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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O MARIDO EXTREMOSO / Qorpo Santo
O MARIDO EXTREMOSO / Qorpo Santo

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Qorpo-Santo

 

 

 

 

COMÉDIA EM CINCO QUADROS
(Nota: Não tendo eu jamais lido o que escrevi há mais de onze anos, e só agora corrigindo as provas — não podia saber que esta Comédia encerrava cinco Quadros, lendo-se na página primeira quatro, senão nas últimas - Porto Alegre, junho de 1877)
PERSONAGENS: RÉGULO REMO SANCHO UM CONVIDADO ANA MANECA BENICO MANDUNGUINHA ESQUISITO DIVERSOS DANÇANTES TOCADORES DE VIOLA DUAS ESCRAVAS PROFESSOR DE ESGRIMA ESTUDANTES DUNGA CÓRNEO JÚLIO LANCEIRO PERNA DE GALINHA TELEVI MESTRE OFICIAIS SAPATEIROS PEDRO CATINGA PRESIDENTE DA PROVÍNCIA COMANDANTE CHEFE DE POLÍCIA CRIANÇAS 


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ATO I
 
RÉGULO (para Remo)  Sejamos honestos quanto às mulheres! Mas, quanto ao mais, já que nos furtam, furtemos também! Se nos roubam, roubemos também. E assim seguimos o preceito do nosso grande Vieira, hábil pregador, profundo político, etc., etc. 
 
REMO  Mas se nos roubarem as mulheres!? 
 
RÉGULO  Ah! Então esse caso é mais melindroso. 
 
REMO  Mas diga-me. O que havemos de fazer? 
 
RÉGULO  Homem, isso tem seu que... ou para que. (Depois de longa pausa, muito apressadamente e caminhando em roda para o lado de Remo) Sabes o que mais convém? Roubar também. Se é crime, fica compensado; ficamos indenizados sem ser preciso andar com a justiça às costas — da casa do escrivão para a do juiz; da do juiz para a do letrado, da deste para a do meirinho, etc., etc. Justiça de Barcelos, ou de Barcelona, por exemplo. Apanho com um pau, dou com um pau. (Bate no ombro de Remo com uma bengala).
 
REMO  Ai! Homem! Isso não tem lugar. Bem vês que não te dei ainda paulada alguma. Que diabo de graça. E arde como sal e pimenta em ferida recente. Não! Não! Não continues com essas graças!
 
RÉGULO  Homem! De pouco te zangas! Que faria se eu te desse às deveras? Foi uma pequena experiência ou um exemplo que quis dar-te, e já te mostras tão zangado! Que faria se eu te desse às deveras. (Bate com mais força)
 
REMO  Ah! Você está teimoso! Pois eu também vou dar-lhe pancadas! Vou fazer exemplo! (Pega em uma cadeira e dá-lhe com ela) Ai! Ai! Este exemplo valeu por todos os que de dar-te. Irra! Irra! Régulo, sempre mostras que és um verdadeiro Régulo, nome que bem diz com a pessoa. 
 
SANCHO (entrando)  Oh! Vocês aqui! E a jogar o pau. Eu também entro. Vamos lá! (Dá uma pancada em um. Remo dá-lhe com a cadeira) 
 
RÉGULO  Não vê que o jogo é só de dois? E que o senhor não foi convidado? 
 
SANCHO  Mas eu quis também fazer as minhas experiências, visto que eu ouvi falar em experiências; e eu gosto muito de me experimentar. 
 
REMO  Pois vossa excelência gosta de experiências? Lá vai. (Dá-lhe outra bordoada) 
 
SANCHO  Nada! Nada! Façamos as pazes! Acabemos com as experiências de pau. Agora passemos às experiências de pensamento? Agora, espere, ainda é cedo. Eu ainda não comecei. Depois que eu começar, os senhores não me hão de querer ver acabar! (Batendo na testa com força) Sai ou não sai? Ah! Não quer sair; então há de sair do nariz. (Põe os dedos e assoa com força) Lá vai um! 
 
RÉGULO  Estás muito adiantado, mas as tuas experiências não me agradam. Vai plantar batatas, meu estúrdio. (Empurrando a Sancho)
 
REMO  E teve a audácia de nos vir interromper, este quadrúpede! 
 
SANCHO  Então não querem ver mais? Está bem, em tal caso, vou-me embora! 
 
RÉGULO  Não vai daqui sem dar-me o chapéu para pagar-nos a maçada que nos deu! (Tira-lhe o chapéu) 
 
REMO (para Régulo)  Tu te contentas com o chapéu, e eu quem a bengala, que é melhor que a minha (avança-se a ele e tira-a). Agora, seu estúrdio (apontando para a porta da rua), suma-se já, já daqui para fora! (Dá-lhe um pontapé, Sancho grita, Régulo o empurra; é um barulho imenso. Mas aos socos, pontapés, empurrões e gritos, põe Sancho na rua, ficando-lhe com o chapéu e a bengala) 
 
RÉGULO (para Remo, voltando ambos)  Vamos! Vamos! ... Tu te arranjaste de chapéu, e eu de bengala... ou... eu de bengala e tu de chapéu. Fujamos cada qual por sua porta, antes que por aqui chegue a polícia. 
 
(Safam-se ambos; um por uma porta, e outro por) 
 
 
 
ATO II Um baile na roça.
 
UM DOS CONVIDADOS (dirigindo-se a uma das dançantes)  Ora, saia, senhora Ana! Não vê aqui o seu maior apreciador de chilenas e pelego para dançar, dona Ana? 
 
ANA (moça nova e assaz gorda)  Bem vejo, senhor Maneca, que o senhor é o moço mais lindo que pisa neste baile; mas não o vejo de faca e de pistola para amedrontar os rivais e afugentar os iguais. Bem sabe que ninguém Olha para mim que não me queira dar boquinhas, abraços e beijos! 
 
MANECA  Já sei que tu és a mais adorada de toda esta patifada. Mas para os fazer levantar a cola, a correr baguais, não preciso de pistola. Basta a faca e o poncho. Vamos, vamos para a sala! (Pegando-a pela mão) 
 
ANA  Eh! Pucha malaia! O tocador está sem viola.
 
MANECA  O que diz, sia Tagarela? 
 
ANA  Olha aquela como levanta a saia! Parece que nunca dançou.
 
MANECA Não é; foi o tocador que quase a matou com a pancada que lhe deu quando na viola bateu, quando a viola quebrou. 
 
(Já se vê que o tocador, pouco antes, tem uma dúvida com outro... com um dançante; dá-lhe com a Viola e quebra-a) 
 
BENICO (para seu par, Mandunguinha)  Abaixa a saia, Mandunguinha! 
 
MANDUNGUINHA  Não quero! Hei de levantar até o joelho; levantar para mostrar que tenho umas bonitas como as lindas estrelas, grossas como os fortes engenhos! 
 
ESQUISITO (para um dos tocadores, empurrando-o e depois fazendo uma volta, arrastando a chilena, levantando um braço e deitando o outro, etc.)  Que tem essa rabeca, que não toca nada que se dance! 
 
(Entretanto, outros bailam, fazendo cada qual as maiores asneiras e esquisitices que pode, proferindo gracejos, grosserias e praticando-as de roda a espécie) 
 
BENICO  Agora, sim; já se ouve tocar. 
 
UM DOS DANÇANTES (a quem se oferece um mate)  Ora venha de lá esse chimarrão! (Tomando) Está mesmo como uma língua de chimango. 
 
OUTRO Eu quando me abraço com uma gorducha como esta! (Abraçando-a) Não me lembro de mais nada neste mundo! 
 
OUTRO  É pouca mano Juca! Se ele não andasse recolhendo as vacas do gado manso, quantos esporaços não daria aqui na tia Tubina, arrastandolhe a roseta pela saia! 
 
OUTRO  E o Antônio ainda não chegaria com a eguada do Potriro Velho? Eh, puta diabo! Faz-me uma falta pras embigadas! Mas, já que ele não veio, dou na tia Maria. (Bate com os pés; arrasta as chilenas, e dá uma embigada em uma das mulheres que fica em frente)
 
OUTRO Toca bem essa viola, seu diabo! Quase não se ouve, quando se bate com as palmas, ou com os pés (Batem palmas, fazem rodas, batem com os pés; de repente, um grito) Fez pelego! (Há grandes gargalhadas)
 
OUTRO Vai de roda! (Puxando um lenço do pescoço de uma das moças) Pra que quer lenço, se é tão bonito este pescoço? (Tira e assoa-se. Atirando com este em outro) Lá vai! Aguarde-se!
 
UM Já estou cansado como o diabo!
 
OUTRO Pois vamos dormir que já são horas, pra amanhã parar rodeio cedo, que nestas já nós paremos!
 
OUTRO Pois cá vou com a minha! (Pega uma pelo braço e mete-se num quarto)
 
OUTRO Eu também já vou. Não toque mais esse instrumento, seu tocador! (Pega em outra e sai dizendo) Foi meu par dançando; há de sê-lo também camando!
 
OS OUTROS Pois vamos todos! Ah, ah, ah!
 
(Arrastam as chilenas; sapateiam caminhando, fazem valas; rodas; abraçam as moças; e desaparecem, terminando assim o baile)
 
OS TOCADORES Sempre nós somos os que mais trabalhamos, e os que menos gozamos. Os dançantes bailam, abraçam, falam, beijam; e nós? Apenas bebemos algum copo de cachaça ou de vinho que eles nos querem dar! Ainda é bom quando não nos quebram a cabeça com os instrumentos! Pois não toquemos mais. (Atirando com as violas) Vão te, diabos! que de agora em diante não queremos mais tocar. Nós queremos só dançar. (E saem)
 
UMA ESCRAVA É assim que esta cambada faz! Comem. Bebem. Sujam tudo como porcos no chiqueiro; e depois está a gente aqui tendo trabalho para arrumar e limpar isto. (Com um pano limpam os mochos) Olhem como eles deixaram as camas! Parecem ninhos de galinha choca. Cruzes! cruzes como semelhantes demônios! (Põe um pelego às costas e sai)
 
OUTRA ESCRAVA (cuspindo-se) Tem! tem! Está fedendo a chulé! Ih!... vou-me embora; alguma outra que venha cá aturar este fedor! (Sai) 
 
(A mobília da sala não passa de uma cama de guascas, uma rede de couro, alguns tamboretes e um ou dois bancos de 4 a 6 palmos de comprimento, uma até duas mesas de 5 a 6 palmos) 
 
 
 
ATO III
Lições de florete; espadão; espada; pistola e lança. Um Professor e alguns discípulos; pistolas; espadas de pau; floretes, lanças. Dois estudantes, entrando, um de espada, outro de florete.
 
O DA ESPADA Guarde-se deste talho!
 
O DO FLORETE Não se aflija, espere; quero pegar arma igual!
 
DUNGA Nada! Quero medir a minha espada com o seu florete... Defenda-se, portanto!
 
CÓRNEO Defendo-me; mas não é próprio de estudantes. (Esbarra a espada no florete) 
 
DUNGA O bom jogador, com qualquer arma se defende!
 
CÓRNEO É verdade, Mas não é próprio de estudantes. Entretanto, livre-se desta estocada. (Dá-lhe um pontaço com o florete)
 
DUNGA (rebatendo)  Se não atira melhor, faço-lhe voar o florete pelos ares!
 
CÓRNEO Descansemos um pouco; o meu florete está doente (querendo examiná-lo).
 
DUNGA Quando se luta, não se dá tempo ao contrário para preparar as armas. Lá vai! (Atira-lhe um pontaço, ele defende-se) 
 
JÚLIO (entrando de pistola em punho)  Pois também quando os estudantes não são cavalheiros, encontram outros que lhes tiram a proa, pondo-se ao lado do cavalheirismo! (Engatilha a pistola) ou há de jogar de florete, ou há de esperar que o meu amigo se prepare de espada! Escolha! Se nenhuma, nem outra cousa, então a luta é comigo! Ao menor movimento, um tiro de pistola no peito, ou na cabeça!
 
DUNGA Em vista disso, não jogo mais, nem de florete, nem de espada, nem de pistola. Queria mostrar que quando se briga, não se escolhem armas! Que se ataca ou se defende com a que temos! Não querem, não ensinarei mais! (Atira com a espada na bainha e sai)
 
JÚLIO (para Córneo)
 
Vamos nos entreter por cinco minutos! (Toma um florete) Livre-se desta na barriga! (Atira-lhe o florete, Córneo defende-se) Na cabeça!
 
CÓRNEO No peito!
 
JÚLIO No ombro direito!
 
CÓRNEO No braço! 
 
(Depois de diversos tiros em que ambos saem perfeitamente bem)
 
UM LANCEIRO (entrando)  Agora há de ser de lança!
 
ELES Nada, nada! Já estamos cansados! (Embainhando os floretes) Agora vem Perna de Galinha jogar contigo a lança! Espera um pouco. 
 
(Entra um indivíduo alto, magro, com uma lança)
 
PERNA DE GALINHA É agora, amigos! Veremos aqui quem é o valente. (Faz alguns manejos com a lança) Eh! puxa malaia! quem não é toco, não se meta; senão enfio-lhe a reta! Lá vai um lançaço pela esquerda!
 
TELIVI Não atire, senão, eu morro! Cuidado! (Batem e entrelaçam as armas. Entram outros; pegam espadas; os de florete desembainham estes; e jogam quatro — lança, espada, florete e pistola. Depois de alguns exercícios, entra o mestre, homem feio e de aspecto assustador; bate palmas) Bravos! Vivam os nossos discípulos! Estão prontos, prontos e mais prontos! já podem dentro, fora do Império — debelar os inimigos da Pátria! (Descem todos as armas, apontam para o chão) 
 
UM DELES  Em presença de nosso Mestre, desce tudo e saia gente, que aprendeu de um grão Tenente!
 
 
ATO IV Casa de sapataria e alfaiataria.
 
CERTO INDIVÍDUO (que entra; para um dos oficiais que parece Mestre)  O senhor tem sapatos? 
 
O MESTRE  De todas as qualidades. 
 
O INDIVÍDUO  Vejamos. (O Mestre mostra-lhe alguns pares; ele escolhei; calça; mexe e remexe; e não acha algum que lhe sirva) Nada! nada! Este é grande, aquele pequeno, este outro apertado! Nenhum serve. 
 
UM OFICIAL (para os outros)  Este diabo deste homem é o mais difícil de contentar que eu tenho conhecido. 
 
O MESTRE  Pois é dos que temos. 
 
INDIVÍDUO  Vejamos as botinas. 
 
O MESTRE  Eis aqui algumas. (Apresenta-lhe) 
 
INDIVÍDUO (examinando-as)  Está larga; e tem o bico torto. (Experimenta outra) Oh! esta tem o salto às avessas! (Vê outra) Que diabo! até os puxadores são diferentes! 
 
O MESTRE  Olhe que não são gavetas! Isto não tem puxadores. São alças. 
 
INDIVÍDUO  Não! Nada. Não me servem! Vejamos as botas. 
 
O MESTRE  É preciso muita paciência para aturá-lo. Enfim, aqui tem mais alguns pares. (Dá-lhe) 
 
INDIVÍDUO (pegando em uma, examinando e não achando boa)  Que diabo! (Pegando em outra) Esta está um pouco melhor; mas ainda assim... não sei que lhe diga! (Calça outra e acha boa) esta serve; mas eu não pago a este diabo! (Depois de calçar, agarra uma das outras em cada mão, e para o Mestre) A você eu perdoo, mas os discípulos levam com esta porcaria pela cara (atira com uma na cara de um; com outra na cara de outro, saindo). Isto é para outra vez fazerem obra melhor. (Sai pisando mui fortemente) 
 
(O Mestre apita; os discípulos querem correr atrás dele; pegam em tirapés; levantam-se; jazem um barulho imenso; mas ele safa-se) 
 
ESTE O senhor tem calças de morroquim? 
 
O MESTRE Onde viu o senhor — calças de marroquim? 
 
CATINGA  Ah! não são de marroquim; são de alfinim, ou de toquim. 
 
O MESTRE De toquim, não tem. Mesmo dessa qualidade, penso que só para xales! 
 
CATINGA  Vejamos das que tem. 
 
O MESTRE (tirando alguns pares)  Ora, Deus queira o senhor não venha aqui especular, como o que daqui saiu há pouco. Estou com bem receio de o aturar! Enfim, quem tem casa de negócio dispõe-se a tudo. (Mostra-lhe alguns pares que tirou da prateleira) 
 
CATINGA (tirando alguns pares)  Está boa. Quanto custa? 
 
O MESTRE O metro, 20 francos. 
 
CATINGA  É barato; e como vende por tão, pouco dinheiro as suas obras. Vejamos um paletó. 
 
(O Mestre mostra-lhe alguns) 
 
CATINGA (veste; acha um que lhe agrada) Está étimo para o inverno. Serve-me. O preço? 
 
O MESTRE Isto é obra muito mais fina; é para 100$000. 
 
AQUELE Ainda não é caro. Serve-me. Coletes, tem? Quero casimira da mais fina que tiver. 
 
(O Mestre mostra-lhe alguns) 
 
CATINGA (vestindo um e achando ótimo)  Ficarei com este. Pode tirar a conta de tudo, e mandar à casa de sobrado nº 250, 2º andar, à rua dos Preguiçosos. (Quer sair; o Mestre bota-lhe a mão) Mas eu não o conheço! — Já lhe disse que mande a tal rua, a tal casa; o que mais quer!? 
 
O MESTRE Não sei. Quem o senhor é? 
 
CATINGA Saiba, ou não saiba, faça o que lhe digo; e quanto ao mais, fica à minha conta! 
 
O MESTRE Não, filho! não posso, não tenho quem vá lá! 
 
CATINGA Ah! não tenho quem vá; pois eu tenho cá. (Puxa por um punhal) Eu só não é que hei de ser roubado, e matado, como as senhoras autoridades me roubam e assassinam; é porque querem também que eu roube e assassine! A época será de roubo e assassinato (puxa de todo o punhal, crava-o no peito do Mestre, dizendo) Eis a paga! (Safase) 
 
(Os discípulos procuram curar o Mestre; cercam-no; amarram a ferida; depois de preparado, este) 
 
O MESTRE Eis as consequências de um país mal policiado, ou onde as Autoridades, como também alguns outros — dão o mau exemplo do roubo, da violência e da rapina! O cidadão tranquilo, trabalhador, honesto, é em sua casa apunhalado e roubado do que tem! O adúltero, o ladrão, o assassino — protegido, amparado, e quiçá louvado e elevado! Por isso tantas guerras! tantas pestes! tantas mortes! tantos males! (Uns para os outros) 
 
OS DISCÍPULOS Agora é preciso cada um de nós ter a nossa faca afiada e pronta para quando alguém entrar mesmo de pé, e ao primeiro movimento, lançar algum rico por terra; e ir haver à polícia o prêmio de nosso grande feito de armas!? 
 
TODOS Apoiado! Apoiado! Faremos da oficina um baluarte ou... 
 
O MESTRE É pouco um baluarte. Será uma fortaleza contra todos os nossos fregueses. Matá-lo-emos logo à entrada, a fim de roubarmos quanto dinheiro tiverem, muito à nossa vontade! E assim não precisamos mais trabalhos de sapateiro ou mesmo de alfaiate! 
 
TODOS Juremos! 
 
(O Mestre dá as duas mãos aos discípulos, estes ligam-se assim todos; formam uma cadeia; em voz bem alta, dizem)
 
OS DISCÍPULOS Unidos pela força, e pelo segredo! Mataremos; roubaremos e enriqueceremos.
 
 
 
ATO V Pedro, preso pela Polícia, por falsas acusações, ou calúnias, ou simples más intenções desta, em presença de um Presidente, chefe de Polícia, um comandante de um corpo, e mais alguns indivíduos. 
 
CHEFE DE POLÍCIA (queixando-se ao Presidente) 
 
Venho, senhor, perante vossa excelência reclamar por um doente! Tendo eu dado ordens que certo soldado fosse à Polícia apresentarse para dela ser praça, soube entretanto com o maior desprazer ter o mesmo ido apresentar-se ao corpo da Guarda Nacional desta cidade. Acho neste fato um escárnio à Autoridade; às leis e ao Governo! 
 
O PRESIDENTE Eu não autorizo tais atos. E todas as vezes que deles tiver conhecimento, fique certo que hei de dar as providências necessárias para que nada sofra a justiça; e seja a ofensa reparada, como para que se não repitam. 
 
O CHEFE É isso mesmo o que todos desejam! E é a causa da minha representação a vossa excelência, por saber de suas boas disposições a respeito! 
 
O PRESIDENTE (para o comandante)  É preciso pôr à disposição do Sr. Dr. Chefe de Polícia o soldado de quem ele fala, visto que tinha-lhe dado outro destino. 
 
O COMANDANTE Não ponho a menor dúvida! E se ele é hoje praça do meu Corpo, não é isso devido a procederes meus. Houve apenas um engano entre os soldados, e por esse motivo deu-se tal fato! Eis um bilhete que recebi, em razão do qual o admiti como praça. (Lê) 
 
O PRESIDENTE  Pois bem, então não há dúvida alguma. Foi um engano de nome, e o Sr. Chefe de Polícia providenciará a respeito, como mais convier. 
 
O CHEFE Eu entendo que era um mal para o serviço público; pois podia trazer outros ainda maiores, como o desprestígio à Autoridade; e é por isso que venho fazer esta reclamação. Mas estou satisfeito; e pode o soldado continuar como praça do seu Corpo. 
 
O COMANDANTE Obrigado! Obrigado! 
 
PEDRO Já que se tratou de direitos, de reparação de ofensas a estes feitas, eu perguntarei a vossa excelência. (Dirigindo-se ao Dr. Chefe de Polícia) O que pretende respectivamente a objetos de minha propriedade, que me foram tirados por violências, e que se acham ainda na Polícia, conquanto três vezes eu os haja requerido? 
 
O CHEFE O senhor... (Gaguejando; e querendo dirigir-se ao Presidente) Não há nada a ponderar; porém a narrar — que eu estava em uma de minhas propriedades, e no seio de minha Família, que os objetos de que trato existiam em um dos quartos de minha casa, como existem nas prateleiras das lojas de ferragens, numerosas de tal qualidade; que estando eu descansando um pouco das fadigas da manhã, e apenas nessa ocasião com um criado, entra força armada, e roubando-me a doce liberdade, o maior dos bens que se pode gozar sobre a Terra, com ela roubaram-me também tais objetos! 
 
O CHEFE Mas eu não tenho culpa; a culpa é do Delegado! 
 
O PRESIDENTE Vossa senhoria tem culpa, porque o não demitiu logo que soube desse atentado contra o direito de propriedade, e de liberdade de um seu concidadão! Tem culpa, porque ainda está coonestando esse ato indigno desse seu delegado, conservando em seu poder objetos que ele mesmo roubou a esse seu concidadão!
 
O CHEFE Mas o que quer que eu lhe faça!? Sua mulher é que teve a culpa. Ao menos ele diz que ela foi se queixar. Agora é ir lá sem armas. 
 
PEDRO (com indignação)  Vossa excelência pensa que eu sou alguma criança? Pode dar os seus conselhos àquela criança (apontando para a criança, cujo choro se ouve), eu os desprezo e nem desejo ouvi-los. Tem sido esta a desgraçada marcha seguida pela Polícia há dois anos para cá! E não sei por que fatal coincidência quantos crimes se têm perpetrado para comigo, e para com minha inocente e particular família — outras tantas desgraças tem experimentado o Império, nesta ou naquela de suas partes. Qual é o dever de um bom Governo, e com especialidade de uma boa Polícia, esse poderoso auxílio do Ministério Público!? Qual é, pergunto, um de seus primeiros deveres, senão procurar dar boa educação à juventude!? Qual o segundo, senão ampará-la da prostituição, da fome, da nudez, e de milhares de outros males, dando-lhe o trabalho, ocupação ou o amparo de seu País!? Não vê a Polícia que continuando a destruir em vez de edificar, não poderá trazer senão a ruína do Estado!? Não vê — que está traindo a si própria, àqueles que a nomearam, e aos quais sustentam os impostos que pagam!? Não conhece que, se não respeita os direitos de todos, sejam quais forem as suas espécies, os seus também serão menosprezados, quer como cidadãos, quer como Autoridades, pois que uns e outros nascem das mesmas fontes, das Leis que as criou, e pelas quais eles se mantêm!? 
 
UM DOS CIRCUNSTANTES  Muito apoiado! Apoiadíssimo! 
 
OUTRO (retirando-se, pegando o chapéu e despedindo-se)  Não se incomode, Sr. Pedro. Tudo o que o senhor quer há de conseguir. 
 
O PRESIDENTE (levantando-se) Eu pretendo ir ver os fogos, e creio que já vão sendo horas. 
 
(Todos levantam-se, despedem-se e saem com um Major e o Chefe de Polícia) 
 
PEDRO (logo depois para o Presidente) Retiro-me; também; e muito estimarei que vossa excelência tenha uma bela noite. 
 
O PRESIDENTE (só, para um filho) Não querem ver que este homem pode ser muito mais útil em companhia de sua Família que só. É tirania! Parece que estamos em um país de bárbaros. Entretanto, ninguém pode negar que, apesar dos maiores sofrimentos, ainda é — O Marido Extremoso; ou o Pai Cuidadoso! (Diversos senhores entram na sala, e mais pessoas da família.
 
Algumas crianças cantando e dançando em roda do Pai) — Vamos, vamos aos fogos! Vamos passear. Vamos ao teatro. Vamos! Estão todos prontos? 
 
TODOS Estamos: e só às suas ordens. 
 
O PRESIDENTE (voltando para o público)  Quanto é doce o ser Pai de Família, e com ela viver harmoniosamente — só pode conhecer quem como eu neste momento se enche de prazer e de júbilo!

 

 

                                                                  Qorpo-Santo

 

 

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