Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
ESPAÇONAVE ORION
A Patrulha das Estrelas
O PLANETA DAS ILUSÕES
A MÃO que saía do uniforme de bordo só podia ser de um astronauta. Era estreita e apresentava o moreno-profundo que fazia supor uma permanência prolongada entre as estrelas. No pulso robusto, via-se uma pulseira larga, na qual estava embutido um precioso relógio de piloto. Cliff Allistair McLane examinava o relógio, enquanto escutava atentamente, procurando extrair das frases mais do que elas continham.
— O nome Shardeeba lhe diz alguma coisa? — perguntou uma voz profunda, que pertencia a um homem de cinqüenta e seis anos, que quase se confundia com a sombra da gigantesca tampa da mesa.
— Naturalmente, marechal — respondeu Cliff.
— Shardeeba é um planeta parecido com Terra, que pertence ao sistema de Ayalon. Esse sistema fica no setor Sul/Quatro 905. Conforme já sabe, este integra o projeto dos mundos a serem colonizados. Trata-se de um mundo praticamente autárquico. Umas trinta naves por semana garantem a ligação entre Terra e Shardeeba.
Cliff respondeu com um sorriso irônico:
— Estas informações estão no manual. O que houve com Shardeeba?
Outro homem respondeu no lugar de Wamsler. Era um galã e gostava de McLane tanto quanto uma pessoa pode gostar de um ataque de malária.
— Shardeeba não responde mais. Há três dias o planeta se mantém em silêncio. Não sabemos o que está acontecendo por lá. E durante esse tempo nenhuma nave decolou daquele planeta. Perdemos todo o contato.
Cliff lançou um olhar demorado sobre Michael Spring-Brauner, deu de ombros e disse em tom lacônico:
— Então é outro caso para McLane, não é?
— McLane — disse Lydia van Dyke. — Acho que o senhor não mudará mais, a não ser no dia em que estiver vivendo de aposentadoria.
Cliff virou-se. Sabia que Spring-Brauner, apelidado de Apoio, ficaria aborrecido com a resposta que iria dar.
— Para quê? — perguntou. — Estou satisfeito comigo do jeito como sou. Portanto, não há motivo para mudar. Todo mundo gosta de mim como sou atualmente.
Michael Spring-Brauner, o homem mais bonito da Base 104, engoliu em seco e ficou calado.
— Não estamos aqui para fazer brincadeiras — esbravejou Wamsler. — Compreendeu o que pretendemos fazer?
Cliff ergueu os ombros e sacudiu a cabeça.
— Tenho uma ligeira idéia do que pretende de mim, marechal Wamsler — disse, falando devagar e olhando para o relógio. — Acontece que ainda não se explicou com suficiente clareza. Basta dizer que ainda não recebi instruções específicas.
Wamsler pigarreou.
— Por vezes sua conversa é tão desqualificada, McLane, que fico me perguntando se sua promoção ao posto de coronel e os valiosos presentes que lhe foram concedidos pelo governo terrano realmente encontram uma justificativa.
McLane levantou a mão. O metal do relógio e da pulseira brilhou à luz do emissor de raios concentrados.
— Ah — disse em tom sarcástico. — O senhor está aludindo ao relógio nada exato que o governo terrano generosamente me deu em recompensa pela salvação do planeta. O que há de melhor nele é a dedicatória.
Soltou uma estrondosa gargalhada. O ordenança, tenente Michael Spring-Brauner, inclinou o corpo para a frente e disse em tom mal-humorado:
— Às vezes o senhor tem umas maneiras...
A resposta de Cliff não se fez esperar:
— Só tenho estas maneiras às vezes. Mas vamos ao que importa. O que ordena, marechal?
A mão de Wamsler desceu para um quadro de comando instalado sob a tampa da mesa. Depois Woodrow Winston Wamsler apontou para trás de McLane, indicando um lugar situado nos fundos da sala, à direita da barreira de fluxos brilhantes. Um ponto luminoso surgiu em meio à projeção. Esse ponto representava um dos inúmeros sóis que se encontravam na esfera espacial de novecentos parsec de diâmetro. Esta área de influência estava sob o controle de Terra.
— É ali, no setor Sul/Quatro 905, que fica o sol de Ayalon. Esse sol tem três planetas. Shardeeba é o segundo deles. Três luas gravitam em torno do mesmo. Há exatamente setenta e cinco horas esse mundo se mantém num silêncio total. É habitado por três milhões de pessoas. Sem falar nas fazendas robotizadas iguais às de Sahagoon, existem nele seis cidades e uma porção de fábricas situadas nos pontos-chaves da central de energia ou da extração de minério. Será que agora seu relógio já está certo?
McLane lembrou-se da poeira mortífera cuja disseminação conseguira impedir; essa recordação ainda agora o fazia estremecer. Sorriu vagamente e disse:
— Faço votos de que nunca mais um relógio pare por causa desse pó; seria o fim.
Wamsler e Lydia van Dyke confirmaram com um gesto; pareciam muito sérios. Wamsler respirou pesadamente. Pegou um classificador estreito e disse em tom enérgico:
— Coronel McLane! Ordeno-lhe em caráter oficial que, na qualidade de chefe de patrulha, verifique o que aconteceu em Shardeeba. Farejamos uma encrenca e as experiências que já colhemos justificam esta suposição. Se precisar de auxílio, chame o SSG. Acredito que Villa enviará sua amiga para dar-lhe apoio.
— Irei com a tripulação normal? — perguntou Cliff, levantando-se.
— Perfeitamente. O senhor irá com Legrelle, Sigbjörnson, Shubashi e De Monti. Faça o favor de decolar dentro de dez horas. Entendido?
— Não.
Cliff deparou-se com o olhar de espanto de Wamsler.
— Quais serão meus poderes? — indagou McLane.
— O senhor terá todos os poderes de que precisa, desde que não ultrapasse as medidas da última missão. A quantidade dos poderes é mais ou menos a mesma. Espero que saiba pensar durante o vôo.
Cliff fez um gesto.
— Sei pensar antes e depois, marechal. O pagamento que recebo inclui a atividade de meu cérebro. Face às oito missões que cumpri durante minha carreira neste setor especial da frota o senhor já devia saber disto.
Depois que as barreiras se desfizeram diante dele, fez uma continência ligeira e saiu da sala. No momento em que atravessava a ante-sala e começava a aborrecer-se, Lydia van Dyke disse em tom de recriminação ao marechal Wamsler:
— Marechal, às vezes não posso fugir à impressão de que o tom usado não corresponde às circunstâncias.
Wamsler sorriu e respondeu:
— Deixe para lá. De algum tempo para cá corremos os riscos de que os êxitos alcançados por McLane lhe subam à cabeça. Um homem que demonstre um excesso de autoconfiança tende à falta de cuidado. É o que tento evitar.
A grande tela do videofone foi tomada pela imagem de Tamara Jagellovsk. Cliff não poderia conceber uma maneira mais simpática de preencher uma tela.
— Quando decolam? — indagou Tamara com um sorriso.
Cliff lançou um olhar ligeiro para o relógio e disse em tom contrariado:
— Falta pouco menos de nove horas. Daqui a Shardeeba a Orion VIII levará 96 horas, aproximadamente. Com base nisso você poderá calcular quando chegaremos lá. O Serviço de Segurança Galático já lhe forneceu outras informações melhores?
Tamara sacudiu a cabeça.
— Infelizmente não. Nem sequer recebi informações assinaladas com a marca de ultra-secreto.
— Que pena! Bem, isso não é tão importante. Provavelmente alguma tempestade energética destruiu todas as estações retransmissoras ou coisa que o valha. Não deve ser nada de importância, mas é preferível não assumir riscos. As menores coisas podem trazer as conseqüências mais graves.
Tamara fez um ligeiro gesto e sorriu.
— Não demoraremos a encontrar-nos. Faça o possível para que sua missão seja concluída o quanto antes. Tenho muitas saudades de um jantar com você.
Um sorriso feroz surgiu no rosto de Cliff.
— E eu tenho saudades de coisas muito diferentes! — asseverou. — E com isto não estou aludindo necessariamente a Shardeeba.
Tamara não fez caso de seu aborrecimento e do sarcasmo mordaz que havia nessas palavras.
— Querido! — disse num cochicho. — Voe em paz. So long.
— Obrigado — resmungou McLane. — Divirta-se no SSG.
Interrompeu a comunicação. Naquele instante, nenhum dos dois poderia imaginar que Shardeeba representava uma aventura muito maior e mais perigosa do que a fantasia de qualquer astronauta poderia conceber. Faltava pouco menos de nove horas até a decolagem...
Com a figura ágil e esbelta do comandante à frente, cinco pessoas caminhavam em direção à nave espacial. A Orion VIII descansava com segurança absoluta sobre um anel de raios antigravitacionais, cujo ponto de impacto sobre a plataforma de decolagem era marcado por uma série de círculos luminosos. Sempre que alguém ultrapassava esses círculos, ouvia-se um alarma aterrador. É que os raios antigravitacionais poderiam esmagar um homem, caso houvesse um descuido.
Alguns minutos depois, reuniram-se na cabine de comando.
Já estavam sendo esperados.
— Helga — disse Mario de Monti em tom apressado. — Olhe o rádio. Tenho a impressão de que alguém tem urgência em falar conosco.
Helga passou por ele correndo. No rádio, uma luz vermelha piscava a intervalos regulares. Era uma mensagem urgente do controle da base de decolagem. Helga moveu a chave de recepção.
— Centro de rádio da Orion VIII.
Uma voz maquinai repetiu uma série de palavras gravadas em fita. No momento em que acusava o recebimento do chamado, Helga já transferira a mensagem para o intercomunicador de bordo. A voz saiu de todos os alto-falantes:
— Atenção. SSG chamando Orion VIH. Temos um aviso importante. A nave Ulisses, que levava uma carga de peças muito importantes, seguramente pousou em Shardeeba. Desde o momento do pouso a nave mantém um silêncio total. Pedimos avisar assim que observem qualquer coisa suspeita. Boa viagem. H. Villa. Fim. Confirmem recepção.
Helga confirmou e virou-se num movimento hesitante.
— O que vamos fazer, Cliff? — perguntou.
Cliff mordeu os dedos, acenou com a cabeça e disse:
— É simples: vamos decolar.
A escotilha do centro de cálculos da Orion VIII, que abrigava uma gigantesca calculadora digital, fechou-se. Mario de Monti concluíra o controle de funcionamento e colocou-se diante do dispositivo de introdução de dados. Programou as coordenadas do planeta Shardeeba.
— Tudo perfeito, Mario? — perguntou Cliff.
— Tudo. Estamos prontos para decolar. Os avisos de "tudo perfeito" chegavam dos diversos setores da nave. Helga ligou para o controle de decolagem, e a voz metálica do robô iniciou a contagem regressiva. Um gigantesco torvelinho surgiu no Golfo de Carpentaria, e os enormes campos energéticos encolheram-se em torno da Orion. Os holofotes das paredes de aço apagaram-se.
— Decolagem menos oito... sete... seis... As máquinas zumbiram, o campo protetor que envolvia o disco prateado mostrou uma cintilância transparente e a nave saiu da água praticamente sem o menor ruído e em sentido vertical. O torvelinho tornou-se cada vez menos agitado. Finalmente as massas de água voltaram a fechar-se. A Orion foi subindo. Todas as telas apresentavam a mesma coisa: o espaço cósmico. A Orion VIII atravessou vertiginosamente a atração lunar. Depois de alguns minutos, atingiu a órbita planetária de Marte, saiu da elipse em ângulo agudo e tomou a rota que a levaria ao destino, onde Shardeeba, o planeta silencioso, a aguardava.
A calma era uma das características da viagem pelo hiperespaço. A Orion VIII, que formava um disco prateado de vinte e cinco metros de diâmetro e de quatorze metros de 'altura, medida das agulhas de arremesso até a escotilha do elevador central, aumentara sua velocidade até chegar à da luz. Em outras palavras, percorria cerca de 300 mil quilômetros num único segundo. Nessa altura, o computador efetuou a ligação, os geradores descarregaram-se e o disco mergulhou no hiperespaço, onde não se enxergava a luz das estrelas.
Não se via nenhuma nebulosa, a faixa da Via Láctea estava ausente, tal qual as manchas luminosas que representavam outras vias lácteas mais distantes.
Abstraindo do espaço encerrado a bordo da nave, não havia qualquer ponto de referência. Era bem verdade que a rota podia ser reconstituída, a nave continuava a desviar-se dos obstáculos. Mas enquanto durasse o salto de transição, o mundo fascinante formado pela escuridão absoluta mesclada às luzes que brilhavam em todas as cores do espectro deixara de existir. O espaço einsteiniano e o hiperespaço diferiam tanto quanto a luz num vazio atmosférico e a escuridão reinante nas profundezas do mar.
O piloto automático funcionava com o tiquetaquear característico.
Atan Shubashi procurava alguma coisa nas telas de observação. De repente, virou-se e olhou Helga de lado. Fez um sinal e disse:
— Tenente Helga Legrelle.
Helga baixou o livro e olhou para Atan. Ao que parecia não se aborrecera com a interrupção.
— Pois não, astronavegador Shubashi. O que deseja?
— Estou refletindo intensamente — resmungou. — Encontramo-nos a duas horas do momento em que a Orion sairá do hiperespaço e deverá surgir em cima desse planeta idiota. E desde a decolagem você não me tem brindado com outra coisa senão um silêncio frio como gelo.
Cliff levantou a cabeça, passou os olhos de Atan para Helga e exibiu um sorriso reservado.
— Será que isso o incomoda? — perguntou Helga.
— O que me incomoda é esse silêncio obstinado. Há alguma coisa atravessada no seu caminho, Helga?
Helga engoliu em seco. Finalmente criou coragem e respondeu:
— Recebi uma proposta de casamento. Cliff endireitou o corpo. Atan recuou a poltrona, levantou-se e caminhou em direção a Helga. Parecia bastante abalado.
— Ultimamente não escuto muito bem
— disse a meia voz. — Os médicos de ouvido não são dos mais barateiros. Parece que você disse que alguém tentou arrancá-la do nosso meio. Quem é o suicida?
— Se eu lhe disser, você me desprezará
— murmurou Helga. — Mas a culpa não é minha. Estou tão surpresa quanto vocês.
Helga sacudiu os ombros.
Atan lançou um olhar recriminador sobre o comandante e perguntou num tom de evidente desconfiança:
— Cliff! Será que você tem a mesma suspeita que eu?
— Não tenho nenhuma suspeita. Prefiro a surpresa. Mas meu palpite é Mike Spring-Brauner.
Ficou mais que surpreso ao ver que acertara no alvo.
— É isso mesmo — disse Helga, esboçando um sorriso embaraçado. — Você tem razão, por incrível que possa parecer. Michael Spring-Brauner, o homem mais belo sob o Golfo de Carpentaria, me fez uma proposta de casamento no bar do Cassino Starlight.
Cliff e Atan sacudiram a cabeça, num movimento perfeitamente sincronizado.
— Que pena! — disse Cliff. — Realmente é uma pena. E o que você respondeu, Helgazinha?
— Apenas ri.
— Isso nos dá alguma esperança — disse Atan. — Se você pensar em cair nos golpes de Spring-Brauner, procuraremos outro operador de rádio. Não é mesmo, Cliff?
— Não podemos assumir mais o risco de ter a bordo uma aliada do inimigo mortal — confirmou Cliff. — Teremos que realizar uma votação democrática, se bem que o resultado seja praticamente certo. Com isso, sua carreira junto à gloriosa tripulação da Orion VIII teria chegado ao fim. Você sabe que Spring-Brauner é o pavor dos retardatários do cassino? Tem de contentar-se com aquilo que Mario queira deixar para trás.
Helga sacudiu a cabeça num gesto perplexo, mas sincero.
— Ainda não sabia disso. O que sei é que ele sabe falar, Cliff. Ele me enrolou no sentido literal da palavra.
— Isso não passa de exibicionismo — disse Atan em tom de desprezo. — Nada disso. Você ficará conosco e nós dois faremos uma coisa bem engraçada com Apoio. Não é mesmo, Cliff?
— Procuraremos descobrir uma coisa bem bonita. Nem pense em estabelecer um relacionamento mais íntimo com Spring-Brauner. Você vai ficar conosco e nós lhe arranjaremos um cadete jovem e bonito. Entendido? — concluiu Cliff.
Helga parecia bastante aliviada. Atirou o livro num canto do quadro de controle do rádio e soltou uma gostosa gargalhada.
— Por todas as nebulosas do Universo — disse Cliff. — Foi por pouco. E agora, amigos, vejam o planeta Shardeeba!
Apontou para o cronômetro de bordo. Faltavam poucos minutos para atingirem o ponto em que a Orion sairia do hiperespaço.
— Chamarei os outros — disse Cliff em tom tranqüilo.
— E eu cuidarei dos campos energéticos — respondeu Atan. — E depois tomarei conta de Helga, que precisa de cuidados psicológicos.
Um zumbido despertou De Monti e Sigbjörnson. O espaço cósmico com numerosas estrelas e um sol bem próximo surgiu em todas as telas. Era o sol Ayalon. Entre essa fonte de luz e o lugar em que se encontrava a Orion, girava o planeta Shardeeba.
Com exceção de algumas fontes de luz de potência reduzida, tais como a iluminação dos instrumentos e as lâmpadas de controle, grande parte da sala de comando achava-se completamente às escuras. Apenas a tela central, constituída por uma gigantesca placa redonda que ficava bem em frente à poltrona de Cliff, estava iluminada. Nessa placa, a paisagem do planeta desfilava diante dos cinco pares de olhos dos membros da tripulação.
A Orion, mantida pelo piloto automático numa rota de pólo a pólo, corria por cima desse mundo a uma distância de cento e oitenta quilômetros. Na face voltada para o sol, os quadros eram de uma nitidez penetrante. Durante a viagem, todos os cinco haviam lido os materiais de arquivo relativos a Shardeeba, a fim de tirarem suas conclusões.
— O que estamos vendo? Nada de extraordinário — resmungou Hasso Sigbjörnson. Apoiou o corpo contra a periferia da tela. — Está tudo calmo e intacto.
Sobrevoaram um trecho da paisagem, onde havia um centro de produção de alimentos inteiramente robotizado. As máquinas trabalhavam nos campos.
— Espere aí! — Atan Shubashi reagiu com uma rapidez tremenda. Aumentou o quadro e o reteve por meio de um jogo de lentes, para que a nave não precisasse ser imobilizada.
— No pátio dessa fazenda estão veículos de containers carregados. Ao que tudo indica, ficaram retidos quando se encontravam a caminho da cidade mais próxima.
O quadro tornou-se confuso e desapareceu. Cliff levantou a cabeça e fitou os olhos dos tripulantes.
— Isso só pode ser conseqüência ou de falha mecânica ou de falha humana. Se não me engano, vi alguns homens que pareciam dormir nas proximidades — disse. — Vamos continuar a olhar.
Uma sombra redonda corria em torno da curvatura do planeta. Cinco pares de olhos fitavam os quadros que mudavam com uma rapidez alucinante. Campos, estradas, casas e fábricas. Tudo era relativamente novo e estava muito bem cuidado. Novos quadros: pesados veículos de transporte reunidos em colunas bloqueavam as pistas. Todo o tráfego cessara entre as fazendas, as fábricas e as cidades com os característicos espaçoportos circulares. Os condutores dos veículos estavam deitados na sombra, ao lado dos mesmos. Dormiam, ou ao menos pareciam encontrar-se num estado de apatia total.
— Talvez tenham espalhado algum gás — disse Mario, batendo com o dedo na testa.
— Isso seria uma possibilidade — admitiu Cliff.
Viram muita coisa, mas nada que representasse uma modificação fundamental nos quadros que já haviam contemplado. Nos espaçoportos, as naves descansavam sobre os colchões antigravitacionais. Os tripulantes descobriram a Ulisses. Mas sobre os campos de pouso, que costumavam ser um centro de atividade intensa, pairava uma calma nada terrana. Depois de algum tempo, McLane desligou o piloto automático e subiu com a nave numa curva íngreme, colocando-a em posição de espera num ponto bem afastado de Shardeeba. Helga retirou algumas porções de café do fogão a radar e colocou os canecos de plástico na frente dos homens. A tripulação reuniu-se na cabine de comando, contemplou o quadro do planeta silencioso e refletiu sobre as observações das últimas horas.
— Ainda temos uma esperança? — perguntou Helga, indicando o aparelho de rádio. — Será que devo?
— Por enquanto não — disse Cliff. — Antes de mais nada vamos examinar nossas observações. Vimos um planeta que se encontra num estado de apatia total, ao menos na face voltada para o sol. Não constatamos qualquer dano, com exceção talvez de alguns veículos amassados.
De Monti apontou para a imagem do planeta.
— É isso. Um planeta em que reina um silêncio de morte. Tudo é apatia. A nave terrana não voltou a decolar, do que se conclui que sua tripulação também foi atingida pela apatia geral. Vamos expedir uma mensagem destinada a Villa. Nela relataremos o que acabamos de ver, isso apenas por uma questão de cautela, a fim de que não voltemos a ser alvo de falsas suspeitas.
Helga começou a estabelecer o contato. Os satélites retransmissores estavam em funcionamento. Portanto, a falha devia ser dos transmissores situados no planeta.
— Um gás desconhecido pode ter-se espalhado por lá, ou então surgiu um vírus que atacou todos os seres humanos. Cliff, talvez os extraterranos tenham voltado à carga.
Sigbjörnson inclinou o corpo para a frente e descansou a mão pesadamente sobre o ombro de Cliff. Este sacudiu lentamente a cabeça.
— Não posso provar o contrário, mas não acredito que seja isso. Helga, a ligação já foi completada?
Helga respondeu com um ligeiro sinal.
— Foi. Pode falar. Use o microfone à sua direita.
Cliff transmitiu as informações. Disse que haviam descoberto a Ulisses. Ainda bem que conseguira falar pessoalmente com Villa. A resposta foi rápida e precisa, conforme correspondia à natureza do coronel. O livro de bordo eletrônico havia armazenado registros em quantidade.
— SSG chamando Orion VIII. Aqui fala Villa, do SSG. Mantenha-se numa órbita que ofereça bastante segurança para a nave e sua tripulação. Prossiga nas observações. Procure estabelecer contato pelo rádio. Daqui a pouco, Tamara Jagellovsk e Lydia van Dyke decolarão com a Hydra II. Envie uma nave auxiliar à superfície do planeta, mas volte assim que haja o menor sinal de perigo. Aguarde a Hydra. Se surgir um perigo imediato, chame pelo rádio. Fim.
— Agora já sabemos — disse Atan com um sorriso de escárnio. — Pegamos uma Lancet e caímos no meio da festa.
Cliff interrompeu-o com um gesto tranqüilo.
— No momento, não vamos fazer coisa alguma. Apenas usaremos todas as faixas de ondas e procuraremos estabelecer contato com o planeta. Se não der certo, ainda poderemos descer na Lancet. Helga, o trabalho é seu...
— Está bem, chefe — respondeu Helga e pôs-se a trabalhar.
Por trinta longos minutos a Orion se manteve imóvel, bem acima do planeta, enquanto os complicados jogos de lentes se dirigiam para a superfície iluminada. Nesse ínterim, a Hydra II decolava de Terra. As pesadas antenas da nave irradiavam mensagens sem cessar. Helga percorreu toda a escala, mas não conseguiu estabelecer contato. Ninguém guarnecia os instrumentos lá embaixo, ou então todos os aparelhos de rádio haviam sido destruídos. McLane teria pousado sem a menor hesitação, mesmo sabendo que a Ulysses lhe servia de advertência.
Helga virou-se lentamente, abriu os braços e olhou os homens, que até então apenas a haviam contemplado em silêncio. Mario de Monti era o único que não se achava presente. Trabalhava no interior da nave, mais precisamente nos tubos de decolagem das Lancets.
— Nada — disse em tom abatido. — Usei a potência máxima, mas lá embaixo reina um silêncio total. As transmissões devem ter sido captadas pelos rádios portáteis e receptores de pulso. Não obtive contato.
— Quer dizer que houve mesmo uma catástrofe de proporções planetárias — disse Atan.
Cliff sacudiu obstinadamente a cabeça.
— Como sempre, não disponho de provas. Mas acredito que está acontecendo alguma coisa que não pode ser enquadrada nas categorias estabelecidas. Alguma coisa difícil de compreender. Tenho um pressentimento, Mario.
Mario de Monti fez um sinal positivo de sua tela de comunicações.
— Comecei a experimentar seus pressentimentos confusos o mais tardar durante nossa última missão — disse Hasso com um sorriso. — Dali em diante, tenho-lhes certo respeito. O que está pensando, Cliff?
McLane não estava em condições de fornecer indicações mais precisas.
— Só tenho certeza de uma coisa: não são vírus nem gases. Por outro lado, não disponho de provas nem de contraprovas. Vamos verificar. Quem se dispõe a descer voluntariamente na Lancet?
— Eu darei uma olhada — disse Hasso. Cliff concordou. Estava satisfeito, pois Hasso, o engenheiro da nave, era o homem mais qualificado que se encontrava a bordo. Cliff apontou para o planeta, que se apresentava na tela central, belo e aparentemente inofensivo, cercado de suas três luas. Um dos satélites estava passando pela extremidade superior da tela, entre a nave e o planeta. A imagem poderia enganar alguém. A órbita da lua era fortemente inclinada, fazendo-a passar por cima dos pólos do planeta. Cliff acenou para que Hasso e Atan se aproximassem.
— Prestem atenção — disse em tom enfático. — Enfiem-se nos trajes espaciais, entrem na Lancet e voem nas proximidades de uma das grandes cidades. No momento em que notarem algum perigo, liguem o piloto automático. Estarei de sobreaviso. Em hipótese alguma, deverão pousar para seguir a pista de uma situação perigosa. Durante o pouso, falem constantemente. Sempre mantenham ativas as ligações com a nave.
— Prometemos agir assim — disse Hasso em tom tranqüilo. Cliff levantou a cabeça e olhou para a tela, na qual Mario seguia a palestra sem dizer uma palavra.
— Qual é a Lancet que está pronta para decolar, Mario?
Mario respondeu imediatamente:
— A Lancet I, coronel.
— Deixe de brincadeira. Ajude Hasso e Atan durante a decolagem.
Hasso e Atan entraram no elevador e desceram para a parte inferior da nave. Abriram os armários e tiraram o equipamento.
— Lancet I pronta para ser catapultada — soou a voz dos alto-falantes.
Na verificação do equipamento de bordo, constatou-se que o combustível e as máquinas, o oxigênio e o rádio, bem como todas as baterias e células energéticas estavam em plenas condições de uso e funcionamento. Pelo sistema de intercomunicação de bordo foi transmitida a seguinte mensagem:
— Comandante, podemos decolar. Três... dois... um... zero...!
Ocorreram três fenômenos quase simultâneos, que se desenrolaram sem a menor transição. Mario abriu a comporta situada no abaulamento superior, ligou a máquina e ativou o equipamento magnético de decolagem. Este último empurrou a nave auxiliar para cima e atirou-a para fora. Os segmentos da pequena comporta fecharam-se lentamente.
A Lancet I decolou com quatro G. Duas telas iluminaram-se, exibindo os rostos dos dois homens. Os capacetes espaciais estavam fechados. Olhando por algumas das vinte cúpulas, Cliff via a mesma cena que os dois homens que tripulavam a Lancet observavam. A embarcação voava em direção ao planeta. Helga, Mario e McLane cercavam o quadro de comando. Sentiam-se tensos e olhavam alternadamente para as três telas. A central mostrava a Lancet, que se tornava cada vez menor à medida que se aproximava vertiginosamente do planeta. As outras retratavam a cabeça de Hasso Sigbjörnson e o quadro do planeta oferecido aos dois homens que iam na Lancet. A respiração excitada de Atan soou nos alto-falantes.
— O livro de bordo está acoplado? — perguntou Cliff em voz baixa.
— Está.
Helga acenou a cabeça; encontrava-se a poucos centímetros de McLane. Mais uma vez, viram o panorama singular que se oferece quando uma nave vinda do espaço cósmico desce na direção do centro de um planeta. A paisagem parecia abrir-se progressivamente. Os contornos estabilizaram-se no centro do quadro. A voz de Hasso soava nítida e controlada.
— Encontramo-nos a três quilômetros da superfície. Aproximamo-nos da cidade que, segundo os dados que temos em mãos, deve ter o nome de Oranuc. O quadro que se oferece continua o mesmo: tudo paralisado.
A Lancet passou a deslocar-se mais devagar e descreveu uma curva ampla para iniciar a manobra de pouso.
— Procuraremos pousar numa área quadrada situada nas imediações do espaçoporto. Até agora não percebemos nem sentimos nada; ao menos, não houve nada que nos levasse à conclusão de que existe um perigo iminente. Esta praça pode servir de exemplo. Os homens estão sentados e deitados em toda parte, como se estivessem inconscientes. Parece que nos vêem, mas não se mexem. Em alguns veículos, as máquinas ainda estão funcionando. O caos no trânsito, que não pode ter mais de uma semana, reina irrestritamente. Encontramo-nos entre a torre de comando e o edifício do espaçoporto, acima de um parque, e preparamo-nos para pousar. Estou com a mão em cima do botão do piloto automático. Assim que deixar cair a mão, a Lancet subirá na vertical.
A voz de Hasso continuava calma e controlada. As imagens se sucediam. Entre um obelisco de concreto com três braços em forma de prato e um edifício muito alto feito de concreto transparente, vidro e plástico, estendia-se o verde do parque. Atrás dele, via-se a área branca salpicada de pontos negros e das formas coloridas dos veículos parados.
A Lancet desceu.
— Pousamos. A comporta continuará fechada. Em torno de nós, vemos seres humanos em todos os estágios de decadência. Estão no fim, mas ao que parece por enquanto nenhum deles está morto. Alguns estão até comendo, enquanto outros ficam rastejando por aí. Estamos olhando em torno. Por aqui reina o silêncio do sono. Uma sensação que lembra... Uma letargia infinita está tomando conta de nós. Teremos que defender-nos... Estou tentando apertar o botão do piloto auto...
A cabeça de Hasso continuou na segunda tela, mas sua voz silenciou abruptamente.
— Hasso! — berrou Cliff. — Vamos! Decole!
Sigbjörnson não se movia. Cliff cravou os dedos no quadro de comando e puxou o microfone para junto de si.
— Atan! Hasso! Decolem imediatamente. Que diabo! Vocês serão contaminados pela imobilidade.
Viu que não estava conseguindo nada. Mario tirou-lhe o microfone da mão e disse em tom tranqüilo:
— Já sabemos que não se trata de nenhum gás ou vírus, pois a Lancet está hermeticamente fechada.
— Só pode ser algum tipo de influência psíquica.
Cliff enxugou o suor da testa e ficou de costas para as telas.
— De qualquer maneira, já temos um consolo; não precisamos contar com três milhões de mortos. Quer dizer, por enquanto. Ao que parece, essa letargia só é o prelúdio de algo mais grave. A pergunta é esta: o que vamos fazer?
Helga puxou Cliff para trás e sentou junto ao quadro de comando.
— Devemos refletir calmamente — disse. — No momento, é a única coisa que podemos fazer.
Mario retirou-se e, logo a seguir, voltou com um livro. Atirou-o sobre a tela de visão que se encontrava à frente de Cliff. O grosso alfarrábio ficou preso na extremidade do quadro da tela. Cliff virou a cabeça para ler o título. O exemplar já estava bastante usado. O título era o seguinte: "Hammersmith — Psicologia do Astronauta." Cliff levantou a cabeça; parecia furioso.
— Isso é uma piada de mau gosto, que vem fora de tempo, meu caro De Monti — disse em tom áspero.
— Não acredito. Leia a parte em que Hammersmith escreve sobre a possibilidade de resistir a influências exercidas sobre o cérebro, inclusive às telenóticas. Recomendo especialmente a leitura da página 161 e seguintes.
Cliff pegou o livro de má vontade, abriu-o e procurou o lugar indicado. Pôs-se a ler. Dali a dez minutos, riu para Mario e disse:
— Talvez seja uma possibilidade. Mas é muito perigosa. Quem nos garante que adiantará alguma coisa?
Mario respondeu sem rir:
— Infelizmente, ninguém. Acontece que é nossa única chance.
HELGA estava de pé no centro da cabine de comando, com o corpo empertigado. Fitou Cliff e Mario. Não compreendia onde os dois pretendiam chegar.
— Vocês não podem fazer uma coisa dessa, sócios! — disse em tom insistente. — Isso seria uma loucura rematada.
A Lancet I continuava imóvel nas proximidades do pequeno parque do espaço-porto.
— É... e claro que podemos... você... você está vendo! — disse Mario e olhou para a moça.
Seu sorriso parecia um tanto idiota. Cliff tossiu, passou a mão pelos olhos e fitou o copo que segurava na mão. As instalações da cabine pareciam girar loucamente em torno dele. O eixo em torno do qual os objetos giravam era uma garrafa que se encontrava sobre a tela central, entre Cliff e Mario. O gargalo quadrado emitiu ruídos estranhos quando Mario de Monti o arrastou sobre a tela. Da garrafa saía um aroma estonteante. Os cinco centímetros de álcool que ainda se encontravam no fundo, dentro de poucos minutos não existiriam mais.
— Vocês já estão quase inconscientes — disse Helga em tom de recriminação. — Como acabará isso?
Cliff soltou uma estrondosa gargalhada, engasgou e tossiu.
— Isso vai acabar num porre do qual, daqui a alguns decênios, a frota ainda comentará com o maior respeito — disse.
Falava lentamente, acentuando as palavras. Os dois homens envergavam os trajes espaciais com o equipamento completo. Apenas os capacetes estavam jogados ao lado dos copos.
— Vamos, coronel McLane; seu copo está vazio — balbuciou Mario.
— Pode encher — disse Cliff.
Não estavam embriagados. Apenas haviam afogado todas as sensações num álcool extremamente concentrado. Seu raciocínio era lento, mas continuava a ser correto, embora se sentissem menos seguros e as coisas adquirissem contornos pouco nítidos. Por enquanto ainda não viam dois planetas e seis luas na tela.
— Precisamos de... de mais alguma coisa? — perguntou Cliff com esforço.
— Naturalmente. Isso nos fará imu... imu... nos livrará de quaisquer influências — respondeu o primeiro-oficial. — Helga!
A operadora de rádio aproximou-se, bastante nervosa. Olhava alternadamente do comandante para o primeiro-oficial. Pensou: Cliff lera em voz alta um capítulo da Psicologia do Astronauta. Depois, passaram a discutir uma possibilidade para não serem influenciados psiquicamente. E a possibilidade consistia em embriagar-se ao máximo, sem que as outras funções fossem afetadas pelo álcool. Há exatamente vinte e cinco minutos Mario de Monti havia desaparecido sem dizer uma palavra, a fim de preparar o segundo tubo de catapultagem da Lancet. Regressara com os trajes espaciais.
— O que deseja de mim? — perguntou Helga em tom gelado.
— Antes de mais nada quero um sorriso gentil, filhinha.
Mario sorriu, ficando com os olhos um pouco vesgos. Helga obrigou-se a sorrir para ele.
— Assim está melhor.
Mario levantou a garrafa e dividiu o resto da bebida entre os dois copos. Levantou-se para verificar se ainda estava bom das pernas. O treinamento prolongado que haviam enfrentado no bar do Cassino Starlight ajudou-os a levar avante a tarefa.
— Você ainda consegue ficar de pé, Mario! — admirou-se Helga em voz baixa.
— Se alguém me disser que não posso ficar de pé, eu lhe darei um soco e o farei atravessar o casco da nave — disse Mario. — Esvazie o copo, chefe.
— O que devo fazer, chefe? — perguntou Helga perplexa.
— Você cuidará da decolagem da Lancet.
Os pensamentos dos dois homens estavam amortecidos pela aguardente, mas as reações automáticas, adquiridas durante o longo aprendizado na escola de cadetes e durante o serviço ativo da frota, ainda mais prolongado, os ajudariam a pousar e decolar sãos e salvos, sem ficarem submetidos aos fluxos mentais estranhos. Ao menos, o plano era este. Não demorariam em descobrir se seria bem sucedido.
— Então... Helga, você nos lançará para o espaço, e voaremos diretamente... isto é, diretamente... para junto da outra Lancet para verificar o que está acontecendo.
O primeiro-oficial estava em pé à frente de Cliff. Seu corpo não balançava. Levantou o copo e num só gole sorveu a forte e grande dose alcoólica.
— É o que faremos. Vamos, camarada, siga-me! — gritou Cliff. Esvaziou seu copo em dois goles apressados e levantou-se.
Pegaram os capacetes, mas só conseguiram colocá-los na segunda tentativa. As chaves e ligações de rádio emitiram um clique. Helga efetuou a ligação capacete—nave. Por mais desagradável que fosse, não poderia assumir o risco de deixar de ouvir a conversa dos dois homens.
— Estão prontos? — perguntou.
— Prontos.
Cliff e Mario caminharam em direção ao elevador, de braços dados, que nem dois irmãos. Helga sacudiu a cabeça e viu o comandante entrar na Lancet II, ajudar o primeiro-oficial e verificar o equipamento de bordo com a segurança de um sonâmbulo. Parecia conhecer de cor a lista de verificação.
— Lancet II pronta para ser catapultada — berrou Mario muito alegre.
— Obrigada, Lancet — disse Helga em tom tranqüilo. Sabia que na melhor das hipóteses os dois teriam uma chance de 50 por cento. O empreendimento em que estavam empenhados era cheio de riscos e abençoado por todos os fatores de insegurança com que dois homens embriagados poderiam defrontar-se. E não havia a menor dúvida de que estavam embriagados.
— Três... dois... um... zero — contou Helga.
Abriu a comporta e puxou a alavanca de decolagem. O pequeno corpo esférico foi atirado para o espaço, com o quádruplo da força normal. O motor energético imediatamente entrou em funcionamento Cliff acelerou loucamente.
— Estão loucos de vez. Como o uso do álcool é rigorosamente proibido a bordo, perderemos nossos postos — murmurou Helga e fechou a nave.
Retornou lentamente à cabine de comando e ligou os sistemas de comunicação, a fim de observar a Lancet. Esta cambaleava em direção ao planeta que nem uma mariposa tonta. Sua rota assemelhava-se a uma espiral bem aberta com desvios acentuados e totalmente irregulares.
— É fantástico! Acabarão pousando numa das luas — suspirou Helga e segurou a garrafa.
Estava vazia que nem uma conta bancária no fim do mês.
— Não!
A resposta veio dos alto-falantes. A nave auxiliar mantinha a direção geral. Parecia um barco de corrida se aproximando do destino em ziguezague. Porém, esse ziguezague desenvolvia-se em três dimensões.
Todavia, ao que tudo indicava, a Lancet acabaria mesmo pousando junto à sua irmã gêmea. Helga respirou profundamente e constatou que o aroma era agradabilíssimo. Retirou os copos e a garrafa vazia. Os copos foram para a máquina de lavar e a garrafa para o conversor de resíduos. Teve de procurar algum tempo pela tampa de garrafa com a qual Mario de Monti brincara. Encontrou-a no lugar em que Tamara Jagellovsk costumava ficar quando viajava na Orion.
— Oh, estrela cativa frenética! — cochichou Helga. — Além de tudo, essa moça está a caminho para cá, juntamente com a Hydra II e o general Van Dyke!
Só lhe restava fazer votos para que Cliff e Mario não demorassem em voltar. O pontinho que representava a nave, ao aproximar-se da massa do planeta, oferecia um quadro divertido. Qualquer operador de radar teria sucumbido ou teria solicitado socorro. A Lancet acabou pousando. Helga sentou na poltrona de Cliff e esperou. Era a única coisa que podia fazer.
Com os olhos injetados de sangue, Cliff segurava a alavanca de comando da nave. Os cintos largos absorviam os movimentos, já que por engano havia apertado o botão que reduzia o campo de gravitação artificial no interior da Lancet. A nave auxiliar de Cliff e Mario "cambaleava" em direção ao piso de concreto do campo de pouso. A esfera passou rente à fachada dos edifícios do espaçoporto. Os propulsores chiaram. A desaceleração teve início. Os movimentos de Cliff eram rápidos e seguros como sempre, mas seu vôo era muito mais violento que de costume. Pilotava sem a menor consideração, usando o leme com uma freqüência e intensidade muito forte, desrespeitando os limites de resistência dos materiais. Foi um milagre ter conseguido pousar.
— Que diabo, Cliff. Vo... você está agindo como um astronauta de verdade! — gaguejou Mario num tom de voz em que vibrava de admiração pela petulância do coronel. A Lancet pousou a dois metros de sua irmã gêmea. Através das cúpulas semi-esféricas reconheceram os perfis de Atan e Hasso.
— Tenente De Monti!
Mario levantou-se e fez uma continência impecável.
— Dou-lhe uma ordem, oficial De Monti — resmungou Cliff. — O senhor caminhará diretamente, em atitude digna e com a maior rapidez, em direção à Lancet I e empurrará o botão do piloto automático. Pedirá que Helga Legrelle a acolha. Peça também um camarote, onde curtirá a bebedeira em que se envolveu segundo todas as normas do Regulamento. Após isso me apresentará um relatório dos acontecimentos. Entendido?
Mario encolheu o braço e disse em voz rangedora:
— Entendido, comandante. O tenente De Monti pede permissão para sair de bordo e entrar a bordo.
— Permissão concedida. Vamos logo, homem!
Exibindo o inimitável ar compenetrado que uma pessoa embriagada costuma assumir quando se concentra, De Monti desceu a escada que conduzia para a comporta, abriu e fechou as escotilhas e logo se viu embaixo da Lancet. Andando como quem caminha sobre pernas de pau, dirigiu-se à outra nave, abriu a comporta por meio do contato de emergência e aguardou que a escada tocasse o solo. Subiu com o corpo empertigado. Esqueceu-se de recolocar a comporta e a escada no mesmo estado de antes. Pouco depois a Lancet I decolou e, diminuindo cada vez mais, subiu ao céu noturno que se estendia sobre a cidade de Oranuc.
— Ordem cumprida — disse a mensagem transmitida pelo rádio.
— Excelente, De Monti. O senhor será incluído na lista de promoções.
Cliff recostou-se e desatou os cintos.
Procurou ordenar as idéias. Sentiu uma dor fina na cabeça, que de forma alguma pode: ria ter sua origem no álcool. Quer dizer que também se encontrava sob a influência das emanações mentais desconhecidas. Resolveu arriscar: sairia da Lancet e penetraria no caos e na letargia reinante em Shardeeba.
Levantou-se, desligou cuidadosamente certos aparelhos e instrumentos da nave e ativou o piloto automático. As coordenadas haviam sido programadas depois dos primeiros goles tomados a bordo. Se tivesse de fugir, bastaria comprimir um botão, e a nave se afastaria do planeta. Destravou a arma de radiações, a esguia HM-4.
— É preferível andar seguro — murmurou e desceu para a comporta. A escotilha interna fechou-se, e a luz vermelha começou a brilhar.
— Então... vamos... hic... vamos arriscar.
As botas de Cliff tocaram o concreto. No mesmo instante, a dor que sentia na cabeça tornou-se mais intensa. Percebeu vagamente que uma força estranha pretendia apoderar-se de seu cérebro, mas os efeitos narcotizantes do álcool ainda perduravam. Cambaleando, saiu da sombra de uma árvore e dirigiu-se ao campo de pouso. Segurando a arma, passou entre dois carros parados, que estavam com as portas abertas.
Nos assentos, dois homens barbudos jaziam inertes. Viram-no, mas não se moveram. Fitaram-no com os olhos muito arregalados. Enquanto observava as figuras esmaecidas e se dispunha a afastar-se, só os olhos se moviam.
— Estão apavorados... é isso — murmurou.
Apesar do estado em que se encontrava, percebeu que os homens se sentiam dominados por um pavor indescritível. Cliff prosseguiu cautelosamente, ignorando à força a dor que se espalhava por todo o corpo. Tentou atravessar a praça. A dor tornou-se mais intensa. Cliff continuou, tropeçando e rastejando. Os veículos estavam espalhados por todos os cantos. Haviam parado no lugar em que se encontravam, e as máquinas foram desligadas. Não se notava as características funcionais daquele tráfego retido de repente. Aquilo não passava de uma confusão caótica.
Alguns dos veículos haviam parado com a ignição ligada e incendiaram-se. Não se poderia saber se a pressão mental fora tamanha que os condutores não conseguiram fugir. Os destroços transformaram-se em massas disformes de aço, vidro derretido e plástico retorcido.
— Que coisa horrível! — cochichou Cliff.
A onda de dor foi diminuindo. O álcool protegia-o contra a força invisível. Apesar da embriaguez, tinha uma noção clara desse fato. A praça era quadrada. De um dos lados, ficava o parque. Entre as primeiras árvores, estava parada a esfera cinza-escura da nave auxiliar. Nas copas das árvores, quebravam-se os raios do sol no ocaso. Entre as fachadas dos prédios Cliff enxergou as ruas, as passarelas e a sinalização moderna. Por toda parte se viam os veículos engavetados e danificados. E em todos os lugares estavam deitados os seres humanos. Eram homens, mulheres e também crianças. Mas só de cerca de quinze anos para cima. Cliff registrou a observação.
Quando se encontrava no centro da praça, no momento em que levantava a cabeça para examinar uma série de fachadas interessantes, algo aconteceu. Fechara o capacete e ligara todos os sistemas do traje espacial, porque acreditava que o respectivo material lhe poderia proporcionar uma proteção adicional. O pavor apossou-se de Cliff. Quadros confusos, que pareciam ter sido lançados por um projetor sobre uma superfície branca, começaram a desenhar-se em sua mente, em sua imaginação. Parecia um filme, retratando uma guerra cruel.
Um gigantesco vale abriu-se à sua frente. Suas dimensões pareciam chegar ao infinito. O vale era circundado de montanhas negras e entrecortadas, que se assemelhavam a uma muralha em ruínas. Na planura do vale, pousavam naves em forma de pirâmide com os bocais dos jatos chamejantes. As comportas abriram-se. Seres apavorantes despejaram-se pelas rampas compridas. Uma falange de blindados e veículos de combate, ligeiros, foi ao seu encontro. Entre os veículos, os homens deslocavam-se em trajes de guerra leves e escuros. Não havia a menor dúvida: eram homens. Estavam atacando.
E as bestas que saíam das naves retribuíam o fogo. Pareciam os animais de uma história de terror. Eram uma mistura de formas conhecidas e desconhecidas. Um exército de seres abomináveis derramou-se pelo vale, dizimando os defensores com armas de radiações e outras muito estranhas, que disparavam bolas de fogo. Máquinas em forma de ovo saíam das naves pirami-dais e atravessavam a planície, matraque-ando e uivando. Atrás deles, ergueram-se véus de poeira, que se transformaram em caras grotescas e apavorantes, cujos olhos emitiam raios ofuscantes, que matavam os homens em fuga. Tudo aquilo estava entremeado de uma musica horrível, cujos acordes sugeriam constantemente um elemento de morte e destruição total. Cliff pôs as mãos para cima e bateu no capacete.
Procurou lembrar-se do álcool, e essa lembrança teve um efeito limitado. Prosseguiu cambaleante, virou-se e refletiu febrilmente sobre se não seria preferível voltar à nave.
— Não, ainda não — murmurou.
O alto-falante de capacete transmitiu um som repugnante. De início Cliff acreditou que era um dos gritos pertencentes aos quadros que iam empalidecendo. Mas logo percebeu que o grito era real. Virou-se lentamente, segurando a arma na mão direita. O feixe do projetor apontava para uma série de fachadas. Fora um grito humano...
"Deve haver alguém em quem o estado de letargia não chegou ao estado de impedi-lo de gritar", pensou Cliff. Apoiando-se cautelosamente num carro, olhou para trás. Os corpos imóveis estavam espalhados pela praça.
À cento e cinqüenta metros, Cliff viu confusamente uma coisa que se movia. Um ser humano cambaleava pelos degraus. Devia ser um homem, mas Cliff não tinha certeza. Pôs os braços em ângulo, segurou fortemente a HM-4 e começou a correr.
— Aqui fala Helga Legrelle na Orion VIII. Estou chamando Cliff McLane.
Embora ouvisse a voz de Helga, Cliff continuou a correr. Enxergava cada vez melhor; a figura que tinha à sua frente assumia contornos mais nítidos. Era um homem que envergava o uniforme prateado do pessoal de bordo desse planeta. Devia ter chegado ao fim de suas forças, ou então outra causa o impedia de executar movimentos coordenados. Desceu cambaleante pela escada que levava ao nível da praça.
— Aqui fala McLane. O que houve, Helga?
Cliff continuou a correr. O traje espacial era leve, mas dificultava consideravelmente os movimentos.
— Acabo de recolher a Lancet I. Hasso e Atan despertaram da letargia e estão cuidando de Mario, que está bêbado que nem... que nem...
Cliff notou que a única coisa que o separava do homem era uma fila dupla de veículos. Procurou uma fresta e esgueirou-se pela mesma.
— ...que nem um bravo astronauta — interrompeu Cliff. — Ainda estou vivo, mas sinto uma terrível dor de cabeça. Decolarei dentro de alguns minutos.
— Obrigada. Fim.
Cliff chegou ao primeiro degrau. Parou e apontou a arma, mas logo baixou-a. Embora não estivesse com disposição para isso, não pôde deixar de sorrir.
— Ei, desconhecido! — berrou.
O alto-falante externo tiniu; sentiu as vibrações que atravessavam o tecido espesso de seu traje. O outro homem teve sua atenção despertada para Cliff. Não se barbeava há oito dias, e devia fazer mais ou menos o mesmo tempo que se lavara pela última vez. As mãos, o rosto e a roupa estavam sujos e apresentavam os sinais deixados por aqueles dias. Na mão direita segurava uma garrafa de aguardente aberta, quase pela metade. Estava muito mais embriagado que McLane. Cambaleou em direção a Cliff e dirigiu os olhos rubros sobre o homem que vestia um traje espacial. Os olhos estavam afundados nas covas.
— Olá! — balbuciou e aproximou-se em linha sinuosa.
— Ao que parece o senhor está um tanto bêbado — observou Cliff em tom hesitante.
Guardou a arma. Esse homem poderia ser tudo, menos perigoso. Juntamente com essa idéia, uma onda de dor passou pelo cérebro de Cliff. Os fragmentos dos quadros confusos apagaram-se. Os homens, que estavam espalhados por ali que nem bonecos inertes, esboçavam débeis gestos de defesa.
— Estou... hic... estou totalmente cheio. Foi o que me salvou. Está tudo perdido.
O homem devia ter vinte e cinco anos. O rosto sincero e bem talhado fitou Cliff com uma expressão estúpida.
— Desde quando?
— Faz oito dias. Tudo des... desmoronou. A terrível guerra começou.
Cliff podia imaginar que oito dias de álcool, reforçados pela ação insistente desses quadros de natureza telenótica, teriam de transformar aquele homem numa ruína. Todavia, conhecia todas as partes do jogo e poderia fornecer preciosas indicações. Resolveu levar o homem.
— Está com vontade de dormir? — perguntou Cliff, esticando as palavras.
O homem sorveu um gole enorme, arrotou descontraidamente e lançou um olhar de ternura para a garrafa.
— Dormir? Faz oito dias que não prego olho.
— Quer dormir, homem? — perguntou Cliff em tom insistente.
— Naturalmente. Onde? Por aqui ninguém consegue dormir. A guerra está em toda parte. Os ruídos, os gritos. É o fim.
Cliff o segurou pelo braço e o arrastou em direção à extremidade oposta da praça.
— Ei, aonde vamos?
Cliff apontou para o parque. O outro homem fechou os olhos, voltou a abri-los e piscou para o sol. Começou a murmurar e, depois, passou a acompanhar Cliff automaticamente. Movia-se que nem um robô. Cliff apertou o passo.
— Ai! Que diabo!
O homem que caminhava ao lado de Cliff deixou cair a garrafa e pôs a mão na cabeça. Cliff também percebeu. Sentiu que os efeitos do uísque de bordo estavam diminuindo, na medida em que as impressões estranhas cresciam de intensidade. Começou a desconfiar de que a caminhada até a Lancet não seria nada fácil.
— Vamos andando! — berrou. Arrastou o homem e saiu num trote
lento. Em seu interior sentia uma dor lancinante acompanhada de estranhas alucinações, que se tornavam cada vez mais nítidas e coloridas; a seu lado, um homem totalmente embriagado cambaleava em todas as direções e tinha de segurá-lo para que não caísse. Aos tropeços, o coronel McLane dirigia-se à Lancet. Demorou uma eternidade até que conseguisse segurar-se na escada da nave.
— Chegamos! — resmungou.
O astronauta tombou pesadamente sobre Cliff. Este percebeu que jamais conseguiria introduzir o bêbedo na nave por um caminho mais ou menos normal. Abaixou-se, segurou o homem nos quadris e atirou-o sobre os ombros. Com os joelhos trêmulos subiu os degraus largos; apertou o botão e um dispositivo hidráulico fez com que a escada se encolhesse.
— Até que enfim; estamos em casa — murmurou McLane.
Cliff fechou as escotilhas da comporta e empalideceu ao lembrar-se da decolagem realizada por Mario de Monti. Só mesmo a atenção permanente, que quase já fazia parte da natureza dos astronautas, salvara Hasso e Atan da morte por descompressão explosiva. Haviam fechado os trajes espaciais antes de chegarem ao planeta. As duas luzes de controle apagaram-se. Com as comportas fechadas, a Lancet II estava em condições de decolar. Cliff hesitou um segundo, colocou o homem quase inconsciente numa das poltronas e comprimiu o botão assinalado com a inscrição piloto automático. A Lancet II decolou com a aceleração de três G. Dali a mais alguns segundos, o campo gravitacional artificial foi ativado, neutralizando a pressão produzida pela aceleração.
Cliff soltou cautelosamente o capacete e tirou-o. Sentiu-se aliviado ao ouvir o chiado com que o oxigênio puro saía dos bocais. A dor cruciante foi abandonando as células cerebrais, mas a lembrança dos quadros alucinatórios continuou viva em sua mente. Cliff recordava-se perfeitamente da paisagem estranha, das naves esquisitas e dos demais detalhes. Libertado da pressão martirizante, o amigo que acabara de conquistar roncava miseravelmente.
O coronel McLane recuperava-se lentamente dos efeitos do álcool. Retornava à nave-mãe.
"Gente, que ressaca não vou ter!", pensou.
Cliff murmurou algumas palavras e pegou o microfone.
— Lancet II chamando a operadora de rádio da Orion VIII. Queira responder.
Helga parecia esperar diante do microfone.
— Cliff! Tudo bem?
— Quase. Encontro-me no espaço e peço encarecidamente que a senhora me acolha na nave. Prefiro deixar as telas desligadas. Meu aspecto não é nada agradável. E trago comigo um sobrevivente que está bêbedo. Quanto a mim, só desejo duas coisas.
A risada de Helga exprimiu um enorme alívio.
— Não diga mais nada. Já sei o que deseja: dois comprimidos bem fortes para combater a dor de cabeça e uma boa cama.
Cliff perguntou em tom desconfiado.
— Como é que você sabe?
— Ora! Um bom astronauta tem de conhecer até os remédios que curam uma boa ressaca.
Desta vez a rota da Lancet foi retilínea. Com exceção das luzes de posição, Cliff desligou todos os aparelhos e instrumentos e deixou-se tanger até ficar bem em cima da Orion. Nesta abriu-se uma comporta. Um campo magnético envolveu a Lancet e conduziu-a para o tubo de entrada com a precisão de que só um robô seria capaz. Hasso e Atan já o esperavam.
— Cliff! — disse Hasso, aliviado tal qual Helga. — Passamos por uma coisa horrível. Ainda bem que está de volta. Seu amigo pode caminhar?
Cliff esforçou-se para sorrir. Sentiu que os joelhos começavam a tremer.
— Duvido muito — cochichou.
Pôs o dedo nos lábios e apontou para cima, através da comporta da nave auxiliar. No silêncio da nave, dentro do tubo bem isolado, ouvia-se perfeitamente o ronco do bêbedo.
— Nós o levaremos a um camarote — prometeu Atan.
Cliff encostou-se pesadamente contra a parede e disse em voz baixa:
— Bem que vocês poderiam aproveitar a oportunidade e levar-me também.
Dali a uma hora: Depois do chuveiro frio e da ducha quente, Cliff estava deitado em seu camarote. Pedira que lhe fizessem um café e tomara duas das pequenas pílulas. Seus pensamentos mergulharam na calma benfazeja do sono. Sentia-se satisfeito porque tudo correra tão bem — com exceção naturalmente do que tivera de passar em Shardeeba. As horas que se seguissem ao despertar, seriam muito interessantes.
Helga Legrelle viu a luz que indicava um chamado pelo rádio. Ligou o receptor. Atan e Hasso ouviram a mensagem. Vinha através de estações retransmissoras e havia sido irradiada no hiperespaço.
— Hydra II chamando Orion VIII. Dentro de vinte e quatro horas exatamente chegaremos às proximidades do planeta. Pedimos que não tomem nenhuma providência sem avisar o SSG. Até logo mais. Van Dyke.
Atan Shubashi deu uma risadinha.
— Helga, minha filha. Você há de reconhecer que a vida a bordo de uma nave comandada por Cliff não deixa de ter seus encantos. Descobrimos um planeta reduzido ao silêncio, ficamos numa situação perigosa e somos salvos por bêbedos que pilotam a Lancet como se estivessem praticando esqui aquático. Depois, Lydia aparece por aí e diz que não devemos fazer nada. Realmente, acho isso muito divertido.
Helga sorriu.
— Pode não ser divertido, mas é interessante.
Naquele momento, o silêncio reinava no interior da nave. Era um silêncio enganador...
QUANDO a situação voltou praticamente ao normal, oito pessoas se encontravam a bordo da Orion VIII. Sentado ao lado de Tamara, Cliff segurava-lhe levemente a mão, pois a moça estava de serviço. Vez por outra, a camarada Jagellovsk sorria, aparentemente sem qualquer motivo. Todas as poltronas achavam-se ocupadas. Duas pessoas estavam recostadas em quadros de comando. Mario demonstrava um humor excelente, embora parecesse ter uma sensação estranha na região do estômago. Helga esforçou-se em não olhar para Cliff; brincava com os botões de seu quadro de comando. Fria e controlada, a general Van Dyke estava sentada ao lado de Cliff, sobre a mesa do comandante. A um quilômetro dali, sua nave pairava no espaço. Há quinze minutos Lydia e Tamara, que envergavam trajes espaciais, haviam mudado de nave, usando uma Lancet. Atan e Hasso conversavam em voz baixa. E o homem de Shardeeba falava.
Seu nome era Manny Stone. Tinha vinte e seis anos e era telegrafista de uma das naves cargueiras pertencentes ao planeta. Depois de dormir um bom sono e tomar um café reforçado, fizera a barba. A seguir, deram-lhe um dos uniformes de reserva de Atan, atirando no conversor de resíduos os molambos que o telegrafista trazia no corpo. A figura de Stone ainda apresentava os vestígios dos acontecimentos dos últimos dias, mas aparentava um aspecto resoluto e normal. Só nos momentos em que a conversa tocava nas coisas pelas quais passara, parecia relutar instintivamente.
— Continue a contar, Stone — pediu Cliff em tom tranqüilo.
Stone olhou em torno, como se esperasse ver um fantasma ou alguma das monstruosidades que vira nos sonhos de oito dias. Finalmente disse com um aceno de cabeça:
— Nossa nave pousou. Na mesma noite, fizemos uma festinha. Logo fui posto fora de combate, pois bebi muito e depressa. Deitei num sofá que ficava num cubículo escuro e tentei dormir. Durante algumas horas tudo foi bem, mas de repente acordei.
Hasso interveio tranqüilamente:
— O senhor sentiu uma dor de cabeça muito intensa, que nunca havia experimentado, não é?
— Isso mesmo — Stone confirmou com um gesto. — Pensei que o problema poderia ser resolvido com mais alguns copos e peguei uma garrafa. Comecei a beber. Depois começaram as alucinações. Na verdade, uma pessoa que não esteja totalmente embriagada não experimenta aquilo como uma série de alucinações, mas como uma realidade. Todo o planeta deve ter acreditado numa terrível invasão. Ninguém conseguia controlar-se. O pavor era intenso.
Lydia van Dyke perguntou com sua voz áspera:
— Quer dizer que a invasão mental começou exatamente há nove dias?
— Exatamente, general.
A conferência deveria mostrar o caminho a seguir. Os responsáveis pretendiam colher os dados fundamentais para uma mensagem radiofônica destinada a Villa. Precisavam enxergar claro os acontecimentos que se desenrolavam em Shardeeba.
Não parecia que Manny Stone lhes pudesse prestar um auxílio relevante para esse fim.
— Atan, faça o favor de contar o que lhe aconteceu. Eu estava cheio de álcool, mas vocês estavam sóbrios.
Quando começou a falar, Atan olhou para Tamara.
— Foi o seguinte, Cliff. Estávamos ocupados nas manobras de pouso. Havíamos visto perfeitamente os primeiros quadros que se ofereciam na superfície. De um instante para outro, fomos atingidos por um impulso de pavor tão forte que não conseguimos mexer-nos. O dispositivo automático de emergência entrou em funcionamento, evitando que a Lancet pousasse em alta velocidade. O pouso foi normal. Ficamos paralisados. Vimos a paisagem, as naves... bem, já falamos a este respeito. E também vimos os combates.
Quando Sigbjörnson falava, suas palavras sempre se revestiam de autoridade total. E isso acontecia mais uma vez. Atan prosseguiu.
— Identificamos a paisagem que víamos com o planeta em que nos encontrávamos. Para nós, os combates eram reais. Sentíamos tanto pavor que não conseguíamos mover-nos. Neste ponto, não posso excluir a possibilidade de uma influência exercida sobre o sistema nervoso, pois nossos movimentos ficaram limitados a alguns débeis gestos de pavor e de defesa. Tivemos a impressão de que os acontecimentos se desenrolavam bem à nossa frente. É o que deve estar acontecendo com todos os habitantes do planeta, com exceção dos bêbedos e das crianças.
Lydia van Dyke levantou-se e caminhou nervosamente de um lado para outro.
— Vou resumir — disse laconicamente. — Uma vez que o fenômeno está restrito ao planeta, o emissor dos impulsos, ou seja o que for, deve estar instalado em Shardeeba. Alguém ou alguma coisa deve infundir o pavor nos habitantes. Algumas centenas de metros acima da superfície do planeta, a dor e a influência estranha cessam por completo. Não é isto?
— Pelo que experimentamos, é exatamente isto — disse o engenheiro da nave.
— E o show da invasão está durando nove dias. Resta sabermos se existe alguém que deva ser responsabilizado por isso.
Dirigiu-se a Manny Stone.
— Pode informar alguma coisa sobre se há possibilidade de montar um emissor dessa espécie em Shardeeba? Notou algum indício?
Stone aparentava estar próximo do esgotamento total. A resistência de seus nervos havia chegado ao fim.
— Manny — disse Tamara com uma suavidade surpreendente na voz. — O senhor está doente. Sua mente recusa-se a passar mais uma vez por isso. Tenho um remédio que o livrará disso. Quer tomá-lo voluntariamente? Não o obrigo. Mas o senhor se livrará do sentimento de pavor.
Manny olhou-a com uma expressão de criança assustada e disse:
— Não terei mais crises de medo? Tamara sacudiu a cabeça.
— Não. Tenho certeza absoluta.
— Passe para cá — Stone parecia visivelmente aliviado. Tamara pediu-lhe que esperasse um pouco. Saiu da cabine de comando. Dali a alguns minutos, voltou. Abrira seu cofre à prova do espaço. Trazia entre os dedos um tubinho com uma inscrição codificada. Derramou dois objetos em forma de disco sobre a mão e estendeu-a a Stone.
— Eis — disse em voz baixa. — Tome isto.
Manny Stone obedeceu sem dizer uma palavra. Logo depois, assistiram a uma modificação surpreendente. O homem que pouco antes ainda estivera encolhido na poltrona, em atitude de insegurança, endireitou o corpo. Uma expressão descontraída surgiu em seu rosto. Começou a sorrir. O medo e a insegurança o haviam abandonado; até parecia que nunca haviam existido.
— Pode fazer suas perguntas, tenente Jagellovsk — disse num tom que quase chegava a ser alegre. — Responderei a tudo.
— Muito bem. Comecemos — disse Tamara. — O livro de bordo está ligado, Helga?
Helga Legrelle fez um gesto afirmativo sem voltar a cabeça.
— O senhor ficou completamente privado do seu moral, não ficou?
— Fiquei — respondeu Stone. — E, suponho que os três milhões de habitantes do planeta foram dominados pelo mesmo pânico que eu. Guardo na memória quadros pavorosos de abandono e apatia. Em todos os lugares, estavam sentadas e deitadas pessoas com as quais nem se conseguia falar. As mais velhas dentre as crianças não influenciadas cuidavam das mais novas e faziam o que podiam, mas não era o suficiente.
— Essa influência se exercia sob a forma de ondas?
— Em princípio sim. Mas havia certas diferenças. A dor de cabeça que arrasava a gente nunca cessava, tal qual a música infernal e monótona. Mas os quadros das diversas fases da invasão apareciam em intervalos de cerca de duas horas e duravam aproximadamente vinte minutos.
— Foram os grilhões mentais. O senhor sabe se essas influências decorrem de causas mecânicas ou psíquicas?
Stone fez um gesto vago e disse:
— Não acredito nessa história, mas sei que existem habitantes do planeta que diriam que Roger Uurth é responsável por tudo isso.
McLane procurou certificar-se melhor.
— Quem? — perguntou.
— Roger Uurth — respondeu Stone prontamente. — Encontra-se em Shardeeba quase há um ano planetário, ou seja, há trezentos e vinte dias. Apareceu de repente. É um louco.
— Será uma psicose coletiva? — perguntou Cliff.
— Conte alguma coisa de Roger Uurth — pediu Van Dyke.
Os microfones captavam cada palavra que Stone dizia, e o livro de bordo as armazenava. As pessoas que se encontravam no interior da nave desconfiavam estar na pista de um segredo descomunal. Por enquanto não havia acontecido muita coisa que não pudesse ser colocada em ordem, mas de repente poderia surgir um perigo capaz de espalhar a morte em Shardeeba.
— Foi o seguinte. Um belo dia um homem apareceu no espaçoporto de Oranuc. Tinha quarenta anos e um aspecto muito estranho. Usava um tipo de roupa que ninguém jamais havia visto no planeta. E nem os figurinos de modas dos outros planetas apresentavam qualquer coisa parecida. A vestimenta de Roger Uurth era bastante esquisita e esfarrapada. Roger costumava dizer que vinha do fim do mundo. Cliff franziu a testa e perguntou:
— Do fim do mundo? Talvez queira dizer que vem do fim da Galáxia, ou da Via Láctea.
Stone confirmou com um gesto.
— Foi isso mesmo que ele quis dizer. Não costumava exprimir-se com muita precisão. Interrogamo-lo, ou melhor, as autoridades procuraram extrair dele alguma coisa. Depois de algum tempo, descobriu-se que Uurth vinha de um planeta desconhecido, que gravita em torno de um sol sem designação. O planeta realmente deve ficar na periferia da Galáxia, pois, segundo diz Uurth, de noite vêem-se as estrelas e um abismo cósmico, que só pode ser o espaço vazio entre as galáxias. Não foram citados nomes, e ao que parece Uurth não veio numa nave. De repente, apareceu.
Tamara colocou-se ao lado de Helga.
— A coisa está assumindo um feitio mitológico — disse em tom áspero. — Não tenho competência para tomar outras decisões. Vamos enviar uma mensagem a Villa. De acordo, Cliff?
— Uma vez que a coisa que nossos superiores mais detestam é serem passados para trás, concordo. Vamos entrar em contato com Villa para pedir seus preciosos conselhos. Não conseguiremos resolver o problema com oito pessoas e duas naves.
Helga manipulou alavancas e chaves.
— A ligação já foi feita. Qual é o texto? — disse a meia voz.
Seria difícil dizer se o aparecimento da camarada Jagellovsk mexia com o coração de Cliff. Mas, com toda certeza, Tamara nutria uma paixão secreta por ele.
— Orion para SSG. Resgatamos um telegrafista que se encontrava no planeta. Em seu entender o responsável é um homem chamado Uurth. Faça o favor de localizar os dados sobre Uurth que existem nos arquivos. O planeta Shardeeba está submetido à influência mental exercida por um poder estranho. Os três milhões de habitantes encontram-se num estado de apatia que poderá levá-los à ruína total. Devemos prosseguir no interrogatório? Solicitamos instruções precisas. Tamara Jagellovsk. Fim.
Alguns minutos depois chegou a resposta pelo sistema de hipercomunicação. Os alto-falantes estalaram e a voz de Villa foi ouvida com toda nitidez:
— Quartel-general do SSG para Tamara Jagellovsk. Dirija o interrogatório ou as investigações. Enviaremos uma frota de naves de apoio. Por enquanto mantenha-se na expectativa e continue a observar o planeta. Alarma total. A missão será dirigida por camarada Jagellovsk, se necessário com a ordem alfa. Fim.
Cliff estremeceu. Mais uma vez surgira a velha rivalidade entre um comandante de nave e um oficial do Serviço de Segurança. Devido à mensagem, sua tripulação ficaria ainda menos satisfeita do que ele. Mas esperava que Tamara não fosse demonstrar o mesmo rigor das missões anteriores.
— Bem — disse em tom de conversa. — Toda responsabilidade repousa em suas mãos, querida Tamara. Neste momento, entrego-lhe solenemente o comando da ação. Procure ser uma representante digna de Villa.
Tamara exibiu seu temível sorriso.
— Não se preocupe, coronel — disse em voz baixa. — Todo mundo já conhece este jogo, pois já o experimentamos a fartar. Vamos prosseguir. Manny Stone é o único ponto de referência de que dispomos.
Voltou a dirigir-se ao jovem telegrafista.
— Manny — pediu. — Faça o favor de contar mais alguma coisa a respeito de Roger Uurth. Paramos no ponto em que de repente surgiu sem o menor motivo no planeta. Como continua a história?
A tensão aumentou. O relato assumiu o caráter dos fenômenos ocultistas, do incompreensível.
Manny recostou-se em atitude descontraída, sorriu e disse:
— Sim, foi isso. De repente Uurth apareceu. Disse que vinha da periferia da Via Láctea e procurou fazer um longo discurso. Apuraram sua identidade, ou melhor, procuraram apurá-la. Finalmente deixaram-no em paz, considerando-o um louco bastante estranho, mas inofensivo. Foi assim que a coisa começou.
Manny levantou os ombros e prosseguiu:
— Roger Uurth sumiu por alguns dias. Depois voltou a aparecer. Apresentava barba hirsuta e cabelo longo e desgrenhado. Colocou-se num lugar movimentado do espaçoporto Port Oranuc e proferiu um discurso muito comprido. A dicção era muito clara, mas o conteúdo era confuso e praticamente incompreensível. Uurth falava principalmente por parábolas.
— Pois vejam — declamou Shubashi — chegou o dia em que todos serão punidos por suas vidas pecaminosas e cheias de vícios, uma vez que ouvem as palavras saídas de minha boca iluminada. Foi mais ou menos isso?
Stone fez um gesto afirmativo.
— Foi exatamente isso — disse. — Como foi que o senhor soube?
— Isso está compreendido na minha cultura geral — disse Atan em tom sarcástico. — Li essas palavras em livros.
— Prossiga, Manny — pediu Cliff.
— Pois bem. Roger disse que era o embaixador do destino. Naturalmente fizeram troça dele; não se importou nem um pouco, apenas mudou de lugar. Falou que havia sido enviado para nos informar sobre uma guerra longa e terrível, que desabaria sobre o planeta. Muitas vezes dizia textualmente: "É a ti que dedico meus cantos, oh guerra vinda do nada." Quando alguém lhe perguntou como era o destino misterioso a que aludia, teve de confessar que não sabia. Foi muito engraçado.
— Tivemos ocasião de verificar em Shardeeba como foi engraçado — interferiu McLane com voz agressiva e baixa. — Prossiga.
— Vivia falando em guerra. Acabou fundando um grupo cujo objetivo consistia em fugir do planeta. Disse que o homem não merecia permanecer ali. Devia sair para os céus e procurar sua força vital fora da esfera espacial. Ainda riam dele, mas as risadas já eram menos ruidosas. Acabou formulando uma profecia.
Manny Stone ficou calado e tomou um café que Helga lhe preparara.
— Qual foi a profecia, Stone? — perguntou Lydia.
— Uurth falou que aquilo que dizia não era produto da fantasia. Ofereceu-se para apresentar uma prova. Um belo dia o planeta e quase todos seus habitantes receberiam uma advertência dolorosa e prolongada. Chegou mesmo a afirmar como seria essa advertência.
Uma suspeita terrível surgiu na mente de Cliff e das outras pessoas que se encontravam reunidas.
— A advertência viria sob a forma de hipnose coletiva? — cochichou Helga Legrelle.
Stone fitou-a surpreso, como se só agora notasse sua presença e fez um gesto afirmativo.
— Foi isso mesmo, Miss Legrelle. O povo ainda riu dele. Uurth indicou a data, e o povo começou a pensar. Disse que, para mostrar-lhes como a verdadeira guerra seria terrível, a força hipnótica tomaria conta do planeta. Foi o que aconteceu. E aconteceu na data indicada, ou seja, há nove dias. Dali em diante não sei mais nada. Acrescento que seus seguidores pertencem a todas as classes da população. Geralmente são as pessoas esquisitas e insatisfeitas que seguem Roger Uurth.
Cliff parecia pensativo. Franziu a testa e interrompeu o silêncio reinante.
— Uma vez que Roger Uurth conseguiu fornecer dados tão precisos — disse — também deve estar em condições de nos revelar os detalhes dos combates esperados pelo planeta e algo sobre o exército invasor. Diga-me uma coisa, Manny: como soube disso?
— Algumas vezes o ouvi pessoalmente, e o resto soube através do noticiário e das entrevistas. Afinal, aquilo introduzia um pouco de mudança na monotonia. Receio que nenhum habitante do planeta se esqueça dessas declarações, pois Roger formulou-as detalhadamente.
— É isto o que desejo ouvir do senhor. A memória de Manny Stone portava-se bem.
— Disse que o exército de invasão se encontra numa gigantesca planície verde. Partiria de lá e desceria num terreno de configuração semelhante ao do planeta Shardeeba. Descreveu as naves. Eram pirâmides de aço sem aletas. Também forneceu uma descrição exata dos invasores: tratava-se de criaturas selvagens, aparentemente concebidas pela mente fantástica de alguém, formadas pelas partes das feras mais temíveis que o homo sapiens jamais havia conhecido. Não pôde fornecer dados mais precisos, nem sequer as coordenadas dos respectivos mundos. Não posso dizer mais nada. Sinto muito.
Cliff pôs-se a refletir. Ignorou a presença das outras pessoas e fechou os olhos. Se suas suposições fossem corretas, a fase letárgica logo passaria.
— O senhor acredita que Roger Uurth seja um viciado? Poderia estar sob a influência de drogas totalmente desconhecidas? Será que possui tamanhas forças mediúnicas?
Manny lançou um olhar desconfiado para Cliff.
— Sim, acho perfeitamente possível. Acontece que ninguém dispõe de provas. O que acha de tudo isso?
— Lembrem-se da história do pó que destrói os metais — advertiu Cliff em tom enfático. — Forças muito poderosas estão atrás desses acontecimentos aparentemente insignificantes. O mínimo que podemos dizer é que uma hipnose coletiva do tipo daquela que observamos não pode ser útil a ninguém. Há outra coisa atrás disso. Minha idéia é a seguinte: alguma raça ou uma colônia que se separou da Terra tenta conquistar o planeta, mas recua diante da perspectiva do assassínio ou do genocídio.
— O que vem a ser genocídio? — perguntou Atan. — Afinal, sou apenas um astronavegador ignorante e...
— Dou-lhe a informação de presente — respondeu Cliff. — O genocídio é o extermínio de raça ou de grupo populacional. Por algum motivo que no momento não importa, os desconhecidos que têm suas mãos em tudo isso não parecem apreciar o assassínio ou a agressão. Portanto, lançam o terror mental. Roger Uurth é seu instrumento consciente ou inconsciente. Suponho que a escalada das influências tem por fim desencadear uma fuga em massa. Sugiro que as duas naves se aproximem mais do planeta, a fim de que possamos observar melhor. Lydia sacudiu energicamente a cabeça.
— Tenho outra idéia, McLane. Talvez seja melhor...
Cliff ergueu as sobrancelhas e fitou-a.
— Ouçamos, general.
Lydia continuou fria e tranqüila como sempre.
— ...pousar no planeta para procurar Uurth.
— É uma idéia! — disse Hasso em tom de aprovação.
— Mas não passa disso — disse Cliff. — A senhora sugere uma bebedeira em massa a bordo das naves? Devo preveni-la de que não sou nenhum ébrio contumaz.
Tamara soltou uma risadinha.
— Poderia aplicar-lhes certo tipo de injeção. Talvez seu efeito seja semelhante ao do álcool.
Cliff caminhava entre os tripulantes que nem um tigre irritado. Virou-se abruptamente e disse:
— Vamos fazer um acordo. Nossas naves mantêm contato permanente pelo rádio e aproximam-se o mais possível da superfície do planeta. Ou então ingressam numa órbita, talvez numa órbita equatorial. Ao menor indício, um comando desce ao planeta e intervém nos acontecimentos. O que acha, companheira?
Atan soltou uma risadinha sarcástica.
— Não tenho nada a opor — disse Tamara em voz baixa. — Mas devo insistir em que Villa seja informado, e em que não seja provocado nenhum risco. São estas as minhas condições.
— De acordo — disse McLane. — Eu e Mario assumiremos o primeiro quarto de vigia. Os outros poderão retirar-se. Acho que o senhor ficará conosco, não é, Manny?
Stone concordou entusiasmado.
— Tente soltar-me novamente nesse planeta — disse.
A risada de Sigbjörnson exprimia compreensão.
— O senhor acredita numa rápida mudança do estado de coisas? — perguntou Lydia van Dyke em tom desconfiado.
— Acredito numa rápida mudança no estado de coisas atual. Mas não me peça que apresente qualquer prova, general.
— Não se preocupe. Concordo com sua proposta. Vamos aproximar a nave do planeta.
Despediram-se. Tamara Jagellovsk permaneceu a bordo da Orion VIII. General Van Dyke vestiu o traje espacial e planou os dois metros que a separavam da Lancet ancorada à nave. A esfera acelerou lentamente e foi captada pelo primeiro-oficial da Hydra II.
— Tomaremos a direção de Port Oranuc — disse Cliff, fechando os cintos de segurança.
A nave em forma de disco acelerou. Cliff ficou calado enquanto movia as alavancas de direção manual, controlando o vôo da nave prateada. Esse silêncio tinha seu motivo. Cliff estava refletindo.
Procurou lembrar-se. Em algum canto de sua memória havia um quadro que se assemelhava aos que acabara de ver. Conhecia de algum lugar o paredão de montanhas negras e a gigantesca planície inundada pela luz de um sol vermelho. Tinha certeza de uma coisa: nunca estivera lá. Devia ter visto os quadros em outro lugar, talvez num programa de treinamento. Tudo isso se ligava à idéia de uma distância imensa, quase galática. Concluiu que o planeta ficava muito longe, talvez fora dos limites da esfera espacial, além do setor Norte/Dez 999.
"'Venho dos confins aa Via Láctea', foi o que disse Roger Uurth", pensou. Depois, fez um gesto silencioso e controlou os quadros que desfilavam na tela redonda que tinha diante de si. O planeta foi crescendo.
Cliff fez a avaliação sem dizer uma palavra e determinou a posição de Oranuc. Talvez Uurth realmente viera de lá, depois de ter sido raptado e tratado convenientemente. Talvez fosse realmente um ótimo médium, isto é, alguém que podia ampliar determinadas idéias ou concepções a ponto de fazer vibrar os cérebros de três milhões de pessoas.
— Astronavegador chamando o comandante: faltam trezentos quilômetros para a zona de segurança situada acima da cidade.
Cliff virou a cabeça e fez um sinal para Atan. Olhou para a tela e viu Lydia van Dyke, que também conduzia sua nave em direção ao planeta.
— General, espero que os acontecimentos que se desenrolam por aqui não assumam um feitio tão ameaçador como os do planeta Sahagoon — disse Cliff em voz alta.
Por um instante, Lydia voltou-lhe seu rosto frio e controlado.
— Ao que parece, devemos recear o pior, McLane.
As duas naves prosseguiram viagem.
A ORION estava imobilizada cinco quilômetros acima de Oranuc, uma cidade grande. Na tela central via-se uma imagem bastante ampliada da praça que ficava diante do porto espacial. Nada parecia ter mudado desde o momento em que os homens haviam pousado com a Lancet.
— Hasso — chamou Shubashi com a voz débil.
O engenheiro de bordo, esbelto, de cabelos brancos, olhos azuis e brilhantes, que tinha vinte e cinco anos de idade, mal se mexeu.
— É uma situação fantasmagórica, não é?
Contemplaram a tela. Os olhos doíam de tanta observação concentrada.
— Caso se refira ao caos reinante na cidade, é isso mesmo. Movi as lentes sem cessar. De qualquer maneira, o instinto de autoconservação ainda parece funcionar. Ou então existem nas ondas hipnóticas depressões onde alguém consegue mover-se. Ao que parece, até agora ninguém morreu de fome.
Embaixo, a cidade estendia-se sob a luz do fim da manhã.
— Se agora não acontecer nada, fico louco — disse Atan em tom exaltado. — Esta espera sem fim me deixa exausto.
— Tenha paciência, astronavegador — disse Hasso.
Continuaram a observar a cidade. Na extremidade marginal da tela, que representava a periferia interna da praça, Hasso notou um movimento fugaz. Uma sombra deslocara-se com uma rapidez extraordinária. O engenheiro imediatamente moveu a chave de focalização. Deslocou-a para a esquerda. A periferia da tela tornou-se centralizada. E o setor foi ampliado.
— Dê uma olhada nisto, Atan — disse Hasso em voz baixa.
Atan assobiou entre os dentes. Um homem de seus cinqüenta anos conseguira pôr-se de pé. Parecia bastante abatido; estava faminto e algo mais que simplesmente cansado. Mas seus movimentos traíam uma pressa fora do comum. Olhou para trás, abriu a boca e parecia gritar alguma coisa.
Num gesto de incredulidade o homem pôs a mão na barba, olhou a roupa suja e sacudiu a cabeça. Parecia não compreender nada. Cambaleou ligeiramente, mas continuou a andar. Passou cautelosamente por cima de algumas pessoas que estavam deitadas, e que no mesmo instante também começaram a mover-se. Parecia que, aos poucos, a praça despertava para uma vida terrível.
— Vamos depressa! — exclamou Atan. — Precisamos acordar Cliff. Deve estar no camarote, segurando as mãos de Tamara e cochichando palavras carinhosas.
O homem começou a mover-se mais depressa. Ao que parecia, já não estava submetido ao poder amedrontador das alucinações estranhas. Caminhou resolutamente entre as pessoas deitadas e agachadas, aproveitou o espaço entre os veículos e correu em direção ao espaçoporto. Dez naves cargueiras do mesmo tipo repousavam sobre suas almofadas antigravitacionais. Uma delas era a Ulisses.
— Você acha que Cliff é capaz de estar cochichando? — perguntou Atan. — Pouco importa o que esteja fazendo; precisamos chamá-lo. E nossa governanta também.
Hasso viu que o homem acabara de chegar ao centro da praça.
— Tudo bem — disse em voz alta. — Alarma!
No mesmo instante em que Hasso comprimiu o botão, um zumbido atravessou a nave, podendo ser ouvido em todos os compartimentos. Imediatamente pegou o microfone e chamou:
— Orion chamando Hydra. Demos o alarma. As pessoas começam a mover-se nas ruas de Oranuc. Dê uma olhada nas telas.
No mesmo instante em que proferiu o aviso, Hasso ouviu no alto-falante que se encontrava à sua frente o zumbido da outra nave. Dali se concluía que um caso idêntico estava acontecendo na outra cidade, observada pelos tripulantes da Hydra.
— Estamos vendo a mesma coisa, Sigbjörnson — disse a sentinela. — General Van Dyke está sendo acordada.
— Olhem! O homem começa a correr. E os outros também se movem. Parece que o encanto foi quebrado — disse Atan em tom exaltado.
O astronavegador foi interrompido pelo ruído do pequeno elevador que parou e da portinha que rolou para o lado. Cliff fechou o zip magnético do macacão de bordo e correu para olhar a tela. Segurou-se nos ombros de Hasso e contemplou em silêncio o quadro que se apresentava diante dele.
— Eu sabia — disse em voz baixa. — Alguma coisa vai mudar.
Dali a alguns segundos, Tamara Jagellovsk encontrava-se ao lado dos dois homens, pertinho de Cliff.
— O que acha disso? — perguntou McLane em voz baixa.
Tamara sacudiu a cabeça; não respondeu. O homem que começara a correr e os outros homens mostravam sinais de um medo profundo. Todos se dirigiam ao mesmo destino. E esse destino era o espaçoporto. A área adquiriu vida. Em vários pontos, as longas sombras projetadas pelo sol da manhã deslocavam-se sobre o concreto. Os veículos entraram em movimento e, formando longas filas, dirigiam-se à extremidade leste do campo de pouso. Alguns homens agarravam-se aos carros, eram arrastados e acabavam caindo.
— Está havendo pânico — cochichou Cliff. — Todo mundo quer chegar ao espaçoporto. E lá só poderão encontrar uma coisa.
Tamara fez um gesto grave.
— As naves — disse em tom abafado-.
— Isso significa que Roger Uurth foi bem sucedido. Os habitantes do planeta tentarão pegá-las e abandonar seu mundo. Notei que nem uma única das naves soltou as instalações de elevador. Por isso, a maior parte das pessoas que está correndo não terá nenhuma possibilidade de acomodar-se nas mesmas. Isso vai acabar em catástrofe! Manny Stone entrou na central, esfregou os olhos sonolentos e ficou rijo de pavor quando olhou para a tela.
— Meu Deus! — disse em voz baixa. — Isso é o fim. A fuga em massa começou.
Era a fuga em massa com a qual Uurth sonhara. Três milhões de homens se espalhavam pelas áreas adjacentes às cidades e pelas próprias áreas urbanas das três grandes cidades. E esses três milhões tentavam sair do planeta. Um total de cerca de trinta naves encontrava-se nos portos, e estas não teriam condições de abrigar sequer um por cento dos três milhões. Onde estaria Roger Uurth nesse instante?
— Está aqui, em Oranuc.
Cliff virou-se abruptamente. Parecia ter tomado uma decisão rápida, que já concebera em sua mente. Apontou para Mario e Hasso.
— Vamos — disse. — Desceremos numa Lancet e procuraremos o falso profeta. E nós o encontraremos. Tamara ajudará. Além disso, expedirá uma mensagem. Os medicamentos, minha filha. Rápido!
Hasso, Mario de Monti e Cliff desapareceram no elevador e dali a um minuto voltaram à central de comando. Traziam sobre o braço os leves trajes espaciais, enquanto suas mãos seguravam as armas esguias e brilhantes. Tamara abriu sua mala de bordo e preparou uma seringa de pressão. Colocou na mesma pequenas ampolas douradas.
— Deixem o cotovelo livre, amigos — disse e levantou o bocal da agulha de injeção. A máquina emitiu um chiado e introduziu o líquido na veia de McLane. O medicamento logo se espalhou pelo sangue. O coronel sentiu que o medo e a pressa desapareceram instantaneamente. Enfiou-se e fechou-se no traje espacial. A célula energética estava carregada e a arma pronta para ser usada. Depois foi a vez de Hasso, e finalmente de Mario de Monti.
— Decolarei a Lancet — prometeu Shubashi e colocou-se no elevador.
— E eu entrarei em contato com o coronel Villa.
Helga Legrelle girou os botões do seu quadro de controle. O alarma havia arrancado todo mundo do sono, mas o treinamento prolongado e a perfeita sintonização entre os membros da tripulação garantiam uma ação rápida e segura.
— Depressa! Vamos decolar!
Enquanto a bordo da Orion VIII se desenvolvia uma atividade febril, a imagem ampliada da tela voltou a modificar-se. Um certo sistema foi introduzido no caos da fuga generalizada. Uma única pessoa passou a dirigi-la.
Para as naves rápidas cinco mil metros não representavam nenhuma distância. Os homens envergavam o traje espacial leve. Os capacetes ainda estavam abertos. Cliff moveu cautelosamente a alavanca de pilotagem manual. Uma disposição estranha apossara-se dos três homens. Inteiramente despertos, tinham certeza absoluta de que nada lhes poderia acontecer. Estavam imunizados contra qualquer tentativa de sugestão hipnótica. Sigbjörnson, De Monti e McLane dariam cumprimento rápido e cabal à sua tarefa. Os medicamentos do SSG haviam espantado todo e qualquer temor de sua mente, sem que estivessem embriagados ou apresentassem outros efeitos colaterais.
— De que forma vamos agir, Cliff?
No rosto do engenheiro havia a mesma decisão que no de Mario. Cliff deu de ombros.
— Ainda não sei. Depende das circunstâncias.
— Devemos contar com o efeito surpresa — interveio Mario. — Quanto mais rápido, tanto melhor.
— Certo — disse McLane. Planavam silenciosamente em direção à cidade. A situação mudara por completo. Milhares de pessoas esmaecidas tropeçavam e esbravejavam em busca de um único objetivo: o espaçoporto, as naves mantidas suspensas acima do espaçoporto. Sobre um pedestal um único homem parecia fazer um discurso com muitos gestos e num volume de voz considerável. Cliff deixou que a Lancet completasse a curva e a manteve na altura das copas das árvores. Sem poder ser vista do parque, a esfera aproximou-se do edifício. Uma gigantesca massa humana cercava o orador. Vez por outra, alguns se desprendiam do imenso grupo e corriam desabaladamente em direção ao porto. Reuniam-se em círculo, fora do alcance dos raios antigravitacionais. Uma expectativa febril, mesclada ao desejo de afastar-se dali, se apossara de milhares de pessoas.
— Um de nós ficará na nave, mantendo-a preparada para decolar ou para intervir nos acontecimentos.
— Será Hasso? — perguntou o primeiro-oficial.
— Naturalmente. Podem confiar em mim. Mas como pretendem atravessar a multidão e chegar a Roger Uurth?
Cliff cocou a nuca; parecia indeciso.
— Para dizer a verdade, ainda não sei. Apoiou a Lancet sobre quatro suportes hidráulicos, no centro da área de concreto de um pequeno heliporto. A nave assumiu a posição de repouso e as comportas abriram-se silenciosas. A escada saiu e tocou o solo. Cliff e Mario apareceram na comporta.
— Evidentemente o ar é respirável. Deixaremos os capacetes com você, Hasso.
Apenas sentiram uma dor pouco intensa na cabeça. O incômodo era de pouca monta.
— Vamos arriscar?
Cliff e o primeiro-oficial olharam-se. Mario exibiu um sorriso petulante.
— Poderemos rechaçar qualquer ataque com nossas armas. Não vamos dirigi-las sobre seres humanos, mas apenas usá-las para amedrontar.
— Tentaremos aproximar-nos de Roger Uurth, passando pela multidão.
Hasso apontou para a tela que ampliava consideravelmente o rosto do homem que falava ao povo.
— Vocês têm certeza de que este homem é Roger Uurth, meus caros?
— Temos certeza absoluta! — confirmou Cliff em tom zangado.
Desceram pela escada. Picaram parados por alguns segundos para se orientarem. Finalmente chegaram às fileiras exteriores das pessoas que prestavam atenção às palavras de Uurth e se mexiam nervosamente. Eram incapazes de pensar em qualquer coisa que não fosse a fuga e o sermão do profeta maltrapilho. Cliff e Mario avançaram sem a menor dificuldade.
Entre as duas naves estava havendo um intercâmbio de mensagens bastante movimentado. Tamara Jagellovsk falava. E sua interlocutora era Lydia van Dyke.
— McLane, Sigbjörnson e De Monti decolaram para raptar Roger Uurth. Acreditam que seja a pessoa-chave. Ainda pensam que, se for afastado do planeta, aquela confusão acabará imediatamente.
Lydia mantinha-se c ética.
— Procure lembrar-se. Os raios telenóticos dos extraterranos agem a uma distância muito maior. O que diz Villa?
Tamara olhou para Helga e sacudiu a cabeça.
— Por enquanto, não disse nada. Preferi conhecer-lhe as idéias antes de dirigir-me a ele.
O astronavegador de Van Dyke passou os quadros que estavam sendo observados para a tela do equipamento de comunicação. Tamara percebeu que na outra cidade ocorria uma situação de pânico semelhante à que se desenrolava embaixo dela. Também ali as pessoas procuravam apoderar-se das naves para abandonar o planeta.
— Pelo que vejo, trata-se de um movimento de âmbito planetário — disse Tamara em voz baixa. — Enviarei uma mensagem pelo rádio.
Helga fez um sinal e apontou para os microfones.
— Para SSG e coronel Villa. McLane tenta raptar Roger Uurth a fim de amenizar a situação em Shardeeba. A equipe foi dopada com o preparado beta antifobina forte. O que devemos fazer se conseguirmos introduzir Uurth na nave? Peço resposta urgente. Fim.
Todo mundo ficou muito tenso enquanto a resposta não chegava. Não demorou muito. A voz de um funcionário do SSG soou nos alto-falantes. Tamara sabia que se tratava da mão direita de Villa.
— SSG para nave Orion. Pede-se que Tamara Jagellovsk tome as providências que seguem. Se conseguirem apoderar-se de Uurth, ordenamos regresso imediato a Terra. Uurth será trazido à nossa presença, enquanto a nave Hydra continuará a observar as condições reinantes no planeta. Caso a missão fracasse, continuem a fazer esforços para afastar Uurth do planeta. A frota de apoio está a caminho.
Tamara fez um gesto.
— Jagellovsk de bordo da Orion VIII para SSG. Entendido.
As telas de visão mostraram a irrupção da massa humana que crescera para várias dezenas de milhares. O espaçoporto estava coberto por um tapete humano bastante extenso. Todos recorriam a várias maneiras para subir a bordo das naves.
— Se algum dos grupos conseguir penetrar numa das naves, acontecerão coisas horríveis — disse Tamara em tom abatido.
— O que poderá acontecer? — perguntou Stone.
— Em primeiro lugar, haverá vítimas. Eles se matarão uns aos outros para conseguir um lugar na nave. Depois decolarão e transportarão o estado de loucura para outros mundos. Isso poderá levar a uma fuga generalizada no âmbito dos novecentos parsec. O verdadeiro perigo está aí.
Todos compreenderam. Ficaram calados e procuraram imaginar o que aconteceria se o trabalho de Cliff e seu grupo não fosse bem sucedido. Os minutos arrastavam-se inexoravelmente.
Cliff e De Monti comunicaram-se rapidamente e de forma que ninguém conhecia, a não ser eles mesmos.
Mario de Monti, chefe de cibernética da Orion, virou-se. para seu vizinho e deu-lhe uma cutucada com o ombro.
— Ei, vizinho... O senhor já sabe que do outro lado da cidade acabam de pousar cinqüenta naves de tamanho grande? Estão acolhendo as pessoas que querem fugir do planeta.
O velho voltou o rosto magro em sua direção e arregalou os olhos.
— O que foi que o senhor disse? — perguntou em tom perplexo.
Mario repetiu em voz muito mais alta:
— Do outro lado da cidade estão estacionadas várias naves de Terra. Estão distribuindo comida. Qualquer pessoa pode entrar.
Nesse meio tempo, já se encontravam no centro de um grupo de pessoas exaltadas. Cliff, que avançara uns vinte metros em meio à confusão, estava fazendo a mesma coisa que Mario. Sem mover um músculo da face, viu que vários grupos se destacavam da multidão e se dirigiam a um ponto que ficava a uns quatro quilômetros do lugar em que se achavam. Os grupos de cinco pessoas transformaram-se em grupos de cinqüenta, de cem. Por fim, a massa humana que cercava Uurth começava a dissolver-se, e isso a partir de dois pontos diferentes. O boato foi avançando e foi sendo gulosamente absorvido. McLane encontrava-se a apenas trinta metros do orador solitário, que prosseguia incansavelmente na sua declamação.
— Amigos! Povo de Shardeeba! — gritou. — Chegou a grande hora em que todos vocês, meus amigos e adeptos, poderão sair deste vale de lágrimas e privações. Vejam as naves vazias que os esperam. São mensageiras de uma tecnologia inútil. Vejam o sol que ilumina nossa empresa. Olhem! O mundo é tão belo que não deve pertencer aos homens. Girará sozinho em torno do sol, e a paz voltará aos seus campos escravizados. E a guerra terrível que viria dos confins da Via Láctea sem dúvida deixará de ocorrer.
Num gesto dramático puxou a barba escura.
— Vejam as naves que estão paradas. Caminhem até lá, entrem nelas e fujam até onde as máquinas os carreguem. Ficarei aqui, à espera da solidão, pois venho dos confins da Galáxia.
— Daqui a pouco você virá conosco — prometeu McLane com a voz quase inaudível.
O anel que se formara em torno de Uurth tornava-se cada vez mais tênue e apresentava aberturas em vários pontos. Cliff pôs o braço junto à boca, apertou ligeiramente o botão e disse:
— Mario. Vamos atacar. Se necessário usaremos as armas.
— Está bem, chefe.
Os aparelhos fizeram um clique. Os dois homens abriram caminho em meio à multidão. Encontravam-se a vinte metros de Roger Uurth... a dez metros. Agora encontravam-se junto ao cubo de concreto. Esperavam. Cliff lançou um olhar atento sobre Uurth e procurou analisar o que estava vendo. Era um homem maltrapilho de quarenta anos. Magro, cadavérico, barbudo e cabeludo. Por cima da orelha trazia uma flor muito colorida feita de finas folhas de plástico, enquanto o pescoço e o peito nu estavam enfeitados por várias correntes pesadas feitas de bolas de plástico ordinário imitando o âmbar. Uurth exalava o cheiro inconfundível da falta de higiene. Além disso, Cliff teve a impressão de sentir o aroma característico dos entorpecentes. Mas era possível que neste ponto estivesse enganado. Voltou a acionar o rádio do pequenino instrumento versátil que trazia no braço.
— Aqui fala Hasso. O que houve?
— Quando eu chamar, você terá que decolar imediatamente e pousar aqui. A coisa será decidida numa fração de segundo. Entendido?
— Certo. Vou decolar.
Cliff virou-se imediatamente e viu que a uns cem metros do lugar em que se encontrava, a nave auxiliar se levantava devagar e vencia a pequena distância. Da entrada do edifício do espaçoporto, protegido por um telhado de vidro curvo, saíram dois homens e duas moças, que olharam para cima e pareceram estacar.
— Vamos, Mario.
Abrindo caminho a cotoveladas, chegaram ao cubo de concreto. Ao que tudo indicava, nesse lugar seria erigido um monumento. Puxando-se violentamente para cima, Cliff viu-se ao lado de Roger Uurth. Mario subiu também, ergueu-se e puxou a arma. Segurou um dos braços do profeta, enquanto Cliff cingia o outro com mão de ferro. Uurth estava dizendo:
— O destino escolheu a mim, como instrumento digno, para desejar a vocês todos...
Cliff viu a Lancet aproximar-se silenciosamente. As colunas de apoio e a escada estavam escamoteadas, e além de tudo Hasso Sigbjörnson ligara o farol de aterrissagem. Uurth debatia-se furiosamente. Atingiu Cliff. Mas logo as mãos dos dois terranos fecharam-se implacavelmente em torno de seus braços. A multidão soltou um grito. Mais dez metros, e a Lancet estava diretamente sobre eles.
— Cliff! Cuidado! — gritou Mario de Monti.
Imediatamente o homem de ombros largos e rosto fleumático puxou a arma, apontou ligeiro e disparou. O raio expelido derreteu o material junto ao cubo de concreto e abriu uma brecha fumegante ao lado de uma das arestas. Os planetários que tentaram tomar o cubo de assalto se afastaram. Os gritos transformaram-se numa série de guinchos furiosos. Cliff McLane pisou em algumas mãos que se apoiavam na extremidade superior do bloco de concreto, tomou impulso e derrubou Roger Uurth com um soco na região cardíaca. O profeta amoleceu em seus braços e dobrou os joelhos.
— Deixe que eu o seguro — disse Mario com a maior tranqüilidade. Abaixou-se, enlaçou os quadris de Uurth e atirou seu corpo leve sobre os ombros. As correntes tilintaram baixinho e a flor de plástico caiu do cabelo do homem. A Lancet encontrava-se bem acima deles.
— Manterei afastada essa gente.
Cliff puxou a HM-4 e queimou um fosso no concreto, em torno de Mario e de si mesmo. De Monti respirou profundamente e pôs a mão num dos degraus da escada. Puxou-se para cima. Os ombros e metade do corpo do profeta desapareceram no interior da nave esférica. Logo após também os pés recolheram-se à mesma. Hasso aumentou o potencial antigravitacional, o que permitiu a Cliff atingir a escada num salto gigantesco. Precipitou-se pela comporta, que estava aberta de lado a lado.
— Que coisa louca! — disse fungando. — O coronel McLane fazendo o papel de seqüestrador!
Hasso empurrou a chave de decolagem até o fim. A Lancet subiu na vertical, deixando para trás a multidão ululante. As escotilhas da comporta fecharam-se lentamente, as colunas de apoio foram recolhidas e a escada desapareceu no interior da nave. Hasso acelerou e adaptou a rota da nave à posição da Orion. Roger Uurth estava encostado no ângulo formado pelo abaulamento da cúpula e pelo soalho.
— Isso está liquidado, Cliff — disse Mario.
— Ainda bem. Villa ficará satisfeitíssimo conosco.
Sem dizer uma palavra Hasso aumentou o desempenho do pequeno renovador de ar que se encontrava embaixo do quadro de comando. Depois, desacelerou a nave e ajustou seu curso.
Um raio de tração bem orientado atingiu o veículo esférico e introduziu-o lentamente no tubo de pouso. Os blocos magnéticos desceram pelos trilhos de decolagem. A abertura da nave fechou-se.
Cliff continuava perplexo com os efeitos do medicamento. Nem uma única vez sentira os efeitos da hipnose. Mas agora o médium encontrava-se no interior da nave. Os próximos dias poderiam ficar muito divertidos. Hasso adiantou-se e perguntou em tom cético:
— O que acontecerá se, sem traje protetor, de repente nossa tripulação for atacada por uma saudade irresistível pelo espaço?
Cliff exibiu um sorriso petulante.
— Nem que tenhamos que tomar o medicamento durante todo o vôo, Uurth será levado ao lugar adequado.
Mario já se encontrava na escada. Olhou para cima.
— Poderíamos tirar a sorte — sugeriu. — Aquele que perder terá de levar a nave para Terra. Os outros ficarão congelados nas câmaras refrigeradas de hibernação. Nada disso. Daremos um banho em Uurth e o congelaremos. A solução é esta.
— Devagar — disse Cliff, enquanto tentava levar o corpo amolecido para junto da escotilha interna da comporta. — Antes de mais nada teremos de pedir um conselho à querida titia do SSG. É ela quem dirige a ação. Nós apenas somos soldados bem comportados.
— Meu herói! — disse Tamara com um sorriso forçado. — Foi um serviço bem feito, rapazes.
— Já sabemos disso, camarada — resmungou Mario. — Saia do nosso caminho.
Tamara fechou a escotilha atrás deles, enquanto Roger Uurth, que continuava inconsciente, estava sendo carregado para a central de comando.
— Pronto! — disse Cliff em tom enfático. — Daqui por diante o problema é exclusivamente seu, Tamara. O que vamos fazer com ele?
Todos se sentiam mais ou menos desorientados.
— Se levarmos Roger Uurth para Terra, e é o que teremos de fazer, pois Villa nos deu instruções nesse sentido, haverá o perigo de que ele nos influencie e nos contamine com suas imagens do pavor, que já conhecemos de sobra.
Excepcionalmente Atan Shubashi estava muito sério enquanto formulava essa ponderação. Ele e Hasso conheciam os quadros da guerra cruel. Um alto-falante estalou e a voz de Lydia van Dyke encheu o recinto.
— Hydra para Orion: olhem para as telas.
Cliff virou-se instantaneamente, correu para junto da tela redonda e fitou a imagem ampliada.
— Que coisa interessante! — murmurou.
Viu que Roger Uurth fora responsável por tudo. Uma ordem relativa voltara a estabelecer-se nas partes da cidade que estavam sendo observadas pela nave, embora Uurth só estivesse inconsciente há cerca de quinze minutos. Evidentemente era um médium, a figura-chave e o emissor daquelas imagens. As colunas de veículos desfizeram-se, os homens desapareceram no interior das casas e as massas de gente que cercavam os espaçoportos estavam praticamente desaparecendo. Nas ruas via-se o movimento, o início de uma ordem que ia sendo estabelecida aos poucos.
— Já temos a prova de que a confusão só se estabelece quando a consciência de Uurth está funcionando — disse Cliff com a voz rouca. — Portanto, será preferível entregá-lo a Villa sob a forma de profeta congelado.
O sorriso de Tamara não revelava o menor senso de humor, quando ela se manifestou:
— Evidentemente Villa irá despertá-lo. E em virtude disso todo o pessoal da Base 104 sofrerá um ataque de loucura.
McLane imediatamente retrucou:
— Villa tem possibilidades de proteger a si mesmo e a nós que não dispomos desta base. Tentaremos interrogá-lo; depois pô-lo-emos a dormir e correremos de volta para Terra. Concordam?
— Está certo, Cliff. Partiremos em direção a Terra.
Cliff fez um gesto de agradecimento para a camarada, pegou o microfone e ligou o canal de comunicação nave—nave. Falando em voz alta, disse:
— Orion chamando Hydra. Nos próximos segundos, partiremos em direção a Terra. Pedimos que daqui em diante se encarregue da observação do planeta, general. Se precisar de nós, poderá chamar-nos pelo hiper-rádio.
Lydia respondeu instantaneamente:
— Entendido, Orion. Obrigada. Fim. Os alto-falantes silenciaram e as telas de visão escureceram assim que Helga interrompeu a comunicação. Mario de Monti, que ao lado de inúmeras outras conhecia de cor as coordenadas de Terra, já se encontrava junto ao dispositivo de introdução de dados do computador. As teclas matraqueavam.
Dentro de menos de dois minutos, o disco começou a subir. Assim que chegou ao espaço aberto, acelerou. A Orion estava a caminho de Terra. E levava uma carga altamente explosiva — apesar de ser silenciosa — pois seus efeitos eram mais mortíferos que os da bomba de hidrogênio. Por enquanto, a tripulação se mantinha numa expectativa tensa, pois ninguém sabia quais seriam as modificações que poderiam ocorrer quando Uurth despertasse.
— Por quanto tempo agem essas injeções, Tamara? — perguntou Cliff.
A funcionária loura do SSG olhou para o relógio e respondeu:
— Os efeitos durarão mais uma hora.
— Existe algum meio de fazer com que Roger Uurth fique inconsciente bem depressa?
Tamara respondeu:
— Existe, sim. Basta injetar-lhe certo soro.
Dali a menos de quatro dias, a Orion chegaria a Terra. Até lá as naves de apoio teriam pousado em Shardeeba, e o planeta estaria recuperado. Este problema estava resolvido. No entanto, ainda havia Uurth. Naquele momento, estava abrindo os olhos, moveu o corpo e fitou os arredores sem compreender nada.
— Prepare a injeção, camarada — disse Cliff em voz baixa. — Acho que daqui a pouco precisaremos dela. Atan!
— Pronto — falou o astronavegador.
— No momento em que você estiver enxergando esses quadros, avise. Hasso, Mario e eu somos imunes aos mesmos; você não. O que pretende fazer, Manny Stone?
O jovem astronauta deu de ombros e respondeu:
— Miss Tamara pediu que acompanhasse Uurth ao SSG. Segundo diz, precisarão de mim, que sou uma das pessoas atingidas. Para fins de informação e outras coisas mais.
— Isso parece bem plausível — disse Cliff e segurou a arma. Destravou o radiador de energia e colocou-o sobre o joelho.
Uurth ergueu-se sobre os cotovelos e fitou o rosto de McLane. Estava totalmente acordado.
— Onde estou? — perguntou em tom hesitante.
— O senhor está a bordo de um cruzador espacial que o levará a Terra, Roger Uurth — disse McLane.
— Terra?
— Isso mesmo. O senhor terá que explicar de onde vem, o que anda fazendo e por que tentou instalar o medo e o terror num planeta.
As mãos de Roger tremiam fortemente enquanto se levantava.
— Preciso... — principiou, mas logo se interrompeu e virou a cabeça. Contemplou os rostos das pessoas que o cercavam. Manny Stone lançou um olhar odiento para Uurth, mas não disse nada. Cravou as mãos no encosto da pesada poltrona. Tamara mantinha-se atrás dele, com a seringa pressurizada na mão. Observava-o com um interesse quase científico. O rosto de McLane era indiferente como costumava ser, e Shubashi conseguiu dominar-se. O olhar crítico e avaliador de Hasso era perceptível até mesmo na tela. O primeiro-oficial, encostado ao dispositivo de alimentação de dados, segurava ostensivamente o nariz. Uurth fedia.
— De que está precisando?
— Da coisa que preciso tomar. Pelo que me disseram, preciso tomar aquilo para poder viver.
— Quem lhe disse isso? — perguntou Cliff no mesmo instante.
— Como? — perguntou Uurth e piscou os olhos.
— Quem são as pessoas que lhe deram ordens?
— Não sei — respondeu Uurth em tom queixoso. — Só os conheço em pensamento. Eles me deram tudo. Essa substância, os sonhos terríveis e a ciência do fim do planeta.
— A ciência relativa ao fim do planeta — murmurou Helga. — Além de feder e ser viciado em drogas, ele não se exprime corretamente. Não passa de um instrumento.
Essas palavras tiveram o efeito de senha. Uurth levantou-se, caminhou a passos pouco seguros em direção a Cliff e ergueu os braços. A camisa amarelada com o estranho colorido estava suja e esfarrapada; nunca fora remendada. Via-se apenas que o tecido e o corte eram desconhecidos.
— Sou um instrumento, um instrumento do ser bondoso do fim da Galáxia. É a ti que dedico meus cantos, oh guerra vinda do infinito!
— Silêncio! — berrou McLane. Tamara estremeceu e Uurth parou de falar.
— Cliff. Estou sentindo a cabeça... — disse Atan em voz baixa.
Cliff levantou-se de um salto, baixou os braços do profeta e aplicou-lhe uma chave de karatê. A veia jugular ficou exposta e Tamara aplicou a injeção. Um segundo depois, o corpo voltou a amolecer.
— Atan, Mario. Façam o favor de levar esta ruína até o chuveiro. Façam o possível para não afogá-lo enquanto estiverem procedendo à lavagem. Depois guardem-no direitinho numa das celas de sono profundo. Não podemos assumir nenhum risco. Ele ficará por lá até que Villa se mostre disposto a recebê-lo.
— Não sei de nada que me poderia dar maior prazer — disse Mario e colocou Roger Uurth sobre os ombros. Cliff olhou para o chão.
— Realmente não passa de uma ruína que está sendo explorada por alguém. Transformaram-no num viciado, para que mantenha ininterruptamente suas propriedades mediúnicas. Villa, em breve chegaremos... E chegaremos com um problema enorme, pois não sabemos quem move esta marionete.
Dali a exatamente noventa horas e quatro minutos, a Orion VIII pousou na Base 104.
Os TRÊS homens estavam sentados atrás da mesa: o marechal Woodrow Winston Wamsler, o coronel Villa, chefe do Serviço de Segurança Galáctico, e o professor Sherkoff, um psicodinâmico muito experimentado, que devia ter cerca de cinqüenta anos de idade. Tamara achava-se sentada ao lado de Cliff. Uma tela achatada de videofone portátil estava colocada em posição lateral, de tal forma que as cinco pessoas a viam. Na tela se via Roger Uurth, amarrado a uma poltrona especial.
— O senhor já ouviu o que temos a declarar — disse Cliff em tom seco. — Mais alguma pergunta?
Sempre desconfiado e cheio de ironia mordaz, Henryk Villa contemplou McLane como se este fosse um micróbio muito interessante.
— Parece que o senhor se orgulha bastante das suas ações bem sucedidas, coronel McLane — disse em tom sarcástico.
— Coronel Villa, não tenho motivo para queixar-me de ter tido muitas ações mal sucedidas — opôs Cliff.
Wamsler exibiu um sorriso aprovador. Embora esses homens cooperassem a bem dos mundos situados no interior da esfera espacial, as rivalidades e disputas de competência eram inevitáveis.
— Depois que o senhor pousou, descobrimos bastante coisa — disse Sherkoff, empenhado em manter a paz e o equilíbrio. — Roger Uurth é uma pessoa que não existe.
Cliff mostrou um sorriso sarcástico e apontou para a imagem da tela do videofone.
— Quer dizer que pegamos um fantasma? Basta perguntar a Stone o que acha da existência de Uurth. Ele e os três milhões de habitantes de Shardeeba.
Sherkoff interrompeu-o com um sinal.
— O senhor sabe perfeitamente o que quero dizer. Em primeiro lugar, solicitamos um exame do fichário de moradores de Shardeeba. Uma vez que os dados estão computados, não consumimos mais de uma hora de trabalho para descobrir que Uurth não consta como elemento recém-chegado. Tamara fitou o rosto de seu superior.
— A explicação é fácil. Mesmo como elemento recém-chegado, Uurth pisa pela primeira vez a superfície deste planeta.
— O senhor tem toda razão — concordou Villa. — Acontece que depois disso mandamos examinar todos os fichários. Acho que o senhor compreende. Qualquer cidadão da nossa área de influência é registrado no ato do nascimento. Por enquanto não conseguimos verificar de onde veio Uurth.
Cliff olhou para Wamsler com um sorriso insolente.
— Vem dos confins da Galáxia — disse. — Pelo menos era o que vivia dizendo.
— Sabemos que não provém de nenhum dos mundos que conhecemos. Além do mais é viciado em drogas — disse o psicodinâmico.
— ...fato que já constatamos a bordo da Orion — interrompeu Cliff.
— E — prosseguiu Sherkoff — é um médium natural. No momento nós o mantemos num estado que fica entre o sono e a vigília. Há mais de três horas está sendo descondicionado. Talvez perderá o vício.
Mas seu cérebro continua a emitir ininterruptamente esses quadros, se bem que em intensidade bem menor. É estranho! Cliff confirmou.
— É isso. Por aqui já houve algum pânico?
Sherkoff confirmou com o rosto sério:
— Sim, uma vez. Mas foi um fenômeno ligeiro. Roger deixou de ser vigiado por um instante. Todo mundo pensava que ele dormia. Acontece que estava acordado e emitia ininterruptamente. Após isso, o pânico começou a instalar-se em torno de seu quarto. Todos correram para fora, tomaram de assalto os elevadores e subiram à superfície. Foi uma psicose de fuga.
Villa levantou a mão.
— McLane e sua tripulação, bem como o senhor Stone, são as únicas testemunhas de que dispomos. Portanto, posso falar. No mesmo instante em que Roger Uurth provocou o pânico por aqui, o mesmo aconteceu no planeta Shardeeba.
O rosto de Cliff tornou-se pálido como cera.
— Oh, não! — balbuciou.
— Está admirado? — indagou Sherkoff.
— Mais que admirado — disse Cliff em voz baixa. — Quer dizer que não existe a menor possibilidade de examinar esse homem enquanto sua consciência estiver ativa, não é, professor?
Sherkoff sacudiu energicamente a cabeça.
— Não. Quando está mergulhado num estado intermediário entre o sono e a vigília, o exame não pode produzir nenhum re-; sultado aproveitável. Quando está acordado, lança o terror pelos arredores e sobre o planeta de Shardeeba.
Cliff já havia pensado em coisa semelhante. Em parte sentia-se satisfeito porque suas suposições se confirmavam. Porém, percebeu que o problema se tornava cada vez mais difícil.
— O pânico só atingiu o planeta de onde trouxemos Uurth? — perguntou McLane obstinadamente.
— Isso mesmo — resmungou Wamsler. — Por estranho que possa parecer, o fenômeno não se manifestou em nenhum outro planeta, nem mesmo em Marte. Só mesmo nos arredores do quarto e naquele planeta idiota.
Cliff colocou a palma da mão sobre a mesa e perguntou em voz baixa, sem dirigir-se especificamente a qualquer pessoa:
— Já pensou no esquema que deve estar atrás disso?
Villa baixou a cabeça e abriu uma pasta.
— Já. Alguém pretende despovoar Shardeeba.
— Existe algum motivo para isso? — perguntou Cliff.
— Não conhecemos nenhum — disse Wamsler em tom enfático. — Será que o senhor sabe de alguma coisa?
— Não. Apenas disponho de um ponto de referência.
— Diga de que se trata.
— Pouco importa quem sejam esses desconhecidos, ou se eles abominam a violência. Talvez por este ou aquele motivo não estão em condições de lutar. Por isso recorrem à astúcia. Largam por aí um homem que em determinada época lhes caiu nas mãos. Está em condições de funcionar como amplificador de determinadas concepções. Suas faculdades mediúnicas são tão intensas que daqui consegue influenciar três milhões de pessoas em Shardeeba. Pessoalmente é um fanático, um viciado, e provavelmente um desequilibrado mental. Acho que cabe a nós encontrar os desconhecidos.
Sherkoff levantou-se. Era um homem de cabelos grisalhos, rosto estreito e olhos chamejantes.
— Nos pontos essenciais, minha opinião é exatamente esta, coronel McLane. Nos próximos dias procuraremos colher todos os dados relativos a Roger Uurth. E manteremos o senhor informado sobre os resultados. Se tiver alguma idéia que lhe pareça boa, peço-lhe que me comunique. De acordo, coronel?
Cliff limitou-se a responder com um gesto afirmativo.
— Tamara Jagellovsk prestará uma ajuda valiosa à nossa divisão, continuando a interrogar Manny Stone. Esse homem confia na senhora, Tamara — disse Villa em tom lacônico.
Roger Uurth começou a mover-se na tela de videofone que se encontrava próxima à mesa. Parecia ter um sonho violento.
A palestra foi sublinhada pela música. Toda a tripulação da Orion VIII estava reunida em torno da mesa baixa. O rosto de Atan irradiava uma felicidade interior, que deixou os outros perplexos.
— Quanto mais o olho, Atan — disse De Monti em tom bonachão — tanto mais se reforça a impressão de que alguma coisa muito boa aconteceu com você. Poderíamos saber o que foi?
Atan acenou fortemente com a cabeça.
— Duzentos e sessenta e quatro teve filhotes! — disse.
— Que coisa linda! — exclamou Helga Legrelle. — Quantos foram?
— Vários — respondeu Atan em tom de segredo. — E não se sabe qual deles é mais encantador.
O objeto designado por um número era um dos poodle reais que ainda viviam em Terra; um lindo exemplar negro. O amor que Atan dedicava ao animal constituía objeto de uma ironia bonachona por parte dos membros da tripulação. Provavelmente não desistiriam enquanto não tivessem visto a prole do poodle. Atan sofria e se alegrava com seu animal. Cliff achou preferível mudar de assunto. Afinal, não estavam no zoológico.
— Companheiros — disse em voz baixa, empurrando o copo de um lado para outro — pedi que viessem até aqui...
— ...para oferecer-nos o melhor uísque de sua adega — gracejou De Monti, levantando o copo vazio. Cliff apressou-se em acionar o robô que voltou a enchê-lo.
Interrompeu o companheiro com um gesto.
— Também os chamei porque, para solucionar o problema de Shardeeba, teremos de agir em conjunto.
Hasso recostou-se na pesada poltrona.
— Você tem toda razão! — disse. Cliff prosseguiu:
— Não podemos fazer nada com Roger Uurth, pois o profeta se encontra nas mãos do SSG. Sherkoff também o está examinando. Oportunamente saberemos do resultado. De Manny Stone não podemos esperar muita coisa. O que ele sabe é pouca coisa, e o grosso das informações já sabemos. Acontece que você e Atan estiveram diretamente expostos ao terror mental. E eu e De Monti também experimentamos alguma coisa, embora estivéssemos bêbedos. Quero explorar este aspecto. Acho que é muito importante.
— O que foi que vimos? — perguntou Shubashi. — É o que precisamos saber.
— Exatamente — disse Cliff. — Tentarei contar a história, e vocês me ajudarão.
Sentiam-se curiosos para fazer a experiência.
— Pois bem. Estávamos paralisados. Não conseguíamos mover-nos. Vimos certos quadros. Esses quadros correspondiam a um acontecimento real. Vimos uma gigantesca planície.
— A planície estava sendo iluminada pela luz de um sol muito vermelho.
Quem fez a constatação foi Hasso. Atan Shubashi, o astronavegador, aproveitou a indicação e disse:
— Provavelmente trata-se de um sol do tipo M com menos de 3 mil graus Kelvin de temperatura na superfície. Em nossa esfera espacial e em suas adjacências não existem muitos sóis desse tipo.
— E a planície era negra; ao que parece não tinha qualquer vegetação. Não vi nenhum verde, mas percebi que havia uma atmosfera.
— Correto. Vi a mesma coisa — disse Atan Shubashi.
— A planície estava cercada de montanhas pontudas. Donde se conclui que o planeta deve ter um envoltório atmosférico bastante agressivo. Portanto, não se trata de nenhum planeta que esteja habitado por homens ou venha a sê-lo proximamente.
— Nada a objetar — disse Mario laconicamente. É bem verdade que estivera bêbedo, mas conhecia os mesmos quadros que McLane havia visto.
— Tudo correto — disse Shubashi.
— De acordo — opinou Hasso, o engenheiro da nave, que vira os quadros com toda nitidez juntamente com o astronavegador, sem que tivesse existido qualquer barreira por meio do álcool ou das drogas.
— Na planície havia naves que tinham pousado há pouco tempo. Possuíam a forma de pirâmide. Nelas não se notavam quaisquer sinais ou números, nem sequer símbolos estranhos. Eram mais de quinhentas. Cobriam a planície como se fossem uma coleção imensa de metálicas pirâmides reluzentes.
— Conclui-se que o construtor dessas naves fez questão de não deixar qualquer marca que pudesse fornecer uma indicação sobre sua origem.
— Também sou da mesma opinião — disse Cliff, respondendo a ponderação de Helga Legrelle. Helga escrevia rapidamente.
— E das naves saíam certos seres... — principiou Cliff.
Hasso logo o interrompeu.
— Sim. Muitos seres. Mas é bom que tenha em mente uma coisa. Eram figuras pavorosas: semelhantes aos quadros de terror de Terra: sáurios, animais pré-históricos... Estão lembrados?
Cliff reagiu imediatamente.
— Foi um programa concebido para o homem. Qualquer outra raça não se assustaria com o quadro. Para nós representava o somatório das imagens do pavor que guardamos na memória desde a infância, e que só poderia produzir a impressão que experimentamos. Isso ainda significa que, sem que soubéssemos, ajudamos o desconhecido, por meio dos dados armazenados em nossa memória, a infundir o pavor em nossa mente.
— Era isto o que eu pretendia dizer — observou Hasso. — Nas últimas duas noites, fiquei matutando sobre este fato, até que Ingrid quase me expulsou de casa.
Cliff refletiu em silêncio. Depois de algum tempo prosseguiu:
— De forma alguma seria possível reconhecer os seres humanos que lutavam contra os monstros. Pela maneira de serem dizimados pareciam bonecos ou figuras automáticas. Não consigo livrar-me da impressão de que nesses combates existe um ingrediente imaginário.
Hasso respondeu com um gesto afirmativo.
— Você concorda? — apressou-se Cliff em perguntar.
— Concordo. Você formulou claramente as idéias que se moviam confusas em meu espírito. Não foi um quadro real; mas foi muito cruel.
— Atan, qual é a sua opinião? Shubashi refletiu bastante. Embora por vezes fosse dado a peripécias, em ocasiões sérias costumava ser mais que um técnico.
— Acho que vocês têm razão. A coisa parecia uma cena montada. De minha parte posso acrescentar que, segundo tudo indica, o planeta visto parece não ter nenhuma lua. Ao menos, ninguém de nós notou qualquer satélite. Trata-se de uma característica importante para sua identificação.
Cliff levantou-se, moveu a mão e interrompeu um contato. A música cessou no mesmo instante.
— Amigos — disse em tom penetrante, no qual desta vez não havia o menor laivo de ironia que costumava caracterizar McLane. Parecia um homem resoluto e um tanto suave. Prosseguiu: — Hasso e Atan, levem Helga e as informações trazidas por ela à sala da central de cálculos. Peçam que lhes forneçam ou calculem os dados relativos ao planeta que acabamos de localizar por via ótica. Trabalhem segundo o método das escolhas sucessivas. Mario e eu tentaremos chegar a Wamsler ou Villa. Estamos prestes a realizar outra missão; apenas, desta vez não será num planeta de sonhos selvagens. Ao meio-dia encontramo-nos no cassino, na sala que fica sobre a laguna. Mais alguma pergunta?
Estava tudo claro.
— Está bem. Chamarei dois carros que nos levarão aos lugares onde pretendemos chegar. Cada um de nós fará o melhor, e atrevo-me a apostar que, dentro de poucos dias, teremos a solução do mistério de Shardeeba.
O olhar de Hasso parecia bastante cético, embora soubesse perfeitamente que Cliff McLane tinha a felicidade ou a infelicidade de solucionar as questões impossíveis.
Nem desconfiava de que naquele mesmo instante uma coisa inesperada acontecia. Não aqui, mas num lugar totalmente estranho. Os tripulantes separaram-se.
Era praticamente impossível sentir algo ~ ««m um ambiente humano nos escritórios da extremidade norte da Austrália. Somente a divisão da sala em diversas zonas de luminosidade criava ilhas nas quais a impressão da impessoalidade fria se apagava. Numa dessas ilhas, em que a luz caía da luminária sobre uma mesa negra e reluzente, os homens estavam sentados. A luz foi refletida por algumas teclas lisas do painel de controle. Um homem cujo rosto ficava fora da zona luminosa pigarreou e disse:
— Sua proposta não pode ser chamada de extraordinária, major, mas o senhor há de permitir que formule algumas perguntas.
O olhar de Cliff parecia perfurar os olhos cinzentos do chefe do serviço secreto.
— Naturalmente, coronel. Aliás, caso tenha esquecido, ocupo o posto de coronel.
Villa sorriu.
— Dificilmente me esqueço de alguma coisa — respondeu. — Apenas quis verificar sua reação. Por que está empenhado em que eu lhe dê permissão para decolar?
— É uma história complicada. Tem certeza de que posso incomodá-lo com um pedido destes? — perguntou Cliff McLane em voz baixa.
— Tenho certeza absoluta — respondeu Villa. — Sou todo ouvidos.
— Os participantes da aventura de Shardeeba guardaram a mesma impressão dos quadros irradiados por Roger Uurth. O centro desses quadros consistia em certa paisagem. Minha tripulação e eu desconfiamos de que essa paisagem existe, e que nela aconteceu alguma coisa. As impressões que experimentamos foram criadas para induzir à fuga a população de um planeta semelhante a Terra. Acho que até este ponto as impressões do senhor coincidem com as minhas, não é?
O rosto estreito de Villa permanecia rígido como uma máscara. Fez um ligeiro movimento com a cabeça, em sinal de assentimento.
— Imagine a possibilidade de que alguma raça possa ter encenado tudo isso. Com uma ação desse tipo poderia despovoar Terra. Acredito que Shardeeba tenha representado uma espécie de ensaio geral.
— Suas opiniões avançam bastante além dos fatos, McLane — ponderou Villa em voz baixa.
— Nunca se deve elogiar um mês antes de seu último dia — disse Cliff. — Ou, como se costuma dizer: a pessoa que puxa uma corda não pode ter certeza de que no fim encontrará uma surpresa agradável.
— Continuo a ouvi-lo com muita curiosidade — lembrou Villa.
— Se descobrirmos essa paisagem, já saberemos muito mais — explicou Cliff. — Poderemos preparar uma ação. Imagine o que acontecerá se essa brincadeira infernal tiver sido concebida por nossos amigos, os extraterranos. Dessa forma conseguirão evacuar todos os planetas sem disparar um tiro. Se Shardeeba representou um ensaio geral, tudo indica que a prémière será representada na Terra. Começo a esquentar a cabeça com esta suposição, mesmo que soe um pouco à Pieter-Paul Ibsen. Acho que o senhor sabe de quem se trata. É esse autor de ficção científica que desgastou nossos nervos com aquela história de Mura.
— Quanto tempo levará para executar a tarefa?
Cliff pensou:
"Mesmo que nosso objetivo fique na periferia da esfera espacial, o tempo de vôo de ida e volta será de vinte dias. Três dias de permanência... A ausência deverá ser pouco superior a três semanas."
— Vinte e cinco dias, coronel Villa — disse em tom tranqüilo.
— É um tempo muito longo.
— Mas não representará nada se quisermos salvar Terra de uma evacuação realizada em estado de pânico. Não pretendo correr risco algum com minha tripulação, nem me perder além do décimo distrito. Pode ficar tranqüilo, que não deixarei de voltar, mesmo que em troca disso continue a enfrentar suas tramóias.
McLane sentiu-se atingido por um olhar pensativo de Villa.
— A participação de Tamara é imprescindível? — perguntou laconicamente.
— Não. Pois não haverá oportunidade de violar o regulamento.
— O senhor nunca teve a idéia de permanecer por mais tempo ao lado de Tamara?
— Essas idéias não são para um astronauta — respondeu Cliff em tom irônico. — Viva a independência.
— Muito bem! Quando pretende decolar, coronel McLane?
Cliff já tinha a permissão no bolso.
— Hoje, no fim da tarde.
— Muito bem. Decole. E traga-nos a certeza de que se trata de uma ação planejada. Neste meio tempo procuraremos desvendar o fenômeno Uurth. Estamos interessados principalmente em descobrir a fonte das emanações.
— Será essa mesma fonte que procuraremos. Caso precise, o Serviço de Segurança Galático estaria disposto a enviar-me algumas naves de apoio?
— Bastará expedir uma mensagem pelo rádio — disse Villa. — Peço dirigi-la diretamente a mim.
Cliff ainda tinha dúvida. Conhecia o funcionamento da administração e continuava desconfiado.
— Isso representa uma permissão de decolagem, coronel Villa? Posso invocar o nome do senhor?
Villa levantou-se. O tempo concedido a Cliff estava findo.
— Pode, sim. Volte são e salvo, e com algumas informações a mais.
Cliff também se levantou e estendeu a mão.
— Obrigado. Faço votos de que no fim não fique decepcionado.
— Será que Cliff Allistair McLane pode decepcionar alguém? — perguntou o chefe do SSG em tom irônico.
Cliff exibiu um sorriso de escárnio e respondeu:
— Pergunte à camarada Jagellovsk, coronel.
A barreira de fluxos luminosos desfez-se à sua frente. Atravessou o grande caixilho de metal. Riu para a ordenança bastante atraente e começou a assobiar.
Dali a pouco, encontrava-se no salão do Cassino Starlight. Olhou em torno. Depois de algum tempo encontrou toda a tripulação reunida no terraço, sob um enorme guarda-sol.
Pelos rostos dos companheiros viu que alguma coisa havia acontecido.
— O QUE houve? Cliff saudou a todos e foi sentando.
— Muita coisa — disse Hasso, apontando para os carretéis que se encontravam sobre a mesa, e sobre o toca-fita. — Encontramos uma pista. Ou melhor, encontramos cinco pistas.
— Estou com fome — disse Cliff muito bem-humorado.
— Nós também — respondeu Helga Legrelle.
— Acontece que tivemos a consideração de esperá-lo.
— Que gentileza! — disse Cliff. — Antes de mais nada, ouçam a boa nova. Villa deu permissão para nosso vôo, seja qual for o destino.
— Como você se exprime bem — ironizou Hasso.
Fizeram o pedido e Cliff passou a dedicar sua atenção à aparelhagem técnica que havia sobre a mesa.
— Aí estão cinco carretéis, e se ainda sei ler, os mesmos vêm da calculadora central. Correto?
— É verdade — disse Atan Shubashi em tom de triunfo. — Realizamos um trabalho dedutivo.
— Quais são os dados? — indagou Cliff.
— Temos as coordenadas e as fitas do arquivo — disse Mario.
— De quanto tempo podemos dispor para estudar estas fitas? — perguntou Cliff.
— Dez horas ao todo.
— Não temos tanto tempo. Pretendo decolar às dezoito horas.
— De acordo — disse o primeiro-oficial. — Devemos andar depressa.
Comeram em silêncio e depressa. O toca-fita e os cinco carretéis estavam jogados entre os pratos e copos. Cliff pediu uma rodada e mandou levar a louça.
— Vamos ao trabalho!
Hasso tirou uma das fitas e empurrou-a para dentro da reentrância do cubo. Helga Legrelle levantou-se e colocou-se atrás de Cliff, numa posição que lhe permitia ver a, área de projeção do cubo.
— Vou dar o fora — disse. — Vocês querem comparar suas impressões com estes quadros, não é?
— É verdade — respondeu Cliff tranqüilamente.
Cada uma das cinco coordenadas que Sigbjörnson e Atan Shubashi haviam obtido dá calculadora central correspondia a um sistema solar do tipo selecionado pela tripulação. Os dados, os quadros e as explicações relativas a esses sistemas eram fornecidos sob a forma de informações móveis na área de projeção do cubo. Os olhos dos tripulantes estavam grudados nas imagens. Para eles, o importante seria identificar um dos quadros participantes das impressões confusas que haviam guardado em suas mentes. E continuavam a existir, pois Roger Uurth prosseguiria nas suas emissões assim que despertasse do estado de semi-inconsciência. Os sóis e os planetas se moviam, aproximavam-se, cresciam. As fotografias tiradas por uma nave cartográfica tornaram-se mais nítidas e detalhadas. As séries de dados desfilavam diante deles.
Os astronautas mantiveram um silêncio total enquanto contemplavam os quadros.
Durante noventa minutos, observaram uma torrente de quadros e informações. Viram paisagens e fotografias tiradas de grande altitude e mergulhadas num vermelho sombrio. Viram as névoas peregrinas que matam numa questão de segundos qualquer ser humano que não esteja usando o traje espacial; eram camadas de amoníaco, representando a forma mais perversa de uma natureza hostil à vida. Depois...
— Ali... é isso! — cochichou Hasso.
A nave, que anos atrás fotografara o planeta, aproximara-se lentamente, vinda da região polar, e deslizava um quilômetro acima da superfície. Viram uma planície gigantesca, em que o pó negro era tangido em torvelinhos escuros pelo vento em rajadas. Um sol vermelho iluminava a cena, como se fosse um olho sombrio. Uma cordilheira recortada, formada por montanhas alcantiladas, delimitava o deserto.
— Este é o lugar que estamos procurando — disse Cliff, falando alto e em tom enérgico.
O encanto produzido pelo quadro abandonou-os.
— Aguardem as coordenadas — disse Mario de Monti.
Os quadros continuavam a desfilar diante deles. Quase no final do segmento, os nomes, zonas de distância e coordenadas surgiram na tela.
Unswoth, planeta de Meeraclom, Norte/Dez 979.
— O sol de Unswoth — murmurou Cliff. — Nunca estive lá. Mas sabia que já tinha visto estes quadros em algum lugar. Acredito que tenha sido no meu tempo de cadete.
— Posso falar a mesma coisa — comentou Hasso tranqüilamente. — Quer dizer que a descoberta do sistema não deve ser recente. Quais são os outros dados relativos ao mesmo?
Cliff leu os dados projetados sobre a tela.
— Trata-se de um sol pertencente ao tipo por nós indicado. Tem um único planeta, que é justamente Meeraclom. Esse planeta não tem nenhuma lua. Sua atmosfera é muito densa, formada por diversos gases. Mesmo com o traje espacial só poderemos sair da nave por um tempo muito curto, porque os gases são bastante agressivos. Amigos, tragam a bagagem. Às dezessete horas encontramo-nos junto à comporta. Entendido?
Atan pegou os carretéis e levantou-se.
— Vou devolver isto — disse. — Afinal, dei minha assinatura.
A tripulação dispersou-se.
Voltaram a encontrar-se exatamente às dezessete horas. Meia hora depois, as escotilhas da comporta abriram-se. No centro do cilindro de aço da Base 104, a Orion VIII se mantinha imóvel. A tripulação caminhou lentamente em sua direção.
Norte/Dez 979. Durante 227 horas, a nave em forma de disco navegara pelo hiperespaço. Agora prosseguia pelo espaço normal. Em meio à escuridão, dirigia-se ao sol distante.
Viu-se um círculo cheio de estrelas, comprimidas num espaço reduzido e aparentemente do mesmo tamanho. No centro do círculo, um ponto vermelho aparecia com maior nitidez. O ponto vermelho cresceu, e aos poucos a luminosidade vermelha começou a espalhar-se pela tela central. A nave corria por um espaço que parecia estar cheio de uma pálida poeira vermelha. Na sala de comando reinava um silêncio angustiado. A única coisa que se ouvia era a respiração dos homens e o ruído produzido pelo funcionamento dos instrumentos. Depois de algum tempo, Atan Shubashi pigarreou.
— Astronavegador chamando comandante — disse. — Distância de vinte minutos-luz.
Cliff virou a cabeça e respondeu:
— Obrigado.
Acelerou ligeiramente e paralisou as máquinas. A nave corria pela força da inércia em direção ao sol distante. Era vermelho e pequeno. Seu nome: Unswoth.
— Comandante chamando sala de máquinas.
Os olhos de Hasso fitaram o quadro nítido que surgia na tela principal.
— Máquinas desligadas. Colocar em ponto morto. Preparar manobra de frenagem.
O alto-falante emitiu um estalido.
— Sala de máquinas chamando comandante. Entendido.
Os instrumentos de Shubashi começaram a funcionar. O ultra-radar trabalhava, vasculhando o espaço em torno do sol em busca de um eco de grandes dimensões. Mais alguns minutos passaram-se. Helga Legrelle dava busca automaticamente por toda a faixa de freqüência e tentou estabelecer contato com alguma estação de rádio situada nos arredores de Meeraclom. Tal contato significaria a presença de outra nave no setor.
— Conforme vão indo as coisas, tudo pode acontecer, Helga — disse Mario de Monti, que se encontrava diante do dispositivo de alimentação do computador de bordo. Leu os dados relativos ao último salto de transição e comparou-os com aqueles que haviam sido programados em Terra.
Conferiram até a última casa decimal.
— O que acha o comandante? — perguntou Helga em voz alta.
— O comandante aguarda; prefere a surpresa — disse Cliff, falando baixo. — Não acredito que encontremos alguém.
A nave continuava a aproximar-se do sol Unswoth...
— Eco! — disse Atan em tom penetrante. — Transferirei a imagem para a tela pequena.
Em meio à área quadriculada, surgiram dois pontos. Ao lado deles, liam-se as indicações de distância. Os números, conduzidos pela calculadora digital por meio do instrumento automático, mudavam constantemente. Os dois ecos aproximavam-se da nave com rapidez.
— Comandante chamando sala de máquinas. Vou frear e modificar a rota.
A Orion descreveu uma curva, acelerou ligeiramente e foi na direção do menor dos dois pontos. Tomando o sol por referência, o planeta ficava do lado direito, e distava exatamente sete minutos-luz da nave.
— Objetivo identificado — disse o astronavegador. — Rota estável.
Constituído por uma imensa massa negra com a periferia vermelha em forma de foice e contornos apagados, o planeta havia sido projetado numa tela lateral por meio da rápida operação de ampliação realizada pelo astronavegador. Quase chegava a ultrapassar as extremidades da superfície quadrangular da tela. A impressão que deixou na mente dos cinco terranos foi unicamente a de perigo. Cliff pegou o microfone, mas seus olhos não conseguiam desprender-se do quadro ameaçador.
— Comandante dirigindo-se ao livro de bordo — disse em voz baixa. — Indicação exata de tempo. A Orion aproxima-se dò planeta Meeraclom. Não constatamos qualquer eco, nem sinais de rádio não identificados. Pretendemos entrar em órbita e soltar uma Lancet. Fim.
Uma chave fez um clic.
— Distância de dois minutos-luz — anunciou Atan.
Enquanto a nave era freada e se aproximava do planeta, tinha-se a impressão de que a Orion avançava por uma gigantesca caverna escura. A beira recurvada do planeta ingressou na área negra. Primeiro surgiu sob a forma de linha finíssima, e depois como uma foice atrás da qual o fogo vermelho do sol distante chispava sua luz, que inundou as telas visuais da Orion. A cor vermelha dominava o panorama.
— É um quadro fantasmagórico! — disse Helga Legrelle num cochicho.
A nave desviou-se para a direita.
Os raios de sol incidiam diretamente sobre a nave. Cliff colocou um filtro diante das objetivas.
— Distância dois mil metros acima da superfície — anunciou Atan.
Os dedos de Cliff descansavam na alavanca de pilotagem manual. O disco girou em torno do eixo vertical, aumentou a velocidade e começou a descer. Aos poucos, os contornos foram se destacando em meio à débil luz vermelha. O planeta do sol Unswoth não possuía calotas polares.
— A área, que guardamos na memória e que a projeção nos fez reavivar, fica nas proximidades do equador — disse Mario de Monti. — Você realmente pretende pousar com a Lancet, Cliff?
McLane virou-se lentamente e respondeu:
— Ainda não sei, Mario.
A Orion continuou a descer e diminuiu a velocidade. No momento em que os instrumentos de Atan indicavam a distância de um quilômetro, Cliff deteve o movimento de descida. Vinda do pólo, a Orion corria em meio às camadas de gases mortíferos. Os filtros foram retirados das objetivas e os quadros projetados nas telas tomaram-se mais nítidos.
— Sei por que estamos aqui — disse Mario de Monti em tom hesitante. — Mas nunca conseguirei compreender o que se pode fazer com este planeta mais que inóspito.
— Isso mesmo! — respondeu Cliff com a voz zangada. — Aguardemos a surpresa.
Desenvolvendo a velocidade de um avião a jato, a Orion VIII sobrevoou a paisagem. Era composta de planícies, leitos de rios secos, colinas e dunas, desertos e pequenos grupos de elevações carcomidas que surgiam repentinamente em meio ao areai. Um forte vento soprava da esquerda. Não conseguia desviar a rota da nave, mas arrancava nuvens de areia das dunas e as tangia como se fossem bandeiras. O movimento era uma das constantes do quadro. E a luz vermelho-escura de Unswoth cobria tudo.
— Por enquanto, nada — disse Hasso. Subira sem que ninguém o percebesse e juntamente com os três companheiros encontrava-se atrás de Cliff. Diante deles, as estruturas modificavam-se constantemente na grande tela central. Com um ligeiro giro de um dos botões, Cliff desviou a objetiva. Passaram a olhar obliquamente para a frente, não mais em sentido vertical para baixo. Por alguns segundos, Cliff tirou os olhos da tela.
— Acho que estamos de acordo numa coisa. O planeta só pode ser este, não é? — disse com a voz rouca.
— Deve ser este — respondeu Atan. — Não tenho a menor dúvida.
Hasso tranqüilizou-os. Sua voz era equilibrada e ponderada como sempre.
— Vamos aguardar. Afinal, nem sempre podemos conseguir tudo. Encontraremos o tal lugar, nem que levemos algumas horas. Afinal, uma coisa que não nos falta é o tempo.
Uma hora passou. A Orion corria vertiginosamente em órbita baixa. Os ocupantes da nave procuravam alguma coisa.
Finalmente seus olhos começaram a doer. Ainda não haviam descoberto o que estavam buscando: um semicírculo gigantesco formado por montanhas negras tocadas pela luminosidade vermelha. E à frente das montanhas uma planície imensa na qual rugia uma batalha terrificante. Ali deveriam estar as naves em forma de pirâmide.
Cliff fez um movimento repentino. Mexeu nas chaves e apertou alguns botões. A Orion desacelerou, parou e permaneceu imóvel a cerca de um quilômetro de altura.
— Helgazinha — pediu Cliff com a voz extraordinariamente suave. — Faça o favor de ir até a cozinha. Todos merecemos um café bem forte e um copo de uísque sintético. Será que podemos merecer essa gentileza?
— Para vocês faço qualquer coisa — disse Helga com um sorriso radiante. — Ou melhor, faço quase qualquer coisa.
— No momento apenas queremos um café. Não somos do tipo de gente que explora qualquer oferta que lhe façam.
— Seu galã convencido! — sussurrou Helga e desceu no pequeno elevador.
— Fiz meus cálculos. Ao todo não vimos mais que um décimo da superfície do planeta — disse Atan. — Portanto, não há motivo para perdermos a esperança.
— Sei — finalizou Cliff, recostando-se na poltrona e fechando os olhos. Sentiu o cheiro do café e voltou a endireitar o corpo.
No mesmo instante, a uns 450 parsec de distância:
Quatro psicólogas e três psicodinâmicos estão reunidos no laboratório do professor Sherkoff. Este está sentado sobre a grande escrivaninha, enquanto Roger Uurth encontra-se amarrado à grande poltrona de testes.
Um gravador de fita corria, enquanto uma filmadora começava a zumbir.
A poltrona de testes estava cheia de fios e contatos. Largas fitas de aço, que podiam ser abertas e fechadas por via eletromagnética, cingiam os pulsos, o tórax e as tíbias do profeta. As correntes elétricas sobrepostas, que influenciavam o cérebro desse homem, deixaram de fluir. Uurth abriu os olhos e fitou as oito pessoas que se encontravam reunidas.
— Onde estou? — perguntou.
Haviam feito sua barba, cortado o cabelo e aplicado um tratamento bem conduzido que o libertou do vício dos entorpecentes. Nas roupas leves que trajava, ele se parecia com as pessoas que trabalhavam no laboratório.
— O senhor está num laboratório psicológico — respondeu Sherkoff. — Procuramos averiguar sua origem. Está em condições de responder às nossas perguntas?
— Pode perguntar — disse Uurth com uma clareza surpreendente.
— De onde vem o senhor?
A resposta de Uurth foi instantânea.
— Não sei. A única coisa que me lembro é que alguém me levou dos confins da Galáxia para Shardeeba.
Cada palavra proferida pelo profeta foi registrada e gravada.
— Quem o trouxe para cá?
Toda vez que o interrogatório chegava a este ponto, mesmo que realizado em meio a uma sessão de hipnose profunda, uma barreira surgia na mente do profeta. Uurth não sabia mais nada. Parecia que as recordações sobre este ponto haviam sido erradicadas de seu cérebro a ferro e fogo. O professor Sherkoff inclinou o corpo para a frente. Parecia muito curioso.
— Não... não sei.
As pessoas que participavam do teste olharam-se em silêncio. Roger Uurth encontrava-se em pleno estado de consciência. Não havia transmitido por um segundo sequer os terríveis quadros de batalha. As influências telenóticas não se fizeram notar.
— Como foi parar em Shardeeba? — perguntou Sherkoff.
— Eu e a máquina fomos largados por lá.
Sherkoff sentiu um olhar alarmado de uma das assistentes. A máquina! Era um fator novo, que até então não havia sido mencionado.
— Que máquina?
Num movimento desajeitado Uurth deu de ombros. Seu rosto pálido e esmaecido com os grandes olhos de fanático contorceu-se como se estivesse sob a influência de uma forte tensão interior. A crise parecia iminente.
— Foi uma máquina. Não sei o que faz. Antes do interrogatório, enquanto se encontrava num estado artificial de semiconsciência, Uurth fora dopado com um soro da verdade. O que dizia correspondia integralmente à verdade. Não mentia. Apenas não havia recebido informações suficientes sobre os desconhecidos. Nessas condições a força da verdade não serviria para nada. Tudo que estava sendo dito já havia sido extraído das informações fornecidas por McLane e Manny Stone. Com exceção da referência à máquina.
— Como é a máquina? — perguntou Sherkoff em tom paciente.
— É redonda, tem um pedestal quadrado e dela sai uma série de antenas bem finas — disse Uurth prontamente.
— Onde está a máquina?
— Em minha residência — disse Uurth.
— Onde fica sua residência?
Os olhos de Uurth foram crescendo cada vez mais, e seus lábios estreitos abriram-se num movimento convulsivo.
— Em Oranuc City! — exclamou. Sherkoff prosseguiu no interrogatório.
— Em que parte da cidade?
— No terceiro andar de um edifício. Não sei qual é a rua. Encontrava-me constantemente num estado de semi-inconsciência.
— Para que serve a máquina redonda?
Uurth não respondeu. O silêncio era perigoso. Ao que parecia, a palavra máquina fora uma senha. De um instante para outro, Uurth entrou em transe e começou a emitir. As coisas mudaram numa fração de segundo. Os cientistas perderam o controle de sua mente e de seus atos. Viram certos quadros.
A porta do laboratório abriu-se violentamente. Figuras terrificantes foram entrando e distribuíram-se rapidamente pelo recinto. Uma delas deu uma pancada fortíssima na cientista, afastando-a do quadro de comando. Depois moveu a chave. Os eletroímãs ficaram sem energia. As cinco faixas de aço abriram-se. Sherkoff abrigou-se atrás da escrivaninha, puxou uma gaveta e destravou uma arma de radiações. Começou a disparar. Uma das figuras dissolveu-se sob os efeitos do raio, mas a outra atirou-se sobre ele e derrubou-o. Todos se haviam transformado em instrumentos dos desconhecidos.
Na verdade, nada havia acontecido. Um dos psicodinâmicos derrubara a moça, enquanto outro se precipitara sobre Sherkoff. Este havia atirado num fantasma, que só existira em sua imaginação.
Uma das telas acabara de detonar, e as sereias de alarma uivaram em todos os pontos da base submarina 104. Tangido por uma força desconhecida, Roger Uurth levantou-se. Sentiu que estava livre. Começou a transmitir como se fosse um robô, uma marionete muito inteligente. Dentro de alguns segundos, as pessoas que se encontravam na base transformaram-se em escravos passivos dos desconhecidos.
A mesma coisa se passava com os três milhões de habitantes de Shardeeba.
Tamara Jagellovsk estava sentada no gabinete do coronel Villa. Uma tela iluminou-se diante deles. Assistiram à cena que se desenrolava no laboratório do psicodinâmico. Villa e Tamara viram e ouviram tudo. Estremeceram quando Roger Uurth se libertou, aparentemente sem fazer o menor movimento.
No mesmo instante, sentiram uma dor cruciante na cabeça e tiveram alucinações. Villa fungou e gritou:
— Rápido! O álcool é bom para isso. Expeça uma mensagem dirigida a McLane!
Sua mão comprimiu a tecla que ficava junto ao videofone. A barreira de fluxos luminosos desmanchou-se. Tamara saiu correndo. Devia chegar à sala em que estavam guardados seus equipamentos. Precisava de uma mala. Era nela que se encontrava o medicamento que imunizava contra as alucinações. Comprimindo a cabeça com ambas as mãos, tropeçava mais do que corria. Lutava contra as dores que a martirizavam, enquanto os atacantes que surgiam de todos os lados a confundiam. Precipitou-se corredor afora e esforçou-se para não ver coisas que não existiam. Atravessava os monstros híbridos. Chegou à sala. A escotilha demorou demais em abrir-se. Tamara atravessou destemidamente um ser fabuloso feito de grande número de cabeças, garras, dentes e córneas, e que apontava uma arma perturbadora contra ela. Chegou à mala, abriu-a e aplicou a primeira injeção em si mesma. Encheu as bolsas de ampolas e correu, agora mais calma, de volta ao gabinete. A próxima injeção foi aplicada no coronel Villa, que se defendia contra inimigos invisíveis que penetravam em seu gabinete. Depois de alguns segundos, levantou a cabeça e olhou para Tamara.
— Obrigado — cochichou.
— Tentemos encontrar Uurth — sugeriu Tamara.
— E vamos expedir uma mensagem destinada a McLane.
Saíram do gabinete, seguraram um ordenança que passou correndo que nem um louco e injetaram o medicamento no funcionário do serviço secreto. Depois passaram a agir metodicamente. O tumulto e o pânico enchiam todos os corredores da Base 104.
E três milhões de pessoas esbravejavam em Shardeeba.
A ORION continuava sobrevoando a paisagem desolada do planeta morto, que se estendia que nem um palco. Aproximava-se do ponto em que Atan acreditava ter visto alguma coisa. O quadro projetado na tela central crescia e ficava cada vez mais nítido. A respiração de Cliff tornou-se mais rápida. Sentiu um suor filo na testa.
— É isso — sibilou.
Todos viram. A paisagem correspondia aos seus sonhos e aos quadros retirados dos arquivos. E a tripulação notou que a planície ocultava alguma coisa que neste momento começava a destacar-se da escuridão.
— A planície não está vazia — disse Mario.
— Você poderia medir os objetos? De que são feitos, Atan?
Cliff fitou a tela redonda.
— São feitos de metal e de certo tipo de plástico — respondeu Atan após alguns segundos.
O quadro era o seguinte: um gigantesco semicírculo. As montanhas, que se uniam na formação já conhecida, mediam pouco menos de cinco mil metros de altura e estavam carcomidas, assemelhando-se a construções feitas de aço enferrujado. À sua frente abria-se, numa extensão de pelo menos cinqüenta quilômetros, chegando até o lugar onde pairava a Orion, uma superfície gigantesca. Era uma planície interrompida por raríssimas elevações. O disco achava-se imóvel sobre a área. E a planície estava coberta de objetos estranhos.
— Olhe, Cliff. São naves espaciais. São parecidas com...
Hasso não completou a frase.
— Têm o formato de gigantescas pirâmides! — concluiu McLane.
Atan soltou uma risadinha nervosa e girava desesperadamente os controles dos seus aparelhos de observação.
— Não é possível! — disse dali a alguns segundos. Contemplou seu companheiro com um olhar que quase chegava a ser de recriminação.
— As naves que estão espalhadas aos milhares deviam provocar um eco metálico que teria sido captado no espaço. Mesmo agora, que nos encontramos a alguns quilômetros delas, só registro algumas linhas nas telas. Lá embaixo existe pouco metal.
— Parece que você tem razão — murmurou Cliff. — Acontece que é uma frota imensa.
O comandante parou perplexo. Procurou ordenar os pensamentos. Na planície havia milhares de naves espaciais, mas estas poderiam ser feitas de qualquer coisa, menos de metal. E uma nave espacial de plástico era uma impossibilidade. O planeta abrigava mais um segredo.
— O que vamos fazer, Hasso? — perguntou Cliff, depois de ter posto as idéias em ordem.
— Vamos dar uma olhada — sugeriu o engenheiro da nave em tom tranqüilo. — Apenas isto.
— Acha que devemos pousar? — perguntou Mario.
— Não — disse Cliff. — Eu e Atan iremos na Lancet. E Helga vai preparar uma mensagem a ser expedida pelo rádio.
Cliff tomou lugar na poltrona do comandante e ligou as máquinas da Orion VIII. A nave guardou a mesma altitude, mas deu um salto de alguns quilômetros, que a deixou atrás das primeiras filas de naves pousadas na planície.
— Olhem só!
Um espanto sincero vibrou na voz do primeiro-oficial, que apontava para a tela central. Compreenderam o que significava. As naves mediam pouco menos de trezentos metros. Tinham o formato de pirâmides de cinco arestas e em todos os lados viam-se as vigias e escotilhas. Gigantescas rampas desciam ao solo. Máquinas enormes estavam paradas entre as naves e pareciam aguardar ordens. Corpos escuros jaziam por todos os lados. Na face oposta ao vento, grandes quantidades de poeira negra se haviam acumulado.
— Nada se move. E não há nenhum intercâmbio pelo rádio.
Parada diante do quadro de comando, Helga contemplava os indicadores e as luzes de advertência. Tudo permaneceu apagado e em silêncio; não se notava o menor movimento. Nenhuma mensagem de rádio estava sendo expedida de Meeraclom.
— É a frota da morte — disse Atan em tom patético.
— É verdade. Nada se move. Mas sei perfeitamente que já vi essa cena. Mas foi num quadro horripilante, cheio de movimento, de luta e de fogo. Vocês também viram — comentou Hasso.
Cliff virou-se e brincou com as chaves; parecia nervoso. Finalmente tomou uma decisão.
— Helga. Ligue o livro de bordo e registre o tempo exato.
Dali a pouco Helga anunciou:
— Setor de rádio chamando comandante. Livro de bordo funcionando.
— Comandante ao livro de bordo. Atan Shubashi e Cliff McLane tentarão descer na Lancet e examinar esse amontoado estranho de naves espaciais. Provavelmente a duração do vôo será superior a duas horas. O planeta e a frota apresentam um aspecto silencioso. Parecem desertos e bastante misteriosos. Fim.
Levantou-se. Durante o movimento ligou o piloto automático e imobilizou a nave. A Orion pairava a mil metros de altura, setecentos metros acima das estranhas naves espaciais.
Cliff dirigiu-se a De Monti.
— Você será meu representante. Preste muita atenção. Manteremos contato audiovisual. Se surgir algum perigo, intervenha imediatamente. Vamos dar uma olhada naquilo. Não acredito nos discursos misteriosos de nosso amigo barbudo.
Pôs o braço sobre o ombro de Atan e caminhou em direção ao elevador. A partir do quadro de comando, Mario ativou o dispositivo de decolagem da nave auxiliar e seguiu-os. Na parte interior da Orion, colocaram os pesados trajes espaciais, verificaram os sistemas e entraram na Lancet.
— Você vai na direção, Cliff? — perguntou Shubashi, enquanto a escotilha interna da comporta se fechava lentamente.
— Vou. Você se encarregará da conversa com a nave.
O objeto quase esférico com as numerosas cúpulas transparentes na parte superior foi descendo em direção à superfície e dirigiu-se a uma das rampas escamoteadas.
A Lancet flutuava que nem uma bolha de aço entre as pirâmides. Aproximou-se cautelosamente do solo. Cliff ügou um dos potentes faróis de aterrissagem. Com uma das mãos girava o feixe de luz. As lentes do sistema de observação seguiram o raio.
— Estão captando bem os nossos quadros? — perguntou Cliff, falando para dentro do microfone do transmissor.
— Estamos recebendo com uma nitidez perfeita, chefe — respondeu Helga.
Contornaram uma das pirâmides. Era uma gigantesca nave espacial, que reluzia num tom prateado. Atrás das superfícies transparentes, reinava a escuridão. Nem mesmo uma simples sombra se movia. Toda vez que a luz arrancava do mar de escuridão vermelhenta, uma parte do solo, os dois homens esperavam um movimento, um ataque de surpresa. Nada acontecia!
— Até parece que são objetos de decoração — murmurou Cliff. — A gente tem a impressão de estar num palco.
Shubashi manteve-se em silêncio. Durante quinze minutos, a Lancet foi seguindo o feixe de luz, tentando desvendar o segredo das naves silenciosas. As tentativas foram inúteis. As fachadas formadas pelas paredes lisas das pirâmides, queimadas ou rasgadas vez por outra sob a ação de armas pesadas, não chegavam ao fim. Ao lado das naves, encontravam-se pesados carros de combate, dotados de compridos projetores e blindagem lateral. O campo defensivo da Lancet quase chegava a tocar as naves paradas; todavia, não descobriram a menor fonte de luz.
— O que acha, Hasso? — perguntou Cliff.
— Se minha interpretação é correta, por aqui pousou uma multidão imensa de desconhecidos, que abandonou as naves e se escondeu em algum lugar. Provavelmente nunca descobriremos por qual motivo.
— São milhares de naves! — objetou Cliff em tom enérgico. — Isso corresponderia no mínimo a cem mil seres. Uma multidão dessas não poderia esconder-se sem mais aquela. Ou será que abandonaram o planeta?
Hasso deu de ombros.
— Com quê?
Dali a alguns segundos, Cliff decidiu aproveitar a última chance.
— Vamos pousar — disse. — E entraremos numa das naves.
Hasso fitou-o com os olhos semicerrados.
— Tenham cuidado, amigos! — pediu.
— Não se preocupe — disse Atan em voz alta.
Cliff levou a Lancet em direção à superfície. Pousou a esfera a quinze metros de um grupo de máquinas. Um dos holofotes apagou-se, enquanto o outro começou a girar.
— Olhe! Ali! — exclamou Shubashi.
Atan passou a mover lentamente o holofote, iluminando uma cena que era tão misteriosa como o resto da planície. Cliff seguiu o feixe de luz. Os carros de combate estavam parcialmente destruídos.
— Viu algum movimento? — perguntou Cliff.
— Não. Mas acredito que os seres que se encontram nos trajes espaciais são criaturas humanas. Ao menos são cadáveres humanos.
Cliff virou-se lentamente, dando as costas para a cúpula de visão. Fitou Atan e as instalações e disse:
— Destrave algumas armas. Leve uma boa quantidade de munição de reserva, alguns faróis portáteis pesados e garanta o caminho da fuga.
Atan soltou uma risada petulante.
— Foi o que pensei neste exato momento — respondeu, pegando o capacete do traje espacial. Dali a um minuto, estavam no interior da pequena comporta, totalmente equipados, e viram a escotilha externa abrir-se. A escada deslizou para fora.
Com as armas destravadas na mão, avançaram lentamente. Os faróis de cinto estavam ligados, enquanto as lanternas manuais permaneciam apagadas. O pó escuro rangia sob as botas. Subitamente Cliff pegou o braço de Atan e apontou para baixo. O holofote que trazia na mão esquerda iluminou-se.
— O que houve? — perguntou Atan apavorado.
Cliff não respondeu. Limitou-se a apontar para o chão. Uma fila dupla de impressões de pés humanos corria verticalmente ao sentido em que se deslocavam. O desenho das botas dos astronautas era inconfundível. Os rastos estavam profundamente impressos no solo. Só a beirada achava-se um pouco desmanchada pelo vento. Concluiu-se que algum ser humano devia ter andado por ali.
— São rastos. Rastos de astronautas. Isso está ficando cada vez mais misterioso.
Prosseguiram, tendo o maior cuidado para não destruir os rastos, se bem que não o conseguissem de todo. Ao redor dos carros de combate havia mais marcas, produzidas pelas solas das botas terranas, além de depressões redondas, em cuja beirada apareciam impressões que poderiam ter sido produzidas por garras.
— São dos inimigos dos terranos — constatou Cliff.
Viram-se no fim de uma rampa comprida, que numa altura de trinta metros desaparecia no flanco de uma nave. Sem o holofote, mal-e-mal se notava que a rampa terminava numa abertura redonda.
— São os inimigos desaparecidos — opinou Shubashi.
Cliff pôs a mão no flanco de um dos veículos pesados. Parecia um blindado voa- I dor. Possuía um canhão e vários projetores. O lado havia sido destruído sob os efeitos de radiadores pesados. Cliff dirigiu a luz sobre o veículo e viu que o metal grosso havia sido cortado. Subitamente estacou. Recuou um passo e estendeu a mão. Pegou o canhão, cujo cano tinha a grossura de um braço humano e pendurou-se. O cano quebrou e rolou com grande ruído. O rosto de Atan atrás do material transparente do capacete mereceria um estudo.
— Ei! — limitou-se a dizer.
Cliff tomou impulso e deu um pontapé na parede do veículo blindado. A bota atravessou o material. Quando retirou a perna a fim de não perder o equilíbrio, a parede do carro de combate abriu-se até o chão.
— É apenas uma fachada! — exclamou Cliff.
Atan levantou a HM-4, puxou o gatilho e disparou. O raio da arma cortou o veículo em duas partes. Até parecia que as paredes eram feitas de papel. Com um ruído feio, captado pelos microfones externos, o veículo desmanchou-se em duas partes e desceu ruidosamente pela rampa. A parte dianteira, cuja frente era mais pesada, capotou e continuou a rolar até bater em outro veículo.
— Isso é feito de plástico bem fininho — disse Atan.
— É este o motivo da ausência de ecos.
— O que está havendo por aí? — perguntou Helga da nave.
— Nada de perigoso. Daqui a pouco voltaremos a chamar. Antes de tudo, precisamos recuperar-nos da surpresa.
Acenderam quatro holofotes e iluminaram o interior da peça de decoração derrubada. Viram finos suportes de aço; mais nada. O pesado carro blindado corria sobre uma estrutura leve dotada de pequenas rodas e de um minimotor ainda menor.
Viram-se alguns fios esfacelados e algumas luminárias.
— Era só o que faltava! — resmungou Atan com uma risada.
— Resta examinar as naves e aquilo que seriam os astronautas mortos — disse Cliff e deu uma olhada na rampa.
A atmosfera agressiva do planeta já havia deixado seus vestígios; a chapa desmanchava-se e partes dela se desprendiam sob a forma de bolhas. Cliff subiu pela rampa e parou abaixo do lugar que seria a comporta. Era redonda e suas extremidades haviam sido danificadas por tiros. Mesmo a uma distância reduzida, qualquer pessoa poderia ser levada a acreditar que era feita de aço maciço. A ilusão era quase perfeita.
Cliff levantou a mão e ligou o pequeno holofote.
— Isto é uma fraude grandiosa, Atan — disse em voz baixa. Ouvia a respiração do astronavegador. — Aqui foi montado um espetáculo gigantesco. Os quadros transmitidos por Roger Uurth foram criados, talvez, aqui. Ainda não sabemos tudo.
Fracamente iluminada por dentro, a Lancet parecia uma ilha de segurança em meio às imitações de gigantes espaciais.
Cliff foi descendo devagar e iluminou o chão à direita e à esquerda da rampa. A gravidade do planeta correspondia a nove décimos da terrana, e a tormenta sacudia McLane. Dez metros adiante, parou e olhou para baixo. Havia alguma coisa no chão.
— Atan — disse em voz baixa. — Faça o favor de vir até aqui.
Cliff caminhou até a beira da rampa, sentiu que esta tremia e balançava com o vento e sob o efeito de seus passos pesados. Parou. Um astronauta terrano jazia sob a luz do holofote manual. Nas costas do traje espacial leve, via-se o sinal dos cruzadores espaciais rápidos comandados por Van Dyke. O traje havia sido destruído pela ação da poeira negra, dos gases e do vento.
— Alguma descoberta importante?
— Acho que sim — respondeu Cliff em tom tranqüilo e desceu num salto os quatro metros que o separavam do corpo retorcido. Aproximou-se da figura imobilizada e ajoelhou-se cautelosamente. Virou-o e ficou surpreso porque o corpo pesava tão pouco.
— Algum astronauta? — perguntou Atan, que se encontrava ao lado de Cliff e olhava para baixo.
Atrás da lâmina transparente do capacete, havia coisas que não tinham nada em comum com um astronauta: alguns cubos prateados, uma porção de fios amarelos e vermelhos, um dispositivo ótico de aspecto bastante complicado e algumas caixinhas com minúsculos relês.
— É um robô — disse Atan, respirando pesadamente.
— Não. É uma marionete — retificou Cliff. — Qualquer robô tem um equipamento mais sofisticado.
Tirou um pesado facão do cano da bota direita, encostou a ponta ao traje especial e abriu-o do pescoço à cintura. A luz iluminou numa confusão de barras, dobradiças, juntas, fios e cápsulas ocultas.
— É apenas um complicado mecanismo móvel, capaz de executar uma porção de atos.
Atan sabia que sua voz estava sendo captada na sala de comando. Parou de falar.
— Milhares de naves. Fachadas, carros de combate, rampas, tudo é feito de plástico fino. E os homens que lutavam contra os monstros não passam de pseudos-robôs de feitio primitivo. Esta área é destinada às fotografias externas. Nesta planície foi produzido um filme-monstro. Já vimos o que havia para ser visto. As conclusões poderão ser tiradas a bordo. Vamos voltar.
O coronel e o astronavegador caminharam em silêncio, lado a lado, pelo pó negro que os fazia afundar até os tornozelos. Vararam a poeira vermelha da superfície do planeta Meeraclom, dirigindo-se à esfera debilmente iluminada da Lancet.
A nave auxiliar decolou e descreveu mais uma curva pelos cenários montados na gigantesca planície. Dali a alguns minutos, chegaram a bordo da nave-disco. Saíram da Lancet e subiram à sala de comando. O resto da tripulação fitou-os com ar curioso.
Cliff espreguiçou-se na poltrona, esticando as pernas num gesto provocador. Com as pontas dos dedos tamborilou nas largas braçadeiras.
— Vimos o terreno em que foi rodada a fita mais terrível de todos os tempos. Chegamos tarde; não pudemos assistir ao encerramento da filmagem. Os cenários já começam a desmanchar-se. Dentro de um ano, o vento terá carregado tudo, sem deixar o menor vestígio.
Hasso Sigbjörnson fitou o amigo.
— Acho que você tem razão, Cliff. Todavia, quero formular uma pergunta. Por quê?
— O filme foi rodado e guardado. Depois disso descobriram um processo que permite irradiá-lo através de Uurth, que exerce o papel de amplificador natural. O resto da história já é conhecido.
— Você acha que alguém rodou neste planeta um filme destinado a despovoar os planetas dos terranos? — perguntou Shubashi.
— É exatamente o que acho.
— Dali se conclui que se trata de uma raça que não quis ou não estava em condições de lutar — disse Helga em tom pensativo. — Foi o que você já disse, Cliff.
— Ultimamente tenho tido alguns pressentimentos esquisitos — reconheceu Cliff. — E eles sempre se realizam; apenas de uma forma que não desejo.
Mario de Monti sacudiu-se.
— Que recurso diabólico! Evacuar um planeta...
Os rostos dos tripulantes estavam sérios. Se o que acontecera com os três milhões de habitantes do planeta Shardeeba fosse apenas um ensaio geral, uma experiência, o centro absoluto da esfera espacial, ou seja, Terra, poderia oferecer o próximo cenário para o espetáculo. E isso tinha que ser impedido.
— Como foi que esses desconhecidos conseguiram projetar as visões fabricadas aqui para dentro do cérebro dos homens? Qual será o verdadeiro papel de Uurth?
Cliff formulou a pergunta, embora soubesse que ninguém saberia dar uma resposta precisa.
— O que vamos fazer? — perguntou Helga em tom indeciso.
Cliff apontou para Mario e para o aparelho em forma de ovo que servia de dispositivo de alimentação da calculadora digital da nave.
— Vamos programar a rota de Terra e voltar. Não temos mais nada a fazer por aqui. Os desconhecidos acreditavam que ninguém se lembraria deste planeta, e tinham certeza de que num tempo muito breve todos os vestígios seriam eliminados pela tempestade e pelos gases corrosivos. Porém, chegamos na última hora para descobrir o "fenômeno".
— Você não tem a impressão de que a partir da sua promoção as missões propostas à nave e à tripulação têm sempre aumentado? — perguntou Mario com um sorriso.
Cliff girou a poltrona e fitou prolongadamente a imagem do estranho planeta. Levou algum tempo para responder.
— Isso não depende de Villa, nem da ausência de Tamara, nem de você ou de mim., Depende das circunstâncias. Parece que a aventura corre atrás de nós.
Helga observou a luz que piscava em seu quadro e murmurou:
— Pelo que observei, a temperatura sempre sabe encontrar-nos. Provavelmente a mensagem radiofônica que vamos receber nos lançará em outra aventura.
Ligou para a recepção e transferiu a mensagem para os alto-falantes da nave. O sistema de comunicação de bordo deu um estalo. Ouviu-se uma voz mecânica:
— Alta velocidade. Urgente. Serviço de Segurança Galático, Jagellovsk chamando Cliff McLane a bordo da Orion VIII. Roger Uurth fugiu durante um teste. Pânico na Base 104. No planeta Shardeeba a situação também é de pânico. Uurth falou numa máquina que pode ser encontrada em sua residência de Oranuc City. Ordem do coronel Villa: McLane deverá localizar a máquina e desligar seu mecanismo. Trata-se de uma ordem alfa do SSG. Fim. Repito. Alta velocidade...
Cliff e Mario olharam-se e irromperam numa gargalhada desesperada.
— Nada de rota para Terra, companheiro — disse Cliff, sacudindo a cabeça numa atitude que quase chegava a ser perplexa. — Introduza na máquina as coordenadas de Shardeeba.
— Central de cálculo ao comandante — disse Mario em tom amargurado. — Entendido.
Ouviu-se um martelar prolongado e intenso sobre os teclados.
Cliff acionou os comandos e acelerou a toda potência. A Orion VIII corria em direção ao seu novo destino. E a velha inquietação cingia os cinco amigos no seu punho implacável. O que estava acontecendo na Base 104? O que encontrariam no planeta de três milhões de habitantes? Entre o sol Unswoth situado no cubo espacial Norte/Dez 979 e o planeta Shardeeba, situado no cubo Sul/Quatro 905, havia quatorze zonas de distanciamento. Isso correspondia a quatorze dias de saltos de transição. O tempo seria de cerca de duas semanas.
— Hasso — disse Cliff, dirigindo-se ao rosto projetado na tela. — Preciso de toda energia que essas malditas máquinas são capazes de gerar. Temos de chegar mais depressa; o mais depressa possível.
Hasso respondeu com um sorriso:
— Faço qualquer coisa por você, chefe. Mas não arriscarei uma explosão da Orion.
O disco prateado com as duas agulhas de arremesso corria vertiginosamente pelo espaço. Deixou para trás o sol vermelho com seu acompanhante solitário e tomou a rota do centro da esfera espacial que media novecentos parsec de diâmetro. Seria um vôo nada agradável...
CLIFF estava sentado na poltrona. Assumira sua posição predileta. Isso significava que, contra todas as normas do regulamento, parecia dormir. Na verdade refletia em silêncio. Piscou os olhos, fitou o relógio e começou a calcular. Faltavam cento e vinte minutos para entrar em ação. A Orion corria pelo hiperespaço, em direção a Shardeeba. Comprimiu sucessivamente os botões que fariam soar as cigarras nos camarotes de três tripulantes. Depois falou com calma ao microfone, que estava diante de seu rosto:
— Comandante chamando "voluntários". Faltam cento e vinte minutos.
— Já vou — disse Atan, resmungando entre dois bocejos.
— Estarei aí dentro de alguns minutos — respondeu Hasso.
— Venham imediatamente! Trouxeram as armas e o equipamento de Tamara Jagellovsk. Cliff montou devagar e com um cuidado exagerado a seringa de injeção, examinou o reservatório pressurizado e notou que serviria ao menos para a aplicação de cinqüenta injeções. Separou os medicamentos e empilhou metodicamente sobre a tela central as cinco caixas de dez ampolas.
— Preciso dos braços de vocês — disse. A seringa chiou quatro vezes.
— Quer que chame Mario? — perguntou Helga. — Bem que poderíamos aproveitar a oportunidade para aborrecê-lo.
— Aguarde um pouco — pediu Cliff. — E não dispense um tratamento tão cruel ao nosso primeiro-oficial. De qualquer maneira, ficará muito sentido por não poder participar da aventura arriscadíssima.
Desta vez haviam concebido um plano todo especial e este seria executado. Afinal, três milhões de colonos, que durante o último mês haviam sido tangidos alternada-mente da mania de perseguição projetada em seu cérebro para a vida normal e vice-versa, esperavam por eles. As naves de apoio de Terra não poderiam fazer muita coisa, pois seus tripulantes não pareciam ser as pessoas adequadas para a operação de busca da máquina que Villa confiara aos homens da Orion. Alguns minutos se passaram.
— Estamos prontos — disse Cliff, olhando para o relógio de pulso que lhe fora dado de presente pelo governo. — A qualquer momento a nave deve retornar ao espaço normal.
Aguardaram em silêncio. Helga foi privada de seu pequeno prazer: Mario acordou sozinho. Apareceu na central de comando, esfregando os olhos e praguejando baixinho. Mal-humorado, disse:
— Ainda estão aqui? Vamos logo! Desçam para Shardeeba.
Sem dizer uma palavra, Hasso apontou para a tela maior. Mario compreendeu que ela não mostrava nada além da escuridão do hiperespaço. Enquanto contemplava o quadro e imaginava como a esfera do planeta surgiria de repente, a Orion voltou para o espaço normal. A tela cobriu-se de estrelas. A luz do sol veio de um dos lados e o planeta completou o quadro.
— Ponto final!
Cliff acionou uma porção de chaves. A Orion fora programada para chegar à cidade de Oranuc. Agindo em conjunto, os instrumentos procuraram e encontraram a rota. O piloto automático conduziu o disco do pólo ao equador, localizou a cidade e aproximou a nave. Depois McLane assumiu a pilotagem manual.
— Espere aqui, Mario — disse. — A frota de apoio entrará em contato com você. Diga-lhes que Villa nos enviou sob a forma de ordem alfa. Quando isso acontecer, já deveremos estar a caminho. Entendido?
— Naturalmente, coronel McLane — disse De Monti mal-humorado e desceu para providenciar a decolagem da Lancet.
Quando voltou, seu cansaço se desvanecera por completo. Cantarolava uma música muito antiga. Segundo acreditava, tratava-se do canto de guerra de um povo terrano que já deixara de existir. A Lancet descreveu círculos fechados sobre a cidade.
Hasso usava luvas finas, mas não envergava o traje espacial. Os homens e Helga preferiram dispensar essa vestimenta, já que dispunham de algo que lhes proporcionava melhor proteção: o medicamento de Tamara. O engenheiro da nave olhava para baixo por uma das cúpulas. A grande cidade, quase redonda, estava banhada pela luz do começo da tarde.
— O que será hoje? A fase maníaca ou a fase depressiva?
Cliff torceu o rosto. Em todos os cantos, os três milhões de habitantes caíam, sentindo-se tomados por uma letargia infinita, ou então procuravam tomar as naves de assalto, tentando se convencerem mutuamente dos perigos vindos do espaço. Naquele momento a cidade parecia um formigueiro no qual alguém tivesse mexido com uma vara.
— Alguma coisa está acontecendo. Correm que nem uns loucos — disse Helga.
Não dispunham de qualquer ponto de referência. Viram que sua tarefa seria difícil. Deviam procurar na grande cidade uma máquina que nem sequer conheciam. Era isso... McLane parecia entrar com uma segurança apavorante nas situações mais arriscadas. Não buscava a aventura. Era esta que o buscava e o encontrava.
— Sugiro que pousemos nessa praça — disse Atan. — Ali há menos gente, e a distância ao centro da cidade não é muito grande. Se perguntarmos a alguém, talvez a resposta seja pouco elucidadora.
— Nesse caso procuraremos entrar em contato com os colonos mais inteligentes — disse Cliff, concentrando-se na pilotagem.
A Lancet planou silenciosamente por cima dos telhados, em direção ao sul. Finalmente desceu na extremidade de uma pequena praça redonda, pousando sobre o concreto especial.
— Vamos à caça. Você manipulará a seringa de injeções, Helga — ordenou Cliff.
Saíram da Lancet e olharam em torno. Desta vez, a corrida às naves não era tão rápida e intensa. A robustez física dos colonos devia estar diminuindo, ou então o efeito das ilusões já não era o mesmo. A única coisa que os quatro astronautas da Orion sentiram foi um princípio de dor de cabeça.
— Ali, aquele homem alto! — disse Cliff apontando para o espaço situado entre duas casas.
Começaram a correr. Dali a um minuto alcançaram o colono alto. Estava muito menos esfarrapado e relaxado do que imaginavam. Cliff e Hasso puxaram para trás os braços do homem, que se sentiu tomado de surpresa. Atan aplicou-lhe uma gravata. No mesmo instante Helga levantou a manga de sua roupa, encostou a seringa e apertou o acionador. Ouviu-se um chiado forte e ligeiro.
O medicamento penetrou-lhe na corrente sangüínea, foi direto ao cérebro e dentro de trinta segundos tranqüilizou as células que se debatiam furiosamente. Os olhos voltaram ao normal. A pressão das mãos dos astronautas tornou-se menos intensa.
— Diabo, o que é isso? — perguntou o homem perplexo.
— É a tripulação da nave espacial Orion — disse Atan, soltando o pescoço do homem. O rosto descontraiu-se de forma quase imperceptível, e seu ânimo de defesa desapareceu.
— O que desejam?
— Uma informação — disse Cliff em tom seco. — Percebe que ficou imune às alucinações?
Por alguns segundos, o homem contemplou a praça e as pessoas que passavam correndo sem dar a menor atenção ao grupo. De repente pareceu lembrar-se de toda a série de eventos. Seu rosto ficou vermelho e passou ao pálido. Sua voz tremia de raiva quando exclamou:
— Essa coisa maldita. Todo mundo enlouqueceu. O que está acontecendo por aqui?
Cliff explicou em três ou quatro frases.
— O que desejam de mim? — perguntou o homem, respirando com dificuldade. — Naturalmente ajudarei no que puder.
— Isso é muito gentil de sua parte — disse Helga Legrelle. — Onde mora Uurth?
— O profeta?
— Isso mesmo. Precisamos fazer uma visita à sua residência — explicou Hasso. — Dizem que lá existe alguma coisa de que precisamos.
O colono soltou uma cuspidela e disse em tom de desprezo:
— Que residência que nada! É um chiqueiro. Vi no videofone, durante uma entrevista. Eu os levo para lá; fica a duzentos metros daqui. Venham comigo.
Girou sobre os calcanhares e saiu andando. Atan e Helga muito mal conseguiram acompanhar-lhe os enormes passos. O personagem estranho atravessou a pracinha, atravessou uma rua e subiu por uma escada que dava para uma área destinada exclusivamente a pedestres. Numa grande plataforma de concreto viam-se as fachadas brancas de edifícios altos e estreitos. No terceiro andar de um dos edifícios, as vidraças estavam quebradas.
— Isso é uma manifestação de estima? — perguntou Cliff em tom sarcástico, apontando para a janela.
— 'Não. É como vive uma mente aberta para o mundo — gritou o colono. — Trouxeram as máscaras contra gases?
— Não, mas em compensação trouxemos uma dose elevada de coragem. Isso também serve de filtro — disse Hasso que correu diretamente para a porta de entrada, atirando-se contra a mesma; a porta estava trancada.
Sigbjörnson puxou a HM-4. Ouviu-se um clique seguido do zumbido da arma energética. Um círculo chamejante cortou o metal em torno do mecanismo da fechadura. Hasso tomou impulso e deu um pontapé na fechadura. Ouviu-se um forte barulho e a porta abriu-se.
— O que estão procurando por aqui? — perguntou o homem que o medicamento acabara de libertar das alucinações.
— O senhor logo verá. Ao menos esperamos que veja — respondeu Hasso.
Subiram pelas rampas que haviam sido colocadas em vez de escadas ou elevadores. As portas estavam abertas. Também neste edifício ocorrera uma fuga precipitada. Só uma das portas, que ficava do lado esquerdo, estava fechada. Hasso abriu-a com um pontapé. Bateu contra a parede. Alguma coisa caiu, fazendo ruído. Entraram de armas em punho.
— Isso é formidável! — exclamou Cliff.
O quarto se assemelhava a uma caverna da era terrena do bronze. Estava vazio. As paredes que já foram brancas estavam cobertas de desenhos confusos traçados por Uurth com lápis de cera. Com muita fantasia, percebia-se que aquilo era uma reprodução dos acontecimentos sob o ângulo de uma mente doentia. Alguns colchões de espuma de plástico esfacelados estavam jogados pelo chão, e em vidros destinados a outras finalidades, viam-se algumas plantas e flores ressequidas. Um sapato estava jogado no centro do quarto e os raios do sol penetravam pela janela quebrada. E esses raios refletiam-se na máquina.
— Deve ser esta — disse Cliff e aproximou-se do objeto.
Em cima de uma velha caixa de plástico que devia ter servido ao transporte de mercadorias terranas, repousava uma esfera de cerca de setenta centímetros de diâmetro. Estava provida de área de apoio retangular e de uma série de antenas, que se estendiam para todos os lados que nem os espinhos de um ouriço-do-mar. Via-se uma fechadura pequena e, ao que parecia, bastante complicada. Estava embutida numa tampa, cujos contornos finíssimos se tornavam perceptíveis à luz do sol.
— O que vamos fazer com isto?
— A ordem que recebemos — disse Cliff, dirigindo-se a Atan — diz que devemos desligar a esfera. Acontece que o coronel Villa não explicou como devemos fazer isso.
Contemplaram a esfera com certa perplexidade. Nela não se via nada que pudesse indicar que estava funcionando. Mas sem dúvida tinha uma ligação com Roger Uurth e com o pânico que se estabelecera pelos arredores.
— Na dúvida, sempre acho preferível desligar qualquer coisa com isto — disse Atan, levantando a arma de radiações.
Cliff sacudiu a cabeça.
— Hasso, será que você consegue abrir a fechadura sem destruir o mecanismo?
— Talvez consiga com as ferramentas que se encontram a bordo da Lancet; com as unhas é impossível — respondeu o engenheiro.
— Faça o favor de correr até lá e pouse a nave à frente deste prédio, Atan — disse Cliff.
O astronavegador guardou a arma e saiu correndo.
Lá de fora, os ruídos produzidos pela multidão entravam pela janela quebrada. No céu que cobria a cidade, nuvens brancas corriam para o oeste. No interior do quarto havia um silêncio deprimente. Shubashi, Legrelle, Cliff McLane e Sigbjörnson cercavam a esfera misteriosa. Hasso aplicou as ferramentas à fechadura.
— Onde está nosso amigo? — perguntou Atan, olhando para trás. — Refiro-me ao homem que despertamos do transe.
Cliff apontou para fora.
— Entregamos-lhe a injeção e os medicamentos de que ainda dispúnhamos. Pedimos-lhe que fosse à sala de controle do espaçoporto e medicasse quem encontrasse por lá, enquanto a provisão de medicamentos o permitisse. Vamos desligar isto e dar o fora.
O uivo estridente da broca de alta rotação interrompeu suas palavras. Hasso destruiu o mecanismo de lingüeta da complicada fechadura. Descansou a broca.
— Você sabe o que vem a ser esta esfera? — perguntou Helga.
Cliff deu de ombros e disse em tom tranqüilo:
— A meu ver esta máquina cumpre uma finalidade dupla. Capta as transmissões de uma emissora oculta e desconhecida e as retransmite a Uurth. Ao mesmo tempo reforça os impulsos do médium. É o que estamos vendo. O pânico que acontece lá fora constitui conseqüência do funcionamento desta máquina. Neste processo, a distância não exerce a menor influência. Acredito que, se com o auxílio de Hasso conseguirmos modificar a posição de certa chave, interromperemos todo o fluxo de informações.
— Aguardem mais alguns segundos — disse Hasso.
Sentou à frente da esfera, prolongou o cabo de uma ferramenta em forma de chave e comprimiu-a para dentro do furo aberto pela broca. Começou a girar. A fechadura soltou-se. Uma tampa arredondada abriu-se. Uma luz azul intensa e ofuscante saiu da abertura.
— Isto está liquidado — disse o engenheiro da nave em tom satisfeito.
Cliff olhou para dentro da abertura. Viu uma superfície luminosa, sobre a qual havia uma série de chaves. Sinais desconhecidos haviam sido gravados na superfície. Todas as chaves apontavam para a esquerda.
— Meus amigos — disse Cliff em tom sério. — Não vamos assumir nenhum risco. Saiam do prédio e esperem por mim no interior da Lancet. Se isto explodir, ao menos vocês sobreviverão. Neste caso, transmitam minhas lembranças à governanta.
Os tripulantes compreenderam e retiraram-se em silêncio, sem olhar para os desenhos confusos e os vestígios da fogueira que Roger fizera no centro do quarto. Cliff seguiu-os com os olhos. Voltou a inclinar-se sobre a esfera crivada de antenas.
— Coragem! — resmungou.
Sua mão avançou hesitante. Não percebeu que os pingos de suor porejavam em sua testa. Pensou:
"É esquisito! Seja quem for a pessoa que planejou o gigantesco atentado contra Terra e seus planetas coloniais é um estranho. Pertence a uma raça vinda dos confins da Via Láctea, e teme o confronto aberto. Produziram um imenso filme de invasão, transmitiram as impressões a um prisioneiro e, por meio de uso de drogas aliado a um treinamento específico, transformaram-no num perfeito médium. Talvez pretendam evitar a descoberta por meio de uma chave que destrua o aparelho. Talvez..."
Cliff moveu a primeira das oito chaves. Nada. A segunda, a terceira, a quarta. Ainda nada. Olhou ligeiramente pela janela e pisou num caco de vidro que produziu um ruído desagradável. Os homens que corriam pela rua passaram a andar mais devagar. Alguns pararam e pareciam esperar alguma coisa. A quinta chave. Clique. A sexta... a sétima... Cliff piscou os olhos. O suor salgado penetrara em sua vista. Passou a mão pela testa, enxugou-a na calça e num gesto resoluto mudou a posição da última chave. No mesmo instante, a luz azul apagou-se. Pôs as mãos nos quadris e contemplou o objeto espinhento numa distância de três metros. Era frio e funcional como todos os produtos da tecnologia mais avançada. E agora já parecia inofensivo. Lembrou-se dos deveres do comandante de nave espacial que se encontra em patrulha espacial. Respirou profundamente e ativou o rádio de pulso.
— Aqui fala Cliff McLane. Já podem parar de tremer.
— Que bom! — gritaram Atan e Helga. O pequeno alto-falante foi sobrecarregado e começou a estalar e uivar.
— Olhem os colonos — disse Cliff.
Não esperou a resposta. Pegou a esfera e procurou levantá-la. Pesava cerca de trinta quilos. Suando, carregou-a até a Lancet, onde Hasso e Atan o aliviaram do peso.
— Mais uma vez libertamos um planeta-— disse Helga, apontando para fora. Os colonos reuniam-se em pequenos grupos e discutiam. Já não corriam em direção ao espaçoporto.
— Bem. Agora nosso destino é a Base 104 no Golfo de Carpentaria — disse Cliff. — Vamos para a Orion, Atan.
— Às ordens, comandante — respondeu o astronavegador.
Chegaram à nave espacial. Mario de Monti introduziu-os pela comporta. Uma vez dentro da Orion, saíram da esfera auxiliar.
Minutos depois, programaram as coordenadas de Terra, e o disco acelerou. Deixaram para trás o planeta Shardeeba e três milhões de colonos livres do pânico.
— O que devemos esperar, além de uma pequena licença em Terra com toda sua beleza, coronel McLane? — perguntou Mario muito bem-humorado.
Cliff sorriu' e fez alguns gestos que indicavam cabelos encaracolados e uma barba longa.
— O problema Roger Uurth. Mario assustou-se.
— Por um instante pensei que nossos problemas tivessem chegado ao fim — disse cabisbaixo. — Pelo que vejo, você pensa com mais profundidade que eu.
— Nem sempre é assim. Apenas, meu pessimismo é maior que o seu — retificou Cliff em voz baixa.
A Orion VIII penetrou no espaço linear.
Austrália, Terra. Golfo de Carpentaria. A dois mil metros de profundidade, à direita e embaixo de Groote Eylandt, um público seleto estava reunido: Wamsler, Villa e Spring-Brauner, Sir Arthur, Lydia van Dyke, o Ministro para Assuntos Extraterranos, Cliff McLane e Tamara Jagellovsk, o professor Sherkoff e Roger Uurth. O marechal do espaço Woodrow Winston Wamsler, que servia de anfitrião, abriu os debates.
— Aos poucos — disse em tom ressentido — vem surgindo a impressão de que, se não fosse o coronel Cliff Allistair McLane, Terra já teria deixado de existir. Evidentemente essa impressão é falsa. Não sou eu que pretendo contestar os méritos de McLane, mas é claro que outra pessoa teria conseguido a mesma coisa. É a aventura que procura McLane, não o inverso.
Cliff fez um gesto de concordância e exibiu um sorriso insolente.
— Sem dúvida — disse em voz alta. — Ninguém é insubstituível. E geralmente a pessoa é substituída por outra melhor. Quando pretende aposentar-se, marechal?
Risos generalizados. A alegria do coronel Villa era incalculável. Apreciava ditos desta espécie.
— O que está em discussão não é tanto a pessoa de McLane, mas antes a constelação de acontecimentos que gira em torno de Shardeeba — disse o chefe do serviço secreto. — Quer dizer que o senhor aprova o procedimento adotado por McLane?
Wamsler fez um gesto afirmativo.
— Naturalmente. McLane é o melhor elemento de que dispomos — disse com certa ênfase.
— Obrigado — respondeu Cliff em tom comedido. Estava cansado e sentia fome. Fazia votos de que decidissem quanto antes o que seria feito dali em diante.
— Já temos o receptor ou amplificador
— prosseguiu Sir Arthur. — E estamos informados sobre as filmagens misteriosas realizadas em Meeraclom. Roger Uurth, o médium, encontra-se em nosso poder. Mas ainda não descobrimos a ligação que existe entre essas coisas. E, o que é mais importante...
Lydia van Dyke interrompeu-o.
— Ainda não conhecemos a origem do perigo e ignoramos quem são os desconhecidos que o provocaram.
— É uma observação muito perspicaz — disse Wamsler. — É por isso que estamos reunidos. Peço ao professor Sherkoff que relate o que conseguiu descobrir no curso de suas pesquisas.
— Para resumir — disse este, falando devagar — descobrimos o seguinte: Roger Uurth é um instrumento. Praticamente não possui vontade própria, e em tudo que faz segue o estímulo dos desconhecidos. Mas não conhece as pessoas que o dominam. Apenas age. As visões que consegue irradiar com tamanho realismo lhe foram transmitidas por esse aparelho.
Sherkoff apontou para a esfera que descansava diante do círculo vazio do gigantesco videofone.
— As influências hipnóticas provêm dos desconhecidos. São exercidas daqui para Shardeeba, motivo por que a designação telenose encontra toda justificativa. Uurth as transforma em impulsos. Faz com que o pavor nos seja transmitido de forma facilmente perceptível. Repito: Roger Uurth não tem vontade própria e é uma criatura inofensiva... enquanto os desconhecidos não agem sobre ele. Agora, está mergulhado na semi-inconsciência, mas posso despertá-lo a qualquer momento. Isso não deve representar risco, uma vez que o amplificador foi desligado.
O Ministro para Assuntos Extraterranos agradeceu em palavras ligeiras e levantou-se.
— As condições em Shardeeba voltaram ao normal. A frota de apoio recebeu reforços. As naves mercantes terão de aguardar um pouco. O prejuízo originado pela queda de produção atinge vários milhões, mas o dinheiro perdido é o que menos nos importa. Sugiro que o conselho espacial, o estado-maior ou outra instituição fixe uma recompensa para McLane e sua tripulação.
— Será que existe a possibilidade de descobrir de onde vêm os desconhecidos? — indagou Lydia van Dyke em voz alta.
— Não — disse Villa. — Não chegamos a ver uma única nave.
— Talvez a possibilidade exista — interveio Sherkoff. — Agora, que o amplifica-dor está desligado, poderemos interrogar Roger Uurth. O que acham, cavalheiros?
Tamara dirigiu-se a Cliff, que estava sentado a seu lado, e cochichou:
— É uma atitude tipicamente acadêmica. Não dirige a pergunta às mulheres.
Cliff sacudiu os ombros como quem não se interessava pela conversa.
— Em princípio concordo — respondeu Sir Arthur.
— Existe alguma garantia de que não volte a irromper um pânico geral que nos faça consumir quatro dias para pegar Roger e tranqüilizar a base? Esta história já levantou mais poeira que um tufão — observou Wamsler.
— Não posso garantir coisa alguma — disse Sherkoff com a superioridade infinita de cientista. — Acontece que este homem não pode ser mantido em estado de semi-inconsciência pelo resto da vida. Em qualquer lugar em que desperte, espalhará em torno de si um campo de ilusões, enquanto os desconhecidos o mantiverem sob sua influência. Vamos interrogá-lo. Talvez os desconhecidos se tenham retirado, já que o amplificador se encontra em nosso poder e todos os detalhes chegaram ao nosso conhecimento, inclusive as filmagens realizadas em Meeraclom.
— Desperte Roger Uurth! — ordenou Wamsler.
Sherkoff lançou um olhar de súplica para que McLane e Tamara se retirassem. Cliff fez um sinal imperceptível. Tamara e ele haviam sido imunizados com o medicamento específico.
— Muito bem. A responsabilidade será de vocês — disse o professor.
Sherkoff levantou-se em meio ao silêncio tenso e caminhou em direção à cadeira especial na qual Roger Uurth parecia dormir. O médium recuperara-se bem sob os cuidados concentrados do cientista. Já não transmitia a impressão de desleixo geral. Sherkoff moveu uma chave. A corrente paralisante, que subjugava a consciência de Uurth, foi interrompida. Uurth foi abrindo os olhos, lançou-os em torno e começou a discussão à sua maneira.
— Onde estou? — perguntou.
— Está entre amigos — respondeu Sherkoff. — Como vai?
Uurth acenou a cabeça. Só os braços estavam presos à cadeira.
— Vou bem. A pressão aqui em cima — procurou mover a mão esquerda — diminuiu. Já enxergo melhor.
— Isso acontece porque o senhor já não está submetido à influência do amplificador — disse Sherkoff, olhando rapidamente em volta. Ninguém apresentava qualquer sinal de telenótica.
— O senhor está em comunicação com as pessoas que o dominam? — perguntou Sherkoff.
— Existe um contato fraco — respondeu Uurth.
— Procure transmitir-lhes a notícia de que o planeta foi definitivamente libertado, pois a máquina que se encontrava em seu quarto em Oranuc City está em nosso poder e que desejamos saber de onde vêm esses desconhecidos.
Roger fitou-o por bastante tempo.
— Não sei a quem devo dirigir-me — disse em tom queixoso.
Sherkoff manteve-se inflexível.
— Basta pensar. Não é necessário que conheça as pessoas que o dominam. Qualquer ligação, por mais tênue que seja, será suficiente.
Roger fechou os olhos. Depois de algum tempo, empertigou-se. Seus músculos tornaram-se tensos. Começou a emitir. A intensidade das ilusões era arrasadora. Mesmo McLane e Tamara chegaram a senti-las. As outras pessoas que se encontravam presentes saíram das poltronas, caíram sobre a mesa e começaram a choramingar. Encontravam-se sob a influência de uma projeção intensa e muito bem orientada. Desta vez, era totalmente diferente.
Os quadros foram os seguintes: a esfera espacial. Um ponto luminoso no centro. Terra. No quarto setor do sul, outro ponto: Shardeeba. Partindo de Terra em direção à extremidade leste da esfera, uma Unha estreita começa a espalhar-se e rompe a última escala de distâncias. Avança pelo espaço que nem uma flecha e perde-se no infinito. O quadro muda. Uma nave espacial surge diante dos bastidores. Não, não são bastidores, é a esfera terrestre. A nave tem o aspecto de uma pirâmide de cinco faces. Os bocais de jato que expelem chamas enormes cobrem a base da pirâmide. Essa nave paira sobre Terra, acelera e segue a linha tênue que se afasta da esfera espacial.
Depois de algum tempo subsiste uma única impressão: a gigantesca nave foge numa velocidade que infunde medo. As estrelas passam por ela, mudam de cor, tornam-se brancas e azuis, passam para o vermelho e desaparecem por completo.
Uma escuridão silenciosa.
Os seres humanos continuavam sob a influência da ilusão. Wamsler levantou-se, contornou a mesa e parou ao lado de Sherkoff. Cliff viu tudo através de uma névoa. Wamsler levanta calmamente a mão, golpeia e atinge o psicodinâmico. Este voa para longe da chave que controla a cadeira. Wamsler baixa a mão e move a chave. As algemas abrem-se lentamente.
Cliff ainda não está em condições de esboçar qualquer reação. Contempla a cena com a indiferença de uma pessoa alheia a tudo. Percebe que passou a ser uma das marionetes que se encontravam naquela sala. Roger Uurth levanta. Continua com os olhos fechados. Wamsler está de pé a seu lado, com o rosto inexpressivo. Cliff esforçou-se para identificar com a realidade os acontecimentos que se desenvolvem em seu redor, mas mal consegue mover-se.
— Uurth! — exclama. Ninguém o ouve. Uurth move-se como um robô. Atravessa a metade da sala. Pára junto de Lydia van Dyke, que está caída e, com um movimento desengonçado, tira a arma que traz no bolso. É a arma esguia dos astronautas, a HM4. Vira-se e, com o polegar, destrava-a.
Os participantes da reunião parecem paralisados.
Roger Uurth abre os olhos e fita o rosto de Cliff McLane. Raciocinando por assim dizer numa linha dupla. Cliff percebe que sua vida estava em perigo. Os donos da marionete, postos em fuga, identificaram-no como o inimigo número um e querem vingar-se...
Neste instante, ouve-se o primeiro disparo. Um raio fino sai da HM4 e atinge a parede atrás de Cliff. O revestimento começa a crepitar. Agora, que o medo de morrer se contrapõe à ilusão, o comandante entra em ação.
— Tamara! — berra Cliff. De repente, consegue mover-se.
O instinto de autoconservação era mais forte que o medo. Derruba a poltrona de Tamara, fazendo com que o encosto aponte na direção de Roger. Dá um salto lateral e procura abrigar-se. O raio atinge o revestimento do piso. Cliff rola para o lado, desaparece embaixo da mesa e volta a aparecer atrás de Uurth. Este vira-se rápido demais. O movimento é executado sem a necessária precisão, e outro tiro deixa de atingir o alvo. O coronel faz pontaria. Os olhos de Roger Uurth fitam diretamente o cano finíssimo da arma. Para todos os efeitos, Uurth poderia ser considerado morto: bastaria que Cliff puxasse o gatilho. Cliff espera, hesita...
Apesar do perigo recua diante da perspectiva de abater um homem indefeso. Afinal, Roger não é uma criatura estranha, não pertence à classe dos extraterranos. É um ser humano. A hesitação de McLane, que não quer matar Uurth, dura demais. Através dos olhos de seu instrumento humano os desconhecidos percebem que o jogo está irremediavelmente perdido. Resolvem desistir. Uurth arregala os olhos, abre a mão e deixa cair a arma de radiações. Depois abre a boca e grita. É o grito de um homem que sente a angústia da morte. E este grito desperta os participantes da reunião do torpor em que estão caídos. Vêem Uurth cambalear, correr em direção à barreira de fluxos luminosos, girar o corpo e tropeçar. Grita de novo e cai ao chão.
De repente uma movimentação excitada surgiu em torno de Cliff. As ilusões chegaram definitivamente ao fim, uma vez que o ilusionista foi assassinado. Os olhos do coronel Villa caminharam de Cliff McLane para Uurth e vice-versa.
As palavras que proferiu demonstravam que Villa recuperara o gozo das faculdades mentais.
— Cliff McLane — disse, estendendo a mão. — O senhor acaba de matar Uurth. Entregue a arma e considere-se preso.
Pálido como cera, Cliff guardou a arma e sacudiu a cabeça.
Sherkoff esfregou o queixo e caminhou em direção a Uurth, virou o corpo, examinou-o em silêncio e segurou o pulso. O cientista parecia abalado.
— Este homem está morto.
— Foi McLane que o matou a tiro — disse Spring-Brauner.
Sherkoff levantou-se e mediu Michael Spring-Brauner com um olhar que quase chegava a ser cínico.
— Não seja ridículo — disse em tom tranqüilo e decidido. — Roger Uurth não apresenta o menor vestígio de ferimento produzido por tiro de radiações. Ao fugirem, os desconhecidos o eliminaram à sua maneira, uma maneira que só poderá ser verificada por meio da autópsia, a última testemunha que poderia depor contra eles, isso depois de descobrirem que não poderiam exercer sua vingança contra McLane. O que acabo de dizer também vale para o senhor, coronel Villa.
Villa baixou a cabeça e olhou para Cliff.
— Desculpe — disse com um sorriso tímido.
Cliff não respondeu. Enlaçou os ombros de Tamara e retirou-se da pequena sala. Atrás do par, a barreira de fluxos luminosos voltou a brilhar.
Após desvendar o mistério das alucinações coletivas, McLane — coronel Cliff, comandante da Orion — tem outra missão a cumprir. Em Corrida com a Morte, novas emoções vão acontecer.
Hans Kneifel
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