Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O NAMORADOR OU “A NOITE DE SÃO JOÃO”/Martins Pena
O NAMORADOR OU “A NOITE DE SÃO JOÃO”/Martins Pena

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Martins Pena

 

 

 

 

COMÉDIA EM UM ATO
PERSONAGENS: VICENTE (velho) CLARA (mulher de Vicente) CLEMENTINA (sua filha) RITINHA (amiga de Clementina) LUÍS (primo de Clementina) JÚLIO MANUEL (ilhéu, feitor) MARIA (ilhoa, sua mulher) Convidados de ambos os sexos, meninos, negros e moleques. 
A cena se passa em uma chácara no Engenho Velho, no ano de 1844.  
ATO ÚNICO O teatro representa uma chácara. No fundo, a casa de vivenda com quatro janelas rasgadas e uma porta para a cena. A casa dentro estará iluminada, deixando ver pelas janelas várias pessoas dançando ao som de música, outras sentadas e alguns meninos atacando rodinhas. À esquerda, no primeiro plano, a casinha do feitor, a qual, sendo saliente sobre a cena, terá uma janela larga para frente do tablado e uma porta para o lado; debaixo da janela haverá um banco de relva. No canto que faz a casinha, um monte de palha; à direita, no mesmo plano a casinha, uma carroça. Defronte da porta da casa, uma fogueira ainda não acabada; mais para frente, o mastro de São João, e dos lados deste, um pequeno fogo de artifício constando de duas rodas nas extremidades e de fogos de vista e coloridos, que serão atacados a seu tempo. A cena é alumiada pela lua, que se vê sobre a casa por entre árvores.
(N.B.: Deve-se dar todo o espaço necessário para a distribuição da cena acima marcada, a fim de se evitar a confusão e conservar a naturalidade do que se quer representar)  


#
#
#

#
#

 


CENA I Ritinha com um copo com água na mão, e Clementina com um ovo.
 
RITINHA Só nos falta esta adivinhação. Já plantamos o dente de alho, para vêlo amanhã nascido; já saltamos três vezes por cima de um tição...
 
CLEMENTINA E já nos escondemos detrás da porta, para ouvirmos pronunciar o nome daquele que virá a ser teu noivo.
 
RITINHA Vamos à do ovo. 
 
(Clementina quebra o ovo na beira do copo e deita a clara e gema dentro da água)
 
CLEMENTINA Agora dê cá, (toma o copo) e ponhamo-lo ao sereno.
 
RITINHA Para quê? Explica-me esta, que eu não sei.
 
CLEMENTINA Este ovo, exposto ao sereno dentro da água, vai tomar uma forma qualquer, por milagre de São João. Se aparecer como uma mortalha, é sinal que morremos cedo; se tomar a figura de uma cama, é prova nos havemos de casar este ano; e se se mostrar debaixo da forma de véu de freira, é certo agouro que viveremos sempre solteira. (Põe o copo sobre o banco de relva)
 
RITINHA O melhor é não indagarmos isso.
 
CLEMENTINA Tens receio?
 
RITINHA A esperança, quando mais não seja, alimenta. Se eu tivesse a certeza que nunca acharia um noivo, não sei o que faria.
 
CLEMENTINA Pois eu tenho a certeza que o acharei.
 
RITINHA Podes dizer isso, és bonita...
 
CLEMENTINA Também o és.
 
RITINHA Mas és rica, e eu não; e esta pequena diferença muda muito a questão. És filha única e teu pai possui esta bela chácara e outras muitas propriedades. Ali dentro estão alguns moços que porfiam em te agradar; está nas tuas mãos escolheres um para noivo. E eu posso dizer outro tanto?
 
CLEMENTINA E por que não?
 
RITINHA Tenho apenas um namorado.
 
CLEMENTINA É o primo Luís?
 
RITINHA É ele mesmo, mas confesso-te ingenuamente que não sei o que ele quer. Ora mostra-se muito apaixonado, ora não faz caso de mim e namora a outras moças mesmo à minha vista; às vezes passam-se dias e dias sem me aparecer...
 
CLEMENTINA Pois que esperas tu do primo Luís, daquele doido que namora o torto e a direito a bonito e a feia, a moça e a velha?
 
RITINHA (suspirando) Ai, ai!
 
CLEMENTINA O que admira-me é ver como tens conseguido tê-lo por namorado há quase três meses.
 
RITINHA Bem esforços me tem custado.
 
CLEMENTINA Eu te creio, porque ele diz que um namoro que dura mais de oito dias é maçada.
 
RITINHA Tanto não poderás tu dizer dos teus, principalmente do Júlio.
 
CLEMENTINA Queres que te diga uma coisa? O tal Sr. Júlio, com todos os seus excessos, já me vai aborrecendo sofrivelmente.
 
RITINHA Oh, aborrecem-te os excessos?
 
CLEMENTINA Quando está junto de mim tem um ar tão sentimental que faz dó ou riso.
 
RITINHA É amor.
 
CLEMENTINA Se é obrigado a responder-me, é titubeando e trêmulo; atrapalha-se, não sabe o que diz e também nunca acaba de dizer.
 
RITINHA É amor.
 
CLEMENTINA Os seus olhos não me deixam; acompanham-me por toda a parte. Não dou um passo, que não seja observada.
 
RITINHA São provas de amor.
 
CLEMENTINA E se eu falo com algum moço? Isso então!... Fica logo muito aflito, a mexer-se na cadeira, com o nariz muito comprido e com os olhos cheios de lágrimas. E se eu não lhe faço logo e logo a vontade, deixando de conversar com o moço, ei-lo que levanta-se arrebatadamente, pega no chapéu e sai desesperado pela porta afora como quem leva a firme tenção de nunca mais voltar. Mas qual! Daí a dois minutos está ele ao pé de mim.
 
RITINHA Tudo isso é amor.
 
CLEMENTINA É amor! É amor, sei, mas aborrece-me tanto amor. 
 
(Aqui aparece no fundo Júlio)
 
RITINHA Vê como são as coisas: Eu queixo-me do meu por ser indiferente; tu, do teu, por excessivo.
 
CLEMENTINA É que os extremos se tocam. Não tens ouvido cantar aquele lundu: Eu que sigo o meu bem? Mas também o que é verdade é que eu às vezes muito de propósito o faço desesperar.
 
RITINHA Isso é maldade. 
 
(Clementina vê Júlio, que a este tempo está atrás dela)
 
CLEMENTINA (à parte, para Ritinha) Olha! E ele comigo! Não te dizia que me acompanha por toda a parte?
 
RITINHA (rindo-se) Adeus. (Sai correndo)
 
CLEMENTINA (querendo retê-la) Espera! (Quer segui-la)
 
JÚLIO (seguindo-a) Um momento! 
 
(Clementina volta-se para Júlio)
 
CLEMENTINA O que quer? (Caminha para frente)
 
JÚLIO Eu... (Fica enleado. Alguns momentos de silêncio)
 
CLEMENTINA (à parte)  E então?
 
JÚLIO Eu... 
 
(O mesmo jogo)
 
CLEMENTINA (à parte)  E ficamos nisto!
 
JÚLIO Se me permitisse... 
 
(Mesmo jogo)
 
CLEMENTINA O senhor está tão ansiado. Tem alguma dor?
 
JÚLIO Tenho sim, ingrata, mas é no coração.
 
CLEMENTINA Ah, desembuchou?
 
JÚLIO Supunha passar hoje uma noite alegre e divertida, e só encontrei tormentos e desenganos.
 
CLEMENTINA Ah, encontrou desenganos, coitado! Então quem foi que teve a barbaridade de o desenganar?
 
JÚLIO Uma cruel, que zomba de mim e de minha vida, que ainda será causa de algum desatino.
 
CLEMENTINA Ora vejam só que crueldade!
 
JÚLIO (desesperado) Oh, isto assim não pode durar muito. (Com ternura, pegando-lhe na mão) Clementina, por que hás de ser tão má comigo? Que te fiz eu para ser assim maltratado? Eu, que tanto bem te quero!
 
CLEMENTINA Ontem despedimo-nos em paz. Quais são hoje as queixas?
 
JÚLIO Teu primo Luís.
 
CLEMENTINA Ainda ciúme?
 
JÚLIO Ama-o, que ele me vingará. Não encontrarás outro coração como o meu.
 
CLEMENTINA Acabou? Uma sua criada. Vou comer batatas.
 
JÚLIO (retendo-a) Oh, não, não!
 
CLEMENTINA (voltando) Com que então queria que eu estivesse toda a noite a olhar para o senhor, com a boca aberta, hã? Feito uma pateta! Que não conversasse mais com minhas amigas, que estivesse amuada em um canto da sala, eu defronte e vós à vista, assim em ar de dois touros que se querem investir? Sabe que mais? Isto já me vai aborrecendo.
 
JÚLIO Perdoa-me.
 
CLEMENTINA Por mais de uma vez já lhe tenho manifestado os sentimentos que me animam a seu respeito e dado prova da preferência em que eu o tenho. Quando um dia perguntou-me se eu queria ser sua mulher, respondi-lhe com franqueza que sim, mas que previa obstáculos da parte de meu pai.
 
JÚLIO Tudo isto é verdade.
 
CLEMENTINA E ajuntei mais: que esse temor, porém, não esfriasse o nosso amor, que paciência e tempo tudo conseguem, e que minha mãe era por nós. E ter-me-ia esquecido a esse ponto de minha posição e pejo, se não o amasse? 
 
(Aqui entra pela esquerda, por detrás da casinha do ilhéu, Luís, com uma carta de bichos acesa, pendurada de uma varinha. Corre para Clementina, gritando)
 
LUÍS Viva São João! Viva São João! 
 
(Clementina foge)
 
CLEMENTINA Primo Luís, primo Luís! 
 
(Luís vai atrás dela gritando sempre, até que ela sai pelo fundo)  
 
CENA II Enquanto Luís corre após Clementina, Júlio fica a olhar para ela.
 
JÚLIO E veio interromper-nos na melhor ocasião! Isto foi muito de propósito! Não é sem razão que eu desconfio dela; ama ao primo. 
 
(Neste tempo, Luís, que volta para cena, está junto dele)
 
LUÍS Ó Júlio, que bela patuscada, hein?
 
JÚLIO (à parte)  Vem mangar comigo.
 
LUÍS Não há melhor! Foguetes para atacar, música para dançar, e sobretudo moças para namorar. O tio João festeja o nome de seu santo com grandeza. Tu não tens foguetes?
 
JÚLIO (com mau modo) Não.
 
LUÍS Nem namorada?
 
JÚLIO (ao mesmo) Não.
 
LUÍS Ó alma de cântaro, marreco de gesso! Não tens namorada, quando aquela sala está cheia de meninas tão encantadoras? Não tens namorada? Então que viste fazer?
 
JÚLIO Obsequiar à pessoa que me convidou, portando-me com decência.
 
LUÍS Como diabo entendes tu as coisas às avessas? Quando se convida para uma soirée, ou outra qualquer patuscada, rapazes solteiros, é para que eles namorem. Todos sabem que sem namoro as mais brilhantes reuniões esfriam e poucas horas duram. Sem namorar as moças ficam amuadas, as velhas dormem e os velhos roncam. Sem namoro, essa vivacidade que se nota nos olhares e gestos das meninas desaparece e morre, falta de alimento. Sem esse grande excitativo, o desejo de conquistar adormece no coração e leva a moleza ao corpo e o aborrecimento à alma. Tudo fica triste e sem sabor. Os pai e mãe de família cedo retiram-se com as filhas, porque não veem possibilidade de pescarem noivos para elas onde não há namoro prometido. Mais três ou quatro contradanças e não se veem esses casais solitários no meio de esplêndido baile, sentados nos cantinhos da sala, alheios a tudo o que se passa ao redor dela, e que tanto servem para divertimento de todos. Cessa a maledicência, desaparecem esses segredinhos que se dizem ao ouvido e que fazem corar. Numa palavra, tudo esfria, emudece, dorme! O namoro é a alma da vida, a existência necessária de todas as reuniões. É o centro ao redor do qual giram todas as afeições, intrigas, gentes e despesas. Por ele é que a menina se enfeita, que os rapazes se desafiam, e se endivida o homem. Por ele é que o pobre pai de família paga a ladroada conta das francesas. Enfim, é o motor universal, é o "fogo viste linguiça" das sociedades. Por isso é que eu todas as vezes que sou convidado para algum baile ou patuscada como esta, namoro a torto e a direito, para obsequiar o dono da casa.
 
JÚLIO Ah, é para obsequiar os donos das casas? Devem-te ficar muito agradecidos.
 
LUÍS E que não fiquem pouco se me dá. Faço o meu dever. Tenho feito as moças lá dentro andarem numa dobradura, inclusive a minha bela priminha.
 
JÚLIO (travando-lhe do braço) Isto é uma traição!
 
LUÍS Hein?
 
JÚLIO É uma traição que cometes para comigo de quem te dizes amigo. Sabes muito bem, porque já te tenho dito, que eu amo a tua prima.
 
LUÍS E o que tem isso? Tu namoras e eu também namoro; o caso não é novo - vê-se todos os dias isso.
 
JÚLIO É preciso acabarmos com este gracejo. Não zombo.
 
LUÍS Nem eu.
 
JÚLIO Falo muito sério.
 
LUÍS Que diabo de tom é esse?
 
JÚLIO Faze por toda a parte este papel de namorador e de tolo, acompanha-te sempre dessa leviandade e ar gracejador por desprezo pelo homem sensato, que pouco se me dá disso; nenhum interesse tenho eu em corrigir-te...
 
LUÍS O caso vai de pregação.
 
JÚLIO Mas não lances um só olhar para Clementina, não lhe digas uma só palavra de galanteio ou sedução, porque então te haverás comigo e tarde te arrependerás.
 
LUÍS Quem, eu?
 
JÚLIO Sim, tu.
 
LUÍS Isto é uma ameaça?
 
JÚLIO É, sim.
 
LUÍS Ah, a coisa chegou a esse ponto? Pois meu amigo, andou muito mal; os seus ciúmes o deitaram a perder.
 
JÚLIO Isso veremos.
 
LUÍS Até agora eu namorava a prima inocentemente e sem intenção, como faço com todas as moças que encontro; isto é um hábito em mim. Mas agora, já que se formaliza e ameaça-me, hei de lhe mostrar que não só namorarei a priminha de noite e de dia, como também casar-me-ei com ela. 
 
JÚLIO (raivoso) Oh!
 
LUÍS O que não tem podido fazer de mim o amor, fará o amor-próprio. Estou resolvido a casar-me.
 
JÚLIO (segurando-lhe na gola da casaca) Não me leves ao desespero! Desiste? 
 
(Aqui aparece no fundo Clara, que se encaminha para eles)
 
LUÍS (segurando na gola da casaca de Júlio) Não quero!
 
(Júlio agarra com a outra mão na gola da casaca de Luís, que faz o mesmo, empurrando-se mutuamente)
 
JÚLIO Não me faça praticar uma ação que nos perderia a ambos.
 
LUÍS Perdido já eu estou, porque me vou casar.
 
JÚLIO (forcejando) Insolente!  
 
CENA III Clara junto deles.
 
CLARA Então, o que é isto? 
 
(Os dois surpreendem-se e apartam-se)
 
LUÍS Não é nada, minha tia, estávamos experimentando forças.
 
CLARA Ora, deixemos agora disso. Venham dançar, que faltam pares. Venham.
 
LUÍS Vamos, tiazinha. (Para Júlio) Vou apertar o namoro. Viva São João! (Sai dando viças)
 
CLARA (rindo-se) É um doido este meu sobrinho. Venha, Sr. Júlio.
 
JÚLIO Já vou, minha senhora. 
 
(Clara sai)  
 
CENA IV Júlio, só.
 
JÚLIO O que hei de eu fazer? Talvez fiz mal em levar as coisas a este extremo. Luís principia os namoros e os deixa com a mesma facilidade. Não me devia inquietar. Maldito ciúme! Estou em uma cruel perplexidade. Devo hoje mesmo declarar-me com o Sr. João Félix e pedir-lhe a filha. Vã esperança! Estou certo que ele não consentirá; não tenho fortuna. Meu Deus! (Sai vagaroso)
 
 
CENA V Enquanto Júlio dirige-se para o fundo, entra pela direita baixa o ilhéu, seguido de quatro pretos, trazendo os dois primeiros lenha, o terceiro um cesto à cabeça, e o quarto um feixe de cana.
 
MANUEL Paizinhos, vão acabar de fazer a fogueira. Levem primeiro vocês a cana e os carás à Senhora. (Manuel fala como os ilhéus, isto é, cantando. Os negros da lenha vão acabar de fazer a fogueira; os outros dois saem pelo fundo. Manuel, só) Cá no Brasil é como na minha terra; também se festeja a noite de São João. Quem me dera no Tojal! Há dois anos que aqui estou trabalhando para ganhar dinheiro e para lá voltar. Oh, quem pudera viver sem trabalhar! Cresce-me água à boca, quando vejo um rico. São os felizes, que cá o homem anda de canga ao pescoço.  
 
CENA VI Entra Maria com uma cesta à cabeça.
 
MANUEL O que levas aí, Maria?
 
MARIA A roupa que estava no campo a secar.
 
MANUEL Pois ainda agora? Vem cá. 
 
(Maria deixa a cesta à porta da casinha e caminha para Manuel)
 
MARIA A senhora tomou-me o tempo e não deixou-me recolhê-la com dia. Andamos a arranjar a casa para a companhia.
 
MANUEL E ela é que diverte com os seus, e nós trabalhamos.
 
MARIA O que queres, Manuel? Somos pobres, que Deus assim nos fez.
 
MANUEL E é do que me queixo. Todo o dia com a enxada na mão, e ainda em cima ter olhos nos paizinhos, que são piores que o diabo.
 
MARIA Anda lá, não te queixes tanto, que lá no Tojal éramos mais desgraçados. Não sei como não morríamos de fome. Ganhavas seis vinténs por dia ao rabo da enxada, e cá o senhor te estima; pagou a nossa passagem.
 
MANUEL Quisesse Deus que eu tivesse algum dinheirinho junto! Pagaria ao senhor o resto que lhe devo e ia comprar um burro e uma carroça para vender a água. O Zé voltou para S. Miguel com cinco mil cruzados que assim ganhou.
 
MARIA Se puderas fazer isso, eu ficava com a senhora. Este vestido deu-me ela, e este xale também, e outros me dará ainda.
 
MANUEL Pois se eu sair, sairás também, senão te desanco.
 
MARIA Ai!
 
MANUEL Pensas que eu não sei por que queres ficar?
 
MARIA Ai, que me impacientas!
 
MANUEL Bem vejo o senhor a te fazer roda como um peru.
 
MARIA Esta besta! O senhor a fazer-me roda, tão velho como é? Ai, que me rio desta!
 
MANUEL Vai-te rindo, bestinha, até que chores.
 
CLARA (da porta da casa) Maria?
 
MARIA Adeus, que a senhora chama-me. Esta besta!
 
MANUEL Anda com cuidado, que te tenho o olho em riba.
 
MARIA Olha que cansarás a vista, animal.
 
 
CENA VII
 
MANUEL (só) Assim vive um homem de Deus a lavrar a terra e a vigiar a mulher. Forte ocupação, que o diabo leve! (Para os negros) Anda paizinhos, acabem essa fogueira e vão arrumar o capim na carroça para ir para cidade. (Os dois negros saem) Se o senhor continua a fazer festas a Maria, hei de dizer à senhora, que não é para brincos. 
 
(Sai. Logo que Manuel sai, chega do fundo João)
 
 
CENA VIII
 
JOÃO (só) Agora que lá dentro estão todos entretidos, é boa ocasião de cercar minha bela ilhoazinha para dar-lhe um abraçozinho. Aonde estará ela? (Chamando com cautela) Maria, Maria? Tenho medo que minha mulher veja-me aqui. É velha, mais tem ciúmes como um mouro. Quem manda ser velha? Estará no quarto? (Vai espiar na casinha) Maria? Nada. Lá dentro ainda dançam; estão divertidos e não darão por minha falta. Vou esconder-me no seu quarto e lá esperarei para surpreendê-la. Oh, que surpresa! Só assim, porque ela é arisca como o diabo. Dou-lhe um abraçozinho e depois safo-me na pontinha dos pés. Oh, que surpresa! Que contentamento! 
 
(Esfrega as mãos. Júlio, que a este tempo entra vindo do fundo, chama por ele; João, que está quase junto à porta, volta-se zangado)  
 
CENA IX Júlio e João.
 
JÚLIO Senhor João Félix?
 
JOÃO (voltando-se) Quem é?
 
JÚLIO Se quisesse ter a bondade de ouvir-me por alguns instantes com atenção...
 
JOÃO (impaciente) O que tens agora a dizer-me, homem? Vá dançar.
 
JÚLIO Pensamentos muito sérios ocupam-se neste momento para eu poder dançar.
 
JOÃO Então o que é?
 
JÚLIO Desculpe a minha franqueza...
 
JOÃO Avie-se, que tenho pressa.
 
JÚLIO Eu amo sua filha.
 
JOÃO E que tenho eu com isso?
 
JÚLIO Mas é que eu a amo com adoração, como nunca se amou, e pretendia...
 
JOÃO Vá dizer a ela que eu lhe ordeno que dance com o senhor uma contradança; ande, vá, vá! (Empurrando-o)
 
JÚLIO Não é por tão pequeno favor que eu ouso incomodá-lo.
 
JOÃO (à parte)  Que impertinência! E eu a perder tempo e ocasião.
 
JÚLIO Terei ânimo em falar, visto que o senhor não reprovou o meu amor.
 
JOÃO Bem vejo que tens ânimo, mas pressa decerto que não tens. Pois é o que eu tenho.
 
JÚLIO Serei breve. Concede-me a mão de sua filha?
 
JOÃO Se é para dançar, já lhe dei.
 
JÚLIO Não senhor, é para casar.
 
JOÃO Para casar? Sempre pensei que o senhor tivesse mais juízo. Pois de noite, no meio do campo e a estas horas é que o senhor vem pedir minha filha, obrigando-me a estar aqui a cabeça ao sereno? Já eu estou constipado. (Amarra um lenço na cabeça)
 
JÚLIO Só motivos imperiosos me obrigariam a dar este passo tão precipitado.
 
JOÃO Precipitado ou não precipitado, não lhe dou minha filha! 
 
(Durante a continuação desta cena João passeia pela cena, dando voltas de um para outro lado; passa por trás da carroça, vai até o fundo, volta, etc., e Júlio o segue sempre falando)
 
JÚLIO Mas senhor, vossa senhoria não tem razão em responder-me deste modo. Eu decerto teria escolhido melhor ocasião; há porém acontecimentos que nos levam, mau grado nosso, a dar um passo que à primeira vista parece loucura. A causa deve ser indagada. E isto é o que vossa senhoria deveria fazer. Não se trata de um negócio de pouca monta. A minha proposição não deve ser assim recebida. Sei que a sua filha é um partido vantajoso ainda mesmo para um homem ambicioso, mas em mim não se dá essa ideia. Procuro os dotes morais de que é ornada, as virtudes que a fazem tão amável e encantadora. Conheço-a de perto, tenho tido a honra de frequentar sua casa. Rogo a vossa senhoria que me dê um momento de atenção. Esse exercício violento pode-lhe fazer mal... Minha família é muito conhecida nesta cidade; não é rica, é verdade, mas nem sempre a riqueza constitui felicidade. Meu pai foi desembargador, e minha aliança com a filha de vossa senhoria não pode envergonhar. Sou negociante, ainda que principiante; posso ainda fazer grande fortuna e ouso dizer que a Sra. D. Clementina não me vê com indiferença...
 
JOÃO (voltando-se muito zangado para Júlio) Não lhe dou minha filha, não lhe dou, não lhe dou! E tenho dito.
 
JÚLIO Atenda-me!
 
JOÃO Aonde viu o senhor dar-se caça a um pai de semelhante maneira?
 
JÚLIO Desculpe-me, é o meu amor a causa de...
 
JOÃO Homem, não me quebre mais a cabeça! Não quero, não quero e não quero, e vá-se com os diabos! Não só de minha presença, como de minha casa. Vá-se, vá-se! (Empurrando)
 
JÚLIO (com altivez) Basta, senhor! Até agora recebia uma denegação e com paciência a sofri; mas agora é um insulto!
 
JOÃO Seja lá o que quiser.
 
JÚLIO E eu não me demorarei um só instante em sua casa.
 
JOÃO Faz-me muito favor. 
 
(Júlio sai arrebatado)  
 
CENA X João, só, (e depois Luís).
 
JOÃO E que tal lhe parece a impertinência? Irra! Casar-se com minha filha! Um pobre diabo que só vive do seu insignificante ordenado. Agora, ainda que fosse rico, e muito rico, não lha dava. 
 
(João vai a entrar no quarto e aparece Luís no fundo, gritando)
 
LUÍS Tio João? Tio João?
 
JOÃO Outro!
 
LUÍS (junto dele)
 
Quero pedir-lhe um grande favor. Trata-se de minha prima.
 
JOÃO (à parte) Mas tu também? (Procura no chão uma pedra)
 
LUÍS Tenho hoje reparado com mais atenção na sua beleza e sabidas qualidades.
 
JOÃO Não acho eu uma pedra?
 
LUÍS Que procura, tio João? Não sei por que fatalidade tenho eu estado cego a tantas perfeições. 
 
(João pega no copo que vê sobre o banco de relva)
 
JOÃO Se me dás mais uma palavra, arrumo-te com este copo pelas ventas.
 
LUÍS Olhe que tem um ovo dentro!
 
JOÃO Tenha o diabo! Salta, não me esquentes as orelhas!
 
LUÍS Não o contrariemos, que ele tem veneta e me perderei. Está bem, tio. Até logo. (Sai)  
 
CENA XI João e depois Manuel.
 
JOÃO (só) Ainda virá mais algum? 
 
(João vai a entrar no quarto do ilhéu e este aparece do outro lado da cena) 
 
JOÃO (à parte))  Oh, diabo! 
 
(Disfarça o seu intento, fingindo perseguir na parede da casinha um inseto que lhe escapa)
 
MANUEL (à parte)  Ai, o que está o senhor a fazer? (João continua no mesmo jogo) A saltar? (Aproxima-se dele, que faz que o não vê) Ah, senhor? (João no mesmo jogo) Senhor? (Pegando-lhe pelo braço) O que apanha o senhor?
 
JOÃO (voltando) Quem é? Ah, é você, Sr. Manuel? Homem, estava atrás de uma lagartixa que subiu pela parede.
 
MANUEL Ai, senhor, deixe viver o bichinho de Deus.
 
JOÃO O que quer comigo?
 
MANUEL Tinha um favor que pedir ao senhor, mas envergonho-me.
 
JOÃO Pois um homem deste tamanho tem vergonha? Anda, diga o que quer, e depressa, que aqui está muito sereno.
 
MANUEL Queria que o senhor me perdoasse os dois meses que faltam para acabar meu trato.
 
JOÃO Nada, nada, não pode ser. Dei duzentos mil-réis pela sua passagem e pela de sua mulher, para que me pagassem com os seus trabalhos. Calculo-os a vinte mil-réis por mês. Já lá se vão oito; falta ainda dois para ficarmos justos de conta. Não dispenso.
 
MANUEL Mas senhor...
 
JOÃO Quando acabar-se o tempo do seu trato, faremos novo ajuste. Não terei dúvida de dar-lhe mais alguma coisa. (À parte) A minha ilhoazinha não sai daqui.
 
MANUEL Tenho trabalhado muito, e já o senhor devia estar contente comigo, e não olhar a tão pouca coisa.
 
JOÃO Fale-me amanhã; agora não são horas. Vá arrumar capim na carroça que vai de madrugada para a cidade.
 
MANUEL E se o meu trabalho...
 
JOÃO (empurrando-o) Já lhe disse que amanhã... (Manuel sai. João, só) Daqui não me sai ele. Virá ainda alguém?
 
(Vai para entrar no quarto e chegam do fundo, correndo, quatro meninos com pistola e bicha na mão e chegam até à frente do tablado)
 
MENINO Vamos fazer uma fortaleza aqui. (Assenta-se no chão) Juquinha, você faz outra lá. (Assentam-se todos) Enterra as pistolas e as bichas. Eu sou o navio. Hei de fazer fogo, e você também ajunta a areia... Anda, vem-me ajudar. 
 
(João, ao ver os meninos que chegam, quebra uma varinha de arbusto próximo, sai de trás da casinha e caminha para eles. Ao chegar junto, açoita-os com a vara. Os pequenos levantam-se, assustados e correm para dentro, gritando e chorando)
 
JOÃO (gritando) Salta para dentro! (Voltando) Até estes demoninhos vieram atrapalhar-me! Não me fio em crianças. É isto! Convida-se a certas senhoras para passarem a noite em uma casa e levam quantos filhos têm, desde o mais pequeno até o maior, para estratagema, quebrarem e pedincharem tudo quanto veem e tocam. E importunar a todos os convidados! Deixar-me-ão desta vez entrar? 
 
(Vai para a casinha, entra e fecha a porta. Manuel, que nesse mesmo tempo aparece, o vê entrar no seu quarto)
 
MANUEL Entra no nosso quarto? Ai, o que me vale é estar a Maria lá dentro. Ele vai espera-la... Ai! Pois são estas as lagartixas? Lagartixas! 
 
(Pega no cesto que está à porta do quarto e com ele atravessa de novo a cena, sempre correndo e sai pela direita. Assim que o ilhéu sai de cena, João abre a janela do quarto que dá para a cena e espreita por ela)
 
JOÃO (à janela) Queria Deus que a minha ilhoazinha não tarde. O meu coraçãozinho está pulando de contente! Mas aonde estará ela?
 
CLARA (do fundo) Ah, Sr. João? Sr. João? (Chamando)
 
JOÃO Oh diabo, lá está a carocha da minha mulher chamando-me. Se ela souber que estou aqui, mata-me. Ora, que culpa tenho? Calou-se. (Debruça-se na janela, espreitando) Como tarda!...  
 
CENA XII Júlio de capote e boné, João e depois Clara.
 
JÚLIO Devo ausentar-me desta casa onde fui insultado e para nunca mais voltar... Mas deixá-la? E o posso eu? Não, é preciso; nem mais um instante! E não posso desprender-me daqui! Fatal amor! Ela fica no meio dos prazeres, e eu... 
 
(João chega à janela, observa Júlio, fazendo esforços para reconhecê-lo)
 
JOÃO Vejo um vulto. Não posso conhecer quem é. Deixei os meus óculos lá dentro. Parece-me que está de saia e lenço à cabeça... Saia escura! É ela, não tem dúvida; é a minha ilhoazinha. Psiu, psiu! (Chamando com precaução)
 
JÚLIO (surpreendido) Quem me chama?
 
JOÃO Psiu, psiu, vem cá!
 
JÚLIO É dali da janela. 
 
(Vai-se chegando para a janela. Nesse momento acende-se defronte da porta da casa, no fundo, uma composição mítica de fogo colorido que alumie fortemente a cena. Ao clarão do fogo os dois se reconhecem)
 
JOÃO (recuando para dentro) Ai! JÚLIO O Sr. João! (Chegando-se para a janela) Que faz vossa senhoria no quarto da ilhoa?
 
JOÃO (um pouco de dentro)
 
Nada, nada. Vim ver uns pintinhos que estavam no choco? 
 
JÚLIO Pintos no choco?
 
JOÃO Sim, sim, pois nunca viu?
 
JÚLIO Mas vossa senhoria... (Desata a rir e caminha um pouco para a frente da cena, rindo-se sempre)
 
JOÃO (chegando à janela) Psiu, psiu! Venha cá; não ria-se tão alto!
 
JÚLIO (rindo-se) Qual pintos! É pela ilhoa.
 
JOÃO Cale-se, pelo amor de Deus! Venha cá, venha cá.
 
JÚLIO Enganou-se com o meu capote! (Ri-se)
 
JOÃO Ó homem, venha cá! Olhe que minha mulher pode vir.
 
JÚLIO (chegando) Pois vossa senhoria tem medo que a Sra. D. Clara o ache tirando pinto do choco?
 
JOÃO Deixemos de graça e fale baixo.
 
JÚLIO Então é certo, a ilhoa? Ah, ah, ah! Vou contar isto lá dentro. (À parte) Tu me pagarás.
 
JOÃO Oh, não, meu amiguinho; minha mulher, se sabe que eu estou aqui, é capaz de arrancar-me os olhos.
 
JÚLIO Há pouco era eu que rogava e vossa senhoria dizia não. Agora é vossa senhoria que roga, e eu também digo não. 
 
(João debruça pela janela e consegue agarrar em Júlio)
 
JOÃO Escute. Não tome a coisa tão em grosso; não o quis ofender.
 
JÚLIO Correr-me de sua casa!
 
JOÃO Não há tal.
 
JÚLIO Negar-me com insultos a mão de sua filha!
 
JOÃO Não neguei.
 
JÚLIO Não negou?
 
JOÃO (à parte)  Diabo!
 
JÚLIO Não negou, diz o senhor. Então concede-me?
 
JOÃO Não digo isso. Mas se...
 
JÚLIO Ah! Sra. D. Clara, Sra. D. Clara?
 
JOÃO (querendo tapar-lhe a boca) Pelo amor de Deus!
 
JÚLIO Vossa senhoria não negou-me a mão de sua filha?
 
JOÃO Seja razoável.
 
JÚLIO Sra. D. Clara?
 
JOÃO Cale-se, homem. Cale-se com todos os milhões de diabos!
 
JÚLIO Nada. Quero que ela aqui venha para ver se pode explicar-me a razão por que vossa senhoria nega-me a mão de sua filha. Sra. D. Clara?
 
JOÃO E eu já lhe disse que lhe negava?
 
JÚLIO Não? Então concede-ma?
 
JOÃO Amanhã falaremos.
 
CLARA (no fundo) Ah, sô João, sô João?
 
JÚLIO Sua senhora aí vem.
 
JOÃO Vá-se embora. (Abaixa e esconde-se)
 
JÚLIO (para dentro do quarto) Concede-ma?
 
JOÃO (dentro) Concedo.
 
JÚLIO Palavra de honra?
 
JOÃO (dentro) Palavra de honra. 
 
(Neste tempo Clara está no meio da cena)
 
CLARA Sô João? (Júlio quer caminhar para sair pelo fundo) Quem é?
 
JÚLIO Sou eu, minha senhora.
 
CLARA Ah, é o Sr. Júlio. Sabe-me dizer onde está o meu homem?
 
JÚLIO Não, minha senhora.
 
CLARA E esta? Há uma hora que sumiu-se lá de dentro e não aparece. 
 
(Durante este diálogo, vê-se, pela janela da casinha, João muito aflito)
 
JÚLIO Sem dúvida está dando algumas ordens lá por fora.
 
CLARA Ordens a estas horas? Deixar as visitas na sala, e desaparecer!
 
JÚLIO Não se inquiete, minha senhora.
 
CLARA Tenho muita razão de me inquietar. Velho como é, não para. Ah, Sr. João? Sô João?
 
JÚLIO (à parte)  Em que talas não se vê ele! Está em meu poder. (Júlio diz estas palavras enquanto Clara chama pelo marido; volta para sair pelo fundo, e em meio da cena encontra-se com Luís. Júlio, para Luís) Ainda teima?
 
LUÍS Ainda.
 
JÚLIO Veremos.
 
LUÍS Veremos. 
 
(Júlio sai pelo fundo)  
 
CENA XIII Luís e Clara.
 
LUÍS Ó tiazinha!
 
CLARA Quem é?
 
LUÍS Tiazinha, tenho um favor que pedir-lhe...
 
CLARA Viste teu tio?
 
LUÍS Não senhora. É um favor pelo qual lhe ficarei eternamente agradecido. Sei que a ocasião não é das mais oportunas. Este passo parece imprudente...
 
CLARA Que parece não; que é.
 
LUÍS Por quê, tia?
 
CLARA É falta de atenção.
 
LUÍS Oh, a tia decerto está zombando. Se ainda não sabe...
 
CLARA Sei, sei que ele está metido por aí, em algum lugar suspeito.
 
LUÍS Como suspeito? De quem fala?
 
CLARA De teu tio.
 
LUÍS Ora, não é dele que eu falo.
 
CLARA Pois então vai-te embora.
 
LUÍS Escute, tia. A minha bela priminha...
 
CLARA Aonde estará?
 
LUÍS Lá dentro na alcova.
 
CLARA Lá dentro na alcova? E o que está fazendo?
 
LUÍS Conversando com suas amigas.
 
CLARA Com suas amigas? Pois também tem amigas? Bravo!
 
LUÍS Oh, que linguagem é esta! Pois não foi a tia quem as convidou?
 
CLARA Fui sim, mas não sabia que as convidava para desinquietarem um homem casado.
 
LUÍS Um homem casado?
 
CLARA Um pai de família que se devia fazer respeitar pela sua idade.
 
LUÍS Ai, que eu continuo a falar da prima, e ela do tio.
 
CLARA Vou botá-los pela porta a fora.
 
LUÍS Espere, tia, há engano entre nós. A tia fala do tio, e eu...
 
CLARA E tenho muita razão de falar.
 
LUÍS Não digo menos disso. O que eu pretendia dizer-lhe era...
 
CLARA Já sei o que é. Quer desculpá-lo! Não vê que também é homem? Lá se entendem.
 
LUÍS Continuamos no mesmo. Tia, atenda-me somente por alguns instantes, e depois eu lhe ajudarei a procurar o tio.
 
CLARA Pois fala depressa.
 
LUÍS Todos conhecem-me por namorador. Uns dizem que isto em mim é sistema, outros, que é devido ao meu gênio folgazão e alegre. Seja o que for, estou resolvido a acabar com todos esses namoros e casarme. A resolução é extrema e de botar a perder um homem, mas a sorte está lançada.
 
CLARA (preocupada) Eu hei de indagar isto.
 
LUÍS Pode indagar. Falo de boa fé. E em quem poderia recair a minha escolha, senão na minha bela priminha?
 
CLARA Não posso consentir.
 
LUÍS Não? E por que motivo?
 
CLARA Na sua idade?
 
LUÍS Perdoe-me a tia; está em muito boa idade.
 
CLARA Boa idade! Sessenta e cinco anos!
 
LUÍS Adeus, tia, que não estou mais para jogar os disparates. 
 
(Vai para esquerda da cena e Clara vai para sair pelo fundo)
 
CLARA (caminhando) Ah, Sr. João? Sr. João? Eu hei de dar com ele! (Vai-se pelo fundo)  
 
CENA XIV Luís só.
 
LUÍS Quando os ciúmes metem-se na cabeça de uma mulher é isto. E se é velha como esta... Mau agouro para mim. Ora. Sr. Luís, é então verdade que o senhor está resolvido a casar-se? Já se não lembra do que dizia do casamento e dos grandes inconvenientes que lhe achava? Quer deixar a sua bela vida de namorador? O que é isto? Que resolução foi a sua? Que dirá a Ritinha, a Joaninha, a viuvinha, a Joaquinhinha, a Emília, a Henriqueta, a Cocota, a Quitinha, a Lulu, a Leopoldina, a Deolinda e as outras namoradas? Responde, Sr. Luís. Os diabos me levem se eu sei responder. (Assenta-se no banco de relva. Ouve-se dentro de casa a voz de Júlio, que canta uma modinha, acompanhado por piano) Lá está cantando modinhas! Se estivesse como eu, não havia de ter vontade de cantar. Então? O caso não me tem feito impressão. (Aqui aparece no fundo, caminhando para a frente da cena, Clementina) Ainda não sei o que farei. Creio que mesmo depois dos pregões corridos sou capaz de mandar tudo à tabua. Mas o meu capricho? Estou arranjado!   (Nota: A modinha fica a escolha do autor. Logo que a tiver acabado de cantar, dão palmas. Tudo isto, porém, não interromperá a continuação das cenas)
 
 
CENA XV Clementina e Luís.
 
CLEMENTINA (sem ver Luís) Estou com curiosidade de ver como estará o ovo... (Vai para ver o copo e Luís levanta-se)
 
LUÍS Priminha?
 
CLEMENTINA Ai!
 
LUÍS Não se assuste.
 
CLEMENTINA Não gosto destes brinquedos. Que susto! Eu vinha ver o ovo.
 
LUÍS Encontraste com um amante; é o mesmo. O amante é como o ovo, que muitas vezes gora.
 
CLEMENTINA Fala de si? (Rindo-se)
 
LUÍS Antigamente assim fui, mas agora, priminha da minha alma, estou mudado. A noite de São João fez um milagre. Ai, ai! (Suspira ruidosamente)
 
CLEMENTINA Bravo! Por quem é esse suspiro tão puxado?
 
LUÍS (caindo de joelhos) Por ti, minha priminha.
 
CLEMENTINA (desata a rir) Ah, ah! Por mim? Ó Ritinha?
 
LUÍS Cala-te!
 
CLEMENTINA Quero que ela venha ver isto e que caminho leva o seu amor.
 
LUÍS Mas há já três meses que ela me ama!
 
CLEMENTINA Boa razão! Não a ama porque ela ainda o ama. É isto?
 
LUÍS Pois priminha, há três meses que ela me ama, e isto já é teima, e eu não me caso com mulher teimosa, isso nem pelo diabo.
 
CLEMENTINA É teima? Quem te ensinará!
 
LUÍS Amei-a como amei a Quitinha, etc.
 
CLEMENTINA O que aí vai! E todas essas foram teimosas?
 
LUÍS Umas mais, outras menos, mas tu, minha querida priminha...
 
CLEMENTINA Oh, não se canse, que não sou teimosa; cedo desde já.
 
LUÍS Contigo o caso é outro; hoje mesmo te principiei a amar, hoje mesmo nos casaremos e hoje mesmo...
 
CLEMENTINA (interrompendo-o) Ah, ah, ah! Ó Ritinha? Ritinha? 
 
(Ritinha aparece e encaminha-se para eles. Traz na mão uma vara com uma rodinha acesa. Os negros acendem a fogueira)
 
LUÍS Também isto agora é teima!
 
CLEMENTINA Vem cá.
 
RITINHA O que é?
 
CLEMENTINA Não te dizia que me admirava dos três meses?
 
RITINHA Ah!
 
CLEMENTINA Já te não ama, e chama-te de teimosa.
 
LUÍS Priminha!
 
RITINHA Já me não ama? 
 
(Ritinha diz estas palavras dirigindo-se para Luís, que salta para evitar o fogo da rodinha que Ritinha dirige contra ele)
 
LUÍS (saltando) Cuidado com o fogo!
 
CLEMENTINA Fazia-me protestos de amor.
 
RITINHA (mesmo jogo) Ah, fazia protestos de amor?
 
LUÍS Não me queime! 
 
(O velho fecha a janela com receio, que o vejam)
 
CLEMENTINA Disse que ardia por mim.
 
LUÍS (fugindo de Ritinha, que o persegue com a rodinha) Agora é que eu arderei, se me deitam fogo.
 
RITINHA  Assim é que me pagas!
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS Assim é que me pagas! (Fugindo sempre)
 
CLEMENTINA Fogo nele, para não ser bandoleiro! (Ritinha segue mais de perto Luís, que foge e refugia-se em cima da carroça) Assim, assim, Ritinha, ensinao.
 
RITINHA Desce cá para baixo!
 
LUÍS Assim era eu asno!
 
CLEMENTINA Ritinha, vá buscar lá dentro duas pistolas de lágrimas.
 
LUÍS Nem pistola, nem espingarda, nem peças não me farão gostar de vocês. Agora não me caso nem à bala.
 
CLEMENTINA E também, quem é que quer casar com você?
 
RITINHA Eu não!
 
CLEMENTINA Quem é que acredita nas palavras de um namora-paredes?
 
LUÍS Muita gente!
 
CLEMENTINA Estás desacreditado!
 
LUÍS Na praça?
 
CLEMENTINA Não, com todas as moças.
 
LUÍS Melhor, mais gostarão de mim.
 
RITINHA Isto não se pode aturar! Vamo-nos embora.
 
CLEMENTINA Presunçoso! (Vai a sair pelo fundo)
 
LUÍS Adeus! Viva São João! 
 
(Dentro respondem a gritos)  
 
CENA XVI Luís, só, de cima da carroça.
 
LUÍS Fi-la bonita! Agora nem uma nem outra. Ainda bem! Mas o diabo é ficar o maroto do Júlio muito ufano com eu ter cedido. Histórias! Não cedo em outras coisas, que namorada pouco se me dá; acho cem por uma que deixo. Contudo estou zangado. Maldita noite de São João!   CENA XVII Maria vem do fundo da cena e vai a entrar na casinha.
 
LUÍS (saltando da carroça) Psiu, psiu!
 
MARIA (parando) Quem é?
 
LUÍS (chegando-se para ela)
 
Escuta uma coisa.
 
MARIA Ai! O senhor que quer comigo?
 
LUÍS Desde o dia que principiaram a chegar a esta terra carregamentos de colonos, como antigamente chegavam carregamentos de cebolas, ainda cá não apareceu uma ilhoazinha com esses olhos matadores, com esses beicinhos rosados.
 
MARIA Ai, o senhor está a mangar comigo.
 
LUÍS As mais que eu por aí vejo são feias como uma lacraia e vermelhas como a crista do galo; mas tu és a nata das ilhoas. (Quer abraçá-la)
 
MARIA Chegue-se para lá, que vou contar a meu marido. (Quer sair, Luís a retém)
 
LUÍS Espera. É pena que estejas casada com teu marido.
 
MARIA Ai, pois eu podia estar casada com um homem que não fosse meu marido?
 
LUÍS Pois não.
 
MARIA Está zombando? 
 
(Neste tempo a fogueira está de todo acesa e todas as pessoas que estão na casa saem e ficam ao redor da fogueira, ad libitum)
 
LUÍS Sentemo-nos neste banco, que te explicarei como pode isto ser. Aqui nos podem ver lá de cima com o clarão da fogueira.
 
MARIA Estou com curiosidade.
 
LUÍS (à parte)  Isto sei eu. (Assentam-se no banco) Supõe que nunca tenhas visto teu marido... Que mãozinhas! (Pega-lhes nas mãos)
 
MARIA Largue minha mão!
 
LUÍS Nem encontrado com ele... Que olhinhos!
 
MARIA Deixe meus olhos!
 
LUÍS Ora, se nunca o tivesse visto nem encontrado, está claro que agora não estarias casada com o teu marido.
 
MARIA Ora vejam! E é verdade!
 
LUÍS Não terias dado essa mão, (pega-lhe na mão) que tanto estimo... 
 
(Aqui atravessa a cena Manuel, vestido de mulher, e entra no seu quarto)
 
MANUEL (atravessando a cena) Custou-me o arranjar-me...
 
MARIA O senhor tem um modo de explicar as coisas que entram pelos olhos... De sorte que se eu não tivesse encontrado a Manuel, não estava hoje casada?
 
LUÍS Decerto.
 
MARIA Sabe o senhor quando eu o vi? Foi numa festa que se deu no Funchal. 
 
(Manuel, depois de entrar no quarto, fecha a porta e fica dentro do quarto, defronte da janela. Chega-se para ele, como vindo do interior, João, que supondo ser a Maria, o abraça)
 
JOÃO Minha ilhoazinha, minha Mariquinha! (Dá abraços e beijos, que Manuel corresponde)
 
MARIA Hein?
 
LUÍS Não disse nada. Continua. (Continua a ter a mão dela na sua)
 
MARIA Eu ia para a festa. Ai, agora é que me lembro que se não fosse a festa também não estava casada!
 
LUÍS (dando-lhe um abraço) Maldita festa!
 
MARIA Fique quieto! Veja o diabo as arma.
 
LUÍS É verdade! 
 
(Manuel e João, que ouvem as vozes dos dois, chegam-se para a janela, e dando com os dois no banco abaixo, ficam observando, dando sinais de grande surpresa)
 
MARIA Estive quase não indo à festa, e se não fosse o meu vestido novo... Ai, senhor, e se não fosse o vestido novo, eu também não estava casada.
 
LUÍS (abraçando) Maldito vestido!
 
MARIA Foi minha tia que mo deu. Ai, que se eu também não tivesse tia, não era agora mulher de meu marido. 
 
(Manuel debruça-se pela janela e a agarra no pescoço)
 
MANUEL Maldita mulher! 
 
(Maria dá um grito e levanta-se; o mesmo faz Luís. Maria, conhecendo o marido, deita a correr, atravessando a cena. Manuel salta pela janela e a persegue, gritando. Saem ambos da cena)
 
LUÍS (vendo Manuel saltar) Que diabo é isto? (Reconhecendo João, que fica à janela) O tio João!
 
JOÃO Cala-te! (Esconde-se)
 
LUÍS (rindo-se) No quarto da ilhoa! 
 
(Acodem todos, isto é, Clara, Clementina, Ritinha, Júlio e os convidados)  
 
 
CENA XVIII
 
CLARA O que é? Que gritos são estes?
 
CLEMENTINA (ao mesmo tempo) O que aconteceu?
 
RITINHA (ao mesmo tempo) O que foi? (Luís ri-se)
 
CLARA O que é isto, Luís? Fala. 
 
(Luís continua a rir-se)
 
CLEMENTINA De que se ri tanto o primo?
 
CLARA Não falarás?
 
LUÍS Quer que eu fale? Ah, ah, ah!
 
CLARA E esta?
 
CLEMENTINA Eu ouvi a voz da Maria.   
 
CENA XIX Entra Maria adiante de Manuel, gemendo. Manuel conserva-se vestido de mulher.
 
RITINHA Aí vem ela.
 
CLARA A gemer. Que foi?
 
MANUEL (que traz um pau na mão) Anda! 
 
(Maria vem gemendo, assenta-se no banco debaixo da janela)
 
CLARA Ai, o Manuel vestido de mulher! Que mascarada é esta?
 
CLEMENTINA Como está feio!
 
CLARA Mas que é isto? Por que gemes?
 
MARIA Ai, ai, ai! Minhas costas...
 
MANUEL É uma vergonha!
 
CLARA (para Manuel) O que fez ela?
 
MARIA (gemendo) Minha costela... minha cabeça...
 
MANUEL O que fez? Um desaforo! Mas eu lhe ensinei com este pau.
 
CLARA Deste-lhe com o pau?
 
CLEMENTINA Pobre Maria!
 
MARIA Ai, ai, ai! Minhas pernas...
 
CLARA (para Manuel) Mas por quê?
 
MANUEL Estava a desencaminhar-se com o Sr. Luís.
 
CLARA Com meu sobrinho?
 
CLEMENTINA (ao mesmo tempo) Com o primo?
 
RITINHA (ao mesmo tempo) Com ele?
 
JÚLIO (ao mesmo tempo) É bom saber!
 
LUÍS Não há tal, tia. Este diabo está bêbado! Não vê como está vestido?
 
MANUEL Olhe, senhora, que não estou bêbado. Eu bem vi, com estes olhos que a terra há de comer, o senhor dar abraços na Maria.
 
CLARA Ai, que indecência!
 
CLEMENTINA Que vergonha! Namorando uma ilhoa!
 
RITINHA Que humilhação!
 
JÚLIO De que se admiram, minhas senhoras? É esse o costume do Sr. Luís. Tudo lhe faz conta - a velha, a moça, a bonita, a feia, a branca, a cabocla...
 
CLEMENTINA Que horror!
 
RITINHA (ao mesmo tempo) Que horror! 
 
(Alguns convidados riem-se)
 
LUÍS Psiu! Alto lá, Sr. Júlio, cá ninguém o chamou!
 
JÚLIO E o melhor é, minhas senhoras, que ele nutre grandes esperanças de casar-se com uma das senhoras desta roda.
 
TODAS AS SENHORAS  Comigo não!
 
LUÍS (chegando-se para Júlio) Já estás cantando vitória?
 
JÚLIO (para as senhoras) Vejam o que faz a presunção!
 
LUÍS Ainda é cedo, meu menino! Pensa que eu cedo com essa facilidade? 
 
(Aqui João sai do quarto do ilhéu, pé ante pé, para não ser visto, e encaminha-se para o fundo)
 
JÚLIO Cederás, que te digo eu!
 
LUÍS Deverás? (Zombando. Volta para trás e vê João, que se retira para o fundo) Ó tio João? Tio João? Venha cá! (Vai buscá-lo e trá-lo para frente)
 
CLARA Ai, onde estava este homem metido?
 
CLEMENTINA O que quererá ele fazer?
 
JÚLIO O que pretenderá?
 
LUÍS Tio? CLARA (interrompendo e puxando João pelo braço) Aonde estavas?
 
LUÍS (puxando-o pelo braço) Espere, tio, deixe que eu...
 
CLARA  Quero que me diga o que fez estas duas horas.
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS  Logo perguntará por isso, que agora tenho eu que lhe falar.
 
(Mesmo jogo)
 
CLARA  Nada; primeiro há de me dizer onde esteve escondido. Isto se faz? Eu a procurá-lo...
 
LUÍS  Dê-me atenção!
 
(Mesmo jogo)
 
CLARA  Responda!
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS Deixe-o!
 
(Mesmo jogo)
 
CLARA  Deixa-o tu também!
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS (metendo-se entre Clara e João) Ora tia, que impertinência é essa? Tem tempo de fazer-lhe perguntas e ralhar como quiser. 
 
(Enquanto Luís fala com Clara, Júlio segura João pelo braço)
 
JÚLIO Lembre-se da sua promessa!
 
LUÍS (puxando João pelo braço e falando-lhe à parte) Eu bem vi aonde estava... No quarto da ilhoa.
 
JÚLIO  Espero que não falte; quando não, digo tudo à Senhora D. Clara.
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS  Se não consentir no que eu lhe quero pedir, descubro tudo à tia.
 
(Mesmo jogo)
 
CLARA O que quer isto dizer?
 
JÚLIO (mesmo jogo, mas falando alto) Dá-me a sua filha por esposa?
 
LUÍS  Concede-me a mão da prima?
 
(Mesmo jogo)
 
JÚLIO (à parte)  Olhe que eu falo...
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS Se ma não der, conto tudo...
 
(Mesmo jogo)
 
JÚLIO (alto) Então?
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS O que resolve?
 
(Mesmo jogo)
 
JÚLIO e LUÍS Sim ou não?
 
(Mesmo jogo)
 
JOÃO Casem-se ambos, e deixem-me!
 
CLEMENTINA, RITINHA, JÚLIO, LUÍS Ambos?
 
CLARA (puxando por João) Que história são essas?
 
MANUEL  Pague-me o que deve!
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS  Dê-me a prima!
 
(Mesmo jogo)
 
JÚLIO Assim falta à sua palavra?
 
(Mesmo jogo)
 
MANUEL O meu dinheiro?
 
(Mesmo jogo)
 
JÚLIO  Falarei!
 
(Mesmo jogo)
 
LUÍS  O que decide? 
 
(Todos quatro rodeiam João, que assenta-se no chão e mergulha a cabeça, tapando-a com os braços)
 
CLARA Não o deixo enquanto não me disser aonde esteve, o que fez. Se isto são modos!
 
JÚLIO (ao mesmo tempo) Vossa senhoria prometeu-me. Se não quer que eu fale, cumpra a sua palavra.
 
MANUEL (ao mesmo tempo) Quero-me ir embora! Nem um instante mais aqui! Paga-me o que me deve.
 
LUÍS Basta! Deixem-no! Levante-se, tio; aqui está a minha mão. (João levanta-se) Tranquilize-se. (À parte, para João) Faça o que lhe eu mandar, que o salvarei. (Para Júlio) Bem vê que eu ainda podia lutar, mas sou generoso; não quero. (Para João) Tio, dê-lhe a mão da prima, (ao ouvido) que nos calaremos.
 
(João, sem dizer palavra, vai apressado para Clementina, lava-a para junto de Júlio, a quem a entrega, e os abençoa)
 
JÚLIO Ó felicidade!
 
LUÍS Disto estou livre. (Para João) Pague ao Sr. Manuel o que lhe deve. 
 
(João mete a mão na algibeira do colete, tira um maço de bilhetes e entrega a Manuel)
 
MANUEL É pouco. (João dá-lhe mais dinheiro) Agora sim, vou comprar uma carroça!
 
LUÍS Agora dê um abraço na tia. 
 
(João vai abraçar a Clara)
 
LUÍS Anda, e diga à tia que estava lá fora no portão, ajustando com o italiano das fazendas dois vestidos de crepe bordado dos quais lhe queria fazer mimo.
 
CLARA Dois vestidos?
 
LUÍS E riquíssimos!
 
CLARA Ai, vidinha, e eu estava desconfiando de ti! (Abraça-o)
 
LUÍS (tomando a João à parte) Não se meta noutra. Deixe o namoro para os moços solteiros.
 
JOÃO Estou castigado! E emendado!
 
RITINHA (que se tem aproximado de Luís) E nós?
 
LUÍS (fingindo que a não ouve) Viva São João! Vamos ao fogo! 
 
(Ritinha bate o pé de raiva. Acendem o fogo de artifício, e no meio de Viva São João! e gritos de alegria desce o pano)

 

 

                                                                  Martins Pena

 

 

              Voltar à “Página do Autor"

 

 

                                                   

O melhor da literatura para todos os gostos e idades