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O LEITO CELESTIAL / Irving Wallace
O LEITO CELESTIAL / Irving Wallace

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

Em 1783, uma das atracções mais populares de Londres era o Templo da Saúde, promovido por um generoso médico escocês chamado James Graham. A principal característica consistia no dosselado Leito Celestial, sustentado por vinte e oito colunas de vidro e servido por uma Deusa da Saúde desnuda viva. Os visitantes do sexo masculino eram convidados a reclinar-se nele pela quantia de cinquenta libras por noite, com a promessa de que o tratamento conduziria à cura da impotência.

 

 

 

 

A caminho de casa, no carro, após separar-se do visitante e fechar a clínica, o Dr. Arnold Freeberg decidiu que fora um dos melhores dias - porventura o melhor - de que desfrutara desde que se estabelecera em Tucson, Arizona, depois de abandonar Nova Iorque, seis anos atrás.

 

E tudo por causa de quem acabava de o visitar, Ben Hebble, o banqueiro mais próspero de Tucson, e da revelação de um donativo surpreendente.

 

Freeberg evocou a essência da visita do corpulento banqueiro.

 

- É porque a sua terapêutica curou o meu filho explicou   Hebble. - O Timothy   estava   uma   desgraça, como sabemos perfeitamente. Tinha medo de ficar só com as mulheres, por não o conseguir pôr de pé, até que o psiquiatra o mandou ter consigo. Não restam dúvidas de que executou um trabalho excelente. E apenas em dois meses. A partir de então, o rapaz explorou o terreno durante algum tempo, até que se apaixonou por uma bonita jovem do Texas. Experimentaram viver juntos e o êxito foi de tal ordem que resolveram casar. Graças a si, Dr. Freeberg, ainda posso vir a ser avô!

 

- Parabéns! - exclamou o médico, recordando-se de como ele e a sua delegada sexual, Kayle Miller, se tinham esforçado pacientemente para que o disfuncional filho do banqueiro enveredasse pela senda normal do sexo.

 

- Não, doutor. O senhor é que os merece - replicou o outro, no habitual tom estentórico. - E venho agradecer de uma maneira muito prática, Quero anunciar-lhe que vou estabelecer um fundo que contribuirá para que, juntamente com o seu pessoal, possa curar pacientes disfuncionais sem recursos financeiros para o procurar. Refiro-me a garantir-lhe cem mil dólares anuais para esse fim, durante dez anos. Isso equivale a um milhão de dólares para dispor da oportunidade de alargar o âmbito do seu trabalho e auxiliar outras vítimas infortunadas da impotência.

 

Freeberg lembrou-se de que quase ficara boquiaberto.

 

- Não... não sei o que dizer. Estou abismado.

 

- Só imponho uma condição - acrescentou o banqueiro,   em   tom   incisivo. - Quero   que   o   centro de recuperação, chamemos-lhe assim, funcione em Tucson e todo o trabalho seja executado aqui. Esta cidade foi bondosa para comigo e acho que lhe devo algo. Que diz, a isto?

 

- Não vejo nenhum inconveniente. Absolutamente nenhum. É um gesto muito generoso, Mr. Hebble.

 

E o médico separou-se do seu benfeitor como num sonho.

 

Agora, ao chegar a casa e abrir a porta, cantarolava em surdina, quando viu a roliça esposa Miriam, que o aguardava no vestíbulo.

 

Ele beijou-a alegremente, mas, antes que pudesse falar, ela murmurou:

 

- Tens uma pessoa à tua espera na sala. O procurador da cidade, Thomas O'Neil.

 

- Pode aguentar   mais   um   momento - replicou Freeberg, colocando-lhe o braço em torno da cintura. Ele e O'Neil conheciam-se de participar nas mesmas comissões angariadoras de fundos para instituições de caridade locais. - Deve ser para mais algum assunto da comunidade. Prepara-te para ouvir o que me aconteceu na clínica,

 

E descreveu rapidamente a oferta de Hebble. Míriam explodiu de entusiasmo e abraçou-o e beijou-o repetidamente.

 

- Mas isso é maravilhoso, Arnie! Vais poder tornar realidade os teus velhos sonhos.

 

- E muito mais!

 

Enfiou o braço no do marido e conduziu-o para a entrada da sala, ao mesmo tempo que dizia:

 

- É melhor veres o que ele quer. Chegou há dez minutos, e não o deves fazer esperar eternamente.

 

Momentos mais tarde, depois de entrar e cumprimentar o procurador da cidade, Freeberg sentou-se diante dele e estranhou vê-lo com ar embaraçado.

 

- Lamento incomodá-lo à hora do jantar - começou em tom de desculpa, mas ainda tenho de visitar várias pessoas   e   achei   que   devíamos   conversar   o   mais depressa possível sobre um... enfim, um assunto urgente.

 

O médico sentia-se cada vez mais perplexo, pois o tom e a atitude do interlocutor não se assemelhavam aos habituais do angariador de fundos.

 

- De que se trata, Tom?

 

- Do seu trabalho, Arnold.

 

- O quê, em especial?

 

- Bem,   fui   informado oficialmente...   por alguns outros terapeutas... de que utiliza uma delegada sexual para curar pacientes. É verdade?

 

Moveu-se com desconforto, na poltrona.

 

- Bom, sim, é... é verdade, porque descobri que constitui o único meio que resulta com muitos pacientes disfuncionais.

 

- Isso é ilegal, no Arizona - asseverou O'Neil, meneando a cabeça.

 

- Eu sei, mas pensei que podia fazê-lo, se evitasse a publicidade, para efectuar curas nos meus doentes afectados mais drasticamente.

 

- Ilegal - persistiu, inflexível. - Significa que você exerce as funções de proxeneta e a mulher que utiliza é uma prostituta. Gostava de fechar os olhos às suas actividades, pois somos amigos, mas não posso. Estão a pressionar-me demasiado e vejo-me impedido de continuar a fingir que não sei de nada. - Empertigou-se, e as palavras seguintes pareceram brotar-lhe com dificuldade.

- - As coisas chegaram ao ponto de um de nós dois ter de desistir do que faz. O assunto precisa de ser resolvido imediatamente... e em rigoroso cumprimento da lei. Deixe-me dizer-lhe como deve proceder. Trata-se da melhor proposta que posso apresentar, Arnold. Está disposto a ouvir?

 

Intensamente pálido, o Dr. Freeberg aquiesceu com um movimento de cabeça e escutou...

 

Mais tarde, depois de o procurador da cidade, O'Neil, se retirar, o médico conservou-se quase totalmente silencioso durante o jantar, levando a comida à boca sem se aperceber do que tragava, imerso em reflexões. Estava satisfeito e grato por Miriam distrair Jonny, o filho de quatro anos, enquanto procurava recompor-se da revelação demolidora e ponderar as consequências.

 

Freeberg trabalhara com afinco e por muito tempo, contra oposições daquela natureza, para triunfar em Tucson e merecer a magnífica oferta de Hebble. E agora, de repente, o edifício do êxito desmoronava-se em pó.

 

Recordou o início, que se situara no momento em que se formara em psicologia pela Universidade de Columbia, em Nova Iorque. Quando principiara a exercer a profissão, os resultados não se tinham revelado satisfatórios. A preponderância dos casos que se lhe apresentavam debruçava-se sobre relações humanas íntimas, na sua maioria de problemas sexuais, e, por várias razões, a abordagem psicológica não funcionava com eficiência, pelo menos para ele. Os pacientes que se lhe deparavam proporcionavam possivelmente uma melhor compreensão das suas dificuldades, que, no entanto, de pouco servia em termos de soluções práticas.

 

Freeberg preocupava-se cada vez mais com a investigação de outras formas de terapêutica sexual, da hipnose até ao treino intensivo de esforços de grupo, mas nenhuma o impressionara o suficiente, até que participara numa série de aulas em que um certo Dr. Lauterbach demonstrava a utilização de delegados sexuais no tratamento. O método e resultados favoráveis tinham-lhe suscitado o interesse imediato.

 

Após um estudo em profundidade, Freeberg passou a subscrever incondicionalmente a ideia. Numa das sessões, conheceu uma jovem terna e encantadora chamada Miriam Cohen, eficiente agente de compras de uns armazéns, que procurava respostas para os seus próprios problemas e foi uma das poucas mulheres presentes que concordou com ele sobre o valor da terapêutica dos delegados sexuais. Freeberg não tardou a descobrir que tinha muito mais em comum com ela, passaram a sair juntos com regularidade e, por último, casaram.

 

Finalmente satisfeito por poder prosseguir a sua prática como psicólogo, mas agora disposto a empregar delegados sexuais quando se tornasse necessário, ansiava por aplicar o prometedor tratamento.

 

Miriam adoeceu, devido a redução da capacidade pulmonar, que acabou por ser diagnosticada como uma condição bronquial grave, e o médico assistente, secundado por um especialista, recomendou a transferência imediata para o Arizona. Freeberg não hesitou em encerrar a clínica em Nova Iorque e abri-la em Tucson, em resultado do que Miriam melhorou satisfatoriamente, enquanto a actividade profissional do marido conhecia um ponto morto. Com efeito, a utilização de delegados sexuais era rigorosamente proibida no Arizona.

 

Embora em breve estabelecesse nova clientela, o tratamento psicológico que administrava não se revelava, mais uma vez, inteiramente eficiente com pacientes que sofressem de disfunções sexuais graves. Desesperado, decidiu jogar uma cartada e, em segredo, treinou e, a seguir, contratou como empregada uma delegada sexual para utilizar sem o conhecimento das autoridades. E, depois de os cinco pacientes que sofriam de disfunções sexuais se terem curado por completo, conheceu a verdadeira satisfação profissional.

 

Para, agora, de repente, naquela noite, lhe ser arrebatada a ferramenta responsável pelo seu êxito. Na realidade, fora algemado e entregue à Lei, indefeso.

 

Parecia não existir qualquer alternativa além de tornar a ser um terapeuta de conversa limitado e, com frequência, ineficiente. Poderia continuar a ganhar a vida em Tucson, mas achava-se impossibilitado de voltar a curar.

 

Era uma situação inconcebível, mas não se lhe podia esquivar.

 

De repente, porém, acudiu-lhe a ideia de que talvez existisse uma solução. Uma possibilidade ténue, mas concreta.

 

Antes de mais, necessitava de efectuar dois telefonemas. E de sorte.

 

Por fim, ergueu os olhos da comida em que quase não tinha tocado e impeliu a cadeira para trás.

 

- Miriam, Jorony - proferiu, levantando-se - por que não se entretém com a televisão (creio que há um espectáculo de circo num dos canais), enquanto faço duas chamadas importantes? Espero não me demorar.

 

Fechou a porta do escritório, sentou-se à secretária e pegou no telefone, para marcar o número do médico da esposa em Tucson. Queria fazer-lhe uma pergunta e escutou a resposta atentamente.

 

Em seguida, ligou ao velho amigo e outrora companheiro de quarto na Universidade de Columbia, Roger Kile, advogado, em Los Angeles, Califórnia.

 

Estava esperançado em que se encontrasse em casa e verificou com alívio que não se equivocara.

 

Após ultrapassar rapidamente o preâmbulo destinado às formalidades usuais, Freeberg entrou no assunto.

 

- Estou em apuros, Roger - anunciou, incapaz de dissimular a ansiedade na voz. - E dos grandes. Querem correr comigo daqui.

 

- Que estás para aí a dizer? - replicou Kile, claramente confuso. - Quem? A Polícia?

 

- Sim e não. Ou melhor, não. É o procurador da cidade e o seu gabinete. Querem que cesse a actividade profissional.

 

- Não acredito!   Mas porquê? Cometeste alguma infracção à Lei? Há um crime envolvido?

 

- Bem... - Freeberg   hesitou. - Aos   olhos   deles, talvez. - Fez uma pausa e acrescentou de um fôlego:

- Eu utilizo uma delegada sexual.

 

- Uma delegada sexual?

 

- Expliquei-te de que se trata, não te recordas?

 

- Creio que   me passou... - Kile   interrompeu-se, nitidamente perplexo.

 

- Sabes o que é um delegado - volveu o médico, esforçando-se por conter a impaciência. - Uma pessoa nomeada ou contratada por outra para a representar. Um substituto. Mais concretamente, um delegado é um substituto. - Em   tom   mais   enfático,   prosseguiu:

- Assim, um delegado sexual é um substituto de parceiro para o acto sexual, em regra para com um homem solitário, que não dispõe de uma esposa ou amiga colaboradora, sofre de uma disfunção sexual, tem um problema dessa natureza, pelo que recorre a uma parceira para o auxiliar, uma mulher instruída por um terapeuta do sexo. A equipa constituída por Masters e Johnson iniciou a prática em São Luís, em 1958...

 

- Estou a recordar-me - atalhou Kile. - Li alguma coisa sobre a matéria. E já me lembro também de que tencionavas recorrer a delegadas sexuais em Tucson. Mas que existe de extraordinário nisso?

 

- Apenas uma coisa. A Lei não o permite. A utilização de delegadas é legal em Nova Iorque, Illinois, Califórnia   e   alguns   outros   Estados,   mas   nos   restantes constitui um delito. O do Arizona figura nesse número, As delegadas sexuais são consideradas prostitutas.

 

- Compreendo... E tu utilizaste-as?

 

- Uma... apenas uma, mas parece que bastou. Deixa-me expor a situação. - A voz de Freeberg recuperou parte da firmeza. - Consciente de que era ilegal neste Estado, resolvi proceder em sigilo. Não podia fazer outra coisa, Roger. A terapêutica verbal não funciona em certos casos, sendo os piores a impotência e, às vezes, a ejaculação prematura. É essencial empregar uma parceira treinada   para   ensinar,   demonstrar,   orientar.   Ora,   eu encontrei-a, uma jovem excepcional. Utilizei-a em cinco casos difíceis, com êxito absoluto. Foram curas a cem por cento. No entanto, o facto transpirou, e os terapeutas daqui são muito conservadores... e talvez invejosos. Provavelmente, os meus êxitos assentaram-lhes mal. Não sei ao certo o que aconteceu, mas o assunto chegou aos ouvidos do procurador da cidade, que me visitou, há cerca de uma hora. Afirmou que eu exercia as funções de proxeneta e recorria a uma prostituta, o que a Lei não permitia. E, em vez de me prender e levar aos tribunais, ofereceu   uma   alternativa.   Para   não perder tempo   e dinheiro com um processo, aconselhou-me a encerrar a variante das delegadas sexuais. Em troca, não se oporia a que continuasse a exercer clínica como terapeuta vulgar.

 

- Estás disposto a isso?

 

- Não posso, Roger. Fico impossibilitado de ser útil a   determinados   pacientes   que   me   procuram   sem   o recurso a uma delegada. Lembra-te do que aconteceu a Masters e Johnson, quando foram obrigados a prescindir das suas, em 1970. Até então, com elas, os seus êxitos atingiam setenta e cinco por cento. Depois, baixaram para vinte e cinco. Não posso permitir que me aconteça o mesmo, de contrário não merecia estar nesta profissão. No entanto, quero continuar a exercê-la. Trata-se de algo mais do que a necessidade de ganhar a vida. Até aqui, torno pessoas sexualmente incapacitadas em saudáveis e viris. Não quero assumir a atitude do escuteiro brioso, mas apresento-te a situação como a sinto. Foi por isso que, embora me custe muito, resolvi telefonar-te.

 

- Alegra-me que o fizesses - declarou   Kile, em inflexão enfática. - Mas que posso fazer por ti   em Tucson?

 

- Tirar-me daqui - redarguiu Freeberg, com simplicidade. - Recordo-me de uma coisa que disseste, quando me mudei para o Arizona. "Por que não vens para o Sul da Califórnia?", foram as tuas palavras. Afirmaste que era uma região mais livre do que qualquer outra do país. Referiste mesmo que sabias de numerosos terapeutas que utilizavam delegados sexuais em Los Angeles e São Francisco.

 

- Eu disse isso? Bem, talvez dissesse. De qualquer modo, corresponde à verdade.

 

- Resisti à sugestão unicamente porque o médico da Miriam de Nova Iorque insistiu em que o Arizona era o melhor lugar para a sua condição bronquial. Mas isso foi há seis anos. Agora, o de Tucson, ao qual acabo de telefonar, considera que ela está muito melhor e se daria igualmente bem no Sul da Califórnia.

 

- Queres dizer que não te importavas de assentar arraiais aqui?

 

- Exacto. Aliás, não existe qualquer alternativa. Freeberg engoliu em seco. - Desconheço totalmente a Califórnia, Roger, pelo que preciso da tua ajuda. Podes considerar-te californiano e estás familiarizado com tudo o que se passa aí. Havias de me ser muito útil, se não achas que peço demasiado.

 

- Acho é que pedes pouquíssimo. Sabes perfeitamente que faria tudo ao meu alcance por ti.

 

- Não sou rico - continuou. - Tudo o que tenho encontra-se investido na clínica, da qual me desembaraçarei com facilidade, depois de recorrer a uma agência imobiliária para a colocar à venda. No fundo, trata-se de propriedade valiosa. Tenho a certeza de que obterei dinheiro suficiente para me estabelecer no Sul da Califórnia. - Voltou a engolir, com nervosismo. - Mas preciso de ajuda. Evidentemente que remunerarei o tempo que te tomar.

 

- Pára lá com isso, Arnie - disse Kile, fingindo-se contrariado. - Para que servem os amigos? Vamos combinar o seguinte. Se alguma vez me vir em apuros (não o conseguir pôr de pé, por exemplo), poderás pagar-me emprestando-me uma das tuas delegadas sexuais. Fica, pois, combinado. Que pretendes de mim?

 

- Um local prometedor em Los Angeles ou arredores. Um edifício ao alcance da minha bolsa, que possa remodelar para converter em clínica. Envio-te pormenores, amanhã, com fotografias da de dois pisos daqui e a quantia aproximada que posso investir.

 

- Fixe, Entretanto, iniciarei as diligências. Depois de receber as tuas especificações e limitações... bem, concede-me duas semanas. Quando descobrir alguma coisa para veres, telefono-te. Transmite os meus cumprimentos a Miriam, e estou ansioso por ver o teu herdeiro.

 

No entanto, Freeberg sentia certa relutância em desligar.

 

- Tens a certeza de que serei bem-vindo? Quero eu dizer, com delegados sexuais e tudo?

 

- Não te preocupes. Vou esquadrinhar o código penal, mas tenho a certeza absoluta de que não é ilegal. Garanto-te   que   isto   é   a   terra   da   liberdade,   Arnie. E agora, mãos à obra.

 

Resultou. Tudo se desenrolou sem problemas ou a mínima omissão.

 

Agora, quatro meses mais tarde, o Dr. Arnold Freeberg podia permanecer sentado confortável mente na cadeira rotativa de espaldar alto atrás da secretária de carvalho e escutar os sons abafados do martelar à entrada do edifício. Os operários colocavam a tabuleta azul e branca que, em maiúsculas, informava: CLÍNICA FREEBERG.

 

Também naquele dia, ao princípio da tarde, celebraria uma reunião de esclarecimento com os cinco novos delegados sexuais - quatro mulheres é um homem, que escolhera de entre os seis que utilizaria. Lamentava que a sexta, a mais experiente, com a qual contava em Tucson, não se achasse presente, mas Gayle Miller concordara em trabalhar para ele - continuará a trabalhar, mais concretamente, dentro de algumas semanas, quando se formasse pela Universidade do Arizona. Em seguida, matricular-se-ia na da Califórnia, em Los Angeles, a fim de se doutorar em psicologia. A sua chegada iminente infundia uma confiança especial em Freeberg. Embora não duvidasse das capacidades dos novos delegados, Gayle era uma autêntica pedra preciosa: jovem, atraente, séria e experiente. Na verdade, fora a sua delegada sexual nos cinco casos que se lhe haviam deparado em Tucson e procedera sempre de forma impecável. Todos os clientes com problemas tinham recebido alta, com a certeza de passarem a conhecer uma vida sexual normal.

 

Enquanto reunia distraidamente os apontamentos que compilara nos últimos dias para se recordar dos tópicos que pretendia abordar com os novos delegados, o seu olhar percorria as paredes do espaçoso gabinete, onde ainda pairava o odor pungente da tinta aplicada recentemente. Em volta, em molduras creme, encontrava-se a impressionante panóplia de ídolos de Freeberg: Sigmund Freud, Richard von Krafft-Ebing, Havelock Ellis, Thesodore H. Van de Velde, Marie Stopes, Alfred Kinsey, Milliam Masters e Virgínia Johnson.

 

Na parede mais próxima, havia um espelho decorativo, e o olhar dele pousou aí e na imagem que reflectia, para se inspeccionar, não sem uma ponta de acanhamento: cabelos pretos abundantes, algo desgrenhados, óculos de aros de tartaruga e lentes grossas diante dos olhos pequenos e míopes, nariz aquilino e bigode e barba pontiaguda negros em torno dos lábios generosos. De vez em quando, por instantes fugazes, sob o peso dos predecessores que o circundavam, sentia-se embaraçado, por não se considerar à altura deles. Por enquanto, por enquanto. No entanto, um dia, porventura não muito distante, efectuaria uma tentativa para reduzir a lacuna.

 

Os olhos moveram-se para a fotografia a um canto da secretária, em que se viam- a esposa, Miriam, atraente aos trinta e cinco anos, e o filho, Jonny, um encanto. Tornou-se consciente da sua própria idade, perto dos cinquenta, um pouco tarde para surgir o primeiro. Em todo o caso, estava convencido de que ainda dispunha de muito tempo para apreciar o seu gradual desenvolvimento.

 

Com um leve meneio de cabeça, puxou os apontamentos para a sua frente e tentou concentrar-se neles. Releu-os rapidamente e pô-los de lado. Sabia-os de cor e não necessitaria de os consultar, quando se dirigisse aos novos delegados.

 

Ainda dispunha de quinze minutos até que eles chegassem, e, quase como uma descontracção, começou a rememorar os acontecimentos dos últimos quatro meses que o tinham conduzido àqueles momentos.

 

Duas semanas após o telefonema inicial de Tucson a Roger Kile, em Los Angeles, este concluíra as diligências e encontrara o lugar ideal. Não propriamente em Los Angeles, que se achava demasiado povoada de terapeutas sexuais, como ele não tardara a verificar, além de que as propriedades na área central da cidade atingiam preços astronómicos. No entanto, obedecendo a conselhos de entendidos - Kile sempre fora um investigador arguto, mesmo quando estudava Direito na Universidade de Columbia e, conquanto exercesse a actividade de advogado de assuntos fiscais, os seus conhecimentos e interesses abarcavam uma larga gama , encontrara a comunidade na qual o amigo poderia prosperar, uma hora a norte de Los Angeles.

 

Tratava-se de Hillsdale, uma cidade em desenvolvimento na estrada marginal, com trezentos e sessenta mil habitantes. Embora houvesse numerosos psiquiatras e psicólogos, ainda não aparecera um único terapeuta sexual. Roger Kile certificara-se, através dos contactos apropriados, de que o primeiro que aparecesse, rodeado da necessária aura de competência e de uma equipa de delegadas treinadas e profissionais não deixaria de ter clientela, pois os seus informadores revelaram-lhe que Hillsdale contava com um número apreciável de pessoas menos equilibradas no campo da sexualidade.

 

Em seguida, procurou dois agentes de venda de imóveis merecedores de confiança, os quais não tardaram a acompanhá-lo a quatro pequenos prédios de escritórios que pareciam constituir possibilidades. Freeberg escolheu imediatamente o mais conveniente - uma construção desocupada de dois pisos, situada mais ou menos a meio da Market Avenue e a três quarteirões da concorrida Main Street. Depois disso, todas as peças se ajustaram rapidamente nos seus lugares. O médico recorreu a um jovem e excelente arquitecto para remodelar o edifício segundo as linhas da clínica de Tucson, após o regresso ao Arizona, a fim de se desembaraçar das velhas instalações. Entretanto, Miriam ocupava-se da venda da casa em que viviam.

 

Visitaram Hillsdale quatro vezes no período subsequente. Enquanto Freeberg assistia à remodelação da clínica, ela procurava uma nova residência e descobriu uma maravilhosa construção de oito divisões, a cerca de cinco quilómetros do local de trabalho do marido.

 

Este principiou imediatamente a instalar o pessoal necessário na clínica. Por intermédio do Dr. Stan Lopez, médico generalista que ele se habituara a respeitar, conseguiu contratar Suzy Edwards para secretária pessoal, pois Lopez utilizava-a como auxiliar em regime de part-time e sabia que ela ansiava por um lugar a tempo inteiro. Freeberg entrevistou-a - uma ruiva de ar solene e interessado com cerca de trinta anos - e verificou que convinha perfeitamente para aquilo que pretendia. Em seguida, admitiu Norah Ames para enfermeira e Tess Wilbur, para recepcionista.

 

Depois, Freeberg enviou cartas pessoais a todas as pessoas relacionadas com a medicina da região que conhecera em congressos e seminários, a fim de anunciar a abertura da Clínica Freeberg, em Hillsdale, Califórnia, e oferecer tratamento e a utilização de delegados sexuais de ambos os sexos, quando considerassem necessário; e, enquanto não chegavam as respostas, intensificou a procura de candidatos ao quadro clínico do estabelecimento. Para tal, escreveu a psicanalistas de Hillsdale e terapeutas de Los Angeles, Santa Bárbara, São Francisco, Chicago e Nova Iorque. Transcorridas algumas, poucas, semanas, recebeu vinte e três pedidos de candidatura a delegados sexuais e, ao mesmo tempo, começaram a chegar referências de pacientes necessitados daquele tipo de tratamento, através das quais ele se inteirou de que careceria de cinco delegados, quatro mulheres e um homem, além dos serviços de Gayle Miller, a qual não tardaria a trocar Tucson por Hillsdale.

 

À medida que as candidatas a delegadas se apresentavam, Freeberg começava a observá-las, por meio de entrevistas individuais, algumas de breve duração, quando não reuniam as qualificações necessárias. Se alguma indicava como motivação a perspectiva de um trabalho interessante, era imediatamente rejeitada. Com efeito, o trabalho interessante não constituía razão suficiente para enveredar por semelhante actividade.

 

As entrevistas mais longas destinavam-se às mulheres bem motivadas. Havia divorciadas, sem filhos a viverem em suas casas, que tinham tido maridos inadequados. Outras haviam-se visto a contas com problemas relativos a amantes que sofriam de disfunções sexuais. Outras ainda tinham observado perturbações sexuais nos pais, irmãos ou outros familiares. Todas as candidatas, independentemente das suas ocupações anteriores, achavam-se dominadas pelo desejo comum de auxiliar sexualmente homens incapacitados a tornarem-se viris e normais.

 

Freeberg mantinha sempre em mente, durante as entrevistas, as palavras que certa vez ouvira a um colega: "Uma boa delegada é sensível, compassiva e emocionalmente madura." Uma delegada qualificada era uma mulher que também se sentia confortável com o seu próprio corpo e sexualidade. Todas as que ele considerava seriamente, se, de momento, não eram casadas, deviam possuir um relacionamento sexual normal, saber que eram sexualmente responsáveis e tinham plena confiança na sua feminilidade. E, acima de tudo, deviam arder de desejo de curar os elementos sexualmente feridos da população masculina.

 

Por último, viu-se reduzido a quatro candidatas altamente prometedoras - Lila Van Patten, Elaine Oakes, Beth Brant e Janet Schneider, as quais, uma vez treinadas, constituiriam o grupo perfeito para se juntarem a Gayle Miller.

 

Freeberg só procurara um delegado sexual do sexo masculino, pois os homens tinham muito menos procura para se ocuparem de pacientes disfuncionais do sexo contrário. Na verdade, ele descobrira que um delegado masculino não se adaptava ao sistema de valores da maioria das mulheres. No fundo, tratava-se da velha insensatez que predominava nos anos oitenta: se um homem tinha numerosas mulheres, estava em forma, era um garanhão. Por outro lado, se uma mulher tinha relações íntimas casuais com muitos homens, era uma estouvada. De um- modo geral, fazer amor com um desconhecido - neste caso, um delegado sexual - era impensável segundo os padrões sociais americanos. Por via de regra, as mulheres, muito mais do que os homens, necessitavam de tempo para criar uma relação satisfatória. Mas os tempos estavam a mudar e ali era a Califórnia. Freeberg providenciaria para que houvesse uma paciente de vez em quando, pelo que precisaria pelo menos de um delegado sexual, e, nas entrevistas, apenas um, candidato pareceu reunir as condições indispensáveis. Tratava-se de um jovem do Orégão, experiente, interessado no seu desenvolvimento pessoal, ponderado, terno e animado do sincero desejo de contribuir para que as pacientes sofredoras regressassem à normalidade. Chamava-se Paul Brandon e, de entre os vários que Freeberg entrevistou, foi o único que se lhe afigurou prometedor.

 

Naquele momento, a porta do gabinete abriu-se e ele emergiu das meditações.

 

- Acabam   de chegar, doutor - anunciou   a ruiva secretária pessoal, Suzy Edwards. - Os delegados que escolheu. Estão na sala geral, à sua espera.

 

Ele sorriu e separou o corpo entroncado da cadeira rotativa.

 

- Obrigado, Suzy. Chegou a hora de subir o pano.

 

O Dr. Arnold Freeberg desligou a instalação sonora que fornecia música em surdina, abandonou o gabinete e encaminhou-se em passos firmes para a extremidade mais afastada da sala geral - uma dependência de dez metros que se assemelhava a uma sala de estar esparsamente mobilada. Aqui e ali, no chão, viam-se colchões e, ao fundo, o sofá voltado para os cinco delegados, cujas idades variavam entre os vinte e oito e quarenta e dois anos, sentados em cadeiras de dobrar, em semicírculo.

 

Freeberg saudou-os com uma inclinação de cabeça e um sorriso, satisfeito por observar que todos se achavam trajados irrepreensível mente e alerta. Sabia que se sentiam à vontade, pois a enfermeira, Norah, já os apresentara uns aos outros, mas isso não impedia que exibissem expressões de expectativa.

 

Ele sentou-se no sofá, reclinou-se e cruzou as pernas, antes de principiar, como se procedesse à chamada:

 

- Janet Schneider, Lila Van Patten; Beth Brant, Elaine Oakes, tenho muito prazer em as ver aqui. Sejam bem-vindas à Clínica Freeberg. Antes de mais, quero anunciar-lhes que todas, sem excepção, estão qualificadas, altamente qualificadas, para se tornarem; valiosas e úteis delegadas. - Fez uma breve pausa, enquanto se apercebia da imediata e unânime satisfação delas pelo que acabavam de ouvir. - Falar-lhes-ei hoje do programa de treino, que principia nesta sala, amanhã, às nove horas, e se desenrolará inteiramente sob a minha orientação, cinco dias por semana, durante seis semanas. Só na fase final intervirão pessoas estranhas. Quando chegarmos ao ponto ao contacto pénis-vagina, necessitarei da colaboração de quatro homens e uma mulher recomendados pela Associação Internacional de Delegados Profissionais de Los Angeles, antigos pacientes (ou clientes, como alguns lhes chamam actualmente), que outrora sofreram de problemas sexuais, sujeitaram-se a cursos completos de exercícios com terapeutas de renome e delegados experientes e foram considerados curados e em condições de enfrentar as suas respectivas vidas íntimas.

 

"Para já, elucidá-las-ei acerca do período de treino, para que saibam com o que devem contar. Será um monólogo, pois falarei sem pausas. Por conseguinte, se tiverem perguntas a fazer, guardem-nas para depois de eu terminar. Por outro lado, estenografarei, por assim dizer, toda a matéria a abordar, para fornecer apenas os tópicos, já que o fulcro se apresentará ao longo do período de treino. De qualquer modo, não se preocupem com as que não lhes ocorrerem hoje, pois poderão fazê-las à medida que formos trabalhando, a partir de amanhã.

 

"Antes de prosseguir, quero esclarecer um ponto, salientou, voltando-se para Paul Brandon. "Como a maioria dos pacientes que se nos depararão será do sexo masculino, concentrar-me-ei nas actividades das nossas delegadas que se ocuparão deles. No entanto, quase tudo o que eu abordar aplica-se-lhe igualmente, na sua qualidade de delegado masculino que trabalhará com pacientes femininas. Nos casos em que houver excepções no tratamento, debruçar-nos-emos sobre o assunto no momento oportuno.

 

Introduziu a mão na algibeira e extraiu uma caixa de cigarrilhas.

 

- Podem fumar, se ninguém for de opinião contrária, ou mascar pastilhas de goma ou de mentol. - Enquanto acendia uma, viu Brandon puxar do cachimbo e bolsa de tabaco, ao passo que Lila Van Patten procurava um maço de cigarros na carteira. - Comecemos pelos pormenores básicos. Por que foram escolhidos para servir de parceiros ou delegados sexuais? Não me norteei pelo aspecto físico ou aquilo a que se convencionou chamar sex appeal, mas por qualidades globais mais importantes. Vi em cada um de vós as da compaixão, ternura e verdadeira preocupação pelas outras pessoas menos saudáveis. Possuem em comum uma apreciação de dar, receber, tocar e o desejo de partilhar o que têm para oferecer.

 

"Principiemos por Masters e Johnson, os verdadeiros pioneiros da utilização de delegados sexuais. William Masters veio de Ohio, estudou medicina na Universidade de Rochester e, mais tarde, iniciou um programa de investigação do funcionamento sexual na Faculdade de Medicina da Universidade de Washington. Dois anos depois, reconhecendo que necessitava de uma associada, contratou Virgínia Johnson, uma moça da campo do Missuri, divorciada e mãe, que frequentara aulas de psicologia, mas não dispunha de qualquer formatura universitária. No entanto, constituíram uma equipa de investigação perfeita e como decerto não ignoram, acabam por casar.

 

"Como não tardaram a compreender, a terapêutica verbal - livre associação, perguntas e respostas - não bastava para os pacientes mais desesperados. Com efeito, concluíram que os do sexo masculino necessitavam de "alguém para se apoiar, conversar, trocar confidências e, sobretudo, dar e receber durante a fase aguda sexualmente desfuncional da terapêutica". Creio que foi assim- que surgiu a ideia das delegadas sexuais, em 1957. Havia homens com; problemas dessa natureza graves que não podiam contar com parceiras colaboradoras, casadas ou não, para os acompanhar no tratamento e outros nem sequer tinham amigas. Deveriam ser penalizados por não disporem de parceiras sexuais dispostas a participar na terapêutica? "Esses homens são inválidos da sociedade", costumava Masters dizer. "Se não recebem tratamento, existe discriminação de um segmento da sociedade em relação ao outro". Assim, para os tratar, Masters e Johnson começaram a treinar parceiras, delegadas sexuais, para trabalharem com eles sob a orientação dos dois terapeutas.

 

"E o novo tratamento foi extremamente bem sucedido. Em onze anos, utilizaram-nas para se ocuparem de quarenta e um homens solteiros, trinta e dois dos quais viram os seus problemas sexuais resolvidos, totalmente superados, graças à intervenção das delegadas sexuais, o que constitui um resultado impressionante. E posso garantir a eficiência dos meios empregados, porque, na minha actividade anterior noutro lugar, contei como uma delegada excelente que se ocupou de cinco pacientes gravemente incapacitados e sexualmente inadequados e, em todos os casos, os sintomas e desaires foram invertidos e curados.

 

"Em 1970, como devem ter lido, Masters e Johnson abandonaram a utilização das delegadas sexuais. Constou que uma delas, sem o conhecimento deles, era casada e o marido moveu-lhes um processo por alienação de afecto. Por conseguinte, para não comparecerem no tribunal e fomentar um escândalo que a Imprensa não deixaria de explorar, chegaram a acordo com o queixoso e puseram termo à actividade. Espero que a história não se repita, no meu caso. Tanto quanto pude averiguar a vosso respeito, três são divorciadas e nenhuma das quatro é actualmente casada. Outra coisa que desencantou Masters e Johnson foi a descoberta de que muitas delegadas não só exerciam essa função como também tentavam proceder como terapeutas. Evidentemente que nunca permitirei que uma coisa dessas aconteça.

 

"De qualquer modo, a inadequação sexual é, como sabem, a causa invocada com maior frequência para o divórcio, nos Estados Unidos. Há alguns anos, William Masters descobriu que, de entre os quarenta e cinco milhões de pessoas casadas neste país, metade era sexualmente incompatível. Hoje em dia, os números poderão diferir um pouco, mas nós sabemos que se deve, e pode, fazer algo para tornar as mais afectadas nesse capítulo saudáveis e felizes."

 

Freeberg inclinou-se para baixo, a fim de pegar num cinzeiro do chão e tornou a pousá-lo, depois de esmagar nele a cigarrilha. O gesto serviu de ponto de separação de assuntos. A seguir, passaria a um aspecto mais específico do treino.

 

- Ocupemo-nos agora dos trabalhos. O curso terá a duração de seis semanas, sob a minha orientação. Receberão uma lista das obras de literatura profissional para consultar e haverá aulas extraordinárias, durante as quais interrogarei cada uma mais minuciosamente sobre a sua experiência sexual e reacções perante os vários parceiros adequados com que estiveram envolvidas. Procurarei ensinar-lhes diversas técnicas de conselhos de que poderão necessitar em relação aos pacientes. Receberão descrições e demonstrações profundas do funcionamento sexual masculino e feminino, para disporem de conhecimentos fisiológicos e psicológicos. Discutiremos em pormenor, sobretudo no tocante a homens de funcionamento sexual deficiente, o seu problema, assumindo o papel de espectadores às suas actuações.

 

"Mas, e isto reveste-se de suma importância, receberão um; curso completo da terapêutica sexual de delegados, aprendendo e experimentando o que os pacientes sentirão. Na verdade, agora mesmo, embora sem especificar demasiado, vou descrever os passos e exercícios que partilharão com eles.

 

"Encontrar-se-ão com cada paciente três ou quatro vezes por semana, em sessões limitadas a duas horas cada uma. Que espécie de disfunções sexuais podem esperar? Por vezes, os problemas serão simples: um paciente com baixo apetite sexual, outro que é ingénuo e socialmente timorato e isolado ou mesmo algum ainda virgem. No entanto, na maior parte dos casos, deparar-se-lhes-á aquele que tem dificuldades de erecção ou ejaculações prematuras ou ainda é incapaz de experimentar o prazer sexual. Tratando-se de uma mulher, pode aparecer uma sem orgasmos, incapaz de alcançar o clímax, nem mesmo através da masturbação. Revelar-se-á mais interessante a que sofre de vaginismo, que consiste num espasmo muscular vaginal responsável por relações sexuais difíceis ou mesmo dolorosas.

 

"Como procederão para curar todas essas disfunções humanas? Tudo se resume na realidade a ensinar o paciente a manter o contacto com as suas sensações e estar confortável com a intimidade. O cliente procura-nos para que o ajudemos. A finalidade da vossa tarefa consiste em desenvolver, manter e assegurar uma relação íntima, o que envolve partilhar sensações e atitudes. Ora, isto só se consegue numa base gradual, para remover as inibições do paciente e torná-lo mais consciente da sua sexualidade e da sua parceira. Muitos têm pressa de chegar ao fim, obter resultados imediatos. Na verdade, alguns dizem para consigo: "Por que me tenho de sujeitar a todos estes disparates preliminares? Quando entramos no que interessa?" Mas, independentemente da sua impaciência, vocês, delegadas, devem ter presente que a operação leva o seu tempo, e eles compenetrar-se-ão disso.

 

"O processo principia e continua como segue. O paciente com problemas procura-me para tratamento. Antes de mais, providencio para que seja examinado por um médico de clínica geral, para garantia de que não existem perturbações físicas, como, por exemplo, deficiências hormonais ou alguma doença. Se o problema não se deve a causas dessa natureza, recebo o paciente e escuto a sua história sexual, o que, de um modo geral, me permite determinar as características das suas anomalias. Faço-lhe perguntas do género de "Quando crescia, a nudez era tolerada em sua casa? Havia muitos beijos, abraços, carícias na sua família?" As respostas costumam ser negativas. Mais tarde, com a maturação, ele tem a sua primeira experiência sexual, em regra negativa. A partir daí, sente-se alarmado. Ao conversarmos, tento acalmá-lo explicando que o medo e ignorância lhe cerceiam as reacções e, com o tempo, e ajuda apropriada, se libertará deles e o sexo assumirá um aspecto tão natural como a respiração.

 

"Quando chega a vossa vez de intervir como delegadas e auxiliar-me no tratamento, devem compreender que as razões das dificuldades do paciente são de duas espécies: em primeiro lugar, deparam-se-lhe obstáculos na comunicação com os outros seres humanos; em segundo, tem uma estima muito baixa pelas suas capacidades sexuais. Para resolver esses problemas, vocês devem levá-lo a reconhecer que não o acariciam porque pretendem excitá-lo e conduzir ao orgasmo, mas porque sentem prazer com isso. Como não somos uma sociedade orientada para o prazer, não costumamos permitir-nos saborear algo de agradável, a menos que nos esforcemos nesse sentido. Na grande maioria, não experimentamos o prazer pelo prazer em si, sem lutar por isso ou retribuí-lo de algum modo. O vosso objectivo fundamental com um paciente consiste em experimentar prazer e, ao mesmo tempo, transmitir essa satisfação ao parceiro.

 

"Como referi, escuto a história sexual do paciente e troco impressões com ele. A seguir, tento descobrir com qual de vocês será mais compatível. Conhecedor da sua idade, educação, meio social e interesses, procuro juntá-lo com aquela que tenha mais possibilidades de lhe satisfazer as necessidades. Depois, informo-o dessa realidade tudo o que se relaciona com ele e preparo um encontro entre os três.

 

"Posto isto, confio-o inteiramente à delegada, a qual deverá fornecer-me um relatório minucioso, em geral gravado, mas que também pode ser pessoalmente, na sequência de cada sessão. De vez em quando, chamá-las-ei para discutirmos o caso e porventura procedermos a pequenos reajustamentos. Por outro lado, encontrar-me-ei regularmente com o paciente, para me inteirar do que pensa sobre o assunto.

 

Fez uma pausa e observou os cinco delegados sentados na sua frente, que escutavam atentamente.

 

- A vossa missão junto do paciente reside em pôr em prática aquilo que aprenderão nas próximas seis semanas. Executarão uma série de exercícios sensuais com ele, a cada um dos quais chamamos fonte de sensação. O vosso primeiro encontro e todos os subsequentes ocorrerão na intimidade de vossa casa e serão de natureza social e de trabalho, em partes iguais. A faceta social destina-se a pôr o convidado timorato à vontade. Podem oferecer-lhe uma bebida de preferência chá ou um refrigerante. Nunca álcool ou estimulantes de qualquer espécie. Lembrem-se de que pretendem activar o potencial do paciente para se expandir sem ajuda externa. Portanto, saboreiam os refrescos e, inteiramente vestidos, conversam do que lhes apetecer: do tempo, modas, desporto, etc. Falam-lhe um pouco da vossa vida, numa tentativa para o descontrair.

 

"Finalmente, nessa primeira sessão, passam às carícias manuais. Na realidade, é a coisa menos enervante que podem fazer. Focam o interesse no sentido do tacto. Começam por demonstrar uma carícia manual. Pedem-lhe que feche os olhos e fazem o mesmo. E não falam. Não queremos intromissões visuais ou verbais para confundir a reconfortante carícia. Durante a sessão seguinte, passam às carícias do rosto. Tocam nas várias partes das faces, movendo os dedos com lentidão e suavidade. Depois, é a vez deles de o fazerem nas vossas. É extremamente relaxante e sensual. Esclareço que os exercícios não necessitam de obedecer a uma sequência rígida. Podem modificar ou alterar a sua ordem, consoante a situação ou circunstâncias. Na terceira sessão, se tudo está a correr normalmente, procedem ao lava-pés. Sim, trata-se literalmente de um lava-pés. Mantêm-se vestidos, mas descalçam-se, mergulham-nos em água tépida e friccionam-nos.

 

"Só na quarta sessão passam à nudez inicial. Cada um despe-se ou fá-lo um ao outro, se preferirem. Em regra, isto não constitui um problema, mas às vezes reveste-se de certas dificuldades. Muitas pessoas estão habituadas a despir-se às escuras. Durante a adolescência, não se preocupavam com o facto de estarem desnudas num vestiário, embora houvesse quem estranhasse que outros possuíam pénis maiores ou musculatura mais desenvolvida. E também não sentem relutância em expor o corpo diante de um médico ou uma enfermeira. Mas depois de enfiarem roupa de sair à rua, despi-la pode revelar-se uma operação mais delicada. Em geral, não se registam problemas de maior, porque todos os homens estão habituados a desnudar-se quando têm relações sexuais.

 

"Por conseguinte, vocês estão ambos despidos e procedem ao exercício denominado imagismo corporal", em que a delegada se coloca diante de um espelho alongado, enquanto o paciente a observa, e indica várias partes do corpo, da cabeça aos pés, para depois confessar honestamente o que lhe agrada e desagrada na sua anatomia. A seguir, ele faz o mesmo. - Durante este exercício, cada um aprende muito sobre si próprio e o outro."

 

Fez nova pausa para extrair outra cigarrilha da caixa e acendê-la, após o que consultou o relógio digital.

 

- Como não as quero aborrecer desnecessariamente, tentarei abreviar um pouco. De qualquer modo, tudo o que menciono será demonstrado ao longo do treino. Após o imagismo corporal, vem o banho sensual (que pode ser de imersão ou chuveiro), juntos, em água tépida, com o emprego do sabonete como lubrificante. Na sessão seguinte, procedem a carícias nas costas, também desnudos, para depois passarem às frontais, sem tocar nos seios ou órgãos genitais, antes de se dedicarem à imediata, em que lhes tocam sem restrições. Mas apenas superficialmente. Os seios e os órgãos genitais não recebem mais atenção que o nariz ou o pescoço, por exemplo.

 

"Na sessão seguinte, surge o prazer genital sem exigências, que consiste no que a designação indica. O paciente deita-se de costas e a delegada acaricia-lhe os órgãos genitais. O objectivo cifra-se, não em estimular ou excitar, mas na concentração de proporcionar prazer a alguém, e ele não precisa de retribuir. Durante o encontro a seguir, a delegada deve tentar duas coisas. Uma é a digressão anatómica e a outra uma coisa a que chamamos "O Relógio". Efectuamos a digressão anatómica, porque muitos homens, embora familiarizados com os seus pénis, não fazem a menor ideia do aspecto do órgão genital da mulher. Em regra, metem-se na cama, tacteiam na escuridão, esperançados em localizar o sítio apropriado, e penetram. Ora, na digressão anatómica, a delegada utiliza uma lanterna eléctrica e um especulo para explicar ao paciente o que contém. Depois, executa "O Relógio", em que considera que a vagina tem um relógio dentro, com os números um a doze em volta. Indica ao paciente que introduza um dedo e exerça pressão na uma hora, seis ou sete, para que possa verificar como a mulher reage diferentemente, consoante o ponto premido. Por vezes, pode deixá-lo manter o dedo dentro até experimentar o orgasmo, a fim de ele se familiarizar ainda melhor com o fenómeno.

 

"Nesta fase da terapêutica, a delegada verá claramente que o paciente apresenta erecções, parciais ou totais. Mas mesmo que o pénis se mantenha quase flácido, posso garantir que ele sente alguma espécie de erecção. A partir desse momento, está preparado para os exercícios finais, porventura os últimos dois ou três. Se sofre de ejaculação prematura, ela controla-o com facilidade por meio do famoso método do apertão, que será praticado suficientemente ao longo do treino. Chegamos assim ao derradeiro acto, o qual consiste, como é óbvio, na penetração e relação sexual bem sucedida. Procede-se do seguinte modo...

 

Freeberg continuou a falar durante cerca de dez minutos, consciente de que era alvo da profunda atenção dos alunos. A cigarrilha apagara-se e ele depositou-a no cinzeiro. Em seguida, levantou-se, espreguiçou-se, acendeu outra, sorriu e anunciou:

 

- Podem fazer   perguntas.

- Tornou   a   afundar-se no sofá e ergueu as palmas das mãos. - Têm a palavra.

 

Lila Van Patten foi a primeira a manifestar-se:

 

- Podemos falar das nossas actividades aos amigos e conhecidos?

 

- Por que não? - replicou Freeberg. - Em caso algum- devem revelar as identidades dos pacientes, que é rigorosamente confidencial, mas se desejarem referir-se à natureza do trabalho que executam, não existe qualquer impedimento. Devo, porém, preveni-los de um problema:   a aceitação por parte   do   público.   Haverá quem as considere prostitutas. Certas mulheres escandalizar-se-ão ao inteirarem-se de que fazem amor com desconhecidos por dinheiro e muitos homens julgá-las-ão alvos fáceis. Por conseguinte, terão de reflectir bem antes de falar.

 

- E se um cliente ficar ao rubro e quiser saltar da fase quatro para a catorze, imediatamente? inquiriu Beth Brant. - Por outras palavras, omitir as intermédias e abordar o coito o mais depressa possível?

 

- Acontece com certa frequência - admitiu o médico, com uma inclinação de cabeça. - No instante em que   lhe tocam   nos órgãos genitais, encara o gesto como um convite para a penetração imediata. Mas o seu problema é precisamente esse. Passa da fase quatro à catorze, porque está muito ansioso por lá chegar e perde todos os pormenores excitantes intermédios. Uma tentativa de semelhante natureza deve ser desencorajada à nascença.

 

- Tomei apontamentos, quando se referiu às carícias   no   rosto - disse   Janet   Schneider,   indicando   o bloco-notas   que   tinha   sobre   os   joelhos. - Trata-se apenas de carícias? E se ele quiser passar aos beijos?

 

- Não há qualquer inconveniente nisso. Deixem-no fazê-lo e orientem-no. Há muitos homens que possuem escassa experiência na matéria.

 

Voltou a consultar o bloco e insistiu:

 

- Quando ele me tocar nos órgãos genitais, posso sentir   a   aproximação   de   um   orgasmo.   Que   faço, nesse caso?

 

- Deixe-o acontecer - explicou Freeberg, com uma expressão solene. - Em todo o caso, tente ocultar a reacção   exterior,   se   possível,   porque pode   assustar o paciente e levá-lo a sentir-se ainda mais inadequado. Por outro lado, pode contribuir para o excitar e julgar-se viril. Trata-se, mais uma vez, de uma situação que vocês terão de resolver na altura.

 

Foi a vez de o único delegado do sexo masculino, Paul Brandon, expor uma dúvida:

 

- Trabalhamos desnudos a partir do ponto do imagismo corporal?

 

- A partir daí, sempre. Aliás, acabarão por se habituar e nem repararão nisso.

 

- Não tenho problemas a esse respeito - esclareceu. - Estava apenas interessado na informação.

 

- É a minha vez - acudiu Elaine Oakes. - A penetração e eventual coito não oferecem perigo?

 

- Posso assegurar que os pacientes serão examinados minuciosamente. Por conseguinte, aqueles com os quais trabalharem não sofrerão de qualquer doença venérea.

 

- Referia-me à fecundação.

 

- Bem,   suponho que todas tomam a pílula, de contrário uma alternativa consiste na utilização de um diafragma, na eventualidade do coito.

 

Freeberg olhou em volta, na expectativa, com uma expressão sorridente. Parecia não haver mais perguntas, todavia a palavra "coito" suscitara uma, pelo que ele olhou os ouvintes por uns instantes e proferiu:

 

- É a minha vez de perguntar uma coisa. Agora que tomaram conhecimento da natureza do trabalho, alguém deseja retirar a candidatura?

 

Os cinco rostos na sua frente permaneceram imóveis e ninguém se pronunciou.

 

- Óptimo - acrescentou, com brandura, pondo-se de pé. - Espero-os aqui, nesta sala, às nove da manhã, para   iniciarem   o   treino   que   os   tornará   delegados sexuais profissionais. Que Deus os abençoe.

 

TINHAM   passado   seis   semanas   e   um   dia,   e   o Dr. Arnold   Fnesberg encontrava-se sentado atrás da secretária, às duas horas menos dez da tarde, à espera de que principiasse a última reunião de grupo. Olhando pela janela, observou que aquele dia de meados de Julho se apresentava encoberto, algo ameaçador, e lamentou que não brilhasse o sol, pois sentia o íntimo inundado de raios solares. O período de treino cansativo constituíra um êxito absoluto. Ele dispunha agora de uma excelente equipa de seis delegados sexuais e ansiava por utilizá-los.

 

Enquanto aguardava que chegassem, evocou o que fizera durante a manhã. Escutara mais uma vez as gravações dos seus primeiros quatro pacientes, enviadas por colegas, todas acerca de homens disfuncionais. Ainda não havia nenhuma representante do sexo feminino para Paul Brandon, todavia Freeberg sabia que várias estavam a ser consideradas por psiquiatras, pelo que não tardaria a estar ocupado. Freeberg confiara as gravações a Suzy, para que as transcrevesse no seu processador de palavras.

 

Em seguida, recebera Gayle Miller, a sua delegada em Tucson, que chegara na semana anterior, depois de completar a formatura na Universidade do Arizona e resolver os assuntos que ainda a prendiam ao local de origem. Tinham-se visto poucas vezes durante aqueles oito dias - à parte a visita que efectuara à clínica, quando Freeberg a apresentara aos colegas, porque ela necessitara de tempo para encontrar um bangalô em Hillsdale e instalar-se. Por outro lado, entretivera-se a preparar o ingresso na Ucla a fim de se doutorar em psicologia, e redigir o pedido de uma bolsa de estudo ou auxílio financeiro, entregando todos esses documentos, juntamente com a transcrição do diploma da Universidade do Arizona e três cartas de recomendação desta última.

 

Quando Gayle Miller aparecera naquela manhã, para ajudar na preparação da cerimónia de final do treino, Freeberg ficara tão satisfeito de a ver e impressionado com a sua presença profissional confiante, que a convidara para almoçar no Market Grill, perto da clínica. E, enquanto a acompanhava, não pudera deixar de reconhecer para consigo que se tratava da mais atraente das suas delegadas.

 

Sentados num reservado, notou mais uma vez como era graciosa e bonita, numa blusa de seda rosa,, apertada na cintura por uma faixa amarela, que encimava a saia de xadrez, a qual aderia aos quadris, quando caminhava. Analisando-a mentalmente, enquanto consultava a ementa, Freeberg admitia sem reservas que a presença dela infundia confiança. Tinha cabelo preto brilhante cortado curto, que emoldurava o rosto de características de uma boneca de porcelana oriental. Atrás dos largos óculos escuros, havia uns olhos verdes algo rasgados, e, abaixo, um nariz arrebitado e boca de lábios generosos. O resto do corpo, segundo recordava, revelava-se igualmente deslumbrante, pois vira-a desnuda várias vezes, seis anos atrás, em Tucson, durante o treino para delegada. Tinham-lhe ficado gravados indelevelmente na memória os ombros alabastrinos, os seios cheios e firmes, com bicos castanhos bem pronunciados, a cintura flexível, quadris estreitos e coxas proporcionadas, uma das quais com uma marca de nascença. Tentou lembrar-se... Media cerca de um metro e sessenta e cinco, segundo rezava a respectiva ficha da época. E, num recanto da memória, Freeberg tinha a vaga ideia de uma tragédia qualquer no passado da jovem, que motivara a candidatura a delegada sexual.

 

Também se recordava perfeitamente de que os pormenores importantes acerca de Gayle Miller não

 

University of California, Los Angeles. (N. do T.)

 

eram os físicos. Com efeito, revelara-se inteligente, adaptável, franca e possuidora de uma personalidade admirável. E contribuíra decisivamente para que ele fosse bem sucedido com os pacientes mais perturbados e aparentemente irrecuperáveis.

 

Ao almoço, Freeberg seguira-lhe o exemplo ao pedir um hamburger com salada mista, e congratulara-se mais uma vez com a ideia de que aquela experiente mulher de vinte e sete anos era a chefe da sua equipa.

 

Mas isso fora antes. Agora, sentado à secretária, ele viu que eram duas horas e os delegados começavam a chegar. Saudou cada um à medida que apareciam e ocupavam informalmente os seus lugares no sofá à sua frente ou cadeiras. Consultou os apontamentos, decidido a não se alongar muito em considerações, para depois mandar entrar Gayle Miller da sala de Suzy, a fim de a apresentar e deixá-la pronunciar umas palavras finais.

 

Sem se levantar, reclinou-se na cadeira rotativa estofada e contemplou o grupo por um momento, antes de principiar:

 

- Sejam bem-vindas. Tiveram um dia de folga, ontem, e espero que o aproveitassem bem para se recomporem do período de treino. Para dizer a verdade, senti-lhes a falta. Tornámo-nos tão íntimos nas últimas seis semanas, que podemos considerar-nos uma pequena família. Não os convoquei para mais uma prelecção. Bastou a que tiveram de ouvir na véspera do início do treino e as instruções suplementares durante esse lapso de tempo. Penso que estão perfeitamente aptos a encetar o trabalho. Gostava, porém, que mantivessem uma coisa bem presente no espírito. Tentei, com cada um, estabelecer uma ponte, uma ponte humana, destinada a permitir que pessoas com problemas de natureza sexual possam atravessar do lugar em que se encontram (um mau lugar) para outro melhor, onde desejam e devem estar, que as restituirá inteiramente à vida, não só sexualmente, mas também nas suas carreiras e assuntos pessoais. Recordem-se de que os pacientes pretendem aprender uma coisa: a maneira de ser criaturas humanas merecedoras de amor. Procuram-nos com as suas perturbações e desespero íntimo. Na realidade, surgem suplicantes, como se dissessem: "Não sei o que fazer com o meu problema. Ajudem-me, por favor."

 

"Amanhã, iniciaremos a actividade. Elaborei um horário para me encontrar convosco e os pacientes de manhã e à tarde. No dia seguinte, cada um de vocês actuará quase independentemente, à parte os relatórios que continuarão a apresentar-me. Antes de nos separarmos, receberei cada um separadamente para discutirmos as primeiras tarefas. E nada mais tenho a dizer de momento, pelo que se me refere. Agora, vou chamar Gayle Miller, a delegada que utilizei em Tucson, antes de iniciarmos o nosso treino. Foi-lhes apresentada a semana passada, quando me veio cumprimentar, mas não tiveram oportunidade de conversar. Julguei conveniente que lhes descrevesse algumas das suas experiências e proporcionasse a oportunidade de fazerem as perguntas que não lhes ocorreram no passado."

 

Antes de abandonar o gabinete da secretária Suzy, a fim de entrar no ambiente mais impressionante do de Freeberg, Gayle Miller hesitou e perguntou:

 

- Que lhes digo?

 

- Receia pisar o palco? - replicou ele, com um sorriso. - Entre e proceda como lhe parecer natural. Sente-se atrás da minha secretária ou fique de pé ao lado, se preferir. Converse com eles informalmente, sobre o seu trabalho. Estão à sua espera, cordiais, mas apreensivos. Escutaram-me com atenção, mas, para eles, estou um pouco afastado do cenário principal. Ao invés, o que você lhes disser, provirá dos lábios de quem frequentou o campo de batalha e servirá para se tranquilizarem. Deixe-os ouvir a voz da experiência, durante alguns minutos, e, se fizerem perguntas, responda com a maior sinceridade. É uma coisa perfeitamente ao seu alcance. Boa sorte.

 

Uma vez no gabinete de Freeberg, ela decidiu permanecer de pé atrás da secretária. Os cinco novos delegados mostravam-se atentos, ansiosos, receptivos e, também, um pouco curiosos.

 

- Já conhecem a maneira de proceder - começou, após um longo silêncio. - Apenas lhes posso falar da minha própria experiência com o Dr. Freeberg nos cinco casos que se me depararam em Tucson. Dois eram de homens que não conseguiam obter ou manter uma erecção, dois outros sofriam de ejaculação prematura e o quinto revelava uma terrível timidez e falta de conhecimentos e o seu problema não consistia em levar uma mulher para casa, mas, ao encontrar-se lá com ela, transferi-la da sala ou da cozinha para o quarto e saber como devia proceder. Quero esclarecer que todos foram resolvidos satisfatoriamente.

 

- Fez   amor   com   todos? - perguntou   Janet Schneider.

 

- Refere-se a relações sexuais? Certamente. Os terapeutas gostam de dizer que não é esse o alvo do tratamento, mas ensinar o paciente a familiarizar-se com as suas sensações, a ser íntimo, encarar o sexo com naturalidade. Tudo isso corresponde à verdade, embora o objectivo supremo consista em relações bem sucedidas. Se um homem que não conseguia completá-las chega ao ponto de lhe ser possível como qualquer dos seus semelhantes,   penso   que   o   alvo   fundamental   foi alcançado.

 

No entanto, ela parecia não se achar ainda satisfeita.

 

- Que tem a dizer sobre a transmissão do vírus da SIDA durante o nosso trabalho? Corremos esse perigo?

 

- Deixem-me dizer-lhes com a máxima franqueza que se dedicam a uma actividade de alto risco - declarou Gayle. - Tanto quanto sabemos, o vírus da SIDA é transmitido através de fluidos do corpo ou do sangue de uma pessoa injectada. No vosso caso, podem ficar contaminadas por meio de relações sexuais ou injecção intravenosa e nunca por tocar meramente numa pessoa. O vírus não sobrevive muito tempo ao ar livre ou após esterilização. No entanto, repito, pode persistir nos fluidos do corpo e sistema circulatório. Embora executem um trabalho arriscado, vocês podem tomar determinadas precauções. Num encontro de delegados em Nova Iorque relacionados com a SIDA, fiz parte de um grupo que desenvolveu uma maneira de praticar o sexo com menos perigo. Em primeiro lugar, nada de beijos prolongados com os pacientes ou permuta de fluidos em qualquer altura. Em segundo, não permitir a penetração sem utilização de preservativos pelo paciente. E a delegada deve proteger-se duplamente   recorrendo a um espermicida.

- Baixou a voz. - Aqui para nós, eu não insisto no preservativo, desde que saiba que ele se submeteu ao teste do sangue para detectar a SIDA e resultou negativo. Quanto a mim, os preservativos são demasiado inibitórios para pessoas já de si inibidas. Muitos terapeutas exigem que a delegada se sujeite a um teste após cada penetração, o que se me afigura uma medida muito drástica, e o Dr. Freeberg é da mesma opinião. Ele contenta-se em as mandar efectuá-lo uma vez em cada três meses. De qualquer modo, observem as sugestões de segurança no sexo que expus, e haverá escassas probabilidades de sofrerem algum dissabor.

 

Antes   que pudesse   prosseguir,   registou-se   nova interrupção, agora de Lila Van Patten:

 

- Estava a preocupar-me com outra coisa. Na sua qualidade de delegada, como definiria uma erecção bem sucedida?

 

Gayle inclinou a cabeça e respondeu:

 

- A melhor definição foi dada por Masters e Johnson, e o Dr. Freeberg concorda. Se, após o tratamento, um homem anteriormente impotente consegue obter uma erecção e mantê-la em três de cada quatro encontros, pode cantar vitória. - Fixou o olhar no elemento masculino do grupo, Paul Brandon. - Quanto às pacientes que não alcançam o orgasmo, somos da opinião de Masters e Johnson, os quais afirmavam que dois orgasmos em cada quatro encontros constituíam uma indicação de triunfo. - Fez uma pausa, na expectativa de novas perguntas, que não se verificaram, e prosseguiu:

- Costumo dizer aos meus pacientes que não sou uma professora, mas uma parceira... uma parceira que sabe um pouco mais do que eles e deseja ajudá-los. Alguns eram advogados e especialistas de computadores e expliquei-lhes que, se tivessem um problema de natureza legal ou desejassem saber algo sobre informática, procurariam um perito nessas disciplinas.   Mas como a minha especialidade é o sexo, se lhes surgem dificuldades nesse âmbito, parece razoável que recorram aos meus préstimos para ficarem mais elucidados.

 

- Confiaram sempre em si? - quis saber alguém.

 

- Sempre,   não.   Por vezes,   mostravam   ressentimento, porque necessitavam de ajuda e sentiam-se dependentes de mim. De resto, em muitos casos desagrada-lhes recorrer a uma parceira temporária à qual têm de pagar. Sabem que entregam ao Dr. Freeberg cinco mil dólares pelo tratamento e que, dessa quantia, ele paga a cada uma de nós setenta e cinco por hora, ou cento e cinquenta por sessão de duas horas. Certa ocasião, um paciente disse-me: "Você está incluída na folha de assalariados do Dr. Freeberg, pelo que não a posso encarar como uma pessoa materialmente desinteressada." No entanto, acabou por mudar de ideias e a experiência ensinou-me que, se confiavam nele, não tardavam a entregar-se aos meus cuidados sem relutância. No fundo, não se trata de um problema importante.

 

Gayl e fez nova pausa e continuou:

 

- O grande problema consiste na atitude do homem inadequado. Se experimentou dificuldades, assume a atitude de espectador durante o acto sexual, em cada novo encontro, sem espontaneidade, apenas para ver se acontece alguma coisa. O verdadeiro problema é esse. Como o Dr. Masters disse: "Um homem impotente está traumatizado infinitamente mais acima do pescoço do que abaixo da cintura."

 

"Verifiquei que a maioria das perturbações principiava quando o paciente era jovem, talvez com menos de vinte anos. Nessa altura, apercebia-se de que não necessitava de dar ou receber toques ou carícias, porque se podia excitar com facilidade. De um modo geral, conseguia encontrar uma parceira condescendente que supunha que o sexo era só aquilo, disposta a robustecer-lhe os maus hábitos. No entanto, à medida que o nosso rapaz avançava nos anos, já não adolescente, mas com quarenta e cinco, descobria que a falta de experiência em brincadeiras preliminares, chamemo-lhes assim, intervinha em seu desfavor. Os seios expostos de uma mulher já não o excitavam como dantes e a erecção era mais difícil de alcançar. Como nunca dependera do contacto prévio, mas apenas do que via e pretendia, o entusiasmo decresceu rapidamente e começou a assolá-lo o pânico. Passou a procurar mulheres mais jovens e excitantes e, quando esse estímulo também deixou de funcionar, todo o seu sistema sexual se desmoronou e tornou-se disfuncional. Tudo isto pode modificar-se por meio de exercícios, fazendo o paciente familiarizar-se com as suas sensações, para que desfrute o prazer da intimidade. Em momento algum esses exercícios se podem considerar excessivos. Vocês aprenderão, como eu, que devem estabelecer firme comunicação com ele, não como técnica, mas como um ser humano, por meio de carícias constantes e sensualismo.

 

Esquadrinhou a memória, para ver se omitira alguma coisa, mas pareceu-lhe que não. Para os delegados, restavam, doravante, as relações e suas acções.

 

- Esta noite - acrescentou , receberei o meu primeiro caso em Hillsdale, e garanto-lhes que não será fácil. Trata-se de um jovem a contas com um problema que envolve a impotência e lhe afecta naturalmente o trabalho. Essa impotência deriva, segundo me foi informado, da preocupação obsessiva de que tem um pénis demasiado pequeno.

 

- E é? - perguntou Paul Brandon.

 

Por um instante, Gayle conservou-se silenciosa, surpreendida, com os olhos fixos no único homem do grupo de delegados. Por fim, dirigiu-se-lhe, tentando exprimir-se numa inflexão impessoal.

 

- Como deve saber, um pénis demasiado pequeno é coisa que não existe. Estou certa de que o meu paciente acabará por se comportar tão satisfatoriamente como qualquer outro homem... incluindo você. - Ainda algo irritada, voltou-se para as outras, a fim de concluir:

- Principiaremos amanhã. Espero que sintam tanta satisfação com o trabalho como eu até hoje. O Dr. Freeberg já lhes desejou felicidades. Por conseguinte, apenas me resta augurar-lhes o êxito.

 

Às três e meia da tarde, em ponto, Suzy introduziu Adam Demski no gabinete do Dr. Freeberg.

 

Este estendeu a mão ao primeiro paciente, que visitara a clínica de Hillsdale, alguns dias antes. Saudou-o cordialmente e indicou-lhe uma poltrona confortável diante da secretária.

 

Enquanto se instalava de novo na cadeira rotativa, Freeberg sentia-se intimamente satisfeito por Demski ter comparecido e, sobretudo, com rigorosa pontualidade. Após a primeira entrevista, duvidara de que o paciente, indicado por um psicanalista de Chicago, cumprisse a promessa de se apresentar na clínica. Com efeito, mostrara-se desconfiado e enervado ao ponto de quase não conseguir exprimir-se com coerência, e somente graças a um interrogatório delicado e subtil Freeberg lograra inteirar-se dos pormenores da impotência do visitante.

 

No termo do encontro preliminar, mandara-o submeter-se a um exame médico pelo Dr. Stan Lopez, generalista no qual confiava e tencionava utilizar em todos os casos que se lhe apresentassem. O objectivo consistia em apurar se a condição de Demski era de natureza orgânica ou resultante de factores psicológicos, pois o seu médico assistente em Chicago revelara que não tinha encontrado qualquer problema orgânico nos testes a que procedera. Não obstante, Freeberg necessitava de se elucidar sem margem para a mínima dúvida, pelo que pedira ao Dr. Lopez que examinasse o paciente. Se o problema se devesse de facto a alguma causa orgânica, tentaria convencer Demski a procurar médicos capazes de tratar a disfunção sexual de uma maneira totalmente diferente. Se, por outro lado, fosse de natureza psicológica, tencionava admiti-lo na clínica e aplicar a terapêutica sexual recorrendo à sua delegada mais experiente.

 

O segundo encontro daquela tarde destinava-se a analisar o relatório do Dr. Lopez sobre a condição física de Demski e, em seguida, apresentar este último a Gayle Miller, a fim de discutirem o método de tratamento a adoptar.

 

Através das lentes grossas dos óculos, Freeberg observou que Demski estava de novo particularmente apreensivo. De aparência algo anémica, sentava-se com desconforto, o corpo esguio agitado e olhar fixo na carpeta.

 

Freeberg moveu os dedos entre os cabelos um pouco revoltos e em seguida cofiou a barba, que começava a apresentar vestígios grisalhos, ao mesmo tempo que examinava mais uma vez os resultados do exame a que o Dr. Lopez procedera.

 

Por fim, com o sorriso mais cativante, declarou:

 

- Bem, Mr. Demski, creio poder garantir-lhe uma coisa. O seu problema não tem qualquer base orgânica, com o que nos devemos congratular. - Indicou o relatório com o dedo. - o Dr. Lopez procedeu a um exame muito minucioso. Vejo que até recorreu a um urologista de renome, o Dr. Gerald Clark, para o observar.

 

O outro inclinou a cabeça em aquiescência e, após breve pausa, murmurou:

 

- É verdade.

 

- Ora bem - prosseguiu   Freeberg, analisemos os resultados juntos, para me certificar de que não descurei nada.

 

Demski voltou a mover a cabeça, com ar desolado, deixando transparecer claramente que estava longe de se sentir tranquilo.

 

O médico acercou o relatório um pouco mais dos olhos míopes e principiou:

 

- Vejo que pesquisaram a possibilidade de sofrer de diabetes. Com efeito, uma condição dessa natureza poderia afectar-lhe os vasos sanguíneos e tornar difíceis as reacções físicas normais. No entanto, o Dr. Lopez garante que não é diabético. Podemos, pois, eliminar essa hipótese. Depois, debruçou-se sobre a situação vascular.

 

- Vascular? - ecoou Demski, intrigado.

 

- Coisas como o endurecimento das artérias (as do pénis, bem entendido), o que poderia retardar o afluxo de sangue à área genital e obstruir a erecção. - Freeberg   meneou   a   cabeça. - também não há   nada de anormal, por esse lado. O urologista confirmou-o, testando a tensão arterial das suas pernas e pénis.

 

O paciente assentiu com um gesto vago, aparentemente recordando com embaraço o teste genital em causa.

 

- Tudo o resto parece em   ordem - volveu   Freeberg, sacudindo as duas folhas na mão. - Não toma antidepressivos   nem   tranquilizantes.   Não   bebe   em excesso.   Não   consome   drogas   perigosas,   como   a cocaína, nem anfetaminas ou barbitúricos. Não foi submetido a qualquer intervenção cirúrgica à próstata ou bexiga. Não há indícios de lesões, ainda que leves, na área pélvica, órgãos genitais ou espinal medula. - Fez uma   pausa. - Nível   de   testosterona   excelente.   Tem cerca de quarenta anos, não é?

 

- Quarenta e dois.

 

- Por conseguinte, o seu   libido não foi minimamente afectado. Vejo aqui que o urologista não considerou necessária uma implantação protética.

 

- Pois não.

 

Pousou o relatório e olhou Demski com firmeza.

 

- É, pois, bem claro que a sua condição não resulta de uma incapacidade orgânica.

 

- Mas... mas tem de resultar de alguma coisa.

 

- Sem dúvida, mas não de causas físicas, como o relatório confirma. Tudo indica que o problema é de natureza   psicológica que   persiste, apesar da psicoterapia. Provavelmente, após o seu primeiro insucesso, registaram-se outros e uma incapacidade para se concentrar nas sensações, o que poderemos inverter e normalizar através da diminuição da sua ansiedade. Basta apenas que colabore em todos os pormenores.

 

- Não hesitei em vir - murmurou Demski.

 

- Decerto, o que significa que pode ser ajudado. Como sabe, a terapêutica verbal pode ser útil, mas em muitos casos não basta. Ora, depois de a receber em Chicago, verificou-se que na realidade não era suficiente e foi por isso que o seu psicanalista lhe recomendou que viesse   à   Califórnia   procurar-me.   Trabalharei   consigo quase diariamente, com certeza, mas não estarei só. Serei auxiliado por uma delegada sexual, uma mulher treinada para o efeito, que o orientará. O senhor encontra-se ao corrente das funções das delegadas-parceiras devido ao que decerto leu e lhe descrevi, não é assim?

 

- Bem... julgo que sim - admitiu, em voz quase inaudível.

 

- Escolhi a delegada sexual mais experiente para o seu caso. Chama-se Gayle Miller, uma jovem cuja simpatia e utilidade não deixará de reconhecer, preparada para iniciar os exercícios consigo.

 

- Qu... quando?

 

- Esta tarde, às sete, em casa dela.

 

- Esta   tarde? - Estremeceu   e tornou-se   quase lívido.

 

- Exacto. O senhor acha-se em condições de principiar imediatamente. Agora, quero apresentar-lhe Gayle Miller, que está ao corrente da sua situação, claro, pois leu a transcrição do nosso primeiro encontro e trocámos longas impressões. Vou chamá-la, para que assista ao resto da nossa conversa, enquanto explico minuciosamente o programa que elaborámos e a natureza dos exercícios que efectuará com ela. - Freeberg pegou no auscultador e   premiu   uma tecla do   intercomunicador. Mande entrar Gayle Miller, por favor, Suzy.

 

O dia declinava e os delegados, incluindo Gayle Miller, tinham seguido para suas casas. A Clínica Freeberg encontrava-se quase deserta, restando apenas o médico, que arrumava uns documentos, e Suzy Edwards, no gabinete ao lado, entretida a rever as anotações que transcrevera de gravações.

 

Por fim, o Dr. Freeberg, de pasta na mão, assomou à porta de comunicação e perguntou:

 

- Como vai isso, Suzy?

 

Ela ergueu os olhos das páginas e afastou uma madeixa de cabelos ruivos da fronte.

 

- Estou quase a acabar, doutor. Já sei que correu tudo bem com as delegadas.

 

- Muito bem, mesmo, na minha opinião.

 

- Devo confessar - acrescentou, pousando o indicador nos papéis à sua frente - que, embora estivesse ao corrente da natureza do trabalho, não fazia a menor ideia de como os diferentes casos seriam difíceis e fascinantes.

 

- Concordo consigo.   São,   de facto,   fascinantes. Nunca me canso do labirinto humano, da confusão, do conflito e até do suspense. Sim, são todos difíceis, mas estou esperançado em solucioná-los.

 

- Tenho a certeza absoluta disso, doutor.

 

- Bem, vou jantar. Quando acabar, deixe as transcrições   na   minha secretária. Antes de   sair,   não se esqueça de ligar o alarme e fechar tudo à chave. Até amanhã, Suzy.

 

- Até amanhã, doutor.

 

Quando se encontrou só, ela fixou o olhar na porta que Freeberg acabava de fechar atrás de si. "Amanhã...", reflectiu. "Para quê esperar?" Ainda dispunha daquela noite, uma longa noite, à sua frente. Concentrando-se, completou o trabalho rapidamente e verificou as páginas, a fim de se certificar de que estavam por ordem. Depois, sem hesitar, estendeu a mão para o telefone.

 

A decisão de falar com Chet acudira-lhe enquanto procedia à transcrição das gravações, mas ao pousar a mão no auscultador hesitou. Ponderou a chamada que se preparava para efectuar e tentou imaginar como ele reagiria, não apenas ao telefonema, mas também ao que poderia seguir-se.

 

Pensou em Chet Hunter, o novo namorado, o melhor de todos, até então, e imaginou-o como era quando o conhecera, um mês atrás, na Biblioteca Pública Principal de Hillsdale, onde entrara para consultar umas revistas de medicina, a fim de tentar recolher elementos sobre o Dr. Arnold Freeberg, o seu novo patrão. O rapaz, provavelmente de pouco mais de trinta anos e sem dúvida cinco mais velho do que ela, quando muito, sobraçava diversos volumes que requisitara e o único lugar vago situava-se ao lado da cadeira de Suzy, que simpatizara imediatamente com ele, de estatura mediana, cabelo castanho com entradas pronunciadas, fronte larga, olhos cor de avelã atrás de óculos de aros de aço equilibrados no nariz achatado e maneiras reservadas, mas obviamente de tipo intelectual.

 

Trocaram algumas palavras em surdina, na sua maioria sobre literatura, e à hora de fechar, ele acompanhou-a à saída, para, no momento da despedida, convidá-la a tomar um café. Suzy que aguardava algo do género, apressou-se a aquiescer e o encontro serviu de pretexto para que se conhecessem melhor.

 

A actividade que ele exercia não ficara bem esclarecida e continuava a permanecer imersa em certa neblina. Dois anos antes, fundara, e ainda possuía, uma firma denominada Departamento de Pesquisas Acme. Explicou que se dedicava à investigação, indo buscar factos às mais variadas fontes para escritores, estudantes perto da formatura, revistas e jornais. Trabalhava segundo um sistema de pagamento à hora, não muito elevado, apenas suficiente para o manter ao nível da subsistência e vestuário e poder viver num apartamento de três assoalhadas. Ela aventurou-se a perguntar a natureza do material investigado e obteve a informação de que se tratava de tudo o concebível: quem era o único candidato possível solteiro à Presidência dos Estados Unidos, qual a segunda montanha mais alta do mundo, qual o estado de adiantamento do processo clónico, quantos casos de violação houvera no ano transacto em Hillsdale e Los Angeles, elementos solicitados respectivamente por um político, um escritor de obras de viagens, uma revista de medicina e um advogado de Hillsdale. Elucidava-se das informações necessárias consultando livros da biblioteca, correspondendo-se com peritos ou entrevistando especialistas. Chegara mesmo ao ponto de se tornar um reservista da Polícia de Hillsdale, a fim de conseguir acesso a material para alguns clientes.

 

- Reservista da Polícia? - estranhou Suzy. - Que vem a ser isso?

 

- Um auxiliar da Polícia em regime de part-time, uma espécie de agente na reserva, tal como um membro da Guarda Nacional é um soldado em part-time. A Polícia luta com falta de pessoal e aceita voluntários. Em todo o caso, a admissão de reservistas não se reveste de facilidades; muito pelo contrário. O candidato é examinado por um médico e depois por um psiquiatra e, se o admitem, frequenta a Academia da Polícia de Hillsdale três noites por semana durante quase cinco meses. Apenas dois de cada cinquenta conseguem entrar. Primeiro, fui um reservista técnico e trabalhei numa secretaria, a contas com a papelada usual exigida pela burocracia. Mais tarde, estudei para a reserva da linha e fui treinado em tudo desde a utilização de armas de fogo à lei criminal, acabando por receber uma farda azul com a respectiva insígnia, uma pistola Smith & Wesson .38, algemas e tudo o resto. Faço dois turnos de oito horas por mês e pagam-me quinze dólares. Mas a remuneração não interessa. O que me atrai é a possibilidade de poder investigar em primeira mão, por assim dizer.

 

- Sujeitou-se a tudo isso por causa da   investigação?

 

Hunter ponderou a pergunta por um momento e replicou:

 

- Na verdade, havia outra razão. Aqui para nós, a investigação não passa de um entretenimento, para me aguentar até conseguir o que pretendo.

 

- E que pretende, Chet?

 

- Sou um jornalista nato e quero exercer essa profissão a tempo inteiro. A minha maior ambição consiste em tornar-me repórter efectivo do Daily Chronicle de Hillsdale. É a única coisa que me interessa e com a qual sonho constantemente. Foi, aliás, por isso que me tornei reservista da Polícia, a fim de dispor, da oportunidade de farejar uma história excitante e reconhecê-la, quando se me deparasse. O editor do Chronicle, Otto Ferguson, acha que ainda não amadureci o suficiente e devo dar provas da   minha   capacidade   previamente.   Por   conseguinte, aguardo com paciência infinita, até que surja um tema Palpitante. - Neste ponto das confidências, fez uma Pausa e assumiu um ar embaraçado. - Desculpe aborrecê-la com estas coisas. Ainda nem lhe perguntei em que trabalha. É actriz ou algo do género?

 

- Que ideia! - Ela notou que corava. - Sou secretária de um médico.

 

- Mas podia ser actriz.

 

Duas noites depois, encontraram-se menos formalmente. Suzy admitiu para consigo que simpatizava com ele, considerando-o o homem mais interessante e atraente que jamais conhecera, e suspeitava de que também não lhe era indiferente. Na noite imediata, após o jantar, ela manifestou o desejo de ver alguns exemplos do trabalho de Chet. Assim, acompanhou-o ao apartamento de três assoalhadas e, na sequência de dois vodkas on the rocks, à cama.

 

Depois disso, tinham dormido juntos duas outras vezes, a mais recente das quais na véspera.

 

Apaixonara-se indiscutivelmente por ele, mas existia um não menos indiscutível problema.

 

No entanto, estava mais convencida que nunca de que poderia ser superado. Nessa conformidade, pegou no auscultador e marcou o número, esperançada em o encontrar em casa.

 

Com efeito, no momento imediato, a voz dele surgia na linha:

 

- Estou...

 

- Olá, Chet. É a Suzy.

 

- Suzy? Confesso que não...

 

- Se estás livre, gostava de passar por aí - cortou ela, apressadamente.

 

- A sério? Com certeza que estou livre. Na verdade, não esperava voltar a ouvir-te hoje. Sabes que anseio sempre por te ver.

 

- E eu a ti. Posso ir a tua casa a seguir ao jantar? Entre as nove e as nove e meia, por exemplo.

 

- Sem dúvida.

 

Depois de cortar a ligação, Suzy conservou o olhar fixo no telefone. Aquela noite era importante. Realmente importante. Estava em jogo todo o seu futuro.

 

Gayle Miller, com as pernas dobradas sob o corpo, sentava-se no sofá que a acompanhara de Tucson e cosia um botão do casaco de caxemira.

 

O relógio eléctrico, na prateleira da lareira do outro lado da pequena, porém acolhedora sala do apartamento que alugara em Hillsdale, indicava alguns minutos depois das sete da tarde.

 

Se não se achasse demasiado assustado, Adam Demski, o seu primeiro paciente na nova clínica, devia estar na iminência de aparecer.

 

A sua mente conservava apenas uma vaga imagem dele, embora se tivessem encontrado, na presença do Dr. Freeberg, durante cerca de uma hora, após a reunião dos delegados, naquela tarde. Guardava a impressão de um homem alto e esguio, com cerca de quarenta anos e expressão compungida. Na realidade, o- semblante pálido e chupado era mais próprio de um cadáver. Uma pessoa que percorria a vida num clima de hesitação. Preocupado com as dimensões do penis. Duas mulheres - uma nova amiguinha e depois uma prostituta - tinham tentado desfrutá-lo por esse motivo, pelo que não conseguira a indispensável erecção, deficiência que persistira em sucessivas oportunidades. Em face disso, absorvera-se no trabalho - numa firma de contabilistas, em Chicago - e passara a evitar o elemento feminino, após mais duas ou três tentativas frustradas. O membro mantivera-se flácido e, mais recentemente, sucedia o mesmo à qualidade da sua actividade na firma. Por fim, resolvera consultar um psicanalista, porém a terapia verbal não lhe solucionara o problema. Não obstante, empenhado em o ajudar, este último recomendara Adam ao D r. Freeberg, e agora encontrava-se em Hillsdale, para ressuscitar entre os vivos.

 

Ao ouvir a campainha da entrada, Gayle guardou o casaco de caxemira e apetrechos de costura numa gaveta da mesa junto do sofá, levantou-se e consultou o espelho na parede. Depois de ajeitar levemente o cabeio, único reparo que descortinou no que observou, encaminhou-se para a porta e abriu-a.

 

Um jovem pálido, um pouco mais alto do que ela se recordava, dirigiu-lhe um olhar tímido sob o clarão amarelado da luz do corredor. - anunciou em voz

- Sou...   sou   Adam   Demski - anunciou   em   voz tensa. - Não sei se se recorda.

 

- Perfeitamente. - Ela estendeu a mão, com uma expressão cordial. - Para o caso de se ter esquecido, chamo-me   Gayle   Milter. Tínhamos   combinado   encontrar-nos   e estava esperançada em que   não faltasse.

 

- Isso,   nunca - murmurou   ele,   olhando-a,   ainda sem se atrever a apertar-lhe a mão.

 

Gayle estava habituada a semelhante reacção, porque se lhe deparara várias vezes no passado. Supunha que ocorria pelo facto de os pacientes terem formado a sua própria imagem mental do aspecto de uma delegada sexual. No. gabinete do Dr. Freeberg, Demski quase não a olhara e provavelmente esperara alguém com ares mais endurecidos e profissionais, mas nunca uma jovem americana típica disposta a encontrar-se com ele a sós.

 

Ela voltou a oferecer a mão e desta vez ele apertou-a apressadamente.

 

- Entre - convidou Gayle, segurando-lhe levemente o braço. - Tenho muito prazer em tornar a vê-lo.

 

Demski avançou para a sala e deteve-se, cada vez mais embaraçado e também algo surpreendido. "Esperava, porventura, um ambiente de bordel?", reflectiu ela.

 

--Tem um apartamento muito confortável. Acolhedor.

 

- Ainda não está decorado a meu gosto. Limitei-me a alugá-lo e arrumar a mobília que trouxe do Arizona: o sofá, poltronas e cama são peças antigas. No entanto, já fiz algumas compras e trarão outras coisas para a semana, Ponha-se à vontade. Pode despir o casaco e afrouxar o nó da gravata, se quiser. - Gesticulou na direcção do sofá. - Sente-se. Ia ferver água para o chá. Toma uma chávena, ou prefere café ou um refresco?

 

- Aceito o que tomar, Miss... Miss Miller.

 

- Gayle - advertiu. - Como vamos ser amigos, quero que me trate assim.

 

Ele sentou-se com lentidão e certa relutância e aventurou-se a afrouxar o nó da gravata, quando ela desapareceu na cozinha.

 

Minutos depois, regressou com um tabuleiro em que se viam duas chávenas de chá e um prato com biscoitos de chocolate. Entretanto, Demski despira o casaco e dobrara-o meticulosamente sobre o espaldar do sofá, para agora folhear a última edição da Vogue sem interesse aparente.

 

Gayle instalou-se no sofá, não demasiado perto dele, e passou-lhe uma chávena, notando o tremor da mão que a recebeu.

 

- Se bem me recordo, é de Chicago.

 

- Nasci lá - confirmou Demski.

 

- Em que parte? Visitei a cidade várias vezes.

 

- Norte.

 

- Vive só?

 

- Sim. Tenho um apartamento.

 

- Convive com muitas mulheres?

 

- Não. - Meneou   a cabeça com   lentidão. - Pelo menos, já não. Estou muito ocupado.

 

Ela levou a chávena aos lábios, antes de prosseguir:

 

- Que faz, quando não está muito ocupado, Adam?

 

- Não sei... Ponho a leitura em dia. Vou ao cinema. Sou sócio de um clube de vídeo. Aos domingos, às vezes, assisto a encontros de râguebi com colegas do escritório.

 

Ponderou até onde conviria insistir e perguntou: -i Dispõe de tempo para vida social?

 

- Não... não compreendo ao que se refere - articulou ele, pestanejando. - As raparigas, talvez?

 

- Vai a festas? Encontra-se com mulheres? Convida-as para jantar?

 

Esvaziou a chávena e pousou-a, antes de responder:

 

- Dantes fazia-o. Não muitas vezes, note-se. Agora, é   raro. - Olhou-a de soslaio e acrescentou: - Tenho um   problema,   como   sabe.   Encontrava-se   presente, quando o Dr. Freeberg o abordou.

 

- Com certeza - assentiu Gayle, com uma inclinação   de   cabeça. - Creio   que   metade   dos   homens deste país enfrenta problemas nessa área, com a diferença de que os reprime, recusa-se a enfrentá-los. - Embora não- estivesse segura dos dados estatísticos, afigurava-se-lhe não se acharem muito longe da realidade.

 

- Sim? Bem, eu talvez também não me atrevesse a discutir o meu, mas quando descobri que afectava o rendimento no trabalho, desconfiei de que havia uma relação.

 

- E não se enganou. As dificuldades sexuais afectam todos os aspectos da vida de uma pessoa.

 

- Passei a dormir mal, mas envergonhava-me ter de recorrer a alguém, até que um colega me indicou um psicanalista famoso ao qual enviara o filho. Procurei-o e ajudou-me a expor o problema sem relutância. No final, recomendou-me uma visita ao Dr. Freeberg, na Califórnia, - Dernski encolheu os ombros. - E aqui estou, apesar de recear que não possam fazer nada por mim.

 

- O facto de ter efectuado a tentativa já constitui, em si, um factor positivo. E garanto-lhe que podemos fazer alguma coisa por si. Muito, mesmo, se colaborar contigo e com o Dr. Freeberg e não se deixar dominar pelo desânimo. Dentro de um mês (talvez menos) não se reconhecerá. Será uma pessoa totalmente diferente. Desejará estar com mulheres a todo o momento e elas consigo.

 

- Custa-me   a   crer.   Conseguiram-no   com outros homens?

 

- Numerosas vezes e com pacientes em condições

ainda mais graves que as suas, Adam. O Dr. Freeberg e eu nunca conhecemos a derrota.

 

- Quando   começamos? - perguntou   impulsivamente, mais pálido que nunca.

 

- Já, se se sente descontraído.

 

- Suponho que   nunca estarei   mais descontraído que neste   momento. - As   pálpebras   do olho direito iniciaram um tique nervoso. - Dispo-me?

 

- Não- replicou Gayle, gravemente. - Isso equivaleria a precipitar os acontecimentos, sem o menor proveito prático. Na altura apropriada, despir-nos-emos ambos. Para já, executaremos alguns exercícios simples,   completam ente vestidos,   mas   importantes.   Um intitula-se   "carícias manuais" e o outro "carícias faciais". Principiaremos pelas manuais.

 

- Em que consistem?

 

- Exactamente no que a designação sugere. Vou concentrar-me nas suas mãos, para lhes tocar, friccionar, acariciar, a fim de incutir uma sensação de prazer e uma impressão mínima de intimidade. Para tal, preciso de estar mais perto de si. Importa-se?

 

- Claro   que   não.   Proceda   como   lhe   parecer necessário.

 

Levantou-se do sofá, reduziu a distância que os separava e voltou a sentar-se, a coxa quase em contacto com a dele.

 

- É uma operação bilateral, por assim dizer, Adam. Eu   pego-lhe   nas   mãos   primeiro,   para demonstrar   o exercício. Convém que não diga nada e eu tão-pouco falarei. E também deve fechar os olhos. Não quero que a mínima   interferência visual   o perturbe. - Fez uma pausa, a fim de descobrir uma maneira de tentar explicar a necessidade de conservar as pálpebras cerradas, até que se recordou de uma coisa. - Vou dar-lhe um exemplo do que pretendo, Quando frequentava o curso de delegada em Tucson, o Dr. Freeberg procurou um parceiro para trabalhar comigo, sob a sua orientação. A primeira vez que nos despimos, fiquei impressionada com o corpo perfeito dele e, embora o doutor tentasse indicar-me o ponto do foco de sensação, concentrando-me numa carícia de costas, quase não lhe prestava atenção, porque não fechava os olhos e continuava a admirar os contornos apolíneos do meu parceiro. Apercebendo-se disso, o Dr.   Freeberg puxou do   lenço e vendou-mos. A partir de então, tudo se desenrolou normalmente.   Compreende   agora   a importância de   não ver o que o rodeia durante o exercício?

 

- Eu... acho que sim.

 

- Outro pormenor a fixar. Quando eu lhe tocar, será para meu próprio prazer. Ao fazê-lo, preocupo-me apenas comigo, pelo que não o pressiono para que actue. Procedo por prazer e não por obediência a um ritual. O efeito do contacto manual consiste em que sabe bem: primeiro a mim e depois a você. Um amor bem conseguido compõe-se do afecto por si   próprio em primeiro lugar e a seguir aprender a partilhá-lo com outro. A partir do momento em que aprender a partilhar o amor por si próprio, terá enveredado pelo bom caminho. Está a acompanhar o meu raciocínio?

 

- Não sei bem...

 

Gayle reconheceu que pouco ou nada adiantaria com mais palavreado naquela fase. Só através da demonstração conseguiria definir melhor o que se esforçara por explicar.

 

- Creio que, à medida que prosseguirmos, entenderá as minhas palavras mais claramente. O ponto de partida, repito, são as carícias manuais. Para já, recline-se, descontraia-se e deixe-me pegar nas suas mãos. Quando terminar, avisá-lo-ei   e far-me-á então exactamente o mesmo. Entendido?

 

- Sim.

 

- Então, acomode-se lá, feche os olhos e dê-me as mãos.

 

Demski obedeceu, inclinando-se levemente para ela e estendendo as mãos, que tremiam de novo. Gayle pegou-lhes e pousou-as no regaço. Ele tinha dedos longos e ossudos e unhas bem cuidadas. Em seguida, ela soltou a esquerda e exerceu pressão na direita sobre a sua.

 

- Foque a mente na temperatura das minhas e no que sente quando o acaricio. Agora, vamos calar-nos.

 

Com extrema suavidade, os seus dedos mornos deslizaram ao longo dos dele e do resto da mão, até à penugem do pulso. Depois, passou a acariciar no sentido contrário, percorrendo os vales entre os dedos, para a seguir voltar a mão e explorar a palma, de novo em direcção ao pulso.

 

Só quando notou a mão direita dele descontraída e quente pegou na esquerda e procedeu à massagem em ambos os lados.

 

Transcorridos cerca de vinte minutos, os últimos dos quais foram consagrados a carícias nas duas mãos indistintamente, pousou-as mo regaço e soltou-as.

 

- Pronto, Adam, pode abrir os olhos, para conversarmos por uns momentos. - Olhou-o com curiosidade.

- Que sentiu?

 

- Não sei bem. Foi uma impressão agradável, em todo o caso.

 

- Apercebeu-se das diferentes sensações, quando lhe tocava nos vários pontos das mãos? - perguntou, movendo os dedos ao longo da esquerda dele. - Notou pressões neste alto ou naquele vale?

 

- Sim, e era aprazível.

 

- Muito bem. - Introduziu uma das suas debaixo da dele. - Faça-me o mesmo. Feche os olhos, como eu, e tente reproduzir todos os meus movimentos. Durante o tempo que quiser.

 

Após breve hesitação, Demski começou a acariciar-lhe e apertar as mãos, fazendo-o com intensidade crescente.

 

Tinham-se escoado uns dez minutos, quando Gayle entrelaçou os dedos nos dele e obrigou-o a interromper-se.

 

- Óptimo, Adam. Pode abrir os olhos. Que sentiu? Obteve alguma sensação especial?

 

- Bem,   penso   que   sim.   Era   um   pouco...   um pouco... - Demski   interrompeu-se,   como   se   não   lhe ocorresse o termo apropriado.

 

- Sensual?

 

- Isso mesmo.

 

- Mas houve mais - referiu Gayle, profissionalmente. - As minhas mãos pareceram-lhe suaves, frágeis ou firmes? Notou um pequeno calo numa delas? Teve consciência das unhas, que não são muito longas, mas contêm uma camada de verniz? E a face posterior era lisa ou gretada? Para a maior parte das pessoas, a mão é uma mão e apenas isso, que serve para comer, escrever e cumprimentar. Mas há muito mais. A finalidade deste exercício consiste em desenvolver e acentuar a sensação de discriminação e realce. Quero que fique a saber mais sobre o seu corpo e o meu, a configuração, a textura. Desse modo, começará a criar imagens na cabeça e, quanto maior o número das sensuais que lhe acudirem, mais vivo se sentirá.

 

- Tive imagens sensuais ao fazê-lo.

 

- Excelente. Os gumes das nossas mãos, a sua suavidade, a textura, podem, torná-lo consciente de si próprio e de mim como seres humanos. Acostumamo-nos demasiado a nós mesmos e aos outros, mas à medida que os nossos contactos prosseguirem, aperceber-se-á da riqueza e variações de ambos. Compreenderá como é diferente o toque da penugem do meu pescoço do da minha virilha. Deixará de sentir repulsa do seu corpo e tornar-se-á mais alerta a cada experiência sensual. Como as carícias faciais. É a fase seguinte e dispomos de tempo para isso.

 

- De   que   se   trata? - quis   saber   Demski, apreensivo.

 

- Apenas de tocarmos o rosto um do outro, nas suas diversas partes e de diferentes   maneiras,   sentindo a estrutura óssea, a pele, a penugem. Sempre achei que a carícia de rosto é uma experiência extraordinária. Alguns pacientes disseram-me que fez com que se lembrassem do tempo em que eram crianças, a ternura com que eram acariciados nessa ocasião. Mas desde então ninguém os acariciava assim. Vamos experimentar, Adam. Primeiro eu o acaricio, e depois você faz a mesma coisa comigo. Agora feche os olhos.

 

Ele obedeceu, e Gayle chegou mais perto, levantou as mãos e começou a massagear-lhe a testa, com suavidade, depois deslizou as pontas dos dedos pelo nariz e faces, pelos lábios trémulos, desceu pelo queixo. Ela repetiu o procedimento várias vezes e encerrou com as duas mãos a envolver-lhe o rosto.

- Muito bem, Adam. - Quando ele abriu os olhos, Gayle pôde sentir a respiração quente em seu rosto.

- O que você sentiu?

A princípio, ele foi incapaz de falar. Mas acabou sussurrando:

- Eu... queria beijá-la.

Gayle fitou-o nos olhos.

- E por que não? Pode beijar.

Demski inclinou o rosto e roçou os lábios contra os dela.

- Era isso o que você queria fazer, Adam?

- Era.

- Ou queria beijar-me de diferentes maneiras?

-Não... não sei quais.

- uma mulher também gosta de ser beijada de outras formas. Nas pálpebras, na ponta do nariz, na garganta, nos

lóbulos das orelhas, nos ouvidos, por trás das orelhas. Alguma vez já fez isso?

- Não.

- Pois faça agora, comigo. Beijar pode ser quase tão íntimo quanto o intercurso. Comece pelas pálpebras.

Ela fechou os olhos e sentiu os lábios nervosos de Demski adejarem em suas pálpebras, depois esperou, enquanto ele dava pequenos beijos em seus ouvidos, faces, nariz e queixo. Sentiu-se tentada a agarrá-lo, comprimir sua boca contra a dele, abrir as duas, dar-lhe um beijo de língua. Apenas para relaxá-lo. Mas não sucumbiu à tentação. Seria ir depressa demais, pressionar muito. Depois que ele acabou, Gayle disse:

- Agora é sua vez de me fazer uma carícia de rosto.

- os dedos de Denski percorreram-lhe o rosto, hesitantes, detendo-se em cada ponto demasiados minutos, até que ela descerrou as pálpebras e perguntou:

 

- Que tal foi?

 

- Gostei. - Demski sorriu com menos esforço.

 

- Eu também.

 

- Um pouco... sensual - acrescentou.

 

- Sou da mesma opinião. - GayLe reclinou-se. - Terminaram   os   dois   primeiros   exercícios,   sem   lhe custar nada. Talvez até se divertisse um pouco.

 

- Não nego. - Ele estendeu o braço para o casaco.

 

- Acho que são horas de me retirar. - Fez uma pausa.

 

- Que... que vamos fazer, na próxima sessão?

 

- O lavapés - informou Gayle, pensativamente. Depois talvez passemos ao imagismo corporal.

 

- Imagismo corporal?

 

- colocamo-nos de pé diante de um espelho alongado e dizemos o que nos agrada e desagrada nos nossos corpos. Estaremos despidos, claro.

 

- Despidos? - Desta vez, a apreensão dele era inequívoca. - Julgava que essa parte era muito mais para diante.

 

- Costuma   ser,   de facto.   No entanto,   estou a pensar que facilitaria as coisas a ambos, se conseguíssemos trabalhar desnudos. - Olhou-o com atenção.

 

- Qual é a sua opinião, Adam?

 

- Não... não tenho bem a certeza.

 

- Então, discutiremos o assunto com o Dr. Freiberg.

 

- De que modo me ajudará isso?

 

- Depois   verá. - limitou-se a   replicar,   com   um sorriso enigmático.

 

Na atmosfera tranquila da moderna reitoria computadorizada, nas traseiras da Igreja da Ressurreição, - na realidade, uma suite de aposentos, onde o reverendo   Josh   Scrafield   vivia   e   trabalhava, Darlene Young entregava-se com eficiência à rotina da preparação do patrão para a sua aparição semanal na televisão.

 

Enquanto aplicava o- colarinho clerical   à   camisa branca imaculadamente- engomada e o ajudava a vestir o casaco do fato escuro de corte conservador, tinha mais uma vez plena consciência da corpulência e carácter   voluntarioso   dele,   que   conhecia   perfeitamente. Scrafield era, fisicamente, um homem poderoso, com mais de um metro- e oitenta de altura e musculoso, que considerava o seu corpo um templo e frequentava o ginásio do bairro quatro vezes por semana, para se manter em forma. Darlene estava ciente, porque ele lho repetia com insistência, que o seu templo precisava de ser lavado e robustecido com regularidade, para se poder apresentar como uma inspiração aos fracos e hesitantes do cada1 vez mais   numeroso   rebanho de fiéis. Gostava de afirmar que lhes pressentia os temores e desejos, e era apenas para compreender as suas tentações profundamente que se sujeitava aos ternos cuidados dela.

 

Quando se candidatara ao lugar de secretária e fora admitida, a dupla função ficara implícita desde o princípio. De qualquer modo, Darlene não se apoquentara, pois era divorciada desde longa data e ele solteiro. Com cerca de quarenta anos, apetecera-lhe a companhia de um homem, e Scrafield não se podia considerar destituído de atractivos. As sobrancelhas espessas que encimavam os olhos curiosamente mongólicos e penetrantes, nariz regular, queixo proeminente e voz hipnótica (grandiloquência de linguagem) haviam-se revelado extremamente   sedutores.   Assim,   ela   mostrara-se-lhe dedicada e à sua generosidade dera provas de qualidades de inteligência a par das dele, o que lhe granjeara uma promoção a publicista e produtora de televisão e permitira contratar uma secretária para si própria. Entretanto, tornara-se menos encantada com Scrafield e tentara ignorar a sua vaidade, astúcia e aquilo que suspeitava ser uma certa falta de sinceridade quanto à sua missão. Na verdade, afigurava-se-lhe que a sua religião genuína consistia na ambição de ser Alguém. Agora que quase o tinha completa e irrepreensivelmente vestido, Darlene dirigiu-se ao guardarfato, para retirar as calças do cabide.

 

- Ainda não. - disse ele, afastando-as da frente.

- Como sabes, gosto de as manter bem vincadas até ao último momento.

 

Ao ouvir estas palavras, ela pressentiu aquilo- que o (hábito dos últimos meses lhe ensinara. Sabia o que a aguardava.

 

Ainda de cuecas, Scrafi-eld aproximou-se da enorme secretária, com dimensões suficientes para satisfazer um Mussolini.

 

- Quero ler o texto desta noite, mais uma vez declarou, sentando-se, após o que pegou nas folhas dactilografadas e impeliu a cadeira para junto de Darlene. - Importas-te de escutar?

 

- Estou ansiosa por isso.

 

- Se alguma coisa te soar mal, dizes-me.

 

- Com certeza.

 

- Ora bem, vamos a isto. - E fez uma pausa para aclarar a voz.

 

Ela instalou-se no sofá perto dele, que começou a ler mas numa inflexão mais grave e teatral:

 

- Irmãos e irmãs, chegaram-me mais uma vez ao conhecimento informações sobre a ameaça mais recente que se instala, subtil e inexorávelmente, à nossa volta, para destruir as nossas famílias e as próprias fundações do estilo de vida americano. A insidiosa e cancerosa excrescência que invadiu as nossas escolas e camadas mais jovens da população (as escolas que os nossos filhos frequentam, nomeadamente as do ensino- primário e liceal) é conhecida por educação sexual, uma disciplina   provocatória   e   escandalosa   que   se   pretende impor aos nossos jovens imaturos.

 

"Se falarmos com alguém a favor da educação sexual nas aulas em vez de em nossas casas, deparar-se-mos-á, na maioria dos casos, uma pessoa partidária da despenalização do aborto, leis especiais para os homossexuais, ateísmo e comunismo. Esta noite, irmãos e irmãs, quero expor-lhes alguns factos - factos reais verificados no âmbito da educação sexual. Segundo as mais recentes estatísticas disponíveis, registou-se mais de um milhão de gravidezes num só ano em jovens de idades compreendidas entre os treze e quinze anos, que se resolveram em abortos ou- nascimentos, em partes mais ou menos iguais...

 

"Evidentemente que essas gravidezes indesejadas foram provocadas pelo tipo de educação sexual que se pratica nos diferentes Estados da América: o ensino, por instrutores sem experiência ou mal treinados, de todos os tópicos de natureza sexual, que vai da utilização de preservativos às técnicas sexuais e orgasmos. Segundo um inquérito efectuado por Vankelovich, Skelly e White, oitenta e quatro por cento dos pais de adolescentes consideram que lhes compete informar os filhos   acerca das   questões   sexuais, responsabilidade que deveria achar-se apenas a cargo de famílias compenetradas das suas obrigações e não de escolas politizadas.

 

Permitam   que lhes revele uma história de terror ocorrida entre nós. No liceu de SãoMarcos, Califórnia, descobriu-se que mais de vinte por cento das jovens estudantes engravidaram durante o ano de 1984. Quando a direcção do estabelecimento se inteirou do facto, O programa de educação sexual foi prontamente revisto e modificado quase por completo. Ao tomarmos conhecimento dos chocantes dados estatísticos segundo os quais quarenta e oito por cento dos Estados não dispõem de directrizes definidas sobre a educação   sexual   e   delegam   a tarefa   nas direcções escolares, vemo-nos forçados a reconhecer que temos de nos pronunciar sobre a matéria, informando-os de que estamos atentos ao problema e os responsabilizaremos pelo comportamento pecaminoso que fomentem sob a capa da educação.

"Devemos agir todos de acordo com a Comissão Feminina por um Governo Responsável, a qual já moveu um processo ao Estado da Califórnia por despender os   dinheiros   públicos   com   a   subversiva   educação sexual nas nossas escolas. Temos de conjugar os esforços para pôr termo a esta corrupção sistemática dos Inocentes.   Precisamos,   também,   de   nos   tornar   na maioria moral temente a Deus desta maravilhosa nação. Scrafield continuou a falar,   enquanto   Darlene Young o escutava obedientemente.

 

Quando terminou a leitura, ele pousou o texto e ergueu os olhos.

 

- Que te parece?

 

- Acho-o excelente e assustador. Os dados estatísticos são exactos?

 

- Exactíssimos. Aliás, sabe-lo tão bem como eu, pois  foste   tu   que   contrataste   o   investigador,   Chet Hunter, para obter os elementos, e é um homem que goza de reputação excelente.

 

- Sim, isso é verdade. Consultou o relógio e disse:

 

- Ainda dispomos de um quarto de hora, até que a limusina nos venha buscar para conduzir aos estúdios da televisão. Apetece-me um pouco de descontracção, antes de ir para o ar. Concordas, menina?

 

- Sabes bem que sim - articulou ela, com simulado entusiasmo.

 

Enquanto ele levava a mão à braguilha das cuecas, Darlene perguntava-se vagamente a razão daquela mudança, registada alguns meses atrás. Anteriormente, fora sempre hábito dele levá-la para a cama, sob o pretexto de que necessitava de aliviar a tensão dos nervos.

 

Ultimamente, porém, a cama fora posta de parte para semelhantes actividades e desenrolava-se tudo mais ou menos de pé. Ela admitiu a possibilidade de, ao acercar-se dos quarenta anos, começar a tornar-se menos atraente. Os cabelos louros apresentavam uma tonalidade mais clara, as faces tinham inchado um pouco, os seios denunciavam certa flacidez e o perímetro abdominal aumentara ligeiramente. A menos que se tivesse cansado dela, tornando-se mais impaciente e comodista, o que o levava a querer satisfazer a necessidade fisiológica sem preâmbulos.

 

Entretanto, Darlene viu que ele se achava preparado para que lhe proporcionasse prazer.

 

Sem hesitação, e com um sorriso, ela abandonou o sofá e postou-se de joelhos diante de Scrafield. Em seguida, e enquanto lhe rodeava o membro flácido com os dedos, ele murmurou o seu comentário favorito:

 

- Como W.C. Fields costumava dizer, "nunca bebo água porque os peixes fornicam nela. E soltou uma risada seca.

 

O Cómico de cinema dos anos quarenta, que se celebrizou pelas personagens sarcásticas que interpretou, entre as quais a de Micawber, da obra de Dickens, David Copperfield (N. do T.)

 

Entretanto, com eficiência e uma das mãos, Darlene excitava-o gradualmente. Depois, viu-o fechar os olhos e reclinar-se no espaldar da cadeira, enquanto baixava a cabeça entre as pernas dele.

 

Em menos de cinco minutos, Scrafield emitiu um gemido rouco e expeliu o ar dos pulmões ruidosamente.

 

Mais tarde, de novo sentada no sofá, ela aguardou pacientemente que se recompusesse.

 

- Foi óptimo, menina - declarou ele, afagando-lhe a cabeça. - Como me portei?

 

- Maravilhosamente. Adoro cair de queixos.

 

- Já te expliquei que essa expressão não me agrada

- advertiu, enrugando a fronte. - Desaprovo a linguagem ordinária.

 

- Então, como devo descrever a situação? - quis saber ela, com uma expressão de desafio.

 

- Basta dizer que se trata de uns momentos de descontracção antes do grande espectáculo.

 

- Pois sim. Para mim, é igual.

 

- Agora,   ajuda-me   a   enfiar as   calças - indicou, levantando-se. - O carro deve chegar dentro de cinco minutos. - Pegou no texto. - Suponho que as minhas palavras não serão encaradas como uma posição contrária à prática do sexo?

 

- De modo algum, Josh. A tua linguagem é saudável. Limita-se a desaprovar o sexo imoral.

 

Quando Suzy Edwards chegou ao apartamento de Chet Hunter, ele abriu-lhe a porta imediatamente e saudou-a com um beijo entusiástico. No entanto, ela viu que tinha a televisão ligada e parecia ansioso por voltar para a sua frente.

 

- Põe-te à vontade, Suzy. - Chet apontou para o aparelho. - Quero assistir ao fim disto. Aliás, está quase a acabar.

 

Enquanto desabotoava o casaco de camurça, Suzy perguntava-se o que lhe despertaria tanto interesse na TV, pois apressara-se a instalar-se de novo diante dela, pelo que tratou de se aproximar, a fim de se inteirar.

 

O écran encontrava-se quase totalmente ocupado por um grande-plano de um homem bem-parecido que aparentava cinquenta anos, com o semblante voluntarioso e austero de um senador romano, ombros e colarinho clerical num fato azul-escuro, e naquele momento fizera uma pausa para levar aos lábios o copo de água que se achava a um lado do púlpito.

 

Reconheceu imediatamente o reverendo Josh Serafield, o evangelista mais popular da Costa Ocidental, o que a levou a franzir o cenho.

 

- Por que   perdes   tempo com   este   intolerante? É simplesmente insuportável. Comecei a ouvi-lo uma vez, por mero acaso, e tive de desligar o televisor, revoltada. Falava pelos cotovelos contra a educação sexual nas escolas.

 

- É a sua rotina habitual - admitiu Chet, sem desviar os olhos do écran.

 

- Mas por que perdes tempo?...

 

- Negócios. É um dos meus clientes. Costuma procurar-me para que proceda a uma sondagem ou estudo, quando reúne material para as suas palestras semanais.

 

A voz retumbante de Scrafield voltou a encher a sala e Suzy, irritada, precipitou-se para o aparelho e desligou-o.

 

- Não aguento isto nem mais um minuto. Temos coisas mais importantes para discutir.

 

Ele fez menção de protestar, mas no momento em que ela se sentou a seu lado, encolheu os ombros, sorriu e enlaçou-a.

 

- Não vamos entrar em conflito por causa disso. Estou muito contente por teres vindo.

 

Começou a mover a mão sobre a blusa de seda dela e desabotoá-la, porém Suzy tentou impedi-lo.

 

- Primeiro, queria falar-te de uma coisa.

 

No entanto, a mão já alcançara o soutien e os dedos procuravam um dos bicos tumescentes.

 

- Deixemo-la para segundo lugar. As minhas prioridades concentram-se noutro campo.

 

- A sério... - Ela interrompeu-se ao vê-lo puxá-la para cima de si. - Chet... - De súbito, notou a erecção em contacto com a coxa e emitiu um gemido.

 

- Depois, conversamos com calma, querida - prometeu ele, despindo-lhe a blusa. - Vamos para a cama. Desta vez, há-de ser sensacional.

 

A resistência de Suzy desapareceu, juntamente com à blusa, Em seguida, o soutien soltou-se e ela levantou-se puxou o fecho da Saia de maneira que esta deslizou para o chão.

- Está bem - sussurrou. - Vamos

 

No minuto imediato, encontrava-se na cama deitada de costas, com as pernas abertas, enquanto ele ajoelhava a seu lado, visivelmente preparado para actuar

 

Ela estendeu o braço e Chet instalou-se com prontidão entre as pernas acolhedoras

Observou-o a ajoelhar-se na cama, ao seu lado. Podia ver que ele estava pronto e a sua excitação aumentou. Estendeu os braços para Chet, que num instante se colocou entre as suas coxas roliças.

- Meta logo, querido - balbuciou Suzy.

Ele inclinou-se sobre ela, procurando a abertura, que não demorou a encontrar. Suzy soltou outro gemido.

Chet começou a penetrá-la, quando de repente parou e quase convulsivamente, começou a ter o orgasmo.

- Oh, Deus! - exclamou ele.

Suzy ficou imóvel, impotente, com os olhos fixados no rosto

torturado de Chet.

Ejaculação precoce Outra vez.

Um minuto depois ele inclinou-se para trás, acocorado, pronto para chorar. Suzy levantou-se, afagou-lhe a cabeça e saiu do quarto. Ele ouviu o barulho do chuveiro. Ao voltar, ela postou-se ao seu lado.

- Oh, Deus, sinto muito... - balbuciou ele. - Peço desculpas. Estou tão irritado comigo quanto tu deves estar.

Suzy passou o braço por seus ombros nus encurvados.

- Não estou zangada contigo, querido. Continuo a amar-te.

- Como podes? - Chet sacudiu a cabeça. - Não sei o que há de errado comigo.

- Talvez eu saiba - murmurou ela, tentando consolá-lo. - Talvez eu saiba exactamente o que está errado. E conheço alguém que sabe o que pode ser feito, alguém que pode ajudar-nos. Foi por isso que vim aqui esta noite.

Ele fitou-a nos olhos, desolado.

- Como? Como alguém pode ajudar?

- Por favor, Chet, presta atenção ao que vou dizer. Sabes que comecei num novo emprego como secretária há pouco

tempo... secretária médica... - tu disseste-me.

- Talvez eu te tenha dito também   com quem estou a trabalhar... ou talvez não, porque é um trabalho confidencial. Seja como for, o homem para quem estou a trabalhar é o dr. Arnold Freeberg. Isso lembra-te alguma coisa?

- Vagamente. Parece que li algo...

- Ele abriu há pouco tempo a Clínica Freeberg, no centro. É um respeitável terapeuta sexual. Treinou seis suplentes sexuais para trabalharem com ele.

Chet franziu a testa.

- Suplentes sexuais? Está falando das mulheres que ajudam os homens... os homens com dificuldades?

- Exactamente. O dr. Freeberg acaba de aceitar quatro

ou cinco pacientes. Ele e as suplentes sexuais vão tentar curá-los. Sei de tudo a respeito disso. Passei o dia de hoje transcrevendo as histórias dos pacientes.

Ela começou a relatar os casos, um dos quais tinha um problema igual ao de Chet Hunter.

- Ejaculação precoce - disse Suzy. - O dr. Freeberg comentou para a suplente que vai trabalhar no caso: "Este não deve ser difícil. É um dos problemas que se resolve com mais facilidade." A suplente vai fazer exercícios com o paciente que devem curá-lo.

Pela primeira vez, Chet empertigou-se na cama.

- Suplentes sexuais - murmurou ele , bem aqui em Hillsdale, suplentes sexuais na pequena e doce Hilisdale.

Suzy ficou desconcertada.

- O que há de tão excepcional nisso?

Chet reagiu com surpresa. Era evidente que sua mente estava em disparada.

- Será que não percebes, minha querida? Esta típica cidade da família americana conservadora não tem suplentes sexuais.

Não pode ter. É uma coisa sem precedentes.

- Ainda não entendi.

Chet levantou-se e começou a pôr a cueca.

- Suzy, esta é uma história, uma grande história. Se eu fornecer a Otto Ferguson no Chronicle uma informação assim, ele pode me destacar para trabalhar na história. E isso pode me trazer a grande oportunidade, o emprego no jornal com que sempre sonhei.

Suzy também estava de pé.

- Esquece esse aspecto, Chet. É tudo confidencial. Posso

ter falado contigo, mas ainda sou a secretária confidencial

do dr. Freeberg.

- Sei disso. Não te preocupes.

Ela foi abraçá-lo pela cintura.

- Só te contei porque acho que pode ajudar-nos aos dois.

Quero que tu fales com o dr. Freeberg. Ele aceitar-te-ia como paciente.

- És uma jóia. Se o teu Dr. Freeberg me aceitar, a nossa vida passará a ser um mar de rosas. Não sei é se disponho de dinheiro suficiente para um tratamento dessa espécie.

 

- Não te preocupes. Posso emprestar-te o que precisares.

 

- Obrigado,   mas   hei-de   arranjá-lo.   Deixa   isso comigo.

 

- Mas prometes procurar o Dr. Freeberg? - Suzy começou a vestir-se. - O mais depressa possível?

 

- Absolutamente. Confia em mim. E agora vamos a uma bebida. Em breve nos entenderemos bem em todos os capítulos.

 

Completada a sua primeira sessão com o paciente, Gayíe Miller regressou à clínica, fechou-se numa das salas à prova de som do rés-do-chão reservadas às gravações e ditou para o microfone tudo o que transpirara com Adam Demski. A seguir, deixou a cassette em cima da secretária do Dr. Freeberg, para que a ouvisse de manhã, e dirigiu-se ao Market Grill, a fim de comer um croissant de queijo, impelido por café.

 

Sentada na única mesa livre diante da janela panorâmica sobranceira à rua, viu uma figura familiar transpor a entrada e olhar em volta à procura de lugar. Os cinco bancos ao longo do balcão estavam ocupados, assim como as restantes mesas da sala. Verificando que Paul Brandon hesitava, ela reflectiu que não sentia particular inclinação para o ter por companheiro, ao recordar-se da pergunta quase impertinente que ele lhe dirigira, naquela manhã. No entanto, a animosidade acabou por se atenuar. Por um lado, tratava-se de um delegado sexual como ela e, por outro, de um homem particularmente atraente: pouco menos de um metro e oitenta de altura, porte atlético, porém elegante, cabelos algo revoltos necessitados de uma visita ao barbeiro, rosto esguio anguloso e irrepreensivelmente escanhoado, e vestia um blazer cinzento por cima da camisa de gola aberta e calça desbotada.

Por fim, Gayle ergueu o braço e fez-lhe sinal, indicando a cadeira livre na sua mesa. Ele reconheceu-a, sorriu-lhe, antes de se lhe reunir, encomendou o que pretendia à empregada que passava perto.

Quando se aproximou, Gayle tornou a apontar para a cadeira e convidou:

 

- Se quiser...

 

- Quero - assentiu Brandon, com novo sorriso. - Obrigado, Gayle. Não sabia bem se me desejaria na sua mesa, depois da nossa breve escaramuça.

 

- Não pense mais nisso, que eu também não.

 

- Colocou-me no meu   lugar,   e foi   merecido. Fez uma pausa, enquanto a empregada pousava a chávena de café na sua frente. - De qualquer modo, peço desculpa por me comportar como um imbecil. Não é o meu estilo, garanto-lhe. Creio que pretendia apenas despertar-lhe a atenção.

 

- Porquê?   Na realidade, pressenti que   não simpatizava comigo.

 

- Não, de modo algum - protestou, meneando a cabeça com veemência. - Muito pelo contrário. Aprovei sem reservas tudo o que disse. No entanto, dirigia-se quase exclusivamente às nossas colegas e quis recordar-lhe   a minha presença. - Hesitou. - Além   disso... bem, não compreendia por que uma moça tão bonita e desejável como você podia... enfim...

- Ir para a cama com vários homens?

 

- Mais ou menos isso. Reconheço que se trata de uma insensatez da minha parte, depois do treino que recebi.

 

- Sim, e trabalhou lado a lado com as delegadas.

 

- Não é a mesma coisa. Acho-as simpáticas, sem dúvida, mas você parece-me mais jovem, fresca, por assim dizer, e uma delegada improvável. Por conseguinte,   quando   referiu   que   se encontraria   com   um paciente esta noite, pretendi, insensatamente, despertar-lhe a atenção. É possível que o inconsciente me impelisse a tentar evitar que se envolvesse com outro homem.

 

- Apesar das suas boas intenções, não tenho problemas   em   me   encontrar   e   trabalhar   com   homens. Faço-o, porque penso que consigo algo de positivo ao contribuir para que um ser humano recupere a confiança e alegria de viver.

 

Brandon levou a chávena aos lábios, pousou-a com lentidão e admitiu:

 

- Se queria embaraçar-me, conseguiu-o.

 

- Desejo apenas   que compreenda a minha motivação.

 

- E compreendo, acredite. Já lancei a toalha para o ringue. A propósito, como decorreu a sessão com o paciente?

 

- Bem, em obediência à rotina.   Executámos as carícias manuais e faciais. Como ele é muito tímido, tento construir uma base de confiança em que se possa apoiar. Acabo de   ditar o primeiro   relatório   para o Dr. Freeberg. - Gayle mordeu o croissant e ingeriu um pouco de café. - Mas   que faz aqui, a estas horas? Suponho que ainda não tem nenhum paciente?

 

- Pois não, nem casa. Tenho ficado num hotel pouco convidativo. Vim à clínica buscar a lista de possibilidades de alojamento que Suzy me preparou e depois entretive-me a ler um tratado de psicologia na biblioteca.

 

- Um tratado de psicologia? - repetiu, interessada.

- Essa matéria é o meu assunto e objectivo. Tem as mesmas preferências?

 

- Ainda não me decidi entre a psicologia e a educação sexual. De momento, a dúvida pode solucionar-se lançando uma moeda ao ar. Quer dizer que o trabalho de delegada não é o seu objectivo?

 

- Não é essa a questão. Dedico-me a isso há algum tempo e não me importo de continuar. Em todo o caso, reveste-se de forte tensão, como descobrirá por experiência própria, e julgo conveniente dispor de uma alternativa, quando a capacidade de resistência se esgotar. A psicologia sexual seria o ideal, se conseguir completar o curso e exercer essa actividade, sem abandonar a de delegada, que considero útil e necessária.

 

- Faz com que me sinta cada vez mais insignificante.

 

- Limito-me a explicar o que penso.

 

- Acredito. - Brandon esvaziou a chávena e puxou do cachimbo, que ergueu num- gesto significativo. - Importa-se?

 

- Absolutamente nada. Existe algo de contemplativo e maduro num cachimbo.

 

- É essa a ideia. - Soltou uma gargalhada, após o que o encheu e aproximou o isqueiro aceso, ao mesmo tempo que observava a inter locutora. - Há uma coisa que me intriga. como se tornou uma moça alegre e inteligente como você numa delegada sexual?

 

- Graças ao factor sorte, suponho - redarguiu ela, sorrindo. - Não vejo inconveniente em lhe dizer a verdade. Você possui um rosto aberto. Na universidade, tive algumas pequenas aventuras, chamemos-lhes assim, mas   não conseguia entusiasmar-me   e sentia grande preocupação por não alcançar o orgasmo. Um dia, ouvi falar do Dr. Freeberg, que acabava de se instalar em Tucson, procurei-o e conversámos. Por fim, sugeriu que tentasse a masturbação, coisa que eu não fazia desde os primeiros tempos da adolescência, talvez por pensar, erradamente, que era pecaminoso. Foi maravilhoso e pareceu   quebrar o   gelo.   Nos   meus   dois   encontros sexuais seguintes, o orgasmo surgiu com naturalidade no momento apropriado. Estou a aborrecê-lo?

 

- Sinto-me fascinado.

 

- Depois, apaixonei-me por um colega, um introvertido, chamado...   Meu   Deus, terei já esquecido o nome?... Espera, era Ted, mas não sei que mais. No entanto,   tratava-se   de   um   rapaz   muito   inteligente, embora taciturno. Acabámos por ir para a cama... e não aconteceu nada, apesar de todos os meus esforços. Ele não conseguia levar o acto até ao fim. Mais uma vítima da austeridade paterna. Efectuámos numerosas tentativas em diferentes ocasiões, sem que a situação se alterasse. Uma manhã, foi encontrado morto, com uma dose excessiva de barbitúricos. Um suicida de vinte anos. Não encontro palavras para descrever o abalo que sofri. Voltei a procurar o D r. Freeberg e descrevi a minha reacção. Finalmente, convenci-me de que a culpa não tinha sido minha e acabei por recuperar a confiança. Ao mesmo tempo, entre esse episódio e as visitas ao Dr. Freeberg, começou a formar-se uma decisão no meu espírito. Disse a mim própria que o que acontecera a Ted não se devia repetir com mais ninguém, se houvesse possibilidade de o evitar. Queria ser útil, colaborar na recuperação de outros homens sexualmente incapacitados. Uma ocasião, o doutor mencionara a expressão "delegado sexual e solicitei-lhe pormenores. Elucidou-me e, no final, explicou que projectava utilizar um, pois achavam-se a contas com alguns casos difíceis que esperava curar por esse método.

Perguntou-me se estava interessada e não hesitei em dizer que sim. Por conseguinte, treinou-me e passei a trabalhar para ele. Era uma actividade agradável... mas ilegal e, quando transpirou, foi obrigado a trocar o Arizona pela Califórnia. Manifestei o desejo de o acompanhar e aqui estou. Que lhe parece a minha longa história?

 

- Insuficientemente longa - declarou Brandon, com uma expressão formal. - Uma noite em que disponha de tempo poderá   contar-me   o resto.   É   uma mulher muito interessante.

 

- E você? - Gayle esforçou-se por ignorar o piropo.

- Por que se encontra aqui?

 

- Quer mesmo saber?

 

- Tudo.   Como,   por exemplo, que fazia   e onde, quando decidiu transferir-se para Hillsdale?

 

- Tentarei abreviar. Formei-me pela Universidade de Orégão, em Eugene, tirei um B. S. em biologia e também frequentei algumas aulas de educação sexual. Depois, devido a um envolvimento com alguém, passei um breve interlúdio em Los Angeles, após o que regressei ao Orégão e exerci temporariamente as funções de assistente   de   ciências   numa   escola   secundária,   ao mesmo tempo que tentava determinar o destino pelo qual optaria. Quando me inteirei de que o Dr. Freeberg procurava um delegado sexual, candidatei-me,   apesar de convencido de que não seria a minha carreira definitiva. Assim,   concorri   igualmente   ao   lugar de professor substituto de ciências da Escola   Distrital   de Hillsdale e submeti-me, com êxito, ao Teste de Perícia Educacional Básica da Califórnia. Desde que cheguei, tenho leccionado em regime de part-time, enquanto frequentava o treino para delegado e aguardava que o Dr. Freeberg me chamasse. E aqui tem a minha biografia em largas pinceladas.

 

- Não totalmente - discordou Gayle, que escutara com atenção. - Expliquei-lhe por que enveredei   pela carreira de delegacia, mas você não. Por que o fez?

 

- É a hora da sinceridade? - perguntou ele, com um sorriso malicioso.

 

- Sem dúvida.   Prefiro que seja franco.   Por que se tornou delegado sexual?

 

   Bachelor of Science:   Bacharel   em    

 

Respirou fundo, antes de confessar:

 

- Por dinheiro. Tenho algumas economias em que não quero tocar. Necessitava, portanto, de uns dinheiros suplementares   para   juntar   ao   salário   de   professor. A ocupação de delegado sexual   pareceu-me a ideal. Servia-me de sustento   procedendo a uma actividade natural e, ao mesmo tempo, divertindo-me.

 

- Não é tudo divertimento, como acabará por descobrir. Só por dinheiro?

 

- Só por dinheiro - confirmou.

 

- É, de facto, sincero.

 

- De momento, preferia não ser - admitiu, com um sorriso algo forçado. - Gostava de ter uma motivação mais elevada.

 

- Não,   cada   um é   como é - sentenciou Gayle:

 

- Só que me custa encarar a situação dessa maneira. Penso que pratico um pouco o bem.

 

- E pratica - concordou ele, sacudindo a cinza do cachimbo para   o   cinzeiro. - Os   seus   pacientes têm muita sorte. Podem contar com uma mulher encantadora... e muito dedicada.

 

Ela pegou na carteira e na conta e, levantando-se, olhou-o em silêncio por um- momento.

 

- Sabe uma coisa, Paul? Não acredito totalmente que o faça apenas por dinheiro. Aliás, dedica-se ao ensino, que é uma profissão mal remunerada. Decerto pretende   leccionar por   razões   diferentes do salário. Talvez   porque   também   deseja   ajudar   os   jovens,   e escolheu a actividade de delegado pelo mesmo motivo.

 

- Fitou-o com uma expressão de dúvida. - Sim, desconfio que existe em você algo mais do que salta à vista.

 

- Só há uma maneira de o averiguar - replicou Brandon,   pondo-se   igualmente   de   pé. Voltemos   a encontrar-nos. - Estendeu   o   braço   e   apoderou-se da conta dela. - Se for você a pagar, isto não passou de um encontro casual, se o fizer eu foi um encontro de amigos. Que decide quanto ao segundo?

 

- Telefone-me, quando puder. Suzy tem o meu número. Depois se verá. - Gayle meneou a cabeça. Dois delegados sexuais juntos, no seu tempo livre? Parece-me bizarro. - Estendeu a mão para se despedir.

 

- Mas por que não? - E encaminhou-se para a saída.

 

NA manhã seguinte, sentado atrás da secretária no seu gabinete da clínica, o Dr. Arnold Freeberg aguardava a chegada iminente do Dr. Max Quarrie, um colega psicanalista de Los Angeles. Algumas   horas   antes, após o pequeno-almoço   e quando se preparava para sair de casa, recebera o inesperado telefonema.

 

Terminadas as formalidades usuais, o Dr. Quarrie enveredou por matéria mais profissional.

 

- Recebi   a sua   carta, Arnold.   Com   que   então, regressou à actividade, hem?

 

- É verdade - assentiu Freeberg, na expectativa. - Talvez tenha trabalho para si. Depende. Há algum delegado sexual treinado, no seu pessoal?

 

- Há. Um único, aliás. O resto do grupo compõe-se de mulheres.

 

- Lembrei-me da nossa conversa durante o seminário sobre a disfunção sexual, em Buffalo, em que você disse que os delegados do sexo masculino treinados e competentes rareavam.

 

- Porque têm- pouca procura, Max. Muitas mulheres com problemas puderam utilizá-los, mas, como então concordámos, quase todas sentem relutância em estabelecer contacto íntimo com desconhecidos. No entanto, em resultado- de pedidos recebidos de outros médicos, verifiquei   que   o   número   das   que   aceitam   a   ideia aumenta gradualmente, desde que não haja riscos envolvidos.   Em   face disso, admiti   um delegado   do sexo masculino e submeti-o a um treino intensivo, com aproveitamento excedente. Tem algum caso em vista?

 

- Exacto.   Um   que   me   foi   mencionado   por   um amigo de clínica geral. A jovem   em causa tem um problema que   suponho   possível   de   solucionar.   Mas não por mim, nem por um ginecologista, pois já tentei essa hipótese. Creio que uma pessoa como você a pode   encaminhar   devidamente.   Para   tal,   gostava   de trocar impressões consigo, sem demora. Quando posso passar por aí?

 

- Imediatamente, se quiser. Dentro de uma hora, estou livre.

 

- Então,   conte   com   a   minha   visita.   Levarei   o historial   do caso,   para que   me   diga se   pode fazer alguma coisa.

 

- Combinado.

 

Agora, Freeberg encontrava-se no seu gabinete e o míope e atarracado Max Quarrie sentava-se na sua frente, com uma pasta de plástico verde sobre os joelhos.

 

Com; a mão livre, puxou do lenço para limpar a transpiração da fronte, ao mesmo tempo que se queixava:

 

- Está uma humidade enorme, e a viagem não foi curta. - Guardou o lenço e segurou a pasta com as duas   mãos. - Ela   chama-se   Nan   Whitcomb,   solteira, mas de modo algum   inexperiente. Perto do final da casa dos trinta. Rosto banal. Fisicamente saudável. Ficou órfã na adolescência e foi recolhida por uma tia de idade avançada e pouco dinheiro, a qual   morreu há cerca de três meses. Nan ficou só e, quando viu o pequeno pecúlio que herdou chegar ao fim, compreendeu que precisava de se empregar para subsistir. Por outro   lado,   necessitava   de companhia.   Tinha alguns amigos, mas sem significado especial. Quanto às amigas, são todas casadas, com famílias.

 

- Por outras palavras: ela precisava de um emprego e um lar?

 

- Isso mesmo, Arnold. Nunca trabalhara a sério, à parte   a   actividade   de   caixeira   em   diferentes   lojas durante a quadra do Natal, mas é barra nos números. Começou a ler na página dos anúncios em busca de um lugar de caixeira e depararam-se vários, mas não teve sorte. Há cerca de dois meses, ela viu um anúncio pedindo uma caixa experiente para o principal restaurante de hills-dale, propriedade de um homem chamado Tony Zeca possuidor de uma cadeia de restaurantes. não o conheço. Pelo que Nam me contou, sei que é um veterano do Vietnam, com 45 anos, um homem rude. Nan desconfia que ele tem ligações com o crime organizado... apenas uma pequena engrenagem, mas eu diria que foi gente de fora que financiou a sua cadeia de restaurantes. Nan candidatou-se ao emprego de caixa no Hills-dale Mall, e ao final de uma tarde o próprio Zecca entrevistou-a, em seu escritório. Pelo que sei, é um homem baixo, de ombros largos, olhos empapuçados.

Foi uma entrevista longa, quase toda de perguntas rotineiras.

Durante todo o tempo, Zecca a observava compenetrado.

"Nan contou que em determinado momento ele se empertigou subitamente, sem desviar os olhos dela, sacudiu a cabeça e disse: `Isso é muito esquisito. Confusa, Nan indagou:

- O quê, sr. Zecca? E ele respondeu: `Você. Parece uma garota que eu conheci. Foi pouco antes de eu entrar para o exército. Ela chamava-se Crystal. Eu começava a conhecê-la melhor, ainda não havia nada de íntimo, mas já pensava que gostava dela, quando fui convocado para o Vietnam. Obtive a promessa de que ela me esperaria até eu dar baixa e poderíamos então pensar em casar. Ela concordou. Mas não cumpriu a promessa. Ela mandou para Zecca uma dessas cartas do tipo Caro John, ou como quer que chamem agora, dizendo que lamentava muito, mas conhecera outro homem, iam casar e mudar-se para o leste. Zecca ficou amargurado, como não podia deixar de ser. Jurou que nunca mais confiaria em outra mulher. E depois Nan entrou em sua vida. Zecca disse-lhe:

`É estranho a maneira como você se parece tanto com Crystal.

Não posso acreditar. É como se ela tivesse voltado para mim. Acho que Nan respondeu: `Sinto-me lisonjeada se acha que me pareço com alguém que conheceu.

"A esta altura, já estava a escurecer quase na hora do jantar, Zecca perguntou-a Nan se podiam continuar a entrevista enquanto jantavam, no reservado de seu restaurante.

o dr. Quarrie apontou a pasta azul, abruptamente.

- O resto está aqui. Pelo menos os pontos mais importantes. Pode ver pessoalmente. E não há pressa. - Ele pôs dois pedaços de goma de mascar na boca. - Importa-se que eu dê uma olhada em sua clínica enquanto lê?

- Claro que não.

Sozinho, Freeberg balançou para trás na cadeira giratória,abriu a pasta que continha o processo de uma mulher chamada Nan Whitcomb - e presumivelmente de um- certo Tony Zecca - e principiou a ler o texto dactilografado a dois espaços. Aqui e ali, fazia uma pausa para uma segunda leitura mais atenta.

 

Constituía seu hábito, quando estudava um processo escrito, recriá-lo como supunha que na verdade acontecera na vida real. Voltou atrás, à secção consagrada à descrição da entrevista e jantar com Tony Zecca, na mesa isolada do restaurante, e principiou a imaginar o cenário e personagens...

 

Sentado no reservado da sala, Zecca manifestava particular interesse pela bebida e nenhum pela comida. Enquanto ingeria a sua primeira com lentidão, Nan observava com nervosismo que o companheiro já ia no quarto scotch. As perguntas sobre as qualificações para o lugar começavam a repetir-se e a voz assumia uma tonalidade pastosa. Tornava-se cada vez menos comunicativo e olhava-a com avidez crescente, parecendo concentrar-se especialmente no rosto e arfar dos seios.

 

De súbito, quebrando mais um silêncio, inclinou-se para a frente e, sem desviar os olhos, inquiriu em surdina.

 

- Diga-me uma coisa. É virgem?

 

- Há alguém com mais de catorze anos virgem, nós nossos dias? - replicou Nan,   esforçando-se   por encarar a pergunta com desprendimento.

 

- Pois é, tem razão. Há alguma ligação importante, no seu passado?

 

- Não.

 

- Nunca se apaixonou a valer?

 

- Até agora, não - articulou com nervosismo, mas em tom algo provocante, reflectindo que necessitava de conseguir o lugar.

 

- Bem... - Uma   pausa   prolongada. - Acha   que podia apaixonar-se por mim?

 

- Talvez. - Principiava   a   não   saber   como   devia encarar a situação. - Depende.

 

- De quê?

 

- Do que pretende.

 

- Vou dizer-lhe o que pretendo.

 

Ele inclinava-se sobre a mesa, pelo que estavam separados por um espaço mais reduzido, e ela pôde observar que o interlocutor tinha nariz de pugilista, rosto largo e braços e peito exagerados para um homem baixo. Zecca terminou a quarta bebida distraidamente, e Nan notou-lhe o odor de álcool no hálito.

 

- Vou ser franco - acrescentou. - Sou contra os rodeios e adiamentos. Gosto de ir directamente ao assunto. Foi assim que cheguei à situação em que me encontro, com cinco excelentes e lucrativos restaurantes, uma bela residência em Sherman Park e muito dinheiro no banco. Sendo franco. Se proceder do mesmo modo para comigo, havemos de nos entender bem. Compreende?

 

- Creio que sim.

 

- Óptimo. A minha proposta é a seguinte. Sem dúvida que preciso de uma caixeira (eficiente, esperta, honesta, etc.), mas ainda mais de uma amiga que viva comigo. Alguém que me faça companhia. Olharei por ela, se ela olhar por mim. Está a entender? No entanto, existe uma condição. Tem de me ser cem por cento fiel. Nada de fornicar por fora ou enganar-me de alguma maneira. Pensa que pode cuidar de mim dessa maneira?

 

Neste ponto da conversa, Nan principiou a ter um certo medo e a ficar cada vez mais confusa. Com efeito, não sabia se gostava o suficiente dele... ou mesmo se gostava. Achava-o rude, duro e até porventura maligno, mas reconhecia que podia estar equivocada. Por outro lado, a seu modo, também se mostrava atencioso. Oferecia-lhe tudo o que necessitava no mundo: segurança, uma situação financeira estável, companhia e um lar.

Ao mesmo tempo, esclarecia que simpatizava com ela e queria que lhe pertencesse em regime de exclusivo, o que continha algumas virtudes.

- Então, que decide?

 

- Creio... creio que sou capaz de cuidar de si da maneira que propõe.

 

O semblante de Zecca abriu-se num sorriso de satisfação e exibiu os dentes amarelos e irregulares.

 

- É uma moça sensata. A partir deste momento, não tem de se preocupar com mais nada. Dispõe de um lar. Um emprego. Um amiguinho. Pode mudar-se amanhã.

 

- Estou... estou-lhe muito grata, Mr. Zecca.

 

- Tony, a partir de agora.

 

- Tony.

 

- Como se chama?

 

- Nan.

 

- Pois bem, Nan, fique a saber que arranjou um amante a valer.

 

Enquanto relia a descrição do encontro e tentava reproduzi-lo no espírito, Freeberg voltou uma página do processo clínico de Nan Whitcomb e debruçou-se sobre o relato das primeiras relações sexuais com Zecca.

 

Nan mudara-se para a casa de dez divisões e dois pisos de Zecca com tudo o que lhe pertencia, e a governanta, Hilda, indicara-lhe o quarto em que se instalaria.

 

Sentia-se excitada com todo o luxo que se lhe deparava no maravilhoso casulo que agora, em parte, lhe pertencia, e desejava conservar para sempre, apresentando-se tão atraente quanto possível no seu primeiro jantar no novo lar.

 

Zecca chegou a casa às 19.45, saudou-a com um gesto cordial, e pareceu satisfeito ao vê-la no vestido de malha consideravelmente usado que realçava as pernas esguias e indicou-lhe que se preparasse para jantar às oito em ponto.

 

Ele tomou duas bebidas no início da refeição e embrenhou-se na leitura de um vespertino. À parte meia dúzia de palavras para perguntar se estava bem instalada e contente com o que observava, conservou-se silencioso.

 

Durante a sobremesa, Nan perguntava-se o que aconteceria a seguir e como deveria proceder.

 

No final do jantar, ele fez-lhe sinal para que o seguisse à sala espaçosa e decorada com aparato, sentou-se numa poltrona e indicou o escabelo a seu lado para que o ocupasse, após o que apontou a unidade de telecomando ao televisor.

 

- Há dois programas de uma hora que nunca perco. Têm muita acção e creio que vais gostar.

 

No entanto, ela detestou-os. A violência parecia não conhecer limites. No intervalo, Zecca pediu scotches para ambos e, mal esvaziou o seu copo, chamou Hilda para que voltasse a enchê-lo. Entretanto, Nan esforçava-se por beber, mas não conseguia. No entanto, ele não lhe prestava atenção.

 

Quando o segundo programa terminou, a apreensão dela intensificou-se.

 

Que se seguiria?

 

Por fim, Zecca ingeriu a última bebida, levantou-se e espreguiçou-se.

 

- Bem, vamos a isso. São horas da caminha. Não gosto de me deitar tarde. Anda daí, Nanny.

 

Ela compreendeu que chegara o momento crucial. O pagamento da primeira prestação da segurança e conforto. E, com um leve suspiro de resignação, acompanhou-o ao quarto mergulhado na penumbra.

 

Esperava que ele a beijasse e acariciasse um pouco, para a preparar, mas verificou que não se dava ao incómodo.

 

- De que estás à espera? - perguntou por cima do ombro, enquanto começava a despir a camisa. - Livra-te da roupa. Vamos meter-nos na cama.

 

Em movimentos hesitantes, ela descalçou os sapatos e principiou a puxar o fecho do vestido.

 

- Visto... visto um roupão?

 

- Não. - Ele fungou com desdém. - Quem é que precisa dessas coisas? Gosto das minhas damas com o rabo à mostra.

 

Enquanto se desembaraçava do vestido, ela voltou-se e viu-o encaminhar-se para a cama de dimensões gigantescas, junto da qual se deteve, a fim de afastar o cobertor. Estava desnudo, o que lhe proporcionou a primeira oportunidade de observar minuciosamente o homem com o qual viveria. Era musculoso, sem dúvida... e não menos nas imediações da área genital. Na realidade, não conseguia determinar se já conseguira a erecção. Dava essa impressão, de facto, mas podia perfeitamente tratar-se de uma ilusão em virtude do tamanho.

 

Em seguida, ele instalou-se na cama, volveu a cabeça para ela e perguntou:

 

- De que estás à espera, filha?

 

Quando tirava o soutien com dedos trémulos, Nan ouviu-o comentar:

 

- Não estás mal equipada, no departamento das tetas.

 

Quase ofegante, baixou as cuecas de nylon ao longo das pernas e afastou-as com o pé. Possuía uma larga extensão de pêlos púbicos, e gostaria que cobrissem tudo, mas sabia que tal não acontecia e ele não tardaria a ver a área rosada em baixo. Por último, em movimentos rígidos, dirigiu-se para a cama.

 

Entretanto, ele apoiava-se no cotovelo e observava-lhe as partes íntimas.

 

- Uma   bela   racha - grunhiu. - Parece   que   não escolhi mal. Certifiquemo-nos.

 

Ela subiu para a cama e moveu-se para junto dele, que inclinou a cabeça, num gesto de aprovação.

 

Nan fechou os olhos momentaneamente, à espera de um beijo voraz e exploração preliminar do corpo por mãos ágeis. No entanto, ao voltar a abri-los, verificou que não haveria qualquer preâmbulo.

 

- Apaga a luz, Tony - implorou.

 

- Nem penses. Gosto de ver o que faço. Quero tirar o maior partido do dinheiro que gasto.

 

Suspirou de novo, embaraçada, no momento em que ele ajoelhou em cima dela, ao mesmo tempo que as mãos peludas tratavam de lhe abrir as pernas.

 

Finalmente, abriu-lhas por completo, porém ela não conseguia desviar o olhar do membro apontado na sua direcção. Agora, estava na verdade erecto e assemelhava-se a um instrumento contundente.

 

E, quando ele se acomodou entre as suas pernas, suplicou aos santos que tudo corresse bem.

 

Mas não correu.

 

A penetração atordoou-a. Apesar de ela ainda estar seca, ele introduziu o pénis quase com brutalidade e, quando o considerou suficientemente dentro, iniciou a actividade de vaivém. A dor obrigou-a a tentar repeli-lo, porém Zecca confundiu o movimento com colaboração e a penetração tornou-se mais selvagem e persistente. Na realidade, actuava como um bate-estacas automático. Nan começou a sentir dores nas entranhas e nas nádegas pouco nutridas.

 

A punição parecia interminável. Mais tarde, na casa de banho, ela tentou convencer-se de que a actuação impetuosa se devera a intensa excitação. Doravante, nas ocasiões que se seguiriam, ele tratá-la-ia com mais consideração e porventura um pouco de ternura.

 

Enquanto lia a descrição da cena e a reproduzia no espírito, Freeberg reconhecia que não lhe era inteiramente estranha. Havia seres humanos no mundo que continuavam a ser animais.

 

Prosseguiu a leitura e prestou particular atenção aos comentários do Dr. Quarrie:

 

Isto continuou, no mesmo estilo, ao longo de seis semanas. E Zecca não só se mostrava insaciável no desejo das relações sexuais, como em cada episódio subsequente revelava voracidade e brutalidade crescentes. Segundo Nan, as dores sofridas durante essas sessões eram quase insuportáveis e, à medida que se prolongavam, via-se forçada a morder os lábios para dominar os protestos. Por fim, passou a gritar, mas, em virtude da sua total insensibilidade, ele encarava o facto como manifestações de excitação e ficava tão contente como uma criança ao receber um presente. Na realidade, o seu prazer era de tal ordem que, transcorrido um mês, após um modesto aumento do salário, ofereceu-lhe um cordão de ouro.

 

Recentemente, segundo ela, no final do coito, adquiriu o hábito de se reclinar na cama, extenuado, e proferir a meia-voz: "Gosto muito de ti. Vou ficar contigo para sempre. Não quero que passes pelas mãos de mais ninguém. Se tal acontecesse, eu descobria e matava-te. E não serias a primeira. Matar é fácil, para quem está empenhado nisso. Se me traísses, voltava a fazê-lo. Portanto, portas-te com muito juizinho.

 

Nan revelou ter respondido: "Não te preocupes, Tony. Sou tua para sempre, e só tua."

 

"Assim é que gosto de te ouvir, replicou ele.

 

Freeberg estendeu a mão para a caixa de cigarrilhas, extraiu uma e acendeu-a, sem desviar os olhos do relatório, cuja leitura prosseguiu, à espera da cena que inevitavelmente surgiria. Por fim, encontrou-a. Leu-a várias vezes e dramatizou-a mentalmente...

 

Ocorrera menos de duas semanas atrás.

 

Estavam deitados, ele abriu-lhe as pernas e, sem qualquer preliminar, fez avançar o instrumento tumescente, disposto a proceder como habitualmente... só que dessa vez não entrou.

 

Repetiu a tentativa com ansiedade, mas o resultado não se alterou.

 

- Que diabo se passa? - inquiriu. - Não o ponho no sítio apropriado?

 

- Sim, continua... continua, por favor, Tony. Tornou a insistir e acabou por soltar uma imprecação de frustração, ante o insucesso.

 

- Tens isso fechado como um cofre-forte. Que aconteceu?

 

- Não sei. Não estou a fazer nada de extraordinário. Tento colaborar, como sempre.

 

Decidiu efectuar mais uma tentativa, a quarta, mas a situação não sofreu a menor alteração.

 

- Deixa cá ver o que sucede - resmungou. Levantou-lhe a pelvis, com as mãos debaixo das nádegas e introduziu três dedos na vagina. - Não noto nada de invulgar. Vamos lá ver agora.

 

Voltou a colocar-se em cima, a fim de tentar pela quinta vez, sem que, contudo, conseguisse penetrar um único centímetro.

 

- Há qualquer coisa que não bate certo. Que sentes?

 

- Pareço apertada. E dói-me um pouco. Talvez seja alguma deficiência orgânica.

 

- Deficiência quê?

 

- Orgânica. Física. Seja como for, tenho qualquer anomalia. Posso consultar o médico, amanhã.

 

- Conheces algum?

 

- Um ginecologista. Ele há-de descobrir de que se trata.

 

- Boa ideia. Que descubra o que tens, para te curar.

- Baixou os olhos para o instrumento, que começava a denotar flacidez. - E esta noite, que fazemos?

 

- Mesmo assim, posso proporcionar-te prazer.

 

- Então, proporciona.

 

Nan estendeu a mão, para pegar no membro, mas antes que conseguisse completar o gesto, ele puxou-lhe a cabeça para a área entre as pernas.

 

Ela fechou os olhos, abriu a boca e procedeu como lhe era ordenado.

 

- Pobre mulher - murmurou Freeberg, ao completar a leitura do processo de Nan Whicomb.

 

Em seguida, pousou a pasta de plástico num canto da secretária e aguardou que o Dr. Quarrie reaparecesse. No entanto, descobriu com admiração que este último já voltara e estava sentado na sua frente.

 

- Então, Arnold, que lhe parece?

 

- Um   caso   de   vaginismo típico,   na   sua   forma extrema. Duvido que ela sinta fobia pelo coito. Limita-se a ter espasmos musculares naquela região para evitar as relações sexuais com ele.

 

- Isso confirma o meu diagnóstico e o do ginecologista. O que interessa é saber se você pode fazer alguma coisa.

 

- Creio que sim - assentiu Freeberg, pensando no seu único delegado do sexo masculino, Paul Brandon, que aguardava a sua primeira paciente. - É o caso ideal para ser tratado por um delegado sexual e eu próprio. Quando a posso ver?

 

- Imediatamente - disse o outro, levantando-se. Ficou à espera, no carro. Vou buscá-la.

 

Chet Hunter não conseguiu que Otto Ferguson, editor do Chronicle de Hillsdale, o recebesse antes do fim daquela manhã. Desde que Suzy fornecera a excitante informação, a grande reportagem - e enorme oportunidade- começara a formar-se-lhe no espírito, e ansiava por convencer Ferguson do seu interesse palpitante.

 

Após um longo período de espera diante do gabinete de paredes de vidro do editor, este dignou-se finalmente recebê-lo.

 

No entanto, ainda teve de aguardar mais alguns minutos, pois a cabeça parcialmente calva do homem debruçava-se sobre um artigo prestes a seguir para as máquinas, no qual introduzia algumas alterações.

 

- Que o traz a estas paragens, Chet? Quer vender-nos uma reportagem fornecida pelos seus amigos da Polícia ou o reverendo Scrafield? Ou trata-se de uma sondagem de que ninguém se tinha ainda lembrado?

 

- Não vim para lhe vender o resultado de investigações. Desta vez, quero negociar uma reportagem de interesse excepcional.

 

- Espero que seja um pouco mais interessante do que o material que costuma impingir-nos.

 

- Ultrapassa de longe tudo o que me passou pelas mãos até agora.

 

- Sim? - A expressão de cepticismo de Ferguson mantinha-se. - Está bem. Despeje lá o saco.

 

Hunter respirou fundo e levantou a voz, como se anunciasse um produto de eficiência irrefutável:

 

- Exclusivo para o Chronicle: OPERAÇÃO DE DELEGADOS SEXUAIS INSTALA-SE EM HILLSDALE!

 

- O quê?

 

- Exactamente o que acaba de ouvir. Descobri-o ontem à noite através de uma fonte insuspeita. Delegados sexuais treinados iniciam hoje a actividade numa clínica da especialidade acabada de inaugurar na nossa cidade. Sabe o que é um delegado sexual?

 

- Já sabia quando você ainda molhava a cama. - O semblante do editor deixou transparecer uma ponta de interesse, ao mesmo tempo que acrescentava, como se se dirigisse aos seus botões: - Delegados sexuais em Los Angeles, Chicago ou Nova Iorque não surpreendem. Mas na puritana Hillsdale, nunca. Tem a certeza?

 

- Absoluta. E posso prová-lo.

 

- Continue a falar.

 

Excitado, sem revelar o nome ou ocupação de Suzy Edwards, Hunter referiu-se pormenorizadamente à nova clínica, ao Dr. Arnold Freeberg e aos seis delegados sexuais de várias proveniências contratados para trabalhar em Hillsdale.

 

- Aqui, na nossa cidade. É uma super-reportagem!

 

- Talvez - concedeu Ferguson. - É muito possível. Depende. Como pensa recolher os elementos?

 

- De lá de dentro. Inscrevendo-me como paciente. Escutando os conselhos e instruções do Dr. Freeberg e rebolando-me na cama com uma das suas delegadas sexuais. No final, denuncio tudo aos leitores do Chronicle. Os cabeçalhos na primeira página hão-de prolongar-se por semanas.

 

- Uma operação acutilante - murmurou, de novo para consigo. - Sim, essa é a melhor maneira. - Enrugou a fronte. - No entanto, antevejo alguns problemas... um, em particular. Se você se inscrever como paciente, um terapeuta profissional como Freeberg descobre-lhe o jogo em dois tempos. Não consegue fingir uma condição patológica por muito tempo. - Semicerrou as pálpebras. - Ou não se trataria de fingimento? Talvez saiba antecipadamente que o admitiriam sem protestar.

 

- Isso   não   interessa,   Otto - retrucou   Hunter, corando levemente. - Não me obrigue a entrar em minúcias escabrosas. Digamos apenas que reúno as condições para ser admitido. Infelizmente, não disponho de fundos para custear um tratamento dessa natureza.

 

- A quanto se refere?

 

- Cinco mil dólares.

 

- É uma fornicação um pouco cara.

 

- O dinheiro destina-se na realidade à nossa reportagem. AS PROSTITUTAS MAIS BEM PAGAS DO PAÍS ENCONTRAM-SE EM HILLSDALE! Que tal lhe soa isto?

 

- Na verdade, as despesas não interessam, quando há material graúdo em perspectiva.

 

- Então, vamos a isso.

 

No entanto, Ferguson ainda hesitava e reclinou-se na cadeira, para reflectir.

 

- Há outra coisa... outro problema... - acabou por salientar. - É uma história arriscada para um jornal de família como o nosso-... a menos que...

 

- A menos que quê?

 

- que transformemos uma denúncia vulgar no cumprimento do dever de cidadão de uma folha da Imprensa: uma cruzada política para purificar a atmosfera da imaculada Hillsdale. A prostituição é a profissão mais antiga do mundo. Agora, temos a mais moderna, o delegado, ou delegada, sexual, igualmente pago para oferecer o corpo sob o pretexto da cura. Se conseguirmos converter isso numa campanha comunitária...   atraindo o interesse do nosso amigo reverendo Josh Scrafield, por exemplo,   para   participar   com   o   seu   habitual   vigor verbal...

 

- Posso convencê-lo num abrir e fechar de olhos. Quando se inteirar do assunto, crava-lhe os dentes e não o larga mais.

 

- Mas há outro factor: a luz verde para divulgarmos o material. Se você desse um toque em Scrafield para que se avistasse com o Promotor Público, Hoyt Lewis, e o pressionasse para que divulgasse toda a operação secreta, acusasse o Dr. Freeberg de proxenetismo e prendesse uma das delegadas por se dedicar à prostituição ilegal, exploraríamos a situação devidamente. Disporíamos de uma história com uma faceta política, criminal e civismo virtuoso. Os exemplares das nossas edições seriam procurados com voracidade. Mas primeiro, Chet, tem de providenciar para que Scrafield e Lewis o apoiem... nos apoiem. Depois, você infiltra-se no antro de Freeberg, para recolher os elementos em primeira mão. Acha-se capaz disso?

 

- Que pergunta! - Hunter apertou a mão do editor com entusiasmo. - Vou actuar com a velocidade de uma bala. Entretanto, reserve-me espaço nas próximas edições!

 

Só no princípio daquela tarde, enquanto escutava Chet Hunter, na sala computadorizada nas traseiras da sua Igreja da Ressurreição, o reverendo Josh Scrafield começou a olhar o interlocutor com algum respeito.

 

Até então, encarara-o com um vago desdém condescendente, um oportunista insignificante, com pretensões a intelectual, doentio e receoso da vida.

 

Cerca de um ano antes, quando planeava a campanha contra a insidiosa educação sexual que invadia as escolas públicas, Darlene descobrira Hunter e advertira Scrafield de que o jovem investigador lhe poderia ser útil na pesquisa de factos. E, não sem certa relutância, o reverendo recorrera aos préstimos do furão de bibliotecas.

 

Agora, porém, observava um aspecto novo do oportunista, porquanto, ao revelar as informações sobre o proxenetismo do Dr. Freeberg e as prostitutas que utilizava para corromper a pureza de Hillsdale, Hunter deixava transparecer instintos humanitários. À semelhança do próprio Scrafield, manifestava uma certa compreensão dos malefícios da luxúria e do modo como poderia destruir o paraíso.

 

Assim, não hesitou em o acompanhar ao luxuoso gabinete do Promotor Público, Hoyt Lewis, no edifício do Município. Scrafield sentia-se confortável no terreno que pisava. Com efeito, Lewis era um homem inteligente e receptivo que ainda não completara quarenta anos, e, apesar do bigode louro hirsuto e tendência para a obesidade, acentuada pelo hábito de entrelaçar os dedos sobre o abdómen proeminente, possuía espírito de iniciativa e uma voluntariedade especial capazes de lhe permitir aventurar-se a voos mais elevados. Pertencia a uma das melhores famílias de Hillsdale (constava que alguns dos seus membros dispunham de segundos e terceiros lares em Malibu e Palm Springs) e tinha verdadeira compreensão das necessidades e aspirações das massas, E, sobretudo, como Scrafield, sabia comunicar com os camponeses, junto dos quais desfrutava de grande popularidade.

 

Hoyt Lewis levantou-se para apertar a mão ao reverendo e Hunter e gesticulou para que se instalassem no sofá diante da secretária. A seguir, em vez de voltar a sentar-se na cadeira rotativa, preferiu uma poltrona.

 

- Tenho muito prazer em recebê-los, meus senhores.

- O bigode elevou-se para expor os dentes brancos regulares, mostrando-se tão cordial como um anfitrião num jantar reservado a amigos íntimos. - A que devo a honra desta visita?

 

Enquanto Hunter parecia encolher-se a um canto do sofá, Scrafield denunciava profunda satisfação com o acolhimento.

 

- Tentarei expor o assunto com a maior brevidade possível - principiou este último. - Trata-se de um assunto importante que julgo merecedor da sua atenção, Hoyt. - Indicou o companheiro com o polegar. - Chet Hunter, que é um investigador experiente, como talvez saiba, procurou-me, em tempos, impelido pelo dever cívico, com os elementos mais alarmantes sobre os programas que os liberais instigavam para contaminar o nosso sistema escolar. Verifiquei que correspondiam à verdade e utilizei-os nos meus programas semanais na televisão.

 

- Minha mulher e eu somos seus espectadores regulares - declarou o promotor público, inclinando a cabeça.

- Contribuem substancialmente para a nossa missão de manter a comunidade limpa.

 

- Obrigado,   Hoyt. Agora, o nosso empreendedor Hunter trouxe-me ao conhecimento um caso muito mais perigoso para todos nós. A minha luta contra a indecente educação sexual nas escolas empalidece ao lado da pestilenta poluição que ele descobriu.

 

- Estou ansioso por me inteirar. - A curiosidade de Lewis era evidente.

 

- Prefiro que seja o próprio Chet a descrever o assunto. - O reverendo voltou-se para Hunter. - Tem a palavra. Não omita um único pormenor.

 

O investigador deixou transcorrer um momento, disposto a proceder com o maior cuidado possível, dada a importância da cartada em jogo.

 

- Diz respeito à Clínica Freeberg, inaugurada recentemente, a menos de um quilómetro daqui.

 

- Conheço   a   sua   existência - admitiu   Lewis. - Trata-se de um dos últimos edifícios médicos.

 

- Mas diferente de todos os outros da nossa comunidade. O Dr. Freeberg é aquilo a que chamam terapeuta sexual. Ora, isso não teria nada de inerentemente errado... se não recorresse à colaboração de delegados sexuais.

 

Hunter verificou que captara toda a atenção do promotor público e passou a referir tudo o que apurara, sem descurar o mínimo pormenor, como o reverendo recomendara, Averiguara que o Dr. Freeberg fora obrigado a abandonar o Arizona por infracção à lei e considerara a Califórnia terreno fértil para a sua obscura actividade. Para tal, contratara cinco mulheres e um homem, segundo uma fonte de confiança que trabalhava na clínica, a fim de tentar recuperar clientes a contas com problemas de natureza sexual por meio da utilização dos seus corpos e, entre a terapêutica, a prática do coito figurava em posição de realce.

 

E, quase ofegante, completou o sinistro relato, enquanto Lewis escutava com surpresa e fascinação crescentes.

 

No momento em que verificou que o investigador terminara, o reverendo apressou-se a afirmar com ênfase:

 

- Estamos perante um caso indiscutível de proxenetismo e prostituição, sob a capa de terapia, e o trabalho que Freeberg efectua diariamente com as suas damas de bordel desafia as leis do nosso Estado. Se estiver disposto a esmagar este desaforo, quando obtiver as provas indispensáveis...

 

- Onde as vou arranjar? - interrompeu o promotor.

 

- Por meu intermédio-interveio Hunter. - Posso reuni-las. Se me inscrever para frequentar o programa de recuperação de Freeberg...

 

- Pensa que o aceitariam?

 

Sem a menor dúvida - garantiu Hunter. - Confie em mim. Posso entrar lá, observar e participar, manter um registro permanente, que depois lhe entregaria. E seria a sua testemunha principal.

- Minha testemunha principal? - Lewis torceu o nariz. - Não sei... Normalmente isso exigiria uma investigação por um agente secreto da polícia. Ele estaria com um gravador escondido, entraria em contacto com uma das mulheres...

- Sou um membro da reserva da polícia de Hillsdale, sr. Lewis.

- Ele alistou-se e fez o treinamento no cumprimento de seu dever cívico - acrescentou Scrafield.

- E para ajudar em minhas pesquisas - arrematou Hunter, com absoluta franqueza.

- Reserva da polícia... - murmurou Lewis, levantando-se. - Deixem-me verificar.

Ele foi até sua mesa, examinou algumas pastas, descobriu a que procurava e abriu-a.

- Quando você e o reverendo Scrafield marcaram uma reunião, eu nada sabia a seu respeito. Resolvi verificar se tínhamos a sua ficha. E encontrei-a. Dei uma olhada, mas não atentei para esse detalhe de reserva da polícia. Confirmei agora.

Você é um membro oficial de nosso aparelho policial. Como um agente da reserva, com três anos de treinamento, pode se qualificar a ser testemunha de quaisquer acusações que apresentarmos. Pode ser realmente a testemunha-chave da acusação.

Ele largou a pasta na mesa e voltou para sua cadeira. Ficou em silêncio por um momento, absorto em seus pensamentos.

- Antes de qualquer indiciamento e mandado de prisão, eu precisaria fazer alguma pesquisa. O assunto não é novo na

Califórnia. Já li notícias sobre o uso de suplentes sexuais em outras partes do estado. - Ele fez uma pausa. - Por que será que isso nunca foi contestado?

Scrafield soltou uma risada desdenhosa.

- Porque elas se apresentam como autênticas assistentes de terapeutas legítimas. Ninguém quer cair nesse atoleiro.

Todos têm medo de enfrentar essa gente. Mas não tenho a menor dúvida de que tais pessoas devem ser detidas, fichadas, indiciadas e levadas a julgamento por violação do código penal da Califórnia.

- Ainda assim, é um pouco arriscado - insistiu o promotor público, cauteloso. - Não estaríamos a lidar com umcaso criminal claro e inequívoco. Teríamos de redefinir e reinterpretar as leis que regem o proxenetismo e a prostituição, talvez fixar um precedente judicial. Mas parece possível consegui-lo. Apesar disso, se eu ficasse convencido de que houve violação criminal, ainda assim avisaria o dr. Freeberg antes de indiciá-lo, ia oferecer a oportunidade de suspender suas práticas, depois que tiver as provas necessárias.

Hunter não permitiu que seu entusiasmo fosse arrefecido pela hesitação do promotor.

- Se Freeberg desistisse, seria uma vitória para seu gabinete - disse ele. - E se se recusasse a parar, teria um motivo legítimo para levá-lo a julgamento. Tudo o que posso garantir é que, se optar pelo processo criminal, obterei todas as provas de que precisará e serei testemunha de acusação.

- É muita generosidade sua - disse Lewis. - Mas quero pensar mais a respeito disso, antes de entrarmos em acção.

O reverendo Scrafield virou-se para Hunter.

- Obrigado, Chet. Importa-se de sair para o corredor por um momento? Eu gostaria de conversar a sós com o sr. Lewis. Um assunto particular. Irei encontrá-lo num instante.

Hunter lançou um olhar esperançoso para Scrafield, acenou com a cabeça e deixou a sala.

Scrafield esperou que a porta fosse fechada antes de se levantar e ir ocupar a cadeira ao lado do promotor público.

- Preciso conversar com você em carácter confidencial, Hoyt. Espero que tenha um momento para me conceder.

- Estou a seu dispor, sr. Scrafield - respondeu Lewis, inclinando-se para a frente, atento.

- Eu queria lhe falar sobre o seu futuro, Hoyt. Sempre achei... e algumas outras pessoas importantes nesta comunidade concordam comigo... que você é grande demais para o cargo que ocupa. Não estou desdenhando sua posição, mas você está qualificado para algo maior. Tem todas as condições para galgar cargos políticos mais importantes.

- Agradeço suas palavras - murmurou Lewis, com a modéstia apropriada - mas posso lhe garantir que nunca pensei por um momento sequer em ocupar outro cargo... ou um cargo mais importante, como disse.

- Mas deveria, Hoyt, deveria. Hillsdale é um óptimo lugar para ser bem-sucedido. Mas o estado da Califórnia é melhor ainda... e um papel de destaque na Califórnia pode levá-lo a funções importantes na esfera nacional. Deixe-me repetir: um cargo mais importante e melhor no estado pode ser seu, se quiser.

- Vamos supor que eu esteja interessado nisso. Não creio que esteja à minha disposição. Sou uma personalidade local, um homem quase desconhecido fora desta comunidade, que é relativamente pequena.

Scrafield inclinou-se para a frente.

- É exactamente onde eu queria chegar, Hoyt.

Você está em condições de se tornar conhecido em todo o Estado. Podia ter o eleitorado a seus pés.

 

- Como? - perguntou Lewis, perplexo.

 

- Apoiando Chet Hunter e aproveitando o material que ele... que nós   lhe oferecemos. Revelou-lhe uma situação explosiva...   não,   melhor do que isso:   uma bomba pública. Por outras palavras, a questão dos delegados e, sobretudo, delegadas sexuais. Prostitutas disfarçadas de colaboradoras de um médico, dispostas a invadir e corroer a nossa sociedade. Jovens e velhos, indistintamente.

 

- Acha que o público se preocuparia com   isso tanto como sugere?

 

- Confie no meu conhecimento do público, Hoyt. Sei o que o estimula. Estou ao corrente do que lhe desperta o interesse e indignação. É por esse motivo que   o número   de   espectadores   do   meu   programa aumenta todas as semanas. Acredite no que lhe digo.

 

- Sem duvida que acredito, reverendo.

 

- Quando Hunter   receber luz verde   para   reunir provas e lhas apresentar e aos leitores do Chronicle, jornal no qual colabora, ao mesmo tempo que eu divulgo o escândalo pela TV, você poderá actuar sem receio de ser mal sucedido. Provocaremos a indignação de toda a comunidade. O seu nome estará em todas as bocas, Hoyt. Contará com o apoio unânime do público. Não se trata de um assunto de compreensão difícil para as massas, como a evasão fiscal ou a insuficiência de verbas para realizar determinada obra, mas de delegadas sexuais, que ameaçam todas as esposas, mães e namoradas até onde a vista alcança. É o tema próprio das grandes parangonas e do telejornal da hora do jantar. O início da estrada que conduz ao triunfo.

 

- Se sei O efeito que pode exercer em mim, estou muito mais certo do efeito em si, Hoyt. Sempre o considerei o futuro promotor do Estado, como trampolim para o cargo de governador, a partir do momento em que dispusesse do impulso para o catapultar para o Capitólio, e o caso das delegadas sexuais servirá perfeitamente para o efeito. Com a perseguição vigorosa àquelas prostitutas e ao seu médico proxeneta, terá meio caminho andado. Pense bem nisto. Contará comigo para o apoio na televisão e Ferguson nas primeiras páginas   do Chronicle,   enquanto   Chet Hunter será   o cavalo de Tróia no bordel do inimigo, para recolher os factos em primeira mão. Está a acompanhar o meu raciocínio?

 

O promotor público conservou-se silencioso por uns instantes, de olhar fixo na carpeta, com uma expressão grave. Por fim, levantou a cabeça e admitiu:

 

- Sabe ser muito persuasivo, reverendo.

 

- É a minha profissão. - Os lábios de Scrafield entreabríramos e num leve sorriso. - Não me posso permitir o mínimo erro de julgamento.

 

- Nem;   eu - reconheceu   Lewis,   a meia-voz.   De súbito, pôs-se de pé e declarou: - Convenceu-me, reverendo. Acredito que,   com   o apoio   conveniente   e a opinião pública do nosso lado, podemos levar o Dr. Freeberg aos tribunais e obter a sua condenação.

- ele estendeu a mão e Scrafield, que também se levantou, apertou-a.

- negócio fechado. - acrescentou o promotor público.

- Diga a Chet Hunter que reúna as provas em primeira mão o mais depressa possível. O resto, é comigo.

 

PARA Paul Brandon, era a tarde dos primeiros. Primeira entrevista com a paciente, primeira sessão de terapia e primeiro dia no apartamento de três assoalhadas que acabava de alugar, A   partir   do   momento   em   que   conhecera   Nan Whitcomb e escutara o historial do seu caso com o Dr. Freeberg, no gabinete deste último, pressentira que se trataria de uma luta quase constante. A sua preocupação imediata antes de ver a paciente pela primeira vez era a possibilidade de ser demasiado gorda, pois as mulheres nutridas dissipavam-lhe o entusiasmo.

 

No entanto, verificara com- alívio que Nan Whitcomb, apesar de não se poder considerar uma beldade, possuía alguns   atractivos.   Tinha   cabelo   castanho   comprido puxado para trás, olhos da mesma cor e, em vez de propensão para a obesidade, era magra, quase esquelética, à parte no tocante aos seios, firmes e proeminentes, e quadris largos. Em todo o caso, o alívio de Brandon convertera-o de novo em apreensão ao ouvi-la descrever a sua história sexual, relações íntimas com Tony Zecca e problema vaginal. E, enquanto o fazia, ela   evitava   persistentemente   olhá-lo,   dirigindo-se   a Freeberg numa inflexão pouco mais elevada do que um murmúrio.

 

Ao mesmo tempo que se esforçava por não perder uma única palavra, a preocupação inicial de Brandon sobre a possibilidade de actuar sexualmente com ela evaporava-se. A dificuldade, naquele caso, como diagnosticou com< prontidão, consistia na penetração. Com efeito, a mulher fora tão maltratada peio amante que poderia resistir instintivamente a reagir perante qualquer outro homem, em particular um desconhecido, impossibilitando o estabelecimento de uma certa afinidade.

 

Sim, seria sem dúvida uma luta árdua e constante.

 

Por outro lado, o Dr. Freeberg não deixara transparecer a mínima falta de confiança e mostrara-se totalmente tranquilizador.

 

- Li o relatório do Dr. Lopez e concluí que não existe nenhuma anomalia orgânica - explicou   a Nan.

- Trata-se de um caso de vaginismo típico, como, de resto, já lhe referi, que podemos tratar com êxito.

 

- Como já   mencionei,   doutor,   não   disponho de muito tempo livre. Se vier à clínica com frequência, Tony acaba por desconfiar.

 

- Continua, pois, convencida de que era preferível sujeitá-la a um programa de tratamento intensivo?

 

- Exacto, de duas a três semanas, o máximo.

 

- Bem:, é   possível,   sem   dúvida. - Freeberg   voltou-se para Brandon. - Não concorda, Paul?

 

- Em absoluto - assentiu o interpelado, tentando exprimir-se com firmeza, diante da paciente.

 

Não obstante, continuava persuadido de que não seria tão fácil como parecia.

 

- Nesse caso, fica assente - voltou Freeberg. - Iniciaremos   o tratamento   amanhã.   Digamos, à   noite, após o jantar, no apartamento de Paul, por volta das oito...

 

- Não posso - apressou-se Nan a interromper. - À noite, é totalmente impossível. Tony não mie deixaria sair. De resto, como explicaria a visita ao médico a essa hora?

 

- Tem   razão. - Ele virou-se mais   uma vez para Brandon. - Vê   inconveniente   em   que   seja   às   três da tarde?

 

- Absolutamente nenhum.

 

Todavia, as coisas não se desenrolaram da melhor maneira, a partir do momento em que Nan Whitcomb entrou receosamente no apartamento. Ele estendeu as mãos para a ajudar a despir o casaco, porém ela prescindiu de colaboração e ficou parada no meio da sala, de blusa branca e saia beje, avaliando a sala furtivamente.

andon sentara-a no sofá e fizera questão de se manter a alguma distância.

Tentara puxar uma conversa amena, para deixá-la à vontade, mas ela mostrou-se essencialmente pouco comunicativa.

- O que vamos fazer? - ela indagara abruptamente.

- Começaremos pela carícia das mãos e do rosto.

Ele descrevera os dois exercícios e explicara os motivos pelos quais podiam ser úteis.

- Isso é tudo?

- É, sim, Nan. Uma coisa muito simples.

- Como quiser. Muito bem, vamos começar.

Sentando-se mais perto dela, Brandon acariciou-lhe gentilmente as mãos, embora estivessem muito rígidas. Depois, encorajara Nan a acariciar as suas mãos. Em seguida, acariciou o rosto de Nan com as pontas dos dedos, deslizou as palmas pelo queixo, faces e testa. O rosto dela estava tenso, como se moldado numa máscara. Assim que acabou, ele fechou os olhos e pediu a Nan que lhe fizesse a mesma coisa.

No início os dedos de Nan apertaram o rosto dele com alguma força, mas pouco a pouco as mãos foram relaxando e passaram a massagear suas feições de leve. Ele abriu os olhos.

- Bom... muito bom.

- Isso é tudo?

- É, sim, Nan.

- Acho que não havia nada de que ter medo.

- Claro que não.

- Vamos fazer mais alguma coisa?

Brandon verificou a hora. Haviam consumido apenas uma hora e 15 minutos da sessão de tratamento de duas horas. Ainda restavam 45 minutos. Ele especulou sobre a melhor maneira de aproveitar esse tempo. Podia tentar conversar com ela outra vez. Muitas vezes, com as mulheres, a conversa era a abordagem mais relaxante e eficaz.

E, agora, no sofá, ele disse:

- Por que não conversamos um pouco? - Brandon nãofez qualquer menção de se afastar dela. - Eu gostaria de saber mais um pouco a seu respeito, se não se incomoda.

Ela parecia aliviada, chegou mesmo a fitá-lo nos olhos.

- Não me importo.

- Estou curioso sobre a maneira como você vai cuidar de seu namorado.

- Está se referindo a Tony?

- Isso mesmo, Tony Zecca. Se ele perguntar, o que vai

dizer que está a fazer,

 

 

Se ele perguntar?

 

- Ah, isso pergunta, de certeza! Durante o jantar

 

- Que tenciona dizer-lhe?

 

Não digo que procurei o Dr. Freeberg. Aliás, o doutor já me explicou o que devia fazer.

 

- Sim? O quê?

 

- Digo que vou ao ginecologista, para uma série de injecções destinadas a curar uma deficiência hormonal.

 

- E se Tony perguntar o nome do ginecologista?

 

- Falo no Dr. Lopez, que me indicou o Dr Freeberg.

 

_ - Mesmo assim, ele pode querer obter confirmação do Dr. Lopez.

 

- Também está previsto. - Nan exibiu uma expressão maliciosa. - O Dr. Freeberg preveniu-o.

 

- Muito   bem. - Brandon   dirigiu-lhe um   sorriso consciente de que progredira alguns centímetros para o estabelecimento de uma relação mais desinibida Em todo o caso - acrescentou, assumindo uma expressão grave. Ainda há outra coisa que me preocupa

 

- O quê, Paulo?

 

- Suponha que ele quer fazer amor consigo, esta noite. Acha que e capaz de resolver o assunto?

 

- Seguirei   as   instruções   do   Dr.   Freeberq   Não haverá   relações   sexuais   esta noite ou   em   nenhuma outra, enquanto me sujeitar ao tratamento. Direi que tenho de terminar a série de injecções, antes de voltarmos a pensar nisso.

 

- E se ele insistir?

 

- Insiste, sem dúvida, mas recuso - afirmou, rindo Pela   primeira vez. - Tenho de ser   inabalável,   nesse aspecto. O que será fácil, pode crer.

 

- É capaz de querer possuí-la-á força - aventou Brandon, o qual descobriu, surpreendido, que se preocupava com o bem-estar dela.

 

- Refere-se a violar-me? Que experimente. Você conhece a   minha condição.   Portanto, não conseguirá nada.

 

- Mas um dia, quando você puder, ele... - Queria fazer-lhe uma pergunta, reflectiu por um momento e aventurou-se. - Nunca   pensou   em   resolver   parte   do seu problema abandonando-o?

 

- Pensei.

 

- E?...

 

- Para onde iria? - murmurou ela, em tom quase plangente.

 

- Compreendo.

 

Brandon começava a compadecer-se da rapariga e, ao mesmo tempo, pressentir que ela se achava menos retraída a seu lado, pelo que lhe acudiu o desejo de tornar aquela sessão inicial tão intensiva quanto possível. Queria que progredisse rapidamente, para que se sentisse segura.

 

O instinto indicou-lhe qual deveria ser o melhor passo seguinte no seu relacionamento. Despir-se-iam e permaneceriam desnudos diante um do outro. Se a experiência resultasse, eliminaria as inibições de Nan, cimentaria o convívio de ambos e tornaria todas as fases subsequentes mais fáceis e ternas.

 

O relógio revelou-lhe que ainda dispunham de vinte e cinco minutos, tempo mais do que suficiente para encetar algo de mais íntimo. Deveria sugeri-lo?

 

Esquadrinhou os seus instintos, mas não descortinou qualquer luz verde. No entanto, vislumbrou algo que se assemelhava a uma luz amarela, com: a advertência: "Avança, mas com prudência." Experimenta, mas com lentidão. O   imagismo   corporal...   porém   ela   mostrar-se-ia demasiado assustada para se despir e colocar diante do espelho. Continuava a ser uma criatura tímida, não tanto como quando entrara no apartamento, mas ainda fazia   parte   do   grupo   das   pessoas   feridas - fisicamente, e recearia desnudar-se diante de um homem que,   no seu   espírito,   poderia confundir com outro Tony Zecca potencial. O facto de se revelar tão totalmente poderia comprometer tudo o que fora obtido naquela tarde.

 

De   súbito,   Brandon   recordou-se   de,   durante   o treino, Freeberg se referir a compromissos que deviam ser assumidos ao sabor da inspiração do momento, como agora. Se a paciente se revelava excessivamente inibida, convinha actuar de forma gradual.

 

"Com lentidão, tornou a recomendar-se.

 

Voltou a cabeça para Nan e descobriu com surpresa agradável que ela estivera a observá-lo.

 

- Parecia mergulhado em pensamentos.

 

- E   estava.   Pensava numa   coisa   que   podíamos fazer e tornaria as sessões seguintes mais fáceis.

 

- O quê?

 

- Carícias nas costas. Só os preliminares. Passaríamos aos pormenores no próximo dia.

 

- Carícias nas costas? Como se fazem?

 

- Precisava de ficar de tronco nu. Não despirei as calças. Apertas a camisa.

 

- Não me importo. Estou farta de ver homens de tronco nu na praia.

 

- E gostava que você despisse a blusa.

 

- A blusa? - O receio dela tornou a acentuar-se,

- Uso soutien por baixo. Também tenho de o tirar?

 

Luz amarela. Cuidado. Brandon confiava inteiramente no seu instinto... nisso e no pouco que julgava saber dela.

 

- Não - replicou   com desprendimento. - Pode deixá-lo ficar. Só a sua blusa e a minha camisa. Vamos levantar-nos   e coloco-me   atrás   de   si.   Depois, você fecha os olhos e deixa-me friccionar-lhe as costas.

 

- Mais nada?

 

- Mais nada.

 

Começou a despir a camisa e viu Nan desabotoar e desembaraçar-se da blusa.

 

Em seguida, de tronco nu, indicou:

 

- Ponha-se na minha frente, mas de costas.

 

Ela obedeceu e, pela elevação dos ombros, ele depreendeu que respirava apressadamente.

 

- Que mais tenho de fazer?

 

- Nada, excepto descontrair-se. Vou limitar-me a acariciar-lhe e massajar as costas.

 

- Se acha que serve para alguma coisa...

 

- Para se descontrair, pelo menos. Agora, feche os olhos e não diga mais nada. Preste atenção aos meus dedos. Sinta-os.

 

Aplicou as pontas à curvatura das costas, acima e abaixo da fita do soutien, como se fossem borboletas. Depois, acentuou a pressão e o atrito. A pouco e pouco, a contracção muscular principiou a ceder e, em breve, ela sentia-se totalmente descontraída e absorvia e saboreava os movimentos circulares das mãos.

 

- É óptimo, extraordinário - sussurrou, entre leves gemidos.

 

Todavia, Brandon não respondeu. As suas mãos falavam para o corpo dela, enquanto os dedos e as palmas deslizavam para cima e para baixo.

 

Durante vinte minutos.

 

- Pronto - anunciou, por fim.

 

As mãos dela estenderam-se para trás e ele pensou que pretendiam tocar nas suas. Ao invés, imobilizaram-se sobre o fecho do soutien. No instante imediato, soltou-o e rodou nos calcanhares.

 

Em seguida, tirou o soutien, e os seios direitos, altos e cómicos ficaram expostos, quase agressivamente. Brandon não conseguiu impedir-se de os olhar. Os bicos rosados apresentavam a tumescência reveladora.

 

- É só para que saiba que não sou uma virtuosa hipócrita, nem bota-de-elástico. Embora nunca tivesse um orgasmo com ninguém, penso que me comportaria normalmente nas mãos apropriadas.

 

- Obrigado, Nan.

 

Ela baixou os olhos para o peito, sacudiu um pouco os seios e tornou a erguê-los para o fitar.

 

- Não são maus, para a minha idade. - São belos.

 

- Isto   é   para as   primeiras   impressões - acrescentou, voltando a colocar o soutien e pegando   na blusa. - Na próxima vez, se for tão gentil, talvez lhe mostre o resto.

 

Ao princípio da noite, Adam Demski sentava-se na borda do sofá da sala, onde Gayl Miller completava o seu lava-pés. Ele estava em mangas de camisa, mas arregaçara as calças até aos joelhos e os pés estavam mergulhados num alguidar de plástico com água tépida e sabão.

 

Gayle, com as mãos imersas, acabou de lhe friccionar e acariciar os pés e em seguida indicou que os retirasse do alguidar e pousasse no tapete de banho ao lado.

 

- Que lhe pareceu, Adam? - perguntou, pegando numa toalha de veludo e começando a secar um dos pés.

 

- Agradável, sem dúvida - replicou ele, flectindo os dedos e mostrando-se muito menos tenso do que no início do exercício.

 

- Pode tornar-se uma experiência   deliciosa, que proporciona uma sensação aprazível numa parte descurada com frequência, embora sensual, do corpo. Infelizmente, a maioria dos meus pacientes rejeita-a.

 

- Porquê?

 

- Porque não têm o menor interesse nos pés explicou ela, sem interromper a operação. - Acredite ou   não, só se   preocupam   com   o pénis, e   pensam: "O problema está aí e não nos pés, que, de resto, não são atraentes. Pelo contrário, são até horríveis e não merecem que se perca tempo com eles." - Ergueu a cabeça para o contemplar. - Também é dessa opinião?

 

- Bem, talvez pensasse um pouco que era perda de tempo.

 

- Garanto-lhe que não. Os pés podem revelar-se surpreendentemente eróticos. Por outro lado, o facto de os acariciar fornece-nos o pretexto para continuar a estabelecer um   relacionamento. Ou   seja, temos o ensejo de nos conhecer um pouco melhor antes de tentarmos tornar-nos mais íntimos.

 

- Bem, deixei-a fazê-lo. - Vendo-a pousar a toalha, Demski perguntou: - Que se segue? É a minha vez?

 

- Vamos omitir essa parte.

 

- Então, posso calçar-me?

 

- Não.

 

Ela ponderara cautelosamente o passo seguinte. Na realidade, discutira-o com o Dr. Freeberg, antes do almoço, e sugerira a possibilidade de se dedicar ao imagismo corporal na segunda sessão com Adam Demski.

 

- Parece-lhe   que   ele já   está   preparado para a nudez total, doutor?

 

Freeberg, que se entretivera a folhear a transcrição da história do caso de Demski e a seguir se debruçara sobre o relatório da primeira   sessão elaborado por Gayle, reclinou-se na cadeira para reflectir.

 

- Tudo   indica que   conseguiu alguns   progressos importantes.

 

- Penso que sim. Ele estava muito mais descontraído, no final da primeira sessão. Mais à vontade. Quase sem medo algum de mim.

 

- Apesar disso, pode manifestar relutância em se despir por completo. Lembre-se de que, no momento em que ficar nu, você verá aquilo que ele considera o seu verdadeiro problema.   Ficará assustado, sentir-se-á   ameaçado.   Por outro   lado,   nas   conversas   que teve comigo, mostrou-se empenhado em o encarar de frente. Apesar da sua aparência exterior de resistência, pressinto que está disposto a tudo, por muito difícil que lhe seja, para o ultrapassar. Sim, creio que pode passar ao imagismo corporal, esta   noite. - Fez uma breve pausa. - Mas tenha cautela.

 

- Em que sentido?

 

- Não precipite os acontecimentos. Converse com ele previamente. Fale-lhe de experiências de nudismo. Numa palavra, ponha-o à vontade.

 

- Não haverá problemas por esse lado.

 

- Onde tenciona actuar? No quarto, desta vez?

 

- Que   ideia! - protestou   Gayle,   com   ênfase. Continuo a pensar o mesmo que em Tucson. O quarto é o meu refúgio pessoal, totalmente separado do- trabalho de delegada. Ainda não esqueci uma recomendação que me fez, doutor: "Quando disser a um homem que se dispa, se for disfuncional, a ansiedade atingirá o auge. Associa a acção de se desnudar com a inevitabilidade de actuar." Por conseguinte, se o levasse para o quarto, reagiria dessa maneira. Deixei de o fazer com o meu primeiro paciente, como me indicou. Tenho a sala de terapia ao fundo do corredor do meu novo apartamento e contém tudo o que utilizava em Tucson: o espelho da altura da parede, uma secretária e respectivo ficheiro metálico e um largo sofá, com uma poltrona de cada lado. No chão, há um tapete do tamanho de uma cama de casal. À parte esta última, o ambiente é um pouco austero e clínico, ideal para trabalhar.

 

- É uma boa ideia. - Freeberg exibiu um sorriso de aprovação. - Acho que pode tentar o imagismo corporal, como pretende.

 

E agora, sentada junto de Demski, Gayle pressentia que se encontrava à beira de dar um passo crucial.

 

- Disse que não me calçasse? -perguntou-lhe.

 

- Não merece a pena - replicou ela, levantando-se e estendendo-lhe a mão para que a imitasse. Quando o viu a seu lado, acrescentou em tom jovial: - Já que está descalço, podemos prosseguir a partir daí.

 

- Refere-se a despirmo-nos? - Demski exprimia-se como se tivesse uma espinha cravada na garganta.

 

- Por que não? Tinha de ser, mais cedo ou mais tarde. Por que não mais cedo? É necessário para o imagismo corporal e saudável. Garanto-lhe que se trata de um passo importantíssimo.

 

- Falou... falou nisso ao Dr. Freeberg?

 

- Com certeza. Disse-lhe que o julgava preparado para tal, e ele concordou.

 

- Você julga-me preparado?

 

- Sem dúvida. - Ela pegou-lhe na mão. - Vamos lá para dentro.

 

- Para onde? - quis ele saber, oferecendo resistência. - Para o seu quarto?

 

- Não, isso é só muito mais para diante, se porventura chegarmos a utilizá-lo. Vou levá-lo a uma sala muito acolhedora que tenho nas traseiras e também serve de escritório. Há lá um   espelho especial que lhe   quero   mostrar. - Gayle   acentuou   a   pressão   na mão... - Siga-me. - E conduziu-o para o corredor.

 

- Que   é  isso de   imagismo   corporal? - inquiriu Demski, em voz rouca.

 

- Eu demonstro-lhe - prometeu ela, precedendo-o.

- A nudez é uma experiência muito comum. Numa ou noutra fase da sua vida, toda a gente se despe. Quando bebé, você estava nu, enquanto a sua mãe lhe mudava as fraldas ou dava banho. No campo, muitas crianças tomam banho num lago ou mesmo num tanque, completamente despidas. Ou talvez o façam na piscina da A. C. M. Você não?

 

()   Young   Men's   Christian   Association:   Associação   Cristã dos Jovens. (N. do T.)

 

- Bem, no YMCA fi-lo uma vez.

 

- Deve ter-se despido no vestiário do liceu, para fazer ginástica.

 

- Claro.

 

- Ou sempre que o médico   de clínica geral   o examina. Em certos casos, está presente uma empregada.

 

- Decerto, mas isso é diferente. Ignorando o comentário, prosseguiu:

 

- Recordo-me de ler uma história do seu caso que, em alguns dos últimos encontros com mulheres, tentou fazer amor com elas. Nessas ocasiões, suponho que se despiu por completo.

 

- É verdade, mas não me agradou. Encontravam-se agora diante da porta da sala de terapia, e Gayle abriu e fez sinal a Demsky para que entrasse. Os tubos fluorescentes do tecto já estavam acesos, e a sua intensidade impedia que se criasse qualquer ideia de intimidade.

 

- Com esta iluminação é mais fácil, como verificará. - Ela gesticulou na direcção dos móveis. - Sente-se onde lhe apetecer, Adam.

 

Enquanto ele se instalava rigidamente na poltrona mais próxima, Gayle aproximou-se do espelho para se observar. Vestia-se de forma apropriada para a ocasião, sem qualquer pormenor que se pudesse considerar sensual. Usava uma camisola de malha folgada, com gola de abertura conservadora, saia leve de algodão e sapatos de salto raso. Tratava-se de um uniforme assexuado de que se podia desembaraçar com prontidão.

 

Ainda vestida, voltou-se do espelho para encarar Demski.

 

- Vou explicar-lhe em que consiste o imagismo corporal.

 

Descreveu a técnica do exercício e, quando terminou, ele perguntou:

 

- Tenho de me pôr diante do espelho?

 

- Sem nada vestido. Nu. E efectuar os mesmos movimentos que acaba de observar, apontando as diferentes partes do corpo e dizendo o que pensa delas.

 

- Talvez   não   seja   capaz,   uma   vez   que   nunca tentei...

 

- Verá que é. Não digo que seja a mesma coisa nos homens e nas mulheres. Nós gastamos mais tempo a falar do rosto, com alusões a maquilhagens e cosméticos, preocupadas com o que parecemos aos outros, enquanto   vocês   se   concentram-   mais   naquilo   que consideram que conta, sobretudo o pénis. No entanto, em alguns casos, percorrem o corpo da cabeça aos pés, sem mencionar os   órgãos   genitais. Quando tal acontece, chamo-lhes a atenção para o facto e pergunto o que pensam deles. Não mostro interesse no motivo   por que   omitiram essa área,   visto que   não necessito de saber e não tenho de formar juízos sobre a matéria. Mas insisto em que se lhe refiram. Está a compreender?

 

- Não sei bem... Talvez.

 

- Então imite-me. Quando for a sua vez, faça exactamente   a   mesma   coisa.   Tenho   a   certeza   de   que consegue.

 

- Se pensa assim...

 

Gayle exibiu um sorriso afável e indicou com brandura:

 

- Agora, levante-se, para nos despirmos.

 

- Ao mesmo tempo?

 

- Não faz mal. Enquanto   ele   se punha   lentamente de pé, acrescentou: - O facto de se despir não significa que tenha de conseguir uma erecção e levar-me para a cama, Trata-se apenas daquilo que expliquei. Desnudamo-nos para que você possa apontar as diversas partes do corpo e referir o que pensa delas, porque até agora nunca se preocupou particularmente com isso e as suas impressões revestem-se de importância. De acordo?

 

- Pois sim...

 

Gayle voltou-se parcialmente para o lado, enquanto começava a puxar a camisola pela cabeça, evitando olhar os esforços dele para se despir, a fim de não- o embaraçar ainda mais.

 

Depois de despir a camisola, estendeu as mãos para as costas, para tirar o soutien, puxou o fecho de correr da saia, que deixou deslizar para o tapete e impeliu para o lado com os pés, ao mesmo tempo que descalçava os sapatos. Depois de se livrar igualmente das cuecas, espreitou finalmente pelo espelho. Demski despira a camisa e as calças e movia os dedos sobre as cuecas brancas com pintas pretas.

 

- Quando acabar, pode voltar a sentar-se, Adam. Ela virou-se, depois de aguardar um instante, e viu que ele regressara à poltrona, mas cruzava as mãos sobre a virilha, pelo que o pénis não se achava visível.

 

Empenhada em não lhe acentuar o embaraço, voltou-se de novo para o espelho, embora pudesse observar de um determinado ângulo que contemplava a imagem do seu corpo desnudo.

 

Gayle reflectiu que não tinha importância que o fizesse, pois provavelmente nunca vira uma mulher desnuda tanto tempo e o facto poderia contribuir para que se descontraísse um pouco. No entanto, o que mais o descontrairia seriam os movimentos dela diante do espelho. Se os executasse bem, ele concentrar-se-ia no que via e em breve esqueceria a sua própria nudez. Ficaria tão impressionado que perderia a   noção da vergonha e, quando chegasse a sua vez, estaria menos petrificado. Agora, porém, era ela que devia tomar a iniciativa.

- O exercício do imagismo corporal é isto - anunciou,   inteiramente voltada   para o espelho. - O   meu cabelo... - prosseguiu, levando os dedos à cabeça. - Gosto dele assim e de ser morena. Nunca desejei ser loura e ter a região púbica dessa cor. O louro tem algo de insubstancial, de leve. Uma morena bem-parecida como eu... pode sempre confiar em alguém como eu. Lembre-se disto, Adam.

 

Detectou pelo espelho uma ligeira contracção divertida nos lábios dele, e moveu o indicador ao longo do nariz.

 

- Não está mal, mas também não se pode considerar uma maravilha. O nariz arrebitado tem o seu ponto alto. É um trocadilho, percebe? Mas, na verdade, acho-o um pouco largo de mais para o meu gosto. Um tudo-nada mais estreito seria mais atraente. - O dedo pousou na boca. - Nas histórias românticas, chamam generosos aos lábios como estes. E são. Parece que agradam aos homens, em particular a suavidade, quando os beijam, pelo que não tenho razão de queixa. Interessa é que você goste deles, Adam.

 

- Gosto, sim, Gayle.

 

Ele levou as mãos aos seios.

 

- Que dizer disto, sem o soutien para servir de suporte? Que lhe parece?

 

- São bonitos - admitiu Demski, em voz estrangulada.

 

- Não sei... - Ela observou-os no espelho por um momento. - Tenho cá as minhas dúvidas. Lembro-me bem de quando era mais nova, durante a puberdade, e o peito quase parecia uma tábua de engomar. Receava que não crescessem e ficasse como os rapazes, que não me ligariam nenhuma. Mas acabaram por aumentar, embora nunca tivesse a certeza se esperavam e queriam que fossem maiores. Eu sei que os mais pequenos que os meus ficam bem aos modelos, mas os homens não se interessam por esses tipos. Preferem as formas mais opulentas. Ora, as minhas não são assim, o que me desaponta um pouco.

 

- São admiráveis - asseverou ele. - Pelo menos, para mim.

 

- Nada tenho a objectar, quanto a esta região continuou Gayle, aplicando uma leve palmada no estômago plano. - O meu peso é o ideal e nem preciso de fazer dieta. - A mão deslocou-se para a área púbica. - Passemos ao monte de Vénus e ao triângulo público. Tenho uma posição mais ou menos ambivalente a esse respeito, do ponto de vista estético. Algumas mulheres têm   penugem   púbica tão eriçada como palha-de-aço. A minha lembra uma minúscula almofada de plumas suaves. Então, por que sou ambivalente com o que vejo? Vou explicar-lhe. Neste momento, talvez não se aperceba bem, mas verá melhor, quando se aproximar. Embora pareça espessa no seu conjunto, não o é no meio. Dá a impressão de que escasseia e pode ver-se o clitóris e, abaixo, a vulva. Na realidade, não há grande inconveniente em que estejam expostos, mas confesso que preferia essas partes vitais ocultas, para que alguém se entretivesse a descobri-las.

 

Tornou a lançar uma olhadela ao espelho. Demski parecia hipnotizado e engolia em seco, incapaz de pronunciar uma palavra.

 

Em seguida, Gayle estendeu as mãos para trás e tentou segurar as nádegas.

- Nitidamente exageradas. A Natureza revelou-se demasiado abundante, neste sector. Não gosto de ter o traseiro sempre a bambolear-se ao vento.

 

Depois, passou aos quadris, coxas, joelhos, barriga das pernas e pés, sem parar de emitir comentários.

 

Por fim, voltou-se para Demski e perguntou:

 

- Tem alguma coisa a observar, Adam?

 

- Bem, eu... - O resto da frase perdeu-se   num murmúrio inaudível.

 

- Desembuche lá. Bem, o quê? Diga a verdade.

 

- Acho que tem um traseiro encantador.

 

- Palavra?

 

- Não me parece grande de mais. E o resto...

 

- Qual resto? - Ela notou onde os olhos dele se fixavam. - Refere-se à vagina?

 

- Foi... foi excessivamente severa na sua apreciação. Não tenho nenhum reparo a fazer.

 

- É muito gentil.

 

- E sincero.

 

Gayle bateu as palmas de contentamento e acercou-se dele.

 

- É um cavalheiro e um erudito. - Inclinou-se e beijou-o na fronte, enquanto um dos seios lhe roçava o rosto. - Obrigada.

 

Em seguida, segurou-lhe os braços e fê-lo levantar-se. Demsky encolheu-se um pouco e tentou desprender-se, todavia ela não o largou e obrigou-o a postar-se na sua frente.

 

- Agora, é a sua vez de proceder ao imagismo corporal.

 

Esforçando-se por lhe evitar o olhar, ele quase correu para o espelho, como se pretendesse ocultar-se dentro. Depois, tremendo, conservou-se imóvel, ao mesmo tempo que via Gayle sentar-se na poltrona e observar a imagem. Conservava os braços pousados aos lados e todos os pormenores do corpo estavam bem visíveis.

 

"Não está mal", reflectiu. "Alto, um pouco ossudo e magro, com as vértebras salientes. Quadris suaves, joelhos proeminentes e pernas firmes". No entanto, não conseguia desviar os olhos da origem do problema que o levara à clínica do Dr. Freeberg. Era de facto pequeno. Quatro centímetros, quando muito. E o que o fazia parecer ainda mais insignificante eram os testículos, sem dúvida enormes.

 

não obstante, ela sentia-se desafiada, consciente de que não se lhe deparava uma tarefa impossível. Tinha a certeza de que conseguiria que aquela miniatura adquirisse rigidez e se convertesse numa fonte de orgulho em vez de vergonha, como agora. Estava segura de que podia acontecer. Demski apresentara-se-lhe com aquilo que considerava um palito e, se tudo corresse bem, partiria convencido de que tinha um poste telefónico entre as pernas. Sim, se tudo corresse bem, e achava-se profundamente empenhada em que tal acontecesse.

 

E iniciaria os trabalhos naquela noite.

 

- Tente fazer o mesmo que eu, diante do espelho. Comece pelo cabelo.

 

Ele aquiesceu com uma inclinação de cabeça, mas manteve-se imóvel, como se comparasse a sua imagem com a de Gayle ao lado. Quase imperceptivelmente, mudou de posição, começando por concentrar o peso do corpo na perna esquerda para depois as abrir. Dir-se-ia que ignorava levemente a vergonha que o assolava.

 

Gayle, que o observava atentamente, pressentiu o que se passava na mente dele. A atitude de descontracção surgira como uma espécie de rendição. Estava completamente despido, podia ser visto da cabeça aos pés e o seu problema encontrava-se exposto. Já não havia nada para ocultar. Ela sabia. Apesar disso, não havia o menor sinal de crítica na sua expressão, como se aceitasse tudo sem qualquer reparo.

 

Demski encheu os pulmões de ar, levou a mão ao cabelo e murmurou algo no sentido de que possuía uma cabeleira abundante. Talvez fosse bom, porque resultava esteticamente agradável e, ao mesmo tempo, mau, pois podia convencer alguns membros do sexo oposto de que se tratava de um homem viril.

 

Parecia não dispor de paciência para apreciar os vários traços fisionómicos, o peito de pombo e o abdómen plano, porém mole. Resmungou uma ou duas frases acerca de cada uma dessas áreas e a seguir procedeu como Gayle observara noutros homens em idênticas condições. Passou directamente à área causadora do problema.

 

Indicou o pénis, ao mesmo tempo que se contemplava ao espelho, com uma expressão compungida.

 

- Depois, temos isto - articulou em voz alta. - Como vê (não adianta iludirmo-nos), é muito pequeno.

 

- Não   acho - declarou   ela,   soerguendo-se. "Muito pequeno é uma expressão que não existe, em relação ao pénis. Diga-me com exactidão o que lhe desagrada nele.

 

- Como referi, é muito pequeno. Por sorte, não o trago à mostra. Assim, as mulheres não o vêem, de contrário riam-se de mim. - Antes que Gayle pudesse interrompê-lo, Demski acrescentou: - Como sabe, aconteceu duas vezes.

 

- Sim, mas foram reacções excepcionais. As duas mulheres exprimiam a sua irritação contra os homens em geral. Se uma centena visse o seu pénis, tenho a certeza de que noventa e oito não reagiriam de forma hostil e não se recusariam a fazer amor.

 

- Não acredito.

 

- Tem de acreditar no que digo, Adam. Sou jovem e possuo alguma experiência com diferentes tipos de homens. Se nos despíssemos para fazer amor, não me importava se o seu pénis tinha dois ou vinte centímetros de comprimento. De qualquer modo, atingia o dobro ou triplo, depois de erecto. Decerto o observou, quando se masturbou. O tamanho em repouso não interessa, pois o prazer surgiria igualmente.

 

- Como se viu?...

 

- O quê? Sei o que o preocupa e garanto-lhe que labora num erro crasso. Quando frequentava a instrução primária, o liceu e mesmo a universidade e tinha de se despir diante dos colegas, ficava com plena consciência da diferença entre o seu pénis e os deles. E, quando assistia a um filme pornográfico ou folheava certas revistas destinadas aos homens, só via pénis enormes e mulheres   com   seios   descomunais.   Os   idiotas   que escolhem essas personagens pensam que a maioria da população masculina relaciona o membro grande com a potência sexual. Ora, na realidade, uma coisa não tem nada que ver com a outra.

 

- Não? - murmurou ele, com uma expressão de dúvida. - Então, uma mulher não se sente mais satisfeita com uma coisa grande dentro?

 

- A vagina está concebida para se acomodar a praticamente todos os tamanhos e experimentar prazer com isso. Se introduzisse o dedo mindinho na minha, as paredes rodeavam-no e acabavam por saborear o seu movimento de vaivém. Não esqueça que é através dela que vem ao mundo uma criança que pode chegar a pesar mais de cinco quilos. Por conseguinte, tanto se dilata como contrai, consoante as situações.

 

Olhou-se em silêncio no espelho por uns segundos, antes de proferir com incredulidade:

 

- Quer dizer que, se o conseguisse pôr de pé, podia fazer feliz uma mulher? - Pestanejou para a imagem. - Podia fazê-la feliz, Gayle?

 

- E havemos de o provar - assentiu ela, com um sorriso.

 

Demski parecia levemente convencido, mas manifestava relutância em abandonar o tópico do pénis e passar às restantes partes da sua anatomia.

 

Queria obter ulteriores confirmações, e ela comprazeu-o. Assim, discutiram o pénis, com a sua disfunção, e possibilidades do prazer sexual, durante cerca de dez minutos.

 

Por fim, Gayle resumiu o que pensava acerca das revistas pornográficas e histórias que continham:

 

- Essas descrições são estupendas como fantasia erótica, mas proporian uma educação sexual horrível. Não só os heróis possuem pénis anormalmente grandes, como, uma vez dentro das mulheres, podem permanecer em actividade ao longo da noite. Desse modo, o leitor inexperiente acredita e, quando tenta emular a proeza, descobre que não consegue, pelo que começa a criar uma ansiedade. Estou convencida de que foi uma dessas coisas negativas que lhe aconteceu.

 

- É possível...

 

Um pouco mais satisfeito, ele voltou-se de novo para o espelho e continuou a analisar os quadris, pernas e pés.

 

Quando terminou, porém, tornou a concentrar-se no pénis. No entanto, Gayle julgou notar que não o encarava com tanta animosidade.

 

Após um silêncio, levantou-se e aproximou-se dele, mas deteve-se a certa distância, pressentindo que ponderava a possibilidade de a abraçar.

 

- Quer vestir-se? - perguntou ela, com um sorriso.

 

- Tanto se me dá. - Ele soltou a primeira gargalhada   desinibida   desde   que   a   sessão   principiara. - Estava a brincar. Claro que quero.

 

"Meu Deus!", cogitou Gayle, entregando-lhe as cuecas. "Parece finalmente um ser humano em vez de um coelho assustado."

 

Na realidade, apetecia-lhe cantar de contentamento.

 

Depois de ele se retirar, quase eufórico, ela vestiu-se com lentidão e dirigiu-se para o seu Honda, estacionado à entrada do prédio.

 

Meia hora mais tarde, arrumou-o na área pertencente à clínica junto do Market Grill, encaminhou-se para a entrada e ficou surpreendida ao ver as luzes do rés-do-chão e primeiro andar acesas.

 

Embora a sala da recepção estivesse desocupada, não duvidou de que Freeberg e Suzy Edwards ainda se encontravam a trabalhar no primeiro piso. No entanto, a sua mente concentrava-se na conclusão da tarefa daquela noite. Assim, entrou numa das salas de gravação, despiu o casaco e sentou-se, a fim de preparar o relatório sobre a segunda sessão com Adam Demski.

 

Ditou para o microfone durante vinte minutos, e desligava o gravador no momento em que a porta atrás dela se abriu, para dar passagem a Suzy Edwards.

 

- Se ainda não terminou... - proferiu em tom de desculpa.

 

- Já estava a arrumar as coisas.

 

- Nesse caso, se dispõe de tempo, o Dr. Freeberg gostava de falar consigo.

 

- Sem dúvida. Já agora, fique com a cassette, para fazer a transcrição, de manhã.

 

Freeberg recebeu-a com visível ansiedade e, depois de lhe indicar uma poltrona, começou:

 

- Queria consultá-la sobre a hipótese de aceitar um segundo paciente. Bem sei que Adam Demski não lhe dá pouco trabalho, mas talvez conseguisse ocupar-se de outro caso simultaneamente. Eu podia confiá-lo a uma das suas colegas, se não se tratasse de um problema de ejaculação prematura, precisamente o género em que tanto êxito obteve no Arizona.

 

Gayle já se decidira, mesmo antes de ele acabar de falar. Orgulhava-se da sua capacidade para retardar a ejaculação prematura e agradar-lhe-ia ocupar-se de mais uma alma perdida. Além disso, o dinheiro envolvido ajudá-la-ia a fazer face às despesas, se fosse aceite no Departamento de Psicologia da UCLA.

 

- Pode   contar   comigo,   doutor.   Quando   principiamos?

 

- Amanhã, se possível. Trata-se de um programa intensivo, pois o paciente dispõe de um período limitado.

 

- Amanhã à tarde, estou livre.

 

- Óptimo. Podemos ter uma reunião preliminar com ele às nove da manhã. Que diz?

 

- Cá estarei. Pode revelar-me alguns pormenores já? Freeberg pegou num maço de papéis de cima da

secretária e estendeu-lho.

 

- Tem aqui a história do caso. Pode dar-lhe uma olhadela, esta noite. - Enquanto ela o guardava na carteira, acrescentou: - É um jovem escritor, que colabora esporadicamente com revistas, chamado Chet Hunter.

 

- Não reconheço o nome.

 

- Parece que   ainda   está   nos   primeiros   passos. A sua disfunção pode constituir uma obstrução à qualidade do trabalho.

 

- Espero poder ser-lhe útil. É um bom escritor?

 

- Eu diria que precisa de uma revisão - observou, com um leve encolher de ombros. - Mostra-se um pouco precipitado e ansioso. Embora exija urgência no tratamento, não se perde nada se lhe refrear um pouco o ímpeto.

 

- Fá-lo-ei, se for possível.

 

- Confio em si, como sempre. Cá a espero às nove da manhã.

 

Quando passava diante de Market Grill, a caminho do parque de estacionamento, Gayle descobriu que lhe apetecia um café e entrou.

 

O restaurante estava quase deserto, e ela preparava-se para ocupar um dos bancos do balcão, quando viu alguém acenar-lhe de uma mesa. Paul Brandon apresentava-se tão atraente como da última vez que o vira na realidade, ainda mais, com o casaco sport e camisola de gola alta, pelo que decidiu reunir-se-lhe.

 

Depois de pedir o café, aproximou-se da mesa e sentou-se diante dele, que perguntou:

 

- Como está?

 

- Nunca me senti melhor. Com muito trabalho. Mas constou-me que você também não se aborrecia de ociosidade. É verdade?

 

- É. Uma mulher cá do sítio. Muito interessante. A empregada apareceu com o café e Gayle adicionou-lhe açúcar e começou a movê-lo com a colher.

 

- Com   que então   ela   é interessante,   hem-? observou, sem erguer os olhos. - Você teve sorte. - Fez uma pausa. - Bonita?

 

- Não   é   nenhuma   Miss   América,   mas   acho-a atraente, num estilo não muito sofisticado. Além disso, a timidez empresta-lhe um encanto especial.

 

- Ajudou-a a dominá-la?

 

- Um pouco, creio. - Brandon parecia relutante em discutir o assunto. - Sei que também lhe confiaram um paciente. Como vai o tratamento?

 

- Na verdade, são dois.

 

- Dois? - ecoou, com um esgar de admiração. - Não será uma carga excessiva?

 

- De modo algum. Posso perfeitamente dar conta do recado. O primeiro, como sabe, é um caso de impotência, o mais duro de roer dos dois, mas estamos a progredir satisfatoriamente. O outro diz respeito a ejaculação, uma anomalia que costumo curar com êxito, se me permite a imodéstia.

 

- Dois   de   uma   assentada! - persistiu. - Mas como?...

 

- Não os recebo juntos - salientou ela, com um sorriso. - Tenciono fazê-lo alternadamente, se houver possibilidade. Vai ser um pouco opressivo, mas trata-se de um desafio.

 

- Você é incomparável - comentou ele, meneando a cabeça. - Vejo-me em palpos de aranha para cuidar de uma, quanto mais... Enfim, cada um sabe as linhas com que pode coser.

 

- Você é um homem e, mais cedo ou mais tarde, tem de o pôr de pé. Por conseguinte, mais de uma paciente de cada vez seria exigir demasiado. Comigo, por ser mulher, esse problema não se põe.

 

Gayle notou que Brandon se tornava cada vez menos comunicativo e, enquanto sorvia o café, perguntava-se o que teria. A alusão a dois pacientes enervara-o. Porventura não aprovaria? Seria um indivíduo competitivo antes de se tornar delegado sexual? Considerá-la-ia ambiciosa? Não, era impossível. No entanto, os homens revelavam-se imprevisíveis nas apreciações das mulheres.

 

De súbito, ocorreu-lhe outra possibilidade. Tratar-se-ia de ciúmes?

 

Isso ainda era mais impossível. Com efeito, mal a conhecia, pelo que não podia sentir instintos possessivos, nem mesmo remotamente.

 

Em todo o caso, a hipótese não devia ser descurada por completo.

 

Analisando-o mais uma vez, tornou a admitir para consigo que era um homem atraente e lhe inspirava certa simpatia. E, por associação de ideias, especulou sobre o que representaria encontrar-se nos seus braços. Unirem-se num vigoroso amplexo, quando ambos estivessem desnudos.

 

Por último, decidiu que se entregava a considerações insensatas e mudou de assunto, passando a abordar a sua candidatura a uma bolsa de estudo para a UCLA, até que acabou por perguntar como se desembaraçava das funções de professor de ciências.

 

- Ó suficiente para manter a cabeça à tona de água.

 

- Talvez se afogue, se as suas aulas se relacionarem com a educação sexual nas escolas secundárias.

 

- Relacionam, de facto. Por que diz que me posso afogar?

 

- Há um evangelista aqui, em Hillsdale, (creio que se chama Scrafield) com um programa semanal na televisão que aborda a educação sexual nas escolas. Ouvi parte por duas vezes e fiquei revoltada. No entanto, para alguns, talvez seja conveniente. Quer que volte a ficar a cargo das famílias.

- O que equivale, mais ou menos, a devolver a evolução à Bíblia. Esse fulano... diz que se chama Scrafield?...   é obviamente   lunático e não me preocupa. A educação sexual chegou às escolas para ficar. Não se apoquente, pois, com o perigo de me afogar.

 

Quando esvaziou a chávena, Gayle pegou na carteira e na conta, esquivando-se no momento em que ele quis apoderar-se desta última.

 

- Desta vez, cada um paga a sua despesa - indicou, levantando-se. - Bem, vou andando.

 

- Eu   também - declarou   Brandon,   imitando-a. - Tem carro?

 

- Está lá fora, no parque. Quer boleia?

 

- Se não se importa. Devem entregar-me o meu amanhã. Comprei um Chevy em segunda mão muito jeitoso. Deixei-o na garagem para afinação do motor.

 

- Nesse caso, hoje pode ser meu passageiro. Depois de pagarem as contas, encaminharam-se em silêncio para   o Honda e ela   instalou-se ao volante, enquanto ele se sentava a seu lado.

 

- Corte à direita - indicou Brandon, quando abandonavam o parque de estacionamento. Uma vez diante de um prédio de apartamentos de cinco andares, apontou para uma das janelas. - A minha nova cabana.

 

Gaylê encostou ao passeio e deixou o motor ligado, enquanto ele se apeava e contornava o carro, a fim de se acercar do lado dela.

 

- Por que não sobe para ver as minhas instalações? - sugeriu, abrindo a porta.

 

- Está a convidar-me para visitar o seu apartamento? - replicou Gayle, permanecendo imóvel, com as mãos pousadas no volante.

 

- Exacto.

 

- E depois?

 

- Bem,   não   sei. - Brandon   parecia   perplexo. - Podemos...

 

- Ir para a cama?

 

- Já que falou nisso, não me parece má ideia. Na realidade, acho-a mesmo excelente. - E estendeu a mão, para a ajudar a sair.

 

- Vamos esclarecer uma coisa, Paul. Se o acompanhasse lá acima, acabávamos na cama, porque estou certa de que me apeteceria. Mas não hoje. Por duas razões. Primeira: não quero que me julgue uma ninfomaníaca fácil de conquistar. Segunda: duvido que conseguisse aguentar três homens numa semana. - Ela fechou a porta e, vendo-o inclinar-se para dentro, acrescentou:

 

- Também não haverá beijo de despedida, pois poda anular a minha determinação. Reservemos alguma coisa para a próxima vez.

 

- Para a   próxima vez? - repetiu   Brandon, saboreando as palavras como se fossem guloseimas.

 

Exacto. - Gayle acelerou o motor e embraiou. - Não me telefone. Aguarde a minha chamada.

 

O Honda partiu velozmente, enquanto ele o acompanhava com a vista, dominado por um misto de excitação e perplexidade.

 

FOI no decurso da entrevista e discussão com o seu mais recente paciente, Chet Hunter, e a delegada incumbida do seu tratamento, Gayle Miller, que o Dr. Freeberg recebeu o telefonema inesperado. Às 9.21, o botão do círculo interno acendeu-se e a voz de Suzy Edwards soou no pequeno altifalante:

 

- Desculpe incomodá-lo, doutor, mas tenho o promotor público de Hillsdale, Hoyt Lewis, na linha, que insiste em lhe falar.

 

Contrariado com a interrupção, ele desligou o gravador e replicou:

 

- O promotor público? Não tenho nenhum assunto pendente com ele e, de resto, estou ocupado. Não pode aguardar?

 

- Parece que não. Insiste em falar consigo imediatamente. Diz que é importante.

 

- Bem... - Hesitou, dominado por uma ponta de apreensão. - Se é importante, ligue lá. - Levantou o auscultador, cobriu o bocal com a mão e voltou-se para o   paciente   e   a   delegada. - Desculpem,   mas,   como devem ter ouvido, é o promotor público e acho que devo manifestar um pouco de consideração pelo seu cargo.

 

Hunter e Gayle indicaram que compreendiam, e Freeberg retirou a mão do bocal e aproximou o auscultador do ouvido.

 

- Estou?...

 

- Ah, Dr. Freeberg! Ainda bem que consegui contactar consigo. - A voz do outro lado do fio mostrava-se calorosa e jovial. - Antes de mais, peço desculpa por lhe interromper o sobrecarregado de trabalho. Sou Hoyt Lewis, promotor público desta cidade. Nunca nos vimos, mas conheço-o de tradição.

 

- E eu a si, Mr. Lewis. Em que lhe posso ser útil?

 

- Convinha que nos encontrássemos, doutor, por causa de um assunto local que surgiu. No entanto, prefiro não o abordar pelo telefone. Julgo preferível discutirmo-lo pessoalmente. Quanto mais cedo, melhor.

 

- Concretamente, quando?

 

- Hoje, se possível. Ao fim da manhã, antes do almoço, por exemplo. Concorda?

 

Freeberg inclinou-se para a frente, a fim de consultar a agenda.

 

- Deixe-me ver... - Moveu a cabeça num gesto de assentimento. - Sim, acho que pode ser. Tenho a tarde toda preenchida, mas estou livre das onze horas da manhã até ao almoço. Serve-lhe assim?

 

- Fica combinado. Às onze.

 

- Onde é o seu gabinete, Mr. Lewis?

 

- No edifício do Município - explicou o promotor público. - Mas vamos fazer de outra maneira. Passarei eu por aí.

 

- Sabe onde é a clínica?

 

- Perfeitamente. Até logo.

 

Freeberg pousou o auscultador um pouco intrigado. No entanto, o tom de voz de Lewis não deixava transparecer urgência especial para além do facto de o encontro se revestir de alguma prioridade. De qualquer modo, resolveu afastar o assunto do espírito e, aclarando a garganta, tornou a pedir desculpa a Hunter e Gayle pela interrupção e estendeu a mão para os apontamentos. Recordou-se então de que não existiam, porque a conversa fora gravada.

 

- Bem, vejamos onde íamos - murmurou, voltando a ligar o gravador e rebobinando a fita por alguns metros.

 

Momentos depois, a voz dele brotava do aparelho:

 

"... e, como deve recordar, na nossa conversa anterior discutimos pormenorizadamente a terapia praticada por delegados sexuais. Por conseguinte, ficou com uma ideia geral do que é e não é, Mr. Hunter."

 

"Sem dúvida, doutor."

 

"A finalidade deste encontro consiste não só em conhecer a sua delegada, Gayle Miller, com a qual

 

trabalhará, mas também recapitular o objectivo da terapia de um modo mais específico. Na sua essência, não se limita a fazê-lo sentir e proceder melhor, pois pretende, sobretudo, levá-lo a funcionar bem em todos os aspectos. Nessa con...

 

Naquele ponto da gravação, surgiu a interrupção de Suzy pelo intercomunicador e nada mais, pois Freeberg apressara-se a desligar o aparelho.

 

- Bem, podemos continuar - anunciou, depois de actuar nos comandos para gravar a sequência da conversa. - Na nossa primeira sessão, Mr. Hunter, esqueci-me de lhe perguntar uma coisa. Segundo depreendi, sente   um   profundo descontentamento   pela   disfunção sexual que o afecta desde o início das relações íntimas com mulheres.

 

- Exacto.

 

- Trata-se de um problema que o preocupa desde longa data? Não surgiu, por exemplo, a semana passada e decidiu imediatamente procurar a cura?

 

- Não,   aflige-me   há,   pelo   menos,   três   anos declarou Hunter, dirigindo-se em parte a Gayle, a qual inclinou a cabeça em silêncio, sem parecer surpreendida.

 

- E cada vez que tentava um contacto íntimo com uma mulher, experimentava esse desconforto, com uma ansiedade que lhe sabotava todas as intenções? - volveu Freeberg, endireitando-se na cadeira rotativa. - Pensa que a disfunção lhe prejudica de algum modo o trabalho?

 

- O trabalho? - Ó   interpelado   mostrava-se   intrigado. - Não estou a compreender.

 

- É escritor, e já o era em Nova Iorque, antes de se transferir para a Califórnia. Durante todo esse tempo, o problema sexual não o abandonou. Crê que interferia na sua concentração, na criatividade?

 

- Preocupava-me consideravelmente - admitiu. Embora me esforçasse por trabalhar, a... deficiência não me abandonava o pensamento.

 

- Essa suposta deficiência redundava num retraimento emocional e mesmo físico no seu comportamento? Por outras palavras: saía menos com mulheres (e, quando o fazia, evitava a intimidade com frequência crescente) porque se concentrava na perspectiva de um insucesso na cama?

 

- Bem, há aí várias perguntas juntas...

 

- Desculpe. Pode destrinçá-las

 

- Julgo que sim. Continuei a acompanhar mulheres, pois não estava disposto a desistir. No entanto, tem razão, quanto a evitar o contacto sexual. Ainda efectuei algumas tentativas, mas as persistentes ejaculações   prematuras   desencorajaram-me.   Quando   me mudei para aqui, enveredei quase totalmente pelo celibato. Por fim, conheci   uma rapariga, apaixonei-me e pensei que, estando envolvida a componente amor, tudo decorreria melhor. - Abanou a cabeça, com uma expressão pesarosa. - Enganei-me.

 

- Decidiu, portanto, e muito sensatamente, tomar medidas para alterar a situação - observou Freeberg.

 

- Não foi fácil.

 

- Na nossa sociedade, com todas as suas pressões, essa ansiedade é perfeitamente compreensível - interpôs Gayle, com brandura. - Em! todo o caso, o seu problema não o deve embaraçar ou humilhar. Acontece-lhe o mesmo que a muitos homens, que guardam segredo por suporem que mais ninguém sofre dessa insuficiência. O Dr. Freeberg garantiu-lhe que se podia curar e eu confirmo inteiramente as suas palavras,

 

Freeberg observou que Hunter a escutava com um novo interesse e, sorrindo, propôs:

 

- Recapitulemos   a finalidade   da   sua   terapia   e como a vamos aplicar.

 

A sessão prolongou-se por mais uma hora, enquanto ele se inteirava do passado e história sexual do paciente, acabando por decidir que este poderia iniciar os trabalhos com Gayle, no apartamento desta, naquela tarde. Realizar-se-iam novas sessões intensivas nos dois das seguintes, depois de Freeberg se considerar satisfeito com os progressos registados.

 

No final, Hunter e Gayle retiraram-se e ele ficou só. Todavia, de certo modo, não se encontrava só. Reconheceu que o promotor público, Hoyt Lewis continuava presente no seu espírito. Tentou concentrar-se no paciente mais recente, mas decidiu que Gayle possuía experiência suficiente para se ocupar dele com eficiência e tornou a pensar em Lewis.

 

Aparentemente, o pedido do homem para se encontrarem revestia-se da maior naturalidade. Talvez quisesse apenas dar-lhe as boas-vindas à comunidade ou, mais provavelmente, sugerir que participasse em alguma obra de (interesse geral. No entanto, apressou-se a admitir que semelhantes hipóteses eram absurdas. Com efeito, as palavras do promotor continham uma insistência inequívoca em que a entrevista se verificasse imediatamente.

 

Não se tratava, pois, de um encontro de natureza social. Num gesto instintivo, como se procurasse elementos de refrescamento do seu trabalho, abriu a gaveta da secretária em que guardava os apontamentos para uma comunicação que há muito preparava, e protelava, sobre <a evolução da terapia sexual e modificações operadas na profissão desde a época dos pioneiros Masters e Johnson.

 

Absorveu-se de tal modo na leitura que, quando se lembrou de consultar o relógio, descobriu que faltavam nove minutos para as onze. Guardou os apontamentos apressadamente e entrou na casa de banho; onde passou água fria pelo rosto, a fim de ficar tão alerta quanto possível.

 

Às onze horas, voltava a sentar-se à secretária, preparado para tudo.

 

O promotor público, Hoyt Lewis chegou às 11.05, mas não vinha só. Apertou a mão a Freeberg com vigor e apresentou o companheiro, mais baixo e menos corpulento:

 

- Espero que não se importe de ter trazido o Dr. Elliot Ogelthorpe, meu velho amigo e consultor, da Universidade, de Virgínia, que dirige o Departamento de Educação Sexual. Deu-se a casualidade de se encontrar na cidade e...

 

- Não me importo absolutamente nada - atalhou Freeberg, estendendo a mão ao catedrático. Na realidade, porém, não se sentia nada contente. Além de antipatizar com o aspecto do homem (tinha olhos piscos, lábios rígidos e barba pontiaguda tipo Van Dyke), desagradava-lhe a reputação de que desfrutava. - Li os seus artigos em jornais de medicina, entre os quais o último sobre os   delegados   sexuais, intitulado   "A Profissão Antiga Mais Recente", pelo que posso dizer que estou familiarizado com o seu trabalho.

 

- E eu com o seu - retorquiu Ogelthorpe, sem a menor cordialidade.

 

Freeberg indicou-lhes poltronas diante da secretária e, ao sentar-se, Lewis continuava a assumir um ar de sociabilidade.

 

- Em geral, quando me encontro com alguém por motivos   profissionais,   mando-o   comparecer   no   meu gabinete. - Soltou uma breve risada. - O ambiente é mais intimativo. No entanto, hoje decidi abrir uma excepção e dar uma olhadela na sua clínica, antes de lhe fazer umas perguntas. Fiquei impressionado com o que vi.

 

Freeberg não pôde deixar de estranhar o emprego da expressão "motivos profissionais". Com efeito, se o promotor tinha em mente algum assunto oficial, a sequência da entrevista poderia revelar-se difícil. Não obstante, replicou calmamente:

 

- Alegra-me que gostasse das nossas instalações Confesso que me orgulho delas.

 

Suspeitava de que Lewis viera para inspeccionar a clínica. Mas em busca de quê? Indícios de orgias? Nessa eventualidade, devia estar desapontado.

 

Após breve silêncio, o promotor humedeceu os lábios, endireitou-se e suprimiu o ar de sociabilidade, para assumir uma atitude formal.

 

- Deve estar intrigado com o motivo da minha visita... e da urgência que manifestei.

 

- Um pouco - admitiu Freeberg, com um esforço infrutífero para sorrir.

 

- Desde   que   se   Instalou   em   Hillsdate,   foi-me várias vezes chamada a atenção para as suas actividades por... bem, membros respeitáveis da nossa comunidade.

 

- Para as minhas actividades?

 

- Sim, como terapeuta sexual, uma profissão perfeitamente honesta, e o recurso a delegadas... envolvidas   noutra   um   pouco   mais obscura.   Como   referi, chamaram-me a atenção para o facto, pelo que considerei necessário debruçar-me sobre a natureza exacta do seu trabalho.

 

- E que apurou? - inquiriu, a meia-voz.

 

- Que o senhor pode estar implicado, muito inocentemente, numa actividade ilegal, porventura mesmo criminosa. Investiguei a possibilidade de, como terapeuta sexual, se dedicar ao proxenetismo e as suas delegadas a nada menos do que prostituição.

 

- Francamente! - objectou,   tentando   exprimir-se com desprendimento. - Estamos no final do século XX, no progressista Estado da Califórnia...

 

- Ah, a Califórnia... - interrompeu Lewis, extraindo da   algibeira uma   folha de   papel,   que   desdobrou. - Deixe-me ler-lhe uma passagem das leis que vigoram neste   Estado, que, como recém-chegado, talvez desconheça. A Califórnia tem dois estatutos no seu código que proíbem especificamente o trabalho que o senhor e as suas delegadas executam!. - Consultou o papel. - Está   aqui   mencionado o termo   "proxenetismo",   que significa   qualquer   acção   pela   qual   uma   pessoa   se utiliza   de   outra,   com   proveito   próprio,   para   efeitos de prostituição. - Ergueu os olhos. - Ora, ao recorrer a delegados sexuais, subsistem! escassas dúvidas de que se dedica ao proxenetismo. Isto, Dr. Freeberg, é ilegal na Califórnia e em cinquenta Estados da União. Por outras palavras, um delito.

 

Freeberg fez menção de dizer algo, todavia o promotor levantou a mão para o reduzir ao silêncio e tornou a consultar o papel.

 

- E também fala aqui de "conduta desregrada, que significa uma pessoa que participa num acto de prostituição,   incluindo   actividades   licenciosas   entre dois indivíduos (de sexos diferentes ou do mesmo por dinheiro ou outra forma de   lucro. Isto é igualmente ilegal e, portanto, um delito, na Califórnia.

 

- Ainda   não   definiu   "prostituição - salientou Freeberg, sentindo um calor incomodativo nas faces, ao mesmo tempo que tentava dominar a indignação.

 

No entanto, o interlocutor debruçou-se de novo sobre o papel.

 

- Entende-se por prostituição o envolvimento de alguém em relações sexuais profissionais, em particular por dinheiro. - Ergueu a cabeça. - Considera-se vulgarmente prostituta uma mulher que se dedica a relações sexuais promíscuas, sobretudo por dinheiro. E, segundo apurei na minha investigação, tudo indica que o senhor se encontra perigosamente perto (ou totalmente envolvido) da prática de recrutar mulheres para se entregarem a actos licenciosos com membros do sexo oposto, pelo que se convertem em prostitutas remuneradas. Ora bem...

 

- Um momento, por favor. Não podemos discutir o assunto?

 

- Foi precisamente para o que o procurei. Discutir as suas actividades e adverti-lo.

 

- Gostava de analisar a situação, primeiro.

 

- Se vê alguma vantagem nisso...

 

- É que pode dar-se o caso de as suas informações não corresponderem! exactamente à realidade. Permite que esclareça alguns pontos?

 

- À vontade.

 

Continuando a fazer esforços   para   não explodir, Freeberg principiou:

 

- Julgo essencial que se inteire da enorme diferença que separa a prostituta da delegada sexual.

 

- Em conformidade com: os elementos que recolhi, são a mesma coisa.

 

- Deixe-me continuar, por favor, pois a sua ideia do que constitui uma prostituta e uma delegada sexual pode estar totalmente errada.

 

- Muito bem, Dr. Freeberg. - O pesado corpo de Lewis   mudou   de   posição   na   poltrona. - Sou   todo ouvidos.

 

- Em regra, o médico de clínica geral está pouco documentado   sobre os   problemas   sexuais,   a   menos que envolvam! alguma anomalia orgânica.   Por conseguinte, sempre que um homem, jovem ou velho, tem um problema dessa natureza, verifica a inutilidade de recorrer ao seu médico assistente. Se o aconselham apropriadamente, dirige-se a um especialista (um psiquiatra, um terapeuta treinado em questões sexuais), que procura descobrir a origem da disfunção, encorajando-o a falar. No entanto, em breve se descobriu que a terapia verbal não bastava. Como um psicólogo referiu, "o sexo é acção e não conversa", pelo que a terapia eficiente tinha de se basear na acção. Os primeiros homens de ciência que compreenderam a necessidade de um tratamento dessa espécie foram o Dr. Joseph Wolpe, o qual sugeriu o recrutamento de parceiros, ou parceiras, sexuais para tratamento dos incapacitados, e o Dr. Arnold Lazarus, convencido de que eles eram "necessários" para conseguir uma acção eficaz nesse âmbito. Contudo, a criação da expressão "delegado sexual" ou "parceiro sexual" deve-se a Masters e Johnson, que...

 

- Se tenciona referir-se a Masters e Johnson, julgo conveniente incluir o meu amigo Dr. Ogelthorpe   na nossa discussão, pois, como sabe, se leu os seus artigos, é perito na matéria.

 

- Evidentemente   que   incluo   ambos - disse   Freeberg, ao companheiro do promotor.

 

- Nesse caso, gostava de lhe dizer uma coisa começou Ogelthorpe-que deve permanecer acima de todas as outras considerações. Masters e Johnson compreenderam, a partir do momento em que   iniciaram essa terapia, que as prostitutas, as verdadeiras, dariam delegadas excelentes e utilizaram-nas.

 

- Isso não é verdade! - retorquiu Freeberg, com brusquidão. - Está a deturpar os factos.

 

- Parece-lhe? - rosnou o outro.

 

- Deixem-me continuar,   por   favor. - Freeberg   fez uma pausa, para se certificar de que Ogelthorpe se mantinha silencioso. - Vou fornecer-lhe os factos autênticos acerca deles e das prostitutas. Nunca se serviram de uma única como delegada sexual. O que aconteceu foi o seguinte. Em 1954, Masters, através de filmes e observação de setecentas pessoas, procedeu a investigações para determinar o que acontecia fisiologicamente ao corpo humano durante e após o coito e orgasmo, para o que necessitou de mulheres. Por conseguinte, a princípio, recrutou prostitutas, o que se revelou ineficiente, porque as suas anatomias e reacções não correspondiam às das outras mulheres. Em face disso,   prescindiu   delas   e recorreu a voluntárias   da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington, que observou e fotografou. Depois, quando Johnson se lhe   reuniu,   para   as   pesquisas   seguintes,   decidiram estudar a utilidade das delegadas sexuais na terapia.

 

- Pretende afirmar que Masters e Johnson nunca utilizaram prostitutas como delegadas sexuais? - perguntou Lewis.

 

- Nunca - asseverou Freeberg, que rebuscou entre suas notas de consulta e pegou numa folha. - Mas deixemos falar o próprio William Masters. "Convém salientar que nunca houve a ideia de utilizar a população de prostitutas (como delegadas)... É exigido tanto mais a uma substituta de parceira do que um rendimento sexual físico perfeito, que o recurso às prostitutas resultaria, na melhor das hipóteses, clinicamente frustrado e, na pior, psicologicamente desastroso." Pousou o papel e acrescentou: - Portanto, Masters e Johnson procuraram mulheres vulgares para servirem de delegadas sexuais voluntárias e, após selecção meticulosa, encontraram treze idades compreendidas entre os vinte e quatro e os quarenta e três anos para o efeito.

 

- E essas mulheres - insistiu o promotor - não eram prostitutas, apesar de se dedicarem à mesma actividade?

 

- De modo algum - tornou Freeberg, com! veemência. - AS prostitutas têm como finalidade proporcionar prazer sexual momentâneo aos homens. As delegadas (no programa- de Masters e Johnson, e no nosso, como deve saber) são tudo menos atletas sexuais. A sua tarefa consiste em reabilitar pacientes   incapacitados. São treinadas e utilizadas para auxiliar a acção do terapeuta, além de exercer as funções de observadoras e modelos. Nas suas relações com os pacientes, através de uma série de exercícios de tacto e carícias, tentam ajudar os pacientes a aprender como devem experimentar a intimidade humana. E o sistema funciona. Nos onze anos em que Masters e Johnson se ocuparam de cinquenta e quatro homens solteiros afectados de perturbações sexuais, quarenta e um receberam os cuidados de delegadas. E, desses, trinta e dois viram os seus problemas resolvidos graças à colaboração delas, vinte e quatro dos quais vieram a casar e cumprir as funções dignas de maridos de modo absolutamente satisfatório.

 

Ogelthorpe voltou a interromper:

 

- Quem nos garante que isso é verdade? Como podemos saber que os pacientes de Masters e Johnson se curaram, depois de terem alta da clínica? Segundo as minhas informações, só tornaram a estabelecer contacto com eles cinco anos mais tarde... e mesmo assim pelo telefone.   Considera   científico esse   acompanhamento dos diferentes casos?

 

- A esse respeito, permita-me que cite as palavras de William Hartman, um psicólogo de renome do Dentro de Estudos Maritais e Sexuais, em Long Beach, Califórnia- retrucou Freeberg, com um sorriso. - Ao perguntarem-lhe como acompanhava o comportamento dos seus antigos pacientes, replicou: "Quando foi que o seu médico lhe telefonou pela última vez para saber se continuava curado da gripe?"

 

O   promotor   soltou   uma   risada divertida,   porém Ogelthorpe conservou a expressão grave.

 

- Cinjimo-nos a Masters e Johnson. Há um facto que decerto não negará. Eles renunciaram! à utilização de delegadas sexuais em 1970.

 

- Exacto - assentiu Freeberg, mas não porque se tivessem revelado ineficientes. Um indivíduo chamado George E. Calvert, de New Hampshire, exigiu-lhes a indemnização de um milhão e meio de dólares, porque a esposa, Bárbara, trabalhara para eles como delegada sexual e tivera relações íntimas com sete pacientes. Masters e Johnson resolveram o assunto fora dos tribunais   e   a seguir deixaram; de   utilizar delegadas sexuais.   A circunstância   de   serem   particularmente famosos   tornava-os   mais   vulneráveis   que   os   outros terapeutas, e subsistia sempre a possibilidade de novas dificuldades legais. Masters confessou que, sem delegadas sexuais, "as estatísticas de êxito com homens solteiros impotentes inverteram-se totalmente, e agora temos uma taxa de insucessos de 70 a 75 por cento". Não obstante,   na posse   desse conhecimento acerca do valor dessas auxiliares, dezenas de terapeutas, entre os quais me incluo, continuam a treiná-las e utilizar no seu trabalho.

 

- Sugiro que não percamos mais tempo com Masters e Johnson. - Lewis começava a revelar impaciência. - No fundo, não constituem o fulcro do nosso problema. O que nos interessa são as delegadas sexuais. E, quanto a mim, essa denominação não difere da de prostituta. Confesso que não descortino a diferença.

 

Tinham chegado ao âmago do conflito, e Freeberg mostrou-se mais determinado em solucionar o assunto, ao falar directamente para o promotor.

 

- Creia   que   existem   diferenças   fundamentais. A delegada sexual é orientada por um terapeuta profissional que a instrui com regularidade, ao contrário do que acontece com a prostituta. A delegada é treinada na aplicação de exercícios benéficos, que envolvem o tacto e a prostituta não. A primeira é motivada pelo desejo profissional de auxiliar um paciente disfuncional, curá-lo, enquanto a segunda só tem em vista ganhar dinheiro. A delegada sexual pertence com frequência a uma família com pelo menos um dos pais extremoso e compreensivo, ao passo que a prostituta provém, em regra, de uma família devastada, corroída pelo ódio. A delegada sexual dedica-se ao paciente com o desvelo de uma professora durante um período prolongado, enquanto a prostituta se entrega a um inúmero interminável de homens num breve lapso de tempo, porque procura proventos fáceis e rápidos. Como a conhecida terapeuta Bárbara Roberts afirmou, "a maioria das delegadas daria uma má prostituta e, devido à ausência de treino e motivação diferente, a maioria das prostitutas daria uma péssima delegada".

 

Lewis pousou as palmas das mãos nos joelhos e olhou-o com firmeza por um momento, antes de declarar:

 

- Belas palavras, doutor, mas continuo a não me convencer da diferença essencial entre uma prostituta e uma delegada sexual.

 

- Diferença essencial? - repetiu   Freeberg. - Não compreendo.

 

- Refiro-me ao facto de ambas terem a mesma função básica. Permita-me que empregue a linguagem das ruas. Ambas são contratadas e pagas para forni car.

 

- Deixe-me   replicar   também   na   linguagem   das ruas. A atitude da prostituta resume-se no seguinte princípio:   mete-o dentro, saca-o para fora e raspas-te. De um modo geral, não desfruta da estima do parceiro. A delegada sexual, por seu turno, não constitui unicamente uma vagina disponível que oferece alívio a uma necessidade   fisiológica,   mas   uma   amiga   profissional capaz de levar um homem- a sentir-se confortável com o seu próprio corpo. É alguém que lhe pode reavivar a capacidade de se tornar um ser sensual, sensação que ele provavelmente perdeu através da educação que recebeu e condicionamento. Vou pôr a questão noutros termos. A diferença reduz-se a motivação e finalidade, a mesma   que   encontramos   entre   um   cirurgião e   um assassino. O primeiro utiliza uma faca para retalhar o corpo com intenções curativas, ao passo que o segundo o faz para roubar ou satisfazer qualquer outra ideia inconfessável.

 

- Insisto em que não vislumbro a mínima diferença entre uma prostituta e uma delegada sexual. A meu ver, são uma única coisa com idêntica finalidade.

 

- Está totalmente enganado - protestou Freeberg.

- A prostituta dedica-se inteiramente a actos licenciosos   e   relações   sexuais,   enquanto   a   delegada   pode (pode, note) consagrar os dois últimos dos doze exercícios ao coito, para provar que a cura se consumou. Menos de vinte por cento da sua actividade com um homem envolve esse acto. Posso garantir-lhe que não é uma rameira.

 

- Talvez tenhamos de recorrer aos tribunais para esclarecer o assunto definitivamente - anunciou Lewis, levantando-se. - Mas não vim para o ameaçar com a prisão. Pelo menos, para já. Fi-lo, porque sou um tipo porreiro, o doutor é novo na comunidade, acredito que, embora mal orientado, está de boa fé e desejo proporcionar-lhe a oportunidade de arrepiar caminho. Na realidade, quero propor-lhe exactamente o mesmo que o promotor da cidade de Tucson, Arizona, antes de o senhor decidir transferir-se para aqui. Renuncie definitivamente à utilização de delegadas sexuais   e volte a ser um bom terapeuta verbal, como todos os psiquiatras das cercanias. Se proceder assim, permanecerá dentro da lei e ninguém o incomodará. Mas primeiro tem- de se livrar delas.

 

- De todas? - Freeberg ergueu-se igualmente, em movimentos hesitantes.

 

- Se não o fizer, ver-me-ei forçado a acusá-lo de proxenetismo e às suas delegadas sexuais de prostituição, o que poderá corresponder, respectivamente, a uma pena de um a dez anos de prisão e seis meses. De qualquer modo, não poderá voltar a exercer a actividade em Hillsdale ou qualquer outro lugar da Califórnia. Ou, se preferir, abdique dessa prática anti-social   ou sujeite-se às graves consequências. Se resistir à minha proposta, mandarei detê-lo e às suas delegadas sexuais, o que originará uma audiência preliminar no tribunal municipal e o julgamento oficial, sessenta dias depois. Sugiro que tome uma decisão com a maior brevidade possível. Digamos, dentro de uma semana. Até lá, o seu advogado poderá informar-me do que decidir. Entendido?

 

O promotor aguardou que Freeberg aquiescesse com uma inclinação de cabeça e, fazendo sinal a Ogertthorpe, encaminhou-se para a porta, onde proferiu por cima do ombro:

 

- Obrigado pelo tempo que nos concedeu. Espero que escute a voz da razão.

 

Quando ficou só, Freeberg afundou-se na cadeira rotativa e voltou-se para o telefone.

 

Indignado, tentou recordar-se do número do advogado e seu velho amigo Roger Kile, em Los Angeles, e, por fim, ligou ao escritório.

 

- Mr. Kile acaba de sair para almoçar -< anunciou a recepcionista que atendeu, mas creio que ainda o apanho no corredor. Um momento, por favor.

 

- Obrigado. Diga-lhe que é o Dr. Arnold Freeberg. Ele segurou o auscultador com firmeza e ansiedade,

 

até que ouviu a voz de Kile.

 

- Roger? Arnold. Desculpa atrasar-te o almoço, mas trata-se de um assunto importante.

 

- Não te preocupes com o meu almoço. Pareces agitado. Que se passa?

 

- E estou. Acredites ou não, deparam-se-me apuros, mais uma vez.

 

- De que espécie?

 

- Hoyt Lewis, o   promotor público de Hillsdale, acaba de sair do meu gabinete. Devo esclarecer que não veio em visita social.

 

- Que pretendia?

 

- Se dispões de uns minutos...

 

- Disponho do tempo que quiseres. Conta lá isso em pormenor.

 

Freeberg descreveu a situação ao longo de cerca de dez minutos, sem omitir a ameaça e oferta de compromisso de Lewis.

 

- E   aqui   tens,   Roger - concluiu. - Que   devo fazer? Parece que ele me encostou à parede.

 

- Espera aí, Arnie. Mais devagar. Convém apurar o que se encontra por detrás disto, antes de tomares uma decisão.

 

- Mas não compreendo a verdadeira causa. E na Califórnia, ainda por cima! Que se passará nos bastidores?

 

Verificou-se um breve silêncio, e Kile aventurou:

 

- Política.

 

- Política?

 

- Exacto. Não conheço Lewis pessoalmente, mas ouvi   falar dele, aqui, em   Los Angeles.   É   popular e pretende sê-lo muito mais. Palpita-me que iniciou alguma campanha secreta para se guindar a voos mais elevados. Quer tornar-se conhecido a nível   estadual, e o ataque à tua clínica e delegadas sexuais constitui um excelente pretexto para atrair as atenções dos órgãos da Informação. Se for bem sucedido, pode abalançar-se a proezas mais espectaculares.

 

- Pelo que ouvi e observei, é muito natural que o consiga.

 

- Não traces   conclusões   precipitadas.   Pode tratar-se de algo mais do que um mero caso criminal. Há muitas ramificações possíveis.

 

- Posso- desafiá-lo? - balbuciou Freeberg. - Achas que existe alguma hipótese de eu ganhar?

 

- Veremos. Analisarei todos os aspectos da questão. Antes de desligares, quero que dês à minha secretária uma lista de pessoas qualificadas (médicos, terapeutas e delegadas) que conheças e te mereçam confiança, para responderem: a algumas perguntas e fornecerem os elementos de que necessito.

 

- Muito bem.

 

- Depois, passarei o resto do dia de hoje e amanhã a conversar com elas pelo telefone, e espero ter tudo preparado à noite. A seguir, estudaremos o plano de campanha.

 

- Quando?

 

- O mais depressa possível. Por que não vens até cá? Podíamos encontrar-nos no La Scala, em Beverly Hills,   amanhã,   às   sete da tarde.   É   um   restaurante sossegado, onde trocaremos impressões à vontade.

 

--Lá estarei. Poderás então indicar-me o que devo fazer?

 

- Espero que sim.

 

- Achas que tente alguma hipótese?

 

- Ainda   não   sei.   Mas   conto   poder   elucidar-te amanhã.

 

Ao fim da tarde seguinte, encontravam-se instalados num confortável reservado do restaurante La Scala, situado numa rua denominada Bulevar da "Pequena" Santa Monica.

 

Durante o trajecto de automóvel ao longo da estrada marginal em direcção a Beverly Hills para comparecer ao encontro com o amigo, Freeberg sentia-se enervado e obcecado pela ameaça que pairava sobre a sua cabeça. Se o promotor público estava disposto a utilizar a clínica, com as delegadas sexuais, como trampolim para progredir na carreira política, como Kile sugerira, subsistiriam reduzidas esperanças de o dissuadir. Não obstante, havia uma percentagem razoável de condescendência na sua atitude. Apresentara-se para o prevenir, concedendo-lhe a oportunidade de prescindir definitivamente das delegadas e respectivo tratamento. Se Lewis fosse um indivíduo mais implacável, ter-se-ia limitado a actuar sem qualquer advertência prévia.

 

No entanto, Freeberg observara que não existia a menor irresponsabilidade no comportamento do promotor. Não se aventuraria a empreender uma acção legal sem a certeza da vitória. Não era insensato, pelo que sabia que, em política, a derrota pagava-se caro. Por conseguinte, revestia-se de extrema importância aproveitar os elementos que Kile tivesse apurado. Se indicassem que Lewis dispunha de todos os trunfos e Freeberg nenhum, este teria de encerrar a clínica em Hillsdale e não a poderia transferir para qualquer outro lugar da Califórnia. Haveria a possibilidade de a conservar aberta e exercer as funções de terapeuta sexual para sobreviver, mas amargurá-lo-ia ter de negar a tantas pessoas necessitadas a oportunidade de uma cura positiva.

 

Agora, no reservado do La Scala, os dois amigos entretinham-se com martinis sem terem ainda abordado o assunto que os reunira.

 

- Efectuei numerosas diligências, ontem e hoje advertiu Kile, ao princípio. - Estou derreado e apetece-me uma bebida em sossego. A seguir, escolheremos o que vamos comer e depois passaremos a coisas mais sérias.

 

Assim, começaram por abordar temas de natureza pessoal. Freeberg referiu-se à mulher e filho, enquanto o amigo, solteiro, de traços fisionómicos regulares e queixo voluntarioso, aludiu a uma nova amiga, agente de vendas nuns armazéns importantes, e a alguns casos de que se ocupara ultimamente. Durante essa acção de retardamento, a salada foi servida, e só quando não restava um único vestígio no prato, Kile abriu a pasta que pousara no assento a seu lado e extraiu cerca de uma dezena de cartões de ficheiro. Colocou-os junto do pires com cubos de manteiga, mas antes que tivesse ensejo de os consultar, o empregado serviu a costeleta de novilho grelhada com espaguete, e ele aguardou que o homem se afastasse.

 

- Comecemos   pela   prioridade   A.   Forneceste-me uma boa lista de pessoas para procurar ou contactar pelo telefone. Todas se mostraram dispostas a colaborar, quando se inteiraram de que se tratava de ti e eras ameaçado por Lewis.

 

- Disseste-lhes?

 

- Por que não? Os especialistas e delegadas que me indicaste também estão ameaçados. Por conseguinte, têm interesse na tua vitória. Mostraram-se, sem uma única excepção, [indignados e prestáveis.

 

- Prestáveis até que ponto?

 

- Bem, para já, fiquei muito mais elucidado sobre as tuas actividades. - Kile fez uma breve pausa para levar o garfo à   boca. - Convenci-me plenamente de que a delegada sexual não actua como uma prostituta.

 

- Não sabias já?

 

- Precisava de o ouvir dos lábios de outros peritos na matéria que não estivessem imediatamente envolvidos no assunto que te preocupa. De facto, não subsiste a menor dúvida de que a delegada sexual possui motivação e atitudes   muito diferentes das   da   prostituta média. E na sua finalidade também, ainda em maior grau. Pretende curar o paciente e só considera que o conseguiu quando ele pode ter relações sexuais normais com outras mulheres.

 

- Mas expliquei tudo isso a Hoyt Lewis - lembrou Freeberg, impaciente.

 

No entanto, o outro ignorou o comentário e consultou as fichas.

 

- Na verdade, tens muita gente do teu lado. Querés ouvir o que declarou o director da Clínica de Desenvolvimento dos Recursos Humanos?...

 

- O Dr. Dean Dauw.

 

- Pois, Dauw. Afirmou o seguinte: "As delegadas não são de modo algum prostitutas... Se um homem é impotente e solteiro, como se pode tratar sem recorrer a uma mulher? Ela tem de ser alguém que se preocupe em ajudar as pessoas... mas nunca uma prostituta. Esta, na maioria dos casos, detesta os homens e é motivada pelo dinheiro." Gostei de ouvir isto.

 

- Corresponde à verdade.

 

- Por outro lado, há muitos terapeutas e psiquiatras que não estão do teu lado. Consideram que, de um modo geral, as delegadas sexuais são mal treinadas, além de que permanecem sob suspeita das autoridades porque a sua profissão não se encontra bem definida. A Associação de Psicólogos de Massachusetts, por exemplo, reprova inteiramente a sua utilização, pelas razões que referi. - Kile   voltou   a   consultar   as   fichas. - Alguns terapeutas mostram-se hesitantes, como a Dr.a Helen Kaplan, directora de um programa de terapia sexual na Clínica Payne Whitney do Hospital de Nova Iorque.

 

- Goza de   excelente reputação - aquiesceu   Freeberg.

 

- Parece estar dos dois lados... embora um pouco menos do teu. Disse o seguinte: "As pessoas solitárias podem ser auxiliadas por delegados, mas eu tentaria aplicar a psicoterapia para indagar a causa da solidão. Temos de voltar a levar a humanidade e o erotismo para a cama, o que não é possível pagando cem dólares a alguém para que lhe faça companhia."

 

- Isso favorece a minha posição ou a do promotor público?

 

Kile pousou as fichas e sorriu.

 

- Penso que ele utilizará argumentos mais sólidos contra ti, se for necessário. - Conservou-se pensativo por um momento, como se lhe tivesse ocorrido outra coisa. - Há um factor mais pesado em teu desfavor, Arnie. Segundo apurei, a Justiça manifesta fortes preconceitos contra as delegadas sexuais.

 

- Que queres dizer?

 

- Eu explico. Encontrei um advogado que acabava de se ocupar de um divórcio em Burbank, no qual representava a esposa, mãe de duas crianças, que ficaram ao seu cuidado durante o pleito. O marido descobriu que ela exercia as funções de delegada sexual em regime de part time, embora nunca o fizesse em casa ou nas proximidades dos filhos, e contactou com o seu representante legal, que se dirigiu imediatamente a um magistrado, a fim de obter um mandado de ex parte, sem necessidade de audiência, e as crianças foram retiradas à mãe e confiadas ao pai. O meu amigo e eu pensamos que foi uma decisão cruel e destituída de bases legais, mas serve para demonstrar que, no nosso mundo real, nem sempre podemos esperar um tratamento imparcial.

 

- Não   estás   a   contribuir para   a   minha paz de espírito.

 

- Limito-me a salientar o poder de determinados preconceitos.

 

- Por que não te deixas de rodeios, Roger? Qual é a minha posição, exactamente?

 

- É o tópico seguinte da nossa agenda. Não me enganei com o que supus, quando me telefonaste. Trata-se de facto de uma questão política. Hoyt Lewis procura o trampolim que o catapulte para as alturas e julga que o encontrou. Tem algumas pessoas poderosas a apoiá-lo, que decerto o incitam a actuar contra ti.

 

- Quem são?

 

- O mais conhecido é um clérigo proeminente, Josh Scrafield, que se opõe a toda a espécie de educação sexual nas escolas e pensa que os terapeutas sexuais como tu lhe podem contaminar a imaculada comunidade. Os seus programas semanais na TV são seguidos com interesse por um número apreciável de telespectadores.

 

- Custa-me a crer que Lewis o tome a sério.

 

- Scrafield sabe fazer amizades e influenciar pessoas e dispõe de um auditório enorme, para o qual a sua palavra merece tanto respeito como as do Evangelho. É um elemento valioso, para quem está interessado em trepar na vida.

 

- Continua - rogou Freeberg, com uma expressão compungida.

 

- Tudo isto são possibilidades intangíveis. A única tangível a considerar é a Lei.

 

- Já tinha chegado a essa conclusão.

 

A da Califórnia é muito específica na definição dos crimes de proxenetismo e prostituição. No entanto, não faz a menor alusão aos delegados sexuais. Em alguns Estados, como Connecticut e Arizona, todo o acto sexual remunerado constitui prostituição. Na Califórnia, não é assim. Os delegados sexuais não são ilegais, sem que, por outro lado, sejam autorizados. Simplesmente, não recebem autorização oficial para actuar, de contrário seria um ponto a nosso favor. Aqui, os médicos e os psicólogos necessitam dela para exercer a sua actividade. Se Hoyt Lewis insistir nessa faceta da questão (os delegados sexuais ocupam-se de pacientes com anomalias e, por conseguinte, praticam a medicina ou procedem como psicólogos, sem autorização), pode provocar-te fortes dissabores. Em todo o caso, como as definições da medicina e psicologia são muito amplas, o argumento talvez não resulte muito significativo se for utilizado contra os delegados. De qualquer modo, a acusação do exercício de uma actividade sem a respectiva licença representa um tema pouco propício à obtenção da notoriedade pública. Todavia, o proxenetismo e a prostituição são questões diferentes, e daí o motivo do interesse especial de Lewis.

 

- Então, qual é, concretamente, a minha posição? insistiu Freeberg.

 

- Quanto a mim, pode considerar-se segura - informou Kile, sem hesitar. - A Lei define a prostituição como "qualquer acto sensual entre pessoas por dinheiro, mas uma delegada sexual treinada, orientada por um especialista autorizado como tu, não deverá ser acusada de prostituição, pois poderia apresentar no tribunal provas sólidas das suas intenções e natureza do trabalho. Exporia documentos, planos, programas, apontamentos; em suma, toda a espécie de elementos comprovativos de que exercia uma terapêutica legítima e não praticava qualquer "acto sensual" por dinheiro. Demonstraria que não passava de um complemento da autorizada terapia verbal.

 

- Isso significa que a Lei está realmente do meu lado? - perguntou Freeberg, arregalando os olhos atrás dos óculos.

 

- Não vislumbro qualquer dúvida a esse respeito

- confirmou Kile, com um sorriso. - A intenção da Lei consiste claramente em prevenir o vício comercializado, susceptível de prejudicar indivíduos, famílias e a própria sociedade. Ora, não vejo nada disso nas actividades dos delegados de qualquer dos sexos. A finalidade destes cinge-se a reabilitar pessoas que sofrem de disfunções sexuais diagnosticadas clinicamente e a sua acção não envolve a mínima conduta promíscua. Pretende ser construtiva dos pontos de vista físico, emocional e económico para os indivíduos, famílias e sociedades. - Fez uma pausa. - Por outras palavras, meu amigo, o promotor público não dispõe de bases sólidas para se apoiar. Julgo-as mesmo, muito frágeis. A tua posição é muito mais firme, e a minha em teu nome.

 

- Tens a certeza?

 

- Absoluta. Ele não se pode apresentar no tribunal sem testemunhas oculares de comportamento licencioso por parte dos teus delegados. Onde as iria buscar? Possuis pessoal merecedor de confiança e nenhum paciente se passaria para o lado de Lewis para te prejudicar, depois de lhe teres sido útil no tratamento de uma anomalia íntima que a maioria considera inconfessável. Não, rapaz. Todas as testemunhas possíveis estão a teu favor.

 

- Quero crer que sim.

 

- Podes, pois, ficar tranquilo.

 

O semblante de Freeberg iluminou-se e grande parte da tensão que o dominava atenuou-se visivelmente.

 

- Nesse caso, posso continuar a funcionar como até aqui?

 

- Ainda com   mais entusiasmo.   Insiste no tratamento com delegados. Aceita um número mais elevado de pacientes. Acumula uma percentagem crescente de êxitos e, se Lewis cometer a imprudência de te levar aos tribunais, disporás de todos esses elementos para o vencer. No entanto, julgo conveniente que se inteire mais cedo dos teus triunfos, pois isso contribuirá para que pense duas vezes antes de te acusar formalmente.

 

- Como procedo, para já? Prometi comunicar-lhe a minha decisão dentro de uma semana.

 

- Não lhe comunicarás nada. Daqui em diante, encarrego-me eu dele. Deixo-o em ebulição até ao último momento e depois telefono-lhe ou procuro-o. Nessa altura, explico-lhe que pode fazer o que quiser, mas não tem a menor possibilidade de triunfar, e continuarás com a clínica aberta.

 

   - E não tem?

   - Não tem quê?

 

- A menor possibilidade?

 

- Creio que não, embora nunca se saiba. - Kile encolheu os ombros com desprendimento. - Na justiça americana, costuma haver dois vectores. Às vezes, a vitória inclina-se para o mais fraco, graças a uma aragem de sorte. Mas, no teu lugar, eu continuava com a minha vida como se não tivesse acontecido nada. Não vejo necessidade de preocupares os teus delegados com isto.

- Pegou na ementa e acrescentou: - Para sobremesa, recomendo o gelado de chocolate. A cobertura é um autêntico poema.

 

Enquanto permanecia, totalmente vestida, junto do chuveiro da casa de banho, e estendia a mão para verificar se a água estava suficientemente quente para o exercício seguinte, Gayle Miller não pensava em Adam Demski, que se despia na sala de terapia, mas na breve conversa com o Dr. Freeberg, ao princípio da tarde.

 

Ele chamara-a para analisar a situação de Demski, o que se lhe afigurou estranho, pois tinham trocado abundantes impressões sobre o assunto nas ocasiões habituais. Não obstante, Freeberg insistiu em recapitular tudo mais uma vez, como se pretendesse certificar-se de que o tratamento se desenrolava da melhor maneira.

 

- Parece-lhe, pois, que ele já não sente tanta relutância em se despir?

 

- Na primeira vez, antes do imagismo corporal, ofereceu   uma   resistência   quase   inabalável - explicou Gayle. - Apesar disso, consegui convencê-lo e descontraiu-se apreciavelmente. Quando teve de se despir para as carícias nas costas, anteontem, pensei que surgiriam dificuldades. No entanto, fê-lo sem vacilar e esteve mais à vontade durante todo o exercício.

 

- Outra   coisa... - Freeberg   inclinou-se   para   a frente e pareceu hesitar.

 

- Sim?

 

- Notou alguma indicação de movimento eréctil?

 

- Absolutamente nenhuma. Continua flácido. - Ela fez uma pausa. - Talvez ainda seja muito cedo.

 

- É natural   que tenha razão. Que se segue na agenda? O banho de chuveiro, suponho?

 

- Exacto. Esta tarde.

 

Ele voltou a hesitar, antes de dizer:

 

- Não interprete mal as minhas palavras, Gayle. Não quero que se precipite, mas gostava que acelerasse o tratamento, na medida do possível. O factor mais importante é o resultado e acalento a esperança de um êxito   excepcional,   neste   caso. - Nova   hesitação. Seria um   impulso excelente para a prosperidade da clínica.

 

- Envidarei todos os esforços, doutor.

 

Ao evocar a conversa, enquanto corrigia as posições das torneiras de água fria e quente, continuava a notar uma sensação de pressão por parte de Freeberg. Ele pretendia que o tratamento decorresse depressa, mas sem descurar os pormenores habituais. Acima de tudo, e era a primeira vez que se referia a um resultado, queria que o de Demski fosse excepcional. Parecia uma recomendação desnecessária, e ela perguntava-se por que teria sido encarecida. Tentou conjecturar o que se passaria na vida do médico. Achar-se-ia sob o efeito de alguma pressão - para provar algo a si próprio ou para superar alguma competição que previa?

 

E a pergunta sobre a hipótese de indícios de erecção... Sim, isso relacionava-se indiscutivelmente com o desejo do triunfo, porquanto Freeberg nunca a fizera numa fase tão precoce dos exercícios.

 

A água do chuveiro atingiu finalmente a temperatura apropriada, e Gayle decidiu afastar o assunto do pensamento, para se concentrar no exercício que se seguiria. Despiu-se na casa de banho e seguiu para a sala de terapia, onde se lhe deparou Adam Demski desnudo, sentado numa poltrona, entretido a folhear uma revista. Ela observou com satisfação que tanto esta última como as mãos não dissimulavam o pénis, o qual pendia com a habitual flacidez.

 

Quando a ouviu entrar, ergueu a cabeça e fixou os olhos no corpo dela, ao mesmo tempo quê aventurava:

 

- E... é bela, Gayle.

- Os piropos agradam-me. Ela estendeu a mão.

Venha comigo.

 

Ele pousou a revista, levantou-se e segurou-lha.

 

- Onde vamos?

 

- À casa de banho, tomar um duche sensual juntos.

 

- Mas tomei um, esta manhã.

 

- Este é diferente... como verá. Na realidade, trata-se de uma carícia corporal de pé, utilizando água e sabonete. Depois, secamo-nos, voltamos para aqui e procederemos a novas carícias nas costas. Que tal acha o programa?

 

- Estupendo.

 

- Então, vamos.

 

Gayle conduziu-o ao longo do corredor e entraram na casa de banho, onde lhe largou a mão, a fim de sintonizar a telefonia branca da prateleira numa estação de frequência modulada. A melodia era indolente e suave, porventura dos anos quarenta, quando os pares dançavam juntos.

 

- Gosto deste género de música - disse Demski.

- Agora, que fazemos?

 

- Como vê, já preparei a água - indicou ela, afastando a divisória de plástico do cubículo do chuveiro. - Vamos colocar-nos debaixo do jacto, voltados um para o outro. Depois de molhados, você pega no sabonete e ensaboa-me tanto quanto puder. A seguir, acaricia-me, mas sem tocar nos seios ou na área genital. Tente manter os olhos fechados, a menos que precise de ver onde pousa as mãos. Também fecharei os meus e é provável que fale um pouco para o orientar. Ensaboe-me na frente e nas costas e depois far-lhe-ei o mesmo.

 

- A ideia é sentirmo-nos confortáveis?

 

- A ideia é experimentar prazer. Não fale, a não ser que alguma coisa o incomode ou se sinta mal.

 

- Entendido.

 

- Repito que a ideia consiste em experimentar prazer e activar as sensações. Abandone-se-lhes e tente pensar criativamente, como num devaneio. A situação pode tornar-se sensual e até erótica. Procure sentir a sensualidade do seu tacto e depois do meu. Venha.

 

Entraram para o cubículo e ficaram debaixo do chuveiro, cuja água estava deliciosamente morna.

 

Gayle entregou o sabonete a Demski e retrocedeu um pouco, perguntando:

 

- Sente-se confortável?

 

- Estou descontraído.

 

- Eu também. Por que não me ensaboa? O pescoço, ombros, braços, mãos, ancas e pernas.

 

- Preciso de abrir os olhos para...

 

- Não faz mal. Mas mantenha-os fechados sempre que lhe for possível.

 

Enquanto a música continuava a soar em surdina, ele começou a fazer deslizar o sabonete pelo corpo dela, tendo o cuidado de evitar os seios e a vagina.

 

- Muito bem, Adam - murmurou ela, que conservava os olhos fechados. - Agora, pouse o sabonete e utilize as mãos para me acariciar levemente, à frente e atrás.

 

Demski seguiu as instruções à risca, e as pontas dos dedos deslocaram-se sobre as partes superior e inferior do corpo dela, que emitiu um suspiro involuntário.

 

- Que bom... - Transcorridos cerca de dez minutos abriu os olhos. - Dê-me o sabonete. Agora, é a minha vez de o ensaboar e acariciar. Feche os olhos e esteja calado. Deixe a mente flutuar. Encontra-se num harém, com milhares de dedos a acariciar-lhe o corpo. Lembre-se de que se trata de um exercício sensual, e espero que desfrute tanto quanto possível. Volte-se, para que principie pelas costas.

 

Ele deu meia volta debaixo do chuveiro e Gayle acercou-se mais, absorvendo a tepidez da água, enquanto fazia o sabonete deslizar ao longo do pescoço, ombros, tronco e nádegas, até ficar coberto de espuma. Ao mesmo tempo, com a mão livre, massajava-o suavemente.

 

Passados uns minutos, fê-lo voltar-se e passou a ensaboar o peito, braços, quadris e pernas. Por fim, pousou o sabonete, mergulhou as duas mãos na espuma e começou a descrever movimentos circulares, até que a água do chuveiro a eliminou por completo.

 

Aproximou-se mais dele, fez as mãos deslizar nos quadris, mais uma vez, e a seguir, no interior das coxas, abrindo os olhos para se certificar de que não tocava nos órgãos genitais.

 

De súbito, viu algo mover-se, e arqueou as sobrancelhas de incredulidade.

 

O pénis entumecera um pouco, erguendo-se quatro ou cinco centímetros da virilha.

 

Apeteceu-lhe gritar: "Ressurreição!"

 

E o Dr. Freeberg tinha de ser informado sem demora. Mesmo que o não deixasse transparecer, ficaria deslumbrado. Pela primeira vez, Gayle divisava uma luz ao fundo do túnel e formava uma palavra à distância: vitória.

 

Incapaz de se conter devido à proeza alcançada, rodeou Demski com os braços e apertou-o com ternura. E teve a satisfação de se aperceber da pressão inequívoca do pénis.

 

- Que   aconteceu? - perguntou   ele,   abrindo   os olhos. - Ia cair?

 

- Não nota nada?

 

- Quer dizer que?...

 

- Sem dúvida. Vai bem lançado, Adam. Como se sente?

 

- Com três metros de altura - declarou, timidamente.

 

- Bom sinal - replicou ela, sorrindo.

 

Naquela noite, na cama, enquanto aguardava que Tony saísse da casa de banho, Nan Whitcomb decidiu efectuar mais uma diligência para esclarecer a situação.

 

Conseguira esquivar-se-lhe durante toda a semana, alegando que o ginecologista insistira em que evitasse as relações sexuais enquanto recebia o tratamento de choque de hormonas, porém cada dia que passava tornava-o mais intratável, e ela acabara por reconhecer que não o poderia iludir eternamente. Mais cedo ou mais tarde, teria de ceder às suas exigências, e duvidava de que a fase da terapia em que se encontrava lhe permitisse colaborar e proporcionar a desejada satisfação.

 

Necessitava, pois, de enfrentar a vida que escolhera e queria manter, o que implicava tornar as relações íntimas com Tony Zecca aceitáveis.

 

Julgava ter encontrado uma nova táctica e estava disposta a pô-la em prática, já que a rejeição constante não resolveria nada. A solução poderia consistir em modificá-lo, pelo menos um pouco.

 

A ideia de o adaptar às suas necessidades ocorrera-lhe ao fim da tarde, depois de abandonar o apartamento de Paul Brandon. Paul... Ela tinha dificuldade em o considerar um delegado sexual remunerada e a si própria como uma mera paciente. No início da sessão de duas horas, ele descrevera o exercício seguinte: as carícias frontais sem tocar nos seios nem nos órgãos genitais. Nan despira-se com uma sensação de antecipação crescente e tinham principiado a actuar com particular cautela de ambas as partes. Os dedos dele ao longo do seu corpo tinham-lhe feito subir a temperatura, e dominara com dificuldade o desejo de pegar nas mãos e pousá-las nos seios e depois na vagina. No entanto, resistira à tentação, porque não queria infringir as regras, perturbar o relacionamento entre ambos ou melindrá-lo de algum modo. E no momento em; que fora a sua vez de o acariciar, a tentação redobrara: apetecera-lhe segurar o pênis e orientá-lo para o seu interior. De qualquer modo, Pau parecera pressentir o que se lhe desenrolava no espírito e mostrara-se particularmente atencioso, mesmo depois de voltarem a vestir-se.

 

Durante o percurso no carro em direcção a casa, mas ainda mais após o jantar e quando se preparavam para ir para a cama, Nan decidira falar a Tony naquela noite e tentar transferir para ele parte da ternura e cuidados de Paul.

 

Ouviu a porta da casa de banho abrir-se e tornar a fechar-se e viu-o aproximar da cama. O ténue clarão amarelado do candeeiro da mesa-de-cabeceira permitiu-lhe observar que estava completamente despido, e tentou revestir-se de coragem para a conversa em mente.

 

Todavia, ele subiu para a cama, afastou o cobertor de cima dela e levantou-lhe a saia da camisa de dormir.

 

- Terminaram as férias - anunciou, em voz rouca.

- Já deves ter recuperado as energias. Como podes ver, estou preparado. Abre lá o raio das pernas.

 

Nan ficou instantaneamente horrorizada. A ideia de tentar fazer-lhe escutar a voz da razão, assim como as palavras que ensaiara meticulosamente evaporaram-se. O momento não era de conversas, mas de sobrevivência.

 

- Escuta, Tony... ainda não...

 

- Vá lá, filha. Põe a almofada debaixo do rabo.

 

- Não, por favor! Não devo... não posso! O médico preveniu-me de que não o fizesse até terminar as injecções. Tem um pouco mais de paciência. Deixa-me...

 

- Não percamos mais tempo, garota. - Ele pousou as possantes mãos nos joelhos dela. - Basta de tretas com esse médico. Cá o rapaz tem um remédio que te vai curar de vez.

 

As pernas começavam a ceder e Nan segurou-lhe os dedos, numa tentativa para o impedir.

 

- Não, Tony! O médico recomendou-me...

 

- Que se lixe! - uivou ele. Conseguiu finalmente abrir-lhe as pernas e, com um grunhido, tentou penetrá-la. - Safa, que estás apertada!

 

Persistiu e, por último, alcançou os seus intentos, obrigando-a a soltar um grito de dor.

 

Nan agrediu-o no peito com os punhos, torturada pela sensação pungente provocada pela pressão abrasiva.

 

- Não, por favor! Matas-me... Vou morrer... - Tornou a gritar e principiou a gemer.

 

- Ah,   começas   a   gostar,   hem? - articulou   ele, acentuando a penetração.

 

Ela continuou a gemer e as lágrimas rolavam-lhe

pelas faces, enquanto ele explodia no clímax.

 

Por fim, retirou o pénis e reclinou-se na cama.    

 

- Não foi assim tão mau, pois não?

 

- Doeu-me muito, Tony.

 

- Ora! Vocês, mulheres, estão sempre a lamentar-se.

 

- Deixa-me ir ao médico mais um par de vezes, antes de voltarmos a fazê-lo.

 

- Depois, já não te queixas?

 

- Não. A deficiência estará curada.

 

Voltou-se para o outro lado, bocejou e puxou o cobertor para cima.

 

- Está bem. Vai lá ao teu médico, mas não quero ouvir mais queixumes.

 

- Com certeza que não - prometeu ela.

 

Ao princípio da tarde seguinte, Nan e Brandon despiam-se no quarto do apartamento dele, para mais um exercício. Entretanto, ela descrevia a experiência da véspera com Zecca, sem omitir qualquer pormenor.

 

- Ainda me dói cá em baixo - concluiu, enquanto se desembaraçava das cuecas.

 

- O seu Mr. Zecca é um autêntico animal - observou ele, meneando a cabeça.

 

- Pior.

 

- Tem a certeza de que não o pode abandonar e tentar singrar na vida sozinha?

 

- Como lhe disse antes, para onde iria?

 

- Para qualquer lugar, o mais longe possível dele. Estou certo de que não teria dificuldade em arranjar um emprego. De resto, não estaria só por muito tempo. É suficientemente atraente para conquistar uma centena de homens.

 

- Parece-lhe, Paul?

 

O tom dela obrigou-o a olhá-la com curiosidade, enquanto acabava de se despir. Nan encontrava-se de pé, desnuda, junto da cama, e ele sentiu-se compelido a admitir para consigo que era de facto atraente, à sua maneira. Não se tratava de uma beldade deslumbrante, como Gayle, mas suficientemente jeitosa para tornar muitos homens felizes.

 

- Sem dúvida - confirmou.

 

- E se conhecer alguém que queira dormir comigo e, apesar de eu também o desejar, as coisas não correrem bem?

 

- A que se refere?

 

- Se se repetirem os espasmos que tenho com Tony.

 

- Duvido que voltem a aparecer - disse Brandon, tentando tranquilizá-la. - Estou convencido de que é perfeitamente normal.

 

- Como pode estar tão seguro disso?

 

- Você mesma o verificará, no final do tratamento.

 

- Acha?

 

- Espero poder provar-lhe antes disso que o acto de amor proporciona prazer. - Reconheceu que pisava terreno resvaladiço e tentou enveredar por outro rumo.

- Entretanto, deve falar ao Dr. Freeberg mais abertamente acerca do que se passa com Zecca. É possível que ele lhe indique algumas alternativas.

 

- Preciso ter a certeza absoluta de que sou normal.

 

- Lá chegaremos. Começará a convencer-se com o exercício   que   segue.   Chamamos-lhe   digressão sexológica.

 

- Recordo-me da descrição. Confesso que estou assustada.

 

- Não deve   estar.   Basicamente, trata-se de um exame   pélvico   modificado.   Aprendemos   pormenores sobre os órgãos genitais femininos e masculinos, no que se assemelham a diferem. Muitas pessoas adultas são quase ignorantes nesse aspecto. Ao efectuarmos a digressão juntos, inteiramo-nos do que é ou não erógeno, o que contribui para nos sentirmos mais à vontade perante o sexo oposto. - Olhou-a em silêncio por um momento. - Como se sente? Se ainda está dorida da experiência de ontem à noite, podemos adiar...

 

- Não - cortou   ela,   com   admiração. - Quero fazê-lo. - Fitou-o com firmeza. - Como principiamos?

 

- Quer estudar-me primeiro, ou prefere que comece eu a examiná-la? Podemos iniciar a digressão pela parte feminina ou masculina.

 

- Então, começo eu. - Engoliu com dificuldade. - Que fazemos?

 

- Vamos   para a cama, deito-me   de costas, de pernas abertas, e você senta-se entre elas, com as suas cruzadas. Alguma vez examinou um homem de tão perto?

 

- Claro que não.

 

- Nesse caso, eu oriento-a, indicando no que deve tocar ou segurar explicando cada parte. Está disposta?

 

- Com certeza.

 

- Então, vamos.

 

Uma vez na cama, Brandon deitou-se de costas, de pernas abertas e estendidas, e, em movimentos hesitantes, Nan instalou-se na posição que lhe indicara.

 

- Aproxime-se mais - ordenou Brandon. Ela obedeceu, movendo-se com lentidão, após o que ele levantou as pernas e pousou-lhas na parte superior dos quadris.

- Agora, deixe-me orientá-la e explicar cada órgão do aparelho genital masculino, com o seu funcionamento, reacções, etc. Principiaremos pela bolsa escrotal e testículos.

 

Nan encolheu-se com nervosismo, porém ele pegou-lhe na mão e levou-a à área mencionada. Os dedos trémulos pousaram nos testículos, e Brandon flectiu-os em volta.

 

- Familiarize-se com o contacto, enquanto lhe falo das esferas dentro do escroto. As mulheres ignoram na sua quase totalidade e poucos homens sabem que os testículos são as partes mais importantes do aparelho sexual masculino. Esses objectos que tem na mão produzem o esperma que fertiliza o óvulo feminino, além das hormonas que regem o funcionamento do pénis. Na verdade, são responsáveis da virilidade do homem, desde a voz grave à força muscular.

 

Fez uma pausa para pegar na mão dela e conduzir os dedos à extremidade do pénis suave.

 

- A outra parte vital do aparelho masculino é o próprio pénis. A secção que está a segurar tem o nome de glande. Agora, vou deslocar os seus dedos para a parte intermédia, que contém três colunas de tecido poroso. Quando o homem- se excita sexualmente, os tecidos porosos ou esponjosos enchem-se de sangue e endurecem. A introdução dessa erecção na vagina feminina cria atrito, o qual conduz ao orgasmo masculino. Mas vou revelar-lhe mais pormenores.

 

Mudava a posição da mão em conformidade com a secção que descrevia, começando pelo meato, prosseguindo ao longo da aresta coronal e superfície dorsal e acabando por pousá-la de novo na extremidade do pénis.

 

- Torne a segurar aí, para notar bem o toque.

 

De súbito, apercebeu-se de um fenómeno inesperado. O órgão dilatava-se gradualmente e endurecia.

 

Surgira uma erecção.

 

Acalentara a esperança de que tal não acontecesse, mas via-se forçado a reconhecer que era inevitável.

 

Entretanto, Nan baixava os olhos para o pénis e os seios arfavam de excitação.

 

Brandon compreendeu a necessidade de pôr rapidamente termo à situação antes que sucedesse algo de irreversível. Assim, apoiando-se no cotovelo, tentou sorrir.

 

- Parece que, obteve resposta a uma das suas dúvidas.   Os   homens   consideram-na   atraente?   Que   lhe parece?

 

- Paul... - murmurou ela.

 

- De momento, chega; - Ele decidiu que tinha de agir com prontidão. - Agora, invertemos os papéis. - Afastou-se dela com lentidão e acrescentou, o mais clinicamente possível: - Primeiro, mudamos de posição. Você deita-se de costas e eu tomo o seu lugar, para passarmos à digressão sexológica feminina.

 

Nan obedeceu e Brandon pegou no especulo de plástico e lanterna eléctrica de cima da mesa-de-cabeceira, após o que se aproximou das pernas abertas dela e pousou-as sobre os seus quadris.

 

- Para já, tem de se descontrair um pouco mais, para facilitar as coisas. Deixe-me acariciar-lhe as coxas, por uns instantes. Está tensa, o que é natural, e quero que se sinta à vontade.

 

A pouco e pouco, notou que a rigidez dos músculos se atenuava. Em seguida, pegou num pequeno frasco, desrolhou-o e começou a aplicar algum óleo na abertura vaginal.

 

- Para evitar possíveis dores - explicou.

 

Nan conservou os olhos fechados, enquanto ele friccionava levemente os lábios da vulva e introduzia os dedos até ao clitóris. Ao mesmo tempo, referia-se àquilo em que ia tocando. Apercebendo-se de que se encontrava extremamente lubrificada, utilizou o especulo e a lanterna e indicou que observasse no espelho o que mencionava.

 

Primeiro, fez incidir a luz nos lábios exteriores e continuou para dentro, enquanto referia como cada parte funcionava, quando excitada. No fundo, mostrou a raiz do clitóris e descreveu como os músculos vaginais se contraíam durante o orgasmo e exerciam pressão na área superior do clitóris. Prosseguiu pelo tecido espesso e suave entre o osso púbico e a esponja da uretra, aludiu ao seu funcionamento e passou a referir-se ao tecido esponjoso que se prolongava do ânus até à abertura da vagina.

 

Em dado momento, pareceu-lhe ouvi-la sussurrar algo como "Oh, meu Deus!"

 

Quando concluiu a exploração, verificou que não houvera quaisquer espasmos de rejeição da entrada, nem resistência indicativa de desconforto, o que constituía um sinal de progresso.

 

Os olhos de Nan já não se achavam hipnotizados pelo que vira no especulo e fixavam-se em Brandon.

 

- Foi fascinante - admitiu.

 

- Não sentiu dores?

 

- Nenhuma. Tenho apenas uma dúvida.

 

- Qual?

 

- Como saberei que estou curada?

 

- Quando tivermos relações sexuais juntos - explicou ele, com simplicidade - e você sentir prazer. Nessa altura, já não haverá qualquer dúvida.

 

Ao fim da tarde, quando se despia na sua sala de terapia, Gayle suspeitou de que estava na iminência de atingir um momento crucial com Chet Hunter.

 

Até então, o tratamento intensivo que ele solicitara desenrolara-se sem problemas, pelo menos aparentes. Não se registara qualquer dificuldade no capítulo da nudez, assim como no tocante à possibilidade de alcançar e conservar uma erecção. Durante o chuveiro, com as carícias nas costas e frontais não-genitais, ela observara que o pénis entumecia ao longo de cada exercício e recordou-se de que, na realidade, ao contrário de Demski, o problema de Hunter não se relacionava com a impotência. No entanto, existia uma deficiência. Embora Gayle ainda não tivesse podido experimentá-lo, se bem que o conhecesse através da leitura da história do caso, estava convencida de que as alusões à ejaculação prematura correspondiam à verdade.

 

E semelhante convicção tornava-se evidente na sua personalidade. Apesar de vigoroso e desembaraçado em todos os aspectos, mostrava-se enervado e impaciente. Queria ultrapassar tudo rapidamente e seguir em frente. Não se revelava interessado pelos toques, carícias ou sensações de qualquer parte do corpo, mas apenas pelo pénis. Desejava chegar a essa fase sem demora, para suprimir a anomalia.

 

Ela reconhecia que seria difícil dominar-lhe a impaciência e ponderava se conseguiria ao menos refreá-la. Com efeito, no caso dos ejaculadores prematuros, constituía a chave da cura.

 

Enquanto o via desembaraçar-se das cuecas, especulava mentalmente sobre o grau da deficiência, pormenor que ainda não fora definido.

 

- Se bem me lembro - disse, com aparente indiferença, você tem uma moça com a qual costuma andar regularmente.

 

- Exacto.

 

- Quer falar dela?

 

- A que respeito? - perguntou ele, imediatamente na defensiva.

 

- Ama-a, por exemplo?

 

- O suficiente para casarmos.

 

- É   a   mesma que   mencionou   ao Dr.   Freeberg aquela com a qual dormiu várias vezes?

 

- sim.

 

- Mas não conseguiu completar o coito normal?

 

- Pois não, e é por isso que estou aqui. Não tenho dificuldade em o pôr de pé, mas ejaculo muito depressa.

 

- Mais ou menos, como?

 

- É um bocado abelhuda, hem? - Sorriu para suprimir o   travo   azedo   das   palavras. - Estou   a   brincar. Apenas pretende ajudar-me. Como? Bem, não me venho mas calças, se por acaso suspeita de algo do género. Acontece quando me preparo para penetrar.

 

- Nunca a penetrou?

 

- Não. Venho-me sempre antes.

 

- Mal o pénis lhe toca?

 

- Sim - admitiu, repentinamente desolado. - Preciso de resolver o problema, o mais depressa possível.

 

- Estamos a tratar disso - lembrou ela.

 

- Estamos? Ainda não notei nada.

 

- É  indispensável   um   pouco   de   paciência.   No entanto, tem de efectuar todos os exercícios comigo, sem omitir um único. Confie em mim, Chet.

 

- Que   remédio... - resmungou   ele,   com um encolher de ombros.

 

- Para já, deite-se de costas mo tapete.

 

- Está bem!. E você?

 

- Hoje,   vamos   ocupar-nos   do   prazer   genital anunciou Gayle, enquanto ele se acomodava no tapete.

 

- Quer dizer que nos vamos agarrar um ao outro?

- O semblante de Hunter iluminou-se um pouco.

 

Ela pressentiu que a situação podia tornar-se crítica. Até então, tocara e acariciara todo o corpo, excepto o pénis, e agora preocupava-se com a reacção dele.

 

Por fim, ajoelhou a seu lado e começou a aplicar óleo ao longo do pernis.

 

- Para tornar tudo mais realista   e você   poder apreciar o ambiente vaginal, chamemos-lhe assim explicou. - Quando passarmos à fase da penetração, estarei   húmida por dentro. Assim, vai-se habituando.

 

- Acho bem.

 

Depois de o untar, Gayle levou a mão ao abdómen dele e principiou a acariciá-lo, ao mesmo tempo que informava:

 

- Não lhe seguro o pernis   para o excitar, mas apenas para proporcionar um prazer sem retribuição.

 

Você deve limitar-se a fechar os olhos sem fazer nada. Vá, feche-os.

 

Hunter obedeceu e, estendendo a mão, ela segurou-lhe o pénis e começou a friccioná-lo, primeiro com suavidade e depois com firmeza.

 

- Está bem assim? Sente prazer?

 

- Nem se pergunta.

 

- Talvez não o estimule muito, mas...

 

- Não diga isso.

 

Gayle tencionava conceder-lhe alguns minutos para alcançar a erecção total, porém o fenómeno registou-se quase imediatamente.

 

Se prosseguisse com a estimulação, arriscar-se-ia a frustá-lo demasiado, pelo que convinha desviar-lhe o pensamento do pénis.

 

- Bem, chega. - Pegou-lhe no braço para que se erguesse. - Agora, é a minha vez.

 

- Vai proporcionar-me prazer da mesma maneira.

 

- Entre as pernas?

 

- Com certeza. Para eu experimentar algum prazer inerótico.

 

- Essa é boa! Nunca pode ser inerótico.

 

- Eu indico-lhe como deve proceder.

 

Ela deitou-se de costas no tapete e Hunter, a seu lado, apoiado no cotovelo, começou a tocar-lhe no clitóris.

 

- Mais suave mente - advertiu Gayle, empenhada em evitar o orgasmo. - E mais devagar.

 

Ele passou a actuar como lhe era ordenado e ela, de olhos fechados, decidiu que executava o exercício de modo a todos os títulos satisfatório. De súbito, a pressão no clitóris tornou-se mais intensa e rápida.

 

- Querida... - ouviu-o murmurar.

 

Abriu os olhos e viu-o apontar para a área entre as pernas.

 

- Olhe para isto.

 

Apresentava uma erecção completa, e Gayle sentiu-se por instantes perplexa quanto ao que devia fazer.

 

- É bom sinal... - aventurou.

 

- Podemos   desfrutar os dois - volveu   ele, com ansiedade. - Deixe-me.

 

- Deixo o quê?

 

- Metê-lo dentro. Estou preparado. Para quê perder tempo?

 

- Não,   não   está   preparado.   Precisa   de   mais sessões.

 

- Mas tenho a certeza de que desta vez consigo. Posso garantir-lhe...

 

- Ainda não.

 

- Por favor, Gay lê. Deixe-me provar-lho.

 

Ela reflectiu apressadamente, lamentando não dispor de tempo para consultar o D r. Freeberg. Em todo o caso, sabia perfeitamente que muitas daquelas decisões tinham de depender do critério da delegada. No fundo, que havia a perder? Se ele fosse na verdade bem sucedido, achar-se-ia encaminhado para a cura. De contrário, aprenderia a lição.

 

- Está   bem - anunciou,   impulsivamente. - Se pensa que pode   completar a penetração, talvez não seja má ideia. Continue, que eu colaboro.

 

- Vai   ver, vai ver - articulou ele, assumindo a posição ortodoxa entre as pernas dela. - Você é estupenda. Tenho a certeza de que consigo.

 

Gayle sentiu a ponta do pénis pousar na vagina e aguardou a penetração... que não se consumou.

 

Soergueu a cabeça e viu-lhe o semblante contraído num esgar de angústia.

 

No instante imediato, apercebeu-se da humidade do sémen à entrada do aparelho genital.

 

- Maldição! - grunhiu ele, ao completar o orgasmo.

- Não fui capaz de me aguentar. Desculpe, mas foi mais forte do que eu.

 

- Não se preocupe,   Chet - murmurou ela,   pousando-lhe a mão no ombro. - É para isso que estamos aqui   juntos.   Mas   garanto-lhe   que   se   obedecer   às minhas indicações, acabará por se livrar da anomalia.

 

- Já não digo nada - balbuciou Hunter, em voz estrangulada. - Começo a duvidar.

 

- Estou tão convencida do êxito, que lhe vou dar um   conselho. Aliás,   faço-o sempre,   nesta altura do programa. Quando se encontrar com a sua pequena, nada   de   tentativas   de   sexo.   Leve-a   ao   cinema   ou sente-se com ela num sofá para repetir os exercícios em   ambiente   mais   realista.   Abrace-a,   acaricie-lhe o rosto e os seios, mas por cima da roupa e não por baixo. Não pense nas suas erecções. Domine-se. Se cumprir as instruções à risca, acabaremos por alcançar a vitória.

 

No entanto, quando se separaram, sentia-se menos optimista do que ela. Encaminhou-se lentamente para o carro que deixara estacionado perto, sentou-se ao volante e entregou-se a longas cogitações.

 

Convenceram e de que seria bem sucedido e, com a penetração consumada, o resto desenrolar-se-ia da melhor maneira.

 

Se Ferguson, Scrafield! e Hoyt Lewis se inteirassem daquilo, o plano e o seu próprio futuro poderiam comprometer-se irremediavelmente. Se não lograsse consumar o coito com Gayle, não poderia apresentar-se no tribunal e declarar, sob juramento, que tivera relações sexuais com ela e pagara o serviço. E a rapariga também juraria que não a penetrara.

 

Uma vez conhecida a verdade, não haveria elementos sólidos contra Freeberg, nem reportagem ou, muito menos, um lugar fixo no Chronicle.

 

De repente, todavia, descobriu que eles não necessitavam de saber. Ferguson, Scrafield e Hoyt Lewis poderiam não se inteirar jamais do desaire daquela noite. Tanto quanto sabiam, ele submetia-se ao tratamento com uma prostituta. Só precisariam de tomar conhecimento, quando fosse bem sucedido.

 

O problema residia precisamente aí.

 

Alguma vez conseguiria ser bem sucedido?

 

Bem, ela previra que não seria naquela noite e acertara. No entanto, mostrava-se confiante em que tudo se alteraria num futuro não muito distante. Por conseguinte, podia dar-se o caso de também ter razão nesse aspecto e o resto seria um mar de rosas. Ele veria o projector apontado à sua figura como testemunha fundamental de um julgamento vitorioso, teria um lugar seguro no Chronicle e casaria com Suzy.

 

Se Gayle Miller não se (equivocara e ele actuasse com a necessária prudência, colaborando nos exercícios, poderia obter tudo o que ambicionava.

 

Introduziu a chave na ignição e ligou o motor.

 

Prometeu a si próprio mostrar-se mais paciente e acatar tudo o que ela lhe indicasse. Não haveria mais tentativas para chegar prematuramente ao fim. Procederia em conformidade com o que lhe fosse determinado e o resultado compensá-lo-ia largamente dos sacrifícios a que agora porventura tivesse de se sujeitar.

 

COMO o despertador começou a tocar quando Gayle se encontrava a meio de um sonho com Paul Brandon, este continuou momentaneamente vívido. Calculou que o originara o pensamento, quando se preparava para ir para a cama, de que devia telefonar-lhe a fim de combinarem um encontro, como prometera, e apetecera-lhe fazê-lo naquele momento, mas estava demasiado cansada e, ao deitar-se, adormecera quase imediatamente.

 

Agora, de manhã, Paul Brandon continuava presente no seu espírito. No sonho, ela encontrava-se numa ilha dos Mares do Sul, porventura uma parte remota do Taiti, e corria através de uma floresta tropical, com ele no seu encalço. No entanto, tinha a vaga impressão de que não lhe fugia muito depressa.

 

Consultou o relógio e verificou que não dispunha de tempo para lhe telefonar. Com efeito, não podia arriscar-se a chegar atrasada ao Teste das Analogias de Miller que completaria as provas de admissão à UCLA. Já se desembaraçara dos de Aptidão e de Psicologia Avançada, com resultados satisfatórios. Restava apenas o das Analogias de Miller, decisivo para as suas aspirações.

 

Entrou na casa de banho, meteu-se debaixo do chuveiro, secou-se, vestiu-se apressadamente, consagrou alguns minutos à maquilhagem e tomou um pequeno-almoço rápido e frugal. Por fim, de pasta na mão, encaminhava-se para a porta, quando o telefone tocou.

 

Retrocedeu, com um suspiro de contrariedade, e levantou o auscultador, pensando que era o Dr. Freeberg ou porventura Adam Demski ou Chet Hunter.

 

Reconheceu a voz imediatamente, e tratava-se de Paul Brandon.

 

- Olá, Gayle. Tenho passado praticamente toda a noite ao pé do telefone, e nada. Esqueceu-se do que prometeu?

 

Ela receou não chegar a tempo do exame, mas, por outro lado, reconhecia a necessidade de se explicar.

 

- Desculpe, Paul, mas tenho estado muito atarefada e quase nem consigo arranjar tempo para respirar. Ocupo-me de dois pacientes, como sabe...

 

- Pois sei, mas mesmo assim...

 

- O que implica duas consultas diárias com o Dr. Freeberg e outros tantos relatórios pormenorizados depois de cada sessão. Há, de resto, outras coisas, como a arrumação do apartamento. Neste momento, sigo para Los Angeles, a fim de efectuar um teste que faz parte da minha admissão à UCLA. E...

 

- E qual é a minha posição no meio de tudo isso?

- insistiu ele. - Vou dizer-lhe. A de um solteirão muito solitário.

 

- Estou Interessada em me encontrar consigo volveu ela, com veemência. - Muito, mesmo. Olhe, prometo telefonar-lhe logo à tarde. Tem trabalho, à noite?

 

- Hoje, não. Espero despachar a minha paciente até às seis. Depois, devo jantar sozinho.

 

- Não   janta,   não   senhor - proferiu,   impulsivamente. - Vai ter companhia. Uma companhia excepcional. Eu. Que diz a uma refeição caseira no meu apartamento? Gosta de massa?

 

- Gosto, se for servida por si. A que horas me quer aí: às oito?

                              

- É preferível mais para as nove.

 

- Combinado. Vou aperaltar-me para a deslumbrar.

 

- Óptimo.

 

Pousou o auscultador e, quando se dirigia para a porta, lembrou-se do sonho.

 

Conhecia o seu desenlace.

 

Paul alcançá-la-ia.

 

Pelo menos, assim esperava.

 

A manhã de Gayle foi totalmente preenchida pelo teste em Westwood, após o que seguiu no carro para Hillsdale, a fim de participar em duas reuniões sucessivas - a primeira com Freeberg e Demski e a segunda com o médico e Hunter.

 

A tarde prometia igualmente ser esgotante. Um exercício com Demski às duas. Outro exercício às cinco, este com um Chet Hunter mais calmo, segundo as suas previsões. Depois, disporia apenas do tempo suficiente para ditar o relatório na clínica e regressar a casa, para preparar o jantar com Paul Brandon, prelúdio do que esperava se convertesse num longo e delicioso serão. Estava convencida de que ele se comportaria maravilhosamente, e, de resto, julgava-se merecedora de um pouco de descontracção. Naquela noite, mesmo que se dedicasse a uma actividade que fazia parte da sua profissão, a ausência de remuneração conferir-lhe-ia um prazer especial.

 

De momento, porém, tentou concentrar-se em assuntos mais imediatos.

 

Adam Demski apresentou-se pontual mente às duas horas, deixando transparecer mais confiança que nas sessões anteriores.

 

Gayle usava um roupão de seda, com decote conservador, mas nada mais por baixo.

 

Depois de o saudar cordial mente e ajudar a despir o casaco, interrogando-o sobre o que fizera durante a manhã, anunciou que podiam começar quando- eile desejasse. Acto contínuo Demski encaminhou-se para o corredor de acesso à sala de terapia, nas traseiras, e ela seguiu-o, consciente de que o exercício era ainda mais crucial que o precedente. Se resultasse, constituiria um passo importante para ganhar confiança sobre o seu corpo e acabaria por obter a erecção.

 

Gayle já estendera o tapete no chão entre o sofá e o espelho da parede, mas desta vez cobria-o um lençol, com duas toalhas de banho e duas almofadas de penas. De momento, ela ignorou o tapete, reclinou-se no sofá e viu Demski despir-se, satisfeita com o à-vontade com que se libertava da roupa.

 

Quando ficou desnudo, ela levantou-se e libertou-se do roupão. Em. seguida, sentou-se numa das toalhas e tez sinal a Demski para que o limitasse na outra.

 

   - Quer saber o que vamos fazer hoje?      

 

- Quero. Que é?

 

- Uma coisa a que podemos recorrer como alternativa. Gosto muito de efectuar este exercício, pois sempre o considerei agradável e eficiente. Chama-se o Relógio.

 

- O Relógio? Não me recordo de o mencionarem. Em que consiste?

 

- Não há relógio nenhum. É imaginário e situa-se na minha vagina.

 

- Um relógio imaginário na vagina? - Ele arqueou as sobrancelhas. - Como? Para quê?

 

Ela elucidou-o pormenorizadamente e acrescentou:

 

- Agora que compreendeu a mecânica, podemos começar. Deitemo-nos, para que lhe acaricie as coxas, estômago e peito.

 

Procedendo com a suavidade de uma pena, acariciou-o com extrema lentidão e encorajou-o a tocar-lhe nos lábios exteriores da vagina e clitóris.

 

Transcorridos uns momentos, indicou-lhe que se sentasse e fez o mesmo, antes de anunciar:

 

- Podemos passar ao Relógio. Vou tornar a reclinar-me de costas, erguer os joelhos e abrir as pernas. Você instala-se entre elas, sentado como os índios, e introduz gradualmente o indicador na minha abertura: dois centímetros, a seguir três e finalmente cinco. Eu guio-o em torno do relógio imaginário e vou fazendo comentários.

 

- É só isso?

 

- Talvez seja mais, muito mais - admitiu, com um sorriso malicioso. - Pode haver fogo-de-artifício.

 

- Não   estou   a   compreender. - Ele   exibiu   uma expressão de perplexidade.

 

- Pode dar-se o caso de eu reagir ao exercício. Se   me   excitar   o suficiente,   sou   capaz   de   ter   um orgasmo.

 

- Que... que faço?

 

- Nada, além de aguardar que eu termine para retirar o dedo. Limitar-se a apreciar o que me consegue fazer.

 

- Que quantidade de dedo começo por introduzir?

 

- Apenas uma pequena parte. Vá... isso mesmo... Faça-o deslizar. - Vendo que ele hesitava, Gayle tentou encorajá-lo, impelindo o dedo. Assim ficaria demonstrado que um homem não necessitava de ter um pénis enorme para satisfazer uma mulher. - Chega. Que nota de especial?

 

- É mole, quente...

 

- E apertada em volta do dedo?

 

- Exacto.

 

- Porque o cilindro vaginal se contrai e envolve tudo o que penetra. Assemelha-se um pouco a uma coisa   elástica.   A   vagina   contrai-se   ou   dilata-se   em conformidade com as dimensões do corpo introduzido. Quanto ao que eu sinto... - Fez uma pausa. - Há algumas extremidades de nervos à entrada, mas poucos no interior. Vou contrair os músculos pélvicos, para que o seu dedo se aperceba.

 

- De facto, nota-se bem.

 

- Vamos então ao Relógio. Levante o dedo bem alto no centro. São doze horas. Depois, vá descendo em volta, exercendo pressão nas paredes vaginais. Mais para baixo, cada vez mais para baixo...   Ena! - Contraiu-se com firmeza. - As seis horas são estupendas. Como vê, reajo ao seu toque. Adam...

 

- Sim, Gayle?

 

- Volte às seis horas. Mova o dedo na parede... com mais forca...

 

- Assim?

 

- Exacto... não pare, por favor! - Cerrou as pálpebras e mordeu o lábio inferior. - Estou... estou a desintegrar-me...

 

O orgasmo atingiu o auge e prolongou-se.

 

- Veja   o que   conseguiu fazer-me... - balbuciou, ofegante.

 

Por fim, quando se acalmou por completo, conservou a cabeça pousada na almofada e Demski retirou o dedo.

 

- Fez-me isto só com o dedo - murmurou ela.

 

Ele levantou-se, com uma imponência quase militar e apontou para o penis.

 

- E você fez-me isto - anunciou.

 

Gayle olhou e verificou que de facto se dilatara pelo menos dez centímetros.

 

- Maravilhoso! - exclamou. - Merece quinze valo- rés. Na próxima vez, ou na outra a seguir, havemos de chegar aos vinte.

 

- Acha?

 

- Tenho a certeza!

 

- Oxalá não se engane.

 

Quando a campainha da porta soou às cinco e dez, em vez das cinco em ponto, e admitiu Chet Hunter, Gayle reflectiu que ele aparecia atrasado pela primeira vez.

 

Nas visitas anteriores, apresentara-se mesmo com alguma antecedência, sem dúvida em resultado da ansiedade em prosseguir o tratamento. Ora, o atraso indicava que sentia relutância em precipitar os acontecimentos após o recente desaire ou perdera o entusiasmo. Ao observá-lo, ela concluiu que não se tratava de relutância, pois continuava empenhado em resolver o problema e normalizar as suas relações com a amiga. Por conseguinte, tudo apontava para que efectuasse um esforço consciente para acatar as recomendações da sua delegada e abster-se de precipitações.

 

Ao certificar-se do estado de espírito do paciente, Gayle resolveu mante-lo e intensificá-lo.

 

- Acabo de fazer chá, Chet. Aceita uma chávena?

 

- Pois sim. - Ele parecia de facto dócil e disposto a satisfazer-lhe todos os desejos.

 

- Sente-se e descontraia-se. Entretanto, vou buscar o tabuleiro e conversaremos durante uns minutos.

 

Hunter achava-se afundado numa poltrona, quando ela reapareceu com o chá. Em seguida, Gayle começou a fazer-lhe perguntas sobre o seu trabalho como escritor. Ele mostrou-se reticente nesse capítulo, mas loquaz acerca da variedade de pesquisas a que procedia. -..     - A sua pequena ajuda-o?     - Bem, está interessada, mas tem o seu trabalho.

 

- Quer falar dela?

 

- Não - declarou com firmeza. - Mantenhamos a conversa limitada a nós os dois.

 

- Como queira.

 

- E   você? - inquiriu   inesperadamente. - Tem algum namorado por fora?

 

Gayle hesitou. Teria? ,     No entanto, tentou   exprimir-se com   sinceridade:

 

- Talvez. Quase. Veremos. E se for um ejaculador prematuro?       - repostou Ao pensar em Paul Brandon, esforçou-se por não sorrir.

 

- Tratá-lo-ei, como a você. - Supõe que dará resultado?

 

- Tenho essa esperança.

 

- e Muito bem. - Hunter esvaziou a chávena e pousou-a. - Que se segue na agenda?

 

- Vamos   fazer exactamente   a   mesma coisa   de ontem. Troquei   impressões com o Dr. Freeberg, que o recomendou. Despimo-nos, para efectuarmos carícias corporais, incluindo os órgãos genitais. Mas com uma diferença.

 

- Qual?

 

- Desta vez, quando me tocar tem de se lembrar de que o faz para seu próprio prazer e não para satisfazer outrem, mesmo que me proporcione satisfação. Aliás,   é   essa   a   verdadeira   finalidade   das   relações sexuais. Quando introduzir o pénis na minha vagina, ou de outra mulher, deve apreciar a sensação para si, enquanto   eu   reagirei   do   mesmo modo para comigo.

 

- E se se sentir passiva?

 

- Pode acontecer e temos de o considerar igualmente. No entanto, hoje vamos acariciar-nos e experimentar todo o prazer possível. A única diferença de ontem consiste em que não haverá insistências irreflectidas de sua parte para me possuir, porque não o permitirei. Pelo menos, por enquanto.

 

- Muito bem. Será como determinar.

 

- Mas hei-de proporcionar-lhe prazer de outra maneira. Creio que chegaremos a essa parte.

 

- Qual parte?

 

- Perto do final do exercício - explicou ela, com uma expressão grave, pego-lhe no pénis e levo-o à beira do orgasmo.

 

- Refere-se   a   um   trabalho   manual? - Ele   mostrava-se surpreendido.

 

- Chame-lhe   o   que   quiser.   Levo-o   à   beira   do orgasmo, repito, e explico-lhe como o deve retardar.

 

- Julga-se capaz disso?

 

- Espero que sim. Certifiquemo-nos.

 

Pouco depois, desnudos na sala de terapia, Hunter deitou-se no tapete e Gayle colocou-se de joelhos a seu lado, a fim de proceder às carícias frontais. Durante a operação, ela evitou o pénis, que já se apresentava consideravelmente tumefacto. Por fim, todavia, olhou-o e comentou:

 

- Apetece-lhe o orgasmo.

 

- E de que maneira!

 

- Vai tê-lo - prometeu. - Mas primeiro uma breve prelecção sobre o exercício que o acompanha.

 

- Oxalá não seja muito longa.

 

- Escute,   Chet. Se   eu   procedesse   rapidamente, você tinha o orgasmo com prontidão, antes de poder penetrar.

 

- Está bem, está bem. Diga de sua justiça.

 

- Alguma vez ouviu falar do método do apertão?       - O método do quê?

 

- A técnica do apertão para impedir a inevitabilidade da ejaculação.

 

- Ah, sim! Li qualquer coisa sobre o. assunto, nas minhas pesquisas.

 

- Pois, é o que vamos fazer. A ejaculação prematura resulta da ansiedade. Deixe-me pôr a questão de outra maneira. Quando começo a friccionar-lhe o pénis, o   impulso para ejacular surge quase imediatamente. Devido à necessidade. Quer executar o acto e consumá-lo,   enquanto   outra   faceta   do   seu   íntimo   lhe recomenda que se domine, para ser um bom amante. Não é assim?

 

- Mais ou menos.

 

- Acredite que é. Ora, há duas maneiras tradicionais de superar a prematuridade. Uma é a chamada atitude do bom senso. O homem toma uma ou duas bebidas alcoólicas para atenuar a excitação erótica, ou utiliza uma pomada anestésica, ou busca uma distracção, olhando a mobília ou as cortinas ou esforça-se por   pensar   na   sua   profissão. A   outra   consiste   em resolver o assunto por meio de um psicanalista ou psicólogo. Nesta última, inteira-se de que a prematuridade envolve os seus conflitos inconscientes acerca de mulheres que começaram com problemas da infância. Ambas as atitudes podem resultar, mas nenhuma é tão imediata ou eficiente como a terapia através de uma delegada sexual, o que, repito, envolve a técnica do apertão. Eu sei, e você não, que a ejaculação prematura advém da sua incapacidade para concentrar a atenção na sensação de estímulo sexual antes do orgasmo. Só se preocupa com isso. Não obstante, se tudo correr bem, a experiência do tacto e carícias há-de inverter a situação. Entretanto, em algumas sessões, o apertão evitará a inevitabilidade ejaculatória. Creia que funciona, Chet.

 

- Acredito em tudo o que disser, senhora professora.

 

- Vamos fazer o seguinte. Acaricio-o para o excitar até à iminência do orgasmo, e nessa altura previne-me para o apertar.

 

- Quando, exactamente?

 

- Não no segundo em que se prepara para ejacular. Meio minuto antes, aproximadamente.   Na verdade, é melhor eu retardá-lo mais cedo, para jogar pelo seguro, e depois aventurarno-nos cada vez mais perto, até cerca de cinco segundos antes da ejaculação.

 

- Espero conseguir preveni-la a tempo.

 

- Consegue,   sim.   No   instante   em   que o   fizer, aperto a glande com o polegar e o [indicador, enquanto exerço pressão na parte inferior. Prometo não o magoar. Perderá a erecção e o desejo de ter um orgasmo. Todo o mecanismo de tensão ficará reduzido e o pénis adquirirá flacidez. A seguir, repetiremos tudo. Friccioná-lo-ei até nova erecção. Não se preocupe com isso, porque é possível fazê-lo mais de uma dezena de vezes consecutivas.   Em todos   os   casos,   retardarei   a ejaculação pelo   mesmo   processo.   Vamos   estabelecer   um   alvo. Hoje, tentaremos contê-lo por cinco minutos e passaremos gradualmente a dez, até ao limite de quinze. Quer tentar?

 

- Com certeza.

 

Gayle recomeçou a acariciar-lhe o abdómen e coxas, cada vez mais perto dos órgãos genitais. Por fim, a mão rodeou os testículos e o pénis principiou imediatamente a avolumar-se, não tardando a ficar totalmente erecto. Fez deslizar os dedos ao longo do comprimento, contornou-o com os dedos e começou a friccioná-lo.

 

Ele semi cerrou os olhos, enquanto as nádegas estremeciam e emitia um grunhido.

 

- Não aguento mais...

 

Acto contínuo, Gayle deslocou os dedos para a glande e apertou-a.

 

Hunter soltou um gemido de desconforto, mas a ejaculação não se consumou. O pénis tornou-se flácido na mão dela e acabou por soltar-se de entre os dedos.

 

- Conseguiu,   Chet.   Houve erecção   e excitação, mas não ejaculação.

 

- Está   bem - articulou   ele,   ofegante,   lançando uma olhadela ao membro inerte. - E agora?

 

- Agora,   satisfaço-lhe a virilidade,   mas   não se descontrole.

 

Os dedos e a mão voltaram a acariciar o pénis, que ficou rígido mais uma vez, até que ele começou a gemer.

 

- Estou quase... - preveniu.

 

Ela apressou-se a apertar a glande.

 

Não houve orgasmo e a flacidez reapareceu.

 

Continuou a repetir o exercício, retardando sempre a ejaculação. No entanto, transcorridos cinco minutos de tentativas coroadas de êxito, quando se achava no auge da erecção, pegou num lenço de papel e aproximou-o da extremidade do pénis, sem parar de friccionar.

 

Desta vez, quando ele gemeu, Gayle não apertou a glande e deixou-o ejacular livremente.

 

No final, Hunter voltou-se para o lado e murmurou:

 

- Obrigado. Vencemos?

 

- Pelo menos, a primeira batalha. Para que a contenção da ejaculação seja realmente eficiente, tem de praticar em casa.

 

- Como?

 

- Tocando-se.

 

- Tocando-me?... - repetiu, soerguendo-se. - Ah, refere-se à masturbação?

 

- Exacto.

 

- Mas eu não...

 

- Toda a gente o faz ou, pelo menos, fez numa ou noutra fase da vida. Não acredito que você seja uma excepção.

 

- Bem, em miúdo...

 

- Mas agora é um homem. Quero que o faça antes do nosso próximo exercício. É muito simples. Comece a masturbar-se e aplique a técnica do apertão. Umas cinco vezes,   ou   mais,   antes   da   ejaculação.   Assim, poupa muito tempo a ambos.

 

- Confesso que é uma coisa que não me agrada. Sobretudo,   na   minha idade.   Não consigo ver-me em semelhante actividade solitária. Se fosse com a colaboração de uma mulher, ainda podia aceitar-se...

 

- Mas pode fazê-lo com uma mulher. É para isso que está aqui. A masturbação constitui   a chave   da terapia sexual - afirmou Gayle, levantando-se. - Garanto-lhe que a regra de ouro do tratamento é a seguinte: fá-lo a ti próprio com êxito e poderás fazê-lo com outros pela vida fora.

 

- Gostava de me convencer, mas não sou capaz. Não me importo que você mo faça...

 

- Podemos   poupar   muito   tempo,   se   colaborar. A masturbação, no fundo, é uma coisa assim tão horrível.

 

- Talvez, mas não me agrada.

 

Olhou-o em silêncio por um momento e declarou:

 

- Um homem que manifesta tanta relutância pela masturbação, pode ter muito trabalho a executar nele psicologicamente.   Se   não   acredita,   pergunte   ao D r. Freeberg.

 

- É o que tenciono fazer,

 

- Depois, conte-me o que ele disse.

 

O Dr.   Freeberg, que escutara Chet Hunter com atenção, começou a inclinar a cabeça.

 

- O que Miss Miller lhe aconselhou é basicamente correcto. Talvez dramatizasse um pouco ao afirmar que a masturbação é a chave da terapia sexual, no entanto. Eu   poria a   questão noutros termos. A   masturbação constitui um exercício valioso em conjugação com o prazer e outros métodos terapêuticos. Por que se lhe opõe com tanta veemência?

 

- Porque não me agrada a perspectiva de dar à bomba sozinho, em casa.

 

- Mas porquê?

 

- Lembra-me que não consigo nada com as mulheres.

 

- E aumenta a sensação de insucesso?

 

- Acho que sim.

 

- A resistência à ideia não terá começado muito antes? Diz que se masturbava na adolescência. Como reagiam os seus pais?

 

- Nunca me   passou   pela   cabeça   informá-los! exclamou Hunter, empertigando-se na poltrona.

 

- Por conseguinte, já então considerava a masturbação ilícita e que, se se inteirassem, não a aprovariam. Segue-se que conhecia a atitude deles perante o problema.

 

- Agora que falou nisso... Sim, creio que tinha a consciência de que a masturbação era encarada com desagrado.   Provavelmente,   ouvi-os   mencioná-lo. - Fez uma breve pausa para reflectir. - Eles são baptistas ferrenhos e deviam pensar que se tratava de um pecado mortal, o que decerto influenciou a minha atitude.

 

- Mas   agora sabe que não é assim - persistiu Freeberg. - Não existe a mínima prova científica de que pode afectar a saúde.

 

- Tenho   plena   noção disso, pois   apurei   muitos pormenores sobre o assunto no decurso das pesquisas para os  meus trabalhos   literários. Em todo o caso, creio   que   ainda   estou   vinculado   aos   receios   da juventude.

 

- Pois os receios da juventude não devem continuar a preocupá-lo. O velho relatório Kinsey descobriu que noventa e quatro por cento dos homens se masturbavam, num ou noutro momento da sua vida, e um estudo mais recente indica que o fazem cerca de cem por cento. Não sinto a menor relutância em   revelar que figurei nesse número.

 

- Na adolescência?

 

- Não   apenas   então.   Em anos   mais   recentes, quando a minha mulher se ausentou de casa por um período e, sob tensão, eu necessitava de me descontrair.

 

- Devo reconhecer que é excepcional mente sincero - admitiu Hunter, pestanejando.

 

- E normal. Acredito quando digo que a masturbação não é um pecado. No seu caso, ao tentar retardar a ejaculação prematura, pode considerar-se mesmo uma virtude, com a colaboração de Miss Miller ou na solidão de sua casa. Sugiro que acate as instruções dela. Masturbe-se até à erecção e, dez segundos antes da ejaculação, empregue o método do apertão.

 

- Isso é outra coisa que não me agrada. Posso aceitá-lo, quando uma jovem impede a ejaculação prematura, mas detesto fazê-lo a mim mesmo.

 

- Bem, há outra coisa igualmente eficiente.

 

- Sim? O quê?

 

- As delegadas chamam-lhe o método de pára e arrisca, enquanto os terapeutas preferem a designação de processo de Se mans, do urologista James Se mains, que começou a empregá-lo em 1956. O paciente estimula-se quase até ao ponto de ejaculação,   pára de repente, aguarda que a excitação se atenua e a erecção diminua, repete tudo desde o princípio, volta a parar e assim sucessivamente.

 

- Nesse   ponto,   duvido   que   conseguisse   aguentar-me - confessou, amargurado.

 

- Nesse caso, limite-se ao método do apertão. Por desagradável   que   lhe   pareça,   encontrá-lo-á   sempre eficiente.

 

- Bem, suponho que, se ela consegue fazer-mo, eu também hei-de ser capaz.

 

- Óptimo. Experimente já esta noite. Se tardar a excitar-se, olhe alguma coisa que lhe pareça erótica ou pornográfica.

 

- Refere-se àquelas   revistas com fotografias de raparigas nuas?

 

- Precisamente. Contemple-as e fantasie, até estar preparado para o orgasmo. Se perder a erecção, não se preocupe. Na sua idade, pode ter um largo número delas. No momento em que tal acontecer, friccione o membro para   surgir outra.   Faça isso cinco ou   seis vezes, esta noite, e amanhã continue com Gayle Miller. De acordo?

 

- Se lhe parece que serve para poder entender-me sexualmente com as mulheres...

 

- Gayl e   prometeu-lhe   conduzi-lo   às   relações sexuais normais. - Freeberg levantou-se e estendeu a mão. - Eu   quase   posso   garanti-lo.   Felicidades,   Mr. Hunter.

 

- Não   podemos   fazer   isto   juntos? - perguntou Nan Whitoomb.

 

Estava deitada na cama de Brandon, apoiada no cotovelo, e observava-o, enquanto despia as calças e se preparava para tirar igualmente as cuecas.

 

- Juntos?

 

- Refiro-me ao prazer genital não-retribuível.

 

- Para ser franco,   não   sei. - Ele   sentou-se   na borda da cama, desnudo. - Conheço apenas a prática usual. Você deita-se de costas, fecha os olhos, descontrai-se e eu acaricio-a da cabeça aos pés. Depois, é a sua vez de mo fazer.

 

- Mas se o fizermos juntos, é a mesma coisa. Vocês não estão autorizados a introduzir variantes, de vez em quando?

 

- Com certeza, desde que respeitemos os parâmetros do exercício. Na verdade, o Dr. Freeberg quer que sejamos flexíveis, quando há necessidade de recorrer a algo de inovador.

 

- Então,   toquemo-nos   um   ao   outro   ao   mesmo tempo.

 

- Há alguma razão especial para o fazermos?

 

- Não sei... Talvez surjam sensações mais agradáveis. Quando você me toca e, depois, eu a si, separadamente,   é   como   se se tratasse   de   duas   coisas isoladas... bem:, não totalmente, mas em parte. Gostava de ter contacto simultâneo com- um homem.

 

- Por que não? - decidiu ele, subitamente. Ainda acalentava algumas dúvidas, mas, de um modo geral, o exercício afigurava-se-lhe   razoável. - Vou deitar-me a seu lado. Depois, fechamos os olhos, eu acaricio-o e você a mim, fazendo-me exactamente o mesmo

 

Ela olhou com insistência por um momento.

 

- Tem a certeza de que não se importa, Paul?

 

- Pelo contrário, até me vou divertir.

 

Brandon deitou-se ao lado de Nan e aproximou-se até que os quadris contactaram. Viu-a cerrar as pálpebras e imitou"a, após o que começou a acariciar-lhe o cabelo, orelha, face e pescoço.

 

Ao mesmo tempo, sentia os dedos mornos dela no seu rosto, numa tentativa para o imitar.

 

Gradualmente, fez deslizar a mão até aos seios, sobre os quais se manteve por uns momentos. Eram macios, excepto os bicos, que haviam endurecido. Entretanto, apercebiam-se dos dedos dela no peito, pousados nos mamilos, porque não se esquecera de que também podiam constituir uma zona erógena para o homem.

 

Prosseguiram assim durante cerca de vinte minutos, até que a mão livre dele se deslocou para as proximidades da área púbica, e foi no momento em que Nan se preparava para o imitar que aflorou o problema imprevisto. Com efeito, o pénis achava-se erecto e, a partir do instante em que os dedos dela o rodearam, Brandon preocupou-se com o domínio da situação.

 

Seria necessária uma força de vontade espartana para refrear o impulso sexual, e compreendeu a dificuldade da situação ao sentir a iminência do orgasmo.

 

Apressou-se a introduzir o dedo na vagina e massajar o clitóris, até que ela emitiu um som estrangulado e sussurrou:

 

- Não... não pare!

 

Os movimentos do dedo aceleraram-se, mas o desejo de um orgasmo também se acentuou.

 

De súbito, Nan soergueu o corpo num arco, enquanto os dedos apertavam o pénis convulsivamente.

 

A iminência do orgasmo extinguiu-se com prontidão. Involuntariamente, ela acabava de aplicar a técnica do apertão.

 

- Estou a vir-me - anunciou, em voz trémula.

 

- Óptimo - murmurou   ele,   congratulando-se com o gesto dela que impedira o orgasmo.

 

Quando se sentaram, agora de olhos abertos, Nan assumiu uma atitude de embaraço.

 

- Desculpe, Paul, mas não fui capaz de me conter.

 

- Não fez absolutamente nada de errado. Creio que o Dr. Freeberg concordaria que foi benéfico para si, para a sua terapia. Aliviou a tensão irresistível...

 

- Totalmente. Pela primeira vez.

 

- O que é excelente para o tratamento da sua deficiência.

 

- Mas você não experimentou muito prazer.

 

- Foi suficiente. De resto, tratava-se de um exercício não-retribuível.

 

Ao mesmo tempo, porém,, ele ponderava intimamente a oportunidade da expressão "não-retribuível". A sua utilização parecia-lhe tecnicamente correcta. Significava que o homem: não necessitava de participar, limitando-se a absorver prazer, assim como a proporcioná-lo, sem qualquer exigência sexual de sua parte. Desta vez, todavia, desejara reagir e fizera-o, de certo modo. Contudo, reconheceu de súbito que não era nada que necessitasse de discutir com o Dr. Freeberg. Na verdade, pressentia que, no fundo, embora fosse a mão de Nan que lhe acariciava o pénis, ele fantasiara que se tratava da de Gayle Miller.

 

- Foi-me oferecido por Tony, quando fiz anos explicou ela, colocando o relógio de ouro no pulso. - Vou ter de me retirar, pois ele deve estar a chegar a casa para jantar.

 

- Tão cedo?

 

- Não gosta de comer tarde, para poder ver televisão   e deitar-se a horas   decentes, segundo a sua expressão. Eu confesso que detesto.

 

- Porque lhe desagrada o que acontece na cama? Que tenciona fazer, esta noite?

 

- Tentarei desencorajá-lo. - Ela hesitou. - Ainda disponho de dez minutos antes de me vestir e pôr a andar. Importa-se que continuemos deitados?

 

- É uma boa ideia.

 

Reclinaram-se nas almofadas e voltou-se para ele.

 

- Quer abraçar-me, Paul?

 

- Com o maior prazer.

 

Brandon rodeou-lhe os ombros desnudos com o braço e puxou-a para si, fazendo com que os seios lhe tocassem no peito.

 

- Você é maravilhoso - sussurrou ela. - O homem mais maravilhoso que já conheci. Não se aborreça se o beijo. Gosto de o beijar.

 

Ele colou os lábios aos dela, disposto a não passar daí, todavia Nan entreabriu os seus e a língua emergiu como um foco ardente e devorador. No final do "beijo francês, ela murmurou:

 

- Adoro-o.

 

Ele não replicou, porque a situação principiava a preocupá-lo.

 

Pouco depois, Nan vestiu-se apressadamente, examinou o cabelo e a maquilhagem no espelho e introduziu as correcções que se lhe afiguraram convenientes para que não subsistissem vestígios do que acabava de ocorrer.

 

- Que faremos na próxima sessão, Paul ?

 

- Penetração - informou ele, secamente. - Primeira tentativa.

 

- Há-de resultar - asseverou ela, com um sorriso.

- Tenho a certeza absoluta.

 

Chegou a casa poucos minutos antes de Tony Zecca aparecer, e o jantar já se encontrava na mesa no momento em que ele surgiu para a visita ritual à casa de banho, antes de começar a comer. Por seu turno, Nan dirigiu-se ao quarto para mudar de vestido e em seguida foi fazer-lhe companhia.

 

Ele já principiara a devorar um suculento bife com apetite canibalesco e ela sentou-se e pôs-se a comer com lentidão, olhando-o dissimuladamente de vez em quando, com um misto de aversão e medo.

 

- Causas-me   muitos   aborrecimentos,   filha - acabou Zecca por dizer, com a boca cheia.

 

- Como?

 

- Estando ausente, a maior parte do tempo. Admiti ao   serviço   uma caixeira   e afinal   depara-se-me   uma prima donna. Custas-me uma fortuna, com a empregada em part time a que tenho de recorrer para te substituir, enquanto passas os dias no consultório de um médico qualquer.

 

- Quanto te   custo? - retorquiu   ela,   incapaz   de dominar a animosidade. - Pagas-lhe uma miséria. Utilizas mão-de-obra escrava.

 

- Com; o que rouba, tem uma remuneração principesca.   O   pessoal   é todo uma cambada de ladrões. Sobretudo, se se trata de pretos ou latinos.

 

"Olha quem fala!", apetecia-lhe replicar. Na realidade, não compreendia como ele conseguira sobreviver no Vietname, pois seria compreensível que algum companheiro de armas, irritado com os seus comentários racistas, acabasse por matá-lo.

 

- Nem todos - terminou, ao invés, por contrapor.

 

- Que sabes tu disso? De qualquer modo, ainda bem que acaba já amanhã. Não te esqueças de comparecer ao serviço às nove em ponto.

 

- Não posso, Tony.

 

- O quê?

 

- Tenho consulta.

 

- Nem penses! - rugiu   ele, desferindo um   soco violento na mesa. - Disse-te que podias ir ao raio do médico mais uma vez, para a última injecção, e foi hoje.

 

- E eu expliquei-te que ele precisava de continuar a observar-me durante mais uma ou duas semanas.

 

- Nem em sonhos! Para que precisa de te observar com tanta frequência? Para que a conta vá aumentando, aposto.

 

- Pára com isso, por favor. Trata-se de um dos melhores ginecologistas do país. Amanhã decidirá por quanto tempo mais necessita de me observar. Ainda não estou em condições de...

 

- Queres   dizer que não podes   ir para a cama comigo esta noite e proceder como qualquer mulher normal?

 

- A culpa não é   minha. Tenho de   esperar até estar curada. Hei-de perguntar ao médico...

 

- Enganas-te. Eu é que lhe vou perguntar por que me anda a bandarilhar e durante quanto tempo pensa que   isto continuará. Amanhã, iremos   vê-lo os   dois. Á que horas é?

 

Apanhada desprevenida, Nan disse a primeira coisa que lhe acudiu à cabeça.

 

- Às dez... Sim, é isso. Tenho de estar no consultório às dez da manhã. Mas não me embaraces, por favor. São doenças de mulheres e ele talvez receba os casais juntos, de vez em quando. No entanto, como não somos casados...

 

- E quem é que lhe vai dizer?

 

- Bem... eu mencionei-o, no primeiro dia. Ficou registado na minha ficha que sou solteira.

 

- Seja como for, amanhã vais à consulta acompanhada. - Zecca pôs-se de pé com brusquidão. - E agora não quero ouvir mais objecções. Mete-te na cama e tenta descansar. Hoje não te incomodo, porque quero poupar-me para amanhã à noite. Sim, então hei-de montar-te até gritares pela mamã!

 

Ao ficar só na mesa, ela afastou o prato da sua frente e perguntou-se o que poderia fazer. No entanto, mais tarde, quando enfiava a camisa de dormir, no quarto de vestir, ocorreu-lhe a solução.

 

Zecca já se deitara, quando subiu para a cama disposta a aguardar pacientemente, consciente de que ele, depois de adormecer, não acordaria antes da manhã seguinte, ainda que se registasse uma explosão.

 

Por   último,   transcorridos   uns   quinze   minutos, ouviu-lhe a respiração compassada. Esforçando-se por não produzir o menor som e abstendo-se de calçar os chinelos, dirigiu-se à casa de banho, cuja luz deixou apagada, fechou a porta e prosseguiu para o quarto de vestir, que se situava a seguir, onde acendeu um candeeiro de mesa.

 

Procurou a sua mala de viagem, abriu-a, vestiu-se apressadamente e guardou nela a roupa, calçado e outros artigos que lhe pertenciam. O produto das suas economias não lhe permitiria ir longe, nem sobreviver por muito tempo, mas bastaria até que conseguisse um emprego. Certificou-se de que o dinheiro continuava dentro do par de sapatos em que o ocultara e fechou a mala.

 

Faltava apenas fazer uma coisa. Arrancou uma folha do bloco de apontamentos e traçou algumas palavras endereçadas a Zecca, a fim de agradecer tudo o que fizera por ela e explicar que necessitava de partir, para poder singrar na vida pelos seus próprios meios. A determinação dele de interferir nas suas visitas ao médico constituíra a gota de água que fizera extravasar o copo, uma invasão à sua intimidade que não poda aceitar. Desejou-lhe felicidades, asseverou que deplorava ver-se forçada a tomar semelhante decisão e concluiu com uma fórmula corrente de despedida. Depois, serviu-se de um pedaço de fita gomada para pendurar o bilhete no espelho do toucador. Finalmente, depois de se certificar de que ele continuava a dormir pesadamente, pegou nas chaves do carro e abandonou a casa onde esperava jamais tornar a entrar.

 

Cá fora, descobriu que fazia uma noite fria, embora mais acolhedora que o ambiente do "lar" a que acabava de voltar as costas.

 

Sentou-se ao volante do Volvo que adquirira em segunda mão, ligou o ruidoso motor, responsável por uns minutos de apreensão suplementares, e carregou no pedal do acelerador.

 

Estava finalmente livre. Pelo menos, assim esperava. A liberdade tinha algo de assustador, mas havia alguém que se preocupava com ela. E esta última esperança não era menos veemente que a outra.

 

Na cozinha do seu pequeno apartamento, Gayle Miller concluiu os preparativos para o jantar íntimo com Paul Brandon.

 

Assumira uma atitude ambivalente em relação ao serão que se avizinhava. Na realidade, sentia-se demasiado pressionada pela urgência e teria preferido um encontro mais tranquilo. As sessões com Demski e Hunter na mesma tarde haviam-na deixado esgotada, embora os progressos registados em ambas fossem gratificantes. A seguir, necessitara de gastar uma boa parte do tempo para ditar os respectivos relatórios destinados ao Dr. Freeberg. Depois, visitara apressadamente o supermercado das proximidades, a fim de fazer as compras para o jantar, e por último concentrara-se na preparação de uma refeição que deplorava não poder ser mais sofisticada.

 

Terminados os preparativos, consultou o relógio e verificou que Brandon ainda deveria tardar uns vinte minutos a aparecer, tempo mais do que suficiente para cuidar da sua apresentação.

 

Uma vez no quarto, vestiu-se com meticulosidade. No exercício da profissão, preocupava-se em não usar nada de sexualmente provocante, no intuito de evitar ideias erradas aos pacientes.

 

No entanto, Paul Brandon não figurava nessa categoria. Tratava-se de um ser humano bem integrado nas suas funções, alguém que ela desejava impressionar e excitar. Por conseguinte, no caso de um encontro particular e pessoal, podia comportar-se como uma mulher apaixonada,

Nessa conformidade, optou por uma indumentária sensual: uma blusa de seda branca e arrojadamente decotada, saia curta cor de tangerina e sapatos de saltos tipo estilete. Todavia, mostrou-se moderada na utilização de cosméticos, limitando-se a aplicar um pouco mais de baton do que habitualmente. E acabava de se considerar satisfeita com o que o espelho do toucador lhe revelava, quando soou a campainha da porta.

 

Paul Brandon apresentou-se acompanhado de uma dúzia de rosas vermelhas.

 

Emocionada e satisfeita, Gayle aceitou o ramo, pousou-lhe a mão no braço com ternura para agradecer a gentileza e decidiu que não exagerava as efusões, fazendo seguir o gesto de um beijo na face.

 

- Vou pô-las num jarrão- disse, por fim, indicando as flores. - Depois, preparo bebidas. Que prefere?

 

- O que você tomar.

 

- Scotch on the rocks?

 

- Boa ideia.

 

Pouco depois, com os copos na sua frente, sentaram-se no sofá e ela disse:

 

- Sabe uma coisa? Tenho a   impressão de que somos praticamente estranhos. Jantámos juntos duas vezes e, apesar disso, quase não me inteirei de nada a seu respeito.

 

- Não se pode dizer que jantássemos. Tomámos café e pouco mais num lugar de, virtualmente, entrar e sair, ambiente pouco conducente a uma conversa em profundidade.

 

- Tem razão. Bem, agora, ao menos, estamos sós.

 

- Fale-me de   si. - Brandon   levou   o copo aos lábios. - Tem família?

 

- Nem por isso, se me permite a expressão. Meu pai morreu, quando eu era pequena e minha mãe encontra-se internada num lar, prematuramente senil. Visito-a uma vez por mês, para me certificar de que a tratam bem. Há também um irmão mais velho, que vive em Toronto e é uma espécie de mago de computadores.

 

- Ele sabe que você tem esta profissão?

 

- Mostramo-nnos muito abertos na correspondência que trocamos   e   um ou   outro telefonema ocasional. Sabe, compreende e não faz qualquer objecção, porque está ao corrente do que me   levou   a ser delegada sexual. Creio que já lhe falei do rapaz com o qual andava e acabou por se suicidar.

 

- Sim, recordo-me.

 

- Até agora, mantenho-me solteira. E você?

 

- Bem,   de   momento   vivo   só.   No entanto,   fui casado...

 

- Sim? Que aconteceu?

 

- Com uma jovem actriz de Los Angeles. Necessito de dizer mais? Ó seu verdadeiro interesse concentrava-se nela própria e no seu futuro. Mas vou poupar-lhe os pormenores escabrosos. Limitar-me-ei a referir que não apreciava o sexo em geral e eu não gostava de o fazer com ela em particular.

 

- Por conseguinte, divorciaram-se?

 

- Passado um ano. Em todo o caso, fui perseguido por uma sensação de culpa. Digamos, uma incerteza. Eu tivera aventuras e ela não. De qualquer modo, não nos entendíamos na intimidade. O disfuncional era eu, e, de certo modo, ela também. Li algures um artigo sobre um grupo de pessoas afectadas por problemas sexuais que seguiam um programa dirigido por dois psicólogos, em La Jolla, e resolvi inscrever-me. Graças a isso, apurei que o meu caso ocorria com certa frequência. No fundo, não gostava da mulher com quem tinha casado. Desejava afastar-me dela, e o corpo compreendeu a mensagem antes da cabeça. A experiência estimulou-me   o   interesse   pela   educação   sexual   e regressei ao Orégão para voltar a dedicar-me ao ensino. Mais tarde, soube que o Dr. Freeberg procurava um delegado masculino e concorri ao lugar.

 

- A profissão interessa-lhe apenas como um meio de sobrevivência?

 

- Para dizer a verdade, ainda não sei. No entanto, pressinto que se trata de algo mais.

 

- E não se engana - proferiu Gayle, aliviada. - Tem família?

 

- Na prática, não. Os meus pais divorciaram-se há uns dez anos, voltaram- a casar e quase lhes perdi o rasto. Pode dizer-se que sou uma pessoa solitária, como você.   Isso   não   significa   que   a   situação   me agrade, como prova a minha presença aqui.

 

- Por que veio? - perguntou, olhando-o com curiosidade.

 

- Porque não gosto de estar longe da sua companhia.

 

- Boa   resposta - aprovou, com um   sorriso.   Em seguida, pousou o copo vazio, levantou-se e estendeu a mão. - Vamos jantar.

 

Brandon pôs-se igualmente de pé, mas, em vez de se deixar conduzir à casa de jantar, puxou-a para si com firmeza, e ela não resistiu.

 

- A comida pode esperar, não acha? - mormurou-lhe ao ouvido.

 

- Tem alguma ideia melhor? - replicou Gayle, em voz débil.

 

- Isto. - Ele procurou-lhe os lábios e beijou-a com sofreguidão. - Tento dizer-lhe que a amo.

 

- Também   o   amo,   Paul.   Não   percamos   mais tempo...

 

- Receava...

 

- Alguma resistência? Estou ansiosa. - Ela enfiou o braço no dele. - O quarto é ao fundo do corredor.

 

Brandon seguiu-a a um aposento pequeno, mas decorado com gosto, em que se viam candeeiros artísticos nas mesas-de-cabeceira, duas cadeiras estofadas, uma das quais diante do toucador, e uma cama de casal.

 

Gayle conservou-se silenciosa, enquanto ele a despia e depois se desembaraçava igualmente da roupa. Ao mesmo tempo, apercebia-se da erecção gradual e experimentou um princípio de humidade no seu íntimo.

 

Ele cingiu-a, cobriu-lhe a boca de beijos e em seguida procurou-lhe os seios, para se concentrar nos bicos tumescentes.

 

- Sonhei   com   isto   todo   o   dia - articulou   ela, começando a puxá-lo para a cama. - Mesmo durante o trabalho.

 

- Com quem trabalhaste? - quis   Brandon saber, seguindo-a.

 

- Primeiro, com o paciente impotente de Chicago. Decorreu tudo satisfatoriamente e tive um orgasmo.

 

- Tu? - estranhou, enquanto se acomodavam   na cama. - Como reagiu ele?

 

- Teve a primeira erecção.

 

- E depois, que fizeste?

 

- Felicitei-o. Não farias o mesmo? - Ela hesitou.

- Portanto, se me achares um pouco lenta esta noite, procura ter paciência.

 

- Porquê? Também estiveste com o teu segundo paciente?

 

- O ejaculador prematuro? Sim, frequenta um tratamento intensivo.

 

- Que fizeste com esse?

 

- O habitual. Introduzi-o na técnica do apertão.

 

- Como?

 

- Francamente, Paul! Apertando-lhe o pénis antes de ejacular. Resultou.

 

- Não precisavas de ser tão descritiva - observou ele, com uma expressão circunspecta.

 

- Desculpa, querido. - Ela principiou a acariciar-lhe o pénis, que revelava indícios de amolecimento. - Vamos tratar disso. Chega-te mais para mim.

 

- Que pretendes fazer?

 

- Descontrair-te. Deixa-me aplicar-te algumas carícias faciais, para...

 

- Alto lá! Julgava que se tratava de um encontro puramente social e não de uma das habituais sessões.

 

- Com certeza, mas tentava apenas...

 

- Não me interessam os teus malfadados exercícios, esta noite.

 

- Então, vamos fazer outra coisa... Soergueu-se, pegou no pénis e começou a inclinar

a cabeça para ele.

 

- Qual é a tua ideia?

 

- Vou beijá-lo. Estou certa de que dará resultado.

 

- Beijar   isso? - Brandon   puxou-a   pelos   cabelos. -- Em circunstâncias normais, não objectaria, mas tenho a sensação de que é uma coisa que fazes correntemente com os teus pacientes. Costumas cair de joelhos diante deles?

 

- Nunca fiz isso - balbuciou Gayle, indignada. - Mas se houvesse necessidade, creio que não hesitaria.

 

- És   desprezível! - vociferou   ele,   meneando   a cabeça de repulsa. - Estás-te nas tintas para o amor acrescentou, abandonando a cama. - Só te interessa mostrar as tuas habilidades, como consegues dominar os homens. Metes-me nojo!

 

- Enlouqueceste?

 

- Sim, devia estar louco para aceitar o teu convite e pensar que uma delegada sexual podia ser uma mulher a valer - volveu, começando a vestir-se apressadamente. - Cai de joelhos com os teus pacientes ou faz o que te apetecer com eles. Comigo é que não. Lamento, mas não pode haver nada de comum entre nós.

 

Quando ela se levantou, vestiu o roupão e correu para a sala, a fim de tentar convencê-lo de que laborava num erro, era demasiado tarde.

 

A porta de entrada acabava de se fechar ruidosamente atrás dele e a sala encontrava-se deserta.

 

QUANDO acordou, de manhã, Tony Zecca ficou surpreendido ao ver que Nan não estava deitada a seu lado, circunstância pouco vulgar, pois ela, em geral, ainda dormia, à hora de ele seguir para o restaurante, Em todo o caso, recordou-se de algumas ocasiões em que se levantara mais cedo, a fim de ir fazer algumas compras para casa.

 

Não obstante, vestiu-se, sem se preocupar com a sua ausência, porque prometera chegar ao escritório a tempo de entrevistar mais duas candidatas ao lugar de caixeira. Depois, regressaria a horas de acompanhar Nan ao médico e esclarecer a situação com o explorador.

 

Uma vez vestido, dirigiu-se à sala de jantar e, de caminho, preveniu a governanta na cozinha de que lhe podia servir o pequeno almoço.

 

Sentou-se à mesa e abriu o jornal na secção desportiva, enquanto Hilda aparecia com o sumo de laranja e café fumegante, e acabava de os consumir, no momento em que ela surgiu mais uma vez, com ovos mexidos, bacon e uma torrada.

 

Principiando a devorá-los, com uma mirada ocasional aos resultados desportivos da véspera, Zecca perguntou, quase distraidamente:

 

- A que horas tomou o pequeno-almoço a minha amiga?

 

- Ainda   não   apareceu - informou   a   governanta, encaminhando-se para a cozinha.

 

Ele pousou o garfo com violência e rugiu:

 

- Espera aí! - Fez uma pausa, até que a corpolenta alemã tornou a materializar-se à entrada, - Que estás para aí a dizer? Ela nunca sai em jejum.

 

- Ninguém disse que saiu. Eu, pelo menos, não me apercebi. Acho que está por aí, algures.

 

- Pois, deve ser isso.

 

Acabou rapidamente de consumir os ovos e bacon que restavam no prato e levantou-se, disposto a seguir directamente para o restaurante, mas de súbito recordou-se de que planeara visitar a casa, a fim de recolher Nan e acompanhá-la ao curandeiro, para uma confrontação. Como não sabia a que horas a devia ir buscar, resolveu inteirar-se imediatamente.

 

A casa de banho contígua ao quarto encontrava-se fechada e Zecca abriu a porta de rompante, para espreitar, mas deparou-se-lhe deserta. A cabra devia estar no quarto de vestir. Nunca compreendera por que razão as mulheres precisavam de tanto tempo para se aperaltar, quando a única coisa que os homens pretendiam delas era despi-las e levá-las para a cama.

 

Por conseguinte, abriu a segunda porta e rugiu:

 

- Com mil diabos, Nan!...

 

O quarto apresentava-se igualmente deserto, e o instinto Impeliu-o a abrir o armário. Os cabides que costumavam conter a roupa dela achavam-se vazios. De repente, o olhar fixou-se na folha de papel colada no espelho.

 

Arrancou-a com um gesto brusco e leu as breves palavras com fúria crescente. Ela abandonara-o! A cabra dera-lhe com os pés, coisa que ninguém se atrevera a fazer-lhe!

 

Dominado pela cólera, reduziu o papel a uma bola, que esmagou na mão possante.

 

No entanto, a cólera não se achava só. Desfrutava da companhia de uma certa dose de estupefacção. Como se explicava aquele acto de Nan? Ele tratara-a sempre bem, dera-lhe um emprego e um lar e, não obstante, partira. Porquê? Não tinha lugar algum para onde ir. Não conhecia ninguém, à parte...

 

À parte o patife do médico que procurava quase todos os dias!

 

Esse pormenor e a recordação da conversa da véspera, durante a qual ela tentara dissuadi-lo de se avistar com o homem, relacionavam-se e revelavam toda a história.

 

Nan abandonara-o para ir viver com o curandeiro, com o qual provavelmente fornicava desde o primeiro dia.

 

Pois estavam muito enganados se pensavam que se safariam. Ele descobriria o homem e, quando acabasse de o triturar, perderia a vontade de voltar a embrulhar-se com as mulheres dos outros. Depois, agarraria Nan pelo cachaço e arrastá-la-ia para o lugar a que pertencia. O rumo a seguir era bem, claro e simples.

 

Havia apenas um obstáculo.

 

Quem diabo seria o médico? Zecca necessitava de se inteirar de quem merecia o correctivo, antes de se dirigir ao local e aplicá-lo.

 

Quem diabo seria ele?

 

Ela nunca se descosera, a espertalhona, tanto quanto a memória lhe permitia recordar, e tinha vontade de se zurzir com um cavalo-marinho por não se haver lembrado de a interrogar.

 

Esforçou-se por raciocinar com calma. A visita a um medico implicava um recibo, pelo que devia haver alguns em casa. No entanto, não se recordava de ver um único, quando guardava a papelada para efeitos de dedução na tributação.

 

Não, havia uma excepção. Lembrava-se de ter visto um, passado por um médico de clínica geral, no princípio das consultas, antes de Nan começar a tomar precauções.

 

Contendo a ansiedade, levantou o auscultador da extensão do quarto, ligou ao restaurante e não tardou a ouvir a voz da chefe do pessoal de mesa, que acumulava essas funções com as de gerente.

 

- Escute, Marge. Sigo já para aí, mas não disponho de tempo para receber as candidatas a caixeiras. Mande-as voltar amanhã e deixemos a estouvada que admitimos há dias continuar a roubar-nos por mais vinte e quatro horas. Preciso de tratar de um assunto relacionado com as Finanças, pelo que não quero que me incomodem.

 

Desligou com um gesto abrupto, pegou no chapéu, correu para a saída e instalou-se ao volante do seu Cadillac, a caminho do início da vingança que previa particularmente gratificante.

 

Meia hora mais tarde, no cubículo que lhe servia de gabinete de trabalho, nas traseiras do restaurante, inteirou-se da data em que Nan principiara a trabalhar para ele, consciente de que encetara as visitas ao médico pouco depois.

 

Transcorreram mais dez minutos, antes de descobrir o recibo, que sacudiu entre os dedos em ar de triunfo.

 

Assinava"o Dr. Stanley Lopez - um latino, ainda por cima - e continha a quantia paga pelo primeiro checkup.

 

O único recibo. Não havia outros, porque ela passara a utilizar dinheiro em vez de cheques ou, mais provavelmente, ele pagava-lhe por o deixar fornicar. Zecca devia ter suspeitado do género de injecções de que se tratava!

 

Com o recibo na mão, e conhecedor, portanto, do endereço do Dr. Lopez, tornou a meter-se no Cadillac e rumou à área central de Hillsdale.

 

Quinze minutos depois, arrumava o carro no parque de estacionamento de um- edifício de consultórios de seis pisos, procurou o nome do médico na relação à entrada dos elevadores e meteu-se no primeiro que apareceu.

 

Saiu da cabina no terceiro andar e deteve-se diante da porta que ostentava os dizeres: STANLEY M. LOPEZ - Clínica Geral. Encheu os pulmões de ar, impeliu-a com o punho cerrado e irrompeu numa elegante antecâmara, onde uma jovem de aspecto latino se debruçava sobre vários documentos.

 

A expressão dela alterou-se ao ver o recém-chegado, e este, pressentindo que tinha as intenções desenhadas no rosto, fez um esforço para as dissimular.

 

- Queria trocar impressões com o Dr.   Lopez a respeito da minha... da minha mulher.

 

- Ela é doente do senhor doutor?

 

- Com regularidade.

 

- Diz-me o nome, por favor.

 

- Zecca - informou   ele,   automaticamente,   mas apressou-se a rectificar: - Não, desculpe. Ela gosta de dar o nome de solteira. É Nan Whitcomb e tinha consulta marcada para hoje.

 

- Deve haver engano- replicou a rapariga, enrugando a   fronte. - O   Dr.   Lopez   não   recebe   ninguém hoje, porque participa num seminário. Tem a certeza de que a sua esposa é cliente dele? Confesso que não reconheço o nome.

 

- Absoluta - asseverou Zecca, puxando do recibo

- Certifique-se. Tenho aqui a prova de que pagou uma das consultas.

 

Ela examinou O rectângulo de papel, cada vez mais perplexa, até que se levantou com lentidão e aproximou de um ficheiro atrás da secretária, onde se agachou, a fim de puxar a gaveta de baixo. Depois de procurar por uns momentos, anunciou:

 

- Tem toda a razão. Há, de facto, uma ficha com o nome de Nan Whitcomb. Deixe-me ver...

 

Regressou à secretária com a mesma lentidão, abriu a pasta de cartolina e examinou o conteúdo com atenção. Por fim, levantou a cabeça, com um sorriso.

 

- Afinal, eu também tinha. A sua esposa não é cliente habitual do Dr. Lopez. Consultou-o apenas uma vez, para um checkup, a pedido do Dr. Freeberg, que lhe manda sempre os pacientes para um exame geral, antes de iniciar o tratamento. É a ele que deve procurar.

 

- Freeberg?   Ela   nunca   o   mencionou   na   minha presença.

 

- Talvez por acanhamento. Muitas esposas reagem assim, quando chegam a esse ponto.

 

- Que ponto?

 

- Consultar um terapeuta sexual, como é o caso de Dr. Arnold Freeberg, que dirige uma clínica da especial idlade,   na   Market   Avenue,   a   uns   cinco   minutos daqui.   A   sua esposa deve   ser   paciente   dele,   que decerto lhe prestará todos os esclarecimentos.

 

- Sim, é natural - assentiu Zecca, secamente. - D r. Arnold Freeberg, foi o que disse?

 

- Exacto. Quando sair ao nosso edifício, corte à esquerda e depois   à   direita,   mo primeiro   quarteirão. A Market Avenue principia aí. Não são mais de dez a quinze minutos a pé. De carro, uns cinco. Vou dar-lhe o endereço exacto da clínica.

 

Guardou o pedaço de papel na algibeira, murmurou algumas palavras de agradecimento e retirou-se.

 

Enquanto aguardava o elevador, tinha grande dificuldade em dominar a indignação.

 

Com que então, a sonsa da Nan rebolava-se na palha com um terapeuta sexual! Não precisava de se entregar a longas conjecturas para abarcar a situação. O Dr. Freeberg, sem dúvida um sádico da pior espécie, valia-se da natureza da profissão que escolhera para manter relações íntimas com as pacientes. E ela delirava com o tratamento!

 

Pois bem, decidiu ao entrar para a cabina, em breve teria de se preocupar com um tratamento mais prolongado. Ela e o médico, quando lhes pusesse as mãos em cima. Havia de o reduzir a picado para hamburgers e arrastaria Nan para casa numa trela, a fim de poder finalmente servir-se dela como desejava desde o princípio.

 

A primeira coisa a fazer era descobrir onde o tal Freeberg tinha alojado a amante e, depois de os surpreender em flagrante, actuaria.

 

No entanto, quando saía do elevador já traçara planos mais definidos. Reduzir Freeberg a picado para hamburgers talvez fosse castigo demasiado benévolo para o patife. Trataria de o "esgotar"... ou incumbir ia um dos rapazes que lhe deviam favores de se ocupar dele.

 

Sim, era essa a solução. Esgotá-lo.

 

"Olho por olho", como rezava a Escritura.

 

O telefonema de Roger Kile, que se intitulava advogado do D r. Arnold Freeberg em Los Angeles, surgiu no gabinete do promotor público de Hillsdale, Hoyt Lewis, às onze e um quarto daquela manhã.

 

Este último especulara ao longo da semana sobre se a chamada proviria do próprio Freeberg ou do seu representante legal e a natureza! da sua decisão. Agora, sabia que o médico recorrera a um advogado para o efeito e não tardara a inteirar-se da posição que decidira assumir.

 

- Telefono para discutirmos o ultimato que dirigiu ao meu cliente - explicou Kile. - Na qualidade de seu representante, disponho de poderes para o fazer em nome dele.

 

- Confesso que não enxergo o que há para discutir - replicou Lewis, friamente.

 

- É possível. No entanto, para me certificar de que ele escutou bem os termos do ultimato, gostaria que repetisse o que lhe disse quando o procurou.

 

- Não vejo qualquer inconveniente. Suponho que pretende gravar exactamente o que transmiti ao Dr. Fre-eberg?

 

- Decerto.

 

- Muito   bem.   No   meu   único   encontro   com   o Dr. Arnold Freeberg., informei-o de que investigara o seu emprego de   delegados   sexuais,   na   maioria do sexo feminino, a fim de coabitarem com homens em troca de remuneração. Salientei que, em face dos elementos disponíveis, a sua actual actividade de terapeuta infringia o estatuto da Califórnia, que considera o proxenetismo um delito,   e as   delegadas o artigo que encara a prostituição como uma prática ilegal. Acrescentei que, se fossem julgados e condenados, incorriam em penas de prisão que podiam ir até dez anos, no caso dele, e de seis meses no delas.

 

- É a seguir apresentou-lhe uma alternativa.

 

- assim, animado de um espírito de generosidade. Na realidade, o Dr. Arnold Freeberg não tem cadastro criminal. Trata-se da sua primeira infracção à Lei (à parte os antecedentes de Tucson), e, convencido de que ele interpretara erradamente o espírito da Califórnia, ofereci-lhe uma oportunidade de se livrar de apuros mais graves. Por conseguinte, expliquei que ninguém o incomodaria, se cessasse a utilização dos delegados sexuais e cingisse as actividades à do terapeuta comum. Por outro lado, se ignorasse a oferta e persistisse na prática actual, mandá-lo-ia prender e acusar formalmente.

 

- Permita-me que insira alguns elementos neste ponto, e fá-lo-ei com a maior sinceridade. Quando acedi a defender o Dr. Freeberg e as suas delegadas, não estava - muito familiarizado com o seu trabalho e o que a Lei determina a esse respeito. Sabia que ele actuava com a máxima boa fé e orientava as delegadas, mas subsistia   uma   remota   possibilidade no   meu   espírito. Receava que se escudasse nas suas recomendações e elas não passassem de prostitutas encobertas. Ora, a partir do momento em que iniciei as pesquisas, avistei-me com numerosas delegadas sexuais e verifiquei que existia uma diferença qualitativa entre uma delegada sexual e uma prostituta. Hoje, tenho a certeza absoluta de que se trata de actividades totalmente distintas, dos pontos de vista moral e legal. Freeberg e as suas delegadas, são pessoas que curam através de um tratamento, enquanto as prostitutas não passam de exploradoras. É óbvio que praticamente todos os promotores públicos da Califórnia e Nova Iorque conhecem essa diferença e daí a razão pela qual, em mais de vinte anos, nunca se registou uma acção legal contra um terapeuta e uma delegada.

 

- Em particular, porque o clima moral deste país nunca se tinha deteriorado tanto - replicou Lewis. - Agora, atingiu um dos seus pontos mais baixos e quero contribuir para pôr termo à situação. O processo de limpeza tem de principiar em algum lugar e decidi que seria aqui. Repito que não descortino uma distinção clara entre um proxeneta e as suas prostitutas e um terapeuta sexual e as suas delegadas. As investigações demonstrarão a inexistência de uma diferença definida e quando eu terminar a minha campanha nenhum Estado da União permitirá a utilização de delegados de qualquer sexo.

 

- Mas reconhece, sem dúvida, que há uma vasta diferença de motivação e comportamento entre uma delegada e uma prostituta comum? - insistiu Kile.

 

A voz do promotor endureceu:

 

- Não   reconheço   coisa   nenhuma.   Aliás,   estou familiarizado com   os   argumentos   apresentados,   e   o D r. Freeberg expô-los com a maior eloquência. Na minha maneira de ver, carecem de bases   sólidas e serão desmoronados no tribunal. Uma delegada actua tanto à margem da Lei como uma frequentadora das ruas...

 

- Perdão, eu considero-a dentro da Lei, pois actua sob a orientação de um terapeuta profissional, na qualidade de adjunta ou assistente.

 

- Lamento,   mas   discordo.   As   delegadas   do Dr. Freeberg, dedicam-se, por instigação dele, a práticas sexuais libidinosas em troca de uma remuneração. São prostitutas encapotadas, por assim dizer, coisa que não estou disposto a tolerar em Hillsdale. - Lewis fez uma pausa. - Não vislumbro qualquer vantagem no prosseguimento deste debate. Apresentei uma alternativa razoável ao Dr. Freeberg: plena liberdade de continuar a sua actividade sem recorrer a delegadas sexuais ou acusação de proxenetismo e prostituição, se persistir em servir-se delas. Suponho que telefonou para me comunicar a decisão dele?

 

- Exacto.

 

- Qual é?

 

- Na minha qualidade de representante legal do Dr. Arnold Freeberg, estou autorizado a informar que, em virtude de nos acharmos convencidos de que actua dentro da Lei, prosseguirá as suas actuais actividades, com o recurso a delegadas sexuais.

 

O promotor não previra concretamente que seria aquela a decisão. Na realidade, pensava que Roger Kile expusera a sua frágil argumentação em nome do cliente, esperançado em o levar a ponderar melhor a possibilidade de recorrer aos tribunais e, quando o panorama se apresentasse mais tarde, aceitaria as alternativas oferecidas. Afinal, as coisas deparavam-se muito mais prometedoras do que imaginara.

 

- Diz que ele tenciona prosseguir com as actuais actividades? É a sua decisão final?

 

- Exacto.

 

Apetecia-lhe dizer É o funeral dele, mas lembrou-se a tempo de que a conversa estava a ser gravada e, ao invés, proferiu:

 

- Nesse caso, creio que nada tenho a acrescentar, a não ser que voltaremos a ver-nos no tribunal.

 

- Se conseguir que algum magistrado considere os   seus elementos   justificativos   de   um processo. - retrucou Kile, com suavidade.

 

- Garanto-lhe que não tenho a mínima dúvida a esse respeito.

 

Uma hora mais tarde, o promotor público, Hoyt Lewis, tinha Josh Scrafield sentado na sua frente.

 

- Lamento   interromper-lhe o trabalho,   reverendo, pois sei que é uma pessoa muito atarefada, mas como se trata de Freeberg e os seus delegados...

 

- Nada me preocupa mais do que este assunto. Aquele curandeiro está a poluir a nossa comunidade.

 

- Como sabe, ofereci-lhe uma alternativa - esclareceu Lewis. - O advogado dele acaba de telefonar para comunicar a decisão.

 

- E?... - articulou Scrafield, inclinando-se para a frente na poltrona.

 

- O Dr. Freeberg decidiu ignorar a minha oferta. Tenciona continuar com a utilização dos delegados.

 

- Vai prosseguir com a sua prática pecaminosa?

- bradou o outro, com uma inflexão de prazer.

 

- E nós vamos para a frente com o nosso plano volveu o promotor, calmamente. - Mover-lhe-emos um processo em toda a extensão da Lei.

 

- Proxenetismo e prostituição - murmurou o reverendo, humedecendo os lábios. - Não podemos perder. Começaremos a fazer rufar os tambores em seu favor, assim que nos der luz verde. Ganhará o processo e desfrutará de todas as vantagens inerentes à vitória, Hoyt. É o acontecimento mais grandioso que se nos podia deparar. O pleito contra o Dr. Freeberg está ganho por sua natureza.

 

- Também   estou   convencido disso.   No   entanto, tudo depende da sua testemunha principal.

 

- Chet Hunter? Não se apoquente com ele. Tornou-se paciente de Freeberg e passa os dias na clínica ou noutro lugar qualquer com uma jovem chamada Gayle Miller.

 

- E sujeita-se ao tratamento?

 

- Ele garante que sim. Não o voltei a ver desde a nossa reunião aqui, mas conversamos pelo telefone com regularidade.

 

- Suponho que mantém um relatório escrito das... hum... actividades?

 

- Sim.   Uma   espécie de diário.   Regista tudo no papel.

 

- Excelente - aprovou Lewis. - É altura de voltarmos a falar com ele, para vermos o que apurou. - Levantou-se de trás da secretária. - Falta ainda obter provas do elemento fulcral. - Mudou de tom para salientar o que disse a seguir. - Refiro-me à prática de relações sexuais. A partir do momento em que tal acontecer, singraremos de vento em popa. Acusarei Freeberg e Gayle Miller imediatamente. Quando Hunter nos comunicar que o coito se consumou, deverá estar preparado para nos entregar a gravação da respectiva sessão. Creio que utiliza um gravador?

 

- Com certeza. Recebeu instruções pormenorizadas nesse sentido.

 

- A gravação é indispensável para corroborar as suas declarações   no tribunal. - Mostrou-se momentaneamente apreensivo. - Acha-o capaz de se desenrascar? Como pensa proceder?

 

- Nas suas pesquisas habituais, serve-se de um gravador miniatura activado pelo som da voz, que oculta no bolso do peito do casaco. Pode estar certo de que captará todos os pormenores do... acto.

 

- Basta-me isso para esmagar a oposição - declarou, mais confiante. - Logo que ele tiver a sessão do coito registada no seu diário, confirmada pela gravação, deverá informá-lo e o reverendo a mim. A seguir, prenderei e acusarei formalmente Freeberg e Gayle Miller. Convém, pois, que contacte com Hunter o mais depressa possível, para se inteirar da situação.

 

- Se ele estiver em casa, falar-lhe-ei imediatamente.

- Scrafield   pôs-se   também   de   pé. - Parabéns,   Mr. Lewis. Como disse há pouco, singramos de vento em popa.

 

Cerca de uma hora depois, o reverendo Scrafield encontrava-se sentado na desconfortável poltrona do apartamento de Chet Hunter e contemplava o que o rodeava com mal dissimulada reprovação.

 

- É aqui que se encontra com ela? - acabou por perguntar.

 

- Com ela? - repetiu Hunter, instalado na poltrona em frente. - Ah, refere-se a Gayle Miller?

 

- À prostituta contratada por Freeberg. Ela vem aqui?

 

- Não.   Encontramo-nos   num   apartamento   muito jeitoso que alugou a uns vinte minutos de minha casa.

 

- É melhor dar-me o endereço, para Hoyt Lewis o poder utilizar imediatamente, no momento oportuno.

 

Não sem certa relutância, inscreveu a morada num pedaço de papel que entregou ao interlocutor.

 

- Onde são as sessões? - quis saber este último, com um breve olhar ao papel. - No quarto?

 

- Não. Na sala de terapia.

 

- Na quê?

 

- Um aposento que ela preparou para demonstrar os exercícios, uma espécie de meio escritório, meio sala social, com um sofá e um tapete para nos deitarmos.

 

- Já se pôs nela?

 

- Bem... - Hunter hesitou. - Por que não lê o que temos feito? - Pegou num maço de folhas dactilografadas, que estendeu a Scrafield. - Mantenho um registo minucioso das nossas actividades juntos. No final de cada exercício, venho para casa anotar tudo o que se passou. Na verdade, bati à máquina mais três páginas esta manhã, pelo que as vinte e uma que tem na mão estão actualizadas. Sugiro que as consulte para saber...

 

- A única coisa que sei é que o promotor público está ansioso por que você complete o trabalho. Quer actuar o mais depressa possível e incumbiu-me de averiguar em que ponto se encontram as suas diligências.

 

- O material que tem aí sobre as sessões diárias com Gayle Miller fornece um panorama elucidativo da situação.

 

- Está bem. Vou ler.

 

- Entretanto, posso fazer café.

 

- Sim, é uma boa ideia - assentiu Scrafield, já debruçado sobre o relatório.

 

Hunter dirigiu-se à pequena cozinha, dominado por certa apreensão sobre a reacção do reverendo ao tomar conhecimento pormenorizado do que se desenrolava nas sessões.

 

Por fim, regressou à sala com duas chávenas fumegantes, que pousou na secretária. No entanto, Scrafield ignorou o café e continuou imerso na leitura e Hunter sorveu o seu, esforçando-se por não olhar a expressão do visitante.

 

Escoaram-se dez minutos e, por último, o reverendo chegou ao fim e colocou as folhas sobre os joelhos.

 

- Tenho de confessar que isto não passa de um estendal de baboseiras - anunciou, com um olhar glacial.

 

- Não compreendo.

 

- Quero eu dizer que não serve para nada. Vou exprimir-me com mais clareza. Uma vez, li algures que só um crime se reveste de importância. Não é roubar jóias ou praticar um desfalque, mas o homicídio. O mesmo se aplica aqui. Se se pretende provar que existe prostituição, não são os pormenores marginais, por muito escabrosos, que contam, mas o coito. Ora, não vejo nada que se pareça com isso, nos seus apontamentos.

 

- Bem, tudo o que escrevi faz parte dele - alegou Hunter, na defensiva.

 

- Para mim, não, nem para Hoyt Lewis, aposto. - Scrafield   tornou   a   pegar no   relatório   e começou   a folheá-lo. - Na realidade, que temos aqui? Carícias manuais, carícias faciais, carícias nas costas,   imagismo corporal, carícias nas costas, mais imagismo corporal, alguns apalpanços, mas omitindo os órgãos genitais, etc., etc. Tudo somado, que nos proporciona? Um monte de esterco inútil. No tribunal, só interessará a resposta a uma pergunta: pôs-se nela? Por que não o fez ainda? Por que não o faz?

 

- Como sabe, consegui ser admitido na clínica porque aleguei que tinha um problema. - Hunter notou o aparecimento de transpiração abundante na fronte.

 

- Não há problema que uma boa penachada não resolva. Está a dizer-me por outras palavras que não consegue pô-lo de pé?

 

- Consigo e já o pus.

 

- Então, de que está à espera?

 

- Tenho de obedecer ao regulamento. Há regras na terapia, e devem ser cumpridas.

 

- Quem se preocupa com regras, num caso destes?

- A   expressão   do   reverendo   era de   profundo   desagrado. - Você tem essa garota atraente (diz aqui que é muito jeitosa) ao seu dispor, despida, deitada na cama, e, em vez de a montar, entretém-se com carícias! Ela está habituada a ter o membro masculino dentro. Por conseguinte, pare de uma vez com os rodeios!

 

Hunter transpirava agora livremente. Não queria revelar que efectuara uma tentativa frustrada, nem discutir a técnica do apertão que Gayle considerara necessário empregar com ele.

 

- Estamos a avançar - aventurou em voz algo trémula. - Espero ter relações sexuais com ela amanhã.

 

- Com certeza?

 

- É o que figura a seguir no programa.

 

- Pode garantir-mo?

 

Engoliu em seco antes de articular:

 

- Sem dúvida.

 

A expressão quase granítica de Scrafield abriu-se num simulacro de sorriso.

 

- Óptimo. - Pôs-se de pé e sacudiu a mão em que segurava   as   folhas   dactilografadas. - Tire   fotocópias disto e leve-as ao promotor. De caminho, comunique-lhe que disporá da prova suprema gravada a todo o momento.

 

- Depois de amanhã.

 

- Excelente. No momento em que ele possuir a sua declaração escrita de que deporá no tribunal, mandará prender Freeberg e Gayle Miller. - Deu uma palmada amigável no ombro de Hunter. - Já agora, desfrute o mais possível com ela... antes de a pormos fora da circulação.

 

Enquanto se despia no quarto, com Nan Whitcomb já desnuda na cama, de olhos extasiados fixos nele, Paul Brandon não conseguia concentrar-se no trabalho imediato a efectuar. Tinha a mente ocupada por Gayle e a sua própria conduta estúpida, ao voltar-lhe as costas, na noite anterior. Assolava-o uma sensação de culpa e receava ter posto termo irremediável a um relacionamento que prometia cimentar-se e perdido para sempre uma mulher que na verdade amava. Continha-se com dificuldade de lhe telefonar, para averiguar se se sentiria disposta a tornar a vê-lo.

 

Entretanto, acabara de se despir e compreendeu que Nan aguardava que tomasse a iniciativa.

 

E ele sabia bem no que consistia o exercício seguinte.

 

Penetração.

 

Conservou-se imóvel, receoso de actuar. Antes de mais, com o pensamento concentrado em Gayle, preocupava-o vagamente o receio de não conseguir uma erecção com Nan. No entanto, ao observar-lhe a expressão do olhar, compreendeu que não era isso que temia, mas a possibilidade de, na eventualidade de praticarem o coito sem problemas e com prazer mútuo, ela tomar o facto por uma prova de amor. Se tal acontecesse, surgiria na verdade um problema complexo.

 

- Preocupa-o alguma coisa? - acabou Nan por perguntar.

 

- Estou a pensar no que vamos fazer a seguir.

 

- O que é?

 

Brandon perguntou-se se conviria tentar ganhar tempo, até dispor do ensejo de decidir o possível resultado do coito com ela.

 

Instintivamente, desejava ponderar o assunto sem precipitações susceptíveis de conduzir a um desaire.

 

- Acho que devíamos repetir o último exercício, para analisarmos melhor a nossa reacção.

 

- O toque genital, outra vez? - Ela não conseguia dissimular o desapontamento. - Hoje não tínhamos de fazer uma coisa nova?

 

- Não forçosamente. Aliás, não foi nada mau.

 

- Foi maravilhoso, Paul - apressou-se a afirmar. - Não me importo de o repetir.

 

- Talvez tenha um novo orgasmo. Não é o nosso objectivo, mas não há inconveniente, se lhe apetecer.

 

- De facto, apetece-me, mas ainda é melhor se você também tiver um. Da outra vez, creio que lho cortei.

 

- Veremos - proferiu ele, em voz neutra, reunindo-se-lhe na cama.

 

Aproximaram-se do meio e viraram-se um para o outro, de olhos abertos. Em seguida, Brandon pegou num frasco e aplicou óleo no corpo dela, evitando o monte de Vénus, após o que lho entregou e indicou que lhe fizesse o mesmo. Nan procedeu com meticulosidade, efectuando um cuidadoso desvio na área genital, mas quando completou a operação, ele notou que os seios arfavam mais rapidamente. Pretendia que a sessão fosse lenta e prolongada, porém o desejo óbvio dela de ser tocada indicava que teria de ser substancialmente abreviada.

 

- Vamos lá, então, ao exercício. Quer que proporcionemos prazer um ao outro simultaneamente, como da última vez, ou prefere proceder por turnos?

 

- Por turnos - decidiu ela, sem hesitar. - Concentro-me melhor. Pode começar você, se não se importa.

 

- Absolutamente nada. Por sinal, até é preferível dessa maneira. Deite-se de costas, feche os olhos e dê livre curso às sensações.

 

- Muito bem.

 

Em seguida, Brandon debruçou-se sobre ela e, principiando pela cabeça, fez deslizar os dedos ao longo da face, pescoço, ombro e seios, cujos bicos se achavam apontados agressivamente.

 

No momento em que começou a acariciar o estômago, registou-se um som quase inaudível, que ele atribuiu a um gemido. Os dedos penetraram na vagina e, de súbito, ela ergueu os joelhos e abriu mais as pernas.

 

- Não aguento mais...

 

Os dedos passaram a exercer pressão, até que moveu o corpo num arco e exclamou:

 

- Paul, Paul! - Uma pausa e explodiu: - Estou a vir-me!

 

Brandon colaborou na medida do possível e, quando o longo orgasmo cessou, Nan afundou-se na cama, inerte, enquanto tentava recuperar o fôlego.

 

Ele aguardou o momento e completou o exercício até alcançar os pés, sem que ela se movesse, o que se lhe afigurou vantajoso, pois não desejava envolver-se demasiado com aquela paciente.

 

De repente, porém, soergueu-se e abriu os olhos.

 

- Obrigada, Paul - murmurou, inclinando-se para ele e beijando-o. - Queria que desse livre curso às sensações e foi o que aconteceu. - Impeliu-o para trás e acrescentou: - Agora, sou eu e espero que sinta o mesmo.

 

Abstendo-se de replicar, porque na realidade não estava bem certo do que devia dizer, ele colocou-se na posição apropriada.

 

No instante imediato, depois de fechar os olhos, sentiu a mão ávida começar a percorrer-lhe o corpo.

 

- Você é extraordinário... - sussurrava ela.

 

Ele esforçou-se por imaginar que era Gayle que lhe falava, Reviu-a despida e irresistível como na véspera e, de repente, regressou à realidade para se aperceber do fenómeno: o pénis tumefacto erguia-se como um poste de iluminação.

 

Nada o podia conter. Encontrava-se fora do seu domínio.

 

A mão dela circundou-o e principiou a friccioná-lo.

 

Brandon   não   sabia   quantos   minutos   se   tinham escoado. Cinco ou seis, ou porventura mais. No entanto, pareciam uma eternidade de prazer, e apetecia-lhe alcançar o clímax.

 

. - Nan... eu... eu...

 

--Eu sei, querido - murmurou ela, acelerando o movimento da mão.

 

A explosão surgiu finalmente e seguiu-se um período de aturdimento.

 

Quando voltou a dar acordo de si, ele viu que Nan se achava deitada a seu lado e o abraçava.

 

- Foi maravilhoso... - ciciou ela. - Simplesmente maravilhoso.

 

- Você também.

 

- Sentia-me mais perto de si que nunca.

 

- Era a minha esperança.

 

Brandon fixou o olhar no tecto e ela conservou-se silenciosa por uns momentos, entretida a contemplá-lo, até que disse em tom hesitante:

 

- Queria falar-lhe de uma coisa, Paul.

 

Ele não se sentia muito tentado a inteirar-se de que se tratava, mas assentiu com um movimento de cabeça.

 

- Deixei Tony Zecca - informou ela, como se lhe anunciasse um presente. - Não aguentava mais e saí de casa, ontem à noite, quando ele dormia.

 

como Deixou-o? --repetiu   Brandon,   subitamente   interessado.

 

- Como você sugeriu uma vez.

 

-Mas eu... - Hesitou, sem saber o que dizer. - Para onde foi?

 

- Procurei-o para que me indicasse um hotel, mas você não estava em casa.

 

- Sim,   tive de   sair - admitiu,   recordando-se da cena desagradável com Gayle.

 

- Acabei por telefonar ao Dr. Freeberg, que teve a gentileza de me reservar um quarto no Excelsior, perto da clínica.

 

- Ainda bem. Sentou-se na cama e ela imitou-o.

- E a respeito de dinheiro?

 

- Tenho o suficiente para me aguentar umas semanas. Depois, procurarei trabalho.

 

- Há-de arranjar alguma coisa - profetizou   Brandon, abandonando a cama.

 

- Paul...      

 

- Sim?

 

- Se quiser, posso ficar consigo, esta noite. Agradava-lhe?

 

- Com certeza que me agradava estar consigo aquiesceu com prontidão. - Infelizmente, não é permitido. O Dr. Freeberg despedia-me, se soubesse. De resto, mesmo que eu quisesse infringir o regulamento, esta noite não podia. Tenho um... um compromisso.

 

- Compreendo... - O desapontamento de Nan era evidente.

 

- Mas voltaremos a ver-nos amanhã à tarde, para o próximo exercício.

 

- Tem razão. Não me esquecerei. - Pareceu um pouco mais animada, - Em que consiste?

 

- Penetração. - O termo brotou dos   lábios dele com dificuldade. - Se se sentir com disposição, claro

- apressou-se a acrescentar.

 

- Consigo, sinto disposição para tudo, Paul. Tudo. Poucos minutos depois de ela se retirar, Brandon

 

pegou no telefone e marcou um número, esperançado em encontrar Gayle em casa.

 

E, após escassos instantes, verificou que não se equivocara.

 

- É Paul - anunciou ele, em tom compungido. De chapéu na mão. Quero pedir desculpa do meu comportamento de ontem à noite. Fui de uma grosseria e estupidez inconcebíveis.

 

- Ainda bem que telefonaste - replicou ela, com gravidade. - Estive todo o dia a pensar em nós e senti-me quase tentada a ligar para tua casa. Também não me portei de modo muito razoável.

 

- Quando posso voltar a ver-te? O mais depressa possível.

 

- Queres que passe por aí?

 

- Quando?

 

- Só depois do jantar, pois prometi comer com duas das nossas colegas. Talvez por volta das dez. Ou será muito tarde?

 

- Nunca é muito tarde.    

 

- Então, fica combinado. dá-me o endereço. Estou ansiosa por esse momento.

 

Quando se apresentou no apartamento, Gayle foi acolhida por Brandon com um abraço e beijos. Em seguida, desprendeu-se e contemplou a sala.

 

- Não está mal, para um delegado sexual em luta por um futuro melhor. Gosto daquelas litografias de Giacometti nas paredes.

 

- Pareceram-me apropriadas ao ambiente.

 

- São autênticas?

 

- Não,   reproduções.   Tenho   lá   dinheiro   para   as autênticas! Estou muito contente por te ver aqui, Gayle.

 

- Trouxe-te uma coisa, uma oferta de paz - anunciou ela, com um sorriso. - Creio que já assinámos a paz, mas gostava que a aceitasses.

 

- Que é?

 

- A chave de minha casa - Enformou, entregando-lha. - No   nosso próximo encontro, se chegares   primeiro, podes entrar e preparar-te para mim. - Indicou o roupão de banho que ele usava. - Vejo que, hoje, já estás preparado. O que há por baixo?

 

- Apenas eu. Sem camuflagem.

 

- Não te quero ficar atrás. Onde é o quarto? Brandon acompanhou-a e, à entrada, observou:

 

- É demasiado modesto para ti.

 

- Costumas utilizá-lo?

 

- Para quê?

 

- Para a tua paciente. Eu tenho uma sala de terapia especial e reservo o quarto para as pessoas como tu.

 

- Sim, fazemos os exercícios aqui.

 

- Como vai o tratamento dela... como se chama?

 

- Nan.

 

- Revela   progressos? - perguntou   Gayle,   começando a desabotoar a blusa.

 

- Penso que sim. Sofria de vaginismo, mas creio que principia a descontrair-se um pouco.

 

- Ainda não tens a certeza? - insistiu, desembaraçando-se dela.

 

- Espero tê-la após a próxima sessão.

 

- Penetração?

 

- Exacto.   Mas há um   problema que me enerva levemente. - Ele enrugou a fronte. - Não sei bem como actuar.

 

- Qual é?

 

- Bem, para dizer a verdade, receio que ela se tenha apaixonado por mim. Abandonou o amante (e fez muito bem, porque era um patife) e hoje ofereceu-se para ficar comigo.

 

- É proibido.

 

- Foi o que lhe expliquei.

 

- Refiro-me também   ao resto. - Gayle   levou   as mãos às costas para soltar o fecho do soutien. - Não podes permitir que uma paciente se enamore de ti.

 

- Acredita que não a entusiasmei. Apesar disso, vejo que está a acontecer. É uma moça simpática e a situação causa-me certo desconforto, pois não sei como enfrentá-la.

 

- Talvez   não te mostres   suficientemente profissional.

 

- Esforço-me o possível.

 

- Pode não ser o bastante. Quem sabe se te compadeceste dela? - Fez uma pausa. - Que razão levou a tua Nan a abandonar o amante?

 

- Não posso dizer que ficasse contrariado. Julgo mesmo que a encorajei. À avaliar pelo que me contou, o homem é um animal, e não me admirava que fosse a causa da deficiência dela. De qualquer modo, mandou-o passear. Ou melhor, ela é que foi passear.

 

- Por que a encorajaste? - volveu ela, que ainda não tirara o soutien. - Dá-me a impressão de que não procedes da melhor maneira. Penso mesmo que devias expor o assunto ao Dr. Freeberg.

 

- Que pode ele fazer?

 

- Tirar-te   a   paciente   das   mãos,   por   exemplo. Conheço-o o suficiente para saber que nunca permitiria que um delegado se envolvesse emocional mente com uma paciente.

 

- Eu não estou envolvido - declarou Brandon, com ar resignado. - Quem está é ela.

 

- Então, ela. Mas deixaste-a ficar embeiçada por ti sem tomares medidas para o evitar. O Dr. Freeberg não permitiria que uma coisa dessas acontecesse ou, pelo menos, evitaria que prosseguisse. Falaste-lhe nisso?

 

- Não.

 

- Tens de lhe dizer - reiterou ela, acercando-se um passo. - É teu dever.

 

- Achas realmente que me retirará a paciente?

 

- Sem a menor hesitação.

 

- Mas a terapia ainda não está concluída.

- Ele encontrará alguém para a completar.

 

- Sou o único delegado masculino da clínica.

 

- Garanto-te que encontrará outro para a tua Nan.

 

- Não gosto da ideia. - Brandon meneou a cabeça com veemência. - A minha substituição nesta altura do tratamento pode afectá-la seriamente.

 

- O Dr. Freeberg tem larga experiência da situação como essa. Deves a ti próprio, a ele e a ela revelar-lhe o que se passa.

 

- És   capaz   de   ter   razão - concedeu,   com   um encolher de ombros. - Custa-me proceder como indicas, mas de facto parece não haver qualquer alternativa.

 

- Óptimo - aprovou Gayle, com satisfação. - Bem, vejamos se consigo animar-te um pouco.

 

Tirou o soutien, e os seios quase saltaram em direcção a Brandon, que se apressou a cingi-la e beijar os bicos.

 

- És fantástica - murmurou, ofegante, ao mesmo tempo que a apertava.

 

- Não estou a sentir nada em ti - queixou-se ela, desprendendo-se. - Toca a despir o roupão. - Fez uma pausa, enquanto ele a comprazia, e contemplou o pénis flácido. - Que se passa, querido? Não te apetece?

 

- Sem dúvida que apetece. Só que...

 

- Só que?... - inquiriu, com curiosidade crescente.

 

- Não te quero mentir. Tive um orgasmo esta tarde, mas se me concederes algum tempo...

 

- Tiveste um orgasmo... quando estavas com Nan? --perguntou, apressando-se a cobrir os seios com as mãos e exibindo uma expressão de   incredulidade. - Com Nan?

 

- Deixa-me explicar. Dedicávamo-nos ao prazer não-retribuível...

 

- Chamas a isso não-retribuível?

 

- Apesar de respeitarmos rigorosamente as regras, excitei-me e... Bem, ela teve um orgasmo ontem, durante a sessão, e quis que eu também...

 

- Por   conseguinte,   deste   livre   curso   aos   teus impulsos!

 

- Não queria, mas foi-me impossível evitá-lo.

 

- O tanas! Desejavas era que a rapariga que te ama te satisfizesse o apetite, porque também a amas.

 

- Pára com isso, por favor. Juro-te que tiraste conclusões erradíssimas. Ela não me interessa absolutamente nada...

 

- Nem tu a mim - cortou Gayle, apertando o fecho do soutien. - Deixas outra mulher estimular-te e agora pretendes que aguarde pacientemente a minha vez na bicha. - Fez uma pausa para enfiar a blusa. - Nem em sonhos, meu amigo!

 

- Palavra de honra que não necessitas de ter ciúmes de ninguém! - bradou ele, segurando-lhe os braços.

 

- Quem é que tem ciúmes? Não passo de uma antiquada monógama. Um homem, uma mulher. É assim que tenciono viver a minha vida. Não preciso de um polígamo para me complicar a existência. Passa muito bem!

 

Com estas palavras, ela encaminhou-se para a porta com passos firmes e abandonou o apartamento.

 

Foi uma noite agitada para Gayle.

 

Quando regressou a casa, deitou-se, mas não conseguiu adormecer. Assolavam-lhe o pensamento fantasias sobre a ligação não podia considerar sessões de terapia os encontros que mantinham de Paul com a mulher chamada Nan. Embora não fizesse a menor ideia do aspecto desta última ou do seu comportamento, conjurava repetidamente a imagem de mais atraente do que ela e mais espontaneamente condescendente.

 

Enquanto se voltava na cama, em busca de uma posição que lhe permitisse conciliar o sono, continuava dominada pelas fantasias. Os órgãos genitais de Nan eram mais bonitos, perfeitos, mais admiráveis que os seus e Paul adorava-os. E os orgasmos deviam ser igualmente melhores, assim como o que ele tivera, induzido por ela, e Gayle reconhecia a impossibilidade de competir com um amor de semelhante natureza.

 

À medida que a noite se escoava, esforçava-se por banir as fantasias e substituí-las pela razão. Nan não era uma mulher normal como ela. Encontrava-se com Paul, porque necessitava de ser tratada de deficiências que a afligiam e Gayle não conhecia. Paul simpatizava com a paciente, dispensava-lhe mesmo algum afecto, mas reservava todo o seu amor para Gayle.

 

As suas fantasias não faziam sentido. O amor e devoção não se situavam na área da virilha, mas no coração. Paul amava-a do coração, como ela a ele. O problema não consistia em Nan ou nesta e Paul, mas no ciúme de Gayle. Sim amava-o o suficiente para se sentir despeitada, se soubesse que concedia uma parte de si próprio a outra mulher. Ela sabia desde as primeiras sessões com o Dr. Freeberg que o ciúme resultava de uma insegurança básica, uma questão terapêutica de que ela se supunha livre. Esperar um relacionamento totalmente monógamo era irrealista, porque a monogamia absoluta não podia existir. Os homens olhavam para outras mulheres e as mulheres para outros homens. Havia breves namoros discretos e até algo mais. No entanto, isso não invalidava o seu amor dominante por um único companheiro. Assim, Paulo podia permitir-se um pequeno devaneio com Nan, sem que deixasse de conservar Gayle no coração como alguém que a estimava acima de todas as outras mulheres.

 

Chegada a esta conclusão, sentiu-se mais descontraída e sonolenta, até que, já perto da alvorada, adormeceu.

 

Quando acordou, com o sol bem alto, e viu as horas, descobriu que se deixara dormir. Não muito, mas costumava levantar-se mais cedo. Depois de desanuviar as ideias, congratulou-se por ter conseguido descansar, pois necessitava de todas as energias.

 

Com efeito, aguardava-a um dia cansativo. Primeiro, Adam Demski, ao entardecer e, ao serão, Chet Hunter. Em ambos os casos, o exercício a efectuar era a penetração, sem dúvida crucial e importante.

 

Recordou-se, porém, de que também se revestia de particular importância esclarecer a situação com Paul Brandon.

 

Sabendo que costumava levantar-se tarde, calculou que ainda o apanharia em casa e estendeu a mão para o telefone.

 

A campainha tocou três vezes do outro lado da linha e, por fim, surgiu a voz dele, embora um pouco rouca.

 

- É Gayle, Paul. Acordei-te?

 

- Acordaste, mas ainda bem, porque...

 

- Deixa-me dizer uma coisa, primeiro. Estou abjectamente envergonhada e peço-te mil desculpas. Portei-me de forma imperdoável, ontem à noite, e agora posso confessar porquê. Tive ciúmes avassaladores. No entanto, creio que não se justificavam. Engano-me?

 

- Amo-te mais do que a qualquer outra pessoa do mundo, Gayle.

 

- Posso afirmar o mesmo a teu respeito, Paul. Apareces, esta noite, para fazermos as pazes?

 

- Que alguém tente impedir-me!

 

- Às nove e meia? Fico a contar os minutos com ansiedade.

 

Estavam deitados no tapete, ao lado um do outro, desnudos, e Gayle apoiou o cotovelo na almofada e resolveu exprimir-se sem rodeios.

 

- Se está interessado em saber o que segue, é a penetração. - Fez uma pausa e viu-o enrugar a fonte com apreensão. - Não será a única tentativa, pois haverá outra... ou talvez mais duas. Não quero que se enerve e comece a encarar-se como um artista que não pode falhar.

 

- Julga-me capaz?...

 

- Penso que sim. É por isso que vamos executar o exercício. Serei o parceiro dominante, o de cima. Chama-se penetração gradual de enchimento.

 

- Enchimento? - ecoou ele. - Que quer?...

 

- Deixe-me explicar... A maioria dos homens supõe que para consumar o coito tem de conseguir uma erecção dura como o granito. Ora, isso não corresponde de modo algum à realidade.

 

- Não?

 

- Vou confiar-lhe um segredo, Adam. Até se pode consumar com o pénis quase flácido. Basta cinquenta por cento, e não cem, de tumefacção. Muitos homens preferem a posição missionária, com eles por cima, por ser mais macho. No entanto, comigo por cima, estarei mais bem situada para orientar o que segue. Posso recorrer à gravidade, em vez de actuar contra ela. Principiaremos, pois, pela penetração mole. Na próxima ocasião ou na outra, passaremos à dura, consigo na posição dominante. Mas agora sou eu por cima.

 

- Não sei se...

 

- Sei eu. Resolveu a sua impotência, porque aconteceu na minha presença. Tenho a certeza de que pode experimentar prazer e sensualidade e proporcionar-me igualmente a satisfação. Deixemo-nos de ideias tenebrosas. Vou pedir-lhe que me beije os seios e faça deslizar as mãos pelo corpo e a seguir acaricio-o todo, incluindo os órgãos genitais. Quando o julgar preparado, digo-lhe.

 

A resignação que o semblante de Demski exibira até àquele momento, foi substituída por interesse e curiosidade.

 

Gayle reclinou-se na almofada e indicou:

 

- Toque-me nos seios, beije-os e ao resto do corpo. Ele   soergueu-se   e   principiou   a   comprazê-la,   ao

mesmo tempo que ela lhe acariciava as faces e peito. Por fim, começou a entreter-se com os testículos e pénis.

 

A pouco e pouco, notou que este último se dilatava, não para alcançar uma erecção completa, mas não subsistiam dúvidas de que aumentava de tamanho.

 

Quando o julgou suficientemente estimulado, decidiu:

 

- Agora, deite-se e não se mexa.

 

Aguardou que ele obedecesse e colocou-se-lhe em cima, pegando no pénis com uma das mãos e orientando-o para a vagina. Com lentidão e cuidado, introduziu-o na vulva e sentiu a pequena haste no seu íntimo.

 

- Lembra-se do Relógio, Adam, quando moveu o dedo dentro de mim? Agora, é o pénis.

 

- Não tenho bem a certeza de estar dentro de si.

 

- Vou   provar-lhe que está. - Ela tentou contrair os músculos vaginais interiores. - E agora?

 

- Nem se pergunta!

 

- Nada de movimentos. Este exercício destina-se apenas a demonstrar que pode entrar em mim. A verdadeira finalidade resume-se a habituar-se a ser suficientemente potente para me penetrar, introduzir e manter o pénis dentro de uma vagina numa situação não-ameaçadora, nem retribuível. A ideia fundamental reside em convencer-se de que pode alcançar uma erecção suficiente para penetrar uma mulher e manter o pénis erecto. Como é a sensação?

 

- Boa, muito boa.

 

Embora tentasse ensinar aos seus pacientes que não se isolassem da situação, Gayle esforçava-se por permanecer alheia naqueles instantes, a fim de poder ser uma espectadora das reacções.

 

Havia alguns momentos que se mantinham imóveis e, no interior da vulva, ela sentiu-o diminuir e amolecer. Por conseguinte, para não o deixar perder o que conquistara ou abalar-lhe a confiança, advertiu:

 

- Se quiser, pode mexer-se mais um pouco.

 

- Claro que quero.

 

- Então, vá. Para a frente e para trás, algumas vezes. Talvez atinja o orgasmo, de contrário não se preocupe. É uma reacção natural.

 

As coxas dela exerceram pressão nas dele, enquanto o pénis se movia no seu interior. Por um instante, sentiu-o tornar-se mais rígido e deslocar-se mais depressa, até que surgiu o orgasmo e ele grunhiu de prazer.

 

Mais tarde, depois de tomar banho e vestir-se, Gayle, de roupão, acompanhou-o à porta.

 

Antes de sair, Demski voltou-se e beijou-a na face.

 

- Acho que foi você que me fez consegui-lo.

 

- O trabalho foi inteiramente seu. Merece bem um dezasseis. - Ela   retribuiu   o   beijo. - Para   a próxima, abalance-se a uma classificação mais alta.

 

- Um vinte?     - Prometo-lhe um vinte, Adam.

 

-i Após um banho prolongado, Gayle mudou de roupão a tempo de acudir à porta sem demora, no momento em que Chet Hunter chegou.

 

Quando se dirigiam para a sala de terapia, ela apercebeu-se sem dificuldade de que ele estava mais nervoso e tenso do que habitualmente.

 

A seguir, instalou-se no tapete e, enquanto Hunter se despia, perguntou-lhe se fizera os trabalhos de casa.

 

- Como a senhora professora me recomendou respondeu ele, ao mesmo tempo que despia o casaco e o dobrava meticulosamente, para colocar no espaldar do sofá. - Mas sozinho não é muito divertido.

 

- A finalidade não consiste no divertimento imediato, mas hei-de prepará-lo para que desfrute a valer.

 

- Assim espero.

 

- Resultou?

 

- Com certeza. Após a erecção, continuei a friccioná-lo e, na iminência da ejaculação, apertei. Repeti a operação quatro ou cinco vezes.

 

Vai   - Muito bem.    

 

 

- Interessa-me   saber uma coisa. - Encontrava-se totalmente despido. - Quando é a valer?

 

- Agora.

 

- Já, neste momento? - A tensão pareceu dissipar-se. - Quer dizer que vamos levar o coito às últimas consequências?

 

- Chama-se penetração - corrigiu Gayle. - Aquilo que designamos por penetração mole. Significa, não que você entrará flácido, mas que procederemos com lentidão, para se habituar a estar dentro de mim e conter-se.

 

- Estupendo.

 

- Enquanto for capaz de conter a ejaculação prematura, continuaremos a praticar a técnica do apertão juntos. Verá como é eficiente.

 

- Quando quiser, estou preparado. Podemos começar já?

 

- Sem   dúvida,   Vamos   deitar-nos   e   acari ciar-nos alternadamente, até surgir a erecção.

 

- Não há-de demorar muito. - Ele não desviava os olhos dos seios. - Quando tocar nesses balões, subo às nuvens.

 

- Óptimo.   Nessa   altura,   mantém-se   deitado   de costas e eu coloco-me por cima.

 

- Um momento, um momento! Não estou habituado a que as mulheres fiquem por cima de mim. Qual é a ideia?

 

- Facilitar-lhe a contenção. Reduzir as possibilidades de se mover e ejacular.

 

- Não estou a ver como.

 

- Acabará por ver, creia. Uma vez conseguida: a erecção, esteja quieto, enquanto eu o monto. Se suspeitar   de   que   não   consegue   conter-se,   previna-me, imediatamente.   Tratarei   de   lhe   aplicar o   apertão e retardar a ejaculação, para depois o acariciar, até estar de novo preparado.

 

- Isso não se parece muito com uma penetração.

 

- Passaremos ao seu tipo de penetração quando eu lhe disser. Para já, depois de estar dentro de mim e sentir que vai ter um orgasmo, previna-me. Aplicaremos a técnica do apertão e continuará a penetrar até conseguir manter-se dentro   cinco minutos.   Lembre-se que, depois de entrar, se suspeitar de que vai ejacular rapidamente, não deve hesitar: avise-me e eu evito-o.

 

- Está bem.

 

Gayle segurou-o pelo braço.

 

- Comecemos por nos deitar e tocar, por turnos. Uma vez ao lado um do outro no tapete, principiou a mover os dedos pelo corpo dele, evitando os órgãos genitais, para não o excitar demasiado cedo. Transcorridos uns minutos, reclinou-se, e indicou-lhe que a acariciasse.

 

No momento em que a mão de Hunter tocou nos seios, a erecção foi instantânea, como previra.

 

Ela baixou os olhos e verificou que se tratava de uma erecção completa. Não havia, portanto, problemas por esse lado.

 

O que sucedesse a seguir, resultaria decisivo, toda- via possuía experiência de casos daquela natureza e estava confiante.

 

- Muito bem, Chet. Agora, deite-se de costas e deixe-me fazer o resto.

 

Hunter obedeceu e ela apoiou-se nos joelhos e colocou-se-lhe em cima lentamente, até que a extremidade do pénis roçou na área púbica.

 

- Que sente?

 

- Vontade de me vir... - murmurou ele, de olhos fechados e expressão distorcida. - Como se...

 

Acto contínuo, a mão de Gayle pousou na glande e exerceu pressão com três dedos.

 

- Abóbora! - protestou   ele, ao ver o pénis tornar-se flácido. - Estava certo de que desta vez conseguia.

 

- Engana-se - afirmou ela. - Mas há-de conseguir.

 

- Quando?

 

- Seja paciente. Hoje. Voltemos ao princípio. Mantendo-se em cima, os dedos   recomeçaram a acariciar-lhe o rosto, pescoço e peito. Automaticamente, ele tornou a acariciar-lhe os seios, e o pénis endureceu e avolumou-se com prontidão.

 

Gayle voltou a orientá-lo para a vagina e, no momento em que surgiu o aviso da ejaculação iminente, apertou a extremidade e suprimiu a possibilidade do orgasmo.

 

O processo foi reatado e prolongou-se durante pelo menos dez minutos, sempre com o mesmo resultado, para evitar a ejaculação prematura.

 

- Estou derreado - articulou Hunter, ofegante, pousando a cabeça na almofada. - Começo a pensar que não sou capaz...

 

- Há-de ser - cortou ela, com firmeza.

 

Iniciou de novo as carícias, e desta vez foi necessário mais algum tempo para reanimar o membro flácido. Após dez minutos de insistência, enquanto Hunter acariciava os seios, surgiu finalmente a esperada reacção.

 

No instante em que a erecção se completou, Gayl e introduziu o pénis totalmente na vagina. Em seguida, quase notou a passagem dos segundos: quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.

 

- Não se mova - recomendou. - E não se esqueça de me...

 

Mas naquele momento ele começou a estremecer e ela conservou-se imóvel, sentindo o orgasmo explodir no seu íntimo.

 

No final, ele espreguiçou-se, esgotado, e Gayle deslizou para o seu lado no tapete.

 

- Não foi mau, para começar, hem, Chet?

 

- Entrou todo, não foi?

 

- Uma penetração total.

 

- Mas   insuficientemente   longa. Excitei-me muito cedo. Não consegui conter-me, nem tive tempo de a prevenir.

 

- Em todo o caso, fez aquilo de que até agora era incapaz.

 

- O coito?

 

- Exacto. E será cada vez melhor e mais prolongado, se continuar a fazer o trabalho de casa.

 

- Qual é o nosso objectivo?

 

- O homem médio (médio, repare) costuma manter a união sexual durante cinco a sete minutos antes do orgasmo.   Insistiremos   até   que   você   aguente   dez. A partir desse momento, poderá considerar-se formado na matéria e tornará alguém muito feliz.

 

- Sim, alguém - proferiu ele, inclinando a cabeça.

- Alguém   se sentirá muito feliz, sem   margem   para dúvidas.

 

Às nove e meia daquela noite, depois de não obter resposta à campainha da porta, Paul Brandon utilizou a sua chave para entrar no apartamento de Gayle Milier.

 

Dirigiu-se ao quarto e encontrou-a na cama, profundamente adormecida. Aproximou-se para ter a certeza e ouviu a respiração compassada. Depois de contemplar o rosto atraente em repouso inocente por uns instantes, meneou a cabeça com lentidão. Por que se enamoraria de uma delegada sexual? Por que não se interessaria antes por uma mulher média, como uma espia de uma superpotência, uma recordista da maratona ou a esposa de outro homem?

 

Por que preferira uma delegada sexual?

 

A única coisa que podia esperar dela eram aborrecimentos.

 

Com um suspiro, pousou a caixa de bombons de que se fizera acompanhar e retirou-se.

 

NAN   WHITCOMB   achava-se   envolta   no   roupão   de banho dele, à espera do exercício crucial - penetração, quando Brandon, que acabava de entrar no quarto para se despir, estremeceu ao ouvir a campainha do telefone.

 

Em regra, desligava-o antes de iniciar um exercício, mas desta vez esquecera-se inexplicavelmente. E daí, talvez houvesse uma explicação, porque ainda tinha bem presente no espírito o insucesso da noite anterior, quando tentara estabelecer contacto com Gayle, e a apreensão pelo que o aguardava com Nan.

 

A campainha continuava a retinir e, como a paciente acabava de entrar na casa de banho, ele não viu inconveniente em atender.

 

- Paul? - A voz do outro lado do fio era a de Gayle. - Interrompo alguma coisa?

 

- Não.

 

- Acordei agora mesmo e ainda me sinto meio atordoada,   mas   encontrei   uma   caixa   de   chocolates em   cima da   mesa de cabeceira e   deduzi   que tinhas estado cá, ontem à noite. É verdade?

 

- Bem, como se costuma dizer, se uma árvore cai   na floresta e ninguém ouve, a árvore caiu   realmente na floresta? - replicou   Brandon, com um sorriso. - Pois bem, ontem caí aos teus pés, mas ninguém ouviu. Se estive em tua casa? Sim, estive.

 

- Oh,   meu   Deus! - Ela   parecia   sinceramente pesarosa. - Deixei-me dormir. Desculpa, por favor.

 

- É compreensível. Estavas exausta.

 

- Mas desejava tanto estar contigo! Como posso reparar o mal que pratiquei?

 

- Saindo comigo hoje. Posso passar por aí e irmos jantar   algures.   Desde   que   não   estejas   muito   cansada, claro.

 

- Decerto que não. Esta tarde, só tenho de ir ao cabeleireiro.

 

- Irei buscar-te às sete e meia. Entretanto, reservarei uma mesa no restaurante Lapin Agile. É francês, mas sossegado.

 

- Óptimo.

 

Ele pousou o auscultador, desligou a tomada do telefone da sala e depois das outras extensões e encaminhou-se apressadamente para o quarto, a fim de estar preparado no momento em que Nan reaparecesse.

 

Acabava de se despir, quando a viu, ainda de roupão, à entrada, entretida a contemplá-lo com enlevo.

 

Lentamente, em movimentos quase provocantes, desapertou o cinto e libertou-se do roupão, após o que avançou para Brandon, devagar para que abarcasse bem a sua nudez. À medida que se aproximava, ele notou que utilizara um perfume de odor algo exótico. Por fim, ela beijou-o na face e dirigiu-se para a cama, onde se sentou.

 

- É hoje o grande dia, hem?

 

Ele sentiu-se momentaneamente enervado ao aperceber-se de que Nan encarava a sessão como uma noite de núpcias há muito esperada.

 

- Exacto.

 

- Penetração - proferiu ela a meia-voz. Brandon tentou   reforçar a sua   intenção de   lhe

recordar, no final, que não eram amantes, mas monitor e paciente e em breve a terapia terminaria e, com ela, as suas relações íntimas.

 

- Penetração não-retribuível - salientou. - Você não deve colaborar.

 

- Porquê   não-retribuível? - Ela   não   exibiu   uma expressão de contrariedade, mas o movimento do- pescoço e ombros ossudos produzia essa convicção.

 

- Porque o exercício se destina a provar que pode ser penetrada totalmente e sem dor, e nada mais.

 

- Espero reagir normalmente. Nem quero pensar na possibilidade de ter aquele horrível aperto consigo.

 

- Se os exercícios correram bem até agora, como creio, não haverá problema - declarou ele, procurando assumir uma atitude profissional.

 

Nan reclinou-se na cama e Brandon colocou-se a seu lado, após o que ela perguntou inocentemente:

 

- Que faço, agora?

 

- Vamos   principiar   com   carícias   frontais,   por turnos, para adquirirmos a disposição apropriada.

 

- Eu já a tenho - anunciou, com desprendimento.

 

- É vantajoso.

 

- Estou húmida, cá em baixo. - Exibiu um1 sorriso tímido. - Não foi difícil. Bastou-me olhar para si.

 

- Excelente. - Ele pressentiu que necessitava de lhe refrear o entusiasmo. - Antes de começarmos, gostava de dizer umas coisas.

 

- As que quiser.

 

- As suas únicas relações prolongadas com um homem foram   com Tony Zecca. Em   resultado disso, ainda pode conservar algumas imagens corporais negativas de si própria.

 

- Acho que você me ajudou a superá-las. Agora, sinto-me mais atraente.

 

- E é. Por outro lado, com ele, você nunca experimentou prazer. Apenas dor, sem orgasmos.

 

- É verdade.

 

- Desligou, por assim dizer, todos os seus receptores físicos e mão experimentou a menor sensação dessa natureza. No nosso programa, o meu objectivo consistiu em: a familiarizar com a sua sensualidade.

 

- Não tenho a menor dúvida de que o conseguiu murmurou ela, com novo sorriso, agora menos tímido.

 

- Nunca considerei o nosso relacionamento exclusivamente artificial. Embora o tratamento seja pago e celebremos   sessões   com um   terapeuta,   senti   desde   o princípio que havia algo mais entre nós. Deixei de o considerar um delegado. - Fez uma pausa, hesitante.

 

- Suponho que é bom sinal.

 

Brandon não tinha a certeza se transpirava, mas assolava essa impressão. Desejava revelar-lhe que uma parte vital da terapia consistia em se separarem em breve e poderem esquecer sem dificuldade tudo o que de íntimo ocorrera entre ambos. Conquanto fosse o momento apropriado para o dizer, ao observar-lhe a vulnerabilidade, não conseguia reunir a coragem suficiente.

 

- É, de facto, bom sinal - assentiu em voz débil.

- Bem, tentemos descontrair-nos e experimentar prazer com o nosso relacionamento.

 

Começou a acariciá-la e depois foi a vez dela. Mostrava-se extremamente receptiva ao contacto dele e tornara-se perita em carícias.

 

Brandon convenceu-se de que não surgiriam; problemas com a sua erecção. Encontrava-se preparado para o que se seguiria. Por fim, olhando-a com firmeza, disse:

 

- Vamos tentar a penetração. Penetração não-retribuível, lembre-se. Deito-me de costas e você coloca-se em cima de mim. Depois, muito devagar, faz baixar o corpo até eu entrar totalmente. Não me moverei e você tão-pouco, após   a penetração. Se sentir dores, previne-me imediatamente.

 

Nan aquiesceu com entusiasmo e tratou de seguir as instruções à risca. A erecção era total, e ele preparou-se para o seu primeiro contacto.

 

- Nem o mínimo movimento de vaivém de nenhum dos   dois - advertiu. - Mesmo que   lhe apeteça, contenha-se. Habitue-se apenas a sentir-me dentro.

 

Ela pegou no penis com uma das mãos, enquanto se acomodava em cima, e em seguida pousou-o nos lábios vaginais e fez baixar o corpo gradualmente.

 

- Não sente dores? - perguntou ele.

 

- É maravilhoso - sussurrou ela, ofegante. Parece um autêntico êxtase. Deixe-me mover um bocadinho, Paul.

 

- Não.

 

- Por favor...

 

- Nem pensar.

 

- Mas   agora   sinto-me   maravilhosamente.   Estou curada. Adoro isto, Paul querido... Adoro mais que tudo o resto na vida.

 

Segurando-lhe os braços com firmeza, Brandon levantou-a de cima de si e depositou-a a seu lado, porém isso não a impediu de o tentar abraçar e beijar, ao mesmo tempo que articulava, ofegante:

 

- E ainda o amo mais a si. Hei-de amá-lo sempre. Ele tentou corresponder às carícias, sem se mostrar demasiado expansivo, e assim que lhe foi possível deu o exercício por terminado.

 

Depois de vestida, já prestes a sair, Nan perguntou:

 

- Amanhã à mesma hora?

 

- Sim.

 

- Vamos ter mais... do mesmo?

 

- É o que determina o programa.

 

- Mas   mais   perto da   realidade?   Refiro-me   aos movimentos.

 

- Exacto - aquiesceu ele, em voz quase inaudível.

 

- Amo-o a valer - declarou ela, com um beijo final. Quando se encontrou só, Brandon voltou a ligar

as   tomadas   do   telefone,   dominado   Por   apreensão crescente.

 

A conveniência de ultrapassar o seu problema - o óbvio envolvimento emocional de Nan com ele - tornara-se uma necessidade urgente. Conservou-se imóvel Por um momento diante do telefone do quarto e, Por fim, levantou o auscultador e marcou o número da clínica. Pediu para falar com o Dr. Freeberg, mas foi informado de que tivera de se ausentar em serviço e regressaria dentro de cerca de uma hora. Depois de deixar recado para que lhe telefonasse o mais depressa possível, cortou a ligação.

 

A seguir, puxou do cachimbo e, percorrendo a sala em persistente vaivém, continuou a ponderar a situação. Empenhava-se, sobretudo, em aclarar mentalmente todas as facetas do envolvimento de Nan - a sua intensidade e a determinação dela de ignorar o relacionamento profissional e considerá-lo um amigo íntimo da vida real. Embora Brandon soubesse que aquilo não podia prosseguir, sentiu-se incapaz de lhe explicar que se tratava de um convívio clínico, Por assim dizer, que terminaria dentro de uma semana. E, Por muito que lhe custasse, teria de permitir que o Dr. Freeberg confiasse a paciente a outro delegado para completar o tratamento.

 

A chamada do terapeuta só surgiu noventa minutos mais tarde.

 

- Como está, Paul? "

 

- Nunca me senti melhor.

 

- O   seu   recado   diz   que   pretende   conhecer a minha opinião acerca de qualquer coisa.

 

- Queria, de facto, fazer-lhe uma pergunta. Eu... De súbito, Brandon descobriu que o que preparara para dizer, o que ensaiara, ficava congelado num recanto da garganta.

 

Imaginou Nan convocada pelo Dr. Freeberg, no dia seguinte, a fim de ser informada de que o seu delegado devia ser afastado do caso e ela ficaria ao cuidado de um substituto.

 

Anteviu sem dificuldade a consternação que a comunicação inesperada lhe produziria. Além disso, decerto pressentiria que o homem que amava a rejeitara, e a perspectiva de iniciar tudo de novo com um desconhecido apavorá-la-ia. Na realidade, existia o perigo de a terapia sofrer um atraso de várias semanas ou mesmo a suspensão definitiva.

 

Brandon reconheceu que, Por muito diplomático que Freeberg se mostrasse, seria um abalo brutal para Nan, tão contundente como a atitude irreflectida e egoísta de Tony Zecca. E decidiu para consigo que não podia ser o responsável de novas mágoas sofridas pela sua paciente.

 

- Diga lá, Paul. - A voz do terapeuta fê-lo regressar à realidade.

 

- Na verdade, não era para lhe perguntar nada, mas apenas para transmitir uma informação. Trata-se de boas notícias, e quis que as conhecesse o mais depressa possível.

 

- Que aconteceu?

 

- Nan e eu efectuámos a penetração não-retribuível, hoje, e julgo poder afirmar que o vaginismo está curado. Não se registaram obstruções. Correu tudo bem e tenho a certeza de que não voltará a haver problemas nesse aspecto.

 

- Suponho que ainda não tentou a penetração e movimento de vaivém?

 

- Não, de facto.

 

- Faça-o amanhã e depois diga-me o resultado. Se também não houver novidade Por esse lado, teremos a   certeza   da   cura, e   você   merecerá   felicitações. Boa sorte.

 

"Soa sorte?", reflectiu Brandon, com amargura, enquanto pousava o auscultador no descanso.

 

Encontrava-se em pior situação que anteriormente e não fazia a menor ideia de como enfrentaria Nan Whitcomb, no dia seguinte.

 

Em todo o caso, naquela noite, com Gayle, não se lhe deparariam problemas. De qualquer modo, nem afloraria na presença dela a conversa que acabava de ter com Freeberg e, em particular, a sua mudança de ideias no último momento.

 

Gayl e não necessitava de se inteirar de nada daquilo.

 

Se uma árvore caía na floresta e ninguém ouvia, tinha de facto caído?

 

O serão começou a desenrolar-se o melhor possível para Brandon, e Gayle.

 

O Lapin Agile era um restaurante de ambiente íntimo, que proporcionava o enquadramento perfeito para uma conversa descontraída. O pianista do outro lado da sala quase cheia interpretava em surdina velhas canções populares de Montmartre. Três das paredes que os rodeavam estavam cobertas com cartazes que exibiam: reproduções de telas de Toulouse-Lautrec nas quais se achavam representados muitos amigos do artista, de May Belfort e Jane Avril a Aristide Bruant e o grupo de M. e Eglantine

 

De qualquer modo, em obediência à promessa que fizera a si próprio, Brandon providenciou para que as suas actividades de terapia não fossem abordadas. Na realidade, estava firmemente decidido a não voltar a cometer a imprudência de aludir às dificuldades enfrentadas pelos delegados com determinados pacientes. E, instintivamente, Gayle condescendeu em navegar nas mesmas águas.

 

Sentados à mesa rústica circular, trocaram impressões sobre o seu passado e futuro, música, livros, cinema, política e programas da televisão. E também não deixaram de se debruçar sobre o tema mais íntimo das suas relações.

 

No termo da refeição, tinham dificuldade em se recordar do que se compusera, apenas podendo afirmar que fora deliciosa.

 

Enquanto se olhavam com ternura, Brandon reflectia que chegara finalmente a noite há tanto tempo adiada. Ansiava por ter aquela incomparável mulher nos braços, para fazer parte dela e ela dele. Por último, quebrou um longo silêncio para lhe revelar precisamente isso.

 

Ela assentiu   com   uma   inclinação   de   cabeça   e replicou:

 

- É exactamente o que eu também desejo, Paul. Vamos para minha casa?

 

O percurso no carro desenrolou-se com a troca de breves palavras e ambos experimentavam uma ansiedade quase juvenil, como colegiais no primeiro encontro a sós com um elemento do sexo oposto.

 

Por último, detiveram-se diante do bangaló dela e Brandon apeou-se, para contornar o carro e abrir a porta do lado do passageiro.

 

Quando descia, Gayle proferiu com desprendimento:

 

- Queria perguntar-te - uma coisa. Aquela paciente que se apaixonou por ti... esquece-me o nome...

 

- Nan - disse Brandon, em tom quase inaudível, acompanhando em direcção à entrada.

 

- Foi Nan que disseste?

 

- Exacto.

 

- Queria perguntar-te como resolveste a situação. Foi difícil   comunicar-lhe que tinhas   de abandonar o tratamento?

 

Ele fingiu que não ouvira e seguiu-a, transpondo os três degraus de acesso à porta.

 

- Reagiu mal? - insistiu Gayle, enquanto abria a carteira para procurar a chave.

 

Brandon reconheceu que tinha de encarar o inevitável e admitir a verdade.

 

- Não fui capaz de lhe dizer.

 

- Não?

 

- Era a mesma coisa que executar uma pessoa. Confesso que me faltou a coragem.

 

Seguiu-se um silêncio ominoso, até que ela volveu:

 

- Nesse caso, informaste o Dr. Freeberg?

 

- Era, de facto, a minha intenção, e telefonei-lhe nesse sentido.

 

- Que disse ele?

 

- Nada... porque não toquei no assunto. - Bradon verificava que as dificuldades ainda eram mais complexas do que supusera.

 

- Não   comunicaste   ao   Dr.   Freeberg   que   a   tua paciente se apaixonou por ti e espera ter um romance a sério contigo? - A expressão dela exprimia profunda incredulidade.

 

- Não consegui, por mais que me esforçasse. Teria sido desumano.   Depois de alcançar aquele   nível   de relacionamento com   ela,   pedir   ao   Dr.   Freeberg   que me   substituísse... bem,   afigurou-se-me   uma   decisão impossível.

 

- Podia saber-se exactamente que nível de   relacionamento é esse?

 

- Eu... nós... creio que superámos o vaginismo.

 

- Queres dizer que fornicaste com ela?

 

- Não propriamente   isso. Foi   apenas penetração não-retribuível.

 

- Fornicas com ela e adora, enquanto ela delira e está apaixonada por ti. - O tremor da voz de Gayle deixava transparecer claramente a cólera que começava a dominá-la. - E não fazes nada para pôr cobro à incrível situação!

 

- Não fornico com ela, nem adoro! - retorquiu ele, igualmente   acalorado. - Procuro   apenas   comportar-me com decência.

 

- Chamas a isso decência? Encorajá-la, depois de me dizeres que não a amas? Se é o que fazes, acho-te ignóbil. No entanto, palpita-me que a verdade é outra. Agrada-te o que obténs dela e não queres renunciar-lhe.

 

- Nesse caso, que faria eu aqui?

 

- É o que eu gostava de saber. Que fazes aqui e, sobretudo, que faço eu aqui contigo?

 

Com estas palavras, ela introduziu precipitadamente a chave na fechadura e imprimiu-lhe duas voltas.

 

- Fazes-me o favor de parar com os disparates e ouvir a voz da razão? - articulou Brandon, segurando-lhe o braço. - Compreendo o ciúme de uma pessoa, mas quando não há motivo...

 

- Sim, tenho ciúmes, diabos te levem! - vociferou Gayle, soltando-se. - E com fortes motivos.

 

- Deixa-me entrar e...

 

- E quê? Para fornicar comigo como fazes com ela? Nem penses!

 

- Ao menos, concede-me uma oportunidade de...

 

- Não volto a falar contigo até romperes definitivamente com a tua Nan ou conversares com Freeberg, para que te aconselhe a fazê-lo. Entretanto - concluiu, impelindo a porta com violência, deixa-me em paz! E, voltando-lhe as costas, entrou e fechou-a ruidosamente atrás de si.

 

Brandon sentou-se ao volante do carro, estacionado diante da casa de Gayle, e embrenhou-se em reflexões.

 

Durante alguns minutos, tentou verberar a atitude dela. Procedia como uma insensata, uma garota irreflectida, ao permitir que um ciúme imaturo interviesse nas suas relações. Na realidade, era tão injustificado que atingira as raias do incrível.

 

Para ela, porém, era crível, e, por uns momentos, ele tentou encarar o envolvimento com Nan segundo o ponto de vista de Gayle. Compreendeu que, embora fosse uma delegada sexual profissional, não se comportava como uma mulher profissional. Talvez soubesse mais acerca do mecanismo do sexo do que a mulher média, tal como um médico estava mais elucidado sobre o mecanismo da saúde do que o leigo médio, mas, à semelhança do médico que não podia tratar a si próprio, Gayle encontrava-se impossibilitada de superar as inseguranças de uma mulher vulgar.

 

Brandon aventurou-se mesmo a considerar a validade da posição dela. Ele experimentaria prazer nas relações com a paciente e o facto de ela o amar? Haveria a possibilidade de Gayle se ter apercebido intuitivamente de algo que correspondia à verdade? Examinou a hipótese com insistência e depararam-se-lhe dois factos indiscutíveis. Em primeiro lugar, tinha compaixão de Nan e desejava ajudá-la, mas não a amava. Em segundo, estava profundamente apaixonado por Gayle... e na iminência de a perder para sempre.

 

Só havia uma maneira de provar que o seu verdadeiro amor era ela e não uma paciente chamada Nan Whitcomb. Tinha de se mostrar firme com! esta última e recordar-lhe que o seu relacionamento era puramente profissional e terminaria- após a próxima sessão, ou então informar o Dr. Freeberg do seu problema e solicitar-lhe a indicação do rumo a seguir.

 

Como profissional que se supunha, executara o seu trabalho de forma pouco mais satisfatória que um amador. Sim, impunha-se que falasse imediatamente com Freeberg e se exprimisse com a maior sinceridade.

 

Acendeu a luz do tablier, aproximou o pulso do rosto e viu as horas.

 

Eram 23.45. Recordou-se de ouvir dizer a alguém que o terapeuta costumava deitar-se tarde, escrevendo e lendo até à meia-noite, pelo- menos. Por conseguinte, era natural que ainda estivesse a pé. De qualquer modo, necessitava de se arriscar. E quanto mais depressa melhor.

 

Ligou o motor e percorreu as ruas das imediações até desembocar numa área comercial, onde havia uma estação de serviço ainda aberta. Seguiu para lá e verificou que o único empregado se preparava para a encerrar, mas havia uma cabina telefónica ao lado.

 

Estacionou junto desta última, apeou-se, procurou dinheiro trocado na algibeira e depois a agenda de endereços.

 

Encontrou o número que pretendia, introduziu as moedas necessárias na; caixa e marcou-o.

 

A campainha tocou duas vezes no outro extremo do fio, antes de surgir a voz do terapeuta.

 

- Dr. Freeberg? É Paul Brandon. Desculpe incomodá-lo a estas horas...

 

- Não tem importância, pois não tenciono deitar-me tão cedo. Estou a contas com um artigo encomendado por uma revista médica. Que há de novo?

 

- Uma coisa que julgo importante sobre as minhas relações com a paciente Nan Whitcomb, e gostava de ouvir a sua opinião.

 

Registou-se uma pausa.

 

- Era disso que pretendia falar, quando me telefonou, esta tarde?

 

- Era - admitiu Brandon, surpreendido. - Como soube?

 

- O outro telefonema foi   incaracterístico -- explicou   Freeberg,   com   uma   breve   risada. - Pareceu-me óbvio que tinha uma coisa importante para me dizer e não se atrevia. Ainda bem que mudou de ideias.

 

- Nan Whitcomb apaixonou-se por mim.

 

- Ah,   é   isso?   Julgo   conveniente   que   descreva tudo, sem omitir o mínimo pormenor.

 

Durante mais de dez   minutos,   Brandon   procedeu ao relato minucioso das sessões com Nan, incutindo particular ênfase aos momentos em que se apercebeu de que ela se enamorara dele - da oferta para se instalar no apartamento até à declaração de amor daquela tarde.

 

- Eu devia ter discutido o assunto consigo mais cedo - concluiu, mas receava que me afastasse do caso. Pensei que, se ela fosse tratada por outro delegado, poderia atrasar-se tudo, quando nos achávamos perto do fim.

 

- Compreendo a sua preocupação, Paul. Quantas sessões faltam?

 

- Duas, o máximo. Se tudo continuar a correr tão bem, talvez dê o tratamento por terminado com o exercício marcado para amanhã à tarde.

 

Registou-se novo silêncio na linha, agora mais prolongado, e Brandon compreendeu que Freeberg ponderava o assunto meticulosamente.

 

- Creio que sei o que há a fazer - anunciou finalmente o terapeuta. - Vou telefonar a Nan Whitcomb, a fim de adiar a sessão de amanhã para o da seguinte. Entretanto, terei uma conversa com ela, na clínica.

 

- Acerca de quê?

 

- Nesta altura da terapia, a sua substituição seria contraproducente, Paul. Como você mesmo salientou, representaria um choque para ela, susceptível de anular todos os progressos obtidos, ainda que eu conseguisse encontrar outro delegado< rapidamente. Não, essa hipótese está posta de parte. Em vez disso, terei uma longa conversa com ela, tão paternal quanto possível, amanhã, ao fim da tarde.

 

- Que pensa dizer-lhe?

 

- Tentarei! basicamente convencê-la de que o seu relacionamento como delegado é de natureza profissional e não pessoal. Julgo que o conseguirei sem lhe abalar a confiança no tratamento. Depois, resultará mais fácil para si ocupar-se do último exercício sem ulterior envolvimento.

 

- Fico-lhe   extremamente   grato,   doutor.   Hei-de torcer como um adepto fanático para que seja bem sucedido.

 

     Depois de pousar o auscultador, Brandon conservou-se imóvel por uns momentos. Finalmente, procurou mais moedas na algibeira e, introduzindo-as na caixa, marcou o número de Gayle Miller.

 

Perto do fim da tarde seguinte, Tony Zecca sentava-se, com os nervos tensos e olhos bem abertos, ao volante do seu Cadillac estacionado a menos de meio quarteirão da Clínica Freeberg. Como acontecera nós três últimos dias, concentrava a atenção na entrada do estabelecimento, em persistente observação a todas as pessoas que passavam por ela.

 

Embora ainda ardesse intimamente devido à traição de nan, a cólera atribuía agora a primazia ao homem que a seduzira e lha arrebatara virtual mente da cama.

 

Obcecava-o em particular a necessidade de averiguar quem era o sedutor e amante dela, para o obrigar a expiar a afronta que cometera. Até agora, porém, Zecca não conseguira estabelecer, sem margem para dúvidas, a identidade do patife. Conquanto suspeitasse de que o Dr. Arnold Freeberg, o médico que Nan visitava, era o culpado, ainda não conseguira prová-lo.

 

No primeiro dia de vigilância à clínica, julgara que alcançara o seu objectivo. Depois de arrumar o carro no posto de observação que escolhera, entrara para se inteirar do ambiente. A sua boa estrela fizera com que descobrisse, na Recepção, um monte de brochuras que descreviam o funcionamento do local e continham elementos biográficos e uma fotografia do eminente Dr. Freeberg.

 

Depois de tomar conhecimento do aspecto deste último e do modo como- ganhava a Inconfessável vida, Zecca regressara ao Cadillac, a fim de aguardar a sua passagem: pela entrada da clínica. Fora um período de expectativa prolongado e cansativo, mas, perto do anoitecer, vira a paciência e resistência recompensadas.

 

Freeberg fechara a porta à chave, subira para o carro, estacionado no parque das proximidades, e seguira para o apartamento onde decerto recebia Nan. Zecca mantivera-se a uma distância prudente, sem o perder de vista, ao mesmo tempo que tencionava decidir o que faria, quando chegassem ao local. Freeberg acabou por estacionar o automóvel diante de uma casa nos arrabaldes da cidade, apeou-se para abrir a cancela de acesso ao jardim, e, após arrumá-lo na garagem, foi recebido na porta principal por uma mulher roliça, sem dúvida a esposa, o que significava que ele se encontrava com Nan em qualquer outro lugar.

 

No dia seguinte, Zecca tornara a aguardar que Freeberg abandonasse a clínica, mas verificara com aborrecimento que voltara a dirigir-se para casa, sem qualquer paragem ou desvio intermédios.

 

Algo- desencorajado, iniciou a vigilância durante a longa tarde do terceiro dia.

 

De súbito, através da janela do carro, reconheceu uma figura muito familiar que se encaminhava para a entrada da clínica.

 

Nan, em carne e osso, na iminência de apanhar a "injecção diária. A cabra. Mas ao diabo com ela. Quem lhe interessava era o patife, em cuja constituição física tencionava introduzir algumas alterações.

 

A sua reacção instantânea ao avistar Nan foi a de saltar do carro e enfrentá-la, e chegou mesmo a abrir a porta, mas reconsiderou no último momento. A aplicação de um correctivo naquela fase das operações achava-se desprovida de sentido. Devia era aguardar para ver se ela abandonava a clínica com um homem- e se tratava de Freeberg.

 

Nessa conformidade, pousou as mãos no volante e colou os olhos à entrada do estabelecimento.

 

A expectativa prolongava-se havia mais de vinte minutos e começava a escurecer, quando a paciência de Zecca obteve a desejada compensação.

 

Viu Não surgir da clínica, cuja porta alguém conservou aberta para que o precedesse. No momento imediato, esse alguém tornou-se igualmente visível. Era de facto um homem - o homem, nada mais nada menos que o Dr. Anrold Freeberg, o suspeito número um de Zecca desde o princípio, o filho da mãe que lhe arrebatara a companheira.

 

Depois de fechar a porta à chave, o médico enfiou o braço no dela e desceram a Market Avenue, em sentido contrário ao local em que Zecca estacionara o carro.

 

Quando considerou que os separava uma distância confortável, apeou-se e, conservando-se de preferência fora do clarão projectado pelos candeeiros públicos ou iluminação dos escaparates, moveu-se no seu encalço.

 

Percorreram algumas centenas de metros, após o que cruzaram a rua e desapareceram num prédio igual a muitos outros das cercanias. Depois de se certificar de que não o podiam ver, Zecca estugou o passo, ansioso por descobrir o ponto de encontro usual dos dois amantes.

 

No entanto, quando se acercou, viu que se tratava de um hotel. O Excelsior, mais concretamente. Era, pois, aí que ela se ocultava e onde o médico a procurava para fornicarem.

 

O seu primeiro impulso consistiu em entrar, inteirar-se do número do quarto dela, surpreendê-los embrulhados na cama, sovar o velho Freeberg até certificar-se de que não lhe restava um único osso inteiro, segurar Nan pelos cabelos e arrastá-la para a casa a que pertencia.

 

Não obstante, apesar da ansiedade quase irresistível, o instinto de conservação obrigou-o a reflectir.

 

Se agredisse o médico, decerto haveria consequências indesejáveis. Na realidade, Zecca poderia ser detido, com o nome publicado nas primeiras páginas dos matutinos, sem dúvida o último lugar onde o grupo com o qual se dedicava a certos negócios desejaria vê-lo. Com efeito, o grupo - a designação de quadrilha nunca merecera a sua aprovação - gostava de evitar a publicidade, sobretudo se ela se relacionava com a Polícia. Por conseguinte, o tratamento imediato de choque tinha de ser posto de parte.

 

A operação devia desenrolar-se com maior discrição e segurança. O mais indicado seria mesmo que ficasse a cargo de um dos elementos do grupo, indiscutivelmente mais competentes do que ele.

 

Em todo o caso, mais tarde se debruçaria melhor sobre o problema.

 

Regressou ao Cadillac, disposto a ponderar a situação mais meticulosamente.

 

Havia duas poltronas no quarto de Nan Whitcomb, e o Dr. Freeberg aguardou que ela ocupasse uma antes de se sentar na outra. Após recusar a oferta de vinho branco e obter autorização para fumar, acendeu uma cigarrilha e reclinou-se.

 

- Queria falar consigo, de preferência no gabinete da clínica, mas depois reconheci que aquilo que pretendia dizer-lhe assumiria um aspecto mais informa! no sossego ao seu quarto. Espero que não tenha nada que objectar?

 

- Decerto que não - assentiu ela, cuja curiosidade era evidente.

 

- Suponho que acha isto confortável - continuou Freeberg, com um gesto largo que abarcava o aposento.

- Foi o melhor que consegui no pouco tempo disponível.

 

- Estou-lhe grata pelo incómodo.

 

- Mr. Zecca sabe que se encontra aqui?

 

- De modo algum. É a última pessoa a quem o diria.

 

- Pensa que tentará encontrá-la?

 

- Não sei. - Nan encolheu os ombros, com uma expressão de dúvida. - Quando leu o meu bilhete, deve ter ficado aliviado por se livrar de mim. Mas, por outro lado, como lhe conheço bem o ego, tentará localizar-me e levar para casa. No entanto, eu nunca o acompanharei. Sobretudo, depois do que aconteceu.

 

- Não a censuro por isso, pois sofreu uma experiência assaz brutal. Em todo o caso, não julgue que é um exemplo ímpar. Na verdade, não difere muito das que um número substancial de mulheres conhece com o marido ou amante.

 

- Palavra? - articulou, arregalando os olhos   de espanto.

 

- De um modo geral, as mulheres que vivem com um companheiro incompatível sofrem mais a brutalidade emocional do que física, porventura porque a maioria deles se habitua a elas e considera que tem a sua fidelidade garantida. Acabam mesmo por encará-las como objectos sexuais, nem necessidade da permuta de amor e carinho, ou mesmo preliminares excitantes do coito usual. A única coisa que lhes interessa é ter o orgasmo e ficar aliviados. Numa palavra, acham-se absolutamente alheios aos sentimentos das companheiras como seres humanos que necessitam de afecto e protecção.

 

- Pode repeti-lo, sobretudo no caso de alguém como Tonny Zecca.

 

- Bem, ele é um exemplo extremo. Pretendo apenas assegurar-lhe que não se encontra só, nessa situação. A uma escala mais civilizada, o comportamento de Zecca ocorre a todo o momento em todos os recantos do mundo. Não obstante, a senhora em breve descobrirá que existem homens mais sensíveis e compreensivos, capazes de ter um relacionamento com...

 

- Já   me   inteirei   disso - cortou   Nan,   impulsivamente, desde que conheci Paul Brandon.

 

- Pois, Paul Brandon - proferiu Freeberg, chupando a cigarrilha. - Por sinal, era dele que lhe queria falar.

 

- Falar de quê? - Ela deixou transparecer perturbação. - Já lhe descrevi o nosso relacionamento, nas minhas sessões com ele. Não lhe revelei tudo?

 

- Exactamente tudo,   não. - O   médico apagou   a cigarrilha no cinzeiro e inclinou-se para a frente. - Deve recordar-se da nossa primeira reunião, quando se tornou minha paciente, a que Paul também assistiu. Na altura, estabelecemos um contrato, um acordo, verbal. A senhora tinha um problema que se revestia de consequências para outrem, e assentámos numa meta. Recorrendo à terapia e exercícios, elaborámos um programa susceptível de alcançar o seu objectivo da satisfação sexual absoluta. Não lhe ocultámos nada. Na realidade, expusemos todos os aspectos do tratamento e respectivas sessões.

 

- Recordo-me perfeitamente.

 

- Revelei-lhe uma coisa com a maior sinceridade. Sob a minha orientação, Paul Brandon ajudá-la-ia profissionalmente, seria um delegado-parceiro que a ensinaria e orientaria. A senhora pagaria a competência e experiência dele e não o seu carinho emocional. Sabia desde o princípio que o vosso relacionamento, embora se tornasse cada vez mais íntimo, se cingia ao âmbito profissional, era uma, digamos, associação temporária para um número   limitado de semanas.   Fez-se-lhe compreender que, a partir do momento em que completasse o trabalho, ele regressaria à sua vida pessoal e a senhora teria concluído a terapia e regressaria à sua.

 

Fez uma pausa e viu que ela o olhava com ar angustiado.

 

- Creio que sei o que tenta dizer-me - articulou, a meia-voz. - Pensa que me apaixonei por ele e isso não devia ter acontecido.

 

- É o que me vejo forçado a concluir ao escutar e ler nas entrelinhas dos relatórios de Paul Brandon.

 

- E crê que cometi um erro?

 

- Sim, cometeu - asseverou Freeberg. - Como seu delegado, ele estima-a sinceramente, o que corresponde ao relacionamento que esperávamos se estabelecesse entre ambos. No entanto, tinha um princípio e um fim. Paul não passa de um degrau da escada de acesso ao que a aguarda lá fora, no seu mundo. Agora, devem cortar os laços que se formaram, para cada um seguir o seu caminho. Ele tem uma vida privada e isto não passa do seu trabalho. Repito: a senhora pagou a competência e experiência do seu delegado e não o carinho emocional. Quer que continuemos a discutir o assunto?

 

- Não... penso que não é necessário - balbuciou Nan, parecendo na iminência de romper em lágrimas.

 

- Convença-se do seguinte. Na vida de todas as pessoas, surge sempre uma situação difícil de enfrentar. Tenho a certeza de que superará a sua e conhecerá a felicidade. - Freeberg fez nova pausa. - Afinal, sempre aceito o vinho branco que há pouco referiu.

 

No seu gabinete do Município, o promotor público Hoyt Lewis, consciente da tensa presença do reverendo Scrafield do outro lado da secretária, fez um esforço para ler a fotocópia do relatório de Hunter pela segunda vez.

 

O diário que este último mantinha dos seus exercícios com Gayle Miller era meticuloso em todos os aspectos, e quando tornou a chegar ao fim, Lewis considerou-se basicamente satisfeito com o material exposto. Não obstante, concedeu-se trinta segundos para ponderar todas as facetas da situação.

 

No entanto, Scrafield tinha fortes dificuldades em dominar a impaciência para actuar.

 

- Diga-me o que pensa, Hoyt. Não está aí tudo, como referi?

 

- Creio que sim...

 

- Preocupa-o alguma coisa?

 

- Não... Bem, talvez uma. - O promotor largou a fotocópia em cima da secretária. - Trata-se daquilo a que Hunter chama "penetração". Ora, ainda não aconteceu, e quando se depende de uma única testemunha, há necessidade de ter tudo tão explícito quanto possível.

 

- Já lhe disse que não precisa de se apoquentar retrucou o reverendo, com impaciência crescente. - Ele garantiu-me   que   montaria   Gayle   Miller   amanhã.   Em seguida, tratará de nos fazer chegar imediatamente às mãos o respectivo relatório.

 

Lewis coçou o nariz pensativamente e, por fim, inclinou a cabeça várias vezes, com lentidão.

 

- Sim,   Hunter parece   merecedor da   nossa confiança.. Mandei aprofundar os seus antecedentes. A sua folha de serviço na reserva da Polícia está limpa e acha-se absolutamente motivado para dar boa conta do recado, segundo Ferguson, do Chronicle. Mas por que demora tanto a fornicar com a dama? Não se pode considerar a missão mais desagradável do mundo.

 

- Tudo no seu devido tempo, Hoyt. Tem de obedecer ao regulamento da clínica. Tranquilize-se que não nos desapontará.

 

- Oxalá   não   se   engane,   reverendo - proferiu, empertigando-se na cadeira rotativa.

 

- Qual é a etapa seguinte? - quis saber Scrafield.

- Como tenciona actuar?

 

- Da maneira habitual. Principiarei por uma declaração à Imprensa: comunicarei a Ferguson como o meu Gabinete vai proceder, explicando que acusarei o Dr. Arnold Freeberg de proxenetismo.

 

- E Gayle Miller?

 

- Por enquanto, não se lhe toca. Só depois de comprovado o seu acto de prostituição. No entanto, já dispomos de material suficiente para a acusação de proxenetismo. Por conseguinte, a primeira declaração pública só se referirá a Freeberg.

 

- Posso utilizar o assunto para tema do meu programa de amanhã? - perguntou, com ansiedade.

 

- Não vejo inconveniente, desde que limite os seus ataques à matéria da minha declaração.

 

- Quando poderei mencionar a prostituição?

 

- Logo que Hunter montar Gayle Miller - prometeu Lewis. - Espero   que   seja   depois   de   amanhã. A seguir, acusá-los-ei em conjunto e emitirei mandados de captura contra Freeberg por um delito grave e contra ela por comportamento à margem da Lei. Espero assim fazê-los acusar formalmente por um juiz, no prazo de quarenta e oito horas.

 

- E a partir daí? - inquiriu Scrafield, sorridente.

 

- Comparecerão perante o tribunal e, além de terem a actividade profissional irremediavelmente comprometida, sofrerão penas pesadas - informou Lewis, que também franzia os lábios num sorriso de satisfação.

 

- E o seu nome figurará nas primeiras páginas de todos os jornais, meu amigo.

 

- Tal como o seu - salientou, levantando-se. - Se Freeberg e Gayle cumprirem a sua parte da operação, nós cumpriremos a nossa. São favas contadas, reverendo.

 

ESTE exercício é o da minha formatura? Adam Demski e Gayle encontravam-se, desnudos, na sala de terapia, sentados lado a lado na borda do tapete.

 

- Pelo menos, tenho essa esperança.

 

- Mostrar-me-ei à altura da situação - afirmou ele, divertido.

 

- Farei   o possível   para que se eleve - asseverou ela.

 

Ao observá-lo, agradava-lhe o que via, em franco contraste com o homem rígido e apreensivo que se lhe deparara, algumas semanas atrás. Junto dela, achava-se agora um mancebo aparentemente confiante e descontraído ao ponto de emitir comentários jocosos e sorrir. A atitude comprazia-a, e estava convencida de que não se verificaria uma recaída susceptível de o fazer regressar à impotência.

 

- Quando efectuarmos a penetração... - começou ele, pegando-lhe na mão.

 

- Sim?

 

- Eu gostava de me colocar por cima.

 

Gayle ponderou a sugestão por breves instantes e decidiu que o paciente estava em condições de actuar na posição mais ortodoxa, pois só se consideraria vitorioso, quando pudesse consumar o acto sexual daquela maneira. Com efeito, a posição de missionário era a mais popularizada no mundo dos homens, aquilo que supunham que se esperava deles.

 

Agora, Adam Demski queria provar a si próprio que estava preparado para enfrentar o mundo real. O que implicava penetrar por cima. O êxito nessa posição robustecer-lhe-ia a sua nova sensação de potência.

 

- Muito bem - surpreendeu-se Gayle a responder.

- Não vejo nenhum inconveniente.

 

Desejava acrescentar que havia muitas outras posições mais aconselháveis para ele, mais confortáveis e até mais eficientes, com uma futura parceira, mas preferiu não lhe criar confusão num momento daqueles. Haveria muito tempo para discutir as variações, quando se reunissem com o Dr. Freeberg, para a conversa final.

 

Para já, ele queria provar a sua virilidade na posição masculina clássica, e ela decidiu envidar todos os esforços para que as coisas se desenrolassem da melhor maneira.

 

- Começamos, Adam?

 

- Estou ansioso.

 

Gayle deitou-se no tapete e ele imitou-a. Em seguida, ela procurou a posição de costas mais conveniente e Adam apoiou-se nos joelhos, preparado para a indicação imediata.

 

- Menos precipitação - recomendou ela. - Creio que um pouco de acção preliminar não estaria deslocada. Quero lubrificar-me com naturalidade e que você alcance uma erecção completa antes de me penetrar.

 

- Com certeza - aquiesceu ele, em tom de desculpa. - De facto, precipitei-me.

 

- Não há pressa. Saboreemos todos os momentos, do preâmbulo até ao clímax.

 

- De acordo - aquiesceu, deitando-se de costas ao lado dela. - Podemos manter os olhos abertos?

 

- Se preferir.

 

- Prefiro.

 

Começou a fazer deslizar os dedos da mão direita pela fronte de Gayle, em torno dos olhos, ao longo do nariz e lábios. Quando alcançou os seios, acariciou-os com suavidade e inclinou a cabeça para beijar os bicos.

 

Entretanto, ela sentia-lhe a eficiência e, sem que o pudesse evitar, notou que os bicos dos seios endureciam e principiava a aparecer humidade entre as pernas.

 

De repente, porém, apercebeu-se de outra coisa que exercia pressão na coxa.

 

Baixou os olhos e viu o pequeno pénis flácido começar a dilatar-se para a erecção.

 

Estendeu a mão e rodeou-o com os dedos, enquanto com a outra lhe massajava os ombros e costas.

 

Subitamente, sem que fosse pronunciada uma só palavra, Demski encontrou-se de joelhos sobre ela.

 

A sensação era de prazer mesclado com triunfo, no momento em que a cabeça do pénis principiou a deslizar para o interior da vagina.

 

Gayle deu-se conta do palpitar do coração dele, ao iniciar o movimento de vaivém. O que a surpreendia era o vigor com que a empalava, juntamente com a firmeza e persistência da acção de êmbolo. Esperava que atingisse o orgasmo com prontidão, mas em seguida descobriu que o confundia com Chet Hunter. O problema de Demski nunca fora daquela natureza e agora menos que nunca.

 

Dirigiu um olhar fugaz ao relógio em cima da mesa e viu que se tinham escoado sete ou oito minutos desde que haviam começado.

 

Ele continuava em cima, insistindo no ritmo regular, e ela descobriu-se a elevar e baixar as nádegas involuntariamente, em sincronia com o parceiro.

 

Os movimentos prosseguiam, e Gayle principiou a supor que Demski era um ejaculador retardado que possivelmente nunca chegaria ao orgasmo... ou ela o precederia.

 

No momento em que se deteve e apoiou no cotovelo ofegante, ela lançou nova mirada ao relógio.

 

Doze minutos.

 

Nada mau. Na realidade, muito bom mesmo.

 

Quando ele retirou o pénis, Gayle viu que exibia um largo sorriso.

 

Estendeu a mão e puxou-lhe a cabeça para baixo, a fim de o beijar. Em seguida, abraçou-o, sem se importar com a transpiração que lhe deslizava pelo rosto e corpo.

 

- Então, senhora professora - murmurou-lhe ele ao ouvido, quantos valores me dá?

 

- Hoje tornou-se um homem, Adam - replicou ela, no mesmo tom. - Está preparado para consolar uma população de mulheres receptivas. Dou-lhe a classificação máxima, com honras.

 

- Com honras?

 

- Assinarei a sua caderneta diária. Terá o mundo feminino a seus pés. Parabéns!

 

Eles encontravam-se no quarto do apartamento de Paul Brandon.

 

- Bem - proferiu Nan- Whitcomb, com um suspiro.

 

- Parece que é a última vez.

 

Do vestuário, apenas restavam as cuecas de nylon, que despiu no momento imediato.

 

Durante uns segundos, contemplou o monte de Vénus e, distraidamente, começou a alisar a penugem púbica, imersa em reflexões.

 

Por fim, ergueu a cabeça para olhar Brandon, que ainda não terminara de se despir.

 

- Antes de efectuarmos o exercício pela última vez, queria dizer uma coisa.

 

- Talvez não seja a última, se chegarmos à conclusão de que o problema não foi totalmente superado.

 

- Não creio que isso aconteça. Tenho a certeza absoluta de que tudo correrá normalmente, doravante. Mas gostava de me referir a outra coisa. Estou... estou envergonhada de mim mesma pelos aborrecimentos que lhe causei.

 

- Aborrecimentos? Não me causou nenhum.

 

- Causei, sim. O Dr. Freeberg foi extremamente franco comigo. Muito aberto, graças a Deus. - Nan fez uma   pausa. - Referiu-se   ao  nosso   relacionamento. (Brandon inclinou a cabeça, enquanto despia as calças.)

 

- Fez muitíssimo bem em me falar do que se passava e mostrar a situação em que eu o colocava, Paul. Na realidade, levou-me a abarcar o verdadeiro aspecto da situação. - Contemplou o corpo dele com uma expressão de nostalgia. - De facto, apaixonei-me por si, sem que o pudesse evitar. Passou um mau bocado por minha culpa, quando apenas pretendia cumprir a sua missão profissional para me curar...

 

- Não seja tão severa para consigo - interrompeu ele. - De   resto,   não   foi   uma   reacção   unilateral. Reconheço agora que também me envolvi emocionalmente consigo e, porventura, sem se dar conta, encorajei-a. Não o devia ter feito. Foi uma atitude muito pouco profissional   da   minha   parte. - Estendeu   a   mão   para pegar na dela. - Quero que saiba que gostava (e gosto) de si, quando tentava curá-la,

 

- Nunca conheci um homem tão gentil - sussurrou Nan, puxando-o, com um sorriso de embaraço. - Bem sei que não conheço muitos e achava todos insignificantes até que você apareceu. - Segurou o rosto dele entre as mãos e beijou-o. - Não voltarei a dizer que o amo, mas é verdade. A diferença consiste em que me compenetrei de que tudo vai chegar ao fim.

 

Ele retribuiu o beijo e fez-lhe deslizar os dedos pelas faces.

 

- Terá mais sorte, no futuro. Muito mais.

 

- Ao menos, sei o que devo procurar. Um homem bondoso, terno e inteligente... como você. - Ela roçou o corpo pelo dele. - Mas já que o tenho junto de mim, porque saboreamos a última vez. Quero provar-lhe que estou preparada. - Levou a mão à erecção tumescente. Já sei que você também está.

 

- Sem a menor dúvida...

 

Brandon conduziu-a para a cama e, depois de a ver deitada de costas, reuniu-se-lhe.

 

Quando Nan ergueu os joelhos e abriu as pernas, instalou-se entre elas e começou a penetrá-la com lentidão.

 

Não necessitou de lhe perguntar se sentia dores, pois a expressão quase extática revelava-lhe o essencial. A sensação penosa desaparecera, substituída, única e exclusivamente, pelo prazer.

 

- Meu   Deus... - gemeu   uma vez,   enquanto ele continuava a penetrar.

 

Por fim, estendeu as mãos para se lhe segurar. O rosto contorceu-se, e Brandon compreendeu que alcançara o orgasmo e também não se conteve.

 

Após um intervalo, retirou o pénis e deitou-se ao lado dela, cujo arfar da virilha lhe indicou que ainda não se considerava saciada. Por conseguinte, introduziu os dedos na vagina e iniciou o movimento de vaivém. Nan não tardou a ter o segundo orgasmo e, pouco depois, o terceiro, até que finalmente permaneceu inerte e esgotada.

 

Transcorridos alguns minutos, voltou a cabeça para ele.

 

- Portei-me bem?

 

     - Com perfeição.

 

- Você   foi   delicioso.   Obrigada por   me permitir dizê-lo.

 

Após novo silêncio, porque se preocupava sinceramente com ela, Brandon perguntou:

 

- Que pensa fazer?

 

- Creio que abandonarei a cidade - declarou ela, depois de reflectir por um momento. - Não quero correr o risco de esbarrar em Tony Zecca. Talvez vá para o Médio-Oeste. Tenho uma prima em Dês Moines e outra em Chicago. Mas onde quer que me instale, encontrarei uma maneira de sobreviver num emprego qualquer e utilizarei o dinheiro que me sobrar para frequentar um curso de secretária, à noite. Assim, poderei arranjar uma colocação mais bem remunerada e, com um pouco de sorte, um homem tão gentil como você. Que lhe parecem os meus planos?

 

- Excelentes. Mas não parta imediatamente. O Dr. Freeberg gostava que jantássemos com ele, depois de amanhã. É costume, quando os pacientes e os delegados concluíram os exercícios com êxito. Aceita o convite?

 

- Não faltarei. O Dr. Freeberg disse-me que você tem   a   sua   vida   pessoal   para   viver.   Gostava   de   a conhecer.

 

Ao princípio da noite, na sala de terapia de Gayle, ela despiu-se, e reclinou-se no sofá, à espera de Chet Hunter, observando-o, enquanto se desembaraçava da roupa.

 

- Fez o trabalho de casa?

 

- Com devoção.

 

- Como se sente?

 

- Com disposição para ser bem sucedido.

 

- Já foi, da última vez - salientou. - Houve penetração.

 

- Segundo o meu código, não. Você ficou por cima e tratou-me como se fosse um objecto frágil. Conseguiu meter-me dentro de si, mas por pouco tempo... talvez menos de um minuto...

 

- Mais do que isso.

 

- De qualquer modo, creio que continuei a ser prematuro. Quer que aguente cinco minutos...

 

- Dez, Chet. Eu disse dez minutos.

 

- Bem, não sei. É possível. - Ele aproximou-se do sofá,   com   uma   expressão grave. - Tem   de   resultar, Gayle. Como sabe, sou louco pela minha pequena e quero casar com ela. Ora, não o poderei fazer até estar curado. Acha que já estou?

 

- Julgo que sim, depois do exercício de hoje replicou Gayle, inclinando a cabeça com veemência.

 

- Que vai acontecer hoje?

 

- O seu espectáculo de despedida.

 

- Pensava que não devia actuar.

 

- Não   actuará   propriamente.   Desfrutará   apenas. Talvez de forma memorável...

 

- A fazer o quê?

 

- Sabe-o bem. A penetração da maneira que sempre desejou. Colocado em cima, como mandam as regras da masculinidade, para executar o coito completo. É natural que eu tenha de o refrear uma ou duas vezes e apertar, mas prosseguiremos até estarmos ambos satisfeitos.

 

- Só as suas palavras bastam para começar a entusiasmar-me.

 

- Venha   cá,   Chet - convidou   ela. - Deite-se comigo.

 

- Mas já estou preparado, como pode ver.

 

- Nada de precipitações. Não temos pressa. Vamos criar o prazer gradualmente e, quando vir que nos encontramos nas condições ideais, previno-o. Portanto, deite-se a meu lado, para nos descontrairmos com alguns contactos preliminares.

 

- Como queira - assentiu ele, com relutância, obedecendo.

 

- Faça caso do que digo. A sua parceira é que sabe o que lhe convém.

 

- Muito bem, parceira - articulou, acomodando-se.

- Estou pronto para começar.

 

- Afaste o pensamento do pénis e concentre-se na sensualidade   em   geral.   Acaricie-me.   Depois,   acaricio-o eu.

 

Emitiu um grunhido e começou a mover os dedos ao longo de todo o corpo dela, não tardando a absorver-se na operação e experimentar prazer com as reacções que lhe notava.

 

- Você   é   fantástica.   Tenho   o   membro   quase   a estoirar.

 

- Deixe o membro sossegado, de momento. Agora, sou eu.

 

À medida que Gayle lhe acariciava o rosto e abdómen, ele sentia a urgência atenuar-se e principiou a soltar pequenos gemidos de prazer.

 

- Preciso de si, Gayle - sussurrou, esforçando-se por dominar a respiração.

 

- De que está à espera?

 

No instante imediato, encontrava-se em cima dela. Um momento de hesitação e o pénis entrou gradualmente, sem que se registasse a ejaculação. Em seguida, iniciou o movimento de vaivém.

 

- Devagarinho - recomendou Gayle. - Vai muito bem. Sente a ejaculação aproximar-se?

 

- Ainda não.

 

Apetecia-lhe pousar as mãos nas nádegas, para o ajudar, mas não queria excitá-lo demasiado, pelo que conservou as palmas apoiadas nos ombros.

 

- Muito bem - repetiu.

 

- É estupendo!

 

Ele intensificou os movimentos e ela viu-o assumir uma expressão quase de angústia.

 

- Que tem, Chet?

 

- Receio que...

 

Libertou-se do amplexo, estendeu a mão para o pénis húmido e apertou-o com firmeza.

 

- Mas eu queria...

 

- Não se preocupe. Há-de conseguir, mais tarde.

 

Continuou a apertar, até que o pénis se tornou flácido. A seguir, com uma olhadela fugaz ao relógio, recomeçou a acariciá-lo, até que tornou a verificar-se a erecção.

 

- Pode voltar a entrar - indicou, assumindo a posição apropriada.

 

Ele colocou-se-lhe de novo em cima e introduziu o pénis na vagina, reiniciando os movimentos.

 

- Vá insistindo.

 

Obedeceu, embora não necessitasse de ser estimulado, e, de súbito, proferiu em voz entrecortada:

 

- Gayle... eu... eu...

 

- Está autorizado - anunciou ela, em tom jovial.

 

Foi um orgasmo ruidoso e prolongado. Por fim, Hunter caiu pesadamente para o lado, como se tivesse sido atingido com um tiro.

 

- Fenomenal - murmurou, ofegante.

 

- Chama-se a isto uma ejaculação adulta. Agora, descansemos.

 

Passados alguns minutos, ela levantou-se e enfiou o roupão.

 

- Depois de me lavar, vou à cozinha preparar uma bebida reconfortante. Contenta-se com chá?

 

- O que desejar. - Quando Gayle reapareceu com duas chávenas fumegantes, sentaram-se no tapete e ele observou: - Você é de facto maravilhosa. Conseguiu que aguentasse até ao fim. Quantos minutos foram?

 

- Sete.

 

- Imagine! Fantástico. - Assumiu um ar grave. - Mas preferia tê-lo feito sem o apertão.

 

- Há-de conseguir - prometeu ela, pousando a chávena e pondo-se de pé para despir o roupão. - Desta vez, vamos fazê-lo sem intervenção das mãos. Até ao fim sem apertão.

 

- Não está satisfeita com os sete minutos?

 

- Claro que estou, mas não o largo no mundo cruel que nos rodeia até que me penetre durante pelo menos dez. Depois, deixá-lo-ei partir, por muito que me custe. Vamos, pois, a isso, Chet.

 

Quando se preparava para abrir a torneira do chuveiro, ainda eufórica com os dois triunfos daquele dia, Gayle julgou ouvir a campainha da porta. Vendo que eram quase dez horas, calculou que se tratava de Paul Brandon, pelo que vestiu o roupão de seda e abandonou a casa de banho, dominada por uma forte sensação de expectativa.

 

O relacionamento de ambos havia conhecido altos e baixos [mais baixos do que altos), nos últimos dias. Até agora, ambos se tinham preocupado com as necessidades de terceiros. No entanto, a terapia chegara ao fim com êxito, pelo que se lhes deparava a ansiada oportunidade de se concentrarem nos seus próprios interesses.

 

Atravessava a sala, quando ouviu a chave rodar na fechadura da porta de entrada, e a sua excitação avolumou-se ao ver surgir Brandon.

 

- Como   estás, querido? - murmurou   ela,   depois de se beijarem, quando se encaminhavam para o quarto.

 

- Encantado por me encontrar finalmente a sós contigo - declarou ele, despindo o casaco e começando a desabotoar a camisa. - Um pouco cansado, em todo o caso - acrescentou, passando a libertar-se das calças.

- Foi um dia extenuante.

 

- Para mim, também. Como correram as coisas com Nan? O Dr. Freeberg facilitou-te o trabalho?

 

- De facto, não houve qualquer problema. - Sentou-se na borda da cama para descalçar os sapatos e peúgas. - Ela   mostrou-se   mesmo   extremamente compreensiva.

 

- E tu?

 

- Profissional do princípio ao fim. E os teus pacientes? Ficaram ambos aprovados ou apenas um?

 

- Ambos.

 

- Conseguiram o que pretendiam?

 

- Conseguiram:, graças a Deus.

 

- Então, deves   estar esgotada - observou, despindo as cuecas.

 

- Não, sinto-me bem.

 

- Depois de quatro horas com eles? Admira que possas manter-te de pé.

 

- Também não foi assim tão esgotante. No fundo, tratava-se de pacientes. Não possuem o vigor de quem não foi afectado por problemas dessa natureza. Se estou um pouco cansada, é por causa da tensão. Quando chegamos à última sessão, existe sempre um certo receio do insucesso, após tanto trabalho.

 

- Mas foste bem sucedida nos dois casos. Os exercícios terminaram?

 

- Completamente. - Gayle fez uma pausa, enquanto o contemplava com curiosidade. - Mas quem parece em baixo és tu. E só tiveste de te ocupar de uma paciente.

 

- Não esqueças   que   Nan   foi   a   minha   primeira. Como referiste, há uma forte tensão envolvida. Mas deixemos os outros e concentremo-nos em nós.

 

- Tens razão. - Vendo que ele estendia os braços, recuou um passo e indicou: - Mete-te na cama, que não me demoro. Vou tomar banho num abrir e fechar de olhos. - Começou a afastar-se. - Espera por mim.

 

- Com ansiedade. Não leves muito tempo.

 

- Verás que mereceu a pena esperar um pouco. O banho de chuveiro foi maravilhoso, como um ritual iniciador de uma vida nova. Depois de fechar a torneira e secar-se, aplicou água-de-colónia no corpo e um pouco de perfume menos activo atrás das orelhas e no vale entre os seios.

 

Sem se preocupar em voltar a vestir o roupão, encaminhou-se para o quarto e viu que Brandon permanecia deitado na cama.

 

Ansiosa por começar a estimulá-lo, instalou-se a seu lado e aguardou.

 

Todavia, ele não se moveu.

 

Gayle soergueu-se para o observar e descobriu com assombro que dormia profundamente.

 

Apesar de tudo, não se sentiu muito contrariada, porque compreendia o que se passava, pois, na sequência de um dia esgotante, também lhe apetecia descansar e dormir.

 

Por conseguinte, aconchegou-se-lhe e, sentindo o sono principiar a dominá-la, reflectiu que poderiam amar-se de manhã.

 

Pressentiu que fariam amor como ela nunca fizera em toda a sua vida. Somente lhe interessava tornar Brandon feliz. Queria que ele...

 

De momento, a única coisa que queria era dormir, e adormeceu.

 

Ao regressar a casa, após a sessão final com a sua delegada, Chet Hunter tinha a impressão de que flutuava no espaço.

 

Desejava telefonar a Suzy para lhe comunicar o resultado, mas reconheceu que estava demasiado cansado para se expor a semelhante excitação, além do que havia a possibilidade de ela pretender inteirar-se da vitória de uma forma mais concreta que a verbal. Com a euforia e exaustão que o assolavam, ele apenas queria comemorar o êxito com um bom trago de uísque.

 

No entanto, antes de se dirigir ao armário para pegar na garrafa, compreendeu que necessitava de se ocupar de um assunto prioritário. Essa chamada tinha de ser feita. O reverendo Josh Scrafield devia aguardar com ansiedade os resultados da última sessão, para saber se o coito com Gayle se consumara.

 

Nessa conformidade, levantou o auscultador da extensão da sala e marcou o número. Atendeu uma voz feminina e, transcorridos alguns segundos, Scrafield encontrava-se no outro extremo do fio.

 

- É você, Chet? - perguntou com impaciência.

 

- O próprio.

 

- E então?

 

Hunter acercou mais os lábios do bocal e anunciou em tom confidencial:

 

- Consegui, reverendo. - Entrou nela?

 

- Por duas vezes.

 

- Meteu-o mesmo dentro dela? - insistiu Scrafield, como se tivesse dificuldade em se convencer.

 

- Sem margem para a menor dúvida.

 

- Está disposto a jurar que o que acaba de dizer corresponde inteiramente à verdade?

 

- Jurarei sobre uma pilha de Bíblias, se for necessário. De resto, tenho a gravação.

 

- Excelente trabalho!

 

- Ainda não a transcrevi, porque estou arrasado.

 

- Ela esgotou-o, hem?

 

- E de que maneira! De qualquer modo, tratarei disso pela manhã. Não sei se telefone a Hoytis Ferguson...

 

- Deixe, eu encarrego-me de os informar. Vou ligar primeiro para Ferguson e a seguir para casa do promotor, ainda que seja necessário arrancá-lo da cama. Quero comunicar-lhe sem demora que você obteve as provas e podemos avançar.

 

- Tem a certeza?

 

- Agora, ninguém se poderá opor. Você terminará a sua participação na operação depois de levar a Hoyt Lewis a transcrição da gravação, juntamente com o relatório de tudo o resto que aconteceu. Havemos de colocar o chulo do Freeberg e a sua rameira atrás das grades muito mais cedo do que pensávamos. Estupendo!

 

Ao pousar o auscultador, Hunter reconheceu que sofrera um abalo no instante em que o reverendo chamara rameira a Gayle. A inflexão cáustica que incutira ao termo proporcionou-lhe um momento de desconforto. "Mas enfim, negócios são negócios!", acabou por decidir para consigo.

 

Aguardava a manhã seguinte com ansiedade, altura em que completaria o seu trabalho, revelaria tudo a Suzy e depois entregaria o material.

 

Assolado por crescente euforia de triunfo, levantou-se da poltrona da sala e serviu-se finalmente da garrafa de scotch.

 

Brandon foi o primeiro a acordar e tentou desanuviar o espírito, para se recordar do que acontecera na véspera, mas só então se apercebeu de que não se encontrava só. A seu lado, achava-se deitada Gayle, que também emergia gradualmente do sono.

 

- Até que   enfim... - principiou,   rodeando-lhe   os ombros com o braço, mas a campainha do telefone na mesa-de-cabeceira do lado dela interrompeu-o. - Deixa tocar - murmurou.

 

Gayle espreguiçou-se e volveu os olhos para o despertador.

 

- Não posso - declarou,   pesarosa. - São   oito e meia. Só o Dr. Freeberg costuma telefonar tão cedo. Tenho de atender, Paul. - E estendeu a mão para o auscultador.

 

Era na verdade o médico.

 

- Preciso falar consigo, Gayle...

 

- Quer que passe pela clínica?

 

- Não,   neste   momento. - Fez   uma   pausa. Está só?

 

Ela dirigiu um breve olhar a Brandon, que enrugava a fronte, numa expressão de perplexidade, e replicou, hesitante:

 

- Bem, não. Está aqui Paul Brandon.

 

- Não tem   importância, pois pertence à família. Tenho de lhe comunicar uma coisa.

 

- Parece preocupado, doutor - observou, soerguendo-se e cobrindo os seios com a ponta do lençol. - De que se trata?

 

- Estou de facto preocupado, e por razões de peso. Preste muita atenção, Gayle. Acabo de ser preso. A Polícia aguarda lá fora...

 

- Preso?! Terei ouvido bem?      

 

- Ouviu, sim. Por proxenetismo. A possibilidade sempre existiu e eu devia tê-la prevenido. Não o fiz, porque me garantiram que não me podiam acusar e quis evitar que o pessoal se alarmasse. Mas aconteceu e julguei conveniente informá-la antes que...

 

- Vão levá-lo para a prisão?

 

- A fim de ser formalmente indiciado, em primeiro lugar.

 

- Que se passa? - quis saber Brandon, pousando a mão no braço de Gayle.

 

Esta cobriu o bocal com a mão e informou:

 

- O Dr. Freeberg foi preso por proxenetismo. - Retirou-a, para se dirigir de novo ao médico. - Quem está por trás de tudo isto?

 

- O promotor público, Hoyt Lewis. A sua intervenção principiou há uns dias. Ele procurou-me para comunicar que a utilização de delegados sexuais constituía um acto de proxenetismo, segundo a Lei da Califórnia, e ameaçou levar-me aos tribunais se não renunciasse a essa actividade. Contactei com o meu advogado, Roger Kile, (você conhece-o) o qual, depois de efectuar pesquisas nos códigos estaduais, garantiu que Lewis não poderia incomodar-me. Lamento, Gayle. Eu devia tê-la avisado.

 

- Mas avisado de quê? - perguntou ela, com um pressentimento desconfortável.

 

- Também vai ser presa.

 

- Eu? Acusada de quê?

 

- Prostituição. Eu por proxenetismo, uma actividade delituosa, e você por prostituição, comportamento contrário à moral, porque trabalha para mim.

 

- Não   acredito!   Então e os outros:   as   minhas colegas e Paul?

 

- Somos apenas nós os visados. Tudo indica que, se ganharem o pleito, acusarão os restantes mais tarde.

 

- Mas porquê eu em especial?

 

- Tentei inteirar-me, e a única coisa que consegui averiguar foi que a principal testemunha de acusação é um dos seus pacientes.

 

- Um dos meus pacientes? É impossível. O senhor conhece-os tão bem como eu. Adam Demski não vive em Hillsdale, nem conhece ninguém aqui, além de que o acho incapaz de molestar uma mosca. Quanto a Chet Hunter, nunca me denunciaria como prostituta. Eu salvei-o. Restituí-lhe a confiança na virilidade.

 

- Um deles denunciou-a e deporá contra nós no tribunal - persistiu Freeberg, implacável.

 

- Mas   não   faz   sentido.   Que...   que   nos   vai acontecer?

 

- Emitiram mandados de captura contra nós os dois, mas os delitos mencionados diferem. Vão levar-nos para a cadeia do Município, onde recolherão as impressões   digitais,   tirarão   fotografias   para   os ficheiros...

 

- Não pode ser...

 

- E   estabelecerão   o   quantitativo   da   fiança.   Já preveni Roger Kite, que deve chegar de Los Angeles a todo o momento para tratar disso. Por conseguinte, seremos Libertados imediatamente.

 

- Por quanto tempo?

 

- A sequência dos acontecimentos   diferirá para cada um de mós. Eu devo ser ouvido em sessão preliminar dentro de dez dias, e o juiz decidirá da possibilidade ou não de ter havido uma actividade criminosa. Em caso afirmativo, serei julgado num prazo máximo de dois meses.

 

- E eu? - perguntou Gay lê, em voz trémula.

 

- O seu processo é mais simples. Comparecerá perante um magistrado, acompanhada por Roger Kile, que   apresentará   uma   contestação   de   não   culpada. Depois, poderá ou não ser submetida a julgamento.

 

- Vai aparecer tudo nos jornais e na televisão?

 

- Receio bem que sim.   Mas   não se preocupe, porque Roger tratará da nossa defesa.

 

- Mas   estou   preocupadíssima,   doutor!   Estou mesmo morta de medo! Quando devo esperar ser presa?

 

- Dentro de uns   dez   minutos. Agora,   tenho de desligar.

 

Ela pousou o auscultador no descanso com um gesto brusco e voltou-se para Brandon.

 

- A polícia vai aparecer aí a todo o momento, Paul.

- Enquanto ele a abraçava e tentava reconfortar, acrescentou: - Está   tudo   perdido!   Consegues   imaginar alguém detido por prostituição receber uma bolsa de estudo da UCLA? Foi tudo por água abaixo...

 

- Tudo não, querida. Restamos nós.

 

- Sim, mas um estará na cadeia!

 

E começou a chorar convulsivamente.

 

QUANDO acordou, de manhã, a primeira ideia que acudiu ao pensamento de Chet Hunter foi contactar com Suzy Edwards, para lhe comunicar a fantástica novidade.

 

Assim, ainda de pijama, pegou no telefone e marcou o número da Clínica Freeberg.

 

- Preciso falar-te com urgência, Suzy - anunciou, excitado. - Quando podes passar por minha casa?

 

- Sabe-lo perfeitamente. Logo que termine o trabalho aqui. Pouco depois das seis.

 

- Não, mais cedo. Temos de conversar antes disso.

 

- É assim tão importante? - inquiriu ela, intrigada.

- De que se trata?

 

- Pelo telefone, não. Quero mostrar-te uma coisa. E é de facto importante.

 

- No intervalo para o almoço? Óptimo. Trincamos uma sanduíche, enquanto conversamos.

 

- Acerca   de   quê? - persistiu. - Não   me   podes dar um lamiré?

 

- Depois vês. Espero-te ao meio-dia e um quarto. Quando   cortou   a   ligação,   Hunter   lembrou-se   de outra chamada necessária, pelo que voltou a levantar o auscultador e marcou o número do Município.

 

A secretária de Hoyt Lewis revelou-lhe que ele se ausentara em serviço e acrescentou:

 

- Mas sei que aguardava notícias suas e disse que se encontraria consigo.

 

- É por isso que telefono - esclareceu Hunter. Transmita-lhe o seguinte recado, por favor. Desejo falar-lhe no assunto relacionado com a conversa dele com o reverendo Scrafield, ontem à noite. Estou a transcrever tudo e, depois de mandar tirar fotocópias, envio-lhe uma antes do meio-dia. Passarei por aí entre as duas e as três, se ele não vir inconveniente. Tomou nota de tudo?

 

- Perfeitamente, Mr. Hunter. - A secretária soltou uma risada divertida. - Depreendo que ontem conseguiu, finalmente.

 

- Mas quem lhe?...

 

- Não esqueça que sou a secretária particular de Mr. Lewis. Passei à máquina a descrição das acusações, há duas horas.

 

- Sim, acertou. - Ele não pôde evitar um sorriso.

- É verdade, minha prezada senhora: consegui, finalmente.

 

A boa disposição manteve-se, depois de pousar o auscultador. Dispunha de quase duas horas para se preparar para o da que ficaria memorável. Após um prolongado banho de chuveiro, faria a barba, tragaria um pequeno-almoço completo e concluiria o seu diário para entregar a Hoyt Lewis.

 

Em seguida, aguardaria pacientemente a chegada de Suzy, que seria a primeira leitora dos seus apontamentos, mais tarde entregues ao promotor público e por fim ao editor do Chronicle, Ferguson.

 

Sentando-se diante da máquina de escrever eléctrica, tentou evocar, com a maior abundância de pormenores possível, o que acontecera na sua última sessão com Gayle. Embora o diálogo estivesse registado na gravação, somente a sua mente poderia reconstituir o ambiente.

 

Ela encontrava-se sentada no sofá, desnuda como viera ao mundo, e aguardava que ele terminasse de se despir.

 

Perguntara como se sentia e ele respondera: "Com disposição para ser bem sucedido."

 

Depois, ela observara: "Já foi, da última vez. Houve penetração."

 

Os dedos começaram a mover-se rapidamente sobre as teclas. Decidiu não mencionar a parte referente ao seu receio da prematuridade ejaculatória. Os pormenores dessa natureza não eram necessários. No fundo, não tentava emular James Joyce ou Henry Miller, pelo que resolveu concentrar-se no que se revestiu de relevância e correspondia à verdade.

 

"De qualquer modo, creio que continuei a ser prematuro, dissera ele. "Quer que aguente cinco minutos."

 

"Dez, Chet, corrigira ela. Eu disse dez minutos".

 

Escrevia mais depressa, à medida que se aproximava das passagens mais suculentas, omitindo apenas algumas palavras menos pertinentes.

A penetração da maneira que sempre desejou. Colocado em cima, como mandam as regras da masculinidade, para executar o coito completo."

 

O movimento dos dedos acelerou-se ainda mais.

"De que está à espera?", perguntara Gay lê.

 

Não pôde deixar de esboçar um sorriso ao reconhecer intimamente que se tratava de uma mulher apetitosa e suculenta, talvez não tanto como Suzy, mas nada má, para uma parceira remunerada.

 

Ao recordar a penetração final, engoliu com dificuldade e alongou-se um pouco mais nos pormenores.

 

"Conseguiu que aguentasse até ao fim, admitira ele. "Quantos minutos foram?"

 

"Sete", informara ela, que, um pouco adiante, advertira: "... não o largo no mundo cruel que nos rodeia, até que me penetre durante pelo menos dez."

 

E conseguira-o, na segunda vez ainda melhor que na primeira, e descreveu tudo minuciosamente.

 

Por fim, arrancou a derradeira página da máquina e releu o que escrevera, verificando com satisfação que apenas necessitava de introduzir três correcções.

 

Em seguida, reclinou-se na cadeira, para saborear o triunfo.

 

Aquilo não bastaria para entusiasmar o promotor público? E Sorafield? E, mais importante, Otto Ferguson?

 

No entanto, acima de tudo figuraria a reacção entusiástica de Suzy Edwards.

 

Recolheu as folhas e saiu para fazer duas visitas. A primeira destinava-se à tabacaria da esquina, onde mandou tirar três fotocópias. Em seguida, cruzou a rua em direcção ao Serviço de Mensageiros Ultra-Rápidos e providenciou para que fosse entregue uma a Hoy t Lewis, mo Município, outra ao reverendo Scrafield, na sua igreja, e a terceira a Otto Ferguson, na redacção do Chronicle de Hilisdale.

 

Era exactamente meio-dia, quando regressou a casa com o original, a fim de aguardar a aparição de Suzy.

 

Ela apresentou-se às 12.14 e, depois de o beijar, afastou-o um pouco na sua frente, para tentar determinar um pormenor susceptível de lhe satisfazer a curiosidade.

 

- De que se trata? - acabou por perguntar.

 

- Disto - replicou Hunter, estendendo-lhe o original dos seus apontamentos e conduzindo-a à sua poltrona preferida. - Senta-te inteira-te do que se passou na minha última sessão de terapia.

 

Embora se vissem com regularidade nas duas últimas semanas, ele evitara duas coisas: qualquer tentativa de sexo com ela, em obediência à recomendação do Dr. Freeberg a todos os pacientes (e, de resto, Hunter receara novo insucesso com Suzy), e discussões das suas actividades com a delegada sexual e progressos verificados, porque nunca se convencera por completo do êxito do tratamento.

 

Agora, ela tomaria finalmente conhecimento de tudo.

 

Assim, observou-a atentamente, enquanto procedia à leitura, e, perto do final, ouviu-a articular entre dentes:

 

- Maravilhoso... maravilhoso... maravilhoso...

 

De súbito, terminou, pôs-se impulsivamente de pé e abraçou-o com entusiasmo:

 

- Conseguiste, querido!   Deu   resultado e o problema desapareceu!

 

- Creio que sim - admitiu ele, um pouco enervado com a explosão, - Mais ou menos...

 

- Qual mais ou menos! Fizeste-o com essa maravilhosa   mulher,   não uma,   mas   duas vezes, três   na realidade. Por que estás tão hesitante?

 

- Porque   não sei   até que ponto os efeitos   da minha delegada se manterão. Gayle demonstrou que o podia fazer com ela, mas agora que me largou, quem me garante que fiquei curado com outra mulher? Pode não resultar.

 

- Diz-me uma coisa, Chet - exigiu ela, segurando-lhe  os   braços   e   olhando-o   com   firmeza. - Apaixonaste-te por ela?

 

-Que ideia! Estou apaixonado por ti, bem sabes. Não passou de uma professora. A minha amada és tu.

 

- Então, -prova-mo - solicitou,   abraçando-o. - Prova-me que te curou o suficiente para o fazeres comigo. É a única coisa que me interessa. Vamos a isso.

 

- Agora? - Hunter parecia perplexo. - Tenho... tenho de sair dentro de momentos e tu precisas de regressar ao trabalho. E ficas sem almoçar? - acrescentou, em voz quase inaudível.

 

- Há tempo de sobra para tudo isso.

 

- Não interpretes mal as minhas palavras. Quero ir para a cama contigo em qualquer altura, sempre...

 

- Então, agora é o momento oportuno.

 

- Tens razão - assentiu, começando a afrouxar o nó da gravata.

 

Suzy despiu a blusa, largou-a na poltrona e encaminhou-se para o quarto.

 

- Segue-me, querido!

 

- É   para   já,   filha.   Puseste-me   rijo   como   uma estaca de aço.

 

No quarto, acabaram de se despir em menos de um minuto e, fixando os olhos no pénis erecto, ela murmurou:

 

- Há muito, tempo que ansiava por isto.

 

Em seguida, deitou-se na cama e Hunter acomodou-se imediata mente a seu lado. Embora sentisse dificuldades em se conter, os exercícios que aprendera nos últimos dias achavam-se bem presentes no seu espírito. Carícias, toques leves... mas sobretudo com lentidão, nada de precipitações, como se necessitasse de provar alguma coisa.

 

Após cinco minutos de preliminares, ele considerou que - eram suficientes e, a avaliar pelos gemidos roucos que emitia, Suzy pensava da mesma maneira.

 

Abriu as pernas para o receber e ele instalou-se convenientemente.

 

Não lhe cruzou o pensamento a menor ideia de ejaculação prematura ou possível insucesso. Na noite anterior, penetrara a sua delegada, não uma, mas duas vezes, ao mesmo tempo que mantinha a erecção e refreava o orgasmo por um período que se lhe afigurara uma eternidade.

 

Nem remotamente   lhe passava pela cabeça que não o conseguiria fazer com Suzy, a sua exuberante e amada Suzy.

 

A ponta do pénis contactou com a entrada da vagina, sem que se registasse o menor espasmo ou emissão de esperma; apenas o desejo devorador de a possuir e fundirem-se num único corpo.

 

Penetrou sem hesitação, sentindo apenas o calor de - ambos ao unirem-se no que prometia ser o seu primeiro coito completo.

 

Surgia finalmente a sonhada consumação e o ponto mais elevado do prazer que ele jamais experimentara.

 

As contracções e extensões de ambos prosseguiram, sem: que qualquer deles se apercebesse da passagem do tempo. Somente lhes interessava verificar que a ejaculação prematura não corroía aquele momento de felicidade.

 

Quando o orgasmo se registou finalmente, desenrolou-se com a maior normalidade.

 

No final, conservaram-se abraçados, aliviados e eufóricos com o que o futuro lhes reservava.

 

A seguir, tomaram banho de chuveiro juntos e vestiram-se, após o que Suzy anunciou:

 

- Vou tratar das sanduíches.

 

- Faz só para ti - indicou Hunter. - Eu como mais tarde, em qualquer sítio. Tenho de me despachar, senão chego atrasado a uma entrevista.

 

Vendo que se afastava para a sala, ela seguiu-o e perguntou:

 

- Para   quê   tanta   pressa?   Não   queres   descontrair-te e?...

 

- Não posso - replicou ele, pegando nas páginas finais do seu diário. - O promotor público está à minha espera, no Município.

 

- O promotor público? Incumbiu-te de algum trabalho de pesquisa?

 

- Incumbiu, e já o concluí. - Ergueu a mão que segurava as páginas. - Ele vai prender Freeberg por proxenetismo e Gayle Miller por prostituição e precisa disto como prova.

 

Suzy assumiu uma expressão horrorizada e colocou-se-lhe na frente, para impedir a passagem.

 

- Um   momento,   Chet.   Não   me   digas   que   não sabes...

 

- Não sei o quê?

 

- Freeberg e Gayle foram presos esta manhã. Ele não se mostrou muito preocupado depois de o seu advogado,   Roger   Kile,   o convencer de que   nenhum paciente testemunharia contra as suas actividades. Mas - acrescentou ela, arregalando os olhos - queres dizer que és tu que vais confirmar no tribunal que Freeberg é um chuto e Gayle uma rameira?

 

- Trata-se apenas de um trabalho. Alguém tinha de o fazer, e eu reuni as provas.

 

- Tu? Não acredito! - A fúria começava a dominá-la. - De repente, em vez do homem que amo, vejo um réptil asqueroso e traiçoeiro! - Fez uma pausa para recobrar o alento. - Indiquei-te a clínica para te curares de uma anomalia e aproveitaste a oportunidade para investigar o que lá se passava!

 

- Foi uma coisa acidental, à margem do verdadeiro motivo do recurso aos préstimos de Freeberg e Gayle

 

- tentou ele explicar, com visível embaraço. - Evidentemente que a minha intenção básica consistia em receber tratamento. - Tornou a agitar as páginas na mão.

 

- Sabes o que isto significa para nós? O assunto transformou-se   num   problema   político     tenho   emprego garantido no jornal de Ferguson.

 

Tentou dirigir-se para a porta, todavia Suzy mantinha-se firmemente na sua frente.

 

- Não vais a parte nenhuma. Se o fizeres, não me voltes a aparecer. Não quero tornar a pôr-te a vista em cima. Considerar-te-ei o que existe de mais abjecto no mundo. Não compreendes o mal que vais produzir ao Dr. Freeberg   e   Gayle   Miller, depois da maneira como te trataram? As tuas declarações podem liquidar-lhes as vidas.

 

- Não sou eu que faço as leis...

 

- Mas és tu que vais tentar provar que as infringiram. Como podes voltar-te contra eles, destruir uma mulher maravilhosa como Gayle? Acabo de ler o que ela fez por ti. Como recompensa, pretendes demonstrar que é uma delinquente.

 

- Sabes   perfeitamente   que   nunca   tive   essa intenção.

 

- A realidade é só uma, Chet. - Ela pousou-lhe as mãos nos ombros. - Não podes... não deves fazê-lo.

 

- Lamento, querida, mas comprometi-me...

 

- Desconpromete-te. - Arrancou-lhe as páginas da mão. - Foi   uma   prostituta   profissional   empedernida que te tratou, ou uma delegada sexual oficial ao serviço de um terapeuta diplomado?

 

- Sai da frente, por favor. O tribunal decidirá quem tem razão. A única coisa que sei é o que está certo para   min.   Para   nós.   Tenho   de   comparecer   a uma entrevista.

 

- Como ser humano, és uma nulidade. Procedes como um rato!

 

- Pára com isso, por favor!

 

- Não podes prosseguir com o trabalho que tens executado. Um dia, surgirá uma oportunidade e triunfarás   na vida.   De momento,   deves viver contigo e comigo. Como podes sequer pensar em prejudicar quem tanto fez por ti? Medita bem nisso.

 

Tonny Zecca sentava-se à secretária do pequeno escritório mas traseiras do restaurante, à espera que o telefone tocasse.

 

Tentara contactar com Manny Martin "Grande", em Las Vegas, cerca de meia hora antes, e fora informado de que se ausentara da sua suite por uns minutos e em seguida telefonaria, sendo acrescentada a recomendação (na realidade, tratava-se de uma ordem) de que não se afastasse do aparelho.

 

Por conseguinte, obedecera e começava a perguntar-se se procedera da melhor maneira e o que diria a Manny, quando finalmente telefonasse.

 

Não duvidava de que lhe satisfaria o pedido, pois sempre tinham mantido relações excelentes. Com a sua rede de restaurantes, Zecca estabelecera a capa perfeita para investir dinheiro de proveniência inconfessável e assumir um aspecto insuspeito aos olhos dos inspectores do Fisco. O grupo ajudara a desenvencilhar-se de pequenos problemas, sem dúvida, todavia ele ainda o auxiliara mais e de uma maneira crucial. Com efeito, entre os favores que o grupo, lhe devia figurava a canalização de droga proveniente da América do Sul. Nessa conformidade, Manny decerto não se negaria a comprazê-lo.

 

No entanto, o que preocupava Zecca era a natureza do   auxílio   que   solicitaria,   quando   surgisse   o telefonema.

 

Por outro lado, o seu alvo final não lhe suscitava a menor dúvida. Desembaraçar-se do patife do Dr. Freeberg, de uma forma ou de outra. O médico seduzira Nam e mantinha-a num hotel para uma penachada ocasional durante o dia. A partir do momento em que fosse eliminado, ela ficaria só e desamparada, pelo que Zecca não teria a menor dificuldade em a fazer regressar ao aprisco.

 

O seu primeiro instinto consistira em ser ele próprio a eliminar Freeberg, pois, embora sempre tivesse tomado as maiores precauções para que Nan não se inteirasse, nunca saía de casa sem uma automática de calibre 45, pelo que a conversão do médico num cadáver resultaria fácil. Não obstante, algo o levara a hesitar. Conquanto não- se sentisse avesso a matar alguém que o prejudicara, a verdade era que não abatia um ser humano desde a guerra do Vietname, porquanto a sua fachada e valor perante o grupo residia na respeitabilidade. Se alguma vez cometesse um deslize e tivesse uma confrontação com a Polícia, a sua utilidade para o grupo terminaria e a sua própria vida poderia conhecer um futuro assaz nebuloso.

 

Por fim, decidira que o trabalho devia ser executado pelo grupo sem rosto. Os seus membros eram peritos na matéria e não subsistiria o menor vestígio capaz de lhes atribuir a paternidade do acto. Por seu turno, ele conservaria as mãos limpas e plena liberdade para fazer Nan voltar para o seu convívio permanente.

 

Nessa conformidade, Zecca telefonara a Manny, em Las Vegas.

 

Agora, enquanto aguardava a chamada, apenas vislumbrava uma incerteza. Que lhe pediria, exactamente? Desejava, porventura, que Manny contratasse um assassino profissional para "esgotar" o malfadado médico e fazer desaparecer o corpo, ou que enviasse um dos seus musculosos colaboradores para lhe triturar o corpo e indicar que abandonasse a cidade no primeiro transporte, se desejava preservar o que restava dele?

 

Enquanto não lhe acudia uma ideia concreta, dirigiu um olhar acerado ao telefone e pegou no Chronicle da Hillsdale, que ainda não abrira, em busca de inspiração.

 

Todavia, antes que tivesse tempo de se concentrar na secção desportiva, o cabeçalho da parte inferior da primeira página atraiu-lhe a atenção. Na realidade, o que lhe despertou a curiosidade foi o nome do Dr. Arnold Freeberg, logo no parágrafo inicial do artigo.

 

Cada vez mais interessado, apressou-se a ler, com satisfação crescente. No final, reclinou-se na cadeira rotativa e exibiu um sorriso mordaz. Segundo parecia, o promotor público, Hoyt Lews, acusava um terapeuta de problemas sexuais chamado Arnold Freeberg de utilizar delegadas para curar os pacientes. Por conseguinte, decidira prendê-lo e a uma colaboradora por enquanto anónima pela prática das actividades ilegais de proxenetismo e prostituição e conseguir que o tribunal mandasse encerrar a clínica a título definitivo.

 

No dia seguinte, Lewis convocaria uma conferência de Imprensa, a fim de expor os pormenores da acusação a Freeberg.

 

O sorriso de Zecca alargou-se.

 

O seu dilema terminara. A Lei proporcionara o meio de se desembaraçar de Freeberg para sempre, pelo que já não necessitava de recorrer a alguém do grupo. O promotor público encarregava-se disso. Na verdade, esgotaria o patife do médico, e Zecca teria a cadela infiel da Nan- de novo na sua cama durante o tempo que entendesse.

 

Naquele momento das suas cogitações, o telefone tocou.

 

Era Manny Martin "Grande", de Las Vegas.

 

- O lá, camarada!. Tem algum assunto importante para discutir?

 

- Nem por isso, chefe. - Zecca engoliu em seco.

- Deixei-me arrastar pelo entusiasmo. Na verdade, é um caso de rotina.

 

- Mas de que se trata?

 

- A encomenda... pois, a encomenda da Colômbia chegou com uma semana de antecedência e pensei que você desejaria tomar as providências necessárias para lhe dar seguimento.

 

- Era   só   isso?   Não   merece   a   pena.   Iremos recolhê-la na data habitual. Obrigado por me avisar, em todo o caso. Até breve.

 

Depois de pousar o auscultador, reclinou-se, aliviado.

 

Ainda bem que o promotor público lhe retirara o trabalho das mãos. No dia seguinte, trataria de se inteirar do que transpirasse na conferência de Imprensa.

 

Somente nos segundos antes de ser introduzido no gabinete de Hoyt Lewis, Chet Hunter notou uma certa falta de firmeza nas pernas. No entanto, estava convencido de que não se devia a nervosismo derivado do passo momentoso que se preparava para efectuar, mas da exaustão provocada pela segunda sessão na cama com Suzy Edwards, sem dúvida melhor do que a primeira, muito mais prolongada e gratificante.

 

Por fim, endireitando os ombros e sentindo"se mais forte e seguro do terreno que pisava, entrou nos domínios do promotor público.

 

O reverendo Josh Scrafield também se achava presente, naturalmente, e dirigiu-lhe um sorriso de aprovação. Hunter fez um pequeno desvio para o cumprimentar e prosseguiu em direcção à secretária de Lewis, que o aguardava de pé, com a mão estendida.

 

- Parabéns! - bradou, indicando as últimas páginas do diário de Hunter. - Foi um excelente trabalho, absolutamente perfeito.

 

- Obrigado.

 

- Estava ansioso por conversar consigo, pois quero preparar a nossa estratégia, antes da conferência de Imprensa de amanhã. Mas sente-se, sente-se.

 

No entanto, Hunter permaneceu de pé e o promotor instalou-se de novo na cadeira rotativa estofada.

 

- O essencial é que você preste declarações no tribunal nos mesmos termos do seu relatório - prosseguiu Lewis. - Não podemos perder. Será uma magnífica testemunha de acusação, Chet. Uma testemunha impossível de contradizer.

 

O interpelado aclarou a voz e anunciou com simplicidade:

 

- Receio bem que não.

 

O outro ergueu subitamente a cabeça e arqueou as sobrancelhas, como se não tivesse ouvido bem.

 

- O quê?

 

- Vou repetir. Não comparecerei no tribunal. Cheguei à conclusão de que o D r. Freeberg não se dedica ao proxenetismo e Gay l e Miller não é uma prostituta. Penso, pois, que não devem ser julgados. Praticam uma terapia   perfeitamente   legal,   como   posso   comprovar, visto que me sujeitei a um tratamento bem sucedido. Considero-os pessoas de bem, e úteis, que devem poder continuar a sua obra sem interferências.

 

- Perdeu o juízo, homem? - vociferou o promotor.

- Devo ter entendido mal as suas palavras.

 

- Está alucinado? - rugiu por sua vez Scrafield, que cruzou a sala para se aproximar de   Hunter. - Freeberg pagou-lhe para que assumisse essa atitude?

 

- Pelo contrário - retrucou Hunter, sem se alterar, eu é que lhe paguei para me curar.

 

- Reconsidere,   seu   vira-casacas,   ou   palavra   de honra que o despedaço!

 

- Deixe-o - acudiu Lewis, ao mesmo tempo que observava Hunter com curiosidade. - Isto pode constituir uma aberração momentânea de sua parte, Chet. Não sei o que se oculta por detrás, mas merece uma segunda oportunidade. Quer ser minha testemunha e declarar o que escreveu no seu diário?

 

- Não. Recuso-me terminantemente a ser sua testemunha.

 

- Não se pode negar a depor - lembrou em voz átona. - Isso, só por si, já representa um delito. Se não o fizer voluntariamente, enviar-lhe-ei uma contrafé a que não se poderá esquivar.

 

- Pode,   de facto,   fazê-lo e   eu   comparecerei admitiu   Hunter. - Mas   não   conseguirá   converter-me numa testemunha favorável à Acusação. Na realidade, serei uma péssima testemunha, do seu ponto de vista. Creio mesmo que a Defesa delirara se me convocar. Preciso de ser mais claro? - Fez uma pausa, enquanto o promotor parecia conter a indignação com extrema dificuldade. - Suponho que   não temos   mais   nada a dizer. Por conseguinte, vou retirar-me. Espero que nos voltemos a ver, um dia... mas não será no tribunal.

 

Com estas palavras, deu meia volta e abandonou o gabinete.

 

 

Enquanto atravessava o corredor do Município, Hunter experimentava uma profunda sensação de alívio, pois receara não resistir à pressão combinada de Hoyt Lewis e do reverendo Sorafield, porém agora considerava que se portara à altura da situação. Não se atemorizara. Na realidade, fora mesmo particularmente corajoso e suspeitava de que, como Suzy sugerira, devia a Gayle algo mais do que a reparação da sexualidade. Ao restituir-lhe a virilidade, restaurara-lhe de certo modo a moralidade e a confiança no seu futuro. Por conseguinte, ele sentia-se plenamente satisfeito por não a ter denunciado.

 

De súbito, pareceu-lhe ouvir pronunciar o seu nome e voltou-se, para ver se Lewis ou Scrafield o chamava.

 

No entanto, o homem que acabava de sair das instalações sanitárias e tentava atrair-lhe a atenção não era nenhum dos dois, mas outra pessoa que Hunter não contava voltar a ver.

 

- Estava à sua espera, Chet - disse Otto Ferguson.

 

- À   minha   espera? - articulou   Hunter,   surpreendido.

 

- Queria conversar consigo - volveu o jornalista, aproximando-se. - Fartei-me de o procurar e acabei por concluir que se encontrava aqui. E quando a secretária de Lewis   mo confirmou, vim   imediatamente.   Calculo que   teve   uma   reunião   escaldante,   no   gabinete   do promotor?

 

- É verdade, foi de facto muito quente.

 

- Que aconteceu? Disse-lhes que seria testemunha deles, ou mudou de ideias?

 

- Mudei de ideias. Neguei-me a colaborar com eles.

 

- Excelente!- exclamou, com um largo sorriso. - Se tivesse procedido de outro modo, não continuaria a falar consigo.

 

- Não   estou   a   compreender - declarou   Hunter, perplexo. - Foi o senhor que me envolveu no assunto.

 

- Antes de conhecer a verdadeira natureza das actividades do D r. Freeberg e seus delegados. - Ferguson extraiu um maço de folhas de papel dobradas da algibeira e ergueu-o diante do rosto do interlocutor.

- Agora, conheço-a bem.

 

- Que é isso?

 

- O seu relatório. O diário que me enviou esta manhã. Quando tudo isto começou, estava naturalmente céptico quanto à genuinidade dos tratamentos de Freeberg, mas receei que a sua reportagem fosse demasiado realista para leitura de certas famílias. Foi por esse motivo que o aconselhei a explorar a faceta política do caso. Desse modo, eu poderia divulgar o aspecto sexual da situação, sobretudo se o promotor formulasse acusações de proxenetismo e prostituição. No entanto, enganei-me. A escassez de factos de que dispunha fez-me enveredar pelo caminho errado.

 

- Em que sentido?

 

- Depois de ler o seu material, Chet, fiquei impressionadíssimo. A única conclusão a extrair é que se tratava   de   uma   criatura   decente   desesperadamente necessitada de ajuda e Gayle um anjo misericordioso.

 

- Gostou... gostou da minha descrição dos tratamentos da delegada?

 

- Adorei!   Contém   todos   os   elementos   de   uma reportagem: perfeita:   um herói sofredor assolado por conflitos íntimos e a sensação de derrota e uma heroína atraente capaz de tudo para o salvar e, após umas semanas de suspense, o rapaz é salvo e surge o final feliz. - Ferguson fez uma pausa. - Suponho que corresponde tudo à verdade.

 

- Até à última sílaba.

 

- Há muitos milhares de pessoas que padecem em silêncio de anomalias sexuais, às quais a sua reportagem   pode   proporcionar   uma   oportunidade   de   felicidade.

 

Hunter notou que a boca secara por completo e sentia dificuldade em respirar.

 

- Aonde pretende chegar?

 

- A comunicar-lhe que vou publicar a sua reportagem sob a forma de uma série de artigos. É possível que lhe peça que atenue um pouco as passagens mais realistas,   sem,   todavia,   deturpar   ou   comprometer   a sinceridade da narrativa.

 

- Quer dizer que me vai confiar a publicação?

 

- Com certeza, a partir do momento em que se instalar na sua secretária privativa do Chronicle. - Ferguson estendeu a mão. - Parabéns, meu rapaz.

 

- Ainda não estou em mim.

 

- A experiência da idade ensinar-lhe-á que a virtude também é recompensada... às vezes. Apresente-se no meu escritório amanhã, às dez horas, para discutirmos o seu salário. - Principiou a afastar-se, mas deteve-se e virou-se para trás. - Espero que tenha alguém que tire proveito dos novos conhecimentos que adquiriu, no campo da sexualidade.

 

- Tenho, e vamos casar!

 

- Oxalá   Gayl e apanhe o ramalhete atirado pela noiva.

 

Quando o outro desapareceu ao fundo do corredor, Hunter continuava imóvel, como que petrificado pelo que acabava de acontecer.

 

Por fim, procurou um telefone, a fim de comunicar a Suzy Edwards que já podiam casar o mais depressa possível.

 

No gabinete do promotor público, este pousava1 os cotovelos na secretária, com a cabeça entre as mãos, numa imagem muito elucidativa do desespero total.

 

Menos de uma hora antes, sentia-se satisfeito como poucas vezes lhe acontecera. Depois de ter o que Hunter apurara e parecia disposto a confirmar no tribunal, os sonhos mais arrojados de Hoyt Lewis surgiam no horizonte como uma realidade irrefutável.

 

E agora, devido a uma; testemunha acobardada que se recusava a depor, todas as suas ambições se diluíam na atmosfera como uma coluna de fumo soprada pelo vento.

 

- Repugnante,   absolutamente   repugnante - proferiu entre dentes.

 

O reverendo Scrafield, que não parava de percorrer a sala em frenético vaivém, concordou com uma vigorosa inclinação de cabeça.

 

- Apetece-me matar o grandíssimo filho da mãe!

- rugiu, cerrando os punhos.

 

- Bem, não há nada a fazer. - Lewis endireitou-se, com ar resignado. - O fulano agarrou-nos pelos testículos, por assim dizer. Temos de desistir.

 

- E a conferência de Imprensa?

 

- Mantém-se,   mas   limitar-me-ei   a   anunciar   que tínhamos recebido informações erradas acerca da clínica do D r. Freeberg e decidimos retirar as acusações, com a libertação imediata dele e Gayle Miller.

 

Fez uma pausa ao ver que o reverendo se detinha bruscamente na sua frente e o olhava com um leve sorriso.

 

- Espere   aí - murmurou,   pausadamente. - Creio que tenho uma ideia capaz de ressuscitar tudo.

 

- Como?

 

- Você recordou-me uma coisa. Gayle Miller foi acusada de prostituição, não é assim?

 

- Exacto, mas sem testemunhas a acusação não tem validade.

 

- Calma. Como disse, acudiu-me uma ideia. Imagine que eu apresentava uma testemunha ainda mais convincente do que Hunter.

 

- A quem se refere? - O interesse do promotor começou a acentuar-se.

 

- Nem- mais nem menos do que à própria rameira: Gayle Miller.

 

- Não   estou   a   acompanhar   o   seu   raciocínio, reverendo.

 

- Afirmou que foi acusada de prostituição. Ora, ignora que não seja julgada.

 

- Mas ficará a saber após a minha conferência de Imprensa em- que anunciarei a retirada das acusações.

 

- Sim, mas hoje ainda não sabe - persistiu Scrafield. - Recordo-me de ler na ficha dela que você me mostrou que concorreu a uma bolsa de estudo da U C LA. Portanto, se constar que vai ser julgada por prostituição, perde todas as possibilidades de a conseguir.

 

- Qual é a sua intenção?

 

Contornou a secretária e postou-se junto do promotor, que olhou com intensidade.

 

- Ela só sabe que foi acusada e terá de responder no tribunal por prostituição. Aposto que treme como varas verdes e daria tudo para se livrar do pesadelo. Suponhamos que a procuro com uma proposta? A oportunidade de não   ir malhar com os ossos atrás das grades, por exemplo.

 

- Como espera conseguir essa proeza?

 

- Visitando-a hoje e apresentando-lhe a seguinte saída: "Você foi acusada de prostituição, na iminência de ser julgada e condenada, com a reputação destruída, mas existe uma maneira de se livrar de apuros e ser encarada como Miss Pureza. Passe-se para o nosso lado e transforme-se em testemunha de acusação contra Freeberg e as suas delegadas rameiras. Diga que enveredou por essa actividade iludida com- argumentos falsos e ele se dedicava ao proxemetismo e as outras mulheres à prostituição, de que decidiu desligar-se. Se proceder assim, o promotor público retirará todas as acusações contra si, Gayle." Que lhe parece Hoyt? Estaria resolvido a estabelecer um acordo dessa natureza com ela?

 

- Sem a menor dúvida. Se ela aceitasse em depor a nosso favor, teríamos a vitória assegurada.

 

- Nesse caso, esta noite procurarei a nossa amiga Gayle.

 

--Acha que concordará? - perguntou Lewis   com ansiedade.

 

- Com certeza. - Sorafield franziu os lábios num esgar malicioso. - Providenciarei nesse sentido.

 

ERAM cerca das oito e meia da tarde, quando o reverendo Josh Scrafield, depois de substituir o colarinho clerical por uma camisa branca e gravata de

malha azul sob o casaco escuro, se apresentou à entrada da casa de Gayle Miller.

 

Por um momento, conservou-se imóvel, para ponderar meticulosamente a maneira mais conveniente de a abordar. O ingresso na residência constituiria a dificuldade mais importante, porquanto, depois de se encontrar na sala, decerto não surgiriam problemas. Evidentemente que a abordagem devia revestir-se de elasticidade, pois tudo dependia do género de mulher que fosse. Ele nunca a vira e, à parte os elementos que lera no relatório de Hunter e na ficha compilada por Hoyt Lewis, desconhecia por completo a sua personalidade. Das palavras do primeiro, depreendera que era atraente e inteligente, porém a profissão que exercia exigia que possuísse qualidades susceptíveis de atrair o sexo oposto.

 

Finalmente, julgou ter descoberto o meio de obter acesso à casa sem dificuldade e tocou à campainha três vezes consecutivas.

 

Pareceu-lhe ouvir passos que se aproximavam e, em seguida, soou uma voz abafada.

 

- Quem é?

 

- Procuro Miss Gayle Miller para um assunto de seu interesse - informou Scrafield. - É a senhora?

 

A porta entreabriu-se uma nesga apenas suficiente para tornar visível uma parte de quem se encontrava do outro lado.

 

- Sou eu, de facto. De que se trata?

 

Por um instante, ao vê-la, ele ficou demasiado impressionado para replicar. Embora esperasse alguém atraente, a natureza da sua actividade e o facto de ter sido detida por prostituição tinham-no levado a imaginar que se lhe depararia uma mulher de ar desmazelado e grosseiro. Ao invés, tinha na sua frente uma criatura encantadora, envolta num roupão de seda verde- claro suficientemente apertado para indicar que a configuração do corpo não destoava do rosto.

 

- Queria discutir um assunto muito importante consigo, Miss Miller - terminou por declarar.

 

- Não faço a menor ideia do que... De qualquer modo, não pode ficar para amanhã? É que tenho um encontro marcado e preciso de me vestir.

 

- Tem de ser resolvido hoje.

 

Ela abriu um pouco mais a porta, para observar melhor o visitante. Pareceu-lhe reconhecê-lo, mas não conseguia determinar quem era ou onde o vira.

 

- Quem   é   o   senhor? - pretendeu   saber. - Que espécie de assunto?

 

- Sou o reverendo Josh Scrafield.

 

- O evangelista? Sim, vi-o na televisão. - Fez uma pausa. - De que tenciona falar?

 

- Da sua detenção, esta manhã.

 

- Como o   soube? - inquiriu,   surpreendida. - De resto, que tem que ver com isso?

 

- Pediram-me que servisse de intermediário entre o promotor público Hoyt Lewis e a senhora. - Ele sentia-se agora mais confiante. - Relaciona-se com a intenção de a levar aos tribunais. Mandou-me procurá-la para apresentar uma proposta respeitante à sua detenção. Posso entrar?

 

- Está bem. - Gayle acabou de abrir a porta. - - Já agora, não perco nada em o ouvir.

 

O reverendo entrou para a modesta sala, exibindo um sorriso de satisfação, e ignorou o sofá que ela lhe indicou, permanecendo de pé, para a contemplar com admiração crescente. A delicadeza dos traços fisionómicos e as curvas generosas do corpo contrastavam com os pormenores eróticos que lera no relatório de Hunter.

 

A rapariga assemelhava-se a uma deusa vestal, sem nada de comum com a chocante e experiente delegada sexual que concebera baseado na leitura.

 

Embora ela conservasse o roupão bem apertado, não conseguia dissimular aos olhos experientes de Scrafield que só usava por baixo um reduzido soutien e minúsculas cuecas de nylon.

 

- Ia vestir-me, quando tocou à campainha - explicou ela. - Como disse, tenho um compromisso dentro de poucos minutos. Agradeço, portanto, que seja breve. Sente-se e exponha o assunto que o trouxe.

 

- Obrigado, Miss Miller. - Ele sentou-se na borda do sofá, ao mesmo tempo que se perguntava quantas sessões ardentes se teriam desenrolado no móvel.

 

Aguardou pacientemente, enquanto Gayle puxava uma cadeira para a sua frente e se sentava, cruzando as pernas bem torneadas debaixo do roupão, sem permitir que os joelhos ficassem expostos.

 

- Foi, pois, o promotor público que o mandou procurar-me?   Quer apresentar-me   uma   proposta   relacionada com a minha detenção?

 

- Exactamente - assentiu   Scrafield,   depois   de aclarar a voz.

 

- De que se trata?

 

- Ele examinou os seus antecedentes, como é habitual nestes casos, e inteirou-se, por exemplo, de que a senhora trabalhou para o Dr. Arnold Freeberg como delegada sexual no- Arizona, onde a Lei não o permite, do que resultou terem de abandonar o Estado.

 

- Isso não corresponde   inteiramente   à verdade. O Dr. Freeberg podia continuar a exercer a sua profissão sem a colaboração de delegadas, mas considerou o processo ineficiente e preferiu partir. Ofereci-me para o acompanhar e viemos para a Califórnia, onde supúnhamos que imperava uma atitude mais   liberal. - Gayle encolheu os ombros. - Afinal, enganámo-nos. - Encarou o reverendo com curiosidade. - Que tem esse aspecto da questão que ver com a situação actual?

 

- Talvez não seja relevante - concedeu ele, mas mencionei-o para lhe dar uma ideia do tipo de informação que o promotor público conseguiu obter a seu respeito. O mais importante são as suas actuais actividades. Sabemos, por exemplo, o que fazia como delegada, aqui, em Hillsdale.

 

- Não era secreto. Esses métodos de trabalho sempre receberam larga publicidade. - Ela fez uma pausa. - Mas quem lhes falou da parte que me diz respeito?

 

- Não me compete divulgá-lo. Há-de inteirar-se de tudo no tribunal. No entanto, o promotor dispõe de outros elementos que lhe podem interessar mais, Miss Miller.

 

- De que género?

 

- Pretende frequentar a UCLA, o que não se pode permitir sem uma bolsa de estudo. Sabemos que a requereu recentemente.

 

- Que tem isso de censurável?

 

- Do ponto de vista dele, nada, Mas, se a sua detenção por prostituição transpirar e tiver de comparecer no tribunal, afigura-se-me que a candidatura à bolsa de estudo ficará irremediavelmente comprometida. Ora, o promotor assegurou-me que não deseja prejudicar-lhe o futuro.

 

- E daí? - inquiriu, mudando de posição na cadeira.

 

O movimento fez oscilar os seios, e Scrafield pareceu mesmerizado pelo efeito, considerando-os cheios, tumescentes, sem dúvida os mais admiráveis que se lhe deparavam nos últimos anos. Não o surpreendia que Hunter conseguisse a erecção com facilidade e recusasse depor contra ela. Provavelmente, acalentava a esperança de ulteriores sessões com a apetitosa criatura.

 

Entretanto, quase não prestava atenção ao que ela dizia e, perturbado, aventurou:

 

- Tem, por acaso, uma bebida? A missão de que me incumbiram é particularmente difícil, e dois dedos de uísque ajudavam-me a coordenar as ideias.

 

- Creio que ainda tenho um resto de scotch, mas o que me falta é o tempo. - Ela levantou-se com relutância. - Está bem. Vou buscar-lhe os dois dedos de uísque.

 

Ao acompanhá-la com a vista, enquanto se encaminhava para a cozinha, ele reparou no ondular dos quadris e notou certa excitação entre as pernas. No entanto, esforçou-se por ignorá-la.

 

- Já agora, uma dose dupla, se não se importa.

 

- De acordo.

 

Gayle reapareceu com o scotch, sem gelo, entregou-lho e voltou a sentar-se.

 

- Ainda não entendi a finalidade da sua visita declarou, verificando que o uísque desaparecia em dois tragos. - Diz que o promotor não quer prejudicar-me. Então, que espera conseguir, ao dar-me voz de prisão?

 

- Já me sinto mais calmo, obrigado - disse o reverendo, saboreando os efeitos da bebida. - Qual é a intenção dele? Deteve-a para lhe pregar um susto e fazê-la escutar a voz da razão. Como já deixei transparecer, não deseja levá-la aos tribunais e convertê-la num espectáculo   público.   Preferia,   pelo   contrário,   torná-la   num membro útil da nossa comunidade.

 

- Como? - perguntou ela, com desconfiança.

 

- Propondo-lhe um acordo que permitiria retirar a acusação, sem revelar o seu nome, e ilibar de ulteriores medidas legais.

 

- Que espécie de acordo? - insistiu, cada vez mais desconfiada.

 

- Autorizou-me   a comunicar-lhe que,   se   prestar declarações a favor do Estado, retirará a acusação imediatamente.

 

O seu rosto revelou uma ponta de esperança, apesar de que a curiosidade persistia.

 

- Prestar   declarações   a   favor   do   Estado?   Que significa isso?

 

Através do fino tecido, Scrafield conseguia descortinar os contornos das coxas e os limites das cuecas, mas tentou desesperadamente concentrar-se.

 

- Disporia da invulgar oportunidade de se colocar do lado da Acusação como testemunha principal do promotor.

 

- Testemunha   contra   quem? - inquiriu   Gayle, estremecendo.

 

- Contra a outra parte do pleito. Teria apenas de se sentar no banco das testemunhas e admitir que praticou todos os actos de que a acusam em obediência às ordens do réu.

 

- Esse réu seria, porventura, o Dr. Freeberg?

 

- Com certeza.

 

- Por outras palavras, sugere que deponha contra ele? - Pôs-se   de   pé   com   brusquidão. - Enlouqueceu? - Pretendo apenas ajudá-la - alegou Scrafield, inocentemente. - Quero   poupar-lhe   aborrecimentos   evitáveis.

 

- Mandando para a cadeia um homem decente que não infringiu nenhuma lei? Quer que me volte contra alguém que tanto tem feito por numerosas pessoas, entre as quais me incluo?

 

- Miss Miller... Gayle... procure ser razoável. - Levantou-se igualmente, apreensivo. - O promotor e eu oferecemos-lhe   a   oportunidade   de   ser   inteiramente livre. Não terá de acusar Freeberg de coisa alguma, no tribunal. Bastará que, sob juramento, descreva como ele lhe pagava para se entregar a práticas sexuais com desconhecidos.

 

- Esperam que me comprometa a crucificá-lo e contribuir para que o condenem como um chulo?

 

- Proxeneta - corrigiu, automaticamente.

 

- Querem que me volte contra um dos seres humanos mais admiráveis que jamais conheci? Enlouqueceram, não há dúvida. Não o faria nem por todos os tesouros do mundo. Prefiro cumprir uma pena de prisão.

 

- Mas   ele   é   um   proxeneta.   Não   se   sacrifique por um...

 

- E o senhor é um hipócrita! - cortou ela, irritada.

- Ponha-se na rua, com as suas vergonhosas propostas! Não quero voltar a vê-lo. Saia de minha casa, seu imundo patife!

 

Ele tremia de excitação à medida que a linguagem dela se azedava. Por baixo do verniz estonteante, existia uma rameira completa, uma vagina acessível a quem estivesse disposto a esportular o preço.

 

- Não ouviu? - bradou Gayle. - Desapareça e deixe-me em paz!

 

Scrafield começou a dirigir-se lentamente para a porta, com ela no seu encalço.

 

- Reconsidere, por favor... - murmurou.

 

- Raspe-se!

 

Vendo-o pousar a mão no puxador, rolou nos calcanhares e encaminhou-se apressadamente para o quarto.

 

O reverendo abriu a porta para sair, mas olhou por cima do ombro, e o que lobrigou no quarto levou-o a fechá-la ruidosamente e permanecer dentro.

 

Viu-a despir o roupão de seda e pousá-lo numa cadeira. Entre o reduzido soutien rendado e as abreviadas cuecas transparentes, o corpo apresentava um aspecto mais acetinado que o roupão. E no momento em que ela se virou para o espelho, teve oportunidade de a admirar de frente, julgando divisar o longo e escuro triângulo de penugem púbica através das cuecas.

 

Sentiu o coração começar a palpitar com intensidade. Possuíra mulheres ao longo dos anos, muitas mesmo, algumas unidas em matrimónios infelizes com paroquianos seus, as quais lhe veneravam a voz de ouro e indiscutível virilidade. Por outro lado, desfrutava dos favores de Darlene Young com regularidade desde longa data, conquanto ultimamente lhe parecesse demasiado gorda para produzir um estímulo completo.

 

Mas aquela rameira sensual... Sim, tratava-se sem dúvida da mulher mais desejável que jamais conhecera. Por conseguinte, não podia retirar-se sem que fosse sua. Em última análise, faria pouca ou nenhuma diferença na situação dela, que decerto já conhecera mil homens intimamente. Seria apenas o milésimo primeiro.

 

Ofuscado pelo desejo, começou a avançar para o quarto.

 

Entrou e achou-se a curta distância dela, que agora se encontrava de costas para a porta e aproximava de uma cadeira, para pegar numa saia.

 

- Gayle... - articulou Scrafield, a meia-voz.

 

Ela virou-se, surpreendida, e arregalou os olhos.

 

- Você? - exclamou, com uma expressão de incredulidade. - Que faz aqui?

 

- Queria suplicar-lhe mais uma vez que reconsiderasse. Aceite a nossa proposta, por favor.

 

- Não a aceitava por nada deste mundo! Ponha a sua nojenta carcaça daqui para fora!

 

Scrafield estava hipnotizado pelo triângulo escuro mal dissimulado pelas cuecas.

 

- Gayle... - balbuciou,   sentindo   dificuldade   em falar. - Esqueça tudo o que eu disse. Isto é diferente... Nunca vi uma mulher como você. Posso cuidar de si e pôr termo a todos os seus problemas. - Começou a aproximar-se. - Tratá-la-ei como uma rainha. Será uma rainha. A meu lado, não terá de ser uma rameira...

 

- Não sou uma rameira, seu bandalho! - gritou ela.

- Afaste-se de mim!

 

No entanto, ele continuava a acercar-se e ergueu os braços.

 

Gayle estendeu a mão, numa tentativa para o esbofetear, porém Scrafield segurou-lhe os pulsos e fez baixar os braços.

 

- É uma rameirazinha, ouviu? - proferiu em voz trémula. - Prostituiu-se com os homens que o seu chulo lhe enviava. Posso provar que fornicava todos os dias. Agora, vou proporcionar-lhe a oportunidade de estar com um homem a valer que sabe como se deve tratar uma rameira...

 

Soltou-lhe os pulsos e, antes que ela se pudesse esquivar, agarrou-a pelos ombros, e obrigou-a a deitar-se de costas na cama. Quando tentou erguer-se, agrediu-a com os punhos, até que ficou quase inconsciente, soltando gemidos entrecortados.

 

Sem desviar os olhos da presa, Scrafield despiu o casaco, baixou as calças e levou a mão à braguilha das cuecas. A erecção, que Gayle olhou vagamente com ar horrorizado, irrompeu, como que accionada por uma mola.

 

Em seguida, ele arrancou-lhe o soutien e as mãos possantes seguraram o elástico das cuecas.

 

- Não, por favor... - suplicou ela. - Não... Não... Tentou   debater-se,   porém   ele   desferiu-lhe   novo murro, que a obrigou a cair pesadamente para trás.

 

Os esforços para manter as pernas unidas resultaram infrutíferos, pois ele abriu-as com as poderosas manápulas.

 

No momento imediato, fez uma breve pausa para contemplar o excitante monte de Vénus.

 

Depois, pegou no pénis erecto, a fim de o orientar convenientemente, quando soou um estalido metálico atrás dele.

 

Alguém abriu a porta de entrada.

 

- Paul! - gritou   Gayle,   a   plenos   pulmões. Socorro, Paul!

 

Ao ouvir passos apressados, Scrafield endireitou-se e deu meia volta, no instante em que Brandon irrompia no quarto. Abarcou a cena num segundo e lançou-se contra o reverendo, que segurou pela garganta, todavia as mãos vigorosas deste último conseguiram libertá-lo.

 

- Seu   filho   da   mãe! - rugiu   Brandon,   puxando-o pela camisa em direcção à sala, onde lhe aplicou um murro demolidor na cabeça que o projectou no chão.

 

Entretanto, Gayle pegava no telefone do quarto e marcava 911, para em seguida bradar:

 

- Emergência! Violação! Ele ainda aqui está! Chamem a Polícia, chamem a Polícia!

 

Na sala, Scrafield recompusera-se parcialmente e seguiu-se acesa refrega, no meio1 de grunhidos, sons secos de murros e mesas e candeeiros derrubados.

 

Embora ofegante, o reverendo, mais forte e bem treinado, começou a adquirir certa supremacia.

 

Quando viu o antagonista avançar para ele mais uma vez, fintou-o com um movimento hábil e desferiu-lhe um soco de baixo para cima que o atingiu no queixo. Brandon cambaleou para trás e o outro continuou a agredi-lo impiedosamente, até que o fez cair, aturdido.

 

Para não perder mais tempo, Scrafield puxou o fecho da braguilha das calças e, sem se preocupar com o casaco, precipitou-se para a porta.

 

Quando a abriu, avistou dois homens de uniformes azuis, que saltavam de um carro-patrulha e percorriam apressadamente o caminho de acesso à casa.

 

Seguraram-no pelos braços com firmeza e o mais alto dos dois exclamou:

 

- Um momento, amigo! Onde vai com tanta pressa?

 

- Eu... eu... - O reverendo não conseguia recuperar o uso da fala.

 

- Foi-nos comunicado que se registou uma violação

- observou o outro polícia.

 

- O violador está lá dentro - balbuciou Scrafield.

 

- Muito bem. Vamos lá ver.

 

- Não! - uivou, tentando soltar-se.

 

- Ou vem connosco lá dentro ou à esquadra anunciou o mais alto.

 

Naquele instante, Scrafield apercebeu-se de que o outro lhe puxava as mãos para as costas e aplicava algemas.

 

Com um suspiro de resignação, parou de resistir.

 

Na manhã seguinte, quando o promotor público Hoyt Lewis entrava na antecâmara que precedia o seu gabinete, depararam-se-lhe à sua espera o Dr. Freeberg e

Gayle   Miller,   juntamente   com   um   jovem   que   não conhecia.

 

O recém-chegado deteve-se e disse:

 

- Desculpem tê-los convocado tão cedo, mas pareceu-me importante reunirmo-nos antes de surgirem os habituais problemas quotidianos. Acompanhem-me, por favor.

 

Levantaram-se, e Gayle, que segurava a mão do jovem, explicou:

 

- Mr. Lewis, permita-me que lhe apresente o meu namorado, Paul Brandon. Pode assistir também?

 

- Sem dúvida - assentiu o promotor, em tom afável. - Entremos.

 

Uma vez no gabinete, indicou-lhes que se sentassem e em seguida instalou-se na cadeira rotativa atrás da secretária.

 

Lamento o que aconteceu ontem à noite, MissMiller. Deve ter sido uma experiência horrível.

 

- Foi, de facto - confirmou Gayle, em tom incisivo.

- Tive, porém, a sorte de o Paul aparecer naquele momento. Que acontecerá àquele nojento pregador?

 

- Discutiremos isso dentro de instantes - prometeu Lewis. - Primeiro, tenho outro ponto agendado. - Pegou numa pasta, pousou-a nos joelhos, abriu-a e extraiu dois manuscritos. - Sabe o que é isto? - perguntou a Freeberg. - Um diário, duas fotocópias de um diário, que um dos seus pacientes mantinha durante o tratamento com uma delegada. Constituía a base da minha acusação contra o doutor e Miss Miller. - Interessa-lhe saber o nome do seu autor?

 

- Como se chama? - inquiriu o médico.

 

- Um paciente de Miss Miller, Chet Hunter.

 

- Chet Hunter? - repetiu ela, com uma expressão de   incredulidade. - Mas   ele   não   podia...   não   seria capaz...

 

- Mas foi - asseverou o promotor.

 

- O patife... - interpôs Brandon.

 

- Não o devemos julgar com demasiada severidade.

- Lewis ergueu a mão num gesto conciliador. - A ideia partiu, na verdade, dele, mas fui eu, com o apoio do reverendo Scrafield, que lhe dei luz verde para pôr o plano em execução. E, na posse destes elementos, determinei as vossas detenções.

 

- E   nós? - Gayle   mostrava-se   cada   vez   mais indignada. - Vai mesmo levar-nos a tribunal?

 

- Isso também pode ficar para mais tarde, se não se importam. Antes de os elucidar, preciso de saber outra coisa. - O promotor inclinou-se sobre a secretária e entregou uma cópia do manuscrito de Hunter ao Dr. Freeberg e a outra a Gayle. - Leiam o diário que Chet mantinha e digam-me se corresponde inteiramente à verdade o que contém acerca da terapia sexual.

 

- Um momento - rogou Freeberg. - Se se trata de provas contra nós e pretende que as confirmemos, exijo a presença do meu advogado.

 

- Não é necessário. Dou-lhes a minha palavra de que o que disserem não será utilizado para os comprometer. Só me interessa que leiam e digam se está correcto. - Lewis levantou-se. - Necessito de fazer umas chamadas da extensão da minha secretária. Voltarei dentro de meia hora.

 

Abandonou o gabinete e, transcorridos trinta minutos exactos, reaparecia para perguntar:

 

- Já chegaram a alguma conclusão?

 

- A parte que se me refere, ao papel que desempenho, é exacta - admitiu o Dr. Freeberg.

 

- A   minha também - declarou Gayle, atirando   a cópia para cima da secretária.

 

- Obrigado. Agora, vou   explicar-lhes por que os convoquei. A minha primeira leitura do diário foi apressada e sob o efeito de uma ideia preconcebida. Só me interessava encontrar material para um assunto susceptível de figurar nas primeiras páginas dos jornais e não a verdade. Ontem à noite, antes de o chefe da Polícia telefonar para comunicar o acto tresloucado do reverendo Scrafield, comecei a encarar o documento a uma luz diferente.

 

- A que se refere, concretamente? - quis saber o médico.

 

- Para ser franco, envergonhei-me de mim próprio, do papel que desempenhei no assunto. Hunter seria a principal testemunha de acusação, mas ficou tão impressionado com o tratamento de Miss Miller que se desligou da maquinação, chamemos-lhe assim, e eu senti-me inclinado para proceder da mesma maneira. No entanto, quando Scrafield se ofereceu para a procurar com a próposta, concordei. Mais tarde, arrependi-me e reli o diário de Hunter mais atentamente. Recolhi uma ideia mais profunda do trabalho que se executava na clínica e lamentei não poder dissuadir o reverendo, mas era demasiado tarde. - Lewis fez uma pausa. - Não pretendo eximir-me da parte da responsabilidade do que se passou em sua casa, Miss Miller. Por conseguinte, penso que ambos devem pronunciar-se sobre o destino a dar a Scrafield. Uma vez arrumada essa faceta da questão, discutiremos o vosso futuro. Por conseguinte, que sugerem que lhe faça?

 

Durante dez minutos depois de Freeberg, Gayle e Brandon se terem retirado, o promotor público permaneceu sentado, só, à espera do próximo visitante. Por fim, ouviu a porta abrir-se, para dar passagem ao reverendo Josh Scrafield.

 

Contava ver surgir um homem aprumado, de atitude agressiva, como de uma inocente vítima das circunstâncias, pelo que não se surpreendeu ante a concretização das suas previsões.

 

- Ainda bem que pôde receber-me imediatamente

- disse o recém-chegado, avançando com passos firmes.

 

Todavia, Lewis não se levantou para o receber, nem lhe estendeu a mão, limitando-se a inclinar a cabeça para a poltrona vazia à sua frente e aguardar que Scrafield se sentasse.

 

- É um imbecil e irreflectido, reverendo.

 

- Escute, Hoyt - replicou o outro, sem se perturbar, as coisas não se passaram exactamente como suponho que lhe contaram.

 

- Li a natureza das acusações e conversei demoradamente com as duas testemunhas, Gayle Miller e Paul Brandon.

 

- Pensa realmente que tentei violentá-la?

 

- Não, limitou-se a tentar convencê-la de que estava arrependido de a perseguir.

 

- Tem de escutar a minha versão.

 

- Foi para isso que o chamei. Quero inteirar-me dela, antes de o colocar atrás das grades.

 

Ignorando a ameaça, Scrafield respirou fundo e, assumindo a expressão bem conhecida dos telespectadores do seu programa, passou a expor a sua defesa em voz convincente e melíflua.

 

- Talvez não acredite, mas procurei Gayle Miller com a única intenção de cumprir a missão que tínhamos combinado. No instante em que apresentei a proposta, ela perdeu a cabeça e tirou a máscara. Não só a declinou com veemência, como principiou a injuriar-me numa linguagem que nem me atrevo a repetir. No fundo, não se devia esperar outra coisa de uma pessoa daquelas, mas visitei-a cheio de ilusões e fiquei assombrado.

 

Calou-se por um momento, a fim de tentar determinar o efeito conseguido, porém o semblante de Lewis apresentava uma expressão granítica, pelo que se apressou a reatar a peroração.

 

- Quando compreendi que não conseguiria nada, decidi retirar-me, e encaminhava-me para a porta, no instante em que a víbora mudou de táctica. Começou a tornar-se   provocante.   Estava   praticamente   despida   e pôs-se a saracotear o rabo para me tentar. Adverti-a de que procedia como uma prostituta e não me deixaria impressionar, o que a levou a murmurar que tinha uma ideia melhor o podíamos discuti-la no quarto. É claro que eu devia ter suspeitado, mas a candura impeliu-me a acompanhá-la e comunicou-me então que queria apresentar uma contraproposta. Se eu o convencesse a não manter a ordem de detenção, deixava-me fornicar com ela   sem   cobrar   um   cêntimo.   Creia   que   me   senti indignado e...

 

- Não acredito numa única palavra do que diz interrompeu   o promotor. - Se o deixava fornicar de borla, por que se debatia como uma desesperada, quando o namorado entrou? E por que chamou a Polícia? E ainda, como se explica que os dois guardas que acudiram o surpreendessem a sair precipitadamente de casa, desgrenhado e em mangas de camisa?

 

- Garanto-lhe que ela é uma rameira asquerosa, e o namorado resolveu   apoiar tudo aquilo de que me acusam - aventurou o reverendo, cujo aprumo começava a dissolver-se.

 

Lewis olhou-o em silêncio por um momento e sugeriu:

 

- Nesse caso, quatro pessoas mentem, enquanto você fala verdade?

 

- A palavra daquela mulher vale mais do que a minha? Aliás, você concordou que se tratava de uma prostituta...

 

- Mas enganei-me redondamente desde o princípio e não hesitarei em confessá-lo onde for necessário. Você é um brilhante orador, sabe lidar com as pessoas de forma convincente, e revelou esperteza suficiente para explorar o meu único ponto fraco: a ambição. Sim, deixei-me arrastar pelos seus argumentos embaladores, mas principiei a arrepender-me quando permiti que procurasse Gayle Miller, ontem à noite. Você poderá não aprovar como ela procede com os homens para os curar e eu talvez também não concorde inteiramente, mas isso é um problema nosso e não dela, uma pessoa treinada e honesta, que acredita inteiramente no que faz. Não se trata de modo algum de uma prostituta, como declararei à Imprensa, esta tarde. - Encheu os pulmões de ar antes de concluir: - Nós é que nos devemos considerar prostitutos, por tentarmos utilizar-lhe o corpo para satisfazer as   nossas ambições.   Estou   igualmente disposto a confessar isto publicamente. E você?

 

- Não tenho nada para confessar.

 

- Considero-o um reles hipócrita e foi surpreendido virtualmente com as calças na mão, como pretendo provar no tribunal.

 

- Não quero   ser   levado   a   julgamento,   Hoyt. O reverendo retomou o tom persuasivo. - Mesmo que fosse ilibado, ficava com a vida destruída.

 

- Nunca   esperei   ouvir uma coisa dessas   a   um ministro da Igreja. Estou-me nas tintas para o que você quer ou não quer.

 

- Tem de revelar um pouco de compreensão insistiu, sem alterar a inflexão da voz. - Confessou uma fraqueza. Pois bem, estou disposto a admitir a minha. Às vezes, como todos os seres humanos, sofro de apetite sexual. - Inclinou-se para a frente. - Não esqueça que nos envolvemos nisto juntos. Deve-me um favor.

 

- Não lhe devo absolutamente nada. Mas se pensa de maneira diferente, indique de que se trata.

 

- Basta que não me leve a julgamento.

 

- Quer que deixe andar à solta em Hillsdale um violador   potencial? - bradou   Lewis,   arregalando   os olhos.

 

- Sabe perfeitamente que não sou violador. Talvez me deixasse dominar por uma aberração momentânea, mas violador é que não sou.

 

- Duvido que os jurados partilhem desse ponto de vista.

 

- Farei tudo para não comparecer no tribunal.

 

- Tudo? - perguntou,   olhando-o   pensativamente.

 

- Sim, tudo.

 

- Então, talvez haja uma alternativa, que considero apenas para poupar ao Município as despesas com um processo dispendioso e impedir o desapontamento geral do seu rebanho. - Imergiu em reflexões por um momento. - Arquivarei as queixas que   lhe são dirigidas se, além de partir de Hillsdale, abandonar o Estado da Califórnia para sempre.

 

- Mas isso é a mesma coisa que dizer-me que a única alternativa consiste na guilhotina. Tenho toda a minha vida aqui! Tudo o que possuo encontra-se em Hillsdale!

 

- Nesse caso, tê-lo-á à sua espera quando sair da prisão.

 

Scrafield baixou os olhos para a carpeta e conservou-se silencioso por um momento. Por fim, fitou o interlocutor e perguntou em voz átona:

 

- Retira a acusação de violação, se eu partir?

 

- Limito-me a aconselhá-lo a fazê-lo.

 

- Não tentará procurar-me, mais tarde?

 

- Francamente, não quero tornar a vê-lo. Pode refazer a vida noutro lugar, mas não em território da minha jurisdição. Devo esclarecer que a alternativa não é de minha autoria. Quando convoquei as duas testemunhas, assim como o Dr. Freeberg, para ouvir as suas versões, perguntei-lhes o que pensavam que devia resolver a seu respeito, Scrafield. Eu inclinava-me para a solução de o meter na cadeia e Freeberg concordou, enquanto Paul Brandon sugeriu que o pendurássemos pelos testículos. No entanto, Gayle Miller mostrou-se mais compassiva. Disse que conhecia os homens e muitos venderiam a alma ou o que fosse preciso para possuir a mulher que desejavam. Com o facto presente no espírito, declarou-se disposta a perdoar e esquecer. Ela é uma verdadeira cristã e você uma fraude. Por conseguinte, decidi aceitar a ideia dela.

 

Scrafield suspirou e, numa inflexão estrangulada, admitiu:

 

- Bem, acho que só me resta acatar a sugestão.

 

- Sim, é o único caminho a seguir. Dispõe de quarenta e oito horas para reunir as suas coisas e partir.

 

- Muito bem, Hoyt- assentiu, com uma inclinação de cabeça. - Procederei exactamente como diz.

 

Só podia fazer o que lhe era indicado: desaparecer de Hillsdale. No entanto, enquanto se levantava com lentidão, compreendeu que ainda não estava preparado para partir.

 

Subsistia um assunto pendente, que lhe provocava uma cólera surda. Gayle Miller e Paul Brandon eram os responsáveis da sua actual situação, pelo que um deles tinha de expiar o acto que cometera.

 

E um deles expiaria.

 

Era a única coisa que o obcecava, quando voltou as costas ao promotor público e abandonou o gabinete, para pôr a vingança em prática.

 

Como fazia uma tarde amena e os matutinos anunciavam a convocação de uma conferência de Imprensa pelo promotor público Hoyt Lewis, que prometia a revelação de um escândalo, juntara-se uma multidão compacta diante do edifício do Município de Hillsdale.

 

Seis largas escadas conduziam das portas envidraçadas a um espaçoso terraço no piso inferior, circundado por dois semicírculos de palmeiras. No centro, encontrava-se um pequeno estrado, com uma estante sobre a qual se via um microfone ligado a um sistema sonoro interno. À esquerda, havia quatro filas de cadeiras dobráveis ocupadas por repórteres de vários jornais e publicações periódicas do Estado da Califórnia e alguns outros do Oeste. Atrás deles, achavam-se câmaras da televisão e representantes das diversas estações de rádio munidos de microfones e gravadores.

 

Do outro lado do terraço, estendiam-se mais alguns degraus até ao passeio, onde pelo menos duas centenas de cidadãos aguardavam os acontecimentos, mantidos em respeito por meia dúzia de polícias uniformizados.

 

A conferência de Imprensa estava marcada para as 14.00.

 

Exactamente dois minutos antes, o promotor público Hoyt Lewis emergiu de uma porta interior, com duas folhas de papel na mão, e desceu a escada lentamente em direcção ao terraço.

 

Na rua, observando-o com curiosidade, Tony Zecca transferia o peso do corpo de um pé para o outro com impaciência, na segunda fila de espectadores. Chegara o momento que ele aguardava com satisfação. Tudo indicava que a conferência de Imprensa fora convocada para o promotor público anunciar que o peçonhento Dr. Freeberg, já detido, seria enviado aos tribunais por grave infracção à Lei. Assim, o médico não tardaria a ficar reduzido à insignificância e, cumprida a pena, decerto teria de abandonar Hillsdale. E Zecca ficaria com Nan Whitcomb só para si e para o que lhe apetecesse. A ideia de optar pela reconciliação não tardara a acudir-lhe ao espírito, mas considerara igualmente a conveniência de uma leve retaliação prévia, para deixar bem vincado que com Tony Zecca não se brincava. Todavia, para já, resolveu concentrar-se no que se passava à sua volta.

 

O promotor acabava de se postar diante da estante, na qual pousou os papéis, e alterou a posição do microfone para corresponder à sua altura.

 

Antes de iniciar a comunicação, olhou em redor e acenou vagamente a algumas pessoas conhecidas.

 

Zecca apressou-se a esquadrinhar a multidão com a vista em busca de Nan, mas não conseguiu descortiná-la. Aliás, era pouco provável que desejasse estar presente.

 

Hoyt Lewis principiou, enfim, a falar:

 

- A minha intenção inicial ao convocar esta reunião era diferente. No entanto, chegaram-me ao conhecimento determinados factos que obrigaram a alterar o conteúdo das minhas revelações. Ponderei a possibilidade de cancelar a conferência, mas preferi realizá-la para esclarecer um determinado assunto e pôr termo a certos rumores. Como muitos dos presentes sabem, os órgãos da Informação divulgaram que o meu Gabinete investigava as actividades de uma clínica inaugurada recentemente nesta cidade. O seu fundador e director, Dr. Arnold Freeberg, é psicólogo diplomado, especialista de problemas sexuais, e recorreu à colaboração de delegados, na sua maioria do sexo feminino, para proceder ao tratamento dos pacientes a contas com anomalias dessa natureza.

 

"Após a investigação preliminar, cheguei à conclusão de que o Dr. Freeberg e os seus delegados infringiam a lei deste Estado referente ao proxenetismo e prostituição. Como é do conhecimento quase geral, coloquei o referido médico e uma das suas delegadas em situação de detenção, anteontem. Contudo, depois disso, registaram-se outros factos que eu desconhecia, em resultado do que acabei por admitir que as detenções constituíam um erro grave. Cometido por mim, saliente-se. Talvez me precipitasse, impelido pelo zelo em manter a cidade limpa e ordeira. De qualquer modo, estou agora plenamente convencido de que o Dr. Freeberg e os seus delegados se dedicam a uma actividade valiosa para a nossa comunidade. Quero, portanto, afirmar publicamente que não infringem a lei atrás citada, pelo que as acusações foram retiradas. Não quero terminar esta comunicação sem apresentar desculpas ao Dr. Arnold Freeberg."

 

Em seguida, voltou-se e ergueu a mão para chamar alguém que se encontrava junto da entrada do edifício, e o Dr. Freeberg desceu a escada para se lhe reunir.

 

Sorridente, Lewis apertou-lhe a mão e proferiu:

 

- Dr. Freeberg, quero confessar publicamente o mau serviço que lhe prestei e, aqui e agora, desejo apresentar-lhe as minhas mais profundas desculpas, assim como ao seu pessoal.

 

O médico sorriu igualmente e replicou:

 

- E eu quero agradecer-lhe o esforço admirável que fez para repor a verdade. Muitíssimo obrigado.

 

E, depois de acenar à multidão, que o aplaudia, começou a descer os degraus para se lhe reunir.

 

Após o que acabava de ver e ouvir, Tony Zecca sentia-se assolado por fúria difícil de conter.

 

O que se desenrolava perante os seus olhos constituía o maior crime que jamais presenciara.

 

Apopléctico, quase alucinado de cólera, via apenas uma palavra traçada com letras de fogo na sua mente.

 

Justiça... Tinha de se fazer justiça.

 

A mão direita pousou quase inconscientemente no vulto da algibeira do casaco.

 

Seria feita justiça.

 

Foi Paul Brandon, que se encontrava na primeira fila da assistência, o primeiro a aperceber-se do rebuliço verificado quase imediatamente à sua esquerda.

 

No momento em que o Dr. Freeberg se aproximava dos últimos degraus, Brandon avistou um homem atarracado, de expressão transtornada pela ira, que afastava brutalmente dois espectadores na sua frente e levantava a mão direita.

 

E, horrorizado, Brandon viu que empunhava uma automática.

 

Aparentemente, não foi o único a dar-se conta da ocorrência, pois registaram-se gritos proferidos por pessoas das proximidades e, de súbito, uma voz feminina suplicou:

 

- Não! Não faças isso, Tony!

 

No entanto, a arma foi apontada ao alvo e o dedo exerceu pressão no gatilho.

 

Soou uma explosão, que se repetiu uma, duas vezes.

 

A primeira bala atingiu o Dr. Freeberg que levou as mãos ao peito e vacilou, e os joelhos dobraram-se-lhe, enquanto tombava lentamente no chão.

 

Antes que Brandon! pudesse juntar-se aos outros para acudir ao médico, uma jovem de semblante aterrorizado, ma qual reconheceu Nan, irrompeu da multidão e correu para ele para lhe puxar o braço, ao mesmo tempo que gritava:

 

- Agarre-o,   Paul!   É Tony!   Foi   ele que disparou! Mas tenha cautela, que enlouqueceu!

 

Brandon abriu caminho por entre a assistência, desviando e empurrando, até que alcançou uma clareira e avistou Tony Zecca, que fugia velozmente.

 

- Foi aquele! - indicou ao polícia mais próximo, apontando.

 

Verificou, porém, que dois outros já corriam no encalço do fugitivo. Este olhou por cima do ombro, viu que o perseguiam e deteve-se, para dar meia volta e alvejar os policiais.

 

Todavia, as balas perderam-se. Os perseguidores agacharam-se e ripostaram com mais cuidado. O impacto dos projécteis obrigou Zecca a dar um salto involuntário antes de cair pesadamente.

 

Quando Brandon chegou ao local, os dois polícias debruçavam-se sobre o fugitivo e abanavam as cabeças lentamente.

 

- Acertaram-lhe? - perguntou, desnecessariamente.

 

- Está morto - informou um deles, endireitando-se.

- Que lunático!

 

- Sim,   era um   lunático - assentiu   Brandon,   em voz neutra.

 

Escoaram-se dez minutos até que ele regressou à entrada do Município, onde <a multidão abrira um espaço para passagem da ambulância.

 

Dois paramédicos depositaram o Dr. Freeberg numa maca, que em seguida transferiram cuidadosamente para a viatura.

 

Brandon apercebeu-se de que Gayle se lhe reunira e o abraçava, chorando e soluçando. No momento imediato, tentando tranquilizá-la, murmurou, enquanto a acariciava:

 

- Há-de salvar-se.

 

--Não sei... - balbuciou ela. - Está com um aspecto horrível, horrível...

 

A sal a de conferências do segundo piso do Hospital Central de Hilisdale fora cedida aos membros da Imprensa, que aguardavam o primeiro boletim sobre o estado do Dr. Arnold Freeberg, o qual continuava na sala de operações.

 

Depois de circular por alguns minutos entre os novos colegas, Chet Hunter resolveu regressar à sala de espera ao fundo do corredor, onde estivera antes e fora apresentado aos outros por Suzy e Gayle. Agora, consciente de que devia permanecer entre as pessoas relacionadas mais intimamente com o médico, encaminhavam-se de novo para lá.

 

Quando passou diante da antecâmara da sala de operações, em cuja porta se via a advertência "ENTRADA PROIBIDA", avistou três pessoas sentadas em! cadeiras, no corredor, e reconheceu duas como sendo a esposa de Freeberg, Miriam, e o filho, Jonny. Quanto à terceira, um homem de meia-idade, trajado impecavelmente, calculou que era o antigo companheiro de quarto na Universidade e actual advogado do médico, Roger Kile, e sentiu-se tentado a interrompê-los para perguntar se sabiam alguma coisa sobre o estado do ferido. No entanto, viu que Kile conversava com Mrs. Freeberg a meia-voz, e a expressão angustiada desta última indicou-lhe que o momento não era oportuno para os abordar.

 

Ao chegar à entrada da espaçosa sala de espera, Hunter deteve-se por um momento para a contemplar. Todas as cadeiras e os dois sofás estavam ocupados e o televisor ao canto desligado. Nas cadeiras junto de um dos sofás, encontravam-se um homem e uma mulher que ele sabia serem Adam Demski e Nan Whitcomb, imersos em - amimada conversa, embora exibissem expressões graves. No sofá a seguir, achavam-se Paul Brandon, Gay lê e Suzy EdWards. Conservando o olhar nos dois primeiros por uns instantes, reflectiu que não deixava de ser estranho que dois delegados mantivessem relações românticas. Como fariam amor? Dedicar-se-iam aos exercícios de carícias e contactos previamente? Era muito provável. E daí, talvez não. De qualquer modo, existia a possibilidade de, um dia, fornecerem! matéria para uma série de artigos que constituiriam a sequência dos que agora seriam publicados. Continuou a passear o olhar pela sala. Também estavam presentes as outras delegadas que lhe tinham sido apresentadas antes, e a boa memória permitiu que recordasse os nomes: Beth Brant, Li la Van Patten, Elaine Oakes e Janet Schneider. Todas se mostravam angustiadas, em virtude do- estado crítico do D r. Freeberg.

 

Por fim, decidiu consultar Suzy. Atravessou a sala com passos lentos, aproximou-se e, num murmúrio, perguntou:

 

- Já se sabe alguma coisa?

 

- Absolutamente nada - respondeu ela, no mesmo tom. - Ouvi   uma   enfermeira   dizer   que   ainda   pode demorar meia hora. Depende do lugar em que a bala estiver embebida.

 

- Há-de correr tudo bem.

 

- Assim   espero.   Deus   não   permitirá   que   um; homem destes morra.

 

- Gostava de trocar umas palavras com Gayle. Se não te importas, claro.

 

- Sabes bem que não.

 

Hunter deu mais dois passos ao longo do sofá até encontrar-se diante de Gayle Miller, que acabava de dizer algo a Brandon.

 

- Posso interromper? - perguntou a este último. Desejava falar em particular com ela, se não vê inconveniente.

 

- Mas cedo-lha apenas por empréstimo - advertiu Brandon, com um sorriso.

 

Hunter estendeu a mão e ajudou Gayle a levantar-se do sofá.

 

- É um assunto que só a nós interessa - explicou, a meia-voz. -   Há um laboratório desocupado na porta ao   lado.   Parece-me   o   lugar   mais   seguro   para   uma conversa sem interrupções.

 

- Pois sim.

 

Conduziu-a para o corredor, abriu a porta do laboratório deserto e gesticulou para que o precedesse.

 

No balcão de fórmica mais próximo, puxou dois bancos de baixo, indicou a Gayle que ocupasse um; e instalou-se no outro.

 

- Queria falar consigo, antes que aconteça...   o que acontecer.

 

- De que se trata, Chet?

 

- Já sabe que Suzy é a minha pequena e foi ela que me aconselhou a procurar o Dr. Freeberg.

 

- Foi   uma verdadeira surpresa.   É um felizardo. Todos gostamos dela.

 

- Acredito, mas não é disso que lhe quero falar. Se não fosse ela, nunca me livraria do meu problema. No entanto, quando se referiu às actividades que se desenrolavam na clínica, esqueci essa faceta da questão, para me concentrar na oportunidade que se me deparava.

 

- Não estou a compreender.

 

- Sou   o   responsável   da   sua   detenção   e   do Dr. Freeberg.

 

- Eu sei. O promotor público mostrou-me o seu diário.

 

- Creia   que   estou   profundamente   pesaroso.  Eu não lhes queria mal, e os interesses pessoais impediram-me de abarcar as consequências do meu acto. Só pensei em min e no meu futuro imediato. Fui joguete da minha ambição desmedida. Ansiava por escrever um artigo baseado em observações pessoais do que se desenrolava   na   clínica,   que   me   garantiria   um1   lugar permanente nos quadros do Chronicle. - Hunter fez uma pausa. - Deixei-me absorver demasiado pelo desejo de ser alguém.

 

- Acontece a toda a gente, numa ou noutra altura da vida.

 

- Quando leu o diário, Suzy ficou fula e tentou incutir-me um pouco de sensatez. Por sorte, algumas células do meu cérebro ainda continham uns restos de decência e moralidade e conseguiu fazer-me escutar a voz da razão e alterar radicalmente a minha posição. Desejava que você se inteirasse disto... e aceitasse as minhas desculpas, se lhe for possível. Agora, encaro-a como aquilo que na verdade é.

 

- Há muito que lhe perdoei tudo. - Gayl e exibiu um sorriso. - Encara-me como na verdade sou? Que sou eu, Chet?

 

- Um anjo-da-guarda.

 

- Deixe-se   de fantasias - replicou,   levantando-se do banco e encaminhando-se para a porta. - Sabe o que sou, de facto? Alguém que sabe aplicar o método do apertão.

 

- Nesse caso - concedeu   ele,   com   uma   gargalhada, o anjo-do-apertão.

 

Paul reclinava-se no sofá, com o cachimbo apagado na mão, lamentando! que não fosse permitido fumar, quando viu Gayle reaparecer e, enquanto a observava, admirou-lhe mais uma vez a graciosidade felina e desejou-a mais do que nunca.

 

Quando ela se aproximou, levantou-se, para em seguida tornar a instalar-se no sofá a seu lado.

 

- Então? - perguntou Gayle, em voz baixa.

 

- Ainda nada.

 

- Deus queira que se salve!

 

- Que pretendia ele? - inquiriu Brandon, inclinando a cabeça na direcção do corredor.

 

- Confessar-se. Expiar as penas. Purificar a alma. Na realidade, apenas queria dizer-me que estava arrependido do que fez e grato por aquilo que tu sabes.

- Olhou-o com benévula desconfiança. - com que te entretiveste,   na   minha ausência?   Inspeccionaste   as outras delegadas, para tentar descobrir alguma   mais atraente?

 

- Como adivinhaste?   Por sinal, foi   isso mesmo. Repara nas pernas da   Lila, por exemplo. Em todo- o caso, para dizer a verdade, prefiro-as bojudas, como as tuas.

 

- Malvado...

 

- Mas, a sério, estive de ouvidos apurados. – Ele sentava-se de costas para Nan e Demski, que ocupavam cadeiras a um dos lados do sofá, e indicou-os com um movimento de cabeça, ao mesmo tempo que baixava a voz. - Perguntava-me se o acanhamento os impediria de estabelecer contacto, depois de apresentados. Gayle olhou-os discretamente e comentou:

 

- Não parecem muito acanhados.

 

- Viste que, na primeira meia hora, estiveram sentados ao lado um do outro, como índios de pau? Encontrava-me perto, quando Nan se tornou agressiva e fez qualquer alusão ao tempo.

 

- Conversam   muito com a madame ne - acrescentou, continuando a observá-los. - De que estarão a falar?

 

- Provavelmente, de nós.

 

- Ou deles próprios. Tenho pena de não poder ouvir.

 

Nan Whitcomb aproximara a cadeira alguns centímetros da de Adam Demski, para se lhe poder dirigir sem que terceiros se inteirassem.

 

- Não vejo inconveniente em lhe dizer por que procurei o Dr. Freeberg. Tinha um problema difícil, e um médico de clínica geral indicou-mo. Sofria daquilo a que chamam vaginismo.

 

Demski enrugou a fronte ao ouvir o termo pela primeira vez.

 

- Que é isso?

 

- Espasmos   musculares   na área da vagina, que tornam as relações sexuais difíceis e dolorosas.

 

- Não...   não sabia - admitiu, corando. - Como aconteceu?

 

- Segundo o Dr. Freeberg, pode dever-se a várias causas. Uma delas consiste em más experiências com homens.   No meu caso, resultou de uma experiência terrível com um indivíduo chamado Tony Zecca.

 

Permaneceu impassível por um segundo e, de repente, pareceu reconhecer o nome.

 

- O tipo que alvejou o Dr. Freeberg? Lamento que o tivessem abatido.

 

- Pois eu não - replicou Nan, sem vacilar. - Era um animal perigoso.

 

- Por que fez uma coisa daquelas?

 

Conservou-se silenciosa por um momento e terminou por murmurar:

 

- Vou explicar-lhe o motivo. Talvez não devesse, mas...

 

- Pode confiar na minha discrição.

 

- Eu vivi com ele durante um breve período, que foi   um   tormento   quase   permanente.   Provocava-me dores tão fortes, que acabei por procurar o D r. Freeberg, a fim de me submeter ao tratamento apropriado, durante o qual descobri que também, há homens decentes no mundo e decidi abandonar o Tony. Ora, tudo indica que se convenceu de que eu tinha fugido com outro amante e suspeitou de que se tratava do próprio Dr. Freeberg. Não sei ao certo o que se passou a seguir, mas, possessivo como era, resolveu vingar-se matando-o. - Fez uma pausa, para exalar um suspiro. - Na verdade, sinto-me responsável do que sucedeu.

 

- A culpa não foi   sua - apressou-se Demski   a assegurar, ao mesmo tempo que lhe dava uma palmada tranquilizadora no braço. - Se pudesse, o D r. Freeberg seria o primeiro a afirmá-lo.

 

- Talvez tenha razão. - Nan voltou a suspirar. Ele   é   um   homem   maravilhoso. - Fitou   o interlocutor com curiosidade. - você, por que o procurou, ou não devo perguntar?

 

- Depois da franqueza com que se exprimiu; quero pagar-lhe na mesma moeda. - O pomo de Adão dele moveu-se com   nervosismo. - Sou...   sou de Chicago, onde trabalho como contabilista. Era... era...

 

- Não precisa de...

 

- Impotente - desabafou,   para   acrescentar   com prontidão: - Mas estou curado, graças à minha delegada.

 

- Estupendo. Quem era ela?

 

Com um gesto quase imperceptível, indicou o sofá onde Gay l e se sentava com Brandon.

 

- Gayle   Miller? - sussurrou   Nan,   admirando   a atraente morena. - Não admira que se curasse. Quem me dera ser como ela!

 

- Mas   é - asseverou   Demski. - Melhor,   mesmo.

 

- Não haja dúvida de que sabe lisonjear uma moça.

 

- Falo a sério. Quem... quem era o seu delegado? Ela levou o indicador aos lábios e, com o polegar, indicou Brandon

 

Foi a vez de ele proceder a um exame apreciativo, para finalmente declarar:

 

- Parece um artista de cinema.

 

- Sim, é simpático, mas tenho mais facilidade em conversar com um contabilista do que com um artista de cinema. - Nan   corou   e desviou   os   olhos   para a porta. - Quando nos informarão do estado do Dr. Freeberg?

 

Cinco minutos mais tarde, uma enfermeira assomou à entrada e anunciou: - o cirurgião vai falar-lhes. - E desapareceu. Estabeleceu-se silêncio absoluto na sala de espera, com todos os olhares concentrados na porta.

 

Transcorridos alguns segundos, um homem alto e magro, de bata verde, materializou-se à entrada e avançou uns passos.

 

- Sou o Dr. Conerly, cirurgião-chefe deste hospital, e peço desde já desculpa por fazê-los esperar tanto tempo, mas as novidades que tenho para comunicar compensam a demora. O Dr. Freeberg encontra-se bem. Na realidade, não podia estar melhor, atendendo ao... contratempo que sofreu. - Fez uma pausa, enquanto os outros   soltavam   suspiros   de   alívio. - Vamos   transferi-lo para   a   Unidade   de   Cuidados   Intensivos   como mera medida de precaução e por um período relativamente breve. Devo esclarecer que o ferimento não lhe ameaçava a vida, pois quis a sua boa estrela que a bala que penetrou pela clavícula esquerda não atingisse o coração nem os pulmões. Na verdade, não afectou qualquer órgão vital. Já a extraímos e certificámo-nos de que não se registaram danos permanentes, à parte o   trauma   natural.   No   entanto,   continuará   connosco alguns dias, para o conservarmos sob vigilância constante. Se tudo correr como esperamos, poderá voltar a sentar-se à secretária da sua clínica dentro de menos de duas semanas. Por conseguinte, podem regressar a casa absolutamente descansados. - Os outros começavam a levantar-se, quando perguntou: - Miss Miller e Mr. Brandon estão presentes? - Aguardou que se identificassem   e informou: - Gostava de lhes dizer duas palavras. - Enquanto   se   encaminhavam   para   a   porta, comunicou-lhes: - Tenho um recado para os   dois do Dr. Freeberg. Pediu-me que os prevenisse de que reservou uma mesa no Mario's Gardens, para esta noite, às oito e meia. Como não pode exercer as funções de anfitrião, deseja que o substituam e tratem de avisar os outros convidados.

 

- Muito   bem - aquiesceu   Gayle. - Trataremos de tudo.

 

- Outra   coisa.   Insistiu   também   em   que   lhes dissesse que "celebrassem um lauto jantar com Jones".

 

Quando o cirurgião se afastou, Brandon voltou-se para Gayle, com uma expressão intrigada.

 

- Que história é essa do lauto jantar Tom Jones? Ela piscou o olho, deu-lhe o braço e replicou:

 

- Depois verás.

 

Depois de orientar a embalagem dos valiosos móveis, o reverendo Josh Scrafield postou-se à porta para observar o embarque no camião que os conduziria ao local de armazenamento, onde permaneceriam até que ele enviasse instruções de São Luís.

 

Depois de esquadrinhar a rua com a vista, na expectativa, frustrada, de avistar Darlene Young, voltou para dentro e começou a recolher os objectos de uso pessoal de menores dimensões.

 

Transcorridos uns dez minutos, ouviu abrir a porta de entrada e precipitou-se para a sala, a fim de se certificar de que era de facto ela. No entanto, Darlene olhou-o com uma expressão de perplexidade, enquanto lhe entregava um saco de papel.

 

- Aqui tens a encomenda que pediste na Drogaria Hanover. O dono não estava, mas deixou-a a um dos empregados, um rapaz chamado Charles, que não me deu só isto.

 

- Que estás para aí a dizer?

 

- Deu-me também uma   informação que   eu   não conhecia - volveu acercando-se um passo. - Dois polícias que são clientes da casa referiram-se a um rumor que circula pela cidade. Parece que foste preso, ontem à noite, por tentares violar uma delegada sexual   de Freeberg chamada Gayle Miller.

 

- Isso são calúnias sem o menor fundamento! retorquiu Scrafield. - Violá-la? Apetece-me é matá-la por me abordar daquela maneira. Não passa de uma rameira barata.   Dirigiu-me acusações   falsas   e   fui   preso por engano. Mas, como vês, estou aqui plenamente livre.

 

- Então, por que partes para São Luís, esta noite?

 

- Recebi uma oferta vantajosa e tive de me decidir de um momento para o outro. Fizeste as malas para me acompanhar?

 

- Que remédio - articulou ela, com um encolher de ombros.

 

Ele extraiu do saco um frasco que continha um líquido amarelado e principiou a desenroscar a cápsula.

 

- Tem   cuidado   com isso - advertiu   Darlene. - É ácido sulfúrico e basta uma gota na pele para produzir uma forte queimadura, segundo o empregado me explicou. - Hesitou   levemente, antes de perguntar: - Para que o queres?

 

- É o melhor produto que existe para desentupir canalizações. Quero certificar-me de que não surgem problemas dessa natureza na nossa nova casa. Mas não percamos mais tempo com palavreado, que a viagem é longa. São horas da partida, e guias tu. - Scrafield fez uma pausa. - Já me esquecia: efectuamos uma breve paragem antes de abandonar a cidade. Conheces o restaurante chamado Mario's Gardens?

 

- Toda a gente o conhece.

 

- Então, paras à entrada por um momento e esperas por mim. Preciso de me despedir de alguém que se encontra lá.

 

- Como queiras.

 

- É mesmo o que quero - resmungou, começando a dirigir-se para a porta.

 

Subiram para o Buick dele e Darlene sentou-se ao volante, para ligar o motor, depois de se certificar de que o companheiro se acomodara convenientemente.

 

A mesa redonda no Mario's Gardens situava-se perto do recinto de baile.

 

Na sua qualidade de anfitrião, Brandon e Gayle dominavam o grupo. A um lado deles, sentavam-se Nan e Demski e, no outro, Hunter e Suzy, enquanto a sétima cadeira, destinada ao Dr. Freeberg, tinha sido retirada.

 

Após as bebidas iniciais e a salada mista italiana, um rapaz levou os pratos e dois empregados de mesa principiaram   a servir a   iguaria principal   da refeição, composta da inevitável pasta.

 

- Ainda   não   me   explicaste   uma   coisa - disse Brandon, enquanto Gayle se esforçava por enrolar a maior quantidade possível de espaguete no garfo.

 

- O quê?

 

- O significado do "jantar Tom Jones".

 

- Lembras-te daquele velho filme   intitulado Tom Jones? Havia uma cena impressionante à mesa, em que o herói e a heroína comam juntos, do prato um do outro, sem pararem; de se olhar. Era a mais sensual de toda a fita. Ora, os delegados sexuais adoptaram-na como rituais da sua formatura.

 

- Porquê?

 

- Porque existe um elo estreito entre a comida e a sexualidade. O que fazemos aqui, esta noite, é meramente simbólico de um verdadeiro jantar Tom Jones. o Tom Jones real, se se decide efectivar, ocorre no último exercício entre delegado e paciente. Cada um leva comida e, em silêncio, alimentam-se um ao outro, além do que podem: ou não tomar um pouco de vinho. Não se trata de uma sessão sexual, mas é excitante. Uma maneira de se ser íntimo e dizer adeus. Mais tarde, conversam, evidentemente. O delegado e a parceira (ou delegada e parceiro, claro) revêem o seu relacionamento íntimo, o que correu bem e o que correu pior, o que houve de alegre ou triste e o que se pode fazer para melhorar o tratamento, no futuro. Evocam o seu receio e nervosismo iniciais, assim como os pontos altos dos das anteriores. Ao conversarem, sabem que talvez nunca se tornem a ver, mas o que experimentaram juntos fica-lhes gravado para sempre na memória. Trocam impressões sobre a contribuição do tratamento para o estabelecimento de relações futuras e concepção da vida de uma forma mais rica e agradável. Proporcionam-se prazer mutuamente trocando comida e recordações. Simbolicamente, era o que o Dr. Freeberg queria que desfrutássemos, esta noite. Por conseguinte, saboreemos o nosso jantar Tom Jones.

 

Com estas palavras, Gayle levou o garfo cheio de espaguete à boca de Brandem, que o tragoucom sofreguidão e em seguida procedeu do mesmo modo para com ela - Vocês também - indicou, mastigando, aos convidados. - Chet dá de comer a Suzy e ela a si. Nan e Adam fazem o mesmo um com o outro. Verão como é divertido.

 

Entregaram-se ao ritual com entusiasmo e, a meio da refeição, começaram a conversar, evocando as melhores e piores fases da terapia e reconhecendo que, naquela noite, todos se sentiam felizes e eufóricos.

 

O grupo musical constituído por cinco figuras principiou a actuar e Suzy e Hunter não perderam tempo em ir dançar, imitados pouco depois por Nan e Demski.

 

Durante alguns minutos, Gayle e Brandon, de mãos dadas, observaram em silêncio os dois pares que evolucionavam na sala imersa em luz difusa.

 

- Vamos fazer-lhes companhia? - sugeriu ele. Todavia, Gayle abanou a cabeça.

 

- Vamos   antes   fazer   companhia   um   ao   outro, quando sairmos daqui.

 

- Providenciarei para que seja cedo.

 

Darlene e Scrafield chegaram à entrada do Mario's Gardens, e ela imobilizou o Bulck.

 

- Pronto - articulou. - E agora?

 

- Aguarda aqui, sem desligar o motor. Volto já.

 

No foyer do restaurante, o reverendo dirigiu-se ao chefe dos empregados de mesa e explicou:

 

- Procuro alguém que janta aqui, esta noite. Miss Galye Miller. Deve estar na mesa do Dr. Freeberg.

 

- É   exacto. - O   homem   começou   a   afastar-se, enquanto perguntava: - Quem devo anunciar?

 

- Diga que é Dr. Lewis, com uma notícia importante para lhe transmitir.

 

Enquanto o acompanhava com a vista, Scrafield sorria para consigo, reflectindo que começava a habituar-se a recorrer a nomes e vozes de outros. Quando concebera o plano, telefonara à secretária de Freeberg e, intitulando-se Otto Ferguson, esclarecera que necessitava de falar com Gayle Miller. Fora então informado de que o médico reservara uma mesa no Mario's Gardens para aquela noite e ela figurava entre os convidados.

 

Desenrolara-se tudo com extrema facilidade, como a diligência de agora, servindo-se do nome de Hoyt Lewis como engodo.

 

Introduziu a mão na algibeira e pousou-a no frasco de ácido sulfúrico. Quando brindasse Gayle com a lembrança que pretendia entregar-lhe - e ela merecia, pareceria o Fantasma da Ópera... ou pior. Nenhum homem voltaria a manifestar interesse pela imunda rameira.

 

Naquele instante, viu o chefe dos empregados de mesa reaparecer e, um passo atrás - uma derradeira olhadela ao rosto atraente e ancas excitantes - Gayle Miller.

 

O homem gesticulou na direcção de Scrafield e afastou-se para atender uns clientes que acabavam de chegar.

 

Intrigada, ela acercou-se do reverendo e exclamou:

 

- Você? Ele disse que era Mr. Lewis. Que pretende?

 

- Vim apenas para lhe entregar uma recordação minha - redarguiu Scrafield, adiantando-se igualmente.

 

- Não compreendo.

 

Puxou do frasco de ácido sulfúrico e retirou a cápsula apressadamente. Em seguida, ergueu o braço, com o gargalo apontado a Gayle, disposto a arremessar o conteúdo.

 

De súbito, porém, surgiu outro braço atrás dele, que lhe imprimiu uma torção e fez o ácido derramar-se sobre o seu próprio rosto.

 

O reverendo levou as mãos à fronte e rosto e soltou um uivo agudo, ao mesmo tempo que Gayle chamava Paul.

 

E enquanto o chefe dos empregados de mesa ajoelhava ao lado de Scrafield, que se lançara ao chão e contorcia com dores, ela fixou o olhar surpreendido em Darlene Young.

 

- Sou Miss Young, assistente dele - informou esta última, em voz tensa, vendo Brandon acudir para tomar Gayle nos braços. - Palpitou-me que se queria vingar de si, Miss Miller. Afinal, quem vai ficar desfigurado é ele.

 

- Aconselho-a a desaparecer antes que chegue a Polícia - advertiu Brandon.

 

- Não. - Darlene sacudiu a cabeça com firmeza.

 

- Quero explicar às autoridades o que aconteceu. - Esboçou um sorriso. - Desculpem ter-lhes estragado o jantar. - Fez uma pausa. - E daí, talvez não estragasse.

 

Três horas e três conhaques mais tarde, Brandon conduzia Gayle a casa, em andamento moderado.

 

Quando transpunham a esquina de acesso à rua em que o bangaló se situava, desviou momentaneamente os olhos para ela, que se lhe encostava, e rodeou os ombros com o braço.

 

- Como te sentes?

 

- Recuperada. Melhor do que nunca.

 

- Podia ter sido horrível.

 

- Mas não foi. Já quase não me lembro do que aconteceu. Na verdade, só me recordo de uma coisa. Esqueceste-te de me oferecer sobremesa.

 

- Enganas-te, não me esqueci. Mas decidi que havia de ser uma sobremesa Tom Jones. Algo que devíamos partilhar juntos em tua casa. Aprovas?

 

- Por que vamos tão devagar? - murmurou Gayle, aconchegando-se ainda mais.

 

Gayle introduzia a chave na porta de entrada, quando Brandon começou a despir-lhe a camisola de malha e puxar o fecho da saia.

 

Na sala débilmente iluminada, abraçaram-se e beijaram, para em seguida se desprenderem e passarem a despir-se um ao outro.

 

Por fim, encaminharam-se, descalços, para o quarto, onde apenas estava aceso o candeeiro da mesa de cabeceira.

 

Uma vez junto da cama, ele ergueu-a um pouco, depositou-a de costas e deitou-se a seu lado, com os corpos em contacto. Os seus dedos deslizaram ao longo da fronte e boca dela, que principiou a friccionar-lhe levemente o abdómen.

 

- Paul...

 

- Sim?

 

- Espero que não te importes, mas como o Dr. Freeberg não está a espreitar por cima do meu ombro, gostava de abreviar a parte relativa às carícias e toques.

 

- Sugeres que infrinja o regulamento?

 

- Esta noite, não há regras. Nem pacientes. Apenas tu e eu, no nosso tempo livre. E apaixonados. Portanto, vamos... - Gayle abriu as pernas e ele colocou-se-lhe em cima. - Estou preparada. Muito. E tu?

 

- Muitíssimo.

 

- Vai ser divertido.

 

Ele penetrou-a com extrema lentidão, afundando-se gradualmente, até à raiz. A vagina estava húmida e suave como o veludo, e tragou-o como uma boca voraz. Em seguida, começou a mover-se em cadenciado vaivém.

 

- Aaah!... - sussurrou ela. - É estupendo.

 

- Amo-te - volveu ele, ofegante.

 

Actuavam em perfeita sincronia, quando as mãos dela lhe pousaram nas costelas, para tornar os movimentos ainda mais lentos.

 

- Paul...

 

- Sim?

 

- Costumas falar, quando fazes amor?

 

- Às vezes. Talvez. Não sei.

 

- Eu costumo.

 

- Óptimo.

 

- Porque em regra estou calada, quando o faço com os pacientes. Não é permitido, como sabes.

 

- Pois não.

 

- Mas agora estamos sós, e eu gostava de dar livre curso às minhas sensações. E talvez também porque...

 

- Continua, querida.

 

- ...porque gosto tanto de estar contigo que não consigo ficar embaraçada. Por outro lado...

 

- Por outro lado?...

 

- Espero que não te importes, se eu for ruidosa, pois adoro expandir-me.

 

- Então, expande-te. E eu também.

 

- Aaah, que bom! Mais depressa, Paul. Tão devagar não. Depressa!...

 

Ele intensificou o vaivém, tornando a união mais íntima.

 

- Paul...

 

Brandon quase não a conseguia ouvir, pois ela movia a cabeça de um lado para o outro na almofada e os quadris entregavam-se a uma agitação crescente.

 

- Paul...

 

- Sim?... - arquejou ele.

 

   - Sabias que a mulher demora cerca de quinze minutos mais do que o homem a alcançar o orgasmo?    

 

- Ouvi dizer.

 

- Mas eu não.                                                            

 

- Não?

 

- Não.   Chego   lá   muito   mais   depressa...   quase tanto como tu... Faz-te diferença?

 

- Não aguento mais.

 

Durante alguns minutos, mergulharam um no outro, completamente fundidos, alheios a toda a qualquer noção do tempo.

 

- Oh, Paul... - Sim, querida?

 

- Estou quase. Só preciso...

 

- O quê?

 

- ...que fricciones o clitóris com um pouco mais de força... Assim, não... Não é com a mão. Quero que o friccione o corpo, quando entras e sais...

 

- Assim?

 

Ele segurou-a pelos hemisférios das nádegas e puxou-a para si, enquanto se acariciavam, totalmente colados.

 

- Isso mesmo... Acertaste em... cheio...

 

- É divinal.

 

Os movimentos prosseguiram, com um sincronismo cada vez mais admirável e perfeito.

 

- Paul...

 

- Querida?

 

-... aqueles livros, romances, em que o herói e a heroína estão unidos e, perto do fim, ela gritou: "Mais, mais, mais... Não pares... Com mais força, por favor, com mais força"...

 

- Sim, que têm?

 

- Aquilo não é fantasia, mas muito realista. Eu sei.     - Sabes o quê?

 

- Que é verdade... Vou prová-lo. - Silêncio, apenas alterado por respirações ofegantes e roçar dos corpos nos lençóis. - Não pares... Mais, mais, mais... Com mais força, por favor...

 

Brandon começou a ter dificuldade em enxergar devido à transpiração que rolava da fronte, ao mesmo tempo que o peito arfava com intensidade e os braços tremiam, com o penis completamente instalado dentro dela...

 

Entretanto, Gayle mostrava-se à altura da situação, indiferente ao forte palpitar do coração e respiração irregular, cravando as unhas no corpo dele, com a região pélvica erguida num arco.

 

- Meu   Deus,   Paul...   estou a vir-me...   estou!...

- Seguiram-se algumas palavras ininteligíveis e, por fim: - Vim-me...

 

No entanto, Brandon não a ouvia, pois concentrava-se na sua própria erupção no interior dela, que se prolongou até à exaustão.

 

- Vim-me - repetiu a voz de Gayle, de uma distância incomensurável.

 

- Eu também, querida, como nunca.

 

Desprendendo-se gradualmente, Brandon afundou a cabeça na almofada ao lado dela.

 

No final de um longo intervalo, recuperaram parcialmente a serenidade e Gayle voltou-se para o contemplar.

 

- Onde estiveste metido durante toda a minha vida? Abraçaram-se com ternura e, passados uns minutos, adormeceram profundamente.

 

Ele foi o primeiro a acordar, pouco depois das nove da manhã, com o espírito desanuviado e os músculos descontraídos e repousados.

 

Em seguida, moveu a cabeça, para ver se Gayle ainda dormia. Na verdade, conservava os olhos fechados, e um dos seios, não coberto pelo lençol, permanecia em repouso e levemente inclinado para fora.

 

Ao ver que o lençol cobria ambos, Brandon calculou que ela acordara por momentos durante a noite, a fim de o puxar para cima.

 

Regalando-se com o perfil suave que observava, ainda sob o efeito da recordação do que se passara antes de adormecerem, perguntou-se se ela, ao acordar, experimentaria as mesmas repercussões sensuais das suas relações íntimas.

 

De súbito, viu as pálpebras agitarem-se ligeiramente e, após um instante, abrirem-se por completo. Gayle parecia saber onde se encontrava e quem estava com ela, porque o procurou imediatamente. E viu-o contemplá-la com tanta ternura, que lhe estendeu os braços.

 

Brandon apressou-se a enlaçá-la e beijar com sofreguidão, após o que desviou os lábios para o pescoço, e os seios cujos bicos estimulou com a ponta da língua.

 

- Sei o que gostava de fazer antes do pequeno-almoço, querida - murmurou.

 

Ela estendeu a mão sob o lençol e imobilizou-a entre as pernas dele, para segurar o membro com firmeza.

 

- Creio que também sei o que me apetecia neste momento - articulou, em surdina.

 

Ele pegou na ponta do lençol e afastou-o com um movimento brusco.

 

No entanto, a nova fase de paixão foi interrompida pelo som de um trovão distante. Ou, pelo menos, muito parecido com um trovão.

 

Na realidade, tratava-se apenas da campainha do telefone na mesa-de-cabeceira, que retinia com insistência.

 

- Não atendas - disse Brandon. - Desta vez, não pode ser o Dr. Freeberg.

 

- Mas deve tratar-se de um assunto importante. Mais ninguém costuma telefonar tão cedo.

 

Gayle levantou o auscultador e acercou-o do ouvido. Aguardou, enquanto alguém falava do outro lado do fio, e replicou:

 

- Sim, sou Gayle Miller.

 

Voltou a escutar e, a avaliar pela expressão concentrada e palavras dispersas que proferia, Brandon concluiu que afinal se tratava de algo importante.

 

- Mas que maravilhoso! - Ela colou ainda mais o auscultador ao ouvido, enquanto a satisfação se desenhava cada vez com mais intensidade no rosto. - É a melhor notícia que me podiam dar e estou-lhe infinitamente grata por ter telefonado. Sinto-me simplesmente encantada. Fico a aguardar com ansiedade a carta com os pormenores, e esteja descansado que não faltarei. Mil vezes obrigada, Dr. Wilberforce.

 

Pousou o auscultador no descanso e ergueu os braços, ao mesmo tempo que soltava uma exclamação de triunfo.

 

- Ouve isto, Paul. Era o chefe da Comissão de Admissão ao Programa do Curso Avançado de Psicologia da UCLA. Vou receber uma carta na qual me comunicam que, de entre as mais de quinhentas candidaturas ao Departamento de Psicologia para este ano, sou uma das sessenta admitidas. E, como se isso não bastasse, concederam-me uma bolsa de estudo válida para todo o ano escolar. Tiveram a gentileza de telefonar, para que me inteirasse antes de chegar a comunicação pelo correio. Não é fantástico?

 

Baixou os braços e colocou-os em torno do tronco de Brandon, que a beijou com entusiasmo.

 

- Parabéns, querida. É de facto fantástico.

 

- Assim, vou abandonar a actividade de delegada, por muito que me custe, para estudar com afinco. Hei-de ser uma segunda Freeberg, se tudo correr como espero.

 

- Tenho a certeza disso.

 

Esquivando-se a nova tentativa para a beijar, Gayle inclinou a cabeça para o lado, enquanto o observava com curiosidade, e declarou:

 

- E tu também podes ser. Devias doutorar-te em psicologia, para completarmos o curso juntos e fundarmos uma clínica. Desse modo, podíamos trabalhar e fazer amor juntos. Cada coisa no seu lugar e tempo, claro. Tens de tentar, ao menos.

 

- Já tentei - anunciou ele, com um sorriso malicioso.

 

- Tentaste?

 

- Pouco depois de te conhecer, calculei que serias admitida e desejei seguir-te as pisadas. Por conseguinte, apresentei a candidatura, submeti-me a toda a rotina e rezei.

 

- E depois?

 

- As minhas preces foram escutadas. Recebi a notificação preliminar de admissão, a semana passada.

 

- E estavas tão calado, enquanto eu me afligia com o teu futuro!

 

- Não te podia dizer sem ter a certeza de que te admitiam. Sim, porque se não conseguisses a admissão, era capaz de desistir e dedicar-me a outra actividade contigo. Por sorte, não preciso da bolsa de estudo, pois economizei o suficiente para me aguentar.

 

- Parabéns para ti também, Paul! - Ela segurou-lhe o rosto entre as mãos e cobriu-o de beijos. - Agora é que me sinto mesmo nas nuvens.

 

- Nunca pensaste em continuar até à estratosfera?

- murmurou Brandon, pousando as mãos nos seios.

 

- Começo a encarar a possibilidade seriamente, neste momento. - Gayle fez uma pausa ao soar a campainha da porta. - Quem será?

 

- Eu vou ver.

 

Ele saltou da cama e abandonou o quarto. Na sala, levantou as calças do chão, vestiu-as, e encaminhou-se para a porta, que abriu.

 

Um paquete estendeu-lhe um ramo de rosas amarelas e um talão para assinar.

 

Brandon voltou a fechar a porta e regressou ao quarto com as flores, deparando-se-lhe Gayle, de joelhos na cama, com uma expressão de curiosidade.

 

- Rosas? De quem serão?

 

- Não faço a menor ideia.

 

- Há   um   pequeno sobrescrito preso a   um dos pedúnculos. Dá-mo. - Ele obedeceu e ela informou. - É endereçado a Miss Miller e Mr. Brandon. Vejamos o que contém. - Abriu-o e extraiu um bilhete de visita, cujo texto leu em voz alta: - "Passámos a noite juntos e "fizemo-lo". Foi divino. Queremos agradecer-lhes por o tornarem possível. Não sabemos o que nos aguarda, mas desta vez... caramba!" - Ergueu os olhos. - Assinam Nan e Adam.

 

Brandon pousou as flores e anunciou:

 

- Os jogos e brincadeiras podem bastar para eles, mas não para mim. Quero casar contigo.

 

- Quando?

 

- Também, não há assim tanta pressa. Primeiro, um pouco de amor pré-marital, a minha última oportunidade de pecar. Depois, uma ou duas doses de ovos com bacon. A seguir, voltamos para a cama até ao meio-dia. Mais tarde, um pouco de amor nocturno, até que nos dê o sono, e quando acordarmos estaremos preparados para casar. Ou tens outros projectos para hoje... e o resto da tua vida?

 

- O meu único projecto és tu, Paul. Para sempre. Ele subiu para a cama, tomou Gayle nos braços e iniciou as actividades do primeiro dia Para Sempre.

 

 

                                                                  Irving Wallace

 

 

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