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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O MEDALHÃO DOS LANCASTER / Claudia Velasco
O MEDALHÃO DOS LANCASTER / Claudia Velasco

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O MEDALHÃO DOS LANCASTER

 

         Um corcel negro galopa através do tempo para os sonhos de uma jovem nova-iorquina que anseia a época dos cavalheiros e dos torneios medievais. Um homem guia o cavalo e crava seu olhar na jovem.

         A realidade parece sacudir Elizabeth Butler de seu mundo de sonhos. O despertador soa e lhe revela que chegará atrasada para a reunião com um nobre inglês que quer contratar seus serviços como historiadora. Na universidade, seus colegas estão encantados de poder enviar uma representante para que passe alguns meses em um castelo na Inglaterra e com a generosa retribuição que o nobre promete lhes dar. Tudo está preparado para que Ellie viaje de Nova Iorque a Londres: um avião privado, sua equipe de trabalho, seus aposentos no castelo. Só falta que ela firme o contrato. Com inocência e frescura, Ellie aceita a proposta, decidida a mudar de ares; em especial, quando conhece seu novo chefe, lorde Forterque-Hamilton, um homem que lembra o cavaleiro de seus sonhos.

         William Forterque-Hamilton não se agrada com o século: nem a roupa, nem as sofisticadas máquinas, nem Internet. William gosta dos cavalos e da guerra. E das mulheres. Um feitiço de seu inimigo, Marian Lancaster, enviou-o ao futuro para tirá-lo do cenário político do século XVI.

         Só com o medalhão de Marian ele poderá retornar, uma jóia que encerra o segredo da viagem no tempo. Ellie ignora que ela também é uma Lancaster, e que aquilo que em sua família sempre considerara uma bagatela é uma valiosa pedra. Será suficiente para William lhe roubar o medalhão dos Lancaster para retornar no tempo? E se algo falhasse depois de tudo? Talvez, então, deverá reconhecer que o amor que sente por Ellie é um feitiço muito mais poderoso…

 

 

                   Nova Iorque, maio de 2004.

O cavalo galopava diretamente para ela. Negro, poderoso, com as crinas ao vento enquanto seu cavaleiro o apurava ao máximo. O coração de Elizabeth saltava no peito pela espera de vê-lo avançar sem freio em sua direção. O vento lhe revolvia o cabelo e ela lutava para ficar quieta em seu assento, queria levantar-se, gritar, aclamar ao guerreiro que se lançava a todo galope para seu adversário.

O sol brilhava em seus olhos, e teve que entreabri-los para divisar o espetáculo que a emocionava até as lágrimas: o cavalheiro se levantava imperceptivelmente sobre seus arreios para segurar com ferocidade a enorme lança de ferro que lhe sobressaía sobre seu quadril direito… Elizabeth sorria, a gente chiava, empurrava e lutava por não perder detalhe da justa.

Tinha que se pôr de pé tinha que vê-lo melhor; uma nuvem de gazes e sedas sussurrou ao seu redor enquanto ela se levantava da cadeira; o sol lhe batia de frente, mas pôde distingui-lo com clareza: o cavalo a galope, os gritos, a emoção, a adrenalina ao máximo… E então ele a olhou. Durante uns segundos, ele a observou: moveu sua cabeça, o espetacular elmo polido virou noventa graus em sua direção para fixar o olhar na jovem Elizabeth Butler que permanecia de pé com as bochechas avermelhadas, enquanto uma mulher lhe puxava a saia para que se sentasse…

Esses olhos memoráveis lhe sorriram e Elizabeth Butler perdeu o equilíbrio enquanto retinha esse precioso olhar celeste que lhe atravessava a alma para sempre.

                  Madonna cantando Like ao Virgin... Madonna…? Deus!

 

O despertador soava há quinze minutos e ela continuava na cama pulando como uma adolescente. Precisamente no dia de sua entrevista com o inglês que Tom tinha chamado na universidade…! Deus!

Por sorte tinha deixado a roupa primorosamente preparada à noite anterior e demorou cinco minutos para se lavar sob a ducha quente, quinze minutos para vestir-se e tomar um café e dez minutos para alcançar o trem com sua pasta de apontamentos em uma mão, o casaco na outra e os saltos que faziam um ruído muito incômodo: odiava os saltos, mas Tom tinha insistido em que se vestisse como uma ajudante de cátedra pelo menos uma vez.

O vagão cheio, perfeito, e o cabelo revolto por culpa do vento primaveril de Nova Iorque. Chegaria como um desastre para sentar-se à mesa do Tom, onde o inglês e seus ajudantes, com certeza, esperavam já impacientes.

—Ellie! Onde te tinha metido?

Claire ia ao seu encontro com uma pasta azul muito coquete nas mãos. Estava pálida, levava um coque muito bem penteado e um traje de jaqueta negro que acentuava sua escultural figura. Alta, loira e decotada, Claire sempre atraía os olhares de todo o mundo, e seu perfume não fazia mais que acentuar sua sensualidade transbordante… Ellie sempre acabava sentindo-se como uma diminuta e insignificante ratinha de biblioteca a seu lado.

—Já estou aqui, Claire, o que acontece? Todos parecem nervosos. — se pôs atrás de Claire e seus sapatos, tentando seguir o ritmo; a loira secretária de Tom rebolava com destreza sobre os saltos, e Ellie não pôde evitar pensar uma vez mais em como pagava aquela secretária todos esses modelitos que sempre levava.

De um empurrão, abriu a porta do escritório de Tom, flamejante catedrático de História Medieval, de quarenta e cinco anos, amigo pessoal de Ellie e um dos homens mais trabalhadores que ela conhecia.

—Olá Ellie, amor — disse Tom levantando-se ao mesmo tempo em que a convidava a sentar-se, com um tenso olhar suplicante. Era evidente que a esperava com uma ansiedade nada habitual nele. Ellie olhou a seu redor enquanto caminhava para a cadeira que seu chefe lhe oferecia. Duas pessoas ocupavam o extremo direito da mesa de reuniões. A mais séria, uma mulher de aproximadamente cinquenta anos que com certeza seria Mary Anne Harrington-Clark, a representante do Museu Britânico, que lhes servia de intermediário com o rico inglês; e a seu lado, um tipo comum, moreno e muito elegante que a olhava com curiosidade e surpresa de uma vez, como se a conhecesse de toda a vida.

—Senhorita Butler — disse a mulher lhe estendendo a mão a modo de saudação, — sou Mary Anne, estávamos preocupados com você.

Preocupados?», pensou Ellie dando uma olhada em seu relógio. Chegava com exatamente cinco minutos de atraso, não era para tanto… Tom lhe ofereceu novamente uma cadeira, e se sentou em frente aos visitantes esperando ser apresentada ao tipo observador que não lhe tirava os olhos de cima e que certamente seria o famoso e misterioso inglês…

—Ellie, eu te apresento ao senhor Robert Wilson, ajudante de lorde Forterque — disse com um marcado acento de Cambridge.

—Estávamos te esperando há dez minutos, eles têm pressa em fechar o trato quanto antes.

«O trato», pensou Ellie com um sorriso. Fazia duas semanas, uma chamada tinha posto sua tranquila vida de pernas para o ar. O famoso lorde Forterque-Hamilton se pôs em contato com seu departamento na Universidade de Nova Iorque, através do Museu Britânico, para lhe encarregar uma delicada tradução de uns documentos do nobre, pertencentes a sua família e recém descobertos no castelo dos Forterque na Inglaterra.

Pelo jeito, o misterioso Lorde, pertencente a uma das linhagens mais antigas e de mais ascendência da ilha britânica, dedicava-se de corpo e alma à investigação histórica. Era uma espécie de erudito, um ermitão dedicado ao trabalho e à vida no campo, muito difícil de contentar. Vários tinham sido os investigadores contratados por ele que, depois de algumas semanas, abandonavam qualquer projeto. Eram muitos os que se cansavam logo de suas exigências e, apesar dos altos honorários que oferecia, ninguém conseguia satisfazer suas necessidades intelectuais.

Em Londres já não havia investigadores dispostos a deixar seus respectivos trabalhos para submeter-se a lorde Forterque-Hamilton, e meia Europa já tinha sido explorada por ele e seus assistentes em busca de um candidato adequado para este novo desafio: a tradução do maravilhoso pergaminho de sua família, que ele precisava estudar, verificar e classificar em um tempo recorde.

Mary Anne Harrington-Clark tinha chamado Ellie pessoalmente e tinha-lhe explicado que o taciturno Lorde tinha lido vários de seus trabalhos para a Universidade e sua tese doutoral sobre os avanços sociais e sanitários na época da Isabel I, na Inglaterra do século XVI. Uma tese que Ellie ainda não tinha defendido diante do tribunal de sua cadeira e que não entendia como Forterque tinha podido ler. Apesar de trabalhar como medievalista, Elizabeth Butler sentia uma fascinação pela época isabelina que a tinha levado a lhe dedicar anos de estudo.

A educadíssima investigadora inglesa tinha evitado suas perguntas sobre o particular e, em troca, tinha-lhe feito um relato muito entusiasta das possibilidades acadêmicas e econômicas que suporiam para ela, Elizabeth Anne Butler, de vinte e quatro anos, traduzir e autenticar uns maravilhosos manuscritos do século XV aproximadamente. Um período histórico que Ellie amava profundamente e no que se considerava perita.

—É você a escolhida, senhorita Butler. Lorde Forterque-Hamilton em pessoa pronunciou seu nome.

Surpreendia-se de que um altivo nobre britânico, que se fazia chamar lorde em pleno século XXI, estivesse disposto a deixar em suas inexperientes mãos um tesouro familiar. Mas a tentação era enorme. Tom a tinha convencido e aí estava, duas semanas depois da primeira chamada de Mary Anne, sentada no escritório de seu chefe preparada para discutir as condições de sua investigação. O tipo moreno e elegante seguia observando-a em silêncio.

—De onde procede sua família, senhorita Butler? —disse o homem com seu impecável e cuidadoso sotaque. Ellie o olhou: era um homem bonito, mas muito frio e muito observador para ser tão educado.

—Não sou nobre, se é a isso que se refere — respondeu Ellie com um risinho que encheu o escritório. O homem, Robert Wilson, não moveu nem um só músculo, e os demais calaram as risadas ao ver sua gélida reação. Ellie respirou fundo e voltou a tentá-lo: — Sou da Pensilvânia, meus antecedentes familiares se remontam ao século XVIII. Minha família paterna chegou procedente de York no final de 1700; e o ramo materno é espanhol, minha mãe nasceu em Madrid, os meus avós são castelhanos e…

O homem lhe fez um gesto com a mão que paralisou o relato da jovem. Ninguém tinha conseguido fazer calar a Ellie Butler com tanta eficácia em toda sua vida, ela ficou com a palavra literalmente na boca. Robert Wilson sabia mandar e sabia o que queria. Ellie sentiu um calafrio nas costas quando ele voltou a olhá-la fixamente.

—Senhorita Butler, meu chefe, lorde Forterque-Hamilton, não aceita a impontualidade, nem a falta de disciplina, nem de compromisso. É um homem generoso que pagará exatamente o que você estime que devam ser seus honorários. Cumprirá com sua parte do contrato com todo rigor e a abastecerá de tudo o que você requeira para seu trabalho. Por uma questão de logística, decidimos que deverá transladar-se a Londres imediatamente para trabalhar no documento. Não o faremos viajar de modo algum aos Estados Unidos da América, é muito valioso.

Ellie tinha um milhão de protestos em sua cabeça, mas foi incapaz de articular palavra. Esse homem a tinha sob seu controle. Tom tampouco parecia sentir-se muito valente em sua presença.

—Poderá alojar-se nas dependências do castelo Forterque. Será atribuído um escritório e um quarto para seu uso e desfrute. Trabalhará de segunda-feira à sábado e poderá dispor do domingo livre, embora deverá voltar para suas obrigações na hora do jantar. Lorde Forterque não quer ajudantes, nem chamadas, nem filtrações de nenhum tipo, deverá fazê-lo você sozinha. Sente-se capaz, senhorita Butler?

Ellie só atinou a mover a cabeça de modo afirmativo.

—Bem! —disse Wilson com um sorriso que lhe gelou o sangue. — Lorde Forterque será de grande ajuda para você se o caso o requerer, mas ele trabalha na atualidade em outra série de projetos que espera não interromper a menos que seja estritamente necessário. Tem passaporte? Espero que sim. O avião particular sai dentro de duas horas. Não necessita de equipe de informática nem nada parecido, tudo, e digo tudo o que necessite e mais, poremos ao seu dispor, o arquivo histórico que possui lorde Forterque-Hamilton é um dos mais completos do mundo e com sua preparação e habilidade poderá seguir adiante neste projeto sem problemas, ao menos isso esperamos.

Ellie seguia sem palavras. Mas disse sim a tudo. Tom a apoiava com seu olhar, o cheque que acabava de estender Wilson a favor do Departamento de História Medieval que ele dirigia, em troca dos serviços que Ellie prestaria na Inglaterra, pagaria várias bolsas de estudos de investigação durante anos. Não podia mais que aplaudir a brilhantismo de sua amiga.

Muito bem, disseram os quatro. Ellie olhou como Wilson tirava os documentos do contrato e quis lhe dizer mil coisas, mas estava absolutamente muda. Enquanto o observava, Wilson a olhou diretamente aos olhos:

—Uma coisa mais, senhorita Butler — disse com uma expressão quase beatífica nos olhos: — Você terá que tratar a lorde Forterque com a distância e o respeito devido.

—Como? —disse Ellie com um divertido e infantil sorriso, —Sua Alteza Real ou algo assim?

—Surpreende-me que uma perita medievalista não saiba como tratar ao filho de um duque — escutou Ellie enquanto lhe paralisava o coração de susto; uma grave e cálida voz se burlava dela às suas costas.

Robert Wilson ficou imediatamente de pé deixando sobre a mesa os papéis, a caneta-tinteiro e seu telefone celular; Mary Anne Harrington-Clark parecia de repente especialmente sorridente e atraente, e Claire, a secretária de Tom que até esse momento assistia com ar distraído à aborrecida reunião, deixava cair os papéis que tinha sobre seu colo ao levantar-se de um salto para receber, com um enorme sorriso, ao recém-chegado.

As pernas de Ellie falhavam de vergonha, pelo jeito o que acabava de falar justo detrás dela era o famoso lorde Forterque-Hamilton, seu novo chefe, e ela se estava burlando dele no preciso momento em que entrou em escritório.

—Milorde — disse com um respeito reverencial Robert Wilson, — me permita que o apresente a Tom Sanders, Diretor da Cadeira de História Medieval desta universidade e a nosso achado, a senhorita Elizabeth Butler.

Ellie se tinha posto de pé, mas seguia sem poder olhar ao lorde à cara. «Milorde, — pensou com angústia, —não acredito que possa lhe chamar milorde com naturalidade». Torceu as mãos e alisou a saia cinza que usava, antes de girar sobre os pés para saudar o inglês.

A enorme estatura de Forterque lhe fez enfocar a vista duas vezes para cima antes de encontrar seu olhar, graças a Deus que levava saltos, mas mesmo assim o nobre filho do Duque de Forterque lhe passava ao menos trinta centímetros. Ellie primeiro olhou sua boca, proprietária de um maravilhoso e cálido sorriso, logo subiu por seu rosto perfeito e varonil e deu de cara com uns pícaros olhos celestes que lhe atravessaram até a alma. Forterque desviou então rapidamente seu olhar para os outros, enquanto Ellie ficava muda sem articular saudação alguma.

—Bom dia a todos — disse William Forterque-Hamilton com uma voz melódica e educada. — Já está tudo preparado, Robert? Quero voltar para casa quanto antes.

—OH sim, milorde — disse Wilson ordenando os papéis. Ellie seguia de pé, ignorada pelo lorde que, a essas alturas, avançava com passo firme para os vitrôs do fundo do escritório para apreciar a maravilhosa vista de que gozava Tom.

Ellie se atreveu a segui-lo com o olhar: todas as mulheres da sala o observavam. Era impossível não fazê-lo. O futuro Duque de Forterque exibia um casaco de pele marrom escuro até os calcanhares, feito a medida, amplo e de corte impecável; o cabelo castanho, suave e sedoso, comprido até os ombros, com uns espetaculares reflexos dourados.

Muito alto, mais de um metro oitenta e cinco, forte e atlético, com uma elegância natural e relaxada que seduzia imediatamente, William Forterque-Hamilton era o homem mais bonito que Elizabeth Butler tivesse visto em toda sua vida.

—Esta vista é fantástica — dizia o inglês, com essa maravilhosa cadência que parecia de outro século.

«Um acento estranho, — pensou Ellie, —mas encantador».

Robert Wilson lhe deslizou o contrato sobre a mesa, e Elizabeth Anne Butler assinou sem lê-lo, claro, logo que podia pegar a caneta-tinteiro de prata que lhe oferecia Wilson. Sentia-se incapaz de sustentar o papel entre suas trementes mãos e lê-lo.

—Tudo em ordem, milorde — sentenciou o assistente guardando os papéis. Mary Anne e Claire se aproximaram da janela para elogiar as apreciações do nobre, momento que ele aproveitou para girar sobre seus muito caros sapatos de pele italiana e cravar seu olhar na necessitada Ellie.

—Senhorita Butler — disse brandamente tentando apanhar seu olhar distraído e tímido, — você está preparada? Um avião está nos esperando.

Ellie engoliu em seco e olhou-o nos olhos, esses olhos transparentes e brilhantes que recordavam a alguém de seu passado.

—Sim, lorde Forterque — disse séria e tentando parecer profissional, — mas antes devo ir a minha casa para fazer a mala, ninguém me tinha advertido que teria que viajar, ao menos tão precipitadamente.

—Uma questão imperdoável — respondeu ele olhando ao Wilson. —Robert, por favor, leve a senhorita Butler a sua casa e ajude-a com sua bagagem, ver-nos-emos dentro de duas horas no aeroporto. Senhores, senhoras — disse fazendo uma pequena reverência que deteve o ar por um momento no escritório: — foi um prazer.

Em seguida, lorde Forterque-Hamilton abandonava a sala tendo deixado um suave aroma de tabaco e um sofisticado perfume no ambiente. As mulheres demoraram vários minutos para recuperar a compostura e pôr-se em funcionamento.

—É muito bonita — disse Robert Wilson ao Forterque assim que ela adormeceu.

—É obvio — respondeu o elegante Lorde esticando as pernas em seu amplíssimo jato privado, — é descendente de lady Marian Lancaster. Não podia ser de outra maneira, Robert.

E Robert Wilson sorriu, faiscaram-lhe os olhos pensando que lady Marian Lancaster teria matado a sua própria mãe para ter a frescura e a doçura de Elizabeth Butler. Não, a jovem americana era de longe muito mais formosa que sua famosa parenta inglesa. Ellie era bela e inteligente, e olhava com uma inocência poucas vezes conhecida por Robert Wilson em seu mundo, um mundo em que as mulheres abandonavam a inocência muito cedo, empurradas a um destino implacável, esboçado, muitas vezes cruelmente, por sua própria família.

William Forterque observou então a garota. Ela dormia em uma das poltronas próxima a janela do avião. Tinha aparecido no aeroporto vestindo uns jeans justos e uma camisa rosada que marcava deliciosamente suas generosas formas. Tinha a pele impecável, a cútis de uma menina, o cabelo escuro marcava um rosto perfeito e doce, com esses enormes olhos negros que pareciam observar com uma curiosidade insaciável tudo o que lhe rodeava. Era preciosa e inteligente.

Eles haviam trocado apenas uma palavra, William não queria ter intimidades com ela: era uma Lancaster. Entretanto, não podia evitar olhá-la, agora ela dormia tranquilamente com os óculos em uma mão e seus apontamentos na outra. A suave curva do peito se elevava sutilmente com uma respiração compassada e relaxada que surpreendia a William: ele levava muito tempo sem poder dormir. Observou-a com certa inveja.

Ellie então se moveu um pouco e deixou cair os papéis no chão, a camisa se ajustou sobre seus peitos e William teve uma espetada de desejo imediato. A jovem Lancaster deixava ver através da abertura de sua camiseta um coquete sutiã branco, de renda, que William poderia ter arrancado um bocado com gosto, o peito parecia transbordar a peça de lingerie, e o Lorde teve que ficar de pé para não saltar sobre ela e possuí-la ali mesmo, diante de Robert e Mary Anne Harrington Clark, que não lhe tirava o olho de cima e que nesse momento brincava, coquete, com sua corrente de ouro, enquanto lhe lançava olhadas convidativas.

—Necessita algo, milorde? —perguntou a investigadora observando de rabo de olho para a jovem adormecida.

—Não, obrigado — respondeu bruscamente, nada salvo daquela maravilhosa mulher a que jamais na vida se atreveria a tocar, pensou. Elizabeth Butler estava proibida, ao menos por agora.

William sorriu à dama do museu e se foi a sua dependência privada seguido pelo Robert.

—Me deixe em paz, Robert — lhe disse ao fechar a porta do compartimento para evitar que ele a transpassasse, — eu odeio que me olhe assim.

 

Quando aterrissaram no aeroporto de Gatwick, em Londres, Ellie já tinha bebido um par de cafés, tinha comido um pouco de frango assado com salada e saboreado um sorvete de lima que tinha sabor de glória. O comissário de bordo, um atraente moço londrino que lhe deu seu número de telefone às escondidas antes de despedir-se, tinha-a tratado como a uma rainha, e a viagem tinha parecido curta, apesar de lhe parecer apressada a gélida boa vinda de seu novo chefe.

William Forterque-Hamilton era excessivamente bonito, perfeito e sensual em sua totalidade, mas a calidez sobressaía pela sua ausência em seus movimentos, e Robert Wilson não tinha feito mais que trabalhar durante as oito horas de trajeto entre Nova Iorque e Londres. Graças a Deus que Mary Anne tinha estado disposta a conversar um pouco, e ambas tinham comentado quão espetacular era lorde Forterque; «um puro-sangue selvagem», havia dito Mary Anne, animada pela genebra que tinha bebido discretamente durante o vôo, «não quero nem pensar como será este monumento na cama», terminou por sentenciar a professora de história antes de abandonar o jato.

—Está um pouco fresco para o mês de maio — comentou Ellie a William quando coincidiram diante da porta do jato, preparados para baixar.

—O habitual — respondeu William sem olhá-la, sempre parecia incômodo diante dela. — Deveria ter trazido mais roupa de frio.

O caminho ao castelo Forterque não foi diferente. O Lorde se acomodou em um automóvel negro inglês, muito luxuoso e de produção limitada, que os recolheu ao pé da escadinha, tinha lido o Times que o esperava em seu assento e a tinha ignorado deliberadamente. Robert, que tinha se despedido de Mary Anne na porta de saída do aeroporto, perguntou cortesmente à jovem se gostava de Londres enquanto subia ao veículo. Ela respondeu que adorava a cidade, no momento preciso em que Wilson tinha deixado de olhá-la para concentrar-se em suas coisas e esquecê-la por completo a sua sorte.

Depois de duas horas de silêncio absoluto, deixavam atrás uma maravilhosa grade finamente ornamentada e ingressavam em um caminho privado. Ellie imaginou que já estavam no memorável castelo Forterque e que talvez William se alegrasse de encontrar-se em casa.

       Observou-o durante uns minutos: William Forterque-Hamilton tinha deixado o periódico e olhava pela janela com um triste olhar que congelou a alma de Ellie. Levava o cabelo revolto. Sua pele, bronzeada pelo sol, fazia que os olhos celestes brilhassem ainda com mais força, e a sombra da barba lhe cobria seu perfeito e sólido queixo. Qualquer ator ou modelo de alta costura faria tudo para ter esse porte, esse corpo, pensou a jovem. Usava umas calças de couro sem costuras que a ela lhe pareciam muito caras, os sapatos italianos que já tinha observado no escritório de Tom, e uma ampla camisa marrom aberta quase até o umbigo que deixava exposto um forte e perfeito torso coberto por uma suave fibra de pêlo dourado. Ellie se viu por uma fração de segundo lambendo do peito até o pescoço forte e varonil.

Sobressaltou-se e saiu de sua fantasia ao perceber que lorde Forterque a olhava fixamente sem dizer nada. Manteve esse olhar enquanto se umedecia os lábios e enfocava os olhos em sua boca. Ellie se afundou no assento, vermelha como um tomate, afetada por um forte ataque de vergonha. Nesse momento, o automóvel se detinha, e imediatamente uma mão perita lhe abria de fora a porta para convidá-la a baixar.

—Bem-vinda ao castelo Forterque, senhorita — lhe disse cerimoniosamente um elegante mordomo de avançada idade enquanto fechava a porta do carro a suas costas. Ellie se voltou para ver seu anfitrião e o viu dirigir-se a grandes pernadas para a parte traseira do magnífico castelo que se elevava diante dela.

—Não se preocupe com lorde Forterque, Elizabeth — lhe disse então Robert Wilson ao lhe entregar seus apontamentos. —Ele irá às cavalariças. Os cavalos são sua paixão, duvido que o voltemos a ver durante sua estadia no castelo.

O palácio era formoso, estava muito bem conservado e a ela isso bastava para sentir-se mulher mais feliz do planeta. Apenas se alguém lhe dirigia a palavra, salvo para fazer corteses comentários ou lhe perguntar sobre suas necessidades e preferências «o chá com leite ou açúcar, senhorita». O mordomo, Ambrose, era seu guia na estadia, e a empregada se ocupava de todas suas coisas, tratavam-na muito bem e Robert Wilson a tinha instalado na preciosa, espetacular e incalculavelmente valiosa biblioteca que era propriedade dos Forterque do século XIII.

Tom quase tinha morrido da inveja quando ela lhe enumerou os tesouros literários escondidos nessa coleção privada, mas Wilson lhe tinha sugerido, com uma de suas diretas e contundentes frases, que não se comunicasse com o exterior até acabar seu trabalho na casa. Ellie não tinha falado com ninguém desde esse momento e ao cumprir seu quarto dia, estava completamente só e isolada em um castelo construído no ano 1090, dedicada em exclusivo aos livros, ao documento que devia traduzir do gaélico e a suas reflexões intelectuais.

Não havia tornado a ver lorde Forterque desde sua chegada, embora soubesse que seguia na propriedade porque a empregada lhe tinha confirmado que o senhor passava todo o dia com os cavalos e que tomava o café da manhã cada manhã com o Robert Wilson em suas dependências privadas.

Elizabeth estava resignada a não vê-lo e, de fato, o assunto a tranquilizava bastante porque não se sentia muito preparada para suportar com dignidade e serenidade a presença do nobre perto dela. Não sabia o que lhe acontecia, mas o tipo a deslocava e a empurrava a ter pensamentos nada castos. E ela tinha que trabalhar e cumprir com seu contrato, pensar no doutorado e… melhor assim.

 

A Torre de Londres. A fortaleza estava cheia de gente aquela manhã, como quase sempre, pensou Ellie, mas ela tinha que visitá-la e tinha decidido passar o dia ali embora tivesse que ficar numa fila por quarenta minutos para conseguir comprar o ingresso de entrada. Era domingo, seu primeiro dia livre, e Robert Wilson lhe tinha facilitado, muito amavelmente, um carro para que a aproximasse da cidade.

Tinha pedido ao chofer de Forterque que a deixasse no Piccadilly, concretamente na porta do Hotel Ritz, e ele se comprometeu a recolhê-la no mesmo lugar às seis da tarde. Ellie se tinha despedido cordialmente, tinha respirado profundamente o agradável aroma do Green Park e finalmente se aventurou a caminhar pela avenida a caminho do Covent Garden, um passeio que lhe ocuparia não mais de uma hora, para tomar um café em um de seus terraços. Duas horas mais tarde, às onze da manhã, estava já a poucos metros da Torre de Londres entrando na sabida fila detrás de uns turistas espanhóis.

Caminhou pela pavimentação da entrada com a mesma emoção de sempre, esquivou dos turistas e foi diretamente para seu objetivo, a Torre Branca, onde orou na capela de San Juan Evangelista. E fez um minucioso percurso pelos salões interiores antes de baixar aos jardins para sentar-se e tomar o agradável sol da primavera… então o viu… sobressaía-se em meio a um grupo de turistas que olhavam embevecidos e tiravam fotografias de dois atores que, vestidos de época, encenavam-se em um ágil e entusiasta duelo de espadas.

Era habitual que a fortaleza oferecesse espetáculos desse tipo aos visitantes para localizá-los na situação, isso não lhe surpreendeu, o que a deixou completamente boquiaberta não foram os esbeltos espadachins fazendo seu trabalho, a não ser o elegante e muito bonito cavalheiro que os observava com um meio sorriso desenhado em seu rosto perfeito.

—Senhor… Lorde Forterque — disse, lhe tocando o braço com precaução, — que surpresa…

—Senhorita Butler — respondeu ele entreabrindo seus olhos celestes para olhá-la para baixo com aparente indiferença. Era absurdo, pensou William, levava quase três horas seguindo-a, e agora devia aparentar surpresa? Envergonhou-se de si mesmo, mas o que podia fazer? Dizer-lhe que assim que soube que sairia do castelo não pôde evitar rastreá-la por toda a maldita cidade? —O que faz você aqui? —Pergunta ainda mais absurda, aparou-se o cabelo e olhou novamente aos espadachins.

—Bom… — Ellie se tirou os óculos de sol e se arrumou instintivamente a roupa. — Olhar, eu gosto muito deste lugar e já vejo que você também.

—Não necessariamente — respondeu seco.

—Ah, vá. —Tossiu incômoda, tinha sido uma má idéia aproximar-se para saudar. — Bem, deixo-o, acredito que vou a…

—De verdade gosta? —perguntou de maneira automática. Ela o observava com precaução, o que lhe provocou uma espetada no coração e forçou um sorriso. — Hoje é um lugar pitoresco, faz anos representava um destino atroz. É um pouco paradoxal, não acha?

—É claro que sim — respondeu Elizabeth completamente de acordo, também lhe sorriu, — mas os seres humanos não são capazes de assimilar a história até esse ponto…

—E queira Deus que essa gente não tenha que lutar jamais por sua vida — interrompeu irônico, enquanto assinalava com um gesto aos atores.

—Não o fazem tão mal. — Com seu otimismo habitual, Ellie se aproximou para ver a luta. — Ao menos se empenham e os meninos adoram.

—Mas dão um mau exemplo, nem sequer sabem pegar uma espada. Sabe quanto pesa uma espada do século XVI, senhorita Butler?

—Quatro ou cinco quilogramas?

—Havia estoques de aço toledano, bem confeccionados, que apenas superavam os dois quilogramas e médio, mas mesmo assim eram pesados, com o elmo, a cota de malha, a armadura, etc. — Se deteve, não quis perder-se em detalhes. — Teria que carregar com uns vinte e cinco quilogramas de peso: nenhum cavalheiro da época que «eles» representam seguraria sua espada desse modo, é tão impróprio.

—Temo que você é um purista, lorde Forterque.

Olhou-a um segundo antes de entrar, com duas pernadas, no jardinzinho onde os atores finalizavam o espetáculo. Com uma elegante reverência, pediu-lhes uma das espadas, girou-se para Ellie abrindo o casaco de couro com uma mão e tomou o artefato, feito com latão leve, sujeitando o punho com ambas as mãos.

—O primeiro é que uma espada deste tamanho, de mão e meia — particularizou enquanto todos os olhares se focavam nele, — deve agarrar-se assim, ou o impacto de seu competidor já te teria lançado contra o chão se houvesse girado com força maior. — Girou-se com flexibilidade cortando o ar. —Faz com uma só mão sobre a arma, mas imediatamente volta para a posição inicial, e não permanece com o peito ao descoberto, dançando como uma bailarina. —Toda a audiência riu e Elizabeth seguiu atenta com a boca aberta, sorridente. O Lorde aplaudiu as costas de um dos atores e devolveu o brinquedo entre brincadeiras.

O público, entregue, rompeu a aplaudir enquanto Forterque se aproximava dela e a conduzia para longe da multidão tomando-a pelo cotovelo. Ellie engoliu em seco com dificuldade, tremiam-lhe os joelhos. Esse homem, naquele cenário. Jamais alguém lhe tinha causado tanta impressão com tão pouco esforço.

—E não é ser purista, senhorita Butler — concluiu William, — mas se a intenção é serem didáticos, deveriam fazê-lo corretamente, não?

—Estou completamente de acordo — balbuciou, estava muito emocionada, o coração lhe ia estalar no peito. Girou-se para olhar o belo rosto de seu chefe, iluminado nesse momento com um sorriso. Sua alma de historiadora acabava de escapar diretamente às mãos de Forterque. Finalmente, suspirou. —Foi genial.

—Em um passo de armas lhe teriam destroçado a honra se…

—Passo de armas? —Pigarreou. —Fale-me disso, por favor. Tom, meu chefe em Nova Iorque, é um apaixonado…

—Sim? —Agora foi William o que suspirou. Saíram juntos da Torre e seguiram andando tranquilamente em direção a Westminster. — Era um espetáculo esplêndido, eu diria que o mais importante desafio esportivo a que um cavalheiro se podia enfrentar naqueles anos. Algo semelhante às olimpíadas, mas com espadas, lanças, cavalos e elmos. Reuniam-se os senhores mais destacados e aceitavam o desafio do defensor, que era quem proclamava o lugar e as regras do torneio. Chegavam gente de todas partes, passavam-se semanas inteiras lutando e medindo valor e destreza. A atividade era frenética: ferreiros, escudeiros, pajens. É… era o maior desafio a que se podia enfrentar um nobre. —Respirou fundo e se aproximou um pouco a ela para deixar passar a uns transeuntes—. Quando se conseguia chegar a um passo de armas, a gente já tinha dado fé de suas capacidades por meia Europa. Era apenas para a elite. —A olhou de esguelha sorrindo. —Você me entende. Mas o tema é muito amplo, duvido que possa contribuir muito aos conhecimentos de seu colega. Sabe pouco de armas para ser historiadora, não é assim?

—Não me interessavam muito, até agora — disse sinceramente. Estava fascinada pelo entusiasmo que desdobrava Forterque falando. — Talvez devesse praticar esgrima, para impressionar a meus alunos.

—Não acredito, minha irmã Mary se deu mal mais de uma vez brandindo uma espada cujo peso era superior a suas possibilidades.

—Sua irmã? —arrependeu-se imediatamente. Forterque ficou muito sério de repente e deteve o passeio. Acabavam de chegar à Abadia de Westminster e ele insinuou despedir-se.

—Te deixo seguir explorando nossa formosa cidade, senhorita Butler. Agora devo ir. —Estava incômodo, tinha falado mais da conta e, além disso, a presença tão próxima da moça começava a inquietá-lo. — Te recolherão para levá-la a casa?

—Sim, senhor. —Não queria separar-se dele, mas não podia fazer muito: só era seu chefe e certamente teria alguma entrevista para o almoço. —Muito obrigada pelo passeio e pela conversa.

—A você, moça.

Elizabeth observou como lorde Forterque caminhava com energia entre a gente e se perdia em direção ao St. James Park. Suspirou sentindo uma perda enorme na alma, seria maravilhoso compartilhar o tempo com ele. Ela nunca se apaixonou, nem tinha tido sexo com ninguém; seguia esperando, com absoluta confiança, a chegada do amor verdadeiro, mas intuiu que quando isso acontecesse sentiria algo muito parecido ao que experimentava nesse momento ao pensar em William Forterque.

Desabou em um dos bancos, à borda do rio, olhou a Casa do Parlamento e as lágrimas vieram a seus olhos sem nenhuma explicação.

 

De pé junto à mesa de trabalho, elevado sobre um apoio de pés e com o corpo jogado sobre o pergaminho, sem roçá-lo, Ellie utilizava seus óculos nesse momento como lupa para aproximar uma letra que não distinguia bem. Era um trabalho minucioso, mas nada do outro mundo, qualquer historiador bem preparado poderia resolvê-lo. Fazia algumas noites que Ellie pensava por que o Lorde a tinha contratado a ela, precisamente a ela, e o assunto não tinha muito sentido.

Então uma mão forte e enorme pousou nesse preciso momento sobre a mesa, junto a seu braço esquerdo, roçando-a com muita familiaridade. O poderoso corpo de William Forterque acabava de apanhá-la, por detrás, com a desculpa de olhar sobre seu ombro.

—Não há lupas nesta biblioteca? —perguntou distraidamente muito perto de seu ouvido. — Chamarei o Robert para que solucione este problema, senhorita Butler. —Colocou a outra mão ao lado direito da jovem, e Ellie já não podia escapar do abraço contundente de seu chefe.

—Está bem — se apressou a responder escapulindo por debaixo dos poderosos antebraços de Forterque, com uma escaramuça um pouco absurda tendo em conta o momento e o lugar. — Tenho lupas, muitas, só foi um segundo de observação antes de recorrer a elas.

Com um pequeno salto, situou-se atrás do Lorde e pôde o ter sob controle por uns minutos. William vestia calças de montar que se ajustavam sobre umas robustas e bem estruturados coxas, outra vez de couro curtido mas natural e um casaco cinza muito fino que se pegava sobre o torso perfeito, estirado nesse momento sobre o documento. William a olhava de frente com um espetacular sorriso desenhado em sua cara sem barbear. Tinha virado para ela enquanto Ellie refletia sobre o poderoso corpo de lorde Forterque. Ellie lhe sustentou o olhar sem poder explicar nada, ele não falava, nem perguntava, nem comentava, simplesmente estava aí de pé, observando-a, divertindo-se com sua estúpida inocência. Então lhe deu uma irremediável vontade de chorar, um arranque infantil que só sua lendária força de espírito conseguiu manter-se na linha.

O silêncio se estendia pela biblioteca enquanto eles se olhavam nos olhos sem titubear; Ellie com as mãos nos quadris esperando alguma pergunta sobre seu trabalho, William comodamente apoiado contra a mesa observando a bela historiadora americana. Um calor brutal começou a subir pelas pernas ante a vulnerável e bela imagem daquela pequena mulher. Não podia desviar o olhar desses olhos inocentes, dessa boca suculenta e sensual, apertou a borda da mesa tentando concentrar a energia contra o móvel, mas não pôde, uma força ancestral o lançava sobre ela, sobre seu corpo.

—Maldição! —resmungou. —Maldita Marian…

Ellie pensou em dizer algo, olhou para o teto procurando uma frase inteligente e quando baixou a vista para falar dos arcos deliciosamente ornamentados da magnífica estadia, encontrou-se com o William Forterque avançando para ela.

Deteve-se junto a ela, e os músculos da nuca de Elizabeth se esticaram. Não dizia nada, simplesmente permanecia em frente a ela, separados por um par de centímetros de distância, um espaço mínimo que se encheu imediatamente de um calor sólido, tenso, líquido, que transpassou a epiderme da jovem até os ossos.

Esticou a mão para trás e se segurou aos braços do sofá que tinha justo às costas, pensou que ia desmaiar. As pernas lhe afrouxavam e seu acalorado corpo sentia uma perigosa inclinação a lançar-se aos braços de seu chefe. Pigarreou em uma vã tentativa de parecer serena. Impossível… Retrocedeu. William avançou um passo mais e sua perna roçou descaradamente a coxa de Ellie… uma corrente elétrica a percorreu de norte a sul… dolorosamente… esticando seus peitos e seu estômago ao mesmo tempo.

William suspirou então profundamente antes de inclinar-se um pouco sobre ela, para recolher a vara que tinha abandonado minutos antes sobre o mesmo móvel que agora lhe servia de apoio. Ellie não se moveu ao sentir o contato do sedoso cabelo de lorde Forterque contra a orelha, aguentou estoicamente enquanto ele se detinha voluptuosamente em seus movimentos, pausado e provocador.

—Deixo-te continuar com seu trabalho, senhorita Butler — disse com essa profunda e bem modulada voz. Estava nervoso, mas não o parecia, sua calça ia estalar de desejo tão perto da moça, mas aparentou uma frieza suprema ao olhá-la novamente aos olhos. Era tão formosa. — Que tenha um bom dia.

Quando ele abandonou a biblioteca sem dizer nenhuma palavra mais, Ellie se desabou sobre o sofá agitada e ansiosa. Santo céu! Lorde Forterque-Hamilton era um homem estranho, mas tremendamente atraente e sensual. Elizabeth sentiu uma enorme necessidade dele, uma necessidade animal e física de tocá-lo, beijá-lo… E isso sim era uma novidade, porque Elizabeth Ann Butler era uma tímida e inexperiente jovem de vinte e quatro anos, ainda virgem, a quem os apetites carnais lhe pareciam fantasias novelescas ou cinematográficas, inclinações que aconteciam a outras pessoas, não a ela. Entretanto, aí estava, tremente, com a boca seca e uma pressão estranha no ventre e no coração.

 

Apenas ao dia seguinte, Ellie voltaria a encontrar com o senhor da casa sem pretendê-lo. Depois de seu primeiro encontro na biblioteca, a jovem historiadora avançava pouco em seu trabalho, estava inquieta, nervosa e agitada. Qualquer portada, qualquer ruído de passos no corredor, qualquer presença na escada a sobressaltava e lhe provocava taquicardias e um comichão na boca do estômago. Sua alma desejava ver outra vez William Forterque, mas sua cabeça se empenhava em negar a evidência. Sonhava com seus espetaculares olhos celestes, suas enormes mãos, seu torso perfeito sob sua camisa de linho. «Já está, — pensou atirando a caneta sobre a mesa, — acalme-se, Elizabeth, vamos dar um passeio».

Sem pedir autorização, lançou-se com passo firme para o jardim dianteiro do castelo procurando um pouco de ar. As nuvens brancas atravessavam o céu azul e limpo de Berkshire, e um agradável e fresco vento transpassou sua fina camisa lhe dando uma deliciosa sensação de vitalidade e energia. O mero fato de desentorpecer as pernas e respirar no exterior servia para aplacar um pouco seu nervosismo e seu constante estado de ansiedade. Olhou para cima, respirou fundo e seguiu caminhando a bom ritmo para percorrer alegremente os terrenos da propriedade.

Depois de um bom momento de passeio, Ellie descobriu as cavalariças na parte traseira da casa e se animou a aproximar-se para ver os famosos cavalos pertencentes à lorde Forterque, pelo jeito, os únicos seres vivos que o atraente nobre prodigalizava todo seu carinho. Entrou no enorme recinto com cautela; ela não era a mulher mais perita em equinos, na verdade, nem sequer sabia montar, mas gostava da beleza e da nobreza que os cavalos sempre transmitiam e gostava de ver de perto os exemplares que tanto tempo roubavam ao William Forterque.

—Não sabia que gostava dos cavalos. —Forterque a sobressaltou enquanto ela, nas pontas dos pés, tentava acariciar a cabeça de um precioso potro branco. O cavalinho estava sozinho em uma estábulo pequena e assim que a viu se aproximou até a cerca para saudá-la com seu focinho brincalhão. — Gosta de montar?

—Nem sequer sei fazê-lo, senhor — respondeu vermelha como uma adolescente.

O Lorde parecia espetacular com umas calças de montaria negras, botas altas e a camisa, outrora branca imaculada, agora um pouco manchada e aberta até a cintura. Levava o cabelo sujeito em uma trança à costas e se aproximou até ela para tomar a mão e lhe colocar na palma um torrão de açúcar. Com decisão lhe levou a mão para o potro e a manteve aí até que a língua cálida e áspera do animal obteve o prêmio e o meteu na boca com rapidez. Ellie sorriu.

—É precioso.

—Como é que não sabe montar? —William a olhou de esguelha: Elizabeth Butler levava uns jeans justos à altura dos quadris, sua blusa de linho lhe chegava bem em cima do umbigo deixando a descoberto um abdômen liso, suave e tenro. Puseram-lhe todos os músculos do corpo em tensão e o desejo o invadiu imediatamente. Parecia um moço inexperiente. Aquela moça fresca e fragrante lhe queimava o sangue.

—Minha mãe tinha medo dos esportes de risco — disse ela sorrindo abertamente: a pele branca e perfeita fazia destacar seus olhos negros. — Não passei do tênis, da ginástica rítmica e do balé, mas nunca é tarde, suponho.

—Não, não o é. — girou-se e a roçou com o dorso da mão. Ellie deu um coice, mas não escapou. — É preciosa, Elizabeth Butler — disse sem poder evitá-lo: era um impulso muito superior a ele. Relaxou a mão e baixou até a curva do quadril feminino, fina e sedosa. A jovem estremeceu e ele pôde sentir o tremor no tato; subiu lentamente o polegar, percorrendo o ventre com suavidade e desse modo chegou por debaixo da blusa ao sutiã de renda, Elizabeth retrocedeu e lhe levantou as mãos como advertência.

—O que está fazendo?

—Te tocando. Não quer?

—Acredito que não, senhor Forterque. — Antes que ela terminasse a frase, ele se lançou faminto sobre sua boca, abriu-lhe os lábios com a língua, e lhe encheu a boca até deixá-la sem fôlego. Elizabeth respondeu por puro instinto pegando-se a ele para senti-lo mais perto, mais real.

—Senhor Forterque — repetiu como em transe. William tinha deslizado as mãos para seu traseiro e o acariciava com absoluto descaramento. Ellie suspirou e ele voltou a lhe selar a boca com seus lábios exigentes e deliciosos.

Jamais em toda sua vida a tinham beijado de um modo tão brutal e primitivo, e adorava. Lorde Forterque era um homem com experiência e habilidade, pensou, enquanto já lhe tinha aberto os colchetes do sutiã e afundava a cabeça entre seus peitos tensos e sensíveis. Ellie suspirou, acariciou-lhe o cabelo e sussurrou com as bochechas avermelhadas e ardentes:

—Ei, ei… mais devagar. Eu não… Por favor. —Tentou separar-se desse corpo poderoso no momento em que notou que William fazia esforços descomunais por lhe baixar os jeans. — Não! Não! — gritou finalmente empurrando-o com ambas as mãos. — Mas o que pensa? Santo céu.

—O que? — disse ele com a voz rouca e os olhos vidrados de desejo. — O que acontece?

—Não vou seguir adiante com isto — protestou com angústia tentando fechar o maldito sutiã, — ao menos não assim, nem agora, nem aqui. Acredito que não lhe dei permissão para que pense que eu… Devo voltar dentro.

—Dar permissão? —repetiu William entreabrindo os olhos claros com certo toque de brincadeira. — Tem que me dar permissão?

—Esta é uma situação muito violenta, senhor — disse ela avançando para a saída. — Não, não está bem.

William Forterque a escutou com autêntica surpresa e observou como a jovem encaminhava seus passos para a enorme porta de madeira dos estábulos, mas antes que chegasse sequer a avançar um metro, segurou-a fortemente pelo cotovelo e lhe impediu a fuga. O que pretendia aquela mulher? Plantá-lo?

—Não irá a nenhuma parte, mulher — bramou com uma determinação que congelou o sangue de Elizabeth. — Agora e aqui — sussurrou lentamente, aproximando-a novamente até ele com bastante violência. — Sei que me deseja, acaso não quer te divertir?

—Para mim não seria uma simples diversão, senhor Forterque — respondeu Ellie com os olhos cheios de lágrimas. — Você não me conhece, não sabe nada de mim, não vou por aí me deitando com aos homens, sabe? Deixe-me sair ou vou gritar.

—O que te passa? Há um bom homem te esperando em seu país? Guarda sua virtude para o matrimônio? — soltou em tom zombador, embora imediatamente compreendesse que tinha acertado em cheio. O rosto da moça tinha mudado de medo a vergonha ante esse último comentário. — Santo céu, não posso acreditar que seja virgem…

Ellie moveu os ombros e o olhou com toda a dignidade que pôde reunir enquanto aquele indivíduo a observava com olhos inquisidores. Repassou-a de cima abaixo com desprezo, esticou o queixo orgulhoso e voltou a aproximar-se com a clara intenção de remediar a questão quanto antes. Tomou-a pela cintura e se agachou procurando sua boca, mas Ellie foi mais rápida, revolveu-se com força e antes que William pudesse imobilizá-la com sua enorme envergadura, deu-lhe uma sonora bofetada que cortou o ar, empurrou-o e saiu correndo como que fugindo do diabo a caminho do castelo. Só pensava em fugir, em sair dali quanto antes.

—Os de sua estirpe não têm honra, nobreza, nem vergonha, Elizabeth Butler! —trovejou lorde William Forterque-Hamilton com um vozeirão que fez tremer os alicerces das cavalariças. —Lancaster! Suja mulher Lancaster! —rugiu até provocar a inquietação de seus formosos cavalos.

Ellie caiu tremendo dos pés a cabeça, não podia evitar os soluços agarrada à mesa da biblioteca. Tinha que ir-se, devia recolher suas roupas, suas coisas, subir ao dormitório e pedir um táxi. Queria voltar para sua casa e esquecer o abafadiço espetáculo de que acabava de converter-se em triste protagonista. Jamais em toda sua existência tinha cometido uma estupidez parecida, nem se havia sentido tão humilhada e envergonhada. Tinha que chamar o Tom e lhe pedir uma passagem de avião urgente. Ele o arrumaria tudo antes que chegasse a Londres e poderia alcançar um vôo dentro de duas horas.

Tinha permitido que aquele desconhecido alienado a beijasse, lambesse e manuseasse. Jamais voltaria a olhar-se no espelho do mesmo modo. E ele, além disso, se permitiu insultá-la e humilhá-la como a uma qualquer. Forterque era um tipo perigoso e não queria voltar a vê-lo nunca mais em sua vida.

 

Robert Wilson teve que observar, desolado, a cena completa a certa distância. Sabia que William não poderia conter-se, era como um de seus malditos sementais puros-sangues, não tinha feito nenhum esforço por segurar seus apetites. William era assim e, além disso, estava desesperado e sozinho, e a garota o deixava louco, Robert soube assim que o viu pousar seus olhos pela primeira vez sobre ela.

Acabava de mandar seus planos ao lixo, tinham prometido esperar até conseguir seu propósito. Levavam meses detrás disto, mas William não tinha paciência. Robert, adiantando-se aos acontecimentos, tinha-lhe sugerido que quando conseguissem o medalhão, Elizabeth Butler poderia ser dele, mas a tentação tinha estado muito perto.

William os tinha posto em risco aos dois ao não prever a possibilidade de que ela não fosse uma mulher fácil e liberal do século XXI. Elizabeth Butler tinha resultado diferente e agora, assustada, pensava em escapar, Robert teria que fazer algo para evitá-lo. Deixou de observar a biblioteca e iniciou o caminho para as dependências de Elizabeth Butler no castelo: teria que acalmá-la e tranquilizá-la antes que tomasse um avião de volta a casa.

—Não! — disse Ellie com lágrimas nos olhos. — Sinto, senhor Wilson, devo ir, chamaram-me de Nova Iorque e devo viajar quanto antes para casa. Não se preocupe com o contrato, não lhe cobrarei nada e recomendarei a alguém para que siga o trabalho, é simples…

Wilson a observou com ternura, Elizabeth Butler era uma boa garota, doce e profundamente inocente, talvez tivessem se equivocado com ela. O que poderia saber ela de honra, de traição, de vingança, se provinha de uma aprazível família americana que só a tinha tratado com carinho e ternura?

O que sabia ela dos Lancaster? Da bela e maléfica Marian? Do valioso tesouro que sua família ocultava fazia séculos? Nada, Ellie não sabia nada e não tinha em sua alma nem sequer a maldade suficiente para acusar William Forterque das verdadeiras razões de sua inesperada fuga. Equivocaram-se com ela e talvez devesse deixar que partisse. William rugiria de frustração, mas saberia acalmá-lo, vinha fazendo-o desde que eram meninos.

—Muito bem — disse finalmente Robert com suavidade. — Me encarregarei de que a levem ao aeroporto. Já falaremos do contrato. Espero que não aconteça nada grave em sua família, senhorita Butler. Foi um prazer trabalhar com você e sinto sua partida, mas entendo que não pode esperar.

Ellie o olhou com os olhos cheios de lágrimas que lhe molhavam a cara. Em dez minutos, tinha o quarto recolhido e só queria sair correndo dali e deixar a Inglaterra para sempre. Robert Wilson estava sendo amável e compreensivo, e isso bastava para aumentar ainda mais seus desejos de escapar do castelo.

Tomou a mala e olhou para Robert ao anunciar que estava preparada. Fez-lhe um gesto para que avançasse para as escadas e fechou a porta do quarto às suas costas.

—Uma pergunta mais — disse Wilson tomando-a pelo cotovelo com suavidade. — Serei sincero, senhorita Butler. Investigamos a todas as pessoas que entram em nosso serviço e revisando sua vida nos demos conta de que você descende de uma antiga família inglesa. O que sabe desses antecedentes?

Ellie se virou para observar Wilson de frente. Já não chorava e estava assombrada de que a tivessem investigado, estudo genealógico incluído.

—Minha avó Elizabeth sempre alardeava essas coisas — respondeu com os olhos inchados, — mas ninguém tomava a sério. Acreditar ser de sangue azul não era muito aplaudido em minha família, sabe? O que descobriu? Isto é incrível, deveria me haver informado desta investigação, parece-me um pouco paranóico todo este assunto.

Robert Wilson lhe sorriu com frieza e Ellie sentiu desejos de sair a toda pressa outra vez dali.

—É muito habitual — começou a dizer o assistente empurrando-a brandamente para as escadas, — em alguns países inclusive fazem estudos astrológicos de seus futuros empregados. Não vejo do que se surpreende. Descobrimos que a família Butler que chegou de York à Pensilvânia no século XVIII descendia de uma velha linhagem saxã que você certamente conhecerá, Elizabeth — Robert a levava diretamente para a entrada onde a esperava o carro: — Os Lancaster. Trocaram o sobrenome através de diversos matrimônios, alianças e contratos, mas eram eles, os Lancaster, inimigos… — Wilson se permitia um risinho nesses insólitos momentos para ela?, — inimigos naturais dos Forterque.

 

Lancaster? Por isso William Forterque a tinha querido insultar chamando-a «mulher Lancaster»? A essas alturas já estava em frente ao automóvel que a esperava com a porta traseira aberta. Robert Wilson a empurrou, literalmente, para o carro e se despediu com um apertão de mãos.

Detrás dele, a caminho das cavalariças, William Forterque-Hamilton observava a cena montando um imponente cavalo azeviche, vestido completamente de negro, com o cabelo ao vento e um feroz olhar celeste que atravessava Ellie até os ossos.

Ela sentiu que lhe gelava o sangue e que um calafrio estranho e intenso lhe percorria a coluna vertebral até imobilizá-la naquele chão de cascalho, lhe impedindo de apartar o olhar desse homem e subir ao veículo.

Ficou estática uns segundos sem poder deixar de olhar Forterque enquanto ele sustentava, desafiante, as rédeas do cavalo. O momento se fez eterno, até que esporeou o animal para sua direita e lhe deu as costas um instante antes de sair galopando. Ellie olhou para Robert e suspirou, meteu-se no carro e se foi sem dizer uma palavra mais.

 

—Não me diga o que posso ou não posso fazer em minha casa, Robert. —William acabava de desmontar de seu precioso semental e entregava as rédeas a um empregado das quadras quando Robert o encontrou com a intenção de lhe pedir explicações sobre Elizabeth Butler. Com grandes pernadas, esperava deixar rapidamente atrás os protestos de seu amigo. —Não penso discutir sobre isso.

—Não há suficientes mulheres neste mundo? Queria humilhá-la? Tinha que ser a descendente de Marian, não?

William se deteve em seco e se girou para Robert Wilson com a raiva subindo pelo peito. Robert o estava provocando e com êxito. Os olhos lhe soltavam faíscas. O assistente se manteve firme e quieto, enquanto William voltava sobre seus passos para enfrentá-lo e resolver a questão de uma vez por todas.

—Não tem nenhum direito a insinuar semelhante barbaridade. Não o vou tolerar, não… — custava-lhe falar, Robert acabava de apontar onde mais lhe doía. —Deixa-o já, está entrando em terreno perigoso.

—Não te tenho medo. —Robert Wilson avançou um passo para ficar a escassos centímetros de lorde Forterque. —Acaba de pôr em perigo a muita gente querida para não te reprovar nada. Está louco? Que demônios te aconteceu? Diabos, William, ela era nossa única esperança.

—Vá procurá-la, esse é seu trabalho, não? —A dor lhe partia o coração, Robert tinha razão, tinha atuado de maneira irracional e tinha assustado à moça. Tinha-lhe feito mal e ela jamais voltaria a confiar nele. — Pegue o maldito carro e detenha-a antes que aborde o avião, e me deixe em paz.

—Muito bem, muito bem, milorde, como sempre terei que recolher os restos da batalha, não é assim? —Robert estava indignado. — Pense, William, e solucione sozinho este problema.

Antes que lorde Forterque pudesse reagir, Robert passou por seu lado deixando-o com a palavra na boca. O forte e leal amigo o abandonava, William soube imediatamente e quis detê-lo com um rosário de desculpas e promessas, mas não pôde.

—Onde acha que vai? — grunhiu, áspero. — Robert?

—Volto para casa — respondeu ele enquanto caminhava com passo firme para o castelo. Ao William lhe nublaram os olhos de lágrimas, atirou a vara ao chão e se lançou na direção contrária soltando uma série de dolorosas e ininteligíveis blasfêmias.

Aquela mesma noite, Robert Wilson o deixou, sem despedidas. William retornou ao castelo a hora de jantar, depois de passar toda a tarde passeando por seus terrenos com a esperança, muito tênue, de que a seu companheiro lhe aplacasse o aborrecimento e começassem a procurar juntos outra solução para Elizabeth Butler.

No meio do torvelinho de sensações que lhe provocava a idéia de ficar só no mundo, a imagem de Elizabeth Butler lhe vinha constantemente à memória. Sua pele de veludo, seus olhos escuros, sua paixão cálida e inocente e o terrível espetáculo que tinham feito nas cavalariças, onde ele a tinha tratado tão bruscamente.

A moça era formosa, forte e inteligente, mas era uma Lancaster e embora só fora por essa milésima parte do sangue maligno que corria por suas veias, resultava perigosa. William devia esquecê-la, conseguir o medalhão sem mais e deixar de pensar de uma vez por todas em seu aroma de baunilha e em seus peitos deliciosos, que pareciam feitos só para que ele os beijasse.

—Onde está Robert? —perguntou ao chegar à cozinha, onde Ambrose ultimava os detalhes do jantar. —Está acima?

—Temo que não, milorde, o senhor Wilson se despediu de nós. Pediu-me que lhe dissesse que se ia a casa…

Abandonou o lugar correndo, com o medo subindo pelo peito; era verdade, Robert se foi. Chovia e um vento impetuoso o acompanhou até que pôde chegar, ofegando, à clareira próxima ao castelo. Seu amigo já não estava, a terra e a grama levantada lhe confirmaram o evidente.

Caiu de joelhos ao chão e ficou a chorar, a soluçar com uma dor que lhe rasgou completamente a alma.

 

A mais de uma semana do incidente com Forterque na Inglaterra, Ellie não levantava a cabeça. Ao chegar à Nova Iorque, negou-se a contar a seu chefe, a seu irmão Richard e a seus amigos o porquê de seu repentino retorno a casa. Afinal, Forterque-Hamilton tinha fama de difícil, assim que todos se calaram supondo que Ellie e seu indômito caráter tinham terminado por chocar frontalmente com o excêntrico e misterioso lorde.

Ellie se encerrou em casa depois de pedir uns dias de férias a Tom. Colocou-se na cama e se dedicou a chorar desconsoladamente tentando limpar o desejo, a fúria e a impotência que sentia. Como tinha podido ser tão estúpida? Como tinha podido comportar-se desse modo? Como se tinha atrevido ele a beijá-la e acariciá-la dessa maneira? Quando lhe tinha dado permissão a tanta intimidade? Qual tinha sido seu engano? Quando recuperaria o julgamento para retornar a sua maldita e anódina vida na universidade e esquecer aqueles olhos que a olhavam com tanto desejo?

As perguntas lhe faziam mais e mais dano, e cada noite despertava sobressaltada sentindo a boca de William Forterque sobre seus peitos. Sentia-se mau, por isso aceitou sair para jantar com Penélope, sua melhor amiga dos anos da adolescência e uma perita em problemas do coração, talvez ela a orientasse um pouco.

No restaurante chinês da Rua 14, e animada pelo quente recebimento de seu amiga, Ellie decidiu relatar um pouco, só um pouco, de sua aventura inglesa para Penny. Uma má idéia da que se arrependeu instantaneamente, assim que Penny deixou de comer seu prato de espaguetes chineses com camarões-rosa para lhe gritar que devia denunciar ao insolente inglês por perseguição sexual.

—Eu queria que me tocasse — disse Ellie vermelha como um tomate; — eu o desejava. Estava louca à mercê do que ele queria fazer comigo. E não o fez e agora morro de vergonha e duvido que volte a recuperar a dignidade algum dia.

Penny a observou então com um olhar inquisidor que Ellie conhecia muito bem.

—Você gosta desse bastardo — lhe disse olhando-a por cima dos óculos. —Se apaixonou pelo inglês perseguidor.

Guardaram silêncio durante um momento antes que Ellie se abandonasse ao pranto e reconhecesse entre soluços que não podia esquecer-se dele, de como a havia tocado, de como a tinha despertado, dessa magia que irradiava e do insólito desejo que lhe apertava as vísceras. Necessitava de ajuda e Penny, depois de consolá-la, animá-la e perdoá-la por ser ingênua e sonhadora, prometeu-lhe que a ajudaria e que conseguiria esquecer-se dele em questão de semanas.

—O tempo cura tudo — sentenciou Penny levando-a para casa para que descansasse.

Era só questão de tempo.

 

Lancaster, um sobrenome que lhe soava dos filmes antigos e que sua avó Elizabeth tinha mencionado em mais de uma ocasião, sem que ninguém se incomodasse em escutar suas histórias familiares.

—Você teria sido uma princesa — dizia sua avó quando ficava carinhosa e lia a ela e ao Richard contos antes de dormir. — Você, uma formosa princesa de pescoço de cisne e Richard, um valoroso guerreiro com armadura. O que passa é que nascemos neste século e neste país, e já não há nada que fazer.

Ellie sonhou essa noite com princesas, cavalheiros e castelos, sentia-se feliz, correndo por um formoso prado, vestindo um vaporoso traje cor de baunilha que se ajustava sobre seus peitos, moldando uma feminilidade que lhe divertia e a fazia sentir-se formosa. Ria a gargalhadas e o cabelo lhe soltava e caía sobre seus ombros, deliciosamente, enquanto uma mão firme a segurava pela cintura e a detinha, e uma boca apaixonada se deleitava em seu pescoço, em suas bochechas, apanhava-lhe os lábios e a beijava até sufocá-la.

Elizabeth tremeu em sua cama. Os beijos desciam por seu pescoço e entravam, insolentes, sob seu decote, fazendo que o vestido cedesse até romper-se. William a olhava com um sorriso cúmplice e ela o abraçava, então William a levantava e a levava nos braços dizendo seu nome: Elizabeth, Elizabeth, Ellie…

Despertou de um salto tampando o peito com os lençóis; estava seminua, o pijama completamente aberto. Incorporou-se na cama para limpar-se e, de repente, lhe paralisaram todos os músculos do corpo: no espelho acabava de refletir a pequena luz de um cigarro aceso, girou-se apavorada e uma enorme e familiar mão se fechou sobre sua boca. A última coisa que viu antes de desmaiar foi o selvagem olhar de William Forterque-Hamilton.

 

—Lamento terrivelmente ter que voltar a nos ver nestas circunstâncias, Elizabeth Butler — disse tranquilamente William com seu cadencioso e sugestivo acento. —E lamento ter velado seu sono sem permissão. Espero que façamos um pacto de honra e não o diga ao Robert, odeio que censure todos os meus atos.

Ellie permanecia atada a sua própria cama, amordaçada e com a jaqueta do pijama aberta até a cintura. A pouca distância, lorde Forterque a observava sentado em um pequeno tamborete, tão pequeno, que parecia ridículo para sustentar a um homem de sua estatura e compleição.

Estava apavorada e as lágrimas lhe molharam o rosto. William se levantou de sua cadeira, sentou-se a seu lado e lhe acariciou o cabelo como a uma menina pequena, limpou-lhe as lágrimas com seu precioso lenço de linho e lhe sussurrou olhando-a aos olhos que não lhe faria mal.

—Não farei nada que você não queira que te faça — disse lhe dando de presente o primeiro e mais sincero sorriso que Ellie jamais lhe tinha visto. Seus olhos sorriram ao mesmo tempo, fazendo com que ela se sentisse de repente reconfortada.

Seus largos dedos, robustos e varonis, fecharam um a um os botões do pijama, roçando-a com frieza, e Ellie quis desfalecer entre aquelas mãos. William cumpriu a missão com pausa, olhando os botões, concentrado, até que terminou e lhe voltou a dar de presente aquele formoso sorriso, fazendo faiscar seus olhos celestes na escuridão do quarto. Observou-a durante uns segundos, levantou-se da cama, sentou-se no tamborete e acendeu outro cigarro.

—Se prometer não gritar, nem perguntar, nem suplicar, te tiro a mordaça — disse Forterque ficando de pé. —É uma garota inteligente e acredito que poderemos nos entender sem violência. Odeio que me olhe com essa cara de terror.

Ellie assentiu e ele se aproximou para lhe tirar a mordaça, roçou-a e ela pôde perceber essa fragrância, mescla de tabaco e de delicioso perfume que já tinha apreciado no escritório de Tom.

—O que quer de mim, lorde Forterque? —disse Ellie com um fio de voz.—Não sei o que faz em minha casa de madrugada e me submetendo a esta humilhação.

—Lamento o método — disse ele com sinceridade, — mas necessito que me escute sem pestanejar durante um momento. Talvez possamos prescindir das ataduras mais adiante, mas em princípio quero me assegurar de que permanecerá quieta e sem escapatória ouvindo meu relato.

—Que relato?

—O relato que trocará sua vida para sempre, se for sábia e aprender rápido. —Olhou-a com picardia enquanto se levantava para passear pelo pequeno dormitório. — Se quiser, depois podemos brincar um pouquinho juntos.

Ellie lhe lançou um olhar furioso, acomodou-se na cama e preparou seus sentidos para ouvir o que o perseguidor inglês, como dizia Penny, tinha que lhe contar.

William sorriu, apoiou-se contra a parede e a olhou.

—Minha família servia fielmente ao Rei da Inglaterra antes que a desgraça caísse sobre nós — começou a dizer William com um suspiro, tinha passado as últimas duas semanas refletindo se poderia confiar em Elizabeth Butler. Robert tinha ficado furioso por causa de seu descontrole com a moça, e tinham desistido de encontrar o medalhão. Robert se tinha deprimido e havia partido de volta para casa deixando-o só no castelo, abandonado a sua sorte, sem querer olhá-lo nem lhe dirigir a palavra, nem mostrar o mínimo rasgo de compaixão. Robert era assim, conheciam-se desde meninos e sempre tinha dado amostras de um senso da honra fora do habitual.

Lorde Andrew Forterque-Hamilton, segundo Duque de Forterque e pai de William, amava profundamente Robert e o tinha protegido como a um filho no momento em que começou a servir em sua casa aos sete anos de idade.

Desde que Elizabeth Butler tinha abandonado o castelo para retornar aos Estados Unidos da América, não tinha deixado de pensar nela. A verdade era que, desde que a viu pela primeira vez a garota, em uma fotografia digital enviada por um detetive particular a Londres, não tinha podido deixar de pensar nela. Era preciosa, feminina, risonha e inteligente. Transpirava curiosidade e engenho, gozava de excelentes referências acadêmicas, era simpática e querida por seus amigos. Órfã aos quinze anos, seu irmão maior, Richard, um brilhante perito em informática casado e residente no Havaí, tinha cuidado dela com primor. Todo mundo adorava Ellie, embora ela vivesse totalmente alheia ao efeito que produzia nas pessoas. Um detalhe que cativou William ainda com mais intensidade.

A família de Ellie descendia diretamente dos Lancaster da Inglaterra. Tinham-no comprovado milhões de vezes, através de peritos, investigadores históricos, arquivos nacionais, de imigração, prefeituras e detetives particulares. Robert e ele tinham chegado há vários anos a essa conclusão, e tinham dedicado muito tempo a encontrar à maldita estirpe dos Lancaster, afincados no Novo Mundo do século XVIII. Uma incômoda circunstância que acabou quase com suas esperanças até que encontraram Richard Butler no Havaí e sua preciosa irmã caçula em Nova Iorque, onde, curiosamente, dedicava-se aos estudos de história medieval e também amava a época isabelina.

Desde esse momento, urdiram a armadilha para ela: levariam-na a Londres seduzida por um trabalho de tradução que seria incapaz de rechaçar e que ela, finalmente, não rechaçou, prender-na-iam ao castelo, sondar-na-iam, investigariam, ganhariam sua confiança e finalmente conseguiriam dela o medalhão. O famoso medalhão dos Lancaster que passava há quinhentos anos à primeira mulher de cada geração, e que se converteu para William em sua única esperança.

Mas ele tinha falhado, ele e suas paixões, ele e seu amor repentino por aquela Lancaster. Tinha resistido estoicamente cinco dias respirando seu aroma pelo castelo, olhando seus belos olhos negros, observando-a em silêncio enquanto ela trabalhava conscienciosamente no chamariz que lhe tinham preparado, mas ao final não tinha podido resistir: havia-a tocado, e o universo se moveu sob seus pés, lhe impedindo de deter-se e pensar, cegando-o contra sua suave e morna pele de veludo, suas generosas formas, sua maravilhosa boca disposta a ser só sua durante o resto de sua vida. E Elizabeth o tinha detido com sua confissão sobre sua virgindade.

Elizabeth tinha posto o freio e o tinha abandonado na Inglaterra, deixando que seu torturado espírito o destroçasse por dentro enquanto olhava com lágrimas nos olhos como Robert também o abandonava, desprezava-o e o deixava sozinho.

—E então? —perguntou Ellie surpreendida pelo repentino silêncio do lorde. —Vai me deixar aqui toda a noite?

—Não. Não, moça — respondeu William um pouco incômodo, ela lhe falava com uma autoridade a que ele não estava muito habituado, olhou-a com estupor antes de retomar o relato. — Minha família serviu fielmente a nosso soberano até que a desgraça, das mãos de Marian Lancaster, impulsionou-se contra nós. Um tratado, uma traição provocada pela jovem condessa de Lancaster acabou com o prestígio de nossa família, nos condenando a uma vida sem honra que terminou com meu nobre pai encarcerado e despojado de toda dignidade. Ela era jovem e bela, mas amargurada e endurecida por uma vida sem amor e cheia de rancor contra nossa família. Quando Marian Rutherford cumpriu os treze anos, entregaram-na em matrimônio ao velho conde de Lancaster, que naquela época tinha uns cinquenta. Marian estava apaixonada por mim, ou isso dizia ela, mas meu pai não fez nada para impedir o compromisso entre a menina e o velho e cruel conde, porque uma aliança dos Rutherford com os Lancaster asseguraria a paz e a prosperidade em nossa comarca. Eu, ignorante da situação, segui com minha vida, meus cavalos, minhas conquistas, e esqueci a pequena condessa, a verdade é que nunca a tinha visto mais que como a uma amiga de jogos.

»Ao cumprir os vinte anos, Marian se converteu em uma jovem e sensual viúva que tentou me seduzir descaradamente para me levar a sua cama e me converter em duque consorte, era persistente a dama. —de repente William olhou para Ellie que nesse momento escutava o relato com a boca aberta. — Era insistente, mas nem minha cabeça, nem minha alma, nem minha dignidade estavam dispostos ao trabalho de satisfazer a Marian e seus propósitos. Esquentei sua cama alguma noite, mas não pretendia me casar com ela. Abandonei-a, fui para a França e, desde esse momento, ela iniciou uma silenciosa guerra contra nós, uma guerra da qual eu era ignorante. Jurou contra meu pai e urdiu o terrível plano que afundou a nossa família na desgraça.

William fez uma pausa e logo disse:

—A história é realmente longa, moça. —ficou de pé para aproximar-se de Ellie e lhe desamarrar as mãos. — Melhor assim, não?

Ellie o deixou fazer, estava absolutamente maravilhada com a história de William Forterque. Não sabia por que lhe estava contando aquele relato saído de Ivanhoé, mas estava fascinada e não pensava escapar, não estava disposta a perder nenhum detalhe do assunto. Nem louca deixaria seu quarto, embora esse indivíduo louco e excêntrico tivesse entrado em seu apartamento de maneira imperdoável e completamente ilegal.

—Quer algo? —disse de repente William terminando de retirar as cordas, roçava-lhe a bochecha com seu perfeito nariz. — Está bem, Elizabeth Butler?

—Estou bem — respondeu Ellie olhando-o de frente e detendo-se nessa boca tão sensual que ele tinha, — estou bem, siga por favor.

—Enquanto eu estava pela Europa competindo nos torneios…

Torneios? Que torneios? Quis perguntar Ellie. Torneios de tênis? De Fórmula 1? Ela não era muito aficionada ao esporte, talvez William Forterque fosse uma figura conhecida em alguma disciplina esportiva, mas preferiu calar, já bisbilhotaria mais tarde em Internet.

—Marian se fez amante de Enrique. —William se deteve, suspirou e olhou a sua interlocutora com uma expressão que queria dizer «não pergunte» ao que ela respondeu com o silêncio. —Se foi a Londres e se autoproclamou a rainha de seus salões, em Greenwich desfilava com seus luxuosos trajes como a favorita e, em poucos meses, já tinha conseguido acusar a seu irmão maior e a seu próprio pai de traição. Ela estava, enfim, saboreando sua vingança. Queria-os castigar por entregá-la ao Lancaster em plena infância e por ter traficado de maneira cruel e arbitrária com sua vida, com sua virgindade e com seus sentimentos por trás de uns egoístas e mesquinhos interesses familiares, ao menos isso me explicou ela mais tarde. Um a um foram caindo seus inimigos, até que conseguiu que meu pai, Lorde do Reino, segundo Duque de Forterque-Hamilton, se visse envolto em uma louca conspiração para assassinar ao Rei, naquela época apaixonado já de sua segunda mulher e rodeado de inimigos fanáticos, escuras conspirações e perigosas intenções que o havia tornado paranóico e obsessivo com sua segurança. Meu pai foi detido. — Ellie, em sua cabeça de investigadora, tentava situar com datas a original história de Forterque, mas por mais que quisesse encaixar nomes e lugares, não o conseguia, assim optou por escutar e guardar suas centenas de perguntas para o final do relato. De fato, tinha prometido silêncio e cumpriria sua palavra. — Ele foi levado a Londres e acusado de ser o cabeça dessa revolução destinada a destronar o Rei… Marian jurou diante de seu rei e amante que Forterque-Hamilton a desejava e tinha conspirado contra o rei Enrique, e Enrique lhe acreditou.

»Eu estava na França quando as notícias chegaram de mãos de um fiel amigo. Quase enlouqueci da raiva, quis matar a Marian, matar ao Rei, me rompeu o coração imaginando a meu nobre pai encerrado e despojado de suas honras. Graças aos céus, Robert me deteve e pudemos manter a calma em Tolouse até que, com a cabeça e o coração atenuados, viajamos para a Inglaterra para tentar resolver a situação. Em Greenwich, Enrique me recebeu com Marian Lancaster ao seu lado, ela provocadora, acariciando a coxa do Rei da Inglaterra enquanto me dirigia olhares irônicos e sensuais de desejo. Foi humilhante, moça, ter que permanecer quieto, desarmado e sem poder defender meu sobrenome enquanto ela deixava claro que tinha a situação sob controle. O Rei me confirmou que havia provas irrefutáveis contra meu pai e me anunciou que o julgariam por traição, seria despojado de suas posses e seu títulos, e arrancaria a minha família de suas terras. Saí de Greenwich impotente e com as idéias claras. A salvação de meu pai e a restituição de sua honra passavam por outros caminhos, porque Enrique estava completamente cego com as artimanhas de Marian Lancaster. Ficamos na capital e, na estalagem White Chapel, onde Robert tinha estabelecido nossa residência. Começamos a elaborar o plano de resgate e a receber numerosas amostras de apoio, sempre discretas, por parte de nossos amigos, que desejavam ajudar, mas que o perigo de perder suas próprias vidas lhes impedia de fazê-lo público. Foram dias terríveis.

William se deteve com um nó na garganta. Ellie, que estava até esse momento absolutamente confusa com os dados que ele apresentava, sentiu pena, uma tristeza enorme por esse homenzarrão que a mantinha presa em seu quarto, contando uma história tirada das novelas românticas que ela devorava, às escondidas, nos fins de semana. Tudo soava confuso, inverossímil, mas por alguma profunda e irracional convicção, acreditava até a última palavra. William não mentia, não. Ele dizia a verdade.

—Cansada? — disse o nobre de repente com seus olhos celestes velados por umas minúsculas lágrimas, — talvez devêssemos nos deter, Elizabeth.

Ellie olhou o relógio digital de sua mesinha. Eram duas e meia da madrugada e tinha os músculos das pernas, das costas e do pescoço adormecidos. Assentiu com a cabeça e William a autorizou com um leve movimento para que ficasse de pé.

—Faço café ou um chá? —perguntou Ellie estirando-se como uma menina pequena. — Passemos à sala se quiser e farei café para os dois.

Com Forterque observando-a a curta distância, Ellie preparou uma cafeteira cheia. O silêncio inundava o pequeno apartamento enquanto ela andava na cozinha com William Forterque-Hamilton apoiado na parede atento a todos os seus movimentos.

Desde que tinha partido do castelo Forterque, William não havia tornado a ser o mesmo. Além da partida de Robert, que o tinha deixado no mais absoluto abandono e desamparo, a lembrança do rosto e do sorriso de Elizabeth Butler o perseguia por toda parte. Seu corpo morno e suave, seu aroma, todos seus sentidos faziam-no sentir saudades. Tinha desperdiçado noites inteiras olhando fotografias da garota, lendo seus trabalhos acadêmicos, inclusive tinha tentado chamá-la por telefone, sem êxito. Sentia-se como um adolescente apaixonado, um estado de ânimo desconhecido, que lhe revolvia as vísceras e lhe impedia de dormir em paz.

Finalmente, decidiu-se e tinha viajado aos Estados Unidos da América para procurá-la e lhe pedir ajuda, e aí estavam juntos, muito perto, sem poder lhe dizer o que realmente sentia por ela, porque Elizabeth estava proibida para ele, por ser uma Lancaster.

—Pode seguir, sente-se — disse Ellie retornando ao salão e instalando-se comodamente sobre o sofá, — sou toda ouvidos.

Com uma grande xícara de café em uma mão e o desejo apertando contra suas calças, William preferiu seguir de pé para continuar o relato. Sentia-se completamente perturbado ante a presença daquela diminuta mulher que se movia com uma naturalidade e desenvoltura surpreendentes.

Vestida com um fino e suave pijama de algodão, Elizabeth lhe parecia a mulher mais bela e desejável do mundo. As calças marcavam a linha de suas nádegas ao mesmo tempo em que o fino tecido caía sobre seu peito e deixava vislumbrar uns mamilos rosados e apetitosos.

Teria se jogado como uma fera sobre ela e a haveria possuído incontáveis vezes até deixá-la desfalecida e satisfeita em seu tapete. Teria afundado sua cabeça nesses peitos que cheiravam a baunilha. A teria feito sua mil vezes, até fazê-la gritar de desejo.

—Lorde Forterque — disse de repente Ellie, tirando-o bruscamente de suas luxuriosas fantasias, — podemos seguir?

—É obvio — respondeu William, — sinto muito.

Apoiou-se contra a soleira da porta, tomou um grande sorvo de café quente e continuou seu relato tentando não olhar muito para Elizabeth Butler.

—Depois de alguns dias andando como loucos procurando soluções para meu pai, chegaram-nos notícias do castelo: minha mãe estava morrendo de pura tristeza. Minhas irmãs tinham sido repudiadas por seus prometidos, meu irmão caçula tinha sido atacado brutalmente em uma taberna de Edimburgo ao tentar defender a honra de meu pai; a vida ia desmoronando-se pouco a pouco e sem freio. A condessa de Lancaster me chamou então a suas habitações privadas de Greenwich, porque queria negociar. Isso me disse ao chegar ali. Desarmaram-me ao entrar em seu salão e me fizeram escutar à favorita do Rei, ajoelhado, para impedir que me lançasse contra seu pescoço e terminasse com sua vida e com nossa desgraça ali mesmo e de uma vez por todas. Enquanto Robert esperava do lado de fora da estadia, vigiado por quatro soldados de Enrique, eu tive que escutar o que Marian me queria propor.

»Ela, caminhando ao meu redor como uma leoa, segura de seu poder e orgulhosa de sua privilegiada posição, disse-me que podia salvar, com um simples gesto, a meu pai, de todas as acusações. Repor os compromissos matrimoniais de minhas irmãs, limpar publicamente nosso sobrenome e conseguir que eu, como primogênito do duque de Forterque-Hamilton, passasse imediatamente a formar parte do Conselho do Rei, além de nos outorgar, à minha família e a mim, as maiores honras.

»—Em sete dias a partir de hoje, ninguém recordará a detenção e a desgraça de seu pai, e Enrique te tomará sob seu amparo, —disse-me.

»—O que devo fazer?, — perguntei a essa bruxa desalmada que se vangloriava de ter minha vida em suas mãos, ao que ela respondeu, enquanto me obrigava, pela primeira vez, a olhar à sua cara, que só bastava tomá-la como esposa e deixá-la grávida: queria um herdeiro e queria minha semente.

»Antes de responder, quis saber como, de que maneira, ela ia salvar meu pai. Necessitava garantias, necessitava respostas e não me moveria de Greenwich até conhecer os planos que tinha para todos nós. Marian Lancaster resistiu, mas teve que ceder e então, nesse momento, pude vislumbrar pela primeira vez e de maneira clara a maneira de restituir a honra a minha família.

William se esticou, deixou a xícara vazia de café sobre uma estante repleta de livros e suspirou antes de continuar o relato. Ellie o seguia com o olhar fascinado, tanto pela história, como pela intensidade de suas palavras, sentia-se completamente apaixonada por aquele homem.

—Marian me confessou, acreditando que eu estava do seu lado, que tinha planejado minuciosa e friamente sua vingança durante anos, contra todos aqueles que tinham destroçado sua felicidade. Aqueles que tinham arruinado sua vida, que a tinham feito desgraçada desde os treze anos quando, sendo ainda uma ingênua donzela, tinham-na arrancado das saias de sua mãe para entregá-la em matrimônio ao depravado Lancaster. Um homem perverso e desalmado, com quem não tinha podido manipular e que a tinha submetido a toda tipo de humilhações.

»—Matei meu marido na cama, — confessou-me Marian com um grande sorriso nos lábios. — Aprendi as artes das prostitutas mais bem pagas de Londres, aprendi a me maquiar, me perfumar e a deixar louco a um homem com um simples movimento de minha língua. Matei-o sentada sobre ele, levando-o ao mais insuportável dos desejos, rompendo as forças daquele ancião contra meu sexo, com sua boca em meus peitos e gritando meu nome, — confessou-me. — Quando os médicos o viram depois do coito, anunciaram que o cansado coração do Duque tinha falhado, e eu ri e celebrei a morte deste bastardo durante semanas.

William se deteve para olhar uma vez mais a doce Ellie, descendente direta daquela malvada assassina, e sentiu ternura, ela o olhava com a boca aberta, totalmente aberta, sem dizer uma palavra. Sua doce Ellie…

—Conforme Marian, a ruína de seu pai e seu irmão maior, que tinham vendido sua virgindade por um punhado de moedas, tinha sido simples. Seu irmão Peter, acusado de traição, tinha rogado a clemência da jovem viúva, de joelhos. E Marian não tinha tido clemência, é obvio. Assistiu vestida como uma rainha à execução de seu pai, outro traidor de Enrique, e desprezou a sua mãe diante de toda a corte, anunciando que quem lhe falasse ou a recebesse em seus salões, seria considerado traidor por parte da condessa de Lancaster, nova favorita no dormitório do Rei. Depois da ruína cometida contra sua própria família, Marian se lembrou dos Forterque-Hamilton. Guiou seus passos contra o erudito e indiferente duque. Meu pai tinha ignorado à menina Marian quando ela, aos treze anos, tinha ido a nosso castelo rogando que a salvasse de Lancaster e organizasse nosso compromisso. Meu pai não tinha ouvido suas súplicas e tinha retornado a seus livros em seguida, com um balançar de ombros como único consolo. A condessa me disse que tinha posto as mentiras oportunas nos ouvidos das pessoas adequadas e que tinha pago uma fortuna para conseguir a confissão de algumas pessoas contra Forterque-Hamilton. A mentira tinha sido urdida, tinha tido êxito, e agora em troca de uma salvação me exigia matrimônio.

William soltou uma forte gargalhada que sobressaltou Ellie, que teve um sobressalto: o som gutural era dilacerador e a tinha assustado de verdade. William estava pálido e tentando recuperar a calma, Ellie podia ver claramente como controlava a respiração e esticava os músculos de todo o corpo. Não se atreveu a dizer nada.

—Quando Marian terminou de explicar seus motivos — continuou dizendo William ao cabo de uns minutos, — eu compreendi que devia aproveitar o momento para tirar toda a informação possível. Disse-me que eram dois os conselheiros do Rei que tinham aceitado trair meu pai, dois homens apanhados pelos encantos de Marian e pelo dinheiro que ela lhes tinha feito chegar em cofres a seus respectivos lares, dois os traidores que eu precisava encontrar. Insinuei a minha antiga amiga que poderia considerar a possibilidade do matrimônio. Aos vinte e oito anos, ainda não me tinha casado, empurrado pela aventura e uma vida dedicada à guerra e aos torneios, tinha conseguido esquivar com muita sorte as pressões de minha mãe para tomar esposa. Estava livre e a oferta era tentadora, além disso, minha honra estava em jogo e ela me acreditou, ao menos por um curto espaço de tempo. Quando abandonei as habitações de Marian em Greenwich, me fui deixando um casto beijo em seus lábios, com a promessa do iminente compromisso. Não podíamos fazer público nosso futuro matrimônio até que ela falasse pessoalmente com o Rei, uma boa notícia para mim, que necessitava, sobretudo, de tempo.

»Não vou relatar as longas penúrias, as indagações e as noites sem dormir que Robert, meu fiel amigo, e eu tivemos a partir desse momento. Tudo foram portas que se fechavam a nosso passo, ninguém queria falar comigo, nem sequer queriam ouvir o que eu tinha para dizer. Depois de quase um mês de confusa mudança de um lugar a outro, seguia sem conseguir os nomes dos traidores, enquanto meu querido pai adoecia no cárcere e minha querida mãe morria pouco a pouco em nosso lar. Marian exigia ver-me continuamente e tinha que ir a seus aposentos para tranquilizá-la com promessas que jamais cumpriria. Doente, contagiada de uma das enfermidades escuras que atacavam a seu real amante, Marian se mantinha tranquila, cumprindo com uma castidade imposta, e não suplicava meus favores em seu leito, mas era cada vez mais insuportável aguentar sua presença sozinha.

»Mas tudo acabou explodindo em minhas mãos. Marian Lancaster, informada por seus fiéis espiões, descobriu que eu tentava traí-la. Depois de poucas semanas de indagações, chegaram a seus ouvidos minhas intenções e me convocou em seu castelo de York para me humilhar, capturar e me acusar de traição. Com isso aceleraria o processo contra meu pai e mataria qualquer tentativa de salvação. Preso, cativo em sua masmorra e com Robert detido em Londres, era virtualmente impossível ter esperança. Seu guarda pessoal me deteve a caminho de York, aonde me dirigia ignorante das verdadeiras intenções daquela mulher. Não pude escapar, e Marian me esperava ansiosa de vingança em sua casa, longe do olhar de Enrique e a salvo de qualquer tentativa de resgate por parte dos poucos amigos que podiam ficar. Encerraram-me durante três dias e três noites, sem água nem alimento, nos porões do castelo Lancaster, preso com cadeias, rodeado de ratos, excrementos e miséria, à espera de que ela queria fazer comigo.

»Quando ao quarto dia Marian apareceu nas masmorras, me gelou o sangue ao ver sua expressão. Despiu-se e tentou inumeráveis vezes deitar comigo, sem êxito. Ela queria minha semente, esse era seu desejo, depois do qual planejava me matar lenta e cruelmente, ou ao menos isso me dizia ao ouvido, mas suas ameaças não me assustavam. Eu já não tinha nada que perder e a rechacei sistematicamente enquanto durou sua perseguição, negativas às quais lhe seguiam surras e torturas por parte de seu carrasco. Prefiro não me estender muito, Elizabeth.

»Uma semana depois de meu encarceramento clandestino e me acreditando inconsciente, a condessa começou a contar seus planos. Nua e faminta de amor, tendo perdido toda coerência e dignidade, Marian Lancaster começou a confessar a conspiração que tinha preparada contra a pobre Ana, segunda mulher do Rei, e seus planos para matar o próprio Enrique, seguindo seus exaustivos e pessoais métodos. Antes de um mês, disse, entregaria os segredos mais bem guardados do monarca a Roma, para assegurar o afundamento total e definitivo dos Tudor na Inglaterra. Um grande favor aos papistas que lhe seria recompensado com umas bodas, é obvio, com o novo Rei que eles imporiam. Marian sonhava ser rainha e mãe de reis.

Nesse momento, Ellie entendeu todo o relato, encaixou datas, nomes, lugares e ficou de pé para deter a história. Enrique, Ana, Tudor, Greenwich? William Forterque tinha que estar completamente louco. Estava-lhe falando em primeira pessoa de fatos acontecidos há quase quinhentos anos. Era historiadora, pelo amor do céu… O que pretendia esse tipo? Enganá-la como a uma colegial?

—Um momento — disse levantando a mão, ficando em pé e encarando ao inglês que nesse momento olhava pela janela do salão para a rua, — o que me está dizendo, lorde Forterque, não pretenderá que eu acredite em toda essa história? Por que me conta tudo isto?

William girou-se soltando fogo por seu transparente olhar.

—Não me ofenda, moça — lhe disse sem mover-se, — espere que eu termine toda a história e logo fará as perguntas.

—O que? —Ellie não podia acreditar no descaramento desse tipo: invadia sua casa, atava-a, imobilizava-a de madrugada para lhe contar a história da Inglaterra e mesmo assim lhe impunha suas regras? — Por que me conta todo isto?

—Porque te preciso — respondeu ele com um olhar de sinceridade tão intensa que só atinou a retroceder como uma boa garota e voltar para seu lugar, para esperar o final de todo esse assunto. — Enfim, vejo que tem pressa —disse suspirando. — Tentarei ir mais rápido.

»Marian Lancaster me confessou então, durante várias noites, seus terríveis planos para a Inglaterra e a família de Enrique. Os detalhes de suas conspirações secretas feitas com amantes ciumentos que queriam matar o insensato Rei. Planos a curto prazo para mudar o rumo de nosso povo; sonhava com poder, riquezas e felicidade, uma felicidade que não podia encontrar a não ser na dor e na vingança. Com o que ela não contava era com minha força física e mental, Elizabeth. O duro treinamento de anos e anos em torneios e justas por meia Europa, a árdua disciplina mental imposta por meu sábio pai, serviram-me para sobreviver quase um mês inteiro a seus maus entendimentos. Momento em que Marian se aborreceu de mim e decidiu me esquecer para sempre na masmorra. Meu único pensamento era salvar a meu pai e a minha família, isso me dava forças para respirar. Não perdia a ilusão de conseguir limpar nosso nome e mudar nosso destino.

»Passadas várias luas, me despertou uma noite uma fugaz luz que me tirou o sono e me encheu de terror. A bruxa, a feiticeira encarregada de orientar os passos de Marian e sua sangrenta vingança, estava na minha frente me conjurando com uma vara de fogo. Ao cabo de um momento, e resmungando umas incompreensíveis palavras, obrigou os guardas a me tirar fora, a me abandonar no bosque onde certamente não demoraria para ser devorado pelos animais famintos. Eles atiraram-me no meio de uma clareira, aquela mulher me obrigou a beber uma desagradável e obscura poção medicinal ou mágica e não soube mais de minha alma, não soube mais até que despertei sozinho e nu em um amplo bosque que não era nada familiar para mim. Depois de várias tentativas de me recuperar, enfim recuperei plenamente minha consciência e me pus a perambular por aquela estranha planície infestada de ruídos desconhecidos, de luzes longínquas, de um ar carregado de impurezas. Tinha despertado na Inglaterra, a começos do século XXI, Elizabeth, exatamente quatrocentos e sessenta e seis anos depois de minha época.

Elizabeth Butler ficou outra vez de pé e tentou falar, mas William lhe lançou um olhar suplicante e a deteve com uma mão. Ellie voltou a calar e retornou a seu assento. Estava realmente desconcertada e confusa com toda esta história.

—Depois de perambular por poucas horas, voltei-me a desmaiar, não sei quanto tempo estive inconsciente, mas despertei em um hospital moderno, de sua época, Elizabeth Butler, rodeado de brilhantes luzes, gente que falava de maneira estranha e sons desarticulados que ameaçavam me enlouquecer. Graças aos céus, Robert estava ali. Sim, meu Robert Wilson, estava ali, vestido de maneira atual e tentando tranquilizar-me, me obrigando a guardar silêncio. Robert tinha passado a barreira, tinha atravessado o universo para me encontrar e aqui estava, na Londres do século XXI, preparado para me ajudar a retornar.

»Com a ajuda de um sábio de minha época, de quem não posso revelar a identidade, Robert tinha encontrado a porta do tempo, o corredor aberto que a feiticeira de Marian Lancaster tinha manipulado para me enviar longe, certamente com a esperança de que não sobrevivesse. Robert e nosso fiel amigo tinham conseguido abrir a porta para que eu pudesse retornar. Só havia um problema: a chave de minha volta não a tinha Robert, nem o sábio ao que sua ciência pura não servia nesta difícil privação, a chave de meu retorno para casa a tinha a última descendente de Marian Lancaster neste tempo. Em resumo, Elizabeth Butler, tem-na você.

 

Elizabeth ficou de pé outra vez. Já estava farta, cansada, dolorida e preferia meter-se em sua cama e dormir até esquecer tantos disparates. Não tinha medo, William era um tipo enorme, mas parecia civilizado, razoável e era diabolicamente bonito. Se quisesse um romance com ela, muito bem, teria uma aventura sexual nesse mesmo momento. Se quisesse, não precisava tanta balela para levá-la à cama. Era loucura.

—É verdade — disse William como se adiantando a seus pensamentos. — É verdade e juro por minha honra que lhe poderei provar isso se me deixar fazê-lo.

—Está bem — começou a dizer Ellie com os olhos cravados em seu relógio de pulso. — É tarde, sabe? Acredito que deveríamos seguir conversando amanhã se quiser, agora estou esgotada, não poderia suportar nenhuma história mais.

—Não me acredita — replicou William. — Se for valente, provar-lhe-ei isso. E sei que é valente, eu sei, Elizabeth Butler. Quero te explicar por que necessito de sua ajuda e logo irei se quiser. Mas te ofereço a possibilidade de viver uma experiência única.

Ellie assentiu, era melhor não contrariar um homem rico com alucinações e a essas horas da madrugada.

—De acordo, — disse-lhe com uma expressão em seus olhos cansados. E retornou uma vez mais a seu lugar.

—Quando Robert conseguiu me tirar do hospital, fomos diretamente ao castelo Forterque, reformado. Ambrose é um descendente direto de Robert Wilson e levava toda sua vida preparando nossa repentina aparição no século XXI. Robert tinha procurado preparar a sua família para este evento. Em minha casa deste tempo, comecei lentamente a assimilar o acontecido. Robert me explicou sobre nosso amigo mágico. As intenções de Marian contra mim, suas ordens de me assassinar e a decisão de sua bruxa de me mandar em uma viagem no tempo em lugar de cravar sua espada contra meu peito. Ela queria provar a magia que logo legaria a sua senhora e a experimentou em mim. Quando Robert conseguiu dar com nosso poderoso amigo da magia, Ana Bolena já estava encarcerada na Torre de Londres, minha mãe acabava de morrer em nosso castelo e meu pai lutava com muita dificuldade para respirar, atingido de pneumonia e tristeza no cárcere.

»O panorama era desolador, mas Robert tinha boas notícias. Meu irmão James e ele tinham dado com o traidor amante de Marian e tinha advertido ao Enrique Tudor. Só faltava fazer confessar ao último desleal e para isso me necessitavam, seria um golpe de efeito retornar a meu tempo e esclarecer a conspiração, advertir ao Rei, uma maneira perfeita para ratificar nossa lealdade frente ao monarca e desta maneira salvar a meu pai e restituir nossa honra. Tudo soava muito bem, Elizabeth, mas o feitiço contra mim era irreversível, não podia voltar, exceto se conseguisse o medalhão que tinha pertencido a Marian Lancaster e que ela tinha conseguido legar de geração em geração a sua família. Um medalhão que contém a chave de minha volta e que permitirá a qualquer Lancaster passar a porta e viajar no tempo.

Elizabeth ficou tensa, um medalhão? Sim, havia um medalhão em sua família, sua avó o tinha dado quando ela fez quinze anos. Como sabia Forterque do medalhão? Segundo sua mãe, essa jóia não era mais que uma bagatela e…

—O medalhão dos Lancaster contém o sortilégio do tempo — continuou explicando William, — um feitiço em gaélico que a feiticeira de Marian usou contra mim e logo entregou a sua ama, aterrorizada. A velha bruxa Agnes provou a magia poucos dias depois de me enviar para fora de meu tempo. Experimentou-a em si mesma e retornou em poucos minutos apavorada. Não sei aonde foi ou o que viu aquela mulher, mas quis desfazer-se desse poder em seguida e o deu a Marian como um valioso presente. Marian fez gravar as palavras mágicas na jóia e a legou a seus descendentes. Desconheço se alguém de sua família a utilizou alguma vez, Elizabeth, mas eu a necessito agora, só as palavras originais, as autênticas, romperão o feitiço contra mim e permitirão que retorne a meu tempo, junto a minha família. Agora me diga, moça, sabe onde está o medalhão?

—Por essa razão me contratou para ir a sua casa? — perguntou Ellie, bastante confusa, aturdida. — Queria me seduzir para recuperar o medalhão? Sequestrar-me? Que demônios você pretendia fazer comigo?

—Tem direito a pensar barbaridades de mim, Elizabeth — disse William aproximando-se dela com um gesto conciliador. — É normal. Contratamos-lhe porque Robert pensou que amigavelmente poderia conseguir o medalhão, ele pensou que sendo uma historiadora, uma investigadora, poderia conseguir a sua confiança intelectualmente, pensou que era melhor isso que entrar em sua casa, te sequestrar e te obrigar a entregar a jóia. —riu. — Como eu tinha planejado fazer.

Então Elizabeth se levantou e caminhou para a janela, já tinha amanhecido e os carros começavam a encher as ruas. Não sabia o que pensar, não sabia se seria verdade.

—Quanto tempo vocês demoraram em me encontrar?

—Quase dois anos, começamos a te buscar desde que saí do hospital — respondeu lorde Forterque observando-a com prudência a certa distância. — A família Lancaster fugiu de Londres no final do XVII e sabíamos que emigraram ao Novo Mundo, mas se tinham dispersado e depois de muitas dores de cabeça, conseguimos, usando todos os métodos desta perturbada época, dar com seu irmão e logo contigo.

—Meu irmão? —Ellie se sobressaltou e se girou para William indignada. — Meu irmão sabe algo? Ele não tem nem idéia destas coisas.

—Já sabemos, moça. Richard Butler não era nosso objetivo, era a mulher nascida de Paul Butler, nascido filho único de Elizabeth Hall, nascida a sua vez de Mary McDonaldson, nascida a sua vez de…

—Está bem, está bem — disse Ellie levantando a mão. —Caso você diga a verdade… Só quer o medalhão, não?

—É obvio — respondeu William pondo em alerta todos os sentidos. — Você o tem, Elizabeth? Onde está?

—Não o tenho — respondeu a moça movendo-se para o banheiro, — mas sei onde encontrá-lo.

 

William estava realmente surpreso com aquela moça do século XXI. Elizabeth tinha tomado uma ducha, vestiu-se de maneira informal, havia tomado um bom gole de café e tinha recolhido sua mochila antes de lhe dirigir uma só palavra ou lhe fazer uma só pergunta mais.

—Vamos? —perguntou-lhe aparecendo na sala com o cabelo ainda molhado e suas sugestivas formas escondidas embaixo dessas calças que chamavam jeans e uma feminina camisa branca, debruada com finíssimas rendas. Teria preferido lhe fazer amor antes de sair, desejava-a, mas não devia…

—Temos que tomar um avião, se não lhe importar, o medalhão o tem minha avó Remédios na Espanha, o dei de presente faz uns anos porque lhe encantava e me parecia horroroso.

William marcou então em seu telefone celular e falou com a tripulação, que esperava pacientemente e pronta em seu jato particular.

—Peça autorização para voar para Madrid, Peter — disse William com essa voz contidamente autoritária que fascinava Ellie, — e prepare uma viagem para dois, não vou sozinho.

Viajaram de táxi e em silêncio para o aeroporto. Ellie tinha considerado suas possibilidades e tendo em conta que estava de férias e que lorde Forterque não parecia um tipo que se rendesse facilmente, tinha decidido lhe seguir a corrente, ir a Madrid, recuperar o medalhão e dar-lhe. Não sabia se acreditava ou não em sua história, não podia avaliar o que tinha ouvido durante a noite. Sua intuição a empurrava a confiar em William Forterque, e não tinha muitas forças para resistir e discutir. Só gostava de deixar-se levar, desfrutar da companhia de um homem tão bonito e, por que não? Aproveitar para ver sua querida avó Remédios, a quem adorava.

 

—Como se sente neste tempo? —Lhe ocorreu perguntar de repente a William Forterque, que permanecia concentrado em um precioso livro antigo desde que tinham subido ao avião. — Não imagino quão diferente deve ser isto para você.

—Não conseguirei assimilar em minha vida este tempo aqui — disse William com um tom amável e realmente amistoso. —As diferenças são tão abismais que não conseguiria te explicar jamais o que sinto. Só posso dizer que, pouco a pouco, consegui me acostumar.

William a olhou então, deixou o livro a um lado. Sua pergunta lhe tinha encantado. Parecia satisfeito com sua repentina curiosidade. Observou-a diretamente, «certamente este homem não conhece a palavra acanhamento», disse-se Ellie, incômoda com aqueles olhos insolentes sobre ela. Olhou-a com essa intensidade com que a tinha olhado nas cavalariças, quando ela teve que reunir todas as suas forças para rechaçá-lo e não fazer amor ali, entre a alfafa e os puros sangues.

—E você, Elizabeth Butler? —perguntou com um sorriso, — como se sente neste tempo, com esta vida? Acredito que é um mundo complicado para uma jovem só e preciosa como você. Por que não se casou? Por que não há um homem que cuide de você? Por que não vive com seu irmão?

—Neste tempo, as mulheres não necessitam do amparo do homem para sobreviver, lorde Forterque. —O tema do matrimônio era algo sobre o qual Ellie detestava discutir. —Sim, é verdade que vem de outra época; se não, não se atreveria a falar desse modo. Bom, a realidade é que as mulheres sempre têm sabido sobreviver sozinhas, o que passa é que neste século, conseguimos fazê-lo sem dissimular nem enganar a ninguém: hoje em dia, somos livres.

William Forterque-Hamilton pôs-se a rir a gargalhadas e Ellie terminou sentindo-se um pouco estúpida. De que demônios aquele homem ria? Quem se acreditava? Não pensava seguir discutindo com ele. Acomodou-se em seu assento e se dispôs a olhar pela janela, ofendida.

—Elizabeth, as mulheres jamais serão livres — lhe disse William, com lágrimas nos olhos; fazia meses que não ria assim — porque aos homens não convém que sejam livres, são perigosas. —Com um rápido movimento, situou-se no assento junto a Ellie, ao que ela respondeu retrocedendo. — Mas me permita que te diga uma coisa, preciosa, os homens tampouco são livres, nenhum o é; esta é uma vida de ataduras, de dependências, de servidões, em seu século e no meu. De todos os modos, eu adoro que se sinta uma mulher independente, isso é bom, isso eu gosto.

—Ah sim? Quem o diria…

—Provenho de uma estirpe de mulheres fortes — brincou espreguiçando-se e esticando as pernas, — sou bastante mais tolerante que a maioria.

—Meu deus!

—Certo. —Olhou-a aos olhos apanhando-a com esse insólito olhar celeste. — Embora acredite que uma mulher deve gozar de… mmm… privilégios? Como por exemplo, que um bom homem vele por sua segurança, seu bem-estar e sua honra. Não vejo nada execrável nisso. —Roçou-lhe o antebraço com o seu e seguiu falando enquanto Ellie tentava conter-se, era absurdo envolver-se em uma discussão com o Forterque. — Eu gostaria de cuidar de você, Elizabeth. —William se ouviu falar sem compreender por que havia dito semelhante burrada.

O inconsciente o traía, porque era verdade, teria dado tudo o que tinha para cuidar dela e amá-la como se merecia, em lugar de deixá-la só a mercê de qualquer covarde e medíocre homenzinho.

—Ah! —atinou a dizer Ellie vermelha até as orelhas.

—Desde quando vive sozinha? —apresentou-se para mudar o rumo da conversa.

—Desde os dezoito anos, quando fui a Nova Iorque para estudar na universidade. Realmente, lorde Forterque — Não pretendia falar dela, quando ele podia divagar e contar sobre o século XVI, — o que mais sente falta de sua… casa?

—Sim… — Deixou vagar o olhar pelo avião antes de responder. — Sinto falta do aroma do pão recém assado pelas manhãs. Minhas irmãs andando na cozinha, meu pai escutando pacientemente os problemas de sua gente em qualquer canto do castelo, o sorriso generoso e doce de minha mãe me pedindo um pouco mais de moderação, de meu irmão e sua inesgotável energia, de meu cavalo, chama-se Twister, sabe? Espero que estejam cuidando bem dele, é um animal muito nobre, mas não conhece outro amo, meu pai me deu de presente quando não era mais que um potro meio selvagem. —Suspirou. —Sabe o que é galopar sem freio por uma campina verde e solitária que conhece cada milímetro sem se encontrar com ninguém exceto alguns alces assustados no caminho?

—Não. —Ellie engoliu em seco, a voz suave e melódica de William Forterque se transformou quase em um sussurro e seus olhos estavam úmidos e brilhantes. Instintivamente esticou a mão e lhe segurou o pulso. William respondeu levantando o polegar para acariciar brandamente sua pele. — Não sei.

—O campo cheira ao paraíso de madrugada, depois da chuva, Elizabeth. —Levantou a outra mão e a pousou sobre a da jovem. Ela estava lendo dentro de sua alma e William se sentiu surpreendentemente seguro e reconfortado a seu lado. — Isso não tem preço como tampouco o tem o bem-estar e a segurança de minha família, de minha gente. Devo voltar para casa, compreende-o, não?

— Claro —disse emocionada até as lágrimas. Fosse o que fosse verdade em tudo aquilo, ela o ajudaria, — não se preocupe, nós conseguiremos.

De repente e sem saber o que tinha acontecido no ambiente, o silêncio se apoderou dos dois e só o ruído dos motores chegava até eles com um ritmo compassado e estável que tranquilizava. William tomou uma mão e a esteve observando um momento antes de beijá-la lentamente. Nesse momento, o coração de Ellie explodia no peito, mas seguiu olhando pela janela as brancas nuvens sob seus pés, como se não fosse nada.

O fôlego morno de William lhe acariciou a boca, e ela optou por fechar os olhos e desfrutar do precioso momento sem mover-se. O nariz reto baixou até o seu e respiraram do mesmo ar antes que seus lábios se roçassem com doçura e precaução. Forterque a apanhou pelo pescoço para aproximá-la mais, enquanto sua língua morna e exigente entrou em sua boca e a encheu por completo, deliciosamente, sem que ela opusesse resistência alguma.

Estiveram beijando-se com consciência durante muito momento. Ellie se levantou o suficiente para poder abraçá-lo, e William a segurou pela cintura lhe percorrendo as costas com seus compridos e robustos dedos que davam uma eletricidade desconhecida a sua coluna vertebral.

—Vamos — disse ele e lhe ofereceu sua mão ao mesmo tempo em que ficava de pé.

 

Como induzida por uma beberagem mágica, seguiu-o segurando sua mão até seu compartimento privado, situado no fundo do aparelho. Ao entrar, lorde Forterque fechou a portinhola por cima de sua cabeça e a empurrou contra a frágil parede para seguir beijando-a com paixão.

Apartou-se um momento para tirar o suéter de linho, sem deixar de olhá-la. Debaixo não levava nada, e seu perfeito torso, forte e quente, apareceu convidando a tocá-lo, a lambê-lo. Ellie não podia deixar de pensar em outra coisa enquanto observava como ia despindo-se lentamente. No chão, ao seu lado, ficaram as calças de couro, as botas de pele italiana. Lorde Forterque-Hamilton não usava roupa interior, e a respiração de Ellie se entrecortou. Estava-o olhando, descaradamente, sem nenhuma vergonha. Ele era formoso, com os músculos bem definidos, o abdômen liso; seus olhos celestes procuraram os seus em meio à escuridão do compartimento.

—Quero te fazer minha, Elizabeth — sussurrou sem aproximar-se. —Deixe-me ser o primeiro.

—Lorde… William — disse levantando as mãos, confusa, e soltou uma risada nervosa, — sabe Deus que quero estar contigo, mas…

—Tem medo?

—Não, mas dentro de umas horas, talvez não te volte a ver. Esperei muito por isso, sabe? —Inoportunamente voaram por sua mente as imagens de todos os homens aos que havia terminado por recusar. Fez um gesto para espantar as lembranças e retornou ao presente para olhar os belos olhos de William Forterque. — É importante para mim.

—Não tenho nada para te oferecer, mas o única coisa que levarei deste século será sua lembrança, Elizabeth — lhe sussurrou, inclinando-se muito perto de sua boca, lhe arrepiando os cabelos da nuca.

Ellie respirou fundo olhando o céu e seus olhos se encheram de lágrimas, aproximou-se dele e procurou sua boca com avidez. Esqueceu seus preconceitos, seu constante medo de perder e se agarrou a seu corpo, decidida a transformar esse momento em algo memorável. Quando William a levantou no ar pelas axilas para depositá-la, já nua, sobre a cama, sua mente tinha voado longe, lhe deixando só as sensações e o prazer.

William Forterque se deteve um segundo só para observá-la, era tão formosa. Viu o precioso rosto com as bochechas avermelhadas, os olhos escuros brilhantes e a boca inchada por seus beijos. Seguiu a suave curvatura de seu pescoço descendo para esses peitos firmes e generosos, a pele imaculada de seu torso, o ventre suave, tenro e acolhedor. Agachou-se para morder o abdômen liso segurando as redondas nádegas com uma só mão, era tão pequena e tão frágil. Prendeu-a sob seu peso e ela desapareceu na cama.

Ellie estava excitada e úmida. William baixou a mão livre e introduziu um de seus dedos na profundidade de sua vagina e comprovou com suavidade a virgindade intacta. Levantou-se se apoiando em seus braços, tinha os olhos vidrados e a respiração agitada, como a de um puro sangue a ponto de iniciar uma carreira. Ajoelhando-se em frente a ela, tomou-a pelos quadris para posicioná-la em cima de seu membro, separou-lhe as pernas e a segurou abrangendo de uma vez os quadris e seu traseiro com firmeza. Ellie arqueou as costas ao senti-lo roçando sua feminilidade, estava molhada e seus mamilos se arrepiavam com o ar condicionado do avião.

—Tentarei não te fazer dano, Elizabeth —disse William com uma voz rouca e difícil. — Logo desfrutaremos juntos, gozaremos até que me suplique um descanso, mas agora irei devagar, doerá, mas está preparada e o faremos com cuidado…

—Vamos — suplicou Ellie, vulnerável, aberta como uma fruta amadurecida diante dele, enquanto seus quadris se elevavam para seu amante suplicando algo mais, sentia que enlouqueceria se não a penetrasse imediatamente, — não fale mais, faça-o!

Então William sorriu, segurou seus quadris e colocando a vagina na posição mais cômoda e fácil de abordar, penetrou-a com um só movimento, que levantou Ellie da cama com um grito. Ele se colocou em cima dela e lentamente começou a lhe fazer amor. William a sentia debaixo dele; quente, doce, suave, entregue, esteve entrando e saindo de Elizabeth com movimentos compassados e precisos, procurando não danificá-la, enquanto lhe devolvia os beijos; com paixão, com a boca inchada, aberta, dizendo seu nome, lhe arranhando as costas e apanhando-o com as pernas ao redor das coxas.

—Meu deus — sussurrou sentindo William dentro de si. Os dois corpos se fundiram docemente enquanto seu torso forte e sedoso a imobilizava contra a cama, lhe ensinando a plenitude total de seu corpo, a união absoluta. — William…

Elizabeth Butler teve seu primeiro orgasmo e imediatamente se lançou ao segundo quando Forterque, desesperado e faminto, não tinha podido conter-se mais e tinha afundado nela até o fundo, com uma necessidade totalmente transbordada e carente de pudor. Gritaram de uma vez, chegaram juntos ao clímax e quando William se incorporou um pouco para comprovar que ela estava bem, um fiozinho de sangue deslizava por sua branca e suave coxa. Olhou-a aos olhos, Elizabeth exibia-se rosada, morna, com os lábios cheios, e sorria. Foi nesse preciso momento quando William Forterque-Hamilton soube que aquela formosa e singular mocinha era a mulher de sua vida.

 

                   Madrid, maio de 2004.

Chegaram a Madrid de noite. Elizabeth tinha dormido aconchegada em seus braços depois de fazer amor, e sem trocar uma palavra com ele. William tinha desabado sobre ela, e ela simplesmente o tinha abraçado contra seu peito e lhe tinha acariciado o cabelo e as costas com uma ternura imensa. Jamais tinha compartilhado um sentimento semelhante com uma mulher, e Elizabeth o tinha atingido sem nenhum esforço.

Finalmente, e preocupado por seu bem-estar, tinha-a liberado da pressão de seu corpo e de seu membro ainda dentro dela e a tinha abraçado para que descansasse. Ellie acomodou então a cabeça sobre seu estômago e dormiu plácida e imediatamente enquanto seu suave cabelo acariciava a pele ainda quente de William.

Esteve desfrutando da maravilhosa suavidade de seu precioso traseiro durante alguns minutos até que o cansaço e as incontáveis noites sem dormir venceram e William Forterque-Hamilton, primogênito do Segundo Duque de Forterque dormiu profundamente, com um sono de séculos acumulado em seu cansado corpo.

 

—Minha avó nos espera em sua casa para nos hospedar — disse Ellie depois de falar com sua avó Remédios por telefone em um perfeito espanhol que deixou William fascinado a ouvi-lo. — Ela não permitirá que vá a um hotel, isso nem o sonhe, assim se puder me deixar em sua casa, vá para seu precioso quarto reservado no Ritz e me pegue amanhã. Dar-me-á o medalhão esta noite.

William a observava estupefato. Era incrível como aquela doce mocinha nem sequer tinha mencionado seu recente despertar ao sexo. Em seu tempo, teriam passado vários dias de cerimônias e celebrações femininas, em que as amigas e parentas da recém iniciada a tivessem estado observando, cochichando e fazendo visíveis gestos carregados de obscenidade, antes que a interessada voltasse a lhes dirigir a palavra. Mas claro que obviamente no século XXI essas coisas não passavam e ele o agradecia profundamente.

—Não vou te deixar sozinha — lhe respondeu observando a paisagem pela janela do carro alugado, — não é que desconfie de você, mas prefiro ficar contigo e ver o medalhão quanto antes.

Ellie olhou-o pelo rabo do olho. Estava dolorida, tinha podido caminhar com dificuldade quando uma leve batida na porta os tinha despertado para anunciar que aterrissavam em quarenta e cinco minutos.

Levantou-se com um intenso ardor entre as pernas, o corpo esgotado, mas feliz e satisfeita. William, que nesse momento dormia aconchegado nas suas costas, tinha-lhe sugerido uma ducha em seu minúsculo banho, algo que Ellie agradeceu muitíssimo.

Ficou pensando no acontecido e sorrindo como uma boba durante vários minutos sob o potente jorro de água quente. Não queria projetar estúpidos sonhos de amor e compromisso, mas se sentia tão plena e feliz de ter feito amor com William, que se permitiu por um instante a felicidade completa, sem prós nem contra, sem planos nem futuro, simplesmente queria saborear o momento.

Ao acabar a ducha, seu corpo se sentia melhor e sua cabeça estava limpa. No compartimento do lado, William a esperava com uma toalha ao redor dos quadris.

—Fica água quente? —perguntou-lhe com um de seus sorrisos. —Necessito de um banho.

Ellie tinha assentido e ele a tinha roçado com um fugaz beijo no cabelo ao passar a caminho do banho.

Sem palavras, procurou roupa limpa em sua mochila, que alguém amavelmente tinha colocado próximo à cama, vestiu-se e decidiu não falar do assunto até que encontrasse o momento adequado. Em teoria, eles foram à casa de sua avó em busca de um medalhão mágico, chave do tempo, que devolveria seu amante ao passado. Toda a situação era absolutamente disparatada, não pensava piorá-la falando com William de seus sentimentos.

Agora ele permanecia sentado ao seu lado enquanto um chofer os levava pelas ruas lotadas da cidade, a caminho da casa que ela tanto amava, cravada em pleno bairro da Salamanca, em Madrid, uma zona privilegiada que conhecia bem graças a todos os verões que tinha desfrutado ali. Lorde Forterque só lhe dava de presente inumeráveis sorrisos; no avião, enquanto lhes serviam café, depois de aterrissar, no escritório de aluguel de veículos, no trajeto ao centro da cidade. Sorria sem falar, bonito como um deus grego, ignorante de quantos olhares provocava: as coquetes, das mulheres que viravam para ele, e as curiosas, dos homens que o observavam com um ponto de respeito e admiração que Ellie jamais tinha visto antes em ninguém de seu ambiente.

William caminhava com majestosas e grandes pernadas, com o cabelo comprido solto e os olhos azuis carregados de surpresa observando este novo país que ele não conhecia. Mas nem a tocava, nem a acariciava, nem lhe dirigia palavras de amor; esqueceu-se dela, e não seria Ellie quem o enfrentasse com requerimentos e recriminações, assim também tinha optado pelo silêncio, concentrando-se no iminente encontro com sua queridíssima avó materna.

Quando chegaram à enorme casa de sua avó, propriedade da família durante três gerações, protegido na guerra civil e na duríssima pós-guerra madrilena por seu bisavô Gonzalo e único lar de Remédios de Molina durante seus setenta e quatro anos de vida, sua lindíssima vovó a esperava no patamar do antigo casarão com os braços abertos.

—Minha menina! —gritou a elegante dama enquanto Ellie subia correndo de dois em dois os degraus que as separavam. — Minha preciosa Elizabeth, deixe que te veja. Desde quando não come algo quente? Que bonita está, minha menina.

—Vovó, apresento-te ao senhor William Forterque-Hamilton — disse Ellie baixando o olhar para William, que esperava pacientemente dois degraus abaixo delas. — É… bom, é meu chefe, ele é a pessoa interessada em recuperar o medalhão antigo.

Remédios de Molina o tomou pela mão para que subisse a casa, interessando-se em saber se ele falava francês, ao que William respondeu que muito rudimentarmente. A partir desse momento, iniciaram um animado diálogo metade em francês, metade em inglês, auxiliado de perto por Ellie, que se prestava a traduzir quando ambos ficavam emperrados em algum termo…

Era surpreendente ver como Forterque se deixava seduzir pela anciã e como respondia a suas perguntas, interessava-se por sua conversa e a seguia pelo aposento enquanto lhe revelava seus segredos.

Remédios esperava-os com o jantar preparado e nenhum dos dois pôde negar-se, porque a mesa, primorosamente posta, esperava-os cheia de manjares a que Ellie se lançou como um raio. Omelete espanhola, presunto serrano, croquetes, pastéis, queijo, azeitonas e um delicioso pão, pratos que a jovem atacou de boa vontade convidando William a sentar-se a seu lado. Estiveram jantando e conversando sobre temas inconsistentes durante duas horas, minutos que Ellie aproveitou para pôr a sua vovó em dia sobre sua vida em Nova Iorque, seus planos profissionais, o doutorado e a família de Richard no Havaí. Sentia-se em casa, segura e feliz, e William parecia relaxado e tranquilo apesar de que a proximidade com o medalhão lhe estava destruindo a calma.

Na sobremesa, quando Remédios trouxe o café e um bolo de Santiago feito em casa para o convidado, trouxe também outra coisa: sobre a bandeja de café, ao lado das xícaras de porcelana, uma caixinha vermelha, bastante velha e opaca, descansava inocentemente.

William e Elizabeth cruzaram então um eloquente olhar, Ellie assentiu levemente confirmando a William que ali estava o medalhão e o lorde, sempre educado e contido, não se atreveu a esticar a mão e abrir o porta-jóias, não até que sua anfitriã o ofereceu cortesmente.

Ellie lhe colocou a mão sobre a perna quando ele teve a caixa entre seus dedos e William agradeceu aquele gesto de cumplicidade. Todo seu corpo estava tenso e, com dificuldade, mexia no gancho oxidado do porta-jóias para conseguir abri-lo. Não deixava de observá-lo, mas era incapaz de abri-lo. Então Elizabeth o tirou de suas mãos e com uma leve pressão abriu a caixa deixando a descoberto um enorme medalhão de turquesa, rodeado de ouro velho, vulgar e de mau gosto no século XXI, mas completamente na moda na época de Marian Lancaster. Não havia dúvida, essa era a jóia que lhe salvaria a vida.

Ellie se desculpou com sua avó porque não poderia ficar muito tempo e porque a visita não se devia aos desejos de vê-la, mas sim porque precisava concluir o trabalho que tinha começado para lorde Forterque.

—Sinto muito, vovó —lhe disse Ellie a sua avó ronronando como um gatinho enquanto a enchia de beijos, — de verdade que o sinto, mas estas não são umas férias e amanhã devo acompanhar lorde Forterque a Inglaterra para seguir com o estudo do medalhão. Obrigada por havê-lo guardado tanto tempo, devolver-lhe-ei assim que possa, mas agora devemos ir, sim? Não te zangue, por favor.

Sua avó teve que ceder a seus mimos, como sempre fazia, e evitar o fato de que Ellie passaria apenas uma noite em Madrid.

Depois da visão do medalhão dos Lancaster, William tinha caído em um profundo estupor, e Remédios, conhecedora da alma humana, tinha optado por deixá-los a sós na sala de jantar para que falassem de suas coisas. William estava tremendo e pela primeira vez desde que o conhecia, Ellie o viu um pouquinho fora de controle, assim que ela assumiu a responsabilidade e foi diretamente ao antigo escritório do avô para procurar uma lupa e um limpador de metais. Era necessário estudar o famoso medalhão antes de agir ou descartar qualquer próximo passo.

—Sem dúvida é o medalhão de Marian — disse William com a lupa em uma mão e o medalhão na outra: — aqui estão as inscrições. —Entregou a jóia a Ellie lhe mostrando o verso, onde uma série de letras seguia um círculo perfeito. — É gaélico, mas não preciso lhe dizer: você conhece a língua à perfeição, Elizabeth.

—Sim, é gaélico — ela confirmou ao olhar uma vez mais aquelas inscrições de perto. De pequena as tinha visto um milhão de vezes quando tirava às escondidas o medalhão do porta-jóias de sua avó para brincar com ele.

—É claro que sim — respondeu Forterque com um amplíssimo sorriso — e é o que procuramos, lamento ter que abandonar agora o lar de sua generosa avó, Elizabeth, mas devemos voar a Londres quanto antes, quero voltar para casa, estão-me esperando.

—Tem que ir? —perguntou-lhe Ellie com um nó na garganta; até esse momento, não tinha querido imaginar o momento de separar-se dele. Sentia-se desolada e estava a ponto de começar a chorar. De repente, sentiu a necessidade de ficar em Madrid, de passar um tempo com sua avó, de esquecer-se de William Forterque-Hamilton. — Bom, suponho que meu trabalho termina aqui, lorde Forterque, acompanhá-lo-ei à porta, minha avó o entenderá, não se preocupe.

—Tem que vir comigo, Elizabeth Butler — respondeu ele como arrastando as palavras, — pensei que você gostaria de me acompanhar até o final… eu…

—Necessita-me para acabar o trabalho? —perguntou Ellie com um rancor desnecessário. — Minha presença é vital para levar a cabo o feitiço? Se não lhe importar, prefiro ficar aqui, eu gostaria de passar uns dias com minha avó e, bom… já tem o que estava procurando.

Com grande rapidez, William tinha chegado até ela para abraçá-la. Um forte, quente e sincero abraço que terminou com as lágrimas de Ellie rolando por suas bochechas, molhando de passagem a muito cara camisa de linho que ele usava. William lhe acariciava o pescoço e lhe beijava a cabeça em um gesto que Elizabeth traduziu como de despedida. Mas não, ele não queria despedir-se, queria levá-la para a Inglaterra e lhe provar que tudo o que lhe tinha contado era verdade. Deviam despedir-se na entrada próxima a seu castelo, e assim, ela o recordaria sempre como o homem de honra que era e não como o desequilibrado inglês carregado de historietas que, suspeitava, era o que Ellie terminaria acreditando de William Forterque-Hamilton. Elizabeth devia ser testemunha de seu viagem para o passado.

—Quero que me acompanhe — lhe disse procurando avidamente sua boca. — Quero que seja testemunha de que o que te confiei é verdade. Necessito que me guie na despedida, quero que seus olhos sejam a última coisa que eu veja deste século quando for, Elizabeth. Por favor. —Beijava-a apaixonadamente enquanto ela perdia progressivamente o controle de seu corpo. — Não me deixe sozinho.

Terminaram fazendo amor às escuras no chão do antigo escritório do avô. Não lhes importava o que pudesse estar fazendo Remédios da Molina. Ellie tirou a roupa de William com uma urgência que em outras circunstâncias a teria envergonhado. Procurava sua pele, seu sexo, com a boca, com o cabelo revolto e com os olhos nublados de paixão enquanto William a observava e a deixava fazer sem dizer nada. Quando Ellie o deixou nu, caído de costas sobre o puído tapete hindu do quarto, começou a despir-se com parcimônia, deixando primeiro as calças e a roupa íntima no chão, ordenadas, antes de montar em cima dele olhando-o diretamente nos olhos.

—Acredito que é cedo para você — sussurrou William com um fio de voz. Uma vez mais seus muito claros olhos, vidrados, delatavam que não poderia conter-se por muito tempo. — Posso te fazer mal, pequena. Venha aqui. Fique úmida e venha aqui, há milhares de maneiras de fazer amor sem ter que te penetrar, amor. A sabedoria popular diz que deveria esperar uns dias mais.

—Posso fazê-lo — ronronou Ellie enquanto se agachava e começava a lhe beijar e lamber a maravilhosa linha escura de suave pêlo que lhe subia pelo peito, fazendo que o membro de William lhe pressionasse o traseiro com uma tremenda força. Ela acreditava que morreria de amor se ele não a tomasse imediatamente. Seus peitos se incharam ao roçar a pele de William, e ele começou a tocá-la tal e como ela necessitava, — já não me dói, não seja antigo, quero fazê-lo.

Rodaram nus e felizes pelo tapete. William lhe fez amor duas vezes; a primeira, com loucura e lhe tampando a boca com uma mão para que seus gritos não alertassem à avó Remédios; a segunda, poucos minutos depois, antes que ele saísse dela, quando um só movimento dos travessos quadris de Ellie puseram em marcha a força e a virilidade de seu amante e, sem separar-se, olhando-se nos olhos, iniciaram outra vez o delicioso movimento do amor. Ellie teve um orgasmo com os olhos abertos, olhando William tal como lhe pedia e observou como ele chegava ao clímax abraçando-a, espremendo-a e engolindo-a com todas suas forças.

Elizabeth Butler compreendeu que jamais poderia separar-se de William Forterque. E pediu aos céus que o medalhão e a tortuosa história que aquele homem lhe tinha confiado não fossem mais que uma vil historieta.

 

                   Condado de Berkshire, maio de 2004.

Chegaram a Londres na hora de comer. Passaram a noite em Madrid e partiram na manhã seguinte, depois de tomar o café da manhã com a avó de Ellie. Elizabeth dedicou as duas horas e meia de vôo a beijar e assediar William, que tentava com todas as suas forças concentrar sua atenção nos passos que devia seguir. No jato particular, a tripulação fez o possível para não importuná-los e eles passaram a travessia sozinhos, Ellie em cima de William, mimando-o, penteando-o, tocando-o, e ele lhe falando para distraí-la.

Quando seu chofer os recolheu ao pé da pista no aeroporto de Gatwick, William lamentou não ter tomado aquela amalucada moça no ar, porque o desejo lhe pressionava as calças e não o deixava pensar. Enquanto ela, alegre, sorridente e preciosa se dedicava a tagarelar com o chofer sobre o saturado tráfego londrino. Queria lhe tirar a roupa e lhe fazer amor ali mesmo, mas ela parecia haver-se esquecido dele e dirigia toda sua atenção para a paisagem que os rodeava. Estava mais formosa desde que tinham feito amor pela primeira vez. Sua pele resplandecia ainda mais, seus enormes olhos negros olhavam com essa placidez própria das mulheres satisfeitas e seu maravilhoso corpo parecia disposto a abrir-se em qualquer momento para ele. Ellie era generosa e o amava; ele se tinha dado conta disso e essa certeza lhe aprisionava o coração ao pensar na despedida.

—William — lhe disse Elizabeth tirando-o de suas reflexões, — acha que poderia fazer um percurso turístico comigo pela cidade? Seria divertido.

—Não, Elizabeth — respondeu com bastante rudeza, não podia suportar mais horas acostumando-se a ela, acabava de decidir que a partida seria imediata. — Devo fazer o que tenho que fazer e antes do anoitecer é o mais apropriado.

Ellie o olhou com tristeza, voltou sua cabeça para a janela, acomodou-se no assento e não voltou a lhe dirigir a palavra. Quando William tentou tomar a mão para reconfortá-la, ela a tirou imediatamente sem que ele pudesse responder adequadamente a essa evidente amostra de desprezo.

 

Corria um vento incessante e Ellie teve de abrigar-se um pouco quando chegaram à clareira aonde William iniciaria sua volta para casa. Tinham repassado disciplinadamente os passos que devia seguir e sabiam de cor o feitiço que aparecia gravado no medalhão. Tudo estava em ordem.

Não voltaram a se tocar. William lhe tinha dado uma pasta com as instruções do que devia fazer quando ele partisse. Não quis lhe explicar que lhe tinha legado uma grande soma de dinheiro e que tinha ordenado a seus advogados que cuidassem dela. Não quis iniciar uma longa discussão sobre os motivos dessa decisão, não tinha tempo, por isso lhe tinha entregado a pasta onde explicava tudo e a tinha acomodado na mesa da biblioteca para que ela a recolhesse antes de retornar a Nova Iorque. É obvio, o jato particular a levaria aonde ela ordenasse. Tudo estava previsto.

Ellie tinha posto o casaco de lã que William lhe tinha dado, antes de animar-se e segui-lo pelo caminho da famosa clareira que ele localizava a um quilômetro de sua casa. Sentia-se desolada, tinha chorado às escondidas em um dos banheiros do castelo durante meia hora. Soluçava enquanto lhe rasgava o coração. Ele estava deixando-a para ir para o passado ou ao inferno se quisesse, estava-a deixando e ela não podia reclamar de nada.

William se mostrava esquivo e pensativo, estava imerso em seus planos da viagem no tempo e não a olhava nem se dirigia a ela com afeto, tudo eram monossílabos, instruções e ordens. Toda aquela história era uma incessante enxurrada de incoerências, mas mesmo assim ela o queria, apaixonou-se por ele e não podia suportar a idéia de que a estava abandonando. Entretanto, ambos eram adultos e devia cumprir sua parte, segui-lo na aventura da partida, retornar a Nova Iorque e esquecer-se para sempre do lorde inglês, isso era o correto, o que se esperava dela, e Elizabeth Butler sempre fazia o correto.

Quando chegaram à clareira, um perfeito círculo de grama deixou Ellie verdadeiramente surpreendida. William tirou o casaco e apareceu com roupa de outra época. Suas calças eram de couro, sim, mas um couro robusto e forte que marcava sua masculinidade, suas coxas e suas nádegas como uma luva. Levava uma espécie de blusão cru preso na cintura por um amplíssimo cinturão onde aparecia um escudo lavrado em dourado e uma jaqueta de couro aberta por atrás.

O calçado italiano tinha desaparecido e tinha dado lugar a umas botas toscas de sola que lhe chegavam até debaixo do joelho, tinha um aspecto magnífico, sobretudo pela enorme e pesada espada que se ajustou ao cinto e a adaga que se meteu em uma das botas. Quando levantou a vista para Ellie, estava acomodando às costas uma pequena mochila ao mesmo tempo em que se colocava um enorme anel de ouro no dedo mindinho. Os olhos brilhavam e o cabelo revolto lhe conferia um aspecto ameaçador, quase dois metros de perigoso guerreiro, que olharam para Ellie com devoção.

Elizabeth não tinha palavras, estava entorpecida de frio e as lágrimas lhe assaltavam os olhos sem nenhum controle. William Forterque parecia possuído, de repente, por uma fúria de outro tempo, e Ellie teve que começar a considerar seriamente a possibilidade de que ele não estivesse mentindo. Observou-o enquanto distribuía uma série de runas formando uma estrela de cinco pontas a seu redor e se aproximou em silêncio quando ele a chamou com um gesto.

—Bem, preciosa menina — ele disse quase aos gritos, o vento começou a levantar-se com mais fúria em torno deles, — obrigado por tudo. Não sei o que te dizer, Elizabeth, não sei como agradecer sua generosidade, mas confio em Deus que ele recompensará sua maravilhosa ajuda. —Ellie estava chorando desconsoladamente, e o coração de William estava rompendo-se, mas devia partir, seu pai o esperava, sua honra o esperava. — Nunca me esquecerei, Ellie.

Elizabeth saiu do centro da estrela e William a olhou por uns instantes antes de começar a pronunciar o feitiço escrito no medalhão, segurando-o com a mão esquerda como lhe havia dito Robert. Estava tremendo de frio e, embora gritasse, não podia ouvir suas próprias palavras.

Fora do círculo, Elizabeth o olhava com os olhos cheios de lágrimas, mas o feitiço não funcionava de tudo, podia ver como suas pernas começavam a desvanecer-se no ar, mas seu torso e sua cabeça estavam resistindo. O medalhão brilhava lhe queimando a palma da mão e compreendeu que sem um Lancaster não poderia atravessar a soleira. Levantou a vista para Ellie e ela, sem mediar uma só palavra, compreendeu o que estava acontecendo, saltou dentro do círculo e tocou em sua mão para segurar juntos o medalhão.

Gritou-lhe ao ouvido: «Está bem meu amor, eu te levarei para casa.»

 

                   Condado de Berkshire, maio de 1536.

Quando Ellie despertou, alguém caminhava muito rápido com ela nos braços, segurava-a pela cintura e sua cabeça caía para baixo enquanto o cabelo, muito revolto, tampava-lhe parte da visão. Por um milésimo de segundo não soube onde estava, mas quase imediatamente uma imagem reveladora lhe pôs tudo em ordem. Recordou-se de William vestido de guerreiro no meio de um pequeno torvelinho de ar, o frio, suas lágrimas e os olhos desesperados para sua amante enquanto lhe lançava uma chamada de súplica que ela não duvidou em aceitar.

Sem refletir e impulsionada pelo amor e o desejo de ajudar William, tinha saltado dentro dessa espécie de tornado e se segurou a ele apertando juntos o medalhão. Em poucos segundos, a escuridão mais absoluta a golpeou na cabeça e agora ela se pendurava, como um maço de algodões, no ombro de alguém que por sua estatura e compleição tinha que ser o próprio William Forterque-Hamilton.

—William — gritou Ellie lhe golpeando as costas com seus minúsculos punhos, tendo em conta a envergadura do guerreiro. — William, por favor abaixe-me ou vou vomitar!

Então William se deteve e a depositou no chão com uma delicadeza extrema, mesmo assim e apesar da alegria de ver seu precioso e varonil olhar, Elizabeth Butler se dobrou sobre si mesma e ficou a vomitar apoiando-se em uma árvore próxima. William a abraçou por detrás para lhe segurar a cabeça com ternura, lhe dizendo suaves e desconhecidas palavras de amor no ouvido, mas Ellie se sentia desfalecer. Completamente enjoada, confusa e com os ouvidos que lhe zumbiam, necessitava de um lugar para descansar, o sono parecia invadi-la, era uma espécie de queda de pressão e a qualquer momento ia desmaiar, além disso, um aroma muito estranho, mescla de excremento e fumaça não contribuíam muito a refrear suas náuseas.

—Tranquila, preciosa —repetia William sem cessar, — tranquila, é uma reação normal, agora chegaremos em casa e Jane se ocupará de você, deitar-te-á em minha enorme cama, abraçar-te-ei e te cuidarei até que te reponha. Prometo-te que depois de um sono reparador estará como nova brincando de correr pelo castelo.

—Onde estou? —perguntou Ellie apoiada contra a árvore. — Saiu bem? Estou no século XVI? De verdade?

—Sim, mulher — respondeu William às suas costas lhe aproximando um pouco de água em uma espécie de cantil, — bebe, é água mineral trazida de sua época, não te fará mal, bebe um pouco, te enxágue a boca, sentir-se-á melhor. Devemos seguir adiante, faz frio e esta zona está cheia de animais dispostos a te devorar.

Elizabeth obedeceu, limpou a boca, bebeu água fresca e iniciou um lento e trabalhoso caminho apoiada no braço protetor de William. Não tinha o menor medo, só lhe preocupava chegar logo a uma cama quente e dormir abraçada a seu adorado lorde, dava-lhe igual se era no século XVI ou no XXI, o importante era que não tinha perdido William, nada mais importava.

Aproximaram-se de uma enorme construção.

—O castelo — disse William com uma excitação que lhe quebrava a voz. — Estamos em casa, Elizabeth.

O edifício era enorme, de pedra e tijolo cru, não se parecia em nada ao precioso e senhorial castelo que Ellie tinha conhecido em Londres, cuja última reforma datava do século XVIII. Rodeado por um fosso, com quatro estratégicas torres bem distribuídas e umas enormes portas de entrada dificilmente franqueadas pelos inimigos, o orgulhoso castelo dos Forterque os recebia como um bloco poderoso, um tremendo edifício com vida própria que deixou Ellie sem fôlego.

Mas eles não se dirigiram diretamente às portas principais, William, levando Ellie pala mão, guiou-a para uma ala da fortaleza onde encontrariam a morada de Robert Wilson, que conforme explicou William, não se assustaria tanto ao vê-los.

—Não quero que minhas irmãs morram de um enfarte vendo um espectro — lhe explicou William, risonho. — Na prática não sou mais que um cadáver.

Depois de outra incômoda e exaustiva colina, levavam caminhando e subindo fazia mais de uma hora, aproximaram-se de uma porta traseira destinada às cavalariças. Uma tosca entrada de ferro que franquearam sem problemas, assunto que incomodou sobremaneira a William que, conforme disse a Ellie, mantinha ordens estritas de fechar a sete chaves o castelo ao anoitecer e, pela posição da lua e o manto de estrelas que os cobria, devia já passar da meia-noite. Mataria ao incauto que tinha desobedecido a seu senhor. Ellie olhou-o então divertida, sorrindo pela primeira vez desde que tinha despertado.

Brandamente, William entreabriu a porta de madeira que dava acesso a uma espécie de estadia privada situada debaixo de uma das torres de vigilância. O recinto ocupava todo um lado da muralha e dispunha de duas janelinhas por onde viram aparecer a luz de umas velas.

Pelo jeito, Robert Wilson possuía moradia própria dentro da casa Forterque, pensou Ellie, e se instalou às costas de William esperando os efeitos de sua inesperada chegada.

—Milorde? —perguntou a tremente voz de uma mulher à beira das lágrimas. — Milorde sois vós? —William caminhou em silencio para a luz da vela com Ellie colada a suas costas, então a mulher deu um grito e começou a chamar Robert enquanto corria a tocar e olhar de perto ao recém-chegado. — Rob, pelo amor de Deus, milorde retornou, William retornou.

Esticando a roupa com as mãos, apareceu Robert Wilson na soleira de uma porta interior. Ellie quase não o reconheceu ao vê-lo vestido dessa maneira: calças de montar, uma camisa de couro e um aspecto magnífico com o cabelo comprido, revolto. Pareceu-lhe muitíssimo mais jovem e bonito ao vê-lo sorrir e lançar-se para seu amigo, com quem se abraçou vibrante e repetidamente enquanto Ellie observava a cena oculta na sombra, com os olhos cheios de lágrimas.

—Está aqui, patife — disse Robert lhe dando fortes golpes no peito, — conseguiste-o, como o tem feito? —Nesse momento, William se virou para aproximar Ellie da luz. Então Robert Wilson congelou o sorriso e lhe paralisaram as palavras. — Senhorita Butler — conseguiu dizer depois de um momento de incômodo silêncio. — Você aqui? Como é possível, William?

Jane, a alegre mulher de Robert, encarregou-se de Ellie imediatamente, tal como tinha prometido William. Tinha-lhe dado umas meias novas, tinha-a envolvido com uma robusta manta e a tinha instalado junto à chaminé com uma infusão nas mãos. Ellie se havia sentido reconfortada imediatamente com a calidez e simpatia daquela mulher forte e ruiva que parecia estar grávida.

 

Enquanto as mulheres ficavam junto à chaminé, sem palavras, William e Robert tinham iniciado uma tensa discussão onde as recriminações, as acusações e as preocupações foram aumentando. Embora Ellie quase não entendesse o que diziam, era evidente que Robert estava indignado e William não estava disposto a ser julgado. Depois de um quarto de hora de gritos e incômodos silêncios, Robert tinha se aproximado de Ellie para mostrar interesse por seu estado de saúde depois da viagem.

—Estou bem, senhor Wilson — disse Ellie com um sorriso, olhando William que parecia muito contrariado caminhando como um tigre enjaulado pelo pequeno salão, — vim, bom… estou aqui porque quis ajudar ao William. Foi minha decisão, se quer sabê-lo, jamais me propôs fazer esta viagem, simplesmente aconteceu assim.

—Não lhe chame senhor Wilson —rugiu William, — é Robert. Logo será a senhora desta casa, pelo amor de Deus.

O coração de Ellie encolheu, o que queria dizer isso? Estava-lhe propondo matrimônio? Ficaria para sempre no século XVI? O que aconteceria com sua família? Como se atrevia esse bronco a tratar assim a Robert, que tinha arriscado sua vida para salvá-lo?

A um triz esteve de levantar-se e colocar em seu lugar ao William, quando Robert interveio e abortou suas intenções.

—Muito bem — disse Robert sentando-se a seu lado, — já vemos que está muito zangado, milorde, já estamos conscientes de sua fúria e não se preocupe, sei exatamente qual é meu lugar neste castelo.

William saiu da estadia bufando, uma ira pura e ancestral que deixou Ellie tão assustada quanto surpreendida, quis segui-lo, mas Robert a deteve com um gesto amistoso, lhe indicando que permanecesse em seu lugar.

—Este é William Forterque-Hamilton, senhorita Butler — lhe disse Robert sem nenhum rancor ou aborrecimento. — O senhor desta casa, próximo Duque de Forterque, com direito de vida ou morte sobre seus vassalos, com o poder e o dinheiro necessário para destronar o Rei da Inglaterra, criado desde sua mais tenra infância para mandar e fazer cumprir sua vontade, estamos acostumados a seus ataques de caráter. Não se preocupe, William é meu amigo, meu irmão, não quis me ofender, simplesmente ousei lhe contrariar. Já lhe passará, ele é um bom homem.

—Asseguro-lhe, senhor Wilson, que jamais fui forçada a vir até aqui. —Jane a olhava, embevecida, seguindo atentamente com os olhos, redondos como pratos, o movimento de sua boca, seu acento era toda uma novidade por aqueles limites. — Estou aqui porque quero, eu, bom senhor Wilson, eu amo William.

—Isso é exatamente o que ele me disse — disse Robert com um sorriso conciliador, — só espero que Deus nos ajude e possamos forjar um futuro seguro para você, Elizabeth. Agora mesmo não correm bons tempos para os Forterque e o que em realidade me preocupa é sua segurança, e a nossa, é obvio.

William os interrompeu ao retornar à casa de Robert acompanhado por uma linda mulher que soluçava abraçada contra seu peito. Uma espetada de ciúmes atravessou Ellie durante uns segundos, o que faltava era que William estivesse casado e fosse pai de quatro filhos, pensou Ellie ficando de pé. Robert Wilson a observou com curiosidade e, antes que William fizesse as apresentações, sussurrou-lhe ao ouvido:

—É lady Mary Forterque-Hamilton, Elizabeth, irmã de William.

 

Quando William, sentado em uma enorme poltrona do salão principal do castelo, com Ellie sobre seus joelhos, terminou de relatar a todos a história de sua viagem de volta, Mary se aproximou e se ajoelhou diante de Elizabeth para lhe beijar as mãos. Ao que ela respondeu incorporando-se, lhe rogando que não fizesse isso, lhe suplicando que a olhasse nos olhos.

—Mary, por favor, não se preocupe — dizia Ellie aflita com tanto agradecimento, — foi maravilhoso poder ajudar ao William.

Ambas se abraçaram e choraram juntas, enquanto William e Robert brincavam assegurando que não importava o século, as mulheres eram sempre iguais.

Jane e duas donzelas, fascinadas pela presença e o aspecto da recém chegada, prepararam algumas comidas para eles e finalmente se sentaram sobre umas amaciadas peles estendidas ao longo da gigantesca chaminé, para poder pôr William em dia.

—Ana Bolena foi decapitada faz oito dias em Londres, William — disse Robert com solenidade, — quer dizer que hoje é 27 de maio de 1536 — disse olhando a jovem historiadora do futuro. Um repentino ataque de emoção percorreu todo o corpo de Ellie. A conversa e o encontro com a família de William tinham apagado a realidade, mas ela estava ali, no século XVI, em plena época Tudor, com Enrique VIII governando a Inglaterra, Escócia e Irlanda e sobrevivendo ao maior discórdia da história da cristandade. Tinha que rogar ao William que a levasse a Londres para ver a cidade e conhecer todos os detalhes de seu mundo.

—Papai sobrevive na Torre — continuou Mary — graças aos cuidados de um fiel amigo de Rob que é soldado em Londres. Cuida dos corvos do Lorde Maior e, bendito seja, faz-lhe chegar mantimentos e casaco. Está doente, mas sabe que possui a força de um tigre, e James e eu confiamos em que logo o teremos de volta em casa.

—Onde está James? —perguntou William. — Onde está meu irmão? Robert, diga que James está a salvo.

—Sim, graças a Deus, James está perfeitamente — respondeu Robert. — Se encontra em Londres, conseguiu deixar o destacamento no Edimburgo e está ali alojado no Westminster, Enrique confia nele, mas ainda nos falta uma confissão para liberar lorde Forterque e acusar a Marian Lancaster, embora, Por Deus te digo, meu amigo, que ela só está procurando a ruína.

—Marian — continuou relatando Mary com essa voz melodiosa e educada que fascinava Ellie — se casou no inverno passado com Charles, o bastardo do Enrique VII que os papistas radicais preparam para o trono. Faz dois meses deu a luz a um casal de gêmeos e agora já revoa pelo Palácio tentando seduzir ao Rei Enrique, ele nem sequer a olha, embevecido como está com Jane Seymour, sua terceira mulher. Seu comportamento é vergonhoso, irmão, e segue aparecendo por esta comarca quando lhe dá a vontade. Acredita que você morreu, claro, e tentou me convencer de que intercederia por seu pai. É uma mulher realmente horrível, OH céu santo, Elizabeth, sinto muito, sei que apesar de tudo Marian é seu parente.

Ellie respondeu com um gesto negativo. Uma parente de quinhentos anos atrás não era uma parente próxima precisamente, pensou, mas não queria importunar com comentários sobre o tema, melhor era permanecer em silêncio, com o William perto e desfrutar de toda aquela cena tirada de seus contos de fadas.

—Inclusive assistiu às bodas de Beatrice, nossa irmã caçula — particularizou Mary olhando Ellie com sua deliciosa cortesia, — apresentou-se em Canterbury vestida como uma prostituta e logo se foi a Londres para mexericar sobre o acontecimento. Graças a Deus que a família de Francis, o marido de Beatrice, seguiu adiante com as bodas e nos mostrou todo seu apoio. Agora ela está feliz, a salvo, vivendo em Gales.

William se deslocou pelo tapete para abraçar a sua irmã e beijá-la na têmpora com enorme ternura.

—E você, preciosa Mary? —disse com doçura. — Robert me contou o acontecido com o francês.

—Ah — respondeu Mary com um gesto de alívio. — Eu não suportava a esse indivíduo e dei graças aos céus quando anulou o compromisso. Não há mal que por bem não venha, irmão, esse tipo não era mais que um efeminado que cheirava a flores, poderia havê-lo derrotado em qualquer combate. Duvido que pudesse me dar filhos.

Todos riram, e Elizabeth se sentiu plena e protegida observando a seu maravilhoso amor enquanto brincava com sua irmã. Apesar de seu tamanho e de seu aspecto, às vezes feroz, William era um bom homem, como havia dito Robert. Um bom filho, um bom irmão e um bom amigo.

 

Quando Ellie despertou em uma enorme cama, coberta até as orelhas, com uma firme mão segurando um de seus peitos e as pernas de William enredadas com as suas, teve que pestanejar e clarear durante alguns instantes a mente antes de situar-se. Estava na cama de William, em seu castelo, em 1536. Tinham viajado juntos no tempo e se aquilo era verdade e não um delirante sonho, ela estava metida na cama de um lorde inglês poderoso e feroz que logo se envolveria em uma perigosa vingança para liberar seu pai preso na Torre de Londres.

Insólito mas verdadeiro. Pouco a pouco, recordou que ficou adormecida junto a um delicioso fogo, enquanto William a abraçava espremendo-a contra seu peito. As histórias familiares, as notícias e os planos de William, Robert e Mary a tinham embalado e ela, esgotada e desfalecida depois da viagem pelo tempo, dormiu como uma menina.

Ele a tinha levado então a sua cama e a tinha despido, sem que Ellie fosse capaz de despertar, tinha-a metido entre os lençóis e se havia aconchegado a seu lado. Agora entrava luz por umas enormes janelas de pedra cobertas por grossos cristais que certamente haviam custado uma fortuna à família. Tirou o cabelo da cara e pôde comprovar, surpreendida, que a cama onde descansava tinha dossel, coberto por generoso veludo vermelho, as mantas que os cobriam eram de pele suave e o chão, de pedra, estava coberto por tapetes muito grossos. De fundo pôde ouvir o suave crepitar de uma chaminé.

Quis mover-se, mas não pôde, estava presa pelo enorme corpo de seu amado William e acreditou sentir-se no paraíso. De repente, ele fez um leve movimento e com uma de suas mãos colocou os quadris de Elizabeth em uma posição mais cômoda, seu enorme, suave e quente membro passou em seu traseiro e Ellie gemeu dobrando-se para senti-lo mais perto.

Sem falar, William a empurrou levemente para cima, levantou-lhe a coxa com uma de suas pernas e a penetrou sem contemplações, acariciando possessivamente seus peitos já tensos e excitados; fê-la girar, posicionou-a de barriga para baixo e começou a lhe fazer amor lentamente, acomodando-a contra os muito suaves lençóis, ela gemendo enquanto se aferrava aos barrotes da enorme cama, sentindo seus mamilos a ponto de estalar contra o colchão. Alcançaram juntos o orgasmo, Ellie úmida e satisfeita, completamente desfalecida, enquanto William a liberava de seu abraço lhe dizendo ao ouvido:

—Perdão, pequena, às vezes queria te engolir. Sinto muito.

Ellie o olhou, divertida, suave, rosada, como a ele tanto o cativava, tirando o cabelo da cara e lançando-se sobre seu poderoso corpo para abraçá-lo e beijá-lo com mimos e carícias que o deixavam fora de jogo imediatamente.

—Escuta, amor — lhe disse enquanto devolvia seus beijos, — vou sair para montar, quero ver minha gente, meus cavalos. É cedo e deve estar cansada, descansa um pouco mais, ordenarei que lhe tragam um banho e o café da manhã dentro de duas horas. Está bem?

Observou Ellie protestando na cama, nua e sensual, mas devia sair e ver o que estava passando em sua casa. Pôs as calças de couro e o resto da roupa sob o atento e brincalhão olhar de Elizabeth. Sentia-se loucamente apaixonado por aquela mulher, admitiu, enquanto terminava de vestir-se.

—Quero ter um filho teu, William.

William ficou paralisado, lhe dando as costas. É obvio que teriam filhos, muitos filhos, quis dizer, mas não podia prometer nada a sua preciosa Elizabeth Butler até que os problemas com seu pai estivessem solucionados.

Virou-se para ela e a olhou sem palavras, com as mãos na cintura, procurando uma série de explicações e argumentos que lhe servissem e a tranquilizassem, mas não foi capaz de articular nada. Elizabeth era diferente das garotas que ele conhecia, não precisava ouvir palavras vazias; ela o compreendia sem necessidade de falar.

Elizabeth Butler seguia observando, em silêncio, esperando uma reação, com sua deliciosa boca franzida em um gesto infantil. Essa imagem o cegou de repente, atirou o casaco ao chão, desatou os calções e se lançou sobre ela como um lobo faminto. Uma hora depois, deixava-a dormindo doce e tranquilamente em sua cama.

Abandonou na ponta dos pés o dormitório e se dirigiu às escadas para baixar às dependências inferiores do castelo. Quando lorde Forterque-Hamilton apareceu na cozinha, os serventes, as donzelas, as moças e as cozinheiras se equilibraram para ele gritando e celebrando sua volta, o Senhor enfim estava em casa.

 

Despertou esticando-se sob o peso das mantas e sentindo-se muito satisfeita. Uma doce voz, a de Mary, tinha-a tirado de sua letargia ao entrar em seu dormitório e abrir todas as cortinas da enorme estadia. Mary dava ordens a alguém, enquanto ela tentava se libertar dos lençóis revoltos. Sentia-se diminuta no meio daquela enorme cama e quando conseguiu levantar-se, cobrindo-se recatadamente sua absoluta nudez, o cabelo revolto lhe tampava a visão do que acontecia.

—Bom dia, Elizabeth —disse Mary com um amplo sorriso—. William me disse que lhe subíssemos um banho a esta hora, já é meio-dia, mas se desejas seguir dormindo, Pearl e eu podemos retornar mais tarde.

—Não, não, por Deus, muito obrigada, Mary — respondeu Ellie com a voz rouca ainda pelo recente despertar. — É perfeito, justo o que eu necessitava, muito obrigada. É um amor.

Mary Forterque lhe fez então um gesto para que se aproximasse da fumegante banheira de metal que ela e Pearl, a donzela, tinham instalado junto à chaminé acesa. Elizabeth admirou, pela primeira vez, o enorme tamanho e o senhorio do quarto de William, maior, inclusive, que uma planta inteira de seu edifício de apartamentos no Brooklyn.

A banheira era pequena e lavrada, Ellie teria que sentar-se se quisesse acomodar-se dentro dela, estava coberta por uma espécie de toalha que a protegeria do metal e tinha todo o aspecto de estar quente e deliciosa. Olhou às duas serviçais mulheres esperando que a deixassem sozinha, não estava acostumado a caminhar nua diante de ninguém e necessitava um pouquinho de intimidade.

—Adiante, querida — sussurrou Mary com doçura. — Em nossa casa, as mulheres não se banham sozinhas, Pearl te ajudará e eu te acompanharei, assim poderemos conversar como irmãs, o que você acha? Meu irmão me disse que logo te converterá em sua mulher e assim seremos cunhadas oficialmente, desde que minha Beatrice se casou sinto-me um pouco só.

Casar-se? Bodas? William? Ele não havia dito nada, em realidade nunca dizia nada, era um tipo muito reservado, bastante lacônico e parco em palavras.

—Elizabeth, entra na banheira antes que se esfrie — disse Mary. — Um banho reparador te deixará como nova.

Ellie obedeceu envolvendo-se em um lençol para chegar até a banheira e logo se inundou, suspirando, naquela maravilhosa água aromatizada com violetas.

—William disse que prepare as bodas para quando papai retornar para casa. —Mary lhe penteava o cabelo molhado como sua mãe fazia quando ela era muito pequena. — Não sei que planos tem, querida, mas suponho que haverá muitos convidados: como herdeiro ao Ducado de Forterque, William tem que pedir a permissão Real de Enrique, mas não haverá nenhum problema.

Ellie não dava crédito ao que estava ouvindo: planos, bodas, convidados. Estava naquela casa menos de um dia e já estavam lhe organizando a vida. Não era que não quisesse casar-se com William, é obvio que queria casar-se com ele, mas ao menos devia lhe haver consultado, perguntar sua opinião antes de falar com sua irmã. Pelo amor de Deus, tudo soava a manicômio uma vez mais.

—Não sei, Mary — respondeu Ellie enquanto Pearl jogava mais água quente na banheira, — William não me disse nada. Já sabe sobre minha circunstância pessoal, eu gostaria de falar primeiro com ele.

—Ai, querida — disse Mary entre risadas. — Robert já me contou como eram as mulheres de seu… bom, de sua terra —particularizou olhando de esguelha à donzela, — mas em nosso país, os homens não perguntam essas coisas e são as mulheres da família as que nos ocupamos do assunto. O correto teria sido que William mandasse um emissário a seu pai para pedir sua mão e oferecer o dote e tudo isso. Mas nestas circunstâncias, como você bem diz, o faremos mais… fácil e William pôs tudo em minhas mãos. Espero que não te incomode.

—Não, Mary, é obvio que não me importa — respondeu Ellie pensando por um segundo em sua família e em tudo o que tinha deixado, definitivamente atrás?— Não é isso, mas eu gostaria de compartilhá-lo também com seu irmão.

Quando William irrompeu no dormitório, duas horas mais tarde, Ellie já tinha posto um precioso vestido de lã marrom escuro que lhe levantava os peitos de uma maneira tão sensual, que ela jamais tivesse ousado usá-lo em seu tempo. Um modelo que Pearl, Cathy e a própria Mary tinham ajustado para a futura lady Elizabeth Forterque, cortando quase quinze centímetros de saia.

O traje tinha pertencido a Beatrice Forterque, que devia ser tão alta como Mary, mas bastante mais magra que Ellie. Finalmente tinham conseguido que não o arrastasse muito, tendo em conta que por aí os saltos primavam por sua inexistência.

Quando ele apareceu e se apoiou contra a enorme chaminé para contemplar a cena, Mary tentava organizar o cabelo castanho de Elizabeth em um complicado penteado cheio de pequenas pérolas e florzinhas silvestres. William levava o casaco em uma mão, a camisa, antigamente branca, aberta até a cintura e manchada de barro, as calças de montar terrivelmente sujos e as botas empapadas. O cabelo solto lhe dava um aspecto ameaçador, mas seu rosto perfeito e seus olhos celestes o convertiam, uma vez mais, em uma espécie de deus grego na terra. Ellie o olhou com um amplíssimo sorriso ao descobri-lo.

— Deixe-lhe o cabelo em paz, mulher —rugiu lorde Forterque deixando a espada em um canto enquanto começava a tirar todo tipo de armas e artefatos da cintura, costas e botas, — eu gosto dele solto e a ela também.

—Só as camponesas levam o cabelo solto, Will — protestou Mary. — Não deixarei que Elizabeth vá por aí como uma aldeã, além disso esta preciosa pele de porcelana tem que luzir melhor com um penteado, verdade, Ellie?

Ellie, fascinada com o aspecto imponente de seu amante, não escutava nem entendia as palavras de Mary, só olhando William tinha umedecido involuntariamente a estranha regata que Mary lhe tinha posto como única roupa interior. Dava-lhe igual o cabelo, só desejava a ele.

William a olhou sem levantar a cabeça, girou-se sutilmente para ela enquanto movia as brasas da chaminé e com uma olhada compreendeu o que estava acontecendo. Aproximou-se tranquilamente de sua irmã, pegou-a por um braço e a acompanhou com decisão para a porta. Mary não parava de protestar.

—Pelo amor de Deus, William, cheira a estábulo, ao menos toma um banho. William!

Fechou a porta com um golpe seco da bota e se virou para Ellie. Ela se levantou e se aproximou da cama lhe dando as costas. Antes que a alcançasse segurando-a pelo vestido, Ellie já estava à beira do orgasmo, então William rasgou as costas recém ajustada do traje e deixou-a completamente nua, cheirosa e sensual a seu alcance. Cinco minutos depois, Ellie lhe suplicava ao ouvido que entrasse dentro dela. O barro e a água que William trazia a empaparam, sujaram e estragaram seu recente e perfumado banho.

 

À terceira manhã que amanheceu em seu novo lar, Pearl, a donzela atribuída a seu serviço pessoal dirigiu-lhe pela primeira vez a palavra enquanto enchia a banheira com mais água quente.

Ellie se tinha submergido com prazer dentro daquela deliciosa água de violetas. Fazia amor ao menos quatro vezes durante a noite e lhe doía o quadril, a pélvis, os peitos; precisava descansar um pouco e o banho matinal era maravilhoso.

—Perdoe, Senhora — disse Pearl com um fio de voz. — É verdade que você é parente de lady Marian Lancaster, milady? Isso é o que se comenta nas cozinhas e bom… eu. É uma pergunta estúpida, milady, perdoe. Lorde Forterque me matará por isso.

—Não — respondeu Ellie abrindo os olhos e sentando-se para limpar-se um pouco. Não gostava da pergunta, não sabia o que dizer e, no meio da confusão, optou pela verdade, talvez a família tenha decidido falar de sua origem nobre para justificar seu inesperado compromisso de matrimônio. — Sim, Pearl. Mas é muito longínquo, nem sequer conheço a condessa de Lancaster. E não chore, por favor, não direi nada a lorde Forterque. William não tem por que inteirar-se desta conversa privada, fique tranquila.

 

Tão só tinham transcorrido três semanas desde sua chegada ao século XVI e Elizabeth Butler já se sentia como em casa. Tinha aprendido a usar as latrinas do castelo, a ordenar um banho em seu quarto, habituou-se a abundante comida sempre disposta na cozinha e ao frio que se metia pelas frestas dos cristais bruscamente ajustados. Ao silêncio obstinado de seu adorado amante.

William passava quase todo o dia fora, com seus cavalos e com Robert, é obvio. Em Londres tudo caminhava segundo o ritmo esperado e o Duque de Forterque logo poderia retornar para casa. James, o irmão de William, ocupava-se de toda a papelada, os desencargos, os advogados, e as coisas foram bem. William parecia feliz e mais amável em casa, rodeado de toda aquela gente que o adorava.

Faziam amor há todas as horas; ao menos assim que William punha um pé no castelo, Ellie saltava em seus braços comendo-lhe a beijos. Ele ria e a amava e a agradava. Seus olhos brilhavam ao olhá-la e, enfim, tinham convencido Mary de que a deixasse levar o cabelo solto. A servidão a olhava com curiosidade, mas todos eram amáveis com ela, Ellie era oficialmente a prometida de lorde Forterque e isso impunha respeito. William zombava de sua capacidade de adaptação e se sentia interiormente orgulhoso dela, o que enchia Ellie de felicidade.

Não a deixavam sair do perímetro do castelo. Lorde Forterque-Hamilton tinha proibido que se deslocasse sem ele fora da propriedade, e a verdade era que Ellie desfrutava aprendendo e observando os costumes e os usos desse tempo que tanto tinha estudado e que tão pouco conhecia, dentro das muralhas Forterque. Robert Wilson lhe recordava que já teria tempo de passear, quando as águas se aquietassem. Estava acostumado a dizer-lhe depois de jantar todos juntos na sala de jantar principal do castelo.

Aquela manhã tinha despertado sozinha e assustada. Um grito afogado a tinha tirado de um pesadelo, alertando-se imediatamente ante a ausência de William na cama. A chaminé crepitava e era de dia, um dia ensolarado depois de vários dias de chuva. Ellie se abraçou ao travesseiro ainda morno de seu amante e recordou que ele tinha madrugado para sair à caça com Robert e uma equipe de amigos chegados de Londres. Levantou-se de um salto, Mary tinha preparado um precioso vestido cor de baunilha para ela. Seria apresentada às visitas e sua futura cunhada tinha insistido em que se exibisse perfeita. Ao voltar o nariz para o enorme corredor que circundava seu dormitório, uma donzela apareceu arrastando a banheira cheia de água. Pelo jeito, Pearl tinha tido que sair de viagem inesperadamente e Celia, sua nova ajudante, estava preparada para acompanhá-la no banheiro.

Ellie deixou que Mary a penteasse, deixando soltas algumas mechas para dar um ar mais informal a seu estilo. Permitiu-lhe também ajustar o vestido em torno de suas generosas formas e aceitou colocar o medalhão dos Lancaster que Mary tinha encontrado na mochila de William.

—É precioso, querida — insistiu a linda Mary como uma menina caprichosa, — e combina especialmente com o vestido, não necessita de nada mais, está imponente, meu irmão se sentirá orgulhoso de você.

Às quatro da tarde, o jantar estava pronto na cozinha. Elizabeth realizou uma visita aos fogões e demorou vários minutos em percorrer as mesas cheias de manjares que esperavam em seu lugar aos convidados. Robert tinha retornado à galope anunciando que não demorariam para aparecer os caçadores, e Mary tinha desaparecido na biblioteca para dar as últimas instruções ao serviço; entre os nobres cavalheiros e seus respectivos ajuda de câmara, a casa se encheria com vinte e quatro pessoas que dormiriam e comeriam durante uma semana. Mary explicou a Elizabeth que quando sua mãe vivia, tinham chegado a alojar o dobro de hóspedes durante meses. Um pouco aflita pela crescente e excitada atividade da casa, e sentindo-se bastante desnecessária, já que Mary governava o castelo com destreza, Ellie decidiu sair a dar um passeio. Ainda brilhava o sol no alto, a temperatura era fresca e a parte traseira da fortaleza permanecia silenciosa e vazia, um alívio. Um grande jardim cheio de flores, a fraqueza de seu futuro sogro, atraiu-a como um ímã e quis perder-se entre as flores até que William retornasse.

As rosas cresciam exuberantes nesse clima e com cuidados, e Ellie se entreteve durante um pequeno momento cheirando e observando os exemplares até que uma mão familiar se fechou em torno de sua cintura.

—O que faz aqui, pequena? —sussurrou-lhe William no ouvido. — Parece uma princesa abandonada revoando entre as plantas de meu pai.

Ellie se voltou risonha. Como sempre, William levava o cabelo completamente revolto, com barro, a roupa suja e as botas encharcadas. Vestia um traje de montar de couro e suas enormes mãos estavam percorrendo seu precioso vestido, ameaçando sujá-lo. Os olhos celestes não podiam se separar de seu generoso decote, e sua boca iniciou uma perigosa aproximação que Ellie teve que frear em seco.

—Ah, senhor Forterque — disse ela apartando-o com a palma da mão, — sinto-o milorde, mas deverá esperar ficar limpo para me tocar, ou sua irmã matará a ambos e a verdade tampouco é que disponha de outro vestido para me trocar e jantar com suas amizades.

William jogou para trás a cabeça com uma gargalhada. O fazia muita graça essa nova atitude em sua doce e sempre disposta Elizabeth. Estava preciosa, sensual e não deixaria que escapasse dele tão facilmente.

—Vem aqui —disse avançando para aquela preciosa mulher—, importa-me muito pouco se não tiver outro vestido, não descerá para jantar e pronto. Tampouco gosto que meus amigos se deleitem contigo, diremos que está… mmm… indisposta.

Ellie o olhou muito séria, mas William já lhe tinha caído em cima e a tomava nos braços para imobilizá-la. Elizabeth gritava de alegria, defendendo-se inutilmente. William procurava com a boca seus peitos aprisionados contra o traje, enquanto com uma mão explorava por debaixo do vestido, era uma situação muito divertida que o excitava especialmente. Ellie pôde escapar, caiu no chão de um salto e iniciou uma carreira pelo jardim afogando-se de risada, mas de repente, o sorriso de William congelou em sua cara e Elizabeth soube imediatamente que algo parecia errado. Deteve-se em seco e olhou para trás para ver o que tinha assustado William e a única coisa que pôde ver foi o corpo de um homem enorme que, nesse momento, segurava-a e lhe tampava a boca.

Como por arte de magia, apareceram outros tantos guerreiros rodeando William. Ele, desarmado e surpreso, só atinou a avançar para o Ellie. Ação que um daqueles homens, com a cara coberta sob o elmo, aproveitou para aproximar-se dele e deu um forte golpe nos flancos que lhe fez perder o equilíbrio. Outro tipo lhe deu pelas costas e, finalmente, imobilizaram-no no chão, deixando-o ajoelhado com quatro espadas apoiadas contra o pescoço.

Ellie afogou um grito de terror. O homem que a segurava a tinha elevado no ar, lhe impedindo qualquer movimento. Cheirava a suor, a sujeira e o aroma fedido do indivíduo ao aproximar-se de seu ouvido quase lhe fez vomitar.

A tarde ficou suspensa em um silêncio estranho enquanto Ellie lutava contra seu agressor e William respirava sonora e ferozmente com as espadas lhe marcando o pescoço.

—Nunca pensei que voltaria a te ter de joelhos ante mim, William — disse de repente uma voz por trás de Ellie, pronunciando as palavras com muito cuidado. — É um tipo estranho, querido. Estava segura de que tinha morrido, inclusive chorei sua perda, embora Agnes acabe de me confessar o que realmente aconteceu. Tem sorte.

Uma mulher alta e loira tinha feito sua aparição em cena. Levava uma capa de veludo púrpura e tirou o capuz para olhar à apavorada Ellie à cara. Era bonita, tinha os olhos cor de mel, um generoso decote e um rosto muito belo, embora o passar do tempo se notasse em seu olhar. Elizabeth soube imediatamente que se tratava de lady Marian. Lady Lancaster, que a estudava como a um camundongo de laboratório, tirou-lhe de um puxão o medalhão que pendurava em seu pescoço antes de girar-se para encaminhar seus passos para William.

—Não a toque! —gritou Marian ao soldado antes de afastar-se de Ellie. — É de minha família, por amor ao céu, não te atreva a tocá-la ou te matarei.

Instantaneamente o captor afastou suas asquerosas mãos de Ellie, limitando-se a segurá-la pela cintura e a boca.

—Não lhe faça mal ou te arrancarei o coração com minhas próprias mãos, Marian — resmungou William quando lady Lancaster chegou até ele. — Elizabeth não tem nada que ver com nossos assuntos. Deixe que entre no castelo, irei onde queira, e pagarei com minha vida qualquer problema que ainda não se resolveu entre nós.

—Ah, é verdade, então — brincou Marian lhe dando com a ponta de seu sapato no peito de William. — Está apaixonado? Todo mundo fala de sua nova amante. É bonita, Deus do céu, é obvio que é bonita, é de minha família, não? Pois claro…

Com um forte chute, lady Lancaster conseguiu jogar William na terra, pôs-lhe um pé em cima das costas e começou a lhe explicar lenta e tranquilamente os novos planos que tinha planejado. William, com uma espada sobre a cabeça e Marian que lhe esmagava a coluna vertebral, não podia mover-se, e Ellie tremia de medo pensando que a amante do Rei decidisse matá-lo ali mesmo.

—Primeiro — começou a dizer Marian—, seu pai sairá livre. Sim, na verdade tenho feito o prometido. Segundo, vocês me deixarão em paz, você e seu irmãozinho James. Não interferirá mais em meus planos, nem atacará minha reputação ou acabarei com todos os de sua estirpe lentamente, começando pela doce Beatrice em Gales, seguindo pela nobre Mary e acabando por esfolar ao James depois de lhe haver quebrado todos e cada um dos ossos do corpo. Mmm… também matarei Robert, sim, sim, Robert e sua mulher grávida. Estou farta de suas acusações, suas investigações e seus planos para acabar comigo, não o conseguirão, William Forterque-Hamilton, e quando for Rainha da Inglaterra, roga ao céu para que não me lembre de você. Cumprirá com tudo isto que te peço, mas como te conheço, faremos um trato. Levarei a doce Elizabeth comigo. OH sim, querido, a senhorita irá comigo a Londres, enfim e ao cabo é de minha família, não? Todo mundo já sabe na corte, Enrique está desejando conhecer a preciosa e misteriosa amante que tem presa em seu castelo. Como é de minha família, protegê-la-ei, não o duvide, não lhe farei mal, cuidarei dela, buscar-lhe-ei um bom futuro. Com essa cara, brilhará em Greenwich. Mas se me falhar, se me trair, se insistir em ser meu inimigo, matarei a toda sua família, William, e te levarei o belo cadáver de Elizabeth para que vivas com isso o resto de sua vida.

William bufou sob o pé da condessa, revolveu-se e tentou levantar-se mas um forte golpe na cabeça, aplicado pelo pesado punho de uma espada, deixou-o inconsciente. Ellie olhou para Marian com olhos suplicantes, o rosto banhado pelas lágrimas. Ela a observou uns instantes antes de fazer um simples gesto com a mão, um muito elegante gesto que seria a última coisa que Elizabeth veria antes de desmaiar aturdida por um forte golpe atiçado contra seu ouvido direito.

 

—Meu Deus, meu Deus— se lamentava Mary chorando enquanto limpava a feia ferida que William tinha na têmpora. Ele estava furioso e quatro homens tinham levado vários minutos de resistências com ele para convencê-lo a se sentar e se deixasse curar antes de sair em busca de Elizabeth.

Robert parecia desolado, toda a operação desdobrada por lady Lancaster em seus próprios domínios tinha sido rápida, impecável e efetiva. Tinha escolhido um momento em que a casa transbordava de gente e atividade. As panelas ferviam na cozinha, as donzelas entravam e saíam levando roupa limpa, banheiras com água e velas aos dormitórios, enquanto um exército de serventes corria pelo castelo atendendo aos convidados. Enquanto que só a poucos metros, no momento de maior atividade, Marian tinha entrado com seu guarda pessoal e levado Elizabeth Butler.

«Sabe Deus o que farão com ela», tinha balbuciado a adorável Jane, com um trágico olhar de dor em seus olhos, quando se inteirou da notícia.

Um pajem de lorde Richmond tinha encontrado William ferido gravemente no roseiral. Imediatamente alertada a casa, o menino se deslocou em busca de Robert que, apavorado e imaginando o pior, tinha chegado até o jardim traseiro tentando localizar Elizabeth. Se William estava no castelo, Elizabeth sempre estava com ele. Quase imediatamente, Robert compreendeu que alguém levou a moça.

—Me dê minha espada e sele meu cavalo! — William rugiu da sua poltrona com a cara ainda ensanguentada. O doutor John Pitt, cirurgião da corte e amigo da família Forterque, aplicava nesse momento uns pontos de sutura na ferida que um dos soldados de Marian Lancaster lhe tinha provocado. — Deixe-me em paz, John, devo sair em busca de minha mulher. Robert! —voltou a gritar, — traga minha maldita espada e mande alguns homens para que venham comigo.

—Will! —Lorde Fitz, um charmoso nobre companheiro de mil batalhas de William, acabava de entrar na estadia seguido por vários soldados. — Nem rastro da moça, escaparam pela saída norte, isso é a única coisa posso te dizer, companheiro. Marian deve estar já a caminho de Londres. É melhor que nos ponhamos em marcha. Avisamos aos oficiais e mandamos um cavaleiro a corte para que a detenham assim que apareça em Greenwich.

—O problema — interveio Robert aproximando-se de William brandamente — é que Elizabeth Butler não é sua mulher, e além disso é uma estrangeira. Parente da condessa de Lancaster, reconhecida por ela ante toda a corte. Sem pai, nem marido, nem um irmão que a reclame diante do Rei, lady Marian é sua única responsável e fará jurar ao Arcebispo de Canterbury, se for necessário, que tem todos os direitos sobre a moça. Talvez devêssemos agir com maior prudência, é uma luta inútil se não tomarmos precauções.

William o olhou como se fosse matá-lo ali mesmo; pela primeira vez em todos os anos que compartilhavam uma existência comum, Robert teve medo do endiabrado gênio de seu senhor. Lorde Forterque-Hamilton ficou de pé, despachando com um gesto o médico e desfazendo-se de sua irmã com um empurrão. Os olhos soltavam faíscas e os músculos lhe esticaram antes de falar:

—Vou encontrar Elizabeth e trazê-la para casa antes que sofra um só arranhão por parte dessa maldita bruxa. Vou sair por essa porta e não retornarei a não ser com minha mulher, e não vou tolerar que ninguém se interponha em meu caminho, Robert. Não me importa merda nenhuma você e suas malditas precauções; matarei ao próprio Enrique se interpor-se em meu caminho.

Em seguida, William percorreu a cozinha e as pessoas que o observavam com um feroz olhar antes de pegar a espada e a adaga das mãos de Peter, seu pajem, e ficar em marcha, seguido por uma dúzia de homens. Mary desabou, desolada, chorando, sobre uma cadeira, enquanto Robert fazia um gesto de despedida a sua esposa, antes de sair logo atrás de seu amigo.

William montou em seu cavalo e saiu a galope rapidamente. Já era de noite, fazia um frio intenso. Uma fina garoa lhe molhava a roupa e a cara ensanguentada, a ferida recém fechada por seu médico lhe ardia e, entretanto, só pensou, com lágrimas nos olhos, que Ellie estaria passando frio, vestida apenas com um vestido… seus pés descalços, os braços nus. Com o dorso da mão, enxugou suas lágrimas. Recordaria, estava seguro, até o dia de sua morte a cara de terror de sua doce Ellie, apanhada nos braços daquele velhaco. Sua Elizabeth, a mulher que tinha cruzado o tempo a seu lado, deixando atrás família, amigos, uma vida, para estar com ele, para fazê-lo feliz. E ele lhe tinha falhado.

Antes de perder a consciência, pôde ver como aquele homem ousava tocar a sua mulher e jurou por sua honra que o mataria. Mataria ele e Marian, e depois se casaria com Elizabeth. Não voltaria a deixá-la desprotegida.

Um calafrio de horror lhe percorria as costas desde o momento em que tinha recuperado a consciência na cozinha de sua casa. Ele sabia o que aqueles homens faziam às mulheres, o que a corte suporia sobre Elizabeth, o que Enrique desejaria quando a conhecesse, e a fúria começou a subir novamente por todos os músculos de seu corpo. A seu lado, estava Robert, que acabava de alcançá-lo e galopava a sua direita como tantas vezes tinham feito juntos. William o olhou, esporeou o cavalo e correu, correu como se o próprio diabo o perseguisse.

 

Ellie despertou em uma carruagem. Imaginou que era uma carruagem porque os cascos dos cavalos retumbavam em sua dolorida cabeça. Permanecia coberta, completamente coberta por uma manta, dobrada em posição fetal sobre o piso. Em cima de sua cabeça, uma mulher, que reconheceu imediatamente como Marian Lancaster, falava apaixonadamente com alguém. Cheirava mal, doía-lhe todo o corpo e estava a ponto de vomitar.

—Assim que consiga o compromisso com Woodstock, dar-te-ei a garota —dizia Marian Lancaster a um homem que se queixava e protestava continuamente. Ellie levava muito tempo acordada debaixo das fedorentas mantas, mas seu instinto lhe dizia que era melhor permanecer quieta. — Lorde Woodstock serve a nossa causa, Charles, pelo amor do céu. Quando combinarem os contratos matrimoniais você a terá a sua disposição durante uns dias e te prometo que deixarei que a desfrute, querido.

Ellie não queria nem imaginar que a moça a que Marian se referia era ela, mas a lógica lhe dizia que sim. Evidentemente, os planos que lhe aguardavam em Londres ou onde diabos a levasse sua parente não seriam os mais honestos e caridosos para uma mulher como ela, recém chegada do século XXI. Quis conscientizar-se do pior, mas seria forte, manteria o equilíbrio, a calma, comportar-se-ia como uma boa garota e aguentaria estoicamente até que William a encontrasse. Porque estava segura de que ele a encontraria.

A carruagem se deteve de repente e Marian desceu dando instruções a um montão de gente que se formava redemoinhos perto deles. Alguém levantou Elizabeth como um pacote e a pôs de pé no chão, ainda coberta com a manta. Os músculos entorpecidos, o frio e o medo a deixaram paralisada, e então de um puxão ela foi despojada daqueles trapos e ficou frente a frente com lady Marian e um sujeito asqueroso, gordinho e com olhar lascivo que a observava com curiosidade.

—E então? —perguntou a condessa para Ellie. — O que faremos contigo, querida? A primeira coisa é te levar para cima. Agnes! —gritou de repente sobressaltando Ellie. — Onde está Agnes? Que suba a meu gabinete agora mesmo.

A empurrões e tropeçando, Elizabeth Butler chegou ao gabinete privado de lady Lancaster. Ellie soube em seguida, pela conversa que mantinham às suas costas, que o sujeito asqueroso era Charles, o irmão bastardo de Enrique VIII e marido de Marian. De vez em quando, dava-lhe beliscões no traseiro, a que Marian respondia com severas e infantis reprimendas que é obvio serviam de pouco.

Uma vez nas habitações daquela mulher, deixaram Ellie no meio do enorme salão sem lhe dirigir a palavra. Charles a olhava com uma obscena expressão que revolvia o estômago de Ellie, enquanto Marian ia trocar de roupa e dava ordens para que servissem chá ou pusessem mais lenha na chaminé.

De repente, aquele asqueroso indivíduo se aproximou de Elizabeth, que ao vê-lo retrocedeu alguns passos, e a encurralou contra uma das paredes. Ellie olhou para lady Lancaster suplicando ajuda, mas ela tinha saído um momento do quarto e se encontrava a sós com aquele asqueroso sátiro que acabava de capturá-la contra uma tapeçaria, colocando à altura de seu ouvido uma adaga coberta de pedras preciosas a modo de advertência. O homem a estudou com o olhar de um degenerado. Cheirava a mil demônios, estava vermelho e a respiração excitada lançava nauseabundos golpes de ar quente e poluído contra a cara apavorada de Elizabeth.

Ela olhou a seu redor analisando a situação e compreendeu que pouco podia fazer. Fechou os olhos e rogou ao céu para que aparecesse alguém; estava tão assustada que não conseguia mover nem um só músculo e o fio gelado da adaga lhe tocava o ouvido fazendo-a sangrar. Charles, com uma mão adornada de jóias e flácida, desceu até seu decote e puxou o tecido para liberar um de seus peitos, um movimento que ela rechaçou para não ficar à mercê desse homem. Ellie se moveu um pouco e ele moveu a adaga como advertência. Elizabeth podia ouvir sua própria respiração, igual à de um touro bravo, detalhe que parecia excitar ainda mais o asqueroso agressor, que babava sobre ela. O tipo baixou a cabeça, olhando-a sempre nos olhos, e tirou sua enorme e rosada língua. Ellie começou a ter náuseas, e depois de decidir que preferia a morte com a adaga a seguir suportando semelhante humilhação, fez um movimento para que lhe atravessasse de uma vez por todas o ouvido, mas nesse exato momento, um grito de lady Lancaster paralisou a cena.

Charles deu um salto para trás balbuciando mil desculpas, enquanto Ellie se dobrava sobre si mesma e ficava a vomitar copiosamente diante da chaminé. O asqueroso marido de Marian abandonou o gabinete, irado, cruzando na porta com uma anciã sinistra que acabava de fazer sua aparição silenciosamente.

—Deixa já de vomitar, moça — gritava Marian para Ellie, mas ela não podia evitá-lo. — Nem todos os seus amantes serão como o belo William Forterque, será melhor que vá se acostumando.

A anciã pegou Ellie por um braço, fê-la levantar-se e disse uma série de frases ininteligíveis ao ouvido que detiveram em seco o vômito. Depois lhe aproximou uma pedaço de tecido para que limpasse a boca e se afastou dela para situar-se junto a sua senhora.

—É de outro tempo, posso percebê-lo claramente — disse a anciã em uma espécie de dialeto que Elizabeth quase não podia compreender, — mas não é perigosa. Entregue-a ao Woodstock em seguida e culminará sua vingança.

Marian permanecia em silêncio escutando a velha Agnes, um nome que soava familiar para Ellie, mas que em meio a semelhante loucura não podia localizar. Sua mente estava concentrada em sobreviver e não podia pensar com clareza.

De repente, Agnes se aproximou dela e a tocou por cima do vestido, com uma mão enorme e forte à altura do ventre. Ellie deu um pulo e gritou que não a tocasse, frase que culminou com uma sonora bofetada dada por Marian. O golpe deslocou a jovem, que teve que apoiar-se contra a parede para manter o equilíbrio. Nunca, em toda sua vida, tinham-na golpeado na cara e a comoção foi tal que só conseguiu olhar para lady Lancaster com surpresa enquanto um fino fiozinho de sangue começava a brotar do canto de seus lábios.

—Não é virgem — soltou de repente a anciã.

—É obvio que não é — se burlou Marian, — é a qualquer de William Forterque-Hamilton, pelo amor de Deus.

Agnes voltou sobre seus passos e colocou outra vez aquela horrenda mão sobre o ventre de Elizabeth, manteve-se uns segundos em silêncio e logo, olhando a Marian, sentenciou:

—Está amadurecida, tem sua semente.

Marian a olhou com chamas saindo de seus olhos. Ellie teve que analisar com rapidez as palavras. Semente? Isso queria dizer que estava grávida? Grávida, sussurrou com uma felicidade infinita lhe percorrendo de repente todo o corpo.

Cruzou, sem pretendê-lo, um olhar furtivo com Marian, justo no momento em que sua mão adornada de jóias se levantava no ar para lhe cruzar outra vez a cara com uma violência brutal. Ellie caiu com força e perdeu a consciência no ato, enquanto a boca lhe enchia de sangue.

Quando despertou, seguia caída sobre o tapete próximo à chaminé, pelo jeito já era muito tarde, talvez faltasse pouco para que amanhecesse. Instintivamente, Ellie se tocou no ventre. Grávida. Ao menos isso havia dito a anciã, a feiticeira de Marian. De repente se lembrou daquele nome, Agnes, a bruxa que tinha mandado William ao futuro, a que tinha elaborado o feitiço para sua senhora Lancaster, essa era Agnes.

Incorporou-se e Marian lhe falou de uma poltrona próxima. Não estava sozinha, não sabia quanto tempo tinha passado desde que a raptaram do castelo, mas certamente tinha passado muitas horas porque estava sedenta, esgotada, doía-lhe todo o corpo e seu único fim agora era proteger o bebê. Se a anciã tinha razão, devia cuidar de seu filho até que William a encontrasse.

—Você acha que ele vai sair para te buscar? —Acaso lady Lancaster lhe estava adivinhando o pensamento? — Ah! —Marian soltou uma sonora gargalhada de desprezo, — é sua vida pela de seu pai, a de seus irmãos, a de Robert. Será melhor que vá fazendo idéia de que ficará comigo e logo, se tudo for como eu espero, com seu marido, um bom marido que te converterá em uma mulher decente. William te teria mantido como sua amante até que lorde Forterque retornasse de Londres. Já havia planos para fechar logo seu compromisso com Solange de Beauvoir, uma princesinha francesa de dezesseis anos, prima longínqua de lady Forterque. Quando isso acontecesse, ele já se teria fartado de você e você passaria a formar parte do serviço, com sorte, e teria que criar sozinha seus bastardos.

—Tem um pouco de água? Por favor. —Ellie desfalecia de sede e pensava que o melhor era distrair a atenção daquela mulher. Não devia discutir nem responder a sua provocação. — Tenho muita sede, lady Lancaster.

Marian se levantou do enorme sofá, aproximou-lhe um copo de água e a observou com suscetibilidade quando a teve a seu alcance; logo lhe molhou os lábios antes de derramar o líquido sobre Ellie.

—É muito bonita. Imagino que enrolou William com suas artes de outro tempo, o que lhe tem feito? Fala!

Elizabeth tinha muitas vontades de chorar, a sede lhe abrasava a garganta. Estava dolorida, o vestido estava ensanguentado e mal podia mover a cara. Sentia muito medo e não sabia o que fazer, mas optou por ser amável, talvez conseguisse alguma amostra de compaixão por parte de Marian.

—Não sei a que se refere, lady Marian — começou a dizer com a boca seca, — não consegui nada de lorde Forterque, você tem razão, só fui sua amante, ele jamais falou de matrimônio comigo.

—É bela e muito apetitosa para qualquer homem — começou a dizer Marian com um ligeiro tom de cumplicidade. — Pearl, a faxineira, havia-me dito que William desejava te ter a toda hora, e ele é um semental incansável, já sabemos. Buscar-te-ei um bom marido, lorde Jonathan Woodstock, assessor de Enrique Tudor. Tem sessenta e dois anos, é viúvo há poucos meses e necessita que uma moça sensual como você o esquente em sua cama neste inverno, já lhe falei de você e está enlouquecido com a idéia de tê-la como esposa quanto antes. Mandamos um emissário a Londres e logo poderá vê-lo. Se lhe der filhos, converter-te-á em uma mulher forte e algum dia me agradecerá que te tenha liberado de William.

—Por que faz isto por mim? —perguntou Ellie. — Eu…

—Não seja insolente, moça — gritou lady Marian lhe dando um chute no ombro, — como te atreve sequer a perguntar? É de meu sangue, disso não há dúvida, e Woodstock é um bom aliado. Pagarei seus favores com esta aliança e você obedecerá. Agora deixe de me olhar com essa cara de inocente! —voltou a chiar fora de si. — William jamais quererá o bastardo que leva e te repudiará. Agora mesmo estará alegrando sua cama com outra mais jovem e mais bela. —Ellie começou a sentir pânico, era evidente que Marian estava completamente desequilibrada. — Qualquer! —gritou lhe dando outro terrível bofetão, tão intenso que Elizabeth voltou a perder o sentido com o golpe.

»Tem que lhe tirar o menino — Ellie escutava dizer ao longe. Era Marian que metia o pau rompendo objetos em sua passagem, — dá-me igual a lua, a maldição e suas malditas superstições, velha bruxa, tem que lhe arrancar esse bastardo antes que William se inteire.

 

 

Elizabeth tentou mover-se, mas não pôde. Uma forte corrente a prendia contra uma cama. Permanecia coberta com uma grossa manta, mas tremia de frio. Doía-lhe a garganta, e a boca tinha sabor de sangue; nem sequer pôde separar os lábios, uma intensa dor lhe percorria toda a cara e intuiu que a tinha muito inchada. Tentou levantar-se, mas a cabeça lhe pesava, parecia que lhe ia estalar e o ouvido também, a dor a rasgava por toda parte e se sentia apavorada porque aquelas mulheres falavam claramente de submetê-la a um aborto.

—Arrancar-lhe-ei o bastardo, minha senhora — explicou Agnes tentando acalmar a sua ama, — mas o farei dentro de dois dias, quando a lua for crescente, assim ela poderá voltar a gerar com lorde Woodstock. Podemos esperar, milady. Forterque não tem por que inteirar-se de nada.

—Bem —respondeu Marian bufando de raiva, — amanhã deixarei que Charles se divirta com ela tudo o que queira. Já veremos se resistirá até sábado.

Com um sonoro movimento de tecidos, Marian Lancaster abandonou o quarto, momento que Agnes aproveitou para lhe dirigir uma série de palavras em gaélico, que Ellie não pôde entender pelo esgotamento e pelo tom baixo em que a mulher as tinha pronunciado. Logo, Agnes lhe colocou à força umas ervas na boca ensanguentada. A mulher rodeou várias vezes a cama recitando sua ladainha. Quando terminou, apagou todas as velas do quarto, saiu e fechou por fora com várias chaves. Ellie lutou por levantar-se, mas um pesado sono a imobilizava contra o travesseiro; em poucos segundos, caiu em um profunda e intranquilo cochilo.

 

A dois dias de Londres, o grupo que acompanhava lorde Forterque-Hamilton decidiu descansar em uma estalagem. Onze homens o escoltavam em sua desesperada busca e William tinha consentido em deter-se para conseguir alguma informação pela zona, e porque levavam um dia inteiro a galope e os cavalos tinham que descansar.

Robert se aproximou dele com um copo de cerveja. Faltava pouco tempo para o anoitecer: Ellie levava mais de vinte e quatro horas desaparecida. William tinha ficado fora do local com um ar sério e angustiado que rompia o coração de seu amigo.

—Tem que comer algo — lhe disse docemente Robert, — deve guardar forças para quando chegar o momento de nos enfrentar com lady Lancaster. Em Londres contamos com mais inimigos que amigos, William.

William permanecia em silêncio, um silêncio obstinado que os tinha acompanhado durante a viagem. Robert tinha visto suas lágrimas e o desespero em seus olhos, e compreendia perfeitamente os sentimentos que experimentava seu amigo nesses momentos, mas realmente não tinha muitas esperanças de resgatar a garota. Jovem e bela, Elizabeth era um prezado tesouro com o qual negociar e fechar alianças, e não duvidava, nem por um segundo, que Marian a usaria para tirar o melhor partido possível. Enfrentavam uma titã, e Robert tinha medo de pensar no que faria William se perdiam Ellie para sempre.

—O hospedeiro diz que Marian e sua escolta estiveram aqui repousando — disse um dos cavalheiros de seu grupo enquanto corria para eles; — segundo esse homem, a condessa ia para sua residência no campo, não para Londres, William.

William voltou-se, alerta, com esse feroz olhar que tanto preocupava Robert.

—Está seguro? —perguntou. — Estamos muito perto de suas propriedades de campo, se estiver aí, chegaremos em uma hora, andando!

Quando chegaram ao castelo de Lancaster, ainda era de noite, mas o alvorada estava a ponto de romper no céu. A propriedade parecia desabitada, embora eles estavam conscientes de que Marian possuía um potente contingente por trás daquelas muralhas e decidiram que deviam agir em silêncio e com cautela.

Com umas quantas e diretas ordens a seus homens, William organizou o assalto à casa, procurando não despertar ninguém. Entrariam pelas cozinhas e subiriam diretamente às habitações para tentar localizar Elizabeth. Sem ruído, sem sabres, limpamente, deviam pegar a jovem e sair com ela em menos de dez minutos. Uma operação complicada que necessitava de todos e cada um deles, distribuídos em grupos de dois.

Entraram sem dificuldade pelas adegas do castelo. Com gestos silenciosos, separaram-se e William partiu com Robert às suas costas por volta do segundo andar. A estadia parecia completamente desabitada, sem serventes, nem chaminés acesas, nem uma alma por nenhuma parte. Era complicado não fazer ruído, e as espadas desembainhadas chocavam sem querer entre elas. William foi abrindo todas as portas até que chegaram ao gabinete privado de Marian: ao fundo do enorme salão, um triste fogo se desvanecia com o frio da madrugada. À sua direita, o quarto da condessa com uma cama de dossel muito exuberante onde, supunham, dormia ainda sua proprietária. Caminharam nas pontas dos pés para a esquerda do gabinete, onde uma porta dava acesso ao quarto da donzela pessoal de Marian. Estava fechada com chave.

William e Robert cruzaram um olhar de cumplicidade e decidiram rapidamente que a abririam de um golpe, embora o estrondo despertasse Marian; o risco valia a pena. William estava retrocedendo para lançar todo o peso do corpo contra a grossa porta de madeira quando uma mão em seu ombro o deteve. Robert acabava de encontrar umas chaves sobre a mesa de chá e se dispunha a provar a sorte com a porta.

A segunda tentativa de Robert teve êxito, a porta cedeu ante eles e deixou a descoberto uma estreita escada de caracol contra a qual se lançaram como loucos, subindo os degraus de dois em dois. Uma energia especial os empurrava para o alto: sabiam que ali encontrariam Elizabeth.

Uma vez em cima, tiveram que acostumar os olhos à escuridão. Uns poucos segundos de cegueira deram lugar à visão da estreita cama onde Elizabeth dormia atada. Estava seminua, coberta com uma tosca camisola, o cabelo solto sobre o travesseiro e a cara volta para a parede. Ao A alma de William encolheu e ele avançou para ela temendo o pior.

Justo às suas costas, o ruído de uns passos o sobressaltou; um giro brusco, com a espada em alto, foi sua primeira reação.

—Terá que sair rápido, milorde — sussurrou um de seus homens aparecendo no quarto, — a casa está despertando.

William deu então duas pernadas para a cama enquanto Robert se posicionava na porta com a espada segura com ambas as mãos, em guarda. Aproximou-se de Elizabeth com precaução, não queria assustá-la e se agachou para lhe colocar uma mão na boca para evitar o possível alarido que poderia dar. Tocou-a e Ellie deu um salto, mas não de medo e sim de dor. Seus enormes olhos, apavorados, olharam-no com espanto, sua cara inchada, o corte na boca e o arroxeado da bochecha tiraram a respiração de lorde Forterque.

—Eu te matarei — disse voltando sobre seus passos a procura de Marian. — Matarei a essa mulher.

Robert lhe fechou o caminho, indicou-lhe que guardasse silêncio; seu homem já estava tentando abrir as correntes que prendiam Ellie com as chaves que encontraram na mesinha de Marian.

E ela chorava, chorava em silêncio e William rompeu em soluços como um menino, abraçando-a, ajoelhando-se ao lado daquele catre, sem atrever-se a tocá-la para não lhe provocar mais dano.

—Me perdoe, meu amor —lhe disse enquanto afundava o rosto banhado em lágrimas no cabelo revolto de Elizabeth, — me perdoe, amor.

Robert Wilson o separou com força da jovem, decidiu envolvê-la em uma das mantas da cama para tirá-la do quarto, tomou-a nos braços e a entregou a William como quem entrega um recém-nascido. Lorde Forterque permanecia imóvel, em uma espécie de estado de comoção que lhe impedia de reagir. Ele, William Forterque-Hamilton, que tinha participado de mil batalhas, o valente menino que aos dez anos escapou para a França para brigar junto a seu pai na batalha de Guinegatte, o aclamado ganhador de torneios e justas, esse lorde Forterque não podia suportar a visão de Elizabeth ferida e indefesa.

John, com as chaves nas mãos, olhou seu senhor para que este se movesse e não duvidou em empurrá-lo para as escadas. Brincavam contra o tempo e estavam demorando desnecessariamente em sua fuga do castelo, embaixo os esperavam seus homens preparados para empreender o percurso. William reagiu com confusão, mas se lançou para a saída com grandes pernadas, abraçando Ellie contra seu peito. Enquanto isso, Elizabeth desfalecia uma vez mais em seus braços, aturdida pela droga fornecida horas antes pela feiticeira de lady Lancaster.

 

Quando a improvisada comitiva chegou à paróquia de São Patrício, o sol no alto indicava o meio-dia. Ellie seguia dormitando nos braços de William, entrando e saindo da inconsciência, sem que as palavras de amor, nem o galope do cavalo, nem o ar frio conseguissem tirá-la da letargia.

O pároco saiu a seu encontro alertado pelos gritos dos meninos. Um senhor e seus homens tinham cruzado a aldeia a galope e acabavam de deter-se em frente à sua humilde igreja, desmontando todo o grupo com um aspecto ameaçador. Dois minutos depois, o nobre e seus amigos o encararam na porta da paróquia. Lorde Forterque-Hamilton, o filho mais velho do Duque de Forterque, levava em seus braços a uma jovem ferida gravemente, e o padre, que conhecia William desde a infância, deixou-o passar ao interior do templo sem fazer perguntas.

—Quero que nos case, padre — lhe disse William enquanto recostava com delicadeza aquela jovem no chão. Coberta até os pés com uma manta, despenteada e com um grande hematoma na bochecha, parecia uma mendiga mais que uma noiva, e o padre John O'Hara duvidou por um momento das verdadeiras intenções do jovem lorde Forterque. — Agora mesmo, padre. Robert será o padrinho.

—Por que o faz? —perguntou o padre — Seu pai está na Torre de Londres, não pode esperar? Está grávida? Tem a aprovação do rei Enrique?

—Você, simplesmente nos case — ordenou William com a autoridade própria dos de sua condição, — só quero que nos case agora mesmo e me dê o certificado de matrimônio.

Com uma doçura extrema, William se agachou para pentear um pouco Elizabeth, acariciou-lhe a cara e disse inumeráveis palavras de amor no ouvido. Tirou do dedo mindinho o selo de ouro de seu ducado, o entregou a Robert e deu uma olhada em seus homens, todos fecharam o cerco às suas costas com um sonoro tinido de espadas, e o padre não teve outra alternativa: subiu ao altar e chamou um coroinha para que o ajudasse com o precipitado enlace.

—Quem entrega esta mulher? —perguntou o sacerdote assustado pelo mau aspecto daquela mocinha.

—Eu a entrego — disse Robert avançando um passo para o altar enquanto segurava Elizabeth pelo braço. Ela se mostrava realmente surrada e Robert temeu seriamente por seu bem-estar. William cruzou com ele um olhar preocupado antes de tomar Ellie pela mão.

O padre iniciou então uma rápida e direta cerimônia nupcial para lorde Forterque-Hamilton, até esse momento o jovem nobre mais desejado da Inglaterra, que se casava às escondidas, sem pompa nem luxos, em sua humilde paróquia e com aquela desconhecida moça cuja imagem assustava. Era bela, e seu corpo firme e bem formado se adivinhava sob a horrível manta que a cobria dos pés à cabeça, mas parecia aturdida; obviamente a tinham golpeado e os lábios gretados, além de seus vidrados olhos, indicavam que necessitava urgentemente da ajuda de um médico.

—William Albert Jonathan Forterque-Hamilton — recitou pretensiosamente, — toma como esposa a…? —Dirigiu um olhar de consulta a Robert, que rapidamente particularizou os nomes. — … a Elizabeth Anne Butler?

—Sim, a tomo — respondeu William olhando diretamente nos olhos de Ellie que nesse momento sorria levemente, — claro que sim.

—Basta um «sim, quero», William —apontou o sacerdote sorrindo. — Pelo poder que me concede a Santa Igreja Católica, eu os declaro marido e mulher: lorde e lady Forterque-Hamilton. O que Deus uniu, que o homem não separe. Já pode beijar a noiva, William.

William se agachou para colocar o anel ducal, que Robert guardava, no anular direito de Ellie e beijar docemente a sua flamejante esposa, tão pequena e tão frágil, vestida como uma camponesa. Ellie o olhou com aquela letargia que a afetava, mas respondeu cálida e profundamente como sempre fazia. William então a levantou como a uma pluma, tomando-a nos braços, fazendo-a girar, feliz como um menino.

—Já te converti em uma mulher decente, Elizabeth Forterque-Hamilton — lhe disse rindo, — me diga algo, tesouro, ainda não disse nada.

—Água, por favor — respondeu Ellie arrastando as palavras, — só quero água, William.

Em seguida desmaiou uma vez mais e encerrou de repente a cerimônia de suas bodas. Todos correram a procurar água enquanto o padre preparava os certificados de matrimônio que William necessitava.

A nova lady Forterque-Hamilton despertou no exato momento em que Robert Wilson a recebia dos braços de William. Ambos a deslizavam com cuidado para descer de Twister, o enorme cavalo de seu marido, e ao redor dela começava a reunir uma série de pessoas que quase não reconhecia. Seguia enjoada, com náuseas, tinha febre, muita febre e recordava como um filme antigo suas recentes bodas. Não sabia o que acontecia a seu corpo, mas não respondia: tinha sede, frio e a cabeça estava a estourar. De repente, a voz de Mary Forterque lhe chegou de muito longe; como sempre Mary dava ordens a todo mundo. Pelo jeito estava outra vez em casa, com a família de William, mas não podia alegrar-se nem pensar, só queria dormir e dormir e seguir dormindo.

 

Quando Robert a depositou na cama de William, o doutor Pitt a esperava, escoltado de perto por Mary. Jogaram William, literalmente, do quarto e inundaram o corpo de Elizabeth ferido gravemente em uma banheira cheia de água quente, sal e outras substâncias, o que lhe pareceu o paraíso.

O médico, antes de agir, esperou pacientemente a que a secassem, penteassem-na e lhe pusessem uma camisola. Tirou de seu estojo de primeiros socorros uma garrafa pequena cheia de um líquido escuro e a colocou na boca Ellie. O aroma lhe provocou nauseia, mas Pitt lhe separou os lábios partidos e ressecados e lhe derramou aquela beberagem sem muita delicadeza. Conforme lhe explicou, aquele tônico a faria vomitar e limparia seu estômago e seus órgãos vitais de qualquer veneno ou droga que lhe tivessem sido dado em casa de Marian.

—Conheço Agnes, Elizabeth —lhe disse enquanto fazia que a donzela lhe aproximasse uma bacia à cama, — e por seus sintomas, acredito que a doparam para mantê-la quieta. A febre pode ser por uma infecção, e a debilidade se agravou pela desidratação, quando se purgar, começaremos a lhe dar água lentamente.

A essas alturas, Ellie, segura por Mary, já estava vomitando. Tinha medo, odiava vomitar e, além disso, temia pela segurança de seu bebê. Talvez aquela bruxa lhe tivesse dado algum medicamento abortivo: queria explicar ao médico, mas não podia, esteve vomitando vários minutos antes de terminar desabando sobre os travesseiros. Mary a limpou maternalmente, e lhe deram água para que limpasse a boca. Quando enfim pôde falar, teve que segurar o doutor Pitt pelo pulso para que lhe desse atenção.

—Elas disseram que estou grávida — começou a explicar com a voz rouca e pastosa, doía-lhe horrores separar os lábios para falar, as bofetadas de Marian lhe tinham partido literalmente a boca, — quero saber se meu filho está bem doutor, por favor.

Pitt ficou estático, com os olhos muito abertos. Mary soltou um pequeno gritinho de felicidade, e a donzela se santificou dando graças ao céu. Ellie olhou aos três esperando uma resposta. O doutor lhe ordenou com um gesto que retornasse sobre a cama e ordenou às duas mulheres, com outro gesto, que saíssem do quarto.

Apenas a tocou. Naquela época, nenhum médico ousaria tocar a uma mulher nobre, e menos à mulher de um lorde. Simplesmente localizou suas mãos sobre o ventre, abafado, de Ellie, afundou delicadamente seus largos dedos e logo, usando uma espécie de primitivo estetoscópio, auscultou-a sem olhá-la na cara.

—Quantas luas você está sem seu período? —perguntou-lhe enquanto observava suas pupilas. — Todas as mulheres devem fazer um controle de seus períodos de sangue.

—Acredito que só um mês, talvez tenha passado mês e meio desde minha última regra — respondeu Ellie, — ou dois. A verdade é que tive uma vida muito agitada ultimamente e perdi a noção do tempo, doutor.

O médico suspirou, voltou a comprovar com os dedos o útero e confirmou para Elizabeth a gravidez.

—Tem que se cuidar, milady — disse lhe dando as costas, — agora deve descansar. Falarei com lorde Forterque, deve ter alguns cuidados, suponho que Agnes queria provocar um aborto. Graças a Deus a resgataram a tempo, tudo vai bem, você é uma mulher muito forte, milady, e esse moço ou moça tem um forte coração pulsando aí dentro. Parabéns, lady Forterque. Agora durma um pouco, direi a sua cunhada que lhe dê uma infusão quente e logo deve dormir, voltarei amanhã para ver como segue.

 

Elizabeth despertou rodeada pelo corpo de William. A luz do dia penetrava pelos cortinados de seu quarto e estava ali, segura, quente e feliz junto ao homem que amava.

À noite anterior, dormiu sem poder falar com ele. Uma vez que o doutor lhe tinha confirmado a gravidez e a tinha agasalhado na cama, só tinha podido ver Mary, uma Mary muito feliz de sua volta para casa, que não fazia mais que soluçar sem poder olhá-la na cara.

A doce irmã de William se lamentava de todo o acontecido: da cara arroxeada de Ellie, de seu sofrimento, de suas feridas e dos problemas que desencadearia o resgate levado a cabo por seu irmão e seus homens: oito deles, nobres cavalheiros que dependiam diretamente do poder do Rei. Mary estava preocupada, mas queria tranquilizar Ellie com planos para o bebê que estava a caminho e para a volta à casa, iminente, de seu pai. Tinha tagarelado e tagarelado lhe assegurando que William subiria logo para o seu lado. O satisfeito lorde Forterque-Hamilton tinha ordenado um banho e uma boa comida e, nesse momento, permanecia na cozinha embebedando-se junto a seus homens, celebrando o resgate, as bodas e sobretudo sua próxima paternidade.

—Não me olhe assim, querida — explicou Mary, — isto é algo que um homem festeja sozinho com seus homens, embora pudesse descer, jamais lhe permitiria isso.

Finalmente tinha adormecido esgotada pelos quase dois dias de tensão. O medicamento do doutor Pitt funcionava e tinha podido tomar uma infusão e um pouquinho de caldo antes de aconchegar-se contra os travesseiros para se deixar levar por um tranquilo e reparador sono. Mary tinha velado pacientemente seu descanso até que William apareceu bêbado e feliz para meter-se na cama junto a sua mulher.

Agora era Ellie que não queria mover-se nem fazer ruído. Precisava desfrutar do abraço protetor de William, de sua cama quente, de seu fôlego lhe roçando o cabelo, dessa segurança que lhe proporcionava e que jamais duvidou que recuperaria assim que ele a encontrasse. No tempo que tinha estado nas mãos de lady Lancaster não duvidou nem por um segundo de que William a buscaria e a tiraria daquela horrível casa.

—No que pensa, lady Forterque? —perguntou William apertando-a contra seu corpo, — neste precioso bebê que vamos ter?

Ellie se virou para olhá-lo nos olhos. Seu formoso William, com esses olhos claros como o céu, sorria-lhe com um amor infinito e eterno, tão sincero e sólido como o que ela mesma sentia por ele.

—Amo-te — lhe disse com lágrimas nos olhos, — amo-te tanto que acredito que vou morrer por você, William.

William a abraçou e lhe beijou a cabeça, logo simplesmente a apertou contra seu peito e começou a soluçar também, como um menino; então foi Ellie que lhe beijou o cabelo, a testa, lhe sussurrando palavras de amor; buscou-lhe a boca e começou a beijá-lo com urgência, com toda a exigência, a saudade e o medo que tinha sentido na casa de Marian Lancaster.

Ele tentou resistir, mas Ellie lhe assegurou em um sussurro que estava bem, que podiam fazê-lo, que o necessitava. Então William se posicionou em cima e a beijou brandamente, com cuidado, enquanto lhe acariciava os peitos com uma doçura que lhe despertou o desejo mais selvagem, arqueou as costas lhe suplicando mais. William a segurou pelo traseiro com uma só mão e a penetrou até o fundo, chegando ao mais profundo de suas vísceras. Com movimentos rítmicos e contundentes, fê-la gritar e chegar ao orgasmo enquanto ele a observava em silêncio. Antes que Elizabeth pudesse recuperar o fôlego, levantou-a e a sentou sobre seu membro duro e suave, cara com cara, os dois nus sentados sobre a cama. William lhe lambia os seios e se detinha em cada terminação nervosa de seus mamilos, «amo-te, amo-te», repetia mordendo-a, chupando-a, engolindo-a enquanto Ellie lhe beijava o cabelo revolto e seguia o movimento de seus quadris com a precisão de um relógio.

Amaram-se até a chegada da manhã. Ninguém no castelo ousou incomodar o casal, e quando Ellie abandonou o quarto, nas pontas do pé, coberta com um lençol, seu marido roncava placidamente de barriga para baixo sobre a enorme cama, nu e imponente com todo seu esculpido corpo no mais absoluto relaxamento. Elizabeth lhe deu um beijo nas costas antes de cobri-lo e sair em busca de Mary. Tinha fome e sede, sentia-se com forças e só desejava poder recuperar a normalidade e esquecer o acontecido o mais cedo possível.

Na porta de seu quarto, sobressaltou-a a presença de dois guardas: um sentado no chão e outro passeando pelo imenso corredor com a espada na mão. Ellie deu um pulo e pensou em retornar para dentro do dormitório, mas o soldado a tranqüilizou lhe dizendo que eles formavam parte das medidas de segurança que Robert tinha ordenado, e que ela se limitasse a fazer sua vida normal, que não a incomodariam.

Vestida com camisola e bata, aventurou-se até a cozinha, onde uma grande agitação a pôs em guarda. Entravam e saíam homens com cota de malha, cascos e armas, e a cozinheira trabalhava em excesso sobre vários tachos fumegantes. Robert Wilson tomava um caldo quente na cabeceira de uma mesa, rodeado de pergaminhos, e revisava uma série de papéis, concentrado e também vestido para entrar em combate; a seu lado, em um canto, sua espada, desembainhada, esperava ser utilizada no momento oportuno.

—Bom dia, Robert —sussurrou Ellie sentando-se a seu lado. Maggie, a cozinheira, aproximou-se imediatamente da mesa para dar um pouco de comida à recém chegada, — o que acontece? Por que tanto alvoroço?

Robert Wilson levantou a vista dos papéis e fixou seu olhar em Elizabeth. Seus machucados estavam muito frescas ainda. O corte no lábio era profundo e o hematoma da bochecha demoraria vários dias para desaparecer. Um calafrio de preocupação percorreu as costas de Robert de maneira premonitória.

—Milady — saudou forçando um sorriso, — como se sente esta manhã? Onde está William? Não se preocupe com nada, são medidas de segurança rotineiras, como diriam em seu tempo, é por pura precaução.

—Alguém me contará realmente o que acontece? —perguntou consumindo uma tigela de leite quente, — ou terei que ficar suspirando em minha torre e esperar meu homem com o cinturão de castidade bem preso? —Robert a olhou com a boca aberta, esses ataques de modernidade de Ellie o fascinavam. — William não quer me dizer nada, nem pensar no acontecido, nem me explicar o que acontecerá a partir de agora e, entretanto, na porta de meu dormitório, dois guardas armados até os dentes vigiam nossos movimentos. Sou historiadora, Robert — sussurrou aproximando-se — sei como são as coisas nesta época.

Robert não pôde evitar sorrir, aquela garota de Nova Iorque era assombrosa: estava apenas um tempo com eles e jamais se queixou dos desconfortos, de sua mudança de vida, nem tinha dado amostras de querer voltar para casa. Era forte e otimista, e tinha saído inteira do incidente com lady Lancaster. Era uma mulher inteligente e mais valia não tentar enganá-la.

—Elizabeth — começou a dizer Robert, — William, acompanhado por onze homens, um terço deles nobres, entrou no castelo de lady Marian Lancaster, esposa do meio-irmão bastardo do rei Enrique e antiga favorita de sua Majestade em Greenwich. Subiu a seus aposentos, forçando portas e cadeados e raptou a sua sobrinha quando toda a casa dormia placidamente. — Ellie fez um gesto de protesto que Robert deteve em seco levantando a mão. Essa é a versão oficial, isso contará Marian, e esse delito pode pagar-se com o cárcere e a morte. Infelizmente, aqui não temos telefone, nem Internet, nem imprensa — Robert sorriu, — e não sei como está reagindo a arejada dama, mas temo que nós logo teremos novas visitas de Londres.

—Como ela pode provar que sou parente dela se não existir papéis que o certifiquem? —perguntou Ellie preocupada. — Não entendo nada, é sua palavra contra a nossa e agora sou a mulher de William, não? Ele diz que não me podem tirar da casa de meu marido.

—Toda Londres tinha ouvido falar da parente de Marian retida como amante de William nesta casa —explicou Robert, — e você mesma, milady, o confirmou a uma criada que jurará diante de um juiz esta versão. Além disso, Marian Lancaster consegue o que quer e quando quer, e está ofuscada pela idéia de arruinar a vida de William. O caso das bodas é uma medida dissuasiva, é verdade, mas tendo em conta que você é parente dela, William cometeu o delito de sequestrá-la e casá-la com ele sem o consentimento dela, portanto, a igreja poderia anular as bodas e devolvê-la ao castelo de Lancaster. Estamos no século XVI, Ellie, não o esqueça.

Ellie ficou com a boca aberta.

—O que acredita que tentará essa mulher, Robert? —Olhou-o angustiada. —Ela ameaçou matar a meu bebê, se chegar a conseguir algo do que me disse, não sei o que faria.

—Por isso estamos redobrando todo nosso destacamento no castelo. —Robert tentava tranquilizá-la, embora Ellie ia perdendo as cores à medida que avançava a conversa. — Confio em que ela não queira fazer nada, afinal foi a primeira a entrar nesta propriedade, atacar ao senhor da casa e levar-lhe pela força diante de dezenas de testemunhas; mas é imprevisível, as más línguas dizem que tem entendimentos com o diabo e que essa velha bruxa, Agnes, conseguiu torná-la louca.

—Sim, isso me pareceu, Robert. Acredito que é uma mulher desequilibrada e por isso me dá muito medo; se for sincera, embora não quero preocupar William, parece-me que ela não descansará até ver-me morta e a meu filho também.

—Não diga isso, Elizabeth. —Robert ficou de pé de um salto. — Isso nós não o permitiremos jamais. De fato, acredito que deveríamos afastá-la daqui, a você e a Mary, e levá-las a um lugar seguro para evitar riscos. Minha idéia é uma casa familiar, propriedade de lady Forterque-Hamilton, que em paz descanse, ao sul da Inglaterra, perto de Exeter. O clima é um pouco mais agradável e estará longe de Londres. Mas duvido que William queira abandonar o castelo, ele é dos que defendem os seus com a espada. Por isso necessito de sua ajuda: ajude-me a convencer ao William, deve afastar-se daqui até que tudo isto se acalme, você o fará?

Ellie assentiu, mas teve que abandonar a conversa precipitadamente, atingida por fortes náuseas. O enjôo e o mal-estar geral lhe recordaram que devia levar as coisas com mais calma.

 

—Não! —grunhiu William na hora do jantar, quando todos, reunidos em torno da mesa familiar, jantavam e discutiam os passos que deviam seguir com respeito a Marian Lancaster, — não vou deixar minha casa, minha gente e minhas terras por essa mulher, não lhe tenho medo e aqui a estarei esperando quando ousar vir a me reclamar.

—Irmão — sussurrou Mary. Elizabeth não deixava de surpreender-se pelo respeito reverencial e quase místico que todo mundo professava a William, ele era o lorde, o senhor da casa na ausência de seu pai, e ninguém ousava enfrentá-lo, exceto ela, claro, um traço de caráter que assustava a sua cunhada enormemente. — O importante é a segurança de Elizabeth e do bebê, não o entende?

—Defenderei a minha mulher com minha vida. —William acabava de levantar-se de modo teatral e abandonou a cabeceira da mesa. —Não deixaremos este castelo porque nosso filho nascerá debaixo deste teto, e não quero discutir mais sobre o tema.

Robert dirigiu então um olhar de súplica a Elizabeth. Ela não necessitava que a animassem, estava completamente de acordo com Robert e com Mary: deviam ir para longe dali, ela tinha estado com Marian Lancaster e estava convencida de que era capaz de qualquer atrocidade. William se equivocava porque o orgulho o cegava.

—William — disse Ellie levantando-se trabalhosamente de seu lugar. Seguia um pouco inchada, — acredito que Robert tem razão. Eu quero ir ao sul, é melhor para todos, o clima é mais agradável, aqui somos vulneráveis e não vejo necessidade de esperar o assédio como se de uma guerra se tratasse. Vou a Exeter, está resolvido, deixe de nos contrariar, meu amor.

—Você fará o que seu marido te ordene, mulher — espetou lorde Forterque-Hamilton da sua poltrona de veludo vermelho situada junto à chaminé, — ninguém está perguntando sua opinião. Se tiverem medo, bem, eu não, e acredito que agora deveríamos subir ao dormitório. —Lançou-lhe um sugestivo olhar celeste aceso pelo fogo próximo, mas Ellie estava tão zangada que nem sequer se deu conta de suas intenções.

—O que? —Elizabeth Butler pôs as mãos na cintura em frente ao seu enorme marido e lhe deu, inclusive, um chute na bota para que a olhasse nos olhos. —Como te atreve a me falar assim? Eu não sou sua propriedade, William, esqueceu de onde venho? O bem-estar de meu bebê é o primordial aqui, não sua valentia, nem sua raiva, nem seu maldito orgulho. E se não for capaz de entender isto, importa-me um nada, eu não quero seguir assim, já estive nas mãos dessa mulher e juro por Deus que não voltará a aproximar-se de mim enquanto viva.

William a observou surpreso. Ninguém falava com ele dessa maneira, muito menos em sua casa. Ficou de pé e olhou Elizabeth, quase trinta centímetros os separavam e aquela diminuta mulher o seguia desafiando. Robert, Jane e Mary guardavam silêncio em torno da mesa, Mary tinha tirado o rosário e rezava silenciosamente sem levantar a vista das contas, só Robert Wilson ria interiormente vendo o desenvolvimento dos acontecimentos.

—Não te atreva a me falar dessa maneira, Elizabeth. —William deu um passo para ela e Ellie nem se alterou, ficou quieta olhando para cima, com seu precioso pescoço esticado e seus generosos peitos que apareciam por aquele provocador decote. Uma espetada de desejo urgente começou a lhe nublar a razão, mas não queria perder a jogada contra sua mulher, assim seguiu com suas intenções bem claras: conseguir que ela obedecesse. — Eu decidirei o que é melhor para meu filho e você obedecerá, agora subirá ao dormitório, logo calará, aprenderá algum trabalho que te entretenha e se esquecerá de tudo isto, maldição!

—OH! — Ellie com a boca aberta o seguiu com o olhar pelo grande salão enquanto ele tencionava dar por resolvida a discussão. — Onde acha que vai, William Forterque-Hamilton? Ou devo dizer lorde Forterque-Hamilton? Ainda não terminei contigo. — Suspirou. — Todo mundo aqui quer o melhor para nós, ou o que pensa? Que tentam te boicotar? — William virou outra vez para ela, boicotá-lo? Que diabos estava dizendo? — Sobe para o seu dormitório se quiser, mas eu não voltarei ali acima até que te comporte como o ser humano inteligente que é. Não jogue esse papel de macho dominante comigo, William, porque não funcionará. Mary? —perguntou sobressaltando a sua cunhada, que não tinha levantado os olhos do chão desde que começou a discussão, — podemos compartilhar seu quarto, não?

—Não coloque a minha irmã nisto — começou a dizer, muito contrariado para seguir discutindo diante de todo mundo. Avançou um passo, segurou-a pelo pulso e a levou escada acima apesar de seus protestos. — Não volte, digo-lhe isso a sério, não volte a me falar desse modo diante de minha família, jamais, ouviu?

—Então você não volte a me tratar como se fosse um de seus lacaios. — Chegaram ao dormitório e William fechou a porta com força, o que fez que vibrassem até os alicerces do castelo. Manteve-se firme e digna junto à cama, a cara machucada e os rastros do sequestro ainda evidentes, mas desafiando-o com um olhar intenso e firme. «Esta mulher não se resignará tão facilmente a ser a discreta esposa de um nobre», pensou William olhando-a.

—Ninguém te tratou como a um lacaio — respondeu cruzando as mãos sobre o peito, — mas o que toma as decisões aqui sou eu, e se não conseguir assimilar este particular, não é meu problema.

—Muito bonito, obrigada, mas neste momento todos corremos perigo e portanto todos temos direito a opinar.

—Você corre perigo, o bebê corre perigo e vocês são de minha exclusiva responsabilidade, Ellie. — passou a mão no cabelo. — Não posso sair fugindo de minha casa cada vez que Marian ou qualquer outro ameace a minha família, não é o correto, será que não o entende?

—Não fugimos, tentamos evitar um mal maior, por que pôr a todo o castelo em perigo?

—Posso te proteger, não permitirei que ela volte a aproximar-se de você. —desabou na cama, esgotado.

O coração de Ellie encolheu. William não estava brigando por impor seu critério, não era uma questão de poder, ele pensava que ela duvidava dele, de sua capacidade para mantê-la a salvo. Observou-o sentado na cama, os olhos cansados e o cabelo um pouco revolto, tão alto e tão forte, e ao mesmo tempo tão vulnerável.

—Meu amor — disse aproximando-se para embalá-lo contra seu peito, — sei que não permitirá que nos faça mal, é obvio que sei, mas deveríamos nos antecipar a seus planos, essa mulher está desequilibrada, não podemos nos afastar só por um tempo?

William guardou silêncio enquanto sua cabeça analisava as possibilidades a toda velocidade; ele era responsável por sua mulher e seu filho, sua irmã, Robert, toda sua gente, mais de quarenta almas que pernoitavam cada noite dentro do castelo. Agarrou-se a Ellie, a seu aroma de baunilha, respirou fundo e procurou seus olhos.

—Está bem, vamos para Exeter — concluiu, observando-a, e levantou a mão para percorrer a fina pele de seu pescoço, de seus seios, desceu pelo vestido e acariciou a incipiente curva de seu ventre, onde agora cobria a seu bebê. — Te amo — sussurrou antes de deslizá-la com cuidado sobre a cama para lhe fazer amor.

—Não quero te contrariar nem te desafiar diante de sua família — lhe disse quando, satisfeitos e agitados, desabaram sobre os travesseiros, — não quero que te envergonhe de mim, William, mas devemos dialogar ou não poderei evitar me revoltar.

—Não me envergonho de você — a apertou contra seu peito, sorrindo—, mas deve manifestar um pouco mais de respeito por seu marido, sou o senhor desta casa, maldição.

Era imprescindível partir logo. Lorde Forterque-Hamilton, cativo ainda na Torre de Londres, seria liberado a qualquer momento, ao menos isso esperava a família. E James, o irmão militar de William, encontrava-se na capital do reino cuidando para que a soltura se produza para retornar ao lar familiar com o deteriorado duque, que já levava quatorze meses na prisão, todo um recorde de sobrevivência, tendo em conta as condições de cativeiro.

—Quando o pai estiver livre, diremos ao James que o leve até Stone House, nossa casa em Exeter. —Mary tagarelava enquanto enchia os baús com a bagagem de toda a família. —Ali se recuperará. Você adorará a casa, Ellie, é muito menor que esta, mas é acolhedora; também mandarei um mensageiro até Gales para que nossa Beatrice vá visitar-nos.

Elizabeth se deleitava ao escutar a sua doce cunhada. Mary tinha vinte e três anos, para sua época e condição era considerada toda uma solteirona. Por culpa das intrigas de Marian Lancaster, a desgraça de sua família e o encarceramento de seu pai, ela tinha perdido a última oportunidade de casar-se quando seu prometido francês anulou, sem explicações, seu compromisso e suas iminentes bodas e, entretanto, ainda era capaz de olhar a vida com otimismo, submissão e sem pronunciar nenhuma só palavra de protesto.

Mary tinha estado comprometida três vezes, conforme lhe tinha explicado William; a primeira, com um nobre rural do sul da Inglaterra, morto ao cair do cavalo em plena caçada aos vinte anos, seis meses antes das bodas. Naquela época, Mary contava com dezesseis anos, e sua mãe a tinha consolado lhe prometendo um matrimônio feliz junto a um aristocrata palaciano de Londres, que apagaria rapidamente sua vergonha pela prematura perda de Peter Rutherforth; a segunda, com lorde Julián Sheffield de York, segundo filho de um conde e, portanto, militar de profissão que deixaria Mary adoecendo de amor em seu castelo, durante dois anos, enquanto ele defendia a soberania de sua Majestade em Escócia.

Finalmente, Julián tinha abandonado seu compromisso com Mary Forterque-Hamilton para casar-se subitamente e por amor com a filha de um nobre de Highlands, e Mary aceitou a estocada com a discrição e a nobreza que se esperava da filha de um duque. Por então, Mary tinha completado os vinte, e sua irmã pequena, Beatrice, com dezesseis, acumulava sobre sua saia milhares de cartas de amor dos jovens mais prometedores da Inglaterra e Gales.

A mais velha das irmãs devia casar-se, de acordo com a tradição, para que Beatrice pudesse selar um compromisso matrimonial. Os filhos varões Forterque-Hamilton seguiam solteiros, para angústia de sua mãe e desespero das jovens casadouras da Inglaterra, e não havia outra saída senão conseguir um marido para Mary quanto antes para que, ao menos, umas bodas enchessem de felicidade a linhagem da família, uma das mais antigas da Europa.

Com esta premissa, lady Forterque Hamilton tinha encontrado um pretendente de boa casta e melhor fortuna na França: um primo longínquo da família, o primogênito de um ducado gaulês bastante próspero, que tornaria Mary uma duquesa e mãe, com sorte, antes dos vinte e um anos. Entretanto, o rebelde pretendente tinha demorado muito em fixar a data das bodas e, enquanto seus emissários negociavam os termos do matrimônio com os duques de Forterque-Hamilton, a desgraça se abateu sobre a família, a Duquesa havia falecido, o duque tinha sido encarcerado e o compromisso se havia dissolvido sem que Mary se importasse. Quando o francês afetado e perfumado que tinham escolhido para ela, e a quem havia visto só uma vez durante umas horas, decidiu rescindir o compromisso nupcial, Mary sorriu por dentro e deu graças a Deus pela ruptura, embora os fatos que o motivassem fossem tão dolorosos para sua família.

Mary havia virado a página e se encarregou das bodas de sua irmã, da casa, do exército de serventes, de seus camponeses e vassalos, de seus irmãos, aos que adorava. Sem pigarrear e com um sorriso, tinha aceitado o desaparecimento de seu irmão maior, a viagem no tempo e a chegada de Elizabeth Butler a sua vida, com uma maturidade e uma tolerância que Ellie admiraria o resto de sua vida.

Agora Ellie a observava com grande ternura, enquanto Mary não parava um minuto, enchendo baús e dando instruções aos serventes aos quais tratava com um respeito bastante impróprio para aqueles tempos, cada um por seu nome de batismo e acrescentando o «por favor».

Mary Forterque-Hamilton era muito bela, elegante, alta, esbelta e muito jovem, e se comportava como uma matriarca perita e sacrificada, que não fazia pergunta, nem ousava levantar a voz a seu irmão mais velho. Era um exemplo de virtude e Ellie sentiu tanto amor por ela que prometeu a si mesma fazer o que estivesse ao seu alcance para fazê-la feliz.

—Você gostaria de se casar, Mary? —perguntou de repente Ellie a sua surpreendida cunhada, que se deteve e a olhou com aqueles maravilhosos olhos azuis, — perdoe-me se lhe pergunto isso assim, mas é que não imagino que uma garota tão bonita e fantástica como você não queira apaixonar-se.

—Me apaixonar? Garota bonita? —Mary riu de boa vontade e seguiu colocando coisas em um enorme baú, propriedade de William. — É evidente que as coisas são diferentes em sua época, querida, nestes tempos as mulheres poucas vezes têm a sorte de se apaixonar. O amor vem com o tempo, e na verdade, não penso agora em nada semelhante.

—Tudo está preparado para partir. —William acabava de irromper no quarto dando pernadas; parecia um selvagem com o cabelo ao vento, com sua roupa de couro e produzindo um barulho ao caminhar pelo ferro que levava em cima. Ellie ficou sem fôlego ao vê-lo entrar, tão bonito e enorme, vestido como um guerreiro. — Já está tudo preparado. Elizabeth, desça à cozinha e tome algum alimento, a viagem é longa. Mary? Vamos já, pelo amor de Deus.

Mary deixou o que estava fazendo e assentiu, as donzelas acabaram o trabalho, e dois homenzarrões apareceram para descer os baús. Ellie estava preparada, embora não tivesse fome. Estava preocupada, era evidente que William e Robert estavam aflitos e isso não a tranquilizava absolutamente, só queria estar longe daí. William a olhou um segundo e girou sobre suas botas dirigindo-se para a saída. Dez minutos depois, e depois das necessárias despedidas, a nobre comitiva partia rumo ao sul, e Ellie se aconchegava a um canto da carruagem onde a tinham instalado com o resto das mulheres. O movimento a enjoava, as náuseas a matavam e dormitou grande parte do trajeto a caminho de seu novo lar.

Demoraram seis dias inteiros para chegar em Stone House. Uma viagem pesada, exaustiva e, ao mesmo tempo, muito interessante para Ellie. A gravidez se manifestava com náuseas constantes, mas sua curiosidade pela paisagem da Inglaterra do século XVI a mantinha encantada e feliz como uma menina.

William a obrigava a manter-se a resguardo na limusine, mas por trás das cortinas, Elizabeth se esforçava por captar tudo o que acontecia com seus curiosos olhos. Era maravilhoso, como um filme, e se sentia tão agradecida por estar vivendo uma experiência semelhante que o bom humor a acompanhou durante todo o trajeto. Brincou e brincou com Mary até fazê-la chorar de tanto dar risada, lhe contando a respeito dos costumes e do comportamento feminino no século XXI. E acossou descaradamente a seu imponente marido cada vez que o tinha ao alcance, lhe prodigalizando tantas amostras de amor e paixão que sua escandalizada comitiva terminou por acostumar-se aos ataques de ternura e falta de discrição da nova lady Forterque-Hamilton.

—É tão formosa que queria comê-la inteira, Elizabeth Butler — lhe disse William enquanto a mantinha montada sobre seus quadris. Ellie estava em cima de seu marido que jazia completamente nu recostado sobre a grama fresca. Faziam amor lentamente, ocultos pela escuridão da noite. No pequeno acampamento que tinham montado, todos dormiam, e William a tinha sequestrado de sua carruagem e a tinha levado ao campo para amá-la longe de olhares e ouvidos estranhos. — Tem que me prometer que será prudente, ajuizada e me obedecerá sempre.

—Do que tem medo? — Ellie sabia que lhe ocultava algo. William só falava de Marian Lancaster com Robert. Deteve o balanço de seu corpo e olhou fixamente os olhos vidrados de desejo de seu marido. — Deveria saber o que eu estou enfrentando, não? Acha que Marian também nos seguirá a Exeter?

William se incorporou e apanhou sua boca com um desses beijos ansiosos que tiravam a razão de Ellie. Antes de poder protestar ou exigir respostas, seu corpo já estava entregue ao frenesi do amor e se apertava contra o peito de William, enquanto ele a segurava pela nuca beijando-a sem pausa, até que chegaram juntos e com um suspiro a um orgasmo lancinante que deixou Elizabeth indefesa e satisfeita, a mercê de seu silencioso marido.

—Temos que pensar em nosso filho — sussurrou finalmente William, — tenho que pensar em você e conheço Marian, não perdoará a afronta de te haver arrebatado de suas garras em plena noite, embora ela saiba que não tem nenhum direito a protestar. É caprichosa e malvada e só aspira a nos causar dano. Essa é sua fixação há anos, Elizabeth, e enquanto meu pai não estiver a salvo longe de Londres e James não tiver retornado para casa, não há motivos para estarmos tranquilos, devemos estar alertas e você deve me prometer que será prudente e que me obedecerá.

—Sei como essa mulher age — respondeu Ellie, — estive com ela, é como uma heroína de filme de terror. —William sorriu ante a ocorrência. — Mas não sei, talvez se aborreça de todo este assunto e…

—Não, não se esquecerá deste assunto, Elizabeth — objetou William ficando de pé, — nesta época, os assuntos de honra são levados até a tumba.

Quando enfim chegaram ao sul de Exeter, uma casa antiga e nobre, formosa, grande e rodeada por enormes extensões de terra se desenhou ante o olhar da exausta Ellie, cativando-a imediatamente. Era uma propriedade familiar de lady Forterque Hamilton, de solteira Hampshire, que tinha herdado aos dezessete anos, quando seus pais tinham incluído a casa em seu dote. Naqueles verdes prados, William e seus três irmãos tinham brincado quando pequenos, e nela, a falecida Duquesa tinha vivido os melhores anos de sua vida.

Imediatamente a instalaram no quarto principal e Ellie dormiu quatorze horas seguidas, esgotada pela comprida viagem e a gravidez que, calculava, estava já por seu segundo mês, embora nada podia assegurá-lo porque os métodos da época se limitavam a cálculos de luas e temporadas de chuva ou seca. Decidiu mentalmente que seu filho nasceria em Stone House. O lugar era maravilhoso, acolhedor, e Elizabeth desfrutava de suas primeiras horas de verdadeira tranquilidade desde que tinha aterrissado no século XVI.

A casa, mais humilde que o castelo Forterque, tinha uma organização mais simples e familiar, o que deixava um pouco de tempo livre a Mary para compartilhar com ela. Esses momentos eram dedicados quase exclusivamente a ensinar à Ellie os costumes e trabalhos próprios de seu sexo, condição e interesses e que a ela pareciam muito divertidos.

É obvio, também desfrutava de William, quando não estava treinando, montando ou cuidando de seus cavalos. Em Stone House, Ellie descobriu a grande paixão de seu marido: a justa, uma fixação da corte que ela conhecia por havê-la estudado e que pouco tinha que ver com a imagem cavalheiresca e afetada que Hollywood tentava retratar.

William Forterque-Hamilton era uma verdadeira estrela deste esporte de nobres. Contavam a Ellie com luxo de detalhes as façanhas e triunfos de seu marido e ela logo descobriu que William, sobre seu cavalo, vestido com armadura e brandindo alguma de suas armas, representava a mais sensual e viril de suas fantasias de adolescente.

Robert Wilson, sua mão direita, era também seu homem de confiança nestas justas, e ambos treinavam cada manhã com os cavalos mais poderosos de seu estábulo. Ellie se instalava a certa distância para observar, enquanto seu marido, com calças de couro, botas de montaria e uma simples camisa de algodão como único abrigo, galopava a toda velocidade controlando a força de seus animais. Robert parecia igualmente selvagem sobre seus próprios arreios, gritando e provocando seu senhor, enquanto os criados do estábulo e os escudeiros trabalhavam em excesso para ter preparados todos os artefatos, armas e elementos de metal que acompanhavam as artes dos torneios. Que, embora tenham tido seu apogeu durante a Idade Média, Ellie sabia perfeitamente que se mantiveram como um divertimento entre os nobres quase até o século XVIII.

Elizabeth sorria pensando em seus colegas da universidade, eles morreriam de inveja ao saber onde se encontrava. Se algum dia retornasse a Nova Iorque, poderia escrever uma tese sobre as justas e sua importância no século XVI, suas conotações sociais e festivas e seu paralelismo, curioso, com qualquer esporte de competição do século XX. As pessoas se apaixonavam e discutiam sobre tal ou qual duque, conde ou cavalheiro que tinha despontado na última temporada, esgoelando-se para defender seus favoritos e, é obvio, para levar com orgulho suas cores, como as de lorde Forterque-Hamilton: o azul e o dourado, que identificavam seus cavalos e suas armas em cada uma de suas aparições esportivas.

Mas não voltaria para Nova Iorque, não queria fazê-lo e rogava a Deus para que seu irmão, sua avó e seus amigos não estivessem sofrendo muito por seu repentino desaparecimento.

—Depois de dar a luz, quero que me ensine a montar, de acordo? — William acabava de deixar Twister e se aproximava dela suado, com a espada na mão, presa por uma corda de couro que rodeava seu punho. — Quero galopar a toda velocidade pelo campo, acredito que deve ser uma experiência alucinante.

—Alucinante? —William lhe dirigiu um olhar faiscante. — As damas deste século não galopam a toda velocidade, milady, ensinar-te-ei a conduzir um bom cavalo, a caçar se quiser, mas nada de corridas, além disso quanto tempo demorará para voltar a estar grávida?

—Não seja burro, William — Ellie se ergueu com dignidade na cerca onde estava sentada. — Suponho que não passarei o resto de minha vida grávida e quero um cavalo próprio, Mary o tem e quero galopar a toda velocidade pelo campo.

William tomou-a pela cintura e a subiu no ombro como um saco de farinha. Ellie sentiu o suor de sua camisa empapada sobre a cara e se deixou cair por suas costas rindo como uma menina. O precioso vestido que estreava naquela manhã se mancharia antes do previsto pelas mãos sujas de William, que já percorriam seu traseiro, mas não importava. Mary se queixaria uma vez mais por sua irrefreável intensidade conjugal, como estava acostumada a dizê-lo ruborizada como um tomate, mas Ellie a compensaria com muitos abraços e terminaria esquecendo o tema do vestido.

Quando chegaram aos estábulos, o moço encarregado dos cavalos os deixou imediatamente a sós enquanto William dava um chute em uma das portas de madeira da entrada. Ellie se queixava pelo trato desumano que lhe infligiam, mas caiu sobre uma enorme montanha de palha, morta de tanto dar risada, tirando o cabelo castanho da cara para olhar William nos olhos.

O imponente lorde Forterque já desabotoava suas calças de montaria com um olhar estimulante naqueles olhos celestes como o céu, que fizeram perder o fôlego de sua brincalhona mulher. Inclinou-se sobre ela para beijá-la lentamente, enquanto com a mão livre explorava sob sua saia procurando suas coxas e sua intimidade, carentes de roupa interior. Beijavam-se, simplesmente se beijavam, abraçados com força, alargando o momento de intimidade e calor que os embriagava. William a acariciava e a excitava com ternura, sem pressa, em um abraço eterno que foi cruelmente interrompido pelos gritos de Robert do outro lado da porta.

—William! Chegou um emissário de Londres. — William se separou de Elizabeth com um salto. — William!

—É de James — disse Robert ao ver William sair do estábulo atando-os calças, — liberaram seu pai, a estas horas deve estar descansando no castelo.

Os dois homenzarrões se abraçaram rindo, dando-se sonoras palmadas nas costas ante o olhar emocionado de Elizabeth. As lágrimas apareceram rapidamente nos olhos dos três, enquanto Mary aparecia correndo e gritando de felicidade para fundir-se em um abraço com seu irmão. Lorde Forterque-Hamilton estava em casa junto a James e logo recuperaria a saúde e a força que sempre tinha gozado.

—Devemos voltar para casa agora mesmo —disse William observando o grupo com um reluzente sorriso no rosto. Ellie nunca o tinha visto tão feliz e lhe parecia um anjo com seu precioso rosto iluminado. — Será melhor que partamos agora mesmo se quisermos abraçar logo a pai.

—O emissário traz também outras instruções, Will — disse Robert lhe estendendo a carta escrita pelo James, — seu irmão nos adverte que devemos permanecer aqui durante uma temporada. É necessário e mais seguro. —William percorreu com curiosidade a elegante caligrafia de seu irmão. — Suas ordens são claras.

William levou a carta consigo enquanto começava a caminhar de volta à casa; Robert, Mary e Elizabeth o seguiram em silêncio, enquanto Mary, com cara preocupada, tomava a sua cunhada pela cintura. Ellie não sabia o que dizer. A explosão de alegria que acabava de presenciar se desvaneceu de repente.

Robert e William permaneceram reunidos na biblioteca durante uma hora, tendo deixado as mulheres fora do recinto com uma sonora portada. Ellie quis protestar e participar da reunião, mas Mary a deteve com um doce sorriso, lhe advertindo que era melhor esperar.

Quando, enfim, William apareceu na salinha onde Ellie aguardava nervosa e preocupada, seu rosto havia voltado a recuperar a seriedade e tranquilidade habitual. Mary ficou de pé e William lhes comunicou que ficariam no Stone House umas semanas mais, por pura precaução.

—Nosso pai está perfeito, Mary, mas James opina que estamos melhor aqui; Marian Lancaster está a ponto de ser encarcerada por traição, e James acredita que é mais seguro voltar para casa quando ela já não for um perigo.

—Um perigo? — Ellie se aproximou dele procurando seus olhos. — Que tipo de perigo? Pode fazer algo ainda contra seu pai? Do que tem medo?

—Não tenho medo, Elizabeth. — A gélida resposta de William desconcertou até mesmo Ellie. — Acho que tinha ficado claro que ela queria vingar-se de mim através de você, ou já esqueceu? Falamos disto em casa e foram vocês que quiseram, primeiro, sair do castelo, não eu, assim seguiremos com o plano original e ficaremos em Stone House, fim da discussão.

—Não, não terminei. — Ellie chegou à porta lhe fechando o passo. — Vais explicar o que está passando, não tenho dez anos e Mary tampouco, temos direito de saber exatamente o que te diz James na carta.

—Não me provoque, mulher. — Com as mãos nos quadris, William parecia temível, mas Ellie necessitava de respostas e se manteve firme; ele não se atreveria a lhe fazer danos. — Não vou preocupar a minha irmã. A única coisa que devem saber é que ficamos e tudo irá bem, agora saia da frente, mulher, ou não respondo por mim, não estou com humor para suas perguntas.

—Não! William — Mary, parada à direita de Ellie, olhava pela primeira vez, desafiante, a seu irmão mais velho. Elizabeth pegou a mão dela para agradecer seu apoio. — Ellie tem razão, não somos meninas, me diga o que acontece ou vou agora mesmo a Londres, nada me retém aqui e quero ver meu pai.

William bufou antes de responder a essas duas mulheres insolentes que o enfrentavam em sua própria casa. A influência de Elizabeth sobre Mary estava sendo perigosa, e devia dedicar mais tempo a domar a sua rebelde esposa ou o governo de sua própria família corria perigo.

—O pai está bem, mas Marian Lancaster ameaçou a meu irmão diante de toda a corte. Jurou por seus filhos que acabaria comigo e minha descendência. Satisfeitas? Perfeito. Espero que agora se sinta melhor, Elizabeth.

—Como alguém que está a ponto de ser encarcerada pode ameaçar? — Ellie não estava assustada, mas Mary se pôs a chorar em silêncio. — Não entendo nada, Marian Lancaster segue livre?

—Todas as provas a acusam, seu marido está sendo investigado por seus contatos com a Papa — William rodeou Mary pelos ombros, — mas em Greenwich tudo vai muito devagar e ela está disposta a morrer matando. Ela jurou ao James e nós acreditamos, um guarda a vigia em sua casa de Londres, mas Marian segue urdindo vinganças, matanças e traições antes que lhe chegue sua hora, conta ainda com muitos aliados e Enrique vive mais entregue a suas paixões com Jane Seymour que a seu corte. Não estamos seguros, isso é tudo.

—Acha que demorarão muito para provar sua traição? — Ellie analisava o panorama a partir de seu conhecimento de que Enrique logo perderia Jane Seymour, esta morreria de parto em outubro de 1537, faltava mais de um ano, mas era sabido que o Rei cairia em uma profunda depressão quando sua mulher morresse, e se mostraria ainda mais apático pelos assuntos de estado. Se Marian contava com aliados entre os cortesãos de Enrique, talvez se livrasse de qualquer acusação contra ela. — Tudo é questão de tempo, se ela se livrar agora do cárcere, não quero nem pensar no que faria.

William a observou com atenção, era evidente que Elizabeth Butler estava discorrendo como historiadora. Mas ele, que tinha passado alguns anos no futuro e tinha estudado também sua época, sabia que Marian Lancaster não conseguiria coroar seu marido bastardo como Rei da Inglaterra, embora em sua história cotidiana e pessoal sim podia influir, porque apesar de seus esforços nunca tinha podido dar com o desenvolvimento de sua família no século XVI e as opções estavam abertas. Marian faria o possível para matar Elizabeth e seu filho.

—Já sei a que te refere — disse William, — no que a nós concerne, Marian é perigosa e não vou arriscar a ninguém de minha família, entende-me, não? Ficamos. Tranquila, Mary, aqui não poderá nos causar dano, quando passar algum tempo, James trará nosso pai e estaremos todos juntos. Não permitirei que ela lhes faça mal. Prometo-lhe isso.

 

Quando Elizabeth estava a ponto de cumprir cinco meses de gravidez quase não se lembrava de Marian Lancaster, estava a três meses no sul da Inglaterra e sua vida transcorria plácida e feliz.

William passava os dias no campo, treinando, compartilhando as tarefas com os homens, trabalhando com as mãos e cuidando de seus cavalos, enquanto durante as noites ela era inteiramente dele. Amavam-se, queriam-se e tinham conseguido compartilhar uma amizade e uma cumplicidade de que Ellie se sentia especialmente orgulhosa.

Não falavam de Londres e suas intrigas palacianas, das que, entretanto, James tentava mantê-los informados. Marian seguia retida em sua casa de Londres, mas tinha conseguido tirar seus filhos do país e os meninos residiam agora na França, aos cuidados de uns parentes. Sua corte pessoal era ainda abundante e compacta, e enquanto Enrique cuidava e mimava a sua querida terceira mulher, Marian manobrava com êxito evitando ser acusada formalmente de traição.

Lorde Forterque-Hamilton se recuperava com muita dificuldade de seus dias de cativeiro na Torre. James permanecia a seu lado e toda a casa cuidava dele, mas o doutor Pitt não se mostrava muito otimista porque a fome, a enfermidade e a falta de atividade tinham afetado a forte saúde do nobre, e qualquer cuidado era pouco em seu estado.

Em Stone House, William dedicava as tardes à administração de seus imóveis e bens, atendia aos camponeses, aos trabalhadores e mandava ordens a Londres com instruções detalhadas; ser o cabeça de família lhe dava muito trabalho, mas ele o desfrutava e Ellie junto a ele.

Mary chorava às vezes a sós por seu pai, mas logo se entregava encantada ao treinamento de Ellie como nova lady e, sobretudo, à confecção de roupinhas para o bebê, o ansiado bebê que crescia com força dentro de Ellie, lhe dando uns inesperados chutes e lhe inchando o ventre por momentos. Seu corpo mudava, seus peitos estavam mais inchados e rígidos que o normal, e William assegurava que nunca a tinha visto tão formosa.

 

Quando Ulrik de Armagh apareceu em Exeter acompanhado por dois taciturnos e estranhos ajudantes, o cabelo da nuca de Ellie se arrepiou e ela ficou com uma inquietação fria no corpo, que demoraria dias para abandoná-la.

William e Robert tinham recebido ao célebre ancião com abraços e amostras efusivas de carinho e o tinham instalado imediatamente em uma das melhores habitações da casa.

—Mestre Ulrik — disse William tomando Ellie pela mão para apresentar-lhe, — minha mulher, Elizabeth; estamos esperando um filho.

—Um menino — interrompeu Ulrik, observando com intensidade a jovem, — é um varão grande e forte como seu pai, mas doce e sensível como sua formosa mãe.

—Com certeza, mestre? —Ao William o sorriso não cabia na cara, estava feliz. —Eu também acho que é um menino. —Com uma de suas enormes mãos, segurou Ellie pelo ventre. — Nós dois achamos que é um menino porque tem muita energia.

—Não há dúvida, milorde, é um homem Forterque-Hamilton.

O mestre Ulrik de Armagh vinha da Irlanda e tinha sido o mentor de lorde Forterque desde sua juventude, tarefa que logo tinha estendido a seus filhos varões e ao Robert, é obvio, que era um aluno estudioso do singular erudito. William lhe falava com devoção e rapidamente substituiu suas sessões maratonistas de treinamento sobre o cavalo pelos passeios com o mestre pelos bosques próximos à casa. Elizabeth se sentia um pouco deslocada pelo apaixonado interesse de William no ancião e, embora tentasse assumir esta relação fraternal com naturalidade, não conseguia sentir-se cômoda em sua presença, sobretudo porque Ulrik a observava constantemente com seus profundos e pequenos olhos verdes carregados de curiosidade.

—O mestre Ulrik sabe que venho do futuro, William? — Ellie despertou uma manhã com uma estranha inquietação no peito, — Você disse?

—É obvio que sabe, Elizabeth. — William vadiava a seu lado. Fazia vários minutos que tentava lhe fazer amor, enquanto ela resistia um pouco, aflita por umas incômodas náuseas matutinas, — e está fascinado contigo, diz que é um prodígio de adaptação.

—Pensei que era nosso segredo. — Ellie se sentou bruscamente na cama para observar William, despenteado e nu, estendido a seu lado. — Não gostaria de imaginar que a notícia se estendesse por aí, você mesmo me disse que é perigoso.

William riu de boa vontade, atraindo-a até sua boca para beijá-la entre gargalhadas.

—Sinto muito, meu amor — disse lhe acariciando a bochecha, — eu esqueci dizer que o mestre Ulrik é um druida, ele ajudou Robert a viajar até seu século para me buscar. Ele tem o segredo da viagem no tempo e é ele quem verdadeiramente corre perigo neste maldito século: ele seria queimado vivo se nossos selvagens concidadãos suspeitassem de seus verdadeiros conhecimentos.

—Ah, sim? E por que não fala comigo? Evita-me e só me observa constantemente — William a tombou na cama e começou a lhe beijar os peitos com ternura, estava excitado e não queria seguir falando de Ulrik, — é muito estranho.

—Deixa-o já, amor, com certeza está fascinado contigo, como eu estou. Vem aqui, não me deixe sozinho.

 

Aquele não era um bom dia para Elizabeth Butler. Em seu segundo trimestre de gravidez, pensava que os enjôos e as náuseas já estariam superados, mas não, não era assim e passou a manhã vomitando. Fazer amor com seu marido tinha resultado incômodo e até doloroso, e tinham se separado em silêncio, William muito preocupado com ela e Ellie assustada pela experiência. Pela primeira vez desde sua chegada ao século XVI, começou a meditar sobre as carências sanitárias e seu futuro e iminente parto. Necessitava de uma ecografia, pensou, precisava comprovar que tudo estava bem. O menino parecia grande e talvez não pudesse dar a luz sem ajuda médica, e por um segundo estremeceu de espanto, depois de romper em um pranto descontrolado que ocultou com muita dificuldade na intimidade de seu dormitório.

William e outros seguiram com suas atividades cotidianas, enquanto Ellie ficava aconchegada junto à chaminé da biblioteca lendo. Precisava manter a cabeça ocupada e os trabalhos de bordado ou costura deixavam sua mente muito livre para pensar, assim que se havia acomodado junto à chaminé, sem vontade de falar. Seu mal-estar aumentava, e o peso de seu ventre a fazia sentir repentinamente vulnerável em meio àquelas paredes, àquelas gente e àquele tempo. Meditou sobre a possibilidade de morrer no parto, a morte mais comum entre as mulheres daqueles anos, e decidiu que era melhor espantar tantos medos, motivados, conforme pensou, por suas mudanças hormonais.

—Deveria te colocar na cama — a arreganhou Mary, — logo subo e te faço companhia, Ellie; não tem boa cara e meu irmão não chegará até a tarde, foram à cidade e não acredito que os vejamos até a hora do jantar. Vem, não seja tola, sobe e deixa que te mime um pouco.

Ellie obedeceu. Às três da tarde, estava metida em sua enorme cama coberta até os olhos enquanto a doce Mary lhe falava. Fora chovia e a casa estava em silêncio. William, Ulrik e Robert foram à cidade de Exeter para realizar alguns negócios; Ellie odiava que William não lhe informasse jamais de seus deslocamentos, mas não tinha a menor possibilidade de ganhar nesse terreno, não era mais que sua doce e fiel mulher.

Quando William a despertou com um frio beijo na testa, Ellie levava algumas horas dormindo. Já era de noite e Jane, a mulher de Robert, esperava junto à cama com uma terrina de caldo em uma bandeja. William lhe acariciou o cabelo com o semblante um pouco preocupado, embora sorrindo. Estava impregnado até os ossos e tinha manchado o tapete com suas botas cheias de barro.

—Deveria tomar algo quente — lhe disse enquanto começava a despojar-se da roupa molhada, — obrigado Jane, eu ajudarei a Elizabeth com a sopa, pode ir.

Ellie tentou levantar-se um pouco e observou seu marido despindo-se perto da chaminé. O esplêndido aspecto de William lhe tirava sempre o fôlego, mas estava muito aturdida para lançar-se a seus braços. William a olhava de esguelha sem falar, estava cansado e se inundou na banheira disposta com água quente junto à chaminé, lhe dando as costas.

—Chamaremos o médico manhã — lhe disse enquanto ela tomava aos goles o delicioso caldo de carne, — deveríamos ver como está.

—Tão horrível estou? —Ellie brincou ante a ocorrência de William, era evidente que se tratava dos achaques da gravidez, amanhã estaria bem, — estou grávida sabe? Não deveríamos nos preocupar muito.

—Tudo bem. — concluiu William enquanto abandonava a banheira — Uma mulher grávida do século XXI, que foi sequestrada, resgatada e transportada a cavalo pelos duros caminhos ingleses. Ficarei mais tranquilo se você vir um médico; no momento, será melhor que descanse. Descerei para jantar com Ulrik e subirei logo para dormir. O caldo te virá bem, se quiser peço a Mary que suba para te fazer companhia. Eu volto em seguida.

Em seguida, beijou-a na testa antes de sair pela porta, indiferente aos bicos infantis que Elizabeth não pôde dissimular. Ficou sozinha e, em poucos minutos, o pesado sono voltou a invadi-la, sem que pudesse opor resistência.

 

Um pequeno estrondo tirou a jovem de seu agradável descanso; aguardou em silêncio abraçada contra o travesseiro, enquanto com o pé comprovou que seguia sozinha na cama. Talvez só tivesse passado uns minutos desde que William descesse para jantar, e como o ruído não se repetiu, Ellie afundou outra vez a cara nas suaves almofadas que a rodeavam para seguir dormindo.

O estalo da porta derrubada despertou-a bruscamente. Uma rajada de ar frio acabava de varrer o quarto, e Ellie ouviu uns gritos de terror enquanto se girava na cama com o coração que lhe saía do peito. Algo ia muito mal, mas antes de poder sequer respirar, uma figura enorme se equilibrava contra sua cama seguida de um ruído seco e metálico que a paralisou.

Elizabeth pôde perceber claramente como um líquido temperado e viscoso lhe salpicava a cara e os ombros, ao mesmo tempo em que aquela sombra gigante se desabava aos pés de sua cama, e detrás da sombra, uma figura enorme aparecia com os braços em alto, brandindo uma espada. As pernas separadas, um rugido saindo de sua garganta.

Ellie não podia nem reagir: a poucos centímetros da cama, um homem assassinado jazia manchando a colcha, quente e palpitante; um grito se afogou em sua garganta enquanto a voz daquele fantasma com a espada, ainda em guarda, dirigia-se para ela.

—Tranquila, Elizabeth — lhe disse o homem vestido com cota de malha, avançando devagar para a cama, — sou James, seu cunhado, não tenha medo, está a salvo.

—Ellie! — gritou William. — Elizabeth?! — William acabava de entrar correndo no quarto, também armado, com o olhar nublado de terror e a roupa manchada de sangre. — Ellie, saia daí. —Com o braço livre, tomou-a pela cintura afastando-a da cama e do cadáver decapitado daquele homem. — Saiamos daqui.

Seguidos pelo James, Elizabeth e William subiram correndo a escada de caracol que se elevava para a torre principal da casa. Ali, chorando, Mary e Jane esperavam apavoradas, os irmãos fecharam com uma portada a enorme porta de ferro, e ficaram em guarda, enquanto as mulheres os recebiam com abraços e lágrimas de terror.

Ellie não era capaz de recuperar o fôlego, de pé, de camisola, com os pés nus sobre o chão de pedra, tremia sem controle observando a cena como em transe. Todo o episódio se desenvolveu com uma velocidade vertiginosa, e não era capaz de assimilar o que acontecia. Seus braços estavam manchados de sangue, a camisola branca, salpicada de manchas vermelhas, se grudava ao corpo, coberto de suor frio.

William e sua família permaneciam à pouca distância dela falando e tocando-se com precaução, comprovando danos, sem reparar em seu apavorado semblante.

James permanecia com a orelha colada contra a porta, com todos os sentidos em alerta, tão alto e forte como seu próprio marido, mas James, o soldado, era mais loiro, levava uma barba de vários dias e o corpo coberto de sangue e barro lhe dava um aspecto ameaçador, com uma espada na mão direita e uma adaga na mão esquerda. Mantinha todos os músculos do corpo em tensão, sem mais interesse que os ruídos que chegavam de fora da casa, até que, lentamente, dirigiu-lhe um olhar de soslaio, que acompanhou de um agradável e tranquilizador sorriso.

—Will, te ocupe de sua mulher, acredito que vai desmaiar — sussurrou James com sua profunda e educada voz, — está tremendo.

William e Mary se viraram para Ellie, que os observava com a pele pálida e tiritando de frio e medo. William agarrou uma manta do chão e correu para cobri-la e abraçá-la ao mesmo tempo.

—Tranquila, meu amor — lhe disse apertando-a contra seu peito, — está bem, está bem.

—O que ocorreu? — conseguiu articular Ellie, segura a seu marido, — o que está acontecendo aqui, William?

Uma pancada na porta os interrompeu outra vez. William a empurrou contra o canto mais escuro da habitação e fez calar a Mary e a Jane com um severo gesto. A porta seguia soando e os irmãos se olharam, tranquilamente, empunhando suas armas.

—William, sou eu! — Robert gritava do outro lado da porta. — Tudo está em ordem.

James abriu a porta com dificuldade, e Jane passou a seu lado correndo para abraçar-se a Robert, chorando. Wilson entrou na torre suja e suarenta, com um pronunciado corte na bochecha direita; parecia esgotado e deu um repasse a todo mundo com seu olhar selvagem, antes de suspirar e deter-se para consolar a sua mulher.

—Eram ao menos duas dúzias — disse recuperando o ritmo respiratório. Ellie nunca o tinha visto tão fora de si. — Os abatemos a todos, acredito, mas Peter e John asseguram que um deles conseguiu escapar. James, irmão — disse Robert dirigindo-se ao recém-chegado, — salvaste-nos a vida.

Quando fizeram a recontagem de baixas, determinou-se que na casa se perderam várias vidas. Os homens enviados por Marian Lancaster para o assalto eram profissionais, uns mercenários, e tinham atacado enquanto metade da família dormia. Era quase meia-noite, William, Ulrik e Robert se encontravam na biblioteca conversando quando o vigia deu a voz de alarme; o pobre desgraçado tinha sido o primeiro em cair, e aqueles selvagens tinham começado a matar sem atenção.

Todos os homens de Stone House enfrentaram o assalto com valentia, mas se não tivesse sido pelo James, que conseguiu segui-los de Londres acompanhado por oito cavalheiros, a matança teria sido segura. Os homens de William não eram mais que camponeses, o guarda pessoal estava descansando e bebendo cerveja no povoado, e só seis guardas se ocupavam da segurança da casa.

William levava ainda a roupa e o cabelo manchados de sangue quando desabou em uma das banquetas da mesa central da cozinha, atirou a espada ao chão e cobriu a cara com desespero. Ellie tentou lhe tocar as costas, mas ele a rechaçou com um eloquente movimento. Robert lhe indicou com um olhar que era melhor deixá-lo em paz.

—Mestre! — exclamou de repente William ao ver Ulrik entrar na estadia. O ancião estava intacto e suas roupas pareciam recém engomadas, — graças ao céu, lutou como um soldado, senhor.

—Isto foi só um aviso, milorde — disse Ulrik olhando para Elizabeth. A jovem tinha um aspecto lamentável: tinha ficado esquecida, sentada em um canto enquanto olhava com seus enormes olhos escuros o desenvolvimento dos acontecimentos. Por um segundo, não a tinham matado em sua própria cama, e o terror se adivinhava em seu precioso rosto. — É apenas um aviso, deve pôr a sua esposa a salvo.

—Minha esposa está a salvo, mestre — William ficou de pé elevando-se por cima do ancião vários centímetros, estava tenso e esgotado, — não aconteceu nada e a partir de agora estaremos alerta. Não voltará a acontecer.

—Não aconteceu nada porque James, bendito seja, chegou a tempo — Robert interveio na conversa com sua pausada e habitual calma; — se ele não tivesse visto quando esse tipo subia as escadas, agora estaria chorando sobre o cadáver de Elizabeth.

—Cala! Cale-te, Robert, pelo amor de Deus! —Mary tinha se aproximado de Ellie para abraçá-la. Elizabeth não podia entender que falassem diante dela como se não existisse, mas se sentia muito mal para protestar. — Deus protegeu a todos e agora não assuste mais a pobre Elizabeth; está grávida, céu santo, lhe dêem uma pausa.

—E agradeço a meu irmão que matasse a esse tipo — William se sentia desolado, furioso, frustrado e não olhava a sua assustada mulher, dava-lhe as costas deliberadamente, para evitar encontrar-se com aqueles olhos apavorados. — James, sabe que te agradecerei por isto o resto de minha vida.

—Deixa-o já. — James estava farto de tanto bate-papo. — Foi uma honra, milady. —Aproximou-se de sua cunhada e lhe beijou a mão lhe dando de presente uma piscada cheia de picardia, aquele Forterque tinha os olhos cor mel e seu aspecto era cativante, Ellie lhe devolveu um cansado sorriso como recompensa e James suspirou. — Não deixaria que acontecesse nada à mãe de meu sobrinho.

—Parece-me muito bem, James. — Robert não estava para brincadeiras. — Foi uma sorte, mas da próxima vez talvez não haja tanta ventura. Devemos fazer algo. Possivelmente deveriam ir à Gales ou à Irlanda, mestre? Recordo de sua casa com carinho, ou simplesmente nos instalaremos em Londres, a casa Forterque é neste momento um lugar seguro. Ninguém se atreveria a tocar a casa em plena capital.

—Não, não seguiremos fugindo — respondeu William dando um golpe na parede. — Acha que a solução é seguir nos movendo pela Inglaterra para que essa bruxa nos deixe em paz? Acha que se cansará de nos perseguir? Acha que quero que meu filho passe a vida fugindo? Não nos moveremos daqui, não até o parto de Elizabeth, e não há mais discussão a respeito.

Ellie permanecia em silêncio, a situação a transbordava, essencialmente porque estavam sob circunstâncias que desconhecia. Aquela gente estava acostumada à morte prematura, às batalhas, aos assassinatos. Ninguém falava do homem decapitado em seu quarto por um golpe certeiro de seu próprio cunhado. Seu adorável cunhado que agora comia tranquilamente uma maçã enquanto a olhava de vez em quando. Aquele homenzarrão tinha passado seu sabre por centenas de homens ao longo de sua carreira militar e, fazia tão só umas horas, havia causado a morte de vários dos assaltantes sem quase despentear-se. Sem contar com o William, seu marido, que tinha apagado outras tantas vidas velando por sua segurança. O destino a estava expondo a uma situação fora de seu controle, e não sabia o que opinar. Tinha medo e o selvagem olhar de William não a tranquilizava nem um pouco.

Ao cabo de um momento de silêncio, William decidiu que as mulheres deviam dormir. Era de madrugada e todas tinham um aspecto lamentável. Ellie se agarrou em seu braço para lhe suplicar que queria estar com ele, mas William se desfez da súplica com quatro palavras, lhe assegurando que logo se reuniria com ela no dormitório de Mary, o único canto onde não havia sangre sobre os tapetes.

—Não quero estar sozinha.

—Não está sozinha, Mary e Jane dormirão contigo, Elizabeth. Agora me deixe em paz, sinceramente, não tenho energias para discutir contigo.

—Tenho medo, William, por favor, William.

—Não, não! —Seu marido lhe dirigiu um gélido e distante olhar que sossegou em seguida seus rogos. Ellie se sentiu de repente muito só. — Mary, leve a minha mulher para a cama, está nervosa, subirei dentro de um momento.

 

—Deve retornar a seu tempo, Elizabeth. — William estava em frente a ela, de pé, com o olhar ausente, a mandíbula tensa e com as mãos cruzadas sobre o peito. — É mais seguro, ficará lá o tempo suficiente, bom, até que eu consiga acabar com esta situação. Sua presença aqui põe em perigo a muitas pessoas.

Ellie não queria dar crédito ao que estava ouvindo, mas dentro de seu coração, aquelas palavras eram justamente o que estava esperando. O vazio que sentia desde a noite do ataque esteve aumentando com o passar das horas, e a falta de comunicação com William, o maldito costume de deixar as mulheres fora das decisões importantes, não tinha feito mais que piorar seu pressentimento.

—Quer se desfazer de mim? —Estava sentada em uma poltrona do quarto da Mary, assustada porque ao despir-se para trocar-se, tinha descoberto sangue em suas anáguas, umas manchinhas que a tinham aterrorizado. Podia estar sofrendo um aborto, não sabia com certeza, mas desde esse momento tinha permanecido imóvel e procurando guardar repouso, sem dizer nada, salvo a Mary, a única pessoa que tinha perguntado o que lhe ocorria. — E como se supõe que viajarei no tempo, William?

—O mestre Ulrik te ajudará.

—E quando tomou essa brilhante decisão?

—Isso não importa. —William se revolveu incômodo, não estava disposto a discutir com ela, doía-lhe a alma só de pensar em separar-se de Elizabeth, mas Ulrik e Robert tinham razão: Ellie corria perigo e devia protegê-la, a ela e a seu filho. — Será o quanto antes, Ulrik e seus homens estão preparando o trânsito e talvez esta noite possamos fazê-lo.

—Acaso minha opinião não conta? — As lágrimas começaram a traí-la. — Acha que tem direito a decidir sobre minha vida? São eles, não? Ulrik te convenceu?

—É o melhor, Elizabeth, corre um perigo real, se não fosse pelo James, aquele tipo te teria matado em nosso próprio dormitório, não pensa em seu filho? Pelo amor do céu, tenta ser razoável.

—Meu filho? Que pense em meu filho? Muito bem, pensarei em meu filho e irei daqui, o criarei sozinha, em meu século, e lhe falarei de seu pai com os livros de história de meu escritório. Estupendo, William.

—Elizabeth, por favor. —William tinha baixado o guarda ante suas orgulhosas lágrimas; sabia que seria duro, mas não suportava ver sofrer a sua mulher. — Não disse que irá para sempre, poderá voltar quando tudo isto tiver passado. O mestre diz que voltará antes do que pensa. Ellie, por favor, pensa um pouco.

—O mestre, o mestre… — Se pôs de pé, o cabelo preso lhe dava um aspecto vulnerável, o pranto já a superava e suas mãos tremiam enquanto tentava recolher algumas coisas da mesa. Não pensava rogar para ficar, ele a queria fora dali e ela voltaria para sua casa, para Nova Iorque e criaria ao pequeno, sem traumas nem rancores; ao menos teria a seu bebê. — Obrigado por me dizer isso, me dêem um minuto e estarei preparada.

—Ellie, aguarda um momento. —William avançou para segurá-la por um braço. A situação estava sendo mais tensa do que o previsto, esperava prantos e súplicas, não esta despedida. — Não te abandonarei, irei te buscar assim que terminemos de controlar Marian, ela quer você e a meu filho, não posso permitir mais derramamentos de sangue por causa dela. Entende-o, querida, não posso fazer nada mais para te proteger.

—Acreditei que sempre me protegeria. — Soltou-se de sua mão com um movimento seco e o olhou nos olhos. O comentário atingiu William Forterque-Hamilton no mais profundo de seu orgulho. — Não sabia que lhe tinha tanto medo.

—Isso é injusto, mulher. — William acabava de perder a paciência. Ela iria embora, fim da história, era sua esposa e lhe obedeceria. — sete pessoas de minha casa morreram para tentar proteger sua segurança, lady Forterque. Marian Lancaster cercou minha casa de Londres e me ameaça publicamente se não lhe pedir perdão por te haver desonrado. Minha irmã vive aterrorizada, meu pai está doente, e matei a vários homens com minhas próprias mãos para te proteger. Deve ir daqui, por você e por meu filho. Eu irei te buscar, quando for o momento.

Ellie o observava, tremendo. William era terrível quando se zangava, os olhos soltavam faíscas e sua enorme estatura parecia até maior, esmagando-a. Não lhe tinha medo, não, mas tremia debaixo daquele olhar feroz e um peso em seu sob ventre a aterrorizava muito mais, tanta dor poderia afetar seriamente a seu filho.

—Irei te buscar, Elizabeth, você e o bebê. — William voltava a tocá-la buscando seus olhos com o olhar. — Confia em mim.

—Ah sim, e por que devo confiar? E se Ulrik decidir que é melhor que fique no século XXI? O que aconteceria então?

—É um comentário muito cruel, Elizabeth. — Os olhos celestes de William a atravessavam, ferozes. — Está sendo egoísta e quero pensar que é fruto do momento que acaba de passar.

Ellie o observou com a boca aberta, jamais o tinha visto tão zangado. Ela confiava nele, sabia que não era capaz de lhe fazer mal, mas a dor que William refletia em seus olhos e em suas palavras a assustaram. Manteve-se de pé, segura ao dossel da cama, sem falar, tremendo. William se virou furioso e lançou um dos candelabros da Mary contra a parede: o adorno se espatifou e se rompeu em mil pedaços.

—Não me faça isto, pelo amor de Deus, Elizabeth, não me faça isto, já houve muito dor nesta casa. — Deu um murro contra a porta e apoiou a testa contra a parede, derrotado. — Confia em mim, por favor.

—O que eu farei no futuro, William? — Sua voz era apenas audível, estava chorando, a pena lhe partia o coração em dois. — Sem você, sem Mary, sem Robert e Jane. O que eu faço agora em meu mundo, William? Como pretende que vá e esqueça estes meses a seu lado, como acha que poderei sobreviver a tudo isto?

—Não quero que nos esqueça, só quero que me espere.

Avançou para ela, segurou-a pela cintura e a abraçou com força. Fazia dois dias que apenas lhe dirigia a palavra, preocupado como estava em reorganizar a casa. Abraçou-a, beijou-lhe a cabeça, disse palavras de amor. Ellie não queria separar-se dele e não acreditava na possibilidade de que iria procurá-la algum dia, o tempo não era fácil de manipular, e se aparecia dentro de vinte anos, quando ela e seu filho estivessem tendo outra vida?

—Ulrik é capaz de conseguir que vá muito em breve, Ellie, assegurou-me isso, ele diz que talvez só sejam umas horas para você. Faremo-lo assim, irei por você e pelo bebê. Acha que eu seria capaz de viver sem vocês? Só me dê tempo, meu amor, um pouco de tempo.

 

Mary chorava, desconsolada, abraçando Elizabeth, que tentava acalmá-la com as mesmas palavras que haviam dito a ela: «Voltarei logo», «Irá para me buscar». Frases que não conseguiam tranquilizar Mary nem um pouco. Portanto Jane, a ponto de dar a luz, interrompeu o momento, deu um abraço forte e silencioso em Ellie e deu lugar a Robert, que as separou para levar lady Forterque-Hamilton à clareira mais próxima de Stone House.

—Quando chegar a Londres estará perto do castelo — lhe explicava Robert enquanto caminhavam pelo caminho escuro do bosque. — Hei previsto deixar instruções para que a atendam. — Olhou-a de esguelha. — Sim, Elizabeth, a magia do tempo permite acautelar a meus herdeiros, eles a ajudarão. Há uma caixa forte na casa com muitíssimo dinheiro, esta é a combinação — Deu-lhe uns papéis envoltos em couro, — e também uma procuração assinada de punho e letra pelo William que a autoriza a estar na casa. Não acredito que surjam problemas, acredito que o mais adequado é que permaneça em Londres.

—Ulrik disse a William que para mim serão só umas horas, Robert, para que tantas precauções?

—Mais vale acautelar, milady. — Robert sorriu com preocupação. — Deve estar protegida, e vá ao médico, Mary me contou sobre seu… já sabe… O mais seguro é que viaje ao futuro e a atendam seus médicos, e inclusive que dê a luz em um bom hospital.

—Faltam ainda três meses e meio para o parto, Robert, espero voltar antes.

Robert assentiu lhe tocando o ombro. Um frio gelado lhe percorreu a espinha dorsal. Robert Wilson, homem prático, não estava tão seguro de que Ulrik conseguisse mandar William no tempo exato que eles pretendiam. Uma vez que Elizabeth Butler fora enviada ao futuro, ninguém podia assegurar o que ocorreria. William e sua família teriam que apresentar-se ante o Rei para explicar seu litígio com lady Marian Lancaster e deveriam provar as acusações contra ela. A guerra estouraria para os Forterque-Hamilton, e se William sobrevivesse à ofensa, as vinganças e as loucuras daquela mulher, deveria concentrar toda sua energia em reabilitar a sua família; isso primeiro, e logo reabilitar seu próprio nome, só então poderia pensar em Elizabeth e em seu filho.

Ficava por diante uma tarefa muito dura para eles, por isso era tão necessário tirar Elizabeth do século XVI. Deviam pô-la a salvo, em seu tempo, a ela e ao menino, sem dúvida era a melhor decisão, estava de acordo com isso desde que Ulrik o tinha proposto a William, mas não queria que a pobre moça albergasse esperanças apoiadas em promessas tão difíceis de cumprir. Iriam por ela ao século XXI, disso estava seguro, mas não podiam pôr datas sobre a mesa, com o tempo tudo era relativo.

Ellie estava aterrorizada. Sua primeira viagem no tempo tinha sido quase uma brincadeira. Não recordava nada, tinham passado virtualmente cinco meses desde sua chegada e jamais se detinha a pensar nisso, estava tão feliz, tão plena e apaixonada, que nunca meditava sobre o mágico percurso que tinha experimentado para ajudar ao William.

Agora, vinte semanas depois, enfrentava a viagem de maneira consciente, grávida e sem saber exatamente as sequelas que isto poderia provocar ao bebê ou a ela mesma. Caminhava em silêncio escutando as batidas de seu coração, atrás de Robert. William a esperava no final do atalho, na clareira, com Ulrik e seus homens. Logo que tinham falado da separação, ele se limitara a prometer que iria procurá-la, mas evitava seu olhar e parecia incapaz de tocá-la, de estar a seu lado. Mary lhe assegurou que era o medo que o paralisava, mas para Elizabeth as últimas horas tinham sido as mais desoladoras e tristes que tinha vivido junto a seu marido.

—Milady — exclamou Ulrik aproximando-se dela. Ellie usava uma calça de William, adaptada ao seu tamanho pela Mary, e um enorme casaco de lã. Fazia um frio outonal e o vento soprava com força, fazendo com que seu cabelo solto ondeasse e lhe ocultasse parcialmente a cara. William esperava de pé com um objeto na mão, a poucos metros de um círculo esboçado sobre a grama, — estamos na hora adequada, situe-se justo naquele sinal, por favor.

Aquele ancião parecia entusiasmado com a experiência, estava encantado e não podia ocultar sua agitação; era evidente que não percebia absolutamente a dor que implica para eles todo o momento e tagarelava feliz ultimando os detalhes da viagem. Ellie ficou onde lhe indicavam, de costas para William; se ele não se aproximava, ela não o culparia, iria sem despedir-se e não o olharia. William não quereria que o vissem chorar.

Ulrik lhe colocou entre as mãos um disco de pedra, esculpido com infinitos símbolos tribais. Ellie o segurou com ambas as mãos, o ancião lhe disse que se agarrasse àquele medalhão, porque aquilo seria seu leme na partida.

—Ajustamos as coordenadas para que chegue à Inglaterra aproximadamente em outubro do ano de 2004, Elizabeth — lhe explicava o ancião com esse acento tão peculiar, — talvez quatro ou cinco meses depois de sua partida. Se tudo partir segundo o previsto, sua chegada será em Londres, perto do castelo, isso esperamos, querida. —Dirigiu-lhe um olhar de cumplicidade e doçura que fez Ellie estremecer. — Boa viagem, milady, espero vê-la muito em breve de volta.

Então Ellie separou as pernas para sentir-se mais segura, tremia de medo, estava assustada, mas não choraria nem suplicaria. Sempre tinha enfrentado o inevitável sem pigarrear, era uma lutadora. «Senhor, me dê forças para aceitar aquilo que não posso mudar», disse Francisco de Assis, e essa era sua premissa na vida. Respiraria fundo e partiria, com uma mão protegeu o ventre no momento preciso em que William a segurou por trás.

Sua enorme mão a rodeou como querendo protegê-la, a ela e ao bebê, acariciou-lhe o ventre e se agachou à altura de seu ouvido para lhe sussurrar uma despedida através do forte vento que os envolvia.

—Quero-te, meu amor — disse lhe acariciando o ouvido com suas palavras, — estará bem, prometo-o, eu pensarei em você cada segundo de minha vida e irei te buscar antes do que espera, amo-te, Elizabeth Forterque Hamilton, e não consentirei que te afaste muito tempo de mim.

Ellie se virou para olhá-lo nos olhos, esses preciosos olhos celestes que agora estavam cheios de lágrimas, e sentiu medo. Nem sequer William confiava em suas promessas, e Ellie pensou que talvez não voltariam a ver-se jamais. Beijou-a brandamente nos lábios enquanto ele lutava por permanecer forte.

—Que nome quer que lhe ponha ao menino? —Foi o que primeiro saiu de sua boca. William se deteve e a olhou com incredulidade. — Não me disse que nome você gostaria para nosso filho, William, nem sequer falamos sobre isso.

—Discutiremos quando voltar.

—Não, quero saber como quer chamar o menino. — Ellie estava ali plantada entre aqueles homens, a ponto de partir aonde só Deus sabia e necessitava de uma maldita resposta. — Diga-me isso.

—Robert — respondeu William com a voz entrecortada; a serenidade daquela garotinha o assustava. — Quero que Robert seja seu padrinho.

—Muito bem — respondeu Ellie lhe dando um último casto beijo nos lábios antes de virar-se para lhe dar outra vez as costas, — será Robert, eu gosto, e se for menina se chamará Mary, diga à sua irmã de minha parte.

William retrocedeu até sua posição inicial sem afastar a vista de sua miúda mulher. Pequena e de aspecto frágil, Elizabeth era uma das pessoas mais fortes que tinha conhecido em sua vida, e sabia, com certeza, que não poderia sobreviver sem ela. Se algo falhasse, se a perdia, morreria, sem dúvida, morreria ou se deixaria matar pela condenada Marian Lancaster.

Ellie enfrentou os serenos olhos de Robert Wilson que a observavam justo à sua direita. Robert lhe sorriu ao mesmo tempo em que Ulrik de Armagh iniciava uma espécie de ladainha primitiva e desconhecida que lhe arrepiou os pêlos da nuca. Com uma mão segurou o ventre, enquanto que com a outra se agarrava ao disco de pedra.

O vento gelado se elevou tumultuoso, impetuoso, ao seu redor; em uma fração de segundo, o pó lhe fez entreabrir os olhos enquanto sentia como o ar se ficava mais morno e pesado, por instinto fechou completamente os olhos e se encolheu pensando que não resistiria e se deixaria levar. A escuridão total e o silêncio a inundaram e Elizabeth Butler não escutou nada mais.

 

                   Londres, outubro de 2004.

—Senhorita! Senhorita? — Uma voz com acento inglês lhe chegava desde muito longe, os ouvidos lhe zumbiam e não podia abrir os olhos. — Meu Deus, Bill! Esta garota parece ferida.

O que Elizabeth ouviu a seguir foram os sussurros de umas enfermeiras a seu redor. O bip bip de uma máquina, os passos tranquilos de várias pessoas que revoavam junto a ela e uma intensa dor no braço. Tentou movê-lo, mas tinha uma agulha cravada na veia; era soro, sua mão inchada palpitava sob o lençol que a cobria.

—Já abre os olhos — exclamou uma mulher inglesa; a luzinha de uma lanterna a atacou diretamente nas pupilas. — Senhorita? Como vai? Pode me ouvir? Está no hospital St. Bartholomew de Londres. Você está me ouvindo?

Ellie tentou assentir com a cabeça e a mulher compreendeu imediatamente o gesto, respondendo com um grande sorriso. Tomou o pulso, moveu alguns cabos e esperou pacientemente a que chegasse um médico, enquanto lhe aparava o cabelo e lhe estirava o lençol.

Evidentemente se encontrava em sua época. Estava em um moderno hospital, rodeada de aparelhos eletrônicos, em um acolhedor quarto iluminado. Moveu a cabeça e viu pela janela um dia brilhante, umas nuvens brancas adornavam o céu azul, e Ellie sentiu uma espetada de dor em seu coração… William.

—Senhorita Butler — disse de repente uma voz. Uma mulher alta e loira, a médica, acabava de chegar até seu lado para saudá-la. Ellie a olhou com lágrimas nos olhos. — Como se sente, querida? Acredito que se reporá muito em breve, não se preocupe.

A doutora, com a ajuda da enfermeira, começou a repassar seus sinais vitais e levantou o lençol para tocá-la; nesse momento, Ellie recordou sua gravidez e instintivamente levou sua mão livre até seu estômago, topando-se com um cabo. Um monitor: estavam-na monitorando, grávida… não era um sonho, estava grávida de William.

—Está tudo bem — disse a mulher em tom tranquilizador, — você estava sofrendo uma perda abundante de sangue quando a encontraram no parque, mas felizmente seu traslado ao hospital foi rápido e freamos os sintomas de aborto. Agora deverá guardar repouso e tudo irá bem.

—Quanto tempo eu estou no hospital, doutora?

—Vinte e quatro horas — respondeu a médica comprovando os dados. — Ontem chegou aqui a esta hora, não recorda nada?

—Não, não recordo nada. — o coração de Ellie saltava de angústia, onde estava William? Já tinha passado um dia inteiro. — E onde diz que me encontraram? Em que parque?

—No Hyde Park, muito perto de Marble Arch. — A mulher a observou com estranheza. — Acredito que será melhor que chame o doutor Farell, é neurologista, lhe explicará mais coisas, certamente sofreu uma contusão, Elizabeth. Mas por agora fique tranquila, está tudo bem e seu bebê está em perfeitas condições.

—Como sabe meu nome? —Acreditariam que estava paranóica, pensou Ellie, mas não importava, necessitava de respostas. — Não acredito que levasse documentos.

—Sua embaixada tinha enviado uma ordem de busca. — A doutora não estava tão segura de se devia responder, mas a paciente parecia necessitar de ajuda. — A polícia acompanhou-a na ambulância, deram seu nome na Delegacia de polícia e, cruzando dados, seu cônsul veio a reconhecê-la. E bom, já sabe, questão de informática.

Claro, obviamente sua família tinha denunciado seu desaparecimento misterioso em Londres. Era lógico, seu irmão e sua avó jamais tinham ficado tanto tempo sem saber dela, a embaixada estaria alerta e qualquer ingresso estranho em hospitais lhes seria comunicado. E ela tinha aparecido em um parque, Hyde Park, a sessenta quilômetros de distância do castelo Forterque; sorriu pensando nas coordenadas de Ulrik, mesmo sendo um druida do século XVI não tinha falhado muito.

—Doutora, por favor. — A mulher se virou para olhá-la. — Diga-me, em que data nós estamos?

—Dezoito de outubro.

—De 2004?

—É obvio — respondeu a mulher fechando a porta às suas costas. — Fique tranquila, agora mesmo lhe mando o doutor Farell.

O doutor Farrell lhe explicou o que era uma contusão, tentou sondar sua saúde mental, e Ellie decidiu lhe dar respostas para evitar tanto interrogatório. Explicou-lhe com calma que saiu de viagem com seu namorado, ambos tinham decidido desaparecer do mundo durante uns meses, mas tinham retornado a Londres fazia uns dias e, depois de uma briga, fugiu de casa zangada, tinha estado vagando pela cidade e, finalmente, desmaiou por culpa da gravidez. Tinha falhas de memória e por isso suas perguntas sobre as datas. Não, não queria que tentassem localizar seu namorado, só queria falar com sua família nos Estados Unidos da América.

Com os dias, Ellie soube que tanto seu pobre irmão como sua avó e seus amigos de Nova Iorque a tinham estado procurando por toda parte durante meses, inclusive se tinha enviado uma ordem de busca e captura contra William Forterque-Hamilton por sequestro.

—Não é muito normal em sua idade tomar um avião e não ser capaz de chamar para dizer onde e como está. — Seu irmão Richard parecia furioso, mas assim que o chamaram da Inglaterra para avisar de seu reaparecimento em Londres, tinha tomado um avião do Havaí para estar com ela, agora passeava pelo quarto do hospital como um possesso, além disso, Ellie acabava de lhe confirmar a sua gravidez. Richard queria matar Forterque-Hamilton. — É a coisa mais estúpida que já fez em toda a sua vida, Elizabeth, e você normalmente não faz coisas estúpidas, não pensou nem por um segundo em como nós estaríamos preocupados?

—Claro que pensei — mentiu, — mas perdi a cabeça. Sinto muito, sinto muito, não tenho perdão de Deus, sinto muito, Richard.

—E agora, o que pensa fazer esse maldito inglês? Sabe que vai ser pai, suponho? — Richard não podia assimilar que sua inteligente e sensata irmã estivesse grávida aos vinte e quatro anos. Era uma loucura. — Quero falar com ele. Um filho é algo muito sério, Ellie, é algo muito importante, santo céu, como você foi tão irresponsável?

—Por que supõe que é de William? — Seu irmão a observou entreabrindo os olhos com fúria. — Eu não disse nenhum nome.

—A avó Remédios disse que comia a esse tipo com os olhos em Madrid, que diabos está tentando fazer? Protegê-lo? Acha que sou estúpido? Se disser que te deitou com ele na biblioteca do avô, Deus, Ellie! No que estava pensando?

Ellie esteve enfrentando perguntas e requerimentos similares aos de Richard durante quatro longos dias, enquanto permanecia no hospital, em repouso absoluto. Quando estava sozinha, momentos bastante escassos, a angústia e a ansiedade se apoderavam dela, e o pranto afetava seu delicado estado de saúde.

Conforme lhe confirmaram através de uma ecografia, o bebê, um menino, estava bem, tinha vinte e uma semanas de gestação, e era imprescindível ficar de cama para chegar às quarenta e conseguir um parto normal. A viagem e o esforço dos últimos dias no século XVI tinham provocado sua consequência. Ela horrorizava-se cada vez que pensava em como James tinha matado a esse bárbaro aos pés de sua cama, como tinha sobrevivido ao cativeiro na casa de Marian Lancaster, como tinha se lançado a uma viagem pelo tempo em que não existia nenhum controle empírico. Todo aquilo tinha estado a ponto de lhe fazer perder o menino, e a ginecologista do hospital, a doutora Weitz, seguia preocupada; tinha ordenado uma medicação adequada: um suplemento vitamínico e um repouso total até que conseguissem estabilizar o gravidez.

Sentia saudades de William terrivelmente, a dor em seu coração a atravessava e a partia pela metade, tinha saudades dele com uma necessidade sobre-humana e sentia saudades também de sua doce Mary, de Robert, de Jane, de toda essa gente valente e apaixonada que a queria e a tinha feito parte de sua família.

Agora os dias passavam lentos e tristes, e o desgosto invadia a alma e a mente de Ellie; despertava pelas noites chorando e chamando William a gritos, sentindo-se tão vazia e inútil que se não fosse por seu filho, pelo filho de ambos, teria morrido de bom grado. Nada a retinha nesse tempo e nesse lugar, e o desespero ameaçava deixá-la louca.

—Vem para casa, claro. — Penny, sua melhor amiga tinha viajado a Londres para substituir Richard, que devia voltar para o trabalho. Penny não lhe perdoava que não quisesse falar de sua recente aventura e estava fazendo-se de dura enquanto a acompanhava no hospital. — Seu trabalho te espera, apesar de haver ido sem explicações, mas contavam com que ficaria na Inglaterra uma temporada, em teoria, estava cedida a esse lorde, como pudeste ficar grávida dele?

—Não, não vou a Nova Iorque, fico aqui. — Ellie, farta de que todo mundo a odiasse por sua escapada e por sua gravidez, não estava disposta a dar muitas explicações. — Já disse a meu irmão, fico em Londres, e já basta, OK? Quero este bebê e estou muito feliz com a gravidez, não é um drama, por que se empenham todos em vê-lo como uma tragédia, santo céu?

A porta acabava de entreabrir-se ligeiramente. Uma voz muito educada pedia permissão para entrar e Ellie, aliviada de que interrompessem sua discussão com Penny, animou ao recém-chegado para que passasse. Quando aquele homem transpassou a porta, saltaram as lágrimas de Ellie, era Ambrose, o mordomo de William, impecavelmente vestido, sério e com um enorme ramo de rosas brancas na mão. Enfim uma prova de que não estava completamente louca.

—Senhorita Butler — disse com uma pequena reverência o encantador mordomo, — sinto interromper, não queria incomodar, mas liguei e me disseram que esta era a hora de visitas.

—Entre, entre, Ambrose, que alegria vê-lo. —Estava chorando sem poder evitá-lo; Penny a olhava completamente surpreendida, tanto ataque sentimental devia ser fruto da gravidez. — É uma surpresa muito agradável, apresento a minha amiga, Penelope Cook, Penny, ele é Ambrose, homem de confiança de lorde Forterque-Hamilton.

Ambrose juntou os saltos em uma evidente amostra de respeito e inclinou a cabeça para saudar Penny. A jovem, fascinada pelo personagem, decidiu deixá-los a sós; Elizabeth teria coisas que falar com aquele senhor, e ela morria por um cigarro. Despediu-se dos dois, e Ellie, enfim a sós, pôde dirigir toda sua atenção ao Ambrose.

—Como soube que estava no hospital? — perguntou com cautela. — É uma surpresa vê-lo por aqui, Ambrose.

—A polícia esteve na casa várias vezes perguntando por você — respondeu com serenidade — e quando apareceu no Hyde Park, voltaram para ver se meu senhor havia retornado também. Um par de chamadas e descobri onde você se achava, milady.

Milady? Ellie o olhou diretamente nos olhos e o mordomo respondeu com um eloquente silêncio. Sorriu e tirou de seu bolso um papel envolto em capas de couro que estendeu a Elizabeth para que lesse.

—Olhe isto, senhora. — Ao Ellie tremiam as mãos e não podia abrir o bendito documento. Ambrose a ajudou e lhe explicou o que acontecia. — Quando apareceu no parque, inconsciente e sem documentos, a polícia veio me visitar, já que seus familiares a vincularam ao lorde. Então decidi procurar em minhas dependências, em um antigo cofre que meu parente Robert Wilson usa para me mandar mensagens e encontrei algumas cartas dirigidas a você e outra a mim. Nela o senhor Wilson me explicava que você podia necessitar de minha ajuda, advertiu-me sobre sua gravidez e me ordenou que a levasse para casa até que meu amo ou ele aparecessem. Já sei que agora você é lady Forterque-Hamilton, e é obvio que me ponho a seu serviço, milady.

Elizabeth caiu em pranto quando abriu os papéis de William. Sua letra, suas instruções, o aroma daquelas capas de couro chegadas diretamente do século XVI. Os soluços assustaram o velho mordomo que só pensou em lhe dar uns lenços de papel. Havia momentos em que sua mente a queria convencer de que tinha vivido um sonho, uma quimera absurda, mas aqueles documentos assinados pelo William e pelo Robert eram outra prova fidedigna para ter fé e não perder a esperança.

 

Apesar dos rogos e súplicas de Richard, de Penny ou de sua avó, Ellie teimou em sua decisão e se negou a deixar a Inglaterra. Passou uma semana inteira internada no St. Bartholomew até recuperar-se e logo saiu em cadeira de rodas a caminho de seu novo domicílio, acompanhada pelo Ambrose.

No castelo Forterque a esperavam milhões de lembranças e objetos pessoais de William que a reconfortaram e a alagaram de tristeza ao mesmo tempo. Quando viu recortado contra o céu o precioso castelo, o coração lhe encolheu e acariciou seu ventre volumoso, com carinho. «Esperaremos papai em casa», disse-lhe mentalmente a seu filho. A decisão estava tomada, não se moveria do castelo Forterque até que William pudesse viajar, embora passassem os anos, não cabia outra opção, esperaria pacientemente e criaria Robert na casa de seu pai.

Desde o primeiro momento, dedicou-se a estudar e a ler na maravilhosa biblioteca de William. Penny esteve uma semana ao seu lado no castelo, consolando-a e lhe perguntando constantemente pelo paradeiro de seu aristocrático marido, sem que Ellie manifestasse o mínimo interesse em satisfazer suas milhares de dúvidas. A jovem, estudante de doutorado na universidade, decidiu retornar a suas obrigações quando comprovou a evidente melhoria de seu amiga e o bom estado econômico em que se encontrava.

—Quando o dia do parto se aproximar, eu voltarei por aqui — lhe disse Penny antes de despedir-se com um abraço, — não perderia isso por nada do mundo.

Ellie deixou a sua amiga no carro conduzido pelo Ambrose e retornou ao seu quarto para dormir abraçada aos travesseiros que um dia William usara. Desejava ardentemente estar sozinha e dedicar sua tranquila e privilegiada existência ao estudo e a suas lembranças. Passava as horas olhando pelos janelas da casa, passeando pelo jardim e visitando os preciosos cavalos de seu marido, pondo em cada ato todo seu amor por ele. Chorava pelas noites, suspirava pelo dia, falava constantemente com o pequeno Robert, que se movia alegremente em seu ventre dando uns enérgicos chutes como resposta, e revisava conscienciosamente, através de Internet, todas as bibliotecas do mundo procurando informação sobre os Forterque-Hamilton e Marian Lancaster.

As horas se precipitavam implacáveis e embora cada dia despertasse com a ilusão intacta de que aparecesse William pela porta, seu senso comum a empurrava a tentar reorganizar sua vida na Inglaterra do século XXI, só e triste, mas dedicada ao bebê que estava a ponto de nascer.

 

Levava dois meses no castelo Forterque quando despertou com umas intensas dores nos rins. Segundo a doutora Weitz, tudo seguia bem, e Robert nasceria em fevereiro segundo o previsto, mas assim que Ellie despertou com essa chicotada de dor lhe cravando o final das costas, soube que o menino se adiantaria. Com muita dificuldade, conseguiu endireitar-se em sua enorme cama matrimonial e chamar o Ambrose com o timbre da mesinha. Quinze minutos depois, de pé no banheiro, viu, apavorada, como rompia bolsa e alagava o lugar.

Ambrose e uma das donzelas a levaram até o hospital mais próximo ao castelo, no Windsor, onde a atenderam e a acalmaram enquanto a levavam voando à sala de cirurgia. Estava em trabalho de parto, as contrações aconteciam a cada cinco minutos e ela, uma principiante de vinte e quatro anos, estava a ponto de dar a luz a seu filho sem aviso prévio e com uma dor indescritível. Se pudesse matar William… estava fazendo sozinha, maldito William, pensou, reclamando a anestesia epidural a gritos.

Robert William Forterque-Hamilton veio ao mundo em vinte e dois de dezembro, às quatro da madrugada, no hospital Hartford de Windsor. Ellie deu a luz sozinha, sem uma mão a que segurar-se nem ninguém que a consolasse em meio daquele medo atroz que a assaltou no último momento.

O bebê era prematuro, sete meses, e todo mundo cochichava sem falar com ela. Apesar das contínuas perguntas aos médicos e seus rogos às enfermeiras, todos sorriam sem lhe fazer muito caso, é obvio. Ambrose intervinha no mínimo e Elizabeth se sentia impotente, imóvel na cama, aguentando estoicamente as contrações, sem poder levantar-se para exigir respostas.

Finalmente a tinham levado para a sala de partos e Robert tinha nascido rapidamente. Quando o entregaram e o teve sobre seu peito, Ellie soluçava de alegria e cansaço: aquele pequeno bebê ainda sujo e coberto de sangue era o mais formoso que tinha visto em sua vida e beijou sua cabecinha, dizendo seu nome, até que o pediatra o tirou brandamente para levá-lo até a incubadora. Pesava três quilogramas e media quarenta e sete centímetros: muito grande para um prematuro de sete meses e além disso era são, forte e com caráter, conforme lhe informou o médico, três qualidades que fizeram sorrir à orgulhosa mãe.

 

Robert esteve poucas horas na incubadora, quase imediatamente o entregaram a Ellie, que já se recuperava do momento com bastante otimismo, e o pediatra assegurava que o pequeno estava perfeito. Assim, três dias depois do parto, Ellie e sua família celebraram o Natal no castelo Forterque, com o pequeno lorde dormindo como um bendito nos braços de sua orgulhosa bisavó Remédios, que jurava que o pequenino era igual ao seu pai.

—É uma pena que esse teu marido bonito esteja perdendo este momento, querida — sua avó lhe falava enquanto Ellie descansava depois de dar o peito ao menino, — estes momentos são únicos.

—Ele é quem mais o lamenta neste momento, vovó — respondeu Ellie com os olhos cheios de lágrimas, — eu te asseguro que ele está sofrendo por não poder estar aqui.

—E quando volta? —A avó levava meses resistindo para não agoniar a sua neta, mas já não podia mais, era evidente que Elizabeth necessitava desse homem a seu lado. — Perdoe-me, céu, mas é que tudo isto me parece muito estranho.

—Voltará logo, não se preocupe. — Já estava chorando outra vez. — Virá antes do que pensamos, estará como louco para ver o Robert. Fique tranquila, avozinha. Tudo irá bem.

Mas William não vinha. O tempo seguia avançando e depois do inverno, quando seu filho cumpriu seus primeiros quatro meses de vida, Elizabeth já não sabia se devia seguir esperando ou se devia aceitar sua realidade tal qual era. Estava sozinha, com um filho e uma vida por diante, devia assumir a dura realidade. Tinham passado mais de seis meses desde sua chegada, e certamente as coisas para a família Forterque-Hamilton não tinham melhorado.

Seis meses na vida do século XVI não era muito tempo. William tinha muito trabalho que fazer, e muitas portas que tocar em meio daquela singular e selvagem guerra que Marian tinha declarado contra eles. Ao menos seu pequeno Robert estava a salvo e isso reconfortava a uma Elizabeth cada dia mais desolada.

De noite, enquanto amamentava ao bebê, encantava-se observando as pequenas feições dos Forterque-Hamilton impressas nele. Era muito parecido com seu pai, loiro como James e como Mary, e tinha uns grandes olhos azuis que a olhavam com devoção. Ellie compreendeu que jamais poderia sentir mais amor que o que experimentava quando olhava a seu filho e se convencia, dia após dia, de que esse amor e essa entrega a ajudariam a organizar uma vida plácida e tranquila sem William.

Seu corpo se recuperou muito rapidamente; estava mais magra e angulosa, mas suas formas estavam intactas e gozava de uma energia recuperada que começou a empregar no estudo dos Forterque-Hamilton. Enquanto Robert dormia, ela estudava e investigava e quando o pequeno estava acordado lhe dedicava cem por cento de seus mimos e cuidados.

Rob, assim o chamava, porque Robert lhe parecia um nome muito grande para ele, era esperto e sorridente, observava tudo com curiosidade e adorava os cavalos. Cada manhã o levava de passeio aos estábulos para que observasse aos animais, e o pequenino aplaudia quando o aproximava até eles.

—Entende os cavalos — dizia Ambrose cada vez que via a reação do bebê. — É a genética, senhora. Robert montará antes de aprender a caminhar.

 

O verão chegou à úmida Inglaterra, lhes dando de presente uns dias esplêndidos e um sol brilhante que animavam ao bebê e a ela mesma, e decidiu que era o momento de sair da casa e levar o menino à cidade. Com seis meses, Rob só tinha saído do castelo para suas visitas ao pediatra e não conhecia Londres. Se William ou Robert Wilson aparecessem pelo século XXI, teriam que esperar, pensou, não sem amargura, mas a essas alturas, passados já oito meses, suas esperanças minguavam cada vez mais rapidamente, e estava cansada daquela espera perpétua que se instalou em sua vida.

Pegou o carro e chegou em Londres pela manhã, primeiro o Green Park, logo um percurso pelo Piccadilly e finalmente uma visita à praça de Trafalgar, caminhando com energia e com o carrinho preparado para qualquer necessidade de Robert, que olhava, feliz, às pessoas que os rodeava. Ellie se culpou interiormente por estar criando a seu filho como a um ermitão e se fez a promessa de mudar imediatamente esta circunstância.

 

No Trafalgar, decidiu visitar um museu e demorou meio segundo para escolher a National Portrait Gallery, seu museu favorito.

Estava muito pouco tempo na exposição quando descobriu um quadro onde o rosto de Marian Lancaster olhava ao espectador com insolência. Era um quadro da corte Tudor, onde a muito bela favorita do rei aparecia em segundo plano vestida e penteada como uma rainha. O coração lhe deu um tombo quando deu de cara com aquele sorriso frio e sensual que o pintor tinha conseguido captar à perfeição.

Teve que sentar-se em uma poltrona próxima para recuperar o fôlego. O pequeno Rob, sentado em sua cadeira de passeio, observava com seus enormes olhos azuis às pessoas que os rodeava, centenas de turistas que circulavam olhando as obras de arte a toda velocidade. Ellie estava paralisada, justo atrás da figura de Marian, pintado em todo seu esplendor, com um elegante traje de ornamento e o olhar transparente enfocado para a condessa, achava-se William, seu William, seu marido tal e como o tinha deixado antes de retornar ao futuro.

Ficou de pé e deu uns passos para a plaquinha colocada à direita do quadro, agachou-se e leu Natal na corte, 1536. Anônimo. Natal de 1536, supunha-se que Ellie tinha abandonado o século XVI em outubro, poucos dias depois de seu aniversário, portanto, aquele quadro devia haver-se pintado dois meses mais tarde em Londres. Talvez Enrique o tinha encarregado para imortalizar a sua terceira mulher, Jane Seymour, mas o que fazia William posando com o resto da corte se sua situação social naquela época era péssima?

A cabeça de Elizabeth dava voltas. Olhou a hora: uma e meia da tarde, deu-lhe um mingau de frutas ao Robert e permaneceu diante daquele enorme quadro durante horas. O bebê acabou dormindo enquanto ela tentava encaixar as peças para entender. No enorme tecido, pôde descobrir também James, que exibia um uniforme, e a pouco agraciada mulher de Enrique, vestida de vermelho como ela tanto gostava.

Todos os presentes olhavam de frente para o artista, exceto William ao qual retratavam observando lady Lancaster. Havia duas opções: ou o pintor queria destacar um romance entre ambos ou, justamente o contrário: uma animosidade latente e pública entre nobres. Não entendia de arte mas consultaria com um perito; no momento, sentia-se aflita só pensando na possibilidade de que William a tivesse esquecido tão rapidamente e que fosse a festas em Palácio como se fosse mais um.

A desolação que a perseguia desde sua chegada começou a crescer e pela primeira vez em meses, teve que reconhecer, objetivamente, que era possível que não voltasse a ver jamais ao pai de seu filho.

 

O perito em arte da época dos Tudor que conseguiu localizar em Cambridge foi bastante reticente em falar do tema com ela até que lhe ofereceu uma boa remuneração. Finalmente o professor Daucher apareceu no castelo com uma reprodução do quadro bastante boa que ambos estenderam sobre a mesa da biblioteca, enquanto o perito não deixava de observar com a boca aberta os tesouros que ali se exibiam.

—Este quadro foi encarregado pelo Enrique VIII a um pintor da corte, como outros milhares naquele momento. Tinha muita gente que se dedicava a este tipo de trabalhos oficiais. Foi pintado a princípios de 1537, quer dizer começou o projeto no Natal de 1536, como bem reza na documentação do museu. É uma espécie de postal familiar.

—Isso já me imagino — respondeu Ellie um pouco farta da aparente soberba daquele tipo. — Quero conhecer o nome dos personagens, o porquê de sua localização, o motivo de sua presença neste postal familiar, sei que essa análise são habituais neste tipo de obras.

—Sim, claro, — respondeu Daucher — ao lado de Enrique está sua mulher, Jane Seymour, a atriz de Doutora Queen tomou seu nome dela, sabe? —Ellie assentiu com um meio sorriso. — Atrás de Jane está sua dama de companhia, era normal que estivesse perto, a rainha consorte estava grávida e essa mulher está cuidando-a, atenta de suas necessidades. Atrás está Buckingham.

—Bem, bem — interrompeu Ellie. — Fale-me dos da direita, esta mulher tão bonita e esse homem a suas costas, sabe quem são?

—Lady Lancaster — disse o professor aproximando-se com os óculos à reprodução. — Segundo um estudioso de nossa universidade, ela é Marian, condessa de Lancaster; dizia-se que era a querida do Rei. Esteve casada com um irmão bastardo de Enrique. O homem jovem detrás não é relevante, eu diria que era um amante da condessa ou um favorito da corte, havia muitos ociosos cortesãos que o Rei mantinha a seu lado mas… eu acredito que tem mais que ver com a condessa. Não me consta que apareça seu nome em nenhum relatório, interessa-lhe muito? Se me der uns dias, talvez consiga algo.

—Ele está olhando-a — disse Ellie, — o que pode deduzir deste olhar?

—Bom, ou que estava apaixonado por ela ou que a queria matar. — Daucher soltou uma gargalhada que Ellie respondeu com frieza. — Não sei, senhora Forterque, terá que estudá-lo, mas normalmente estes gestos não eram gratuitos para o artista. Certamente eram amantes e o pintor quis refleti-lo no quadro a modo de brincadeira privada. É como um paparazzi do século XVI, que descobre as infidelidades da corte aos olhos de todo o mundo.

—Bem — Elizabeth de repente se sentia desolada, «amantes», — direi a verdade, professor Daucher, só quero saber quem é este personagem e que relação tem com esta mulher, é muito importante para minha… minha família. Acredita que poderá averiguar algo?

—Tentaremos — disse Daucher com o olhar cravado na reprodução, — espero que se trate de um personagem real, a outra possibilidade é que o pintor inventasse a figura, para preencher, já me entende, certamente esta última possibilidade é bastante provável.

—Não, esse personagem é real — respondeu Ellie, — sei que é real. Talvez um antepassado da família de meu marido. Forterque-Hamilton, aí tem uma pista, por favor faça o que possa para me ajudar, você fará?

—Claro — respondeu o professor olhando com surpresa a sombria expressão daquela mulher americana. — Dê-me uns quantos dias e veremos o que se pode fazer.

Recebeu o relatório telefônico de Daucher três dias depois, três dias de angústia e confusão para Ellie. Passava da esperança de que em qualquer momento entrasse William pela porta, à agonia de supor que seu marido tinha terminado nos braços de Marian pelo bem da família. Tudo eram especulações infantis que desembocavam em sufocantes pesadelos noturnos.

—Senhora Forterque, você tinha razão, o personagem do quadro é um familiar direto de lorde Forterque, de fato é William Forterque-Hamilton, primogênito do Duque de Forterque. Segundo algumas crônicas da época, era o prometido da condessa de Lancaster, jovem viúva, e por essa razão aparece no quadro, ele não era um cortesão habitual, o motivo de estar no Palácio no Natal é sua relação com ela. Milady?

—Sim, escuto-o professor. —Ellie sustentava o telefone com os olhos cheios de lágrimas. Seu maior temor se fez realidade, finalmente William se comprometeu com ela… a tinha amado… talvez tinham tido filhos. Sentia que o coração lhe rompia em pedaços. — Está você seguro?

—É obvio, senhora Forterque. Pus uma equipe de quatro pessoas a investigar; tudo está documentado, se quiser posso juntar ao relatório ou enviar-lhe por correio eletrônico.

—Muito obrigado, professor Daucher, sim está bem, envie-me por correio eletrônico, junto com a fatura por seus serviços. Você foi de grande ajuda.

«Não trocará a segurança de sua família por você», havia-lhe dito Marian quando a teve presa em seu castelo, e era verdade. William era o responsável pela vida de sua gente e tinha agido como se esperava dele.

As semanas que seguiram à contundente revelação da história de William a consumiram em uma profunda e irremediável depressão. Já não esperava a cada dia a chegada inesperada de seu marido, nem observava com ilusão a clareira por onde devia aparecer. Tudo se tinha feito pedacinhos, William havia feito o que se esperava para salvar a sua família, tinha enterrado a tocha de guerra unindo-se àquela mulher. Esse era seu dever e ela o respeitava por isso, não poderia lhe reprovar jamais esta decisão. Seu pai e seus irmãos estavam em perigo e ele era assim, um homem valente e nobre, que jamais poria suas necessidades por cima de sua honra.

Ellie o tinha amado por isso e o amaria sempre, mas devia deixar de esperar, agora o importante era Robert.

 

                   Nova Iorque, setembro de 2005.

Chegou à Nova Iorque em meados do mês de setembro. O outono já começava a dourar as folhas do Central Park, e Robert estava a ponto de fazer nove meses. Com o dinheiro de William, alugou um precioso apartamento em Park Avenue, com uma formosa vista e todas as comodidades do mundo. Depois de quatro semanas, tinha decidido voltar para o trabalho, recuperar a normalidade e criar Robert perto de sua família.

É obvio, Ambrose se mostrou horrorizado pela repentina decisão da nova senhora da casa. Não podia acreditar que o pequeno Robert, a quem tinha tomado um enorme carinho, fosse criado longe da Inglaterra e do lar familiar, por não dizer que morria só de pensar que o futuro lorde Forterque-Hamilton falasse com acento nova-iorquino.

—Milady, pensei que seus planos para o futuro se achavam no castelo Forterque. Sinto-me desolado ante a perspectiva de afastar o pequeno Robert de suas raízes. — Ambrose, a quem nunca tinha visto nem pestanejar fora do lugar, tinha quebrado enfim o protocolo e lhe falava sinceramente enquanto ela preparava as malas. — Não tenho direito a opinar, milady, mas os Forterque-Hamilton levam muitas gerações educando-se no Eton… não quero intervir, mas lhe rogo que reconsidere esta decisão. Você não está bem desde que esse professor de Cambridge esteve por aqui, suplico-lhe…

—Bem. — Ellie o fez calar com um gesto. — Não se preocupe, Ambrose, não vou para sempre, Robert estará perto de suas raízes, viremos com assiduidade a Londres, eu prometo, mas é que agora mesmo não posso seguir aqui, também é pelo bem de Robert, não é bom que tenha uma mãe triste. — Riu acariciando o braço do mordomo. — Ao menos por um tempo, Ambrose, logo Deus dirá.

Com pouca bagagem e muitos planos, instalou-se em seu novo apartamento, a que logo convidou seus amigos e antigos colegas de trabalho para jantar e lhes apresentar a seu precioso filho.

Imediatamente lhe ofereceram retornar para seu posto e retomar o doutorado para conseguir uma cátedra na universidade. Opção que aceitou em seguida, já que precisava trabalhar, trabalhar muito e esquecer. Tom, seu antigo chefe, negociou um bom horário com ela para lhe permitir cuidar do pequeno Robert, que matricularia na creche destinada aos empregados da faculdade. Enfim retomaria uma vida normal, uma rotina tranquila e pacífica que a fizesse retornar à realidade.

Sentada no enorme terraço de seu apartamento, com a mesa cheia de comida, observou seus amigos, essas pessoas a quem se sentia tão unida e cujas existências tão corriqueiras e domésticas a fizeram sorrir. Robert brincava nos joelhos de Beth, a mulher de Tom, enquanto todo mundo lhe contava as novidades de Nova Iorque. Tinha estado fora muito tempo e lhe tinham dado a boa-vinda com os braços abertos; eles elogiavam sua beleza e sua nova fortuna, enquanto elas perguntavam detalhes do misterioso pai de seu filho.

—Está bem, Ellie? —Tom perguntou de repente tirando-a de seus devaneios, — suponho que se passar algo mau me dirá, não? Seguimos sendo amigos…

—Claro, tolo. — Sorriu para tranquilizar o seu amigo, desde sua volta ao século XXI, seus ataques de ausência tinham aumentado grandemente. — Só estou pensando. Tudo vai bem.

—Voltou, velha amiga?

—Voltei, Tom. Voltei.

 

William subia para seus peitos lhe dando mordisquinhos pelo abdômen, entretendo-se no umbigo e fazendo-a retorcer de risada. Estava nu, ela também, o sol entrava por uma janela próxima, e Ellie enredava os dedos nos brilhos dourados de seu cabelo comprido e revolto. De vez em quando, William levantava a vista para dar de presente um sorriso brincalhão nesses olhos celestes tão parecidos com os de Robert… Robert.

Ellie despertou chamando a seu filho aos gritos, com o coração lhe saltando no peito. Estava em sua cama, em Manhattan; olhou o relógio digital da mesinha, 5:45 da manhã. Tranquila, não passa nada, o transmissor do bebê indicava que Rob dormia placidamente no quarto contiguo. Levantou-se para comprovar o sono tranquilo do menino e se meteu no banheiro. O espelho lhe devolveu a imagem de uma Ellie pálida e cansada, despenteada, com os olhos cheios de lágrimas; Sentia tantas saudades dele… Se dobrou sobre si mesma e soltou esse pranto profundo e esmigalhado que ela sempre mantinha guardado diante de outros.

Caiu no chão de joelhos e se deixou levar por essa pena que a perseguia apesar do tempo transcorrido. Faltavam dois dias para o primeiro aniversário de Robert e ela seguia ali, já sem esperar nada. William, o amor de sua vida, o pai de seu filho, aliou-se com sua inimizade e tinha formado uma nova vida longe de suas lembranças e de seu grande amor.

Era o melhor, cada um em seu lugar, em seu tempo, mas pensava alguma vez nela? Em seu bebê? Um ruído a sobressaltou e rapidamente se levantou limpando as lágrimas com uma toalha. Era Robert, o muito desobediente tinha aprendido a descer do berço fazia uns dias e agora estava engatinhando pelo corredor. Ellie correu ao seu encontro e o elevou para dar-lhe beijos. Estavam a ponto de iniciar as férias de Natal, essa mesma noite tomariam um avião rumo ao Havaí para celebrar o aniversário de Rob e o Natal com Richard e sua família. Todos estavam muito animados, mas antes devia ir trabalhar.

Desceu correndo à rua. Robert tinha despertado muito inquieto e de mau gênio, tinha atirado várias vezes o leite e os cereais do café da manhã sobre a mesa da cozinha, com o que tinha tirado do sério sua doce e paciente babá Ana, e tinha zangado seriamente a sua mãe por atrasar sua saída vários minutos. Levava-o nos braços lhe falando e lutando para que comesse ao menos uma bolacha, enquanto ele se revolvia e chorava sem lágrimas, zangado com o mundo.

—Está insuportável, Robert Forterque-Hamilton — lhe estava dizendo muito séria enquanto saíam do elevador, — já falaremos você e eu tranquilamente.

Sua porteira lhe tinha um táxi que a esperava com a porta aberta, mas reteve-a uns minutos enquanto tomava Rob nos braços e o fazia voar pelos ares enquanto ele gritava de prazer, esquecendo o pranto e a bolacha.

—Senhora Forterque — lhe disse Clarisse segurando-a pela manga do casaco, — vi umas pessoas rondando por aqui. Talvez seja um pouco paranóica, mas no café da esquina me disseram que ontem perguntaram por você, e que viram as mesmas pessoas todo o dia dando voltas pelo lugar.

—Perguntando por mim? — Ellie sentiu um pontada de preocupação, que tentou desprezar imediatamente. — Não pode ser, ninguém me conhece por aqui.

—Sim — respondeu a jovem com um sorriso, — precisamente. Esta zona é de gente rica e há riscos de sequestros e coisas similares… eu, eu só faço meu trabalho.

—Não acredito — Elizabeth a interrompeu olhando ao seu redor com curiosidade, — obrigada mas não acredito que seja o caso, com certeza há um engano, mas obrigada, Clarisse, se voltar a ouvir algo me diga, certo? Até mais tarde.

—Senhora Forterque — Clarisse voltava a tomá-la pela manga, — olhe, aí em frente.

Ellie saiu do táxi apertando Robert contra seu peito, o coração começou a lhe pulsar muito forte por puro instinto, porque não conseguiu ver ninguém. Não distinguiu nada, mas a moça jurava que aqueles saqueadores estavam ali. Inclusive o taxista desceu do veículo alertado pelos dramalhões da porteira, mas nada.

 

Quando chegou à universidade, deixou o menino na creche e se meteu no escritório de Tom, comentou com ele a história da porteira e seu companheiro a tranquilizou imediatamente. Segundo Tom, ninguém tentaria sequestrar o filho de uma mãe solteira que vai todos os dias ao trabalho.

—Esta gente investiga suas vítimas, Ellie — disse Tom. — Entretanto, quando voltar do Havaí poderia contratar um pouco de segurança, por pura rotina, mas não se preocupe, com certeza não há nada que temer, a gente exagera às vezes.

—Se investigam podem descobrir facilmente que Robert tem um pai rico.

—Bom… pois, quando acabarem as férias estudaremos o tema, existem muitos serviços de escolta, sabe? Fique tranquila, não ocorrerá nada.

Passou a manhã trabalhando embora as palavras de Clarisse retumbassem em seu cérebro sem cessar. Chamaria seus advogados de Londres e os consultaria, talvez alguém estivesse interessado no filho de um milionário e ausente lorde britânico e, se necessário, contrataria guarda-costas, ignoraria Tom, devia agir com maior prudência, estava em Nova Iorque, vivendo em Park Avenue e seguia vivendo como uma humilde e anônima mulher trabalhadora. Remediaria isto quanto antes.

À uma hora, encontrava-se reunida no escritório de Tom junto com outros quatro colegas do departamento. Tinham-lhes subido uns sanduíches e uns refrescos e se preparavam para iniciar um tedioso almoço de trabalho, quando seu telefone móvel vibrou no bolso de seu jeans.

—Elizabeth? — perguntou a familiar voz da professora de Robert. Ellie ficou instintivamente de pé com um calafrio que lhe atravessou a coluna vertebral. Tom ficou de pé e a segurou pelo cotovelo. — Sinto interromper, mas temos um problema aqui…

—O que acontece? — enquanto falava começou a avançar para a porta, disposta a descer correndo as escadas que a levariam para a creche do campus em dois minutos, — o que acontece com Robert?

—Não, não, fique tranquila — disse a mulher. — Robert está perfeitamente bem. É que, você vê… o segurança deteve dois homens que tentaram entrar aqui perguntando por ele. Deram seu nome e o do menino e montaram um pequeno escândalo. Margaret conseguiu retê-los no escritório da diretora, será melhor que venha, já chamamos à polícia.

Ellie já não pôde ouvir mais, saiu correndo com Tom e com seus colegas que lhe pisavam nos calcanhares. Agradeceu por usar tênis essa manhã, porque pôde percorrer a distância em cinco minutos.

Entrou correndo naquele escritório, cheio de desenhos e brinquedos, decidindo mentalmente que levaria seu filho a Londres se houvesse algum perigo em Nova Iorque. A porta estava aberta e Ellie apareceu, agitada, abrindo caminho entre os dois tipos de segurança que permaneciam de pé olhando para o interior.

De repente foi como se um murro em plena cara a detivesse em seco, cravando-a no chão sem vontade. Margaret, a diretora, disse seu nome, mas Ellie quase não o percebeu. Ali mesmo, a menos de um metro de distância, William se virava para ela com os olhos cheios de lágrimas… usava seu comprido casaco de couro marrom e o cabelo desordenado; a sua esquerda, Robert Wilson, elegantemente vestido, dirigia-lhe um sorriso carregado de súplica.

A única coisa que Elizabeth Butler viu antes de perder o sentido foi William avançando para ela com a mão estendida.

—Elizabeth — sussurrou, — Ellie…

 

—Não a toquem! — O autoritário acento de lorde Forterque-Hamilton lhe chegava através das trevas. Zumbiam-lhe os ouvidos e, pouco a pouco, seu cérebro iniciava um despertar lento que lhe desentorpecia os membros. Não sabia quanto tempo tinha estado desmaiada, mas estava muito consciente de que se desvaneceu e do motivo que tinha provocado esse desmaio. A voz de William seguia falando, muito perto de seu ouvido. — Deixem espaço para que possa respirar, já lhe disse que não era boa idéia alertar à mãe, senhora, foi uma imprudência. Deus Santo, Ellie?

William assumiu imediatamente o tremendo engano que acabavam de cometer. Robert tinha se negado, discutido, ele fez todo o possível por evitar seu maldito caráter se impor, mas finalmente se impôs e aí se encontravam, rodeados de gente estranha, com a polícia a caminho e sua mulher desmaiada pela comoção. Se Robert quisesse lhe dar uma surra depois disto, ele o aceitaria com resignação.

—Elizabeth, está bem? Ellie.

Ellie já se sentia com forças para abrir os olhos e teve que entreabri-los para enfocar o rosto de William. Um sol de inverno entrava justo às suas costas e lhe dificultava a visão, mas sentia seu abraço, sua enorme mão sob a cintura e aquele familiar aroma, que flutuava ao seu redor. Com prazer se lançou a seu pescoço, mas uma pontada de desconfiança a atacou de repente, fazendo-a levantar de um salto, por que estava ali sem lhe avisar? Por que não a tinha chamado? Por que queria ver Robert sem avisá-la? Que demônios ele fazia em Nova Iorque?

—O que faz aqui? —perguntou Ellie se localizando a uma distância prudente. — Por que não me chamou antes de aparecer? Acha que pode se apresentar aqui desta maneira?

—Ellie… — Robert Wilson avançou para ela com esse habitual tom conciliador, enquanto William a observava com a mandíbula tensa e uma desolação enorme no olhar celeste. — Não se preocupe, só queríamos ver o pequeno e não pretendíamos te assustar; sabe que jamais faríamos mal ao Robert, chegamos ontem à cidade.

—Por que não me chamou? — Ellie fixou sua atenção em Robert tentando elucidar quais eram suas intenções, estava absolutamente confusa, enjoada. — Não pretendiam chegar aqui e entrar como se este fosse seu feudo, não? Por que não me chamou, Robert? Sabe quanto tempo passou? Quatorze meses, mais de um ano.

—Sei, sei, foi uma loucura. — William fez a ameaça de aproximar-se dela mas o gélido olhar de sua mulher lhe aconselhou a seguir mantendo as distâncias. — Não tem nem idéia por tudo o que nós passamos, como senti sua falta e como eu desejava conhecer o nosso filho.

Nesse momento, dois policiais fizeram sua entrada triunfal na creche, interrompendo a conversa. A diretora e as professoras ficaram um momento observando com a boca aberta os dois charmosos e elegantes britânicos, tomando conhecimento de que aquele espetacular homem de um metro e noventa de altura era o pai do pequeno Robert; de fato, compartilhavam os mesmos olhos, o encantador menino era igualzinho a seu pai.

—O que fazemos, Elizabeth? — perguntou Margaret, com os dois policiais que esperavam respostas, — é o pai de Robert?

Ellie olhou para os policiais e suspirou, não podia denunciá-los, nem dá-los como delinquentes, Mais cedo ou mais tarde e até conhecer suas intenções, predominava o fato de que William era seu pai e tinha direito a ver o menino. Assentiu silenciosamente e a diretora saiu de seu escritório com os dois agentes, lhes explicando o caso. Ellie se apoiou contra a mesa do escritório para tentar recuperar-se e organizar suas idéias. Os três ficaram em silêncio.

William a observou com o coração encolhido, Ellie já não era a mesma: sua doce esposa já não o olhava da mesma maneira, estava furiosa, doída e era capaz de matá-lo para defender a seu filho.

«Amo-te» lhe disse em silêncio, sem articular palavra; ela tinha ficado longe de seu alcance, não o olhava nos olhos. Usava umas calças justas e um suéter que acentuavam sua juventude e beleza. A pontada de desejo reprimido durante tantos meses fez William sentir-se vulnerável e derrotado em frente à sua mulher: amava-a tanto, tinha tido saudades a cada segundo de cada dia, de cada semana dos últimos meses que tinham ficado separados, e agora ela não era capaz nem sequer de lhe dedicar um olhar.

Mas não a culpava. alisou o cabelo e suspirou. Robert lhe deu um golpe nas costas e permaneceram quietos esperando acontecimentos, o seguinte passo seria ver pela primeira vez seu filho.

Margaret, a diretora do centro, retornou ainda com a surpresa desenhada na cara, mas não quis importunar Ellie com perguntas que podiam esperar, assim decidiu acompanhá-los até o parque infantil onde a essa hora os pequeninos brincavam com a areia. Ellie caminhava diante de William, sentindo o peso de sua energia sobre as costas.

Quando chegaram ao jardim e Ellie procurou o seu bebê, encontrou-o sentado no areal destinado aos menores. Muito agasalhado, Robert usava um casaco de forro polar azul marinho, um gorrinho e um cachecol celeste, e brincava, muito concentrado, com os artefatos de cores que lhes tinham dado as professoras. Ao vê-la, Rob lhe dirigiu um enorme sorriso; saltaram as lágrimas dos olhos de Ellie e ela se aproximou devagar seguida por um William completamente emocionado, que se agachou e lhe acariciou a cabecinha.

—Olá, meu amor — lhe disse Ellie elevando-o em braços, — olhe quem veio te ver.

William observou seu filho com as lágrimas rolando pelas bochechas, não podia conter-se, simplesmente chorava e sorria acariciando a carinha do pequeno.

—Olá, Robert — disse agachando-se para ficar a sua altura, — sou o papai, como está, carinho? É um menino muito grande.

Robert e seu pai se observaram um momento em silêncio. Ellie não queria intervir, a semelhança física era extraordinária e os dois pareciam compartilhar, além disso, uma comunicação especial da qual ela ficava irremediavelmente excluída. Rob olhava ao William sério e pestanejando muitíssimo, até que estendeu sua mãozinha e lhe acariciou o rosto dando de presente uma sorrisinho tímido. William então lhe estendeu os braços e o menino se lançou como se o conhecesse de toda a vida. Ellie os observou com o coração que pulsava muito forte; virou-se para olhar para Robert Wilson, que, em silêncio e com uma mão sobre o peito, disse-lhe obrigado.

 

—Todos nós sofremos muitíssimo, Elizabeth. — Robert Wilson se sentou ao seu lado, em um banco, enquanto observavam pai e filho brincando na areia. William tinha se metido no caixa de areia como um gigante que invadia Liliput, sentou-se no chão e se encontrava nesse momento rodeado de meninos, enquanto não deixava de observar e acariciar seu filho. — Sei que passou muito tempo, sei que tem medo, mas deve seguir confiando em nós.

—Por que não me chamou? Quando voltou? —Ellie enxugava as lágrimas com um lenço de papel. — Sabe por acaso pelo que passei este último ano, Robert?

—Sei. — Robert a pegou pelo pulso para tranquilizá-la. — Chegamos faz três dias a Londres, no lugar de sempre. William ficou como louco quando não te encontramos na casa. Ambrose nos contou todas as circunstâncias e tomamos o avião para vir à Nova Iorque. Talvez fosse minha culpa, mas acreditei que devíamos agir com prudência, não queríamos te assustar. — Robert soltou uma gargalhada amarga. — Não pudemos fazer de maneira pior; estivemos te observando ontem e esta manhã, sabe? E hoje não pude reter William, queria ver o pequeno, é natural, não pensamos que se desataria todo este drama, sinto muito.

—A porteira de meu edifício pensou que andavam uns sequestradores rondando a zona. Estava prevenida, por isso foi pior até, acreditei que uns delinquentes tentavam levar-se a meu filho, assustei-me tanto e… por que me observar? O que acontece? Não lhes entendo.

—William esteve um pouco paranóico, como diriam neste século, não é assim? Imaginando que já tinha refeito sua vida, que te havia sentido abandonada, Elizabeth, queria comprovar que não encontraria um homem ao seu lado.

—O que?! — Ellie se virou para Robert aborrecidíssima. — Como é possível que possa acreditar em algo assim? Como? Deus! É um bruto, só se passou um ano, pelo amor do céu, é que não me conhece? — Dirigiu um olhar furioso para a caixa de areia: nesse momento, William tinha Rob em seus braços e o levantava por cima de sua cabeça enquanto o menino gritava de felicidade. — E ele? Robert, há outra mulher a seu lado?

—É obvio que não…

—Vi um quadro em Londres, da corte de Enrique, retrata o Natal de 1536 e William sai junto a Marian Lancaster. Um perito em arte da época me há dito que talvez eram amantes, já sabe, pela atitude diante do artista.

—O que?! Agora sou eu que fico ofendido com a dúvida, milady. — Robert a olhava com sinceridade. — Acredito que deveria falar com seu marido, Ellie; Ambrose comentou algo a respeito desse tema, de fato vimos uma reprodução que tinha guardada na biblioteca. Simplesmente é ridículo. William não tem feito outra coisa que te ter saudades, de você e de seu filho.

William, com o Rob pendurando no ombro como um saco de batatas, aproximou-se deles. O menino ria a gargalhadas, Robert Wilson ficou em pé e pela primeira vez observou seu afilhado de perto.

—Acredito que deveríamos ir para casa — disse William olhando para Ellie, sem quase levantar a voz, — podemos levar Robert agora? Pode deixar de trabalhar imediatamente?

—Este pequeno garotinho é muito parecido com seu pai — brincou Robert estendendo os braços para o bebê. — Vem comigo, Robert? Sabe que se chama igual a mim?

Robert esticou seus bracinhos para seu novo amigo e se entregou a ele com uma confiança surpreendente. William dedicou a sua mulher um suplicante olhar procurando um pouco de cumplicidade, mas ela não soube responder devidamente; sentia-se estranha, girou sobre seus calcanhares, despediu-se da professora de seu filho e ligou pelo celular a seu ajudante para que lhe descesse a bolsa, por uma estúpida razão, não queria deixar o menino a sós com William.

 

Enfim ficaram sozinhos, no escritório de seu apartamento, em seu lugar privado, onde os papéis e os livros enchiam quase todos os cantos e onde uma enorme janela se abria diretamente sobre o Central Park, lhes dando de presente um entardecer laranja e dourado.

William a tinha seguido até ali depois de passar umas horas muito tensas. Tinham estado quase toda tarde em silêncio, dedicados exclusivamente ao pequeno Rob, que parecia feliz de ter encontrado seu pai. Ellie os tinha levado de táxi até seu enorme apartamento, e exceto algumas frases de cortesia, pouca intimidade tinha sido capaz de empregar com Robert Wilson e com o próprio William, que por alguma maldita razão lhe parecia um desconhecido.

Tinham comido algo na cozinha enquanto William se negava a soltar a seu filho, levava-o todo o tempo nos braços, mas finalmente o pequeno dormiu, esgotado de tanto jogo e tanta atenção. A casa ficou repentinamente silenciosa, e enquanto William deitava Rob em sua caminha e Robert Wilson escapulia para dar um passeio por Manhattan, Ellie aproveitou para encerrar-se no estudo e chamar seu irmão, teria que cancelar a viagem.

—Já sei, é horrível e eu sinto —estava dizendo Ellie a seu irmão no telefone, — mas William chegou de surpresa, tem direito a querer estar com o Robert. Não negarei esta oportunidade a meu filho, Richard, por favor não te zangue.

William acabava de entrar em seu refúgio sem avisar. Simplesmente tinha entrado e fechado a porta às suas costas, apoiando-se na parede para ouvir sua conversa. Ellie se mexeu no sofá e evitou olhá-lo.

—Sim, de acordo, tem toda a razão — seguiu dizendo, — tentarei conseguir outra passagem o quanto antes… já… já sei que tinha a festa de aniversário preparada, Richard. Por favor, não posso seguir falando, logo te chamo, quero-te, adeus.

—Iam viajar? —perguntou William com toda a inocência do mundo.

Usava jeans e uma camisa preta folgada, suas típicas botas de couro e o cabelo castanho, comprido quase até os ombros, liso e um pouco despenteado por culpa dos jogos com Robert. Seus olhos azuis enormes e transparentes a olhavam fixamente, com intensidade. Tinha uma barba de três dias e Ellie observou a aliança em sua mão esquerda. Só sua imagem lhe tirava a respiração e a prudência, e lamentou não ter se arrumado mais naquela manhã.

—Sim, íamos ao Havaí visitar meu irmão e sua família — conseguiu dizer depois de pigarrear um pouco. — Dentro de dois dias é o aniversário de Robert e logo o Natal, já sabe…

—Sei — respondeu William avançando um pouco. A cara de terror de Ellie lhe trouxe muitas lembranças de sua primeira etapa juntos, — temos que conversar.

—Sim, claro — Ellie se levantou da poltrona e se localizou diante da janela com atitude pouco conciliadora, — você pode falar.

—O que te acontece, Elizabeth?

—Não sei, diga-me você. — Com os braços cruzados sobre o peito tentava dar uma imagem de tranquilidade, o que é obvio que necessitava naqueles momentos.

—O que? Diga-me você? O que quer dizer com isso? — William voltou a dar um passo para frente enquanto Ellie retrocedia instintivamente. — Maldita seja, o que te ocorre?

—Estou muito tempo esperando, talvez a espera me tirou o senso de humor.

—E eu, não estou esperando muito tempo?

—Sinceramente só sei o que eu estive passando durante este último ano. A angústia que senti cada dia destes últimos meses, William. — As forças de Ellie estavam fraquejando. —Depois de quatorze meses esperando, já tinha decidido seguir minha vida sem lembranças, como acha que me sinto? Quer que me lance em seus braços às cegas outra vez? Agora não, agora tenho medo.

—Medo? — William se deteve em seco. — Medo do que? Jamais te faria mal, Elizabeth, tirei-te de nosso século para salvar sua vida e a de nosso filho, como pode ter medo de mim?

—O que quer fazer com Robert?

—Vim buscar os dois, não acha que tenha a intenção de levá-lo? — Abriu muitíssimo os olhos ante a velada acusação de sua mulher. — Eu nunca separaria a um filho de sua mãe, e muito menos a meu filho de você. Mas que demônios está ocorrendo aqui?

Ficaram em silêncio. Ellie podia ouvir a respiração agitada de William, era evidente que estava zangado, ela acabava de pôr em dúvida sua honra e essa ousadia podia converter Lorde Forterque em uma besta. Levantou a vista, William a olhava sem mover nem um só músculo, estava esperando uma desculpa.

—O que?! Veio buscar a nós dois? Bom, obrigada — disse com uma ironia que desafiava a escassa paciência de lorde Forterque.

—Não me fale nesse tom. — William engoliu em seco e se esticou o máximo possível; Ellie sentiu o irreprimível desejo de sair correndo, mas permaneceu cravada em seu lugar com as mãos na cintura. — Sigo sendo seu marido.

—Nem sequer sei como responder a isso. — Soltou uma risada nervosa e esfregou as mãos na cara antes de falar. — Estou a mais de um ano te esperando, você aparece na creche de Rob sem avisar… — Levantou ambas as mãos para sossegar seus protestos. — Sem contar que esteve me espiando. E agora volta para minha vida como se nada… estive sozinha, assustada, desolada, ficando louca de preocupação por você, por nós, passei um ano inteiro aguardando dia após dia, noite após noite, encerrada em seu maldito castelo, que você entrasse pela porta. Dei a luz a meu filho sozinha. — As lágrimas começaram a misturar-se com suas palavras, uma força profunda a empurrava a falar sem restrição alguma, os soluços começaram a afogá-la, mas seguiu falando sem deter-se. — Tive que suportar as perguntas e as recriminações de todo mundo, procurei me manter sensata e serena para tentar ser uma boa mãe. Embora às vezes não sei nem como podia me pôr de pé, consegui recompor medianamente minha vida para procurar um lar estável para meu filho e você… — Olhou-o com a cara banhada pelas lágrimas, William parecia uma estátua de sal. — Me exige bons maneiras?

—Meu amor… — Esticou a mão em uma vã tentativa para consolá-la. Ellie se moveu para um lado esquivando-o, estava muito alterada, ele jamais a tinha visto assim. — Dê-me dez minutos para te explicar.

—O que? Que esteve muito ocupado? Que não era seguro vir nos buscar? Que tudo eram impedimentos e problemas? Acha que me serve de algo suas explicações? — Procurou um lenço de papel para enxugar as lágrimas. — Está consciente por um segundo do medo que passei esta manhã quando me disseram que alguém exigia ver meu filho?

—Ellie… — A agarrou por um braço decidido a contê-la, mas foi inútil, ela soltou-se como se seu contato lhe queimasse a pele. — Eu sinto, sei pelo que passou porque eu também…

—Não, não diga que sabe, porque não tem nem idéia, me acredite.

—Não estive em festa celebrando minha estupenda vida no século XVI, sabe?

—Suponho que não, mas ao menos sabia o que estava acontecendo, estava agindo e decidindo por nós. — Girou-se para olhá-lo à cara, esse rosto perfeito agora desolado e tenso, ele também tinha olheiras e as lágrimas umedeciam seus olhos celestes, uma espetada de ternura involuntária lhe atingiu o peito. — Você estava lutando, com suas fastidiosas armas, com sua família e sua gente, enquanto eu permanecia aqui sem nada que pudesse fazer, sem saber se ao final tinha refeito sua vida e havia virado a página e… — suspirou, soluçando, — tinha se esquecido de nós…

—Como pode? — afogava-se de pura impotência. — Como pode insinuar sequer que eu poderia haver esquecido de você? Do menino? Meu deus, mas como é possível? O que te ocorreu? —Sem nenhum olhar superou a distância que os separava, segurou-a pelo pescoço e a apertou contra seu peito, com todas as suas forças. Elizabeth desabou contra ele e se deixou levar por esse pranto profundo e esmigalhado que a partia pela metade. William também chorou, enquanto a embalava como a uma menina. — Jamais poderia me esquecer de você, porque você é tudo em minha vida, Ellie, sem você eu não tenho nada…

Quando ela enfim se tranquilizou um pouco, William procurou sua boca para beijá-la sem muitos preâmbulos, desejava-a tanto que dificilmente poderia esperar como um pretendente bem educado, tinha que tocá-la, enchê-la, senti-la, tinha tido tantas saudades… sonhando com seus olhos, seu corpo formoso e morno que para ele representava seu único lar.

—Amo-te, amo-te — repetia ao mesmo tempo em que lhe comia literalmente essa boca sensual e deliciosa, devorando-a com toda a ansiedade, o medo e o desespero acumulados durante os quatorze meses de separação.

Elizabeth lhe abriu a camisa e se deteve um segundo a cheirar seu aroma hipnótico e familiar. Beijou-lhe brandamente o dourado pêlo do torso bem moldado, os mamilos suaves, afundou a cara em sua axila e suspirou, reconhecendo-o, percorreu o pescoço com a língua e apanhou o queixo com seus lábios antes de pousá-los sobre sua boca quente e faminta.

—Quero estar dentro de você — lhe sussurrou na orelha lhe afastando o cabelo, a mão enorme e forte tinha apanhado seu traseiro e a empurrava descaradamente contra sua coxa; Ellie levantou os braços e tirou limpamente o suéter por cima da cabeça, antes que o objeto caísse ao chão, William tinha apanhado seus peitos com essa exigência que a deixava louca, o sutiã saiu voando e ela se encaminhou diretamente para o zíper dos jeans.

Quando chegaram à escrivaninha cheia de papéis, William a limpou rapidamente com uma mão e a acomodou contra o móvel com os olhos nublados de desejo. Ellie seguiu beijando-o e agarrando-se a seu corpo até que seu membro duro, sedoso e enorme se pousou contra sua coxa; a pele quente e lisa a imobilizou um segundo antes de penetrá-la.

—Amo-te — lhe repetiu ao ouvido com um ronco profundo e se lançaram a fazer amor como loucos, sem paciência nem limite algum.

Fizeram amor duas vezes antes de ir até o dormitório de Ellie. A biblioteca parecia um campo de batalha e era melhor procurar a comodidade de uma cama, não sem antes passar pela gigantesca banheira do dormitório principal para desentorpecer os doloridos corpos. A escrivaninha de carvalho e o tapete do escritório não eram precisamente um campo de flores.

—Meu pai morreu depois de Natal — começou a lhe contar William enquanto a mantinha abraçada contra seu peito na jacuzzi. — Agora sou duque —soltou um suspiro cheio de dor, — e você, duquesa.

—Meu deus, quanto eu o sinto. — Ellie se voltou para beijá-lo. — Como foi? Como está Mary? E James?

—Jamais se recuperou da Torre. No Natal estivemos na corte. Enrique nos recebeu como à maioria das famílias nobres e nos acolheu em seus festejos como a outros. Depois de quase duas semanas de espera, recebeu-me em audiência privada em Greenwich e aceitou as provas e testemunhas de que meu pai era inocente de todas as acusações de Marian Lancaster. Foram seis homens de honra a declarar a favor de nossa família, Elizabeth, e Enrique nos despediu dizendo:

»—OH, está bem. — A imitação do monarca fez Ellie sorrir apesar do dramático da situação. — Isso já está esquecido, Forterque, saia daqui e divirta-se.

»Esquecidos quase dois anos de desgraças… Quatro de meus amigos tiveram que me tirar empurrões do salão do trono, porque fiquei paralisado diante daquele homem. Não podia acreditá-lo. — Outro suspiro de dor. — Quando informei a meu pai dos fatos, caiu em uma profunda depressão. Voltamos para casa imediatamente, é obvio, sem participar dos festejos natalinos do Rei. Poucos dias depois, quando saía do Palácio de Westminster com os documentos de defesa, cruzei com a carruagem de lady Lancaster e ela me saudou aparecendo por entre os cortinados de seda que a ocultavam. Não a matei nesse momento porque James me impediu.

—Jamais posaram para um quadro junto a Marian?

—OH, Deus Santo, o estúpido quadro que vimos no castelo. — Ellie assentiu. — Maldita seja, Elizabeth, como acha que podia posar para algo assim?

—Bom, bom, sinto muito, quase morro de ciúmes pensando que essa mulher tinha te levado para cama.

William soltou uma sonora gargalhada, enquanto sua mulher o observava, aceitando a derrota.

—Essa pintura poderia ser feita por qualquer amigo pintor daquela bruxa, mulher, e pintou o que lhe encomendou. Você acha que o respeitável Enrique ia posar para algum artista? Não, não, Elizabeth.

—Muito bem, terei que acreditar.

—Não confia em seu marido?

—Bem, segue contando, ainda tenho muitas perguntas.

Suspirou, umedeceu o rosto e seguiu narrando sua história.

—No castelo Forterque, meu pai adoeceu até seu falecimento em fevereiro de 1537. Morreu sem conhecer meu filho, Elizabeth. — Ellie se virou completamente para ficar de joelhos em frente ao seu marido. William tinha esquecido a risada e estava chorando, como um menino. Abraçou-o e o segurou forte até que ele pôde deixar de chorar e recuperou a compostura, um pouco envergonhado por seu ataque de dor. — Falei muito de você e do bebê que esperávamos. Disse-lhe que os traria logo para casa e que encheríamos nosso lar de meninos. No castelo Forterque de 1537, uma espada espera o pequeno Robert, a espada de meu pai que esteve em nossa família durante dez gerações, ele queria que fosse para o Robert e assim será. Depois de sua injusta morte, arrependi-me tanto de te haver enviado ao futuro, Elizabeth, que minha alma atormentada não me deixava dormir, nem comer, nem montar, nem sequer falar com meus amados irmãos, com Robert… — Ellie seguia abraçando-o em silêncio. — Pensei que talvez a alegria de ver seu neto nascer teria salvado o meu pai, ou que a sorte de te ter ao meu lado teria aliviado um pouco tanta tristeza… — Ellie o beijou na boca e William respondeu com um profundo e desesperado beijo que os empurrou outra vez a amar-se. Ellie sobre ele, ofegando, enquanto William a obrigava a olhá-lo à cara, sem fechar os olhos. — Eu não sei o que eu fiz de errado, e se te magoei, imploro que me perdoe, meu amor — lhe disse enquanto Ellie caía, desfalecida, sobre seu ombro, — mas juro por Deus que compensarei cada minuto de tristeza que tenha passado por minha culpa.

Ellie o olhou, jogou-lhe para trás o cabelo molhado pelo banho e se abraçou ao seu pescoço, chorando. Durante os quinze minutos seguintes, foi ela a que soluçou agarrada ao seu marido. Quatorze meses de saudade e pena que abriram caminho enfim através de sua garganta, enquanto William a segurava e a animava e lhe prometia que nunca mais, jamais, voltariam a separar-se.

—Acabado o inverno, já tinha passado o pior, era momento de vir por você e mandei procurar Ulrik na Irlanda, mas o velho mestre entrou em minha casa negando-se redondamente a me mandar ao futuro.

William comia um sanduíche de queijo fundido e Robert brincava entre suas pernas. Os dois estavam na enorme cama matrimonial de Ellie porque o pequeno despertou e agora se negava a dormir. Elizabeth tinha tido que enfrentar-se aos dois para tentar recuperar a disciplina, mas William lhe tinha rogado que deixasse o pequeno com eles. Ellie acabava de retornar da cozinha com sanduíches e refrescos e encontrou pai e filho brincando, apesar de ser já uma da madrugada. Sentada aos pés da cama, ouvia com atenção os acontecimentos que relatava William.

—Juro que me zanguei muitíssimo, Ellie, mas após discutir a gritos com o druida, finalmente me confessou que tinha medo por seu bem-estar. «Marian Lancaster ainda não acabou com sua mulher», disse-me, argumento suficiente para sossegar meus protestos.

»Dois dias depois de que Ulrik me dissesse isto, James apareceu no castelo com dois de seus homens. Jane Seymour, a terceira mulher do Rei estava doente, a ponto de parir, a doce mulher de Enrique se negava a receber em seus aposentos a seu real marido, e o Rei decepcionado tinha manifestado sua intenção de encontrar nova esposa, uma mulher forte, jovem e com menos temores. Para obter mais escândalo, médicos da corte cochichavam às costas da Rainha dizendo que não sobreviveria ao parto, e que se o fazia jamais poderia voltar a conceber, porque a mulher sentia repulsão e medo por seu bojudo marido. Rumores, rumores que chegaram logo aos ouvidos de Marian, sempre disposta a ir em plena noite ao dormitório do monarca.

»Quando James viajou para casa, Marian já tinha convencido Enrique de que a nova lady Forterque-Hamilton, minha mulher, era uma candidata adequada para seu leito matrimonial. — Só com a idéia, o coração de Ellie paralisou e ela olhou William sem atrever-se a perguntar. — Conforme tinha informado ela mesma, formalmente, ao James, Enrique estava desejoso de ver em pessoa a jovem, bela e apetitosa mulher do novo Duque de Forterque e suas intenções, Ellie, não eram nada santas.

»Não posso reproduzir com exatidão tudo o que ocorreu, mas foi preciso vários homens e muitos argumentos para me segurar em casa. Se o Rei cismava com uma mulher, nobre ou não, ninguém podia opor-se. Eu não podia te proteger, porque não podia matar ao Rei.

»Marian havia dito ao Enrique que seus astrólogos asseguravam que Elizabeth Forterque geraria com rapidez e que seria capaz de parir muitos filhos homens, futuros herdeiros que tranquilizariam, finalmente, os desejos do Rei. Falou-lhe de sua beleza, de seus atributos físicos e de seu ardente e apaixonado caráter. — Ellie não pôde seguir comendo e segurou os joelhos com ambos os braços. — Sim, esposa, essas histórias rondaram os ouvidos de Enrique durante semanas. Quando te mandou chamar, graças a Deus, não estava no castelo e embora dias depois mandasse um destacamento real para inspecionar nosso lar, não puderam te encontrar.

»Compareci ante meu Rei e tive que conter minha ira quando atentou contra minha honra ao perguntar por você. Diante de vinte ou trinta assessores, tive que ver o olhar lascivo de Enrique ao me interrogar. Jurei-lhe ante uma bíblia que estava no continente com sua família porque daria a luz a qualquer momento.

»Ele insistiu na necessidade de conhecer sua beleza e sua pele imaculada, seus olhos e seus cabelos escuros e outras coisas que eu não repetirei aqui e que Marian se entreteve lhe descrevendo. — Ellie sorriu e não quis torturá-lo com perguntas, mas cedo ou tarde teria que lhe contar mais sobre aquela reunião. — Ele enviou-me para casa, não sem antes comprovar que minha fidelidade para ele estava intacta; tive que jurar lealdade e obediência, Elizabeth, disse-me que se você lhe agradasse poderia te tomar como esposa divorciando-se de Jane quanto antes, e não pude responder: quatro soldados me rodearam com as espadas desembainhadas como advertência… Finalmente saí do Palácio, humilhado, mas ao menos sabia que enquanto não estivesse perto, esse bastardo não te poria um dedo em cima. Entende por que não podia vir lhes buscar?

Ellie se aproximou para aconchegar-se junto a ele. O pequeno Robert não parecia ter nenhuma intenção de dormir e seguia brincando entre as pernas de seu pai com seu relógio e sua carteira, enquanto assassinava seu próprio idioma para regozijo deles, que o observavam embevecidos.

—É um grande menino — disse de repente William desviando do relato, — é muito carinhoso e sorri como você, Elizabeth. Como pôde pensar que o queria levar sem você?

—Perdoa, William, mas não me chamou por telefone, a porteira do edifício me disse que havia gente rondando e perguntando por mim na zona, e na creche surgiram como dois delinquentes. O que queria que pensasse? Neste século são muito habituais os sequestros por parte dos próprios pais, é normal que desconfiasse de você.

—Mas eu não sou deste século e jamais te faria mal. Estava desesperado por ver meu filho.

—Por que não chamou? Existem os telefones, sabe?

—Sim, e os odeio — brincou William enquanto tirava um cartão de crédito da boca de Rob — só queria lhes ver, fazê-lo em pessoa, não esperei tanta frieza inicial, senhorita Butler, pensei que se jogaria em meus braços como corresponde a uma boa esposa.

—O que? Frieza? — Ellie ficou de pé e pôs as mãos na cintura, para alegria do bebê que a olhava fascinado. — Chama o que ocorreu na biblioteca de «frieza», milorde? Porque se for assim, estou disposta a melhorá-lo.

William pegou-a pela cintura e a jogou sobre a cama, imobilizando-a facilmente. Robert a observava de pé, seguro sobre o ombro de seu pai, com o cabelo loiro revolto e seus únicos dois dentinhos aparecendo em um gracioso sorriso; ambos a olhavam com os mesmos olhos celestes e Ellie, emocionada e agradecida ao universo, pôs-se a chorar como uma menina.

—A temporada de caça trouxe o desenlace final à nossa desgraça. — William estava disposto a pô-la em dia, depois de suas insistentes reclamações de que seguisse falando. Era quase meio-dia e tomavam o café da manhã na mesa da cozinha junto de Robert Wilson. Rob dormia placidamente em seu quarto. — Tinha passado sete meses da morte de meu pai e cinco desde que o Rei me fizesse comparecer ante ele para interessar-se por minha mulher. Felizmente o volúvel soberano estava muito interessado, desde o verão, em uma bonita irlandesa, Ana Bolena, que tomava parte das damas do Palácio de Hampton Court. Uma boa notícia que com um pouco de sorte faria com que Enrique se esquecesse para sempre de você.

—Exceto pelo fato de que lady Lancaster —interrompeu Robert— se empenhava em seguir avivando o interesse do Rei falando da nova duquesa de Forterque cada vez que tinha ocasião, menosprezando a beleza e a graça de todas as mulheres ao alcance de Enrique, em favor da sua, milady. Uma obsessão que Marian não duvidava em comentar diante de James, que por esses dias passava muito tempo na corte, assegurando-se de que suas intenções chegassem ao castelo Forterque pontualmente.

—Puta! —exclamou Ellie—, grandessíssima puta.

—Já está bem, Ellie. —William lhe tirou uma mecha da cara com ternura, sorrindo ante um vocabulário tão impróprio de uma duquesa do século XVI. — No fim de setembro, Marian assistiu como sempre à temporada de caça em Windsor. Instalou-se com todo seu séquito e seu novo amante de vinte anos nas habitações do castelo e no segundo dia da temporada enquanto liderava uma batida, galopando como uma louca pelo campo, seu cavalo tropeçou e a atirou vários metros por cima da arreios. Morreu no ato, se quebrou, Ellie.

—Deus a tenha em seu santo reino — disse Robert com um tom irônico que tirou Ellie de sua surpresa, — mas duvido que Deus perdoe tanta maldade.

—Ou seja, ela está morta —disse Ellie, — ela já não está ali.

—Não, amor, não está — respondeu William, — e sabe Deus que o celebramos com uma boa jarra de cerveja. Inclusive Mary bebeu uma boa jarra em sua honra.

—Mary? Onde está Mary? — Ellie tinha esquecido a sua doce cunhada em meio a tantas novidades, — não se foi do castelo, verdade?

—Quando o pai morreu, Mary me rogou uma só coisa — William tinha ido à cozinha e comia como um cossaco, arrasando com todos os mantimentos da casa: — que lhe prometesse, que lhe jurasse, que jamais a comprometeria em matrimônio. Só pediu para ficar em casa, a bela filha mais velha de um duque, solteirona e dedicada a seus irmãos, esse era seu único desejo e depois de tantas desgraças, é obvio que não pude me negar. Espera-te ansiosamente no castelo Forterque, Ellie, a você e ao Robert, está como louca para conhecer seu sobrinho.

—Quer dizer que já estamos a salvo, não é assim, William?

—Ao menos é assim no momento, Elizabeth. —William lhe dedicou um olhar solene. — Em meu século, não posso oferecer garantias, mas sabe que daria minha vida para manter a salvo a você e a nossos filhos. Marian Lancaster já não é um perigo, e Enrique já se cansou de esperar lady Forterque, nem sequer se lembra de você… Este é meu mundo agora, Ellie, segue ainda disposta a voltar para casa comigo?

—Não desejo fazer outra coisa.

 

Chegaram a Londres na noite de 26 de dezembro, em meio a uma forte tempestade de neve e um frio polar. Decidiram celebrar o primeiro aniversário de Robert, a Véspera de natal e o Natal em Nova Iorque e logo viajar de vôo privado a Londres para retornar para casa o quanto antes.

Os dias se precipitaram para Ellie, a quem a vida surpreendia uma vez mais, sem que pudesse deter-se a meditar muito. Em um mínimo momento de lucidez, tinha levado Robert ao pediatra para lhe dar as últimas vacinas, uma nova contra o tétanos e fazer uma revisão de última hora. William se opunha a tanto cuidado argumentando que Rob era um menino forte e saudável que teria que criar seus próprios anticorpos no século XVI, mas para Elizabeth a precaução não lhe parecia muito exagerada a não ser justamente o contrário, «mais vale acautelar» dizia a avó e uma ajudinha a seu bebê não estaria de todo mal.

—Está grávida outra vez. —William a observava enquanto recolhia alguns brinquedos do chão e punha ordem na abarrotada cozinha. Em uma manobra de urgência, tinha conseguido convidar a seus amigos e seus respectivos filhos para uma festa de última hora e estavam celebrando o primeiro aniversário de Robert como era devido, com globos, trompetistas e muito barulho. — Está preciosa e já vi esses olhos assim antes…

—Está louco, não tão cedo, só estou um pouco cansada e, pelo amor de Deus, deixa de me olhar assim, há meninos por aqui, sabe? — William a segurou por trás e subiu sua enorme mão por debaixo da camiseta. — Tom!

—Olá, sinto muito. —Tom, seu amigo e chefe os acabava de surpreender e ficou estático ante o quadro. O professor de história estava bastante interessado na relação de Ellie com aquele tipo, que parecia um ator de cinema e que tinha visto pela primeira vez quando se apresentou em seu escritório, fazia mais de um ano, interessado em contratar Elizabeth Butler. Agora era seu bonito e aristocrático marido, apesar de estar supostamente desaparecido fazia meses, e sinceramente ao Tom o tema inquietava um pouco, mas embora tivesse estado toda a tarde tentando falar com ela, a tarefa resultava quase impossível. Ellie só tinha olhos para esse inglês altivo; a coisa acabava de piorar ao descobri-los brincando na cozinha, a mão dele colocada dentro de seu sutiã enquanto ela ria como uma adolescente. — Perdoa, Ellie, só queria saber se necessitava de ajuda.

—Não necessita nada, obrigado. —William tinha respondido sem deixar de acariciar a sua mulher, detalhe que ao Tom pareceu exagerado e não sem prepotência; inclusive Ellie se mexeu para escapar do abraço e pôr ordem em sua roupa. Ruborizou-se, mas não parecia muito incômoda.

—Obrigada, Tom, de verdade que não — lhe disse se afastando do inglês, que seguia devorando-a com o olhar. Tom pensou que certamente aquele tipo tinha uma ereção descomunal nesse preciso momento, — mas vem, tome um café comigo. William, querido, pode ir ver o que faz seu filho? — O tipo tinha dirigido um estranho olhar ao Tom enquanto se ia, não sem antes beijar apaixonada e descaradamente a sua mulher; o tímido e reservado catedrático de história antiga estava escandalizado. — Vem Tom, um café bem carregado…

—O que está acontecendo aqui, Elizabeth?

—A que se refere? Não estou para sermões, tá? — Ellie tinha ficado de repente séria. A verdade, se Tom soubesse pelo que tinham passado não se atreveria a dizer uma só palavra. — William é meu marido, enfim sou feliz, Robert tem seu pai em casa e aproveito para te dizer que não voltarei para a universidade no próximo trimestre. Vou para a Inglaterra.

—Muitas novidades para alguém que anteontem não queria nem mencionar ao desaparecido pai de seu filho.

—Ui, Tommy — disse Ellie enquanto servia o café, — não comecemos por favor, acabo de ter uma conversa similar com meu irmão e não penso repeti-la. Diga-me, você confia em mim?

—É obvio que confio em você, Elizabeth — protestou Tom, que de repente observou o radiante e feminina que parecia Ellie, — mas não estou acostumado a confiar no coração de uma mulher apaixonada. — Deteve os protestos de sua amiga com uma mão para o alto. — Sim, sim, senhora, só quero que esteja bem e que o mês que vem não volte a aparecer por aqui como alma penada se negando a contar o que acontece. Quero-lhes, a você e ao Rob, e estou preocupado. Não pretendo estragar a festa, mas aí fora todas essas mães desmedidas estão comentando o extremamente sensual que é William Forterque-Hamilton, e te asseguro que qualquer uma delas não demoraria nem um segundo em segui-lo até o fim do mundo.

—Não se trata só de paixão, Tom, queremo-nos e…

—Sei, ele está louco por você e pelo Robert, isso é evidente, mas não pode ficar em Manhattan até que tudo esteja situado?

—Não.

—Por quê?

—Não pode ser, confia em mim, não está preparado para ouvir os detalhes, mas confia em mim, tem que ser assim e estou encantada.

—Posso ouvir qualquer coisa, Elizabeth.

Ellie se virou para olhá-lo diretamente nos olhos; por um milésimo de segundo esteve a ponto de lhe dizer a verdade, lhe falar da viagem no tempo e lhe apresentar a um lorde inglês recém-chegado da corte de Enrique VIII, mas se conteve, ao menos no momento. William acabava de retornar à cozinha reclamando sua presença.

Antes de chegar a Londres, durante o vôo, Ellie tinha escrito três cartas. Uma para o Richard, seu prático e protetor irmão mais velho. Nela lhe contava seus planos de desaparecer junto com seu marido; é obvio que falava de uma temporada, não pretendia inquietá-lo mais do que o estritamente necessário. Com bom julgamento e imaginação, contava-lhe uma história de necessidade de desaparecer do mundo, isolar-se em uma ilha perdida do Pacífico e várias sandices parecidas que Richard pudesse atribuir, objetivamente, ao milionário e excêntrico marido de sua irmã.

A outra carta era para sua querida avó; não se sentia capaz de telefonar a Madrid para despedir-se dela, mas lhe falava de seu amor enorme e maravilhoso pelo William, de sua entrega mútua, de seu futuro juntos longe do mundano ruído, e apelava a seu apaixonado coração para compreender as razões de sua partida. Sua querida vovó Remédios o entenderia, ela melhor que ninguém, e Ellie chorou ao redigir aquela despedida que sabia seria para sempre.

A última carta foi para Tom. Nela lhe narrava tudo o que pôde resumir em quatro folhas sobre sua aventura com William, sua viagem ao século XVI, sua volta para casa e finalmente seu retorno à Inglaterra de Enrique VIII, para viver junto de seu marido para sempre. Acabou despedindo-se de seu amigo e colega com um montão de palavras de agradecimento e carinho. Não sabia se ele acreditaria em algo dessa história que ela se atreveu a compartilhar, mas se alguém podia chegar a acreditar na viagem pelo tempo, esse era Tom.

Esteve chorando em silêncio, aconchegada em uma poltrona do avião, observando pela janela, enquanto William e Rob dormiam no aposento privado e Robert Wilson dormitava a uns metros dela esticado sobre um assento quase horizontal do jato. Sentia-se feliz de partir para sua nova vida, junto ao amor de sua vida e a seu filho, mas a tristeza era natural, nunca mais retornaria a seu tempo, nem veria seus seres queridos, e queria tomar consciência disso para viver com honestidade cada minuto desta nova existência.

—Não posso dormir se não estiver comigo. — William apareceu na cabine seminu e sonolento. — Vem aqui.

Ellie ficou de pé, deixando os envelopes preparados com as três cartas dentro da bolsa, avançou para ele e o abraçou chorando. William simplesmente a aconchegou contra seu peito e a consolou, consolou-a sem fazer perguntas até que ela dormiu entre seus braços, com doces e maravilhosas palavras de amor.

 

                   Condado de Berkshire, abril de 1538.

—Robert, por favor, sente-se aí e termine o café da manhã. — Ellie não se movia, quieta e zangada, observando como seu filho caminhava ao redor da enorme mesa sem fazer o menor caso. Mary e o pessoal da cozinha o olhavam com um sorriso na boca, enquanto Rob desafiava a sua mãe rindo e brincando de correr sem intenções de sentar-se. Desde que chegaram, fazia já quatro meses, Robert não recebia mais que mimos, e Ellie estava farta de lutar com todo mundo para conseguir manter algo de disciplina na vida de seu filho. — Muito bem, se não tomar o café da manhã como é devido não descerá para ver montar a papai, não sairá durante todo o dia, Robert, e você sabe que eu mantenho minha palavra.

O menino se deteve e a olhou com aqueles espetaculares olhos celestes herdados de seu pai:

—Papai — disse com cara de surpresa, — papai espada.

—Sim, papai com a espada. —Ellie o elevou voando e o sentou na mesa para lhe dar o café da manhã pessoalmente. — E a armadura e Twister vestido com cores, que bonito, bem meu amor, se comer agora tudo, Peter te levará ao pátio para ver os cavalos.

Mary passou pelo seu lado e lhe apertou o ombro sem dizer nada. A cozinha recuperou imediatamente sua agitada atividade, enquanto Ellie se dedicava ao Robert. A casa estava cheia de gente, James acabava de comprometer-se em matrimônio, e o feliz acontecimento se celebraria com um torneio e vários dias de festa no castelo Forterque.

Havia muitos motivos de celebração na família, e após tanto tempo de perdas e dor, William tinha ordenado uma semana de folguedo para todo mundo. Queria celebrar o nascimento de Robert, a chegada de seu próximo descendente, o compromisso de James e sua volta a casa. Os preparativos tinham começado há semanas, e agora, em pleno mês de abril, a casa fervia de atividade. De Londres tinham chegado vários amigos da família, e a futura esposa de James acabava de atracar junto com seus pais e um séquito de quatorze pessoas à casa. Todos juntos, somavam quase quarenta almas que se alojavam no castelo, motivo que tinha obrigado a habilitar várias dependências da fortaleza até esse momento fechadas. Ellie se sentia esgotada, enquanto Mary subia e descia escadas, percorria corredores e dava ordens com sua energia habitual, a prova de tudo.

Por sua parte, ela tentava assumir seu papel de nova duquesa de Forterque com bastante humildade e simplicidade. Desde que voltaram, depois de uma viagem pelo tempo rápida e inócua, tinha retomado a mesma existência que tinha antes de sua partida, não sabia fazer de outra maneira, procurava aprender e estar atenta, e os resultados, até o momento, não eram de todo deficientes. Mary a ajudava, é obvio, e embora ela se esforçasse por assumir responsabilidades e tomar decisões, rapidamente se deu conta de que as tarefas e a atividade daquela enorme casa estavam milimetricamente determinadas e organizadas desde séculos atrás e que delegar era uma arte que no castelo Forterque se cumpria com todo rigor.

Sua única e maior preocupação era conseguir um lar alegre e acolhedor para sua família, fazer feliz ao William, criar Robert pessoalmente e a sua maneira, e é obvio cuidar de Mary e de toda a gente que os rodeava com amor e devoção, o mesmo amor e devoção que todo mundo lhe professava sem reservas.

—Olá Rob! Deixa a sua mãe e venha aos estábulos. —James, seu charmoso e sempre sorridente cunhado, acabava de entrar na cozinha para recolher o menino. Havia verdadeiras disputas na família para estar com o pequeno, mas Robert, era evidente, sentia uma devoção particular por seu tio; assim que o viu aparecer esticou seus bracinhos para ele. — Deixa já de torturar meu sobrinho com esse café da manhã, Ellie, por favor. Venha, Rob, vamos!

Antes de poder abrir a boca, Elizabeth viu como James elevava Robert e com uma rápida manobra o instalava sobre seus fortes ombros para sair da cozinha com duas pernadas a caminho do pátio. Mary a olhou rindo, Ellie jamais ganharia a batalha contra eles. Do seu lugar, com a colher em uma mão e o babador na outra, ainda podia ouvir os gritos de prazer de seu filho ao olhar o mundo da altura de seu tio, enquanto os moços, as donzelas e os empregados o saudavam com ostentosas amostras de carinho.

—Deixa-o já, Ellie. —Mary se tinha aproximado da mesa ao vê-la contrariada. — Não lhe ocorrerá nada porque o mimamos um pouco, é nosso único sobrinho, querida, além disso estamos em festa, é lógico que esteja mais inquieto que o normal.

—Vocês não o mimam um pouco, Mary; Robert se acha o rei do mundo e não é boa tanta atenção sobre ele. — levantou-se enjoada e zangada, sua segunda gravidez a estava atacando com as náuseas mais uma manhã. — Mas é inútil que me zangue, nem sequer William pode lhes fazer mudar de opinião. Está bem, querida, durante esta semana tentarei não brigar com vocês. Vou subir e descansar um momento, está bem? Estou esgotada, Mary, desço dentro de uma hora, está bem?

—Tudo bem — respondeu Mary em um ataque de modernidade aprendido de sua cunhada, — dorme um pouquinho, te fará bem.

Subiu ao dormitório para se afastar do ruído, o barulho e as carreiras pelos corredores. Precisava dormir. Recostou-se em sua enorme cama e se deixou levar por um delicioso estado de relaxamento abraçada ao travesseiro de seu marido.

Pensou nos quatro meses que tinham transcorrido desde sua chegada, em 30 de dezembro de 1537. Com uma precisão matemática tinham conseguido voltar para casa e reencontrar-se com a família no castelo Forterque, na data prevista.

Antes tinham deixado a Londres do século XXI com muitas precauções, temerosos das possíveis consequências que o percurso pudesse ter no pequeno Robert. Finalmente, depois de várias deliberações, tinham decidido usar um típico canguru para bebês para atar o menino a William e evitar assim qualquer acidente que não pudessem controlar, como que Robert aparecesse em outra área do bosque ou se separasse deles no trânsito.

Ellie tinha enviado as três cartas a seu irmão, sua avó e seu amigo Tom e se despediu de sua época carregando em uma pequena mochila alguns objetos dos quais não queria prescindir: aspirina infantil, um termômetro, alguns dos brinquedos favoritos de Robert, um par de livros e roupa interior, além de chocolate e café para dar de presente a Mary.

Os quatro se abraçaram, de pé, dentro do círculo esboçado no bosque e tinham partido em questão de segundos ao século XVI. O vento e a escuridão se repetiram uma vez mais, enquanto Ellie se agarrava com força a William e ao pequeno Robert, depois do qual tinha despertado aconchegada sobre a grama, com a mãozinha de seu filho tentando lhe abrir os olhos. Já estavam em casa, todos bem, inteiros e alvoroçados pela volta.

As boas-vindas no castelo tinha sido grandiosa para o duque e seu primogênito. Ellie chorou de felicidade abraçando a toda aquela gente de que tanto tinha tido saudades durante seus quatorze meses de ausência, enquanto Robert passava de braço em braço integrando-se rapidamente em seu novo lar. William, por sua parte, retomava imediatamente suas obrigações como senhor da casa, interessando-se pelas novidades, percorrendo seus domínios e tomando as decisões que o esperavam em cima da mesa.

Poucas semanas depois, seria o mesmo doutor Pitt quem lhe conformara sua segunda gravidez, um novo bebê concebido, como Rob, no século XXI. William tinha saltado de felicidade e tinha brindado com seus homens pela boa nova, prometendo, para surpresa de sua mulher, que dariam um novo filho ao castelo Forterque cada ano.

—A vida abre caminho depois de tanta desgraça — sentenciaria o mestre Ulrik ao inteirar-se da notícia, — e desta vez é uma menina — disse piscando um olho a Elizabeth. — Tudo correrá bem, milady, deve desfrutar de seu maravilhoso estado.

Agora os dias passavam tranquilamente. Rob vivia seu paraíso particular rodeado de gente que o adorava e apegado a Andrew, o filho de Robert e Jane Wilson, que tinha nascido exatamente dois meses antes de Robert, em Stone House, horas depois de que Elizabeth partisse para o século XXI. A vida se assentava e Ellie não podia pedir nada mais ao universo.

 

—E agora! Onde demônios está minha mulher?! — gritou William enquanto subia os degraus de dois em dois para seu dormitório. Ellie não aparecia em nenhuma parte, a casa estava cheia de gente e ele estava farto de sorrir aos convidados, tarefa exclusiva para esposas encantadoras e corteses como Elizabeth. — Ellie!

Entrou dando um golpe seco na porta e se deu de cara com um quadro plácido e acolhedor que imediatamente aplacou seu aborrecimento. A chaminé crepitava em um canto, enquanto pelas janelas penetrava o tímido sol da primavera, e sobre sua enorme cama com dossel, Elizabeth dormia tranquilamente.

Avançou por volta da chaminé disposto a tirar a roupa úmida e suja da manhã. Tinha que vestir-se para descer ao torneio, seus homens o esperavam com a armadura a postos. Meia armadura de exibição que aguardava preparada desde cedo. Tirou as botas e a camisa mas teve que deter uns segundos para observar a sua mulher. Ellie dormia de barriga para cima sobre as mantas de pele na grande cama, o cabelo solto sobre o travesseiro, vestida com uma comprida camisola branca e uma bata de veludo cinza. A bata estava aberta e a camisola, muito decotada, provocou-lhe uma espetada de desejo instantâneo.

O objeto se apertava contra seus generosos peitos, túrgidos, suaves e acolhedores. William lambeu os lábios instintivamente. O fino fio irlandês daquela camisola moldava à perfeição as suaves curvas de seu corpo, seu liso ventre que começava pouco a pouco a mostrar uma incipiente gravidez, suas coxas firmes. Ellie se moveu e um de seus seios se abriu pelo decote, lhe revelando um mamilo rosado e ereto. William alisou o cabelo e tentou pensar em suas obrigações.

Girou-se para a chaminé. Adorava essa mulher, cada centímetro de seu corpo, cada pensamento, cada risada, cada carícia. Estavam há quatro meses de volta em casa e Elizabeth demonstrava dia a dia seu amor por ele e os seus, seu espírito de luta, sua adaptação assombrosa a uma nova vida da que quase não conhecia os costumes.

Muitas vezes a observava caminhando com energia pelas dependências do castelo, aprendendo, escutando, conversando, rindo-se a gargalhadas, com seu filho preso a um quadril, enquanto todo mundo caía rendido ante esse encanto natural e tão longínquo às convenções típicas de sua época.

William a olhava, seguia-a e tinha saudades; durante o dia pensava nela constantemente, e mais de uma vez tinha tido que deixar suas tarefas para montar Twister e voltar para casa galopando, para sequestrá-la de qualquer atividade e levar-lhe voando à cama, aflito de um desejo tão profundo e visceral que era incapaz de dominar. Ela ria e se entregava com paixão, respondendo sempre com a mesma urgência e necessidade, sem protestar quando não chegavam ao dormitório e William a amava em algum canto escuro do castelo, ou nos estábulos ou em pleno campo.

Sem maquiagens, nem enfeites, nem artifícios, sua esposa era a criatura mais formosa que habitava a terra. Apenas seu sorriso iluminava o castelo inteiro e seu olhar apaixonado encolhia o coração do forte e frio lorde Forterque-Hamilton até as lágrimas. William já não podia conceber sua vida longe dela e a lembrança dos quatorze meses passados tão longe um do outro o atormentava de vez em quando, fazendo rogar a Deus para que jamais se vissem obrigados a repetir uma experiência tão desgraçada.

—Está quente e deliciosa. — William lhe falava no ouvido enquanto se metia na cama nu. Era meio-dia e Ellie ficou profundamente adormecida. Em poucas horas, começaria o torneio em honra de James e Anne, sua prometida galesa de dezoito anos, e ela estava na cama; levantou-se horrorizada por seu descuido, mas William já a estava despindo com suas enormes mãos frias.

—Tranquila, milady… Deus, Ellie, quanto te desejo…

—Detenha, William, devo descer, a pobre Mary me necessita e… onde está Robert?

—O único que te necessita agora é seu marido, quieta, Elizabeth, por favor. — Já lhe tinha tirado a camisola e a bata e se encontrou com sua pele nua, morna e suave ao seu alcance, a boca tinha apanhado um de seus mamilos e avançava sobre ela, ereto e exigente. — Tudo está em ordem, Rob está com o James, vem aqui.

Ellie se abriu para ele, deixou que a penetrasse, consumida nessa paixão foto instantânea e intensa que William sempre despertava em cada centímetro de seu corpo, lhe fazendo arquear as costas de desejo. Ele a beijava e a segurava pelo traseiro, esmagando-a sob seu enorme e musculoso corpo, enquanto ela gemia, dizendo seu nome e lhe pedindo mais e mais, enquanto William a fazia sua com a força e a necessidade que só eles compartilhavam.

—Amo-te — sussurrou ele desabando a seu lado, — está bem?

—Muito bem, mas agora devo descer para ajudar um pouco, me deixe, sim?

—Talvez devêssemos ficar um momento mais na cama — respondeu William segurando-a pela cintura enquanto ela tentava escapar e abandonar o leito antes que, uma vez mais, o desejo lhe nublasse a mente, — não acredito que nos sintam falta de… Ellie!, volta para a cama.

Os protestos de lorde Forterque foram ignorados por sua mulher, que começou a vestir-se rapidamente ao lado da chaminé, o cabelo solto quase lhe chegava à cintura, escondendo parcialmente seu delicioso corpo, enquanto lutava habilmente com os botões e as anáguas de seu traje para sair correndo do quarto, a caminho ao grande salão.

—Cada dia está mais formosa…

—Perfeito — respondeu ela lhe dando de presente a mais radiante de seus sorrisos, — obrigada, mas vou descer para me ocupar de minhas obrigações, estou sendo uma duquesa terrível, milorde, devo ser mais responsável.

William abandonou a enorme cama de um salto para tentar apanhá-la, mas ela o esquivou com elegância ao alcançar a porta e sair do dormitório rindo e lhe lançando beijos a modo de despedida.

—Logo o compensarei por este desprezo, lorde Forterque-Hamilton — sussurrou, — mas primeiro está a obrigação e logo a devoção.

 

O grito de terror se afogou em sua garganta quando aquele desconhecido lhe cobriu a boca com um trapo imundo, enquanto a elevava para o ar pela cintura. Elizabeth esperneou e se retorceu do abraço, mas a pressão era brutal, e lhe tirava rapidamente o oxigênio dos pulmões, deixando-a indefesa e apavorada, ao mesmo tempo em que aquele homem a levava pelos sinuosos corredores do castelo para a parte traseira da propriedade.

—Está grávida novamente, puta? —Ellie quase desmaiou ao ver o rosto de Marian Lancaster meio oculto por um amplo capuz negro. — Surpreendida?

—Lady Lancaster — conseguiu articular Elizabeth quando seu captor a deixou no chão, em frente à condessa, liberando-a da mordaça—. Está viva…

—OH, sim, puta de William Forterque. — Marian a olhou de frente e Ellie vislumbrou o mais horrível dos espetáculos, o antigamente belo rosto de Marian Lancaster, agora sulcado por infinitas cicatrizes e pústulas frescas, deformado e inchado; a jovem não pôde evitar um inaudível grito de espanto. — Às vezes é necessário fingir sua própria morte para evitar a humilhação de que lhe vejam com este aspecto…

Marian tirou a capa com um gesto teatral e deixou à luz sua nova imagem. As lágrimas saltaram dos olhos de Ellie ante aquela jovem mulher completamente deformada por alguma enfermidade, era evidente. A condessa se aproximou e a putrefação de seu fôlego empurrou a jovem instintivamente para trás.

—Um presentinho de nossa Sereníssima Majestade, Enrique VIII —disse com sarcasmo, — espero que seu pequeno bastardo se acostume logo, porque penso levá-lo comigo, sabe? Necessito que seu filho dê um pouco de alegria a minha solitária existência, tenho certeza que em um par de meses será a mim a quem chamará de mamãe.

Ellie se lançou contra ela empurrada por uma fúria ancestral, mas um sonoro bofetão de Marian a freou em seco, atirando-a ao chão e fazendo-a sangrar, acabava-lhe de partir o lábio, iniciando, ao mesmo tempo, uma chuva de chutes que Elizabeth tentou repelir dobrando-se sobre si mesma.

—Vou tirar a golpes esse bastardo que leva, puta! —gritava fora de si, sem deixar de lhe dar chutes com suas botas de montar, — e vou entregar a estes homens para que se divirtam contigo. — Assinalou os quatro mercenários que a acompanhavam e que olhavam Ellie com um estúpido sorriso nos lábios — pois lhes poderão levar assim que terminemos a missão.

Quando Marian se fartou de maltratar Elizabeth Forterque, explicou-lhe em poucas palavras o que devia fazer. A primeira coisa era recompor seu aspecto, depois desceria até o pátio interior das cavalariças para recolher seu filho e trazê-lo tranquilamente até a saída sul do castelo. Se não o fazia, tinha um exército preparado para assaltar e queimar o castelo dos Forterque. Além disso, pensava matar a todos, inclusive Rob. Na porta, a pequena comitiva se encarregaria do pequeno.

—É minha recompensa — lhe explicou enquanto lhe arrumava o cabelo e reorganizava seu traje para que descesse ao centro do castelo sem chamar muito a atenção, — meus filhos não podem viver comigo, a família de meu marido não me deixa vê-los, sabe? Assim que eu terei que me conformar com o primogênito de meu querido William. É o mínimo que podem fazer por mim.

—Eu te matarei se fizer algo ao Robert, te matarei com minhas próprias mãos.

—Uiii — zombou a condessa, — acaso acha que está em condição de me ameaçar?

—Nós o encontraremos. — Marian a empurrou contra um dos captores. Mas não lhe importava, em sua cabeça só tentava pensar em como salvar Robert. Não podia permitir que o menino estivesse nem um segundo perto daquela bruxa. — Já não te tenho medo.

—Quando levar o seu bastardo, estes homens lhe ensinarão quem manda aqui, putinha. Deixa-a! —ordenou ao mercenário, — acompanhem abaixo. Estes tipos levam umas adagas muito afiadas com as que cortar seu pescoço, o de seu filho e o de qualquer um a que tente avisar. Agora, vá! Espero-te na saída. Um momento! — gritou detendo a comitiva. — Quero que saiba que tenho um salvo-conduto. Não só esfolarei Robert se ousarem me seguir, puta, também tenho cartas encriminatórias para toda a família Forterque, tantas acusações de traição contra Enrique, que acabará com sua estirpe para sempre. Agora, vá de uma vez.

Quando Ellie chegou ao pátio das cavalariças, a ebulição e a atividade tinha aumentado grandemente. Havia tanta gente como na praça do povoado aos domingos pela manhã, quase ninguém reparava nela e nos dois homens que lhe pisavam nos calcanhares; ninguém exceto William, que acabava de entrar nos estábulos seguido por vários pajens jovens.

Lorde Forterque vislumbrou a figura de sua esposa pelo rabo do olho e se voltou para olhá-la e saudá-la, mas algo na estranha maneira de caminhar de Elizabeth o pôs em guarda. Avançava rápido, distraída, olhando ao seu redor como procurando a alguém; quando girou sua cabeça para ele, tinha o lábio inferior ligeiramente inchado e pôde comprovar que dois homens de aspecto elegante a seguiam muito perto.

Agachou-se lentamente e agarrou sua espada; Ellie o olhou e lhe dirigiu um sutil e fugaz olhar de pavor que gelou o sangue de William. Observou então como James se aproximava pela sua esquerda, com Robert nos braços e tentou detê-lo, mas já era muito tarde, seu irmão se inclinava para entregar o menino a sua mãe, que, apesar dos protestos de Robert, foi rapidamente com a situação apertando-o contra seu peito. James acariciou então o cabelo loiro de Rob e ficou de pé observando como se afastava dele, a caminho do interior do castelo.

O tempo se deteve por um instante, ou ao menos isso pareceu ao William Forterque-Hamilton ao ver como sua mulher e seu filho entravam na cozinha. Algo não ia bem, voltou-se para localizar seu irmão e ambos cruzaram um eloquente olhar motivado por anos de cumplicidade no campo de batalha. Dois segundos depois, seguiam com precaução e cautela os passos de Ellie, evitando alertar a alguém na casa, dando de presente sorrisos e reverências tensas a quem saía ao caminho para saudá-los.

—Perfeito, putinha, este é seu cachorrinho? — Marian tentou tocar o pequeno Robert, mas o menino evitou o contato afundando-se no pescoço de sua mãe. — Venha com mamãe Marian…

—Não a conhece, lady Lancaster — respondeu Ellie tentado proteger Robert no abraço. Era a primeira vez que via seu filho repelir alguém. — Eu irei com você, farei o que queira, mas não me separe dele, se assustará e seu pranto chamará a atenção de todo o mundo. — Devia ganhar tempo sendo amável com aquela horrível mulher, esperava que James se precavesse de sua obrigação por levar Robert com ela e a seguisse. — Por favor, o suplico…

—Terá que ensinar maneiras ao bastardo — espetou Marian, afastando-se deles para observar a seu redor. — Está bem, virá comigo, quando estivermos longe do castelo me entregará o menino, já não importará se mugir durante horas. Você tem uma entrevista com estes cavalheiros. — Olhou rindo aos mercenários, que lançaram um montão de gestos obscenos a Elizabeth. — Saiamos daqui!

James quase perde o pé enquanto descia as escadas, ao comprovar que a mesma Marian Lancaster era quem retinha sua cunhada e seu sobrinho na saída sul do castelo. William vinha às suas costas, tenso, com a espada desembainhada e a respiração agitada. Deteve-se em seco e se virou para seu irmão com gesto de surpresa, para lhe advertir, mas William já se precaveu e se apoiava contra a parede de pedra da torre para recuperar o fôlego e a serenidade.

—Não estava morta? — perguntou James abrindo muito os olhos. — Não tinha morrido a maldita bruxa?

—Isso já não importa, porque dentro de dois segundos terá morrido — respondeu William avançando para o pátio, antes que James pudesse detê-lo. — Marian Lancaster! — rugiu ao pisar no chão, — veio ao castelo Forterque para morrer em minhas terras.

Os quatro mercenários levantaram suas armas. Um deles segurou Elizabeth pelo cabelo, justo no momento em que Robert começava a chorar a gritos agarrado a sua mãe. Marian o olhou com fúria e tentou arrebatá-lo de Ellie, mas a jovem repeliu os puxões lhe dando chutes e pontapés.

—Matarei a seu bastardo e a sua mulher se me impedir a saída — chiou a condessa, agitada, organizando seus homens ao seu redor. — Solta o menino ou o mato agora mesmo. — Virou-se para Ellie tirando uma fina adaga de entre suas roupagens que colocou habilmente contra o pescoço do pequeno. — Solte-o ou mato seu filho.

—Sobre o meu cadáver — respondeu levantando a testa, apesar da pressão de seu captor contra ela, uma força sobre-humana lhe subia pelo sangue, não tinha medo, só pensava em tirar o Rob daí; o menino chorava e se mexia procurando seu pai, tinha ouvido-o falar e esticava seus bracinhos para ele, tornando muito difícil a tarefa de protegê-lo. — Não levará meu filho.

William e James se separaram vários metros caminhando muito lentamente, com as espadas no ar. Da posição em que Ellie se encontrava, eles pareciam dois guerreiros lendários, altos, fortes e vestidos para entrar em combate à menor amostra de hostilidade, com todos os sentidos alerta e um olhar feroz que percorria com intensidade o rosto de cada um de seus oponentes. Segurou Robert o melhor que pôde e tentou escapar do mercenário que a apanhava pelo cabelo, nesse instante mais atento aos ferros desembainhados que de sua indefesa presa.

Lutou e caiu no chão, manobra que Robert aproveitou para liberar-se de seus braços e correr para seu pai com passinhos inseguros. William o olhou com angústia, ao mesmo tempo em que Ellie se lançava para o menino arrastando-se pelo chão de areia, mas Marian Lancaster foi mais rápida que eles e de um puxão levantou o pequeno, tomando-o pela jaqueta de pele que levava posta. Ellie afogou um grito e William baixou o guarda correndo para seu filho.

—Já são meus — espetou Marian, desafiando-os com o menino levantado no ar—, escuta, William Forterque-Hamilton, agora vou com seu bastardo. Se me seguir, corto-lhe o pescoço… Se tenta me deter, parto-lhe seu precioso pescoço.

Ellie não podia ficar de pé, um daqueles homens lhe pisava na saia do amplo vestido e não a deixava avançar, olhou para cima ao William e o viu completamente fora de si, a espada rendida a sua direita, os olhos flamejando de fúria e a mandíbula tensa. Através de sua camisa aberta, pôde ver todos os músculos do torso marcados por uma finíssima película de suor, fruto do esforço e do autocontrole. Se Marian tocasse em Robert, ele a esquartejaria com suas próprias mãos, Ellie não teve a menor duvida.

Localizou James pelo rabo do olho; seu cunhado permanecia em guarda, as pernas separadas e a espada à altura de seus olhos, mas Elizabeth não gostou de sua expressão medo, James estava realmente assustado e temia pelo bem-estar de seu sobrinho, a quem adorava. Essa inesperada vulnerabilidade ante a situação seria a melhor arma de Marian Lancaster. Tinha que fazer algo e fechou os olhos pedindo a Deus algum sinal.

—Ficaste-te sem palavras, meu amor? —espetou Marian com uma sarcástica risada, — este menino poderia ser nosso, William. Não o disse a sua puta? Que um dia nos amamos e nos desejamos até cair rendidos entre meus lençóis?

William não dizia nada enquanto Robert chorava chamando-o aos gritos; o coração se partia em pedaços vendo seu precioso filho nas mãos daquela perigosa mulher. Não podia mover-se sem pôr em risco sua segurança, quatro soldados mercenários ameaçavam a Elizabeth e a seu irmão, e Marian mantinha o menino suspenso no ar. Rob esperneava com o rosto sulcado de lágrimas e seu pai não podia fazer nada. Tentou sorrir para tranquilizá-lo, mas sem muito êxito…

—Papai!, papai! —gritava entre soluços, assustado—, papai!

Procurou Elizabeth, sem perder Marian de vista, sua mulher, grávida, permanecia de barriga para baixo no chão, o cabelo revolto, a cara inchada por algum golpe e completamente a mercê daqueles selvagens que seriam capazes de fazer qualquer coisa pelo ouro que Marian lhes estava pagando. Respirou fundo tentando encontrar o modo de proteger a sua família, e nesse mesmo momento o inesperado o surpreendeu ao mudar repentinamente o curso dos acontecimentos.

 

Viu a adaga por milagre. Angustiada pelo pranto de Rob que lhe rasgava as vísceras, Ellie olhou ao seu redor procurando alguma resposta, devia agir; estavam sozinhos, todo mundo se encontrava na parte dianteira do castelo Forterque, interessados na festa, mas mentalmente chamou Robert Wilson, sempre atento aos movimentos da família. Ficou a rezar e então a viu, a adaga enfeitada de Marian Lancaster que lhe tinha caído ao apanhar Rob no ar.

A arma brilhava meio escondida entre as dobras de seu elegante vestido e Ellie não pensou duas vezes, deslocou-se sutilmente para a esquerda e observou a cena. Rob, por cima de sua cabeça, seguro pela condessa com uma força inaudita; James, às suas costas, atento e em guarda; William em frente, furioso, bufando como um touro e com os olhos cheios de lágrimas. Antes que os soldados de Marian reagissem, Elizabeth se lançou impulsionada por uma força sobrenatural, agarrou a adaga do chão e a cravou, com ambas as mãos, no flanco de Marian Lancaster.

A partir desse momento, os fatos se desencadearam com rapidez e fúria. Marian deu um grito e soltou o menino, que caiu de bruços contra a areia do pátio, enquanto Elizabeth conseguia protegê-lo com seu próprio corpo, segurando-o forte debaixo dela. Robert deixou de chorar imediatamente, e instintivamente permaneceu quieto e em silêncio abraçado por sua mãe.

James soltou um grunhido aterrador e se lançou contra um daqueles tipos que avançava com a espada no alto, decidido a matar Ellie pelas costas. Felizmente, James Forterque foi mais ágil e o mercenário caiu junto a ela com o pescoço cerceado. Era a segunda vez que seu cunhado lhe salvava a vida.

William deu duas pernadas à frente e atravessou limpamente ao soldado que apareceu atrás de Marian, a essas alturas dobrada, chiando e blasfemando contra Elizabeth, enquanto tentava arrancar a faca de seu flanco. Antes que o segundo tipo chegasse até onde ela estava, virou-se, cortando o ar com o fio de sua enorme espada, paralisando seu atacante com um corte limpo e certeiro no pescoço; a cabeça voou por cima de Ellie antes que o indivíduo se desabasse, aos pés de sua chefa.

—Saiam daqui — ordenou a sua mulher enquanto a levantava do chão e a abraçava fugazmente comprovando de uma olhada que ela e o menino estavam bem, machucados, mas inteiros. — Amor — sussurrou ao Robert lhe acariciando o cabelo, ao mesmo tempo em que o menino não se soltava de sua camisa—, vá com mamãe a procurar tio Robert, sim? Venha carinho, com mamãe, agora vou buscar…

Mas Robert resistia, chorando outra vez e embora sua mãe o atraísse para pô-lo a salvo, a tarefa era impossível, o pequeno se agarrava com todas as suas forças ao pescoço de seu pai. William o abraçou e olhou Elizabeth com um gesto de resignação, segurou a espada e começou a avançar para dentro da casa chamando aos gritos a seus homens.

A cena era dantesca, morte por toda parte; William, com a espada jorrando sangue e a camisa empapada e manchada, tentando chegar às dependências interiores do castelo para afastar seu filho de tanto horror; a poucos metros, James seguia batendo-se com o mercenário que ficava vivo. O som do metal que chocava e os gemidos dos competidores gelavam o sangue, mas Ellie se virou na metade de sua fuga para procurar Marian Lancaster. Viu ao longe que alguns homens, como tinha prometido lady Lancaster, abatiam-se em um monte próximo ao castelo. Teriam que reunir todos os homens que tinham para combatê-los.

Marian escapava para a saída com o vestido tingido de sangue, mas estava viva; com uma mão, segurava o flanco ferido gravemente; e com a outra, fazia visíveis gestos para o portão aberto, chamando o resto dos homens para que descessem com fúria sobre o castelo Forterque. Ellie quis advertir William, mas naquele preciso momento, Robert Wilson e todos os homens que comandava, mais aqueles que respondiam ao James e a seu sogro, apareciam no pátio dando de cara com eles. William lhes ordenou defender a zona e se apoiou, ofegando, com o Rob nos braços, contra uma das paredes de pedra, embalando-o, beijando-o e tranquilizando-o em meio daquele açougue. Ellie comprovou que ambos estavam a salvo e voltou sobre seus passos à procura de Marian. Ao longe, ouviu o grito de terror de seu marido tentando detê-la, mas já era muito tarde, a nova duquesa de Forterque atravessava o pátio sul com passo seguro. Aquela bruxa não escaparia tão facilmente.

Antes de avançar dois metros, meia dúzia de soldados bem armados irromperam, chiando e amaldiçoando, no pátio onde já vários homens se dividiam para defender o castelo. James tinha derrubado o seu oponente de um golpe na cara com o punho de sua espada, e Robert Wilson se fazia com a situação distribuindo a sua gente por toda parte. A batalha campal deu começo com Elizabeth no meio de ambos os bandos, mas não sentia nenhum pingo de medo, nem de impressão ante aquela elementar amostra de ferocidade. Recolheu o vestido e pôs-se a correr atrás da antiga amante do Rei.

Encontrou a sua inimizade perto da porta principal, dobrada de dor, gritando ordens ao guarda. Ellie freou em seco e se voltou para ela com um ódio visceral e completamente novo que lhe subia pelo peito. Marian sorriu e lhe mostrou a adaga ainda ensanguentada como ameaça, mas Ellie não vacilou. Antes que tomasse uma decisão sobre o que faria com ela, a mulher pôs-se a correr. E foi então, quando Elizabeth a pegou pela capa e a freou fazendo-a tropeçar contra as pedras, imobilizou-a e quando lady Lancaster se virou com a adaga para o alto para cravá-la sobre a jovem, soltou-lhe um bofetão tão brutal e sonoro que Marian Lancaster caiu ao solo muda e surpreendida.

—Está bem, Elizabeth — disse William às suas costas. — É uma mulher ferida gravemente, você jamais lhe faria mal.

—Não esteja tão seguro disso — respondeu Ellie com essa fúria desconhecida aparecendo em seus doces olhos escuros, —.ela jamais teve compaixão de nós e quis levar meu filho.

—Deixe-me ir, William, por favor. —Marian tinha se ajoelhado colocando a testa no chão. O certo é que sangrava muito, e Ellie começou a sentir um pouco de compaixão por ela. — Não faça caso a sua esposa, irei longe e não voltarei a te incomodar, velho amigo, suplico-lhe isso; você tem uma vida nobre e afortunada por diante, eu sou só uma pobre mulher desgraçada e marcada.

—Sua esposa? —Ellie se aproximou até ela para dar um chute à adaga e mandá-la longe de seu alcance. Não confiava na condessa. — Agora sou sua esposa, faz dez minutos era sua puta, que mais?

—Já basta! —grunhiu William. — Ela será encarcerada e que a julguem por suas atrocidades em Londres.

—O que? — Ellie escapou de suas mãos ensanguentadas e o olhou à cara procurando uma explicação lógica em seus olhos celestes. De dentro o ruído da batalha chegava até eles claramente. William ainda mantinha a espada desembainhada. — Esta mulher me maltratou, insultou-me e humilhou e quis sequestrar seu próprio filho, o que me está dizendo? Quer que a julguem pessoas a quem ela pode comprar?

—Acha que matá-la mudaria algo?

—Seu pai morreu por culpa dela, William.

—Sua morte não devolverá o meu pai — deu um passo para diante e empurrou sua mulher como advertência, — sou um homem de honra e não quero mais sangue nesta casa.

—Não posso acreditar no que está me dizendo. — Elizabeth voltava a se esquivar de modo visível. — Que honra? Aquela que ela te arrebatou faz dois anos?

—Cale-se de uma vez e vá para a casa com o resto das mulheres! —esteve a ponto de levantar a mão para sua amada esposa. O sangue lhe estava nublando a cabeça e ela não colaborava nem um pouco para apaziguar sua fúria.

—Já vejo quem leva as calças nesta família — interrompeu Marian, em um ato tão imprudente como suicida, — me deixe partir, William, se me matar manchará sua honra e a do resto de sua família.

Ante o incrédulo e indignado olhar de Ellie, seu marido levantou a condessa do chão com deliciosa delicadeza e a observou durante uns instantes antes de falar.

—Não te matarei, Marian Lancaster, mas te capturarei até que o oficial venha e te leve a Londres para seu encarceramento.

—Leva muita documentação que pode acusar a toda sua família — interveio Ellie, um pouco confusa, — disse-me antes. Aí fora está sua carruagem, acredito que deveriam requisitar seus pertences e revisar o que puder ter contra vocês.

William assentiu olhando Marian com lástima. Elizabeth teve uma mescla de sentimentos que apareceram rapidamente nos olhos convertidos em lágrimas. Aquela mulher a tinha golpeado e ameaçado, quis levar Robert e tinha tentado lhe provocar um aborto a chutes, e agora William mostrava uma doçura inusitada com ela, não queria que a matasse, é obvio, só queria um pouco de justiça.

 

Robert e James apareceram em seguida acompanhados por alguns de seus homens. James abraçou fortemente Ellie, esgotado e ofegante, empapado em suor e sangue, mas satisfeito; tinham aniquilado os onze mercenários de Marian, salvando a família de outro grande desastre. Robert Wilson observou condessa e depois Ellie, desolado pelo espetáculo.

—O pequeno Robert está com Jane e Andrew, a salvo, na cozinha — se dirigiu diretamente a Elizabeth; sua amiga exibia um aspecto sombrio e triste de que não gostou. Era um fato que a violência do século XVI não poderia encaixar jamais com sua mentalidade moderna e ascética. — Acredito que você deveria se reunir a eles.

—Confisquem a bagagem de lady Lancaster — ordenou William a seus homens, — devem revisar toda a sua bagagem. Vá para dentro, moça — disse para sua mulher sem olhá-la. Estava indignado pelo modo com que ela o havia contradito em público, diante de Marian Lancaster. Adorava sua esposa, mas havia coisas que um homem não devia tolerar, nem sequer no meio de tanto descontrole, — eu me reunirei mais tarde com vocês.

Ellie teve que enxugar as lágrimas com seu próprio vestido. Robert e James os observaram com incredulidade, surpreendidos ante a rudeza empregada por William com sua mulher. A preciosa jovem tinha um aspecto lamentável, com o vestido sujo e manchado, o cabelo solto, revolto e molhado pelo barro e o sangue da briga, a cara arroxeada e um pranto incontido que lhe conferiam um aspecto vulnerável e desamparado.

—O que te ocorre? — disse James a seu irmão, tomando-o por uma manga, — não se dá conta do que acaba de viver sua mulher?

—Já o superará — grunhiu lorde Forterque dirigindo-se para a carruagem de Marian, — acompanhe-a para dentro se quiser, já disse que logo me reunirei com eles.

Ellie não esperou seu cunhado, olhou Robert nos olhos sem falar e arregaçou a saia para não pisar nos atoleiros de sangue. Marian Lancaster permanecia de pé, em silêncio, com uma careta de brincadeira em sua cara desfigurada. Estava desfrutando com a cena, conhecia os homens de sua época e sabia muito bem que William não perdoaria, jamais, que sua mulher o tivesse rebatido em público.

A condessa esperou que todos começassem a se mover para agir.

William Forterque-Hamilton caminhava para a carruagem seguido por seu irmão, que ia lhe reprovando o imperdoável comportamento com sua querida cunhada, enquanto alguns homens retornavam ao castelo para recolher os cadáveres e arrumar a área tal como lhes acabava de ordenar seu senhor.

Robert Wilson e outros também iniciaram a marcha para a carruagem levando lady Marian.

De repente, Marian Lancaster viu sua preciosa adaga, presente, por certo, do próprio rei Enrique, e fingiu uma indisposição que a deixou no chão. Aproveitou que pegou os homens de surpresa e recolheu a adaga e, sem que tivessem tempo de detê-la, lançou-se em uma carreira cega para Elizabeth, que naquele momento entrava no pátio com a cabeça agachada, tentando evitar a visão dos cadáveres por ali repartidos.

—Se eu tiver que morrer, você morrerá comigo! — chiou Marian impulsionada por uma força irracional contra a jovem.

Ellie se voltou com os olhos muito abertos e se encontrou com Marian a um metro de distância, dirigindo a arma justo ao centro de seu peito. Não gritou nem se moveu. Marian Lancaster a mataria ali mesmo, em sua própria casa, e por um milésimo de segundo, resignou-se ao inevitável olhando para a porta de entrada, onde William, James e Robert acabavam de chegar a tempo de ver seu assassinato.

—Não! — Ellie ouviu ao longe, e Marian Lancaster desabou aos seus pés, segurando-se à cintura de seu vestido, que se rasgou sob a pressão.

Atrás de Marian, à sua direita, Mary Forterque-Hamilton permanecia pálida e trêmula com o seu precioso arco levantado em posição de disparo. Sua doce Mary tinha matado a condessa de Lancaster lhe atravessando o pescoço com uma flecha certeira. Ellie olhou para William, depois voltou a olhar para Mary e desmaiou.

 

O sol iluminava a agradável tarde de primavera com generosidade. Uma suave brisa movia bandeiras e estandartes, enchendo de cor o marco incomparável do castelo Forterque, enquanto os degraus de madeira, especialmente confeccionadas para a ocasião, começavam a encher-se até acima de elegantes nobres, humildes camponeses e alvoroçados curiosos que não queriam perder detalhe do torneio.

Ellie chegou até seu lugar com dificuldade. O camarote destinado à família se encontrava vários palmos acima do chão e teve que evitar como pôde à multidão, saudando e sorrindo a todo mundo, para subir as escadas de madeira e situar-se junto à Mary, Anna, a prometida de James, e o resto de sua família.

Vários metros mais abaixo, à sua direita, William e o imponente Twister, adornado com as cores de seu amo, o azul e o dourado, esperavam impacientes o início da justa. William, com meia armadura posta, e seu escudeiro, Peter, com o elmo na mão esperavam as indicações dos juízes para iniciar o combate.

Exatamente do outro lado da pista de terra, à sua esquerda, lorde Fitz-James, amigo íntimo de seu marido, exibia com orgulho o vermelho e o preto em seu traje. O elmo posto e as rédeas seguras para começar.

Atrás dele, o pequeno Robert, sobre os ombros de seu tio James, longe dos degraus e muito próximo da pista, enquanto Robert Wilson e Andrew se aproximavam deles para contemplar o melhor possível os competidores. Rob estava nervoso e feliz, atento às indicações que lhe dava seu tio sobre os cavalos, os cavalheiros e as armas.

Ellie se aproximou de Mary e se sentou, apertando fortemente sua mão e observou como o juiz ficava de pé para dar a saída para os nobres competidores.

A emoção lhe subiu ao peito quando viu seu magnífico marido, completamente preparado, pegar a enorme lança e segurá-la contra seu quadril esquerdo, puxar em rédea curta ao Twister para lhe dizer algumas palavras ao ouvido. Peter se separou de seu senhor e esperou muito atento, enquanto a multidão guardava um respeitoso silêncio à espera do sinal definitivo.

A corneta tocou anunciando a saída, os cavaleiros partiram um contra o outro, os gritos se multiplicaram, as pessoas se amontoaram em cima dos degraus, e Ellie teve que ficar de pé.

Mary a segurou pela saia para obrigá-la a sentar-se, como correspondia a uma dama em seu estado, mas Elizabeth já não a ouvia, seu coração iria explodir de orgulho. William galopava a toda velocidade para seu competidor, com a armadura brilhando e o corcel poderoso, com as crinas ao vento, seguindo o prodigioso ritmo que seu amo lhe marcava.

Ellie sorriu e gritou seu nome, e o cavaleiro virou sua cabeça noventa graus para o camarote e a olhou, e esses olhos memoráveis lhe sorriram e Elizabeth Butler perdeu o equilíbrio enquanto retinha aquele precioso olhar celeste que lhe atravessava a alma para sempre.

 

                                                                                Claudia Velasco  

 

                      

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