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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O PAR PERFEITO /Penny Jordan
O PAR PERFEITO /Penny Jordan

 

 

                                                                                                                                   

 

 

 

 

 

 

Samantha Miller ansiava por formar uma família, mas bons partidos estavam em falta.

Talvez visitar sua irmã, casada e feliz, na Inglaterra ajudasse...

Liam Connolly deveria estar aliviado ao vê-la partir para outro país. Desde adolescente, Samantha tinha uma queda por ele... Mas Liam conseguira resistir à impetuosidade dela ao se convencer de que não faziam um par perfeito. Então, por que, depois de ela confessar o motivo de sua viagem à Inglaterra, Liam subitamente descobriu que queria ser o homem a lhe dar seus filhos?

 

 

 

 

— Grande jogo, Sam! Nunca esperei ver uma mulher ganhar o troféu de ouro da empresa.

— Sam não é uma mulher. Mulheres são pequenas, bonitinhas e abraçáveis. Elas ficam em casa e fazem bebês. Sam... Nem esse nome é feminino.

Samantha Miller se empertigou até sua altura total de quase 1,85m — dez centímetros a mais que o homem que acabara de criticá-la de forma tão cruel na frente de todos.

— Cliff, sabe qual é o seu problema? — perguntou Samantha num tom afável. — Você não reconhece uma mulher de verdade quando vê uma. A minha impressão é de que um homem não é muito homem se pode lidar apenas com o tipo de mulher que você acaba de descrever, e quanto a fazer bebês... — Ela fez uma pausa para dar ênfase, completamente ciente do fato de que tinha toda a atenção dos colegas de trabalho que estavam ali no amplo escritório aberto. — Sou mulher suficiente para ter um bebê quando bem quiser.

Só agora ela estava revelando toda a extensão de sua raiva pela forma como Cliff a insultara, seus olhos faiscavam em desafio, sua voz tremia com a intensidade de seus sentimentos.

— Você ter um bebê? — zombou seu antagonista, antes que Samantha pudesse prosseguir. — Quem haveria de querer engravidar uma mulher como você? De jeito nenhum. A sua única chance de ter um filho seria usando o esperma de algum estudante de medicina e uma seringa...

Várias pessoas caíram na gargalhada, fazendo com que Samantha compreendesse que, a despeito do quanto fosse aceita publicamente por seus colegas, uma desconfortável parte deles parecia compartilhar das opiniões de Cliff Marlin.

Diante dessa mesma situação, outra mulher teria se derretido em lágrimas, mas não Samantha. Ela aprendera desde cedo que uma mulher alta como ela não ficava nada engraçadinha quando chorava. Além disso... Usufruindo dos seus dez centímetros a mais que ele, Samantha olhou para Cliff de cima para baixo, expondo os dentes num sorriso completamente falso. Então deu de ombros.

— Você tem direito à sua opinião, Cliff, mas, puxa, é uma pena que você seja um tremendo perdedor. Se eu jogasse golfe tão mal quanto você, também seria bem ranzinza. E quanto a fazer bebês... Diga-me quantas vezes você errou aquela bola no oitavo buraco.

Agora foi a piadinha de Samantha que provocou risos.

Sem dar a Cliff a oportunidade de retaliar, ela girou nos calcanhares e se afastou, de cabeça erguida.

O que importava era que Sam percebeu que no momento em que estivesse fora do alcance das vozes, as pessoas começariam a fofocar a respeito dela, a amazona de l,85m que, no tempo em que trabalhava na empresa, jamais comparecera a qualquer evento social com um acompanhante; a única do exíguo grupo de mulheres naquela empresa basicamente masculina que não havia, em nenhum momento, contado para as outras detalhes de sua vida particular.

Agora, com pouco mais de trinta anos, Samantha estava completamente ciente de que entrara numa década que prometia ser uma das mais produtivas e aceleradas de toda a sua vida. Também seria uma década que lhe daria uma oportunidade de encontrar um homem, o homem... Aquele por quem iria se apaixonar, com quem iria passar o resto da vida, o homem com quem iria ter os bebês que tanto desejava.

Claro que houvera homens. Montes deles. Homens que não queriam se comprometer, homens que não queriam filhos, homens que não queriam nem mesmo uma esposa, homens que já eram casados, homens que... Ah, sim, a lista de homens a evitar era interminável. E a gama de escolhas ficava ainda menor para alguém tão seletiva quanto Samantha.

— Por que pelo menos não sai com ele? — inquirira Roberta, sua irmã gêmea, na última vez em que ela deixara seu novo lar na Inglaterra para visitar a família nos Estados Unidos. A mãe delas estivera se queixando com Bobbie a respeito da teimosia de Sam em não aceitar um convite masculino para sair.

— Porque não faz o menor sentido sair com ele. Eu já sei que não é ele. — respondera Samantha, fatalista. — É muito fácil para você ficar do lado da mamãe — queixara-se à sua gêmea quando as duas ficaram sozinhas. — Você já achou o seu homem, o seu príncipe encantado. E depois que vi o quanto é especial o relacionamento de vocês, o quanto vocês são felizes, como eu poderia me contentar com menos?

— Oh, Sam. — Bobbie abraçou-a, contrita. — Sinto muito. Você tem razão. Você não deve se contentar com nada menos do que a felicidade. Você vai conhecer o homem certo em breve. — E então, ao bocejar, ela se desculpou dizendo: — Meu Deus, como estou cansada...

— Cansada? Bem, não estou surpresa! — Samantha rira, incapaz de conter um olhar invejoso para a gravidez avançada de sua irmã, que não esperava gêmeos, conforme torcera. Esta era mais uma gravidez simples. Vendo a expressão em seus olhos, Bobbie perguntara gentilmente:

— Sam, você nunca conheceu ninguém a quem pudesse amar? Você nunca amou ninguém?

Samantha pensou por um momento antes de sacudir a cabeça, negativamente. Seu cabelo louro, ao contrário de sua irmã gêmea, era cortado numa massa de cachos curtos que emoldurava seu rosto perfeito, deixando seus grandes olhos azuis parecendo ainda maiores e mais escuros que os de Bobbie.

— Não. A não ser que você conte àquela queda que tive por Liam quando ele começou a trabalhar para o papai... Eu devia ter uns 14 anos na época, e Liam deixou bastante claro que não estava interessado numa adolescente de maria-chiquinha e aparelho dental.

Roberta rira. Liam Connolly era o principal assistente do pai delas, e não era segredo algum na família que Stephen Miller o estava encorajando a concorrer ao cargo de governador do estado quando ele se aposentasse.

— Sim — concordara Bobbie. — Bem, acho que, para um homem de 21 anos, principalmente tão bonito quanto Liam, a idéia de ter uma mocinha de 14 anos beijando o chão que ele pisava não parecia muito atraente.

— Acredite em mim, para Liam, isso não era nem um pouco atraente — retorquira Samantha. — Acredita que ele até mesmo se recusou a me beijar num dia de ação de graças? Mas talvez fosse porque eu era a filha do seu chefe.

— Sim, essa teria sido uma manobra de carreira muito ruim — respondera imediatamente Bobbie. — E ainda pior se papai tivesse achado que Liam estava encorajando você.

— E Liam sempre colocou a carreira acima de tudo — retorquiu Samantha.

Bobbie levantara as sobrancelhas em resposta ao tom crítico na voz de sua irmã.

— Ora, vamos, Bobbie, ele tem muitas mulheres em sua vida e em sua cama. Mas até papai comentou o fato de que ele nunca chegou perto de fazer um convite sério a ninguém. Ele nunca nem deu as chaves da casa dele a nenhuma delas.

— Talvez ele ainda esteja procurando pela mulher certa. — Samantha resfolegara.

— Se está, então tudo que posso dizer é que primeiro está se divertindo bastante com as mulheres erradas!

Agora, sabendo perfeitamente bem o que estava prestes a ser dito às suas costas no escritório, Samantha caminhou até os elevadores. E daí se ainda faltavam trinta minutos para a sua hora de almoço? Precisava de ar fresco e limpo, e não de uma atmosfera contaminada pela maldade e inveja de Cliff. Porque Samantha sabia o que o ataque dele havia deflagrado. Cliff vinha pegando no pé de Samantha há seis semanas, desde que ela fora sondada para uma promoção que ele próprio estivera cobiçando.

Felizmente Samantha sairia de férias dentro de um mês, e já fizera os preparativos para passá-las com sua irmã gêmea. Como o mandato de seu pai como governador estava quase terminando, seus pais estavam muito ocupados e não poderiam se juntar às duas filhas.

Eles formavam uma família bem unida, principalmente por causa de sua história. Sua mãe era filha ilegítima de Ruth Crighton. Ruth, então solteira, pertencera ao ramo da família Crighton de Haslewich em Cheshire, Inglaterra, na época em que as jovens solteiras de sua classe simplesmente não engravidavam. E, se engravidassem isso era escondido.

Acontecera durante a Segunda Guerra Mundial. Ruth apaixonara-se perdidamente pelo avô de Samantha, mas, devido a um equívoco e à desaprovação de seu pai, que nutria preconceito contra os americanos, Ruth deduzira erroneamente que Grant mentira sobre seu estado civil, e que na verdade teria esposa e filho nos Estados Unidos. Pressionada pela família, Ruth entregara para adoção sua filhinha, a mãe de Samantha e Roberta.  

Por um daqueles caprichos do destino que sempre pareciam improváveis demais, o bebê de Ruth fora adotado secretamente por Grant, que presumira que Ruth rejeitara a criança da mesma forma que o rejeitara. Quando, ao descobrir o quanto sua mãe, Sarah Jane, ainda estava abalada pela rejeição que sofrerá da sua própria mãe, Samantha e Roberta haviam elaborado um plano para fazer com que Ruth explicasse porque rejeitara a filha. E então todas as circunstâncias verdadeiras que haviam cercado o nascimento de Sarah vieram à tona.

Elas não apenas haviam conseguido reunir seus avós, como Roberta também conhecera Luke, com quem se casara e agora tinham um filho. E outro já estava a caminho.

Como sua avó, Luke também era um Crighton. Só que ele era de Chester, e não do ramo Haslewich da família.

Os Crighton e a lei combinavam como pêssegos e creme de leite. Assim, não era surpresa que Luke fosse o principal advogado da empresa.

Inicialmente, Samantha sentira uma certa repulsa por seu ligeiramente austero cunhado. Contudo, por baixo dessa austeridade havia um mordaz senso de humor e uma inteligência aguçada. Era verdade que ele roubara de Sam sua amada irmã gêmea e colocara todo o Atlântico entre as duas, mas também fizera Bobbie uma mulher extremamente feliz. Contudo, embora não fossem o tipo de gêmeas que vivessem grudadas, havia momentos, como este, em que a única pessoa que Samantha queria ver era sua irmã.  

Cliff Marlin poderia ser pouco mais que um patético arremedo de homem, mas era realmente o homem que a magoara muito, e isso ela não queria que nem ele, nem ninguém, soubesse.

A provocação maliciosa de Cliff ferira-a profundamente. Nem mesmo Bobbie sabia da inveja profunda que Sam sentia dela ou do quanto ficara chocada ao perceber o quanto fora forte a sua convicção de que seria a primeira das duas a se casar e ter filhos.

Ela não desejava mal algum a Bobbie, claro que não. Além disso, vira a angústia e a dor sofrida por Bobbie quando pensara que Luke não atendia os seus telefonemas por não corresponder aos seus sentimentos. Era apenas... Apenas o quê? — perguntou a si mesma enquanto mordia o lábio inferior e saía para o dia de sol primaveril.

Era apenas este desejo, esta fome de ser mãe. Apenas que Samantha sentia uma dor profunda por não concretizar o lado maternal de sua natureza. Mas como poderia concretizar esse lado quando nem havia um homem em sua vida?

Quando Bobbie brincara com Sam, dizendo que ela deveria encontrar alguém que pudesse dar primos ao seu bebê, Sam rira e zombara da gêmea, comentando que um homem não era mais essencial ao propósito da procriação, pelo menos o tipo de contato amoroso e pessoal de que Bobbie parecia estar gostando tanto. É claro que Samantha não falara a sério; apenas cedera ao lado petulante de sua natureza que já a pusera em perigo muitas vezes enquanto crescia. Samantha admitia ser teimosa e dona de um gênio forte.

   Por exemplo, ainda há pouco no escritório, a tentação de virar para Cliff e lhe dizer que iria provar o quanto era mulher, que iria provar a todos que seria capaz de encontrar um parceiro e ter um bebê, fora forte demais, difícil de resistir. Felizmente, Sam resistira.

Teria sido muito descuido da parte dela — uma executiva acostumada a trabalhar com especialistas em tecnologia para informática, onde a lógica era necessária — ceder ao impulso de mandar a cautela às favas e se deixar levar por uma onda de emoção, dizendo a Cliff que não apenas era capaz de provar que estava errado, como também iria fazê-lo.

Naturalmente esse seria um comportamento não condizente com a filha do governador. Aos olhos de Cliff, seu pai era mais um ponto contra ela. Quando Samantha recebera a oferta para o cargo que ele tanto desejava, ela ouvira-o comentar com outro colega:

— É óbvio que ela não teria a menor chance de conseguir esse trabalho se não fosse filha do governador — comentara amargamente. — Eu consigo ver claramente o que está acontecendo. A empresa está querendo trabalhar para o governo, e haveria maneira melhor de ganhar a simpatia do governador do que promovendo sua filha?

Não era verdade, e Samantha sabia disso. Ela conquistara essa promoção por mérito. Ela era, simplesmente, a melhor pessoa para o cargo, e já dissera com todas as letras a Cliff. Ele não gostara de ouvir isso, nem um pouco, e ainda menos quando ela o derrotara com facilidade no campeonato de golfe da empresa.

Sam devia isso a Liam. Ele era um exímio jogador de golfe. E, mesmo quando era apenas uma adolescente, ele jamais facilitara para que ela o derrotasse. Em vez disso, sempre jogara duro, dizendo-lhe o que ela estava fazendo de errado. Ele também era excelente jogador de xadrez — e pôquer — motivo pelo qual seu pai costumava dizer que ele daria um excelente governador.

Os pais de Samantha haviam falado sobre isso durante o jantar, há menos de uma semana.

— Bem, eu posso entender por que você insiste tanto para que Liam concorra para ser seu sucessor ao cargo — dissera a mãe de Samantha. — Mas se ele for eleito, será o mais jovem governador da história deste estado.

— Hum... Ele tem 37 anos. Concordo que é mesmo um pouco jovem.

— Trinta e sete anos e solteiro — insistira Sarah Jane. — Teria um pouco mais de chance de ser eleito se tivesse uma esposa.

Enquanto Stephen Miller levantava as sobrancelhas, a mãe de Sam insistira:

— Não olhe para mim com essa cara. Você sabe que é verdade. Os eleitores gostam da idéia de ter como governador um pai de família. Isso faz com que se sintam mais seguros e reforça suas crenças instintivas de que...

— ... de quê? De que um homem casado seja um governador melhor que um solteiro? — perguntara secamente seu pai. Mas mesmo assim admitia que Sarah Jane tinha razão. — Bem, certamente Liam tem muitas candidatas a esposa — comentara o pai com admiração, imediatamente lançando um olhar envergonhado para Sarah Jane.

— Stephen Miller, eu não acredito que você está com inveja dele!

— Inveja, não. Claro que não — protestara.

— Espero que não, porque então eu começaria a acreditar que você não aprecia nem a mim nem sua família — comentou Sarah Jane, zombeteira.

— Querida, você sabe que isso não é verdade — respondeu o marido num tom tão terno que encheu os olhos de Samantha de lágrimas.

Como aceitar qualquer coisa menor que o amor verdadeiro quando tinha como exemplo não apenas o casamento fervorosamente feliz de sua irmã gêmea, mas também o de seus queridos e maravilhosos pais e, é claro, o de seus avós, que ainda estão tão perdidamente apaixonados agora quanto naquele distante verão abalado pela guerra, quando se conheceram.

O problema era que Sam parecia ser incapaz de encontrar um parceiro que a amasse e que pudesse ser o pai de seus filhos. O homem que provaria que Cliff estivera errado ao dizer que ninguém iria querê-la.

Oh, como ela gostaria de provar que Cliff estava mesmo errado. Como gostaria de entrar na empresa não apenas de braços dados com o seu príncipe encantado, mas com o ventre grande e maravilhoso com um filho seu... Ou filhos, porque Bobbie ainda não seguira a tradição da família Crighton de conceber gêmeos. No começo da gravidez, Bobbie torcera para isso. Os exames de ultrassom revelaram que ela teria apenas um bebê, embora no fim da gestação Bobbie estivesse se queixando de que estava grande o bastante para estar esperando quadrigêmeos.

Gêmeos! Gêmeos... Eles percorriam a história da família Crighton como um refrão e, estranhamente, a despeito de todos os seus primos — de primeiro, segundo e terceiro graus — que haviam se casado nos últimos anos, nenhum da nova geração tivera partos duplos.

Samantha fechou os olhos. Ela podia se ver, apoiada no braço forte de seu amor, sorriso beatífico no rosto, corpo talvez pesado por estar carregando gêmeos, mas com o coração flutuando com amor e excitação.

— Sam.

O agudo tom de aviso na voz de sua irmã gêmea foi tão nítido, tão real, que Bobbie poderia estar mesmo ali ao seu lado.

Sentindo-se culpada, ela abriu os olhos e compreendeu que alguém realmente falara com ela, mas definitivamente não era sua amada gêmea.

Suspirando cautelosamente, ela levantou o rosto para fitar os olhos verde-prateados de Liam Connolly.

Sim, levantou o rosto, porque Liam, segundo ele próprio, era descendente de vikings por parte da família norueguesa de sua mãe, e embora tivesse cabelos escuros nada nórdicos, era quase oito centímetros mais alto do que ela. Ele era até mesmo mais alto que o pai de Samantha.  

— Oi, L-Liam... — Por que diabos ela estava balbuciando como se alguém a houvesse flagrado com a mão dentro de uma jarra de biscoitos?

Liam fez um gesto na direção da rua movimentada à frente deles e disse, seco:

— Eu sei que você gosta de pensar que é uma supermulher, mas não acho que a melhor maneira de provar isso seja atravessando a avenida de olhos fechados. Além disso, temos uma lei neste estado contra atravessar a rua fora da faixa de pedestres, sabia?

Sam deixou escapar um pequeno suspiro rebelde. Ela não fazia a menor idéia de por que sempre que estava com Liam tinha a impressão de ter novamente 14 anos, quando era perdidamente apaixonada por ele.

— Papai disse que você concordou em concorrer ao cargo de governador quando ele se aposentar — anunciou, tentando mudar de assunto.

— Hum... — Ele a fitou com aqueles olhos que em algumas vezes eram ardorosos e sensuais, e em outras tão frios que pareciam capazes de gelar o coração de uma mulher. — Por acaso você não aprova?

— Você tem 37 anos. New Wiltshire praticamente governa a si mesmo. Eu pensei que você ia esperar amadurecer um pouco para tentar algo maior.

— Como o quê? A presidência? — perguntou Liam. — New Wiltshire pode não significar muito para você, mas acredite quando digo que é muito importante para mim. Você sabia que estamos a um passo de conseguir a aprovação de uma lei que estimulará os cidadãos a entregar voluntariamente suas armas? Você sabia que nós temos um dos índices mais baixos de desemprego do país inteiro e que nossas crianças possuem uma das médias mais altas de aprovação no ensino médio? Você sabia que o nosso programa de auxílio-desemprego é um dos mais aplaudidos...?

— Sim... Sim, eu sei disso tudo, e não estou falando mal de New Wiltshire. Afinal de contas, é o meu lar, e o meu pai é o governador...

Fixando seus olhos cinzentos nela, Liam ignorou o que Sam estava dizendo, inquirindo seriamente:

— Sabia que os jardins que cercam a residência do governador foram declarados um tributo ao gosto e ao conhecimento da esposa de nosso governador...

— Ah, mas fui eu quem projetou os jardins — começou a dizer Sam, fitando-o acusadoramente. — É verdade, você me pegou nessa — reconheceu, curvando a boca num sorriso relutante quando percebeu o bom humor curvar a boca de Liam. — New Wiltshire é um lugar maravilhoso, Liam, eu sei disso. Eu só achei que você iria preferir algo um pouco mais... Um pouco mais provinciano — disse ela secamente, incapaz de resistir e acrescentar: — Afinal de contas, você passa muito tempo em Washington.

— Com o seu pai — retrucou prontamente Liam antes de dizer: — Mas se eu tivesse percebido que você estava sentindo falta de mim...

Sam o fulminou com o olhar.

— Não me venha com essa — alertou-o. — Conheço você, lembra? Eu não sei o que todas aquelas garotas com quem você sai vêem em você, Liam — disse severa.

— Não? Você quer que eu lhe mostre?  

Para sua própria irritação, Sam sentiu-se começar a empalidecer um pouco. Ela sabia perfeitamente bem que Liam estava apenas tentando provocá-la. E havia muito tempo que ele fazia isso.

— Não, obrigada — respondeu automaticamente. — Gosto de ter exclusividade sobre os meus homens. Exclusividade e olhos castanhos — acrescentou, zombeteira. — Sim, eu tenho realmente uma queda por homens de olhos castanhos.

— Olhos castanhos... Hum... Bem, acho que posso passar a manter os meus fechados... Ou usar lentes de contato. No que estava pensando ainda há pouco? — Liam inquiriu, mudando completamente de assunto.

— Pensando?

Samantha sabia perfeitamente bem o que ele iria deduzir se ela lhe contasse. Ele expressaria ainda mais desaprovação e desprezo do que sua irmã gêmea.

— Bem... Nada — mentiu.

Mas então, notando pela expressão dele que iria insistir nesse assunto, acrescentou rapidamente:

— Estava pensando na visita que farei a Bobbie.

— Está indo para a Inglaterra?

Samantha olhou intrigada para ele. Liam estava de testa franzida, e sua voz assumira um tom quase rude.

— Bem, sim, por um mês inteiro. Mais do que o bastante para Bobbie poder colocar em prática suas táticas de casamenteira — comentou irreverente.

— Bobbie está tentando arrumar um marido para você?

Samantha encolheu os ombros.  

— Você sabe como ela é. Está muito apaixonada por Luke, e quer me ver igualmente casada e feliz. É melhor tomar cuidado, Liam — disse de brincadeira.

— Você é ainda mais velho que eu. Ela pode ter os mesmos planos para você! Pensando bem, talvez ela esteja certa. A Inglaterra pode ser um bom lugar para encontrar um homem — brincou Samantha, com uma expressão subitamente melancólica ao se recordar das zombarias de Cliff. — Há algo profundamente atraente nos homens ingleses.

— Principalmente nos de olhos castanhos? — perguntou Liam num tom áspero que não lhe era habitual.

— Bem... Principalmente esses — concordou Samantha.

Mas Liam, tudo indicava, estava encarando esse assunto com muito mais seriedade do que ela, porque desviou o olhar por um instante, e quando a fitou de novo, seus olhos tinham um tom frio e cinzento.

— Por acaso não estamos falando de um determinado inglês de olhos castanhos?

— Um determinado homem? — Samantha estava perdida. — Bem, sim, acho que um seria suficiente — concordou, usando sua melhor imitação de sotaque caipira. — Pelo menos para começar, mas depois... O que você está tramando, Liam? — perguntou a ele, abandonando o sotaque fingido ao notar como ele a observava.

— Eu só estava lembrando da forma como o irmão de Luke olhava para você no casamento de Bobbie - disse com frieza. — Os olhos dele eram castanhos, se me lembro bem.

— James... — Samantha franziu a testa. Ela nem conseguia se lembrar da cor dos olhos dele, mas com toda certeza James era muito simpático e extremamente bonito. Além disso, era muito franco quanto ao seu desejo de se estabelecer e criar uma família, sem qualquer fobia contra compromissos ou preconceito contra mulheres altas e independentes. Nenhuma mesmo.

— Hum... Tem razão, eram castanhos — concordou, brindando Liam com um sorriso. — Sabe, nós teríamos filhos de olhos castanhos.

— O que você disse...

Vagamente, Samantha olhou para Liam. Ela acabara de ter uma idéia maravilhosa.

— Genes de olhos castanhos predominam sobre genes de olhos azuis, não é mesmo? — perguntou a ele, sem esperar uma resposta.

— Sam, você está com algum problema?

Liam agarrou o antebraço dela, não dolorosamente, mas com força bastante para que Samantha reconhecesse que ele não estava determinado a soltá-la.

Samantha soltou um pequeno suspiro e olhou para ele.

— Liam, por acaso você acha que eu sou o tipo de mulher que não poderia... Que um homem não iria... — Ela se calou quando sua garganta ameaçou se apertar em lágrimas, engolindo-as ferozmente antes de prosseguir irritada: — Alguém me disse hoje que não sou mulher suficiente para que um homem me queira... Para que me torne mãe. Bem, vou provar que ele está errado, Liam... Eu vou provar que ele está tão errado que... Eu vou para a Inglaterra e encontrarei um homem que saiba amar e valorizar uma mulher de verdade, a mulher que existe em mim. Ele vai me amar, e eu vou amá-lo tanto que...

Ao notar que ele estava apertando ainda mais o seu braço, ela exigiu:

— Solte-me, Liam. Minha hora de almoço já está acabando e eu tenho um milhão de outras tarefas para fazer...

— Samantha — começou Liam em tom de aviso, mas ela já havia se soltado dele e estava partindo.

Samantha estava pensando no quanto era irônico que justamente Liam, dentre todas as pessoas, houvesse lhe apontado a direção certa. E agora ela não permitiria que ninguém a desviasse de seu rumo. Na Inglaterra ela iria encontrar o seu amor, como sua irmã gêmea havia feito. Por que ela não havia pensado nisso antes?

Os ingleses eram diferentes. Não eram como Cliff. Ingleses... Um inglês iria amá-la tanto como ela desejava ser amada, e ela iria amá-lo também.

Ela já estava lamentando ter contado tanto a Liam. Samantha amaldiçoou sua grande língua. Mas com toda a certeza ela não iria contar a mais ninguém, nem mesmo a Bobbie. Não, sua busca para encontrar o seu príncipe encantado, o pai perfeito para os filhos que ela queria ter, iria ser um segredo seu e de mais ninguém.

Olhos faiscando de felicidade, Samantha caminhou de volta para o prédio comercial onde trabalhava.

 

— Imagine só, em menos de uma semana estarei em Ilaslewich com Bobbie.

Samantha fechou os olhos e sorriu em deliciosa antecipação, se parecendo mais com a adolescente que era quando Liam a conhecera, do que a atual mulher independente e profissionalmente bem-sucedida que se tornara.

No lado oposto da elegante mesa de jantar em mogno — uma herança de família que sua mãe insistira em trazer para a residência do governador, onde eles agora moravam juntos — Sarah Jane Miller sorriu com ternura para a filha.

— Eu realmente a invejo, minha querida — disse a ela. — Queria muito que seu pai e eu pudéssemos acompanhá-la, mas é impossível neste momento.

— Eu sei, mas pelo menos vocês vão conseguir passar o Natal com Bobbie este ano. O mandato de papai já terá terminado então.

— Hum... Devo admitir que não lamentarei isso — respondeu a mãe, e então olhou apologética sobre a mesa para o quarto membro desse quarteto.

Com o passar dos anos, Liam Connolly trabalhara para o marido dela, e os dois homens haviam se tornado muito íntimos. Sarah Jane sabia que não era segredo para Liam que ela preferia a elegante casa que ela e seu marido tinham na Nova Inglaterra do que a atmosfera menos íntima da residência do governador, que também alojava os escritórios administrativos dos casos jurídicos.

— Oh, Liam, estou falando da casa... — Ela parou e riu, balançando a cabeça. — O que estou dizendo é que... Bem, você sabe muito bem que mal posso esperar para voltar para a nossa casa. Espero que quando finalmente decidir se casar, você conte à sua esposa o que ela terá de agüentar quando se mudar para cá.

— É muito otimismo da sua parte presumir que serei eleito governador — lembrou secamente Liam.

— Oh, mas acredito que será — insistiu a mãe de Samantha. — Você é obviamente o homem certo para esse trabalho.

— Sarah Jane tem razão — intrometeu-se calorosamente o pai de Samantha. — E eu posso lhe dizer, Liam, que pelo que tenho ouvido dizer, algumas das mulheres mais bonitas e influentes de New Wiltshire, e até mesmo algumas de Washington, já estão preparando seus jantares de celebração para você.

Educadamente, Samantha fez coro com a risada de sua mãe, mas por algum motivo que ela não conseguia definir, não achou nem um pouco engraçado o fato de Liam estar sendo cobiçado por sofisticadas mulheres de Washington.

— Mas há uma coisa que você terá de considerar, Liam — prosseguiu o pai de Samantha num tom mais sério. — Não digo que sua eleição ao governo depende disso, mas não há como fugir do fato de que como homem casado você teria um apelo muito maior para os eleitores.

Muito cuidadosamente, Liam colocou de volta em seu prato a pêra que estivera descascando. Samantha notou que, ao contrário dela, ele conseguiu remover a maior parte de sua casca sem alterar drasticamente a forma da fruta ou se cobrir de suco. Mas Liam era assim. Ela o vira retirar o paletó para fazer alguma tarefa trivial que exigiria um pouco de seus músculos, e cumprira a missão sem deixar cair nem uma sujeirinha em sua camisa limpa. Ela, por outro lado, não conseguia nem abrir a porta da geladeira sem derrubar alguma coisa.

— A eleição será dentro de poucos meses. — Liam lembrou secamente ao pai de Samantha. —Acho que os eleitores não iriam se deixar impressionar com um casamento apressado e planejado como jogada de marketing.

— Ainda há tempo — comentou o pai de Samantha. — Eu soube que queria me casar com Sarah Jane assim que a vi.

Do outro lado da mesa, os pais de Samantha trocaram olhares amorosos. Sam desviou o olhar. Seus pais tinham muita, muita sorte. Ela mordiscou o lábio com ferocidade. Quando adolescente, sua mãe ralhara com ela, dizendo:

— Samantha Miller, se continuar fazendo isso, esse seu pobre lábio inferior ficará permanentemente dolorido e inchado.  

— Mamãe tem razão — Bobbie sussurrara para ela quando Sarah se retirara da sala. — Mas puxa, como ele vai ficar sexy! Os meninos vão ficar loucos para saber qual é a sensação de beijar você.

— Meninos... Eca! — protestara Samantha. Quem queria meninos quando havia Liam? Como seria a sensação de ser beijada por ele? Ele tinha a boca mais sensual que já vira na vida. Só de pensar naquela boca ela tremia toda.

— Entendo o que quer dizer. — Liam agora estava admitindo ao pai. — Mas pessoalmente não acredito que eu precise me casar para ser um governador melhor. Inclusive, é até provável que tenha exatamente o efeito oposto — acrescentou sardônico. — Afinal, homens apaixonados são notoriamente incapazes de se concentrar em qualquer outra coisa além de sua amada.

— Talvez você pense assim simplesmente porque está apaixonado por sua carreira — sugeriu Samantha, acrescentando antes que Liam pudesse comentar: — Você precisa admitir que sempre deu mais atenção ao seu trabalho do que a qualquer mulher.

— Sam... — objetou a mãe. Mas Liam meramente fez que não com a cabeça.

— Não é à toa que você não é boa jogadora de xadrez. Jamais ataque seu oponente sem já ter seu movimento seguinte planejado. Eu poderia apontar para o fato de que você também se encontra solteira, e que também parece prezar mais sua carreira do que os seus relacionamentos amorosos.

— Não da mesma forma que você — objetou fervorosamente Samantha. — Você deliberadamente escolhe mulheres que sabe que acabarão por entediá-lo. Você não quer um relacionamento sério. Você tem fobia de compromissos, Liam — arriscou-se a dizer. — Secretamente, você tem medo de se envolver emocionalmente com outra pessoa.

— É? Então parece que temos algo em comum.

— Como assim? — perguntou Samantha, desafiadoramente.

— É óbvio que o tipo de homem de que você precisa é um que tenha uma personalidade calma e os pés bem firmes no chão, para compensar o seu gênio intempestivo. Mas você sempre está atrás de sujeitos desequilibrados. Meu palpite é que você se aproxima desses homens mais por vontade de ajudá-los do que por sentir atração por eles. Samantha, você está me acusando de sentir medo de me entregar emocionalmente a uma mulher. Bem, eu diria que você tem o mesmo medo de se comprometer, de se entregar completa e sexualmente a um homem. Com licença.

Sem dar a Samantha qualquer oportunidade de se defender ou retaliar, ele se levantou, pedindo licença aos pais dela.

— Tenho trabalho a fazer. Stephen, amanhã de manhã terei os números que você me pediu.

Enquanto observava Liam contornar a mesa para dar um breve beijo no rosto de Sarah, Samantha temeu estar enrubescida de vergonha. Como ele tivera coragem de dizer uma coisa dessas a ela, e bem na frente de seus pais?

Mas não era verdade, é claro. Como poderia ser? Afinal, não era como se ela fosse uma virgem tímida que jamais houvesse conhecido a intimidade física. Samantha perdera a virgindade numa idade bem razoável, durante o segundo ano da faculdade, com seu então namorado, com quem vinha saindo há vários meses. E se a experiência acabara por se revelar mais um rito de passagem do que a entrada num mundo inteiramente novo de amor perfeito, prazer físico e euforia, não fora muito diferente da experiência de suas amigas.

Mas ao contrário de Liam, ela não tinha uma lista de conquistas sexuais tão longa quanto o seu braço. Abem da verdade, Samanha era uma mulher que jamais dera muita importância ao sexo. Para ela, o sexo empalidecia em comparação ao amor que sentiria por seus filhos. Mas isso era tão errado? Colocar o sexo no topo da lista de prioridades na vida faria dela uma mulher melhor? Samantha acreditava que não, e certamente não ia fingir nutrir um desejo sexual maior ou possuir um longo histórico sexual apenas porque isso era esperado dela.

— Sabe, esta é uma daquelas ocasiões em que me pergunto se você realmente está na casa dos trinta ou se ainda é uma adolescente — o pai de Samantha comentou enquanto se levantava. Samantha se virou bruscamente para a mãe.

— Isso não é justo, mãe, foi Liam quem começou e...

— O seu pai tem razão, meu bem — Sarah interrompeu-a com gentileza. — Você realmente tem uma tendência a provocar Liam.

— Eu provoco ele? — objetou Samantha, indignada, e então ela subitamente sentiu seu rosto ficar vermelho, não por se sentir culpada pelo que dissera, mas por perceber subitamente as conotações sexuais no comentário de sua mãe.

Liam... Sexo... E ela? Não! Não... Ela superara esse capricho há muito tempo.

— Ele merece isso — disse com ferocidade à mãe. — Ele é muito arrogante. Se algum dia chegar a governador, precisará desenvolver uma forma muito mais humana e gentil de lidar com as outras pessoas. Liam é excelente com números e lógica, mas quando precisa lidar com seres humanos...

— Sam, agora você está sendo realmente injusta — asseverou sua mãe. — E eu acho que você sabe disso. Você precisava ter visto a forma como Liam lidou com as crianças no Centro Holístico. — Sarah se calou por um instante e meneou a cabeça. — Juro que vi lágrimas nos olhos dele enquanto estava segurando aquele menininho — comentou com o marido enquanto ele se preparava para sair da sala. — Você sabe de quem estou falando, o menininho autista que eles mandaram para ser avaliado.

— Sim. Liam me disse que se for eleito pretende providenciar para que o centro receba os fundos necessários para operar da melhor maneira possível.

O Centro Holístico era uma das instituições de caridade mais queridas pela mãe de Sam. Fundar e apoiar instituições de caridade era uma característica muito comum entre os Crighton do outro lado do Atlântico. As unidades especiais fundadas por Ruth, avó de Samantha e mãe de Sarah Jane, forneciam abrigo para pais solteiros e seus filhos, e todas as mulheres Crighton dedicavam-se incansavelmente a eventos de arrecadação de fundos para uma grande variedade de causas meritórias. De todas as instituições de caridade apoiadas por Sarah, o Centro Holístico, que tratava integralmente crianças com necessidades especiais, era a favorita de Samantha. Sempre que podia, Sam abria mão de suas horas de folga para ajudar a arrecadar verbas para a instituição.

— Não sabia que Liam tinha visitado o centro — comentou, um pouco agressiva.

— Bem, da última vez que fui até lá, Liam perguntou se poderia me acompanhar — explicou a mãe. — E devo dizer que fiquei muito impressionada com a forma como ele se relacionou com as crianças. Para um homem sem irmãos mais novos e sem filhos, ele certamente tem um jeito muito seguro e especial com as crianças.

— Ele provavelmente está praticando suas técnicas de beijar bebês para impressionar os eleitores!

— Samantha! — objetou sua mãe, claramente chocada.

— Samantha? Samantha o quê? — inquiriu Sam enquanto se levantava. — Sabia que estava exagerando e, talvez, até sendo um pouco injusta, mas por algum motivo não conseguia se conter. Neste momento era ela quem precisava do apoio dos pais, de sua aprovação completa e absoluta... De sua compreensão. Os comentários cruéis de Cliff a feriram profundamente, deixando-a abalada e perturbada. Comentários que haviam deixado uma profunda sensação de infelicidade e insatisfação consigo mesma e com a vida.

— Vocês sempre ficam do lado de Liam — Samantha acusou seus estarrecidos pais, olhos repentinamente reluzindo com lágrimas. — Não é justo.

E então, como a adolescente que seu pai acusaram-na de aparentar, virou-se e saiu da sala.

— Que diabos foi isso? — perguntou Stephen confuso, depois que sua filha havia se retirado. — É uma daquelas coisas de mulher?

— Não. Não é isso. — Sarah Jane balançou a cabeça, fronte franzida relevando sua preocupação maternal. — Estou preocupada com Samantha, Stephen. Eu sei que ela sempre foi inclinada a altos e baixos emocionais. Ela é muito passional e intensa a respeito de tudo... Mas é isso que faz de Sam a pessoa especial que ela é. Só que, bem... Nesse ano que passou... — Ela fez uma pausa, sua testa se franzindo ainda mais. — Estou feliz por ela estar indo visitar Bobbie. Sam nunca admite isso, mas eu sei o quanto ela sente falta da irmã. — Ela se calou enquanto dirigia um sorriso melancólico ao marido. — Lembra-se de quando eram pequenas e era sempre Sam quem bancava a irmã mais velha e protegia Bobbie das outras crianças do quarteirão? E de quando Tom nasceu, e ela cuidava dele como uma mamãezinha? Nós sempre dissemos que Sam iria se casar primeiro e ter filhos, e que Bobbie seria a apaixonada pelo trabalho.

Ela viu que Stephen parecia um pouco embaraçado.

— O que você está tentando me dizer? — perguntou a ela.  

— Não tenho certeza — admitiu. — Sei apenas que tem alguma coisa incomodando Samantha.

— Bem, ela e Liam nunca foram muito com a cara um do outro.

— Não, não é Liam — ressaltou Sarah Jane. — Pobre Liam, sinto pena dele. — Ela soltou uma risadinha. — Acho que houve um momento em que, se não estivesse sentado à nossa mesa de jantar, ele teria reagido com mais energia aos comentários de Sam.

— Hum... Ele e Sam jamais se afinaram — concordou o marido de Sarah.

Sarah Jane arregalou os olhos.

— Oh, mas será... — começou ela, e então parou. — Você acha que ele está levando a sério essa idéia de se casar para fortalecer sua candidatura?

— Não apenas por causa disso — disse Stephen com absoluta certeza. — Ele é honesto e orgulhoso demais para recorrer a esse tipo de tática, mas, como eu disse antes, ele tem 37 anos, e apesar do que Sam disse sobre suas namoradas, ele nunca me pareceu o tipo de homem que precisa alimentar seu ego com um fluxo constante de conquistas sexuais... Longe disso.

— Hum... Acho que tem razão. E considerando a ascendência de Liam, é completamente viável que seu exterior racional esconda um coração muito emocional e romântico. Na verdade, acho que Liam, ao contrário do que Sam disse, está procurando por amor e compromisso. Ele apenas ainda não encontrou a mulher certa. Ela levantou da mesa e beijou carinhosamente a face do marido quando passou por ele.

—Acho melhor subir e ver se Sam está bem.

Uma semana depois, Samantha exalou um pequeno suspiro de vitória e alívio quando finalmente os fechos de sua enorme mala de viagem responderam à pressão de seu peso e travaram.

— Graças a Deus — murmurou Sam.

Ela sabia que iria exceder em muito o limite de peso de bagagem, mas não estava preocupada com isso. Durante as conversas empolgadas com sua irmã gêmea na semana anterior, ficara sabendo que haveria em breve uma série de eventos sociais, tanto em Chester quanto em Haslewich, aos quais Bobbie tencionava levá-la.

— Haverá o Baile do Representante da Coroa no final da sua estadia. Já temos ingressos. Este ano o baile será deslumbrante, porque o Representante da Coroa está se aposentando. Você vai precisar de um belo vestido de noite para esse evento. E também haverá o torneio de caridade de críquete e o chá de morangos. Mas a má notícia é que Luke está com três casos jurídicos importantes em andamento, e pode precisar se ausentar a qualquer momento. E é claro que no meu estado avançado de gravidez não poderei me esforçar muito. Porém, depois que ele ou ela chegar, nós duas teremos de fazer muitas compras. Estou cansada de usar vestidos de gestante.

— Hum... — Sam deixou escapar. — Li que Milão é o lugar para fazer compras no momento. Os preços estão atraentes, e eu adoro os estilistas italianos.

— Aliás, isso me lembra de um detalhe. Não esqueça de trazer algumas calças pescador e jeans. As fabricadas aqui simplesmente não são tão boas quanto as daí. Ah sim, e macacões para Francesca e camisas de malha para Luke e James...

— Como está James? — perguntou timidamente Samantha à irmã gêmea.

— Ele está bem e certamente está ansioso para ver você — provocou-a Bobbie.

Samantha riu em resposta. Na época de seu casamento, Bobbie dissera repetidas vezes à irmã que James se apaixonara por ela. Contudo, na época Samantha simplesmente pensara nele como um simpático futuro cunhado e membro do grande clã dos Crighton.

Mas agora, as coisas eram um pouco diferentes.

Milão não era a única cidade com grandes estilistas. Antes de fazer as malas, Samantha fizera um passeio a Boston. As compras resultantes tinham por objetivo enfatizar que o fato de ser alta não significava, de forma alguma, que não era uma mulher sensual.

Um sorriso de satisfação curvou os cantos da boca de Samantha enquanto ela contemplava o efeito daquelas roupas em sua vítima. James, ela sabia instintivamente, era o tipo de homem que preferia ver uma mulher vestida como uma mulher.

O sorriso de Samantha foi substituído por uma leve expressão preocupada enquanto examinava a mala fechada. Podia estar fechada, mas ainda precisava ser levada para o térreo, e não fazia sentido chamar o homem que cuidava do jardim para ajudá-la. Hyram era um doce, mas estava beirando os setenta anos, e não conseguiria levantar aquela mala. Bem, havia ocasiões em que ser alta e musculosa era uma vantagem, e esta, decidiu, era uma delas.

Ela conseguiu levar a mala até o topo da escada, mas antes de descer com ela para o saguão, onde a deixaria pronta para o seu voo no começo da manhã do dia seguinte, fez uma pausa para descansar. A bendita mala abarrotada deixara-a exausta. Estava com o rosto corado, e o suor gerado pelo esforço deixara vários fios de cabelo colados na nuca. Virando-se de costas para a escada, ela olhou para a mala.

— Não são apenas minhas roupas — disse com severidade à mala. — São da minha irmã e...

— Mas o que...

O som inesperado da voz de Liam na escada às suas costas fez com que Samantha desse um pulo e virasse abruptamente, esbarrando na mala que ela havia deixado precariamente equilibrada num dos degraus. O resultado foi inevitável. A mala, que desobedientemente ignorou seu grito de protesto, deslizou pela escada, passou por Liam, e aterrissou no patamar intermediário antes de colidir contra um robusto baú de madeira. Ali o efeito combinado de sua queda veloz e de seu grande peso fez os fechos se abrirem, deixando o conteúdo da mala escapar e cascatear pelo restante da escadaria.

— Veja só o que você fez! — Samantha acusou Liam. — Se não tivesse me assustado...

— Na minha opinião, você não deveria ter abarrotado essa mala, em primeiro lugar — corrigiu-a Liam secamente, virando as costas para ela enquanto descia. Então, ao chegar ao patamar intermediário, ele se agachou e começou a recolher as roupas caídas no chão.

Mais tarde, na privacidade de seu quarto, Samantha consideraria uma injustiça do destino que as roupas que caíram da mala não terem sido as calças jeans recatadas que estava levando para sua irmã, nem o macacão para sua sobrinha Francesca, nem as camisas de malhas requisitadas por seus cunhados. Não, as peças que caíram foram as roupas íntimas de seda que ela comprara para si durante seu frenesi de compras em Boston. Sutiãs de seda creme franjados com o tipo de renda que deixava bem claro o desejo de uma mulher em seduzir. E, ainda pior, ali estavam no tapete as mais ridiculamente antifuncionais calcinhas francesas que levaram boa parte de seu salário. Somando-se a isso, uma provocante cinta-liga e as meias de seda combinando; não era de admirar que Samantha estivesse se sentindo constrangida diante de Liam, que neste momento levantava os olhos das peças de lingerie em suas mãos para fitá-la.

— Acho que você não está planejando praticar muitos esportes em Cheshire — comentou lacônico. — Ou... — Ele levantou as sobrancelhas enquanto a olhava da cabeça aos pés. — Talvez eu tenha me enganado — prosseguiu num tom sedoso. — Está pensando em caçar, Sam? Nesse caso...

— Não são minhas. São para Bobbie — mentiu fervorosamente Samantha, descendo apressada para pegar de volta as peças íntimas.

— Hum.... Bem, se aceita o conselho de um homem... Algo um pouco mais simples e menos estruturado atenderia muito melhor aos seus propósitos. — Com um olhar de desprezo para o sutiã meia-taça com armação que Samantha segurava, Liam disse: — Esse aí, por exemplo, pode ser excitante para meninos, mas homens... Homens de verdade, preferem algo mais sutil e muito menos tátil... Uma sensual faixa de seda e cetim com correias muito finas, alguma peça sedosa e fluida que envolva suavemente as curvas de uma mulher, insinuando mais do que... Não há nada mais sexy do que a leve insinuação de um decote que você vê quando uma mulher desce a correia do sutiã por seu ombro...

— Bem, muito obrigada pelo seu conselho — disse Samantha, furiosa. — Mas quando eu quiser a sua opinião sobre o que acha sexy, pode ter certeza de que pedirei. Além disso... — Ela se calou repentinamente.

—Além disso, o quê? — perguntou Liam delicadamente, enquanto se curvava para pegar mais uma peça de seda no chão.

Samantha fitou-o. Como poderia dizer a ele que uma mulher como ela, com seios generosamente cheios e arredondados, jamais poderia usar o sutiã pequeno e sedoso que ele estava descrevendo, a não ser se quisesse parar o tráfego.

— Você não comprou essas peças para Bobbie — disse Liam com absoluta segurança enquanto lhe estendia o último sutiã.

— Por que acha isso? — inquiriu Samantha.

— Não é a sua cor — disse com simplicidade. — Ela tem a pele mais clara que a sua, e olhos mais claros. Estas peças são para o seu tom de pele, embora eu ache que café ou caramelo cairiam melhor em você.

— Muito obrigada mesmo — disse Samantha rangendo os dentes enquanto arrancava o sutiã da mão dele. Enquanto Samantha se curvava para tentar ajeitar seus pertences de volta na mala, Liam se ajoelhou ao lado dela.

— Você precisa de outra mala — disse sereno. — Esta aqui, se você conseguir levá-la até o aeroporto, vai acabar abrindo na esteira de bagagens. Isso se ela não arrebentar primeiro. A propósito, você está errada — acrescentou misteriosamente enquanto Samantha tentava ignorar a realidade do que ele estava lhe dizendo. — Não são apenas as mulheres com seios minúsculos que podem andar sem sutiã. Samantha, você tem inibições demais sobre seu corpo, sabia?

— Isso é um fato? Bem, eu lhe agradeço se puder guardar para si mesmo as suas opiniões sobre minhas inibições e meus... Meus seios — asseverou Samantha com uma expressão feroz enquanto se perguntava como ele lera os seus pensamentos.

— Claro que eu concordo que uma mulher precisa usar um bom sutiã esportivo quando vai ficar pulando numa quadra de tênis — prosseguiu Liam como se ela não tivesse dito nada.

Samantha o fulminou com o olhar. Ela e seu pai jogavam tênis na quadra da residência do governador quase todas as manhãs, e ela sempre usava um sutiã esportivo. Assim, o que Liam estava insinuando?

— Olhe, por que você não deixa que eu carregue a mala de volta para o seu quarto para que possa guardar essas coisas em duas malas? — ofereceu Liam. Para a vergonha de Samantha, Liam levantou a mala e conseguiu carregá-la com muito mais facilidade que ela... Carregá-la não para o térreo, mas na direção de onde viera: o seu quarto. Liam abriu a porta com o cotovelo e largou a mala pesada no chão, e Samantha o seguiu para dentro do quarto.

— Eu estava levando a mala lá para baixo... — começou a dizer a ele, mas parou abruptamente. Parado de pé, com os pés afastados e as mãos pousadas nos quadris, Liam não estava olhando para ela, mas para a bela cadeira acolchoada que ficava ao lado da janela.

A cadeira — uma antigüidade — fora um presente de sua avó. Era uma cadeira de balanço da primeira parte do período vitoriano que Samantha mandara restaurar e para a qual ela própria fizera almofadas costuradas a mão.

Mas Samantha estremeceu ao notar que não era a cadeira ou suas almofadas que estava chamando a atenção de Liam.

— Mamãe me fez ficar com ele — começou na defensiva, passando por Liam para caminhar apressada até a cadeira, onde protetoramente pegou o ursinho de pelúcia velho e meio esfarrapado que estava sentado nela. — Ela disse que ele a faz lembrar de quando eu era pequena. Foi dela antes de ser meu e de minha irmã, e depois foi também de Tom e... Oh, você não entenderia. É frio demais. Sem emoções...

— Você também deveria concorrer ao governo — disse Liam, sardônico. — Seu talento para a leitura de mentes poderia ser muito útil.

— Leitura de mentes? — Samantha arfou. — Ora, seu...

— Para sua informação, eu não sou nem frio nem desprovido de emoções. E quanto a Wilfred... — ignorando Samantha, caminhou até ela e tomou o ursinho de suas mãos. — Tive um bem parecido quando era pequeno. Meu avô o trouxe da Irlanda quando era criança.

Samantha arregalou os olhos. Liam raramente falava sobre sua família... Ao menos, não para ela. Sabia que ele não tinha irmãos, e que seus avós, imigrantes da Irlanda, fundaram uma empresa de fretes muito bem-sucedida, à qual o pai de Liam dera continuidade até morrer de um ataque cardíaco quando Liam estava na faculdade.

Com a aprovação de sua mãe, Liam vendera a empresa — com uma excelente margem de lucro. Desde criança Liam soubera que queria entrar para a política, e tanto seus pais quanto seus avós, quando vivos, apoiaram plenamente sua ambição. Mas fora através de sua mãe que Samantha obtivera essas informações sobre o passado de Liam, e não com o próprio.

— Por que ele nunca fala comigo? Por que nunca me trata como uma adulta? — queixara-se certa vez à sua mãe quando Liam ignorara algumas perguntas que fizera sobre seus avós. Na época ela estava cursando a faculdade e trabalhando num ensaio sobre as dificuldades experimentadas pelos imigrantes na primeira parte do século XX, e esperara obter algumas informações em primeira mão sobre o assunto a partir das lembranças de Liam sobre seus avós.

— Ele é um homem muito orgulhoso, minha querida — respondera seu pai, que ouvira sua pergunta exasperado. — Acho que ele tem medo que você menospreze a família dele ou...

— Mas por que eu faria isso? — inquiriu Samantha indignada.

— Bem, Liam jamais esquece o fato de que seus avós vieram para este país com muito pouco; em bens materiais, apenas o que podiam carregar enquanto...

— Ele acha que eu iria menosprezá-lo por que a sua família chegou com os Cabot, Adams e todas aquelas "primeiras famílias" no Mayflower que se tornaram as raízes da política, riqueza e sociedade dos Estados Unidos? — protestara Samantha. — É isso que ele pensa de mim?

— Meu bem, meu bem... — o pai de Samantha gentilmente respondeu. — Tenho certeza de que Liam não pensa assim. É só que ele tem a mesma relutância que sua mãe de ter sua família posta num microscópio. Não por vergonha, muito pelo contrário, mas por um desejo muito natural de proteger seus entes queridos.

— Mas vovó ainda está viva, enquanto os avós de Liam estão mortos — objetara Samantha.

— O princípio ainda é o mesmo — frisara gentilmente seu pai.

Agora, algum impulso que Samantha não conseguiu identificar fez com que perguntasse delicadamente a Liam:

— Você ainda o guarda? O seu ursinho?

As expressões austeras de Liam subitamente se abriram num sorriso quase infantil. Por um momento Samantha teve a impressão de que alguma coisa ou alguém estava manipulando os cordames de seu coração. Claro que isso era impossível; corações não tinham cordames, e se o dela tivesse, Liam Connolly jamais seria capaz de os manipular. Não, a sensação fora causada apenas pela imagem mental que ela formara de Liam ouvindo solenemente as histórias de seu avô sobre sua juventude na Irlanda.

— Sim.

— Você vai poder guardá-lo para os seus filhos e contar a eles as histórias que seus avós lhe contavam — disse Samantha impulsivamente. As feições de Liam mudaram imediatamente, ficando formidavelmente duras.

— Não tire conclusões apressadas — disse a ela.

— Parece que todo mundo está tentando me arranjar uma esposa. Já ouvi até entrevistas de Lee Calder em que ele disse que um governador solteiro e sem filhos não será capaz de compreender as necessidades das famílias do estado. Meu Deus, quando eu penso na forma como ele está tentando reduzir nossos custos em educação...

Lee Calder era o mais sério concorrente de Liam ao governo do estado. Calder era um radical de direita cujas visões o pai de Samantha considerava absolutamente antipáticas. Lee era um homem gordo e careca no meio da casa dos quarenta, casado duas vezes, com cinco crianças que ele mantinha disciplinadas e controladas com extrema severidade. Segundo rumores, o rapaz mais velho demonstrara sua insatisfação roubando dinheiro dos pais e destroçando a casa com um grupo de amigos enquanto a família estava viajando semeie.

A despeito de sua opinião pessoal sobre Liam, Samantha sabia que seu pai estava coberto de razão ao dizer que ele daria um excelente governador. Era um homem de princípios elevados, firme, um líder natural. O estado iria se beneficiar imensamente de ter Liam no comando.

Por outro lado, Lee Calder, embora se promovesse como um devotado homem de família e freqüentador da igreja, tinha várias atividades ilícitas em seus antecedentes, embora nada fosse provado. Samantha se lembrava vividamente da ocasião em que, durante uma celebração oficial, ele a havia agarrado e tentado beijá-la.

Felizmente ela conseguira desvencilhar-se dele, mas não sem antes lhe dirigir um olhar de desprezo enquanto o rejeitava. Na época ela estava com 7 anos e, pelo que se lembrava, a segunda esposa dele estava grávida de seu primeiro filho.

— Não acuse a mim de tentar arrumar uma esposa para você — Samantha desafiou Liam agora.

— Não. A julgar pelo conteúdo da sua mala, você está mais interessada em mudar o seu estado civil — concordou Liam.

— Já lhe disse, aquelas peças íntimas eram para Bobbie — insistiu Samantha.

— E eu já lhe disse que se você realmente quiser arrumar um homem, a melhor maneira de fazer isso será... — Ele se calou quando a viu franzir a testa, e então prosseguiu: — Você sabe que vou levá-la de carro até o aeroporto, não sabe? — Sim — concordou Samantha com um pequeno suspiro. Ela iria acordar muito cedo e já reservara um táxi, mas seu pai era, sob muitos aspectos, um pai muito antiquado.    

— Não, querida, sabe a dificuldade que você tem de chegar a qualquer lugar na hora certa.

— Papai! — protestara Samantha. — Isso foi há anos. Um acidente. Só porque perdi um voo isso não significa...

— Liam vai levar você — anunciara seu pai. Samantha sabia que não adiantaria nada discutir.

— Ele vai aproveitar para pegar alguém, também.

— Alguém... Quem? — perguntara Samantha ao pai, por pura curiosidade.

— Alguém de Washington. Quero que ele a traga para a campanha como sua Relações Públicas. Ela é muito competente.

— Ela? — Samantha levantara as sobrancelhas, a voz foi ficando um pouco mais aguda. — Você não está planejando juntar os dois, está, papai?

— Não se esqueça de dizer à sua irmã que nós a amamos — pedira seu pai, mudando de assunto. — Diga também que mal podemos esperar para ver todos eles.

 

Samantha bocejou enquanto corria os dedos pelos cabelos ainda úmidos. A despeito do banho revigorante que acabara de tomar, seu corpo estava ciente de que eram ainda três da manhã.

Mas ela poderia dormir durante o voo, prometeu a si mesma enquanto passava batom cor-de-rosa nos lábios e sorria para o seu reflexo.

Nada mal para uma mulher que passou dos trinta. Sua pele ainda era clara e acetinada como há dez anos, e, embora agora revelasse mais maturidade e sabedoria em torno dos olhos, era preciso olhá-la muito de perto para notar isso.

James estava no meio da casa dos trinta e possuía aquele ar jovial do qual alguns ingleses eram dotados. Embora tão alto e forte quanto seu irmão mais velho Luke, e igualmente bonito de doer, James possuía uma natureza doce que homens mais austeros, como seu irmão, e até certo ponto, Liam careciam. Ele seria um homem fácil de amar, um maravilhoso marido e pai... E um amante igualmente maravilhoso? O tipo de amante que ela instintivamente sabia que Liam seria.

Samantha baixou seu batom e franziu a testa. Por que diabos isso havia lhe passado pela cabeça?  

Liam como amante...! Seu amante? De jeito nenhum!

Ela verificou as horas. Precisava descer. Liam viria pegá-la em cinco minutos e ele era irritantemente pontual. Embora já houvesse se despedido de seus pais na noite anterior, não ficou nem um pouco surpresa em vê-los descer correndo minutos antes de sua partida, para abraçá-la, beijá-la e reiterar suas mensagens de amor para sua irmã gêmea e também para todos os outros Crighton.

— Não esqueça de que os seus avós deverão chegar a Haslewich enquanto você estiver lá — lembrou a mãe de Samantha.

— Como eu poderia esquecer qualquer coisa que tenha relação com a Vovó Ruth? — retrucou Samantha.

Ruth Crighton, como ela se chamara antes de seu casamento tardio com o pai de Sarah Jane, era afetuosamente conhecida como Tia Ruth por virtualmente toda a família Crighton, e passara a ser chamada de Vovó Ruth por Bobbie, Samantha e o irmão caçula das duas. Finalmente casada com o soldado americano a quem conhecera durante a Segunda Guerra Mundial, Ruth dividia seu tempo com o marido entre Haslewich e a bela casa americana de Grant.

— É melhor não deixar Liam esperando — aconselhou seu pai quando todos ouviram a batida na porta.

Samantha abriu a porta para Liam, que agradeceu antes de caminhar até Sarah e lhe dar um abraço caloroso e natural. Samantha admitiu para si mesma que jamais conseguiria duvidar dos sentimentos de Liam por seus pais. Ela poderia considerá-lo terrivelmente irritante, mas ninguém seria capaz de fingir a expressão de afeto que ele dirigia aos pais dela.

— Estou vendo que você aceitou meu conselho sobre as malas. — Foi o único comentário dirigido a ela depois que estavam dentro do carro dele, com as bagagens no porta-malas.

Samantha olhou de cara feia para ele.

— Você não teve a menor influência sobre a minha decisão de fazer de novo as malas — disse a ele, sem muita sinceridade. — Mamãe quis que eu levasse mais presentes para a família. Ela se calou diante do olhar de desprezo de Liam. — Papai disse que você vai pegar no aeroporto uma especialista em Relações Públicas de Washington — comentou Samantha, mudando de assunto propositalmente.

— Hum-hum.

— Você me surpreende, Liam — disse a ele. — Achei que você era confiante demais para sentir que precisa refinar sua imagem.

— Eu não preciso disso — assegurou-a Liam. — Acontece que alguns dos parceiros do seu pai estão com medo de que Lee Calder esteja planejando se vender como o paladino das famílias, e querem iniciar um exercício de limitação de danos.

— Fazendo o quê? Casando-o com essa Relações Públicas?—perguntou Samantha antes de acrescentar: — Não seria mais simples você se casar com a garota com quem está saindo? Qual é mesmo o nome dela?

— Não estou saindo com garota nenhuma — frisou Liam. — E para ser sincero, Samantha, estou ficando cansado dessa imagem de mulherengo inveterado que você e seu pai fazem de mim. Para sua informação... — Ele se calou, xingando um caminhão que subitamente saiu de uma rua lateral para passar diante deles.

Agradecida pela distração, Samantha não voltou a tocar no assunto depois que o caminhão se foi. Por mais que gostasse de provocar Liam, ela também sabia que era sensato recuar um pouco.

— Eu poderia dizer o mesmo de você, sabia? — murmurou Liam, virando a cabeça para olhar diretamente para Samantha enquanto ela se virava para ele, esperando cautelosamente o que ele diria. — Se está tão determinada a provar aos seus colegas que é mulher suficiente para ser mãe, há formas mais simples de fazer isso do que indo para a Inglaterra procurar por um homem para ser pai do seu filho.

— Se está sugerindo inseminação artificial... De jeito nenhum! —- irritada, Samantha virou-se de costas para ele e olhou calada pela janela do carro.

Liam era um bom motorista, e antes que tivessem cruzado a linha estadual, Samantha adormeceu, corpo angulado em direção ao de Liam, uma das mãos apoiando o rosto.

Depois de ultrapassar um caminhão em segurança, Liam virou a cabeça para encará-la. Samantha devia ser uma das mulheres mais deslumbrantes que vira em toda a sua vida. A irmã dela, Bobbie, era bonita, mas enquanto Bobbie exibia um ar de autocontrole, Samantha era impulsiva, impaciente, quase sensível demais para o seu próprio bem, orgulhosa e...

Liam xingou baixinho. Como ele sabia muito bem, praticamente não havia limites para Samantha poder provar um ponto de vista. E ele também sabia, tendo observado essas mulheres crescerem, que a despeito de todas as influências positivas que elas haviam recebido de seus pais e familiares, ambas, mas especialmente Samantha, eram particularmente sensíveis no que dizia respeito à altura.

Liam se lembrava de ter ouvido uma Samantha bem mais jovem contando à mãe numa voz embargada pelas lágrimas:

— Mamãe, as outras garotas na escola dizem que eu pareço um menino porque sou grande demais... Mas eu não sou um menino, sou uma menina e...

— Só estão com ciúmes de você, minha querida — assegurara Sarah. — Você é uma menina, uma menina muito bonita, esperta e adorável. Uma menina muito feminina — reforçara, e Liam observara Sarah Jane ajudar as filhas a se concentrarem nos aspectos mais femininos de suas personalidades, e a manter suas cabeças erguidas com orgulho e graça. Elas eram realmente altas, e Samantha tivera uma fase de adolescente desajeitada e também quase masculinizada, mas apenas uma fase. Agora ela era toda feminina... Sim... Agora ela definitivamente era toda mulher!

Acordando ao lado dele, Samantha tentou adivinhar o que fizera os olhos de Liam inflamarem-se daquele jeito. Seria uma coisa ou uma pessoa? Talvez a nova RP? — ela respirou fundo.  

Liam podia estar preparado para se curvar aos temores dos lobistas mais conservadores e fazer o convencional, casar-se para aperfeiçoar seu apelo público, mas não havia poder no mundo que pudesse obrigá-la a fazer o mesmo. Seus princípios, sua necessidade de autorrespeito eram fortes demais, mas Liam obviamente era pragmático demais para compreender um ponto de vista tão sensível. O primo James Chester era sensível a esse ponto. Sam notara isso desde o momento em que se conheceram, e ficara tocada pela forma como ele se preocupava com ela.

James.

Samantha já estava começando a sentir um arrepio de excitação só em pensar em vê-lo de novo. Os homens Crighton tornavam-se pais maravilhosos, e até Max, o pária da família, revelara-se súbita e inexplicavelmente um detentor do gene do amor Crighton no quesito ser pai.

— Ele parece mais empolgado com esse novo bebê que estão esperando do que Maddy — confidenciara Bobbie à sua irmã quando lhe passara as notícias de que a esposa de Max, Maddy, estava grávida.

— Um bebê de reconciliação — comentara Samantha. — Bem, espero que funcione... Para o bem do bebê.

— Sabe, fiquei muito impressionada com a mudança na relação deles — prosseguiu Bobbie. — Max parece ter abandonado completamente seu comportamento antigo. Ele agora está morando em Chester, e ele e Luke desenvolveram um relacionamento que no passado eu teria julgado absolutamente impossível. Mas quem mudou mais foi Maddy. Achei que, com Max de volta em casa, recuperado do ataque violento que sofreu na Jamaica e completamente arrependido e determinado a fazer seu casamento funcionar, Maddy iria retornar ao seu papel prévio de esposa e mãe em tempo integral. Afinal, não é um trabalho fácil gerir uma casa como Queensmead, principalmente quando se mora com o velho Ben. Eu sei que ele a ama muito, e que ela também o ama, e é claro que Max sempre foi seu neto favorito, mas isso não altera o fato de que Ben é irascível e nutre visões muito conservadoras. Mas em vez disso, ela não apenas continua com o trabalho que faz para o abrigo de mães e filhos da Vovó Ruth, como também está mais envolvida. Luke me disse que Max admitiu que às vezes precisa marcar hora com Maddy para ter a atenção dela.

— Bem... Eu notei como ela desabrochou desde a última vez em que estive lá — concordou Samantha.

Antes ela sentira que Maddy — muito tímida, apesar de doce e gentil — não era o tipo de pessoa por quem se sentia particularmente envolvida. Mas em sua última visita ela ficara não apenas surpresa e intrigada com sua mudança, como também descobrira o quanto Maddy podia ser interessante e divertida.

— Ela realmente é outra pessoa. A última que ela fez foi institucionalizar uma noite de folga para as mulheres, duas vezes ao mês. Nessas noites, todas nos reunimos e deixamos os homens cuidando dos bebês. Todas nós coordenamos o evento alternadamente, e é sempre muito divertido. O próximo evento será coordenado por mim, e estou pensando se conseguiremos subornar os homens a cuidar mais tempo das crianças para podemos passar uma noite em Nova York.

Lembrando dessa conversa, Sam recordou também como ela havia sentido um pouco de inveja do estilo de vida quase idílico da irmã. Suas próprias amigas, as garotas com quem ela havia crescido e que conhecera na faculdade estavam espalhadas pelos Estados Unidos e mais além. Algumas estavam casadas, outras não, e embora todas mantivessem contato esporádico, não havia entre elas um senso de comunidade, de família, como o desfrutado por Bobbie com suas amigas e seus parentes na Inglaterra.

Em sua infância na Nova Inglaterra, Samantha conhecera o bastante essas comunidades muito unidas para saber que às vezes podiam ser restritivas e até sufocantes, mas... Mas os pontos positivos eram muito maiores que os negativos, e ela às vezes não podia evitar de comparar as amizades que testemunhara nascer entre sua irmã gêmea e os outros membros do clã Crighton às relações vazias com seus colegas de trabalho.

Agora estavam se aproximando do aeroporto, e a rodovia estava cada vez mais engarrafada. Como deveria ser essa mulher, a tal nova RP de Liam? Inteligente? Cintilante? Glamourosa? Tudo isso e provavelmente muito mais, decidiu Samantha. Seu pai certamente parecera impressionado com ela.

Mas por que Sam estava sentindo tanta antipatia por essa mulher a quem ainda nem conhecia? Liam estacionara o carro e estava abrindo sua porta.

— Vou pegar um carrinho para você — informou a ela.

— Pelo amor de Deus, Liam. Pare de me mimar. Sou perfeitamente capaz de conseguir meu próprio carrinho. Não esqueça de que sou uma menina bem crescida...

— Talvez, mas eu sou um homem antiquado — lembrou-a quase rudemente. — Espere aqui...

— Esperar aqui? — Samantha abriu a boca para dizer furiosa que ela não ia fazer isso, mas já era tarde demais. Ele já estava caminhando a passos largos até onde ficavam os carrinhos de bagagem.

Tipicamente, quando ele voltou com um carrinho, ela constatou que, ao contrário do que ela costumava fazer, ele conseguira encontrar um que rodava com maciez e facilidade.

— Liam! — protestou feroz quando ele insistiu em empurrar o carrinho para ela.

— Você é uma pessoa complicada, Samantha. Qual é o seu problema? — ele respondeu à própria pergunta sem lhe dar tempo de formular uma resposta. — Você tem medo de ser mulher. Você tem medo de...

— Eu não tenho problema nenhum — interrompeu-o furiosa. — Eu...

— Sim, você tem — provocou-a Liam. — Olhe a forma como você prefere ser chamada de Sam a Samantha.

— É porque... É apenas por ser mais fácil para as pessoas dizerem... Mais rápido...

Liam levantou as sobrancelhas.

— Talvez mais rápido, mas não tão sexy.

— Sexy! — ela o fitou, chocada.

— Hum... Samantha... — ele pronunciou lentamente o seu nome, arrastando cada sílaba. — Samantha é um nome de mulher e como uma mulher, deve ser pronunciado com o mesmo prazer com que um homem desfruta...

— Grata pela lição de psicanálise — disse Samantha. — Mas tenho que embarcar num avião, lembra-se, Liam? Então, se você quiser desfrutar alguma coisa, sugiro que espere a sua nova RP. Ela pode ficar mais impressionada do que...

— Veja, você está fazendo agora — interrompeu-a delicadamente Liam. — Do que tem medo, Samantha...? Eu posso apostar que não é de ser mulher suficiente, e sim de ser mulher demais.

Samantha o fitou num dos raros momentos em que se percebia privada de palavras. Seu comentário suave chegara perto demais do alvo. Perto demais. O fato de que alguém parecia capaz de enxergar profundamente a sua alma já era surpreendente, mas quando esse homem era Liam, um homem que ela sempre considerara prosaico, prático e frio...

— Preciso fazer o check-in — disse a ele enquanto pegava o carrinho, aliviada por ter uma desculpa não apenas para mudar de assunto, como também escapar de sua presença e de seus próprios pensamentos.

— Hum... — Em vez de soltar o apoio do carrinho, Liam continuou segurando-o, mantendo as mãos perto da mão de Samantha. E então, antes que ela pudesse perceber o que ele pretendia fazer, Liam moveu-se com surpreendente velocidade, cobrindo as mãos dela com as suas para mantê-la cativa, a cabeça curvando até a dela no mesmo segundo em que ela levantou o rosto até o dele em irritada surpresa.

— Li... — começou ela, mas não conseguiu pronunciar mais do que a primeira sílaba do nome dele antes que a boca de Liam estivesse cobrindo a sua.

Ele apenas a beijara ocasionalmente antes, beijos no rosto para cumprimentá-la, de modo que Samantha estava completamente despreparada para a reação que a pressão da boca de Liam evocou nela naquele momento.

A pulsação de Samantha acelerou de repente, deixando-a arfante e tonta. Ou fora a pressão cada vez mais firme da boca de Liam que a deixara assim? Um prazer inesperadamente delicioso e tentador, que a fez gemer baixinho e se curvar em resposta, seus próprios lábios começando a se entreabrir num som de rendição.

Claro que eram as luzes fortes do aeroporto que a estavam fazendo fechar os olhos e então abri-los novamente para focar as profundezas ardentes dos olhos de Liam... Claro.

Lânguida, Samantha sentiu os lábios amolecerem contra os dele...

Foi um beijo tão adorável, ardente e sensual que ela teria de ser de pedra para resistir. Mas... De repente ela enrijeceu, compreendendo para onde seus pensamentos estavam se dirigindo, e com firmeza os enxotou para longe.

— Obrigada, Liam — disse a ele num tom adorável. — Foi muito gentil da sua parte, mas deveria guardar seus beijos para alguém que os apreciasse mais.

Ele levantou as sobrancelhas enquanto a soltava.  

— Se você tivesse apreciado mais então estariam nos prendendo por conduta indecente — retorquiu Liam.

— Indecência... — Samantha fulminou-o com um olhar indignado, preparando-se para a batalha, e então parou, o rosto ruborizando enquanto percebia o olhar breve, mas tremendamente explícito, que ele estava dirigindo ao seu corpo. Obviamente não havia necessidade para ela baixar os olhos para os seus seios cobertos por uma camisa de malha e ver o quanto seus mamilos estavam eretos agora. Ela podia senti-los.

— É apenas que... — começou defensivamente. Liam se calou, balançando a cabeça enquanto lhe dizia secamente:

— Você não precisa dizer a mim o que é, meu bem. Na verdade...

— Estão anunciando o meu voo — disse Samantha, desesperada por escapar.

Ela sabia que estava com o rosto corado, porque sentia o corpo quente. Sua mente estava ardendo com perguntas e sua necessidade instintiva era simplesmente fugir o mais rápido que pudesse, para evitar qualquer tipo de confronto. Não com Liam, mas confronto interno, com o seu comportamento e reações. Segurando o apoio do carrinho, ela começou a se afastar de Liam o mais rápido que conseguiu, evitando ceder à tentação de se virar e ver o que ele estaria fazendo...

A jovem no balcão de check-in dirigiu-lhe um sorriso calmo e profissional enquanto verificava seus documentos de viagem e instruía Samantha a colocar a bagagem na esteira. Podia sentir um arrepio subir e descer pela espinha. Ela simplesmente sabia que Liam ainda estava lá observando-a. Incapaz de se conter, ela girou nos calcanhares, a boca abrindo num pequeno oh de decepção quando não o viu. Ele já havia partido.

Irritada, Sam examinou duas vezes a área onde o deixara, enquanto murmurava:

— Bem, muito obrigada...

Era típico dele, é claro, comportar-se de forma tão insolente e simplesmente partir sem dar qualquer explicação. E com certeza, se tivesse lhe cobrado qualquer explicação, ele teria respondido com algum comentário pouco lisonjeiro.

A jovem do check-in estava indicando que ela precisava seguir até a área de partida. Por um instante, Samantha hesitou, mas não viu qualquer sinal de Liam. Sem dúvida ele deveria estar muito mais interessado em conhecer essa nova RP do que em vê-la partir.

Uma Samantha meio desamparada atravessou o saguão de partida.

De onde estava, bem longe da área mais movimentada do aeroporto, Liam observou Samantha partir para sua jornada.

Beijá-la daquele jeito fora um erro, e erros eram algo que Liam normalmente não se permitia cometer. Erros não eram de bom tom para um político jovem e ambicioso. Jovem... Ambicioso...  

Liam brindou a si mesmo com um sorriso irônico. Jovem ele certamente não era mais. E ambicioso? Recentemente ele se tornara cada vez mais ciente de que absorvera muito mais trabalhando com o pai de Samantha do que a mera mecânica de governar seu pequeno estado.

Stephen Miller era um autêntico filantropo. Alguém que queria realmente melhorar a vida de seus próximos, aumentar suas expectativas de vida e sua crença em si mesmos. Eles haviam desenvolvido uma grande afinidade que estimulara o lado sensível e idealista da natureza de Liam, a herança celta que acreditava tão fortemente no direito da raça humana em ser orgulhosa e livre.

Suas ambições agora não estavam mais centradas em Washington ou na meta pessoal de um cargo elevado. Seguindo os passos de Stephen Miller, ele teria uma oportunidade extraordinária de erguer sobre fundações tão firmes e verdadeiras a sociedade mais perfeita que o homem, com sua natureza inerentemente falha, conseguiria construir. Seu programa de saúde, que vinha batendo recordes em apoiar os mais necessitados, especialmente os idosos, já estava sendo laureado como modelo a partir do qual outros estados poderiam basear seus próprios programas.

O índice de abandono escolar no estado diminuía a cada ano, e um dos objetivos de Liam era encontrar uma forma de motivar os menos dotados intelectualmente e brindá-los oferecendo respeito por si mesmos e pelos outros.

Liam não pretendia enganar a si mesmo. Chegar ao governo era apenas o primeiro passo no que prometia ser uma jornada longa e árdua. Não havia espaço em sua vida, nem agora nem no futuro próximo para... Complicações.

Outras pessoas podiam alegar que ele precisava de uma esposa, mas o tipo de esposa que tinha em mente, conforme sabia muito bem, o tipo de casamento que tinha em mente, era uma parceria política cuidadosamente organizada, um casamento no qual se reconheceria automaticamente que o trabalho estava em primeiro plano.

O lado frio e calculista de sua natureza concordava com isso; o lado celta, idealista e passional, não.

Ele viu Samantha procurar, com uma expressão triste e desamparada, o espaço vazio onde ele estivera parado, e então se virar e seguir seu caminho. Ainda lembrava vividamente do impacto que ela exercera nele na primeira vez em que a vira. Era então apenas uma adolescente, mas sua feminilidade já estava patente para quem tivesse olhos para ver. Embora Samantha fosse um pouco tímida e desengonçada, e estar claramente constrangida com o fato de ter uma queda por ele, Liam notara a força poderosa do ardor feminino que ela acabaria por desenvolver.

Orgulho e paixão: uma combinação perigosa em qualquer mulher, mas especialmente numa mulher como Samantha, que também possuía um potente instinto maternal.

Ele vira a expressão nos olhos dela ao segurar no colo os bebês de outras mulheres, quando ela brincara com a filhinha de sua irmã gêmea. Se o orgulho e o idealismo de Samantha fossem menores do que ele suspeitava, ela já teria, há muito tempo, se acomodado num casamento de conveniência que a permitisse ter filhos. Porém, Samantha não seria capaz disso. Ela jamais abriria mão de ter um amor verdadeiro num relacionamento. Mas agora as piadas cruéis de seus colegas de trabalho a haviam instigado a agir, ela estava determinada a provar que estavam errados.

Liam franziu a testa. Estava na hora de ir esperar o voo que viria de Washington. Samantha estava mesmo certa ao crivá-lo com comentários irritadiços a respeito de Toni Davis. Ostensivamente Toni estava se afiliando à sua campanha na função de relações públicas, mas Liam não era bobo. Ele sabia que o principal motivo para Toni ter sido indicada ao cargo era porque ela tinha potencial para ser uma perfeita esposa de político. Sutil e discreta, disposta a permanecer ao lado do esposo e alcançar suas ambições por meio dele, Toni Davis era a absoluta antítese de Samantha, que jamais aprendera a controlar completamente suas ambições e a admitir que a melhor forma de lutar por suas crenças nem sempre era a mais honesta e franca.

Ele ouviu o anúncio do voo de Washington.

Ao levantar o braço para olhar o relógio de pulso, Liam percebeu que o delicioso perfume emanado por seu paletó era o de Samantha.

 

— Sam... aqui...

Samantha olhou na direção da voz e então agitou os braços freneticamente, a boca se abrindo num sorriso deslumbrante ao ver James Crighton, cunhado de Bobbie e seu primo, na área de espera do aeroporto.

—James, que surpresa adorável! — exclamou Sam, abraçando-o com entusiasmo. Várias pessoas pararam para admirar o casal atraente que os dois formavam. James, alto, moreno e dotado de feições juvenis, e Samantha, quase igualmente alta e deslumbrante com seus cabelos louros, abraçados e beijando-se com afeto genuíno.

— Hum... — murmurou James, um brilho provocador nos olhos quando Samantha começou a se afastar dele. — Isso foi gostoso...

— Muito gostoso — concordou Samantha com uma risada. E então, num tom sapeca: — Quer outro?

Ela teve de rir novamente ao perceber a forma como James a olhava. Eles sempre haviam se afinado bem, mas enquanto ela era propensa a ter reações e emoções fervorosas, James era mais comportado e calmo, o que ela considerava deliciosamente tranqüilizante.  

—As pessoas estão olhando — alertou-a James enquanto seus lábios tocavam os dela.

— Quem se importa? — retrucou Samantha, mas mesmo assim ele a soltou. Que diferença em relação a Liam, que havia ignorado todo mundo ao redor deles.

Liam! Por que diabos ela estava pensando nele agora? Era em James que ela deveria estar concentrada. Samantha o fitou com um olhar analítico. Era fácil nem notar a beleza do sorriso e das feições de James ao compará-lo com a espetacular sensualidade de seu primo Saul, a elegância austera de seu irmão Luke, o apelo brutal de seu outro primo Max. Mas James, ao seu próprio modo, era tão especial e sensual quanto os outros homens da família Crighton, ainda que ele fosse um pouco mais gentil e menos carregado de testosterona. Pessoalmente, ela preferia James aos outros. Sua presença era relaxante e calmante. Ela adorava o efeito tranquilizador que ele exercia, tão diferente da hostilidade que Liam freqüentemente despertava nela. James prometia ser um pai maravilhoso. Ela podia vê-lo agora...

— Bobbie mandou pedir desculpas por não ter vindo receber você. Francesca está um pouco doente e ela não queria deixá-la sozinha.

— Oh, pobre menininha — disse Samantha, instantaneamente compadecida. — Como ela está...? Ela...?

— Nada muito sério — assegurou James. — Está apenas um pouco gripada.

— Bem, foi muita gentileza da sua parte ter vindo me receber — disse Samantha. — A última vez em que falei com Bobbie ela mencionou o quanto você e Luke andam atarefados.

— Felizmente, desde que Max começou a trabalhar conosco, a pressão diminuiu um pouco, ou pelo menos era isso o que vinha acontecendo, mas... Bem, eu não deveria me queixar do fato de que nunca atraímos tantos casos. A Aarlston-Becker tem nos contratado bastante por meio de Saul, e tenho passado mais tempo em Haia, envolvido em longos casos internacionais.

A Aarlston-Becker era a multinacional sediada em Haslewich, e Saul Crighton, membro do lado Haslewich da família Crighton por meio de seu pai Hugh, o meio-irmão de Ruth, avó de Samantha, presidia a equipe jurídica da empresa, de modo que era completamente natural que, quando precisasse da opinião especializada de um advogado, recorresse aos seus parentes.

— Papai tem reclamado muito sobre como a profissão de advogado mudou — prosseguiu James. — Historicamente, é claro, os advogados tinham áreas de especialidade, mas agora essas áreas se tornaram muito mais definidas individualmente. Nós temos até pensado em admitir mais um advogado na firma devido à quantidade de casos de compensação por erros médicos que temos recebido.

— É uma pena que eu não seja qualificada nesse campo — disse Samantha, tímida.

— Você está pensando numa mudança de carreira? — perguntou James, interessado.

— Mais ou menos — respondeu prontamente Samantha, olhos dançando com diversão enquanto ela tentava pensar no que lhe dizer sobre exatamente em qual direção ela estava planejando conduzir sua carreira e por quê.

— Tem algum problema se passarmos na casa dos meus pais no caminho? — perguntou James, enquanto a conduzia até o carro.

— Não, claro que não — respondeu Samantha prontamente. Ela já conhecia os pais de James, encontrara-se com eles e o resto de sua família em várias ocasiões e se afinara muito bem com todos.

Samantha soubera por Bobbie que os pais de James haviam acabado de se mudar para um apartamento térreo numa grande casa vitoriana, às margens do Dee, que fora restaurada recentemente.

— Henry adora o apartamento — disse Bobbie a Samantha, referindo-se ao seu sogro. — Ele passa horas conversando com os construtores a respeito da mão-de-obra, e Pat diz que ele ganhou um novo estímulo para viver desde que assumiu o cargo de síndico. Luke se queixa de que pode ver em Francesca muito da teimosia do pai dele...

—A teimosia do pai dele — repetira Samantha com sarcasmo. Bobbie dera uma gargalhada.

— Certo, certo, eu sei que também sou teimosa, não tenho como negar. Mesmo assim, um pouco de tenacidade não fará mal nenhum a Fran, não se ela quiser seguir a tradição da família e se tornar advogada.

— Fran? De jeito algum! — dissera Samantha à sua irmã gêmea. — Ela irá, no mínimo, se tornar presidente da nação.

O campo de Cheshire ao sol devia ser uma das imagens mais lindas que já vira, refletiu alegremente Samantha, sentada ao lado de James em conforta silêncio enquanto ele dirigia o carro até Chester.

Ao longe posavam imponentes as montanhas inglesas. Séculos atrás ocorreram muitas disputas perto fronteira galesa, e não era de admirar que os reis ingleses tivessem construído tantos castelos para proteger seu rico domínio.

Instigava humildade a lembrança de que os Ronnos haviam cultivado essas terras e extraído o riveio de sal do qual a cidade Haslewich obtivera s riqueza e nome.

Agora o sal não era mais extraído, e o legado que a indústria deixara era de salinas inundadas e prédios perigosamente instáveis.

Como se tivesse lido a mente de Samantha, Jam comentou:

— Temos um caso interessante no momento. Um fazendeiro local está tentando processar a Aarlsto Becker porque ele alega que o peso do quartel general da companhia está causando afundamentos em suas propriedades.

— E está mesmo? — inquiriu Samantha, interessada no assunto.

— É difícil dizer, mas certamente é uma questão que desperta muitas emoções. É a clássica história da velha guarda nutrindo suspeitas sobre os recém-chegados. O caso foi muito divulgado pela mídia local. Aarlston pretende manter a imagem de uma organização ecologicamente sólida, e para proteger essa imagem eles tiveram de optar por indenizar o fazendeiro. As terras dele ficam a mais de um quilômetro e meio da empresa, mas ele argumenta que devido à intrincada rede de minas e túneis no subsolo, o peso do prédio da Aarlston está se refletindo em terrenos localizados a certa distância.

— Hum... Parece má-fé para mim — declarou Samantha.

— Sim, concordo — disse com um sorriso, olhos demorando-se no rosto de Samantha por um tempo que pareceu excessivamente longo para uma simples conversa entre primos.

Uma pequena sensação de felicidade percorreu o corpo de Samantha. Ela certamente tomara a decisão certa quando resolveu vir para a Inglaterra. O que ela não daria para que Cliff testemunhasse a expressão que acabara de passar pelos olhos de James!

Eles teriam bebês lindos juntos, pensou Samantha, suspirando de satisfação. Mantendo a voz cuidadosamente neutra, ela disse a James:

— Com a gravidez e tudo o mais, Bobbie está muito ocupada no momento... — Ela baixou os olhos, tímida. — Eu estava pensando em conhecer um pouco mais a área, e colocar os assuntos em dia com o resto da família.

— Bem, se você precisa de um acompanhante eu ficarei mais do que feliz em lhe oferecer os meus préstimos — respondeu James, galanteador.

Samantha olhou-o com uma expressão um pouco envergonhada e disse:  

— Mesmo, James? Seria muita gentileza da sua parte, mas eu não quero causar nenhum...

— Será um prazer — assegurou James com fervor. Realmente não estava se comportando nada bem, refletiu Samantha com um pouco de culpa, mas fazia isso pela mais nobre das causas, e se não tivesse pressentido que James gostava dela...

Eles agora estavam nas cercanias de Chester, e Samantha podia sentir a excitação começar a crescer dentro dela.

Ela estava ansiosa por rever Bobbie. Ela suspirou exultante e fechou os olhos. Perguntou-se o que Liam diria de Chester. Liam com certeza seria extraordinariamente bem informado a respeito de sua longa história, com cada fato e data na ponta da língua. E enquanto ela estivesse fantasiando sobre o romantismo da história da cidade, ele decerto insistiria em lembrá-la de toda selvageria e derramamento de sangue ocorrido ali. Irritada, Samantha abriu os olhos. Liam! Por que ela estava pensando nele? Só porque ele a beijara? Só porque ela...

— Você está bem? — perguntou-lhe James, sentindo sua tensão.

— Estou bem — assegurou Samantha, mas de algum modo era como se uma nuvem negra houvesse coberto toda a felicidade que ela sentira antes.

Seria estupidez de Samantha comparar o caloroso, afetuoso e quase fraternal, toque dos lábios de James com a invasão atordoante dos lábios de Liam. E por que ela estava fazendo isso? O beijo de Liam não significara nada para ela.  

Talvez não intelectualmente, mas seu corpo certamente respondera ao dele.

Um acidente; uma aberração, um efeito indesejado de sua programação sexual. Sua reação a Liam se resumira a isso, e nada mais.

— Você está tão calada... Está cansada? — perguntou James, solícito.

— Sim, por causa do voo — concordou Samantha, aproveitando a desculpa que ele lhe dera para a sua falta de concentração. James era maravilhosamente respeitoso e prestativo.

— Chegamos — disse James enquanto conduzia seu pequeno carro esportivo entre os portões de ferro que se abriram automaticamente para eles.

Os empreiteiros que renovaram e converteram a imensa casa vitoriana em apartamentos haviam tomado todos os cuidados para tornar a propriedade circundante absolutamente segura. O prédio era cercado por uma calçada de cascalho. Não havia marcações na calçada, mas James informou a Samantha que cada apartamento possuía uma vaga específica, e ai de quem estacionasse em local impróprio.

— Acho que, se dependesse de papai, quem estacionasse no lugar errado seria multado instantaneamente.

— É uma casa magnífica — comentou Samantha, automaticamente estendendo a mão até a maçaneta da porta do passageiro, mas antes que pudesse abri-la, James já estava fora do carro, correndo para abrir a porta para ela.

A filha de um governador estava acostumada a alguma formalidade e protocolo, mas Samantha não conseguia se lembrar da última vez em que algum homem com quem saíra se comportara de forma tão solícita.

De sua posição elevada nas margens do Dee, a casa era voltada para o rio propriamente dito e o campo depois dele, e Samantha podia entender perfeitamente por que os pais de James quiseram se mudar para lá.

— Agora que mais nenhum de nós está na nossa casa, mamãe achou que a casa, que tem três andares e muitas escadas, era grande demais. Assim, ela achou que fazia sentido mudar-se para algum lugar mais fácil de cuidar.

Enquanto falava, James guiava Samantha até a entrada principal do prédio.

Era preciso usar um cartão especial de segurança para ter acesso ao saguão frio e elegante em mármore cor-de-creme e iluminado com um enorme candelabro de cristal.

— E por aqui — disse James, indicando um par de portas com belíssimos desenhos entalhados na madeira.

Parando diante de uma das portas, James apertou a campainha. Quase imediatamente a porta foi aberta pela mãe de James. Embora Patrícia Crighton fosse uma mulher muito atraente, fora do pai que Luke e James haviam herdado suas belas feições morenas.

— Samantha, minha querida, entre — saudou-a Patrícia Crighton, beijando Samantha na bochecha.

A sala de estar à qual Patrícia a levou estava repleta de antigüidades elegantes que Samantha se lembrava da casa anterior da mulher mais velha. Ela notou uma foto recente de sua irmã gêmea com o marido Luke e a filhinha entre outros retratos da família sobre o elegante bufê Rainha Anne.

— Papai está em casa? Trouxe os documentos que ele me pediu — disse James à mãe.

— Ele está no escritório. A propósito, temos uma visita. — Ela parou, dirigindo um olhar cauteloso a James, e então a porta da sala de visitas foi aberta para admitir seu marido e uma jovem que Samantha não reconheceu.

— Rosemary, que diabos você está fazendo aqui? — James inquiriu com um antagonismo tão evidente em sua voz e comportamento que Samantha teve de olhar para ele, surpresa. Subitamente ele estava falando como seu irmão mais velho, um autêntico Crighton. E a expressão em seu rosto deixou absolutamente claro quais eram seus sentimentos pela jovem que acabara de entrar na sala. O que ela teria feito para James — logo ele, que era um doce de pessoa — odiá-la tanto?

Baixa e ruiva, tinha um belo rosto triangular com molares proeminentes e enormes olhos âmbar com reflexos dourados. Embora estivesse vestida de jeans e camiseta, não havia como disfarçar a voluptuosidade de sua silhueta. Sua cintura era finíssima, notou Samantha; tão fina que um homem provavelmente conseguiria cobri-la inteira com as mãos.

— Rosemary, minha querida — começou a dizer a mãe de James, mas a jovem não estava prestando atenção nela. Estava totalmente concentrada em James, fixando-lhe um fulminante olhar de amarga hostilidade.

— Está tudo bem, Tia Pat — garantiu a jovem. — Não preciso lembrar a James que, como esta não é sua casa, ele não tem o menor direito de questionar minha presença aqui. James, a sua mãe me convidou para passar algum tempo com ela — acrescentou, mostrando os dentes num sorriso que fez Samantha pensar numa gata perigosa e feroz.

— Rosemary precisava de férias — disse paliativamente a mãe de James. — Ela se esforçou muito estudando para suas provas finais, e agora que está formada...

— Formada? — interrompeu-a James. — Deus ajude quem precisar... Quem estiver desesperado a ponto de necessitar dos seus conhecimentos médicos, Rosemary. Pessoalmente eu preferiria...

— James! — repreendeu Patrícia.

Duas moedas de vermelho brilhante agora ardiam na pele cremosa da jovem, e seus olhos... Samantha fez uma pequena careta enquanto estudava o brilho furioso naqueles olhos. Ela podia ser pequena, mas não havia como negar a ferocidade de suas emoções.

— Rosemary acabou de terminar sua residência e se qualificou como clínica geral — informou gentilmente a mãe de James a Samantha. — E como sou madrinha dela, achei que seu trabalho duro e dedicação mereciam ser recompensados, principalmente porque seu noivo irá trabalhar no exterior durante o verão.

Enquanto Patrícia falava, Rosemary levantou a mão para mostrar o anel de diamante que estava usando, e a expressão que ela dirigiu a James combinava desafio e triunfo.  

— Está vendo, James? — disse a ele. — Nem todos os homens compartilham da sua opinião a meu respeito.

— Você está noiva! — Era fácil ver o quanto James estava chocado. — O que esse sujeito é? Masoquista?

— James! — ralhou Patrícia Crighton.

— Uma recompensa? — prosseguiu James de onde sua mãe parará. — Então você a convidou a vir para cá durante algumas semanas... — disse, com a voz carregada de desgosto. James virou-se para seu pai, dando as costas para sua mãe e Rosemary. — Aqui estão os documentos que você pediu. Precisamos ir — informou a todos. — Bobbie está nos esperando e Samantha está se sentindo um pouco cansada da viagem.

— Provavelmente tem relação com a falta de oxigênio — disse Rosemary fingindo simpatia. Alguma coisa na doçura ácida de sua voz estava fazendo Samantha concentrar-se mais nela. Quando ela o fez, a hostilidade patente nos olhos da outra jovem deixou-a absolutamente chocada.

— Rosemary... — Ela podia ouvir James começando a dizer, mas estava cada vez mais claro para Samantha que a ruiva tinha um temperamento que combinava perfeitamente com a cor de seu cabelo, porque ela deliberadamente o ignorou e prosseguiu:

— Não deve ser muito fácil habitar uma atmosfera tão rarefeita ou ser tão alta...

Samantha arregalou um pouco os olhos. A hostilidade da outra garota deixou-a completamente perplexa. Ela não costumava aceitar provocações, mas...  

— E verdade, mas tem suas compensações — disse deixando transparecer todo o seu sotaque norte-americano, virando-se da garota para James, que estava parado protetoramente ao seu lado.

Se ficasse nas pontas dos pés, Samantha e James ficariam quase exatamente equiparados ombro com ombro, rosto com rosto, lábios com lábios.

Deliberadamente Samantha fitou os olhos de James. Em seguida Samantha baixou o olhar até a boca de James antes de usar a ponta da língua para tocar seu lábio superior.

— Bem, acho melhor irmos embora — disse James, rouco.

Ao se permitir fitar Rosemary com um lânguido olhar de superioridade, Samantha viu não apenas fúria amarga nos olhos da garota, mas também um luzir de lágrimas.

Lágrimas? Por James? Mas ela estava usando uma aliança que a comprometia com outro homem. Pensativa, Samantha despediu-se dos pais de James e o acompanhou até o carro.

— Não faço idéia do que deu em minha mãe para convidar Rosemary a ficar aqui — disse James, ainda furioso, ao ligar o motor do carro.

— Elas obviamente se dão muito bem, e como Rosemary é afilhada dela...

— Rosemary é uma ameaça... Uma... — disse James. — Mas a minha mãe não consegue ver isso.

— Ela é muito bonita — comentou Samantha.

— Bonita? — James a fitou. — Ela era uma fedelha ruiva com sardas.  

— Bem, ela ainda é ruiva — concordou Samantha.

— Ela costumava passar as férias escolares conosco. Seus pais trabalhavam no exterior e ela estava estudava num internato.

— Você não ia com a cara dela? — presumiu Samantha.

— Nem com a cara nem com o resto — concordou James. — Ela realmente era uma peste. "Eu vou contar para Tia Pat..." — imitou-a, e então balançou violentamente a cabeça. — Eu sei que você deve achar que estou exagerando, mas ela realmente me deixava com os nervos à flor da pele.

Ele não estava fazendo um retrato muito atraente da outra mulher, e Samantha teria concordado com ele, não fossem aquelas lágrimas inesperadas. Mas os sentimentos de Rosemary por James não eram da conta de Samantha, e como ela possuía seus próprios planos para o futuro de James... E como a própria Rosemary estava noiva... Mesmo assim, não conseguiu deixar de desejar não ter visto aquelas lágrimas, que não tivesse percebido o sofrimento da outra mulher.

— Vamos, conte-me as novidades sobre a família — disse Bobbie à sua irmã gêmea.

Estavam sentadas na cozinha confortável de Bobbie. James acabara de sair, e Francesca brincava ruidosamente entre as duas.

— Não há muito a ser dito que você já não saiba — protestou Samantha. — Mamãe e papai mal podem esperar para vir para cá e ver todos vocês...

— Estou esperando persuadir os dois a passarem mais tempo aqui depois que papai se aposentar. A propósito, como está indo a campanha de Liam?

— Papai está convencido de que Liam será eleito, mas tem andado preocupado com o fato de não ser casado. Ele me levou de carro até o aeroporto. Estava indo buscar uma profissional de relações públicas de Washington contratada para ajudar a projetar sua imagem.

— Liam casado? Como você se sentiria a respeito disso? — provocou-a Bobbie.

Samantha crivou-a com um olhar indignado.

— Por que eu haveria de me importar? Só porque já tive uma paixão adolescente por ele...

— Certo, certo... Só estava brincando — assegurou-a Bobbie, mas mesmo assim ela estudou cuidadosamente a expressão no rosto de sua irmã gêmea.

Samantha perdera um pouco de peso e parecia tensa, estressada...

— Sabe, Bobbie, eu a invejo — admitiu abruptamente Samantha.

Instintivamente Bobbie olhou para onde Francesca estava brincando, sabendo, sem precisar colocar em palavras, o que havia em sua vida que despertava a inveja da irmã.

— Você nasceu para ser mãe, Sam — disse Bobbie gentilmente, a expressão subitamente mudando para agudo alarme ao inquirir: — Você não está pensando em dar continuidade àquela idéia ridícula de engravidar através de um programa de fertilização...? — Samantha riu.  

— Não — garantiu à irmã, a expressão ficando mais calma ao admitir: — Eu não quero meus filhos crescendo com inveja dos seus porque eles não têm um pai de verdade.

— Então não há um pai em potencial no horizonte? — sondou Bobbie.

Samantha desviou o olhar.

— Samantha! — exclamou Bobbie. — Existe mesmo alguém... Conte-me... Quem é? Eu o conheço...? Sam...

— Não, eu não vou dizer nada — disse-lhe Samantha, balançando veementemente a cabeça.

— Vou ligar para casa — ameaçou-a Bobbie, com determinação.

— Não é preciso. Papai e mamãe não sabem nada mais do que você.

— Então há alguma coisa para saber...

— Não! — negou Samantha.

Ela não pretendia contar a Bobbie seu plano de casar com James até ter certeza de onde estava pisando. Claro que ela e James se afinaram bem, mas... Ela poderia amá-lo, Samantha tinha certeza, e ela também tinha certeza de que ele poderia amá-la.

Seria um pai perfeito. Ela podia ver isso claramente. Samantha fechou os olhos, visualizando mentalmente sua casa aconchegante e repleta de filhos adoráveis. Ela queria meninos, meninos com cabelos negros e solenes olhos prateados... Olhos prateados... E então seus próprios olhos se arregalaram. E agora, de onde viera essa idéia? Com firmeza, ela corrigiu essa visão.  

Seus filhos, seus gêmeos, teriam olhos da mesma cor que os do pai, é claro. Teriam os olhos castanhos de James.

Tendo acabado de brincar, Francesca se levantou e caminhou imperiosa até Samantha.

— Você me trouxe um presente da vovó?— perguntou a ela.

— Francesca! — ralhou Bobbie.

Mas Samantha apenas sorriu e perguntou secamente à sua gêmea:

— De onde será que ela herdou isso?

— Não de mim — negou Bobbie, mas seu rosto estava rosado. Ela sabia claramente, como se pudesse ler a mente de Samantha, que sua gêmea estava lembrando de um episódio da infância quando Bobbie fizera essa mesma pergunta ao avô.

—A coitadinha da mamãe ficou horrorizada — provocou-a Samantha.

— Não tanto quanto eu quando ela me mandou ficar de castigo no meu quarto. Além disso, eu não esqueci que foi você quem me mandou perguntar — disse Bobbie. Depois que elas pararam de rir, Samantha confidenciou à sua gêmea:

— Comprei roupinhas lindas para ela.

— Sabe, tenho de alertar a você que se não for cor-de-rosa como uma roupa da Barbie, Francesca nem irá olhar.

— Ora, ora... Como você pode duvidar de mim? — respondeu Samantha, sorrindo. — Ela vai adorar.

— Samantha... O que... — começou Bobbie, tom de alerta na voz.  

— Comprei até sapatinhos cor-de-rosa para combinar com o vestido... Estritamente por fins estéticos, é claro — Samantha assegurou à sua irmã gêmea. — E, pensando em você, fiz uma viagem de compras até Boston. Eu lhe trouxe o vestido Donna Karan mais sexy que vi na vida. Ele desce até bem fundo nas costas para revelar... Você não poderá vesti-lo antes de ter o bebê, é claro, mas não vai demorar muito.

— Você comprou... Onde está? Me mostre! — exigiu Bobbie, excitada.

As duas ainda estavam dando risadinhas no quarto de hóspedes, cuja cama estava completamente coberta por roupas, quando Luke chegou a casa, cerca de uma hora depois.

— Tia Sam comprou sapatinhos cor-de-rosa! — informou Francesca, toda orgulhosa, ao pai.

Rindo, Samantha balançou a cabeça enquanto beijava a face de seu cunhado.

— Adivinhe só o que trouxe para você...

—Acho que nem vou tentar — disse Luke, olhando sobre o ombro de Samantha para onde sua esposa, com faces rosadas e olhos brilhantes, segurava na frente do corpo um vestido que Luke percebeu imediatamente que causaria furor caso fosse usado em público. Bobbie parecia uma menininha abraçada a um brinquedo muito desejado, de modo que ele já sabia que de forma alguma seria capaz de convencê-la a não usar o vestido.

— Então, o que você trouxe para o Luke? — perguntou Bobbie à sua gêmea uma hora depois, quando todos estavam reunidos para o jantar.  

Sorrindo para o cunhado, Samantha disse:

— É um taco de golfe, um modelo novo. Acho que você ainda não tem um desses.

— Meu Deus, não me diga que é um iron overlord — sussurrou Luke, esperançoso.

— O próprio! — confirmou Samantha, rindo enquanto Luke se levantava e contornava a mesa para abraçá-la e em seguida exigir: — Onde está? Eu...

— Só depois que tiver acabado de comer, Luke—ralhou Bobbie, como se o marido fosse um menininho.

Às nove da noite Samantha estava pronta para aceitar que o longo voo deixara-a exausta.

— Vocês realmente não se importam se eu me recolher...?

— Claro que não nos importamos — assegurou Bobbie.

—Alguma coisa errada? — perguntou Luke a Bobbie uma hora depois, enquanto lhe dava a caneca de chocolate que acabara de preparar para ela.

— Eu não sei... É só que... Sam está tramando alguma coisa.

— De que tipo?

— Eu não sei, não adianta nada eu perguntar a ela, mas sei que está acontecendo alguma coisa.

— Telepatia de gêmeos? — provocou Luke.

— Tem algo incomodando-a, Luke. Ela está com todas as defesas levantadas para me impedir de descobrir o que é, mas eu sei que há alguma coisa. Eu queria que ela pudesse encontrar alguém especial... Ela quer tanto ter filhos...  

— Eu não tinha notado.

— Bem, pelo menos eu tenho muitas atividades planejadas para distraí-la enquanto ela estiver aqui.

— Hum... Sabe, acho que temos um pequeno problema — disse Luke à sua esposa.

Bobbie olhou interrogativamente para ele.

— Luke...—começou ela.

— Sim, eu sei que concordamos que eu ia tirar uma folga para cuidar de Francesca para que você pudesse entreter Sam, mas...

— Mas o quê...

— O caso Dillinger irá a julgamento na semana que vem, e eu preciso comparecer ao tribunal.

— Oh, Luke, não... — choramingou Bobbie.

— Bobbie, eu sinto muito, mas você sabe como são essas coisas.

Ela sabia, claro que sabia. Luke era um advogado e precisava acompanhar pessoalmente todos os seus casos.

— Sam ficará aqui várias semanas e com alguma sorte o caso será encerrado em duas — confortou-a Luke.

— Bem, eu só espero que Sam compreenda— disse Bobbie.

— Eu realmente sinto muito, Sam — disse Bobbie à sua irmã. — Mas realmente não há nada que Luke possa fazer.

Eles haviam acabado de tomar o café da manhã e Bobbie explicara à sua irmã gêmea que ela não estaria livre para se dedicar a ela, conforme planejara.

Para seu alívio, Samantha não parecia nem um pouco perturbada com a notícia.

— Não se preocupe com isso — disse Samantha.

— Além disso, o bebê que você está esperando significa muito mais para mim do que passeios e petiscos. E para ser sincera, James já se ofereceu para me acompanhar pela cidade, caso eu precise de companhia.

Com um sorriso trêmulo, Bobbie estendeu as mãos para segurar as de sua irmã gêmea.

— Este bebê está me deixando mais cansada, e tanto meu médico quanto Luke insistiram que eu descansasse — admitiu, olhos brilhando ao acrescentar:

— Ao menos terá James para cuidar de você. Você e James sempre se deram bem. Além disso, o caso de Luke deve estar encerrado dentro de 15 dias e...

  

— Hum... Bem, isso deve ser tempo suficiente. — Samantha mordeu o lábio ao compreender que havia expressado seus pensamentos em voz alta.

— Para o quê? — Bobbie perguntou, curiosa.

— Oh, nada... Só quis dizer que 15 dias devem ser mais do que suficientes para que o caso seja concluído — mentiu Samantha, rapidamente mudando de assunto: — Como Fran está na escola? Você estava preocupada por ela estar um pouco atrasada.

— Sim, eu estava, mas Luke disse que ela só tem quatro anos e ele não quer que a obriguem a se esforçar demais. Disse que prefere que ela exercite naturalmente a sua curiosidade.

— Bem, acho que ele tem razão. Lembra como nós duas ficávamos indisciplinadas quando íamos à casa do vovô? E aquilo certamente não nos fez mal.

— Não, suponho que não.

— Olívia nos convidou para almoçarmos juntas hoje.

— É mesmo? Que bom. Como vão ela e Caspar? — perguntou Samantha afetuosamente, e em poucos minutos as irmãs estavam imersas numa atualização detalhada do que estava acontecendo na família Crighton nos seus ramos em Haslewich e Chester.

— É uma pena que Vovó Ruth não possa estar aqui agora — comentou Bobbie.— Sabe, eu estava querendo me encontrar com ela e o vovô — admitiu Samantha. — Mas posso entender por que ela achou que precisava ir a Pembrokeshire. Como vai a Ann?

Ann Crighton, esposa de Hugh Crighton, sofrerá um acidente que a obrigara a ficar hospitalizada durante várias semanas.

— Bem, está em casa agora, e os médicos confirmaram que ela irá se recuperar completamente, mas Hugh está morrendo de medo que ela tente se esforçar demais. Ela foi proibida de subir escadas ou fazer qualquer coisa além de caminhar muito devagar até que suas costas estejam completamente curadas.

— É assustador quanto dano até um pequeno acidente de carro pode causar — Samantha estremeceu.

— Pelo que vovó disse a mamãe, o carro estava quase parado e praticamente só encostou nela.

— Sim, eu sei — concordou Bobbie sobriamente.

— Eu passei semanas com medo de andar com Francesca no carro, e também posso entender porque Hugh pediu a Vovó Ruth que o ajudasse a manter Ann ocupada enquanto está se recuperando.

— Eles formam um casal adorável, e embora vovó jamais diga isso, suspeito que ela prefere secretamente Hugh a Ben, embora Ben seja seu irmão de pai e mãe, e Hugh apenas meio-irmão.

— Sim... Mas só porque duas pessoas sejam irmãs, isso não significa que gostem uma da outra.

Isso foi dito com tanta solenidade que fez Samantha olhar fixamente para a irmã por alguns instantes antes de perguntar:

— E que conclusões devo tirar disso, querida irmã?

Bobbie olhou para ela, o rosto relaxando num sorriso.  

— Não se preocupe, não estou tentando dizer que não gosto de você... Se bem que às vezes eu te detesto... — disse de brincadeira. — Não, não somos nós... Mas...

— Mas o quê? — encorajou-a Samantha quando ela se calou.

— Bem, você sabe como as famílias podem ser às vezes... Irmãos e irmãs... Eles nem sempre se afinam...

— Rivalidade entre irmãos... Bem, certamente conhecemos alguns casos entre os Crighton. Se quiser um exemplo clássico, basta olhar a família de Jon e Jenny. Louise e Katie positivamente já odiaram Max, e...

— Sim, sim, eu sei o que você está dizendo, mas não estou falando deles...

Bobbie se calou novamente e então começou a usar a ponta do dedo para traçar um padrão abstrato na mesa de madeira da cozinha.

— Estou falando de Fran e o novo bebê — admitiu enrouquecida depois de vários segundos. — Acho que ela está começando a ficar um pouco enciumada... Mesmo antes de o bebê nascer.

Bobbie parecia muito abalada.

— Mas, Bobbie, isso é natural — Samantha defendeu imediatamente sua sobrinha. — Ela tem todos os motivos para ficar um pouco enciumada — disse Samantha com convicção. — Tudo ficará bem.

— Sim, eu sei que tudo ficará bem — concordou Bobbie, acrescentando gentilmente: — Você será uma mãe maravilhosa, Sam.

Embora Samantha tenha rido, um pouco mais tarde, enquanto sua gêmea estava ao telefone com Olivia, confirmando os preparativos para a sua visita, ela não conseguiu conter uma pequena pontada de inveja. Aqui estava sua irmã, sua gêmea, conversando sobre ter seu segundo bebê enquanto ela, Samantha, ainda nem tinha meios para ter o seu primeiro. Mas, com um pouquinho de sorte, ela teria em breve, disse a si mesma.

Tudo que Samantha ouvira e vira de James durante a viagem de volta do aeroporto no dia anterior confirmara a decisão que ela já tomara. Não havia dúvida nenhuma a respeito disso. Ele em perfeito para ser pai. Além disso, ela realmente gostava dele, apreciava sua companhia e conseguia facilmente se imaginar formando com ele um casal feliz. De súbito Samantha estava muito impaciente por revê-lo e colocar seu plano em ação. Certo, ela podia não estar apaixonada por ele, mas a paixão surgia sob muitos disfarces.

Não havia nada moralmente errado no que estava planejando e, se não tivesse visto nos olhos de James que ele poderia ser facilmente estimulado a se apaixonar por ela, Samantha não teria planejado isso.

Ela havia chegado a uma decisão — era hora de abandonar seu sonho de encontrar sua outra metade. Ela poderia não estar perdida de paixão por James da mesma forma que sua gêmea estivera por Luke, mas gostava dele e apreciava sua companhia. James era tão simpático que ela não conseguia imaginar uma só pessoa que fosse capaz de não gostar dele, exceto Rosemary. Ela jamais vira uma pessoa provocar uma reação tão intensa e explosiva em outra. Ele realmente não gostava de Rosemary. Pobre garota.

— É melhor sairmos agora — disse Bobbie a Samantha ao desligar o telefone. — São dez horas, e precisamos estar de volta às duas para que eu possa pegar Francesca a tempo.

— Você acha que Olivia e Caspar terão mais filhos? — perguntou Samantha a Bobbie meia hora depois, enquanto Bobbie dirigia até Haslewich.

— Eu não sei. Ela agora está trabalhando em tempo integral. Ela e o Tio Jon sempre falam em admitir um novo sócio, mas embora nenhum deles reconheça, o principal motivo que os impede de fazer isso é o fato de que desde o começo os sócios da firma sempre foram membros da família. Há uma boa safra de jovens Crighton que um dia podem querer se qualificar como procuradores da justiça e ingressar na firma, mas neste momento... Tullah, a esposa de Saul, trabalha em meio-expediente com eles dois dias na semana.

— Eles não podem admitir alguém como assistente em vez de sócio pleno? — indagou Samantha.

— Bem, eles poderiam fazer isso, e é exatamente o que Max tem tentado convencer o pai a fazer. Cada vez mais parece que Jack irá optar por treinar algum jovem como procurador de justiça, mas ainda falta muito tempo para isso, e no momento Jenny está reclamando que anda tão atarefada que quase não tem tempo de ver Jon.

— E quanto a Joss? Ele não tem planos para o futuro? — perguntou Samantha à sua irmã.

Joss, o filho caçula de Jon e Jenny, era cotado entre seus parentes como o maior candidato para se tornar um grande advogado, e Samantha sabia que Bobbie gostava muito desse adolescente, que fora o primeiro membro da família Crighton que ela conhecera em sua primeira visita a Haslewich.

— Pelo menos uma dúzia de planos — disse Bobbie com um sorriso. — Ele é tão bonito, Sam... Ele é uma pessoa muito especial, tão especial que às vezes é difícil evitar não menosprezar Jack.

— Sabe, eu queria saber o que aconteceu com David, o pai de Jack. Jack recebeu alguma notícia dele?

David Crighton, o irmão gêmeo de Jon, era o pai de Jack e Olivia. Enquanto se recuperava de um ataque cardíaco, David simplesmente se retirara das vidas de sua família, e desde então fizera poucas tentativas de entrar em contato com ela.

Samantha sabia que Olivia não tinha a menor vontade de que seu pai retornasse às suas vidas. Antes que David desaparecesse, Olivia e Jon descobriram que ele estava desviando dinheiro da conta de uma de suas clientes. Graças à intervenção de Ruth, a desagradável questão fora resolvida sem um escândalo. Samantha ouvira da boca da própria Olivia que ela jamais havia perdoado seu pai pelo que ele fizera. Sua mãe, que havia se divorciado de David durante sua ausência, agora estava casada de novo e morando no sul da Inglaterra.

Olivia jamais fora muito próxima de seu pai nem de sua mãe, ao contrário de Jack, seu irmão caçula. Jack escolhera, de livre e espontânea vontade, morar com sua tia e o tio, em vez de com sua mãe.  

— Então você acha que Olivia não terá mais filhos — repetiu Samantha.

— Acho que ela gostaria e eu sei que Gaspar também — disse Bobbie. — Seu trabalho permite que ele tenha mais tempo para passar com seus filhos do que Livvy, mas, para ser honesta, desconfio que esse seja um assunto muito delicado entre os dois no momento. Eles iam sair de férias este ano para visitar a família de Gaspar nos Estados Unidos, mas tiveram de cancelar os planos porque Livvy estava ocupada demais.

— Haslewich se tomou uma cidade muito próspera — disse Samantha. —A extensão da rodovia fez com que várias indústrias se mudassem para cá, e isso, é claro, gerou mais oferta de empregos, o que por sua vez gerou um crescimento do mercado imobiliário. Os preços das propriedades subiram, e vários condomínios de luxo e shopping centers estão sendo construídos nos arredores da cidade.

— Não que isso não cause problemas. Pergunte só a James. Ele acaba de ganhar uma causa para um de seus clientes contra uma construtora.

— Mal consigo imaginar James como promotor. Ele sempre é tão gentil e prestativo. Se bem que...

— Se bem que o quê? — questionou Bobbie enquanto reduzia a velocidade do carro para pegar a saída da rodovia para Haslewich.

— Bem, quando ele me trouxe do aeroporto para cá, nós demos uma parada na casa dos pais dele. Havia uma garota lá, uma tal Rosemary. Nunca vi James reagir com tanta antipatia a ninguém. Imagine, a atitude dela contra ele foi extremamente...

— ... provocante? — sugeriu Bobbie. Samantha olhou para ela.

— Eu ia dizer "agressiva". Você a conhece, Bobbie?

— Já estive com ela. Ela esteve hospedada na casa dos pais de Luke e James no último natal, e eu fui até lá visitá-los com Francesca. Francesca não estava passando muito bem, e Rosemary foi simplesmente um amor com ela. Rosemary acaba de se qualificar como clínica geral, e Pat me disse que ela está tentando se especializar em pediatria. Ela certamente leva muito jeito com crianças.

— Então você gostou dela — declarou Samantha.

— Bem... Sim, gostei, mas entendo o que você sentiu a respeito dela e James. Quando eles estão juntos, fagulhas voam por toda a parte. Quando era adolescente, ela passou vários meses morando com Henry e Pat. Na época os pais dela trabalhavam no exterior. Luke já não estava morando com os pais, mas James estava, e eles dois simplesmente não se afinaram.

— Ora, ora... Que belo cenário — comentou Samantha enquanto olhava, pela janela do carro, para a bela paisagem da região campestre de Cheshire.

— Muito mesmo — concordou Bobbie.

— É muito pacífica — enfatizou Samantha. Bobbie riu.

— Pode ser agora, mas espere só até chegar à casa de Livvy!

A casa de Olivia e Caspar ficava no subúrbio da cidade de Haslewich, uma longa fileira de prédios baixos cercados por jardins amplos.

Enquanto Bobbie parava o carro na garagem, Olivia abria a porta da frente. Ela veio correndo receber as duas.

Olivia era magra e enérgica, com cabelos encaracolados que reluziam ao sol e um sorriso fácil que curvou sua boca ao saudá-las.

— Bobbie... Sam... — Olivia abraçou cada uma das duas e em seguida gesticulou na direção da casa.

— O dia está tão lindo que pensei em almoçarmos no jardim. Mas quase tive de cancelar — confessou Olivia, enquanto as conduzia até as portas que se abriam para um belo pátio calçado em tijolinhos vermelhos. — Eu estive representando um cliente no tribunal na semana passada, e o caso foi suspenso até hoje. Mas o caso que está em julgamento ainda não terminou... Felizmente.

— Você representa muitos casos em tribunal? — perguntou Samantha a Olivia, enquanto se acomodavam em cadeiras confortáveis e Olivia servia café às duas.

— Muitos. No começo eu gostava, mas ando meio cansada. Eles têm causado muitos desentendimentos entre mim e Caspar, principalmente porque impedem que eu possa estruturar minha vida profissional para combinar com a dele.

— E aposto que você não está disposta a contratar mais uma babá em tempo integral, por medo que ela fuja com outro dos seus primos — provocou Bobbie.

As três riram, lembrando que Bobbie trabalhara durante algum tempo para Olivia e Caspar ao chegar pela primeira vez a Haslewich.

— Bem, sempre há esse risco. Mas embora de vez em quando nós contratemos alguém, Caspar e eu gostaríamos nós mesmos de cuidar das crianças. O problema é que, neste momento, Caspar está cuidando muito mais deles do que eu, e isso cria problemas entre nós. Eu fico enciumada — admitiu Olivia. — Sei que parece bobagem minha, e certamente nada moderno, mas eu me sinto muito mal quando as crianças ralam os joelhos e correm para chorar no colo de Caspar em vez do meu.

— Você não poderia reduzir sua jornada de trabalho? — sugeriu Samantha, prática.

Olivia revirou os olhos expressivamente.

— Quem dera... Eu e Jon sabemos que a única saída seria contratando pelo menos um, ou talvez dois, procurador da justiça, mas o problema é que todos com as qualificações necessárias gostariam de ser efetivados automaticamente como sócios, e jamais poderíamos fazer isso com Ben ainda vivo. E mesmo que ele não estivesse, acho que eu e Jon somos Crighton o bastante para não querermos diluir essa parceria. Claro que poderíamos também recusar trabalho, mas... — Ela ficou subitamente melancólica. — Isso colocaria os negócios em risco. Não, no momento estamos num beco sem saída, e não importa quantos assistentes juniores contratemos, Jon e eu somos os únicos membros seniores da equipe. Entretanto, hoje estou tirando o dia de folga.  

— Como vai a sua família? — perguntou ela a Samantha, mudando de assunto.

— Estão bem — respondeu Samantha. — Mamãe e papai estão ansiosos pela aposentadoria de papai, que será no fim do ano. Então eles virão para cá, é claro.

— Todos nós estamos muito ansiosos por revê-los... Especialmente a Tia Ruth, é claro. A propósito, como vai o divino Liam?

As sobrancelhas de Samantha se levantaram subitamente à menção da pessoa que atualmente ocupava o posto de sua menos favorita. Ela não havia confidenciado, nem mesmo para Bobbie, sua reação ao beijo, sem precedentes e absolutamente inesperado, que Liam lhe dera no aeroporto.

— Ele está bem. Em breve concorrerá na eleição para governador do estado.

— Governador. Ele vai ser o governador mais sexy que os Estados Unidos já tiveram. — Olivia revirou os olhos novamente. Ela havia conhecido Liam alguns anos atrás, no casamento de Bobbie e Luke.

— Sexy! Liam? — começou a protestar Sam, e então ela se calou, cobrindo os olhos com a mão para ocultar sua expressão.

Ela não achava Liam sexy, claro que não, mas a lembrança daquele beijo ainda perdurava perturbadora, não apenas em sua mente, mas também em seus sentidos.

 

O telefone estava tocando quando elas entraram casa, ao voltar de sua visita a Olivia. Bobbie atendeu e então estendeu o aparelho para Samantha.  

— E para você — disse secamente, sobrancelhas erguidas. — É James.

— James! — exclamou Samantha numa voz feliz enquanto aceitava o telefone e propositalmente virava as costas para a irmã.

— Esta noite... Sim... Eu adoraria... — Sam concordou. — A que horas? Sim, acho que às oito da noite seria ótimo.

"James me convidou para jantar esta noite", disse à irmã gêmea depois de falar ao telefone. — Ele disse que abriram um novo restaurante na região do rio que vem recebendo excelentes críticas.

Bobbie abriu a boca como se estivesse prestes a dizer alguma coisa, mas a fechou enquanto examinava o rosto corado e os olhos alegres da irmã.

James e Samantha?

Bem, sua irmã gêmea certamente jamais encontraria um parceiro mais afável e indulgente do que James, e certamente faria bem a Sam ter em sua vida um homem que contivesse seu gênio impetuoso. Mas seria James forte o bastante para domar Samantha? Samantha às vezes tramava idéias e planos mirabolantes e sem qualquer ponto de vista prático. Ela tinha uma tendência a ser impulsiva e idealista, e também era extremamente determinada. Ela precisava de um homem que não apenas fosse capaz de entendê-la e amá-la, como também compartilhar e igualar o lado profundamente passional e intenso de sua natureza. Bobbie sabia que essa era uma encomenda bem difícil, mas na sua opinião, Sam merecia o melhor.  

James era um doce de pessoa e nada deixaria Bobbie mais feliz do que vê-lo acomodado e casado. Ele já sofrera decepções no amor e, se alguém merecia ser amado, era James. Mas seria Samantha a mulher certa para ele? James gostava de ordem e calma; de rotina e limpeza, e, sendo virginiano, às vezes tendia a ser quase maníaco por asseio. Sua mesa, escritório e casa eram modelos de ordem e limpeza.

Sam, em contrapartida, podia viver feliz em meio ao tipo de caos que fazia as outras pessoas arregalarem os olhos de inveja ou rangerem os dentes em desespero, dependendo de suas naturezas.

Ela era obstinada, vital, vibrante, mudando de um extremo para outro no espaço de alguns minutos. Samantha possuía uma força de viver que despertava nas outras pessoas fascínio ou desprezo. Para Samantha não havia meias-medidas, enquanto James era o epítome do compromisso.

Mesmo assim, há quem diga que os opostos se atraem...

— Se você vai para perto do rio, é melhor levar um casaco quente — alertou-a Bobbie. — Pode ficar muito frio perto da água à noite.

 

Previsivelmente, Samantha ainda estava no andar de cima, arrumando-se, quando James chegou.

Bobbie deixou-o entrar e o abraçou e beijou carinhosamente.

— Sam não vai demorar — assegurou. James abriu um pequeno sorriso.

— Bom. Eu reservei uma mesa para as oito e meia, o que nos deixa tempo apenas para ir de carro até lá e pedir uma bebida no bar antes de nos sentarmos à mesa para comer.

Bobbie olhou para trás, aliviada em ouvir os passos da irmã gêmea na escadaria — Samantha estava descendo. E certamente vestira-se para a ocasião, refletiu Bobbie ao ver sua irmã.

O belo vestido de linho aderia ao corpo de Sam, enfatizando a feminilidade de suas curvas. O efeito de creme sobre creme — tecido sobre pele —gerava um efeito de suave delicadeza, enquanto os cachos de seus cabelos recém-lavados concediam um ar jovial.

— Onde está o seu casaco? — perguntou Bobbie quando Sam passou por ela.

— Se eu sentir frio, pedirei emprestado o paletó de James — disse Samantha, sorrindo maliciosa para a irmã.

— Você vai precisar de um casaco — alertou-a James, ecoando inconscientemente o comentário de Bobbie.

Samantha hesitou, dividida entre protestar afirmando que não era uma criança e, se decidira por não usar um casaco, essa escolha fora sua, ou se permitir deleitar com a preocupação masculina de James, com a qual estava tão pouco acostumada.

No fim, ganhou a segunda opção, e ela subiu correndo, para logo retornar com um fino xale de cashmere sobre os ombros.

— Muito bonito — aprovou Bobbie.  

— Você está adorável — disse James com absoluta sinceridade, sorrindo ternamente para ela enquanto estendia a mão para ajustar o xale de modo a alinhar ambas as pontas na mesma altura.

As sobrancelhas de Samantha se ergueram, mas ela não teceu nenhum comentário.

— É melhor irmos — informou James. — Não queremos chegar atrasados e perder a mesa.

Bobbie, que sabia que sua irmã gêmea sofisticara o atraso a uma forma de arte, mordeu a língua para não comentar nada enquanto desejava ao casal uma agradável noite.

— Sam e James? — exclamou Luke mais tarde, quando Bobbie lhe contou o acontecido. Ele levantou as sobrancelhas, intrigado. — Você só pode estar brincando. James sabe precisamente quantos pares de meias possui e onde estão. Eu ficaria surpreso se a sua irmã conseguisse achar uma única peça de roupa em seu armário em menos de uma semana!

— Bem, você talvez tenha razão — concedeu Bobbie. — Só que Sam provavelmente não teria de procurar no armário, mas numa pilha sobre a cadeira ou o chão de seu quarto. Mas os opostos se atraem — lembrou Bobbie, esperançosa.

— Hum... Os opostos também têm os casos de divórcio mais amargos e dolorosos. Acredite em mim, eu já os vi com os meus próprios olhos.

— Bem, James parece muito interessado...

— Talvez ele esteja agora. Mas espere até Sam derramar sorvete no terno dele, perder sua bolsa e o deixar trancado fora de seu próprio carro — sugeriu Luke.

Como em sua última visita Sam cometera esses três crimes contra Luke, Bobbie viu-se incapaz de defender a irmã.

— E as manias de James vão enlouquecer a Sam — disse Luke com mais seriedade. — Ela vai acabar ficando magoada com ele ou talvez até odiando-o.

— Não acha que eles podem se apaixonar? — perguntou Bobbie.

— Pela idéia de estarem apaixonados, sim, mas um pelo outro... Não!

No jardim privativo e suavemente sombreado do restaurante, Samantha começou a colocar seu plano em ação. O ambiente romântico que James escolhera para o jantar certamente iria ajudá-la, e ela estava gostando de desfrutar da atenção plena de James, verificando se estava bem aquecida, se sua cadeira era confortável, se o menu estava ao seu gosto.

Era uma sensação maravilhosa ser paparicada assim.

— James, você vai me deixar mimada — disse Samantha baixinho enquanto se inclinava sobre a mesa para segurar sua mão por um tempo muito breve, mas suficiente para insinuar intimidade sutil.

Quando o garçom chegou com os seus pedidos, Samantha decidiu que seria perfeitamente adequado dar um beijo de boa noite em James como agradecimento por uma noite perfeita. E quando ela o beijasse...!

Um sorriso leve e malicioso curvou as pontas dos lábios de Sam.

— Sabe, você me assusta um pouco quando me olha desse jeito — confessou James.

— Eu? Assusto você? — Sam revirou os olhos, maliciosa.

 

— Então, Toni, a sua opinião profissional é de que eu não conseguirei me eleger governador se não tiver uma esposa — declarou Liam.

Estavam sentados de frente um para o outro na privacidade do apartamento de Liam, porque Toni Davis insistira que o assunto que queria tratar era vital para o sucesso da campanha e eles não deviam correr o risco de serem ouvidos.

Ele observou enquanto ela arqueava uma sobrancelha e o brindava com uma visão de seu perfil perfeito enquanto fazia um biquinho antes de dizer:

— Eu não diria isso, mas não há dúvida de que uma considerável parcela dos eleitores dará preferência a um governador que tenha o tipo certo de esposa.

— O tipo certo de esposa? — indagou Liam, também levantando as sobrancelhas.

— Liam, eu trabalho como relações públicas há muito tempo em Washington, e nós dois sabemos que, para ser bem-sucedido, um político precisa desfrutar do tipo certo de apoio de sua parceira. Tenho certeza de que nós dois já vimos políticos falharem em alcançar seus objetivos por problemas em suas vidas domésticas. Seus eleitores acreditam que um governador casado compreenderá melhor as suas necessidades. Nós dois sabemos que só uma categoria muito especial de mulher é capaz de compreender as pressões inerentes de um alto cargo.

"Na minha opinião", prosseguiu Toni Davis, "o melhor casamento político é aquele em que ambos os parceiros trabalham juntos, visando um objetivo comum, e compreendem perfeitamente seus papéis na relação. Para um homem em cargo de alto escalão é de importância vital ter como aliada uma esposa que seja absolutamente compromissada com ele e o seu sucesso".

— Esse não é um ponto de vista um pouco antiquado? — perguntou Liam.

— Pode ser antiquado, mas funciona — disse-lhe Toni com firmeza.

— Então você acredita que um político deve se casar por praticidade em vez de por amor? — desafiou-a Liam.

— O amor romântico raramente dura muito, e também pode causar muitos problemas. Um político bem-sucedido não dispõe de tempo para desperdiçar com emoções — disse Toni calmamente. — Liam, você é um homem sensato e ambicioso, de modo que deve entender o que estou expondo.

Liam fitou-a, pensativo.

Sim, ele entendia muito bem o que Toni Davis estava dizendo. Desde o momento em ele que a recebera no aeroporto, Toni deixara bastante claro que não era apenas sua expertise em relações públicas que ela pretendia colocar ao dispor de Liam. Ela podia não ter dito diretamente que gostaria de ser a esposa do governador, mas com certeza deixou isso claro de muitos outros modos.

Stephen Miller dissera confidencialmente a Liam que ouvira de uma fonte segura em Washington que, durante vários anos, Toni mantivera um caso com um congressista muito importante.

— Ele era muito mais velho que ela e sua esposa sofria com uma doença terminal. Dizem que Toni estava preparada para assumir o papel de segunda esposa do congressista. Porém, quando finalmente perdeu a esposa, o congressista se casou com outra, e Toni jurou que encontraria uma maneira de se vingar dele.

— E ela conseguiu?

— Bem, ele não é mais congressista.

— Hum... Que mulher simpática!

— Ela certamente sabe o que quer — dissera Stephen Miller.

Enquanto a ouvia se aprofundar neste tema e começar a listar as muitas vantagens do tipo de casamento que propunha, Liam refletiu que fazia sentido o que ela dizia, e que certamente seria uma esposa admirável para um político ambicioso. Infelizmente, havia dois bons motivos para ele não ser capaz de aceitar o que ela propunha.

— Bem, entendo o que você quer dizer — interrompeu-a Liam com firmeza. — Mas acho que eu também sou antiquado e acho que estaria enganando os eleitores se me casasse apenas para conseguir seus votos. Chame isso de orgulho, se quiser. Entenda, eu gostaria de ser amado pelo que sou, tanto pelos eleitores quanto por minha esposa — concluiu gentilmente.

Toni ainda o fitava com o rosto corado e a boca permanecia aberta vários segundos depois quando ele caminhou até a porta e a abriu para ela.

Um pouco mais tarde naquele mesmo dia, Liam passou na residência do governador para falar com Stephen Miller.

— Ele está no escritório — disse Sarah Jane a Liam, com um sorriso. — Como foi sua reunião com Toni hoje de manhã? — perguntou afetuosa. — Stephen disse que ela está absolutamente determinada a garantir a sua eleição.

— Bem, neste momento suspeito que ela não esteja muito satisfeita comigo — admitiu Liam. Quando viu que Sarah Jane esperava mais detalhes, elucidou: — Não posso me casar apenas para ser eleito. Toni acredita que o tipo certo de esposa me trará vantagens, e ela pode estar certa, mas...

Enquanto falava, Liam correu os olhos por um instante para uma fotografia de Samantha que estava numa das mesinhas do corredor.

Sarah Jane acompanhou o olhar de Liam e esboçou um sorriso. Na fotografia, Samantha usava seu vestido de formatura e, uma vez na vida, parecia comportar-se de acordo com a solenidade do momento.

— Sabe, Liam, houve momentos em que tive medo de estar prejudicando a carreira de Stephen. Não escondo de ninguém o quanto estou ansiosa para que ele se aposente.

— O que é óbvio para mim é que o amor de Stephen por você e por sua família significa muito para ele, muito mais do que ser político — disse Liam, com sinceridade.

— Quando era mais nova, Sam odiava a carreira do pai, porque costumava mantê-lo tempo demais longe de nós — comentou Sarah Jane enquanto caminhava até o porta-retrato com a foto da filha e o pegava.

— Sim, lembro-me disso. E não era só a carreira dele que ela odiava intensamente — retrucou Liam, seco.

Sarah Jane riu.

— Sim, é verdade. Ela passou por uma fase em que culpava você pelas ausências do pai. Sam sentia ciúmes porque você passava a maior parte do tempo com ele em Washington, e ela precisava ficar aqui. — Sarah Jane suspirou. — Pobre Sam. Ela nunca seria uma boa esposa de político. Eu costumava pensar que depois que crescesse, ela seria menos impulsiva e intensa, mas... Eu vou dizer a Stephen que você está aqui, Liam — ofereceu-se Sarah Jane, recolocando o porta-retrato no lugar e caminhando até o escritório do marido.

Quando se viu sozinho, Liam pegou a fotografia de Sam. Sarah Jane tinha razão. Sam nunca seria uma esposa de político. Ela nunca iria se satisfazer em ser um acessório, mantendo-se em silêncio sempre que fosse aventado um assunto pelo qual nutrisse interesse passional. Ela nunca colocaria a carreira de seu marido na frente de suas crenças. Nunca diria aos seus filhos para não incomodarem o pai com seus problemas por ser um homem ocupado e importante. Nunca permitiria que seu homem, seu parceiro, acreditasse que ela teria de se manter discretamente ao fundo. E nunca, jamais, aceitaria o tipo de relacionamento asséptico e racional que Toni lhe descrevera.

Sim, havia cem — não, mil — motivos pelos quais Sam jamais seria uma boa esposa de político.

Ele estava cuidadosamente recolocando o porta-retrato em sua posição original quando Stephen chegou apressado, Sarah Jane não muito atrás.

— Eu estava falando com Toni ao telefone — começou ele, mas Liam o interrompeu.

— Sim, e posso imaginar o que ela lhe disse, mas vou manter o que eu disse a ela. Os eleitores deste país precisam me querer como seu governador tanto quanto eu mesmo — disse Liam, com firmeza. — Mas não foi isso que vim dizer a você. Vou tirar algumas semanas de folga.

Stephen o fitou, estarrecido.

— Como assim? Agora? Bem no meio da campanha...?

— A campanha pode prosseguir alegremente sem a minha presença durante algum tempo. Na verdade, o eleitorado pode até descobrir que uma dieta exclusiva de Lee Calder pode deixar uma vontade de experimentar um tipo diferente de político.

— Bem, você pode ter razão. E certamente não conseguirá tirar folgas depois que for eleito. Aonde planeja ir?

— Irlanda — respondeu Liam imediatamente.

— Irlanda... — O casal Miller o fitou incrédulo.  

— Faz algum tempo que planejo fazer uma visita à Irlanda... Reencontrar minhas raízes, esse tipo de coisa — disse Liam vagamente.

— Ora, a Irlanda fica bem perto de Cheshire. Para chegar lá é preciso apenas atravessar o Mar da Irlanda — disse-lhe Sarah Jane entusiasmada. — Talvez você possa fazer uma visita a Bobbie enquanto estiver lá. Eu sei que ela adoraria vê-lo.

Liam deu de ombros.

— Bobbie talvez, mas duvido que Sam goste.

— Bem, isso pode até ser verdade. — Sarah Jane fez uma pausa e então riu. — Apesar de que, pelo que Bobbie me disse, Sam está muito ocupada no momento. Ela tem saído muito com James desde que chegou.

Enquanto os pais de Samantha trocavam sorrisos, nenhum deles notou a forma como Liam contorceu a boca enquanto fitava a fotografia da filha do casal.

Sentada na cozinha de Bobbie, Samantha apoiou o queixo na mão e suspirou desconsolada. Até agora seus planos não tinham corrido da forma como previra.

James estava se comportando exatamente como ela esperava, um acompanhante prestativo e protetor e uma companhia divertida e interessante, mas por mais que Sam tentasse, não conseguia convencê-lo a aprofundar seu relacionamento para um nível mais íntimo.

Um bom exemplo era a primeira noite em que eles haviam saído juntos. Depois que deixaram o restaurante, eles caminharam às margens do rio, um cenário absolutamente romântico. Samantha inclinara a cabeça um pouco em direção a James, sorrindo calorosa quando ele parou de caminhar para olhá-la. Contudo, em vez de abraçá-la e beijá-la, conforme esperava, ele a fitara um pouco carrancudo e lhe dissera que as bordas de seu xale corriam o risco de escorregar de seus ombros.

Mais tarde, quando, ao parar o carro diante da casa de Luke e Bobbie, James realmente se movera para abraçá-la, Sam ainda estava tão irritada com o seu comportamento excessivamente cuidadoso que fingira não entender suas intenções. Assim, ela saltara do carro antes que ele pudesse detê-la, e então lhe dera um beijo frio na face, desejando-lhe secamente uma boa noite.

Depois ela se arrependera por ter cedido à sua irritação, mas já era tarde demais.

No dia seguinte, por insistência de Sam, ele a levara ao zoológico, mas as travessuras dos animais claramente não faziam o gosto de James, que interrompeu a visita assim que pôde, sugerindo que fossem visitar o museu de sal de Haslewich, que ele tinha certeza de que Sam acharia muito mais interessante.

Como Samantha começava a descobrir, sob sua aparente gentileza e tranqüilidade, James escondia uma natureza fortemente determinada, para não dizer teimosa. Ele não era exatamente dominador ou ditatorial, mas às vezes adotava um distanciamento que a irritava, instigando-a ao tipo de comportamento rebelde que ela julgara ter abandonado junto com a puberdade. E mesmo assim ele era tudo que ela sabia que deveria querer. Ela precisara apenas vê-lo com os filhos de Olivia e com Francesca para saber que ele tinha tudo para ser um pai maravilhoso.

E Rosemary era mais uma complicação para os seus planos. A despeito de estar noiva e nutrir um declarado ódio por James, ela grudava neles como um chiclete no sapato.

— Pobre Rosemary, temo que ela ache um tédio estar comprometida com um homem muito mais velho — comentara a mãe de James a Samantha no dia anterior, na terceira vez em que Rosemary insistira em acompanhá-los.

Se Rosemary estava tão entediada, então por que não voltava para casa, para ficar com os seus próprios amigos? Samantha sentiu vontade de perguntar, mas conseguiu guardar sua opinião para si mesma.

— Ela e James não se suportam. Então por que ela insiste em sair conosco? — dissera a Bobbie na noite anterior, quando, no último minuto, a mãe de James conseguira convencê-lo a deixá-la acompanhá-los para assistir uma peça ao ar livre, dentro do festival realizado anualmente numa mansão elisabetana das redondezas.

Bobbie olhara para ela com cara de quem sabia muito bem o motivo.

Mas no fim de semana James iria levá-la para jantar no Grosvenor, e ela pretendia não deixar que Rosemary se intrometesse nesse programa. James morava na cidade a uma curta distância a pé do Grosvenor, o hotel mais prestigiado de Chester, e Samantha decidira cometer a audácia de sugerir que, depois do jantar, James a levasse para conhecer sua casa. Se isso não deixasse claro o que tinha em mente, então ela podia desistir.

Não que ela estivesse planejando seduzi-lo. Claro que não. Além disso, ela sabia, pelo brilho em seus olhos quando a fitava, que ele a achava atraente. Ela apenas achava que o relacionamento deles precisava de um empurrãozinho na direção certa para progredir um pouco mais rápido que agora.

James simplesmente não fazia o tipo apressado. Ele era cavalheiro demais para isso, e assim ela precisava deixar claro para ele... O quê? Que ela queria que ele a levasse para a cama?

Samantha franziu a testa. E ela queria isso? Ela queria que eles se tornassem amantes?

Bem, claro que ela queria. Afinal, de que outra forma eles iriam conceber seu filho? Em algum momento ela seria obrigada a... Obrigada?

— Você está muito pensativa. Samantha olhou para sua irmã.

— Não, na verdade não... Só estava pensando no que usar quando sair para jantar com James no Grosvenor, no sábado.

— Bem, deve ser algo bem requintado. A clientela do Grosvenor é muito elegante.

— Hum... — Samantha não queria admitir à sua irmã gêmea que estava mais preocupada em vestir algo que impressionasse James do que os outros freqüentadores.  

— Mamãe telefonou enquanto você estava fora. Você nunca irá adivinhar a última.

— Então me diga — convidou Samantha.

— Liam está na Irlanda.

— Liam está onde?

— De folga na Irlanda, procurando por suas raízes.

— Mas Liam jamais folga. Jamais. E quanto à campanha?

Bobbie deu com os ombros.

— Sei apenas o que mamãe me contou. Oh, ela disse que aquela RP voltou para Washington.

— Talvez Liam tenha ido para a Irlanda procurar uma esposa — sugeriu Samantha, cínica.

— Oh, Sam, você não está sendo nada justa com Liam.

— Ele quer ser governador, você não pode negar isso.

— Não, não posso, mas ele quer vencer a eleição não apenas por si mesmo, mas também por causa de papai. — Vendo a expressão incrédula de sua irmã gêmea, Bobbie insistiu: — É verdade. Liam sabe o quanto papai deseja que ele siga os seus passos, o quanto significaria para ele poder se aposentar sabendo que está deixando o estado em mãos confiáveis. Além disso, Liam também sabe o quanto mamãe está ansiosa pela aposentadoria de papai.

— Liam é apenas o assistente de papai. Você está falando dele como se fosse um membro da família.

— Ora, e não é! Você sabe o quanto mamãe e papai gostam dele.  

— Gostam demais, na minha opinião — murmurou Samantha. — Eu me lembro muito bem de todas as vezes em que eles ficaram ao lado dele contra mim.

— Quando? Ah, você quer dizer como naquela vez em que você queria sair com aquele atleta da faculdade e Liam contou aos nossos pais que ele tinha uma péssima reputação. Liam estava apenas tentando proteger você, só isso.

— Tentando me proteger... — Samantha revirou os olhos. — Tá bom...

— Você está sendo severa demais com ele, Sam. Eu sei o quanto papai o respeita, e papai é um excelente juiz de caráter. Vovó e vovô também gostam muito dele.

— Isso porque ele sempre dá um jeito de que as pessoas vejam apenas o seu lado bom — asseverou Samantha.

— Oh, Sam... — Bobbie riu e balançou a cabeça. — E pensar que você já foi caidinha por ele. — Bobbie fitou demoradamente sua gêmea, antes de perguntar: — Por acaso você ainda não está magoada com ele por não ter correspondido aos seus sentimentos, está? Deve saber que ele não podia namorar você, tanto do ponto de vista moral quanto de qualquer outro. Você era menor de idade, filha do patrão dele, e...

— Media quase l,82m e parecia mais um menino do que uma menina. E usava aparelho. Sim, eu sei, mas ele não precisava ter me tratado como se... Como se... Como se eu fosse ridícula — frisou Samantha.

— Como se você fosse ridícula? Ele nunca disse isso.  

— Ele riu de mim e...

— Samantha, ele estava apenas fazendo pouco caso da situação, para rejeitar você da forma mais gentil possível. Eu acho que...

— Em todo caso, para a sua informação, eu não guardo rancor nenhum dele. Para ser sincera, até acho que você tem razão e que ele é a pessoa certa para seguir os passos do papai. E espero que ele ache uma esposa na Irlanda — acrescentou generosamente.

— Bem, você poderá dizer isso a ele pessoalmente quando vier nos visitar no fim de semana.

— Ele vai fazer o quê? — inquiriu Samantha, fitando-a.

— Ele está vindo nos visitar — repetiu Bobbie com calma. — Parece que foi a mamãe que sugeriu.

— Liam aqui! Liam está vindo para cá, para Haslewich!

Samantha começou a mordiscar o lábio inferior. Ela ainda tinha lembranças perturbadoras daqueles momentos que passara nos braços dele quando Liam a beijara. Ilógica e muito perigosamente, elas sempre pareciam aflorar à superfície quando ela estava com James! Samantha se forçou a dar de ombros, fingindo indiferença.

— Bem, é uma pena, mas talvez eu nem o veja. Você já se esqueceu que vou ao Grosvenor com James no sábado?

Ela ia ao Grosvenor e passaria a noite com James, embora fosse a única coisa que sabia desse plano.

— Pois acho que você irá vê-lo. Porque ele vai ficar hospedado no Grosvenor.  

Samantha sentiu o coração começar a afundar. Ela e Liam podiam ter sepultado suas antigas diferenças, mas... Mas, num momento de fraqueza, ela havia se aberto para ele, expondo seus temores e vulnerabilidades. Agora ela não tinha a menor intenção de vê-lo vigiando seus movimentos enquanto punha em ação seus planos para um futuro com James.

— Na verdade, estou pensando em programar um almoço de família no Grosvenor no domingo.

— Se Liam encontrar uma esposa enquanto estiver na Irlanda e a trouxer para cá, podemos transformar o almoço numa comemoração de noivado — sugeriu Samantha, sarcástica. — Talvez seja bom encomendar um bolo.

— Hum-hum. Mas seria para Liam e sua prometida, ou para você e James? — inquiriu Bobbie, acrescentando com um olhar de soslaio: — Você já lhe contou sobre sua vontade de fazer amor a céu aberto?

— Isso era apenas uma fantasia adolescente — disse Samantha, rosto subitamente corado. Era verdade que ela sempre tivera essa fantasia de fazer amor tendo apenas o céu como teto, em algum lugar privativo e secreto, um lugar especial que pertenceria apenas a ela e ao seu amante.

Mas uma fantasia que dificilmente seria concretizada. De algum modo, ela não conseguia imaginar James compartilhando-a com ela. Fantasias nem sempre eram transpostas muito bem para a vida real.

Um tanto insegura, Samantha examinou seu reflexo no espelho de corpo no quarto de hóspedes de Bobbie.  

A lingerie sedutoramente feminina que comprara em Boston parecera uma boa idéia na época, mas agora que a estava usando... Com certeza a seda era muito mais fina e provocante do que ela se lembrava. Ela franziu a testa enquanto observava a forma como o tecido aderia às suas curvas, delineando adoravelmente cada detalhe de seu corpo.

— Sam... Acabo de lembrar... Uau! — Bobbie parou de repente ao entrar sem cerimônia no quarto da irmã, olhos arregalados ao vê-la.

— O vestido que estou usando é de jérsei acetinado, e requer alguma coisa especial por baixo — defendeu-se Samantha, mas pôde ver, pelas sobrancelhas erguidas e pelo sorriso malicioso, que Bobbie não estava convencida.

— Por que não tentou um corpete simples? — indagou Bobbie, seca.

— Não tinham no meu tamanho. Você sabe como é difícil achar o meu número — defendeu-se Samantha.

— Olha, não estou dizendo nada contra — garantiu Bobbie. — Se você quer usar lingerie sexy, pode usar. Aliás, você sempre teve uma queda para... — Ela se calou e riu. — Lembra-se daquela confusão que você armou quando estava apaixonada por Liam e mamãe a levou para comprar seu primeiro sutiã? Você se recusou a aceitar um sutiã comum, e implorou que ela comprasse um acolchoado!

— Isso foi anos atrás — objetou Samantha. —Além disso, mamãe se recusou...

— Bem, você certamente não precisa de nenhuma ajuda para aprimorar suas curvas agora — disse Bobbie sem papas na língua. — Então, onde ele está? — inquiriu.

— Onde está o quê? — perguntou Samantha, intrigada.

— O vestido... que exige essa lingerie tão sexy — disse Bobbie.

— Está aqui — virando-se, Samantha caminhou até o armário e retirou o vestido que planejava usar naquela noite. Um vestido cor de baunilha de seda sintética de corte simples, cujo decote fez Bobbie arregalar os olhos de inveja.

— Ei, se você se cansar dele, pode deixá-lo na minha lata de lixo.

Samantha riu.

— Vamos, vista-o — comandou Bobbie. Obediente, Samantha tirou o vestido do cabide e o vestiu.

O suave tecido cor de baunilha assentou sobre o seu corpo como se tivesse sido feito exclusivamente para ela, aderindo perfeitamente às suas curvas.

Samantha escolhera um sutiã com costas baixas, sabendo que o profundo decote em V do vestido exporia um sutiã normal.

— É maravilhoso — arfou Bobbie, e então franziu a testa e perguntou: — Você consegue caminhar para fora dele?

— Eu não sei. Não tentei. Por que pergunta? Bobbie sorriu.

— Bem, é que há um toque seriamente sexy num vestido que pode ser retirado deslizando pelo seu corpo. — Ela fez uma pausa e fitou judiciosamente os olhos da irmã gêmea. — Embora eu suponha que também defendo os vestidos que necessitam de um par extra de mãos para serem removidos.

— Eu não comprei este vestido com... nada assim em mente — disse Samantha, firme.

— Nada assim o quê? Sexo?

— Olhe, são seis horas — informou Samantha.

— James virá me pegar dentro de meia hora, e não irá gostar que me atrase.

— Certo, certo, captei a mensagem. Assunto encerrado, eu vou embora...

Enquanto caminhava até a porta, Bobbie parou e se virou para dizer à irmã:

— Se quiser ouvir a minha opinião, essa peça que você está usando é muito mais adequada a Liam do que a James!

— Pela última vez, eu não escolhi minha roupa de baixo com um homem em mente. Nenhum homem.

— Quem disse que estou falando da sua lingerie! — Bobbie riu. — Estou falando do vestido. Muito sexy. Muito... Liam.

Bobbie ainda estava rindo ao sair e fechar a porta.

— "Muito Liam..." — remedou Samantha enquanto se observava preocupada no espelho.

Realmente notara que James parecia preferir muito mais quando ela usava roupas clássicas, roupas elegantes e talvez mais austeras do que sensuais. Na noite anterior ela o flagrara olhando de cara feia para a reveladora blusa sem mangas que Rosemary estivera usando. De suave cor de cereja, a blusa realmente não era adequada a uma raiva, mas de algum modo em Rosemary caíra muito bem.

— Você realmente acha que deveria estar vestindo algo assim? — perguntara James a Rosemary.

— Por que não? — desafiara-o imediatamente Rosemary.

— Bem, uma mulher na sua posição... — retrucara calmamente James.

— Uma mulher na minha posição? — por um momento Rosemary pareceu pasma, e então soltou uma gargalhada. — Você quer dizer uma médica?

— Não. Quis dizer uma noiva — dissera-lhe James, claramente ofendido por sua risada.

Em resposta, Rosemary dirigira-lhe um sorriso zombeteiro.

— Acontece que foi justamente o meu noivo que comprou esta blusa.

— Ficarei feliz quando ela finalmente voltar para casa — dissera James algum tempo depois quando eles ficaram a sós.

Esteve na ponta da língua de Samantha o comentário que se a companhia de Rosemary o desagradava tanto, então a forma mais fácil de evitá-la seria deixando de visitar seus pais enquanto Rosemary estivesse lá, mas então ela lembrou a si mesma que talvez estivesse sendo um pouco injusta. Em todas as ocasiões em que haviam passado na casa, fora em benefício do pai dele.

— Oficialmente, papai está aposentado. Mas ele gosta de ficar a par de tudo — James explicara a Samantha.

A preocupação e a consideração que James nutria por seus pais era mais um indício do tipo de homem que era, reconheceu Samantha. James, ela suspeitava, jamais perderia um evento esportivo ou uma peça de Natal da qual seus filhos participassem. Ele sempre estaria presente para torcer por eles e ouvir os seus problemas.

Conversando com Olivia, Sam logo percebeu que ela queria aumentar sua família.

— O instinto biológico é muito forte no lado feminino da linhagem Crighton — dissera Olivia alegremente a Samantha. — Achei que você deveria saber.

— Fico pensando se Maddy está esperando gêmeos — comentou Bobbie com um pingo de inveja.

— Se está, ainda não disse a ninguém — informou Olivia.

— Estou impressionada com o quanto Max mudou.

Olivia e Max jamais haviam tido realmente um bom relacionamento, e Samantha percebeu a relutância na voz de Olivia ao concordar.

— Ele realmente parece ter sofrido uma metamorfose muito drástica. Inclusive, acho que Luke e James tiveram muita coragem de admiti-lo em sua firma.

— Luke diz que eles estão se afinando muito bem — dissera-lhe Bobbie. — Ele até disse que está sentindo falta de Max e que está ansioso para que ele volte de suas férias.

— Bem... Ele não é o único — retrucara secamente Olivia. — Tio Ben não tem feito outra coisa além de reclamar desde que Maddy saiu em viagem.  

Com o renascimento de seu casamento, Maddy havia engravidado e, segundo as fofocas, ela e seu marido Max estavam esfuziantes. Havia tantas mulheres fecundas entre os Crighton! Samantha fechou os olhos. Quando confessara a Liam seu desejo de ter um filho, seu último pensamento era que ele acabaria aparecendo em Cheshire.

Maldito Liam. Por que não permaneceu na Inglaterra? E seus sentimentos por Liam não tinham qualquer relação com a poderosa química sexual que surgira entre eles no aeroporto, assegurou Samantha a si mesma. Absolutamente nenhuma.

 

Liam agradeceu ao carregador e deu uma gorjeta generosa. O hotel estava completamente lotado, e enquanto ele inspecionava rapidamente a elegante suíte, entendeu o motivo.

No quarto, a cama era grande e convidativa, o closet era espaçoso e generoso, e o banheiro, conforme viu ao abrir a porta para espiar o interior, era equipado não apenas com um box com chuveiro, mas também com uma ampla banheira em estilo vitoriano.

A pequena sala de estar era mobiliada com um sofá e uma poltrona aconchegante, além de uma escrivaninha de bom tamanho e pontos de energia e conexões suficientes para satisfazer até o mais atarefado homem de negócios.

Sarah Jane decantara as qualidades do hotel, explicando a Liam que era propriedade da família Grosvenor.

— Aquele é o Duque de Westminster — elucidara Sarah Jane.

— Puxa, um duque de verdade! — exclamara Liam, fingindo empolgação.

— As gêmeas Louise e Katie comemoraram seus dezoito anos lá — acrescentara Sarah Jane. — Bobbie esteve lá, a convite de Joss. É claro que naquela época ninguém da família sabia quem Bobbie era, e... Ei, por que estou lhe contando tudo isto? Você conhece essa história toda!

Claro que ele conhecia. Ele sabia muito a respeito da tentativa de Bobbie em encontrar as raízes de sua mãe.

Liam fora menos feliz na busca por suas próprias raízes, mas não esperara outra coisa. Ele tinha poucos parentes ainda na Irlanda e, embora suspeitasse que se tentasse com afinco conseguiria achar um punhado de primos de terceiro ou quarto graus, não fora um desejo de encontrar sua família que o instigara a cruzar o Atlântico.

O bom senso lhe dizia que o instinto, a necessidade e as emoções que o haviam trazido para cá deviam, de um ponto de vista prático, ser ignorados a qualquer custo, assim como ele se forçara a ignorá-los em incontáveis ocasiões no passado.

Ele parou diante da janela e se pôs a olhar para a rua cheia de turistas fazendo compras, e então fechou os olhos. Por trás de suas pálpebras fechadas ele podia vê-la facilmente. Samantha aos 14 anos, alta, magra e desengonçada, aparelho nos dentes e faces coradas cada vez que olhava para ele, absolutamente mortificada pela intensidade de sua paixão adolescente por Liam.

Algumas semanas mais tarde ela aparecera, súbita e inexplicavelmente, com um par de seios grandes e atraentes, cortesia de — conforme se descobrira depois — um sutiã com enchimento adquirido escondido de sua mãe.

Sarah Jane confiscou a peça íntima, mas não levou muito tempo para que a natureza compensasse esse golpe contra o ego adolescente de Samantha, só que desta vez as curvas suavemente arredondadas que enchiam suas camisas de malha não eram efeito de um enchimento comprado numa loja de departamentos. O olhar experiente de Liam logo discerniu a diferença entre as antigas protuberâncias rígidas e o par novo e bem mais atraente que a natureza oferecera à jovem.

Contudo, com típica perversidade feminina, em vez de exibi-los, Samantha reagiu ocultando-os sob suéteres enormes e folgados.

— Eles a deixam envergonhada — confidenciara Stephen Miller a Liam. — Vá entender uma coisa dessas. Está um calor de 35 graus lá fora e ela está usando um suéter de lã grosso. Ela diz que os atletas da escola ficam olhando para ela.

Liam franziu a testa. Ainda podia lembrar como aquilo o fizera se sentir.

Na primeira tarde em que ele fora pegar as garotas na escola, Bobbie aceitara calmamente sua chegada com um sorriso grato enquanto ele pegava seus livros escolares. Contudo, Sam reagira de forma tão explosiva que as pessoas haviam parado na rua para olhar para ela.

— Não sou uma criança — dissera Sam aos seus pais durante o jantar daquela noite, ignorando Liam enquanto olhava de cara feia para o seu prato.  

— Nós só estamos um pouco preocupados com você, querida — argumentara sua mãe. Depois que os jornais de Washington haviam publicado algumas matérias sobre seqüestras de filhos de diplomatas, Sarah Jane ficara muito grata quando Liam se oferecera para buscar suas filhas na escola.

Previsivelmente, Samantha retaliara arrumando um namorado — munido de carro — e anunciado que esse atleta estúpido e monossilábico iria, dali por diante, trazê-la para casa.

E assim continuara, e a cada virada da adaga emocional agora enfiada profundamente em suas entranhas, Liam dissera a si mesmo que o que estava fazendo era absoluta e completamente autodestrutivo; que mesmo se ela retribuísse os seus sentimentos, seu relacionamento seria tão intenso e volátil que iria deixá-lo sem energia para qualquer outra coisa, quanto mais para uma carreira na política. Sam era petulante e teimosa, e independente demais para ser a mulher certa para ele.

Para conseguir o que almejava, para lutar e vencer na arena política, onde o menor passo em falso ou a mais breve palavra descuidada poderia resultar em ser destituído de seu cargo com a mesma inclemência com que os romanos costumavam lançar seus prisioneiros cristãos aos leões, possuir uma vida doméstica que fosse um refúgio de paz e tranqüilidade, um oásis de sanidade, um lugar tão protetor quanto o útero de uma mãe, era uma necessidade tão vital quanto respirar oxigênio.

E embora Samantha tivesse tudo para proteger com ferocidade seu homem e seus filhos, ela dificilmente seria um oásis calmo e um refúgio de paz. O relacionamento de que ele precisava era um baseado em respeito e na compreensão mútua de que o casamento não era a força motriz de sua vida. E Samantha jamais iria tolerar isso!

E mesmo assim, ela estava preparada para se casar com um homem simplesmente porque o considerava o marido e pai ideal. Um inglês que, em sua opinião, iria provar ser um pai bem melhor do que seus compatriotas americanos.

E quem era ele para tentar provar que ela estava errada? Por que ele deveria fazer isso? Se ele fosse racional, deveria estar rezando para que James se casasse com Sam o mais rápido possível. Mas desde quando um homem profundamente apaixonado era racional?

Um homem profundamente apaixonado!

Liam abriu os olhos.

Anos e anos amando a mulher errada haviam arruinado sua capacidade de raciocínio. Tinha de ser, porque do contrário ele não estaria aqui. Mas se não devia estar aqui, onde deveria estar? Em Washington, com Toni?

Obviamente, se Samantha estava determinada a se casar com James, então não havia nada que ele pudesse fazer para detê-la, assim como não houvera nada que pudesse ter feito para impedi-la de namorar aquele atleta idiota.

Afinal de contas, ela era uma mulher crescida, c ele...

— Ora, que coincidência! — exclamara Bobbie quando ele telefonara para lhe dizer que iria se hospedar no Grosvenor. — Sam e James vão jantar juntos lá no sábado à noite.

Iriam jantar juntos, e depois fazer o quê? Ou já seriam amantes? Liam notou que estava rangendo os dentes. Simplesmente pensar no corpo magnífico de Sam entrelaçado sensualmente com o de outro homem, qualquer outro homem, provocava dentro dele o tipo de reação primitiva que o deixava com vontade de inclinar a cabeça para trás e uivar como um lobo se preparando para a caça.

Mas se ele fizesse isso, o Grosvenor dificilmente iria mantê-lo como hóspede.

Olhou seu relógio de pulso: quatro horas. Bobbie prometera telefonar para ele pela manhã para combinarem um encontro. Neste momento ele precisava de um banho e arrumar algo para comer. Pegando o telefone, chamou o serviço de quarto.

 

— Liam está no Grosvenor? — perguntou James, parecendo feliz com isso. — Talvez devêssemos telefonar para ele e convidá-lo para jantar conosco.

Samantha rangeu os dentes. James às vezes era bonzinho e educado demais.

— Oh, mas eu estava esperando que fosse um jantar íntimo — protestou rouca, acrescentando como reforço: — Só para nós dois.

Será que era a sua imaginação ou James estava tentando evitá-la?

— Bem, isso seria adorável. — James estava concordando, mas seu tom de voz não era muito convincente, percebeu Sam, um pouco irritada.  

Qual era o problema dele? Inicialmente, quando ela chegara a Chester, James parecera deliciado em vê-la, mas nos últimos dois dias ela havia notado que, embora estivesse seguindo meticulosamente a programação que traçara, também estava parecendo cada vez mais distante e preocupado.

Por quê...? Será que ela estava sendo muito agressiva em sua abordagem? Ela se empenhara ao máximo para não forçar nada, mas tanto na noite anterior quanto na outra antes dessa, ele se despedira dela com um beijo de boa noite seco e fraternal, apesar dela ter entreaberto os lábios convidativamente quando ele os tocara.

— Quanto tempo Rosemary ficará com os seus pais? — perguntou Samantha, para puxar conversa enquanto ele manobrava o carro até o estacionamento do Grosvenor.

— Bem... Eu... Eu não tenho certeza... — retrucou, acrescentando: — Espero que possamos achar um lugar para estacionar. Senão terei de deixá-la aqui enquanto estaciono em outro lugar.

— Hum... Você já conheceu o noivo de Rosemary? — perguntou Samantha. — Rosemary quase não fala dele.

James estava de cenho franzido, e Samantha o ouviu praguejar quando outro motorista ocupou a única vaga que restava.

— Terei de deixá-la aqui — disse sucinto enquanto abria a porta do passageiro para ela. — Encontrarei você no saguão assim que eu estacionar.

Samantha ficou pasma. Ela nunca vira James tão mal-humorado. Ela sabia que os dois não se davam bem, mas como seu comentário inocente sobre Rosemary poderia tê-lo deixado tão irritado?

O saguão do Grosvenor estava muito movimentado. Samantha presumiu, pelo número de pessoas muitíssimo bem vestidas que circulavam pela área, que mais de um evento privativo deveria estar acontecendo ali.

Passaram-se vários minutos até que James finalmente apareceu, e Samantha notou que ele ainda estava carrancudo enquanto caminhava até ela para se desculpar.

— Não encontrei onde estacionar e acabei tendo de dirigir até a casa dos meus pais para deixar o carro lá. Na saída teremos de pegar um táxi até lá para pegarmos o carro.

Os pais dele... Então isso explicava a suave mancha de batom no canto de sua boca, raciocinou Samantha.

Jocosamente, Samantha indicou a mancha de batom para James, que corou enquanto ele pegava o lenço que ela lhe ofereceu.

Obviamente a mancha fora deixada por sua mãe, e ele parecia embaraçado por isso como se fosse ainda um menininho. Ternamente, Samantha estendeu a mão, pretendendo pelo toque assegurá-lo de que ela pessoalmente considerava a devoção que ele nutria por seus pais absolutamente adorável, mas para seu constrangimento, ele recuou um passo para evitá-la.

Tentando não se sentir magoada, Samantha permitiu que ele a guiasse até o restaurante principal do hotel.    

Lá dentro, ele deu seu nome ao maitre. E então, ao remover o casaco de Samantha para ela, notou suas costas nuas e disse, de cenho franzido:

— Espero que você não fique com frio. Samantha sentiu-se tentada a sussurrar para James que recorreria a ele para acabar com o seu frio, mas a vontade passou completamente quando ela fitou seus olhos preocupados. James estava pensando em algo, e era bem óbvio que não era o mesmo que ela estava pensando. Era o fim dos seus planos de seduzi-lo naquela noite, reconheceu Samantha enquanto o maitre os conduzia até a sua mesa.

Em vez de ver seus planos de se tornar mãe mais próximos, eles pareciam recuar cada vez mais longe de seu alcance. Bravamente recusando-se a desanimar, Samantha abriu o menu que o garçom lhe entregou.

No Grosvenor o chefe de cozinha era inovador e altamente aclamado, e desde que Bobbie descrevera as iguarias que desfrutara no hotel, Sam estava ansiosa por comer ali.

James, contudo, parecia cada vez mais inquieto. Numa tentativa de relaxá-lo, Samantha perguntou se tudo estava bem.

— Sim, claro, por que não estaria? — retrucou depressa. Na opinião de Samantha, depressa demais.

Haviam acabado de tomar seus aperitivos e estavam esperando para fazer seu pedido quando o maitre veio à mesa para dizer a James que havia um telefonema para ele.  

Como muitos outros restaurantes de alta classe, o Grosvenor não permitia celulares na sala de jantar.

Pedindo licença a Samantha, James levantou-se e o acompanhou até o saguão, onde havia uma sala reservada para que os convidados atendessem a seus telefonemas.

Quando o garçom de vinhos aproximou-se da mesa e perguntou a Samantha se ela gostaria de mais um drinque, ela hesitou e então fez que sim. Talvez um drinque a ajudasse a relaxar um pouco mais; ela certamente precisava fazer isso, porque a tensão de James começava a contagiá-la.

Samantha quase havia acabado de tomar seu drinque quando James retornou, corado e ansioso.

— O que foi? O que aconteceu? — perguntou Samantha, solícita.

— Bem, nada... Era... apenas um cliente querendo saber quando será a audiência de seu caso.

Cliente? Como soubera onde encontrar James?, indagou-se Samantha. Estava fortemente tentada a acusá-lo de não ser honesto com ela, mas decidiu que podia estar errada. Afinal de contas, ele não tinha qualquer motivo para mentir para ela.

O garçom chegou e anotou o pedido. Depois de passar muito rapidamente os olhos pela carta, James pediu um vinho sem consultá-la.

Isso era completamente contra a natureza de James. Ele normalmente teria sido bem rigoroso na escolha do vinho e decerto teria perguntado a sua opinião.  

O primeiro prato chegou e com ele o garçom de vinho, que encheu as suas taças.

Samantha estava com apetite e, ao provar a comida, decidiu que estava deliciosa. Contudo, ao ver que James estava apenas beliscando a comida, perdeu completamente o apetite. Samantha respirou fundo. Já agüentara demais.

Pousou os talheres e se inclinou sobre a mesa para dizer com muita calma:

— James, está claro que algo está errado, e... — Ela se calou, pois sua atenção subitamente foi atraída pela mulher parada de pé na entrada do restaurante, com uma leve ruga de preocupação marcada na testa.

— O que foi? — perguntou James. — Aconteceu alguma coisa?

Ele estava com as costas para a porta do restaurante, mas ao ver para onde Samantha olhava, virou-se para trás.

Samantha ouviu-o arfar alto ao ver Rosemary parada diante da porta.

— James, o que...? — começou Samantha.

Mas eleja estava de pé, dizendo-lhe sucintamente:

— Por favor, espere aqui, Samantha. É melhor eu ir ver o que ela quer.

Samantha viu James caminhar até a raiva, segurar teu braço e conduzi-la em direção ao saguão. Então saíram do alcance de sua visão

O garçom veio perguntar se eles estavam prontos para o prato principal, e Samantha sacudiu a cabeça em negativa. Em vez disso, permitiu que o garçom de vinhos enchesse novamente o seu copo.

Bebericando o vinho, ela vigiou a entrada do restaurante. Cinco minutos se passaram e então dez, e mais outros cinco. Subitamente Samantha decidiu que já esperara demais. Terminando de beber o seu vinho, ela se levantou e, ignorando os olhares inquisitivos dos garçons, e marchou decidida até o saguão.

No começo ela não conseguiu ver nem James nem Rosemary. O local estava relativamente vazio agora. Vazio o bastante para permitir que ela ouvisse suas vozes vindo de uma sala adjacente. Testa franzida, caminhou até a sala. A julgar pelo som elevado da voz de Rosemary, embora não pudesse discernir exatamente o que ela dizia, os dois estavam brigando.

A porta para a sala estava entreaberta. Determinada, Samantha empurrou a porta e então deixou escapar uma respiração surpresa. Rosemary e James estavam de pé no canto da sala. Rosemary estava de costas, enquanto James estava voltado na direção de Samantha. Contudo, ele não podia vê-la, e o motivo para isso era porque estava de olhos fechados enquanto beijava ardorosamente Rosemary. Mesmo assim, teve um alerta para o fato de que eles não estavam sozinhos porque, de súbito, ele abriu os olhos e viu Samantha.

Ela não esperou para ouvir o que James teria a dizer como explicação. Que explicação haveria, afinal, que pudesse servir a algum propósito útil? Os olhos de Samantha não mentiam: ela vira James beijar Rosemary, a quem jurava odiar, com mais fogo e paixão do que ele jamais demonstrara para ela. Certo, eles não eram um casal, não tinham qualquer compromisso, mas isso não alterava o fato de que ele a havia enganado deliberadamente a respeito da verdadeira natureza de seu relacionamento com Rosemary. Sentindo-se zangada e humilhada, Samantha girou nos calcanhares e se retirou, preocupada demais com os seus próprios sentimentos para perceber a presença de outra pessoa no saguão, muito menos ao fato de que estava prestes a se chocar com ela, até que todo o ar foi expelido de seus pulmões com uma força atordoante e um par de mãos másculas a segurou pelos ombros.

— Liam! — Sam exclamou, chocada.

— Onde é o incêndio? — perguntou Liam de brincadeira, e franziu o cenho ao ver o seu rosto.— Sam, o que foi? Algo errado...?

Samantha sabia que normalmente seu orgulho jamais lhe permitiria admitir qualquer espécie de fracasso, mas ainda estava chocada com o que acabara de ver.

— Vou lhe dizer o que está errado — bradou, furiosa. — O meu acompanhante... O homem que eu julguei que seria o pai perfeito para os meus filhos está lá atrás dando uns amassos numa mulher que ele me disse que odiava.

— James está aqui com outra mulher? — perguntou Liam, parecendo divertir-se com a situação. — Mas eu achei que você ia jantar com ele.  

— E vim, mas aparentemente ele não estava com muito apetite, nem pela comida nem por mim, e agora sei o porquê — disse amargamente a Liam, os olhos enchendo-se com lágrimas que ela prontamente enxugou. Ter flagrado James agarrado a outra mulher enquanto ele poderia tê-la. Mas a dura verdade era que ele não a quisera!

Um tremor correu todo o corpo de Samantha. Talvez Cliff tivesse razão. Talvez ela não fosse o tipo de mulher que um homem pudesse querer. Novas lágrimas começaram a umedecer seus olhos.

Como James pudera fazer uma coisa dessas com ela?

— Liam, o que você está fazendo? — inquiriu subitamente ao se dar conta de que Liam a conduzira até o elevador e apertara um botão.

— Vai subir comigo até a minha suíte para se acalmar e me explicar direitinho o que está acontecendo.

— O que está acontecendo é que James é um porco pérfido que... Oh...

Samantha arfou baixo quando a cabine do elevador chegou e as portas se abriram, permitindo a Liam empurrá-la gentilmente para o interior.

Como vários outros hóspedes se juntaram a eles no elevador, Samantha foi incapaz de protestar que só queria ser deixada em paz. Quando estavam fora do elevador, Liam a conduziu pelo corredor acarpetado até a porta da sua suíte.

— Isto não é da sua conta, Liam — disse sucintamente a ele. — Então, por favor, pare de tentar interferir... Tudo que eu quero fazer é chamar um táxi para me levar de volta para a casa de Bobbie.

— Você quer voltar para a casa de Bobbie com essa cara? — inquiriu Liam ao abrir a porta de sua suíte e empurrá-la para a frente do espelho pendurado na pequena antessala.

Enquanto Samantha fitava chocada o seu rosto, vermelho e manchado de lágrimas, Liam fechou e trancou a porta atrás dela.

— Agora, sente e descanse um pouco. Tente se acalmar e me dizer o que aconteceu.

— O que aconteceu é que James é um rato traiçoeiro — disse-lhe Samantha indignada.

Recusando-se a fazer o que ele sugeria, Samantha pôs-se a caminhar de um lado para o outro pelo tapete, diante da lareira da sala de estar. A suíte, observou Samantha distraída, era obviamente uma das melhores do hotel, adoravelmente guarnecida com móveis que eram antigüidades genuínas ou excelentes reproduções. Também notou que o vaso de flores numa das mesinhas emanava um perfume delicioso, mas não estava com humor para apreciar o aroma das flores.

— Rosemary está noiva de outro homem, ela até usa aliança, e mesmo assim, agora está lá embaixo, beijando James! — exclamou, furiosa.

As sobrancelhas de Liam se levantaram, mas ele inicialmente não fez nenhum comentário, esperando alguns segundos antes de sugerir com calma:

— Talvez ela tenha recebido alguma notícia ruim e James esteja tentando confortá-la.  

Samantha o fitou com escárnio nos olhos.

— Confortando-a? Ele parecia mais interessado em...

Ela se calou, rosto corando ao compreender exatamente qual parecera a intenção de James com a mulher em seus braços.

Samantha cerrou os olhos, desejando que as lágrimas que sentia enchendo-os não começassem a cair.

Subitamente ela lembrou da marca de batom na boca de James quando ele retornara depois de estacionar o seu carro. Teriam ele e Rosemary...?

— Como ele pôde fazer uma coisa dessas comigo? — gritou, furiosamente cerrando os punhos. — Como ele pôde, quando...

— Talvez ele não tenha percebido o que você tinha em mente para ele — sugeriu Liam, seco.

Samantha fulminou-o com um olhar amargo.

— Ele mentiu para mim — disse com ferocidade.

— Se eu tivesse pensado por um só momento que ele estava... Que ele havia...

— O que é isso? — inquiriu a Liam subitamente, fitando o balde de gelo com uma garrafa de champanha que estava na mesinha de café.

— Champanha — disse Liam desnecessariamente.

— Olhe, quanto a James...

— Você ainda não a abriu — frisou Samantha.

Liam franziu a testa enquanto a encarava. Embora Samantha não fosse completamente abstêmia, sua baixa tolerância ao álcool era notória, e o principal motivo pelo qual ela evitava qualquer drinque além de um aperitivo seguido por uma taça de vinho acompanhando uma refeição.

— Não, eu não abri — confirmou. — E se está sugerindo que tomaria uma taça... Não acho essa uma boa idéia.

— Por que não? — inquiriu Samantha. — Liam, eu sou uma mulher adulta, lembra-se? Se por acaso eu quiser me embebedar...

Antes que Liam conseguisse fazê-la se calar, Sam estendeu a mão e tirou a garrafa do balde de gelo. Sem jeito, tentou abrir a garrafa por vários instantes, até finalmente conseguir estourar a rolha.

O líquido borbulhante escorreu por suas mãos e quando Liam tomou a garrafa dela, também acabou se molhando. Fitando-o com um olhar desafiador, Samantha levou os dedos até a boca e lentamente começou a lamber sensualmente a bebida derramada neles.

Liam teve a impressão de que alguém o havia socado no plexo solar.

— Pare com isso — admoestou Liam.

— Parar com o quê? — inquiriu Samantha.

Liam balançou a cabeça. Será que ela realmente não sabia o que estava fazendo com ele, que imagens estava conjurando em sua mente com esses seus gestos? Apenas observar a forma como sua língua se insinuava, ondulando delicadamente sobre seus dedos deixava-o com vontade de...

— Bem, se você não me der uma bebida, então terei de descer até o bar e comprar uma — Samantha disse agressiva.

Liam pensou depressa.  

— Certo... Certo. Espere um pouco que vou servir uma taça.

Com alguma sorte ela nem iria notar que não enchera nem até a metade da taça.

— Sam, eu só não acho que seja uma boa idéia beber de estômago vazio — alertou enquanto ela virava a taça para beber seu conteúdo num só gole.

— Não? Essa não é uma reação clássica ao descobrir que você foi traída por... — Ela se calou. Não podia dizer "seu amante" porque James não era nem isso. — Não, suponho que você nunca teve de amargar a dor de saber que alguém não te ama — desafiou-o Samantha.

Ela estava começando a sentir-se estranhamente tonta e imprudente, como se alguém houvesse retirado o freio de suas reações e emoções. Era um sentimento poderoso e inebriante, e ela decidiu que certamente poderia gostar disso. Nos últimos dias com James ela se flagrara policiando constantemente suas palavras, tomando cuidado para causar a impressão certa nele. Mas, com Liam, nada disso importava. Liam já sabia como ela era. Com Liam ela podia dizer o que lhe desse na cabeça. Não havia a menor necessidade, o menor sentido, de tentar convencer a Liam que ela era uma boa candidata a esposa.

— Não. Bêbado, eu nunca tive — disse-lhe Liam severamente.

— Quer dizer, você já amou alguém que não queria amar você? — indagou Samantha com curiosidade. — Quem?  

— Você vai se arrepender disto pela manhã — disse secamente Liam enquanto reconhecia que o champanha começava a surtir efeito nela.

— Champanha não dá ressaca—justificou Samantha.

Liam não se deixou impressionar pelo argumento.

— Por que ele a estava beijando quando deveria estar beijando a mim? — inquiriu olhando para a garrafa. — Quero mais uma taça, Liam. Não me impeça — avisou quando ele começou a recusar com a cabeça. — Eu preciso ficar bêbada. Afinal de contas, sofri uma decepção amorosa.

— Não seja ridícula, Sam. Você não ama James — disse Liam, ácido.

Zangada, Samantha tentou se concentrar nele, dizer-lhe o quanto estava errado, mas descobriu, para sua surpresa, que ele estava simplesmente recusando-se a ficar parado. Por algum motivo, ele estava caminhando de um lado para outro diante dela.

Não, claro que ela não amava James, mas ela não ia dizer isso a Liam.

— Não amo? — inquiriu, olhando de cara feia para ele. E como você sabe disso?

— Por vários motivos — informou calmamente Liam. — E eu ficaria mais do que satisfeito em discuti-los com você... Quando você estiver sóbria.

— Estou sóbria agora.

— Não, você não está — corrigiu-a.

— Que motivos? Diga-me. Quero saber. Diga-me, Liam — insistiu Samantha, cruzando o espaço entre eles para o agarrar num dos braços e balançá-lo com raiva.

Liam fechou os olhos.

A esta curta distância, ele podia sentir o perfume dolorosamente familiar da pele de Samantha. E o que era pior: podia sentir a forma como o seu próprio corpo estava reagindo a esse perfume e ao corpo dela. Era até bom que Samantha estivesse tão embriagada; do contrário ela seria capaz de notar o que a sua presença, sua proximidade, estava provocando nele.

— Diga-me, Liam — ela ainda estava inquirindo, olhos celestialmente azuis. — Que motivos?

Samantha estava bem perto dele agora. Liam respirou fundo, mas não havia como lutar contra o que estava sentindo.

Praticamente com raiva, ele a segurou pelos ombros e a puxou para si.

— Este motivo, por exemplo — disse enquanto baixava a cabeça e silenciava, com a pressão de seus lábios, o protesto que ela apenas começava a esboçar.

A cabeça de Samantha estava girando, seus pensamentos, suas reações, todo o seu ser estava fora de controle. Era Liam que a estava segurando, que a estava beijando, lembrou-se. Liam, que era a relação mais próxima que Samantha tinha de um irmão mais velho, mas o seu corpo não parecia ciente de quaisquer obstáculos que sua mente estivesse tentando levantar entre eles. Seu corpo... Samantha estremeceu delicadamente ao sentir um desejo feminino e puramente sensual espalhar-se pelo corpo.  

— Hum... — Sob a boca de Liam ela produziu um suave som de prazer, perdida em meio a todas sensações.

Os lábios e a língua de Liam estavam afastando delicadamente os seus lábios fechados. Atordoada, Samantha inclinou-se para ele.

— Oh, isto é o paraíso...

— Paraíso! Para mim tem sido o inferno. — Samantha julgou ter ouvido Liam murmurar. — Desejando você, sabendo...

Liam a desejava!

Confusa, Samantha abriu os olhos e continuou fazendo isso até estarem completamente arregalados, e então os fechou rapidamente ao se dar conta de que os de Liam estavam abertos e ele a estava fitando diretamente.

Deliciosos arrepios de prazer percorriam seu corpo inteiro. Por que ela nunca percebera antes que ser beijada poderia ser uma experiência tão maravilhosamente sensual? A pressão quente da boca de Liam contra a sua estava provocando em seu corpo coisas que ela queria que não acabassem nunca mais.

— Não diga isso. — Ela ouviu Liam gemer contra a sua boca e percebeu, para sua mais profunda surpresa, que havia expressado seus pensamentos em palavras.

Atordoada, reconheceu que talvez não estivesse tão no controle de si mesma como imaginara. Por outro lado, por que haveria de tentar se controlar, quando estava desfrutando de um momento celestial nos musculosos braços de Liam?  

— Hum... Por que você nunca me beijou assim antes? — Samantha ouviu-se perguntar enrouquecida.

— Se precisa perguntar isso, então talvez realmente tenha bebido champanha demais — respondeu Liam.

Ela olhou para ele, sonhadora.

— Hum... Liam, você é muito sexy — arfou alegremente.

Ele a soltou abruptamente.

— Sou? Não faz cinco minutos você me disse que estava apaixonada por James. Não é ele que você deveria estar...

Samantha o olhou fazendo cara feia. Por nada neste mundo ela iria lhe dizer o quanto ficara decepcionada quando ele parará de beijá-la, e o quanto estava desejando que ele a beijasse muito, muito, muito mais. Se o toque de seus lábios tinha o poder de fazê-la sentir-se assim, então como seria se eles...

Um pequeno tremor de medo e excitação correu por sua espinha quando ela percebeu o caminho perigoso que seus pensamentos estavam tomando.

Liam não era o homem certo para ela. Liam não era nem um pouco seu tipo de homem. Liam era muito... Muito... Muito homem para o seu gosto. O que ela queria era alguém mais gentil, mais doce e muito mais maleável. Alguém que não a visse com o tipo de distanciamento cínico ao qual ela estava tão acostumada a ver nos olhos de Liam quando ele a observava. Alguém, resumindo, que não pudesse ler seus pensamentos com a perigosa facilidade com que Liam fazia.  

— Eu realmente queria amar James — disse a Liam com a dolorosa honestidade de uma pessoa só-um-tantinho-grogue.

Liam a fitou com uma expressão que ela não conseguiu discernir se era de diversão ou desgosto.

— Você não pode entender — falou defensivamente.— Você...

— Eu o quê? — desafiou-a Liam.

— Os homens são diferentes. — Samantha recuou um pouco.

— Não continue — aconselhou Liam, seco.

— Talvez não na teoria — Samantha foi forçada a concordar —, mas na prática...

Ela cerrou os olhos. Na prática, como ela estava dolorosamente começando a aprender, uma mulher era ao mesmo tempo abençoada e amaldiçoada pela natureza com um instinto básico: nutrir e proteger a vida vulnerável que poderia gerar, e esse instinto remontava a um desejo de dar a essa criança o melhor que pudesse, mesmo antes que ele ou ela tivesse sido concebido. Até os cientistas concordavam com o fato de que as mulheres escolhiam instintivamente o macho que fosse capaz de prover aos seus filhos o melhor começo na vida, motivo pelo qual ela quisera...

Mas agora ela não teria mais como prosseguir com seus planos. Não depois de ter visto James com Rosemary. Qualquer que fosse a verdade sobre o relacionamento dos dois, o beijo que Samantha testemunhara deixara claro que eles tinham assuntos pendentes e que James não estava livre para ser o pai dos filhos que Samantha tanto desejava.

— Tudo que eu queria era dar aos meus bebês o melhor pai que eles poderiam ter — disse Samantha passionalmente a Liam. — Um pai que ponha as necessidades de seus filhos em primeiro lugar e que sempre esteja disponível para eles. Eu não quero que meus filhos cresçam apenas com a mãe por perto, tendo um pai que valorize sua carreira mais do que sua própria família. Eu já vi o prejuízo causado às crianças por um pai ausente. É como se eles estivessem constantemente tentando obter sua atenção... Sua aprovação. Se você casar um dia, Liam, seus filhos serão assim. Oh, não tenho a menor dúvida de que você irá amá-los, ao seu próprio modo, mas o seu trabalho, a sua carreira, sempre estará em primeiro lugar...

— O mundo está mudando — disse Liam. — Os homens estão começando a compreender o que estão perdendo...

— Não em Washington — disse Samantha com cinismo.

Ela estava começando a se sentir muito cansada, oprimida pelo peso de sua decepção. Estremeceu, abraçando a si mesma e fechando os olhos enquanto se via carregada por uma onda de exaustão física e emocional.

Samantha esforçara-se tanto planejando seu futuro com James que, agora que estava sendo forçada a aceitar que seus planos não iriam se concretizar, seu temperamento volátil estava mergulhando nas profundezas do sofrimento e da desolação.

Tudo que ela queria fazer agora era cavar um buraco e se esconder do mundo e de todos até conseguir superar essa decepção. Ela queria tanto ter um filho... Filhos... Ela até havia visualizado seus rostinhos, seus cabelos negros e sedosos e lindos olhos cinzentos. Cinzentos... Mas os olhos de James eram castanhos e... Olhos cinzentos, como os de Liam! Essa era a segunda vez em que esses olhos cinzentos invadiam seus sonhos a respeito de futuros filhos.

— Qual é o problema? — inquiriu Liam ao ver o quanto o rosto de Samantha estava pálido.

Ela prontamente abriu os olhos e focou nele.

— Nada... Nada... Eu apenas... Apenas estou cansada, Liam — admitiu. — Tudo saiu tão errado... Por quê...? Qual é o meu problema? — Ela parou e balançou a cabeça, com novas lágrimas de autopiedade embargando sua voz.

O certo seria chamar um táxi e ir para a casa de Bobbie, mas ela ficava nervosa só de pensar em encarar sua irmã enquanto ainda estava tão abalada emocionalmente, e ter de explicar qual era o problema.

— Eu... Eu acho que vou ligar para a recepção e pedir um quarto — disse a Liam, ainda sonolenta.

— Todos estão ocupados — informou Liam, franzindo a testa enquanto estudava seu rosto pálido e a expressão arrasada.

Dos anos em que conhecia Samantha, ele já a vira ter muitos altos e baixos, mas ele jamais vira nada afetá-la tanto assim.

Samantha encarava tudo na vida com tanto ardor e ferocidade que não havia meios termos nas reações emocionais de Samantha. Para ela, era sempre tudo ou nada.  

Ela não amara James, e ao perdê-lo estava perdendo um pai em potencial para os seus filhos. Era seu orgulho e crença em sua própria capacidade de julgamento que a estava ferindo agora; isso e seu desejo por uma criança, e era típico de sua parte não querer estar com ninguém, até mesmo alguém tão próximo quanto sua irmã gêmea.

Olhou através da sala de estar de sua suíte para a porta fechada do quarto de dormir; em seguida olhou para Samantha.

— Você pode ficar aqui — ofereceu.

—Aqui... no seu quarto — Samantha franziu a testa.

— Mas não é um quarto, é uma suíte — frisou Liam.

— Você pode dormir no quarto, eu dormirei aqui no sofá. Afinal de contas, é apenas por uma noite...

Samantha admitiu que ele tinha razão. Os efeitos do álcool que ela consumira estavam diminuindo, mas ela ainda se sentia cansada e um pouco desorientada.

— Bem, se você tem certeza de que não irá se importar, aceito a oferta. Mas só se eu dormir no sofá — disse com firmeza, acrescentando: — Afinal de contas, Liam, isso faz muito mais sentido. Você é bem maior que eu e é o seu quarto.

Muito maior. Quantas vezes na vida ela dissera isso a um homem? Perguntou-se Samantha, mas no caso de Liam isso era verdade mesmo. Ele era vários centímetros mais alto que ela e possuía o físico ideal para a sua altura.

Samantha não tinha a menor idéia de como ele conseguia manter a forma física, considerando as exigências de sua carreira. Sabia que ele jogava tênis e que gostava de caminhar. Sempre que podia, ele punha uma mochila nas costas e fazia trilhas pelas montanhas.

— Você devia experimentar algum dia — Liam lhe dissera certa vez quando ela demonstrara sua repulsa pelas condições espartanas dos passeios que ele costumava fazer.

— Sem poder dormir numa cama de verdade, ou ter onde tomar banho? — Ela fizera uma careta. — Não, obrigada.

— Como assim, sem ter onde tomar banho? — objetara Liam com um brilho malicioso nos olhos. — A natureza oferece alguns dos melhores lugares onde se banhar. Acredite em mim; não há nada que se compare a tomar banho numa cachoeira e depois nadar num lago tão límpido que você pode ver o fundo.

— Sim, e compartilhar esse privilégio com coiotes, ursos e sabe lá Deus mais o quê — objetara Samantha.

— Como eu já disse, não obrigada.

— Você não sabe o que está perdendo — dissera-lhe Liam. — Não há nada como a sensação de ter água de montanha correndo por sua pele nua... Nada como cozinhar a céu aberto.

— Nadar nu e fazer churrasco no mato pode ser seu tipo de diversão, mas definitivamente não é o meu — informou Samantha num tom de censura. Liam ainda estava rindo enquanto ela se afastava dele, cabeça erguida.

Ela era muito mais jovem naquela época, é claro. Sua cabeça estava realmente começando a doer. Exaurida, ela deixou escapar um bocejo enorme, seguido por outro.

— Vamos. Você está exausta — disse-lhe Liam. — Deve haver roupa de cama extra no armário. Vou verificar enquanto você toma um banho...

 

Samantha acordou e deixou escapar um gemido de dor. O sofá, por mais bonito que fosse, não fora projetado para ser usado como cama, e decerto não para uma mulher plenamente funcional com mais de 1,80. Ela estremeceu enquanto se sentava e seus músculos contorcidos uivavam em protesto.

Olhou o relógio. Ela dormira menos de duas horas. Agora que o álcool descera de sua cabeça ela estava depressivamente ciente do fracasso de sua missão. Quais seriam suas chances, perguntava-se, de persuadir Saul Crighton a lhe dar um trabalho na Aarlston-Becker, desta forma poupando-a da humilhação de voltar para casa e enfrentar Cliff?

Samantha fechou os olhos. Estavam secos e doloridos, e seus lábios, quando os tocou com a ponta da língua, pareciam sensíveis e levemente inchados... Um legado do beijo de Liam?

Fora um grande risco permitir que aquilo acontecesse. Agora, com a cabeça livre dos efeitos do vinho e do champanha que bebera, Samantha podia ver como seu comportamento parecera a Liam. Ele teria de ser menos que humano se não tivesse desejado... Se não tivesse desejado o quê? Fazer amor com ela? Certamente ela não fizera ou dissera nada que desse a impressão de que estava disposta a isso. Ou será que...

Ir para a cama com Liam... Que idéia! Ele era a última pessoa com quem ela... De repente, Samantha estremeceu. Ir para a cama com Liam... Seduzir Liam para lhe dar um filho. Liam, como ela já sabia, era um homem que apreciava muito o sexo. Bastava ver o número de mulheres que ele já havia namorado. Com Liam não havia a menor necessidade de coagi-lo a reagir; nenhuma necessidade de ser delicada ou femininamente passiva. Ir para a cama com Liam. Impossível. Conceber um filho de Liam... Não, ela não seria capaz. Isso estava completamente fora de questão, apenas um pensamento louco conjurado pelo desespero e pela solidão daquela noite.

O que ela estava pensando, contemplando, era completa loucura. Mas seria mesmo? Não estaria ela, seduzindo Liam para a engravidar, meramente seguindo o mais profundo instinto do sexo? Não havia a menor dúvida de que geneticamente Liam era uma opção classe A. Ele era extremamente inteligente, fisicamente forte, com os tipos de habilidades que qualquer criança adoraria herdar.

Talvez, argumentou o eu interior mais cauteloso e severo de Samantha, mas Liam não era o tipo de homem que seria um pai em todos os aspectos que ela julgava importantes.

Mas um homem como esse existiria? protestou seu outro eu mais emotivo. Samantha julgara ter encontrado o marido perfeito em James, e depois descobrira que estivera redondamente enganada.

Mas, ter um filho sem ser casada, e ainda mais com Liam... Seus pais... Sua família... Bobbie iria... Isso sem contar com sua crença de que um homem e uma mulher deveriam criar um filho juntos.

Seus parentes precisavam saber? Ela sempre poderia fingir que o bebê, o seu bebê, era o resultado de uma decisão tomada friamente e fora concebido num ato igualmente frio e assexuado — um ato que ela já prometera a Bobbie que jamais iria considerar. Mas ela não seria a primeira mulher a escolher ser mãe solteira.

Liam, que precisava contemplar suas ambições políticas, provavelmente ficaria satisfeito em manter segredo sobre a concepção do bebê, disse uma pequena voz interior a si mesma.

Era tentador. Não, era totalmente impensável.

Lágrimas encheram seus olhos. Samantha queria muito ser mãe.

E se ela fingisse para o mundo que seu filho fora concebido artificialmente, por que não fazer isso? Assim ela não correria o risco de ser rejeitada novamente, de ter Liam dando-lhe as costas como James fizera?

Mas, com Liam, Samantha teria a certeza de saber exatamente qual seria a herança genética de seu bebê. Ela devia isso a seu filho. E quanto ao fato de ser rejeitada por Liam, bem... Havia só uma forma de saber se ele faria isso ou não.

Como Samantha não trouxera roupas para dormir, depois do banho ela havia vestido um roupão oferecido pelo hotel. E agora, enquanto empurrava as cobertas da cama improvisada e se levantava, o tecido atoalhado do roupão assentou confortavelmente em seu corpo.

Liam a desejava. Ele lhe dissera isso, e, mesmo através da neblina do álcool, seu cérebro absorvera essas palavras, essa confissão.

Enquanto caminhava trôpega até a porta do quarto, Samantha sentiu sua pulsação começar a subir e sua respiração ficar rápida e irregular. Talvez seus desejos adolescentes possuíssem raízes mais profundas do que ela imaginara e, afinal de contas, não estivessem mortos.

Muito gentilmente ela abriu a porta do quarto de dormir e entrou. Agora que seus olhos haviam se acostumado à escuridão, ela podia ver com facilidade a silhueta adormecida de Liam na cama. Uma pontada de excitação atravessou seu coração, acompanhada por uma aguda percepção do que ela estava contemplando. Contudo, não houve qualquer sinal de hesitação ou relutância na forma como ela se moveu rapidamente em direção à cama, esperando até estar perto o bastante para se debruçar sobre Liam e sussurrar o nome dele sobre seus lábios.

Ao ouvi-la pronunciar seu nome numa voz rouca e um tanto trêmula, Liam acordou instantaneamente, corpo retesado, olhos sondando a escuridão.

Samantha estava debruçada sobre ele, seu rosto e sua boca tão próximos dos dele que se ele respirasse um pouco mais fundo os lábios dela tocariam os seus. Liam não fazia a menor idéia do que ela queria, mas sabia, muitíssimo bem, o que ele queria. Seu corpo estava expressando as suas necessidades com extrema clareza.

Liam levantou o braço para acender o abajur da mesinha de cabeceira, mas Samantha o interrompeu, segurando seu antebraço. As unhas de Samantha afundaram na pele de Liam, exprimindo urgência.

Ele fechou os olhos. Deus, será que ela sabia o que estava fazendo com ele? Ele sentia o perfume cálido da pele de Samantha, e seu roupão estava tão folgado que ele podia entrever seus seios.

A tentação de estender a mão para empurrar o tecido do roupão para os lados de modo a revelar o seu corpo, de deslizar a palma contra a plenitude de seu seio nu e provocar a pele mais escura do mamilo até que ela implorasse para que ele o pusesse na boca, foi tão forte que Liam teve de ranger os dentes para não dizer explicitamente o que queria fazer com ela, como queria provocá-la a reagir da mesma forma que ele estava reagindo a ela. Sob o lençol, seu corpo estava respondendo com ferocidade a esses pensamentos.

Engolindo em seco, ele perguntou sucinto:

— Sam, o que foi? O que você quer...?

Samantha reconheceu que ele havia lhe oferecido a deixa perfeita.

Tudo que ela precisava agora era da coragem para aceitá-la... E usá-la.

Sob as pontas dos dedos de Samantha, a pele de seu antebraço, coberta de pelos sedosos, inspirava segurança e estabilidade. Ela presumiu que, se fosse necessário, ele poderia sustentar todo o seu peso, sustentá-la, sem estremecer e certamente sem deixá-la cair. Em todo caso...

Pensar em Liam representando qualquer forma de segurança era algo novo, e a fez abrir um pouco os olhos diante da percepção de que ela estava à beira de uma descoberta inesperada. Mas Samantha não tinha tempo para explorar esses pensamentos neste momento. Neste momento...

Ela respirou fundo. E Liam ainda estava esperando por sua resposta. Usando a mão livre para desatar o cinto do roupão, Samantha deliberadamente deixou-o escorregar de seus ombros, soltando o braço de Liam e se inclinando ainda mais até ele enquanto murmurava palavras em sua orelha:

— O que eu quero, Liam, é você...

Antes que ele pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, Samantha, reunindo toda a sua coragem, virou a cabeça e posicionou a boca muito delicadamente sobre a dele.

Por um segundo, o choque do que ela estava fazendo manteve Liam tenso e completamente incapaz de se mover. Mas então, quase automaticamente, Liam estendeu as mãos para segurar Samantha pelos ombros e empurrá-la gentilmente; seu senso de responsabilidade era tão poderoso que conseguiu superar até os instintos predadores de seu corpo excitado.

Samantha estremeceu ao sentir sua falta de reação. Contudo ela não estava disposta a desistir, não sem lutar. Ela segurou o rosto de Liam com ambas as mãos e o beijou, sondando com a língua a linha cerrada de sua boca, desejando intensamente que ele correspondesse. E então, no instante em que começava a desistir e admitir a derrota, Samantha sentiu o estremecimento que abalou o corpo de Liam, que subitamente entreabriu os lábios, passando da rejeição à reação. O próprio corpo de Samantha estremeceu de alívio, e então, ainda mais intensamente, num prazer quase incontrolável ao sentir as mãos dele começarem a massagear os músculos tensos de seus ombros, os dedos de Liam espalhando-se sobre a sua pele, massageando e acariciando a sua carne.

Devia ser o alívio que a estava deixando tão reativa a ele, decidiu Samantha enquanto envolvia os braços em torno de Liam, abrindo ávida a boca para a força sondadora da língua.

Agora era ele quem estava controlando a intimidade dos dois, suas mãos deslizando pelos braços de Samantha enquanto se virava na cama, levantando a parte superior do corpo dela sobre o dele. Deliciosos arrepios correram pelo corpo de Samantha quando o peso pleno de seus seios ficavam em torturante contato com o peito de Liam. A deliciosa fricção dos pelos negros e sedosos do peito de Liam excitava os mamilos de Samantha, deixando-a ansiosa para se aproximar ainda mais dele, para pressionar seu corpo contra ele.

Estava deitada com meio corpo sobre a cama e meio corpo fora dela, sustentada pelas mãos de Liam e totalmente vulnerável ao que ele decidisse fazer com ela, reconheceu Samantha com um pequeno frêmito de uma sensação que, ela logo percebeu, era excitação pura.  

Era ela quem devia estar seduzindo Liam, lembrou a si mesma com severidade. E não em nome da poderosa satisfação física de fazer sexo com ele, mas em nome de um propósito mais sério, um propósito que não necessitava das longas carícias preliminares que ela sentia que Liam agora estava planejando iniciar.

Mas, por algum motivo, em vez de interromper os eventos, Samantha descobriu-se encorajando-os.

Se Liam queria provocá-la, permitindo que apenas seus mamilos eriçados roçassem contra seu peito maravilhosamente estimulante, ela então poderia atormentá-lo também um pouco, talvez correndo as pontas dos dedos, e em seguida as unhas, ao longo de um ombro rijo e macio.

Ao senti-lo estremecer em resposta, Samantha sorriu secretamente para si mesma. As partes inferiores de seus corpos podiam estar separadas por roupas de cama grossas, mas seus instintos femininos diziam-lhe que ele a queria.

Uma gloriosa sensação de triunfo e felicidade a encheu, uma sensação de poder, de liberdade de ser completamente ela mesma. A alegria borbulhou em seu peito, e Samantha deixou escapar uma pequena gargalhada.

— O que é engraçado? — inquiriu Liam.

— Nada — sussurrou Samantha com honestidade contra a boca de Liam, levantando a cabeça para roçar o rosto ternamente contra o dele enquanto lhe dizia: — Apenas me sinto tão bem... Tão... Tão feliz...

Ao ouvir o que ela estava dizendo, Liam fechou os olhos. Será que ela tinha alguma noção do que estava dizendo a ele? Se tivesse alguma dose de bom senso, ele deveria interromper isto agora, antes que eles chegassem longe demais.

— Liam...

Em seus braços, Samantha contorceu-se impaciente. Então usou a boca para acariciar seu pescoço, demorando-se deliberadamente sobre seu pomo de adão até senti-lo inchar em reação à sensualidade do que ela estava fazendo. As palavras de suave recusa que Liam estivera prestes a pronunciar se perderam, afogadas pelo gemido de desejo que ribombava em seu peito. As mãos de Liam desceram deslizando dos braços de Samantha até os seus seios, e então se puseram a acariciá-los da forma como ela imaginara fazer não uma vez, mas mil, ou até cem mil vezes, em todos esses anos desde que Samantha alcançara a maturidade. Levantando-a mais acima dele, Liam acariciou com a boca a pele macia do seio e então a abriu sobre a tentação rija de seu mamilo.

Samantha gemeu alto enquanto seu corpo reagia à sucção da boca de Liam com um pico de prazer tão intenso que a surpreendeu.

As unhas de Samantha escavaram a carne quente dos braços de Liam. Seus quadris contorceram-se em frustração contra a espessa barreira das roupas de cama.

— Liam, Liam... — Ela puxou com impaciência os seus cabelos, o corpo abalado pelas explosões de prazer provocadas pelas carícias em seus seios. Era como se estivesse sendo carregada por uma maré interna de sensações, uma maré que crescia e se fortalecia a cada investida de Liam, uma maré cujas correntes poderosas a puxassem cada vez mais fundo rumo ao âmago de seu ser. — Liam.

Samantha puxou freneticamente as roupas de cama, desesperada por se livrar delas para ficar mais próxima do contato com o corpo dele, de sua maravilhosa masculinidade, da completude, da satisfação, da união cobiçada por seu corpo, a qual ela sabia por instinto que apenas ele poderia satisfazer.

Samantha já abandonara há muito o raciocínio lógico. Agora estava operando apenas por instinto, movida e possuída por ele e por sua necessidade — uma necessidade que apenas Liam seria capaz de aplacar.

— Eu quero você... Eu quero você... Eu quero muito você, Liam — disse a ele, sussurrando freneticamente as palavras contra os seus cabelos, seu pescoço; na verdade, qualquer parte dele que ela conseguisse alcançar e tocar. Quando ela o sentiu rolar na cama, Samantha estendeu a mão até as roupas de cama, desesperada por colocá-las fora do caminho, dedos embaraçando com os de Liam enquanto ele fazia o mesmo. Os olhos de Samantha, agora plenamente acostumados à escuridão, captaram rapidamente a forma de seu corpo nu enquanto ele empurrava o edredom para fora da cama. Ela arfou alto.

Observando-a, Liam refletiu que um homem precisaria ser um santo para não reagir ao desejo que reluzia em Samantha enquanto o estudava, tão concentrada em absorver cada detalhe dele que parecia uma menininha desembrulhando seus presentes de natal.  

Sem o menor sinal de vergonha, ela estendeu a mão e correu os dedos pelo comprimento do braço de Liam. Ela não desviava os olhos dele enquanto explorava seu estômago plano. Mas então, ao tocar com as pontas dos dedos a escuridão densa de seus pelos corporais, ela subitamente estremeceu e levantou o olhar para olhá-lo.

— O que foi? — perguntou, rouco.

Samantha olhou para ele, o rosto levemente enrubescido.

— Você é tão bonito! — exclamou baixinho. Ela viu a gargalhada estremecer todo o corpo de Liam.

— Eu sou bonito...!

Ainda rindo, ele estendeu os braços e a puxou para si.

— Vou lhe mostrar o que é bonito — disse a ela, rouco. — Isto é bonito. Ele beijou um mamilo lenta e ternamente. — E isto...

Samantha estremeceu enquanto Liam beijava o outro mamilo.

— E isto... — A boca de Liam estava acariciando sua barriga macia e quente. — E estes...

Ele se abaixou para massagear os joelhos de Samantha e em seguida suas coxas, fazendo-a gemer de prazer.

— E isto...

A surpresa fez com que Samantha deixasse escapar todo o ar de seus pulmões quando Liam a fez deitar de costas e se moveu entre as pernas dela, dedos sondando gentilmente o segredo de seu sexo, sua boca lentamente acariciando-o.

A maré pela qual ela fora arrastada antes se tornou uma força irresistível que agora ameaçava engolfá-la completamente.

— Você é bonita... Mais bonita do que qualquer mulher tem o direito de ser. — Samantha ouviu Liam dizer numa voz lânguida enquanto ele lentamente a abraçava e a cobria com o seu corpo.

Enquanto Liam passava os braços ao seu redor e a beijava, Samantha sentiu-se consciente apenas da sua necessidade de completar o ciclo mágico que eles haviam iniciado. Mas enquanto ela começava a envolvê-lo com as pernas, Liam se moveu para afastar o corpo dela, beijando-a brevemente enquanto ele sussurrava:

— Fique aqui...

— Ficar aqui? — Confusa e sem acreditar em seus olhos, Samantha observou Liam levantar da cama e caminhar trôpego até o banheiro. O corpo inteiro de Samantha ardia por ele, a ponto de ela começar a tremer como uma viciada em drogas, capturada na agonia da privação por ele não estar lá.

No banheiro, Liam vasculhava fervorosamente a cesta de cosméticos oferecidos pelo hotel, procurando pelo pacote discreto que ele notara antes. Aparentemente o hotel queria ter certeza de que seus hóspedes praticavam sexo seguro, o que era uma excelente notícia, considerando que seu atual estilo de vida certamente não requeria que ele carregasse preservativos sempre.

Samantha estava deitada imóvel, corpo curvado em posição fetal pela rejeição, olhos fechados pela dor — por que ele desaparecera, deixando-a daquele jeito?— quando Liam retornou.

— Liam — começou a dizer Samantha em voz trêmula enquanto ele a tocava, e então parou quando ele a envolveu em seus braços e começou a beijá-la, sussurrando:

— Desculpe, eu precisava fazer uma coisa.

O alívio por vê-lo retornar e pelo fato de que ele ainda a queria impediu Samantha de perguntar o quê. Seu corpo, já latejando de desejo por ele, rapidamente se inflamou com as carícias famintas de suas mãos, e desta vez foi Liam quem gemeu alto enquanto segurava os quadris de Samantha, e ela arqueava o corpo rumo ao dele em convite e abandono.

Quando a penetrou, Liam sentiu o universo girar em torno dele. Eles se encaixavam perfeitamente bem, como se tivessem sido feitos um para o outro. Liam podia sentir o corpo de Samantha responder a todos os seus movimentos, recebendo de bom grado a cada impulso poderoso, acariciando-o e abraçando-o de forma tão amorosa que o deixou com os olhos lacrimejando de emoção.

Os olhos de Samantha começavam a arder com suas próprias lágrimas de surpresa e emoção. Nada a havia preparado para a intensidade do que estava experimentando, e não era apenas a sensação de ter o corpo de Liam conduzindo o seu até a beira do precipício ao qual os dois acabariam por se atirar, caindo através do espaço e do tempo como se fossem imortais, que a estava excitando a um nível quase torturante. Não, o que realmente a excitava era a certeza de que este era seu destino, que Liam era seu parceiro e que este momento junto com ele era o mais importante de toda a sua vida.

— Hum... — preguiçosa, olhos ainda fechados, Samantha estendeu os braços em direção ao corpo deliciosamente quente e másculo que ela sentira ao seu lado na cama enquanto dormia. Mas ele não estava mais lá. Ansiosa, abriu os olhos e então, completamente acordada, recordou o que acontecera na noite anterior. Sentou bruscamente na cama, em pânico, a descrença e a negação lutando pela supremacia em seu cérebro superlotado.

Estava vagamente percebendo outro ruído externo sobrepondo-se ao zumbido de seus pensamentos confusos. Alguém estava batendo na porta da suíte do hotel.

Aporta do banheiro se abriu e Liam entrou no quarto, cabelos molhados, uma toalha envolvendo discretamente o seu quadril.

— Hum... Bom dia — murmurou enquanto caminhava até a cama e se debruçava sobre ela, obviamente com intenção de beijá-la.

Nervosa, Samantha se afastou.

— A porta, Liam — disse a ele.

— Deve ser o garçom com o nosso café da manhã — disse a ela, acrescentando rouco: — Não sei quanto a você, mas a noite de ontem me deixou faminto!

Em silêncio, Samantha observou-o caminhar até a sala de estar da suíte. Na noite anterior, Samantha seduzira Liam a fazer amor com ela. Não que ele precisasse de muita persuasão, defendeu-se rapidamente.

Perdida em meio às dolorosas interrogações às quais sua mente a estava submetendo, ela quase não notou enquanto Liam se afastava para atender às insistentes batidas na porta da suíte.

Mas quem estava à porta não era o garçom, reconheceu Samantha com uma pontada de horror no coração. Eram Bobbie e sua sogra, Pat.

— Oh, Liam, graças a Deus que você está aqui! — Samantha ouviu Bobbie exclamar preocupada. — Por acaso você não viu Sam, viu? Ela não voltou para casa ontem à noite. Ela e James vieram jantar aqui no Grosvenor e quando vi que ela não tinha voltado, inicialmente eu pensei que... Bem, você sabe. Mas então James telefonou hoje de manhã perguntando por ela!

A medida que ouvia a voz da irmã ficando mais e mais clara, Samantha fitou através da porta do quarto, que Liam deixara parcialmente aberta. Talvez se ela se movesse agora conseguiria chegar ao banheiro, onde poderia se esconder. Contudo, mesmo enquanto se perguntava freneticamente o que deveria fazer, ela ouviu o arfado de choque de sua irmã gêmea ao chegar à porta e olhar estupefata para ela.

— Samantha... — disse ela arfante e de rosto ruborizado, girando nos calcanhares para olhar para Liam, exclamando: — Oh Liam, eu...

— Bobbie, eu posso explicar — gritou Samantha em protesto, mas sua irmã já estava discretamente tocando sua sogra para longe da porta aberta do quarto.

  

Samantha ouviu-a desculpar-se com Liam, explicando:

— Liam, sinto muito, não tinha a menor idéia... Samantha nunca disse... Mas acho que eu deveria ter adivinhado. Vocês dois sempre soltaram faíscas quando estavam perto um do outro... Oh, papai e mamãe vão ficar tão felizes!

O choque de Bobbie estava claramente dando lugar à excitação, e subitamente ela reapareceu no vão da porta dizendo para Samantha:

— Sam, vou dar a vocês dois uma hora para se arrumarem e descerem, para que possamos celebrar. Maldade sua, nunca ter me dado nenhuma pista! Meu Deus, espere só até eu contar para o Luke!

— Bobbie. Não. Você não compreendeu — começou a protestar Samantha em pânico, mas sua gêmea já estava conduzindo a sogra, que parecia estar achando tudo aquilo divertidíssimo, até a porta da suíte.

— Liam, sinto muito se aparecemos num momento impróprio. — Ela ouviu Bobbie rir. — Mas a culpa na verdade é toda de vocês. Eu sei como é quando um casal acaba de se apaixonar e quer manter isso em segredo, mas Sam devia ter me dado algum tipo de dica. E pensar que eu estava torcendo para que ela ficasse com James. Bem, com toda certeza vou ter de ouvir Luke falando "eu te disse". Ele sempre disse que Sam e James não tinham nada a ver um com o outro.

Ela se calou ao ver que Pat, sua sogra, estava se retirando para deixar que os dois conversassem a sós.

— Oh, Liam... — exclamou Bobbie no corredor para a suíte, e se jogou empolgada nos braços dele, que a abraçou. — Estou tão feliz por vocês dois. Sei que Sam sempre disse que tinha superado sua paixão adolescente por você, mas eu sempre tive minhas dúvidas. Se eu não amasse Luke tanto... — Bobbie riu e abraçou Liam pela segunda vez. — Oh, mal posso esperar para que mamãe e papai venham para cá. Esta família terá muito para celebrar: a aposentadoria de papai, a sua eleição e um casamento...

Ao ouvir a porta da suíte atrás de sua irmã, Samantha deslizou para debaixo dos lençóis, abraçando-se a eles protegendo-se.

Assim que Liam apareceu na soleira da porta ainda aberta, Samantha inquiriu acusatoriamente:

— Por que você a deixou entrar...?

— Não tinha outra escolha — retorquiu Liam, muito calmo. —Além disso...

— ... e por que você não lhe contou a verdade? — inquiriu Samantha, furiosa. — Por que deixou que ela pensasse que nós somos um casal... Um casal apaixonado? Agora ela pensa que vamos nos casar e...

— É uma idéia tão ruim assim? — interrompeu-a Liam, rapidamente aproveitando a oportunidade que o destino lhe dera de forma tão inesperada.

Samantha o fitou, incrédula. Ela deveria estar ouvindo coisas.

— Casamento? Você e eu? — ela começou a balançar a cabeça negativamente, e então se calou ao compreender a aterradora verdade. — Você planejou isto, não foi? — Ela o acusou num sussurro. — Você planejou isto. Você fez aquilo de propósito... — Ela fechou os olhos e engoliu em seco. — Oh, que idiota eu tenho sido — disse zangada. — Eu posso entender tudo agora... A Senhorita RP de Washington não quis nada com você e então você veio atrás de mim. Afinal, que esposa melhor você poderia arrumar do que a filha do governador que está se aposentando? Eu sou a esposa perfeita para você, não é isso, Liam? E, mais importante, meu pai é o sogro perfeito... Oh...

— Que diabos você está falando? — Liam interrompeu-a, sua animação original rapidamente se transformando em raiva. — Você deve estar brincando.

Mas ele podia ver pela cara de Samantha que ela acreditava piamente nas acusações que atirava contra ele. Ele esperara que ela estivesse um pouco tímida e hesitante hoje de manhã, mas isto... Claro que era uma infelicidade que Bobbie tivesse visto Samantha em sua cama e tirado uma conclusão apressada, ainda que natural. Contudo, a mera sugestão de que ele seria capaz de armar uma armadilha para colocá-la numa posição comprometedora era tão insana que ele deveria rir dela, mas ele não conseguiria. A forma como ela estava reagindo era um golpe fatal contra o seu orgulho... e para o seu coração. Ele realmente havia imaginado que a noite anterior pudesse ser o começo de... De quê?

Ele fora um idiota ao deixar que suas esperanças, sem falar de seus desejos, fugissem do controle daquela forma.

Samantha estava se descobrindo dos lençóis e caminhando até o roupão que ela descartara na noite anterior.  

— Preciso falar com Bobbie... — ela estava lhe dizendo, furiosa. — Preciso contar a verdade a ela.

—A verdade... — Liam sentiu sua própria raiva subir para se equiparar à dela. — E qual seria exatamente essa verdade? — inquiriu, seus olhos escurecendo para um cinza tempestuoso. — O que vai dizer a ela Sam...? Vai dizer como você veio até a minha cama me implorar para...

— Não.

Zangada, Samantha tampou os ouvidos para não escutar suas palavras aviltantes.

— Não? — Em dois passos Liam chegou até ela e agarrou seus pulsos, puxando as mãos para longe de suas orelhas. — Você pode dizer a Bobbie as mentiras que quiser, Sam. Não posso impedi-la. Mas a verdade é que ontem à noite você me quis... Você me implorou... Você...

— Eu quis engravidar — retorquiu Samantha, o rosto vermelho com a intensidade de suas emoções. — Eu quis que você me desse um filho.

Imediatamente Liam soltou as mãos de Samantha e se afastou dela. Estava pálido, dentes cerrados. Samantha jamais o vira tão zangado. Por um momento ela quase sentiu medo dele, estremecendo enquanto aguardava que ele a crivasse com palavras cruéis e destrutivas. Mas, em vez disso, enquanto ele lhe dava as costas para olhar para a janela, mantendo-se imóvel e calado por muito tempo, Samantha não soube como reagir. Sua própria raiva induzida pelo choque começava a diminuir, deixando-a ao mesmo tempo envergonhada e vulnerável. Fora por vergonha de ser flagrada por sua gêmea na cama de Liam que ela reagira de forma tão violenta. Ela sabia que lhe devia desculpas.

E então, justo quando Samantha achava que Liam simplesmente ia se manter calado, ele começou a falar, tão baixo que ela teve de se concentrar para escutá-lo.

— Para sua informação — disse ele, ainda de costas para ela —, o motivo, o único motivo, para eu não ter explicado melhor a situação a Bobbie foi porque eu queria proteger você, e não apenas você, Sam, mas sua família também. Você realmente acha que, se eu quisesse tanto uma esposa, não teria encontrado uma? — desafiou-a enquanto girava nos calcanhares, acrescentando: — E eu teria de estar desesperado para escolher você, a despeito do que pareça pensar. Ele se calou por um momento antes de prosseguir: — Eu não consigo imaginar uma única mulher, dentre todas que conheço, que seja menos equipada, emocional e intelectualmente, para ser a esposa de um governador. Você possui todas as características que um político em seu juízo perfeito não deseja em sua parceira. Você é impulsiva, chega a conclusões apressadas e implausíveis, e, ainda pior, você age a partir de suas conclusões como se elas fossem fatos concretos. Você é completamente ilógica e teimosa, você não escuta a razão, você...

Para seu constrangimento, Samantha se descobriu chorando.

— ... e quanto ao que você disse sobre ir para a cama comigo para engravidar...

Para a surpresa de Samantha, ele soltou uma gargalhada ácida.

— O que é? O que é tão engraçado? — inquiriu. — Por que está rindo?

— Estou rindo, minha querida Samantha, porque se tivesse me dito desde o começo porque queria ir para a cama comigo, jamais teria me convencido a isso, e se não acredita em mim então tente se perguntar porque eu me dei ao trabalho de garantir que você estaria protegida. De ter certeza de que não haveria conseqüências...

— Conseqüências — repetiu Samantha. Ela o fitou, brava crescendo no peito. — Conseqüências? Ouça bem, Liam Connoly, o meu bebê não é uma conseqüência. O meu bebê...

— O nosso bebê — corrigiu-a Liam. — O nosso bebê, é isso que ele teria sido, Sam. Não o seu bebê, mas o nosso bebê, e jamais eu permitiria que um filho meu fosse criado por uma mulher desequilibrada como você.

Eles estavam mais uma vez discutindo e trocando acusações ácidas, enquanto Samantha se esforçava para absorver tudo que ele dissera a ela. Aquela visita ao banheiro, que ela considerara apenas uma frustrante interrupção de seu ato de amor tivera um propósito que ela jamais teria adivinhado.

— Eu odeio você — disse a ele, olhos anuviados por novas lágrimas.

— Eu também não gosto muito de você, neste momento — disse Liam. — Mas isso ainda não altera o fato de que em menos de uma hora você e eu teremos de interpretar que estamos idilicamente apaixonados.

— O quê? — exclamou Samantha, boquiaberta.

— Você me ouviu — disse Liam, sucinto. — Neste momento a sua irmã acredita que você e eu tivemos uma noite de paixão e que estamos prestes a jurar amor eterno um ao outro.

— Eu vou dizer a verdade a ela — lembrou-o Samantha, trêmula.

— Você vai? — Liam meneou negativamente a cabeça. — Não acredito — disse com firmeza. — Você já pensou no que isso poderia fazer aos seus pais, Samantha? Como eles irão se sentir se souberem que você me levou para a cama apenas para engravidar?

Samantha abriu a boca e então a fechou novamente.

— Eu... não vou contar isso a eles. Eu vou dizer que foi apenas... Apenas...

— Apenas o quê? Um momento de paixão? Então eles irão pensar que eu seduzi a filha deles. Ah, não. De jeito nenhum você vai me colocar numa enrascada dessas — disse Liam suavemente. — A única forma que eu e você temos de sair desta situação com nossas honras intactas é deixando que Bobbie acredite que estamos perdidamente apaixonados, e que somos realmente um casal compromissado.

Profundamente apaixonados... Um casal compromissado. Ela e Liam... Samantha abriu a boca para objetar ao que ele estava dizendo, mas então a fechou.

— Sim — Liam desafiou-a. — Se você tiver outra solução, eu gostaria muito de ouvi-la.

Samantha fez que não com a cabeça. A menção aos pais a trouxera dolorosamente de volta à realidade. Ela sabia o quanto eles ficariam chocados e abalados caso soubessem da verdade, o quanto ficariam tristes com o comportamento dela... E de Liam. Eles já pensavam em Liam quase como um filho, e a notícia de que ele iria se tornar seu genro deixaria a ambos deliciados, especialmente seu pai.

— Mas eu não posso me casar com você — sussurrou Samantha. — Você vai ser governador e eu não posso...

— Quem falou em casamento? — perguntou Liam, com escárnio.

Ela o fitou, insegura.

— Tudo que estou dizendo é que, por enquanto, para o bem de todos, você e eu vamos agir como Bobbie espera, e deixar que todos acreditem que estamos apaixonados e planejando nos casar.

— Mas nós não vamos nos casar — repetiu Samantha, mantendo os olhos fixos no rosto de Liam. Imediatamente ele fez que não com a cabeça.

— Oh, não. De jeito nenhum — asseverou Liam. — De jeito nenhum irei me casar com uma mulher que só me quer pelos filhos que posso lhe dar. — Ele olhou seu relógio de pulso. — Temos meia hora para descermos, a não ser que você queira que sua irmã pense que estamos tão apaixonados que voltamos para a cama, porque não conseguimos tirar as mãos um do outro.

Lançando-lhe um olhar indignado, Samantha imediatamente seguiu para o banheiro. Como ele ousava dar esse tipo de sugestão? Só por que na noite anterior ela parecera desejá-lo? Ela já lhe dissera seu motivo para isso.

Uma vez dentro do banheiro, com a porta trancada entre eles, Samantha balançou indignada a cabeça. Imagine, ela desejar Liam! Isso era ridículo. Absoluta e totalmente ridículo! E assim que estivesse a sós com Bobbie, ela iria lhe dizer isso.

Com a água do chuveiro cascateando ruidosa por trás dela, Sam mordeu o lábio. Ela ia contar a Bobbie o quê? Que ela e Liam haviam... Ela engoliu em seco ao perceber que ela não iria pensar "feito sexo", mas "feito amor".

Mas ela e Liam não haviam feito amor. Como poderiam ter feito amor quando eles não amavam um ao outro, quando Liam não a amava?

Sam sentiu o choque ziguezaguear por sua espinha em gélidas farpas de dor, idênticas àquelas que crivavam seu coração.

Os olhos de Samantha se encheram com lágrimas. Zangada, piscou para espantá-las. Chorava pela perda de seus ideais de infância, sua crença de que apenas dentro da intimidade de um relacionamento baseado no compromisso e no amor ela poderia experimentar a satisfação física que desfrutara com Liam na noite anterior, que apenas com um homem que ela amava profunda e totalmente ela poderia conceber um filho... Um filho dele.

Com o que acontecera, agora estava disposta a ignorar suas crenças mais profundas?  

Ela merecia estar na situação em que se encontrava agora, disse a si mesma. Ao sair do chuveiro, contorceu a boca num sorriso triste. Bem, ao menos ninguém que os conhecesse ficaria surpreso demais quando ela e Liam decidissem que seu relacionamento não iria dar certo e que queriam seguir caminhos separados.

E havia mais um aspecto da situação que Liam não mencionara, mas do qual ela estava desconfortavelmente cônscia.

Embora Bobbie tivesse um ótimo relacionamento com os seus sogros, Sam sabia que sua própria mãe sempre se sentira um pouco desconfortável com as pessoas devido às circunstâncias que cercavam o seu próprio nascimento.

Na família Crighton, Ruth era tratada com todo o respeito que merecia. Mesmo quando viera à luz que ela tivera uma filha ilegítima de seu amante durante a guerra e que em seguida fora forçada a entregar esse bebê à adoção, sua família não deixara de nutrir muito amor e admiração por ela. A história do amor de Ruth por Grant, e o trauma que ela sofrerá ao abrir mão da filha deles, Sarah Jane, era angustiante, mas agora toda a família estava reunida, Ruth e Grant estavam casados, mas mesmo assim sua filha jamais superara completamente sua insegurança a respeito de ser julgada cruelmente devido às circunstâncias de seu nascimento.

Sarah Jane ficaria muito abalada em saber que Patrícia Crighton vira sua filha numa situação comprometedora com Liam.

Sam decidiu que, pelo bem de sua mãe, ela deveria acatar a sugestão de Liam. Mas Liam estava redondamente enganado se achava que ela iria se sentir grata por ele estar agindo como um cavalheiro.

Zangada, Sam saiu do chuveiro e começou a se enxugar vigorosamente.

Ela acabara de se enxugar quando ouviu uma batida firme na porta do banheiro.

— Estou acabando! — gritou sucintamente para Liam.

— Sam, abra a porta — ouviu Liam exigir, ignorando sua resposta à batida.

Samantha vestiu o roupão, abriu a porta e disse, rude:

— Pronto, acabei e...

Ela se calou de repente ao ver as sacolas de compras que Liam estava segurando.

— Você desceu até as lojas, mas...

— Calças compridas e camiseta — disse lacônico, estendendo-lhe as bolsas. — Creio que achei o tamanho certo... — Sam o fitou, arregalando os olhos. — Calculei que você não iria querer se encontrar com todo mundo usando o mesmo vestido de ontem à noite.

Ele tinha razão, é claro. Aquele era um vestido sensual, adequado para um encontro, mas não para um almoço de família. Mesmo assim, por algum motivo, saber que Liam se dera o trabalho de sair e fazer compras para ela deixou-a não apenas surpresa, mas ridiculamente emocionada.  

Podia sentir as lágrimas começarem a arder em seus olhos, e num esforço para ocultá-las dele, baixou a cabeça para olhar as bolsas enquanto dizia, rabugenta:

— Duvido que sirvam.

— Experimente — aconselhou-a friamente Liam. Deixando o banheiro livre para ele, Samantha caminhou apressada até o quarto de dormir.

Dentro da bolsa maior havia uma pequena, que ela abriu com curiosidade antes de remover de dentro as calças. Dentro da bolsinha havia roupas íntimas simples e elegantes, exatamente do tipo que ela costumava usar. Até a cor do sutiã e da calcinha era exatamente do tom que ela teria escolhido. Samantha ficou ainda mais surpresa ao ver que seus tamanhos também estavam exatos.

Mas como Liam sabia disso tudo? Ou ele chutara certo ou a conhecia muito melhor do que ela imaginava. Ela presumia que poderia fazer compras para ele e acertar os tamanhos de tudo, mas os homens eram notórios por errar medidas femininas. Este sutiã que ele comprara para ela era do tamanho exato, e as calcinhas até mesmo eram do estilo que ela gostava de usar sob calças compridas.

Ao checar que o chuveiro ainda estava aberto, ela fechou a porta do banheiro e vestiu as roupas íntimas. Ela estivera se sentindo muito mal com a idéia de vestir as mesmas roupas da noite anterior — uma das virtudes, ou vícios, dependendo do ponto de vista, de ter herdado metade dos seus genes de uma altamente tradicional família da Nova Inglaterra era uma quase obsessão por limpeza.

Um pouco curiosa, ela desembrulhou as calças que Liam comprara para ela. A bolsa de compras lhe dizia que ele a comprara numa loja extremamente cara das redondezas, e o rótulo nas calças de veludo cor de caramelo confirmavam sua qualidade — nada menos que Ralph Lauren. E ao colocá-las na frente do corpo, Sam soube que elas iriam servir perfeitamente.

Assim como a camisa de seda que ele comprara para combinar com as calças, e os sapatos que estavam na terceira sacola, tudo fazia tanto seu estilo que ela própria poderia tê-los comprado.

E era exatamente isso que Bobbie iria deduzir quando ela descesse com aquelas roupas.

Samantha acabara de escovar os cabelos quando Liam retornou ao quarto, uma sobrancelha levantada ao lhe perguntar:

— Tudo bem?

— Serviram — concordou Sam, mal-humorada, e então, movida pela honestidade que lhe era natural, acrescentou: — São exatamente o tipo de roupa que eu teria comprado. Não deixe de me mandar a conta.

— Há mais uma coisa — disse Liam, ignorando a última parte do que ela dissera. Então Liam caminhou até a mesinha de café da sala de estar da suíte. Ali pegou uma bolsa que Sam não notara antes. —Acho que se vamos fazer isso, é melhor descermos logo — disse ele enquanto abria a pequena bolsa verde e removia uma caixinha de joalheiro.

O coração de Samantha bateu forte.  

Liam comprara-lhe uma jóia... Um anel?

— Dê-me sua mão — exigiu calmamente.

A boca de Samantha ficou seca demais para que ela conseguisse murmurar a negação que queria expressar, mas seu corpo inteiro tremeu enquanto Liam segurava sua mão esquerda, dirigindo-lhe um olhar levemente severo enquanto a avisava:

— Não é hora de drama, Samantha. Pode ter absoluta certeza de que as pessoas que estiverem lá embaixo estarão esperando que cheguemos como um casal comprometido e feliz.

— Não — ela se apressou em negar. — Por que deveriam? Bobbie certamente não lhes dirá nada.

Liam levantou as sobrancelhas.

— Talvez não sob circunstâncias normais — concordou Liam. — Mas ela ficou eufórica demais ao nos ver. Além disso, estava com Pat — relembrou, e como não queria provocar mais uma discussão com Samantha, não lhe contou a expressão de alívio no rosto de Bobbie quando nenhum dos dois negou o seu amor ao outro. Embora tivessem recebido Bobbie de braços abertos em sua família, os pais de James eram um casal um pouco antiquado e muito tradicional.

Nenhuma das irmãs de James vivera com seus maridos antes de se casar, e ambas haviam permanecido em casa enquanto freqüentavam a universidade em Manchester, apesar de ficar a mais de uma hora de carro de distância. Liam explicou a Samantha que, embora não dependesse da boa vontade do pai de Samantha para promover sua carreira política, gostava demais dele para lhe causar qualquer constrangimento ou dor. Disse também que achava que seus pais teriam mais facilidade em aceitar um noivado rompido por ambas as partes do que uma simples "ficada" de uma noite.

Concentrando-se em digerir a verdade nas palavras de Liam, Samantha não prestou muita atenção ao anel que ele estava removendo de sua caixa até que um luzir de diamantes chamou sua atenção.

Quando baixou os olhos, notou que o anel estava sendo posto em seu dedo. E ao vê-lo, não conseguiu conter um arfado denunciador.

A imaculada safira central era do azul mais profundo que ela já vira e a mais próxima da cor de seus olhos que era possível, enquanto os diamantes que a cercavam eram pedras brancas perfeitamente cristalinas e reluzentes.

Samantha precisou reconhecer que aquele era um anel que qualquer mulher gostaria de ganhar. Certamente apenas um homem profundamente apaixonado escolheria uma pedra que combinasse tão perfeitamente com os olhos de sua noiva. E deveria estar realmente apaixonado para gastar a quantia que Samantha presumia que este anel custara a Liam.

— O que você fez? Alugou este anel? — brincou trêmula.

O olhar arrogante que Liam lhe dirigiu a deixou ainda mais nervosa.

— Liam, é... é... — Ela balançou a cabeça, incapaz de encontrar as palavras para lhe dizer o que achava de seu impulso quixotesco. — Deve ter sido muito caro. O que você vai fazer com ele depois... depois...  

— Preocupada? Comigo? Bem, há uma primeira vez para tudo — disse secamente Liam enquanto fechava a caixinha. — Com sorte, a surpresa do nosso "noivado" compensará a forma como nosso relacionamento foi exposto — disse sardônico.

— Noivado? — Samantha meneou a cabeça. — Mas mamãe e papai...

— ... irão entender quando eu lhes explicar que foi a descoberta do quanto eu estava sentindo sua falta, e o que eu corria o risco de perder, que me estimulou a correr até aqui para pedi-la em casamento — disse Liam com calma. — Amantes raramente agem de forma racional. Assim, por que eu seria uma exceção? Eu a pedi em casamento, você aceitou. E é claro que eu estava muito ansioso para mostrar o meu amor ao mundo para aguardar até voltarmos para casa e comprar um anel para você. Afinal, como eu não possuo suas habilidades investigativas, não conseguiria encontrar as minhas raízes e descobrir jóias de família me aguardando em algum banco. Se bem que eu duvido muito que minha família tenha me deixado qualquer tipo de herança.

Samantha olhou-o pensativa. Ela conhecia a história da família de Liam. Eles haviam chegado aos Estados Unidos como imigrantes, trazendo praticamente nada. Contudo, as palavras de Liam a fizeram lembrar o quanto ele era sensível nesse aspecto.

— Você acha que se eu estivesse apaixonada eu iria me importar com os antecedentes de meu noivo? — inquiriu Samantha.  

— Não, mas você certamente gostaria de saber que tipo de genes iria passar aos nossos filhos.

— Se eu amasse alguém, iria querer que meu filho, nosso filho, tivesse os genes dessa pessoa — reiterou com firmeza.

Liam dirigiu-lhe um sorriso cínico.

— Bem, vamos torcer que os eleitores me "amem" o bastante para ignorar minha procedência pobre — disse secamente.

Samantha franziu a testa.

— Você acha mesmo que as pessoas deixariam de votar em você por causa disso? — inquiriu antes de lhe dizer, passional: — É óbvio que você é o melhor homem para o cargo, Liam, e, na minha opinião, qualquer eleitor que não consiga ver isso não deveria ter o direito de votar.

— Muito democrático — disse Liam, sua expressão se suavizando um pouco. — Você é o tipo de pessoa para quem tudo é oito ou oitenta. Ou ama ou odeia, sendo incapaz de nenhuma emoção intermediária.

— Só porque tenho crenças fortes, não significa que eu não seja capaz de ver o ponto de vista de outra pessoa — objetou Samantha. — Não sou intolerante, Liam.

— Não, apenas ardorosamente oposta a qualquer um que não compartilhe do seu ponto de vista — respondeu Liam com outro sorriso. Ele baixou os olhos para seu relógio de pulso e então avisou: — É melhor descermos. É hora de dançarmos conforme a música.

 

— Vamos, entrem, vocês dois.

— Oh! — exclamou Samantha admirada enquanto Bobbie, que estivera esperando por eles no saguão do hotel, deu-lhe um leve empurrão e parou ao lado da porta aberta do salão privativo do hotel.

Em vez da meia dúzia de pessoas que Samantha esperara ver, a sala parecia cheia de rostos ansiosos. Por um momento ela ficou tentada a girar nos calcanhares e fugir, mas Liam pousou o braço em seu ombro para confortá-la enquanto dizia a Bobbie:

— Parece que alguém andou bem atarefada...

Samantha ouviu Bobbie rir, seu pânico inicial diminuindo ao notar que, na verdade, estavam na sala apenas uma proporção relativamente pequena de seus muitos parentes, cerca de uma dúzia, todos eles sorrindo para ela.

— Bem, eu simplesmente precisava ligar para Jenny e lhe dar as notícias. Afinal, eu sabia que ela já tinha marcado um almoço de família aqui hoje porque Katie está na cidade. Jenny tinha convidado Max e Maddy para se juntar a eles com seus filhos. Assim, propus que todos almoçássemos juntos. Você não se importa, não é mesmo? — perguntou a Samantha. —Estou tão feliz por você, Sam! É uma história de amor da vida real. Quando adolescente, você era completamente apaixonada por Liam — lembrou-a. — E agora, tantos anos depois, Liam está perdido de amor por você. Tem de estar, senão por que a teria seguido através do Atlântico? Liam, ela vai ser a pior primeira-dama que nosso estado já teve — acrescentou num tom de aviso.

— Oh, obrigada — disse Samantha à sua irmã gêmea.

— É verdade! — disse Bobbie, rindo. — Não duvido que a primeira manifestação diante da casa do governador será liderada por você. Liam, lembra quando ela organizou aquele protesto contra as caçadas, Liam? — perguntou a ele.

— Como poderia esquecer? — retorquiu Liam. — Eu tive de ir à delegacia pagar a fiança dela.

— Sim, e foi você que, quando chegamos em casa, me obrigou a tomar banho no jardim para o caso de eu ter contraído alguma doença na cela. — Samantha estremeceu diante da lembrança evocada pelas palavras dele.

Talvez fosse verdade que ela houvesse agido de forma imprudente e dolorosa, mas com certeza Liam havia reagido com raiva fria quando fora libertá-la, dizendo-lhe cruelmente que alguns dos seus colegas de cela não pareciam muito cuidadosos quanto à sua higiene pessoal.

Jamais fora provado se ele tinha razão ou não. Mas ela passara a noite inteira acordada com medo que cada coceirinha em seu couro cabeludo fosse resultado de piolhos contraídos na prisão.

A primeira coisa que ela fizera na manhã seguinte fora ir ao salão de beleza e mandar aparar seu cabelo bem rente. Ainda lembrava de como sua mãe chorara quando a vira, assim como lembrava do frio brilho de desprezo nos olhos de Liam ao ver seu penteado de rapazinho. Ela deixara o cabelo crescer, mas gostava de manter os cabelos curtos, ainda que num estilo muito mais feminino.

— Foi quando você cortou os seus cabelos — acrescentou Bobbie, quase como se, como gêmea, tivesse o poder de ler os pensamentos da irmã. — Você se lembra, Liam? — perguntou Bobbie. — Mamãe chorou, pobrezinha.

— Sim — respondeu Liam. — Lembro.

Liam soara seco e zangado. Samantha virou a cabeça para encará-lo.

— Seus lindos cabelos... —prosseguiu Liam. — Eu não sabia se esganava você ou... Mas devo admitir que o corte curto caía bem em você naquela época, tanto quanto agora.

Suspeitando que ele estava tentando soar diplomático e amoroso porque Bobbie estava ouvindo, Samantha estava prestes a retrucar algo que também soasse romântico quando, para sua surpresa, ouviu Bobbie comentar:

— Sim, ainda lembro de como eu fiquei embaraçada há algum tempo quando ouvi Liam dizer a alguém que ele achava que seus cabelos curtos ficavam incrivelmente atraentes numa mulher com um corpo tão maravilhosamente curvilíneo quanto o seu. Samantha girou nos calcanhares para fitá-lo.

— Você disse isso a meu respeito? — inquiriu.

— Como sou boba — disse Bobbie enquanto os conduzia até a sala privativa do Grosvenor. — Por que não adivinhei tudo então? — Pessoal, aqui estão eles! O mais recente "casal" da família Crighton.

Do nada um garçom subitamente apareceu com uma bandeja cheia de taças de champanha, enquanto Samantha e Liam eram cercados por entusiasmados membros de sua família.

— Achei que você tinha dito que seria apenas um calmo almoço de família — queixou-se Samantha à sua gêmea.

— Bem... É o que mamãe teria feito — disse Bobbie.

— Mamãe...! Você não... — começou Samantha. Mas Bobbie balançou a cabeça.

— Não. Vou deixar isso para você e Liam... Oh!

— O que foi? — inquiriu Samantha ao ouvir o tom surpreso e empolgado da voz de sua irmã ao olhar na direção da porta.

— São o vovô e a vovó! — exclamou Bobbie, deixando a irmã correr até a porta do salão, onde Ruth e Grant estavam parados junto com um sobrinho de Ruth, Saul Crighton, sua esposa, Tullah, e seus filhos.

Eram os pais de Saul, Hugh e Ann, que estavam hospedando Ruth e Grant em Pembroke. Enquanto olhava para eles, Samantha balançou a cabeça e disse a Liam:

— Simplesmente não acredito nisso. Tudo que preciso agora é que papai e mamãe entrem por aquela porta.

— Bem, duvido que isso aconteça, mas acho que devemos ir até lá e apresentar nossas explicações aos seus avós, ou melhor, eu devo — disse Liam, melancólico.

Samantha lançou-lhe um olhar surpreso. Ela notara um tom quase infantil de insegurança na voz de Liam, e seus olhos definitivamente exprimiam humildade ao fitar seus avós. Era muito incomum da parte de Liam emanar falta de confiança, e essa inesperada demonstração de vulnerabilidade a fez aproximar-se dele e colocar uma das mãos em seu braço num gesto quase protetor.

— Vovó irá entender — disse a ele. — Afinal de contas, ela e vovô...

Samantha calou-se abruptamente. Que diabos estava acontecendo com ela? Por um momento foi como se ela houvesse acreditado que realmente estava noiva de Liam, que os dois se apaixonaram contra todas as perspectivas e estivessem sendo obrigados a revelar ao mundo o seu amor.

Ao sentir um toque de mão, Liam se aproximou dela. Samantha notou como as outras pessoas os olhavam. Percebeu que devia estar corada, e, ainda pior, que se sentia mais do que feliz em se apoiar em Liam enquanto ele a conduzia pelo salão até onde seus avós a aguardavam.  

— Então, finalmente aconteceu! Vocês dois pararam de brigar por tempo suficiente para se apaixonarem.

Samantha piscou ao ouvir a aprovação na voz de sua avó e ao ver a felicidade em seus olhos.

— Liam, eu só espero que você saiba muito bem o que está fazendo — disse Ruth a Liam. — Você nunca vai conseguir mudá-la.

— Eu jamais tentaria mudá-la — respondeu Liam como um homem realmente apaixonado.

E, ao fitar seus olhos por um curto espaço de tempo, Samantha flagrou-se quase acreditando nisso.

 

A tarde transcorreu numa sucessão de abraços, beijos e congratulações. O Grosvenor, fazendo jus à ocasião, fez um almoço impecável. Tonta, Samantha ouviu as várias conversas que zumbiam no ar em torno deles, com os membros mais jovens da família divertindo-se num canto do salão enquanto outro grupo, que incluía Jon e Jenny, formara-se em torno de Ruth e Grant. Bobbie, Luke, Tullah e Saul também estavam ocupados trocando lembranças de suas infâncias e juventudes.

De todos eles, apenas Katie estava desacompanhada. Katie era uma mulher muito reservada segundo Jenny, talvez dedicada demais ao seu trabalho e à causa que ele atendia.

Como Ruth, Katie tinha uma forte veia filantrópica. Seu trabalho no departamento jurídico de uma grande instituição de caridade poderia não vir a lhe trazer fama ou fortuna, mas certamente proporcionava muita satisfação, reconheceu Samantha.

Não que Katie parecesse particularmente feliz neste momento, admitiu Samantha. Ou talvez simplesmente parecesse solitária por estar desacompanhada.

Quando Saul e Tullah vieram lhe dar os parabéns, Tullah comentou:

— Talvez você acabe deixando todas nós para trás e produza o primeiro par da nova geração de gêmeos da família.

— Gêmeos... Com Liam concorrendo para governador, eles não terão tempo para conceber nem um filho, que dirá dois — disse Saul à sua esposa.

Enquanto os outros três riam, Samantha, envergonhada, sentiu-se começando a ficar corada, como se ela realmente estivesse apaixonada por Liam.

— Quando vocês irão se casar?—perguntou Tullah. — Depois da eleição ou...

Liam apertou a mão de Samantha em sinal de aviso, respondendo antes que ela pudesse dizer qualquer coisa:

— Ainda não pensamos numa data.

— Bem, acho que isso significa o fim da sua visita aqui — comentou Bobbie várias horas depois, quando todos já tinham ido embora, menos Bobbie, Luke e seu avós, os pais de Luke levando Francesca para casa de modo a permitir que Bobbie tivesse mais um pouco de tempo com sua irmã gêmea. Antes que Samantha pudesse dizer qualquer coisa, Bobbie prosseguiu:  

— Eu sei que Liam não pode ficar muito tempo aqui, e, é claro, você vai querer voltar com ele. Quando você irá contar a papai e mamãe?

Como Bobbie já havia confidenciado a Luke, o fato de Sam e Liam serem amantes provara-lhe o quanto sua irmã gêmea devia amar Liam.

— Sam sempre foi muito exigente, e nunca foi dada a romances efêmeros. O fato de estar comprometida com Liam é prova do quanto está apaixonada por ele.

— Eu não preciso ser convencido — respondera Luke. — Eu sabia que ela e James não iriam se afinar.

— Vamos telefonar para eles assim que for possível — respondeu Liam para ambos agora.

— Eu sei que Sarah Jane não ficará muito surpresa — disse Ruth, comentário que deixou Samantha confusa. — Eu sei, pelo que ela me disse, que Sarah Jane tinha esperanças...

A mãe dela tinha esperanças... Esperanças para ela e Liam... Por que haveria de ter esperanças nesse sentido? Perguntou-se Samantha enquanto olhava para Liam.

Ele não estava inteiramente surpreso pela mãe de Samantha ter adivinhado o que ele sentia por sua filha. Afinal de contas, as mães eram famosas por perceber essas coisas. A própria Samantha, graças a Deus, era bem menos intuitiva.

Enquanto olhava de soslaio para o anel na mão esquerda de Samantha, Liam sentiu-se tonto, como se estivesse olhando para o profundo abismo que separava o relacionamento que os dois estavam fingindo da dura realidade.

Liam ainda estava atordoado pelo golpe duplo que recebera quando, primeiro, Samantha o acusara de tentar usá-la para melhorar suas chances de vencer a eleição — como poderia pensar que ele seria capaz desse tipo de vigarice? — e, em seguida, quando dissera que decidira ir para a sua cama porque queria ter não um filho dele, mas um filho. Essa revelação não apenas o magoara, como também o deixara profundamente chocado.

A união da família Miller sempre apelara em Liam um idealismo que ele tentara manter oculto e protegido. E Liam simplesmente não conseguia compreender como Samantha, a mulher que ele amava, estava preparada para negar ao seu filho o tipo de criação que ela própria desfrutara. E o que ele estava achando ainda mais difícil de entender, ou perdoar, era a certeza de que, caso tivesse uma segunda oportunidade de conceder a Sam a criança que ela tanto queria, ele dificilmente conseguiria resistir à tentação de fazê-lo; porque, ao menos dessa forma, estabeleceria algum tipo de conexão permanente com ela — seu filho.

Enquanto ouvia seus avós, Samantha precisou reconhecer que Liam sempre se dera muito bem com o seu avô. A família de Grant vinha do sul dos Estados Unidos, e ele e Liam, em comum com o pai de Samantha, compartilhavam a opinião de que era de vital importância encontrar uma forma de integrar os estados do sul e os do norte num propósito comum que beneficiasse a todos. Ruth e Liam haviam imediatamente se afinado, de modo que neste momento, toda a família, incluindo Luke, iniciou uma apaixonada discussão sobre a crescente necessidade de dar aos jovens de ambos os países o incentivo e a ajuda necessária para se libertarem daquilo que os jornalistas ocidentais estavam chamando de "a armadilha da pobreza". Eles estavam discutindo com tanto ardor que Samantha sentia-se um pouco excluída daquele círculo particularmente carismático e exclusivo.

Suas visões não estavam em choque com as dos outros, reconheceu Samantha. Contudo, ela preferiria um método muito mais direto e possivelmente contencioso de colocá-las em ação.

— Pelo andar da carruagem, vamos acabar tendo de jantar aqui — comentou Grant jovialmente em algum momento. — É melhor reservarmos uma mesa.

Enquanto todos os outros assentiram animadamente, apenas Liam pareceu hesitar, olhando para Samantha, a quem perguntou em voz baixa:

— Você está muito calada. Prefere fazer outra coisa?

Samantha arregalou os olhos, notando-se subitamente envolta por uma sensação muito real de calor e felicidade. Liam não apenas notara que ela não entrava no debate, como também ficara preocupado o bastante para lhe perguntar se preferiria fazer qualquer outra coisa.

Uma pequena nuvem de euforia se materializou do nada para envolver e acalentar Samantha. Instintivamente ela se moveu para mais perto de Liam, virtualmente aconchegando-se a ele sem compreender o que estava fazendo. Nem mesmo a força confortadora do braço de Liam puxando-a para mais perto alertou Sam do perigo que estava cortejando ou da vulnerabilidade a que estava se expondo. Mais tarde, Samantha atribuiria isso ao fato de que havia, durante o curso da tarde, mergulhado tanto em seu papel de recém-noiva que passara a interpretá-lo sem nem mesmo perceber.

— Oh-oh... Tenho a impressão de que ela preferiria, sim — provocou-a Bobbie implacavelmente, forçando Samantha a compreender o que estava fazendo e se afastar de Liam enquanto negava veemente:

— Não... Acho ótima a idéia de jantar aqui.

— Ora, vejam só — disse Grant com uma risadinha.

— Acho que o amor já está domando a nossa megera. Ela está até aprendendo a fina arte de mentir socialmente. Talvez ela até possa se tornar uma boa esposa de governador.

— Para a sua informação — começou Samantha, indignada, olhos faiscando com raiva. Mas Liam rapidamente a silenciou, curvando-se para beijar brevemente os seus lábios.

Ela podia estar subitamente tonta porque não comera muito no almoço, decidiu Samantha enquanto se forçava a não ceder ao perturbador impulso de abraçar Liam e retribuir o seu beijo — com juros.

— Ela será uma maravilhosa esposa de governador — disse Liam a Grant sem desviar os olhos do rosto de Samantha. — E certamente a única esposa que este governador em potencial irá querer...

Em meio às gargalhadas, Samantha tentou desviar os olhos dos de Liam, apenas para descobrir que não conseguia. Tinha a impressão de estar se afogando, derretendo, como se seu corpo inteiro estivesse em chamas... Dissolvendo, doendo tanto que neste exato momento...

Samantha sentiu seu corpo inteiro corar de vergonha ao reconhecer a direção que seus pensamentos estavam tomando. Ela também decidiu que não havia sentido em enganar a si mesma — o desejo urgente que estava sentindo espalhar-se por todo o seu corpo não tinha relação nenhuma com qualquer desejo maternal de gerar um bebê. O que estava acontecendo com ela? Quando interpretar o papel de apaixonada por Liam, fingir que não havia nada que quisesse mais do que estar a sós com ele, que não havia ninguém que desejasse mais que ele, tornara-se uma tarefa tão fácil, tão natural, tão necessária, tão automática quanto respirar?

Samantha mantinha-se sentada em silêncio enquanto os outros discutiam trivialidades.

— Ora, ora — comentara Grant a certa altura da noite, quando Samantha não mordera uma isca muito óbvia que ele jogara para ela. — Sei que dizem que o amor muda uma pessoa, mas...

Para a surpresa de Samantha, foi Liam quem veio ao seu resgate, balançando a cabeça e dizendo com firmeza:

— Minhas crenças e ideais nunca foram muito diferentes dos de Samantha, como algumas pessoas parecem pensar. É apenas que minha forma de expressar o que penso é um pouco menos assertiva que a de Sam...

Enquanto os outros ainda estavam rindo, ele se virou para ela, pegou sua mão esquerda e a conduziu até os lábios, beijando o seu dedo anular num gesto tão simples, amoroso e desembaraçado que deixou Samantha lacrimejando de emoção. Como seria se Liam realmente a amasse? Antes os sonhos que Samantha nutria de amar um homem e ser amada por ele haviam     envolvido a família que ambos iriam ter. Jamais lhe ocorrera que sentiria tamanha felicidade e segurança, ou tamanha sensação de pertencer, de saber que poderia relaxar completamente e permitir que outra pessoa a carregasse um pouco.

Distraída, fitou os olhos de Liam. Ele a observava com uma expressão que combinava seriedade e outra emoção que não foi capaz de definir. Tudo que sabia era que isso estava fazendo seu pulso disparar e seu corpo inteiro ficar quente e sensível, como se tivesse sido acariciado por ele. Enquanto os outros faziam seus pedidos ao garçom, Liam inclinou-se até ela, fechando o espaço entre eles, e então sussurrou contra a sua boca:

— Continue olhando para mim desse jeito, Samantha Miller, e eu esquecerei que nosso noivado não é de verdade. Talvez até esqueça também de tomar qualquer precaução para não engravidá-la...

E então ele a beijou. Não um beijo qualquer, mas um beijo longo e profundamente passional, o tipo de beijo que diz "você é minha mulher e eu a amo", bem ali à mesa do restaurante, com quase toda a família olhando para os dois. E, por mais que os amasse, por um segundo Samantha desejou ardorosamente que não estivessem ali, e que Liam fizesse exatamente o que acabara de sussurrar. Desejou que os dois estivessem sozinhos, lá em cima, em sua suíte, e que...

— Você nunca me disse o que aconteceu com James ontem à noite — proclamou Bobbie, rompendo o perigoso encanto que Liam lançara sobre Samantha.

— James...

Por um momento, Samantha realmente teve dificuldade de lembrar de quem sua irmã estava falando.

— Oh, sim... Claro, ele... — Ela se calou, sem ter certeza do quanto deveria dizer sobre o que acontecera. Afinal de contas, Rosemary era noiva de outro homem, e supostamente ela e James se odiavam. — Bem... Ele recebeu um telefonema e teve de se retirar — mentiu Samantha.

— Deve ter sido o destino — Bobbie disse a ela com um sorriso largo antes de acrescentar num sussurro quase inaudível: — A propósito, você já contou a Liam a respeito de você... sabe o quê...

— "Você sabe o quê"? — indagou Samantha, testa enrugada. — Não sei do que você está falando — começou, mas Bobbie a deteve, meneando a cabeça e lembrando-a num tom malicioso:

— Lembra quando você e eu tivemos nossa confissão conjunta e eu lhe contei sobre minha fantasia aquática e você...  

— Oh... Sim... Isso... — disse Samantha.

De jeito nenhum ela permitiria que Liam soubesse de sua fantasia sexual de fazer amor a céu aberto. Afinal, eles não eram realmente casados e ele não a amava de verdade. Mas de nada adiantou lançar um olhar angustiado para sua irmã gêmea, e embora Luke e seus avós estivessem absorvidos por uma conversa, Bobbie se pôs a sussurrar para Liam, informando-lhe qual era a fantasia sexual secreta de Samantha.

— Bobbie, aquilo foi uma coisa de adolescente — sibilou Samantha, totalmente incapaz de olhar para Liam e ver como ele estava reagindo às confidencias de Bobbie.

— E os seus sentimentos por Liam também, e veja agora o que aconteceu — provocou-a Bobbie.

Já era tarde quando eles finalmente decidiram que a noite chegara ao fim, com Luke e Bobbie se retirando primeiro e em seguida Ruth e Grant.

— Amanhã nós vamos conversar — prometera Bobbie à sua irmã antes de sair, acrescentando: — Eu sei que você vai querer voltar para casa com Liam, mas, pelo menos, como vocês dois estão planejando se casar, não deve demorar muito até todos estarmos reunidos novamente.

Passava da meia-noite quando Samantha e Liam atravessaram o saguão em direção aos elevadores.

— O hotel está um pouco mais vazio agora — informou Liam enquanto chamava o elevador. — Assim, pude reservar um quarto só para você.

Um quarto só para ela... Samantha tentou parecer adequadamente apreciativa. Antes do almoço, Bobbie, como sempre muito prestativa, retornara à casa e escolhera algumas roupas e artigos de higiene de Samantha, os quais havia passado discretamente para ela dentro de uma bolsinha.

Com o cavalheirismo antiquado que tantas vezes a fizera rebelar-se contra ele no passado, Liam insistiu em acompanhar Samantha até a porta de seu quarto de hotel e abri-la para ela. Ao passar por ele e entrar no quarto, Sam sentiu um desejo profundo de parar e se jogar nos braços dele.

A intensidade de seu desejo deixou-a nervosa. O que estava acontecendo com ela? Certamente ela não seria tão facilmente sugestionável que, depois de menos de vinte e quatro horas bancando a amante e noiva de Liam, mergulharia tanto no papel que não conseguiria se despir do personagem e voltar à realidade. Samantha precisou trincar os dentes para se impedir de sussurrar para Liam que queria passar a noite em seu quarto, em sua cama, em seus braços, e não apenas porque ela queria um filho dele. Não — definitivamente não por causa disso. O que ela queria, Samantha compreendeu trêmula, era o próprio Liam.

— Ligaremos para casa de manhã — Liam estava dizendo para ela.

O máximo que Samantha poderia confiar em si mesma para fazer era simplesmente balançar a cabeça. Se abrisse a boca, se olhasse para ele, se o seu corpo chegasse mesmo a pensar que ele iria fazer o menor movimento em sua direção... Mesmo depois que ele havia fechado a porta, Samantha levou vários minutos até se sentir suficientemente segura para se mover. Seus dedos tremeram enquanto ela fechava a porta. O anel que Liam lhe dera refletiu a luz do quarto. Apesar de seu peso, ela mal percebia que estava usando-o; era quase como se ele sempre estivesse ali. Relutante, tirou o anel. Sua mão pareceu nua, vazia.

Ela levou muito tempo até finalmente conseguir se deitar para dormir e, mesmo assim, não conseguiu dormir muito bem. A cama parecia desconfortável e vazia sem Liam nela...

Liam... Liam... Liam...

Ela sentou-se na cama, recolheu os joelhos contra o peito e abraçou as pernas. O que estava acontecendo com ela? O que havia acontecido com ela? Ela nunca fora boa em fingir sentimentos ou ser o que não era. Nunca... E mesmo assim, hoje, fingir estar apaixonada por Liam tinha sido tão fácil e natural que ela...

O corpo de Samantha estremeceu inteiro quando ela compreendeu a terrível verdade. Talvez fingir tivesse sido muito fácil porque, na realidade, ela não estivesse fingindo.

Mas como isso era possível? Como ela podia estar apaixonada por Liam sem saber?

Talvez ela tivesse sabido, em algum nível profundo de seu inconsciente. Talvez fosse por causa disso que ela respondera a Liam com tanta intensidade. Talvez fosse por causa disso que ela ficara tão consumida pelo desejo de conceber seu filho. A natureza agia de formas complexas e nem sempre totalmente claras.

Mas ela não podia amar Liam. Ele não a amava. Ela aprendera isso quando ainda era adolescente... E embora jamais houvesse admitido isso nem para Bobbie, aceitar que ele não correspondia aos seus sentimentos fora uma das lições mais duras de sua vida. Seus sentimentos por ele tinham sido mais os de uma adolescente do que de uma mulher, mas isso não os fizera parecer menos reais. Contudo, Liam deixara dolorosamente claro que não iria permitir que ela nutrisse ilusões sem esperança por ele, e o orgulho dela fizera o resto. Agora ela sabia que iria precisar daquela mesma determinação, daquele mesmo orgulho, uma vez mais.

Lembre-se do quanto discordava dele em todos os assuntos que eram importantes para você, Samantha aconselhou a si mesma. Contudo, mais cedo naquela mesma noite, ao ouvir Liam comentar suas ambições altruístas e esperanças para o estado, ela fora forçada a reconhecer que, em termos de idealismo, os dois não eram tão diferentes assim.

Mas o que ele estava pensando? Mesmo se por algum milagre Liam viesse a retribuir o seu amor, nem em um milhão de anos ela seria a espécie de esposa que ele iria precisar. Até seus parentes concordavam nesse aspecto, embora também parecessem achar que ela poderia mudar... Comprometer-se. Mas Samantha sabia que não poderia mudar e ainda assim continuar fiel a si mesma.

Samantha soltou os joelhos e se deitou novamente, lágrimas silenciosas molhando o seu travesseiro enquanto ela chorava pelo homem com quem, ela sabia, jamais poderia compartilhar sua vida e ter os bebês com que tanto sonhava.

 

— Não é maravilhoso, querida? O Washington Post está predizendo que Liam vencerá a eleição. Sam... Qual é o problema? — perguntou sua mãe ao ver que o comentário não suscitara a reação que ela esperara de sua filha. — Você ainda não está preocupada quanto a se tornar a esposa do governador, está? — perguntou gentilmente a Samantha. — E a culpa é minha, não é? Se eu não tivesse odiado isso tanto... — Ela se calou por um instante e balançou a cabeça. — Mas, Samantha, você é muito mais forte do que eu, e embora não queira admitir isso, você simplesmente ama os tipos de desafios que você e Liam irão enfrentar. As pessoas já estão prevendo que vocês formarão o casal mais progressista a governar o estado, e seu pai está muito, muito orgulhoso de vocês dois.

Samantha não conseguiu se forçar a olhar sua mãe. Desde que ela e Liam haviam retornado havia algumas semanas, a rotina tinha sido a mesma. Seus pais haviam ficado empolgadíssimos com as notícias e, a despeito das demandas que a aposentadoria iminente de seu pai estava fazendo ao tempo de sua mãe, Sarah Jane mergulhara em preparativos empolgados para o casamento de Samantha.  

— Nós queremos esperar até depois... Até depois da cerimônia de posse — protestara Samantha enquanto lutara contra a aterrorizante sensação de que, desde que eles haviam contado que estavam noivos, embarcara numa montanha-russa, uma onda sísmica de reações, que uma vez posta em movimento seria impossível de ser parada.

Havia tantos comícios, reuniões, entrevistas e debates televisivos; uma quantidade tão grande de exigências ao seu tempo que, no fim, Samantha teve de admitir que seu pai tivera razão ao aconselhá-la a suspender temporariamente sua carreira, ao menos até as eleições.

Uma experiência inesperada de seu noivado fora o fato de que Cliff começara a bajulá-la de uma forma que ela julgara totalmente nauseante. Mas agora Samantha tinha temas muito mais importantes para ocupar sua mente do que ele.

A tensão sob a qual ela vivia começava a ficar aparente. Perdera peso e o brilho sumira de seus olhos. Agora a safira em sua mão esquerda parecia possuir um azul muito mais profundo que o de seus olhos. Ela e Liam estavam tão atarefados que mal haviam conseguido ter qualquer tempo juntos, de modo que simplesmente não haviam tido uma oportunidade para discutir como e quando eles iriam dar as notícias de que haviam decidido, afinal de contas, que não amavam um ao outro.

Samantha fechou os olhos. Essa era outra mentira com a qual ela teria de aprender a viver. Liam podia não amá-la, mas ela certamente o amava. Oh, como ela o amava. Seus olhos começaram a arder com lágrimas de angústia.

— Sam, meu bem, o que foi? — perguntou ansiosa sua mãe enquanto corria para abraçá-la.

— Não é nada — mentiu Samantha. — Acho que tenho sofrido muita pressão e...

— ... e Liam não está aqui e você está com saudades dele. Querida, eu entendo — consolou-a sua mãe. — Mas não se preocupe, ele vai voltar neste fim de semana e vocês dois devem poder conseguir algum tempo só para vocês. Falando nisso, acho que no outro fim de semana devíamos voar para Nova York e ver alguns vestidos de noiva.

Vestidos de noiva. O coração de Samantha deu um pulo dentro de seu peito. Não havia nada que ela quisesse mais do que ter seus pais acompanhando-a através da igreja até o altar, onde Liam a estaria esperando. Nada... Mas esse era um sonho impossível... Um sonho completamente impossível.

Quando Liam telefonou no final daquele dia, ela finalmente estava a sós, de modo que pôde lhe dizer rapidamente:

— Liam, precisamos conversar.

Houve uma breve pausa. Ela deduziu que Liam provavelmente não estava sozinho pelo tom cauteloso em sua voz ao responder:

— Certo... Alguma coisa errada?

— Mamãe está falando sobre irmos a Nova York no fim de semana depois desse para comprar o vestido de noiva — disse a ele, torcendo para que conseguisse decodificar a mensagem contida no que ela estava dizendo. — Ela acha que devíamos discutir quais das primas Crighton teremos como damas de honra, e me levar para visitar a família de papai para ver quais móveis podemos querer tirar do depósito. Você sabe, quando os pais de papai faleceram, nós herdamos algumas antigüidades, e elas ainda estão guardadas num depósito. — Ela estava começando a tagarelar, reconheceu Samantha enquanto se forçava a respirar fundo.

Também havia um negócio de família na Nova Inglaterra, para o qual seu pai pretendia retornar.

Liam jamais falava sobre isso, mas desde que vendera os negócios do pai era um homem confortavelmente rico, provavelmente ainda mais do que os pais de Samantha. Contudo, dinheiro por dinheiro jamais interessara a Samantha.

Uma das medidas inovadoras que Liam queria implementar caso fosse eleito era uma forma especial de bolsa escolar para jovens sem condições de pagar o ensino universitário, e ele dissera a Samantha que pretendia usar seus próprios recursos para patrocinar esses estudantes. A lacuna política entre eles se estreitava com o que Samantha considerava uma velocidade assustadora. Agora ela não podia nem mesmo recorrer aos seus ideais como desculpa para deixar de amá-lo. — Irei para casa no fim de semana. — Samantha ouviu Liam dizer calmamente em resposta ao seu chamado. — Poderemos conversar então. O fim de semana. Samantha colocou o telefone no gancho. Ainda faltavam dois dias inteiros. Portanto, por mais dois dias, 48 horas, ela ainda iria ser a noiva de Liam. Depois disso... Depois disso, precisaria se afastar dele o máximo que pudesse e aprender a viver com sua perda e dor.

 

Uma expressão desolada escureceu os olhos de Samantha enquanto ela estudava a fotografia no artigo que acabara de ler. Era uma fotografia dela e de Liam. Eles estavam sentados juntos na biblioteca da casa do governador, o braço de Liam pousado ternamente em torno dos ombros de Samantha, que estava voltada levemente para ele, lábios entreabertos como se em antecipação a um beijo dele. Era uma fotografia de dois amantes, duas pessoas que mal podiam esperar para estarem juntas, e fora tirada para acompanhar a entrevista de Liam na qual ele falava sobre seus planos para o estado, caso fosse eleito governador.

E ainda diziam que a câmera não mente. Desde sua conversa telefônica com Liam no dia anterior, Samantha estivera ensaiando mentalmente o que iria lhe dizer quando ele retornasse. Sendo Liam, ele provavelmente iria exigir saber por que era tão urgente pôr um fim em seu noivado fajuto. É claro que ela não poderia lhe contar o seu motivo. Assim, teria de inventar uma razão, e até agora não conseguira pensar em nenhuma convincente.

Então, por que não lhe dizer a verdade? Rapidamente ela se levantou e caminhou através de seu quarto para parar diante da janela, onde se pôs a fitar o jardim que sua mãe amava tanto.  

Ela acordara cedo esta manhã e saíra antes do desjejum, tendo dito à sua mãe na noite anterior que precisava de um pouco de tempo sozinha e prometido que, sim, ela iria acompanhá-lo para examinar os móveis guardados no depósito na cidade natal de seu pai, na Nova Inglaterra. A mesma cidade para a qual seu pai pretendia retornar depois de encerrar o seu mandato.

Esta casa era velha para os padrões da Nova Inglaterra, embora em termos de Crighton não havia dúvida de que era relativamente nova. Ela e Bobbie haviam crescido nesta calma cidade tradicional e sua família fazia parte dela. Se ela fosse para a cidade agora, as pessoas iriam pará-la nas ruas e lhe perguntar não apenas sobre seus pais, mas sobre sua irmã e o seu bebê. Perguntariam sobre seu irmão Tom, atualmente na faculdade e destinado a assumir os negócios da família depois de seu pai — no período em que fora governador, o pai de Samantha designara um administrador para cuidar dos negócios, mas ainda mantinha responsabilidade geral sobre ele.

Contar a verdade a Liam! Embora soasse simples, era uma tarefa absolutamente impossível. Mesmo se ela conseguisse suportar a humilhação de se expor contando-lhe o quanto realmente o amava... A ele, um homem que jamais nutrira o mesmo sentimento por ela. Como poderia ter certeza se ao contar a ele não estaria, talvez subconscientemente, tentando pressioná-lo a se apiedar dela e... o quê? A se casar com ela porque ela o amava? Não! O pensamento provocou-lhe um arrepio. Não! Não. Essa era a última coisa que ela queria. Se ela possuísse uma personalidade menos volátil, talvez fosse capaz de esconder seus sentimentos e aguardar para resolver tudo depois da eleição. Porém, o efeito de interpretar diariamente um papel falso começava a exigir tanto de seus nervos que ela não sabia se poderia confiar na sua capacidade de não deixar escapar a verdade.

Não, o noivado deles teria de ser finalizado oficialmente, com uma proclamação pública adequada de que ambos haviam decidido que fora um erro.

Com o canto do olho ela viu um carro entrando na garagem da casa. Seu coração começou a bater forte quando ela o reconheceu.

O carro de Liam.

Liam!

O que ele estava fazendo aqui? Ele só deveria ter voltado dentro de mais 24 horas.

Rapidamente ela começou a descer apressada as escadas, abrindo a pesada porta da frente assim que ele a alcançou.

Embora ninguém estivesse morando ali no momento, a casa era limpa duas vezes por semana, mas ainda possuía aquele ar triste e solitário dos lares inabitados, refletiu Samantha ao fechar a porta atrás de Liam e inquirir:

— Liam, o que você está fazendo aqui? Você disse que só iria voltar amanhã.

— Eu sei, mas... você não parecia muito bem ao telefone, e quando liguei hoje de manhã sua mãe me disse que você tinha saído cedo para vir para cá. Assim, decidi cancelar o resto das minhas reuniões e vir até aqui.

— Você cancelou suas reuniões por causa de mim.

Samantha olhou para ele, chocada. Embora Liam não fosse um homem dominado pela ambição, Samantha estava surpresa por ele ter se preocupado a ponto de se comportar de forma tão impulsiva.

— Sua mãe disse que você não está se alimentando...

— Tenho muitas preocupações na cabeça — disse Samantha na defensiva. — Acho que simplesmente não tenho sentido fome. Liam... Eu...

Ela parou e então respirou fundo, virando de costas para Liam porque sabia que não conseguiria lhe dizer o que era preciso se visse pena nos olhos dele.

— Eu não posso continuar com isto... Precisamos terminar. Quanto mais tempo adiarmos isso, pior será. Mamãe já está fazendo planos para o nosso casamento e papai... — Ela se calou em engoliu e seco. — Eles vão nos odiar por não nos casarmos. Eu nunca imaginei... — Ela se calou novamente. — Precisamos dizer a eles que mudamos de idéia, Liam, e que tudo acabou entre nós.

Ele ficou calado por tanto tempo que no fim ela teve de se virar para olhar para ele, e, embora tenha vasculhado seu rosto em busca de alguma pista que lhe dissesse o que Liam estava sentindo e pensando, ela não conseguiu achar nenhuma.

— Não teria funcionado, mesmo — disse a ele, forçando-se a tentar transformar aquilo numa piada. — Você realmente consegue me ver como uma esposa de governador?

— Sim, na verdade, consigo.

Boquiaberta, Samantha o fitou, incapaz de ocultar sua reação a ele.

— Mas você sempre disse o quanto eu seria inadequada e...

— Não. Você sempre disse o quanto você seria inadequada — corrigiu-a Liam. — E talvez há vinte, talvez até há dez anos atrás, você tivesse razão. Você jamais conseguiria agüentar as restrições que lhe seriam impostas para assegurar o meu sucesso, mas as coisas mudaram, Samantha. E ainda estão mudando. Estamos vivendo num mundo novo, um mundo que está caminhando para não apenas aceitar, mas também abraçar todas as formas diferentes de pensamentos e idéias. Somos agora pessoas mais fortes e corajosas, e não mais nos sentimos ameaçados por novas idéias ou formas inovadoras de abordar problemas. O tipo de governador que pretendo ser jamais seria tolerado há uma década atrás. Os homens e mulheres que vamos representar são pessoas como nós mesmos, homens que sabem que seus papéis precisam ser intercambiáveis com os de suas mulheres. E essas pessoas reconhecem que a antiquada noção de que uma mulher deve "ficar ao lado de seu homem" não se aplica mais aos nossos tempos, que agora ambos os parceiros num relacionamento têm o direito de esperar apoio do outro, que ambos devem apoiar igualmente um ao outro, que uma mulher deve ter o direito de esperar de seu homem o mesmo apoio que oferece a ele. — Liam fitou profundamente os olhos de Samantha.

— Estamos no limiar de uma nova era, Sam, e eu predigo que será uma em que as pessoas irão coexistir em harmonia como indivíduos e que as velhas camisas de força que exigiam que as pessoas se adequassem a certos padrões rígidos serão abandonadas à medida que as pessoas superem seus temores e preconceitos para aceitar os outros como são, para respeitá-los pelo que são.

Após mais uma pausa, ele prosseguiu:

— Não, você não precisa ser uma boa esposa tradicional de governador, o tipo de mulher que está sempre dois passos atrás do marido e que se mistura ao fundo. Esse não é o tipo de mulher que eu sempre quis. Eu quero uma esposa que seja minha parceira em todos os sentidos da palavra. Uma esposa bem ao meu lado e, algumas vezes, creio, bem à minha frente — concluiu Liam, quase com bom humor.

Por um momento Samantha esteve comovida demais para falar. Tudo que ele dissera havia tocado muito as suas emoções, e ela sabia que estava perigosamente próxima de perder o controle e dizer exatamente o que sentia por ele.

Como ela não poderia amá-lo agora, depois do que ele dissera?

— Os seus eleitores sabem sobre isso? — ela conseguiu perguntar, trêmula.

— Os eleitores não têm o direito de interferir no meu relacionamento pessoal com você, Sam. Além disso — acrescentou com calma — eu posso até mesmo já ter pensado em você como uma mulher individualista demais para se conformar ao papel de esposa de um político, mas eu estava errado. Não era você quem precisava mudar sua forma de pensar; era eu quem precisava mudar a minha. E eu fiz isso, Sam. Eu não apenas amo você, como a admiro e respeito. Não há absolutamente nada em você que eu queira mudar. Ou, pensando melhor, há uma, sim. Eu quero que você troque seu nome pelo meu — disse-lhe Liam numa voz tão suave que fez seu estômago embrulhar em nós e seu coração revirar no peito.

Oh, Deus, por que ele estava fazendo isso com ela...? Por que ele não podia simplesmente concordar com o que ela dissera e permitir que eles seguissem caminhos separados?

— Mas... Mas nós não temos um relacionamento — disse Samantha, um pouco rouca. — E apenas fingimento, Liam... É só...

— É? — Ele a desafiou.

No minuto seguinte Samantha estava em seus braços, e ele a estava beijando, gentilmente no começo, e então com mais força, quando ele sentiu a suavemente trêmula reação de seus lábios e o denunciador estremecimento de prazer que abalou o seu corpo. Acometida por uma paixão feroz que calou todas as suas objeções, tudo que Samantha podia fazer, tudo que ela queria fazer era ficar juntinho dele, corresponder a ele, conceder a ele todo o amor que ameaçava explodir seu coração.  

— Se os eleitores não puderem ver os benefícios e as vantagens que você oferece, o prejuízo será deles. — Samantha ouviu Liam dizer em voz rouca enquanto segurava seu rosto para fitá-la com olhos tão inflamados de paixão que Sam achou que iria se derreter toda. — Quanto a mim, não posso me permitir essa perda. Prefiro desistir da campanha a perder você.

Samantha arregalou os olhos. Ela podia ver nos olhos dele, ouvir na sua voz, que ele estava falando com sinceridade absoluta.

— Você faria isso... Por mim... — sussurrou Samantha.

— Por você e para nós — disse Liam suavemente a ela. — Se essa for a única forma de convencê-la de que você significa mais para mim do que qualquer outra coisa...

— Oh, Liam... — Samantha tocou ternamente o rosto dele com as pontas dos dedos. — Acho que isso deve significar que você me ama — disse ela num tom sonhador, suas lágrimas gotejando na pele dele.

— Por que outro motivo eu teria atravessado o Atlântico? — desafiou-a Liam. — Você faz alguma idéia do quanto eu sofri ouvindo você dizer que estava indo para lá para arrumar um marido inglês, um pai inglês para os seus filhos?

— Mas eu não sabia. Você nunca disse.

— Você nunca quis que eu dissesse — retorquiu Liam. — Você me tratava como se eu fosse... Como se eu fosse seu irmão.  

— Isso era porque... Bem, quando veio trabalhar para papai, você deixou bem claro que não estava interessado em...

— Você ainda era uma menina — interrompeu-a Liam. — Uma criança. E depois, quando cresceu, você simplesmente parecia não querer saber.

— Eu não sabia — admitiu Samantha. — Não até... — Ela se calou, bochechas coradas. Então riu. — Acho que eu precisava ir para a cama com você para descobrir exatamente o que sentia por você.

— Ah... Então não era apenas por que você queria minha ajuda para fazer um bebê — Liam lembrou a ela.

Samantha fez que não com a cabeça.

— Acho que eu tive de dizer isso a mim mesma porque estava chocada demais com os meus próprios atos. Mas eu acho que lá no fundo eu sempre soube... Sempre senti... Naquele domingo no Grosvenor, quando toda a família estava reunida, eu tive a impressão de que era absolutamente perfeito estarmos juntos. Senti muita falta de você naquela noite.

— Nem chega perto da falta que eu senti de você — gemeu Liam enquanto a abraçava.

Enquanto Liam começava a beijá-la, Samantha aconchegou-se mais nele, ansiosamente respondendo à sua paixão, mas então ela recuou subitamente e inquiriu baixinho:

— Liam, não há realmente nada que você não fizesse por mim...?  

— Nada — respondeu. — Por quê? O que você quer?

— Bem, desta vez... — Ela se calou e corou de vergonha. — Desta vez, quando fizermos amor, nós poderíamos... Eu quero um filho seu, Liam... Liam! — protestou Samantha quando ele começou a beijá-la com devastadora intensidade, correndo mãos possessivas pelo seu tronco, segurando em concha os seus seios, e então a puxando com força contra o seu próprio corpo, para que ela pudesse sentir sua ereção poderosa e latejante.

— Você pode ter de mim qualquer coisa que quiser, onde quiser — disse rouco. — Mas no que diz respeito a ter bebês... — Ele levou as mãos até a nuca de Samantha e começou a massageá-la enquanto fitava profundamente os seus olhos. — Acho que nós dois sabemos que isso é algo que deve acontecer depois que tivermos nos casado, e não por causa do que os outros possam pensar, mas porque queremos que os nossos filhos cresçam sabendo que nós os amamos tanto quanto amamos um ao outro.

— Oh, Liam... — Samantha suspirou enquanto se derretia em seus braços. — Oh, Liam...

A casa era mobiliada com camas em cada quarto, mas Samantha sabia que, neste momento, não importava onde eles estavam, tão forte era o desejo de um pelo outro. O simples toque do hálito de Liam na pele nua de Samantha foi suficiente para fazer com que ela fosse trespassada por arrepios de prazer quase orgásticos. E ao beijá-lo, ela sentiu com absoluta clareza o quanto ele estava excitado.  

— Então, você quer esperar até que estejamos casados — provocou-o Samantha em algum momento, e no fim eles tiveram de admitir que não conseguiriam aguardar nem mais um segundo.

O casamento aconteceu três semanas antes da aposentadoria oficial de seu pai, e seis antes da posse de Liam como novo governador do estado. Durante o discurso de seu pai, a platéia fez várias piadas sobre ele não estar perdendo uma filha, mas ganhando uma esposa de governador na família.

Mais tarde, ao lado de sua mãe, irmã e irmão, enquanto seu pai recebia os agradecimentos das autoridades pelo que fizera pelo estado, e ainda mais tarde, ao lado de Liam enquanto seu pai falava de sua certeza de que o novo governador realizaria grandes feitos, Samantha tinha a impressão de que ia explodir de tanto orgulho que sentia pelo homem com quem havia se casado.

Enquanto discretamente acariciava seu abdômen ainda plano, sussurrando para que seu filho em gestação prestasse atenção no discurso de aceitação de seu pai, Samantha pensava não no futuro, mas na ocasião muito especial e íntima em que o bebê fora concebido.

— Não se preocupe. Você vai adorar — garantira-lhe Liam. Ela fizera uma careta horrorizada quando ele lhe contara que eles iam passar sua breve lua de mel não em algum idílico paraíso tropical, mas num acampamento nas montanhas.

Mas os poucos dias que eles passaram lá foram mais maravilhosos do que teriam sido em qualquer ambiente luxuoso, principalmente na primeira noite, quando eles montaram o acampamento ao lado de um lago de água mineral. Ali eles nadaram completamente nus, a água gelada contra o calor de suas peles. E então eles fizeram amor sob as estrelas que, com seu brilho suave, foram as únicas testemunhas dos gemidos de prazer de Samantha enquanto seus corpos se mesclavam e criavam a nova vida que agora ela estava carregando.

A família inteira viera para o casamento, incluindo Bobbie, trazendo orgulhosa nos braços seu filho recém-nascido. E nessa ocasião, Samantha voltou a reparar o quanto Katie parecia introspectiva è melancólica.

— Jenny anda muito preocupada com ela — dissera-lhes Ruth. — Jenny acha que Katie tem trabalhado demais. Eu sugeri que tentássemos persuadir Katie a se mudar de volta para Haslewich. Sua ajuda seria bem-vinda na firma de advocacia da família.

Samantha, que vira a expressão desamparada de Katie toda vez que pousava os olhos em sua irmã gêmea e no marido dela, não tinha tanta certeza de que era apenas o trabalho duro que vinha afetando Katie, mas preferiu guardar esse pensamento só para si.

A família suspeitava que Louise estivesse grávida, mas até agora ela ainda não dissera nada. Samantha não podia imaginar nada pior do que amar o homem de sua irmã gêmea. Ela não conseguia imaginar como teria conseguido suportar caso, por exemplo, Bobbie e Liam tivessem se apaixonado. Ela ficava tonta só de pensar na dor que uma situação como essa poderia causar.

James também comparecera ao casamento deles parecendo levemente encabulado, e mantendo distância dela. Não que ele tivesse qualquer motivo para isso; Samantha não tinha o direito de exigir uma explicação dele por aquele beijo em Rosemary. Mas o noivo de Rosemary certamente tinha. Agora Samantha olhou para o outro lado da sala, onde Liam estava trabalhando à sua mesa, e então se levantou e caminhou até ele. Sentando na mesa de Liam, fez uma pose provocante, balançando suas pernas compridas.

— Olá, Sr. Governador — arfou sensual. — Dizem que o poder é um grande afrodisíaco e que os homens poderosos são muito bons de cama. — Enquanto falava, Samantha começou a desabotoar a camisa dele.

— Queria saber se é verdade...

Liam recostou em sua cadeira e fechou os olhos.

— Bem, acho que só há uma maneira de descobrir — disse antes de se levantar e tomá-la nos braços.

— Samantha Connolly, eu já lhe disse hoje o quanto a amo?

— Hum... Não desde o café da manhã — respondeu Samantha.

— Hum... Bem, eu amo... E sempre amarei.

— Sempre... Mesmo quando eu estiver enorme de tão grávida? — perguntou Samantha.

— Então eu irei amá-la mais ainda — disse Liam delicadamente.

Era perfeito. A vida era perfeita. Seu amor era perfeito. Liam era perfeito. O homem perfeito, o marido perfeito... O pai perfeito... E ela o amava mais do que poderia definir em palavras.

 

                                                                                Penny Jordan 

 

 

                      

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