Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O MUNDO ESTÁ CHEIO DE MULHERES DIVORCIADAS / J. C.
O MUNDO ESTÁ CHEIO DE MULHERES DIVORCIADAS / J. C.

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O MUNDO ESTÁ CHEIO DE MULHERES DIVORCIADAS

 

- Estás farta de sexo? - perguntara Mike no outro dia.

- Farta? - tinha respondido Cleo James, com voz culpada. É claro que não. - Estava era farta dele, da maneira como fazia sempre as mesmas coisas, da maneira como a acariciava sempre precisamente nos mesmos sítios, exactamente da mesma maneira.

Em Nova Iorque estava-se no princípio do Verão, numa altura em que passear pelas ruas era ainda agradável. Cleo estava num gabinete de provas da Saks e olhava para a sua imagem reflectida no espelho. Tinha despido as suas roupas e experimentava um vestido de camurça bege. O vestido tinha sido emendado para ela na semana anterior e agora assentava-lhe na perfeição. Mas ela continuava a olhar para o espelho, que lhe devolvia a imagem de uma rapariga esbelta, de cabelo liso comprido, escuro, grandes olhos, boca larga.

Cleo não pensava no vestido. O vestido estava óptimo. Pensava no marido, Mike. Pensava nele a foder com aquela outra rapariga.

No início da sua relação, o sexo com Mike fora fantástico. Agora parecia ter encalhado numa espécie de estranho ritual. Ele nunca queria experimentar nada de novo." Nunca queria fazer nada de diferente.

O casamento tinha-o transformado.

Já não lhe dava prazer, e ela nunca tinha tido muito jeito para fingir.

Não discutiam muito. De facto, quase nunca. Tinham conversas em que aclaravam as coisas e analisavam as situações.

Mike era um quadro superior de uma empresa discográfica. Tinha trinta e seis anos, sete a mais que Cleo. Era atraente no seu estilo esguio, com um bigode à Che Guevara e olhos convidativos. Estavam casados há quatro anos. Um casamento moderno, em que a infidelidade não seria com certeza o fim do mundo.

- Ela atraía-te? - Quantas vezes fizera Cleo esta pergunta, com um nó no estômago, esperando pela sua resposta.

- Claro. - Mike riria e levaria o assunto para a brincadeira. - Até fodi com ela umas quantas vezes.

"Ah! Ah! Ah! que engraçado", pensava Cleo, e não fazia mais perguntas. Não queria saber.

Mas agora sabia. Tinha-o visto.

Mike era o seu segundo marido. O primeiro não passava de uma recordação vaga, de quando tinha dezoito anos. Amava Mike, mas não com o ardor que sentira quando se tinham casado.

- Parece óptimo, não? - A cabeça da vendedora aparecera à porta.

- Sim, está óptimo -, respondeu Cleo. O que não estava óptimo era ter apanhado hoje o Mike. O que não estava óptimo era que o seu corpo esguio e nu se tivesse contorcido em divertimentos tão óbvios. Nem que a loura mamalhuda que estivera debaixo dele fosse uma das suas melhores amigas.

Despiu o vestido de camurça bege e entregou-o à rapariga para que o embrulhasse.

Se estava farta de sexo? Por que lhe teria ele perguntado isso? Ela não fizera nada de diferente. Será que o seu comportamento sexual se tornara tão previsível como o dele?

Talvez que a monotonia crescente da vida sexual deles fosse culpa sua. Mas ela sabia que não era. Fora Mike quem tinha mudado.

Já fora uma vez infiel. com um só homem e só por uma vez. Fora lindo, mas ao mesmo tempo sórdido. Tinha-se certificado de que a coisa ficaria por ali.

Tinham dinheiro, se bem que não em grande quantidade, mas o suficiente para satisfazer as principais necessidades materiais. Mike tinha êxito. Cleo trabalhava para revistas como entrevistadora por conta própria. Não precisavam do dinheiro que ela arranjava, mas gostava de trabalhar, gostava da sua profissão.

Vestiu devagar umas gaúchas castanho-escuras, uma camisola Sônia Rykel, botas Biba, um cinto de cabedal Gucci, óculos de lentes acastanhadas OHver Goldsmith para lhe encobrirem os olhos sombreados de cor de ameixa.

Pegou no seu embrulho e saiu para a ensolarada Quinta Avenida. Tinha encontro marcado com Ginny para o almoço e era demasiado tarde para o desmarcar. A última coisa que lhe apetecia era ir almoçar com Gínny - a Ginny dos olhos azuis acriançados, caracóis louros e enorme apetite sexual.

- Ginny tem o cérebro de uma galinha -, dissera Mike muitas vezes. Mas ele tinha sempre comentários depreciativos para fazer sobre a maior parte das suas amigas - incluindo Susan, a loura que se meneava debaixo dele nessa mesma manhã.

"Se calhar fez o mesmo com a Ginny." Não era nada de impossível. Toda a gente sabia que ela ia para a cama com facilidade, mas era também uma das últimas grandes linguareiras e, se tivesse estado com o Mike, já toda a cidade saberia os mais íntimos pormenores.

- Sua nojenta! - guinchou uma velha para Cleo quando passou por ela. Cleo não ligou àquele traste velho, que se afastou Quinta Avenida acima agitando um guarda-chuva às flores na sua direcção. Nova Iorque estava cheia de doidos, e o melhor que havia a fazer era ignorá-los e fazer votos de não ser um dia violada, roubada, assaltada ou abatida a tiro. Os cidadãos de Nova Iorque já estavam imunes à violência que os rodeava. Só os turistas se sentiam pouco à vontade. Cleo sentia-se como se fosse nova-iorquina, embora só lá vivesse há quatro anos, desde que casara com Mike. Ela era na realidade de Londres, de onde pouco havia saído antes, à excepção de um fim-de-semana passado no Continente.

Disputou a um homem de negócios de fato azul um táxi e ganhou. Sentou-se no banco de trás e tentou acalmar-se. Não queria chegar ao almoço num estado neurótico, pronta a despejar toda aquela estúpida história nos ouvidos da Ginny.

Tudo aquilo era tão ridículo. Por que é que a fazia sentir-se tão mal? Era uma daquelas coisas que estavam sempre a acontecer. Era logicamente compreensível.

Mas ele que se fosse lixar por ter escolhido uma das suas amigas. E que se lixasse a dobrar por a ter deixado apanhá-los.

Quase desejava nunca ter conhecido o Mike, e desejava de certeza nunca se ter casado com ele. Fora Mike a insistir que se casassem. A Cleo ter-lhe-ia bastado que vivessem juntos. A sua atitude tinha-o incomodado: estava habituado a encontrar raparigas cujo último objectivo era uma aliança de casamento no dedo anelar. Não conseguia entender como é que Cleo não se ralava com isso. Fora um golpe para o seu ego, Insistira em que se casassem. Se não o tivessem feito tudo seria agora muito mais fácil. Já contava com um casamento desfeito, não lhe agradava acrescentar-lhe outro...

O restaurante era pequeno e barulhento. Ginny já lá estava, sentada a uma mesa, bebericando um martini e trocando olhares com um actor conhecido que estava ali perto.

- Nem sabes como eu gostava de me ocupar dele! -disse ela entusiasticamente assim que Cleo se sentou. Ginny era agente artística, tinha trinta anos, corpo roliço, divorciada, e podia ser atraente no seu estilo de rapariguinha. - Ena, estás com muito bom aspecto. Gosto dessas botas, onde é que as compraste?

- Na Boutique Biba. Tive de lá ir três vezes para arranjar umas com o meu tamanho. Para quem é esta cadeira a mais?

- A Susan disse-me que ia tentar vir ter connosco. Passei uma noite fantástica, de ontem para hoje. Fui àquela discoteca nova na Village, com o Bob, e adivinha quem lá encontrei: o Cy Litva.

Lembras-te do que esse sacana me fez da última vez, pois bem, só te digo que quando vi esse filho da mãe me deram cá uns calores... mas fiquei na minha, sorri, tás a ver. Eu ia muito bem, tinha levado a minha camisete Saint Laurcnt e uns bot pants muito queridos, e dentro deles sentia cá uma brasa! Bem...

Ginny falava pelos cotovelos. Adorava contar as suas experiências sexuais com todos os pormenores. Nem reparou que Cleo quase tinha deixado de lhe prestar atenção.

Cleo pensava: "A Susan não vem cá ter, não tem lata para isso, porque mesmo que ela não me tenha, visto entrar inesperadamente no gabinete do Mike, ele viu-me de certeza. "

Relembrou uma vez mais aquela manhã. Tinha passado por perto do escritório dele e decidira aparecer e fazer-lhe uma surpresa. A secretária não estava lá, por isso tinha entrado directamente no gabinete. Tinha-o apanhado mesmo em flagrante. Estavam os dois no sofá. Susan estava nua, deitada, virada para o lado oposto à porta de entrada. Mike, escarranchado nela, ficara embasbacado a olhar para Cleo.

Por momentos ficou sem saber bem o que fazer. Decorreram apenas uns segundos até ela se decidir e partir rapidamente, mas pareceram-lhe horas. Grande sacana! O mínimo que poderia ter feito era despegar-se dela.

- de maneira que foi uma daquelas cenas fantásticas, uma daquelas em que se vai fazendo devagarinho, devagarinho, e vai ficando cada vez melhor, durante uma eternidade, e... olha!... cá está a Susan. Vamos encomendar, que estou cheia de fome.

Susan White era uma rapariga alta de cabeleira loura e espessa que lhe caía sobre os ombros. O cabelo e os seios, grandes e convidativos, eram os seus melhores trunfos, e ela tinha perfeita consciência disso. Vestia uma camisola leve de angorá, cor-de-rosa, metida para dentro das calças. Era actriz, sem grande sucesso, mas trabalhava regularmente em produções fora da Broadway.

Cleo sentiu a ironia da situação. Era óbvio que Mike não tinha contado a Susan que tinham sido descobertos essa manhã. Era mesmo dele: fraco, e com medo de uma cena. Ou então Susan era muito melhor actriz do que ela alguma vez pensara, porque aí estava ela a aproximar-se da mesa, toda sorridente.

- Tive uma manhã óptima! - anunciou, deixando-se cair na cadeira. - Duas audições, em lados opostos da cidade. Estou exausta!

- Duas audições devem mesmo esgotar-te - murmurou Cleo. Todo esse veste e despe.

- Quê? - exclamou Susan, arregalando os olhos.

- Quero dizer que deve ser outro papel de nu, não é verdade? Susan tinha entrado há pouco tempo numa peça em que tinha de se despir e simular masturbar-se. A peça só tinha estado três noites no palco.

- Não sirvo para esses papéis - disse Susan irritada -, e de qualquer modo as actrizes não têm de se despir nas audições. O que está em causa não é o nosso corpo, mas a nossa capacidade de representar.

- Ah, claro! -disse Cleo. - A verdade, Susan, é que nunca pensei que tu viesses com essa cantilena estafada de Holywood.

- Por amor de Deus, vamos encomendar - interrompeu Ginny -, acham que se eu comer só uma salada ao almoço, logo à noite posso fazer uma loucura e empanturrar-me? Cy convidou-me para irmos comer um russo e eu adoro gelados. A propósito, isso faz-me pensar numa bela picha coberta de natas. Delicioso, acham que ele era capaz de gostar disso?

- A tua conversa faz sempre lembrar uma rapariguinha do colégio que acabou finalmente de ter a sua primeira noite - disse Cleo com frieza.

Ginny encolheu os ombros.

- Para mim é sempre como se fosse a primeira vez - respondeu com uma risadinha.

- Como está o Mike? - perguntou Susan, tentando afectar indiferença.

Cleo fixou nela uns olhos verdes irritados, mas foi com voz suave que respondeu:

- Que merda de brincadeira de putos vem a ser esta, Susan? Se isto é uma demonstração das tuas qualidades de actriz, começo a entender por que é que acabaste a masturbar-te num palcozeco rançoso de fora da Broadway.

- Que se passa? - perguntou Ginny sem perceber nada, pousando a ementa. - Porquê esses insultos?

Susan, com a cara a adquirir rapidamente um tom avermelhado, balbuciou:

- Não faço idéia. Só lhe perguntei como é que estava o Mike, e...

- Ó filha, deixa-te disso - interrompeu-a Cleo, levantando-se da mesa -, podes foder à vontade com o meu marido, mas não me tomes por idiota. Desculpa, Ginny. Depois falo contigo.

Susan ia a dizer:

- Mas...

Cleo já não a ouviu. Saiu dali para fora. Na rua, não conseguiu evitar que as lágrimas lhe viessem aos olhos, toldando-lhe a vista. Amaldiçoou as pestanas postiças que não se seguravam no sítio.

"Perdi a calma", pensou. "Não só perdi a calma como Nova Iorque inteira vai saber disto, graças à fala-barato da Ginny. "

"Onde raio se tinha metido todo o seu bom senso de mulher emancipada? "

"Vive e deixa viver. "

"Fode e deixa foder. "

"bom, aquilo provavelmente tinha acabado de vez. Ao menos a Susan tinha levado um bom abanão. "

"Que idiota que o Mike era, por não lhe ter contado. "

"Que idiota que o Mike era - ponto final. "

Imaginou a carta que lhe podia deixar: "Querido Mike. Uma vez que vivemos juntos e nos amámos durante vários anos, venho agora comunicar-te que terminou o nosso acordo. Sinto que te ultrapassei, tanto mental como fisicamente, e já não temos nada a dar um ao outro a não ser um futuro de indiferença. Desejo-te as maiores felicidades junto das grandes mamas da Susan. Cordialmente, Cleo.

"P. S. Nunca me tinha apercebido de que as mamas grandes eram a tua tara.

"P. S. 2: Nunca pensei que gostasses de mulheres que se entretêm consigo mesmas.

"P. S. 3: Se calhar nunca entendi nada. "

As lágrimas tinham parado e, a coberto dos óculos, tirou as pestanas meio caídas e guardou-as num lenço.

Iria para casa refazer a maquilhagem, tomar um banho e mudar de roupa. Iria também fazer as malas. Tinha um compromisso profissional, umas entrevistas para fazer em Londres na manhã seguinte, mas partiria já essa noite. Adoptaria uma saída cobarde e ficaria essa noite num hotel, para não ter de encarar o Mike. Não o queria ver, ele só lhe contaria mentiras. Precisava de tempo para pensar.

Tentou apanhar um táxi, perdeu-o, e ficou à espera do autocarro.

 

A rapariga tinha o cabelo louro, volumoso e encaracolado, e atado com lacinhos cor de laranja. A face era lindíssima, muito pintada.

As sardas falsas abundavam, como se os pontinhos castanhos de um batalhão estivessem sido retirados e meticulosamente aplicados, de manhãzinha cedo, nas suas bochechas, Cada pestana a mais fora fixada individualmente. O contorno dos silhos fora desenhado a lápis azul, com um sombreado da mesma cor. As sobrancelhas tinham sido rapadas e substituídas pelo traço recemdesenhado de um lápis castanho macio.

O trejeito desdenhoso dos seus lábios fora acentuado por duas cores de baton pálido, e o lábio superior acentuado com brilho, As bochechas, um pouco cheias, tinham sido habilmente disfarçadas, e a pele apresentava um suave bronzeado artificial. Não era alta, tinha apenas cerca de um metro e sessenta, mas os saltos enormes que usava acrescentavam-lhe uns bons quinze centímetros. As sandálias eram verdes, com tiras vermelhas, e tinha vestido uns blue jeans cocados, com caneleiras verdes até ao joelho. A cintura fina estava ligeiramente exposta, pois a camisola acanhada deixava uns dez centímetros à mostra. Não usava soutien, e os seios, direitos e firmes, ressaltavam convidativamente através do fino tecido. Deambulou pelo Harrods, balançando na mão um enorme saco de tela, e atulhando a boca, sempre aberta e húmida, de bolinhas de [chocolate Malíesers.

O seu nome era Muffin, mas todos os fotógrafos lhe chamavam Crumpet'.

Tinha vinte anos e atingira a fama como respeitável modelo Ide nus. Respeitável, neste caso, queria dizer que as suas poses nuas

ou semi nuas apareciam em todas as melhores revistas e jornais fazendo

publicidade a tudo, ou quase, desde soutiens a camisas de homem.

 

1 Quer Muffin, quer Crumpet, são nomes de bolos parecidos. Muffin é um bolo redondo, chato e muito fofo, cheio de manteiga e tostado, que se coma enquanto quente. Crumpet é um bolo semelhante, pouco doce, que se come tostado e barrado com manteiga. Na gíria, serve também para designar uma rapariga ou mulher muito atraente.

 

Os olhares ávidos que despertava não a incomodavam. Muffin já se tinha habituado a eles.

Parou junto do mostruário dos óculos de sol e experimentou uns. Eram cor-de-rosa, grandes e redondos.

Muffin gostou deles. Olhou em redor sub-repticiamente. Ninguém parecia estar a observá-la. Calmamente, afastou-se do mostruário com os óculos bem postos no nariz.

Meteu à boca mais umas bolinhas de chocolate, amachucou o pacote vazio e deixou-o cair para o chão. Depois, cantarolando baixinho só para si, saiu pela porta principal e pediu ao recepcionista que lhe chamasse um táxi.

Chovia em Londres, mas Muffin conseguiu de imediato arranjar táxi. Vivia no último andar de um prédio em Holland Park. Partilhava o apartamento com o namorado, Jon Clapton. Ele era o fotógrafo que descobrira Muffin quando ela tinha dezassete anos e tinham-se mudado para lá assim que ele fora a Wimbledon e convencera os pais dela de que tudo iria correr bem.

- Vamos casar-nos - tinha-lhes assegurado Jon. - Estou só à espera de conseguir o meu divórcio.

- Está alguém em casa? - gritou Muffin mal entrou. Scrufft o rafeiro que ela encontrara à deriva pelas ruas, latiu a confirmar que' pelo menos ele estava de facto em casa. - Apetece-te ir dar uma curva, não é meu? - interrogou Muffin. Olhou para o bloco das mensagens que estava junto ao telefone, a ver se Jon lhe deixara algum recado. Quando ela saíra nessa manhã, ele ainda estava a dormir.

"Terraza - nove horas", rabiscara ele, "arranja-te bem, que é para aquela coisa do calendário da Schumann. "

Muffin torceu o nariz. Detestava todos aqueles jantares de negócios que o Jon arranjava.

- Temos de ir a essas tretas - explicava-lhe Jon pacientemente.

- É disso que todos esses velhadas gostam. Qual é o mal de eles ficarem a comer-te com os olhos? No fim de contas, vão poder ver-te inteirinha nas fotos.

- Nas fotografias é diferente - responderia Muffin.

- Tudo bem, esquece. Se o que queres é ser mais uma dessas modelozitos chatas, de mamas jeitosas... Não vês que eu estou a fazer de ti uma personalidade, uma estrela?

Muffin tinha de acabar por reconhecer que ele tinha razão. Estava a ganhar dinheiro agora, que há um ano antes nem teria sonhado.

Jon tratava de tudo. Tinham uma conta conjunta e tudo o que ambos ganhavam ia para lá.

Jon era um fotógrafo de sucesso, e os trabalhos que faziam em conjunto eram muito bem pagos.

O negócio do calendário era importante. A Schumann Electronics editava todos os anos um calendário fabuloso com doze raparigas diferentes. A idéia de Jon era que eles usassem apenas a figura de Mufin, em doze nus magníficos. Ele seria o fotógrafo.

O acordo estava quase concluído, mas Klauss Schumann estava em Londres e queria encontrar-se pessoalmente com Muffin antes de assinar os contratos.

- Esquece o passeio, cãozinho - disse Muffin, suspirando. - A mãe tem de se pôr a mexer.

Jon Clapton chegou ao Terraza às oito. Era alto e magro, vinte e seis anos de idade, cabelo comprido louro sujo, e um ar surpreendentemente agradável e inocente. O seu ar inocente revelara-se-lhe de grande utilidade nos negócios. Por debaixo daquela aparência fervilhava um cérebro astucioso e cristalino.

Klauss Schumann, um alemão de meia-idade com um fato azul lustroso, esperava no bar.

- Olá - disse Jon cordialmente -, você chegou cedo e eu estou com cinco minutos de atraso. Terá de me desculpar. Que é que pediu?

Klauss tomava uma vodka. Jon pediu para si rum e uma coca-cola.

- A Muffin vai chegar um pouco atrasada - explicou Jon, se bem que tivesse sido ele a dizer-lhe que não chegasse antes das nove. Queria dispor de algum tempo a sós com Schumann. - Entretanto, pensei que talvez gostasse de dar uma vista de olhos por isto.

Jon apresentava-lhe uma pasta de couro contendo uma série de fotografias de Muffin.

Lá estava a Muffin, com o corpo arqueado, a cruzar recatadamente as pernas, nua.

Noutra aparecia com o corpo flectido, traseiro no ar, nua.

Muffin aparecia na praia, num carro, num barco, sempre nua.

Nesta tinha posto um grande chapéu e... nada mais.

E nesta vestia um belo fraque e nada por baixo.

Havia ainda mais: Mufíin com umas botas brancas, compridas e justas...

- É uma bela rapariga -"disse Klauss, com voz rouca.

- Sim - concordou Jon -, e tem sempre um ar tão sadio. Até as mulheres gostam dela. Não há nela nada de grosseiro.

Klauss assentiu e folheou novamente as fotos.

- Temos de chegar a uma decisão definitiva amanhã - disse Jon rapidamente. - Há outros clientes importantes atrás dela e tenho de lhes dar uma resposta.

- Claro, claro. Já sei que tratou de todos os pormenores com as nossas relações públicas. Mas, uma vez que estou cá, pensei encontrar-me com ambos. No entanto, tenho a certeza de que a resposta será afirmativa. - Pegou na foto de Muffin com as botas brancas. É uma rapariga encantadora...

"Sim", pensou Jon, "uma encantadora avezinha de rapina que, se não fosse eu, já estaria acabada, ou talvez nem tivesse chegado a começar. "

Lembrou-se do seu primeiro encontro. Num ringue de patinagem. Jon andava a fazer um documentário fotográfico, "As miúdas de Londres", e Muffin estava no tal ringue de patinagem, rechonchuda e sardenta, mostrando a dentuça. Vestia uma camisola laranja e Jon pensara "que grande par de mamas", e tirara-lhe umas fotos. Saíram bem e ele convidou-a a ir a Brigthon tirar umas em bikini. Ela acabara de sair da escola e freqüentava um curso de dactilografia.

- Uma mulher como tu atrás de uma secretária é um desperdício - dissera-lhe Jon.

Ela fora ao estúdio para ver as provas e ele sugerira-lhe que um modelo de nus ganhava bom dinheiro.

- Os meus pais ficariam furiosos - dissera ela, com uma risadinha. Mas, mais depressa do que demora a contá-lo, tinha-se despido e ele gastara com ela cinco rolos de película, caíra-lhe nos braços e tinham-no feito ali mesmo no chão.

À pergunta da ordem, "como é que uma rapariguinha simpática de Wimbledon como tu tem tanta experiência? ", ela respondera:

- Tive cinco namorados: um por cada ano, desde que fiz os doze. Em dois meses, Jon deixara a mulher e Muffin perdera as covinhas

e cinco quilos de gordura de adolescente.

Ao fim de seis meses, Jon tinha posto em andamento a carreira de Muffin e ela fora viver com ele.

Tinham uma relação mutuamente compreensiva. Desde o início, Jon dissera-lhe:

- Ouve, és muito nova, vão-nos acontecer imensas coisas boas, portanto não vamos estragá-las.

-Tu não és propriamente velho - respondera ela.

- Eu sei - concordara Jon -, mas tenho mulher e filhos e sei bem o que isso é. A situação é esta: se nos apetecer dar umas por fora, tudo bem. Só com uma condição: tem de ser com uma pessoa de cada vez. Está certo?

Muffin fizera que sim com a cabeça.

- Ah, e contamos tudo um ao outro, está bem? Muffin concordara. Parecia uma regra esplêndida.

E deu resultado. Nos dois anos que levavam juntos, Muffin dormira com três homens, um de cada vez, e contara-o a Jon.

Por seu lado, ele dissera-lhe que dormira com três mulheres. De facto, tinha havido uma quarta, mas não queria que Muffin soubesse

tanto como ele.

- Ah, esta deve ser a nossa jovem - anunciou Klauss.

Jon voltou-se para observar a entrada dela. Sorridente, bonita, com toda a gente a virar-se para a olhar,

Muffin percorrera já um longo caminho desde a rapariguinha rechonchuda e sardenta do ringue de patinagem.

 

Cleo foi para casa, fez as malas, tomou banho, mudou-se, e estava de volta ao escritório às quatro.

Havia uma mensagem urgente para que telefonasse a Mike e duas chamadas de Ginny. Não respondeu a nenhuma. Verificou o que lhe faltava para a viagem e fez alguns telefonemas de trabalho.

Às cinco, Russell Hayes mandou um paquete ver se ela podia chegar ao seu gabinete. Russell era editor e proprietário da revista Image, a que ia enviar Cleo à Europa. Era um homem magro e nervoso que tinha o hábito desconcertante de roer as unhas - duas ou três ao mesmo tempo. Vestia camisas cor-de-rosa e fatos italianos muito justos, e, após três casamentos, estava numa fase em que saía alternadamente com um certo número de namoradas esculturais que lhe ligavam para o escritório.

- Olá, Russ - disse Cleo. Sentia-se mesmo em baixo. - Que se passa?

- Só queria saber se tiveste algum problema.

- Está tudo sob controlo. Já fiz as malas e estou pronta a seguir. Na verdade, surpresa? até trouxe a minha mala e estava a pensar se não seria possível conseguir um avião para hoje.

Russell batucou com a caneta prateada no tampo da secretária.

- Não atrapalhes os planos, minha linda. Está tudo preparado para ires amanhã, com automóveis alugados para te transportarem cá e lá e, além disso, sou supersticioso: nunca se deve mudar um vôo. De qualquer modo, quero que vás comigo à festa do Richard West. Comprometeste.

Cleo esquecera-se completamente. A revista Image comprara os direitos para publicação por capítulos do livro de Richard West. Russell esboçou um sorriso amarelo.

- O livro de West vai ser um sucesso. Sex - em Explanation1. Não podia ter melhor título. A idéia foi minha - acrescentou enfaticamente.

 

1 Sexo - Uma Explicação.

 

- Eu sei- disse Cleo, sorrindo. Gostava de Russell, tinham um bom relacionamento no trabalho, se bem que ele uma vez tivesse procurado alargar essa relação a outros domínios. Nessa altura, Cleo afastara-o gracejando e agora achava que eram bons amigos.

- O Mike vai à festa? - perguntou Russell. Ele e Mike também eram grandes amigos.

- Porquê? - retorquiu Cleo.

- Como porquê?

- Não, não vai.

- Está tudo bem com vocês?

- Já que perguntas... -hesitou ela - não, não está. Antes pelo contrário.

- Já passei por três situações dessas, conheço os sintomas. Contornou a secretária e veio pôr-lhe a mão no ombro.

- Sinto-me completamente falhada - disse ela, desconsolada.

- Conta-me o que se passou. Ela abanou a cabeça.

- Se falar disso, o mais provável é desatar a chorar. De qualquer modo, acabou-se, eu saí de casa e, ó Deus! isso faz-me lembrar que ainda tenho de reservar quarto num hotel para esta noite.

- Podes ficar comigo, se quiseres.

- Somos amigos, não é verdade? Do que eu preciso neste momento é de amigos, por isso é melhor ficar num hotel - vou dizer à minha secretária para tratar disso. Não precisas de te preocupar.

O atendedor soou na sua secretária e a recepcionista disse-lhe que o Dr. Richard West tinha chegado.

- Mande-o subir - disse Russell. - Cleo, posso apresentar-to e vamos todos para a festa no meu carro. Que tal?

- Acho que sim. Posso usar a tua casa de banho?

- À vontade.

Cleo fechou-se na pequena sala forrada com painéis de carvalho, que ficava junto do gabinete de Russell e mirou-se ao espelho. A rnaquilhagem que fizera nessa manhã estava perfeita. Acrescentou um toque de sombra cor de ameixa nos olhos para realçar a palidez do seu rosto oval.

"Tens uma pele incrível", dissera-lhe Mike no seu primeiro encontro.

Penteou o cabelo, comprido e escuro, e recordou a primeira vez que Mike a despira. A origem da sua relação fora meramente carnal e, quando o sexo deixara de ser excitante, a rotina instalara-se.

Quanto tempo poderia durar uma tal relação? Durante quantos anos seria necessário fingir que era a melhor coisa do mundo? Claro que era bom, mas havia outras coisas, de que Mike nem sequer queria ouvir falar. Crianças. Cleo suspirou. Sempre adorara crianças e imaginara que teria umas quantas. Parecera-lhe razoável quando Mike dissera que seria melhor esperar um tempo. Não era uma daquelas mulheres que ansiavam por aqueles meses aborrecidos em que ficam inchadas que nem balões. Por isso, quando ele propusera que esperasse, ela concordara, pensando que seria questão de um ano ou dois. Porém, com o tempo, foi-se apercebendo de que Mike nem sequer gostava de crianças, quanto mais querer ter uma a seu cargo.

Quando um domingo, na cama, após terem feito amor, ela lho pedira, ele dissera:

- Pois, minha querida, não posso dizer que a idéia me entusiasme. Para que é que precisamos de um monstrozinho a atrapalhar-nos a vida? E as mulheres grávidas não me excitam, antes pelo contrário. - Teria sido nessa altura que as coisas tinham começado a azedar?

Cleo voltou ao gabinete de Russell, que a apresentou a Richard West.

- Não se parece com a fotografia do livro - disse ela. Ele acenou com boa disposição.

- Eu sei. Mas se a fotografia fosse muito parecida íamos ter problemas com as vendas.

Ela sorriu. Gostara. Não era um neurótico. Odiava autores neuróticos.

Era um homem de estatura mediana, com um pouco de excesso de peso e cabelo amarelo-torrado cortado muito curto. O fato que trazia vestido era horrível e a camisa não ajudava nada. Apesar de tudo, era atraente de uma maneira de que, obviamente, não se dava conta. Apeteceu-lhe dizer-lhe que tinha lábios como os de Mick Jagger, grossos e sensuais, num rosto de especialista de sexo de meia-idade.

- Acho melhor irmos andando - disse Russell.

Foram os primeiros a chegar. Só lá estavam eles e uma quantidade de criados, Russell percorreu os expositores da revista, arrumando uma coisa aqui, outra ali.

Richard franzia o cenho.

- Detesto estas coisas - disse. - Deixam-me nervoso. Cleo sorriu.

- Só tem de se ser simpático com toda a gente. Nunca se sabe com quem se está a falar. E convém debitar uma grande quantidade de citações e dados estatísticos.

- Que espécie de estatísticas?

- Bem... números. Como, por exemplo, quantas vezes pode um homem... hum... fazê-lo em vinte e quatro horas. Coisas desse gênero. Para abrir o apetite ao potencial leitor.

- Envoltas numa terminologia um pouco mais profissional, não é verdade?

Cleo riu-se.

- Ah, claro! Muito mais profissional.

Ginnv foi uma das primeiras convidadas a chegar. Dirigiu-se directamente a Cleo, que estava a conversar com um jornalista de uma revista

Posso interromper? -perguntou com vivacidade.

- Claro - disse o jornalista. - Tenho de ir ter com o Dr. West. Há várias questões que pretendo discutir com ele.

- Imagino! -retorquiu Ginny, sacudindo os caracóis louros e olhando a sala. - Quem é que cá está? Alguém com quem eu já tenha ido para a cama, ou com quem deva ou possa querer ir?

- Foi para isso que me interrompeste?

- Não Na realidade, por que é que não me telefonaste? Nem posso crer que tenhas feito aquela cena ao almoço. Não é teu costume, a pobre da Susan estava muito perturbada. E jura que não se passou nada entre ela e o Mike.

-Ora, Ginny, ela pode aldrabar-te à vontade, mas eu digo-te que os vi juntos... E depois? Só porque os viste juntos, não quer dizer que se iria seguir uma boa e saudável sessão de mete e tira Ela contou me que tomaram um café um dia destes. Mas jurou-me por alma da mãe que não se passou nada. Palavra Cleo, acho que...

- És capaz de te calar por um minuto? Eu vi-os juntos. Nus. A foder. Esta manhã, no escritório do Mike.

- Oh - disse Ginny, ficando em silêncio por um breve instante.

- Essa cabra mentirosa. A jurar pela alma da mãe dela! Espera só até eu a ver Nem posso esperar. Deves sentir-te horrivelmente Devia ter adivinhado que uma pessoa como tu não ia fazer uma cena daquelas por nada. Lamento, lamento mesmo...

- Tá chega Ginny. Não quero falar nisso. Não interessa. Na verdade, não interessa. Já fiz as malas e amanhãvoupara Londres. Quero ter algum tempo para reflectir.

- Que diz o Mike a isto? Não acredito que esteja apaixonado pela Susan. As mulheres altas nunca foram o seu tipo e vendo bem as coisas, ela pode ter umas grandes mamas, mas o Q. I. é de uma

1 criança de cinco anos. De facto, acho... - Ginny não quero falar nisso, e agradecia que não espalhasse" a notícia por toda a cidade. Anda lá,vouapresentar-te ao Dr. West.

- bom, está certo. Sempre me agradou comparar os meus apontamentos com um especialista.

Atravessaram a sala.

- Richard, gostava de lhe apresentar uma amiga minha: Ginny Sandler. A Ginny é agente. - Cleo falava com um sorriso nos lábios, mas o sorriso ia-se apagando. Estava a pensar se Mike já teria chegado a casa e percebido que ela se fora embora.

- Como está, Ginny? - disse Richard cordialmente, apertando-lhe a mão.

- Estava a pensar que podíamos vender os direitos do seu livro para o cinema - disse Ginny quando Cleo se afastou. - Eles compram títulos, sabe? Sex - an Explanation podia dar um óptimo filme de sexo... no gênero educativo. Podíamos mesmo usar a Julie Andrews, no papel de professora. Há muitas possibilidades. Ainda não tem agente, pois não?

Richard abanou a cabeça.

- Nesse casovoupegar em si e fazer de ambos ricos. - Pegou-lhe no braço. - Quanto àquele capítulo sobre clítoris de grande tamanho: há uma ou duas perguntas que queria fazer-lhe.

Cleo sentiu-se subitamente cansada. Já tinha a sua conta de conversa fiada, de sorrisos e simpatia para com pessoas que desatavam a cortar-lhe na casaca mal se afastava dois passos. Olhou em volta procurando Russell. Estava no meio de um grupo que incluía a última namorada, uma gigante de cabelo ruivo chamada Florinda.

Aproximou-se dele.

- Estou muito cansada - sussurrou. - Em que hotel me reservaste quarto?

- Raios! -Russell bateu com a palma da mão na testa. - Esqueci-me!

- Muito obrigado.

- Mas não te preocupes, já te disse que tenho um quarto livre, vários até, para ser mais exacto.

- Russell...

- Acho que ao fim de tanto tempo podes confiar em mim, não? Fingia-se ofendido. -voutelefonar para o meu empregado e dizer-lhe que vais a caminho. Eu só irei para casa bastante tarde e, a não ser que te apeteça partilhar a cama comigo e com a Florinda, ficarás bastante sozinha.

Cleo sentia-se demasiado cansada para discutir.

- Bem, se é assim...

- Claro que é. A tua mala já está no meu carro vouacompanhar-te até ao carro e o motorista leva-te a casa e regressa para ficar a minha disposição.

- Se o Mike aparecer por aqui...

- Os meus lábios estão selados.

Obedecendo a um impulso repentino, Cleo beijou-o na face.

É bom ter amigos como tu.

Russell riu-se nervosamente.

- Já te tinha dito antes que se as coisas entre ti e o Mike dessem para o torto eu estava disponível.

Cleo abanou a cabeça. Ele podia estar disponível, mas não era o seu tipo.

Russell vivia numa penthousel espaçosa, com vistas incríveis sobre a cidade. Cleo já lá estivera várias vezes em encontros com pessoas amigas e admirara o apartamento. Agora, vendo-o vazio, parecia-lhe um cenário retirado de um filme.

O empregado convidou-a a entrar e levou-a até um quarto alaranjado, com uma casa de banho acoplada onde havia uma banheira que chegava para meia dúzia. Silenciosamente, o empregado mostrou-lhe como a banheira podia ser adaptada para um banho termal de jactos de água. Cleo abanou a cabeça. A última coisa que lhe apetecia t, era um banho desses.

O empregado ia apontando para outros botões. Um para o rádio, loutro para ouvir cassettes, outro para a televisão. "Era um quarto de hóspedes muito especial", pensava Cleo. Olhou para as pilhas de livros arrumados na mesa-de-cabeceira. Erotic Art, Tbe History of Erótica, Sexual Understanding. Sorriu. "Oh, Russell! Que decepção! Onde estaria o molho das revistas Playboy?" Quase de certeza empilhadas numa mesa de vidro, perto da retrete. Carregou no botão do gravador e ouviu a voz sensual de Isaac Hayes.

Que estaria Mike a fazer? Já deveria ter chegado a casa. Teria percebido que ela se fora embora? Se fosse à casa de banho, perceberia.

A confusão de artigos femininos desaparecera. E se procurasse nas gavetas chegaria à mesma conclusão.

Talvez ela devesse ter deixado um bilhete. Não. Que fosse para o diabo. Que ficasse na dúvida. Quando fosse à procura dela, já estaria em Londres.

Queria dormir, mas o sono não aparecia. O seu cérebro mantinha-se muito activo.

A cena de Mike a fazer amor com Susan passava-lhe repetidas vezes pela mente. Se ao menos ele tivesse parado... Mas não, apenas a olhara fixamente e continuara a fazê-lo.

Que canalha! Não quisera desperdiçar o seu prazer. Primeiro fornicar... depois discutir.

 

1 Habitação construída sobre o telhado de um edifício auto.

2 Arte Erótica, História do Erotismo, Compreendendo o Sexo.

 

Bom, ela tinha-lhe estragado o joguinho. Não estava para discussões. E Mike detestaria isso. Ele era um falador, um argumentador. Ter de guardar tudo com ele sufocá-lo-ia.

Óptimo. Que sufocasse. Que discutisse o assunto com o cérebro de galinha da Susan.

Devia ter passado uma hora quando ouviu a porta abrir-se e alguém entrar em bicos de pés. Acendeu o candeeiro da mesa-de-cabeceira. Era Russell.

- Só queria verificar se estava tudo bem - disse ele, num tom pouco convincente.

Cleo puxou o lençol.

- Está. Só não consigo dormir. Que fazes em casa tão cedo?

- Estava preocupado contigo. Pensei que talvez te apetecesse conversar.

- E a Florinda?

- Mandei-a para casa.

- Por mim não o devias ter feito.

"Oh, meu Deus", pensou Cleo, "agora vai atirar-se." Russell sentou-se na beira da cama.

- Que te parece este quarto? - perguntou.

- É muito moderno.

Russell concordou com um aceno de cabeça.

- Podes cá ficar, se quiseres, quando regressares da Europa.

- É muito simpático da tua parte.

- És uma linda mulher, Cleo. E, mais ainda, inteligente. Podia-; mos ter uma óptima relação.

"Não podíamos, não", replicou Cleo em silêncio, "roes as unhas." Disse em voz alta:

- Está a fazer-se tarde, Russ. Acho quevoutentar dormir.

- Ainda gostas do Mike, percebe-se bem. Não sou parvo. Mas podíamos ter um outro tipo de relacionamento, mais maduro. Mike não é homem para ti. Ainda tem muito que crescer. - Inclinou-se e beijou-a. Foi um beijo ensaiado, insistente.

Ela não se lhe podia opor, já que estava nua sob os lençóis. Assim, aceitou o beijo e, com ambas as mãos, puxou o lençol firmemente para si.

com um movimento súbito, ele rolou para cima dela. Ela procurou manter a sua boca afastada da dele.

- Larga-me Russell, por favor!

O corpo dele movia-se para baixo e para cima, com os olhos cerrados. Ainda tinha vestido o fato italiano listado, a camisa cor-de-rosa, os sapatos envernizados.

Cleo ficou rígida sob o lençol.

No momento do clímax, Russell murmurou:

- Sempre te amei, sempre... -Estremeceu e parou. Cleo não conseguia deixar de pensar no fato, que devia estar completamente estragado.

Ele manteve-se quieto por instantes e depois, sem fazer barulho, apagou a luz do candeeiro da mesa-de-cabeceira, murmurou umas boas noites e saiu.

Cleo saltou da cama e fechou a porta à chave. Não sabia se chorar se rir.

Era o final perfeito para um dia perfeito.

 

- Estiveste óptima! - disse Jon. - Absolutamente perfeita. Amanhã o calendário Schumann será todo nosso. Isso vai chegar para pagar as nossas férias deste ano.

Muffin deu uma risada.

- Ele não parava de mirar-me. Sinceramente, por vezes sinto-me mais nua quando estes velhotes me miram que nas fotografias de nu.

Jon deu-lhe uma palmadinha no joelho.

- Isso não te incomoda muito, pois não?

- Às vezes, faz-me sentir pouco à vontade...

-. Carinha de bolacha, as tuas mamocas são muito famosas e todos gostariam de as apalpar. Goza a situação, diverte-te. Quando fores uma velhinha em Wimbledon hás-de desejar ser uma linda...

- Jon!

Ele abraçou-a e beijou-a, tirando-lhe o brilho dos lábios carnudos Ela enroscou-se nele.

Puxou-lhe para cima a saia de sarja azul e enfiou as mãos por debaixo das cuequinhas muito justas.

- Belo traseiro - murmurou.

- As tuas mãos parecem gelo - queixou-se ela, mas sem procurar afastá-lo.

-voutirar-te as calcinhas, menina.

Muffin fingiu sobressaltar-se e abriu muito os grandes olhos azuis:

- Oh, senhor, por favor! Sou apenas uma donzela inocente da província, não me faça mal!

Jon tirou-lhe as cuequinhas.

- Está bem, donzela da província, mostra-me a tua floresta.

- Mas, senhor... O telefone tocou.

- Merda! - exclamou Jon.

Muffin atendeu, e ao mesmo tempo ia desabotoando vagarosamente o casaco de malha que tinha vestido.

- É a tua mulher - disse contrariada, deitando a língua de fora na sua direcção e saindo do quarto.

Ele pegou no telefone.

- Jane? Que queres agora?

Há três anos que não viviam juntos, mas ainda continuava a pendurar-se nele para tudo. Os miúdos, ele não se importava de sustentar, mas por que raio o havia de fazer em relação a ela e aos seus namorados de ocasião?

Ela queria mais dinheiro. Queria sempre mais dinheiro.

Comprara-lhe uma casinha em Putney, dava-lhe vinte e cinco libras por semana e pagava todas as contas relativas aos miúdos.

Ela era uma péssima mãe. Todos os fins-de-semana, Jon via as crianças e estavam sempre sujas.

- Olha tu por elas, se achas que essa boneca com quem andas é capaz de fazer melhor - era a resposta sarcástica de Jane quando ele a criticava.

Jon bem gostaria de aceitar a sugestão, mas Muffin era totalmente incapaz de lidar com duas crianças pequenas. Ela própria pouco mais era que uma criança.

Os planos para o divórcio estavam encaminhados, mas as divergências financeiras retardavam-nos.

Jon concordou em enviar-lhe mais cinqüenta libras. Maldita sanguessuga! Era no que davam os amores românticos da juventude. "Nunca cases jovem", pensou. "Ou melhor ainda: nunca te cases. "

Muffin estava sentada ao toucador arrancando cuidadosamente pestanas que ia depositando num kleenex. Despenteou-lhe o cabelo.

- Desaparece! - resmungou ela. Os telefonemas de Jane irritavam-na sempre. Lembravam-lhe o divórcio que Jon lhe prometera e que até agora não conseguira.

 

Mike James fumava cigarros longos, finos e negros. Eram melhores que cigarros vulgares e mais baratos que charutos. De facto, a principal razão de ele os fumar estava em que tinham classe, e Mike fora sempre um homem que gostava de classe.

Era por isso que estava furioso por Cleo o ter apanhado com Susan. Se havia uma qualidade que Susan não tinha era classe. Para além de um corpo estupendo, pouco mais tinha para mostrar. Por vezes a atracção exercida por uns pára-choques sensacionais era de mais, mesmo para o mais lúcido dos homens.

Após ter sido descoberto por Cleo, Mike livrou-se rapidamente de Susan. Ela foi-se embora com um sorriso e um aceno.

- Até breve, querido.

Oh, a lealdade das mulheres! A única coisa que se lhes podia confiar era a picha e, mesmo assim, só temporariamente.

Lamentou não ter esperado mais uns tempos para saltar para cima da Susan. Uns dias mais tarde, já Cleo estaria na Europa. Mas a sua divisa sempre fora "não guardes para amanhã o que podes fazer hoje".

Pensou num milhão de "sés".

Se tivesse ao menos fechado a porta do gabinete.

Se não tivesse mandado a secretária ir tomar um café.

Se ao menos Cleo tivesse batido à porta. Ela nunca aparecia no escritório. Agora ia pensar que ele passava o tempo a fornicar.

Caminhou de um lado para o outro na sala. Cleo não ia ficar nada satisfeita de o ter apanhado com uma das suas amigas. Não teria sido tão mau se ele estivesse a cavalgar uma desconhecida, ali no sofá do escritório. Não seria nada bom... mas isto...

Há uns tempos que a Susan andava a desafiá-lo. Na semana anterior tinha almoçado com ela e ambos sabiam o que prometia o convite de "vem tomar café comigo, lá no escritório".

Uma coisa era a mulher descobrir que havia outra, mas apanhá-lo realmente em flagrante... bem, não era mesmo nada bom de ver. A não ser que estivesse a pensar num ménage à três, mas Cleo nunca alinharia nisso. Em boa verdade, nem ele o quereria. O sexo com Cleo era belo. Calmo, relaxante, satisfatório. O sexo com outras mulheres era diferente, mais descuidado, mais brutal. Ele podia usá-las de uma maneira que nunca faria com Cleo. Usara Susan. Não significava mais para ele que uma manhã bem passada.

As coisas com Cleo foram diferentes desde o início. Ela entrara na sua vida numa altura em que lhe parecia que a vida que levava era perfeita. Trabalhava duramente num emprego de que gostava. Tinha um apartamento agradável. Um Ferrari. Muitas namoradas. De facto, parecia-lhe estar a viver o sonho de um playboy.

Cleo aparecera e provara-lhe que afinal tudo não passava de um sonho húmido.

Não se quisera casar. Era independente. Não lhe pedira nada. Após seis meses a viverem juntos, fora ele a pedir-lhe que se casassem. "Se realmente me amas, prová-lo-ás casando comigo", dissera.

Quantas mulheres lhe tinham dito aquilo no passado...

Portanto, casaram-se, e foi óptimo. Quatro anos a viver com uma mulher inteligente e bela. Um casamento muito moderno.

com certeza que Cleo nunca pensara que ele lhe era fiel? Ninguém era. Ela não esperaria isso dele.

É claro que ela provavelmente era. Isso era natural. As mulheres são diferentes, não têm as mesmas necessidades. Fosse como fosse, ele sabia que Cleo não o iria enganar com outro homem, não era o seu gênero. Ele satisfazia-a sexualmente. Satisfazia-a em todos os sentidos. Era até capaz de a matar se soubesse que ela andava por aí a fornicar. Mas estava certo de que não o fazia.

Tinham discutido com freqüência sobre outras mulheres. Muitas haviam sido as vezes que ele lhe dissera que esta ou aquela o atraíam, e ambos se tinham rido do assunto. Cleo talvez se estivesse a rir agora. Quando mais tarde chegasse a casa, ela estaria a rir-se...

- Tens falta de gosto, é esse o teu problema - diria ela. E falariam sobre o que se passara, e ririam. E depois fariam amor...

Sim, decidiu Mike, seria assim que as coisas se passariam. Cleo era demasiado inteligente para fazer grande caso daquilo.

Talvez o melhor fosse nem falar no caso. Pura e simplesmente ignorá-lo. Não... disso não se safava. Cleo ia querer interrogá-lo Estava no seu direito, e ele teria de se submeter.

No fim de contas, ela era a mulher que amava, e teria de provar-lho.

Talvez fosse bom ter sido finalmente apanhado. Agora teria de parar e - quem sabe - talvez o que realmente queria fosse uma relação monogâmica.

 

Cleo não se sentiu segura enquanto não se viu no avião, já no ar, a caminho de Londres.

Não havia muita gente e ela sentou-se no banco do lado do corredor. O assento do meio estava vago e o da janela ocupado por um cantor que reconheceu vagamente como sendo Shep Stone. Este sorvia goladas nervosas de uma garrafinha de levar no bolso e, mal o avião levantou vôo, acendeu um charro que fumou calmamente escondido por detrás de um exemplar da revista Time.

Cleo não tinha vontade de conversar e, afortunadamente, parecia que ele também não.

Sentia-se zangada, humilhada, enojada. O comportamento de Russell fora realmente uma merda. De manhã, aparecera como se nada se tivesse passado. Sorridente, janota e cheio de conversa de negócios. Tinham tomado o pequeno-almoço juntos, silenciosamente no que tocava a Cleo. Mas isso não o afectara em nada. Insistira em acompanhá-la ao aeroporto. Pagara o seu excesso de bagagem. Comprara-lhe uma dezena de revistas e um cão de brinquedo muito feio. Ao separarem-se, tentara beijá-la, mas ela afastara a cara e ele só lhe tocara ao de leve na bochecha.

- Ontem à noite foi maravilhoso! - sussurrou. Que se podia dizer a um homem daqueles?

Tentou sorrir ao dizer-lhe adeus, mas após tantos anos em que o considerara um amigo, sentiu-se subitamente a odiá-lo e o sorriso desvaneceu-se.

- Não te sintas culpada, querida - disse Russell, num tom animador. - Tudo irá correr pelo melhor.

Cleo entrou para o avião numa fúria silenciosa. Cristo! Que egoísta medroso lhe saíra o Russell. O meigo, amável e engraçado velho Russ. Um dos melhores amigos de Mike. Uma boa droga de amigo, era o que ele era. E o mesmo se podia dizer em relação a Susan.

- Empresta-me uma das suas revistas? - perguntou Shep Stone, inclinando-se na direcção dela.

- Claro. - Cleo pousou todo o molho no assento do meio.

- Vai para Londres? - inquiriu ele.

Que pergunta mais estúpida, sabendo-se que era para lá que se dirigia o avião.

- Hum - murmurou Cleo.

- Já lá esteve? - insistiu.

- Sim - respondeu Cleo friamente. Que se passaria com os aviões, que dava aos homens a impressão de que as mulheres estavam todas disponíveis?

- Bela cidade - disse ele. - Já lá estive muitas vezes. É de Nova Iorque?

Cleo voltou-se para fixá-lo.

- Olhe, estou com uma dor de cabeça terrível. Não se importa de ir calado?

- Ha?

- Pegue numa revista, chame a hospedeira, faça seja lá o que for. Mas, por favor, mantenha-se calado. - Virou a cara, mas ainda a tempo de reparar na sua expressão magoada.

Shep Stone era bastante conhecido como cantor de baladas românticas, mas nunca se tornara um grande cantor. Tinha cerca de trinta e cinco anos, cabelo castanho e um sorriso simpático. Não era propriamente um Andy Williams, mas para lá caminhava.

Cleo fechou os olhos e tentou concentrar-se nos seus pensamentos. Ia a Londres para iniciar uma série de entrevistas encomendadas pela revista Image. Seriam intituladas "Quem tem medo do lobo mau" e deveriam constar de uma análise aprofundada e arguta de cinco actores de cinema famosos e desejáveis.

- Vais entrevistar os cinco tipos mais difíceis - dissera Russell.

- E tenho a certeza de que farás um óptimo trabalho. Vamos publicá-lo ao longo de cinco números.

Cleo gostara da idéia. Era uma boa entrevistadora, embora estivesse mais habituada a lidar com políticos e homens de negócios.

Os actores já estão tão batidos - começara por dizer. - Que mais há para dizer de um tipo que já contou tudo umas trezentas vezes?

Mike encorajara-a:

- Será bom para ti, estás mesmo a precisar de mudar de assunto. Às tuas coisas são sempre tão sérias. De maneira que Cleo concordara. O pagamento era bom. Um par de semanas em Londres, no Connaught. Ia poder visitar a mãe. Uns diazitos no Sul de França e talvez ainda fosse a Roma.

- O meu fumo incomodou-a? - perguntou Shep Stone, ansiosamente. - Se o fez, peço desculpa. Normalmente não preciso dessas coisas, mas a verdade é que tenho medo de andar de avião. É ridículo, não é?

Cleo suspirou resignada. Era-lhe extremamente difícil ser rude com as pessoas. No papel era fácil, mas cara a cara inibia-se.

- Quer uma bebida?voubuscar-lhe uma.

- Não me incomodou. Acho que estou apenas cansada.

Cleo assentiu com a cabeça. Mais valia resignar-se, uma vez que com o avião a caminho lhe dera a vontade de falar.

E falou. Não se calou durante toda a travessia do Atlântico. Ela ouviu as histórias da sua carreira, das suas três mulheres, dos dois filhos, da sua situação financeira, convicções políticas e finalmente, como não podia deixar de ser, da sua vida sexual.

- Gosto de mulheres - explicou -, talvez até um pouco em demasia. Comecei a andar com elas quando tinha dezoito anos. É tarde, não é? bom, de qualquer modo... -O avião entrou de repente numa zona tempestuosa e Shep calou-se subitamente. - Detesto andar de avião - disse ele, pegando novamente na garrafinha que trazia no bolso e sorvendo grandes goles, enquanto vasculhava os bolsos à procura de outro charro.

O avião balouçava como uma bola de pingue-pongue. Shep acendeu e charro e deu duas "passas".

- Não faz diferença - disse morbidamente-, bebidas, drogas... Continuo tão sóbrio como o piloto.

Ofereceu o charro a Cleo e ela aceitou-o. Inspirou profundamente. A marijuana caía-lhe bem, muito melhor que as bebidas. Ela e Mike tinham-na fumado juntos ocasionalmente.

De súbito, ouviu-se a voz do piloto no meio dos ruídos que emanavam da aparelhagem sonora.

- Oh, meu Deus! -exclamou Shep, agarrando-se firmemente aos apoios de braços. - Vamos despenhar-nos!

O piloto apresentou desculpas pelo mau tempo, explicou que o tempo estava igualmente mau em Londres, pediu a toda a gente que apertasse os cintos e explicou que dentro em breve aterrariam em Francoforte.

- Filho da puta! - resmungou Shep, e ficou numa atitude nervosa até terem aterrado.

Cleo chamou a hospedeira e ficou a saber que iriam passar a noite em Francoforte. Não se importou. Sabia que Mike iria pôr-se a telefonar mal ela chegasse ao Connaught. Isto dar-lhe-ia mais uma noite de expectativa.

Ele que se amolasse.

 

Muffin e a rapariga japonesa ficaram costas com costas. Eram da mesma altura, mas todos os seus outros atributos físicos diferiam. Estavam ambas nuas, erguendo taças de champanhe.

- Está óptimo, miúdas - disse Jon, ajustando a sua Nikon. Eh, Annie - disse ele para a assistente -, esfrega-lhes mais umas pedrinhas de gelo nos mamilos, que já não estão erectos.

Annie pegou num balde e passou um cubo de gelo pelos mamilos da rapariga japonesa, que ficaram imediatamente erectos. Muffin esticou

o peito:

- A seguir sou eu. Venha lá a minha dose de excitação.

- Encolhe um bocadinho o rabo, Muff, e dobra um pouco mais a perna direita - disse Jon. - Isso mesmo, minhas lindas. Óptimo!

Trabalhava depressa, enquanto a aparelhagem espalhava os sons de Bobby Womack. Após ter gasto seis rolos de película, deu-se por

satisfeito.

- É tudo, miúdas.

Muffin bocejou e espreguiçou-se.

- Estou arrasada! -Ela e Kamika, a japonesa, dirigiram-se ao vestiário.

- Eu e o Charlie estamos a tratar do divórcio - disse Kamika, enquanto vestia a camisa e as calças.

- Que pena! - disse Muffin. - Vocês só estão casados há quê?

Um ano?

- Um ano e seis dias - precisou Kamika. - Mas ele passa os dias e as noites a peidar-se. Já não o suporto.

- Bem, todos os tipos o fazem - disse Muffin judiciosamente.

- Mas não em certas ocasiões. Muffin sorriu:

- Desculpa, Kam, mas és tão engraçada! -Enfiou as suas jeans muito justas e um sweater e pôs os óculos de sol a prender o cabelo.

- Lindos óculos - apreciou Kamika.

- Gostas deles? São teus - ofereceu-lhos Muffin.

- Não. Não posso aceitar. Por favor...

Muffin insistiu: - com os cumprimentos do Harrods - disse, com uma risada.

Jon ainda estava a trabalhar, fotografando uma loura alta que posava em silêncio, numa camisa de noite colada ao corpo. Muffjn beijou-o no rosto.

- Até logo, querido. - Acenou para a loura alta: - Nada de deitares a mão, Erica, que ele tem dono.

Tinha toda a tarde à sua frente, o que era caso raro. Na maior parte dos dias mal tinha tempo para almoçar.

Tinha muito por onde escolher. Podia ir para casa e levar o cão a passear no parque. Ou ir às compras. Ou ao cinema.

Também podia ir almoçar ao Carousel. Quase de certeza estariam lá amigos seus. Podia aproveitar para se pôr a par dos últimos mexericos.

- Estou a ver que tu e a Muffin ainda continuam muito ligados disse Erica.

- Junta um pouco mais as pernas. Isso mesmo. Está bem assim. A máquina disparou. - Sim, continuamos juntos.

- Estou espantada! Jon resmungou.

- A perna direita um pouco para a frente. Não, foi demasiado. Perfeito! Por que é que estás espantada?

Erica encolheu os ombros.

- Nunca pensei que uma rapariga como ela te servisse para muito tempo.

- Cabeça para trás. E não sejas ordinária. Erica inclinou a cabeça para trás.

- Achas-me com cara disso?

- Sim. Tu és a ordinarice em pessoa.

- Não era isso que pensavas quando estávamos juntos.

- Fomos umas quatro vezes para a cama há anos atrás, por isso não podes saber muito sobre o tipo de mulher com quem quero viver.

- Jon Clapton, és um mentiroso! Foram pelo menos seis vezes. Fez uma pose provocante. -Alinhas numa sétima?

- És uma mulher casada, Erica.

- Também tu eras um homem casado da última vez. Assim ficaríamos quites. De qualquer modo, estou a tratar do meu divórcio.

- Obrigado pela oferta, mas não. Faz-me um obséquio e veste essa coisa de cetim negro enquanto eu mudo o rolo à máquina.

- Sacana! - resmungou Erica. - Não queres é arriscar o teu ganha-pão. Quem julgam vocês que são? Justin e Twiggy?

- Cala a boca e muda de roupa.

Jon acendeu um cigarro. Justin e Twiggy, essa era de rir! Ele e Muffin iriam muito mais longe.

O Carousel estava apinhado. Muffin, empurrada, deu um encontro em Jan e Brenda.

- Por onde tens andado, rapariga? -perguntou Brenda. - Queres ouvir a minha última canção?

- Como vai o teu namorado? - perguntou Jan. - Não o vejo desde África.

-Está bom - respondeu Muffin, mastigando aipo. - Oh, quem é aquele? - apontou para um rapaz louro e esguio que vestia um blusão de pele de camelo muito justo.

- Esquece - disse Brenda. - Já estive com ele e é rápido e pequenino!

Riram todos.

- Estive a trabalhar com a Kamika, esta manhã, e ela vai divorciar-se - disse Muffin.

- Que se passa, o tipo dela fartou-se de comida japonesa? riu-se Brenda. - A propósito, não era já tempo de estarmos todos a dançar no teu casamento?

Muffin sorriu.

- Dentro em breve - prometeu.

Jon bem que podia despachar-se. Já andava a prometer divorciar-se da mulher há tempo suficiente. Se as coisas continuassem assim por muito tempo, ela ia parecer uma idiota. Não obstante, queria ser Mrs. Clapton. Mrs. Jon Clapton.

 

- Tem calma. Não te enerves - dizia Russell Hayes. - Eu sei que ela é uma mulher magnífica, mas se não dá, não dá.

- Não preciso das tuas filosofias de merda - disse Mike. - Meu Deus! Tudo o que fiz foi foder com uma loura com cara de lua cheia e a Cleo desaparece da face da Terra.

- Se eu tivesse uma mulher como a Cleo - disse Russell com afectação -, não me parece que precisasse de andar por aí a fornicar.

- Os tomates! Estiveste casado três vezes e continuavas a querer enfiá-lo em tudo o que mexesse!

- Sim, mas não estava casado com a Cleo.

- Continua a falar assim, Russ, que até parece que tu e a Cleo tinham algum arranjinho.

Russell sorveu lentamente a sua bebida e não respondeu.

- Não a compreendo - disse Mike. - Ir-se embora sem sequer discutir comigo. Parece que não sou mais que um namorado. Sou o marido dela, que raio! Ela não pode ir-se embora sem dar cavaco.

- Por que não?

- Que queres dizer com isso? Ela é minha. Estamos casados. Estamos ligados um ao outro por todas as formas.

- Excepto sexualmente - comentou Russell secamente. - Ou pelo menos assim parece.

- Afinal de que lado estás?

- Eu vejo os dois lados da questão. A minha opinião pessoal é de que talvez vocês não liguem bem um com o outro, talvez seja melhor assim.

- Uma ova! Uma fodinha rápida não vai acabar com o meu casamento.

Russell encolheu os ombros.

- Talvez a decisão não dependa de ti. Seja como for, já lhe punhas os palitos há tanto tempo que, mais dia menos dia, tinhas de ser apanhado.

- Ora, és um grande amigo. Ajudas muito, não há dúvida. Olha, quando eu a encontrar e puder falar com ela, tudo se há-de compor.

- Espero que sim - mentiu Russell. - Espero que tenhas razão. Mas, se bem conheço a Cleo, não esperava muito por isso.

- Que queres dizer com esse comentário falso? Se alguém conhece a Cleo, sou eu.

- Talvez não a conheças tão bem como julgas.

- Jesus, Russell, que se passa contigo? Qualquer pessoa diria que estás satisfeito com o que se está a passar.

- O que tem de ser, tem de ser... - repetiu Russell judiciosamente.

- Sim. E já te digo o que tem de ser.vouencontrá-la, falar com ela, e vai dar tudo certo.

Mike foi para casa. Russell, de facto, correra com ele, com o seu sorriso manhoso e os modos afectados. Que sabia ele de relações sérias? Três casamentos falhados não lhe tinham ensinado nada.

Ligou novamente para o Connaught. Mrs. James ainda não tinha dado entrada.

Sentiu a falta dela. O apartamento parecia tão estranho sem a sua presença. Olhou longamente a foto do seu casamento, a única que merecia uma moldura de prata. Cleo. Aquele rosto. Os olhos. O lindo corpo esbelto, de pele suave. As pernas longilíneas. Os pés pequenos. As mãos delicadas. Tudo nela era atenuado. Mike gostava disso. Nada em Cleo era ostensivo.

No seu primeiro encontro, numa festa rock em Londres, houvera uma daquelas atracções sexuais instantâneas, recíproca. Desejara poder arrastá-la para a cama mais próxima e fazer amor sem trocarem uma palavra. Ela sabia-o. Ele sabia-o. Em vez disso, tinham-se permitido serem apresentados, tinham conversado informalmente enquanto os seus olhos se encontravam, se prendiam e conduziam a sua própria conversa em privado.

Mais tarde, após a festa e uma bebida na discoteca, ele sugerira que fossem para o seu hotel. Cleo declinara delicadamente.

Mike fora preparado para esperar. Havia certos jogos que era necessário jogar, regras que era preciso observar antes de poder ir para a cama com ela. Compreendeu e esperou.

Quando se tornaram amantes, ela foi viver com ele em Nova Iorque. Era um arranjo temporário. Mike não estava preparado para se instalar, a não ser casado.

Afinal, que é que tinha corrido mal? Que é que o conduzira a outras camas, a outros corpos?

Nunca tinha havido outras mulheres durante o tempo em que Cleo e ele viviam juntos. Tudo começara três semanas após o casamento.

Mike sempre achara que as mulheres sentiam uma grande atracção por ele. Não se lembrava de quantas tinham compartilhado o seu leito, mas sabia que eram muitas. Só se lembrava de algumas. Fanny, porque lhe pegara a gonorreia. Brook, porque tinha só dezasseis anos e se esquecera de lho dizer até estarem já no acto. Linda, que reclamara que ele a engravidara e lhe exigira mil dólares para fazer um aborto. E, é claro, Susan, a boa amiga de Cleo.

O sexo com Cleo era incrível, perfeito. Mas, fosse lá pelo que fosse, havia certas coisas que ele gostava de fazer que não queria fazer com ela. Ela não era uma mulher qualquer, era a sua esposa, e merecia ser tratada como tal. Respeito, uma palavra antiquada, mas que ele queria usar em relação à sua esposa. Não queria pedir-lhe certas coisas, por isso buscava outras mulheres para as obter, quase como um serviço. Tornou-se um hábito - como fumar - e, tal como do tabaco, não conseguia prescindir dele.

Até então, fora sempre discreto. Cleo não poderia zangar-se com aquilo que ignorava. Sentia-se culpado, mas só por ter tido o azar de ser apanhado. A sua vida não estava completa sem Cleo. Precisava dela. Desejava-a exactamente como no dia em que a conhecera.

Onde estaria ela? Como era possível que lhe estivesse a fazer aquilo?

Não era justo. Será que não tinha sentimentos? Como é que podia deixá-lo assim pendurado? Se, ela o conhecesse minimamente, saberia que ele quereria conversar, explicar-se.

O que ela lhe estava a fazer era já castigo suficiente.

Irritado, pegou novamente no telefone e ligou para a operadora das ligações internacionais.

- Quero uma chamada para Londres, Inglaterra. Para Mrs. Cleo Tames...

 

O hotel em Francoforte era um modelo de eficiência alemã. Estava-se no fim da tarde e, talvez devido às bebidas e à "erva", Cleo sentia-se em boa forma.

Shep Stone tornou-se uma outra pessoa assim que pôde assentar os dois pés em terra firme. No aeroporto, com um telefonema rápido, conseguiu arranjar um automóvel para os dois. Ao chegarem ao hotel dissera: "Encontramo-nos às oito no bar." Como se já estivesse estabelecido que iriam jantar juntos.

Cleo tomou um duche para se descontrair e lavou o cabelo longo e escuro. Deixou-o secar naturalmente. Os caracóis húmidos contornavam-lhe a face. Para que ele ficasse liso, teria de o secar esticando-o com uma escova. Não estava para se dar a esse trabalho. Shep teria de a aceitar au natural.

Vestiu uma camisa cinzenta de seda, muito leve, e um fato de saia e casaco pinçado, que mandara fazer em Nova Iorque. Ao pescoço pendurou o cordão de jade que Mike lhe oferecera no último Natal e nos dedos pôs uma mistura de finos anéis de marfim e de jade.

- Está com um aspecto magnífico - disse-lhe Shep quando a encontrou no bar. Também ele estava de cinzento: tinha vestido um fato com um colete guarnecido com vivos. Mike chamava àquilo "congeladores de traseiros".

Jantaram no restaurante do hotel, que ficava no piso superior, e que servia boa comida, mas apresentava um espectáculo horroroso.

Shep estava encantador e atencioso. Cleo sabia que o atraía. Sabia que no fim da noite haveria o inevitável convite para uma bebida no quarto. Já decidira que aceitaria.

Por que não? Quando chegasse a ocasião de discutir as coisas com Mike, não queria estar a perder. Shep Stone era um homem atraente, por isso, que é que a impedia? Mike fizera-o com Susan. Ela fá-lo-ia com Shep. Era mais do que justo.

Bem entendido, ele encaminhou a conversa para o ritual esperado:

- Que diz a uma última bebida no meu quarto?

Ela teria preferido que ele dissesse mais honestamente:

- Que diz a uma pinocada no meu quarto?

Desceram no elevador e Shep encomendou champanhe ao serviço de quartos. Pelo menos tinha alguma classe, se bem que o champanhe lhe recordasse sempre aquela vez em que Mike abrira uma garrafa de champanhe na sua cama, que tinha um colchão de água, e deliberadamente a entornara por sobre o seu corpo nu, passando o resto da noite a lambê-la. Sorriu com a lembrança e Shep tomou o sorriso como um sinal para avançar. Tirou o colete e agarrando-a firmemente pelos braços começou a beijá-la. Beijos intermináveis, que lhe lembraram Russell a infeliz noite anterior, e ela afastou-o.

- Que se passa? - perguntou Shep, ofendido. - Tenho mau hálito?

Salva pela frase. Cleo sabia que nunca iria para a cama com um homem que perguntasse: "Tenho mau hálito? "

- Estou com dor de cabeça - disse. Se ele fora capaz de dizer "venha ao meu quarto tomar uma bebida", ela também podia invocar que estava com uma dor de cabeça.

Pensou que ele aceitaria a sua evasiva, mas de repente viu-o abrir a braguilha e saltar cá para fora o pénis, vermelho e erecto.

- Só uma chuchazinha - pediu.

Cleo estava furiosa. Cristo! Logo dois, um em cada dia! Caminhou decidida em direcção à porta e saiu, quase esbarrando no criado que vinha trazer o champanhe.

De volta ao seu quarto, ligou para a recepção:

- Por favor, desmarquem a minha passagem no avião da manhã para Londres e reservem-me lugar no primeiro vôo para Paris, com ligação para Londres.

Shep Stone que se arrepiasse e tremesse sozinho na viagem para a capital britânica.

 

X Os almoços de domingo com a família de Muffin eram uma chatice. Jon odiava-os, e até a eternamente cara-alegre da Muffin ficava de mau humor.

Almoçar em Wimbledon, na casinha pequena, limpa e sempre tão respeitável onde Muffin crescera!

Lá estava a mãe, uma mulher bastante nova, gorducha, com mãos gastas e caracóis desgrenhados. O pai, honesto e jovial. Ben e Josie, os gêmeos de dez anos. Penny, a irmã gêmea de Muffin, oito minutos mais nova que ela. E o marido de Penny, Geoff.

Era o relacionamento entre Penny, Geoff e Muffin que causava todas as tensões.

Quando tinha quinze anos, Muffin andara com Geoff durante uns tempos. Depois, nunca mais ouvira falar dele. Quando, meses mais tarde, Penny o trouxe a casa e anunciou que tencionavam casar-se, Muffin ficara furiosa. A sua própria irmã tinha-lho roubado, mesmo debaixo do seu nariz. Nunca lho perdoara. Era uma dama de honor rebelde quando Penny e Geoff se casaram. Pouco depois, conheceu Jon e saiu de casa.

Muffin tornou-se uma personalidade, e Penny mãe de um bebê gorducho e de outro que vinha a caminho. O relacionamento entre as duas irmãs não melhorou nada. Penny não aprovou que a sua irmã posasse nua, achava-o um nojo, e fazia questão de anunciar a quantos a ouvissem: "Geoff e eu podemos não ser ricos. Mas Geoff antes quereria ver-me morta que a tirar as roupas em público. "

Geoff calava-se em relação ao assunto. Agradava-lhe ter uma cunhada famosa.

Muffin vingava-se criticando o aspecto da irmã gêmea: "Estás demasiado gorda. Por que não cuidas do teu cabelo? Se tratasses dos teus dentes da frente, ficarias muito melhor. "

Penny retorquia malevolamente: "Bem, não há nada a fazer quanto às nossas pernas gordas e curtas, pois não? "

Relutantemente, Muffin tinha de concordar. Tinha umas mamas perfeitas, rosto engraçado, cintura fina, um rabinho delicioso, mas continuava a ter umas pernas atarracadas. Fosse como fosse, parecia que ninguém reparava.

O almoço era invariavelmente cordeiro assado, com um molho cheio de grumos, batatas - mais que assadas, queimadas - e ervilhas demasiado cozidas. Muffin ainda se lembrava de quando aquele era o seu prato favorito, antes de o seu paladar se ter refinado nos melhores restaurantes de Londres.

Um jornal encomendara um anúncio de moda em que Muffin figuraria com a família. Todos ficaram entusiasmados com a idéia, menos Penny que só concordara em participar mediante pagamento. Jon decidiu pagar-lhe do seu bolso. Iria parecer estranho uma foto de Muffin com a família em que faltasse a sua irmã gêmea.

Na sala da frente havia malas com roupas. Conjuntos de jeans iguais para Josie e Ben. Roupa desportiva para o pai. Um vestido de seda cintado para a mãe. Um vestido de pré-mamã para Penny. E para Muffin um calico comprido, pregueado e debruado, aberto em baixo, muito bonito. Ultimamente requestavam-na tanto vestida como nua.

Após o almoço toda a família tratou de mudar de roupa e Jon começou a preparar o seu equipamento. Teria preferido trabalhar no estúdio, mas o jornal fora taxativo ao exigir que a foto fosse tirada na casa da família.

Geoff ficou por ali a observá-lo, com o bebê de dois anos agarrado às pernas. Embora ele e Jon fossem quase da mesma idade, nunca tinham tido muito para dizer um ao outro. A não ser as irmãs, não tinham nada em comum. Geoff era limpador de janelas e estava aparentemente satisfeito com o seu trabalho. A sua única ambição era de vir a ter uma pequena empresa no ramo, embora não fizesse nada para lá chegar.

- Tens para aí montes de aparelhagem - observou Geoff. Era ligeiramente mais alto que Jon, mas não tão magro.

- Sim - concordou Jon, acenando com a cabeça e maldizendo para dentro o facto de não ter trazido um assistente.

- A mim, basta-me um balde e a roupa para me desenrascar.

- Óptimo - resmoneou Jon, enquanto mexia num reflector que estava a ligar a uma das lâmpadas.

- Nunca teria imaginado que era necessário toda esta tralha para tirar duas fotografias.

Jon não se deu ao trabalho de responder. Cristo! Se ele e Muffin alguma vez chegassem a casar-se, este murcão ia ser seu cunhado. Era uma perspectiva sombria. Como raio conseguira Muffin andar com aquele Geoff?

- No outro dia apanhei uma miúda no banho - disse Geoff jovialmente. - Acho que ela queria mesmo ser apanhada, porque sabia que eu estava dentro de casa. Ando sempre a apanhá-las de cuecas e soutien. Se quisesse orientar-me... A pequena do outro dia...

Jon desligou. Não estava interessado em conversas sobre miúdas ardendo em desejo. Muffin contara-lhe que nunca se tinha passado nada entre ela e Geoff. Se tivesse, ficaria com ciúmes? Não, decidiu. O que lá vai, lá vai, mesmo que "o que lá vai" ainda andasse por ali. Muffin entrou ruidosamente na sala.

- Estou pronta - chilreou.

Conscienciosamente, o resto da família fazia bicha atrás dela.

- Ena! -exclamou Geoff. - Que grupo impecável!

Penny fitou-o.

- Este vestido é horrível - queixou-se. - As calças estão demasiado compridas.

- Estão todos muito bonitos - disse Jon, começando a tentar arrumá-los para o retrato de família.

Não era fácil. Ninguém parava quieto, Penny continuava a queixar-se e o bebê, pendurado em Geoff, começou a gritar.

Em silêncio, Jon jurou nunca mais se deixar envolver neste tipo de cenas. Muffin sem a família já lhe bastava, muito obrigado.

Foi uma tarde longa e dura.

Mais tarde, em casa, quando se deitaram, Jon disse para Muffin:

- Como é que conseguiste andar com aquele matacão?

- Quem?

- O teu cunhado.

- Ah, o Geoff - disse Muffin sorrindo. - bom, ele é muito bem-parecido.

- Bem-parecido?

- Sim. bom, era. Acho que agora já não. Envelheceu muito cedo.

- Ele chegou a...

- Chegou a quê? - perguntou ela, abrindo muito os olhos de rapariguinha inocente.

- Não me gozes, rabinho gordo.

- Não me chames rabinho gordo.

- Porquê? É algum sítio demasiado sensível? Ora deixa-me apalpá-lo. - Jon agarrou-a firmemente. Ela tinha vestida uma camisa de noite, com calcinhas a condizer, e ele arrancou-lhas.

- Seu suíno! -pontapeou-o. - Estas custaram-me cinco libras nos Fenwicks.

Despiu-a facilmente.

- Eu dou-te as cinco libras. - Estendeu as pernas e penetrou-a.

- Achas que isto vale cinco libras?

- A tua sorte é teres uma grande picha, senão ficava furiosa contigo!

 

Junho em Londres é um mês imprevisível. Por vezes frio, por vezes quente e húmido.

Cleo chegou no meio de uma minivaga de calor. O aeroporto de Heathrow estava num caos devido a uma ameaça de bomba, e era impossível conseguir um táxi. Foi até ao centro de Londres num autocarro do aeroporto, suando no seu fato estilo Gatsby que dera boas provas durante a mudança de aviões em Paris.

Quantos trabalhos só para evitar um cantor idiota! Protegida detrás dos óculos escuros, observou pela janela do autocarro o comportamento dos ingleses sob a vaga de calor.

Cada pedaço de relva estava preenchido por corpos seminus. Homens de negócios com as mangas das camisas arregaçadas e calças amarrotadas. Secretárias de mini-saias fora de moda e camisolas que deixavam ver os soutiens. Pernas compridas, pernas curtas, pernas peludas - estavam todas à mostra.

Mike tinha umas pernas fabulosas para um homem. Longas e direitas, não demasiado grossas, com as barrigas das pernas lindamente curvadas, cobertas por uma camada superficial de pêlos negros. Para dizer toda a verdade, tinha também um belo par de tomates, duros e tesos.

Cleo não podia evitar um sorriso interior ao pensar em Mike andando de um lado para o outro, nu, no seu apartamento. Os homens pareciam tão vulneráveis quando a erecção lhes passava e tão agressivos quando a tinham.

- Gosto do teu estilo - era uma das frases favoritas que Mike lhe dirigia.

- E eu gosto dos teus tomates, isto é, em sentido figurado! era a resposta de Cleo.

O autocarro avançava aos solavancos na direcção do terminal de Brompton Road. A tarde estava a chegar ao fim, mais um dia que se passava. Cleo sentia-se como se tivesse passado os últimos dias no limbo, o que era verdade. Apetecia-lhe um banho e uma visita ao cabeleireiro. Queria desfazer as malas e telefonar aos velhos amigos. Queria aparecer de surpresa à mãe e ir às compras nos Biba, Harrods e Jark and Spencer. Quatro anos eram uma ausência muito grande.

Havia muitas mensagens para ela no Connaught. Mike telefonara pelo menos cinco vezes e havia um número de operador internacional para ligar assim que chegasse. Russell Hayes ligara duas vezes. Ginny Sandler uma.

Havia flores de Shep Stone, com um bilhetinho humilde de desculpas. Por que lhe dissera onde ia ficar?

Despiu o fato estilo Gatsby dirigiu-se ao duche. Sentia-se inexplicavelmente excitada. Seria do tempo quente ou apenas da lembrança das pernas e dos tomates do cara de pau do marido infiel?

Mike sempre dissera que o tempo quente a excitava. Tinham feito amor na passada semana e fora curto e aborrecido.

- Acho que devíamos ir até Porto Rico por uns dias - dissera Mike-, para apanhar sol e descansar.

- Quando eu regressar da minha viagem - respondera Cleo. Talvez em Porto Rico pudessem conversar sobre começarem a constituir família.

Tocou o telefone e Cleo decidiu não atender. Ainda estava molhada do banho e impreparada para se envolver em discussões. Quem quer que fosse, voltaria a ligar.

Vestiu umas calças lisas, camisa de seda e amarrou os longos cabelos escuros. De seguida desfez as malas, apercebendo-se de que, se o tempo quente continuasse, tinha trazido a roupa errada.

Após ter arrumado a roupa, tirado da mala os artigos de limpeza e maquilhagem e posto em cima da secretária os blocos de notas, os dossiers e o gravador, sentiu-se melhor.

- És tão organizada - escarnecia Mike dela. Ele tirava a roupa e deixava-a estendida no chão. A sua secretária era um monte de tralha. A casa de banho ficava inundada quando ele de lá saía.

Cleo fez uma careta ao imaginar como estaria agora o apartamento, após três dias de ausência sua. A única coisa gue Mike se dava ao trabalho de limpar era o Ferrari.

- Amo-te - dissera-lhe Mike um dia -, porque és a única mulher que conheço que limpa a minha escova de dentes.

- Um velho costume inglês - respondera-lhe Cleo suavemente. Também ela fora educada a não fazer nada por si. Uma família inglesa de classe média alta, com uma série de criadas para apanharem o que ela deixasse cair. Filha única, tal como Mike. Estragada com mimos, como ele. Então, aos dezoito anos casara-se às escondidas com um zé-ninguém que pensou ter apanhado uma herdeira. Fora nessa altura que aprendera. Não há criadas para apanhar as coisas quando se vive clandestinamente numa casa abandonada. Ninguém para nos estragar com mimos quando não se tem dinheiro suficiente para comer. Um ano bastara para ensinar a Cleo as realidades da vida. Aos dezanove divorciou-se e começou a escrever para revistas. Ao fim de um par de anos tinha construído uma reputação e obtinha imenso trabalho.

Conhecera Mike quando estava a fazer um artigo sobre um grupo pop americano que trabalhava com a empresa dele. Conheceram-se na recepção para a imprensa.

Nessa altura, Cleo andava com um disc jockey extremamente atraente, que queria casar-se com ela. Mike dava as suas voltas com várias mulheres bonitas. Conheceram-se e já não se separaram. Cleo foi com ele para a América, onde ele a apresentou a Russell Hayes, e ela tornou-se a repórter feminina da revista Image. Mais tarde, tornou-se Mrs. Mike James.

- Nós dois vamos ficar juntos para sempre - dissera Mike na sua noite de núpcias. - Só nós dois, para sempre.

O telefone voltou a tocar e Cleo levantou o auscultador, hesitante.

- Sim?

- Cleo? Até que enfim. Recebeste as minhas flores? Pensei que podíamos ir jantar.

- Quem fala?

- É o Shep, pequena. Shep Stone.

Cleo suspirou. Dá a mão e apanham-te o braço. Foge e eles vêm atrás.

- Desculpe - disse ela-, mas de certeza que é engano.

 

- Merda! - exclamou Mike James, voltando a pousar o telefone com violência. Onde raio estaria Cleo? Já estava atrasado para uma entrevista, por isso agarrou no casaco de cabedal e precipitou-se para fora do apartamento. Sem pequeno-almoço. Sem foder. Não era o tipo de vida ideal para um homem.

Desceu no elevador até ao parque de estacionamento, na cave. Normalmente, não levava o Ferrari nos dias de semana, mas estava atrasado e era impossível apanhar um táxi. Além disso, apetecia-lhe.

O Ferrari esperava, reluzente, no sítio de estacionamento habitual. Tinha nove anos, mas ainda parecia novo. Era um 500 Superfast, um grande modelo.

Mike deu-lhe uma pancadinha na capota e entrou. Ligou o motor e os sons mágicos encheram-lhe os ouvidos. Descontraiu-se. Pelo menos, ainda podia contar com o seu brinquedo.

Meteu uma cassette para ouvir um grupo novo e conduziu cuidadosamente por entre o tráfego ruidoso de Nova Iorque até ao escritório. Os seus pensamentos estavam com Cleo. Recordava a última vez que tinham feito amor. Fora uma coisa muito rápida. Breve e doce. Para ele fora bom - um orgasmo é um orgasmo. Mas como teria sido para Cleo? Se calhar, devia ter demorado mais tempo nos preliminares, ela não estava propriamente pronta. Mas estivera no fim, porque ele conseguia sempre levá-la a um belo clímax. E não era fingido: ele assegurava-se sempre disso, e havia maneiras de saber se uma mulher estava a fingir.

A sua vida sexual era boa. Não, por certo não era essa a razão de ela se ter ido embora. Perceber-se-ia se ela o tivesse apanhado com a Susan e não houvesse nada para ela. Mas havia. E bastante. Claro que Cleo tinha aquela fixação de querer ter filhos, mas já o tinham discutido e ela acabara por concordar que seria melhor esperar. Meu Deus, ele bem via o que as crianças faziam a outros casamentos. E, de qualquer modo, não estava preparado para partilhar Cleo com uma criança que se iria intrometer nas suas vidas.

A Hampton Records era um edifício vidrado e luzidio recheado de secretárias de blue jeans e homens jovens e barbudos. Todos se tratavam pelo primeiro nome, desde o paquete a Eric B. Hampton, presidente e fundador da Hampton Records.

Mike foi direito ao gabinete de B. B.

  1. B. estava a consultar o seu relógio de ouro.

- Lá andas tu a passear o traseiro - comentou.

- Vai-te foder! - retorquiu Mike, jovialmente.

- Oh, rapaz, isso era o que eu queria!

A secretária de B. B. trouxe café para Mike e um enorme batido de chocolate com rum para B. B.

- Sé boa rapariga e vai lá abaixo ao Charlie comprar-me um pratinho de queijo dinamarquês - pediu B. B.

A secretária hesitou.

- Mary Ellen disse-me que não o fizesse em caso algum. Disse que só te desse comida depois do meio-dia e meia hora.

Mary Ellen era a namorada de B. B.

Este pegou no relógio de ouro que estava em cima da secretária e rodou os ponteiros até marcarem 12. 30.

- Está bem assim, espertinha? E traz-me também cerejas. Lambeu os lábios e piscou os olhos para Mike. - Adoro cerejas maduras, e tu?

Mike sorriu e concordou.

- bom - disse B. B. -, o negócio é o seguinte: com toda a publicidade antecipada a trabalhar para nós e Cassady fora da corrida, acho que podemos avançar com a tournée européia do Little Marty Pearl. Acho que é a altura ideal.

- Sim - disse Mike-, acho que estará bem para o novo disco. com efeito, o timing é oprimo.

- Antes de avançar, queria ter a certeza de que tu alinhavas. Penso que a tua participação é importante.

Mike acenou:

- Creio que não posso adiá-lo. Quando?

- Assim que puder ser. Mais logo forneço-te as datas.

- Óptimo.

Little Marty Pearl era uma descoberta de Mike.

Um ano antes, B. B. dera instruções aos seus cinco executivos para apostarem no mercado das bandas para adolescentes. Mike, obedientemente, fizera a sua investigação e aparecera com Little Marty Pearl. Descobrira-o num anúncio televisivo, gostara da aparência, gravara a sua voz em estúdio e descobrira deliciado que Marty tinha a voz simples e queixosa que todos os adolescentes adorariam. É claro que a voz era secundária, o que interessava mais era a. aparência, e Marty aí tinha a nota máxima. Era a figura ideal do adolescente para as mães americanas. De altura mediana, com olhos castanhos muito meigos, sardento, cabelo despenteado com reflexos dourados e dentes perfeitos. Little Marty Pearl tinha, para o público, dezasseis anos, embora já fosse de facto nos dezanove, um segredo bem guardado.

Mike conduzira-o na conquista de três super êxitos discográficos e, na América, ele era uma grande estrela. Até ali, ainda não tinha tocado o mercado europeu, mas no Hampton Records todos depositavam grandes esperanças em que o seu novo disco, Teenage H-igh, abriria essas portas.

Mike sorriu para si mesmo. Convencer Cleo a regressar iria ser muito mais fácil a partir do momento em que ele a surpreendesse em Londres.

 

- Já o temos, Muff! -Jon sacudiu-a, para a acordar, acenando -lhe com o contrato. - Chegou esta manhã e só falta pôr-lhe a tua assinatura.

Muffin bocejou e esfregou os olhos. Jon já andava à procura de uma caneta.

- Tinha a certeza de que o íamos conseguir desde que Klauss, o alemão, começou a olhar para o teu traseiro nas fotografias. Até se babava! Dei-lhe um timing perfeito. As fotos, depois a tua entrada atrasada. Perfeito! Toma, assina aqui onde está a cruz.

- Quero fazer chichi - disse Muffin numa voz lamurienta, ignorando a caneta que Jon lhe estendia. Levantou-se da cama e foi para a casa de banho.

Jon sentou-se na beira da cama e leu novamente o contrato. Grande acordo que ele conseguira para ambos!

Na casa de banho, Muffin lavou a cara com água fria e olhou-se no espelho. O rosto que servia para lançar milhentos produtos. Deitou a língua de fora à sua imagem reflectida no espelho. Sem maquilhagem, parecia-se desgraçadamente com a irmã.

- Vá lá, Muff - chamou Jon -, quero ir pôr o contrato no correio.

Muffin saiu da casa de banho.

- Jon - disse meigamente -, como é que vai o divórcio?

- Quê? - perguntou ele.

- O DIVÓRCIO-soletrou Muffin.

- Já sabes que há problemas.

- Sim. com o dinheiro, não é?

- Sim, é. Porquê?

- bom, para quê discutir por causa do dinheiro? Se eu assinar este contrato, vamos ter bastante.

- Claro.

- Certo. Chega a acordo com a Jane. Dá-lhe o que ela quer. Jon suspirou impaciente.

- Sabes que é impossível. Ela quer cinqüenta libras por semana, a casa, e todas as despesas dos miúdos com educação, saúde, etc.

- Se eu assinar, podemos pagar-lhe.

-Sim, durante uns meses. Mas o acordo é para toda a vida. ninguém sabe quantovouganhar para o ano que vem? Muffin semicerrou os olhos.

Estou farta de esperar. Fico toda a vida à espera. Quero quebegues a acordo com ela, arranja-te. Quero casar-me. Tu prometeste que nos casaríamos. Não assino nada até teres feito o acordo com a Jane.

Ouve lá, Muff, não sejas teimosa. Não te faças pateta.

Muffin voltou para a cama.

Estou a falar a sério - disse. - E também não me voudeixar levar. Quero ver os papéis dos advogados antes de assinar seja o que for.

Jon franziu as sobrancelhas. Ela tinha-o na mão e sabia-o.

- Olha, Muff... - começou.

Ela respondeu enterrando a cabeça debaixo dos cobertores. Jon sabia quando estava batido.

 

Butch Kaufman era o primeiro actor da lista de Cleo. Butch Kaufman, a vedeta loura, de olhos azuis, bem ao estilo americano, dos filmes eróticos.

Alcançara a fama como estrela de uma interminável série televisiva.

- Foi como... hum... se estivesse na prisão durante seis anos era assim que ele se referia a esse período.

Tinha vinte e oito anos e entrara em seis grandes séries de televisão de grande êxito nos últimos quatro anos. Pelo caminho arranjara e desembaraçara-se de duas esposas.

- Nunca se deve... hum... casar com uma actriz - era o seu comentário.

Estava presentemente a filmar em Inglaterra e Cleo encontrava-se com ele nos estúdios, no seu primeiro dia em Londres.

Uma senhora do serviço de imprensa, de mãos nervosas, tratou de lhes marcar um almoço. Obviamente planeara estar presente, até que Cleo lhe disse, delicada mas firmemente, que só fazia entrevistas à sós com o entrevistado. A senhora do serviço de imprensa foi posta fora, mas a Image era uma publicação importante e ela não queria estragar as coisas. Passeou-se um pouco à roda de Butch, compondo a sua posição na cadeira e finalmente, com muita relutância, saiu, após lhe ter murmurado ao ouvido uma palavrinha.

- Que disse ela? - perguntou Cleo.

- Disse... hum... que você come estrelas de cinema ao pequeno-almoço.

Cleo sorriu.

- Nesse caso, está com muita sorte por não nos termos encontrado ao pequeno-almoço.

Butch riu-se e o gelo ficou quebrado.

Cleo ligou o gravador e deu início às perguntas.

Hora e meia mais tarde separaram-se como amigos.

- Por quanto tempo vai... hum... ficar por cá? -inquiriu Butch.

- Só por uma semana.

- Talvez possamos arranjar um bocadinho para irmos jantar uma destas noites.

- Talvez - concordou Cleo. Ele afinal não era um garanhão, era mais um ursinho.

 

Sentou-se no banco de trás do carro dos estúdios, que a conduziu de regresso ao Connaught e ouviu a entrevista. Havia ali bom material, o homem era interessante e tinha piada.

No hotel, a secretária que tinha contratado temporariamente esperava-a.

- Transcreva isto - Cleo estendeu-lhe a cassei te. Quando ela tivesse batido tudo à máquina, escolheria as melhores respostas e escreveria a história.

- O seu marido telefonou da América - disse a secretária. - Quer que ligue para o operador internacional?

-vouter de sair - retorquiu Cleo. - Se ele voltar a ligar, diga-lhe para tentar novamente amanhã.

Apanhou um táxi que a levou à Eaton Square. Eram quatro da tarde e a mãe esperava-a para o chá.

Stella Lawrence era uma mulher irrepreensível de quarenta e oito anos. Estava impecável, desde os cabelos louro-cinza, curtos e elegantes, às pernas sedosas, esguias, perfeitas.

Saudou Cleo com um beijo fugidio e impessoal na face.

- Estou encantada por te ver, querida.

Stella voltara a casar-se, e bastante bem, quando o pai de Cleo morrera de um ataque de coração, sete anos antes. Arranjara um rico armador grego. Dava-lhe muito jeito que a filha de vinte e nove anos tivesse ido viver para a América.

- Estás magnífica - disse Cleo, para cumprir a obrigação. Stella sorriu distante.

- Achas? Estou mesmo, querida? Estou tão velha que até me espanta ainda estar inteira.

Cleo apercebeu-se então de que Stella fizera uma plástica no rosto. Não havia cicatrizes visíveis, mas Cleo sabia-o, tinha a certeza.

- Como está o Nikai? - perguntou.

- Muito ocupado, como sempre. Queria estar contigo, mas teve que deslocar-se a Atenas.

- Oh, que pena.

Cleo sentiu-se de súbito incrivelmente mal-arranjada e deselegante. Por alguma razão, a sua mãe sempre a fizera sentir-se assim.

- Como vai o Mike? - inquiriu Stella. - Vem cá ter contigo? Seria bom, reflectiu Cleo, ter uma mãe que pudesse ser sua

confidente, mas Stella não compreenderia, nunca o fizera. Stella gostava dos homens pelo dinheiro que tinham e pela admiração que manifestassem por ela. Não lhe interessavam na qualidade de seres humanos.

- Não me parece. Muito trabalho, já se sabe.

O chá foi trazido num carrinho por uma criada de uniforme.

 

Cleo deu por si a comer todas as sanduíches finas e três bolos de creme, enquanto Stella se ficava por uma chávena de chá de limão.

- Vais engordar, querida - comentou Stella, desinteressadamente.

Cleo interrogava-se sobre se deveria sair imediatamente a seguir ao chá. Stella fazia-a sentir um enorme complexo de inferioridade.

Mais tarde, de regresso ao hotel, Cleo escreveu o seu artigo sobre Butch Kaufman. Agradou-lhe. Esperava que tivesse mordacidade e humor. Queria ouvir comentários a ele, por isso decidiu levá-lo consigo essa noite. Ia jantar com uma velha amiga, Dominique Last. Há quatro anos que não contactavam e Cleo desejava conhecer o marido da amiga, Dayan. Dominique descrevera-o como sendo "alto, belo e inteligente". Era um homem de negócios israelita, viviam numa casa em Hampstead e tinham um bebê de dezoito meses.

Dominique parecia estar tão bem como sempre. Era uma mulher pequena e compacta, com imensos caracóis ruivos e lábios cheios e sedutores. Encontraram-se no bar do Connaught e abraçaram-se calorosamente.

- Mostra-me uma fotografia do bebê - pediu Cleo. Dominique deu um toque com o cotovelo no marido.

- És tu que tens as fotos. Ele abanou a cabeça.

- Oh, Deus, és tão estúpido! -exclamou ela, e Cleo notou que olhar colérico perpassou entre ambos.

Dayan era realmente alto e bonito, como Dominique o descrevera. Mas e quanto à inteligência? Casado há só três anos e já passara de inteligente a estúpido.

- Pensei que podíamos ir jantar ao Mr. Chow's - anunciou Dominique diante de um Campari com soda. - Cleo, estás tão bem! Adoro o teu cabelo assim arranjado.

O cabelo de Cleo era uma confusão moderada de caracóis, uma vez que ainda não tinha tido tempo de ir ao cabeleireiro.

- Está uma confusão. A que cabeleireiro vais agora? Sinto-me mesmo uma turista.

- À Christine, em Main Line. É fabulosa, vais adorar. Agora conta-me, que estou ansiosa por saber: que tal foi o Butch Kaufman? É mesmo divinal?

Cleo hesitou. Dominique parecia tão diferente, como se estivesse a representar no palco. Decidiu não lhe mostrar a entrevista, que estava bem guardada na sua malinha Gucci.

- Foi simpático, mas um tanto vulgar.

- Vulgar! -Dominique riu-se às gargalhadas. - És mesmo o máximo!

Também tu", pensou Cleo, "o casamento parece ter te transformado numa cabra petulante. - É melhor irmos andando, - disse Dayan senão não arranjamos mesa.

-Vai buscar o carro, querido. Encontramo-nos lá fora.

Mal Dayan ficou fora de vista, Dominique confidenciou:

- Ele é mesmo chato. Não sei o que lhe aconteceu. Até me dá

Vontade de gritar. Estou a pensar seriamente no divórcio.

Cleo mostrou-se surpreendida.

-Mas parecias tão feliz...

-Feliz! -cortou Dominique. - com ele? Só está interessado no bebê e na TV. Por essa ordem. Não se interessa por mim, nem

pelo que eu penso ou sinto.

-Mas vocês estão casados há tão pouco tempo.

- Sim, eu sei. Mas nem todos conseguimos encontrar instantaneamente o sexo e a felicidade, como tu e o Mike. Estou a falar a sério, Cleo. Estou farta, absolutamente farta.

Dayan reapareceu.

O carro está lá fora.

No Mr. Chow's juntou-se-lhes o melhor amigo de Dayan, um homem seco e magro, Isaac de seu nome. Dominique e Isaac passaram o resto da noite numa conversa muito chegada. Cleo tentou gentilmente conversar com Dayan, mas os olhares de intimidade trocados por Dominique e Isaac criavam uma situação embaraçosa.

Foi com alívio que regressou ao hotel. Deitou-se na cama e pensou no seu casamento com Mike. Nunca tinham atingido aquela terra de ninguém conjugal onde cada um chamava estúpido ao outro em público. Na realidade, Cleo não pensava sequer que Mike fosse estúpido. Sem dúvida que quem rebaixa o parceiro tratando-o como se fosse um idiota, está a chamar idiota a si mesmo por ter casado com ele. Suspirou. Talvez fosse altura de conversar com Mike. Talvez fosse tempo de compor as coisas.

 

A viagem estava toda preparada. No dia seguinte, partiria do Aeroporto Kennedy. Mike James estava satisfeito. Tudo iria correr na perfeição. Poderia tratar dos seus negócios, arrumar essa questão. E depois, ele e Cleo poderiam passar ainda um tempo juntos em Londres. Seria romântico reconciliarem-se na cidade onde se tinham encontrado pela primeira vez. Tomou um duche e, ainda nu, começou a tirar as roupas que lhe parecia que devia levar.

Tocaram à porta. Pôs uma toalha azul em volta da cintura e foi atender. Talvez fosse Russell, que iria passar para mostrar a sua comiseração. bom, em breve não teria motivo nenhum para ela.

Era Susan, a boa amiga de Cleo. Susan, a das grandes mamas, cabelo louro espesso e carreira de actriz falhada.

- Mike - disse ela dramaticamente, passando por ele. - Estou tão preocupada, tão perturbada!

Seguiu-a até à sala, onde ela pegou no maço de tabaco que estava em cima da mesa e tirou o último cigarro que restava. Colocou-o entre os lábios e virou-se para lhe pedir lume.

Era espantoso como ela conseguia andar pelas ruas sem ser presa, com aquelas mamas enormes, sem soutien, só com uma camisa branca, transparente, a cobri-las.

- Não quero ser responsável por dar cabo do teu casamento-', lamuriou-se Susan, com os olhos muito maquilhados cheios de lágrimas.

- Cleo é minha amiga, a minha melhor amiga.

- Sim, bom... -disse Mike, de modo pouco convincente.

- Não sou uma destruidora de casamentos - disse Susan com afectação. - Nem sou promíscua.

"Claro que não, só que gostas imenso de fornicar", pensou Mike. E por que não? Não havia nada de errado nisso. A única regra era'' não ser apanhado.

- Não destruíste nenhum casamento - disse Mike amavelmente.

- Não? Mas pensei que Cleo se tinha ido embora.

- Só foi numa viagem de negócios. Está tudo bem, Susan. A Cleo é fixe, ela compreende.

- Oh! - Susan sentou-se, como que aliviada. - Quer dizer, tinham-me dito que...

- Nunca acredites em tudo quanto ouves.

- Ginny disse-me que estava tudo acabado. Não queria ser a causadora de uma coisa assim tão... tão drástica.

- Acho que escolhemos mal a hora e o lugar.

- Acho que sim. - Susan passou as mãos pelo cabelo louro. - Mas foi bom, não foi?

- Muito. - Pelo menos até Cleo aparecer à porta do escritório. Deus, que choque. Fora espantoso como pudera continuar a fazê-lo.

Susan trazia uma mini-saia, escandalosa e seria que... Mike arregalou os olhos... era mesmo... meias e um cinto de ligas. Sentiu a sua excitação a crescer sob a toalha. E ela, claro, deu imediatamente por isso, como boa ninfomaníaca que era. Bem, não havia maneira de esconder uma erecção sob uma toalha. Lembrou o seu corpo lascivo, maduro e suculento.

Susan lambeu os lábios vermelhos e túrgidos.

- Quem me dera que não fosses casado - disse, com voz rouca. Mike desfez o nó que dera na toalha.

- Sé boa rapariga e tira tudo menos as meias e os sapatos. Susan esboçou um sorriso cúmplice e levantou-se. com modos de stripper, tirou a camisa e a mini-saia.

Ele adivinhara que ela não trazia cuecas.

No fim de contas, já estava em litígio com Cleo por causa de Susan. Mais uma vez não faria diferença. E, em todo o caso, ele necessitava-o, era apenas uma pinocada higiênica.

No fim, Susan pediu um cigarro. Mike vestiu-se à pressa e saiu para comprar um maço na tabacaria da esquina.

Sentia-se fisicamente refrescado, mas esperava não ter de demorar muito para se ver livre da boa amiga Susan. Ela era como os bolos de creme, que se desejam quando os vemos, mas de que depressa nos fartamos depois de os termos comido.

Mas que diabo se passava com ele? Por que teria aquelas necessidades insaciáveis?

Quando voltou - surpresa das surpresas - Susan estava vestida e pronta para sair.

- És mesmo um filho da mãe - disse ela enfaticamente. - A Cleo telefonou de Londres. Parece que não está nada a fim de compreender. Não te deixou nenhum recado, e o que me disse a mim, não me atrevo a repeti-lo. - Pegou no maço de tabaco e saiu airosamente.

Mike rogou uma praga a si próprio. Tinha metido outra vez o pé na argola. Mas é claro que não se podia esperar de uma mulher que não usava cuecas que fosse suficientemente inteligente para não atender o telefone de outras pessoas.

 

Muffin posava, encantadora, para as hordas de fotógrafos.

De pernas cruzadas, lábios húmidos e brilhantes, as maminhas que a gola da blusa vermelha de algodão cobria incompletamente.

Juntara-se uma multidão naquele parque inglês, normalmente sossegado, para a ver a ser fotografada.

- Quem é ela? - perguntou uma ama a um jovem fotógrafo.

- Muffin - foi a resposta, como se explicasse tudo.

- Tem as pernas gordas - resmungou a ama. - As minhas são melhores. - Foi-se embora, empurrando o carrinho de bebê, desconsoladamente.

- Não é um encanto? - observou uma mulher-a-dias, parando para ver.

- Topa-me a pinta dessa gaja - disse um estudante de catorze anos para o amigo.

- lá! - concordou o amigo. - É boa como o milho.

- Que diz a umas fotos com o felizardo? - pediu um dos fotógrafos, e lá foi Jon, relutantemente, fazer companhia a Muffin. Sentia-se idiota. O seu lugar era atrás das câmaras, mas desde que fosse para satisfazer Muffin...

- Vamos anunciar o nosso noivado - fora o acordo a que finalmente ela acedera para assinar o contrato.

Custara-lhe seiscentas libras, por um miserável anel de noivado. E sabe Deus quanto lhe custaria ainda, quando Jane visse as fotos que tinham tirado. Uma das coisas que nunca conseguira mudar em Muffin eram os seus estúpidos preconceitos pequeno-burgueses. O casamento nunca lhe saíra da cabeça, desde que começaram a viver juntos. Não haveria de tardar que começasse a querer ter filhos.

- Sorria - pediu um dos fotógrafos. - Está mesmo com um ar macambúzio.

Jon tentou sorrir. Muffin encostou-se a ele e deu-lhe um apertão às escondidas. Sentia-se terrivelmente aborrecido. Quem é que estava interessado em fazer um divórcio à pressa para ser empurrado para um novo casamento?

Uma repórter de cabelo ruivo e óculos perguntou:

- Como se sente na pele de noivo da mulher que todos os homens desejam?

- Óptimo. - Jon lá conseguiu sorrir. - Espere até ver o novo calendário que estamos a fazer. Estamos a pensar numa competição para descobrir quais as doze fantasias que o homem da rua gostaria de ver Muff encarnar.

- Bela idéia - disse a repórter. - Talvez o nosso jornal esteja interessado em organizá-la.

Jon animou-se:

- Estou certo de que podemos chegar a um acordo.

Muffin festejou com um almoço no Carousel para as amigas. Ela não tinha o que se pudesse chamar amigas íntimas, mas havia um grupo de modelos que lhe eram mais chegadas.

Kamika, à sua direita, disse:

- Espero que tudo te corra bem. Muffin sorriu abertamente.

- Quero ter filhos, um monte deles!

- Já disseste isso ao Jon, querida? - inquiriu Erica. - Não me parece que ele esteja muito disposto a formar já outra família.

Muffin deu uma risadinha: - vou surpreendê-lo!

Laurie, a beleza negra, desmanchou-se a rir. - Mas que surpresa! Quem é que precisa dessa porcaria: fraldas Ppara lavar, fedelhos sujos a incomodar-nos a cada instante. - As crianças podem significar mais que fraldas para mudar e roupa para lavar - cortou Kamika com afectação.

- Conversa de merda - exclamou Laurie.

- Então, meninas - interveio Erica apaziguadora. - Tenho a certeza de que a Muffin sabe bem o que quer.

- Esta noite, estive com um tipo novo que era incrível - anunciou Laurie, ansiosa por espalhar as suas notícias na primeira oportunidade.

- Não sabia que havia alguma coisa chamada um tipo novo disse Erica.

- Talvez não para ti, minha cara - retorquiu de imediato Laurie.

- Todas sabemos que não te escapa um.

Muffin sorriu sonhadora. Dentro em breve estaria fora de todas estas competições caninas.

- Que tal é a ferramenta dele? - perguntou a encorajar. Laurie riu-se, satisfeita:

- Fantástica! bom material, grande e rija.

- Os Japoneses dizem que o importante é a qualidade, não o tamanho - observou Kamika.

- Ah, sim, já todas ouvimos essa velha história das boas esposas - interpelou-a Erica. - Se fosse assim, tu ainda continuavas casada.

- Não me divorcio por questões de tamanho - explicou Kamika, pacientemente. - Divorcio-me por questões de peidos.

Todas desataram a rir.

- Acho que tenho um tipo ideal para ti, Kam - disse Lauric com vivacidade. - Tem uma picha do tamanho de um cigarro e muito boas maneiras!

Mais tarde, Jon juntou-se a elas e ficaram todos no restaurante até às quatro e meia, altura em que Muffin insistiu em que fossem a sua casa tomar chá.

- Nem sabes pôr uma chaleira ao lume - disse Jon no carro. Para que é que estás a armar-te em dona de casa?

-vouaprender a cozinhar - disse Muffin excitada. Hei-de entusiasmar-te com os meus pitéus. Pára no Lyons e espera um segundo enquanto euvoucomprar chá e bolinhos.

Jon ficou sentado no mini e esperou. Jane fora uma óptima cozinheira. Preparava-lhe grandes pequenos-almoços, com ovos, bacon, pão frito, tudo. Chás caseiros. Mas toda a boa cozinha do mundo era incapaz de manter um casamento. Jane deixara de ser uma linda estudante de idéias desempoeiradas para se tornar numa chata sem atractivos. Quatro anos e duas crianças tinham bastado para a mudar. Decidira então que o casamento não era com ele. Contudo, estava de mãos amarradas, e teria de voltar a casar. Amava Muffin tal qual ela era, só esperava que um anel no dedo não lhe mudasse a personalidade.

- Trouxe bolos de leite e passas barradas com creme - disse Muffin, reentrando no carro. Os passantes paravam para mirá-la. Era uma cara familiar, mas não sabiam localizar.

- Por que não compramos champanhe, em vez de chá?

- Calma aí. Gastei todo o nosso dinheiro no anel.

- Mas temos dinheiro no banco, não temos? Passamos um cheque. Pára no Harrods.

- Apetece-me chá. Muffin resmungou:

- És um sovina.

- Sim. Por isso é que ainda temos dinheiro no banco.

Erica, pelo caminho, apanhou um namorado e Laurie perguntou se não podia telefonar ao tal tipo novo que era fantástico e convidá-lo também.

- Isto está a transformar-se numa festa - disse Muffin, excitada. -voufazer mais uns telefonemas.

Jon olhou para ela carrancudo.

Às seis da tarde, a casa estava cheia de gente. Jon saiu para comprar meia dúzia de garrafas de vinho barato, e um disco recente de Barry White ressoava na aparelhagem.

Jane telefonou no meio da festa. Jon mal a conseguia ouvir.

- Mudei de idéias quanto ao acordo do divórcio - gritava ela ao telefone. - Acabo de ver uma fotografia do anel dessa tua vadia LIO jornal da tarde. Cristo, deves andar a nadar em dinheiro, e eu aqui que nem uma pedinte. Pois continua, goza lá a tua festa, não te preocupes com os teus filhos, que eu nem sequer lhes posso comprar agasalhos para o Inverno. Meu filho da mãe, não prestas pá...

Jon pousou o auscultador.

Problemas. Sempre problemas

 

Cleo e Dominique almoçaram no Rags, um restaurante no Mayfair. Dominique começou por tomar um martini com vodka.

- Não está mal, para quem não bebia - observou Cleo.

- Faço muita coisa que não costumava fazer - disse Dominique, agitando as mãos com nervosismo.

- Já tinha reparado - disse Cleo secamente.

- Para ti está tudo muito bem. - Dominique mostrou-se subitamente irritada. - Tens um emprego interessante, uma vida brilhante em Nova Iorque. Sais, conheces gente famosa. Que dirias se estivesses enterrada numa casa em Hampstead, com um bebê, uma ama e um marido que não te liga?

- E não te esqueças de incluir o amante. Dominique corou.

- Sempre me conheceste melhor que qualquer outra pessoa. Mas não me culpes. O Isaac preocupa-se comigo, enquanto o Dayan nem reparava se eu pintasse o cabelo de azul e posasse nua para o Sunday Times! Desisti de um emprego esplêndido para casar com ele e agora sinto que desperdicei quase três anos.

- Não foi um desperdício tão grande: tens um bebê lindíssimo como resultado.

-voudivorciar-me - confidenciou Dominique num repente.

- Nesse caso, de que estás à espera?

- Não é fácil. O Isaac não tem dinheiro e não sei se posso recuperar o meu antigo emprego. Do que eu preciso mesmo é de um ricaço para me safar.

- Lindo! Agora parece que só pensas em dinheiro. Dominique ajustou um caracol do seu cabelo e sorriu para uma pessoa conhecida que estava ali perto.

- Parece que sim. Ouve, Cleo, o Dayan já nem sequer aprecia o sexo. Dá-lhe a escolher entre ver futebol na televisão ou estar comigo e adivinha qual é a escolha dele. Quando nos casámos, ele era quase um tarado sexual. Agora, dou graças a Deus pelas minhas tardes com o Isaac, senão já tinha dado em doida.

- Cleo! - Shep Stone pousou uma mão triunfante no seu ombro.

- Que coincidência! -Ficou junto à mesa, com um sorriso de agrado no rosto. - Gostaste das flores?

- Eram lindas - respondeu Cleo. Dominique dava-lhe pontapés por debaixo da mesa, por isso acrescentou: -Oh, Shep, quero apresentar-te uma amiga minha. Dominique Last, Shep Stone.

Dominique pestanejou.

- Tenho-o visto na televisão. Adorei o seu último disco.

Shep olhou-a com um interesse súbito, e o seu sorriso alargou-se.

- Não sou o Sinatra, mas cá mevouarranjando. - Olhou para Cleo, procurando detectar a sua reacção ao facto de ele ser mesmo uma estrela. Ela parecia extremamente interessada na ementa.

- Por quanto tempo vai estar cá? - inquiriu Dominique, e, sem sequer uma pausa para respirar, acrescentou: -Por que não se junta a nós? - Fez estalar os dedos cuidadosamente tratados. - Por favor, mais uma cadeira para aqui.

O empregado apressou-se a trazer a cadeira, mas Shep continuou de pé.

- Estou com uns parceiros num negócio. - Olhava para Cleo, esperando que ela o convidasse a sentar-se, mas ela continuava com o nariz enfiado na ementa.

- Talvez só por um minuto, então. - Shep sentou-se. Cleo levantou-se.

- Vou à casa de banho - anunciou.

No santuário que era a casa de banho das senhoras, olhou-se ao espelho, irritada. Meu Deus, como se não bastassem já os seus problemas. Problemas que seriam aliviados se ao menos houvesse alguém que estivesse disposto a ouvi-los. Mas, ainda por cima, logo tinha de esbarrar no homem que decidira que não podia suportar. Ainda conservava na mente a imagem da sua cara avermelhada e implorante, ao abrir a braguilha e pedir "só uma chuchazinha". Dominique convidara-o a juntar-se-lhes, ela que o agüentasse. Decidida, Cleo dirigiu-se à recepção e deixou um bilhete para Dominique, dizendo que recebera uma chamada requerendo a sua presença por um assunto de trabalho. Ela ia provavelmente ficar furiosa, mas deixá-lo. "Estou farta de ser simpática com toda a gente", pensou Cleo, "quanto mais simpáticos somos, mais se aproveitam de nós." Deixou dinheiro suficiente para pagar a conta e apanhou um táxi Ipara ir às compras.

Ao fim de ter comprado dois pares de sapatos Yves Saint-Laurent, Itrês T-shirts Biba, um par de óculos escuros de tom esverdeado Oliver mColdsmitb e um vestido Chloe, Cleo sentiu-se muito melhor. Não havia nada melhor para acalmar a tensão que gastar algum dinheiro que nos custou a ganhar.

Toda a sua vida Cleo desejara ser um pouco mais dura para com as pessoas. Andavam sempre a pisar-lhe os calos. As pessoas não   respeitam a fraqueza, cheiram-na como se fosse café aromático e depois passam-lhe por cima.

"Nunca és capaz de dizer que não a uma festa? Quantas vezes Mike a repreendera. "Nunca passamos tempo nenhum em casa, é uma festa atrás de outra. "

"Tentei escusar-me", murmurava Cleo, "mas eles insistiram. "

Quando era suficientemente apertada, podia ser dura. Com Mike planeara ser dura. Cristo! A lata dele! Mal ela deixara o país, pusera a mamalhuda da Susan dentro de casa. Pois que ficasse com ela. Que brincassem na cama até a língua lhe cair. Era a prova para Cleo de que a sua atitude fora a adequada.

Estava a pensar em divórcio. Num divórcio rápido e simples.

 

- O Geoff vem cá esta manhã para lavar as janelas - anunciou Buffin.

- Vem o quê? - inquiriu Jon.

- Vem cá lavar as janelas - replicou Muffin, pacientemente, [esticando os dedos dos pés e pintando as unhas com listas verdes e brancas.

- Porquê?

- Porque ele disse que queria. Disse que ia estar nesta zona e passava por cá para as limpar.

- Jesus! Não sei por que hás-de querer cá esse atrasado mentil.

- Ele até é bastante simpático.

- Oh, "ele até é bastante simpático" - ecoou Jon, em tom trocista. - E será que também era bastante simpático quando tu andavas com ele?

- Só saí com ele uma ou duas vezes.

- Ah, sim, é verdade. A tua irmã caçou-to mesmo debaixo do teu nariz. - Jon acabou de se vestir. Estava furioso.

Muffin sentou-se de pernas cruzadas na cama, concentrada no trabalho artístico que estava a fazer nas suas unhas.

- É melhor vestires-te - disse Jon irritado. - Não vais receber o teu limpa-janelas em trajes menores, ou é essa a tua idéia?

Muffin deu uma risada.

- Não sejas palerma. Se soubesse que ias ficar com ciúmes, ter-lhe-ia dito para não vir.

- Não estou com ciúmes.

- Não vês que as janelas não são limpas há um século? Acho que ele foi simpático em oferecer-se.

- Simpático - comentou Jon sarcasticamente. Tinha mais em que pensar. Jane. O seu acordo. Ela estava a encostá-lo à parede, e por causa da estúpida insistência de Muffin no casamento não podia fazer nada, a não ser chegar a acordo.

- Nesse caso, vou-me embora. Obrigado pelo pequeno-almoço. Muffin pulou para fora da cama.

- Por que não me disseste?

- Sabias que tinha de estar no advogado às dez da manhã.

- Vou preparar-te qualquer coisa.

- Não há tempo. - Amenizou a expressão e beijou-a no nariz.

- Veste-te - advertiu -, e calça umas meias.

Quando Jon saiu, Muffin acabou de pintar as unhas dos pés, pegou na malinha dos cosméticos e começou a arranjar a cara. Estava a acabar de pintar umas sardas quando a campainha da porta tocou.

Rapidamente, inspeccionou-se ao espelho da casa de banho. Passou uma escova pelos caracóis louros e perfumou-se com Estée. Depois, ainda só com a camisa de noite vestida (que era bastante curta), foi abrir a porta.

Geoff ficou a olhar, ligeiramente embaraçado. Estava vestido com uma jardineira azul, camisa aos quadrados, e trazia uma escada e um grande balde.

- bom dia - cumprimentou. - Cá está o teu vizinho limpa-janelas.

- bom dia - correspondeu Muffin, com um sorriso irônico. É melhor entrares.

Tudo corria como ela planeara. Tinha telefonado a Geoff queixando-se de que as suas janelas estavam horríveis e não conseguiam arranjar ninguém para as limpar, e pedindo se ele, por favor, não se importava de lá ir. Sem dizer nada a Penny, claro, que iria achar mal.

Geoff concordara. Muffin dissera-lhe que terça-feira de manhã estaria óptimo. Sabia que Jon se ia encontrar nessa manhã com o advogado. Arranjara tudo com muito cuidado.

Ainda se sentia magoada pela maneira como Geoff a usara. Ela tinha então quinze anos, uma idade em que se é muito impressionável. Ele conhecera-a numa bicha para o cinema, comprara-lhe o bilhete e um pacote de batatas fritas, conversara com ela. Sentara-se ao seu lado acariciara-lhe o peito, explorara-lhe a orelha com a língua, aventurara-se por sob a sua saia. A excitação de fazer marmelada num cinema quando se tem quinze anos é dificilmente superável, sobretudo se feita com um homem mais velho e bem-parecido. Geoff tinha nessa altura vinte e dois anos. Levara-a a casa e tinham combinado outro encontro.

Novamente no cinema, novamente os apalpões que a excitavam terrivelmente. Ele desapertara-lhe o soutien, praticamente tirara-lhe as cuecas. Depois, tinham ido comer um hamburger e ele dissera:

- Amanhã à noite, no John Wayne.

com o coração aos saltos, foi encontrar-se com ele na noite seguinte. Os mesmos gestos, nas filas de trás. Mas, quando finalmente ele conseguira introduzir um dedo dentro dela, sussurrara:

- Só tenho quinze anos, e sou virgem.

Ele retirara a mão apressadamente e, poucos minutos depois, dissera que ia comprar chocolates.

 

Fora a última vez que o vira, até que Penny o levara lá a casa na qualidade de futuro noivo.

A agonia que sentira nessa altura fora mantida em segredo. Não a partilhara com ninguém. Depois, aparecera Jon, e quando fizera amor com ela nem reparara na sua virgindade. Ela tinha-lhe contado que andara com muitos namorados. Ele gostara dela. Salvara-a.

Moral da história: as raparigas que fornicam são mais populares.

Muffin tratara de resolver esse problema.

Tornou-se extrovertida. E famosa. Apaixonou-se por Jon. Agora, estavam para se casar, mas antes disso, havia só um assunto a resolver. Uma questão de orgulho.

- Uma chávena de chá? - perguntou Muffin.

- Não digo que não.

Foi para a cozinha, consciente de que a sua camisa de noite era quase transparente.

Geoff sentou-se numa cadeira, embaraçado, e comentou:

- Lindo cãozinho! Anda cá, cãozinho, chega aqui!

- Como vai a Penny? - perguntou Muffin delicadamente. Veio-lhe à memória a irmã, no dia do seu casamento, dizendo:

- O Geoff diz que vocês nunca se beijaram. É verdade? E lembrava-se da resposta que lhe dera:

- Sim, é verdade. No entanto, chegou a meter os dedos na minha gaveta.

Penny disparara em direcção ao altar, muito vermelha e furiosa.

- Vai bem - disse Geoff, animado. - Gordinha e bem de saúde.

- Ela devia preocupar-se mais com a aparência. Depois do parto, devia fazer uma dieta rigorosa.

- Espero que a faça. Muffin bocejou.

- Oh! Deitei-me tão tarde. Muito vinho e muito amor. - Sorriu meigamente. - Estás a perceber?

- Sim. - Geoff sorriu. - Acho que sim.

- Recebo cartas de estranhos a dizerem que querem fazer amor comigo. Só dizem piropos sobre a minha cara e o meu corpo. - Sentou-se. - Olha, lembras-te do John Wayne?

- Ele escreveu-te?

- Não, estúpido. Do John Wayne. Das filas de trás. Por favor, senhor, tenho só quinze anos.

- Desculpa, não estou a entender.

- Nós.

- Nós?

- Quando eu era uma rapariguinha pateta. Geoff finalmente percebeu.

- Referes-te a quando eu saí contigo. Caramba, quando vejo o teu retrato nos jornais nem me parece verdade.

- Mais foi verdade. Tu sentiste-te atraído por mim. Geoff sorveu um grande gole de chá.

- Sentias-te atraído por mim? - insistiu Muffin.

- Claro que sim.

- Então, por que é que me deixaste? - choramingou ela, com os olhos azuis brilhando súbita e inesperadamente com lágrimas.

Geoff ficou a olhar para o fundo da chávena.

- Tu tinhas só quinze anos. Sabes o que pode acontecer a um indivíduo por se meter com uma miúda de quinze anos?

- Mas a Penny tinha a mesma idade - disse Muffin, acusadoramente.

- Sim, mas isso foi diferente. Eu nunca lhe toquei, nem só com um dedo, até nos termos casado.

- Que lindo! E eu que era, o aquecimento? - Despiu a camisa de noite com um puxão de raiva e disse abruptamente: - Sabes que não vales nem metade do que valias nessa altura? Parecias o Steve McQueen, mas agora pareces-te mais com o Michael Caine em má forma.

Geoff levantou-se. Era muito alto.

- A partir do momento em que te tornaste famosa, nunca pensei que tivesse hipóteses contigo - disse. Contornou a mesa na sua direcção. - O Jon é um tipo porreiro, não queria tomar nenhuma atitude errada contigo. - Agarrou-a. - Dá-me um beijo, querida, para me dar coragem.

Quando as mãos dele começaram a explorá-la, sentou-se quieta. Era aquilo mesmo. Fora por este momento que ela esperara. Era este o homem que lhe dera o primeiro orgasmo, enquanto a acariciava por sob a camisola no cinema local.

E ali estava ele outra vez. A apalpar, a apalpar. A sua técnica não evoluíra muito. Muffin estremeceu, mais de irritação que de excitação.

- Tem cuidado - queixou-se. - Não estás a mexer no botão da televisão!

Reparou na protuberância que aparecia nas suas calças e não lhe pareceu assim tão grande. Jon, sim, era grande. Jon tinha uma técnica terrível.

- És uma mulherzinha impressionante - murmurava Geoff. E muito querida.

Muffin afastou-o. Pobre Penny, não arranjara nada de especial. Assumindo uma atitude distante, levantou-se.

-Vou vestir-me - anunciou. - É melhor começares a limpar as janelas. O Jon deve estar quase a aparecer.

 

Ramo Kaliffe, superestrela de cinema. Caracóis negros penteados com o auxílio de um ferro de enrolar, pele bronzeada, olhos negros pensativos e voz com acentos orientais.

Cleo encontrou-se com ele no bar do Dorchester. Ele agarrou-lhe a mão, fitou-a nos olhos e sussurrou:

- Você é muito bonita.

Já tinha por onde começar a sua história. A voz de Ramo Kaliffe soava como melaço diluído numa cerveja quente. Os seus olhos eram quentes como as areias do deserto, com reflexos avermelhados como um pôr do Sol.

Cleo sorriu para si mesma e ele tomou isso como indicação de que apreciava os elogios e presenteou-a com todo o seu repertório.

Como ela ansiava por lhe dizer: "Vamos parar com esta merda, Mr. Kaliffe, e começar uma entrevista que seja verdadeiramente interessante? "

Butch Kaufman contara-lhe que sob a aridez do deserto brilhava um homem bastante agradável, ocidentalizado e divertido.

Hora e meia mais tarde ela descobriu-o e dentro em pouco ele estava a contar-lhe uma série de histórias divertidas em que ele próprio se punha em causa.

Quando finalmente desligou o gravador e lhe disse que era o bastante, ele insistiu em que ela se lhe juntasse e a mais alguns amigos para irem jantar. Cleo concordou. Ele era simpático, engraçado, e extremamente atraente, mesmo descontando os olhos injectados de sangue.

Tinha sido um dia de confusão. Mike e Susan continuavam no seu espírito e não conseguia afastar o seu desapontamento. Que ele fosse uma vez para a cama com ela, tudo bem. Mas levá-la para dentro de sua casa? Isso é que já não podia ser.

Dominique telefonara. Estava encantada, nem sequer se referira ao facto de Cleo a ter abandonado daquela maneira ao almoço.

- Shep Stone é o homem mais interessante que já conheci disse, entusiasmada. - É tão forte e vivo, e tão terra-a-terra, para uma estrela.

- Parece-me que vocês estão mesmo um para o outro. - O sarcasmo de Cleo foi ignorado.

- Acho que ele é o homem por quem sempre ansiei. Fiz com ele hoje uma coisa que nunca tinha feito.

- Que coisa?

- Fui para a cama com ele? - anunciou Dominique com dramatismo.

- Já fizeste isso outras vezes.

- Mas não uma hora depois de os conhecer - disse Dominique friamente. - A excitação era muito grande, nenhum de nós resistiu. Não havia nada a fazer. Fomos para o hotel dele, direitinhos à cama, como dois possessos.

- Isso não se chama estar possesso, mas frustrado.

- Já me tinha parecido que não ias entender. Provavelmente nunca passaste por, nada de parecido.vou separar-me do Dayan.

- E quanto ao Isaac?

- E o quê, quanto ao Isaac? - inquiriu Dominique com irritação. - Ele foi apenas uma atracção passageira. Shep significa tudo para mim.

- Meu Deus, parece que estás demente. Tens a certeza de que o Shep tem os mesmos sentimentos em relação a ti?

Houve uma pausa.

- Acho que sim. Tenho quase a certeza. Quer dizer, ele não disse nada, mas isso foi porque teve de sair a correr e eu tinha de regressar a casa. Foi lindo de mais para ser estragado com palavras. É por isso que te estou a telefonar. O Dayan vai chegar não tarda nada e não me parece que consiga falar com o Shep, por isso pensei que talvez tu lhe pudesses telefonar e dizer que quero ir almoçar com ele amanhã.

- Eu não lhe telefono. Se não consegues encontrá-lo, deixa um recado.

- Muitíssimo obrigada. Pensava eu que eras minha amiga!

- Sou amiga, não um serviço de mensagens. E, se queres o meu conselho, não deixes o Dayan até te certificares de que o Shep também gosta de ti. Sugiro-te também que lhe perguntes pela esposa actual e pelas outras duas que deixou pelo caminho.

- Estás com ciúmes - acusou Dominique. - Fiquei a pensar por que seria que tinhas desaparecido ao almoço. Afinal, foi por não suportares o facto de ele se sentir atraído por mim e não por ti. Realmente, Cleo, desde que regressaste que te acho bastante mudada, eu...

- Oh, por amor de Deus! -Cleo desligou violentamente o telefone.

Estava bastante mudada? Talvez para melhor, se isso lhe permitia entender melhor uma pessoa como Dominique.

Os amigos que Ramo convidara para jantar incluíam Butch Kaufman, que vinha acompanhado por uma mulher de cabelo frisado e uma lourinha dinamarquesa que olhou desconfiadamente para Cleo e se pendurou no braço do árabe.

Foram ao Trader Vics e banquetearam-se com costeletas magras e cordeiro assado à indonésia. A bebida da noite eram os navy grogs, e Cleo começou rapidamente a sentir os efeitos da combinação de boa comida, uma companhia interessante e bebidas alcoólicas.

Ramo dividia as suas atenções por Cleo e pela lourinha, e Butch ocupava-se da senhora de cabelo frisado.

Cleo pensou: "Já é altura de escolher o meu alvo. Butch ou Ramo?" Gostava dos dois. Eram ambos atraentes, cada um à sua maneira. Nenhum deles era, no entanto, tão atraente como Mike, que tinha uns olhos e uns tomates espantosos.

"Estou bêbeda", pensou Cleo, "nada de iniciativas precipitadas enquanto estiver assim. "

Mas mais tarde, quando foram todos ao Tramp, agarrada a Ramo na pista de dança, decidiu que ia ficar com um deles. Tal como um homem, sentia-se comfusa e, tal como um homem, escolheria um parceiro adequado para uma pinocada, apenas pelo prazer que lhe proporcionaria. Sem amarras. Se Mike podia fazê-lo e ter gozo nisso, não via nenhuma razão por que ela não pudesse fazer o mesmo.

O único problema era com qual deles. Ramo era divertido, mas um pouco óbvio em demasia, e nada de especial. Já tinha possuído a lourinha umas horas antes, um facto que ela insistira em lhe confidenciar.

Butch prometia mais. Tinha fama de garanhão, mas se o que ela queria era uma boa pinocada, um garanhão era o mais adequado.

A fulana do cabelo frisado estava tão pedrada que nem daria por isso, se Butch desaparecesse.

Ramo convidou-a para dançar e, puxando-a para ele, sugeriu um nénage à três.

-Você, eu e a pequena dinamarquesa.

Cleo declinou o convite.

-Não estou para aí virada.

- É casada? - perguntou Ramo.

- Porquê?

- As mulheres casadas normalmente gostam do mênage à três.

- Incluindo os maridos ou não?

Ramo deitou a cabeça para trás e riu-se.

- Gosto de si. Que diz a desembaraçar-me da lourinha e ir fazer amor consigo?

Cleo não pôde impedir-se de sorrir. Até que enfim, aparecia-lhe um homem sincero.

De volta à mesa, Butch lançava-lhe olhares langorosos, enquanto a sua amiga de cabelo frisado dançava sozinha na pista de dança apinhada.

-Vai ficar com o pinga-amor? - inquiriu.

- Não. Consigo. Butch acenou:

- Ótimo. Vamos embora.

Butch tinha um apartamento alugado em Mayfair. Era só estofos de couro e luzes foscas.

- Não é... hum... o meu estilo - disse ele arrastadamente. Em Los Angeles tenho uma grande casa na praia, em Malibu. com o mar em frente da porta, sol, o areal. Levanto-me de manhãzinha e mergulho no oceano para umas braçadas, corro ao longo da praia, grelho um pouco de bacon para o pequeno-almoço. Não há melhor que isso. Fuma?

Educadamente, ofereceu-lhe um charro. Educadamente, ela aceitou-o.

- O meu fornecedor arranja-me a melhor "erva" da cidade disse Butch com orgulho. - É bom, não é?

Cleo concordou. Era bom, muito bom para relaxar e libertar-se de todas as tensões.

- Suponho que passam a vida a dizer-lhe quanto é bonita. Quando veio entrevistar-me, deixou-me maluco. Como é que escapou a ser modelo ou actriz?

- Por que haveria de sê-lo? Será que todas as mulheres com boa figura têm de ser incluídas nessa categoria?

- Não. Julgo que não. A mulher mais linda que conheci era professora. - Lentamente, inclinou-se e desabotoou-lhe a camisa de seda.

Ela reclinou-se para trás e deu uma chupadela forte no charro, expirando depois o fumo vagarosamente, na direcção do tecto.

Butch desapertou-lhe o soutien, que fechava à frente, e ela atirou-o para longe. Nessa altura, ela levantou-se e abriu o fecho das calças St. Laurent. Tirou-as, e de seguida fez o mesmo com o bikini castanho.

Butch também se levantou e despiu-se num ápice.

Sorriram, e Butch puxou-a para si. Silenciosamente, exploraram os corpos com as mãos.

Fizeram amor de pé até os corpos ficarem cobertos por uma fina camada de suor.

- É preciso estar-se em forma para fazê-lo assim - Disse Butch arquejando.

Cleo tinha os olhos fechados, com um meio-sorriso nos lábios.

- Ei, miúda, que achas? Ao mesmo tempo? -perguntou Butch. Cleo arqueou o corpo ainda mais para trás. Era uma pinocada

puramente física. Tal como Mike, também ela podia apreciá-la.

- Quando estiveres pronto.

Vieram-se em simultâneo e depois deixaram-se cair no soalho, rindo.

- Jesus! -exclamou Butch. - És de mais. Nada de soluços e gemidos, e eu que gosto disso.

- Querias que eu o fizesse?

- Raios, não. Ela vestiu-se.

- Foi óptimo. Agora voupara casa. Butch abanou a cabeça admirativamente:

- Miss Cool, será que te vejo outra vez?

- Pode ser.

Apanhou um táxi de volta ao hotel. Era verdade. Uma mulher podia gozar tanto com isso como um homem.

Sentia-se livre, segura, na maior.

Sim, Mike. Se ainda temos alguma coisa para resolver, vamos fazê-lo em pé de igualdade.

Ignorou o telefone que começara a tocar, e tratou de dormir.

 

Os grupos de fãs estavam presentes em força no Aeroporto Kennedy. Figurinhas suadas de adolescentes precipitando-se para aqui e para acolá, gritando e uivando. Uma lourinha magrizela estava parada, soluçando.

Mike reviu a cena com o espanto habitual. Já tinha assistido àquilo muitas vezes, mas nunca deixava de se espantar. De onde vinham todas elas, com as suas mini-saias e botas, e camisolas estampadas com a figura de Marty Pearl? E a escola? E os pais? Que vida levavam, para poderem esquecer-se de tudo e gastar um dia inteiro a correr de um lado para o outro no Aeroporto Kennedy, na esperança de vislumbrar o seu ídolo?

Eram tão novas.

- Tenho onze anos - dissera orgulhosamente uma rapariguinha quando ele lhe perguntara a idade. Onze anos! Ele sabia perfeitamente o que acontecia a estas rapariguinhas quando eram distinguidas pela atenção de algum elemento dos grupos pop, ou da sua comitiva. Onze anos!

Tinham viajado num avião comercial. Marty, o seu grupo de apoio, o manager, o cabeleireiro, o encarregado da publicidade, a mãe de Marty. É Mike, é claro.

As hospedeiras distribuíam sorrisos e serviam bebidas. Little Marty Pearl pedira um uísque e o manager rira-se e dissera: "É danado para a brincadeira!" E ordenara que lhe servissem antes um sumo de laranja.

Ultimamente, Little Marty Pearl estava a sentir-se bastante incomodado com o facto de ter só dezasseis anos.

A meio do vôo, enquanto Ornar Sharif perseguia Julie Andrews no écran de cinema, o manager de Little Marty, Jackson, viera sentar-se junto de Mike. Era um tipo novo, com cabelos cinzentos prematuros, e olhos de um azul aquoso.

- O miúdo está a ficar insuportável - observou sombriamente.

- Eu bem tento isolá-lo, mas que se pode fazer... Ele vai fazer dezanove anos dentro de dois meses.

- Tens feito um óptimo trabalho. A reputação dele está impecável. Não bebe. Não fuma. Não fode. Que mais queres?

- Não é fácil, Mike. Um dia destes, pura e simplesmente,voudeixar de poder dizer-lhe o que ele pode ou não pode fazer. Ainda por cima, em qualquer lado aonde vamos há sempre fãs a quererem entrar. Apanhei uma no outro dia a fazer uma chucha ao electricista, na esperança de que este a apresentasse ao Marty. Mike riu-se.

- Talvez seja já altura de lhe arranjarmos uma namorada oficial.

- Ia ficar feita em pedaços. Ouve, o miúdo está a ficar muito excitado. No mês passado, arranjei-lhe um par de profissionais e ele papou as duas. Pelo menos as putas não dão com a língua nos dentes. Ainda não nos podemos dar ao luxo de lhe arranjar uma namorada. As fãs não iam gostar.

Mike encolheu os ombros. A vida sexual de Little Marty Pearl não era problema seu. Cleo é que era. Nem pensar em deixar que quatro anos de um excelente casamento fossem por água abaixo, como se se tratasse de lixo.

Iria direito ao seu hotel. Surpreendê-la-ia. Fariam amor. Esqueceriam o passado. Mike prometeria portar-se como um bom rapaz e Cleo haveria de concordar em que seria estúpido deixar que uma fulaninha como a Susan se interpusesse no seu caminho.

De futuro, decidiu Mike, se lhe apetecesse dar umas voltas por fora, haveria de ter muito cuidadinho. Discrição, essa era a palavra de ordem.

Jackson estava com vontade de conversar.

- Da última vez que estive em Londres, papei o melhor borracho que há deste lado do paraíso.

- Ah, sim? - replicou Mike polidamente.

Os olhos azuis aquosos de Jackson estavam húmidos de emoção.

- Uma ruivinha cheia de curvas. Estava pedrada até mais não, mas foi cá uma noite!

- Vais vê-la outra vez?

- Não - disse Jackson, abanando a cabeça contristado. - Nem sequer sei o seu nome.

- Dá-me licença, Mr. Jackson? - A mãe de Little Marty Pearl estava de pé junto do banco. Emma Pearl era uma mulher de quarenta anos, que aparentava ter muitos mais. O marido morrera e Marty era filho único.

- Sim? - inquiriu Jackson, encarando-a com o ar resignado que adoptava para os seus pedidos.

Emma Pearl puxava nervosamente pelo decote do vestido.

- Estava a pensar se previram nos alojamentos suites contíguas para mim e para o Little Marty. Fiquei muito incomodada em Filadélfia quando me vi num andar diferente do hotel. - A sua voz começara a elevar-se. - No fim de contas, Mr. Jackson, o senhor sabe que o Little Marty gosta de me ter por perto. Ele precisa de mim. Ele...

- com certeza - atalhou Jackson. - Tenho a certeza de que em Londres não haverá problema.

- O senhor sabe que eu não gosto de incomodar, Mr. Jackson Sabe que nunca crio problemas. Mas o Little Marty gosta de me ter ao pé dele. - Emma Pearl mordeu o lábio inferior, com o nervosismo. - Ele quer-me ao seu lado.

- Muito bem. - Jackson acenou afirmativamente, e Emma Peat] regressou ao seu lugar. - Desaparece, corvo velho - resmungou Jackson nas suas costas. - Jesus! -exclamou para Mike. - Temos de fazer qualquer coisa em relação à velha. O Marty não pára de me chatear "desembaraça-te dela", "mantém-na ao longe", "não a deixes andar atrás de mim". Ela ainda pensa que o rapaz tem treze anos.

- Nesse caso, por que é que ela vem na viagem?

- Porque o Marty não tem tomates para lhe dizer que já é crescido. Espera que ela venha e ao mesmo tempo não se ponha no seu caminho. E quem é que tem de conseguir esse milagre? Adivinhas? Aqui o cara de pau, nem mais nem menos.

Mike abanou a cabeça.

- Os familiares são sempre uma chatice. Apesar de tudo, acho que uma mãe ainda é preferível a uma mulher.

- Talvez. Mas a mãe já é bastante mau. Nem quero pensar no que seria se houvesse também uma mulher! Dá-me vibrações maléficas, não sei se estás a ver? - Jackson calou-se de súbito, ao lembrar se de que Mike era casado.

Em Londres chovia e, apesar de Little Marty nunca ter tido um grande êxito fora da América, havia uma multidão de adolescentes à espera para o saudarem.

- Nós arranjámos uns cem - disse Jackson, entusiasticamente. Mas parece que há para aí uns mil.

Havia uma frota de automóveis contratados a esperá-los e Mike conseguiu afastar os fotógrafos e a multidão, e chamou um carro para si. Planeara ir directo ao hotel de Cleo. Não tinha nada a fazer com Little Marty. Este já estava rodeado por pessoas habilitadas a tratar de tudo por ele. Na verdade, Mike só ia na viagem para manter um controlo superior nas coisas. E, é claro, pelo que lhe tocava, para se encontrar com Cleo e reconciliarem-se.

Já no automóvel, reviu o que lhe ia dizer. Deveria pedir desculpas? Explicar-se? Mentir?

As acções sempre valeram mais que as palavras. Um pouco de acção era o que melhor poderia resolver as coisas.

Mike sorriu para si mesmo. Sempre fora conhecido como o homem que tinha resposta para todos os problemas.

 

Jon Clapton estava preocupado. Empenhara-se pessoalmente e assinara papéis que garantiam que uma grossa fatia dos seus rendimentos iria parar às mãos da sua quase ex-mulher.

Ela acabara por exigir cem libras por semana, mais as contas do costume, como as propinas escolares dos filhos, as despesas com médicos e dentistas. Ele pusera um travão no respeitante às férias. com cem libras por semana ela podia poupar o suficiente para passar quinze dias em Brigthon.

A vaca! A cadela! Mulheres!

Tanto que lhe custara a alcançar algum desafogo financeiro e, agora que o conseguira, tinha de andar a sustentar Jane, qual ave de rapina.

Contudo, valeria a pena. Agora ficaria livre para casar com Muffin e, com ela, conseguiria fazer bastante dinheiro. Juntos, não haveria quem os parasse.

Só o calendário para a Schumann assegurava-lhes dinheiro para o próximo ano, pelo menos. E após isso, bem, quem sabe? Muffin tinha um potencial extraordinário.

Ainda não lhe contara na totalidade os seus planos. Queria que ela tivesse lições de dança, de canto, de arte dramática. Ela possuía um talento natural. Polindo umas arestas, brilharia como uma estrela. Nome, já ela tinha. Toda a gsnte a conhecia. Quase todos os dias, o seu retrato aparecia num ou noutro dos grandes diários. Os humoristas contavam piadas sobre ela na televisão. Recebia centenas de cartas de admiradores por mês.

Jon confiava em que ela tinha o necessário para ser mais que um corpo atraente e uma cara bonita.

Hoje era um dia importante para Muffin. Um jornalista de um dos grandes diários pedira para a entrevistar. Era importante que agora ela começasse a aparecer como uma personalidade, e Jon ensinara-lhe o que deveria dizer.

- Anthony Private é um veneno - avisara-a ele sobre o jornalista que a ia entrevistar. - Vai tentar retirar-te o charme com a sua conversa fiada. Só tens de te lembrar de que ele é um filho da puta, provavelmente é panasca, e invejoso até mais não.

- Achas quevougostar dele? - perguntara Muffin timidamente.

- Só se gostares de velhadas escanzelados, com óculos e lábios finos e cruéis. Ah, e faz-me um favor, Muff: se ele tentar entrar em intimidades, a resposta é não.

- Sim - disse Muffin.

- Sim? - perguntou Anthony Private incredulamente.

- Sim - confirmou Muffin. - Tinha treze anos.

- Isso parece incrivelmente cedo - murmurou Amthony, ainda pouco convencido.

- E você, que idade tinha?

- Eu? - Anthony Private tossicou com nervosismo. - Eu estou a entrevistá-la a si. Não me parece que a idade que eu tinha seja relevante.

- Era só por curiosidade. Aposto que começou tarde. Anthony corou e mudou rapidamente de assunto.

- Como se sente ao saber que milhares de homens miram o seu corpo despido diariamente?

- Acho baril.

- Como disse?

Muffin bocejou indisfarçadamente. Gastara uma hora e meia a seguir ao almoço com Anthony Private, e estava aborrecida. Ele só lhe fazia perguntas estúpidas, num tom de voz estupidamente esganiçado, e ela sentia-se espantada com o facto de ser aquele o homem que tinha uma página inteira por semana num dos grandes diários nacionais.

- Se o facto de olharem para mim no papel excita os velhadas. acho isso baril. Dá-me vontade de rir.

Anthony lançou-lhe um olhar desdenhoso.

- Que pensa disto o seu pai?

- Você tem uma feridinha no lábio. - Muffin apontava acusadoramente. - Sabe donde é que isso vem, não sabe?

- Não, não sei - disse Anthony irritado. - E não quero que mo diga. Quanto ao seu pai?

- Ele não tem feridas nos lábios. E a minha mãe é adorável.

- Cristo! - Anthony olhou para o tecto com um suspiro de desalento e pediu a conta. - Que faz agora? - perguntou ele a Muffin.

- Almoço consigo - respondeu ela surpreendida.

- Quero dizer, quando sairmos daqui. Vai para casa? Muffin encolheu os ombros.

- Ainda não tinha pensado nisso. Porquê?

- Gostava de ver onde mora. Ficar com uma imagem dos bastidores.

- Ah, está bem. Venha lá a casa tomar um café. Mas aviso-o já: nada de se atirar a mim.

- Nunca tal me passaria pela cabeça. - Também me parece que não.

Após o café no apartamento de Muffin no Holland Park, Anthony Hivate atirou-lhe:

- Ganha muito dinheiro assim, sem fazer nada?

-Como disse? - perguntou Muffin. Não estava habituada a pessoas arrogantes, velhacas e invejosas.

- Quanto ganha por ano?

Jon instruíra-a freqüentemente no sentido de nunca falar sobre o dinheiro que ganhavam, por isso respondeu hesitante:

- Não sou eu que trato disso, É o meu namorado que se ocupa dessas coisas.

- As feministas iam adorá-la - disse Anthony secamente. – Que pensa do seu aspecto?

- Gostava de ser mais alta, sabe, uma mulher no tipo da Veroufchka. E gostava de ter as pernas mais compridas e finas.

Anthony Private levantou-se.

- Ok - disse, acho que já tenho tudo o que queria.

Muffin sorriu com simpatia. Sentia que ele não gostava dela, mas não queria que se apercebesse de que o sentimento era recíproco.

-Adeus. - Afagou o cachaço de Scruff e acompanhou o convidado à porta. - Até à próxima, espero.

Quando ele se foi embora, rompeu em lágrimas. Não sabia porquê, mas ele entristecera-a. Um pouco depois, recompôs-se e, cheia de renovada energia, dirigiu-se ao Harrods. Para dar a palmada numa loja, o Harrods eram o melhor sítio.

 

- Mrs. James - disse Mike ao recepcionista, confiante.

- Mrs. James abandonou o hotel esta manhã. "

- Não pode ser.

- Garanto-lhe que sim.

- E para onde foi?

- O senhor vai desculpar-me, mas não posso dar informações sobre os movimentos dos nossos hóspedes, a não ser que eles próprios no-lo indiquem.

- Eu sou o marido.

- Queira desculpar. Mrs. James não deixou direcção, mas regressa ao nosso hotel a 24 deste mês.

- Isso perfaz três dias. Quer dizer que não faz idéia de para onde ela foi?

- Lamento, mas não.

- Pode dar-me um quarto?

- Lamento muito, senhor, mas estão todos ocupados.

- com os diabos!

Mike deixou a mala na recepção e dirigiu-se ao bar. Aquilo é que era azar! Uma travessia do Atlântico a toda a brida e ela já se tinha ido embora. E nem sequer sabia para onde.

Talvez Russel Hayes soubesse. Obviamente, ela fora entrevistar alguém. Sabia que ela não iria ficar todo o tempo em Londres, mas esperava que ficasse pelo menos uma semana.

Agora nem conseguia quarto no mesmo hotel que Cleo. Teria de se juntar à comitiva de Marty Pearl, no Europa. Uma chatice.

Emborcou dois uísques duplos para afogar o desapontamento. Começava deveras a sentir saudades dela. E de que maneira! De facto, se Susan não lhe tivesse aparecido no apartamento mostrando-se tão disponível, nem sequer se teria incomodado a procurar alguém com quem ir para a cama. Pela primeira vez em muitos anos não lhe apetecia o sexo ocasional. Concentrava-se em arranjar uma erecção monstra para a sua própria esposa.

Apanhou um táxi para ir ter ao Europa, e lá estavam os magotes de rapariguinhas a vaguear no exterior do hotel. Tinha uma suite reservada em seu nome e pediu uma chamada para Russell em Nova Iorque. Depois contactou Jackson, pelo telefone interno, para saber se tudo corria bem.

- Tudo sobre rodas - informou-o Jackson. -voutratar de verificar se o Little Marty vai para a cama e depoisvouà procura de uma inglesinha para mim. Queres vir comigo?

Mike declinou o convite. Sentia-se cansado, com os sonos trocados. E, além disso, queria tentar descobrir onde parava Cleo. Talvez até estivesse perto, nalgum sítio onde pudesse ir ter com ela.

Russell Hayes demorou uma hora a responder ao telefonema.

-Não sei onde ela está - informou. - Desde que ela envie os materiais a tempo, no resto é livre.

- Muito obrigado. És uma grande ajuda.

- Se a encontrares, diz-lhe que me telefone.

- E comovoueu encontrá-la?

- Não sei, ela é tua mulher. Telefona à mãe dela, às amigas.

- Obrigado, Russ. Pode-se sempre contar contigo.

Não sabia como contactar a mãe dela. Não se lembrava de nenhuma das suas amigas. Na verdade, a vida que ela tivera antes de se terem conhecido era um livro fechado, que ele nunca se preocupara em abrir.

Ligou para o serviço de quartos e pediu a ementa. Não havia nada que lhe apetecesse. Certamente, não lhe apetecia ficar especado em um quarto de hotel toda a noite. Vestiu o casaco de cabedal e saiu no corredor, deparou com uma cena bizarra. Mrs. Emma Pearl estava sentada numa almofada à portal da suite do filho. Levantou-se de um salto quando viu Mike.

- Que faz aí? - perguntou incrédulo.

- Estou a certificar-me de que o Little Marty está bem.

- Ah - disse Mike -, estou a ver. - Fez uma pausa momentânea, olhando para ambos os lados do corredor a ver se estavam a ser observados. Não estavam. - E por que é que está fora do quarto dele?

Emma Pearl enrubesceu, envergonhada com a sua própria excentricidade.

- Ele não me quer lá dentro.

Mike acenou. A mulher era, obviamente, louca.

- Onde está Jackson?

- Saiu para jantar. Foram todos jantar. Deixaram o Little Marty sozinho e, francamente, Mr. James, não me parece bem. Ainda há minutos uma loura espampanante quis entrar no quarto dele. Disse que ele a chamara. Claro que eu sabia que ela estava a mentir, e mandei-a passear. Mas se eu não estivesse aqui, ela teria provavelmente entrado. Mr. James, ele ainda é um rapazinho e é levado à certa por estas raparigas estúpidas. Não o deviam deixar sozinho.

- Mrs. Pearl, ele tem quase dezanove anos. Emma fez rolar os olhos, desvairada.

- Nós sabemos isso, Mr. James. Mas, para toda a gente, ele só tem dezasseis, e assim deve manter-se.

Mike encolheu os ombros e nesse momento a porta da suite abriu-se e Little Marty em pessoa apareceu. Era um rapaz baixote com uma madeixa de cabelo alourado caindo-lhe sobre a testa e grandes olhos castanhos. com um roupão turco, branco, não tinha nada o ar empertigado do rapaz que aparecia no palco vestido de couro branco colado à pele e botas de tacão alto. Manchas vermelhas de irritação afloravam-lhe a face. Esteve a ponto de insultar a mãe, mas calou-se a tempo, ao ver Mike.

- Eh, Marty - disse Mike. - Pensei que te ias deitar cedo, Amanhã vai ser um dia duro.

- Sim - concordou Marty. - Ia. - Olhou expectante para o corredor. - Diga à minha mãe para se ir deitar, Mike.

- Era isso mesmo que eu estava a fazer. Vamos lá, Mrs. Pearl. O Marty vai-se deitar, está em segurança. - Conduziu-a até ao elevador. Piscou o olho na direcção de Marty e disse: - Vai-te deitar.

Mrs. Pearl disse numa voz que denotava cansaço e desapontamento:

- Nem sequer estou no mesmo piso. Tinha dito a Mr. Jackson que queria ficar perto do meu rapaz.

- Claro - confortou-a Mike. - Fica no seu quarto por esta noite e amanhã logo se vê o que se pode arranjar.

Deixou-a no andar de baixo e desceu no elevador até ao rés-do-chão.

- Qual é a senhora que está para Mr. Pearl? - inquiriu na recepção. Indicaram-lhe uma loura de blue jeans que estava à espera de táxi.

Mike dirigiu-se a ela.

- Já está tudo bem - disse. - Marty está à espera. Ela respondeu-lhe com um sorriso alvo.

- Tem a certeza? Está uma velha demente a guardar-lhe o quarto.

- Já não há perigo.

- Obrigado, doçura.

Caminhou bamboleando-se na direcção do elevador, e Mike admirou-lhe o traseiro.

Pobre Little Marty. De que servia ser uma estrela pop se nem sequer pudesse dormir com uma garota em paz?

 

O vôo para Nice foi muito agradável. Cleo assegurou-se de que não iria sentada junto de nenhum homem só. Em vez disso, arranjou lugar ao lado de uma senhora muito bonita que estava a celebrar o seu divórcio tirando umas férias.

- Passei por sete anos miseráveis - confidenciou a Cleo. - Eu, e a maldita da mãe. Via-a mais a ela que a ele.

No aeroporto de Nice, Cleo alugou um carro, um pequeno descapotável cinzento. Gostaria de ter conduzido ao longo da estrada costeira, mas o trânsito estava tão mau, por causa dos veraneantes, que mudou de idéias e foi pela auto-estrada.

Em menos de três horas, tinha chegado a Saint Tropez. Cheia de pó e calor, deu entrada no Hotel Byblos.

Tomou um duche frio e vestiu o bikini que comprara apressadamente antes de sair de Londres. Tentou telefonar para os escritórios da companhia cinematográfica cuja estrela tinha combinado entrevistar. Não havia lá ninguém que parecesse saber alguma coisa do assunto, por isso decidiu voltar a telefonar mais tarde.

Sentiu-se embaraçada ao ir até à piscina do hotel sozinha. As mulheres sós pareciam sempre tão vulneráveis. As outras mulheres olhavam-nas como rivais em potência, e os homens avaliavam-nas pelas hipóteses que teriam de ir com elas para a cama. Aquela conversa de merda do "não nos conhecemos já de algum lado? "! As mulheres continuavam a ser cidadãs de segunda classe. Julgadas pela sua figura, pela sua moral. Um homem que papava muitas era "um espertalhão". Uma mulher que fizesse o mesmo era um coirão.

Dez minutos após ter-se estendido num colchão, aplicado um pouco de bronzeador e encomendado uma bebida fresca, apareceu o primeiro homem. Era baixo e muito peludo.

- Acabou de chegar? - perguntou num inglês com acento cockney.

- Não - respondeu friamente Cleo.

- Oh. Pensei que tivesse. - Chegou-se mais a ela. - Quer uma bebida?

- Já tenho uma. - Levantou-se e mergulhou na piscina, deixando-o pendurado. Ficou dentro de água até ele se ter ido embora.

O próximo a chegar era francês, com um grande corpanzil bronzeado. Não perdeu tempo:

- Quer dançar logo à noite? Cleo ignorou-o.

Ele fez má cara e desandou, para ser rapidamente substituído por um alemão louro que se recostou a seu lado comentando como devia ser aborrecido ser perseguida pelos homens o tempo todo. Também o ignorou, e devem ter passado palavra por toda a piscina porque mais ninguém veio incomodá-la.

Após duas horas de exposição ao sol, foi para dentro e tentou novamente telefonar para a companhia cinematográfica. Desta vez, conseguiu falar com o responsável pela publicidade que lhe marcou um encontro com Sami Mareei ao almoço do dia seguinte.

- Na praia do Taiti, à uma da tarde - disse o homem da publicidade. - Vamos passar toda a manhã com filmagens, por isso se quiser vir mais cedo e assistir, faça-o.

Excelente. Saint Tropez. Sozinha. Sem vontade de estar com ninguém. Mas que havia para fazer sozinha?

Fêmea à solta. Engate instantâneo. Já fizera a experiência.

Não havia outra alternativa senão passar uma noite longa e aborrecida no seu quarto de hotel.

Sami Mareei era alto, forte e feio de uma maneira que o tornava extremamente atraente. Possuía dentes cavalares, um grande nariz, lábios carnudos, e era o destruidor de corações do momento, em França.

Cleo seguira o conselho do responsável pela publicidade e dirigira-se cedo à praia do Taiti para ver as filmagens. Ela e várias centenas de outras senhoras. A área onde decorriam as filmagens estava delimitada com cordas e Cleo teve de abrir caminho à força, em sentido lateral, para conseguir lugar. Usava o seu francês escolar, e o responsável pela publicidade veio ajudá-la a passar as cordas.

- Sami é um tipo porreiro - começou logo por dizer-lhe. Ganhou fama de ser um chato, mas pode crer em mim: ele é muito divertido.

A equipa técnica era americana. Era o primeiro filme americano de Sami e, como tal, bastante importante para ele.

Estavam a rodar uma cena em que Sami tinha de caminhar sozinho à beira da água. Vestia umas calças brancas enroladas pelos tornozelos. Estava de tronco nu, com um grande disco dourado ao pescoço.

Na sua mente, Cleo compôs o início da história que iria escrever. "Sami Mareei dá idéia de alguém que cheira fortemente a alho. E, segundo a legião das suas namoradas, cheira mesmo.

Era aborrecido observar as filmagens. Primeira take. Sami deambulando. Corta. Não presta. Intervalo. Segunda take. Sami deambulando. Corta. Sami espirrara. Terceira take... E assim por diante. Cleo deitou-se na areia e tirou a camisa. O sol estava quente. Fechou os olhos e saboreou-o. Teria sido bom ter vindo ali com Mikc. Ele adorava o sol, era capaz de ali ficar estendido durante horas. Pensou se ele iria apanhar sol com Susan. Se teria saudades dela. Talvez não tantas como sentiria se tivesse perdido o seu maldito Ferrari.

Veio a chamada para o almoço e Cleo olhou em volta à procura do homem da publicidade. Ele apareceu desvairado, e parecendo perturbado.

Cleo voltou a vestir a camisa por sobre o bikini.

- Temos uma hora, não é verdade? - inquiriu.

- Sim, bem, o Sami costuma fazer um pequeno intervalo antes do almoço, masvouacompanhá-la ao restaurante, que ele com certesa está.

Não vai demorar.

O restaurante ficava nas traseiras da praia. Mesas de maddra, guarda-sóis abertos, listados, e empregados de mesa com calças muko

justas no traseiro.

Havia uma mesa grande no meio, posta para cerca de vinte pessoas, e o responsável pela publicidade sentou lá Cleo.

- Olhe lá - objectou ela -, eu quero entrevistar Sami a sós. Foi isso que eu lhe disse, de Londres.

- Sim, eu sei. Havemos de nos desenrascar. com o Sami, tem de se lidar com cuidado, ele tem sido maltratado pela imprensa.

- Que quer dizer com isso de que se tem de lidar com cuidado? Eu combinei consigo uma entrevista e supõe-se que tudo estivesse organizado para ela ter lugar.

O homem da publicidade parecia entalado.

- Ele é um tipo difícil. Tenho a certeza de que, quando ele a vir, lhe dará algum tempo.

- Ena, mas muito obrigado. - O tom de Cleo era frio e sarcástico. - Acontece que eu não trabalho assim. Vim de Londres para fazer esta entrevista e agora quer que eu fique à espera de ter a sorte de ele me conceder uns minutos?

- Desculpe. Tenho a certeza de que tudo se vai arranjar.

- Conversa de chacha. O senhor não está a fazer o seu trabalho devidamente. Se Sami Mareei não gosta de entrevistas, que o diga frontalmente. Não traga cá as pessoas a ver se calha. Isso não abona

nada a seu favor, nem do filme, nem de Sami.

Alguns dos elementos da equipa já se estavam a sentar. O reaiizador. O operador de câmara. A responsável pela ordenação das cenas.

Cleo estava verdadeiramente furiosa. Ia apertar bem M. Mareei. Se ele achava que andava a ser maltratado pela imprensa, que esperasse até ver como ela o ia tratar.

Meia hora depois, chegou ele. Por um braço, trazia uma ninfeta morena e pelo outro uma loura de cabelo encaracolado. Ambas traziam vestidas apenas as partes de baixo dos seus minúsculos bikinis. A morena era baixa e compacta, com um peito bronzeado de rapazinho. A loura era mais alta, com seios firmes onde se podiam ainda ver marcas da parte que agora lhe faltava no bikini.

Olhando em volta, Cleo apercebeu-se de que a maioria das mulheres que estavam no restaurante fazia topless, e havia uma grande quantidade de seios ao leu: grandes, pequenos, firmes, caídos, era só escolher.

Sami sentou-se em frente dela, com as namoradas apoiadas em ambos os braços. Os seus dentes cavalares eram extremamente brancos, e os olhos negros e pensativos.

O responsável pela publicidade disse com nervosismo:

- Sami, esta é a senhora de que te falei. Da revista Image, lembras-te?

Sami ignorou-o. Escutava os sussurros da loura à sua esquerda, enquanto dava palmadinhas distraídas no ombro da rapariga da direita. Cleo inclinou-se.

- Monsieur Mareei - disse com firmeza -, o meu nome é Cleo James. Trabalho para a revista Image e tenho uma entrevista marcada consigo.

Os olhos de Sami percorreram-na sem denunciar o mínimo interesse

- Para que são todas essas roupas? - perguntou. - Onde estão as suas mamas? -Bateu na mesa, atraindo a atenção de uma audiência admiradora. - Ponha-as à mostra, mulher, que é como deviam estar!

Cleo sentiu o calor subir-lhe ao rosto. Que porco! Procurou controlar-se e manter a calma.

- Sami - tentou atalhar o responsável pela publicidade -, deixa-te de brincadeiras. Miss James pertence à revista Image. É uma das mais importantes da América. - Desesperado, acrescentou: -Uma das grandes!

- E as mamas dela? - inquiriu Sami. - Também são grandes?

- Riu à gargalhada, imitado pelas raparigas que o rodeavam.

Cleo recuperara o autodomínio.

- Monsieur Mareei - disse suavemente -, quando estiver disposto a exibir os seus tomates talvez eu lhe faça companhia despindo a minha camisa. Entretanto, por que não conservamos ambos as nossas roupas?

Sami semicerrou os olhos.

- Uma mulher não devia dizer essas coisas - pronunciou severamente. - A mulher deve ser meiga, agradável. - Olhou em volta para se certificar de que todos o escutavam e prosseguiu, expansivo: A mulher deve ser feminina, doce, sossegada. Deve saber ser mãe numas alturas e puta noutras. Muitas mulheres conseguem combinar admiravelmente ambas as facetas.

- Acha que sim? -interpelou-o Cleo sarcasticamente. Conseguira ligar o seu minigravador e estava a apanhar todo aquele palavreado.

- Mas com certeza. - Beliscou o seio firme da loura e o mamilo endureceu sob o toque. - As mulheres são as nossas belas companheiras, que devem ser amadas e mantidas no seu lugar.

- E qual vem a ser, na sua opinião, esse lugar?

- Ora, no lar, na cama, na cozinha - disse Sami vagamente. - São criaturas decorativas, não devem intrometer-se nos domínios do homem.

Cleo riu-se.

- Você tem mesmo o odor forte do macho, do porco chauvinista. Sami não gostou que se rissem dele,

- Você deve ser lésbica - declarou. Cleo riu-se ainda mais alto.

- Jesus! Você é mesmo de mais. Será que todas as mulheres que não concordam com a sua filosofia são fufas?

Sami fixou-a, com os lábios apertados num trejeito de desaprovação.

- Você deve ser uma frustrada - disse. - Anda a precisar de um homem que a leve para a cama e a foda convenientemente.

- Foda-se você.

Sami levantou-se da mesa, com os olhos a faiscar de raiva.

- A sua boca parece um esgoto. Cleo manteve-se inalterável.

- Limitei-me a seguir o mestre.

Sami retorceu os lábios com nervosismo e, com um gesto súbito de irritação, afastou-se da mesa.

O responsável pela publicidade suava por todos os poros.

- Você não devia ter feito aquilo. Cleo olhou-o com desprezo.

- Ouça, eu ajo segundo as circunstâncias, e esta situação ficou a dever-se à sua incompetência. - Levantou-se da mesa. - De qualquer forma, o resultado até não foi mau. Tenho de certeza uma entrevista muito esclarecedora. Obrigada pelo almoço.

Saiu e dirigiu-se ao automóvel. Cuidado, Monsieur Mareei!

 

- Ele é um desgraçado de um porco nojento! -gritava Muffin.

- Um idiota, um estúpido, um castrado! Eu odeio-o, Jon, odeio-o!

- Pára de gritar. Acalma-te.

- Tu se calhar não gritavas? - Muffin pegou no jornal que atirara ao chão na sua fúria. - Ouve! -disse com voz estridente. - Baixa, gorda e rica! E isto é só o título! Que dízias tu se fosses descrito como sendo baixo, gordo e rico?

- Quanto ao rico, não me importava. Muffin semicerrou os olhos azuis.

- Achas que o posso processar?

- com base em quê?

- Bem, por tratamento depreciativo, ofensas à minha personalidade, sabes bem o que quero dizer.

- Não sejas palerma.

- Por que é que isso é ser palerma? - Mufíin pôs o jornal à frente do nariz de Jon. - Lê outra vez, lê esses insultos, e olha para fotografia, que já devia andar a criar bolor há uns três anos nos arquivos deles. Eu já não tenho esse aspecto.

- Não está assim tão má, Muff.

- Ai não? Não está? - Começou a chorar. - Como é quevoupoder encarar as pessoas? Comovoupoder ir às esteticistas?

- Às esteticistas?

- Sim, às esteticistas. Elas conhecem-me, recortam as minhas fotografias dos jornais. Comovoupoder usar a minha saia de camurça?

- Quando se é uma figura pública - explicou Jon pacientemente -, tem de se contar com toda a espécie de publicidade. Verdadeira, falsa, boa, má. Limita-te a ler e, se for má, esquece-a. É o que toda a gente faz.

-voupublicar uma página inteira de publicidade paga na Priva e Eye, para dizer que o Anthony Private é um filho da mãe. Em letras gordas. Estou a falar a sério, Jon.

- Está bem - disse ele, conciliador. - Se bem que é uma perda de dinheiro. Qualquer pessoa que leia a página dele sabe que ele é um filho da mãe. Já esperam que ele escreva como uma bicha raivosa, poi isso é que o lêem. Eu tinha-te avisado.

Muffin tirou a camisa de dormir e postou-se em frente do espelho de parede do quarto.

- Eu não estou gorda. Tu vês alguma gordura?

- Nem pensar. Só um lindo par de mamocas e um traseiro que dá vontade de o agarrar.

- Que queres dizer com isso?

- Quero dizer que é bonito, confortável.

- Queres dizer que é gordo.

- Não, não quero dizer gordo.

Uma hora mais tarde estavam ambos vestidos, prontos para abandonarem o apartamento, e silenciosos.

Toda a raiva, ódio e mágoa que Muffin sentira para com Anthony Private tinha, de algum modo, sido encaminhada na direcção de Jon.

- És um merdas - atirou-lhe ela quando estavam a chegar ao estúdio. - Já nem sequer me interessa casar contigo.

- Isso é uma promessa?

- Sim, é. E podes pegar nesse maldito calendário da Schumann e metê-lo num certo sítio.

- Óptimo. Passarei bem sem ti. Utilizarei uma outra boneca em todos os sítios. A Erica gosta dos Barbados, talvez use a Erica.

- Eles querem-me a mim.

- Concordarão com outra pessoa.

- És um filho da mãe.

- Isso é uma palavra muito grande para uma miúda como tu.

- Percebe-se porque é que a Jane te odeia.

No estúdio, Jon atarefou-se com o equipamento e os seus assistentes.

Muffin colocou-se nas mãos da cabeleireira, das responsáveis pela maquilhagem e pelos vestidos. Iam tirar fotografias para a capa de um álbum. Muffin e Little Marty Pearl. Tinha ficado toda entusiasmada com a perspectiva de o conhecer, mas Anthony Private estragara tudo, e Jon ainda piorara as coisas.

Deixou-se ficar silenciosa e amuada enquanto a maquilhavam. i Estava farta de ter de se despir, de encolher a barriga e de espetar as mamas, de ter de caminhar toda esticada e em bicos de pés para que as pernas parecessem mais compridas.

- Isso está giro - disse o rapaz que lhe estava a aplicar a maquilhagem. Estava a referir-se aos seus pêlos púbicos, que rapara parcialmente deixando-os em forma de coração, para uma fotografia que tirara para uma revista de mexericos.

- Obrigada - disse Muffin sombriamente. O rapaz agachou-se.

- Sé um amor e abre as pernas. Não queremos ficar com os collants mal ajustados, pois não?

K Muffin ficou de pé com as pernas afastadas, enquanto o rapaz acabava o seu trabalho. Era uma sorte ele ser maricas e ter aquele olhar de pardalito.

 

- Já viste o Little Marty? -perguntou o rapaz, com uma nota de excitação na voz. - Ouvi dizer que era homo.

- Chiça, para ti são todos homossexuais! -exclamou Muffin. - A seguir vais dizer-me que o príncipe Filipe também é.

- Oh! É mesmo?

- Não sejas tolo.

Little Marty chegou, acompanhado da mãe e de Jackson.

Estava vestido, da cabeça aos pés, de pele de gamo branca. Desapareceu imediatamente atrás do responsável pela sua maquilhagem, para tratar de disfarçar as borbulhas.

Jackson dirigiu-se a Jon, apertou-lhe a mão e disse:

- Isto vai ser formidável, absolutamente formidável. Jon concordou.

- Óptima idéia - disse. - A Muffin nunca tinha figurado em nenhuma capa de disco. A idéia foi tua?

- Sim, mais ou menos. - Jackson esqueceu-se de mencionar que tinha sido tudo arranjado pelo agente inglês cuja firma detinha os direitos dos discos de Marty em Inglaterra.

Muffin apareceu, vinda da sala de maquilhagem. Trazia umas botas de cano e tacão muito altos, em pele branca, e um chapéu à cowboy Stetson, também branco. E nada mais.

- Céus! -exclamou Jackson.

Mrs. Emma Pearl levantou-se de um salto do cadeirão em que estava sentada, a um canto do estúdio.

- Mr. Jackson! -protestou numa voz esganiçada. - Essa rapariga está nua. Tire-a daqui antes que o meu Little Marty a veja.

A paciência de Jackson para com Mrs. Emma Pearl estava a chegar ao fim. Pegou-lhe com firmeza num braço e levou-a para o exterior até à limusina. Colocou-a lá dentro e deu instruções ao motorista para que a conduzisse de volta ao hotel. Ela queixava-se em voz alta. Que rezingasse mais tarde com o Little Marty. Naquele momento não a podia deixar atravessar-se-lhe no caminho.

Apressou-se a voltar para dentro e chamou Jon à parte. Muffin tinha regressado à sala de maquilhagem.

- Que tal é esse borracho? -perguntou Jackson, quase sem respiração. - Alinha em ir aos figos?

Jon riu-se.

- Comigo, sim. Contigo, não. É a minha namorada e vamos casar-nos.

- Oh, credo! Desculpa lá, não sabia.

- Não te preocupes. Já estou habituado a ver todo o bicho-homem ficar apanhado por ela. É magnífica, não é?

 

- Se é! Ela é modelo, actriz, ou o quê?

- Pensei que já estivesses informado acerca dela. Pensei que fosse por isso que a querias na capa do disco.

- Sim, bom, isso são pormenores, tás a ver? Só chegámos ontem dos Estados Unidos. Sabia que tínhamos uma boazona para as fotos, só não sabia que era tão boa.

A reacção do americano agradou a Jon. Vinha comprovar aquilo que ele pensava a respeito de Muffin. Ela produzia impacto instantâneo. Agradava a todos.

- Muff é o modelo mais famoso de Inglaterra. Toda a gente a conhece. Este ano estamos a pensar lançá-la noutras actividades. Televisão, cinema, esse tipo de coisas.

- E tu és o agente dela?

- Sim. Trato de tudo o que ela faz. Jackson fez um aceno de compreensão.

- Já tens algum contacto nos Estados Unidos? Jon abanou a cabeça.

- Ainda não. Estava a pensar levá-la lá mais para o fim deste ano.

- Talvez possa ajudar-te. Para abordares os States tem de ser em força. Tens de atacar com tomates, entendes?

- Bem, quando eles virem a Muffin...

- Isso só não chega, acredita, que eu tenho a obrigação de saber. Quando peguei no Little Marty, ele era um campónio. bom rapaz, com bom aspecto e uma bela voz. Mas, se não fosse eu, continuaria a limpar estábulos lá na quinta. Fui eu que fiz dele uma estrela. Nós os dois temos de ter uma conversa sobre a tua namorada. Eu tenho idéias, e idéias que rendem dinheiro.

- Estou sempre pronto para discutir sobre dinheiro. Jackson deu-lhe uma palmadinha no ombro.

- Isso mesmo. Acho que tens olfacto para estas coisas. Por que é que não vêm, tu e a tua namorada, à recepção que o Marty dá esta noite? A seguir, podemos ir jantar juntos. Que dizes?

- Óptimo. Lá estaremos.

-Ouve, rapaz, tu de certeza não queres passar a vida inteira a tirar fotografias. Sem ofensa... sei que és dos bons, mas eu posso conduzir-te, a ti e à tua namorada, ao sítio onde cresce o dinheiro.

Tu ajudas-me e eu ajudo-te. Topas?

Jon assentiu. Não que gostasse muito de Jackson, mas cheirava-lhe a bons negócios, e seria bom ter os contactos certos na América.

Muffin reapareceu e Jon apresentou-a a Jackson. Ela colocara um xaile de seda por sobre a sua nudez, mas este não ocultava grande coisa. Ainda se sentia furiosa com Jon, e continuou a presenteá-lo com olhares sombrios e carrancudos.

- Eh - sugeriu Jackson -, talvez a Muffin pudesse trazer uma amiga para logo à noite.

- Para quê? - perguntou Muffin com ar sinistro.

- Claro - concordou Jon, que entendera o recado. - Preferências?

Jackson soltou um riso abafado.

- As do costume.

Little Marty apareceu, vindo da sala de maquilhagem. Caminhava com um andar ligeiramente emproado. A sua face de rapazinho fora nitidamente branqueada com um pó-de-arroz esbranquiçado.

Muffin puxou o xaile desnudando os ombros e sorriu.

Little Marty ruborizou-se, por debaixo da camada de maquilhagem.

- Olá - disse Muffin.

A voz de Little Marty soou num tom seco:

- Olá.

- Que lindo par - exclamou Jackson num tom entusiástico. Não estão perfeitos, assim os dois juntos?

Na verdade combinavam muito bem. Ambos baixos, apesar dos tacões altos. Ambos jovens. Ambos belos. Jon arranjara um pano de fundo liso, e Little Marty iria ficar de frente para a câmara, enquanto Muffin, por detrás dele, ficaria de costas, voltando apenas a cabeça com o chapéu Stetson.

- Fantástico! -exclamou Jackson. - Na medida certa: sexy, sem ser demasiado óbvio. É mesmo a imagem de que o rapaz precisa.

Muffin abandonou o estúdio antes de Jon. Ele ainda tinha uma sessão de fotografias para fazer, e ela queria ir para casa, lavar o cabelo, e preparar-se para a festa para que Jackson os convidara.

Esperava pela festa com uma sensação de ansiedade a tolher-lhe o estômago. Little Marty Pearl. Ele era maravilhoso!

- Posso voltar a ver-te? - pedira-lhe ele. - Por que não dás uma escapadela até ao meu hotel depois da festa?

- Não vejo por que não - replicara ela. - Mas nem uma palavra a ninguém sobre isto.

- É segredo - dissera ele, levando um dedo aos lábios.

- Segredo - sorrira ela, concordando.

Esta conversa sussurrada tivera lugar enquanto ambos pousavam para a capa do álbum. Mal pusera a vista em cima de Little Marty, Muffin "flipara". Após ter visto a sua fotografia em tantas revistas e ter ouvido os seus discos, encontrar-se com ele em carne e osso era mesmo o máximo.

Continuava de mau humor em relação a Jon. Isso facilitaria uma discussão onesta que lhe desse a oportunidade de se pôr a andar.

A sua raiva quanto à entrevista de Anthony Private evaporara-se. Jon tinha razão. Não havia razão para ficar tão exaltada, o pobre diabo o que tinha era ciúmes.

Cantarolando baixinho, Muffin chegou ao apartamentto de Holland Park. Que haveria de vestir para as suas actividades nocturnas? Qualquer coisa que fosse sexy. E que lhe ficasse a matar.

O telefone tocou e ela atendeu. Silêncio do outro lado. Muffin pousou-o com violência. O punheteiro fantasma ataca de novo! Jon dizia que havia um exército de punheteiros fantasmas que telefonavam às mulheres bonitas.

- É a única maneira de alguns gajos se virem - explicara uma vez. Se fosse ele a levantar o auscultador e ninguém respondesse, havia vezes que gritava: -Vá lá, meu filho! Bate uma por mim!

- Não tens vergonha! -queixava-se Muffin na altura, mas não conseguia evitar o riso, e isso tirava-lhe o medo dos telefonemas obscenos.

O telefone voltou a tocar. Provavelmente era Anthony Private nesse momento ele parecia-lhe um daqueles punheteiros fantasmas.

- Fala da casa de Mrs. Wilson para masturbadores solteiros! disse Muffin numa voz afectada.

- O Jon está? - era a voz de Jane, seca e antipática.

- Não. - Detestava ter de falar com a mulher do Jon.

- É a... hum... a Muffin? -Jane pronunciou o nome como se fosse um palavrão.

- Sim, é. Quem fala?

- Fala Mrs. Clapton.

- Ah, a mãe do Jon?

-Não, a esposa, querida.

-Oh, desculpe. Pareceu-me a voz da mãe.

- Não tem importância, querida. Eu também confundi a sua voz com a da mulher-a-dias.

-O Jon saiu.

-Nesse caso, diga-lhe que me telefone. Ah, e a propósito, vi as fotos do vosso noivado. Que vontade de rir! Vocês, rapariguinhas idiotas, fazem tudo por um pouco de publicidade. O Jon não faz a mínima tenção de voltar a casar-se; disse-me que era só para a acalmar a si. O divórcio ainda nem está fixado, o Jon disse-lhe que estava? Não conte com isso, querida, que eu ainda posso mudar de idéias. Bye-bye.

-Oh! -Muffin ficou pendurada no auscultador quando ela desligou. - Ah, maldita puta velha! Ele quer casar comigo, ouviste? Pousou o telefone numa fúria. Que brincadeira é que o Jon Clapton pensava que estava a fazer com ela? Ele ia ver como era... Oh, se ia!

 

Fazia sol em Londres quando Cleo chegou. Nas poucas horas que passara no avião, escrevera um artigo explosivo sobre Sami Mareei Era uma acusação a todos os homens que pensavam que as mulheres não passavam de objectos atraentes cuja utilidade residia em dar prazer aos homens. Ele era o perfeito porco chauvinista, e no seu artigo, em tom sarcástico, salpicado de humor, Cleo expusera Sami Mareei e todos os homens da sua igualha. Estava ansiosa por o ver dactilografado e enviado por correio expresso para Russell.

Apanhou um táxi para chegar ao Connaught e, embora tivesse regressado um dia mais cedo, arranjaram-lhe um quarto.

Havia três mensagens urgentes a pedir que telefonasse a Dominique Last mal chegasse. Telefonou de imediato.

Dominique disse:

- Graças a Deus que chegaste. Posso ir aí ter contigo?

- Acabo de chegar. E tenho trabalho urgente para fazer.

- Por favor. É importante. Tenho de falar contigo.

- Está bem. - A idéia não a entusiasmava, mas aquela dificuldade que sentia em dizer que não ainda prevalecia.

Dominique apareceu uma hora mais tarde. Tinha um lenço a ocultar-lhe o cabelo ruivo e óculos escuros a encobrirem os olhos avermelhados. Era evidente que estivera a chorar.

Cleo sentiu um súbito assomo de simpatia e decidiu esquecer as coisas que ela lhe dissera dias antes.

- Estás com um aspecto terrível! - exclamou. - Que raio te aconteceu?

Dominique tirou os óculos para revelar um olho negro.

- Vê o que esse sacana me fez - disse com amargura.

- O Dayan? - perguntou Cleo.

- Não - respondeu Dominique -, o teu amigo. Esse tipo horroroso que tu me arranjaste.

- O Shep Stone?

- É esse o nome desse sacana, desse impotente. Cleo sentou-se.

- Não te estou a entender lá muito bem. Da última vez que falámos, ele era o tipo mais interessante que tinhas conhecido e ias abandonar o teu marido e o teu amante por ele.

- Posso tomar uma bebida? - Dominique tirou o lenço e libertou a longa cabeleira ruiva.

Cleo consultou o relógio. Eram quatro da tarde.

- Não sei se o bar está aberto.

- O serviço de quartos nunca fecha. Quero um scoth. Duplo. Cleo pegou no telefone e encomendou chá para si e a bebida para Dominique.

- E então? - interrogou. - Será quevououvir agora qual é a razão disto tudo?

Dominique suspirou.

- Como te disse, o Shep forçou-me a dormir com ele naquela tarde em que nos apresentaste. Acho que estava um tanto tocada e ele aproveitou-se. Se tivesses ficado em vez de me abandonares ali...

- Deixa-me lembrar-te que foste tu que o convidaste a juntar-se a nós.

- Pensei que era teu amigo.

- Se eu quisesse que ele se nos juntasse, teria sido perfeitamente capaz de o convidar eu mesma. Na realidade, não o suporto.

- Bem, de qualquer modo, se tivesses ficado...

- Ao telefone - disse Cleo, vincando bem as palavras-, disseste que tinhas passado um óptimo bocado com ele, que aquilo é que era o verdadeiro amor, e que ias abandonar o Dayan por ele.

- Que disparate - cortou Dominique-, deves ter percebido mal.

- Uma merda! - exclamou Cleo.

Bateram discretamente à porta, e um criado entrou com o que tinham encomendado.

Esperaram que ele saísse, após o que Dominique disse:

- Seja como for, perdi o meu anel de diamantes no hotel dele e quando lá voltei no dia seguinte para procurá-lo, ele bateu-me.

- Assim sem mais nem menos?

- Sim.

Cleo serviu-se de chá. Estava sem fala. Dominique merecia ganhar o prêmio para a mentira do ano.

- E então? - perguntou por fim Cleo. - Que queres que eu faça?

- Que marques um encontro. Quero falar com ele.

- Falar com ele! Sobre quê?

- Quero ter uma discussão em particular. Se lhe telefonares, ele virá ter contigo. Tu sais, e eu fico a esperá-lo. É simples.

- Alto lá, espera aí um minuto. Por que haverias de querer encontrar-te com um homem que te espancou? E, por muito que não goste do Shep Stone, nunca o imaginei a bater em mulheres. Por que é que ele te bateu?

- Não sei.

Cleo abanou a cabeça.

- Ouve: ou me contas a verdade, ou nada feito.

- Isso quer dizer que não me vais ajudar?

- Ajudar-te? A fazer o quê?

- O que te disse.

- A tua história tem mais buracos do que um crivo. Faz-me um favor: não me venhas com uma carrada de mentiras, tentando servir-te de mim.

Dominique encolheu os ombros.

- Bem me parecia que não me ias ajudar. - Esvaziou o copo de uma só golada e disse com voz inexpressiva: - És uma pessoa muito invejosa, Cleo, ainda não te conformaste com o facto de o Shep me ter preferido a mim.

- Esta agora...

Dominique voltou a pôr os óculos de sol e o lenço.

- Sentes inveja por eu ter um lar e um bebê. Sempre sentiste inveja de mim. Do meu cabelo, do meu corpo. Sempre...

Cleo levantou-se.

- Adeusinho, Dominique. -Entrou na casa de banho e bateu com a porta. Meu Deus! Tudo aquilo era tão injusto. Sempre tentara ser uma boa amiga, e veja-se no que dera.

Russell Hayes. A boa amiga Susan. E agora a Dominique.

Se se chegava ao ponto de não se saber nada acerca dos amigos, que é que isso queria dizer?

O telefone tocou, e Cleo quando saiu da casa de banho, ficou satisfeita por ver que Dominique já saíra. Era Butch Kaufman que estava ao telefone e dizia:

- Há uma série de festas esta noite, e pensei que... hum... podíamos por lá passar os dois.

- Óptimo. Umas festas vinham mesmo a calhar.

-voubuscar-te às oito. E depois talvez possamos fazer uma festa só para nós dois. O meu fornecedor arranjou-me um produto de qualidade para hoje.

- Talvez.

- Muito bem, Miss Cool. Até logo.

 

Incapaz de decidir qual das mulheres seria a mais conveniente, Jon acabou por convidar ambas, Erica e Laurie.

Encontraram-se no apartamento de Holland Park, e Muffin, que ainda mal falava com Jon, saudou-as com um: "Vejam só, elas trazem o bombeiro de serviço! "

- É o caixeiro-viajante - comentou Jon. - Serviço ao domicílio.

- Bah! - Muffin deitou-lhe a língua de fora e escapou-se, para acabar de se maquilhar. Ainda não mencionara o telefonema da mulher.

Estava a reservar essa informação.

Erica trazia um fato de cetim castanho, aberto à frente, revelando uns seios interessantes, brancos e pequenos. O seu cabelo louro estava

penteado com uma risca ao meio e caía longo e solto.

-Estás um encanto - dissera Jon admirativamente.

Laurie realçara a cor de ébano da sua pele com um vestido vermelho, largo. Arranjara o cabelo ao estilo africano e a sua maquilhagem era brilhante e atraente.

- Muito bom gosto! - dissera Jon. Estava satisfeito. Ambas as mulheres tinham um aspecto sensacional, e uma ou outra iria atrair Jackson.

Muffin apareceu com uma blusa branca franzida, enfiada em jeans brancos, que por sua vez se enfiavam dentro de botas brancas. Imediatamente as outras duas, por comparação, pareceram vulgares.

- Esta manhã vi o que o Anthony Private escreveu sobre ti. Erica sorriu. - Que canalha!

- É, não é? -Jon pegou-lhe no braço com firmeza. - Esse é um assunto para não ser discutido. Vamos embora.

Os olhos de Muffin brilharam de ira. Era de prever que Erica fosse ler o artigo de Anthony Private. Uma vaca velha e estúpida como

ela! Devia ter pelo menos vinte e seis anos, não tinha razões para se rir. Enfim, ainda bem que Jon quisera levar a Erica e a Laurie à festa, elas encarregar-se-iam de mantê-lo ocupado. Muffin tinha planos para se divertir que não incluíam o Sr. Jon Clapton.

Trauteou baixinho uma canção, antecipando os bocados bem passados que tinha à sua frente.

Mike James passou o dia correndo de uma reunião de negócios para outra. Queria despachar rapidamente tudo o que tinha para fazer, de forma que, quando Cleo regressasse, lhe pudesse dedicar todo o seu tempo.

Tempo livre. Tempo para conversar. Tempo para foder.

Foi almoçar a um restaurante em Chelsea e espantou-se consigo mesmo por não tentar meter conversa com nenhuma da dúzia de mulheres bonitas que lá estavam a almoçar.

"Regenerei-me", pensou. "Sou capaz de olhar para uma sala cheia de mulheres boazonas sem ficar com segundas intenções. Bem... tanto também não. Mas fico-me pelas intenções. Pensar não é fazer." O que era uma grande alteração em relação ao seu anterior estilo de vida.

Teve uma longa conversa com Jackson sobre a mãe de Little Marty Pearl.

- Ela tem de se ir embora - disse. - Não podemos tê-la nesta digressão. Manda-a embora.

Jackson estava completamente de acordo.

- É como se já fosse a caminho.

À noite foi até à festa do Little Marty Pearl. "Deixa-te estar, não arranjes companhia", disse para si mesmo, "vamos ver se és capaz de o fazer, ao menos por uma vez. "

Mulheres eram o que lá não faltava. Gordas. Magras. Espertas. Vulgares. Manteve-se só, contribuiu com alguma conversa de chacha, recusou até a oferta de um charro.

Sentiu-se orgulhoso e confiante na sua superioridade. Um marido fiel. Um homem que se poupava para a sua esposa.

- Eh! -chamou-o Jackson, quando a festa ia já animada. - Vais jantar connosco? - Não sei - disse Mike, inspeccionando as duas mulheres que ladeavam Jackson. A loura atraía-o. A negra também.

- Já conheces o Jon... humm... o Jon...

- Clapton - completou Jon.

- Sim. Clapton - disse Jackson. - Jon fez hoje as fotos para a capa do álbum. É uma excelente pessoa. Jon, apresento-te o Mike James. É um dos quadros superiores da Hampton Records, uma boa pessoa para tu conheceres.

Trocaram apertos de mão e Mike virou-se para a loura, com ar expectante.

- Eu sou a Erica - disse ela, estendendo-lhe a mão e deixando-a ficar nas dele por um momento.

Jackson apressou-se a passar o braço pelos ombros de Laurie, reclamando a posse para aquela noite. Conhecia a reputação de Mike James em Nova Iorque.

"Bem vistas as coisas", pensou Mike, "não tinha grande importância dar mais uma facadinha no matrimônio antes de se reencontrar com Cleo. Não contava. De qualquer forma, ela nunca viria a sabê-lo. E quem não sabe... "

- Então, onde é que vamos jantar? - inquiriu Mike.

- Encantadora, como... hum... sempre. Cleo suspirou.

- Obrigada, Butch. Mas não é como me sinto. Sinto-me tensa, irritada e magoada,

- Não por minha causa?

- Claro que não.

- Então porquê?

- Não quero falar disso. É aborrecido e estúpido. Tudo o que quero é passar uma noite agradável, dedicada a mim mesma.

- Estou completamente de acordo. Vamos dedicar-nos a nós mesmos, juntos. Esquecemos as festas?

- Não, vamos lá. Apetece-me um bocado de barulho e de música, e de ver gente.

Cleo tinha posto o seu novo vestido Cbloe. Era de seda e caía-lhe pelo corpo em dobras sedutoras. Calçara também meias de seda negras e sapatos de tacão muito alto. Era uma grande mudança em relação à sua indumentária habitual, que incluía sempre calças. Sabia que Mike teria adorado vê-la assim. Queixava-se sempre de nunca lhe ver as pernas.

- Tens as melhores pernas de Nova Iorque - resmungava -, e esconde-las sempre, como se fosses uma freira portuguesa.

Pensar em Mike fê-la semicerrar os olhos de raiva. Ele deixara de telefonar. Assim, sem mais nem menos. Nada. Não tardara muito para ele aceitar o facto de ela se ter ido embora.

Tinha de começar a tratar do seu futuro. Ainda lhe faltava entrevistar dois actores. Depois, que faria? Não estava certa de querer regressar a Nova Iorque. Não estava certa de querer continuar a trabalhar para Russell Hayes e para a Image.

- Vamos primeiro ao Dorchester - disse Butch. - Prometi que aparecia na festa do Little Marty Pearl. Se te portares bem, apresento-to. Tem dezasseis anos, é virgem, e mais bonitinho que tu!

Jackson e Jon pareciam papás, babosos quando Muffin e Marty posavam juntos para as fotografias.

- Fazem um bonito casal - comentou Jackson.

- Sim - concordou Jon distraidamente. Estava a pensar que era uma pena ele e Muff terem anunciado o seu noivado, porque um romance forjado entre ela e Little Marty teria sido fantástico do ponto de vista da publicidade. Além de que não ajudara nada às coisas entre ele e Jane.

- Temos de ter cuidado com a minha mãe! - sussurrou Marty.

- Quê? - interrogou Muffin num murmúrio.

- Espera por mim na entrada. Eu mando alguém chamar-te quando o caminho estiver livre.

Muffin sorriu:

- Parece um romance de capa e espada.

- Gosto mesmo de ti - disse Marty com seriedade. - E tu, gostas de mim?

- Claro que sim! -Apertou-lhe o braço, sorriu para os fotógrafos e espetou o peito sensacional.

Mike agarrou-se ao braço de Erica e disse:

- Que faz uma menina bonita como tu com um tipo como o Jackson?

- O Jon é um velho amigo meu. Pensei que fosse divertido. Mas, senhor lobo, que olhos tão gulosos os seus!

- São para te ver melhor.

- Ver o quê?

- Diz tu.

- Seu maroto!

- Gosto da tua blusa.

- Blusa é uma palavra tão antiquada!

- Usei-a porque vejo que és uma rapariguinha meiga e antiquada.

- Ah! Ah!

- Que tal se mandássemos o jantar com os amigos às urtigas e fôssemos só os dois até outro sítio?

- Parece uma boa idéia. Mike piscou-lhe o olho.

-voujá tratar disso. Deixa-me só dar uma palavrinha ao Jackson e vamos já de seguida.

- Credo, como és despachado!

- E ainda não viste nada!

- De maneira que - disse Butch -, quando o filme estiver terminado, regresso à minha casa na praia para um... ham... tempo de descanso. Se estiveres por Los Angeles, terei todo o prazer em ter-te como convidada. Há uma miúda que vive mais ou menos comigo, mas posso afastá-la durante uns tempos, que ela compreende. - Ajudou Cleo a sair do carro. - Que te parece?

- Neste momento estou sem planos, Butch. Acho quevoufazer apenas o que me der na gana.

Um grupo de rapariguinhas barulhentas precipitou-se em busca de um autógrafo de Butch Kaufman e Cleo aproveitou para entrar no hotel. Ficou na entrada e viu aproximar-se um homem saído do salão. Parecia-se bastante com Mike. Tinha a mesma maneira de andar. Vinha agarrado a uma loura alta e, ao chegarem mais perto, Cleo percebeu com um aperto no estômago que era mesmo Mike.

Ele tinha estado a conversar com Erica, uma conversa ligeiramente apimentada para a aquecer. Depois tinha detectado um par de pernas magnífico e os seus olhos subiram até ao rosto da proprietária para descobrir que - merda! - era Cleo.

Deteve-se abruptamente, mas era demasiado tarde, ela também o vira. Tirou o braço dos ombros de Erica, enquanto um homem que reconheceu como sendo o actor Butch Kaufman entrava no hotel e pegava na mão da sua Cleo.

- Meu Deus! - exclamou Mike.

- Que se passa? - perguntou Erica. - Por que é que paraste? Enquanto Mike tentava decidir o que fazer, Cleo decidiu tomar a iniciativa e passou por ele com o acompanhante.

- Olá, Mike - disse secamente. - Alegra-me ver que a vida te corre bem.

Ele abriu a boca para responder, mas já ela se afastava calmamente, de mãos dadas com Butch. Grande cabra! Tinha ele atravessado o Atlântico para aquilo!

- Quem era? - perguntou Erica.

- Era só a minha mulher - respondeu Mike com amargura.

 

O recepcionista olhou para Muffin desconfiadamente.

- Estou à espera de Mr. Marty Pearl - disse ela com imponência.

- Isso é o que fazem muitas outras senhoras - respondeu ele, cocando a cabeça e arregalando os olhos para o seu decote.

- Mr. Pearl convidou-me vouesperar na entrada e, quando ele telefonar, agradeço que me chame. O meu nome é Muffin.

- Como?

- Muffin. M-U-F-F-I-N.

- A senhora não pode ficar toda a noite aqui na entrada. Por que não vai lá para fora, para junto das outras?

- Não sou uma das fãs - respondeu Muffin agastada. - Sou uma amiga pessoal. Faça o favor de me informar quando ele telefonar a dizer-me para subir. - Sentou-se num cadeirão de onde podia observar a recepção e deixou escapar um suspiro de alívio.

Não fora fácil. Após a sessão de fotografias com Little Marty, na festa passeara-se de um lado para o outro, evitando Jon. Havia lá montes de gente que a conhecia. Foi conversando com um grupo e com o outro até que por fim Jon a conseguiu encurralar e disse:

- Sé simpática com o Jackson, conversa um pouco com ele, faz um pouco de charme. Ele pode ser precisamente aquilo de que precisamos para te lançar na América.

- Não! - fora a resposta ríspida de Muffin. - Estou farta de ser simpática com as pessoas. Estou farta de ti e das tuas negociatas. E das tuas mentiras.

- Vá lá, Muff - implorara Jon -, isto pode ser muito importante.

- Não me interessa. Deixa-me em paz.

- Estás a ser estúpida.

- Se me apetecer ser estúpida, hei-de sê-lo, e tu podes ir lixar-te. Olharam um para o outro e Jon regressou para junto de Jackson, enquanto Muffin se dirigia à entrada do hotel e apanhava um táxi.

No dia seguinte faria as pazes com Jon, se lhe apetecesse. E se ele tivesse uma boa explicação para o telefonema de Jane. Quanto a esta noite, tencionava fazer algo que lhe agradasse, para variar.

O recepcionista estava a acenar-lhe.

- Suite 404 - dizia. - No quarto piso.

- Obrigada. Eu bem lhe tinha dito que ele estava à minha espera. - Dirigiu-se ao elevador. Estava de novo com aquele aperto no estômago. Que ridículo! Já nem se lembrava da última vez em que se sentira nervosa.

Litle Marty esperava por ela à porta da suite. Tinha só um roupão branco, curto, por cima do pêlo.

- Rápido! -apressou-a ele, fazendo-a entrar, batendo com a porta e fechando-a à chave. Depois agarrou-a e deu-lhe um beijo longo e inexperiente.

- Fazes-me estremecer! - exclamou ela.

- És mesmo atraente! - disse ele em resposta. - Vem ao meu quarto, para veres os meus discos.

Correram para o quarto, de mãos dadas, sorridentes. Em cima da cama estava um monte de discos, todos com a figura de Little Marty na capa.

- Já gravei dez álbuns - proclamou Little Marty com orgulho -, dez deles foram discos de ouro.

- Fabuloso. Dispo-me?

Fascinado, Little Marty viu-a tirar primeiro as botas, depois as calças, depois a parte de cima.

- És tão linda - disse, tocando-lhe nos seios erectos. Ela desfez o nó que lhe atava o roupão.

- Tens cá um John Thomas! - exclamou.

- Um John Thomas?

- Sabes ao que me refiro: ao teu instrumento.

- Ah! Obrigado. Ponho um disco a tocar?

- Optimo. Boa idéia.

Little Marty pôs o Teenage High, e Muffin guinchou de prazer.

- Vamos? - inquiriu Marty.

- Por que não? - respondeu Muffin, deitando-se na cama e abrindo as pernas, expectante.

Cautelosamente, Marty montou-a. Muffin encorajava-o com palavras.

Ele veio-se rapidamente, mas o mesmo aconteceu com Muffin. Assim, voltaram a pôr o Teenage High e recomeçaram.

Uma hora depois tinham repetido o seu desempenho quatro vezes, e Muffin disse arqueante:

- És o super-homem! És uma maravilha! Amo-te!

E Little Marty, lembrando-se das suas experiências sexuais anteriores com três putas tristes, disse:

- Acho que devíamos casar-nos.

- Sim - respondeu Muffin, a quem a idéia agradou. - Acho que sim. Vamos a um sessenta e nove e discutimos o assunto.

 

Não sendo uma grande bebedora, Cleo decidiu que chegara a altura de apanhar uma grande piela. Para quem só bebia normalmente copos pequenos de vinho branco, mudar para uísques duplos significava uma grande desforra.

- Vamos antes para minha casa apanhar uma grande pedrada sugerira Butch.

- Apetece-me apanhar uma piela - insistiu Cleo. - Estou a festejar o fim do meu casamento e quero fazê-lo com uma sessão em grande.

- Era essa precisamente a minha idéia.

- Tarado sexual!

Começaram a noite na festa do Little Marty Pearl, depois foram a uma outra festa em Fulham, seguidamente ao lançamento de um filme em Mayfair onde encontraram Ramo e duas acompanhantes, que se lhes juntaram. Por esta altura, Cleo já via tudo a dobrar. Dos uísques duplos tinha passado ao champanhe, depois ao brande, e agora, sem que ela soubesse como, estavam todos na suite do hotel de Ramo, e alguém a fazia cheirar amoníaco, enquanto ela tentava dizer-lhe que detestava o cheiro.

Onde raio estaria Butch? Alguém tentava tirar-lhe o vestido Cbloe, e acabou por perceber que era Ramo. Muito insegura, conseguiu pôr-se de pé, e insistiu que a levassem a casa.

- Mas, minha querida - explicou Ramo -, Butch está num quarto com as raparigas, e nós estamos os dois sós, e eu quero fazer amor contigo da forma mais fantástica e extraordinária.

- Não. - Cleo abanou a cabeça e tudo pareceu voar em direcções diferentes. Sentia-se mal disposta. – vou para casa.

Desejou ter de facto uma casa para onde ir. Mas o apartamento de Nova Iorque já não era a sua casa e, até as coisas estarem encaminhadas, teria de viver em hotéis.

Conseguiu descer as escadas com passos hesitantes e ficou surpreendida ao ver que era quase dia. Cristo! Tinha um encontro marcado para as onze da manhã com o actor inglês Daniel Onel. Ia estar em grande forma para esse encontro! Apanhou um táxi e tentou não vomitar durante o caminho. À porta do Connaught, Mike caminhava para cima e para baixo, pálido e furioso.

- São cinco da manhã - acusou. - Onde diabo estiveste até esta hora?

Uma coisa que nunca faltara a Mike eram os tomates. Ele estava a acusá-la a ela.

Pagou ao motorista do táxi e tentou ignorar aquele que dentro em breve seria o seu ex-marido, que praticamente pulava de fúria.

- Então? - insistiu ele.

Ela olhou-o de soslaio.

-Há qualquer coisa de errado contigo... Ah, já sei. Não devias estar enrolado numa loura? Não parece bem, Mike, abandonares a loura.

-Estás bêbeda?

-E cansada.voudeitar-me. - Entrou no hotel e ele seguiu-a.

- Vai-te embora - disse ela.

- Queria conversar.

- Vai-te embora e conversa, não te estou a impedir. Não te impeço de fazeres seja o que for.

- Cleo, baby...

Sentiu a raiva apoderar-se de si. Aquele merdas, mentiroso e infiel.

-Mike, baby... faz-me um favor: desaparece!

Caminhou até ao elevador, subiu para o seu quarto e imediatamente vomitou.

Era o que acontecia a quem se embebedava.

A reacção inicial fora a de dizer "que se foda".

Apanhado com as calças na mão - isto é, em termos figurados tardou pelo menos uma hora para que Mike se sentisse plenamente ultrajado.

"Quem era? ", tinha perguntado Erica, e quando Mike respondera "era só a minha mulher" sentia-se imensamente embaraçado por ter sido novamente apanhado.

Finalmente, ocorreu-lhe pensar em que raio estaria Cleo a fazer de mão dada com um supergaranhão como Butch Kaufman.

Nessa altura, ele e Erica estavam sentados no mesmo restaurante em que almoçara no dia anterior, e ela conversava com várias pessoas das mesas mais próximas, que pareciam ser todas suas amigas.

- Dás-me licença? - perguntou Mike.

-Claro - respondeu Erica, supondo que ele ia à casa de banho dos homens.

Ele levantou-se, chamou um empregado de mesa, pagou a conta e foi-se embora. Em relação a Erica não sentia remorsos. Ela ficaria bem, rodeada pelos amigos.

Regressou de táxi à festa de Little Marty Pearl, mas esta estava no fim. Só lá restavam uns quantos jornalistas bêbados, que aproveitavam a oportunidade de beber à borla.

Vagueou pelas salas do hotel, mas como não encontrou traços de Cleo, regressou ao hotel dela e descobriu que efectivamente ela regressara nessa mesma tarde, mas de momento tinha saído.

Passou então uma noite óptima, esperando no bar até este fechar, passando depois para a entrada até que, às duas da manhã, lhe pediram educadamente que saísse. Esperou então na rua até que, quando passavam aproximadamente cinco minutos das cinco da manhã, Cleo apareceu num táxi. Embriagada. Sarcástica. Rude.

Desta vez ela tinha-o tratado simpaticamente e, oh, mas com toda a elegância, claro, convidado a desaparecer. Usara linguagem que nunca, a não ser quando muito puxada, utilizava. É claro que estava, bêbeda, mas isso não era desculpa quando ele estivera ali a esperá-la durante toda a noite.

Agora evaporara-se para o seu quarto, sem mesmo lhe dar as boas noites. Atendendo à disposição em que ela estava, não lhe pareceu indicado segui-la. Não era a altura ideal para explicações.

Susan. Susan quem? Ah, essa, bem, isso não era nada, um pequeno desuze, tive pena dela. Não queria dizer nada.

Volta para mim, Cleo. Estavas sensacional esta noite. Bem vi as tuas pernas - meu Deus, fico com tesão só de pensar em ti.

De regresso ao seu hotel, Mike percorreu o quarto de um lado para o outro, incansavelmente. Dormiria umas horas e iria novamente ter com ela. Talvez lhe levasse um presente, ela gostava de presentes. E depois, calmamente, quando ela lhe tivesse perdoado, trataria de descobrir o que andara a fazer com o Butch Kaufman até às cinco da manhã.

 

Jon acabou por ir jantar juntamente com Laurie, Erica e Jackson. Não era a situação ideal. Muffin não iria ficar muito satisfeita quando soubesse. Fosse como fosse, a culpa era dela. Tinha sido ela a ir-se embora como uma adolescentezinha com mau gênio.

Sentaram-se os quatro no San Lorenzo. Muito agradável. Jackson ficara apanhado por Laurie e mantinha com ela uma longa conversa sussurrada, que tinha como resultado muitos risinhos da parte dela e muitos apalpões da parte dele.

Erica sentou-se reclinada para trás e distante, a típica loura alta e fria. Já a tinham encontrado lá, despreocupadamente devorando uma grande pratada de lasanha.

- Mike James fez o truque de desaparecer - explicou ela -, mas eu fiquei porque estava absolutamente esfomeada.

O San Lorenzo tinha sempre um batalhão de espias trabalhando para várias colunas de mexericos, e Jon sabia que no dia seguinte haveria alguma menção venenosa ao facto de estar ali com outra mulher que não Muffin. E esta, onde estaria? Em casa e na cama, amuada por certo. Mais tarde trataria de a aplacar. Nesse momento tinha era de ser simpático com Jackson. Ele era um contacto excelente, com quem convinha associar-se.

- Onde está a Muff? - perguntou finalmente Erica, depois de acabar o prato de lasanha.

- Não sei onde consegues pôr isso tudo - disse Jon, abanando a cabeça espantado.

- Isso é que sabes! Ou será que tens a memória curta? Cristo! Como podia esquecer a cena com Erica. Ela era louca furiosa quando se tratava de sexo. Verdadeiramente devastadora. Nunca esqueceria aquele momento escaldante em que ela trincara o seu pénis com aqueles dentes muito brancos e ele pensara que lho ia arrancar. Para o libertar, ficara com umas marcas bem feias e a firme convicção de que mais valia não se meter com as louras muito desempoeiradas. É claro que isto fora antes de Muffin.

Estava satisfeito por Jackson não ter escolhido Erica, ainda que, segundo Muffin, Laurie tivesse alguns hábitos sexuais desenfreados. Nada de violento, no entanto. Jon descobrira que Muffin e as suas amigas passavam horas a discutir as suas vidas sexuais. E não poupavam nos pormenores. Quem fazia o quê a quem. Qual era o tamanho dele. Se o tipo tinha um bom desempenho. Se descia às profundezas. Muffin parecia conhecer os pormenores mais íntimos de todos os machos da cidade. Indirectamente, é claro. E falavam elas de igualdade! Muffin e o seu grupinho podiam destruir qualquer tipo bastando-lhes para isso dizerem todas em coro:

- É pequeno!

- Perguntei-te onde estava a Muffin - disse Erica meigamente.

- Estava cansada - explicou Jon. - Foi um dia longo e cansativo, por isso disse-lhe que fosse para casa.

- Estaria aborrecida por causa daquele artigo do Anthony Private?

- Erica, tu ficavas aborrecida se um dos diários de maior circulação te fizesse uma entrevista destacada? com o devido respeito, minha querida, és um lindo modelo, mas quantas vezes aparece o teu nome mencionado junto da tua fotografia?

- Não preciso de publicidade pessoal. Tenho sempre trabalho.

- Óptimo. Mas a Muffin vai ser mais que um simples modelo. Muito mais.

- Sempre foste um trapaceiro desenrascado. Acredito que o consigas.

- Vais ver que sim.

Erica tamborilou com as unhas compridas na mesa.

- Que tal irmos a minha casa tomar um café?

- Não, meu amor.

- Vais para casa, ter com o teu investimento?

- Não voupara casa, ter com a minha miúda. Erica encolheu os ombros.

- Nesse caso, acho que vais desculpar se me levantar e for ter com uns amigos que estão ali. - Levantou-se e fez um sorriso fraco. Quando mudares de idéias, Jon, dá-me uma apitadela. Terei sempre um sitiozinho fofo à tua espera... se é que me entendes?

Jackson e Laurie continuavam nos sorrisos e murmúrios. Jon já não acreditava que pudesse haver qualquer conversa de negócios, por isso deu uma palmadinha no ombro de Jackson e combinou um encontro com ele para o dia seguinte.

Jackson piscou-lhe o olho libidinosamente.

- Obrigado, compincha, amanhã havemos de combinar algumas coisas.

Jon concordou com um aceno. Já decidira o que queria do americano. Queria um sabe-tudo, meios técnicos, e que o apresentasse às pessoas certas. Assim que acabassem as fotografias do calendário da Schumann, a América era o caminho. Na América, Muffin tornar-se-ia famosa em todo o mundo, e Jon - com uma ajudinha dos amigos estaria ao seu lado na mesma posição. Ofereceria a Jackson uma parte de Muffin - uma pequena percentagem-, bem, talvez uma percentagem moderada. Jackson não parecia ser o tipo de pessoa que fizesse alguma coisa de borla.

Na América, Jon sentia que iria finalmente poder livrar-se de Jane. Que alívio não ter de ouvir a sua voz chorosa e maçadora a queixar-se de como a vida lhe corria mal. Claro que teria saudades dos filhos, mas eles podiam ir visitá-lo. Nessa altura já teria dinheiro suficiente para pagar a uma ama que os acompanhasse. Seria óptimo.

Uma casa com piscina. Vários carros. Criados. Montes de festas.

Jon sorriu para consigo. Aquilo é que ia ser boa vida. Pousou um beijo na face de Laurie.

-Sé boazinha para o meu amigo - instruiu-a.

Laurie fez rolar os olhos.

-Podes apostar que sim, cara de bebê! -disse com uma risada.

Bem, parecia que por aquele lado Jackson estava bem orientado.

Jon esperava que o americano se lembrasse de lho agradecer.

Distinguiu Erica sentada numa roda de amigos e lançou-lhe um aceno precipitado. O facto de ela lhe continuar a fazer propostas lisonjeava-o, mas na verdade já não o atraía. E agora, para casa, para junto de Muffin. Da linda, elegante, adorável e teimosa Muffin. Bem, ela não era exactamente teimosa, isso não era justo, era um pouco acriançada nas suas atitudes para com a vida, e isso até era simpático.

Aos vinte e seis anos, Jon era cínico em relação às mulheres.

Montava-as desde os catorze anos, e já conhecera muitas. Quando estava casado com Jane, estava ainda nos começos da sua carreira como fotógrafo, e as coisas não eram fáceis. Depressa descobriu que podiam ser muito mais fáceis. Mabel Curson era uma mulher de meia-idade, responsável editorial por uma revista feminina, e tinha todo o gosto em dar-lhe os trabalhos que queria em troca de uma sessão de sexo semanal.

Jon descobriu que havia muitas Mabel Cursons na indústria da moda. Podia dizer-se que para ele a escada do sucesso tivera uma cama em cada degrau. Até Muffin. Muffin fora o seu passaporte para coisas melhores, e juntos estavam a abrir caminho. Não fora necessário prestar serviços às Mabel Cursons nos últimos dois anos.

Jon entrou silenciosamente no apartamento de Holland Park. Que Muffin dormisse sobre os assuntos que a apoquentavam. Na manhã seguinte sentir-se-ia melhor. Fez uma festa ao Scruff e deu-lhe uma tigela com leite. Depois despiu-se na casa de banho e caminhou sem ruído até à cama.

Foi só quando estendeu o braço para tocar em Muffin que compreendeu que ela não estava lá.

 

O telefone acordou Cleo cedo. Olhou de soslaio para o relógio e compreendeu em pânico que passavam dez minutos das dez da manhã. O despertador não tocara às nove, ou talvez ela não o tivesse ouvido. Fosse como fosse, sentiu-se desesperada. Uma operadora americana dizia-lhe que esperasse sem desligar, e ela estava cheia de sede e com uma dor de cabeça devastadora.

- Não posso ficar o dia todo à espera! - disse zangada ao telefone, e quando não houve resposta pousou o auscultador com violência, levantou-se, sentiu-se pior, forçou-se a entrar na casa de banho e tomar um duche frio.

A sua mente ficou um pouco mais clara e recordou fragmentos da noite anterior.

Oh, Cristo! Ramo nu entesado. Butch com duas mulheres. Mike... ou seria tudo um pesadelo?

Agora não tinha tempo para pensar nisso. com um encontro marcado para as onze horas, sem tempo para tomar o pequeno-almoço, com tempo à justa para uma maquilhagem ultra-rápida, para se vestir, pentear e sair com um aspecto horrível.

Pegar no gravador, na bolsa, no bloco de apontamentos. Um quarto para as onze. Toca de novo o telefone. Desta vez é Russell Hayes, ouvindo-se perfeitamente, a falar de Nova Iorque. Não era uma hora absurda para se telefonar de lá?

- O trabalho sobre Kaufman e Kaliffe está óptimo - dizia ele entusiasmado.

"Sim! ", pensou Cleo, "e ainda te podia arranjar mais sobre ambos, coisas que nem imaginas." Por exemplo, Ramo Kaliffe tinha uma picha com um pé de comprimento, disso lembrava-se ela bem.

- Obrigada, Russ.

- Estou a pensar usar o artigo sobre o Kaufman para abrir. Vou mandar o Jerry para fazer as fotografias. - Fez uma pausa. - Já te encontraste com o Mike?

Ela olhou para o relógio. Ia chegar atrasada.

- Não. Ouve, Russ, eu...

- Não fiques preocupada. Podes contar comigo sempre que queseres. Posso até apanhar um avião e ir aí ter contigo.

"Oh, merda! "

- Está tudo bem, não precisas de vir cá.vouter de desligar, estou atrasada para um encontro.

- Está certo, minha querida. Só queria que soubesses que podias contar comigo se precisares.

- Adeus, Russ. - Pousou o telefone.

"Minha querida, com efeito." Infelizmente, após este trabalho teria de dizer adeus à revista Image e a todos os que lá trabalhavam. Uma pena, mas era inevitável.

Teria de começar tudo de novo - em todos os campos.

Ligou para a recepção e pediu que lhe chamassem um táxi. Dez e cinqüenta e cinco. com um pouco de sorte, só chegaria uns minutos atrasada.

Daniel Onel vivia numa pequena casa antiga em Belgravia. A abrir-lhe a porta veio uma loura dinamarquesa que lhe sorriu inexpressivamente e a conduziu até uma sala de estar desleixada.

- Ele não se demora - disse a loura, com um sotaque cerrado. Como quer que sirva o café?

Cleo acenou.

- Simples. Sem açúcar.

A loura afastou-se e Cleo observou o ambiente à sua volta. A sala era grande, muito moderna, com cadeirões e um sofá de couro negro e mesas cromadas com tampos de vidro.

Daniel Onel tinha obviamente recebido visitas na noite anterior, porque os cinzeiros estavam cheios e abundavam os copos sujos. Pelo chão viam-se discos espalhados, e um vaso com rosas tinha tombado e entornado a terra sobre a alcatifa.

- Por que queres incluir o Daniel Onel? - perguntara-lhe Russell quando ela lhe dera a lista da série "Quem tem medo do lobo mau".

- Porque é um homem de grande talento e as mulheres acham-no atraente. Um homem não precisa de ter físico de surfista para ser garanhão.

- Ok. só estava a perguntar - concordara Russell.

Mas por que se decidira ela a entrevistar Daniel Onel?

Porque queria conhecê-lo. Porque era o seu actor favorito. Porque embora fosse para a pequenote, usasse óculos e estivesse a caminho dos cinqüenta tinha uma personalidade carismática que atraía as mulheres.

Cleo desejaria sentir-se melhor. Desejaria ter podido ficar toda a manhã na cama. Por vezes desejava até ser como a mãe, que nunca trabalhara em toda a vida.

No seu casamento com Mike nunca se pusera nenhuma questão por ela trabalhar. Mike sempre aceitara como uma evidência o facto de ela ter a sua própria actividade. Acreditava na igualdade das mulheres e não parecia ter muito respeito pelas mulheres que não faziam nada.

- Será que não se aborrecem? - perguntara sobre as suas amigas casadas sem trabalho. - Que raio fazem elas durante todo o dia?

- Ora, vão ao cabeleireiro, às compras, almoçam umas com as outras - respondera ela.

- Fascinante!

Cleo interrogara-se freqüentemente sobre como seria quando tivessem filhos. Ela não estava na disposição de os entregar aos cuidados de uma ama. Mas, evidentemente, esse problema nunca chegara a colocar-se.

Daniel Onel entrou na sala. Era mais alto e mais magro do que ela esperara.

Sorriu e disse:

- Peço desculpa pela confusão. - Usava uma camisa de flanela aberta no colarinho, calças pretas e sapatos de ginástica brancos. O cabelo, que era naturalmente escuro, estava pintado num tom ruivo-alcana, por causa de umas filmagens. - Pode começar por saber que detesto entrevistas - anunciou com cinseridade. - Acho-as aborrecidas para toda a gente: eu, você e o pobre coitado que vai ler as minhas opiniões sobre tudo, desde a "erva" até às acrobacias aéreas.

- Nesse caso... -começou a dizer Cleo. Ele ergueu uma mão para a calar.

- No entanto, li na Image um artigo seu sobre o senador Ashton, e achei-o muito bom, imparcial e bem escrito, de tal forma que me. pareceu que podia ser interessante para os dois encontrarmo-nos. Tirou os óculos e olhou para ela. - Para conversar, é claro.

- Claro. - Cleo gaguejou, subitamente enervada por este homem estranho, com o seu cabelo arruivado e os sapatos de ginástica.

- Devo avisá-la - disse ele abruptamente - de que não pretendo discutir nenhuma das minhas esposas, excepto talvez a primeira, e que não direi uma palavra sobre o meu último divórcio. Foi um erro terrível... de arrasar a cabeça... -Calou-se e inclinou-se subitamente para apanhar as rosas caídas e colocá-las de novo no vaso.

A loura regressou com o café.

- Ah, Heidi - saudou Daniel -, já conheces Cleo James?

- Mais ou menos - disse esta. Princesa Heidi Walmerstein apresento-lhe Cleo James. Daniel fez um ar trocista. - Aqui tem uma rapariga sobre quem podia escrever, uma pobre princezinha empobrecida, que chegou aqui só com a roupa que trazia no corpo e, evidentemente, uns quantos números de telefone, entre os quais o meu.

Cleo pressentiu uma súbita tensão.

Heidi disse:

- Daniel, eu saio agora.

- Ôptimo - disse ele expansivamente. - Gasta um pouco mais do meu dinheiro, e aproveita para te divertires, já que comigo não o fazes.

- Oh, Daniel! -exclamou Heidi. - Não estejas sempre no brincar.

- "Não estejas sempre no brincarr" - imitou Daniel. - Já cá estás há seis meses. Não seria já tempo de falares inglês decentemente?

Heidi franziu as sobrancelhas.

- Agora vou. Volto no mais tarde.

- Cristo! -exclamou Daniel enquanto a lourinha saía. - Nem sei como a aturo. É demasiado jovem, demasiado estúpida, e nem sequer é capaz de falar um inglês de escola.

- É muito bonita.

- Bastante bonita - emendou Daniel.

- Pensei que era a sua empregada. Daniel riu às gargalhadas.

- Está perdoada por pensar isso. Agora que penso nisso, ela parece ter aquele ar rosado das donas de casa dos anúncios. Mas é mesmo uma princesa. Conheci a família.

- Que interessante para si - murmurou Cleo enfiando o nariz na chávena do café. Estava insuportavelmente forte. - Ugh! exclamou.

- Está horrível, não está? Venha até à cozinha e vamos fazer outro. O café não é um dos pontos fortes da Heidi, especialmente quando é para outra mulher. Quase envenenou uma das minhas exesposas!

A cozinha estava ainda mais desarrumada que a sala.

- Isto parece uma esterqueira - comentou Daniel.

- Não tem uma criada?

- Aparece e desaparece. Neste momento desapareceu, como pode verificar.

- Há uns sítios para onde se pode telefonar e de onde nos mandam actores desempregados e gente assim.

- Ouça, se eu tivesse cá um actor no desemprego, acha que ele ia andar por aí a aspirar a casa? Claro que não, tratava de me mostrar os seus talentos de actor, não seria?

O telefone tocou, e Cleo teve de resignar-se a ficar a ouvir a conversa de Daniel.

- Ela põe-me maluco. - Pausa. - Bem, é claro que lhe disse. - Pausa. - Mas se ela nem sequer fala, quanto mais compreender! Pausa. - Eu sei, eu sei, tem de ser. - Pausa. - Sim, é, é sempre a mesma coisa. Se quisesse que me tratassem assim, podia arranjar uma miúda qualquer no Soho, ou não podia? - Pausa. - Está certo, meu velho, talvez mais tarde. - Ficou a ouvir durante um bocado. -voudizer a Miss Walmerstein que faça as malas e se ponha a andar.

- Ouça - disse Cleo seriamente -, quer que volte mais tarde?

- Não, claro que não. Já lhe disse que ia ser aborrecido. Mais tarde seria tão aborrecido como agora.

Cleo fez o café. Desta vez estava tragável. Daniel encontrou um pacote de biscoitos secos e voltaram para a sala.

- Conte-me coisas do senador Ashton.

- Já leu tudo o que havia para dizer. - Cleo sentia-se muito satisfeita por ele ter lido o seu artigo sobre o senador. Era um dos melhores que fizera. Uma semana em Washington a segui-lo por toda a parte. Seis horas de entrevistas gravadas. Nunca se ouvira falar de ele conceder tanto tempo a um jornalista. Russell dissera que a tiragem da revista subira em flecha na semana em que o publicara. Mike ficara imensamente orgulhoso, e um produtor de televisão oferecera-se para lhe fazer uma audição quando ela quisesse para um eventual programa de entrevistas a dirigir por ela.

- É casada? - perguntou Daniel.

- Sou, sim.

- Feliz?

- Supõe-se que quem esteja a fazer a entrevista seja eu. Daniel abriu os braços.

- Entreviste-me. Pergunte o que quiser. Só não me faça aquelas perguntas estúpidas do costume.

- Porque não conversamos apenas. Sobre aquilo de que gostar.

- Sobre aquilo de que eu gostar? Já nem tenho a certeza do que é que gosto. Continuo a deixar-me envolver em coisas de que não gosto. Maus casamentos. Maus relacionamentos. Maus filmes, que nunca deveria ter feito.

- Que pretende você da vida?

- Uma mulher bela que só se preocupe comigo, que esteja preparada para me pôr acima de tudo. Que seja fiel. Que não seja possessiva. Uma figura maternal. Que seja fantástica, na cama e na cozinha, e que tenha sentido de humor. Acha que existe essa mulher?

- Se existe, eu quero o equivalente masculino! Daniel riu-se.

- Também com problemas? - inquiriu.

- Quem não os tem - suspirou Cleo.

Daniel torceu o rosto numa careta desgostosa.

- A vida seria tão simples se não tivéssemos de a viver com outras pessoas.

- Isso é uma outra forma de dizer a frase imortal da Garbo, "quero ficar sozinha"?

- Você tem sentido de observação, não tem pequena?

Cleo corou. com que então, "pequena"! com um metro e setenta de altura e vinte e nove anos de idade. Daniel Onel fazia-a sentir-se como se tivesse catorze anos.

- Por que continua com a Heidi se não é essa a relação que lhe interessa? - arriscou Cleo.

Daniel encolheu os ombros sem saber que responder.

- Por hábito. Talvez pela solidão. Faz idéia do que é voltar a casa e não ter ninguém à sua espera?

- Mas com certeza que tem montes de amigos?

- Conhecimentos - corrigiu Daniel. - Amigos da onça, que gostam de ser vistos junto connosco quando o nosso último filme foi um grande êxito.

- Deve ter amigos íntimos.

- Você tem?

Cleo pensou em Dominique, em Russell e Susan.

- Acho que o consigo compreender - admitiu.

- Já tive uns quantos bons amigos. Pessoas que sempre conheci. Mas esses têm as suas vidas. As suas famílias... -a voz apagou-se-lhe.

- E quanto aos seus filhos? Deve dar-se bem com eles.

- À medida que vão crescendo, partem, cada um na sua direcção. Vejo o Dick uma vez por outra. Está com dezoito anos. Tem a sua própria vida. Ouça, meu amor, estou entregue a mim próprio, essa é que é a realidade. Tenho quarenta e nove anos e dei cabo da minha vida pessoal, e agora estou atado a um diabo de uma dinamarquesa que obviamente não amo. É claro que não, mas é bom para a minha imagem... se é que me percebe?

Cleo assentiu.

- Acho que sim, mas parece-me um desperdício. Quero dizer, deve haver, algures, a mulher certa.

- Não se importa de a encontrar por mim?

Por que seria que ele a fazia sentir-se tão nervosa?

- Tenho a certeza de que a há-de encontrar... Daniel fez um sorriso cínico.

- Claro.

- Tem o sapato desapertado.

Ele inclinou-se para o atar. O cabelo começava ligeiramente a rarear. Não importava. Nada importava. Era o homem mais atraente que conhecera até então. Nem sequer reparara que ela era uma mulher. Para ele, era um bloco-notas, um lápis e um gravador. Cleo aclarou a garganta.

- Fale-me do seu último filme - sugeriu. - É verdade que enviou um telegrama ao produtor dizendo que nunca mais trabalharia com ele?

Daniel riu-se.

- Tão certo como as galinhas não terem dentes!

 

Num frenesi, Little Marty abanou Muffin.

- Acorda - implorou. - A minha mãe está à porta e, se te vê, há uma explosão!

Lentamente, Muffin abriu os olhos. Ensonada, olhou em volta. Onde estaria? Ah, sim.

- Olá Marty - disse, enroscando-se mais nos lençóis. Tinha estado a sonhar, um sonho fantástico em que ela aparecia numa praia, vestida de peles e rodeada de fotógrafos, na capa da Vogue. Interrogou-se sobre se Jon seria capaz de lhe conseguir isso - nestas coisas ele era muito bom. Por que haveria de aparecer sempre nua, a mostrar as mamas e o traseiro?

- Levanta-te! - disse Marty entre dentes, já a ficar desesperado.

- Vamos ter de te esconder, só por uns minutos.

- Oh! - exclamou Muffin de mau humor. - Estou tão quentinha e confortável.

Como se fosse muito longe, ouvia bater na porta e a voz aguda de Mrs. Emma Pearl reclamando que a deixassem entrar.

- Vá lá! -Marty obrigou-a a sair da cama. - Vai para a casa de banho, fecha a porta e não a abras até eu te dizer.

- Mas tenho frio.

- Tens lá muitas toalhas. Por favor, miúda, fá-lo por mim.

- Está bem. - Estava ainda meio adormecida, e bocejava. Deixou-o arrastá-la até à casa de banho.

Marty correu para a porta da suite. Abriu-a. Mrs. Emma Pearl entrou de roldão, olhando desconfiadamente para todos os cantos.

- Quem está aí? - perguntou.

- Ninguém - protestou Marty.

- Por que demoraste tanto tempo para abrir a porta?

- Estava a dormir. Por favor, mãe, são só oito horas, por que me acordou tão cedo?

Ela espreitou pela porta do quarto e, satisfeita por o ver vazio, deixou-se cair num sofá.

- Como se não soubesses - disse, abanando a cabeça - que me estão a mandar de volta para a América. Uma mãe é prejudicial para a tua imagem - a sua voz era agora um queixume esganiçado.

 

Desde quando é que uma mãe é prejudicial para a imagem de seja lá quem for!

- Sim, mãe. - Marty pregara os olhos no chão. - Eu tenho de seguir aquilo que eles me dizem. A mãe sabe disso.

- E quem vai olhar por ti? Quem vai tratar de que comas como deve ser? De que durmas a horas certas? Quem te vai agasalhar após um espectáculo?

- Oh, mãe, o Jackson trata dessa porra toda.

- Ainda a tua mãe não se foi embora e já estás a usar essa linguagem. E quanto às raparigas?

- Que raparigas?

- Quaisquer raparigas. Afasta-te delas, ouviste? De todas. - com ar misterioso, acrescentou: -Há doenças tão terríveis que nem me atrevo a nomeá-las.

- Sim, mãe. Ela abraçou-o.

- Pensa na tua mãe e não te esqueças de lavar os dentes três vezes por dia. Os dentes são muito importantes para ti. Não comas doces. Lembra-te de não baixares os olhos quando fores fotografado.

- Adeus, mãe.

As lágrimas escorriam-lhe pelas faces.

- Adeus, filho. Só nos vamos separar por muito pouco tempo. Saiu e Martiy fechou a porta. Oh, Deus! Finalmente livre! Livre

para poder dizer asneiras, comer doces, deitar-se tarde e, acima de tudo, para as miúdas! Bem... miúda. Muffin. A doce, adorável, esplendorosa e sexy Muffin!

Dirigiu-se apressadamente à casa de banho e bateu à porta.

- O caminho já está livre - gritou. - Deixa-me entrar. Muffin enroscara-se no tapete da casa de banho e voltara a adormecer.

- Deixa-me entrar - implorou Marty. - Vá lá, querida, ela já se foi embora.

- Quem me dera que não andasses sempre a acordar-me - resmungou Muffin, levantando-se e abrindo a porta.

Marty precipitou-se na sua direcção.

- Apanhei-te!

Mike acordou tarde, praguejou, e ligou para o hotel de Cleo, mas esta tinha acabado de sair.

Fez a barba, vestiu-se e pôs-se a cismar. Não estava satisfeito com o curso que as coisas tinham tomado. De forma alguma. Noutros tempos, sempre que ele e Cleo se zangavam, sentavam-se e discutiam o assunto, resolviam-no com uma boa conversa. Sempre haviam acabado por chegar a algum acordo mutuamente aceitável. Cleo não era de forma alguma estúpida, era viva e inteligente. Que raio significariam aqueles joguinhos de merda que andava agora a fazer?

Certo, ele dera a facadinha no matrimônio. Tudo bem, estava disposto a aceitar uma punição.

Bateram à porta e por um momento pensou que poderia ser Cleo, mas ao abrir descobriu que era Jackson.

- Podes dar-me os parabéns! - alardeou este. - A mãezinha está neste preciso momento a bordo de um grande avião, a caminho de Nova Iorque. Encarreguei-me pessoalmente de verificar que embarcava.

- Muito bem - disse Mike.

- E trouxe um carregamentto de jornais com a cobertura do que nos interessa. Nada mal, ha? - Jackson mostrava-lhe uma pilha de jornais em que se destacava, na maior parte das primeiras páginas, uma grande fotografia de Little Marty com Muffin na festa da noite anterior. - Essa miúda ajudou bastante - continuou Jackson. - Combina bem com o nosso rapaz, não é verdade?

- É - concordou Mike. Na verdade, estava-se marimbando.

- Passei uma noite daquelas bem quentes - confidenciou Jackson. - Não há nada melhor que uma inglesa boazona. Especialmente quando se combina com um toque de Jamaica.

- Como estão as reservas para o concerto? - inquiriu Mike abruptamente. A última coisa que queria ouvir eram as aventuras sexuais de Jackson.

- Vai tudo óptimo. Devem esgotar esta tarde.

- Que faz o Marty hoje?

- Disse-lhe que podia dormir até tarde, depois vai almoçar com um tipo que lhe vai fazer uma entrevista de página inteira para um dos jornais de circulação nacional. A seguir, mais publicidade. Fotografias no parque, duas ou três entrevistas para os jornais dedicados à música, e a seguir o concerto. Vou agora acordá-lo. Queres vir almoçar connosco?

- Estás a brincar, não?

Jackson saiu e Mike acabou de se vestir. Já sabia o que ia fazer. Ia até ao hotel de Cleo, esperaria por ela, e desta vez as coisas iriam correr bem. Já chegava de andar atrás dela. Devia estar doido para a deixar mandá-lo assim embora. Que se fodesse, mais essa forma de reatamento. Não, desta vez ia ser tudo muito diferente.

Cantarolando, Jackson bateu à porta da suite de Little Marty. Estava satisfeito consigo mesmo, com a forma como se livrara da mãe de Marty, com a cobertura jornalística, com a noite que passara com a inventiva Laurie - embora se sentisse um tanto ou quanto aborrecido com Jon Clapton por não o ter avisado de que esta esperava que ele lhe pagasse.

- Não és capaz de o fazer por amor? - perguntara-lhe.

- O amor que se foda! - Fora a resposta lacônica de Laurie. Sem dinheiro, nada feito.

De maneira que pagara, levara-a para a cama, e valera a pena. Marty abriu a porta só o suficiente para poder espreitar. Jackson tentou entrar, mas Marty tapou-lhe o caminho.

- Eh, miúdo, estás safo. A mamãzinha já vai no avião.

- Já sei - disse Marty. - Ela veio despedir-se. Ouve, não podes voltar mais tarde?

- Mais tarde? - Jackson consultou o relógio de pulso, surpreendido. - Ouve, miúdo, já passa do meio-dia, temos encontro marcado à uma, só tens tempo para te vestires e chegar até ao carro...

- Encontramo-nos na entrada às dez para a uma. Intrigado, Jackson não arredou pé.

- Não queres ver os jornais? Estás em todos. Marty pegou nos jornais e começou a fechar a porta.

- Eh, miúdo, que se passa? Tens alguma das tuas fãs escondida debaixo da cama?

Marty corou.

- Ouve, miúdo - Jackson falava num tom simpático -, põe-na a andar e vamos tratar da vida. Temos trabalho a fazer, sabes? Deixa que seja eu a tratar da tua vida sexual, e já não tens nenhuma retardatária a atrasar-te de manhã. Tu só mas apontas. "Eh, Jackson, quero aquela ruiva." E eu trato do resto. É para isso que estou cá, para cuidar de ti.

- Encontramo-nos na entrada - murmurou Marty.

- Está bem. Se é assim que queres. Veste o fato bege-claro de antílope e não te atrases. E, Marty, por hoje as coisas ficam assim, mas de futuro todos os arranjinhos são tratados por mim. Não queremos a mãezinha de volta, pois não?

 

Um dia passado com Daniel Onel era esgotante. Sobretudo concluíra Cleo -, se se estava com uma ressaca monumental e com falta de sono. Desejou ter dedicado mais tempo à sua maquilhagem e a escolher as roupas que iria vestir.

Gostaria que o seu aspecto fosse o melhor para Daniel. Este era uma personalidade complexa e talentosa, e ela sentia-se atraída e com um misto de pena e simpatia por ele. Parecia-lhe que tinha pela frente um homem que não sabia muito bem o que queria, que se espalhava em todas as direcções e optava pelas soluções mais erradas.

A sua conversa foi finalmente interrompida quando Heidi regressou ao fim da tarde com um grupo de amigos.

Daniel torceu o nariz.

-vouter de receber as Nações Unidas - explicou. - A Heidi só traz para casa os seus compadres dinamarqueses ou então a escumalha. Uma companhia muito divertida.

Cleo sorriu.

- Pensei que ia ficar uma hora e estivemos aqui o dia inteiro. Tenho muito material de qualidade. - Hesitou. - Se quiser, posso telefonar-lhe quando tiver escrito o artigo, e pode vê-lo.

Daniel acenou.

- Isso seria óptimo. Faça-o. - Pegou-lhe na mão e apertou-a. Gostei muito da nossa conversa. Espero não a ter aborrecido demasiado.

- Não me aborreceu absolutamente nada.

Ele continuava a segurar-lhe na mão e ela não procurava libertá-la.

- Daniel - chamou Heidi com irritação -, onde teres a champanhe?

- Bem... - disse Daniel.

- Bem... - respondeu Cleo.

Sorriram um para o outro e ele apertou-lhe a mão com força antes de a largar.

- Eu telefono - prometeu ela.

- Ficarei à espera - respondeu ele.

"É claro que não lhevoutelefonar", pensou Cleo no táxi, de regresso ao hotel. "Devia estar doida para tê-lo sugerido." Qualquer tonto sabia que se se mostrasse a um actor o que se havia escrito sobre ele antes de o ter publicado, ele iria querer modificar tudo. Os egos são delicados e sobressaltam-se constantemente com o que as outras pessoas deles pensam.

Quando estava a pagar o táxi, à porta do hotel, alguém a agarrou por detrás, tapando-lhe os olhos com as mãos.

Por um instante de pânico pensou que estava a ser assaltada, mas logo ouviu uma voz estridente de mulher gritar:

- Não adivinhas quem eu sou!

- Ginny! -exclamou Cleo. - Que fazes por aqui? Abraçaram-se e Ginny disse:

- Oficialmente, trabalho. Na realidade, fornico!

- com quem?

- Estou apaixonada - disse Ginny solenemente. - E com um homem que ainda é casado. E acho que ele, provavelmente, vai ter de se divorciar por minha causa - disse, rindo. - Amor verdadeiro combinado com luxúria. Nunca pensei que posse possível!

- Quem é ele? - insistiu Cleo.

- Vamos até ao bar, e eu conto-te tudo, com todos os pormenores. Nós vamos ficar por cá, tentei telefonar-te... ninguém te deu os meus recados?

- Quando é que vocês chegaram?

- Só hoje. Tenho de me encontrar com Ramo Kaliffe, por causa de uma série de que a agência está a tratar. Não me achas mais magra e bonita? Perdi dois quilos e meio, não se nota?

- Claro. Estás óptima. Quem é o tipo que está contigo, Ginny?

- Contém a respiração e prepara-te para uma surpresa. É o Sr. Especialista de Sexo, o Dr. Richard West.

- Acho que preciso mesmo de uma bebida. Vamos até ao meu quarto, e vais contar-me tudo, ou será que vocês iam sair?

- Eu ia fazer umas compras, isso pode esperar. Ia só comprar uma camisa de noite comprida, preta e sexy. Richard fica doido só de me ver de preto! Então, e como vão as coisas entre ti e o Mike? É só amor ou continuam zangados? Aquela Susan também me saiu uma boa puta. Que mentirosa!

- É uma óptima surpresa ver-te por aqui. Vão ficar durante quanto tempo?

- Três dias de deboche completo! Este gajo escreveu Sex - an Explanation e eu estou a fazê-lo explicar-me tudo, com todos os pormenores.

Cleo sorriu. Ginny Sandler era efectivamente escandalosa. Mas era genuína.

- Como é que tu e o Richard West se conheceram?

- Foste tu que nos apresentaste, no lançamento do livro dele, ou já não te lembras? Acho que ficámos apanhados um pelo outro. Levei-o dali para o meu apartamento, enchi-o de "erva", para ele foi a primeira vez, acreditas? com quarenta e seis anos e nunca tinha dado uma "passa". Até me emocionei a excitá-lo. Sentia-me como uma velha depravada a mostrar-lhe os meus quadros. bom, seja como for, tudo começou nessa noite, e cá estamos! Ele anda a promover os livros eu, como já te disse, ando a ver se apanho o Ramo Kaliffe para um acordo.

- Se bem te conheço - disse Cleo rindo -, não é só para isso que queres apanhar o Ramo Kaliffe.

- Cleo! - exclamou Ginny com voz de criança magoada. - Já te disse que estou apaixonada. Estou a ser fiel pela primeira vez na minha vida!

- Não acredito!

- É verdade! A sério que é!

Chegaram ao quarto de Cleo e, como de costume, havia uma grande quantidade de recados para ela. Mike ligara três vezes.

Ginny continuava a tagarelar sobre Nova Iorque, o seu caso de amor, e o facto de se recusar terminantemente a falar com aquela Susan.

Cleo ouvia, distraída. O que na verdade queria era ficar só. Desejava poder deitar-se com um bom livro que lhe libertasse o espírito de tudo aquilo. Sentia necessidade de uma noite bem dormida. Então, talvez na manhã seguinte tivesse a mente suficientemente clara para pensar em Mike.

Que iria fazer com Mike?

Que queria realmente fazer com ele?

Era uma decisão difícil e dolorosa, que iria afectar todo o seu futuro. Que lhe interessava mais: passar o resto da vida com um homem que lhe mentia e a enganava, ou arriscar a oportunidade de ficar só?

Não sabia.

- Em todo o caso - dizia Ginny -, quero que venhas jantar connosco esta noite. Até me ajudavas a evitar a conversa do Richard sobre quanto eu sou encantadora, meiga e simpática, e toda essa merda. Ele é adorável, mas gostava que variasse um pouco mais, percebes?

- Desculpa, Ginny, mas não posso. Talvez amanhã, que achas?

- Óptimo. Formidável. Talvez tente conseguir-te um "arranjinho" com o Ramo Kaliffe. Isso agradava-te?

- Nem por sombras. Já o conheci, entrevistei-o, vi-o frontalmente em todo o seu esplendor, e chegou-me.

Ginny riu-se.

- És cá uma brincalhona!

Cleo sorriu. Se a Ginny soubesse da missa a metade! Mas nem pensar em fazer-lhe confidências sobre Ramo e Butch. Confidenciar qualquer coisa a Ginny era o mesmo que publicitá-lo num anúncio de página!

Bateram à porta.

- Ah, são as bebidas - disse Cleo. Abriu a porta e ali estava Mike.

Olharam-se em silêncio e após um momento Mike sorriu, abriu os braços e disse:

- Olá, pequena!

Cleo deu um passo atrás, evitando o seu abraço. Ele entrou atrás dela no quarto, parando quando avistou Ginny.

- Michael! -exclamou esta. - Que agradável surpresa.

- Não sabia que estavas cá.

- Isso só demonstra que não sabes tudo. Eu faço parte do jet set, não sabias? - Piscou com as suas grandes pestanas postiças na sua direcção. - Estás tão lindo e atraente como sempre.

Mike franziu as sobrancelhas. Cleo tamborilou, impaciente, com os dedos na parede.

- Acho melhor sair - disse Ginny relutantemente.

- Não - respondeu Cleo apressadamente. - Ainda temos de conversar. - Virou-se friamente para Mike. - A Ginny e eu estamos a discutir negócios.

- Estive todo o dia à espera de poder falar contigo - disse Mike enfaticamente.

- Não tenho culpa. Nunca disse que ia estar aqui.

- Acho que devíamos conversar.

- Não me parece que tenhamos algum assunto para falar.

- Ora, deixa-te disso, Cleo. Temos imenso de que falar.

- Ouçam, meninos - disse Ginny levantando-se. - Acho que é melhor eu raspar-me...

- Sim - concordou Mike.

- Não - insistiu Cleo.

- Cristo! - exclamou Mike. - Quando te dá para seres teimosa!

- Teimosa? Estou só a fazer aquilo que me apetece. Não é esse o modelo do nosso casamento?

- Gostaria de poder falar contigo. A sós. Não me parece que seja pedir muito.

- Óptimo. Só que não podes entrar por aqui adentro, como se eu fosse tua propriedade. Marca uma hora.

- com quem? com o raio da tua secretária?

- Se é para seres sarcástico, não me parece que haja alguma utilidade em conversarmos.

- Não estás a facilitar nada as coisas, Cleo.

- Oh, desculpa. Mas que pena.

- Voltarei mais tarde, quando estiveres sozinha. E não me parece que estejas a ser correcta com a Ginny. Ela não se quer envolver nos nossos problemas.

- Nos teus problemas.

- Volto mais tarde.

- Não te dês a esse trabalho.

- Cristo! Por vezes és mesmo capaz de te comportar como uma cadela mimada!

- Desaparece, Mike.

Outra vez! Furioso, Mike abandonou o quarto. Quem era afinal esta mulher estranha e irritada que continuava a dizer-lhe que desaparecesse? Não era a Cleo que ele conhecera. A mulher calma e bela com quem se casara. Uma mulher com classe. Que fizera ele para que ela se tornasse assim tão estranha, ao ponto de não querer sequer discutir as coisas com ele? Tudo o que ele fizera fora deixar-se apanhar em flagrante, e isso não era com certeza um crime?

Dirigiu-se ao bar. Esperaria uma hora, o tempo de ela se acalmar e livrar-se da Ginny. Depois voltaria, e desta vez ela iria ser razoável, conversariam, e tudo acabaria em bem.

- Já alguma vez foste para a cama com o Mike? - perguntou Cleo, simulando indiferença, assim que ele saiu.

- Q... Q... quê? - gaguejou Ginny.

- Fiz-te uma pergunta bastante directa. Foste? Ginny corou.

- Cleo, sou tua amiga. Como podes perguntar-me uma coisa dessas?

- É fácil. Ambas sabemos que não és do tipo das virgens vestais. Gostas de homens, gostas de foder. O Mike é muito atraente, não te iria culpar. Sejamos sinceras uma com a outra. Eu não me zango.

- Não não sei por que é que me fazes uma pergunta dessas.

- Talvez por pensar que seria interessante se me desses uma resposta verdadeira. - Fez uma pausa. Mike chamara-lhe cadela. Tudo bem, comportar-se-ia como tal. - Ouve, Ginny, o Mike tem falado muito desde que está cá... Será que não há nada que aches que me devias contar?

- O filho da mãe! - exclamou Ginny. - Meu Deus, Cleo, a última vez foi há três anos. Três anos, Cleo!

Cleo sentiu como se lhe tivessem dado um murro no estômago. Um pressentimento súbito tornara-se numa horrível realidade.

 

Enganara uma amiga, se é que lhe podia chamar assim, fazendo-a confessar algo de que nem sequer queria ouvir falar.

- Não sei por que te terá ele contado - continuou Ginny, com ar acabrunhado. - Nunca foi nada de sério, não passava de uma fodinha rápida, à memória dos velhos tempos. No fim de contas acrescentou, já na defensiva -, nós nessa altura mal nos conhecíamos, e eu conhecera o Mike muito antes de ele te conhecer a ti.

- De maneira que agora és tu e a Susan. Em quantas das minhas boas amigas se terá ainda posto o meu querido marido?

- Não sei... -começou Ginny.

- Sabes muito bem. Tu estás a par de tudo o que se passa. Acho que me deves, pelo menos, uma explicação. Não creio que devas alguma coisa ao Mike, ou deves?

- Oh, meu Deus, não sabes quanto eu lamento tudo isto. Pensei que soubesses do Mike.

- Que soubesse o quê?

- bom, encaremos as coisas como são. O Mike gosta de dar as suas "quecas" por aí. Pensei que tu soubesses e fizesses que não vias. Pensei que só tinhas ficado tão zangada por o teres apanhado com uma amiga.

- Ele gosta de dar as suas "quecas" por aí - ecoou Cleo siderada.

- E aposto que toda a gente sabe disso, menos eu, que devo ser como aquelas mulheres idiotas das telenovelas que são sempre as últimas a saber.

- Isso não quer dizer que ele não te ame - disse Ginny desesperadamente. - Ele é doido por ti. Toda a gente sabe disso.

- Bestial. Toda a gente sabe disso, e toda a gente sabe que ele gosta de dar as suas "quecas" por aí. Magnífico!

- Sabes como é. A alguns tipos, nunca lhes chega...

- Pelo que dizes, até parece que o Mike é alguma versão masculina de ti própria.

- Não há nada de errado nisso! -afirmou Ginny na defensiva.

- Não me envergonho de gostar de sexo.

- Boa noite, Ginny.

- Ouve, não fiques zangada comigo, eu não fiz nada.

- Não, tu és só um brinquedo louro e bonito. Nem sei por que é que não te dou um beijo e te agradeço por teres ido para a cama com o meu marido.

- Ora, merda! -exclamou Ginny. - Queira desculpar se a incomodei.

- Não me incomodaste - disse Cleo encarando-a frontalmente.

- Apenas me surpreendes te. De facto, estou até surpreendida com os gostos do Mike.

 

- Não vou ficar a ouvir os teus insultos. Se queres insultar alguém, lembra-te daquelas três negras que o Mike contratou para a Hampton. Três frascos, só o Mike é que não pensava assim. E lembra-te da Fanny Mason, essa porca desleixada que lhe deu de presente uma carrada de gonorreia, que ele teve o cuidado de não levar para tua casa. Ah, e é claro que deves lembrar-te...

Cleo caminhou tão calmamente quanto pôde até à casa de banho e fechou a porta para escapar à diatribe de Ginny. Não queria ouvir o rol das infidelidades de Mike. Já lhe bastava que elas existissem.

Sentou-se no chão e meditou sobre o facto de ser esta a segunda vez no espaço de dois dias que tinha de procurar refúgio na casa de banho. Primeiro com Dominique. Agora com Ginny.

Ginny gritou-lhe do lado de lá da porta:

- Não me surpreende que o Mike arranje os seus esquemas por fora. Tu és tão fria que lhe deves ter congelado o instrumento de cada vez que vocês o faziam.

Oh, como era bom ter amigos. Pessoas sinceras, calorosas e compreensivas que estavam sempre ao nosso lado quando eram precisas. Não havia ninguém com quem pudesse falar. Nem a mãe, nem Dominique, nem Susan, nem Ginny. Nem mesmo Russell. Os amigos do sexo masculino eram tão leais como as do sexo feminino.

Num impulso de raiva, Cleo decidiu que apanharia um avião, correria de volta para Nova Iorque e saltaria directamente para a cama de Russell. Isso seria uma lição para o Mike. Seria uma boa vingança. Mas era um pensamento infantil, e Cleo afastou-o rapidamente.

Em vez disso, deitou-se. Uma noite bem dormida, eis do que precisava. Avisou a recepção de que não deveriam passar-lhe nenhuma chamada. Fechou a porta à chave, tomou dois comprimidos para dormir e em breve mergulhava num sono profundo e intranquilo.

 

Marty estendeu os jornais a Muffin.

- Conseguimos a primeira página em todos. - Muffin guinchou de prazer e olhou demoradamente as fotografias, extasiada. Marty pigarreou com nervosismo. - O meu manager anda a apertar-me. Não... hum... não quero contar-lhe de nós dois. Ia logo chatear-me com aquela história de que as fãs não iriam gostar... esse tipo de coisas.

Muffin concordou com um aceno.

-voupassar o dia a fazer publicidade e tenho o grande concerto à noite. Podíamos raspar-nos logo de manhãzinha e casar-nos antes de eles o suspeitarem sequer. Uma vez casados, já não poderão fazer nada. Como é que as pessoas se casam aqui? É fácil?

Muffin sorriu.

- Como queres que eu saiba? Marty franziu o sobrolho.

- Nos Estados Unidos é preciso fazer análises ao sangue, preencher papeladas, acho que vamos ter de esperar.

- Por que não telefonamos para Caxton Hall? É lá que se casam todas as estrelas, podem dizer-nos o que é preciso fazer.

- Excelente idéia! - disse Marty, radiante. - Que bom eles terem posto a minha mãe a andar. Se ela cá estivesse, ia ser um sarilho. Segue-me para todo o lado... até para a casa de banho!

Ligou para a operadora e pediu uma chamada para Caxton Hall. Muffin enroscou-se-lhe no colo. Que diriam as amigas quando soubessem daquilo! E Jon, que diria ele?

- Por favor - pediu Marty -, pode informar-me do que é necessário fazer para uma pessoa se casar?

- Então? - perguntou Muffin entusiasmada quando ele desligou.

- Não é fácil - respondeu Marty alegremente. - Tu vais precisar de uma certidão de nascimento, e eu do meu passaporte. Tens de ir ao Registo Civil da tua área de residência e declarar que pretendes casar-te. Declaras que vivemos ambos na região há mais de quinze dias... depois deixamos passar um dia... e depois... é tudo. Podemos casar-nos depois de amanhã!

- Oh, Marty, isso é formidável!

 

Rolaram na cama, beijando-se e rindo.

- Eh! - suspirou Marty. - Tenho de me vestir e pirar-me. Agora tu tens de tratar de tudo. Achas que és capaz?

- Claro que sim.

- Temos de ter muito cuidado para ninguém suspeitar. Talvez seja melhor ires para casa e acalmares. Amanhã de manhã, falávamos. Eu telefono-te. Se pudesses cá voltar amanhã à noite, arranjávamos tudo para estarmos prontos na manhã seguinte.

- Mas, e que digo ao Jon?

- Nada. Não lhe contes nada.

- Queres dizer que faço como se não houvesse nada?

- Exactamente! Não nos vimos desde a festa.

- E eu passei a noite com umas amigas.

- Isso mesmo. Agora tens que ir ao Registo Civil e fazer a declaração. Não é uma maravilha?

- Absolutamente!

- Em breve serás Mrs. Pearl.

- Não sei se agüento passar esta noite sem ti.

- Talvez consigas convencer o Jon a levar-te ao concerto.

- Podia ver-te no palco.

Provavelmente, vou molhar as minhas cuequinhas!

- Chi... tu és o máximo.

- Onde raio estiveste metida? - perguntou Jon. - Tenho estado doido de preocupação.

Muffin inclinou-se para dar uma palmadinha no Scruff, que latia de satisfação.

- Então? - insistiu Jon.

- Estou bem, obrigada - respondeu-lhe Muffin em tom atrevido.

- Pára com isso - disse Jon irritado. - Até telefonei para os hospitais à tua procura.

- Fiquei em casa de uma amiga.

- Qual?

- Não é da. tua conta.

- Não sejas criança.

- E tu não metas o nariz onde não és chamado.

- Já estou atrasado para um encontro, e tu devias estar a trabalhar às onze. O melhor é telefonares e ires já para lá. Mais tarde falaremos sobre isto, mas fiquei aqui só para te dizer como estou profundamente chateado.

Muffin lançou-lhe um olhar enfadado.

- Estarei de volta às cinco da tarde - disse Jon-, e pode ser que tenhamos de nos encontrar com o Jackson. Ele é um tipo importante nos States, por isso tenta ser um pouco mais simpática logo à noite. O tipo pode ajudar-nos bastante na América, vê o que fez pelo Marty Pearl.

- Vamos ao concerto?

- Não sei.

- Eu quero ir.

- Tudo o que tu quiseres - disse Jon num resmungo. Assim que ele saiu, Muffin telefonou à mãe:

- Preciso da minha certidão de nascimento.

- Estavam lindas as fotografias que saíram nos jornais, filha. É bom ver-te vestida, para variar. O teu pai diz...

- Tem a minha certidão de nascimentto?

- Sim, querida. A tia Hildy disse...

Muffin apanhou um táxi para Wimbledon e deixou-o à espera enquanto ia buscar a certidão de nascimento. Daí dirigiu-se directamente ao Registo Civil e anunciou a sua intenção de se casar. Não cabendo em si com a excitação, prosseguiu de táxi até ao Harrods, onde se divertiu a "dar a palmada" a várias coisas: dois pares de collants, uns óculos de sol, um par de cuequinhas elásticas.

Para acabar em beleza, foi à secção de discos e "fanou" o último single do Marty Pearl. Exultante, regressou a casa.

- Diga-me, - inquiria Anthony Private -, que acha das rapariguinhas de onze e doze anos que ficam completamente descontroladas nos seus concertos?

Marty olhou de relance para Jackson, inquieto.

- Achamos - respondeu Jackson com vivacidade - que a garotada se diverte, que dão asas à sua personalidade.

- Marty - insistiu Anthony Private incisivamente -, que pensa você disso?

- Pensamos... - A voz apagou-se-lhe, e teve de pigarrear para aclarar a garganta. - Pensamos que... bem... que se divertem.

- Claro, mas não acha que pode ser perigoso? Na realidade, já foi demonstrado que é perigoso. Uma jovenzinha morreu esmagada...

- Isso não aconteceu em nenhum dos concertos do Marty atalhou Jackson de imediato.

- Eu sei, mas mesmo assim...

- Se ele pensasse - disse Jackson apontando para Marty, que debicava num prato de camarões -, nem que fosse só por um momento, que alguma rapariguinha corria o risco de ser magoada, interromperia imediatamente e desistiria de tudo.

 

- Fazia isso, Marty?

- Claro que fazia.

Anthony Private retorceu os lábios e escrevinhou qualquer coisa no bloco de notas.

- E quanto ao sexo?

- E quanto ao sexo, o quê - rugiu Jackson.

- Pensei que seria interessante o Marty contar-me a sua primeira experiência.

Jackson franziu as sobrancelhas.

- O rapaz é muito religioso. Muito religioso. E acha que é demasiado jovem para ter qualquer envolvimentto sério. Para ser exacto, ele ainda nem namora. O coração do Marty pertence às suas fãs.

- Quer dizer que ainda é virgem? - e Anthony Private arqueava as sobrancelhas mostrando incredulidade.

- Há algum mal nisso? -perguntou Jackson.

- Não, nenhum.

Marty afastou os camarões. Não conseguia comer. A imagem de Muffin nua bailava-lhe defronte dos olhos.

- Não sente falta de uma namorada? - insistiu ainda Anthony Private.

- Não, senhor - respondeu Marty mecanicamente. - Há milhares de raparigas encantadoras que me escrevem e me mandam as suas fotografias, as suas cartas e o seu amor são para mim suficientes.

- Sim - disse Anthony Private. - Pois claro.

 

Ginny Sandler encontrou Mike no bar. Sentou-se num banco ao lado dele.

- Só para não pensares que sou uma cabra, pensei que seria melhor avisar-te.

- De quê? - perguntou Mike secamente.

- Confirmei a tua história. A propósito, muito obrigada, eu e a Cleo éramos amigas, sabes?

- De que estás a falar?

- De ti e de mim.

- De ti e de mim?

- Contaste à Cleo, não é verdade? Porquê, gostava eu de saber. De qualquer modo, eu disse-lhe que a última vez foi há três anos. Não me pareceu que fosse sensato mencionar a nossa fodinha mensal. A propósito, quero pôr fim a esse esquema. Estou apaixonada, muito a sério. Quero ser fiel. Pedes um martini para mim, por favor?

- Contaste-lhe de nós? - perguntou Mike, incrédulo.

- Sim. E tu não?

- Não, sua idiota, não contei. Ela passou-te uma rasteira e tu caíste que nem uma pata. Miolos foi coisa que nunca tiveste.

- Mas em contrapartida tenho uma bela ratinha, não é? Nunca te escusaste à tua visitinha mensal...

- Oh, Cristo! - Mike afundou a cabeça entre as mãos. - Por tua causa, ela nunca me vai perdoar.

- Ora, rapazinho... Tu e a senhora tua esposa têm uma bela maneira de encarar as coisas. Esquece a bebida, vou-me embora.

A mente de Mike fervilhava. Nega-o. Nega tudo. A Ginny só sabe arranjar sarilhos. Cleo, querida, seria eu capaz de olhar sequer para uma mulher como ela? Claro que sim, porque fodo com a Ginny Sandler desde que ela tinha dezassete anos de idade, e ela é a mulher mais desinibida na cama que conheço. Um cérebro de pardal. Gorducha. Estúpida que nem uma vaca. Mas incrível na cama.

Se ele fizesse aquela confissão a Cleo, que diria ela? Não iria compreender. Nem no respeitante às outras todas. E não a podia culpar. Por isso, negar tudo era a única solução.

 

Foi a uma cabina telefônica e ligou para o quarto dela. Ninguém atendeu. Subiu no elevador e martelou à porta. Nada. Não ficou surpreendido. Escreveu um bilhetinho e meteu-o por debaixo da porca. Talvez no dia seguinte tivesse mais sorte.

Uma multidão de fãs apinhava-se no exterior da sala de espectáculos onde Little Marty Pearl iria actuar. Rapariguinhas soltavam risadas e gritinhos histéricos, algumas delas traziam T-shirís com a imagem de Little Marty, outras empunhavam cartazes proclamando o seu amor por ele.

Mike saiu do seu carro alugado em frente da entrada principal e inspeccionou as bancas de souvenirs apressadamente montadas para o efeito. Os últimos discos estavam bem expostos, junto com uma grande quantidade de posters.

A segurança parecia funcionar. Viam-se homens musculosos e maciços por todo o lado.

Mike encontrou-se com o manager e conversou amigavelmente durante um pedaço, dirigindo-se de seguida aos bastidores.

Little Marty estava sentado, muito hirto, numa cadeira em frente do toucador. Tinha a cara coberta de maquilhagem, e uma montanha de lenços de papel em volta do pescoço, para não sujar o fato de cetim branco.

- Como vai isso? -perguntou Mike.

- Bem - disse Marty. - Quem me dera que já tivesse acabado.

- Claro, miúdo - concordou Mike. Observou a sua própria imagem reflectida no espelho. Estava com péssimo aspecto. Cansado, tenso, enervado. Sabia bem do que precisava.

Jackson apareceu, com ar afadigado.

- Eh, Mike, está tudo a correr bem, não? A lotação da sala está esgotada, parece que adoram o miúdo, aqui por estas bandas. Queres vir até à sala da imprensa tomar uma bebida? Tenho lá umas convidadas. A seguir vens jantar connosco?

- Que convidadas? - perguntou Mike.

- Lembraste da Laurie? Aquela miúda negra de que te falei disse, piscando-lhe o olho-, e aquele fotógrafo, mais a sócia dele, aquela que fez as fotografias com o Marty. Ah, e a louraça que deixaste pendurada na noite passada.

- A Erica - precisou Mike.

- Nunca fui bom a fixar nomes.

- Eu alinhava numa bebida - declarou Marty.

- A seguir ao concerto - atalhou Jackson.

- Agora - insistiu Marty. - Por que não? Já não está cá a minha mãe para se queixar.

 

- Ora, merda! - exclamou Jackson. - Já sabia que teria feito melhor em deixá-la ficar por cá.

- Só um uísque e uma coca-cola - implorou Marty.

- Não te esqueças de que não podes mijar com esse fato vestido.

- Não esqueço, não. Marty levantou-se.

- Onde vais? - perguntou Jackson.

- À sala da imprensa.

- Deixa-te estar sentado. Euvoubuscar-te a bebida.

- Nem posso ver as pessoas?

- Não. Só depois do concerto. Podes vir jantar connosco, se não estiveres demasiado cansado.

O rosto de Marty iluminou-se.

- Ena, obrigado.

Mike dirigiu-se à sala da imprensa e procurou Erica. Nas alturas em que se sentia tenso, o sexo parecia-lhe ser a única solução.

- Estou com dor de cabeça - disse-lhe.

- És uma boa merda - protestou ela moderadamente. - Por que é que me deixaste pendurada ontem à noite?

- Porque havia grandes probabilidades de te violar mesmo ali em cima da mesa, e não te quis colocar numa situação tão embaraçosa. Posso ir para a cama contigo? - A honestidade ia ser a sua nova política.

- Céus, tu não perdes tempo!

- Não acredites nisso. Então?

- Acho-te um pouco directo em demasia.

- E eu acho que tu és uma mulher muito bonita e com idéias avançadas. Que mal há em fazer amor, se os dois o quisermos?

- Nenhum, mas...

- Mas o quê?

- Mas eu não disse que queria.

- Mas disse eu.

- E queres?

- Sabes bem que sim.

- Está na hora do concerto - interrompeu Jackson. - Vamos lá. Alguém vos indicará os vossos lugares. Vamos!

Mike pousou suavemente uma das mãos no ombro de Erica.

- Nós ficamos aqui.

- Porquê?

- Que te parece?

- Mas eu quero ver o espectáculo.

- E vais ver um espectáculo. Ela riu-se baixinho.

- És mesmo um safado libidinoso.

E não o são todos os safados?

Esperaram que a sala ficasse vazia e Mike fechou a porta à chave.

Eh! - objectou Erica. - Nem sequer temos um sofá, ou qualquer coisa no gênero.

Mike pousou-lhe ambas as mãos nos ombros e afastou as alças do vestido. Ela não usava soutien. Inclinou-se até chegar com os lábios às mamas, pequeninas, com bicos finos e erectos.

Prontamente, ela abriu-lhe o fecho das calças.

- Meu Deus! -sussurrou. - Parece que o foguetão está pronto a descolar! - Ele pressionou até ela ficar de joelhos. -voudar cabo dos collants - queixou-se ela.

- Eu compro-te outros - disse ele, num sussurro.

- O chão é duro.

- E o meu coiso também.

Ela abriu a boca e ele penetrou. Oh, que sensação. Ela era uma artista com a língua. Dava-lhe pequenos toques, suaves como uma pluma. Teve de retirar-se, antes que fosse demasiado tarde.

Despiu-lhe os collants e o resto do vestido. Nua, parecia mais magra, com o pêlo púbico esparso e louro.

- Quero ficar por cima - exigiu ela. - Fica tu com o chão. Ele não se despira, por isso não se importou. Deitou-se de costas

e ela montou-o. Abriu subitamente as pernas e deixou-se penetrar profundamente. Sabia o que fazia.

- Estás pronto? - murmurou após uns momentos.

- Quando quiseres.

- Agora!

Foi quase em simultâneo, com Erica ligeiramente adiantada. E, como música de fundo, ouvia-se o barulho que faziam as fãs de Little Marty, gritando e batendo com os pés no chão.

- Sempre gostei de uma grande ovação! -murmurou Erica.

 

Muffin não se conteve, juntou-se à gritaria. À volta dela, a sala estava cheia de raparigas completamente descontroladas.

No palco, Little Marty pavoneava-se e fazia movimentos obscenos com a viola.

- Este miúdo é mesmo sexy - exclamou Laurie. - Abana o rabo cá de uma maneira!

Jon permanecia impassível. Jackson fizera daquele garoto uma estrela, mas que tinha ele para dar? Boa aparência, no estilo rapazinho americano bem comportado. Sem talento, embrulhado em cetim branco e botas de tacão alto. A voz nem se conseguia fazer ouvir acima da gritaria das miúdas, e tocava viola abaixo de cão.

Mas as miúdas gostavam, estavam obviamente loucas por ele, e a adulação era a regra do jogo.

De repente ocorreu-lhe: que aconteceria se fosse Muffin a estar naquela posição? Ela tinha alguma voz, podia aprender a tocar viola. Que grande idéia! Os rapazes ficariam doidos por ela. Haveria de sugerir a idéia a Jackson, talvez pudessem gravar um disco. Fazê-la aparecer como convidada no Top o the Pops - era uma idéia fantástica.

O espectáculo de Little Marty aproximava-se do fim. A maquilhagem alaranjada escorria-lhe em regatinhos pela cara. O fato de cetim branco rebentava pelas costuras.

Muffin pulava na cadeira. Laurie gritava de entusiasmo.

Jon abanou a cabeça, assombrado. Nunca esperara que duas raparigas como Muffin e Laurie se deixassem entusiasmar daquela maneira com um dez réis de gente como Marty.

Finalmente o espectáculo acabou, e reinou a histeria das multidões enquanto toda a gente gritava por mais. O barulho era ensurdecedor.

- Vamos - pronunciou Jon com voz sibilante. - Vamos pôr-nos daqui para fora.

- Onde está o Jackson? - disse Laurie, contrariada.

- Disse-lhe que nos encontrávamos no Tramp.

- Ah, óptimo - exclamou Laurie. - Adoro ir aí.

- Não vamos aos bastidores? - perguntou Muffin.

- E deixarmo-nos apanhar no meio dessa turbamulta. Não, obrigado.

 

Muffin fez um ar carrancudo.

- Quero ir dizer ao Marty que o concerto dele esteve formidável.

- Tenho a certeza de que ele tem o camarim cheio de gente a dizer-lhe exactamente isso. Seja como for, Jackson disse que o levaria ao jantar.

- Boa! - exclamou Laurie. - Quero ver se ponho as mãos em cima desse borrachinho.

Muffin conteve a tempo uma resposta incisiva. Como a Laurie ficaria invejosa se soubesse da noite anterior. Só mais um dia, e todas ficariam cheias de inveja!

Sentiu-se um pouco culpada em relação a Jon, mas ele ia ter de compreender. Provavelmente até ia ficar bastante satisfeito, assim que se habituasse à idéia. Bem no fundo, ela sempre soubera que ele não queria voltar a casar-se. Jane só viera confirmar as suas suspeitas. Ela obrigara-o a comprometer-se ao suspender a sua assinatura do contrato para o calendário da Schumann.

Jon continuaria a tratar de tudo por ela. Continuaria a ter o exclusivo das suas fotografias. Seriam parceiros no negócio. E continuariam amigos.

Sim, decidiu Muffin, a longo prazo seria um grande alívio para Jon. Tinham passado bons momentos juntos. Mas agora ela conhecera o Little Marty Pearl e não tinha culpa de se terem apaixonado perdidamente. Isso só vinha provar que ela nunca estivera verdadeiramente apaixonada pelo Jon. Bem, talvez ao princípio... mas certamente que não agora. E, de qualquer modo, o Jon não se queria casar com ela. O Marty queria. Para uma rapariga, isso fazia uma grande diferença.

No Tramp, o restaurante fervilhava de actividade. Contudo, Guido guardara a mesa do canto para Jon, e ele instalou-se lá com Muffin e Laurie.

- Espero não vir a ter alguma surpresa com a conta - murmurou Jon para Muffin.

- Não sejas tão mesquinho - murmurou ela em resposta.

- Não sei com quem passaste a última noite - retorquiu Jon de mau humor -, mas fosse com quem fosse, não vieste de lá de muito bom humor.

- Já te disse que estive com uma amiga.

- Não sei porque persistes em mentir. Temos o nosso acordo. Uma vez com quem desejares. Tudo bem. - Mas não estava nada tudo bem. Sentia-se secretamente furioso. Agora, que se sabia que estavam comprometidos, as coisas tinham de mudar. O acordo que tinham estava bem para duas pessoas que viviam juntas, mas já não estava quando ela ia passar a ser sua esposa. Quando o negócio com o Jackson estivesse esclarecido, ele e Muffin iam ter de se sentar e ter uma longa conversa.

- Eh! -exclamou Laurie. - Não é o Butch Kaufman que está ali naquela mesa? - Todos olharam.

- Sim - disse Muffin. - É muito atraente.

- Sim - concordou Laurie. - Muito.

- Faz-me um favor, e procura dedicar a tua atenção esta noite a Jackson - instruiu-a Jon.

- Já lhe dediquei a noite passada - disse Laurie, fazendo um beicinho.

- Pois dedica-lhe também esta, e eu faço-te uma nova série de fotografias.

- A sério? É disso mesmo que eu preciso. Quando vai ser?

Os outros chegaram em grupo. Little Marty, Jackson, Mike James e Erica.

Jon manobrou para conseguir sentar Jackson junto de si, e ficou satisfeito. Muffin manobrou para colocar Marty junto dela, e ficou também satisfeita.

- Estás muito calado - disse Erica a Mike. - Não querias vir?

- Tenho de comer, não tenho?

- Ah, mas que encantador! Muito lisonjeiro!

- Se andas à procura de lisonjas, escolheste o homem errado. Ela pousou-lhe a mão suavemente no joelho, por debaixo da mesa.

- Se aquilo de há bocado era um exemplo, não escolhi nada o homem errado. Estava a pensar se gostarias de passar a noite no meu apartamento.

Mike acenou positivamente. Desde que o ajudasse a passar a noite. E, se ficasse sozinho, não conseguiria dormir, a pensar em Cleo.

- O teu concerto foi óptimo! - disse Muffin para Marty, entusiasmaticamente.

- Obrigado - grunhiu ele. - A malta parece que estava a curtir. Jon dirigiu-se a Jackson:

- Tive uma idéia muito interessante. Imaginas a Muffin num programa especial da TV, a tocar viola e a cantar?

- Ela sabe cantar? - perguntou Jackson surpreendido.

- Sabe - respondeu Jon, em tom confiante.

- Nesse caso, é uma boa idéia. Não há problema em conseguir-lhe uma aparição. Penso que...

Laurie subitamente passou os braços em redor do pescoço de Jackson e beijou-o demoradamente na boca.

Jon franziu as sobrancelhas. Agora não, Laurie. Mais tarde. Dedica-te a ele, mas mais tarde.

Butch Kaufman aproximava-se da mesa. Grandalhão, alto e louro, de blue jeans e uma enorme camisola de malha.

- Olá, Marty! - cumprimentou. - Prazer em ver-te. Eh, Jackson, está tudo a correr de vento em popa para ti e para o miúdo. Não consigo abrir um jornal sem dar logo com a cara dele.

- com quem é que estás? - inquiriu Jackson.

- com duas senhoras muito giras.

- Por que não vos juntais a nós?

-Claro. Por que não? Eh, Franco, traz as duas senhoras que me acompanham para aqui.

Todos se apertaram e puseram-se mais cadeiras em volta da mesa. As duas amigas de Butch apareceram. Eram a esposa de um cantor pop e uma negra muito esquisita, com o cabelo pintado de louro. Pareciam mais interessadas uma na outra que em qualquer outra coisa.

- Como vai o filme? - perguntou Jackson.

- Vai indo devagar. Já cá ando há três meses, e começo a sentir saudades da praia. Pá, sinto mesmo falta da minha choupana de Malibu. De me levantar logo pela manhãzinha e dar umas braçadas no oceano, correr ao longo da praia, grelhar um bacon para o pequeno-almoço. Não há nada melhor que isto.

- Claro - concordou Jackson. - Já conheces toda a gente, Butch? Apresento-te a Laurie, o Jon, a Muffin, a Erica, e já conheces o Mike James, da Hampton Records, não é verdade?

Butch apertou vigorosamente a mão de Mike.

- Nunca tive o prazer, mas conheço o B. B. e a Mary Ellen. Que casal!

Laurie lambeu os lábios.

- Vi Romantic cinco vezes - anunciou. - Fez-me chorar.

- Eu vi duas vezes - disse Muffin. Deu um apertão a Marty, por debaixo da mesa, para lhe indicar que os seus pensamentos continuavam com ele.

- E esta! - exclamou Butch, fazendo faiscar o seu famoso sorriso. - Pagaram-me uma miséria por esse malditto filme, e é um dos maiores sucessos comerciais de todos os tempos. No outro dia fui ter com o produtor e disse-lhe: "Que tal se me dessem uma fatia do bolo? Pagaram-me uma merda." "Uma merda bem cara", respondeu o gajo. Bem cara! Esse gajo tem ganho milhões com o filme. Milhões!

- Fiquei tão triste quando o vi morrer no final - confidenciou Laurie. - É que parecia tão real.

Butch sorriu radiosamente.

- Por isso é que o filme fez tanto sucesso, minha querida.

- Eh - disse Jackson entusiasticamente-, nunca pensaste em gravar um disco?

- Não sei cantar... -protestou Butch.

- E o Lee Marvin sabe? E o Rex Harrison? E o Telly Savala? Que achas, Mike? Boa idéia, não? Butch Kaufman a gravar para a Hampton Records. Não queres aproveitar para lhe oferecer agora um contrato?

- Você estava com a minha mulher ontem à noite - afirmou Mike friamente.

- Desculpe? - perguntou Butch, sem ter a certeza de ter ouvido bem.

- Você estava com a minha mulher - repetiu Mike.

Um súbito silêncio abatera-se sobre a mesa. Butch tentava desesperadamente lembrar-se dos nomes das duas mulheres com quem acabara na cama na noite anterior. Era uma causa perdida, porque nunca chegara a conhecer-lhes os nomes.

- Estava? -pronunciou finalmente Butch, com um sorriso forçado.

- Cleo é minha mulher - disse Mike friamente.

- Ah, Cleo! - exclamou Butch. - Sim, claro. Uma grande senhora. Está a escrever um artigo sobre mim para a Image.

- Eu sei - cortou Mike. - Ela já mo contou.

- Excelente - murmurou Butch nervosamente. Que teria Cleo contado exactamente ao marido? - Ela é uma pessoa fantástica. Há quanto tempo estão... hum... casados?

- Há quatro anos - disse Mike. - Ela não lho disse?

- Não. Bem, sabe como somos nós, os actores, sempre a falar de nós mesmos. Não cheguei a ter nenhuma conversa pessoal com a Cleo. Eh, Jackson, posso pedir-te emprestada a tua amiga para dançar?

- Claro - concordou Jackson. Laurie levantou-se imediatamente da mesa e saiu com Butch.

- com que então, a fazer o papel do marido ciumento - comentou Erica com um sorriso divertido.

- Não sou ciumento - disse Mike. - Só quis que esse engatatlo de praia percebesse qual é o lugar dele.

- E qual é o lugar dele?

- Esquece. Não quero falar mais no assunto.

- Tu e a tua mulher estão separados?

- Não, não estamos.

- Mas cada um segue o seu caminho.

- Não é nada disso. A Cleo está cansada, ficou a dormir, por isso é que não saí com ela esta noite.

- E qual é o meu papel neste caso?

Mike encolheu os ombros. Ainda fervia de raiva com a cara sorridente de Butch Kaufman. Claro que Cleo nunca teria feito nada com ele, disso estava certo. Mas o filho da mãe, provavelmente, tentara. Qualquer homem gostaria de tentar com Cleo.

 

- Se tu fazes amor comigo - disse Erica -, qual é o problema de a tua mulher fazer amor com outro homem? É justo que assim seja, ou não é?

Mike lançou-lhe um olhar como se a quisesse fulminar.

- O que eu faço é problema meu. com a Cleo é diferente. Ela não precisa de garanhões de ocasião. Tem-me a mim.

- Que preconceito incrível! Mike olhou-a, furioso.

- Chama-lhe preconceito, se quiseres. A Cleo não se rebaixaria, tem muita classe.

- Jesus! -exclamou Erica. - No fundo, és mesmo um rapazinho à moda antiga.

- Sabes uma coisa?

- Quê?

- No chão de um camarim tens muita graça, mas aqui sentada à mesa a mandar palpites idiotas sobre assuntos que desconheces em absoluto és uma grande chata.

Agora que Butch levara Laurie a dançar, Jon embrenhou-se numa grande conversa com Jackson. Muffin aproveitou a oportunidade para segredar ao ouvido de Marty:

- Está tudo nos conformes.

- Ena! -exclamou ele. - Isto vai dar cabo da cabeça a muita gente.

- Eu sei - disse Muffin, sorrindo. Apertou-lhe o joelho e foi deslizando os dedos pela perna acima.

- Tem cuidado - avisou-a Marty. - Sabes bem o que isso me provoca.

- Põe o guardanapo no teu regaço - sussurrou-lhe Muffin. Ele fez o que lhe pediam, e Muffin fez deslizar a mão até lhe

aprisionar o membro teso no seu invólucro de cetim. "Ele trocara a indumentária usada no palco por umas calças azuis de cetim e uma camisa a condizer.

Muffin procurava qualquer coisa às apalpadelas.

- Não encontro o fecho - murmurou. ja - Não têm - grunhiu Marty.

Bb Muffin sorriu.

BB - Como é que mijas?

Marty procurou abafar a voz:

- Dispo-as.

- Isso é duro! - exclamou Muffin.

- Que é que é duro? - perguntou Jon, dando-lhes subitamente atenção.

- Oh, nada. - Lentamente, Muffin retirou a mão de debaixo do guardanapo.

- Acho que podemos ir directamente para Nova Iorque assim que tivermos feito as fotografias para o calendário nos Barbados disse Jon. - O Jackson tem umas idéias a teu respeito que podem mesmo dar resultado.

- Bestial! - respondeu Muffin. - É bestial, não é Marty? desataram ambos a rir à gargalhada.

Jon olhou-os, carrancudo. Não suportava a Muffin quando lhe dava para aquelas criancices.

 

Cleo acordou cedo. Sentia-se mais fresca, desperta, e pronta a encarar as coisas. Pediu café, sumo de frutas, ovos mexidos e, depois de ter devorado tudo aquilo, sentou-se e escreveu o artigo sobre Daniel Onel.

Quatro já estavam despachados. Faltava apenas um para cumprir o seu compromisso, após o que ficaria livre para fazer o que bem lhe apetecesse.

Ligou para a recepção a avisar de que já podiam passar as chamadas que houvesse. De seguida fez uma chamada a encomendar os serviços temporários de uma dactilógrafa para lhe bater o artigo.

Mal pousara o auscultador, o telefone tocou. Para sua surpresa, era a mãe, a impecável Stella.

- Não te temos visto, querida - anunciou Stella. - O Nikai já regressou de Atenas e pensámos dar um jantar e convidar-te.

- Isso é muito simpático da vossa parte - disse Cleo contra vontade. - E quando é?

- Esta noite, querida. Por volta das oito. E traz um vestido bonito.

O telefone voltou a tocar. Desta vez era Mike. A sua voz soava contrita.

- Estou a telefonar por causa daquele encontro que me prometeste.

- Isso foi antes da conversa que tive com a tua amiga Ginny.

- Ora, vá lá, Cleo, nós temos de conversar.

- Porquê?

- Bem... - Mike procurava as palavras certas. - Eu quero explicar...

Cleo riu-se abertamente.

- Explicar? Explicar o guê?

- Sabes a que me refiro, às coisas que ouviste dizer,

- E quanto às coisas que eu vi?

- Ninguém é perfeito.

- Eu não ando à procura de perfeição, ando à procura de verdade, e francamente, Mike, não acho que tu sejas o homem indicado para ma dares.

- Posso dar-ta, querida, sabes bem que posso.

- Ora, Mike. É muito triste. Contigo acaba tudo em sexo e insinuaçõezinhas obscenas.

Fez-se um longo silêncio, após o que Mike disse:

- Preciso de ti, Cleo. Não consigo passar sem ti.

- Antes de eu aparecer, também vivias com a tua vida.

- Consegues ser uma cabra muito dura.

- Já mo têm dito.

Novo silêncio. Finalmente, foi Mike a rompê-lo.

- Tenho pensado muito, Cleo. Tenho pensado que talvez devêssemos recomeçar tudo do princípio.

- Desde o princípio, Mike?

- Começar de novo. A partir da estaca zero.

- É um bocado tarde para isso.

- Nunca é demasiado tarde - implorou ele, desesperado. Podíamos fazer todas aquelas coisas que tu sempre quiseste. Como, talvez, uma família.

- Lamento, mas as coisas já não são o que eram.

- Podíamos fazer que fossem.

- Eu não, Mike, eu não.

Ele desligou então, e Cleo suspirou. Aquilo ia acabar com amargura. Para quê deixá-lo expor todo aquele rol de mentiras e desculpas? Seria uma experiência dolorosa para ambos. Mais valia que ele a considerasse uma cadela: desse modo ela poderia assumir o fardo da sua culpa, e ele sentir-se-ia melhor.

O telefone voltou a tocar.

- Cleo. É o Shep Stone. É bom que afastes essa tua amiga do meu caminho. Só me está a dar problemas, é chata como a potassa, e acho que está pirada de todo.

- De quem é que estás a falar?

- Da tua amiga Dominique. A tipa é maluca. Anda a acusar-me, a mim, Shep Stone, de lhe ter roubado um anel de diamantes.

- Roubado?

- Ouviste bem à primeira. Ouve, quero contar-te a história como deve ser, talvez tu possas esclarecer tudo. É urgente. Podes almoçar comigo?

- Acho que sim - concordou Cleo relutantemente.

-voubuscar-te dentro de vinte minutos.

- Ok.

Jesus! Mais um problema para resolver. Que estava a acontecer? Antes que tivesse podido chegar à casa de banho para se pentear e retocar a maquilhagem, o telefone voltou a tocar. Após esta chamada teria de dar indicações à recepção para não lhe passarem mais nenhuma. Estava a tornar-se ridículo.

- Sim? - inquiriu.

- É o Butch. Estou no estúdio. Por que não me disseste que tinhas um marido ciumento?

- Não perguntaste.

- Que engraçado. Encontrei-me com ele ontem à noite e ele estava a modos que... hum... muito nervoso. Disseste-lhe alguma coisa?

- Ainda não.

- Que queres dizer com esse ainda não? Ele é do gênero de directo ao assunto, e eu não tenho o meu corpinho no seguro.

- Onde o encontraste?

- No Tramp. Estava com uma loura atracada, mas não gostou nada de saber que tinhas passado algum tempo na minha companhia.

- Lamento que isso te tenha perturbado.

- Ora, merda, eu não estou perturbado. Só quis que soubesses. A propósito, qual é a cena entre vocês dois?

- Eu estou a tratar do divórcio. - Era a primeira vez que o declarava, e sentiu-se bem. Os sentimentos que lhe restavam por Mike começavam a desvanecer-se. Ele estava tão preocupado com a ruptura do seu casamento que já se tinha atirado a uma loura.

- Isso é fixe. Queres ir dar ao dente esta noite?

- Lamento, mas esta noite vai ser dedicada à família.

- Só tu serias capaz de me dizer que não por causa da família. E amanhã? Ou vais fazer de ama-seca por conta de uma amiga?

- Amanhã seria óptimo se não tivesse de apanhar o avião para Roma.voutratar do Paulo Masserini.

- Repete essa, por favor.

-vouentrevistar o Signor Masserini.

- Assim está melhor. É que eu também tenho sentimentos, sabias?

- Ora, cala-te.

- Ouve. Disseram-me que deste a tampa ao Ramo. Ele ficou destroçado. É a primeira vez que uma mulher olha para o picha de aço em pelota e lhe diz não, obrigado.

- Há sempre uma primeira vez. A propósito, não era contigo que eu saía nessa noite?

- Sim. Não sei o que aconteceu, estávamos todos tão pedrados. de qualquer modo, obrigado...

- Porquê?

- Por não ires para a cama com o árabe. Eu amo-o como a um irmão, mas não quero que tu faças o mesmo.

- Não estou a perceber. Para ti está bem ires para a cama com duas putas, mas é bom que eu não permita avanços ao Ramo. Porquê?

- Porque eu sou um safado e tu és uma linda senhora. E porque eu acredito nos preconceitos da dupla moral, quando devia cagar-lhes em cima. Volto a falar contigo amanhã. Ciao.

Cleo ligou para a recepção a indicar que não queria receber mais chamadas. Entretanto, chegou a dactilógrafa temporária para bater a entrevista com Daniel Onel.

- Três cópias - instruiu Cleo. Uma para Nova Iorque. Uma para ela. E talvez a outra para Daniel, ainda teria de pensar no assunto.

Na entrada, Shep Stone esperava-a.

-vouviajar de avião amanhã, por isso estou muito nervoso confidenciou. - E a tua amiga não me tem facilitado nada a vida. Pegou nela pelo braço. Tenho ali à espera um carro com motorista. Pensei que podíamos ir ao Terrazza.

- Não posso demorar-me - avisou Cleo.

Precisamente quando iam arrancar, apareceu Mike num táxi. Cleo fingiu não o ver, mas ele precipitou-se e agarrou-a pelo outro braço.

- Shep - disse Cleo com aborrecimento-, apresento-te o meu marido, Mike James.

- Mike! -cumprimentou Shep. - Há anos que não te via. A Cleo é tua mulher!

- Exacto. Minha mulher. Aonde a levas?

- Vamos almoçar. Estou com um pequeno problema, e a Cleo vai ajudar-me a solucioná-lo.

- Ah, sim? Nesse caso, talvez vos acompanhe.

- Talvez não - interrompeu Cleo friamente.

- Não sabia que estavas casada com o Mike - disse Shep acusadoramente. - Mike e eu conhecemo-nos há uns anos atrás. - Deu uma palmada no ombro de Mike. - Como vai isso, meu velho? Nem sabia que te tinhas casado.

Cleo interrogou-se sobre se teria feito alguma diferença para Shep o facto de saber que eles eram casados. Talvez isso lhe tivesse poupado a visão daquele membro vermelho e zangado, e a voz dele a pedir-lhe "só uma chuchazinha"!

- Estás a escrever sobre o Shep? - perguntou Mike, sarcasticamente. - Agora ocupamo-nos de cantores?

- Não - respondeu mansamente Cleo -, agora ocupamo-nos de nos atirar com um parceiro para o sofá mais próximo.

- A Cleo e eu conhecemo-nos no avião para cá - confidenciou Shep. - Ela ajudou-me a agüentar a viagem. Sabes bem como eu sou com os aviões.

Mike ignorou-o.

- Quero falar contigo, Cleo.

- Depois ela apresentou-me a uma amiga, bonita, mas doida! prosseguia Shep, sem prestar atenção à atmosfera tensa.

- Enquanto não conversarmos, não te deixo em paz. Hei-de seguir-te por toda a parte e atravessar-me no caminho de todos esses filhos da mãe com cio. - Olhou fixamente para Shep.

- Ok - disse Cleo. - Conversaremos.

- Agora?

- Logo à noite. com a condição de que, se eu falar contigo, acabou-se. Não quero mais telefonemas, nem visitas, nem contactos.

- Mudarás de idéias após a nossa conversa.

- Limita-te a prometer-me isso, Mike.

- Está bem, prometo. A que horas?

- Sete e meia, oito horas.

- Então, até logo.

- Não almoças connosco? - perguntou Shep, com uma voz falsamente jovial.

- Não, não almoça - respondeu Cleo com firmeza. - Vamos lá, Shep, se estás com problemas é melhor que comeces a contar-mos, caso contrário vou-me embora.

- Até logo, então - disse Mike calorosamente. - Toma conta da minha velhota, Shep. Ela é uma pessoa muito especial.

Já no carro, Shep repetiu acusadoramente:

- Não me contaste que estavas casada com o Mike James.

- Não perguntaste. Se bem me lembro, no nosso primeiro encontro estavas perdido de medo, e nos seguintes todas as nossas conversas foram sobre a tua pessoa.

- Devias ter-mo dito - insistiu Shep.

Cleo franziu as sobrancelhas. Que homem mais chato era Shep Stone. Desligou completamente quando ele se pôs a contar a primeira vez que conhecera Mike.

Obviamente, era inevitável ter de se sentar e ter uma conversa com Mike. Não se pode riscar do mapa quatro anos de vida com outra pessoa sem uma troca de palavras. Havia coisas a esclarecer. Bens a dividir. Um divórcio para obter. Não queria receber dele nem um tostão. Ele podia ficar com o apartamento, com a mobília. Era quase tudo dele, em todo o caso. Nem sequer tinha a certeza de querer passar pelo drama de dividir os pertences de cada um. Estes três álbuns da Diana Ross são meus - tu podes ficar com os de Marvin Gaye. Na sua mente, tinha um plano. Um plano de liberdade.

Seria óptimo podermos ter uma mala onde coubesse tudo aquilo de que precisávamos. Poder-se-ia vaguear por todo o mundo. Ir aonde nos apetecesse. Entrevistar quem nos parecesse interessante. Tinha dinheiro para se governar. Podia vender as entrevistas. Russell, provavelmente, quereria comprá-las para a Image, e se não quisesse, havia muitas outras revistas. A seguir à sua entrevista com o senador tivera imensas ofertas. Era uma idéia que a atraía imenso.

No restaurante, Shep fez uma grande algazarra a cumprimentar os empregados, alardeando o facto de toda a gente o conhecer.

Pediram ambos esparguete e vinho branco, e finalmente Shep confidenciou:

- Eu fui para a cama com a tua amiga, sabias? Cleo acenou com a cabeça.

- Ela é muito bonita. A sugestão foi dela, e eu sou um macho americano com sangue na guelra, por isso não fui capaz de recusar. Fomos para o meu hotel e fizemos amor, e foi tudo. Como sabes, sou um homem casado e não posso dar-me ao luxo de me envolver com ninguém.

- com certeza - concordou Cleo sarcasticamente.

- Bem, depois disso, ela começou a apertar-me com telefonemas, e eu tentei afastá-la delicadamente. Mas ela fez-se desentendida e no dia seguinte atirou-se a mim quando eu estava ao telefone com a minha mulher, e merda, tive de afastá-la à força. Queria pegar no telefone e contar tudo à minha mulher. Tive de acabar rapidamente o telefonema, e, no meio da confusão, a tua amiga ficou com um olho negro. Foi um acidente, mas, raios, ela parecia um gato-bravo. - Fez uma pausa para beber um gole de vinho. - Em todo o caso - continuou -, ela excitou-me e começou a arrancar as roupas. Percebi que aquilo ia dar para o torto e não quis fazer nada. Isto fê-la ficar ainda mais furiosa, e começou a gritar qualquer coisa sobre um anel de diamantes e a acusar-me de o ter roubado, Eu, que nunca vi nenhum anel de diamantes. Finalmente, lá consegui acalmá-la, e a única maneira de o conseguir foi fazendo amor com ela. Eu não queria, mas não havia outra maneira, ela gritava que ia chamar a polícia e telefonar para os jornais. Tive de o fazer. Não me posso permitir esse tipo de publicidade. A minha imagem é de um homem de família.

- Devias ter pensado nisso antes - censurou Cleo.

- Agora também eu o sei. Cometi um erro.

- Sim, o teu erro foi ires para a cama com alguém que queria mais que uma simples foda.

- Dispenso as lições de moral - cortou Shep. - Já aprendi a lição. Por fim, lá consegui fazê-la sair, e deixei recado na recepção de que não queria mais chamadas dela, nem visitas. - Meteu a mão ao bolso e tirou um telegrama. - Hoje de manhã recebi isto. - Entregou o telegrama a Cleo, que o leu vagarosamente.

 

TELEFONA ÀS SEIS, SENÃO ENTRO EM CONTATO COM: A POLÍCIA, A TUA MULHER E OS JORNAIS.

DOMINIQUE.

 

- A minha mulher está de cama, e espera um bebê para o mês que vem - murmurou Shep. -Já teve dois abortos, por isso, desta vez, fizeram-na permanecer na cama. Nada de coisas que a excitem. Nada de preocupações. Se isto lhe chega às mãos... - interrompeu-se com ar infeliz.

Cleo abanou a cabeça, entristecida.

- Por que não pensaste antes na tua mulher?

- Não fiz nada para a magoar. Seria isso que Mike ia dizer?

- Tens de me ajudar, Cleo.

- Sim, parece que sim. Só que não tevouajudar a ti. Faço-o pela tua mulher. Tu enjoas-me.

Shep desviou os olhos.

- Não prometo que seja capaz de fazer alguma coisa - acrescentou Cleo. - A Dominique pareceu-me um bocado estranha, ultimamente, masvoutentar falar com ela. Podes emprestar-me o teu carro e o motorista?

Shep animou-se.

- É claro. Tudo o que quiseres

 

- Acho que conseguimos, Muff - disse Jon, quando chegaram a casa, vindos do Tramp.

- Quê? - perguntou Muffin com um bocejo.

- Aquilo com o Jackson. com os americanos. Vais ter uma passa deira vermelha à tua espera, quando lá chegares.

- Ah.

- É tudo o que tens para dizer, ah? Devias pôr-te a pular de contentamento. Este é o contacto de que temos andado à procura. Vem cá, miúda, quero sentir o teu contacto! - Muffin inclinara-se para afagar o Scrtiff, e Jon chegou-se-lhe por detrás e encostou-se a ela.

- Pára com isso! -disse Muffin com maus modos. Jon riu-se e começou a baixar-lhe as cuecas pintalgadas. Muffin endireitou-se imediatamente.

- Já te disse que parasses com isso.

- Ainda estás chateada por causa daquele artigo? Não fui eu que o escrevi.

- Não estou chateada com nada. Estou apenas cansada.

- Depois de uma noite a foder - disse Jon secamente.

- Não estive a foder. Estive com uma amiga.

- Ora, não venhas outra vez com essa cantiga. - Jon sentia-se surpreendentemente bem-disposto. Tudo estava a correr bem. O seu divórcio. O calendário da Schumann. Jackson. -Vamos tirar umas fotografias - sugeriu.

- Que espécie de fotografias?

- Só para nós, para nos divertirmos.

- Não me apetece.

- Vá lá, vais ver que gostas.

- Não.

- Onde estão as últimas que tirámos?

- Deitei-as fora.

- Deitaste o quê?

- Cortei-as aos bocadinhos e livrei-me delas.

- Porquê?

- Porque eram porcas.

- Porcas! - bufou Jon, indignado. - Eram divertidas. E, no fim

de contas, eram só para nós.

- Não estou interessada em ter grandes planos desse teu coiso

grande.

-Querias, quando estavas a tirá-las.

- Isso era diferente.

- Vamos tirar mais.

- Não.

- Por que não?

- Já disse, não quero. Jon encolheu os ombros.

- Que te contou a Laurie acerca do Jacksom?

- Nada.

- Que queres dizer com isso? Tu e a Erica estiveram com ela na casa de banho das mulheres durante uns vinte minutos.

- A Erica estava a contar-nos do Mike James.

- Que tem ele?

- Ele fê-lo com ela no chão do camarim enquanto nós estávamos todos no concerto.

Jon esboçou um sorriso desdenhoso.

- A boa e velha Erica. Sempre em boa forma.

Muffin começara a despir-se. Estava só em camisola e cuecas. Jon estava sentado na cama.

- Vem sentar-te no meu joelho - ordenou.

- Para quê?

- Quero castigar-te.

- Não me apetece - retorquiu com afectação. Puxou a camisola por cima da cabeça. Jon moveu-se rapidamente, prendendo-lhe a cabeça dentro da camisola, e acariciando-lhe os seios com a mão que ficara livre. Muffin guinchou de raiva. Jon riu-se e arrastou-a para a cama.

- Não consigo respirar! -queixou-se Muffin.

- És minha prisioneira, donzela - disse Jon, puxando-lhe as cuecas para baixo.

- És um javardo! - resmungou Muffin.

- Pois sou - concordou ele, abrindo o fecho das calças e libertando-se.

- Larga-me - pediu Muffin.

- Só depois de ter feito o quevoufazer. - Penetrou-a, e ela contorceu-se vigorosamente. - Dez chicotadas - disse Jon rindo ou subo para vinte?

Não houve resposta. Muffin gostava daquelas brincadeiras. Na realidade, era ela quem normalmente as instigava.

- Que tal é a sensação de ser violada - gracejou Jon. Muffin continuou em silêncio, mas ele sentiu-a aproximar-se do clímax e juntou-se aos seus esforços.

- És mesmo um suíno - queixou-se Muffin no fim.

- Que tens tu? Adoraste-o.

- Eu não queria.

- Sim, mas tiveste-o e gostaste.

- bom, mas não digas a ninguém.

- E a quem iria eu contar? À rainha?

- Agora quero dormir.

- Não te impeço. - Jon abanou a cabeça.

Por vezes, Muffin conseguia ser muito estranha.

Ouviram-se nitidamente três pancadas na porta e Marty foi abrir.

Laurie estava no corredor completamente nua, e nas mamas estava

escrito, com baton vermelho-brilhante, as palavras "presente para você.

JESUS Cristo, - exclamou Marty com voz insegura e sumida.

- Não. Só a Laurie. -E entrou com todo o à-vontade, rindo,

no quarto. - Vem cá, torrãozinho, que eu ensino-te a ser uma estrela.

Jackson, Laurie e Little Marty regressaram juntos ao hotel. Quando chegaram, Jackson segredou a Marty:

- Tenho uma surpresa para ti.

- Ena, obrigado. Que é?

- Vai para o teu quarto e espera. Quando eu bater à porta três vezes, deixa-me entrar. - Jackson escangalhou-se a rir, e deu um pequeno toque cúmplice com o cotovelo em Laurie. - Podes crer, rapaz, é uma coisa que te vai dar a volta ao miolo. Vai pelo que te diz aqui o velhote do Tio Jackson.

- Gosto de surpresas - disse Marty. - Quando eu era miúdo, o meu pai fez-me uma vez uma surpresa e comprou um piano. Isto foi antes de ele morrer, é claro.

Jackson ria-se, embriagado.

- Isto não é nenhum piano, mas posso dizer-te que tem pernas. Sim, rapaz, pernas! Gostas de gelado de chocolate, filho?

- Sabes bem que sim, Jackson. Só que não me deixam comê-los por causa das borbulhas.

Jackson dobrava-se a rir.

- Este prato vai dar-te cabo das borbulhas. - Pôs um braço em volta de Laurie. - Não é verdade, pequena? Estou certo?

- Podes ter a certeza! - riu-se Laurie.

Marty subiu para a sua suite, tirou a fatiota de cetim e vestiu um roupão turco. Esperava que a surpresa de Jackson fosse algo que se comesse. Dava tudo por um banana-split, ou um gelado de chocolate. Interrogou-se sobre se Muffin gostaria desse tipo de coisas. Esperava que sim, porque uma vez casados, em vez de refeições como deve ser, deliciar-se-iam com festins de gelados. Ninguém os impediria. Jackson não poderia continuar a andar por todo o lado a dizer-lhe o que fazer e o que não fazer quando fosse casado.

 

Cleo nunca visitara a casa de Dominique em Hampstead, mas o motorista de Shep parecia conhecer a rua, por isso não demoraram muito tempo a lá chegar.

Era uma linda casa, com um pequeno quintal e canteiros de flores muito bem cuidados. Dois carros estavam parados no caminho de acesso à garagem e um carrinho de criança estava abandonado em frente da porta principal.

- Pode esperar, por favor - disse Cleo ao motorista. - Eu não voudemorar.

Ainda não decidira o que iria dizer a Dominique. Talvez se lhe explicasse o que se passava com a mulher de Shep, ou se a conseguisse fazer ver a espécie de inútil que Shep era na realidade. Se Dominique recomeçasse a insultá-la, limitar-se-ia a ignorá-lo. A sua amizade datava de há muito, e Dominique passava obviamente por um momento difícil. Embrenhada nos seus pensamentos, tocou à campainha.

Dayan veio abrir. Não lhe ocorrera que ele pudesse estar em casa. Parecia perturbado. Como se tivesse estado a chorar. Olhou para Cleo, reconhecendo-a vagamente.

- Sou Cleo. Cleo James, amiga da Dominique. Conhecemo-nos na outra noite, recorda-se?

- Sim - disse ele finalmente. - Recordo.

Cleo ficou pouco à vontade, no degrau de entrada, esperando que ele a convidasse a entrar, mas ele não se moveu nem fez qualquer gesto de boas-vindas. Limitou-se a ficar no mesmo sítio, com um olhar vago e rígido.

- Posso entrar? - perguntou Cleo.

- Como é que soube? - perguntou Dayan. -Ela disse-lhe? Subitamente, desatou a soluçar, enterrando a face nas mãos.

- Desculpe - gaguejou Cleo-, mas não sei o que se passa Aconteceu alguma coisa? A Dominique está?

Nesse momento apareceu Isaac. Estava com um ar lúgubre e preocupado. Pegou no amigo pelo braço e mansamente conduziu-o para dentro de casa. Fez um gesto para Cleo a pedir silêncio, e ela ficou à espera, com um súbito e horrível pressentimento, enquanto Isaac se afastava com Dayan.

 

Um minuto depois, Isaac reapareceu.

- O Dayan está sob um grande choque - explicou. - Todos estamos.

- Que aconteceu? - perguntou Cleo ansiosa.

- Desculpa. Pensei que sabias. Pensei que fora por isso que cá tinhas vindo.

- Que sabia o quê?

- Que a Dominique se matou hoje de manhã.

- Oh, meu Deus! Não acredito... -Cleo sentiu os joelhos vacilarem e o sangue fugiu-lhe da cabeça.

Isaac segurou-a e ajudou-a a entrar.

- Senta-te - disse com gentileza. -voubuscar-te um pouco de brande.

Ela sentou-se num cadeirão da entrada e afundou a cabeça nos joelhos. Era inacreditável. Uma pessoa como a Dominique não se ia matar.

Isaac reapareceu com o brande e ela tragou-o de uma vez.

- Porquê? - interrogou. Isaac encolheu os ombros.

- Ninguém sabe. Acontecia-lhe ter depressões, já tentara fazê-lo antes.

- Mas era tão jovem - suspirou Cleo-, e tinha... tudo.

- Tudo - concordou Isaac.

- Como é que ela o fez?

- É melhor que não o saibas. Não foi muito... bonito.

- Quem a encontrou?

- O Dayan. Telefonou-me e eu cheguei cá ao mesmo tempo que a polícia. Cá, ele não tem ninguém, não sei se sabes. Toda a sua família está em Israel. Não sei que fará agora.

- Onde está o bebê?

- A ama levou-o.

- Ela deixou algum bilhete? Alguma explicação? Isaac abanou a cabeça.

- Nada. Vivia à custa de tranqüilizantes, de comprimidos para dormir. Qualquer coisinha podia fazê-la precipitar-se numa das suas depressões.

- Quem me dera ter sabido. Acho que não fui muito compreensiva com ela. Se soubesse que ela estava doente...

- E como achas que eu me sinto? - interrompeu-a Isaac. Podia tê-la ajudado, mais que qualquer outra pessoa, mas em vez disso só lhe compliquei a vida. Éramos amantes, sabes?

- Sim. Eu sabia. Ela disse-me.

- Há poucos dias, disse-lhe que deveríamos separar-nos. Eu amava-a, mas o Dayan é o meu melhor e mais querido amigo e não podia

continuar a fazer-lhe isso. Ela ficou furiosa, não suportava qualquer espécie de rejeição. Cleo assentiu.

- Eu sei.

- Ela contou-me tudo acerca do americano. Acho que ela pensou que me provocaria ciúmes... e fê-lo. Na última vez que falei com ela, disse-me que ia para os Estados Unidos com ele. Ia mesmo?

- Ele é casado. Outra rejeição. Suponho que foi tudo somado.

- Suponho que sim. Meu Deus, sinto que deveria ter feito alguma coisa! Mas o quê?

- Não sei. Sinto-me na mesma. Mas não sabia que ela estava com uma depressão, pensei apenas que tinha mudado. - Cleo levantou-se.

- Achas que deva ir falar ao Dayan?

- Acho melhor deixá-lo sozinho.

- Gostaria de vir ao funeral. Se houver alguma coisa que eu possa fazer...

- Direi ao Dayan.

Aturdida, Cleo regressou ao automóvel. Queria chorar. Queria ser capaz de soluçar como Dayan fizera. Mas não era capaz, as lágrimas não corriam. Sentia só um vazio, um sentimento confuso de incredulidade.

De regresso ao hotel, telefonou a Shep.

- Os teus problemas acabaram - disse-lhe.

- Óptimo! - exclamou ele. - Eu sabia que tu eras capaz de o conseguir. Que disse ela?

- Não disse nada. Suicidou-se esta manhã. - Silenciosamente, Cleo pousou o auscultador. Sim, meu filho da mãe, ela suicidou-se, e tu deste mais que um empurrãozinho. Espero que te dê um colapso em cima da próxima mulher que convidares para uma pinocada à hora da sesta.

Stella estava impecável no seu vestido preto Yves St. Laurent, com o cabelo curto louro-cinza acabado de pentear por Ricci Burns.

- Vocês parecem irmãs - comentou Nikai ao cumprimentar Cleo.

- Ninguém ia acreditar que a Stella é tua mãe.

- Não sejas ridículo, querido - advertiu-o Stella em tom de censura. - Toda a gente sabe que eu sou uma velha carcaça! - Introduziu um braço magro por debaixo do de Mike e gorjeou: -E como vai o segundo homem mais atraente que eu conheço?

- Quem é o primeiro? Eu mato-o - brincou Mike.

- O meu marido, é claro - riu-se Stella. - Cleo, minha querida, o Mike está absolutamente maravilhoso, que lhe tens feito?

Cleo teve vontade de dizer: "É que tem fodido com muitas louras, mãezinha, e isso deixa-o sempre em grande forma.

Em vez disso, sorriu vagamente e pôs-se a admirar um anel novo de diamantes e rubis que a mãe estava a usar.

- Foi um presente do Nikai - confessou Stella. - Ele estraga-me com mimos, não é verdade, querido?

Nikai concordou alegremente.

- Se não o fizesse eu, alguém o faria.

"Que grande erro cometi em vir", pensou Cleo. Que chata e egoísta era a mãe. Tudo o que pedia à vida eram prendas e cumprimentos, e uma certa dose de adoração. Que se fodesse. E que se fodesse o Nikai. E o Mike também.

- Pareces cansada, querida - observou Stella.

- E estou. Tive um dia horrível. Lembras-te da minha amiga Dominique?

- Aquela bonitinha, com um cabelo ruivo adorável?

- Essa mesmo. Suicidou-se hoje.

- Oh, querida, que tragédia. Mike, querido, dás-me um martim muito pequenino? Já está preparado naquele jarro, ali em cima da mesa.

"Seria tudo? ", pensou Cleo. "Oh, querida, que tragédia." Aquilo ia ser o único comentário de Stella sobre Dominique? Ela conhecera-a, lembrava-se dela. Mesmo Mike, quando ela lhe contara, horas antes, mostrara um pouco mais de preocupação, e ele nem sequer a conhecera.

- Acho - disse Stella -, que após o jantar poderíamos todos fazer uma malandrice e ir ao Annabels comer um dos seus deliciosos gelados de chocolate.

- Incrível! - resmongou Cleo.

- Que foi, querida? - perguntou Stella.

- Nada. Não ias perceber.

- Que tal um jogo de gamão, Mike? - inquiriu Nikai. - Sabes jogar, não sabes?

- Claro. - Mike olhou de soslaio para Cleo, a ver se ela se importava.

- Joguem. - Depois de ter deixado a casa em Hampstead, o resto do dia diluía-se numa mancha obscura. Telefonara a Shep. Revira o artigo sobre Daniel Onel, já dactilografado. Fizera um ou dois telefonemas de trabalho. Seguidamente saíra e vagueara pelo Hyde Park.

Quase se esquecera do jantar com Stella e do encontro para conversar com Mike. Quando ele aparecera no hotel, só havia uma solução. Levá-lo consigo a casa de Stella. No fim de contas, ele continuava a ser o seu marido, não pareceria nada estranho, uma vez que Stella não sabia nada dos seus problemas.

Portanto, ali estavam. E ela sentia-se apanhada numa armadilha. A sua única família. E não lhe fazia a mínima diferença se nunca mais lhes pusesse a vista em cima. Por que se haveria de ter de gostar de alguém só por ser a nossa mãe?

 

Desde que se lembrava, Stella sempre a fizera sentir-se feia, inferior e estúpida. "A tua mãe parece tão nova! ", exclamavam os amigos da escola, com inveja e surpresa. "Como é bonita!" E tinha mesmo de ser. Desde que se levantava passava todo o seu tempo no cabeleireiro, ou no salão de beleza, ou na modista, ou na clínica de repouso.

Enquanto as mães das outras crianças levavam os filhos ao jardim zoológico, ou remavam num bote no lago de Regents Park, a mãe de Cleo apanhava o seu bronzeado de Inverno na Jamaica. "Não tragas os teus amigos cá para casa", dizia Stella. "São tão barulhentos, não me deixam descansar. "

De alguma forma, Cleo passou o jantar a lutar consigo mesma. Teve de admitir que estava satisfeita por Mike estar ali. Ele utilizou todos os seus recursos de charme e salvou a noite. Stella adorava-o. Ele dizia-lhe como era maravilhosa e desejável durante todo o jantar.

Quando a sugestão de irem à Annahels foi novamente lembrada, Cleo declinou.

- Foi uma noite muito agradável - mentiu -, mas eu estou tão cansada que mal me consigo manter acordada.

- Devias tomar todos os dias uma dose de semente de trigo com mel - disse-lhe Stella. - Dá-te muita energia e faz milagres pela pele. -. Chegou-se mais a Cleo e disse: - Já estás a chegar a uma idade, querida, em que tens de começar a cuidar da tua pele.

Como é que a Ginny costumava dizer? "Uma dose diária de esperma na boca mantém os médicos à distância, e vale mais que todos os cosméticos! "

- Boa noite, Stella. - Cleo beijou-a na face.

- Boa noite, querida, e escreve quando regressares.

- Tu nunca respondes.

- Nunca tenho tempo, querida. Mas escreve na mesma, eu gosto de saber notícias tuas.

Já no carro, Mike disse:

- Para o meu hotel, ou para o teu?

- Suponho que não ias compreender se eu dissesse que não me apetece conversar esta noite.

- Suponho que não.

- Ok. -Cleo encolheu os ombros, resignada. - Vamos para o teu hotel.

Mike deu ordens ao motorista e seguiram em silêncio, ambos imersos nos seus pensamentos.

Mike recobrava a confiança. Irem para o seu hotel era bom sinal. Uma vez lá em cima, quando começassem a falar, quando começassem a despir-se...

 

Não agüentava muito mais tempo sem ela. A longa noite anterior passada no apartamento de Erica começara a deixá-lo saciado. Erica, na verdade, era muito excêntrica. Quase excêntrica de mais para o gosto rico e variado de Mike.

Raspara-se de manhã cedo, enquanto ela ainda dormia.

Já iam no elevador e continuavam em silêncio, até que Cleo disse:

- Isto não é boa idéia, Mike. Ainda vai acabar numa sessão de gritaria.

- Enganas-te - disse ele, abanando a cabeça. - Nós podemos resolver as coisas. Sempre o conseguimos antes.

- Sempre resolvemos as coisas quando elas nos envolviam só aos dois.

- Só te peço uma oportunidade para me explicar.

Abriu a porta do seu quarto de hotel e convidou Cleo a entrar. Sentada no sofá, lendo uma revista, e embrulhada numa toalha de banho estava Erica.

 

Muffin fingiu estar a dormir até Jon ter saído do apartamento. O grande filho da mãe, obrigando-a a fazê-lo com ele na noite anterior. Ela não quisera - ele obrigara-a. Quase se lhe podia chamar uma violação.

Combinara com Little Marty encontrar-se com ele no seu hotel, às sete.

- Nessa altura não há problema - dissera Marty. -vouestar todo o dia a gravar, e direi ao Jackson que estou cansado se ele me quiser pôr a fazer alguma coisa ao fim da tarde.

Muffin pôs algumas, poucas, coisas numa mala. Queria sair do apartamento muito antes de Jon regressar a casa. Estava a pensar em comprar um vestido para o casamento. Branco seria óptimo, pregueado e virginal.

Quando acabou de se maquilhar, vestir, arrumar as coisas e ter tudo pronto escreveu um bilhete para Jon. "Fui a casa de uma amiga. Telefono-te amanhã." Isto impediria que ficasse preocupado. Era realmente uma pena não poder convidá-lo para o casamento, mas, claro, isso estava fora de causa.

O telefone tocou quando ela ia a sair. Era a Laurie.

- Vem almoçar comigo - incitou ela. - Tenho novidades de arromba.

- Quê? - perguntou Muffin.

- É bom de mais para te contar ao telefone - disse Laurie Nem vais acreditar! Quero ver a tua cara. Às duas da tarde no Carousel, certo?

- Certo.

Almoçar com a amiga seria divertido. Mas seria também um risco. Estava ansiosa por contar a alguém aquilo dela e do Little Marty Pearl, mas contar às amigas só poderia significar sarilho. Não se podia confiar nelas. Iriam a correr contar a Jon, e este tentaria impedi-la, e tudo se tornaria imensamente aborrecido. A quem poderia contar?

À mãe. Podia contar à mãe. Obrigá-la-ia a jurar manter segredo. A ferver de excitação, Muffin apanhou um táxi para Wimbledon.

- Duas visitas em dois dias - comentou a mãe. - Não faço anos.

- Eu sei, mãe. Já alguma vez ouviu falar no Little Marty Pearl? A mãe enxugou as mãos gastas num pano de cozinha.

- Dá uma olhada ao quarto das gêmeas. Há cartazes do Little Marty Pearl em todas as paredes.

- A sério? Formidável. Mãe, não desmaie, mas euvoucasar-me

com ele.

- A Josie também, mas já lhe disse que tem de esperar até fazer

dezasseis anos.

- Mãe, estou a falar a sério.voucasar-me com ele. Vamos casar-nos em segredo amanhã de manhã. Conhecemo-nos numa sessão de fotografias. Ele é encantador e apaixonámo-nos.

A mãe de Muffin sentou-se pesadamente.

- Então e o Jon? - perguntou por fim. - Tu estás comprometida com ele.

- Ele não se importa - mentiu Muffin com desenvoltura. Até compreende. Em todo o caso, nunca se quis casar comigo.

- Bem... Parece tudo tão repentino. Porquê amanhã? Não estás com nenhum problema, pois não?

Muffin riu-se.

- Claro que não, mãe. Não seja pateta.

- Sempre pensei que no teu casamento irias com um vestido branco, com flores, e a Josie e a Penny como damas de honor. Daríamos um copo d'água na Câmara Municipal, convidaríamos todos os parentes. A tia Annie, o tio Dick...

- Mãe, isso é tudo o que tem para dizer?

- É um choque, querida. Quase um desapontamento. Gostava tanto que houvesse uma bela cerimônia, na igreja.

- Oh, mãe!

- Não posso deixar de dizer o que sinto. Não posso esconder os meus sentimentos. O teu pai também vai ficar desapontado. Temos tanto orgulho em ti, e ficarias tão...

- Já chega, mãe - interrompeu Muffin. - Não precisa de continuar. - Talvez mude de idéias quando me for visitar na casa de Marty, na nossa casa, em Hollywood.

- Ele tem casa em Hollywood.

- Espero que sim. De qualquer modo, se não tem, compramos uma. Uma casa grande, com piscina. E teremos dois carros e muitos cachorrinhos bonitos. E nunca mais terei de me despir nas fotografias. Imagine só!

- Vem uma fotografia muito boa de ti nu Sun desta manhã. O teu cabelo está muito bonito. Queres vê-la?

Muffin nunca mais apareceu no Caroucel para almoçar. Sentia-se decepcionada com a falta de entusiasmo da mãe e, depois de sair de casa dela, foi comprar um vestido para o casamento. Encontrou o que queria, um vestido de algodão branco, pregueado, que lhe dava pelos tornozelos. Tinha um decote muito pronunciado e um xaile a condizer.

- A senhora não é a Muffin? - perguntou a empregada da loja.

- Sou - respondeu Muffin.

- Sempre pensei que uma pessoa famosa como a senhora tivesse todas as roupas à borla.

A disposição de Muffin melhorou. Era bom ser vista como uma pessoa famosa.

- Então - inquiriu Jackson dando uma palmada nas costas de Marty. - Que tal achaste o meu presente?

- Obrigado, Jackson - disse Marty pouco entusiástico.

- Eu disse-te que de futuro me encarregava de tudo - disse ele, piscando-lhe o olho. - Primeiro, eu próprio testo a mercadoria. É da pesada. Um pouco de alimento para o espírito só te faz bem. Vai querê-la outra vez esta noite?

- Não! - disse Marty precipitadamente. - Hoje à noite quero ver se durmo. Deixa-me dormir amanhã até tarde. Acho que estou cansado das viagens, sinto-me fraco.

- Não estás habituado, hem? - riu-se Jackson. - Não estás habituado a ter umas boas pinocadas para adormecer.

- Acho que não.

- Compreendo. Voudar ordens para te acordarem só ao meio-dia, amanhã. Vamos visitar a fábrica que faz os teus discos. Depois temos uma sessão de fotografias e gravamos um espectáculo para crianças, para a televisão. Nada de excessivo.

- Então até amanhã - disse Marty. Olhou para o relógio: eram seis e meia.

- Se é assim que queres, rapaz. A propósito, a sessão de hoje foi boa.

- O Mike não me pareceu ser da mesma opinião.

- O Mike anda com problemas pessoais. Vai por mim, foi boa. As coisas estão a correr como deve ser.

"Espero bem que sim", pensou Marty. Espero que a Muffin apareça. Espero que o consigamos fazer amanhã sem sermos descobertos. Espero amanhã à noite já ser um homem casado.

- Boa noite, miúdo - disse Jackson.

- Boa noite, Jackson - disse Marty. Quando for casado, não quero que me chames miúdo nunca mais.voupoder beber e dizer palavrões e ir às putas como todos os homens casados que conheço.

- De certeza que não queres nada? - perguntou ainda Jackson.

- Não. Nada.

- Nesse caso, até amanhã.

 

O choque de encontrar Erica calmamente sentada no seu quarto de hotel foi demasiado para Mike.

Cleo foi-se embora imediatamente.

- Fica para outra vez - atirou-lhe quando ele a tentou seguir. Por exemplo, para daqui a um ano ou dois.

Tentou argumentar, mas não valeu de nada, por isso deixou-a ir e voltou para o quarto, onde Erica continuava sentada.

- Mas que merda pensas tu que estás aqui a fazer? - explodiu. Levanta-te! Põe-te a andar! Desaparece!

Erica pousou a revista e encolheu os ombros.

- Pensei que ficasses satisfeito. Pensei fazer-te uma surpresa.

- E fizeste, sem dúvida. E lixaste-me a vida com a minha mulher. Veste-te e sai.

- E se eu não quiser ir-me embora.

- E se eu disser que te obrigo?

- Então obriga.

- Não me lixes. Não és capaz de ver quando não és desejada? Põe-te a andar. E depressa.

- Ontem à noite desejavas-me.

- E tive-te. E já não quero mais, por isso trata de te pores a mexer. - A sua raiva era como um último esforço de alguém muito cansado. Parecia que tudo lhe saía mal. Desde que Cleo o apanhara com Susan, fora uma sucessão de desastres. E agora isto, Cleo nunca lho perdoaria. Era o golpe final.

Erica levantou-se e desatou o nó do cordão que lhe prendia o roupão de banho. Este caiu-lhe aos pés. Lentamente ergueu as mãos e começou a massajar os mamilos até eles ficarem erectos.

Mike observava.

- Queres juntar-te a mim? - disse Erica num suspiro.

- Não - respondeu ele secamente, mas sem conseguir desviar os olhos dela.

As suas mãos desceram-lhe pela barriga, continuando a acariciar-se apaixonadamente. Em seguida, afastou as pernas.

- Vem - implorou.

Mike continuava no mesmo sítio.

 

Ela ajoelhou-se no chão e afastou mais as pernas. Começou a gemer e os seus movimentos tornaram-se frenéticos.

- Por favor! -implorou. Ele não se mexeu.

Ela estava quase, e de repente Mike não agüentou mais. Que se lixasse tudo. Abriu o fecho das calças e avançou na sua direcção. À bruta, introduziu-se na sua boca, no momento exacto em que ela atingia o clímax.

Agarrou-lhe a cabeça pela parte de trás e movimentou-se rapidamente para trás e para diante. Três ou quatro bombadas e já estava. Agarrou-lhe a cabeça, apertando-a por tal forma que quase a sufocava.

- Era isto que querias? - perguntou-lhe quando acabou.

- Oh, sim - suspirou ela.

- Óptimo. Agora podes pegar nas tuas roupas e pôr-te a andar. Estava a ficar horrorizado. Que se passava com ele? Não tinha

nenhum controlo? E se a Cleo se tivesse arrependido e voltado atrás? Cristo! Era mesmo uma merda. Talvez Cleo tivesse razão em querer separar-se dele. Talvez ele não conseguisse mudar. Talvez nem quisesse realmente mudar.

Voltou as costas enquanto Erica se vestia.

- Tens a certeza de que queres que eu me vá embora? - sussurrou-lhe ela.

Ignorou-a. Não se voltou até ouvir o barulho da porta a fechar-se.

Cleo perguntava a si mesma se Mike o teria feito de propósito. "Para o meu hotel ou para o teu?" Fora ele que perguntara. Devia saber que tinha uma mulher à espera no hotel dele, por que é que a levara para lá? Era quase como se ele quisesse que ela o apanhasse.

Não conseguia compreendê-lo. Era mais um comportamento merdoso, numa semana recheada deles.

Fosse como fosse, poupara-lhe uma longa e dolorosa conversa. Agora já não haveria mais conversas. Haveria apenas comunicações legais educadas, e depois um divórcio rápido. Estava até disposta a viajar de avião até Reno se isso apressasse as coisas.

Tudo se abatera sobre ela duma vez. A morte de Dominique. A compreensão final de que as coisas entre ela e Mike tinham mesmo acabado.

Meteu-se na cama, mas não conseguia dormir. O pensamento voava-lhe em mil direcções. Quanto mais tentava dormir, menos o conseguia.

Pela manhã recebeu uma chamada a confirmar a sua entrevista com Paulo Masserini, por isso ligou para a companhia aérea e marcou lugar no vôo mais próximo com destino a Roma. Sentia-se

orrivelmente, mas não queria cancelar a entrevista, só queria despachá-la o mais rapidamente possível.

Mike telefonou, mas quando ouviu a sua voz limitou-se a pousar rapidamente o auscultador sem dizer uma palavra. Não estava se quer zangada, apenas desapontada. Em tempos amara-o. Agora só sentia frustração por ele.

Num impulso, telefonou a Daniel Onel antes de sair.

- Já acabei o artigo - contou-lhe.

- Já? - respondeu ele distraidamente.

- Sim. Acho que vais gostar. Ouve, se quiseres posso deixar-to à caminho do aeroporto.

- Vais voltar para a América?

- Não. Voua Roma entrevistar Paulo Masserini.

- As minhas condolências.

- Queres ler o artigo ou não?

- com certeza. Posso alterá-lo?

- Nada de alterações. O original já foi enviado para Nova Iorque.

- Nesse caso, acho que não me vou dar ao trabalho. Só me vou

frustrar.

- Oh! -Cleo sentiu-se decepcionada. - Então não vale a pena

levar-to?

- Obrigado pela oferta, querida, mas não vale a pena. Se o detestasse, nada poderia fazer. Não suportaria isso.

- Não me parece que o vás detestar,

- Tu não. Foste tu que o escreveste.

- Então está certo. - Fez uma pausa. - Acho que vou mandar-te um exemplar da revista quando sair.

- És um amor.

Um amor, realmente. Por que não a quisera ele ver? Por que o quisera ela ver?

Era ainda cedo de mais para começar a pensar em ligar-se a um outro homem. Em todo o caso, Daniel Onel já estava muito ligado a ela. E só se encontrara com ele uma vez.

Contudo, havia algo nele... qualquer coisa que...

 

Muffín nunca fora capaz de escrever correctamente. Tinha uma letra grande e garatujada de criança, que irritou Jon tanto como o conteúdo do bilhete. Por vezes, parecia-lhe que estava a viver com uma miúda de seis anos. Nem sequer era capaz de escrever correctamente a palavra "amiga".

Releu o bilhete por duas vezes, e depois amachucou-o numa bola e atirou-o para a sanita.

Planeara uma noite especial. Trouxera uma garrafa de champanhe para casa, flores - um grande ramo de rosas, as favoritas dela -, e dois bilhetes de avião para os Barbados, marcados para dali a três dias.

E agora ela estragara tudo. Ia ficar com uma amiga! Pensaria que ele era algum idiota? Estava a rebolar-se. com outro tipo, e se uma noite ficava ainda dentro dos limites do aceitável, duas noites já era de mais.

Puxou pela cabeça tentando adivinhar quem seria.

Ela trabalhara há pouco tempo com Dave Ryle, e este era um safado com as mulheres. Se o Dave Ryle andava metido com a Muffin...

Quem o saberia?

Erica estava a par da maior parte das coisas que se passavam. Telefonou-lhe, mas ninguém atendia. Assim, telefonou para Dave Ryle e fez-lhe algumas perguntas distraídas sobre um novo tipo de máquinas fotográficas que havia no mercado. Como se por acaso, perguntou-lhe:

- Á propósito, a Muff está por aí? Dave riu-se descaradamente.

- Ela não tem posto por cá os pés... o que é uma pena. Perdeste-a?

- Não - respondeu Jon. - Deve ter-se atrasado a chegar a casa. Pensei que talvez tivesse passado pelo teu estúdio para ver as películas da sessão de fotografias da semana passada. Ela disse-me que talvez aí fosse.

- Se ela aparecer, meu velho, eu digo-lhe que tu estás à espera.

- Obrigado, Dave. - E imaginou-os nus e agarrados, rindo-se do facto de ele ter telefonado.

Tentou novamente Erica. Continuava a não atender.

Sentia-se mais que ligeiramente incomodado. Estava furioso. Quando Muffin aparecesse com um sorrizinho nos lábios no dia seguinte, ia ter de lhe dizer duas coisas. Acabavam-se os outros tipos. Ou havia acordo ou não. E se ela não gostasse... Oh, Deus, e se ela não quisesse?

De manhã cedo, quando estavam a decidir que talvez umas horitas de sono não fossem má idéia, Muffin aninhou-se mais em Marty e disse:

- Eu não devia ter passado a noite contigo.

- Porquê?

- Porque hoje vou ser uma noiva, e deveríamos ter passado a noite separados.

- Ora! -suspirou Marty. - Vê bem o que tínhamos perdido!

- Sim - concordou Muffin. - Tens razão.

Nenhum dos dois era capaz de dormir e, um pouco mais tarde, Muffin levantou-se e deu início ao longo e complicado ritual de se preparar para um acontecimento.

Tomou banho e lavou cuidadosamente os cabelos. De seguida, enquanto estes secavam, começou a maquilhar-se, o que, nos dias em que ela queria ter um aspecto verdadeiramente especial, lhe levava pelo menos uma hora. Quando todas as pestanas, sardas e brilhos artificiais estavam no lugar respectivo, pôs rolos no cabelo.

Entretanto, Marty estava às voltas com uma nova e furiosa sementeira de borbulhas na testa. Achou que a melhor forma de as tapar seria pôr uma ligeira camada de base para maquilhagem em toda a cara. Perguntou-se se os rolos aquecidos fariam alguma coisa pelo seu cabelo. A actividade sexual parecia deixar-lhe o cabelo completamente, sem vida. A seu pedido, ela tratou de pôr rolos, cuidadosamente, na parte da frente do cabelo dele.

- Sabes - comentou Muffin -, uma vez tentei pintar as pestanas do Jon. Elas são tão pálidas! Ele ficou furioso, absolutamente enraivecido. Acho que os homens deviam utilizar mais produtos de beleza, é engraçado. Queres que pinte as tuas pestanas?

- Hoje não - respondeu rapidamente Marty.

- Oh, não, claro que hoje não, pateta. Estava a pensar que talvez durante a nossa lua-de-mel. Onde havemos de ir passar a nossa lua-de-mel?

Marty não fizera planos que ultrapassassem a cerimônia do casamento. Nem sequer lhe ocorrera pensar na lua-de-mel. Casar-se-iam, regressariam ao hotel, contariam a Jackson, e este trataria de tudo. Jackson tratava de tudo por ele, e quando fosse um homem casado teria de passar a tratá-lo com um pouco mais de respeito. É claro que Jackson não iria ficar encantado com a idéia, mas seria tarde de mais para que pudesse fazer alguma coisa.

- Não sei - respondeu Marty. - Primeiro tenho de acabar esta tournée.

- Está bem - concordou Muffin com vivacidade. - Faremos uma lua-de-mel atrasada. Que tal se fosse no Havai?

- Fixe.

- Parece tão baril na televisão. Sabes, o Hawai Five O, e Steve Mcgarret, e todos aqueles tipos num bar. Anda cá, para eu te tirar os rolos.

Quando ficaram finalmente prontos saíram do hotel pela porta das traseiras. Não se podia dizer que não dessem nas vistas. Marty na sua fatiota de pele branca, com um esplendoroso tufo de cabelo os rolos tinham resultado em pleno. Muffin como uma linda boneca pintada, no seu vestido comprido e pregueado de algodão. Iam de mãos dadas, sorrindo com nervosismo.

A corrida de táxi até ao Registo Civil foi curta, e só à chegada é que Muffin se lembrou de que se esquecera de arranjar duas testemunhas.

- Podemos pedir a duas pessoas que passem aí na rua - sugeriu Marty.

Muffin fez uma careta:

- Isso não me agrada.

- Então, o quê? - interrogou Marty. Sentia um arrepio devido ao nervosismo percorrer-lhe o corpo todo. Oh, Deus, que diria Jackson? Só queria que tudo acabasse depressa.

- Já sei, voutelefonar a umas amigas.

- E elas chegam cá depressa?

- Digo-lhes que é uma emergência.

Entretanto aparecera uma senhora alta e magra que os conduziu para uma sala de espera muito pequena e convidou Muffin a usar o telefone.

Muffin começou por telefonar a Kamika. Para um modelo, Kamika era bastante segura e de confiança. Prometeu estar lá dentro de quinze minutos. De seguida Muffin hesitou entre convidar Erica ou Laurie. Os números delas eram os únicos que sabia de cor, além do de Kamika. Claro que eram duas cabras, mas que mal podiam fazer naquela altura?

Finalmente decidiu-se por Laurie. Não lhe contou nada, limitando-se a pedir-lhe que viesse ter com ela imediatamente, sem dizer uma palavra a ninguém.

Marty começara a fumar cigarros uns atrás dos outros.

- Não sabia que fumavas - disse Muffin surpreendida.

- O Jackson não me deixa. Faz mal às cordas vocais. Já arranjaste duas amigas?

- Vêm a caminho.

A mulher alta e magra estivera a observá-los em silêncio durante algum tempo. De repente, disse:

- Os fotógrafos não tarda nada estão aí. Quer que deixe entrar alguns?

- Que fotógrafos? - perguntou Marty alarmado.

- Os dos jornais.

- Oh, merda! Como é que eles souberam?

A mulher alta e magra baixou os olhos, embaraçada:

- Eu não sei, de certeza. Marty levantou-se de um salto.

- Não podemos esperar pelas tuas amigas, Muffin. Se alguém informou a imprensa, o Jackson aparece aí como um relâmpago.

- Mas precisamos de duas testemunhas.

- Ela pode ser uma. - Apontou para a mulher alta e magra. - Não pode?

- Não. Tenho de estar disponível para receber as pessoas, atender o telefone. Eu trabalho aqui. O conservador do Registo Civil não o autorizaria.

- E autoriza-a a avisar os jornais?

- Eu não os avisei.

- Ah, sim...

Nesse momento chegou Kamika.

- Que emergência é esta? - perguntou. - Não tive tempo para tomar o pequeno-almoço, nem sequer para me maquilhar.

- Kam! - Muffin agarrou-se a ela, aliviada. -voucasar-me.

- Onde está o Jon?

- Não é com o Jon, é com o Marty. Apresento-te o Little Marty Pearl.

Kamika abanou a cabeça, espantada.

- Não percebo... Ontem, ao almoço, Laurie disse que ela e...

- A Laurie não tarda a chegar - interrompeu Muffin.

- A Laurie? - perguntou Marty, corando sob a camada de maquilhagem.

- Vocês, ingleses, são tão... liberais - disse Kamika. - No Japão...

- Por que é que pediste à Laurie? - perguntou Marty.

- E por que não? - respondeu Muffin.

- Bem, ela... ela é amiga do Jackson.

- Eu não lhe contei nada.

- Foi estúpido convidá-la.

- Peço imensa desculpa. Não tinha propriamente muito por onde escolher.

Nesse momento apareceu Laurie, com um vestido de ganga todo de abotoar que deixava quase tudo à mostra.

- Eh! As ruas estão cheias de fotógrafos. - Levantou os óculos.

- Marty! Que fazes aqui? Jesus! Tenho de fazer um chichi. Muffin, querida, que se passa?

- Vamos casar-nos! - declarou Muffin triunfalmente. - O Marty e eu.

- Que em?

- Vamos - disse Marty apressadamente. - Vamos despachar-nos e pôr-nos a andar daqui para fora.

- Sigam-me - disse a mulher alta e magra.

- Estou nervosa - exclamou Muffin. Laurie abanou a cabeça.

- Devo estar a sonhar. Isto não é a sério.

- Laurie - interpelou-a Kamika -, não me disseste ontem ao almoço que tu e...

- Chiu! Estamos num casamento, Kam. Não é altura para estarmos com mexericos.

Entraram todos na sala onde ia ter lugar o casamento. O conservador apareceu e sem mais cerimônias deu início às formalidades legais do casamento.

Um quarto de hora mais tarde estava tudo concluído. Marty esquecera-se de comprar uma aliança, por isso Kamika tirou a dela e emprestou-lha, para que a pudesse pôr no dedo de Muffin.

- Nem quero acreditar nesta coisa! - sussurrou Laurie. - Se soubesse que isto ia acontecer, ao menos ter-me-ia vestido a condizer.

- Estamos casados! - exclamou Muffin ao deixarem a sala. Sou Mrs. Marty Pearl. - Abraçou Marty, que parecia estar deslumbrado. - Vamos para o apartamento celebrar!

- Que apartamento? - perguntou Laurie.

- O meu?

- Então e o Jon? Ele não se importa?

- Oh, que diabo! Esqueci-me do Jon. Ele não sabe.

- Não sabe! Oh, não, eu quero ir-me embora.

- Acho que também mevouembora - disse Kamika.

- Ok - disse Muffin com uma careta. - Vamos até ao Dorchester, Marty, vai ser divertido. Sempre desejei lá ir tomar o pequeno-almoço.

No exterior, foram cercados pelos fotógrafos.

- Uáu! -exclamou Muffin. - Agora é que sou mesmo famosa!

 

- Importa-se que fume? - perguntou o homem gordo que estava sentado à sua esquerda.

Cleo sorriu. Acertara mesmo na deixa - previra exactamente o momento que ele imaginaria ser o melhor para tentar meter conversa. O gordo tomou o seu sorriso por um encorajamento.

- Não sou o melhor do mundo a andar de avião - confessou.

- Aposto que não é o melhor do mundo em nada - retorquiu Cleo.

- Como disse? - O homem não tinha a certeza de ter ouvido bem.

- Você devia mesmo começar a fazer dieta - observou Cleo. Demasiado colesterol. Num homem de meia-idade como você é meio caminho andado para um ataque cardíaco.

O gordo enrubesceu.

- com licença. - Dirigiu-se à parte de trás do avião, onde podia conversar com a hospedeira sem correr o risco de ser insultado.

Cleo bocejou. De manhã sentia-se horrivelmente. Agora sentia-se bem pela primeira vez em muitos dias. Sentia-se livre. Exultante. Seria assim que se sentiriam as pessoas quando decidiam divorciar-se? Provavelmente não... mas ao diabo com isso. Sentia-se optimamente. Talvez a falta de sono fizesse bem.

Um grupo pop britânico viajava a bordo, e os seus componentes andavam para trás e para diante na coxia, incomodando toda a gente. Havia um com cerca de dezanove anos, longos caracóis negros e olhos verdes libidinosos. Cleo sorriu-lhe. Ele devolveu o sorriso.

Oh, que agradável andar a desviar crianças!

Se ela fosse a Ginny, começaria a dar-lhe conversa sem mais delongas. Ele devia ser pelo menos dez anos mais novo.

E continuava a passear para baixo e para cima, nas suas calças demasiado justas e blusão cheio de crachás.

O gordo regressou e apertou-se no seu lugar sem dizer uma palavra.

Cleo levantou-se e foi até à parte de trás do avião onde folheou as revistas que estavam na estante. O rapaz dos-caracóis negros apareceu e ficou a mirá-la com olhos cínicos de puto de dezanove anos.

- Queres um charro? - acabou finalmente por perguntar numa voz em que se notava um sotaque americano.

- Aqui?

- Não. Bem apertadinhos, cabemos os dois na casa de banho. E podia dar-te mais que um charro. - Piscou-lhe o olho, esperançoso.

Uma pinocada no ar! Uma fantasia que Mike sempre quisera realizar. Mas alinhar com desconhecidos nunca fora o seu estilo, por muito tentadora que fosse a oferta.

- Não, obrigado. - Sorriu-lhe, para mostrar que não havia animosidade na recusa.

- Está bem. - O rapaz dos caracóis negros encolheu os ombros.

- Pensei que podia ser uma boa.

E bem podia ter sido. Talvez que com Daniel Onel fosse ainda melhor. Mas Daniel provavelmente não era do tipo de foder nos aviões. Lá estava ela outra vez a pensar em Daniel.

No aeroporto de Roma havia um carro à sua espera para a conduzir ao hotel. O responsável pelas relações públicas de Paulo Masserini esperava-a na entrada e confirmou o seu encontro com a estrela para as quatro horas.

As informações que tinha eram de que Paulo Masserini era um egomaníaco, mas pelo menos parecia ser organizado.

Estava a ficar farta de entrevistar actores. Não tinham condimentos que chegassem para um bom cozinhado, e ela estava a ficar faminta por um político. Ramo, Butch, Sami, Daniel, e agora Paulo. Algumas mulheres dariam tudo por poder encontrar-se com aqueles homens, mas eles não passavam de pessoas vulgares que, pelo seu aspecto, talento e carisma tinham sido projectados para posições de grande fama. Um homem que, pelo seu cérebro, tivesse alcançado alguma coisa era uma proposta muito mais interessante.

Mesmo assim, não se podia queixar. Butch Kaufman ajudara-a a decidir-se quanto ao seu futuro. Daniel Onel fizera-a compreender que Mike já não era o homem mais interessante e atraente que conhecia. Retrospectivamente, Mike deixara de o ser há muito tempo.

Paulo Masserini era tudo o que toda a gente dissera que seria. Alto, alourado, quarentão. com olhos azuis perscrutadores e um suave sotaque italiano, doce como leite com chocolate.

Beijou a mão de Cleo, pediu um Pernod e leite - porque era o que ele estava a tomar- e empreendeu uma longa tirada sobre como ele mesmo era inteligente, bonito e sensual.

Meu Deus, como era chato! Por uma vez na sua carreira Cleo foi incapaz de manter aquele olhar fixo de interesse que convencia a pessoa entrevistada de que era com efeito irresistivelmente interessante.

Bocejou abertamente, e quando a cassette chegou ao fim, não se deu ao trabalho de voltá-la.

Que maneira de ganhar a vida. Precisava de um dia de férias. Entrevistar actores era suficiente para fazer seja quem for necessitar de um dia de férias.

Duas horas mais tarde, a mulher dele veio buscá-lo. Era uma mulher enorme, que parecia um elefante. Parecia mais ser sua mãe que esposa. Ele não pareceu ansioso por ir, o que deu origem a uma curta, mas gritada, discussão em italiano.

Cleo deixou-se ficar sentada a olhar para o vazio. Não tinha uma entrevista, nada do que ele dissera era suficientemente interessante para merecer ser repetido.

Ou talvez fosse dela. Talvez estivesse a perder qualidades.

Por fim, a mulher lá o levou para o abrigo protector de um Rolls Royce branco.

- Ele é um homem maravilhoso! - disse, com lealdade, o responsável pelas relações públicas.

- Fala pelos cotovelos - observou Cleo.

- Mas é interessante.

- Pois claro.

- Conseguiu uma boa entrevista?

- Estou certa de que tenho o suficiente.

- Oh! Há uma mensagem para si. Signor Kaufman chegará ao hotel por volta das seis. Espera-a para jantar consigo.

Sentaram-se na esplanada de um restaurante.

- Achei que... hum... uma senhora que está para se divorciar não devia passar a noite sozinha em Roma.

- Foi muito amável da sua parte.

- Não foi tanta a amabilidade. Há semanas que anseio por um prato de esparguete decente.

- Como soube que eu estava aqui?

- Um pouco de trabalho dê investigação.

- Foi-lhe difícil escapar-se? E o filme?

- Tirei dois dias de folga. Não lhes disse... só ia servir para haver uma discussão. De qualquer maneira, estaremos de volta amanhã de manhã. Ena, este vinho é mesmo bom! Ora conte-me lá do chato do Masserini. Continua tão convencido como sempre?

- Julgo que sim. Encaremos os factos, um actor é um actor. Acho que tenho uma péssima entrevista.

- Não insulte a profissão chamando actor ao Masserini. Ele não Passa de um pedaço de merda de porco italiano.

- Você gosta mesmo dele, não é verdade?

- Gosto de si. - Butch mirou-a perscrutadoramente. - Que me diz?

- Sobre quê?

- Sobre nós. Como por exemplo a... hum... a dar-nos uma oportunidade?

- Que oportunidade?

- Por exemplo, de irmos até à minha casa de Malibu. Vivermos juntos. Divertirmo-nos à grande.

- Mal nos conhecemos.

- Não me venha com essa história de rapariguinha à moda antiga. Acho que juntos éramos capazes de fazer a coisa resultar. Que tem a perder?

- Pensei que tinha uma mulher a viver consigo.

- É só uma amiga, nada de sério. Consigo gostaria que fosse a sério.

- Acabo de romper um casamento.

- Pois venha daí comigo. Numa semana acabo o filme. Podíamos regressar a Los Angeles juntos. Nada de discussões, só divertimento.

Cleo riu-se.

- Isto é tudo tão súbito... Butch riu-se.

- Quem quer que seja que esteja a escrever os seus diálogos, devia ser despedido imediatamente! Acabe o seu esparguete e vamos a uma discoteca deixar-nos apanhar pelos papparazzi.

Estar com Butch fê-la sentir-se segura. Ele era o tipo de homem com quem uma pessoa se podia envolver sem ficar muito envolvida, E, acima de tudo, era totalmente honesto.

Mais tarde, na cama, Cleo avaliou a sua proposta. Algumas semanas - talvez mesmo meses - deitada ao sol em Malibu podia ser aquilo de que ela precisava. Poderia falar com os advogados na Califórnia para tratar do divórcio. Poderia parar de trabalhar durante algum tempo para descansar. Butch era simpático, de fácil convivência, davam-se bem. Que teria a perder? Era também um garanhão na cama, e isso talvez fosse o que mais lhe convinha no momento. Depois de Mike, do que ela precisava era de satisfazer o ego nessa direcção.

De manhã, disse-lhe:

- Muito bem. Vamos a isso, Mister Kaufman. Ele fez um sorriso aberto.

- Boa decisão. Poderemos divertir-nos, ver o que acontece...

- Sim - concordou ela -, veremos o que acontece.

Marty tinha horror às multidões e aos apertos. Gente que não parava de empurrar e dar cotoveladas, e fotógrafos a gritar-lhes para que olhasse na direcção deles.

De onde vinha toda aquela gente? Corriam para um lado e para o outro, chegando-se onde havia mais gente, esticando os pescoços para ver o que se passava. Uma rapariga pegou-se à manga do casaco de Marty, e este teve de a sacudir. Onde estaria o seu carro? Onde estaria Jackson?

De repente, lembrou-se. Não havia carro, nem Jackson.

Muffin posava despreocupadamente para os fotógrafos. Não parecia importar-se com os apertos, nem sequer parecia dar por isso.

Marty empurrou-a para dentro do Registo Civil e fechou a porta estrondosamente. Transpirava por todos os poros e quase perdera o fôlego.

- Qual é o problema? - perguntou Muffin, algo contrariada por ter sido arrancada às luzes da ribalta.

- É essa gente toda. São perigosos.

- Não sejas palerma.

- Chame um táxi para nós - disse Marty para a mulher alta e magra. - Há alguma saída pelas traseiras?

- Eu gosto que me tirem fotografias - disse Muffin mal-humorada.

Marty não respondeu. Doía-lhe o estômago. Tinha uma úlcera que dava sinal sempre que ficava sob tensão nervosa. Normalmente, era a mãe que andava com as cápsulas que tomava nessas alturas. Agora devia ser Jackson que as tinha.

O táxi chegou e foram conduzidos à porta das traseiras, mas os fotógrafos tinham-se juntado lá também, de maneira que houve mais empurrões e cotoveladas.

- Isto é divertido! -exclamava Muffin, com os olhos a brilhar.

- Dói-me a barriga - queixava-se Marty.

Dorchester tiraram-lhes mais fotografias.

-Vou tomar um pequeno-almoço gigante - anunciou Muffin. Ovos, bacon, salsichas e champanhe!

- Estou mal-disposto - declarou Marty.

A hora de levantar nunca era a melhor do dia para Jackson. Normalmente estava de ressaca, e tinha um milhão de problemas menores para tratar.

O seu problema imediato nesta manhã em particular era como ver-se livre de Erica. Encontrara-a a sair do quarto de Mike James na noite anterior e, uma vez que estava sozinho, automaticamente convidara-a a tomar uma bebida no seu quarto. Um dos lemas de Jackson era nunca deixar passar uma oportunidade. Claro que, após terem despachado em pouco tempo uma excelente garrafa de brande, tinham acabado na cama. Ela era tarada! Perigosa. Mesmo o próprio Jackson não estava preparado para repetir a sessão. Queria apenas acordá-la e pô-la a andar.

Deslizou silenciosamente para fora da cama e, pegando nas roupas, fechou-se na casa de banho.

Lamentosamente, examinou o corpo. Estava cheio de mordidelas e arranhões. Doía-lhe em todo o lado. Falassem de mulheres esfomeadas! Ela parecia que não via homem há anos. Se calhar, Mike James não era aquilo que se dizia. Tinha estado a morrer por lho perguntar, mas falar não fazia parte do currículo dela.

Vestiu-se rapidamente. Estaria Erica à espera de dinheiro, como a Laurie? Ela é que lhe deveria pagar a ele.

O telefone ao lado da cama começou a tocar e, antes que Jackson o pudesse atender, Erica estendeu um braço comprido e nu e pegou-lhe.

- Sim? - sussurrou.

Jackson tirou-lhe o telefone das mãos.

- Está? - disse. - Daqui fala Jackson. - E de imediato desejou não o ter feito. Mais lhe valera ter ficado na cama a dormir.

Jon não conseguira dormir. Estava tão irritado com o comportamento de Muffin que ficara toda a noite a cismar no assunto. Pela manhã tinha os olhos injectados de sangue e não lhe apetecia nada preparar-se para fotografar uma passagem de modelos.

Estava para pegar no telefone a cancelar quando este tocou.

Era Laurie.

- Senti-me na obrigação de te contar - disse ela.

- Quê? - perguntou Jon.

- No fim de contas sou tão tua amiga como da Muffin.

- Quê?

- E não acho que ela esteja a ser justa.

- É com o Dave Ryle?

- Ha?

- Nada. Que me queres contar? Laurie fez uma pausa para respirar.

- A Muffin e o Little Marty Pearl acabam de se casar.

- Não sejas parva - respondeu Jon agastado. - Ela está aí contigo? É isto que ela acha uma boa piada?

- É verdade, Jon. Eu estive lá. Eles acabam de se casar.

- Estás a falar a sério?

- Claro que estou. Não ia brincar com uma coisa destas. Acho que é...

- Onde é que eles estão? - perguntou Jon impaciente.

- Julgo que disseram que iam tomar o pequeno-almoço ao Dorchester, para celebrar o casamento. Eu não fui. Eu...

- O Jackson está com eles?

- Ele não sabe de nada. A história é essa, ninguém sabe. Eles... Jon desligou. Aquela cabra! Aquela putazinha refinada. Como

fora capaz de fazer aquilo?

Telefonou a Jackson e atendeu uma mulher. Era Erica.

- Ele saiu agora mesmo muito apressado- disse ela. - Que se passa?

Jon já ia a correr para fora do apartamento.

As dores de estômago de Marty estavam a piorar, de maneira que quando viu Jackson entrar de rompante no restaurante só pensou no facto de que era ele que tinha as suas cápsulas.

- Seu paneleireco! - disse Jackson com um sorriso, puxando uma cadeira e acenando amigavelmente para uma parelha de repórteres que se tinham instalado numa mesa próxima. - Já te tinha dito que se quisesses uma gaja para ir para a cama era a mim que recordas. A mim... não à Miss Mamas de Ouro.

- A minha úlcera dói-me - queixou-se Marty. - Podes dar-me os meus comprimidos?

- Os teus comprimidos, ainda tos meto pelo eu acima. Que merda de brincadeira vem a ser esta? O nome que eu lhe dou é casas-te e perdes o emprego.

- bom dia - saudou Muffin com vivacidade. - Alguém acordou hoje com os pés de fora?

- Cale a boca, sua putéfia. Não sabes o que fizeste?

- Quero os meus comprimidos - choramingou Marty. Já estava farto daquilo tudo, e sentia-se satisfeito por Jackson ter aparecido para tomar conta de tudo.

- Não me chames nomes - reclamou Muffin. - Matty, ouviste e que ele me chamou?

- Onde está o teu namorado? -perguntou Jackson. - Ele sabe disto?

Muffin amuou.

- Meu Deus! Vocês são mesmo dois putos estúpidos! Que foi que vos deu? Jesus!

- Nós amamo-nos - declarou Muffin.

-voubuscar a conta e vamos sair os três daqui para fora sem estrilho, e quando chegarmos ao hotel, Marty,voudar-te cabo do canastro.

Marty baixou a cabeça. Onde estava o respeito que pensara que ia ter, agora que era um homem casado?

Que é? - perguntou Jon. Estava completamente em baixo.

Anulação - anunciou Jackson triunfalmente. - Apanhámo-los

a tempo. A anulação é a única solução.

- Mas... - começou Muffin.

- Não há mas - insistiu Jackson. - Anulação. Está bem, Marty? Sim - concordou Marty, lastimosamente. - Posso tomar os

comprimidos agora?

Languidamente, Erica pegou no telefone e pediu para lhe ligarem para o quarto de Mike James.

- Estou no hotel - disse-lhe ela.

- E daí?

- E daí que pensei que talvez gostasses que eu te fizesse uma visita.

- Não abuses.

- Sim ou não?

Ficou em silêncio. Cleo acabara de lhe desligar o telefone na cara. Suspirou.

- Como queiras.

- Quero sempre.

Jon apanhou-os precisamente quando iam a entrar no carro.

- Vem connosco - convidou-o Jackson. - Podes tratar-lhe da saúde, enquanto eu estrangulo este badamecozito.

- Já era tempo de deixares de ser ordinário - queixou-se Muffin. Jon entrou para o carro.

- Dói-me o estômago - lamuriou-se Marty.

- Dá-te por satisfeito por ser só isso - disse Jackson. - Neste momento, esse é o menos importante dos teus problemas.

Muffin ensaiou um sorriso para Jon.

- Não estejas zangado - disse ela com meiguice. - Tu nunca quiseste mesmo casar-te comigo.

Era verdade. Ele não o podia negar. Mas ter-se-ia casado com ela. Para proteger o seu investimento, deveria ter-se casado com ela. Jackson disse;

- Já sei o que fazer.

 

Mike James fez o check in no balcão da Pan American e entregou ao empregado dois bilhetes para Nova Iorque. Sentia-se satisfeito por ir para casa. Cristo! Esperava que tivessem cuidado bem do seu Ferrari. Erica estava atrás dele. Estava descontraída e muito elegante no seu fato verde-pálido, com o cabelo louro e macio a brilhar. Tinham-lhe marcado uma gravação publicitária para a TV na América. Precisavam de uma loura inglesa elegante e descontraída e ela fora imediatamente escolhida. Mike sugerira que viajassem em conjunto. Na verdade, sugerira que ela ficasse no seu apartamento. Erica não levantara quaisquer objecções. Na realidade ficara encantada.

"Que raio", pensara Mike, "Cleo não ia regressar para ele, por isso o melhor que fazia era divertir-se. Seria agradável andar a mostrar a Erica por Nova Iorque. Uma cara nova. Que raio..."

No dia anterior verificara que Little Marty Pearl e Jackson prosseguiam em segurança o seu tour europeu. Ah, e Mrs. Emma Pearl fora novamente chamada e seguia com eles. Da última vez que a vira, estava a atafulhar o estômago de Marty com comprimidos e queixava-se da porcaria que eram as comidas estrangeiras. A evocação fez rir Mike.

Cleo era uma cabra. Já o devia ter percebido há muito tempo. Egoísta, indiferente, fria, dura. Que passasse muito bem.

Erica tinha mais classe no seu dedo mindinho.

Vai-te foder, Cleo James! A fugir com um garanhão como Butch Kaufman. Vai-te foder, minha cadela!

Mais tarde no mesmo dia havia um vôo para Los Angeles.

Muffin chegou ao aeroporto vestindo uma camisa aos quadrados que deixava ver tudo e jeans cocados metidos para dentro de umas botas de tacões altíssimos, que pareciam ser feitos da bandeira americana.

- Eh, Muffin! -chamavam-na os fotógrafos. - Olha para aqui. Volta-te de lado. Óptimo! Agora nesta direcção, queridinha!

Jon tratou da bagagem e dos documentos de viagem - vistos, passaportes, bilhetes, etc. Fora uma semana dura - mas graças a Deus pelo Jackson. Após a fúria inicial, acalmara-se e assumira completamente o controlo da situação. Silenciosamente, chamara Jon para um canto.

 

- Não estás interessado em que estas duas crianças te lixem a vida, pois não? - perguntara ele.

- Nem pensar - respondera Jon.

- Nesse caso, não há problema - respondera Jackson. - Eu trato disso. - E tratara.

Muffin fora uma beldade adolescente desprezada. Marty fora desligado dela. Jackson puxara todos os cordelinhos certos.

- Que é que se passou realmente entre ti e o Little Marty Pearl? - perguntava um fotógrafo.

Muffin sorriu e disse com todo o descaramento:

- Como já disse um milhão de vezes, foi só uma brincadeira. Uma brincadeira idiota, que deu mau resultado.

Voltou-se para se abraçar a Jon.

- Este é que é o meu homem, sempre o foi e sempre o será. Vamos casar-nos em breve, não é verdade, queridinho?

Jon libertou-se do abraço.

- Claro - concordou. - Vamos fazer umas fotos para um calendário, e depois quem sabe...

- O casamento com o Marty está legalmente anulado? - perguntou um repórter.

- Ele nunca esteve legalmente em vigor - replicou Jon. - Foi declarado nulo passado poucas horas. Ouçam lá, parceiros, temos andado à volta disto toda a semana. Vocês já conhecem os factos. Que tal se deixássemos de falar no assunto? - Pegou em Muffin firmemente pelo braço e afastou-se com ela.

- Estás a magoar-me o braço - queixou-se esta. - Eu não sou propriedade tua.

- O teu contrato para esse negócio do calendário é meu, por isso cala a boca e anda daí.

- Porco! - resmoneou Muffin.

- Bico calado, Muff. Não venhas para mim com esse teu temperamentozinho acriançado. Não fui eu que me casei contigo e me descasei no minuto a seguir. Tens sorte em te terem safado desse prodígio da putalhada tão depressa.

- És um merdoso!

- Ouve. Nós vamos os dois para Hollywood. Vamos ficar numa bela casa arranjada e paga pelo Jackson. Vamos tirar fotografias incríveis. A seguir vamos até Barbados. Que mais queres? Descontrai-te. Aproveita bem, porque vamos passar uma temporada incrível.

- Bah! - disse Muffin, deitando a língua de fora.

Assim que Muffin desapareceu, os fotógrafos viraram as atenções para Butch Kaufman, que estava precisamente a chegar.

Cleo deixou-o a ser fotografado e foi dar uma olhada ao quiosque de jornais e revistas. Viu um jornal com a fotografia de Shep Stone

abraçado a uma linda mulher na primeira página. A legenda dizia; "Shep Stone, de trinta e nove anos, abraça a esposa, a bailarina Mary Lou, de vinte e dois, que chegou hoje da Florida. "

Mary Lou respirava saúde por todos os poros. Decerto que não estava com oito meses de gravidez. Certamente que não estava a recuperar de um aborto.

Shep Stone era então um mentiroso. Enganara-a. E o que fizera a Dominique? Cleo suspirou. A maior parte das pessoas só pensava nelas mesmas. Ela fora ao funeral de Dominique. Shep Stone nem sequer mandara flores...

O quiosque tinha uma edição da Image, e Cleo comprou dois exemplares. Havia uma chamada na capa para o seu artigo "Quem tem medo do lobo mau", e Russell abrira a série com a sua peça sobre Butch. "Se anda à procura do primeiro garanhão da América... ", começava o artigo. Era disso que ela tinha andado à procura? Era isso que tinha conseguido?

- Eh, miúda - Butch veio buscá-la -, não queres tirar uma fotografia comigo? Ha? Aqueles tipos estavam todos a perguntar-me quem é a dama misteriosa, quem é a linda senhora de pernas compridas e sensuais. Mas depois apareceu o Daniel Onel e eles viraram as objectivas para ele. Escapaste por pouco.

- Daniel Onel... aqui?

- Sim. Vai no mesmo avião. Vai ficar em Beverly Hills durante uns quinze dias. Disse-lhe que passasse lá por casa. Não te importas, pois não?

- Não, não me importo. - Virou-se para olhar, e efectivamente Já estava Daniel, tentando escapar-se aos fotógrafos. Lá estava também a sua acompanhante, a princesa dinamarquesa, posando alegremente.

Cleo sorriu. Talvez Los Angeles viesse a significar mais do que ela estava à espera.

Daniel subitamente viu-a e ficou por um momento a olhá-la, e aquele olhar queria dizer tudo.

- Vamos lá, menina - disse Butch, no seu tom de voz arrastado -, temos um avião para apanhar.

 

A vida com Butch tinha as suas vantagens.

Como... passar bem o tempo ao sol, sem nada de especial para fazer a não ser dedicar-se a cuidar do bronzeado.

Como... nada de conversas sobre impostos. Ele e os seus amigos viviam bem e sem preocupações, e as suas conversas eram sobre assuntos tão sérios como o surf e a alimentação racional.

Como... Butch era quem cozinhava sempre no seu fiel assador japonês. E era ele que ia sempre às compras. Na verdade, gostava de ser reconhecido no supermercado.

Como... o sexo.

A vida com Butch tinha também as suas desvantagens.

Como... interrogar-se sobre se o facto de ter exactamente o mesmo bronzeado em todas as superfícies do corpo era realmente um assunto importante.

Como... aborrecer-se mortalmente com o seu grupo de amigos desmiolados.

Como... infindáveis bifes e frangos grelhados com salada. E nunca comer bolos ou doces, uma vez que Butch se recusava a comprá-los, com o argumento de que eram veneno.

Como... o sexo.

E havia ainda a sociedade de Beverly Hills. Saídas ocasionais à cidade para ir a festas em que Butch achava que deveria ser visto. No fim de contas, ele era um actor. E os actores tinham de se mostrar, deixar-se fotografar e lembrar a toda a gente que ainda existiam e não tinham desaparecido num rolo de celulóide.

Cleo nunca tivera tão bom aspecto em toda a sua vida. Mal se reconhecia. Seria ela esta criatura excelentemente musculada e bronzeada? Esta senhora cheia de energia, de bifes grelhados e alimentação equilibrada. A mulher que corria pacientemente ao longo da praia, ao lado de Butch. Que fazia extensões de braços e flexões de pernas e ioga. Esta mulher que ainda não escrevera uma única palavra desde que chegara à Califórnia.

O seu corpo estava activo. O cérebro dormia. Não se ralava. Precisava daquele intervalo na sua vida. Um período no limbo, em que pudesse decidir o que realmente queria fazer.

Mike não era mais que uma lembrança remota. Uma lembrança remota e divorciada. Já não era parte dela. E agora que ele se afastara para sempre não sentia sequer a sua falta. Talvez nunca o tivesse realmente amado. Talvez fosse a sua picha que ela amava - o seu comprido instrumento de prazer e os seus tomates duros e sólidos. Quando soubera como ele usara indiscriminadamente o seu equipamento... bem...

Butch não era o substituto de um marido. Era um companheiro de viagem. Não era pesado nem pegajoso. Ainda que ultimamente lhe tivesse dado para a tratar por "minha velhota" - o que a irritava. Ela não lhe pertencia, só por ter escolhido partilhar a sua casa. Não era a "velhota" de ninguém.

Todos os meses recebia uma carta de seis páginas de Russell Hayes. Mexericos acerca dos conhecimentos mútuos, alguns comentários engraçados sobre as suas últimas namoradas esculturais, e sempre, no fim de cada carta, a exigência de saber quando é que ela iria recomeçar a trabalhar. Ela respondia-lhe com postais. Vistas da praia com umas linhas rabiscadas no verso. Era bom saber que Russell regressara à categoria dos "bons amigos" e já deixara de lhe cobiçar o corpo. Sorria ao evocar a forma como Russell perseguia todas as mulheres, e Butch, anichado por detrás de um reflector solar enorme, fazendo o melhor que podia para captar os raios de sol de Março, dizia:

- Que foi, pequena?

- Nada - respondia preguiçosamente Cleo, voltando-se na espreguiçadeira, na esplanada em frente da casa de Butch.

Interrogava-se por que é que ainda estariam juntos. Ela não fazia o tipo dele. Antes dela, só o conhecera com miúdas de dezassete anos, com mamas enormes. Uma vez perguntara-lho.

- Tu tens classe e inteligência - respondera ele. - Não há nada que supere isso, pequena.

Tanto quanto ela soubesse, ele não tinha mais esquemas por fora. E se os tinha - bem, não era que lhe importasse muito. A relação que tinham não era desse tipo.

Ela estava predisposta a ir para a cama com outro homem que lhe aparecesse pela frente e que lhe agradasse. O único candidato, por assim dizer, era um amigo de Butch que vivia junto à praia, um pouco adiante. Era também uma estrela do cinema, de olhar malicioso e sorriso zombeteiro. Um bom actor, com um Oscar na cozinha para o atestar. Mas era um safado com grande. E estava tão pedrado a maior parte do tempo que nem dava pelo facto de ser um safado. Cleo afastou-se cautelosamente dele.

Ocasionalmente, os seus pensamentos voltavam-se para Daniel Onel. Vira-o duas vezes, nada que a deixasse excitada. Uma delas fora enquanto faziam compras em Rodeo Drive. Deambulava pela rua vinha na sua direcção. Rapidamente, ela atravessou para o outro lado da rua, sem saber explicar porquê.

Da segunda vez tinham-se encontrado numa festa e trocaram uma saudação muito breve. Para irritação de Cleo, ele parecera não se lembrar dela, o seu cumprimento fora muito vago. Depois ocorreu-lhe que talvez não tivesse gostado do artigo que escrevera sobre ele. Os actores reagiam de forma estranha ao verem a verdade sobre eles em letra de forma. Que fosse para o diabo - não passava de mais uma estrela egoísta, já entrado em idade - provavelmente tão enfadonho como todos os outros quando se chegava a conhecê-lo bem. Ela não chegara a conhecê-lo. Na altura quisera-o, mas não chegara a acontecer. Gradualmente, ele foi-se apagando dos seus pensamentos - como convinha-ainda que não conseguisse impedir-se de ler coisas sobre eles.

Butch tinha uma paixão por revistas sobre cinema, que atulhavam a casa, cheias de mexericos sobre o que cada estrela fazia e com quem. Cortava as suas fotografias e uma secretária arrumava-as numa série de enormes arquivadores. Tentara persuadir Cleo a aparecer numa fotografia com ele, mas ela recusara-se terminantemente. Deitara uma olhada para os seus arquivadores e vira uma série infindável de poses de Butch num sem-número de actividades com um grande rol de fêmeas de busto respeitável.

- Não me quero juntar ao clube fotográfico das mamas e dos eus - dissera ela, levando para a brincadeira quando ele amuara devido à sua recusa.

- Hás-de mudar de idéias - dissera ele confiante.

"Isso é o que tu pensas", fora a sua resposta em pensamento.

E que lia ela sobre Daniel? Notícias de grande interesse. Que praticava ioga - quem não o fazia? Que era vegetariano - nisso não havia nada de novo. Que a sua cor favorita era o verde. O seu hobby era ler. Que se sentia mais à vontade com roupas informais. Odiava gatos. Adorava automóveis. E o seu passatempo favorito parecia serem as mulheres.

Após ter dado com os pés na princesa, houve um número infindável de mulheres na sua vida. Dos quinze aos cinqüenta, eram fotografadas com ele, fosse onde quer que fosse. Não se podia acusá-lo de ligar só a um certo tipo. Todas as formas, tamanhos e cores de pele Pareciam servir-lhe perfeitamente. Ele não era propriamente do tipo de andar atrás das mulheres - mas a verdade é que parecia gozar de um sucesso avassalador.

- Eh, pequena - disse Butch no seu modo arrastado, interrompendo os seus pensamentos preguiçosos.

- Sim? - perguntou ela secamente. Os "Eh, pequena" de Butch traziam sempre um pedido, e não lhe apetecia levantar-se e fazer-lhe uma sanduíche de atum ou fosse lá o que fosse que ele ia pedir.

- Acho que nos estamos a dar muito bem - declarou Butch, pousando-lhe um braço na barriga e dando-lhe pancadinhas na carne musculada de uma forma que sabia ser apreciada.

- Acho que sim - concordou ela. - Porquê? Em que estás a pensar?

- Gosto de ti. Tu gostas de mim. Somos um casal, um casal a sério. Entendes o que quero dizer?

Sabia o que se ia seguir. Mais um pouco e ele mencionaria o casamento. Ela não estava interessada em casar. Por que seria que quando se dizia a um tipo que não se estava de forma alguma ansiosa por casar esse passava a ser precisamente o seu desejo mais forte na vida?

Já tinha explicado a Butch como se sentia. com dois casamentos no seu passado. Para quê outro? Surpreendeu-se ao vê-lo insistir. No fim de contas, ele tinha duas ex-mulheres - não lhe chegara para aprender a lição?

Butch afastou o reflector solar das proximidades da sua cara, pousou-o no chão - sinal evidente de que pretendia ter uma conversa séria.

Cleo suspirou. Gostava dele - não era possessivo, era de trato agradável, um atleta na cama, e divertido. Não o amava. Não desejava de forma alguma envolver-se mais do que já estava. De facto, sabia que chegara a altura de se pôr a mexer - todo aquele sol e saúde estavam a estupidificar-lhe o cérebro. Precisava de estímulos mentais, para variar.

- Em que estás a pensar, Butch - perguntou ela novamente. Ele riu-se. Tinha um riso juvenil - um dos seus melhores trunfos no écran.

- Sabes sempre quando eu tenho alguma coisa para dizer disse ele no meio da risada. - Nunca te poderia mentir. Apanhavas-me num instante.

O Sol desapareceu por detrás de uma nuvem e ela estremeceu, sentou-se, abraçou os joelhos e olhou para Butch na expectativa.

- Nunca te menti, pequena - disse ele acanhadamente. - Mas há uma coisa que ainda não te consegui contar.

- Que coisa?

- Tenho uma filha - disse ele, rapidamente.

- Uma filha! Por que não me disseste? Que idade tem ela?

- É por isso que nunca to contei... Ela tem... hum... treze anos.

- Treze anos! Mas, Butch, tu só tens vinte e oito!

- Pois. Fui pai muito cedo. Cleo abanou a cabeça espantada.

- E então, onde é que ela está?

- É por isso que te estou a contar. Ela vai chegar cá hoje. A mãe vai mandar-ma de Nova Iorque. Acho que tenho de assumir parte da responsabilidade.

- E quem é a mãe? A tua primeira mulher?

- Raios, não. A miúda já tinha cinco anos quando me casei pela primeira vez.

- Mas isto é uma bomba. Tu com uma filha de treze anos. Não posso acreditar!

- Vais acreditar, sim, ela parece-se mesmo comigo.

- Quando é que a vês? E como é que nunca te tinhas referido a ela antes?

- Visito-a sempre quando vou a Nova Iorque. A Shelley e eu, ela é a mãe da miúda, demo-nos sempre bem. Eu dou-lhe montes de dinheiro. Quero que tudo corra bem com elas.

- A miúda tem nome?

- Vinnie. É uma maria-rapaz, linda como o diabo, quer entrar para o cinema. Claro que eu tenho de dizer a toda a gente que ela é minha irmã. Não posso dar cabo da minha imagem. Vais adorá-la, Cleo. Tenho a certeza.

Passaram uma boa parte da noite a falar. Cleo estava fascinada com o facto de Butch ter conseguido manter aquele segredo por tanto tempo. Ele contou-lhe tudo. Como Shelley era uma rapariga rica que vivia num apartamento de luxo com a família. Ele ia lá uma vez por semana levar os artigos de mercearia. E acabou a entregar mais que mercadorias quando a mãe de Shelley não estava em casa. Tardes quentes e apaixonadas no melhor divã da sala de estar. Passavam depressa mas eram tremendas. Mãos desajeitadas e pouco habituadas a utilizar camisas-de-vénus, que eram atiradas ao triturador do lixo uma vez o trabalhinho acabado. E a seguir as semanas de expectativa ansiosa enquanto Shelley esperava pelo período. Esperava, esperava, e continuava a esperar...

A irmã mais velha levara-a ao médico, que confirmou a temida gravidez. Butch deitou fora todo o seu stock de preservativos indignado. Shelley queria o filho. Queria-o mesmo - e ninguém foi capaz de a convencer a fazer o aborto, embora todos tentassem.

Butch foi intimado pelo pai dela.

- És demasiado novo para te casares - disse-lhe com indignação -, mas vais desaparecer da vida da minha filha, ou então ponho a polícia atrás de ti.

Aterrorizado, Butch atravessara o país à boleia até à Califórnia, e lá ficara. Tornara-se actor, casara duas vezes, entrara no estrelato. Nunca perdera o contacto com Shelley. Eram muito bons amigos. Após a sua primeira separação tinham chegado mesmo a falar de casarem um com o outro. Mas isso parecer-se-ia demasiado com um incesto Eram como irmão e irmã - para quê estragar isso?

Shelley era bailarina. Aos vinte e seis anos decidiu subitamente que queria ter uma carreira. Passara por três casamentos e queria algo de duradouro. Telefonara a Butch e dissera:

-vouenviar-te a Vinnie. Já é altura de seres tu a fazer o papel de pai.

Ele não discutira. Era a primeira vez em treze anos que Shelley lhe pedia alguma coisa.

Cleo ficou bastante entusiasmada com a perspectiva da chegada da criança. Esperava que se dessem bem - certamente não iria ser por sua causa se isso não acontecesse. Já fazia planos. A Disneylândia é a Montanha Mágica. Uma visita aos estúdios da Universal, talvez uma viagem até San Diego para visitarem o Sea World. Eram todas coisas que Cleo prometera a si mesma fazer, mas que não tinha graça serem feitas sem companhia.

Na cama Butch manipulou-lhe o corpo da forma experiente que lhe era habitual. A sua língua, partindo da boca dela, desceu até aos seios, ao abdômen, às coxas.

Ela gemeu suavemente. Não era a altura de se ir embora - pelo menos por agora.

Mike James praguejou silenciosamente para si próprio. Como livrar-se delas? Mudarem-se lá para casa parecia ser fácil. Num dia levavam uma escova de cabelo e uns boiões de maquilhagem, no dia seguinte já queriam levar tudo. Roupas, revistas, secadores de cabelo, fotografias. Jesus! Quando iria ele aprender?

Desde Erica, três mulheres tinham tomado de assalto o que obviamente entendiam como residência permanente. E cada vez parecia mais difícil persuadi-las a fazerem as malas e a partirem.

Erica fora a mais fácil. Seis semanas de aborrecimento gradual de ambas as partes e Erica anunciara que ia viver com Jackson.

Mike não se lastimara. Até a ajudara a fazer as malas, e quando, duas semanas mais tarde, ela lhe pedira para voltar, já lá estava a viver Samantha. A Samantha dos olhos verdes maliciosos e cujo corpo tinha um odor estranho e exótico. Durara um mês. Seguira-se-lhe Tulea, uma filipina meiga, dócil e muito bonita. Três meses - talvez um record. Chorara quando ele lhe pedira que saísse. Chorara durante uma semana. Uma grande maçada. Por isso, Annie Gamble, um modelo independente e desleixada parecera-lhe uma boa opção na altura.

Já deixara de o ser. Exigências era com ela! Igualdade no orgasmo não lhe chegava. Queria igualdade em tudo, incluindo o direito de conduzir o seu Ferrari. Nunca! Pediu-lhe que se fosse embora.

- Quando encontrar outro apartamento - foi a resposta com que ela o despachou, enquanto se mirava ao espelho, aplicando sombra prateada nos olhos. - Vamos tripar e abanar o capacete, meu.

Ele já não tinha qualquer desejo de fazer fosse o que fosse com Annie.

Isso não pareceu incomodá-la. Vestiu um excêntrico vestido prateado, com botas altas e coladas às pernas, e foi tripar e abanar o capacete sem ele.

De mau humor, andou de um lado para o outro no apartamento tomando nota dos numerosos pertences dela, e finalmente foi para a cama já com um plano a formar-se na mente. O plano consistia em comprar um grande baú, esperar que Annie não estivesse em casa, arrumar nele todas as suas coisas, mudar as fechaduras, e já está, ei-lo novamente um homem livre. E desta vez aprendera mesmo a lição. Nunca mais deixaria ninguém mudar-se para o seu apartamento. Seria foder e andar. Melhor ainda - ele iria aos apartamentos delas. Nem sequer as deixaria atravessar a porta do seu.

Satisfeito com esta solução, conseguiu finalmente adormecer, para ser acordado por Annie às quatro da manhã. Esta procurava interessar o seu pénis adormecido.

- Vá lá, meu pequenino - dizia ela -, a mama está cheia de tesão.

Mike afastou-se, irritado. Ela tresandava a álcool e a suor. Que se lixasse. Ele não era nenhum objecto sexual, para ser usado conforme lhe apetecesse.

- Vocês no fundo são todos uma cambada de paneleiros - resmungou Annie contrariada, e dirigiu-se à casa de banho, onde em breve se ouviu o som do seu vibrador.

Annie era a pior delas todas. Muito bonita... mas, e daí? Agia como se fosse ela o homem, com a sua independência, exigências sexuais, e total dedicação ao seu próprio prazer.

Mike pensou em Cleo - fazia-o freqüentemente. E teve o horrível pressentimento de que nunca mais encontraria uma mulher como ela.

Na manhã seguinte comprou um baú. Dos grandes. E, assim que Annie saiu do apartamento, começou a emalar as suas coisas.

A esta nunca mais lhe permitiria voltar.

 

- Abre as pernas - exigiu o fotógrafo Categoricamente. Muffin fingiu não ter ouvido. Sorriu com os seus modos engraçados de miúda e espetou ainda mais as lindas maminhas.

- Eh! -disse o fotógrafo. - Estas fotos são para a revista Harã. Sabes bem o que eles querem. Sé boa rapariga. No fim de contas, estás a ser muito bem paga por meia dúzia de fotos da tua passaroca. Levanta bem os joelhos... Agora deixa-os descair para ambos os lados... Isso mesmo. Linda menina.

O sol resplandecia, fazendo cintilar a água da luxuosa piscina. Muffin, nua, deitada numa espreguiçadeira junto dela, obedeceu relutantemente. Pernas para cima, ligeiramente abertas. Sabia bem o que ele queria. Cristo - era o que andava a fazer nas últimas cinco semanas. Tivera de o fazer. Quem é que se contentava com simples fotografias de nu? Quem se contentava com uma linda cara e um corpo belo?

Dava para esquecer - isso tinha acabado. Se não abrisse as pernas para a câmara, bem podia esquecer o trabalho e o dinheiro. E o Jon sugara-a que nem um chulo. Já não tinha dinheiro. Tudo se estragara. O grande sonho americano dera naquilo.

- Abre mais - dizia o fotógrafo. - Vá lá... Até tens uma linda rata... Para que é que a queres esconder?

Abrir mais. com certeza. Aquilo não era um fotógrafo. Era um filho da puta de um ginecologista.

Muffin desejou ter fumado um charro ou snifado coca antes da sessão. Jon prometera-lhe arranjar alguma. Grande promessa. Nada. Rico marido.

- E se pusesses uma mão em cima da coxa? - sugeriu o fotógrafo. - Deixa-a pender. Abre os dedos. Isso. Óptimo, é isso mesmo.

Clique. Clique. Clique. O fotógrafo fez uma pausa para mudar de rolo.

Muffin olhou para cima, para o céu azul sem nuvens. Toda a gente se queixava do nevoeiro e do fumo de Los Angeles. Onde é que ele parava. Sentia o corpo ficar coberto de suor. Sentia-se pegajosa e suja, Muito suja.

Oh, Cristo! Ao princípio fora tudo tão bom. Jackson, fiel à sua palavra, instalara-os numa magnífica casa em Summit Drive, a cinco minutos do centro de Beverly Hills. Durante seis semanas tinham preguiçado ao sol, nadando na sua própria piscina, praticando tênis no seu próprio court, recebendo uma quantidade de amigos de Jackson. Ton iniciara as fotografias para o calendário - incrivelmente inocentes, se comparadas com as que estava agora a tirar. A seguir, Barbados. Três semanas de trabalho agradável e, entusiasmados com o sucesso, tinham regressado a Los Angeles, onde Jackson dissera que iria tratar de arranjar trabalho para Muffin. Foi com alegria que ele os deixou regressar à mesma casa - mas desta vez a troco de uma renda enorme.

Jon concordara. Só via dólares a dançar-lhe à frente do nariz. Estava convencido de que ia ser o maior do mundo e arredores. Arrastara-a para o México com uma carrada de amigos e casara-se finalmente com ela. Só agora entendia que ele não o fizera por amor, mas para proteger o seu investimento.

Oh, sim - em Los Angeles ela amadurecera. Deixara de ser uma patetinha alegre e tornara-se numa mulher dura, combativa e sem ilusões.

Los Angeles era um mundo. Bela. Interessante. Exótica. Erótica. Pernas. Mamas. Cus. O que quer que se procurasse, havia a certeza de se poder encontrar.

Muffin não era nada de especial na América. Não sabia cantar. Não representava. Não dançava. Boa parte do dinheiro de ambos foi-se em lições. E ela continuava a não cantar, representar, nem dançar.

Quando o dinheiro começou a ficar curto, ela sugeriu que regressassem a Londres.

- Estás a gozar? -perguntara Jon espantadíssimo. - Queres que regressemos como dois falhados? Tu talvez estejas disposta a isso, mas eu não. Se nos agüentarmos, acabaremos por vencer.

Aguentar-se, para Jon, significava continuar naquela casa. E a renda tinha de ser paga de alguma maneira. Pouco tempo depoi sugeriu que ela se deixasse fotografar para as revistas "só para homens".

- Só uma vez ou duas. Esse dinheiro pode desenrascar-nos.

Ela não se tinha apercebido inteiramente daquilo em que se estava a meter. Na primeira sessão, foi o próprio Jon que a fotografou. Pô-la muitíssimo pedrada, e foi tudo como uma brincadeira cujo sentido lhe escapasse. Quando ela abriu as pernas foi para ele, não para a câmara. E pelo meio ele fez amor com ela. Não se apercebeu de como fora levada até ter visto as fotos... Agora já não podia regressar a wimbledon. Gorou de vergonha ao pensar que o seu pai as podia ver. yh, Deus! Jon era um filho da mãe. Percebeu finalmente por que e que a primeira mulher dele o tratava sempre assim.

O sonho americano. Abre as pernas que eu mostro-to.

O fotógrafo tinha posto outro rolo na máquina e estava pronto para recomeçar.

- Vamos lá fofinha - disse ele com vivacidade, olhando para o relógio de pulso. - Ainda tenho mais duas sessões para fazer hoje. Abre-me esse portal dourado!

- Tira o braço - disse a mulher, com uma pronúncia acentuadamente britânica. - Estás a magoar-me!

Jon obedeceu, tirando o braço que lhe rodeava a coxa.

- Tenho a perna adormecida - queixou-se ela, levantando-a e abanando-a. - Chiça! Parece que estou a ser picada por um milhão de agulhas!

Estavam nus, entrelaçados, no chão do camarim. Jon e Diana Beeson, actriz inglesa, com dois filmes no activo e todos os produtores a pedirem-lhe mais.

Tinha vinte e oito anos. Um símbolo sexual do gênero senhoril. Caracóis compridos e escuros, olhos felinos, boca sedutora. Estava em Hollywood há seis meses e tinha fama de não ir facilmente para a cama com qualquer um. Muitos tinham tentado. A maior parte falhara.

A Jon, com o charme da sua carinha de bebê, isso custara-lhe oito dias.

Diana acariciava-lhe o pénis flácido com afecto.

- Temos ainda dez minutos antes de eles me virem bater à porta - sugeriu ela.

Dez minutos. Põe-no de pé, palerma. Não estragues as coisas.

Rolou para cima de Diana e começou a mordiscar-lhe os mamilos erectos.

Ela suspirou satisfeita. Era uma mulher lindíssima. Pensou em Muffin, e nas fotografias que lhe tirara. Miraculosamente ficou teso e montou Miss Beeson dando-lhe o que ela pedira.

Ela riu-se. Gemeu. Veio-se.

Levantou-se do chão e verificou o seu aspecto ao espelho. Escovou o esplendoroso cabelo escuro e tapou o corpo nu com a toalha de banho. Atirou-lhe um beijo.

- Quando eles baterem à porta, diz-lhes que já fui andando para a maquilhagem, está bem, amor?

Não esperou pela resposta. Foi-se embora. Era uma senhora muito independente, esta Miss Beeson. Cheia de sucesso. com o homem certo por detrás...

Jon levantou-se e observou o corpo magricela ao espelho. Sem músculos. com ossos salientes aqui e ali. Continuava a conseguir entesá-lo sempre que queria.

Diana deixara as suas marcas. Dois grandes arranhões ao longo da caixa toráxica. Não interessava. Muffin não daria por isso. Ela não dava por nada, andava sempre demasiado pedrada. Oh, Cristo!

Lembrou-se com um lampejo de culpa de que prometera arranjar-lhe um charro antes da sessão de fotografias. Merda. Ela ia ficar mais chateada e lamurienta que nunca. Que acontecera à Muff que ele conhecera? Que acontecera à sua querida rapariguinha?

Hollywood. Eis o que acontecera. E toda a merda que tinham metido na sua linda cabecinha tonta.

Fez uma careta de desgosto a si próprio no espelho. Se ao menos ela lhe tivesse dado ouvidos. Ele podia ter feito dela uma estrela.

Agora era demasiado tarde. A posar para fotografias pornô. Cristo! Ela estragara mesmo tudo. Convenientemente, esqueceu que a idéia partira dele. Tudo o que fosse preciso para pagar a renda do maldito palácio que Jackson lhe arranjara. Que se fodesse o Jackson e os seus malditos amigos, sempre drogados.

Vagarosamente, Jon vestiu-se. Sabia que tinha de dar com os pés na Muffin antes que ela o arrastasse também. Se ao menos não se tivesse casado com ela... seria bem fácil... Quando iria aprender?

Talvez pudesse ficar a viver com Diana. Conseguir rapidamente o divórcio. Ela tinha uma linda casa na praia, simples mas confortável. Não era o tipo de casa em que uma futura estrela devesse viver. Em breve trataria de mudar isso.

Fora uma jogada inteligente entrar em contacto com alguns dos seus conhecimentos em Inglaterra. As senhoras de meia-idade que eram responsáveis pela edição de revistas de fotografias ficavam encantadas por poderem trabalhar com ele. E uma delas quisera mesmo uma reportagem destacada sobre Diana Beeson.

Um telefonema. Diana concordara. E ele passara a semana inteira a fotografá-la.

Mal lhe pusera a vista em cima soubera que ela podia ser o seu novo passaporte para regressar ao mundo de cima. Cautelosa e subtilmente planeara conquistá-la.

Sete dias não estava mal para uma mulher que era tida como difícil. Não estava mesmo nada mal. Agora, se conseguisse descobrir o que havia de fazer com a Muffin...

 

Cleo estava entusiasmada. Pela primeira vez em meses tinha algo com que se ocupar. A revelação de Butch de que tinha uma filha com treze anos começara por deixá-la siderada, mas agora de repente, e inexplicavelmente, estava encantada.

Quando Butch saiu para ir ao aeroporto, tratou de limpar a casa. Estava tudo sujo. Limpar a casa nunca figurara na lista de prioridades nem dele nem dela. O quarto que Vinnie iria ocupar não tinha mais que uma cama e uma secretária. Ainda não era demasiado tarde para o melhorar um pouco. Movida por um impulso repentino, Cleo meteu-se no carro e foi até Beverly Hills. Dirigiu-se aos armazéns Robinsons e percorreu a secção de roupa de cama onde escolheu um jogo de lençóis listados amarelo-torrados e uma colcha a condizer. De seguida passou pela secção de brinquedos e comprou um enorme Snoopy. As rapariguinhas nunca eram demasiado crescidas para que se lhes comprasse um Snoopy.

Satisfeita com as suas compras, Cleo meteu-as no carro e regressou à casa da praia.

Pelo caminho parou no supermercado. Por que não comprar uns bolos para variar? E doces e gelados e bombons de noz. Butch chamava a tudo isso "venenos", mas Cleo tinha a certeza de que Vinnie não seria da mesma opinião. Vinnie. Que nome engraçado para uma rapariga. Seria o diminutivo de quê? Esquecera-se de o perguntar a Butch. Carregou no acelerador. Talvez conseguisse chegar a casa antes deles. A tempo de arrumar o quarto, deixando-o um pouco mais bonito.

O carro de Butch não estava em frente à porta. Óptimo. Chegara primeiro. Rapidamente, parou o carro, saiu dele, pegou em todos os pacotes das compras e entrou na casa.

Chegou-lhe aos ouvidos música rock. Nunca tinha ouvido rock mais pesado e tão alto. Jesus, de onde viria? Era impossível.

- Está alguém? -chamou, mas a voz foi abafada pelo ruído. Pousou os pacotes na mesa da cozinha e foi ver de onde vinha

aquele som que lhe martelava os ouvidos. A sala de estar estava vazia- Butch? - chamou com voz fraca. Onde estaria ele? Entrou no quarto de Vine, vazio. Só faltava uma sala. O seu

quarto, - e realmente parecia ser de lá que vinha aquele barulho insurdecedor. Abriu a porta. Uma versão mais loura de Butch estava sentada no meio da cama. Uma versão loura e fêmea, de cabelo sedoso e peito firme e saliente, mal coberto pelo miniquini que usava. Os seus olhinhos azuis e brilhantes observaram-na numa atitude pouco amigável. O gravador instalado entre as suas pernas propagava o barulho horrível, e ela estava ocupada em pintar as unhas dos pés de dourado. Um cigarro, "erva? ", pendia-lhe dos lábios. Isto é que era a Vinnie? Isto é que era a filhinha dele?

- Quem é você? - perguntou a rapariga com voz grave.

Cleo não conseguiu ouvir-lhe a voz, leu a pergunta pelos movimentos dos lábios.

Vinnie, tendo feito a pergunta, pareceu ter perdido o interesse em conhecer a resposta, e voltou a ocupar-se com as suas unhas, enquanto a cinza do cigarro caía para cima da cama.

Por um momento Cleo ficou sem fala. Depois a raiva apoderou-se dela, tão chocante era a grosseria da rapariga. Deu um passo em frente e carregou no botão off do gravador, interrompendo o som arrasador.

- Qual é a tua? - exclamou Vinnie. - Não gostas de curtir?

- Suponho que sejas a Vinnie - disse Cleo, esperando que estivesse enganada.

- Parece que sim - respondeu a rapariga, observando Cleo através das pálpebras semicerradas. -vouperguntar outra vez: quem és tu?

Seria possível que Butch não lhe tivesse contado? Com certeza que não era tão idiota. Sentindo-se afundar, Cleo apercebeu-se de que era mesmo.

- O meu nome é Cleo - disse com voz tensa, tentando Sorrir

e vivo aqui. De facto, estás em cima da minha cama.

A rapariga deu um estalido com a língua, que parecia indicar estar a divertir-se.

- Então és a última, não? Realmente não te pareces nada com as outras. Não és demasiado magricela para o Butch?

Cleo engoliu a raiva e tentou permanecer calma.

- Onde está o teu pai? - perguntou polidamente.

- Teve de ir à cidade.

"Claro", pensou Cleo. "Tinha de ser. O grande cobarde. "

- Bem - disse com vivacidade -, acho que vamos começar por te instalar no teu quarto novo. Anda daí... e traz as tuas coisas.

- Estou bem aqui. O Butch disse que eu podia ficar onde quisesse.

- Não me parece que o Butch estivesse a pensar em que iríamos dormir os três juntos.

- Eu nãovoudormir aqui - disse Vinnie desdenhosamente. Hei-de sair a tempo de vos deixar foder.

- Vais sair já! - cortou Cleo.

- Chi! Estás mesmo nervosa! - Vinníe inspirou profundamente o fumo do cigarro e esmagou-o num cinzeiro. De seguida, pegou no gravador e no verniz das unhas e deslizou para fora da cama. Em silêncio, saiu do quarto, atravessou a sala e dirigiu-se ao terraço. Ligara novamente o gravador e o rock pesado voltara a ouvir-se.

Cleo sentou-se na borda da cama. Nem queria acreditar. As rapariguinhas de treze anos de hoje em dia seriam todas assim? Aquele monstro é que era a rapariguinha meiga de que ela estivera à espera Deus! Como uma pessoa se podia enganar!

Teve o pressentimento de que não tardaria muito o dia em que se iria embora dali.

Butch só voltou já depois das seis. Entrou em casa como se fosse um dia igual aos outros. Deu um beijo na cara a Cleo e deu um grande abraço de urso a Vinnie.

- Como está a minha belezazinha? - grasnou, orgulhoso. Vinnie lutou para se libertar.

- Por amor de Deus, não me trates como se eu fosse uma das tuas namoradas.

Butch riu-se.

- Cuidado com a língua, pequenota.

- Ora, não me lixes - disse Vinnie, retirando-se para a praia.

- Grande miúda - comentou Butch, entusiástico. - É tesa. Sai ao pai.

- E onde é que esteve o pai da menina? - perguntou Cleo friamente.

- Não te contei? Tinha um encontro com Lew Margolis na Paradox, Sabes uma coisa? A nova versão de Surf Stud não é assim tão má. Se subirem as massas, talvez me tente.

- Butch, por que não me disseste que a Vinnie era tão... enfim... tão precoce?

Ele abriu uma lata de cerveja, bebeu um gole, limpou a boca às costas da mão.

- Achas que é? - perguntou. A sua surpresa era genuína.

- Não me digas que não deste por isso. A Lolita não é nada ao pé dela. E por que não lhe disseste nada acerca de mim?

Ele adoptou o seu sorriso gaiato.

- Já sabia que vocês duas se iam dar bem. Cleo ergueu as sobrancelhas.

- Sabes uma coisa, Butch? És ainda mais estúpido do que dizem os jornais.

- Eh... Então, pequena...

- Estou a falar a sério. Se estás a pensar que vou aturar aqui a Vinnie à solta de um lado para o outro nesta casa... Bem... Acho que é melhor pensares duas vezes.

Butch chegou-se a ela e envolveu-a com os braços.

- Vá lá, tem calma. Dá-lhe uma oportunidade. Ela anda desorientada. Mais uns dias e somos todos uma grande família muito feliz.

Dois dias mais tarde Cleo fazia as malas. Já tinha a sua conta, era impossível viver com Vinnie. Não admirava que a mãe se tivesse querido ver livre dela. Fumava, bebia, praguejava. Era desleixada, porca, bisbilhoteira ao ponto de vasculhar em todas as gavetas e armários da casa. Era grosseira, insultuosa e carrancuda. E para Cleo a última gota de água fora quando encontrara a "pequena Vinniezinha" a foder com o rapaz das bombas de gasolina que ficavam mais perto da casa, na sua própria cama.

- Fora! - gritara.

- Vai tu - respondera Vinnie. - Esta casa é do meu pai e eu sou menor. Quem fica cá sou eu, por isso, vai-te foder!

O que ela dissera tinha uma certa lógica. Butch não estava em casa. Cleo compreendeu que esperar que ele regressasse seria uma perda de tempo. Para ele, Vinnie era intocável. Assim, começou a fazer as malas.

Ir-se embora não lhe provocava grande sofrimento. Seis meses a torrar os miolos era o suficiente para qualquer pessoa.

 

Karmen Rush era uma das estrelas da nova vaga. Exótica, rica, talentosa e feia. Compensava esse facto rodeando-se de homens belos e dando as melhores e mais bizarras festas de toda a Hollywood. Quem não era convidado para as festas de Karmen era como se não existisse.

Jon conseguira um convite para a última dessas estancas. Uma festa nocturna para dar as boas-vindas de Hollywood a Al King.

- Não quero ir. Estou derreada - queixara-se Muffin. Depois de tomar uns tantos drunfos mudou de idéias.

Jon ficava incomodado por a ver tão dependente de comprimidos e drogas, mas se era isso que a mantinha de pé... além de que um pouco de "erva" ou de coca nunca fizera mal a ninguém. Metade de Hollywood andava pedrada a maior parte do tempo e continuava a saber tratar dos seus assuntos. Jon não ia nisso. Queria ter a mente absolutamente clara e limpa em todas as ocasiões. Notara que Diana não era avessa a snifar um pouco de coca uma vez por outra. Ele trataria de acabar com isso.

- Já estamos quase lá? - perguntou Muffin. - Estou esfomeada. Jon conduzia o Cadillac alugado. Os honorários de um dia de

trabalho de Muffin teriam de ir para o último pagamento. O carro era a última coisa que Jon queria perder.

- Mais cinco minutos - disse. - Não te preocupes, vai ser provavelmente a melhor refeição que comemos em toda a semana.

Karmen Rush vivia numa enorme casa, cheia de vidraças, em Malibu. Guardas verificaram as suas autorizações de entrada na propriedade e depois Jon entregou o carro aos cuidados de um recepcionista musculoso.

A magnífica casa enxameava já de convidados. De cada canto emanava música rock em tom alto. Numa parede branca projectava-se um filme mudo de Charlie Chaplín. As mesas, cujos pés consistiam de esculturas de homens nus, rangiam com a abundância de comida.

Foi para aí que Muffin começou por se dirigir. Encheu a boca de torta de ovo e grandes pedaços de carne de caranguejo, costeletas magras e camarões gigantes. A comida estava deliciosa. Satisfeita, voltou-se e olhou em volta à procura de Jon. Este tinha desaparecido na multidão. Não era nada de novo, ele parecia abandoná-la sempre nas festas. O que ela odiava em Hollywood era o facto de não conhecer ninguém. Em Londres, em qualquer festa, conhecia toda a gente. E estava sempre no centro das atenções. Aqui era apenas mais uma mulher bonita numa cidade cheia de mulheres bonitas. Pegou num copo de champanhe e olhou em redor.

Um dos lados da casa abria-se completamente para a praia. Reparou que aqui e ali partes do tecto abriam-se para deixarem ver o céu. Que casa magnífica.

Engoliu o champanhe de um trago e foi andando em direcção ao areal.

Jon percorreu com os olhos a multidão. com quem lhe conviria mais falar? Reparou em Butch Kaufman, uma cara que não via desde Londres. Dirigiu-se directamente a ele.

Butch foi amigável, apresentou-lhe a irmã, Vinnie, e disse:

- Olha por ela, tá bem? Tenho de ir urinar. Vinnie mirou-o.

- "Olha por mim" - comentou, sarcasticamente. - Quem és tu?

- O meu nome é Jon.

- Tens "erva"?

- Não me parece que tenhas idade para...

- Ora, pára lá com o sermão. Tens ou não tens?

A rapariga não parecia ter mais de quinze anos, apesar do vestido de cetim negro colado à pele.

- Não - disse Jon. Já lhe tinham contado umas histórias acerca de miudinhas extremamente jovens, mas isto era ridículo.

- Nesse caso, vai-te foder! -replicou Vinnie. - Acho quevouter de encontrar alguém que tenha. E não me parece difícil, com a fricalhada toda que há por aí. - Dito isto, zarpou montada nos seus sapatos de tacões altíssimos.

Jon olhou novamente em redor. Pareceu-lhe ver Warren Beatty. Não tinha a certeza. Avistou então Diana, e dirigiu-se para onde ela estava.

Muffin parecia ter sido assaltada por uma estrelinha do rock de cabelo em crista e pelo seu séquito. Acontecia que ele a conhecia, sabia que era de Londres e tudo. Sabia também do seu breve casamento com Little Marty Pearl.

- O gajo é um conas! -declarou, terminantemente. - Não é verdade, meus? - O séquito abanou o capacete. - E, então, que fazes por aqui?

- Casei. Tenho feito fotografia.

- Daquelas nuas muito atrevidas, hem? Sempre achei que tinhas as melhores maminhas de todos os modelos.

- Agora já não são as mamas a ser fotografadas - interrompeu um dos membros do séquito. - Não viste o número deste mês da Core?

- Falhou-me - disse a estrelinha do rock. - Talvez possa fazer uma observação ao vivo. Que dizes, Muff?

Ela sentiu-se tremendamente envergonhada. Agora todos iam ficar a saber. Uma coisa era fazer as fotografias - isso já era bastante mau. Mas encontrar gente que as tivesse visto!

- Desculpem. - Abriu caminho e afastou-se do grupo. As lágrimas vieram-lhe aos olhos. O efeito dos drunfos estava a passar. Só queria desaparecer dali para fora.

Onde raio estaria o Jon? Onde raio estaria o seu precioso maridinho?

- Qual é o teu signo, borracho? - Uma ruiva muito pedrada abordara Jon, apertando-se entre ele e Diana.

- Vai dar uma curva, minha querida - disse Diana friamente.

- És escorpião? - disse a ruiva, articulando mal as palavras.

- Preciso de arranjar um escorpião.

- Bem, continua a tentar e vê se o encontras noutro sítio disse Diana com brusquidão. - Este aqui tem dono.

A ruiva afastou-se em passo pouco firme.

- Parece-me bem que podias ir com aquela - comentou Diana com um sorriso. - Que dizes?

Jon sorriu.

- Digo que já é tempo de ir viver contigo.

- Ah, sim? E quanto à tua mulher?

- Casei-me com ela no México. Divorcio-me num instante. Não há problema.

Diana olhou para ele zombeteiramente.

- Nãovoucasar-me contigo - disse, com um sorriso divertido a aflorar-lhe os lábios extremamente sensuais.

- Não to estava a pedir - replicou Jon. - Mas eu seria uma boa escolha para ti, sabe-lo bem.

- Hummmm... talvez.

Jon fez a sua cara mais inocente.

- Não demores muito tempo a decidir-te. Pode ser que apareça mais alguém e me leve... um inglesinho simpático como eu...

Diana riu-se.

- Deixa-te disso, Jon. A tua cara de bebê não me impressiona. Jon corrigiu imediatamente a expressão. Pressionar demasiado não

ia resultar. Uma coisa tinha Diana... não era estúpida.

 

Muffin estava na linha de fogo quando um monte de gente foi empurrado para dentro da piscina que serpenteava pelo centro da casa. Não sabia nadar, por isso teve de ser de lá tirada por Keeley Nova, o costureiro e namorado de Karmen, meio sufocada e a vomitar água. Ele levou-a para um quarto, esperou que ela tirasse as roupas encharcadas, e atirou-se a ela.

- Pára com isso! -disse ela, opondo-se-lhe. - Julguei ter-te ouvido dizer que ias arranjar-me umas roupas secas.

- Não queres foder? - perguntou ele, surpreso. - Eu não vivo com a Karmen devido ao comprimento do meu nariz, sabias?

- Francamente! -exclamou Muffin, embrulhando-se numa colcha que estava à mão. - Se a Karmen Rush é a tua namorada, não ia ficar propriamente satisfeita com esta cena.

- E onde é que pensas que ela está, miúda? Neste preciso momento está ocupadíssima a foder com o Al King.

Muffin abriu os olhos, espantada.

- E tu não te importas? Keeley encolheu os ombros.

- Por que havia de me importar? Ela tem os esquemas dela. Eu tenho os meus. É o mais sensato. Ouve lá: afinal quem és tu?

- Muffin.

- Isso é nome de gente?

- Arranjas-me roupa para mudar ou não?

Ele deu um passo atrás e remirou-a, com o olhar vesgo de quem já estava bem pedrado.

- Nunca vais conseguir caber na roupa da Karmen. Ela parece um pau de fio e mede para aí mais meio metro que tu.

- Muito obrigado.

- Vais ter de te desenrascar com uma das minhas camisolas e uns calções. Que é que fazes na vida?

- Sou modelo. Keeley dobrou-se a rir.

- És modelo. Jesus! Nunca te ia deixar vestir a minha roupa.

- Em Inglaterra eu era o mais importante modelo fotográfico de nu do país.

Keeley atarefou-se a remexer nas gavetas, procurando qualquer coisa para ela vestir.

- A sério? Estás interessada em trabalhar no cinema?

- Em que espécie de cinema? -perguntou Muffin, desconfiada.

- Coisas giras, miúda. Tenho uma amiga que podia fazer de ti uma estrela e dar-te a ganhar montes de dinheiro. Se estiveres interessada, dá-me uma apitadela e eu marco-te um encontro. Ela ia gostar de ti. Disso não há dúvidas, ia ficar maluquinha com um borracho como tu...

-voupara casa - disse Diana. - Tenho de receber uma chamada de manhã cedo, e esta festa está a ficar demasiado turbulenta.

Jon sorriu. Adorava o seu sotaque inglês e as expressões de colegial. Tinha muito estilo. E faziam um bonito contraste com o seu ar sensual.

- Acompanho-te ao carro - ofereceu-se ele.

- Não vale a pena, querido. Parece-me ver uma certa pessoa baixinha a sair de um quarto, e vestida de uma maneira muito singular. Não é a tua noivazinha?

Jon seguiu o olhar de Diana. Efectivamente era Muffin. Cristo, que trazia ela vestido? Franziu as sobrancelhas.

- Até amanhã, doçura. - Diana afastou-se cuidadosamente por entre a multidão.

Jon abriu caminho até chegar perto de Muffin e agarrou-a rudemente pelo braço.

- Que merda é essa que tens vestida?

- Caí na piscina.

- Cristo! Não és capaz de fazer nada como deve ser. Anda daí. Vamos embora. Por hoje já me chega.

 

Cleo alugou um quarto no Hotel Beverly Wilshire. Era uma mudança temporária, já que o hotel era demasiado caro para que a pudesse tornar definitiva. Não que ela o quisesse sequer. Era chegado o tempo das grandes decisões. Tinha de decidir o que queria fazer na vida. Seis meses de vadiagem não lhe tinham trazido quaisquer respostas.

Telefonou a Russell, que estava em Nova Iorque. Este não podia ter ficado mais entusiasmado.

- Apanho o próximo avião evouaí ter contigo - disse-lhe. - Richard West escreveu um novo livro e eu quero reservar os direitos. Estarei aí amanhã e poderemos discutir o nosso futuro.

Desligou o telefone pensativa. Sim, tinha um futuro à sua frente e já era tempo de começar a cuidar dele.

Inspeccionou as suas roupas: duas malas cheias de bikinis, camisas, jeans. Precisava de fazer compras. Parecia uma vadia da praia, muito bronzeada e com os caracóis desgrenhados. Uma ida à manicura também não seria má idéia. E talvez também ao cabeleireiro - para se ver livre daquele frisado e voltar a parecer gente.

Não pôde deixar de sorrir para si mesma. Se a mãe a visse agora a eternamente elegante Stella. "Que é que te aconteceu", exclamaria, horrorizada. "Pareces uma cigana. E a tua pele, não sabes o que o sol faz à tua pele! "

Russell chegou acompanhado de cinco malas Gucci.

- Por quanto tempo vais ficar? - perguntou-lhe Cleo, surpreendida.

- Durante o tempo que for necessário para te levar de volta para Nova Iorque - respondeu ele, presumidamente.

- Eu não disse que ia regressar.

- Mas vais, quando ouvires a oferta que tenho para te fazer. Oh, Deus! Só esperava que não fosse o seu corpo.

Foram jantar ao Matteos, e Russell presenteou-a com as histórias dos seus amigos comuns. com tacto, esperou pelo café para mencionar Mike. Nesse momento Cleo reparou num grupo de cinco pessoas que entrara e se sentara na mesa ao lado. Três mulheres. Dois homens. Um dos homens era Daniel Onel.

Mal se conseguia concentrar no que Russell estava a dizer. Por qualquer razão idiota sentia o coração aos pulos e a boca seca.

- de maneira que esse parvalhão anda a beber demasiado, a foder demasiado, e... francamente, está com um aspecto péssimo. - Russell fez uma pausa para respirar. - Acho que nunca vai recuperar de tu o teres deixado, e não se pode culpá-lo por isso. Tomas um brande?

Ela deu um pulo na cadeira.

- Quê?

Russell franziu os lábios.

- Não me estavas a ligar?

- Acho que estava só a devanear. Ele acenou compreensivamente.

- É verdade. O divórcio deixa-nos perturbados. Nunca me hei-de esquecer do meu primeiro...

Uma vez mais os seus pensamentos voaram para outro lado enquanto Russell encetava o relato longo e aborrecido da saga do seu primeiro divórcio. Ela já ouvira a história dos seus três divórcios. Ela e toda a gente do seu escritório.

Que tinha Daniel Onel que lhe destroçava completamente o sistema nervoso? Ele não era seguramente nenhum ídolo das matinês. Nem sequer um Jack Nicholson. Rondava os cinqüenta anos, e tinha um aspecto bastante vulgar. Mas, oh, Deus, havia qualquer coisa nele... Deixava-a completamente excitada e sexualmente desperta. E, a dar-se crédito ao que diziam os jornais e revistas, ela não era caso único. As notícias sobre Daniel e as suas mulheres abundavam. Ainda recentemente aparecera escarrapachado nas primeiras páginas o anúncio do seu compromisso com uma superestrela neurótica de cabelo escuro. Compromisso que durara exactamente cinco minutos.

Cleo mexeu-se sub-repticiamente para ver com quem ele estava. Nesse preciso momento ele levantou-se da mesa e deu de caras com ela.

- Olá - cumprimentou, sorrindo calorosamente. Uma ligeira diferença em relação ao seu último encontro. - Como vais?

Subitamente, ela sentiu-se muito satisfeita por ter ido ao cabeleireiro, ter comprado um vestido novo e ter-se preocupado com o seu aspecto.

- Bem. - Não lhe ocorreu mais nada para dizer. Oh, Deus, se não lhe ocorresse nada, ele ir-se-ia embora.

- Estava precisamente a pensar...

- Eh... já conheces...

Começaram ambos a falar ao mesmo tempo.

- Tu primeiro - disse Daniel, rindo.

Cleo sorriu e respirou fundo.

- Ia perguntar-te se já conhecias Russell Hayes... o meu responsável editorial. O Russell é proprietário da revista Image.

- Creio que ainda não - disse Daniel, apertando-lhe calorosamente a mão. - Vocês têm alguma coisa que fazer? Eu ia telefonar à minha governanta a avisá-la de que ia para casa passar um filme. O último do Woody Allen. Por que não se juntam a nós?

Daniel vivia numa casa alugada em Benedict Canyon. Pelo padrão das estrelas de Hollywood era modesta - mas simpática e confortável - e mal Cleo lá entrou soube que ia passar lá a noite.

Os outros dois casais eram parceiros de negócios. Um administrador e a sua namorada, e Lew Margolis - responsável pelos estúdios da Paradox Television-, e a sua mulher, Doris Andrews, estrela de cinema famosa pelos seus papéis de "menina bem comportada".

Russell estava muito impressionado.

- Podemos ter aqui pelo menos três entrevistas em exclusivo sussurrou ao ouvido de Cleo. - Vê o que consegues arranjar.

Ela não tencionava arranjar nada. Não voltara a trabalhar para Russell. Pelo menos por enquanto.

O filme de Woody Allen era uma preciosidade. Cleo riu-se e procurou descontrair-se, mas estava demasiado consciente da proximidade de Daniel e apetecia-lhe desesperadamente tocar-lhe. Irritadamente, afastou a mão de Russell da sua perna quando este tentou pousá-la lá. Ele não repetiu a tentativa.

Terminado o filme, Daniel ofereceu irish coffees. Cleo sorveu o seu devagar, tentando desviar os olhos de Daniel, mas sem o conseguir. Os olhares de ambos acabavam sempre por se encontrar e mantinham uma conversa silenciosa. Então, Doris Andrews disse que estava cansada e o administrador afirmou que tinha de se levantar cedo para ir fazer uma avaliação relativa a um investimento, e todos se prepararam para sair.

Daniel olhou para Cleo.

- Por que não ficas mais um bocadinho? - sugeriu, calmamente. - Gostava de conversar contigo.

- Está bem - concordou ela.

- E o teu amigo. Achas que peça ao Lew que lhe dê uma boleia?

- Ou isso, ou então pode levar o meu carro.

- Boa idéia. Digo-lhe eu ou dizes tu? Russell não ficou nada satisfeito.

- Posso ficar contigo - insistiu.

- Não - disse Cleo com firmeza. - Tenho de falar a sós com o Daniel. Prometi-lho.

- Falar? - comentou Russell com um sorriso escarninho.

- Ou foder - respondeu Cleo, subitamente irritada. Que tinha ele a ver com isso?

Russell foi-se embora, zangado e ofendido.

- Será que ele pensava que ia acabar na tua cama? - perguntou Daniel.

- Não sei e não'me importa. - Ela não tirava os olhos dele, desejando tê-lo em cima de si.

Ficaram de pé muito chegados, não se tocando, apenas fitando-se nos olhos.

- Querias ficar? - perguntou Daniel.

- Que te parece?

Os seus lábios eram fogo, queimando os dela e provocando uma sensação de excitação e abandono que não experimentava há muito, muito tempo.

Não se dava conta das roupas que iam deslizando do seu corpo. Mas dava-se, sim, conta da forma como os seus dedos lhe iam traçando cada linha do corpo, gerando intensos e extasiados choques eléctricos.

Lutou para tirar-lhe as roupas. Puxou violentamente pela camisa, abriu o fecho das calças.

- Quero-te tanto, tanto - sussurrou. - Há meses que te desejava. Parece que foi uma eternidade.

Ele tocou-lhe nos seios, brincou com eles suavemente, massajou-lhe os mamilos até ela ter vontade de gritar. Ela só queria implorar-lhe que fizessem amor.

As suas mãos apalparam-no, à procura dos testículos. Era sempre excitante sentir o corpo de um outro homem. A surpresa de cada pénis. Quem disse que no escuro eram todos iguais estava muito enganada. Cada um constituía uma revelação. Em tamanho, textura, cheiro, gosto. O de Daniel era pequeno, mas muito bonito. Nada que se comparasse ao de Butch Kaufman - mas isso pareceu não lhe importar.

Ajoelhou em frente dele e levou-o à boca. Ele gemeu de prazer, depois afastou-lhe a cabeça e ajoelhou-se no chão como ela. Caíram ambos na alcatifa, rolando um sobre o outro, rindo e gozando cada instante. De seguida, ele montou-a, penetrando-a. Ela ergueu-se para ficar mais próxima dele e cruzou as pernas nas suas costas, num abraço apertado. Imediatamente começou a vir-se. Ele não a deixouEra uma sensação de êxtase e paroxismo. Normalmente, ela precisava de algum tempo entre dois orgasmos, e nessas alturas não suportava que lhe tocassem. Daniel continuou colado a ela, e então, de repente, foi bom novamente - na realidade foi muito mais que bom -, foi maravilhoso. Uma sensação multiplicada de energia e potência sexual.

Daniel apercebeu-se da modificação e rolou novamente para cima dela- Agora a sua mente, cérebro e corpo só se concentravam numa única coisa. Agarrava-a pelas nádegas, guiando-a, devagar... devagar... Depois mais depressa... mais depressa... O seu membro era o melhor órgão de prazer que ela conhecera. E de repente estava a vir-se outra vez. Um orgasmo incontrolável que lhe atravessava todo o corpo, em ondas de gozo intenso. E gritava tão alto quanto podia. Ela, que sempre fazia amor em silêncio.

Agora, Daniel acompanhava-a. As suas mãos apertavam-lhe o rabo. Sentiu dentro de si o licor, que penetrava aos borbotões.

Isto não era foder. Era o nirvana.

- Oh, meu Deus! -Finalmente, ele deixou-a. - Oh, meu bom Deus! - Estendeu-se ao chão, inerte e imóvel.

- Foi bom? - perguntou baixinho Daniel.

- Absolutamente inacreditável! Ele voltou a tocar-lhe.

- Já chega! -protestou ela.

- Quando nos estamos a divertir, nada é de mais.

- Por favor...

Ele não deu ouvidos às suas objecções. Massajou-lhe suavemente os mamilos, os seus dedos desceram até ficarem entre as suas pernas, afastando-as, abrindo caminho para a sua língua experimentada.

- Mais não... por favor... mais não... -Mas ainda estava a dizer isto e já se rendia às suas deliciosas explorações, e quando atingiu o orgasmo pela terceira vez, foi lindo, incrivelmente Suave e completamente esgotante.

Não pôde fazer mais nada. Adormeceu, e quando acordou, uma ou duas horas mais tarde, descobriu que Daniel a tapara com uma coberta e lhe pusera uma almofada sob a cabeça.

Sentou-se, sozinha e subitamente embaraçada. Queria conversar com Daniel, comunicar... não cair nos seus braços como acontecia provavelmente com todas as protagonistas dos seus romances altamente publicitados. E nem sequer era a primeira vez que saíam juntos. Na verdade, nunca tinham chegado sequer a fazê-lo.

Agora compreendia o segredo do seu magnetismo. Ele era um amante extraordinário. Decerto o melhor que alguma vez conhecera. Era um sensualista, um homem que gostava realmente do corpo da mulher e não se comportava desta ou daquela maneira porque era isso que a Playboy ou a Penthouse recomendavam.

Estava escuro na sala, e o chão parecia-lhe agora um sítio pouco confortável para descansar. Levantou-se e pegou nas roupas. Daniel dormia no quarto. Por um instante aborreceu-a ligeiramente a idéia de ele se ter limitado a cobri-la e a deixá-la sozinha no chão da sala.

Olhou para ele. Dormia profundamente, ressonando muito suavemente.

Não sabia o que fazer. Deitar-se na cama com ele? Ou regressar ao seu hotel?

Que esperaria ele que ela fizesse? Aquilo teria sido apenas uma boa noite de sexo, ou seria o começo de uma relação?

Cleo nunca se sentira tão insegura na vida. Normalmente, era ela quem comandava as situações. Raios para Daniel. Fazia-a sentir-se como uma adolescente!

Decidiu vestir-se e ir para o hotel. Parecia ser a opção mais segura. E no entanto... Sentia um desejo apaixonado de o destapar e ter o seu festim. Queria tê-lo na boca, enclausurado e quente... Apetecia-lhe sugá-lo todo, como ele lhe fizera a ela.

Destapou-o. Ele estava de pijama, o que o fazia parecer mais vulnerável. Passou-lhe a mão por debaixo do corpo e começou a explorá-lo, até senti-lo voltar à vida na sua mão.

Baixou-se sobre ele e tomou-o na boca, tocando-lhe e acariciando-o com a língua.

- És lindo - murmurou.

- Estou acordado - sussurrou ele.

- Ainda bem. - Deitou-se parcialmente sobre ele, apoiando-se na cama e introduzindo o pénis na boca.

Agora era a vez de ser ele a protestar. Mas ela tinha-o bem agarrado, com as mãos no seu rabo para o impedir de se escapar. Ele começou o movimento de vaivém na sua boca, mas de cada vez que estava próximo do clímax, ela forçava-o a retirar-se e a esperar.

- Que estás a fazer-me! - protestou ele. Ela riu suavemente.

- A fazer-te sofrer com o gozo. Lembras-te? Ensinaste-me e agora é a minha vez de aplicar os ensinamentos.

Quando ela finalmente o deixou atingir o clímax foi uma explosão.

- Oh, Cristo! Isto foi o máximo! -exclamou ele. - Absolutamente o máximo! - Chegou-se mais a ela, deixando-a aninhar-se-lhe nos braços.

- Gostaria que ficasses toda a noite - disse ele. - Achas que podes?

- Yeah. Acho que sim. Ninguém vai sentir a minha falta no Beverly Wilshire.

- A não ser talvez o teu amigo.

- O Russell? Já te disse... o assunto com ele é negócios, não prazer.

Ele abraçou-a.

- E eu?

Contigo é prazer, claro. Que é que julgas, que vouescrever

um artigo sobre a noite que passámos juntos?

- Eu sou um tanto ou quanto paranóico com os repórteres. Foi por isso que resisti a ter uma ligação contigo.

- E nós estamos a ter uma ligação?

As mãos dele voltaram a explorar-lhe o corpo.

- Que te parece?

Ela riu fracamente, sentindo-se subitamente muito segura e aconchegada nos seus braços.

- Acho que te desejava desde o primeiro dia, em que te vim entrevistar.

- Eu também. Ela ficou encantada.

- A sério? Mas parecias tão desinteressado quando te liguei para perguntar se querias ver o artigo...

- O que me agradou bastante - interrompeu ele.

- Porquê só bastante?

- Porque não gosto de ler coisas sobre mim mesmo. Só isso. Mas voltando a ti... Bem, não era a altura ideal... Tinha de me livrar da Heidi...

- E de um milhão delas desde então.

- Não acredites em tudo o que lês.

- Metade disso seria uma estimativa mais correcta?

- Tens ciúmes?

- Claro que tenho ciúmes.

- Não tenhas. Qualquer pessoa é melhor que passar as noites em solidão.

- Oh, muito obrigado... Ele beijou-a.

- Não me estou a referir a ti, patetinha. Tenho vindo a guardar-te desde aquele dia em que atravessaste a rua para me evitares. Foi nessa altura que entendi que eras a mulher ideal para mim.

- Pensei que nem sequer me tinhas visto.

- Vi, sim. E também te vi naquela festa com o Butch Kaufman. Que raio andavas a fazer com um cabeça de burro como ele?

- Estava à tua espera. - E, ao dizê-lo percebeu, que era mesmo a verdade.

Mike James descobriu que não ter ninguém a viver com ele era quase tão mau como ter alguém.

Viver sozinho era uma chatice. Era tudo muito calmo, pacífico e imensamente solitário.

Contratou uma mulher-a-dias para fazer o trabalho de casa. Era uma irlandesa de lábios cerrados que aparecia às nove da manhã, lhe preparava um pequeno-almoço solitário e limpava o apartamento com uma perfeição horrível. Quando ele chegava do escritório, à noite, a casa cheirava a desinfectante e a óleo de limpar cabedais. A sanita estava sempre cheia de uma espuma branca desinfectante. No frigorífico, tudo estava coberto por folhas de papel de alumínio.

Odiava tudo isso. Ansiava pelo cheiro a mulher. Faltava-lhe algo na vida, não sabia bem o quê. Desde que se vira livre de Annie - fora uma cena muito desagradável, com ela a gritar obscenidades em frente da sua porta - saíra regularmente com mulheres e mantivera-se fiel à sua nova norma de não as trazer para casa.

Isto significava passar as noites nos seus apartamentos sempre que queria ir com elas para a cama. Significava jantares pesados para dois, recomendados pelas revistas Cosmopolita" e Glamour. Significava indigestões e dores de estômago garantidas. Significava que o seu desempenho sexual ficava abaixo do que era normal nele. Significava vozes esganiçadas e queixosas das mulheres a protestar. Significava... merda.

Mike não estava a levar a vida perfeita.

Russell telefonara para lhe dizer que ia apanhar um avião para ir visitar a Cleo.

- E então? - dissera Mike. - Ela já não representa nada na minha vida. Estamos divorciados.

- Nesse caso não te importas se eu tentar a minha sorte? - respondera Russell.

O sacana. Cleo nunca olharia sequer para ele. Filho da mãe. Mike fizera um esforço por se mostrar indiferente.

- Faz como quiseres.

Russell lá fora muito bem disposto, e Mike ficara de mau humor.

Se não fosse por causa de Cleo talvez já tivesse assentado arraiais com alguma das suas companheiras ocasionais. Mas comparava-as sempre com Cleo e, por muito que odiasse admiti-lo, não havia comparação possível.

 

Ao princípio, Muffin não queria acreditar que Jon lhe tivesse feito uma coisa daquelas. Mas, à medida que os dias iam passando, tornou-se cada vez mais evidente que o bilhetinho curto e seco que ele lhe deixara era verdadeiro.

Instalada na sua luxuosa mansão, esperou que ele regressasse. Sabia bem que Jon mudara em Hollywood. Ambos tinham mudado. Mas que ele tivesse mudado ao ponto de lhe-dar com os pés, deixando-a sozinha para fazer face a todas as suas dívidas e contas por pagar, isso era ser cruel.

Tinha exactamente vinte e seis dólares e cinqüenta cêntimos, e era tudo. Nem sequer chegava para pagar a viagem de regresso a Londres. com o que tinha só conseguiria comprar comida para mais uns escassos dias. E o filho da mãe levara até o carro - o Cadillac alugado em que ela posara para as fotos pornográficas que tinham servido para pagar os gastos correntes.

Nunca na vida vivera sozinha. Nunca tivera de cuidar de si mesma e tomar as suas próprias decisões. Desde o dia em que saíra de casa dos pais, Jon estivera sempre presente. Jon, que sempre proclamara o seu amor por ela. Sim, ele amara-a. Pelo menos enquanto ela fizera bom dinheiro. Pela primeira vez, Muffin apercebeu-se de que Jon a usara, puxando por ela e empurrando-a para todo o lado. E fora por isso que ficara tão zangado quando ela se casara com Little Marty Pearl. Isso significava perder um bom investimento. Só que em Hollywood o investimento não se revelara rentável. Em Hollywood, ela não conseguira singrar. Havia demasiadas raparigas bonitas, com corpos sensuais, e que tinha ela de especial?

Jon abandonara-a da mesma maneira que um condutor de carros de competição abandona um carro ultrapassado, ou que um jogador de tênis abandona uma raqueta partida. Ela deveria ter percebido o filho da puta que ele era. Não era o que dizia repetidamente a sua primeira mulher, Jane, que ele abandonara com duas crianças pequenas? Se ele não ligava aos filhos, como haveria de se importar com ela?

Maldito Jon Clapton, com o seu arzinho inocente e o corpo magricela. Francamente! Como podia ela ter-se deixado levar por um tal filho da puta! Três anos e meio de vida gastos com ele, e onde é que a tinham levado? A lado nenhum. A exibir a pássara numa cambada de revistas porcas. Que encantador!

Pensar em Jon não ia contribuir para lhe pagar as contas, nem chegava para se pôr a andar. Para onde se podia escapar só com vinte e seis dólares?

Não sabia para quem se virar. Todos os amigos que tinha eram os de Jon. Nem sequer tinha uma amiga a quem pudesse pedir ajuda

Sentou-se e pôs-se a pensar. Havia o Little Marty Pearl, que era agora uma grande estrela de televisão, num programa semanal com a irmã. Fartavam-se os dois de mostrar a cremalheira, como se estivessem num anúncio a alguma pasta de dentes. Provavelmente não ia apreciar por aí além um telefonema dela. Desde o dia fatídico do breve casamento não se tinham falado uma só vez.

Havia ainda o manager dele, Jackson. Mas só de pensar nele davam-lhe arrepios, e se lhe pedisse ajuda, ia querer muita coisa em troca. Podia posar para fotografias, mas não estava disposta a ir para a cama com qualquer um. Algo do seu passado de Wimbledon permanecia firme na sua personalidade. Havia um limite para tudo.

Não conseguia lembrar-se de mais ninguém a quem recorrer, e compreendeu que a única coisa que podia fazer era posar para mais fotografias daquelas. Do tipo sorri e abre as pernas.

Esse pensamento deprimiu-a. Não tinha Jon à mão para a pôr pedrada e ir conversando com ela com meiguice durante a sessão.

Vasculhando nas suas roupas descobriu os calções e a camisola que Keeley Nova lhe emprestara. Procurou lembrar-se do que ele lhe dissera. Qualquer coisa sobre... fazer dela uma estrela... montes de dinheiro...

Parecia ser um tipo fixe. Talvez valesse a pena fazer-lhe um telefonema. No fim de contas, não lhe tinham cortado o telefone... pelo menos por enquanto.

- És um filho da mãe - exclamou Diana. - Nem sequer lhe telefonaste?

Jon estava ocupado a massajar-lhe as costas. Ela tinha um dorso lindo.

- Não - respondeu pacientemente. - Se lhe telefonar, desata a chorar e a lamentar-se, e a implorar-me que volte para ela. Acredita-me, é melhor assim. Ela tem muitos amigos, há-de safar-se.

Diana suspirou.

- Tu é que sabes, querido. E Deus sabe o que aguentaste. Acho que foste um verdadeiro mártir. Outro homem não teria aturado o que tu aturaste.

Tristemente, Jon disse:

- Sim, foi difícil. - E ficou satisfeito por o comentário lhe ter saído com a entoação certa. Diana fora mais que compreensiva em relação às suas histórias sobre os outros homens de Mufifn, as bebedeiras orgíacas e as exibições pornográficas. Mostrara-lhe mesmo uma fotografia de Muffin au naturel... muito au naturel realmente. - Implorei-lhe que não fizesse este tipo de fotografias - contara ele a Diana -, mas ela só faz o que lhe dá na cabeça.

Diana pegara-lhe na mão e confortara-o.

- Vem viver comigo, querido. Ninguém é obrigado a aturar esse tipo de comportamento.

Agora pensava que talvez se tivesse precipitado. Queria ter a certeza de que Muffin não se queixaria publicamente. Afinal... quem precisava desse tipo de publicidade?

- Volta-te - disse Jon.

- Tens uns dedos incríveis - murmurou Diana, fazendo o que ele lhe pedia.

- São para te apalpar melhor. - Jon deitou umas gotas de óleo de bebê na sua barriga e começou a massajá-la.

- Delicioso! - suspirou Diana voluptuosamente. - Quem diria que eu ia arranjar o melhor massagista da cidade! Meu Deus! Vê só o dinheiro que poupei!

A mansão Rush oferecia durante o dia uma vista magnífica, estendendo-se ao longo do oceano como uma série de monumentos alvos e bizarros. Karmen começara por adquirir uma casa e, à medida em que se tornara famosa, fora comprando as outras seis, e unira-as formando uma mansão enorme e incrivelmente estranha. A mansão de Karmen era quase tão famosa como a dona.

Nervosa, Muffin pagou o táxi com o resto do seu dinheiro. Esperava bem que a viagem valesse a pena. Keeley Nova fora muito simpático ao telefone. Lembrava-se dela e, quando lhe perguntara se estava a falar a sério quando lhe dissera aquilo de a poder apresentar a alguém que faria dela "uma estrela", rira-se e dissera:

- com certeza. Se tiveres o que é preciso, é canja. Vem ter cá a casa por volta das quatro da tarde.

E assim ela aí estava, bonitinha e petulante nos seus jeans acetinados, e com uma blusa que deixava os ombros a descoberto. O cabelo ainda estava molhado e caía em cascata num emaranhado de caracóis com as pontas pintadas de uma tonalidade alaranjada. A maquilhagem realçava os olhos azuis amendoados e os lábios cheios, que faziam um trejeito trocista.

Debaixo do braço levava uma grande pasta com as suas fotografias. Nu artístico, nada da variedade pernas abertas.

Havia um cordão junto à porta principal. Puxou-o e de imediato se ouviu o badalar de sinos, acompanhado do ladrar de muitos cães. Um pouco depois Keeley apareceu.

- Tive de acorrentar aqui os monstros - explicou. - Se eles não simpatizassem contigo... -Estremeceu o corpo significativamente e fez o gesto de uma garganta cortada.

Muffin sentiu um arrepio quando Keeley se voltou e começou a conduzi-la para dentro de casa. Ele só tinha umas calças vestidas, e o tronco nu estava coberto de arranhões que desenhavam as formas de tacões.

Sentiu-se insegura. Havia uma atmosfera estranha na casa.

- Como tens passado? - perguntou Keeley.

- Bem.

- Gostei de que tivesses telefonado e levado a sério aquilo que eu disse. Senta-te. Queres snifar coca? A senhora ainda não te pod" receber.

Muffin afundou-se num coxim. Não havia nada que se parecesse com um mobiliário normal.

Keeley agachou-se junto dela e tirou do bolso um frasquinho de cocaína. com a unha tirou cuidadosamente uma pequena porção para uma colher miniatura e passou-a a Muffin. Ela juntou-a com os dedos e inspirou-a. Fazia-lhe uma espécie de comichão, mas já experimentará antes várias vezes e o efeito era maravilhoso.

Keeley fez o mesmo, suspirando de prazer.

- Trouxe comigo umas fotografias... -arriscou Muffin, estendendo a pasta a Keeley.

Ele folheou-a rapidamente.

- És muito fotogénica - comentou -, mas este trabalho implica mais que mostrar as maminhas e o rabo. - Ela continuou em silêncio. Que mais seria necessário? Ele falara de fazer dela uma estrela, e de muito dinheiro. Mas como?

Subitamente ressoou um grito por toda a casa.

- Keeeeellleeyyy!

Ele pôs-se de pé de um salto.

- A senhora já está disponível - disse, com os músculos faciais contraídos num ricto nervoso. - Anda comigo, miúda. Vamos à audição. O dinheiro, a fama, tudo o que eu te disse está à tua espera. Vamos a ver se tens aquilo de que a senhora tem andado à procura.

A Jon custou-lhe descobrir que não só Diana tinha um agente, a quem pagava dez por cento de todos os seus ganhos, como também tinha um gestor de negócios que lhe ficava com mais quinze por cento.

- Isso é ridículo! -exclamou Jon. - Esse gajo é um ladrão!

- Disparate - replicou Diana. - É um homem de negócios que exerce uma actividade perfeitamente legítima, é altamente recomendado e é muito bom.

- Quem o recomendou? - perguntou Jon mal-humorado.

- Daniel Onel. E olha que ele não se tem safado nada mal. Jon não podia contestar aquele argumento. Toda a gente sabia

que Daniel Onel, o actor que contracenava de momento com Diana, era um dos actores mais ricos de Hollywood, desde que deixara de estar domiciliado em Inglaterra, país de impostos exorbitantes.

- Mesmo assim - resmungou Jon -, vinte e cinco por cento dos teus rendimentos é um exagero. Eu podia encarregar-me da tua carreira e não nos custaria um cêntimo.

Diana desatou a rir.

- Jon, querido, como amante, adoro-te, mas se pensas que sou tola ao ponto de pôr as minhas finanças nas tuas mãos, esquece-o.

- Encarreguei-me bem das da Muffin - argumentou Jon.

- Ah, sim? - replicou Diana. - E onde é que estão as provas disso?

Calou-se. Não podia argumentar contra a verdade. Levaria ainda algum tempo para amaciar Diana. Pelo menos tinha um tecto, e as contas estavam todas pagas. Mas que faria quando a próxima letra do Cadillac estivesse para pagar? E quando Diana acabasse o filme em que estava a trabalhar e quisesse sair à noite? Não lhe parecia que Diana fosse do gênero de querer ser ela a pagar a conta.

Karmen Rush estava refastelada no centro de uma enorme cama triangular. O quarto era todo negro - as paredes, os coxins, os espessos tapetes de peles. A luz do dia encrava por cima. Não tinha tecto, apenas a vastidão do firmamento. De colunas escondidas saía musica indiana de citara.

-Olá - disse Karmen, com uma voz rouca, profunda, quase masculina. Ergueu a mão a pedir silêncio. - Não fales até eu ligar o gravador. Quero apanhar todas as palavras. Quem sabe... Talvez um dia a nossa primeira conversa possa valer uma fortuna.

Muffin engoliu em seco. Fosse como fosse, estava atordoada e incapaz de proferir palavra. Não estava à espera de se encontrar com Karmen Rush. Ena! Que diriam daquilo quando soubessem lá em Wimbledon!

- Fico ou saio? - perguntou Keeley. Karmen esmagou-o com o olhar.

- Sais. Não te quero a ti na gravação. Vai arranjar-nos um jarro de sumo. - Dirigiu para Muffin um olhar langoroso. - Vem sentar-te na cama, quero conhecer-te. Quero ver se as nossas vibrações estão sintonizadas.

Keeley deu-lhe um pequeno empurrão e, cautelosamente, Muffin chegou-se até junto da cama e sentou-se a um canto.

Não conseguia deixar de olhar para Karmen. A mulher era... bem... estranha, com a sua face muito branca, os olhos maquilhados de forma a dar-lhe um ar de egípcia, lábios muito vermelhos como que talhados de um fino golpe. Vestia uma espécie de cafetã - negro, naturalmente. E o cabelo cor de azeviche caía-lhe em múltiplas trancinhas sobre os ombros.

Muffin sempre fora fã dela. Karmen Rush tinha uma voz incrivelmente bonita. Era também uma das raras actrizes no mundo que funcionavam como uma garantia do êxito de qualquer projecto.

- Que idade tens? - perguntou Karmen.

- Vinte anos - respondeu Muffin.

- Felizmente pareces mais nova - observou Karmen, mirando-a através dos olhos semicerrados.

- Ah, sim - apressou-se a concordar Muffin -, as pessoas estão sempre a dizer-me que pareço muito mais nova.

- Keeley disse-te alguma coisa?

- Nada de especial... Trouxe umas fotografias. - Entregou o álbum a Karmen, que o folheou, observando detidamente cada foto. Subitamente, Muffin desejou que Jon estivesse, ali com ela. Sentia-se insegura e muito sozinha.

- Gosto do teu corpo - afirmou Karmen. - Um pouco rechonchudo, mas isso até me agrada. E o público também vai gostar. Tens uma figura com que se podem identificar. Despe-te, querida, e dá umas voltas pelo quarto, para te poder observar.

O pedido era inesperado. Muffin hesitou.

- Não és tímida, pois não? - perguntou Karmen, friamente.

- Não, claro que não. Estava só a pensar... bem, esta audição é para que gênero de trabalho?

- Muito dinheiro, muita fama. Estás interessada nestas duas coisas?

- Sim... mas...

- Estamos aqui só duas mulheres. - A voz de Karmen soou mais meiga. - Não te estou a tratar como um objecto, mas preciso de ver o teu corpo.

- Claro - respondeu Muffin, tentando mostrar indiferença. Pôs-se de pé e abriu o fecho das calças de cetim, despindo-as de uma forma que pretendia mostrar despreocupação. Seguiu-se a blusa, e ficou finalmente nua.

Karmen olhou-a com atenção.

- Caminha um pouco - ordenou.

Muffin obedeceu, interrogando-se por que seria que se sentia mais despida do que alguma vez se sentira em toda a sua vida.

- Seios perfeitos - comentou Karmen-, pernas curtas. Gosto da combinação. E gosto da tua cara.

- Posso vestir-me?

- Ainda não. Quero ver mais.

- Mais?

- Muffin, querida - disse Karmen vagarosamente, com convicção-" parece-me que és a rapariga de que tenho andado à procura.

- Ah, sim? - Muffin não sabia se deveria ficar satisfeita ou não. Tudo aquilo lhe parecia muito estranho. Andar a passear nua em frente de uma estrela de cinema. Talvez aquilo fosse só para a experimentar. Que espécie de trabalho teria Karmen Rush para ela?

- Sim - confirmou Karmen. - Estou a dirigir um filme, uma história maravilhosa sobre uma rapariguinha simples que vem para Hollywood e tudo aquilo por que tem de passar até atingir a fama.

Isto já se compreendia. Muffin gostava de se ver num papel daqueles.

- Claro que vai ser um filme muito realista - prosseguiu Karmen. - É a história verdadeira de como as coisas se passam. E sei bem do que falo. Passei por essas situações muitas vezes antes de me tornar famosa. - Sentou-se. Os olhos brilhavam-lhe. - Fui eu própria que escrevi o guião. Tenho um dos melhores especialistas de luz e uma pequena equipa muito coesa. Estamos prontos para começar. Só nos faltava encontrar a protagonista ideal. Mas acho que já a encontrámos. Tu podias fazer esse papel. Podes tornar-te uma estrela tão importante como eu, à tua maneira.

O entusiasmo de Karmen contagiara parcialmente Muffin. Mas ainda assim... devia haver pelo meio uma rasteira qualquer. Havia sempre...

- Queres ficar com o papel? - perguntou Karmen.

- Quero, claro. Mas...

- Se houver acordo nos outros pormenores, o trabalho é teu. O nosso operador de câmara vai ser muito... incisivo. Viste o Garganta funda?

- Não.

- Também não perdeste nada. Corpos feios. Mulheres feias. Quem quer que os tenha seleccionado não fez um trabalho capaz.

- Era um filme pornográfico, não era? - perguntou Muffin. Jon vira-o, e viera para casa a rir-se.

- E que é a pornografia? A vida é pornografia. O nosso filme vai ser pornografia bela. Tu vais estar linda. - Karmen levantou-se.

- Muffin, querida, vais ganhar muito dinheiro, isso prometo-te eu. Vais viver aqui, e terás uma parte da casa só para ti. O filme vai ser todo rodado cá. Vão ser seis semanas de trabalho, e tens a fama garantida. Confia em mim. Podes acreditar, porque eu sei-o bem. Voufazer de ti uma estrela. Mas primeiro...

- Quê? - Muffin estava a ficar entusiasmada. Podia tornar-se uma estrela. Era Karmen Rush que o dizia, e, de alguma forma, confiava nela.

- Tenho de olhar para o teu entre-pernas. Tenho de verificar se és tão perfeita aí como no rosto. No fim de contas, o meu filme chama-se The Girl Witb the Golden Snatch [A Rapariga da Ratinha de Ouro], e não queremos ter nenhuma decepção agora, pois não? Karmen chegou-se a ela e tocou-lhe ao de leve nos seios. - Deita-te para trás, mocinha linda. Vamos dar início à audição.

 

A convite de Daniel, Cleo foi viver com ele. Durante algum tempo debateu-se com a dúvida de que se estaria a agir correctamente ou não. Passar directamente de um actor para outro. Seria o mais acertado?

Mas não havia maneira de comparar Daniel Onel com Butch. Eram radicalmente diferentes. Butch significara um lugar de recolhimento enquanto recompunha as forças. Daniel era vida nova. Além de que o amava, o que era a um tempo doloroso e belo. Desde que se separara de Mike ainda não tinha encontrado ninguém com quem quisesse partilhar a vida - isto é, em sentido permanente. Agora havia Daniel.

Sentia-se renascida. Feliz, entusiasmada, pronta para regressar ao trabalho. Só que, após seis meses de ociosidade, não andavam propriamente à procura dela. Claro que havia sempre Russell. Não o via desde a primeira noite que passara com Daniel. Ele abandonara o hotel, apanhara o avião de regresso para Nova Iorque e deixara-lhe um bilhetinho que denotava o seu nervosismo.

A-revista Image podia sem dúvida arranjar-lhe alguns trabalhos interessantes em Los Angeles, e por isso estava pronta a trabalhar. Daniel passava o dia inteiro fora de casa, devido ao filme que estava a rodar. E três semanas a vagabundear por Beverly Hills, a ir sozinha às sessões de cinema da tarde, era quase tão estupidificante como a sua longa estada na praia.

As tardes e as noites compensavam-na. Daniel era uma companhia estimulante. Inteligente, informado, inquisitivo e encantador. Nunca se tornava chato, estava sempre alerta, interessado e divertido.

E, claro, havia as sessões de amor. Longas noites estendidos passadas a descobrir e redescobrir os corpos um do outro. Horas de paixão e deleite para os sentidos. Daniel era um mestre. O mestre.

Cleo telefonou a Russell numa segunda-feira de madrugada. Fez as contas para que a chamada o apanhasse logo após o início do trabalho no seu escritório em Nova Iorque, onde eram cinco horas mais tarde.

Ele tentou aparentar indiferença, mas Cleo percebeu que estava intimamente satisfeito.

- Gostava de fazer uns exclusivos - sugeriu ela. - Tens alguma idéia em concreto?

- Já te fartaste do teu actor senil? - Russell tinha de ser vulgar.

- Ele só tem onze anos a mais do que tu.

- E vinte anos a mais do que tu - retorquiu Russell rapidamente.

- Mudemos de assunto, Russ. Não estou com disposição para discussões.

- Não estou a discutir. Só estou a aconselhar.

- Obrigada, mas dispenso.

- Ele é um coirão neurótico, que já passou por três casamentos.

- E tu também, mas continuamos amigos, não é verdade? E agora diz lá: que é que tens para mim?

Russell suspirou e prometeu voltar a telefonar-lhe já com algumas sugestões.

Ela sabia que ele o faria, e realmente, dentro de uma hora, já o tinha de novo ao telefone.

- Richard West - sugeriu. - Andam a fazer um filme do livro dele, Sex - an Explanation. Quero ter a opinião dele sobre como têm corrido as coisas. Já sabes do que se trata, se o escritor é tramado, como de costume, etc.

- Foi o Richard West que escreveu o guião?

- Acho que trabalhou nuns quantos rascunhos. Cleo riu-se secamente.

- Pensei que Sex - an Explanation era uma espécie de livro didáctico. Diz-me lá: qual é o enredo?

- Isso cabe-te a ti descobrir. Queres ficar com esse trabalho?

- Claro. Mais alguma coisa?

- O teu antigo namorado, Butch Kaufman. Esse vai ser fácil para ti.

- Já entrevistei o Butch uma vez. Na série "Quem tem medo do lobo mau", estás lembrado?

Russell pareceu ser acometido por um repentino ataque de tosse e disse:

- Claro que me lembro. Essa série fez que recebêssemos uma enxurrada de cartas de leitores.

- Então, porquê o Butch?

- Porque, se lesses os nossos jornais da manhã, saberias que o Butch Kaufman assinou contrato para um filme chamado Surf Stud e a estrela que contracena com ele é a sua irmã de treze anos, Vinnie. É material interessante, Cleo, e tu estás por dentro desse assunto.

Essa agora - se ele soubesse até onde é que ela estava por dentro daquele assunto!

- Quero uma peça de mil e quinhentas palavras sobre o Dr. West, e à volta de oitocentas para cada um sobre o Butch e a irmã.

- E queres isso para amanhã, não? - atalhou Cleo.

- Basta-me tê-las no fim-de-semana.

- Ah, óptimo. Isso dá-me quatro dias inteirinhos.

- Ainda não me esqueci do tempo em que fazias as entrevistas de manhã, as escrevias à tarde e nós as tínhamos cá na manhã seguinte.

Cleo suspirou.

- Isso era quando eu era nova e voluntariosa. Russell deu uma risada maldosa.

- Não reparei que tivesses mudado.

Quando Daniel chegou a casa, vindo dos estúdios, Cleo já tinha conseguido marcar todas as entrevistas. O Dr. Richard West iria recebê-la na sua casa de Beverly Hills na manhã seguinte. Um publicista da companhia cinematográfica funcionara como intermediário. "O Dr. West não dá entrevistas mas, devido ao relacionamento que mantém com o editor da Image, terá todo o gosto em aceder a esta" - dissera.

Cleo interrogava-se sobre como andaria o relacionamento entre o Dr. West e Ginny Sandler.

Quanto a Butch, telefonou-lhe directamente.

Ele estava nitidamente distante. Ela não podia queixar-se, talvez devesse ter-lhe deixado um bilhetinho. Mas quando mencionou a palavra entrevista e o nome da revista Image, a voz animou-se-lhe de imediato e acordou encontrar-se com ela no dia seguinte às duas da tarde.

A idéia de entrevistar a queridinha da Vinnie deu um grande gozo a Cleo. Agora era a sua vez. E a sua caneta era muito mais poderosa do que alguma vez viria a ser a vozita esganiçada daquela espécie de Lolita.

Ocorreu-lhe que tinha realmente uma grande história em exclusivo. O facto de Vinnie ser filha e não irmã de Butch dava direito a cabeçalhos. Iria usá-lo? Sim, dizia o seu lado de repórter. Não, insistia o lado pessoal. Era uma confidência de amantes. Mas, no entanto... era tentador...

Daniel estava exausto, mas amoroso.

- Já só me faltam dois dias de filmagens - disse. - A seguir, estava a pensar meter umas feriazinhas antes do próximo. Que achas das Baamas? Já lá estiveste?

Cleo esquecera-se de pensar em que uma vez que ela recomeçasse a trabalhar, Daniel por seu lado talvez estivesse sem trabalho. Os actores entre dois filmes eram aquilo que se podia designar, para ser educado, por umas chagas. Preocupados com o filme que acabavam de rodar. Preocupados com o que iam começar a filmar.

Daniel, é claro, deveria ser diferente.

- Isso seria muito bom - disse Cleo. - Por quanto tempo iríamos?

- Dez dias, duas semanas - respondeu ele, enquanto observava atentamente o rosto ao espelho.

- Adivinha o que fiz hoje! -convidou Cleo com vivacidade.

- Tens uma pinça, querida?

- Hum... sim. - Foi buscar-lhe a pinça e procurou retomar a conversa. - Daniel? Sabes o que fiz hoje?

Muito concentrado, ele começara a tirar pelinhos do nariz.

- Que foi?

- Voltei a trabalhar.

A visão de Daniel a arrancar pelinhos da cara estava a deixá-la algo irritada.

- Telefonei ao Russell, disse-lhe que estava disposta a trabalhar, e...

- Alguma vez fizeste amor com ele?

- Quê? Não, claro que não. Já te disse isso.

- Por que lhe telefonaste a ele? Há montes de outras revistas: Los Angeles, People, Newsweek...

- Eu sei. Mas, bom... Tenho uma relação especial com a Image. Daniel riu-se, sarcástico.

- Estou a ver que sim. - Estoicamente, continuou a arrancar pelinhos, agora das sobrancelhas.

- Por amor de Deus! -atirou-lhe Cleo. - Não podes fazer isso na casa de banho?

Ele parou abruptamente, atirou-lhe a pinça e saiu da sala. Cleo ficou aturdida. Foi atrás dele até à sala de estar e perguntou-lhe:

- Que se passa contigo?

- Comigo - gritou ele em resposta. - Por que não te perguntas antes o que se passa contigo?

- Eu não depilo as pernas à tua frente. Não tenho culpa se considero que algumas coisas deviam ser feitas em privado.

- Meu Deus! Que conceito mais tacanho!

- Acredito na sinceridade.

- Ah, sim? Então por que não admites que foste para a cama com o Russell Hayes?

- Oh, Daniel! Quantas vezes queres que to diga? Não fui. Sabes bem que não fui.

- Claro.

De repente estavam envolvidos numa sessão de gritaria. Era a sua primeira discussão, e tão ridícula que, após terem gritado um com o outro, desataram a rir, e acabaram abraçados e a despirem-se mutuamente. A intensidade com que faziam amor agarrara-os.

- Existe qualquer coisa de especial entre nós - sussurrou Daniel mansamente quando repousaram por fim, quentes e suados nos braços um do outro.

- Sim. Uma paixão pelo chão da sala! -riu-se Cleo. - Não podemos experimentar fazê-lo de vez em quando na cama, para variar?

- Vamos casar-nos - sugeriu calmamente Daniel. - Podíamos fazê-lo nas Baamas, na próxima semana. Prometo que passaremos a nossa lua-de-mel numa cama!

Cleo ficou mais que surpreendida. Não pensara em casar-se com Daniel. Na verdade, não pensara casar-se com ninguém. Butch abordara o assunto uma vez, mas ela levara a coisa para a brincadeira. Nunca tomara a proposta a sério.

A separação de Mike erguera uma barreira gigantesca contra o casamento. A quem fazia falta aquele pedacinho de papel que só levava a mentiras e traições? Para quê "pertencer a alguém" legalmente, quando não estar amarrado a ninguém permitia relacionamentos muito mais sinceros?

Se ela e Butch se tivessem casado estariam agora envolvidos numa grande embrulhada. A quem pertencia isto ou aquilo. Como dividir o dinheiro. Da maneira que as coisas se tinham passado ela limitara-se a fazer as malas e a partir. E Butch não pudera sentir-se no direito de ir a correr atrás dela.

Nunca esqueceria a cara de Mike enquanto a perseguia através de Londres. "És minha, sua cadela! dizia a sua expressão. "Por isso "trata de saltar novamente para dentro deste casamento, onde é o teu lugar.

não. Não queria voltar a passar por aquilo. com ninguém. Nem mesmo com Daniel.

E no entanto... Dentro de dois meses faria trinta anos. E queria ter uma criança. E não se importaria mesmo nada se ela fosse de Daniel. De facto...

- Não me parece que devamos estragar tudo casando-nos, - mur murou, enroscando-se-lhe no corpo e passando os dedos pelo seu peito cabeludo. - Já passámos ambos por isso as vezes suficientes para sabermos. Amamo-nos. Não acho que precisemos de uma folha de papel para o provarmos. - Foi baixando as mãos até atingir o sítio onde sabia que ele estaria pronto para ela. - Mas gostava de ter um filho teu. Seria a nossa criança. Daniel? Podemos? -Não esperou pela resposta. Deslizou para cima dele e guiou-o para dentro de si.

Na manhã seguinte deitou fora todas as pílulas contraceptivas que tinha. No calor do momento, na noite anterior, Daniel não chegara a responder-lhe, mas ela tinha a certeza de que aquela era a atitude certa. Um bebê era um laço muito mais forte que um contrato de casamento.

O Dr. Richard West não se parecia nada com o homem vulgar, indeciso e de meia-idade que Cleo conhecera no escritório de Russell um ano antes. Mudara consideravelmente. O cabelo curto cor de areia desaparecera. O corpo pesadão e as roupas fora de moda idem. A única coisa que parecia ter conservado eram os lábios à Mick Jagger. Estes pareciam muito mais adequados na sua face muito bronzeada, com os olhos escondidos por detrás de óculos escuros. Uma barba cerrada cobria-lhe o queixo, e o cabelo - agora com madeixas louras - crescia comprido e farto. Vestia calções de tênis brancos e uma T-sshirt, que destacavam as pernas compridas e bronzeadas e os braços bem musculados.

- Olá - saudou. - Prazer em voltar a vê-la. Entre. Não quer tomar umas vitaminas?

O seu encantador comedimento desaparecera. A Califórnia e o sucesso podiam reclamar mais uma vítima.

- Mal o reconheço - confessou Cleo, debruçada sobre um pequeno-almoço de ameixas, iogurtes, flocos de cereais e chá de roseira brava. - Deve ter perdido pelo menos uns dez quilos.

- O corpo acompanhou o espírito - confessou Richard. - Deitei fora quinze quilos de peso desnecessário e quarenta e dois anos de lixo acumulado na mente. Sou um homem novo. Sintonizado com as minhas necessidades reais, pela primeira vez na vida.

Cleo bebeu um gole do chá de roseira brava. Não sabia nada mal.

- Continua com a Ginny Sandler? - inquiriu. Richard franziu as sobrancelhas.

- Ginny era uma mulher que não sabia o que queria da vida. Para ela, só o sexo contava. Nunca se preocupou com a mente, só com os órgãos genitais.

- Mas você escreve sobre sexo...

- Já não o faço. O meu último livro intitula-se A Trip Around the Inner Brain [Viagem ao Interior do Cérebro. Diga-me, Cleo, já alguma vez tomou ácido?

Duas horas mais tarde saiu de casa dele, atordoada com a sessão doutrinária que ouvira. Chato. Mas conseguira uma magnífica entrevista, e estava em pulgas por passá-la ao papel. Ia poder escrever um óptimo artigo sobre ele, um verdadeiro mestre que usava uma linguagem sem peias.

Bem gostaria que Butch não estivesse agendado a seguir, porque a sua mente fervilhava de idéias. Mas estava tudo registado na fita, e mais tarde poderia ouvir tudo de novo. Russell tinha razão. Conhecia-a bem. Sabia que, uma vez que estivesse entusiasmada com alguma coisa, nada a faria parar.

Sentia-se animada, enquanto conduzia em direcção à praia. A sua vida parecia estar a reentrar nos carris. Daniel. O trabalho. Um bebê. Sentia-se reviver. Os tempos da vagabundagem pela praia tinham ficado definitivamente para trás.

Butch olhou-a através dos olhos azuis semicerrados, com ar de rapazinho magoado.

- Abandonaste-me - queixou-se -, sem ao menos me dizeres adeus.

Engraçado, quando estavam a viver juntos nunca reparara nesse tema lamuriento na sua voz. Mas ele estava lá, claro e distinto.

- Fiz muita coisa por ti - prosseguiu Butch. - Cuidei de ti como deve ser. Safei-te desse idiota com quem estavas casada. Dei-te um lar e muito amor. Meu Deus, Cleo, olha-te ao espelho. Nunca tiveste tão bom aspecto em toda a tua vida. E a mim o podes agradecer. Eu descontraí-te. Fiz de ti uma mulher realmente bela.

Cleo suspirou.

- Butch - interrompeu -, não te esqueças de que foste tu que quiseste que eu viesse viver contigo. Não foi nenhuma obra de caridade que tivesses feito. Foste a Roma e pediste-me que viesse viver contigo. Sem amarras de ambos os lados. Despreocupadamente. Estás recordado?

- Ora... porra... Cleo. Por que não voltas para mim? Estávamos a dar-nos tão bem. A Vinnie vai estar a trabalhar, por isso não vai poder incomodar-te. Que dizes a uma nova oportunidade?

Cleo abanou a cabeça.

- Não foi por causa da Vinnie. Ela talvez tenha sido o catalisador, mas eu já estava pronta a ir-me embora. Encaremos as coisas, Butch, demos um ao outro tudo o que tínhamos para dar. Lamento muito, mas para mim não foi o bastante.

Butch fez cara de amuado.

- Foi a primeira vez na vida que uma mulher me deixou. Cleo deu-lhe uma palmadinha no ombro.

- Há uma primeira vez para tudo. Sabes bem que nós nunca íamos conseguir transformar isto numa relação permanente. Podemos ficar bons amigos?

O rosto abriu-se-lhe num sorriso.

- E amantes de vez em quando? Ela devolveu-lhe o sorriso.

- Não acho. Estava a pensar antes num relacionamento do tipo irmão com irmã. Não seria bom para ti teres uma mulher com quem não te sentisses obrigado a ir para a cama?

- Eh, isso não me parece nada má idéia.

- Podias contar-me todos os teus problemas.

- Sim. Posso começar já? Cleo apontou para o gravador.

- Façamos um acordo. Dás-me primeiro a entrevista, e a seguir dou-te uma hora para falares dos teus problemas. Está certo?

- Sempre foste uma grande senhora. Deixa-me dizer-te isto: quando dás com os pés num tipo, pelo menos faze-lo com classe!

Butch adorava falar de si mesmo. Era, sem dúvida, o seu passatempo favorito. Compunha um personagem cuidadosamente retocado para as entrevistas, mas Cleo conseguia que fosse mais natural e genuíno. Após seis meses a viver com ele, conhecia quase todos os seus pontos de vista, desde o que pensava do Papa até ao Presidente da República. O que ela queria dele eram algumas opiniões mais polêmicas.

A meio da entrevista ele agarrou-a naquela sua maneira familiar.

- Vamos foder - sugeriu. - À memória dos velhos tempos.

- Não. Estou a trabalhar.

- A entrevista está cancelada.

- Cancela antes a tesão. Estamos numa de bons amigos, lembras-te?

- Se não me lembrasse, tu tinhas que mo lembrar. Olha lá, que história é essa que corre sobre ti e o Onel?

Ela desligou o gravador.

- Onde é que ouviste falar disso? Butch riu-se.

- Não se conseguem guardar segredos nesta cidade. Ouvi dizer que estavas a viver com ele.

- E daí?

- Não te ponhas à defesa comigo, menina. Nunca me passou pela cabeça que ele fosse o teu tipo... Quer dizer...

- Quer dizer: por que haveria eu de olhar para um tipo como o Daniel Onel depois de ter estado com um garanhão como tu?

- Mais ou menos isso.

Ela sorriu com ar misterioso.

- Isso é um segredo que não conseguirás desvendar.

- Butch fez cara de amuado. - Ele é um bom actor Isso não garante uma relação perfeita. Agora, nós os dois tínhamos algo de diferente. Uma relação madura e estável. Eu...

Vinnie interrompeu-os. Apareceu no terraço e plantou-se entre os dois. Vestia uns jeans cocados colados à pele e uns tops acanhados, que mal lhe tapavam os seios pubescentes.

- Vais entrevistar-me ou não? - perguntou. - Tenho um encontro marcado. Posso dar-te quinze minutos e depois tenho de ir-me embora.

Butch cacarejou orgulhosamente.

- Ela já é uma estrelinha. - Deu-lhe uma palmada no rabo. - Cuidado com a maneira como falas com esta senhora.

Vinnie lançou-lhe um olhar sarcástico.

- Ele já te contou da nova rapariga que está cá a viver. É do caraças! Tem as maiores mamas que já vi, e ainda só tem dezanove anos. Deve fazer-te sentir uma antigüidade.

- Cala a boca - interrompeu Butch. - Andas a precisar de levar com umas palmadas no rabo.

Vinnie olhou-o com ar desafiador.

- És capaz de fazê-lo, paizinho querido? Butch levantou-se.

- É toda tua - disse para Cleo. - Vê se consegues dar-lhe algum tino. Sabes que não é tão vivaça como gosta de se fazer. É apenas uma... hum... rapariguinha incompreendida.

Vinnie ergueu os olhos ao céu.

- Que conversa de merda!

Butch piscou o olho a Cleo e entrou em casa.

- Até mais logo.

Vinnie sentou-se desmazeladamente no seu cadeirão.

- Ele contou-te? - prosseguiu.

- Contou-me o quê? - perguntou Cleo, metendo uma casset nova no gravador.

- Sobre a sua nova montada.

- Adoro o teu vocabulário.

- Ela é encantadora.

- Óptimo. -Não ficas zangada? - Por que haveria de ficar? Vinnie encolheu os ombros. -Não sei. Não o amas? Cleo desatou a rir.

- Vinnie! Onde é que aprendeste o significado de palavras sentimentais como amor?

Vinnie fez um ar carrancudo.

- Não me gozes.

Pela primeira vez Cleo sentiu compaixão por aquela inconveniente mulher-criança. Ela afinal tinha sentimentos.

- Não estou a gozar contigo. Descontrai-te, Vinnie. Vamos conversar. Vamos ver se conseguimos entender-nos.

Duas horas mais tarde, Vinnie ainda não se calara. Parecia que nunca ninguém antes a tinha escutado. A sua mãe era bela, mas estragada com mimos, e gostava de andar com muitos homens, " sexo em grupo. O pai era a grande estrela de cinema que lhe dava palmadinhas na cabeça e a achava uma maravilha, mas por amor de Deus, que não dissessem a ninguém que ela era sua filha.

Vinnie era o tipo clássico de quem tinha tido demasiado, até de mais. Agora estava a ponto de se tornar ela mesma uma estrela de cinema e Cleo não tinha dúvidas de que a miúda ia obter imenso sucesso no mundo das fantasias de celulóide,

- É claro que vou ser uma estrela - dizia Vinnie. - Tenho figura e talento para isso. A Tatum e a Jodie podem ir vender chuchas. Eu vou ser a maior.

- Sim - concordou Cleo. - Parece-me bem que sim.

- Eh! - A expressão normalmente carrancuda de Vinnie iluminou-se. - Afinal não és má de todo, sabias? Esta gaja que veio viver com ele é cheia de curvas, mas não vale nada. Não lhe vai durar nem cinco minutos. Vais voltar para cá?

Cleo abanou a cabeça vagarosamente. Uma coisa que aprendera na vida fora que não se voltava ao passado. Inclinou-se para a frente e tocou ao de leve na mão de Vinnie.

- Gostava de me ter dado ao trabalho de te conhecer melhor quando cá estive. Não és nem metade da rapariga ruinzinha que gostas de te mostrar.

Vinnie corou.

- Isso é que sou - replicou com ar de desafio. - Podes ter a certeza.

Quando Daniel regressou dos estúdios, Cleo estava precisamente a meio do seu artigo sobre Butch e Vinnie.

Ergueu os olhos da máquina de escrever e atirou-lhe um beijo.

- Estou derreado - disse ele. - Se Diana Beeson soubesse representar, tornava-nos a todos os dias muito mais fáceis. - Sentou-se num cadeirão de cabedal e tirou os sapatos. - Há chá feito?

- Mrs. K. está na cozinha - respondeu Cleo distraidamente.

- Aquele filho da puta do Mark Hughes não é capaz de dirigir nem um quiosque - queixou-se Daniel. - Praticamente sou eu que estou a dirigir o raio do filme,

- Ouve, querido - disse Cleo meigamente -, importas-te que falemos mais tarde? Tenho de acabar isto e estou a perder o fio à meada.

- Que estás a fazer? - perguntou Daniel, levantando-se e espreitando-lhe por cima do ombro.

Instintivamente Cleo cobriu o papel. Detestava que alguém lesse os seus trabalhos antes de estarem concluídos.

- Peço imensa desculpa - disse Daniel sarcasticamente. - Não me tinha apercebido de que a Sr. Jornalista precisava de privacidade total. Informe-me, por favor, quando tiver terminado. Não quero sequer sonhar em voltar a incomodá-la. - Dito isto, desapareceu da sala.

- Daniel - chamou Cleo. - Daniel! Vem cá, não sejas palerma...

Ouviu a porta da cozinha fechar-se com violência e o som da sua voz a falar com a mulher-a-dias. Estava a ser mesquinho. Teria de adaptar-se à idéia de que ela tinha o seu trabalho. No fim de contas, quando ele estava a ler um guião o silêncio era obrigatório. Deixara-o bem claro desde o primeiro dia. E se um dos seus filmes antigos passasse na televisão a única altura em que se podia respirar era durante os anúncios.

Encarou a hipótese de ir atrás dele até à cozinha e fazer as pazes. Mas nesse caso não conseguiria voltar à máquina de escrever antes de uma hora ou mais e... raios... voltar a trabalhar não era fácil.

 

Afinal não fora a provação por que Muffin esperava. Deixara a casa alugada, fizera as suas duas malas e saíra. Mudara-se para junto de Karmen, de Keeley e dos dois cães monstruosos. Para o papel principal no filme The Girl With the Golden Snatch.

Karmen dissera que as suas qualificações eram as melhores que já vira.

- Ela tem a obrigação de saber - comentara Keeley. - Há seis meses que anda a fazer audições.

Muffin tinha-se safado o melhor que pudera. Estava sozinha em Hollywood. Jon abandonara-a. Não tinha dinheiro. Que podia fazer?

Karmen oferecera-lhe um sítio onde viver. Um papel destacado num filme. Dinheiro. Amizade.

Claro que era um filme pornográfico. Mas, se mostrava tudo em fotografias por meia dúzia de tostões, por que não mostrá-lo em filmes por muito dinheiro?

Tomara a sua decisão e, após um dia de audições, mudara-se para a mansão de Malibu.

Deram-lhe um quarto, o direito de utilizar a casa à sua vontade, ": um guião para estudar.

Quando começou a ler o guião quase mudou de idéias. A história era familiar. Rapariga encontra rapaz. Perde o rapaz. Recupera-o no fim. Pelo meio, a rapariga vai para Hollywood fazer fortuna e recebe propostas de tudo e todos, desde um duplo cinematográfico anão até um cão grana danais. A particularidade da história era que a rapariga conservava a sua inocência ao longo de todas as provações.

A outra particularidade era que todas as "provações" seriam filmadas minuciosamente. Indo bem ao fundo de cada pormenor.

- Não tens de te preocupar - assegurava-lhe Keeley. - Eu encarrego-me de te pôr numa boa, de maneira que não vais ligar sequer ao que estiveres a fazer. Até vais ter muito gozo com isso.

Fiel à sua palavra, no primeiro dia de filmagens arranjou-lhe uma combinação de drunfos que a fizeram sentir-se incrivelmente bem.

Karmen mandara construir um estúdio num dos lados da sua mansão e a maior parte do filme seria filmada aí. Reunira uma pequena equipa de profissionais, e Muffin estabeleceu de imediato uma boa relação com eles. Durante dois dias de filmagens não teve de tirar nem uma só peça de roupa e quando finalmente teve de o fazer sentia-se já como se estivesse entre um grupo de velhos amigos.

Karmen encorajava-a e dava-lhe todo o apoio. Sempre a elogiá-la, a estimulá-la para que fizesse melhor.

- Adoro o teu sotaque - dizia. - Dá só mais um pouco de ênfase quando dizes não nessa cena. Isso mesmo, minha querida. É isso mesmo que eu quero. És uma rapariguinha inteligente.

Muffin foi entrando naturalmente no papel. E quando chegou a altura de fazer coisas que nunca fizera a não ser em privado, por estranho que parecesse, foi agradável. Era terrivelmente excitante.

- És linda - nunca se cansava Karmen de lhe dizer. - És como um lindo cachorrinho dourado. Já imaginaste a quantidade de tipos que vão ficar loucamente apaixonados por ti?

Muffin não pensara nisso.

Mostrar-se assim a tantos homens... e todos cheios de tesão... desejando-a... a ela...

Sorriu para si ao pensar nisso.

A meio das filmagens, Karmen convocou-a uma noite ao seu quarto de dormir. Estava deitada de costas, fumando um charro com ar pensativo.

- Keeley e eu pensámos que já merecias divertir-te um pouco. Tens trabalhado tanto, pequenota, que achámos que te devias descontrair um pouco.

Muffin estremeceu. Esperava que eles lhe fizessem uma abordagem, mas mesmo assim era uma surpresa.

- Vem cá - disse Karmen preguiçosamente. - Isto é, se quiseres. Ninguém te vai forçar a fazer nada que não queiras.

Mas Muffin queria. Muito.

Keeley saiu da casa de banho. Confirmando aquilo que alardeara ao princípio, ele não estava com Karmen devido ao tamanho do seu nariz.

Muffin olhou para ele e rapidamente desviou os olhos.

Karmen sorriu, com ar entendido.

- Queres que diga ao Keeley para sair? - perguntou meigamente. Muffin concordou com um aceno.

Diana Beeson era uma cabra. Jon descobriu-o sem margem para dúvidas. E o que era pior é que era uma cabra inteligente. Não conseguia demovê-la com conversas, iludi-la ou levá-la a fazer qualquer coisa que ela não quisesse fazer.

Fora viver com ela, o que a fizera esperar dele que a servisse com um sorriso nos lábios.

- Jon, vai ao supermercado. Vai meter gasolina no carro. Vai comprar bebidas. Vai-me buscar os produtos de beleza. Vai passear o cão. - Em vez de ser o seu manager, era um mandarete. E não estava a gostar nada daquilo. Não era o que estava a pensar. Já para não falar em que andava teso, e ela era tão sovina como o Mr. Scrooge.

Ocorreu-lhe que o melhor que tinha a fazer era ir-se embora. Mas para onde? Não era grande idéia mudar-se sem ter nada de melhor alinhavado. Da maneira que as coisas estavam, ter ficado com Muffin teria sido preferível. Durante uns instantes interrogou-se sobre como se estaria Muffin a safar. O seu sentimento de culpa por a ter abandonado era mínimo. Ela haveria de se desenrascar. Bastar-lhe-ia telefonar a Jackson e ele apareceria logo a correr. Sempre tivera uma queda por Muffin. E podia escolher pior que Jackson.

- Jon! -chamou a voz impaciente de Diana, do quarto. - Vem apertar-me o vestido, queridinho. E vem depressa, senão chegamos atrasados, e sabes como detesto ser a última a chegar.

Outra festa chata. Agora que o seu filme tinha acabado, Diana queria sair todas as noites. Adorava as festas, a atenção de que sempre era alvo, as propostas dos garanhões locais. E Jon seguia atrás dela, o idiota desconhecido, o namorado da estrela. Não se sentia feliz naquele papel. Mas até que aparecesse outra coisa melhor teria de se conformar.

Muffin nunca imaginara ver-se envolvida numa relação sexual com uma mulher. É claro que sabia tudo o que havia a saber sobre isso. Não se conseguia ser modelo em Londres sem se ficar a saber uma ou duas coisas sobre a vida. Algumas das suas antigas colegas eram lésbicas - fartas de homens a atirar-se a elas, a apalpá-las. Um dos seus principais temas de conversa era enaltecer as virtudes de quão diferente podia ser uma ligação com uma mulher.

Muffin lembrava-se de uma deslocação a Espanha em que Erica e Kamika se tinham começado a acariciar precisamente no quarto em que ela estava.

- Junta-te a nós - tinha convidado Erica. Mas Muffin sabia que se Jon alguma vez viesse a saber a mataria. De qualquer modo, a idéia não lhe parecera muito atraente.

com Karmen tudo era muito diferente. Karmen e os seus olhos pensativos de egípcia, e corpo magro e erótico.

Karmen e a sua voz grave e sedutora, os seus lençóis negros perfumados.

Karmen excitava Muffin tanto como qualquer homem alguma vez conseguira. E as coisas que fazia na cama ultrapassavam o que qualquer homem lhe tivesse feito.

Muffin sentia-se mais amada e protegida do que se sentira alguma vez na vida.

Quando as filmagens chegaram ao fim, Karmen deu uma grande festa para celebrar. Primeiro levou Muffin às compras em Beverly Hills, percorreram a Strip e visitaram lojas discretas em que se vendiam roupas muito interessantes. "Iam no Mercedes negro de Karmen. Esta era tratada como uma rainha por toda a gente, e comportava-se como tal.

Keeley acompanhava-as, esmerando-se em atenções, atendendo a todas as solicitações de Karmen.

Muffin estava encantada. Como estava com Karmen Rush, era também tratada com reverência e respeito. De repente era novamente alguém. Isso era óptimo e ela adorava-o.

- Espera só - disse-lhe Karmen com voz rouca. - Dentro de uns meses todos saberão quem tu és. Vão andar a pedir-te autógrafos. Espera só, coisinha fofa, e vais ver como tenho razão.

Jon surpreendeu-se ao ver Muffin na festa de Karmen Rush. Estava com óptimo aspecto, mais bela e viva que nunca.

Esperava que ela não reparasse nele, não queria que houvesse cenas. Diana não iria gostar. Preferia manter-se discreta no respeitante à sua vida pessoal. Tão discreta que numa entrevista recente à revista People nem sequer mencionara a sua existência. Que maravilha! Ele quem era - o homem invisível? No fim de contas, estava a viver com a grande cabra.

- Aquela ali que não larga a grande Karmen é que é a tua mulherzinha? - perguntou Diana.

- Onde? -perguntou Jon fingindo não ver. Diana ergueu uma sobrancelha.

- Mesmo na direcção do teu nariz, querido. Aquela das mamas grandes.

- Ah, sim - concordou Jon, com uma nota de surpresa simulada na voz.

- Vais falar-lhe?

- Porquê? Estou a divorciar-me dela, não estou? Diana encolheu os ombros.

- Faz como quiseres, isso não altera em nada a minha vida. Decerto que não. Por que não poderia ela ser ciumenta como

toda a gente? Olhou em redor da sala à procura de Jackson. O melhor seria fazer as pazes com ele depois de ter deixado de pagar a renda da casa. Ele não conseguia vê-lo. Ora bem...

Diana escapara-se, muito independente, como sempre. Jon voltou-se bruscamente e colidiu com uma mulher. A bebida que esta trazia na mão derramou-se pelo amplo decote.

- Oh, merda! -disse ela, rispidamente.

Jon reconheceu-a de imediato. Era April Crawford, uma estrela de cinema entrada nos cinqüenta, uma glória passada, que recentemente se divorciara com muito espalhafato do seu quinto marido.

- Por que raio não vê onde põe os pés? - censurou April.

- Desculpe - apressou-se a dizer Jon, afivelando o seu ar de rapaz simpático e o sotaque inglês. - Posso ir buscar-lhe outra bebida?

April mirou-o de alto a baixo. O seu rosto descontraiu-se num sorriso.

- Por que não? Um uísque duplo com gelo. com pouco gelo. E por que não me acompanha?

- com todo o gosto - disse de imediato Jon. No mínimo conseguiria sair numa fotografia com ela. April Crawford sempre fora, e sempre seria notícia. Sorriu. - Por que não se senta enquanto eu lhovoubuscar?

- Sim - respondeu April, piscando-lhe o olho -, por que não?

Muffin viu Jon na festa mas não se incomodou sequer a ir ter com ele e dizer-lhe o filho da mãe que ele era. Ele já não contava na sua vida. Era história antiga, estava morto e enterrado.

Keeley contara-lhe que seria Jon a ser perseguido por todas as contas que tinham deixado por pagar. Isso ensiná-lo-ia.

Após meia hora de festa, Karmen ficou farta. Nunca ficava nas suas festas. Uma aparição breve era quanto bastava.

Pegou em Muffin pela mão e levou-a para o famoso quarto negro. Fecharam a porta à chave, instalaram-se no leito enorme e ligaram a rede de televisão interna. Através do écran podiam seguir o que se passava na festa.

- É a única maneira de se participar - murmurou Karmen. Enche os cálices de brande, passa-me a cocaína. Nós duas vamos ter a nossa festa particular.

 

Daniel sofria de depressões. Nas Baamas, Cleo teve a primeira amostra da sua doença. Enfiou-se na cama durante quase toda a viagem, deixando-se lá ficar, olhando fixamente o vazio.

Ao princípio Cleo tentou arrancá-lo àquele estado com gracejos. -Vá lá, levanta-te. Se não te bronzeares as pessoas vão pensar que passámos o tempo todo a foder.

Mas não havia resposta. Daniel mantinha-se completamente incomunicável.

Tentou ser compreensiva. A isso ele respondeu. Desatou a soluçar e não parou durante uma hora.

Tentou mostrar-se zangada.

- Por amor de Deus, levanta-te. Que merda é essa?

Finalmente acabou por deixá-lo só. Assim que deixou de lhe dar importância, ele levantou-se.

-Dão-me estes ataques de melancolia - confessou solenemente.

- Não consigo fazer nada. Fico incapaz de funcionar.

- E como é quando estás a trabalhar? - perguntou Cleo secamente.

-Engraçado, nessas alturas nunca me dão.

-Hummmm... - comentou ela com cepticismo.

De novo a pé, Daniel era o homem encantador do costume. Saíram, jogaram golfe, nadaram, mergulharam, saborearam jantares deliciosos tendo como tecto as estrelas, jogaram.

O seu bom humor durou exactamente dois dias, até que lhe aconteceu outro problema. Ficou impotente. Após duas noites maravilhosas de amor, subitamente não conseguia pô-lo de pé.

- Não fiques preocupado - sussurrou-lhe Cleo. - Não é nada.

Acontece a toda a gente, de vez em quando.

- Sim, tu deves estar bem informada sobre isso – resmungou Daniel, irado. - Quantos amantes tiveste até hoje? Cinqüenta? Cem?

Duzentos?

- Contando contigo foram cinco - respondeu Cleo calmamente.

- E tu? Quantas princesas, estrelas de cinema e outras senhoras em trânsito passaram pelas tuas mãos talentosas?

Não tardou nada que estivessem envolvidos numa troca de insultos. Parecia que estavam a tornar-se adeptos das discussões.

No dia seguinte, Daniel recuperou o bom humor juntamente com o tesão. Fizeram amor longamente, sem pressas, pela manhã, e depois sentaram-se à beira da piscina. Tudo corria bem até que Daniel acusou Cleo de fazer olhinhos ao empregado da piscina, um rapagão de dezoito anos, perfeitamente musculado. Cleo, evidentemente, negou-o. Envolveram-se novamente numa grande discussão, a meio da qual Cleo se surpreendeu a pensar: "Mas eu preciso disto para quê? Este gajo é maluco. Ciumento. Inseguro. Mesquinho." Deixou-o sozinho no hotel durante toda a tarde e saiu sozinha. Quando regressou, ele desfez-se em desculpas.

Jantaram no restaurante do hotel e, a meio do jantar, uma loura bela e com ar tolo sentou-se à mesa. Era sueca, apresentou-se como sendo Ingmar, sorriu condescendentemente para Cleo e deu início a uma conversa íntima e prolongada com Daniel.

Subitamente, Cleo compreendeu o que se estava a passar. Veio-lhe à memória o seu querido ex-maridinho, Mike. Ingmar tinha o mesmo sorriso satisfeito que a Susan das grandes mamas costumava mostrar. Alguém se tinha deitado com ela há pouco tempo, e, fervendo de raiva, Cleo percebeu que fora Daniel, nessa mesma tarde.

- Filho da puta! - atirou-lhe, puxando a cadeira para trás e levantando-se. - És mesmo um grande filho da mãe!

- Que se passa, querida? - perguntou Daniel com voz inocente.

- Não me venhas com essa merda! -respondeu ela, afastando-se a largos passos em direcção à sua suite. Daniel apressou-se a segui-la.

Cleo fazia as malas. Irada, atirava com as coisas para dentro da mala.

- Não compreendo... -começou Daniel.

- Pensei que tu ao menos fosses diferente... Mas vocês são todos o mesmo, faz tudo parte da mesma cambada!

- Cleo. Afinal de que é que me acusas? -Daniel sentia-se confuso e incompreendido.

- Sabes bem o que é. É essa... essa... pessoa. Foste com ela para a cama, não foste? Esta tarde, aqui mesmo, neste quarto.

Daniel desatou a rir.

- Claro que não. Como pudeste pensar isso? Iradamente, Cleo fitou-o.

- Disse-mo o meu sexto sentido. Não sou idiota, sabes?

- Então, então, minha pequena. - Rodeou-a com os braços. com que então, sexto sentido! Afinal quem é que julgas que eu sou? Pensas sinceramente que eu era capaz de te fazer uma coisa dessas? Continuava a rir, e beijava-a, puxando-lhe a mão para a braguilha. Vá, apalpa isto. É teu... todo teu. Se for para mais alguém, serás a primeira a saber.

- Oh, Daniel! - A sua raiva desvanecia-se. Tocou-lhe suavemente na face. Fora um pensamento ridículo.

As mãos dele deslizavam por dentro do seu vestido, e momentos depois já esquecera tudo sobre Ingmar e a sua decisão de partir.

Aquilo era uma ligação sexual. Mas era ainda algo mais. Ela amava Daniel. Mesmo contando com as depressões, a melancolia, os ciúmes e tudo. Amava-o realmente.

- Dinamite! - gritou Russell ao telefone. - O teu artigo sobre Butch e Vinnie é uma pérola. Vamos dar-lhe o destaque central na nossa edição. Por onde tens andado? Há semanas que tento entrar em contacto contigo.

- Nas Baamas. Daniel queria descansar.

- Podias informar-me quando decides desaparecer. As reacções aqui às tuas duas histórias foram tão fortes que toda a gente vem ter comigo com idéias sobre quem deverias entrevistar para a próxima. A nossa idéia é publicar os teus trabalhos regularmente... compreendes o que quero dizer, trata-se de uma entrevista de fundo, a ocupar duas ou três páginas. Acho que...

- Agüenta aí, Russ, não quero ficar amarrada a uma coisa semanal.

- Vais querer, quando te disser quanto irias ganhar com isso. Agora, podes apanhar um avião e vir até cá discutir tudo isso?

Ela sentiu-se tentada.

- Quando?

- O mais depressa possível.

- Volto a telefonar-te sobre o assunto.

- Não desapareças de novo.

- Nem por sonhos. - Pensativa, pousou o auscultador. Ainda mais pensativa, passou as mãos pelo corpo. Sentiu os seios inchados. Isso era bom ou mau? Sorriu para si mesma. Teria de o descobrir. Estar grávida era uma experiência completamente nova.

Daniel estava estendido algures no court de tênis, a ler guiões. Agora tinha notícias para lhe contar. Mas para falar-lhe do bebê, tinha de ser num momento muito especial. Saborearia as notícias sozinha até à altura certa.

- Eh, sabes uma coisa? - disse ela, agachando-se na relva ao lado dele.

- Quê? - resmongou Daniel, imerso na leitura do guião.

- A Image adorou as coisas que eu escrevi. Querem oferecer-me um monte de dinheiro para fazer uma entrevista semanal.

- Isso é bom.

- É mais que bom. Eles querem que eu apanhe um avião para Nova Iorque para discutir as condições e isso tudo.

Daniel pousou cuidadosamente o guião na relva.

- E quem são eles? Esse alcoviteiro desse editor, ou lá o que ele é?

- Bem, o Russell é que manda naquilo...

- Por que não me contas a verdade acerca desse Russell? Sei bem que foste para a cama com ele.

- Não fui. Estou farta de to dizer - suspirou. - E, em todo o caso, mesmo que tivesse ido, que diferença faria?

Daniel levantou-se.

- Portanto, sempre foste?

- Não, não fui.

- Vai para Nova Iorque - retorquiu Daniel secamente -, se é isso que queres.

- Quero sim.

- Então vai. Eu não te impeço.

- Mas não quero que fiques contrariado. Por que não vens também?

- Odeio Nova Iorque. Vais por quantos dias? -Dois dias.

Daniel pegou na pilha de guiões e dirigiu-se para casa. Cleo entrou atrás dele.

- Compreendes, não é verdade? Eu tenho de trabalhar, é importante para mim... E, Daniel, se achas importante, nós casamo-nos... bem, estava a pensar... por que não o fazemos?

- Que aconteceu ao teu discurso do "Não acho que devamos estragar tudo, casando-nos"?

- Mudei de idéias. Amo-te. E tenho as minhas razões, que tu serás o primeiro a conhecer.

- Diz-mas.

- Quando regressar.

- Quando é que vais?

- Pensei que quanto mais cedo, melhor. Amanhã de manhã, e estarei de volta antes de dares por isso.

- A Cleo vem cá à cidade - disse Russell.

Mike concentrava a atenção na bola. Estavam a jogar squash, um jogo semanal que sempre faziam.

- Que aconteceu ao velho actor? - perguntou, afectando desinteresse.

- Não sei, talvez ainda esteja com ela, mas a Cleo está muito determinada a voltar a trabalhar.

- Para ti?

- Para a revista. Leste a entrevista e o artigo dela sobre os Kaufmans?

- Não - mentiu Mike. Na realidade, devorara todas as palavras. Ela andava a escrever bem. Quem lhe dera que não. Preferia que ela tivesse mergulhado na penumbra. Não queria ser lembrado da mulher linda e inteligente que fora sua esposa.

- Material de qualidade - disse Russell, atirando a bola com força contra a parede. - Ela parece ter adquirido uma agudeza que nunca antes atingira.

- Ela sempre teve agudeza de sobra - comentou Mike com azedume. - Só que não a mostrava tanto.

- Não sejas azedo - censurou Russell. - Já era tempo de vocês os dois ficarem amigos.

- Vamos parar - disse Mike, atirando com a raqueta. - Estou a precisar de uma bebida.

- Ainda temos o court por mais um quarto de hora - protestou Russell.

- Então joga sozinho. Eu já desisti.

Mike deixou Russell no ginásio e foi até ao bar, por onde paravam muitos modelos e fotógrafos. Ainda era muito cedo e o sítio estava quase vazio.

Precisava de companhia. Precisava de arranjar alguém com quem ir para a cama.

Foi até outro bar, freqüentado pelo grupo das pessoas do espectáculo. E quem haveria de lá aparecer senão Ginny Sandler, toda curvas e caracóis louros.

- Mike! - exclamou ela num gritinho, como se em Londres nada tivesse acontecido. - Estou há um dia na cidade e topo logo contigo. Ginny mudara-se para Los Angeles e era uma agente extremamente

importante e poderosa. Mike lera sobre o seu êxito nos negócios. - Estás uma maravilha, Ginny - disse ele, mirando as suas mamas opulentas que pareciam querer saltar a cada momento da camisa de seda mal abotoada.

Ela apresentou-o ao grupo com que estava e mandou vir uma bebida para ele.

- Mike - sussurrou ela, estendendo uma mão até lhe tocar no corpo -, tu estás muito apetecível. - Sorriu. - Bem, a verdade é que sempre estiveste.

A Ginny podia ele levar para casa. O risco de ela querer ficar lá a viver era igual ao de alguma vez a ver a fazer malha. Abordava o sexo como um homem - directamente.

 

- Vamos... - começou ele.

- com certeza! - disse Ginny com uma risada -, não o fazemos sempre?

Cleo sentira saudades de Nova Iorque. Só o compreendeu plenamente quando já ia no táxi saído do Aeroporto Kennedy e se apercebeu de que lhe faltara a agitação e bulício da grande cidade.

Veio-lhe então à idéia que nem sequer se incomodara a marcar quarto num hotel - mas palpitou-lhe que a Image poderia tratar disso. Desta vez assegurar-se-ia de que Russell não ia poder tentar saltar-lhe para cima como o fizera antes no seu apartamento.

O táxi passou mesmo em frente da Hampton Records e pensou fugidiamente em Mike. Já não sentia contra ele qualquer espécie de rancor. Não sentia absolutamente nada.

Russell esperava, ansioso para a cumprimentar. Trazia um fato italiano novo e uma camisa cor-de-rosa listada.

- Bem-vinda! - exclamou. - Olha, gostas? - disse, enquanto lhe mostrava o próximo número da Image.

A capa era ocupada por uma fotografia de Butch e de Vinnie, e dentro de uma estrela amarela titulava: "Cleo James - entrevista em exclusivo com Butch Kaufman e sua irmã. "

- Então? - interrogou Russell.

- Gosto - disse Cleo, esboçando um sorriso. Ter o nome na capa da revista era honra que nunca antes lhe fora concedida.

- E isto é só o princípio - disse Russell alegremente. - Lembras-te do trabalho que fizeste no ano passado sobre o senador Ashton? Como sabes ele é um dos candidatos presidenciais para as próximas eleições. E adivinha quem vai fazer a cobertura? Já está tudo tratado.

- Mas ainda falta tanto tempo...

- E daí? Agora que voltaste ao trabalho não estás a pensar em desaparecer outra vez, pois não?

Cleo abanou a cabeça vagarosamente. Daniel teria de se ir habituando à idéia de que ia casar-se com uma mulher trabalhadora.

Aconteceram tantas coisas em tão pouco tempo que, antes de que Cleo disso se tivesse apercebido, tinha passado uma semana. Russell queria que ela fizesse uma entrevista de grande actualidade com um monarca estrangeiro deposto, e essa era uma proposta praticamente irrecusável. Apareceu então um editor que lhe pediu um encontro em que lhe ofereceu um generoso avanço para fazer um livro de entrevistas com gente famosa. Também esta era uma proposta irrecusável.

E a seguir era a Women's Wear Daily que queria fazer um artigo sobre ela.

Toda a gente adorara a peça sobre Butch e Vinnie e os publicistas não paravam de ligar para a Image dizendo que esta ou aquela celebridade gostaria de ser entrevistada por Cleo James.

Parecia estar a acontecer tudo ao mesmo tempo.

- A minha repórter de celebridades - brincava Russell. - A seguir alguém da revista vai ter de te entrevistar a ti.

Telefonara a Daniel a explicar-lhe. A cada telefonema a sua voz tornava-se mais e mais dura. Ao fim de três dias, Cleo sentia-se um tanto idiota a repetir todos os dias que regressaria no dia seguinte. Por isso decidiu entregar-se ao que estava a acontecer e guardar as explicações para quando regressasse. No fim de contas, quando ele soubesse do bebê... sabia que ele iria ficar tão entusiasmado como ela estava. Entretanto, Nova Iorque era imensamente divertida. Havia as visitas aos velhos restaurantes, as novas lojas, dançar na Studio 54 com um jovem redactor homossexual que pertencia à revista.

Russell conduziu-a ao aeroporto. O contrato do seu livro já assinado por ambas as partes, tal como um contrato de seis meses com a Image. Sentia-se muitíssimo bem. Mas tinha saudades de Daniel, e estava impaciente por poder surpreendê-lo com todas as boas notícias.

No aeroporto, Russell propôs que comprassem revistas e bombons, e a isso se resumiram as suas propostas durante toda a viagem. Era um alívio. Finalmente podia estar descansada em relação a ele. Um título de jornal chamou-lhe a atenção, porque ia acompanhado de uma fotografia de Daniel. Ele não figurava sozinho na foto. Ao seu lado estava a sueca Ingmar, a das Baamas.

Calmamente, Cleo comprou o jornal. O título era o suficiente para a pôr ao corrente de toda a história.

 

O ACTOR INGLÊS DANIEL ONEL CASA EM SEGREDO COM HERDEIRA SUECA

 

Silenciosamente, Russell pegou-lhe no braço. -Esquecemos o avião?

Aturdida, concordou com um aceno.

Maldito Daniel. Estaria tão inseguro que não pudesse esperar mais uns dias?

 

Karmen estava mais entusiasmada com The Girl With the Golden Snatch do que com qualquer dos filmes multimilionários em que participara. Este filme era seu filho, e ela cuidava carinhosamente dele em todas as suas etapas.

O produto final correspondeu a todas as suas expectativas. Tinha comédia e humor, um enredo interessante, e a ratinha mais bonita de Hollywood. Muffin era sensacional. Quando abria as pernas para os close-ups não havia homem na América que não ficasse instantaneamente apaixonado.

Karmen estava encantada. Só tinha pena de não poder ligar o seu nome ao filme. Um pornô dirigido por Karmen Rush significaria um desastre para a sua imagem. É claro que não era exactamente um segredo. As pessoas do cinema sabiam bem que Natasha Mount - a quem era atribuída a produção do filme - era na verdade Karmen Rush. Era um facto bem conhecido. Mas ninguém o poderia provar,

Diana e Jon foram uma noite jantar a casa de um produtor. Estavam presentes umas doze pessoas e foi uma refeição marcada pela boa disposição. Ao contrário do que se tornara costume, não tinham discutido antes de sair, mas Jon sabia que o seu tempo estava a chegar ao fim. Já passara algumas tardes a fotografar April Crawford, e estava convencido de que se as coisas se tornassem desesperadas encontraria uma cama nesses lados. Mais que uma cama, até, mas não seria a primeira vez que obsequiaria uma senhora do grupo mais idoso. Diana andava a tratá-lo como uma espécie de lacaio não remunerado, e ele não ia ficar à espera de que ela lhe desse com os pés. Se não aparecesse entretanto mais nada... Bem, April era uma estrela... fora uma estrela... e com ele a guiar-lhe os passos...

- Está na altura do filme, minha gente. - Os anfitriões batiam as palmas entusiasticamente. - Hoje temos uma antestreia.

Todos se precipitaram para a sala onde o filme ia ser exibido.

Diana estava a dar demasiada atenção a um escritor já entradote na idade. Jon tinha um pressentimento de que o homem seria o seu sucessor.

Os anfitriões riam e ofereciam brande.

 

- Vocês nem vão acreditar no que vão ver - anunciavam a toda gente. - Nem vão acreditar!

As luzes foram reduzidas ao mínimo e no écran apareceu um pôr de Sol dourado. Muito bonito.

Jon estava a tentar ver se Diana tinha algum contacto físico com O escritor sentado à sua esquerda.

Ouviu-se uma gargalhada geral e Jon olhou para o écran. returnbava uma "música do tipo James Bond e, por cima dos corpos nus de raparigas, aparecia o título The Girl With the Golden Snatch.

As raparigas trocaram de posição e apareceu o nome da vedeta principal: Muffin.

- Oh, meu Deus! - riu-se Diana. - Não me digam que a nossa mulherzinha se tornou uma estrela de cinema!

Muffin deambulou por entre as letras, nua e dourada. Deitou-se na areia, abriu as pernas, e a câmara deu uma visão panorâmica.

- Cristo! -disse Diana reverentemente-, como é que te foste divorciar daquilo!

- Ele está cá outra vez - disse Keeley.

Mufin sorriu ironicamente. Era a quarta vez que Jon tentava falar com ela.

- Acho que chegou a altura de lhe dar uma ensinadela. Conheço uns tipos que ganham a vida a fazer esses trabalhinhos. Que dizes?

- Digo que hojevourecebê-lo. - Muffin levantou-se de um salto e compôs a sua figura ao espelho. - Manda-o entrar, Keeley. - Deu um pouco mais de volume ao cabelo, passou a língua pelos lábios brilhantes. Acabara de posar para umas fotografias que seriam publicadas na revista Macho. Sabia que estava com óptimo aspecto.

Muffin adorava a sua recente notoriedade. Karmen tivera razão. Mal o filme começara a ser exibido por toda a América começara a tornar-se famosa.

Karmen, ausente numa filmagem de exteriores, telefonava-lhe todos os dias. Tinham uma relação maravilhosa, quente e amiga, e muito, muito sensual.

Muffin, sorriu ao pensar nisso. A única contrariedade na sua vida era agora o facto de ter de abandonar a mansão Rush. Não parecia bem continuar a viver lá. Agora que era famosa (bem, quase) tinha de viver na sua própria casa.

Keeley reapareceu, acompanhado por um Jon ansioso.

- Fico? - perguntou Keeley.

- Não é necessário - disse Muffin. - Ele não vai demorar-se.

- Olhou com atenção para Jon. - Estás tão magricela - comentou.

- A tua velhota não te dá de comer?

Jon ignorou a observação.

- Muff, minha pequenota! - exclamou admirativamente. - E tu como vais?

- Como vou?

- Vi o filme.

- Bem me parecia que sim.

- Parece que todos os nossos planos para ti deram resultado.

- Que planos?

- As lições de canto, dança e arte dramática que te fiz freqüentar. Muffin bocejou.

- Tu fizeste-me freqüentá-las. Mas eu paguei-as.

- com o nosso dinheiro.

- Que se passa Jon? Que pretendes? Ele arriscou uma aproximação.

- Ser simpático contigo.

- Quase tão simpático como na nossa despedida. Estás lembrado? Deixar-me naquela casa com todas as contas para pagar e sem automóvel!

- Não sabes conduzir.

- Agora já sei. Faço montes de coisas que nunca tinha feito. - Caminhou até ao bar e abriu uma lata de Seven-Up.

Jon seguiu-a.

- Posso tomar uma bebida?

- Serve-te."

- Estás a ser muito fria.

- Posso ser o que quiser. Estamos divorciados, ou já te esqueceste?

- Quanto te pagaram para fazeres aquele filme?

- Não é da tua conta. Ele suspirou.

- Nunca percebeste nada de dinheiro. Provavelmente estás a ser levada naquilo que é a oportunidade da tua vida.

- Ah, não. Isso já me aconteceu, mas antes. Ele passou-lhe o braço em redor da cintura.

- Precisas de alguém que cuide de ti. Tenho tido umas saudades loucas. Fui um doido em separar-me de ti. Deu-me a idéia idiota de que te safarias melhor sem mim, e realmente foi o que aconteceu.

- E posso bem continuar assim. - Afastou-se dele, bebericando a Sevei-Up.

- Ouve, Muff. Sei que estás danada comigo e não te recrimino por isso. Mas eu limitei-me a cometer um erro, tal como tu fizeste com o Little Marty Pearl. - Fez uma pausa, aproximou-se dela e agarrou-a. - Tu e eu fomos feitos um para o outro. - Sentiu o contacto das suas incríveis mamas e compreendeu que efectivamente sentira saudades dela. Não havia mamas como as da Muffin. - Somos uma equipa. Posso cuidar de ti melhor que ninguém, em todos os sentidos. Ela permanecia em silêncio, deixando-o acariciá-la, sentindo os mamilos endurecerem.

- Mete as tuas coisas numa mala - sussurrou Jon, enfiando-lhe a mão pela parte da frente dos calções. - Tenho uns planos sensacionais para ti.

Ela não respondeu. Estava à espera, a ver se sentia o mesmo sobressalto de excitação que quando Karmen a tocava. Nada. A mão dele estava entre as suas pernas e nada. Os dedos dele exploraram mais além e nada.

Olhou para o volume nas suas calças. E daí?

Bruscamente afastou-lhe a mão e ficou de mãos nas ancas a olhá-lo com desdém.

- Desaparece, Jon. Já não sou a mesma palerma com quem te casaste. Não vais voltar a viver à minha custa. Portanto, desaparece, e não te incomodes a voltar a visitar-me.

 

Ao princípio, quando Cleo lera a notícia sobre o casamento de Daniel ficara destruída, em estado de choque.

Russell fora muito delicado. Insistira em que ela ficasse no seu apartamento - sem procurar aproveitar-se da situação. E desta vez cumprira-o, e Cleo estava-lhe grata por isso. Arranjara maneira de as suas coisas lhe serem enviadas da Califórnia. Ela não perguntara como. Não queria sequer ouvir falar no nome de Daniel.

Passada uma semana, atirou-se ao trabalho com todas as forças, sem dizer a ninguém que estava grávida. Encontrou um apartamentozinho agradável, saía ocasionalmente, sempre com pessoas diferentes, e pela primeira vez na vida compreendeu que era capaz de viver sozinha. Não precisava de viver permanentemente com nenhum homem. Podia passar bem sem isso. Era uma sensação nova e excitante, a de viver sozinha. E era até gratificante.

Russell deu-lhe muito apoio. Estava sempre disponível quando precisava dele, e quando se tornou claro que a sua suposta gravidez fora um falso alarme foi no ombro dele que chorou.

- Mas devias até ficar satisfeita - disse ele, após ter ouvido a sua confidência.

Ela abanou a cabeça tristemente.

- Eu queria ter esta criança do Daniel. Russell foi muito directo.

- Se é uma criança que queres, eu caso contigo. Cleo não pôde deixar de se rir.

- Não percebo esta fixação geral com o casamento. Não é preciso ser-se casada para ter uma criança.

- Estarei de bom grado ao teu dispor, de qualquer das maneiras - ofereceu-se ainda Russell, nervosamente.

- Oh, Russ, és um amor. Aprecio muito a tua gentileza. Mas tens de arranjar para ti um modelo grande e alto. Tu e eu nunca poderemos ser mais que bons amigos. Muito bons amigos.

- Porquê? - perguntou ele melindrado.

- É uma questão de química. A nossa química é da variedade amigos platônicos. Já discutimos isso um cento de vezes e ambos concordámos.

- Eu nunca concordei.

- Oh, isso é que concordas te.

O trabalho era a sua salvação. As coisas estavam a correr-lhe muito bem. Foi então que, caído do céu, recebeu um convite para um teste para um programa televisivo. Um programa que constava de uma entrevista face a face de quinze minutos.

Sabia que pelo menos mais oito pessoas estavam a ser avaliadas. Pensara eventualmente em fazerem o programa, e após o teste esqueceu o assunto e prosseguiu a sua vida normal.

Foi com surpresa que soube que fora escolhida para fazer o programa.

- Nem quero acreditar! - contou a Russell, e agarrou a oportunidade.

Saíram para celebrar.

- Sinto que estou no limiar de uma vida inteiramente nova disse Cleo entusiasticamente. - A televisão é um desafio tão grande.

Dedicou-se ao novo trabalho com todo o entusiasmo. O programa tornou-se imediatamente num grande êxito, graças a Cleo. Ela tinha uma presença televisiva que a alcansou instantaneamente à celebridade.

A perda da privacidade foi um choque. Ser reconhecida no supermercado e na rua por pessoas que lhe eram completamente estranhas e se sentiam no direito de falar com ela.

E havia também os novíssimos amigos. Pessoas com quem se encontrara uma vez, brevemente, talvez na companhia de Butch, ou de Mike, ou quando escrevia para a Image. Subitamente, a dar-se-lhes crédito, ela era a sua melhor amiga.

Era tudo um pouco assustador. Mas Cleo aguentou-se com situação, aceitou-a, e mais tarde começou até a apreciá-la.

O programa televisivo durava há um mês quando Daniel se divorciou.

Ingmar declarou a quanto jornal a quis ouvir que Daniel era uma pessoa insuportável. Exigiu então um milhão de dólares pelo acordo do divórcio.

Cleo imaginava Daniel vagueando pela casa, de sapatos de ginástica e cabelo pintado, gritando a injustiça de tudo aquilo.

Pensava nele freqüentemente. Às vezes sonhava com ele, e estavam de novo juntos, e muito felizes. Talvez não fosse completamente impossível que um dia isso voltasse a acontecer. Era um pressentimento que tinha.

Ele era como um íman. Claro que era uma pessoa difícil. Mas ela poderia bem com isso, se estivesse disposta a concentrar todas as energias nessa direcção. Compreendia-o. Não o amava pelo facto de ser quem era, mas pelo que era. E a melancolia, as depressões e os ciúmes mesquinhos eram parte dele. A sua relação não contara com o timing certo. Ela saltara da cama de Butch para a de Daniel sem nenhum intervalo no meio. Precisava de uma liberdade para si que Daniel não compreendera.

Talvez se fosse agora tudo tivesse sido diferente. Quem sabe...

Mike seguia todos os movimentos de Cleo. Via-a na televisão, lia notícias sobre ela nas revistas, e tinha ainda as conversas ocasionais com Russell. Custava-lhe imenso a suportar a idéia de que o seu caro amigo Russell passasse tanto tempo com a sua ex-mulher. Será que iam para a cama? Era uma interrogação que o perseguia. Cria que não conseguiria suportá-lo se eles o fizessem.

Russell, é claro, não se descaía com nada. Continuava tão calado e presunçoso como sempre.

Mike acabou por se convencer de que tinha de se encontrar com Cleo, e arquitectou aquilo que pensava ser um plano diabolicamente inteligente. Russell mencionara que Cleo teria de ir a Los Angeles gravar umas tantas entrevistas, e mencionara até a data.

Mike tinha uma viagem de negócios a Los Angeles que andava, a adiar já há algum tempo. Não foi preciso investigar muito para ficar a saber em que vôo iria Cleo. Mike marcou lugar para si no mesmo avião.

Perfeito. Um encontro acidental. Natural e agradável.

Não referiu sequer a Russell que ia - não convinha arriscar nada.

Cleo decidiu que telefonaria a Daniel assim que chegasse a Los Angeles. Por que não? Por outro lado, por que sim? Ainda não tomara a decisão definitiva. No entanto precisava de saber o que sentia exactamente por ele. Não podia continuar nessa terra-de-ninguém em que não sabia exactamente o que queria. Ainda o amaria? Ou já não? E que sentiria ele por ela?

Não valia a pena fingir - tinha de saber.

Não andara propriamente a consumir-se com o desgosto de não estar com ele. Houvera outros homens. Mas só chegara a ir para a cama com um deles - o director do seu programa televisivo, que se parecia muito ligeiramente com Daniel. Agora precisava de esclarecer as coisas. Tinha de saber quais eram os seus verdadeiros sentimentos, para poder seguir em frente. Era tão simples como isso.

No avião beneficiou do tratamento reservado às celebridades. Viajava sozinha, a sua equipa já seguira à frente.

O show televisivo gozava de excelentes índices de audiência, e Cleo tinha de admitir que gostava cada vez mais de o fazer.

A excitação de cada novo convidado. A investigação - que faziam para ela - mas ainda assim tinha de ler os livros de cada autor, de ver os filmes de cada actor, documentar-se sobre cada um dos políticos.

Andava a conhecer tanta gente interessante. Era um trabalho que nunca se tornava aborrecido.

Abriu a sua pasta Vuiton. Tinha um livro de arte para estudar, uma gravação de uma rapariguinha que era a nova sensação no rock, um dossier sobre o filme Surj Stud e outro sobre lhe Girl With tbe Golden Snatch. Ia a Los Angeles para gravar dois programas especiais. Um sobre Muffin, que era a estrela pornô do momento, e o outro sobre Butch e Vinnie. Surf Stud tornara-se num filme de culto e Vinnie na estrela adolescente. Era engraçado como os Kauímans apareciam e desapareciam na sua vida.

Interrogou-se sobre como se estaria Vinnie a sair com a sua fama novinha em folha. Provavelmente a adorar cada minuto, e a comportar-se de uma forma ainda mais desagradável - se tal era possível. Até ver, os Kaufmans tinham conseguido manter a imagem de irmão e irmã. Seria interessante verificar até onde conseguiriam conservá-la. E não seria ela a tomar a iniciativa de denunciá-los.

Abriu o dossier sobre The Girl With the Golden Snatch e folheou uma série de fotogramas do filme. Hummmmm... o nu já não tinha nada de malicioso. Era chato como a potassa. Todos aqueles nus e mamas e umas quantas pichas tesas para equilibrar.

Teve, no entanto, de admitir que Muffin era um caso à parte. Uma espécie de Marilyn Monroe adolescente - tola e cheia de curvas -, o tipo que agradava à maioria dos homens.

- Cleo?

Ergueu os olhos. De pé na coxia estava Mike.

- Eh, mas que surpresa! - exclamou ele, apoderando-se do lugar vago junto dela e abanando a cabeça como que espantado. - com tantos sítios para nos encontrarmos! Vais para Los Angeles?

- Se não for, enganei-me no avião - respondeu Cleo secamente, fechando o dossier.

- Importas-te que me sente aqui?

- Parece que não tenho por onde escolher.

- Eh-apressou-se ele a dizer-, já passou muito tempo. Pelo menos podemos ficar amigos, ou não?

Olhou com mais atenção para o ex-marido. Mike e o seu ar sedutor, o olhar desafiador e o cabelo negro encaracolado. Era um homem muito atraente. Um homem que ela amara em tempos desesperadamente, e por quem agora não sentia absolutamente nada. Não o odiava. Não tinha recriminações a fazer-lhe. Sim, poderiam ser amigos. Sorriu.

- Por que não?

Ele ficou satisfeito. Chamou a hospedeira e pediu champanhe.

- É para celebrar - disse. - Há muito que não nos víamos. Falaram despreocupadamente sobre os conhecimentos mútuos, sobre o que se passava na Hampton Records, sobre Russell, o show televisivo de Cleo, a família.

- É mesmo óptimo encontrar-te. - Mike fixava-a com os seus olhos incrivelmente sensuais. - Senti a tua falta muito mais do que possas imaginar. - As suas mãos avançaram e cobriram as dela.

Oh, Cristo! Caíra numa armadilha. Era o que menos falta lhe fazia. com destreza retirou a mão e levantou-se.

- Tenho de ir à casa de banho. - Apertou-se para passar por ele. Que raio! Logo Mike havia de ir no mesmo avião! Nunca fora um bom perdedor. Provavelmente só consideraria o seu casamento um caso encerrado se tivesse sido ele a abandoná-la. No entanto, era assunto arrumado. Irrevogavelmente. Ela tinha um papel que o comprovava.

Deixou-se ficar por um bocado na casa de banho. Conhecia Mike. Sabia exactamente qual seria o rumo da conversa. De certo modo, era lisonjeiro o facto de ele obviamente ainda a desejar - mas não tanto quanto poderia parecer. Ele ainda a desejava porque ela não o queria. Merda! Que azar apanhá-lo no mesmo avião. Se é que era azar. Não era de pôr de parte a hipótese de ele o ter feito de propósito...

Ocorreu-lhe uma maneira de o fazer parar antes que dissesse coisas de que se iria arrepender. Regressou ao seu lugar.

Ele levantou-se atenciosamente para a deixar passar, assegurando-se no entanto de que ela teria de roçar-se por ele ao fazê-lo.

- Continuas a ter o rabo mais sexy do mundo - disse ele, com um olhar lúbrico, e na voz a confiança do garanhão afortunado.

- A tua conversa não melhorou nada. Está cada vez mais oleira.

- Qual é o mal de falar num rabo sexy?

- É o rabo. Para ti as mulheres resumem-se todas a isso.

- Eh, vá lá, estava a brincar. Não aceitas uma piada?

Ela fixou-o e perguntou-se como podia ter vivido quatro anos e meio com ele.

-voucasar-me novamente, Mike. Por enquanto ainda é segredo, por isso gostava muito que não começasses a espalhá-lo. Nem mesmo Russell sabe disso. Mas achei que devias saber.

Ficou aturdido. Esta notícia era totalmente inesperada. Cleo. A sua Cleo ia voltar a casar-se.

Sentiu a raiva subir dentro de si. Ela era uma puta. Sempre o soubera.

Procurou manter a voz clara e calma. Não podia deixar que a puta se apercebê-se de que o tinha atingido.

- Então e quem é o felizardo? Ela mostrou-se misteriosa e evasiva.

- Ninguém que conheças.

Cristo! Deixara-o ir sentado ao lado dela durante todo o maldito vôo só para gozar com ele. Procurou lembrar-se de algo que a magoasse. Lembrou-se de Ginny.

- Eu também ando a pensar em dar nova oportunidade ao casamento - disse em tom despreocupado.

- Ah, sim?

- Bem... Sabes como é. Noites solitárias... camas solitárias... mesmo quando estamos com três mulheres ao mesmo tempo.

- Eu nunca tive esse problema. Era mesmo uma grande cabra.

- Tenho andado muito com a Ginny.

- A Ginny? - Cleo não conseguiu disfarçar a nota de divertimento na sua voz.

Não era exactamente a reacção que ele esperava.

- Sim, a Ginny - prosseguiu sem a olhar. - É uma pessoa muito dada e calorosa. Sempre gostei muito dela.

A Cleo apeteceu-lhe dizer: "Sim, já tinha reparado nisso em Londres." Em vez disso afirmou:

- Espero que sejam ambos muito felizes.

Nessa altura, afortunadamente, acendeu-se o sinal indicando que deveriam apertar os cintos e a conversa parou.

Nenhum dos dois voltou a falar até o avião ter aterrado e estarem prontos para o desembarque.

- Até qualquer dia, Cleo - disse Mike. Já tinha fisgado uma ruiva madura e suculenta que passava na coxia. Tinha o aspecto de quem o podia entreter por uma ou duas noites. Caminhou no encalço dela.

Cleo deixou-se ficar sentada por escassos minutos, enquanto o avião se esvaziava.

Mike e Ginny. Não podia ser verdade - ou podia? O gosto de Mike fora sempre mais requintado. Mas talvez Ginny fosse a companhia perfeita para ele. Dois tarados sexuais juntos. Não se podia fazer melhor.

Conteve um sorriso. Pobre Mike. Sempre com as mesmas tiradas. Por instantes sentiu pena dele - mas só por uns instantes. Ele já era bem crescidinho. Podia cuidar de si mesmo.

Uma vez instalada no Beverly Hills Hotel, Cleo sentiu uma vontade danada de usar o telefone.

Daniel.

Estava no seu pensamento.

Constantemente.

Engraçado. Todos os outros tipos vinham ter com ela. Daniel casava-se nas suas costas sem ao menos uma palavra de explicação. Era uma acção muito merdosa. Afinal, eles tinham vivido juntos, tinham feito planos para o seu próprio casamento.

Não fazia absolutamente diferença nenhuma para os seus sentimentos por ele. Queria vê-lo - descontando o cabelo pintado e tudo.

Foi uma mulher que atendeu o telefone. Jovem, antipática, com um acentuado sotaque britânico. Friamente, anunciou:

-vouver se está.

Uma pausa. Depois Daniel.

- Como estás?

A sua voz trazia de volta todas as boas recordações.

- Estou bem. E tu?

- Na mesma.

Ela riu discretamente.

- Isso é bom ou mau?

- Depende.

- Estou em Los Angeles.

- Ah. Finalmente regressaste.

- Sim, demorei um pouco. Como correu o teu casamento?

- Rapidamente.

As suas respostas eram no mínimo esparsas.

- Estás só? - perguntou ela.

- Não.

- Podes falar?

- Não.

- Não voltaste a casar-te, pois não?

- Não.

Ela respirou fundo.

- Daniel, queres encontrar-te comigo?

- Claro que sim.

- Nesse caso, volta a telefonar-me quando puderes falar. Estou no Beverly Hills.

Depois de ter desligado não conseguiu concentrar-se em nada. O seu director telefonou-lhe a convidá-la para jantar, mas ela recusou.

Daniel não voltou a telefonar-lhe. A sua secretária ligou por volta das cinco da tarde e muito profissional declarou que Mr. Onel desejava saber se ela estaria disponível para almoçar no dia seguinte e, no caso afirmativo, se poderiam encontrar-se no Ma Maison à uma da tarde.

Impressionante. Um almoço. E o Ma Maison não era exactamente o lugar mais discreto da cidade. Desgostada, tomou um comprimido para dormir e foi para a cama.

Daniel já a esperava quando ela chegou. Bronzeado, e com uns quatro ou cinco quilos a menos. Estava com bom aspecto. Nunca seria um ídolo das matinês, mas era o homem mais bem-parecido que ela conhecera.

Ela vestira-se criteriosamente. De branco. A sua cor favorita. Sem exagerar na maquilhagem. Estava tão nervosa como uma rapariguinha na primeira vez que saía com o namorado.

Levantou-se quando ela chegou perto da mesa.

- Olá, Cleo - saudou.

Ela perdeu-se imediatamente no olhar dele, que parecia sustentar uma conversação privada, silenciosa, com o seu. Percebeu imediatamente que ele estava tão nervoso quanto ela.

Encomendaram a refeição, mal a debicaram. Engoliam o vinho sem mesmo o saborearem.

- com quem estás a viver? - interrogou ela com voz fraca.

- com uma rapariga. Ela esboçou uma risada.

- Não esperava que tivesses começado a andar com homens.

- É uma mulher com quem posso sempre contar. Meiga, sem ambições, preocupada apenas comigo.

- E nunca foge para Nova Iorque, não é verdade?

- Exactamente. A Ingmar foi um erro. Mas ambos sabemos, tu e eu, que connosco as coisas nunca teriam dado certo.

Sentiu um nó na garganta.

- Sabemos?

Ele pegou-lhe na mão e segurou-a meigamente.

- Sabes que sim. Não nos enganemos. Eu sou um homem muito egoísta, preciso de ter alguém à minha disposição vinte e quatro horas por dia. Preciso de uma yes-lady, e tu podes ser muita coisa, mas nunca uma yes-lady.

- E que vem a ser uma yes-lady?

- Alguém que esteja sempre a dizer-me como eu sou maravilhoso. É bestialmente estúpido, não é? Mas eu preciso de uma coisa dessas na vida.

O nó na garganta recusava desatar-se.

- Sim, é estúpido.

- Tu és linda, inteligente, e com toda a razão queres ter a tua carreira. Eu nunca conseguiria conformar-me com isso. Ficaria louco de ciúmes.

- Nunca fiz nada para que ficasses com ciúmes.

- Claro que não. Tu não tens culpa de eu te imaginar a foder com toda a gente que há em Nova Iorque. Agora vivo com a Jilly. Tem vinte anos, é passiva e é-me muito dedicada. Conta-me que sou o melhor actor do mundo, o melhor amante, o melhor tudo. A sua vida sou eu. Não estou apaixonado mas preciso dela. Contigo, estava demasiado apaixonado. - Apertou-lhe a mão. - Compreendes o que quero dizer?

A sua voz soou muito fraca.

- Acho que sim.

- É claro que se quisesses desistir da tua carreira... -a sua voz quase se apagou. - Mas não queres, pois não?

- Não respondas por mim.

- Vi-te na televisão. Tu adoras aquilo. És como eu, precisas de te expressar de muitas maneiras. - Encolheu os ombros. - Não há nada de mal nisso.

- Mas tu não o pudeste suportar...

- Estou a ser franco contigo. A nossa relação assentava nisso, não é verdade? Éramos sempre francos um com o outro, não éramos?

- E quanto à Ingmar?

- Nunca a possuí nas Baamas. Ela voltou a aparecer em Los Angeles quando estavas em Nova Iorque. Sentia-me sozinho e zangado contigo. Ela estava à mão. Casar foi um erro terrível. Acho que queria tirar desforra de ti.

-Por quê?

- Por me deixares.

- Oh, Daniel. - Os seus olhos encheram-se de lágrimas. - Acho que podíamos ter feito as coisas darem certo.

Um empregado inclinava-se para ela, deitando mais vinho no copo. Cleo conteve as lágrimas. Não era o lugar adequado para se descontrolar.

- Raios! - O empregado entornara vinho nas calças de Daniel, e tentava agora limpá-lo. - Deixe-me em paz, homem - disse Daniel, irritado. - Maldito descuidado. - Fez um trejeito para Cleo. - Ainda agora as tinha mandado fazer. É a primeira vez que as uso.

- Tenta limpá-las com água. É vinho branco, não deixa nódoa. Diligentemente, ensopou o guardanapo em água e tentou disfarçar

a nódoa. Cleo teve o pressentimento de que se Telv ali estivesse arranjaria imediatamente uma solução. Uma jovem de vinte anos totalmente dedicada nunca permitiria que as suas preciosas calças novas ficassem manchadas.

- Tenho de me ir embora - disse Cleo num repente, levantando-se.

Daniel parou de limpar as calças.

- Sim, eu compreendo. Foi agradável voltar a ver-te. "Só agradável? "

- Talvez possamos voltar a almoçar - continuou ele, com a atenção dividida entre ela e a nódoa nas calças.

"Por que não? E por que sim? "

Deixou o restaurante, piscou os olhos em contacto com a luz do Sol. Bem, estava arrumado. Ao menos Daniel sabia o que queria. E obviamente não era a ela.

Portanto... estava livre... podia optar por onde quisesse.

Daniel tinha razão: yes-lady era coisa que nunca seria. E se era esse o tipo de mulher com quem ele ficaria satisfeito... bem, talvez ele não fosse o homem que ela imaginara.

Regressou ao hotel, despiu o fato branco, estendeu-se na cama, acendeu um cigarro e ligou para o director.

- Estou disponível - disse. - Que se passa?

- Mas que simpático da tua parte - respondeu ele. - Tens a certeza?

- Pareces agastado.

- E estou. Vens a Los Angeles e desapareces. Temos um show amanhã. Se puderes dispor do teu precioso tempo, hoje temos um jantar com a Muffin. Estás interessada em falar com ela antes do show, não estás?

- Diz-me onde e quando e lá estarei.

-vouaí buscar-te às sete e meia.

- Então fico à espera.

- E... Cleo...

- Sim?

- Vai ser bom voltar a ver-te. Tens vindo a evitar-me desde...

- Logo falamos. - Pousou o auscultador. Era verdade. Andava a evitá-lo desde que tinham ido os dois para a cama juntos.

Mas ele não tinha culpa de se parecer muito ligeiramente com Daniel. De qualquer modo... era mais novo pelo menos uns doze anos, era mais bonito, mais alto, mais vivo, e não pintava o cabelo, nem era egomaníaco.

Suspirou. Era bem tempo de começar a esquecer Daniel. Sem sombra de dúvidas.

 

Muffin já saíra da mansão Rush. Vivia agora num palacete espanhol com paredes de tijolo e azulejos cor-de-rosa, muito fantasioso, situado mesmo no centro de Beverly Hills. Não vivia sozinha. Três cãezinhos miniatura cabriolavam pela casa, e duas criadas orientais, gêmeas, atendiam a todas as suas necessidades.

Na casa vivia também um jovem chamado Buff. Não era muito' diferente de Jon na aparência - magricela, louro, ar adolescente. Mas Buff não tinha qualquer espécie de controlo sobre a recente fortuna! de Muffin, estava lá apenas na mesma qualidade de um Keeley - fdevido ao tamanho do seu membro viril.

Karmen e Muffin continuavam a partilhar uma relação mais que íntima, mas, para manter as aparências, viviam em casas separadas. Agora que Muffin era a estrela pornô do momento não podia dar-se ao luxo de viver na mesma casa com Karmen. Não pareceria bem. Haveria mexericos. E Karmen tinha uma reputação importante a proteger.

Cleo chegou à casa num Cadillac branco, conduzido por um motorista.

Buff saiu para a cumprimentar. As jeans apertadas enfatizavam a razão de ser o namorado oficial de Muffin.

- Olá - resmungou -, muito gosto em voltar a vê-la. Tinham apanhado os quatro uma bebedeira na noite anterior.

Cleo, o seu director, Buff e Muffin.

Cleo recordou essa noite com um meio sorriso. O seu produtor e director suava de nervosismo com a idéia de ir encontrar-se com Muffin.

- Que é que se diz a uma tipa cuja rata tem sido vista em todos os écrans do país? - perguntara-lhe o produtor, perplexo.

- Talvez "olá, ratinha" não fosse mau - replicou Cleo secamente.

- Deixa-te de piadas. Esta rapariga tem a rata mais famosa do país!

- Por que é que isso te põe tão nervoso?

- Raios! Não sei!

Este era o mesmo produtor que se encontrara com chefes de Estado, senadores, estrelas de cinema, e não titubeara.

- A doença dos machos - dissera Cleo asperamente - o terror da vagina.

- Realmente sabes como dar a volta a uma bela frase - replicara o produtor, com repugnância. Depois calara-se.

Como veio a verificar-se, Muffin fora encantadora. Cheia de

inocência e risadas adolescentes. Cleo gostara dela imediatamente.

O jantar fora no Trader Vics, e as bebidas tinham corrido numa proporção alarmante. Todos se tinham divertido. Mesmo Cleo. Deci(dira que o seu director não se parecia mesmo nada com Daniel, e quando mais tarde foram os dois para a cama, fora só devido ao excesso de bebidas que no momento do clímax ela gritara "Daniel! ".

A equipa de filmagem já estava em casa de Muffin, instalando-se e aprontando o material. O director cumprimentou-a com um beijo que era mau. Mas na qualidade de actriz pornô, Muffin era sensacional.

de outro homem no momento do orgasmo não era o tipo de coisa que o afastasse.

Ela rechaçou-o de uma maneira brusca, e a rapariga da maquilhagem dirigiu-se-lhe com uma borla de pó-de-arroz.

Cleo pensava na entrevista enquanto ia reparando na sala: carpete espessa e enormes coxins. Tudo branco. Pois claro. Tudo muito previsível.

Muffin era mesmo notícia. The Girl With the Golden Snatch era o filme pornô mais rentável de todos os tempos.

Cleo, evidentemente, vira o filme. Como filme pornográfico não era mau. Mas na qualidade de actriz pornô Muffin era sensacional.

Uma mulher-criança, com um corpo lindíssimo. Muffin não tinha defeitos e correspondia integralmente às palavras algo cruas do título. Ia ser difícil atacar uma coelhinha tão simpática. Mas tinha de o fazer. Os seus telespectadores esperariam isso dela. Conheciam as suas opiniões sobre a forma como as mulheres eram usadas na indústria da pornografia. Apenas três semanas antes censurara severamente o editor de uma revista pornográfica reles. No fim do confronto o homem tivera um colapso nervoso. Na sua cruzada pelos direitos da mulher, Cleo tornara-se num fenômeno instantâneo. Acontecia que era brilhante, acutilante, incisiva e inteligente. E também bonita. A combinação era explosiva.

Muffin deslizava pela sala vestida de folhos brancos e brocados ingleses da cabeça aos pés.

Era uma grande estrela - tal como Karmen lhe assegurara que viria a ser.

- Olá, Cleo - saudou, num tom acriançado cuidadosamente ensaiado. -Estás pronta para a entrevista?

- Só mais cinco minutos. Eles ainda estão a preparar o material. Muffin dirigiu-se ao bar espelhado e observou a sua imagem no vidro rosado. Lambeu os lábios e ajeitou o cabelo. "A Mulher Mais Linda do Pornô" rotulara-a a Newsweek num recente artigo de fundo.

Não lhe passava pela cabeça pôr isso em causa. Fizera bastante por si, para uma rapariguinha inglesa tonta que fora abandonada sem um tostão no meio da impiedosa Hollywood. Portara-se à altura. E ninguém ficara mais surpreendido com isso que o sacana do Jon Clapton.

Dera-lhe uma grande satisfação poder metê-lo na ordem. Ele não quisera acreditar que ela já não era a mesma Muff, tola e manobrável. Fora necessária a ajuda de Keeley e de dois amigos encorpados para o convencerem.

Diana Beeson dera-lhe com os pés, e durante uns tempos April Crawford mantivera-o. Segundo as últimas notícias que Muffin tivera, o seu cartão de crédito fora cancelado e ele fora forçado a regressar a Inglaterra. Boa viagem.

- Está tudo em ordem, Muffin - disse Cleo. - Por que não nos sentamos no sofá?

Muffin juntou-se a ela, com um sorriso pateta.

- Não estejas nervosa - disse Cleo para a tranqüilizar. - Faz de conta que nós duas estamos só a ter uma conversa em privado. Olhou de soslaio para o realizador. - Estás pronto, Phil?

Ele acenou afirmativamente.

Cleo olhou a direito para a câmara, com o rosto atento e sincero.

- Olá, fala-vos Cleo James, directamente de Los Angeles, cidade dos sonhos, cidade dos anjos, e cidade onde se instala uma das mais importantes indústrias pornográficas do mundo. Seja qual for a sua tara, pode satisfazê-la aqui. Neste preciso momento estou em casa de Muffin, a estrela pornô que poderia ser a vossa vizinha do lado.

A câmara fez um movimento panorâmico para incluir Muffin na imagem.

Cleo voltou-se para ela e sorriu.

- Olá, Muffin. Bem-vinda ao nosso programa. Muffin sorriu, mostrando as covinhas da face.

- O prazer é todo meu - ciciou com voz sensual.

- Sim - disse Cleo, com o sorriso a desvanecer-se na sua face -, é precisamente disso que quero falar-te...

Voltou a encarar a câmara.

- Esta noite, senhoras e senhores, o nosso tema é a pornografia. Desejamo-la? Podemos controlá-la? E por que raio não nos livramos dela?

Cleo voltara aos êcrans. Sentia-se bem. De alguma forma, sabia que Daniel tinha razão. Este era o seu lugar.

 

                                                                                Jackie Collins  

 

                      

O melhor da literatura para todos os gostos e idades

 

 

           Voltar à Página do Autor