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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O MUNDO ESTÁ CHEIO DE HOMENS CASADOS / J. Collins
O MUNDO ESTÁ CHEIO DE HOMENS CASADOS / J. Collins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O MUNDO ESTÁ CHEIO DE HOMENS CASADOS

 

- Quando eu tinha quinze anos, era um assombro, um perfeito assombro! A minha querida mãe tinha um medo terrível de me deixar sair sozinha; achava que eu corria o risco de voltar para casa grávida ou algum disparate do gênero.

Quem falava era Claudia Parker. Quem escutava era David Cooper. Claudia estava na cama. Era uma bela rapariga e sabia-o bem, tal como David, portanto todos estavam satisfeitos. Era dona de uns cabelos compridos louro-cinza brilhante que lhe emolduravam, abundantes, o rosto, e a franja chegava-lhe às sobrancelhas, acentuando-lhe os olhos verdes, enormes e rasgados. O rosto era perfeito, com um pequeno nariz direito e lábios cheios e voluptuosos. Não tinha maquilhagem nem roupas e, a cobri-la, havia apenas um fino lençol de seda.

David sentou-se na beira da cama. Tinha quarenta anos e não os disfarçava. De cabelo negro e ligeiramente encaracolado, possuía um rosto bem delineado e forte. O nariz era algo proeminente e usava óculos de aros de chifre e lentes grossas. Era um homem de ar másculo e desfrutava de grande sucesso junto do sexo oposto.

- De modo que acabei por sair de casa - continuou Claudia. - De facto era tudo perfeitamente insuportável e enfadonho. Certa noite escapuli-me e nunca mais voltei. Realmente tinha encontrado um rapaz maravilhoso, um actor, que me trouxe para Londres com ele, e desde então tenho vivido aqui. - Suspirou e agitou-se debaixo do lençol. - Tens um cigarro, querido?

David tirou um maço de cigarros de filtro do bolso do casaco de pijama e entregou-os à jovem. Esta inalou profundamente o fumo.

- Queres ouvir mais algum pormenor acerca do meu passado sinistro?

- Quero saber tudo acerca de ti.

A jovem sorriu.

- És um amor. Absolutamente nada chato. Quando te vi pela primeira vez pensei para comigo que devias ser tremendamente aborrecido. Mas como estava enganada! Sinto-me louca por ti!

Inclinou-se para o sítio onde ele estava. O lençol ficou para trás, ao mesmo tempo que a jovem lhe rodeava o pescoço com os braços e começava a mordiscar-lhe o lóbulo da orelha. Possuía um corpo perfeitamente fabuloso.

Ele empurrou-a de novo para a cama.

- Queres-me, querido? - sussurrou ela. - Queres-me muito?

Ele assentiu com um gemido.

De repente ela desprendeu-se, saltou para fora da cama e correu para a porta.

- És estupendo - declarou a jovem -, mas agora não, querido. Talvez estejas pronto a repetir a dose, mas eu preciso de descansar um pouco. - Soltou uma risada. - Vou tomar um duche, depois, talvez possamos ir almoçar fora; e então, querido, então quem sabe voltaremos para aqui e ficaremos a fazê-lo pela noite fora!

Desapareceu do outro lado da porta e David ouviu água a correr na casa de banho.

Pensou em Claudia e na maneira como se tinham conhecido. Teria sido realmente apenas há três semanas atrás? Tivera um dia particularmente cansativo no escritório e Linda, sua mulher, andava a queixar-se de todo o trabalho extra que ele parecia fazer e do facto de agora raramente o ver. Eram quase seis da tarde e ele preparava-se para sair quando Phil Abbottson entrou intempestivamente no seu escritório.

- Escuta, David - exclamou Phillip. - Dispões de um momento livre para ires ali abaixo ao estúdio e tomares uma decisão por nós? Temos duas raparigas a fazerem o teste do sabonete Beauty Maid, e não há meio de sairmos dali. Não conseguimos chegar a uma decisão.

Relutante, David acompanhou Phillip até ao rés-do-chão, onde estava instalado o estúdio do enorme edifício da agência de publicidade Cooper-Taylor. Este pertencia a seu tio, R. P. Cooper, que tinha dois filhos, e a Sanford Taylor, que não tinha nenhum filho mas sim um genro. David era o sexto na linha de importância, o que, num negócio daquela envergadura, era deveras importante mas, no parecer de David, não o suficiente. Tinha a seu cargo a secção de televisão, e como o sabonete Beauty Maid iria passar com freqüência no Canal 9, era necessário escolher a rapariga certa.

Entraram no estúdio e David descobriu-a imediatamente. Encontrava-se estiraçada numa cadeira de lona, envergando um roupão felpudo branco. Tinha o cabelo apanhado no alto da cabeça e comia uma maçã. A outra rapariga foi notada a seguir. De uma beleza morena, tinha uma expressão afectada e um ar virginal. A sua figura entrava, porém, em contradição com o seu rosto. Possuía um peito enorme, cujas dimensões eram acentuadas pelo fato de banho cor de carne que vestia.

- Que mamas! - murmurou Phillip.

- Não pensas noutra coisa? - perguntou David.

Phillip pediu que se fizesse silêncio no pequeno estúdio e fez um gesto à rapariga de peito farto. Esta acercou-se do pequeno cenário onde uma casa de banho fora improvisada. Entrou elegantemente para dentro da banheira redonda e de largas dimensões, em mármore, de fato de banho cor de carne e tudo, e um dos homens da propaganda aproximou-se pressurosamente a fim de lhe aspergir as formas generosas com espuma de banho. Uma outra pessoa enfiou-lhe um sabonete grande na mão e a seguir, Phillip gritou:

- Okay, filmar.

As câmaras começaram a trabalhar e David observou a cena através de um pequeno écran de circuito fechado.

A rapariga esboçou um sorriso deslumbrante para a câmara.

- Sou uma Beauty Maid - ciciou ternamente. Ensaboou as mãos e espalhou a espuma voluptuosamente pelos braços, primeiro por um, depois pelo outro. - Beauty Maid foi feito para mim. É tão cremoso, tão macio, tão fácil de espalhar. - Esticou uma das pernas compridas para fora e ensaboou-a também. - Por que não' experimenta Beauty Maid? Assim também poderá ser uma Beauty Maid!

Sorriu mais uma vez para a câmara e torceu-se ligeiramente, de maneira a pôr bem em foco o peito abundante.

- Corta - gritou Phillip. - Agora Miss Parker, por favor.

David virou-se para ver Claudia trocar de lugar com a primeira rapariga. De toda ela emanava uma graciosidade de pantera muito própria. Tinha a voz baixa e sensual ao ler as suas linhas. Depois de terminar, voltou a enfiar-se no roupão, com ar indiferente, sentando-se. A outra rapariga continuava a exibir-se pelo estúdio.

- Escolham Claudia Parker - disse David a Phillip. - Não deixa dúvidas.

Quando ia a sair do estúdio, o seu olhar entrecruzou-se com o de Claudia. Esta sorriu e ele sentiu mais que um palpite de promessa no seu sorriso. Voltou ao seu gabinete, arrumou alguns papeis, telefonou a Linda a dizer que iria jantar a casa e saiu.

Claudia estava em frente do edifício.

- Olá - cumprimentou a jovem. - Como o mundo é pequeno!

Conversaram durante alguns minutos acerca dos testes, do sabonete Beauty Maid, do tempo, até que David sugeriu jantarem. Claudia achou a idéia genial.

Foram a um restaurante italiano recatado em Chelsea, onde David sabia que era improvável algum dos seus amigos ou dos de Linda darem com ele. Ligou para a mulher e apresentou-lhe as suas desculpas. Ela pareceu-lhe aborrecida mas dando mostras de entender a situação. Claudia telefonou a um namorado e cancelou o encontro. Comeram canelloni, falaram, deram as mãos, e foi assim que tudo começou.

Claudia regressou da casa de banho.

- Querido, que tens estado a fazer? - perguntou. David puxou-a para a cama.

- A pensar em ti e na maneira como me seduziste.

- Isso não é verdade! - protestou a jovem. - Tu não passas de um velho sórdido que se pôs com idéias sobre mim quando me viu em fato de banho!

Envergava novamente o seu roupão branco felpudo. David enfiou-lhe as mãos por debaixo dele. Ela estremeceu. O telefone tocou.

- Salva pelo gongo - exclamou a jovem com uma risada, rolando para o outro lado da cama a fim de atender. Era o seu agente.

David vestiu-se lentamente, sem nunca deixar de a observar. Claudia falava animadamente ao telefone, parando ocasionalmente para lhe deitar a ponta rosada da língua de fora. Finalmente desligou.

- Oh, estás vestido - disse acusadoramente. - Tenho novidades! simplesmente maravilhosas. Vou ter uma entrevista com Conrad Leei amanhã. Ele está cá e anda à procura de uma cara completamente nova para meter no seu último filme; é acerca da Virgem Maria ou coisa parecida. De qualquer modo, amanhã vou encontrar-me com ele às seis, na sua suite do Plaza Carlton. Não é excitante?

David não estava nada satisfeito.

- Por que terás de o ver à noite? Qual é o problema de o fazeres durante o dia?

- Amorzinho, não sejas tão tolo. Santo Deus, se ele quiser ir para a cama, tanto pode fazê-lo de dia como em qualquer outra altura.

Dirigiu-se para o toucador, começando a aplicar meticulosamente a maquilhagem.

- Está bem, lamento ter falado. Só não entendo para que queres essa tua estúpida carreira. Por que não...

- Por que não o quê? - interrompeu-o a jovem friamente. - Por que não desisto de tudo e caso contigo? E que sugeres que façamos com a tua mulher e filhos, assim como todos os teus vários compromissos familiares?

David ficou em silêncio.

- Olha, amor. - A voz de Claudia amenizou-se. -'Eu não te incomodo com nada, portanto por que não nos limitamos a pôr o assunto de parte? Tu não me possuis a mim, eu não te possuo a ti, e é assim que as coisas devem continuar. - Aplicou brilho nos lábios com um gesto floreado. - Estou esfomeada. Que tal almoçarmos?

Foram ao seu restaurante italiano preferido e depressa o bom humor foi reposto.

- O domingo é um dia melancólico - observou Claudia pensativamente. - Parece que nunca mais acaba. - Bebeu o vinho tinto com prazer e sorriu para o proprietário baixo e gorducho, que lhe devolveu a amabilidade com deleite. - Sabes, todas as pessoas se imaginam belas; não tenho nenhuma dúvida. Olham-se ao espelho e vêem dois olhos, um nariz, uma boca e pronto, pensam: Que beleza!

O riso da jovem iluminou o restaurante e David juntou-se a ela. Que rapariga linda e cheia de vitalidade aquela! Ele vivera já muitas aventuras extraconjugais, porém aquela era diferente; era a primeira vez que desejava ser um homem livre.

-" Certa vez conheci um indivíduo - disse Claudia. - Prometeu-me um iate no sul de França, uma villa em Cuba, uma profusão de jóias e não sei quantas maravilhas mais, e depois desapareceu. Mais tarde ouvi dizer que era um espião e levara um tiro. Não há dúvida de que a vida é uma coisa estranha.

Depois do almoço foram até ao West End à procura de um filme que ambos queriam ver.

- Repara naqueles tarados - exclamou Claudia, observando uma enorme manifestação que se dirigia a Traf algar Square. - Já imaginaste passar todo o tempo livre a correr de um lado para o outro, a não largar as embaixadas e a sentar-se no chão em tudo o que é sítio? E todos os tipos têm barba, gostaria de saber porquê. - Aninhou-se de encontro a David. - Esqueçamos o filme. Voltemos para minha casa e vamos fornicar. Apetece-me voltar para a cama contigo. E tu?

Quem era ele para levantar objecções?

 

"ABAIXO A BOMBA", dizia claramente o pano preso às costas de uma senhora bem nutrida.

"PAZ EM TODO O MUNDO", declarava um cartaz enorme que um jovem barbudo erguia ao alto.

"NÃO ÀS ARMAS NUCLEARES", afirmava um pedaço de cartão maltratado que uma mulher exausta agarrava desajeitadamente com uma mão ao mesmo tempo que levava, pela outra duas crianças de aparência desleixada.

Este grupo, juntamente com várias centenas de outros, marchava lentamente para o interior da Trafalgar Square. Muitos tinham chegado antes e, em redor da Nelson's Column e das fontes, apinhava-se uma multidão imensa.

Linda Cooper já ali se encontrava. Seguia comprimida entre um grupo de rapariguinhas de cabelos compridos e desgrenhados, roupas enxovalhadas e ar determinado, e um cavalheiro de óculos que não parava de murmurar para com os seus botões.

Linda era uma mulher atraente, no princípio da casa dos trinta; levava o cabelo ruivo curto parcialmente escondido por um lenço de chiffon. Envergava um saia-casaco Chanel creme que parecia deslocado na companhia entre a qual se encontrava. Uma pessoa seria levada a imaginar que, dez anos antes, ela teria sido uma autêntica beldade, mas que essa beleza fora substituída por uma expressão de resignação. Havia pequenas rugas, uma certa dose de cansaço e um pouco de maquilhagem a mais, no entanto o efeito geral era atractivo.

Olhou em volta. Estar ali, no meio daquela enorme multidão, sem David, proporcionava-lhe uma sensação curiosa. Era tão raro ela fazer algo ou ir a algum lado sem o marido... mas ultimamente a situação piorara ainda mais, pois as viagens de negócios eram cada vez mais numerosas e prolongadas, assim como as reuniões que duravam até tarde, e David parecia ter-se envolvido completamente no seu trabalho, quase com exclusão de tudo o resto.

Suspirou. Na realidade encontrava-se ali perfeitamente por acaso, David fora novamente para fora e ela sentira subitamente uma necessidade imperiosa de sair de casa e fazer algo de diferente para variar.

As crianças tinham ido passar o fim-de-semana ao campo com os avós; ela recusara-se a acompanhá-las, pensando na possibilidade de David ir a casa, mas à última hora ele tivera, como de costume, de ir para fora. Ela dera consigo sozinha e acabara por achar que não era capaz de continuar em casa o dia todo, de modo que telefonara a Monica e Jack e estes tinham-na convidado para almoçar. Mas fora um erro; no fundo eles eram amigos de Jack, dos seus tempos de solteiro, e ela sentira sempre uma certa vivacidade forçada da parte deles, uma espécie de atitude "com que então o David acabou por casar contigo! ". Hora e meia depois desculpou-se com o" pretexto de que tinha de voltar para casa a fim de preparar as coisas antes da chegada dos filhos. Não conseguia imaginar o quê, mas Monica e Jack não discutiram, de modo que se retirou.

Foi durante o percurso para casa que reparou nos manifestantes, nos dísticos e na multidão. Obedecendo a um impulso, estacionara o seu Mini numa rua lateral e abrira caminho até à Trafalgar Square, que parecia ser o ponto de encontro de toda aquela gente.

O desarmamento nuclear era um assunto sobre o qual ela reflectira muitas vezes e em cuja denúncia desejara, secretamente, participar. Protestar parecia ser o mínimo que uma pessoa podia fazer, senão por si própria, pelo menos pelos seus filhos. Estava a processar o fim de uma era. Corria o ano de mil novecentos e sessenta e nove e as pessoas exprimiam as suas idéias. Ela desejava ser uma delas.

"De repente o homem de óculos que tinha atrás de si consultou o relógio.

- São três horas - anunciou em tom excitado. Verificou-se um impulso súbito para a frente na multidão e ouviram-se gritos e palavras de ordem. Pequenos grupos de pessoas pareceram separar-se da massa de gente e correram para o meio da rua, onde se sentaram prontamente diante do trânsito. Linda foi empurrada para a frente, no meio do apinhamento, e deu consigo perto da beira do passeio. Viam-se numerosos polícias a empurrar, a arrastar e a levantar os manifestantes do meio da rua. Mal uma pessoa era retirada, outra tomava imediatamente o seu lugar. A multidão estava deliciada. Entoava variados slogans, instigava os manifestantes e apupava a polícia. As enormes carrinhas com que esta se fizera acompanhar começaram a encher-se lentamente, mas apareciam sempre outros, arrojados, para substituir os que eram retirados.

Linda sentia-se optimamente.

- Abaixo a Bomba! - gritava.

Ela protestava contra a bomba. Ela participava activamente numa manifestação a favor do bem-estar mundial. Ela estava, naquele momento e daquela maneira, a ajudar a proteger o futuro dos seus filhos. Era uma experiência fabulosa.

- Abaixo a Bomba! - repetiram as pessoas que a rodeavam.

- Ande, querida.

Um homem jovem, de cabelo escuro, agarrou-lhe no braço e, juntos, correram para a rua. Sentaram-se de frente para um táxi que se aproximava e o condutor deste, irado, resmungou:

- É tudo uma cambada de doidos!

Linda experimentou uma sensação de perfeita exaltação e foi então que um guarda de cara rosada a agarrou pelos sovacos e a puxou para fora da rua. Linda começou a debater-se e outro polícia aproximou-se e agarrou-lhe nas pernas. Houve um momento de impudicícia em que ela sentiu a saia subir-lhe pelas coxas acima, antes de a deixarem cair, sem cerimônias, de novo no pavimento.

Mãos prestáveis ajudaram-na a pôr-se de pé, altura em que descobriu que perdera os " sapatos e que, sem saber como, ferira o braço. O lenço também lhe desaparecera e o cabelo caía-lhe em redor do rosto.

- Está com um aspecto que é uma desgraça, não está? - Era novamente o rapaz de cabelo escuro. - Quer fazer mais uma tentativa?

Uma rapariga agarrou-lhe no braço.

- Ora, anda daí, Paul - disse. - Vamos. Não queremos que nos levem outra vez para Bow Street.

Era baixa e jovem, de longos cabelos louro-claros.

Paul não lhe ligou importância.

- Olhe - disse a Linda -, é melhor vir connosco. Tenho uma amiga que vive aqui perto e talvez consigamos que ela lhe empreste uns sapatos.

- Bem... - principiou Linda.

- Não percamos tempo, Paul - insistiu a jovem, zangada.

- Está bem - decidiu Linda. Os três começaram então a abrir caminho até à ponta da multidão de manifestantes.

Paul pegou-lhe no braço e orientou-a por entre a massa de gente. A amiga de cabelo escorrido seguia, contrariada, atrás deles.

- O meu nome é Paul Bedford. Qual é o seu?

Linda olhou-o de relance. Era um jovem alto, de olhos cinzentos rasgados. Calculou que teria à volta de vinte e dois anos. Achava-o incomodativamente atraente.

- Mrs. Cooper - disse firmemente. O jovem lançou-lhe um olhar onde se lia estranheza e uma expressão vagamente divertida e intrigada.

- Mrs. Cooper, hem?

O pavimento estava frio e duro sob os pés calçados com meias de seda e Linda deu consigo a desejar encontrar-se na segurança do seu lar em vez de andar a correr pela Trafalgar Square na companhia de um jovem desconhecido qualquer que conhecera apenas dez minutos antes.

- Tenho um carro estacionado perto - disse ela. - Acho melhor voltar para junto dele. Tenho uns sapatos velhos no porta-bagagens.

Mas Paul já a levava para o outro lado da rua que dava para Newport Street.

- Já chegámos - declarou, batendo a uma porta pintada de amarelo e de aspecto gasto. - Ao menos suba, faremos um curativo ao seu braço e depois levá-la-ei até ao seu automóvel.

A namorada mostrou-se amuada.

Finalmente a porta foi aberta por uma rapariga de rosto sem maquilhagem e cabelo negro. Vestia um roupão de brecado chinês azul e dourado muito usado e pantufas que deviam ter sido brancas.

- Olá, querido - cumprimentou ela vivamente. - E como vai a pequena Mel? - Dirigiu um aceno de cabeça à namorada. - Subam.

Seguiram-na por uma escada estreita que dava para um enorme quarto, todo ele pintado de preto. A um canto via-se uma cama enorme, numerosos livros e almofadões espalhados no chão e um gira-discos com Miles Davis a ouvir-se no máximo do volume do som. E era tudo quanto havia em termos de mobília.

- Onde é que está o teu homem? - perguntou Paul.

- Foi à manifestação - retorquiu a rapariga.

- Precisamos de uma bebida - declarou Paul. - Levámos uns abanões no meio da confusão. Apresento-te Mrs. Cooper; fez um corte no braço e perdeu os sapatos. Passou pelas boas.

A rapariga sorriu.

- Consegues sempre envolver as pessoas. Sentem-se que eu vou buscar-vos uma cerveja, não tenho mais nada.

- Venha - disse Paul a Linda-, trataremos desse seu braço. Levou-a para a casa de banho que, surpreendentemente, era toda branca e tinha um aspecto anti-séptico.

- Então por onde anda Mr. Cooper? - perguntou ele. Linda fitou-o friamente.

- Em viagem de negócios.

- Como é que se chama quando não é Mrs. Cooper?

Ela hesitou e depois disse:

- Linda. Porquê?

- Só quis saber.

Entreolharam-se durante um momento prolongado, antes de Linda desviar nervosamente o olhar para o chão. "Isto é ridículo", pensou. "Que estou eu aqui a fazer com este rapaz? Que pensaria David? Tenho de me ir embora".

Descobriram uma caixa de pensos rápidos e Paul colocou um sobre o corte que ela tinha no braço.

- Foi a sua primeira manifestação?

- Foi - replicou Linda. - Olhe, tenho mesmo de voltar já para o meu carro. Foi realmente muito simpático da sua parte dar-se a todo este trabalho, mas tenho gente à minha espera em casa e ficarão preocupados se me atrasar.

- Óptimo - disse Paul. - Eu levo-a. "Não posso deixá-la a deambular por Londres sem sapatos.

Voltaram para o enorme quarto negro. Melanie, a jovem de cabelos escorridos, sentara-se, agarrada a uma lata de cerveja. Pôs-se de pé de um salto quando Paul entrou e correu para ele. Linda chegou à conclusão de que ela não era muito bonita, estava demasiado magra, e aquele cabelo pavoroso!

- Toma um pouco de -cerveja - ofereceu Melanie. Tinha uma vozinha lamurienta.

- Não, vamos pirar-nos - respondeu Paul. - Volto já. Espera aqui.

A rapariga tinha, nitidamente, vontade de discutir, mas não se atreveu.

Paul deu um beijo à dona do quarto.

- Não demoro - disse.        

Linda disse adeus e ambos saíram.

Na rua, ele voltou a pegar-lhe no braço, no entanto Linda libertou-se com um safanão, dizendo:

- Não gosto que me peguem no braço.

- De que é que gosta realmente?

Ela não respondeu.

Caminharam em silêncio até ao local onde o carro de Linda estava estacionado. Esta sentia-se embaraçada e deselegante com os pés envoltos em meias de seda. Além disso o pavimento estava frio e duro e ela tinha vontade de voltar a sentir-se no abrigo de sua casa.

Quando chegaram junto do automóvel, Paul ajudou-a a entrar.

- Onde vive? - perguntou delicadamente.

- Finchley. Temos uma casa lá.

- Eia, somos vizinhos. Eu moro em Hampisteiad. - Deixou-se ficar no pavimento, encostado à porta do carro. - Pode dar-me uma boleia. Importa-se?

- Pensei que queria voltar para junto da sua namorada - disse Linda nervosamente.

Apetecia-lhe simplesmente afastar-se com o carro e deixá-lo ali especado. Sabia até que ponto se sentia atraída por ele e, de certa maneira, sabia-se vulnerável.

-Não tem importância, Mel encontrará o caminho para casa. Normalmente é o que faz, seja de que maneira for.

Deu a volta até ao lado do assento do passageiro e entrou.

"É agora ou nunca", pensou Linda. "Ou lhe digo para sair ou aceito o facto de ele estar interessado e de o deixar saber que também eu estou." Sentiu-o olhá-la fixamente. Ligou o carro.

Linda guiou habilmente por entre o trânsito. Paul deixou-se ir a seu lado, em silêncio, um silêncio que a tornava cada vez mais consciente da sua presença. Até que ela acabou por falar.

- A sua namorada não vai ficar satisfeita consigo por desaparecer assim.

- Não importa.

Voltaram a ficar em silêncio. Linda decidiu que quando chegassem a Hampstead, ela pararia o automóvel, esperaria que ele saísse, dir-lhe-ia adeus e afastar-se-ia rapidamente. Não lhe daria oportunidade para falar em se verem novamente. O instinto dizia-lhe que vontade não lhe faltava a ele.

- Reparei imediatamente em si - observou ele.

- Como? - replicou Linda, espantada.

- Disse que reparei logo em si - repetiu o jovem -, no meio da multidão. Parecia deslocada, como que perdida. Tinha vontade de fazer parte dela e no entanto não conseguia ser muito bem sucedida. Portanto agarrei-lhe no braço e puxei-a para a rua e aí sim, abstraiu-se de si própria. Não é verdade?

- Não sei a que se refere - disse Linda rapidamente.

- Ora, deixe-"e disso, sabe perfeitamente o que quero dizer. - Bocejou rudemente. - Senão onde está o seu homem? Os seus filhos? Tem filhos, não tem?

- Sim, tenho. Como é que sabe? - perguntou ela na defensiva.

- Simples. Posso fazer o seu retrato num minuto. Casada há cerca de dez anos, casinha bonita, marido constantemente longe, filhos a crescerem e a deixarem-na para trás. É verdade ou não?

A primeira reacção de Linda foi de raiva; teve vontade de parar o carro e dizer àquele rapazinho mal-educado para sair. Mas o que ele dizia aproximava-se muito da verdade. Espera, ouve-o até ao fim, que mal tem? Também se sentia curiosa. Como é que ele sabia? Adaptar-se-ia ela ao papel com tanta perfeição?

Forçou um sorriso.

- Você é muito convencido, não é?

- Sim, sou.

- Não tenho dificuldade em vê-lo no seu rosto. No seu aspecto. Em tudo o que se liga a si. Chegámos a Hampstead - disse Linda rapidamente, encostando o pequeno automóvel ao passeio com brusquidão. - Obrigada pela análise. Tenho a certeza de que foi muito divertida para si. "David teria achado graça. Adeus.

Olhou em frente e esperou que ele saísse.

O jovem não se moveu. Limitou-se a perguntar calmamente:

- Posso voltar a vê-la?

Linda virou-se de maneira a encará-lo. Os olhos dele penetraram profundamente nos seus.

- Não o entendo. Primeiro disseca a minha vida, reduz-me a pedaços, e depois pergunta se me pode voltar a ver. Não, não pode. Amo o meu marido. Tenho dois filhos maravilhosos e uma vida muito agradável, obrigada. Portanto agradeço que saia do meu carro.

A sua fala desabrida não pareceu perturbá-lo.

- Eu gostaria de voltar a vê-la outra vez. Penso que precisa de alguém como eu. - Abriu a porta do automóvel e saiu. - Portanto, se mudar de idéias, consto na lista telefônica.

Linda ficou a vê-lo afastar-se. "Não passa de um cretino", pensou iradamente. "É muito magro, provavelmente nunca come. Tão novo mas tão sabedor. Gostaria de dormir com ele. "

Deteve abruptamente a corrente dos seus pensamentos. "Gostaria de quê? ", perguntou a si própria, incrédula. O sexo fora sempre sinônimo de David. Nunca tivera uma aventura extraconjugal na sua vida. Fora virgem para a sua cama de casada e agora aparecia-lhe aquela idéia na cabeça! Oh, saíra com muitos rapazes antes de se casar, mas nunca acontecera nada de sério com nenhum deles.

"David é um marido maravilhoso", pensou, "um amante fantástico." Mas quando é que ele fazia amor com ela nos tempos que corriam? Talvez uma vez de quinze em quinze dias, e mesmo assim era um encontro rápido de dez minutos, do qual ela não retirava nenhum prazer especial; a seguir ele voltava-se para o outro lado e começava a ressonar, enquanto ela ficava acordada durante muito tempo, pensando no que costumava ser antes dos filhos, nos primeiros tempos do casamento.

Suspirou e pôs o carro a trabalhar. Era impossível fazer o relógio voltar para trás.

A casa estava vazia; até mesmo os cães tinham ido com as crianças, e a criada espanhola, Ana, fora passar o dia fora. Era deprimente. Linda ligou o televisor do quarto e reparou que eram quase seis da tarde. David dissera que estaria em casa por volta das nove, portanto ainda tinha três horas pela frente. Não fazia tenções de ver televisão, no entanto era agradável ter vozes humanas à sua volta. Decidiu telefonar à mãe e ver como Jane e Stephen se estavam a portar.

A voz da mãe era plácida e acolhedora.

- Olá, Linda, querida.

- Olá, mãe. Como vão as coisas?

- Oh, optimamente, filha. Neste momento Jane está a tomar banho e tenho o Stephen aqui mesmo ao pé de mim. Espera um minuto, ele quer falar contigo.

Houve uma pausa e depois a voz de Stephen, fina e excitada, soou na linha. Tinha oito anos.

- Olá, mama. Estamos a divertir-nos à brava. A avó fez montes de bolinhos macios para o lanche e aquela parva da Jane tentou comê-los todos, então eu empurrei-a da cadeira e ela começou a chorar e...

Continuou a falar dos bolos durante muito tempo, até que a voz da mãe apareceu novamente em linha.

- O pai irá levar as crianças aí a casa depois do almoço, portanto conta com elas cerca das quatro horas. Como vai David? Passaram um fim-de-semana tranqüilo juntos?

- Passámos, mãe, muito tranqüilo - replicou Linda pesarosamente. - Volto a falar consigo lá mais para o fim da semana. Obrigada por ter ficado com as crianças e dê um beijo a Janey da minha parte. Adeus.

E agora? Sentindo um pouco de fome, foi até à cozinha, mas como detestava fazer comida só para si, contentou-se com uma sanduíche de queijo. Parecia não haver mais nada para fazer do que ir para a cama esperar por David.

Cama, David, os dois pensamentos ligaram-se na sua cabeça e formou-se uma idéia. Precipitou-se para o seu guarda-roupa e vasculhou no interior deste até encontrar o que procurava: uma camisa de dormir preta em tecido fino e transparente que comprara anos antes em Paris e nunca chegara a usar. Parecera-lhe sempre demasiado frívola. Colocou a peça de roupa à sua frente; tinha um toque sensual. "Bem, é o que recomendam em todas as revistas femininas", pensou, sorrindo. Espante o seu marido fazendo-o perceber como você é irresistivelmente sexy e sedutora!

Preparou um banho de imersão bem quente e abundante, aplicou algumas gotas de loção de banho Chanel N. 5, pôs creme no rosto, penteou o cabelo para cima e depois entrou na banheira e descontraiu-se.

O telefone tocou. Enrolou-se numa toalha de banho, murmurou:

- Raios. - E correu para o quarto para atender.

- Está?

- Linda?

- Sim.

- Fala Paul Bedford.

Um longo silêncio e depois, de novo a voz dele.

- Mencionou David e Finchley, portanto foi fácil encontrar-lhe o rasto na lista telefônica. Olhe, lamento, queria pedir-lhe desculpa pelo que aconteceu à bocado. Não era minha intenção aborrecê-la. Perdoa-me?

- Não há nada a perdoar - retorquiu Linda friamente. - Não me aborreceu nem de uma maneira nem de outra.

Sentiu-se tentada a dizer adeus e a desligar, mas esperou pelo que ele diria a seguir.

- Então está bem. - Parecia aliviado. - Sabe, quando gosto das pessoas, quero dizer, quando gosto de verdade, tenho a impressão de que sou sempre demasiado agressivo para elas. Não é por vontade minha, acontece simplesmente. É uma espécie de acção inversa.

Fez uma pausa, depois continuou.

- Uma amiga minha dá uma festa esta noite; vive perto de si. Pensei que talvez gostasse de vir.

- Lamento mas não posso - respondeu Linda um tudo nada demasiado rapidamente.

- Tentar não ofende. Fica para outra ocasião.

- Desculpe mas tenho de desligar. Estou a meio do banho. - Depois acrescentou: - Obrigada pela lembrança, mesmo assim. Adeus, Paul.

- Desculpe tê-la tirado do banho. A festa só começa às dez, portanto se mudar de idéias, o meu número é Hampstead 09911. Adeus.

Desligou.

Zero-nove-nove-um-um, tão fácil de lembrar. Estremeceu e voltou rapidamente para a casa de banho. Estava secretamente satisfeita por Paul ter telefonado; o facto fazia-a sentir-se desejada e querida, sensação que não se recordava de experimentar fazia muito tempo. Naquela noite as coisas seriam diferentes. Faria David convencer-se de que tudo podia, e devia, ser tão romântico como quando se tinham conhecido. No final de contas, a circunstância de duas pessoas serem casadas não pressupunha pôr o romance de lado. "Tenho só trinta e três", pensou, "o que ainda é ser muito nova. Bem, velha é que de certeza não sou. "

Analisou o seu corpo ao espelho da casa de banho. Fazia-me bem uma pequena dieta, matutou. As pernas eram bem torneadas mas estavam um pouco grossas na zona das coxas, a cintura mantinha-se estreita e os seios, apesar de grandes e cheios, continuavam firmes.

Enfiou-se no negligé preto. O tecido colou-se-lhe provocantemente ao corpo e o efeito agradou-lhe. Aplicou uma maquilhagem ligeira e escovou o cabelo. Depois desligou a televisão e pôs a aparelhagem estéreo a funcionar. Sinatra era muito mais aceitável que qualquer programazeco idiota entremeado de anúncios publicitários.

O cenário estava montado, a peça pronta a começar, eram quase nove da noite. "Um copo de vinho saberia bem", reflectiu. Havia uma garrafa de rose no frigorífico, de modo que se levantou e foi servirse.

Passou-se uma hora. O vinho foi bebido, Sinatra calou-se, o negligé preto foi substituído por algo um pouco mais quente. A televisão voltou a ser ligada e Linda aninhou-se, taciturnamente, a assistir a um filme antigo.

Sentia-se vagamente entontecida. O vazio da casa parecia deprimi-la. Onde estava David? Ele dissera que estaria em casa às nove da noite. Se se ia atrasar, mais valia ter telefonado. Talvez tivesse tido um acidente de automóvel. Quem sabe se jazia no meio da estrada seriamente ferido, ou mesmo...

Como que em resposta aos seus pensamentos, o telefone tocou. Primeiro ouviu-se a voz de uma telefonista, fria e eficiente, e depois David apareceu na linha, obviamente cheio de pressa.

- Olha, fiquei preso aqui com umas pessoas. Tive de guiar de Leeds a Manchester e estou arrasado. Não me arrisco a voltar esta noite; está um tempo pavoroso. Sairei amanhã de manhã bem cedo e estarei em casa por volta das oito.

- Mas, David, tenho estado à tua espera. - Tentou manter uma voz calma. - Por que não me comunicaste mais cedo? São quase dez horas e prometeste estar em casa às nove.

- Agora não posso falar. Amanhã explico tudo.

De repente o mau humor que sentia explodiu.

- Não quero saber de manhã! E eu? Passei um fim-de-semana pavoroso e esta noite fiquei para aqui sentada à tua espera e tu nem sequer te deste ao cuidado de me telefonar. Ao menos se eu soubesse, teria ido ao cinema ou qualquer coisa. És um egoísta e eu não posso...

A voz de David soou fria e inalterada.

- Agora estou com pessoas, vemo-nos amanhã. Adeus.

A linha ficou silenciosa. Linda deixou-se ficar sentada por um momento, tentando controlar a sufocante sensação de frustração total. Ele desligara-lhe o telefone na cara, nem sequer se dera ao cuidado de esperar que ela se despedisse.

Finalmente voltou a colocar o auscultador no descanso, pegando nele logo a seguir para discar um número. O sinal de tocar pareceu encher-lhe os ouvidos. "Tomei demasiado vinho", pensou vagamente. Então uma voz atendeu e ela deu consigo a replicar:

- Viva, Paul, fala Linda Cooper. Em relação à tal festa...

 

Eram quatro da tarde quando David e Claudia regressaram ao apartamento desta. A jovem vivia numa casa adaptada nas traseiras de Knightsbridge, tudo muito novo e moderno. Ocupava o apartamento do topo, que tinha a vantagem de dispor de um pequeno jardim de telhado.

David interrogara-se muitas vezes sobre a maneira como ela arranjava dinheiro para pagar semelhante despesa. Toda a mobília era nova e nitidamente cara, e a jovem dispunha de um guarda-roupa abundante. Era actriz e modelo e tanto quanto ele sabia relativamente a ambas as profissões, ou se era extremamente bem sucedido ou não se ganhava muito dinheiro. Certamente não o suficiente para manter o estilo em que Claudia vivia. Ele dera voltas sem conta ao problema e não chegara a nenhuma conclusão satisfatória. Acabara por deduzir que ela devia ter um pai rico, embora o facto não se coadunasse muito bem com o pouco que conhecia do seu passado.

Segundo Claudia, esta sairá de casa aos quinze anos de idade e chegara a Londres cinco anos antes, perfeitamente decidida a tornar-se artista de cinema. Na altura tinha vinte anos, era muito bela e esfuziante como champanhe. Mas não se tornara estrela de cinema.

Ele conhecia-a apenas há três semanas, e durante esse espaço de tempo vira-a apenas uma dúzia de vezes. Estava sempre disponível, não dava a impressão de ter mais algum homem na sua vida. Aceitava o facto de ele ser casado e não o aborrecia em relação ao mesmo, como acontecia com muitas mulheres. Nunca lhe fazia referência a dinheiro. David vira que ela fizera o anúncio publicitário do Beauty Maid mas, além disso, não tivera conhecimento de mais nenhum trabalho. Quem sabe tinha falta de dinheiro mas sentia-se embaraçada em referir a questão. Resolveu abordar o assunto.

Quando chegaram ao apartamento, Claudia começou a andar de um lado para o outro a fazer grande estardalhaço ao ajeitar a cama e ao dar uma arrumação geral. Não era nada devotada às lidas domésticas, pelo que tinha mulher a dias diariamente, com excepção dos fins-de-semana. Ao deparar com os pratos sujos na cozinha, deixou escapar um "ugh" de nojo. David foi atrás dela.

- Compro-te uma máquina de lavar loiça - disse-lhe, rodeando-lhe a cintura com os braços.

Ela voltou-se, rindo.

-'Uma máquina de lavar loiça! Que presente horroroso. Obrigada mas deve haver algo mais romântico que semelhante objecto!

- Que é que te apetece? Amanhã iremos às compras.

- Eu quero, deixa-me ver... quero um Ferrari, dois casacos de vison, muitos diamantes, um apartamento de topo em Nova Iorque e uma villa na Riviera! - Desatou a rir às gargalhadas. - Tens capacidade para me fazeres a vontade?

- Estou a falar a sério. Contentas-te com um casaco curto de vison? Amanhã podes mandar vir um.

Claudia fitou-o e humedeceu os lábios.

- Adoraria. Mas se estás com vontade de me dar um, faz-me uma surpresa, nada de encomendas. Gosto de surpresas.

David sorriu.

- Surpresa será.

Não sabia muito bem se era a ocasião propícia para abordar a questão da situação financeira da jovem e chegou à conclusão de que não era. Mais tarde, quando estivessem na cama.

- Quando é que te transformas em Cinderela esta noite? - perguntou-lhe ela de repente.

- Devia ir-me embora por volta das oito e meia. - Afagou-lhe o cabelo. - Mas sempre posso esticar um pouco o tempo, conforme for a atracção principal.

Claudia riu suavemente e despiu a camisola.

- A segunda parte está agora a começar. A atracção principal demonstrará ser verdadeiramente interessante!

Um pouco mais tarde, David consultou o relógio e descobriu, surpreendido, que já passava bastante das nove da noite. Claudia dormia a seu lado, o cabelo comprido a emoldurar-lhe, despenteado, o rosto, a maquilhagem borrada e esbatida. Tinha um aspecto muito jovem. Deixara as roupas espalhadas pelo quarto, num rasto que se estendia desde a cozinha. Como que pressentindo que ele a mirava, a jovem abriu os olhos, bocejou, espreguiçou-se e emitiu pequenos ruídos de satisfação.

- Fazes-me lembrar uma gata - disse ele -, umas vezes és uma gatinha inocente, outras, a bichana mais selvagem e desavergonhada do beco.

- Aí está uma coisa que me agrada. Imagino-me a contar essa a alguém daqui a uns anos. Uma ocasião tive um tipo que me disse que eu era como uma gata, umas vezes...

David tapou-lhe a boca com a mão.

- Não digas isso. Não haverão outros tipos, unicamente eu. Amo-te e quero casar contigo.

Surpreendeu-se com as próprias palavras, mas ali estavam elas, faladas em voz alta para quem quisesse ouvi-las.

- Sabes, é espantoso - observou a jovem-, como os homens casados têm facilidade em propor casamento. Imagino que não tenham qualquer problema em fazerem-no, pois na realidade estão sãos e salvos e sabem que podem lançar essa isca reles sem a menor hipótese de eles próprios serem apanhados. Casa comigo, minha querida, simplesmente não deixes que a minha mulher saiba!

David estava furioso. Certo, ele não falara, de facto, com franqueza. Correcção: ele falara com franqueza, mas, como ela dissera, no fundo ele sabia que tal não era possível. Contudo, o facto de ela ter consciência da realidade enfurecia-o. Por que analisariam as mulheres tão a fundo as coisas que os homens diziam?

- Podia divorciar-me - alvitrou ele.

- Tencionas fazê-lo?

- Não sei - retorquiu ele, puxando-a para si. - Não se trata apenas de mim e de Linda; há que considerar as crianças. Mas amo-te de verdade e um dia, quando os meus filhos forem mais velhos, então nessa altura não haverá problema. Entretanto posso olhar por ti. Não quero que trabalhes. Nada de voltares a ir a essas entrevistas. Eu dou-te dinheiro.

Claudia fitou-o fixamente com os enormes olhos verdes rasgados.

- Ainda bem que tens tudo programado. - Acariciou-lhe as costas e ele sentiu o desejo dominá-lo mais uma vez. Bastava ela tocá-lo para que ele a desejasse. - Há só um pequeno problema. Eu não quero casar contigo. Nem que fosses livre e pudéssemos ir já a correr fazê-lo.

Libertou-se dos braços dele e levantou-se da cama. Ficou a olhar para ele, de pé, completamente nua, e continuou:

-Quero fazer o que me apetecer, sempre que o desejar. Nada de laços, de compromissos. Não desejo o casamento, ele não tem qualquer significado para mim, portanto não mo ofereças como se fosse uma arca de ouro porque não tenciono aceitá-la. Mas amo-te agora, hoje. Amanhã, quem sabe? Sou assim, não faço de conta que sou alguém diferente, portanto por que não fazes o mesmo?

David não conseguia conter a excitação que o choque lhe provocava. As palavras dela não importavam. Arrastou-a de novo para a cama e deu vasão à sua fúria e frustrações. Ela tentou debater-se mas ele esmagou-a debaixo de si, até a jovem deixar de lutar e tornar-se parte dele.

Para David, foi devastador. Quando era com Claudia, acontecia sempre. Cada vez era mais forte, emocional e fisicamente.

- É melhor levantares-te. Já passa da hora do encantamento e tens a mulherzinha à espera.

Espreguiçou-se languidamente.

- Não sejas malvada. De qualquer maneira, acho que ficarei.

Claudia beijou-o. Telefonaram a Linda e Claudia fez de conta que era a telefonista, de maneira a que a chamada parecesse ser de longa distância.

Depois, Claudia observou:

- Nunca nenhum filho da mãe falará comigo dessa maneira sem que nada lhe aconteça. Tenho pena da tua mulher.

- Tens? - limitou-se David a dizer. Falar de Linda desagradava-lhe.

- Sim, tenho, embora a culpa seja dela.

- Que queres dizer?

- Que foi que me tornou mais excitante que ela? O facto de eu ser uma novidade, mais nova e bonita. Sou mais bonita?

- Sim, és mais bonita.

- Mas não devias precisar de procurar noutros lados. Ela devia esforçar-se por ser sempre uma novidade para ti. A maioria das mulheres, depois de casar, dá a impressão de cruzar os braços. Apanhámos o peixe, agora podemos guardar a isca e recorrer a ela só em ocasiões especiais. Não quero dizer que não possas fornicar por aí de vez em quando, a maioria dos homens fá-lo, até mesmo os mais felizes. Mas não deverá ultrapassar esse âmbito, as aventuras como eu não existiriam, não seriam necessárias.

- Obrigado, consultora matrimonial Parker, mas tenho a impressão de que está a pronunciar-se diante do grupo errado.

- Queres que fale com a tua mulher? Que lhe hei-de dizer? "Querida, aqui só para nós, ando a comer-te o marido. De facto não é necessário. Se não fosses tão sem graça talvez ele te desejasse novamente. Apura-te um pouco mais, que ele voltará para ti. "

Ambos desataram a rir.

- És mesmo uma malvada. Será por essa razão que te amo tanto?

- Não - replicou a jovem com uma risada. - Tu sabes por que razão me amas.

Levantaram-se e ela entreteve-se na cozinha a preparar sandes, enquanto David deambulava pelo apartamento a reflectir na melhor maneira de voltar a abordar a questão das finanças de Claudia. Ela arreliara-o com o seu pequeno discurso de não querer casar.

Mas pensando melhor, até nem era caso para tal, pois fizera essa afirmação em conseqüência do seu mecanismo de defesa. Ela sabia que não podiam casar de modo que, para não ficar mal, convencera-se a si própria de que, afinal de contas, não desejava o casamento. Pensando ainda melhor no assunto, quase se sentiu satisfeito porque assim ficava na posição invejável de poder usufruir das duas coisas ao mesmo tempo. No fundo não tinha vontade de deixar Linda. Amava-a, à sua maneira, embora ela tivesse deixado de o atrair sexualmente pouco depois de casarem. Ele compensara o facto com várias aventuras amorosas ao longo dos anos, e para Linda mostrara-se, em termos materiais, mais que generoso. Ela era a perfeita figura de esposa. Uma dona de casa e uma mãe impecáveis.

Não, de certeza que não desejava deixar Linda. Não sentia nenhum sentimento de culpa especial por lhe ser infiel. Se bem que se alguma vez ela o fosse a ele... Mas não, tratava-se de algo de impensável. A própria idéia de Linda ser infiel era ridícula.

Claudia estava na cozinha, a lamber a maionese dos dedos. Vestira um quimono cor-de-rosa e atara os cabelos.

- Pareces ter uns quinze anos - comentou David.

- E tu uns cinqüenta. Em que estás a matutar? Ficaste amuado porque recusei a tua proposta galante?

- Quero falar contigo a sério. Traz as sandes e vem sentar-te ao pé de mim.

Claudia seguiu-o até à sala e, enquanto mastigava uma sanduíche, sentou-se no chão, perto dos pés dele.

- Que é que te está a preocupar, David?

- Olha, querida. Tenho reflectido muito sobre ti. A jovem riu.

- Nem outra coisa eu esperaria.

- Falo muito a sério - continuou ele. - Tenho-me preocupado com a forma como te desenvencilhas financeiramente. Este apartamento não pode ser barato e eu quero ajudar-te. Ou seja, francamente, onde é que arranjas o teu dinheiro?

Claudia ficou hirta. Os olhos brilharam-lhe perigosamente. Contudo, conseguiu manter a voz agradável.

- Bem, amor - respondeu docemente-, - que é que te leva a quereres saber?

David não se apercebeu dos sinais de perigo.

- Claro que quero saber. Recebes uma mesada do teu pai ou quê?

- Deixa-te disso, não vejo a minha família vai para cinco anos e se não a voltar a ver não me ralo. O meu velho nem uma moeda me dava para eu ir à casa de banho.

Depois ficou silenciosa e David percebeu que não fazia tenções de responder à pergunta dele.

- Claudia/, eu quero saber! - observou ele asperamente. A jovem levantou-se.

- Não gosto de ser interrogada, não estou a pedir-te nada. Não quero nada de ti. - Começou a gritar. - Deixa-me em paz com as tuas perguntas. Que é que te passa pela cabeça? De onde é que pensas que obtenho o meu dinheiro? Consideras-me uma puta? Bem, se fosse não achas que te pediria dinheiro?

Começara a chorar e David sentia-se chocado por ter provocado semelhante acesso de fúria.

- Onde arranjo o meu dinheiro só a mim diz respeito, e se a idéia não te agrada, então ficamos por aqui - gritou Claudia.

David deixou-se influenciar pela fúria da jovem.

- Está bem - declarou friamente -, ficamos por aqui.

Foi para o quarto e vestiu-se. A jovem não foi atrás dele. Quando voltou a sair, ela encontrava-se no sofá a ler uma revista e não ergueu os olhos.

David deixou-se ficar no mesmo sítio, sem saber se devia sair porta fora.

- Dizes-me ou não? - perguntou.

A jovem continuou a ler e não lhe respondeu.

- Adeus - disse ele, saindo.

Ao chegar ao corredor, em frente da porta do apartamento dela, arrependeu-se imediatamente do seu gesto. Não podia voltar para casa e ainda pensou em fazer as pazes com Claudia, mas era impossível. Se ele cedesse perante ela naquela altura, estaria a admitir a sua derrota, e essa era uma atitude que ele nunca tivera diante de nenhuma mulher. Não, decidiu, ela que sofresse um pouco, não tardaria a correr para ele. Era o que faziam sempre.

Desceu e meteu-se no carro, decidido a passar a noite nos banhos turcos. O facto de Claudia se mostrar tão misteriosa em relação à proveniência dos seus rendimentos, intrigava-o. Isso só poderia significar que andava envolvida em algo que não seria do agrado dele. Bem, nesse caso, quando ela lhe contasse do que se tratava, ele poria cobro à situação, fosse ela qual fosse, ponto a partir do qual ela passaria a depender dele, exactamente como ele pretendia.

Guiou até aos banhos turcos da Jermyn Street, e depois de se submeter aos banhos de vapor quentes e frios e receber uma massagem, foi com grande deleite que se instalou no seu pequeno cubículo branco, onde adormeceu imediatamente. No dia seguinte trataria de pôr tudo em ordem.

 

Paul tinha um aspecto mais jovem que aquele de que Linda se recordava. Vestia um blusão preto e umas calças pretas justas. Ela optara por envergar um vestido azul simples, depois de pôr de lado não sabia quantas outras fatiotas. Encontraram-se num local pré-combinado. Paul ajudou-a a sair do carro e disse que conduziria ele, pois conhecia o caminho.

- Ainda bem que mudou de idéias. Qual foi o motivo? O meu encanto irresistível? - brincou.

- Não sei. - Todo o vinho que bebera e a pressa com que se preparara tinham-na, finalmente, fatigado. - Realmente não sei por que estou aqui.

Paul fitou-a.

- Estou contente por tê-la aqui. Não creio que venha a arrepender-se de ter vindo. De facto até lhe garanto que tal não acontecerá.

Percorreram o trajecto curto que os levou através de Heath, até Paul deter o automóvel em frente de uma casa de aspecto velho e maltratado. As janelas mostravam-se vivamente iluminadas e a voz poderosa de Solomon Burke irrompia com violência, da aparelhagem estereofónica. À porta, aberta, estava um casal a discutir, e quando iam a chegar, várias outras pessoas apareceram, entrando aos empurrões e no meio de grandes risadas e gritaria. Paul estacionou o carro e entraram.

A cena com que depararam era, para dizer o mínimo, tumultuosa. A porta da frente conduzia a um pequeno vestíbulo com salas amplas de cada um dos lados e uma escadaria enorme ao centro. Esta encontrava-se apinhada de gente de aspecto variegado, muitos homens de barba, raparigas sentadas e de pé, todos de copo na mão. A sala à direita estava cheia de pares que dançavam, enquanto outros se limitavam a estar no recinto e outros, ainda, se acariciavam. Parecia não haver mobília, somente uma aparelhagem de estereofonia de aspecto muito usado, que se equilibrava precariamente sobre o peitoril de uma janela. A sala da esquerda servia de palco a uma jovem magra, de cabelo ruivo ensebado que, ao som de uns tamboris tocados por um indiano ocidentalizado que tinha apenas uns calções brancos vestidos, ia despindo a roupa. Ninguém lhes prestava grande atenção. A maioria das pessoas observava um rapaz louro que, na outra ponta da sala, recitava um poema obsceno em cima de uma cadeira, completamente nu. Paul apertou o braço de Linda.

- Venha - disse, conduzindo-a escadas acima, enquanto ia cumprimentando alguns conhecidos. - Livremo-nos do seu casaco para depois procurarmos uma bebida.

No andar de cima havia mais quartos, igualmente desprovidos de mobiliário. Paul acompanhou-a até um onde uma cama rangia sob o peso de muitos casacos. A um canto, duas raparigas entreolhavam-se intensamente e, aos pés da cama, uma outra jovem adormecera ou desmaiara.

Linda despiu o casaco e sentiu-se demasiado bem vestida no seu elegante vestido azul. Paul elogiou-lhe o aspecto e, a seguir, desceram até à sala da esquerda. A ruiva terminara a sua sessão de strip e sentara-se no chão, com a camisola de alguém a cobri-la. Agarrou na perna de Paul quando este ia a passar.

- Olá, bonzão, queres fazê-lo? - A voz dela era rouca o baixa. - Tenho um corpo estupendo. E tu?

Linda deu consigo separada de Paul, de modo que se aproximou de uma mesa de onde tudo indicava que as bebidas provinham. Um indivíduo gordo apareceu inesperadamente atrás dela.

- Que belo aspecto - elogiou. - Quem és tu? - Tinha o rosto perlado de suor e o hálito cheirava a uma combinação de cebola e cerveja azeda. - Que tal uma bebida?

- Sim, por favor - replicou Linda, tentando afastar-se do impacto da respiração dele.

O homem serviu-lhe um uísque generoso num copo rachado. Linda bebeu-o apressadamente.

- Vamos dar um pezinho de dança - sugeriu ele, rodeando-lhe a cintura com um braço.

Linda podia sentir o calor da mão dele a penetrar-lhe o tecido do vestido até chegar à sua pele.

- Agora não - disse, tentando desprender-se.

O indivíduo passou a língua pelos lábios carnudos, e nessa altura apareceu Paul.

- Olá, Bruno. Vejo que já conheces a Linda. O homem gordo retirou o braço.

- Oh, ela está contigo, é? -. perguntou apressadamente. - Não percebo o que elas vêem em ti.

Limpou a boca com uma mão rechonchuda e rosada e afastou-se, bamboleante. Paul riu.

- Não lhe ligue - disse, tornando-se subitamente sério. - Você é linda, sabia?

Pegou-lhe na mão.

- Obrigada - retorquiu Linda. Nunca fora capaz de aceitar elogios com naturalidade. Esvaziou rapidamente o copo. - Gostaria de mais uma bebida.

Paul serviu-lhe um uísque farto, que ela imediatamente emborcou, sentindo-lhe o efeito ardente quase no mesmo instante.

- Acho que devia voltar para casa - disse debilmente. - Estou quase embriagada, sabe.

- Eu sei.

Paul empurrou-a contra a parede, encostou-se a ela e começou a beijá-la.

Linda fechou os olhos ao sentir a intimidade com que a língua dele lhe penetrava nos lábios. A boca dele era persistente e exigente. Ela achou que devia empurrá-lo para longe de si mas faltou-lhe a coragem e, no fim de contas, também não o desejava. Já há muito tempo que ninguém a beijava daquela maneira. David deixara de a beijar e nunca mais ela se lembrara de quão excitante podia ser.

- Oh, cá estão vocês.

A voz lamurienta era familiar, a entoação de fúria inconfundível. Paul retomou a compostura. Melanie estava diante deles, o cabelo louro escorrido a formar-lhe uma cortina direita em redor do rosto fino e ruborizado.

- Pensei que voltavas lá a buscar-me - acrescentou, olhando fixamente para Linda. - Ou será que tens andado tão atarefado que não tiveste tempo?

- Desculpa, Mel, pensei que te tinha dito que nos encontraríamos aqui.

- Pois bem, não disseste. - A voz da moça começara a tornar-se esganiçada. - E como vai Mrs. Cooper? Recomposta, ao que vejo.

- Acaba com isso - ordenou Paul abruptamente, afastando-a de Linda e levando-a para o vestíbulo. - Olha, desculpa mas é assim que as coisas são.

- Que coisas é que são assim? - Os olhos de expressão estupidificada encheram-se de lágrimas.

- Tem sido estupendo mas há muito tempo que caminhávamos para esta situação e mais vale esquecermos o que passou. Continuo a gostar de ti e tudo isso, mas, bem, compreendes...

- Não, não sei. E seja como for, que é que tu consegues ver naquela velhada ali? - Começou a chorar. - Odeio-te, Paul.

- Olha, miúda, tens dezasseis anos, aparecerão muitos mais tipos na tua vida. Não tardarás a esquecer-me. Acontece simplesmente que nós não...

- Nós não o quê? - interrompeu-a ela iradamente. - Meu Deus, como te detesto!

Paul encolheu os ombros e voltou para dentro da sala. Linda estava muito entretida a conversar de novo com o indivíduo gordo.

- Queres? - perguntou.

- Não. - Tinha os olhos muito brilhantes. Estava agora muito embriagada. - Bruno vai ensinar-me uma dança nova.

- Bruno pode arranjar uma rapariga para si. Eu ensino-te tudo o que quiseres saber.

Lançou um olhar de aviso a Bruno, levou Linda para a sala ao lado, onde se dançava, e apertou-a estreitamente contra si.

- Quero dormir contigo - sussurrou-lhe ele ao ouvido.

- Eu também quero dormir contigo - sussurrou-lhe ela em resposta. - Quero dizer, não quero, mas seria agradável, mas eu... Oh, Deus, acho que é melhor apanhar um pouco de ar.

Paul voltou a beijá-la. Dessa vez ela devolveu-lhe o beijo e as bocas de ambos encontraram-se num deleite mútuo. Mantiveram-se imóveis no meio dos dançarinos, perdidos no seu pequeno mundo. A língua dele explorou-lhe a boca e ela sentiu um desejo violento e súbito por ele. Ele apertou-a fortemente contra si e depois largou-a.

- Espera aqui - disse. - vou buscar-te o casaco.

Linda aguardou pacientemente, o álcool que bebera a rumorejar-lhe, às ondas, na cabeça. Não era capaz de pensar com o mínimo de clareza, sentia-se flutuar e o seu único desejo era regressar à segurança dos braços de Paul.

Ouviu-se um alvoroço vindo do vestíbulo e Linda deambulou até ao local. Ali, deparou com dois homens, que se tinham envolvido em luta. Um deles era o gordo chamado Bruno, e o outro era o indiano que anteriormente estivera a tocar bongos. Gritavam obscenidades um ao outro e rolavam pelo chão. Ninguém esboçou um gesto para tentar detê-los.

- Por que estão a lutar? - perguntou a uma rapariga que estava a seu lado.

- Oh, querida, Bruno tem sempre de lutar com alguém - respondeu-lhe a rapariga. - Não seria Bruno se não o fizesse.

O nariz do indiano começou a sangrar abundantemente. Linda sentiu-se subitamente agoniada. Abriu caminho até à porta e saiu para o exterior. O ar frio produziu um efeito ligeiramente desanuviador. Foi para o seu carro e sentou-se no interior deste.

Paul acabou por aparecer.

- Fiquei preocupado, pensei que me tinhas deixado ficar sozinho.

Entrou no carro e abraçou-a. Linda afastou-o.

- Que se passa - perguntou ele.

- Sinto-me pessimamente. Creio que vou vomitar.

- Oh, óptimo, voltamos para dentro e depois levo-te até ao andar de cima, onde fica a casa de banho.

- Não quero voltar para dentro.

- Depressa ficavas melhor.

Paul voltou a rodeá-la com os braços e dessa vez Linda não o repeliu. Beijou-a, enquanto lhe explorava o corpo com as mãos.

Ela sentiu-se fraca e a cabeça girava-lhe, e quando fechou os Olhos, sentiu tudo a rodopiar. Sentia Paul a tocar-lhe, assim como a boca dele sobre a sua, no entanto tinha a impressão de que tudo estava a acontecer a uma outra pessoa.

Ele largou-a abruptamente e ligou o motor. O percurso pareceu durar uma eternidade, quando, na realidade, foi muito rápido. Depois ele ajudou-a a sair do carro e ambos subiram um lance de escadas que os levou até um quarto, onde, para cima de uma cama, Paul começou a empurrá-la.

Linda não se opôs a que ele lhe puxasse o fecho para baixo e a despisse porque, afinal de contas, aquilo não estava a acontecer verdadeiramente.

Paul beijou-a com lentidão. A cama era macia e ela sentia-se muito confortável. Os braços dele eram fortes e quentes e as mãos nela criavam uma excitação fantástica. Ele fê-la rolar até ficar de barriga para baixo e ela sentiuo desapertar-lhe o soutien.

- Eu não estou aqui - murmurou Linda. - Estou noutro planeta. Estou muito embriagada, não devias aproveitar-te de mim, desta minha desvantagem...

Começou a dar risadas.

À laia de resposta, Paul voltou a beijá-la e de repente Linda sentiu-se perder-se numa paixão avassaladora que pareceu prolongar-se indefinidamente.

- Amo-te - disse um deles.

- Amo-te - respondeu o outro. Era tão bom ser-se desejado...

Linda despertou às cinco da manhã. Abriu os olhos, incrédula, e sentiu uma sede terrível. Tinha os olhos pesados e o rosto como se fosse lixa. Olhou em volta e descobriu que se encontrava num pequeno quarto desarrumado, com Paul esparramado na outra ponta da cama, a dormir.

Sentou-se lentamente e tentou encontrar algo com que pudesse tapar-se. Sabia que a cabeça se lhe abriria ao meio se se movesse com demasiada rapidez. Puxou cuidadosamente a coberta da cama, enrolou-se nela e levantou-se.

Paul não se mexeu, enquanto ela foi, indecisa, até à porta, deparando com um vestíbulo minúsculo, atravancado quase até ao tecto. Abriu caminho até ao quarto de banho, que era pequeno, velho e frio. Ligou a luz. Era uma lâmpada nua, e quando abriu a torneira da água, que saiu fria, uma aranha preta enorme correu desdenhosamente pelo lavatório. Linda quase gritou.

Bebeu prontamente quatro canecas de água. Esta soube-lhe vagamente a pasta dentífrica mas fê-la sentir um pouco melhor.

Olhou pesarosamente para a imagem reflectida no espelho que se encontrava por cima do lavatório. Tinha a maquilhagem borrada e espalhada em vincos profundos pelo rosto. O cabelo estava todo despenteado e emaranhado. "Até parece que vivo aqui", pensou, enojada.

Voltou ao quarto na ponta dos pés e procurou as suas roupas. Ao encontrá-las, apressou-se a vesti-las. Olhou para Paul, que continuava profundamente adormecido. Ficou a mirá-lo durante muito tempo; a seguir, depois de dar com o casaco, saiu.

Na rua estava frio e reinava o silêncio. O automóvel custou a pegar e Linda pensou que não seria capaz de o pôr a trabalhar. Finalmente foi bem sucedida e conduziu até casa, por entre as ruas desertas.

Entrou silenciosamente em casa e seguiu directamente para o seu quarto. Tudo tinha um aspecto limpo e novo. Tomou um banho quente e depois deixou-se cair sobre a cama, onde ficou deitada a reflectir. Sentia-se culpada e também furiosa consigo própria por ter permitido que semelhante acontecimento tivesse tido lugar na sua vida. Sim, de facto embriagara-se, mas seria essa uma desculpa convincente? Nunca se imaginara no papel de esposa infiel e era algo que não conseguia aceitar com facilidade.

Que diria David?

Por que iriam sempre os seus pensamentos para David em primeiro lugar?

Finalmente adormeceu, consciente de que na manhã seguinte teria de enfrentar o marido, o que não iria ser fácil.

Agitou-se e deu voltas sem fim na cama. Foi uma noite longa e agitada.

 

David deixou os banhos turcos às oito da manhã, sentindo-se refrescado e com o vigor renovado. Ainda pensou em telefonar a Claudia, mas depois decidiu esperar durante o dia a fim de ver se ela lhe telefonava.

Estacionou o carro, comprou os jornais matutinos e depois atravessou Park Lane em direcção ao Grosvenor House Hotel, onde tencionava tomar o pequeno-almoço antes de ir para casa.

Mandou vir ovos com bacon, torradas e café, recostando-se a dar uma vista de olhos às actualidades. Os olhos foram-lhe imediatamente atraídos pela fotografia que ocupava metade da primeira página do Daily Mirror. O título dizia, MAIS MOTINS NA TRAFALGAR SQUARE, e a fotografia mostrava uma multidão enfurecida a rodear dois polícias empenhados em carregar com uma mulher para fora da rua. A saia da dita mulher subira bem acima dos joelhos, tão acima, de facto, que se lhe vislumbravam as calcinhas. O cabelo caía-lhe em volta do rosto e um dos sapatos estava prestes a cair do respectivo pé. Era uma fotografia bem apanhada.

A criada chegou com o seu pequeno-almoço. Era rechonchuda e cockney. Espreitou-lhe o jornal por cima do ombro.

- Vejam-me só a figura que essa aí está a fazer - murmurou. - Já era tempo de toda essa asneirada acabar. Uma cambada de exibicionistas, é o que eles são. Deviam-nos pôr a todos na prisa!

E afastou-se, cacarejando acerca de nada em particular. David ficou a olhar para a fotografia, horrorizado. Não restavam dúvidas; a mulher era mesmo Linda.

Linda! Abanou a cabeça sem poder acreditar. Que estava ela a fazer? Qual seria a sua idéia?

Emborcou o café, escaldou a língua, praguejou, percebeu que não era capaz de comer o que quer que fosse e pediu a conta.

A criada chinelou de novo até junto dele.

-Que foi, querido? Está tudo em ordem?

Ele entregou-lhe o dinheiro.

- Está tudo óptimo - disse, saindo precipitadamente. Deparou com uma agente da polícia de trânsito ao pé do seu carro. David passou impacientemente por ela.

- Receio que tenha de esperar que eu acabe de passar esta multa, senhor - disse a agente. - Imagino que tenha conhecimento de que se trata de uma área de estacionamento reservada, não é verdade?

- Limite-se a passar-me a multa e não perca tempo - retorquiu David com brusquidão.

A agente fitou-o e depois continuou a executar a sua tarefa com toda a calma.

Finalmente David pôde afastar-se, de rosto contraído. Preparava mentalmente o que iria dizer a Linda. A questão era tão profundamente ridícula. A sua mulher numa manifestação de protesto! Perfeitamente absurdo. Ela nada percebia de política ou de bombas. A cozinha, os filhos e actividades sociais como os chás com as amigas ou jantarem fora duas vezes por semana constituíam o seu único entretenimento. Abaixo a Bomba, francamente! Quem diabo se imaginava ela?

Claudia fora esquecida. Premiu o acelerador com mais força e correu, célere, para casa.

Ana abriu-lhe a porta.

- Mrs. Cooper dorme até tarde - anunciou. - Deseja chá?

- Não - resmungou ele em resposta, já a meio das escadas que conduziam ao quarto.

Linda estava a dormir, enrolada sobre si debaixo dos cobertores. David correu os cortinados, inundando o quarto com a luz do dia. A mulher não se mexeu.

Caminhou de um lado para o outro, tossiu ruidosamente e ao ver que, ainda assim, ela não dava sinais de acordar, aproximou-se e abanou-a rudemente, colocando-lhe um exemplar do Daily Mirror em frente da cara enquanto ela abria os olhos, sonolenta.

- Que raio me tens a dizer acerca disto? - perguntou iradamente.

Oh, Deus, ele descobrira acerca dela e de Paul! Como? Tão depressa... Sentou-se rapidamente.

David não desviava os olhos dela, continuando a falar.

- Que é isto? Alguma ambição secreta de fazeres figura de parva?

Brandiu-lhe o jornal e Linda tirou-o das mãos dele. Sentiu-se invadir por uma sensação de alívio profundo ao perceber o que o tornava tão furioso.

- Que fotografia horrível! - exclamou. - Não sabia que eles andavam a tirá-las.

- É tudo quanto tens a dizer? - Imitou-a trocistamente. - "Não sabia que andavam a tirá-las".

Arrancou-lhe o jornal violentamente das mãos e acrescentou com voz forte e irada:

- Afinal de contas que andavas tu ali a fazer? Qual era a tua idéia?

-'Não tinha nada que fazer. Encontrei-me lá por acaso. Lamento que estejas tão zangado acerca do facto.

- Não estou zangado - gritou David. - Gosto de ver fotografias da minha mulher espalhadas, com a saia subida até à cintura, acompanhada por um bando de vadios.

Linda levantou-se da cama.

- Não tenciono ficar aqui a ouvir-te gritar comigo. Quem sabe se passasses um fim-de-semana em casa de vez em quando isto não tivesse acontecido.

Nesse preciso instante, o telefone tocou. Linda sentiu um calor súbito e o sangue subir-lhe ao rosto. E se fosse Paul? Deveria atender ou seria melhor deixar David pegar no telefone?

David não lhe deu oportunidade de escolha. Pegou no auscultador com brusquidão e perguntou com maus modos:

- Está?

Linda susteve a respiração. Mas não houve problema, era alguém do escritório do marido. Aproveitou da vantagem de este estar ocupado ao telefone para se vestir.

Terminada a conversa, David pareceu ficar um pouco mais calmo.

- Queres tomar o pequeno-almoço? - perguntou-lhe ela.

-Não. Tenho de fazer uns telefonemas. Esta noite há uma festa para o lançamento dos produtos de toilette Beauty Maid. Vais ter comigo ao escritório às sete e arrancamos de lá. Espero, por Cristo, que ninguém tenha visto a publicidade que andaste a fazer.

Linda gemeu interiormente diante da idéia de mais uma festa e a seguir planeou mentalmente o seu dia, o qual incluía estar em casa para receber as crianças e uma visita ao cabeleireiro.

David, entretanto, tinha os seus próprios pensamentos. Claudia de certeza estaria na festa, era paga para tal. Interrogou-se sobre se lhe seria possível efectuar uma reconciliação discreta, sem que nenhum dos presentes se apercebesse. Tinha de se certificar de que Linda não desconfiava; parecia andar a ficar um pouco aborrecida com as suas ausências constantes. Talvez tivesse começado a desconfiar dele, embora ele tivesse conseguido manter sempre as suas aventuras bem escondidas ao longo de todos aqueles anos e ela ainda não tivesse dado por nada. Pelo menos teria possibilidade de ver Claudia. Iniciou as suas chamadas de trabalho.

As crianças irromperam casa adentro exactamente às quatro da tarde. O pai de Linda era sempre pontual. Esta acabara de chegar do cabeleireiro e Stephen quase a deitou ao chão ao atirar o pequeno corpo vigoroso contra ela.

- Passámos um fim-de-semana bestial, mama - exclamou o rapazinho. - Estou esfomeado. Que é o lanche? A avó faz bolos muito bons!

Jane, a irmã, deu um beijo comedido a Linda. Tinha seis anos e era uma criança muito tímida.

- Estou contente por voltarmos para casa, mama. O teu cabelo está muito bonito. Vais sair com o papá?

Linda cumprimentou o pai e sentaram-se todos a conversar enquanto Ana servia o chá e as crianças corriam de um lado para o outro a redescobrirem os vários brinquedos. Linda escutava o pai apenas vagamente, enquanto este perorava interminavelmente sobre as actividades de Stephen e Jane durante o fim-de-semana.

Pensou em Paul. Que pensaria ele da sua pessoa? Por que não telefonara? Que diria ela se ele assim fizesse e David estivesse presente?

Por fim o pai retirou-se e depois de sossegar as crianças junto de Ana, pondo-as a jantar, começou a preparar-se.

Precisamente quando estava prestes a sair de casa, o telefone tocou. Estava tão certa de que seria Paul que se sentiu esvair, cheia de suores e com a mão a tremer-lhe ao pegar no auscultador.

- Está?

- Viva, quarida, fala Monica. Então como estás tu? Que foi que te deu? Ontem saiste de ao pé de nós e nem uma palavra sobre o sítio para onde ias. Que foi que David achou do acontecido?

- Oh - replicou Linda -, não ficou nada satisfeito. Monica riu.

- Não vale a pena preocupares-te. Jack e eu achámos maravilhoso. De qualquer maneira, queridinha, hoje recebemos aqui umas pessoas depois de jantar e adoraríamos que tu e David aparecessem.

- Não me parece que seja possível, Monica. Temos de ir a uma festa de lançamento de um novo produto de toilette. Não faço idéia da hora a que seremos capazes de nos retirar.

- Não importa. Venham quando puderem. Sabes, as nossas reuniões deitam sempre para o tarde. - Não deu a Linda a possibilidade de protestar. - Então até logo. Beijinhos.

Linda pousou o auscultador. De facto não gostava muito de Monica e Jack e não poderia deixar de comunicar o convite a David, que provavelmente quereria ir.

Saiu de casa mal humorada e com dores de cabeça, meio aborrecida, meio aliviada por Paul não ter telefonado. Desejava que ele o fizesse, caso contrário, que sentido tinha tudo o que acontecera? Um encontro de uma noite sem significado? A reunião de duas pessoas onde nada mais sucedera em comum do que algumas horas na cama? E se ele telefonasse realmente? Ela teria de lhe dizer que não lhe era possível voltar a vê-lo, que não passara tudo de um grande erro.

Suspirou. Ao menos, negando a si própria algo que realmente desejava, estaria a recuperar parte do seu auto-respeito.

Santo Deus, fora tudo tão inesperado. Nunca se imaginara o tipo de mulher capaz de ter uma aventura extraconjugal. E Paul era muito mais novo que ela e tão diferente do género de pessoas que conhecia e com quem convivia. Como permitira ela que aquilo acontecesse?

Reflectiu cuidadosamente e chegou finalmente à conclusão de que a culpa era sua. O que tinha a fazer era dar o episódio por esquecido e esforçar-se ao máximo para tornar as suas relações com David mais satisfatórias.

Tomada a decisão, sentiu-se melhor.

Claudia só chegou à festa em honra da Beauty Maid às nove da noite. David passara a tarde toda a tentar vê-la até que, de repente, ela apareceu a seu lado, excepcionalmente bonita.

- Boa noite, Mr. Cooper - murmurou.

Foi apanhado desprevenido. Encontrava-se a conversar com um grupo que incluía vários membros da imprensa e Linda Corou.

Claudia reparou e sorriu ligeiramente. O grupo de pessoas olhava-o na expectativa, à espera de ser apresentado. Finalmente, disse:

- Oh, apresento-lhes Claudia Parker, a nossa Beauty Maid.

Claudia sorriu a todos. Estava ruborizada e os olhos brilhavam-lhe. David percebeu imediatamente que a jovem estava embriagada. Envergava um vestido cor de laranja, perigosamente decotado, e as mulheres presentes não conseguiram impedir-se de se endireitarem e projectarem o peito para fora, como que em resposta àquele desafio súbito. Os homens mostraram-se obviamente impressionados.

- Miss Parker? - abordou-a Ned Rice, um jornalista de baixa estatura e enormes olhos redondos. - Que pensa realmente do sabonete Beauty Maid?

Os olhos dele desviaram-se para os seios de Claudia. Claudia fez incidir o seu encanto sobre ele. Agitou as longas pestanas e obsequiou-o com um dos seus olhares sensuais.

- Bem - disse finalmente -, de facto sou uma actriz, portanto não me parece que lhe possa dar uma opinião séria acerca do sabonete. De facto acabo de chegar de um encontro com Conrad Lee, que deseja que eu entre no seu próximo filme. Dirigiu um olhar triunfante a David. Ned Rice mostrou-se extremamente interessado.

- Aí está uma notícia óptima. Talvez possamos inserir um artigo seu na nossa página de espectáculos.

- Sim, gostaria muito - aquiesceu Claudia com um sorriso. - Dar-lhe-ei o meu número de telefone.

David não foi capaz de suportar a situação por mais tempo. Agarrou fortemente no braço de Claudia, sorriu friamente e disse:

- Espero que nos dêm licença, Miss Parker encontra-se aqui com um objectivo. Irá demonstrar o nosso produto e creio que deverá começar muito em breve, portanto acho melhor levá-la a Phillip Abbottson.

- Oh, bem, Miss Parker - disse Ned Rice. - Falarei consigo mais tarde e combinaremos tudo.

- Óptimo.

A jovem presenteou o grupo com um último sorriso esfuziante e foi atrás de David.

Mal se encontraram longe do poder de alcance de qualquer ouvido, ele explodiu:

- Estás bêbada - acusou. - Onde tens andado? Devias cá estar às oito!

Claudia dirigiu-lhe um olhar demorado e frio.

- David, querido, tu não és nada na minha vida, portanto por qu'e não me deixas simplesmente em paz?

- Estupor de cabra! - exclamou ele em voz baixa. Apertou-lhe ainda mais o braço.

- Se não me largas faço uma cena - declarou a jovem calmamente. - Estou farta de te ouvir a dizeres-me o que devo fazer. Não sou esposa de ninguém para ter de responder a perguntas e dar conta de todos os segundos da minha vida.

Nesse momento Phillip Abbottson correu para junto deles.

- Que se passa? - perguntou. - Claudia, devias ter chegado há uma hora atrás. Estamos à tua espera para fazer a exibição. Vai-te mudar, por amor de Deus. Pensas que queremos estar aqui a noite toda?

Dirigiu um olhar perspicaz a David e afastou-se rapidamente com Claudia a reboque.

Ned Rice esgueirou-se para junto de David. A sua mulher rechonchuda e de aspecto insignificante conversava com Linda do outro lado da sala.

- Que pedaço, esta sua Miss Parker - comentou com um olhar malicioso. - Aposto em como é uma brasa, um autêntico tigre.

David esforçou-se por permanecer calmo.

- Não faço a menor idéia.

- Nesse caso espero poder atirar-me eu - cutucou David. - Estas estrelinhas são todas o mesmo, sabe. Basta uma pessoa dizer que lhes publica o nome no jornal para elas abrirem logo as pernas sem ser preciso pedir-lhes.

David não teve de responder graças à chegada de Mrs. Rive e Linda, vindas do outro lado da sala.

Ned bateu carinhosamente no ombro rechonchudo da esposa.

- Estás a divertir-te, amor? - perguntou. A seguir apontou um dedo acusador a Linda.

- E que anda a senhora a tramar, aparecendo na primeira página dos jornais desta manhã?

David começava a gostar cada vez menos de Ned Rice.

Nesse instante as luzes da sala esbateram-se e um homem fez incidir o seu foco luminoso sobre um palco improvisado num dos cantos da divisão. Phillip Abbottson encontrava-se diante de um microfone. Assim que as conversas deixaram de se ouvir, lançou-se num longo discurso acerca do sabonete Beauty Maid. Era um promotor eficiente e fez com que uma simples barra de sabonete parecesse ser de ouro maciço. Quando se calou, ouviram-se aplausos delicados e dispersos pela sala; afastando-se para o lado, anunciou:

- Agora gostaria de lhes apresentar Miss Beauty Maid em pessoa!

As cortinas foram corridas e Claudia apareceu, dentro de uma banheira de mármore e rodeada de espuma de banho, de facto, numa réplica exacta do cenário que fora utilizado no anúncio para a televisão. Tinha o fato de banho cor de carne vestido, mas claro que ninguém conseguia vê-lo, pelo que a suposição geral era a de que por debaixo da espuma de banho ela não usava nada.

David sentiu um arrepio de excitação.

Claudia sorriu para o público e começou a recitar o seu discurso de Beauty Maid.

Ned Rice segredou algo obsceno ao ouvido de David.

Mrs. Rice disse a Linda:

- É uma moça muito bonita, não é?

Linda olhou em frente sem ver, perdida nas recordações da noite anterior.

Quando Claudia acabou de falar, ouviram-se aplausos calorosos da parte dos homens e algumas risadas invejosas da parte das mulheres. Em seguida as cortinas foram corridas e Phillip voltou novamente ao microfone para fazer mais observações.

David pediu desculpa para se retirar e dirigiu-se aos bastidores do palco. A banheira de mármore estava agora vazia e ele reparou numa pequena porta atrás do estrado. Hesitou, depois abriu-a e entrou.

Claudia estava do outro lado, a secar-se com uma toalha. Tratava-se de um pequeno gabinete e ela tinha as roupas espalhadas desordenadamente, como era seu costume. Envergava o seu fato de banho cor de carne, que se lhe colava ao corpo como uma segunda pele.

Fitou-o com expressão enfastiada.

- Que queres agora?

David aproximou-se dela e pousou-lhe as mãos nos ombros.

- Desculpa - pediu. - Acabaram-se as perguntas.

A jovem fitou-o com os olhos enormes.

- Prometes?

- Prometo.

Então ela sorriu e rodeou-lhe o pescoço com os braços.

- Está bem, estás desculpado.

Ele inclinou-se e beijou-lhe os lábios quentes e macios. Ao agarrar nas alças do fato de banho para as puxar lentamente para baixo, notou-lhe o corpo ainda húmido.

- Aqui não, tolo - sussurrou ela. - Pode entrar alguém. Seja como for, darão pela tua falta.

Ele largou-a e foi fechar a porta à chave.

Ela ria suavemente.

- Oh, David, tu realmente gostas de te arriscar.

Ele pegou-lhe nos seios com as mãos e inclinou-se para os beijar. Ela murmurou, entre gemidos:

- Está bem, então avança, filho da mãe. Faz o que te apetece, estou-me nas tintas!

 

A reunião em casa de Monica e Jack estava no auge quando Linda e David chegaram. Era um grupo diversificado, pois Monica apreciava "mistura de pessoas", como costumava dizer. A própria Monica era uma mulher de formas amplas a aproximar-se rapidamente dos quarenta e tentando desesperadamente disfarçá-lo. Era senhora de uma cabeleira ruiva abundante, que usava frisada, e o rosto, embora pesadamente maquilhado com Elizabeth Arden, era algo grosseiro, até mesmo um pouco cavalar. Usava um perfume almiscarado muito forte que envolvia uma pessoa da mesma maneira que a sua personalidade, e tinha o hábito de se expressar em voz esganiçada, sendo as suas conversas sempre bem entremeadas de "queridos", "amorzinhos" e "oh, meu Deus"!

Jack, em contraste, era bastante reservado. Um pouco mais velho que David, ambos eram, no entanto, grandes amigos há muitos anos. Fumava cachimbo e tinha um bigode grisalho de pontas retorcidas. Usava sempre jaqueta de camurça ou algum acessório desportivo do mesmo gênero. Era fácil imaginá-lo com uma mansão enorme escondida algures numa zona rural de Inglaterra, a passear com um cão enorme pelos terrenos a perder de vista. Era dono de uma cadeia de garagens e, nos seus tempos de juventude, tivera a mania das corridas de automóveis. Ainda naquela altura gostava de dar uma mãozinha numa pista de carros, só para não perder o treino.

Monica agarrou em Linda mal esta chegou e, orgulhosamente, com um braço a rodear-lhe a cintura, levou-a até à sala de estar e anunciou dramaticamente:

- E aqui está a nossa famosa "Abaixo a Bomba!"

Linda sentiu-se terrivelmente embaraçada. Monica fazia-a parecer como que um novo tipo de avião! Conhecia a maioria dos presentes, que lhe dirigiam variados sinais de saudação. Havia um casal com quem não travara conhecimento, um indivíduo muito corpulento e moreno, e uma loura-platinada de ar arrogante. Quando Monica terminou a sua exibição dramática, apresentou-a.

- Gostaria de que conhecesses Jay e Lori Grossman, amigos meus da América. Jay está aqui para dirigir o novo filme de Conrad Lee.

- Não me diga - observou Linda. - Que interessante. No princípio da noite conheci uma rapariga que vai participar nele.

Jay ergueu um sobrolho, intrigado.

- É realmente interessante. - Exprimia-se com um sotaque novaiorquino de sílabas curtas e pronunciadas. - Ainda não reunimos o elenco, com excepção da estrela masculina.

Linda sorriu.

- Imagino que ela esteja a sofrer de ilusões.

- Seja como for, como se chama?

Linda franziu as sobrancelhas.

- De facto não consigo lembrar-me. O meu marido deve saber, ela acabou de fazer um anúncio publicitário para a companhia dele.

Nessa altura, Monica chegou, acompanhada de David, e procedeu novamente às apresentações. Ele mostrara-se muito bem disposto depois de abandonarem a festa anterior. Colocou um braço à volta de Linda e começou a tagarelar animadamente com os Grossman.

- Querido - interrompeu-o Linda -, qual era o nome daquela rapariga que fez o anúncio do Beauty Maid?

- O quê? - perguntou David, sentindo-se imediatamente culpado. - Por que queres saber?

Linda fitou-o com estranheza, ou pelo menos ele assim o imaginou.

- Tenho de ter alguma razão? - inquiriu Linda.

David sentiu a tensão a aumentar no curto silêncio que se seguiu, e depois deitou a rir fracamente, dizendo:

- Claro que não. É Claudia Parker. Porquê?

Jay abanou a cabeça.

- Nunca ouvi falar dela.

- Que se passa? - quis David saber.

- Bem - disse Linda. - Lembras-te de a ouvirmos dizer que iria entrar no novo filme de Conrad Lee. Jay é o director, portanto calculei que a conhecesse. Aparentemente não vai nem era pressuposto que tal viesse a acontecer.

- Ela não disse que entrava nele - observou David friamente. - Disse que tivera uma entrevista com Conrad Lee e que ele gostara dela, nada mais.

Jay riu.

- Ah, assim já se explica a confusão. Conrad anda sempre a dar entrevistas a essas pobres pequenas e a levá-las ao engano. Na realidade, isto aqui só para nós, a estrela feminina já está escolhida. É uma miúda italiana desconhecida, de dezasseis anos. Se encenarmos uma grande operação de procura pela rapariga certa, o filme só fica a lucrar em termos de publicidade, e Conrad adora entrevistá-las, portanto todos ficam satisfeitos.

David fitou-o, carrancudo.

- Todos ficam contentes excepto as raparigas cujas esperanças ele alimenta.

Jay encolheu os ombros.

- É o mundo do espectáculo. A maioria já sabe o que acontece, e as que não sabem, depressa lá chegam. - Voltou-se para a mulher que, até ali ainda não abrira a boca. - É ou não é assim, queridinha?

Lori Grossman anuiu. O seu rosto parecia nunca registar nenhuma emoção. Fazia lembrar uma boneca pintada, bonita mas sem nada no interior.

- Foi dessa maneira que Lori e eu nos conhecemos - continuou Jay. - Ela era actriz, apresentou-se para se candidatar a um papel e em vez do papel ficou comigo. Lori é a minha terceira esposa. As outras duas também eram actrizes. Provavelmente conheci-as pelo mesmo processo. Já nem me recordo.

Finalmente Lori falou, fazendo-o com um denso sotaque sulista.

- Está mesmo a apetecer-me outra bebida, amor.

- Certamente, querida. - Jay pôs-se de pé. - E Mrs. Cooper?

- Por favor, trate-me por Linda. -Gostaria de tomar um gin com água tônica.

Jay afastou-se a fim de ir buscar as bebidas e Monica aproximou-se para chamar Linda, levando-a, contrariada, para apresentar a famosa notícia de jornal a mais algumas pessoas.

Lori cruzou as longas pernas bem torneadas.

Os olhos de David sentiram-se atraídos para elas.

- De que parte da América é natural? - perguntou delicadamente.

- Venho da Jórgia, filho. - Presenteou-o com uma piscadela de olho indolente. - Mas vivi em Hollywood nos últimos cinco anos.

David analisou-a. Era mais velha que Claudia, com cerca de vinte e sete anos, calculou. Fazia lembrar uma daquelas modelos esguias da revista Vogue, todos os pormenores rigorosamente perfeitos. Sentiu-se atraído por ela. A própria perfeição que ela aparentava fê-lo sentir curiosidade em saber como seria na cama.

- Quanto tempo tenciona ficar por aqui? - perguntou.

- Vários meses, suponho - retorquiu ela com voz lânguida. Aparentemente, a única conversa de que era capaz limitava-se a responder a perguntas.

Registou-se um silêncio, até David dizer:

-'Gostaria que a senhora e o seu marido fossem até minha casa para jantarem, uma noite destas.

- Seria divertido.

Sorriu, exibindo duas fileiras de dentes perfeitos, brancos, obviamente resultantes da aplicação de capas. Jay voltou com as bebidas.

- Onde está aquela sua mulher adorável? - perguntou.

- Amor, esta bebida não tem gelo-queixoujse Lori petulantemente.

- O gelo que se lixe - retorquiu Jay. - Tens de te lembrar de que estás em Inglaterra, querida. - Voltou-se para David. - Escute, temos de ir ter com uns amigos daqui a pouco, ao Candy Qut". Que tal você e Linda virem connosco?

-Esta é a segunda festa desta noite e não sei até que ponto Linda está fatigada, mas a mim parece-me uma óptima idéia - respondeu David. - Vou perguntar-lhe.

- Não pode deixar de vir - reforçou Jay. - Lori dança da maneira mais fantástica que possa imaginar. Eu próprio irei perguntar a Linda.

E afastou-se.

Lori disse:

- Caramba, querido, como é que conseguem viver sem gelo?

David riu.

- Normalmente temos gelo, não somos assim tão pouco civilizados. Imagino que tenha acabado.

Lori franziu o nariz.

- Gosto de gelo na minha bebida - declarou, ficando em seguida a olhar, impavidamente, para o ar.

David olhou de relance para o relógio de pulso. Passava da meia-noite. Claudia encontrava-se na cama, sã e salva. Prometera ir directamente para casa. "Não me deixaste forças para mais nada! ", comentara a brincar. Não sabia se havia de lhe telefonar, mas depois achou que já não eram horas para tal. Não desejava acordá-la e de qualquer maneira não havia nenhum sítio privado de onde pudesse fazê-lo. A idéia do Candy Club não parecia má, e a dança de Lori Grossman ainda era melhor.

Jay regressou acompanhado de Linda, sorrindo esfuziantemente.

-'Nunca me dizem que não - declarou com uma piscadela de olho. - Está tudo combinado. Vamos andando?

Monica ficou perfeitamente furiosa ao descobrir que David e Linda se retiravam juntamente com os Grossman.

- Francamente, queridos - queixou-se-, não estiveram aqui mais de dois segundos!

Empilharam-se todos no Jaguar de David, rindo. Lori ia vestida com um casaco de vison negro comprido, o que fez David lembrar que prometera um casaco curto a Claudia. Comprar-lho-ia no dia seguinte, ela fora tão doce ainda há pouco... Ou seria aquela a palavra exacta?

Linda e Jay entendiam-se muito bem. Tagarelavam acerca das diferenças entre a Inglaterra e a América, as escolas e quais o sítios mais indicados para educar as crianças. Jay tinha três filhos todos eles de matrimônios anteriores. A certa altura disse a David:

- Ela, a sua mulher é bonita e inteligente, uma combinação explêndida.

Linda começava a sentir-se muito melhor, a dor de cabeça desaparecera-lhe e bebera precisamente o suficiente para que qualquer sensação de cansaço se lhe desvanecesse. Tirou Paul da mente e desfrutou a conversa que estava a ter com Jay.

Quando chegaram ao clube nocturno, Jay pediu que os levassem até à mesa de Conrad Lee.

O grande Conrad Lee era um indivíduo alto, volúvel, meio francês, meio russo branco, no final da casa dos cinqüenta. Completamente careca, estava muito bronzeado e possuía uns olhos perscrutadores que davam a impressão de trespassarem uma pessoa, mesmo na semiobscuridade que reinava no clube nocturno.

Encontrava-se sentado a uma mesa com seis outras pessoas; levantou-se para dar um beijo a Lori. Quando lhe apresentaram Linda, beijou-lhe a mão. Cheirava fortemente a alho.

As empregadas atarefavam-se em redor, esforçando-se por juntar mais cadeiras em volta da mesa já apinhada, enquanto Jay tentava, com maior ou menor sucesso, proceder às apresentações, porém a música estava tão alta que nem as próprias vozes se ouviam.

David ficou a olhar, estupefacto e enfurecido, para Claudia. Esta encontrava-se sentada ao lado de Conrad, de cabelo desalinhado, uma das alças do vestido a cair-lhe do ombro, o decote excessivo. Mostrava-se muito embriagada. Conrad Lee, a seu lado, acariciava-lhe o ombro com a mão, puxando-lhe a outra alça para baixo. Do outro lado de Conrad havia uma outra rapariga, uma morena rechonchuda. Ele também tinha o braço em redor dela, ao mesmo tempo que lhe ia beliscando as costas carnudas com os dedos.

- Tenho aqui duas meninas muito bonitas - disse Conrad a Jay com uma piscadela de olho. - Talvez possamos usá-las no filme.

Jay lançou um olhar significativo a Linda.

- Percebeu o que eu quis dizer - observou com um sorriso.

- É a tal rapariga de quem lhe falei - sussurrou-lhe Linda.

- Claro - disse Jay. - Tem tantas hipóteses de entrar no filme como uma mosca!

Foi nessa altura que Claudia reparou em David. Estava demasiado embriagada para ficar surpreendida ou chocada. Limitou-se a acenar-lhe alegremente e exclamou:

- Eia, como o mundo é pequeno!

David lembrou-se de que a ouvira dizer precisamente as mesmas palavras na ocasião em que a encontrara pela primeira vez. Fitou-a com má cara.

Conrad Lee levou Lori a dançar e a seguir Jay convidou Linda a fazer o mesmo.

David sentou-se então na cadeira vazia ao lado de Qlaudia.

- Grande cabra! - exclamou em voz baixa. - com que então ias direitinha para a cama; bem, imagino que acabarás por fazê-lo.

A jovem fitou-o surpreendida.

- Querido, que se passa? Eu fui realmente para casa, mas depois Conrad telefonou e disse que gostaria de me ver novamente a fim de poder tomar uma decisão acerca do papel. Tenho de pensar na minha carreira, não tenho?

- Estás bêbada - ripostou David com desagrado. - Ages como uma prostituta barata. Acreditas sinceramente em toda esta treta que Conrad te está a enfiar relativamente a inserir-te na porcaria do filme dele? Sempre pensei que fosses mais esperta.

Qlaudia fitou-o friamente.

- Por que não te calas? Metes-me nojo. Estás cheio de ciúmes, muito simplesmente. A única altura em que te portas como deve ser é quando estás com tesão!

David sentiu vontade de a esbofetear, vendo-a ali sentada a olhar para ele. Num momento de lucidez, viu não a sua linda Claudia mas sim um rosto duro e calculista em complemento de um corpo bem desenvolvido, altamente preparado para ser exibido.

- Tens as mamas de fora - disse.

- E então? - replicou a jovem. - Por que não? És o único a poder vê-las?

A morena roliça que estava do outro lado de David, tocou-lhe no braço.

- Também és produtor de cinema? - perguntou.

Tinha os olhos largos e redondos, vagamente raiados de sangue.

- Não - respondeu ele friamente.

Conrad e Lori voltaram para a mesa. David levantou-se. Lori era muito alta. Mantinha-se reservada e fria. David reparou que Claudia a observava, ciumenta. Agarrou rapidamente no braço de Lori.

- Que tal mais uma dança? - convidou. - Quero ver que tal é esse estilo.

Claudia lançou-lhe um olhar irado e depois voltou a fazer incidir o seu encanto sobre Conrad.

- Claro, querido - acedeu Lori com voz arrastada.

Foram para a pista de dança. Ela dançava maravilhosamente.

- Fui dançarina num clube nocturno em Vegas - disse-lhe em tom de confidência.

A noite arrastou-se, monótona. Claudia estava cada vez mais embriagada e ela e Conrad, cada vez mais íntimos. A morena roliça fora, obviamente, esquecida. Linda e Jay tagarelavam animadamente. Lori, no seu lugar, só falava quando alguém lhe dirigia a palavra. David comportava-se ociosamente e com enfado, observando Claudia e Conrad e tentando, ocasionalmente, furtar com Lori quando se dava o caso de Claudia estar a olhar para ele.

ÀS duas da manhã, Linda disse, com um bocejo:

- Acho melhor irmos para a cama. Estou absolutamente exausta.

Nenhum dos restantes presentes parecia interessado em se retirar, de modo que se despediram. Claudia disse adeus com um sorriso embriagada e depois voltou a concentrar-se em Conrad, o qual, por aquela altura, já se encontrava no mesmo estado que ela.

Jay insistiu em acompanhá-los ao carro, onde trocaram números de telefone e prometeram voltar a reunir-se em breve.

Finalmente, ficaram a sós. Linda recostou-se no assento e cerrou as pálpeibras.

David, sem realmente ser sincero mas desejando desabafar o mau humor que sentia sobre alguém, disse:

- Tu e aquele director de meia-tigela estavam muito amigos um com o outro.

Linda abriu os olhos.

- Não mais do que tu e aquela modelo de sabonete de má nota.

David lançou-lhe um olhar furioso.

- Nem sequer falei com ela. Não sei ao que te referes.

- Oh, David, francamente! - Suspirou. - Tu nem sequer falaste com ninguém, de tal maneira estavas perturbado por a veres com Conrad Lee. Qualquer idiota podia perceber.

Fez uma pausa e depois acrescentou, com curiosidade:

- Alguma vez saíste com ela?

David olhou furiosamente para a estrada que se estendia em frente.

- Que pergunta ridícula.

- Era só para saber. Pareces tão interessado. Mesmo na primeira festa andaste aos segredinhos com ela.

- A rapariga trabalha para nós, Linda. Estava a esforçar-me para que a exibição corresse bem, nada mais.

Ficaram em silêncio. David ligou o rádio do automóvel.

- Querido - disse Linda, rápida e hesitantemente -, que há de errado?

- Que queres dizer com essa pergunta?

- Quero saber o que há de errado connosco. Que é que nos está a acontecer? Por que ficámos de repente tão afastados um do outro?

David desligou o rádio.

- Não sabia que estávamos afastados um do outro.

Linda olhou para o exterior através da janela do seu lado. Iam a atravessar o parque e as árvores tinham um aspecto escuro e agoirento.

- É curioso, David, este processo já se deve ter iniciado há anos e no entanto nenhum dos dois deu por ele, nenhum de nós tentou detê-lo. Agora somos quase como estranhos, e a única coisa que temos em comum são as crianças.

- Penso que estás excessivamente fatigada, só dizes disparates.

- Só digo disparates - repetiu Linda. - É a única conclusão a que chegas de facto? - Lágrimas começaram a rolar-lhe silenciosamente pelas faces. - Quando é que fizeste amor comigo? Quando é que te apeteceu fazê-lo?

- Oh, então o problema é esse.

Linda fez um grande esforço para manter as lágrimas controladas.

- Não, o problema não é esse, embora faça parte dele.

David encostou o automóvel ao passeio e parou. Depois voltou-se para encarar a mulher. Que poderia ele dizer? Que já não a achava excitante? Que Claudia era melhor na cama? Ela tinha razão, de facto encontravam-se afastados um do outro.

- Lembras-te da nossa lua-de-mel? - perguntou Linda.

Sim, ele lembrava-se da sua lua-de-mel. Espanha, quente e húmida, e longas noites de prazer com Linda, uma Linda jovem e inocente que despertava nele toda a espécie de desejos e ambições.

- Sim, lembro-me da nossa lua-de-mel - retorquiu calmamente.

- Por que não podem as coisas ser como nesse tempo? Ela fitava-o implorativamente.

- Linda, temos ambos mais dez anos. Nada é imutável, como sabes.

- Sim, eu sei.

E pensou: "Paul faz-me sentir dez anos mais nova. Faz-me sentir atraente e desejável. Faz-me sentir querida." David observou:

- É melhor irmos para casa. Preciso de ir cedo para o escritório.

- Sim, está bem.

E pensou: "Por que não me tomas nos teus braços? Por que não me deitas para trás no assento do carro e fazemos amor aqui? Por que não te preocupas com aquilo que eu preciso? "

Seguiram para casa desconfortavelmente silenciosos, ambos cientes de que ficara mais para dizer que o que fora dito.

A casa tinha um aspecto frio e escuro. Linda foi ver como estavam as crianças. Jane dormia enrolada numa bola, com o polegar firmemente preso na boca. Stephen atirara as cobertas todas para trás e estava quase a cair da cama. Cobriu-o e beijou-o ao de leve na testa. Eram uns inocentes aqueles seus filhos preciosos. Tão jovens e puros.

iDavid estava a tomar um duche. Linda despiu-se e instalou-se na cama. A conversa que tinham tido levaria a que fizessem amor naquela noite?

David achou que não. Voltou da casa de banho, meteu-se na cama, apagou a luz, murmurou: "Boa noite" e pareceu adormecer logo a seguir.

Linda deixou-se ficar deitada, cheia de raiva e frustração. "Eu tentei", pensou. "Realmente tentei falar com ele. Mas ele não dá mostras de se importar com o que está a acontecer connosco, não dá mostras de se preocupar. É a indiferença total."

 

O dia amanheceu enevoado e chuvoso.

David levantou-se às sete. Barbeou-se, tomou duche e vestiu-se sem incomodar Linda. Às oito estava fora de casa.

Esta despertou pouco depois. Jane estava ao pé da cama.

- Mama, posso ir um bocadinho para ao pé de ti, por favor? pediu a menina.

- Sim, claro, querida.

- Detesto Stevie - confidenciou Jane. - É um menino muito mau e malcriado. Quem me dera que os rapazes fossem raparigas!

- Sim, era uma boa idéia - replicou Linda, sorrindo.

A manhã passou no meio da azáfama doméstica. As crianças começavam a ir para a escola no dia seguinte e havia muito para fazer: uniformes a preparar, livros a descobrir, tudo lavado e limpo.

Linda não teve tempo para pensar e, à tarde, levou-os ao cinema. Ao regressarem a casa, ficou desiludida por não encontrar nenhum recado de Paul. Sentiu-se simultaneamente magoada e, não obstante, aliviada. Telefonou a David. Este não se encontrava no escritório, pelo que lhe deixou recado para que lhe ligasse quando chegasse. Jay Grossman telefonara e deixara um número de telefone. Linda entrou em contacto com ele.

- Será que você e David poderiam jantar connosco amanhã à noite? - perguntou ele. - Lori está ansiosa por ir ao Savoy Grill, ouviu dizer que a princesa Margarida costuma lá ir e acha que nos pode calhar ficarmos na mesa ao lado!

Linda riu.

- Terei de combinar com David. Importa-se de nos telefonar mais logo?

Só teve notícias de David depois das sete da tarde.

- Chegarei tarde - avisou ele sem explicações.

- Tarde, mas quando?

- Não sei, provavelmente cerca da meia-noite. -Onde é que tens de ir?

A voz dele deixou transparecer ira.

- Que é isto, algum interrogatório? - Linda replicou friamente:

- Não, não é nenhum interrogatório, mas acho que tenho o direito de saber por que razão vais chegar tarde.

Fez-se um silêncio, e depois:

- Desculpa, claro que tens. Estou cansado, suponho. O facto é que tenho uma reunião com Phillip depois do jantar.

- Por que não o trazes até cá e jantam os dois?

- Não, deixa estar, comeremos uma sanduíche aqui ao lado e deitaremos imediatamente mãos ao trabalho.

- Então, até logo.

- Até logo, não esperes por mim a pé. - Hesitou e depois perguntou:

- Como estão as crianças?

- óptimas. Num estado de grande excitação por causa da escola, que começa amanhã.

- Dá-lhes um beijo meu. Adeus.

- Adeus.

Linda desligou e deu um bocejo. "Ainda a noite vai muito no princípio para mim", pensou, lembrando-se então de que Jay ficara de lhe telefonar a saber do jantar da noite seguinte. Pegou rapidamente no telefone e ligou o número directo do escritório de David. Deixou tocar mas não obteve resposta.

Desligou e procurou o número de Phillip na lista telefônica. Provavelmente David estava no gabinete dele. Não conseguiu dar com ele e encontrou, em vez disso, o de casa, para o qual ligou. Mary, a mulher, atendeu.

- Desculpe incomodá-la - disse Linda -, mas é capaz de me dar o número da linha directa de Phillip no escritório?

- Sim, com certeza - respondeu Mary, soando vagamente surpreendida. - Estou à espera de que chegue a qualquer momento, portanto imagino que ninguém atenda.

Foi a vez de Linda parecer surpreendida.

- Mas ele não fica a fazer serão com David?

- Não, tenho a certeza de que vem para casa. A mãe dele vem cá jantar. Deve estar mesmo a chegar.

- Oh - exclamou Linda calmamente.

- Espere um segundo - pediu Mary. - Creio que estou a ouvilo à porta neste momento.

Linda ficou a aguardar, entorpecida, de auscultador na mão.

Sentia-se atarantada. com que então David estava a mentir... Porque o faria? Há quanto tempo? E por que só naquela altura, quando

ela própria lhe fora infiel, é que descobria? Não restavam dúvidas de que havia outra mulher. Sentiu-se mal disposta.

A voz áspera de Phillip soou fortemente ao telefone.

- Viva, Linda. Qual é o problema?

Ela esforçou-se por falar com despreocupação.

- Não há nenhum problema, Phillip. Estou apenas a tentar encontrar David. Pareceu-me ouvi-lo dizer que faria serão consigo esta noite, mas devo ter feito confusão.

Phillip mostrou-se embaraçado.

- Não lhe posso valer. Hoje David saiu cedo do escritório. - E acrescentou, como se lhe tivesse ocorrido de repente: - Provavelmente está com alguém do Norte. Esta semana temos cá tido gente de fora.

- Obrigada, Phillip - agradeceu Linda.

A sua vontade foi dizer: "Escusa de se esforçar tanto a tentar arranjar desculpas para David." Mas, em vez de tal, ficou-se por:

- É com certeza o que deve ter acontecido. Adeus.

Era então aquela a resposta às suas dúvidas. Tudo se ajustava. A chegada a casa a altas horas da noite, os fins-de-semana fora, em negócios, a ausência de verdadeiro desejo físico por ela. Devia ter sido por esse motivo que ela fora parar, inconscientemente, à cama com Paul. Dizem que, em todos os casamentos, em determinada altura a mulher depara com uma encruzilhada: ou vai para a cama com outra pessoa, ou não vai, estando a decisão dependente do estado em que o seu casamento se encontra na altura.

"É verdade", reflectiu Linda; "se as coisas estivessem bem entre David e eu, nunca teria olhado duas vezes para Paul. "

Parecia tudo tão errado e, para piorar ainda mais a situação, Paul nem sequer lhe telefonara. Sentia-se usada. Pelos dois. E não sabia como proceder a seguir. As lágrimas pareciam ameaçadora e desnecessariamente próximas.

 

Terça-feira, David acordou cedo, com uma idéia a dominar-lhe a mente acima de todas as outras: sair de casa, chegar junto de um telefone e ligar para Claudia.

Eram sete da manhã e Linda dormia tranqüilamente, de facto tão tranqüilamente que, por um momento, ele ainda pensou na hipótese de utilizar o telefone da casa mas, apercebendo-se da provável insensatez de semelhante gesto, resolveu não o fazer.

Barbeou-se, tomou duche, vestiu-se apressadamente e saiu. Foi até à Baker Street, antes de parar junto de uma cabina telefônica. Discou o número e ficou a escutar o toque, mas ninguém atendeu, pelo que ligou novamente, obtendo o mesmo resultado. Deixou tocar durante muito tempo, mas em vão. Por fim chegou à conclusão óbvia de que Claudia ou não estava ou dormia demasiado profundamente para ser perturbada.

Saltou para dentro do seu carro e, obedecendo a uma decisão súbita, seguiu até onde ela vivia.

Dessa vez foi a campainha da porta que tocou sem que ninguém atendesse.

- Cabra! - murmurou para consigo. - Grande cabra sem vergonha!

Por que estaria ela a fazer-lhe uma coisa daquelas?

Fez um bocado de tempo no local mas acabou por se aperceber da futilidade do facto e conduziu, sombriamente, até ao escritório. De meia em meia hora discava o número do telefone de Qlaudia, ficando mais enraivecido de cada vez que não recebia resposta. Às onze da manhã, o auscultador foi finalmente levantado pela mulher a dias.

- Miss Parker - disse David secamente.

A voz da mulher da limpeza falava com um pronunciado sotaque cockney.

- Acho que ela está a dormir. Aguente aí um bocado, vou dar uma espreitadela.

Pouco depois voltou.

- Ela não está cá - declarou. - Algum recado?

- Por acaso não sabe a que horas ela saiu, pois não?

- Não sei não, senhor. Cá par'a mim ela não está cá desde ontem, pois tem a cama por desfazer.

- Obrigado - agradeceu David. - Não é preciso nenhum recado.

Imaginou-a com Conrad. O corpo macio, lindo, apertado de encontro ao dele, submetendo-se aos manejos do amor que ela praticava tão sabiamente. Quase podia escutar-lhe os pequenos gritos deliciosos de excitação, os gemidos e a maneira como murmurava palavras obscenas em voz baixa e gutural. Praguejou raivosamente.

Depois disso passou uma hora completa a ligar para o apartamento de Claudia, desligando imediatamente mal ouvia a voz da mulher da limpeza. Sentia-se furioso consigo próprio por estar naquela dependência da jovem. Sempre se orgulhara de nunca se envolver demasiado profundamente em termos emocionais, de ser sempre capaz de afastar as outras pessoas da sua vida sempre que se fartava delas. Mas daquela vez era diferente. Fizesse Claudia o que fizesse, ele não parecia capaz de a afastar da sua mente.

Às quatro da tarde, finalmente, ela atendeu. David ouvia o gira-discos a tocar, muito alto, do outro lado da linha, e a jovem pareceu-lhe muito bem disposta. Ouviu-a dizer: "Está? ", depois uma pausa, a seguir, "Está, quem fala?" Depois outra pausa, mais longa, e depois, "Ora, vá-se lixar, quem quer que seja!" E o telefone foi desligado sem mais delongas.

Saiu imediatamente do escritório e dirigiu-se, mais uma vez, para o local onde Claudia vivia. Não desejava discutir com ela ao telefone, queria vê-la, ouvir-lhe as desculpas, observá-la a mentir.

Claudia veio abrir a porta da frente e mostrou-se admirada e ligeiramente culpada ao vê-lo. Envergava umas calças brancas muito justas e um camisolão preto. Tinha o rosto desprovido de qualquer maquilhagem e embora parecesse fatigada, os magníficos olhos verdes brilhavam-lhe com uma expressão alerta e triunfante.

- Surpresa, surpresa! - exclamou ela. - Entra.

David seguiu-a até ao interior do apartamento. O tema Satisfaction, dos Rolling Stones, pairava no ar no volume máximo. Sobre a mesinha via-se uma garrafa de uísque meio consumida e um enorme cãozinho de peluche cor-de-rosa muito felpudo.

- Queres uma bebida? - perguntou a jovem.

-'São quatro da tarde - retorquiu ele friamente.

- Oh, meu Deus! - murmurou ela como uma criança rabina apanhada a cometer um disparate. Serviu-se de uma dose de uísque puro, acendeu um cigarro e instalou-se no chão.

- Então, David, que tens a dizer?

- Há muito para dizer.

Começou a andar de um lado para o outro cheio de fúria e acrescentou ameaçadoramente:

- Muito.

Claudia soltou uma risada.

- Acaba com essa cena de marido enganado. Já te disse que não tenho laços a prenderem-me a ninguém. Avisei-te de que nenhum homem me diz o que devo fazer.

David abanou a cabeça, fitando-a.

- Não te compreendo. Às vezes ages como uma prostituta reles.

Claudia rolou até ficar de barriga para baixo, aspirando uma fumaça prolongada do seu cigarro, para depois atirar com o fumo em direcção a ele. Depois disse calmamente:

- Hoje estou com muito boa disposição, nada conseguirá estragá-la, nem mesmo tu.

Rolou até ficar de costas, espreguiçando-se, o que fez com que o contorno túrgido dos seios se salientasse através do camisolão. David sentiu o habitual desejo violento invadi-lo progressivamente.

- Conrad Lee é um homem muito importante e vai fazer muito por mim.

- Claro que fará muito por ti - disse David com azedume. - Fará muito por ti na cama.

- Esta semana vou fazer um teste para o novo filme dele. E que tal?

- Uma ova!

- Estás cheio de ciúmes, muito simplesmente. Verás, ele vai transformar-me numa estrela.

- Estás a fazer figura de parva. O realizador do filme disse que esse é o passatempo de Conrad, iludir rapariguinhas como tu.

- Deixa-te disso, David querido. A última coisa que eu sou é uma rapariguinha. Não sou parva nenhuma. Sei o que ando a fazer. Tu tinhas obrigação de ter consciência do facto.

- Que tal foi ele na função?

Os olhos dela encontraram os dele. Eram grandes, verdes e brilhantes.

- Nada que se compare contigo. - Levantou-se e abraçou-o. - Ninguém se compara a ti - sussurrou-, ninguém se comparou alguma vez a ti.

O conflito estava terminado.

Foi lento, intenso e terno. Depois ficaram deitados no chão, no sítio onde ele a possuíra, nos braços um do outro. Claudia beijou-o suavemente.

- Tens de compreender - sussurrou-lhe -, não significa que eu não te ame. Quando durmo com ele, é como se nada acontecesse. Ele é um porco, um porco velho. Mas, querido, quero entrar no filme dele. Quero mesmo. E vou entrar, essa te garanto.

David passou suavemente as mãos pelos seios macios.

- És tão linda, quando estou contigo não quero saber o que andaste a fazer. Portanto entra nesse malfadado filme, já que tens tanta vontade. Mas não voltes a dormir com ele nem com qualquer outro, caso contrário dou cabo de ti!

Ela apertou-se mais contra ele.

- Adoro quando armas em duro.

"É impossível", pensou David, "é impossível que esteja a acontecer tão depressa e tão maravilhosamente. Ela é como um tigre-fêmea. Deviam prendê-la, nua, dentro de uma jaula do jardim zoológico, para que todos vissem, pois só vendo acreditariam. E deviam prender um aviso à jaula: Não alimentar. Só come homens."

Claudia disse inesperadamente:

- A tua mulher é muito atraente, não é?

- Costumava ser. Suponho que ainda seja, de facto.

- Que idade tem? - perguntou Claudia, uma pergunta tipicamente feminina.

David não estava interessado em falar sobre Linda. -'Trinta e tal. Não sei.

- Gostaria de saber que aspecto terei quando chegar aos trinta.

Foi salvo de responder pelo telefone. Claudia levantou relutantemente o auscultador.

- Oh, viva - disse suavemente.

Olhou de relance e rapidamente para David, que ficou imediatamente com vontade de saber de quem se tratava.

- Gostaria muito - disse. - A que horas? - Prendeu o auscultador debaixo do queixo e pegou desajeitadamente nos cigarros que tinha em cima da mesa. - Está bem, até amanhã. Fico ansiosa por isso.

Desligou.

- Estou esfomeada! - exclamou. - Apetece-me um jantar fabulosamente excitante.

- Quem era? - quis David saber, tentando manter um tom de voz indiferente.

- Quem era quem? - perguntou Claudia, sabendo perfeitamente a quem ele se referia.

-Ao telefone.

A jovem hesitou durante um segundo demasiado longo, antes de dizer:

- Era o meu agente. Quer que jante com ele e a mulher amanhã à noite.

- Que simpático da parte dele, começar assim a convidar-te sem mais nem menos.

- Sim, sem mais nem menos - assentiu Claudia pacientemente. - De facto quem lhe telefonou primeiro fui eu, para lhe dizer que queria falar com ele acerca desta hipótese de Conrad. Vou tomar um banho prolongado. Depois podemos sair? Ou tens de voltar para casa a correr?

David achou que Claudia mentia mas não valia a pena discutir.

- Queres que eu fique livre?

- Claro que quero, caso contrário não te teria perguntado.

- Telefonarei para casa. Onde queres ir? Reservarei uma mesa.

- Vamos a um sítio elegante para variar. Andamos sempre a esconder-nos em espeluncas velhas. Que importância tem se nos virem? No fim de contas, eu sou Miss Beauty Maid, portanto faço parte do trabalho. Vamos ao Cario.

Cario era um restaurante italiano muito caro e na moda. Era o sítio onde ir, o sítio onde ser visto. David sabia que ir lá com Claudia era um risco ridículo. Tinha a certeza de que encontraria pessoas conhecidas. Mas, por outro lado, queria ser visto na companhia de Claudia, queria que as pessoas soubessem que ela lhe pertencia.

-'Está bem, então vai pôr-te bonita enquanto eu reservo uma mesa para as oito horas.

Claudia beijou-o ao de leve.

- Divino, querido.

Ele deu-lhe uma palmada de mão cheia numa das nádegas.

- Veste alguma coisa senão nunca mais saímos daqui. - Rindo, ela retirou-se para a casa de banho.

David leu os jornais da tarde, reservou uma mesa no restaurante, sentindo-se culpado por ter de telefonar a Linda, mas acabou por fazê-lo, falando-lhe com secura quando ela lhe perguntou o que tinha ele que fazer. Engendrou algumas mentiras convenientes, sentiu-se desagradado perante a situação, perguntou pelas crianças num assomo de consciência e depois desligou.

Um pouco mais tarde, Claudia voltou a aparecer, transformada. Trazia o cabelo louro-cinza reluzente apanhado no alto da cabeça numa confusão estudada, e a maquilhagem era ligeira e impecável. Usava um vestido preto de tecido leve e fiadas de contas cor de azeviche em volta do pescoço. Estava fascinante.

David disse-lho, e ela sorriu, pavoneou-se e exibiu o vestido diante dele, revolteando pela sala como uma ave bela e exótica.

- Não é excitante ir a um lugar decente juntos? - exclamou. - Quem me dera que o fizéssemos mais vezes.

No automóvel, a caminho do restaurante, David pensou melhor, era um acto estúpido. Linda poderia vir a descobrir, e depois? Especialmente numa altura em que parecia tão sensível em relação ao casamento de ambos. Olhou rapidamente para Claudia. Esta tentava sintonizar o rádio numa estação que transmitisse música.

- Por que não vamos antes para um sítio agradável que fique no campo? - sugeriu.

A jovem fitou-o, uma expressão de gelo nos olhos enormes.

- Já sabia que acabavas por ter medo. Vai tu para o campo. Deixa-me sair. Estou farta de me esconder por aí.

- Está bem, vamos ao Cario.

Para o diabo com o assunto. O mais provável era Linda não descobrir. Era suposto as mulheres serem sempre as últimas a saber.

O restaurante encontrava-se muito apinhado. O chefe informou-os de que teriam a sua mesa livre daí a alguns minutos, portanto instalaram-se no bar. Claudia cumprimentou várias pessoas. David constatou, aliviado, que não havia ninguém conhecido.

Uma rapariga aproximou-se deles, arrastando um jovem de aparência débil no seu encalço. Era esguia, de tez bronzeada e deveras bonita.

- Estás magnífica! - exclamou, dirigindo-se a Claudia. - Estás mesmo com um aspecto fabuloso! Onde tens andado, já não te vejo há séculos! - Puxou o jovem para o seu lado, - Lembras-te de Jeremy?

Jeremy corou e gaguejou:

- Olá.

-'Estamos noivos! Já imaginaste!

Riu alegremente e deu uma cotovelada nas costelas de Jeremy, à laia de brincadeira. Este mostrou-se profundamente embaraçado.

- Shirley! - exclamou Claudia. - Que maravilha! - Voltou-se para David. - Shirl, este é David Cooper, um velho amigo meu.

Shirley estendeu a David uma mão pequena e queimada pelo sol, que ele apertou rapidamente. Claudia continuou:

- E, David, tenho o prazer de te apresentar o noivo de Shirley, o Honorável Jeremy Francis.

Jeremy fez uma vénia.

- Prazer em conhecê-lo, meu caro.

Era senhor de uma pele cor de areia prodigamente pontühada de um acne vermelho bastante acentuado.

- Sentem-"e e tomem uma bebida - convidou Claudia. - Temos de celebrar.

Puxaram de umas cadeiras e instalaram-se. As raparigas começaram imediatamente a tagarelar animadamente acerca dos vestidos que envergavam. O Honorável Jeremy mantinha um ar muito pouco à-vontade, na ponta da sua cadeira. Era extremamente alto e os seus joelhos empeçavam nos de David, por debaixo da mesa.

- Vamos fazer uma boda enorme - disse Shirley. - Será simplesmente maravilhoso. Os pais de Jeremy conhecem absolutamente toda a gente!

Exibiu um anel, com uma esmeralda de grandes proporções, diante de Claudia.

- Olha! - indicou teatralmente. - É do Asprey!

Claudia observou:

- É divino, adoro. Pico muito contente pelos dois.

- E agora, que me contas sobre ti? - perguntou Shirley, lançando um olhar significativo a David.

Claudia riu.

- Sabes qual é a minha opinião acerca do casamento. Para mim não serve, Shirley querida. Eu gosto de ser solteira. Seja como for, tu encontraste Jeremy primeiro!

Jeremy corou e mostrou-se adequadamente lisonjeado.

David pôs-se de pé.

- Penso que a nossa mesa está disponível.

- Vocês reservaram? - disse Shirley pensativamente. - Nós esquecemo-nos e agora temos de esperar simplesmente uma eternidade por uma vaga, e eu estou esfomeada.

Hesitou por um segundo ou dois e depois continuou:

- Vejamos, por que não jantamos todos juntos? Já não te vejo há séculos, Claudia, será muito divertido!

- Nós temos uma mesa para dois - disse David asperamente.

- Não nos importamos de ficar um pouco apertados, pois não, Jeremy?

Jeremy anuiu impavidamente.

- Que acham? - Shirley voltou-se para Claudia. Claudia olhou desanimadamente para David.

- Óptimo, adoraríamos.

Seguiram o empregado, que os levou até à mesa reservada, Shirley acenando e sorrindo a várias pessoas pelo caminho.

- Na minha opinião este lugar é simplesmente maravilhoso - observou, ao chegarem à mesa. - Tenho a certeza de que se uma pessoa aqui ficasse sentada durante uma semana, via absolutamente todos os conhecidos passarem, no género do aeroporto de Londres!

Riu sonoramente.

David passou todo o jantar mergulhado num silêncio amuado e Jeremy não tinha muito para dizer, de modo que toda a conversa ficou a cargo de Shirley, juntando-se Claudia ocasionalmente a ela. Shirley era uma leitora assídua da revista Queen, especialmente das colunas sociais, e os temas principais sobre os quais se debruçava diziam respeito a quem fora visto com quem e as festas explêndidas que se realizavam. Aparentemente Jeremy era convidado para a maioria delas, e Shirley discorria enfadonhamente sobre os pormenores mais enfadonhos. Por exemplo, o facto de Lady Clarissa Colt ter levado o mesmo vestido a duas festas diferentes e de a Honorável Amanda Lawrence ter oferecido uma festa em que o champanhe se acabara.

- Foi um horror - queixou-se Shirley. - Uma pessoa nunca deve deixar acabar o champanhe. É demasiado embaraçoso.

Ao chegarem à sobremesa, Jeremy levou-a para o pequeno recinto de dança, onde se pegaram literalmente um ao outro.

- Ponhamo-nos a andar daqui para fora - disse David lapidamente. - Já não consigo ouvir mais uma palavra àquela atrasada mental cheia de presunção.

- Lamento, querido - replicou Claudia apaziguadoramente. - Ela exagera um pouco.

- Exagera um pouco! Isso é deitar muita água na fervura. Quem é ela, a propósito?

Um sorriso brincou suavemente nos lábios de Claudia.

- Quando cheguei a Londres, trabalhei num clube. Miss Cuequinhas Bonitas também lá trabalhava.

- Que estavam vocês a fazer num clube? - perguntou David surpreendido.

- Tinha de ganhar dinheiro e o actor com quem cheguei dava a impressão de nunca trabalhar, portanto aceitei emprego num clube.

- A fazer o quê?

- A dança dos sete véus! - exclamou Claudia, rindo.

- O quê! Deves estar a brincar.

O sorriso desvaneceu-se-lhe ligeiramente.

- Não estou a brincar. Olha, não tinha talento para fazer qualquer outra coisa. Ou era isso ou ir para uma mesa de meninas e ser apalpada por uma série de velhos imundos. Preferi passar a despir-me todos os dias. Eles podiam olhar mas não podiam tocar.

- No fundo nada sei acerca de ti, pois não?

Os olhos grandes adoptaram uma expressão absorta.

- Nunca te deste ao cuidado de querer saber. Tal como a maioria dos homens, a tua preocupação principal foi levar-me para a cama o mais depressa possível.

Fez-se um pequeno momento de silêncio e em seguida a jovem soltou uma gargalhada insegura.

- Desculpa, de qualquer maneira o meu passado é uma grande chatice. Por que haveria alguém de querer ouvir falar dele?

David ia a replicar quando Shirley e Jeremy regressaram à mesa.

- Jeremy tem uma sugestão divinal a fazer - disse Shirley. - Há um clube nocturno simplesmente encantador lá em baixo, em Windsor, e ele diz que podíamos dar um pulo até lá.

David fitou-a sombriamente.

- No castelo, naturalmente.

Durante um momento, os olhos azul-claros de Shirley brilharam de fúria, depois sorriu e riu rapidamente, replicando:

- Não, queridinho, não no Castelo.

- Então não contem connosco - declarou David asperamente.

- Mas, meu caro, tem a certeza? - gaguejou Jeremy.

Claudia interrompeu apressadamente a conversa.

- David está fatigado. Vão vocês andando, se por acaso mudarmos de idéias, iremos lá ter mais tarde.

- Está bem - disse Shirley. - Mas tentem mesmo ir. - Agarrou no braço de Jeremy. - Anda daí, queridinho, deixemos estes dois periquitos sozinhos.

Lançou um olhar furibundo a David, acenou alegremente a Claudia e, levando Jeremy a reboque, retirou-se. Claudia deitou a rir.

- Eu não acho graça nenhuma - disse David com azedume. - Imagino que também tenha de lhes pagar a conta. Os meus agradecimentos por uma noite deliciosa.

O riso aumentou.

- Desculpa. Mas francamente, olha que tem graça. Se tivesses conhecido Shirley aqui há uns anos atrás, bem, só te digo que não acreditavas. Ela foi de tudo quanto era homem!

O tom de voz de David era frio:

- E tu?

Claudia parou abruptamente de rir. Fitou-o durante alguns segunros e depois disse lenta e deliberadamente:

- Parece-me que acabámos de chegar ao fim da nossa relação, se é que se lhe pode chamar tal.

Antes de ele ter possibilidade de responder, a jovem levantou-se da mesa e atravessando o restaurante, desapareceu de vista. David pediu rapidamente a conta.

- É David Cooper, não é?

A voz era sonora e com sotaque americano. David sobressaltou-se. Era Jay Grossman.

- Ora viva - cumprimentou pouco à-vontade.

- Onde está Linda? - perguntou Jay, olhando intencionalmente para o lugar recentemente ocupado na mesa.

Teria ele visto Claudia sair, interrogou-se David.

- Ficou em casa - respondeu, indicando depois o resto da mesa e acrescentando: - Tive um encontro de negócios, foram-se todos embora, estavam cheios de pressa.

Nesse momento chegou o criado de mesa, que lhe apresentou a conta. David pagou e levantou-se rapidamente.

- Prazer em vê-lo, Jay.

Mas Jay não se deixava despachar com tanta facilidade.

- Venha cumprimentar Lori. Ela ficaria muito aborrecida se eu lhe dissesse que o tinha visto e não o levara até à mesa para tomar uma bebida connosco.

- Só por um minuto - condescendeu David relutantemente. Linda está em casa à minha espera.

Os Grossman encontravam-se instalados numa mesa do outro lado da sala e David ficou satisfeito ao verificar que, do local, não tinham possibilidade de ver a mesa que ele ocupara. Jay só o encontrara por acaso, ao voltar do lavabo dos homens.

Lori tinha o mesmo aspecto indiferente e impecável de sempre, cada cabelo louro reluzente no seu sítio, no rosto uma máscara de maquilhagem perfeita. Envergava um vestido de chiffon castanho-claro, profundamente decolado entre os seios.

- Muito prazer em vê-la novamente - cumprimentou David, incapaz de desviar constantemente o olhar para o decote.

- Igualmente - replicou Lori com a sua voz sugestivamente arrastada e inexpressiva.

- Vá, sente-se e tome uma bebida - convidou Jay.

- Bem...

Procurou desesperadamente uma desculpa, não foi capaz de encontrar nenhuma e, de qualquer maneira, que diabo - de olhos firmemente fixos no decote de Lori, sentou-se.

- Que deseja tomar? - perguntou Jay.

- Um uísque com gelo.

Jay chamou o criado, enquanto Lori pegava numa pequena caixa de pó-de-arroz em ouro e procedia à operação de retocar uma maquilhagem já impecável.

- Há bocado falei com Linda - disse Jay. - Ela disse-me que falaria consigo sobre a possibilidade de jantarmos juntos amanhã à noite.

- Oh - exclamou David vagamente.

Tinha a mente meio ocupada pelo facto de Claudia o ter deixado ficar sozinho - que cabra! - e pela constatação de que sentia uma acentuada inclinação pela fria e pouco brilhante Mrs. Grossman. Que revelação não seria levá-la para a cama e penetrar debaixo daquelas camadas de perfeição.

- Parece-me boa idéia - retorquiu. - Onde querem ir?

- Lori anda entusiasmada com o Savoy Grill.

- Isso - concordou Lori, pousando a caixinha de pó-de-arroz por um breve momento. - Ouvi dizer que é fantástico. Consegue ver-se a princesa Margarida e o tipo engraçadinho com quem ela casou.

- Eles não fazem propriamente visitas assíduas ao lugar observou David, sorrindo. - Mas sabe-se que têm lá ido.

Jay disse:

- Encontramo-nos no hotel onde estamos instalados?

Conversaram durante mais algum tempo e depois David pediu

desculpa e retirou-se. Deu uma gorjeta ao empregado do parque de estacionamento que lhe trouxe o automóvel e sentou-se no interior deste, metido com os seus pensamentos sombrios. A Miss Cuequinhas Provocantes Parker que fosse dar uma volta. Estava a passar das marcas. Primeiro convencera-o a ir a um restaurante contra vontade dele. Depois impingira-lhe os amigos chatos. A seguir admitira ter trabalhado numa espelunca de strip, sentindo-se insultada quando David tecera comentários acerca do assunto. E depois tivera o descaramento de o deixar ali especado!

Como se tudo isso não bastasse, fora para a cama com aquele produtorzeco gordo na noite anterior. Não passava de uma vadia, de uma tipa que ia para a cama com todos. Se não tivesse cuidado ainda apanhava alguma doença através dela.

Ela que fosse para o diabo. Ia para casa.

Dirigiu o carro para Hampstead. Eram dez horas.

 

Passado um bocado, Linda deixou de chorar. De que lhe servia? Foi à casa de banho, passou o rosto por água e observou a sua imagem ao espelho. Não sabia o que fazer. Tinha consciência de que não era capaz de encarar a perspectiva de ficar ali sentada em casa à espera de que David chegasse finalmente, vindo do abraço recente de uma vadia qualquer. Não tinha ninguém a quem pudesse telefonar. Desde que casara que fora perdendo gradualmente contacto com todas as suas amigas - cada qual seguira o seu caminho, casara e fora viver para sítios diferentes do país. Pensou em ligar para a mãe, mas fazer-lhe confidências seria ridículo. Ela nunca aprovara verdadeiramente o seu casamento com David e só ficaria satisfeita. Desesperada, telefonou a Monica.

Esta mostrou-se fria.

- Absolutamente encantador da vossa parte terem ficado cinco minutos e depois levarem convosco os meus convidados mais importantes. Realmente, querida, tens de reconhecer, foi um pouco demais!

A conversa entre ambas foi breve e, quando Linda desligou, reflectiu: "Para o diabo com isto, não sou nenhuma criança"; pegando novamente no auscultador, discou o número de Paul.

Ele atendeu imediatamente.

- Está?

Linda teve medo e ficou paralisada, incapaz de falar. Depois, tomada de pânico, desligou.

Paul telefonou-lhe logo a seguir.

- Linda, fala Paul; sei que acabaste de ligar para mim.

Linda foi apanhada de surpresa.

- Olha, tenho estado à espera do teu telefonema. Sabia que o farias. Posso ver-te? Tens possibilidade de vir até cá?

- Quando? - murmurou ela debílmente.

- Que tal agora?

- Não sei...

- Por favor, tenho de falar contigo.

- Bem, pode ser. Estarei aí daqui a meia hora.

- óptimo.

Paul deu-lhe a morada, não fosse dar-se o caso de ela a ter esquecido.

Linda sentiu-se surpreendida. O seu ego dissera-lhe que ele estaria lembrado dela, mas não o imaginara, no entanto, à espera de a ver, a contar com o seu telefonema. Arranjou-se rapidamente antes que mudasse de idéias, e percorreu os cinco minutos de distância que a separavam do local onde Paul vivia. Era uma casa velha convertida em apartamentos, apertada entre um talho e uma clínica veterinária, na High Street. Teve de subir cinco pisos antes de chegar diante da porta que tinha o número oito marcado.

Paul abriu-lha imediatamente mal bateu.

- De facto não sei o que estou aqui a fazer - deixou escapar Linda.

Paul pegou-lhe na mão e conduziu-a até dentro de casa.

- Estás linda. Tenho andado doido à espera de que me telefonasses.

-Por que não me telefonaste tu?

- Olha, Linda, compreendo a posição em que te encontras. Não quero que a piores. Cabia-te a ti dar o passo seguinte.

Fê-la sentir-se muito jovem, embora ela pudesse dar-lhe pelo menos dez anos a menos.

-'Não sei nada acerca de ti - murmurou Linda.

- Estás sempre a fazer essa observação - replicou ele.

Vestia umas Levis manchadas de tinta e um blusão branco. Tinha uma aparência muito atraente.

Encontravam-se numa pequena sala escura, com paredes pintadas de preto de onde pendiam numerosos quadros, alguns sem moldura, a maioria apresentando nus, rostos esguios e exóticos, massas de cabelos e corpos voluptuosos. A mobília reduzia-se a uma mesa de jantar de teca dinamarquesa - cheia de papéis pintados - e um velho diva escarlate. Linda sentou-se neste e ele ofereceu-lhe uma cerveja ou vodka. Preferiu a última bebida.

Paul preparou-lhe o copo, depois pôs um disco de Billie Holliday e sentou-se a seu lado.

- Quanto à outra noite - principiou ela nervosamente -, nunca devia ter acontecido... tive uma discussão com o meu marido e bebi demasiado...

Paul pegou-lhe na mão.

- Não és obrigada a apresentar desculpas. Aconteceu e foi estupendo. Se te sentes embaraçada em relação ao facto, bem, não és obrigada a ver-me outra vez. Embora não seja essa a solução que eu desejo.

Linda bebeu novo gole de vodka.

- Quero apenas explicar.

Hesitou e logo a seguir disse precipitadamente:

- Não quero que tenhas uma impressão errada em relação a mim.

- Tenho uma impressão magnífica. O teu perfume ficou espalhado em toda a minha cama, assim como o cheiro do teu corpo, e a maneira como gritaste quando te vieste.

Aproximou-se mais dela e tocou-lhe. Linda tentou, não muito convincentemente, afastá-lo. Mas as bocas de ambos encontraram-se e ela perdeu-se.

Ele era jovem e cheio de vigor; e dessa vez ela estava praticamente sóbria. Ele parecia querer agradar-lhe e, em compensação, ela sentia-se duplamente inclinada a excitá-lo. Fizeram amor durante muito tempo e foi muito bom. Depois ficaram deitados a conversar.

Linda sentia-se muito tranqüila e protegida na companhia de Paul. Este escutou-a atentamente durante o relato da sua relação com David, da indiferença do marido para com ela. Contou-lhe tudo acerca de si, dos seus filhos, da sua vida. Fumaram cigarros e beberam mais vodka.

Também ela descobriu mais coisas acerca da vida de Paul. Era artista. Deixara a escola de artes no ano anterior e naquela altura trabalhava como assistente para o editor de uma importante revista feminina. Os quadros que se viam nas paredes eram todos seus. Linda ficou a saber que o modelo fora uma antiga namorada chamada Margarethe. Era uma história triste. Ele e Margarethe tinham-se conhecido na escola de artes, apaixonando-se. Depois de viverem juntos seis meses, decidiram casar. A mãe de Paul morrera e o pai, homem de negócios reformado, vivia em Cheltenham. Paul levou Margarethe para a apresentar ao pai. Assim aconteceu e, três dias mais tarde, ela casava com ele. Paul ficou desvairado; não podia acreditar no sucedido. Teve uma discussão terrível com os dois e nunca mais os viu ou ouviu falar deles desde então.

- Eu simplesmente não era capaz de aceitar a situação - disse Paul. - Não acredito que ela o amasse; suponho que quis o dinheiro dele. Eu não lhe poderia oferecer qualquer segurança.

- Como é que agora te sentes em relação a ela? - perguntou Linda suavemente.

- Não sei - retorquiu Paul sombriamente. - É uma cabra. Limitaram-se a partir numa tarde e regressaram casados.

- Por que é que ainda manténs os quadros que fizeste com ela, aqui em casa?

Paul encolheu os ombros.

- Só para me lembrar de não voltar a ser tão parvo. Já não consigo relacionar-me com raparigas, sabes? Talvez esteja com elas uma vez ou duas, depois desligo-me pura e simplesmente.

Linda recordou-se da bonita Melanie de vozinha esganiçada.

- Imagino que eu esteja bem para ti porque sou casada, não? alvitrou.

- Acho-te fantástica.

Ficaram um bocado em silêncio, ambos a reflectir sobre os problemas respectivos.

- O que realmente mais me enfurece - disse Paul-, é imaginar Margarethe a viver em Cheltenham com o meu pai. Ela era tão amante de paródia! Gostava mais de fornicar do que alguém que eu alguma vez tenha conhecido. Não sou capaz de a imaginar a gostar dele. É tão velho!

- Como era a tua mãe?

- É uma história muito longa.

Linda inclinou-se sobre ele e beijou-o ao de leve na testa.

- Conta-me - pediu brandamente.

- Pareces uma psiquiatra - riu ele. - É uma história para esquecer. Ela matou-se quando eu tinha quinze anos.

Linda ficou chocada. Tinha vontade de perguntar porquê, mas Paul voltara-se para o outro lado e fechara os olhos.

- É uma chatice - murmurou ele. - Um dia te contarei.

Passado um bocado, Linda olhou para o relógio de pulso, viu que já passava das onze e disse:

- Olha, tenho de me ir embora. David estará em casa à meia-noite.

- Por que não passas a noite aqui? - perguntou Paul com voz indistinta, de costas para ela.

- Gostaria muito mas tenho de estar em casa quando ele chegar, ele sabe que nunca fico fora, provavelmente ligava para a polícia.

- É engraçado, não é? - comentou Paul. - Todas as gajas com quem tenho fornicado dão-me um trabalhão enorme para me livrar delas. - Simulou uma voz aguda e fina. - "Oh, querido, deixa-me passar a noite aqui, a mama e o papá nunca contam comigo antes da manhã. "

Ambos riram.

- Podes crer, é horrível, elas não têm vontade nenhuma de se ir embora. E agora sais-me tu, que nem sequer podes ficar aqui esta noite! Sabes, Linda, és a primeira mulher, desde Margarethe, com quem tive vontade de passar a noite toda.

Linda vestiu-se lentamente, enquanto Paul se deixava ficar indolentemente deitado de costas a observá-la.

- Não sei se sabes que és muito sexy - comentou ele. - Não me importava nada de te ver com umas meias de seda pretas e um cinto de ligas. Nada mais.

- Que farias, tiravas-me fotografias?

- Não, pintava-te, por exemplo, deitada no sofá, Muito sexy. Posso fazê-lo?

- Pensarei no assunto.

E riu-se, vagamente embaraçada.

- Quando é que voltarei a ver-te? - perguntou Paul.

- Não sei.

- Amanhã?

- Não sei, Paul. Para mim é muito difícil traçar planos.

- Não podes ir simplesmente embora sem me dizeres quando.

- Telefonar-te-ei de manhã.

Paul deu-lhe o número do telefone do seu trabalho e beijou-a intensa e prolongadamente. Linda dirigiu-se para sua casa. Eram onze e meia.

 

Claudia humedeceu os lábios, cruzou as pernas no sentido contrário e aguardou.

- Olha, querida - disse ele finalmente. - Telefonaste-me precisamente quando eu estava a pôr-me nesta pequena - apontou para o quarto. - Tu é que me telefonaste, estava eu mesmo a meio. Ninguém to pediu... mas apareceste-me ao telefone... a pedir, e eu ouvi bem, a pedir para te juntares a nós. Então o que acontece... tu entusiasmas-me todo com a idéia de uma farra a três... eu paro a meio caminho com esta outra tipa... espero uma malfadada meia hora e depois apareces-me aqui a dizer que não és capaz de o fazer!

A voz fora-se-lhe erguendo exaltadamente e naquele momento quase gritava.

Claudia levantou-se.

- Que posso eu dizer? - Acercou-se dele e pousou-lhe uma mão no braço. - Ontem à noite eu estava embriagada mas lembro-me de que foi algo muito especial. Agora estou sóbria e que culpa tenho eu de achar que não quero partilhá-lo?

Conrad fitou-a com admiração.

- Não és nada parva, não senhora. Imagino que queiras que eu me livre da...

Fez um gesto em direcção ao quarto.

Claudia beijou-o, premindo o corpo contra o dele.

- A idéia é essa.

Conrad afastou-a.

- Está bem, querida, mas não penses que me enganas porque sei exactamente qual é a tua intenção. Por acaso és bastante mais sexy que aquela ali, portanto vou pagar-lhe e pô-la a andar. É o que tu queres, não é verdade?

Claudia fitou-o com os olhos muito abertos.

- Não percebo o que quer dizer - disse. - Faça como desejar. Amanhã à noite ainda estarei disponível. Agora posso perfeitamente ir-me embora.

Os olhos dele varreram-lhe o corpo.

- Não, tu ficas. Espera na casa de banho.

Claudia sorriu e dirigiu-se obedientemente para os lavabos situados no vestíbulo de entrada. Fê-la esperar cinco minutos. Não tardou que ouvisse uma voz feminina esganiçada e uma porta a bater.

A certa altura ele abriu a porta da casa de banho - desfizera-se do seu roupão de cores vibrantes e apresentava-se sem mais nada que não fosse o seu bronzeado e uma erecção.

- Vamos a isto, pequena - declarou. - Tive de dar à tipa cinqüenta palhaços, portanto acho bem que me compenses devidamente.

 

David estacionou o automóvel na garagem e entrou em casa. Esta mostrava-se estranhamente silenciosa. Imaginava que Linda se deitara cedo, portanto subiu ao andar de cima e foi espreitar ao quarto dos filhos, que dormiam tranqüilamente. Jane acordou e pediu, sonolenta, um copo de água. Ele foi buscá-lo para a filha, que lhe rodeou o pescoço com os braços e disse:

- Adoro-te, papá.

David voltou a instalá-la na cama e dirigiu-se ao quarto principal. Estava vazio. Sentiu-se vagamente surpreendido. Onde estava Linda? Sabia que o resto da casa estava deserto. Ela devia ter ido a um cinema ou coisa do gênero, porém não era uma atitude nada habitual.

Espreitou pela janela e confirmou que o carro da mulher estava no passeio e depois procurou algum bilhete que pudesse estar por ali - não havia nenhum.

Foi até ao quarto de Ana e bateu à porta. A criada apareceu à porta, apertando a camisa de dormir transparente, em nylon, contra si. Infelizmente era senhora de um pequeno buço.

- Onde está Mrs. Cooper? - perguntou David.

-'Saiu por volta das oito horas - respondeu Ana. O seu inglês não era muito bom e não se apressou a acrescentar mais nenhuma informação.

- Disse onde ia?

- Não.

- A que horas estaria de volta?

- Não.

A conversa estava terminada.

David voltou para o quarto, tomou duche e adormeceu a ler os jornais na cama.

Foi assim que Linda o encontrou ao chegar. Ficou agitada, ele falara em voltar para casa à meia-noite e costumava atrasar-se sempre em relação à hora indicada. Felizmente estava a dormir, pois ela tinha a maquilhagem borrada e o cabelo numa desgraça. Tinha a certeza de que, se a visse, teria percebido. Apressou-se a ir para a casa de banho, despiu as roupas e enfiou um roupão. Depois pôs o banho a correr. Ao menos, se o marido acordasse naquele momento, já não teria importância.

David acordou.

-Onde é que diabo estiveste? - perguntou.

- Fui ao cinema. E tu, onde estiveste?

- Sabes onde eu estive. Os cinemas terminam a um quarto para as onze, onde é que tu passaste a hora a seguir?

- Imagino que estiveste com Phillip - disse Linda, ignorando a pergunta dele.

 

Claudia abandonou o restaurante perfeitamente furiosa. Mandou parar um táxi e pediu que a levasse directamente para o hotel onde Conrad Lee estava hospedado. Estava farta de David Cooper. Filho da mãe estúpido, quem pensava ele que era?

A princípio a ligação dos dois fora divertida. Ela gostava de romances com homens casados, representavam sempre um estímulo, um desafio. E também se enganara ao imaginá-lo capaz de lhe dar uma ajuda na sua carreira.

Nada. Ele não fizera absolutamente nada. O facto de ter sido Miss Beauty Maid parecera não conduzir a nenhum outro resultado. Ele nem sequer lhe dera um presente decente, apenas uma quantidade de promessas por cumprir. Então onde estava o famoso casaco de vison que dissera oferecer-lhe? Não queria dinheiro da parte dele. Que não se atrevesse a dar-lhe dinheiro como se ela não passasse de uma prostituta barata! Os presentes eram uma questão diferente.

- Sovina - murmurou por entre dentes.

Até do pagamento da conta do restaurante se queixara.

O táxi deteve-se em frente do hotel. Um porteiro acercou-se pressurosamente a fim de lhe abrir a porta e acompanhá-la ao interior do hotel. Claudia caminhou, em passo firme, até ao balcão da recepção.

- Gostaria de falar com Mr. Conrad Lee - disse. Puseram-na em ligação com a Penthouse. Pouco depois a telefonista informou que ninguém atendia.

-'Se não se importa tente o telefone do quarto, por favor pediu.

O telefone tocou várias vezes antes de, finalmente, atenderem.

- Quem é?

A voz soava espessa e mal-humorada. - Conrad, é Claudia Parker.

- Quem?

- Claudia Parker - repetiu a jovem pacientemente. - Não acredito que já tenha esquecido a noite passada.

Houve uma pausa curta; depois:

- Oh, sim, claro. Como estás, pequena? Que posso fazer por ti?

- A sua secretária telefonou-me a dizer para nos encontrarmos amanhã à noite, acontece que saí com um tipo muito chato e de repente pensei para comigo, que diabo, por que não há-de ser esta noite?

Conrad riu, tossiu deselegantemente e disse:

- Escuta, querida, esta noite estou comprometido.

- Oh. - Mostrou-se muito desiludida. - Olhe, tenho uma grande capacidade de adaptação, nunca acho que três são de mais.

- Estás a pensar no mesmo que eu? - perguntou Conrad.

- Claro que estou - ronronou Claudia. - Foi tão fantástico ontem à noite que não me importo de o partilhar.

- Agüenta um minuto - disse Conrad.

O bocal do telefone foi tapado e Claudia aguardou pacientemente, até que o som da voz dele voltou a fazer-se ouvir, cheio de interesse.

- Vem já para cima. Ficamos à espera.

Claudia desligou, sorrindo, e encaminhou-se indolentemente para os lavabos, onde gastou os vinte minutos seguintes a retocar a maquilhagem e a refazer o penteado, de maneira a que o cabelo lhe caísse nos ombros, farto e brilhante. Tinha um aspecto muito atraente, jovem e sensual. O vestido preto, muito decotado, que envergava exibia-lhe a figura vantajosamente.

Quando, por fim, bateu à porta da suite de Conrad Lee, passara-se uma boa meia hora.

Este atendeu imediatamente, apresentando-se de roupão de banho às riscas verdes e laranja.

- Onde raios tens andado? - quis saber.

Claudia sorriu à laia de desculpa, entrou na sala de estar e sentou-se, cruzando as pernas cuidadosamente, de maneira a ter a certeza de que deixava a maior porção de coxa possível à mostra. Sabia-se com uma aparência explêndida.

- Lamento imenso - declarou. - Sei que me vai achar terrível Mas aquilo que eu disse ao telefone acerca da festa a três e tudo o mais... Peço desculpa mas não sou capaz.

Ele fitou-a, incrédulo.

- Não és capaz? - exclamou com voz pastosa.

A jovem abanou a cabeça vagarosamente, agitando as longas pestanas pretas.

- Creio que o meu desejo de o ver era tão grande que simplesmente disse aquilo... mas realmente não é coisa que me agrade.

- Não é coisa que lhe agrade - repetiu o homem soturnamente.

- Não.

- Estive, sabes que estive.

- Eu também estive com ele.

David fitou-a sem compreender.

- De que é que estás a falar?

- Estive com Phillip tanto quanto tu estiveste.

- Andaste a beber?

- Não, David, não andei a beber. Liguei para casa dos Abbottson depois de falar contigo no princípio da noite e estava eu a conversar com Mary quando Phillip chegou; soube então que ele não tinha conhecimento de nenhuma reunião contigo.

David raciocinou com rapidez.

- Sim, as coisas complicaram-se um bocado. Pensei que ele iria lá ter mais tarde mas depois lembrei-me de que dissera não poder, portanto tive de levar aquelas pessoas de fora a jantar.

Linda ergueu uma sobrancelha.

- Mas acabaste de dizer que estiveste com Phillip.

- Sim... bem, foi porque sabia que não entenderias.

- Tens razão, não entendo. Agora se não te importas, posso tomar o meu banho?

- És mesmo ridícula, Linda. - A voz tornara-se-lhe mais alta. - Olha, estou em casa há horas. Levei os três indivíduos ao Cario e encontrei Jay e Lori Grossman. Agora já acreditas em mim? Eles querem que jantemos com eles amanhã e eu disse que estava bem. Podes perguntar a eles com quem eu estive. OK?

Talvez o marido estivesse a dizer a verdade.

- Oh, está bem.

Linda suspirou, fatigada. Estava demasiado cansada para discutir.

David voltou para o quarto em passo largo e pomposo. Linda tomou o seu banho. Os pensamentos de ambos situavam-se em planos diferentes. Nenhum deles desejava verdadeiramente envolver-se em prolongadas discussões acerca de quem estivera aonde, pois era terreno escorregadio e tanto um como o outro poderiam acabar por resvalar.

Quando Linda foi para a cama, David achou-a muito bonita na sua camisa de noite comprida em seda sedutoramente colada ao corpo.

David quebrou o silêncio.

- Onde é que gostarias de ir jantar amanhã?

Linda manteve-se reservada.

- Tanto faz.

- Jay diz que Lori tem vontade de ir ao Savoy Grill; um tanto convencional mas imagino que, como eles estão de visita, não nos resta outro remédio.

- Acho que sim.

Linda desligou a luz da sua mesinha-de-cabeceira e deixou-se ficar de costas voltadas para o marido.

- Há alguma novidade com as crianças?

- Oh, nada de especial.

David acendeu um cigarro.

- Não estou cansado - observou.

-Por que não lês? Tens aí um livro na mesinha que principiaste há três meses.

- Não me apetece ler.

- Então apaga a luz e dorme.

- Bonita essa camisa de noite. É nova, não?

- Não. Tenho-a usado nos últimos dois anos - retorquiu Linda, suspirando impacientemente, ansiosa para que ele se calasse.

David inclinou-se para ela e tomou-lhe o seio esquerdo com a mão. Linda encolheu-se imediatamente. "Oh, Deus, não", pensou, "não esta noite, por favor, Deus, esta noite não." Depois de tantas noites passadas aqui deitada a ansiar por ele, não é possível que escolha precisamente esta.

David estirou-se na cama, de encontro a ela.

- Que se passa?

- Nada.

Linda fez um esforço sobre si mesma e virou-se de maneira a encarar o marido.

Felizmente ele possuíu-a rapidamente. Há muito que abdicara dos preliminares com ela. O acto sexual com David não lhe proporcionava prazer absolutamente nenhum. Sentiu-se vazia e usada. Interrogou-se vagamente se todos os homens seriam assim depois do casamento, inicialmente ansiosos por agradar, imensamente excitados se passavam meia hora a acariciar a mulher. Mas depois de casados - uma fornicadela rápida e já estava.

- Foi maravilhoso - disse ele. - E para ti, que tal?

Linda simulou prazer.

- Maravilhoso.

Repetiu o adjectivo utilizado por ele, incapaz de se lembrar de mais alguma coisa para dizer.

David voltou-se para o outro lado e apagou a luz. Ela fechou os olhos com força para evitar chorar.

- Boa noite.

David ficou a pensar na cabra que Claudia era.

Linda ficou a pensar no homem viril e sensível que Paul era.

Finalmente adormeceram os dois.

 

- Quero passar a noite aqui - disse Claudia, espreguiçando-se langorosamente.

Conrad estava ao telefone, a contactar com o serviço de quartos. Sentado na beira da cama, rolos de carne bronzeada pendiam-lhe em volta da barriga, enquanto a careca lhe brilhava de suor.

- Fala Mr. Lee, suite 206, mandem-me seis torradas com pouca manteiga e um pouco de caviar, do melhor que tiverem. E um balde de gelo, um copo de leite e uma dose de gelado de chocolate. - Olhou de relance para Claudia. - Queres alguma coisa, querida?

A jovem abanou a cabeça negativamente. Conrad voltou a falar ao telefone.

- Acrescente uma fatia de bolo de chocolate e natas, uma taça de natas. OK, é tudo. E que seja rápido.

- Vou passar aqui a noite - anunciou Claudia.

- Qual é a tua intenção?

- É porque quero ir contigo para o estúdio amanhã, tal como prometeste. Não te perco de vista!

Ele riu.

- Pequena, és o máximo! Já estive casado três vezes e pensava que conhecia as mulheres muito bem, mas tu és completamente diferente.

Claudia também riu, atirando a cabeça de maneira a que o cabelo lhe esvoaçasse em volta do rosto.

- Não preferes que eu seja honesta? - perguntou. - Não sou uma menininha ingênua, sabes. Gosto de ti. Mas não vejo motivo para não me ajudares.

- Não te prometi nada.

- Sim, prometeste-me um teste.

- Está bem, prometi-te um teste. Então e se fores uma porcaria?

- Não serei uma porcaria. - Sorriu. - Posso não ser capaz de representar, mas a fotografar sou um sonho! E no tipo de filme que estás a fazer, tenho a certeza de que tens possibilidade de encontrar algum papel para mim.

Ouviu-se uma batida discreta à porta do quarto.

- Tem aqui o seu pedido, senhor - disse uma voz.

Conrad levantou-se desajeitadamente da cama e pegou num roupão de seda estampada com cores vivas.

"Deus, como és velho e gordo", pensou Claudia.

- Adoro o teu roupão, querido - ronronou.

- É do Simpson - informou ele, satisfeito.

Tirou alguns trocos de cima da mesinha-de-cabeceira e desapareceu na sala ao lado.

Claudia rolou pela cama, ajeitando-se nos lençóis.

- Hei-de entrar no malfadado filme nem que me mate - murmurou de si para si. - Não forniquei com aquilo para nada!

Conrad voltou da sala ao lado com um pedaço de torrada na mão, que ia comendo.

- Que porcaria de caviar, queres ir a algum lado?

- Que horas são? - perguntou a jovem, surpreendida. Conrad consultou o enorme relógio de ouro que tinha no pulso.

- Uma e meia

- que é que está aberto?

Claudia pensou rapidamente. Se saíssem, ela queria certificar-se de que depois regressava ao hotel na companhia dele. Estava decidida a não o largar enquanto não lhe arranjasse o teste.

- Todos os clubes ficam abertos até cerca das quatro - respondeu. - E podemos passar pelo meu apartamento para eu poder ir buscar algumas roupas para vestir quando for ao estúdio amanhã.

- Óptima idéia.

Saltou para fora da cama. Conrad analisou-lhe a figura.

- Sabes, tens um corpo magnífico. Que acharias de aparecei nua no écran?

- Nunca pensei seriamente nessa possibilidade.

- Então pensa. Há um papel para o qual talvez sirvas. Posso fazer-te um teste.

- Quando?

Os olhos verdes brilharam.

Foram a uma discoteca nova -Charlie Brown. Estava apinhad" de gente mas conseguiram que os conduzissem directamente até uma mesa já cheia devido ao dinheiro que Conrad passou discretamente ao chefe de mesa. A música estava tão alta que não se conseguia ouvir ninguém a falar. No recinto de dança, minúsculo, casais comprimiam-se freneticamente entre si. Havia uma miscelânia de pessoas muito conhecidas, uma imensidade de raparigas de longos cabelos lisos a cobrirem-lhes metade do rosto e alguns representantes dos grupos de rock mais recentemente formados, cujos cabelos tinham quase o mesmo comprimento que o delas. Estava muito escuro.

Na mesa que lhes coube encontrava-se um fotógrafo que Claudia conhecia. Cumprimentou-o com um beijo e apresentou-o a Conrad"

Fazia-se acompanhar por um dos modelos mais em voga na altura, uma jovem alta e magra que fotografava divinamente.

Claudia não era capaz de estar quieta. A música percorria-a em grandes ondas.

- Queres dançar? - perguntou a Conrad.

Ele aceitou e ambos abriram caminho à força até à pista de dança, onde Claudia se entregou a loucos requebros e rodopios, enquanto Conrad se limitava praticamente a não sair do mesmo sítio e a balançar. Estava calor e o suor começou a escorrer-lhe pelo rosto.

"Consideras-te um grande dançarino", pensou Claudia. "Não vês que és demasiado velho para isto?"

Disse-lhe:

- Querido, danças magnificamente!

- Fofinha!

A voz era inconfundível. Mesmo ao lado deles, na pista de dança, estava Shirley acompanhada do sempre presente Honorável Jeremy.

- Onde está o teu namorado divinal?

Claudia sorriu.

- Pensei que iam para Windsor - gritou.

- Fomos mas estava simplesmente um pavor. Ou seja, não havia quase gente nenhuma. Já imaginaste alguma coisa mais horrenda?

O Honorável Jeremy aprovou com um veemente aceno de cabeça.

Nessa altura já Conrad suava profundamente.

- Sentemo-nos - alvitrou debilmente.

- Queridinha, iremos ter convosco num minuto. Onde é que estão instalados?

Claudia sorriu e acenou-lhes, fazendo de conta que não ouvira. A idéia de ficar agarrada a Shirley e Jeremy novamente não lhe agradava.

Quando voltaram para a mesa, esta estava ainda mais apinhada que anteriormente, e as pessoas tiveram de se espremer umas contra as outras para arranjarem lugar para eles.

A modelo disse a Conrad.

- Adorei o seu último filme. Fará o próximo neste país?

O fotógrafo convidou Claudia para dançar. Ela aceitou, não muito descansada em deixar a modelo esguia a tagarelar com Conrad, mas ansiava por voltar a dançar, além de que Giles, o fotógrafo, era um óptimo dançarino. Ela tivera já um pequeno romance com ele, mas depois tinham chegado à conclusão de que era divertido serem amigos. Pareciam-se demasiado para serem amantes. Ocasionalmente, se um deles andava livre, telefonava ao outro e passavam uma noite juntos e, se estivessem para aí virados, acabavam por ir para a cama. Mas tratava-se pura e simplesmente de uma relação fraterna, com um pouco de sexo à mistura. Giles era muito bem-parecido, no seu estilo de espanhol. As mulheres eram loucas por ele e os seus serviços como fotógrafo de modas e de acontecimentos sociais, eram muito requisitados.

- Quem é a figura paternal? - perguntou cinicamente. - Cindy diz que é um mandachuva de Hollywood e se há coisa que ela aprecia são mandachuvas de Hollywood.

- Podes dizer-lhe que mantenha as unhas afastadas deste. Já está ocupado.

Executaram uma dança ritual juntos - ele de pé, muito quieto, esboçando apenas pequenas contorções sexy, ela quase colada e a esfregar-se a ele.

- Apetece-te uma "passa"? - perguntou Giles em tom de conversa.

Claudia olhou de relance para a mesa. Tinham aparecido mais pessoas e Conrad parecia muito satisfeito a mandar vir bebidas e a falar em voz alta, com muitos gestos à mistura.

-'Sim, óptima idéia - disse ela.

Escapuliram-se da pista de dança e foram até uma varanda, cujo parapeito se estendia ao longo de metade do clube. Estava ventoso e surpreendentemente tranqüilo, já que as janelas e as portas que deitavam para o clube eram à prova de som.

Giles acendeu um cigarro e ambos o fumaram, cada um por sua vez.

- Tenho de me preparar mentalmente para fornicar com aquele saco de ossos - disse ele. - Andamos a fazer uma sessão de fotos para a Vogue e quero criar a atmosfera adequada entre nós. Cristo, deixa-me que te diga, é como estar com um esqueleto!

Ambos riram gostosamente.

- Desejo-te muita sorte - brincou Claudia. - E que tal achas o meu? Atraente, não é verdade?

-Eu sugeriria um arranjo a quatro - disse Giles-, mas sei que acabaríamos por fazê-lo um com o outro, portanto de que serve?

Ambos desataram a rir ruidosamente. Depois, Claudia disse:

- Vá, é melhor voltarmos para dentro.

- Qual é a tua? - perguntou Giles. - Vais tornar-te alguma estrelinha importante?

- Estrela, querido, estrela.

Regressaram ao barulho, ao calor e à mesa. Cindy escutava atentamente Conrad, que contava uma história chata que nunca mais acabava sobre os tempos da sua chegada à América, com a idade de catorze anos. Shirley e o Honorável Jeremy também já se tinham esgueirado para o meio dos convivas que se sentavam em redor da mesa.

- Amorzinho, que homem fascinante! - exclamou Shirley com voz entrecortada. - Que história! - Sorriu afectadamente para Giles. - Olá, boneco.

- Olá, Shirley, que tal vão os negócios?

- Negócios?

Giles riu.

- Esquece, querida.

- Escute, meu caro - gaguejou Jeremy -, gostei daquelas fotos que tirou a Shirley, bela colecção.

- Sou um belo fotógrafo - troçou Giles.

Claudia achou que era tempo de se interpor entre o olhar adorador de Cindy e Conrad. Envolveu o pescoço deste com o braço e segredou-lhe algo ao ouvido.

Ele fitou-a, surpreendido.

- Aqui? - exclamou. - Agora?

Claudia soltou uma risada.

- Ninguém dará por ela. Queres que o faça?

Conrad riu roucamente.

-'És uma gaja louca de todo. Guarda isso para mais logo, está bem?

Conrad mandou vir champanhe para toda a mesa e todos trataram de aproveitar a oportunidade para se servirem à farta.

- Amanhã à noite vou dar uma grande festa - anunciou. Claudia ficou deliciada.

- Para mim, querido?

- Sim, para ti, evidentemente, estão todos convidados.

- Oh, fantástico, que maravilha - exclamou Shirley com entusiasmo. - Onde e a que horas, doçura?

- Vão ter ao meu hotel, Plaza Carlton, reservarei uma sala lá, por volta das dez da noite.

- Que loucura! - exclamou Claudia. - Ouviram todos, amanhã às dez da noite. - Beijou a orelha a Conrad. - Vou até ao toilette, volto já.

Abriu caminho por entre as mesas apinhadas, dirigindo-se à recepção.

- Quero fazer um telefonema rápido - disse à rapariga que se encontrava atrás do balcão.

- Faça favor - disse a jovem, passando-lhe o telefone da casa. Passava das três da manhã. Ligou o número lentamente, com um sorriso estranho a bailar-lhe nos lábios.

Do outro lado atendeu uma voz masculina, sonolenta.

- Olá, David, querido - sussurrou ela. - Estou a divertir-me imenso; e tu?

Desligou imediatamente.

- É só para o meu marido saber que está tudo bem - explicou a jovem surpreendida, voltando novamente para dentro do salão.

O despertar, na manhã seguinte, não foi nada agradável. Ver Conrad a dormir a seu lado como uma lesma descontente, revoltou-lhe o estômago. Claudia sentia-se pesada e a pele tinha o toque do pergaminho muito usado. Foi até à casa de banho e tomou um duche gelado. Foi uma agonia absolutamente enregelante mas os efeitos posteriores revelaram-se compensadores.

Não tinham regressado ao hotel de Conrad nessa madrugada, acabando sim, por ficar no apartamento de Claudia.

Terminado o duche, vestiu-se cuidadosamente e maquilhou-se com mão meticulosa, preparando-se, até ao mais pequeno pormenor, para acompanhar Conrad até ao estúdio. A seguir preparou café e, por fim, abanou-o para o acordar.

Conrad teve um despertar doloroso. Muita tosse e sons esquisitos na garganta, olhos injectados de sangue, mau hálito e cheiro a transpiração.

- Cristo, que horas são? - murmurou ele, o grito universal das pessoas que acordam noutra casa que não a sua.

- São só dez horas - informou Claudia, passando-lhe uma chávena de café.

- Onde está o telefone? - perguntou Conrad.

Claudia procurou debaixo da cama e localizou o aparelho, que desligara na noite anterior.

Conrad telefonou para a sua secretária e transmitiu-lhe uma lista de instruções.

- Tenho de voltar para o meu hotel e mudar de roupa - disse, enfiando, a custo, as suas roupas.

- vou contigo.

- Para quê?

- Para o teste que me prometeste.

Conrad fitou-a.

- Está descansada que não me esqueço do tal malfadado Oeste, mas não pode ser feito hoje, assim sem mais nem menos. Tem de ser organizado.

- Vou contigo enquanto o organizas.

Conrad abanou a cabeça.

- Não desistes, pois não?

Pegou no telefone e ligou novamente para a secretária.

- Escuta, quero um teste marcado para Mis" Claudia...

Fitou-a com olhar interrogativo.

- Parker - informou a jovem rapidamente.

- Parker. Prepara-o para que se realize o mais depressa possível. O agente dela entrará em contacto contigo mais tarde, ainda hoje, para tratar dos pormenores.

Desligou.

- Assim, está bem, pequena? A jovem beijou-o.

- Podes crer! Olha, não te esqueceste da festa desta noite, pois não?

- Festa?

- Sim. Não te -lembras? Convidaste um enorme grupo de pessoas para uma festa no teu hotel, esta noite.

- Ah, é verdade... está bem. Tratarei do assunto e ver-te-ei mais tarde.

- Chegarei algumas horas mais cedo, para o caso de precisares de alguma coisa.

- Se me sentir como neste momento, não precisarei de nada... mas nunca se sabe.

Soltou uma gargalhada estrondosa e saiu.

 

Linda telefonou a Paul, que se encontrava no emprego, mal as crianças partiram para a escola e David para o escritório. Ele mostrou-se ansioso por vê-la.

- Não posso - disse Linda.

Paul foi muito persuasivo, de tal maneira que ela acabou por concordar em se encontrar com ele durante a hora do almoço.

Estava um dia ensolarado e frio, e o encontro teve lugar em Green Park. Ela nunca o vira de fato anteriormente, e achou que não se adaptava nada à sua pessoa. Concluiu que era por ser feito em série. Os fatos de David eram sempre confeccionados por medida.

Caminharam de mão dada, no entanto Linda não se sentia à-vontade. Tinha a sensação de estar demasiado bem vestida com a sua elegante fatiota e os sapatos de crocodilo com mala a condizer. Tinha consciência de que, ao passear-se de mão dada com Paul Bedford em Green Park, estava deslocada. Não se tratava do caso de se sentir velha ou, pelo menos, mais velha que de - mas estava ciente, dessa desigualdade de idades, apesar de não o desejar-" sentia-se uma vadia.

- Em que pensas? - inquiriu Paul. - Há algum problema a incomodar-te?

- Não sei, Paul. Tudo isto está errado. Simplesmente não sou o tipo de mulher que se envolva numa aventura extraconjugal. Tenho os meus filhos, a minha casa e sinto que devo tentar resolver as coisas com o meu marido. Não posso limitar-me a deitar tudo para trás das costas e envolver-me contigo. Não está certo.

Ele ficou irritado.

- Que se passa, Linda? Assustada com a possibilidade de perderes a segurança se David descobrir?

- Não. Estou assustada com a possibilidade de perder o respeito que tenho por mim mesma.

Caminharam algum tempo em silêncio e depois Paul disse:

- Que estás a tentar dizer?

- Estou a tentar dizer que não posso ter uma vida dupla. Quero parar antes de avançar ainda mais.

A voz de Paul soou sombriamente.

- Não quero perder-te. Tenho andado à procura de alguém como tu. És uma pessoa meiga. Eu preciso de uma pessoa meiga.

Não te faço quaisquer exigências, desejo unicamente que nos encontremos quando tiveres disponibilidade.

- Isso não basta para nenhum de nós - observou Linda brandamente. - Acho que não devíamos voltar a ver-nos.

Retirou a mão.

Os modos de Paul alteraram-se.

- És tal qual as outras. Devia ter adivinhado que no fundo não passas de uma cabra insensível, com medo de perder todos os confortos do teu lar. Vocês as mulheres não têm coração.

- Lamento, Paul, não quero discutir, está acabado.

Virou-se e começou a afastar-se rapidamente.

- Quem é que agora te vai fornicar, cabra desavergonhada! gritou-lhe ele enraivecido.

Linda sentiu o sangue subir-lhe ao rosto e começou a correr, detendo-se apenas ao chegar ao carro.

Conduziu-o até casa, lágrimas frias a correrem-lhe pelas faces durante todo o caminho.

 

Os Grossman encontravam-se no bar do seu hotel, à espera, Lori irrepreensível no seu chiffon lüás-pálido, o cabelo prateado apanhado atrás em complicados caracóis, o decote fundo de maneira a mostrar dois seios alvos e acetinados.

Os Coopers chegaram ao encontro com pontualidade. Linda levava um vestido de seda preta e uma estola de vison bege-pálida. David ia convencional com o seu fato azul-escuro, camisa branca, gravata azul e botões de punho com safiras enormes.

Tomaram todos uma bebida e em seguida seguiram para o Savoy Grill.

Jay abrilhantou a noite com histórias divertidas acerca de Hollywood. David tagarelou amigavelmente sobre negócios e política. As duas mulheres mantiveram-se quase sempre em silêncio. Lori estava obviamente desiludida pelo facto de a princesa Margarida não estar presente. Queixou-se com a falta de gelo nas bebidas e retocou a maquilhagem vezes sem conta.

Jay disse, finalmente:

- Por amor de Deus, pára de olhar para o espelho! Todos nós sabemos que és bonita, foi por essa razão que casei contigo, não foi?

Depois da observação do marido, Lori manteve-se amuada. Chegados ao café, Jay sugeriu:

- Escutem, que tal passarmos pela festa que Conrad dá esta noite? Prometemos fazê-lo.

- Estou fatigada - disse Linda em tom de desculpa. - Foi o primeiro dia das crianças na escola e os preparativos deixaram-me perfeitamente de rastos.

- Anda, Linda - disse David jovialmente. - Iremos só por uma hora.

Sentia-se muito satisfeito consigo mesmo por ter conseguido abster-se de telefonar a Claudia durante o dia todo. Uma lição para a pequena vadia. E aquela de lhe telefonar a meio da noite para lhe provocar ciúmes? Ele lhe mostraria. Ela teria de vir implorar-lhe o perdão.

- Sim, Linda, deve vir - reforçou Jay. - Vai ser divertido, garanto-lhe.

- Então, só por uma hora - acedeu ela relutantemente. Acompanhou Lori ao lavabo das senhoras onde, entre a aplicação do pó-de-arroz e do blush, Lori resmungou:

- Aquele filho da mãe pensa que eu sou uma idiota. Ele verá quem é a idiota quando lhe deitar a mão a metade de tudo o que tem.

- Desculpe, não percebi - disse Linda, delicadamente.

- É a lei da Califórnia, eu sei que é a lei da Califórnia.

Dito isto, Lori ficou em silêncio, aplicando cuidadosamente nova camada de baton.

A festa estava no auge quando chegaram. Já lá se encontravam entre sessenta a setenta pessoas e continuava a chegar gente. Fartos buffets de comida ocupavam um canto da sala, assim como se viam bares estrategicamente colocados e um conjunto de seis elementos ao som de cuja música as pessoas dançavam.

Abriram caminho até ao bar mais próximo e pediram bebidas. Jay parecia conhecer muita gente. Procedeu às apresentações e não tardou que David ficasse entretido a conversar.

- Venha comigo falar a Conrad - sugeriu Jay a Linda. - Tenho de o ir cumprimentar.

Encontraram Conrad sentado a uma mesa a comer gelado de chocolate e a beber uísque puro. Claudia estava a seu lado, envergando um vestido vermelho-vivo cheio de folhos e exibindo uma profusão de diamantes falsos.

Conrad cumprimentou-os efusivamente e convidou-os a sentarem-se, afastando duas outras pessoas para tal.

- Lembra-se de Mrs. Cooper, Linda - disse Jay.

- Claro, claro, que acha da festa? Sei como fazer estas coisas bem, não sei?

- Sem dúvida - declarou Jay com admiração.

- Olá, Mrs. Cooper - cumprimentou Claudia, com voz pouco clara. Estivera a beber abundantemente, fazia várias horas. - Mr. Cooper está por aí?

- Sim, está - respondeu Linda. - Deseja falar com ele acerca de algum assunto?

- Sim, de facto desejo - deitou um copo abaixo acidentalmente; o álcool escuro deixou uma mancha na toalha de mesa. - Quero dizer-lhe onde ele pode enfiar a sua maldita campanha Beauty Maid. Que a enfie pelo rabo! Aí tem o que ele pode fazer com ela.

Deu um soluço.

Linda fitou-a friamente.

- Farei os possíveis para que ele receba a mensagem, querida - disse, voltando-se depois para falar com Jay.

Claudia pôs-se de pé.

- Creio que lhe dou eu mesma a maldita mensagem - disse com voz entaramelada, afastando-se com passo inseguro.

- Que se passa com ela? - perguntou Linda. Jay encolheu os ombros.

- Não sei. Que se passa com a tua namorada, Con?

Conrad riu.

- A gaja é pírulas. Prometi-lhe uma participação no filme. Subiu-lhe à cabeça.

- Que participação?

- Que tal uma tipa seminua aparecer numa das cenas? A miúda tem um corpo magnífico, e se fotografar bem, OK, utilizá-la-emos. Que dizes?

- Óptimo - respondeu Jay com um sorriso. - Parece que ela é uma categoria!

Linda levantou-se da mesa,

- Dêem-me licença por um minuto - disse.

Deu uma volta pela sala à procura de David, mas não foi capaz de o encontrar ou à rapariga. Suspirou. "Provavelmente não era nada, a palerma da jovem estava embriagada. "

Avistou Lori rodeada por um grupo de admiradores masculinos e aproximou-se.

Lori dizia:

-'Bem, de onde eu venho, as mulheres são tratadas como senhoras. É que, sabem...

- Viu David? - perguntou-lhe Linda, interrompendo-a.

- Vi - retorquiu ela, mal olhando para Linda. - Saiu para o terraço.

"É uma estupidez", pensou Linda. "Não devia andar atrás dele desta maneira, é infantil."

Dirigiu-se para o terraço e viu que estava deserto.

Precisamente quando ia a voltar para dentro, ouviu uma risada baixa e gutural. Olhou novamente e avistou, a um canto, um casal abraçado.

Retrocedeu para o meio da sombra e acercou-se ligeiramente. A rapariga estava a puxar a cabeça do homem para os seios, que lhe saíam pelo decote do vestido. Ao mesmo tempo, ia-o acariciando intimamente.

- Não conheço mulher mais louca que tu, Claudia - murmurou o homem. - Nem mais deliciosa.

Começou então a puxar-lhe o vestido para a cintura, de onde ficou a pender-lhe.

- Senti tanto a tua falta - continuou ele. -Uma noite passada sem ti é um martírio.

Sufocada e sentindo-se mal disposta, Linda retrocedeu. Era David. O seu marido. O seu marido infiel e mentiroso.

Conseguiu voltar para dentro da sala. Atordoada, encaminhou-se para a porta.

Jay agarrou-lhe no braço.

- Que se passa? Está com um aspecto terrível, que aconteceu?

Linda fitou-o sem o ver.

- Tenho de sair daqui - murmurou entrecortadamente, libertando-se da mão dele e seguindo em direcção à porta.

Jay segurou-a novamente pelo braço e orientou-a até ao bar mais próximo.

- A senhora deseja um brandy bem servido, e rápido - pediu. - Agora conte-me o que aconteceu. - Pegou-lhe na mão e apertou-lha com força.

- Conte-me - repetiu com voz mais suave.

Linda fitou-o, nos olhos uma expressão de grande choque.

- Eu desconfiava de que ele tinha aventuras por aí, de vez em quando, nas suas viagens de negócios, mas isto, comigo aqui... horrível.

O empregado trouxe-lhe o brandy, que Linda bebeu em grandes goles.

- Eu... eu andava à procura de David. Queria alertá-lo contra aquela vadia embriagada. Lori disse que ele tinha saído para o terraço. Fui até lá e vi-o com ela. Estavam abraçados... ela tinha metade do vestido fora do sítio. E diziam umas coisas um ao outro...

- Oh, Deus! - exclamou Jay. - Que filho da mãe mais estúpido! Olhe, a rapariga estava embriagada. Quem sabe se ele tentava livrar-se dela.

Os olhos de Linda mostraram-se irônicos.

- com palavras como: "Uma noite passada sem ti é um martírio."

- Que tenciona fazer? - perguntou Jay. - Quer que a leve a casa?

Linda abanou a cabeça.

- Que posso fazer? Não suporto uma situação destas. Para mim, está tudo acabado. Quero o divórcio. - A voz tremeu-lhe. - Nunca mais falarei com ele.

- Olhe, não vale a pena tomar decisões nesse estado de perturbação. Deixe-me levá-la a casa. Voltarei directamente para aqui e falarei com David, dir-lhe-ei que não vá para casa esta noite.

Linda riu com amargura.

- Diga-lhe para nunca mais ir para casa. Diga-lhe que fique com a sua pega "mais deliciosa". Diga-lhe que pode fazer o que muito bem lhe apetecer, porque eu já não quero saber. Está acabado. - Bebeu novo gole farto de brandy. - Estou quase a chorar, por favor, leve-me daqui para fora.

Apanharam um táxi ao chegarem ao exterior do hotel. Linda estava preocupada com a possibilidade de Lori ou David darem pela falta deles e o marido lembrar-se de ir atrás deles até casa, mas Jay sossegou-a.

- Daqui a uma hora já estarei de novo na festa e se ele der pela sua falta, não fará mais que procurá-la por lá. Quanto a Lori, essa nem sequer dará pela minha ausência.

Linda suspirou.

- Sinto-me tão embaraçada por arrastá-lo assim para longe da festa e com tudo o mais. Toda esta situação é tão horrível!

- Não fique embaraçada. - Pegou-lhe na mão para a confortar. - Se lhe servir de consolo, também eu já me vi numa situação exactamente igual. Em Hollywood, numa festa muito animada, Jenny, a minha primeira mulher, desapareceu. Procurei-a por tudo quanto era canto e acabei por encontrá-la na cama com o anfitrião. Como vê, eu compreendo.

- Qual foi a sua reacção?

- Eu era um parvo. Dei-lhe nova oportunidade, e certo dia, ao voltar para casa mais cedo, encontrei-a a fornicar com o moço das entregas.

Ficaram sentados em silêncio durante algum tempo, até que Jay disse:

- Imagino que para algumas pessoas uma mulher ou um homem seja suficiente, mas tal não acontece com nenhuma das que eu conheço. Creio que cada um recebe da vida o que merece. Casei três vezes, em todas elas com uma rapariga bonita mas com tanta inteligência como um coelho. O mal deve ser meu, caso com tipas estúpidas, atrasadas e bonitas.

Linda hesitou.

- Eu... eu esta semana fui infiel a David. A primeira em onze anos de casamento. Agora sinto-me muito envergonhada com o que fiz. Foi com um rapaz, um rapaz de vinte e dois anos, não sei porquê...

Calou-se, para depois continuar:

- David não me tocava há meses, estávamos muito afastados um do outro, ele nunca parava em casa. Aconteceu simplesmente. Imagino que sou tão culpada quanto ele.

- Nunca se sinta culpada. Que benefício obtém? Deite as coisas para trás das costas e verá que de manhã se sente melhor. Tem os seus filhos, portanto não tome nenhuma decisão apressada.

- Boa noite, Jay, obrigada por tudo.

- Linda, amanhã telefono-lhe. Descanse bastante... vai correr tudo bem.

 

Claudia encontrou David num grupo, juntamente com Lori. Aproximou-se silenciosamente dele, por trás, e premiu o corpo de encontro ao dele. Tapou-lhe os olhos com as mãos e balbuciou-lhe com voz à Marilyn Monroe:

- Adivinha quem é, querido!

Não era possível confundir aquele corpo. David sentiu-se surpreendido e intensamente excitado. Ela exercia sobre ele o efeito mais incrível; bastava-lhe apenas sabê-la presente para a desejar.

Voltou-se lentamente, olhando em volta para ver se Linda estava perto. Não estava.

- Olá, Claudia.

- "Olá, Claudia" - imitou ela trocistamente. - Será que não mereço cumprimento mais efusivo que esse? A propósito, podes enfiar a tua campanha Beauty Maid no rabo.

O grupo no qual se integrava, acompanhava atentamente a cena, incluindo Lori.

David agarrou Claudia firmemente pelo braço, magoando-a.

- Vamos tentar encontrar Linda! - disse, afastando-se e puxando pela jovem.

- "Vamos tentar encontrar Linda!" - repetiu ela incredulamente. - Deves estar a brincar!

David levou-a para o terraço, descobrindo um canto deserto e escuro. Mal a largou, Claudia deitou-lhe os braços ao pescoço e beijou-o.

- Sentiste a minha falta? - sussurrou ela. - Tencionava ficar muito zangada contigo mas não consigo. - Soltou uma risada. - Tu dominas-me completamente, sabes.

- És uma cabra, deixaste-me especado no meio do restaurante, telefonaste-me a meio da noite! Tu é que ficavas zangada. Imagina eu!

A jovem mordiscou-lhe a orelha, esfregando o corpo de encontro ao dele.

Tinha o vestido seguro por duas alças finas. David baixou-as, puxando-lhho para baixo, até à cintura. Ela não trazia nada por debaixo. Orientou-lhe avidamente a boca para os seios.

Toda a capacidade de raciocínio desaparecera. Ele estava com Claudia e tinha de a possuir. Que se encontrassem num local público, não tinha importância. Que a sua mulher pudesse estar por perto, não queria saber. Que alguém pudesse aparecer, também não.

Estava escuro. Ele puxou-a para o cimento frio do chão e ergueu-lhe a saia. Ela não trazia calcinhas.

Possuiu-a rapidamente. Tudo terminou num minuto.

- Cristo! - murmurou ele. - Cristo!

Claudia deixou-se ficar no mesmo sítio, rindo, com o vestido enrolado na cintura. David ajudou-a a pôr-se de pé e olhou em volta, aliviado por ver que ninguém dera por nada. Para a jovem, tanto fazia.

- Temos de voltar para dentro separadamente - disse David.

- Vai-te fornicar! - replicou Claudia.

- Acabaste de fazê-lo comigo. - Endireitou a gravata e limpou o rosto com um lenço a fim de fazer desaparecer todos os vestígios de baton. - Amanhã telefono-te. Sairei mais cedo do escritório e irei ter contigo. Tenho uma surpresa para ti.

- Tens sempre uma surpresa para mim. És o homem da erecção permanente! - Riu. - Que título para uma série de televisão; estou mesmo a ver: "O Homem da Erecção Permanente", com Dick Hampton!

David beijou-a.

- Vai tu primeiro; dirige-te imediatamente aos lavabos femininos, estás com um aspecto desgraçado.

- Obrigada, gentil senhor. Não desejais mais nada de mim?

- Vá, anda, sê boa menina. Mais tarde farei os possíveis por te telefonar.

Claudia deitou-lhe a língua de fora - agitando-a obscenamemte e depois entrou descontraidamente na sala.

David suspirou fundo, "que rapariga!" Depois de cinco minutos de segurança, seguiu atrás dela. A festa ainda estava no auge da animação. Agarrou numa bebida que um criado que passava levava numa bandeja e começou a procurar por Linda. Aquele hábito de deparar com Claudia nas festas começava a tornar-se perigoso.

Viu Lori a dançar com um actor de mau aspecto. Movia as ancas em movimentos rítmicos e repetidos. Sorriu para ele. Não havia dúvida de que sabia como mexer-se.

David aproximou-se dela.

- Viu Linda? - perguntou-lhe. Lori manteve-se impassível.

- A última vez em que a vi ia ela para o terraço à sua procura.

- Para o terraço? - disse David, estupefacto.

- Para o terraço, querido.

E afastou-se a dançar.

David começou a procurar Linda cheio de preocupação. Abriu caminho pelo meio da sala, por entre grupos de pessoas que riam e tagarelavam. Uma rapariga agarrou-lhe no braço; era esguia e bonita. Lembrou-se de que era a amiga que Claudia encontrara no restaurante.

- Olá, borracho - ciciou ela. - Curioso encontrar-te por aqui.

- Olá.

Olhou em redor à procura do namorado desprovido de queixo com que a vira.

- Oh, Jeremy foi buscar-me outra bebida. - Recusava-se a largar-lhe o braço. - Que festa óptima, mas não esperava encontrá-lo aqui.

- Por que não? - perguntou David impacientemente. Ela era demasiado esguia para que ele a achasse atraente. - Sei que somos todos muito modernos, mas a mim você deu-me a impressão de pertencer ao tipo ciumento.

- De que está a falar? - Libertou o braço.

- No final de contas, esta festa está a ser dada por Conrad Lee em honra de Claudia e nunca me passaria pela cabeça que você viesse. Ou seja, uma pessoa não devia misturar os negócios com o prazer, não é? E você é obviamente prazer, enquanto que ele é obviamente negócio. - Sorriu agradavelmente. - Ali vem Jeremy com a minha bebida. Até à vista.

E afastou-se.

David sentiu-se furioso. Claudia não mencionara Conrad Lee ou o facto de a festa ser em sua honra. Cabra! Cabra! Cabra! Estava sempre a passar-lhe a perna.

Esquecida a sua preocupação com Linda, começava uma outra com Claudia. Desejava esclarecer alguns pontos.

Jay regressou à festa. Vinha pensativo. Dizer a outro homem que não podia voltar para casa e para a sua própria mulher, era uma situação complicada. Corria sérios riscos de acabar por levar um murro no nariz. Viu David do outro lado da sala, a conversar com uma jovem. David Cooper. Um homem atraente, corpulento e moreno, por quem todas as damas caíam de amores. Lori observara que o imaginava muito capaz de ser fantástico na cama, mas depois de falar com Linda não ficara com essa impressão. Lori tinha o hábito de pensar que todos os homens eram fantásticos na cama, era a sua maneira de transmitir a Jay que não reconhecia nele essa qualidade.

Aproximou-se rapidamente de David - mais valia acabar depressa com aquela situação- e contou-lhe em que pé estavam as coisas.

David mostrou-se devidamente estupefacto. Tentou negar os factos mas quando Jay lhe relatou, palavra por palavra, o que Linda dissera, foi forçado a admiti-los.

- Você é um idiota - disse Jay. - Tem uma mulher estupenda. Se quer fornicar por aí, por que o faz debaixo do nariz dela?

- Que vai ela fazer? - perguntou David alarmado.

- Falou em pedir o divórcio.

- Isso é ridículo. Não tem provas. Está bem, beijei uma rapariga numa festa, que significado tem? Vou para casa. Não serei posto fora do meu próprio lar.

Jay encolheu os ombros.

- Não posso impedi-lo, somente lhe ofereço um conselho. Ela está em estado de choque, voltar para casa esta noite só piorará a situação. Se esperar até amanhã de manhã, tenho a certeza de que ambos verão tudo com mais clareza.

- Muito obrigado pelo conselho. Mas acontece que eu conheço Linda. Agora está perturbada. Quando lhe explicar o sucedido, tudo passará.

Jay fitou-o com irritação.

- Prometi-lhe que você não iria para casa esta noite.

David devolveu-lhe olhar idêntico.

- É pena, meu amigo, porque vou para casa agora mesmo.

Mantiveram o olhar preso um no outro durante alguns momentos, até Jay dizer:

- Boa noite, seu otário. Não se esqueça de despedir-se da sua namorada. Provavelmente encontrá-la-á a beijar o rabo a Conrad Lee...

E foi assim que se separaram.

 

Quando David chegou a casa e meteu a chave na fechadura da porta de entrada, esta não se abriu. Acendeu um fósforo para se certificar de que utilizara a chave certa, mas apesar de esta girar sem problemas, a porta mantinha-se rigorosamente fechada. Apercebeu-se do acontecido. Linda trancara-a do lado de dentro.

Deu a volta até à porta das traseiras, mas esta também estava bem fechada. Sentiu crescer uma ira avassaladora e sufocante dentro de si. Voltou para junto da entrada da frente e premiu fortemente o botão da campainha com o dedo. O som estridente fez-se ouvir, alto e insistente. Não houve resposta. Tentou de novo, dessa vez deixando o dedo em posição durante vários minutos.

Na janela do andar de cima acendeu-se uma luz. Era o quarto da criada. Aguardou impacientemente que Ana descesse para o deixar entrar, no entanto nada aconteceu e passado um bocado, a luz voltou a apagar-se.

Sentiu-se furibundo - Linda estava obviamente levantada e devia ter dito a Ana para ignorar a campainha. Pontapeou a porta selvaticamente mas o gesto só lhe serviu para magoar o pé.

"Isto é incrível", pensou. "A quem diabo pensa ela que a maldita da casa pertence?"

- Mais vale que me escutes, Linda - gritou. - Não me faças uma coisa destas, abre a porta ou eu vou à polícia.

A casa manteve-se silenciosa e escura, diante dele. Esmurrou a porta com os punhos - nada. Voltou a premir a campainha - nada. Depois chegou-lhe, vindo do andar de cima e muito ao longe, um som débil de choro infantil.

Deixou-se ficar no mesmo sítio, sem saber o que fazer. Sentia-se culpado por ter acordado os filhos mas, no fim de contas a culpa era de Linda, que não o deixara entrar. Tocou à campainha firme e insistentemente uma última vez e, para sua surpresa, as trancas foram corridas e a porta abriu-se alguns milímetros. David ia a empurrá-la para entrar quando reparou que não podia fazê-lo - impedido pela forte corrente de segurança.

Linda espreitou para fora, de rosto empalidecido e furiosa.

- Vai-te embora, metes-me nojo.

A voz soava fria e fatigada.

- Vá, deixa-me entrar para falarmos sobre o assunto. Não foi nada, eu estava embriagado.

- Não quero falar contigo, não quero ver-te. Volta para a tua pegasinha e deixa-me em paz.

Atirou-lhe a porta à cara.

David praguejou, bateu violentamente na porta e gritou:

- Vais-te arrepender, Linda. Vou-me embora e nunca mais voltarei!

Ela não mudou de idéias. Furioso, David dirigiu-se para o carro com passadas largas, entrou e pô-lo a trabalhar com gestos bruscos.

Assim que David saiu da festa, Jay telefonou a Linda a avisá-la. Depois foi buscar Lori, que dançava apertadamente com um embaixador de rosto escuro, e sentou-a a um canto.

- Viste David levar aquela tipa lá para fora para o terraço. Não tens cuidado com essa tua boca? Por que disseste a Linda?

Lori mostrou-se desinteressada.

- Não sei do que estás a falar, querido - disse com voz arrastada. - Há algum problema?

- Sim, há um problema. - Encolheu os ombros com enfado. - És assim tão estúpida como aparentas ser?

Lori amuou.

- És muito mau para mim, Jay. Não percebo por que casei contigo.

- Dois casacos de vison, um de zibelina, uma mansão e vários carros avivam-te a memória?

Lori levantou-se, passou as mãos sobre o vestido, alisando vincos imaginários.

- Vou dançar outra vez, interrompeste-me, o tipo com quem estava a dançar é muito amoroso e importante.

E afastou-se, bela e gélida.

Jay abanou a cabeça num gesto de desespero. Aquela mulher ou era uma idiota ou uma cabra, ou uma astuta combinação das duas coisas.

Na mesa onde Conrad e o seu grupo estavam instalados, o barulho era cada vez maior. Guinchos de risos embriagados, bebidas entornadas, Claudia a subir para cima da mesa e a dançar, enquanto os homens lhe espreitavam todos pelas saias acima à medida que tinham consciência de que ela não tinha calcinhas. Encorajada pelos gritos excitados dos homens embriagados, começou a despir o vestido.

Jay assistiu à cena. Encontrava-se horrivelmente sóbrio. Todos pareciam comportar-se como um bando de animais selvagens. Sentiu-se enojado.

A multidão adensava-se em volta da mesa, de olhos arregalados fixos em Claudia e no espectáculo gratuito que esta dava. O embaixador estrangeiro acercou-se rapidamente trazendo Lori a reboque. O strip-tease foi rápido, pois Claudia só tinha o vestido para despir. Deu-lhe um pontapé para fora da mesa e a seguir pôs-se a dançar ao som da música, retorcendo-se até mais não. O corpo reluzia-lhe orgulhosamente e os homens que formavam a multidão empurravam-se uns aos outros, chegando-se cada vez para mais perto, ao mesmo tempo que as mulheres, subitamente invejosas de semelhante perfeição, começavam a tentar afastá-los.

Um homem de ar altamente vexado, envergando calças às riscas estreitas e casaco preto, abriu caminho em direcção à mesa. Representava a gerência. Chocado e preso de horror, aproximou-se de Conrad, que lhe acenou, completamente bêbado.

- Se esta... esta... esta mulher não se vestir imediatamente, teremos de chamar a polícia.

Claudia pôs-lhe a língua de fora, a única parte do seu corpo que ainda não fora exposta à vista dos presentes.

Claro que a polícia acabou mesmo por chegar. Envolveram Claudia num cobertor, levaram-na para a esquadra e prenderam-na por exposição indecente.

Na manhã seguinte, aparecia nos cabeçalhos dos jornais. Claudia transformara-se numa estrela - pelo menos naquele dia. Foi fotografada e citada, enquanto Conrad aproveitava aquela onda de publicidade para anunciar a sua participação no seu novo filme. Contactou com o agente da jovem e contratou-a para dois dias de trabalho.

Claudia estava encantada. Saiu da esquadra à hora de almoço, triunfante. Deu uma conferência de imprensa, fez pose para incontáveis fotografias e depois arrancou para o estúdio num automóvel com motorista, a fim de ser maquilhada e prestar provas. Não viu Conrad, o assunto foi deixado nas mãos de profissionais competentes. Sentia-se satisfeita, ele cumprira a sua promessa com rapidez.

Ao regressar do estúdio, à noite, encontrou David em frente da sua porta.

Altiva e atordoada pelo sucesso inesperado, não o achou tão irresistível.

- Que queres? - perguntou-lhe friamente, continuando logo a seguir, com um assomo de entusiasmo: - Eia, viste-me nos jornais hoje?

Ele seguiu-a até ao interior do apartamento e preparou imediatamente uma bebida para si.

A jovem começou a andar de um lado para o outro a falar excitantemente, esquecendo a frieza de um momento atrás. No final de contas, David pertencia a outra pessoa e era para ela que ele vinha.

- Esta noite vou levar-te a jantar fora, onde queres ir? - perguntou ele.

Claudia riu-se.

- Oh! Compreendo. De repente sou uma estrela e agora já não te importas de ser visto na minha companhia. Que tem a mulherzinha esta noite? Não tens medo de que um dos espiões dela nos descubra?

- Não tens que te preocupar com Linda. Deixei-a.

O silêncio pairou, pesado, na sala; de repente Claudia aproximou-se dele e beijou-o violentamente. Os olhos brilhavam-lhe.

- Deixaste-a por mim?

- Por ti. - Correu-lhe as mãos pelas costas, detendo-as para lhe rodear as nádegas. - Quando esta manhã te vi nos jornais e li o que aconteceu, percebi que só nos restava ficarmos juntos de agora em diante. Portanto comuniquei o facto a Linda. Disse-lhe que queria o divórcio, e aqui estou.

Claudia abanou a cabeça com incredulidade.

- Deixaste-a verdadeiramente por minha causa. Mas é fantástico!

- Vou-me divorciar dela e casar contigo - declarou David firmemente.

Claudia voltou a movimentar-se pela sala.

- Não quero casar, mas seja como for, obrigada pela idéia. Ena, querido, podemos fazer o que nos apetecer, ir para onde quisermos. É o máximo!

David seguiu a jovem pela sala.

- Não entendes? Eu disse que casava contigo.

Ela riu.

- Mas eu não quero.

- Mas quero eu.

Agarrou-a. Ela envergava uma camisola cor de laranja colada ao corpo, a condizer com os calções, e botas brancas reluzentes. Claudia escapou-se-lhe dos braços.

- Escuta, amor, esclareçamos o assunto de uma vez por todas. Eu não tenho, não tenho, repito, nenhum desejo de dar o nó; portanto, não continues a acenar-me com a idéia como se fosse uma coisa do outro mundo. Não quero casar contigo.

Quase gritava e David, percebendo o estado de espírito da jovem, nudou de assunto.

- Onde é que vamos comer? - perguntou. - Podemos ir a qualquer lado, como preferires.

Claudia espreguiçou-se, fazendo lembrar uma gata com a sua faitiota cor de laranja.

- Estou cansada. Não me apetece vestir para sair.

David mostrou-se surpreendido.

- Andas sempre a queixar-te de que nunca vamos a parte nenhuma... e agora que podemos ir aonde quiseres, não queres ir.

Claudia deixou-se cair numa poltrona, apoiando negligentemente as pernas num dos braços.

- Já ouviste contar a história da menina que queria rebuçados, resmungou e chorou até lhe darem os rebuçados, e depois comeu tantos que enjoou? - Soltou uma risada. - Entendeste a mensagem?

- Que diabo se passa contigo? Não percebeste o que hoje fiz por ti?

Claudia encolheu os ombros.

- Por mim? Pensaria que foi antes por ti próprio. Aonde vais viver?

- Vou alugar um apartamento. Pensei em, entretanto, ficar aqui contigo; depois poderemos mudar-nos para um sítio novo, juntos.

Claudia examinou as unhas, admirando o brilho do verniz pérola.

-É uma penthouse?

- Que é que é uma penthouse?

- O apartamento que vais alugar. - Houve uma pausa. - Então, é?

- Não sei. Que diabo interessa? Se o que desejas é uma penthouse, arranjaremos uma.

A jovem sorriu finalmente, satisfeita e mimada.

- Sim, é o que eu quero. Posso começar a procurar amanhã? Isto aqui vai ser demasiado apertado para nós os dois. - Estendeu-lhe os braços. - Desculpa ter sido mazinha mas tive um dia cansativo.

David caiu nos braços dela e beijou-a, sentindo o habitual desejo despontar imediatamente nele.

Claudia beijou-o apaixonadamente, passando-lhe a língua pelos dentes e arranhando-lhe a nuca com as unhas afiadas. Ele começou a acariciar-lhe o corpo mas ela empurrou-o e levantou-se rapidamente.

- Agora não, querido. Vamos jantar e depois... pensa nisso... depois podemos voltar para casa juntos. Vai ser uma cena completamente diferente.

Ligou a aparelhagem estéreo e o som dos Stones encheu a sala. Claudia pôs-se a dançar, despindo a camisola e contorcendo-se para fora dos calções ao som da música. Ficou só com o minúsculo soutien vestido e as botas brancas e reluzentes.

David observava-a, fascinado.

- Nunca usas calcinhas?

- Para quê estragar a linha? - A jovem riu. - Isso incomoda-te? Até agora nunca tive nenhuma queixa.

Desapareceu no interior da casa de banho e ele ouviu o som da água a correr. Foi atrás dela. Claudia encontrava-se inclinada sobre a banheira, a deitar espuma de banho na água. Tirara o soutien mas as botas permaneciam. David agarrou-a por trás. A jovem debateu-se fracamente, meia a rir. Ele tentou segurá-la, livrar-se da roupa ao mesmo tempo, mas ela escorregou e caiu dentro da banheira. Nessa altura já ria às gargalhadas, toda molhada e coberta de espuma de banho. Ficou com as pernas a penderem para fora da banheira, ainda de botas calçadas.

David despiu-se apressadamente e também foi para dentro da banheira. A água esparramou-se abundantemente pelos lados.

- Acho que vou gostar de viver aqui-disse ele.

 

O sol entrava no quarto a rodos e David não conseguia voltar a adormecer. Claudia estava deitada a seu lado, toda esticada, ocupando mais do que a parte que lhe competia na cama. Afirmava não ser capaz de dormir com as persianas corridas, o que contribuía para o facto de, todas as manhãs, ele acordar demasiado cedo. Olhou para o relógio de pulso. Eram só seis e meia e tinham-se deitado às quatro. Sentia-se cansado, rabugento e sob os efeitos de uma ressaca. Não valia a pena levantar-se para ir correr as persianas pois, uma vez desperto, não voltava a adormecer.

O quarto espaçoso estava mergulhado na maior das desordens, Claudia tinha o hábito de despir as roupas e deixá-las espalhadas por todo o lado. De manhã havia que recolhê-las de entre os detritos.

"É fantástico", pensou David, "como a minha vida se alterou em seis curtos meses." Mas seis meses a viver com Claudia eram o suficiente para mudar qualquer pessoa.

O vestido novo que ele lhe comprara jazia ao fundo da cama, transformado numa bola amarfanhada. Era de chiffon vermelho plissado. Ela vira-o numa montra da Bond Street e David aparecera-lhe com ele, de surpresa, no dia seguinte. A surpresa custara-lhe uma boa maquia.

Pegou nele. Claudia entornara-lhe um copo de vinho por cima e via-se uma mancha no tecido amarrotado.

Na casa de banho em mármore verde, a desordem continuava. Claudia não esvaziara a banheira, que estava cheia de água fria e suja. Por todo o lado se viam frascos de maquilhagem, escovas de cabelo e perfumes espalhados. O lavatório estava entupido com sabonete e cabelos, que ali tinham ficado, empastados, sob a torneira dourada que gotejava.

Por debaixo daquela desordem havia uma bela habitação. Uma penthouse, como ela desejara, num prédio de apartamentos recentemente construído em Kensington. O custo semanal era excessivo, uma fortuna, de facto. Mas Claudia adorava-o e não desejava nem ouvir falar em mudarem.

David esvaziou a banheira e apanhou as toalhas de banho. Gostaria que a jovem aprendesse a ser arrumada, no entanto esse desejo parecia impossível de satisfazer. com Linda, não havia nunca nada fora do sítio.

Atravessou um corredor espelhado, em direcção à cozinha. Aí encontrou chávenas sujas de café meio bebido, pratos sujos empilhados em profusão, cinzeiros cheios a espalharem um cheiro desagradável.

Felizmente era sexta-feira, o que significava que uma nova mulher a dias iniciaria as suas funções naquela casa. A última fora-se embora indignada quando descobrira que eles não estavam casados, deixando um bilhete enigmático a dizer: "Não estou habituada a esta porcaria." A princípio David pensara que a observação se referia ao estado em que Claudia deixava as coisas, mas o porteiro esclarecera-o sobre o que ela quisera referir verdadeiramente.

Preparou uma chávena de chá forte e conseguiu queimar duas torradas. Claudia adquirira um pequeno terrier Yorkshire barulhento, que se aproximou imediatamente, a saltitar, sem dúvida ansioso por ir à rua. Normalmente dormia na cama com eles, metendo-se debaixo das cobertas à noite. David detestava-o. Não gostava de cães pequenos.

Deixou-o a farejar na cozinha e entrou na vasta sala de estar. Esta era a principal divisão do apartamento, magnífica, uma sala espaçosa. Uma das paredes era em vidro e deitava para um pátio panorâmico. Outra das paredes era em mármore e o restante espaço ocupado pelas paredes era espelhado. A divisão estava um caos. Tinham recebido pessoas para umas bebidas n'a noite anterior, antes de saírem, e havia copos meio vazios por todo o lado. Cinzeiros a abarrotar, nozes espalhadas, revistas, fotografias de Claudia, almofadões atirados para o meio do chão. Graças a Deus tudo seria limpo naquele dia. David apreciava a ordem.

Foi à porta da frente recolher os jornais da manhã, retirando o seu Times e o Guardian de entre as várias revistas de cinema e moda que Claudia mandava entregar diariamente.

Bebeu o seu chá - estava demasiado forte. Comeu a sua torrada - deixara-a queimar. Leu os jornais com olhos lacrimejantes. Em breve seriam horas de se vestir para ir para o trabalho.

Linda acordou cedo. O sol brilhava e estava um belo dia. Sentia-se bem. Começava finalmente a apreciar prazeres egoístas como o de dormir sozinha. Tomar conta de toda a cama, acordar e adormecer quando lhe desse a vontade, poder ser sempre a primeira a ir para a casa de banho.

Inicialmente a decisão de se divorciar fora dura de tomar. Pensava constantemente nas crianças sem o pai. Mas o facto de David se ter mudado para montar casa juntamente com Claudia, ajudara-a a manter-se firme.

Descobrira um bom advogado e entregara-se nas suas mãos. No fundo, fora tudo muito simples.

Naquele dia iria aparecer em tribunal, apresentando-se calmamente diante de um juiz para declarar os factos. O seu advogado, um homem baixo e entroncado, estaria a seu lado. Também estaria presente um agente de inquirição, que forneceria informações relevantes. O seu consultor era alto, atraente e compreensivo. Todos foram unânimes em lhe assegurar que tudo correria sem problemas. O caso era defensável e não apresentava dúvidas.

Linda vestiu-se, escolhendo as roupas cuidadosamente. Um fato saia-casaco castanho-escuro, sapatos de saltos baixos, pouca maquilhagem. Observando-se ao espelho, achou-se com um aspecto apropriado à ocasião: uma esposa abandonada, triste, corajosa e só.

As crianças tinham ido ficar com a avó. Ingeriu portanto um pequeno-almoço solitário de ovos escalfados e café, desejando não os ter mandado embora e tê-los ali para encherem a casa com as suas risadas barulhentas. Depois de se despachar do tribunal apanharia o comboio e iria passar o fim-de-semana com eles, regressando depois a casa todos juntos na segunda-feira.

Agora a casa pertencia-lhe. As disposições financeiras tinham sido amigáveis. Linda ficara com a casa e uma pensão razoavelmente generosa para ela e para os dois filhos.

David visitava as crianças todas as semanas, quer ao sábado quer ao domingo. Linda fazia sempre os possíveis por não o ver. De facto, só se encontrara com ele há três meses e fora no escritório do seu advogado, durante a finalização do acordo financeiro.

Linda só impusera uma condição no que dizia respeito às visitas de David às crianças. Elas nunca se realizariam na companhia de Claudia. David não pôs nenhuma objecção em relação a esse ponto.

Linda terminou lentamente o seu café. Não tardaria a chegar a altura de ir até ao escritório do seu advogado e acompanhá-lo ao tribunal.

Claudia acordou às onze da manhã. Havia alguém a tocar à campainha da porta. Encaminhou-se, vacilante, em direcção à porta, esforçando-se por enfiar um diáfano negligée cor-de-rosa coberto de manchas de maquilhagem.

Deparou com uma mulher baixa e atarracada.

- Sou Mrs. Cobb - anunciou ela. - Foi a agência que me enviou.

Tinha as mãos grossas e um rosto envelhecido e enfezado.

- Entre, Mrs. Cobb - disse Claudia, reprimindo um bocejo. - Receio que esteja tudo numa grande confusão mas tenho a certeza de que dará conta do recado.

Levou-a até à cozinha e apontou para debaixo do lava-loiças.

- Encontrará ali todo o material que precisa. Desculpe-me se deixo tudo entregue a si mas acontece que me deitei muito tarde.

Mrs. Cobb olhou em volta com má cara e não disse nada. Claudia tirou uma lata de pêssegos em calda do frigorífico e despejou-a para dentro de um prato.

- É o meu pequeno-almoço - disse com um sorriso radioso. Em seguida, detendo-se na sala de estar para recolher as revistas e os jornais, retirou-se para o seu quarto.

De novo confortavelmente instalada na cama, folheou ociosamente os jornais, sendo o Daily Mail o seu preferido. Era a página dos espectáculos que a interessava. Examinou-a ansiosamente, à procura, como de costume, de qualquer menção a Conrad Lee. Ficou deliciada. Naquele dia tinham publicado um artigo inteiro acerca do filme que estava a fazer em Israel. Declarava que toda a companhia estaria de volta a Inglaterra no final da semana para filmagens de estúdio.

Traçou um grande círculo a lápis em volta da notícia e ligou para o seu agente pelo telefone rosa-creme que tinha na mesinha-de-cabeceira. Ainda lhe restavam dois dias de trabalho no filme de Conrad. As coisas tinham-se tornado deveras complicadas e a equipa de filmagens partira para a captação de exteriores antes de chegar às cenas que lhe estavam destinadas. Não obstante, a companhia cinematográfica asseverara várias vezes ao seu agente, que mal regressassem, ela seria chamada para as suas cenas.

Deu ao seu agente as boas novas. Este prometeu tratar imediatamente do assunto.

Espreguiçou-se languidamente. Os últimos meses, desde que se mudara para a penthouse, tinham sido divertidos, embora David começasse a revelar-se bastante maçador. A penthouse era o apartamento mais bonito que se podia imaginar. Todos os seus amigos se tinham mostrado muito impressionados. Ela fizera inúmeras sessões de fotografia no local e ficava sempre satisfeita quando algumas apareciam em várias revisitas - dizendo, por exemplo: "A linda é jovem actriz, Claudia Parker, no conforto da sua luxuosa penthouse. "

Giles ficara de estar ali às duas da tarde para uma série de nus destinada a uma proeminente revista americana para homens. Esperava que David trabalhasse até tarde, pois ele não gostava nada de Giles, apesar de nem sequer saber que ela tivera uma ligação com ele. De qualquer maneira, se ele tomasse conhecimento de que ela iria fazer uma série de nus, ficaria furioso. Nesse aspecto era muito antiquado. A revista pagaria uma esplêndida maquia a ela e a Giles pelo trabalho. E, fosse como fosse, ela não se importava de exibir o seu corpo. No fim de contas, ele era digno de tal.

Espreguiçou-se sobre a cama, bocejando. Em breve teria de começar a preparar-se; até lá, podia descontrair-se.

David chegou ao escritório fatigado e de muito mau humor. A secretária recebeu-o com um rosto preocupado.

- Mr. Cooper, o seu tio quer falar consigo imediatamente. A assistente disse para o senhor se dirigir ao gabinete dele assim que chegasse.

Que era agora? Ser chamado pelo tio Ralph nunca poderia ser coisa boa. Seu tio encarara o seu rompimento com Linda com grande desaprovação. O divórcio era um pecado muito mal aceite e o tio Ralph era pessoa para dar mostras de grande religiosidade quando lhe convinha.

O tio Ralph, sentado à sua secretária de estilo Vitoriano, fazia lembrar um pequeno falcão depenado. A secretária, Penny, uma loura de olhos rasgados, mandou David entrar.

David apreciou-lhe as pernas longas e sensuais que a saia ultra-mini revelava. Esperto era o tio Ralph, que tinha a única secretária bonita do edifício.

- Bons-dias, David - cumprimentou o tio Ralph com maus modos. - Senta-te. Quero falar contigo acerca do contrato da Fulla Health Beans.

- Já não o temos.

- Exactamente, exactamente. Era disso que desejava falar-te.

O tio lançou-se numa longa prelecção sobre as razões pelas quais tinham perdido o contrato, o que, na sua maneira de pensar, se devia à atitude desinteressada e alheada de David. Alvitrou que talvez o trabalho fosse demasiado para ele.

David escutou atentamente, dissecando cada palavra do tio Ralph porque não havia nenhuma que ele proferisse sem segunda intenção. O que na realidade ele queria dizer era: "Não venhas para aqui dormir por teres estado a pé toda a noite às voltas com alguma garota apetitosa. Ou trabalhas ou pões-te a andar." Concluiu o sermão com a informação de que Mr. Taylor da Fulla Beans se encontrava na altura na cidade, onde passaria mais uma noite, e que o homem estava preparado para reconsiderar a sua decisão de rescindir o contrato.

- Leva-o a jantar fora - ordenou o tio Ralph. - Fala-lhe dos nossos planos, entusiasma-o. Embebeda-o e arranja-lhe uma companhia feminina. Mantém-no feliz. Aconteça o que acontecer, quero aquele contrato de volta.

- Sim, senhor - disse David, levantando-se.

Penny estava sentada à sua secretária no gabinete de entrada, as pernas recatadamente cruzadas sob o tampo. Dirigiu um sorriso a David, um convite aberto nos enormes olhos inocentes. David sentia uma vaga curiosidade em saber se ela andaria de facto a dormir com o falcão velho e feio; corriam rumores no edifício de que sim. Ele não se importaria de dar a sua voltinha com ela, uma pequena vingança sua para o tio Ralph.

Inclinou-se sobre a secretária.

- Por que será que só a vejo sempre aqui?

O sorriso da jovem abriu-se ainda mais e ia a responder quando o intercomunicador da secretária zumbiu. Ela pôs-se de pé rapidamente. O tio Ralph antecipara a marosca e chamava-a à segurança do seu gabinete.

A jovem afastou-se com uma corridinha, as pernas sedutoras a exibirem-se por debaixo da saia curta.

David voltou melancolicamente ao seu gabinete e à sua secretária particular, que era pálida, de rosto afilado e peito chato. Sabia-a com um grande fraco por ele, o que a jovem tentava esconder, tornando tudo ainda mais óbvio.

- Mr. Cooper - inquiriu a jovem ansiosamente -, está tudo bem?

- Está tudo bem - respondeu David.

Mergulhado em pensamentos sombrios, sentou-se à sua secretária. A idéia de acompanhar Mr. Taylor da Fulla Beans numa noite na cidade, era deprimente.

- Oh, Santo Deus, Mr. Cooper! - exclamou a secretária retorcendo as mãos. - Santo Deus, também tinha de acontecer hoje.

- Que tem o dia de hoje de especial?

- O seu divórcio é hoje - disse, baixando os olhos. - Bem, quero dizer...

Era mesmo... ele esquecera-se completamente. Parecia estranho que Linda pudesse ir a uma sessão de tribunal algures para se divorciar dele e que ele nem precisasse de estar presente. Não parecia certo.

O seu advogado escrevera-lhe a informá-lo, fazia algum tempo, da data. Dissera que enviaria alguém até lá por pura formalidade.

A secretária continuava junto da sua mesa de trabalho, sem saber o que fazer.

- Obrigada pela lembrança animadora, Miss Field - disse.

A jovem corou.

- Lamento... pensei que sabia... - Faltaram-lhe as palavras. - Deseja um café, Mr. Cooper?

- Seria agradável, Miss Field.

A jovem afastou-se rapidamente, dirigindo-se, quase a desfazer-se em lágrimas, para a sua sala.

- Filha da mãe! - murmurou David. - Filha da mãe!

 

No vestíbulo de entrada que dava para os tribunais, respirava-se uma atmosfera acabrunhante. Viam-se pessoas apressadas em todas as direcções, longas passagens e escadarias por todo o lado. A atmosfera geral era extremamente deprimente.

O advogado de Linda levava-a firmemente segura pelo braço, orientando-a pelos vários lances de escadas e até uma série de elevadores antigos. Chegarem até ao local pretendido pareceu levar uma eternidade.

- Espero que o seu caso seja ouvido antes do intervalo para o almoço - disse o advogado. - É bem provável que assim aconteça.

- Quanto tempo levará? - perguntou Linda nervosamente.

- Não demasiado. É tudo muito directo. Será bastante rápido. Chegaram a um corredor comprido com bancos encostados às paredes, local onde, presumiu Linda, eles esperariam. Estava cheio de gente e viam-se diversos homens envergando cabeleiras brancas aos canudos e togas negras.

O seu advogado chamou um deles.

- Este é o seu consultor, Mr. Brown.

Mr. Brown era alto e de ar distinto. Tinha uma voz apaziguadora hipnótica e apresentou as perguntas que faria a Linda de maneira breve.

Esta sentiu-se mal disposta. Tudo aquilo era tão horrível. Tinha o estômago às voltas. Interrogou-se sobre se não haveria algum lavabo feminino aonde pudesse ir para se recompor.

O advogado disse-lhe:

- Penso que será boa idéia entrarmos e assistirmos a alguns casos antes de chegar a vez do seu. Terá assim oportunidade para verificar como os processos decorrem.

Linda acenou debilmente com a cabeça. O advogado conduziu-a por uma porta de aspecto vulgar que dava para uma sala de aspecto igualmente vulgar, e ela sentiu um sobressalto de choque. Em vez do salão de aspecto austero que esperara encontrar, deparou com uma pequena sala de aparência simples, com cerca de seis bancos compridos destinados aos espectadores. Havia uma secretária colocada num nível ligeiramente mais elevado, onde o juiz presidia, e um palanque de madeira mais alto, onde estava instalado o banco das testemunhas. Era horrível. Ficavam todos tão perto uns dos outros! Era como se a sala de estar de alguém tivesse sido transformada em sala de tribunal para aquele dia.

Sentou-se num banco de madeira duro. No assento das testemunhas via-se um homem, de aspecto franzino, a ser interrogado.

- sabia a que horas sua mulher tinha tido relações sexuais com Mr. Jackson?

- Sim, senhor.

- E foi nesse mesmo dia que ela fez as malas e partiu?

- Sim, senhor.

- Deixando o lar matrimonial com os filhos do vosso casamento, Jennifer e Susan?

- Sim, senhor.

O caso prosseguiu lentamente, enquanto o homem franzino ia respondendo inexpressivamente às perguntas que lhe eram feitas.

O juiz pontificava do alto do seu estrado, olhando para tudo com o seu ar de coruja velha e senil. Apresentadas todas as declarações, disse, no que pouco mais era que um sussurro:

- Divórcio concedido. Custódia dos filhos. Sustento remetido para tribunal superior. O caso seguinte, por favor.

O homem de ar franzino e inexpressivo desfez-se subitamente em sorrisos, empertigou-se e saiu da sala aparentando satisfação.

O caso seguinte apresentou-se na pessoa de uma loura com aspecto de fuinha e acentuado sotaque cockney, que desejava divorciar-se de Joe - ao que parecia, um maníaco sexual loucamente sedutor.

"Que injusto que é", reflectiu Linda, "nós que somos as inocentes é que temos de nos apresentar em salinhas idiotas como esta e revelar os aspectos íntimos das nossas vidas. "

- A princípio as suas relações maritais eram satisfatórias? - perguntou o consultor jurídico.

- Eu cá diria que sim! - replicou a loura de ar de fuinha, arrancando uma gargalhada de malícia abafada a alguém que se encontrava na sala.

Finalmente chegou a vez de Linda. Esta subiu, trémula, ao banco das testemunhas, horrivelmente ciente da proximidade de todos os presentes. Abominou as fileiras de espectadores. "Por que teriam permissão para ficarem ali a escutar? Não era justo." Depois de proceder ao juramento, começaram as perguntas. Linda respondeu com voz abafada e baixa, de olhos fitos em frente.

Um agente de inquirição apresentou um documento ao juiz, que lhe passou rapidamente os olhos por cima. Houve mais perguntas, meras declarações de facto que ela só tinha de confirmar. Até que o consultor jurídico indicou ao juiz que terminara.

O juiz ajeitou os óculos, perscrutou Linda durante breves segundos e depois declarou:

- Divórcio concedido e custódia dos dois filhos. Todas as custas serão pagas pelo marido. Sustento e visitas remetidos para tribunal superior.

Estava terminado. Linda saiu do banco das testemunhas num estado de torpor.

O seu advogado apressou-se a ir ao encontro dela e pegou-lhe no braço.

- Parabéns - segredou-lhe.

Giles estava atrasado, como de costume. Quando chegou, vinha carregado de máquinas de fotografar e parecia fatigado.

- Dá-me um café bem forte, querida - pediu. - Tive uma manhã terrível a fotografar soutiens no meio de New Forest. - Deixou-se cair numa poltrona, esticando as pernas e bocejando. – Sabes este canto não é nada mau, quase vale o teres de aturar esse teu namorado.

- Quase? - perguntou Claudia.

Maquilhara-se primorosamente. Base creme-pálida, blush habilmente espalhado, bâton claro e, nos olhos, uma sombra escura e as pestanas com rimel. Estava com um aspecto fabuloso.

- Sim, quase. Quero dizer, vá, ele é um grande chato. Eia estás com um belo aspecto. Gostaria de que tirássemos as fotos esta noite. Até que horas posso ficar?

- Até David chegar a casa. Sabes como ele é ciumento em relação a ti. Por volta das cinco ligarei para ele para saber a que horas estará em casa.

- Quero fazer umas fotos de arromba no terraço, a tua silhueta recortada no espaço, tendo por fundo a paisagem londrina. Montes de cabelo no ar e coisas do gênero.

- A mim parece óptimo.

Claudia envergava uma camisa de sarja cor-de-rosa, de abas enfiadas por dentro de calças a condizer, com um cinto de enorme fivela dourada e botas brancas.

- Fatiota gira - comentou ele. - Podemos começar por ela, enquanto a despes, peça a peça.

- Então como vai a tua vida amorosa? - perguntou Claudia. - Ainda continuas com aquela modelo lingrinhas?

- Sim, rompemos mais ou menos de duas em duas semanas mas depois recomeçamos sempre.

- Passo a vida a vê-la na capa das revistas que compro. É fantástico porque ela nem sequer tem grande aspecto, no entanto fotografa maravilhosamente.

- Tem um rosto fotogénico, sabes. Vê uma máquina fotográfica e a cara fica-lhe logo diferente. Caso contrário, está sempre estática. Creio que a nossa relação se mantém porque quem ela fornica de facto é a máquina fotográfica, e eu adoro os resultados. Tem-me feito ganhar muito dinheiro. Nunca perco com as fotos que faço com ela.

O telefone tocou. Era o agente de Claudia, com boas notícias. A equipa de filmagem voltaria dentro de poucos dias e ela seria provavelmente convocada na semana seguinte.

- O director chega hoje de avião - disse-lhe o agente -, e a companhia vai tentar estabelecer uma data definida com ele.

- Fabuloso! -exclamou Claudia, deliciada.

Há seis meses que esperava por aquele momento.

- Recomecemos - disse Giles depois de ela desligar. - Antes que eu adormeça.

Trabalhou com rapidez, utilizando três máquinas diferentes. Mergulhou por completo no seu trabalho, ficando totalmente absorvido pelo que estava a fazer.

Claudia desabrochou diante da máquina, fazendo beicinho, sorrindo, esboçando trejeitos de tigreza, os enormes olhos sempre inocentemente fixos, os lábios abertos e humedecidos. Desabotoou a camisa rosa, deixando-a negligentemente aberta. Por debaixo, não tinha nada.

Um pouco depois, Giles disse:

- Tira a camisa e cruza os braços por cima das mamas. Isso... óptimo! Mostra-me esses dentes. Belo, querida. Uma das pernas ligeiramente dobrada, um ar surpreendido... maravilhoso! - Tirava fotografias consecutivas. - Estás com um aspecto estupendo. Vira-te de costas para mim e gira rapidamente a cabeça para trás, deixa cair o cabelo... óptimo. Eia, escuta, se não te importas de te molhar, tenho uma idéia. Volta a vestir a camisa e eu dou-te uma mamgueirada de água, ficará sensacional!

Pegou na mangueira que servia para regar as plantas e virou-a para Claudia.

Esta gritou e riu.

- Está fria!

Giles deixou cair a mangueira e pegou na máquina fotográfica.

Ele tinha razão, o efeito era soberbo. As roupas tinham-se-lhe colado ao corpo e os mamilos apareciam-lhe, firmes e erectos, através do tecido da camisa.

Depois de passarem uma hora no terraço, Giles disse:

- Voltemos para dentro, querida. Fiquei com um belo material teu.

Claudia tremia.

- Leva-me até ao chuveiro - disse ele. - Não quero que te constipes. Despe-te lentamente, quero apanhar tudo.

Foi atrás dela até ao quarto de banho com as suas máquinas fotográficas, captando todos os momentos do tempo que Claudia levou a despir as roupas molhadas e a prender o cabelo com um par de ganchos. A seguir a jovem meteu-se debaixo do chuveiro, o corpo a brilhar-lhe sob a água que sobre ela escorria às catadupas.

Giles disse:

- Inclina-te para trás, fecha os olhos, deixa simplesmente que a água corra sobre ti. Estupendo! Põe os braços atrás da cabeça, lindo, querida, fica lindo! - Terminaram as cenas no quarto de banho e Giles sugeriu: - Passamos agora ao quarto para mais umas cenas e a coisa fica pronta.

Claudia vestiu um diáfano roupão de chiffon negro enfeitado com penas e deixou cair o cabelo. O roupão era transparente, envolvendo-lhe o corpo numa névoa negra.

- Deita-te mesmo no meio da cama, ergue a cabeça, dobra um dos joelhos mais ligeiramente, não, o esquerdo, querida... isso mesmo. Humedece os lábios e dá-me aquele olhar. Não, esse é demasiado pronunciado, quero um olhar suave, como se tivesses acabado de fazer aquilo que a gente sabe. - Tirou algumas fotos e depois pousou a máquina. - Escuta, queres que estas fotografias fiquem mesmo boas?

- Claro que quero, qual é o problema?

Claudia sentou-se, os seios perfeitos a projectarem-se livremente para fora do roupão.

- Não estás com a expressão certa, esforças-te demasiado. Tens de te descontrair, pequena.

Claudia espreguiçou-se.

- Estou descontraída.

- Sim, eu sei, mas tu sabes o que eu pretendo, eu pretendo aquele ar de gato-que-acabou-de-lamber-a-nata.

- Então dá-me a nata... - Claudia acercou-se de Giles.

- Precisamente o que eu tinha em mente.

Fizeram amor com todo o à-vontade, lentamente, quase descuidadamente, e depois ele levantou-se com rapidez e pegou na máquina de fotografar.

- Fica tal como estás. Perfeito. Agora tens um aspecto autêntico!

David telefonou a Claudia às cinco da tarde. Estivera a tentar dicidir-se sobre se deveria levá-la juntamente com Mr. Taylor da Fulla Beans, ou não. Finalmente achou que era melhor não o fazer já que prestaria mais atenção a ela do que a Mr. Taylor, o que contrariaria o propósito da saída.

- Que estás a fazer? - perguntou ele. Claudia soltou uma risada.

- Simplesmente a preguiçar por aqui.

David disse-lhe então o que tinha previsto para a noite que se aproximava e ela retorquiu:

- Está bem. Descobrirei algo com que me entreter.

- Por que não te deitas cedo? Quando chegar, acordo-te.

Claudia desatou subitamente a rir.

- Eia, David, sinto-me como uma esposa. E tu tens a certeza de que não tens aí alguma boneca apetitosa ao teu lado?

- Francamente, Claudia, não sejas tão estúpida.

A jovem riu.

- Não te preocupes com o assunto, não o serei. Tudo o que tu podes fazer, eu também posso.

- É um jantar de negócios. Agora diz-me, que planos tens?

Claudia fez uma pausa e depois disse:

- O presidente da América.

- O quê?

Claudia voltou a rir-se.

- Estou só a brincar. Vá, eu acredito. Janta bem. Provavelmente convidarei algumas pessoas para virem até cá e depois ficaremos aqui sentados à espera da tua desejável chegada.

- Está bem - acedeu ele relutantemente. - Deitares-te cedo fazia-te melhor.

- Começas a parecer tão austero! - Imitou-lhe trocistamente a voz. "- Deitares-te cedo fazia-te melhor."

David ignorou o comentário.

- Telefono-te mais tarde. Porta-te como deve ser.

- Sim, senhor. Mais alguma coisa, senhor?

- Adeus.

Pousou o auscultador, aborrecido com a maneira como a jovem lhe falara. Aborrecido por ainda sentir tantos ciúmes dela. Aborrecido por saber que ia convidar pessoas lá para casa. Tentaria encontrar uma acompanhante bem sensual para Mr. Taylor.

Foi ao quarto-de-banho privado mudar de camisa e barbear-se.

Miss Field bateu nervosamente à porta para lhe dar as boas-noites e ele facultou-lhe uma visão rápida do seu peito nu. A moça corou violentamente e ele interrogou-se despreocupadamente se ela já teria ido para a cama com alguém. De facto não era capaz de imaginar semelhante coisa. Ela usava saia-calça até à altura do joelho, particularidade de que ele dera conta quando ela se sentara na sua frente a tomar notas ditadas por si. E tinha o peito chato. Pobre Miss Field, quem desejaria ir para a cama com uma rapariga feia e de peito chato? Certa vez fornicara com uma mulher extremamente feia, de olhos vesgos, dentes mal tratados e acne, senhora, porém, dos seios mais bonitos e de maiores dimensões que ele alguma vez vira, e de pernas fantásticas. Também fora óptima na cama, mas ele não se preocupara em voltar a vê-la, a cara era mais feia do que podia suportar.

David encontrara já Mr. Taylor anteriormente, por momentos breves. Tratava-se de um indivíduo gordo, de meia-idade, cabelo castanho que começava a escassear, impecavelmente empastado contra o couro cabeludo. Tinha um denso sotaque do Lancashire e uma esposa igualmente densa da mesma região, com dois filhos a condizer.

Era um chato.

David encontrou-se com o sujeito no bar do hotel onde ele se hospedara. Estivera a beber cerveja a copo mas mudara para uísque assim que David chegara.

David esforçou-se por ser encantador - mas para Burt Taylor, uma pessoa encantadora era aquela que bebia depressa e contava a rodada mais recente de histórias obscenas.

David tentou agradar mas Burt obsequiou-o com gargalhadas, estrondosas e piscadelas de olho conspirativas. Quando chegaram ao restaurante, David já não se ralava com nada e Burt já ia embriagado.

David tentou inserir um pouco de negócios na conversa, porem Burt voltava a desviar a temática para o sexo, observando que apostava em como David passava a vida a conviver com mulheres boas devido à sua profissão.

- Todas essas moças que são modelos - disse Burt fitando-o de soslaio -, é assim que elas arranjam trabalho, dormindo consigo, não é?

David não o contrariou.

Acabaram por sair do restaurante. Burt ia a cantar áreas de velhas canções de Rugby.

David deu-lhe pancadinhas nas costas.

- Vamos divertir-nos um bocado.

Seguiram para um clube nocturno luxuoso, repleto de damas pintadas de ar fatigado e homens de negócios da província, jocosos e libertinos, a gozarem à custa de despesas de representação. O maítre, um cipriota de maneiras delicadas e suaves, perguntou-lhes se se importavam de travar conhecimento com duas jovens senhoras simpáticas.

- Não nos importamos - retorquiu Burt com voz trovejante. - Más certifique-se primeiro, porque de simpáticas não têm muito.

E desatou a rir ruidosamente.

Alguns minutos mais tarde, duas raparigas vieram ter à mesa que ocupavam. Uma era alta e rechonchuda, com cabelo ruivo. Envergava um vestido de veludo verde sem alças. Tinha cerca de trinta anos. A outra era mais baixa e de aspecto tímido - apesar do vestido suficientemente decotado para revelar quase a totalidade do peito esquelético. Era muito jovem. Ambas tentaram atrelar-se a David, mas este escapou-se da mesa, lembrando-se de que não telefonara a Claudia.

Foi um homem que atendeu o telefone, e a voz misteriosa disse-lhe que aguardasse enquanto localizava Claudia.

- Merda - murmurou David.

Era tremendo o barulho e o volume da música que chegavam até ele através do auscultador. Que se estava a passar? Esperou taciturnamente, sentindo o álcool deixar de fazer efeito no seu corpo, varrido por uma raiva súbita e profunda. Quando Claudia falou, encontrava-se quase sóbrio.

- Viva, querido - ciciou ela. - Por onde andas? Estou a divertir-me imenso. Isto deu em festa.

- Quem atendeu o telefone? Quem está aí?

- Não sei, montes de gente. Despacha-te a voltar para casa, querido.

E desligou.

David ficou na cabina durante mais alguns instantes e, a seguir, decidido a despachar Burt Taylor, voltou apressadamente para a mesa.

Burt mandara vir champanhe, naturalmente, visto que era David a pagar a conta. As duas damas ladeavam-no e parecia beatificamente feliz.

David achou que o melhor que tinha a fazer era chamar a loira de formas opulentas de parte e propor-lhe levar Mr. Taylor para algum lado. Ele preferia-a, obviamente, à mais nova.

A música era fornecida por uma orquestra latino-americana de estilo meloso.

- Quer dançar? - perguntou ele à ruiva.

A mulher cheirava fortemente a perfume barato e comprimia-se descaradamente de frente contra ele.

- Você agrada-me - ciciou-lhe ela.

David conseguiu afastá-la ligeiramente.

- Eia, escute, gostaria de ganhar algum dinheiro?

Ela mostrou-se interessada, enquanto ele explicava a proposta. Regatearam, chegaram a um acordo e sentaram-se, adiantando-lhe David o dinheiro discretamente.

Burt Taylor parecia aborrecido. Chamou David de parte.

- Rapaz, quem a viu primeiro fui eu. Não quero aquela magricelas.

David sorriu, aquilo ia ser canja.

- Já está tudo tratado. Ela não é capaz de parar de falar de si, você pô-la pelo beicinho.

- Nesse caso... - observou Burt olhando-o de soslaio com ar travesso -, não ficamos aqui a perder mais tempo.

David calculou que dali a meia hora estaria em casa. Deu uma pancadinha no ombro de Burt.

- Eu trato da conta - disse.

 

Quando Linda saiu da sala do tribunal, encontrou fotógrafos à sua espera. O facto de Claudia Parker ter sido referida como "a outra mulher", tornara o caso digno de notícia.

- Por aqui - chamou um dos fotógrafos.

Linda apressou-se a seguir em frente, com o seu advogado a segurar-lhe no braço. As máquinas fotográficas começaram a disparar.

- Que querem eles? - perguntou ela. - Não podem deixar as pessoas em paz? Eu não sou ninguém.

O advogado mandou parar um táxi que passava e meteu-a dentro do mesmo.

- Mais vale que se afaste imediatamente daqui. Mais uma vez, parabéns. Entraremos em contacto consigo.

- Não quer uma boleia? - perguntou Linda, esforçando-se por adiar o momento em que ficaria entregue a si mesma.

- Não. Tenho o escritório mesmo ao virar da esquina. No entanto, obrigado, Mrs. Cooper.

O advogado partiu, o táxi arrancou e começou a avançar pela rua.

- Para onde, senhora? - perguntou o motorista.

Linda não lhe respondeu, mergulhada num estado de torpor. Acontecera tudo tão rapidamente, mais parecia um sonho.

- Para onde, senhora? - repetiu o motorista impacientemente.

Não tinha vontade de voltar a correr para a estação. Apetecia-lhe uma bebida, um cigarro e meia hora de tranqüilidade para descontrair.

- Para o Dorchester - disse. Fora o primeiro lugar que lhe viera à cabeça.

O bar do Dorchester Hotel estava razoavelmente cheio, na maioria homens de negócios, mas conseguiu encontrar uma mesa afastada, mandou vir um xerez e acomodou-se a saboreá-lo. Decidiu almoçar por ali. Era bom estar entregue a si mesma. Mandaria vir salmão fumado, morangos frescos com natas, talvez até bebesse champanhe.

- É Linda Cooper, não é?

Linda olhou para cima, hesitou e depois respondeu:

- Jay, Jay Grossman. Mal o reconheci. Que bronzeado magnífico.

Jay sentou-se, sorrindo.

- Acabei de o obter em Israel. Como tem passado? Já lá vão muitos meses.

- Estou óptima. - Linda sorriu-lhe.

- E David?

- David? Realmente não lhe posso dizer. Acabei de me divorciar dele há meia hora atrás.

Jay pareceu surpreendido.

- Então cumpriu mesmo a ameaça. Foi por causa daquela noite?

Linda anuiu.

- Sim, foi por causa daquela noite. Ele agora está a viver com a rapariga.

- Ena, não há dúvida de que você cumpre o que diz.

- Como vai Lori?

- Lori está muito feliz. Casou com um magnata de petróleo texano que lhe compra dois casacos de vison por semana, portanto está muito contente.

- Quer dizer que também se divorciou dela?

- Exacto, divorciei-me, mais uma vez. Nos States fazemos estas coisas com toda a rapidez. Ela foi para o Nevada e em seis semanas tratou-me da saúde. Extrema crueldade mental, creio que foi a acusação que me fez. Depois casou com o tal indivíduo no dia logo a seguir. O único aspecto positivo foi o facto de não me ter deitado abaixo com quaisquer pensões, portanto tive sorte. Sustentar as minhas outras duas ex-mulheres já me custa os olhos da cara. - Riu. - Está à espera de alguém?

Linda abanou negativamente a cabeça.

- Que tal almoçar comigo?

Ela sorriu. Gostava de Jay.

- Adoraria.

- Óptimo. - Jay levantou-se. - Tenho apenas de reajustar alguns assuntos. Volto já.

Depois de Jay se afastar, Linda tirou rapidamente a caixa de pó-de-arroz da carteira. Analisou o rosto e acrescentou mais bâton. Desejaria estar com um aspecto um pouco mais glaimoroso mas vestira-se com descrição propositada para aparecer em tribunal. Jay era um homem muito atraente. Desde que se separara de David, ainda só tivera uma saída acompanhada, por um lado porque o advogado a aconselhara a não o fazer, por outro porque não sentia vontade de tal. O episódio com Paul deixara a sua marca e ela preferia ficar em casa ou visitar amigos casados. A única noite em que saíra fora um tédio absoluto. E para piorar a situação, o seu par contara levá-la para a cama com ele. Deduziu que era pressuposto as divorciadas incluírem o sexo nas suas actividades noctívagas.

Jay regressou à mesa.

- Está tudo sob controlo. Onde gostaria de ir comer?

Decidiram ficar onde estavam. Mudaram para o restaurante e Jay entreteve-a com anedotas divertidas sobre as filmagens de exteriores e mexericos acerca das pessoas envolvidas. Ao café, pegou-lhe na mão e disse:

- Santo Deus, que bom é estar com alguém que possui um cérebro além de um corpo. Sabe, de facto gosto muito de si, Linda, você é uma pessoa óptima.

Linda sorriu um tanto rigidamente. Não desejava que Jay a considerasse como boa pessoa. A palavra era demasiado entediante, fazia lembrar conjuntos de dois e sapatos confortáveis.

Jay consultou o relógio de pulso.

- Epa, são quase três horas. Tenho de me despachar. - Pediu a conta. - Deixe-me largá-la na estação, tenho o carro do estúdio comigo.

- Não, fica-lhe fora do caminho. Não me custa nada apanhar um táxi.

- Se faz questão. Mas levá-la-ei até ao táxi.

Saíram do restaurante e atravessaram o vestíbulo, onde Jay foi cumprimentado por um casal que ali estava. A mulher era alta, loura e bonita. O homem baixo, corpulento e de rosto avermelhado.

O homem disse:

- Oh, Mr. Grossman, lamento não ter podido vir ao almoço. Esta é a minha cliente, Miss Susan Standish.

Miss Susan Standish dirigiu um sorriso aberto e directo a Jay. Tinha dentes pequenos e brancos e ficava ainda mais bonita quando sorria. Jay retribuiu o sorriso. Linda viu-lhe os olhos a brilharem de interesse ao passá-los por Miss Standish. As louras altas e bonitas eram, obviamente, o seu tipo.

- Volto já - disse ele, levando Linda para a saída.

Não fez qualquer comentário acerca do casal com o qual deixara nitidamente de almoçar. Beijou Linda no rosto.

- Havemos de voltar a repetir um dia destes. Quando é que volta?

- Obrigada pelo almoço delicioso, Jay. Segunda-feira já estarei em minha casa.

Ajudou-a a entrar no táxi.

-'Então nessa altura falamos - prometeu.

O telefone tocou e Claudia espreguiçou-se langorosamente sobre a cama, pegando no auscultador. Falou durante momentos breves e depois desligou com uma careta.

- Querido - disse a Giles -, esta noite podemos divertir-nos à grande. David chegará tarde a casa!

Giles disse:

- De que estamos à espera? Vamos fazer uma festa. Agarra no telefone. Em primeiro lugar ligas para a loja de bebidas.

Escolheram nomes ao acaso. Giles dizia: "Lembras-te daquela rapariguita que usava sempre aquelas horríveis botas até às coxas..." e a seguir localizavam a pessoa, convidando umas quantas mais pelo caminho.

Claudia mudou para um espampanante fato coleante em lamé prateado. Giles tirou uma soneca, estirado em cima da cama e, às nove da noite, as pessoas começaram a aparecer. Na altura em que David voltou a telefonar, a festa atingira o auge. Qlaudia estava completamente fora de si. Nem sequer conhecia metade das pessoas presentes. A música soava tão alto que os inquilinos de baixo já se tinham queixado três vezes. Finalmente tinham desistido de telefonar quando uma debutante maravilhosamente expressiva lhes explicou o que deviam fazer em pormenor. Esta encontrava-se, no momento, a acomodar um limpador de vidros desempregado no sofá, à vista de toda a gente.

- Grande festa! -comentou Giles. - Que acontece quando o paizinho chegar?

- Ou o paizinho se junta à festa ou volta a sair por onde entrou.

- Querida, fofinha, que divinal teres-me convidado!

Claudia pestanejou, focando lentamente a vista.

- Shirley, querida, como tens passado?

- Eu estou óptima, simplesmente óptima. Acabei de chegar das férias mais divinas que possas imaginar.

- Estás com um aspecto maravilhoso; que bronzeado estupendo. Que é feito do Honorável não-sei-quantos?

- Mandei-o bugiar, querida. Agora tenho o homem mais divinal que existe, um boneco autêntico. Vais ficar espantada.

- Agarra numa bebida e junta-te à paródia. Hoje vale tudo por aqui...

As palavras morreram-lhe nos lábios ao ser agarrada por trás por um italiano tipo empregado de mesa.

- Tu és bonita - ronronou ele. - Eu como-te. De verdade que te como toda.

- Humm - observou Shirley -, parece que estás em mãos excelentes. Até já, queridinha.

Deixou Claudia a debater-se com o italiano. Claudia nunca o vira anteriormente.

- Deixa-me em paz, imbecil - disse. O homem era muito forte.

- Tu és bonita - disse, orgulhosamente.

Ao que parecia, o seu vocabulário de inglês era limitado. Voltou-a, entre os seus braços, de maneira a ficar de frente para ele, e beijou-a.

- Cheiras mal da boca! - exclamou Claudia, continuando a debater-se.

Ele apertou-a ainda com mais força e beijou-a novamente.

Foi nesse momento que David apareceu. Deteve-se, furioso, à entrada do apartamento. Avistou Claudia imediatamente e, atravessando a sala com passadas largas, puxou o italiano para longe dela - desferindo-lhe um murro em pleno rosto. O homem estatelou-se no chão com o sangue a saltar-lhe do nariz.

David focou então a sua atenção em Claudia.

- Sua vadia reles - disse-lhe, esbofeteando-a violentamente. Ninguém deu verdadeiramente conta do que se estava a passar.

A música estava demasiado alta e não havia uma pessoa sóbria.

- Leva-me estes idiotas para fora daqui! - ordenou-lhe David com raiva.

Claudia esfregou a face, os olhos muito abertos e cheios de lágrimas - mais pela dor que por qualquer outra razão.

- Filho da puta! - gritou. - Como te atreves a bater em mim. Como te atreves?

- Faço o que me dá na real gana contigo. Comprei-te, não foi? Agora põeme este maldito lugar vazio.

- Podes ir dar uma volta ao bilhar grande, filho da mãe.

Inclinou-se para o italiano e envolveu-lhe a cabeça com os braços.

- Estou a avisar-te, Claudia, andas a abusar da tua sorte comigo!

Ela fez de conta que não o ouviu.

David ficou parado durante alguns instantes e a seguir disse.

- Está bem.

Dito isto, dirigiu-se para o quarto.

Nesse preciso momento, Giles alcançava um clímace duramente trabalhado com uma ruiva magrizela. Logo por azar tinha de ser mesmo no meio da cama de David.

David praguejou em voz alta mas Giles não se incomodou minimamente. Manteve o andamento, embora a rapariga guinchasse e tentasse suspender o processo.

David, carrancudo, tirou uma mala de cima de um armário. Separou metodicamente as suas roupas das de Claudia, emalando a maior quantidade que pôde.

Giles e a rapariga levantaram-se. A jovem fitou David com ar indignado, enquanto arranjava a roupa.

- Há gente de um descaramento - murmurou. - Entram em qualquer lado de qualquer maneira.

Giles esboçou uma vénia trocista.

- Espectáculo terminado, o próximo será às quatro horas.

Saíram do quarto.

David trancou a porta depois de eles se retirarem e continuou a fazer as malas. Finalmente encheu três. A raiva fazia-o raciocinar com clareza. Depois de terminar, foi até à porta da entrada com duas malas. A festa estava animadíssima. Voltou para buscar a terceira.

- Adeusinho, querido - gritou-lhe Claudia sobrepondo-se ao barulho.

Atravessou a sala a passo incerto, em direcção a David. O fecho da frente do fato coleante encontrava-se aberto até à cintura e os seios prestes a escaparem-se para fora. Tinha o cabelo desgrenhado e o rosto manchado de sangue.

- Estás com um lindo aspecto - comentou David. - Tal qual a pêgazinha bêbada que és.

Claudia riu.

- Vai-te lixar - gritou-lhe. - Põe-te a mexer, parvalhão, e não voltes. És mais chato que a potassa.

Giles acercou-se da jovem.

- Assim é que é falar, garota - disse Giles, metendo-lhe as mãos pela abertura do fecho.

Claudia fez um gesto obsceno a David e voltou-lhe as costas. iDavid partiu.

 

- Bem, olha, querido, que é que de facto está a acontecer? - A voz de Claudia soava fria e cortante ao telefone. - Quero dizer, eles já voltaram faz dez dias e por esta altura já devias ter alguma notícia para me dar!

O agente falou-lhe evasivamente.

- Não consigo arrancar-lhes nenhuma data definida.

- Mas eu assinei um contrato de trabalho para dois dias, um contrato, lembras-te?

- Sim, eu sei. Mas eles pagaram-te o trabalho que estava combbinado fazeres. Não são obrigados a utilizarem-te.

A jovem emitiu um som de escárnio.

- Que raio de agente és tu? Está combinado que entro naquele filme. É uma película importante e far-me-ia muito bem, muito melhor que esses papéis insignificantes que continuas a oferecer-me. Se não és capaz de o fazer, diz-me que eu arranjo alguém que seja!

A voz do agente soou com resignação.

- Estou a fazer o máximo que posso.

- O teu máximo não é suficientemente bom. Esquece, eu própria trato do assunto. Eu telefonarei a Conrad Lee.

Desligou violentamente o telefone.

O apartamento estava numa desarrumação terrível. A nova mulher a dias fora-se embora no dia a seguir à festa. Na realidade a festa continuara na manhã seguinte, quando ela chegara, e depois de a mulher ser recebida pela visão horrível do rapaz ruivo vestido com o fato coleante de Claudia à porta, debandara imediatamente. Fora uma bela festa, durara três dias ao todo. Claudia pouco se recordava dela mas Giles assegurava-lhe que fora de arromba.

David não voltara. Não' telefonara nem comunicara através de qualquer outro meio, embora um dia uma secretária com cara de fuinha tivesse ido ao apartamento cerca de uma semana mais tarde para lhe recolher a correspondência e pedir para que, de futuro, a mesma fosse canalizada para o seu escritório.

Claudia não lhe sentiu a falta. Estava verdadeiramente satisfeita por ele se ter ido embora. Viver com uma pessoa que vigiava todos os movimentos que se faziam, era demasiado restritivo. Encantara-se por David porque fora fácil, ele abandonara a mulher e a coisa acontecera naturalmente. Era deveras agradável ter todas as contas pagas, montes de roupas novas e nenhuns problemas.

Agora ela teria de pensar em regressar ao trabalho, uma tarefa secreta que lhe concedera sempre dinheiro suficiente para levar uma vida confortável e independente.

Claro que, entrar no filme de Conrad, tornar-se uma estrela e fazer montes de dinheiro dessa maneira, seria melhor. Mas nada parecia indicar a concretização desse desejo. A sua maneira secreta de ganhar dinheiro proporcionava-lhe uma excitação muito especial. Nenhum dos seus amigos tinha conhecimento do assunto. Ela mantivera-o sempre rigorosamente oculto. Antes de viver com David, todos se interrogavam mas nunca tinham descoberto através de que maneira ela conseguia dispor de tanta segurança financeira. O trabalho excitava-a. Usava cabeleiras e fazia maquilhagens especialmente criativas, disfarçando completamente as próprias feições. E depois de ficar com um aspecto suficientemente diferente, participava em filmes pornográficos. Durante um período de mais de quatro anos aparecera numa trintena deles, fazendo muito dinheiro. Tão bem sucedida era com os seus disfarces que conheciam-na por três jovens diferentes, todas constantemente solicitadas pelos apreciadores que viam o produto final. Se desejasse voltar a ter trabalho, tinha apenas de fazer uma chamada telefônica. Fala Evette - ou Carmen - ou Maria - e ficava tudo combinado. Era paga em dinheiro e ela é que os contactava a eles - os quais não dispunham de nenhuma maneira de a contactarem a ela. Era uma combinação satisfatória.

Contudo, Claudia não estava muito certa de querer voltar a fazer esse trabalho. Havia ocasiões em que os seus parceiros deixavam muito a desejar e, como é evidente, quando a disposição não era a indicada, o serviço não se revelava muito agradável.

Não - aparecer no filme de Conrad seria o melhor e se o seu agente não era capaz de tratar do assunto, ela sem dúvida que era. Conrad ficaria provavelmente deliciado por ter novamente notícias suas.

Ligou para o hotel onde ele ficara hospedado na visita anterior mas, dessa vez, o nome dele não constava ali. Telefonou para o estúdio e falou com uma secretária que tomou nota do seu nome e disse que daria o recado a Mr. Lee. Tentou descobrir onde ele vivia mas a rapariga foi delicada mas firme:

- Não temos licença para divulgar o endereço de Mr. Lee declarou. - Pode estar certa de que lhe transmitirei a sua mensagem.

Não chegava. Claudia queria vê-lo pessoalmente.

Gíles seria capaz de dar com ele. Giles era capaz de dar com qualquer pessoa. Telefonou-lhe para o estúdio mas não obteve resposta.

- Raios partam! - murmurou, levantando-se finalmente.

Tinha uma resma de facturas à porta. David deixara de pagar as despesas desde que se fora embora e as contas iam-se acumulando sistematicamente. Não podia obrigá-lo a pagar nenhuma delas pois o apartamento e os serviços estavam todos em seu nome. Era questão de entrar em contacto com Conrad e tornar-se uma estrela.

Linda ficou no campo, junto dos pais e dos filhos, muito mais tempo do que pensara. Era tão tranqüilo, as crianças passavam todo o dia ao ar livre a brincar, enquanto ela ficava sentada com a mãe a cirandar à sua volta. Era extremamente repousante e sabendo que regressar a Londres significaria iniciar uma vida nova, agarrava-se ao período de limbo que era estar com os seus pais.

Sua mãe desejava que ela ficasse por ali a viver com eles.

- Vende a tua casa - incitou-a. - Aqui há muito espaço para vocês.

Linda rejeitou o oferecimento. A casa dos pais era apenas um retiro temporário e apesar de ser tentador, ficar seria um erro. Ali, ela ficaria enterrada, limitada. Sua mãe tomaria conta de tudo, inclusivamente da educação dos seus filhos. Linda transformar-se-ia na filha mais velha da família.

Certo sábado, David apareceu. Era a primeira vez que Linda o via desde que se tinham separado.

- Tentei telefonar para casa, estava preocupado - disse ele. - Imaginei que estivessem aqui.

A voz com que Linda lhe respondeu era superior, fria.

- Por que não telefonaste primeiro? Por que te limitaste a aparecer sem avisar?

David mostrava-se muito pouco à-vontade. Era estranho vê-lo à procura das palavras - ele que, habitualmente, era tão seguro de si.

- Queria ver as crianças. - Na voz surgira-lhe um tom de indignação. - Tenho o direito de ver os meus filhos, se bem sabes.

Estava magro e tinha um ar fatigado. - Abandonei Claudia - deixou escapar. Linda fitou-o com indiferença.

- Não me digas.

- Tu estás linda - observou ele.

Ela estava linda. A pele brilhava-lhe dos longos passeios dados pelo campo e tinha o cabelo luzidio e displicentemente preso num rabo-de-cavalo com uma fita. Estava esguia, com os seus calções e a camisa simples.

Apontou para o exterior.

- As crianças estão no jardim. vou chamá-las.

David pousou-lhe a mão no braço.

- Eu disse que abandonei Claudia.

Linda sacudiu o braço impacientemente, fazendo-o retirar a mão.

- Ouvi-te da primeira vez, David. vou chamar as crianças.

David ficou a tarde inteira, tagarelando amigavelmente com os seus pais, entretendo Jane e Stephen com todo o gênero de jogos.

"David está a pôr em acção o seu bem conhecido encanto", pensou Linda, sentindo-se infelicíssima. "Quem me dera que ele se fosse embora."

Finalmente ele partiu, às seis da tarde. A mãe de Linda quis convidá-lo para jantar mas esta sibilou-lhe:

- Não te atrevas!

- O encanto dele resultará.

- O que ele quer é que voltes para junto dele - disse-lhe a mãe depois de David se retirar.

O que ela queria dizer era que a filha devia voltar para junto do marido. Linda conhecia os sinais.

O pai foi menos directo.

- Aquele rapaz precisa de um pai - declarou, quando Stephen refilou ao ir para a cama.

Mais tarde, nessa noite, sua mãe disse-lhe:

- Pobre David, está com um ar tão infeliz?

Era mais do que Linda podia suportar. Eles simplesmente não conseguiam entender. A intenção era boa mas, para ela bastava.

Na manhã seguinte comunicou-lhes que iria voltar para Londres, e, segunda-feira de manhã, emalou tudo e entre as lágrimas da mãe e os conselhos severos do pai, ela e as crianças entraram, sãs e salvas, para o comboio.

Sentia-se satisfeita por estar de novo em sua própria casa. As crianças andavam alegres e entusiasmadas por reencontrarem todos os seus livros e brinquedos e a casa foi atravessada por gritos como "que bom" e "isto é meu."

Ana entregou-lhe a lista dos recados telefônicos, entre os quais encontrou duas chamadas de Jay Grossman. Ele deixara o seu número. Linda não entrou em contacto com ele. Reflectiu sobre o assunto mas, vistas bem as coisas, achou que se ele desejasse realmente vê-la, tentaria de novo.

Monica ligara. Não falavam desde a separação; eram amigos de David. Telefonou-lhe.

Monica ficou encantada.

- Querida - exclamou -, vou dar uma pequena festa, adoraria que viesses.

Linda ficou hesitante.

- Quando?

- Amanhã à noite. Tenho de te ver, já lá vai tanto tempo. Virás?

Linda hesitou.

- Não sei. Convidaste David?

- Por quem me tomas? Claro que não. E agora não aceito desculpas. Vejo-te amanhã, às oito da noite. Não venhas tarde.

Linda achou que devia ser divertido. Monica convidava sempre pessoas interessantes. Iria ao cabeleireiro e compraria um vestido novo. Era tempo de começar novamente a conviver.

 

Claudia estava negligentemente estendida no sofá, nos fundos do estúdio de Giles. Este encontrava-se inteiramente compenetrado a fotografar uma morena lânguida, cuja única vestimenta era uma malha prateada, coleante e transparente.

Claudia bocejou.

- Por que diabo não respondes ao maldito telefone? Podias ter-me poupado a deslocação.

Giles não desviou os olhos do trabalho; a sua concentração na modelo era total. Alguns minutos mais tarde parou, disse à rapariga para fazer um intervalo e foi ter com Claudia. Acendeu um cigarro e enfiou-lho na boca.

Claudia inalou profundamente, engasgou-se e tossiu.

- Jesus Cristo! A fumar erva a esta hora do dia! Tu és de mais!

Giles riu, pegou de novo no charro e perguntou:

- Que é que tu queres?

- Vim ver-te - replicou ela friamente. - Porque te amo.

- Acaba com as baboseiras. Estou ocupado. Que queres?

- De facto - espreguiçou-se-, - preciso do número de telefone de Conrad Lee... pensei que mo podias arranjar.

- As coisas podem complicar-se se te puseres novamente atrás dele.

A voz com que Claudia falou aparentava irritação; havia alturas em que não conseguia suportar Giles.

- As coisas não estão complicadas, e eu não ando atrás de ninguém.

Ele riu.

- Não te esqueças de que é comigo que estás a falar, querida.

- Como poderia esquecer-me?

Trocaram olhares.

- Está bem - acedeu ele -, tem calma que eu hei-de descobri-lo para ti.

Fez alguns telefonemas e obteve o número. Claudia assentou-o e sorriu.

- Obrigada, querido - ronronou.

- De nada, amorzinho - agora põe-te a andar daqui para fora. Tenho de trabalhar.

Claudia foi às compras. Adquiriu um vestido de jersey de seda branco e dourado, sapatos dourados de saltos muito altos e finos, incômodos mas sexy. Foi ao cabeleireiro e fez com que lhe levantassem o cabelo ao alto, em caracóis artisticamente penteados. De volta a casa, tomou banho, despejando meio frasco de sais de banho na água. Levou duas horas a maquilhar-se, terminando só depois de tudo estar impecável.

Quando se vestiu, já eram sete da tarde. Ligou o número que Giles lhe dera. Atendeu a voz de sotaque inconfundível de Conrad. Claudia sorriu. Tudo iria correr maravilhosamente. Falou com voz fria e eficiente.

- É Mr. Lee?

- Sou.

A voz soava roufenha.

- Represento a revista Star. Fica informado de que a sua fotografia vai sair na capa da nossa revista desta semana, e eu gostaria de saber se é possível responder a algumas perguntas curtas sobre a sua pessoa.

Conrad mostrou-se amigável.

- com que então a minha fotografia, hem? Claro, responderei a algumas perguntas.

"Porco vaidoso", pensou.

- Muitíssimo obrigada, Mr. Lee. Agora se não se importa dá-me o seu endereço, que eu passarei por aí. Será rápido.

O homem ficou surpreendido.

- Não posso responder pelo telefone?

- Não, Mr. Lee, é importante que obtenha os seus comentários pessoalmente. Sou uma grande admiradora sua!

- Está bem, está bem.

E deu-lhe a morada.

Controlando a vontade de rir, Claudia desligou o telefone, admirou a sua imagem reflectida no espelho e ligou ao porteiro para que lhe arranjasse um táxi.

Conrad vivia numa casa imponente, em Belgravia. A porta foi aberta por um criado de casaca branca, que a fez entrar na biblioteca. Claudia aguardou impacientemente durante quinze minutos, até Conrad, finalmente, aparecer. Não mudara. Trazia um charuto enorme preso entre os lábios carnudos e envergava a mesma casaca de seda verde de sempre.

Claudia levantou-se, meneando propositadamente o corpo para que o fino vestido de seda se lhe colasse ainda mais. Sabia estar no seu melhor.

- Viva.

Sorriu provocantemente.

Conrad deteve-se abruptamente. Claudia via que ele não a reconhecia. Tirou o charuto da boca.

- Você é que é a tipa da Star?

- Será que pareço uma jornalista?

Os olhos perscrutadores dele percorreram-lhe analiticamente o corpo. A memória reavivou-se-lhe.

- Eia... és aquela gaja da festa que eu dei. - Mudou de tom de voz. - Eia, que se passa aqui, que é isto?

- És um homem muito difícil de encontrar. Deixei montes de recados para ti.

- E então?

- Pensei que era tempo de nos voltarmos a encontrar. Não me digas que te esqueceste dos bons momentos que passámos juntos da última vez.

Passou-lhe pelos olhos um breve lampejo de interesse.

- Escuta, tenho dois convidados. Ficas aqui e eu verei o que posso fazer.

Saiu da sala e Claudia sorriu triunfantemente. Era fantástico o que um corpo fabuloso podia fazer.

Conrad esteve ausente durante um grande espaço de tempo. O criado veio-lhe trazer uma bebida e algumas revistas. Claudia entreteve-se a folheá-las negligentemente enquanto esperava, porque ele acabaria por voltar e então, no dia seguinte, nasceria a estrela Claudia!

 

David andava deprimido desde o dia em que abandonara Claudia. Não que tivesse desejado ficar, a situação tornara-se insuportável. Claudia revelara-se uma mulher insuportavelmente suja e desmazelada até mais não. Preguiçava o dia inteiro a ler revistas, preocupando-se com a sua aparência somente quando saíam. Ficava na cama até ao meio-dia, nunca arrumando o apartamento. O único acto de que parecia capaz era fazer amor incessantemente e, se bem que, antes de viver com ela, estivesse sempre pronto para tal, na altura, não conseguia estar à altura. Claudia era insaciável e exigente, nunca ficando satisfeita. David sempre se orgulhara do seu apetite sexual, mas aquela situação era ridícula.

Sentia-se satisfeito por ter tido uma desculpa para partir. Mas a seguir viera a depressão porque em vez de afastar toda aquela situação confusa da cabeça e voltar para casa, onde o aguardariam a mulher e os filhos, era um prescrito, sem nenhum lado para onde ir além de um quarto frio de hotel. Nenhum dos confortos do lar, simplesmente quatro paredes impessoais, uma cama vazia e um letreiro a dizer "Não Perturbar".

Voltara-se para o trabalho, procurando nele o esquecimento, analisando as possibilidades de voltar para Linda. Chegara à conclusão de que ela deveria recebê-lo de novo. No final de contas, havia as crianças a considerar. Elas aceitá-lo-iam de novo. Tudo poderia voltar a ser como dantes, acontecendo apenas que dessa vez ele nunca mais voltaria a ser parvo e a deixar-se apanhar com uma vadia como Claudia. Teria mais cuidado e escolheria ligações breves e fortuítas, nada que Linda pudesse descobrir.

Telefonou para o ex-lar e a criada informou-o de que Linda e as crianças estavam no campo com os pais daquela. Ficou satisfeito. Ela que tivesse mais tempo para reflectir sobre o assunto. Era uma mulher razoável. Compreenderia que a melhor solução seria voltarem a juntar-se.

No primeiro sábado livre de que dispôs, foi vê-la.

Linda parecia surpreendentemente fresca e bem, embora a sua atitude para com ele fosse fria. Nem outra coisa seria de esperar.

Contou-lhe que abandonara Claudia. A sua reacção fora estranhamente negativa. É dar-lhe mais tempo, reflectiu, que acabará por ceder.

Mostrou-se encantador para com os pais de Linda. Percebeu que os reconquistara para o seu lado.

Mais tarde voltou para Londres e telefonou a uma namorada antiga, Era estouvada e um tudo nada estúpida mas tinha um corpo estupendo.

Foram ao cinema e depois seguiram para casa da jovem. Na cama, era uma desgraça. Não possuía nem uma sombra do frenesim de Claudia nem da suavidade de Linda. Passada uma hora, David foie embora.

Domingo, acordou cedo sem ter nada para fazer. Obedecendo a um impulso, foi até ao escritório; tinha uma resma de cartas atrasadas para ler e outros trabalhos para os quais nunca tinha tempo durante a semana. Uma hora depois percebeu que precisava da sua secretária. Pobre, simplória Miss Field. Talvez ela estivesse disponível, parecia o tipo de pessoa que nunca tinha planos. Telefonou-lhe.

A voz dela era tímida.

- Está?

- Miss Field, daqui fala Mr. Cooper.

- Oh!

A voz da jovem soou com um guineho de espanto, como se tivesse sido apanhada a fazer algo que não devia.

- Miss Field, que tal lhe parece a idéia de hoje trabalhar?

- Oh, Mr. Cooper. Oh, a sério?

- Se não puder, não tem importância, arranjar-me-ei.

- Oh, não, oh, Mr. Cooper, claro que posso.

- Óptimo. Não se demore.

Passada meia hora chegava a jovem, pálida e nervosa.

- Hoje está com muito bom aspecto, Miss Field - elogiou David delicadamente.

Ela penteara os cabelos castanhos, finos e espigados, para baixo, em vez de o fazer para trás, e pintara a boca, de lábios muito finos e normalmente descoloridos, com um bâton vermelho muito vivo. As roupas domingueiras consistiam num vestido castanho e num casaco de malha em lã azul. Era a imagem acabada da fealdade.

Trabalharam todo o dia com eficiência e sem intervalarem, até que a luz começou a diminuir e David apercebeu-se subitamente de que estava a ficar tarde.

- Acho que é melhor ficarmos por aqui - disse com um bocejo. - Deve estar com fome.

- Mr. Cooper - a voz dela era hesitante e nervosa -, talvez não me levasse a mal um jantarzinho comigo. - Um rubor vivo começara a espalhar-se em direcção ao começo do couro cabeludo. - Tenho o hábito de preparar um petisco especial aos domingos, hum dos meus pequenos hobbies, e ficaria encantada se acedesse em prová-lo.

Acrescentou rapidamente:

- Bife Stroganoff com salada verde, com tarte de merengue de limão à sobremesa.

Parecia apetitoso. Além disso ele não tinha mais nenhum lado para onde ir. A jovem continuava a corar e David sentiu pena dela.

- Que idéia óptima, Miss Field. Terei muito gosto.

Ela vivia num apartamento minúsculo de divisão única. O sofá, primorosamente enfeitado com almofadas de crochet, servia obviamente de cama.

A jovem apresentou meia garrafa de xerez - demasiado doce e ele sentou-se a ver televisão enquanto ela se atarefava na cozinha.

Miss Field preparou um jantar delicioso, que fizeram acompanhar de um vinho espanhol barato.

- Trouxe-o das minhas férias o ano passado - declarou ela orgulhosamente.

Terminada a refeição a jovem estava nitidamente tocada.

- Normalmente não bebo - confessou com uma risada.

Ele também estava ligeiramente embriagado, depois de ter consumido metade da garrafa de vinho e quase todo o xerez antes do jantar. Fixou a atenção no écran da televisão. O anúncio do Beauty Maid estava no ar e via-se Claudia no seu banho. Sentiu uma sensação familiar na virilha.

- Oh, Mr. Cooper, o nosso anúncio! - exclamou Miss Field sentando-se rapidamente a seu lado no sofá.

David sentiu a proximidade de uma perna a seu lado e pousou-lhe a mão na coxa. A jovem soltou um guincho e antes que ele pudesse fazer alguma coisa, deitava-lhe os braços ao pescoço e puxava a sua boca em direcção à linha fina pintada de vermelho. Beijaram-se e assim que Claudia desapareceu do écran, também o seu desejo desapareceu com ela. Mas era demasiado tarde. Miss Field já deitara mãos à obra. Numa simples questão de segundos, ela punha-se de pé num salto, apagava a luz, despia o casaco de malha e voltava para junto dele.

- Meu adorado, sou tua - declarou. - Já há muito que aguardava este momento.

David não podia acreditar. Era tudo tão ridículo. A jovem deitou-se expectantemente, tremendo. Que devia ele fazer? Ela era uma secretária competente. Não queria perdê-la. Não desejava magoar-lhe os sentimentos. A jovem começou a impacientar-se.

- David, meu adorado, vem para mim. Não tenho medo.

Ele suspirou fundo e passou-lhe hesitantemente as mãos pelo peito. Não havia peito!

A jovem disse timidamente:

- Sei que não sou muito dotada, mas aqui em baixo sou toda fogo.

"Oh, Santo Deus!", pensou. "Em que estou eu a meter-me?"

Cansada de esperar, Miss Field prendeu as mãos atrás da cabeça de David e puxou-a para baixo, atraindo-lhe os lábios para os seus.

"Isto é um malfadado pesadelo", pensou ele. Mas à medida que a língua dela se movia na sua boca, o corpo começava a reagir-lhe e não tardou que ficasse preparado.

Ela era desajeitada, ossuda e surpreendentemente forte. Conseguiu tirar-lhe as calças e as cuecas e depois passou-lhe a boca pelo corpo, beijando-o, colocando-se subitamente em cima dele num arroubo tremendamente arrasador de paixão. Ele gritou mas ela não se deteve, mergulhando) num frenesim. De repente ela estremeceu violentamente e, finalmente, parou.

Ficaram deitados em silêncio - o corpo dele estendido debaixo do dela num ângulo estranho. Mal podia acreditar no que acontecera. A plácida e tímida Miss Field sabia, sem dúvida, como fazer as coisas.

Alguns momentos depois, David levantou-se e fechou-se no quarto de banho. Tinha o corpo coberto pelas marcas avermelhadas dos dedos dela. Que cabra arrasadora!

Ao voltar à sala, viu que a jovem tinha de novo o casaco de malha vestido e lavava cuidadosamente a loiça. Evitou olhar para ela enquanto enfiava as cuecas e as calças.

- Deseja tomar um café antes de sair, Mr. Cooper? - ofereceu a jovem.

A voz revelava-se controlada, somente um ligeiro rubor nas faces indicava o que acabara de se passar.

- Hem, não obrigado, Miss Field. - Aproveitou a oportunidade para se despedir. - De facto tenho de ir andando.

- Espero que voltemos a repetir o que se passou - disse a jovem tranqüilamente.

- Sim. - David hesitou. - Bem, então adeus. Vemo-nos amanhã no escritório.

- Adeus, Mr. Cooper, até amanhã.

Ao chegar à rua, soltou um suspiro profundo. Teria de se desfazer dela. Tê-la a trabalhar consigo no escritório todos os dias representaria o relembrar constante do que se passara. Da próxima vez arranjaria uma secretária bonita - só na esperança de não mais voltar a ser atirado para semelhante experiência.

Pensou em Linda com amargura e saudade. Estava pronto para voltar para casa. Oh, Deus, se estava!

 

- Linda, querida! Estás positivamente deslumbrante! Tão magra, tão jovem! Esta história do divórcio só te fez bem. - Monica levou Linda até à sala de estar. - Esta noite é um grupo interessante, todos solteiros; Jack e eu achámos que seria mais divertido. Agora deixa-me que te apresente.

Havia cerca de uma dúzia de pessoas, sentadas e de pé. Linda reconheceu o irmão de Monica, um estilista de modas. Estava acompanhado por uma mulher baixa e corpulenta envergando um fato-calça de seda perfeitamente desenquadrado.

- É a princesa Lorenz Álvaro que está ali com Rodney - segredou-lhe Monica. - Excitante, não é?

Linda nunca ouvira falar de nenhuma princesa Álvaro e não compreendia o que tinha o facto de tão excitante, já que Rodney era homossexual.

Em breve tagarelava com um médico. Um indivíduo alto e simpático. Ainda não tinham terminado o primeiro martini já ele a convidava para jantarem na noite seguinte; Linda pensou, por que não? De modo que, aceitou. Ele era razoavelmente atraente e parecia deslumbrado com ela. Não restavam dúvidas de que era um sujeito agradável, nada que se parecesse com o tipo de David.

Chegaram mais pessoas e Linda deu consigo enfiada a um canto, enquanto o médico lhe relatava uma longa e envolvente história acerca de uma paciente atacada de iterícia. Uma verdadeira chatice. Linda sorriu delicadamente e desejava não ter aceite o convite para jantar. Médico ou não, o certo era que o homem padecia de um mau hálito terrível.

Passeou ociosamente o olhar pela sala. Foi então que avistou Jay Grossman; endireitou-se, alisou o vestido e ajeitou o cabelo. Ele não a vira. Conversava com Rodney e a princesa Álvaro, e a certa altura foi abordado pela loura que aparecera no átrio do Dorchester no dia em que tinham almoçado juntos. A loura parecia ainda mais bonita num vaporoso fato-calça branco, com o cabelo apanhado no cimo da cabeça com uma fita da mesma cor. Jay rodeou-lhe a cintura com um braço e ela sorriu-lhe.

Linda desviou o olhar. O médico não se calava.

Monica anunciou que o buffet frio estava a ser servido na sala ao lado.

- Estou esfomeada - disse Linda sem rodeios.

- Santo Deus - exclamou o médico -, devo tê-la maçado até mais não. Vamos; comer.

Pegou-lhe possessivamente no cotovelo e orientou-a até à outra sala, onde ela chocou de frente com Jay.

Este equilibrava dois pratos de comida que, por pouco, não caíram.

- Linda! - exclamou, aparentemente com deleite.

- Jay! - retorquiu Linda, adoptando o mesmo tom.

- Por onde tens andado?

- Estive no campo com as crianças.

- Que aspecto estupendo!

Seria assim tão terrível anteriormente, interrogou-se ela.

- Obrigada.

Não conseguia parar de sorrir estupidamente.

Ficaram a sorrir um para o outro, até que o médico apertou o braço a Linda e disse:

- É melhor irmos comer qualquer coisa.

- Oh, com certeza.

Linda sentiu o coração a bater rapidamente.

- Até já - disse Jay.

Piscou-lhe o olho e imitou o sotaque inglês:

- É melhor ir comer qualquer coisa.

Depois de Jay se afastar o suficiente para não os poder ouvir, o médico disse:

- Estes tipos dos filmes americanos são todos o mesmo.

- Como?

- Sabes como é... atrevidos, vulgares, cheios de arrogância.

- Conhece Jay Grossman? - perguntou Linda asperamente.

- Digamos que temos uma amiga comum.

- Quem? - inquiriu Linda rudemente.

- Não fale em nomes, não conte o que ouvir contar.

- O quê?

De repente deu consigo a detestar o médico. Ele sorriu com ar misterioso.

- De facto conheço uma das suas ex-mulheres.

- Oh.

Linda tentou mostrar-se desinteressada.

- Uma mulher encantadora - continuou o médico.

- Lori? - perguntou Linda friamente. O médico pareceu ficar surpreendido.

- Sim. Lori está em Londres com o novo marido. Ouvi dizer que passou tempos terríveis com ele. Voltou a casar.

- Que interessante - observou Linda sarcasticamente, servindo-se rapidamente e voltando para a sala ao lado, seguida de perto pelo médico.

Não havia sítio para se sentarem.

Jay estava no sofá, junto da loura.

- Linda - chamou. - Sente-se aqui.

- com licença - disse ela ao médico.

Jay levantou-se e ela sentou-se. A loura fitou-a de relance, aborrecida.

- Susan - disse Jay -, quero que conheças uma grande amiga minha, Linda Cooper.

- Olá - cumprimentou Susan com um sorriso quase imperceptível.

O médico acocorou-se em frente delas, comendo avidamente do seu prato repleto. Jay afastou-se para o outro lado da sala.

Susan levantou-se subitamente e disse a Linda:

-'Talvez o seu amigo queira sentar-se.

Atravessou a sala para se juntar a Jay, enquanto o médico se instalava rapidamente ao lado de Linda. Ela estava bem arranjada, já que ele não dava obviamente mostras de tencionar sair do seu lado.

- Posso levá-la de carro a casa no fim da festa? - perguntou ele.

- Desculpe mas trouxe o meu carro.

- Que pena. - Abanou a cabeça. - Talvez devesse ir atrás de si, só para ter a certeza de que chegava a casa sã e salva.

Soltou uma risada.

- Dê-me licença - disse Linda firmemente. - Preciso de ir aos lavabos.

No andar de cima, no quarto de Monica, havia tranqüilidade. Linda sentou-se ao toucador e deu um toque em algumas madeixas de cabelo. Consideraria Monica rude da sua parte o retirar-se? No fundo, não se importava. Procurou o seu casaco entre os que juncavam a cama. Que desperdício fora comprar o dispendioso vestido de chiffon preto que usava.

Encontrou o casaco, desceu ao andar de baixo e escapuliu-se discretamente para fora. No dia seguinte telefonaria a Monica e explicaria que tivera uma dor de cabeça e considerara melhor não se preocupar com despedidas. Monica sentir-se-ia provavelmente insultada e não voltaria a convidá-la, mas e depois? Ficar em casa com os filhos era mais divertido.

De volta ao lar, despiu-se lentamente, interrogando-se sobre as razões que a tinham levado, três horas atrás, a esmerar-se na aplicação cuidadosa da maquilhagem para a entediante festa de Monica. Que esperara? O Príncipe Encantado. Não um médico chato com mau hálito.

Sentiu-se deprimida. Agora eram raparigas como Susan que faziam sucesso com os seus corpos esguios. "Encara a realidade de frente, Linda", reflectiu, "tiveste os teus melhores anos, que deste a David. Agora tens de te contentar com o segundo plano. "

Naquela noite sentia-se solitária. Por momentos passou-lhe pela cabeça, uma só vez, telefonar a Paul, porém o bom senso prevaleceu. Quem sabe ela tivesse cometido um erro ao divorciar-se de David. Talvez devesse dar-lhe nova oportunidade. Mas não, ela tinha razão, aquela situação era preferível a viver uma mentira com David.

Teve um sono agitado.

Uma hora mais tarde, o telefone acordou-a.

- Está?

Falou com voz sonolenta.

- Anda a tentar evitar-me?

- O quê?

Continuava ensonada.

- Deixo-lhe recados, não responde às minhas chamadas. Esta noite não me ligou nenhuma e escapou-se sem dizer nada. Amanhã à noite quero jantar consigo e não admito desculpas.

- Está bem, Jay.

Falou com voz débil.

- vou buscá-la às oito e nada de telefonar a dizer que não pode. Já liguei três vezes para si.

Linda não sabia o que dizer.

- Está bem, amanhã às oito - disse ele depois de uma pausa curta. - E traga aquele vestido preto que pôs esta noite, fica magnífica.

De repente tudo pareceu ficar novamente bem. Jay Grossman de segundo plano não tinha certamente nada.

 

Conrad acabou, finalmente, por reaparecer. Estivera hora e meia ausente e Claudia farta das revistas e de a fazerem esperar, mostrou-se um tanto irritada. Disfarçou o estado de espírito com um sorriso.

Ele estava embriagado. Agarrou-, apalpando-lhe o corpo através do tecido fino com as mãos papudas.

Claudia debateu-se, tentando libertar-se. Não era assim que planeara o acontecimento.

- Não vamos lá para cima? - perguntou ela.

O hálito do homem, um misto acentuado de alho e uísque, envolveu-a quando replicou:

- Claro, claro. São só uns pequenos preliminares.

Forçou-lhe a mão pelo decote do vestido, agarrando-lhe nos

seios com dedos rudes.

- Estás a magoar-me - queixou-se Qlaudia, acrescentando logo a seguir: - Eia... rasgaste-me o vestido.

Voltou a afastar-se dele, furiosa com os danos infligidos ao vestido, continuando, porém, a sorrir provocantemente.

- Vamos lá para cima, amante - ciciou. - Tenhamos uma grande sessão lá em cima.

- Primeiro despe a roupa, quero dar uma olhadela à mercadoria que levo - disse ele avidamente.

Não valia a pena, obviamente, contrariá-lo. Ela tratar-lhe-ia da saúde quando o tivesse na função.

Despiu lenta e sensualmente os folhos de jersey branco. Por debaixo só trazia um minúsculo cinto de ligas e meias claras e muito finas, as longas pernas realçadas pelos saltos excepcionalmente altos dos sapatos que calçava.

Conrad investiu contra ela, caindo de joelhos e prendendo-a pela cintura. Afundou-lhe os dentes no estômago e mordeu com força.

Claudia gritou e afastou-o rudemente.

- Filho da puta!

Ele ria, em roncos cavos e fortes.

Claudia esfregou o estômago, os olhos a brilharem-lhe perigosamente, na boca um sorriso contraído. com que então ele queria brincadeiras, hem? Bem, ela conhecia algumas da sua própria lavra.

- Anda - ordenou ele, dirigindo-se para a porta a passo trôpego.

Claudia foi atrás dele. Conrad empurrou-a escadas acima, à sua frente, acariciando-lhe as pernas, tentando apalpá-la entre elas.

Chegaram ao quarto. Estava muito escuro, ela mal conseguia ver um palmo diante do nariz.

- Salta para cima da cama - comandou ele.

Claudia subiu para cima de uma enorme cama circular, pensando sombriamente que, de manhã quando aquele enorme parvalhão estivesse sóbrio as coisas iriam ser diferentes.

Conrad acendeu as luzes - luzes fortíssimas que incidiam sobre a cama de todos os ângulos. Claudia reparou no vasto espelho colocado por cima da cama.

Conrad pôs-se em cima dela, sem sequer se dar ao cuidado de despir as roupas, limitando-se a desapertar as calças.

- Abre-te toda, filha - disse. - Passemos à acção.

Serviu-se dela com brutalidade - movendo-se rápida e violentamente contra ela, para a seguir desejar recorrer a várias outras maneiras, obrigando-a a submeter-se-lhe em todas as posições imagináveis.

Qlaudia trabalhou duramente. Eram momentos que ele não mais esqueceria. Seria divertido, realmente, quando ela se tornasse famosa, todas as pessoas dizerem ter-se tratado de uma descoberta feita da noite para o dia. Como teriam razão!

Finalmente, Conrad deu a festa por terminada. Claudia tinha o corpo dolorido das pressões a que ele lho submetera. Sentia-se magoada e exausta. Deixou-se ficar estendida na cama, demasiado fraca para se mexer.

Conrad mostrava-se surpreendentemente cheio de vida.

- Tenho uma pequena surpresa agradável para ti - disse. - Fica onde estás.

Saiu da cama e premiu um botão que se via ao lado da porta. O espelho por cima da cama separou-se em duas partes, que deslizaram suavemente, deixando ver uma enorme abertura no tecto. Um círculo de rostos sorridentes espreitava através dela.

Claudia sentou-se, horrorizada.

- São só uns amigos meus - disse Conrad com despreocupação. - Estes espelhos movediços são um truque fantástico para animar uma festa a sério! - Soltou uma gargalhada. -Escolhe aquele com quem gostarás de ir a seguir.

O rosto de uma mulher, grotescamente maquilhada e velha, disse:

- E que tal eu, Conrad? Posso dar uma volta com ela? Parece não conhecer segredos.

Ouviu-se uma voz de homem dizer:

- Não, a seguir sou eu, deixem-me dar-lhe uma boa fornicadela.

- Oh, Deus!

Claudia saltou para fora da cama.

- Que se passa? - perguntou Conrad. - Não queres entrar no meu filme?

Claudia olhou-o fixamente, todos os seus instintos a alertarem-na para que se afastasse enquanto era tempo.

Mas partir naquele momento - de que valia? Não era dessa maneira que chegaria ao écran prateado.

- Está bem - disse finalmente. - Está bem. Fico, mas desta vez mais vale que estejas a falar a sério.

- Estou a falar a sério - disse Conrad, suavemente.

 

David conseguiu passar o princípio da semana seguinte sem problemas, Miss Field mostrava-se, como de costume, uma secretária eficiente, tranqüila e discreta. Nenhum dos dois fez qualquer referência ao domingo anterior. De facto, era como se nada tivesse acontecido.

David achava que talvez tudo não tivesse passado de um pesadelo, no entanto um certo presságio sombrio alertava-o de que fora verdade. Quanto mais depressa se livrasse de Miss Field, melhor. Entretanto, o relacionamento entre ambos era o mesmo de sempre.

Decidiu esperar algumas semanas antes de transferi-la para outro departamento, talvez com um aumento de salário. Ela não se oporia a tal.

Mr. Taylor, do projecto Fulla Beans, estava na cidade. David não gostou nada da notícia mas, como de costume, foi escolhido para lhe servir de acompanhante. Seria que aqueles pobres provincianos nunca se cansavam dos inevitáveis clubes nocturnos de má fama e das "meninas" pateticamente gastas? Parecia que não. Mais uma vez, David teve de lhe arranjar companhia, desta vez com uma raiva corpulenta chamada Dora. Dora ria muito e sugeriu que seria muito divertido Burt Taylor e David irem com ela para a cama.

Nenhum deles gostou da idéia. Burt porque não queria partilhar, David por que não queria ficar a saber como era.

A rapariga mostrou-se muito insistente e quando Burt Taylor, de olhos arregalados perante a idéia do espectáculo que ela estava a propor, começou a achar que afinal a idéia não era má de todo, David ficou verdadeiramente farto. Conseguiu finalmente convencê-los a irem sem ele.

Como ele detestava aquele tipo de diversão. Aquelas mulherzinhas reles de clube nocturno não eram para ele. Regressou ao seu quarto de hotel e foi para a cama.

A semana arrastou-se interminavelmente. Quarta-feira à tarde telefonou para os filhos. Tinham acabado de chegar a casa, vindos da escola, e estavam a lanchar. Ana disse que Mrs. Cooper não estava em casa.

Ele tinha a certeza de que Linda não se importaria de que ele aparecesse para ver as crianças. Talvez o deixasse ficar para o jantar, em relação a Linda, era tudo uma questão de tempo. Ela acabaria por chegar à conclusão de que a única decisão razoável a tomar era aceitá-lo de volta.

Disse a Ana que apareceria lá por casa. A empregada resmungou algo em espanhol. Ele podia ouvir os gritos excitados das crianças do pátio.

Saiu do escritório muito bem humorado e foi à loja de brinquedos Hamley, onde encheu os braços com um carregamento de jogos e bonecos. Passou pelo Swiss Cottage e comprou flores. Quando chegou a casa, já se tinham passado duas horas.

Linda abriu-lhe a porta de expressão furiosa. Bloqueou-lhe a entrada.

- As crianças estão a tomar banho - disse friamente.

- Está bem, posso esperar.

E apresentou-lhe as flores. Linda ignorou-as.

- David, combinámos que só visitarias as crianças aos fins-de-semana.

- Que diferença faz a altura em que venha cá? Tencionas castigarme por querer ver os meus filhos?

Linda cedeu com ar cansado. Não queria ser injusta no que dizia respeito às crianças, no fim de contas ele era o pai.

- Entra, mas por favor não voltes a fazer isto.

- Que queres dizer? Que não volte a visitar os meus filhos novamente?

- Não, David, quero dizer que te agradeço que te limites aos períodos acordados.

- Surpreendes-me. - Abanou a cabeça. - Nunca imaginei que utilizasses Janey e Stephen como uma arma contra mim.

Os olhos de Linda encheram-se de lágrimas diante da injustiça da observação.

- Mas não uso. Apenas tento fazer o que é melhor.

David fitou-a friamente.

- E pensas que o melhor é não deixares duas crianças inocentes verem o seu pai?

- Estás a distorcer as minhas palavras.

- Não estou a distorcer nada. Limito-me a repetir o que quiseste dizer. - Apresentou-lhe as flores bruscamente. - Toma isto - ou talvez prefiras deitá-las fora como fizeste comigo.

Linda aceitou as flores.

- vou ver se o banho já terminou.

- Tenho permissão para ir lá acima vê-los no banho? - perguntou David com voz azeda.

- com certeza,

Stephen apareceu no cimo das escadas, esfregado e limpo, de pijama às riscas.

- Papá! - gritou.

Linda, no andar de baixo, ouviu o grito de alegria. Olhou de relance para o relógio de pulso. Eram seis da tarde. Talvez devesse telefonar a Jay para lhe dizer que não podiam sair juntos. Sentia-se tão confusa. A atitude de David para com ela era tão injusta... Ele agia como se tudo tivesse acontecido por culpa dela.

David desceu com Janey aninhada nos braços e Stephen agarrado a uma das mãos. Foi buscar os embrulhos ao carro e as crianças gritaram de excitação.

Linda fechou a porta da sala de estar e deixou-os sozinhos. Subiu ao andar de cima e deitou-se em cima da cama. Imaginara que a fase mais dolorosa do divórcio terminara mas quando se tem filhos não está nunca terminada, há sempre uma vozinha que interroga: "Por que é que o papá já não vive cá em casa? Quando é que o papá volta? Gostas do papá?"

Tentou entrar em contacto com Jay. Este saíra.

Uma hora depois, desceu. com um sorriso forçado, disse:

- Vamos, são horas de ir para a cama. Amanhã há escola.

Stephen fitou-a com um olhar zangado.

- Òh, mama!

Janey começou a chorar. David disse:

- Que tal mais dez minutos?

- Por favor, mama - implorou Janey.

- Oh, está bem, mas só dez minutos.

Consultou novamente o relógio de pulso. Já passava das sete e Jay ficara de vir às oito. Não queria que ele e David se encontrassem. Desejaria saber o paradeiro de Jay para cancelar o combinado. Não que fosse de sua vontade, mas de facto já não lhe apetecia sair.

Passados mais dez minutos, as crianças estavam deitadas, com David a ler-lhes histórias. Quando ele desceu ao andar térreo faltava um quarto para as oito. Mostrava-se bem disposto.

- Apetecia-me uma bebida.

Linda sentia-se nervosa. Tinha todo o direito de sair com um homem mas o instinto dizia-lhe que David não gostaria.

David serviu-se de um uísque.

- Sabes, Stephen é um petiz muito inteligente. Temos de falar seriamente acerca do seu futuro.

Linda muniu-se de todas as suas energias.

- Sim, temos, mas não agora. Tenho de mudar de roupa. - Imprimiu uma entoação de desafio à voz. - vou sair.

- Que bom.

Houve um momento de silêncio e depois David acrescentou:

- Tens uma rica vida.

Linda falou com voz controlada.

- Que queres dizer?

- Bem, sabes como é, nada de preocupações, uma casa bonita, eu pago as contas todas e tu nada mais tens de fazer além de cirandar por aí com quem muito bem te apetece.

- Eu não cirando por aí, e tu sabe-lo.

- Deixa-te disso. És uma mulher atraente, uma divorciada. Qualquer homem sabe que é o que mais lhe convém, uma fornicadela sem compromisso é sempre bem-vinda. Deves ter dúzias de propostas. Pois eu aposto...

Linda corou violentamente.

- Sai! Põe-te imediatamente daqui para fora!

David pousou calmamente o copo com a bebida.

- Que se passa? Não me queiras convencer de que não o fazes.

- Por favor, sai, David. Imediatamente.

David dirigiu-se calmamente para a porta.

- Está bem, está bem, não te irrites. Não fico aqui a estragar-te a saída. vou voltar para o meu quarto de hotel, não te preocupes comigo, diverte-te.

Depois de sair, Linda atirou-lhe violentamente a porta à cara.

David entrou para o carro furioso. Cabra leviana! Era o mesmo traste que Claudia. Eram todas o mesmo, todas umas cabras a tentarem apanhar um tipo desprevenido para depois o espremerem, até não restar mais nada.

Deu a volta ao quarteirão e depois voltou, detendo o automóvel a algumas casas de distância. Já agora esperava, para ver com quem ela saía.

Jay atrasou-se alguns minutos mas não os suficientes para Linda se recompor. Encontrou-a mergulhada em lágrimas.

- Não posso sair - disse ela entre soluços.

Jay abraçou-a. Linda encostou a cabeça de encontro ao peito dele e fez-lhe um relato confuso do que acontecera.

Jay mostrou-se compreensivo.

- Tem de falar com o seu advogado amanhã de manhã, bem cedo. Pode conseguir uma ordem do tribunal que o impeça de a incomodar. Ele tem tempos fixados para ver os filhos e terá de os cumprir.

- Só pensei que seria muito impiedoso da minha parte não o deixar ver as crianças.

- É assim que ele quer que a Linda se sinta. Provavelmente está farto de andar por aí a fornicar e quer voltar para casa. A única maneira que tem para chegar até si é através dos filhos.

- Acha que sim?

- Qlaro. Escute, Linda, tenho experiência nesta matéria, Ele deu cabo de uma bela relação consigo. Você, Linda, não é nenhuma insignificante, é uma mulher adorável e aposto em como ele deseja voltar.

Fez uma pausa para depois acrescentar, com ar indiferente:

- Que sente por ele?

Linda ficou pensativa.

- Não sei. Já não o amo. Acontece simplesmente que, apesar dos insultos, sinto pena dele. Se virmos bem, fiquei com a casa e as crianças e que foi que ele teve?

- Eia, que é isso rapariga, está a começar a pensar da maneira que ele quer. A opção foi dele, não foi?

Linda acenou afirmativamente com a cabeça.

- Tem razão.

- Óptimo, finalmente começa a perceber que estou sempre certo! - Riu. - Agora vá lá acima, ponha pó-de-arroz no nariz, vista a sua fatiota preta e vamos sair.

Linda sorriu.

- Está bem, Jay.

Ele levou-a ao Annabel. Jantaram num ambiente de elegância. Jay distraiu-a com histórias divertidas acerca do filme e das filmagens em Israel. Falou-lhe dos filhos - eram três, um da primeira mulher e dois da segunda.

- Californianas louras e bonitas - observou Jay melancolicamente. - Pouco as vejo. Lori detestava crianças.

- Que idade têm?

- Caroline, a mais velha, tem quinze, uma autêntica toleirona. Vive em San Francisco com Jenny, a minha primeira mulher. Depois há Lee, que tem dez, e Lance, de nove. Essas agora têm um padrasto muito bom e eu vejo-os sempre que vou lá.

- Nunca estive na América. É tão deslumbrante como parece na tela?

Jay riu.

- Creio que se pode dizer que Hollywood é deveras deslumbrante; pessoalmente, o único aspecto que me agrada ali é o tempo.

Depois de jantar, apareceram uns amigos de Jay, também da indústria cinematográfica, que se juntaram a eles.

Estava uma noite bonita. Jay levou Linda a casa no seu carro do estúdio com motorista e beijou-a na face.

- Que tal sairmos no sábado? - perguntou-lhe.

- Está bem - replicou ela calmamente.

- Amanhã telefono-lhe. E não se esqueça de contactar com o seu advogado logo pela manhã.

- Assim farei.

Sorriram um para o outro. Linda entrou em casa e, pela janela, ficou a vê-lo meter-se novamente no carro. Gostava muito dele.

Claudia enterrou-se na cama do seu apartamento. Aninhou-se debaixo das cobertas, magoada, usada e com medo de ver quem quer que fosse.

No dia a seguir à sessão pavorosa vivida com Conrad, telefonou ao seu agente e disse-lhe que estava tudo combinado, que o estúdio contactaria com ele. Depois tomou uma série de comprimidos e dormiu, ou tentou dormir.

Claudia não era ingênua, estivera já com muitos homens, passara já por muitas situações diferentes e claro que tinha a experiência dos filmes pornô. Mas nunca vivera nada tão degradante como o que se passara na noite em casa de Conrad. Quando fechava os olhos, sentia-se acometer por visões maléficas e rostos sorridentes. Todas as coisas que a tinham obrigado a fazer corriam-lhe pela mente. Ainda lhes sentia as mãos. O corpo revoltava-se-lhe com as dores dos maus tratos sexuais.

Deixou-se ficar debaixo das cobertas, sem comer, ignorando o telefone, inerte e apática durante vários dias.

Ninguém quis saber, ninguém apareceu. Se morresse, provavelmente só meses depois é que descobririam o seu corpo. Onde estavam todos os que se diziam seus amigos?

Finalmente obrigou-se a pôr-se a pé. Estava magra e pálida. Vestiu-se e saiu. Sentiu aversão pelas pessoas que encontrou na rua. Foi ver Giles. Este estava ausente em Maiorca. Voltou para casa e cortou o seu magnífico cabelo fulvo com uma tesoura de unhas. Depois enfiou-se de novo na cama e dessa vez adormeceu.

Quando, no dia seguinte, acordou, sentiu-se muito melhor. Abriu umas latas e comeu. Ficou horrorizada ao ver o que fizera ao seu cabelo, este mostrava-se espetado em todas as direcções e estava um pavor. Leu os jornais e revistas que se tinham empilhado em frente da sua porta e ligou ao agente.

Não, ele ainda não tivera notícias. Ela lera que Conrad Lee ia casar-se?

Claudia pegou novamente nos jornais e descobriu o artigo. Ali estava - Conrad Lee, de sessenta e dois anos, produtor famoso, casava com Shirley Sheldon, de vinte anos, modelo e ex-debutante.

Shirley Sheldon! Claudia ficou de boca aberta, tal era o espanto. Shirley Sheldon! Ex-noiva do Honorável Jeremy Francis, ex-stripper. Não podia ser verdade.

Shirley era uma falsa debutante cujo único interesse era singrar na vida. Só andara com Jeremy por este possuir um título. Claudia imaginava que o que a interessava em Conrad era o dinheiro e a fama. Mas que poderia ele ver nela? Ela não era nada de especial em termos de beleza, tinha uma figura péssima e para chata não lhe faltava nada. O velho idiota era capaz de imaginá-la uma debutante autêntica. Que piada! Ora, fora ela que os apresentara um ao outro. Lembrava-se de Shirley ter ido à sua festa com aquele bronzeado formidável. Devia tê-lo obtido em Israel. Que grande vaca! Onde teria ela estado na outra noite? Não a faria ele participar nas suas orgias? E, se não, por que razão?

Voltou a ler o artigo. O casamento teria lugar naquele mesmo dia. Ela não podia simplesmente acreditar em semelhante ocorrência. A esquelética Shirley Sheldon, tudo menos ex-debutante, de certeza com mais de vinte anos.

- Hem! -exclamou com desdém. Aquilo era de mais. Obedecendo a um impulso súbito, correu para a lista telefônica

e procurou o número do Honorável Jeremy. Ao descobri-lo, ligou para ele sem hesitar.

O jovem encontrava-se em casa, gaguejante e inseguro como sempre.

- Claudia, q-q-que prazer - declarou, depois de ela se identificar.

- Vais ao casamento de Shirley? - perguntou-lhe sem rodeios.

- Não p-p-podia deixar de o fazer, não é v-v-verdade? - balbuciou alegremente.

- Lembrei-me de que poderíamos ir juntos - disse Claudia com ar ligeiro. - Já é tempo de nos voltarmos a ver.

- Sem dúvida que é uma boa idéia. P-p-posso ir buscá-la?

Claudia sorriu. Fora demasiado fácil.

- Estupendo, a que horas?

- Se a recepção começa às s-s-seis, penso que será melhor passar por aí às cinco e meia.

- Maravilhoso, Jeremy.

Deu-lhe a morada e desligou. Que idiota ele era.

Passou a tarde toda no cabeleireiro, de onde emergiu com um aspecto completamente diferente. O cabelo, curto como o de um rapaz, estava liso e com longas patilhas. Felizmente era a moda do momento. De qualquer forma, era o que as grandes modelos usavam. Condizia impecavelmente com o exíguo vestido ultra-mini dourado que escolhera para levar.

Jeremy ficou impressionado.

- C-c-caramba, rapariga, estás absolutamente espantosa! - exclamou quando a foi buscar.

Claudia preparou-lhe um martini forte e reparou que a tez de aspecto doentio continuava na mesma. Resistiu à forte tentação de lhe perguntar se alguma vez ia para a cama com alguém.

- Quer dizer que a boa Shirley vai finalmente dar o nó - comentou, tomando um golo do seu martini e exibindo uma generosa área de perna ao sentar-se na enorme poltrona, em frente de Jeremy.

Os olhos do jovem esbugalharam-se.

- Sim, diria que s-ssim.

- Que foi que vos aconteceu a vocês os dois?

- Bem... - agitou os braços enfezados. - ela é uma rapariga f-f-formidável, muito divertida e tudo isso, mas disse que precisava de a-a-alguém com mais maturidade.

Bebeu um pouco mais do seu martini, movendo ritmicamente a sua maçã de Adão.

- Continuamos a s-s-ser grandes amigos- acrescentou desajeitadamente.

- Ainda bem - disse Claudia com brusquidão. - Afinal de contas, ela é bastante mais velha que você.

- É? - admirou-se Jeremy.

- Não quero estar a revelar segredos, ela tem tanto cuidado com a sua aparência... mas durante quanto tempo mais conseguirá enganar toda a gente?

Claudia abanou a cabeça com ar pensativo e Jeremy fitou-a de

boca aberta e ar vazio.

- Vamos andando? - perguntou ela vivamente, levantando-se com rapidez e alisando o vestido.

- Hem... vamos.

Jeremy levantou-se igualmente.

Era muito alto e desengraçado - "um autêntico fenômeno sem queixo", pensou Claudia. Não era de admirar que Shirley o tivesse trocado por Conrad. Este, ao menos, era senhor de um certo estilo grotesco.

Jeremy conduzia um MG vermelho reluzente. Era muito desconfortável; ele teve de se espremer para ficar instalado atrás do volante.

- Por que não arranjas um automóvel maior? - perguntou-lhe Claudia.

Afinal de contas os pais deviam ter muito dinheiro.

- Esta carripana serve para as minhas voltinhas - disse Jeremy orgulhosamente. - Não a t-t-trocava por nada.

Conduzia mal, abusando da embraiagem, metendo-se à frente de outros condutores sem sequer reparar neles e disparando para fugir às luzes encarnadas.

Quando chegaram, Claudia sentia-se enjoada. Precisava rapidamente de uma bebida. Que alegria seria apreciar a cara que Shirley e Conrad fariam quando a vissem. Quelle surprise!

David deixou-se ficar sentado no seu carro a fumar um cigarro. Não teve de esperar muito tempo até uma brilhante limusina negra de motorista se deter em frente de sua casa - bem, da casa de Linda. Saiu um homem. David encontrava-se demasiado longe para o reconhecer. Praguejou com voz abafada e aproximou um pouco mais o seu carro, mas era demasiado tarde. O homem já entrara.

Bem, não restavam dúvidas de que Linda sabia tratar bem de si. O homem, fosse quem fosse, tinha com certeza uma boa posição na vida.

As mulheres eram umas interesseiras. Não podiam esperar - ali estava Linda, divorciada apenas há umas semanas e já a aceitar convites para sair e a gozar a vida. Se calhar trazia aquele parvalhão pelo beicinho. Cabra! Não era melhor que Claudia.

Esperou impacientemente que saíssem. Estavam realmente a demorar, certamente a dar uma fornicadela rápida na sala de estar.

Ainda pensou em entrar e desferir um murro no sujeito - independentemente de quem fosse. Mas o mais certo era Linda não o deixar entrar.

Quando ele a tivesse de volta, ela pagaria por aquilo. Pelo caminho que a via tomar, se calhar já não a queria.

Ficou sentado às voltas com os seus pensamentos, até que, finalmente, eles saíram. O homem, o filho da mãe, tinha um braço em volta dos ombros de Linda. O motorista apressou-se a sair do carro para lhes abrir a porta. Entraram, ele voltou a sentar-se e partiram.

David lançou-se em sua perseguição, mantendo uma distância discreta entre os carros. Malogradamente para si, teve o azar de, em Swiss Cottage, o motorista atravessar uma luz amarela, e David, que ia atrás e passou já com o sinal vermelho, foi detido por "um polícia numa motorizada. Teve de mostrar a sua carta de condução e o seguro, após o que o agente lhe passou um sermão sobre os perigos de má condução. Como era evidente, quando ficou livre para partir, o automóvel que perseguia perdera-se já na noite. O acesso de cólera não o aliviou. Detestava comer sozinho, mas àquela hora parecia não ter alternativa. Decidiu ir a um local alegre, pelo que rumou para o Cario.

Estava apinhado, como de costume. Numerosas mulheres de aspecto espampanante com as suas fatiotas mais elegantes, actores, fotógrafos e homens de passagem pela cidade que eram os seus acompanhantes dessa noite.

O chefe de mesa informou-o com um abanar de cabeça falsamente pesaroso que, no mínimo, só dali a duas horas é que poderia arranjar uma mesa de um lugar só. David passou-lhe dinheiro discretamente e o homem mostrou-se um pouco mais animado em relação às perspectivas. Pediu a David para esperar no bar, pois ele iria ver o que podia fazer.

David mandou vir um uísque com gelo e observou o que o rodeava. Não pôde deixar de se lembrar da última vez em que ali estivera, com Claudia. Sentia curiosidade em saber o que seria feito da jovem, porém chegou à conclusão de que não lhe interessava verdadeiramente. Se não tivesse sido ela, naquele momento estaria em casa com a sua mulher.

Reparou que uma mulher o fitava insistentemente. Devolveu o olhar. Ela tinha o cabelo louro-prateado abundante puxado para o cimo da cabeça e envergava um casaco de vison branco. O rosto dela parecia-lhe familiar. Estava com dois homens que conversavam animadamente - dois americanos velhos e barulhentos - um dos quais usava botas de cowboy.

Ela mantinha-se imóvel. Fria, bela e alheia aos seus companheiros.

De repente David recordou-se de quem se tratava. Era Lori Grossman. Pousou a bebida e aproximou-se da mesa deles.

- Viva, Lori - cumprimentou, acrescentando, para lhe avivar a memória: - David Cooper. Lembra-se de mim?

O sorriso dela era pouco rasgado, sensual, ao mesmo tempo que lhe estendia uma mão alongada e nívea.

- David. Que prazer.

Os dois homens interromperam a conversa. Ela apresentou o mais velho - devia ter bem os seus setenta anos - como sendo Marvin Rufus, o marido.

- David ficou surpreendido. Que acontecera a Jay?

- Sente-se, tome uma bebida - disse Marvin, que reatou imediatamente a conversa com o outro indivíduo.

Lori despiu o casaco de vison branco, revelando um vestido de renda preta, de pronunciado decote em V. Possuía seios pequenos mas perfeitos. Não usava soutien.

- Deixei Jay - disse Lori em resposta à pergunta que David não formulara. - Ele não passava de um reles filho da mãe. - Ajustou a fabulosa pulseira de diamantes que tinha a rodear-lhe o pulso fino. - Marvin sabe como tratar uma mulher...

- Calou-se, fitando avidamente David com os gélidos olhos azul claros.

Aquela estava pronta! David congratulou-se por ser tão atraente para as mulheres. Ela comia-o com os olhos!

- Linda e eu divorciámo-nos - disse. - Simplesmente não resultou.

- Sim, eu sei - observou Lori com voz arrastada.

- Sabe? - admirou-se ele. Lori sorriu.

- Foi um passarinho que me contou; imagino que saiba que o meu elegante ex anda a sair com a sua ex. Não é curioso?

- Jay anda a sair com Linda?

Não podia acreditar.

- Precisamente, querido.

Ela moveu-se para mais perto dele e David sentiu-lhe a pressão inesperada da perna debaixo da mesa. A sua mão tocou numa coxa sedosa. A mulher estava de cabeça perdida!

Marvin e o outro sujeito continuavam a conversar acerca de negócios.

- Quanto tempo vão ficar por cá? - perguntou David.

- Só uns dias-'respondeu Lori arrastadamente.

Será quanto basta. Se Jay andava a dormir com Linda, o melhor que ele tinha a fazer era aproveitar aquela disponibilidade de Lori. Sentia-a nitidamente pronta, disposta e com vontade.

Debaixo da mesa, a sua mão avançou ainda mais pela perna, alcançando pele suave a cima da parte final das meias.

- Tem algum encontro com alguém? - perguntou ela.

David abanou negativamente a cabeça.

- Então tem de se juntar a nós. Marve não se importará. Falará de negócios durante horas.

Alguns minutos depois a mesa que lhes estava destinada, ficava livre. Confirmando o que Lori dissera, o marido continuava a sua conversa-maratona com o outro indivíduo, mal parando para comer.

Lori comia como um passarinho, mordiscando pequenos pedaços de bife, depenicando a salada. A certa altura começaram a dar música de dança e David convidou-a para ir dar uma volta na pista. Lori era muito alta, particularidade ainda mais acentuada pelo ninho de pássaros que trazia no cimo da cabeça.

- Então? - perguntou ele quando já se encontravam na pista de dança.

A perspectiva de pôr aquele magnífico exemplar de indiferença de cabeça perdida, excitava-o.

Lori sentiu a sua excitação e apertou-se mais de encontro a ele.

- Marve quererá ir jogar quando sairmos daqui, eu direi que estou muito cansada e você oferece-se para me levar ao hotel. Temos suites separadas. Ele não nos perturbará.

David apertou-a com força. Sentia-lhe os ossos enquanto ela movimentava o seu corpo contra o dele, ao som da música.

- Então e se não dá resultado? - perguntou.

- Dará resultado - respondeu Lori com uma risada baixa. - Sempre deu.

Jay telefonou a Linda na quinta e na sexta-feira, como prometera. Escutar-lhe a voz diariamente proporcionava-lhe uma sensação de bem-estar. Ele fazia-a sentir-se novamente viva e atraente.

Percorreu apressadamente as lojas em busca de um vestido adequado para o deslumbrar na noite de sábado. Tudo parecia ter sido feito para adolescentes de peito chato. Finalmente decidiu-se por um vestido de crepe branco, demasiado dispendioso mas maravilhosamente cortado.

Passou o dia absorvida com os filhos, levando-os a dar um prolongado passeio pelos prados do Hampstead e deixando-os andar de burro. Ela adorava os filhos e com Jay na sua vida, parecia amá-los ainda mais.

Preparou-se, demoradamente, para ele - tomou um banho longo e perfumado, envergou o vestido de crepe branco, colocou algumas jóias de boa qualidade. Não conseguia deixar de imaginá-lo a fazer amor com ela. Desejá-lo-ia ele? Obviamente gostava muito dela. Declarar-se-ia ele naquela noite?

Declarar-se... que pensamento juvenil. Ela era uma mulher divorciada com dois filhos, não uma adolescente num segundo encontro.

Quereria ele dormir com ela naquela noite? Assim é que era pensar com mais realismo.

Ela desejava-o, precisava dele. Já fazia muito tempo...

Finalmente ficou pronta e Jay apareceu, como de costume, a horas.

- Está linda - elogiou Jay. - Não se importa de que passemos numa festa por alguns minutos? Negócios.

A festa era no Belgravia, uma mansão pré-vitoriana, a que não faltavam mordomo e criada à porta.

Linda sentiu-se imediatamente intimidada. Olhou em volta, apreciando a luxuosa sala de estar e reconhecendo vários rostos famosos. O local parecia repleto de estrelas e de jovens e lindas raparigas.

Jay conhecia toda a gente. Movimentava-se de um lado para o outro cumprimentando as pessoas, enquanto ela o seguia tristemente, senntindo-se deslocada e repentinamente insignificante.

Para cúmulo, uma loura explendorosa, que reconheceu ser Susan Standish, lançou os braços ao pescoço de Jay com ar íntimo e segredou-lhe suficientemente alto para ela ouvir.

- Seu mauzão! Como te atreveste a deixar-me esta manhã antes de eu acordar!

Jay afastou a jovem, rindo alegremente.

Linda voltou-se e atravessou a sala. Ninguém dava a impressão de estar interessado em falar com ela. Era uma daquelas festas em que todos eram "alguém" na indústria cinematográfica e, ou se era "alguém" ou uma estrelinha jovem e bonita, caso contrário caía-se no anonimato.

Descobriu uma cadeira e sentou-se. Que tola fora. Jay não estava interessado nela, provavelmente só sentia pena. Vendo bem as coisas, ele era um importante realizador de cinema e todas as raparigas de Londres o assediavam. Que poderia ela oferecer-lhe que ele não tivesse mais belamente apresentado noutro lado?

Viu-o vir na sua direcção e compôs um sorriso radioso. Não devia deixá-lo perceber que estava aborrecida - embaraçá-lo. Para quê? Não havia nada entre ambos.

- Por que se escapuliu? - perguntou-lhe ele, um ar vagamente divertido no olhar. - Deixou-me nas garras de uma mulher aspirante a estrela, sempre em perseguição de nós, pobres realizadores. Por que não ficou para me proteger?

Linda teve vontade de dizer: "Dormiste com ela ontem à noite, que esperavas?" Em vez disso limitou-se a sorrir e a dizer:

- Não sei. Apeteceu-me sentar por alguns momentos.

- Já não demoramos. Tive de dar cá uma saltada, caso contrário Jay nunca mais me deixava esquecer a falta.

Indicou uma mulher espampanante, na casa dos quarenta, a sua anfitriã.

Saíram pouco depois e jantaram num pequeno restaurante, em Chelsea. Ainda não iam a meio da refeição quando Jay lhe perguntou qual era o problema.

Linda não tinha jeito para esconder os seus sentimentos e os seus modos para com Jay tinham-se tornado quase afectados.

- Nada.

Inexplicavelmente, sentiu que os olhos se lhe enchiam de lágrimas.

Jay mudou de assunto.

- Saiamos com os miúdos amanhã. Estou ansioso por conhecê-los.

Linda não foi capaz de arranjar uma desculpa.

- Está bem - anuiu inexpressivamente. - Importa-se de que volte para casa? Estou com dores de cabeça.

Ele fitou-a surpreendido mas não lhe fez perguntas. Pagou a conta e saíram.

Durante o percurso que os levou até Finchley, a conversa foi esparsa. Linda sentiu-se inibida com a presença de um motorista, a quem não via o rosto, sentado na frente.

À porta, ofereceu a mão a Jay, que a apertou com ar grave.

- Encontramo-nos amanhã, com as crianças, ao meio-dia. Levá-las-emos a almoçar - disse.

Linda assentiu com indiferença. No dia seguinte telefonaria a cancelar o encontro.

 

A recepção do casamento estava a abarrotar de gente.

- Leva-me até ao bar, estou a precisar de uma bebida - pediu Claudia imediatamente.

- V-v-vejamos, não devíamos tentar encontrá-los primeiro? - gaguejou Jeremy, olhando apaticamente em volta.

- Não, primeiro arranjemos de beber.

Dirigiram-se directamente para o bar. Claudia tomou rapidamente uma taça de champanhe e sentiu-se melhor. Observou a multidão, uma mistura dos amigos de pseudo-sociedade de Shirley e um grupo de gente do cinema americano.

- Que malta com mau aspecto - comentou Claudia asperamente,

Jeremy fitou-a com ar distraído.

Um criado passou com uma bandeja de canapés; Claudia agarrou em vários.

- Buuu... que porcaria de comida! -exclamou. -Um bocado de carne enlatada seca e velha, tal qual a noiva!

Riu e emborcou mais uma porção de champanhe.

Foram abordados por duas réplicas de Jeremy, altas, magras e ligeiramente menos atacadas de acne.

- Meu caro, sou J. Francis - anunciou um deles ruidosamente, pousando firmemente a mão no ombro de Jeremy e observando Claudia. - Que tal estamos hoje?

- Qh, v-v-viva, Robin.

Robin libertou Jeremy do aperto da sua mão.

- Quem é a linda senhora?

Jeremy agitou os braços.

- Hem, Claudia Parker, este é Robin Humphries.

- Lorde Humphries, meu caro. A rapariga que saiba com quem está a falar. - Sorriu a Qlaudia, revelando uma fileira de dentes tortos e manchados de nicotina.

Claudia retribuiu o sorriso. Estava a beber a sua quarta taça de champanhe.

O outro jovem adiantou-se ansiosamente.

- Chamome Peter Fore-Fitz Gibbons - disse.

- Vejamos, C-C-Claudia... - disse Jeremy interpondo-se entre a jovem e Robin e Peter-, temos realmente de ir à procura de S-S-Shirley e do m-m-marido.

- Como quiseres, querido. - Piscou um olho aos dois jovens. - Vemo-nos mais tarde. Não desanimem.

Estes trocaram olhares admirados.

- Rapariga curiosa, hem? - comentou Robin.

- Deve ser uma pessoa curiosa, para andar com o velho Jeremy. - concordou Peter.

Ficaram a vê-la atravessar a sala com passo meneante.

- Não me importava nada de provar um pedaço - disse Robin.

- Eu também não - concordou Peter.

Claudia localizara Shirley. Aproximou-se rapidamente dela.

- Shirley! Sua malandreca!

Colocou-se firmemente diante da noiva, uma das mãos a segurar uma taça de champanhe e a outra presa à de Jeremy.

Shirley não pestanejou uma única vez. Sorriu delicadamente.

- Claudia, querida, que surpresa! Ainda bem que pudeste vir, e tu também, Jeremy, boneco. - Colocou-se na ponta dos pés e depositou um beijo repenicado na bochecha de Claudia. - Divino ver-vos aos dois.

- Onde está o noivo? - perguntou Claudia, arrastando ligeiramente as palavras.

- Anda algures por aí - retorquiu Shirley alegremente. - Adoro o teu estilo, querida, quem me dera ficar bem com um corte tão pronunciado.

Claudia sorriu.

- Tenho a certeza de que ficarias.

Jeremy gaguejou:

- Que rica festa aqui tens. Ambas as raparigas o ignoraram.

- Conrad falou-me da diversão que vocês tiveram na outra noite - disse Shirley, com voz delicodoce.

Claudia lançou-lhe um olhar penetrante.

- Sim, pensei que tu estivesses lá.

Shirley riu suavemente.

- Para quê estar lá se posso ver o filme?

- Que filme? - perguntou Claudia com uma voz que principiara a endurecer.

- Oh, Conrad fica sempre com um filme dessas noitadas. - Shirley sorriu triunfantemente. - Não sabias? De facto é o seu hobby. Uma destas noites tens de aparecer para to passarmos.

Claudia ficou a olhar para ela com uma sensação horrível no estômago. Sabia que Shirley não estava a mentir.

- Bem, querida - continuou Shirley-, realmente disseste que querias entrar num filme dele.

E soltando uma gargalhada cristalina, voltou-se para cumprimentar outro convidado.

Claudia ficou completamente imóvel, furibunda. O filho da puta!

- Vejamos, minha cara, está tudo b-bem? - perguntou Jeremy.

Claudia desprendeu-se violentamente dele.

- Cala-te, parvalhão.

- O quê? - balbuciou ele com ar magoado.

- Nada. - Acabou o resto da bebida e entregou-lhe o copo vazio. - Arranja-me mais, está bem?

Avistara Conrad. Este gracejava e ria junto de um casal mais velho.

Claudia acercou-se, saracoteante.

- Ora viva, pá - disse em voz bem alta - pa-ra-béns!

Os olhos penetrantes de Conrad olharam-na de alto a baixo com desinteresse. Shirley apareceu e agarrou-se protectoramente ao braço dele.

Claudia sorriu a Shirley.

- Ele não presta para nada na cama, mas enfim, como ouvi dizer que tu também não, estão bem um para o outro.

O casal mais velho trocou olhares e afastou-se. Nesse momento apareceu Jeremy, com uma nova taça de champanhe na mão.

Claudia pegou na taça e erguendo-a diante do par, disse:

- À saúde de dois fornicadores velhos e gastos!

As pessoas que se encontravam por perto voltaram-se e ficaram a olhar.

Conrad disse em voz baixa e controlada:

- Põe-te a andar daqui para fora, rameira!

Claudia sorriu.

- com todo o prazer, paneleiro!

E agarrando-se ao braço de um Jeremy estupefacto, acrescentou:

- Anda, ponhamo-nos a mexer desta porcaria.

Jeremy, fortemente ruborizado, saiu com ela. Chegados ao exterior. Claudia desatou a rir.

- Não foi divertido? Não foi o máximo?

O rosto de Jeremy apresentava uma vermelhidão viva, demonstração clara do embaraço que sentia.

- V-v-vejamos, Claudia, como pudeste...

- Como pude o quê, homem? Foi só uma brincadeira. - De repente lançou-lhe os braços ao pescoço e beijou-o, obrigando-o a abrir os lábios rígidos com a língua. - Anda, voltemos para o meu apartamento para nos divertirmos a valer.

Jeremy mostrou-se relutante, desejando, no íntimo, voltar à recepção do casamento e apresentar desculpas. Mas Claudia insistiu.

- Eu mostro-te o que é bom, querido - sussurrou-lhe ela. - vou fazer-te viver um bocado que nunca esquecerás.

De volta ao apartamento, Claudia preparou bebidas fortes e ligou o gira-discos no máximo do volume. Jeremy ficou sentado rigidamente no sofá sem saber o que fazer, enquanto a jovem dançava pela sala ondulando o corpo e despindo o vestido.

Absorvida pela música, a jovem não lhe prestou grande atenção. Dançou e acariciou os próprios seios até que, de repente, pronta para o receber, aproximou-se do lugar onde ele estava sentado e começou a despir-lhe a roupa com movimentos ansiosos.

Jeremy começou a objectar.

- Que és tu, um maricas? - gritou Claudia.

Jeremy levantou-se e correu para a porta, descendo as escadas como se o perseguissem almas danadas.

Claudia foi atrás dele e gritou insultos, porém, ele não voltou. Apesar da névoa provocada pela embriaguez, ela sentia-se perplexa. Era a primeira vez que um homem - se é que de um homem se tratava - a recusava. Não podia deixar de ser maricas, normalmente aqueles tipos esquisitos sem queixo eram-no.

Voltou para dentro do seu apartamento e bebeu directamente da garrafa de uísque. Malfadado maricas! Que atrevimento em lhe dar com os pés. Provavelmente não era capaz de lá chegar. Começou a rir, mas de repente os olhos encheram-se-lhe inexplicavelmente de lágrimas. Que vida era a dela? Não parecia nada brilhante. Ela só queria ser uma estrela. Seria pedir demasiado?

Lágrimas rolaram-lhe pelo rosto. Aumentou ainda mais o volume da música e depois deitou-se no chão, entre os altifalantes. O som violento da música excitou-a. Começou a manipular o próprio corpo. Se aquele magricela não era capaz de a satisfazer, então teria ela de o fazer a si mesma.

Antes de conseguir terminar a tarefa, caiu num sono profundo e embriagado, misturando o seu ressonar ao som de John Lennon a cantar "Sou um falhado."

 

Confirmando o que Lori dissera, terminado o jantar, Marvin anunciou imediatamente que desejava jogar. Os quatro detiveram-se ao chegarem ao passeio que se estendia em frente do restaurante.

- Queres vir para seres o meu talismã da sorte? - perguntou Marvin a Lori.

Esta apertou o casaco de vison mais estreitamente de encontro ao corpo e abanou negativamente a cabeça.

O Botas de Cowboy, ansioso por partir, saltitava de impaciência.

- Bem, então acho que terei de me contentar com uns dadozitos - disse Marvin.

- Se quiser acompanharei Lori até ao hotel - ofereceu David, aproveitando rapidamente a oportunidade.

- Muito simpático da sua parte - agradeceu Marvin ruidosamente. Beijou Lori na face. - Todos os ganhos serão para ti, doçura.

E com um breve aperto de mão a David, ele e o Botas de Cowboy desandaram envoltos numa nuvem de fumo de charuto e ao som arrastado da fala texana. Era obviamente, um marido que confiava. Para ele, David, tanto fazia.

Lori riu.

- Não te disse?

Deram a volta à esquina, encaminhando-se para o carro dele; Lori segredou-lhe:

- És grande? Só gosto de homens grandes.

(No interior do automóvel, Lori agiu como uma fêmea em cio, agarrando nele imediatamente. David sentiu-se orgulhoso com o que tinha para oferecer. Ela não ficaria desapontada. Guiou rapidamente em direcção ao hotel indicado.

Lori atravessou o vestíbulo, altiva e pomposa, o seu vison branco a atrair olhares de inveja. Deteve-se para cumprimentar um actor conhecido. O homem lançou um olhar divertido a David.

A suite ocupada por ela situava-se no sexto piso, era muito luxuosa, mobilada em opulentos tons de azul e prateado. Atirou o vison para cima de uma cadeira com indiferença.

- Prepara uma bebida para ti, querido - disse com voz quente e arrastada. - vou só vestir algo mais confortável.

A conversa dela parecia saída de um filme de Hollywood! David abriu uma garrafa de champanhe convenientemente colocada em gelo e encheu duas taças. Aquilo é que era vida! Uma mulher bonita num ambiente bonito, champanhe, que mais podia um homem desejar?

Lori não tardou a voltar, envergando um negligée preto e transparente, com o cabelo ainda empilhado, aos caracóis, no cimo da cabeça.

David entregou-lhe a taça de champanhe e ela tomou um pequeno gole, deitando-se então no sofá, onde o negligée lhe escorregou para o lado, revelando coxas de um branco níveo.

David não se sentia completamente preparado. Lori estendeu-lhe os braços.

- Vem até mim, querido - disse em tom quente e arrastado. David pousou a bebida e aproximou-se dela.

- Na casa de banho está um roupão de seda. Por que não despes essa roupa e te pões confortável como eu?

David sentia de facto, os movimentos um tanto limitados, e o cenário parecia demasiado perfeito para ele começar a desembaraçar-se das roupas e a atirá-las para o meio do chão.

Beijou-a na boca, saboreando-lhe o bâton, e em seguida foi ao quarto de banho e vestiu o roupão que ela lhe sugerira. Era em seda estampada e provavelmente pertencia ao marido. Admirou a sua figura masculina ao espelho: nada mal para quem tinha quarenta!

Lori aguardava-o, estirada ao comprido no sofá, fazendo lembrar um anúncio da Vogue. Tomou-a nos braços.

Ela enfiou-lhe as mãos dentro do roupão, arranhando-lhe suavemente os mamilos com as unhas compridas.

David acariciou-lhe o corpo. Ela era muito magra, senhora de seios pequenos e rijos de mamilos largos e pontiagudos. Um corpo excitante - não macio e quente como o de Linda, nem curvilíneo e excitante como o de Claudia. Mas muito sensual, ainda assim. Como uma cabra branca e macia.

Abriu-lhe o negligée. Ela tinha as pernas excepcionalmente cornpridas e coroadas, no cimo, por um pequeno tufo de cabelo louro-prateado, impecavelmente igual ao da cabeça. Abriu-as lentamente, movendo as mãos em torno das costas dele, enterrando-lhe as unhas na carne, puxando-o para mais perto.

Surpreendido, David apercebeu-se de que ainda não estava pronto. com o objectivo de a distrair do facto, aproximou a cabeça dos seios: e começou a beijá-los.

Lori gemeu suavemente, enterrando-lhe as unhas nas costas ainda com mais força. Passados alguns minutos começou a ficar impaciente e passou-lhe as mãos pelo corpo abaixo. Tinha os olhos fechados, mas ao senti-lo abriu-os imediatamente.

- Que se passa, querido? - ronronou, com um ligeiro tom de irritação na voz. - Isto é crica autêntica da Jórgia!

Embaraçado, David respondeu imediatamente:

- Não é nada, dá-me apenas um momento.

Aborrecida, Lori voltou a cerrar as pálpebras, trabalhando-o dessa vez com as mãos, puxando, afagando, massajando.

- Anda, doçura - implorou ela. - Este pedacinho está à tua espera!

A reacção física de David foi nula. Era um pesadelo, algo que nunca lhe acontecera anteriormente. Começou a ficar cada vez mais em pânico, fazendo por trazer à mente todos os quadros eróticos de que conseguia lembrar-se.

Nada, absolutamente nada.

Tentou recordar-se da última vez que tivera relações sexuais. Fora com a façanhuda Miss Field, a sua secretária horrenda. Pensou desesperadamente na noite que passara com ela.

De repente ficou tudo em ordem, sentiu-se entumescer, tornar-se cada vez maior.

Lori suspirou de prazer.

- Que maravilha, querido.

Enlaçou-o com as longas pernas níveas quando ele começou a penetrá-la, vigorosamente, poderosamente. Ele lhe mostraria!

Começou a movimentar-se de encontro a ela. Investidas fortes, brutais.

Lori guinchou de prazer.

- Oooh... ooh... que born, querido... que gostoso... ooh... não pares... não pares.

A sua entoação de voz mudou.

- Por que paraste?

David não respondeu. Estava demasiado embaraçado. Ouvira dizer que aquilo acontecera a outros homens, mas a ele, nunca.

Lori começava a zangar-se. A voz, de quente e arrastada, passara a esganiçada.

- Que se passa contigo? Continuas a funcionar ou não? Quando eu quiser este tipo de brincadeira posso contentar-me com o meu marido.

David saiu de cima dela.

- Lamento.

Lori, furiosa, sentou-se.

- Tu é que lamentas.

Ela também se levantou, os seios rijos de mamilos exóticos a apontarem acusadoramente na sua direcção.

- Põe-te a mexer daqui para fora. Tenho de ver se arranjo um homem autêntico para mim.

Humilhado, David foi para o quarto de banho e vestiu-se. Quando saiu, Lori estava ao telefone, a falar com voz ronronante.

- Claro, querido, dez minutos está óptimo.

Saiu sozinho, sentindo-se envergonhado. Que coisa terrível havia de acontecer-lhe; e porquê? Ele sentira-se muito entusiasmado com ela. A culpa não fora dela. Se bem que, provavelmente tivesse sido. Ela não fazia segredo do facto de existirem muitos mais homens para além do marido.

David foi até ao bar e mandou vir um brandy. Quando o terminou, estava perfeitamente convencido de que a culpa fora toda de Lori. Cabra maldita! Ela castrara-o ao dar-lhe a salber dos muitos outros homens. As mulheres eram todas o mesmo. Todas desejavam torná-los impotentes, de uma maneira ou de outra.

Obedecendo a um impulso, decidiu fazer nova tentativa nessa noite. Não com Lori, evidentemente. Mas que tal Miss Field Façanhuda? Era uma mulher calma e inofensiva e, fosse como fosse, ele iria ver-se livre dela, portanto ter mais uma sessão não faria mal. Ele nem sequer a desejava, portanto fazê-lo com ela seria uma boa prova de que era capaz.

Lembrava-se vagamente do sítio onde Miss Field vivia. E como tinha a certeza de que ela estava em casa, tomou mais um brandy e saiu.

A jovem veio abrir a porta apertando um roupão de algodão em redor do corpo. Cabelo castanho escorrido, rosto chupado e de cor doentia.

- Mr. Cooper - exclamou ela. - Estava na cama.

David empurrou-a para passar, despiu a roupa e empilhoua no meio do chão.

- Despe-te - ordenou.

Evitando os olhos dele, Miss Field obedeceu. Ele possuiu-a selvaticamente, trespassando-lhe o corpo franzino de encontro ao chão.

Não havia nada de errado com ele!

 

Linda não chegou a telefonar a Jay a cancelar o programa combinado para a manhã seguinte. Ele chegou, levou-os a todos a almoçar e as crianças ficaram conquistadas. Ele contou-lhes histórias, brincou com elas e depois foram todos ao cinema.

À noite, Jay ficou lá por casa para um jantar de ovos com bacon e Linda viu-se incapaz de romper a relação. Fez por esquecer Miss Susan Standish e continuou a sair com Jay. Gostava dele, as crianças também, especialmente Janey. Ele era maravilhoso com ambas.

Passarem os domingos juntos tornou-se rotina. Jay estava sempre a imaginar novas coisas para fazerem e era com ansiedade que aguardavam o dia em que sairiam juntos. O que era extremamente benéfico visto que desde a última visita de David que nunca mais tinham tido notícias dele. Linda sentia-se furiosa. No que lhe dizia respeito era um prazer, no entanto considerava um egoísmo e uma maldade o facto de David ignorar completamente os filhos. Estes perguntavam constantemente: "Quando é que o pai vem? Onde está ele?" Se não tivesse sido Jay aos fins-de-semana, ela tinha a certeza de que as crianças andariam ainda mais perturbadas.

- O papá já não gosta de nós? - perguntou Janey tristemente certa tarde.

- Claro que gosta, querida - replicou Linda, aconchegando a menina de encontro a si. - Ele anda muito atarefado.

- Adoro o tio Jay - declarou Janey solenemente. - Esse não anda muito atarefado.

E assim a relação entre ambos ia florescendo, o que levou Linda a constatar, ao fim de algumas semanas, que estava profundamente apaixonada por Jay. Iam ao teatro, a pequenos restaurantes íntimos, a grandes festas, ao cinema. Passavam, de facto, quase todas as noites juntos e não havia um fim-de-semana que falhasse. Foram ao jardim zoológico, ao parque, a museus e deram passeios pelo campo.

Jay mostrava-se divertido, solícito, interessado em tudo o que Linda fazia, mas nunca tentou ir além de um breve - quase fraternal - beijo de boas-noites.

O facto começava a deixá-la fora de si. O corpo ansiava por alguma espécie de atenção. Quando dançavam, Linda era obrigada a flazer uso de toda a sua força de vontade para não se encostar a Jay. Quando se beijavam, ela ficava cheia de ansiedade, à espera de que ele avançasse. Mas ele continuava a portar-se como um cavalheiro impecável. Nunca lhe tocava.

A situação atingiu um ponto tal que Linda concluiu não ser capaz de continuar daquela maneira, pelo que resolveu abordar o assunto na altura mais conveniente e próxima.

A oportunidade surgiu mais cedo do que esperava. Encontravam-se numa festa que celebrava o fim de umas filmagens, no estúdio, e Linda tagarelava com Jay e com Bob Jefries, o realizador-assistente, quando Miss Susan Standish fez a sua aparição. Vestia o mesmo fato-calça branco que Linda lhe vira da última vez. Ficava-lhe bem, condizendo-lhe com a pele muito branca e o cabelo louro caído aos caracóis.

- Jay, querido - murmurou ela. - Posso dar-te uma palavrinha?

Tinha um olhar malicioso e um sorriso misterioso que nunca se desmanchava.

- Que se passa, Susan? - perguntou Jay com delicadeza.

- É particular.

Jay encolheu os ombros olhando para Linda e Bob e depois afastou-se na companhia de Susan. Linda disse:

- Ela entra no filme?

Bob riu.

- Neste momento entra, mas tenho a sensação de que vai acabar no chão da secção de cortes.

- Oh - exclamou Linda, mudando rapidamente de assunto. Não queria que Bob imaginasse que sentia ciúmes.

Jay não demorou a voltar e não fez referência ao incidente, porém Linda sabia que não podia deixar de falar da questão quando estivessem a sós.

Depois da festa, juntaram-se a Bob Jefries e à mulher deste e foram ao Annabel. Aí foi impossível falarem e, no caminho de regresso a casa, havia o sempre presente motorista.

- Esta noite estás muito calada - observou Jay com vivacidade.

Linda assentiu.

- Que se passa? - perguntou ele, preocupado.

-'Agora não quero falar - retorquiu Linda, fazendo sinal em direcção ao motorista. - Se quiseres, entra para tomarmos um café.

Nunca, até ali, ela o convidara a entrar em casa depois de uma saída; talvez o devesse ter feito.

Deixou-o na sala de estar e foi à cozinha. Agora que o tinha cativo, que lhe poderia dizer? Não havia palavras que pudessem expressar verdadeiramente o que sentia. E não queria parecer possessiva.

Colocou distraidamente alguns biscoitos de chocolate num prato e preparou café.

Jay estava a ler o jornal da tarde. Linda sentiu que lhe faltavam completamente as palavras ao passar-lhe a chávena de café.

Ele resolveu o problema falando em primeiro lugar.

- Daqui a duas semanas tenho de voltar para Los Angeles.

- Oh - exclamou, desiludida.

Jay hesitou e depois disse:

- Que tal vires comigo?

- Contigo? - Durante alguns minutos deliciosos considerou a possibilidade, depois a realidade sobrepôs-se. - É impossível, Jay. Não posso abandonar os meus filhos.

- Traz os teus filhos. Eles adorariam.

Linda abanou a cabeça.

- De qualquer maneira não posso tirá-los da escola...

Ele interrompeu-a imediatamente.

- Linda, não tenho muito jeito para este gênero de coisas. Até aqui ainda só o disse a idiotas. - Levantou-se, nervoso. - Linda, estou a pedir-te que cases comigo. - Acrescentou precipitadamente: - Creio que te amo. És a mulher mais maravilhosa, afectuosa e generosa que alguma vez conheci. Sei que já te magoaste uma vez e como te sentiste, mas acredita que tentarei fazer-te feliz. Não sou perfeito. Tenho andado envolvido com uma série de mulheres estúpidas, não posso negar que tenho uma fraqueza pelas louras mas se casares comigo, penso que tudo correrá bem e poderemos ter uma vida magnífica juntos. - Fez uma pausa. - Que me dizes?

- Jay. - Sussurrou-lhe o nome. - Sim, Jay. Sim. Também é o que desejo.

Ele beijou-a.

- Não percamos tempo, casemos já amanhã, por exemplo. Não consigo esperar muito mais tempo.

Linda sentiu os olhos encherem-se-lhe de lágrimas.

- Amo-te.

Ele afagou-lhe o cabelo.

- Vai para a cama. Telefonarei logo pela manhã. Tratarei de tudo. Quanto mais cedo, melhor, não é?

Ela anuiu.

- Quanto mais cedo, melhor - murmurou.

 

Claudia, depois do sucedido ao casamento de Shirley e Conrad, mergulhara num turpor alcoólico. Bebia uma garrafa inteira de uísque por dia, enchendo ocasionalmente a boca com comprimidos para dormir ou tranqüilizantes, até alcançar uma espécie de inconsciência. Não comia nem se lavava ou vestia, limitando-se a deambular pelo apartamento num esplendor de nudez sórdido.

O telefone tocava mas ela nunca atendia. Certo dia tocaram à porta tão insistentemente que ela foi obrigada a ir ver quem era. Apareceu-lhe Giles.

- Cristo! - exclamou ele ao ver o aspecto de Claudia. Enfiou-lhe um roupão e obrigou-a a beber café forte até os olhos começarem a mostrar sinais de entendimento e a jovem conseguir falar.

- Em que tipo de pedrada é que te meteste? - perguntou-lhe.

Claudia abanou a cabeça.

- Sinto-me péssima.

- Estás com um aspecto péssimo.

- Em que dia estamos?

- Deus, não há dúvida de que não estiveste cá. É segunda-feira.

- Segunda-feira. Creio que abusei da farra.

Giles passou o olhar pela sala, reparando nas garrafas de uísque Vazias, nos discos partidos e nos móveis tombados.

- Imagino. Quem foi o tipo?

Cláudia encolheu os ombros

- Ninguém. Apeteceu-me somente apanhar uma pedrada sozinha. Mas que fazes tu aqui? Pensei que estivesses em Espanha.

- Trouxe-te boas notícias. As tuas mamas tornaram-se internacionalmente famosas.

Mostrou-lhe uma cópia de Man at Play, uma das revistas masculinas de maior venda nos Estados Unidos.

Abriu-a e mostrou-lhe a folha destacável. Lá estava ela, em belas cores, de pé, no terraço, tendo Londres por pano de fundo, envergando a camisa cor-de-rosa que Giles molhara com o banho de mangueira, os seios perfeitos e redondos a salientarem-se, firmes e cheios, os mamilos rígidos e pontiagudos.

Virou a página. Claudia apareceu então deitada na sua cama, de negligée preto, os seios a saltarem-lhe para fora do decote, a boca semiaberta e os olhos semicerrados.

Também a página seguinte e a outra estavam preenchidas por fotografias suas. A legenda dizia:

 

CLAUDIA PARKER, BELA ACTRIZ E MODELO LONDRINO, MOSTRA-NOS ALGUMAS DAS VISTAS MAIS BONITAS DA GRÃ-BRETANHA

 

- Fizeste verdadeiro sucesso - disse Giles entusiasmado. - Eles querem que façamos uma série nova de fotos. Pagam estupendamente. Querem que apanhemos o avião para Nova Iorque. Vais conhecer Edgar J. Pool, o dono da revista. É a tua grande oportunidade, querida. Isto é o sucesso!

Claudia examinou a revista.

Por que, oh, mas por que cortara o cabelo?

- Quando é que vamos? - "perguntou, enquanto o rosto lhe começava a adquirir nova vida.

- Assim que voltares a ficar em forma. Estás esquelética e esse cabelo... teremos de te arranjar uma cabeleira. Toma, assina aqui.

Apresentou-lhe um documento, que ela assinou sem sequer ler.

- Vou-te reservar uma estadia de uma semana numa clínica de recuperação. Estás mesmo a precisar. Estou convencido de que daqui a dez dias podemos partir. Vou-lhes comunicar. Estão perfeitamente ansiosos para que chegues... querem que sejas a Miss Playmonth do Ano. Filha, vamos ficar ricos!

 

Era a quinta ou a sexta noite que David passava com Miss Field? Não conseguia lembrar-se. Só sabia que sair do emprego, jantar, tomar algumas bebidas e depois ir bater à porta dela, se tornara um hábito.

Miss Field sentia uma espécie de fascinação mórbida por ele. Que seria que tornava o sexo com ela tão avassalador e excitante? Tratava-se, sem dúvida, da experiência mais erótica por que ele já passara. Ela aparecia-lhe sempre à porta apertando o roupão de lã em redor do corpo. Ele tinha de lhe ordenar que se despisse. A seguir ela tirava as roupas relutantemente, revelando um corpo muito magro, branco, subnutrido. Tinha o peito chato, mamilos flácidos que nem o manuseamento tornava erectos. No entanto, quando ele estava dentro dela, movimentando-se energicamente, ela agarrava-o num amplexo de aço, premindo-o e deixando-o vazio e esgotado. Não lhe dando tréguas apertando-o como um torno.

David detestava-a mas não era capaz de deixar de voltar todas as noites.

Durante o dia, no escritório, nenhum dos dois mencionava o facto. Miss Field movimentava-se discretamente, tratando do seu trabalho, façanhuda como de costume.

David andava com vontade de acabar com aquele hábito.

Certa jovem de busto generoso e ar provocante, chamada Ginny, começara a mostrar-se interessada na companhia dele. David logrou ser-lhe apresentado e achou-a muito atraente. Fez-lhe lembrar uma versão mais sexy e óbvia de Claudia.

Convidou-a para jantar. Ginny apareceu-lhe com um espampanante vestido vermelho quase topless. Possuía a típica pele branco-rosada dos Ingleses e lábios cheios e salientes.

"Aquilo iria correr bem", pensou ele.

Durante o jantar, a jovem bebeu daiquiris gelados e riu muito. Dançaram e David sentiu-lhe o corpo quente e ondulante. Ela era alvo dos olhares de todos os homens presentes no restaurante, o que foi agradável ao ego de David. Em determinada altura, durante uma dança vigorosa, um dos seios branco-rosados saltou completamente para fora do decote, proporcionando a todos a visão deliciosa de um mamilo castanho-claro, atrevido e generoso. Ela voltou a compor o vestido com uma risada oca.

David achou que eram chegadas horas de a levar de volta ao seu hotel. Ela objectou debilmente e uma vez lá chegados, pelá-la do vestido vermelho foi obra de minutos.

A jovem usava calcinhas cor-de-rosa cheia de rufos e era senhora de um corpo em pleno viço. Tinha os seios tão grandes, firmes e inacreditáveis que ele teve a vaga suspeita de que nem sequer eram seios, simplesmente o resultado de uma boa série de injecções de silicone.

Não foi capaz de fazer nada. A excitação mantinha-se ausente.

Sem abandonar as suas risadas, a jovem recebeu dinheiro para um táxi e foi mandada para casa.

David foi para a cama, não conseguiu pregar olho até que, finalmente, foi obrigado a levantar-se para ir visitar Miss Field. Quando chegou a casa desta, a excitação era de tal maneira violenta que mal conseguiu conter-se ao pôr-se em cima dela.

Miss Field exercia um poder estranho sobre ele.

Tentou com várias outras mulheres mas o resultado foi sempre o mesmo. A sua vida começara a evolucionar em torno de Harriet Field.

Informou-se acerca dela. Tinha trinta anos de idade e trabalhava na firma há doze, tendo subido da secção de dactilografia até se tornar sua secretária particular. Não corria qualquer mexerico sobre ela. Era muito reservada. Era a insignifícância do escritório.

Quando David ia ter com ela à noite, não falavam. Ele limitava-se a dizer-lhe o que queria que ela fizesse e ela obedecia, fosse o que fosse.

Havia ocasiões, depois do sexo, em que ela lhe perguntava se desejava tomar café ou chá. David dizia sempre que não e, mal conseguia recobrar as forças, levantava-se e saía.

David sentia curiosidade em relação ao que a jovem pensaria de tudo aquilo. Por que nunca diria nada? O esquema era, todo ele, artificial.

A vez seguinte foi, evidentemente, no fim dessa mesma noite. Ele chegou mais cedo que o habitual e apanhou-a ainda a pé, apertando um casaco de malha acanhado em volta do peito não existente. A jovem começou automaticamente a despir-se.

Era a primeira vez que ele a via despir-se devidamente. Normalmente encontrava-a só de camisa de dormir e roupão. Naquele momento, ao vê-la tirar a roupa, reparou que a tinha em profusão. Saia, casaco de malha, camisola, camisola interior (uma das peças de roupa menos atraentes que ele já vira), soutien rosa-salmão, calcinhas, ceroulas de lã e meias grossas.

Tremendo ligeiramente, ela postou-se na sua frente, nua.

"Não havia dúvida de que era uma cabra atrevida" pensou ele, "sempre pronta, sempre ansiosa por uma boa fornicadela. Provavelmente passara anos frustrada"

Talvez ele devesse fazê-la esperar nessa noite. Miss Field já se deitara no chão, abrindo as pernas pálidas com lentidão.

-Não foi capaz de fazê-la esperar. O desejo escaldante que sentia por ela não o deixou. Despiu as roupas apressadamente e acocorou-se em cima dela.

Miss Field deixou escapar um suspiro profundo e lançaram-se os dois.

Depois ela vestiu o roupão e começou a arrumar-lhe as roupas, amontoando-as ordenadamente, prontas a serem vestidas por ele.

David deixou-se ficar deitado a observá-la. Era realmente feia - não que não se soubesse valorizar a si própria, mas simplesmente, porque não tinha por onde fazê-lo.

Miss Field reparou que ele a mirava e corou.

- Chá ou café, Mr. Cooper?

- As duas coisas - respondeu ele bruscamente.

Ela voltou-se para seguir para a cozinha e ele teve a impressão de que lhe traria as duas bebidas se ele não a impedisse.

- Senta-te - ordenou ele.

Miss Field sentou-se hesitantemente, cruzando os calcanhares e entrelaçando as mãos no regaço.

- Quero falar contigo - disse ele.

Mal acabara de falar, apercebeu-se de que não tinha vontade de conversas com ela, queria apenas irse embora.

- Não tem importância - observou abruptamente.

- Há algum problema, Mr. Cooper?

- Por amor de Deus, não me trates por "Mr. Cooper".

Miss Field baixou os olhos.

- Sim, David, querido.

Cristo, ela agia como uma vestal virgem. Havia (algo de realmente estranho nela.

David levantou-se com a mente cheia de decisões. Segunda-feira despedi-la-ia e aquela era, positivamente, a última vez.

Talvez devesse desfrutar mais uma vez dela, já que era a última visita que lhe fazia.

- Estende-te em cima da mesa - ordenou com ar cansado.

Foi dominado por uma paixão impossível de controlar.

 

Linda e Jay casaram-se uma semana mais tarde, no registo civil de Hampstead. Tranqüilamente, sem ostentação.

Os pais de Linda estiveram presentes, surpreendidos mas felizes. As crianças, com os seus melhores fatos, mostravam-se estranhamente sossegadas. Alguns amigos de Jay e outros, de Linda, assistiram à cerimônia.

A seguir voltaram todos para a suite do hotel de Jay, onde comeram bolo de noivado e beberam champanhe. Foi tudo muito comedido e informal.

Não tardou que os pais de Linda dissessem ter de partir de volta ao campo. Reuniram as crianças, que iriam passar algum tempo com eles, e despediram-se.

Linda apertou Janey e Stephen de encontro a si.

- A mama não vai ficar longe muito tempo e depois iremos viver todos juntos numa casa linda, enorme e com piscina, na América.

- Ena, uma piscina! - exclamou Stephen entusiasmado. Janey esforçava-se por conter as lágrimas, uma expressão de mágoa e preocupação na carinha rechonchuda.

- Espero que o avião não caia, mama.

Linda riu-se e abraçou a filha.

- Não sejas tolinha.

Jay pegou em Janey e deu-lhe um beijo.

- Porta-te bem, pois a mama não tardará a voltar para junto de ti.

Janey fitou-o com os enormes olhos castanhos.

- Tu és o meu novo papá?

Jay acenou solenemente com a cabeça. Janey beijou-o e deitou a correr para junto dos avós.

Em breve os restantes convidados tinham partido e ficaram os dois sozinhos.

Linda tirou o chapéu e suspirou.

- Detesto deixar as crianças.

Jay riu.

- São só algumas semanas. Importas-te de que passe algum tempo a sós com a minha esposa?

- Não, não me importo. - Ela sorriu-lhe. - Amo-te.

Chegaram vários telegramas, um de Conrad e Shirley Lee, em lua-de-mel no México: PARABÉNS. AS ESPOSAS INGLESAS SÃO AS MELHORES. NÃO PEDEM PENSÕES DEMASIADO ELEVADAS. ABRAÇOS, CONRAD E SHIRLEY

 

Um outro, sarcástico, da filha de quinze anos de Jay: DESEJO-TE FELICIDADES com A QUARTA MULHER, PAPA. CAROLINE.

- Rapariga descarada - disse Jay com ar sombrio.

- Por que fazes semelhante afirmação? - perguntou Linda.

- Não sei. - (Encolheu os ombros. - No fundo creio que a culpa é minha. Ela é uma emproadazinha, sai à mãe. Nunca passei tempo nenhum com ela e Jenny não voltou a dasar, portanto imagino que tenha ficado afectada por não ter um pai por perto.

- Gostaria de a conhecer - disse Linda calmamente. - Talvez ela queira vir passar uns tempos connosco quando estivermos instalados.

- Esquece. - Ele riu com brusquidão. - A mãe nunca o permitiria. Seja como for, já não é nenhuma criança; já é demasiado tarde para eu tentar entrar em cena.

-'Não passa de uma adolescente, acho que devíamos experimentar.

Jay beijou-a.

- És um amor.

"Ela sorriu e mudou de assunto.

- Espero ter trazido roupas indicadas para a Jamaica. Foi tudo tão à pressa.

- Estás arrependida?

- Arrependida? Que coisa mais ridícula de dizer. Claro que não.

- Jantemos aqui em cima. O carro vem buscar-nos às seis da manhã. Mais vale deitarmo-nos cedo.

- Óptima idéia. - Bocejou. -Vou tomar um banho.

- Deixa tudo por minha conta. Mandarei vir algo especial.

Linda foi para a casa de banho. Tinha as duas malas de mão e o malote de toilette cuidadosamente empilhados em carrinhos de bagagens.

Esperava não ser uma desilusão para Jay. Ele estava tão habituado a mulheres belas... Lembrava-se da elegante e fria Lori.

Tomou rapidamente banho, depois desemalou uma longa camisa de noite em seda azul e o roupão a condizer. Caía-lhe magnificamente, pondo-lhe os seios em evidência para depois se estender até aos pés aos canudos, colando-se-lhe ao corpo. Escovou o farto cabelo castanho-avermelhado. Este estava comprido e chegava-lhe aos ombros.

Não tinha, de maneira alguma, um corpo e um rosto perfeitos, no entanto era uma mulher de aparência atraente e sensual.

Jay mandara vir mais champanhe, um delicioso prato de peixe e finas fatias de uma galinha impecavelmente cozinhada com um molho de cogumelos cremoso, a acompanhar com arroz. Para sobremesa, morangos Romanoff, a que se seguiu brandy Courvoisier servido em cálices largos e bojudos.

Depois de jantar, Linda sentia-se gloriosamente feliz. Jay fazia com que tudo se mostrasse perfeito.

No quarto, ele despiu-a com lentidão e amou-a maravilhosamente. Nada de frenético, de apressado. Acariciou-lhe o corpo como se não existisse nada de mais importante no mundo. Levou-a até à beira do êxtase, fazendo-a voltar de novo para trás, mantendo-a suspensa, seguro de todos os movimentos que executava.

Linda flutuava num avião suspenso, completamente cativa das mãos e do corpo dele. Jay demonstrava um controlo espantoso, detendo-se no momento certo.

Quando finalmente aconteceu, foi apenas porque ele quis, e ambos atingiram o clímace em perfeito uníssono. Linda nunca experimentara tal anteriormente; apertou-se de encontro a Jay, as palavras a saírem-lhe entrecortadamente da boca, para lhe dizer quanto o amava.

Depois deixaram-se ficar deitados a conversar.

- És maravilhosa - disse Jay. - Foste uma mulher inteligente, fazendo-me esperar até casarmos.

- O quê? - admirou-se ela, aninhando-se para mais perto dele.

- Era algo que eu desejava intensamente, no entanto sabia que se desse um passo errado, tornar-me-ia mais um tipo como os outros. Fui para a cama com Lori no mesmo dia em que a conheci. Ela veio fazer uma entrevista, trancámos a porta do escritório e não perdemos mais tempo. Já imaginaste o que é casar com uma tipa com quem fornicámos mal a vimos? Aí tens o tipo de parvalhão que eu era até te conhecer e perceber o que era um verdadeiro relacionamento.

Linda beijou-o.

- Mas não te preocupavas com a possibilidade de não gostarmos um do outro na... bem na cama? Quero dizer, por que não tentaste antes?

- Porque não estava disposto a receber uma recusa.

- Mas eu talvez não dissesse que não.

Jay concordou.

- Não, poderias não ter dito, mas não és do tipo de mulher para te meteres em (aventuras amorosas. Ter-te-ias arrependido e eu ficaria muito mal visto na tua opinião.

- Oh.

Linda sentia-se espantada com o conhecimento profundo que Jay já tinha da sua pessoa. Provavelmente estava certo.

- E quanto a Susan Standish? - perguntou acusadoramente.

- Sou um homem, Linda - respondeu com simplicidade. - Não contes com desculpas. Ela era uma rapariga agradável e eu não podia ter-te.

Os olhos de Linda tinham começado a fechar-se.

- Amo-te, marido - murmurou, não tardando a adormecer.

 

A clínica de recuperação não era desagradável de todo. Tratava-se de um local destinado ao repouso, à reflexão e ao restabelecimento das energias. Claudia submeteu o seu corpo aos cuidados de especialistas e, alguns dias depois, a sua aparência física voltava à normalidade.

Passava os dias entre as massagens e a terapia, tomando banhos de sol ao lado da magnífica piscina rodeada de jardins. O sol inglês, que começava na altura a ganhar mais brilho, era fraco mas repousante. Sonhava acordada durante a maior parte do tempo, imaginando-se uma estrela, um sucesso. Era o único desejo que, de facto, tinha na vida.

Giles foi visitá-la.

- Estás com um aspecto sensacional! - elogiou entusiasticamente. - Tal qual a rapariga que eu conheci.

Recebera correspondência da revista dizendo que aguardavam ansiosamente a chegada de Claudia.

- Não há dúvida de que causaste uma profunda impressão a alguém de lá - declarou alegremente. - Estão cheios de pressa. Organizaram promoções para ti em todo o lado. Querem exibir-te em grande, rapariga.

Claudia mostrou-se deliciada. Talvez aquela fosse a oportunidade por que esperara.

[Não tardou que ficasse pronta a abandonar a clínica de recuperação. Giles levou-a para o seu apartamento-estúdio, em Chelsea.

- Tirei todas as tuas coisas da penthouse - disse-lhe. - Não é bom para ti continuares lá. Ficarás aqui comigo até partirmos.

A jovem ficou satisfeita. Giles estava a tomar conta dela, o que lhe agradava.

Dormiam numa enorme cama como irmão e irmã e, durante o dia, Giles levou-a a comprar roupas novas. Arranjou uma reluzente cabeleira louro-cinza para lhe esconder o cabelo curto até este crescer.

Giles cobriu todas as despesas.

- É um investimento - disse-lhe animadamente.

 

Até que chegou a altura em que ele achou que estavam prontos a partir e mandou um telegrama para a revista.

Receberam uma resposta desenvolvida na qual informavam que tinham bilhetes à disposição e - Preparem-se Para a Grande Recepção à Futura Miss Playmonth. Toda a Imprensa Foi Avisada da Festa Planeada para Depois da Chegada.

Claudia ficou delirante. Nova Iorque esperava por ela.

Não valia simplesmente a pena. David não era capaz de quebrar o hábito de Harriet Field. Descobriu ser-lhe completamente impossível conseguir uma erecção com qualquer outra mulher. Esforçou-se religiosamente, chegando mesmo ao extremo de levar uma rapariga a um filme pornográfico, na esperança de ficar suficientemente excitado. O resultado foi a rapariga ficar de tal maneira entusiasmada que, perante a impossibilidade de ele a satisfazer, lhe chamar todos os nomes feios imagináveis.

Sentia que só se tivesse relações com alguém que não fosse Harriet o feitiço poderia ser quebrado. Mas a façanha continuava a revelar-se inatingível e o sexo com Harriet tornava-se cada vez mais excitante.

Começou a permanecer no apartamento dela durante toda a noite, pois descobrira que tinha também de a possuir todas as manhãs.

Harriet mostrava-se cada vez mais pálida e insípida. Dava a impressão de estar a exauri-lo lentamente das suas forças.

Acordava no apartamento dela, de mau humor e desconfortável. Era óbvio que se fosse manter a relação, teria de tomar outras disposições em relação ao alojamento de Harriet. Não tinha vontade nenhuma de lhe montar um apartamento mas não estava a vislumbrar outra solução.

A rapariga nunca dizia nada quando não estavam a fazer sexo. Limitava-se a manter-se bem afastada do caminho dele.

Normalmente ele levava-a de carro até ao escritório, deixando-a a um quarteirão de distância. Ela aninhava-se no seu assento, façanhuda e silenciosa.

David detestava-a mas não conseguia deixá-la.

Aquela situação nunca iria terminar, o desejo animalesco que sentia por aquela criatura insignificante?

Há muito tempo que não via os filhos. Demasiado tempo. Sentia-se, de certa maneira, envergonhado por ter de os encarar.

A sua vida começara a circular à volta do trabalho, ao qual se devotava de alma e coração. E do sexo com Harriet. Principiou a mostrar um aspecto debilitado.

Teria de pôr rapidamente cobro àquela situação, reflectia. "Vou continuar até ficar de tal maneira farto dela que tudo acabará."

Ignorou tudo o mais e concentrou-se na tentativa de afastar Harriet para longe de si. Isso significava dormir com ela em todas as oportunidades possíveis e agora, mesmo no escritório, havia ocasiões em que trancava a porta e a possuía rapidamente no chão ou em cima da sua secretária. Não serviu de nada. Só pareceu tornar o sexo mais excitante.

Não esmoreceu, determinado a romper a ligação.

 

No aeroporto de Londres, Claudia era assediada pelos fotógrafos.

"Olhe para aqui." "Para este lado, Claudia." "Puxe a saia para cima, querida." "Mostre um pouco de perna."

Claudia fazia a vontade a todos. Envergava uma saia muito curta, a condizer com um casaco do mesmo tecido e uma camisola de seda muito justa.

Giles mantinha-se por perto, observando. Sabia que procedera da maneira certa ao levá-la a assinar o contrato pessoal que lhe dava o direito de ser manager. Agora tinha cinqüenta por cento dela, e palpittava-lhe que esses cinqüenta por cento iriam significar uma belíssima quantia de dinheiro.

Os americanos estavam prestes a descobrir um novo símbolo sexual. Ela deixá-los-ia arrasados. Em Inglaterra não passava de mais uma estrelinha insignificante. Na América dispunha de potencial para se tornar uma grande estrela. Giles não tinha dúvidas quanto ao facto. com a exposição e a publicidade certas, ela obteria o sucesso almejado.

Claro que ele teria de a vigiar de perto, de velar para que ela não bebesse demasiado nem dormisse com as pessoas erradas.

A jovem sorriu sensualmente para os fotógrafos, de cabeça atilada para trás, os lábios abertos, os olhos verdes rasgados a brilharem. Apresentava um aspecto ainda mais exuberante sob a luz dos reflectores. O peito parecia querer escapar-lhe da prisão que o tecido fino da camisola lhe impunha, as pernas eram longas e torneadas.

- Anda, querida, ou perdemos o avião - disse Giles a certa altura.

Claudia esboçou uma última pose provocante para os fotógrafos, depois deu a mão a Giles, apertando-lha fortemente.

- Que maravilha! - exclamou. - Adoro tudo isto, querido. Adoro!

 

Numa outra parte do aeroporto, Linda e Jay sentavam-se numa sala de espera V.I.P. a beber um café. Jay "tratara-se" com uma boa porção de uísque. Detestava andar de avião e achava que a única maneira de entrar para dentro de um aparelho era fazê-lo ligeiramente embriagado.

Linda admirava o seu anel de casamento, um aro fino cravejado de diamantes perfeitos. Mal podia acreditar no quanto amava aquele homem. Depois de David, a idéia de reconstituir a sua vida e começar de novo parecera-lhe impossível. Agora os dez anos passados com David davam-lhe quase a impressão de nunca terem existido.

Jay pegou-lhe na mão.

- Hoje estás linda.

Ela sorriu.

- Obrigada.

- Lembrei-me de te dizer que te amo?

Apareceu uma hospedeira a informá-los de que eram horas de entrarem para o avião. No átrio, foram detidos por um fotógrafo solitário.

- Importa-se de que lhes tire uma fotografia, Mr. Grossman?

- Faça favor...

Jay sorriu amigavelmente e pôs um braço em volta de Linda. Esta mostrou-se surpreendida.

- Por que querem eles a tua fotografia? - perguntou-lhe num sussurro.

- Normalmente é o estúdio que trata destes assuntos. É mais uma maneira de dar publicidade ao filme.

- Oh - disse Linda com um aceno de cabeça. Instalaram-se no conforto do avião, enquanto Jay ia tomando pequenos golos furtivos de um frasco de prata. Os enormes motores começaram então a trabalhar ruidosamente e o avião rolou suavemente ao longo da pista.

 

Uma manhã, David acordou com uma má disposição especial. Doía-lhe a cabeça e o quarto estava viciado com o cheiro a sexo - dava a impressão de que Harriet nunca abria as janelas. Agarrou-se imediatamente a esta, e as suas sensações físicas sobrepuseram-se a tudo o mais.

Depois de se satisfazer, sentiu-se ainda pior.

Harriet preparou-lhe café e entregou-lhe o jornal da manhã. David fumou um cigarro e deu uma vista de olhos ao matutino. Na página da frente vinha uma fotografia de Claudia. Olhava de frente para a objectiva, a três-quartos, de peito espetado para fora, cabelos compridos e um sorriso divertido e conhecedor. Apresentava um aspecto encantador, as longas pernas a desaparecerem por uma saia curta.

CLAUDIA PARKER, A BELA MODELO E ACTRIZ, PARTE HOJE (21) PARA NOVA IORQUE. Miss PARKER TENCIONA DISCUTIR PROPOSTAS DE FILMES. VIAJA com GILES TAYLOR, SEU MANAGER, CONHECIDO FOTÓGRAFO DE MODAS E SOCIEDADE. AMBOS NEGAM ROMANCE

David sentiu-se enfurecido por Claudia parecer tão bem e mostrar-se tão feliz. Depois de ele a abandonar imaginou que ela ficaria desfeita, que desapareceria da sua vida. Mas ali estava na primeira página, a rumar para a América sem, aparentemente, querer saber do resto do mundo.

Cabra! Ela arruinara o seu casamento!

Virou a página com fúria. Por que não teria ela simplesmente desaparecido no esquecimento?

Na página seguinte deparou com uma fotografia pequena mostrando Linda acompanhada de um homem. Tinha um aspecto calmo e sorridente e o homem abraçava-a com ar protector.

  1. JAY GROSSMAN, FAMOSO REALIZADOR DE HOLLYWOOD, E A NOVA MRS. GROSSMAN, DE PARTIDA PARA UMA LUA-DE-MEL NA JAMAICA: MR. GROSSMAN DEU POR FINDAS AS FILMAGENS DE BESHEBA QUE TIVERAM LUGAR AQUI E EM ISRAEL

"Mrs. Grosisman - era impossível. Que atrevimento o dela!" Analisou a fotografia atentamente, perscrutando-lhe o rosto em busca de indícios de tristeza, mas não encontrou nenhuns - a sua ex-mulher mostrava-se serena e muito atraente.

Como podia ela ter-se casado sem lhe dizer nada?

Depois recordou-se. Na semana anterior, ela deixara-lhe três recados no escritório. Ele não se dera ao cuidado de retribuir as chamadas.

- Raios a partam! - praguejou iradamente.

Sempre imaginara que Linda estaria disponível quando ele decidisse assentar verdadeiramente. Ela aceitá-lo-ia de volta. Harriet Field fizera-o adiar o projecto de regressar para junto de Linda. Ele deixara-se arrastar para uma relação sórdida e tudo o mais fora negligenciado. Nem sequer se lembrara de visitar os filhos.

Sentiu-se encurralado. Que podia fazer? Agora já não havia nenhuma Linda para o salvar. Chegara a altura de fugir.

Desesperado, vieram-lhe à memória as palavras de uma canção infantil: Foge, coelho - foge coelho - foge - foge - foge - que se repetiram na sua cabeça numa monotonia insistente.

Vindo da casa de banho chegou até ele o som de vômitos. Não tardou que Harriet entrasse na sala. Ao contrário do que lhe era habitual, ainda não se vestira mas, em vez disso, apertava o velho roupão de lã em volta do corpo.

Deteve-se em frente dele, pálida e de aspecto infeliz.

- Vamos ter um filho - declarou com voz inexpressiva.

David fitou-a, em pânico. Então deu-se lentamente conta de que era demasiado tarde para fugir - a ratoeira fechara-se à sua volta.

 

                                                                                 Jackie Collins  

 

                      

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