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O LORDE DAS MIL NOITES
O LORDE DAS MIL NOITES

                                                                                                                                                  

 

 

 

 

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Capítulo 20

Ian observou o desenho preciso que David fazia no piso de terra dentro da tenda. Mostrava uma imagem detalhada de Harclow como este seria visto por um pássaro voando. Estava o retângulo da fortaleza com suas quatro torres nas quinas, e o muro interno circundando-o. A certa distância corria a linha grossa do muro externo. Ao longo dos dois lados estava o lago, e David inclusive tinha indicado a colocação dos acampamentos do cerco no terreno ao redor. Ian nunca tinha visto nada igual, com todos os objetos vistos do alto e tudo em perfeita reprodução. A maioria dos mapas não eram desenhados daquele modo.
—Esqueci de algo? David perguntou a Morvan, que também estudou a imagem.
Morvan sacudiu a cabeça.
—É incrivelmente preciso.
—Bem. Agora só peço que me escutem. Esta chuva provavelmente durará muitos dias, então há tempo para fazer isto agora, se vocês aceitam.
Ian caminhou por dentro da tenda, afastando a lona olhou a garoa que tinha adiado o ataque por dois dias.
Atrás dele, David começou a explicar o elaborado plano que eles tinham preparado.
A inquietação o espreitava, e ele saiu à chuva e passeou pelo acampamento até onde podia ver o muro de Harclow. Ao longo de sua extensão tinha soldados vigiando, menos do que o normal devido à chuva.
O barro e a umidade só faziam o perigo ainda mais perigoso, e o exército de Morvan necessitava daquele descanso de qualquer maneira.
Por semanas os ataques haviam sido contínuos, as máquinas de guerra lançaram seus projéteis. Os homens dentro de Harclow continuavam morrendo, assim como os de Morvan, e seu número devia estar muito diminuído, mas o velho Maccus não se rendia.
Ian em pessoa tinha comandado o ataque a uma das torres todos os dias desde que tinha chegado. Isso era uma grande honra, e a atribuição daquela tarefa o surpreendeu. Mas não era honra o que ele sentia enquanto esperava no alto, com a espada pronta, enquanto a alta construção de madeira era aproximada da muralha. Algo mais ardia em seu sangue então, algo tão vigoroso que já não podia mais esconder seu nome.
Medo. Seu poder penetrante o surpreendeu, e ele não tinha experiência para lutar contra aquilo. Mas ele sabia o que era, sabia em sua alma desde que tinha cavalgado para encontrar Thomas Armstrong aquele dia.
Quando ele tinha dezoito anos, tinha conhecido aquele tipo de medo uma vez e tinha sucumbido completamente, mas logo o medo tinha morrido, e sua habilidade no combate tinha sido multiplicada por haver-se libertado do medo. Outros podiam permanecer encostados antes da batalha antecipando a morte que os aguardava, mas não Ian de Guilford. Outros podiam debater o custo de apressar-se a pedir ajuda de um estranho sentindo-se superado em número na Batalha do Poitiers, mas ele nunca recorria a tais coisas.
Até agora. Ao redor dele havia homens endurecidos pelas batalhas e havia muito tempo tinham aprendido a controlar o medo, mas, de repente, ele era um adolescente inexperiente novamente, sangrando pela primeira vez, calculando riscos que ele nunca tinha notado antes, dependendo de instintos nos que ele já não confiava.
Foi em direção ao lago, passando o caminho que levava a periferia do acampamento. Escrutinou as tendas onde estavam os mercadores, as lavadeiras e as prostitutas que formavam a pequena cidade disposta a servir aos soldados.
Normalmente, em um dia vazio como aquele, ele iria passar o tempo com uma mulher para romper a monotonia. Hoje, aquela idéia lhe pareceu de algum modo obscena.
Por causa de Reyna.
Reyna. Ela estava no coração de todo aquilo. Ela estava em sua cabeça mais do que nunca, e o medo estava firmemente associado àquelas imagens e pensamentos. Não admitia aquilo para si mesmo com rancor ou culpa. Simplesmente reconhecia a verdade enquanto caminhava pelo barro para o extremo do lago.
Ao longo da extensão de água podia ver a rachadura na muralha externa de Harclow feita por David com sua catapulta. Tinha levado muitos tentativas achar o ângulo para lançar as pedras redondas por sobre o lago, mas David tinha lançado um dia inteiro de bolas de pedra até quebrar e derrubar o muro. Hoje, enquanto estavam em seus leitos na tenda que compartilhavam, ele e David tinha achado um modo de tirar proveito daquela muralha quebrada.
As imagens de Reyna enchiam seus pensamentos novamente de seu modo insistente. Perguntou-se o que estava fazendo ela naquele momento em Carlisle. Seus pensamentos voltariam para suas últimas horas juntos tão freqüentemente como o faziam os seus?
Meu amor. Soava tão adequado quando ela o houvera dito, uma parcela a mais da intimidade que eles tinham compartilhado aquela noite. Talvez ele não deveria pôr muito peso naquelas simples palavras de afeto, mas naquela noite outra emoção também exigia ser nomeada, e o temeroso e esperançado adolescente que tinha ressuscitado dentro dele queria acreditar que eles estavam juntos naquela emoção.
Essas tinham sido as palavras dela, não as suas. Por que ele não as havia dito, se não naquela mesma noite, então na manhã seguinte antes de se separararem? A tinha deixado sem dizer nada, para assegurar a si mesmo que sobreviveria para dizer mais tarde? Estava o medo então entrelaçado com o amor?
Medo. Continuava voltando para isso. O amor e o medo eram dois lados de uma mesma moeda transparente, impossível não ver um lado sem ver o outro lado subjacente. O que ele temia? Morrer, isso era certo. Perdê-la, era certo, seja pela morte ou por uma desilusão. Medo de amá-la?
Ian voltou sobre seus passos ao acampamento. Um pequeno fogo ardia fora de sua tenda debaixo de um toldo de tecido, e ele se sentou em um tronco perto deste. Morvan saiu e se aproximou para unir-se a ele.
—Pensa que devemos tentar este plano, Ian?
—Não é mais perigoso para os homens que qualquer outro tipo de ataque. A muralha do lado do lago está danificada. Se a surpresa vier suficientemente rápida, poderia funcionar.
—Prepararemo-nos para isso, então, se a oportunidade chegar, faremos isso. Quero você com David nisto.
Ian lhe lançou um olhar agudo. Morvan tinha visto seu medo, parecia. Ele havia procurado um caminho discreto para tirar Ian da torre.
Morvan captou seu olhar.
—Não é isso—, ele disse, conhecendo ambos, a suspeita de Ian e o temor propriamente dito —É inteligente em assuntos de construção e de estratégia, e enquanto o plano se desenvolve pude haver mudanças súbitas a fazer. Entre David e você, se houver algo, algo ficar mau, ainda poderia ser salvo.
Eles nunca tinham tido uma amizade fácil, e então o surpreendeu quando Morvan falou novamente.
—Respeito ao temor, não te tira a coragem. Todos os cavalheiros devem enfrentá-lo cedo ou tarde, exceto aqueles que carecem de inteligência ou imaginação. Costumava brigar como um homem sem nada porque viver. Agora briga como um homem com tudo para perder. Dos dois, prefiro ter ao último a meu lado.
Ele partiu do acampamento antes que Ian pudesse responder, embora não havia nada para dizer.
Ian voltou para a tenda. Achou David sentado em seu leito, fazendo círculos no chão de terra com a vara.
—Vinte balsas, eu diria, cada uma suficientemente grande para levar dez homens. Melhor um bom número de balsas de tamanho menor, então haverá mais homens fazendo isso.
Ian se deitou em sua própria cama.
—Se as chuvas continuarem, as balsas estarão suficientemente molhadas para que aquelas flechas com fogo não possam as queimar.
Ele estudou o mapa desenhado no chão.
—Isso nos levará até a primeiro linha da muralha, claro. Com que freqüência viu que fortalezas permaneçam de pé depois que o inimigo rompeu a murada externa?
—Nunca—, Ian teve que admitir. Mas o velho Maccus resultará ser um inimigo tenaz.
Ele tentou descansar, mas não podia. Com exasperação se levantou e saiu pela abertura novamente. Talvez juntaria alguns de seus homens e começaria a trabalhar naquelas balsas.
—Ela sabe?—, David perguntou.
Ian voltou-se com surpresa. Deduziu que David se referia a Reyna. Sem dúvida ele farejou aquilo, cheirava a medo. David com calma continuou trabalhando em seus círculos.
—Não.
—Ela acabará ouvindo falar disso. A história é mais conhecida do que pensa. Os homens em sua companhia, por exemplo, conhecem a maior parte dos detalhes. Se eles nunca o demonstrarem, é porque temem sua reação e sua espada.
Ian sentiu seu sangue correr um pouco mais lentamente. Em seu modo frio e neutro, David acabara de trazer para a luz um tema sobre o qual Ian nunca falava. Talvez ele sempre tinha suspeitado que a companhia sabia. Talvez era por isso que tinha evitado ter uma amizade com aqueles homens. Indevidamente as perguntas surgiriam, e em última instância, o julgamento.
Podia-se permanecer indiferente às opiniões das pessoas que realmente não lhe importavam.
—Christiana. Ela contaria sobre isso a Reyna?—, Ian perguntou.
—Não, porque o ignora. Nós não estavamos em Londres quando os rumores correram.
—Mas você ouviu os rumores igualmente.
—Sabia antes disso. Quando vi o interesse de Elizabeth, procurei averiguar sobre o tema e sobre você. Todo tipos de informação circula entre os comerciantes.
Ian sentiu um ressentimento gelado.
—E o disse a Elizabeth?
—Só o suficiente de maneira que ela soubesse a verdade quando a história seguisse você até a corte, como eventualmente iria acontecer.
—Pensa que sabe a verdade?
—Eu sei que você foi um moço que não queria morrer. Sei que seu pai deveria ter deixado de lado o orgulho e a raiva. Ele fez uma pausa. —Sei que uma mulher má elaborou um jogo perigoso, e que ganhou. Esse tipo de mulher em qualquer idade é mais engenhosa que a maioria dos homens. Quando elas são jovens, não alcançam compreender o nível de destruição que podem causar com seus jogos—. Ele golpeou a vara contra sua bota. —Ela tem uma criança, estou seguro que sabe. Um menino de nove anos.
—Meu filho.
—Não, não é seu filho. Ele é a imagem de seu pai.
—Meu pai era ignorante e inocente.
—Se o crê. Não tirei nenhuma conclusão disto.
—Estou seguro que é o único que não o fez. As conclusões típicas são sórdidas e malévolas.
—Farejei a verdade a primeira vez que ouvi a história. Sem dúvida outros o fizeram também.
—Você tem um conhecimento do mundo. Tem experiência com o que as pessoas podem ser.
—E pensa que sua esposa não tem esse conhecimento também? Talvez a subestime. Continuamente fico pasmo com a capacidade das mulheres para ser compreensivas naquilo que seus homens se preocupam.
Ele voltou a seus círculos.
—Penso que precisaremos cinco homens trabalhando em cada balsa. Como me está deixando louco com sua impaciência revirando-se na cama, talvez deveria ir e escolhê-los.
Ian pensou que era uma idéia excelente. Virou-se para partir, mas deu de encontro com Morvan aparecendo na entrada. O grande homem entrou, arrastando um soldado pela gola da roupa. Com um movimento brusco o atirou ao chão.
—Olhem a quem encontrei espiando entre as tendas de sua companhia, Ian.
O homem estava aos pés de Morvan. Era Paul, um membro de sua companhia enviado a Carlisle para escoltar as mulheres.
—Que diabos está fazendo aqui?—, Ian exigiu.
—Vim ver os rapazes por um momento.
—Deveria estar em Carlisle.
—Estava entediado.
—Entediado!—, Morvan rugiu. —Por Deus, se algo acontecer a minha esposa ou a minha irmã devido a sua negligência...
—Se aconteceu algo, não é minha culpa—. Paul levantou um braço para repelir o golpe prometido pela raiva de Morvan. —Não as pude deter, sabem como elas são determinadas, a grandiosidade das mulheres... Ainda não nasceu homem que possa tentar lhes dizer o que fazer. E elas levaram Gregory pelo menos, e disseram que não seria por muito tempo. Eu sugeri que talvez deveria vir e informar a Sir Ian, pelo menos, mas Lady Reyna foi a mais insistente em dizer que não devia incomodar ninguém por uma coisa tão pequena, e a de cabelo escuro concordou, e a mais alta nitidamente me ameaçou, na realidade só me olhou fixamente de um modo muito perigoso e me disse que era melhor que obedecesse a suas ordens e tudo ficaria bem.
A expressão de Morvan se fez ainda mais sombria.
—Está dizendo que as damas partiram para Carlisle?
—Sim, isso é o que estou tentando explicar. Embarcaram em um bote e me ordenaram ficar em casa, mas fiquei muito aborrecido por estar sentado naquele lugar vazio, com esse velho mandando nos criados. Então decidi que uma visita rápida aqui não faria nenhum mal.
—Isto é idéia de Lady Anna—, Ian disse. —Ela não queria ir a Carlisle, e ela me insultou enquanto eu dava suas instruções, Morvan.
—Não comece acusando minha esposa, Ian.
—Está sugerindo que Reyna forçou Anna a sair? Diabos, Morvan, sua esposa poderia levantá-la com um braço e carregá-la.
—Talvez deveríamos descobrir onde foram todas elas—, David interrompeu. Ele ergueu Paul sobre seus pés.
—Sabe para onde elas se dirigiam?
—Parece-me tê-las ouvido conversar sobre Glasgow. Uma viagem rápida por via marítima, elas me asseguraram.
Os dois maridos olharam para Ian com irritação.
—Só Reyna teria interesse em ir a Glasgow.
—Sem dúvida Anna se uniu à diversão, e Christiana foi com elas para vigiar a ambas—, David disse secamente.
—Eu as seguirei—, disse Ian. —Você não pode ir, Morvan, nem precisa de mim por alguns dias com esta chuva.
Morvan sacudiu a cabeça, assentindo.
—Leve cavalos extras, Ian, e pelo menos dois homens. Quando as encontrar, mande um homem rapidamente com notícias sobre sua segurança.
—Eu irei com você—, David disse.
—Não, David, você fica aqui—, Morvan disse. —Você me convenceu deste teu plano e agora permanece para concretizá-lo. Precisa fiscalizar as preparações. Ian, quando encontrar Anna, diga a ela de minha parte que estou muito aborrecido e que ela deve voltar com você imediatamente. Quanto a Lady Reyna, a deixo a seu critério.
Agarrando Paul pelo manga de sua túnica, Ian o arrastou até o fogo.
—Quando partiram elas de Carlisle?
—Sete dias atrás. Sete dias. Se foram ao norte de navio, elas já estariam em Glasgow. Tomaria muito tempo ir até Carlisle e seguir por mar. Teria que atravessar as terras Armstrong. Com uma cavalgada a toda velocidade poderia chegar a Glasgow antes que elas partissem.
—Gregory ia estar com elas durante todo o caminho?—
—Sim. E Lady Anna levou um arco e uma espada. Foi vestida como um homem, mas ela sempre faz isso, que é estranho para uma mulher, não é que fique mal, mas por que razão...
—Por que não veio imediatamente para nos contar isto, Paul? Não acredito que algo mau lhes tenha acontecido, mas se lhes acontece não poderei proteger você da ira de Morvan.
Paul olhou por cima de seu ombro cautelosamente.
—Eu lhe teria explicado tudo a sós dentro da tenda, mas ele estava preparado para me matar, e sim menti. Teria sido como lançar azeite ao fogo.
—Fale com sensatez, homem.
—Bem, eu presumi que você sabia que elas iam a Glasgow. Mandei lhe dizer com um homem, ou não? Não havia razão para que viesse imediatamente lhe contar se já tinha mandado um mensageiro.
Um frio percorreu as costas do Ian.
—Um homem? Que homem?
—A pessoa que veio cinco dias atrás com sua mensagem para Lady Reyna. Não era um homem de nossa companhia, mas pensei que era um homem de Morvan, veio dizendo que tinha de sua parte uma mensagem e um presente para ela.
—Eu não enviei nenhum homem, Paul.
—Não? Então, quem...?
—O que disse a ele?
—O mesmo que disse a você agora, onde elas foram e quando partiram.
A cabeça de Ian quase estalava quando o medo e o amor se uniram transformando-se em fúria.
—Descreva esse homem.
—Alto, de cabelo claro, musculoso, é tudo o que lembro. Escocês, mas o sotaque não era forte. Pensei que era um homem da fronteira e um dos homens de Sir Morvan.
Talvez tinha sido Edmund, mas nem Edmund nem Reginald, a quem Ian tinha soltado antes de sua partida, ajustavam-se à descrição de Paul. Tampouco Thomas Armstrong tinha cabelo claro. Mas qual outro além de Thomas ou Edmund poderia ter mandado outra pessoa para entregar uma mensagem que levaria Reyna a cair em suas mãos?
Reconhecer que Reyna poderia estar em perigo real quase anuviou seus pensamentos, mas forçou a si mesmo a considerar aquilo cuidadosamente. Provavelmente deveria contar a Morvan sobre aquilo, mas se o fizesse, Morvan comandaria o exército até Glasgow. As coisas ali se desintegrariam e um inferno se desencadearia na fronteira.
Tampouco ia dizer a David. O estranho tinha aparecido em Carlisle perguntando por Reyna porque era a Reyna a quem ele procurava. Edmund buscando cumprir sua missão? Ou Thomas procurando vingança pela morte de Robert?
Ian foi aonde sua companhia estava acampada. Levaria mais de dois homens, e bastante cavalos e armas. Se eles cavalgassem sem descanso poderiam chegar a Glasgow antes que aqueles que perseguiam a Reyna as encontrassem.

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 21

Reyna esperou em um banco na sala de espera do escritório do bispo com um pressentimento perturbador. A decisão de vir a Glasgow parecia muito sensata quando ela a tinha tomado. Estar em Carlisle tinha se tornado entendiante, e importantes fatos relativos aos últimos meses da vida de Robert podiam ser descobertos ali. Entretanto, agora que o encontro era iminente, ela se perguntou se investigar sobre a vida privada de Robert era algo sábio.
Uma porta lateral se abriu e um jovem clérigo entrou. Rígido em sua batina negra, ele tinha cabelo escuro, e olhos castanhos com uma expressão paciente.
—Sou Anselm, um dos auxiliares do bispo, milady. O padre Rupert me disse que a senhora insistiu que tinha um assunto urgente.
Reyna nunca se havia dado conta quanto era difícil ver pessoalmente um bispo.
—É urgente para mim, já que não posso permanecer em Glasgow por muito tempo.
—Então sinto muito decepcioná-la. Como foi dito, o bispo não está na residência, está no norte, onde esperamos que permaneça atendendo assuntos da Igreja por algum tempo.
—O Padre Rupert pensou que talvez você poderia me ajudar. É de uma informação que eu necessito, não a dispensa ou o julgamento do bispo. Anselm se sentou em uma cadeira próxima e a observou enquanto alisava a batina com tédio. —A ouvirei, mas a maior parte dos assuntos do bispo são confidenciais.
—Espero que este não seja. Meu nome é Reyna Grahan. Meu marido era Robert de Kelso, aquele que administrava as terras da fortaleza de Black Lyne, em nome de Maccus Armstrong. Meu marido morreu há vários meses atrás. Pouco depois de sua morte, uma carta do bispo chegou.
Reyna descreveu a carta, e sua referência a um pedido de Robert.
—Recordo bem, já que eu redigi isso para sua Excelência—, Anselm disse.
—Ninguém sabe a que se referia—, Reyna explicou. —Se meu marido tinha algum desejo ou pedido antes de sua morte, eu gostaria de sabê-lo de maneira que possa ser realizado.
Anselm a ignorou durante um longo período de contemplação. Reyna começou a ficar ansiosa. Talvez o secretário vacilava porque o pedido de Robert realmente a envolvia ela. Era possível que ela tivesse conhecido tão pouco da mente e do coração de seu marido?
—Provavelmente possa lhe explicar sobre isto, Lady Reyna, mas primeiro tenho uma pergunta. Como dispõe o testamento de seu marido da propriedade?
—As terras ficaram para mim, embora seja questionável se seu Lorde permitirá isso—, ela disse, decidindo-se que o relato da tomada da torre e seu matrimônio com Ian não serviria a nenhum propósito.
—Não me refiro às terras. Mas a seus bens pessoais.
—Também ficaram para mim.
—Nesse caso, não pode haver nenhuma objeção a que eu fale contigo—, ele se acomodou mais confortavelmente em sua cadeira. —Seu marido escreveu uma carta que nós recebemos há cinco meses atrás. Nela ele explicou que possuía alguns bens que não eram legalmente dele, e que queria dispor deles de um modo honrado antes de sua morte para que aqueles bens não ficassem associados ao assunto das terras. Ele queria doar aqueles bens a um monastério para educar jovens. O bispo tinha intenção de falar com os frades daqui de Glasgow e fazer os acertos, mas outros assuntos requereram sua atenção.
—Meu marido descreveu esses bens?
—Não, mas era claro que não eram as terras. Ele se referia a esses bens em plural. Na carta. Ele sentia que aliviaria seu consciência ter esse assunto arrumado com sua morte tão próxima, com sua idade avançada.
Os bens. Não terras, a não ser objetos.
—Ele indicou o valor desses bens?
—Sua carta indicava que eram vários milhares de libras. Três ou quatro mil.
Objetos. Úteis para a educação. Livros.
Ela sabia que a biblioteca era valiosa, mas não tão valiosa.
—Meu marido mencionou como ele chegou a possuir esses objetos?
—Não, mas o pedido não era incomum. Os homens ganham sabedoria e piedade quando envelhecem. Eles procuram recompensar por suas transgressões juvenis.
Reyna encontrou seu olhar.
—Pensa que esses bens eram roubados, não é verdade?
—Não, o mais provável é que fossem obtidos depois de um ataque ou uma batalha. Poucos cavalheiros ou soldados se conformam com o pouco dinheiro que seus Lordes pagam, e freqüentemente nunca lhes pagam porque o Lorde presume que eles enriquecem com pilhagem. De fato, a maioria dos Lordes reclamam um terço desses bens.
—Está dizendo que meu marido era um ladrão. Alguém pouco melhor que um mercenário—, ela replicou veementemente.
—O que é roubo em uma circunstância é butim de guerra em outra—, Anselm respondeu. —A Igreja exorta aos homens a renunciar a isto, mas é um pecado menor se a guerra é justa. Até os Cruzados. Seu marido, diferentemente dos demais, procurava fazer uma restituição. Seria impossível devolver aqueles bens a seus donos depois de tantos anos, então ele queria doá-lo à Igreja.
—Nunca tinha ouvido dizer que a Igreja decidisse que um pecado está condicionado às circunstâncias. Deverei me lembrar disso no futuro. Sem dúvida será muito conveniente...
Anselm suspirou.
—Só procuro aliviá-la de sua óbvia ansiedade.
Ansiedade não começava a descrever sua reação. Robert, querido, bom, honorável Robert, tinha vivido uma vida muito diferente antes de chegar à fronteira escocesa e começar a servir a Maccus Armstrong. Tinha acontecido muito tempo antes que ela o conhecesse, e ele tinha deixado aquela vida para trás, à exceção da evidência da qual não podia separar-se, os livros que ela amava tão afetuosamente. Livros roubados. O que teria pensado ele enquanto estudava as exigências morais que eles continham?
As desculpas de Anselm poderiam lhe haver servido. Aquelas desculpas agora poderiam servir a ela também, se podesse se convencer que aqueles livros tinham sido saqueados durante uma guerra justa. Mas já tinha surgido a possibilidade de que Robert realmente tivesse sido um ladrão ou um mercenário quando era jovem. Como Ian de Guilford, ou inclusive pior. Ela fez uma careta diante da ironia. Ela tinha comparado Ian com um homem velho e sábio, enquanto ambos tinham sido adolescentes igualmente perigosos.
—Penso que conheço os bens aos quais meu marido se refere. Se foi o desejo de Robert que estes artigos sejam doados à Igreja, farei todo o possível para fazer que seja assim.
Ela se levantou para partir.
—Pode dar-me uma carta explicando tudo isto? Seria mais fácil para efetuar esta doação se seu pedido estiver por escrito.
—Se você herdou esses bens...
—Recentemente voltei a casar—. Suas sobrancelhas se levantaram com compreensão. Ele se aproximou da mesa.
—Se já voltou a casar, esses bens já não são seus—, ele disse enquanto escrevia. —Para qualquer coisa que lhe possa servir, eis aqui. Não deixe que isto se converta em um ponto de discussão em seu matrimônio. É estranho que um homem se desprenda da riqueza que veio através do matrimônio de sua esposa.
Reyna apertou o pergaminho que provava que Robert nunca tinha procurado abandoná-la como esposa. Sobre o último comentário de Anselm, ela não tinha idéia de como Ian reagiria ao cumprimento do último desejo de Robert. Provavelmente ele se recusaria, já que sabia do valor monetário dos livros.
Mas talvez um mercenário teria uma consideração especial pelo pedido de outro mercenário para obter sua salvação no céu.

—Deus nos está castigando por desobedecer a nossos maridos e deixar Carlisle—, Christiana murmurou quando escrutinou para fora da janela do quarto.
—Esta chuva já dura dias, e parece que durará para sempre—. Ela capturou a atenção de Reyna —Quando Anna voltar devemos lhe dizer que partiremos pela manhã. Já é suficiente.
Reyna se levantou de sua cama e olhou fixamente o teto. Esta viagem tinha ocorrido porque Anna, procurando um pouco de atividade e aventura, tinha tomado a decisão de fazer isso. Dadas as circunstâncias, somente parecia justo conceder a Anna um dia a mais em Glasgow.
Reyna quesera partir no dia anterior quando havia retornado da casa do bispo. Como sua missão estava realizada, ela ansiava voltar para a Carlisle. Talvez poderia enviar uma carta a Ian e lhe dizer o que tinha descoberto. Talvez, se essa chuva demorasse as ações em Harclow, ele viria para vê-la. A idéia de que ele já poderia ter tentado fazer isso e que chegasse a uma casa vazia a entristecia, e ela já se sentia deprimida devido a nova descoberta sobre Robert.
Ele nunca a tinha decepcionado, ela recordou a si mesmo novamente. Ela nunca havia perguntado sobre seu passado e ele não tinha mentido. Só uma moça que confiava em um homem como o faria em um pai poderia ter aceitado a presença de todos aqueles belos livros sem perguntar como tinham sido adquiridos.
—Ali vêm—, Christiana disse. —Eles parecem dois cachorros encharcados, e o rosto de Gregory está sombrio de irritação, mas Anna parece radiante. Deve me apoiar firmemente quando falar. Se não deixarmos claro agora as coisas, ela nos estará levando às Terras Altas no fim de semana.
Convencer a rebelde Anna não se mostrou nada fácil. Ela queria tirar proveito do tempo em que seus maridos estavam ocupados, e ela propôs uma viagem a Argyle. Christiana se recusou e replicou todos seus argumentos, mas foi a sugestão de Reyna de que a chuva poderia ter demorado a ação e que seus maridos possivelmente poderiam lhes fazer uma visita, a que ganhou a discussão. Elas passaram a noite fazendo preparativos para retornar à costa. No dia seguinte elas cavalgaram para fora da cidade de Glasgow, com Anna vestida como um guarda igual a Gregory, com túnica e capa com capuz e sua espada amarrada com uma correia em sua sela. A chuva parou, mas nuvens pesadas prometiam mais água. Christiana continuava animando a conversa, alegrando o mau humor causado pelo desconforto da chuva e da lama.
Cinco milhas fora da cidade sua conversa se acalmou, e no silêncio se ouviu um trovão distante. Anna deteve seu cavalo e escutou com atenção. O trovão soou mais próximo muito rapidamente, e Anna deu à volta no seu cavalo, fez uma advertência a Gregory, e desenbainhou sua espada. Reyna olhou por cima de seu ombro para ver uma companhia de homens galopando na direção deles.
—Fiquem de um lado da estrada—, Anna ordenou, cruzando sua espada em sua sela. —Deixem-nos passar.
Infelizmente, a companhia não seguiu adiante. Os homens fizeram uma pausa, depois se moveram para frente em um trote. Quando estavam a cem passos de distância, Reyna reconheceu o homem que liderava o grupo e sua respiração ficou suspensa de surpresa.
—Bem, irmãzinha o que está fazendo fora do amparo de seu marido?
—Estive de visita a Glasgow. E você Aymer? Este é um lugar inesperado para te encontrar.
—Estava te procurando. Procurei você em Carlisle e soube que tinha feito esta viagem, e estava preocupado por sua segurança.
—Que fraternal.
Os doze homens de Aymer se aproximaram, tornando impossível a fuga. Anna segurou sua arma firmemente. De lado, Reyna viu Gregory calculando a situação e ele não gostava do que via. Um dos guardas de Aymer ficou ao lado de Anna, e a observou de perto. A ponta de sua espada seguiu o movimento.
—Por Deus, é uma mulher—, ele exclamou, baixando seu capuz. Os cachos loiros caíram. —Alguma vez viu uma mulher tão grande? É bastante bonita de um modo estranho, não parece, hem?
Os outros homens riram.
—Sim, é suficiente mulher para todos nós.
—Suficiente mulher para cortar o falo de qualquer um que nos toque—, Christiana disse friamente.
—Pare com isto imediatamente, irmão—, Reyna disse. —Qualquer dano que acontecesse a qualquer uma delas, Morvan comandará seu exército... e a fortaleza de nosso pai está muito perto de Harclow.
Anna empurrou a ponta de sua espada contra o pescoço do guarda, olhando-o fixamente.
—Nós somos muitos, cadela—, ele disse bruscamente.
—Talvez. Mas agora vão se mover senão morrerão—, ela respondeu.
Subitamente Gregory se lançou em direção a eles, com sua espada levantada e uma expressão determinada. Um dos cavalheiros cruzou cavalo em seu caminho, e baixou sua própria arma na testa de Gregory. O guarda caiu de sua sela para o chão.
O ataque fez com que Aymer decidisse pôr fim àquele pequeno drama. —Condessa, tenho um assunto com minha irmã que exige que ela venha comigo. Você e Lady Anna estão livres para continuar seu caminho.
—Se ela for, então nós, também, iremos—, Christiana disse. —Completaremos esta viagem como começamos, juntas.
—Este é um assunto de família, milady, e não é de sua conta. Se insistir nesta tolice, farei com que amarrem vocês duas em uma árvore.
—E ser expostas a ladrões ou animais selvagens? Uma das duas coisas, ou Reyna continua conosco, ou nós vamos com vocês. E será melhor que tome o maior cuidado com nossas vidas e nossa segurança. Meu irmão tem dois mil homens em Harclow, e se ele o atacasse não teria nenhuma clemência. A respeito do meu marido, suas maneiras não são nada sutis. Não se deterá até que você sinta sua bota em seu pescoço.
Seu tom glacial cristalizado naquela ameaça era ainda mais eficaz que sua figura delicada e elegante.
Reyna estava impressionada. E Aymer também. Ele olhou ruborizado para Christiana, depois virou seu cavalo furiosamente.
—Tragam-nas todas—, ele ordenou. —Deixem o homem.
Reyna e Anna se aproximaram de Christiana.
—Isso foi muito valente, amiga, mas é desnecessário—, Reyna disse. Ele não me molestará.
—Ele certamente pensará duas vezes agora se tinha planejado fazer isso—, Anna murmurou. —Acreditam que aquele bobo do Paul realmente vai manter nosso segredo sobre a viagem?
Christiana fez uma careta.
—Como você ameaçou lhe cortar a garganta...
—Ainda que nossos maridos descubram que deixamos Carlisle, eles não saberão onde estamos agora. Não, cunhada. Estamos sozinhas nisto.
—Voltem—, Reyna tentou as convercer.
Christiana sacudiu sua cabeça.
—Não confio em seu irmão. Vai estar mais segura conosco presente. Entretanto seria útil saber aonde estamos indo e por que ele necessita de você.
Reyna esporeou seu cavalo em um trote e se moveu para o lado de Aymer.
—Retornamos para Glasgow?—, ela perguntou.
—Não, iremos para oeste e depois para o sul. Estou te levando para casa.
—Para fortaleza de Black Lyne?
—Para casa. Você não pertence àquele lugar, no meio dos Armstrongs e dos Fitzwaryns, Reyna. Volte para sua própria gente.
—Meu pai sente tantas saudades assim de mim?
—Duncan é um homem velho. Uma enfermidade lhe está consumindo as entranhas. Ele não tem vontade de fazer o que deve ser feito, então isso compete a mim.
—Do que se trata, Aymer?
—Terras, pequena Reyna. Não se trata sempre de terras? O diabo deve ter possuído Duncan quando entregou o que deu como seu dote. Por anos esperei que o velho Robert se morresse de maneira que se devolvessem as terras do dote, e que você voltasse para nós.
Ela suspirou diante da confissão de Aymer.
—Quão impaciente estava, Aymer? Não terá encontrado um modo de acelerar sua morte?
—O teria feito se tivesse os meios para fazer isso. É Interessante que pergunte isso, Reyna. Eu presumi desde o começo que você o tinha matado.
—Eu não tinha nenhuma razão para fazer isso.
—Não?—, Aymer astutamente perguntou. —Ele era velho quando se casou com você, e mais velho quando se tornou uma mulher. Sua mãe era uma prostituta, e talvez essa seja provavelmente sua natureza também. Aquelas mãos frias te satisfaziam? Não acredito, pois você muito rapidamente abriu caminho para cama daquele cavalheiro.
Seu tom e seu olhar a fizeram sentir-se muito incomodada.
—Ainda bem que menciona Ian, já que as terras do dote que pensa poder controlar por mim pertencem a ele agora.
—Não se ele estiver morto.
Ela se moveu em sua sela.
—Não tentou...
—Não ainda. Mas conto com sua vinda para te resgatar. Deixa que ele traga toda sua companhia, ou inclusive a metade daquele exército que Fitzwaryn reuniu, mesmo se ele vier em pessoa.

Ele se inclinou e lhe acariciou a face. Ela se afastou com repulsa.
—Tem sangue de prostituta, Reyna. Conto que o tenha suficientemente agradado para que venha por sua causa.
—É repugnante falar desse modo de sua irmã.— Aymer acariciou novamente seu rosto.
—Talvez. Mas, você não é realmente minha irmã.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 22

Frio. Umidade fria e eterna escuridão. Vozes murmurando nas pedras, e mãos tentando agarrá-la. Risadas, mais baixas agora, mais próximas, e outras mãos incomodando mas acariciando, causando um novo terror que ela não entendia. Uma nova voz, não uma etérea de um fantasma, mas sim de alguém vivo, rindo com prazer de seu medo.
—Realmente não é minha irmã.
—Ela se espremeu contra as pedras, sentindo, ouvindo, mas era diferente daquela vez. Sua alma não experimentou nenhum terror. Daquela vez uma parte de si mesma permaneceu racional, observando o antigo medo desprender-se ao redor dela, dentro dela, como se observasse uma encenação.
Pernas apertadas contra as suas e mãos sustentando as suas. Pernas reais e mãos reais, fixando-a em um tempo e um lugar, prevenindo que seus sentidos saíssem de seu controle.
—Ele não pode nos manter aqui para sempre—, uma voz interferiu. Uma voz real. De quem? Ah, de Anna. —Nem sequer uma vela. Que sentido tem isto?
—Ele me detém aqui até que Ian venha—, Reyna se ouviu dizer. Certamente ela havia explicado isso antes, a primeira noite quando elas acamparam e dormiram juntas com a espada da Anna entre elas. Uma eternidade atrás, antes que a cavalgada as trouxesse ali uma noite e Aymer as encarcerara a todas. Haviam trazido comida, ela podia recordar-se disso, mas Aymer não voltara.
—Ele poderia nos dar velas. Esta cripta me perturba.
Sim, era uma cripta. Onde elas estavam, amontoadas no chão de pedra, encostadas na parede fria. Se o lugar perturbava inclusive a valente Anna, talvez ela não devia sentir-se tão infantil.
A mão de Christiana a agarrou com mais força.
—Está indo bem, Reyna—, ela a tranqüilizou.
As vozes nas pedras respondiam com seus murmúrios inaudíveis. Risadas altas perfuravam seus ouvidos. Ela se agarrou à mão delicada e vagamente recordou de Christiana dando leves palmadinhas na sua novamente enquanto os gritos de alguém enchiam o pequeno recinto.
Ela reuniu coragem, o pouco que tinha, e sua alma escutou as vozes. Havia algo familiar nelas da última vez, algo humano. Ela as estimulou para que atacassem novamente, e espremeu suas pernas contra as de suas amigas. Vamos, maldição.
E elas vieram, as pedras ecoando seu murmúrio, o som chamando lembranças escondidas debaixo do terror.
Ela estava em um lugar escuro, e mãos tocando-a e incomodando-a novamente. Um dedo se moveu invisivelmente ao redor de seu corpo, e uma risada infantil debochava de seu medo. Nas pedras cresciam mãos e braços, e sempre que virava eles estavam atrás delas, tocando-a num frenesi estremecedor. Sua própria voz chorava pedindo ajuda, e então aquela jovem voz falava, de repente zangada.
—Você fica aqui agora, ou os demônios apanharão. Eu vou para fora observar.
Mas ela não ficou. Ela correu na escuridão, seguindo o som dos passos.
—Há quanto tempo pensa que estamos aqui?—, Anna perguntou.
Desde sempre, talvez. Não havia nenhum tempo ali. Uma hora podia ser uma semana, uma semana não mais que uma hora. A escuridão tragava o tempo.
—Guiando-se pelas refeições, vários dias, mas dormi alguns momentos e não posso dizer se é de noite ou de dia—, Christiana respondeu.
Reyna escutou as vozes suaves de suas companheiras.
O espaço e o tempo se acomodaram. A encenação tinha terminado, e ela tinha visto a fonte e a causa de seu horror. Talvez a princípio só tinha sido uma brincadeira de criança para Aymer, mas o prazer por aquele medo tinha alimentado sua crueldade ao longo dos anos. Não a surpreendia que sua própria alma se encolhesse com sua mera presença.
Mas, ela sabia que havia mais. Algo em sua mente, tentando que ela se fixasse no terror apesar da dor. Terminarei com isso hoje, ela decidiu grosseiramente. Enfrentarei cara a cara e não me dominará mais.
Ela olhou fixamente para a escuridão e desafiou a que aquilo se apresentasse. Soltando as mãos que sustentavam a sua, ela fez que sua mente apagasse a presença de suas companheiras.
A princípio a escuridão a saudou benignamente, um vazio morto, mas lentamente, sutilmente, foi recobrando vida. As vozes apareceram novamente, baixas e distantes e não muito ameaçadoras. Até os gritos que soavam como se fossem os seus próprios estavam longe. Ela estava correndo, correndo em direção aos sons, seguindo os passos das botas.
De repente o medo era novo, e o coração que ela sentiu dentro de seu corpo não era mais o de uma menina, mas o coração de uma mulher. Ela estava indo com alívio em direção a alguma luz ao longe.
Ela ofegou quando o sol quase cegou seus olhos e a imagem horrível encheu sua mente. Por um momento, a imagem dela mesma, flácida e morta, seus braços pendurados aos lados e seu rosto desfigurado e azul, cruzou-se diante dela. Não está acontecendo. É outro pesadelo, não está acontecendo.
Mãos a agarraram e a puxaram de volta à escuridão. Elas a sacudiram e tomaram seu rosto.
—Estamos aqui. Estamos aqui—, uma voz firme a acalmou.
Anna a estava a abraçando firmemente, e Christiana estava falando brandamente em seu ouvido.
Ela ficou daquele modo por alguns momentos, e depois procurou soltar-se.
—Estou bem. Tudo terminou. Não vai acontecer novamente.
—Temos de conseguir sair daqui—, Christiana disse.
—Sim, devemos sair daqui, mas não por causa disto—, Reyna disse. —Talvez Aymer procurou me deixar louca. Para que fosse mais fácil me prender e me esquecer. Então, a quem importaria? Mas não funcionou, nem vai funcionar. Tudo terminou, lhes digo.
—Como isso é mais do que disse desde que nos colocaram aqui, me inclino a acreditar—, Anna falou.
—Mas devemos ir todas juntas—, Reyna repetiu. —Ele quer matar Ian. Fará, muito provavelmente, um desafio a ele para um combate individual, mas ele tem um plano para assegurar a vitória, e não será uma briga justa—. Ela contemplou a situação.
—Esta cripta está debaixo da capela, e ela está fora da muralha e perto do bosque. Pergunto-me se inclusive Duncan sabe o que Aymer está fazendo.
—Não importa. Se conseguimos sair, correremos—Anna disse—Recorda bem destas colinas, Reyna? Pode nos levar para oeste?
—Acredito que sim. Já passou muito tempo, mas os caminhos não podem ter mudado muito.
—Como vamos sair?—, Christiana perguntou.
—Tentou a porta depois que nos puseram aqui, Anna, e achou que estava bloqueada. Sem dúvida há pelo menos um guarda fora, e eles tomaram sua espada.
—Esperemos que haja realmente um só guarda—, Anna disse. —Não mais de um, se tivermos sorte. Se podermos conseguir que ele abra a porta... isto é uma cripta. Deve haver algo com que golpear. Um crucifixo, uma pedra de uma placa, algo...
Ela se levantou e começou a percorrer o pequeno recinto.
—Aqui há algo. Uma cruz de pedra.
Ela grunhiu enquanto empurrava e logo amaldiçoou.
—É muito pesado para mim.
—Odeio dizer isto, mas necessitaríamos de um homem forte neste momento.
—Como nos esquecemos de trazer um, parece que estamos presas aqui—, Christiana disse.
—Não se empurrarmos todas ao mesmo tempo. Mas para isso precisamos da porta aberta. Você deve fazer isto, Christiana. Ofereça um beijo ou algo assim. A oportunidade de beijar uma Condessa deve fazê-lo esquecer de sua obrigação.
—Oh!, que todos os Santos me ajudem—, Christiana murmurou. —É melhor que domine esse guarda antes que chegue a me dar um beijo! Elas subiram tropeçando as escadas. Christiana tomou sua posição, e Reyna e Anna se expremeram contra a parede ao lado da escada.
Christiana golpeou a porta.
—Por favor abra a porta só por um momento, sir. Estou me sentindo muito indisposta. Minhas companheiras estão inconscientes, e temo que todas morreremos sem um pouco de ar fresco imediatamente.
A porta de madeira se abriu uma pequena fresta, e a luz débil se infiltrou nas escadas.
—Poderia abrir a porta um pouco mais? Estou segura que elas se recuperarão com um pouco mais de ar. Se for amável, ficarei agradecida.
—Sinto muito, Condessa, mas minhas ordens são...
—Ficarei muito agradecida.
—Bem... se as damas estão tão mal...—, o guarda murmurou. —Não era a intenção que fossem molestadas.
A sombra de seu corpo desapareceu da fresta. Momentos mais tarde a porta se abriu amplamente, e sua forma sombria encheu a soleira.
Elas se lançaram sobre ele.

 

 


Capítulo 23

Tinham-no deitado de costas, enterrado debaixo de um emaranhado de corpos femininos, submerso em um caos de patadas e arranhões e sussurros de excitação.
—Procurem a espada. Não... Esta é a minha, peguem a dele.
—Alguma de vocês sente-se sobre peito dele.
—Maldição, este filho da puta é grande.
—Peguei sua espada.
—Damas.
As três cabeças viraram com surpresa.
—Ian?
Ian apalpou as várias mulheres sobre ele.
—O braço pequeno é o de minha esposa, e a que empunha minha espada contra minha garganta deve ser Anna. Isso significa que o traseiro esmagando meu peito pertence à Condessa de Senlis. Condessa, seria gentil se...
O traseiro se retirou rapidamente. As mãos que o prendiam se soltaram. Todas ela ficaram de pé.
Anna lhe devolveu a espada.
Desgraçadamente, todo aquele caos tinha atraído seus homens que entraram apressados para salvá-lo.
—Afastem-se!—, Ian murmurou bruscamente para eles enquanto esticava seu braço em direção a Reyna e a empurrava contra o amparo de seu corpo.
Reyna imediatamente se derreteu no refúgio de seu corpo, abraçando-o firmemente, enterrando seu rosto contra seu peito. Ele a envolveu com seus braços e desfrutou sentir o calor daquela mulher miúda. Ela estava ali, muito viva e real, e seu alívio se igualava ao dele.
Ian beijou sua cabeça novamente enquanto levava o grupo para fora da capela e à sombra das árvores.
—Obrigado por distrair aquele guarda, Reyna. Estava pensando se o golpeava para ver se você estava presa naquela cripta, ou só ia diretamente à fortaleza e exigiria que a libertassem. Em qualquer dos casos teria tido todos os Grahams às minhas costas.
—Como nos encontrou?
—Soube através de Paul que tinham ido a Glasgow e que alguém as tinha seguido. Quando cheguei lá achei Gregory, e ele me contou o resto.
—Gregory está bem?
—Conseguiu voltar para Glasgow. Como não sabia em que estalagem estavam, decidi as rastrear procurando por ele nas tabernas. O achei no segundo bordel que tentei, na cama como um príncipe, com as prostitutas desfrutando da oportunidade de bancar as enfermeiras.
Anna se moveu para mais perto.
— Suponho que não tenha trazido cavalos extras? Já devem estar nos procurando por lá.
— Fiz isso, mas os deixei no caminho. Cavalgamos sem parar, e trocamos os cavalos quando os nossos já não podiam continuar mais. As damas vão ter que cavalgar de carona conosco. Os cavalos não estão longe.
—Duncan não está fazendo isto, só Aymer, estou quase certa disso—, Reyna disse. —Ele nunca nos levou para dentro dos muros, mas sim nos prendeu na cripta. Duncan não sabe nada.
A pressão em seu ombro aumentou. Ian estivera preocupado de abuso físico, mas os dias na cripta podiam havê-la prejudicado de um modo que os punhos nunca o fariam.
—Como pôde...
—Não me recordo muito, mas Anna e Christiana me ajudaram. Finalmente, pude enfrentar aquilo. Tantas coisas ficaram claras. Tenho muito para te contar.
—E eu tenho muito para te dizer, esposa.
Ele sentiu novamente a preocupação que o tinha dominado enquanto cruzava as colinas, sem levar em conta a segurança ou a prudência quando atravessou as últimas milhas das terras de Armstrong para ganhar tempo.
—Havia dito que permanecesse em Carlisle.
Ela se apertou contra ele de um modo acolhedor que fez que sua faísca de raiva fosse muito pequena e breve.
—Fui uma tonta, Ian, não negarei isso. Mas descobri tantas coisas. Acho que sei quem matou Robert.
—Aymer?—, Ela sacudiu a cabeça, negando. —Perguntei a ele, e realmente não o negou. Admitiu que se tivesse os meios, o teria feito. Por dinheiro, um dos criados ou dos guardas poderiam ter usado o veneno contra ele. Ele queria matar você quando viesse atrás de mim, também, de modo que as terras do dote seriam dele para as controlar.
—Tem sentido. Terras, são terras estratégicas. A explicação mais simples, e a mais antiga do mundo.
Quando eles alcançaram os cavalos, Ian deu instruções para que dois dos homens montassem com as outras damas atrás deles.
—Vai ser mais rápido se formos para oeste, em direção à fortaleza de Black Lyne—, ele disse enquanto erguia Reyna sobre sua própria sela. —Mandei dizer a Morvan sobre Glasgow, e se sua ajuda chegar o fará por aquele caminho. Conhece estes caminhos o suficientemente bem para nos guiar?
—Sei onde estamos. Acho que posso fazer isso.
Ele montou atrás dela. Christiana estava agradecendo a um soldado por sua generosidade em compartilhar seu cavalo, e Anna estava criticando o seu pelo modo como ele estava sentado na sela.
Ian tomou as rédeas e deslizou seu braço ao redor de Reyna. Prendeu-a firmemente e posou seus lábios em seu pescoço.
—Tenho muito para te dizer, esposa, e nem tudo são provocações—, ele murmurou. —Sempre estarei em dívida com as damas por te acompanhar nisto. E agradeço a Deus por te encontrar sã e salva.
Ela virou para aceitar o beijo.
—Está me chamando muito de esposa. E me pergunto por que.
—Você é minha esposa.
—Acreditei que queria que me acostumasse à idéia.
Ele riu.
—Isto, também, mas acreditei que você gostava do som dessa palavra. Nunca chamei nenhuma mulher antes desse modo. Mas se prefere usarei outras palavras carinhosas.
Ele beijou sua face e apertou seus lábios contra sua fronte.
—Querida—. Sua boca achou seu ouvido. —Meu amor.
Ela se inclinou de encontro a ele com um suspiro contente.
—Sim, mas basta esposa, Ian, especialmente porque sou sua única esposa.
—Vamos, Reyna. Iremos devagar, assim estará segura. Não queremos nos perder nestas colinas.
Eles viajaram toda a noite sem parar para descansar. Ian podia dizer que Reyna fazia suas escolhas dos caminhos confiando mais em seu instinto que em sua racionalidade, confiando em seus passeios de infância que deviam ter gravado a rota em sua memória. Numa absoluta quietude, amanheceu, eles finalmente ouviram sons de cavalos seguindo-os, e cavalgaram incansavelmente com esforço para alcançar a fortaleza de Black Lyne antes que Aymer os apanhasse.
Poderia ter funcionado se os caminhos guiassem diretamente à parte de trás da fortaleza, porém a rota os levava mais ao sul, perto da velha fortaleza. De repente seus cavalos cruzavam o velho fosso para a colina ao mesmo tempo que a cabeça ruiva do Aymer aparecia no princípio da costa.
Ian escrutinou os homens de Aymer abaixo, nos precipícios. Não eram mais que uma dúzia.
Reyna tinha razão, e Aymer estava fazendo aquilo sozinho.
Ian pulou para fora de seu cavalo, e desceu Reyna, pediu a seus homens que se posicionassem em torno da circunferência da colina com seus arcos.
A fortaleza de Black Lyne aparecia ao longe. Não havia nenhuma possibilidade de ajuda de lá. Só alguns homens tinham ficado dentro da fortaleza trancados, com ordens rígidas de permanecer ali. Mais abaixo Aymer também estava espalhando seus homens em torno da colina do velho castelo. Ele tinha alguns com ele, mas também tinha um círculo muito maior para cobrir.
—Se disser a um de seus homens que me dê seu arco, tentarei alcançar a algum—, Anna disse.
—São arcos de longo alcance e muito pesados para uma mulher.
—Usei um arco de longo alcance por alguns anos, Ian. Desta distância deveria acertar meu alvo três vezes em cinco. Alguns braços e pernas a menos e Aymer pensará duas vezes sobre nos atacar.
Ele olhou à dama, com sua massa de cachos voando de modo selvagem ao redor de sua cabeça e seus ombros. Se ela dizia que podia acertar três vezes em cinco, acreditava. Chamando o homem mais próximo, ordenou que lhe cedesse seu arco.
Reyna se agachou perto dele atrás de uma grande pedra que servia de proteção. Aymer e seus homens percorreram a periferia do fosso, pensando que estavam fora de alcance. Anna provou a tensão do arco, logo ajustou uma flecha. Caminhando rapidamente ao redor das pedras para o extremo do alto da colina, ela levou a corda do arco de volta à sua orelha. Um segundo mais tarde, um grito de maldição fazia eco na neblina do amanhecer.
—Ela realmente é magnífica—, Reyna disse com admiração. —Deveria ter visto a reação que os homens tiveram para com ela. Ela era um desafio que eles ansiavam enfrentar. Posso entender por que eles... por que você...
—Você representa um desafio muito mais interessante. Para mim ela era um meio para chegar a um fim, e não era um fim muito nobre. Mas ela e eu temos algo em comum, acredito. Ela nasceu para um homem, e o encontrou. Eu nasci para uma mulher, e por graça de Deus a encontrei.
Um silêncio absoluto saudou aquela declaração. Ele desviou seu olhar da vigilância dos homens de Aymer e viu sua expressão surpresa. Ele sorriu e lhe passou o dedo pela mandíbula.
—Bem, foi por graça de Deus ou um ato do diabo, mas se foi o diabo, ele não contava que você roubaria o meu coração, então seus planos para assegurar minha maldição foram destruídos.
Ela envolveu seus braços ao redor dele e o apertou mais próximo de si. Um momento e um lugar tão estranhos para estar dizendo isso a ela, mas lhe pareceu certo e natural.
—Penso que meu corpo poderia flutuar e meu coração poderia explodir agora mesmo—, ela disse. Amo você tanto, Ian.
—E eu amo você. Transformou minha alma despedaçada com a beleza de sua própria alma. Nenhuma outra mulher me insultou como você fez, e me forçou a ver no que me tinha convertido, e depois me ofereceu o amor e a amizade necessários para me trazer de volta.
—Não, Ian, eu só procurava minha própria segurança naqueles insultos. Aquelas palavras não...
—São palavras verdadeiras, Reyna.
Mais verdadeiras do que ela acreditava. Seu amor sobreviveria sabendo tudo? Não agora. Em outro momento. Talvez.
—Fui o mais rápido no caminho de me converter no pior dos homens. Mas devo te advertir que não importa a força de minha resolução, nunca serei um Robert de Kelso.
Ela olhou para cima inocentemente.
—Bem, Ian, pelo que descobri, até Robert de Kelso nem sempre foi um Robert de Kelso.
Ela contou sobre sua reunião com Anselm, e a razão da carta de Robert.
—Eram os livros, Ian. Eles são roubados.
—Está certa disso?
—Não pode ser nada mais.
—Não o julgue muito severamente. O saque é algo habitual depois das batalhas e os ataques. Ninguém o considera um roubo.
—Não se trata de sedas ou objetos de prata. São livros. Quem possuiria tantos livros, exceto clérigos? Não, não me enganarei a mim mesma. Robert tomou livros da Igreja, o que é um pecado sério até em uma guerra, e ele procurou devolvê-los para expiar sua ofensa.
Ian franziu o cenho.
—David disse que eles eram muito valiosos. Perguntava-me quão valiosos. E pelo que soube em Glasgow, valem pelo menos três ou quatro mil libras.
Quatro mil libras. Não era surpresa que David se mostrara vacilante em reconhecer o direito de Reyna a eles.
Aquilo mudava tudo. Um futuro assegurado para eles. Inteirar-se disso era como descobrir um tesouro escondido. Não os venderiam. Reyna os amava, a menos que uma desgraça o exigisse, mas tendo aquele amparo econômico contra algum mal passo do destino afetaria muitas de suas decisões.
Ian a olhou com alegria.
Ela o olhou com olhos grandes e inocentes.
Ele adivinhou o significado de sua esperança, uma expressão ansiosa, real e verdadeiramente esperou estar equivocado.
—Quer devolvê-los ao bispo depois de tudo.
—Não, não—, ela mordeu o lábio inferior e sacudiu a cabeça.
Ian suspirou, e o breve sonho de riqueza voou para longe com seu suspiro.
—Diabos, não faz nada fácil, Reyna. São Quatro mil libras. Maldição.

Morvan chegou dois dias mais tarde, quando o sol estava alto no céu. Do alto da ponte viram sua tropa aparecer no horizonte distante primeiro, mas o som de cascos de cavalos rapidamente alcançou os ouvidos de Aymer mais abaixo.
Espiando detrás da grande pedra, Reyna viu seu irmão virando para detectar a origem do estrondo, e logo retesar-se. Então o terreno se encheu de homens com armaduras e cavalos.
Aymer gritou a seus homens, e eles rapidamente montaram seus cavalos e carregaram os feridos.
Ian caminhou até o extremo da ponte e saudou a chegada do exército. Enviou um homem no mais rápido dos cavalos para lhes avisar que as damas estavam seguras.
O mensageiro alcançou o exército e o deteve.
—Morvan está lá, posso vê-lo. E David também—, Christiana disse. —OH, querido.
—Eles podem estar um pouco zangados—, Anna admitiu.
—Um pouco? Devido a seus caprichos eles suspenderam o cerco a Harclow, trouxeram a metade do exército, e agora você acha que eles podem estar um pouco zangados?
—Meu capricho?.Você...
Ian interrompeu com um sorriso diabólico.
—Ah, agora que me lembro, Anna, Morvan me deu uma mensagem para você. Na excitação de tudo esqueci de dizer.
—Que mensagem?
—Devia te dizer que ele estava mais que aborrecido porque abandonou Carlisle. Ele estava furioso com sua desobediência. Ameaçou te prender e jurou que se ocuparia pessoalmente de que não se sentasse comodamente por um mês.
Vários dos homens fizeram seus cavalos subir. Ao longe, dois homens altos desmontaram e caminhavam à frente do exército. Morvan cruzou seus braços em cima de seu peito e David deixou suas mãos nos quadris e ambos esperavam, a eloqüência de suas posições falava de sua irritação.
—Realmente não me parece bom, cunhada—, Christiana murmurou enquanto Ian a ajudava a montar. —Necessitaremos de um argumento muito bom para escapar desta.
Anna montou sozinha seu cavalo.
—Realmente não foi um capricho, se pensar bem, a não ser companheirismo. Reyna propôs a viagem. Não podíamos deixá-la ir sozinha.
—OH, eles já sabem disto, mas isso em nada acalmou Morvan—, Ian disse. —Ele pensa que deveriam tê-la impedido. E como é apropriado, ele deixou a meu critério o castigo para minha esposa.
Deu a Reyna um olhar que não a agradou muito. Que sorte a dela, parecia que o alívio de ter encontrado sua esposa segura começava a dissipar-se.
Uma vez instalada em seu cavalo, ela se aproximou de Christiana.
—Que engenhoso argumento planeja usar?—, ela sussurrou.
—Bem, não planejo cozinhar para David uma comida especial ou ler filosofia para ele, Reyna. Vou ter que usar aquele jogo do Lorde e a moça que te contei aquela noite em Carlisle quando nos embebedamos com vinho. Eles foram para onde o exército esperava. As damas detiveram seus cavalos a cinqüenta metros de distância.
Morvan avançou.
—Já vejo que encontrou a todas em bom estado, Ian.
—Sim. Foi uma pequena aventura, embora sua chegada simplifica a última parte. Poderia ter matado Aymer de outra forma.
Ian se esforçou por falar com leviandade da aventura mas sem êxito. Os olhos frios de Morvan detiveram sua estratégia.
Morvan lançou a sua irmã um olhar severo.
—Seu marido a está esperando.
Christiana olhou para Anna desculpando-se silenciosamente antes de se afastar em seu cavalo, mas Anna não a viu. Seu olhar estava cravado em seu marido, com desafio.
Morvan se aproximou até ficar ao lado dela.
—Tudo isto te divertiu?
—Estou sã e salva, e obrigada por perguntar por meu estado. Nem o mínimo dano.
Sua expressão silenciosa não respondeu.
—Espero que tenha deixado a fortaleza de Duncan em pé. Ou a derrubou?
—Pudemos escapar sem fazer isso. Uma verdadeira lástima.
Reyna fez uma careta. De todas as estratégias que ela podia imaginar, provocar a um marido zangado não lhe pareceu a mais inteligente.
—Vamos voltar para Carlisle imediatamente?—, Anna perguntou. —Espero que não tenha planejando ficar até amanhã na fortaleza de Black Lyne, Morvan. A excitação desta aventura teve um efeito muito poderoso em mim, sinto-me muito inquieta e energética. Uma boa cavalgada parece ser o que necessito.
Ele não se moveu e sua expressão não mudou, mas havia um brilho diferente em seus olhos.
—Todos vocês virão conosco, mas não a Carlisle. Iremos diretamente a Harclow, onde um trabalho nos aguarda e não pode ser adiado.
Ele apoiou uma mão no joelho.
—Uma longa cavalgada deverá acalmar sua inquietação.
A mão de Anna se apoiou em cima da de seu marido.
—Duvido.
Reyna e Ian se afastaram em seus cavalos ao mesmo tempo que Morvan descia Anna do cavalo para lhe dar um beijo. Perto do exército, Christiana estava nos braços de David, falando-lhe ao ouvido. O amor óbvio nos olhos azuis do conde sugeria que ele aceitaria qualquer coisa que sua esposa lhe dissesse.
A aproximação de Reyna e Ian interrrompeu seu abraço. Christiana voltou a montar, e um escudeiro aproximou o cavalo de David.
—Morvan disse que retornamos a Harclow—, Ian falou.
—Sim. Nós teríamos chegado antes, mas seu homem chegou justo em meio a uma ação ontem pela manhã—, David explicou. —Transpusemos a primeiro linha da murada, Ian.
—Como...?
—Usando nosso plano. Sinto muito que não tenhamos podido te esperar, mas a oportunidade era muito boa para ser perdida. Uma grande tormenta se estalou algumas horas antes amanhecer. O muro apenas que estava vigiado, e nós atravessamos o lago nas balsas antes que eles se dessem conta do que estava acontecendo. Os primeiros homens usaram suas tochas para romper a paliçada de madeira, fizeram um buraco para pôr as armas de fogo. Abrimos caminho até o portão antes que nos atacassem.
—Maccus se renderá?
—Ele quer negociar, e mandou suas condições. Morvan decidiu deixá-lo em suspense enquanto nos ocupávamos deste outro problema.
Morvan e Anna se uniram a eles, e todos cavalgaram atrás do exército.
—David te contou, Ian?—, Morvan perguntou.
—Sim. Disse-me que Maccus impôs condições.
—As previsíveis. A segurança de seus cavalheiros e soldados e coisas assim. Recusei-me às considerar até que ele se renda, e certamente ele as deixará de lado e abrirá o portão.
Reyna cavalgava a certa distância. Ela se adiantou em seu cavalo até que pôde ver Morvan.
—Morvan, poderia falar com Maccus Armstrong assim que ele se renda? Tenho algumas perguntas que me ocorreram durante esta viagem, ele as poderia responder.
—Seu pedido é muito interessante, Reyna. Porque uma das condições de Maccus Armstrong não estava dentro do previsível, e pressinto que é um dos pontos em que ele não cederá—, Morvan voltou seu olhar para ela. —Maccus não se renderá até que lhe entreguemos a viúva de Robert de Kelso.

 

 

 

 

Capítulo 24

Reyna estava de pé no caminho da muralha atrás do corpo com armadura de Ian. David também formava parte de sua proteção humana, e Anna estava perto com seu arco à mão, para responder a algum movimento que os ameaçasse a partir da muralha adversária. Outros arqueiros estavam espalhados com o mesmo propósito, mas sua amiga tinha insistido em aguardar a seu lado, e Morvan advertiu aos Armstrongs que qualquer flecha perdida que acertasse sua esposa iria significar a morte de todos os homens na fortaleza.
Maccus exigiu que Reyna Graham recebesse uma guarda para sua segurança, mas Morvan se recusou. Reyna considerou que era muito cavalheiresco, porque tinha sido uma das condições mais inflexíveis. Como Maccus havia se referido à sua segurança, Morvan lhe ofereceu deixá-lo ver pessoalmente que ela seria apresentada em bom estado, embora ninguém acreditava que a segurança de Reyna seria um objetivo ou uma preocupação de Maccus.
—Aí está ele—, Ian disse. Reyna olhou por cima de seu ombro para o portão distante. Sobre uma das torres, um homem de cabelo branco apareceu. —Darei um passo para o lado, Reyna, mas mantenha-se atrás de David e de meu escudo.
Ele se moveu, segurando seu escudo perto de David dessa maneira eles formaram uma parede de aço.
Reyna se espremeu contra ele e enfrentou o escrutínio à distância do amigo e Lorde de Robert. A cabeça branca a olhou e um silêncio caiu sobre o castelo. Mais abaixo, Morvan Fitzwaryn estava na muralha externa, protegido por sua armadura.
Maccus Armstrong levantou seu braço num gesto. Os corpos começaram a deixar as ameias da muralha ao redor dele. Logo, nenhum soldado de Armstrong ou arqueiro podia ser visto. Maccus esperou até que o último se foi, e então sua cabeça desapareceu.
Anna correu até os degraus do muralha. Reyna e os homens seguiram e se uniram à espectadora multidão formada no pátio. Lentamente, o portão de grades se levantou.
Ian manteve a mão em seu ombro enquanto eles esperavam. A garganta de Reyna ardia, e ela soube que suas emoções eram evidência de sua lealdade dividida. Ela sentia pena de Christiana e Morvan, que haviam sido expulsos de sua casa por muito tempo, mas também sentia angústia por Maccus, que tinha sido o amigo de confiança de Robert e um instrumento para que ela conseguisse tudo o que de bom tinha sido em sua vida.
De repente, uma solitária figura apareceu no pátio mais adiante do portão. Maccus caminhou sem vacilar. A multidão se abriu para que ele passasse, e ele foi até Morvan e silenciosamente desenbainhou e lhe entregou sua espada.
Maccus era um homem gentil, mas com uma figura poderosa apesar de seu sessenta e pouco anos. Ele olhou diretamente para Morvan, estudando-o atentamente.
—Tem os olhos da cor dos de sua mãe, mas luta como Hugh.
—Não posso sabê-lo. Ele morreu quando eu ainda era um menino.
—Nós dois sabemos que foi um de meus arqueiros quem o acertou. Mas assim são as coisas na guerra.
Morvan sacudiu a cabeça.
—As coisas da guerra. Teria sido melhor para você se houvesse matado o filho também.
—Eu não mato crianças. Além disso, foi muito valente por ser um menino. Teria sido um desperdiço—. Ele olhou a seu redor e sorriu com pesar. —Embora sob as circunstâncias...
Algo como um sorriso suavizou a expressão de Morvan.
—Como foi generoso em sua vitória, eu não posso fazer menos. Qualquer homem que jure permanecer ao norte da fronteira de nossas terras podem partir imediatamente para ser escoltados até Clivedale. Você permanecerá aqui até que um resgate seja pago.
—E Lady Reyna?—, Morvan sacudiu sua cabeça.
—Não se preocupe por sua segurança. Ela estará bem conosco.
—Há acusações sobre ela...
—Estamos conscientes disso.
Reyna sentiu que seu rosto se ruborizava com os olhares da multidão.
—Elas não são verdade, aquela historia a respeito de que ela matou Robert—, Marcus explodiu.
—Seu sobrinho Thomas pensa o contrário.
—Thomas é um asno. Tudo são tolices. Qualquer um sabe que eu estava à caminho para pôr um fim àquelas acusações quando fiquei preso aqui com o cerco. Estava preocupado porque Thomas fizera algo estúpido enquanto eu estava aqui. Do mesmo modo, é melhor que vocês retenham ela até que meu resgate seja pago. Então eu a levarei a Clivedale e esclarecerei todo este mal-entendido para restituir a honra dela.
Reyna olhou perplexa aquela manifestação pública de sua inocência, vinda do homem que ela estivera segura que queria condená-la à morte.
—Ela não irá Clivedale—, Morvan disse.
—Se não me forem a entregar, será melhor que jure a segurança dela, Fitzwaryn. Não Aceitarei que você julgue isso ou que as pessoas sigam repetindo seus contos malévolos. Ela é uma Graham, sabe, e há sentimentos muito fortes contra isso.
—O interesse de todos por esta dama me desconcertou desde o começo, Maccus. Qual é a razão do seu?
—Devo isto a Robert. Um bom homem, Robert de Kelso.
—Mas seu novo marido é um bom homem, também. Ele vai jurar manter a segurança de sua esposa, e se você jura pela inocência dela, não haverá nenhum julgamento.
Maccus parecia atônito por aquele anúncio. Ele esquadrinhou a multidão até que a encontrou. Virando-se abruptamente, ele caminhou até eles, logo estudou Ian.
—Quero falar com você—, ele disse bruscamente. Ian sacudiu a cabeça.
—Sabia que seria assim. E Reyna quer falar com você.
Uns cavalheiros levaram Maccus, então. Morvan caminhou em direção ao portão interno, e um novo silêncio caiu sobre a multidão. Fazendo uma pausa, ele olhou de volta e fez gestos a Anna e a Christiana para que se unissem a ele. Com sua esposa e sua irmã a seu lado, ele deu um passo adentro de Harclow.
Reyna voltou-se para Ian enquanto a multidão ia para o portão.
—Foi muito surpreendente que Maccus me defendesse assim?
—Surpreeendente?
—Talvez não—, ela retrucou.
Reyna encontrou seu olhar.
—Há quanto tempo já sabia?
—Não sabia com segurança. Mas estive especulando sobre isso por algum tempo.
—Talvez deveria deixar como uma especulação. Está segura que quer saber com certeza?
—Preciso saber de tudo, e penso que só Maccus pode me dizer a verdade.
—Então vamos falar com ele, Reyna.
Eles encontraram Maccus em uma sela pequena. Ele tinha jurado não escapar, e nenhum guarda vigiava a porta sem cadeado.
Ele estava perto da lareira sem acender em uma atitude pensativa, as mãos apertadas em suas costas, olhando fixamente as chamas que não existiam. Ao longo dos anos Reyna tinha chegado a conhecê-lo bem o bastante, mas ele sempre tinha sido um pouco distante no trato com ela. Ele tinha sido diferente com Robert, e ela freqüentemente tinha ouvido suas risadas do outro lado da porta do solar.
Ele se virou com sua entrada e a escrutinou.
—Não levou muito tempo, moça. O corpo de Robert nem havia esfriado.
—Bem, ela não tinha muitas opções, Maccus. De outro modo seria devolvida a Duncan—, Ian disse.
—Uma má opção—, Maccus se lamentou. —Me informei um pouco sobre você pelos cavalheiros que trouxeram aqui. Você tomou a torre de Black Lyne, eles dizem, e vai ser sua agora. Fez um bom trabalho, Ian de Guilford. Bem, o que passou, passou. Eu planejava entregá-la a outro homem, mas se ela estiver contente, aceitarei. Ia ser um cavalheiro inglês... Maldição.
—Eu estou mais que contente—, Reyna disse. —E é melhor que seja assim, porque não ia me achar disposta a receber a qualquer outro homem, se as coisas tivessem sido diferentes. Aos vinte e quatro anos, cansei de ser movida como uma peça de xadrez e ser mantida na ignorância.
Maccus mostrou sua surpresa, depois sorriu.
—Robert sempre disse que você tinha mais espírito do que eu acreditava. Bem, uniu seu destino a este homem, espero que seja o certo. Se for assim, eu me conformarei em aceitar essa idéia.
—É o homem certo. Mas agora queria saber algumas coisas. Já sou uma mulher adulta, e tenho direito de saber—. Ela escolheu suas palavras cuidadosamente. —Aymer Graham me disse que eu não sou realmente sua irmã. Não acredito que se referisse ao fato que somos meio irmãos.
Ela endireitou seus ombros e olhou Maccus nos olhos.
—Quem é meu pai?—. Seu rosto abateu-se, e ele de repente pareceu muito velho.
—Era Robert?—, ela sussurrou.
—Robert! Diabos, moça, não conheceu aquele homem? Robert nunca se casaria com sua própria filha.
—Quem, então? Realmente era Duncan?
—Duncan Graham deveria rezar uma vida inteira para ter uma filha como você. Não, não é Duncan. E nenhum cavalheiro dele, sem importar o que eles digam sobre sua mãe. Era Jamie. Meu filho James era seu pai. Duncan sempre suspeitou, mas nunca esteve certo, mas sua mãe sabia, e também Jamie.
—James Armstrong? Eu sabia que eles mais tarde tinham sido amantes, mas...
—Foram amantes por muito tempo, quase desde que ela chegou a esta região. Eles se conheceram antes. Mas suas famílias eram inimigas então.
Ele se voltou, seu olhar procurando a lareira vazia novamente.
—Eu o adverti. Disse a Jamie que nada bom podia resultar disso. Bem, ele era muito jovem, as coisas poderiam ter continuado daquele modo mas ela sabia como as coisas iriam ser para você na casa de Duncan. Então Jamie decidiu levar vocês duas. Duncan descobriu, encontrou-os na velha fortaleza. Enforcou a meu rapaz como se fosse um ladrão ali mesmo, e o deixou. Robert encontrou seu corpo.
As lembranças da cripta de repente a assaltaram, insinuando-se em sua consciência.
Frio. Umidade fria e medo. Os dedos tocando-a, e a risada juvenil. Você fique aqui, eu vou sair para observar.
—Nos vingamos, e logo eles se vingaram, e todo o conflito cresceu. Robert falava comigo, às vezes, persuadia-me a fazer as pazes, contava-me sobre como as pessoas dos clãs sofriam, mas eu não o ouvia. Olho por olho, diz o velho livro e eu estava esperando que Aymer alcançasse a maior idade. Eu não mato meninos, mas quando ele crescesse eu ia igualar as coisas com Duncan.
Correndo. Correndo em direção às vozes e os gritos invadindo o espaço negro entre pedras, seguindo os passos que retrocediam.
—Então soube como a tratavam lá. Nunca tinha visto você, mas era a filha de Jamie. Então comecei a escutar Robert, e juntos pensamos um modo para conseguir te tirar de lá.
A luz mais adiante. Mas lentamente agora, aproximando-se cautelosamente.
—Duncan aceitou o acordo para manter vivo Aymer. Ele sabia que eu estava esperando que o moço crescesse para matá-lo. Ele começou a negociar seriamente quando Aymer fez 18 anos. E então assinamos a paz e conseguimos te libetar dele.
A imagem dela mesma enforcada...
Ela se colocou diante de Maccus cegamente, imagens e emoções obscurecendo sua visão.
—E minha mãe? Onde está ela?
—Ele a prendeu em uma abadia.
—Não, não acredito. Robert me teria levado lá quando lhe perguntei.
Ela caminhou até Maccus.
—Crê que uma criança se esquece de tais coisas para sempre? Pensa que se alguém lhe tampar os olhos ela não verá? Que se todos ao seu redor permanecem mudos ela alguma vez não recordará?
Ela apertou seus punhos até que cravou as unhas em sua própria pele.
—Toda a vida, minha alma recordou aqueles últimos meses, sempre que alguém falava de meu próprio julgamento, eu me via enforcada. Pensava que era uma premonição de minha própria morte, mas não era. Não era eu quem estava pendurada naquele pesadelo. Ele a matou, também a enforcou. Não é verdade?
Ela não se deu conta que começara a gritar até que sentiu a presença de Ian atrás dela e seu braço ao redor de sua cintura.
—Se acalme, amor—, ele disse suavemente.
A expressão desarmada de Maccus.
—Não sabíamos com certeza. Robert somente encontrou Jamie, mas não viu evidência de que talvez... E ela, de qualquer maneira, não está naquela abadia, vivendo ali, porque eu fui ver se podia ajudá-la. Penso que Duncan o lamentou tão logo o fez. Nos velhos tempos uma esposa infiel podia ser castigada daquele modo, mas agora é considerado assassinato.
A força a abandonou. Ela se apoiou em Ian procurando apoio em seu abraço e vagamente ouvia as palavras que ele sussurrava em seu ouvido.
—É a filha de Jamie, Reyna—, Maccus disse. —Minha neta. Se precisar de mim, sabe onde me encontrar.
Uma nota em sua voz mostrou seu esgotamento. Ela virou e viu uma faísca de esperança em seus velhos olhos. Ela se aproximou e o abraçou.
—Fez o melhor por mim, avô, e foi melhor do que pensa.
—Bem, agora, menina, é bom poder te reconhecer—, ele tomou suas mãos e as beijou. —Nos deixe agora, por favor. Preciso advertir a este cavalheiro inglês sobre como cuidar de você se não quiser ter uma guerra com todo o clã Armstrong.
Ela o beijou, depois foi para a porta.
—Vou buscar John, Ian, e procurarei um quarto para que possa tirar sua armadura.
Maccus a observou ir, e olhou para a porta por alguns longos segundos. Quando finalmente virou para Ian, um olhar malicioso iluminou seus olhos.
—Bem, Ian de Guilford, este matrimônio é uma surpresa interessante para mim, e esta conversa vai ser mais que interessante, asseguro-lhe isso.
—Não tão surpreendente. É estranho que os homens tratem seu próprio sangue do modo como Duncan tratou a ela, e eu já sabia a história da morte de seu filho. Mas como é seu avô, é bom que aceite nosso matrimônio.
—OH, eu aceito. Que outra opção tenho?
Ele soltou uma gargalhada.
—Se eu fosse você, não repetiria isto que escutou para ninguém. Quando Morvan Fitzwaryn ofereceu a fortaleza de Black Lyne, não contava com uma aliança matrimonial com os Armstrongs, não é verdade?
—Não. Mas direi a Morvan sobre isto. Matrimônio com uma Armstrong ou não, eu sou seu homem. Ele pode enternecer-se com a idéia e baixar o preço de seu resgate como resultado. Qual seria a possibilidade que você tentasse atacar Harclow se primeiro deveria tomar a fortaleza em que sua neta vive?
Maccus riu.
—Quem sabe, em vinte anos.
—Em vinte anos vai estar morto e Duncan estará morto e os Armstrongs e os Fitzwaryns estarão cuidando de suas costas pelo perigo de Aymer Grahan. Esta aliança matrimonial pode provar ser muito útil no futuro. Até então, a fortaleza de Black Lyne permanecerá como estava com Robert de Kelso, as terras separam às três famílias, dirigida por um homem que jurou lealdade a uma dessas famílias e casado com a filha da outra família. Isso funcionou antes. Deixemos que funcione novamente.
Maccus considerou sobre aquilo e sacudiu a cabeça. Então olhou para a porta e franziu o cenho.
—Falando em Robert... de onde ela tirou a antinatural ideia de que ele poderia ser seu pai?
—Não tão antinatural assim, já que ela ainda era virgem quando ele morreu.
—Que diabos diz? Não me surpreende. Robert nunca perseguiu muito às mulheres. Um bom amigo, mas um dos amigos que assistia às festas com prostitutas quando erámos jovens... Maldição... aquelas terras do dote. Se ele nunca a...
—Muito poucos sabem isso, e todos os que sabem temos nossas razões por manter segredo—, Ian disse.
—Eu gostaria que deixasse ser conhecida sua relação com Reyna. Ela não será julgada pela morte de Robert, mas muitos ainda suspeitam dela. Também é improvável que o verdadeiro assassino enfrente a justiça. Se fosse conhecido que ela é sua neta, esses rumores cessariam.
Ele deixou Maccus e foi em busca de Reyna. Ele encontrou ela e John em um quarto, atirando a palha do colchão na lareira.
—Não houve nenhuma mulher ou criados por aqui por mais de um mês—, Reyna disse. —A fortaleza está imunda, a palha cheia de pulgas.
—Me tire essa armadura, John. Vivi dentro dela por dias.
Reyna encontrou uma vassoura e começou a varrer enquanto a cota de malha e os protetores metálicos caíam ao chão. Ian observou o movimento de seu corpo pequeno, curvando-se e esticando-se enquanto ela continuava a murmurar coisas sobre os homens que viviam naquelas condições. Seu vestido estava sujo e seu cabelo despenteado, mas ele pensou que ela parecia absolutamente linda.
—Morvan está me procurando, John?
—Ele está organizando os soldados e Sir David está negociando com os mercadores as provisões. Os cavalheiros de Maccus tiveram que deixar seus cavalos e sua armadura e nossa companhia ficará com algo disso, então estão contentes, mas Morvan está planejando lhes pagar logo para que se vão. Não precisa de dois mil homens para guardar uma fortaleza depois que foi tomada.
Ian recordou a si mesmo de falar com certos membros da companhia para ver se eles queriam permanecer na fortaleza de Black Lyne, mas seu olhar nunca deixou Reyna.
—Há algum criado, John?
—Alguns, não muitos—, o escudeiro disse enquanto inspecionava um pedaço da armadura que ele acabara de tirar. Ian desejou que ele se apressasse e lhe tirasse certas peças que de repente se tornaram muito incômodas.
John olhou para Reyna.
—Quer que procure palha limpa para o colchão ?
—Penso que essa é uma idéia excelente. Mas primeiro procura alguns homens e que tragam água para um banho.
—Um banho! Estão planejando uma festa de celebração, e tenho todo um castelo para explorar, e quer...
—Um banho. E depois a palha para o colchão.
John franziu o cenho. Ele olhou para Reyna e ruborizou-se. Então seus dedos começaram a trabalhar nas correias e fivelas mais rapidamente. Ele terminou ao mesmo tempo que Reyna estava empurrando a sujeira até a lareira.
—Irei trazer aquele banho agora—, ele murmurou, saindo e fechando a porta.
Ian foi até Reyna e tomou a vassoura e a deixou de lado.
—Como está? Deve ser estranho passar toda sua vida pensando que é uma pessoa, e de repente se inteirar que é outra.
Ela apertou seus lábios pensativamente. Ele lutou contra o desejo de morder-lhe.
—Como uma sombra que recebeu a luz. Estou me sentindo totalmente livre, de fato. Duncan nunca me amou, nem eu a ele, e é bom saber a razão. Não me sinto uma pessoa diferente, só que conheço melhor a pessoa que sempre fui.
Ela apoiou uma mão em seu peito. O coração lhe subiu à garganta.
—Crê que estas pessoas me contarão sobre ele se lhes perguntar? Sobre James?
—Sim—, ele conseguiu dizer, curvando-se para beijar sua fronte enrugada. A abraçou, tocando seus lábios contra o rosto dela, contra seu pescoço e seu peito, e soube que não poderia esperar o banho e o colchão. —Esteve a todo momento em minha cabeça, Reyna, dia e noite.
Ele levantou seu corpo contra o seu, querendo por em contato cada centímetro dela.
—É a luz iluminando minhas sombras, amor, e a necessidade que sinto de você me surpreende novamente.
Ela suspirou quase ofegando quando suas mãos se moveram por seu corpo, desfrutando da carícia... Uma onda de desejo delicioso o invadiu como uma inundação afogando todos os pensamento e despertando seus sentidos. Ian a expremeu contra a parede, levantando sua saia, ansioso para tocar sua pele úmida, desesperado por entrar em seu corpo. Soube imediatamente que não poderia esperar por aquilo. Ian levantou suas pernas ao redor de seus quadris e a tomou ali, sua cabeça enterrada em seu peito, suas mãos agarrando suas nádegas, escutando a música suave de seus gemidos, agradecido pela paixão rápida dela, porque sua necessidade não encontrava nenhuma restrição.
Ela se arqueou contra ele com um grito ao mesmo tempo que ele alcançava seu próprio climax, e logo sua cabeça se desmoronou contra seu ombro. A consciencia retornou, e com isto a conclusão do que acabava de fazer.
—Sinto muito, Reyna—, ele murmurou, segurando-a firmemente, amaldiçoando-se a si mesmo, e preocupado que as pedras tivessem machucado suas costas. —Não queria... quando falei de minha necessidade por você... passou muito tempo.
Sua mão encontrou seus lábios e ela o silenciou.
—Que esposa não se sentiria adulada? E passou tanto tempo sem fazê-lo, sinto-me honrada.
Ele a baixou e conseguiu ajeitar a roupa de ambos sem soltá-la.
—Honrada? Eu deveria me sentir honrado se permanecer fiel a mim, Reyna? Isso é o que se espera em um matrimônio. Se dormisse com outro homem, pensaria que o ama e que a melhor parte de minha vida morreu.
—Sim, mas eu pensei...
—Sei o que pensou e tem boas razões para pensá-lo.
Sua expressão surpreendida, e esperançada lhe doeu profundamente. —Poderia me contentar com uma prostituta depois de você, me conformar com o prazer carnal? É diferente entre nós dois, e o foi desde o começo. Inclusive quando me apresento como o moço torpe e rude, como
acabo de fazer agora. Não, esposa, é minha e eu sou seu, e não existirão outros enquanto nosso amor viver.
—Será para sempre, Ian—, ela disse, como se a eternidade de seu amor não pudesse ser posto em dúvida.
Deus, ele rezou para que fosse assim. Ela realmente não conhecia o homem a quem ela se oferecia para amar com tanta ingenuidade. Parecia um amor tão frágil e ele não se atreveu a arriscar sua destruição, mas também desejava confessar seu coração para ela, e ter a graça para absolver o pior de seus pecados. Não agora. Não ainda. Deixa para o final.
—Sim—, ele disse. —O Lorde das Mil Noites se retirou para sempre do campo de batalha. E com isso se vai minha oportunidade de ter uma fama imortal.
Eles se abraçaram quando o banho chegou. Ele a levou com ele à banheira. Quando eles saíram, ele encontrou o colchão novo esperando do lado de fora do quarto e o levou para cama. Fez amor do modo que tinha planejado, amando e venerando cada parte de seu corpo, acariciando-a e beijando-a até muito depois que sua paixão foi esgotada.
—Poderá estar contente aqui na Escócia, Ian? Pode ser muito aborrecido depois da vida que teve—, ela disse enquanto seus dedos pequenos tocavam seu cabelo.
—Uma felicidade aborrecida, espero .Nunca poderei ver a guerra como um entretenimento novamente. Além disso, iremos alguma vez a Londres, de fato logo que possamos, quando Christiana estiver em sua residência. Ela me fez prometer que te levaria.
Ian fez uma pausa.
—Pode ficar com ela enquanto eu volto para Guilford. Penso que voltarei.
Ele virou para o lado.
—Não posso te levar comigo até que visite meu irmão e a sua esposa primeiro, e verei como sou recebido.
—Sua esposa não lhe daria as boas-vindas ao irmão de seu marido?—
—Ela certamente não, mas são os sentimentos de meu irmão os que quero descobrir.
Ele pareceu tão sério, contemplando aquela reunião. Christiana havia dito que ele não podia voltar para sua casa.
—O que se interpõe entre você e seu irmão?—, Ian virou seus olhos para ela, e seu olhar tinha uma intensidade que parecia raiva. Fiz novamente, ela pensou com dor.
Sua mão girou o rosto dela para ele.
—Pode me amar sem ouvir sobre isso? Amar ao homem que conhece e esquecer do resto?
—Meu amor não começa com uma parte de você e termina com outra, Ian. O que quer que seja isso que tem enterrado dentro de você, eu ainda te amo. Não fale se não quiser. Mas, meu amor, não tem nenhuma condição. É teu, como o é minha amizade.
Seus lábios se separaram como se fora falar. Quando não o fez, ela admitiu a decepção de que ele não confiava nela para entendê-lo. Bem, ela aceitaria o muito ou o pouco que ele pudesse lhe dar, e se ele nunca falava desse passado que escondia, então que assim fosse.
Ian apoiou sua cabeça sobre seu peito, e ela sentiu seus sentimentos em conflito aliviar-se enquanto permanecia aconchegado ali. Não tinha descansado tanto da semana passada, e ela sabia que Ian dormiria profundamente. Antes de dormir, ele lhe beijou o rosto.
—Parece que me esqueci de algo. Ah, sim, agora recordo. Devia te castigar por sua desobediência.
A consciência emergiu lentamente, apenas rompendo a paz deliciosa.
Sons sutis chegaram até ele, e logo a consciência de que Reyna não estava a seu lado. Ele estendeu a mão para procurá-la, só para descobrir que seu braço não se movia.
Com um puxão despertou completamente e olhou obstinado seu braço.
Uma corda o prendia à cabeceira. Ele virou em choque para encontrar sua outra mão amarrada do mesmo modo, e baixou a vista para ver seus tornozelos presos também. Estava com as extremidades em cruz e nu como preparado para um sacrifício humano .
Ele atirou todos de seus membros num violento combate. A cama rangeu e se moveu com a força do movimento.
—Estão firmemente presos—, uma voz suave disse.
—Não vão se soltar—. Ele virou furioso. Reyna estava a vários passos da cama, vestindo uma bata enorme, algo que ela teria encontrado num dos outros quartos, ele acreditou.
—Me desamarre. Isto é muito incômodo.
—Não, não ainda. Não por um bom tempo.
—Reyna...
—É o que você fez, Ian. Pensei que poderia gostar de experimentá-lo. Como se sente, meu amor? Impotente? A minha mercê?—, assim era exatamente como ele se sentia. Maldição.
—Reyna, te ordeno que me desate destas cordas. Por que fez isto?
—Você falou em me castigar.
—Por Deus, Reyna, só estava brincando.
—Sinto-me aliviada de ouvir isto, mas um pouco decepcionada também. Esta parecia ser uma estratégia tão boa para te distrair daquela idéia.
—Não tem nenhuma necessidade de uma estratégia. Eu nunca...
—Mas de repente a idéia tem seu atrativo. Talvez deveria ver como termina isto.
—Desate estas cordas, maldição, certamente vai precisar de uma estratégia para me distrair quando estiver livre—. Ele puxou as ataduras novamente.
Ela sorriu docemente enquanto a cama rangia e gemia.
—Gastei horas para fazer as ataduras, e não vão se soltar.
Ela se moveu mas perto e o avaliou.
—Realmente tem um corpo magnífico—. Ela passou um dedo lânguido sobre seu peito. Ian deixou de lutar e examinou seus olhos. Todo seu corpo reagiu ao que viu ali, Ian lhe deu seu melhor sorriso.
—Desata as cordas e vêem aqui comigo, amor.
Ela levantou a saia da bata e subiu à cama, suas pernas montando em seus quadris.
—Acredito que não. Me parece que eu gosto deste modo.
Ela começou a abrir a bata.
—Surpreende-me quão excitante é tudo isto. Quero dizer, você é tão grande, e eu sou tão pequena.
Muito lentamente, ela tirou a roupa para fora de seus ombros e a desceu por seu corpo. O tecido caiu a seus pés, ela chutou a bata para longe. Ela olhou para baixo e sorriu.
—Parece que você gosta.
Ela não estava nua debaixo da bata , mas sim vestida com uma calça de couro, a veste de um garoto, um pouco pequena para seu corpo de mulher. Mas o efeito era incrivelmente erótico.
—É uma estratégia maravilhosa. Realmente, estou totalmente animado.
—Mas isto começou agora, Ian.
Ela avançou, um passo de cada lado até que ele estava olhando toda a extensão de seu corpo. Ela tirou uma pluma de faisão da frente da veste. Se curvou e começou a acariciar seu corpo com a pluma.
—Realmente parece gostar disto, Ian.
Ela levou a pluma para sua ereção.
A tortura deliciosa estimulou cada centímetro de sua pele.
A paixão furiosa o fez puxar as cordas novamente.
—Quero que me desate agora.
—OH, soa zangado. Penso que é melhor se continuarmos assim. Parece que preciso desta estratégia, depois de tudo.
Ela se agachou e se ajoelhou entre suas pernas.
—Além disso, o que você queira não é importante neste momento. Só o que eu quero.
—É isto o que quer?
Suas mãos acariciaram suas pernas.
—Quero ver como cresce seu prazer. Quero observar seu corpo tremer enquanto implora por alívio. Quero ouvir seus gritos de necessidade.
Ian não podia acreditar o desejo forte que suas palavras e sua expressão lhe produzia.
—Faça o que quiser, mulher, mas recorda que eventualmente deverá me soltar, e talvez eu decida me vingar.
—Certamente espero isso. Agora, te recoste e te submeta, Ian. Isto poderá levar algum tempo. Já completamos os primeiros dois passos.
Ela se curvou e começou a acariciá-lo com seus lábios e sua língua, lentamente percorreu suas pernas. Muito lentamente.
Ian olhou para baixo, para seu progresso lento enquanto seu corpo gritava por alívio e ao mesmo tempo gozava a demora. Seus beijos e sua língua alcançaram seus joelhos.
—Quantos passos faltam?
—Seis—, ela murmurou, movendo-se para cima. Ela ia matá-lo.
—Realmente, são oito passos quando se faz à turca, mas David se recusou a dizer a Christiana sobre os últimos dois.
Ele mal a ouvia. Sua boca estava em suas coxas agora, e cada fibra dele explodia. A cortina de seu cabelo lhe bloqueava a visão, mas ele se esticou quando seu dedo acariciou seu membro.
—É isto o que quer, amor?—, ela perguntou. —É?
—Não.
—OH. Então talvez isto.
Ela estava sobre suas mãos e seus joelhos agora, suas nádegas a centímetros do rosto dele.
—Levante—, ele ordenou.
Passava pela agonia da antecipação.
—Me diga o que mais quer, Ian—. Seus músculos se esticaram em uma rebelião final antes de submeter-se ao prazer e ao controle alheio. Um pedido estrangulado saiu para fora de seus lábios e os dedos dela foram presos por seus dedos.
Toda resistência cessou e só ficou uma vaga curiosidade sobre o que possivelmente poderiam ser os últimos passos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 25

Flores tardias enchiam o jardim com uma mistura de cores e aromas. Essa beleza caótica inundou os sentidos de Ian. A seu lado, no banco de pedra havia uma cesta. Duas rosas apareciam sobre a borda, as pétalas iam ser usadas em alguma delicadeza que Reyna planejava preparar para a refeição do meio-dia.
Ele se perguntou quanto tempo ela estaria na peregrinação que estava fazendo aquele dia. Ele tinha aceitado deixá-la visitar as velhas ruínas a sós, mas não sem maus pressentimentos. Ele entendia sua necessidade de confrontar as lembranças enterradas nas pedras escuras da velha fortaleza, mas tivera querido ir com ela no caso de seu terror não tivesse sido vencido tão completamente como ela esperava.
Ia esperar que o sol se movesse um pouco mais antes de segui-la. Muito provavelmente eles se encontrariam no caminho de volta, mas se ela sucumbisse ao temor à escuridão ele a encontraria antes que passasse muito mau. Ian tentou distrair-se novamente de sua preocupação revisando seus planos para a fortaleza de Black Lyne. O confronto de Reyna com Aymer implicava que os Grahams seriam um espinho cravado para sempre na fronteira leste daquelas terras. Enfrentar Aymer em um campo de batalha não preocupava a Ian. Esperava ansiosamente o dia em que poderia fazer um pouco de justiça pelo que tinha acontecido a Reyna e a Robert. Mas ele queria sua família e seu povo seguro quando aquela guerra particular começasse, e para isso tinha a intenção de melhorar as fortificações durante os próximos anos.
Sua família e seu povo. A frase ainda soava estranha, mas era agradável. Havia esperado ansiosamente por aquela família. Os filhos que ele educaria para ser fortes e verdadeiros cavalheiros. Ou filhas, ele riu para si mesmo. As filhas que provavelmente teria que prender para proteger de homens como Ian de Guilford.
Ian sacudiu o pó de sua bota e considerou a decisão que tinha tomado na noite anterior. Uma segunda linha de muralhas para a fortaleza devia ser construída na base da colina.
Tentou visualizar as fortificações finalizadas, e como o movimento do rio as afetaria. Levantou um ramo do chão. Desenharia isso do modo que David tinha desenhado Harclow e tinha dado substância ao plano. Desenhou no chão, ali o rio, lá a colina redonda, a velha ponte aqui e o fosso abaixo. Repentinamente se deteve. Observou atentamente o desenho de um quadrado e círculos e as linhas curvas.
Quase exatamente tinha reproduzido o pequeno fragmento de pergaminho que tinha visto no Livro das Horas de Reyna.
Algo estava faltando, mas não podia recordar o que era. Caminhou pelo jardim, perguntando-se por que alguém tinha desenhado um mapa da fortaleza de Black Lyne e suas terras como se estivessem sido vista por um pássaro voando.
Encontrou o pequeno Livro das Horas em uma prateleira de solar. Passando as páginas, encontrou o fragmento de pergaminho. Parecia-se com algo desenhado por um astrólogo.
Deu-se conta do que seu próprio mapa não incluía. Duas linhas diretas se bifurcavam na velha ponte e no fosso, formando uma cruz.
Examinou a qualidade das linhas. Um Livro das Horas era o tipo de livro que se manteria perto de alguém agonizando, para ler preces familiares e reconfortantes. Se Robert de Kelso tinha desenhado isso, o que era tão importante para que ele usasse suas últimas forças para desenhar?
Ian colocou o livro na prateleira, mas dobrou o pequeno mapa dentro de sua manga. Aquilo ficaria como outro mistério do bom Robert, e era improvável que fosse resolvido como os outros.
Ian deixou a fortaleza e subiu às ameias, logo caminhou para o sul de onde podia ver a velha ponte. Ele estreitou seus olhos e procurou sinais de Reyna retornando. Esperaria um pouco mais, e então iria procurá-la.
Seu olhar recaiu no cemitério, e a cruz central marcando a tumba de Robert. Se recordava de ter estado parado ali, sua raiva crescendo enquanto imaginava Reyna com Edmund.
Aqueles ciúmes pareciam distantes e tolos e ele soube que nunca mais se sentiria assim novamente. Nunca duvidaria dela, nem que cem Edmunds se cruzassem em seu caminho para conversar de filosofia.
E tampouco ia ressentir-se das lembranças de Reyna daquele homem enterrado debaixo daquela cruz.
Robert se tinha convertido em uma espécie de amigo. Não haviam eles dois chegado àquela fortaleza do mesmo modo? Separando-se de sua família e de seu passado, para construir uma nova vida? Ele não era um Robert de Kelso por certo, mas estranhamente se encontrava seguindo os passos daquele homem. Ele sorriu diante daquela ironia, porque tinha sido a óbvia semelhança de Edmund com Robert que tinha alimentado seu ciúmes naquela noite.
Ele começou a afastar-se e logo fez uma pausa, congelado em um momento sem som. Uma multiplicidade de idéias invadiram sua mente em um segundo. Olhou fixamente a cruz enquanto absorvia a invasão, surpreso e zangado por não haver se dado conta de tão óbvias explicações.
Caminhou lentamente pelas escadas, ponderando o que acabava de lhe ocorrer. Sem dúvidas estava certo, e pensou que sabia como comprová-lo. Encontraria a prova, e logo iria até Reyna para lhe contar o que tinha descoberto. Não era um grande mistério, mas ela estaria contente de saber a verdade, especialmente naquele dia em que tinha reunido sua coragem para enfrentar o que ela chamava —todo o problema. Os netos de Alice brincavam no pátio e ele os chamou.
—Venham comigo. Necessito de corpos fortes e pequenos, e vocês parecem adequados. Adam e Peter o seguiram para dentro da torre. Ele tomou uma tocha do corredor e eles partiram até o solar.
Deu a Adam a tocha e se agachou para tocar as pedras que abriam a parede para a escada escondida. Deveria ter feito isso há um mês atrás, mas... Bem, ele acabara de descobrir de que se tratava.
—Desça dois degraus abaixo para nos fornecer luz—, ele instruiu Adam.
Ele se agachou no buraco da parede e Ian o seguiu, levando Peter.
Ele virou o rapazinho em direção ao nicho.
—Vou te levantar e quero que se arraste lá. Devo dizer que pode haver aranhas enormes.
A idéia de confrontar aranhas enormes excitou Peter. Ian o levantou para a beira do nicho profundo, logo tomou a tocha para levantar a luz. Peter começou a arrastar-se e a afastar-se. Logo seu pequeno pé estava fora de alcance.
—O que há lá atrás?
—Muitas teias de aranha e insetos.
—Além dos insetos, não há uma armadura e tecidos?
—Sim.
—Pode puxar o tecido sem rasgá-lo muito?
—Está se rompendo. E cheira mal também. Para que quer esta coisa velha?
—Passe isso para mim.
A mão se estirou para lhe dar o pano esfarrapado. Ian tomou e devolveu a tocha a Adam, logo ajudou a um Peter muito sujo a sair do nicho.
De volta ao solar, os meninos esperavam ansiosamente para ver a natureza do tesouro escondido. Ian não teve coração para fazê-los sair, e então eles o ladearam enquanto ele cuidadosamente desdobrava o pano imundo, estendendo-o sobre a cadeira.
—É uma velha capa para armadura—, Adam disse com decepção.
Ian pensou que aquele trapo de pano explicava muito. Peter localizou as linhas horizontais e verticais onde o tecido escuro era mas claro.
—Parece ser parte de uma cruz. E poderia ser vermelha, e aquela parte branca.
—É a capa de um cruzado.
—Algo assim—, uma nova voz disse.
Ian voltou-se para ver Andrew Armstrong de pé perto da porta.
— Sem dúvida um Fitzwaryn deixou isso faz muito tempo—, Andrew acrescentou.
Os meninos começaram a imaginar o objeto em um guerreiro antigo, especulando sobre as batalhas que ele tinha lutado contra os turcos. Ian sorriu.
—Agora, vão ver se sua avó ou os cavalheiros necessitam de vocês para alguma tarefa—, ele disse.
Eles partiram, enchendo o corredor com gritos de guerra. Ian e Andrew se encararam em silêncio.
—Sabia—, Ian disse.
—Eu era seu escudeiro quando ele chegou. Não um escudeiro muito bom, mas ele compreendeu que não era minha natureza, e se ocupou de que os outros não zombassem muito de mim. Nós dois sabíamos que nunca ganharia as insígnias de cavalheiro, e então ele convenceu Maccus que meu valor estava em outro lugar. Eventualmente me converti no mordomo daqui, e mais tarde ele recebeu as terras e eu o servi novamente.
—Como soube?
Andrew apontou a capa.
—A encontrei por engano. Um dia enquanto lhe servia como escudeiro decidi limpar a velha armadura que ele mantinha dentro de umas bolsas, embora nunca mais a tivesse usado novamente. Assim me deparei com isso. Reconheci-a. Perguntei a ele sobre isso. Ele era um bom homem, e eu jurei nunca falar disto. Por isso então já sabia algo sobre quantos secredos alguns homens precisam manter. Ele sabia do meu e eu sabia do seu, e não nos julgávamos.
Ian tocou o tecido esfarrapado branco e vermelho. A cruz vermelha em um fundo branco.
—A capa de um Templario. Escocês ?
—Não, não acredito. Ele tenha estado no oriente quando era moço. Era escocês por nascimento, disso estou certo, mas não viveu aqui por muitos anos e era ainda muito jovem quando voltou.
Ele olhou para onde os dedos de Ian permaneciam.
—Seu francês era impecável.
Ian fez alguns cálculos.
—Um dos últimos em ser julgados, eu creio. Talvez o último a morrer.
—Não há necessidade de que ninguém saiba.
—Ele está morto. Não há nenhum perigo agora.
—Mas...
—Reyna precisa saber. Os outros, talvez não. Se ele escolheu manter isto em segredo enquanto vivia, podemos deixar que o segredo seja enterrado com ele.
Andrew sacudiu a cabeça agradecido. Ele girou para partir, mas fez uma pausa.
—Em seus primeiros anos aqui, sempre tive a sensação que ele estava esperando por algo. Ele mantinha uma sutil distancia em relação aos outros, e não fez nenhuma amizade íntima. Inclusive com Maccus, ele escondia algo.
—Poderia ter sido esse segredo. O passado tem um modo de isolar um homem—, Ian disse, dando-se conta que ele e Robert tinham algo a mais em comum.
—Talvez. Mas enquanto os anos passavam, ele mudou, como se soubesse que nunca viria aquilo que esperava. Sabia que estava aqui para ficar.
Andrew encolheu os ombros e caminhou para a porta.
—Não é um segredo tão ruim. Não há nenhum pecado nele.
Ian dobrou cuidadosamente a capa. Guardou-a em uma de suas próprios arcas, logo foi para os livros para investigar ainda outro ponto que inquietava sua memória.
Pouco tempo mais tarde fez duas pilhas, uma alta com os Evangelhos, São Tomas de Aquino e São Bernardo, e outra menor, com o herbário e uns tratados seculares.
Virou para partir, mas se deteve. Levantando o pequeno Livro das Horas da pilha alta, abriu-o e arrancou sua primeira página, logo o colocou na pilha com o herbário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 26

Reyna se sentou no chão, contra a pedra que ela e Ian tinham compartilhado no dia que ela havia escapado de Aymer, sentindo o calor em suas costas, pensando que realmente devia terminar aquilo ou Ian começaria a preocupar-se e viria procurá-la.
Olhou novamente o dintel da entrada antiga e as bases da fortaleza. Sim, tinha acontecido ali, ela estava segura. Entretanto parecia diferente e não tão ameaçador, possivelmente porque ela o via a partir de outro ângulo, e não da escuridão .
As lembranças e as imagens tinham vindo claramente, quase muito claramente, uma vez que ela soubera o que procurava. Não com a correspondência do relato de um conto, a não ser em lampejos de imagens, sons e emoções.
Dois corpos, não um, mas ela quase não tinha visto o segundo depois do horror do primeiro. Duncan amaldiçoando ruidosamente, gritando para alguém que tirasse a menina. Uns braços fortes agarrando-a, arrastando suas costas na escuridão. Uma mão cobrindo seus olhos quando ela foi retirada.
Tinha esquecido imediatamente? Quando havia começado a acreditar que sua mãe vivia numa abadia? Toda sua infância se convertera em um borrão confuso, exceto durante aqueles pesadelos e terrores. Por outro lado era como se sua vida tivesse começado no dia que Robert a tinha encontrado na cripta.
Ela se levantou e ajeitou seu vestido. Já havia feito suas preces por aquela pobre mulher cuja tristeza tinha terminado ali. Duncan a tinha forçado a ver a morte de seu amante primeiro? Os gritos distantes em seu terror sugeriam que ele o fizera.
Ela se aproximou do dintel. Um nó em seu estomago. A escuridão não a havia assustado durante duas semanas desde que havia retornado de Harclow, mas Ian normalmente estava perto dela para confortá-la. Daquela vez seria diferente. E não se tratava de um corredor ou um quarto ou uma cripta, mas sim do lugar onde todo aquele problema tinha começado.
Ela entrou nas profundidades das velhas ruínas e seguiu corajosamente em frente, até que perdeu a última luz e enfrentou a escuridão. O suor cobriu suas palmas e seu coração pulsou rapidamente, mas o medo descontrolado se ausentou. Procurando na escuridão seu caminho junto à parede de pedra, ela prosseguiu adiante até que encontrou uma curva leve e a entrada às suas costas desapareceu.
E então ela se deteve com horror.
Vozes lhe murmuravam, vindo das pedras. Na escuridão se ouviu uma risada baixa. A pedra debaixo de sua mão ressoava o som como seu espírito os ouvia ecoando ao redor dela.
Não, ela gritou internamente, soltando sua mão e voltando-se para confrontá-los. Terminou. Não mais!
Virou para correr, mas o choque a desorientou. Cegamente esticou a mão, procurando a parede, mas sua mão só encontrou a escuridão. Tropeçando para frente, com o pânico crescendo, ela lutava para respirar e rezou para achar a direção da entrada. Então, de repente, estava esparramada no chão, seu rosto contra o chão pedregoso, seu corpo em uma posição antinatural.
O impacto esclareceu sua mente. Procurou na escuridão a seu redor e se deu conta que tinha caído em um buraco com o meio corpo de profundidade. Sua mão apalpou uma pilha de terra e pedras.
As pedras ainda lhe falavam. Não, não as pedras. O som não vinha delas. O sussurro estava acima, mais adiante. Sentiu alívio. Ian devia ter vindo, e havia trazido alguém com ele.
Ela se arrastou para fora do buraco e começou a caminhar em direção às vozes. Seu pé golpeou outra pilha de terra. Se moveu à esquerda até que encontrou a parede de pedra. Encostada contra ela caminhou para frente. Depois de um momento pôde ver uma luz muito fraca. Isso não tinha sentido. Se estava voltando para a entrada, como podia não ter visto todos estes obstáculos quando entrou?
A passagem se curvava um pouco, e de repente a luz se fez mais forte. Uma sombra enorme interpunha-se adiante, e ela conteve sua respiração em choque.
Outra sombra se moveu e tomou forma humana e olhou em sua direção. Deteve-se e estendeu um braço.
—Agarrem-na.
Soava como uma ameaça, embora não essa sensação. Entretanto, ela virou sobre seus calcanhares e começou a correr.
Passos soaram atrás dela. Braços grandes a agarraram e a levantaram, levando-a em direção à luz. Finalmente, encontrou-se acomodada sobre uma pedra grande entre duas tochas.
A passagem se fazia mais larga ali, e ela olhou confusa. Viu pedras e cabos de pás e enxadas no chão. Mantas e sacos de couro apoiados contra uma parede.
Olhou o peito nu acima dela, e logo o rosto preocupado de Reginald.
—O que está fazendo aqui, Reyna? Robert me disse que temia à escuridão—, uma voz disse.
Edmund caminhou ao redor de Reginald. A luz da tocha transformou seu cabelo em um halo de fogo. Edmund também estava nu até a cintura, e o suor fazia brilhar seu corpo.
—O que estão fazendo aqui? Por que estão cavando? Quanto tempo estiveram aqui?
Edmund se sentou a seu lado na pedra.
—Muito tempo. Estava-se tornando entediante, mas devemos terminar logo.
Ele a olhou curiosamente.
—Talvez tenha feito bem em vir. Robert estava tentando te dizer isso perto de seu fim. Reginald o ouviu falando uma noite, Robert não estava consciente que você não estava a seu lado. Ouviu o suficiente antes que se detivesse, é assim que sabemos está aqui. Por que não nos contas o resto, Reyna, e nos economiza mais dificuldades. Nesse momento estou disposto a compartilhar.
—Fala enigmáticamente—, ela disse com exasperação, ficando de pé. —É melhor que parta imediatamente, Edmund. Jurou levar Reginald para longe daqui, e se Ian os encontra...
Ele a sentou com um puxão.
—O inglês está com você? Fez com que seu cavalheiro viesse também?

Não gostou de seu tom perigoso. Seus dedos apertaram seu braço.
—Não, ele não está aqui. Mas virá.
Edmund olhou para Reginald e sacudiu sua cabeça em direção à passagem. Levantando um machado de guerra de seu lugar em uma pedra, Reginald foi para a escuridão.
—O que vai fazer?—, Reyna perguntou.
—Vou confirmar que você diz a verdade, e se livrará de Ian se não o diz.
Ele soltou seu braço e a olhou pensativamente. A luz sombreava as maçãs de seu rosto e seus olhos. Ele parecia tão diferente de como se lembrava dele.
—Por que está cavando aqui?—, ele sorriu a seu modo de superioridade gentil.
—Um tesouro. Por que outra razão dois homens trabalhariam como bestas por semanas cavando nas entranhas destas ruínas? Robert o escondeu aqui. Escondeu isto quando voltou da França, e logo o mudou para este lugar depois que se casou com você. Contou sobre isto a você, não é verdade? Quando ele estava doente, antes de morrer. Queria que você o entregasse ao bispo, como tinha planejado fazer. Reginald leu a carta de Robert, e sabemos o que dizia.
—OH, Santos céus tenham clemência, Edmund. Não está aqui o tesouro. Os livros estão onde sempre estiveram, no solar. Isso era o que ele queria dar ao bispo. Esses são os objetos valiosos que trouxe da França.
A expressão perplexa de Edmund se manteve por um momento, e logo seu rosto mostrou um sorriso zombeteiro.
—Livros? Livros? Pensa que se trata de livros?— Ele agarrou seu rosto. —O que está enterrado aqui ultrapassa em muito aqueles poucos livros. É ouro, muito ouro e jóias. Suficiente para comprar centenas de livros.
Ele a examinou, seus olhos com uma expressão ardente, seus dedos apertando suas faces.
—Me conte o que ele disse, Reyna.
—Ele nunca me falou sobre este lugar, nem sequer quando estava morrendo. Ele quase não estava consciente naqueles dias—. Sua mão caiu, soltando-a. —Então é inútil para mim—. Seu tom lhe arrepiou e seu sangue circulou freneticamente.
—O que lhe trouxe aqui, é uma desgraça para você.
—O que quer dizer?
Um mau pressentimento a invadiu. Ele a ignorou.
—Maldição com este plano—, ele murmurou. —Robert poderia ter morrido durante seu sono como a maioria dos homens velhos, e levar este segredo para tumba, se tivesse deixado as coisas como estavam, eu teria esperado tranqüilamente. Então você teria vindo para o norte e esta terra teria sido sua e poderíamos ter procurado o tesouro tranqüilamente depois disso. Mas ele teve que escrever aquela maldita carta, e aquele seu cavalheiro teve que casar-se com você. Bem, não há solução para isso agora.
Ele apertou sua mão e golpeou levemente sua face com a outra. Sua atitude totalmente afetuosa a deixou gelada.
—Procurarei um modo que não doa, mas deve parecer um acidente, ou que seja o ato de outra pessoa. Aymer talvez. Sim, isso funcionaria. Reginald e eu vimos esse pequeno ataque que tiveram aqui. Foi bom que tivéramos que partir para conseguir provisões, mas ninguém entrou aqui, de qualquer maneira. Talvez possamos fazer parecer que os Grahams lhe castigaram por se casar com o inglês...
—Não!—, uma voz ressoou. Reginald apareceu com o lampião no extremo da passagem.
—Não vai matá-la. Disse-me que a daria para mim. Edmund ficou de pé com um suspiro de exasperação.
—Te expliquei isto repetidas vezes. Não podemos fazer isto do modo que planejamos, não é verdade? Não com Fitzwaryn tomando as terras, e com ela casada com Ian.
—Dá no mesmo para mim, jurei a Robert protegê-la.
—Maldição, você envenenou aquele homem. Em comparação, o que é faltar a um juramento?
Reyna ofegou. Reginald? Não Aymer, mas o homem de confiança de Robert?
—Você me fez fazer isso—, Reginald disse.
—Não te fiz fazer nada. Você queria o ouro, e você disse a você mesmo que ele era um velho e que morreria de qualquer maneira. Depois não seguiu minhas instruções corretamente com o veneno, e então todos souberam que ele tinha sido envenenado.
Edmund olhou para Reyna como desculpando-se.
—Imaginava que ia ser rápido, deveria ter parecido uma morte natural. Ele lançou um olhar severo a seu irmão.
—Ao menos o idiota teve a idéia de esconder o herbário quando as pessoas começaram a suspeitar de você.
A afronta derrotou seu medo repugnante.
—Você fez isso?—, disse a Reginald. —Assassinou a seu Lorde e a seu amigo? Um homem que confiava em você?
—Ele estava velho e teria morrido logo de qualquer maneira—, Reginald disse defensivamente. —Mas você não é velha, e não deixarei que nada mau te aconteça.
Edmund levantou os braços com frustração.
—Devemos deixá-la partir e contar ao marido tudo o que descobriu?
—Ela ficará conosco e...
—E ele vai trazer cem homens para procurá-la. Quando ele o fizer, deixemos que a encontre, mas que não seja capaz de falar. Se quer dormir com ela antes, eu não tenho objeção.
Reginald vacilou e a olhou, e Reyna sentiu náuseas. Ele voltou-se para seu irmão, agarrando firmemente seu machado de guerra.
—Não...— Edmund emitiu um suspiro profundo.
—Suponho que já sabia que poderíamos chegar a isto.
Ele se afastou, das sombras tirou sua espada.
—Baixe o machado, irmão. Vê acima aonde estão os cavalos escondidos, toma um e vá. Está fora de tudo isto agora, eu me ocuparei.
—Não posso.
—Não, com o modo que concebe o mundo, suponho que não pode—, Edmund disse com pesar. Ele avançou com sua espada levantada.
Era um espaço pequeno, e a batalha se desenvolveu muito perto de Reyna enquanto eles trocavam golpes obstruindo seu caminho. Ela se expremeu contra a parede, forçando-se a observar para evitar que o golpe de uma arma a acertasse. O frio das pedras era igual ao que ela sentia, pois qualquer que fosse o fim daquela batalha, com qualquer um que ganhasse, ela não estaria segura.
Finalmente, a determinação de Edmund de matar a seu irmão ultrapassou a de Reginald. Ela observou com horror como a espada se cravava em seu peito musculoso. Reginald olhou para seu irmão em choque enquanto seu corpo caía.
—Não tinha que matá-lo—, Reyna disse, rompendo o silêncio glacial que seguiu.
—É sua culpa. Porque veio aqui. Deveria haver ficado na cama com seu cavalheiro hoje. Eu tinha convencido a Reginald que ele nunca poderia tê-la, não depois que ele ficara impaciente e tinha arruinado a oportunidade de afastá-la daqui. Em Edimburg haveria tempo para te convencer da lógica de tudo isto, mas se casou com Ian... Se não tivesse vindo hoje...—, ele olhou para Reginald. —Sempre lhe adverti que seu sentido de dever lhe causaria a morte.
Sua falta de dor a assustou. Edmund caminhou para ela e Reyna retrocedeu horrorizada para a parede. Ele sorriu tranqüilizando-a.
—Não, não ainda. Não aqui. Lá fora, nas grandes pedras, penso, de modo que seu cavalheiro te encontre facilmente. Não quero que ele entre aqui para te procurar.
—Talvez ele não venha me buscar. Ele foi forçado a nosso matrimônio.
—Ele deverá te procurar, com matrimônio forçado ou não, ele está bastante apaixonado por sua esposa virgem.
Os olhos de Reyna dilataram. Ele riu de sua reação.
—Claro que sabia, pequena Reyna.
—Robert não contou a ninguém.
—Ele não me contou isso, mas eu sabia. Naquela primeira visita adivinhei o que ele era. Quem era. E soube com certeza quando vi os livros.
—Os livros? Disse que procurava um tesouro, não os livros. Se me forçará a morrer, pelo menos me explique tudo. Que tesouro? Que ouro?
—O ouro dos Templarios—, a voz de lan disse.
O coração de Reyna saltou com alívio. Ian emergiu das sombras da passagem.
—Ouro dos Templarios, do templo de Paris—. Edmund caminhou para o centro do espaço entre duas cavernas, sua mão segurava forte no cabo da espada.
—Tome cuidado, Ian. Ele acaba de matar Reginald, e ele matou Robert também.
—Eu não o matei.
—Reginald se equivocou em suas instruções, e é como se você tivesse cravado um punhal em seu pescoço.
Ian desenbainhou sua espada.
—Bem, Edmund, nunca lutei com um monge antes, mas estou ansioso por experimentar. É um homem muito inteligente se só os livros lhe disseram o segredo de Robert.
—Suspeitei faz tempo. Sua viagem ao Oriente, sua estadia na França. Sua súbita aparição aqui sem a história de um passado. Os livros só confirmaram a suspeita. A Igreja tem uma descrição dos bens nunca recuperados do templo de Paris. O ouro e a biblioteca.
—Então quando viu aqueles volumes marcados com as iniciais J.M., soube que estava certo. A biblioteca de Jacques Molay, o Superior dos Templários. Por que não confrontou Robert e reclamou os bens para a ordem dos Hospitalares?
Edmund riu.
—E dá-los a minha ordem se ele renuncisse aos bens? Os monges de Saint John já são suficientemente ricos. Era meu destino apoderar-me daquilo. Estava predestinado desde o dia em que os Templarios enviaram o tesouro para cá com seu cavalheiro mais jovem.
—Eles não o enviaram para cá para você ou para os Hospitalares, e Robert sabia disso. Não é difícil ver o que aconteceu há todos aqueles anos atrás. Robert foi enviado para longe para que não participasse da perseguição dos templarios e com a esperança de que a ordem se renovasse. Mas isso nunca aconteceu, e Robert de Kelso se encontrou a si mesmo com um tesouro que não lhe pertencia. Ele suspeitou que sabia quem era ele?
—Não, fui cuidadoso, e ele também foi. Muito cuidadoso, o que só alimentava minha curiosidade. Ele nunca me falou dos Templarios. Supus que você tampouco sabia, apesar da virgindade de sua esposa e da vaga história sobre o passado de Robert.
—Por que eu descobriria? Aquela ordem desapareceu faz tempo. Foi você que me falou dos templarios, recorda?
Ian apontou a passagem.
—Vá agora. Se se mover rapidamente pode estar no mar antes que eu fale sobre seus crimes ao bispo e ao superior de sua ordem. Dou a você uma oportunidade de escapar com vida.
A cabeça loira se inclinou para trás, e Edmund estudou Ian com olhos astuciosos.
—Você sabe onde está—, Edmund disse.
—Acredito que está errado sobre o ouro, e Robert nunca o teve consigo. Ele acreditaria que os livros eram tesouro suficiente para proteger— Ian disse.
—Mentira. Planeja ficar com o ouro. Não espere que vá deixá-lo com isso. Disse a Reyna que estou disposto a compartilhar. Vamos, baixemos nossas espadas e nos tornaremos companheiros nisto. Metade para cada um.
Ian olhou o corpo inerte de Reginald.
—Já vejo como lida com seus companheiros.
—Meu irmão precisava reivindicar sua honra faz tempo, mas você não é um homem ao qual se pode enganar facilmente. Trabalharemos bem juntos, Ian. Com os outros pecados em nossas almas, o roubo deste ouro é uma coisa pequena—. Suas insinuações enfureceram Reyna.
—Crê que pode se comparar com Ian, Edmund. Você um assassino a sangue frio, e...
—Não disse a ela—, Edmund interrompeu com surpresa. —Pensava escondê-la aqui e esperar que ela nunca descobrisse?
Os olhos de Ian ardiam. Edmund sorriu.
—Se deveria dizer a ela? Eu nunca trairia um sócio..., mas ele deixo a oferta suspensa no ar.
—Não há nada que possa me dizer que faça alguma diferença—, Reyna disse, captando a atenção de Ian, tentando lhe dizer que qualquer decisão que ele tomasse a respeito de Edmund, não deveria ser por causa daquele segredo.
—Não há?—, Edmund levantou uma sobrancelha para Ian. —Não há?
Ian não se moveu ou falou, mas sua mandíbula se apertou como um homem esperando um golpe. Olhou fixamente para Edmund, mas seu silêncio dizia sua resposta. Edmund sacudiu a cabeça.
—Você foi do céu ao inferno com sua escolha de maridos, pequena Reyna. Informei-me sobre este aqui por um de seu próprios homens, um cavalheiro que temia que meu interesse por você fosse luxurioso, e procurou me advertir explicando quão perigoso este capitão podia ser.
Uma careta de desdém torceu seu rosto.
—Você me condena por causa de Robert e Reginald? Então o que me diz de um homem que matou a seu próprio pai e que se deitou com sua própria mãe?
Reyna ofegou em choque. Virou para que Ian o negasse. Uma expressão angustiada apareceu em seu rosto, e ele se recusou a encontrar seu olhar.
—Eu por menos cometi meus pecados por uma objetivo que vale a pena—, Edmund disse.
—Um objetivo pelo que vale a pena morrer, espero—, Ian disse. —Nos deixe, Reyna.
Edmund tomou uma posição de batalha.
—Ela fica. Se ela se mover, a ferirei.
—Então vamos terminar com isto, monge.
Reyna gritou quando eles entraram em batalha, e seus olhos seguiram cada golpe das espadas enquanto se expremia horrorizada contra a parede de pedra.
Ian era forte e hábil, mas a determinação selvagem de Edmund parecia redobrar seu perigo.
Ian lutava em desvantagem, não conhecia o terreno das cavernas, e procurava manter-se longe da parede onde ela estava agachada. Então Edmund lhe fez um corte. Um filete de sangue manchava a túnica de Ian. Imediatamente Ian liberou toda sua força de guerreiro. Metodicamente, cruelmente, ele bloqueou cada golpe que Edmund oferecia. Quando Edmund tentou mover a batalha em direção à parede, a espada de Ian o cortou na parte superior do braço.
—Aproxime dela e te cortarei em pedaços antes que morra— Ian grunhiu. Ian teve várias oportunidades para terminar com ele, mas retrocedia todo tempo, recusando-se a dar a punhalada que mataria seu oponente. Finalmente, dois rápido golpes incapacitaram o braço da espada e uma perna de Edmund. Edmund caiu ao lado de uma das cavernas, apertando suas mãos contra suas feridas enquanto o sangue escorria por seus dedos.
Ian estava acima dele, a luz da tocha o fazia parecer um anjo vingador. Sua espada se deteve no alto, pronta para cortar a cabeça de Edmund.
Reyna observou, em sua expressão furiosa, Ian julgar a decisão a tomar.
—Se o fizer, faze-o por Robert, e não pelo segredo que ele revelou—, ela aconselhou com seu coração.
Com um insulto, Ian chutou a espada de Edmund para um lado e baixou a sua própria. Dando passos longos foi até ela, se agachou e rasgou a borda inferior de sua saia. Com a tira de tecido, voltou para atar as feridas de Edmund. Depois encontrou uma corda e lhe amarrou as mãos e os pés. Ele olhou para o monge surpreso.
—A tentação de te matar e te enterrar aqui é forte, mas deixarei que o bispo se ocupe de você. Não explicarei o desaparecimento de um Templário nestas terras.
Ian levantou uma pá.
—E sim, sei onde está o tesouro.
A boca de Reyna se abriu com surpresa. Ian a tomou pelo braço.
—Observa as cavernas—, ele instruiu enquanto a guiava pelo corredor.
—Como soube, Ian?—, ela perguntou. —Robert um Templario... é tudo muito fantástico.
—Tudo encaixa. Um voto de celibato que ele manteve em segredo. Sua chegada aqui mais ou menos cinco anos depois que Jacques Molay era executado e alguns anos depois que a ordem era dissolvida. Suspeitei que ele tinha ido por outros conventos procurando refúgio primeiro, mas eventualmente as ordens do Papa lhe fecharam todas as portas. E então ele veio para cá e esperou para entregar os bens que tinha conseguido salvar, no fundo ele sabia que aquele dia nunca chegaria, e então o tesouro se converteu em um fardo.
—Por que não dá-lo aos Cruzados?
—Provavelmente Robert não queria que a Ordem de Saint John o tivesse. Os Templarios suspeitavam que os Cruzados incitaram sua dissolução. Para enriquecerem-se a eles mesmos.
Eles emergiram à luz do sol.
—É verdade? Sabe onde está o ouro?— Ele não a olhou.
—Acredito que sei. Descobriremos logo se tiver razão.
Ele apoiou a pá contra uma pedra, e tirou um fragmento de pergaminho de sua manga.
—Estava em seu Livro das Horas. Penso que Robert teve alguns momentos de lucidez antes de morrer, e desenhou isto. Ele tinha planejado te dizer o que significava. Mas o dia que tentou falar, você não estava lá e Reginald ouviu a confissão.
Ela olhou as linhas e os círculos.
—O que é isso?
—Um mapa. Não como normalmente são desenhados, mas mais precisos. David os faz deste modo. Olhe, aqui, o fosso e a ponte, o quadrado é a fortaleza de Black Lyne.
Sustentando o fragmento ele se moveu até que a fortaleza de Black Lyne estava posicionada em frente a eles. Ian caminhou para o extremo da ponte e escrutinou o fosso mais abaixo. Tomando a pá ele caminhou diretamente ao declive debaixo da ponte, e Reyna apressou-se atrás dele. Verificando sua posição em relação à grande pedra e a fortaleza, ele começou a cavar. Ian tirou uma bolsa de tecido podre, e a arrastou para fora do buraco. Um débil reflexo apareceu pelos buracos feitos pelos vermes. Reyna o ajudou e seu pulso se acelerou quando o saco se abriu a seus pés. Suas mãos se agitaram quando ela colocou o conteúdo no chão. Objetos. Objetos valiosos. Um cálice de ouro com pedras azuis incrustadas, e dois candelabros pesados de ouro puro. Um tesouro sem dúvidas.
—Pertenciam a sua capela—, Ian murmurou. O ouro brilhou à luz do sol.
—OH, Ian, são tão bonitos.
—Sim. E muito, muito valiosos.
Ele pensativamente caminhou uns metros, as mãos nos quadris. Ele olhou para cima, onde Edmund estava preso.
—Maldição. Ninguém sabe que está aqui, só ele e nós—, ela disse.
—Mas se quer ficar com isso terá que lhe dar algo, ou ele dirá que veio aqui para recuperar isto para sua ordem e que você inventou o conto do assassinato de Robert.
—Ele não poderia reclamar nada se estivesse morto.
—Não o matou no calor da batalha. Voltaria lá e o faria agora?
—Por que não?—, ele seriamente disse. —Ouviu o que ele disse, um homem com meus pecados é capaz de qualquer coisa. Especialmente por um prêmio como este.
Ele a olhou nos olhos pela primeira vez desde que tinham deixado as cavernas. Um desafio insolente ardia em seus olhos, desafiando-a a reagir e discutir. Desafiando-a a condená-lo.
—Eu não acredito—, ela disse.
—Deveria. É a verdade.
—Há muito que não sei sobre você, Ian, mas o homem que amo nunca fez uma coisa assim, e não foi como ele disse.
—Mas bastante próximo disso.
Ela tinha prometido não perguntar sobre seu passado. Se ele não o tivesse mencionado, ela teria fingido que Edmund nunca tinha falado e só teria confiado seu amor ao Ian que ela conhecia. Mas diante de seu desafio, sua expressão mostrava uma dor que rasgava seu coração.
—Quanto próximo?
Ian caminhou para o candelabro e o chutou furiosamente. Este voou e caiu no fosso. Ela com calma foi e o recuperou. Quando voltou ele estava de pé com o cálice a seus pés, uma resignação amarga estava escrita em seu rosto.
—O que vou dizer não vai gostar.
—Ainda duvida de meu amor, Ian? Está tão certo do que vou pensar?
—Estou certo, mas lhe direi isso do mesmo jeito, porque não foi como ele disse, e quando te perder pelo menos será por causa da verdade.
Ele fez uma pausa como se organizasse suas lembranças e as forçasse a sair por seus lábios.
—Disse uma vez para você que fui servir a um Lorde vizinho como escudeiro. Ele tinha uma filha jovem. Ela tinha o cabelo como fogo e a pele como neve, e eu a adorava. Em todos aqueles anos nós rara vez falamos e nunca nos encontrávamos porque ela era mantida presa com as outras mulheres por proteção. Então, eu realmente não a conheci, mas a amei. Quando estava mais velho eu ia fazer os votos da Igreja, mas enquanto isso me deitava com moças e prostitutas, fingindo que estava com ela, e depois me odiava por havê-la desonrado em minha mente. No momento em que esperava ganhar minhas insígnias de cavalheiro, ela estava em idade para casar-se, mas eu sabia que era impossível. Eu era um filho mais jovem, e ela não podia ser minha.
Ele não menciona seu nome, Reyna pensou. Nem o fará.
—Aquele último ano na fortaleza vizinha, meu pai e seu irmão vieram me visitar. As propriedades não ficavam muito longe, mas eles não tinham visto a beleza que ela se tinha transformado. Minha mãe estava morta, e meu pai ainda não tinha quarenta anos. Ele lhe propôs matrimônio na primeira noite.
—OH, Ian.
—Sim, um momento de puro inferno quando o ouvi. Sua família estava encantada com o novo casal. Mas eu teria a moça que amava como minha nova madrasta, a idéia dela compartilhando a cama de meu pai, me deixou doente.
—Não fez nada mau. Não podemos ser culpados pelo que nossos corações sentem.
—Jesus, é tão inocente, Reyna. Se todos fôssemos...
Suas palavras eram apenas audíveis.
—Meu pai ficou. Um compromisso estava planejado para a semana seguinte. Eu fingi sentir alegria por ele, mas era uma agonia. Por um lado, a moça que nunca havia falado comigo estava falando muito, de repente. Os olhos que rara vez me notavam pareciam encontrar-se com os meus constantemente. Finalmente, um dia, enquanto nossos pais estavam caçando falcões, ela me mandou uma mensagem me pedindo encontrá-la no jardim detrás da fortaleza.
—Você foi?
—Minhas pernas me levaram até lá enquanto minha cabeça me dizia que não fosse. Não sei o que esperava, mas sei que meu coração secretamente tinha rezado, e pensei que aquelas preces tinham sido respondidas... mas pelo diabo. Ela me beijou, e eu não tive nenhuma lembrança depois disso.
Ian a olhou, e seu olhar disse tudo. Ela não teve que perguntar o que tinha acontecido.
—Nos encontraram. Os homens voltaram enquanto o salão era um caos e sua mãe estava chorando. Minha amada estava assustada e perplexa em absoluto silencio. Suas pálpebras, baixas. Enquanto eu era acusado de estupro, ela não disse uma palavra.
—Como pôde permanecer muda quando foi acusado? Não importa quão assustada estivesse, deveria ter falado. Seu grande choque não tem sentido.
—Terá—. A amargura enchia sua voz. —Meu pai tinha um temperamento volátil, e este se acendeu como uma tocha quando ele ouviu a história. Então diante de toda aquela gente, ele me desafiou. Gritei minha inocência como pude, mas uma hora depois de ter aquela moça em meus braços, achava-me no jardim enfrentando meu próprio pai com uma espada na mão.
Uma dor horrível se alojou na boca do estômago de Reyna. Ela quase sabia como o conto terminaria, e quase o suplicou para que se silenciasse.
—Ela observava. Todos eles observavam. Nunca tive tanto medo e confusão em toda minha vida. Aquele era meu pai, e ele vinha para mim cheio de fúria, e eu estava certo que ia morrer. Mas eu era jovem e hábil, e estavámos mais parecidos do que acreditava. Não sei quanto tempo lutamos, mas finalmente ele deu um passo atrás por um momento. Naquela pausa, olhei para ela, e por sua expressão soube que ela tinha planejado tudo, que ela não queria o matrimônio, que ela o queria mutilado ou morto para livrar-se dele, e que me tinha usado para aquele fim.
—Por que você? Por que não qualquer dos outros?
—Talvez ela soube que ele estaria mais cego brigando com alguém de seu próprio sangue. Talvez ela tinha ouvido que eu era bom com a espada. Provavelmente ela somente reconheceu o idiota que eu era quando me viu. Me voltei e vi meu pai também olhando-a. Quando seus olhos encontraram os meus novamente, soube que ele tinha visto o mesmo. Se deu conta que os dois tinham sido feitos idiotas, mas ele se apaixonara por ela também. Algo lhe aconteceu. Eu pedi que pusesse um fim aquilo, mas ele não o fez. Talvez foi orgulho, mas penso que era desespero. Eu esperava que declarassem um empate. Ambos estávamos cansados, e nossos golpes se tornaram descuidados. Ele baixou a guarda, e se jogou sobre a lâmina de minha espada.
Reyna ansiava poder dizer algo para acalmá-lo e aliviar a culpa escrita em seu rosto.
—Ele não morreu imediatamente. Fiquei com ele, e nunca falamos sobre ela todo aquele tempo. Ele me perdoou e fez com que meu irmão o fizesse também, e pediu a meu Lorde que viesse e me consagrasse cavalheiro em sua presença. Depois me deu um pouco de dinheiro e me disse que fosse com a família de minha mãe, para longe das intrigas e fofocas que já estavam dizendo, que eu desejava a minha nova mãe e que tinha matado meu pai para tê-la.
—Mas não era assim. Ela ainda não estava casada com ele.
—Um ponto muito pequeno, Reyna.
—Um ponto muito importante. Você nunca o teria feito... se o compromisso tivesse sido selado.
—Está tão certa disso? Eu confesso que não estou tão certo.
—Eu estou. Você não procurava matar seu pai. Como puderam aquelas pessoas dizer tais calúnias?
—As pessoas só sabem o que viram. Este conto poderia soar muito diferente vindo de outra boca—, ele disse. —Tratei de inventar desculpas para ela a princípio. Tentava convencer a mim mesmo que ela procurava minha morte, não a de meu pai. Talvez ela não era virgem, e minha suposta violação proveria uma explicação. Não me era impossível aceitar que alguém tão jovem pudesse ser tão má. Mas enquanto eu estava em Londres, ouvi que ela se casou com meu irmão. O Lorde velho ou o segundo filho não eram suficiente para ela, mas o herdeiro jovem era outra história. Pensei que isso era o que ela queria o começo. Então ela necessitava meu pai morto antes do compromisso, pois um filho não pode casar-se com a esposa de seu pai morto.
—Seu irmão sabe de tudo isto?
—Perguntei-me durante algum tempo se ele tinha sido cumplice em tudo isso, mas não posso acreditar isso dele. Mas quando voltar a Guilford o descobrirei. E farei saber a ela que eu sei que ela matou meu pai através de mim.
—Você realmente não...
—Eu fiz, Reyna. Aceitei essa verdade há muito tempo atrás. Estou agradecido porque tenta me defender. Pensei que fosse condenar-me.
Ele parecia cansado, como se contar aquela história lhe tivesse tirado a força. Ela o abraçou e esperou que ele pudesse sentir seu amor.
—Como poderia condenar se foi acusado injustamente. Devia oferecer seu pescoço para ser morto pela espada de seu pai?
—Ele me deu a vida. A maioria diria que tinha direito a tomá-la. Eu não era inocente, e o parricídio sob qualquer condição é imperdoável.
—Nada é imperdoável—, ela disse. —Eu penso que você nunca perdoou a si mesmo. Penso que acreditou que aquele ato revelava e determinava sua verdadeira natureza e deixou que sua alma fosse à deriva. Mas sua verdadeira natureza é terna e boa, Ian. Nunca poderia te amar se não sentisse isso.
—Não, amor, não tão bem. Você me faz melhor do que sou.
Ele a abraçou e enterrou seu rosto contra seu pescoço, como se ele retomasse a essência vital.
—Deveria ter demonstrado mais força de vontade e adivinhar o que ela queria de mim. Foi uma lição dura, mas eu a aprendi muito bem.
Ele finalmente a soltou e levantou o cálice.
—Há mais coisas, acredito. Quatro linhas cruzam o círculo do fosso. Isto é só parte do tesouro. Penso que umas centenas de libras pelo valor de ouro.
—Não me importa o que decida fazer. Não pertence a ninguém.
—Se entregar Edmund à Igreja, provavelmente nunca se fará justiça. Os tribunais eclesiásticos protegem a seus próprios membros, e eles nunca executam seus clérigos. Ele vai assegurar que matou seu irmão em defesa própria, e não existe nenhuma prova a respeito do assassinato de Robert. Ele vai inventar uma história que eles vão ficar contentes em acreditar para não condenar um Cruzado.
—É mais fácil então lhe dar um pouco de ouro e que se vá. Ele deixará a Escócia se você exigir.
—Ele te enganou, Reyna. Foi a seu marido e a seu amigo quem ele matou. Foi sua vida a que pôs em risco. Este ouro recompensa tudo isso?—
Realmente? O metal amarelo reluziu, oferecendo enterrar toda sua dor em luxos nunca imaginados. Se o ouro tinha aquele efeito nela, o que aconteceria a Ian, que tinha saqueado tesouros por anos?
—Você decide, Ian. Eu não posso. Você descobriu isso.
Ele passou seu dedo por sua mandíbula e levantou seu queixo.
—Isto asseguraria nosso futuro e o de seus filhos.
—Sim, isso é certo.
—E poderia fazer com que esta humilde fortaleza fosse forte e segura, e compraria uma casa em York ou em Londres.
—Robert nos queria ver seguros.
Ele olhou o ouro que segurava.
—Então, por que me sinto como se isto fosse pior que um roubo? Guardar o ouro significa não fazer justiça a Robert.
Ela sentiu a batalha dentro dele. Não lhe importava que curso de ação escolhesse, mas se perguntou se a ele importava.
—Então, o que fazemos, Ian?
Ele passou seu dedo polegar por uma pedra azul.
—Safiras, acredito—. Ele suspirou, sacudiu sua cabeça, e sorriu maliciosamente. —Se em dez anos estiver empobrecido, amaldiçoarei a mim mesmo.
Ela sentiu um bater de asas de alegria em seu peito.
—Há suficiente para mim aqui. Haverá suficiente para você?
Ian voltou seu olhar e a olhou nos olhos. O ouro em sua mão deixou de existir.
—Te amo com todo meu coração, Reyna. Sempre haverá suficiente para mim—. Ele colocou o cálice e os candelabros na sacola. —Levaremos estes à fortaleza. Mais tarde, depois que envie alguns homens para procurar Edmund, eu voltarei e encontrarei o resto. Enviaremos Edmund, o ouro e os livros a Glasgow. Diremos ao bispo que os livros são para uma escola na abadia, mas o ouro será usado para ajudar aos pobres e aos órfãos e viúvas da guerra.
Eles subiram à ponte para procurar seus cavalos.
—Sentirei saudades dos livros mais que do ouro—, Reyna admitiu.
—Só enviaremos aqueles com as iniciais de Jacques Molay, não todos eles.
Ela fez uma careta.
—Aqueles são todos livros de filosofia.
—Sabe de cor, querida. Pode passar os invernos me explicando tudo o que estudou, e eu argumentarei contra sua lógica. As discussões manterão sua memória fresca.
—O Livro das Horas terá que ir-se. Sei de cor também, mas sentirei saudades.
—Esse fica.
—Mas tem as iniciais, estou certa.
—Olhei antes de vir para cá. Não vi nenhuma das iniciais na primeiro pagina.
Ele a levantou sobre sua sela.
—Ian—, ela disse, olhando-o desconfiadamente. Ele olhou para cima com um sorriso. Santo Deus, que sorriso.
—A gente nunca é muito bom, Reyna.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 27

—Sentirei saudades disto—, Reyna disse preguiçosamente. Ela estirou seu corpo nu contra o de Ian, e as flores que ele tinha entrelaçado em seu cabelo caíram sobre seu rosto e seu peito. Ela guardava como um tesouro aquela sensação, sabendo que poderiam passar meses antes que eles pudessem estar próximos do rio novamente. Já se sentia o frio do inverno Ian e ela só se tinham aventurado a nadar brevemente.
—O inverno tem seus próprios prazeres—, Ian disse. O fogo da lareira. Vinho quente. As noites mais longas.
—E eu poderei usar meus novos vestidos. Foi muito amável de David trazer o tecido de Carlisle.
—Os vestidos são adoráveis, embora não estava te imaginando vestida diante da lareira agora.
Ela soltou uma risadinha e se deitou sobre seu peito.
—Da mesma maneira que se livrou daqueles livros de filosofia, Ian. Recordo que havia parágrafos que advertiam contra o prazer carnal. Nunca prestei muita atenção àquelas partes, pois não tinha experiência em tais coisas, mas agora... e aquelas penitências! Sabe que a Igreja proíbe fazer amor, às segundas e às quintas-feiras assim como também aos domingos, sem mencionar Páscoa, Quaresma e outros dias Santos?
—Sou afortunado porque você nunca se deixou guiar por essa lógica extraviada.
—Bem, não sou muito lógica no que diz respeito a você. Tem um talento para fazer que a filosofia seja a última coisa na mente de uma mulher. Ele a abraçou colocando-a sobre seu corpo. Abruptamente, suas mãos deixaram de acariciá-la e sua expressão ficou alerta e concentrada.
—Um cavalo. Alguém vem—. Ele a afastou e se ajoelhou. —Se cubra, Reyna. Temos uma visita.
Ela acabou de vestir a camisa quando o cavalo se aproximava. Ela endireitou sua roupa e se ruborizou diante do rosto sorridente do conde de Senlis.
—Intrometi-me—, David disse enquanto Ian vestia as calças.
—Me desculpe, Reyna. Na fortaleza me disseram que acharia Ian aqui, e eu somente estava passando por aqui...
—Sou eu quem deveria desculpar-me, mas é bom te ver. E este é um lugar diferente para passar por acaso, David, já que não estamos no caminho para nenhum lugar—, Ian disse.
David desceu de seu cavalo, e Ian olhou o vestido de Reyna. Ela se curvou e o agarrou. David fez um gesto casual.
—Desculpe, milady. Só ficarei um momento, e logo vocês dois podem voltar para seu jogo. Ele se agachou no pasto ao lado de Ian. —Estou a caminho de Harclow e depois para Carlisle. Christiana e eu iremos de barco logo a Londres, e dali para França. Em meu caminho de volta de Glasgow me desviei para ver Duncan. Acabo de vir de lá. Foi uma visita agradável. Informou-me como estão as coisas entre Morvan e os Armstrongs, e deixei escapar algumas palavras sobre o seqüestro de Aymer às damas. Duncan não sabia nada sobre isso, pensei que com sua fúria ia destruir o castelo—. David sorriu. —Não penso que vá ter dificuldades por aqueles lados por alguns anos, já que Duncan está vivo.
—Foi a Glasgow? Está feito, então?—, Reyna perguntou.
—Completamente feito. O bispo recebeu os livros e o ouro, e aceitou alegremente suas instruções sobre seu uso. Ele parece ser um bom homem.
—E aceitaram o julgamento de Edmund?—, Ian perguntou.
—OH. Bem, houve um pouco de dificuldades... Edmund está morto.
Ele olhou diretamente para Ian, sua expressão inescrutável.
—Aconteceu no caminho para o norte. Como levávamos ouro, tomamos as rotas menos frequentadas. Houve um caminho particularmente traiçoeiro, seu cavalo perdeu o equilíbrio. Caiu por um barranco.
Ele fez uma pausa.
—Muito trágico. Dadas as circunstâncias, não me pareceu que valia a pena mencionar seus crimes ao bispo, então a história completa de Robert e os Templarios e a origem do ouro nunca foi explicada.
Reyna olhou para Ian, que cuidadosamente estudou seu convidado.
—Devemos te agradecer por sua ajuda nisto, David—, Ian disse. —Retardou seu retorno a Londres por várias semanas, e se fez viajar por todo o sul da Escócia.
—Os comerciantes estão acostumados a viajar—. Ele virou para Reyna. —Christiana me encarregou de te recordar que nós voltaremos para Londres na primavera. Ela espera te ver. E Lady Anna insistiu que te diga que a menos que um parto seja iminente, você não deve deixar que Ian use como desculpa uma gravidez para não a deixar ir.
Ian gemeu.
—Aquela mulher. Juro que tem um plano para enlouquecer a todos os homens.
—Não. Ela conhece sua força e o que vale, e também sua aparência de ninfa. Duvido que Reyna precise de instruções de Anna.
Reyna se ruborizou diante daquele elogio peculiar. David se levantou.
—Devo ir. Morvan e Anna ficam em Harclow pelo menos outro mês antes de embarcar para a Britania. Estou certo que irão visitá-los antes de partir.
Ian e ela o acompanharam até seu cavalo, onde ele abriu uma de seus alforjes.
—Isto estava guardado em um cavalo separado dos outros, e me esqueci de entregá-lo quando estava em Glasgow. Vocês guardem até que alguém vá ao norte novamente.
Ele tirou o grosso tomo da Summa de Tomás de Aquino e o colocou nos braços de Reyna. Surpresa, ela olhou o enorme tomo pressionado contra seu peito. Ele saltou sobre sua sela e se curvou para apertar a mão de Ian.
—Até a primavera, então.
Eles o observaram partir num trote em direção aos homens e às bandeiras que o esperavam à distância.
—Não parece realmente que foi um acidente. O de Edmund, quero dizer—, Reyna disse. Ian não deixou de olhar para o grupo virando agora em direção ao bosque.
—Estou certo que foi um acidente.
—Fortuito, então. Alguma justiça pelo menos.
Ele olhou para o livro.
—Pode levar um longo tempo antes que viaje a Glasgow. Podem ser anos.
—Outra coisa a mais para fazer nas longas noites de inverno.
—Sim, podemos discutir filosofia parte da noite e fazer amor o resto. Nunca teria desistido de ler aquele livro se semelhante recompensa me esperasse em minha adolescência. Vou ter que terminar de lê-lo, se for ter que discuti-lo com você.
Ian a levou ao pasto. Ela se sentou com as pernas cruzadas e abriu o tomo em seu colo.
—Metade do tempo para minha mente, e metade para a paixão. Isso soa como uma justiça divina, Ian.
—Eu disse uma parte, não metade. Não tenho nenhuma intenção de ser justo.
Ele espiou por cima de seu ombro. Ela o olhou. De debaixo das grossas sombracelhas, o Lorde das Mil Noites a observava. Sua expressão a fez estremecer-se por antecipação. Não, ele não ia ser justo. Ian tirou o livro de suas mãos e o pôs no chão. Tomando sua mão, a fez ficar de pé. Ele se afastou para onde a podia ver de corpo inteiro.
—Tire a camisa, Reyna.

 

                                                                  Madeline Hunter

 

 

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