não obstante a jovem houvesse recentemente chorado, não pôde deixar de notar que era muito graciosa.
— Agora não acontecerá nada. — Disse sem meios termos. — Sua Majestade negou-me homens e navios e eu sem sua ajuda não tenho meios para assaltar a maldita ilha onde o pirata vive.
Juliet gemeu.
Hawke fez novamente uma meia inclinação.
— Obrigado por sua preocupação. — Disse se afastando dela. Mas a jovem tocou sua mão, detendo-o, e Hawke ficou terrivelmente consciente toque. Voltou-se lentamente e a fitou.
— Se sentir melhor,— adicionou Juliet, agora enrubescendo, embora ele não entendesse o por que. — Estou segura que O’Neill nunca lhe faria mal. Pode ser um pirata, mas também é um cavalheiro. Sei sobre seu pai, mas Liam não é como ele.
A expressão de Hawke não mudou.
— Se sabe que ele não lhe fará mal, então por que está tão preocupada com ela?
Juliet enrubesceu ainda mais e não pôde sustentar seu olhar, nem lhe responder.
Ele sentiu uma pontada de desilusão. Juliet era amiga de Katherine. O que ela escondia? Não precisava ser tão inteligente para entender, porque também havia ouvido as intrigas que circulavam. Eram sobre Katherine e O’Neill. Provavelmente Katherine tinha confessado a Juliet alguma coisa sobre ele. Sobre eles.
Não, O’Neill não lhe faria nenhum mal.
Finalmente foi invadido pelo desespero. E embora Katherine quisesse ser fiel a ele, O’Neill a seduziria até conquistá-la.
Katherine foi despertada pelo ruído de alguém que batia forte na porta. Sentou-se aturdida, por que não tinha conseguido dormir até passado da meia-noite. Sua mente clareou e ela fitou o leito onde havia adormecido sozinha. Era a segunda noite que passava no navio do pirata e não avistava havia mais seu sequestrador desde o único encontro apaixonado, logo que subiram a bordo.
Tirou as pernas para fora do leito e alisou o vestido que tinha dormido. Finalmente se vira obrigada a usar um vestido que havia encontrado em um dos baús do camarote de Liam. Certamente tinha pertencido a uma de suas amantes. Vestiu um vestido de seda com o desenho de uma folha, adornado por minúsculas pedras de vidro. Katherine fitou sua imagem diante do espelho. Milagrosamente, não apresentava um aspecto de cansaço. Embora tivesse os cabelos soltos e emaranhados, mostrava-se bastante elegante. Até formosa.
Abriu a porta sabendo perfeitamente que não encontraria Liam do outro lado, porque ele não teria batido.
Guy saudou-a.
— O capitão diz que pode subir à ponte, Mademoiselle.
Katherine se voltou e Observou a janela sobre o ombro. Notou a luz fraca que banhava o oceano escuro.
— Mas é apenas o amanhecer. — Protestou
— Sim. Estamos atracando em Earic Island. — Guy anunciou solenemente. — Vai subir?
Katherine o fitou.
— Earic Island?
— É a casa do capitão.
Já o tinha compreendido, mas a afirmação lhe fez tremer o coração. Seguindo ao rapazinho para fora do camarote, ela tentou imaginar como Liam vivia em uma ilha chamada Earic Island. Certamente não foi ele que lhe deu o nome.
Porque, Earic, em gaélico era o termo que se usava para dinheiro ensangüentado. O dinheiro que um assassino pagava à família do homem que havia matado. O costume do dinheiro ensangüentado era uma prática antiga , que tinha permitido o indulto e a legitimação do homicídio.
Era uma fria manhã e ela não tinha capa. Tremendo, deteve-se na ponte e imediatamente viu Liam. Ele estava de pé no castelo de proa, voltado para o este e o sol vermelho fogo. Também estava sem capa e só vestia uma camisa de algodão e calça, com botas altas até o joelho. Estava banhado pela suave luz do sol que surgia, a qual dava a seus cabelos uma estupenda tonalidade dourada. Seu perfil era tão espetacular, que cortava o fôlego.
Desviou o olhar, desesperada e infeliz. Desde Quando o ele havia a abandonado no camarote na primeira noite, não tinha conseguido fazer outra coisa que pensar nele, em seu corpo e suas mãos. Seus pensamentos eram desavergonhados, mas ela também era.
Mas Liam não a desejava tanto quanto ela o desejava. Do contrário teria lhe procurado na noite seguinte, inclusive durante o dia.
Katherine fechou por um instante os olhos, afundando-se no mais profundo desespero. Não tinha outra opção, que reconhecer plenamente a magnitude de sua paixão por ele. Um homem que ela desprezava, um homem que nunca poderia respeitar, um homem que tinha escolhido como profissão, o assassinato e o furto.
Mas não podia resistir e o que era pior, queria-o apaixonadamente. E agora era sua prisioneira.
Ele a teria usado até Quando o sua luxúria o tivesse induzido fazê-lo e ela teria gostado, mesmo estando casada com outro homem.
Ele a usaria a sua vontade, e a resistência que ela haveria oporia seria ficção, uma fachada. Até que ele se cansasse dela e então a liberaria.
Mas nesse momento, ela não saberia aonde ir. Nenhum homem se interessaria pela rameira de um pirata. Hawke se divorciaria dela e não haveria outro casamento para ela. Nenhum casamento, nenhum filho. Acreditava que terminaria na prisão em Southwark, como seu pai. Ou talvez. Seu pai a repudiaria?
Katherine mordeu o lábio pensando, que uma vez Liam havia lhe pedido que se casasse com ele. Mas, quem sabe como, chegou ao ponto. Ela era sua rameira, seu jogo.
— É onde eu vivo. — Liam disse por trás ela
Katherine se sobressaltou, não o ouvira se aproximar. Encontrou-se hipnotizada pelo olhar cinza, escuro e pensativo. Com dificuldade afastou os olhos, mas não sem notar antes que a barba havia crescido em e que sua boca estava tensa.
Consciente de sua estreita aproximação e do fato de que se ela se movesse teria lhe roçado as coxas com a saia, Katherine apertou as mãos, para evitar tremer.
— Earic Island. Disse-me Guy. — Estava bem atenta em não fitá-lo, mas era difícil respirar em um ritmo normal. As lembranças daquela noite a obcecavam.
— Espero que não tenha sido você a escolher esse nome.
— Fui eu, sim.
Ela abriu muito os olhos voltando o corpo de repente, para fitá-lo.
— Por quê?
Ele encolheu os ombros.
— Não é óbvio? Minha vida nasceu de um derramamento dede sangue, entretanto eu nunca paguei uma só moeda de dinheiro ensangüentado a ninguém.
Katherine respirou profundo. E viu tristeza nos olhos dele. Certamente era uma ilusão causada pelo jogo de sombras e a luz da alvorada. Voltou-se para olhar ao sol vermelho e quase ficou cega. Piscou decidida observar a ilha.
E ficou desiludida. Era um monte de pedras, envolta na névoa da manha e por uma sinistra luz alaranjada.
Parecia seriamente, a caverna de um pirata e parecia impossível conter qualquer forma de vida.
Katherine estava para dizer isso a ele, Quando o viu um velho castelo de pedra escavado a um lado da ilha, no topo de uma montanha.
— Cresce vegetação nesse lugar? Há árvores?
— No lado sul há um bosque cheio de caça. — Liam respondeu, mas logo adicionou: — Mas a caça é proibida.
Ela se voltou de repente e seus olhos se encontraram.
— Não permito que os animais venham a ser dizimados. Todas as mercadorias chegam de Belfast de navio.
— Por que vive aqui? — Perguntou Katherine. — Em um lugar tão abandonado da mão de Deus?
Ele não a fitou.
— E onde mais poderia viver?
Por um mais fugaz dos instantes, esqueceu quem e o que era ele. Não havia nada mais que dizer, e se voltou a olhar o sol alaranjado – e a ilha rochosa que se erguia mais acima da névoa e do mar frio e cinza.
Katherine se deteve na porta da grande sala. Liam falou com seu criado e ela notou mais outros, mulheres e homens, a espera do outro lado da sala, diante da entrada que certamente levava a cozinha. A sala estava fria, escura e era claramente muito antiga. Liam havia lhe dado uma capa antes de desembarcar e ela a apertou ao corpo, observandoo ao redor.
Não sabia o que tinha esperado encontrar, mas certamente não um lugar tão triste e escuro. Embora, tivesse crescido no Askeaton, que era também um castelo medieval, tratava-se de um lugar ricamente decorado. Era luminoso e alegre.
Não podia entender porque a casa era assim. O camarote do navio oferecia todo tipo de luxo, de belos painéis de madeira nas paredes a criado-mudo ornamentado com prata. Entretanto, este imenso aposento estava quase vazio.
Um criado tinha acendido o fogo na grande lareira e Katherine se aproximou para se esquentar. Fora a velha mesa, os bancos, as duas cadeiras e uma pequena mesa arruinada, não existiam nenhuma outra decoração, salvo uma tapeçaria descolorida.
O vento gemia incessantemente, por que o castelo era íngreme e estava cravado no cume da ilha. Katherine sentia a corrente de ar.
Parecia-lhe inimaginável que alguém pudesse passar todo um inverno naquele lugar. Perguntou-se, se nesse lugar nunca teria verão e sol.
Ela se deu conta que Liam estava se aproximando.
— Vamos. Vou mostrar-lhe nossos aposentos.
Sua mente se rebelou ante o uso da palavra.
— Você já conseguiu o que queria. Por que não me deixa livre agora e terminamos tudo de uma vez?
Ele fitou seu rosto, logo a boca trêmula.
— Não consegui nada do que quero de você, Katherine. — Abruptamente, ele virou o corpo e se afastou para longe, a passos largos.
.
A jovem sentiu um formigamento ao longo das costas, ao mesmo tempo relutante e curiosa. Não conseguia decifrar o significado de suas últimas palavras. Ele havia tomado sua virtude. O que outra coisa mais queria agora?
Para seu pesar imaginou infinitas e tórridas noites de recíproca paixão.
No segundo piso, havia só outras duas ante sala s. Claramente no transcurso dos séculos, não se tinha feito modificações nesse castelo.
Liam abriu a grossa porta envelhecida de carvalho e entrou no imponente aposento do senhor do castelo. Katherine foi recebida por um grande leito simples, sem dossel e coberto por peles.
As janelas eram protegidas por cortinas e a ante sala estava muito escura.
Liam acendeu um candelabro e a desilusão de Katherine aumentou.
Tinha pelo menos vinte muito belos tapetes em seu camarote, e embora estivesse acostumada às tapetes simples de junco, nos últimos dois dias havia apreciado a sensação da lã sob os pés.
Por que não havia um só tapete nesse lugar?
Por que não havia uma mesa e umas cadeiras?
Unicamente havia um baú aos pés da cama, um criado mudo e uma gigantesca lareira.
Pelo visto em seu camarote de capitão, ela havia deduzido que ele gostava de ler, mas nesse aposento não viu um só livro.
— Prefiro seu navio. — Katherine declarou de repente.
Por alguma razão aposento e o castelo lhe zangavam.
Liam a fitou, apoiando o candelabro.
— Eu também. — Ele se dirigiu à lareira, esfregou a pederneira e pôs os bastonetes acesos debaixo dos grandes troncos secos. Sob suas capazes mãos, o fogo se ascendeu.
Ela Observou suas costas. Sua camisa era de linho muito fino e ela podia notar cada músculo delineado, enquanto ele se movia. Ele estava de joelhos e o olhar de Katherine passeou até as nádegas firmes e fortes.
De repente afastou o olhar.
— Quando se cansará de mim? — Sua voz não soou natural até para seus ouvidos.
— Nunca me cansarei de você, Kathie.
Katherine se voltou bruscamente para fitá-lo, gemendo. Seus olhos estavam arregalados, enormes. O olhar dele era duro e brilhante, e sustentava o dela. A tensão enrijecia os músculos de seu rosto e espalhava faíscas pelo aposento.
Que tipo de declaração era essa?
Com o olhar penetrante e carregado de promessas, que ela tinha medo decifrar, Liam saiu do aposento.
Katherine Observou sua saída, até que se deu conta de estar completamente sozinha e a sólida porta de carvalho se fechar às costas dele.
Exausta, deixou-se cair sobre a cama. Estava tremendo. Certamente ele não tinha sido sincero. Mas ela recordou seus olhos, sua expressão, sua postura e pensou que ele compreendia cada uma das palavras fortes.
A imagem raivosa de John Hawke lhe veio à mente.
Se pudesse fugir. Devia fugir.
Tinha visto uma pequena aldeia abaixo do castelo, ao lado do porto.
Liam tinha explicado que ali viviam seus homens, com suas esposas, suas famílias.
Pelo que ela podia ver a aldeia não era muito diferente de qualquer outra.
As casas eram de pedra, os tetos de palha e em mais de um pátio havia flores alegres e coloridas. Até mesmo avistara rosas inglesas subindo por uma treliça de madeira. Também tinha notado um campanário com uma pálida cruz no alto, uma visão estranha e surpreendente, considerando que certamente eles não eram homens que viviam no temor de Deus.
Umedeceu os lábios secos, se perguntando se atreveria a ir sozinha à aldeia. Pensou nas casas abúlicas, tão inocentes em sua aparência, e pensou nos homens de Liam.
Tinha vivido entre os piratas do Sea Dagger nos últimos dois dias e durante os poucos dias de inverno Quando o havia sido raptada pela primeira vez.
Não recordava de ter visto um só sinal de depravação ou falta de respeito, durante todo o tempo em que estivera a bordo.
Na realidade, era o contrário. Liam O’Neill parecia infundir o máximo respeito e seus homens se apressavam a obedecer sem pensar ou protestar.
E ela nunca ouvira o assobio do látego.
Como ele fazia então para mandar um grupo de rebeldes?
Katherine não soube responder, e agora tinha uma pergunta urgente a fazer.
Se fosse dar uma volta pela aldeia, poderia encontrar ou comprar um aliado que a ajudasse a fugir? Sentiu-se excitada ante a idéia.
— No que está pensando Katherine? Está chorando por Hawke?
Katherine se levantou.
— Continua me espiando.
Seu sorriso era fugaz e cansado.
— Não. Não vigio ninguém em minha casa. É você que está muito distraída.
Katherine notou que ele sustentava nas mãos um pequeno cofre. Era o tipo de cofre na qual uma mulher geralmente guardava suas jóias e luvas. Levantou o olhar para ele, incapaz de conter a própria curiosidade.
Ele parecia duvidoso. Logo, como se tivesse mudado de idéia se aproximou dela, sentou-se ao seu lado e o colocou em suas mãos.
— Isto é para você.
Ela se sentiu desprezível, mas ao mesmo tempo ansiosa para ver o que havia ali dentro. Tentou aclarar a mente confusa.
— O que é?
— Um presente.
Ela lhe devolveu o cofre. O orgulho havia ganhado, ante a curiosidade feminina.
— Não o quero.
Liam apertou o maxilar.
— Por que não?
— Eu não estou uma prostituta disposta a ser paga com suas quinquilharias.
Ele respirou fundo.
— É você quem contínua a usar esse temo tão desprezível, não eu.
Ela se levantou, com as mãos nos quadris.
— Não importa a palavra que use, os fatos são os fatos. Agora sou sua rameira e eu me recuso se deixar pagar pelo fato que me use.
Ele também se levantou.
— Não estou tentando pagar para que você venha à cama comigo, Katherine.
— Então pensou em me recompensar por ter tomado minha virtude. — ela conteve as lágrimas, triste e furiosa. Ele podia dizer o que quisesse, mas a verdade era a verdade. Ele tentava recompensá-la pelas horas nas quais havia lhe esquentado a cama. Sentia-se pequena e sem preço.
— Não. — Liam moveu a cabeça com veemência. — Quero te dar belos coisa , Katherine. Tenho uma riqueza enorme para compartilhar contigo. Por que me rechaça?
— Eu não posso ser comprada. Você está tentando fazer isso! — Acusou-o.
De repente, Liam segurou seu queixo, obrigando-a a fitá-lo e imobilizá-la.
— Por que não me permite aliviar a consciência? — Gritou-lhe.
Ela tentou se afastar, mas só conseguiu por ele lhe permitiu.
— Você não tem nenhuma consciência. Se a tivesse, não mataria homens inocentes e não seqüestraria mulheres inocentes.
— Tem razão. — Rápido como o raio ele a aproximou de si.
— Eu não serei mais sua rameira. — Gritou Katherine nesse momento, e pensava seriamente não ser. Estava furiosa de ser sua prisioneira e ainda mais furiosa consigo mesma porque seu corpo estava apaixonado e febril. Tinha que se controlar antes que ele avançasse mais.
— Você nunca foi minha rameira. — Ele lhe sussurrou, com os lábios e os olhos cinza ardente perto dos dela. — E nunca será.
Liam afundou uma mão entre os cabelos de sua nuca e puxou sua cabeça para trás.
— Quero muito mais que o uso de seu corpo, Katherine.
Katherine ficou rígida, pronta para combatê-lo.
Katherine afundou os dedos em seus ombros, tentando empurrá-lo. Como ele lhe sustentava o cabelo com uma mão sobre a nuca, perto do couro cabeludo, ela não podia movimentar a cabeça. Os lábios dele ardiam e Katherine recusou abrir a boca, apesar da excitação febril que lhe explodia. Era dolorosamente ciente do membro duro e enorme contra seu sexo pulsante.
Liam lhe deu um puxão nos cabelos porque ela não se rendia, e a levou contra a parede.
Presa, Katherine sentiu as últimas defesas abandoná-la, mas de qualquer maneira manteve os lábios cerrados.
Finalmente, ele lhe atormentou os cantos da boca enquanto abria seu decote. Cobriu-lhe um mamilo com os lábios e ela gritou. Não tentou mais rechaçá-lo.
Então ele começou a rir contra o seio dela, em um som rouco e grave, carregado de triunfo e excitação.
Katherine o manteve contra si, gemendo enquanto ele a tocava, sugava, usando os dentes com habilidade. Quando o ele se apoiou em seus ombros convidando-a a se estender-se no piso, ela não opôs resistência, e o nome dele saiu de seus lábios.
No momento, seu vestido estava aberto até a cintura e já todo amarrotado, e Liam lhe levantava a saia tirando sua roupa intima com as duas mãos.
Katherine não podia suportar a espera. Sequer um instante mais. Buscou a frente de sua calça abrindo com os minúsculos botões, lhe acariciando o sexo maciço.
Liam riu novamente, afastou-lhe a mão e liberou o grande membro. Katherine gemeu ante a visão do que a desejava.
Incapaz de resistir, tocou-o em uma longa e doce carícia a pele aveludada.
— Basta de jogos, — disse Liam secamente. — Compreende-me, Katherine?
Ela se sobressaltou, totalmente.
Liam a penetrou e ela arqueou o ventre, encontrando-o com o mesmo ardor. Seus gritos ressoaram uníssonos, as respirações entrecortadas se fundiram enquanto ele a penetrava repetidamente.
A explosão de Katherine logo chegou. Breve. Rapidamente.
Aturdida e ainda trêmula o sentiu retirar o membro duro. Protestou. Ele a silenciou, estendido sobre ela, ofegante e trêmulo, lhe beijando o ouvido e o pescoço.
Katherine gemeu ainda não saciada.
— Liam. — Sussurrou lhe acariciando as costas, usando as unhas para lhe dar a entender que ainda queria mais.
— Você é insaciável. — Ele murmurou rouco. — Mas eu também sou.
Penetrou-a novamente, desta vez lentamente.
Katherine se movia incessantemente. Desejando muito mais. Mas ele se limitava a sorrir, que espelhava nos olhos cinza e brilhantes.
Sua retirada foi tão longa e lenta, que chegou a ser dolorosa.
Katherine se queixou.
Ele sorriu e se inclinou para estimular um mamilo esfregando a ponta de seu membro túrgido contra as dobras de seu sexo molhado. Katherine estremeceu, gemendo, mas não de protesto. De desejo.
— Não tivemos muitas oportunidades de nos explorarmos, Katie. — Murmurou Liam acariciando-a tão languidamente que Katherine pensou morrer.
E logo o fez. Segurou-se nele, já convulsionada por espasmos e gozou tão improvisadamente que os dois se surpreenderam.
Liam a abraçou, arquejando, ainda duro e pulsando entre suas pernas.
— Rameirinha endemoninhada. — Lhe murmurou ao ouvido. — Sinto que ainda quer mais.
— Oh, Deus. — Balbuciou Katherine. — Sim. Quero-o dentro de mim. Quero-o todo dentro de mim.
Liam sorriu, arrogante.
— Não pode tomar tudo dentro, tesouro.
O olhar dela se obscureceu, desafiante, maliciosa.
— Não?
Ele sorriu com a mesma malícia.
— Não acredito. — Liam se levantou e Katherine Observou o que ele exibia. Encontrou seu olhar brilhante e arrogante. Audaz como uma serpente estendeu a mão e tomou. Liam jogou a cabeça atrás gemendo e se deslizando no aconchego de sua mão. Tinha as veias do pescoço em relevo e os músculos tensos.
O ritmo de Katherine se acelerou. Agora o poder era dela. Ele lhe pertencia. Nunca havia se sentido tão vitoriosa e feminina.
Liam culminou em sua mão, com as têmporas pulsantes, o membro vibrante e os olhos ainda fechados.
Katherine começou a rir devagar.
Os dois podiam verdadeiramente gostar desse jogo.
Mas sua risada não se apagou totalmente Quando o Liam endireitou o corpo, saindo de sua mão e surpreendendo-a novamente, retomando novamente o controle. Ele esfregou o membro sobre um mamilo túrgido, logo o outro. Katherine permaneceu imóvel observandoo-o, se recusando suplicar. Seu membro estava tão vermelho e inchado, tão enorme que ela pensou que podia explodir entre seus seios.
— Você gosta de ser malvada assim, Katie?
Ela se sentiu incapaz de responder.
— Mantenha seus seios apertados. — Liam lhe ordenou.
Katherine obedeceu.
Liam aprofundou ainda mais, com força e Katherine começou a estremecer e a menear os quadris. Estava com o sexo em chamas e finalmente fez o que havia se recusado a fazer até esse momento. Suplicou-lhe.
— Por favor, Liam. Oh, Deus. Por favor!
Com um grito profundo e gutural ele penetrou-lhe o sexo umedecido. Liso e pulsante.
Katherine apertou as longas pernas ao redor da cintura de Liam, rogando por mais, suplicando que a tomasse mais forte e mais fundo. Liam lhe agradou penetrando-a sem piedade. Seus corpos se batiam. Perto do orgasmo, Katherine chorou. Quando o ela começou a se controlar, Liam se retirou dela e caiu sobre a cama estremecendo em seu próprio orgasmo.
Katherine saiu pouco a pouco de seu atordoamento sensual. Deslocou-se esfregando a perna nua contra a de Liam, ainda coberta pela calça.
Liam estava deitado sobre o ventre, imóvel, mas tinha o rosto voltado para ela com os olhos fechados, os cílios dourados como leques sobre seu espetacular rosto.
Ela piscou confusa. Por que ele tinha agido dessa forma? Por que havia se retirado dela dessa maneira, no momento?
Ele levantou a pálpebras e seus olhares se encontraram. Ele não sorria.
— Estou destruído.
Katherine o fitou, novamente sem fôlego.
Por que ele havia dito isso?
Ele era um amante perito, que já havia estado com muitas mulheres.
Dizia o mesmo a todas?
Pensou que a bajulação era natural nos homens.
Ele virou-se de um lado, com o olhar escrutinando os seios nus. Katherine adiantou uma mão para cobrir-se, mas ele a deteve.
— Não tem nada a esconder. Você é muito bela. É a mulher mais bela que nunca havia visto.
— Não.
Liam se sentou.
— Mas é a verdade.
O olhar se passeou por ele, que estava com a calça desabotoada. Seus olhos se encontraram e ela o observou a tirar a camisa.
Os músculos dos ombros, dos braços e do peito se contraíam enquanto ele se movia. Ela se viu presa de uma sensação de expectativa.
O sorriso de Liam era íntimo, só para ela.
— Por que fez isso? Por que você as... — Titubeou, começando a ruborizar-se.
— Por que me retirei daquela maneira? — Liam já não sorria. Estava muito sério. — A primeira vez que estivemos juntos não consegui me controlar. E embora fosse bem difícil desta vez, não quis deixar meu sêmen dentro de você, Katherine. — Seu maxilar estava tenso.
Ela estava estupefata.
— Protege-me porque não quer que tenha um filho ilegítimo?
Liam se levantou com graça, caminhou pelo aposento e Quando o respondeu estava voltado para a parede de pedra.
— Não sou tão cruel a ponto de querer dar ao mundo filhos bastardos. — Logo a olhou. — Não quero filhos. Nunca terei filhos, Katherine. Não quero deixar por herança a eles, esta vida.
Katherine o fitou repentinamente dolorida por ele.
Katherine não podia se mover e nem queria. Mas o fogo havia se apagado há muito tempo, a lua tinha feito sua trajetória e pela claridade dentro do aposento sabia que já era de dia e quase hora de almoço.
Estava com os membros intumescidos, assim todo o corpo, mas fantástica.
Nunca mais se ruborizaria.
Acaso ela e Liam não haviam efetuado cada possível posição sexual, entre um homem e uma mulher?
Tinha perdido a conta do número de vezes que tinham feito amor.
Katherine sorriu e estirou-se como um gato. Suspirou porque se sentia magnífica, estirou-se novamente e finalmente se sentou.
Estava sozinha. Liam havia lhe feito amor na última vez, em plena luz da manhã e antes de adormecer se deu conta que ele havia se levantado. Perguntou-se que assuntos o obrigaram a deixar a cama depois de um dia e uma noite dessa natureza.
Sentindo-se satisfeita e saciada e surpreendentemente plena de expectativas para a noite que viria, Katherine afastou as mantas. Estava nua. Observou seus seios, surpresa ao notar as marcas avermelhadas. Tocou-se em uma pequena carícia e finalmente se levantou do leito.
Seu coração cantava. Katherine tentou frear a própria alegria.
Era uma mulher perdida, a rameira de um pirata e seu humor deveria ser desesperada e triste. Ficou séria e Observou o aposento simples e esquálido. Não queria parar para pensar sobre o que não podia ser mudado, pensou com orgulho.
Não queria ficar atormentada por pensamentos tristes, desde seu seqüestro até sua situação atual. Queria pensar somente na intensidade e à força com a qual Liam fazia amor com ela. Deteve-se, com o coração pleno, pensando que ele havia se recusado a deixar seu sêmen dentro dela. Sentia-se aliviada, naturalmente, não tinha nenhum desejo de ter um filho bastardo dele. Mas… Havia algo terrivelmente triste em um homem tão decidido que não queria filhos.
Afastou os pensamentos. Seus olhos se fixaram no pequeno cofre que ele tinha tentado de lhe entregar na manhã anterior. Com um tremor tomou ciência que haviam permanecido no leito por mais de vinte e quatro horas. Observou o colchão todo desordenado.
Não parecia possível, entretanto era.
Notou sua roupa intima no chão. Estendeu a mão para recolhê-la, mas estava rasgada em duas. Atirou longe.
Recolheu o vestido e o estendeu com cuidado sobre a cama. O decote estava rasgado, que recordava bem Quando o ele o destroçara. Teria que remendá-lo. Era muito bonito para deixá-lo nessas condições.
Seu olhar retornou para a pequena caixa esmaltada.
Não o abra, pensou. Mas foi incapaz de se deter pensando que aquilo era seu presente.
— Não quero seus presentes, Liam O’Neill. — Gritou.
A tristeza substituiu toda a alegria. Sentou-se sobre a cama, em uma manta de pele, fitando a caixa. Uma caixa que odiava porque representava o que ela se tornara, o que era nesse momento. Lágrimas de raiva encheram seus olhos. Tinha pensado poder ignorar a realidade de sua vida.
Katherine se levantou, deixando cair à manta e caminhou em direção ao cofre. Na fechadura havia uma pequena chave de bronze. Girou-a. A tampa se elevou e Katherine se assombrou.
Sob seus olhos se estendia um magnífico colar.
Cinco fileiras de rubis, cada pedra engastada em ouro e diamantes que brilhavam nos bordas de cada pedra. O presente não era comum. Era jóia para uma princesa, não para uma rameira. Katherine não podia acreditar no que seus olhos viam.
E não entendia. Não o entendia.
Fascinada, pegou o colar. Era muito pesado, quase muito para ser usado. Usá-lo não devia ser muito cômodo. Mas, alguma vez saberia. Não? Porque nunca usaria seu presente.
Mordeu o lábio, colocou o colar contra seu pescoço e girou o corpo para o espelho acima do baú. Mas Quando o viu seu reflexo deixou cair o colar, como se a queimasse. Porque tinha visto uma mulher alta, nua, com os cabelos soltos que caíam indômitos, lívida. Seus olhos brilhavam de excitação não reprimida, que exibia um colar de valor inestimável sobre os seios nus e tremulas.
No espelho não se via Katherine FitzGerald, a filha de um Conde. O espelho mostrava uma cortesã bem paga. Ela tinha visto uma rameira.
Deixou o colar no chão. Com o coração martelando colocou-se vestido. Desgraçadamente não tinha outros vestidos e não lhe restava outra escolha que usar o vestido rasgado.
Devido não ter um pente, se penteou com os dedos, mas não adiantou muito. Finalmente se inclinou e recolheu o colar para recolocá-lo no cofre. Fechou com a chave.
Logo, com o vestido apegado no pescoço saiu rápido da ante sala, para a escada.
Liam estava em pé diante da lareira, perdido em pensamentos.
Guy, sentado no piso não longe de seus pés estava brincando com um grande filhote de lobo. MacGregor sentado à mesa estava imerso em um livro. Um livro? Katherine não havia notado que ele também soubesse ler.
A expressão distante de Liam se transformou em um caloroso sorriso Quando o a viu. Ao fundo da escada, Katherine ficou gelada. O sorriso de Liam se manteve, para logo desaparecer Quando o Observou seus olhos. Baixou o olhar para o cofre que ela sustentava nas mãos.
Katherine foi invadida por uma tristeza, além de toda capacidade de descrever. Fitou Liam, seu belo rosto sério, sua figura poderosa e grande, e seus olhos cinza inescrutáveis.
Recordou o dia anterior. Como tinha sido estúpida ao despertar tão feliz, sonhando de olhos abertos. Eles não tinham feito amor. Oh, não. Somente haviam gozado da fornicação. Não, foi pior. Haviam gozado do puro sexo hedonístico.
E se embora tivessem feito amor, isso não podia mudar Liam O’Neill no homem que nunca seria. Ele era filho de Shane O’Neill. Não um violador como seu pai. Não um homem violento, mas sempre um pirata sem moral.
— Bom dia, Katherine. — Ele disse tranqüilo, lhe escrutinando o rosto. — Estamos para sentar à mesa. — O olhar dele fixou no decote rasgado que ela sustentava com a mão. — Ordenei que trouxessem o baú com os vestidos do navio. Devem estar aqui de um momento a outro. Esperaremos que se troque, para comer.
Ela estava com o coração aos pedaços. E não tinha nada a ver com o vestido destroçado. Katherine se aproximou e lhe estendeu o cofre.
— Não posso aceitá-lo.
Com expressão indecifrável, ele assentiu.
— Não quero presentes de você.
— Muito bem. A decisão é tua. — Seu tom de voz era desprovido de inflexões.
Katherine queria chorar. Deu-lhe as costas e se dirigiu um pouco cega para a mesa onde deveriam tomar as refeições. Tinha despertado com bastante fome, mas agora já não tinha apetite.
Estava em sério perigo, mas recusava reconhecer a natureza desse perigo. Só sabia uma coisa. Devia fugir.
Prescindindo de sua dor.
Vários dias depois, Katherine estava sentada no piso com Guy jogando dados. Estava feliz em vê-lo sorrir e também gritar de alegria Quando o a derrotava, porque geralmente era um menino muito sério. Apostavam gravetos e pequenas pedras, embora maroto, Guy quisesse apostar moedas de verdade.
Agora estava batendo palmas de prazer porque tinha ganhado novamente. Katherine lhe sorriu.
— Não consigo ganhar, Guy. Penso que devo admitir minha derrota!
Guy mostrou um sorrisinho e logo notando alguém atrás dela sorriu abertamente. Katherine se voltou e notou Liam que os observava, com uma estranha expressão no rosto.
Seu coração imediatamente começou a pulsar forte. Estava absolutamente consciente que era tarde e sabia bem o que logo aconteceria em seus aposentos.
De fato, Liam dormia com ela todas as noites e seus arrebatamentos de paixão freqüentemente se prolongavam até o amanhecer. Às vezes, incrivelmente ele a buscava também durante o dia. Katherine nunca o tinha rechaçado. Nunca tinha desejado fazê-lo.
Seus olhares se encontraram. Parecia que seus corpos se fundiam. Katherine sentiu que se ruborizava enquanto se voltava para fitar Guy. Advertiu que Liam se aproximava e sentiu o calor e o magnetismo de seu corpo atrás dela.
Ele tocou-lhe docemente um ombro.
— Aprendeu a jogar dados no convento, Katie?
Katherine sorriu nervosamente. — Claro que não. Aprendi a jogar dados com meu pai e meu tio.
Ele avançou e se ajoelhou ao seu lado, com expressão amorosa lhe acariciou o rosto.
— E sua mãe não tinha nada a dizer?
Katherine sorriu.
— Ela não sabia.
Liam sorriu, o som era rico e leve.
Katherine fitou seu belo rosto.
O olhar de Liam se pousou em Guy.
— Espero que você não queira ter a Mademoiselle toda para si. — Lhe disse sério.
Guy enrubesceu.
— Não, Senhor capitão.
Liam estendeu a mão e despenteou os cabelos do rapazinho.
— Os cavalheiros deixam as Mademoiselles ganharem. — Se levantou e fitou Katherine severamente e se afastou.
Katherine o Observou subir a escada, com o coração na garganta.
Mas Quando o se voltou para Guy tentando se comportar com naturalidade notou seu olhar interrogador e o quanto o menino desejava continuar jogando. Seu sorriso desapareceu. O menino estava faminto de afeto dela e de Liam.
E embora a coisa que mais desejasse era a subir a escada deu-lhe um toque afetuoso na mão.
— Então, jogamos ou não?
Katherine não conseguia dormir. Observou Liam deitado de costas, que respirava profundamente, com o corpo imóvel e empapado de suor por ter feito amor com tanto ardor. O coração de Katherine se angustiou. Atenta em não despertá-lo, sentou-se.
Estavam no mês de Junho e embora os dias fossem quentes, as noites ainda eram frias. Katherine cobriu o seio nu, mas os batimentos de seu coração se recusavam a acalmar.
Na noite anterior, durante o jantar leve, Liam havia lhe anunciado que partiria na manhã seguinte.
Katherine havia reagido como uma tola perguntando aonde iria e ele a observara com olhos impenetráveis e respondeu que ela saber, não serviria de nada.
Katherine sentiu as lágrimas se acumular nos olhos. Secou-as raivosa consigo mesma e porque havia esquecido, embora por um instante, que seu amante era um pirata.
Naturalmente, ele possuía documentos oficiais e assaltava também os inimigos da rainha. Katherine sabia que era simplista etiquetar Liam somente como pirata, porque sua pirataria era parte de um jogo político muito ardiloso e perigoso.
Também atuava em nome da Coroa, o que fazia dele um estranho híbrido.
Quando o saqueava em alto mar o fazia com muita cautela.
Liam partiria.
Piratearia para si ou para a rainha, e isto significava que finalmente teria uma possibilidade de fuga.
Katherine baixou o olhar sobre ele. O fogo ardia ainda, e uma leve luz alaranjada banhava o aposento pousando sobre os belos traços dele.
O coração lhe doía. Outra boa razão para sair agora, antes que ele a expulsasse, como certamente faria um dia. Katherine temia que houvesse rechaçado tal ordem, em vez aceitá-la, que teria se recusado a lhe suplicar de joelhos para que não a abandonasse por uma amante mais jovem.
Oh, Deus! Katherine apertou os joelhos contra o peito, enquanto a lágrimas rolavam.
Não o amava, era impossível, mas ele a tornara escrava com seu sexo, poder e seu carisma. Ele havia lhe transformado em uma escrava, mas os escravos podiam fugir de seus donos e ela devia fugir.
Na manhã seguinte depois que ele partisse iria à aldeia com o cofre e o colar de rubis e ouro. Certamente por tal valor, alguém a ajudaria a abandonar a ilha. A abandoná-lo.
Katherine subia com dificuldade o longo atalho íngreme e pedregoso para o castelo, de volta de sua expedição à aldeia. Carregava uma singela capa cinza no braço, que tinha usado para dissimular sua identidade, apesar do dia estar caloroso. Liam tinha partido ao amanhecer e ela havia saído do castelo pouco depois. Saíra atrás de uma pequena carruagem simulando ser uma faxineira, porque a criadagem era livre para transitar aonde queriam.
Acima de sua cabeça o sol brilhava e o céu azul claro estava marcado por pequenas nuvens brancas. Entretanto, não se sentia contente nem a metade do que deveria, depois de ter conseguido obter o que queria.
De fato havia encontrado um marinheiro. Após ter mostrado o cofre com o esplêndido colar, ele havia aceitado ajudá-la a fugir.
Katherine Observou o falcão se elevar sobre o castelo e pensou que estava feliz. Sim, estava contente porque dali a poucos dias, Quando o chegasse o navio de abastecimento de Belfast, o marinheiro a contataria.
E Quando o o navio zarpasse para voltar para a Irlanda do norte, ela estaria a bordo.
E Liam não voltaria tão cedo, tornando assim sua fuga muito mais simples. Fugiria e não o veria nunca mais.
Katherine estava furiosa consigo mesma por seus próprios sentimentos. Furiosa com as lágrimas incipientes. Furiosa por estar tão triste e especialmente porque o causador era um maldito pirata. Devia partir antes que acontecesse o impensável. Antes de se apaixonar por ele. E tinha que deixar de pensar em como seria a acolhida a ela reservada, uma vez que pusesse um pé em terra inglesa. Na realidade havia decidido voltar para Hawke, que legalmente ainda era seu marido.
Seu coração pulsava muito forte agora, porque sua fantasia corria sem freio e ela se via em frente a ele, à corte, e à rainha. Mas eles não saberiam nada.
Não saberiam que Quando o estava nos braços de Liam ficava mais feliz, desejosa e lasciva que qualquer cortesã de alta ascendência.
E seu pai? Katherine não havia lhe tinha dedicado um só pensamento desde que tinha sido seqüestrada. Entretanto, agora se perguntava como ele a teria recebido. Talvez, Gerard estivesse cheio de raiva pelo fato que havia sido seqüestrada e violada. Ou talvez, a rechaçasse por não ter lhe obedecido. Porque era a rameira do pirata e não sua esposa.
— Katherine!
Katherine tropeçou e se deteve feliz em ser arrancada de seus pensamentos. Guy corria atravessando a grade aberta e voando pelo atalho ao seu encontro. MacGregor o seguia, mas mais lento.
Katherine se esforçou em lhe presentear com um brilhante sorriso.
— Olá, Guy! — Saudou.
Guy escorregou e se deteve.
— Onde você esteve? Procuramos-lhe por toda parte!
Atenta em evitar o olhar de MacGregor, Katherine despenteou os cabelos escuros de Guy.
— Sentia-me sozinha agora que Liam não está. — Mentiu. — Decidi dar um passeio.
— Devia ter me pedido que a acompanhasse. — Protestou Guy. — O capitão disse que meu dever é o de te proteger de qualquer perigo.
— Lady Katherine. — Disse MacGregor. — Rogo-lhe solicitar ser acompanhada na próxima vez que desejar abandonar as muralhas do castelo.
Katherine apertou o maxilar e lhe deu um olhar furioso.
— Pensa, por acaso, que pretendo fugir?
Ele a fitou, sem responder nada.
Katherine se arrependeu de suas palavras.
— Não tenho como fugir e você sabe disso. — Disse. — Mas me nego permanecer prisioneira no interior desse miserável monte de pedras. — Ela continuou, passando bruscamente diante do homem, Guy a seguiu.
— Katherine?
— O que acontece, Guy?
— Não é feliz aqui?
Katherine se suavizou. De repente lhe veio à mente que Guy sofreria Quando o ela partisse. Talvez tivesse sido um engano fazer amizade com ele. Mas amava crianças e Guy não era exceção. Escolheu as palavras com cuidado. — Guy, eu não sou infeliz aqui. Minha família e meus amigos estão longe. Minha permanência aqui é só temporária.
Ele a fitou, com os olhos cheios de lágrimas.
— Entendo. Pensei que você era diferente das outras, que você ficaria. Mas como as outras cedo ou tarde também irá embora.
Katherine não podia se mover ou respirar. As outras. Quantas outras? Não queria saber. Tinha que sabê-lo. Respondeu: — Sim, não sou diferente das outras. — E se voltou. Assim o menino não veria a lágrima que descia por sua face.
Aborrecida e inquieta, consciente da ausência de Liam e rogando que voltasse e ao mesmo tempo em que não voltasse antes da chegada do navio de abastecimento de Belfast, Katherine foi à casa de pedras com Guy em seus calcanhares.
Era outro dia do verão e ela havia colhido prímulas, que havia descoberto que cresciam selvagens apenas alem do arame farpado.
Levantou-se na ponta de um pé, sustentando em uma mão um ramalhete de flores, e tentou enxergar através do vidro de uma janela. Mas as cortinas estavam fechadas.
Voltou-se e inquiriu Guy.
— Liam me falou uma vez desta casa. Claramente é uma casa nova. Por que Liam não vive aqui, em vez desse castelo decrépito e cheio de correntes de ar?
Guy sacudiu os ombros.
— Estou com o capitão a mais de dois anos, e ele sempre viveu no castelo. Mas, de todo modo foi ele que construiu esta casa.
Katherine gemeu. Por que Liam havia gasto tanto dinheiro para construir essa bela casa, para depois deixá-la vazia?
— Já esteve lá dentro?
— Nunca entrei. Nenhuma vez. Ele a mantém fechada.
Dando um olhar conspirador a Guy, Katherine se dirigiu à entrada da casa. Como havia dito Guy, as duas grandes da entrada, de madeira envelhecida e ricamente esculpida, estavam fechadas com chave.
— O que quer fazer? — Guy perguntou curioso.
Ele sorriu, com os olhos brilhantes.
— Explorá-la.
Guy arregalou os olhos e logo sorriu.
— Talvez o mordomo tenha as chaves. Mas não me daria. E o capitão poderia se zangar Quando o descobrir o que fez.
— Não se preocupe com O’Neill.— Katherine pensou um instante. — Não acredito que o mordomo me dê, mas… — Seus olhos brilharam. — Posso tentar!
Rindo juntos, voltaram-se e tropeçaram diretamente com MacGregor. Seu rosto estava esculpido em sulcos graníticos, como de costume, mas Katherine lhe captou um brilho indecifrável nos olhos.
— Necessita de alguma coisa, Lady Katherine?
Desde que havia chegado à ilha, Katherine tinha mudado de idéia sobre esse homem grande e calvo, de aspecto bruto.
Havia acreditado que se tratasse de um mercenário analfabeto, mas cada vez que lhe dirigia a palavra ele era educado e preciso, traindo uma educação além da média. Gostava de muito ler. E não só tocava gaita de fole com grande habilidade, como também a flauta e o clarinete. Não, esse homem grande de aspecto taurino não era nada o que parecia. E as poucas vezes que era necessário lhe falar, sempre se dirigia a ela com respeito, como se fosse a filha de um Conde e a esposa de Liam.
— Quero entrar. — Disse em tom imperioso.
— Ninguém entra na casa do capitão.
— Por que não?
Ele encolheu os ombros.
— Não é uma pergunta a fazer.
— Quem tem as chaves?
— Certamente o capitão.
— E o mordomo?
MacGregor suspirou.
— O Capitão não ficará contente Quando o souber que entrou.
O sorriso de Katherine desapareceu. Liam não importaria que ela entrasse sua casa porque estaria furioso por sua fuga. Por um momento foi invadida por uma tristeza a qual logo se opôs.
Já sofria por sua separação.
E MacGregor não compreendeu.
— Bem, minha Mademoiselle. Não se preocupe. Vou procurar as chaves, mas deverá explicar ao capitão suas intenções.
Katherine deixou escapar um grito.
A seu lado, Guy ficou estupefato, com os olhos muito abertos.
Katherine não podia acreditar em seus olhos.
Observou o piso poeirento de parket, que nem sequer na corte tinha visto trabalho tão cuidadoso e as paredes recobertas de madeira, apostando que se tratava de uma madeira muito cara. Mogno.
Os carpinteiros devia certamente conhecer seu ofício. Não era possível que viessem da aldeia abaixo do castelo. Atravessou a porta de entrada observandoo uma tapeçaria de vívidas cores e logo quadros de igual beleza em suas molduras de ouro. Deteve-se diante da sala de refeições.
O aposento era decorado com painéis de carvalho escuro. A mesa era redonda, numa versão mais clara da mesma madeira, estava colocada em um pedestal esculpido e cheio de arabescos. Ao redor dela estavam cadeiras acolchoadas. Sobre o piso de carvalho havia tapetes da Pérsia, na cor vermelhas e dourada. Katherine olhou os dois imensos aparadores laterais, as sopeiras e taças de prata, logo levantou o olhar sobre o abajur de ouro coberto de pó. Respirando fundo, passou ao próximo aposento. Era menor, mas decorado com a mesma riqueza.
Havia quadros nas paredes e as janelas protegidas com grossas cortinas de damasco. Havia muitas cadeiras e bancos.
Uma parede inteira era ocupada por uma biblioteca com as prateleiras estavam cheias de livros. No aposento havia uma imensa mesa que se sustentava por pernas delicadas e finas.
Katherine se deixou cair sobre a primeira cadeira que encontrou. E por uma absurda razão, as lágrimas encheram seus olhos.
— Está tudo bem, Mademoiselle? —Guy perguntou-lhe num sussurro.
Ela semicerrou os olhos.
— Não compreendo esse homem.
Guy não disse nada, olhando admirado ao redor.
Katherine também olhou ao redor.
— Não o compreendo. — Repetiu-se em tom mais decidido. — Faz-se de pirata, mas na realidade é um cavalheiro. Mostra-se selvagem, mas é instruído e sábio. Define esse tétrico castelo como sua casa, Quando o ao lado tem uma casa que agradaria a qualquer príncipe ou princesa.
Guy se sentou em um banco de madeira, cujo assento de pele era firmado com broches de bronze.
— É um grande homem.
— Saqueia e assalta navios, Guy. É um pirata.
Guy jogou para diante seus ombros magros.
— E assim é o mundo. Ele me explicou isso. Pilhar ou ser pilhado.
Katherine fitou o rapazinho, tremendo ligeiramente, porque Liam tinha razão. Bom Deus. Liam tinha verdadeiramente razão. No mundo, o poder equivale direito e ela havia aprendido na própria carne. Claramente, Liam também tinha aprendido a dolorosa lição.
E então se perguntou, Quando o foi inculcado nele esse amargo preceito e começou a suspeitar que devia ter sido em sua infância. Talvez Quando o Shane O’Neill o arrebatara de sua mãe. Isto explicaria muitas coisas. As contradições de sua personalidade e seu caráter. A ambigüidade em ser um pirata selvagem e um fascinante cavalheiro. Um homem que temia compreender.
Com o coração angustiado, Katherine saiu rapidamente do castelo, como tinha feito alguns dias antes. Havia sido lhe entregue uma mensagem por uma das criadas. O navio de Belfast havia chegado.
Correu à aldeia, tremendo ante cada som e sombra. Temia e esperava que MacGregor lhe pisasse nos calcanhares ou, pior, tropeçar com Liam. Mas não viu o escocês durante todo o dia e Liam ainda estava no mar. A conversa com o marinheiro aconteceria em uma cervejaria de First Street, a suja rua em frente o porto.
Katherine o Observou barris de cerveja empilhados contra a parede de madeira e desviou o olhar para as atividades cotidianas e os poucos transeuntes. Alguns homens ocupados em seus assuntos, uma mulher que preparava tortas de pescado e somente uma prostituta na esquina da rua. Dois meninos que brincava com uma bola no porto, chutando para diante e para trás.
Logo seu sangue gelou e lhe arrepiaram os cabelos da cabeça.
Não longe do porto, o Sea Dagger balançava ancorado.
Katherine caminhou mais devagar e Observou o navio do pirata. Os homens estavam trabalhando na ponte, preparando o navio para o desembarque. Outros descarregavam baús e barris no porto.
Apertou os olhos e logo se deu conta que estava tentando ver Liam uma última vez, antes de embarcar no navio de abastecimento destinado a levá-la para longe da ilha.
— Mademoiselle?
Katherine se sobressaltou, assustada. Suspirou aliviada Quando o se deparou com o marinheiro.
— Assustou-me! Quando o chegou o SeaDagger?
— Esta manhã.
Katherine abriu a boca. Liam hvia chegado muitas horas antes e ela não o tinha visto. Ainda estaria a bordo? Fiscalizava a descarga de sua pilhagem? Não tinha que se sentir ofendida, porque ele não tinha ido imediatamente para ela. Devia sentir-se aliviada
— Estamos preparados para partir?
— Até o Belfast, Mademoiselle. — Rrespondeu o marinheiro sorrindo.
Katherine fechou os olhos, enrolada por uma imprevista confusão e cheia de dúvidas. Não queria ir embora, mas tinha que fazê-lo.
Entretanto, não podia ir sem um último adeus a Liam.
Mas se realmente queria fugir sabia que não devia perder tempo. Devia correr para o navio de abastecimento. Imaginou facilmente nos braços dele e se não fosse embora nesse momento. Suspeitava que não o fizesse nunca mais.
— Onde está Liam? — Perguntou trêmula.
O marinheiro a olhou, hesitante.
Katherine umedeceu os lábios tentando encontrar coragem. A coragem da qual estivera segura até instantes antes.
Seu coração estava cheio de dúvidas.
— Estou precisamente atrás de você. Katherine. — Disse Liam muito devagar. Perigosamente devagar.
Katherine sentiu que lhe faltava a terra sob os pés. Voltou-se de repente.
Liam estava ali e a observava com frieza.
Em sua mão trazia o colar de rubis e ouro que ela havia dado ao marinheiro.
Liam lançou o precioso colar ao marinheiro.
— Tome, Jacko. Bom trabalho.
Katherine cobriu a boca com a mão, com os olhos muito abertos, incrédulos e assustados. Jacko sorriu e colocou o colar no bolso. Saudou Liam alegremente e partiu.
O olhar de Katherine se fixou em Liam. A expressão dele lhe gelou até a medula.
Ele estava muito zangado e ela deveria ter medo, mas seu coração estava se acalmando, não acelerando. Na verdade ela estava vagamente consciente de se sentir aliviada.
Ele a pegou por um braço, puxando-a para si.
— Não me tinha dado conta que era tão infeliz, Katherine.
Katherine fitou o belo rosto. Oh Deus. Estava seriamente aliviada. Não havia, seriamente, querido abandoná-lo. Seriamente, não.
Liam a sacudiu ligeiramente para atrair sua atenção. Tinha a boca tensa.
— Não me tinha dado conta que era infeliz. — Ele repetiu zangado.
Ela titubeou, e seus olhos se umedeciam.
— Eu… Eu não era tão infeliz, Liam.
A risada dele foi seca, sem alegria.
— E então, por quê? — Perguntou. — E então por que fez isto?
Ela sentia a aguda necessidade de se lançar entre seus braços, mas permaneceu imóvel.
— Era meu dever… Para comigo mesma. — Explicou em voz baixa.
Ele Observou : — Você nunca demonstrou e menor passividade ante mim, em minha presença.
Katherine sabia ao que ele estava se referindo e ruborizou.
— Não é justo.
— A vida nunca é justa. E eu estou cansado de sua hipocrisia. — Começou a levá-la na direção de onde havia chegado.
Katherine se apressou a acompanhar o passo dele, tentando se liberar de seu doloroso domínio. Rendeu-se, porque estava claro que ele queria arrastá-la. Estava perfeitamente ciente que os habitantes da aldeia que passavam por ali estavam lhes observandoo com ávida curiosidade, e com mais de um sorriso da parte dos homens. Tropeçou atrás dele, Quando o acelerou o passo, mais largo e rápido.
— O que pretende fazer? — Ela não pôde esconder sua ânsia
Seus olhos dele eram dardos de gelo prateado.
— Resolveremos este assunto de uma vez por todas.
— O que quer dizer?
Sua resposta foi um perigoso sorriso.
Katherine assustou. Ele estava muito zangado e ela verdadeiramente não tivera a intenção de abandoná-lo e ainda não estava preparada para despir seu coração diante dele. Não ainda.
Mas, não conseguia imaginar o que ele pretendia fazer.
De repente, em vez de prosseguir para o castelo sobre a colina, acima da pequena aldeia, ele virou bruscamente em uma rua que levava a centro da mesma.
— Quero saber onde me está levando. — Katherine ofegava porque ele caminhava mais rápido que ela.
Desta vez ele não se voltou para ela.
— À igreja.
E, surpreendentemente ele atravessou um grupo de árvores que ondeavam com a brisa de verão. Katherine então notou a igreja recentemente caiada, na esquina diante deles. O campanário cinza e a cruz de ouro se elevavam para o céu.
De repente compreendeu o que Liam pretendia fazer. Mas certamente não era possível!
— Liam, detenha-se. Não tem sentido. — Gritou, tentando liberar o braço.
A reação de Liam foi empurrá-la pelo caminho de pedra, até os três degraus diante da igreja.
— Que diabos têm em mente? — Ela gemeu Quando o Liam deu um tranco na porta que se abriu e estrelou contra a parede.
— Desta vez nos casaremos. — Ele disse.
No interior, a igreja estava fresca com sua luz pálida e era surpreendentemente tranqüila.
As laterais da igreja eram embelezadas com coloridos vitrais. E no altar diante deles existiam todos os símbolos da missa, inclusive um imenso crucifixo de ouro. Katherine se deu conta imediatamente que aquela era uma igreja católica, mas o fato a reconfortou. Só aumentou sua confusão.
— Liam, — conseguiu desesperadamente lhe dizer, — eu já estou casada. Sabe disso.
Seu olhar glacial a atemorizou.
— E sei também que seu casamento com Hawke nunca foi consumado. Quem sabe tenha se divorciado de você. Em todo caso saberá certamente que a Igreja não reconhece casamentos ente católicos e heréticos. Aos olhos da igreja, Katherine, você e Hawke não estão casados.
— Mas você é protestante. — Katherine objetou fracamente, começando a entender que ele estava falando sério. E naturalmente, sabia que ele estava dizendo a verdade.
— O que acredito é assunto meu. — Ele disse respondeu sem meio termo. — Padre Michael certamente não se recusará a fazer o que eu lhe peça, porque esta igreja eu a construí. Fui eu quem o trouxe e quem lhe paga o salário. Agora, inclusive pode me converter e celebrar nosso casamento.
Ela abriu a boca para protestar, mas somente conseguiu emitir um som afogado.
Imediatamente veio-lhe à mente o casamento católico que sempre tinha desejado, mas naturalmente não com um pirata sem Deus.
— Liam. — Disse uma voz masculina do outro lado da igreja.
Katherine se voltou e Observou o sacerdote percorrer o corredor em direção a eles, com seu hábito negro que ondulava com graça ao redor de seu corpo magro.
Era um homem jovem e de cabelo negro, que sorriu para Liam como se estivesse contente em vê-lo.
O coração de Katherine acelerou de tal ponto que ela acreditou que desmaiaria.
Seria tão terrível se casar com Liam O’Neill?
— Padre Michael,— Liam disse tranqüilo, — quero que conheça Katherine FitzGerald.
Pai Michael se voltou para ela sorrindo.
— Esperava poder conhecê-la, Mademoiselle. — Ele disse mantendo o olhar sobre ela. Tinha os olhos azuis gentis e serenos. — Para lhe dar as boas vindas em nossa ilha e lhe oferecer meus serviços em caso de necessidade.
Katherine não conseguia falar.
— Queria que nos unisse em casamento. — Declarou Liam. — Naturalmente farei os votos necessários.
O sacerdote o fitou aparentemente para nada surpreso.
— Devo entender que deseja celebrar o casamento agora mesmo?
— Sim. — Respondeu Liam e sua voz ressoou forte na igreja vazia. — Queria que nos casasse imediatamente.
Os joelhos de Katherine cederam, mas Liam a sustentou e a fez avançar pelo estreito corredor, até o altar. Sempre a apoiando.
Seus olhares se encontraram. Katherine leu nos olhos dele uma determinação absoluta e se deu conta que nada, nem homem, nem animal, nem Deus ou o diabo poderiam lhe fazer desistir.
Liam abriu a porta de sua ante sala. Katherine cuidou em não fitá-lo e nem tocá-lo enquanto o precedia em seu aposento.
Estavam casados. Incrivelmente eram marido e mulher. Dirigiu-se para o lado oposto do aposento e se pôs a observar o pátio lá abaixo pela pequena janela, sem conseguir ver nada. Devia aceitar seu destino. E evidentemente seu destino era Liam O’Neill. Na realidade tinha outras opções?
Com toda probabilidade, nessa altura Hawke já teria se divorciado dela.
Então não era melhor ser a esposa de um pirata, que sua amante?
Se Liam não se casasse com ela e a deixasse livre, nenhum outro homem iria querê-la. Não depois que havia vivido nessa ilha. Seu pai não estava em condições de mantê-la e ela ficaria sem um teto. Seria uma vagabunda na rua.
E, de verdade, secretamente, era tão ruim ser sua esposa? Quando o, apesar de tudo, desejava-o tanto?
Quando o, inclusive, estava se apaixonando por ele? Ou talvez já estivesse?
As lágrimas lhe ofuscaram a visão. Estava exausta. Exausta e insegura de tudo, dele e dela mesma. Não tinha coragem de pensar no passado e nem no futuro. Não nesse momento. Não nesse dia. Apertou os braços contra a cintura. Logo se deu conta do silêncio total que reinava. Mas sabia que não estava sozinha. Liam estava na porta e mostrava a expressão muito tensa.
Observava-a atentamente. Seu coração começou a pulsar forte. Correspondeu seu olhar.
Ele apertou o maxilar, desviou o olhar para o piso.
Que belo perfil. Não deveria se sentir aliviado? Por que se mostrava tão abatido? Por que de repente se mostrava tão tenso? Era possível que estivesse se sentindo inseguro e tímido como ela?
Katherine não podia afastar os olhos dele, perguntando-se o que diria, o que faria agora que estavam casados.
Finalmente, ele levantou a cabeça escrutinando-a com os olhos de prata. Logo, com um gesto insólito passou uma mão nos cabelos e Katherine notou que ele tremia ligeiramente.
A jovem umedeceu os lábios.
— E agora, o que faremos?
Ele sustentou seu olhar.
— Que deseja fazer, Katherine?
— Não sei. — Ela disse, mas foi invadida pelos velhos sonhos, onde se via alegre, inocente e feliz. Uma noiva contente. Queria ser essa noiva nesse momento.
— Eu não quero lutar você. — Ele disse em tom grave.
Ela se sobressaltou fitando seus olhos.
— Então talvez não devesse tomar atitudes extremas.
— Talvez.
O silêncio desceu sobre eles e Katherine se deu conta da tensão acumulada em seu próprio corpo, nas coxas, nos quadris e na mente.
Estavam casados. Era sua primeira noite de casada. Ele tinha todos os direitos de levá-la à cama, enquanto antes não tivera nenhum. Certamente nessa noite terminariam fazendo amor.
Mas por que ele ficava ali a observandoo tão sério? O que o impedia de se aproximar dela como já tinha feito tantas vezes antes?
Também ele cruzou os braços sobre o peito. — Pergunto-me se poderá haver paz entre nós.
Algo inchou dentro do peito a ela.
— Eu… Não sei.
Ele apertou a maxilar.
Katherine umedeceu os lábios.
— Poderíamos… Tentar.
Ele abriu muito os olhos e seus braços caíram ao longo do corpo.
Nesse momento ela se deu conta de querer uma trégua, porque estava muito cansada da contínua batalha e desejava ardentemente se refugiar em seus fortes braços. Desejava seu corpo, mais pelo consolo que lhe daria, que pelo prazer. — Ruborizou-se. — Somos casados agora. Loucos… Fazem a guerra.
Ele avançou com longos passos e se deteve de repente, em frente a ela, mas não a tocou.
— Eu acredito que estou louco, ao fazer tudo o que tenho feito. De ter arriscado tanto por você, Katie.
Uma sensação morna e alegre se desencadeou dentro dela.
Katherine sentiu as lágrimas encher seus olhos e visão se nublar Quando o levantou a mão para lhe acariciar a face. Liam fechou os olhos e um instante depois girou o rosto, abriu-lhe a mão e deu um longo beijo na palma.
Katherine sorriu e se rendeu em seus braços. Esta vez Quando o suas bocas se fundiram. Era o prelúdio de algo mais profundo, que uma simples união sexual.
Katherine despertou Quando o foram colocadas algumas mantas sobre seu corpo nu. Ouviu estranhos ruídos no aposento, que se transformavam sempre menos estranhos e mais familiares. Eram os criados que enchiam a tina de água.
Sua mente atenta começou a funcionar. Estava na cama, em seu aposento. Um aposento que compartilhavam já há muitos dias. Lembrou-se de tudo.
Liam havia se recusado deixá-la ir e a paixão tinha alimentado mais paixão.
A primeira vez ele havia sido surpreendentemente gentil e terno e a segunda, desenfreado. O resto não recordava. Suas mãos, sua boca, sua ardente penetração, as palavras sussurradas, às vezes doces ou às vezes maliciosas provocações. Tudo era confuso. Salvo um fato, uma coisa que permanecia bem clara em sua mente.
Liam não tinha deixado seu sêmen dentro dela, sequer uma vez.
Katherine foi tomada por um imprevisto desespero que apagou sua alegria. Sempre tinha desejado filhos e ainda os desejava. E agora era sua esposa. Por que ainda estava decidido a lhe negar filhos? Que escuros demônios o impeliam a se comportar dessa maneira antinatural?
Todos os homens desejam filhos. Homens queriam herdeiros: a imortalidade. Todos, menos este, evidentemente. Esse homem que agora era seu marido. De repente recordou suas palavras, fortes e claras, como se estivesse pronunciando nesse momento. Não sou tão cruel a ponto dede querer dar bastardos ao mundo. Não quero filhos. Nunca terei filhos. Não quero deixar esta vida a eles, como herança.
Katherine abriu os olhos de repente. A luz do sol alagava o aposento. Notou que já era dia e também que já era tarde. Sentiu uma aguda desilusão, mista com uma enferma tristeza.
Por que Liam era contrário a ter filhos, a ponto de estar decidido a não tê-los? O que o induzia a ser tão determinado?
Não tinha uma resposta, não ainda. Voltou-se e viu um criado que adicionava ervas a tina de água fumegante e o aroma de romeiro chegou ao seu nariz.
Katherine tentou deixar-se seduzir pelo banho, mas não conseguiu.
Estava acordada, mas se sentou com os lençóis sobre os seios. Logo se sobressaltou. Liam estava em pé na porta, fitando-a. Não sorria, mas Quando o seus olhos se encontraram em seu rosto apareceu um leve sorriso.
Katherine se esforçou a sorrir também, mas seu sorriso era tímido e inseguro.
— Bom dia, Katie. Aproximou-se dela, pegou a mão a levou aos lábios para lhe beijar a palma, observandoo-a.
A criada fingiu não notar e saiu rapidamente.
Os sentidos de Katherine explodiram. Seu rosto ardeu. Quando o a fitavam, os olhos de Liam eram tão quentes, que ela acreditou ser mais importante para ele, do que ele teria deixado entrever.
E foi sacudida pela idéia. Sacudida e destruída.
Ele se sentou no leito ao seu lado.
— Que escuros pensamentos lhe despertaram tão séria e triste?
Ela o estudou e teve a sensação que queria uma resposta, portanto, disse-lhe a verdade.
— Agora que estamos casados, certamente gostaria de ter filhos, não?
O sorriso desapareceu. Liam se levantou em sua altura e fitou-a com os olhos plenos de emoção. — Não, Katherine. Pensei que você tivesse compreendido. Eu não trarei nenhum filho ao mundo.
Katherine apertou as mantas contra o pescoço.
— Não entendo.
Ele apertou o maxilar.
— Claro que não.
A dor e a desilusão se apoderaram dela.
— Eu sou sua esposa. Deus sabe, que eu não pedi para ser, mas fato agora. Seguramente eu tenho um pouco de direitos.
Liam escrutinou seus traços, e logo voltou a fitá-la.
— Não quero que meus filhos sulquem os mares, sem outra possibilidade de escolha. E Deus! Não queira que nasça uma menina, porque seria ainda pior. Não, não quero filhos.
Katherine moveu a cabeça.
— Por favor, Liam. É uma muito importante para mim. Vamos conversar…
— Não!
Katherine se sobressaltou ante a ira na voz dele.
Os olhos de Liam eram ardentes. — Não. Não. Não trarei ao mundo prostitutas e piratas.
Katherine gritou, e ele fechou a porta com um golpe.
A carta chegou um mês depois, em Agosto. Liam a trouxe consigo na volta de sua segunda viagem, que durou uma semana.
Katherine reconheceu imediatamente o selo que pertencia ao Conde de Desmond. Seu coração quase parou. Era claro que a carta selada era de seu pai, que ainda usava bobamente os títulos que já não lhe correspondiam.
Liam estudou-a enquanto paralisada ela olhava a carta.
— Vou subir e tirar o sal e sujeira do corpo. —Ele anunciou, sorrindo doce e sedutor. — Talvez depois que tenha lido a carta tenha deseje subir a me dar uma mão.
— Obrigado, Liam. — Katherine respondeu meigamente observandoo-o subir a escada de pedra. Tinha sentido muito sua falta, sua presença, mas o reencontro devia esperar. Compreendeu que ele deliberadamente estava lhe deixando sozinha, para lhe dar um momento de intimidade e ler a carta de seu pai. Estava agradecida.
Nos muitos meses transcorridos desde seu seqüestro e nas poucas semanas de seu casamento era mais assídua a evitar pensar no que acontecia no mundo fora da ilha. Seu pai fazia parte desse mundo, e não estava segura de querer saber as notícias que ele mandava.
Katherine parou diante do fogo, e com insegurança rompeu o selo.
Primeiro de Julho, do ano mil quinhentos e setenta e um.
Queridíssima Katie. Por que não me tem escrito? O que aconteceu? A corte ficou transtornada com seu seqüestro, a rainha furiosa como John Hawke, mas lhe negou a permissão de ir te buscar ou procurar O’Neill.
Atendeste os meus desejos como eu havia explicado? Apoiará minha causa? Minha situação não mudou e nunca estive tão preocupado. Estou lentamente morrendo no exílio. Em Desmond, FitzMaurice está mais forte que nunca. Na corte, a rainha se arranca os cabelos desesperada porque não consegue capturar esse fanático. Felipe o apóia mais solicitamente que nunca e o mesmo faz Catarina de Médici. Não se pode seguir assim, minha querida.
Logo FitzMaurice se instalará tão prepotente em Desmond, que somente um ato de Deus o afastará das terras. Katie, mesmo agora ainda casada com Hawke, deve convencer O’Neill das bondades de nossa causa, se já não tiver feito.
Necessitamos da aliança de O’Neill. Envie-o a mim.
Seu amado pai,
Gerald FitzGerald
As mãos de Katherine tremiam Quando o dobrou rapidamente a carta e a lançou no fogo. Ainda estava casada com Hawke.
Inspirou forte. Suas têmporas pulsavam. A carta era datada de primeiro de Julho e talvez, provavelmente então Hawke já teria se divorciado dela. Oh, Deus. Havia algo que não estava certo. Liam a tinha seqüestrado em 15 de Abril. Por que Hawke não tinha divorciado imediatamente?
Katherine se deixou cair sobre uma cadeira. Não podia pensar. Teria dois maridos?
Oh, Deus! Ela olhou para a escada. Em sua ante sala Liam estava se banhando. Quanto o queria agora! Não, não só o queria. E não era escrava. Queria-o muito mais. Era muito mais que escrava. Katherine sabia que estava apaixonada por ele.
Tentou se acalmar, sem sucesso. Apesar de estar quase presa a um ataque histérico sentiu que não podia mais se esconder na ilha de Liam, fingindo que o mundo real não existia. Não podia mais ignorar seus deveres com seu pai, que confiava nela para que o ajudasse a equilibrar balança da justiça de sua parte. Havia chegado o momento de convencer Liam que se aliasse a Gerald e sua causa, embora ela não quisesse se aproveitar dele não queria que a política entrasse a fazer parte de seu casamento.
Não. Já não podia se subtrair de seus deveres para seu pai e não podia mais evitar o assunto sobre seu futuro, porque o futuro tinha vindo procurá-la.
Katherine subiu correndo a escada.
Liam, ainda estava na tina, já com a água morna, Quando o ouviu os passos apressados dela. Sorriu imediatamente. Observou Katherine aparecer na porta, fechando-a a suas costas. Sua reação com respeito a sua esposa era sempre a mesma. Maravilhava-se ante sua beleza, seu espírito e sua inteligência. Portanto seus sentimentos se tornavam mais intensos a cada dia.
Notou que ela estava aturdida. O havia lhe escrito, o desgraçado de seu pai? Liam tinha imaginado que as notícias não podiam ser boas. Gostaria de não lhe entregar a carta, mas não podia negar o contato dela com o pai, como não podia negar qualquer outra coisa.
Liam suspirou e se levantou. A água gotejava ao longo de seu corpo forte
— O que não está bem, Katherine?
Ela estava muito pálida e se aproximou rápida lhe oferecendo uma toalha. Liam pegou sua mão, antes de pegar a toalha.
— Que notícias lhe entristeceram, minha querida?
Seus olhares se encontraram.
Katherine respirava dificultosamente, mas disse imediatamente: — Meu pai está abatido. Preocupa-se comigo. Seu primo está usurpando tudo o que pertencia a ele. Se FitzMaurice não for capturado por Perrot, parece que se tornará muito poderoso para ser expulso de Desmond, — Katherine umedeceu os lábios, — eu nunca te pedi nada, mas agora devo pedir.
Liam permaneceu imóvel, com os olhos cinza tranqüilos, atentos.
— Necessito que ajude meu pai, Liam. — A voz de Katherine se quebrou. — Ele é vítima de uma grave injustiça e você sabe. Por favor, Liam. Suplico-te que o ajude.
Liam pegou as mãos dela entre as suas e em voz baixa, respondeu:
— Por você cumpriria de boa vontade tal traição, Katherine.
— Fará o que peço?
— Já estou ajudando a seu pai. — Ele disse em tom grave, mas sentiu uma pontada de culpa e de medo. Havia encontrado FitzMaurice somente uma vez, muitos meses antes, mas tinha lhe bastado. Desde esse encontro no inverno havia o apoiado e também aos seus soldados, a ponto de sua resistência aos ingleses se consolidar. Nunca tinham sido tão bem alimentados, melhor armados e melhor aprovisionados.
Liam sabia o quão perigoso era seu plano. Urdir um plano para engrandecer um homem para depois fazê-lo cair em desgraça era uma estratégia seriamente muito frágil, tinha muitos pontos fracos e podia facilmente fracassar.
E se fracassasse, FitzMaurice reinaria indubitavelmente sem oposição sobre Desmond, e ele, Liam, seria o instrumento que ajudou nessa tarefa. Katherine nunca compreenderia e ficaria desconcertada por sua aparente traição.
— C-como? — Balbuciou Katherine, surpreendida. — Quando o?
Liam lhe acariciou a bochecha, o lóbulo do ouvido, e sorriu docemente.
— Katherine, roda minha existência é política. Durmo, como e vivo política. Não quero que haja política entre nós. — Ele lhe levantou o queixo buscando fitar seus olhos, logo a beijou com um pouco com ternura uma pitada de luxúria.
— Quero só isto entre nós, Katherine.
Ela correspondeu ao beijo, e logo estava entre seus braços.
— Liam, eu estou tão agradecida. Mas o que está fazendo? Enfrentando FitzMaurice no mar?
Ele levou uma de suas mãos aos lábios e a beijou.
— Ssh… Sei que é muito inteligente, Katherine. Mas não deveria preocupar com política. De longe, não tem nenhuma esperança de influenciá-la.
Ela o surpreendeu porque tocou sua face. Embora Katherine fosse muito efusiva na cama, fora dela se mantinha fisicamente indiferente a ele.
— —Eu acho que você acabou de me lisonjear. — Katherine verbalizou, trêmula. —Você quis dizer que se eu estivesse na corte ou na Irlanda poderia ser capaz de afetar as ações de homens como meu pai e FitzMaurice?—
Liam oprimiu a mão de Katherine contra a face, logo estudou o surpreendente rosto. Não lhe disse que ela já tinha influenciado o destino desses homens, porque o tinha induzido a uma conspiração que se tivesse êxito removeria todos os equilíbrios do poder, e que finalmente afetaria a todos.
Com cautela e verdade, disse-lhe:
— Uma mulher como você poderia remover montanhas se quisesse, Katie.
Katherine ruborizou e o fitou.
— Minha mãe era uma mulher assim. — Ela comentou no fim.
— Indubitavelmente herdaste sua tenacidade, sua beleza e sua inteligência.
— Não sou uma grande beleza, Liam.
— Não lhe ensinaram modéstia no convento, mas as mulheres que dirigem os homens conhecem seu próprio valor. A modéstia não as ajuda muito.
Katherine arqueou uma sobrancelha.
— Por que me diz isto?
— Porque diferentemente de sua mãe você é ingênua e muito inocente. Um dia necessitará de todas as armas a sua disposição e então a modéstia não será de ajuda, minha querida .
Não sabia por que lhe tinha falado com tanta franqueza, talvez porque arriscava o cárcere com sua aventura de traição. Se fosse capturado e enforcado, Katherine ficaria sozinha para se defender.
— Você é tão sedutora que os homens Quando o a vêm só pensam em uma coisa. Você pode conseguir escravizar qualquer homem que desejar. E uma vez seu escravo, esse homem fará o que lhe ordenar, até contra seu próprio julgamento e contra seus próprios interesses.
Liam pensou em seu próprio compromisso com FitzMaurice e pensou na Torre de Londres. Na forca.
Ela continuou a fitá-lo, incômoda além de aturdida.
— Eu não gosto disto. Não fiz de você meu escravo. Liam.
Ele explodiu numa gargalhada.
— Não? — Ele baixou-lhe uma mão e a fez apertar seu membro rijo. — Meu membro começou a inchar desde que entrou aqui e cada vez mais duro.
Ela afastou a mão, mais perto das lágrimas.
Liam amaldiçoou a si mesmo e a sua paixão. Logo tomou nos braços. — Sinto muito, Katherine. Perdoe minha audácia agora, que está tão aturdida. Diga-me o que te entristeceu. Há algo mais, não?
— Sim! John Hawke não divorciou por mim! — Ela gemeu contra seu ombro molhado. — A carta de meu pai data de primeiro de Julho. Por que ainda não se divorciou de mim, se era isso o que pretendia fazer? Temo que Hawke e eu ainda estejamos casados!
Liam ficou rígido, mas escolheu não mentir.
— Sei disso.
— Como? — Katherine se afastou de seus braços, assustada.
Liam a deixou, mas explicou-lhe:
— Ele não se divorciou, mas não se preocupe. Nós estamos casados por um casamento católico, Katherine. Não é o bastante?
Ela o fitou por um longo tempo.
— Hawke deve ainda me considerar sua esposa, e também todos os ingleses.
Liam se zangou, mas tentou se controlar.
— Não é uma coisa fácil se sentir desprezado, Kate. Sei disso muito bem.
Ele notou que sua expressão se adoçava.
— Não tenha compaixão de mim. Não é necessário. Tampouco você necessita. Sequer de si mesma.
Ela continuou olhando-o.
— Nós agora somos casados legalmente diante dos olhos de Deus e da Igreja , se acha pouco. Você me pertence, Katherine. Ou quer ainda voltar para a Inglaterra, para John Hawke?
Seu olhar se nublou e por um instante Katherine não conseguiu respirar. Mas lhe assegurou:
— Não.
Liam fitou seus olhos, com a raiva já desaparecendo e cheio de regozijo selvagem.
— Escolhe então permanecer comigo agora, por sua espontânea vontade?
— Sim. — Katherine o fitou com uma expressão tão amorosa e terna, tão cheia de amor que ele ficou sem palavras. Logo, como se lhe fizesse uma promessa, ela disse: — Não tenho intenção de te abandonar, Liam. Nunca te abandonarei.
Ele abriu muito os olhos, apertou as mãos e uma veia pulsou firme em seu pescoço.
— Eu prometo, — ela repetiu e adicionou com voz rouca. — Não importa o que acontecer.
Liam emitiu um som rico, profundo, rouco e pleno de alegria. Atraiu-a e tomou sua boca. Katherine se recostou na parede, encostada a ele. Acolheu seus lábios com ânsia, abrindo-os instantaneamente. Suas línguas se reencontraram. Liam provou suas lágrimas e compreendeu que eram lágrimas de felicidade. Depois a levantou e a pousou no leito. Levantando-lhe a saia, e ela gemeu.
— Sim, querido. Sim.
Ele a penetrou rapidamente e com força, invadindo-a. Seus olhares se fundiram.
Ele não falou, tomado pela sensação de seu corpo e sua recente confissão, mas enquanto a penetrava sustentou seu olhar, esperando conseguir captar o amor que sentia por ela, um amor que tinha albergado dentro de si, por tanto tempo.
Katherine se segurou em seus ombros começando a gemer e ele se deu conta que ela estava chegando ao orgasmo. Ele também estava perto. Gemeu e esticando-se buscou força para sair dela, de maneira a não disseminar seu sêmen dentro do corpo quente e fértil.
— Liam, — murmurou Katherine tomando seu rosto entre as mãos. — Por favor, não vá.
Ele ficou gelado, pulsando dentro dela. Nunca havia sentido tal urgência. Como queria se soltar, quente e molhado, dentro de seu estreito canal.
— Não, Katherine. — Gemeu. — Não posso
Ela enrijeceu os músculos ao redor dele e Liam compreendeu por sua expressão que ela estava disposta a se opor, para obter a vitória. Sempre segurando seu rosto, ela gritou:
— Amo você. Quero seus filhos, Liam. Por favor!
Seu corpo sobre o dela estava rígido e imóvel, à parte o incessante pulsar de seu membro. Estava em agonia.
Qual homem que arriscava o cárcere como ele, daria um filho a uma mulher nobre como ela? O suor lhe descia ao longo do rosto.
— Liam, me dê seu filho. — Gritou Katherine. As lágrimas molhavam seu rosto. — Querido, eu amo você!
Então Liam gemeu e lhe cobriu os lábios. Não se retirou. Penetrou-a repetida e profundas vezes, perdido no mais puro êxtase, até que finalmente seu sêmen potente e viril lhe alagou o ventre com vigor. Katherine se segurou nele e chorou de alegria.
Richmond
O barco da rainha se movia ao longo das águas do Tamisa, empurrado por vinte e um remadores, com a proa dourada salpicando jorros de água. Era uma agradável tarde outonal e Elizabeth, vestida de ouro, estava apoiada sobre uma almofada ao ar livre. As pontes de embarque estavam cobertas de pétalas de flores, como de costume. Ao seu lado vários nobres e duas damas e uma de suas damas de comapanhia tocava o alaúde.
Richmond Palace estava diante deles. Suas muitas torres, cúpulas e pináculos transpassavam o céu por sobre a imensa horta frutífera que a barco real ultrapassou com rapidez. Mais à frente da horta, a terra ainda era verde e exuberante, cheia de prados e de paisagens de bosques.
Os cisnes se afastaram da embarcação que se aproximava do porto. Elizabeth se levantou com a ajuda dos cavalheiros, e descendo do barco, agradeceu-lhes. Logo, mudando a expressão atravessou depressa os jardins e a grade do palácio. As damas tiveram que correr para alcançá-la.
Elizabeth, não havia se tinha divertido nessa tarde e estava com um humor negro. Como poderia se sentir diferente? Nesse dia soubera que sir John Perrot viria visitá-la. A informação havia lhe dado uma instantânea dor de cabeça.
A última coisa da qual quereria discutir era sobre a bárbara Irlanda. Nesse momento estava cheia de problemas. Tinha sido descoberto outro complô para liberar sua prima Maria, que previa o assassinato de Elizabeth e uma rebelião dos católicos apoiada por uma invasão do duque de Alva dos Países Baixos. E tudo para colocar Maria no trono da Inglaterra. A conspiração era liderada, entre outra coisa, pelo duque de Norfolk que tinha o apoio da Igreja e de Felipe da Espanha.
Só na semana anterior, Elizabeth tinha expulsado do país o embaixador espanhol. Norfolk estava na Torre de Londres e a Igreja o tinha ignorado.
Mas o complô era só o último de todos seus problemas políticos.
Rogou que Perrot lhe anunciasse que lhe serviria a cabeça de FitzMaurice sobre uma bandeja de prata, porque também esse papista tinha intenção de provocar sua derrocada. Elizabeth se sentia mal por dentro, um sofrimento que nascia do medo. Ninguém compreendia quão difícil era ser rainha. Difícil, complicado e perigoso.
Richmond era o maior dos palácios reais e a primeira vista, os numerosos edifícios, pátios e jardins, as muitas torres e cúpulas davam a impressão de suprema desordem e confusão.
Entretanto, Elizabeth alcançou rapidamente o pátio central e logo a sala na extremidade ocidental. Atravessou depressa a sala; enquanto passava, os cortesãos se ajoelhavam.
No piso superior, em seus aposentos particulares, encontrou o governador de Munster que a esperava impaciente. Ignorou Cecil, agora Lorde Burghley, e seu primo Tom, fixando o olhar na imensa figura de Perrot.
O ruivo se ajoelhou com surpreendente graça.
— Sua Majestade. — Ele disse. — Como sempre, sou seu humilde servidor.
Também era seu meio-irmão, embora nunca fosse reconhecido abertamente.
— Sir John. — Elizabeth lhe fez gesto com a mão para se levantar. — Esperamos que nos traga notícias boas.
John a fitou, sem pestanejar.
— Sim, não, talvez. É uma boa notícia saber quem são os traidores da Inglaterra?
Elizabeth se sentiu incômoda. Olhou para Cecil e Ormond. Notou que Cecil estava tranqüilo e composto como sempre, enquanto o seu primo estava lívido de raiva.
— Sabemos muito bem quem são os traidores na Irlanda e conhecemos seu chefe, esse maldito louco do FritzMaurice. Tem intenção de capturá-lo antes que chegue o inverno e que todos morram de fome?
Era muito difícil aprovisionar as tropas inglesas no inverno e cada ano vinham sendo mais dizimadas pela fome e as enfermidades causadas mais pela umidade e o frio, que pela guerra.
— Oh, capturarei-o. Prometo-lhe. — Perrot declarou com audácia. Mas já tinha feito essa promessa muitas vezes.
— Estamos cansadas desta rebelião. — Explodiu Elizabeth, perdendo a paciência. — Se você não pode capturar esse homem, possivelmente devamos enviar algum outro em seu lugar.
Sir John, enrubesceu.
Cecil tossiu e se aproximou da rainha.
— Penso que deveria prestar atenção às notícias de Sir John. Há um bom motivo pelo qual não se consegue capturar esse homem nestes meses.
— Sim. — Balbuciou sir John, ainda com o rosto avermelhado. — É ajudado por um inimigo mais ousado que o rei Felipe.
— Qualquer um pode ser mais intrépido que o rei da Espanha. — Murmurou novamente a rainha. — Está cheio de confusões em todas as partes e ajuda os irlandeses só para me ferir!
— Prepare-se, Elizabeth. — Sussurrou Cecil em seu ouvido.
Elizabeth ficou rígida.
— Quem ajuda ao traidor papista agora? Quem se atreve?
Perrot sorriu, como se degustasse da coisa.
— O infame pirata meio irlandês, o Senhor dos Mares.
Elizabeth ficou petrificada e não compreendeu.
Não podia entender. Recusava-se a entender e se esforçou para sorrir:
— A única coisa que Liam fez, por pior que possa ser foi raptar a jovem FitzGerald e se esconder na ilha, para se abandonar no sexo desenfreado com ela. Talvez isso o tenha levado a acreditar o que Tom deseja interpretar, que Liam se aliara a o FitzGerald, que tente se casar com Katherine, que tente reintegrar FitzGerald. Mas isto é o pior erro que possa ter cometido.
— Sua Majestade. — Insistiu com frieza Perrot.
— Caçei FitzMaurice de cima a baixo pela Irlanda durante por quase um ano. Sei do que falo. A mim não importa que O’Neill tenha a jovem FitzGerald como amante e tampouco me interessa que seja sua esposa. Sei do que falo. Esse bastardo pirata abastece FitzMaurice de mantimentos, armas e de tudo o que ele necessita.
Elizabeth se sentiu quase a beira de um desmaio. Voltou os olhos para Tom e notou que ele acreditava em Perrot. Logo se voltou para Cecil, que também se mostrava convencido.
— Não! — Gritou de repente ferida no peito, por uma dor terrível e abrasadora. — Não, voce está equivocado! Meu pirata de ouro pode ser que apóie FitzGerald, mas nunca, nunca ele apoiaria o homem que abertamente declarou que me derrocará!
Ela estava próxima às lágrimas. Em efeito sabia que Liam não poderia tê-la traído desse modo tão doloroso, porque ele a amava um pouco. Amava-lhe de verdade.
— Eu não me equivoco. — Quase gritou Perrot, lívido de raiva.
— Tenho um espião entre os rebeldes, Sua Majestade. Ele os viu se encontrar cara a cara, mais de uma vez. Viu-os estreitarem as mãos. Meu Deus, ele viu descarregar o Sea Dagger três vezes nesta primavera. Sei do que falo.
Elizabeth se voltou. Cecil a acompanhou até uma cadeira. A rainha estava perto das lágrimas. Estendeu a mão, mas foi Ormond quem se ajoelhou ao seu lado e tomando-a.
— Como pode ser? — Ela murmurou ao seu primo. — Como pode ser que me faça coisa parecida?
Tom lhe levantou a mão e a beijou levemente.
— Ele não tem alma. — Lhe disse. — Não tem patrão, mas a si mesmo e você se equivocou em pensar que poderia ser diferente Bess.
— Mas… — Elizabeth cobriu os olhos com as mãos, sufocou um soluço e disse a Tom. — Mas ele me amava. Estou segura.
— Não. — Tom objetou lhe beijando novamente a mão.
— Sou eu quem a quer, Bess. Sou eu seu maior aliado e somos primos. O’Neill é filho de Shane. Isto explica tudo.
Elizabeth apertou a mão de Tom, agora furiosa. Como pudera esquecer a vez que havia encontrado seu pai Quando o ainda era uma jovem rainha?
Tinha sido traída e gravemente. Como mulher e como rainha.
Era uma estúpida! Voltou-se para Cecil.
— E por que você não sabia? — Gritou, com o rosto vermelho. — Não lhe dei por acaso, todas essas milhares de esterlinas para que pudesse colocar espiões em toda parte? Por que não soube imediatamente, Lorde Burghley?
Cecil não pestanejou.
— Havia sinais que indicavam uma aliança, Sua Majestade. Mas não desejava alarmá-la, no caso de não ser verdade. E não tem muito sentido que O’Neill, filho de Mary Stanley, apóie um louco papista. Considerei que o importante era recolher provas e não só lhe apresentar rumores.
Elizabeth ficou surpresa. Cecil, como sempre tinha razão. Era possível conseguir demonstrar que O’Neill agora a traía, mas a coisa não tinha sentido. Não era um homem que vivia no temor de Deus, mas era um protestante converso. E se não era a religião a induzi-lo a apoiar FitzMaurice, o que poderia empurrá-lo a fazer algo assim?
— Esse homem, obviamente, foi comprado com ouro. — Disse Ormond. — Devemos derrotar FitzMaurice e não podemos fazê-lo se antes capturamos O’Neill.
Elizabeth se esforçou para refletir, o que não era fácil devido ao coração destroçado e estar furiosamente zangada. Mas era a rainha e não podia se permitir ataques de ira. Ormond tinha razão. Estendeu a mão e a estreitou.
— Absolutamente. — Disse, mas sua voz tremia. — Liam O’Neill não tem um grama de fidelidade no corpo e nem um pensamento leal na cabeça. — Elizabeth se levantou, exclamando com raiva.— É um pirata filho de puta, um maldito assassino e só leal a si mesmo. Traiu a Coroa. Traiu-nos.
Perrot grunhiu acordando, mas nem Cecil ou Tom se moveram.
— Quero sua cabeça. — Declarou a rainha
Perrot se plantou diante dela.
— Ofereça uma recompensa por sua cabeça. Envie Drake ou Frobisher a lhe caçar. O’Neill é muito bom, mas Drake poderia derrotá-lo.
Elizabeth engoliu em seco e depois umedeceu os lábios e não pôde evitar um estremecimento ante a idéia de enviar seu melhor marinheiro para pegar Liam O’Neill. Quem ganharia em um encontro de tal nível? Possivelmente, na batalha que seguiria perderia os dois e o pensamento era terrível.
Elizabeth fechou os olhos. Não importava. Tinha que capturar seu pirata de ouro, capturá-lo e processá-lo por traição. E depois… O enforcaria, destino que merecia plenamente.
Elizabeth limpou a voz.
— Tem razão, sir John. Cinqüenta mil esterlinas serão a recompensa para qualquer um que esteja em condições de me trazer Liam O’Neill—
Cecil abriu muito os olhos.
— Nossa balança já está muito limitada, Sua Majestade. — Advertiu-lhe murmurando.
— Não me interessa. — chiou. Teria se preocupado desse maldito erário em outra ocasião.
— Quero sua cabeça! — Logo imaginou sua cabeça de ouro empalada em uma lança de ferro, e seu estômago se contraiu. — Quero-o vivo. — Declarou em tom duro
Porque a mulher que vivia, que respirava e sonhava dentro a rainha tinha que enfrentá-lo particularmente. Obrigá-lo a dar uma explicação de seus atos, porque certamente tinha que haver uma.
E depois lhe veio à mente outra coisa. Enrijeceu-se. Queria sua cabeça, mas havia outro homem que a queria, e cujas motivações eram bem mais profundas que a cobiça. Um homem cuja motivação era a vingança e que ainda albergava uma raiva pessoal e profunda por Liam O’Neill. Um homem que certamente lhe traria o Senhor dos Mares.
— Mande chamar John Hawke.
Juliet deteve sua égua. A égua que tinha somente três anos e não estava ainda de todo domada, ondulava aqui e ali. Entretanto Juliet a cavalgava como se fosse uma cadeira de balanço. Cavalgava pelo prado desde que era uma menina e fazia com muita naturalidade. Deteve o animal sobre uma saliência debaixo da qual estava Hawkehurst. A casa de pedra tinha sido construída alguns séculos antes e alguns a definia decadente e ruída. Juliet pensou que era fascinante, muito mais que sua casa, que era ostentosa com todas as suas torres e vitrais coloridos. Engoliu a saliva e pensou que sendo amiga de Katherine não havia nada de errado em ir ao castelo e visitar John Hawke. Soubera pelo mordomo que Thurlstone havia chegado essa tarde.
Entretanto, dentro de si sabia que mentia a si mesma. Sabia que era um engano visitá-lo. Um engano e um perigo. Afugentou os pensamentos de sua mente. Hawke era o marido de sua melhor amiga. A última vez que o avistara, ele estava furioso com o seqüestro de Katherine. Juliet se perguntou em que estado de humor ele estaria nesse momento.
Tivera notícia dela em todo esse tempo? No transcurso dos meses, Juliet tinha pensado freqüentemente em Katherine e Hawke.
Instigou a égua marrom ao longo da ladeira. O jovem animal começou a galopar e Juliet estava cada vez mais ansiosa na medida em que se aproximava do atalho de pedra de Hawkehurst. Teria voltar e fingir que não sabia sequer que ele existia. O animal trotou na pavimentação, atravessou o arco da entrada e entrou no pátio circular.
Juliet deteve-a e não se apressou em desmontar. Seu coração estava acelerado. Não devia ter vindo. Devia ter galopado para casa. Ninguém lhe tinha visto. Poderia voltar para casa.
O animal continuava a trotar, agora se movendo em círculos, fazendo piruetas como se tivesse sido adestrada.
E a pesada porta envelhecida se abriu: Hawke apareceu.
O olhar de Juliet encontrou imediatamente o do homem.
Bom Deus. Havia esquecido o quão imponente ele era. Tinha esquecido que às vezes ele lhe infundia medo. E também o quanto era atraente.
Ele não sorriu. Avançou rapidamente, não com seu uniforme vermelho, mas com uma simples túnica e uma jaqueta de couro gasto, calça e botas de montar igualmente desgastadas. Segurou as rédeas do cavalo, detendo-a imediatamente. Seus olhares se encontraram novamente.
Juliet ruborizou e recordou a si mesma, o que ele não sabia. Não podia saber nada dela. Não podia conhecer seus pensamentos mais secretos e nem os sonhos vergonhosos que a assaltavam a noite. Ele não podia saber que ela se vestira com esmero para a ocasião.
Nessa manhã havia descartado um vestido atrás do outro, para finalmente escolher um de tafetá particularmente elegante, cuja cor verde destacava sua pele marfim e os surpreendentes cabelos negros. O vestido estava ricamente orlado de peles e acompanhado de uma capa no mesmo tom.
John Hawke não pareceu notar sua elegância. Seus olhos azuis permaneceram sobre o rosto da jovem
— Bom dia, Lady Stratheclyde. Que surpresa! — Disse imediatamente.
Juliet engoliu, nervosa. Não devia ter vindo. Não depois de todos os terríveis sonhos, nos quais John Hawke, o marido de sua melhor amiga, beijava-a audazmente.
Juliet sabia que tinha avermelhado.
— Ouvi dizer que estava em casa. — Conseguiu dizer, mas a voz era apenas perceptível e a esclareceu.
Hawke a fitou.
Juliet umedeceu os lábios.
— E-espero que não fique irritado com minha visita. — Ela continuou
Ele mostrava o maxilar apertado e não parecia contente. Suas palavras confirmaram.
— Na verdade tenho assuntos importantes dos quais me ocupar.
Ela ficou atônita. Ele havia manifestado claramente que não tinha nenhum interesse em falar com ela.
Juliet estava ferida. Para que ele não visse as lágrimas que lhe formavam nos olhos, baixou o olhar, brincando com as rédeas.
Ele murmurou algo para si, logo pousou as fortes mãos em seus quadris e a levantou da sela. Juliet não conseguiu respirar, paralisada pelo toque de suas mãos. Quando o ele a depositou no chão, ela retrocedeu para o cavalo, fitando-o muda. Seu coração pulsava muito forte.
— Lady Stratheclyde?
O discernimento a golpeou com uma força brutal. Não tinha vindo a Hawkehurst a perguntar por Katherine. Tinha vindo para ver John. Viera porque secretamente e de modo pecaminoso desejava esse homem, o marido de sua melhor amiga, não obstante fosse agora à noiva de Simon Hunt.
Suspirou profundamente.
Sabia que devia voltar a montar seu cavalo e voltar para casa, antes que seus verdadeiros sentimentos ficassem óbvios a ele. Antes de trair sua pobre amiga e antes de trair seu noivo.
— Não… Não me sinto bem. Não estou muito acostumada a cavalgar. — Mentiu. — Pareceu-me que quase desmaiaria.
Ele a Observou .
— Seriamente? Nunca vi uma mulher montar um cavalo melhor que você. E ainda esta está meio indomável.
Ela se sentiu absurdamente feliz com o elogio. Logo se sobressaltou porque Hawke lhe segurava uma mão.
— Venha para dentro. Talvez uma taça de cerveja inglesa lhe faça se sentir melhor.
Juliet não conseguiu pensar em como recusar e o seguiu à sala, lhe permitindo acomodá-la em uma mesa. Ele não se sentou a seu lado, e ordenou que lhe servissem a bebida e logo se dedicou a observá-la, sem fazer nenhuma tentativa de conversar.
Juliet respirou fundo.
— Sir John, eu vim visitá-lo porque Katherine é minha melhor amiga e esperava que tivesse notícias dela.
A expressão de Hawke se tornou mais fechada.
— Não.
— Não sabe nada? — Juliet estava surpresa. — Mas certamente O’Neill nessa altura deve ter dado alguma noticia!
— Não, nada.
Juliet ficou assombrada e desiludida. John observava algo além de seu ombro, atravessando a janela que dava aos campos cinza e púrpuros, agora que o inverno estava avançando.
Ela o fitou tentando entender suas emoções. Advertiu a raiva do homem. A raiva pelo seqüestro de Katherine. Não vislumbrou dor. Juliet apertou fortemente as luvas em seu colo. — Estou segura que ela se encontra bem. Estou segura que ele não lhe fará mal.
Hawke lhe voltou às costas.
— Sim. Certamente não houve violência sexual e se ele não estivesse contente com ela a teria liberado ha muito tempo.
Juliet gemeu compreendendo o que ele queria dizer. Liam havia conquistado Katherine cortejando-a e ela o estava fazendo feliz. Suas bochechas começaram arder.
Juliet não sabia o que dizer para consolar John, entretanto, queria consolá-lo. O desejo a enrolou. Levantou, se aproximou dele e tocou levemente sua mão, apertando seus dedos por um instante. O olhar azul e vívido de John por um momento a transpassou. Por outro fugaz momento ela se sentiu perdida, incapaz de afastar o olhar do dele ou de falar.
— Katherine não desejava ser seqüestrada, Sir John. — Disse finalmente. — Desejava só se casar com o Senhor. Ela me disse. — Era verdade, entretanto Juliet recordava de ter visto a dúvida nos olhos da amiga. Mas nunca revelaria a John.
John a olhou sem nenhuma expressão
— Se tiver suas notícias, — no fim Juliet disse se sentindo incômoda sob o olhar dele. — Pode ser amável em fazê-las chegar a minha casa?
Hawke assentiu.
Juliet nesse momento teve ciência de que já não tinha nenhuma desculpa para ficar, entretanto estava relutante ante a idéia de abandoná-lo. Não podia evitar perguntar Quando o tornaria a vê-lo.
— Quando o voltará para corte? — Perguntou
— Esta noite.
Ela escondeu sua desilusão. Tinha… Havia esperado que ele ficasse na Cornualha por alguns dias. Também sabia que a partida imediata era o melhor. Para todos.
As palavras seguintes de Hawke a deixaram estupefata.
— Fui encarregado pela rainha em pessoa, a caçar O’Neill. Meus homens e meus navios estão quase prontos para partir. Pretendo zarpar dentro de uma semana.
Juliet gemeu. Não tinha ouvido falar dos acontecimentos.
John ia caçar Liam e ela se sentiu invadida pelo terror
— O que fará? — Exclamou em um tom um pouco alterado, um pouco sussurrando
O olhar de John era direto.
— A rainha quer sua cabeça.
Juliet estava muito mais que assustada. Estava aterrorizada.
— Sir John… Mas esse homem é perigoso! Por favor, tome cuidado… Desejo-lhe que Deus lhe acompanhe!
Ele a fitou mostrando-se admirado.
De repente Juliet se voltou temendo que ele tivesse notado sua preocupação por ele. Uma preocupação que não tinha direito de sentir. Correu para a porta.
As grandes mãos a retiveram. Detiveram-na. Juliet ficou rígida, voltando-se somente um pouco.
Os olhos azuis de John eram como duas brasas ardentes.
— Obrigado por suas preces, Lady Stratheclyde. — Disse-lhe.
Ela ruborizou de prazer e seu coração que pulsava loucamente parecia que ia explodir.
— Se esperar um momento a acompanharei até Thurlstone.
Se deleitaria com sua companhia ainda um pouco mais. Sua alegria era imensa. Logo pensou na iminente partida de John e para onde partiria e toda sua alegria desapareceu.
Bom Deus. Estava tão assustada, que temia que Hawke morresse Quando o finalmente encontrasse Liam O’Neill. Então sentiu que seu coração se destroçaria se ele morresse.
Desejava muito mais que beijos.
Apaixonara-se pelo marido de sua melhor amiga, a um passo de seu casamento com lorde Hunt.
Dingle Bay, Irlanda
Seja-a Dagger ondeava na enseada enquanto o as provisões mais preciosas que a pólvora eram descarregadas rapidamente em pequenas barcos a remos e levadas a margem onde esperavam os homens de FitzMaurice. Liam estava de pé na praia, pois havia desembarcado com a primeira carga de mantimentos para os rebeldes irlandeses, satisfatórios para os primeiros meses do inverno. E o inverno chegaria muito em breve na Irlanda.
Era um dia frio e nublado.
A respiração de Liam, que usava uma grossa capa de lã, formava pequenas nuvens de vapor no ar.
Hugh Barry estava ao seu lado e os dois homens estavam momentaneamente observandoo o Sea Dagger que estava sendo descarregado sob a supervisão do primeiro marinheiro de Liam
— Isto nos permitirá viver durante a primeira parte do inverno. — Declarou Barry.
— Sei disso. — Respondeu Liam. — Em Janeiro nos encontraremos novamente, mas não aqui. — Ele Já tinha usado duas vezes Dingle Bay e não se arriscaria a usá-la novamente. — Há um pequeno estuário ao sul de Galway. Conhece-o?
Barry assentiu.
Liam o estudou por um momento. No último ano, o jovem havia envelhecido muito. Seu rosto estava sulcado por rugas. Também havia emagrecido muito. Nunca tinha sido gordo, mas agora ele estava ossudo. Há muito tempo ele havia deixado de odiar Hugh Barry. A causa dos rebeldes estava perdida e Liam se sentia triste por ele.
— Como está Katie? — Ele perguntou, surpreendendo-o.
Liam cuidou em não sorrir, em não permitir que seus olhos brilhassem com uma luz que o só nome dela evocava.
— Está bem.
— Está contigo por vontade própria, O’Neill? Ou ainda é sua prisioneira?
Liam conteve um sorriso.
— Está por sua própria vontade, Barry.
Não adicionou nada mais, intencionalmente lhe escondendo a notícia de seu casamento. Caso que fosse capturado, seria melhor para Katherine se o mundo não soubesse que ela estava de acordo, porque também era sua esposa.
Ele compreendia o escândalo e as repercussões que uma similar revelação provocaria.
— Disse que FitzMaurice queria me encontrar? Onde, diabos ele está?
— Não sei. — Respondeu Barry voltando os olhos para as colinas acima deles. Estava me perguntando isso também.
Liam já estava inquieto. Estava desde que havia chegado a Dingle Bay nesta manhã. Mesmo se sua missão não estivesse alheia ao perigo, tivera aventuras bem mais perigosas que essa, sem sentir essa ânsia aguda. E não estava gostando FitzMaurice estivesse atrasado ao encontro marcado com meses de antecedência. Entijeceu-se se perguntando o teria acontecido ao homem.
— FitzMaurice não virá. — Declarou de repente, sabendo que era verdade. E sua mão apertou o punho de sua adaga.
— Como? Como pode saber?
Liam não respondeu.
Havia problemas no ar. Agora ele estava seguro. Escrutinou as colinas cobertas de árvores. Ainda não conseguindo distinguir nada e se voltou para dar ordens aos seus homens. Queria que o navio fosse descarregado em tempo recorde e já enquanto o a descarregavam exigiu que estivesse pronto para zarpar.
— Encontrarei FitzMaurice em outra vez. — Disse a Barry, pensando, se FitzMaurice estivesse ainda vivo e livre para comparecer ao encontro.
Agora era ciente do perigo e já estava caminhando para a água decidido a embarcar.
Barry o seguiu.
— Até daqui há dois meses. — Ele disse.
O grito foi acompanhado por um tiro de mosquete.
Liam se voltou de repente, com a adaga na mão, enquanto o tropas inglesas saíam dos bosques, se precipitando colina abaixo, armados de mosquetes e espadas.
— Para o navio. Gritou Liam aos seus homens.
Ressoavam disparos, alguns rebeldes caíram. Outros desembainharam suas espadas e lanças e investiam contra os soldados britânicos.
Liam sobressaltou Quando o viu a cavalaria, sobre cavalos mal nutridos, mas sempre cavalos que desciam ao longo da colina, atrás da infantaria.
Os rebeldes irlandeses usavam peles e não armaduras. E estavam armados de facas, adagas, espadas pesadas e lanças quase inúteis. Seriam massacrados com a chegada da tropa a cavalo.
Enquanto corriam para os barcos a remo, Liam se perguntou quem os havia traído.
Barry havia desembainhado a espada e estava correndo para junto de seus homens, para ir ao encontro dos soldados que atacavam.
Liam o ouviu gritar e se voltou para ver Barry caía e o sangue fluía de seu peito, abatido por uma bala de mosquete.
Seguiu uma sangrenta batalha. Os irlandeses tentaram corajosamente se defender contra os soldados, mas suas armas não podiam competir com as dos britânicos, que os abatiam com estocadas leves e afiadas como navalhas, ou os golpeavam nas costas com os mosquetes. Era um massacre e terminaria em breves minutos.
Liam voltou para se lançar na batalha.
Hugh estava tentando se levantar, mas não conseguia. Liam o colocou em pé, mas notou o cavalheiro que investia contra eles. Soltou Barry e se voltou com a espada na mão, com as pernas prontas para saltar. O soldado havia carregado o mosquete e agora empunhava a espada. Liam aparou o golpe com tal força que o cavalheiro caiu da sela. Liam se lançou adiante, com um chute o bloqueou a terra enquanto o homem tentava ficar de pé. Um instante depois lhe transpassou o coração.
Liam se voltou e viu Barry que oscilava. Sustentava-se apenas e tentava extrair a espada de seu corpo.
Liam tirou sua arma da mão e o carregou sobre os ombros correndo para o mar. Seus homens já estavam nos barcos e chamavam-no. Liam entrou na água que lhe chegava aos joelhos, formando redemoinhos ao redor de suas coxas. Alcançou o barco mais próximo e colocou Barry dentro e entrando logo em seguida. Dois homens o ajudaram e imediatamente ficaram a remar.
Uma bala de mosquete assobiou perto da cabeça de Liam. Todos se abaixaram.
Liam se sentou logo depois e Observou a praia a suas costas. A batalha havia terminado. A maior parte dos rebeldes estava morta ou moribunda, mas alguns fugiam para os bosques. Os soldados ingleses circulavam matando os rebeldes ainda vivos.
Um homem imponente se adiantou em um cavalo que parecia apenas suportar o peso do homem que agora estava já na água.
O soldado não usava elmo e seus cabelos vermelhos brilharam. Ele fitou Liam diretamente.
Não podia ser outro mais que sir John Perrot.
Até mesmo distante Liam sentiu a raiva do homem. Perrot levantou uma mão para o barco que se afastava.
Liam apertou o maxilar e enfrentou o olhar, sabendo que tinha salvado a vida por um ato de Deus ou do Destino.
Suas mãos estavam pegajosas por ela ter adoçado as guloseimas que fizera junto às criadas da cozinha. Também na semana anterior estivera muito ocupada no preparo de beberagens medicinais, secando frutas e fazendo geléias. Não teve necessidade de ouvir o que Guy dizia com tanta exuberância, para saber que o Sea Dagger havia retornado.
Para saber que Liam havia retornado.
Lavou e secou as mãos rapidamente. Seu coração pulsou forte tomado pela excitação ao se dar conta que Guy estava dizendo que o Sea Dagger tinha atracado e que havia homens feridos entre os marinheiros.
Katherine gritou: — Como sabe? — Imaginou Liam sobre um beliche, pálido e sem vida.
— Estava lá Quando o o navio chegou. — Guy disse apressado. — Não é o capitão. Ele está bem, mas está trazendo para cá um homem ferido. Diz que você deve preparar remédios e uma cama.
Katherine sentiu um breve momento de alívio, mas um instante depois se voltou para as duas criadas ordenando que lhe trouxessem a cesta dos remédios, sabão, água e muitos tecidos limpos para as ataduras.
Saiu correndo da cozinha e se precipitou escada acima, para os aposentos dos hóspedes. Abriu as cortinas para deixar entrar o ar frio do inverno.
Contrariamente ao que diziam os médicos, estava convencida que o ar frio era saudável e revigorante. Descobriu a cama.
Um criado apareceu as suas costas.
— Deixe-me fazer isso, Mademoiselle. — Ele lhe disse
— Prepare o fogo, Ned. — Ela ordenou, saindo depressa do aposento.
Enquanto descia rápidamente a escada ouviu a voz macia e rica de Liam. Seu olhar correu para ele, escrutinando-o.
Um criado havia pegado sua capa. A camisa e a calça estavam manchadas de sangue, mas ela não notou sinais de ferimentos.
— Você está bem, Liam? — Gritou correndo para os seus braços
Ele sorriu docemente.
— Eu gosto desta saudação. Desta intensa preocupação. — Ele murmurou. — Sim, Katie. Eu estou bem. Mas não seu velho amigo.
Katherine não entendeu. Voltou-se finalmente para homem estendido sobre uma maca feita com varas de madeira. Um homem sem sentidos e suando de febre. Assustou-se Quando o reconheceu Hugh.
— Bom Deus! — Disse e correu para ele e se ajoelhou ao seu lado, lhe tocando a fronte.
Ele ardia em febre. Logo Katherine notou o ferimento. Estava infectando e teria que se ocupar dele imediatamente. Hugh abriu os olhos, mas a fitou com uma expressão vazia.
Katherine assentiu.
— Levem-no para cima. — Os dois marinheiros obedeceram imediatamente. Ela se dirigiu ao mordomo de Liam. — Traga vinagre, brandy e pão bolorento.
— Pão bolorento? Não temos…
— Me traga imediatamente pão bolorento. — Gritou Katherine. Levantando a saia, ela correu escada acima, decidida a salvar a vida do homem que até um tempo tinha amado e que pensara em casar com ele.
— Pareceu-me que foi você. — Murmurou Hugh vários dias depois.
Katherine havia recém entrado na ante sala e sorriu feliz de vê-lo acordado e sem febre, mas já fazia um tempo que sabia que ele sobreviveria.
— Parece que os homens como você são duros de morrer, Barry.
Hugh a fitou.
— No começo, Quando o não estava bem por causa da febre, acreditei que via um anjo.
Katherine começou a rir, pensando na sua malícia da noite anterior.
— Não sou nada de anjo.
Hugh a observou atentamente.
— Poderia ser muito bem um anjo, Katie. Você é tão formosa.
Ela o fitou, sem sorrir.
— Você mudou desde a última vez que o vi. — Ele declarou suspirando e se recostando nos travesseiros. — E eu ainda estou fraco como um gatinho recém-nascido.
— Exato. — Confirmou Katherine. — Mas está melhorando muito bem e em poucos dias estará em condições de abandonar o leito.
— Como posso te agradecer, por me haver salvado a vida? — Perguntou Hugh. Por me haver salvado a vida?
Katherine não teve um momento de dúvida.
— Tratei-o como o faria com qualquer pessoa. Não é necessário que você me agradeça.
Hugh a olhou atentamente.
— Talvez, encontre a maneira.
Katherine encolheu os ombros e logo se sobressaltou porque Liam havia aparecido na porta. Sorriu-lhe e se dirigiu imediatamente para ele. Pôs-lhe os braços no pescoço.
— Não deixa nunca de me surpreender. — Comentou.
— Até que permaneça comigo nesta ilha, vou te fazer um pedido, Barry. — Liam disse tranqüilo. Ele e Barry estavam sozinhos na sala.
— Pode pedir o que quiser. — Respondeu Barry. — Porque devo minha vida e minha liberdade a você e a Katie.
Liam estava sentado em uma cadeira diante do fogo, como Barry e estavam bebendo uísque irlandês.
— Katherine, não sabe nada de minha cumplicidade com FitzMaurice e prefiro que permaneça sem saber.
Barry se mostrou surpreso. — Ela não te perguntou nenhuma vez por que eu estava ferido em seu navio?
Liam o fitou sem sorrir. — Sim, perguntou. E eu lhe menti. Disse-lhe que levava provisões para o inverno para você e fomos assaltados por bandidos.
— Ela acreditou?
— Sim, acreditou-me. Liam respondeu brusco. — É melhor que lhe minta. Nunca poderia compreender a verdade.
— Considerando que FitzMaurice quer usurpar o que a algum tempo atrás pertencia ao seu pai, não poderia criticá-la se sentisse traída. — Concordou, Barry
Katherine permaneceu petrificada na porta da sala.
Ouvira todas as malditas palavras. Nas mãos sustentava uma bandeja cheia de tortas de carne fresca. A bandeja lhe caiu das mãos e as tortas se espalharam sobre o piso, enquanto o a bandeja rolava longe.
Liam era aliado de FitzMaurice? Não, não era possível.
Ambos os homens saltaram. Liam ficou pálido assim que a viu.
Katherine observou o belo rosto, absolutamente transtornada e incrédula.
— Diga-me que não é verdade. — Sussurrou com voz rouca. — Liam?
— Penso que você não tenha ouvido bem o que eu estava dizendo, Katherine. — Liam disse pausadamente e logo estendeu a mão para acariciar-lhe o rosto.
Ela o rechaçou.
— Que você dizer que está envolvido com pior inimigo de meu pai! Por que está envolvido com FitzMaurice?
Liam engoliu em seco. — Minha querida, as coisas não são como parecem.
Ela rechaçou outra vez suas mãos, incrédula, cheia de raiva e invadida pelo pânico.
— Não! Diga-me agora. Diga-me que não entendi o que estava dizendo. Diga, antes que eu vá à aldeia e pergunte todos os seus segredos sobre as viagens, a cada marinheiro que navega contigo!
— Você entendeu mal. — Insistiu Liam
Katherine notou a angústia e o medo em seus olhos e sentiu seu coração destroçado.
Fitou o rosto de Barry.
— Hugh?
Barry abriu muito os olhos.
— O que ele estava dizendo, Hugh? — E Quando o notou que ele não responderia, pois estava pálido também, gritou: — Você me deve sua vida, me responda, Hugh!
Barry se levantou lentamente.
— Também devo a vida a Liam, Katie.
Katherine enfrentou seu marido, com os punhos apertados.
Seu coração lhe doía e a incredulidade estava cedendo passo a um horrível temor.
— Em que sentido compreendi errado, Liam? Em que sentido?
— É só um complô, — Liam disse, — meu apoio a FitzMaurice.
Katherine o fitou ofegante. Nesse momento todo o seu mundo desmoronava, porque as palavras dele eram uma indubitável admissão de culpa.
— Então não nega? Não que está ajudando o pior inimigo de meu pai?
Liam estremeceu.
— Estou ajudando-o, mas não é como você pensa, Katherine. Eu me interesso pelos assuntos de seu pai.
Oh Deus, como podia ser? Como Liam podia traí-la dessa maneira? Ele era seu marido!
Liam começou a falar em tom tranqüilo e conciliador, mas Katherine lhe deu as costas, cobrindo o rosto com as mãos, tremendo. Não ouviu nenhuma palavra do que ele dizia. O Liam que ela amava estava ajudando FitzMaurice.
Quando o, somente poucos meses antes havia lhe pedido que ajudasse seu pai. Ele havia mentido que estava ajudando Gerald e dito que confiasse nele. E ela havia acreditado.
Não era possível que Liam a amasse.
Oh, Deus!
Barry saiu da sala deixando-os sozinhos, mas Katherine não se deu conta.
— Katherine. — Sussurrou Liam, segurando seus ombros por trás. — Estou tentando te explicar este jogo. Deve me ouvir atentamente.
Katherine o rechaçou com violência voltando-se de repente a fitá-lo, com o rosto decomposto pela raiva e o ódio.
— Não! Não há nada a explicar. Bastardo! Mentiroso! Trapaceiro! — Ela começou a golpeá-lo rudemente com os punhos.
Liam não se moveu. Permaneceu imóvel e em silêncio enquanto ela soluçava e lhe batia no peito, chorando a perda de um amor que nunca tinha tido, que nunca tinha existido. Por uma traição muito dolorosa para suportar.
Porque agora chorava incontrolavelmente não notou as lágrimas que enchiam os olhos de Liam.
— Tento te explicar porque apoio FitzMaurice a um ano. — Ele disse seco. — Mas você se recusa ouvir. Recusa-se em confiar em mim. Não ouviu uma só palavra do que eu disse.
Katherine lhe fitou, ainda transtornada, invadir por uma nova angústia. Ele havia apoiado o louco papista por um ano inteiro? Isto significava que se aliara ao primo de seu pai pouco depois de tê-la encontrado pela primeira vez!
— Não! — Levantou as mãos para afastá-lo dela.
Nunca tinha odiado tanto a alguém, como o odiava.
— Não me toque!
— Não tem outra escolha que me ouvir. — Explodiu Liam, em um estalo de raiva, deixando cair as mãos.
— Não te ouvirei nunca mais! — Gritou, e nesse instante desejou feri-lo como ele a ferira. Mas não podia. Porque o amava. Mas ele não a amava.
— Tenho um plano, Katherine. — Começou Liam, com uma expressão tão sincera, tão mortalmente sincera que Katherine retrocedeu.
— Não! — Ela gritou. Como desejava não ter queimado a carta de seu pai. Como desejava poder atirar-lhe na cara.
— Katherine, meu plano é perigoso e não sem defeitos, e o primeiro passo é apoiar FitzMaurice. — Explicou Liam, sem afastar o olhar de seu rosto.
— Não! — Kathenne gritou novamente. Uma vozinha dentro de sua cabeça e seu coração, advertiam-na para não fazer isso, para ouvi-lo, mas Katherine ignorou.
— Deixe-me contar sobre meu plano! —Ele apertou o maxilar.
— Você está aturdida, e a compreendo. — Liam lhe deu as costas e se dirigiu à mesa para servir uma taça de uísque.
— Você não me entende. Não pode entender. — Gritou Katherine que o tinha seguido.
Ele se voltou lhe oferecendo a taça.
— Bebe isto.
Katherine a taça, e a jogou no chão orvalhando uísque por toda parte. Fitaram-se.
— Eu não quero te fazer mal. — Insistiu Liam. — Nunca tive intenção de te fazer mal.
— Você não pode me fazer mal. — Respondeu Katherine pronunciando evidentemente palavras incoerentes, porque tinha o rosto sulcado de lágrimas. — Somos iguais, entende? — Ela riu amargamente. — Nós gostamos jogar. Gostamos de fazer teatro. Nós usamos um ao outro com propósitos egoístas.
Liam a fitou com o corpo rígido. Katherine correspondeu ao olhar, delirante, cada vez mais aturdida pela onda de pânico que a invadia.
Finalmente Liam disse: — Você é muito honesta para fazer o que fala.
— Oh! — Katherine riu histérica. — Não quer saber do que estou falando, meu querido!
— Não acredito. — O olhar cinza se mostrava inexpressivo e suspeito.
— Lembra-se da carta que meu pai me enviou em Julho? A carta que me você me entregou? — Perguntou-lhe bruscamente, Katherine.
Liam assentiu lentamente.
— Queimei-a. — Ela explicou. — Sabe por quê?
— Não, não quero saber disto tampouco. — Liam disse, mas não lhe deu as costas. Permaneceu em seu lugar, sustentando o olhar de sua esposa.
E no aposento se produziu tal silêncio que se ouvia à respiração irregular de Katherine.
— Queimei-a porque assim nunca a encontraria. Nunca conheceria seu conteúdo.
Liam fitou olhos.
— Mas agora tem toda intenção de me dizer o que continha essa carta, não é assim?
— Sim! — Ela gritou e lhe acertou o punho no peito. Liam não pareceu acusar o golpe.
— Sim, maldito. Sim! Tempo atrás, antes de em me casar com Hawke. Meu pai me pediu para te usar. Induziu-me a deixá-lo me caçar para me levar a cama e logo ao altar! Queria que fizesse de você um escravo de meu corpo. Queria que fizesse o papel de sedutora. Queria que te induzisses a casar comigo. Ouviu-me, Liam?
A expressão de Liam refletia maior compreensão e um crescente horror.
Katherine chorava e ria ao mesmo tempo.
— E eu fiz o que ele me pediu. Era um jogo, Liam. Nada mais que um jogo. Cada gemido e suspiro eram fingidos, para te fazer enlouquecer de luxúria, para te acorrentar ao meu lado. Fingi pensar somente em você ao fazer amor contigo. Fingi que não poder viver sem você e fingi que te amar! — Katherine se deu conta que novamente estava chorando.
— Em você ajudaria meu pai e não FitzMaurice!
— Se só foi um jogo para você, então, por que está chorando? — Ele perguntou com voz rouca.
— Por que perdi. Oh, Deus. Perdi tudo me concedendo a você, como tenho feito! E você, seu maldito fingiste comigo, ajudando esse papista traidor!
Liam a fitou como se fosse uma estranha ou um monstro.
O sorriso de Katherine, com o rosto sulcado de lágrimas era aturdido.
— Fui uma estúpida ao pensar poder te derrotar. Mas você também é estúpido em pensar que eu pudesse realmente amar ao filho de Shane O’Neill.
Liam respirou com dificuldade.
Katherine fez movimento de sair, mas as frias palavras a detiveram na metade do caminho.
— Você é uma rameira, Katherine.
Ela se voltou de repente.
A raiva marcava os traços de Liam.
— Você é uma rameira falsa e fria.
Ela arregalou os olhos.
— Hawke pode tê-la. — Liam lhe deu as costas e se dirigiu à porta.
— Vá! — Katherine gritou soluçando novamente. — Vá e não volte nunca mais! Espero que você e seu maldito navio afundem no mar. Ouviu, Liam? Ouviste-me?
Mas ele não respondeu, desaparecendo pelo corredor.
No dia seguinte o Sea Dagger desdobrou velas.
Só que esta vez não voltou.
Janeiro 1572, Richmond
Richmond era o mais confortável dos muitos palácios de Elizabeth e a rainha tinha o costume de atravessar grande parte do inverno nele.
Agora o fogo crepitava na lareira de seus aposentos particulares, mas através das janelas que davam para os jardins do leste e a horta frutífera, Elizabeth observava as árvores nuas que se dobravam sob o incessante vento. O céu escuro e ameaçador acima era abatido por um temporal, porque ao longe se ouvia o estrondo dos trovões.
Elizabeth recém havia se despedido de suas damas e estava sozinha no aposento. Havia recebido uma mensagem urgente de parte de Ormond que estava vindo para visitá-la. Tom, como de costume tinha como preocupação e o9 pensamento principal sempre na Irlanda e ela esperava o pior.
Elizabeth caminhava ansiosa, com os nervos aos pedaços. Somente no dia anterior havia reconhecido o filho ilegítimo de Maria, como rei de Escócia. Era um ato que havia decidido não fazer nunca mais, mas as circunstâncias a tinham obrigado ao gesto extremo.
Os complôs contra ela, a favor da Maria não haviam cessado e nem as interferências dos estrangeiros, portanto, havia chegado o momento de abandonar um monarca a favor do outro.
Elizabeth sentia os dedos gélidos do medo ao redor da garganta, que quase a sufocavam. Cada vez que destronavam um monarca, ela se imaginava nessa mesma situação. Não tinha nenhum desejo de perder o trono e a cabeça, Nem jovem e tampouco de velha. Como podia ser frágil a vida de um rei ou de uma rainha!
Ormond entrou na ante sala .
— Ele está louco!
Elizabeth ficou rígida.
— De quem está falando? FitzMaurice?
Um estremecimento a envolveu. Perrot havia encurralado FitzMaurice ao oeste onde agora estava se escondendo. Seria possível que esse louco papista não fosse alguma vez capturado? Maldito Liam O’Neill que o tinha suprido de provisões tão bem, a ponto de lhe permitir sobreviver todo o inverno!
— Não, não o papista. Estou falando de seu belo pirata, Liam O’Neill.
Elizabeth ficou tensa.
— E agora, o que Liam fez?
— Atacou outro navio. Desta vez espanhol, mas que se dirigia a Holanda. Não a Irlanda! Esta é o segundo que captura em duas semanas. E um só mês ele atacou quatro navios diferentes, inclusive um que se dirigia a Edimburgo, com uma carga para os barões da Coroa. Está seriamente louco como um cavalo!
Elizabeth se perguntou se era certo.
No passado, Liam fazia distinções. Agora não mais. Atacava às cegas, ao que parecia, qualquer navio que atravessasse em sua rota. E atacar a Espanha, o mesmo país que havia lhe pago em lingotes de ouro e de prata, para reabastecer FitzMaurice?
Não tinha sentido.
— Liam deve estar louco. — Declarou tranqüila Elizabeth. — No passado havia motivos substanciais para seus atos no mar, agora não mais. O que pensa, Tom?
Butler sorriu sem alegria.
— Eu penso que ele é um homem sem amo. Um homem sem pátria e sem rei. Penso que deveria aumentar a recompensa sobre sua cabeça e esperar que Hawke consiga capturá-lo.
— Não podemos jogar dominó, Katherine? — Perguntou Guy.
Katherine permaneceu com o olhar para fora da pequena janela da sala.
Observava a neve varrida pelo vento que caía incessante sobre a ilha, estendendo seu manto branco. O vento soprava sem descanso. Mal ouviu o menino ao seu lado e não baixou o olhar sobre seu rosto cheio de ânsia e preocupação.
Katherine observou a neve até que sua visão se nublou. Lá fora, em qualquer parte da tempestade, estava o maldito traidor, Liam O’Neill, navegando os mares do norte.
Abraçou-se forte, incapaz de engolir o nó de angústia que lhe fechava a garganta. Ainda não podia compreender. Não podia imaginar com Liam pudera rir com ela, cortejá-la e amá-la tão insaciavelmente por mais de nove meses, enquanto traficava ao mesmo tempo secretamente com FitzMaurice.
Quão pouco ela tinha lhe importado. Se é que tivesse importado em algum momento. Já faziam quase dois meses que ele havia partido e ela não tinha recebido nenhuma notícia.
Era dura consigo mesma.
Não lhe interessava onde estava ou o que estava fazendo.
Não importava se seu destino fosse o que havia lhe augurado. Que desaparecesse com o navio no fundo do mar.
Guy lhe tocou uma mão.
— Katherine se não querer jogar dominó, quer ler alguma coisa? — O menino se mostrava preocupado.
Katherine se esforçou para sorrir e se inclinou para lhe beijar a cabeça.
— É obvio.
— Acredito que você possa ler com Katherine depois. Guy.
Katherine se voltou para MacGregor. O escocês se movia silenciosamente, para ser um homem de tal tamanho.
Não o ouvira chegar.
Liam havia ido embora, mas deixara MacGregor. Para retê-la se tivesse tentado fugir da ilha? Katherine quase se pôs a rir ante essa idéia. Aonde iria? Com seu pai? Com John Hawke ou mesmo a rainha?
— Mademoiselle, desejo lhe falar em particular.
Katherine enrubesceu. Ele sabia de alguma coisa? Pensou desesperadamente. Não, decidiu. Havia sido muito cuidadosa. Ele não podia saber nada. Somente sua criada sabia e ela lhe tinha feito jurar lealdade muito tempo antes.
Katherine se dirigiu a Guy: — Estarei contigo em alguns minutos. Por que não nos encontramos daqui a pouco?
Guy assentiu aliviado e saiu. Katherine deu as costas a MacGregor, fitando a neve dispersa pelo vento. O vento não se deteria nenhuma vez? Perguntou-se. Ululava incessantemente, como uma matilha de lobos solitários. Como era possível viver nessa ilha no inverno e não enlouquecer? O que a mantinha ligada à sanidade mental lhe parecia muito tênue.
Katherine observou a neve turbulenta e perguntou o que se sentiria no mar, sobre um navio pirata.
Intumescidos, em perigo e sozinhos.
— Ele nunca ficou longe durante este período do ano. — Observou MacGregor a suas costas.
Katherine ficou rígida.
— Não me interessa.
— Não lhe interessa se o capturaram? Ou assassinaram? Ou pior ainda se estiver no meio das tempestades e inverno vai a pique para o fundo do mar?
Katherine apertou os braços ao redor da cintura.
— Indubitavelmente esse é seu destino, visto que é um pirata sedento de sangue.
— Ele sabe? — Perguntou o escocês
Katherine se conteve. MacGregor devia saber.
Continuou a olhar para fora da janela.
— Perdão?
— Liam sabe que você carrega seu filho em seu seio?
Katherine não conseguia respirar. Sentia a cabeça leviana. Acreditou que se desmaiaria. A sensação não lhe era desconhecida. Nas últimas semanas houvera momentos nos quais lhe faltava o fôlego e tinha náuseas. Não tivera experiência nestes assuntos, mas imaginou que era porque crescia uma vida em seu ventre. Não respondeu.
— Conheci muitas mulheres nesses muitos anos de vida e embora você use o manto como se fosse um escudo, notei que seu ventre está aumentando. E, além disso, há outros sintomas. Rogo-lhe, que falemos com franqueza, Lady Katherine.
Katherine se voltou de repente, raivosa e assustada, apertando a cintura. Lágrimas afloraram em seus olhos.
— É meu filho. — Disse com ferocidade. — Não o dele!
MacGregor era gentil.
— Ele sabe?
— Não tem nenhum direito. — Ela gritou tomada por uma raiva violenta, recordando a terrível traição. — Ninguém.
— Você está se recusando a responder. Mas não acredito, por mais irado e ferido que ele pudesse estar, lhe teria abandonado assim, se soubesse. Quando o deve nascer à criança?
Katherine o fitou, desconfiada.
— Liam ferido? Um homem deve ter um coração para se sentir ferido e ele não tem! — Ela começou a chorar, mas calmamente.
— Liam tem coração e se você não sabe então não é a mulher adequada para ele. — Observou tranqüilo MacGregor.
— Eu não sou a mulher adequada para ele! — Katherine fitou-o furiosa. — Espero que esteja morto.
MacGregor sustentou seu olhar e ela se surpreendeu ao notar a tristeza em seus olhos.
— Quando o, Katherine?
Katherine respirou fundo, para se acalmar.
— Em Julho, acredito. Provavelmente esteja grávida de quatro meses, talvez mais.
— Há uma parteira na aldeia. Quero que a visite.
De repente Katherine se sentiu aliviada, contente que seu segredo havia sido descoberto. Estava com medo. Estar grávida, sozinha e sem ninguém a quem fazer as perguntas que tinha na mente. Sem ninguém a quem se dirigir ou mesmo confiar.
— Sim. — Assentiu e a cor voltou para seu rosto pálido. — Quanto antes, melhor. Acredito.
Ao sul de Galway, Irlanda
Liam observou à costa da pequena baía coberta de bosques: o instinto lhe sugeria não desembarcar. Os últimos dois meses passados no mar lhe tinha feito compreender que era um homem procurado. Três navios britânicos tinham avistado o Sea Dagger e o fustigado, e três vezes Liam havia conseguido fugir e a derrotar seus perseguidores trocando muito breves canhonaços.
Era um homem procurado por traição à Coroa por que seriamente tinha traído. O fato não o surpreendia. Sabia que o jogo poderia levá-lo a esse ponto. Estava preparado para viver a vida do açoitado por um pouco de tempo. Estava preparado para viver dessa maneira e desafiar com sucesso todos os perseguidores.
Agora nada lhe importava. Nada.
Na verdade ficaria feliz se alguém o caçasse. Seu instinto lhe advertiu fortemente a não desembarcar na margem, mas Liam entrou no barco e ordenou que seus homens remassem.
Estava ansioso por um combate. Contra qualquer inimigo, imaginário ou real que fosse.
Cerrou a mandíbula. A imagem de Katherine encheu sua mente. Não lhe importava mais não ter explicado seu plano. Na realidade estava contente em não ter explicado como tinha intenção de ajudar seu pai a reconquistar Desmond. Maldita! Essa cadela maldita. Cadela traidora. Que o tinha usado continuando a fingir todo o tempo.
Estava em pé na proa, no controle da aproximação, à medida que os homens remavam.
Não havia sinais dos rebeldes irlandeses, nem de FitzMaurice, mas seu coração estava excitado. Cheirava o perigo, o iminente ataque. Quanto desejava.
— Preparem-se. — Murmurou aos cinco homens. — Não estamos sozinhos. — Ele tinha visto o resplendor de metal entre as árvores.
Os vários barcos que continham dúzias de homens atracaram na areia da margem. Seus homens saltaram das embarcações. Todos em silêncio e tensos. Liam pousou a mão na espada e Quando o notou os soldados e a cavalaria começar o ataque dos bosques, jogou a cabeça atrás e começou a rir. Nesse instante lhe veio à mente que queria morrer, mas lutaria até o fim.
Enquanto as tropas a cavalo desciam pela colina, a infantaria os seguia. Liam se deu conta de que seus homens não enfrentariam um pequeno contingente, mas a uma centena de atacantes. Com a mesma rapidez na qual se apresentou o desejo de morrer, desapareceu. Devia viver por seus homens, para salvá-los. Não podia permitir massacre, e não importava que desejasse tanto combater.
— Deponham as armas. — Ele ordenou desembainhando a espada. — Levantem as mãos, vazias.
Todos obedeceram. As tropas se precipitaram sobre eles. Os cavalos bufavam, com as orelhas para trás. Os soldados com as espadas elevadas no ar. No último instante a cavalaria parou, rodeando-os por todos os lados impedindo-lhes a fuga para os barcos.
Liam se surpreendeu consideravelmente Quando o viu John Hawke sobre um cavalo negro, na primeira linha de cavalheiros. Hawke lhe sorriu lentamente.
A surpresa dele desapareceu e silenciosamente aplaudiu Bess por ter mandado contra o único homem que queria capturá-lo, desesperadamente. Sua mão pousou novamente no punho da arma.
Hawke esporeou seu cavalo, para se aproximar dele.
— Rende-se sem batalha, O’Neill?
— Quer que eu lute? — Liam lhe perguntou, tranqüilo. Em sua mente se fez forte a imagem de Katherine em pé exuberante e quase nua na ante sala de Barby Hall, Quando o esperava Hawke em sua primeira noite de casada. Perguntou-se, se Hawke havia se divorciado dela, mas pensou que não se importava. Hawke podia tê-la, se ainda a quisesse.
— Sabe que é assim. — Hawke respondeu devagar, com o olhar fixo em Liam.
Liam já não estava interessado em morrer, mas ali estava um inimigo a quem combater.
Sorriu ameaçador.
— Venha Hawke. À vontade.
Hawke desceu do cavalo.
Liam zombou dele. — Obviamente, quer vingar Katherine? Vai querer me matar por causa das infinitas noites que com tanto ardor ela passou em meu leito. Não é?
Hawke ficou rígido, empalidecendo e sacou a espada de sob a capa. — Bastardo. Entregarei sua cabeça sobre um tronco. Juro!
Também Liam sacou a espada gargalhando com gosto. Os dois homens se desafiaram, mas somente os primeiros golpes foram lentos. Em seguida se enfrentaram como dois cervos na luta. Atacavam e se afastavam, mutuamente. As armas se elevavam e se encontravam. Cruzavam-se e se retiravam. Nem Liam e nem Hawke estavam em condições de ter vantagens, porque se moviam unissonamente.
Novamente se encontraram. Ambos estavam ofegando e mostravam uma a expressão assassina nas faces escuras.
Liam fez um movimento, se retraiu e adiantou. Finalmente conseguiu superar a rápida defesa de Hawke e feriu a face do adversário, onde apareceu uma linha vermelha.
Hawke murmurou algo e impeliu outro golpe que Liam aparou. Dançaram em torno um do outro, com as espadas se entrechocando. De repente o fio da espada rasgou a túnica de Liam, lhe deixando um rasgo em seu tórax.
Os dois homens se afastaram suando copiosamente e ofegando. Mas somente por um segundo. Como dois poderosos aríetes, lançaram-se um contra o outro e atacaram com maior determinação. Suas espadas ressoavam. As belas espadas de ferro vibravam. Liam atacou novamente, quase cegado pelo suor.
Desta vez seu ataque foi mais rápido que o de Hawke. Evitou sua defesa e a ponta da espada encostou golpeou perigosamente perto do coração de Hawke. Mas Liam não o furou.
Hawke permaneceu petrificado, imóvel.
Liam sorriu feliz.
— Quer viver? — Perguntou-lhe, empurrando um pouco mais a espada contra o peito.
Logo o sorriso de Hawke era como o de Liam.
— E você?
Liam se deu conta de ter sobre sua cabeça, uma dúzia de mosquetes carregados.
— baixe a espada, pirata. — Ordenou Hawke. — Ganhaste a batalha, mas eu ganhei a guerra. Baixe a espada agora, se quer viver.
Liam baixou lentamente a espada e depois a deixou cair na areia.
Ignorando a mancha de sangue que se aumentava em seu peito, Hawke se inclinou e recolheu a espada. Entregou a outro soldado e se moveu lentamente, tirando também a adaga de Liam da bainha. Liam estava imóvel como uma estátua.
Rapidamente dois soldados lhe puseram as mãos atrás enquanto Hawke observava satisfeito. Um momento depois lhe algemaram as mãos.
— Em nome de Sua Majestade Elizabeth, a rainha da Inglaterra, — Hawke disse solene, — declaro-te meu prisioneiro.
Havia passado outra semana. Katherine se encontrou contando os dias, mas pensou que agia assim porque estava ansiosa para que terminasse o inverno, que chegasse a primavera e, portanto, o nascimento de seu filho. A parteira havia confirmado suas suspeitas. O menino nasceria em Julho.
Katherine acariciava o ventre volumoso, como era seu costume fazer. Sem capa sua gestação era evidenciada, mas o ventre era pequeno, apenas um pouco sobressalente. Esperava confortar a criança que ainda não havia nascido.
Ainda que odiasse o pai, Katherine amava sua criatura. Sempre sonhara em ter muitos filhos, mas agora parecia que seria somente este. Não importava. O amaria ainda mais. E estava decidida a fazer tudo por ele. Mas que coisa verdadeiramente, podia fazer?
Agora era obrigada a pensar em seu futuro. Seu amor por Liam tinha acabado. Havia morrido por causa da traição, portanto não podia permanecer na ilha por muito tempo. Não queria procurar seu pai e compartilhar, e talvez, aumentar suas desgraças no exílio.
Obviamente não podia voltar com John e nem a corte. Só uma coisa estava clara. Tinha que deixar a ilha. Tinha que de algum modo voltar para a Irlanda. Porque a Irlanda era para ela, como a luz de um farol para um navio.
Como desejava voltar para casa. Certamente seus tios encontrariam um lugarzinho para ela e seu filho em suas casas. Em seus corações. Em sua vida.
Mas não sabia como conseguiria partir, porque MacGregor a vigiava como um falcão. O escocês estava protegendo, o que considerava ser os interesses de Liam.
Mas ela estava convencida da idéia que filho era dela. Só dela.
Liam não tinha nenhum direito. Perdera todos Quando o traíra seu amor aliando-se a FitzMaurice. Embora soubesse que tinha que parti, antes do nascimento da criança, antes que Liam voltasse, não parecia ter vontade e nem a força de conceber um plano para fugir da ilha.
Alguém batia forte a sua porta.
Katherine se sobressaltou e atravessou o pequeno aposento dos hóspedes, a mesma ante sala que Hugh Barry tinha usado Quando o estava convalescendo. Depois de saber da traição de Liam, a primeira coisa que tinha feito havia sido sair do aposento que tinham compartilhado.
Katherine abriu a porta.
MacGregor estava diante dela, inaturalmente pálido.
Imediatamente Katherine compreendeu que tinha acontecido algo terrível a Liam.
— O que aconteceu?
— Prepare. — ele lhe disse, e se dirigiu para a única cadeira do aposento, para se sentar.
Katherine então notou que ele estava destroçado.
— O que aconteceu? — Gritou correndo para ele. — Liam morreu?
MacGregor a fitou.
— Não, mas logo estará morto. — Ele se interrompeu, para aumentar o efeito de suas palavras. Observandoo-a. — Ele foi preso por seu primeiro marido, Katherine. Sir John o capturou e a seus homens na semana passada, ao sul de Galway. O Sea Dagger fugiu. Liam não.
Katherine permaneceu imóvel. Como se sentia leve e como era insólito o piso que desaparecia debaixo de seus pés, como a ponte de um navio.
— Ele é prisioneiro da rainha. — Continuou MacGregor, começando a parecer estranho e longínquo. — E agora está caminho da Torre de Londres onde será processado, e como todos os piratas, enforcado em Hangman’s Gate.
Katherine gritou. E enquanto desmaiava viu a imagem de Liam com o pescoço quebrado e o rosto pálido e sem vida, pendurado em uma forca.
Richmond
Cecil levou a notícia à rainha.
— Sir John Hawke capturou Liam O’Neill, Sua Majestade. Um de seus navios com eles a bordo chegou a Londres nesta manhã.
Elizabeth gemeu.
— Está seguro disso, William?
Cecil lhe indicou uma parte de pergaminho.
— Esta mensagem chegou de sir John em pessoa. Imediatamente depois de deixar O’Neill na Torre de Londres virá a visitá-la. Não dá detalhes sobre a captura do pirata.
Elizabeth cambaleou. Dentro de si, no fundo de sua alma nunca tinha acreditado possível que algum homem, sequer sir John, pudesse capturar o pícaro irlandês. Mas havia acontecido.
O’Neill tinha sido capturado. Estava na Torre onde deviam estar todos os traidores. Ela deveria estar excitada, muito. Estava contente. Entretanto…
Não estava em condições de reconhecer nenhuma outra emoção, que lhe causasse o pulsar rápido de coração.
— Estas são boas notícias. Seriamente. — Disse finalmente.
Cecil se aproximou.
— Aconselho-a pensar atentamente sobre o que deve fazer agora. — Ele disse em voz baixa
Elizabeth lhe fitou agradecida pelas palavras. Já avistava O’Neill pendurando na forca.
Por qualquer razão, a imagem a desgostava, mas o homem era um absoluto desgraçado. Um traidor da Coroa e devia enfrentar esse destino. Era necessário dar um exemplo. Se a idéia não tivesse lhe transtornado. — O que pensa disto, Cecil?
— Eu penso que O’Neill seja de verdade o Senhor dos Mares. Durante anos nos foi valioso. Acredito que devemos refletir sobre todas as complicações sobre a questão irlandesa e decidir se nos convém enforcá-lo.
Elizabeth assentiu aliviada, apesar de que soubesse o que devia fazer ao seu pirata de ouro.
— FritzMaurice está escondido tão bem que Perrot não sabe onde descobri-lo. — Comentou a soberana. — Se está tão bem abastecido pelo pirata, não sairá de sua hibernação até que não mude o tempo.
Elizabeth teve um impulso de orgulho.
— Devemos capturá-lo antes da primavera! Não podemos tolerar outro ano de guerra com esse miserável. Odeio a idéia de gastar um só centavo com esse maldito irlandês! — Se pudesse fazer desaparecer essa miserável terra de papistas selvagens, pensou. Quanto era inútil! Mas não ousava permitir Instalar outra nação ali.
Cecil inclinou a cabeça.
— FritzMaurice é malditamente inteligente. Se fizermos este trato com a Espanha devemos esclarecer que não toleraremos nenhuma influência na Irlanda.
— Nem da Escócia. — Elizabeth adicionou com veemência, pensando em Maria e todos os complôs que urdiam contra ela.
— Mas o quadro se torna mais claro, Sua Majestade. Com O’Neill na prisão e sem a ajuda dos espanhóis, FitzMaurice começará a perder terreno.
— Espero que seja assim. — Murmurou Elizabeth
Fitando seus olhos, Cecil disse algo muito curioso. — FitzGerald nunca nos causou nem a metade dos problemas que esse louco de seu primo.
Elizabeth encontrou seu olhar, dando-se conta de repente que seu conselheiro tinha razão. FitzGerald era fastidioso como um mosquito, sempre preparado para revoar ao redor, continuando a picar até que foi esmagado. A única coisa que esse homem queria e sempre desejado era controlar Desmond de maneira despótica, sem interferências externas.
Quanto lamentava agora, o dia no qual havia concordado com seu Conselho de privar FitzGerald de tudo o que possuía. Também nessa ocasião Cecil havia se oposto ao resto, temendo o que aconteceria na Irlanda uma vez que desaparecesse o Conde de Desmond.
Cecil tinha razão. FitzMaurice tinha tomado o lugar do primo, tentando não só dominar os outros lordes irlandeses, mas também restaurar a igreja católica e de derrocar à rainha inglesa do trono.
Elizabeth estava verdadeiramente desgostosa por ter destruído o Conde de Desmond.
Não havia janelas e nem luz. A cela estava absolutamente escura.
E estava impregnada do mau cheiro de todos os prisioneiros que a tinham ocupado antes que ele. As paredes eram tão grossas, que embora se esforçasse para ouvir algum ruído, não conseguia ouvir nada. Finalmente ele se rendeu. Encontrava-se escondido a vários pisos e não ouviria nada ou ninguém.
Perguntou-se se sua vida estava para terminar. Havia sido conduzido a terrível situação, por causa de uma mulher. Que ironia.
Ele, o filho de Shane O’Neill, tinha chegado a esse ponto da vida, empurrado por uma mulher. Uma mulher que a um tempo ele havia amado.
Esse pensamento lhe provocou uma pontada terrível no peito e Liam o esfregou. Fechou os olhos. Não. Não era amor, pensou. Nunca tinha sido amor. Tinha sido somente luxúria. Uma luxúria sem limites. Havia confundido seu insaciável desejo por ela, com amor. Mas não o era. Nunca tinha sido e nunca seria amor.
Liam se esforçou para pensar mais claramente. Não devia parar para pensar em Katherine. Era inútil. Tudo tinha terminado com ela.
Ele tinha preparado um jogo perigoso para ela, sem nunca se dar conta que tipo de mulher era. Não. Tudo havia terminado e ele tinha que pensar somente em seu próprio futuro e a como evitar a corda do verdugo.
Em efeito, pretendia fugir da forca. Queria viver. Ainda tinha que fazer o movimento final. Era um jogo muito poderoso, que tinha previsto no momento que havia decidido jogar e o atraso não fazia mais que aumentar o valor de cada dia que FitzMaurice vivia.
Não podia jogar sozinho. Necessitava de um sócio. Necessitava da rainha. E era somente questão de tempo, pensou Liam. Porque certamente Bess o chamaria para castigá-lo, para desafiá-lo.
Liam conhecia as mulheres e estava jogando sua vida apoiando-se em seu conhecimento sobre o sexo feminino. Ela gostava dele e agora estaria ferozmente zangada por causa de sua traição. Ele tinha que ter paciência, tinha que sobreviver aos dias ou até semanas que ela, feliz, o faria esperar nos fétidos calabouços.
E logo devia cortejá-la como teria feito com a mais bela sereia que nunca tinha visto. Devia cortejá-la como tinha feito com Katherine.
Liam se levantou e se dispôs a caminhar no pequeno aposento, examinando a maneira melhor de obter sua liberdade. Mas já não havia nenhuma excitação nesse jogo. Tornou-se menos interessante porque a aposta havia mudado.
Era só sua liberdade que procurava. A liberdade de voltar para sua vida de Senhor dos Mares. A uma vida que não desejava mais. Que estúpido se tornara!
Não muito tempo antes, a aposta em jogo tinha sido a mão de Katherine e seu retorno a Irlanda. O futuro os esperava, alegre e brilhante. Agora não mais.
Agora somente procurava sua miserável liberdade, para sua vida igualmente miserável.
Katherine chegou a Londres com MacGregor e Guy, exausta pela amalucada viagem. De fato, logo que soubera que Liam havia sido preso partira da ilha. Tudo havia mudado. A vida de Liam estava em perigo. Ele havia lhe traído, mas não merecia morrer. Tinha passado toda uma semana, cheia de ânsia e de medo.
Nunca o perdoaria por sua terrível traição e nem nunca o esqueceria, mas apesar de tudo não desejava sua morte. De um modo ou outro devia conseguir evitar sua execução. Devia rogar à rainha, por sua causa.
A taberna do Urso Branco estava cheia de estrangeiros e eles se alojaram ali. Imediatamente souberam que a corte se encontrava em Richmond, que Liam estava preso na Torre e que seu destino ainda não estava decidido. Mas as intrigas estavam plenas de expectativas. As pessoas comuns estavam ansiosas para ver outro pirata enforcado em Hangman’s Gate.
Katherine estava em frente ao espelho. Estava pálida de medo e tinha profundos sulcos sob os olhos. Na verdade estava exausta, mas agora tinha uma missão. Uma missão que a tinha trazido a Londres; liberar Liam O’Neill.
E faria tudo para conseguir, mesmo se não pudesse nunca mais voltar para ele como sua esposa.
Elizabeth caminhava nervosa na Sala das audiências.
Seu coração lhe martelava. Havia ordenado que trouxessem o pirata a sua presença, porque não podia mais esperar enfrentá-lo por suas traições e seu coração vendido. Queria vê-lo ajoelhado diante dela. Vê-lo suplicar seu perdão e oferecer qualquer piedosa explicação por seu horrendo comportamento.
— Relaxe-se, Bess. — Murmurou Leicester em seu ouvido.
— Não posso. — Ela respondeu raivosa e aborrecida com sua calma imperturbável. Robin odiava os rivais e sabia desde o começo que ela tinha uma fraqueza por Liam, portanto, estava muito feliz que finalmente ele se mostrou ser um traidor.
Nas últimas semanas havia apoiado que ela devesse processar Liam imediatamente, lançá-lo na prisão e logo enforcá-lo.
Agora ela desejava que ele não estivesse presente, como não desejava que Ormond e Cecil estivessem, mas sabia que necessitava de suas opiniões sobre o assunto. Não confiava em si mesma.
As portas se abriram. Elizabeth gelou.
Encontrou-se frente a uma dúzia de guardas, todos vestidos de vermelho, mas não os viu. Diante deles estava John Hawke, que tampouco o viu e a seu lado estava o prisioneiro.
O coração de Elizabeth se sobressaltou. Seus olhos se abriram desmesuradamente. ficou fugazmente aturdida com sua aparência, que por um instante seu coração foi tomado pela piedade.
A túnica de Liam, um tempo branca, estava manchada sangue e carvão. A calça também estava manchada e suja.
Por mais longe que estivesse estava em condições de perceber o aroma de seu corpo sujo e pestilento. Naturalmente não estava barbeado. Sua barba curta estava mal cuidada.
Seus olhares se encontraram.
E a piedade que podia ter sentido desapareceu imediatamente.
Como era orgulhoso e sem medo. Elizabeth observou os olhos, frios e cinza e pensou que ele estava magnífico como sempre. Esse homem não era um mortal que ela poderia derrotar. Era um homem que só se dobraria diante a Morte.
E mesmo assim levaria de qualquer maneira, o orgulho e a coragem, leoninas.
Elizabeth notou muitas coisas ao mesmo tempo.
Ele era muito alto, de ombros aprumados, apesar das algemas lhe manter os braços atrás das costas. Mantinha a cabeça reta e em seus belos lábios havia inclusive um esgar de sorriso. E fitava-a olhos com muita audácia, como faria com uma mulher que queria levar para a cama.
Não. Ele não tinha medo. Nem da morte e nem dela. Elizabeth se sentia ao mesmo, desiludida e excitada. Como mulher, não podia não se sentir subjugada por seu encanto, mas como rainha exigia seu medo e seu respeito.
A traição dele ainda a feria. Como pudera chegar a ser um traidor?
Não se importava com ela? Agradeceu a Deus e à própria vontade de ferro, não tê-lo convidado a sua cama em uma noite do ano anterior, embora tivesse ficado bem tentada.
Para esconder sua excitação, sorriu com a frieza de que era capaz, entretanto sua boca tremeu.
— Venha aqui, pirata.
Liam se adiantou, sempre fitando-a nos olhos e teve a audácia de dizer:
— Peço-lhe perdão, Sua Majestade. E só depois desse momento se ajoelhou aos seus pés.
— Oh? Na verdade você é um desgraçado. Não parece para nada arrependido.
— Estou muito arrependido. — Ele levantou o olhar. — Peço-lhe perdão não só por meus aparentes crimes, mas também porque me apresentar diante de ti neste estado pestilento.
Ela o observou enquanto ele se ajoelhava, perguntando-se que coisa ele tinha em mente no momento. Não havia lhe escapado o uso da palavra, aparentes.
A expressão de Liam era muito audaz, muito viril e cheia de promessas.
Elizabeth estremeceu. Sentia-se muito menos rainha e muito mais a jovem virgem angustiada.
Estudou-o e se deu conta que as algemas lhe produziam dor.
Mas ela não ordenaria que as tirassem. Ele merecia sofrer pelo que havia lhe feito.
— Pode se levantar.
Liam se levantou com certa graça, coisa que poucos homens poderiam conseguir fazer com as mãos amarradas atrás das costas.
— Obrigado.
Elizabeth estava aturdida pelo pequeno público presente e não gostava que os outros ouvissem cada palavra e vigiassem cada gesto. Mas pensou que não devia despedir dos pressente. Permanecer a sós com Liam O’Neill era muito perigoso.
— Da próxima vez que lhe trouxerem a minha presença, primeiro deve tomar um banho, porque me sinto ofendida pelo horrendo aspecto que tem e o terrível aroma. — Ela declarou com franqueza.
— Espero que haja uma próxima vez. — Liam inclinou a cabeça. — Eu mesmo não consigo tolerar meu corpo. — Disse afavelmente encontrando os olhos da soberana. — E estou seguro de ter o aspecto de um desesperado de Bridewell.
— Posso mandá-lo a Bridewell. — Disse Elizabeth torcendo as mãos. Pensava ele por acaso, seduzi-la com esse olhar direto?
Ele arqueou uma sobrancelha com uma expressão bem arrogante.
— Mas nesse lugar existe somente vagabundos e rameiras.
— Ah, então deveria enviar para lá sua rameira. — Elizabeth sorriu ante a idéia.
Ele já não era arrogante e algo desagradável brilhou em seus olhos.
— Uma amante não é uma rameira.
— Ah, seriamente? Nunca havia me dado conta que houvesse uma diferença. — Disse Elizabeth. — Ainda se importa com dela? — Elizabeth se esforçou para esconder seus ardentes ciúmes.
— Foi uma ótima companheira de cama.
— Onde está a esposa de John Hawke?
— Em minha ilha.
E Elizabeth desejou que estivessem sozinhos. Devia saber a verdade.
— Que todos saiam. — Ordenou.
Ormond, que tinha estado furioso por todo o tempo saiu com o William Cecil, com um olhar assassino final a Liam, como se ele tivesse algum sentimento por sua meio-irmã. Leicester não se apressou em obedecer. Com a preocupação estampada no rosto, aproximou-se deles.
— Sua Majestade. — Começou a protestar
Elizabeth lhe enviou um olhar glacial. Sangue de Deus! Não tinha tempo para Robin, agora. Não tinha tempo para ninguém, salvo para o pirata!
— Também você, meu senhor. Quero falar com este renegado a sós.
— Não é sábio. — Protestou Dudley, lívido de ira.
— Mas eu sou a rainha, e se quer saber se sou sábia, não o sou. — Ressaltou Elizabeth.
Dudley girou em seus calcanhares, furioso. E saiu. .
Logo Elizabeth se deu conta que Hawke ainda estava ao lado da porta, imóvel, sério.
— Você também, sir John.
Hawke se inclinou, lívido. Seu rosto estava igual ao de Leicester, mas Elizabeth pensou que parte de sua cor se devia à vergonha.
— Peço-lhe perdão, Sua Majestade. O pirata é um homem perigoso. Não penso que deveria ficar sozinha com ele. — Duvidou — E eu gostaria de ter notícias e minha esposa, se fosse possível.
— O pirata é um traidor, mas não me fará mal. De sua esposa terá notícias logo. Agora fora. — Ela lhe ordenou.
Ele se voltou com um golpe de calcanhares, apertou os lábios e obedeceu.
Elizabeth retorceu as mãos, que agora estava suadas. Seu olhar se fundiu com o de Liam.
— Você me faria mal, desgraçado? — Perguntou passando a tratá-lo por você, como sempre fazia Quando o estavam sozinhos.
Ele sorriu devagar. — Não.
Seu coração, já fraco, se dissolveu. Esse era o Liam que ela conhecia e que amava muito. Oh, maldito pestilento, mercenário, traidor! Começou a caminhar nervosa.
— Muitos anos atrás você dominava os mares e sempre tivemos um acordo, não escrito, mas respeitado por você. — Disse. — Nunca atacava ou prejudicava minha causa ou se não fosse para melhorá-la. Mesmo se tratando de uma causa muito secreta. — Ela afastou os olhos dele. — Por quê? Por que se converteu em um traidor, Liam?
A expressão de Liam se tornou grave.
— Peço-lhe que me ouça atentamente, Bess. Atentamente.
Ela não estava contente do uso do diminutivo de seu nome e se enrijeceu. — Estou ouvindo. Estou esperando. Espero esta explicação a muito tempo.
— Não tinha nenhuma intenção de feri-la.
Elizabeth permaneceu imóvel. Já não era mais a rainha, mas uma mulher que nunca atreveu a viver os próprios sonhos.
— Não sou um papista e você sabe disso. É consciente do fato que vi muitas fogueiras durante o reinado de sua irmã, para apoiar um fanático como FitzMaurice.
— Sei. E é por isso que agora não o compreendo, Liam. — Gritou Elizabeth. — Você me traiu, Liam. Traíste a mim, que sou sua amiga e sua rainha!
— Não. — Liam se aproximou dela. — Não a traí. Você está caçando os rebeldes da Irlanda há muitos anos, sem nenhum sucesso. Lorde Perrot não consegue capturar FitzMaurice e todos sabem disso. Mas eu, — ele se deteve para aumentar o efeito dramático, e seus olhos brilhavam, — estou em condições de capturar esse papista, Bess. Basta que você me libere. Eu o capturarei.
Elizabeth gemeu. — Que outro truque é este? — ela gritou. — Que armadilha é essa? Pede-me que o libere, mas você é um traidor. E os traidores devem ser enforcados.
Liam não demonstrou nenhum temor no olhar e com paciência insistiu.
— Não está me ouvindo, Bess.
Elizabeth estava tremula.
— Que coisa mais poderia me dizer para me convencer que o libere?
Ele sorriu levemente.
— Eu nunca a traí. Em troca, com grandes riscos de minha parte e só meus, aliei-me a FitzMaurice, de maneira a poder lhe entregar seu pior inimigo irlandês.
Elizabeth o olhou, petrificada.
— Não tem outros espiões, Bess? — Perguntou-lhe em voz baixa. — Surpreende-lhe tanto assim, que eu tenha sido um espião para você, agora? Quem está melhor preparado que eu e em uma posição melhor que a minha, para capturar FitzMaurice?
Elizabeth não disse nada, sua estava célere, suspensa entre a lógica que lhe sugeria incredulidade e o amor por ele que florescia de excitação e esperança.
— Tornei-o poderoso para poder derrotá-lo. — Declarou tranquilo, Liam O’Neill. E sorriu. O sorriso do vencedor. O sorriso do dono do jogo.
— E Quando o pegar espero uma grande recompensa de sua parte. — Ele lhe reteve o olhar.
Elizabeth se voltou, imaginando o que ele poderia lhe pedir. Uma recompensa que nenhum outro homem nunca atreveria a pedir. Era muito pessoal, muito íntima. Já sentia o sabor de seus beijos e de suas carícias. Umedeceu os lábios tentando eliminar da cabeça as tolices femininas.
Era uma rainha e não devia se permitir ser seduzida nesse momento.
Mas a pergunta nascia sozinha. Se atreveria?
Deveria confiar em seu pirata de ouro, apesar de tudo o que ele tinha feito?
Katherine cobriu a cabeça com o capuz da capa de veludo e de peles para esconder o rosto enquanto o atravessava a entrada norte de Richmond. MacGregor e Guy caminhavam ao seu lado. Apertada entre o imenso escocês e o rapazinho, Katherine não se sentia nada irreconhecível.
Alguém logo a reconheceria. Até uma hora atrás no barco que a transportava do Tamisa até Richmond, Katherine estava muito aturdida pelo destino que esperava Liam, para pensar em como seria recebida na corte. Imaginava o choque, a excitação e os terríveis comentários que causariam sua chegada e esperava poder atrasar o inevitável.
A coisa mais importante era e saber sobre Liam e obter a audiência com a rainha. Do resto se ocuparia depois.
Enquanto o passavam pelo corpo da guarda e subiam os imensos degraus que levava diretamente à sala. Katherine era consciente da total ironia, dela defender o homem que tinha traído tão profundamente a ela e a seu pai.
Ela defender o apoio de Liam a FitzMaurice era ridículo. E triste.
Katherine e seus companheiros entraram na sala. Seu coração começou a acelerar de medo. Devia conseguir ser recebida pela rainha, mas essa era a mais simples das tarefas. Como poderia convencer à rainha a perdoar a vida de Liam? Havia refletido sobre bem poucas outras coisas nos últimos dias, desde Quando o soubera da captura dele, e ainda não tinha encontrado argumentos dignos de defendê-lo. Também tinha pensado muito sobre como se apresentar. A menos que Liam houvesse dito algo sobre seu casamento, todo mundo pensava que ela era a esposa de John Hawke.
Katherine não falaria com ninguém sobre seu segundo casamento porque não ajudaria à causa. De fato, não tinha nenhuma intenção de voltar a viver com ele, embora sobrevivesse. Katherine havia se enfrentado com sentimentos muito profundos e escuros. Uma parte dela amava ainda Liam, estúpida e bobamente e o amaria sempre. Mas nunca mais poderia confiar nele. Sua traição era uma cicatriz no coração que carregaria para sempre.
Katherine se deteve no vão da porta. A grande sala estava abarrotada. Precavida, ela observou ao redor em busca de rostos familiares, sustentando o capuz com uma mão. Surpreendeu-se Quando o notou várias damas conhecidas, entre elas Anne Hastings com a qual tinha tido uma relação afetuosa.
— Esperem aqui. — Murmurou Katherine para MacGregor e Guy.
Avançou, aproximando-se por atrás da baronesa.
— Anne. — Murmurou nervosa.
Anne se voltou de repente, e seus olhos ficaram enormes no rosto Quando o encontrou os de Katherine.
— Por todos os Santos, Katherine! O que faz aqui? — Logo aumentou ainda mais os olhos mostrando de ter percebido algo mais profundo, que Katherine não compreendeu.
— Devo falar com a rainha. — Disse claramente Katherine. — Mas falaremos em particular depois. — Adicionou sabendo que Anne desejava saber tudo sobre sua permanência com o famoso pirata durante os muitos meses transcorridos.
— Sua Majestade está na Sala das audiências. — Ana se apressou a responder.
Katherine lhe estreitou forte a mão, afastando-se.
— Katherine! — Chamou-a Anne, — Espere! Há coisas que você deve saber!
Mas Katherine a ignorou. Voltou o olhar a MacGregor e se precipitou através da sala, empurrando cavalheiros e damas, com a cabeça e os olhos baixos.
Seu coração agora retumbava. Só Quando o saiu e se encontrou na sala de espera da Sala das audiências, levantou a cabeça e o olhar.
Seu coração se deteve um segundo. As maciças portas de madeira estavam fechadas e no aposento circulavam uma dúzia de nobres e damas.
A rainha estava em audiência particular com alguém.
Deveria esperar seu turno. Nesse momento, Seu anseio e o medo se desencadearam. De repente as portas começaram a se abrir e os cortesãos e as damas se detiveram atentos. As conversas cessaram. O guarda se adiantou, para escoltar o postulante em entrevista com a rainha.
Mas não era um postulante. Era um prisioneiro.
Liam apareceu na porta, destruído, com as mãos algemadas atrás das costas, mas incrivelmente orgulhoso. Katherine gemeu. No silêncio total da sala de espera, seu gemido ressoou forte e alarmante e muitos olhares se voltaram para ela.
Também ele a ouviu, como se tivesse reconhecido o som de sua voz. Fitou-a com expressão orgulhosa e brilhante.
Seus olhares se encontraram. E apesar da traição, o coração de Katherine chorou pelos sofrimentos dele. Lentamente com os olhos que lhe enchiam de lágrimas, sem mais se preocupar em esconder sua identidade, Katherine baixou a mão com que sustentava o capuz deixando-o cair atrás.
Ofegos de surpresa e exclamações seguidas por uma série de murmúrios ressoaram no aposento, enquanto todos a reconheciam.
E Katherine se deu conta que a rainha estava atrás de Liam, que a fitava com a mesma surpresa de todos. Logo seu coração se sobressaltou. O homem com uniforme vermelho que se colocara ao lado de Liam, não era outro que John Hawke.
Katherine cravou o olhar em Hawke, cuja expressão era rígida e surpresa. Logo, novamente procurou o olhar de Liam.
Se ele estava surpreso por ela estar na corte, não deu a entender. Katherine desejou poder desaparecer. Agora se envergonhava enfrentar Hawke. Comportara-se de maneira desavergonhada com Liam, Quando o Hawke era seu verdadeiro marido, antes que ela e Liam se casassem.
Nunca tinha pensou poder encontrá-lo publicamente dessa maneira, rodeado pela corte, enquanto escoltava Liam à Torre, Quando o ela se preparava a encarar a defesa do homem que a tinha raptado do leito nupcial, o homem que todos pensavam que era seu amante.
Katherine cuidou em não fitar Liam novamente, sequer uma vez. Estava decidida a ignorá-lo, ciente que uma centena de olhos estavam fixos nela.
Liam teria revelado a alguém que estavam casados?
Deu um olhar furtivo em John, perguntando-se se ele ainda se considerava seu marido. E o que haveria dito e feito ao saber a verdade. Mas estava bem segura, que todos a acusavam de ser uma rameira e como tal a condenado.
Indubitavelmente era o momento mais trágico de sua vida.
Para piorar a situação, Katherine notou o Conde Leicester atrás de John, com a expressão de surpresa até um pouco divertida, e ele a penetrou com seu olhar áspero.
Katherine rapidamente afastou o olhar notando que seu meio-irmão, o Conde de Ormond, também presente, mostrava um aspecto nada contente.
Ela se sentiu aturdida.
Logo a rainha se afastou de Hawke e de Liam.
Katherine caiu imediatamente de joelhos.
— Esta coincidência é improvável. — A soberana comentou seca.
— Sua Majestade. — Murmurou Katherine. Seu coração pulsava forte.
— Levante se. Conversaremos em particular.
Era uma ordem, que Katherine estava feliz em cumprir.
Não só desejava sair da sala de espera cheia de cavalheiros e damas fofoqueiros e de seus dois maridos, mas tinha vindo à corte precisamente por essa razão, para obter uma audiência particular com a rainha.
Torpemente e com muita cautela, Katherine se levantou. Alguém, MacGregor, estendeu a mão para ajudá-la. Ela manteve a capa bem fechada.
Seu estado seria um choque para todos.
— Leve o prisioneiro à Torre. — Ordenou Elizabeth a Hawke.
Hawke assentiu, mas depois procurou novamente o olhar de Katherine.
Não havia dúvidas sobre a incredulidade do fato que se apresentara na corte. Sua raiva era evidente. Imaginaria qual era sua tentativa?
Ou a condenava por ter perdido sua virtude?
Katherine não o culpava. Qualquer que fosse a causa de sua raiva era de todo justificada. E Quando o se desse conta de sua gravidez ficaria ainda mais furioso.
Hawke caminhou empurrando Liam adiante. Por um instante, seu coração pulsou forte contra a caixa torácica e não pôde se conter de lhe lançar um olhar.
Se ele não a tivesse traído, se só a tivesse amado teria sido tão simples lutar por sua liberdade, por sua vida. Mas se assim fosse não seria prisioneiro da Coroa. Se assim fosse ela não teria o coração enfermo e destroçado. Olhou uma última vez em sua direção. Ele estava ereto, com os ombros firmes, a cabeça ereta, mas a roupa destroçada. As algemas em suas mãos brilhavam, atraindo a luz que penetrava pelas janelas. Mostrava-se tão orgulhoso, tão frio e tão impávido, como se tivesse o controle da situação e não a mercê da furiosa soberana ou do fato cruel. Comportava-se como se fosse, não o senhor dos mares, mas dono do perigoso jogo. Mas, não era possível que fosse assim.
Era uma vítima, não um senhor. Katherine estremeceu ante o pensamento.
A rainha estava lhe observandoo. Katherine se sobressaltou, rogando que os sentimentos que ainda sentia por ele não estivessem escancarados em seu rosto.
— Venha. — Lhe disse Elizabeth.
Katherine seguiu a rainha à sala de audiências.
Quando o estavam sozinhas, Elizabeth disse: — Não estou surpresa. Não mais em vê-la aqui, Katherine. Deveria saber que viria. — Seus olhos cintilavam.
Katherine não disse nada. Estava tentando ordenar os pensamentos de maneira coerente. Mas sua mente estava confusa. A rainha sabia de seu casamento com Liam? Ele havia dito a alguém?
Devia proceder com cautela.
— Então seguiu seu amante até a corte. Deseja me apresentar uma súplica a favor desse traidor? — Perguntou Elizabeth, com as mãos no quadril.
Katherine se sentiu aliviada. Liam não havia dito nada a ninguém sobre seu casamento.
— Sim. Desejo interceder por sua causa, Sua Majestade.
A expressão de Elizabeth era glacial.
— É verdadeiramente igual a desavergonhada de sua mãe.
Katherine se sobressaltou. A rainha estava rígida e irritada. Mais que furiosa.
Katherine engoliu, assustada. Não tinha esperado por isso. A última vez que tinha visto Elizabeth, a rainha lhe pareceu gentil e cordial. Agora ela estava vermelha e sacudia o dedo diante de Katherine, sem lhe dar possibilidade de falar.
— Deveria saber desde o primeiro momento que a vi, que era uma sedutora, exatamente como sua mãe!
Katherine gemeu.
— Eu não sou uma sedutora. — Murmurou surpresa pelo veemente ataque da rainha.
Elizabeth explodiu em uma gargalhada.
— Não negue agora! Induziu Liam a correr atrás você, certamente, antes de seu noivado com John Hawke? Instigou seus apetites! Incitou-o a que a seqüestrasse e provavelmente a conspirar contra mim.
Katherine gritou transtornada.
Mas a rainha não tinha intenção de parar. — Sua mãe era uma puta! — Ela gritou. — Ela foi para a cama de seu pai enquanto seu marido estava moribundo! Você é exatamente como ela! Entregou-se a um amante pirata, apesar de estar unida a um homem honorável.
— Não. — Disse Katherine. Estava quase para se defender dizendo que seu casamento com Hawke nunca tinha sido consumado e que agora Liam era seu marido, mas se conteve. Não se discutia com a soberana e Liam agora era seu marido só de nome e não de fato e nunca mais seria diferente.
— Não? — Com a expressão lívida, Elizabeth golpeou forte o rosto de Katherine. — De joelhos.
Katherine cambaleou, mas não caiu. Tocou a face e sentiu o sangue que surgia do ferimento causado pelo anel da rainha. Seus olhos se encheram de lágrimas, não de dor, mas de medo e de raiva impotente.
— De joelhos. — Ordenou novamente a rainha
Katherine suspirou, tremula, retirando a mão da face. Não tendo outra opção, não ousando desobedecer, ajoelhou-se.
A rainha começou a caminhar nervosa.
— É toda culpa sua. — Ela declarou. — Você seduziu meu pirata, exatamente como tentou seduzir Leicester e Ormond.
Katherine mordeu os lábios, mas guardou silêncio.
Quão injusta e cruel era Elizabeth!
A rainha se deteve diante dela, fitando sua cabeça inclinada.
— Ormond era contrário a você Quando o pôs seu pé na corte pela primeira vez. Mas você o enfeitiçou e agora ele mostra os sentimentos por você! E Robin! Quando o você entra em um aposento, Robin a olha como se fosse um garanhão pronto para saltar em cima de sua égua! Permitiu que ele a levasse para a cama?
A respiração de Katherine era curta e ofegante. Tentou rebater, mas sem conseguir sacudiu a cabeça assinalando a negação.
A rainha se abatia sobre ela, tremendo de maneira incontrolada.
— Se você se atrever a se deitar com ele, mando te cortar a cabeça.
— Não. — Defendeu-se, Katherine.
— Não permito que haja rameiras em minha corte.
Embora de joelhos, Katherine endireitou os ombros.
— Eu não seduzi meu irmão nem tampouco Dudley, Sua Majestade.
— É melhor para você que seja verdade. — Elizabeth a fitou friamente. — Nem posso culpar Liam nem a nenhum outro homem por ter tentado obter o que você livremente dá. E você é a única culpada. Deve ser afastada.
Com o coração apertado, Katherine murmurou sem atinar: — Eu amava Liam.
— Oh?
Katherine encontrou o olhar furioso da rainha. Seu coração parecia sair do peito.
Como poderia dizer algo assim, depois da traição de Liam? Entretanto, como poderia não dizer, para se defender do ataque selvagem da rainha? Quando o apesar de tudo era a verdade?
A rainha explodiu: — E que coisa ama nele? Sua doce adulação ou as dimensões de seu membro?
Katherine estremeceu, se enrubescendo. .
— Me responda! — Gritou a rainha
Katherine tinha a garganta dolorosamente seca.
— O que está me pedindo que diga?
— Ele lhe satisfazia na cama, Katherine?
Ela sustentou o olhar da soberana. Sabia que era melhor não responder, consciente de ter as bochechas em chamas, dando dessa maneira, a resposta que a rainha queria.
— Rameira. — Murmurou Elizabeth, se voltando.
Katherine fechou os olhos, lutando contra as lágrimas de raiva impotente. Não compreendia porque a rainha a odiava até esse ponto. Era quase impossível para ela se defender de um ataque tão veemente, e protestar sua inocência diante da rainha. Mas, qual inocência? Na realidade, grande parte das acusações de Elizabeth eram verdadeiras. Katherine estava desesperada. Não tinha armas agora. Nenhuma. Não possuía aliados. Tinha somente a si mesma e devia ser muito ardilosa.
— Sua Majestade. — Disse Katherine umedecendo os lábios. — Aceito de ser considerada culpada de ter seduzido Liam. De tê-lo feito queimar. Como minha mãe, não fui capaz de me controlar. Você tem razão. E… Sinto muito.
Baixou a cabeça, tremula, com o orgulho brigando com o sentido comum.
— Peço-lhe perdão.
Elizabeth estava imóvel agora e Katherine sentiu que ela estava lhe escrutinando.
— Não estou disposta a concedê-lo. — Ela disse finalmente, mas agora o tom era muito mais calmo e menos venenoso.
Katherine se atreveu a levantar os olhos até encontrar os dela.
— Devido a culpada ser eu, parece-me injusto culpar Liam, Não acha?
Nos olhos da soberana apareceu uma fugaz faísca de respeito.
— Não sabia que fosse capaz de argumentar tão bem, Katherine.
Katherine sustentou seu olhar.
— Nunca me atreveria a argumentar com você, Sua Majestade.
O olhar da rainha era penetrante.
— Sua mãe era muito ardilosa, muito inteligente e também muito decidida. Ajoelhou-se diante de mim como você, mais de uma vez. Tal como você, ela veio suplicar minha clemência por seu senhor.
Katherine a olhou atentamente, não atrevendo a se esperançar ou se sentir segura, graças ao novo tom de voz da rainha e do diálogo que se instaurou entre elas.
— Liam é um traidor, ainda que foi sua luxúria a lhe fazer perder a cabeça. E os traidores devem ser enforcados.
Katherine permaneceu imóvel, o rosto impassível, embora as palavras da rainha fossem como uma chicotada.
A essa altura, tinha que sustentar sua tese que devia ser perfeita, se quisesse salvar Liam.
— Você conhece Liam desde menino. Certamente sente ainda um pouco de amor pelo jovem com o qual cresceu na mesma casa.
— Talvez. — Admitiu Elizabeth, com os olhos brilhantes
— A história que compartilharam, não lhe concede uma segunda oportunidade? — Perguntou Katherine
— Não, — declarou sem os meios termos, — não é assim. — Elizabeth estava séria. — O menino triste e só se converteu em um homem perigoso. Que cometeu traição contra mim. O menino que eu amava é o homem que odeio!
E Katherine de repente se deu conta da razão pela qual a rainha a odiava.
— Odeia? — Perguntou devagar. — Ou adora?
A incredulidade e depois a raiva transformaram o rosto da rainha.
Mas antes que Elizabeth pudesse rebater, Katherine gritou: — Ele é um homem que muitas mulheres adoram, Sua Majestade. Por sua virilidade, por sua nobreza, independentemente do fato que seja um pirata. Eu sou uma das tantas mulheres que ele teve e haverá muitas mais depois de mim. Não me iludo. Nenhuma mulher pode ser imune ao encanto de um homem assim, sequer uma grande rainha!
Desaparecida a raiva tal como havia chegado, Elizabeth a fitou com aberto respeito.
— Já não é uma jovenzinha, não Katherine?
Katherine não se deu ao trabalho de responder.
— Sua Majestade, por um tempo Liam lhe serviu bem. Ainda pode lhe servir. Apesar de tudo ele é o Senhor dos Mares. Suplico-lhe a perdoar seus crimes. Não leve a morte um homem assim. Castigue-o sim, mas não o enforque. Pense em seu valor.
— Não posso confiar nele. — Rebateu Elizabeth
Katherine foi envolvida pelo medo e a desilusão, mas a compreendia perfeitamente. Como compreendia bem a Elizabeth que sofria também pela traição de Liam.
— Você tem sábios conselheiros. Certamente um deles seja capaz de conceber um plano pelo qual Liam lhe possa dar certas garantias, além de lhe ser útil.
A rainha não respondeu.
Katherine se levantou de maneira torpe.
— Ele será mais útil vivo que morto.
— Será um precioso exemplo para outros potenciais conspiradores se for enforcado. — Replicou Elizabeth, mas tinha os olhos escuros ante a idéia.
Katherine procurou desesperadamente dizer alguma coisa.
— Se ele for justiçado, não estará mais em condições de voltar tê-lo. A decisão é definitiva. Poderá viver com esse pensamento? — E ela rezou para que a rainha amasse Liam tanto quanto ela suspeitava.
Mas a soberana não respondeu. Sequer a ouviu. Ela observava-a atentamente, gemendo.
De repente Katherine se deu conta que havia se esquecido de manter a capa fechada Quando o se levantou e agora evidenciava o ventre inchado. Ficou muito pálida.
O olhar de Elizabeth se fixou no ventre volumoso.
— Você está grávida. Deveria ter imaginado. Teria sido surpreendente se O’Neill não demonstrasse nessa maneira sua virilidade.
Katherine fechou instintivamente a capa
Logo a rainha perguntou: — É seu filho?
Katherine sobressaltou.
— Sim!
— Quando o deve nascer? — Perguntou Elizabeth, descortês como antes.
— Em Julho.
— Desavergonhada. Você é uma desavergonhada, como eu dizia! E não permitirei que permaneça aqui a corte, uma rameira que leva em seu ventre um filho bastardo!
Katherine lutou contra o desespero e contra o impulso de gritar que seu filho não era um bastardo.
— Você era amiga da Mary Stanley.
— Ainda não era uma rainha. — Replicou Elizabeth.
E Katherine entendeu que tinha perdido, Quando o antes, por um momento parecia que podia vencer.
— O menino complica o assunto. — Comentou Elizabeth, séria. — Liam não me falou de nenhuma criança.
— Ele não sabe.
Elizabeth abriu muito os olhos, logo sorriu levemente para si mesma.
Katherine não gostou de sua expressão e se sentiu incômoda.
— Sua Majestade, não pode salvar a vida de Liam, de maneira que possa conhecer seu filho?
O olhar de Elizabeth se tornou severo.
— Se decidir salvar esse desgraçado, minhas razões não terão nada que ver com seu bastardo. — Logo ela semicerrou os olhos.
— É um menino? O que disse os astrólogos?
— Não procurei saber o sexo da criança. — Disse lentamente Katherine.
— Irá imediatamente consultar um astrólogo. — Disse Elizabeth. — Quero saber se está dando um varão a Liam.
Katherine tentou compreender por que.
A rainha era ladina. Astuta. O que estava tramando? Katherine não entendia.
Logo a mulher disse: — John Hawke sabe?
Katherine se enrijeceu.
— Não.
A rainha sorriu novamente.
— Então devemos chamá-lo. Deve saber.
Katherine ficou desconcertada. John Hawke tinha sido a última de suas preocupações, mas de repente chegava a ser a mais imediata.
— Entre, sir John. — Ordenou a rainha.
Katherine ficou tensa Quando o Hawke entrou na sala. Seu olhar não procurou Elizabeth, mas ela. Observou-lhe o ventre volumoso, que ela não fez nada para esconder. Ele também ficou pálido.
Katherine desejou desesperadamente ter tido tempo de encontrá-lo sozinho, para informá-lo com delicadeza. Para saber o que realmente pensaria.
Desta vez recusou fitar seus olhos, baixou o olhar para seus sapatos com fivelas.
— Olhe para mim, Katherine. — Disse-lhe Sir John.
Katherine não teve outra escolha, que lhe obedecer. Ele tinha os lábios curvados para baixo, que denotava amargura e desgosto.
— Sinto muito. — Ela desculpou, incerta. Não acreditava que seus frágeis nervos resistissem muito mais.
— Diga-me uma coisa, — John lhe falou com voz tremula. — Diga-me que lamenta cada momento que passou em seus braços, em sua cama.
Katherine fitou seus olhos e ficou-se sem fôlego. Abriu a boca para responder, para mentir, mas não conseguiu pronunciar uma só palavra.
A expressão dele relaxou e ele afastou o olhar.
— Foi uma pergunta tola, certo? — Exclamou dirigindo-se a si mesmo.
E Katherine quase odiou a si mesma. Hawke era um homem nobre e bom. Não merecia o que estava lhe acontecendo. Merecia esposa melhor, alguém doce e bom. Leal. Entretanto não podia mentir sobre o que havia compartilhado com Liam.
Sentiu-se apanhada em um lugar impossível, sem meios de fuga.
A rainha interveio: — Uma pergunta muito estúpida, John. Não faz nenhuma diferença o que Katherine provou então. O que conta é que agora ela está aqui carregando no ventre o sêmen de outro homem, mas continua sua esposa.
Katherine começou a tremer, mas não disse nada.
Certamente ele logo se divorciaria dela, agora que conhecia a verdade.
Hawke inclinou a cabeça e se dirigiu a Katherine, com a boca apertada.
— Sente-se bem, Katherine? Considerando as circunstâncias?
Katherine se umedeceu os lábios.
— Estou… muito tensa
— Não me surpreende. — Observou Hawke. — Quando o deve nascer?
— Em Julho.
Ele assentiu fitando novamente seu ventre. Logo girou a cabeça.
— Sir John, — retomou Elizabeth em tom imperioso, — o pretende fazer com Katherine?
A expressão do Hawke era sarcástica.
— O que quer que faça, Sua Majestade? Que me divorcie? Para ela terminar na rua, talvez para se tornar uma rameira e dar de comer ao seu filho?
— seria uma boa lição. — Comentou a rainha
Katherine estava gelada. — Irei para junto de meu pai. — Murmurou.
John se voltou para ela.
— FitzGerald está reduzido a pobreza. Mal consegue alimentar a esposa e seu filho, E você iria com ele? Não acredito.
— Podemos devolvê-la a França, de onde veio. — Comentou Elizabeth. — Nós não temos objeções se a mandar para um convento onde dará luz ou se deseja deixá-la lá pelo resto da vida. Estaremos de boa vontade para encontrar um orfanato para a criança.
Katherine gritou. Voltou os olhos para John, com uma súplica se desesperada em seus olhos verdes.
— Não.
— Você irá para Hawkehurst. — Estabeleceu John observandoo-a com o maxilar apertado. — Ali é seu lugar.
Katherine gemeu. Não podia acreditar no que tinha ouvido. Ele não pretendia se desfazer dela? Certamente não tinha ouvido bem!
John arqueou uma sobrancelha.
— O que esperava, Katherine? Que te concedesse o divórcio e te deixasse pedir esmola ou roubar para buscar o que comer? É minha esposa. Pode ser que tenha gostado de ser seduzida por esse maldito pirata, mas não queria ser seqüestrada por ele; e se eu não tivesse sido tão negligente naquele dia, se tivesse postado os guardas adequados, o seqüestro não teria acontecido e agora você levaria em seu ventre um filho meu.
Katherine apertou as mãos
— Não tem intenção de se divorciar de mim? — Perguntou em um gemido.
— A única coisa que compreendo é o dever, minha senhora. — Respondeu Hawke duramente. — Meu dever é contigo e agora também para com seu filho.
Apesar do choque, Katherine se deu conta de ser uma mulher afortunada, porque mesmo se Liam não fosse enforcado, ela não voltaria para ele e tinha um filho a criar. Uma criança que necessitava de se alimentar, vestir se educar. Mas, Bom Deus, ela não se sentia afortunada. Sentia-se desavergonhada, amoral, desesperada e confusa. Também desiludida.
E sua mente traidora lhe sussurrava... Como poderá viver sem Liam? Reprimiu um soluço, recusando-se a ouvir essa loucura.
A rainha estava aplaudindo as palavras de John
— Bem dito, Sr John. Você é seriamente um cavalheiro.
Hawke inclinou novamente a cabeça
— Queria acompanhar pessoalmente minha esposa até Hawkehurst amanhã de manhã, com sua permissão, Sua Majestade. Ele disse.
— De acordo. — Respondeu Elizabeth. — Mas com uma condição. —
Hawke e Katherine voltaram atenção para a rainha. A jovem ainda estupefata e incrédula.
Elizabeth sorriu.
— Ela deve ficar longe da Coroa, na Cornualha. Não desejo vê-la nunca mais, Sir John. Estou absolutamente desgostosa com sua conduta e não desejo que contagiem as outras boas damas da corte. Entendeu-me?
Hawke assentiu sério.
Katherine ficou dura. O exílio. Condenavam-lhe ao exílio na Cornualha, como castigo de seus pecados. Permaneceria lá como esposa de Hawke.
Hawke lhe estendeu uma mão. Katherine a notou, não pôde tocá-la, por que finalmente compreendeu. Se permanecesse com o Hawke quebrantaria a lei de Deus. Nenhuma mulher podia ter dois maridos.
Ele apertou a boca, e com muita firmeza a pegou por um braço.
— E agora a conduzirei aos seus aposentos. — Disse. — Acredito que é melhor que permaneça em seus aposentos, Katherine. Até partirmos amanhã de manhã.
Enquanto John a conduzia para fora, Katherine deu um último e desesperado olhar para trás e se deparou com o olhar hostil e triunfante da rainha. A soberana tinha ganhado. Mas, Katherine não tinha pensado que o resultado de sua luta seria um solitário exílio no Cornualha como esposa de Hawke.
E era a Liam em quem pensava. Sujo, pestilento, algemado e prisioneiro na Torre. O pânico a envolveu.
Fora da ante sala da rainha, ela se sobressaltou. Voltou-se para John segurando em seu uniforme:
— John! Há algo que devo te dizer. — Eu… Eu estou casada com O’Neill. Tenho documentos assinados que o confirmam.
John a fitou, petrificado.
Katherine se deu conta do que havia dito. Seu coração pulsava grosseiramente, e ela tentou pensar, mas a lógica nesse momento era imperfeita. Não sabia se poderia dizer a verdade, especialmente nesse preciso momento, justo fora dos aposentos particulares da rainha. Com as damas e cavalheiros da corte que os observavam e murmuravam entre eles. Mas era muito tarde para desdizer as palavras e por certos motivos se sentia aliviada de ter admitido a verdade.
Hawke lhe apertou o braço.
— Conversaremos depois. — Ele rebateu e a induziu a caminhar. Quase milagrosamente a multidão se abriu para deixá-los passar, e sair da sala de espera. Katherine encontrou o olhar de Anne. A baronesa parecia demonstrar uma verdadeira compaixão por sua situação.
Katherine tropeçou Quando o percebeu quem estava atrás de Anne. Leicester olhava atentamente para ela.
Hawke a sustentou e ela não caiu.
— Esses dois estão contigo? — Perguntou-lhe.
Katherine viu MacGregor e Guy que estavam seguindo-os.
— Sim. — Respondeu. — Estou muito apegada ao menino e MacGregor me acompanhou até aqui. Tinha medo vir sozinha.
Hawke deu um olhar severo MacGregor.
— Não necessito de piratas e tampouco Katherine. Não mais.
Katherine começou a tremer, dando-se conta que agora estaria verdadeiramente sozinha. — Está tudo bem. — Disse em voz baixa a MacGregor e Guy. — Ficarei bem.
Hawke não disse nada enquanto caminhavam por um longo corredor, deixando MacGregor e Guy para trás. Uma vez que saíram do corredor, Hawke afrouxou um pouco o braço. Detiveram-se na entrada de corredores que conduzia a outras partes do palácio. Sua expressão era indecifrável, mas seu olhar era potente e imobilizante. Katherine não pôde afastar o olhar dele. Sentia um nó na garganta.
— Me diga a verdade. Você estava aturdida como eu, com o seqüestro de O’Neill na primeira noite de casamento?
Katherine assentiu lentamente.
O olhar dele estava cheia de raiva.
— Então ele te seduziu com seu belo rosto e seu lindo sorriso.
Katherine não se atreveu a admitir. Nem ousou falar.
— E Quando o ele te pediu em casamento, aceitaste prontamente.
As lágrimas lhe ofuscaram os olhos. — Não, John. — Respondeu devagar. — Não foi assim.
— E então como foi? — John perguntou.
— Ele me arrastou à igreja, ignorando meus protestos. Sustentava, que com toda probabilidade você teria se divorciado de mim. O sacerdote católico nos casou imediatamente. — Katherine não prosseguiu. Abraçou-se. Nunca diria que já estava meio apaixonada por seu sequestrador e que havia prontamente aceitado o casamento uma vez celebrado.
— Ele a obrigou se casar com ele? — Perguntou-lhe duramente John.
Ela mordeu os lábios. Hawke não entendia e ela não podia explicar. Conteve as lágrimas. — Tenho dois maridos? O que devo fazer? — Chorou.
John pegou novamente seu braço e Quando o lhe falou seu tom de voz era tranqüilizador, gentil, firme.
— Alguém mais sabe deste casamento?
Ela negou com a cabeça.
— Não diga a ninguém.
— por quê? — Katherine de repente se sentiu presa do medo, do pânico.
— Porque nós estávamos casados legalmente, Katherine. Independentemente do outro casamento ao qual foi obrigada, e o pirata ser enforcado, eu não tenho intenção de te abandonar agora que se encontra necessitada de cuidados. Que raça de homem seria?
Katherine o fitou, estupefata.
— Não me entenda mal— lhe advertiu severo. — Não estou nada contente com tudo isto. Mas finalmente, Quando o esse pirata estiver morto, conseguiremos jogar tudo para trás. Se não acreditasse nisto, eu a abandonaria, como faria um homem menos nobre que eu.
Katherine chorava meneando a cabeça.
— Por que chora? — John perguntou-lhe, furioso. — Por ele? Você o ama?
Ela retirou a mão da dele e segurou o ventre, pensando que não poderia lhe confessar a verdade. — Ele é o pai de meu filho e não desejo vê-lo enforcado.
— Será enforcado. — Declarou John com firmeza. — Porque a rainha neste caso não pode demonstrar alguma clemência. E é melhor assim. É melhor para todos, se pensar bem. Se pensa em seu filho estará de acordo.
Seu filho. O filho de um pirata traidor.
Uma criança que todos condenariam como bastardo ou pior ainda, como filho de Liam O’Neill. De repente compreendeu Liam muito bem. Mas tarde. De repente compreendeu como tinha sido para ele crescer, e viver agora, sustentando um pesado fardo por ser filho de Shane O’Neill. Logo ela recordou todas as vezes que o provocara, desprezara e Condenado porque era filho de Shane O’Neill. E recordou a última terrível discussão, Quando o havia dito falsamente que nunca poderia amá-lo, porque Shane O’Neill era seu pai.
Katherine se sentia mal. No coração e na alma. Como pudera ser tão fria e tão cruel? E seu filho sofreria como Liam, pelos pecados e crimes de seu pai?
Secou os olhos e levantou o olhar para John.
— Você criará meu filho. — Perguntou com dificuldade. — Será um pai bom e gentil? — Seu coração estava destroçando novamente.
Oh, Liam, sinto muito. Mas agora devo proteger nosso filho. Sim.
— Não só serei um bom pai para seu filho, mas também lhe darei meu nome, Katherine. — Declarou Hawke. — Inclusive se for um varão.
Um imenso soluço explodiu da garganta de Katherine. Não podia falar. Estava impedida pelas lágrimas.
— E depois, naturalmente você me dará outros filhos. — John disse.
Katherine afastou o olhar, incapaz de deixar assentir. Era mãe. E como toda mãe faria tudo para proteger e alimentar sua criatura. Mas Deus, como era difícil aceitar seu destino. Como era doloroso. Sem embargo, não tinha outra opção. Não mais. Ela não podia mais escolher. Porque mesmo se acontecesse um milagre, mesmo se Liam fosse libertado ou fugisse, ela não poderia mais voltar para ele, e não importava que agora soubesse que o amava com todo o seu coração.
Mas teria que enfrentar o espectro da realidade.
Não parecia que Liam obteria o perdão e nunca ninguém havia escapado da Torre. Parecia que só um milagre poderia salvá-lo. E ela fazia muito tempo que tinha deixado de acreditar em milagres.
Devia fazer tudo o que estava em seu poder para tentar salvar Liam. Seria seu presente de adeus. Um presente de amor eterno, o presente da vida.
Katherine decidiu permanecer em seu aposento, em vez de ir jantar na sala de refeições.
Necessitava de tempo para refletir, para pensar em um plano. Além disso, não tinha nenhuma vontade de enfrentar os olhares maldosos e maliciosos da corte no jantar. Ela e John haviam decidido adiar a viagem a Cornualha por alguns dias, por causa de seu evidente cansaço.
Ela se sentia aliviada.
Restava-lhe um pouco de tempo, para encontrar um poderoso aliado que a ajudasse em seu esforço de salvar a vida de Liam. E estava muito decidida agora. Não sobreviveria se não o visse antes de partir para a Cornualha. Não sabia o que faria ou o que diria se conseguisse uma maneira de lhe fazer secretamente uma visita. Só sabia que tinha que vê-lo uma vez mais. Mas como?
Não se atrevia a pedir a John.
Uma imagem escura, bela e triste encheu sua mente. Seu sorriso era sedutor e perigoso. Suas intenções, audazes, imorais e amorosas. Robert Dudley, o Conde de Leicester, um dos homens mais potentes da corte. Não, de toda a Inglaterra. Ele poderia ajudá-la, se quisesse.
E Katherine sabia exatamente o preço que deveria pagar para obter sua ajuda. E pagaria para ver Liam uma última vez, para lhe salvar a vida.
Katherine não podia diretamente se dirigir a Leicester. Não se atrevia, pois se lembrava muito bem das ameaças da rainha de decapitá-la, se fosse para a cama dele. Havia uma só pessoa em qual podia confiar, que podia ser a mensageira.
Mandaria chamar a Anne Hastings, rogando que viesse ao seu aposento.
Katherine se sobressaltou Quando o ouvir batidas na porta. Sentiu-se aliviada e aterrorizada ao mesmo tempo, Quando o a sorridente Anne entrou no aposento. Katherine fechou com chave a porta atrás dela e as duas mulheres se abraçaram.
— Katherine! — Exclamou Anne. — Estou tão feliz me vê-la. Fiquei muito preocupada com você. — Como está bela!
— Obrigado por vir me visitar, Anne.
— Como poderia não vir? — Anne era maliciosa. — Katherine, você passou quase um ano ao lado de um dos homens mais perigosos, e o mais viril, segundo dizem! E o seguiste até aqui, mesmo sabendo que acolhida lhe seria reservada!
Katherine se sentou na cama, fitando aturdida sua amiga.
Anne a estudou,
— Bem? É tão viril como dizem? É insuperável? Insaciável? Você não parece maltratada. E logo terá um filho.
Katherine ficou desiludida com a amiga. — Talvez devesse descobrir sozinha, Anne.
— Oh! Eu a zanguei! Mas não vai me culpar por imaginar como é. Vai? Meu marido é velho e gordo e também é um libidinoso. Oh, minha querida. Você está transtornada. Eu sou feliz por você, Katherine. Que você tenha podido gozar de tal homem. Como gostaria que esse pirata me seqüestrasse!
A desilusão de Katherine desapareceu. Anne não tinha más intenções.
— Temo que o enforque.
— Tem razão em temer. A rainha detesta os traidores e por princípio enforcará seu mais fascinante conspirador.
— Certamente você não é muito tranqüilizadora.
— Não tenho intenções de te tranqüilizar. Se ama seu pirata, então deve ser inteligente como sua mãe. Deve procurar promover sua causa, minha querida. Posso te dizer isto. Os conselheiros estão divididos. Cecil não tem nenhum desejo de ver Liam O’Neill na forca.
Katherine sentiu uma faísca de esperança no coração.
— Lorde Burghley tenta freqüentemente convencer à rainha! — Anne levantou uma mão. — Mas Leicester despreza O’Neill e está muito feliz pelas mudanças dos acontecimentos. Está aconselhando Elizabeth a processá-lo imediatamente. Alem de lhe recordar em cada ocasião, a anarquia no resto do mundo e o que rebeldes tramam contra ela aqui na Inglaterra, sabendo que o temor da conspiração a induzirá a fazer de Liam um exemplo que funcione como medida dissuasiva para outros.
O coração de Katherine fibrilou.
Leicester. Tinha razão em ter concebido um plano.
— Anne tenho um só favor a te pedir.
Anne festejou.
— Se puder, sabe que o faço.
— Queria que você entregasse imediatamente a Leicester, uma mensagem de minha parte.
Anne estremeceu e logo a alertou. — Katherine! — Seus olhos ficaram enormes no belo rosto, Quando o compreendeu tudo. — Não sabe o que faz!
— Ao contrário, Anne. Sei exatamente o é necessário fazer.
Os sinos da igreja repicaram a meia-noite e Katherine contou nervosa cada batida. Tinha as mãos suadas, a boca seca e toda trêmula. Estava sentada em um banco do jardim, protegida por sua capa boleada de peles. Assistiu sua chegada através das árvores nuas, um momento depois. Era uma figura alta e poderosa, envolvida em uma capa negra. Se movia rapidamente para o lugar onde ela estava sentada.
Katherine afundou as unhas na palma da mão.
— Senhor, — o chamou.
Ele mudou de direção e se aproximou dela. Katherine se levantou. Ele se deteve diante dela. Estava com o capuz baixado, mas o afastara.
Leicester sorriu.
— Sabe o efeito que me causou ao receber a mensagem que desejava me ver as escondidas?
Katherine tremia e não falou. A lua brilhava entre as nuvens e ele conseguia ver bem claramente seu belo rosto. Adiantou uma mão, Katherine permaneceu imóvel, sem se sobressaltar, embora quisesse retroceder. Afastou o capuz.
— Deus, você é formosa. — Ele disse com voz rouca e tocou-lhe a face.
Katherine se obrigou a permanecer completamente imóvel
— Agora estou gorda.
O olhar escuro de Leicester apanhou a dela.
— Carrega um filho no ventre. Não é uma surpresa. Sempre soube que nasceu para carregar o sêmen de um homem. Para gerar seus filhos.
Katherine não respondeu.
O olhar de Leicester lhe estudou o rosto.
— Pensou em mim, minha querida ? Quando esse pirata penetrou seu belo corpo, você pensou em mim?
Katherine ficou tensa.
— Freqüentemente pensei em você. — Continuou Leicester. — Eu a desejo ainda. Agora muito mais que antes. — Ele sorriu, tomou uma mão e a apertou contra seu membro. Estava muito duro.
Katherine retirou a mão. — Estou grávida!
— Algumas mulheres gostam ainda mais neste estado.
Katherine ficou aturdida e teve medo. Não tinha pensado que pudesse ficar ardente. Não agora, enquanto estava com uma gestação avançada.
— Não eu.
— Não acredito. — Leicester a apertou contra si.
Katherine ficou rígida, mas não opôs resistência. Agora estava bem consciente de seu membro contra o quadril.
— Você é uma mulher apaixonada. Compreendi imediatamente. A prova é que O’Neill não se cansou de você, que a reteve em sua ilha por quase um ano inteiro. Imagino que lhe ensinou muitas maneiras de entreter agradavelmente um homem. — A boca de Leicester roçou a dela. — Mas agora ele está na prisão há muitas semanas. Seu corpo deve estar abrasando. Eu pretendo tomar seu lugar, Katherine.
Katherine se voltou para evitar outros contatos com ele. Faltava-lhe a respiração.
— Basta. Por favor.
— Mas foi você quem mandou me chamar. — Ele disse em tom muito leve e logo a transpassou com o olhar. — O que quer de mim, Katherine?
Katherine apertou as mãos contra o peito, em uma vã tentativa de pôr distância entre seus corpos.
— Necessito de sua ajuda.
— Sei. E posso imaginar de que maneira deseja que a ajude.
Katherine o fitou, estupefata.
Ele sorriu.
— A rainha me disse que suplicou com certa graça, mas com grande capacidade, para salvar a vida de seu amante pirata. Katherine, você fez bem em se dirigir a mim. Sou o único que pode ajudá-la a obter o que deseja. A rainha não sabe me negar nada.
— Vai convencê-la a salvar a vida a Liam? — Katherine conseguiu perguntar, com voz destroçada.
— Está disposta a pagar o preço que lhe pedirei?
Ela assentiu. O terror paralisou seu coração. Leicester sorriu e se esfregou nela.
— Esta noite?
— Não! — Katherine afastou-se dele, tomada pelo pânico.
Ele a deixou se afastar, observandoo-a com interesse. Era um homem frio, e arrogante. Um predador estudava a fácil presa.
Ofegando, Katherine o fitou. — Antes deve conseguir obter a liberdade de Liam. Depois virei a você. Uma vez que tenha nascido a criança.
Ele explodiu a rir.
— Não sei. Devo esperar para torná-la minha, até que o pirata seja libertado? E depois poderei tê-la só uma vez? A aposta em jogo é alta Katherine. A rainha ficaria furiosa se soubesse de nossa relação. E estamos falando da vida de seu amante. Não penso que uma só vez seja suficiente.
Katherine moveu a cabeça, forçando-se a não chorar, a ser forte.
— Depois que Liam estiver livre virei a você, somente uma só vez.— Estava decidida. Apertou as mãos ao redor da cintura para evitar tremer. Agitou-se. — Antes do nascimento da criança, se preferir.
Ele a observou.
— E se recusasse?
— Então não me terá jamais. — Respondeu Katherine com muita mais tranqüilidade do que sentia.
Ele não riu.
— Poderia tomá-la aqui e você não poderia alguma vez se lamentar-. Ou me equivoco?
Katherine gemeu.
— Então não me terá com meu consentimento. — Ela gritou, agora assustada. — Estou-lhe oferecendo uma noite de muito prazer, Dudley. Vou lhe mostrar todos os meus truques de sedutora. — Sua voz se quebrou e as lágrimas sulcaram suas faces.
Ele a estudou.
— Aceito.
Katherine se sentiu aliviada, com muita dificuldade.
— Há outra coisa.
Ele arqueou uma sobrancelha.
— Quero ver Liam. Uma só vez, caso não obtenha sua liberdade.
— Entendo. — Ele apertou o maxilar. Seu tom era duro.
— Se não me conseguir um encontro dentro dois dias, nosso acordo será anulado. — Disse Katherine.
O sorriso do Dudley era perigoso.
— E Quando o visitá-lo dará a ele o que recém negou a mim?
Katherine lhe devolveu um feio olhar.
— Não é assunto seu.
Leicester a fitou estupefato.
— Duas ações necessitam de dois preços, Katherine.— Disse finalmente
Katherine compreendeu e assentiu, voltando-se para sair.
Ele a segurou por uma manga.
— Não tão depressa.
Katherine se voltou para ele com a máxima reticência.
— Venha aqui. — Ele lhe disse. — Desejo selar nosso pacto com um beijo.
Um barulho o despertou.
Era o barulho de um arranhar. Liam ficou tenso no colchão sobre o piso, pensando que fosse um camundongo. Preparou-se para chutar o animal, se o mesmo se aproximasse. Chutá-lo e matá-lo. Mas o ruído desapareceu e logo ele ouviu outro diferente. Liam se apressou a sentar. Era a porta da cela que estava se abrindo.
Na cela não havia luz. Sempre estava escuro, mas lhe levavam comida e água duas vezes ao dia, o que lhe consentia manter a noção do tempo. Sabia que já havia passado a hora do jantar e possivelmente já fosse meia-noite. Levantou-se bem atento, preparado para receber um amigo ou um assassino.
A porta se abriu e uma luz ofuscante irrompeu a cela. Liam levantou um braço, protegendo-se da luz das tochas, piscando loucamente, mas avistava o carcereiro e a figura de um desconhecido visitante envolto em uma capa atrás dele.
Ouviu o rangido de tecido, um ruído que somente uma mulher podia fazer. Permaneceu imóvel, temendo sonhar ou ter enlouquecido.
Katherine entrou na cela. Carregava uma lanterna e Quando o o viu se enrijeceu, tanto quanto ele. Fitaram-se. Nenhum dos dois se deu conta da careta do carcereiro, nem o notaram Quando o fechou a porta da cela às costas de Katherine.
— Liam. — Katherine disse com voz rouca. — Oh Deus, Liam. Como você está?
Ela era uma visão de etérea beleza. Um anjo do céu e logo uma sedutora na terra.
Não se moveu. Não respirou. Sua presença naquele lugar lhe causava uma dor terrível. Recordou a si mesmo que ela o tinha usado para ajudar a seu pai.
Era uma traidora, uma rameira mentirosa. Que nunca poderia amar o filho de Shane O’Neill. Ela mesma havia dito.
— O que quer? — Disse com voz dura, que ressoava na pequena cela, tentando ignorar sua beleza, e pior, a aberta preocupação que se lia em seus olhos. Isso e algo mais. Algo mais que não podia estar certo.
O sussurro dela era rouco.
— Queria vê-lo.
— Por quê? — Perguntou
Ela moveu a cabeça. Mas ele se deu conta da lágrima brilhante em seus olhos.
— Por quê? — Perguntou novamente. — Não está contente por que logo irei ao encontro ao destino que merecem os piratas?
Ela levantou o olhar, cheio de lágrimas.
Ele levantou o punho. — Não está contente que seu marido, o filho de Shane O’Neill, morra logo, esposa? Deixando-a livre para o nobre e santo John Hawke? Se já não tiver com ele.
Ela mordeu os lábios, fitando-o com tristeza. Uma lágrima descia ao longo de sua face.
— Sinto muito.
Ele ficou imóvel.
Ela se voltou e logo levantou um punho, decidida golpear a porta para chamar o guarda.
— Não! — Gritou ele saltando e segurando sua mão. Ela não se moveu.
— Katherine. — Sussurrou, aturdido pela dor. Não importava sua traição. Não nesse momento. Importava-lhe somente que ela estava ali. Uma Katherine viva e real. Não uma ilusão de sua mente. Não uma aparição celeste que havia dito que sentia muito. Apesar de tudo era um estúpido romântico, porque seu peito se encheu de esperança. — Katherine, por que veio?
Ela se voltou lentamente. Estavam muito perto e seu tom de voz mal era perceptível.
— Vim te dizer que… Não quero que morra.
A esperança o envolveu.
— Então se importa por comigo?
Ela respondeu com dificuldade, tremendo.
— Liam… Sim.
Ele estendeu a mão e tocou seu rosto. Seu extraordinário rosto. Um rosto que o tinha obcecado por anos, desde avistara por acaso, tantos anos atrás no convento.
Estava sujo e pestilento, mas não pôde se impedir de beijá-la, como não pôde deixar de pensar nela todos os dias, as horas e os minutos de sua vida desde esse dia em Abbé Saint-Pierre Eglise, o convento.
Tocou-lhe os lábios com os seus.
Consciente agora, de seu amor quente e potente, um amor no qual ele tinha rechaçado acreditar. Um amor que nunca quisera e que o tornara escravo então como agora. Um amor que tinha motivado suas ações mais significativas, que lhe fizera precipitar o jogo e que trouxe os dois ao encontro nos calabouços da Torre de Londres.
Os lábios de Katherine tremeram sob os dele.
A paixão se apossou de Liam, ardente, imensa, túrgida.
Estremeceu. Segurou os ombros de Katherine e pensou somente em fazê-la sua, a dominá-la. A escravizá-la com a força e a potência de seu corpo, como ela havia lhe escravizado com sua beleza, seu orgulho, sua determinação e sua inteligência.
— Katherine, eu a desejo.
Ela o abraçou, se ondulando contra ele, convidando-o docemente com o quadril. Procurou seu olhar sussurrando seu nome. Murmurando: — Sim.
Ele a estreitou entre os braços, gemendo. Afundando o rosto no pescoço macio, saboreando o calor que fluía entre seus corpos. Estava imenso agora, preparado para explodir. Mas era impensável, embora o convite fosse evidente.
Apesar de sua determinação para viver, poderia muito bem morrer.
— Liam, eu tenho tanto medo. Por favor. — Katherine meneou o corpo contra o dele, beijando sua testa e passando os dedos entre seus cabelos. — Desejo também, meu querido. Preciso de você.
Não lhe restava defesa. Todas as defesas que havia elevado para proteger seu coração, quebraram ante as palavras dela. Liam fitou os olhos verdes. Não era pretensão. Não havia teatro. O desejo cintilava nos olhos verdes. O desejo e algo de mais profundo. Algo irrevogável, eterno. Algo que devia estar desde o começo. Determinado pelo destino, no qual dois seres humanos não podiam se opor.
As palavras estavam ali, na ponta da língua.
Amo você. Sempre te amarei.
Tomou sua boca com os lábios. Katherine gritou. Sugou-lhe os lábios enquanto que com as mãos, igualmente ávidas, tocou-a por toda parte, explorando suas curvas, desfrutando-as. Logo lhe apoiou as mãos sobre o ventre e ficou petrificado.
Estava duro, redondo e proeminente.
Katherine riu, mas logo soluçou.
— Sim, Liam. Estou esperando um filho teu.
Ele levantou a cabeça e a fitou, incrédulo. Passou a mão sobre o ventre arredondado uma dúzia de vezes. Estava estupefato. Seu olhar passeou pela proeminência que estava acariciando.
— Meu filho. — Sussurrou, com a voz quebrada. E através do choque nasceu uma onda de alegria. Katherine lhe daria um filho.
Seus olhares se encontraram, e embora ela estivesse novamente chorando, também estava sorrindo.
E depois a alegria desapareceu. Ele a fitou se recordando de sua infância e tudo o que havia passado. — Oh Deus. — Exclamou dolorido, entre a mais pura felicidade e o mais negro desespero.
Também o sorriso de Katherine desapareceu.
— Não está contente.
Ele deu um passo para trás. — Você não entende.
De repente, ele novamente era o rapazinho cheio de dor e ouvia as palavras cruéis e sarcásticas. O filho bastardo de Shane O’Neill
Ela o tocou.
— Eu compreendo, Liam. Protegerei este filho. Ele não sofrerá como você sofreu. Eu te juro.
— Não pode impedir que o mundo os amaldiçoem e não pode mudar o fato de ser meu filho.
Ela não disse nada.
Ele estremeceu.
— Que planos tem em mente?
Ela ficou pálida, mas sobre suas bochechas apareceram duas manchas vermelhas, brilhantes, sinal de culpa.
E ele se recordou novamente de sua traição, o quanto era ardilosa e intrépida.
— Quais são seus planos, Katherine?
— A rainha está furiosa. Hawke diz que o enforcará.
Hawke. John Hawke, o outro marido.
— Ainda não estou morto, Katie. Não pretendo morrer logo. Ou já me sepultaste?
— Não quero que você morra!
— E não morrerei. Fugirei desta prisão, voltarei para mar e terminarei o jogo que comecei. Ouça-me, Katherine? E você estará comigo. Você e meu filho. — Ele gritou. Ela não respondeu e seu silêncio lhe disse tudo que lhe servia saber. — Você é minha esposa. — Disse ofegando.
De repente, ele não pôde suportar mais nada. Nem seu cativeiro e nem a impotência de ficar detido. Estava consumido por uma ira insana.
Levantou-lhe o queixo, obrigando-a a fitar seus olhos. Ela meneava a cabeça, negando.
— Ele a levou para a cama, Katherine? Levou?
— Não! — Ela gritou, assustada
Liam não relaxou. Agora ela estava mentindo. Maldição.
Sua alma. De repente sentiu que as paredes da cela estivessem se aproximando dele. Estava intensamente ciente de estar reduzido a um estado de miséria impotente. A frustração o sacudiu. —Você não me respondeu, Katherine.
— Hawke diz que o enforcarão. Eu estou fazendo o impossível para impedir, mas não sei se conseguirei. — Ela chorava. Hawke disse… — Katherine se interrompeu.
Hawke. Hawke. Hawke.
— Que mais Hawke disse? — Ele balbuciou.
— Dará seu nome a criança, mesmo se for um varão!
Então ele enxergou tudo. O futuro. O futuro dela com John Hawke. Os dois protegidos na intimidade de Barby Hall. Seu filho que crescia como um pequeno lorde inglês, com chapéu de plumas, o colete e a calça, educado pelos melhores tutores, falando inglês, francês e latim. Que se movia comodamente, da corte de Londres até qualquer mansão de campo. E indubitavelmente haveria outros filhos, meninos e meninas, que Katherine finalmente daria a John Hawke, como qualquer esposa faria.
Liam o odiava.
Nesse momento também odiava a ela.
Voltou-se com um grito de raiva e golpeou a mão contra a parede. Katherine gritou de medo.
Liam golpeou novamente a parede. E depois outra vez, e mais outra vez, até que se deu conta que Katherine havia se grudado a ele, chorando e gritando, pedindo para que não golpeasse, que devia parar.
Ofegando, com o punho ensangüentado que lhe doía terrivelmente e que provavelmente estava quebrado, Liam apoiou a cabeça na parede.
Katherine se lançou em suas costas, soluçando vagarosamente.
Ele sentiu as próprias lágrimas lhe sulcar a face. E, pela primeira vez na vida, duvidou de si mesmo. Estava para perder tudo. Sua mulher e seu filho. Sua vida. O medo quase o paralisou.
De repente uma força interior emergiu. O medo permaneceu, mas a determinação agora lhe pulsava nas veias e fazia seu sangue ferver.
Devia conseguir a liberdade, e conseguiria. Antes que Katherine fizesse o inconcebível e voltasse para John Hawke.
Antes que ela se entregasse a John ou a qualquer outro homem, esperando usá-los, enquanto eles a usavam para libertá-lo.
Antes que fosse vítima de um jogo político, que se imolasse sobre o altar da vida dele, e antes de sucumbir à loucura.
Hawkehurst
Havia transcorrido exatamente um ano desde que Katherine havia chegado em Hawkehurst pela primeira vez. Então era a noiva de John Hawke e dali a pouco seria sua esposa. Parecia-lhe que tinha passado uma eternidade. Recordava-se quão ingênua e inocente era. Ignorante das coisas do mundo e dos homens. Parecia-lhe ter envelhecido dez anos depois disso.
Agora estava voltando para Hawkehurst em circunstâncias que nunca, nem remotamente teria imaginado possível.
Viajavam lentamente pelo caminho acidentado e com lodo que se estendia pela campina, para Hawkehurst. Embora Katherine tivesse passado a maior parte de na semana anterior em uma carruagem, agora tinha insistido em cavalgar. Hawke havia permitido.
No ano anterior Katherine encontrara a campina varrida pelo vento e coberta de desafios pitorescos que inclusive lhe davam um ar romântico. Agora a encontrava desolada e inóspita.
As paredes de pedra e o teto do velho solar com suas muitas chaminés de arenito já eram visíveis lá abaixo e Katherine sentiu uma profunda pontada de pânico crescer dentro de si.
Sua vida era uma loucura. Como podia continuar a fazer o papel da esposa de Hawke, quando ardia de desejo desesperado por outro homem? Quando carregava em seu seio o filho de outro homem? Quando esse outro homem arriscava ser enforcado?
Como?
A dor lhe perfurava o peito, como um imenso prego.
Contava com o fato que Leicester conseguir convencer Elizabeth a perdoar Liam. Bom Deus. Quanto contava. Devia conseguir e se conseguisse, ela deveria respeitar o pecaminoso acordo que havia feito com ele. Sentia-se impotente e desesperada. Sentia-se sozinha.
Entraram no pátio pavimentado, com uma dúzia de homens como séquito.
Hawke ajudou Katherine a desmontar.
— Meus pais não estão. Estão em sua casa de Londres, portanto não terá de enfrentá-los.
Katherine se sentiu aliviada. Estava muito ansiosa com o destino de Liam, para pensar na desagradável acolhida que os pais de John haveria indubitavelmente lhe reservado.
— Sei que está cansada. — disse Hawke. — Por que não sobe para descansar? Não é necessário que me acompanhe no jantar, se estiver muito fatigada.
Katherine notou seu olhar preocupado. Por que ele continuava a ser tão gentil, Quando o era aparentemente tão infeliz quanto ela?
— Obrigado.
Voltou-se se dirigindo para a casa.
— Katherine.
A jovem se deteve.
O olhar de Hawke era grave e inquisidor.
— Devemos deixar o passado para trás. — Ele disse lentamente. — Sei que não é uma coisa fácil. Nem para mim e certamente tampouco para você. Mas devemos tentar. — Ele se esforçou para sorrir, sustentando o olhar no dela.
Katherine não pôde responder.
Nesse momento, em pé no pátio, sob o sol quente da primavera, ela se deu conta que seria impossível sepultar o passado. E Liam.
— Devemos tentar. — Declarou com firmeza Hawke, Quando o notou que Katherine não respondeu. — Penso que seja oportuno que dê a luz a seu filho aqui na Cornualha, longe da corte e não pelos motivos alegados pela rainha. E também depois que a criança tenha nascido deveria permanecer em Hawkehurst, onde poucas pessoas virão te visitar. Com o tempo o escândalo será esquecido.
Katherine não estava de acordo. — O escândalo nunca será totalmente esquecido. Como no caso de minha mãe, murmurarão sobre mim mesmo depois que esteja morta.
— Não. — Discordou Hawke secamente. — O escândalo será esquecido, embora demore alguns anos. Depois que você me der filhos e formos felizes, as pessoas esquecerão.
Katherine permaneceu imóvel. Não podia fazer coisa parecida. John Hawke era uma boa pessoa, mas ela nunca seria feliz se permanecesse como sua esposa.
— Quero que você me prometa, Katherine. — Insistiu ele. — Que deixará o passado para trás. Esquecerá o pirata e de boa fé jure que será uma boa esposa.
Katherine abraçou o ventre volumoso. A lógica lhe sugeria dizer as palavras, de mentir, mas por qualquer razão não pôde fazer.
Não esqueceria Liam. Nunca.
O olho direito de Hawke tremia. — Não quer me prometer, mesmo sabendo o que farei por ti e por seu filho?
Katherine quase não conseguia se expressar. Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Pede-me que te prometa o impossível. — Ela sussurrou.
Ele gritou.
— Sinto muito. — Ela gritou em resposta. — Sinto tanto! Mas não posso esquecê-lo. Não o esquecerei nunca. Eu o amo, não obstante tudo o que tem feito. Que Deus ajude a nós todos!
Angustiado, Hawke observou-a se dissolver em um pranto desesperado. Quando o conseguiu falar, sua voz era dura. — Ele será enforcado, Katherine. E então, o que fará? Sonhará com um fantasma? — Ele se afastou.
E Katherine cobriu o rosto com as mãos, sabendo que embora Liam fosse enforcado, ela sempre continuaria a desejar um homem morto.
Hawke tremia de raiva e incredulidade. Caminhava sem rumo no pátio. Notou um cavaleiro que rumava para a entrada de Hawkehurst. Reconheceu imediatamente a égua de cor castanha, exatamente como reconheceu Juliet. Imediatamente ficou tenso.
Juliet, com um trote suave entrou no pátio.
Havia passado vários meses desde a última vez que a tinha visto. Ficou desconfiado, não dela, mas de si mesmo. Se fosse feia, velha e de mau caráter. Se não tivesse lhe observado com os adoráveis e grandes olhos. Na realidade havia esquecido que ela era a mais querida amiga de Katherine. Agora se dava que Juliet poderia ser uma presença constante em Hawkehurst. E não incomodava nada. Mas, naturalmente, mesmo que Katherine e seu filho vivessem na Cornualha, ele permaneceria com a rainha e seus guardas na corte.
Juliet havia detido seu efervescente cavalo ao lado dele. Duas grossas manchas vermelhas manchavam seu rosto, em todo caso perfeito. E os olhos azuis pareciam brilhar Quando o pousaram sobre seu rosto. Ele não se conteve em se perguntar se alguma vez ela teria sido beijada. Rechaçou o pensamento no mesmo instante que ele lhe veio à mente.
— Sir John.— Ela disse insegura. Seu rubor agora estava mais pronunciado. — Estou feliz em vê-lo.
Ele ignorou o comentário.
— Veio visitar minha esposa? — Queria ser descortês. Queria que ela se fosse.
Ela afastou os olhos.
— Sim.
— Está na sala. Estou seguro que ficará muito feliz em vê-la.
Juliet baixou os olhos, desiludida e perdida.
Hawke se sentiu um bruto e se inclinou.
— Perdoe minhas maneiras descorteses. — Disse seco. — Viajamos por muitos dias e estamos muito cansados.
— Eu não deveria ter vindo. — Disse Juliet recolhendo as rédeas, para movimentar seu cavalo. Mas antes que Hawke se desse conta do que estava fazendo, já tinha tomado as rédeas da égua com uma mão e o joelho da jovem com a outra.
Ao sentir o contato, ela ficou imóvel, com os olhos muito abertos.
Hawke se enrijeceu. Seus olhos brilharam ao encontrar os dela, mas logo se afastaram.
Hawke suspirou profundamente. Que comportamento de adolescente era o seu? Esforçou-se para sorrir.
— Por favor, Lady Stratheclyde, desmonte. Katherine necessita de verdade de uma amiga neste momento.
Juliet o estudou pelo que pareceu uma eternidade, logo desmontou do cavalo deslizando na terra. Hawke a endireitou e se disse que não sabia porque ela era tão agradável de se tocar.
Juliet se retraiu.
— Como está Katherine?
— Melhor do quanto se poderia supor. — Balbuciou, incapaz de afastar o olhar dela. E as palavras que seguiram o atingiram como um penhasco
— E você, sir John? Como está?
Fitou-a sabendo que ela não se referia à sua saúde. De repente desejou derramar em cima dela toda sua angústia, todo seu desejo. Se confessar com ela, uma moça de somente dezesseis anos. Ela o observou com seus imensos olhos azuis, como se não quisesse mais que consolá-lo, certamente era ele que imaginava essa compreensão, esse afeto, essa preocupação.
Disse torpemente: — Estou bem. — Uma mentira. — E estou feliz que Katherine esteja de volta. — Outra mentira.
Bom Deus, não estava contente. Não mais, por nada.
Ela aumentou os olhos, no pequeno rosto tenso, mas logo sorriu marota. Seu sorriso se tornou muito brilhante.
— Eu também estou contente que Katherine esteja de volta. — Sussurrou. E a voz lhe tremeu. — Agora poderá vir a meu casamento com lorde Hunt, em dezembro.
Hawke se sobressaltou como se tivesse sido golpeado e por um instante não pôde falar.
— Vai se casar com Simon Hunt? — Logo, a imagem do gordo Visconde que cobria Juliet com seu corpo flácido, enchendo-a de beijos, o atacou.
Juliet afastou o olhar dando-lhe a visão de seu perfil perfeito. E de repente sem expressão, respondeu: — Sim.
E Hawke foi invadido por ciúmes ardentes.
Não falaram mais. Cuidando em não fitá-la, acompanhou-a até casa de maneira que ela pudesse fazer uma visita a sua esposa. Mas não pôde evitar imaginá-la entre os braços de Simon Hunt, como a esposa dele.
A residência de verão de Elizabeth era Whitehall e com a feliz chegada da primavera a corte toda havia se transladado para lá. Fora, as árvores germinavam sobre o Tamisa e os narcisos floresciam.
Dentro de Whitehall Elizabeth caminhava nervosa pela sala das audiências. Era hora de enfrentar a questão que havia ficado irresoluta e que agora sobre sua cabeça. Voltou-se a fim de observar os que estavam perto, que havia convocado para ajudá-la a tomar o que podia ser uma decisão terrivelmente dolorosa.
Seu primo, Tom Butler, o Conde de Leicester e William Cecil.
Sem muitas cerimônias, ela disse: — Devo condenar O’Neill ou perdoá-lo. Não posso deixá-lo indefinidamente a murchar nos calabouços da Torre.
Todos começaram a falar ao mesmo tempo oferecendo suas fervorosas opiniões sobre a difícil questão.
Claramente, Ormond estava furioso ente a idéia do perdão, mas Leicester de repente era contrário a um processo, Quando o antes era a favor. Cecil não disse uma palavra. Elizabeth, gritou, silenciando os dois homens mais jovens.
— Se prometer que me trará FitzMaurice, não deveria libertá-lo?
Ormond estava incrédulo.
— Não pensa em confiar nele!
A rainha fitou seu primo.
— Se ele me trouxer FitzMaurice, seu perdão seria uma jogada válida!
Ormond estava raivoso.
— Ele não lhe trará FitzMaurice! Ele finge e mente! É um aliado daquele papista! E você agora confiaria nele, Bess? Está permitindo que seu fascinante comportamento e a sua virilidade interferira com sua capacidade de julgamento!
Elizabeth ficou pálida.
Quanto Tom estava perto da verdade? Estava assustada ante a idéia de que pudesse ter razão.
Por mais que tivesse meditado sobre a possibilidade de enforcar Liam, seu coração sempre se rebelava.
Ormond continuou com suas tiradas.
— Você esquece que ele é filho de Shane O’Neill. Entretanto, como pôde esquecer Quando o minha irmã chegou à corte grávida de seu filho? Bom Deus, eu não o esqueço! Você estava lá, poucos anos atrás, Quando o a pobre Mary Stanley chegou a corte trazendo em seu ventre ao filho de Shane, Bess! Que ironia. Não é certo que o filho da Mary tenha agora causado a Katherine o mesmo doloroso crime que seu pai causou a sua mãe? Está louca se pensa confiar em O’Neill.
Leicester interveio.
— Está acusando O’Neill de violência sexual, Ormond? Odeio ter que dizer, mas Katherine não parecia cheia de ódio pelo pirata a última vez que a vi.
Ormond não teve nenhuma possibilidade de responder, porque Elizabeth se postou diante de Leicester.
— E Quando o foi, Robin?
Ele sobressaltou. — Perdão, Bess?
Elizabeth não repetiu a pergunta. Um fofoqueiro havia se referido sobre um estranho encontro uma semana antes nos jardins privados de Richmond. Uma entrevista a meia-noite e a testemunha tinha jurado que a mulher era Katherine. A espiã não tinha visto o rosto do homem, mas jurou que era muito alto, de ombros largos e muito escuro.
Elizabeth observou Robin, se perguntando se ele a tinha traído com Katherine FitzGerald. Estremecia somente ante a s idéia de que os dois pudessem ter se encontrado.
Não era já suficiente que essa rameira tivesse seduzido Liam? Não bastava estar exilada na Cornualha?
Leicester continuou como se Elizabeth não lhe tivesse feito nenhuma pergunta. — Se O’Neill está em condições de capturar FitzMaurice deve ser liberado.
Elizabeth arqueou uma sobrancelha.
— Mudou de idéia, querido Robin. Por que, se em outro dia me aconselhava de condená-lo rapidamente e enforcá-lo com a mesma pressa?
Leicester sorriu.
— Não podemos mais nos permitir estas guerras com a Irlanda. FitzMaurice é um líder muito capaz. Se O’Neill consegue capturá-lo é muito melhor liberá-lo que enforcá-lo. Ninguém consegue capturar esse papista, Bess. E você sabe muito bem.
Elizabeth o fitou com frieza. Havia algo escondido, estava segura. Dudley tinha mudado de parecer rapidamente e com muito ardor. Agora apoiava a liberdade do pirata. A jovem estava por trás disso. Elizabeth pressentia, exatamente como pressentia que afastar a jovem da corte não era suficiente para aplacar o desejo de Leicester.
Veio-lhe à mente que poderia enforcar a jovem como traidora, junto ao seu amante pirata.
— Sua Majestade, por favor. — interveio Cecil.
Elizabeth se voltou para ele, aliviada.
— Devemos suspender Sir John Perrot de seu encargo. Não está capacitado para capturar o maldito papista. O máximo que conseguiu fazer foi desafiá-lo a um duelo e fazer o papelão de um estúpido.
Elizabeth encontrou o olhar direto de Cecil.
— Já suspendi Perrot. — Disse. — Desde Quando o ouvi essa incrível historia.
Leicester e Ormond não puderam se conter e riram.
Elizabeth lhes deu um olhar feroz.
— Claramente, ele enlouqueceu. — Disse. — Desafiar FitzMaurice a um duelo! Bom Deus! Sir John deve ter perdido a luz da razão se pensou em pôr fim a uma guerra pública com um duelo particular!
Leicester ainda ria, Quando o comentou. — Na sua idade e com aquela barriga!
Ormond também zombava. — E FitzMaurice a raposa, naturalmente não se apresentou fazendo Perrot fazer duplamente a figura de um cretino!
— Triplamente. — Lhe corrigiu Leicester e ambos explodiram em uma sonora gargalhada.
— Parem imediatamente! — Ordenou Elizabeth. — São cruéis em zombar de um homem que nos serviu bem e que depois perdeu a cabeça por trabalhar em nossa causa.
— É uma terra difícil. — Comentou delicadamente Cecil, desculpando o fracasso de Perrot e sua aparente loucura.
— Devo confiar no pirata? — Perguntou-lhe Elizabeth
Cecil sorriu e Quando o falou foi somente para ela.
— Se O’Neill conseguir nos entregar esse papista seremos verdadeiramente afortunados. Entretanto, deixa-nos outro cadáver. Naturalmente.
— O que quer dizer com isto? — Perguntou Leicester
Cecil mal o olhou.
— Se FitzMaurice morrer, quem governará o sul da Irlanda e os irlandeses?
— Eu governarei o sul da Irlanda. — Declarou Ormond.
Cecil o fitou. — Você é mais inglês que irlandês e é um fervoroso protestante. Os lordes irlandeses o toleram, mas nunca o seguirão.
Ormond apertou o maxilar. — Sei o que dirá agora.
— Seriamente? — Incitou-o, Cecil.
— Você nunca quis que FitzGerald fosse afastado! — Gritou Ormond. — Mas agora é muito tarde. Ele foi destituído, privado de tudo o que tinha. Está meio louco e pobre. Os irlandeses deverão me aceitar como o Lorde mais poderoso deles. Não há outra opção.
— Sempre há outra opção. — Cecil objetou tranqüilo.
E Elizabeth compreendeu já ter decidido o que fazer se liberasse o pirata e este lhe entregasse FitzMaurice. Agradeceu a Deus em silencio por Cecil. Um homem que a conhecia desde Quando o era uma jovem princesa. um Cecil homem no qual sempre tinha acreditado.
— Que opção temos, William?
— Libere o pirata. — Respondeu Cecil. — Deixe que ele leve a término seu jogo. Deixe que a raposa corra. E observaremos as peças caírem, preparados para recolher as que nos servem ainda.
— Não pode confiar no filho de Shane O’Neill. — Insistiu Ormond, raivoso.
Cecil sorriu.
— Confiar nele? Não sei. Mas certamente podemos controlá-lo.
Silêncio.
Cecil falou com todos no aposento. — Depois que o astrólogo real disse que sua amante carrega em seu ventre um filho varão. Que melhor maneira de controlar um homem se não com seu único filho, seu único herdeiro?
Ninguém se moveu. Risos floresceram nos lábios dos pressente.
Logo Elizabeth festejou.
— Como você é ardiloso! — Ela gritou radiante
E Cecil sorriu, pensando não ser tão ardiloso quanto o pirata. Se tudo acontecesse como Cecil esperava, ele demonstraria ser verdadeiramente o vencedor do jogo.
Liam sabia que seu destino estava para se cumprir.
Haviam lhe dito para tomar banho e se barbear. Havia mudado de sua cela, para outro aposento espartano, mas bem mais confortável nos pisos superiores da Torre. Tinham lhe entregado roupas limpas e comida decente. Sabia que um encontro seu com a rainha se aproximava.
Preparou-se. Preparou-se para se superar em astúcia e habilidade, à rainha e seus conselheiros, inclusive ao muito agudo Sir William Cecil.
Estava em jogo tudo o que amava. Katherine, seu filho e sua vida.
Foi escoltado até a rainha.
Ela estava na sala de espera de seus aposentos particulares e em um primeiro momento, Liam pensou que estava sozinha. Logo atrás dela notou Cecil. Não obstante decidido a ganhar a liberdade, também estava aliviado. De fato, lhe tinha passado a idéia de ter que seduzir a rainha, levá-la para a cama, se todo o resto falhasse.
— Parece de bom humor, pirata. — Elizabeth observou dura.
Liam se inclinou, se ajoelhando.
— Estou agradecido por me ter permitido tomar um banho e vestir roupa limpa, Sua Majestade. Mais agradecido do que possa imaginar.
— Não tinha intenção de receber um desgraçado pestilento em meus aposentos. — Ela respondeu. — Em pé.
Liam se levantou.
— O que devo fazer com você, traidor?
— Não refletiu sobre minha proposta? — Perguntou Liam.
— Na realidade, sim, mas meu Conselho está dividido. Alguns suspeitam que seja somente outro complô. — Elizabeth se aproximou estudando-o. — É um complô? Tem intenção de me trair novamente?
— Bess, eu não a traí antes e não trairia agora.
Ela o escrutinou com ar de interrogação.
— Refleti intensamente sobre este assunto. — Ela disse finalmente. — Mas sua palavra não basta.
Liam, agora tenso inclinou a cabeça em espera.
— Devo ter algo seu. Algo muito importante para você, que o obrigue a manter sua palavra.
Seu coração latejou no peito. Katherine. Teria tentado usar Katherine contra ele ou oferecer Katherine para seduzi-lo?
A segunda possibilidade era exatamente o que ele desejava.
— No que está pensando, Sua Majestade?
— Na criança. — Ela respondeu.
Liam estremeceu, mas sua mente trabalhou freneticamente.
Centenas de anos antes, por muitos séculos, as crianças freqüentemente eram usados como peões políticos, entretanto não podia acreditar que a rainha tivesse intenção de fazer algo similar. Não na época moderna.
Mas se equivocava.
— Depois que a criança nascer será criado em minha casa. — Declarou a rainha. — Seu filho será um refém, mas de seu bom comportamento. Quando o me entregar FitzMaurice, eu lhe entregarei seu filho
Liam a olhou incrédulo. Recordava ter crescido na corte. Nunca tinha pensado que seu filho pudesse crescer ali e suportar a mesma crueldade a que esteve submetido.
Não podia tolerar esse pensamento.
— Liam? — Disse a rainha, com um tom de voz perplexo.
Ele verdadeiramente não a ouvia. A visão de seu filho ou filha rodeado de um monte de ingleses zombeteiros o assaltou, atormentando-o.
Umedeceu os lábios. Tinha medo. Nunca tinha duvidado apanhar FitzMaurice, mas de repente a possibilidade que se apresentava o aterrorizava.
— E se eu não conseguir lhe entregar o papista? — Perguntou com a voz quebrada, estranha.
Elizabeth observou, maliciosa.
— Se não me entregar FitzMaurice encontrarei um bom inglês, um súdito fiel, que o crie.
Era-lhe difícil respirar.
— E enviarei meus melhores capitães para te pegar. — Adicionou Elizabeth. — Para voltar a levá-lo a Torre onde permanecerá para sempre.
Não tinha escolha.
Pelo bem de seu filho, uma vida inocente que não devia sofrer por sua causa, venceria.
Tentando com dificuldade não demonstrar a angústia que o corroia por dentro, certo de não poder conseguir, disse:
— Eu lhe entregarei FitzMaurice. Mas também me entregará Katherine junto com acriança.
— Oh, não! — Gritou a rainha. — Não, não lhe entregarei!
Liam ficou tenso.
— Katherine permanecerá com seu marido, John Hawke. E esta não é uma negociação, desgraçado. É a única oferta que lhe faço. Traga-me FitzMaurice e devolverei seu filho.
Seu coração lhe pulsava forte, dolorosamente. Tinha chegado a esse ponto. Tinha arriscado tanto para ter a mulher que amava. A criança só não bastava. Nunca bastaria.
Liam respirou fundo. A partida ainda não tinha terminado. Ainda havia muitas jogadas a fazer. Apesar de tudo, Gerald ainda estava no exilo em Southwark, portanto entregar Katherine a ele, Liam, era ainda prematuro. E ele não tinha informado Elizabeth sobre seu casamento, porque teria terminado na forca e então John Hawke pensaria nela e em seu filho. De repente Liam encontrou o olhar de Cecil. Soube imediatamente que Burghley o compreendia perfeitamente, entretanto, por alguma razão não se surpreendeu.
Sentia de ter um aliado. Havia um brilho de apoio nesse olhar.
Liam recordou que cinco anos antes, William Cecil havia se oposto com todas suas forças à expropriação do Conde de Desmond. Seus olhares se mantiveram por um instante, logo Liam se dirigiu novamente à rainha.
— Hawke não deseja se divorciar dela?
Elizabeth respondeu.
— Ele é um homem nobre. E fará seu dever com respeito a ela. Nem eu o convencerei a se comportar de outra maneira. Você não pode tê-la e não mudarei de idéia sobre este assunto. Suspeito que de algum modo foi ela que o fez torcer seu caminho. Deve esquecer à moça e aponte para outra parte seus muitos apetites. — Elizabeth ruborizou.
Liam não disse nada, logo moveu distraidamente os ombros.
— Você não me compreendeu bem. Eu quero a mulher para a criança, não para mim. Prazer pessoal posso encontrar em outros lugares.
— Seriamente? — Elizabeth o olhou, mas os traços de sua boca se adoçaram.
— Já se cansou dela?
— Bess, vamos. Você me acha capaz de amar?
Elizabeth o estudou. — Eu acredito que nenhum homem seja capaz de amar. — Ela disse, finalmente. — Penso que os homens estão dominados ao que preferem, ao selvagem apêndice que têm no meio das pernas. Mas ela é muito bela e muito maliciosa. Seduziu Leicester e Ormond. E naturalmente a você.
Liam se absteve de responder, mas se coração se contraía. Elizabeth dizia a verdade? Só em pensar lhe dava náuseas. Mas já não importava mais. Perdoaria tudo o que Katherine tivesse feito para ajudá-lo. Entretanto, notou muito bem os intensos ciúmes da rainha e seu evidente medo da bela rival. E se deu conta nesse momento o quanto seria fácil levar Elizabeth exatamente onde ele queria.
— Então? — Elizabeth estava lhe observandoo. — Aceita minhas condições ou não? Uma vez nascido, trarei a criança para minha casa. Nesse momento fingiremos que você fugiu. Quando o me entregar FitzMaurice, lhe entregarei seu filho. Nem um instante antes.
Liam assentiu.
— Aceito. — Ele disse. Pegou a mão da rainha, se inclinou e a beijou. — E lhe prometo que não a desiludirei. Como sempre, é a você quem sirvo.
— Duvido. — A soberana rebateu, mas as bochechas ruborizaram.
Ele notou em seus olhos, não à rainha poderosa, mas à mulher ciumenta e desesperada. Ele ainda podia vencer. Porque ainda tinha um ás sob a manga que entretanto tiraria somente na última hora, no final. Logo jogaria sobre o medo dela da capacidade de Katherine seduzir seu favorito, Leicester, Quando o chegasse o momento de ir procurar seu prêmio.
Hawkehurst
Katherine gritou, gritou e gritou.
Juliet lhe sustentava a mão e acariciava seus cabelos.
— Passará. Sei que é valente, Katherine. Sei que é valente.
Katherine quase não a ouviu. Sabia que seria doloroso, mas nunca tinha imaginado que pudesse ser tanto. Um sofrimento longo e constante, como afundar e girar a lâmina de uma faca no útero. Oh, Deus. Liam. Precisava dele.
No fim a dor começou a ser surda e Katherine chorou. Sabia que voltaria outra vez, pior que antes. Não acreditava que poderia conseguir suportar ainda muito mais. Era madrugada ela tentava dar a luz. Os dores do parto tinham começado pouco depois do jantar e aumentado ao redor da meia-noite. Na madrugada, Katherine já estava exausta. Agora era meio-dia e a luz do sol se filtrava em seu aposento. Quanto poderia resistir?
— Katherine! — Gritou Juliet excitada. — A parteira vê a cabeça do bebê! Deve empurrar agora, querida. Empurrar com todas suas forças!
Mas Katherine soluçava de dor, já rasgada por outra forte contração.
— Impulsione, Mademoiselle. Dê impulso. — Gritou, Ginny. — A criança não pode ficar nesta situação!
Katherine foi invadida pelo pânico Quando o compreendeu as palavras da parteira. Não restava mais força para empurrar, entretanto, o bebê já não estava seguro em seu útero, mas prisioneiro no canal vaginal. E se não conseguisse sair? Certamente morreria! Ofegou sabendo que nesse momento devia clamar todas as suas forças, para poder expulsar o bebê.
O filho de Liam devia viver.
Esforçou-se a se concentrar, apertando a mão de Juliet.
— Está bem, Katherine. Assim mesmo. Já lhe vejo toda a cabeça! — Gritou Juliet.
Katherine se rendeu caindo-se sobre os travesseiros, soluçando. Não tinha mais forças.
— Liam! — Gritou. — Preciso de Liam!
Juliet ficou pálida
Katherine se perguntou se era a primeira vez que havia pronunciado seu nome em voz alta, mas não se preocupou.
Era Liam que deveria estar com ela nesse momento, lhe sustentando a mão e animando-a durante a prova mais dura de sua vida. Não Juliet. E Hawke não deveria ser o homem em espera fora do aposento.
— Impulsione, Mademoiselle. Impulsione agora e faça nascer o pobre bebê. — Gritou a parteira, com os grandes seios ondulantes.
A imagem de Liam se deteve em sua mente, preocupado, exigente.
Katherine sabia que devia conseguir lhe dar o filho. Era a coisa mais importante de toda sua vida. Gemendo, se levantou sobre os cotovelos, ofegou e empurrou. E por um instante muito fugaz era o rosto dele que viu perto do seu e a mão dele em sua testa. Não a de Juliet. Podia conseguir, por ele! Conseguiria!
A parteira gritou triunfante e nesse mesmo momento, Katherine se deu conta de ter sido capaz de expulsar a criança. A dor havia cessado e ela se sentiu tomada de alívio. E assim, como de repente havia terminado sua agonia, igualmente sua fraqueza se transformou em força.
Katherine observou a parteira que estava se movimentando entre suas pernas. — Está tudo bem? — Gemeu Katherine, esforçando-se para ver o filho.
Logo notou os cachos castanhos e o corpo do bebê coberto de sangue.
— Perfeito. — Sorriu Ginny, cortando o cordão que unia mãe e filho.
— É um… menino ou uma menina? — Katherine gemeu apoiada nos cotovelos, desejando desesperadamente ver a criatura recém-nascida.
Ginny levantou o bebê para que Katherine o visse.
— Um moço, Mademoiselle. Deu um lindo varão ao seu marido.
Enquanto observava seu filho, o filho de Liam, as lágrimas desciam ao longo de sua face. O rosto do menino era redondo. O nariz estava um pouco achatado por causa do parto, os braços e as pernas pareciam surpreendentemente longos, os minúsculos dedos das mãos estavam apertados e seus grandes e muito grandes olhos azuis estavam abertos. Fitavam-na diretamente.
Era a visão mais bela que Katherine tinha visto e ela foi tomada por um amor instantâneo e ardente. Estendeu os braços.
— E também é grande. — Observou à parteira. —Espere que vou limpá-lo um pouco.
— Oh, Katherine. — Juliet chorou. Seus olhos estavam brilhantes de lágrimas. Estreitou as mãos de sua amiga. — Você tem um filho. Um filho belo e sadio.
Katherine se deixou cair nos travesseiros, mas não afastou os olhos de seu filho. Ginny agora estava envolvendo-o em panos limpos e em uma manta leve.
Ela estendeu novamente os braços. — Traga para meu filho. — Ela ordenou em voz baixa, sorrindo, com os olhos brilhantes.
Ginny se voltou com o menino entre os braços, sorrindo por sua vez.
John Hawke entrou no quarto e se impôs entre as duas.
— Não.
Katherine permaneceu imóvel, voltando a cabeça para o som da voz dura de Hawke.
— Meu filho, — sussurrou confusa e insegura. — Quero ter meu filho em meus braços.
O maxilar de Hawke estava rígido.
— Não. — Ele rebateu. — Ginny, leve o menino para baixo, agora.
— Quero meu filho. — Chorou Katherine levantando-se com dificuldade. — Quero ter meu filho em meus braços. Por que me nega este direito?
Juliet fitou Hawke, pálida e com os olhos muito abertos.
Hawke olhou somente para Katherine, com o rosto de pedra.
— É melhor que não o tenha nos braços. É melhor que não o toque. Será mais fácil para você, afinal.
— O quê? — Gritou Katherine, se esforçando para se sentar. — Hawke! Quero meu filho! — Ele se voltou para a parteira que estava correndo para fora do aposento, com o menino nos braços.
Os olhos de Katherine se encheram de lágrimas.
— Meu filho! Dêem-me meu filho!
— Katherine, me ouça. — Disse Hawke.
— Não! — Gritou ela, chutando os lençóis e tentando se levantar. Teve que se apoiar na beirada da cama em busca de equilíbrio porque foi tomada por uma imprevista onda de náuseas. Foi capturada pelo pânico, imenso e aterrorizante.
— Você mentiu! Mentiu-me! Quero meu filho!
— Eu não te menti, mas minhas intenções não valem nada agora. — Hawke respondeu sério. — A rainha decidiu ter o menino em sua casa, por razões que não declarou.
Katherine o fitou ofegante, sem palavras.
— E ao dizer que era muito importante, aceitei. — Hawke disse, logo avermelhando: — Eu sou um homem da rainha, Katherine. Não podia recusar.
Katherine gritou. O terror a engolfou. —Ela está levando meu filho? E você deixou? Você não pode fazer isto. Você não pode!!
— Ele estará muito bem cuidado, Katherine. Isso, eu posso garantir. — John disse.
Katherine gritou dobrando-se em duas por causa dor que era superior a que tinha provado antes. Quando o finalmente se endireitou, seu rosto estava devastado pela raiva e a dor que a faziam parecer feia e velha.
— Quero meu filho! — Gritou. — Me devolva meu filho!
— Não posso. — Hawke lhe respondeu. E hesitou. — Sinto muito. — Ele disse e se voltou, afastando-se.
Katherine gemeu, levantando-se, e Juliet a segurou antes que caísse.
— Deixe-me ir. — Katherine chorou. —Deixe-me ir antes deles levarem meu bebê. Oh, Deus! Deus! Ajude-me, por favor!
Com as lágrimas lhe descendo pela face, Juliet sustentou Katherine, lhe impedindo de sair.
— Katherine, minha querida, não há nada que você possa fazer. Não contra a vontade de John.
Katherine a ignorou. Com força sobre-humana ela se liberou de Juliet. Cambaleou até a porta. A madeira parecia pesar cem quilos. Ofegando, ela conseguiu abri-la. Tropeçou no corredor e se segurou no corrimão, acima das escadas.
— Ginny! Volte! Ajude-me! Estão roubando meu filho!
Mas ninguém respondeu aos seus gritos e Katherine caiu por terra.
Juliet que corria atrás dela a encontrou caída, e cravava as unhas no piso, gemendo como um animal. Seus sussurros atormentados ressoaram no corredor.
— Ela não tem o direito! Não têm direito! Meu Deus, me ajude! Quero a meu filho!
Hawke fitava, mas não via a campina que estava quase verde e dedilhada por flores silvestres amarelas. O céu era tão azul acima de sua cabeça que o dia parecia idílio. Entretanto era somente uma ilusão. Ainda parecia sentir os gritos de Katherine. Não os do parto, os de depois, muito mais angustiantes, Quando o tinha ordenado à parteira para tirar o menino.
O pátio estava cheio de cavalos selados e de soldados. Tinha sido preparado para a ama de leite e a criança. Elizabeth tinha remarcado a importância da segurança e a saúde da criança e tinha ordenado-lhe levá-lo pessoalmente a Londres.
Ele sentia náuseas. Sentia a náuseas de tudo.
Sua esposa amava O’Neill apaixonadamente. Nesse dia, finalmente se dera conta que ela era o tipo de mulher que desceria ao túmulo desejando outro homem. Oh, poderia continuar com seus deveres para com ele, e nunca mais falar do pirata. Poderia estar disposta a governar a casa e esquentar sua cama e inclusive, talvez, dar-lhe uma meia dúzia de filhos, mas sempre amaria Liam O’Neill.
Hawke se perguntou como seria amar uma pessoa tão completamente. E agora não só estava lhe negando o amante, mas também ao filho. A bílis lhe veio à garganta. Maldição. Transforma-se em um fraco. Arrancar um filho dos braços da mãe era um dos piores crimes que poderia imaginar. Um crime que rogava de não ter que cumprir nunca mais, sequer por sua rainha.
Mas Katherine sobreviveria. Era forte, mas o pensamento não diminuía em nada sua angústia.
— Como pôde!
Hawke se voltou e se encontrou a frente de um anjo furioso. Juliet.
— Pensava que você era um bom homem. Um homem de bem, mas o que fez é monstruoso! — Juliet estava chorando.
Hawke ficou mais tenso. As recriminações dela o feriam profundamente. Sabia que não tinha como se defender da mão e dos olhos de luar.
— Não podia me opor à rainha.
— Claro que podia! — Juliet gritou.
Hawke notou que ela tinha as mãos apertadas.
Hawke Você não entende.
— Eu entendo. — Juliet rebateu com amargura. — Entendo que me senti profundamente iludida com você. Entendo que você não é nobre nem a metade do que parece. Entendo que está com ciúme. Sim, muito ciúme, porque Katherine ama outro homem. Provavelmente planejou tudo desde o começo! — Ela gritou furiosa. — Para se desfazer do filho de O’Neill! — Ela manteve a cabeça elevada, desafiando-o a contradizê-la.
Ele não a contradisse. Não acreditaria, se tentasse.
— Como está Katherine?
A gargalhada de Juliet foi terrível.
— Como ela está? — Ela caiu, finalmente. Você é maldito!
Hawke ficou pálido.
Juliet girou sobre os calcanhares e mantendo a saia levantada correu novamente para a casa.
Cabisbaixo, Hawke pegou seu cavalo de um escudeiro e montou.
— Mande buscar a criança e a ama de leite,— ele disse um dos soldados. —Nós estamos prontos para partir.
Katherine se recusava falar com quem quer que fosse, inclusive com Juliet. Permaneceu de cama por dias inteiros, recuperando as forças. Não de tudo. Mas não podia esperar para estar em perfeitas condições para fazer o que devia. Não confiou nada a ninguém, tampouco em Juliet ou Ginny, as quais estavam tão entristecidas quanto ela.
No terceiro dia depois do nascimento do bebê, Katherine vestiu a roupa de uma criada. Roupa que ela ordenou que uma criada da cozinha trouxesse para ela no meio da noite. Sob o vestido amarrou ma coxa uma adaga irlandesa, atenta que não fosse vista por ninguém.
Nessa noite, Quando o todos dormiam, também Juliet que tinha se recusado a voltar para Thurlstone, ela saiu do leito e abandonou a casa, levando uma singela capa cinza em cima do vestido emprestado. Entrou furtivamente nos estábulos, que estavam desertos, porque todos os escudeiros e cavaleiros dormiam em um edifício próximo.
Escolheu o cavalo que tinha montado durante sua última viagem, Quando o havia saído de Londres para a Cornualha, na primavera anterior. Uma feroz determinação a enchia de força, e em poucos momentos já havia selado a égua. Foi somente Quando o o animal havia atravessado as grades de Hawkehurst que ela se sentiu tomada pelo pânico. Sentia-se tão fraca que se segurou à sela, afirmando a si mesma que não podia desmaiar. Não agora, Quando o devia empreender uma longa viajem.
Estava caminho de Londres, para enfrentar à rainha.
Estava caminho a Londres, para procurar seu filho.
E nada ou ninguém a deteria.
Whitehall
— Devo ver a rainha!
Era de amanhã e a rainha ainda estava encerrada em seus aposentos, com suas criadas. Na sala de espera circulavam numerosos nobres, vários guardas e outros cortesãos. Katherine enfrentou os dois soldados de uniforme, postados diante das portas fechadas.
— Devo ver a rainha! — Repetiu
O tom desesperado em sua voz rouca fez muitas cabeças se voltarem para ela.
— Como pôde entrar moça? — Disse-lhe um soldado. — Vá embora. Os plebeus não podem apresentar pedidos a Sua Majestade.
Katherine endireitou os ombros. Sua capa estava rasgada e cheia de pó; o cabelo solto há dias e estava desgrenhado e despenteado. A touca já não existia mais. Suas mãos estavam sujas, com as unhas quebradas e o rosto pálido, suado e perturbado. Fazia dias que não comia e estava terrivelmente fraca.
Mas tinha conseguido chegar à corte e ninguém a deteria. Não esses guardas de merda e nem ninguém.
— Não sou uma camponesa. — Ela explodiu. — Sou Katherine FitzGerald, filha de Gerald FitzGerald, Conde de Desmond.
Os cortesãos que a ouviam gritaram pasmados, observandoo-a.
Katherine se deu conta que havia atraído a atenção de todos, mas não se importou.
— Exijo ver a rainha. — Gritou, apertando os punhos.
— Você não pode ser a filha de um Conde. — Disse o soldado. — Que engano é este? Vá! Vá embora imediatamente, antes que a expulse com as próprias mãos.
O rosto de Katherine se decompôs de raiva e ela começou a empurrar aos soldados, chegando à porta que protegiam. Os soldados se uniram imediatamente, empurrando-a para trás. Katherine tropeçou e quase cai, mas alguém a sustentou por trás. Não se voltou para o homem que ainda a sustentava pelos ombros.
— Sou Katherine FitzGerald. — Gritou em voz alta, quebrando-se.
— Katherine? — Leicester a fez voltar e fitou seu rosto.
Estava estupefato. Mas Quando o falou sua voz era baixa e preocupada.
— Bom Deus! O que lhe aconteceu?
— Dudley! — Katherine gritou segurando-se em seus braços. — Devo ver a rainha. Realmente devo vê-la! Ela tirou meu filho de mim! Quero de volta meu filho!
Leicester observou a boca trêmula. Logo fez um sinal imperioso com a cabeça aos guardas. Imediatamente, o primeiro soldado se voltou e golpeou a porta que se abriu levemente.
O soldado falou com voz muito baixa com uma das damas da rainha que permanecia escondida. Em um instante Elizabeth chegou à porta, com o rosto preocupado.
O Conde de Ormond apareceu atrás dela.
— Robin? Que é de tão urgente que não pode esperar outro momento para… — 'Abruptamente ela cessou suas palavras e seus olhos se fixaram em Katherine. A compreensão se espelhou neles. Ela ofegou. Ormond empalideceu.
— Quero meu filho! — Gritou Katherine, com o peito ofegando. — Você não tem nenhum direito! Nenhum! Exijo imediatamente que devolva meu filho!
Eles estavam rodeados pelos cortesãos, e todos no aposento assistiam o estranho confronto. Todos estavam pálidos por causa do choque de ouvir o tom audaz e as palavras ainda mais temerárias de Katherine.
Tocando sua saia com a perna, Dudley murmurou uma advertência em seu ouvido, mas Katherine o ignorou.
Elizabeth avançou.
— Robin, tire as mãos de cima dela.
Dudley deixou cair às mãos, contra a vontade.
A rainha enfrentou Katherine.
— Você não deve exigir nada.
— Ela está transtornada por causa do filho. Não sabe o que faz. — Ormond se apressou a dizer.
— Silêncio. Elizabeth lhe ordenou. E todo o aposento ficou em silêncio, como se a ordem da rainha tivesse sido para todos.
Katherine tocou a adaga por sobre a saia, porque Leicester havia soltado suas mãos que mantivera seguras. A cólera assassina e impetuosa que tinha albergado desde Quando o a rainha havia lhe tirado o filho corria-lhe pelas veias. Apertou a adaga contra a coxa.
— Você roubou meu filho, como uma ladra qualquer. — Ela acusou gritando. — A corte sabe disso? — Katherine riu histérica. — Por que não, Sua Majestade? Não quer que seu povo saiba quem é verdadeiramente? Uma ladra de crianças. Uma ladra de inocentes!
A multidão sobressaltou. A fúria enrubesceu o rosto de Elizabeth e agora Ormond estava mortalmente pálido.
— É imprudente além do acreditável. — Gritou Elizabeth. — Levem-na imediatamente! Levem-na a Bridewell Para onde vão todas as rameiras!
Imediatamente o grupo de soldados se adiantou para Katherine, mas ela não tinha vindo a corte, para ser encerrada junto a rameiras e vagabundos.
Tocou a saia, levantando-a.
Leicester segurou sua mão por trás, impedindo-a de pegar a adaga.
— Não faça isso! Ordenou-lhe peremptório.
Katherine se liberou dele, conseguindo empunhar a adaga de debaixo da saia. Enquanto isso os guardas se aproximavam. Ormond estava diante deles, e em sua mente zangada, ela entendeu que a impediriam de fazer o que devia. Que a obrigariam a abandonar Whitehall e a encerrariam na prisão.
Ormond se deu conta de suas intenções e se adiantou.
— Não, Katherine! — Gritou, alcançando-a.
Também Leicester tentou lhe conter a mão.
Mas a loucura a fazia se mover mais rápidos que os dois e ela pulou de lado, para longe de todos, elevando a adaga.
A rainha gritou.
— Ela tem uma faca! Quer me assassinar!
Na sala de espera explodiu um pandemônio. Elizabeth retrocedeu imediatamente rodeada pelos guardas, enquanto uma dúzia de soldados se lançava sobre Katherine.
De repente a moça teve medo. Leicester a empurrava na direção da qual tinha vindo.
— Fuja, Katherine!
E Katherine se voltou passando por Ormond, que não fez nenhuma tentativa de detê-la e até bloqueou o corredor, impedindo momentaneamente os outros de persegui-la.
— Ela está louca! — Gritou a rainha, por trás dos homens que a protegiam. — Essa moça enlouqueceu. Detenham-na! Detenham-na!
Ouviu-se um estrondo metálico Quando o os soldados desembainharam as espadas, para persegui-la. Katherine correu frenética pelo corredor. Ouviu passos pesados, se voltou e notou que dois soldados estavam ganhando terreno. Notou também que um dos soldados que quase lhe pisava nos calcanhares, não era outro que seu marido, John Hawke.
Passou-lhe pela mente que estava derrotada. Rapidamente Hawke ou o outro soldado a alcançariam e embora se defendesse com a adaga, facilmente a derrotariam e a venceriam. Logo a enviariam a Bridewell, junto às rameiras, e nunca mais seria deixada livre. Nunca mais veria seu filho.
Katherine esperou sentir uma mão em seu ombro. Mas não aconteceu nada. Novamente olhou para trás e viu John Hawke, a poucos centímetros dela. Seus olhos se encontraram. E nos olhos dele leu uma mensagem silenciosa, impossível. Logo ele murmurou em voz baixa:
— Corra!
Nesse momento, John Hawke tocou Katherine, mas tropeçou e caiu. Caiu de modo a arrastar com ele também o outro soldado. Caiu rolando, enredando-se com o outro homem e os dois conseguiram bloquear todo o corredor. Os três soldados que os seguiam se chocaram com eles e também terminaram caindo.
Katherine correu.
Katherine se escondeu atrás de um monte de lixo fora da adega de madeira do outro lado da rua em frente a St.Leger House. Estava ajoelhada porque não tinha a força de permanecer em pé. Estava encolhida entre os pedaços de madeira descartados e observava o outro lado da rua. Estava exausta. Tão exausta que sua cabeça pulsava dolorosamente e suas vísceras torciam. Tinha se deslocado por Londres toda a tarde, evitando seus perseguidores. Agradecia a Deus por ter anoitecido.
O céu era cinza e rosado e as longas sombras a escondiam bem. Umedeceu os lábios secos, gretados e inchados. Observou os soldados da rainha guiados por John Hawke, no pátio da casa e falavam com seu pai. Não podia ouvir as palavras exatas, mas sabia o que estavam dizendo. Hawke queria saber se ela estava ali e seu pai estava dizendo que não a tinha visto, o que era verdade.
Alguns soldados desmontaram e entraram na casa. Katherine acreditou que a procurariam na casa inteira e no terreno circundante com muito cuidado, para ver se ela estava lá. Sentiu-se sufocar pelo desespero. Estava muito cansada. Não acreditava de poder resistir um pouco mais. Se um soldado a visse, não conseguiria Rogou a Deus pedindo ajuda.
Os soldados voltaram e se afastaram de St.Leger House. O coração de Katherine começou a pulsar forte. Observou-os cavalgar para Tower Bridge.
Hawke de repente se voltou e olhou para trás. Não para a casa, mas para a adega, para ela. Katherine se enrolou. Seu coração lhe pulsava loucamente. Mas ele não devia tê-la visto, porque não tinha dado ordem aos seus homens para voltar e capturá-la.
Ofegando, Katherine se levantou lentamente. Bamboleava um pouco. Os soldados já não estavam à vista. Atravessou a rua lentamente, cobrindo-se com o capuz da capa. Notou seu pai em pé no pátio, que a observava. Logo Gerald se dirigiu aos dois guardas instalados na grade e começou a conversar. Os guardas o ouviam e observavam em seguida para o outro lado, oposto ao dela. Gerald indicou a eles, em um gesto e logo a Katherine. Era uma ordem. A jovem recolheu todas suas forças e coragem, atravessou correndo a grade no momento que Gerald e os dois guardas passavam por trás da casa. Ninguém estava à vista. Ela entrou na casa e caiu na entrada.
Não sabia quanto tempo havia passado deitada no piso, muito fraca até para mover um só músculo, mas a primeira coisa que viu foi seu pai ajoelhado perto dela.
— Katie? Bom Deus, Katie! O que te aconteceu? — Ele lhe tocou a face suja e arranhada.
Katherine começou a chorar, se deixando cair em seus braços abertos.
Ele a estreitou, lhe acariciando os cabelos.
Com voz histérica, quase incoerente, lhe contou todo o acontecido.
— O que devo fazer, pai? Perdi meu filho! Liam logo será enforcado! Agora também meu destino será a forca, porque tentei assassinar à rainha!
Gerald a ajudou a ficar em pé e a sustentou.
— Logo saberemos, querida. Mas nem tudo é trágico como parece. Não acredito que nossa causa esteja perdida.
E uma faísca de esperança se acendeu no peito de Katherine. Devia ter vindo primeiro até seu pai. Ele sempre havia sido um herói, um homem capaz de mover montanhas e também seu exílio não podia ser de outra maneira.
Segurou a lapela do colete desgastado e muito remendado.
— O que diz, meu pai? O que quer dizer?
Gerald sorriu.
— Claramente não soube das últimas notícias.
— Que notícias? — Ela sussurrou.
— Seu amante já não está na Torre, Katie. Há dois dias, Liam O’Neill fugiu. E o Sea Dagger foi avistado nas costas de Essex, em direção ao norte. Para a Irlanda.
Gerald sorriu.
— O Senhor dos Mares está livre, Katie. Liam O’Neill está livre.
E Katherine desmaiou.
Whitehall
Havia passado muitas horas desde Quando o a jovem FitzGerald tinha tentado assassiná-la, mas Elizabeth ainda estava tremendamente trêmula e terrivelmente zangada. Houvera muitos complôs contra ela desde que assumiu ao trono em 1558. Mas nunca se encontrou frente a frente à adaga de um assassino. E nunca teria ousado imaginar que o assassino fosse uma mulher que conhecia. Uma mulher da qual tinha sido amiga.
— Por favor, Bess. Deixe de caminhar como um tigre enjaulado.
Elizabeth se sobressaltou Quando o Leicester entrou na ante sala como se a compartilhasse com ela. Ela correu ao seu encontro, esquecida das damas que agora estavam ao lado do leito, já havendo renunciado acalmá-la depois dela ter dado uma bofetada em Anne Hastings, que havia tentado. Elizabeth correu para os braços de Leicester, aferrando-se a ele.
— Apanharam-na? Pegaram essa rameira traidora?
— Shhh, querida. Penso que um pouco de brandy lhe faria bem. — Leicester lhe sorriu acariciando suas costas Seu olhar se tornou sério e imperioso Quando o observou por sobre os ombros da rainha e notou as damas de companhia. Compreendendo sua ordem silenciosa, elas correram para fora do aposento. E com a ponta de um dedo do pé calçado de veludo, Leicester fechou a porta.
— Apanharam-na? — Gritou Elizabeth. — Capturaram Katherine FitzGerald?
— Não.
Elizabeth gemeu.
— Como é possível que sejam todos tão estúpidos? Deixar fugir uma mulherzinha, também enlouquecida depois de uma similar tentativa de homicídio.
Leicester se tinha deslocado até uma mesa, para servir a rainha o brandy que ela perecisave. Estendeu a ela.
— Beba. — Ele ordenou.
Elizabeth o observou e obedeceu
Leicester esperou que ela bebesse uma boa dose do licor.
— Como você mesma disse, ela enlouqueceu. Quem sabe onde possa estar?
— Certamente foi onde o desgraçado de seu pai está.
— Hawke foi a St.Leger House. A jovem não está lá.
A rainha estremeceu contra ele.
— E, você, Robin? Observou-a bem? Suja de barro e terra e os cabelos emaranhados como um ninho de pássaro? Notou seus olhos? A luz da loucura que ardia neles?
— Elizabeth... — Leicester começou falar calmamente.
— Me responda! — Ela gritou.
— Sim.
— E ainda deseja levá-la a sua cama?
O olhar dele era imperturbável.
— Você espera que eu seja um monge quando você me nega o que quero verdadeiramente?
Elizabeth jogou o copo no chão, indiferente aos cacos que se espalharam ao seu redor.
— Provavelmente ela correu para ele! Para O’Neill! Agora não a capturarei mais! Estarão um nos braços do outro! Quando eu disse a esse bastardo que não a teria nunca mais!
Leicester interveio brusco:
— A quem ama seriamente, Bess? A ele ou a mim?
Elizabeth apertou os l´[abios e não disse uma palavra.
Ele suspirou.
— O’Neill foi visto no mar. Katherine, certamente ainda está nos arredores de Londres. Não é possível que estejam juntos.
— Quero que seja detida e enforcada. — Gritou Elizabeth
— Minha querida, você não raciocina com claridade. A moça estava muito estressada. Estava louca de dor, não sabia o que fazia. Ela…
— Basta! Não se atreva a tomar sua defesa, Robin. Advirto-lhe…
Leicester fez silêncio.
Elizabeth se postou diante da janela, observou o Rio Tamisa cinza e triste, pontilhado por navios e barcos a remo.
— Será acusada de traição, Robin. Eu quero vê-la enforcada e assim será.
— Ela tentou matar à rainha. Não pode ficar aqui!
— É minha filha, seu marido não está e não acredito que Hawke voltará muito em breve. Ela permanecerá aqui Eleanor, pelo menos até que não encontre um lugar seguro aonde enviá-la.
Katherine ouviu com escasso interesse, seu pai e Eleanor discutir. Não podia se mover porque estava mais exausta do que já ficara na vida. Tanto de não poder sequer levantar a cabeça dos braços que estavam sobre a mesa do jantar.
Liam havia fugido. Estava muito feliz. Liam sobreviveria. Riu mansamente, mas as lágrimas novamente lhe encheram os olhos. Agora deveria manter a promessa feita a Leicester.
— Ela está louca. Observe-a! — Explodiu Eleanor
Gerald olhou sua filha que estava estranhamente rindo enquanto chorava.
— Há pouco ela deu a luz um menino e sabe que é uma prova difícil. Deixe-a tranqüila.
Katherine se segurou à mesa de madeira. Estava louca? Não conseguia entender porque tinha tentado matar à rainha. Sua raiva era cega e incontrolável. Logo se recordou que tivera um filho. Um bebê minúsculo em indefeso que haviam levado para longe dela. Deixou-se vencer. Grandes soluços lhe sacudiam o corpo.
Na realidade, estava em falta com seu filho, quanto agora temia que ele pagasse pelos crimes cometidos por seus pais. Liam havia fugido, mas era um traidor. E ela quase tinha matado à rainha. O que faria Elizabeth com seu filho? Talvez Leicester a ajudasse novamente.
— Katie. — Gerald a chamou devagar, inclinando-se sobre ela. — Deve se deitar. Antes que adoeça de verdade.
Katherine sorriu ao pai através das lágrimas.
— Será que algum dia verei meu filho, pai? Será alimentado, cuidado e amado? Oh, Bom Deus. Como poderei viver?
Gerald lhe acariciou o cabelo sujo e desgrenhado.
— Conversaremos amanhã, minha querida. Quando o estará mais descansada.
Katherine lhe permitiu que a levantasse.
— E Liam? Voltarei a vê-lo? — Soluçou.
Gerald sorriu. Como se o pirata não o tivesse traído.
— Não tenho a menor duvida.
— Sei que ela está aqui.
Gerald enfrentava Leicester na escura sala de janta, com uma só vela acesa e sem pestanejar. — As tropas da rainha vieram atrás dela várias vezes. Procuraram em cada canto desta casa e os terrenos que a rodeiam e não encontraram nada. Katherine não está aqui senhor.
Leicester sorriu. A luz da vela iluminava seus traços escuros e fascinantes.
— Não esqueça que sou seu amigo, Gerald. — Ele disse sem pressa. — E também sou amigo de Katherine. Seus olhos escuros ardiam. — Tento protegê-la. Não quero vê-la enforcada.
Gerald hesitou. Compreendia qual o interesse evidente de Leicester por sua filha. Mas Katherine havia se confessado com ele antes de cair em um sono profundo, completamente exausta, e agora ele sabia que ela havia se casado com Liam O’Neill no mês de outubro anterior, na ilha do pirata. Considerou as alternativas.
Era melhor para Katherine partir com o Conde e ser sua amante? Sem dúvida, Dudley era o homem mais poderoso da Inglaterra. Ou deveria voltar com O’Neill e continuar a ser sua esposa, e O’Neill aliado de Desmond?
Um instante depois havia decidido. Por mais poderoso que fosse, Leicester não pode contrariar a rainha, Quando o quatro anos atrás ela havia decidido processá-lo e aprisioná-lo por traição, e agora ele estava despojado de seus bens e em exilo em St, Leger House.
Não, Liam O’Neill podia fazer por sua causa muito mais que o Conde de Leicester. Gerald estava seguro.
— Sei que ela está aqui. — Repetiu Leicester com crescente impaciência.
— Ela está exausta e doente. Agora está dormindo.
Os olhos de Leicester brilharam de satisfação Quando o assentiu.
— Voltarei em algumas semanas Quando o todo se acalmar. Tenho uma pequena propriedade muito isolada em Northumberland, o lugar perfeito para ela se retirar. Enquanto isso mantenha-a bem escondida. Avisarei-lhe se a rainha enviar suas tropas novamente.
Gerald assentiu, sorriu e apertou a mão do Conde.
Leicester se voltou e atravessou à sala, e sua grande capa ondeava sobre seus ombros largos. Logo desapareceu na noite escura.
Katherine estava totalmente exausta, que no instante que seu corpo dolorido tocou o colchão, dormiu. Dormiu profundamente, sem sonhar e sem mover uma vez, por um dia inteiro. Finalmente começou a despertar. Mas tinha uma dor forte no peito, uma angústia inexprimível. Tentou desesperadamente dormir novamente. Sabia que uma vez acordada um horror terrível a esperaria.
— Katherine? — Ele sussurrou.
Katherine sorriu. Estava sonhando com Liam e era muito melhor que a ameaça da dor ardente que tinha no peito. Como a dor logo se transformava em alegria!
— Katherine. — Sua voz era baixa e rouca. Tocou-lhe o rosto com a mão suave como a asa de uma mariposa.
Era tão real. Katherine suspirou.
— Acorde, Katie.
Katherine não queria despertar. Não agora, Quando o sonhava estar novamente com Liam. Mas seus olhos se abriram e escrutinaram a escuridão encontrando-o imediatamente. Ele estava sentado ali, ao seu lado. Não sorria. Sua fisionomia estava cheia de tensão.
Por um momento Katherine permaneceu confusa, porque estava sonhando. Entretanto era tão real.
— Katherine! — Ele chamou se inclinando sobre ela e pegando seu rosto com suas mãos grandes e fortes, agora tremulas.
—Eu ouvi as notícias em Bristol, que você atacou a rainha.. Está tudo bem?
Ela o fitou. Estava cansada. Muito cansada. Mas pensou que pelo menos não estava sonhando, que não tinha alucinações. Liam estava ali em seu quarto, sentado a seu lado, em sua cama.
— Liam?
Um instante depois estava nos braços um do outro. Ele a estreitou em seu peito e Katherine se grudou a ele. Ele era seu porto, seu refúgio. Liam era sua rocha, contra todas as loucuras, as injustiças e os males. Agora estava segura e amada.
As mãos trêmulas de Liam lhe acariciavam as costas.
— Eu não estava lá para você. — Ele soluçou e segurou seu rosto levantando-o. — Amor, me perdoe.
— Liam. — Katherine sussurrou ainda confusa.
Ele apertou os lábios e seus olhos se encontraram. Os olhos dele surpreendentemente úmidos. De repente ele a beijou. Seu beijo era contido, ainda que fome fosse inconfundível. Katherine lhe ofereceu a língua. Liam a tomou. E imediatamente ele afastou os lábios, gemendo.
— Liam. — Ela protestou lhe beijando o rosto.
Mas ele afastou as mãos.
— Katie. — Ele tinha a voz rouca. — Faz pouco que deu a luz. — Ele conseguiu lhe sorrir, mas estava entristecido.
Ela pestanejou. Havia recém dado a luz? Logo começou a compreender, mas não queria se recordar, portanto o rosto no peito dele. Encheu de beijos seus músculos e seus mamilos que se endureciam. Sua respiração era rouca.
— Não o faça. — Ele murmurou deslizando para o lado. Apoiou-lhe a cabeça sob seu queixo e começou a acariciá-la lentamente.
— Katherine. — Ele reclamou. — Quanta falta você me tem feito.
Katherine pouco a pouco relaxou, tranqüilizada pelas carícias gentis e delicadas. Suas pálpebras lhe pesavam e quase não podia abri-las. Mas abriu os olhos e fitou o belo rosto.
— Eu amo você, Liam. — Deslizou-lhe a unhas em suas costelas sobre a camisa. As pálpebras se fechavam sozinhas.
— Katherine, não durma. Preciso falar com você.
Parecia que não conseguia abrir os olhos
— Depois. — Ela murmurou, suspirando.
— Katherine. — Liam elevou seu queixo
Ela abriu os olhos, que imediatamente se fecharam.
— Queria te levar comigo, mas não posso. — Ele se apressou a explicar. — Tenho muitas coisas a fazer. Devo apanhar FitzMaurice. Entende-me?
FitzMaurice. Katherine não queria falar de política nesse momento.
— Quando o capturar, Quando o seu pai for devolvido a Desmond virei te buscar. E depois ficaremos juntos para sempre. Entende-me?
Ela sorriu. Era difícil se concentrar. O que ele estava dizendo exatamente. Sua voz parecia tão distante.
— E quando vier te buscar trarei nosso filho. — Ele disse em voz alta incomodando seu sonho.
— Katherine?
Suspirando, e no limiar de um vazio negro, ela respondeu: — Confio em ti, Liam.
— Katherine, você deve me ouvir. Não está segura aqui. Vou enviá-la a Stanley House, em Essex.
Katherine tentou assentir.
Liam lhe acariciou meigamente, a testa e os cabelos.
— Ouviu o que eu disse? — Sussurrou
Ela não podia encontrar força para responder, mas lhe pareceu que ele adicionou antes que o sonho a envolvesse: — Amo você, Katherine.
O sol da manhã clareava o quarto de Katherine, Quando o Eleanor a despertou. Uma parte de Katherine tinha a sensação de poder continuar a dormir para sempre, mas não era uma coisa sábia que fazer. Enquanto obedecia à madrasta, seu corpo protestava vigorosamente. Tinha os músculos rígidos e doloridos, o corpo cansado e inchado. Atrasou-se um pouco em recordar por que se encontrava nessas condições tão miseráveis. Oh Deus. Havia dado a luz a um menino, mas a rainha havia roubado-o. Depois tinha investido sobre a rainha, em um ataque de raiva furiosa.
Tocou seus músculos. Ainda se sentia esgotada, mas agora parecia ter um pouco de força. Força da qual necessitava para poder sobreviver. Tinha que sobreviver. De qualquer maneira devia voltar a ter seu filho e também devia se esconder dos soldados da rainha.
Pareceu-lhe uma tarefa descomunal.
Eleanor a ajudou a se banhar e a se vestir. Finalmente pronta Katherine se olhou no único espelho do aposento. Estava muito pálida e muito magra e já não tinha o aspecto sadio, forte e robusto.
Provavelmente, finalmente então, os homens deixariam de fitá-la como um jogo. E se perguntou se Liam pensava nela. Indubitavelmente se a visse agora, sequer a notaria. A idéia era dura de suportar. Seus olhos se voltaram para a cama.
Não tinha sonhado com Liam essa noite?
— Está bem. Já não é um trapo. — Comentou Eleanor interrompendo seus pensamentos.
Katherine a fitou e não viu nenhuma maldade nos olhos da madrasta.
— É melhor que deixe de chorar. — Declarou Eleanor com firmeza. — E que pense em viver. Sim. Há mulheres que sofreram muito mais que você. Agora pode escolher envelhecer ou viver. — Eleanor a fitou. — Sua mãe era uma lutadora.
— Devo ser forte como ela. — Katherine murmurou.
— Sim. Pensa no que quer, no que necessita. Jogue passado para trás e olhe para frente, para seus objetivos. — Eleanor apertou os lábios. — A rainha quer te enforcar, Katherine. Não pode permanecer com seu pai e comigo em St.Leger House.
Katherine se deu conta que Eleanor tinha razão em tudo. Não só devia se concentrar em si mesma e continuar a lutar para ter seu filho, mas também devia sair de Londres. Mas aonde ela iria?
A resposta era simples. Para Liam.
Ele agora estava livre, pois escapado da Torre. Não queria viver sem ele e tinha chegado o momento de enfrentar o assunto. Não podia viver sem ele. Deu-se conta que devia estar com ele, lhe dizer o quanto o amava e pedir que a levasse com ele onde quer que fosse. Ele não podia ajudá-la a resgatar seu filho? Que ironia, pensou de repente. Eles eram dois perseguidos pela lei agora e procurados pela Coroa.
Katherine se voltou novamente para o leito. Novamente lhe vinha à mente. Essa noite havia sonhado com Liam. Um sonho maravilhoso no qual ele a estreitava, a beijava e a reconfortava. Tinha parecido tão real. Mas não era assim.
— Recolhi algumas coisas que você pode precisar. — Disse Eleanor à imagem de Katherine refletida no espelho.
Katherine se voltou confusa.
— Ah, eu não te disse por que te despertei tão cedo, Quando o tem necessidade de se repor da fadiga do parto, e de tudo o que aconteceu? — Perguntou Eleanor de boas maneiras. — Seu pai te envia para Mary Stanley, em Essex.
Katherine ficou imóvel.
— O’Neill esteve aqui esta noite. Ele decidiu. Quer que você abandone Londres e nós todos estamos de acordo. Não é seguro aqui para você, Katherine. — Explicou-lhe gentilmente Eleanor.
Katherine não podia se mover. Estava tentando desenredar seus pensamentos confusos e embaraçados. Liam lhe enviava a Stanley House. Oh Deus. Liam tinha vindo a visitá-la essa noite. Mas ela estava meio adormecida e havia confundido sua visita com um sonho.
Por que não a tinha levado com ele?
Katherine se esforçou em recordar suas palavras, porque nada do que ele lhe havia dito no passado era tão importante como o que havia dito essa noite.
Não havia dito que viria procurá-la? Ela passou as mãos frias no rosto. Sim. Ele havia prometido que voltaria. Com seu filho. Depois de ter capturado FitzMaurice e reabilitado seu pai!
Oh, Deus
Katherine fechou os olhos e pediu a Deus que o ajudasse. E com toda a força e todo seu coração rezou que seus sonhos se tornassem realidade. Que Liam tivesse êxito em seu empreendimento. Que devolvesse seu filho e voltasse com ela.
E se havia um homem que podia ser dono de seu destino, esse homem era Liam O’Neill, o Senhor dos Mares.
Juliet tinha insistido em acompanhar o tio Quando o este tinha anunciado que iria a Londres a negócios. Ele sabia que ela estava muito ansiosa por causa do casamento já próximo e esperava que seu humor melhorasse, consentiu que o acompanhasse. Juliet não lhe explicou a verdadeira razão pela qual desejava ir a Londres. A razão era Katherine.
Os boatos sobre sua tentativa de assassinar à rainha se propagara como um incêndio não dominado, alcançando a Cornualha poucos dias depois do acontecido. Juliet temia que sua amiga tivesse enlouquecido e que necessitava de uma desesperada ajuda de sua parte.
Devia ir a Londres para saber o que poderia fazer por sua amiga.
Richard havia reservado quartos para eles em uma estalagem popular e a deixou com um certo número de criados. Ela informou seu desejo de querer fazer compras. Mas o cocheiro não se espantou, Quando o ela lhe ordenou ir a Whitehall em vez do mercado de Cheapside. Confusa, no momento estava em pé na sala dos banquetes, ignorando a decoração observandoo à multidão.
Era hora de almoço. Mas não viu John Hawke. Na realidade, não viu ninguém que conhecesse, em todo caso não conhecia muitos nobres que freqüentavam a corte.
Saudou um soldado que passava e ignorou sua careta Quando o lhe perguntou por Hawke e lhe respondeu que ele se encontrava na Sala dos guardas. Uma vez obtidas às indicações, com o coração que pulsava muito forte, Juliet abandonou a Sala dos banquetes e atravessou Sermon Court.
Era um dia cinza do mês de novembro, úmido e frio e ela se envolveu em sua capa. Quão audaz e descarada havia se tornado!
Enquanto o se aproximava, Hawke estava saindo. Ela estremeceu e se deteve. Ele mostrou sua surpresa ao reconhecê-la imediatamente. Juliet ruborizou. Oh Deus, o que estava fazendo? Aparentemente tinha vindo à corte porque queria sabe se Katherine se encontrava bem e se o bebê estava bem cuidado, mas na verdade tinha vindo para ver John Hawke. Fitaram-se em meio ao longo corredor.
Juliet se lembrou da última vez que o tinha visto, Quando o se comportara como uma lunática gritando com ele, atacando-o porquê ele cumpria seu dever para com a rainha. Envergonhava-se de seu comportamento descortês e não adequado a uma Mademoiselle. Mas não podia remediar.
Hawke avançou, com as esporas ressoando a cada passo, em suas botas brilhantes. Juliet afastou o olhar porque ele era uma visão surpreendente e bela em seu uniforme. Como Katherine pudera preferir o pirata? Não tinha sentido.
— Lady Strathclyde. — Ele disse rígido e se inclinou para pegar sua mão. Mas seus lábios não a roçaram para beijá-la.
Trêmula, Juliet retirou a mão.
— Sir John, eu… Soube que Katherine. — Ela disse gaguejando. — Por favor, me diga que não é verdade.
Ele a pegou pelo cotovelo.
— Vamos ao jardim.
Juliet era terrivelmente consciente de sua presença. Não queria sentir-se tão afetada por ele. Fora fazia frio e eles estavam sozinhos.
Ela levantou o olhar para ele Quando o finalmente se deteve em um banco a um canto deserto do jardim.
— É verdade que Katherine atacou a rainha?
O olhar do John era penetrante.
— Sim.
— Oh Deus! — Gritou Juliet
A expressão de John estava carregada de angústia. — Não foi sua culpa. Ela tinha enlouquecido de dor. Graças a Deus, Sua Majestade não saiu ferida e Katherine conseguiu fugir.
— Graças a Deus. — Concordou, Juliet. — Katherine agora está bem Sir John?
Ele apertou os lábios antes de responder.
— Não sei, Juliet. Não sei onde ela está.
Juliet reprimiu um gemido desesperado.
— Me se fosse você, não me preocuparia muito. — Hawke disse, tomando a mão entre as suas. Juliet sabia que ele pretendia confortá-la, mas ficou rígida de maneira perceptível, e ele enrubesceu, soltando sua mão.
— Peço-lhe perdão.
Juliet desejou de ter só uma parte da experiência de Katherine com os homens, de maneira a poder reagir melhor. Logo se recordou que Hawke era o marido de Katherine e que ela mesma teria que se casar com Simon Hunt em um mês, mais seu desespero cresceu.
— Como posso não me preocupar com ela? Está sozinha em alguma parte. Sozinha e talvez enlouquecida.
— Não acredito que esteja sozinha.
Juliet levantou o olhar. Hawke sabia algo que não queria dizer. O alívio a tomou.
Ele afastou o olhar para a lacuna verde que vislumbrava do outro lado do jardim. — O’Neill fugiu pouco antes que Katherine chegasse a Londres.
Juliet se perguntou se estavam juntos. De repente se deu conta que eles pertenciam um ao outro, e que se ainda não estivessem juntos, conhecendo pirata, logo estariam. De repente se sentiu muito feliz que Katherine não estivesse sozinha nesse terrível momento. Que tivesse alguém que a cuidasse, que a amasse.
Em seguida, tardiamente se lembrou do homem que estava ao seu lado. Oh, Deus! Fitou Hawke, mas não notou nenhuma terrível reação nele, frente à possibilidade que Katherine, sua esposa, estar com outro homem.
— Sinto muito, John.
Ele voltou os olhos para o rosto dela.
— Seriamente? Não acredito. Katherine o ama. Eu acredito que ele também a ama. Foi um engano de minha parte tentar retê-la como esposa.
Juliet se sentiu sufocar. — A última vez que nos vimos, — sussurrou com o rosto em chamas, — acusei-lhe de ser egoísta e sem honra. Peço-lhe perdão. Estava equivocada. Você não é egoísta e é verdadeiramente muito nobre. Perdoe-me, Sir John.
Ele sustentou seu olhar. — Fiz uma coisa terrível. — Ele admitiu e sua angustia era muito forte e visível em seus traços, em seus olhos. — Arranquei-lhe dos braços o filho recém-nascido. Não esqueço. Nunca poderei esquecer. Nunca poderei esquecer seus gritos e seus soluços. — Sua voz era grave. — Sonho toda noite com isso. Todas as noites.
Juliet gritou.
— Você obedeceu a sua rainha!
John a fitou e ela notou lágrimas brilhar em seus olhos.
— Mas estava errado. E eu sabia que estava errado. E agora Katherine é procurada por traição e seu filho está nas mãos de outras pessoas. — Ele mostrava voz quebrada. — Se Katherine atacou a rainha não é culpa dela.
— Foi culpa da rainha. — Gritou Juliet, furiosa. — Por ter sido tão cruel!
— E também minha culpa. — Disse John respirando fundo, com a expressão aturdida. Ele afastou o olhar dela.
Juliet sentiu sua angústia como se fosse dela.
— John... — Sussurrou se aproximando e lhe tocando o braço.
Ele se voltou, surpreso.
Juliet então se deu conta que estava abraçando-o, mas não se importava. Ele estava sofrendo muito. Amava-o e não tinha outra opção que confortá-lo. Sorriu-lhe através das lágrimas. Em seguida, lentamente apoiou a cabeça sobre seu peito e finalmente deslizou as mãos por suas costas estreitando-o docemente. Não como se ele não fosse um adulto grande, mas algo muito frágil.
John Hawke não se moveu. Não imediatamente.
E Juliet pensou que estava no paraíso. Ter nos braços um homem assim. E não sentiu menos que um desejo egoísta. Se ele a amasse como o amava!
Hawke de repente gemeu e seus braços poderosos a estreitaram.
Juliet gemeu tomada pela surpresa. Gemeu novamente ao erguer o rosto para ele e notar que os olhos azuis ardiam e a angústia havia desaparecido. E pela primeira vez em sua vida, Juliet notou e compreendeu o desejo masculino. Ficou petrificada.
— Juliet. — Hawke murmurou com voz rouca. Uma de suas mãos trêmulas deslizou sob as tranças recolhidas. Os broches com pontas de pérola se soltaram e a cascata de cabelos negros lhe encheu as mãos.
Juliet não conseguia se mover. Somente respirar. Só podia fitá-lo hipnotizada… E, esperançada.
Ele gemeu e tomou seu rosto entre as mãos grandes e macias e seus lábios cobriram os dela.
Em seus sonhos os beijos dele eram sempre ternos, doces e delicados. O que estava acontecendo não era nada em relação aos sonhos. Era muito mais. A boca dele se movia apaixonada sobre a dela. Instintivamente, entreabriu os lábios e a língua buscou a sua, dançando com ela. Seu corpo despertou de tal modo que ela nunca tinha acreditado possível. Firmou-se nos ombros largos e estremeceu. Estava em chamas. Recostava-se nele, nas pontas dos pés enquanto suas bocas se acoplavam. Fundiam-se.
Hawke finalmente levantou a cabeça, afastando os lábios. Ele ofegava e Juliet emitiu um débil gemido de protesto.
— Oh, Deus! — Exclamou Hawke Quando o conseguiu condições de falar. Tocou o rosto de Juliet com reverência lhe afastando os cabelos, que agora estavam despenteados, a lhe caíam até a cintura. Começou a lhe acariciar o rosto com os dedos, que tremiam.
— Juliet.
Juliet ainda estava apoiada sobre o magnífico corpo, e se segurava em seu uniforme vermelho. Sem fôlego e confusa, conseguiu sorrir.
— Amo você. — Disse a ele com todo seu coração, com todo seu ser.
Hawke ficou petrificado.
Juliet então se deu conta do que havia dito, do que tinha feito. A realidade abriu caminho. John Hawke não era um homem livre. Ela não era uma mulher livre. Destruída, deixou cair às mãos de seu peito, como se queimassem. Tremula, retrocedeu. Oh, Deus, o que tenho feito!
— Calma! — Ele a impediu segurando seus ombros, aproximando-a. — Não vá agora. — ordenou.
Juliet não conseguia falar enquanto ele a retinha. E não poderia se afastar, embora quisesse.
— Katherine pertence a O’Neill. — John disse. — Tenho intenção de apresentar uma instância de divórcio em Canterbury.
Juliet gemeu. Sua mente ainda estava aturdida. Não, não era possível que seus sonhos se cumprissem. Mas as palavras que se seguiram lhe demonstraram que era possível.
— Juliet, — ele lhe disse com voz rouca e hesitante. — quero casar contigo, se você quiser.
Juliet gritou.
— Sim, John. Sim.
Hawke sorriu. — Acredito que te amo há muito tempo. — Admitiu.
— E eu te amo desde a primeira vez que o vi. — Ela disse, audaz.
Ele pegou uma de suas mãos.
— Falarei com seu tio hoje mesmo. Acredito conseguir convencê-lo dos benefícios deste casamento, da unificação de duas propriedades vizinhas.
— E se ele o rechaçar? — Juliet perguntou um pouco temerosa.
Hawke lhe sorriu meigamente.
— Então fugiremos. —
Era uma audaciosa. Era romântico. E Hawke era tão forte que ela não tinha medo. Juliet começou a rir. Logo notou seu olhar e ficou completamente imóvel. Ele havia baixado a cabeça e ela elevado. E se moveram em uma dança antiga como o tempo, no refúgio dos carvalhos e os antigos olmos. Uma dança que duraria toda uma vida.
Katherine estava ansiosa para abandonar Londres. Nunca ninguém pensaria em procurá-la em Stanley House. Mas, havia uma coisa mais importante. Gerald lhe tinha informado que Leicester conhecia seu esconderijo em St.Leger House e que pretendia enviá-la para uma de suas propriedades ao norte na Inglaterra dali a poucos dias. Ela não partiria de Londres, cedo o bastante.
Sabia muito bem em ter que respeitar o acordo com Leicester. Entretanto, tentava evitar ou adiar o que afinal teria que fazer. Pensava que seria melhor pagar Leicester logo, antes que voltasse para Liam. Mas não podia agora. O pânico a dominava e ela estava fugindo não só dos homens da rainha, mas também do poderoso amante de Sua Majestade.
Mary Stanley estava lhe esperando. Mal Katherine entrou no pequeno pátio da casa, a porta abriu e apareceu a figura de uma mulher loira, magra e elegantemente vestida. Katherine notou que Liam se assemelhava a mãe. A mulher era loira de olhos acinzentados, e muito bela. Seu rosto era uma versão feminina e mais delicada que a de seu filho. O que todos sabiam era Mary Stanley tinha sofrido muito em sua vida, entretanto, essa mulher aparecia elegante e dona de si mesma, como uma verdadeira nobre.
Katherine desmontou do cavalo, ajudada por um dos homens enviados a escoltá-la. Não estava segura de qual seria a acolhida de Mary Stanley, mas Quando o notou que a mulher lhe sorria amorosamente se sentiu aliviada. Mary a abraçou e a conduziu ao interior da casa, ao piso superior, até um pequeno aposento onde ficaria instalada.
— Meu filho me falou muito de você e tenho a sensação que somos velhas amigas. — Mary lhe disse abrindo a porta.
Katherine estava surpresa. O que Liam havia dito dela? Seriamente havia falado extensivamente dela? — Eu gostaria muito de ser sua amiga, Lady Stanley.
Mary lhe sorriu.
— Chame-me de Mary, por favor. — ela entrou no aposento, abrindo o armário e já pendurando a capa de Katherine em um gancho e puxou a grossa colcha do leito com dossel. Katherine olhou para fora da janela que mostrava a ondulante paisagem de Essex e um gracioso córrego murmurante. Ovelhas pastavam e os cordeirinhos brincavam. Seu olhar voltou para a mãe de Liam, que agora a observava.
— Liam me disse para cuidá-la, como se fosse ele. — Anunciou Mary.
Era tão bom ser aceita por essa mulher.
— É muito mais que generosa. Obrigado. — Katherine respondeu comovida. Seus pensamentos voltaram para Liam. — Vê Liam freqüentemente?
— Não, não freqüentemente. — O sorriso da Mary desapareceu. — Ele tem uma vida difícil. Nem sempre está seguro aqui na Inglaterra. E agora menos que nunca. Mas, trocamos muitas cartas e ele é um bom filho. Aparece aqui a cada vez que pode.
Katherine observou Mary, cuja voz estava cheia de amor Quando o falava de Liam. Era feliz e orgulhosa. Perguntou-se se sua mãe se preocuparia com ele. Certas mulheres odiariam o filho que foram obrigadas a gerar depois de um estupro. Mas não essa mulher.
— Não lhe desgosta que eu esteja aqui? — Perguntou-lhe.
— Você é a esposa de Liam. A mãe de seu filho. A mulher que ele ama. Não, não me desgosta.
Katherine fitou Mary, atônita. Liam nunca havia lhe dito que a amava, apesar que agora ela acreditava que a amasse. Mas acreditar não bastava.
— Ele... Disse?
Mary parecia divertida.
— Tudo o que Liam me disse nestes anos poderia encher um livro, Katherine. Meu filho se apaixonou por você desde a primeira vez que a viu.
Katherine ficou paralisada.
— Talvez, agora ele me ame. Espero que sim, mas antes não me amava. Quando o vivemos juntos na ilha. Ele me traiu. Comportou-se como se me amasse, mas estava ajudando o inimigo de meu pai, FitzMaurice. — Embora tivesse perdoado Liam, restava ainda uma pontada de tristeza à lembrança da passada traição.
Mary já não sorria.
— Houve muitas fogueiras aqui em Essex, Katherine. Durante o reinado de Maria, a Sanguinária, nós também vivíamos com medo de sermos detidos e enviados a prisão ou queimados. Vimos às fogueiras. Eu não queria que Liam assistisse as torturas, as brutalidades, porque era muito jovem, mas os sacerdotes insistiam que ele também visse.
Katherine sentia náuseas só em pensar no fato de uma criança ver pessoas serem queimadas vivas, Liam em especial.
— O que quer me dizer com isto?
— FitzMaurice, não só é um católico, como você. Ele é um louco. Ele queima a quem discute sua fé, precisamente como os seguidores de Maria, a Sanguinária. Liam não poderia nunca apoiá-lo. Ele fez promessas de se casar contigo, mas nunca apoiaria FitzMaurice.
Katherine sussurrou: — Mas apoiou.
Mary suspirou. — Meu filho é tremendamente ardiloso. Seu plano de antes é igual ao de agora. Apoiar FitzMaurice somente para derrotá-lo. Também me disse que neste momento há grupos na corte, ansiosos em restituir seu pai Desmond, Quando o for o momento de destronar FitzMaurice.
Aturdida, Katherine se apoiou na ponta da mesa, tentando entender a revelação.
— A vida é só política, minha querida. — Mary declarou firmemente. — Vivi na corte muitos anos. Conheço-a pessoalmente. Os homens vão e vêm. As posições de poder que são ocupadas, logo ficam vazias e voltam a ser ocupadas novamente. Liam jurou capturar FitzMaurice. Alguém deverá ocupar o lugar desse homem.
Katherine a fitou, sem palavras.
— FitzMaurice chegou a ser muito poderoso e sua rebelião teve muito êxito, Katherine. Todos agora se dão conta que seria bem melhor que seu pai voltasse para o poder e a Desmond.
Katherine gritou. Como lhe eram claros agora os atos de Liam. Devia ter acreditado nele. Oh Deus. Não acreditara. Quão inteligente e audaz era Liam! Incrível.
Katherine se afirmou na mesa. — Liam é audaz e temerário, além de acreditável. — Sussurrou devagar. — Mas por quê? Por que quer fazer algo assim? Por que deveria trair para reintegrar meu pai a Desmond? Eu o entenderia se o jogo tivesse começado recentemente, só depois de nosso casamento. Mas ele, em Earic Island admitiu ter iniciado sua aliança com FitzMaurice muito antes, imediatamente após ter me seqüestrado no navio francês. A mim e a Juliet Quando o partimos do convento. Liam já havia me visto Quando o começou sua aliança com FitzMaurice.
A expressão da Mary era severa.
— Diga-me, querida. Por que um homem rico e poderoso assalta um pequeno navio francês, politicamente insignificante e com uma carga aparentemente sem valor?
— Não sei.
Mary sorriu novamente.
— Porque essa carga não tinha nenhum valor para o mundo, Katherine. Mas para ele era muito preciosa.
Katherine continuava a não entender.
— Querida, você estava nesse navio. E meu filho a queria.
Katherine sabia que Mary estava equivocada. Porque então, se Liam sequer sabia de sua existência. Mas de repente, perguntou-se... Será?
Janeiro, 1573
Liam estava em pé no castelo de proa, com o binóculo em um olho, escrutinando o espumoso oceano Atlântico. Sabia que estavam navegando somente antecipando-se de uma terrível tormenta de inverno que desabaria de uma hora ou outra. Mas não voltaria para procurar refúgio em um porto tranqüilo. Não até que não pudesse estabelecer a identidade do navio que seu vigia tinha avistado muitas horas antes. Um navio que claramente navegava em direção a Irlanda do sul.
Liam havia passado os últimos três meses bloqueando a ilha, impedindo FitzMaurice de receber provisões. Duas semanas antes haviam lhe revelado que os rebeldes tinham se reduzido a um grupo de desesperados famintos que se escondiam entre as montanhas desoladas de Kerry. Periodicamente faziam incursões contra os habitantes locais, roubando o pouco alimento que podiam encontrar, indiferente ao fato de que a quem depredavam também estava morrendo de fome. Não se preocupavam em considerar que também eram irlandeses, mulheres e crianças, vítimas inocentes da dilacerante guerra.
Era um assunto terrível. Liam endureceu o coração por não provar nenhuma simpatia por FitzMaurice e seus homens, e não podia certamente impedir a carestia que tinha golpeado toda a Irlanda do Sul como conseqüência das terríveis devastações, fosse dos rebeldes ou do exército inglês.
Não, ele se concentrava somente em uma coisa. Derrotar FitzMaurice. Devia recuperar seu filho e Katherine.
Ele finalmente descobriu a nacionalidade do pequeno navio que navegava adiante dele. Era escocês. Ele sorriu baixando o binóculo e ordenou que o Sea Dagger fosse levado ao porto de Valência Island. Queria que a carga escocesa chegasse a FitzMaurice. Os escoceses não sabiam, mas a carga de pólvora que transportavam estava defeituosa. Não explodiria tornando os mosquetes inúteis. Liam sabia muito bem que FitzMaurice tinha uma necessidade desesperada da pólvora, tanto como tinha necessidade dos mantimentos que ele negava.
O Sea Dagger voltou enfrentando as ondas altas e ameaçadoras, decidido a evitar a tormenta que aumentava.
Richmond. 1 de Março 1573
O mensageiro de Sir John Perrot era um rapazinho exausto de quase dezesseis anos. Seu uniforme vermelho estava sujo de barro, rasgado em numerosos pontos e puído em outras partes. Encontrava-se em frente a rainha, tremendo de cansaço.
— Sua Majestade, o Lorde governador de Munster me ordenou lhe entregar isto. — Ele disse entregando à rainha uma carta selada.
Ela já conhecia o conteúdo. As vozes corriam mais de pressa que qualquer mensageiro ou documento. Abriu a carta rompendo o selo, leu três linhas e levantou o olhar.
— É certo isso? — Ela gritou. — FitzMaurice se rendeu a Sir John, em Kilmallock, no mês passado?
— Sim. — Confirmou o moço. — E estava em um estado lastimoso. Esquelético, pálido, e meio nu.
Elizabeth jogou a cabeça para trás e começou a rir.
Leicester avançou para abraçá-la.
— Que bela notícia! — Exclamou.
Ela o abraçou brevemente, mas com força.
— Oh, sim! Um traidor papista finalmente despachado! — Ela estudou novamente a última linha da carta. Perrot escrevia que O’Neill tinha sido importante e havia tomado parte seriamente em colocar de joelhos o rebelde. Elizabeth sorriu novamente. Desta vez seu pirata de ouro não a tinha traído. Seu coração começou a pulsar forte ante a idéia de vê-lo e recompensá-lo, possivelmente com um longo beijo.
A rainha se despediu do mensageiro e se deu conta imediatamente que Cecil desejava lhe falar. Pela expressão de seus olhos, compreendeu que ele tinha algo importante a lhe dizer e queria lhe falar em particular. Suspirou. Não podia desfrutar da vitória? Tinha necessitado de tanto tempo!
— William?
Cecil murmurou. — Há coisas que devemos discutir.
— Fale. Não quero se despedir de Robin. Ao contrário. — Ela brindou Leicester com um caloroso olhar. — Quero que jante comigo esta noite.
A expressão de Leicester se alegrou, e em tom sedutor, ele murmurou: — Como quero, Bess. Como quero, sempre.
Cecil estava irritado e não fez nada para esconder.
— A Irlanda do Sul está sem líder. Outro papista traidor poderia tomar o lugar deixado por FitzMaurice. Devemos impedir que isso aconteça.
Elizabeth fez uma careta.
— Sei o que dirá agora.
— Seriamente? FitzGerald nunca devia ter sido destituído. Pode ser extravagante, mas é um cavalheiro interessado somente em seu próprio bem-estar. Reenvie-o a Irlanda agora, antes que outro homem mais perigoso que ele se adiante.
Elizabeth começou a caminhar nervosa. Sentia-se furiosa com injustiça da situação. A verdade era que ela não suportava o Lorde irlandês arrogante e desavergonhado. Não, não o suportava e sempre o detestaria. Também Ormond, que nesse momento se encontrava ao Leinster a negócios, ficaria contente que seu antigo rival voltasse para Desmond.
Leicester se aproximou dela.
— Dessa vez estou de acordo com Burghley, Sua Majestade. FitzGerald é essencialmente inócuo, especialmente agora que Desmond está destruído. Envie-o para casa imediatamente, antes que nasça outro FitzMaurice com o apoio da Espanha, contra sua vontade.
Elizabeth suspirou.
— Faremos um acordo no qual ele esteja submetido a você. — Seguiu Cecil. — Ao reintegrá-lo, o converteremos em seu aliado. — Nesse momento, Cecil sorriu. — Deixemos que ele combata qualquer outra guerra na Irlanda do Sul. Vamos nos concentrar em outras coisas, como desejamos fazer a muito tempo.
Cecil tinha razão. A Irlanda era um problema constante, mas insignificante. Elizabeth então assentiu, veemente. — Que seja! Esse pequeno estúpido traidor será perdoado e reintegrado. Por Deus! Quanto me chateia!
Era tarefa de Cecil conhecer os deslocamentos dos personagens importantes no mundo e com maior razão, da corte. Soube o momento em que Liam O’Neill havia chegado a corte. Enquanto Elizabeth havia se deslocado até os aposentos reais para se preparar para recebê-lo dignamente, Cecil se trancou na Câmara particular e ordenou que o pirata entrasse.
A expressão de O’Neill era indecifrável Quando o entrou no aposento. Seu olhar era completamente vazio. Cecil ordenou a seus secretários deixá-los sozinhos. Confrontaram-se. Cecil com um leve sorriso nos lábios.
Finalmente Liam correspondeu apenas ao sorriso.
— Senhor, deseja falar comigo?
— Exato. — Cecil respondeu.
— Quero me congratular com você, pelo um jogo bem executado, O’Neill. — Seu tom de voz traía admiração.
Liam piscou inocentemente.
— E a que jogo se refere?
— Ora. Refiro-me a um jogo político. De política mortalmente perigosa.
Liam abriu muito os olhos e arqueou uma sobrancelha, mas o resto de sua expressão permaneceu igualmente inalterado. — Ah, sim?
— Diga-me somente uma coisa. Para existe uma coisa que eu falho em entender.
Liam esperou.
— Como sabia que Katherine FitzGerald estava no mercante francês quando o o capturou?
Liam arqueou uma sobrancelha castanha.
— O que lhe faz pensar que eu sabia que ela estava a bordo desse navio, senhor?
Cecil riu.
— Ora, vamos. Deixe de fingir. Você, de outro modo, não teria assaltado o navio. Capturou-a sabendo que ela estava a bordo, dando início ao jogo.
Liam reclinou a cabeça, e por um momento não disse nada, logo admitiu vagarosamente: — Sim.
Cecil ficou contente.
— Pensei nisso. Você já tinha se decidido casar com ela e reintegrar FitzGerald.
Liam confrontou o olhar de Cecil. A verdade não o feriria. — Já havia decidido que Katherine seria minha, mas ainda não decidido a casar com ela e nem ajudar seu pai. Mas depois de tê-la capturado.
Cecil arqueou uma sobrancelha.
— Raptou-a para se divertir?
— Alguma vez desejou intensamente uma mulher, senhor?
— Não. — Respondeu Cecil. — Nunca imaginaria. Mas como podia conhecer seus movimentos? Seu pai estava em contato com ela?
— Não. Seu pai não sabia que ela estava para abandonar o convento.
Cecil esperou.
Liam sorriu.
— A abadessa me advertiu da partida de Katherine com Lady Strathclyde. Saiba que há muitos anos, sou o anônimo benfeitor de Katherine.
Liam esperou na sala de espera dos aposentos particulares da rainha, ignorando as damas que revoavam ao seu redor, com seus olhares sedutores.
Finalmente Elizabeth apareceu, depois de tê-lo feito esperar por mais de uma hora inteira. Ele notou que ela se vestira com esmero, toda de branco. Até as jóias que havia escolhido eram virginais. Ela usava somente pérolas.
— Saiam todos. — Ordenou a soberana, antes de voltar o olhar radiante a Liam.
Ele se perguntou o significado da escolha do vestuário. Pensava Elizabeth talvez, lhe recordar que ainda era virgem? Ou desejava parecer como tal? Uma coisa era certa. Estava muito velha para se vestir de branco, e a cor em particular não a favorecia. Liam se aproximou, sorriu e fez uma reverência.
Agora estavam sozinhos e ela disse.
— Por favor, Liam. Em pé.
Ele se endireitou. — Olá, Bess.
Ela fitou seu rosto e rapidamente o corpo antes de voltar para os olhos.
— Como estou? — Liam sorriu-lhe. — Estou aprovado?
— Sim, sim, Liam. Demonstrou sua inocência. Desgraçado, canalha. Deu-me um bom susto! — Ela pegou seu braço e o estreitou.
— Você é sempre meu pirata preferido. — Ela o fitou fixamente.
— Sempre sou seu fiel servidor, Bess. — Ele murmurou. — Sempre.
— Então se importa comigo. — Ela sussurrou, sempre fitando-o e oprimia os pequenos seios contra o braço dele. O convite era explícito.
Liam pensou em Katherine. Devia estar mais que atento a jogar a última cartada. Ele pegou sua mão do braço e logo roçou sua face com três dedos. Sua pele era marcada pelos muitos cosméticos.
— O que está acontecendo, Bess.? — Perguntou-lhe devagar.
Ela estremeceu, e francamente disse: — Você nunca me beijou, Liam.
— É um beijo que quer de mim ou algo mais?
Ela enrubesceu. — O que quer dizer?
Não podia mais evitá-la, e sabia. Esperava que um só beijo satisfizesse seu apetite. Inclinou a cabeça e lhe roçou os lábios cobertos de ruge. Elizabeth amoleceu imediatamente. Ele estreitou-a delicadamente e lhe incitou gentilmente a boca. Ela se segurou nele desesperadamente e abriu a boca. Como ela esperava, Liam aprofundou o beijo. Elizabeth se sobressaltou, com o corpo oprimido contra o dele, e a língua que procurava a sua. Pouco depois ele a soltou.
Ela o fitou com os olhos brilhantes e aturdidos, com uma expressão inocente, como devia ser. Tocou os lábios inchados e seu olhar recaiu no baixo ventre de Liam.
Liam não estava excitado e nunca fingiria estar.
Elizabeth suspirou, e disse:
— Velhaco. Deveria ter me beijado anos atrás.
Seu tom zombeteiro o aliviou. Ela não tinha nenhuma intenção de perder sua virgindade agora.
Ele sorriu.
— Temia arriscar os ossos do pescoço, Sua Majestade.
— Duvido. — Ela disse e o observou. Seu tom de voz já não era seco e seus olhos mostravam algo distinto do desejo, Quando o lhe perguntou: — Como está Katherine?
Ele sobressaltou. Katherine ainda era fugitiva porque havia atacado à rainha. Katherine, sua esposa.
— Não sei.
— Não?
— Não.
— Vamos, velhaco. Certamente está contigo na ilha. Meus soldados não conseguem encontrá-la em parte alguma e não há rastros dela em Londres. Nem no sul da Irlanda.
— Não está na ilha.
Elizabeth o observou, aumentando os olhos.
— E por que não? Não arde mais de paixão por ela?
Liam não respondeu.
O tom de Elizabeth se tornou estridente.
— Vou devolver seu filho, como era o acordo. Não se casou com ela enquanto esperava este acontecimento?
— Ela está casada com John Hawke, lembra-se? — Liam estava desconfiado e não adicionou mais nada. Não tinha intenção de revelar a Elizabeth que já havia se casado com Katherine muito tempo antes. Pelo menos, não revelaria agora.
Mas Elizabeth parecia contente.
— Ela já não é mais esposa de Hawke. John Hawke se divorciou dela meses atrás. Na verdade vai se casar com Lady Juliet Strathclyde.
Liam ficou surpreso, e lhe deu vontade de rir.
Elizabeth lhe perguntou:
— Vai se casar com ela?
— Sim.
Elizabeth respirou com dificuldade.
— Ela tentou me matar. É uma criminosa. Merece ser enforcada. É uma rameira!
Então Liam perguntou em voz baixa.
— Não pode perdoá-la, Bess? Certamente sabe que ela estava louca de dor pela perda de seu filho! Não pode lhe conceder seu perdão?
— Que eu a perdoe ou não você se casará com ela, certo?
Como era ciumenta e mesquinha, pensou Liam. Sentiu que havia chegado o momento de fazer a próxima jogada.
— Você reenviou FitzGerald a Irlanda. Como fará o homem para manter o Sul unido, sem aliados? Não demonstrei ser fiel, Bess? Não consegue pensar nas vantagens de uma união entre FitzGerald e eu? Pense bem. Eu não amo a guerra e faria de tudo para estar longe de toda intriga.
Ela o fitou, com expressão infeliz.
— Como você é ardiloso. Claro que preferiria que FitzGerald estivesse aliado contigo, em vez de com algum lorde católico como Barry ou MacDonnell.
E Liam fez seu último movimento, o mais potente.
— Se Katherine for minha esposa, nunca mais deverá sentir temor dela, Bess. Asseguro-lhe.
Elizabeth estremeceu.
Liam continuou:
— Não falo de Katherine com a faca.
Elizabeth permaneceu em silêncio, com o peito ofegante.
—Eu mantenho o que é meu, — Liam suavemente declarou, — e nenhum outro homem ousará pensar em transgredir o território que é claramente de Liam O’Neill. Nem mesmo o conde de Leicester. Elizabeth ficou pálida.
— Ele a deseja ainda. — Chorou a rainha depois de um momento. — Está raivoso com seu desaparecimento. Meus espiões me disseram!
E Liam se sentiu inexplicavelmente triste por Elizabeth que vigiava seu amante, mas apagou seu sentimentalismo.
— Eu mataria Leicester,— adicionou Liam, — se só pensasse em fazê-la sua.
Nessa altura, Elizabeth tinha o rosto avermelhado.
— Tome-a, então! Case-se com ela! E espero que fique grávida de uma dúzia de filhos, Liam!
Mas Liam não havia terminado.
— O perdão, Bess. Vai lhe conceder seu perdão?
A expressão furiosa de Elizabeth se tornou claramente teimosa.
— Já não fiz o bastante? Devolvi seu filho e concedo que se case!
— Tempo atrás você me disse que viesse a você livremente com qualquer pedido. Prometeu-me uma recompensa por meus serviços. Servi-lhe bem. Agora lhe apresento meu pedido, Bess. Quero o perdão para Katherine.
Elizabeth estava lívida.
— Muito bem! Vou perdoá-la! Mas deixa que te digo! Se chegar a se apresentar com ela perante mim vou mandar encarcerá-la, imediatamente! Entendeu-me, Liam? Mantenha-a longe de mim e da corte!
— Sim. — Sorriu, Liam
Tinha vencido. O prêmio era dele. Katherine era dele.
Liam tinha obtido o perdão oficial da rainha para seus próprios crimes, além de uma recompensa monetária por seus esforços contra FitzMaurice. A soberana também tinha manifestado outras futuras recompensas se conseguia manter seu status na Irlanda.
Liam estava surpreso. Elizabeth virtualmente lhe prometeu que um dia lhe daria terras e ou título de presente, para ele ter um patrimônio a passar seu filho.
Agora ele estava se dirigindo para o Sea Dagger que estava ancorado no Tamisa, não longe de Richmond Stairs. Ao lado dele caminhava uma jovem mulher e corpulenta, que com dificuldade mantinha o passo. Nos braços ela sustentava o filho de Liam.
Ele não conseguia desviar os olhos do menino loiro. Como eram azuis os seus olhos! Azuis, vivos e obviamente inteligentes. Que lindo menino lhe tinha dado Katherine. Agora ele estava com o menino se dirigindo até ela, como havia prometido.
A última vez que tinha lhe visto ela estava mais adormecida que outra coisa. Entretanto, havia dito que o amava. Que confiava nele.
Acaso não havia falado com o coração?
Liam esperava que assim fosse.
Sentia tanto sua ausência e a amava mais ainda, que não sabia se poderia suportar a idéia que não fosse assim também para ela. Mas se não fosse, a cortejaria até conquistar seu coração, como tanto tempo atrás havia conquistado seu corpo. Não podia se sentir tranqüilo até que não se reunisse a ela. Até que não vivessem como marido e mulher.
— O’Neill!
Liam se deteve reconhecendo a voz do homem que o chamava. Voltou-se e esperou que Ormond se aproximasse. Liam estava tenso e circunspeto. O homem agora era seu inimigo.
Ormond se deteve.
— Está voltando para Katherine?
— Sim.
— Ela reuniu-se com seu pai, sabia? Em Bristol. Partiram de volta a Irlanda na semana passada.
Liam sabia por que Mary Stanley havia enviado uma carta para informá-lo.
Ormond titubeou, mas logo lhe entregou um pequeno pacote. — Entregue isto a ela. Acredito que gostará de tê-lo.
Liam observou o Conde de Ormond, mas não pôde entender quais eram suas emoções, porque os olhos escuros era impenetráveis, o rosto impassível.
— O que é isto?
O rosto de Ormond se contraiu de emoção.
— Minha mãe, em seus momentos mais tranqüilos, possuía um diário. Foi-me devolvido em sua morte. Pensei que Katherine poderia desejá-lo.
Liam estava assombrado.
Ormond desviou o olhar.
— Não me entenda mal. — Ele bufou. — Sempre serei o inimigo jurado de FitzGerald e tenho intenção de lhe quebrar as costas como fiz em Affane muitos anos atrás, se ele se atrever me ofender, ou a minha rainha! E não importa que Katherine seja minha meio-irmã!
Liam lhe acreditou, mas não pôde evitar sorrir.
— Acha que minhas palavras são divertidas? — Ormond perguntou zangado.
— Vamos, Tom. Admita. — Liam rebateu tranqüilo. Você cresceu aficionado por minha Katherine.
Ormond apertou os dentes.
— Um pouco. Ouça. Se não se casar com ela e não fizer dela sua verdadeira esposa, irei caçá-lo e arrastá-lo até o altar.
— Já estamos casados. — Liam admitiu com calma
Ormond se surpreendeu.
— Já se casou com minha irmã?
E Liam riu.
— Sim. Mas por razões políticas mantivemos o segredo.
Ormond suspirou. Seus olhos brilhavam.
— Sim, está certo. Eu também guardarei segredo O’Neill. — Depois, ele sorriu. — Mas não pense que por que agora é meu cunhado, que as coisas mudem. Você não é a exceção no que respeita minha determinação em proteger a rainha.
Liam inclinou a cabeça.
— A honra vem bem a alguns homens.
Ormond se sobressaltou.
— Está me adulando?
Mas antes que Liam pudesse responder, embora gostasse, o bebê começou a gritar.
Ormond e Liam se voltaram de repente para cuidar o pequeno fazendo-o calar. Seus olhares se encontraram
— Seu filho, — disse Ormond, com um leve tremor na voz, — o neto de minha mãe.
— Seu sobrinho, Ormond. — Liam disse tranqüilo.
As bochechas do homem enrubesceram.
— Não pense de me enfraquecer com estes laços familiares!
Liam explodiu em risada.
— Nem em sonhos. — Liam replicou, saudando o Conde irlandês. — Estou seguro que Katherine ficará muito feliz em receber este presente de você. De parte dela, obrigada.
Mas Ormond pareceu não ouvir porque estava observandoo o menino que estava sugando o seio da ama de leite.
Kylemore Forest
A viagem de Gerald FitzGerald até Dublín Castle foi triunfal.
Enquanto passava os irlandeses revoavam a oseu lado, alegrando-se com ele. Lordes e populares. Quando o Gerald chegou à grande floresta que se estendia por quilômetros nas montanhas Galtee e Ballyhoura, estava rodeado por centenas de seguidores festivos.
Então, ele se levantou sobre os estribos, vestido de chefe gaélico, e se preparou para falar. A multidão guardou silêncio.
Katherine estava a cavalo ao lado de Eleanor e seu coração lhe pulsava de felicidade. Lágrimas espelhavam em seus olhos. Ela e Eleanor se entreolharam e logo se deram as mãos. Gerald levantou uma mão no ar.
— Meu povo, — gritou a pálida figura magra, — voltei. O Conde de Desmond voltou.
A multidão gritou, enchendo o vale.
— Desmond nunca mais lhes será arrebatada. — Disse Gerald, enquanto os gritos sufocavam sua voz. Quando o se acalmaram, ele disse: — Nunca mais os ingleses se atreverão a expulsá-los aos bosques e aos pântanos, através dessas montanhas e os vales! O Conde de Desmond protegerá o que lhe pertence! Por Desmond, viva!
Katherine estremeceu, soltando a mão de Eleanor.
Não podia acreditar que seu pai desafiasse assim abertamente à Coroa, que atrevesse a retomar as coisas ao ponto exato no qual havia deixado oito anos atrás. Ao seu lado Eleanor havia ficado pálida, incrédula.
Mas os senhores e os soldados irlandeses e os camponeses estavam gritando desenfreados, entusiastas, brandindo suas lanças e espadas, estandartes e bandeiras.
— Nunca mais! — Trovejou Gerald. — Aqui não há príncipes, rainha, nem Deus e nem governador, salvo o Conde de Desmond!
No vale explodiu o pandemônio.
E Gerald estava radiante, de pé sobre os estribos, com os olhos que brilhavam febris.
Katherine observava lá fora pela janela de sua antiga ante sala, as águas murmurantes do rio que corria lá embaixo, em Askeaton Castle, que era construído em uma pequena ilha. Na margem oposta mal conseguia distinguir a torre do campanário da abadia onde estava sepultada sua mãe, rodeada de exuberantes prados verdes, e mais à frente, um grande bosque de olmos, carvalhos e pinheiros.
Ela conhecia essa paisagem como sua imagem refletida no espelho. Era bom estar finalmente em casa.
Mas não bastava. Askeaton nunca mais lhe bastaria.
Liam. Como o amava. Como sentia sua ausência. Como lhe fazia falta, ele e seu filho. Como parecia irrelevante o passado. Onde estava Liam, agora? Não havia dito que voltaria e traria seu pequeno?
Ele havia entregado FitzMaurice. Seu pai tinha voltado para Desmond.
O que o retinha ainda? Por que não chegava? Seria possível, que havia lhe raptado intencionalmente anos atrás? Ele já sabia então de sua existência, Quando o ela ignorava a dele?
— Katherine?
Surpresa, ela se voltou para fitar seu pai que havia entrado no aposento sem bater. Seu sorriso acolhedor havia desaparecido, porque ele tinha um aspecto sério, o que era estranho desde que haviam voltado para a Irlanda.
— Pai? Aconteceu alguma coisa?
— Você tem uma visita. — Gerald lhe anunciou.
Era Liam. Katherine gritou e apertou as mãos no peito.
— É o Conde de Leicester. — Disse Gerald
Katherine se sobressaltou. E entendeu. Compreendeu tudo. Ele havia vindo até a Irlanda, até Askeaton, para exigir o que lhe esperava.
Oh, Deus. O terror a invadiu e ela não pôde se mover.
O olhar de Gerald era severo.
— Leicester é um dos homens mais poderosos da Inglaterra. Não o faça enfurecer, Katherine. Não se oponha a ele.
— Pai, — ela protestou fracamente
— Não. — Gerald a interrompeu brusco. — Não me traia agora. Faça o que deve ser feito. — Ele se voltou e saiu do aposento.
Katherine ficou observandoo-o. Faça o que deve ser feito.
Leicester a esperava na grande sala, sozinho. Levantou-se Quando o ela entrou, escrutinando-a com os olhos escuros. Sua boca esta apertada em uma linha severa. Katherine sentia o coração pulsar em seus ouvidos. Sentia-se fraca. Pareceu-lhe que desmaiaria. Deteve-se antes de se aproximar muito dele, perguntando-se aterrorizada se ele pretendia tê-la, ali na sala.
— Pensava me negar o que me corresponde? — Ele perguntou.
Katherine não podia falar. Umedeceu os lábios.
— Saiamos ao jardim. — Ele lhe disse adiantando-se para ela e pegando-a por um braço.
O jardim. Ele pretendia tê-la no jardim. Katherine não disse uma palavra enquanto ele a conduzia no pátio e depois em um dos jardins do castelo. Quando o se detiveram debaixo de uma macieira em flor, Katherine tinha conseguido em parte, ter razão de ter medo, pânico. Leicester a soltou e ela o fitou, precavida.
— Você fugiu de mim. — Ele disse deslizando o olhar sobre o rosto e a boca dela.
— Sim.
— Então pensava me enganar? — A raiva enchia seus olhos, apesar do tom tranqüilo de sua voz.
Katherine levantou a cabeça.
— Eu estou em dívida contigo. E se insistir eu darei o que pede. Mas…
— Insisto.
Ela respirou fundo. — Por favor, Robin. Não faça isso. — Ela nunca se dirigiu a ele em tom tão familiar.
Ele inclinou a cabeça.
— Eu a desejo há muito tempo, Katherine. E está louca se pensa me convencer a desistir. Pode vir para mim de espontânea vontade esta noite ou virei procurar o que quero, ainda que pense opor resistência.
Ela estremeceu fechando os olhos.
— Não é necessário me violar. — Ela lhe deu um olhar. — Mas eu amo, Liam.
Ele apertou os lábios, antes de lhe dizer: — Não me importa. — Se voltou e se afastou.
Katherine o observou se afastar perguntando-se se sobreviveria essa noite. Entretanto, não podia deixar de pensar em Liam e esperar um milagre.
A tarde era interminável, Katherine estava na janela de seu aposento fitando sem realmente ver o rio e a paisagem que o circundava. Leicester estava sentado com seu pai na sala embaixo e suas risadas ressoavam no ambiente. Ela ouvia algum retalho da conversa e notava que Gerald estava bebendo demais. Mas Robin Dudley, desgraçadamente parecia decidido a permanecer sóbrio.
O céu azul começou a escurecer e o sol baixar.
Embaixo os homens riam estrepitosamente e uma criada gritou. Katherine apertou as mãos sobre o parapeito de pedra. Agora o céu estava com uma cor malva e o sol uma bola alaranjada flamejando sobre o bosque.
Não podia fazer algo assim. Entretanto, devia. Porque se não fosse ele a violaria. Sua mente se encheu de pânico. Deveria envenená-lo?
O céu estava violeta agora e a lua crescente havia aparecido, incandescente.
Foi nesse instante que notou o navio. Preto e brilhante, com suas velas prateadas desdobradas, orgulhosas, que enobreciam o rio, para ela.
Katherine gritou.
O Seja Dagger. Liam. Liam havia retornado.
Mas logo recordou quem estava sentado lá embaixo com seu pai, e a excitação e a alegria desapareceram. Transformaram-se em verdadeiro temor.
Katherine se voltou e correu fora do aposento, quase voando na estreita escada de pedra.
Katherine ficou paralisada no centro da sala. Seu pai também estava de pé, um pouco instável em suas pernas.
— Quem chegou? — Ele perguntou com voz insegura.
O olhar de Katherine encontrou o de Leicester.
— Liam. — Ela sussurrou.
A expressão de Leicester se tornou dura e ele e se levantou lentamente.
Liam entrou na sala.
Katherine gritou. A alegria lhe transpassava seu peito. Vestido com calça, botas altas e só uma túnica meio desabotoada, ele era a coisa mais bela que ela já havia visto. Temia o que poderia acontecer, mas foi invadida por uma felicidade que lhe cortou a respiração.
Liam tinha olhos somente para ela.
— Katherine.
Com um grito de alegria, Katherine correu para ele. Para seus braços.
Liam abraçou-a, estreitou, mimou-a. Logo se endireitou e ela notou que ele havia visto Leicester.
Ela levantou o olhar e seus olhares se encontraram. — Não aconteceu nada. — Se apressou a sussurrar.
— O que ele quer? — Liam perguntou e seu tom de voz era muito, muito perigoso.
— Eu… Eu lhe prometi o uso de meu corpo se me ajudasse a convencer à rainha a te dar a liberdade. — Katherine, segurou os ombros largos de Liam sentindo-o vibrar de raiva. Estava aterrorizada. — Amo tanto você, que faria tudo para te salvar à vida, Liam.
Por um instante seu olhar se amainou. — Katherine. Como tem me feito falta. — Ele voltou a estreitá-la, mas logo sua expressão se tornou mais dura, escura.
— Você não vai cumprir sua parte da barganha. — Liam a afastou para um lado e se aproximou de Leicester.
Katherine não se moveu.
O sorriso de Liam era frio. — Ouviu-me, Dudley? Não me interessa o pacto que fez com minha esposa. Agora eu o anulo.
Leicester abriu olhos enormemente.
— E quando se casaram?
— Muito tempo atrás. — Liam sorriu ameaçador.
O olhar de Leicester caiu sobre Katherine, que assentiu.
Mas Liam não havia terminado.
— Você a tocou?
Leicester compreendeu o desafio e ficou rígido, colocando a mão no punho da espada fitou Liam, sem dizer uma palavra.
Liam resmungou e num piscar de olhos, sua espada fatiou o ar, silvando suavemente.
— Talvez eu corte certa coisa que você ama tanto. Assim depois não poderá aterrorizar as mulheres.
Leicester o imitou e levantou sua espada. Um sulco de suor brilhava em sua têmpora.
— Você está louco. Foi Katherine quem me procurou. Aceitou nosso pacto. Mas nunca esquentou minha cama, O’Neill.
— Basta. — Sussurrou Katherine enquanto Liam começava atacar Leicester, que retrocedia.
— Você a tocou? — Liam perguntou novamente e de repente avançou Sua espada fendeu o ar assobiando forte. Em sua ponta apareceu uma larga faixa do colete de Leicester.
O homem ficou pálido.
— Não. — Respondeu.
E Katherine gritou, já correndo para se colocar entre os dois homens.
— Por favor, Liam!
De costas para Leicester, ela enfrentou Liam com tal audácia que a ponta da espada lhe roçou um seio. Ele o retirou imediatamente, antes de rasgar ao vestido, mas ela avançou suplicando-o.
— Liam! Pare com esta loucura! Não aconteceu nada! Liam, por favor! Não pode ferir Dudley! Oh, Deus! Pense em mim! Pensa em seu filho! A rainha te enforca desta vez!
Liam a fitou. Em seu olhar havia algo tão selvagem que ela nunca tinha visto antes.
Katherine enfrentou o olhar e finalmente notou que a sede de sangue em seus olhos desaparecia.
— Liam. — Soluçou
Liam embainhou a espada e estendeu os braços. Katherine correu ao seu encontro. Agora ela ria, afundando o rosto em seu peito, enquanto ele a mantinha apertada contra si.
Logo a postou ao seu lado de modo que ambos se encontrassem frente ao Conde de Leicester. Dudley os observava.
Sua boca se curvou em um sorriso sarcástico e mordaz.
— Partirei amanhã. Mas, cuide-se O’Neill. Eu não gosto de perder o que me devem.
Liam estremeceu de raiva, mas Katherine apertou fortemente seu braço e permaneceu em silêncio enquanto o Conde se afastava.
Gerald correu atrás dele, nesse momento com um aspecto bem mais sóbrio que antes. Pôs um braço ao redor do Conde e o levou a mesa, sempre conversando, sem dúvida esperando acalmá-lo.
— Fizemos um inimigo. — Observou Katherine trêmula e com voz muito baixa, agora que o encontro havia terminado.
Liam a manteve contra si.
— Leicester é ardiloso. Possa ser que pense ser nosso inimigo, mas finalmente será nosso resistente aliado aqui na Irlanda, porque odeia Ormond mais que a nós e os dois disputam um com o outro os favores da rainha, Katherine. — Ele acariciou-lhe as costas, os cabelos e finalmente segurou seu rosto entre as mãos. Seu olhar a prendeu. — Voltará comigo, Katherine? Ficará ao meu lado, será a proprietária de minha casa, terá meus filhos? Você me ama?
— Sim. — Ela sussurrou. — Sim.
Ele sorriu. Era um som rico e livre. E seus lábios se encontraram em um profundo beijo. Quando o ele levantou o rosto, sorria.
— Eu lhe trouxe algo, querida.
Katherine se sentiu paralisada. Segurou-o pela túnica.
— Nosso filho!
O sorriso de Liam era doce e terno. Assentiu fitando além do ombro dela.
Katherine se voltou e notou a mulher parada na porta que trazia nos braços um embrulho de panos. Gritando, Katherine levantou a saia e correu. Parecia que desfaleceria. As lágrimas lhe corriam pelo rosto. A mulher sorriu, lhe passando o menino. Katherine estreitou o corpo quente do pequeno ao seio, observandoo-o enquanto o dormia.
— Meu filho. — Katherine sussurrou, soluçando.
Liam estava ao seu lado.
— Sua Majestade não lhe deu um nome. — Ele disse. — É você que deve escolher um.
Katherine soluçou e beijou a bochecha macia do filho, ninando-o. A criança se estirou e abriu os olhos. Seus olhares se encontraram. Mãe e filho estavam juntos pela primeira vez desde Quando o ele havia nascido.
Katherine chorou mais forte então, de alegria.
— Como é belo… Belo como o pai. — Ela se voltou para Liam. — Quero chamá-lo de Henry, em honra ao pai da rainha. Em honra a rainha.
Liam começou a rir. — Oh, Kate. Transformou-se numa política!
Então Katherine também explodiu em risos, e suas vozes se uniram, enquanto Henry O’Neill bocejava.
A luz da lua enchia o aposento de pedra.
Katherine e Liam se detiveram no centro. Katherine fitou Liam demoradamente. Seu coração pulsava forte. Seus os joelhos tremiam.
Imediatamente estava em seus braços e não havia nada de gentil ou tranqüilo em seu beijo. Era frenético, profundo e apaixonado.
Ele acariciou-lhe os seios. Katherine arrancou os laços de sua túnica, enfiando as mãos sob ela. Liam separou a boca da de Katherine e os músculos de seu peito sobressaltaram.
— Moça avara. — Liam gemeu tirando túnica e jogando-a longe.
Katherine sorriu em um tom rouco e malicioso.
— Estou muito avara sexualmente esta noite, meu senhor. — Ela sussurrou e deslizou os dedos de sua cintura até roçar sua ereção. — Não acredito que conseguirá me satisfazer esta noite.
Ele enrijeceu o ventre plano enquanto seus olhos alargaram.
— Um desafio, Mademoiselle? Não sabe que os piratas amam duelos?
— Ah, sim? — Katherine sorriu-lhe sedutora, acariciando a região do umbigo com o polegar e roçando a ponta túrgida de seu membro.
Liam murmurou uma rouca advertência e Katherine logo se encontrou deitada no leito. Agitava-se constantemente enquanto ele se deitava sobre ela, com os olhos cinza brilhantes.
— Venha. —Ela lhe disse.
Liam curvou os lábios ignorando o doce convite. Sua expressão era escura e audaz; Liam sustentou seu olhar e logo lhe rasgou o decote do vestido e da camisa interior, desnudando os seios. Ela se enrijeceu em espera, sem fôlego.
Ele sorriu inclinando a cabeça.
No instante em que a língua roçou o mamilo, Katherine se arqueou no leito, gemendo seu nome e estreitando sua cabeça. Enquanto a sugava, as mãos de Liam lhe levantaram a saia até a cintura. Katherine riu e um pouco chorou Quando o ele tirou sua roupa interior e tocou o sexo úmido e inchado.
Liam imediatamente acariciou-a com o polegar, em um gesto perito. Katherine se sobressaltou, gemendo, se retorcendo.
— Não posso te satisfazer esta noite, querida? — Sussurrou inclinando-se sobre ela.
Sua língua seguiu o caminho do polegar e Katherine segurou sua nuca Quando o ele afundou o rosto no entre suas pernas. Ela gemeu. Mais, ela gritou.
De repente aturdida e fraca começou a se remexe, até que Liam lhe apertou a coxa. Seus olhares se encontraram.
O dele brilhante e febril, mas seu tom de voz, embora rude se mostrava irônico. — E agora? — Perguntou-lhe.
Ela conseguiu sorrir, ciente de como ele estava entre suas pernas abertas. Seu coração recomeçou a pulsar forte.
— Talvez, tenha gostado, — ela admitiu, — Mas ainda não estou satisfeita.
Liam apertou o maxilar e seu olhar se tornou escuro. Um instante depois sua boca estava ocupada e Katherine gemeu, lhe apertando os ombros, enquanto se rendia a língua que serpenteava na parte mais sensível de sua pele. Começou a mexer os quadris desesperadamente, esfregando-se contra ele. Os dedos firmes afundavam repetidamente. Ofegando, ela pediu:
— Liam, por favor! Venha dentro de mim agora! — Mas era tarde, porque já estava perdendo o controle e gemia espasmodicamente.
Quando o abriu as pálpebras, ele estava acariciando seu rosto, observandoo-a com seus olhos acinzentados. Seu olhar ardente e apaixonado enrijeceu o corpo de Katherine.
— Admito a derrota. — Ela sussurrou esticando o braço para lhe acariciar o queixo.
Ele sorriu, mas os músculos de seu rosto estavam tensos. Logo lhe guiou as mãos sobre o peito e depois sobre o ventre. Entreolharam-se e ele esperou. Katherine desceu as mãos. Seus dedos tremiam. Seu corpo reacendeu de desejo. Sustentando seu olhar disse simplesmente:
— Desejo você, Liam.
Ele riu e o som de sua risada estava cheio de excitação e triunfo. Um instante depois estava em cima dela e a estreitava com os braços fortes e a boca sobre a sua. Penetrou-a rapidamente com a língua. Katherine não só a acolheu, mas a sugou profundamente apertando suas pernas com os tornozelos. Bloqueando-o. O gesto desviou seus corpos de tal jeito que o membro pulsante estava intimamente postado entre suas coxas.
Ele interrompeu o beijo com um gemido.
— Katie, passou tanto tempo. Foi tanto, mas tanto tempo que não posso esperar. — Ele já estava tirando a calça.
Os botões de pérola caíram no piso e se espalharam. As mãos de Katherine o encontraram e seus dedos lhe incitaram a ponta túrgida. Liam gritou seu nome esfregando-se contra elas, com as costas arqueadas e todo o peso sobre os braços tensos.
Rindo e chorando ao mesmo tempo, as lágrimas que desciam por sua face, ela guiou-o para dentro de seu corpo.
Ele não precisou de nenhum encorajamento. Gemeu e mergulhou profundamente, com tanta força que a cabeça de Katherine foi empurrada contra o respaldo da cama.
Não importava. A ela somente importava uma coisa, o homem em cima dela. O homem dentro dela. O homem que ela amava.
Apertando-lhe as nádegas, ele a levantou mais para poder penetrá-la mais fundo. Katherine colocou as pernas ao redor de sua cintura. Seus frenéticos embates continuaram. Ela gritou, ele gemeu. Os músculos de Katherine estavam tomados por espasmos. Um raio relampejou na escuridão, e ela sentiu seu membro engrossar e se distender uma última vez, chegando a ficar impossivelmente grande e duro. Então sentiu o sêmen ardente e úmido explodir em seu ventre.
Liam a manteve nos braços, ofegando forte, mas logo se voltou a um lado levando-a consigo. Nos braços um do outro, Liam lhe beijou o cabelo.
Katherine demorou um pouco antes de poder se mover e se apoiar em um cotovelo. Acariciou-lhe o peito. Seus olhos brilhavam. Liam abriu os dele e a luz neles era brilhante Quando o lhe sorriu. Seu coração explodiu.
— Amo você, Liam. — Sussurrou-lhe.
Seu sorriso desapareceu.
— Como desejei ouvir estas simples palavras.
— Amo você. — Repetiu Katherine. — Hei- de te amar sempre e… Sinto ter duvidado de você, Liam.
— Shhh— Ele lhe tocou os lábios com a ponta dos dedos. — Não se desculpe. Provavelmente deveria ter revelado meu jogo desde o começo. Talvez seja culpa minha, o que sofremos todos estes meses.
— Não se culpe. — Insistiu Katherine com ardor. — Vamos deixar o passado para trás. Quero esquecer tudo, Liam.
— E também perdoar tudo? — Ele perguntou, agora também apoiado em um cotovelo.
Ela se mostrou envergonhada.
— Não há nada a perdoar.
Liam se inclinou, reclamando seus lábios com grande ternura.
— Katherine. — Depois ele continuou, embora eu pretenda passar a maior parte do tempo aqui em Desmond, você se importaria muito se nós passássemos alguns meses no verão na Ilha de Earic? Na casa de solar, claro.
O coração de Katherine aumentou as batidas.
— Claro, que não. — Ela sussurrou. — Eu gostaria muitíssimo. — Logo sorriu travessa embora sua alma estivesse cantando. — Na verdade há uma coisa que me aborrece.
Liam enrijeceu, até que a viu sorrir.
— E o que poderia ser, Katie?
Katherine se sentou muito séria.
— Liam, você sabia que eu estava a bordo do navio francês, Quando o o atacou?
Ele também se sentou.
— Claro.
Katherine o fitou.
— E assaltou o navio por minha causa?
Liam respondeu com expressão culpada.
— Sim.
Estava surpresa. — Acredito não entender.
— Não, certamente não. Como poderia entender? — Ele aproximou-a e lhe deu um beijo. — A primeira vez que a vi você tinha somente dezesseis anos, Katherine. Passei somente uma noite no convento, depois de retornar de alguns negócios não longe dali. Eu vi você e fui atingido duramente. Minha obsessão começou naquele momento, meu amor começou então.
Katherine o fitou surpresa.
— A abadessa não estava contente com minhas perguntas. — Liam lhe explicou. — E eu lhe fiz muitas. Entretanto, Quando o me ofereci de pagar sua despesa, ela não pôde recusar por que seu pai não enviava mais dinheiro. E uma vez que era seu benfeitor, ela me escrevia regularmente informando como você se encontrava.
— Você lhe pagava minhas despesas à abadessa? — Sussurrou Katherine, consternada.
Ele parecia cada vez mais culpado.
— Sou um homem, Katherine. E também sou um pirata. Você foi era uma bela mulher desprotegida que tinha desesperada necessidade de alguém que a protegesse. Então, eu já te queria quase tanto como agora. Mas você era muito jovem e eu estava preparado para esperar. Naturalmente, nessa época minhas motivações não eram tão nobres como agora. — Seu sorriso foi fugaz e malicioso. — Pretendia torná-la minha amante, assim que se tornasse adulta. Não minha esposa. Entretanto, depois que te encontrei, pouco depois, dei-me conta que uma breve historia não seria suficiente. — Ele se inclinou para roçar seus lábios — Que nunca seria suficiente, Katie.
Mesmo com os tremores que lhe percorria as costas, ela pôde dizer: — Você fingiu não me conhecer, na primeira vez que nos encontramos face a face.
— Como poderia revelar meus planos? Imediatamente me dei conta que você se oporia a minha sedução ainda mais, se soubesse que eu havia te raptado intencionalmente.
— Sim. — Katherine suspirou ante a idéia de que estivesse apaixonado por ela desde o início, ainda antes de conhecê-lo.
— Ficaria furiosa.
Liam a abraçou.
— Pode me perdoar por ter tomado seu destino em minhas mãos, Katherine? Por tê-lo encaminhado, forjado e dominado?
Ela então sorriu, correspondendo ao abraço. — Parece-me que você dá a entender, que tudo o que fez depois do rapto foi por mim mesma. Porque me amava.
Liam sorriu-lhe, fitando seus olhos. — Sim, Katherine. Sim.
— Uma vez, — ela sussurrou, — você me disse que era meu destino. Agora finalmente compreendo. — Katherine segurou seu rosto entre as mãos. — Amo você de verdade, Liam. Agradeço a Deus por suas maneiras de pirata.
O olhar de Liam, agora úmido, encontrou o de Katherine.
— Amo você, Katherine. — Declarou finalmente, a voz baixa e rouca. — Vou amá-la sempre. Sempre te amarei.
* Este livro é obra de fantasia, mas dentro da possibilidade tentei seguir o verdadeiro curso dos acontecimentos históricos. Entretanto, como sou uma escritora de romances, minha finalidade principal foi proporcionar aos meus leitores uma história atraente e de grande ritmo. Portanto, tomei a licença poética quando era necessário para a trama e os personagens.
* Todos os personagens principais deste livro, salvo Hugh Barry, Mary Stanley, Katherine e Liam, existiram de verdade e me diverti em retratá-los como pensei que podiam ser, se verdadeiramente existissem. Note-se que me tomei grandes liberdades no uso do nome da família Barry, enquanto Mary Stanley é uma personagem de fantasia. A família Stanley, com seus vínculos com a rainha Caterine Parr, não é.
* Leicester e Ormond eram favoritos da rainha e provavelmente também seus amantes. Elizabeth freqüentemente chamava Tom de meu marido negro.
* Leicester finalmente se casou com Lettice, Condessa de Essex, em 1578 e superou a grande fúria da rainha, embora sua esposa nunca fosse recebida na corte pelo resto de sua vida.
* Joan, a mãe de Ormond, verdadeiramente se casou com FitzGerald, um homem vinte anos mais jovem que ela, e tudo aconteceu mais ou menos como descrevi. Joan e Elizabeth por um período foram boas amigas.
* Gerald FitzGerald tentou de verdade de governar a Irlanda Do sul de maneira despótica, sem interferência de parte da rainha. Foi capturado por Ormond depois da batalha de Affane. Os historiadores discordam sobre o fato que tenha ou não voltado a Irlanda depois de ter sido conduzido acorrentado para Londres em 1565 ou se ficou preso ali por quase oito anos. Foi processado e condenado por traição, logo exilado em St.Leger House em Southwark no ano de 1568.
* FitzGerald se casou com sua segunda esposa Eleanor, menos de um mês depois da morte de Joan Butler FitzGerald. Eleanor era uma mulher muito bela e determinada, que passou grande parte da vida na corte, se preocupando em apoiar a causa de FitzGerald.
* FitzMaurice era primo de FitzGerald. Eleanor apoiava a todos que estavam dispostos a ouví-la, que procurava usurpar a autoridade de seu marido em Desmond. Alguns historiadores deram uma hipótese que FitzGerald e FitzMaurice fossem secretamente aliados. Em todo caso, FitzMaurice demonstrou ser um líder e um antagonista bem mais capaz que FitzGerald.
* Quando foi capturado na primavera de 1573, ficou evidente a Elizabeth e seus conselheiros que Gerald era o menor dos males e que, portanto era melhor reincorporá-lo.
* FitzMaurice continuou sua guerra contra a rainha e sua religião herética, desde as costas da França e da Espanha. Finalmente invadiu a Irlanda com uma pequena força e continuou suas campanhas de guerrilha. Em 1579, FitzMaurice foi assassinado por um camponês em um litígio por causa de um cavalo.
* Gerald FitzGerald retomou seus atos despóticos imediatamente depois de sua volta a Irlanda. Não aprendeu a lição no longo encarceramento. À morte de seu primo, ele já tinha assumido o total comando da rebelião.
* Os britânicos responderam com uma política muito dura, que causou a morte por fome, de trinta mil irlandeses. Em 1583, a grande rebelião de Desmond terminou porque FitzGerald foi posto de joelhos e assassinado. Sua cabeça foi enviada a Kilkenny para que Ormond a visse, depois para a rainha em Londres.
* Shane O’Neill era um chefe de clã e um bárbaro que passou grande parte da vida caçando os Ou’Donnell e assassinado-os. Submeteu-se à rainha no 1562 como descrevi. Nos registros históricos não há rastros que fosse casado ou que tivesse filhos. Provavelmente tinha muitos bastardos, filhos com Liam, obrigados pelas circunstâncias a viver as margens da sociedade ou fora dela. Também foi assassinado em 1567 por um Ou’Donnell.
* Parece que Gerald e Joan FitzGerald não tiveram filhos, o que não surpreende porque quando Joan se casou já tinha quarenta anos. E mesmo se tivessem uma filha, o registro de seu nascimento teria sido improvável porque o nascimento das mulheres freqüentemente era ignorado pelas famílias nobres, portanto esquecida pela história.
Brenda Joyce
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