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O PODER NAS FLORES / James J. Cudney
O PODER NAS FLORES / James J. Cudney

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Um cartão-postal com uma imagem de uma folhagem luxuriosa e de uma carruagem antiga coberta de ferrugem zombava de mim no banco do passageiro da minha SUV. Eu quase saí da estrada duas vezes no caminho até o campus, pois não conseguia tirar os olhos daquela visão persistente e do forte lembrete de Mendoza. Tinha que ter sido enviado pela Francesca. Ninguém mais sabia sobre a remota vinícola que nós havíamos visitado durante a nossa lua-de-mel anos atrás. Eu sacudi o meu punho fechado para a visão assustadora dela desaparecendo no espelho retrovisor. Será que ela tinha que me seguir para todos os lugares agora?
Era a sétima mensagem da Francesca desde que ela foi embora da cidade e não informou a ninguém que não iria retornar para Los Angeles. Uma semana de uma tortura misteriosa onde ela destacava seu paradeiro, mas sem deixar nenhuma forma de contato. No começo, pensei que ela havia aceitado a minha decisão de continuar na Pensilvânia e que ela iria esperar até que seus pais, os chefes da máfia da família Castigliano, descobrissem uma maneira de trazê-la de volta à vida. Deixe-me esclarecer isso, ela não estava verdadeiramente morta, mas todos pensam que sim. Depois de se envolverem em uma guerra cruel com os Los Vargas, uma família rival, os pais da Francesca haviam fingido a morte dela como a única maneira de mantê-la segura. Ninguém, além dos pais da Francesca e da minha irmã, sabia que ela estava viva.
Minha esposa apenas precisava de espaço para se ajustar às mudanças. Durante dois anos e meio, ela havia ficado escondida em uma mansão de Los Angeles, observando à distância enquanto eu criava sozinho a nossa filha, hoje com sete anos. Emma ficava com sua nona por algumas noites durante a semana, o que fazia com que Francesca sentisse que sua filha não estava longe demais, mas ela não podia realmente conversar com Emma. Assim que me mudei de volta para a casa de meus pais, Francesca perdeu a possibilidade de ver Emma e saiu de sua reclusão esperando que nós nos reconciliássemos. Baseado na evidência dos cartões-postais, ela estava visitando todos os lugares que nós havíamos viajado juntos. Talvez ela precisasse se sentir perto de mim, já que eu havia recusado participar de qualquer tipo de jogo no qual a família dela estivesse envolvida com a Los Vargas. Infelizmente, agora que os Castiglianos me culpavam pelo desaparecimento inexplicável da Francesca, eu previa que seus capangas iriam ficar me espionando em cada canto e me seguindo para todo lugar. Bem dramático, não é mesmo?

 


 


Eu dirigi ao longo da rua principal de Braxton, cortando através da nossa cidade charmosa e remota, e estacionei perto da estação do teleférico no Campus Sul, perto do Campo Cambridge, um grande espaço aberto com vários canteiros de flores, grama cheia e caminhos de pedra cobertos por limo. Era sábado, o que significava dia de graduação na Faculdade Braxton (e também a minha primeira como professor na instituição renomada). Apesar de eu estar de volta à cidade há apenas alguns meses, parecia que eu nunca havia ido embora, já que a minha mãe, Violet Ayrwick ainda era a diretora de admissões, e meu pai, Wesley Ayrwick, havia acabado de se aposentar da presidência. Ele iria co-liderar a cerimônia com a nova presidente para completar suas responsabilidades, assim poderia então se concentrar na conversão da faculdade em uma universidade.

Apesar de eu ter estado apreensivo sobre lecionar, fiquei animado pela oportunidade de me reconectar com minha família e amigos que eu mal tinha visitado desde que fui embora da cidade há uma década. Quando meu celular vibrou, eu apertei um botão no volante para que a mensagem fosse mostrada na tela da SUV. A dona anterior, uma amiga da família que havia sido assassinada mais cedo nesse ano, havia adicionado todos os botões e notificações, fazendo com que fosse fácil usar o celular sem as mãos. Será que eu era a única pessoa que ficava um pouco desconfortável dirigindo o carro de uma mulher morta?


Nana D: Você ainda vai passar por aqui depois da graduação? Eu tenho bolinhos e uma quiche de brócolis e queijo Gouda para um almoço tardio... e eu estou ficando nervosa sobre a disputa eleitoral.


Minha avó, conhecida por todos como Seraphina Danby, havia terminado o terceiro e último debate na sua busca para se tornar a próxima prefeita do Condado de Wharton, a grande área geográfica que incluía Braxton e outras três vilas no centro-norte da Pensilvânia. Ela estava par a par com o Vereador Marcus Stanton, seu temido inimigo por motivos que ela se recusava a compartilhar com qualquer outra pessoa. Eu secretamente suspeitava que ela estava brava com ele por causa de algum encontro romântico ruim, ou da inabilidade dele para flertar com ela depois que meu avô nos deixou para a grande vida no céu após a morte.


Eu: Você vai ser a nova prefeita. Estou confiante. Foque nos números. Emma está bem?

Nana D: Sim. Ela está no estábulo conversando com o cuidador de cavalos sobre como encontrar um filhotinho.

Eu: Eu nunca me comprometi com isso! Foi você quem disse que ela poderia ter um se nós nos mudássemos para o Rancho Danby. Não eu.


Quando cheguei na cidade, eu fui morar com meus pais na Cabana Real-Chic, uma cabana de madeira, enorme e modernizada, que eles haviam construído antes de eu nascer, há trinta e dois anos. Quando ficou claro que eu precisava do meu próprio espaço, Nana D sabiamente sugeriu que nós nos mudássemos para a casa de hóspedes na fazenda dela, para que eu e Emma pudéssemos ter um pouco de privacidade. Nós concordamos em tentar isso durante o verão, mas se não funcionasse, eu iria procurar logo um novo lugar.


Nana D: Emma ama esse lugar. Ela me mantém longe de problemas. Você e a sua mãe deveriam estar agradecidos.


Ela estava certa. Sem um acompanhante ou uma supervisão extensa, a Nana D por vezes se encontrava perto demais de desastres. Eu estacionei o carro e disse à minha cruz que eu carregava de setenta e quatro anos (e digo isso da maneira mais carinhosa possível) para que esperasse a minha chegada às duas da tarde. A cerimônia de graduação iria demorar mais tempo, mas eu iria apenas fazer uma pequena apresentação para declarar o vencedor do concurso para redecorar o teleférico.

Entre os Campus, Norte e Sul, havia um trilho elétrico, com cerca de um quilômetro e meio de distância, para transportar os alunos e membros da faculdade até os dormitórios, salões acadêmicos, prédios administrativos e outros prédios estudantis. O teleférico de estilo antigo era o único do tipo na região, e por muitas vezes atraía visitantes (e uma renda extra bem necessária) vindos de todo o país. Os alunos veteranos de Braxton votavam, a cada ano, para escolher o novo design do interior como um presente de despedida para a faculdade. O vencedor desse ano era uma surpresa, o que deixaria a minha amiga e colega, Reitora Fern Terry, bem aliviada. No momento, ela estava preocupada que a proposta de design para um mundo distópico e alienígena fosse estragar o interior do vagão do sistema de transporte que ela usava todos os dias. Isso não iria acontecer sob a minha supervisão. Eu conferi o horário, dei uma última olhada para o ameaçador cartão-postal, e caminhei pelo Campo Cambridge.

Enquanto me aproximava do último caminho de pedra, ouvi meu nome sendo chamado à distância. Eu me virei para ver Ed Mulligan conversando com um homem careca desconhecido, com cerca de quarenta e poucos anos. O Reitor Mulligan, chefe de todos os acadêmicos de Braxton, estava vestido com um impecável terno de três peças (sua abordagem erudita normal de se vestir) e corria rapidamente na minha direção como se estivesse desesperado para chegar à linha de vitória.

– Kellan, eu gostaria de lhe apresentar o George Braun, um professor visitante que chegou na cidade há algumas semanas para lecionar um curso de verão. – o Reitor Mulligan disse. Quando a luz do sol bateu no rosto de George, destacou a textura enrugada e coriácea de sua pele. Talvez ele estivesse sofrendo os efeitos de uma queimadura recente, ou lutava contra um caso de rosácea.

– É um prazer conhecê-lo, Kellan. O Reitor Mulligan me disse que você se juntou à Braxton recentemente e pode dar algumas dicas para um recém-chegado sobre como sobreviver nesse campus excêntrico. – George respondeu com um sotaque incomum. Embora eu fosse adepto de captar enunciados comuns, o dele era uma mistura de inflexões desequilibradas demais para ter certeza de sua origem. Havia indícios de um tom áspero do centro-oeste com vogais prolongadas, mas senti um estilo europeu culto ao final de cada uma de suas palavras.

Quando o Reitor Mulligan assentiu para confirmar a fala do George, sua mandíbula balançou como a barriga do Papai Noel.

– Eu não consigo pensar em ninguém mais qualificado. – ele completou com uma piscadela exagerada.

– Certamente, fico feliz em bancar o guia turístico. Eu estou atrasado no momento, ou então adoraria ficar e conversar. Eu tenho deveres na cerimônia de graduação dessa manhã. – depois de apertar a mão de George, eu percebi que ele estava com um par de luvas finas de couro apesar de a temperatura quente fazê-las desnecessárias. Germofóbico?

Eu queria perguntar em qual área ele estaria trabalhando, já que a minha chefa, a indomável Dr. Myriam Castle, Chefe do Departamento de Comunicações, havia contratado mais um professor após o re-design do currículo e expansão. Isso deveria ser parte do meu trabalho na faculdade, mas ela havia rapidamente feito um pedido para orçamento adicional para contratar alguém, ao invés de me incluir na sua visão futura. Agora que meu pai não era mais o presidente, e sim a esposa da Myriam, Ursula Power, era quem estava no poder, as coisas estavam mudando.

– Talvez nós possamos tomar café-da-manhã juntos na segunda-feira? Eu tenho que estar no Campus às dez horas para me encontrar com a Dra. Anita Singh e conversar sobre o curso. – George explicou. Um grande casaco esportivo cobria seus ombros largos e fazia uma tentativa de afinar seu físico atarracado. Já que ele era vários centímetros mais alto e largo do que eu, isso não parecia ajudar muito.

– Isso me parece um plano. Vamos nos encontrar às oito e meia na Lanchonete Pick-Me-Up? – eu propus, sabendo que isso iria me providenciar uma desculpa para julgar as últimas renovações do lugar.

O Reitor Mulligan provocou:

– Ah, George, você vai logo aprender que a família Ayrwick tem um longo relacionamento dentro e fora de Braxton. Eleanor, a irmã do Kellan, é a dona da lanchonete, um restaurante preferido pela maioria dos empregados ou frequentadores da nossa bela instituição.

Enquanto o Reitor Mulligan dava as coordenadas para George, eu percebi uma expressão de confusão no rosto do professor visitante. Ele murmurou alguma coisa ininteligível antes de seu olhar se estreitar e destacar as duas sobrancelhas loiras e finas.

– Desculpe? – eu perguntei.

– Você disse, Ayrwick? – ele disse, inclinando sua cabeça para o lado e focando na paisagem rural atrás de mim. Ele não olhava em meu rosto sem desviar o olhar imediatamente após. Será que ele estava desconfortável por causa de seu problema de pele ou da sua maneira engraçada de falar? Eu esperava não ter ofendido o homem com meus olhares ou estado de confusão.

– Sim, o Reitor Mulligan está correto. Minha família tem vivido no Condado de Wharton há quase três séculos. Eu estou ansioso para lhe encontrar novamente na segunda-feira. – eu respondi, pedindo licença e partindo em direção à área dos bastidores para encontrar a Reitora Fern Terry. Já que ela era responsável pela formatura como Reitora dos Assuntos Estudantis, Fern poderia me dizer quando eu seria necessário na cerimônia.

George Braun não apenas parecia estar familiarizado com o nome Ayrwick, mas eu tenho certeza de que havia preocupação ou alarme estampado em seu rosto. Depois de uma conversa rápida com a Fern, encontrei um lugar no lado leste do palco enquanto a cerimônia começava. Eu poderia ficar ali até que fosse hora de declarar o vencedor do concurso. Apesar de eu conhecer alguns estudantes da turma que estava se formando, eu não havia estado tempo suficiente na instituição para anunciar os nomes dos graduandos e nem para fazer algum discurso inspiratório de despedida.

Fern iniciou a cerimônia falando sobre a história da instituição e destacando as conquistas da turma graduanda. Ela apresentou Ursula, que tomou seu lugar no palco para parabenizar os estudantes, então se virou para meu pai, para a última oportunidade dele de se despedir dos futuros egressos. Enquanto ele falava, Ursula navegou pelos degraus do palco como se eles fossem uma passarela e seguiu em direção ao fundos da área da plateia.

Assim que meu pai terminou de falar grosseiramente algo em latin, Fern comandou o palco e anunciou o meu nome. Eu caminhei até o centro e fiquei atrás do átrio olhando para um mar de pessoas desconhecidas. Com mais de duzentos graduandos, a plateia tinha cerca de mil convidados, incluindo suas famílias e quase todos os funcionários administrativos e docentes. Eu falei sobre o processo de nominação e votação dos diferentes designs do carro do teleférico, então expliquei como a disputa foi terrivelmente acirrada. Apenas duas pessoas conheciam o vencedor. Ursula e eu concordamos em fazermos uma surpresa para a Fern com os resultados, já que ela ficaria muito desapontada se o tema do apocalipse vencesse. Ela tentou me comprar com um bolo caseiro de creme de coco durante a Páscoa, mas eu me mantive firme. Se os doces eram a minha fraqueza, manter segredos guardados era a minha força.

– É com imenso prazer que eu vou revelar o vencedor de hoje. – eu disse, apontando e apertando um botão do pequeno controle remoto em direção à tela digital. – Tenho sido um grande fã desses dois personagens aclamados desde que eu era um menino pequeno, e eu mesmo já me encontrei envolvido na solução de mistérios. – uma série de conversas entre os famosos detetives da Agatha Christie, Miss Marple e Hercule Poirot, se materializaram na grande tela atrás de mim. Várias citações e imagens de livros, filmes e shows iriam aparecer dentro do carro do teleférico para compartilhar as diferentes interpretações dos personagens.

– Isso é porque você foi a nossa inspiração ao ter solucionado aquelas duas investigações de assassinato. – Jordan Ballantine gritou, seguido por vários gritos de animação. – Nós queríamos honrar o seu serviço para o campus! – Jordan era um dos graduandos que estava deixando Braxton para cursar um programa de MBA em Nova Orleãs.

Em meus três meses em Braxton, eu havia solucionado alguns assassinatos e era considerado um herói do campus. Olhei para Fern, a tia de Jordan, e sorri com humildade. O nosso relacionamento vinha de um longo caminho, desde quando ela me dava sermões disciplinares quando eu era presidente da minha fraternidade implorando por perdão depois de várias atividades maliciosas. Fern sorriu de volta para mim e ergueu suas mãos para o ar como se dissesse “holla” como os outros estudantes. De alguma forma, a imagem dessa mulher de sessenta anos, com a constituição física de um quarterback e cabelo curto, fazendo tal movimento era mais assustadora do que qualquer outra coisa.

Enquanto eu agradecia a todos pelos votos, percebi que um dos graduandos, Sam Taft, estava conversando com meu irmão, Gabriel. Eu havia pegado os dois em um abraço caloroso no último março, logo após alguém ter matado a Gwendolyn Paddington para assegurar a herança da fortuna da família. Eu havia ficado chocado em ver o meu irmão depois de oito anos, mas ainda mais chocado por saber que ele poderia ser gay. Se você tivesse visto aquele beijo, não haveria nenhuma questão sobre o fato de ele poderia ser, mas até que eu conversasse com ele, não quis presumir nada. Nenhum deles havia percebido que eu os havia visto naquele dia, e pelas últimas sete semanas, eu havia mantido a informação comigo mesmo. Eu não sabia se eu perguntava para o Sam sobre isso ou contratava um detetive particular para seguir o Gabriel.

Assim que terminei a minha fala, eu desci correndo os degraus para interrogar ou abraçar o meu irmão (eu ainda não havia decidido qual opção). Tentei chegar até ele, mas o Gabriel piscou e escapou na direção oposta. Antes que eu pudesse correr até o Sam para pedir ajuda, Ursula entrou no meu caminho.

– Kellan, eu fico feliz que tenha te encontrado. Estou curiosa para saber se você descobriu algo novo? – ela disse com um brilho de esperança.

Nesse momento, Sam estava na fila no palco para receber seu diploma, e Gabriel já havia ido embora. Eu respirei um pouco de ar quente e senti meu corpo começar a diminuir. Para a terceira semana de maio, o calor havia vindo de repente e ficado extraordinariamente estagnado. Todas as brisas frescas estavam bloqueadas pelos grandes abetos rodeando um lado do Gramado Cambridge e a enorme igreja na borda sul. Eu gostava do tempo quente, mas isso estava intenso.

Ursula havia, recentemente, me implorado por ajuda com um problema envolvendo seu passado que estava finalmente alcançando-a. Eu havia ficado conhecendo bastante sobre a minha nova chefe durante as nossas conversas, algumas coisas explicavam o motivo por ela ser tão taciturna sobre sua história e outras coisas me deixaram completamente chocado. Nem mesmo Myriam sabia sobre a tragédia de sua esposa ou sobre os anos em que ela vem fugindo e se escondendo da verdade sobre a sua identidade real. Enquanto eu sentia um medo palpável emanando da figura geralmente serena da Ursula, eu tentei não julgá-la pelos danos que suas ações anteriores haviam causado.

– Não muito, eu sinto dizer. Quem está te chantageando se esforçou muito para manter em segredo sua identidade. Você tem certeza de que isso não é só um estudante descontente pregando uma peça em você? – eu perguntei, sabendo que as chances eram poucas. A pessoa perseguindo a Ursula tinha um conhecimento detalhado sobre os experimentos científicos complexos que a família dela havia conduzido em Chicago, a cerca de duas décadas atrás.

– Eu não sei como qualquer outra pessoa poderia saber. Hans e meus pais morreram por causa do que eu fiz. A não ser que alguém mais, sem ter sido a assistente deles, que estava passando pelo laboratório naquele dia, ninguém mais ainda estaria por lá. Essa empregada incômoda já tentou me arruinar antes que eu fosse forçada a mudar o meu nome e desaparecer! – Ursula pigarreou e inclinou a cabeça em direção à cerimônia de graduação. Baseado no último anúncio do meu pai, os nomes dos graduandos estavam sendo chamados.

– Eu tenho mais uma linha de investigação para tentar, mas não acho que vá descobrir mais alguma coisa. Nós poderemos ter que esperar até que ele ou ela entregue outra mensagem para você. Isso poderia nos dar uma pista sobre a identidade do seu perseguidor. – eu disse com pouca confiança. Eu havia sido incapaz de descobrir quem estava perseguindo a Ursula e também não consegui nenhuma pista até o momento, mas tinha certeza de que ninguém iria continuar ameaçando-a sem pedir algo em troca. – O que possivelmente ele pode querer de você?

– Que eu morra. Assim como aquelas vítimas que sofreram quando eu destruí todas as curas possíveis para... deixa pra lá! – Ursula se sentou em um banco de ferro apertando os punhos em uma tentativa de não perder a calma. A contração no olho direito dela mal escondia todas suas emoções. – Eu estou agradecida pela sua ajuda, Kellan.

Uma voz anasalada e arrepiante cortou pelo ar e me fez revirar os olhos com vontade. Myriam havia nos encontrado e provavelmente estava armada com mais citações shakespirianas azedas.

– O que você está fazendo com a minha esposa, Sr. Ayrwick? – Myriam disparou enquanto pisava fortemente os últimos passos antes de se aproximar do nosso banco. – “Não venha ao alcance da minha ira”. – ela parecia um fantasma sombrio, com um chapéu pontudo de papelão, flutuando pelo Campo Cambridge em busca de alguém para assombrar até a morte. Estou certo de que o único objetivo do chapéu era manter a peruca cinza de Jamie Lee Curtis espetada no lugar. Nenhum outro professor usava todo o uniforme acadêmico. Lembrei-me de que Myriam, em toda a sua glória expressiva e implacável, era uma espécie especial de pompa e circunstância queixosa.

– Não comece agora, Myriam. Estou tendo uma conversa particular com a Ursula, e que não diz respeito a você. Eu pensei que nós havíamos concordado em parar de causar cenas discutindo o tempo todo? – eu disse com um meio sorriso. Nós havíamos tido várias brigas nos últimos meses, mas no fim encontramos uma maneira de coexistirmos um com o outro durante as semanas finais da apresentação de Rei Lear na Casa de Espetáculos Paddington.

– O Kellan não tem feito nada de errado, M. Ele está me ajudando a resolver um importante problema em Braxton. – Ursula respondeu com um olhar hesitante na minha direção. Eu interpretei isso como um lembrete para não contar nada à esposa dela. – Está tudo bem? Você parece bem incomodada agora.

– Incomodada? Bem, sim, meu amor, eu estou mais do que incomodada. Eu terminei de direcionar os estudantes para fora do placo e os segui pelo corredor assim que os diplomas do meu grupo haviam sido entregues. Quando eu cheguei ao fim, um homem assustador e desarrumado pulou da última fileira e agarrou o meu braço. – ela limpou a sujeira imaginária, ou as impressões digitais indesejadas de sua beca de graduação.

– Você sabe quem ele era? – eu perguntei. Será que seria errado mandar um presente de agradecimento para ele?

– É claro que não. Você acha que eu me associo com tal vulgaridade, Sr. Ayrwick? Ele interrompeu a nossa graduação! – Myriam reclamou. Por que ela sempre dizia senhor? Professor Ayrwick, Kellan, Príncipe da Grandiosidade... qualquer outra coisa seria aceitável. Senhor sempre conjurava imagens do meu pai, e isso não é algo que eu aprecio mesmo num dia bom.

– Eu só quis dizer... será que era alguém que nós podemos identificar? Talvez nós possamos reconhecer esse suposto monstro que você encontrou. Onde ele está agora? – eu queria estrangulá-la com os cordões da sociedade de honra meticulosamente pendurados em seus ombros, apesar de saber que não ajudaria. Myriam tentou descrever o cara, mas ele soava como sendo um entregador comum que havia sido contratado para entregar o bilhete, não um bandido de verdade. Minha chefa tinha a tendência a exagerar tudo e em todas as situações, assim como escolher as palavras mais peculiares. – Provavelmente era apenas um funcionário de uma empresa de entregas.

– Vocês dois tem andado se escondendo e conspirando sobre algo. Eu quero saber o que está acontecendo e como isso se liga com essa carta. – ela disse, empurrando sua mão na direção de Ursula. Presa entre seus dedos, ao lado de um anel de diamante de quatro quilates, estava um pedaço de papel dobrado na metade. – Abra-a. O entregador desordeiro apontou para você e disse que eu deveria entregar isso para a Garota das Flores.

A pele normalmente pálida da Ursula ficou em um tom alarmantemente branco. Preocupado que ela pudesse desmaiar, eu me estiquei para apoiá-la. Quando Myriam jogou meu braço para o lado, eu saí para o corredor para ver se o entregador ainda estava por ali.

Ursula abriu a carta, engoliu fundo, e a amassou em uma bola.

– Myriam, será que você poderia ir buscar uma garrafa de água? Estou com um pouco de sede. – quando Myriam pareceu recusar, Ursula sussurrou algo, fazendo com que a mulher se afastasse. – Obrigada, M.

– Você certamente parece ser a única que pode controlá-la. Sem ofensas, Madame Presidente. – eu disse, tentando minimizar o frio súbito na atmosfera. – Isso é do perseguidor?

Ursula assentiu, então entregou o bilhete para mim.


Você pensou que pudesse correr e se esconder, mas a vida não funciona dessa maneira. Eu consegui te encontrar e planejo revelar a mim mesmo na futura festa à fantasia. Chegou a hora da vingança, Garota das Flores. Você nunca vai ver a explosão dessa vez! Nem vai ter tempo de sair dessa com vida a não ser que siga as minhas instruções muito cuidadosamente. Lembre-se, não conte a ninguém.

 

Meus olhos se arregalaram com medo e choque em iguais quantidades. Todos os bilhetes anteriores foram ameaçadores e acusadores, mas nenhum deles havia ameaçado diretamente a vida de Ursula.

– Nesse ponto, nós temos que conversar com a Xerife Montague. Eu não estou mais gostando de como esse jogo está seguindo.


2

 


– Você está quase atrasado demais para o almoço, Kellan. – a Nana D provocou enquanto estava em sua aconchegante cozinha de fazenda e servindo grandes copos de mimosas. – Eu fui derrotada pela sua irmã e filha. – ela havia escolhido grandes taças de vidro verde como o recipiente para a bebida tradicional que nós iríamos beber durante o almoço de final de semana. Noventa por cento champagne, dez por cento suco de laranja. Eu ficaria tonto depois dos dois primeiros, já que as bolhas sempre iam direto para minha cabeça. Dê-me várias latas de cerveja ou alguns coquetéis e eu ficaria tão sóbrio como um ministro da Igreja Batista em Utah.

– Eu pensei mesmo ter visto o carro da Eleanor ali fora. Ela não está trabalhando na Lanchonete Pick-Me-Up? – eu comecei a ficar agitado, sentindo que tinha algo estranho acontecendo. Haviam apenas quatro lugares servidos, o que significava que eu não seria surpreendido por outro encontro às cegas organizado pela Nana D. Um plano dela deveria estar garantido para qualquer dia próximo.

Emma entrou correndo na cozinha, me abraçou apertado, e pulou no banco perto da janela.

– A Tia Eleanor contratou um novo gerente. Ele é bem agradável de se olhar. – quando eu havia saído de manhã, Emma estava vestida com seus pijamas e o cabelo todo bagunçado. Agora, ela estava com um penteado fresco, um vestido azul de corte reto e um suéter de cashmere com um broche de borboleta preso na gola. Eleanor deve ter vestido ela em momento de antecipação do que a futura maternidade poderia ser. Se fosse pelo gosto da Nana D, Emma estaria com um macacão e trancinhas.

– Agradável de se olhar? – eu disse, estreitando os olhos na direção da minha avó. – Onde ela aprendeu essa expressão?

– São palavras da sua irmã, não minhas, meu neto brilhante. – Nana D se sentou e bebeu um terço da sua mimosa. – Eu ofereci à Emma tomar um gole do meu copo, mas ela disse que tinha um cheiro estranho. Como a sua colônia. Isso é ácido refluxo?

– Eu suponho que eu deva me focar no fato de que ela recusou a bebida ao invés de cultivar qualquer preocupação com o que você tenha sugerido, só para começar? – eu amava a minha Nana D, mas ela raramente escutava alguma das regras que eu havia colocado quando me mudei para cá. Eu confiava nela com a minha vida, ainda assim, depois do incidente com a marguerita alguns meses atrás, eu não bebera de nada que ela também não estivesse bebendo. Em partes iguais. Na minha frente. Entre aquela tática de vingança e seus remédios caseiros para gripes e resfriados, não era de se imaginar que eu não tivesse mais de um metro e oitenta.

– É claro. – Eleanor se meteu na conversa enquanto entrava lentamente na sala. – A Nana D não esfregou whisky nas nossas gengivas quando nossos dentes estavam começando a aparecer?

– Isso me manteve sã. A sua mãe teria me matado se ela soubesse quantas vezes eu usei esse truque. Os novos pais nos últimos trinta anos pensam que eles inventaram todas as regras. São os modos antigos que sempre funcionam. – Nana D cortou grandes pedaços da quiche para todos e nos instruiu a comer. Nós nos sentamos em silêncio devorando a nossa comida até que eu não consegui aguentar mais.

– Então... se importa de explicar quem é agradável de se olhar, irmãzinha? – da última vez que eu conferi, ela estava praticamente comendo com os olhos o Connor Hawkins. Ao mesmo tempo, ela alternava entre vários álbuns de fotos para selecionar um possível doador de esperma para o bebê que ela queria ter. Sozinha, desse jeito, sem ninguém mais. Será que ela estava tentando imitar a minha vida? Ela sempre havia repetido tudo o que eu fazia da mesma exata maneira quando nós éramos crianças.

– A renovação trouxe um volume grande de novos clientes, eu não consegui aguentar. Contratei um gerente para cuidar da lanchonete aos sábados. Agora, eu tenho o dia inteiro livre. Eu pensei que tinha te contado. – Eleanor murmurou enquanto engolia e fazia sons de aprovação para a quiche. – Eu vou me mudar para cá se você continuar servindo esse quiche, Nana D.

– Quanto mais, melhor. – nossa avó respondeu, tilintando sua taça de mimosa com a da Emma, que eu estava rezando para ser apenas suco de laranja. – Talvez Gabriel venha para casa em breve e precise de um lugar para ficar. Vai ser uma reunião de família.

Eu parei no meio do movimento de jogar um pedaço de bolinho entre os meus lábios e olhei para a Nana D. Será que o Gabriel havia entrado em contato com ela?

– O que te faz dizer isso, Nana D?

Ela balançou os ombros e brincou com sua longa trança vermelha. Eu não achava que ela houvesse cortado o cabelo em mais de uma década, já que ele era suficientemente longo para tocar o chão quando ela se sentava. Nana D me ignorou e disse:

– Este pode ter sido o melhor almoço de todos. O que você acha, Emma, querida?

Eleanor e eu olhamos um para o outro e simultaneamente acabamos com o drink de nossas taças. Eu servi mais para nós dois enquanto ela respondia.

– Eu não estou interessada no meu novo gerente. Tenho bastante certeza de que ele não joga no meu time, se você me entende. – ela sussurrou enquanto apontava na direção da Emma.

– Ah. Bem, isso deixa as coisas mais difíceis. Provavelmente isso não impediria a Nana D de tentar te arranjar com ele. – eu brinquei, me lembrando das mulheres inapropriadas que a Nana D havia jogado na minha direção no passado. Será que Eleanor estava tentando dar uma pista sobre saber o segredo do Gabriel também? Tinha algo acontecendo entre a minha irmã e a Nana D, mas eu não conseguia limpar as teias de aranha e encontrar o prêmio.

– Já que vocês duas não estão falando coisa com coisa, vamos mudar de assunto. A cerimônia de graduação foi bem. Encontrei algumas pessoas que fazia tempo que eu não via. – eu comentei, pensando principalmente sobre a Ursula. Quando eu saí, ela estava planejando contar para a Myriam que a carta era sobre um problema com um dos doadores de ex-alunos da faculdade, que a chamava de Garota das Flores. Eu não conseguia me imaginar explicando esse nome para a minha outra chefa.

Pelo que Ursula havia me explicado anteriormente, Garota das Flores era um apelido dado a ela pelo seu irmão, Hans. Ela havia passado a maior parte da sua infância coletando flores e pesquisando seus usos potenciais em remédios herbais. Seus pais haviam sido cientistas que estavam perto de descobrirem a cura para uma doença terrível. Eles estavam bem perto de descobrirem as repostas até que a explosão no laboratório eliminou quaisquer registros ou resultados confiáveis e que pudessem ser repetidos.

– Você viu a Maggie no campus? – a Nana D perguntou, equilibrando alguns pratos em um braço e a forma com a quiche no outro. Emma se levantou para limpar a mesa. Eu havia ensinado para a minha filha boas maneiras, apesar de tudo o que pudessem dizer sobre mim.

Por mais que Eleanor soubesse que a Francesca ainda estava viva, Nana D não sabia. Eleanor entendia a minha relutância em tentar um relacionamento com a minha ex-namorada apesar da Nana D sempre tentar nos juntar.

– Não, Maggie não estava envolvida na cerimônia de graduação. Ela está ocupada planejando o baile à fantasia de amanhã à noite. Vou encontrá-la mais tarde para ajudar com os detalhes finais.

Quando Maggie assumiu o papel de bibliotecária-chefe da Biblioteca Memorial de Braxton, ela rapidamente percebeu que a estrutura e o acervo estavam desatualizados. Ela lançou uma ideia para o Conselho de Curadores, que apoiaram unanimemente o pedido dela para arrecadar dinheiro para uma completa remodelação e modernização. Maggie havia proposto um grande evento para mostrar a todos como o prédio estava agora e como iria ficar no futuro. Ela convidou uma centena das famílias mais ricas de Braxton esperando que eles doassem o dinheiro que ainda era necessário para começar as renovações. A festa à fantasia era chamada Heróis e Vilões. Os convidados eram encorajados a se vestir como seus personagens favoritos de qualquer período histórico.

Emma ajudou a Nana D a secar os pratos enquanto Eleanor e eu caminhávamos lentamente até o lado de fora para conversarmos sobre o último cartão-postal da Francesca.

– Eu tenho certeza de que a minha esposa rebelde vai voltar para casa assim que ela perceber que eu tomei a decisão correta. – eu expliquei.

– Cecilia não parecia feliz da última vez. – Eleanor me relembrou. Cecilia Castigliano era a mãe da Francesca, e o cérebro por trás dos negócios da família. O pai da Francesca, Vincenzo, cuidava das operações diárias da máfia, assegurando que sua esposa não sujasse as mãos.

– Não mesmo. Ela me ameaçou em várias ocasiões. Ela me deu mais duas semanas para encontrar a Francesca. O melhor que eu posso fazer é listar os lugares restantes que nós visitamos juntos no passado. Talvez os capangas do Vincenzo possam verificá-los e encontrá-la antes que ela seja descoberta pelos Los Vargas.

– Você certamente vive uma vida interessante. – Eleanor disse enquanto destrancava a porta do carro dizendo que tinha algumas coisas para fazer. Parecia que uma bomba havia explodido no interior do carro dela, e precisava de uma limpeza urgente. – Será que você pode ir comigo encontrar o médico na semana que vem na clínica? Eu acho que diminuí a lista para as três melhores opções de doador.

Eu consenti e sugeri que ela me enviasse uma mensagem com a hora, a data e o endereço. Eu havia desistido de fazê-la mudar de ideia com relação a esse plano de ter um bebê, e pensei que isso iria se resolver por si só. Algumas vezes manter a boca fechada poderia fazer com que você conseguisse os resultados desejados.

Nana D levou Emma com ela para o pomar para conferir as últimas mudas do Rancho Danby. Eu entrei no carro para ir encontrar a Maggie na pousada da família dela, a Roarke & Daughters Inn. Os pais de Maggie, antigos hippies na sua juventude, e suas quatro irmãs cuidavam daquela maravilha vitoriana de dez quartos. Maggie era a única filha que escolheu não se envolver, e preferiu ao invés disso, entrar no mundo dos negócios junto com Eleanor, em uma parceria de cinquenta por cento na Lanchonete Pick-Me-Up. Ben e Lucy Roarke apoiavam a sua filha mais velha, mas era óbvio que eles prefeririam que ela se juntasse a eles em algum momento futuro.

A Pousada Roarke & Daughters Inn estava localizada perto do Lago Crilly, na parte norte do condado. Formado pelo gelo derretido vindo das Montanhas Wharton, o lago era um lugar popular para natação, pesca e passeios de barco durante o verão. Durante a primavera e outono, ele oferecia paisagens impressionantes onde os amantes da natureza e de exercícios passavam incontáveis horas cercados por uma inspiração incomparável e sonhos futuros. Quando eu me desviei para a frente da pousada histórica e estacionei na entrada circular, Maggie e uma de suas irmãs, Helena, entraram na varanda cercada. De uma distância de cerca de seis metros, eu pude ver que elas estavam discutindo sobre algo. O dedo de Maggie balançou para Helena, que cruzou os braços e grunhiu suficientemente alto para que eu ouvisse à distância.

Eu não via a Helena há quase uma década, da época que eu e a Maggie estávamos prestes a nos graduar em Braxton. Helena era aquela típica adolescente rebelde que havia reprovado no exame da carteira de motorista pelo menos duas vezes e ainda assim exigia ter um carro novo. Ela também havia frequentado a escola com meu irmão, Gabriel, por alguns anos. Enquanto Maggie tinha uma pele de porcelana e aparência suave e feminina, Helena se parecia com o resto de suas irmãs, alta, incrivelmente magra, voluptuosa, abençoada com um cabelo grosso e luxuriante e imortalizada com uma tonelada de maquiagem. Basicamente, o oposto completo da Maggie, que geralmente era confundida com uma estátua de cerâmica ou um boneca de porcelana. Helena havia celebrado recentemente seu aniversário fazendo um tour pelos pubs das quatro vilas do Condado de Wharton. Oito horas, oito bares e oito bebidas diferentes. Eu não teria sobrevivido a esse nível de comprometimento.

Hera subia e se enrolava ao redor de cada persiana na fachada frontal do prédio, oferecendo um contraste bruto com a alvenaria recém-restaurada de tijolos beges e argamassa cor de ferro. A Pousada Roarke & Daughters Inn havia sido antigamente a casa de um prefeito que havia falecido sem herdeiros imediatos no fim do século XIX. A casa de três andares no estilo Vitoriano passou para um primo distante, um dos ancestrais da Maggie, e foi usada pela maior parte do século passado como a casa de família deles. Assim que os dias de hippie haviam acabado e suas filhas crescido, os Roarkes a converteram em uma propriedade geradora de renda.

– Boa tarde, senhoritas – eu disse, cruzando o beiral para a varanda fechada.

– Kellan Ayrwick, eu fiquei sabendo que você tinha voltado para a cidade. Não que a minha querida irmã tivesse mencionado que você ousou mostrar o seu rosto por esses lados novamente. – Helena gritou enquanto eu cruzava a varanda. Ela pegou uma mecha de seu cabelo loiro platinado e o jogou por cima do ombro, revelando a alça fina de uma blusinha de seda verde que ficava incrivelmente decotada em seu amplo peito. – Céus, você está melhor do que eu me lembrava, quente!

Fiquei vermelho quando ela me puxou para um abraço e eu inalei o perfume dela, uma mistura entre um buque de flores extremamente doce e rolinhos de canela recém-saídos do forno. Ela amadureceu para uma mulher adulta com mais curvas do que eu me lembrava. Deslumbrante. Dinamite. Mas não o meu tipo realmente, se eu for ser honesto. Eu preferia uma mulher com um lado tímido e um pouco selvagem, não alguém como a Helena, que flertava com qualquer homem que tivesse na faixa de idade entre dezoito e sessenta e dois anos, e colocava seus atributos quase para fora para que todos pudessem admirar em cada ocasião possível.

– Maggie e eu deixamos o passado para trás, Helena. Eu espero que você também seja capaz. – eu comentei, me retirando do abraço temporariamente atraente.

Já haviam se passado realmente dois anos desde que eu me deixei perder o controle com uma mulher? Foi em uma noite quando eu estava bêbado um mês após a morte da Francesca (ou suposta morte) e depois disso tive que forçar-me a perceber que eu havia cometido um grave erro tentando seguir em frente à força através da dor. Um homem só pode ser celibatário por um certo tempo e, a julgar pela maneira como me sentia ultimamente, minha passagem como padre auto-ungido estava muito além do seu pico.

Helena começou a falar em um tom sedutor, mas foi abruptamente interrompida.

– Isso significa que você está à disposição? Eu posso ver-me agarrando um pedaço do seu...

– Fique calma, criança. O Kellan não está interessado, está, Kellan? – Maggie respondeu firmemente enquanto batia no braço da irmã, então olhou diretamente para mim. Uma segunda onda de calafrios passou pelas minhas costas antes que eu me retirasse da terra da fantasia. – Além disso, você não está enamorada com um novo cara na cidade?

– Yeah, uma garota nunca pode ter amigos demais. – Helena provocou, e então passou a língua por seus lábios carnudos. – O Cheney está definitivamente no topo da minha lista, mas eu poderia permitir o chamado de outro cavalheiro se ele for capaz de cuidar completamente de mim.

Como duas irmãs podiam ser tão diferentes estava além de mim. Quando eu considerava a diferença de personalidades entre Maggie e suas quatro irmãs, eu tinha um respeito verdadeiro pelo Ben e Lucy Roarke.

– Você está ajudando com a festa à fantasia, Helena? – eu mudei de assunto para evitar que o conversa, ou eu, ficássemos quentes demais.

– Pode apostar. Maggie precisa de alguém para apimentar os designs iniciais dela. Espere até você ver a minha fantasia. – Helena comentou antes de abrir a porta da frente e me convidar para entrar. Uma escada estreita levava os clientes para o segundo e terceiro andar, onde estavam todos os quartos. Na parte da frente do piso principal estavam dois salões, um para cocktails durante à tarde e ocasiões sociais, e outro funcionando como uma sala para leitura ou filmes, dependendo da noite. – Eu não devo me vestir provocativamente já que vou servir os aperitivos e bebidas, mas eu tenho alguns truques na manga.

De onde eu via, ela não tinha mangas. E a sua saia mal cobria as partes essenciais. Não que eu estivesse reclamando demais. Meses atrás, eu estava julgando uma das minhas estudantes por se vestir com roupas pequenas demais. Hoje, eu já não ligava muito. Acho que é isso o que acontece quando eu passo tempo demais sem qualquer conexão física. Ou eu tinha a maior força interior conhecida pelos homens, ou estava prestes a cometer um grande erro novamente, potencialmente com alguém com quem eu não deveria.

– Estou ansioso por isso. – eu disse antes de me voltar para Maggie. – E você já decidiu a sua fantasia?

Maggie não estaria acompanhada, já que passaria a maior parte da noite servindo comida para todos aqueles doadores ricos. Connor Hawkins, meu antigo melhor amigo, e possivelmente novo melhor amigo, tinha convidado a Maggie para ir com ele, mas ela indicou que preferia sair no dia seguinte como um encontro de verdade. Apesar da atração da Eleanor pelo Connor, eu mantive a minha promessa e deixei o comentário passar. Maggie e eu havíamos concordado de focar na nossa amizade. Além disso, eu ainda tinha que descobrir o que estava acontecendo com a Francesca. Será que é possível se divorciar de uma pessoa morta? Eu sei que você não pode casar com duas mulheres ao mesmo tempo na Pensilvânia (não que eu quisesse isso), mas de acordo com o governo, Francesca estava morta. De acordo com a verdade, ela estava viva e chutando. Furiosamente. Yeah, eu estou um pouco frustrado ultimamente.

– É uma surpresa, mas eu contei ao Connor. Eu espero que ele vista algo similar. Eu sou uma heroína, mas se ele vai escolher ser o meu inimigo mortal ou alguém que ela ama, isso vai me dizer muito! – Maggie se sentou em frente à lareira em uma poltrona de encosto alto que havia sido coberta com uma estampa escocesa.

– Cheney e eu vamos coordenar nossas fantasias. – Helena disse. – Ele é perfeito para a fantasia dele, ou pelo menos para a falta dela, eu deveria dizer. Você acha que ele vai passar frio com uma tanga, Maggie?

Os olhos de Maggie ficaram maiores do que os ovos de pato da Nana D.

– Nós já conversamos sobre isso! Você estará servindo as bebidas e comidas. Precisa se vestir como faria ao trabalhar na pousada do pai e da mãe. De maneira respeitável. Eu não me importo se você colocar alguma coisa sexy, mas deve haver mais partes do corpo cobertas do que descobertas, entendeu?

Helena pareceu concordar, então se serviu de uma bebida de um decantador de cristal que estava no carrinho de bar. Eu conferi o meu relógio, eram apenas quatro da tarde.

– Eu suponho que o seu turno tenha acabado, Helena? – eu não queria que ela se metesse em problemas, mas Maggie precisava do meu apoio para manter os limites.

– Não acabou. Ela começou apenas há uma hora. Coloque o whisky no carrinho, Helena. Não é hora de conversar com os garçons de amanhã? Eu consegui esse emprego para você com o serviço de Buffet, é melhor você não fazer eu me arrepender. – Maggie havia contratado um serviço de Buffet e organização que havia recentemente aberto uma nova empresa, Simply Stoddard. Ela sempre tentava apoiar os serviços locais, especialmente start-ups que estavam começando a construir sua clientela. Cheney era o filho do dono, e assim que Helena o conheceu, ela implorou para Maggie recomendá-la para uma posição temporária na Simply Stoddard.

– Karen Stoddard e eu vamos nos encontrar hoje à noite para finalizar tudo para o evento. Nós estamos prontos?

Helena confirmou, então pediu licença dizendo que tinha quartos para limpar e camas para arrumar antes que os hóspedes chegassem para a noite. Eu ergui meus olhos quando ela desapareceu para o segundo andar.

– Descarada como sempre, eu percebi.

– Eu a adoro, mas ela está me deixando louca. Com vinte e oito anos, eu já tinha meu segundo diploma, um emprego de período integral como bibliotecária, e havia organizado um trabalho de pesquisa genealógica como forma de ganhar renda extra. Helena está sempre envolvida com algum cara ultimamente, eu nem consigo acompanhar. – Maggie disse um pouco exausta. – Eu tenho certeza de que ela vai ser um ponto positivo amanhã. Hospitalidade deveria ser o ponto forte dela.

– Estou ansioso pelo baile à fantasia. Você acha que vai conseguir o restante das doações para começar logo a reforma? – eu perguntei. Maggie me contou o nome de algumas pessoas da lista de convidados, os mesmos Stantons, Paddingtons, Greys e Nutberrys, mas também algumas famílias de classe média alta que estavam interessadas em contribuir para a causa.

Depois de ajudar com os detalhes finais da sinalização, bolsas de brindes e uma loteria surpresa, me despedi da Maggie e voltei ao campus. Eu tinha uma tarefa prioritária vinda de uma barracuda exigente para terminar em meu escritório, postar o meu programa de estudos e as leituras obrigatórias para o verão antes de minha última gota de paciência com Myriam ter evaporado.

Assim que completei meu trabalho, eu segui até a minha SUV e notei o Millard Paddington saindo da estação do teleférico. Eu não havia visto o amigo septuagenário da Nana D desde o último debate para a eleição à prefeitura, mas recebi de bom grado a oportunidade de conversar com o empresário-paisagista brilhante. Depois de um desastre recente na empresa da família, Millard havia voltado a gerenciar o conglomerado até que as coisas se estabilizassem, mas seu coração pertencia aos vastos jardins que ele havia construído na propriedade da família.

– Já é tarde para você estar no campus em um sábado à noite, Kellan. Fazendo trabalho de última hora?

– Eu poderia dizer o mesmo para você, Millard. Você não foi à Nana D hoje? Eu pensei que você iria ajudar ela e a Emma com os votos de último minuto para a eleição de prefeito. – eu apertei a mão dele e me apoiei no corrimão de madeira. A cor pálida da pele dele e a curvatura de sua postura normalmente ereta faziam com que ele parecesse cansado e esgotado.

– Tive que cancelar. Eu precisei mediar as discussões ridículas entre Anita Singh e George Braun sobre os planos para a futura Exposição de Flores Mendel. George vai ser o nosso mestre de cerimônias na próxima semana quando nós cortarmos a fita e abrirmos as portas para uma nova exibição. Vai ser bem espetacular. – Millard percebeu o meu olhar confuso e rapidamente me explicou a história do evento.

Gregor Mendel, um monge austríaco que havia descoberto e estudado os princípios da hereditariedade, genética e botânica na metade do século XVIII, era a inspiração para uma exposição de flores anual que acontecia na Europa há várias décadas. Ela havia cruzado o Oceano Atlântico cinco anos atrás, e passado pelas maiores cidades dos Estados Unidos. Cientistas, botânicos e médicos apresentam suas pesquisas do ano anterior e compartilham conhecimento entre si. Cada um deles trazia amostras extensivas das flores que eles estavam estudando para fazer a exibição ser mais interativa com o público em geral. A equipe também espalhava notícias sobre como as comunidades podiam salvar a população de abelhas ou usar remédios herbais ao invés das soluções não homeopáticas manufaturadas.

Isso parecia bem fascinante para mim, eu não tinha certeza de como a exposição veio parar em uma cidade pequena como Braxton.

– Por que eles estavam brigando?

– A Dra. Singh cuida de todo o programa de ciência de Braxton. Eu acredito que ela esteja se sentindo ameaçada pela presença de George e brigou com o Reitor Mulligan sobre deixá-lo lecionar durante o verão.

Eu estava prestes a perguntar mais detalhes quando percebi algumas gotas de suor descendo pelo rosto dele.

– Muito obrigado pela explicação. Você está se sentindo bem?

Millard secou sua cabeça e pescoço com um lenço de seu bolso. Suas sobrancelhas cheias como taturanas se juntaram enquanto ele suspirava.

– Dias longos, Kellan. Meu sobrinho está na clínica Reflexões da Segunda Chance focando em sua reabilitação por mais um mês. Eu não posso continuar cuidando da empresa para o Timothy por muito mais tempo, e ao mesmo tempo cuidar da manutenção dos jardins da mansão Paddington e coordenar toda essa exibição de flores sozinho.

Eu estava me perguntando sobre quanto tempo mais Timothy precisaria antes de ser liberado para assumir o comando da empresa da família. Depois de um forte vício em substâncias ilícitas e apostas, ele havia finalmente procurado ajuda na forma de um programa de recuperação de três meses.

– Eu suponho que o George Braun possa assumir mais um pouco de trabalho?

– Sim, mas isso vai requerer um tremendo esforço para adicionar nesse local não planejado. Nós tivemos uma sorte incrível de ter alguém do calibre dele em Braxton. George está trabalhando com uma empresa de organização de eventos para organizar a parte de convidados da exposição, e ele está contratando um assistente para trabalhar no laboratório durante o curso de verão. – enquanto Millard seguia até seu carro, eu o segui para ouvir o resto de sua resposta, mas também para assegurar que ele não desmaiasse de exaustão.

– Isso deve liberar algumas horas por dia do George, para que ele possa cuidar um pouco da Exibição de Flores Mendel e seus expositores. Vai te dar uma folga, não é mesmo? – eu gentilmente o guiei pelo braço enquanto descíamos os degraus.

– Ele também vai apresentar a pesquisa pessoal na qual tem trabalhado a maior parte da vida. George é um especialista em botânica, agentes cancerígenos no sangue e o uso medicinal de plantas e flores. Talvez eu devesse pedir a ele um suplemento herbal para me manter aguentando isso. – Millard disse.

Interessante. George Braun trabalhava no mesmo campo de pesquisa que os pais da Ursula. Será que ele era familiar com eles ou com a pesquisa deles no passado? Será que ele tem alguma relação com os bilhetes do perseguidor da Ursula? Eu não conseguia pensar em uma abordagem razoável para discutir isso no momento, mas eu pensaria um pouco nisso antes de me encontrar com o professor na segunda-feira para o café-da-manhã.

– Não se esforce demais. Eu tenho certeza de que essa tem sido uma primavera difícil depois de perder a sua cunhada e tendo que controlar o tumulto dentro da sua família.

– Depois que George e seu assistente se organizarem na semana que vem, eu vou recuar um pouco. Foi bom te ver, Kellan. Por favor, diga à Seraphina que vou remarcar com ela dentro de alguns dias. – Millard disse enquanto entrava em seu brilhante Cadillac branco e dirigia para longe.

O homem parecia bem esgotado. Eu fiz uma anotação no meu celular para pedir à Eustacia, irmã dele, para dar uma olhada nele no dia seguinte. Eu estava preocupado que Millard estivesse fazendo demais e pudesse se machucar involuntariamente. Também coloquei um lembrete no meu calendário para pesquisar sobre o George Braun antes de encontrá-lo na lanchonete. Eu não podia revelar a verdadeira identidade da Ursula, mas talvez o professor conhecesse alguém que poderia ter algum rancor contra a família dela, ou se a assistente deles de vinte e cinco anos atrás ainda estava causando problemas por causa da perda da pesquisa. Ou será que ele era o assistente?


3

 


Depois de passarmos um domingo relaxante juntos, eu dei um abraço de despedida na minha filha e segui para o baile à fantasia na Biblioteca Memorial de Braxton. Nana D iria ficar cuidando da Emma, que disse que sua garganta estava arranhando e não queria ir visitar sua amiga para brincar. Minha filha secretamente preferia a Nana D para ser sua babá durante a noite. Eu também suspeitava que isso fosse uma conspiração para dar uma folga à minha avó sobre a corrida eleitoral. Nana D não concordava comigo que esse evento poderia oferecer a oportunidade perfeita para uma foto mostrando ela juntando dinheiro para uma boa causa. Ela estava preocupada que as pessoas pensassem que ela estava brincando.

Eu me vesti como Sherlock Holmes já que eu não tinha um par para a festa, e aqueles próximos de mim esperariam uma fantasia irônica e ainda assim apropriada. Sherlock quase nunca era visto com uma mulher ao seu lado, mas frequentemente notado como um belo diabo. Eu pensava o mesmo sobre mim, pelo menos anos atás antes de eu me tornar um pai maduro e dedicado. Agora, meu tempo livre era passado caçando uma esposa que me enganava a cada curva durante os últimos dois meses.

Eu vesti um terno de tweed cinza escuro com uma camisa preta ajustada, que assentuava os resultados impressivos dos meus últimos exercícios no Complexo Esportivo Grey. Eu precisava surpreender os meus colegas, e o chapéu, as luvas de couro e o clássico sobretudo à prova-d’água apenas deixaram minha aparência mais autêntica. Eu gostava de me vestir bem, mas quando isso envolvia encontrar roupas de mais de um século e meio atrás, eu tive que fazer uma extensa pesquisa. Escolhi alguns acessórios chaves que mostrariam perfeitamente o tipo de heroi que eu seria para esse campus. A Nana D assobiou antes de eu deixar o Rancho Danby.

Quando passei pela entrada frontal da livraria, eu fiquei impressionado pela maravilhosa transformação do prédio que rapidamente se deteriorava. As paredes monótonas e antiquadas estavam cobertas por um tecido de seda que havia sido pendurado do teto abobadado e caindo até o chão, sendo amarrado por cordões de cortinas. No fim de cada um deles estava a imagem de um herói ou vilão famoso afixado em um prato de cristal. Em cada um havia uma pequena lâmpada de leitura que parecia com uma vela antiga. Cordas de veludo e um longo tapete vermelho guiavam os convidados através do hall até o salão de leitura principal. Todas as mesas de leituras haviam sido afastadas para as paredes, criando espaço para que todos pudessem socializar e se misturar.

Eu olhei pela sala fazendo uma lista de todos os que eu conhecia, o que era mais difícil do que o esperado, já que a maior parte das pessoas vestiam fantasias que ou escondiam suas identidades ou distorciam sua aparência. Eu presumi que o perseguidor da Ursula seria desconhecido para mim. Havia uma chance mínima de que pudesse ser alguém que nós conhecíamos que estivesse tentando se vingar, mas eu não podia me preocupar com isso até que encontrasse o culpado. Ele ou ela disse que estaria participando do baile à fantasia. Eu havia prometido à Ursula que faria tudo o que pudesse para vasculhar o salão a procura de canditados potenciais. Ela havia me implorado para não contar à Xerife Montague nada sobre as cartas até que nós tivessemos ideia de quem poderia ser. Eu havia cedido à pressão sabendo que essa era a decisão errada, mas também reconhecendo que havia sido a Ursula quem havia pedido originalmente que eu investigasse o passado dela.

Dois bares para cocktails haviam sido montados usando dois aparadores franceses que a família Paddington havia doado para o baile à fantasia. Um rolo de pergaminho mostrava a lista de vários drinks de champanhe disponíveis para os convidados, e vários garçons e garçonetes navegavam pela sala carregando bandejas de prata com canapés e hors d’ouvres. Eu havia visto o cardápido anteriormente e mal podia esperar para provar os crostinis de presunto e figo que os Stoddard haviam incuído como um agradecimento complementar por terem sido escolhidos como serviço de buffet. Eu não havia encontrado a Helena, mas baseado na descrição da fantasia dela, ela iria se destacar dos outros.

Um quarteto de cordas que estava entre os dois bares tocava uma peça clássica do Vivaldi. Vestido como o Rei Henrique VIII, o Juiz Grey liderava sua neta, a recém-graduada de Braxton Carla Grey, até a pista de dança. Carla estava vestida como Anna Bolena, uma das esposas mortas do Rei Henrique VIII, e havia incluído um corte em seu pescoço com o que parecia ser sangue falso. Decapitada por acusação de bruxaria, Anna era vista como uma vilã por alguns, e heroína por outros. A escolha de fantasia pelo magistrado era apropriada, já que tudo o que eu sabia sobre ele era a respeito de suas várias esposas durante os anos. Quando passei por eles, Carla disse:

– Você sempre foi o detetive astuto, Professor Ayrwick. – Carla iria continuar em Braxton e havia conseguido um emprego júnior em uma galeria de arte. Eu continuei caminhando em direção ao bar, onde eu esperava que um grupo de membros da faculdade me dessem cobertura para que eu escapasse da família Grey. Se não, uma bebida seria a desculpa perfeita.

– Kellan, você está incrível. – Lara Bouvier comentou quando eu parei atrás dela na pequena fila. Lara era a repórter de notícias do canal local que Maggie havia convidado para cobrir o evento. Eu esperava ver o namorado dela quando o cavalheiro ao lado dela se virou, mas para minha surpresa, era o Finnigan Masters. Eu havia sido próximo do irmão dele, um jogador de hockey famoso, e havia reencontrado Finnigan alguns meses antes quando ele cuidou dos últimos desejos e do testamento da Gwendolyn Paddington.

Lara estava vestida com um saia marrom elegante e clássica com uma pequena fenda lateral, uma boina rosa e uma blusa de cor canela que se moldava perfeitamente no corpo dela. O terno riscado cinza escuro de Finnigan, gravata cor-de-rosa, e o cabelo penteado para trás acompanhado por um chapéu marrom que me fizeram lembrar dos famosos assassinos da década de 30, Bonnie e Clyde.

– Nós somos de países e épocas diferentes, mas talvez eu tenha que prender vocês dois criminosos. – eu provoquei, balançando meu dedo na direção deles.

Finnigan apertou minha mão e me ofereceu uma bebida espumante servida em uma taça de cobre.

– Champanhe Moscow Mule. É o meu segundo da noite, e nós estamos apenas começando. – depois que eu bebi, ele disse. – Maggie fez um trabalho maravilhoso por aqui. Eu tenho certeza de que o Conselho de Curadores vai ficar impressionado.

– Absolutamente, ela trabalhou dia e noite durantes as últimas semanas para conquistar isso. Pelo que está escrito na placa oficial mostando quanto dinheiro ela arrecadou, a taça vai transbordar em breve! – eu tilintei minha taça na dele e me virei para a direita. Quando vi Maggie no canto oposto, eu pedi licença e segui na direção dela. Eu tinha uma multidão enégica para desviar antes que pudesse chegar nela.

Bartebly Grosvalet, nosso atual prefeito recluso de setenta e poucos anos e que as pessoas mal podiam esperar que se aposentasse, conversava com Fern Terry. Ele estava vestido com um smoking rotundo preto e branco que fazia com que eu me lembrasse do Pinguim, personagem do Danny DeVito do segundo filme do Batman estrelado por Michael Keaton. Para mim, Keaton sempre seria o original mesmo que vários outros atores tivessem atuado como o famoso superherói muitas vezes antes da minha vida ter começado.

Enquanto Fern se virava, eu vi a fantasia de uma verdadeira heroína, Marie Curie, a primeira mulher a vencer o Prêmio Nobel e conduzir pesquisas pioneiras no campo da radioatividade. Eu acenei para ela, percebendo seu sorriso desconfortável enquanto ela tentava escapar das garras do prefeito. Eu dei de ombros e sussurei que iria logo para lá, então ela saberia que eu tentaria salvá-la. Infelizmente, outra pessoa me cutucou. Fern teria que esperar.

Quando eu me virei, três rostos surgiram na minha visão, o Monstro Frankenstein, a Noiva do Frankenstein, e alguém que eu presumi ser a Professora McGonagall dos incríveis livros infantis do Harry Potter. Escondida sob um chapéu de bruxa e um vestido de gola alta preto, completo com vestes ondulantes e uma capa verde esmeralda, estava a pessoa mais bonita da festa. A pele de porcelana da Maggie brilhava através da maquiagem que ela havia colocado para parecer mais velha, ficando mais apropriada para o papel. Uma heroína e tanto! O que Connor estaria vestindo?

– Kellan Ayrwick, deixe-me apresentá-lo ao Doug e a Karen Stoddard, os donos do novo restaurante na margem do rio Finnulia e da empresa de organização de eventos Simply Stoddard que me ajudou a tornar essa noite de gala um sucesso.

Depois da troca rápida de cumprimentos, eu fiquei sabendo que eles haviam se mudado para Braxton vários meses atrás para abrirem seu próprio negócio e um restaurante requintado de comida americana. Doug havia trabalhado como chef em vários restaurantes no meio-oeste, mas sempre teve o sonho de abrir o seu próprio lugar. Karen teve alguns empregos no começo de sua carreira e havia começado a organizar eventos para corporações durante a última década.

– Cheney é filho de vocês, se eu entendi corretamente. – eu comentei, me lembrando do que Helena havia me dito sobre ele no dia anterior. Eu ainda não a havia encontrado no evento. Talvez Maggie houvesse dado instruções estritas para que sua irmã ficasse fora dos holofotes.

– Sim, você já o conheceu? – Karen perguntou com uma expressão inquisitiva. Com sua fantasia de Noiva do Frankenstein, era difícil de imaginar como ela se parecia normalmente. Uma cabeça oval, grande testa e um nariz esnobe estavam evidentes, mas haviam sido cobertos com a maquiagem excessiva da personagem. Ela era alguns centímetros mais baixa do que eu, tinha o corpo esguio e exibia pernas extremamente atraentes. Um vestido cor marfim de bom gosto na altura do joelho e o cabelo escuro e bufante com uma mecha branca completava seu figurino.

– Eu acredito que isso seja culpa da minha irmã. Ela falou sobre o Cheney ontem para o Kellan. – Maggie explicou, rearrumando o chapéu que havia ficado inclinado demais. – Helena parece gostar do seu filho.

Doug riu. O rosto dele estava pintado de verde brilhante, e os dois parafusos falsos no seu pescoço balançaram.

– Cheney mencionou o nome da Helena algumas vezes. Ela veio jantar conosco na semana passada. Uma garota adorável. – ele adicionou, com uma olhada na direção da esposa.

Karen afinou os lábios e inclinou a cabeça para o lado.

– Certamente, ela é bem bonita e... qual é a palavra que estou procurando, querido... popular, não é mesmo? Cheney está diligentemente focado em sua carreira agora. Ele não está procurando se envolver com ninguém seriamente. Tenho certeza de que ele já disse isso à ela. – havia um padrão desagradável na maneira dela falar como se ela pensasse ser melhor do que os outros.

Maggie assentiu e mexeu na jóia da sua fantasia que pendia de seu braço. Ela sempre remexia em algo quando estava nervosa ou desconfortável. Karen reprimia qualquer caso de amor crescente entre seu filho e Helena. Fiquei pensando se havia alguma história maior acontecendo.

– Jovens, o que se pode fazer? E quanto a esse evento, você fez um trabalho espetacular. – eu disse, esperando mudar de assunto. Para minha sorte, isso funcionou.

– Você deveria ver o nosso restaurante. Nós só estamos abertos há poucas semanas, mas está ficando super cheio. – Doug disse com um excesso de orgulho em sua voz enquanto pegava a mão de Karen.

– Isso parece com um bom plano. Eu vou levar a minha filha e minha avó comigo. Elas são bem entusiastas quando se trata de comida. – eu respondi, sabendo que a Emma estava ficando mais mimada a cada dia, e que a Nana D, bem, ela não era uma fã de comer fora. Ela preferia refeições mais caseiras e agradáveis sem muita grandeza.

Maggie ergueu a sobrancelha antes de pedir licença para apresentar os Stoddards para vários outros convidados. Eu peguei outro drink no bar, devorei dois canapés de figo e presunto, e olhei ao redor do salão. Marcus Stanton, o oponente da Nana D ao cargo da prefeitura, estava conversando com uma mulher que eu reconhecia, mas que não me lembrava de onde. Eu limpei meus dedos oleosos em um guardanapo de papel, joguei em uma bandeja enquanto o garçon passava por mim, então saí para cumprimentá-los.

– É um prazer te ver por aqui, Vereador. – eu disse enquanto estendia minha mão na direção dele. Pela aparência da pele dele quase laranja e o cabelo loiro selvagem, meio colado e meio solto de sua cabeça, eu podia arriscar apenas um palpite na fantasia dele. – Usando os meus poderes de dedução, você está aspirando ser um certo líder bem falado do nosso ótimo país?

Ele riu em voz alta e deu tapinhas em sua barriga.

– Oh, Kellan, você é mesmo esperto. Estou apenas dentro das orientações para as fantasias. Herois e Vilões, certo? – e qual deles ele era? Eu tenho certeza de que nós vamos saber com o tempo, pelo menos assim que o país encontrar sua fundação novamente. Eu tentei evitar a política pela maior parte da minha vida, mas as esperanças da Nana D para ser prefeito me fizeram seguir o contrário.

A mulher ao lado do Marcus, uma morena de quase cinquenta anos com um rosto arredondado e um corpo contido, estava vestida como Clara Barton, a fundadora da Cruz Vermelha. Ela estava vestida com um vestido de poliéster xadrez azul com um avental branco em seu pescoço e amarrado na cintura. Cruzes vermelhas brilhantes estavam costuradas nos seus braços e peito, e um chapéu de enfermeira adornava sua cabeça. A mulher parecia completamente familiar, mas eu estava com medo de me apresentar se nós já nos conhecessemos e eu havia esquecido o nome dela.

Marcus, se aproximando demais para o conforto da mulher a julgar pelos lábios apertados dela, resolveu esse problema para mim.

– Você deve conhecer a Lissette Nutberry, eu presumo. A família dela é dona de alguns salões funerários e da farmácia local na Rua Principal. – ele comentou com uma risada alta.

Ah, sim! Eu não havia conversado com ela em um longo tempo, mas ela parecia com sua mãe, que havia jogado cartas com a Nana D. Eu não conseguia me lembrar de ouvir muito sobre Lissette, a não ser que ela estava cobrindo os negócios da família para sua irmã, Judy, que havia deixado a cidade há um ou dois anos.

– Sim, eu conheço bem a família Nutberry. Encontrei a Tiffany no mês passado. Ela me ajudou a encontrar o meu amigo, Brad, que estava tendo uma entrevista no hospital.

Brad Shope havia sido o enfermeiro da falecida Gwendolyn Paddington durante alguns meses antes que ela morresse de um ataque cardíaco causado por uma overdose de cocaína na apresentação da peça do Rei Lear no começo do ano. Nós havíamos nos encontrado para alguns drinks e comida algumas vezes no mês passado e estavámos rapidamente construindo uma amizade. Eu precisava de alguns caras para passar o tempo já que eu havia retornado para a cidade e tinha poucos amigos na área.

– Ah sim, Tiffany é a minha sobrinha. Ela estava trabalhando bem no Hospital Geral de Braxton, acabou de receber uma promoção, eu fiquei sabendo. – Lissette disse enquanto se afastava do Marcus com um calafrio.

– E em que parte da Europa a Judy está agora? – eu perguntei.

– Oh, eu queria poder saber. Estou tendo um pouco de dificuldades para rastrear aquela velha garota ultimamente. Judy não estava se sentindo muito bem e teve que ficar de cama depois de uma série de dores fortes no peito. Ela tem um coração fraco, entende, e às vezes exige demais de si mesma. – Lissette gemeu melancolicamente enquanto as palavras rolavam de sua língua. Alguém tinha tendência ao drama.

– Não se preocupe, minha pequena Lissy, eu tenho certeza de que ela vai retornar suas ligações em breve. – Marcus confortou-a dando tapinhas em suas costas. Esses dois estavam saindo juntos ou apenas tendo uma conversa amigável?

– Se eu não tiver notícias dela até terça-feira, vou viajar para procurá-la. Deirdre ofereceu-se para pesquisar um pouco para mim, então eu não tenho que correr tão apressadamente. – Lissette disse, o humor dela melhorando.

– Você conhece a minha tia, Deirdre Danby? – eu perguntei, curioso para saber se elas tinham frequentado a escola juntas. A Tia Deirdre era a irmã mais nova da minha mãe, e uma escritora bem conhecida que havia escrito vários livros de romances históricos. A Tia Deirdre estava morando em Londres há duas décadas e raramente voltava para casa para qualquer outra coisa além de funerais e casamentos, os quais nós não tivemos nenhum em nossa família imediata nos últimos anos.

– Fomos irmãs de fraternidade na época da faculdade. Nós conversamos pelo Facebook, e a sua tia acha que a minha história de vida pode ser o enredo de um de seus novos livros. – Lissette riu altivamente com uma pequena expressão de divertimento em seu rosto. Apesar de ela ser magra e ossuda, seus lábios continham colágeno suficiente para uma tribo inteira das donas de casa de Miami. – Judy estava na mesma turma de graduação da Deirdre, então ela ofereceu de colocar seu detetive de Londres para investigar o silêncio recente da minha irmã. Pelo menos essa é a história que ela está vendendo por debaixo de todos aqueles lençóis caros dela, se é que você me entende. – ela me olhou de cima a baixo, então umedeceu os lábios. – Nós devíamos marcar um almoço para um dia desses, meu querido.

O Vereador Stanton disse para Lissette:

– Talvez o Kellan pudesse lhe ajudar a encontrar a Judy. Pelo que eu ouvi, ele é o homem perfeito para esse emprego!

Hora de puxar o cordão, baby. Eu precisava urgentemente de um plano de fuga. O que estava acontecendo para eu parecer atraente para mulheres de meia-idade que pensavam que eu queria saber dos detalhes pessoais de todo mundo ou me tornar o garoto maravilha delas? É claro, eu devo ter desenvolvido uma minúscula reputação de investigar mistérios, mas eu não precisava saber o que a minha tia estava fazendo dentro do quarto e nem entreter a ideia de flertar com as mulheres ricas e loucas do círculo social dela.

– Eu tenho certeza de que a Tia Deirdre vai lhe ajudar a encontrar a Judy. Se você encontrar algum problema, nós podemos revisitar o assunto. Infelizmente, eu preciso encontrar o Reitor Mulligan para discutir algo sobre as minhas aulas. Eu o vi mais cedo conversando com a Dra. Singh do Departamento de Ciências, mas eles desapareceram. Será que vocês os viram?

Ambos sacudiram a cabeça permitindo que eu desejasse a eles uma noite agradável e fizesse uma saída rápida. Eu esperei na fila por vários minutos antes de pegar outro drink no bar, então ouvi o discurso da Maggie sobre as doações para a reforma da Biblioteca Memorial. Quando ela terminou, olhei pela sala para determinar com quem eu ainda não tinha conversado. O Reitor Mulligan, vestido com uma fantasia de Zeus consistindo de uma túnica branca e várias camadas soltas de tecido e com peças em formato de raios apareceu de repente no lado mais distante.

Eu saí do perímetro do salão esperando poder alcançá-lo rapidamente, mas fui distraído quando Anita Singh passou por mim em um frenezi.

– Espere, eu preciso falar com você.

Sem parar, ela gritou de volta:

– Desculpe. Eu falo com você outra hora, preciso encontrar a Maggie Roarke. Eu deixei o meu celular no bolso do meu jaleco do laboratório, mas alguém parece tê-lo pego por engano. Meu jaleco não está mais lá, e eu tenho que fazer uma ligação urgente. – ela agarrou um monte de pastas contra seu peito enquanto corria pela multidão e para longe de mim. Para o que deveria ser uma noite divertida e animadora, ela certamente parecia distraída e mais ocupada do que o necessário. A escolha da fantasia dela também havia sido pobremente planejada e executada. Apesar de ela ter tentado fazer o Albert Einstein, tudo o que ela havia feito foi colocar um bigode e bagunçar seu cabelo naturalmente branco, para que parecesse que ela havia levado um choque elétrico.

Eu fiz uma volta de cento e oitenta graus para determinar de onde ela tinha vindo correndo e parei no caminho quando alguém mais familiar caminhou em direção ao conjunto de portas duplas no lado leste que dava acesso ao espaço privativo para funcionários. Um pouco além dela havia um corredor estreito que levava para alguns escritórios privativos, um par de banheiros e um pátio aberto entre as duas alas da biblioteca. Essa área estava geralmente fora dos limites para os frequentadores e só era deixada destrancada para funcionários durante as horas de serviço. Será que era a Francesca ou alguém parecido? Eu pensei tê-la visto segurando uma máscara de penas em frente aos seus olhos, mas eu não tive uma visão clara. Já que fiquei com uma vontade súbita de ir ao banheiro por causa de todos aqueles Champanhe Mocow Mules que eu havia tomado, decidi investigar o que estava acontecendo do outro lado da parede.

Eu passei correndo pelo centro do salão sendo incapaz de conversar com o meu primo, Dr. Alex Betscha, que estava incrível com sua fantasia de super-homem. Eu não tinha certeza se ele havia trazido uma Louis Lane, mas sua parceira de dança estava bem atraente com uma roupa de enfermeira e um tampão cobrindo um olho. Eu mumurei uma desculpa e dei um sinal de positivo para a fantasia deles.

Quando consegui chegar até as portas duplas quase dez minutos depois (a multidão que dançava não parou para me deixar passar) eu senti uma mão agarrando o meu pulso e rapidamente me puxando para o lado, detrás de uma das cortinas de seda. Eu encarei a Frida Kahlo, a famosa artista mexicana que minha avó adorava celebrar. Eu precisei de um minuto para separar o que era a fantasia dela, uma saia floral rosa, uma blusa tradicional no estilo Tehuana azul, um xale prateado, e uma tiara com várias flores, da mulher que eu havia conhecido nos últimos meses.

– Kellan, eu acho que meu perseguidor está aqui. Olhe. – Ursula exigiu enquanto me passava um bilhete escrito à mão em um guardanapo. – Eu deixei o meu drink por cinco segundos para consertar a tira do meu sapato. Quando fui pegar meu drink novamente, eu vi essa mensagem. – o tributo da Ursula à cultura mexicana oferecia uma visão oposta de sua aparência escadinava natural (seu cabelo loiro e longo, olhos verdes amendoados e uma postura contida). Hoje, suas jóias ecléticas e roupa colorida ecoavam uma divindade mais rica e cultural.

Eu desviei meu olhar das portas me sentindo dividido entre encontrar a Francesca e proteger a Ursula.

– Mas eu preciso... – eu grunhi até que uma tentação prevalescente para ler o bilhete me venceu.


Você adorava charadas quando era criança, Sofia. Aqui tem uma para você... o que é alto e esperto, vestindo uma fantasia branca, e planejando capturar você quando o relógio bater nove horas? Eu vou deixar isso fácil para você. Sou seu, e se ainda tem algum bom senso, vai manter isso só para você. Eu tenho um acordo para fazer com você. Procure por mim na fila de doações. – Uma Explosão do Passado

 

Eu peguei meu celular e olhei a hora. Eram oito e cinquenta. Nós tínhamos dez minutos antes que Ursula finalmente descobrisse quem a esteve incomodando durante semanas.

– Okay, quem quer que seja não vai aparecer na fila da mesa de doações exatamente às nove horas. Ele vai estar te observando para verificar que não é uma armadilha. Eu vou andar por aí e conferir todo mundo vestido com uma fantasia branca.

– Obrigada, Kellan. Ele usou a minha identidade real. Ninguém sabe que meu nome é Sofia. Normalmente, eu não fico com medo tão facilmente, mas isso está ficando fora de controle. Eu vou te encontrar aqui novamente em cinco minutos. – Ursula sussurrou. Enquanto ela saía, eu percebi um pingo vermelho no xale dela. Eu teria que contar a ela sobre isso mais tarde, ela odiava qualquer tipo de imperfeição. Acho que era por isso que a Myriam amava aquela mulher.

Eu a observei passar pelo primeiro bar e me perguntei como ela havia mantido esse segredo da sua esposa durante esse tempo todo. Pelo que a Ursula havia me contado, Myriam estaria vestida de Eleanor Roosevelt. Enquanto eu tinha certeza de que Frida Kahlo e Eleanor Roosevelt nunca haviam se encontrado, será que as minhas duas chefes estariam indicando um romance secreto com suas fantasias? Duvidoso, mas intrigante. Eu achava irônico o fato de que eu adorava a esposa do nosso antigo presidente dos Estados Unidos, mas não podia suportar a esposa da presidente da nossa faculdade. Pra minha sorte, eu ainda não tinha encontrado a Myriam, mas sabia que a minha outra chefe estava escondida em algum lugar do salão planejando seu próximo ataque de cobra contra mim.

Eu andei casualmente no lado mais distante do salão procurando por quaisquer pessoas com a fantasia branca. Eu vi algumas pessoas que poderiam servir ao papel, mas todas pareciam estar em uma conversa aprofundada com alguém e não se preocupavam com a presença da Ursula. Eu tinha apenas alguns minutos restantes para conferir se havia sido a Francesca que eu havia visto se esgueirando por aquelas portas duplas, minutos atrás. Eu virei gentilmente a maçaneta, abri a porta esquerda, e passei pelo espaço estreito. O banheiro teria que esperar.

Quando me virei e arrumei a minha fantasia, ativei a lanterna do meu celular. Para a esquerda estavam os escritórios e banheiros. Na direita, a cerca de seis metros de distância, havia uma grande porta de vidro que levava ao pátio interno. Parecia que havia alguém no espaço aberto, mas eu não conseguia ter certeza se a sombra que eu havia visto do meu ângulo era uma pessoa ou uma estátua de jardim. Eu rapidamente andei pelo corredor além das portas fechadas e cheguei à maçaneta da porta do pátio, pensando que ela estaria trancada. O pátio era apenas para funcionários, e Maggie não queria os convidados andando nas áreas restritas.

Um som fraco de choque escapou dos meus lábios quando a porta cedeu. Eu me inclinei para fora e olhei pelo canto para onde eu havia visto a sombra. A silhueta de uma mulher estava perto de uma mesa, mas estava escuro demais para identificar a fantasia dela. Quem era aquela pessoa que havia deixado o salão principal? Eu conferi o meu relógio. Restavam apenas quatro minutos antes que o perseguidor da Ursula se revelasse. Eu deveria voltar para ver quem estava vestido com uma fantasia branca na mesa de doações, mas precisava verificar se a Francesca estava se escondendo aqui.

Eu pisei cuidadosamente no piso de ardósia assegurando que meus passos fossem o mais inaudíveis quanto possível. Enquanto eu me aproximava, pude ouvir a mulher chorando e sussurrando algo incompreensível. Quando ela se inclinou para o lado, uma luz fraca a alcançou. Algo metálico se moveu perto da mão dela. Helena, a irmã da Maggie, estava vestida como uma empregada francesa em um uniforme de renda preto e branco. Enquanto ela havia obedecido as instruções da irmã para cobrir a maior parte do corpo, a meia-calça arrastão e a blusa transparente não eram o que Maggie havia imaginado que uma garçonete estaria vestindo em uma festa de elite.

Quando eu dei um passo para trás, pisei em uma lajota solta e meu novo sapato Cole Haan fez um alto som. Helena se virou na minha direção.

– Quem está aí?

– É o Kellan. Me desculpe, mas tenho que encontrar alguém. Eu vou voltar para conferir você em um minuto. – eu havia me virado para ir embora, mas quando Helena ficou em pé rapidamente, eu pude ver que ela não estava sozinha. Atrás dela, alguém possivelmente inconsciente estava esparramado no chão. Perto do pé de Helena estava o objeto pontudo que estava brilhando por causa da luz artificial. – O que está acontecendo? – eu perguntei hesitantemente antes de me assustar quando um relógio distante começou a badalar. Já eram nove horas?

– Você tem que buscar ajuda, eu acho que ele está morto. Eu não consigo sentir o pulso. – Helena chorou. Quando ela se afastou para o lado, eu percebi que o objeto brilhante era uma faca, coberta pelo que parecia ser uma substância vermelha e pegajosa.

Eu corri até ela e toda a cena veio à minha visão. Quem estava deitado no chão havia sido esfaqueado e estava sangrando sobre as lajotas.

– Quem é ele? – eu sussurrei enquanto confortava Helena, mas ela não me respondeu. Ao invés disso, caiu sobre meus braços e soluçou fortemente. Eu olhei mais de perto a vítima e percebi que era um convidado vestido como o Dr. Evil de Austin Powers. Baseado na quantidade de sangue no abdômem dele, eu precisa ligar para a polícia. A Xerife Montague não ia ficar feliz que eu tivesse encontrado mais um cadáver.


4

 


Eu estudei o meu entorno imediato na procura pelo melhor caminho para não contaminar ainda mais a cena do crime. A julgar pela quantidade de sangue e da faca perto do meu pé, essa não era uma morte acidental. Eu empurrei Helena para o lado do pátio, perto de uma das arandelas, onde um jardim ofereceria um lugar para ela relaxar temporariamente.

– Apenas se sente quieta, Helena. Tudo vai ficar bem. – eu murmurei quase incoerentemente.

Vários pensamentos enevoavam o meu julgamento naquele momento assustador. Será que Helena havia esfaqueado o homem? Ela estava drogada ou bêbada? Quem era o homem de branco que estava perseguindo a Ursula? Apesar da roupa tradicional do Dr. Evil ser mais cinza clara, ela poderia ser confundida com branco na luz fraca. Eu sabia que precisava chamar os paramédicos, mas não queria tornar a festa inteira em um caos completo. Enquanto eu caminhava cuidadosamente em direção ao corpo, ouvi a porta do pátio fazer um som. Foi então que eu percebi que se Helena não tivesse esfaqueado o Dr. Evil, será que o assaltante poderia estar escondido na escuridão por perto? Se sim, será que o criminoso estava indo ou vindo?

– Kellan, eu posso ver uma sombra aproximando-se de você! – Helena gritou.

Eu me virei para a esquerda quando alguém pegou o meu braço. Eu imediatamente lancei meu cotovelo diretamente para o que eu achava ser o ombro do homem. Se eu conseguisse acertá-lo, eu poderia ter a vantagem de prendê-lo ao chão.

– Kellan, o que você está fazendo? Sou eu, Connor. – uma voz profunda com um sotaque caribenho gritou. Ele rapidamente colocou meu braço para trás das minhas costas e me levou em direção à porta. – Fique calmo, cara. – a escolha da fantasia de Dumbledore era apropriada para o baile à fantasia, e eu particularmente gostava de ver como Connor ficaria em quarenta anos. Um cabelo longo e cinza e uma barba longa se misturavam e pousavam no que eu só conseguia descrever como um caftan feminino. Enquanto Connor tinha uma ótima compleição física, sua roupa azul com estrelas brancas era uma bagunça. A varinha saindo de seu bolso era um toque de humor, mas não iria nos ajudar agora.

– Connor. – eu disse, ficando tenso enquanto ele me libertava da posição. – Alguém foi ferido.

– Eu segui você. Muitas pessoas estavam indo e vindo por aquelas portas duplas. O que está acontecendo? – a preocupação dele fazia sentido porque uma de suas responsabilidades como diretor de segurança de Braxton era conferir qualquer coisa suspeita.

Depois que eu expliquei sobre o que havia encontrado, Connor me instruiu a manter um olho na Helena enquanto ele entrava em contato com a Xerife Montague. Eu caminhei no perímetro externo do pátio, um espaço quadrado de doze metros de lado, fechado por todos os lados e com uma única entrada. Meu celular me fornecia luz suficiente para assegurar que eu não tropeçasse em algo, mas eu não podia ter certeza de que alguém não estivesse se escondendo atrás de um arbusto ou debaixo de uma mesa. Quanto cheguei até a Helena, Connor procurou pelo pátio por qualquer lugar que alguém pudesse estar se escondendo. Assim que ele terminou de falar com a xerife, Connor conferiu a vítima para tentar sentir o pulso ou algum sinal de respiração.

– Connor está buscando ajuda, Helena. Você consegue me contar o que aconteceu? – eu perguntei, afastando uma ponta de culpa por não esperar até os policiais chegarem para liderar a investigação. Eu segurei a mão dela e escutei ela praticar uma técnica de ioga para controlar a respiração e relaxar o corpo.

– Eu encontrei ele assim. Eu... eu vim aqui fora por um segundo, e quando o vi deitado no chão, eu me abaixei para ver se ele havia caído. – Helena chorou. Ela limpou uma lágrima que descia por sua bochecha e me puxou para um abraço. – Eu não sei quem era, mas eu vi ele brigando mais cedo com...

Connor interrompeu a resposta da Helena.

– A Xerife Montague está a caminho. Ela está localizando Maggie no salão principal e vai chegar até aqui assim que tiver colocado policiais em todas as saídas. Nós não queremos que ninguém saia da biblioteca até sabermos o que está acontecendo.

– Você viu quem veio até aqui? – eu não podia ter certeza se a Helena tinha alguma relação com a morte da vítima. Será que a faca estava na mão dela ou apenas perto? Eu ainda não havia contado ao Connor aquela parte.

– Estava escuro demais para dizer de onde eu estava no salão principal. Ninguém deveria ter acesso à esses escritórios privativos, mas a porta estava aberta quando eu cheguei. – Connor disse.

Quando a Xerife Montague apareceu minutos depois, Maggie estava ao lado dela. A xerife disse:

– Foi bom que eu estava perto do campus conferindo um roubo. Conte para mim, Connor, quem é a vítima, e o que nós sabemos sobre a mulher que estava perto do corpo?

Enquanto a xerife olhava para mim, Maggie correu até Helena.

– O que aconteceu, mana?

Eu percebi que o Connor não havia contado à xerife que eu havia encontrado o corpo e nem que era a Helena quem estava aqui. Será que ele estava nos protegendo ou nos dando cobertura suficiente para dar tempo da polícia chegar ao local e isolar tudo? O pobre cara estava deitado no chão atrás de mim coberto de sangue. Eu entrei aqui segundos depois do que pode ter acontecido. Será que o assassino estava se escondendo em um dos escritórios ou banheiros? Um calafrio passou pelo meu corpo apesar do clima quente de maio.

– O que você está fazendo aqui, Pequeno Ayrwick? – a xerife falou com uma careta. Nós havíamos, pelo mais breve dos momentos, começado a nos chamar pelos nossos primeiros nomes, mas eu tinha a distinta impressão de que ela não queria que eu a chamasse de April agora. – Houveram quatro homicídios nos últimos três meses, e você estava no centro de todos eles. Se importa de explicar? Será que você é um imã para criminosos rondando pela nossa cidade normalmente respeitável? Você desencadeou seus laços incendiários com a família da máfia Castigliano no condado de Wharton?

Isso respondeu outra das minhas perguntas. April Montague sabia tudo sobre as transações sombrias de negócios dos meus sogros.

– Sem comentários. Tudo o que eu fiz foi vir até aqui e encontrar um corpo. Mais uma vez. Eu não quero que isso continue acontecendo. Nunca mais. Realmente.

Um dos detetives da xerife que eu já havia encontrado no passado se arrastou para dentro do pátio e começou a vasculhar a cena. April aprensentou ele para nós e disse que provavelmente esse era seu último caso antes que ele se aposentasse e fosse para a Flórida, mas ele era o melhor que ela tinha.

– É ruim que você tenha escolhido essa noite para trabalhar, Gilkrist. – ela provocou. Enquanto ele fazia anotações sobre os arredores, April pediu que Helena contasse o que sabia.

Maggie colocou seus braços ao redor dos ombros da irmã e pediu que ela falasse.

– Vá em frente, Helena. Você pode confiar no Connor e na Xerife Montague.

Helena explicou que ela havia saído para o pátio para uma rápida pausa para fumar. Enquanto estava caminhando em direção à mesa de picnic, ela tropeçou sobre algo. Quando se abaixou para ver o que era, percebeu uma pessoa ou o que parecia ser uma pessoa. Helena sacudiu o homem, achando que era alguém que havia bebido demais, caído, ou sofrido um ataque cardíaco. Quando ela tocou o corpo a procura do pulso ou pescoço, ela sentiu algo grudento. Foi então que percebeu que a pessoa não tinha pulso. Ela estava prestes a tentar massagem cardíaca quando eu cheguei. Na confusão, ela pode ter tocado a faca enquanto eu entrava no pátio.

– Por que você iria pegar a faca, Srta. Roarke? – a xerife perguntou com um olhar suspeito. O detetive se aproximou e indicou que a vítima estava realmente morta. Ele já havia ligado para o legista, que chegaria no local dentro de vinte minutos.

– Eu... eu não sei. – Helena disse, suas mãos tremendo intensamente. Ela nunca havia parecido tão assustada antes. – Ela estava lá. Eu estava tentando sentir o pulso, e não percebi a faca até que ela estava nas minhas mãos.

Algumas manchas de sangue em suas palmas e dedos eram percebíveis. Eu também vi um pouco na frente de sua blusa e saia. Será que o sangue havia sido transferido quando ela se inclinou por sobre o corpo ou enquanto ela o esfaqueava? Eu não podia acreditar que a Helena fosse capaz de cometer um assassinato, por mais que eu a tenha visto com raiva no passado. Eu olhei para baixo e vi algumas manchas que também haviam em meu casaco.

Durante os próximos vinte minutos, a xerife separou eu e a Helena para liberar suas técnicas rudes de interrogação. O detetive questionou Helena juntamente com a Maggie. Connor e a xerife me levaram até um escritório próximo para eu explicar o que havia visto.

– Eu só vim até aqui atrás para usar o banheiro. Era mais próximo do que os públicos no outro lado do salão principal.

Enquanto eu contava o resto do que conseguia me lembrar, percebi que o som no meu bolso era do meu celular. Eu rapidamente dei uma olhada assim que o Connor e a xerife se afastaram para uma conversa privada. Ursula havia me mandado várias mensagens e ligado algumas vezes. As nove horas haviam chegado e passado, mas ninguém a abordou na mesa de doações. “Onde você está?” ela ficava perguntando, então finalmente me disse que havia visto a Xerife Montague no local. “Aconteceu alguma coisa?”, foi a última mensagem dela.

– Ursula Power está exigindo saber o que está acontecendo, Xerife. Eu acho que nós precisamos deixar ela vir até aqui atrás. – eu disse enquanto April vinha na minha direção. Se a pessoa com a fantasia de Dr. Evil fosse mesmo o perseguidor da Ursula, então ela não podia mais manter o segredo.

– É mesmo? E me diga, Pequeno Ayrwick, você acha que eu deveria deixar cada membro do público geral, como você, ficar vagando por aqui no meio de uma investigação de assassinato? Talvez nós devessemos ter uma reunião para tomar um café enquanto jogamos Detetive para decidir quem fez isso. Vamos ver... nós sabemos que foi com a faca no pátio, mas eu tenho certeza de que não sou inteligente o suficiente para descobrir se foi o cozinheiro ou o mordomo dessa vez! – a voz de April aumentava a cada insulto ao ponto do rosto dela ter ficado num tom vermelho bem preocupante. Já que eu já estava acostumado com sua personalidade normalmente espinhosa, eu sabia, apesar das aparências, que ela não iria explodir ao contato.

– Bem, não... mas... por haver uma... – eu comecei a dizer quando Ursula entrou correndo no escritório empurrando o Policial Flatman de lado.

– Cai fora a não ser que você queira que eu te processe por assédio. – Ursula gritou, parando abruptamente ao ver a situação no escritório e lá fora no pátio. Apesar de estar coberto por uma escuridão parcial, o pátio estava visível do corredor. – O que significa isso...

– Eu tentei impedir ela de entrar, Xerife. Ela me deu uma cotovelada no peito, e então a esposa dela me agarrou pelo braço e fingiu tropeçar. Eu tentei impedir que a mulher caísse, e foi então que a Sra. Power correu pelas portas. Elas são um par e tanto de... – o Policial Flatman disse, quando finalmente chegou até nós.

– Apenas fique lá no salão principal e não deixe mais ninguém entrar, Flatman. Você certamente não está me mostrando nenhum motivo para eu considerar você como o novo detetive quando Gilkrist se aposentar no mês que vem. – a Xerife Montague aconselhou em maneira levemente mais calma. Ela estreitou o olhar para a Ursula. – Você tem sorte de eu não te prender por bater em um policial.

– Aquele policial se jogou sobre a minha esposa com força excessiva quando eu acidentalmente bati nele enquanto estava indo conversar com o Prefeito Grosvalet. Você tem sorte de que eu não vou informar ao prefeito que planejo processar você por brutalidade policial. Vamos direto ao ponto ao invés de decidir qual mulher nessa sala tem mais poder, Xerife. – Ursula discutiu com sua cabeça inclinada para o lado e seu queixo proeminente para fora.

Em uma batalha entre a Ursula e April, eu não tinha certeza de quem venceria. Enquanto o passado da Ursula mostrava claramente que ela era capaz de se defender, o conhecimento da April em artes marciais e luta livre (sem mencionar a arma de choque e a velha Betsy, a arma dela cheia de balas presa na cintura), poderia claramente parar a minha chefa no caminho.

– Eu tentei avisá-la de que a Ursula estava determinada a vir até aqui atrás, Xerife Montague. – eu tentei o máximo que pude controlar o sorriso de escárnio querendo sair em meu rosto, mas eu não tinha muita força no momento. Ela, sem dúvidas, viu através da minha inabilidade de manter o meu rosto parado.

A xerife limpou a garganta.

– Já chega. Já que você é a presidente dessa faculdade, eu precisaria dar essas notícias a você de qualquer maneira. Nós estamos investigando um possível homicídio. Mantenha isso apenas para você por enquanto. Um homem vestido com a máscara do Dr. Evil e um terno cinza claro ou branco parece ter sido esfaqueado. Uma jovem moça trabalhando para o evento foi pega perto dele. Ela está sendo interrogada agora. Kellan Ayrwick, um dos seus... – ela disse, mudando o olhar na minha direção. – Estimados professores... foi o indivíduo que observou a jovem senhora se afastando da vítima segurando a provável arma do crime.

– Quem era ele? – Ursula perguntou, então se virou para mim. – Kellan?

Eu ergui meus ombros.

– Não tenho muita certeza, mas eu acho que a fantasia branca é certamente estranha. Eu acho que nós temos que esperar pelos policiais para poderem retirar a máscara. – eu enfatizei a cor do terno do Dr. Evil na esperança de que a Ursula fizesse a conexão entre as últimas mensagens do seu perseguidor. A julgar pelo aceno parcial de cabeça dela, ela entendeu.

– Eu sinto muito que essa tragédia tenha acontecido. Braxton certamente vai cooperar com o Escritório do Xerife do Condado de Wharton. Eu vou perguntar, Xerife, como você quer lidar com a festa que está acontecendo no salão principal? Nós estávamos prestes a acabar, mas eu presumo que você vai precisar conversar com todos em algum momento. – Ursula comentou em um tom autoritário, mas compreensivo.

– A minha equipe está monitorando as portas. Nós precisamos de uma lista com todos os convidados e funcionários trabalhando no evento. Eu vou precisar marcar interrogatórios com todos, mas o mais importante, preciso proteger essa cena do crime. – April instruiu.

Enquanto a equipe da xerife comandava os espaços do pátio e do escritório privativo, Maggie foi liberada para anunciar que havia acontecido uma morte inesperada na biblioteca. Ela foi instruída a não dizer nada sobre ser um assassinato e nem sobre qual fantasia a vítima estava vestindo até que o escritório da xerife pudesse contatar o parente mais próximo da vítima. Enquanto Connor ficava com a Helena em um escritório, a xerife falava com o legista e o Detetive Gilkrist no pátio.

– Você tem que contar a eles sobre as cartas, Ursula. Eu não tenho ideia se a Helena viu mais alguém. Ela mencionou que quem estava vestido com a fantasia do Dr. Evil havia brigado com alguém mais cedo essa noite, mas nós fomos interrompidos, e eu fui levado para fora do lugar pouco depois disso. – eu não queria dizer à minha chefe o que fazer, mas não havia outra maneira de assegurar que nós não fossemos acusados de esconder algo.

– Eu preciso ver quem está sob aquela máscara. Se é alguém que eu conheço, vou explicar sobre as cartas. Se não for, talvez a vítima não tenha relação comigo. – Ursula disse com um vigor renovado e determinação. Estava claro que ela não ia mudar de ideia.

– Está bem. Eu vou perguntar se eles vão nos deixar ver o rosto da vítima. – eu comentei enquanto caminhava em direção à xerife e ao legista.

– Não chegue mais perto. – April indicou com um pouco de irritação na voz. – Nós estamos prestes a retirar a máscara, agora que já temos fotos suficientes e anotações preliminares sobre como o corpo foi encontrado. A máscara não está ligada a nada mais. Retirá-la não vai interferir com a cena de crime.

Eu tentei não encarar, mas queria saber o máximo que pudesse sobre a vítima no caso de que isso pudesse ajudar a Ursula a descobrir a identidade dele. Apesar do homem estar vestido com um terno completo, suas mãos estavam escondidas por luvas brancas para combinar com a pele pálida do Dr. Evil. O rosto da vítima estava completamente coberto por uma máscara, e ele estava deitado de costas. Um pé estava jogado para o lado, e uma poça de sangue havia se formado perto de sua cintura. Parecia que ele havia sido esfaqueado pelo menos uma vez no estômago. Eu tive que desviar o olhar, para que eu não passasse mal com o que tinha observado até agora.

– Talvez a Ursula e eu possamos ser úteis em identificar a vítima? – eu perguntei, engolindo audivelmente para impedir que o figo e presunto subissem pela minha garganta.

– Nesse ponto, nós precisamos de toda ajuda que pudermos ter. – April disse enquanto começava a gravar um vídeo com seu celular. Enquanto estava perto do corpo, ela posicionou a câmera cuidadosamente para monitorar as ações do legista enquanto ele cortava o elástico perto da orelha da vítima. Assim que estava solta, ele levantou a máscara com uma mão, assegurando que o rosto do homem não se mexesse.

Quando o legista se afastou, eu dei uma segunda olhada. Eu não podia ter certeza se o homem era o perseguidor da Ursula, mas eu sabia quem ele era.

– Eu reconheço ele. – eu disse com uma voz fraca.

– Se importa de compartilhar essa informação com o resto de nós? – April disse com um sorriso pretensioso.

– Eu acho que é o George Braun. Eu o encontrei ontem pela primeira vez. A única vez. Ele iria ministrar um curso para o Departamento de Ciências e estava trabalhando com o Millard Paddington na futura Exposição de Flores Mendel. – eu respirei fundo e sentia a cabeça um pouco leve.

– Você tem certeza?

Eu assenti.

– Apesar... eu apenas conversei com ele por cinco minutos. Nós deveríamos ir tomar café-da-manha amanhã antes de ele começar a trabalhar em Braxton. – eu olhei para a Ursula, que estava com a mão sobre o peito e garganta. Depois da tosse dela alta e inesperada, eu tinha certeza de que ela havia reconhecido o homem.

A xerife olhou para Ursula.

– Eu presumo que você iria reconhecer um dos seus funcionários. O Sr. Ayrwick está correto na identificação da vítima?

Ursula olhou para mim, e então para a xerife. Durante cinco segundos ela entrou em um transe onde eu pensei que ela iria desmaiar.

– Não. Eu não seria capaz de conhecer todos os professores. Estou aqui há apenas alguns meses nesse ponto. – ela respondeu com um tom distraído.

Minha chefe estava claramente mentindo. Ela não sabia que esse homem estava lecionando em Braxton, mas definitivamente reconhecia o rosto dele.

– Okay, bem, isso é tudo o que você precisa de nós, certo? Nesse ponto, eu já conheço a rotina. Ficar preparado para revisar e assinar o depoimento. Você vai ter mais perguntas. Ficar quieto. É isso?

A xerife assentiu, então disse ao legista para continuar preparando o corpo. Ela estendeu sua mão na direção oposta, então Ursula e eu poderíamos segui-la até a porta do pátio.

– O Detetive Gilkrist vai organizar os interrogatórios com todos no salão principal. O legista precisa conduzir a sua investigação. Eu vou me encontrar com a Helena Roarke. Não é todo dia que você encontra o potencial culpado parado ao lado do corpo com a arma do crime.

O choque da fala dela me deixou sem reação por um momento.

– Você não pode estar pensando que a Helena tenha feito isso. Ela nos disse que encontrou o corpo e acidentalmente tocou na faca. – como Helena conheceria o professor? Ou ela havia visto ele discutindo com alguém, mas não tinha reconhecido? Eu olhei para a Ursula, que continuava em silêncio. O que mais ela estava escondendo? Me lembrei da mancha vermelha que eu havia visto no xale dela.

– Deixe a investigação com a minha equipe, Pequeno Ayrwick. Eu já tive o suficiente das suas interferências no passado. Se o Escritório do Xerife do Condado de Wharton precisar de sua assistência, nós vamos pedir por isso. Por enquanto, considere-se dispensado. Vocês dois. Nenhum de vocês deve sair da cidade, nem discutir isso com uma alma sequer. Não com a sua avó enxerida. – ela direcionou isso a mim. – Nem com sua esposa difícil. – ela disse, estreitanto o olhar para a Ursula. – Nem um com o outro, e nem com a Helena ou Maggie Roarke. Ninguém. Entenderam?

Nós dois confirmamos que tinhamos entendido o discurso da xerife. Será que ela pensava que nós éramos crianças? Enquanto eu e Ursula caminhávamos pelo corredor até o salão principal da Biblioteca Memorial, ela me parou.

– Kellan, eu sei que você viu o choque no meu rosto quando o legista retirou a máscara.

– Como você conhece o George Braun se não sabia que ele era um dos novos professores? E não minta para mim, Ursula. Estou do seu lado. – eu me perguntei se ele era um dos investigadores ou o assistente daquela explosão de vinte e cinco anos atrás que havia reconhecido ela e havia vindo para a cidade para chantageá-la. Nesse momento, Ursula estava tremendo. Eu não tinha percebido enquanto nós estávamos caminhando que a intensidade do aperto dela no meu braço estava fazendo buracos.

– Eu não sei exatamente como dizer isso. É uma coincidência, mas... – ela pausou.

– O que é isso, Ursula? Você está me assustando. – eu esperei que ela olhasse de volta para mim.

– Aquele é o meu irmão, Hans. Eu pensei que ele havia morrido na explosão, mas como ele sobreviveu? – Ursula disse enquanto uma sensação de devastação e alarme invadiam seus olhos.

– Usando um nome diferente. Assim como você? – eu sacudi minha cabeça confuso.

– Sim. Se ele sobreviveu à explosão, ele pode ter precisado de várias cirurgias plásticas. Eu vi os olhos do meu irmão quando olhei para aquele homem morto. Para o George Braun. Você acha que é possível que...

– O seu próprio irmão esteve se escondendo todos esses anos e finalmente encontrou você? – eu exclamei, sentindo-me incerto. Eu me lembrei de ver ele usando luvas no dia anterior. Será que ele estava escondendo as queimaduras nas mãos e nos dedos? – Eu acho que esse é o primeiro lugar que nós temos que investigar. Então talvez nós vamos saber quem o matou. Já que não é a Helena. Eu não consigo vê-la fazendo algo assim. – quando terminei de falar, Ursula se virou e abriu as portas duplas. Depois que entrou no espaço aberto do salão principal da biblioteca, ela correu diretamente para os braços da Myriam.

Eu não pude evitar de me perguntar se a Ursula sabia quem a estava perseguindo e havia aproveitado a oportunidade de se livrar dele de uma vez por todas. Isso iria explicar a mancha vermelha. Será que a surpresa no rosto dela ao descobrir a identidade dele poderia ter sido verdadeira como pareceu? Ou será que a Myriam havia ensinado para sua esposa a como atuar como uma pessoa inocente e perplexa?


5

 


Quando eu voltei ao Rancho Danby depois do baile à fantasia, Emma já estava dormindo. Nana D pensou que ela iria se recuperar mais rápido de seus sintomas e que ela ficaria bem depois de uma noite de sono pesado. Antes de eu ir para a cama, lembrei-me que eu não havia conseguido descobrir se a Francesca esteve ou não no campus naquela noite. Se tivesse sido a Francesca indo em direção ao pátio, para onde ela tinha ido e por que ninguém mais a viu? Será que eu havia imaginado isso?

Apesar de eu ter tentado entrar em contato com a Maggie várias vezes depois do horrível incidente, ou ela estava focada em ajudar a Helena a passar pelo interrogatório com a Xerife Montague, ou elas precisavam de algum tempo para processar o que havia acontecido. Eu não conseguia imaginar que alguma delas já tivessem encontrado um corpo no passado. Os pesadelos haviam sido quase traumáticos das primeiras vezes que eu havia encontrado um. De repente, meu celular vibrou com uma mensagem recebida:


Maggie: Passe na biblioteca amanhã na hora do almoço. Helena precisa que você a ajude a encontrar o verdadeiro assassino.


Eu confirmei que passaria por lá, então coloquei minha cabeça sobre o travesseiro, deixando que a escuridão confortável me levasse ao sono tranquilo. Na verdade, ele foi preenchido por imagens de máscaras sorridentes e batalhas épicas entre herois e vilões.

* * *

Na segunda-feira de manhã antes de eu deixar a Emma na escola, nós tomamos o café-da-manhã juntos. Ela tinha apenas um mês restante de aulas antes do verão, mas estava animada para apresentar o projeto mostre-e-explique para sua turma. Ela estava trabalhando nos desenhos da paisagem da fazenda da Nana D. Eu havia pensado que a Emma queria se tornar veterinária quando crescesse, mas nas últimas semanas, ela havia ficado obcecada em fazer esboços dos edifícios e em reorganizar as salas de sua casinha de boneca. Eu havia apresentado a ela uma nova versão customizada do jogo Detetive com um tema de zoológico, o que levou ela a aprender sobre as várias partes do Rancho Danby. Ao invés de ter os animais como assassinos, essa versão de Detetive focava em qual animal havia roubado a chave para o armário de comida e advinhar o que eles haviam deixado cair no lado de fora da porta na pressa para fugir dali.

Eu dirigi até Braxton e estacionei no Campus Sul, já que eu tinha o meu curso de verão para ministrar naquela manhã, Ser Roteirista no Mundo Digital. Era um curso intenso de oito semanas onde os estudantes se encontravam durante duas horas por dia, de segunda e sexta, para aprender sobre técnicas, desenvolver seus próprios roteiros para um episódio piloto, e entender sobre como apresentá-lo para uma empresa de produção. Eu entrei no Hall Diamante e subi as escadas até o segundo andar, onde o meu humilde escritório residia. Enquanto eu passava pelo corredor, percebi a minha chefe sentada à sua mesa.

– Bom dia, Myriam. Como foi o resto da sua noite? – eu perguntei de maneira agradável, me perguntando se a Ursula havia contado alguma coisa sobre descobrir que a vítima se parecia com seu irmão morto, Hans.

Myriam deslizou seus óculos com armação de tartaruga para a frente de seu nariz, fungou levemente, e olhou de volta para a tela de seu notebook.

– “Você é constante, mas, ainda assim, uma mulher e por sigilo, nenhuma dama mais próxima, pois bem acredito que você não pronunciará o que não conhece”.

Eu não conseguia me lembrar de qual peça de Shakespeare aquela citação com outros motivos vinha.

– Deixe-me advinhar, você ainda está brava comigo? – eu dei um passo para dentro do escritório dela esperando que algo pesado fosse jogado na minha direção. Quando ela ignorou o meu comentário, dei outro passo para dentro, então eu estava tecnicamente dentro do escritório dela, mas ainda capaz de me esconder atrás do armário de casacos se fosse necessário. Eu havia aprendido aquela lição da maneira mais difícil da primeira vez. – Dê-me uma pista. É de uma tragédia ou comédia?

– É claro, você não saberia que é de Henrique IV. O que você quer, Sr. Ayrwick? Eu tenho muitos problemas para resolver sem você jogar mais coisas sem sentido no meu colo. – Myriam grunhiu enquanto se virava para o aparador atrás dela e pegar um documento da impressora. – Se apresse, por favor. Alguns de nós tem trabalho por aqui.

– Verdade, alguns de nós realmente tem. Eu pensei em ir ver como a Ursula está essa manhã. Ela ficou bem abalada com aquela morte na biblioteca ontem à noite. – eu disse, me sentando em frente a ela. – Estou completamente ciente de que Henrique IV é uma das peças históricas do Bardo, não sendo uma tragédia e nem uma comédia.

– Redenção não vai apagar a verdade. Eu sei que você e a Ursula estão escondendo algo de mim. Ela estava perturbada ontem à noite e foi dormir imediatamente. Tenho certeza de que ela teve uma recuperação rápida hoje já que está em reunião com o Conselho de Curadores. – Myriam assinou o documento que havia pego da impressora e entregou para mim. – O seu currículo para o outono está aprovado. Isso é tudo por hoje?

Eu considerei a minha próxima abordagem para determinar o que a Myriam sabia.

– Eu sei tão pouco sobre a sua esposa. Já que todos nós trabalhamos juntos, eu pensei que a Ursula poderia se abrir um pouco mais e ser mais amigável. Onde foi que ela cresceu?

Myriam olhou além de mim para o quadro branco na parede oposta a ela.

– Agora que a produção do Rei Lear acabou e nós estamos começando a escolher os atores para a produção de verão, nós precisamos concordar em alguns protocolos para o restante desse ano em que eu estou... abençoada... por trabalhar com você em Braxton.

Eu presumi que ela não queria conversar sobre o passado da Ursula. Seriam apenas negócios. Quando o papel de professor assistente para Braxton me foi oferecido, ele havia vindo com duas cláusulas. A primeira, era apenas um contrato de um ano para providenciar tempo para a nova administração executiva decidir o meu futuro. E segundo, já que eu e a Myriam tivemos muitos desentendimentos públicos no passado, Ursula exigiu que nós trabalhássemos juntos no teatro da faculdade, a Casa de Espetáculos Paddington, para resolvermos as nossas diferenças glaciais.

– Eu estou certamente contente que você tenha visto a luz e estendido o papel de diretor de palco permanente para o Arthur Terry. Ele e a Jennifer vão precisar do dinheiro já que vão ter um bebê juntos. – eu comentei, enquanto me virava para ver o que a Myriam lia no quadro branco.

– Talvez eu esteja aprendendo a arte do comprometimento, Sr. Ayrwick. Eu vou marcar a nossa primeira reunião com ele para no final desta semana. Se certifique de pegar uma cópia do roteiro. O tempo é essencial aqui. Eu espero que você não se envolva com qualquer outra coisa dessa vez. – Myriam estreitou os lábios e sorriu como um chacal prestes a devorar a presa. – Eu tenho certeza de que a Ursula iria apreciar que você mantivesse distância sobre o que aconteceu com o recente aparecimento e morte do Professor Braun.

Pelo jeito que a Myriam falou, ela sabia de algo que eu não. Ela deu uma pausa e pigarreou gentilmente quando disse o nome dele.

– É claro, eu vou fazer qualquer coisa que a Madame Presidente me peça para fazer. Assim como eu faço o que você, minha supervisora imediata, me pede. Eu acho que nós entendemos um ao outro. – eu desejei a ela um dia esplendoroso e andei pelo corredor até meu escritório para me preparar para as minhas primeiras aulas do curso.

Algumas horas depois, encorajado pela animação dos meus alunos, eu parei na The Big Beanery para comprar almoço para a Maggie. O café aconchegante no Campus Sul era um ponto de encontro para todos que queriam encontrar amigos, estudar para uma prova, ou procurar na população de estudantes pelo seu próximo encontro. Não era um caminho ideal para mim, mas uma porcentagem considerável dos quase mil estudantes da faculdade passavam várias horas socializando e conversando uns com os outros. Com várias cabines confortáveis, Wi-Fi grátis e estações para carregar os celulares, e o melhor café de todo o condado de Wharton, esse era o lugar para se estar.

Eu não tinha certeza se a Helena estaria com a Maggie, mas nós poderíamos dividir alguns sanduiches, chips e uma tigela de frutas. Talvez alguns croissants de chocolate para sobremesa, uma parte necessária de cada refeição. Eu peguei o próximo teleférico para o Campus Norte, me perguntando quando eles iriam começar o redesign para o verão. Isso iria significar duas semanas caminhando entre os campi, o que era útil para manter a forma, mas uma experiência terrível naquele calor escaldante.

Depois que saí da estação, eu pisei no caminho de pedras central e segui até a sala do correio no prédio da união estudantil para ver se tinha novas correspondências. Além de um catálogo com a propaganda dos últimos modelos de bolsas de couro genuínas (eu poderia ter um certo vício nelas) e suprimentos para escritórios, havia também uma revista de ex-alunos de Braxton mostrando meu pai na capa. Apesar de ser sua entrevista de saída altamente sincera, eu iria ler outra vez. Eu também tinha recebido um cartão-postal que estava datado de três dias atrás em Vancouver. Estava escrito:


Você nunca gostou de viagens aéreas exceto por aquela viagem para Mendoza; você sempre queria sair de férias de trem por causa do seu medo de avião. Eu conheço uma preciosa menina de seis anos que adoraria visitar essa área com você algum dia. Talvez nós nos encontremos de novo no Jardim Botânico VanDusen, onde nós poderemos ir até o palco central para um segundo casamento.

 

Isso tinha que ser da Francesca. Ela e eu havíamos embarcado em uma excursão de trem de duas semanas saindo de Los Angeles até o norte do Canadá. No jardim botânico, encontramos um casal de celebridades que havia decidido se casar de último minuto naquela tarde. Nós fomos os padrinhos, já que nenhum dos amigos deles estavam em Vancouver. Se a Francesca esteve no Canadá três dias atrás, certamente haveria tempo suficiente para ela aparecer em Braxton ontem à noite. Eu tirei uma foto da mensagem e mandei para Cecilia e Vincenzo Castigliano. Talvez isso pudesse ajudá-los a descobrirem onde a minha esposa estava se escondendo.

Eu estava me sentindo perseguido, como a Ursula. Qual era o problema das pessoas que não podiam ser confiáveis e nem aceitar as coisas que aconteceram fora do nosso controle? Ursula estivera apenas tentando impedir que seu irmão, Hans, roubasse a cura quando acidentalmente causou a explosão que matou seus pais, e talvez ele também. Francesca havia sido sugada para dentro dos problemas da sua família com os Los Vargas. Será que ela não podia colocar a Emma em primeiro lugar e parar com esse jogo de esconde-esconde? Nós não podíamos nos tornar magicamente uma família novamente e nem fingir que ela, de repente, estava viva. Emma merecia uma vida sem esse medo desnecessário. Até que Vincenzo resolvesse seus problemas com a família Vargas, é assim que teria que ser. Por que a Francesca não conseguia entender essa abordagem?

Eu virei ao fim do caminho e subi os degraus à esquerda que levavam até a Biblioteca Memorial. O Connor vinha da direção oposta.

– Hey, Kellan. A Maggie me disse que ela está te esperando para o almoço.

– Estou indo para lá agora. A Helena está bem?

– Ela passou a maior parte da noite no Escritório do Xerife do Condado de Wharton. Eles a liberaram de manhã cedo, mas ela está agindo de maneira muito suspeita. A Xerife Montague acha que a Helena está escondendo algo importante. Até que a April consiga um motivo realista, não há motivos para mantê-la lá. – Connor apertou a minha mão livre antes de colocar a mão de volta no bolso.

– Eu não tenho certeza se tem algo que eu possa fazer se a Helena não falar. Eu não estou me inserindo na investigação novamente, então não dê ideias para a sua melhor amiga sobre eu interferir com...

Connor me interrompeu.

– Escute, a April não é minha melhor amiga. Eu reclamei com você no passado sobre colocar o seu nariz nas coisas dos outros. Acho que isso é diferente. Helena é a irmã mais nova da Maggie. Ela estava parada sobre o corpo do George Braun. Nós temos que cuidar da família Roarke.

Eu não tinha esperado o apoio do Connor com relação ao meu envolvimento.

– Você ficou sabendo de mais alguma coisa depois que eu fui embora?

Connor indicou que a autópsia estava marcada para hoje. O legista havia feito um trabalho preliminar na noite passada, e eles tinham a identificação positiva vinda do Millard Paddington. Ele foi chamado ao necrotério e confirmou que era o George Braun. Millard providenciou o endereço de George em Braxton. O cara havia comprado uma cabana do lado de fora da Floresta Nacional de Saddlebrooke, no outro lado do Rio Finnulia. Millard não sabe nada sobre a família do homem, mas sugeriu que a xerife conversasse com o Reitor Mulligan e o departamento de recursos humanos da faculdade. Eles poderiam entregar qualquer papel que George Braun tivesse entregue e que pudesse identificar o seu parente mais próximo.

Se ele era realmente o irmão da Ursula, Hans Mück, eu sabia o nome do parente mais próximo dele. Eu precisava conversar com a Ursula o mais em breve possível.

– Eu gostaria de saber de onde ele veio antes de se mudar para Braxton.

Connor encolheu os ombros.

– Você sabe que a xerife só me conta o mínimo. Ela precisa da minha cooperação como diretor de segurança em Braxton, mas tem uma parede que ela constrói quando o assunto é revelar demais. Millard pode saber um pouco mais do que disse. Você é próximo dele. Talvez pudesse descobrir se ele se lembra de algo mais.

– Eu vou ligar para ele mais tarde. Hey, eu não tenho certeza se isso é importante, mas Anita Singh perdeu o jaleco de laboratório dela ontem à noite. Era parte da fantasia de Einstein dela. Eu fico pensando se isso tem alguma relação com o assassinato. – eu disse, me lembrando de que ela estava bem apressada quando a encontrei.

– Você acha que ela é a assassina? – Connor disse com uma expressão distorcida.

Eu não tinha pensado por aquele ângulo, apesar da Dra. Singh ter brigado com o George, de acordo com Millard.

– Ou o assassino usou o jaleco de laboratório dela como um disfarce para escapar? – quando Connor disse que iria investigar esse desaparecimento, eu respondi. – Okay. Alguma chance de a Helena ter dito alguma coisa sobre conhecer o George Braun, além de tê-lo encontrado no baile à fantasia da Biblioteca Memorial?

– Não. Eu não conversei com a Helena sozinho, e sei apenas o que a Maggie contou para mim. Eu tenho que ir, tenho uma reunião administrativa com a minha equipe em alguns minutos. Tenho uma longa lista de mudanças na segurança para colocar em prática. – Connor sugeriu um horário para nos encontrarmos na academia no dia seguinte e saiu em direção ao seu escritório. Será que ele não sabia que o meu corpo ainda estava reclamando sobre o último programa de exercícios inumanos dele?

Enquanto entrava na biblioteca, eu li a resposta da mensagem dos meus sogros. Vincenzo despachou alguém para Vancouver para tentar descobrir algo. Ele entraria em contato logo. Eu não havia contado a ele sobre ter visto a filha deles na festa. Ainda não tenho certeza se havia sido uma alucinação ou se a Francesca tinha alguma relação com a morte do George Braun. Minha esposa nunca seria capaz de matar alguém, mas isso não significava que alguém da família dela não estivesse envolvido de alguma maneira.

O escritório da Maggie ficava em uma área diferente na biblioteca, o que significava que eu não precisaria entrar nos escritórios privativos dos funcionários e nem me aproximar do pátio. Eu queria dar uma olhada lá durante o dia, mas ela teria que me escoltar até lá para o caso de haver um policial assegurando que o lugar ficasse trancado. Quando eu a encontrei no escritório logo após a sessão de história, a cabeça da Maggie estava apoiada na mesa e seus dedos massageavam as têmporas em pequenos círculos concêntricos. O espaço não era grande, mas ela havia dado um toque pessoal à sala: um difusor de aromas que liberava um perfume de lavanda, uma máquina que fazia som de tempestades e fotos de todas as grandes bibliotecas históricas adornavam as paredes.

– É assim tão ruim? – eu levantei a minha mão para mostrar o almoço que havia trazido. – Chips de batata sabor sal e vinagre incluídas. Livre de taxas, como sempre. – eu não pude resistir, sabendo que era o seu favorito.

– Baseado no que estou prestes a pedir para você, sou eu quem deveria estar pagando dessa vez. – Maggie levantou a cabeça e sinalizou para eu entrar.

Os olhos vermelhos e inchados sinalizavam que ela estivera chorando recentemente.

– Eu sinto muito que isso tenha acontecido com você. Antes de nós conversarmos sobre a sua irmã, você conseguiu juntar os fundos que precisava para a reforma?

– Essa é a única coisa positiva sobre a noite passada. Eu conferi os valores que os meus funcionários registraram de todos que visitaram a mesa de doações. Nós estamos cerca de cinco por cento à frente. Podemos ser capazes de pagar por um sistema de segurança novo e moderno, o que aparentemente é necessário nos últimos tempos em Braxton.

– Isso é provavelmente uma grande ideia. – eu pensei ter visto uma pequena curva para cima nos lábios da Maggie. Será que ela estava saindo do seu torpor? Eu a abracei, então me sentei do outro lado da mesa e abri os sanduíches e chips. – Coma bem, vai ajudar a se sentir melhor. E quanto à segurança em Braxton, eu não tenho certeza do que está acontecendo, mas alguma coisa está errada. Eu tenho certeza de que o Connor está em cima disso.

– Obrigada por vir até aqui hoje. Helena está em casa. A mãe e o pai querem mantê-la segura por enquanto. Lara Bouvier, do canal de notícias WCLN, nos seguiu até em casa ontem à noite e tentou entrevistá-la sobre o assassinato. – Maggie comeu um chips e abriu uma garrafa de tônica. Eu podia ver um pouco da cor dela voltando.

– E como a Helena está? – eu fiquei pensando se ela havia contado à Maggie algo importante.

– Insistindo em voltar ao trabalho nessa manhã. Ela está limpando os quartos e trabalhando no horário normal. – Maggie comentou, então revelou que o George Braun havia sido um hóspede na Pousada Roarke & Daughters Inn.

Eu acho que isso significava que a Helena conhecia ele antes que o evento da biblioteca tivesse começado ontem à noite.

– Havia algum problema entre eles? Ela contou isso à polícia?

– Sim, assim que o pai e a mãe apareceram no escirtório da polícia na noite passada, tudo ficou claro. George Braun alugou um quarto três semanas atrás dizendo que ele havia comprado uma cabana, mas estava fazendo algumas reformas antes que pudesse se mudar oficialmente para lá. Ele iria fazer o check-out na pousada na próxima semana.

– Isso significa que ela teve contato com ele no sentido de limpar o quarto e cuidar das necessidades de hóspede dele?

– Sim. E hoje de manhã, uma das outras camareiras contou ao detetive que aquele George e a Helena estavam recentemente engajados em uma discussão acalorada. Yuri não sabia dos detalhes, mas aparentemente George bateu a porta e disse à Helena para ficar longe do quarto dele pelo resto do final de semana. – Maggie limpou algumas migalhas da mesa para dentro da cesta de lixo, quando um estudante bateu na porta. – Sim, do que você precisa?

– Hmmm... tem uma detetive mulher, ou policial, parada na mesa frontal e pediu que eu te encontrasse. Ela disse que era importante. – o estudante aconselhou nervosamente. – E eu tenho que ir. A aula no laboratório de ciências da Dra. Singh começa em dez minutos.

Maggie disse que ele podia sair, mas para avisar à xerife que ela iria até lá em cinco minutos.

– Helena não quer ouvir aos meus pais ou a mim. Eu liguei para o Finnigan Masters essa manhã pedindo ajuda para o caso da polícia prendê-la pelo assassinato do George Braun. A pousada está cheia de policiais. Os escritórios privativos da biblioteca estão selados, então tive que deixar alguns funcionários irem para casa hoje. Eu tenho que manter esse lugar funcionando, mas também preciso me encontrar com o chefe dos funcionários e com a Ursula hoje para discutirmos a situação.

– Será que eu deveria visitar a sua irmã hoje? Eu posso tentar persuadi-la a deixar o Finnigan ajudar, ou descobrir o que ela está escondendo. Talvez ela fique mais confortável conversando com alguém de fora da família. – eu precisava esclarecer se o George e o Hans eram a mesma pessoa. Eu também tinha que descobrir por que a Anita Singh e o George não se davam bem. Talvez Helena soubesse ou tivesse visto algo no quarto dele na Pousada Roarke & Daughters Inn.

– Sim, por favor, mas primeiro venha comigo falar com a xerife. Tem mais um fato que a Helena não contou ao detetive. Eu estou preocupada. – Maggie comentou enquanto fechava e trancava a porta de seu escritório.

– O que? – eu desci os degraus até o andar principal. – Isso deixa a situação dela pior?

Maggie sacudiu a cabeça.

– Eu não tenho certeza. Ela me disse quem ela viu discutindo com o George Braun pouco antes de ter encontrado o corpo dele.

Eu estava preocupado que fosse a Ursula. Eu estava com a Ursula mais ou menos naquela hora, mas não fiquei com ela durante a noite toda.

– É alguém que nós conhecemos?

– Cheney Stoddard. Ele é o filho do casal que se mudou recentemente para a cidade para abrir o restaurante e a empresa de organização de eventos. Lembra, eles serviram o buffet da festa na noite passada. – Maggie parou quando chegamos à entrada frontal. A xerife estava parada alguns centímetros longe da mesa. – Não diga nada até que você fale com a Helena sobre isso.

– Ela está saindo com ele? – eu perguntei à Maggie enquanto a Xerife Montague vinha na nossa direção. Qual era a relação da família Stoddard com o George Braun? Eu me lembrava da Maggie dizendo que os Stoddards vinham do Centro Oeste. Será que teria sido de Chicago, onde Ursula havia causado a explosão do laboratório todos esses anos atrás?


6

 


A Xerife Montague franziu o cenho quando me viu, então pediu a Maggie por um minuto a sós. Maggie disse:

– Você pode falar na frente do Kellan, Xerife. Ele é os meus olhos e ouvidos enquanto estou protegendo a Helena.

Eu estava prestes a me proteger contra um ataque quando meu celular vibrou com uma mensagem de texto.

– Com licença, um momento. – eu comentei, deixando a Maggie conversando com a Xerife.


Ursula: Nós temos que conversar hoje. Será que você pode vir aqui por volta das cinco da tarde?

Eu: Claro, mas a Emma vai estar comigo. Preciso ir buscar ela das atividades depois da escola.

Ursula: Eu posso te encontrar na Lanchonete Pick-Me-Up para um jantar mais adiantado. A Myriam tem aulas hoje à noite.

Eu: Combinado então. Estou fazendo um pouco de pesquisas hoje e pode ser que eu tenha novidades.


Quando eu terminei de mandar as mensagens e olhei na direção da mesa frontal, Maggie já havia ido embora. Eu pensei que era minha hora de ir quando uma voz mal-humorada me assustou.

– Eu pedi a ela para revisar o depoimento com o Detetive Gilkrist. Ela vai estar de volta em alguns minutos. O que você está fazendo aqui? – uma Xerife Montague nervosa marchava de uma curta distância. O seu blazer padrão com calça jeans estavam amassados. Seu cabelo loiro estava com um bonito penteado, para variar. Geralmente o capacete dela deixava seu cabelo permanentemente amassado em alguns lugares.

– Com o risco de soar rude, essa é a biblioteca da faculdade e eu sou um professor do departamento de comunicações. Eu geralmente venho até esse prédio para fazer pesquisas e conferir essas coisas cheias de papel, tinta e cola chamadas livros. – eu revirei meus olhos, ajustei meus óculos e tirei um livro do Brian L. Porter da minha nova bolsa de couro, como se para provar o meu ponto sobre o porquê de eu estar lá.

– Não me diga! E eu aqui pensando que você era só mais um rosto bonito pelo campus. Obrigada por esclarecer a sua prestigiosa ocupação pela enésima vez, Pequeno Ayrwick. – April se encostou em uma mesa coberta de revistas e procurou em sua pasta por algo. – Já que você está por aqui, e eu tenho o seu depoimento comigo, talvez você pudesse fazer um favor a nós dois e me ajudar a tirar isso da minha lista de coisas a fazer.

– Você não tem alguém para cuidar dessas coisas incômodas para você? – eu perguntei, pretendendo reconhecer a importância dela. Eu pensaria que a xerife tinha coisas mais importantes a fazer do que carregar por aí depoimentos das testemunhas para serem assinados. – O que eu estou tentando dizer é que eu entendo o quanto você deve estar ocupada com o assassinato inesperado de ontem à noite.

– Assassinatos são sempre inesperados, pelo menos no meu mundo. Eu suponho que no mundo da máfia, é planejado, não é mesmo? Se eu soubesse que alguém iria ser morto, você não acha que eu tentaria impedir? – a Xerife Montague destampou a caneta e gentilmente empurrou pela mesa cheia de revistas na minha direção.

Eu não estava ajudando com a situação.

– Nós continuamos seguindo com o pé errado, April. Me desculpe. Maggie me pediu para passar aqui para cobrir algumas coisas. Eu não estou tentando ficar no seu caminho. – eu olhei para o meu relato escrito e fiz algumas anotações em fatos que não estavam cem por cento acurados. – Posso fazer uma pergunta sobre a arma do crime?

– Isso é pertinente ao seu depoimento, Sr. Ayrwick, ou você está exibindo as suas curiosidades excêntricas novamente? – ela passou os dedos pelo cabelo e arrumou a franja. April estava deixando seu cabelo crescer nos últimos meses. Fazia com que ela parecesse menos durona de uma maneira positiva.

– Possivelmente. Eu deveria esclarecer que quando encontrei a Helena no pátio, eu percebi a faca antes que ela se levantasse. Eu me lembro vividamente da lâmina brilhando quando a luz a alcançou. Pensei ter percebido algum tipo de design ou gravura no cabo antes de ela cair ao chão. Se esse é o caso, ela não poderia estar segurando a faca, certo? – eu sabia que tinha algum tipo de escrita na faca, mas estava escuro demais e longe demais para que eu pudesse ter lido as palavras exatas.

– O que você está dizendo é que não a viu esfaquear a vítima, nem puxar a faca do corpo dele. Mas você viu ela deixá-la cair quando caminhou naquela direção. Justo? – April digitou algumas anotações em seu tablet enquanto falava.

– Parecia que a faca apenas caiu do corpo dela. Eu não tenho certeza se ela sabia que a faca estava lá. Você entende o que quero dizer? – tudo aconteceu tão rápido, mas não parecia que a Helena estava tentando esconder alguma coisa.

– Isso é útil. Eu não tenho certeza do que significa, mas depois que nós fizermos os testes para impressões digitais e determinar a quem a faca pertence, vou entrar em contato com mais perguntas. Obrigada.

A xerife indicou que teria o meu depoimento revisado disponível no dia seguinte, enquanto ela saía em direção aos escritórios privativos dos empregados, eu juntei os meus pertences e me preparei para ir embora. A recepcionista na mesa principal queria reconfirmar um dos livros que eu havia solicitado, o que levou alguns minutos. Infelizmente, ela estava usando isso apenas como uma chance de flertar comigo. Eu informei a ela que tinha uma política de não sair com minhas estudantes. Assim que a estudante terminou de se amuar, Maggie voltou ao andar.

– Oh, que bom que você ainda está aqui. Eu não te agradeci por você não ter contado sobre o Cheney. Assim que você conseguir descobrir da Helena o que ela sabe, eu vou entender se você precisar contar à xerife. Eu queria que você tivesse todos os detahes antes de dizer alguma coisa. Me desculpe te colocar em uma situação difícil. – enquanto Maggie me abraçava, parecia que ela estava voltando dez anos ao passado quando nós nos tornamos amigos pela primeira vez.

– Estou aqui por você. Existem apenas poucas pessoas que poderiam me fazer arriscar a minha sanidade e liberdade ao ser levado para a cadeia pela nossa xerife, nem um pouco gentil, por obstrução de justiça.

– Ela nunca faria isso. April Montague é do tipo que ladra, mas não morde, quando é em relação a você. Confie em mim, uma mulher sabe essas coisas. A propósito, ela me mostrou uma foto da arma do crime e pediu se eu a reconhecia. Eles estão tentando descobrir se pertencia a vítima, ao assassino, ou veio da biblioteca. – Maggie disse que ela viu algo escrito em alemão no cabo. Estava parcialmente descolorido e difícil de ler, mas ela percebeu um brasão de família com um leão lutando contra um urso. Parecia que tinha um ü com trema. – Definitivamente a faca não veio da biblioteca, e eu realmente duvido que Helena carregaria uma faca. Ela tem medo delas desde que nossas irmãs a forçaram a assistir filmes de terror quando nós éramos crianças.

Maggie tinha que retornar ao trabalho, e eu tinha que pegar minha filha. Enquanto eu saía da Biblioteca Memorial, não consegui não imaginar se a faca pertencia a outra pessoa na minha vida. Poderia ser uma letra do antigo sobrenome da Ursula, Mück? Se fosse, será que ela pertencia ao George Braun, previamente conhecido como Hans Mück, ou à Ursula, previamente conhecida como Sofia Mück?

* * *

Às cinco da tarde, a Lanchonete Pick-Me-Up estaria lotada por adolescentes barulhentos que estariam animados demais para terminar as últimas semanas da escola antes das férias de verão. Eu havia me esquecido que também poderia estar cheio com metade da população do Complexo Residencial para Aposentados Willow Trees, e do infinito círculo social dos economicamente experientes cidadãos seniores. Eu não tinha esperado encontrar a minha arruaceira de cabelo azul favorita, mas em uma das cabines mais distantes estava Eustacia Paddington aproveitando o prato especial do dia, uma tigela de sopa de lentilha, com o irmão dela, Millard. Já que a Ursula ainda não havia chegado, Emma e eu fomos até lá para uma visita.

– Ela deveria mesmo ter essa cor de lama? – Emma perguntou enquanto subia no assento de couro cinza escuro ao lado da Eustacia. Minha filha enrugou o nariz enquanto sacudia a cabeça. – Eu gosto de vegetais, mas isso parece terrível. Uuuii... quem cozinhou essa coisa?

– Tem um sabor delicioso, mas as suas maneiras precisam de uma pequena melhora. – Eustacia criticou enquanto ajustava a gola de sua blusa rosa fucsia. – A sua avó não iria tolerar tal desobediência. Venha, pequena crítica, vamos ver se a sua Tia Eleanor e o chef dela tem uma tigela para você experimentar.

Enquanto Emma esperava pela Eustacia recuperar o equilíbrio depois de descer da pequena plataforma da cabine, ela riu e disse:

– Papai, a bengala dela quase esmagou os meus dedos! – os olhos da Emma estavam arregalados enquanto ela seguia Eustacia em direção à cozinha. Pela piscadela exagerada da Eustacia, que parecia mais como o começo de uma crise epiléptica, eu podia dizer que ela estava dando a mim e ao Millard algum tempo sozinhos.

– A sua filha pode ensinar à minha irmã uma coisa ou duas, Kellan. – Millard brincou e sinalizou para eu me sentar em frente a ele.

– Elas crescem rápido demais. Nós celebramos o aniversário de sete anos da Emma algumas semanas atrás. – eu empurrei a tigela vazia de sopa da Eustacia para o lado e me sentei. – Como você está? Eu estava planejando ligar para você hoje. A infeliz morte do George Braun deve ter deixado você mais ocupado do que esperava.

– Ah, o convite surpresa da Eustacia para jantar hoje à noite. Eu suponho que tenha sido coisa sua, hein? – Millard disse enquanto limpava um pingo de sopa de seu lábio inferior. – Eu aprecio a sua preocupação. Foi um choque. Eu havia começado a conversar com ele há apenas alguns meses, mas o mundo perdeu um cientista e pesquisador brilhante.

– De fato. Quão bem você conhecia ele? – eu perguntei. Millard tinha apenas contado uma breve história para mim quando encontrei com ele no campus durante o final de semana. O que mais ele seria capaz de me contar agora?

– Nós trocamos correspondências algumas vezes durante os anos, mas eu não havia o encontrado pessoalmente até que participei de uma de suas palestras em uma conferência em janeiro. Eu pedi para ele vir visitar Braxton, mas ele recusou, indicando que sua agenda lotada não iria permitir isso. – Millard explicou que o George ligou para ele algumas semanas mais tarde bem animado para oferecer uma chance de trazer a Exposição de Flores Mendel para Braxton se Millard pudesse entrar em contato com a faculdade sobre a disponibilidade para ele ministrar um curso de verão.

– Por acaso ele disse o que o fez mudar de ideia?

– Não, mas eu contatei o Ed Mulligan e a Anita Singh para sugerir que eles considerassem ele para um curso de verão. Anita se opôs veementemente. O reitor estava animado com a ideia de alguém com as credenciais de George ensinar temporariamente em Braxton. – depois que Millard explicou a história deles, eu me perguntei se durante sua pesquisa, George havia visto alguma notícia destacando a aceitação da Ursula como a nova presidente da faculdade. Será que ele a reconheceu pela foto e finalmente encontrou uma maneira de rastrear a sua irmã perdida há tanto tempo?

– Houve algum tipo de entrevista formal ou alguma coisa estranha sobre por que ele foi contratado? – eu esperava conseguir saber mais sobre a substância do relacionamento de George com qualquer pessoa que ele tenha encontrado em seu breve tempo por Braxton.

Millard comentou que George havia sido entrevistado pelo Reitor Mulligan, a Dra. Singh, o chefe de funcionários da faculdade, e alguém no grupo de recursos humanos.

– Abordagem padrão para que um professor visitante possa lecionar alguma aula. – ele comentou, enquanto Ursula entrava na lanchonete e caminhava na direção da nossa cabine. – Baseado na minha limitada experiência trabalhando com ela, Anita Singh é uma mulher extremamente complicada. O Reitor Mulligan, no fim, redesignou as responsabilidades de co-diretor da Exposição de Flores Mendel da Anita para o George. Houve algumas discussões sobre a apresentação da pesquisa pessoal do George entre eles três.

– No que a pesquisa dele estava focada? – parecia promissor a adição de dois suspeitos na minha lista.

– George dizia ter feito uma enorme descoberta sobre uma flor ter um poderoso impacto em uma doença bem conhecida. Eu estou esperando que os detalhes ainda estejam em seus arquivos ou pertences. Ou ele não manteve nada no Hall de Ciências Cambridge de Braxton, ou alguém roubou o trabalho dele.

Eu acenei para a Ursula e apontei para uma mesa alguns lugares longe. Enquanto ela se sentava, me virei de volta para o Millard.

– Eu agradeço a sua ajuda. Maggie está preocupada sobre a Helena ter encontrado o corpo dele na biblioteca. Eu estou tentando saber um pouco mais do George para ver se tem alguma outra ligação que possa ajudar a April Montague.

Millard assentiu.

– Claro, Kellan. Eu não tinha nada além de respeito pelo trabalho do homem. Como pessoa, ele era arrogante e rude. Enquanto estou confiante de que a xerife vai determinar quem matou o George, ter você investigando o assunto parece como uma vantagem a qual ela ainda não percebeu. Pelo menos até o que a nossa experiência passada tem nos dito. Certo, meu amigo? – seu sorriso era grande o suficiente para indicar que ele sabia que eu amava um bom mistério. – A propósito, George contratou aquele novo assistente. Ele ou ela deveria ficar na cabana que o George comprou para ajudar com a reforma. Talvez isso possa lhe dar mais alguma informação adicional para apontá-lo na direção correta.

– Não me diga, Kellan está te fazendo fofocar tudo sobre aquele professor morto. – Eustacia riu alto enquanto se aproximava da mesa, apontando seus dedos para mim. – Eu acho que você já conseguiu o que queria do meu irmão. Eu vou pegar o meu assento agora. Imagino que você tenha uma investigação para fazer.

Eu agradeci à Eustacia pela generosidade dela, e perguntei sobre o paradeiro da minha filha. Emma estava comendo pedaços de frango e salsão na cozinha com o Chef Manny. Eleanor também concordou em cuidar dela enquanto eu jantava com a Ursula. Antes de eu me afastar, Eustacia me relembrou:

– Você levou um pouco de tempo demais para descobrir o assassino da minha cunhada, Kellan. Por favor, tente desvendar esse mais rápido. A sua reputação está em jogo, você sabe.

Eu sacudi a minha cabeça e me afastei sem responder. Eu sabia que era melhor não perguntar o que ela queria dizer, ou discutir qualquer uma das opiniões dela. Eu não precisava de reprimenda no meio da Lanchonete Pick-Me-Up. Depois de me sentar em frente à Ursula, eu disse:

– Eu acho que nós temos bastante para discutirmos.

– Eu estive pesquisando sobre o George Braun nas últimas horas. Não existe nenhum registro oficial sobre o homem antes de 1995. A biografia dele diz que ele nasceu e cresceu na área de Chicago, cursou um programa de pós-graduação em Washington D.C., e começou sua carreira em um instituto suíço. Eu tenho um amigo na Universidade de Georgetown conferindo para confirmar a frequência dele. – Ursula paracia exausta apesar de sua tentativa de esconder as olheiras inchadas.

– Você disse que a explosão aconteceu em 1993, certo? Dois anos para ele se recuperar de suas queimaduras e ferimentos, então talvez ele tenha mudado sua identidade de Hans Mück para George Braun e criou uma nova vida. Isso é possível, mas por que? – meus dedos tamborilavam pela mesa enquanto uma garçonete se aproximou para fazermos o nosso pedido. Eu queria uma taça de vinho ou um coquetel, mas isso não era uma opção, já que eu estava dirigindo com a Emma. Mesmo que eu soubesse que a Francesca não havia sido morta em um acidente por causa de um motorista bêbado, eu ainda não conseguia me fazer tomar sequer uma gota de álcool quando a minha filha estava no carro comigo.

– Sim, há vinte e seis anos atrás nesse verão. Eu nunca vou me esquecer daquilo. – Ursula disse com uma expressão de dor aumentando em seu rosto que era quase impossível de observar. – É possível que ele seja o Hans, é claro, dependendo da extensão dos ferimentos dele. Ele tinha feito vinte e um anos, mas eu ainda era uma menor de idade e não pude mudar meu nome até alguns anos depois.

– Conte-me novamente sobre isso. Talvez alguma coisa nova venha à mente. – eu disse, bebendo a minha água enquanto imaginava os pais da Ursula, Mila e Josef Mück. Pelo que eu podia lembrar, eles eram botânicos famosos que emigraram da Alemanha para Chicago no fim dos anos 60, antes de terem dois filhos, Hans e Sofia. Já que eles estavam muito focados na pesquisa para a cura de doenças desconhecidas e que se desenvolviam rapidamente, não eram pais muito atenciosos. Eles passavam cada minuto acordados estudando os efeitos de várias espécies de plantas no sistema imunológico humano.

Enquanto a garçonete servia duas saladas gregas, Ursula explicou o seu passado para mim mais uma vez.

– Hans e eu nos criamos sozinhos. Nós éramos inseparáveis, apesar de ele ser cinco anos mais velho do que eu. Assim que nós estávamos suficientemente maduros, nossos pais nos forçaram a trabalhar no laboratório para eles depois da escola, algumas vezes até bem tarde da noite. Isso fez com que nós dois fossemos incrivelmente dedicados e focados, mas toda aquela pressão também teve os seus impactos negativos.

– Você mencionou uma vez que o Hans havia desenvolvido quase como que um complexo de deus, quase como se ele se sentisse compelido a descobrir a cura sozinho. – eu disse, contemplando a linha entre trabalhar demais e trabalhar o suficiente. Os pais nunca deveriam empurrar seus filhos para longe demais de seus limites, ou isso podia eventualmente machucá-los. Eu tentava encontrar o equilíbrio correto com a Emma, mas sempre me preocupava se estava fazendo a coisa certa.

– Algumas semanas antes da explosão acontecer, Hans começou a desafiar meus pais com maior frequência. Ele alterava o plano de testes deles, escondia resultados e os enganava com medidas e detalhes. Ele não sabia que eu estava prestando bastante atenção. Ele era um megalomaníaco obsessivo em uma viagem ao poder, tentando se assegurar que parecesse que ele estava liderando a busca pela cura. Então, ele descobriu que eu havia possivelmente encontrado as fórmulas corretas para ajudar os meus pais a conquistarem seus objetivos. – Ursula continuou enquanto pegava uma foto da sua bolsa. – Essa é uma foto de mim e dele no laboratório pouco tempo antes de tudo pegar fogo.

Eu estudei a fotografia, comparando com o que eu conseguia me lembrar do George Braun durante a minha curta conversa com o homem. Enquanto haviam algumas similaridades, era difícil de dizer com certeza se eles eram a mesma pessoa.

– Nós precisamos descobrir por que ele ficou escondido durante todos esses anos e, de repente, tentou entrar em contato com você. Será que ele poderia estar atrás das fórmulas que foram destruídas? Você se lembra delas? – eu expliquei que o Millard havia me contado sobre as reações de George com Braxton, sugerindo que ele poderia ter reconhecido sua própria irmã.

– Não. Depois do acidente, eu fiquei traumatizada. Eu me distanciei intencionalmente de tudo que tem relação com ciências ou botânica desde aqueles dias. Quando Hans me viu pela última vez, eu tinha apenas dezesseis anos. Eu mudei bastante, mas você ainda consegue perceber alguma semelhança. – Ursula disse, acariciando a foto com seu dedão. – Se ele viu a minha foto no jornal da faculdade ou em algum artigo online, ele pode ter vindo até aqui para verificar por conta própria. O tempo combina com quando eu comecei a receber aqueles bilhetes mencionando o meu passado.

Ursula recontou o restante da história dela. Uma noite após seus pais terem se retirado para o escritório para preparar uma aplicação para novos fundos, Ursula escutou seu irmão conversando com uma das assistentes de laboratório sobre uma grande descoberta mais cedo nos resultados dos testes. Hans havia indicado que ele estava planejando alterar a pesquisa para parecer que os testes dos seus pais haviam dado errado, mas ele iria manter os resultados verdadeiros e construir um caso para ele mesmo apresentar aos membros executivos da instituição.

– Eu ainda não entendo o que aconteceu. Depois que a assistente de laboratório foi embora, Hans me confrontou para roubar as fórmulas. Eu implorei que nós conversássemos juntos com nossos pais, mas ele disse que estava cansado de eles nos negligenciarem e nos forçarem a trabalharmos o tempo todo com absolutamente nenhum crédito ou futuro para nós mesmos.

– Você mencionou que ele te atacou naquele dia, certo? – eu me lembrei da Anita Singh ter algumas preocupações sobre trabalhar com o Hans. Será que havia alguma coisa acontecendo entre os dois? Será que ela era a assistente dele? Anita era pelo menos dez anos mais velha que ele, então ela poderia ter trabalhado para os Mück. Certamente, Ursula teria reconhecido a mulher do passado. Será que eles já se encontraram?

Ursula assentiu.

– Eu estive lá a tarde inteira anotando os resultados de um dos experimentos deles. Todos os outros haviam ido para casa. Os nossos pais estavam no escritório do outro lado do andar. Eu pensei que se eu conseguisse fazer com que eles nos escutassem, tudo ficaria bem no final. Antes que eu pudesse escapar, Hans me segurou contra a mesa de metal onde ele estava preparando uma mistura para um experimento.

– É compreensível que você tenha precisado distraí-lo. Ele parece ser um monstro.

– Eu estiquei minha mão para trás enquanto ele segurava meu corpo contra aquela superfície fria e exigia que eu desse as fórmulas para ele. Eu percebi alguns que pós que ele planejava usar estavam em uma tigela próxima. Eu tentei pegar a tigela para acertar a cabeça dele, mas ela caiu para longe do meu alcance. Hans havia separado uma quantidade excessiva de nitrato de potássio que pode ser perigosa. – Ursula fez uma pausa e tremia sobre o que parecia ser uma série de reações erráticas da síndrome de estresse pós-traumático.

Eu me senti terrível assistindo a minha amiga reviver uma memória dolorosa.

– O que é o nitrato de potássio?

– Um fertilizante. Os meus pais o estavam usando para apressar o crescimento das flores como parte da pequisa deles. Quando você o combina com algo como açúcar ou mel sobre a chama aberta, ele cria uma pequena explosão, o suficiente para assustar alguém, então eles parariam imediatamente o que estavam fazendo no momento.

Ursula explicou que haviam vários bicos de Bunsen conectados a um grande suprimento de gás natural. Ela ligou o gás e girou o topo do queimador, então a chama se estendeu para inflamar a mistura de nitrato de potássio e açúcar, causando instantaneamente uma reação semelhante aos fogos de artifício sendo lançados e estourados. Hans foi pego desprevenido, o que permitiu Ursula chutá-lo nas canelas e sair correndo do laboratório para encontrar seus pais.

Infelizmente, enquanto o plano da Ursula era criar uma distração no laboratório, ela inesperadamente causou uma segunda explosão, mais forte. Ela não sabia que em um dos armários de suprimentos, Hans havia estupidamente mantido uma grande quantidade de glicerina, um fertilizante líquido, para um experimento futuro. Enquanto ela corria para fora do laboratório e curvava um corredor, uma grande chama saía do bico de Bunsen continuamente lançando chamas sobre a mistura de nitrato de potássio e por todo o equipamento do laboratório. Ela tentou entrar lá novamente, mas o fogo se espalhou rápido demais. Ursula correu em direção ao outro escritório para alertar seus pais, mas desmaiou por causa da inalação de fumaça. O alarme de incêndio do prédio disparou e o corpo de bombeiros chegou, encontrando Ursula inconsciente na calçada do outro lado do prédio em chamas. Quando as chamas no laboratório chegaram ao grande tanque de glicerina, o prédio foi detonado em uma grande explosão, apesar das tentativas dos bombeiros para contê-lo. Com todos os químicos no laboratório, foi uma combustão incontrolável que deixou apenas um sobrevivente, Sofia.

– Por causa da extensão dos danos, nós presumimos que quem quer que tenha me levado para fora, deve ter voltado para salvar o resto da minha família. Nós pensamos que tinha sido o meu irmão, e que ele havia ficado inconsciente enquanto tentava encontrar os meus pais. Tudo foi incinerado depois da explosão. Por mais que eles tenham encontrado alguns restos humanos, naquela época os testes de DNA estavam apenas no começo. – Ursula explicou. Ela foi eventualmente forçada a confessar para a investigação que havia inadvertidamente causado a explosão, e foi constado como um acidente pela equipe forense que cobriu o fogo. Os pais dela e o irmão haviam sido listados como as únicas três vítimas do incidente, que também destruiu todas as pequisas e resultados de testes que eles haviam documentado de seus experimentos.

A assistente de laboratório eventualmente revelou aos investigadores que os Mücks haviam descoberto a cura para uma doença de desenvolvimento rápido. Ela vazou a informação para a imprensa, que acabou levando a humilhação pública e perseguição contra Sofia, que era a única sobrevivente e havia causado toda aquela situação. Sem nenhum parente ou alguém para cuidar dela, Sofia roubou o dinheiro que seus pais tinham, vendeu alguns de seus pertences, e fugiu. Ela morou na rua durante três meses, então foi morar em um abrigo, e eventualmente conseguiu seu diploma. Assim que fez dezoito anos, Sofia mudou de nome para eliminar qualquer ligação que alguém pudesse fazer entre ela e a explosão, e começou uma nova vida como Ursula Power. O sobrenome Power havia sido escolhido para que ela nunca se esquecesse do que havia acontecido e se lembrar de não ser pega em sua própria viagem ao poder no futuro. Ursula havia sido escolhido porque ela se sentia tão feia por dentro como a bruxa do mar da “Pequena Sereia”.

– Parece que o seu irmão foi quem te salvou naquele dia. Ele deve ter sido pego pela explosão, mas de alguma maneira sobreviveu, escapou e precisou de cirurgia reconstrutora. – eu comentei. Se o George era supostamente Hans Mück, será que alguém o havia ajudado a sair do prédio e se recuperar? – Você se lembra de alguma coisa sobre a assistente? É possível que seja um dos professores de Braxton, Anita Singh, que trabalhava para a sua família todos esses anos atrás? – eu entrei no website da faculdade e mostrei à Ursula a foto da mulher.

– Eu não estou em Braxton há tempo suficiente para conhecer todos os funcionários. – Ursula respondeu, estudando a foto. – Anita Singh não me parece familiar.

– Já se passaram mais de vinte e cinco anos. As pessoas podem mudar de aparência.

– Eu não conhecia bem a assistente. Acho que o Hans a chamava de Lambertson. Era provavelmente o sobrenome dela, mas eu a vi uma única vez depois da explosão, quando ela me disse que eu era culpada por ter tirado o precioso Hans dela. Eu nem mesmo sabia que eles estavam juntos. – Ursula explicou enquanto a garçonete recolhia as nossas tigelas de saladas e trazia as entradas.

– Nós poderíamos pesquisar quem trabalhava no laboratório com o sobrenome Lambertson. Você tem algum outro contato que possa se lembrar? – eu perguntei, então fiz uma anotação mental sobre como eu poderia rastrear a identidade da antiga assistente. Será que era a mesma pessoa que Millard mencionou que estava agora trabalhando para o George Braun? Talvez eles tivessem entrado em contato novamente e estavan juntos na retaliação contra a Ursula. Eu precisava encontrar a cabana que George havia comprado e olhar os pertences dele. Presumindo que ele fosse o irmão da Ursula, isso provavelmente seria legal. Se ele não fosse, eu teria que lidar com as consequências posteriormente.

– Não, eu deixei aquela vida para trás. – Ursula disse, mexendo em seu prato de macarrão à bolonhesa com indiferença. – Eu não tenho certeza se consigo comer mais agora. Não me sinto muito bem. Nós temos que confirmar se o George Braun era o meu irmão, Hans. Se for ele, estou preocupada que eu possa ser a próxima vítima. Alguém pode estar atrás de nós.

– Se você não recebeu mais nenhuma carta, a probabilidade de seu perseguidor ser alguém mais além dele é bem pequena. Se ele tinha um parceiro, eu entendo porque você está preocupada com sua própria segurança, mas você tem que se focar em algo bem pior. – eu comentei, me lembrando da mancha vermelha no xale de Frida Kahlo dela.

Ursula parecia como um veado assustado.

– E o que possivelmente isso poderia ser?

– Se foi o seu irmão quem foi assassinado, a polícia pode pensar que você matou ele. Como você mesma me disse, você sumiu por alguns minutos depois de encontrar aquele bilhete no baile à fantasia. Será que alguém sabia onde você estava nos trinta minutos antes de eu encontrar o corpo, ou você esteve se escondendo o tempo todo?

Um olhar de desespero surgiu no rosto da Ursula.

– Eu estava sozinha depois que encontrei aquele bilhete e antes de conversar com você. Não acho que ninguém mais tenha me visto naquele período de tempo. Eu estava propositalmente ficando escondida.

– Eu não pude não perceber a mancha vermelha na sua fantasia, perto do seu...

– Não era sangue. Alguém derrubou molho no meu xale enquanto eu passava pelos convidados. – Ursula disse antes que eu pudesse terminar de falar. Os olhos dela estavam grudados na mesa. – Era o xale da minha mãe, uma das poucas coisas que eu consegui manter da minha vida antiga. Você acredita em mim, certo?

Nós terminamos a nossa refeição em silêncio. Eu prometi dar uma olhada no quarto do George na Pousada Roarke & Daughters Inn. Eu precisava conversar com a Helena sobre a briga do George com o Cheney no pátio, mas talvez algo no quarto dele fosse identificar qual seria o melhor próximo passo. Isso também poderia revelar qual cabana ele havia comprado, então eu poderia procurar pela assistente dele. Se fosse a mesma do passado, e eu tirasse uma foto dela, Ursula poderia reconhecer a mulher. As discussões da Anita Singh com o George também eram igualmente importantes para se investigar, e eu teria que conversar com o Reitor Mulligan. Apesar das minhas teorias fazerem sentido, será que eu estava deixando alguma peça de lado nesse quebra-cabeças? Não poderia ser tão simples quanto Hans e sua assistente, Lambertson, tivessem tido uma briga que levou ao assassinato dele em algum tipo estranho de luta, ou como vingança por algo que ele tenha feito.

Ursula pagou a conta, o que incluía um generoso desconto de vinte por cento vindo da minha irmã. Eu acompanhei a minha chefe até o estacionamento e esperei até que ela dirigisse para longe. Ela não deveria ficar sozinha até que nós pudéssemos confirmar quem estava atrás dela. Depois de ela se afastar, comecei a voltar para a lanchonete. Eu ouvi passos atrás de mim e fiquei preocupado que alguém estivesse nos seguindo de perto. Será que era o perseguidor da Ursula? A pessoa que matou o George Braun? Ou eu iria me virar e me ver cara-a-cara com outra visão da Francesca?


7

 


Eu parei bruscamente e me coloquei em modo de defesa. Com minhas pernas firmes no chão, eu girei meu corpo e inesperadamente colidi com o Sam Taft. Ele se assustou quando me viu e ficou tenso.

– Kellan, me desculpe. Eu não te vi parado aí.

Sam não sabia que eu havia presenciado ele e o meu irmão se beijando semanas atrás, mas Gabriel sabia que eu os havia visto juntos na graduação. Será que o Gabriel contou ao Sam que ele me viu? Eu não estava com vontade de ficar fazendo joguinhos, então disparei o que estava na minha mente.

– Onde ele está, Sam? Eu sei que o meu irmão está de volta na cidade. Por que ele não contou para a nossa família?

Sam deu um passo para trás.

– Quem? Eu acho que você me confundiu com outra pessoa. Eu não conheço o seu irmão.

– Não minta para mim. Eu tenho certeza de que o Gabriel pediu para você dar cobertura a ele e não me contar nada. Sei que eu sou o motivo por alguém da sua família estar na prisão por ter matado a sua avó, mas eu estava do seu lado durante toda aquela situação. – eu não havia passado nenhum tempo com o Sam desde que descobri quem estava jogando por detrás das cenas, mas eu não achava que ele teria algum rancor contra mim.

Sam pareceu estar em conflito.

– Você foi o motivo, e por mais que tenha me machucado saber da verdade, eu não te culpo.

– Mas você ainda não vai me ajudar com o meu irmão, vai? – eu peguei os ombros dele enquanto ele pisava na direção da entrada da lanchonete. – Por favor, Sam. Ele foi embora há oito anos. Eu quero falar com ele. Dizer a ele que eu o amo e que... – eu fiquei preocupado que o Gabriel estivesse se escondendo porque não queria revelar suas escolhas de vida para a família. – Eu quero dizer a ele que não há nada que ele possa me contar que vai me deixar chateado com ele. Quero que ele volte para casa. Vou estar do lado dele não importa o que aconteça.

Sam relaxou, mas ainda se afastou de mim.

– Parece que você realmente se importa com o seu irmão. Alguma coisa aconteceu entre vocês dois? Não que eu o conheça ou que eu possa ajudá-lo. Apenas curiosidade. – ele deu de ombros e olhou para longe, como se essa fosse uma conversa casual sobre alguém que ele não conhecia.

Eu podia dizer que o Sam estava mentindo, mas também percebi que ele não queria estar fazendo isso.

– Realmente me importo com ele. Eu estive fora por muito tempo, mas estou de volta. Se ele estivesse em casa agora, eu faria com que ele entendesse. Não importa o que mudou ou o que ele tenha feito da vida. – eu precisava convencê-lo de que eu apoiava o Gabriel, mas não queria assustar o Sam. Se o Sam ainda estava escondendo a verdade sobre sua sexualidade, revelar o que eu havia visto poderia fazer com que ele se recusasse a me ajudar de qualquer maneira.

– Se eu pudesse ajudar, eu iria. Eu entendo como é ter um irmão. Brad e eu estamos conversando mais recentemente, e nós temos bastante coisas em comum. – Sam comentou antes de se virar para ir embora. – Boa sorte para encontrar o Gabriel.

Eu tive a distinta impressão de que o Sam piscou para mim enquanto entrava na lanchonete. Talvez ele fosse contar ao Gabriel o que eu havia dito. Se eu não tivesse notícias do meu irmão dentro de três dias, tentaria novamente. Mas por enquanto, eu tinha assuntos mais urgentes. Antes de voltar à lanchonete para pegar a Emma, mandei uma mensagem para a Helena.


Eu: É o Kellan. Eu preciso ver você sobre algo importante. Podemos nos encontrar?

Helena: Estou ocupada com o Cheney. Este pode ser o meu última dia de liberdade se os tiras me prenderem por um assassinato que não cometi. Uma garota precisa se divertir um pouco antes de ser trancafiada.

Eu: Eu acredito em você. Quero ajudar. Mas também preciso de algo de você. Um favor. Apenas entre nós dois.

Helena: Isso parece divertido. Você está dando em cima de mim? Venha na pousada amanhã. Vou trabalhar no turno da manhã.


Eu sabia que ela ia morder a isca se eu dissesse que precisava de ajuda. Enquanto eu não estava acima do flerte para conseguir respostas, talvez se nós trabalhássemos juntos, eu poderia provar a inocência dela e descobrir quem estava perseguindo a Ursula. Então a vida poderia voltar ao normal novamente, permitindo que eu me focasse em encontrar a Francesca. Espere, no que os meus dias haviam se tornado quando era normal ter uma esposa que havia sido ressuscitada dos mortos?

* * *

Depois de deixar a Emma na escola na manhã seguinte, eu segui para a rodovia na direção norte em direção à base das Montanhas Wharton para chegar na Pousada Roarke & Daughters Inn. Eu tinha duas horas antes da minha primeira aula começar, e já havia preparado o conteúdo na noite anterior depois de voltar da lanchonete. A Nana D havia saído cedo para se encontrar com o gerente da campanha dela sobre os eventos de último minuto para a próxima reunião do conselho da cidade. O dia da votação era só daqui a uma semana e, dependendo de que lado do condado que você perguntava, tanto o Marcus Stanton quanto a Nana D poderiam estar na liderança.

Quando entrei na pousada da família da Maggie, eu acenei para a mãe dela que estava ocupada fazendo o check-out de um hóspede que reclamava sobre a conta. O pai da Maggie estava na cozinha preparando o café-da-manhã. Eles geralmente serviam uma variedade de pães, cereais, iogurtes, frutas e bolos. Eu peguei um copo de café e um scone de baunilha enquanto Helena vinha pelo canto e subia a escada ornamentada.

Com a minha boca cheia de farelos suculentos, eu consegui murmurar:

– Espere, você prometeu conversar comigo. – só que isso saiu como se fosse um cachorro que havia bebido cerveja demais, não que eu aprovasse dar álcool a um cachorro.

– Eu pensei que o inglês era a sua linguagem primária. Como você consegue comer aquela coisa toda cheia de açúcar e ainda tem a aparência de alguém que estaria na capa da revista Men’s Fitness? – Helena provocou em uma maneira teatral. Ela parou no começo da escada, dobrou um de seus dedos e sinalizou para que eu a seguisse. – Eu preciso de você no quarto agora.

Com os olhos arregalados, eu inclinei a minha cabeça e disse:

– E eu vou estar, eu corro várias vezes durante a semana para queimar tudo o que eu como. Também falo outras três línguas e posso falar “estoure uma rolha” em dozes línguas diferentes. Não mexa comigo antes de eu ter tomado café suficiente, futura prisioneira.

Helena parou no segundo andar, se virou completamente, e grunhiu.

– Você fica bem sexy quando age dessa maneira. É assim que eles vão se referir a mim na cadeia? Se eu tiver sorte, não vou ter que usar listras. Elas não ficam bem em uma garota com as minhas curvas.

Se eu estivesse prestes a ser preso (não importando se eu havia cometido ou não o crime) eu não ficaria brincando tanto.

– Você não está levando isso a sério, não é mesmo?

– Olhe, Kellan. Não tenho nada a esconder. Eu estava no lugar errado e na hora errada. Aquela xerife sabe que eu sou inocente, mas ela tem que seguir todas as regras. – quando nós chegamos ao terceiro andar, Helena destrancou o quarto 305 com o que parecia ser uma chave-mestra.

– Você tem acesso a todos os quartos? – eu perguntei, pensando sobre encontrar uma maneira de entrar no quarto do George Braun. Enquanto ela entrava no quarto, eu espiei pelo corredor até uma porta com uma placa amarela dizendo “Fique longe. Proibido acesso sem permissão da gerência” em uma letra preta.

– Nós estamos limpando o quarto de um hóspede que acabou de fazer o check-out. O quarto que você está olhando do outro lado do corredor pertencia ao cara que comeu poeira. – Helena disse em um tom sério. – Essa chave abre tudo. O que mais você precisa saber, Nancy Drew?

– Oh, você quer dizer o cara morto cujo corpo você foi encontrada inclinada sobre? – eu disse com uma pontada de sarcasmo enquanto entrava no quarto trezentos e cinco e ficava do outro lado da cama, oposto à Helena. Eu supus que a polícia havia insistido para que ninguém tivesse acesso ao quarto enquanto eles ainda estavam investigando o assassinato do George. – Você entrou lá desde que tudo aconteceu?

– UUUUiii... isso é estranho. Não tenho muito tempo para conversarmos, mesmo que o pensamento sobre como você está sexy com essa camisa colada ao corpo e como seria divertido tirá-la de você tenha passado pela minha cabeça. Maggie nunca deveria ter desistido de você na segunda chance. – ela disse, retirando os lençois da cama. – Isso seria muito mais rápido se você me ajudasse. Eu posso até mesmo lhe contar o que você quiser saber.

Enquanto nós retirávamos os lençois e eu aprendi o quão difícil é o trabalho das camareiras, Helena explicou o que ela sabia sobre o George Braun. Ele era geralmente quieto e contido, mas fez várias perguntas sobre a faculdade, os funcionários administrativos e o baile à fantasia.

– Como ele sabia sobre o evento? – eu perguntei enquanto ela esvaziava as latas de lixo do quarto. Eu não tinha certeza do porque ele havia participado já que havia acabado de chegar na cidade e não era um doador rico.

– Karen Stoddard convidou ele. Ela estava aqui em uma reunião com a Maggie para planejar o evento. Ele estava sentado num dos salões lendo um livro e bebendo uma taça de vinho. Nós encorajamos os nossos hóspedes a se socializarem, entende.

Essa foi a segunda possível relação que eu havia feito entre os Stoddards e o George Braun. Poderia ser uma coincidência o fato de ele ser de Chicago e eles terem vindo do meio oeste, mas isso estava começando a soar sinos de alarme na minha cabeça.

– Maggie não achou estranho que ele tivesse sido convidado?

– Yeah, mas a Karen falou da amizade dele com o Millard Paddington e de como o George poderia promover a empresa na exposição de flores para encorajar contribuições adicionais. Maggie comprou a ideia. – Helena sumiu dentro do banheiro e ligou a torneira da banheira. – Você quer se juntar a mim?

Quando eu entrei no banheiro de azulejos brancos simples, mas elegante, eu me lembrei de um retiro de spa.

– Eu não vou limpar o banheiro. Tenho limites com relação a minha pesquisa.

– E quem disse alguma coisa sobre limpar? Eu pensei que nós podíamos nos sujar um pouco antes de...

– Já chega, Helena. Eu sei que você está brincando, mas assassinato é uma coisa séria. Eu também não vou flertar com a irmã da minha antiga namorada, que pelo que eu entendi, já está saindo com pelo menos outro homem chamado Cheney. – foi uma boa mudança de assunto, já que eu precisava saber mais sobre o cara antes que eu visitasse o restaurante dos pais dele naquela tarde para inquirir sobre o passado deles.

Helena andou até poucos centímetros de mim e deu um beijo na minha bochecha.

– Tão inocente. Você precisa se divertir mais na sua vida, Kellan. Deve ser chato e doloroso ter que agir certinho o tempo todo.

Eu não ia dar a satisfação a ela por saber que suas palavras eram mais verdadeiras do que eu poderia imaginar. Exceto por toda aquela coisa da esposa morta e da máfia, e de eu encontrar alguns corpos, a minha vida aqui era meio tediosa comparada com a minha antiga vida de Los Angeles.

– Fale sobre o Cheney.

Helena explicou que ele havia se mudado com os pais para Braxton alguns meses atrás. Ele estava super animado para ver sua irmã mais nova, Sierra, que havia acabado de vir visitar seus pais depois do primeiro ano de faculdade de direito no exterior. Helena e Cheney haviam tido alguns encontros, e ela gostava bastante dele, mas ele podia ser possessivo às vezes.

– Ele não gosta que eu seja um espírito livre. Quer que eu pare de sair com outros caras, mas eu disse que isso não vai acontecer tão cedo. Eu só sigo a onda. A paz é o caminho.

– Ele já ficou agressivo demais por causa disso? – eu perguntei, preocupado pela segurança dela.

Helena suspirou, então começou a esfregar o pedestal da pia.

– Não muito, quero dizer, ele não chegou a ficar negativamente físico comigo, mas...

Quando ela hesitou, eu me aproximei e coloquei a mão no ombro dela.

– Mas o que?

– Se lembra quando eu disse que vi alguém brigando com o George Braun na biblioteca?

– Sim, eu sei que era o Cheney. – eu fiquei preocupado com a próxima frase dela.

– Cheney havia agarrado a gola do terno do George e estava gritando com ele. Eu estava parada no corredor enquanto eles estavam no pátio. – a fala cuidadosa da Helena mostrava que ela estava nervosa.

– Eles conheciam um ao outro? – eu perguntei, tentando deduzir como eles podiam estar ligados.

– Eu acho que não. – ela hesitou e bateu o pé contra a banheira. – Mas o Cheney viu George e eu discutindo no quarto dele outro dia. Ele ficou agitado sobre o modo como o George gritou comigo. Eu tive que impedir Cheney de bater na porta do George naquela tarde. Fiz com que ele prometesse deixar isso de lado. Alguns hóspedes ficam difíceis sobre como nós deixamos os quartos ou se tiramos alguma coisa do lugar.

Helena estava me dando informação útil e suspeitos potenciais.

– Eu tenho que te perguntar duas coisas. Provavelmente você não vai gostar de ambas.

– Além da minha possível liberdade, o que eu consigo em troca? – Helena fez biquinho, mas quando percebeu que eu não ia cair na dela, ela continuou. – Está bem, quais são elas?

– Você tem alguma relação com a morte do George? – eu perguntei enquanto nossos olhos estavam ligados pelo espelho.

Helena começou a tirar o pó dos móveis, mas parou para olhar para mim enquanto respondia.

– Não, eu juro. Eu conversei com o cara algumas vezes na pousada. Nós tivemos uma discussão acalorada sobre o quarto dele, e eu disse que não mexeria mais. Ele foi completamente legal novamente na manhã seguinte, o dia do baile à fantasia. Então eu vi ele e o Cheney discutindo no pátio. Quando Cheney se afastou e parecia mais calmo, eu corri para o salão principal para encher algumas bandejas de comida.

– E como você acabou novamente no pátio? Quantos minutos haviam se passado? – eu perguntei, esboçando a linha do tempo na minha cabeça.

– Vinte minutos, não mais que isso. Eu enchi duas bandejas, coloquei-as no salão principal, decidi que eu precisava de uma pausa para um cigarro, e pensei em verificar se a briga entre o Cheney e o George havia realmente acabado. Quando eu voltei lá, não havia mais ninguém. Eu acendi o meu cigarro, e foi então que pisei em algo. Eu já lhe contei o resto. – Helena disse em um tom frustrado e choramingante. – E antes que você pergunte, eu conversei com o Cheney. Ele jurou que deixou o George sozinho no pátio e voltou para atender no bar. Ele estava numa pausa e tinha que retornar antes que ficasse com problemas com seus pais. Você pode confirmar com eles que ele estava lá.

Isso seria algo que eu iria investigar, mas eu me perguntava o quanto disso a xerife já sabia. Helena disse que assim que o Cheney confirmou que não tinha nada a ver com a morte do George, ela convenientemente negligenciou a informação ao detetive sobre tê-los visto brigando.

– O que o seu advogado disse?

– Eu não contei a ele sobre o Cheney. Finnigan está em reunião com a xerife agora mesmo para descobrir quais evidências eles tem, ou se já tem algum resultado dos testes que eles fizeram. Eu estava com luvas, então as minhas digitais não vão estar na faca. Será que eles podem me prender apenas por ter estado perto do corpo? – Helena, pela primeira vez, parecia preocupada sobre a coisa toda de ir para a prisão. – Eu acho que isso poderia ser ruim para mim, mas eu sempre acreditei que se você não fez nada errado e não tem nada a esconder, tudo ficaria bem. Você sabe, ignore os policiais.

A garota era uma sonhadora e quase ingênua demais para perceber que as coisas não funcionavam assim.

– Você precisa ser cuidadosa. E precisa contar ao Finnigan sobre isso, ou eu vou. Ele tem que saber sobre tudo para poder te ajudar a sair desse problema. A Maggie está preocupada com você.

– Vou pensar sobre isso. Eu não quero meter o Cheney em problemas. Então... qual era a segunda coisa?

Eu juntei as minhas mãos e me balancei para frente e para trás sobre meus pés.

– Será que você pode me deixar entrar no quarto do George Braun?

Dez minutos depois, eu havia passado aspirador de pó no quarto trezentos e cinco, limpado o vaso sanitário com um escova nojenta, e substituído todas as toalhas e produtos de higiene. Helena ficou sentada casualmente em uma cadeira soprando a fumaça do cigarro pela janela, então concordou em deixar-me entrar no quarto do homem morto.

Quando eu fechei a porta atrás de nós, Helena riu.

– Eu sinto o espírito dele aqui. Quase como se ele estivesse com raiva por causa de algo. Eu acho que eu também ficaria com raiva se tivesse sido assassinada.

– Você precisa passar mais tempo com a minha irmã, Eleanor. Ela sabe de tudo sobre essas coisas. – eu disse enquanto olhava pelo quarto. A cama havia sido feita, havia um chocolate no travesseiro e tudo parecia em ordem. – Então, pela aparência disso, George foi até a biblioteca para a festa depois que seu quarto havia sido limpo para a noite, mas nunca voltou. Quem cuidou desse quarto? Você estava na festa, o que significa que não foi seu trabalho.

– Yuri Sato. Ela é uma estudante em Braxton, mas tem um trabalho de temporário conosco quando nós precisamos de uma ajuda extra. – Helena comentou enquanto abria as gavetas da cômoda. – A polícia já passou um pente fino por aqui. Tem algo de engraçado nisso sobre como eu fui encontrada com a arma do crime nas minhas mãos e a vítima estava hospedada na pousada da minha família.

– Sim, certamente mais do que uma coincidência. – eu disse, revirando os olhos. Eu me lembrava de ter conhecido a Yuri alguns meses atrás na Casa de Espetáculos Paddington durante os ensaios para o Rei Lear. Eu poderia perguntar se ela tinha visto alguma coisa estranha no quarto do George naquele dia da festa. – George se encontrou com alguém enquanto esteve hospedado aqui?

Helena suspirou.

– Algumas pessoas, eu acho. Millard Paddington veio aqui uma vez. Uma outra mulher veio aqui toda bem vestida. Ele conversou com ela no salão frontal. Algo sobre a futura exposição de flores, eu acho.

Eu presumi que essa também poderia ter sido a pessoa com quem George estava trabalhando para perseguir a Ursula. Quando pedi para a Helena descrever a mulher, ela não conseguiu se lembrar de nada.

– E quanto à papeis? Você viu alguma coisa por aqui? Nomes? Datas? Algo que pudesse ligá-lo ao assassino?

– Aquele detetive me fez as mesmas perguntas. Sabe, você até que é bom nessa coisa de investigação. – Helena passou um dedo no tampo da mesa de cabeceira e riu. – Ops. Yuri deixou passar um lugar.

– Isso é infeliz. – eu disse com indiferença. – E quanto a sua resposta para a pergunta.

– Não. George era bem organizado, nunca deixava nada fora de lugar para eu encontrar, mas ele me perguntou uma vez sobre o cofre na parede. – Helena disse animadamente.

– Espere, ele colocou alguma coisa lá? – eu pensei que estava prestes a fazer uma descoberta, mas sabia que precisava sair rapidamente daquele quarto antes que alguém percebesse que nós entramos ilegalmente. Eu também precisava voltar para o campus para ministrar a minha aula de hoje sobre honestidade nas publicações escritas e na divulgação de notícias. Não era uma boa ironia?

– Nah, George pensou que era arriscado demais, e é por isso que eu mostrei a ele o esconderijo secreto debaixo do colchão. – Helena levantou a colcha e apontou para uma madeira perto do topo, onde estavam os travesseiros. – E antes que você me pergunte, não, eu não sei se ele realmente colocou alguma coisa ali. Também não contei ao detetive sobre isso.

– Mas por que? – eu estreitei meus olhos. – Isso poderia ser algo que ajudasse a xerife a procurar por outros suspeitos!

– O detetive não perguntou, e eu não pensei nisso naquela hora. – Helena se jogou no chão, rolou para cima das costas, levantou um pedaço solto da madeira e colocou sua mão dentro do espaço escuro. Quando ela saiu de debaixo da cama e inclinou sua cabeça para mim, estava sorrindo.

– Eu não perguntei sobre isso também, mas você me disse que estava ali. Espere, você encontrou alguma coisa? – eu perguntei exasperado. Helena era verdadeiramente o oposto da Maggie em todo sentido possível.

– Parece uma pasta cheia de recortes de jornais e outros papeis variados. – ela disse enquanto tirava a mão de debaixo da cama e jogava sua descoberta no tapete, perto do meu pé. – Eu te contei porque gosto de você.

Enquanto ela deslizava pelo chão, uma foto da Ursula chegou aos meus pé. Eu folheei rapidamente pelo conteúdo da pasta e vi muitas fotos dela e de outros, assim como uma cópia do artigo do jornal sobre a explosão de 1993. O último documento era uma carta escrita à mão com um inventário de coisas a fazer. O primeiro item da lista era “Encontrar a minha irmã”. O segundo era “conseguir vingança”. Bingo, isso podia não ser uma prova científica, mas certamente parecia que o George Braun era realmente Hans Mück que havia encontrado sua irmã depois de muitos anos.

Bem na hora que a Helena estava prestes a pegar um dos documentos da minha mão, nós ouvimos passos no corredor. Eu não consegui ver ninguém através do olho mágico na porta, mas nós não queríamos ser pegos dentro do quarto. Esperamos mais alguns minutos, e quando ouvimos o ranger da escada, saímos escondidos do quarto do George Braun, corremos para o trezentos e cinco, e fechamos a porta.

– Eu adoraria olhar todo esse arquivo, mas provavelmente deveria entregá-lo para a polícia, certo? – eu perguntei.

Helena caminhou até mim e me olhou diretamente nos olhos. Enquanto falava, ela desabotoou todos os botões da minha camisa e tirou-a de dentro da minha calça. Então ela abriu completamente a camisa.

– Eu sabia que você tinha um abdômen sarado escondido aí.

Eu estremeci quando os dedos dela tocaram o meu abdômen e peito.

– Hmmm.... O que você está fazendo? – as palavras mal escaparam por entre os meus lábios hesitantes enquanto tentava não deixar minha mente divagar.

– Você confia em mim? – Helena traçou seu dedo no centro da minha barriga, desceu com seu dedo pelo meu estômago passando pelos pêlos no meu abdômem, e colocou a pasta na minha cintura, parando pouco antes de entrarmos na zona de perigo. Essa havia sido a primeira vez em dois anos que eu havia tirado a minha camisa na frente de uma mulher. Helena deu uns tapinhas na pasta, para que ela ficasse colada no meu peito, então fechou minha camisa e a reabotoou até que eu estivesse completamente vestido novamente. – Vê? Essa era a melhor maneira de sair da pousada com essa pasta escondida, então você pode procurar por qualquer evidência que possa ajudar no meu caso. Se os meus pais soubessem que você tinha essa pasta, eles iriam insistir para que nós a entregássemos para o Escritório do Xerife do Condado de Wharton e para o Finnigan Masters agora mesmo. Eles seguem a lei, diferentemente de nós.

– Hmm, isso é ilegal, e eu sempre sigo a lei. – eu disse com uma fala travada. Acho que ainda estava um pouco agitado por ela ter colocado suas mãos no meu torso nu apenas segundos antes. Será que eu gostei disso, ou foi apenas um choque temporário? – Eu não posso tirar isso da propriedade. Não pertence a mim. – eu grunhi para mim mesmo por ser o cara bonzinho e ceder aos meus instintos.

– Tarde demais. As suas digitais provavelmente já estão na pasta. Eu assisti várias séries policiais para saber como isso é feito, Kellan. Leve-a para casa e leia.

– Além de cruzarmos muitas linhas, como isso nos ajuda com os policiais? – eu sacudi a minha cabeça para ela e fechei os olhos.

– Quando você terminar, limpe-a e traga de volta. Eu vou colocar naquele esconderijo novamente, contar ao detetive que me lembrei da minha conversa com o George Braun, e sugerir que ele procure debaixo da cama. Voilà! – parecia que a Helena já havia feito isso antes. Ela também provou que era muito mais inteligente do que eu havia dado crédito a ela no passado.

Assim que Helena me chutou para fora do quarto, eu finalmente sucumbi ao plano arriscado e me xinguei por saber o quanto isso era errado. Eu decidi levar a pasta comigo, mas antes que eu cavasse mais fundo por detalhes, precisava considerar as opções. Haviam linhas que eu estava disposto a cruzar, mas eu não queria interferir em uma investigação em andamento. Por outro lado, isso poderia ajudar a provar a inocência da Helena e resolver o problema do perseguidor da Ursula.

Quando eu sentei no carro, transferi a nova evidência encontrada para dentro da minha bolsa, dirigi até o campus e ministrei a minha aula de duas horas. Eu me sentia sujo e eletrizado pelo que havia feito. Já fazia algum tempo que esse tipo de sensação havia me tentado. Eu não tinha ideia do que fazer sobre a súbita mudança das minhas atitudes e ações. Será que a Helena seria uma má influência para mim? Será que a Maggie sabia o quão diabólica sua irmã podia ser? E se ela podia roubar e mentir, quanto longe estaria de cometer um assassinato?


8

 


Três horas depois, eu concluía a minha aula e fiz uma ligação para o escritório do Reitor Mulligan. A secretária dele rapidamente transferiu a ligação quando eu disse que era urgente.

– Obrigado por atender a minha ligação. – eu comecei.

– Qual é o problema? Eu tenho uma reunião com a Ursula daqui a alguns minutos. – a voz do Reitor Mulligan estava áspera e distante. – Eu não tenho tempo para lidar com as reclamações de todo mundo hoje.

Alguém estava zangado. Como eu faria ele revelar o que sabia sobre o George Braun ou sobre os desentendimentos entre ele e a Anita Singh? Uma ideia começou a se formular na minha cabeça.

– Você sabe quem vai ajudar na Exposição de Flores Mendel agora que o George Braun faleceu?

– Eu nunca deveria ter concordado com isso. Aquele homem não fez outra coisa a não ser me deixar de luto desde o dia em que apareceu! Você está querendo assumir o lugar dele? O que você sabe sobre botânica e ciência, Kellan?

Nada, e essa não era a minha intenção.

– Não, não. Eu quis dizer que o Millard Paddington tem muita coisa em seu prato agora, e eu estou preocupado com a saúde dele. Estou apenas tentando cuidar dele. Você sabe se tinha alguém trabalhando de perto com o George Braun? Eu poderia pedir a ele para assumir uma responsabilidade maior para aliviar o Millard.

– Na minha opinião, George Braun estava apenas preocupado em conseguir fundos para seus experimentos no laboratório. Quando eu aprovei o valor do salário dele para o curso de verão, nunca esperei que ele fosse pedir por muito mais. Eu não quero me envolver. Converse com a Anita. Ela é a única outra pessoa mais perto dele.

– Eu perguntaria, mas escutei que eles não se davam muito bem. Parece que as pessoas não gostavam muito do George. – eu respondi, me sentindo estranho sobre a conversa, mas encorajado de saber que George tinha inimigos.

– Ursula está me incomodando sobre essa exposição de flores... me fazendo perguntas sobre como eu contratei um homem tão pomposo para representar Braxton. Eu estou feliz que ele não está mais entre nós, se você me perguntar. A morte era mais do que aquele homem merecia! – o Reitor Mulligan gritou antes de desligar o telefone.

Era assim que o Reitor Mulligan se comportava normalmente? Será que poderia haver uma chance de ele ter algum envolvimento com a morte do George? Eu sabia pouco sobre o homem, mas me lembrei imediatamente da Myriam reclamando frequentemente sobre o estilo não-profissional do seu chefe, e seu complexo de superioridade. E ela falando isso! Me sentindo mais confuso do que nunca, eu voltei à minha SUV e dirigi até a região central do Condado de Wharton para terminar a minha pesquisa sobre os Stoddards antes de me focar nas queixas da Anita Singh e do Ed Mulligan com relação ao George.

Localizado no centro das quatro vilas locais, o ponto de encontro amável e bem frequentado continha a maioria dos prédios administrativos do condado, assim como um shopping e restaurantes ao longo do Rio Finnulia. Eu estacionei em uma vaga pública ao sul dos edifícios cívicos, paguei o parquímetro, e caminhei cinco quadras até encontrar o restaurante dos Stoddards.

O novo espaço deles ocupava o que havia sido um armazém de estocagem de grãos antes de serem enviados de barco pelo rio. O teto alto com o encanamento e tubos de energia aparentes, fios e vigas de madeira faziam o local parecer industrial, e ainda assim moderno. À minha direita havia uma pesada porta de metal com uma janela de vidro jateado e as palavras “Simply Stoddard”, a empresa de organização de eventos e buffet, gravado em uma letra decorada. À minha esquerda ficava o bar e o espaço de jantar do novo restaurante da Karen e do Doug.

– Posso ajudá-lo? – um cara jovem em uma camisa pólo azul, calça cáqui ajustada e tênis sujos perguntou enquanto eu me aproximava do balcão frontal no pequeno vestíbulo. Na parede atrás dele estava um quadro coberto por vidro com adagas antigas e suas bainhas correspondentes. Apesar de estar faltando uma no canto direito, era claro que alguém tinha um entusiasmo ávido por armas perigosas e elaboradas.

– Meu nome é Kellan Ayrwick. Eu pensei em passar por aqui para comer algo e conversar com os donos. – eu fiz uma pausa para ler uma das bainhas que indicavam que a faca correspondente e que estava desaparecida era alemã.

O cara se virou para ver o que eu estava olhando.

– Meu pai é fascinado por facas e tem uma coleção com peças de todo o mundo há vários anos. Ele ama caçar e sempre mantém suas habilidades em dia.

– Eu o conheci no último final de semana com a minha amiga, Maggie. – eu comentei, me sentindo com sorte por ter encontrado o Cheney sem precisar procurá-lo. Eu considerei o que ele havia acabado de me contar sobre a obsessão do pai dele por armas afiadas.

– É claro. Conheço a Maggie, ela é a irmã da Helena. Eu sou o Cheney, e você está procurando pelos meus pais. – o sorriso do Cheney mostrou dentes quase perfeitos enquanto ele pegava um cardápio de uma prateleira atrás dele e caminhava na direção da sala de jantar. – Você provavelmente vai querer um lugar perto das janelas posteriores, certo?

– Sim, por favor. Helena me contou um pouco sobre você. – ele tinha pelo menos um metro e oitenta, ombros largos e uma estrutura musculosa, e estava bronzeado por causa do verão. Uma estrutura facial esculpida e uma pequena entrada em seu queixo eram as suas melhores características. Ele tinha uma beleza clássica, mas tinha uma má postura ao caminhar e um passo lento. Por um momento, imagens de um homem de Neandertal surgiram na minha mente enquanto eu esperava pelo Cheney resolver seu dilema sobre qual mesa iria me colocar sentado.

– É, uma garota e tanto. Estou saindo com ela tem algumas semanas. Ela pode ser a certa, se é que você me entende. – ele disse, jogando o cardápio sobre a mesa. As habilidades de hospitalidade dele tinham que melhorar um pouco.

– Oh, eu acho que entendo o que você quer dizer, mas ela ainda é nova. Pode querer manter a mente aberta, certo? Você só se mudou para cá há alguns meses, se eu me lembro bem. – eu puxei a minha própria cadeira e me sentei encarando a bela vista de uma pequena cachoeira com um moinho perto da margem do rio.

Cheney virou-se para mim com um olhar sombrio e pensativo.

– Ela não disse algo a você, disse? Sobre não querer mais sair comigo? – quando eu sacudi levemente a cabeça, ele se acalmou. – Desculpe, cara, eu só estou realmente na dela. Eu acho que vou chamar o seu garçon.

Enquanto Cheney se afastava, eu chamei o nome dele e esperei ele se virar.

– Talvez você pudesse me trazer um copo de água e me contar mais sobre você. – não era particularmente intelectual, mas estava claro que ele não havia se adaptado bem à indústria de prestação de serviços. – Você está estudando ou esse é o seu único emprego?

Cheney encolheu os ombros.

– Estou no setor da construção, mas não haviam empregos disponíveis agora. Então, estou trabalhando aqui com meus pais até que algo apareça. É meio que um saco, mas o que se pode fazer, não é mesmo?

A irmã da Maggie realmente sabia como escolher caras.

– Eu acho que te vi na outra noite, no baile à fantasia na Biblioteca Memorial de Braxton. Você estava trabalhando no evento com a Helena. – eu teria que fazer perguntas simples e específicas se queria conseguir tirar alguma coisa dele.

– Yup. Meus pais precisavam de ajuda, e o dinheiro era bom. A coisa da fantasia era meio divertida. Eu fui como Robin Hood. Você viu aquele maravilhoso arco e flechas nas minhas costas? – Cheney brincava com o encosto de uma cadeira, jogando-a de um lado para o outro, equilibrando-a em apenas dois pés.

Eu sacudi a minha cabeça, sem me lembrar dele na fantasia. Pelo menos ele não foi com a tanga que a irmã da Maggie havia pretendido originalmente.

– Helena certamente se viu presa em uma situação complicada. Eu não posso imaginar o que foi para ela encontrar, bem, você sabe... aquele professor no pátio.

Os olhos do Cheney ficaram arregalados e alertas, então a mão dele escapou da cadeira e ela acabou caindo ao chão com um alto estrondo.

– Ela não tem nada a ver com aquilo, então não seja tão duro com ela! – ele se inclinou para pegar a cadeira, mas continuou a me encarar. Haviam outros poucos clientes nas mesas no centro do restaurante que olhavam para nós.

– Ooohh, eu estou tentando ajudá-la. Sou um amigo da família Roarke, Cheney. – eu sussurrei, esperando acalmar o cara. Helena mencionou que ele tinha um temperamento difícil, mas o olhar de pânico em seu rosto lia como raiva pura e um medo profundo.

– Yeah, me desculpe, cara. Eu estou preocupado com a Helena. Aquele cara fez ela se sentir enojada. – Cheney fez sinal para uma ajudante que estava por perto, então ela passaria na minha mesa para encher meu copo de água. – Eu disse umas verdades a ele na biblioteca naquela noite antes que alguém matasse o perdedor.

– O que aconteceu quando você deu uma dura nele? – eu perguntei enquanto Doug e Karen entravam no restaurante. Eles provavelmente haviam ouvido o som e vieram ver o que havia acontecido.

– O cara disse que estava só pedindo por toalhas extras, mas eu sei melhor. Ele já havia quebrado a promessa que havia feito para mim alguns dias antes. Eu não confiava mais nele. – Cheney disse, ficando um pouco mais calmo. Talvez ele precisasse desabafar suas frustrações com alguém.

– Você já havia conhecido o George Braun antes desse problema com a Helena? – eu não tinha certeza se havia entendido direito a data específica desses eventos passados. Cheney claramente tinha algo a contar, mas nós fomos interrompidos.

– Está tudo bem aqui, filho? – Doug disse enquanto chegava na mesa, com a Karen ao seu lado. – Oh, nós nos conhecemos na outra noite. Você é o Kevin, não é isso?

Eu sorri. Quando um cara tem um nome diferente, ele se acostuma com as pessoas o chamando pelo nome errado.

– É Kellan, Kellan Ayrwick. Nós nos conhecemos no baile à fantasia. Você me convidou para passar por aqui e almoçar no novo restaurante. É um lugar maravilhoso.

Karen colocou um braço ao redor da cintura do Cheney.

– Tem alguma coisa errada com o computador no meu escritório, querido. Você pode dar uma olhada? Sierra geralmente conserta essas coisas, mas ela tem estado ocupada desde que veio para casa essa semana.

Enquanto Cheney se afastava sem se despedir, percebi que sua mãe estava impedindo que ele conversasse comigo. Será que ela havia escutado o que ele havia começado a me contar ou estava apenas sendo uma mãe superprotetora?

– Tecnologia pode ser uma coisa difícil. – eu olhei de volta para o Doug. – Sem problemas, nós apenas esbarramos um no outro e a cadeira caiu.

Doug não parecia ter acreditado em mim, mas ele não estava pronto para me questionar na frente dos clientes do restante.

– Sinto muito saber disso, mas estou feliz que tudo esteja bem. Seu almoço é por minha conta.

Karen empurrou a cadeira para mais perto da mesa, então disse:

– É claro que está. Você e o Cheney estavam se conhecendo? Ele é um bom garoto. Ambos os meus filhos são ótimos. Sierra está cursando direito na Universidade Queen Mary em Londres.

– Ele é atensioso e prestativo. – eu menti. Não precisava deixar seus pais com mais raiva ainda. – Cheney mencionou que vocês se mudaram para cá recentemente, mas não disse de onde. O que os trouxe para a nossa cidade reclusa?

Doug começou a falar, mas Karen colocou sua mão no braço dele.

– Nós moramos em alguns lugares. Cincinnati, St. Louis e Chicago mais recentemente. Uma das amigas da nossa filha frequenta a faculdade do outro lado do rio, em Woodland. Ela falou tão bem sobre isso, nós fizemos uma visita e nos apaixonamos pelas vilas dos arredores.

– Tem algo sobre um novo começo em uma cidade pequena que faz com que você se sinta parte da comunidade. – Doug comentou enquanto retirava os pratos extras da mesa e olhava estranhamente para sua esposa. – Posso recomendar alguma coisa para você? Eu sou o chef executivo, você pode confiar em mim. O salmão foi pescado hoje de manhã.

– Isso parece perfeito. – eu comentei entregando a ele o cardápio. – E me diz como foi a sua experiência de se mudar para cá. Eu cresci em Braxton, mas morei na Costa Oeste por alguns anos. Estou de volta há apenas alguns meses, por isso estou curioso sobre o que os outros pensam desse lugar.

Enquanto Doug parecia interessado em conversar, Karen estava distraída e queria ir embora.

– Oh, é bem adorável. Nós dois trabalhamos para outras pessoas durante tantos anos, chegamos ao ponto onde era hora de arriscarmos e começar o nosso próprio negócio. A família Roarke tem sido generosa ao nos apresentar para o pessoal mais influente do condado.

Doug acrescentou:

– Se eu tenho que ficar todo suado dentro da cozinha e trabalhar até bem depois da meia-noite, é melhor que seja no meu próprio restaurante, certo? E a Karen estava cansada das constantes conferências de tarde da noite nos resultados dela no...

– Escritório. Eu tinha muitos projetos que me faziam trabalhar o tempo todo. – Karen interrompeu, cutucando gentilmente o braço do marido. – Nós temos que organizar os eventos futuros, Doug. Vamos dar uma chance ao Kellan para admirar a paisagem e comer seu almoço.

Eu agradeci aos Stoddards pela hospitalidade deles e assegurei que iria comentar sobre como estava a minha refeição. Eu não podia pressionar ainda mais a Karen e o Doug sem causar uma cena, mas havia ficado sabendo suficiente para deixá-los fugir. Será melhor abordar cada um separadamente no futuro. Um dos três iria me dizer alguma coisa que pudesse confirmar uma forte ligação com o falecido George Braun. Por enquanto, eu poderia seguir as pistas que já havia conseguido até agora. Qual era a promessa que George havia feito ao Cheney e quebrado? Que tipo de trabalho a Karen fazia que ela precisava conferir os resultados tarde da noite? Quem ou o que realmente os trouxe ao Condado de Wharton? Eles não haviam sido completamente honestos, disso eu tinha certeza. Eu iria contar para a Ursula sobre o que havia ficado sabendo, e talvez ela pudesse decifrar o que estava acontecendo.

Enquanto eu devorava meu almoço, conferi com o Escritório da Xerife sobre o depoimento atualizado que eu precisava revisar e assinar. O Policial Flatman confirmou que eu poderia passar lá durante a tarde para resolver isso. Eu consegui perceber uma nova maturidade e confiança na voz dele. Ele estava de olho naquela vaga de detetive que estaria aberta assim que Gilkrist se aposentasse.

O salmão foi servido com um molho de raiz-forte delicioso e havia sido grelhado até ter a crocância perfeita da pele. Como acompanhamento, eles assaram couve-de-bruxelas com bacon, cebolas, alho e flocos de pimenta vermelha. A combinação do doce com o picante era de dar água na boca e reconfortante, e eu definitivamente iria recomendar o restaurante dos Stoddards para meus amigos e família. E isso não tinha relação com a sobremesa, um crème brûlée de avelã que surgiu na minha mesa depois de eu elogiar a experiência. Quando eu terminei, deixei uma nota de vinte dólares como gorjeta para o garçon porque a conta era por conta da casa.

Já que o escritório da xerife ficava a apenas algumas quadras de distância, eu caminhei pela margem do rio e inspirei o fraco aroma de mel e das rosas florescendo ao longo do caminho. Quando cheguei ao prédio administrativo do Condado de Wharton que continha o tribunal, a cadeia e os escritórios administrativos, eu senti uma onda de energia renovada consumir o meu corpo. Eu estava preparado para navegar nas águas lamacentas da minha tépida relação com a Xerife April Montague. Eu precisava encorajá-la a me contar qualquer coisa útil sobre a morte do George Braun.

Flatman me escoltou até o escritório da xerife comentando que o Detetive Gilkrist estava fora pegando um depoimento. Ele se recusou a responder a minha pergunta sobre quem o detetive estava interrogando.

– Não posso discutir casos em andamento, Sr. Ayrwick. – ele se retirou parecendo como um robô que precisava de um pouco de óleo.

A Xerife Montague levantou os olhos de uma pilha de papeis na mesa dela e disse para eu me sentar.

– Eu precisava conversar com você de qualquer forma. É por isso que estou fazendo isso ao invés da minha equipe. – ela havia dispensado o jeans e o blazer, e trocado por um par de calças verde jade e um suéter de cashmere creme de gola V. Ela havia colocado algum tipo de produto no cabelo, dividido ele para a direita, e penteado perfeitamente sobre a cabeça. Havia uma ondulação clássica que fazia a April parecer mais estilosa do que o normal. Ela também estava com uma corrente de prata no pescoço e um pouco de decote aparecendo. Essa foi a primeira vez que eu a vi sendo tão feminina.

Depois de me sentar, eu olhei pela sala dispersa e grunhi.

– Esse pode ser o escritório mais impessoal e sem graça que já vi, April.

– Não que eu precise explicar a mim mesma para você, Pequeno Ayrwick, mas eu prefiro um ambiente de trabalho pristino. Sem distrações. É importante que eu tenha foco nos casos que estão na minha mesa e em nada mais. – ela disse em um tom cordial enquanto me entregava o depoimento revisado. – Vamos resolver logo nossos negócios, então quero conversar sobre algo que cruzou o meu caminho recentemente.

Depois de ler o depoimento, eu o assinei e coloquei na mesa, fora do alcance dela.

– Você fez todas as correções que eu pedi. Como foi isso? – eu não fiquei surpreso que ela havia incluído as atualizações apropriadas, e sim por ela não ter deixado alguma coisa de fora propositalmente para me frustrar.

– Eu sou boa no meu trabalho. Não há necessidade de despediçar o dinheiro do condado, ou meu tempo. Acredite ou não, estou me acostumando com você como um cachorro se acostuma com as pulgas. – ela se sentou na cadeira até encontrar uma posição confortável. – Não deixe isso subir a sua cabeça.

Ela estava me comparando com um parasita?

– Eu aprecio isso. Então, antes de pularmos para esse assunto que você mencionou, posso lhe fazer algumas perguntas?

– Contanto que não seja sobre o caso atual, certamente. – ela disse enquanto estralava o pescoço fazendo um rápido movimento para a esquerda.

Eu tentei o meu melhor, mas me encolhi um pouco quando o pescoço dela fez um som alto de estralo.

– É sobre isso, mas eu não estou interferindo dessa vez. Eu prometo.

– Continue.

– Hipoteticamente falando, é claro, se alguém encontrasse... vamos dizer... uma pasta cheia de papeis em um quarto... vamos dizer... na Pousada Roarke and Daughters Inn. E ainda hipoteticamente falando, é claro, os ditos papéis pertencessem a alguém que houvesse sido recentemente assassinado... como ele deveria lidar com isso? – eu perguntei olhando diretamente para o rosto perplexo da xerife.

Para o crédito dela, nenhum músculo ou tendão se repuxou no rosto dela.

– Hipoteticamente falando, é claro, um detetive reputável e inteligente teria claramente marcado esse quarto como estando fora dos limites para o público em geral. Eu também presumiria que esses papeis devem ter sido encontrados pelos funcionários da pousada que teriam permissão para entrar apenas porque o dito detetive teria completado uma busca meticulosa do dito quarto e não precisava de mais nada dele.

– Uma pessoa pensaria que sim.

– Nesse caso, hipoteticamente falando, é claro, o empregado que encontrou tais papeis deveria ser a pessoa a notificar o escritório do xerife. Se isso acontecesse sob a minha jurisdição e outra pessoa tivesse retirado os papeis do dito quarto, eu me sentiria compelida a prender a pessoa, que não era um empregado da pousada, por quantos crimes que eu pudesse convencer um juiz a assinar um mandado. – April disse, ainda o único movimento era o da respiração enquanto ela exalava o ar.

– Eu acho que nós estamos na mesma página. Aprecio o seu cândido e detalhado conselho em um assunto tão complexo. Eu estou confiante de que se essa situação em particular fosse acontecer, os donos da pousada notificariam a xerife antes do dia acabar. Mas, já que isso é apenas hipotético. – eu continuei, pausando quando a mandíbula da April se retesou. – Nós deveríamos seguir para a próxima pergunta.

– Continue.

– Maggie Roarke, uma boa amiga minha de vários anos, me pediu que eu conversasse com a irmã dela sobre a experiência de ter encontrado um corpo. Como você sabe, eu tive a infeliz ocasião de encontrar alguns deles nos últimos meses. – eu estava tentando seguir o mais cuidadosamente que pudesse antes que ela abrisse a boca e injetasse veneno com suas duas presas no meu pescoço. Ou eu iria morrer por causa do veneno dela, ou a ferida iria sangrar.

– Você certamente esteve muito mais perto de qualquer investigação de assassinato do que eu gostaria. – April se inclinou para frente e pegou o depoimento assinado de mim, apesar dos meus dedos estarem pressionando-o levemente na mesa. – Por favor, chegue no seu ponto mais rapidamente. Estou ficando com rugas de ouvir você divagando.

– Okay. Eu vou ser direto e perguntar a você sobre a faca. Maggie me contou que ela tinha algum tipo de inscrição. Ela mencionou ter visto algumas letras incomuns. Eu por acaso sou um expert em algumas línguas diferentes e acredito que seja do alfabeto alemão. Talvez eu pudesse te ajudar?

– Em troca do que? – April disse enquanto tirava a minha foto e escaneava o meu depoimento para salvar no computador. Quem poderia imaginar que o Escritório do Xerife do Condado de Wharton tinha a tecnologia atual a sua disposição!

– Em descobrir se o nome da vítima era realmente George Braun ou se era uma identidade falsa que ele estava usando. – eu bati meus dedos na mesa, esperando pacientemente por ela responder.

April se levantou e fechou a porta do escritório.

– Obviamente, você sabe muito mais sobre esse caso do que está dizendo. Eu vou esquecer que você é um civil e que me irrita extremamente que você tenha colocado seus pés firmememte no meu lugar desde que voltou para Braxton. Então, fale logo, e se eu gostar do que me contar, vou considerar ser mais aberta com você.

Eu sabia que essa era a minha única chance de ajudar a Helena, mas também de construir um relacionamento melhor com a xerife. Eu contei o máximo que pude sem revelar nada confidencial. Contei para a April que Cheney havia visto Helena brigando com o George na pousada e que isso parecia ter relação com o quarto dele. Eu expliquei o que havia acontecido no restaurante Stoddard e como eu sabia além de dúvidas que eles estavam escondendo alguma coisa. Também mencionei o que Millard havia me contado sobre o George ter comprado uma cabana e contratado um assistente, assim como a ideia de que o George podia ser alguém que havia passado por uma reconstrução facial. Deixei de fora qual poderia ser o verdadeiro nome dele, para ver se a xerife iria realmente revelar algo para mim.

– A autópsia ainda não está completa, mas eu posso confirmar que o George Braun passou por extensivas cirurgias plásticas em seu rosto e várias partes do corpo. O legista suspeita que ele possa ter sido desfigurado por fogo ou em uma explosão em algum ponto do passado. O trabalho de enxerto de pele era intricado, e provavelmente foi feito por um especialista experiente, mas tem pelo menos vinte anos baseado por algumas cicatrizes.

– Você sabe qual pode ser o nome real dele?

A xerife sacudiu a cabeça.

– Ainda não. Nós não encontramos nenhuma evidência no quarto dele na pousada ou no espaço de escritório no campus, que aponte que seu nome seja outro senão George Braun. Se ele mudou de nome, isso foi feito há muito tempo. Ele tinha registros que voltavam até a metade dos anos noventa, mas nós mandamos um alerta para checar um maior período de tempo e uma maior área. – ela abriu um arquivo no computador e virou o monitor, para que eu pudesse ver a tela. – Essa é uma foto da faca. O que você pode me contar sobre ela?

Eu limpei uma mancha dos meus óculos com um lenço de papel de uma caixa na mesa dela, então me aproximei para estudar a foto. Era um monitor de toque, mas quando eu tentei tocar a tela duas vezes para dar zoom, não funcionou.

April colocou sua mão perto da minha e aumentou a imagem com dois dedos.

– Você tem que usar dois dedos com esse programa, e não um. – quando eu virei a minha cabeça na direção dela, nossos rostos estavam a poucos centímetros de distância. O hálito dela tinha o odor de bala de menta coberta com chocolate amargo e sonhos mágicos. Meu dedo escorregou, tocando no dela, o que fez com que nós dois nos encolhessemos por causa do contato.

– Me desculpe. – eu devo ter ficado vermelho por causa da intimidade súbita entre nós. Era estranho e calmante ao mesmo tempo.

April respirou fundo, desviou o olhar por alguns segundos, e então disse:

– Bem, alguma coisa?

– Ah, certo – eu murmurei, tentando tirar um pensamento inesperado e alarmante da minha cabeça. Eu tinha sentido algo ou era o meu cérebro me enganando? – Está escrito Mück. Eu tenho certeza de que é o sobrenome de alguém, talvez um brasão de família. É alemão. – culpa começou a me consumir por levar a April diretamente até a Ursula, mas isso precisava ser feito.

– Isso é útil, eu agradeço. – April virou novamente o monitor.

– Eu estava agora há pouco no novo restaurante Stoddard. Doug Stoddard coleciona facas. Você pode querer dar uma olhada no display na parede da entrada.

– Eu acho que você sabe mais do que está dizendo.

Será que um dos Stoddards havia roubado a faca Mück? Ou era apenas uma coincidência?

– Eu gostaria de conversar com alguém antes de revelar qualquer outra coisa. Isso pode nem ser importante ou não ter relação com o caso. Prometo que vou contar tudo o que eu sei. Você pode me dar um dia?

– Não. – havia uma pista de um sim na voz dela.

– Algumas horas?

– Não. – ela disse enfaticamente. Talvez eu estivesse errado sobre a pista. Poderia ter sido um soluço.

– Uma hora?

– Está bem. – April consentiu, afastando sua cadeira com um grande floreio.

– Eu tenho que ir. Ou eu vou entrar em contato com você novamente, ou outra pessoa vai ligar para contar o que ele ou ela sabe. Está bem assim? – eu fiquei em pé e dei alguns passos para trás como um adolescente entrando estranhamente na puberdade.

– Você tem uma hora, mas se eu não tiver nenhuma notícia, vou mandar o Policial Flatman te prender por obstrução da justiça. Estou sendo clara, Kellan?

– Você me chamou de Kellan. – eu ignorei a eletricidade passando pelo meu corpo. O que estava acontecendo?

– É a transição para o outro assunto que preciso discutir com você. – April comentou com um desconforto visível. – De natureza mais pessoal.

Eu não tinha certeza de onde essa outra conversa iria chegar, mas ainda estava fortemente focado no momento peculiar que aconteceu quando nós dois estávamos tocando o monitor.

– Sou todo ouvidos. – eu silenciosamente me chutei por ter mordido a isca. Sobre o que ela estava prestes a gritar agora?


9

 


– Você provavelmente percebeu que eu mencionei na livraria outro dia que você tinha ligação com a família Castigliano. Mais especificadamente com o grupo cruel de criminosos do Vincenzo e Cecilia.

Eu engoli em seco. Será que ela estava prestes a dizer que havia encontrado a Francesca?

– Eu fui casado com a filha deles.

– Eu sabia que a sua esposa havia falecido, mas não sabia sobre as circunstâncias. – quando a xerife juntou as mãos nas costas da cadeira, seu rosto mostrou um toque de empatia. – Eu sei o que é perder alguém que a gente ama tão inesperadamente, especialmente quando os fatos relacionados à morte deles não fazem sentido.

Eu não sabia o que ela estava tentando dizer, mas não ia interrompê-la com mais perguntas.

– Obrigado.

– O que eu estou tentando dizer, talvez não tão bem como poderia ser, é que eu espero não tê-lo ofendido quando falei sobre a sua ligação com a família mafiosa. Estou começando a entender por que você se comporta da maneira que faz.

– E isso significa? – eu perguntei apreensivamente, olhando para uma mancha de umidade no teto. Minha mão direita não conseguia parar de apertar minha coxa. Eu tinha certeza que ia ficar uma marca por causa da pressão, mas pelo menos minha mão estava escondida no bolso da minha calça, então ela não veria minha mão se encolhendo.

April continuou dizendo que ela havia recuado um passo depois que eu ajudei a equipe dela a solucionar a investigação do assassinato da Gwendolyn Paddington mais cedo naquele ano. Quando parte da descoberta dela revelou uma conexão do culpado com a máfia Castigliano, April estava determinada a chegar ao fundo do problema. Ela queria que o Condado de Wharton ficasse livre de qualquer dominância por parte de uma família criminosa e acordos desonestos.

– Quando eu fiquei sabendo que a Francesca Castigliano era sua esposa e que ela havia sido morta em um acidente de carro, eu me senti terrível por você e a sua filha. Emma é uma menina tão doce.

– Ela é a razão para eu continuar vivendo. – eu disse enquanto meu coração batia irregularmente. Será que a xerife sabia que Francesca ainda estava viva?

– Você já se perguntou se as circunstâncias da morte da sua esposa não eram um pouco suspeitas? Eu não estou tentando abrir feridas antigas, mas eu li os relatórios. Eles nunca encontraram o outro motorista, mas o carro tinha cheiro de bebida alcóolica, e esse é o único motivo que o caso foi atribuído como sendo direção alcoolizada. Uma testemunha disse que viu outro carro de cor escura parar e tirar algo da cena em uma bolsa preta. – ela pausou para ver se eu tinha alguma reação.

Eu não sabia desse detalhe. Quando cheguei ao local do acidente, eles não me deixaram chegar perto do carro da Francesca. Eu também não pude verificar o corpo no necrotério e pedi ao pai dela para fazer isso. Em retrospecto, eu não podia imaginar o que o Vincenzo Castigliano teria feito se eu quizesse ter visto a minha esposa uma última vez. Eu tremi com o medo crescente sobre o quão longe a família dela teria ido para me manter no escuro.

– Eu fiquei uma bagunça quando ela morreu. Rastejei para um buraco durante várias semanas e mal prestei atenção nas notícias. Minha avó foi até Los Angeles para cuidar da Emma para mim.

April esticou o braço na minha direção, mas parou antes de realmente tentar me confortar fisicamente.

– Como eu disse, eu sei o que é perder uma pessoa amada. Tem um motivo pelo qual estou mencionando isso.

– Eu preferiria não conversar sobre o passado. – eu disse, preocupado que a Francesca tivesse estragado seu disfarce.

– Escute-me, Kellan. Sua esposa morreu de uma maneira na qual você não tinha controle. Eu entendo que a causa listada tenha sido um motorista bêbado batendo no carro dela e prensando contra uma árvore. Estou preocupada que você esteja se deixando ficar perto demais desses assassinatos que nós tivemos aqui em Braxton como uma maneira de ajudar a seguir em frente. De aceitar a morte da Francesca. Para eliminar quaisquer traços de culpa que você ainda possa sentir.

– Hmm? – foi tudo o que consegui dizer. Será que ela estava tentando me dizer que eu queria resolver o que aconteceu com a minha esposa ao ajudar amigos ou famílias das vítimas a descobrir quem havia matado seus entes queridos? – Eu não entendo o que você está insinuando.

– É um mecanismo de enfrentamento. Ao invés de processar tudo o que você passou, você está se jogando em situações complexas e arriscadas. – ela completou.

– Você não está convencida de que a morte da Francesca foi um acidente? – eu murmurei.

– Eu estou um pouco preocupada nesse ponto. Eu li todos os relatórios, como disse antes. Também fiquei sabendo do que essa família é capaz de fazer, e um dos meus antigos colegas que está agora no FBI, disse que tem alguma coisa sinistra acontecendo na mansão da família em Los Angeles nos últimos anos.

Eu precisava escapar. Não importava se eu pudesse ou não confiar na April com a realidade do que estava acontecendo. Eu tinha que colocar a Emma em primeiro lugar, e não importasse o que acontecesse ou o que a xerife houvesse descoberto, eu sempre iria focar na segurança da minha menininha.

– Eu não sei sobre o que você está falando, mas também não posso discutir sobre isso agora. Franscesca morreu. Eu tive que aceitar isso. Talvez em algum tempo, eu possa pensar sobre o passado novamente, mas hoje não. – eu comecei a me afastar com passos rápidos e passei pelo Policial Flatman.

April me seguiu e pegou o meu ombro, sem estar disposta a me deixar sair.

– Eu não estou querendo me meter. Nem estou tentando te magoar intencionalmente. Mas eu precisava investigar a família baseado no que aconteceu nas Empresas Paddington com o caso de drogas. Pensei que você poderia estar interessado em me ajudar em algum ponto. Eu espero que não tenha lhe chateado por ter trazido à tona o que meus instintos estão me dizendo sobre a morte da Francesca.

– Eu tenho que ir. Tenho que ir buscar a Emma. – eu expliquei e saí correndo do escritório da xerife. Eu ouvi a April se desculpar, mas também me lembrar da promessa que eu tinha feito sobre contar o que eu sabia da morte do George Braun dentro de uma hora. Quando cheguei ao hall de entrada, eu saí sem olhar para trás.

Ao chegar à minha SUV, meu corpo inteiro estava cheio de raiva e ansiedade. Por mais que eu estivesse furioso com a April por ter trazido esse assunto à tona, eu já havia me distanciado das minhas emoções sobre perder a minha esposa. Francesca não estava morta. A mensagem da April não evocou dor ou perda. Ela fez com que eu percebesse o quão frustrado eu estava com o fato de que a minha esposa estava se escondendo de nós e havia deixado toda essa bagunça que eu tinha que lidar. Mais uma vez.

Organizando as minhas prioridades, eu liguei para a Ursula e expliquei o que havia ficado sabendo. Ela sabia que era hora de contar a verdade e prometeu que iria conversar com a April dentro de uma hora. Ursula também mencionou que a faca soava exatamente como uma herança de família que ela havia trazido para o escritório algumas semanas atrás.

– Eu a mantive na gaveta para me proteger do perseguidor. Vou ter que olhar se ela ainda está lá.

– Alguém sabia que ela estava no seu escritório? – como o Doug, por exemplo.

Ursula levou alguns segundos para refletir.

– O Reitor Mulligan entrou no meu escritório no dia que eu a levei para o campus. Ele me viu quando eu a coloquei na gaveta, até mesmo brincou sobre termos armas no campus.

Depois que nós desligamos, eu conversei com a minha mãe que concordou em pegar a Emma na escola e cuidar dela até de noite. Eu queria segurar a minha filha nos meus braços, mas antes que eu pudesse vê-la, tinha que liberar a tensão que estava se acumulando dentro de mim. Eu estava grato por ter minhas roupas de ginástica em uma bolsa no banco traseiro, e rapidamente me troquei para uma corrida antes do jantar naquela noite com a Nana D. Era a nossa última oportunidade de criar uma estratégia para ver se ela conseguia ganhar a eleição. Eu desesperadamente precisava de uma distração para a noite, onde eu estaria focado em qualquer coisa que não fosse morte. Não importasse se fosse a da Francesca ou do George Braun, minha mente precisava de uma noite sem pensamentos mórbidos.

* * *

– Ele vai trazer um convidado surpresa... um encontro... sobre o que é tudo isso? – eu terminei de arrumar a mesa da sala de jantar na casa da Nana D enquanto a preocupação escapava pelos meus lábios. Por mais que a corrida tivesse me ajudado, eu ainda não estava completamente relaxado. Millard e a minha avó haviam saído juntos por um curto período, mas isso não durou. Tudo o que ela sempre disse era que ele podia ser egoísta e muito antiquado.

– Eu não acho que é um encontro. Millard me disse apenas que ele tinha alguém que poderia ajudar com a campanha. Nós precisamos de toda ajuda que conseguirmos, especialmente depois daquele infeliz incidente na mansão Paddington. Eustacia ainda não me perdoou completamente. – Nana D disse em voz alta do outro lado da cozinha. Ela abriu a porta do forno e experimentou o bife. – Mais vinte minutos e essa belezinha vai derreter na nossa boca.

Eu amava como ela mencionava casualmente o incidente na mansão Paddington onde ela pensou que Eustacia e Millard estavam confraternizando com o inimigo, Marcus Stanton. A governanta da família Paddington, Bertha, havia me contado que a Nana D havia ficado louca e jogou uma panela de almôndegas e molho em cima de todo mundo. Nana D não sabia sobre o plano da Eustacia para forçar o vereador a revelar alguns dos seus segredos de campanha.

– Pensei que vocês haviam resolvido suas diferenças novamente. Eu não consigo me manter atualizado. Vocês duas são piores do que irmãs gêmeas que machucam uma a outra por causa dos desentendimentos mais tolos.

– O que é isso, meu neto brilhante? Você disse que precisa de uma margarita? – Nana D fechou a porta do forno e colocou a cabeça para dentro da sala de jantar para ver se eu havia rido com sua ameaça. – Taças de água na direita, por favor. Um pouco acima da faca. Você nunca aprendeu como servir uma mesa apropriadamente. E quanto a Eustacia, nós ainda somos próximas, mas eu estou esperado aquela bolsa velha conseguir sua vingança.

Essa ia ser uma noite longa. Eu me ofereci para atender a porta quando a campainha soou. Fiquei pensando se o Millard ia trazer a Eustácia para tentar controlar toda aquela situação. Eu conferi a mesa uma última vez e passei pelo hall para receber nossos convidados.

– Boa noite, Kellan. É sempre um prazer te ver. Deixe-me apresentá-lo a alguém. – Millard disse enquanto dava um passo para o lado para que eu pudesse ver a pessoa que estava atrás dele.

Era Lissette Nutberry. Ela estava vestida com um pequeno vestido preto estiloso que cobria seus joelhos e ombros, com um lenço de seda turquesa jogado por cima do peito e saltos altos combinando. O tom radiante destacava os pontos azuis de seus olhos cor de avelã. Ela parecia muito diferente de quando eu a havia visto no baile à fantasia com Marcus Stanton. Ela não estava na equipe do inimigo?

– Kellan Ayrwick, duas vezes em uma semana. Eu não sou uma garota de sorte? – Lissette disse, se aproximando para me dar um beijo na bochecha. – Eu estou muito animada para conversar com você. Não tivemos muito tempo naquela outra noite.

Eu dei ao Millard um olhar inquisitivo e convidei os dois para entrarem. Depois de pegar o lenço dela e o casaco dele, eu os elogiei pelas suas roupas e os escoltei pelo corredor. Nana D não gostava de formalidade, e preferia que eles ficassem ali pela cozinha enquanto ela terminava de cozinhar.

Lissette correu direto para a minha avó.

– Oh, Seraphina, já faz tanto tempo. Senti tanta falta de você.

Eu me lembrei de que as nossas famílias se conheciam, mas essas duas pareciam bem próximas.

– Posso servir uma bebida para vocês? – depois de servir quatro taças de vinho Pinot Noir da Califórnia que o Millard havia trazido consigo, eu decidi ser direto. – Lissette, é muito bom ver você de novo. Eu não havia percebido que você e o Vereador Stanton eram tão próximos. Ele parecia apaixonado na biblioteca.

Lissette gargalhou.

– Aquele cavalo velho? Não seja um tolo! Eu certamente o conheço socialmente, mas não seria pega morta nos braços dele. Só em seus sonhos! – ela bebeu um terço do vinho e ergueu a taça para oferecer um brinde. – À Seraphina Danby, a próxima prefeita, e ao querido neto dela, Kellan, que finalmente está de volta.

Depois de umas palavras, a Nana D percebeu meu desconforto.

– Kellan, querido, Lissette se ofereceu para conversar com todas as senhoras de sua liga auxiliar para me apoiarem no dia da eleição.

– Nós também vamos colocar alguns cartazes da campanha na farmácia da família e nas casas funerárias. Eu pensei que isso poderia ser um pouco estranho, mas Seraphina inteligentemente me lembrou de que ela estava contando com os votos dos cidadãos mais velhos. Quem passa mais tempo na farmácia ou nas casas funerárias do que a população sênior deste condado? Estou certa ou estou errada? – Lissette brindou com a taça da Nana D, e então ambas tomaram um grande gole.

– A Lissette cresceu com a sua mãe e a sua tia Deirdre. Eu a conheço desde que ela era só uma menininha pequena implorando que pudesse ajudar a tosquiar as ovelhas todos os anos. – Nana D comentou enquanto colocava algumas colheradas de manteiga no purê de batatas. Se ela não me matasse com todos os doces, as minhas artérias iriam entupir antes mesmo que a Emma chegasse à adolescência. Oh, eu temia esses dias!

– Ficar assistindo você fazendo lã era mágico. Eu tenho as memórias mais queridas dessa fazenda. – Lissette disse com um olhar distante. – Eu realmente queria que a Deirdre voltasse da Europa. Ela esteve por lá durante muito tempo. Assim como a minha irmã, Judy. – a voz da Lissette ficou mais suave e tinha um tom momentâneo de tristeza.

Millard pegou a garrafa de vinho e encheu novamente a taça dela.

– Lissette e eu tomamos chá ontem à tarde. Nós conversamos sobre a futura exibição de flores e como eu precisava encontrar alguém para me ajudar com a organização, agora que nós perdemos o George Braun. Coisa terrível, não é mesmo, Kellan?

– Verdade. Eu não consigo entender o que aconteceu com o homem. – eu me virei para Lissette. – Você é uma jardineira como o Millard?

Lissette pegou a mão dele e iluminou a sala com um grande sorriso.

– Millard não é um jardineiro. Ele é um paisagista brilhante com um conhecimento imenso sobre o mundo das flores. Eu nunca poderei ter o sucesso que ele tem, mas ganhei o prêmio anual de jardinagem em Braxton, o Grand Garden, alguns anos atrás.

– Não seja modesta. Você e a Judy cuidaram do comitê do Grand Garden durante anos. É uma pena que ela sentia que Braxton era pequena demais para ela, mas estou feliz que tenha encontrado a felicidade em outro lugar. – Nana D disse enquanto carregava uma grande panela de ferro laranja cheia de carne, cenouras, cebolas e um molho delicioso para a mesa.

– Eu queria que eu pudesse ter certeza de que ela encontrou a felicidade, Seraphina. Judy e eu nos mantivemos sempre em contato nos últimos dois anos, mas ela está muito difícil de ser encontrada desde que ficou doente e se mudou novamente. – Lissette bufou enquanto servia mais vinho para todos. – Estou tão preocupada com ela.

– O que você quer dizer com ela ter ficado doente e se mudado? – eu perguntei.

Já que a Lissette estava tomando outro grande gole de vinho, Millard respondeu.

– Judy escreveu para Lissette alguns meses atrás dizendo que havia encontrado um homem maravilhoso no trem um dia. Ela planejava vir para casa na primavera para apresentá-lo a todos, mas ele a levou para alguma cidade reclusa onde ela pudesse se recuperar de seu problema no coração. Você deve se lembrar de como é um novo amor.

– A sua Tia Deirdre está tentando encontrar eles. – Nana D disse enquanto se sentava.

– Eu reservei um voo para Londres amanhã. Deirdre vai me deixar ficar na casa dela antes de eu voar até a casa nova da Judy para fazer uma surpresa, presumindo que o detetive consiga encontrá-la. Esse é o primeiro amor dela, você sabe, e na nossa idade, é bem difícil conquistar um homem. – Lissette disse, dando uma olhada rápida na direção do Millard.

Se a Lissette e sua irmã tinham mais ou menos a mesma idade da tia Deirdre, ela também estava no fim dos quarenta ou começo dos cinquenta anos, era estranho que nenhuma das irmãs tivesse se casado antes. Eu também percebi que a Lissette podia estar atrás do Millard, apesar de ele ter idade suficiente para ser pai dela, porque a partida de Judy a havia deixado sozinha.

– Eu lhe desejo toda a sorte para encontrar a Judy. Estou confiante de que a tia Deirdre vai encontrá-los. Como a rainha dos livros de romance, ela está destinada a encontrar os dois amantes escondidos de todos enquanto começam uma nova vida juntos. – um pensamento estranho passou pela minha mente de que Judy e a minha tia estavam secretamente juntas, mas eu deixei esse pensamento ir embora rapidamente.

Depois que todos se sentaram, a Nana D fez uma prece rápida. Enquanto todos mergulhavam na nossa rica refeição feita em casa, nós começamos a conversar sobre a campanha para a prefeitura. Lissette nos assegurou de que ela estava apoiando a Nana D e nos contou algumas fofocas desconhecidas sobre o Vereador Stanton. Nós poderíamos usá-las para colocar a Nana D na liderança se isso fosse necessário.

Após uma deliciosa torta de cereja preta e a partida de nossos convidados, olhei de soslaio para Nana D.

– Eu estava imaginando, ou Lissette estava possivelmente flertando com Millard?

Nana D cuspiu seu vinho.

– Oh, eu espero que sim. Eu adoraria ver aqueles dois entrando numa briga quando Millard tentasse sufocá-la com sua insistência para que ela ficasse em casa e cozinhasse suas refeições. Ele nunca perdeu aquela ideia deformada das responsabilidades das mulheres. Um homem muito antiquado apesar de suas maneiras abertas em outros assuntos. Eu já estou cansada dessas coisas do passado.

– A tia Deirdre virá nos visitar logo?

A Nana D riu.

– Da última vez que nós conversamos, minha filha prometeu que estaria de volta antes do verão. Isso foi há apenas algumas semanas atrás. Talvez ela encontre a Judy e traga ela e o novo cara para a cidade.

Eu abracei a Nana D e caminhei até a casa de visitas. Meu celular vibrou enquanto eu destrancava a porta.


Ursula: Está feito. Eu contei à xerife o que eu sabia e que o George provavelmente é o meu irmão, Hans.

Eu: Eu sei que você estava preocupada, mas ela precisava saber disso. O que ela vai fazer agora?

Ursula: Ela quer encontrar nós dois no escritório dela amanhã. Aparentemente, você tem uma pasta que ela precisava recuperar?


Eu abri a minha bolsa e confirmei que a pasta ainda estava lá dento. Eu iria dar uma olhada nela antes de ir dormir para determinar se tinha algo importante antes de entregá-la para a polícia.


Eu: Sim. Eu a peguei agora à pouco. E quanto à faca?

Ursula: Eu vou dar uma olhada depois da nossa reunião para ver se é a mesma que eu havia levado ao meu escritório.


Depois de entrar em casa, eu conversei com a Emma, que estava animada de dormir com meus pais na Cabana Real-Chic. Enquanto ela adorava passar um tempo na casa de fazenda da Nana D e organizando a nossa nova casa na cabana de hóspedes, meus pais tinham uma grande sala de jogos e todos os canais de filmes. Eles tinham assitido um novo filme da Disney e ficado acordados até mais tarde do que eu teria gostado. Mas seria a minha mãe que teria que acordar a Emma para ir à escola, e não eu. Emma havia herdado de mim o seu desgosto intenso por ter que acordar cedo.

* * *

Às sete e meia, eu saí de casa para me encontrar com a Ursula na The Big Beanery no campus Sul para uma sessão de preparação. Já que eu havia passado a maior parte da noite passada revisando todos os papeis na pasta que a Helena havia encontrado, nós queríamos nos encontrar antes da nossa reunião com a xerife em uma hora. Eu precisava voltar ao campus para ministrar a minha aula da manhã, e a xerife havia prometido à Ursula que seria rápida. Enquanto eu abria a minha bolsa, bati meu cotovelo no painel do carro. Alguns minutos depois, assim que meu osso parou de me torturar, eu juntei tudo o que havia caído no chão do lado do passageiro e entrei no café. O que iria acontecer em seguida? Alguma coisa me disse que esse ia ser um dia terrível.

– Tem alguma coisa de valor na pasta? Se forem coisas do meu irmão, eu posso reconhecer alguma coisa. – Ursula sugeriu enquanto eu colocava dois cafés e duas tigelas de cerais com leite de amêndoas na mesa. Ela havia insistido em comprar o café-da-manhã, mas também exigiu que ele não incluísse nada doce ou cheio de carboidratos, citando a minha obsessão normal com doces. Eu havia concordado apenas porque ela era a minha chefe e havia dominado o olhar de alguém prestes a te atropelar se você discordasse dela.

– Dê uma olhada. – eu empurrei a pasta pela mesa. – Eu vou lhe dizer as coisas chaves que percebi.

– Eu agradeço por isso.

– Além de algumas fotos e artigos sobre a explosão, existem vários recortes de diferentes jornais. Ele rastreou toda a sua carreira nos últimos meses. Meu palpite é de que o George, ou Hans, como você preferir chamá-lo... – eu disse, parando para verificar como ela estava lidando calmamente com as notícias.

– Continue com George por enquanto. Nós não sabemos se ele definitivamente é o Hans. – Ursula tomou um gole de seu café.

– Meu palpite é de que o George não sabia de nada sobre você até que descobriu sua nomeação para a presidência de Braxton no começo do ano. Já que os recortes de jornais estão bem preservados e com cheiro de novos, ele provavelmente juntou todos esses artigos recentemente. Ele conseguiu cópias de coisas como o anúncio do seu casamento com a Myriam, a sua graduação da Columbia, e fotos da sua casa atual. – eu me recostei na cadeira e fiz uma pausa para ela absorver as notícias.

– Ele estava com raiva de mim. Eu posso dizer por causa de algumas anotações que ele fez nas margens. Não entendo por que ele iria se esconder durante todos esses anos. – Ursula disse, batendo seu punho contra a mesa.

– Olhe, nós precisamos entregar tudo isso para a Xerife Montague. Ela vai ter mais acesso aos registros dele do que nós. Eu tenho certeza de que ela está planejando pegar os arquivos da Interpol sobre o tempo que George passou naquele instituto suíço. Minha pesquisa encontrou que ele estava empregado lá, mas eu aposto o meu dinheiro que foi onde ele teve sua cirurgia reconstrutiva.

– Eu acho que você está certo. – Ursula estava prestes a dizer outra coisa, mas Myriam parou abruptamente no lado da nossa mesa e pigarreou tão alto que o próprio Shakespeare poderia ter ouvido.

– Eu tenho sido paciente. Tenho sido mente aberta. Tenho ficado quieta sobre todo esse tempo que vocês têm passado juntos. Mas digam-me, “Quão pobres são aqueles que não têm paciência! Que ferida já cicatrizou, mas aos poucos”?

Durante os três meses que eu conheço a Myriam, nunca tinha visto um fio do cabelo dela fora de lugar, nenhum pequeno tremor em sua compostura, ou uma pontada de ciúmes em sua voz. Agora, eu tinha visto os três e confirmei que ela não usava uma peruca!

– Bom dia, chefe.

– O que você está fazendo aqui? Eu pensei que você tinha uma reunião com o Reitor Mulligan nessa manhã. – Ursula disse, pegando a mão de sua esposa. Eu virei meu rosto com o momento de intimidade delas para ser respeitoso. – Kellan, você se importa de dar a mim e à Myriam um minuto para...

Apesar de eu ter me levantado, Myriam levantou sua mão com luvas na minha direção e com a pressão de um dedo no meu ombro fez com que eu me sentasse novamente.

– Nós três vamos ter uma conversa honesta e diplomática sobre o que está acontecendo. Se não fizermos isso, o Kellan vai ter o pior horário de aulas possível nesse outono. Eu vou colocá-lo para dar aulas de escrita iniciante para os calouros, então ele vai ser forçado a corrigir gramática, o dia inteiro.

Havia poucas coisas que eu abominava. Outras além da Myriam, é claro. Os calouros eram o banimento da minha existência. Pelo menos aqueles forçados a fazer um curso de escrita para satisfazer os requisitos gerais para todos os estudantes.

– Você não faria isso!

– Absolutamente que sim. Se você acha que a Desdemona foi o declínio de Otelo, pense novamente. Ele não podia aguentar a simplicidade de todos ao seu redor e isso causou sua própria morte. Esse vai ser você trabalhando com todos aqueles pirralhos que não sabem a diferença entre eu e mim. – Myriam pegou uma cadeira de uma mesa vazia próxima e estreitou os olhos. – Comece a falar!

Eu olhei para a Ursula, mas a derrota na compostura dela já estava aparente. Então, nós conversamos pacificadamente como três pessoas frustradas e suspeitas fariam. Myriam explicou que ela havia começado a juntar os detalhes estranhos e ficou sabendo do segredo da Ursula semanas atrás. Ela não havia revelado a descoberta esperando que sua esposa decidisse contar a verdade de sua própria maneira. Infelizmente, alguém do escritório da xerife ligou para a casa delas de manhã para lembrar que a Ursula não se atrasasse para uma reunião importante. Foi então que Myriam resolveu puxar a cortina dessa charada e salvar o dia.

– Obviamente, você precisa de uma prova que esse homem é o seu irmão antes de nós fazermos qualquer outra coisa. – Myriam se dirigiu à sua esposa. – Vamos esquecer o quão furiosa eu estou com vocês dois nesse momento. Nós devemos nos focar em como provar que você não tem relação com a morte dele. – Myriam olhou para mim e pegou uma colher do cereal da Ursula. – E quanto a você, desde que eu o conheci, Sr. Ayrwick. – ela disse, pausando quando uma gota de leite caiu no meu queixo quando ela moveu a colher na minha direção. – Você não é nada além de uma verruga incômoda, enxerida, que não para de fazer perguntas na ponta do meu mindinho, o que tem me irritado além de qualquer expectativa. Você também é, eu hesito em reconhecer, a perfeita solução para esse problema.

Ursula e eu nos viramos um para o outro com expressões confusas.

– Explique novamente.

– Não está óbvio? Ele trabalha para você. Ele trabalha para mim. Esse homem é compelido a investigar qualquer coisa, desde uma mudança não planejada na direção do vento, até em qual horário exato uma partícula de sujeira se soltou de seu sapato, com uma necessidade desesperada de encontrar algo mais vazio do que ele mesmo. – ela se acomodou na cadeira, cruzou as pernas, e fez um som de como se tudo houvesse sido acordado entre nós. – Eu espero um relatório diário. Duas vezes ao dia. Você tem setenta e duas horas para descobrir a pessoa responsável por esse ato horroroso e para manter o amor da minha vida longe da prisão ou de ser assassinada por esse abutre. Eu não preciso perguntar se estou sendo clara porque isso é um fato.

Algumas vezes eu posso ser um pouco reticente para reconhecer uma versão deformada de um compromisso. Outras vezes eu podia ser um pouco devagar se não tivesse tomado café suficiente. Não era esse o caso agora.

– Hmmm... você não acha que era por isso que eu e a Ursula estamos nos encontrando tanto nos útimos dias? – eu disse, baixando meu olhar para o chão. Antes que as serpentes aparecessem como o cabelo da Medusa, as pessoas pensavam que podiam confiar nela. Eu não queria cometer o mesmo erro que os gregos antigos ao olhar diretamente para a Myriam.

– Agora eu estou envolvida, então é melhor estar esperto. – Myriam se levantou e deu um sorriso na minha direção. – Eu tenho trabalho. Não se atrasem para encontrar a xerife. Espero um relatório completo assim que vocês dois voltarem. – Myriam se abaixou para beijar a testa da esposa. – Eu vou lidar com a sua falta de confiança hoje à noite. Esteja em casa às cinco horas. Eu não sugeriria estar atrasada. O sino atualmente toca por ti. – então ela se virou para mim. – Faça isso de maneira apropriada e você vai ter apenas as melhores aulas para esse outono. Falhe comigo ou com minha esposa, e vamos dizer... a morte de George Braun não vai ser a única perda suspeita de vida nessa semana em Braxton!


10

 


Assim que Myriam foi embora eu recuperei minha força, então me inclinei sobre a mesa.

– Ela não faria realmente alguma coisa comigo, faria?

Ursula sacudiu a cabeça.

– Eu queria poder ter certeza. Eu nunca a vi se comportando dessa maneira. Geralmente quando ela está chateada, ela grita citações de Chaucer contra mim. Pelo menos você tem Shakespeare como inspiração para ela. Eu acho que nunca a vi ser tão legal com você antes. Estou um pouco petrificada agora, se for ser honesta.

Ela estava sendo legal? Nós concordamos em seguir em frente e folheamos a pasta do George, marcando os itens importantes para a xerife investigar. Enquanto nós esperávamos no Escritório do Xerife do Condado de Wharton, me preparei para o segundo sermão do dia. Eu ainda não havia interpretado completamente o que havia acontecido no escritório da April no dia anterior quando nossos dedos acidentalmente encostaram um no outro.

– Ah, se esses não são os dois exemplos dos líderes mais perfeitos e honestos da Faculdade Braxton. Digam-me, vocês estão orgulhosos de si mesmos? Vocês acham que é assim que uma presidente da faculdade e um professor supostamente adorado e mentor para estudantes de graduação deveriam se comportar? – April arrancou a pasta da minha mão, apontou para duas cadeiras na frente da mesa dela, e bateu a porta.

Depois de ouvirmos o discurso da April sobre a necessidade de proteger evidências, a estupidez de tentarmos determinar por nossa própria conta quem estava perseguindo a Ursula, e uma lista de crimes que ela estava tentada a nos culpar, ela jogou um donut com calda na boca.

– Conte-me. Quais são seus próximos passos?

Eu olhei o último donut sabendo que não deveria pegá-lo. April provavelmente iria atirar em mim, então ao invés disso, eu ofereci resumir o que nós sabíamos até o momento.

– Provavelmente, George Braun é o Hans Mück. Nós precisamos encontrar qualquer prova de que ele tenha mudado de nome depois de sobreviver à explosão. Nós não sabemos porque ele estava tentando machucar a Ursula, mas se ele não fez outra coisa além de persegui-la, é provavelmente porque ele ainda tinha um acordo que queria fazer com a irmã. Alguém o matou, e nós achamos que ele tinha um parceiro que estava ajudando ele com qualquer que tenha sido o plano sinistro que criou. – agora eu entendia completamente a escolha dele para vestir a fantasia do Dr. Evil.

– Nós precisamos entender o que ele havia planejado para a sua mostra especial na Exposição de Flores Mendel. – Ursula sugeriu. Se ele estava planejando expor ela, poderia haver alguma evidência que nós não encontramos. – Até agora, parecia que ele esteve focado em revelar sua última pesquisa sobre como as abelhas eram a solução potencial. Ele planejava destacar a importância de salvá-las de seu rápido declínio populacional.

April disse:

– As pessoas não percebem quanto do que consomem exige que as abelhas prosperem e transportem pólen.

Eu dei a ela um olhar de curiosidade.

– Eu não tinha ideia de que você tinha tanto conhecimento sobre isso.

– Eu tenho várias colmeias no meu quintal dos fundos. Vou te convidar para vê-las durante uma tarde. – ela respondeu.

Ursula pigarreou.

– Eu tenho certeza de que o meu irmão estava planejando machucar-me. Ele tinha mágoas contra mim de quando éramos mais jovens.

– Você tem uma roupa de apicultor completa? – eu perguntei, incapaz de imaginar a April com uma.

– Eu tenho. Tenho uma extra também para quando alguém me ajuda. – April respondeu, ignorando a presença da Ursula. – Você deveria olhar o website do Apiário Indigo Acres. Várias coisas interessantes.

– Por mais interessante que seja esta bizarra ligação entre vocês dois, e por mais que esse desastre me fascine, podemos voltar ao assunto? – Ursula disse. Depois que eu e a xerife concordamos, Ursula contou tudo o que conseguia se lembrar sobre a assistente que havia trabalhado no laboratório todos esses anos atrás. Alguns novos suspeitos haviam subido ao topo e requeriam mais investigação.

April confirmou que eles não conseguiram encontrar o jaleco de laboratório da Anita Singh, mas ela iria entrevistar a chefe do Departamento de Ciências no dia seguinte para descobrir exatamente quando ele desapareceu. April também iria interrogar o Reitor Mulligan às três horas daquela tarde para esclarecer o ponto crucial dos desentendimentos com o George sobre a apresentação da pesquisa dele na Exposição de Flores Mendel.

– Enquanto todos esses são ângulos válidos, a minha prioridade agora é descobrir de onde a faca veio.

Quando ela mostrou a imagem na tela, Ursula arquejou.

– Esse é definitivamente o brasão da família Mück. E essa é a minha faca, ou era a faca que o meu pai mantinha na nossa casa como uma lembrança das batalhas dos nossos ancestrais contra os invasores franceses nos séculos XVII e XVIII. Quando eu corri após a explosão, eu a levei comigo para proteção.

– Você está me dizendo com certeza que a arma do crime pertencia a você, Srta. Power? – a xerife disse em um tom acusatório. Isso fazia a Ursula parecer tão culpada quanto Helena que havia sido pega com a faca.

– Eu a mantinha em uma gaveta no escritório, mas não sabia que ela tinha sumido. Eu não procurei por ela há bastante tempo. – Ursula comentou. Os olhos dela estavam cheios de preocupação e nostalgia por causa da morte de seus pais e seu passado complicado. – Um dos Stoddards deve ter entrado lá e pegado para colocá-la no display do restaurante. Não faz nenhum sentido o porquê ou como Hans conseguiu pegar ela.

– Você não sabe se foi um Stoddard ou o Hans. Tudo o que nós sabemos é que ela foi usada para matar o seu irmão. Outra pessoa pode tê-la encontrado e a levado para o baile à fantasia. – eu comentei.

April fez um som de desacordo.

– Baseado no exame preliminar sobre como o George Braun, possivelmente Hans Mück, morreu, foi definitivamente por causa de uma ferida à faca em seu abdômen. Na verdade, ele foi esfaqueado duas vezes. O assassino sabia exatamente onde cortar George para que ele sentisse o máximo de dor e tivesse uma morte quase imediata. Estranhamente, apenas as digitais do Braun foram encontradas na faca. Eu posso estar falando bobagem, mas acho que ele roubou a faca de você porque ele planejava te matar usando ela naquela noite. Talvez ele visse isso como uma maneira apropriada de conseguir vingança. Parece que alguém o pegou primeiro.

A xerife continuou indicando que pelo fato de não haverem outras digitais na faca, isso podia significar que ou o assassino usou luvas ou a limpou. Hans havia provavelmente tentado retirar a faca de seu próprio abdômen, mas morreu fazendo isso, o que explicava as digitais com sangue. Eu não podia imaginar como era a sensação de arrancar uma faca de sua própria carne e saber que estava prestes a sangrar até morrer.

– Se nós acreditarmos na Helena Roarke, ela encontrou o Hans momentos depois de o assassino ter escapado e Hans ter tentado retirar a faca. Helena a pegou, mas já que ela estava usando luvas como parte de sua fantasia, não haveria nenhuma digital. – a xerife comentou, olhando o relatório em seu computador. – Helena Roarke testemunhou George Braun discutindo com Cheney Stoddard no pátio às oito e vinte e cinco. Várias pessoas podem confirmar que Cheney retornou ao bar às oito e meia. Helena já havia voltado para encher várias bandejas de comida para a festa e não retornou ao pátio até às oito e quarenta e cinco. Conte-me novamente onde vocês dois estavam?

Ursula disse:

– Eu encontrei o bilhete pouco antes das oito e meia. Eu fiquei nervosa e corri para detrás das cortinas de seda que haviam por perto das portas que dão acesso aos escritórios privativos da biblioteca. Eu precisava decidir o que fazer em seguida e me escondi lá por cerca de quinze minutos. Foi então que o Kellan passou correndo por mim, e eu peguei o braço dele para mostrar o bilhete.

– Isso é verdade. – eu confirmei, me lembrando da mancha vermelha no xale dela. Será que eu deveria acreditar que era apenas molho? – Eu me lembro de olhar no meu celular às oito e cinquenta quando deixei a Ursula para procurar alguém em uma fantasia branca.

– Talvez Cheney seja o responsável. Cheney ou os pais deles tem algum tipo de ligação com o George, pelo que o Kellan me disse. – Ursula nos relembrou.

– O Detetive Gilkrist vai se encontrar com o Cheney e a irmã dele, Sierra, hoje. Ela voltou à cidade recentemente e está sempre com seu irmão quando nós vamos vê-lo. Ela é uma estudante do primeiro ano de direito e acha que pode protegê-lo. Eu vou explorar essa ideia se ela oferecer alguma pista nova. Então, se nós acreditarmos que foi o George quem deixou aquele bilhete para você pouco antes das oito e meia, isso significa que ele então foi até o pátio e discutiu com o Cheney. Helena testemunhou o desentendimento, mas desapareceu quando viu que os dois homens haviam parado de brigar. – April fez uma pausa e deixou que aquela informação se aprofundasse. – Se o assassino não é o Cheney, então nós temos alguma pessoa misteriosa que conseguiu entrar no pátio entre as oito e meia e as oito e quarenta e cinco, tempo suficiente para ter esfaqueado o George e escapado sem ter sido visto por alguém. Enquanto isso é possível, a janela de tempo é bem pequena.

– A Helena admitiu ter deixado a porta destrancada mais cedo. Qualquer pessoa poderia ter entrado escondida lá antes do Cheney. Havia vários escritórios e banheiros para se esconder. – eu disse.

– Verdade, mas eu não posso perguntar para mais de cem convidados quem poderia ter ido para lá. Nós estamos coletando os depoimentos de todos e verificando qualquer ausência das oito até as oito e quarenta e cinco. Eu não acredito que nós terminamos de conversar com os Stoddards, mas eles são uma prioridade para hoje. Você deve perceber que isso está apontando atualmente para três suspeitos primários. – a xerife comentou.

– Helena. Cheney. E eu. – Ursula sussurrou.

– Infelizmente, eu não tenho evidências suficientes para prender nenhum dos três. Vou olhar esse arquivo que você encontrou, e pretendo pesquisar a provável passagem de seu irmão como George Braun. Nesse ponto, eu vou mandar alguém para o seu escritório com você agora mesmo para procurar por qualquer impressão digital que tenha sido deixada para trás durante o suposto roubo. Eu vou precisar que você mostre qual era a gaveta onde você mantinha a faca. – April parou e indicou que era hora de nós dois irmos embora. – Não converse com mais ninguém e, por favor, fique fora dessa investigação, Kellan.

– Vou fazer o meu melhor, mas a Ursula me pediu para que eu a ajude a descobrir o que aconteceu com o irmão dela. – eu relembrei à xerife. – E quem pode estar tentando machucá-la se não era ele.

– Fique fora do meu caminho enquanto você faz isso. – April começou a fechar a porta depois que eu e Ursula saímos de seu escritório. – Eu vou te convidar para ver as abelhas depois que essa investigação acabar, Pequeno Ayrwick.

– Eu gostaria disso. Estou fascinado com todo o conceito. – eu tinha realmente dito isso? Eu estava me sentindo bem?

Quando nós voltamos ao campus, Ursula foi com o Policial Flatman olhar o escritório dela, e eu ministrei a minha aula matinal. Ela foi rápida, mas no fundo da minha mente, alguma coisa estava me incomodando sobre a linha do tempo de toda a situação e a conexão das pessoas envolvidas. Eu não conseguia pensar claramente, mas tinha certeza de que o Cheney Stoddard estava escondendo alguma coisa importante. Eu tinha que descobrir uma maneira de conversar com ele novamente, mas precisava de um motivo válido para aparecer lá e fazer as perguntas pertinentes. Com alguma sorte, o Reitor Mulligan ou a Anita Singh iriam confessar algo que ajudasse a April a encontrar o assassino, a não ser é claro, que fosse um deles.

Depois da aula, eu comi uma coisa rápida e dirigi até a Lanchonete Pick-Me-Up para pegar a Eleanor e levá-la até a consulta na clínica de fertilidade. Eu havia quase me esquecido que nós íamos lá hoje, mas tive sorte de reservar tempo suficiente.

Depois que nós fomos escoltados além do balcão da enfermeira, Eleanor disse:

– Você parece diferente. Quase como quando você era um adolescente e estava apaixonado por uma nova garota. Você encontrou alguém novo hoje?

– Não! Do que você está falando? Eu acho que são todos esses hormônios que você está tomando. A propósito... – eu respondi enquanto nos sentávamos em uma sala privativa esperando pelo médico chegar. – Você já contou pra mais alguém sobre o que está fazendo aqui? – eu não tinha encontrado ninguém hoje, do que ela estava falando? Eu provavelmente parecia cansado, já que havia sido um longo dia.

– Não, a mãe e o pai não podem saber ainda. Assim que eu tiver tudo em ordem, eu vou contar a eles o que já está feito. – ela cruzou as pernas e deu um gritinho de animação e apreensão. – Eu ainda não acredito no que eles têm que fazer para isso acontecer.

– Não quero falar sobre isso. Eu prometi que iria te apoiar através do processo, mas eu não vou ouvir o itinerário passo-a-passo dos procedimentos. Eu vou ajudá-la a escolher o doador. Vou levar você para o consultório médico. Vou ser o primeiro a dizer parabéns quando a sua gravidez for confirmada, mas...

Eleanor interrompeu:

– Mas, se você ouvir as palavras ”turkey baster” (seringa do peru) você vai me jogar no Rio Finnulia e dizer que um urso comeu o meu corpo na floresta durante uma viagem de acampamento. Eu deveria ter pedido para a Nana D vir.

– Como se ela pudesse manter um segredo. Ela poderia não ter problemas com você fazendo isso, mas você sabe que ela iria adorar explicar a coisa toda pro nosso pai. – eu poderia imaginar os adereços e imagens que a nossa avó iria usar para divulgar o segredo ao nosso pobre pai. Ele morreria de um ataque cardíaco na hora.

– Por mais que isso possa ser verdade, por favor, esqueça essa parte por enquanto. Olhe esses três perfis. – Eleanor disse, enquanto digitava alguns números no computador. Tudo era seguro e avançado nessa clínica. Ela poderia olhar apenas uma certa quantidade de detalhes nesse ponto do processo, mas teria uma foto, se o doador tivesse incluído uma, para ajudar com a decisão final.

Dentro de segundos, três imagens apareceram no monitor. Eu não tinha certeza se a Eleanor havia percebido a minha reação, mas eu senti meu próprio coração começar a bater mais rápido.

– Hmmm... Eleanor...

– O que? Você não acha que nós seríamos uma boa combinação? Eu vejo bebês lindos! – ela exclamou.

Será que ela não percebia isso?

– Essa não é a questão. Você não reparou nada... sobre essas fotos... que elas te fazem lembrar-se de alguém?

Eleanor se aproximou mais enquanto eu limpava os meus óculos para a possibilidade que a supresa que eu havia visto na tela não fosse verdade.

– Eu acho que os caras parecem similares. Talvez eu tenha um tipo de cara. – ela brincou.

Todos os três homens tinham uma estrutura facial forte e similar, pele morena clara e cabelo escuro. Um era de Barbados, outro da África do Sul e o terceiro de St. Kitt’s. Eles tinham exatamente a mesma cor de olhos, um verde vibrante que claramente se destava como uma característica hipnotizante. Enquanto eu lia as biografias, todos trabalhavam em empregos perigosos que variavam entre ser um segurança de aeroporto até ser um guarda-costas para uma celebridade bem conhecida.

– Hmmm... Eleanor, você tem um tipo. E o nome dele é Connor Hawkins.

Dizer que eu estava chocado seria um eufemismo. Eleanor tinha tido alguns encontros com meu antigo melhor amigo nos meses antes de eu voltar para Braxton. Ela pensou que o Connor estava muito interessado em ficar mais sério, mas ele deu um rápido passo para o lado e saiu com a Maggie Roarke. Eu, eventualmente, fiquei sabendo que o Connor se sentia atraído pela minha irmã, mas também sempre teve um crush na Maggie desde que nós terminamos há alguns anos. Ao invés de conversar comigo sobre a possibilidade de sair com a minha irmã, ele dispensou todo esse cenário e quase quebrou o coração da Eleanor. Eles estavam conversando sobre dar a isso uma nova chance, mas eu fiz o meu melhor para ficar o menos envolvido possível já que eu não seria a pessoa mais imparcial para ajudar o Connor a sair de seu dilema romântico.

Eleanor deu um forte tapa no meu braço.

– Isso não é verdade. Esses caras são todos... bem, eu quero dizer... o Connor tem... ah não! – ela se apertou contra o meu peito e grunhiu alto enquanto o médico entrava na sala.

– Olá, Eleanor. Eu estou animado para revisar as suas escolhas. Eu vejo que você trouxe alguém com você hoje. Eu sou o Dr... – ele começou a dizer até que a minha irmã se levantou e saiu correndo da sala me deixando para trás para explicar a situação.

– Eu sou o irmão dela. Nós acabamos de receber notícias urgentes dos meus pais. Precisamos ajudá-los com algo. Eleanor vai ligar para remarcar, me desculpe. – eu disse, saindo do consultório. Quando eu cheguei na área da recepção, Eleanor já tinha ido embora. Eu liguei para o número dela, mas ela não atendeu. Eu me senti terrível pelo que havia acontecido, mas se ela estava se agarrando à esperança de que o Connor a escolhesse, e não percebeu verdadeiramente o que estava prestes a fazer até que eu apontei para ela.

Esperei alguns minutos, mas não consegui encontrá-la. Quando eu liguei o motor da SUV, meu celular tocou. Eleanor disse que precisava de algum tempo sozinha e que iria me ligar durante a noite. Ela havia pedido um Uber para buscá-la e ia voltar sozinha à lanchonete. Conhecendo a minha irmã, algumas horas de espaço e de foco em seu trabalho iriam ajudar ela a se sentir melhor. Eu respondi que eu a amava e a convidei para passar em casa naquela noite para sorvete com Reese’s, o chocolate preferido dela.

Eu dirigi de volta ao campus e corri para a Casa de Espetáculos Paddington para pegar uma cópia da peça de verão. Myriam havia indicado que ela estaria no escritório atrás do palco principal. Eu precisava reler Sunset Boulevard antes que o elenco tivesse sido escolhido. Ao chegar lá, eu vi uma das estudantes com quem eu havia trabalhado no passado. Ela estava desmontando uma parte do cenário de Rei Lear, já que a apresentação final havia acontecido no último sábado.

– Hey, Yuri. Que bom te ver. Eu estava querendo conversar com você essa semana. – eu disse, me lembrando de que ela trabalhou na Pousada Roarke & Daughters Inn como camareira no quarto do George no dia que ele havia sido morto.

– Professor Ayrwick. O que está acontecendo? Eu consegui uma confirmação de que posso participar do seu curso em Processo de Filmes Avançado no outono. Eu mal posso esperar. – ela respondeu alegremente. Assim como na última vez, o cabelo dela estava verde-neon, mas com um corte mais curto do que antes. Ela havia ganhado um pouco de peso e não parecia mais indecisa, mas havia colocado um novo piercing na orelha esquerda com uma corrente que ia até o nariz. Eu fiquei surpreso que os Roarkes haviam permitido que ela usasse aquilo na pousada. Ela deve ter visto que eu a encarava.

– Legal, né? Eu tenho que retirá-lo em casa ou quando estou no trabalho. Um saco, né?

Eu não tinha certeza de como responder ao último comentário, então não respondi.

– Essas são notícias maravilhosas. Vai ser bom ter uma estudante do seu calibre na sala de aula da próxima vez. – eu comentei. Ela tinha muito potencial, mas preferia ficar nos bastidores, o que não era exatamente a minha área de expertise. – Escute, eu fiquei sabendo que você trabalha na pousada da família Roarke.

– Yep, o dinheiro é bom. Eu não gosto muito de ter que limpar o quarto de alguns hóspedes, mas alguns deles não fazem muita sujeira. – ela limpou as mãos em uma toalha e parou de mexer no cenário. – O que eu posso fazer por você?

– Eu estava curioso se você se lembrava de alguém chamado George Braun. Ele era um hóspede lá recentemente, e uma amiga minha pensou que...

– O cara que morreu, certo? – ela disse em voz alta com uma expressão animada. – Eu não posso acreditar que o vi naquela tarde e então poof! A vida é curta demais. É por isso que eu faço todos os dias valerem à pena. – ela me aconselhou.

– Definitivamente. Alguma chance de você saber de algo sobre ele? Eu estou cuidando da Helena Roarke e da família dela. Pelo que eu entendi, ele pode ter sido rude com os funcionários. – eu tentei ter tato sem disparar nenhum alarme. Yuri era uma garota legal, mas eu não sabia se ela era do tipo que fofocava sobre as coisas com suas amigas.

– Oh yeah. Ele era um louco. Eu o ouvi gritando com a Helena no dia antes da festa. Ela havia atendido ao telefone quando tocou no quarto dele. Ele estava voltando ao quarto e ficou chateado com aquilo. – Yuri comentou. Parecia que ela tinha mais a dizer, mas não sabia por onde começar.

– Sério? Helena sabia quem era no telefone? – eu perguntei, presumindo que esse era o incidente onde George a expulsou do quarto e disse para ela não ir até lá novamente.

– Não, ela estava saindo do trabalho e o namorado dela, Cheney, estava lá. Ele parecia com bastante raiva e disse que ia ensinar para aquele cara Braun uma lição. – Yuri pegou as chaves da mesa ao seu lado. – Eu estou indo embora. Precisa de mais alguma coisa?

Eu não tinha certeza, mas queria descobrir o que ela poderia ter ouvido.

– Você viu o Cheney conversando com o George Braun?

– Não, Helena persuadiu o Cheney a ir embora. Eu tinha outros quartos para limpar, mas eu vi o George Braun no dia seguinte quando ele pediu toalhas extras. Eu as entreguei e o escutei conversando com alguém. – ela explicou enquanto caminhávamos pelo saguão principal. – Ele estava gritando com alguém no telefone sobre não dar o dinheiro de volta e de como ele lamentava por toda a situação.

– Você sabe com quem ele estava conversando? – eu perguntei.

– Eu acho que ele usou a palavra casamento. – Yuri abriu a porta do teatro para sairmos do prédio.

Se George era casado, então a esposa dele talvez fosse seu parente mais próximo. Não a Ursula. Eu precisava descobrir se ele era casado e com quem.

– Você ouviu algum nome? Ou lugar?

– Não, ele ficava dizendo que amava ela, e que não era culpa dele. Então ele desligou o telefone e me mandou cair fora. Deu-me cinco dólares e pediu que eu não contasse a ninguém sobre aquela ligação. – Yuri deu de ombros e acenou. – Tenho que ir.

– Espere. Então por que você me contou? – eu disse, confuso pelo que havia acontecido.

– Se ele tivesse me dado vinte, eu poderia ter ficado quieta. Mas cinco pratas não compram nem mesmo algo decente para se comer hoje em dia, professor. Além disso, ele foi desrespeitoso com a gente, então eu pensei que ele não merecia o meu silêncio. – Yuri deu de ombros novamente como se ela não sentisse nenhuma culpa com o que havia feito.

– Alguma coisa mais que você consiga se lembrar? Outros visitantes?

– Hmmm... ah sim, eu esqueci. O Reitor Mulligan do campus passou por lá depois daquela ligação. Eu estava limpando outro quarto e vi a porta do George aberta. Eu pensei que era bem estranho, mas então eu ouvi George conversando sobre a futura Exposição de Flores. O reitor estava gritando como ele sempre faz, entende? Algo sobre se isso era suficientemente importante para manter o segredo enterrado, era importante o suficiente para colocar as mãos no dinheiro. – Yuri indicou que não havia escutado nada mais, então saiu apressada para uma importante reunião do dormitório.

Quando eu voltei ao meu carro, meu cérebro entrou em pane. Eu tive sorte de ter descoberto vários novos fatos importantes sobre o George Braun. Eu iria contar à xerife sobre o que havia encontrado, mas isso poderia esperar até de manhã. Eu queria analisar o que significava o que a Yuri havia me contado. Será que a esposa do George poderia ter entrado escondida na biblioteca e matado ele por algum motivo desconhecido? Será que o Reitor Mulligan estava envolvido em algum tipo de chantagem com o George Braun?

Enquanto eu saía do estacionamento, a lombada acidentalmente fez com que a minha bolsa caísse do assento. Quando eu me inclinei para pegá-la, eu vi um cartão de índice que havia caído ao chão. Eu parei a SUV no acostamento da estrada, peguei o cartão, e li a escrita no lado frontal. Era um endereço que eu pensei reconhecer, então olhei o meu celular e percebi que era uma das cabanas perto da Floresta Nacional de Saddlebrooke. Um sino soou na minha cabeça. Eu havia visto outro cartão índice como aquele no arquivo que a Helena encontrou debaixo da cama do George Braun. Esse provavelmente caiu da pasta quando eu a tirei da minha bolsa para entregar à xerife.

Devia ser a cabana que o George havia comprado, e se a memória estivesse correta, o assistente que ele havia contratado estava ficando por lá para terminar a reforma. Eu olhei a hora, mas precisava pegar a Emma da escola e terminar de preparar as minhas aulas. Decidi passar na cabana no dia seguinte depois das aulas quando eu tivesse mais tempo. Três grandes pistas de uma só vez. Hoje o dia certamente estava melhorando!


11

 


Depois do jantar, eu revisei a tarefa de casa da Emma e fiquei felizmente surpreso, ela havia recebido um prêmio pela melhor experiência de mostre-e-explique naquela semana na turma. Todos haviam amado os desenhos dela do Rancho Danby e as fotos dos lugares diferentes e campos de plantação. Nana D tinha apenas poucos cavalos e galinhas, mas ela ainda estava plantando várias toneladas de frutas e vegetais para ter uma renda extra. Apesar de o meu avô ter deixado uma pequena herança e de ela ter vendido uma parte da fazenda para cobrir suas despesas quando ficou viúva, o dinheiro extra era uma boa ajuda durante o ano.

– Podemos ler uma história antes da Tia Eleanor chegar? – Emma perguntou enquanto eu a colocava na cama. Era a vez dela de escolher um livro, já que eu havia escolhido “O Leão, A Feiticeira e o Guarda-Roupa” na semana anterior. Havia uma regra na minha casa: você não podia assistir o filme ou a série de televisão até que tivesse lido o livro, se ele existisse. Ela havia implorado para que eu assistisse a mais nova adptação, mas eu não cedi já que eu sabia o quão bom havia sido quando éramos crianças, e a Nana D lia para nós.

– Você tem vinte minutos antes que ela chegue aqui. – eu comentei enquanto a minha filha procurava nas estantes de seu quarto. Havia outra regra que eu havia criado quando a Emma nasceu: livros eletrônicos eram justos, mas você sempre tinha que ter mais livros físicos do que e-books. Eu queria que a Emma tivesse a experiência da multitude de tecnologia ao alcance dos dedos desde cedo, mas ela também precisava respeitar e estimar o que o nosso país havia conquistado na história da criação de livros e imprensa.

Enquanto Emma decidia entre um item de sua prateleira de clássicos e um novo conto de fadas remodelado, eu rapidamente olhei pelo resto da nossa casa para assegurar que ela estava pronta para receber visitas. A casa de hóspedes da Nana D era uma residência independente, estilo de fazenda, no canto sul do Rancho Danby. A caminhada de dez minutos da sua confortável casa de fazenda, um pouco além do pomar de maçãs, nos propiciava a quantidade certa de privacidade e proximidade. Nós havíamos arrumado o menor quarto para a Emma com uma nova pintura nas paredes e alguns móveis que estavam no sótão. Todas as nossas coisas estavam em Los Angeles na casa que eu havia deixado para trás. Eu havia assinado um contrato para alugar a casa durante um ano para um jovem casal que queria alugar algo mobiliado antes de comprarem seu próprio lugar. Isso funcionava bem para mim já que eu tecnicamente ainda estava ligado à emissora de televisão de Los Angeles que havia colocado o meu show, o Realidade Sombria, em hiato durante um ano enquanto eles reestruturavam todo o programa. Eu teria que decidir sobre retornar para lá no começo do ano que vem, pendendo o meu contrato com Braxton.

Eleanor me mandou uma mensagem dizendo que estava com vontade de uma noite do filme, como sua maneira de se recuperar da visita à clínica de fertilidade. Emma me encontrou na cozinha enquanto eu tirava duas tigelas do armário me preparando para a chegada da minha irmã.

– Vamos papai. Eu quero que você leia dois capítulos desse aqui. – minha filha disse, jogando uma cópia da “A Teia de Charlotte” nas minhas mãos.

– Parece bom para mim, então você pode decorar o seu quarto para combinar com a fazenda que Wilbur mora. – eu a segui até o quarto enquanto ela subia na cama, jogava as cobertas roxas por cima do corpo, e me pediu para eu deitar perto dela.

Logo após eu começar a ler o capítulo dois, Eleanor chegou e entrou. Ela ficou parada na porta assistindo os olhos da Emma se abrirem e fecharem enquanto eu continuava a leitura. Eleanor se aproximou, beijou a testa da Emma, e saiu para a cozinha para servir sorvete nas tigelas que eu havia separado.

– Boa noite, Tia Eleanor. – Emma disse sonolenta enquanto virava para o lado. Depois que ela dormiu, eu coloquei o livro na mesa de cabeceira e desenhei um porquinho e uma menininha chamada Emma em um pedaço de papel. Eu escrevi “Acorde e brilhe, você vai ter um dia oinky!” Ela iria encontrá-lo de manhã e começar o dia com uma risada.

Assim que desliguei as luzes, eu me juntei à Eleanor na sala de estar e esperei por ela começar a conversa. Ela parecia mais relaxada do que mais cedo naquele dia, mas eu podia dizer que a minha irmã ainda estava confusa. Do conforto de uma poltrona, ela suspirou.

– Eu me sinto como uma tola por não ter percebido que todas aquelas fotos pareciam com o Connor.

Eu estive pensando sobre a situação dela durante toda a tarde. Eleanor sempre foi a filha preferida entre os cinco irmãos Ayrwick. Ela havia feito tudo exatamente da maneira que os nossos pais esperavam, exceto quando a questão era o casamento. Eleanor foi para a faculdade, e conseguiu um diploma, assegurando que ela pudesse ter um bom futuro. Ela viajou ao redor do mundo durante seis meses para ter uma experiência de vida, como nosso pai se referia a isso. Ele havia oferecido a cada um de nós pagar por uma viagem depois da graduação, mas eu não peguei o prêmio já que não gostava de aviões. Aquelas latas de alumínio em esteróides vão te matar!

Quando retornou e procurou por emprego, Eleanor decidiu que não estava pronta para se juntar ao mundo dos negócios. Ela foi voluntária em várias organizações de caridade pelo Condado de Wharton e construiu uma grande rede de contatos. Uma dessas conexões a levou ao emprego de gerente de uma lanchonete, e ela aceitou isso porque ela poderia interagir diariamente com pessoas e aprender uma nova habilidade. Com o tempo, ela ficou obcecada e isso se tornou uma carreira, culminando na compra da lanchonete dos antigos donos que haviam se mudado para fora da cidade. De alguma maneira durante esse caminho, encontrar um marido nunca aconteceu. Infelizmente, nossos pais frequentemente a cobravam sobre isso.

– Isso é sobre algo maior, Eleanor? Você sempre foi motivada pelo seu emprego e inspirada pelos seus hobbies. Você quer mesmo se casar? O Connor é realmente o cara certo ou você criou uma fixação nele porque ele flertou com você algumas vezes? – eu sabia que o meu melhor amigo era um cara sólido, mas ele também não conseguia se decidir. Maggie ou Eleanor?

Eleanor tomou uma grande colher de seu sorvete.

– Eu sei que me sinto atraída por ele. Sei que eu quero ser mãe. Talvez eu esteja confundindo as duas coisas e tentando forçar alguma coisa acontecer entre nós.

– Eu acho que você precisa decidir o que quer pra sua vida. Você tem trinta anos de idade e bastante tempo para se casar e ter filhos. Não apresse isso se você não tem clareza de quais são as suas necessidades e desejos agora. Talvez você e o Connor fiquem juntos. Talvez ele fique com a Maggie. Talvez você tenha um bebê e não precise de alguém para te ajudar. Eu não posso responder essas questões, mas eu posso te dizer o quão orgulhoso eu sou de você. – eu disse, enquanto colocava minha mão atrás do travesseiro para pegar os doces escondidos. – Aqui, eu sei que esses são os seus favoritos.

– Acho que preciso enroscar a tampa do meu pote de ciúmes por causa do relacionamento deles. – Eleanor disse e abriu o pacote de Reese’s Pieces com os dentes, como um animal raivoso. – Você é o melhor irmão que eu poderia ter. Sério, estou tão feliz que você voltou para casa.

Eleanor estava rindo ao final da nossa conversa sobre as aventuras dos nossos irmãos mais velhos. Eu não falei sobre o nosso irmão mais novo, Gabriel, porque eu não queria contar a ela o que eu havia visto ele fazendo. O segredo não era meu para que eu revelasse. Ao invés disso, fiz o download de um novo filme de terror e fingi não ter ficado com medo. À meia-noite, ela foi embora concordando em pensar sobre as coisas antes de tomar qualquer decisão permanente, e eu fui para cama. Eu precisava ministrar minha aula e procurar a cabana do George Braun no dia seguinte.

* * *

Depois da minha rotina normal de deixar a Emma na escola e educar o futuro da América por duas horas inteiras, eu apareci para dar um update à minha chefe truculenta, Dra. Myriam Castle, de acordo com as ordens dela.

– Estou indo até a cabana para ver se o George deixou alguma coisa para trás. Ursula sabe que eu vou até lá, mas ela não pode ir também. Ela tem uma reunião com a Maggie Roarke e o Conselho de Curadores sobre a reforma da biblioteca.

– “Os viajantes nunca mentiram, apesar de os tolos em casa condená-los”. Já que você parece nem sempre reconhecer as citações que eu generosamente compartilho, eu vou lhe dar esse sem nenhum custo. A Tempestade. – Myriam respondeu enquanto pegava sua bolsa, uma Coach que combinava com seu terno marrom e branco da Chanel.

– Sim, obrigado. Eu tenho que ir. – eu sacudi a minha cabeça para me livrar da louca maneira dela de me incomodar. Eu só conseguia aguentar ela até um certo ponto sem começar a teorizar todas as maneiras ilegais de silenciá-la.

– Eu também vou. – ela insistiu. – Nós vamos no meu carro, é mais rápido.

Cinco minutos depois, depois de incontáveis ameaças, ela digitou o endereço no GPS enquanto sua BMW preta de quatro portas corria cruzando o rio. Em um momento, achei que nós tínhamos decolado, mas eu tinha fechado os meus olhos para não ficar enjoado.

– Você não sabe do limite de velocidade na vila? – eu me lembrei que ela havia ganhado a reputação por dirigir de maneira errática como numa corrida de carros.

– Aff. Eu sou a motorista mais segura por aqui. Olhe, nós já chegamos. – ela disse enquanto o carro fazia uma parada abrupta em frente à uma cabana. – Deve ser aquela que parece estar em reforma para lá.

Nós saímos do carro. Ela caminhou até a porta da frente de uma cabana que precisava de um upgrade. Eu descansei por um minuto até que meu estômago encontrasse o seu lugar novamente dentro do meu corpo. Eu estava agradecido por não ter feito o meu almoço, já que tinha certeza de que todo o meu sistema digestivo havia feito uma volta completa desde o topo da minha cabeça até as solas dos pés.

– Nós deveríamos ser um pouco mais cuidadosos, você não acha? Alguém assassinou aquele homem.

Myriam não prestou atenção ao meu aviso. Quando eu cheguei na frente da cabana, ela já estava a caminho dos fundos.

– Não enrole, Kellan. Eu tenho que estar de volta em meia hora para uma reunião. – a caminhada dela pelo terreno lamacento parecia como um dos animais da fazenda da Nana D andando pela terra depois de uma tempestade.

Enquanto ela se aproximava da entrada dos fundos, eu percebi uma coisa útil.

– Ali tem uma caixa que pode ser alta o suficiente para subir e chegar até aquela janela aberta. – eu movi a caixa de madeira para mais perto e subi nela.

Bem quando eu estava espiando pela janela, uma sombra se moveu dentro da cabana. Ela foi seguida pelo súbito aparecimento de duas mãos no peitoral e que então abriram completamente a janela.

– Eu já estou aqui. Será que você pode, por favor, me acompanhar? – Myriam me deu uma bronca em seu tom arrogante.

– Como você entrou? – eu disse, me puxando para a janela. Então eu caí para trás e bati contra o caixote. Nesse ponto, eu poderia ter me puxado para dentro da cabana facilmente, e não queria andar até os fundos da casa pela lama.

Enquanto eu caía ao chão e ficava coberto de sujeira, Myriam fez um som de reprovação.

– Você é mesmo um imbecil, não é mesmo? A porta estava destrancada. Nada muito seguro, se você me perguntar.

Eu não havia perguntado, mas debater ainda mais o tópico não iria ajudar na situação. Nós concordamos com um plano para cada um vasculhar metade da cabana da maneira mais rápida possível. Haviam dois quartos, uma cozinha, sala de estar e um banheiro comum. Ela não era muito grande, mas tinha um ar pitoresco nela. Um dos quartos estava completamente reformado, e o outro parecia estar metade inacabado. O banheiro também havia recebido um upgrade, mas a cozinha e a sala de estar precisavam de algum trabalho. O interior estava mais inteiro do que o exterior. Não estava muito longe de ficar habitável.

Trinta minutos depois, nós havíamos completado uma busca exaustiva pelas premissas.

– Não tem muito por aqui, não é mesmo? – Myriam disse em um tom desapontado.

– Pelo menos nós sabemos que essa definitivamente é a cabana do George. Tem algumas correspondências endereçadas a ele. – eu comentei, antes de dar uma olhada final no banheiro, incluindo conferir dentro da caixa do vaso sanitário para o caso de algo ter sido escondido lá. Nenhuma sorte.

– E nós sabemos que o assistente deve estar ficando aqui baseado nos itens do quarto finalizado. As roupas no closet não pertenciam ao George Braun. O irmão da Ursula era um cara grande, mas essas roupas pertencem a alguém menor e mais magro. Já que atualmente nós estamos em uma era de abordagens não-específicas de gênero quanto ao guarda-roupas, eu não poderia dizer se pertencem a um homem ou uma mulher. – Myriam conferiu seu celular e suspirou. – Eu preciso retornar ao campus. Vamos. Isso foi tão inútil quanto o seu conhecimento não-existente de qualquer coisa de valor.

Eu a ignorei, presumindo que isso era apenas uma brincadeira. Ela estava brincando com diversas maneiras de me torturar ultimamente.

– Eu não tenho certeza do que eu estava esperando encontrar, mas sinto que estou deixando passar algo importante. Seja quem for o assistente, não há nada de pessoal dele aqui. Ou ele é incrivelmente cuidadoso, ou nós deixamos algo passar. – eu segui a Myriam até a porta dos fundos, verificando se não havíamos deixado nada fora de lugar. Nós havíamos usado luvas para que nossas digitais não ficassem por ali, mas eu ainda estava preocupado que quem tivesse matado o George pudesse aparecer na cabana e nos sequestrar. Espere, talvez fosse assim que eu poderia escapar da Myriam!

Enquanto caminhávamos pela lateral da casa, um carro estacionou. A BMW da Myriam estava na rua frontal, mas nós não podiamos chegar até ela sem sermos vistos por quem havia chegado.

– Vamos, se esconda atrás dessa árvore comigo. – eu sussurrei. Myriam me seguiu por um caminho de grama, e nós pegamos cobertura atrás de um grande carvalho.

Uma Volkswagen SUV azul parou ao lado do carro da Myriam. Nós dois ficamos observando com a respiração presa para ver quem saía do carro. Por causa da cor do vidro das janelas e da sombra da folhagem das árvores, eu não consegui olhar apropriadamente o rosto das pessoa. O motorista abriu a porta e saiu em direção à frente da cabana chamando:

– Hey, estou de volta. Você está por aí?

Era uma voz masculina jovem que eu pensei reconhecer. Quando ele finalmente apareceu, eu arquejei, inalei uma mosca, e comecei a engasgar. Myriam cobriu a minha boca e disse:

– Mantenha a sua armadilha fechada, ele vai nos ouvir, seu tolo. É uma coisa boa que estou de luvas. Não estou nem um pouco animada sobre te tocar!

– Não, está tudo bem. Eu conheço ele. Não tenho ideia do que ele está fazendo aqui, mas acho que podemos abordá-lo. – eu comentei, afastando a mão dela. Minha mente era um mar de confusão tentando entender o que eu estava vendo. Eu pisei de volta no gramado e olhei na direção dele. – Hey, é o Kellan.

Sam Taft deu um pulo para trás e olhou na nossa direção. Ele ficou vermelho quando viu que nós nos aproximávamos.

– Eu... eu... acho que estou perdido.

– Sr. Taft, ah, sim, eu reconheço você agora. O que exatamente você está fazendo aqui? – Myriam brigou com ele. Ele havia se graduado há cinco dias, mas ela ainda o tratava como um estudante.

– Eu estava visitando um amigo. Acho que devo ter vindo na cabana errada. – ele disse, com seu olhar indo da cabana até o seu carro.

– Você está morando aqui? – eu perguntei, me perguntando subitamente se ele estava ajudando no plano do George Braun para se vingar da Ursula.

– Ugh. Eu acho que não posso mais esconder a verdade. – Sam disse, se apoiando contra um dos postes que apoiavam o telhado da varanda. – Não é o que você pensa, Kellan.

Myriam bateu o pé no chão.

– Eu não sei o que está acontecendo aqui, mas preciso voltar ao campus. Kellan, talvez você pudesse ficar e conversar com o Sam sobre essa situação.

– Essa é uma boa ideia. Tem várias coisas que eu preciso conversar com o Sam. – eu respondi para a Myriam, então me virei para o Sam. – Você pode me dar uma carona de volta ao campus quando terminarmos de conversar?

Se era por causa da presença da Myriam ou por causa da boa e velha culpa, Sam assentiu.

– Claro, sem problemas.

Eu fui com a Myriam até o carro e confirmei que ligaria para ela assim que tivesse sabido de alguma coisa. Assim que ela saiu, eu estreitei meu olhar para o Sam.

– Fale.

Sam se sentou em uma cadeira na varanda coberta.

– Como eu disse, isso não é o que parece. Eu não tinha nada a ver com o George Braun.

– Talvez seja melhor você me contar a história inteira. – eu exigi, me perguntando se ele saberia como renovar a cabana. Apesar de eu conhecer apenas pouco sobre ele, ele não parecia uma pessoa com habilidades manuais ou ter experiência com reformas de casas. Ele havia crescido em uma família que contratava empregados para fazer tudo, exceto ir ao banheiro, para eles.

– Eu estava realmente visitando um amigo. Ele está ficando por aqui até que possa ter seu próprio lugar. – Sam explicou, enquanto brincava com o celular. – Eu acho que você já pode somar dois e dois agora.

– Gabriel. – eu disse, sentindo meu coração se acelerando. – É ele quem está ficando aqui? – será que o meu irmão tinha noção de que o George não era quem dizia ser?

Sam assentiu.

– Ele quer conversar com você, mas não acho que ele está preparado para ver seus pais novamente.

Eu forcei o Sam a me explicar tudo. Sam não tinha ideia sobre a ligação da Ursula com o George Braun. Eu também não consegui saber o quanto Sam sabia sobre o passado do George.

– Gabriel está trabalhando para o George Braun? Você está conspirando junto com eles?

– Conspirando? Será que nós entramos de repente em um filme de faroeste? Deixe-me pegar as minhas botas e esporas, cowboy. Vamos ter um bom e velho duelo de pistolas. – baseado na fala exageradamente lenta dele, o Sam tinha um lado divertido. – Nós só temos dez anos de diferença, Kellan, mas você age de maneira muito mais velha algumas vezes.

Será que eu tinha sido repreendido por um milenial? Eu pensei que eu tinha apenas trinta e dois anos.

– Só me conte o que você sabe, Sam.

– Ele estava. Pelo menos até o homem ser morto. – Sam disse. De todas as pessoas com quem o Sam e o Gabriel poderiam ter se conectado, George Braun não seria alguém que me viria à mente. – O Gabriel não tem nada a ver com a morte dele.

– Você precisa me contar tudo. Comece pelo início. – isso não podia ser real. O que havia acontecido com o meu tímido, doce e inocente irmão? Como o Gabriel podia ter voltado à cidade para trabalhar para um homem com um grande desejo de vingança e um passado cruel. Será que o cara tinha algo contra o Gabriel? Será que meu irmão havia se metido em problemas e precisava de ajuda?

Sam nervosamente contou o que sabia.

– O Gabriel voltou à cidade há cerca de três meses por seus próprios motivos. Eu o conheci em um bar, mas não sabia que ele era seu irmão. Nós saímos juntos algumas vezes e sentimos uma ligação. Eu sei que você provavelmente não estava ciente dessa parte da vida dele, mas ele é um cara incrível, Kellan.

– Eu não tinha ideia. Eu te asseguro que não tenho problemas com isso, mas queria que o Gabriel tivesse me contado a verdade. – as coisas estavam começando a se encaixar. Meu irmão ficou com raiva quando nosso pai aceitou o emprego como presidente da Faculdade Braxton oito anos atrás. Ele deveria estar passando por tantas descobertas sobre si mesmo naquela época, que foi embora para aprender como lidar e aceitar isso. – Por que ele voltou?

– Você vai ter que perguntar a ele. Não é um assunto meu para eu dizer. – quando Sam olhou para seu celular, uma expressão de pânico apareceu.

– Eu perguntaria a ele se pudesse encontrá-lo. Você não esteve muito disposto a me ajudar no passado. – eu sabia que estava mais perto de localizar o meu irmão, mas fiquei com medo de que ele pudesse fugir novamente. – O que exatamente ele estava fazendo para o George Braun?

O Sam estava me ignorando e lendo atentamente seu celular. Depois de passar por algumas telas, ele bateu o pé no chão e olhou na direção do céu.

– Não, isso é terrível.

– O que é terrível, Sam? Quem está te mandando mensagem?

– Eu não tenho certeza do que está acontecendo, mas Gabriel foi levado ao Escritório do Xerife do Condado de Wharton. Ele me mandou uma mensagem vinte minutos atrás dizendo que havia sido levado para lá para ser interrogado sobre a morte do George Braun. Eu não vi as mensagens enquanto estava dirigindo. – os olhos do Sam estavam começando a se encher de lágrimas. – Você tem que vir comigo para ajudá-lo.

– É claro, ele é meu irmão. Vamos. – eu disse enquanto corríamos até a SUV dele e seguimos para o centro da cidade. No que o meu irmão havia se metido e como ele iria reagir quando eu aparecesse com o Sam?


12

 


Sam e eu ficamos sentados no Escritório do Xerife do Condado de Wharton por mais de uma hora enquanto a April Montague e o Detetive Gilkrist falavam com o meu irmão. Sam não iria me contar mais nada até que ele pudesse visitar o Gabriel. A xerife saiu da sala de interrogatório uma vez para pegar um copo de água para o Gabriel. Ela apareceu no lobby principal onde nós esperávamos nervosamente.

– Ele sabe que vocês dois estão aqui. Nós estamos quase terminando de interrogá-lo, mas ele gostaria de conversar com o Sam primeiro.

– Você vai prender ele? – eu perguntei. Isso fez com que eu me lembrasse de quando nós brincávamos de policial e ladrão quando crianças. Gabriel sempre queria ser o criminoso. Ele disse que era mais divertido daquele jeito.

– Hoje não, então nem venha bancar o advogado, Pequeno Ayrwick. Ele é uma pessoa de interesse que conhecia a vítima. Eu não tenho motivos para acreditar que o Gabriel estava na biblioteca ou teria um motivo para matar o George Braun. – a xerife sinalizou para que Sam a seguisse pelo corredor. – Você pode conversar com ele por alguns minutos depois que você e o meu detetive conversarem sobre aquela cabana.

Enquanto eu andava de um lado para o outro no lobby do precinto, eu considerei se deveria ou não ligar para os meus pais, Eleanor, ou para a Nana D para contar a eles sobre o triunfante retorno do Gabriel. Eu finalmente decidi que seria melhor revelar a presença dele depois que eu conseguisse conversar com ele. Eu mandei uma mensagem de texto para a Myriam dizendo que eu ainda não consegui saber de nada pelo Sam, mas que iria mandar um update para ela naquela noite. Também mandei uma mensagem para a Helena avisando que eu havia entregue a pasta que nós encontramos no quarto do George para a Xerife.

April retornou dez minutos depois e me levou até o escritório dela.

– Eu conversei com o Mulligan e a Singh. Ambos concordaram que o George Braun era um homem difícil para se trabalhar. Mulligan disse que o Braun estava obcecado com a pesquisa dele e só ligava para si mesmo. Eu posso dizer que tinha algo mais sério acontecendo entre eles, mas ainda não descobri o que.

– Talvez eu consiga fazer ele falar. Ele desligou na minha cara no outro dia que fiz umas perguntas, mas tenho uma maneira fácil de seguir com a conversa sobre a exposição de flores. E quanto ao relacionamento da Anita Singh com o George Braun? Era ela a assistente dele no passado?

– Anita Singh é uma indiana americana que nasceu em Connecticut e cresceu em Nova Iorque. Eu não consigo localizá-la em Chicago durante a explosão do laboratório em 1993, mas ainda não terminei minha pesquisa. Ela se casou no começo do ano, mas está bem reticente em dar qualquer detalhe sobre o marido. O Detetive Gilkrist está localizando esses registros. – April comentou.

Eu contei a ela sobre a Yuri Sato ter escutado o Mulligan e Braun discutindo, assim como o fato do Braun ter uma esposa em algum lugar.

– Será que ele e a Anita poderiam ser casados e estarem trabalhando juntos nesse esquema?

A xerife sacudiu a cabeça.

– Eu agradeço você ter me contado sobre a Yuri, mas eu já lhe contei o suficiente pelo momento. Agora que nós estamos sozinhos, será que você pode me explicar o que o seu irmão estava fazendo metido com esse George Braun, também conhecido como Hans Mück?

Eu dei de ombros.

– Descobri isso a uma hora atrás. Eu encontrei o Sam Taft que finalmente me contou a verdade. – eu deixei de fora a parte sobre a minha visita à cabana do George. Isso não parecia suficientemente importante para incluir na minha resposta. – Espere, você tem certeza de que ele é o Hans Mück?

– Sim, nós temos confirmação. Nossos contatos europeus ficaram mais do que felizes em cooperar assim que souberam que o George Braun estava morto. Eles também documentaram motivos para o localizarem. Eu não posso revelar nenhum desses detalhes no momento. – April me entregou uma xícara de café de uma chaleira atrás dela. – Parece que você precisa disso. Agora, me conte sobre o Gabriel.

– Obrigado, esse tem sido um dia incomum. O meu irmão está bem? – será que ele tinha contado alguma coisa para a xerife sobre seu passado ou por que ele foi embora?

– Seu irmão está bem. Ele me lembra bastante você. Não tanto na atitude, mas na aparência. – April respondeu. Ela atendeu uma breve ligação e então pediu ao Policial Flatman que escoltasse o Gabriel para o escritório dela assim que ele tivesse terminado de falar com o detetive e o Sam. – Kellan, pelo o que eu posso dizer, seu irmão ficou chocado ao descobrir a morte do George. Ele já tinha visto pelo jornal o que havia acontecido, mas alega que mal conhecia o cara.

– Queria poder ajudar. Eu não sei de nada. Quero descobrir onde ele esteve, o que o trouxe de volta e se ele está bem.

– Você é um bom irmão. Ele tem sorte de ter alguém como você nesse momento. Eu vou lhe contar o que eu sei. – ela disse. Pela primeira vez, eu percebi o verde vivo dos olhos dela. – Quando nós vasculhamos o quarto do George, encontramos um contrato de emprego que ele havia assinado com o seu irmão. Eu não sabia sobre isso quando nós conversamos por último. Teria lhe contado se soubesse, mas tudo isso aconteceu durante a noite.

– Gabriel era o assistente do George? Eu não tinha ideia de que ele sabia alguma coisa sobre ciências ou botânica. Ou até mesmo construção. Ele era geralmente uma criança sensível e nervosa enquanto crescíamos. Sempre sozinho lendo Negócios do Mundo ou o Wall Street Journal. Inteligente como ele era, eu pensei que ele havia entrado no ramo de ações ou banco. – Sam havia dito que o Gabriel estava trabalhando para o George, mas só agora isso entrou completamente na minha cabeça.

– Por algum motivo, que ele não nos contou, seu irmão retornou para Braxton e escutou uma conversa do George Braun em um cafeteria sobre sua busca por um assistente. Gabriel se candidatou, e foi um dos escolhidos finais baseados na sua experiência anterior. Ele também conseguiu o emprego por que tinha bastante habilidade e poderia reformar a cabana do Braun. – April se recostou contra a cadeira e esperou que eu respondesse.

– Eu vou descobrir mais assim que puder conversar com ele, obrigado. Você definitivamente vai liberá-lo hoje, certo? – quando April assentiu, eu disse: – Se o George tinha uma esposa com raiva, então talvez você tenha um novo suspeito.

April disse:

– Estou considerando todas as pistas agora. Você está bem com tudo o mais que nós conversamos ontem? Sobre os Castiglianos, e o casos de drogas que eu preciso investigar?

Para falar a verdade, eu não tive muito tempo para pensar sobre isso. Eu ainda não sabia para onde a Francesca havia escapado. Precisava conferir com o Vincenzo para ver se ele sabia de qualquer coisa sobre o paradeiro da filha. Já que parecia que a April não sabia que a Francesca ainda estava viva, eu disse a ela que estava tudo bem.

– Eu não tenho certeza se eu posso ajudar com a conexão dos Paddingtons e Castiglianos com drogas, e não passo muito tempo com meus ex-sogros. Eles estão na minha vida apenas porque são os avós da Emma.

– Eu entendo. Não preciso de nada de você por enquanto, mas se esse momento chegar, eu estava esperando poder contar com você. – April disse enquanto alguém batia na porta.

– Okay, nós podemos conversar no futuro. – eu consenti, sabendo que só poderia ser capaz de focar em um choque por vez. – Eu gostaria de algum tempo sozinho com o meu irmão.

April abriu a porta. O Detetive Gilkrist, Sam e Gabriel estavam esperando no corredor.

– É realmente você. – eu disse.

April me deixou usar o escritório dela pelo tempo que eu precisasse. Ela e o detetive levaram o Sam de volta para finalizar seu depoimento confirmando tudo o que ele sabia sobre o George Braun. Antes de sair, Sam abraçou o Gabriel.

– Dê uma chance a ele, babe. Vou esperar por você no estacionamento.

Assim que Sam foi embora, Gabriel se virou para mim. Enquanto havia algo de diferente nele, muitas coisas não haviam mudado. Ele ainda tinha a mesma altura que eu. Ele ainda tinha o cabelo loiro escuro como eu. Onde eu havia cortado o meu recentemente, ele havia deixado crescer, então estava encaracolado ao redor de suas orelhas e no pescoço. Ele parecia um pouco pior por causa do cansaço, mas ainda tinha o mesmo sorriso inocente e esperança angélica nos olhos.

– Eu senti sua falta, mano. – eu disse com os olhos cheios de lágrimas enquanto abraçava-o mais apertado do que jamais havia feito antes.

Gabriel me abraçou tão apertado quanto eu.

– Me desculpe. Eu não deveria ter ido embora da maneira que fiz. Isso não tinha nada a ver com você.

Depois que o Gabriel me assegurou que estava bem, nós conversamos sobre a relação dele com o George Braun.

– Foi apenas pura sorte. Eu estava na cidade há apenas algumas semanas. Sam e eu havíamos nos encontrado na noite anterior e tomado alguns drinks juntos. Nós ficamos acordados para assistir o nascer do sol nas Montanhas Wharton e paramos em um cafeteria no caminho de volta. Depois do café-da-manhã, Sam partiu para suas aulas e eu fiquei por ali.

– E foi então que você escutou a conversa do George no telefone sobre ele precisar de um assistente? – eu juntei o que a April havia me dito com o que o meu irmão estava começando a me contar. Gabriel havia ouvido o suficiente na ligação sobre o que o George precisava, e encontrou o anúncio feito em um site de empregos local. Ele atualizou o currículo, se candidatou e foi chamado pela empresa de recrutamento logo em seguida. Ele colocou em seu currículo exatamente o que o George disse que precisava durante a ligação, então foi um sucesso.

– Bem pensado. Eu suponho que você realmente sabia como fazer tudo o que ele precisava? – eu nunca soube que meu irmão mentia. Ele era tão confiável no passado.

– Eu não sou mais criança, Kellan. Eu já fiz algumas coisas das quais não tenho orgulho. Algumas vezes você tem que ir além dos limites para conquistar algumas coisas. – o rosto do Gabriel assumiu um tom sombrio, e naqueles poucos segundos ficou claro que meu irmão estava escondendo alguma coisa de mim.

– Você tem alguma relação com a morte do George?

– Você acha que eu fiz isso? – enquanto Gabriel esticava as costas, sua camisa ergueu um pouco em seu braço. Eu percebi uma tatuagem colorida em seu bíceps. Era um círculo dividido em quatro quadrantes, cada um pintado de uma cor diferente. Havia uma palavra escrita no perímetro externo de cada quarto: honra, conhecimento, amor e respeito. Ele havia passado mais tempo na academia desde que nós nos vimos por último há oito anos. Gabriel tinha sido magrelo no passado. Mesmo eu não sendo tão forte como sou agora, eu ainda assim podia prendê-lo ao chão sempre que a gente brigava ou jogava futebol americano com nossos amigos.

Eu não queria acreditar que meu irmão pudesse cometer um assassinato, mas havia se passado muito tempo desde que eu o vi pela última vez.

– Quando você conseguiu o emprego?

– Eu fiz uma entrevista com ele no dia seguinte. Era eu ou uma outra pessoa. Quando ele falou sobre a cabana dele, eu consegui o acordo ao oferecer reformá-la em troca de um lugar para dormir por alguns meses. Eu falei de uma maneira que ele não pudesse recusar. – ele tinha um sorriso malicioso se formando nos lábios.

– Você sabe de algum motivo para alguém tê-lo matado? – eu perguntei ao meu irmão, sentindo meu estômago se apertar por causa das respostas propositalmente vagas e sombrias.

Ele sacudiu a cabeça e me disse a mesma coisa que havia contado para a xerife e o Detetive Gilkrist.

– Não, George sempre foi gentil comigo. Eu passava boa parte do meu tempo fazendo experimentos de laboratório para ele na primeira semana, mas então ele me pediu para focar na exibição de flores. Eu planejei tudo para ele.

– Você se encontrou com o Millard Paddington? Ele é o cara que está patrocinando o evento. – eu me perguntei se o Millard estava escondendo o segredo do Gabriel de mim.

– Não, eu só trabalhei nos bastidores. George me dava tarefas específicas para coordenar despachos, trabalhar com os vendedores e algumas vezes lidar com a empresa de eventos que está fazendo a lista de convidados. – Gabriel bocejou, então se desculpou por estar tão cansado. Ele estava trabalhando bastante ultimamente e não dormia muito. – Nós terminamos aqui?

Eu me senti mal por pressioná-lo, mas ele estava conectado com todos os eventos bizarros acontecendo ao meu redor. Assim que ele disse sobre uma empresa de eventos, eu me lembrei que eu não tinha perguntado para a xerife se ela havia descoberto alguma coisa com o interrogatório do Cheney Stoddard.

– Qual era essa empresa?

– Simply Stoddard. Eu trabalhei com alguém chamada Karen, que era a gerente cuidando da exposição de flores. – Gabriel explicou. – Isso é importante?

As coisas estavam ficando mais claras pela primeira vez.

– Talvez. Eu não tenho certeza de como isso se encaixa, mas não pode ser uma coincidência. – eu disse, então expliquei o que eu sabia sobre cada um dos Stoddards.

– Eu só conversei com a Karen pelo telefone. George passava a maior parte do tempo com ela, mas ocasionalmente eu tinha que ajudar. Eu não conheço ninguém chamado Doug, Sierra ou Cheney. – meu irmão comentou.

Gabriel disse que precisava usar o banheiro. Nós saímos do escritório da xerife, e eu esperei por ele no lobby. April estava saindo, mas parou no meu banco.

– Estou indo me encontrar com o Cheney Stoddard. Ele estava fora da cidade junto com a irmã ontem e só ligou para mim hoje de manhã. Então eu vou passar pela Casa de Espetáculos Paddington para ver se consigo mais alguma coisa da Yuri Sato. Eu agradeço pela dica. – enquanto ela ia embora, gritou. – Boa sorte para consertar as coisas com o seu irmão. Pegue leve com ele. Eu tenho certeza de que você sabe como foi quando você voltou para casa.

Pela primeira vez desde que eu havia conhecido a April Montague, parecia que ela estava se abrindo mais para mim. Talvez nós pudessemos encontrar uma maneira de sermos amigos no futuro. Talvez tenha sido por isso que eu tive aquela reação estranha no escritório naquele dia, quando estávamos olhando a foto no computador dela.

Os Stoddards, George Braun e meu irmão, todos tinham vindo para a cidade por volta do mesmo tempo, e estavam envolvidos com uma exibição completamente nova para Braxton. Entre a Karen trabalhando na exibição de flores e a briga do Cheney com o George, tinha algo que eu estava deixando passar. Sierra morando em Londres e o George trabalhando anteriormente na Suíça parecia como um ângulo para eu investigar também. Os pais da Ursula trabalhavam com flores e encontraram uma cura, mas ela havia sido perdida para sempre quando ela acidentalmente causou a explosão. Será que alguém poderia ter notado o que os Mück haviam descoberto anos atrás e estava agora tentando recriar isso? Se estiverem fazendo, seria maravilhoso ajudar pessoas a se recuperar de uma doença terrível. Então veio à minha mente: e se eles estavam apenas tentando conseguir lucros financeiros com a descoberta?

Gabriel retornou do banheiro ansioso para se encontrar com o Sam. Ele prometeu explicar por que havia ido embora da cidade, mas implorou para descansar primeiro.

– Eu não estou pronto para ver todo mundo. Será que você pode me dar alguns dias?

Apesar de eu não gostar da ideia de esconder o retorno dele da nossa família, eu estava com medo de que se eu dissesse não, Gabriel fugisse novamente.

– Claro, mas onde você vai ficar? Eu duvido que você possa morar na cabana do George Braun agora que ele está morto e a polícia sabe sobre o lugar. Vai estar fora dos limites para todo mundo.

– Você está certo. Eu tenho apenas algumas roupas lá. Eu deixo tudo o mais no meu carro. Sam vai me levar de volta até lá, e eu vou voltar para a pensão em Woodland onde eu estava antes de conhecer o George. – Gabriel saiu do escritório da xerife e caminhou até o carro do Sam no estacionamento. Quando ele chegou, Sam beijou meu irmão como da primeira vez que eu os vi juntos.

Eu dei a eles um momento a sós antes de caminhar até lá.

– Como eu entro em contato com você, Gabriel?

Sam olhou para o meu irmão.

– Você prometeu que iria fazer um esforço para confiar novamente na sua família, certo? – quando Gabriel assentiu, Sam me mandou uma mensagem de texto com o número do Gabriel. Eu já tinha o número do Sam de quando eu estava ajudando a avó dele, Gwendolyn Paddington.

– Almoço amanhã? – eu perguntei ao Gabriel.

– Eu acho que pode ser. Eu estou sem trabalho no momento. Por que não adiar a minha busca por algumas horas e então a gente pode conversar. – ele respondeu.

Uma ideia começou a se formar na minha cabeça.

– Você ainda quer trabalhar na exposição de flores?

– É claro. Eu adoraria ver ela funcionando. – Gabriel se animou. – É importante que eu consiga um trabalho rapidamente.

Sam e eu olhamos um para o outro e sorrimos. Sam disse:

– Eu nunca pensei em pedir ao Tio Millard para ajudar. Eu não contei a eles nada do que está acontecendo na minha vida. Eles ainda acham que estou tentando descobrir quais são os primeiros passos depois da minha graduação. Mas o Kellan poderia.

– Eu vou falar com o Millard hoje à noite. Tenho certeza de que ele vai estar disposto a dar ao meu irmão seu emprego de volta, assim que souber que o Gabriel estava fazendo bastante trabalho para o George antes que ele morresse. Millard tem uma amiga ajudando quando pode, mas eu acho que ela saiu da cidade para visitar a irmã. – eu não expliquei ao Gabriel que a Lissette iria ficar com a nossa Tia Deirdre que também poderia voltar para uma visita em breve. Eu não podia jogar toda essa coisa de família de uma vez em cima dele.

– Você faria isso por mim? – Gabriel perguntou. Quando eu confirmei, ele me abraçou novamente e prometeu me encontrar para o almoço no dia seguinte. Eu concordei em encontrar um lugar mais remoto já que ele não queria que alguém soubesse que ele estava de volta. – Você não tem ideia do que eu passei nos últimos meses. Um homem tem seus limites.

Depois que Sam, Gabriel e eu saímos do escritório da xerife, eles me deixaram no campus para eu pegar meu carro. Liguei para o Millard e contei a ele tudo sobre o Gabriel. Eu deixei de fora o relacionamento do meu irmão com o Sam, e implorei ao Millard para ficar quieto sobre o retorno do Gabriel no momento. Ele ofereceu me encontrar para o almoço no dia seguinte para discutirmos os detalhes. Eu não conseguia me desligar das minhas preocupações sobre os segredos que meu irmão estava mantendo.

No meu caminho para buscar a Emma na escola, eu liguei para o Vincenzo para ter um update sobre a minha misteriosa esposa. Apesar de conversar com aquele homem ser capaz de estragar o meu humor, isso precisava ser feito. Imaginei ele sentado atrás de sua amada mesa antiga de banqueiro com um charuto acesso em seus dedos, a ponta brilhando como um vagalume, e um clássico do Billy Joel tocando em sua playlist da Spotify.

– Alguma pista sobre a Francesca?

– Que bom que você ligou. Minha filha vai ficar incrivelmente satisfeita de saber que você está preocupado com ela. – ele disse. “We Didn’t Start the Fire” estava tocando no plano de fundo. – Como está a minha neta? Já está na hora de ela vir para casa, você não acha? – apesar de ter sido criado nos Estados Unidos, filho de pais nascidos americanos, ele frequentemente falava como um inglês com um sotaque tão pesado que eu só tinha visto naqueles filmes esteriotipados da máfia. A voz dele fazia com que isso parecesse mais assustador do que nos filmes.

– A Emma está bem. Estou planejando uma viagem para ela visitá-los nesse verão. Você é sempre bem-vindo para voar para cá, Vincenzo. Eu nunca vou manter ela longe de você. – eu estacionei a SUV em frente à escola primária da Emma e observei os ônibus formando uma fila na entrada. Um guarda de trânsito estava começando a controlar os veículos.

– Nós vemos esses três mil quilômetros de distância de uma maneira um pouco diferente. Quando eu cresci, as crianças respeitavam os seus pais. Ouviam a eles. Honravam e obedeciam a eles. É uma pena que os seus pais não ensinaram essas lições a você, Kellan. Eu posso ter que fazer isso. – Vincenzo fez uma pausa e murmurou algo que eu não entendi. Provavelmente não era para mim, mas para um de suas centenas de empregados. – Eh. As coisas mudam. Eu tenho certeza de que você entende isso. Facilmente. Um dia você acorda na Pensilvania. No dia seguinte, talvez em um adorável rancho que eu conheço na Venezuela, onde existem mais coiotes do que seres humanos.

– Você é um cara engraçado... você sabe que eu não sou muito fã de viagens. Eu aprecio a oferta, mas acho que vou continuar onde estou por enquanto. – será que ele estava falando sério? Ele nunca havia sido assim tão óbvio com ameaças de morte direcionadas a mim antes. – E quanto à Francesca?

– Você que me diz, Kellan. Ela estava sob os seus cuidados da última vez que foi vista. Nós seguimos as pistas que você nos deu. Minha filha não está mais no Canadá. Você está escondendo ela de mim? – em um momento de quase silêncio, o único som era o do seu charuto sendo reacendido. Os empregados do Vincenzo sempre estavam por perto, prontos para reagir a cada desejo de seu chefe.

– Eu lhe dei tudo o que eu sei nesse ponto. Os únicos dois lugares restantes que nós visitamos juntos e que ela ainda não mandou um cartão postal são do Parque Nacional de Yellowstone e Savannah, Georgia. Meu palpite é de que ela vai para lá em seguida. – eu havia me convencido de que ela não havia aparecido em Braxton das últimas vezes que eu pensei tê-la visto, em particular, na entrada para os escritórios privativos da Biblioteca Memorial. Isso tinha que ser a minha imaginação ou alguém que parecia com ela.

– Equipes vão ser colocadas lá. Você vai saber se eu ouvir alguma coisa. Se nós não conseguirmos localizar a minha filha até a próxima semana, Kellan, acho que você entende o que vem em seguida. – um som alto indicou que a conversa havia acabado.

Eu não tinha tempo para lidar com essa situação. Os Castiglianos tinham recursos e dinheiro para encontrar a Francesca. Por que eles não estavam fazendo mais para encontrá-la? Eu liguei o rádio do carro para que eu não pensasse em mais nada até que a Emma saísse da escola. Coloquei na primeira estação de rádio que estava com o sinal claro e ouvi uma música country sobre uma garota que havia sido sequestrada pelo pai dela.

De repente, eu tive um intenso ataque de pânico e uma revelação colossal veio à minha mente. Era maravilhoso o que a falta de oxigênio pode fazer em um homem desesperado. E se Vincenzo e a Cecilia sabiam esse tempo todo onde a filha deles estava, na casa deles e segura. Eles já haviam fingido a morte dela uma vez, será que esse poderia ser outro esquema para me assustar o bastante para que eu fosse forçado a me mudar de volta para Los Angeles? Talvez Francesca fosse parte do planos deles para me enganar e havia dado a eles os detalhes de todos os lugares para onde nós viajamos, então eles poderiam mandar alguém para lá e me enviar cartões postais personalizados de cada destino. Eles haviam sido enviados para o meu escritório em Braxton, o que assegurava que ninguém na minha família pudesse vê-los, mantendo todo esse assunto privado. Se fossem entregues na minha casa, outra pessoa poderia perceber que eles estavam vindo da minha esposa morta.

Enquanto eu ponderava sobre como provar a minha teoria, a porta do carro se abriu e destacou a risada de uma criança. Eu estava tão distraído que não percebi que a Emma já tinha saído da escola e estava pronta para ir embora.

– Como foi o seu dia?

– Melhor do que nunca. Eu sou a próxima a levar o Rodney para casa no final de semana. Vamos para a loja, papai. – Emma gritou a todo pulmão. – Eu tenho que fazer um pouco de pesquisa, então vou estar pronta para lidar com a responsabilidade.

Eu precisei de trinta segundos para perceber que o Rodney era o animal de estimação da turma dela, um coelho que ia para casa de um estudante diferente a cada final de semana.

– Eu também tenho pesquisa para fazer, então também vou estar preparado para lidar com algumas coisas, minha menina. – a minha pesquisa não envolvia coelhos, mas eu precisava me mover tão rápido quanto um se eu quisesse resolver os quebra-cabeças controlando a minha vida.


13

 


Emma e eu passamos o resto da tarde na loja de animais conversando com uma vendedora amigável sobre como cuidar de um coelho. Se eu tivesse pensado antes, teria ligado para ver se a loja tinha algum filhote de cachorro disponível para adoção. Com sorte eles tinham. Infelizmente, foi má sorte para mim. Emma ficou encantada por um filhote de shiba inu preto e caramelo de dez semanas que havia chegado à loja no dia anterior. Apesar de ele ser adorável, o filhote tentou morder e rosnar para a jaula de vidro. Shibas são conhecidos por não gostarem de ficar presos e da palavra não. Será que eu realmente queria me sujeitar a mais alguém que não iria me escutar?

Eu fiquei rodeando por esse assunto sobre o porquê de nós precisarmos esperar até o verão começar para podermos ter um filhote, mas isso não funcionou. Eu ainda saí da loja com uma menininha muito triste que chorou todo o caminho de carro até em casa. Nana D conseguiu animar a Emma durante o jantar e até mesmo a distraiu ao planejar a hospedagem do coelho pelo final de semana.

Enquanto a Emma estava visitando a Nana D, eu tive tempo para criar uma estratégia de como lidar com minha situação com a Francesca. Eu tinha um antigo colega que estava em Orlando para a filmagem de um filme. Pedi para ele me mandar um cartão-postal de uma das propriedades da Disney com uma mensagem sobre o nosso tempo com o Mickey e a Minnie Mouse sendo o mais divertido de todos. Não importava qual seria o resort, porque eu e a Francesca nunca estivemos em Orlando. Se o Vincenzo e a Cecilia estavam fingindo o desaparecimento dela, esse novo cartão-postal iria certamente causar uma reação. Se eles agissem como se fosse apenas mais uma das viagens da Francesca, talvez eles não estivessem realmente por trás do misterioso desaparecimento dela.

Na manhã seguinte, Emma estava cem por cento focada no Rodney, então nós não conversamos sobre o filhote de shiba inu. Por algum motivo, eu tive um sonho em que ele tinha vindo morar conosco, e eu o havia chamado de Baxter. Mas que cãozinho mais indisciplinado!

Enquanto a Emma estava na escola, eu fui trabalhar e me encontrei com a minha chefa. Myriam não havia conseguido nada de novo da Ursula, mas caiu em cima de mim com sua atitude desapontada de sempre.

– Eu não entendo toda essa animação sobre você, Sr. Ayrwick. Os estudantes parecem adorá-lo, mas tudo o que eu vejo é um monte de falação e nada de ação. “Que era terrível quando os idiotas governam os cegos”.

Eu a ignorei enquanto ela seguia até a escadaria dos fundos do Hall Diamante murmurando para si mesma sobre a ignorância e a limitada necessidade de homens. Como Ursula aguentava aquela mulher-dragão? Ao invés disso, eu lecionei minha aula e estava ansioso para o almoço com o Gabriel. Quando a minha sessão com os estudantes havia acabado, olhei meu celular. Infelizmente, Gabriel cancelou o nosso almoço sem dar nenhuma explicação. Ele prometeu que estaria disponível no dia seguinte, mesmo que fosse para comer algo rápido ou tomar uma cerveja em um dos pubs das vilas próximas.

Eu segui para o prédio da união estudantil para pegar um almoço rápido. Situado no centro do campus, o prédio era uma das estruturas mais modernas do campus. Lá ficava a cafeteria dos estudantes, um acesso rápido a sanduíches e saladas, o correio, duas livrarias, um auditório para pequenas assembleias, um lounge e outros pontos de encontros para estudantes.

A Dra. Singh e a Fern estavam na fila para fazer o pedido quando eu cheguei. Eu acenei para elas e esperei a Fern terminar de pagar por uma grande tigela de mingau de aveia.

– O Dr. Bestcha disse que o meu colesterol estava um pouco alto e insistiu para que eu comesse mais aveia. Quem faz isso em maio?

Nós nos divertimos com brincadeiras hilárias sobre as escolhas alimentares nos trinta anos versus nos cinquenta, chamando a atenção de vários estudantes que passavam por nós. Eu perguntei à Fern sobre como o filho dela, Arthur, estava lidando com as grandes mudanças na vida dele, um bebê que iria nascer em cerca de cinco meses.

– Ele a e Jennifer já marcaram a data do casamento?

– Eu fico perguntando, mas a Jennifer está firme em querer manter as coisas simples. Eu estava preocupada com o meu filho se casando com a alguém da família Paddington depois de todo aquele assunto sórdido com aquele assassinato. – ela disse, sacudindo a cabeça para frente e para trás. – Mas ela tem sido sempre agradável e pé-no-chão ultimamente.

– Por falar em casamentos, eu fiquei sabendo que você se casou recentemente. – eu disse, me virando para a Dra. Singh.

Ela assentiu.

– Me perdoem, eu tenho que ir. Minha aula começa em dez minutos.

– Parabéns. Quando foi isso? – eu não queria deixá-la escapar sem me responder.

– Eu preferia não discutir sobre isso. É um assunto particular, e eu não entendo porque todo mundo fica me perguntando isso hoje. – ela respondeu e começou a se afastar.

– Oh, okay. Desculpe-me. A propósito, você conseguiu encontrar o seu jaleco desaparecido? – a data do casamento dela não deveria ser algo que a deixasse nervosa. Será que levantaria questões sobre a noite do assassinato?

– Não, alguém deve tê-lo levado acidentalmente ou jogado fora. Eu estou muito atrasada. Adeus. – ela correu apressadamente pela porta em direção ao Hall de Ciências Cambridge.

– Anita geralmente é muito mais calma e amigável. – Fern disse.

– Isso é definitivamente surpreendente. – o comportamento da Dra. Singh era suspeito, mas eu sabia pouco sobre ela para poder descobrir um motivo para sua súbita atitude fria. De repente, eu me lembrei de que a Fern havia pedido uma recomendação de buffet, eu disse: – Como foi a sua conversa com o Doug e a Karen Stoddard para discutir os planos da festa de noivado?

Fern disse que ela havia marcado um horário com a Karen, mas quando foi encontrá-la no escritório e no restaurante, a mulher nunca apareceu.

– Isso foi estranho. Ela me ligou mais tarde para se desculpar e citou que teve uma reunião urgente com o Reitor Mulligan sobre a Exposição de Flores Mendel.

– Essa certamente não é a melhor maneira de fazer o negócio dela crescer. Eu pensei que ela fosse mais confiável, me desculpe. – eu disse, me sentindo um pouco culpado, então considerei que tipo de emergência poderia acontecer em uma exposição de flores. Eu teorizei que poucas coisas poderiam justificar a ausência dela, que talvez houvesse algo peculiar e maldoso acontecendo entre as pessoas envolvidas no evento. Eu claramente estava deixando de lado alguma informação relevante.

– Não, está tudo bem. Doug estava lá e eu conversei sobre a festa. Já que vai ser uma coisa pequena, era mais sobre a comida e bebida mesmo. Ele foi bem atencioso. – Fern comentou. Ela explicou que eles haviam se dado bem e conversaram vastamente sobre as suas carreiras diferentes. – Ele mencionou como esteve bem inseguro sobre se mudar para uma cidade remota e abrir seu próprio restaurante. Mas aparentemente, isso funcionou para ele. Ele nunca duvida das sugestões da Karen quando ela escolhe um novo lugar para morar baseada em uma nova oportunidade de emprego.

A resposta da Fern me confundiu. Quando eu havia conversado com a Karen, ela me disse que a amiga da filha dela havia mostrado uma foto do Lago Crilly. Ela e Doug planejaram uma longa viagem no dia seguinte.

– Você tem certeza de que ele disse que a Karen escolheu Braxton? Eu poderia jurar que havia sido uma coisa aleatória.

– Sim, ele disse que a Karen chegou em casa um dia com a ideia pronta de sair da cidade grande. Mencionou que tinha conseguido fazer uma grande conexão e falou para eles se mudarem para cá para cuidar de grandes eventos. – Fern assentiu vigilantemente enquanto guardava alguns guardanapos no bolso. – Tenho que ir. Vamos jantar um dia desses.

Algo não estava fazendo sentido com relação ao Doug e a Karen Stoddard. Apesar de Millard e da Maggie terem contratado eles para cuidar da organização ou servir o buffet de seus eventos, e ambos terem bons instintos, eu precisava fazer a minha própria verificação do passado deles. Eu também queria descobrir como a Sierra se encaixava nesse quebra-cabeça.

Já que eu não estava longe da Biblioteca Memorial, fui encontrar a Maggie. Eu estava curioso sobre a reunião dela com o Conselho de Curadores e a Ursula a respeito do incidente no pátio e da futura reforma do prédio. Eu liguei para ver se ela precisava de almoço, mas ela já havia comido.

– Passe por aqui, tenho algumas fotos do evento para te mostrar. – ela falou animadamente.

Eu mastiguei um wrap de frango e abacate enquanto caminhava até a biblioteca. A fita amarela havia sido retirada das portas duplas que levava aos escritórios privativos dos empregados. Cruzei a entrada e virei à direita na direção oposta para encontrar o escritório da Maggie. Enquanto Maggie desligava o telefone, eu comentei:

– Parece que as coisas estão voltando ao normal por aqui.

– Finalmente, levou a semana inteira para o detetive coletar todas as evidências. – Maggie suspirou. Ela virou o monitor do computador e digitou alguns comandos para que eu visse as fotos. – Helena me disse que você está ajudando ela com uma pasta que ela encontrou no quarto do George Braun na pousada?

Maggie e eu conversamos sobre tudo o que sabíamos sobre a morte do professor e o envolvimento da Helena no caso. Sem nenhuma outra digital na faca a não ser as do George, não estava parecendo promissor para a irmã dela. A xerife ainda não tinha feito uma prisão porque o Juiz Grey não iria expedir um mandato até que tivessem mais evidências.

– Eu espero que ela não esteja tentando provar um plano entre o Cheney e a Helena. Ele brigou com o George, mas ela diz que foi por causa do acesso dela ao quarto dele. Isso não é o suficiente para se matar alguém.

– O Detetive Gilkrist e a equipe dele olharam tudo na pousada. Eles não estão falando muito, exceto que tem outros ângulos que estão considerando. – Maggie afundou.

– Essa é a tática normal. April Montague gosta de deixar os seus suspeitos suando por alguns dias. Então ela vem como um maremoto assim que toda a evidência é irrefutável. – eu sorri para a Maggie e esperava que ela pudesse sentir o meu apoio e a minha amizade claramente, apesar de eu querer explicar a ligação entre a Ursula e o George Braun, não era justo revelar o segredo de alguém. – Eles sabem a quem a faca pertence. Isso pode ajudá-los a revelar esse caso mais rapidamente.

– Essas são boas notícias. Meus pais estão preocupados com a reputação da pousada e o futuro da Helena. Eles não podem alugar o quarto até que a polícia termine e eles encontrem o parente mais próximo dele. – a voz melancólica da Maggie tinha dificuldades de deixar de lado o medo e de se segurar na esperança. – Eu pensei que se você olhasse as fotos comigo, talvez você visse algo.

– Você as mandou para a xerife? – eu perguntei, supondo que a April deve ter pensado se havia algum vídeo ou fotos da festa na biblioteca.

– Sim, ela passou por aqui para pegar uma cópia nessa manhã. Ela me pediu para não mostrá-las a mais ninguém. – Maggie piscou enquanto abria a primeira foto. – Eu tenho bastante certeza de que ela estava falando de você, mas para crédito dela, ela apenas disse “pessoas enxeridas não-relacionadas ao caso” e não mencionou nenhum nome.

– April definitivamente estava querendo dizer sobre mim. Pelo menos ela está ficando mais legal sobre isso. Eu confirmei com a Maggie de que não havia nenhuma gravação em vídeo da biblioteca, já que não havia passado por um upgrade como as outras partes do campus foram no semestre anterior.

– Nós conversamos sobre colocarmos câmeras de vigilância temporárias quando eu assumi aqui, mas com a reforma para acontecer em breve, não fazia sentido ter esse gasto adicional. Nada de ruim havia acontecido na biblioteca desde que eu comecei aqui. – Maggie brincou. – Até você voltar à cidade.

– Apenas me mostre as fotos, engraçadinha. – eu disse enquanto mostrava minha língua para ela. Nós olhamos várias fotos, focando em qualquer pessoa que eu visse com uma fantasia branca ou para qualquer um que estivesse perto do George Braun em sua fantasia de Dr. Evil. Baseado no horário marcado nas fotos pela câmera digital que o fotógrafo havia usado, a maior parte havia sido tirada quando as pessoas entravam na biblioteca ou durante a breve apresentação sobre as doações para a reforma.

Maggie salvou uma cópia de cada foto que combinava com o que nós estávamos procurando. Quando terminamos de ver, ela abriu todas as imagens ao mesmo tempo em seu computador.

– Nós devíamos conectar essas ao projetor na sala de vídeo. Se elas ficarem maiores, podemos perceber algo que não vemos nessa tela pequena.

– Você mesma está se saindo uma boa detetive, Srta. Roarke. – eu disse enquanto ela fazia o download de dez arquivos para um pen-drive e saía do escritório. Nós paramos na mesa da recepção onde ela pegou a chave para a sala de vídeo no porão da biblioteca. – Você conseguiu descobrir quem abriu a porta para a área dos escritórios privativos na noite do baile à fantasia?

Maggie grunhiu enquanto colocava a chave na fechadura.

– Sim, a maravilhosa Helena Roarke acerta novamente. Nós temos a minha irmã para agradecer por toda essa bagunça. – Maggie havia entregado o molho de chaves para a Helena, mais cedo naquela noite, para que ela pudesse descarregar alguns dos materiais de apresentação e as garrafas de champanhe. A temperatura havia caído o suficiente então o champanhe poderia esfriar no pátio, já que não havia geladeiras suficientes na biblioteca para tudo o que eles haviam comprado. Helena havia convenientemente esquecido de devolver as chaves ou trancar a porta, já que era o único lugar onde ela poderia se esconder para fumar ou passar alguns minutos se agarrando com o Cheney quando ninguém precisasse deles.

– Aquela garota vai ser seu próprio declínio um dia, Maggie. – eu a segui até a sala de vídeo e pensei sobre o que isso significava enquanto ela carregava os arquivos. Era um grande espaço retangular e sem janelas, o lugar parecia como uma caverna. Havia um ar frio já que nós estávamos tecnicamente no porão da biblioteca, mas o aquecimento já havia sido desligado para o verão. Com as cadeiras organizadas como num estádio, o lugar acomodava duzentas pessoas, e era usado para as noites de filme semanais para os estudantes e funcionários, ou qualquer pessoa que estivesse se formando em produção de filmes e quisesse mostrar seus projetos para o resto da turma. Eu havia usado essa sala uma vez no semestre passado para um projeto, mas não havia participado de nenhuma exposição.

Se a porta para a entrada privativa dos empregados havia ficado aberta durante toda a noite, qualquer um poderia ter ido até o pátio a qualquer momento. O assassino poderia ter ficado escondido e levado o George até o pátio. Ou o assassino poderia ter visto o George seguindo a Helena ou o Cheney até lá atrás.

– Espere, a Helena te disse por que o George estava lá? Eu só me lembro de que ela o viu com o Cheney mais cedo. Será que o Cheney pediu que o George o encontrasse no pátio?

– O Cheney viu o George seguir a Helena até a área privativa. Ele então seguiu o cara, preocupado com o que ele pretendia fazer. George deve ter ficado perdido e chegou até o pátio, onde Cheney o confrontou. Helena estava em um dos escritórios pegando uma caixa de lembranças que eu queria entregar aos convidados. – Maggie ligou um botão em um console, e as nossas dez fotos foram mostradas em uma grande tela na parede norte.

– Foi então que a Helena os viu brigando, mas se afastou quando eles se acalmaram. Então, se o Cheney não é o assassino, alguém mais entrou escondido lá. Ele ou ela deve ter observado o George durante a noite inteira e o viu sair do salão principal. – eu encontrei a Maggie na metade da área dos assentos então nós poderíamos nos focar juntos nas fotos.

Com uma caneta de laser, ela apontou o ponto vermelho na primeira imagem.

– Aqui está o George conversando com a Karen com a fantasia da Noiva do Frankenstein. Parece que eles estavam discutindo, não acha?

– Sim. – eu bufei. – Quanto que você realmente conhece sobre os Stoddards? – eu contei a ela sobre as minhas preocupações de que eu sabia que o George havia morado em Chicago em algum momento. Eu não disse a ela que isso havia acontecido quando ele era conhecido como Hans Mück, mas queria medir a confiança dela com os donos da mais nova empresa de organização de eventos e restaurante de Braxton.

– Connor e eu jantamos lá uma noite, mais para o começo do ano. Eu não consigo me lembrar exatamente, mas de alguma maneira eu comentei que trabalhava em Braxton. Karen mencionou que ela estava conversando com alguns departamentos para cuidar de alguns dos eventos.

– Então você não a conhece bem? A Karen sugeriu para você a empresa dela, e não você que a procurou. – eu esclareci. Algo me dizia que a Karen estava tentando se envolver com o baile à fantasia.

– Você está certo, agora que nós estamos falando sobre isso. Eu não achava que eu precisasse de alguém, mas ela ofereceu um desconto e me deu algumas ótimas ideias. – Maggie apontou o laser para outra foto. – Você poderia estar certo. Aqui tem outra foto da Karen e George parados perto da porta dos escritórios privativos.

Eu percebi que o Doug também estava na foto, e que ele parecia com raiva.

– Das dez fotos onde o George aparece, em cinco também contém os Stoddards.

– Aqui tem outra com o George conversando com a Dra. Singh e o Reitor Mulligan. Parece que eles chegaram juntos ao evento. Nenhum deles parece muito contente com o outro, não é mesmo? – Maggie aumentou as fotos.

Eu concordei.

– E nessa mostrando o horário das oito e cinquenta, a fantasia do Reitor Mulligan parece diferente. Vê onde o raio estava do lado esquerdo na primeira foto. Agora está no lado direito, e mais para perto de seu estômago. – será que ele estava tentando apagar qualquer evidência de sangue depois de ter atacado o George?

– Olhe essa foto do George com a Ursula e a Myriam. Ele parece um pouco perturbado aqui, também. Talvez ele sempre tivesse o rosto com raiva, Kellan. Algumas pessoas não sorriem frequentemente. – para dar mais ênfase, Maggie riu e me cutucou, esperando me fazer cócegas.

– Pare! Você sabe que eu não aguento isso. – eu praticamente gritei como um adolescente e peguei o pulso dela para ela não fazer de novo. Eu a empurrei de volta a um dos assentos e me aproximei para fazer cócegas nela, sabendo que ela era tão fraca quanto eu com esse tipo de tortura. Sem perceber o quão perto estávamos dos assentos, ela perdeu o equilíbrio, começou a cair e no processo me puxou junto com ela.

Por um minuto, nós não conseguíamos parar de rir. Nenhum de nós ficou machucado, mas também não escutamos alguém entrar na sala. Assim que a Maggie esticou a mão para que eu a ajudasse a se levantar, Nana D caminhava lentamente até nós.

– É assim que você passa o seu dia de trabalho? Não é de se admirar que seu pai tivesse que se aposentar se o filho dele está se envergonhando ao se arrastar pelo chão no porão da biblioteca junto com a bibliotecária chefe. Tsk Tsk.

Eu teria ficado muito mais envergonhado se tivesse sido a Myriam, April ou o Connor que nos tivesse pego, mas já que era a minha avó de setenta e quatro anos de idade que também estava tentando fazer com que nós dois ficássemos juntos, eu não me preocupei.

– Eu deixei os meus óculos caírem. Maggie estava me ajudando a procurar por eles. Você sabe como eu fico cego sem eles.

– Absolutamente. – Maggie disse, me entregando os óculos que realmente tinham caído no chão. Nana D não precisava saber que era por causa de uma briga de cócegas. – Tudo certo agora, Kellan?

Eu assenti enquanto a Nana D revirava os olhos de maneira exagerada e disse:

– Não é isso o que você faria se fosse a situação inversa? Eu posso ter alguns anos a mais do que você, mas a minha audição continua boa. Eu ouvi a risada de vocês.

Eu não queria pensar na situação inversa onde a Nana D estaria rolando pelo chão com um homem. Eu também precisava impedir que ela falasse mais.

– O que você está fazendo aqui?

– Eu vim ao campus para me encontrar com o Ed Mulligan, mas também para devolver um livro que eu emprestei com a Maggie. Já que eu sou uma mulher com boas maneiras. – Nana D disse enquanto segurava uma cópia de Mary Deal com a mão direita. – Eu pensei em dizer um olá antes de ir embora. Aquela garota na recepção me disse que a Maggie estava aqui embaixo. – Uau! Todos na minha casa estavam lendo os livros da Mary Deal esse mês depois que a biblioteca os recomendou como a autora do mês.

– Por que você se encontrou com o Reitor Mulligan? – o que a Nana D estava aprontando agora? Eu não conseguia desviar a preocupação que vinha à minha cabeça com a reação do reitor na nossa ligação telefônica e a fantasia desarrumada dele.

– Eu não tenho certeza. Ele pediu a reunião, mas eu planejo convencê-lo a votar em mim na próxima semana, meu neto brilhante.

Maggie comentou:

– Obrigada Nana D. Eu sempre fico feliz em te ver. Por que nós não tomamos um chá antes de você se encontrar com o reitor? Você tem quinze minutos até o horário com ele. Eu tenho um novo chá de baunilha com caramelo que quero provar.

Antes de a Maggie sair com a Nana D, ela me deu o pen-drive e me disse para descobrir como isso poderia ajudar a irmã dela. A única coisa imediata que eu sabia era que eu tinha que ver os Stoddards novamente, esperando que eu pudesse entender os motivos deles para se mudarem para Braxton e saber se eles conheciam o George Braun desde Chicago. Já que eu planejava buscar a Emma depois que eu encontrasse os Stoddards, eu dirigi ao invés de ir andando até o centro da cidade.

Todas as fachadas de lojas no lado da rua oposto ao rio eram imagens espelhadas uma das outras. O Centro Cívico do Condado de Wharton e a Associação de Mercadores queriam manter uma estética de cidade pequena com o padrão de fachadas de tijolo vermelho, placas brancas e douradas com letra preta, e janelas de ferro com flores coloridas. No lado do rio, cada restaurante podia ter seu próprio design exterior, mas tinham que empregar uma paleta de cores similares. Na época do Natal, eram meticulosamente decoradas com belos abetos, antigas luzes e guirlandas de verdade. Era mágico.

Eu cheguei às duas e meia, o que seria depois da correria do almoço. Assim que entrei, eu ouvi gritos.

– Você tem desaparecido durante horas desde que nós nos mudamos para essa cidade. E você nunca tem uma explicação! O que está acontecendo, Karen? – Doug gritava em uma voz grave por detrás da porta do escritório.

Eu ia bater na porta, então eles saberiam que eu estava no prédio, mas pensei que eu poderia ficar sabendo de algo ao ouvir a discussão deles. Eu entrei na direção da parte do restaurante e me escondi atrás da mesa da recepção onde eu não seria visto. Parecia que eles fecharam para o almoço hoje.

– Eu estou me encontrando com clientes em potencial tentando trazer mais negócios para nós. O que deu em você ultimamente? Você ficou tão ciumento desde que nós nos mudamos. – Karen respondeu com uma voz aguda. Ela deve ter fechado uma gaveta de um armário de arquivos, já que eu ouvi a vibração do metal.

– Eu acreditaria em você, exceto que você desapareceu no meio do baile à fantasia por mais de trinta minutos no final de semana passado. O que foi aquilo? Eu tentei ignorar isso, mas você está fazendo alguma coisa. – Doug reclamou. Ele estava incrivelmente nervoso, mas também fez perguntas racionais. – Desde que aquele George Braun nos contratou para cuidarmos da edição de Braxton da Exposição de Flores Mendel, você tem mantido segredos e está com o temperamento curto comigo. Você está tendo um caso?

– O que? Não! Eu estou ocupada me focando em construir um nome para nós, então podemos parar de nos preocupar com o futuro. Não queremos ser bem sucedidos aqui? Nós não precisamos de mais problemas como o que tivemos em Chicago. O Cheney já passou por muita coisa. – Karen disse em um tom mais suave. Parecia que ela estava tentando acalmar o marido. – Eu estava conversando com a Maggie sobre o sucesso do evento na biblioteca. Conversei com algumas pessoas sobre novas oportunidades para o buffet. Eu nunca desapareci durante o baile à fantasia.

Será que o casamento da Karen e do Doug estava com problemas? Será que a xerife sabia que a Karen havia desaparecido por trinta minutos? Se ela estava mentindo para alguém sobre onde esteve, poderia estar escondendo alguma coisa importante? Ouvir a conversa deles também me deu algumas informações chave sobre os problemas que eles tiveram com o filho antes de se mudarem. Enquanto eu considerava tudo o que tinha ouvido, a porta se abriu.

– Você sugeriu que nós nos mudássemos para esse lugar isolado, Karen. Eu só concordei para que pudéssemos dar ao Cheney uma oportunidade de um novo começo onde ninguém soubesse sobre o passado dele. Eu vou à loja pegar alguns suprimentos de última hora para os eventos desse final de semana. – Doug disse enquanto entrava no vestíbulo para pegar seu casaco. – Nós precisamos consertar esse casamento, se você ainda se importa comigo.

– Eu faço isso. Preciso me encontrar com a Fern Terry sobre a festa de noivado do filho dela. Dê-me a lista. Eu vou pegar tudo no caminho de volta. – ela disse antes de pigarrear audivelmente. – Talvez se você não estivesse tão focado em abrir o seu restaurante caro, nós poderíamos passar mais tempo juntos.

Karen foi embora sem qualquer outra palavra, nem mesmo um adeus. Se ela estava tentando consertar o problema que eles estavam, ela deveria ter beijado seu marido ou pelo menos se desculpado. Ela estava com pressa e definitivamente escondendo algo. Doug deve ter retornado ao escritório dele já que eu ouvi rodinhas de cadeira pelo chão. Fiquei grato por ele não ter entrado no restaurante e me encontrado parado lá escutando a conversa deles.

Eu silenciosamente entrei no vestíbulo de entrada e abri e fechei a porta para que ele ouvisse alguém entrando no prédio.

– Olá, tem alguém por aí? – eu chamei em voz alta, me preparando para atuar em um novo papel.


14

 


Doug entrou no vestíbulo.

– Me desculpe, nós estamos fechados para o almoço hoje, mas vamos reabrir em duas horas para o jantar. Oh, espere, eu conheço você.

Depois que eu me reapresentei a ele, Doug ofereceu fazer uma xícara de café já que ele estava tomando uma. Eu o segui até a área de preparação, onde ele fez um novo bule. Essa área ficava escondida atrás de uma grande tela móvel, que impedia que os clientes vissem.

– Obrigado novamente pelos ótimos comentários que você deixou no Yelp sobre o lugar. Nós agradecemos. O que te traz aqui tão cedo, Kellan?

Eu tinha que pensar com calma. Agora que eu sabia que ele suspeitava de algo acontecendo entre a esposa dele e o George e que havia um problema com o filho deles no passado, eu tinha o caminho ideal.

– Não há de que. Eu estava procurando pelo Cheney. Preciso falar com ele sobre algo que aconteceu recentemente. – eu desviei o olhar, para fazer parecer que era um assunto difícil de conversar com o Doug.

– Ah, não... ele fez isso de novo? Olhe, eu sinto muito. O Cheney é um cara bom, mas ele tem um mau temperamento e é desbocado. O que aconteceu dessa vez? – Doug pegou duas xícaras de uma prateleira e as colocou no balcão. – Leite, açúcar?

Eu assenti, tentando manter as minhas respostas no mínimo para que ele continuasse falando.

– Eu não quis...

– Ele causou algum dano? Vamos pagar por isso. Nós nos mudamos para cá para que ele pudesse começar novamente. Eu apreciaria a sua ajuda em não contar isso a ninguém. – Doug disse enquanto servia o café nas duas xícaras.

– Eu acho que eu lhe dei a impressão errada. Eu precisava conversar com o Cheney sobre o relacionamento dele com a Helena, mas agora você me deixou preocupado. Tem alguma coisa que eu deveria saber antes que as coisas fiquem mais sérias entre os dois? Eu sou muito amigo da família Roarke e não quero que nada de ruim aconteça com eles. – eu tomei um gole de café enquanto nós sentamos em uma mesa por perto.

Doug hesitou no começo, mas acabou cedendo.

– Quando a minha filha Sierra foi embora para a faculdade, Cheney se envolveu com as pessoas erradas lá em Chicago. Ela havia colocado ele na linha mesmo sendo mais nova. Ele ficou perdido e tentou se provar com um grupo de caras problemáticos. No último verão, ele foi pego por invadir algumas casas de uma parte influente da cidade.

– Ele esteve preso? – eu perguntei, pensando se a Helena sabia disso.

– Por alguns meses. O juiz deu a ele uma sentença mais leve por ser réu primário. Nós precisamos afastá-lo das influências negativas. – Doug explicou. Cheney havia sido expulso da faculdade depois que reprovou em duas matérias e teve um incidente no campus com agressão agravada. A faculdade havia concordado em não prestar queixa se o Cheney lidasse com seus problemas de controle de raiva. Doug e Karen pensaram que ele havia amadurecido até que ele começou a sair com uma gangue em Chicago, o que finalmente o levou à prisão.

– Eu sinto muito ouvir isso, mas você tomou a melhor decisão ao tirá-lo de lá. Foi por isso que você decidiu se mudar? – eu havia escutado Doug e a Karen dizendo o porquê, mas precisava do resto dos detalhes.

– Sim. Nós estávamos procurando algumas pequenas cidades na Costa Oeste. Eu pensei que o clima bom da Califórnia poderia ajudar o Cheney a relaxar mais. Karen e eu sempre quisemos abrir o nosso próprio restaurante, mas não podíamos pagar isso naquela época.

– É ótimo que ela queira te apoiar. Por que vocês acabaram escolhendo Braxton? – eu perguntei.

– Karen encontrou um cientista que estava organizando a Exposição de Flores Mendel e fez os preparativos. Ela veio com um plano brilhante para abrir a parte de organização de eventos no negócio, então poderíamos ser uma empresa que fornecia tudo completo. – Doug ofereceu mais café, mas eu já havia tomado o suficiente pelo dia. Minhas mãos estavam ficando ansiosas.

Quando o celular dele tocou, Doug se afastou para atender. Eu não queria abusar da minha sorte quando já tinha conseguido bastante informação útil. Eu precisava saber como a Karen realmente conheceu o George Braun, mas decidi que seria melhor conversar com ela separadamente. Parecia que era ela quem estava mentindo para as pessoas. Se o Doug não soubesse muito, e ele contasse à Karen que eu havia perguntado, ela poderia se calar perto de mim.

Doug retornou à mesa.

– Desculpe, era a Karen. Ela não conseguiu ler algo que eu havia escrito na lista de compras e queria verificar comigo. Eu realmente preciso preparar as mesas para o jantar de hoje.

– Ah, certo. Claro. Viu, eu aprecio que você tenha me contado sobre o Cheney. Eu não vou contar a ninguém, mas se você o vir, pode pedir para ele me ligar? – eu escrevi meu número em um guardanapo. – Eu quero cuidar da Helena.

– Eu entendo. Acho que eles estão ficando mais próximos, mas ele precisa levar as coisas mais devagar. Eu quero que meu filho organize a vida dele antes de se estabelecer com uma garota. – Doug comentou.

Eu acho que ele não havia percebido que a Helena não queria estar comprometida em um relacionamento agora.

– Nós temos um acordo. Eu vou manter apenas para mim o que você me contou sobre o Cheney e tentar convencer a Helena a ir mais devagar por enquanto. Talvez você não devesse contar à Karen o que você me disse sobre o passado.

– Eu acho que é uma boa ideia. A Karen pode ser um pouco difícil de vez em quando. Ela não quer que alguém saiba sobre os problemas do Cheney. Ela está com medo de que isso possa mandá-lo de volta se as pessoas começarem a falar. – Doug disse enquanto se levantava da mesa e me escoltava até a porta da frente.

– Ah, mais uma pergunta. – eu disse, percebendo que a faca alemã que estava faltando no display no vestíbulo estava de volta. – Eu não tinha visto um espaço vazio ali no outro dia?

Doug afinou os lábios.

– Você é um cara observador. Sim, estava vazio.

– Eu não sabia que você era tão fã de armas de caça até que o Cheney mencionou isso. – eu comentei.

– Eu tive que limpar aquela faca em particular. Percebi uma mancha no outro dia e a peguei. Com tudo o que está acontecendo, eu finalmente consegui um tempo para limpá-la. – Doug não conseguiu me colocar para fora suficientemente rápido.

Eu saí do restaurante dos Stoddards depois de conseguir várias novas informações, mas como elas se encaixavam? A faca do Doug não havia sido usada para matar o George, mas o display claramente mostrava suas habilidades avançadas. April havia mencionado que quem havia matado o George sabia exatamente onde esfaqueá-lo para uma morte quase imediata. Eu liguei para o escritório da xerife no caminho para a escola primária para buscar a Emma.

– Policial Flatman falando, como eu posso ajudá-lo e manter o crime em baixa hoje? – o aspirante a detetive disse com um cumprimento animado e de uma maneira mais educada para atender as pessoas.

– Aqui é o Prefeito Grosvalet. Eu preciso conversar urgentemente com a Xerife Montague sobre um gato preso em uma árvore. – eu provoquei e menti para o policial, esperando deixá-lo nervoso o suficiente para que ele deixasse escapar alguma coisa sobre o caso. – Já resolveram aquele caso do Braun?

– Oh, boa tardeeee... Prefeito, senhor... eu... hmmm... ela não está aqui. A Xerife Montague saiu para efetuar uma prisão. Eu posso ligar e localizá-la para você imediatamente. – o Policial Flatman falou rapidamente. – Hmmm... o que tem de errado com aquele gato, senhor?

Ao ouvir sobre uma prisão, eu me esqueci sobre a mentira que havia acabado de inventar.

– Não tem problema. Eu mesmo vou subir na árvore. – eu desliguei preocupado sobre quem iria para a cadeia. Para onde eu deveria ir primeiro, ver a Helena ou a Ursula? Qual delas a April havia planejado levar em custódia?

Eu estacionei a SUV na vaga de visitante do outro lado da escola. Já que Emma iria trazer o Rodney para casa hoje, eu não poderia esperar na fila para os pais. Ela não conseguiria carregar a gaiola dele e a comida sozinha, então eu entrei para pegar o coelho. Eu me lembrei de que a Fern tinha uma reunião administrativa com a Ursula marcada para daqui a alguns minutos, então mandei uma mensagem para ela para saber se a reunião ainda estava marcada. Enquanto eu e a Emma saíamos da escola, Fern respondeu que a reunião estava prestes a começar, e Ursula estava parada na porta conversando com sua assistente. Eu disse à Emma que nós precisaríamos fazer uma parada na Pousada Roarke & Daughters Inn e fui por um caminho pelas ruas laterais para evitar o trânsito do centro.

Quando eu estacionei no caminho circular, procurei pela moto da xerife ou por qualquer veículo policial no terreno principal, mas não havia nenhum. Já que eu havia parado bem em frente à porta principal, eu disse à Emma para não sair do carro e pedi para ela esperar cinco minutos por mim. Eu podia vê-la da sala frontal da pousada e planejava entrar apenas por um momento para ver se a Helena estava bem. Eu subi as escadas, entrei na varanda fechada, e abri a porta da frente. Quando entrei, Helena e a mãe dela estavam arrumando as coisas para a hora do coquetel.

– Hey, cara sexy. Finalmente decidiu que não podia ter demais de mim? – Helena disse enquanto me dava um beijo nos lábios. – Por que você está todo vermelho? Eu deixo você nervoso?

Lucy Roarke deu à sua filha um olhar desaprovador.

– Deixe o amigo da sua irmã em paz. Kellan está tentando te ajudar, agora para de ser tão oferecida, senhorita.

Eu posso ter deixado de correr uma ou duas vezes, mas a corrida subindo os degraus me deixou sem ar.

– Sra. Roarke, você está adorável como sempre. – eu disse, então me virei para a filha dela. – Helena, você soa tão tolamente como sempre. Eu estou aqui para te salvar da xerife. – ambas as mulheres olharam para mim como se eu tivesse moscas voando ao redor da minha cabeça. – Alguém tentou te prender hoje?

Helena riu.

– Até parece. Eu te disse, ela não pode me prender porque eu não o matei.

– Não é assim que a lei funciona. Eu tenho certeza de que o Finnigan já lhe disse isso. – eu a relembrei. Será que o Policial Flatman se enganou quando disse que a xerife estava indo fazer uma prisão?

– Meu advogado provavelmente mencionou isso, mas eu não estava prestando muita atenção às palavras dele. Aquele homem é um sonho! – ela deu de ombros. – Ele pode ser quase uma década mais velho, mas isso não impediria essa garota de dizer sim para um encontro com ele.

– Eu pensei que você ainda estava saindo com o Cheney. – eu comecei a falar, mas a mãe dela interrompeu.

– Eu não posso ouvir essas bobagens, Helena. Termine de arrumar as mesas e pare de agir tão juvenil. Eu preciso preparar os bolos e doces para os nossos convidados. – Lucy ordenou à sua filha. – Se eu me lembro corretamente, Kellan, você adorava os meus biscoitos. Eu vou trazer alguns extras para você, querido.

Quando a mãe dela saiu da sala, Helena agarrou no meu braço.

– Pensei que ela nunca fosse ir embora. Eu preciso correr até a loja e pegar um presente de aniversário para a festa do Cheney amanhã à noite. Ele vai fazer vinte e cinco anos. Eu acho que eu ser mais velha do que ele em três anos está bom, não é? Isso é aceitável nos tempos modernos, mesmo que a minha mãe ache que ele é muito imaturo para mim.

– Eu acredito que você entendeu isso errado, Helena. Ela provavelmente acha que você é imatura demais para ele. – eu a repreendi. Era coisa demais ter que aceitar a combinação da maneira de flertar da Helena, sua inabilidade de ficar com um só cara, e seu foco no Cheney, que eu havia descoberto que tinha um passado e tanto. – Quanto você sabe sobre a vida do Cheney antes dos Stoddards se mudarem para Braxton?

– Você está transformando isso em algo grande demais, Kellan. Eu sou nova demais para me aquietar. Eu falo pra caramba, mas não sou tão louca quanto você pensa. – Helena afundou. Enquanto ela colocava os guardanapos e taças de vinho, uma sirene alta começou a soar na rua.

Eu senti o meu estômago começando a se revirar. Eu precisava ir olhar a Emma, meus cinco minutos estavam acabando. De repente, eu fiz uma conexão com algo que a Helena havia dito.

– Espere, quando o Cheney vai fazer vinte e cinco anos?

– O aniversário de verdade dele é amanhã. Eu vou jantar com ele, com a irmã e os pais dele. É assim que ele queria celebrar. – Helena seguiu até a porta da frente, entrou na varanda e ficou branca como um fantasma. – A sirene está vindo de um carro de polícia parando no estacionamento.

A segunda frase da Helena sobre o carro de polícia não havia entrado na minha mente. Eu estava ocupado demais fazendo as contas. Se o Cheney faria vinte e cinco amanhã, isso significava que ele havia nascido em Chicago mais ou menos nove meses depois que a família da Ursula e do Hans havia explodido. Não poderia ser uma coincidência que o Cheney tivesse sido concebido poucos dias antes da explosão. Se a Karen e o George conheciam um ao outro, será que ela era a assistente que contou aos canais de notícia tudo sobre o envolvimento da Ursula? Eu comecei a imaginar se isso significava que o George, antigamente Hans, poderia ser o pai do Cheney. Se isso fosse verdade, eu poderia ter encontrado um motivo para ele ter sido assassinado. Eu poderia ver os motivos para cada um dos Stoddards.

– É a xerife, Kellan, e ela está indo na direção da Emma. – Helena gritou.

Eu corri para o estacionamento para limitar a exposição da minha filha à situação. Ela e April haviam conversado algumas vezes antes, mas a Emma não precisava ver ninguém sendo preso.

– April, o que está acontecendo? Quando eu não te encontrei antes, eu fiquei me perguntando quem você estava indo prender. Mas agora você está aqui. Como eu cheguei à pousada antes de você?

– Eu tentei lhe dar o benefício da dúvida, Pequeno Ayrwick, mas você sempre aparece quando tem um assassinato ou uma prisão acontecendo. É como se você tivesse um radar para detectar qualquer crime que estivesse prestes a ocorrer no Condado de Wharton. – April grunhiu para mim. Ela assentiu na direção da Helena e entregou a um dos policiais dela um papel de aparência oficial. Assim que ele foi prender a Helena, April se virou de volta para mim. – Como você advinhou que eu estava vindo para cá?

Eu soube assim que as palavras saíram da minha boca, que eu havia dito demais.

– Apenas visitando, eu precisava de uma xícara de açúcar da família da Helena e...

– Você não deveria mentir na frente da sua filha. – April disse com uma expressão séria e julgadora na minha direção. – Agora isso faz sentido.

Eu sacudi a minha cabeça, então coloquei minha cabeça para dentro da janela do passageiro para dizer a Emma esperar por mais alguns minutos.

– Eu não tenho certeza do que você está falando.

– Já que a Emma está aqui, vou ser breve. O Policial Flatman me ligou enquanto eu trazia a minha equipe até aqui para prender a Srta. Roarke pelo assassinato do George Braun. O Prefeito Grosvalet supostamente ligou para o escritório da xerife para interromper o que eu estava fazendo. Eu achei isso estranho porque eu havia falado com ele e com o Vereador Stanton duas horas antes quando ambos exigiram que eu fizesse uma prisão nesse caso.

Por que o Marcus estava fazendo pressão para uma prisão? Tinha que ser algo que ele queria usar para alavancar sua vitória na eleição da próxima semana.

– Mas eu não entendo o que isso tem a ver comigo.

– O Flatman é um ótimo policial de batida. Você acha que o nosso prefeito pesado, com mais de setenta anos de idade e asmático conseguiria subir numa árvore? Flatman precisa aprender como e quando chamar a cavalaria... – April disse enquanto olhava para a Emma. – Isso era a besteira de um trote. Já que você sabia que eu estava indo fazer uma prisão e aquela história ridícula sobre um gato, eu tive bastante certeza de que havia sido você quem ligou. Assim que você ouviu aquilo, você trouxe correndo o seu pequeno traseiro para cá para ser o cavaleiro da armadura brilhante para a Srta. Roarke.

Eu assobiei por dez segundos e evitei contato com o olhar da xerife. Parecia que eu estava em um desenho dos Looney Tunes onde ela era o papa-léguas e eu era o coiote. Eu precisava virar o jogo, então eu não iria constantemente me sentir como o oprimido que sempre perdia a corrida.

– Já que nós dois sabemos que você tem algo mais importante para fazer agora, talvez nós possamos ignorar o Policial Flatman por um momento. Parece que nenhum de nós pensa que ele tem algo importante para dizer.

– Concordo, mas eu vou lhe aconselhar a não menosprezar um policial de Braxton na presença de outras pessoas, Pequeno Ayrwick. – April disse. O policial havia começado a ler os direitos da Helena.

– Kellan, por favor, me ajude. Ligue para a Maggie por mim. Chame o Finnigan Masters e peça para que ele nos encontre no centro. – Lucy Roarke implorou, indicando que ela ia com sua filha até o escritório da xerife, para que ela não ficasse sozinha. Ben ia fazer com que as coisas funcionassem na pousada até que uma das suas outras filhas chegasse para cuidar do lugar e dos hóspedes.

Assim que o Detetive Gilkrist entrou com um mandado de busca para o lugar, Helena foi levada para o centro com o policial, com a Lucy seguindo logo atrás. Eu me virei para a xerife.

– Nós precisamos conversar.

– Sim, eu concordo. Parece que você tem alguns favores para fazer para os Roarkes. Por que você não faz aquelas ligações? Eu vou fazer companhia para sua filha. – April disse enquanto batia gentilmente na janela da Emma.

– Espere, por que você está sendo tão legal agora? – eu perguntei.

April me disse para fazer o que ela havia dito e começou a conversar com a Emma sobre o coelho dela, Rodney. Eu voltei à varanda e rapidamente conversei com a Maggie. Ela estava saindo da biblioteca e iria encontrar a mãe dela no escritório da xerife. Connor iria com ela para ajudar a manter as coisas sob controle pelo momento. Eu também entrei em contato com o advogado da Helena, mas a assistente do Finnigan me informou que ele ainda estava no tribunal para um testemunho. Ela me assegurou que iria acabar em trinta minutos, então ele iria encontrar a Helena.

Enquanto eu descia as escadas de volta ao estacionamento, o restante dos policiais carregou uma bolsa com evidências até uma van da polícia. Eu olhei para a minha filha, que estava sentada em um banco do lado de fora com a April, e escutei a conversa delas de uma certa distância.

– O Rodney gosta de você, Emma. – April disse, gentilmente acariciando as orelhas do coelho. O coelho parecia contente nos braços dela como se não tivesse preocupações com o mundo.

– Ele é um bom garoto. Eu espero que ele não fique assustado em casa. Tem vários outros animais na fazenda que são maiores do que ele. – Emma disse, com um olhar de pânico crescendo em seu rosto.

– Ele pode ficar preocupado, mas é aí que você entra. Ele vai depender de você para tomar conta dele. Você vai ter que assegurar que ele seja amado, alimentado e cuidado. Não deixe outros animais chegarem perto dele até que eles estejam calmos. E talvez apenas os pequenos. Você já uma menina grande, eu tenho certeza de que o seu papai vai te ajudar. – April disse antes de olhar para mim e entregar o coelho para a Emma. – Conforme eu o conheço mais, eu posso ver como ele é um bom pai. Eu tenho certeza de que isso também está em você, então você pode ser uma boa mãe para o pequeno Rodney.

Bem quando a April fez algo tão tolo como prender a Helena Roarke por um assassinato que ela nunca cometeria, aquela xerife hipócrita me faz um elogio. Agora, eu teria que ser legal com ela mesmo quando eu pensava em trancá-la em um armário até... deixa pra lá... oohh, isso estava indo para um lugar que eu não pretendia.

– Hey Emma, por que você não vai lá dentro e pega um biscoito no salão. Eu vou cuidar do Rodney para você.

Emma colocou o Rodney na gaiola e entregou para a xerife.

– Você não é tão má mesmo que o papai reclame de você o tempo todo. Ele reclama de todo mundo. – ela abraçou a April e começou a correr em direção aos degraus da frente. – Nana D disse que ele é um tolo.

Eu fechei os meus olhos e me encostei contra a porta do passageiro da SUV.

– Não tenha filhos, April. Eles sabem como fazer você amar alguém incondicionalmente e então arrancam o seu coração e pisam em cima!

– Com o risco de parecer piegas, eu realmente quis dizer aquilo. Você é realmente um ótimo pai, Pequeno Ayrwick. – April disse, me dando dois tapinhas no ombro. – Você também deveria saber que eu não acredito que a Helena Roarke tenha alguma ligação com o assassinato do George Braun, mas tenho algumas evidências que não posso negar no momento. Tem um monte de pressão em cima de mim por parte do Prefeito Grosvalet e do Vereador Stanton para eu efetuar essa prisão.

– Ele está tentando provar algo, não está? A família Roarke é próxima da minha família. Isso são más notícias para a minha avó, certo?

April assentiu.

– Escute, eu não deveria estar te contando isso. Também não tenho certeza do porque estou, mas você está começando a me conquistar. Eu estou investigando algumas outras pistas, mas talvez o assassino abaixe a guarda agora que nós prendemos a Helena.

– Finnigan vai tirá-la de lá. Ela não vai tentar fugir. – eu comentei, olhando o horário no meu relógio. – Eu acho que você vai ter que segurá-la até segunda-feira. Nenhum juiz vai pegar o caso dela às cinco horas da tarde de uma sexta-feira.

– Eu temo que você esteja certo. Eu tenho que ir até o centro para dar entrada na Helena e me certificar de que ela tenha acomodações adequadas para essa estadia. Tenho certeza de que ela vai poder receber visitas no final de semana, isso é, se você estiver por aí. – April disse, se afastando.

– Por que, Xerife Montague, você está tentando ajudar a Helena, ou quer me ver de novo amanhã? – eu ri. A risada era algumas vezes a melhor maneira de lidar com uma situação estranha. Eu não sabia como me comportar com a April se nós não éramos mais inimigos. Nós não éramos exatamente amigos, mas estávamos no meio, o que causava mais problemas do que o necessário.

– Por uma coisa, eu não vou trabalhar amanhã. Você pode passar o dia inteiro em uma cela da cadeia conversando com a irmã da sua ex-namorada, amigo. E outra coisa, eu acredito que já tive o suficiente de Kellan Ayrwick pelo mês. Eu estou perfeitamente feliz de esperar pelo próximo assassinato em Braxton para lidar com você. – April me provocou com um sorriso maldoso.

– Antes de você ir... – eu disse, organizando meus pensamentos. – Eu escutei uma conversa peculiar entre o Doug e a Karen Stoddard. Não apenas o filho deles, Cheney, esteve metido em problemas no passado, mas isso ocorreu em Chicago. Também parece haver uma explicação diferente entre os dois sobre como eles acabaram decidindo se mudar para Braxton. – eu contei à xerife tudo o que o Doug havia dito sobre o desaparecimento da esposa durante os trinta minutos.

– Eu vou investigar sobre a chegada deles em Braxton. Eu já sabia sobre a passagem do Cheney pela cadeia. Isso faz com que ele pareça mais culpado, mas Helena jura que viu o Cheney se afastar do George no pátio. Ou ela está encobrindo o Cheney, ou ele foi embora depois da sua discussão com a vítima. O caso contra a Helena está ficando cada vez mais forte, mesmo que a minha intuição me diga que ela não é culpada. – quando o céu começou a ficar nublado, April piscou. Os olhos verdes vibrantes dela brilhavam como luzes de LED.

– Mas você vai investigar sobre onde a Karen esteve durante esses trinta minutos? – eu perguntei.

– É claro. Infelizmente, eles estão dando cobertura um para o outro dizendo que não se separaram durante a maior parte da noite, então eu vou precisar pensar como introduzir esse assunto. Se eu pegar o Doug e a Karen separadamente, conseguir algo de um ou do outro deve ser relativamente fácil. – a xerife me avisou para não conversar com eles novamente, pois isso poderia deixar a investigação dela mais difícil. Eu prometi que faria o meu melhor, mas eu sabia que se tivesse a chance, eu iria cutucar por aí. Não conseguia evitar. Duas amigas minhas estavam com problemas, e a xerife ainda não tinha provado que dependia de mim. Eu havia sido essencial para resolver os dois casos de assassinato anteriores, e se tivesse mantido meu nariz longe de onde ele não deveria estar, um assassino poderia ter ficado impune.

– Tem mais alguma coisa que você ficou sabendo sobre a ligação que a Yuri escutou no dia da morte do George?

– Eu pensei que você tivesse concordado em ficar fora disso. – April grunhiu. Ela cruzou ambos os braços e ficou parada ao lado da moto, olhando para mim antes de colocar o capacete.

– Apenas acompanhando sobre uma pista que eu providenciei, só isso. Encerrando esse assunto, então eu não tenho que pensar mais sobre isso assim que souber que você tem tudo sob controle. – eu disse, esperando diminuir as preocupações dela.

– Nesse caso, sim, a informação da Yuri foi útil. Eu segui o que você me disse, mas vamos apenas dizer... não estou convencida de que ela estava sendo verdadeira. Yuri Sato está atualmente com problemas com o Reitor Mulligan sobre algo que ela fez em Braxton.

– O Reitor realmente encontrou-se com o George naquela tarde, ou ela inventou a coisa toda?

– Eu não posso comentar sobre isso agora. Preciso terminar a minha investigação. Não me pressione com isso. – April apertou a mandíbula, indicando que ela estava perto do ponto de ebulição com a minha persistência. – Eu vou lhe contar que baseado em alguns documentos deixados para trás no quarto dele na pousada, nós confirmamos que o George Braun era casado. No entanto, ainda não sabemos a identidade completa dela e nem a localização. Ela é uma pessoa de interesse, e assim que a encontrarmos, vamos ter outro possível suspeito. – April verificou que sua moto estava no ponto neutro, ligou o motor e seguiu para a estrada.

Eu precisava descobrir por que a Anita Singh não falava sobre com quem ela havia se casado. Agora que a Yuri estava envolvida em uma mentira peculiar, eu me preocupei sobre como ela se encaixava naquele quebra-cabeça. Se nós não conseguíssemos encontrar um suspeito legítimo, Helena poderia ficar com mais problemas do que eu tinha pensado.

Emma desceu os degraus com dois biscoitos na mão.

– Ela é tão legal, papai. Aqui, pegue um de gengibre. O Sr. Roarke disse que ele está contando com você para ajudar a Helena.

– Obrigado, querida. Vamos jantar com o vovô, a vovó e a Nana D. Eu prometi que nós iríamos para lá. – alguém precisava impedir que o Marcus Stanton tentasse controlar a xerife. Grosvalet iria logo ficar sem o emprego, mas eu tinha que fazer de tudo para impedir que o Stanton se tornasse o próximo prefeito.


15

 


Eu e a Emma arrumamos um lugar para o Rodney dormir. Assim que nós conferimos que ele tinha comida suficiente e água, e que ele havia dormido na gaiola dele, nós nos preparamos para encontrar o resto da família para jantar. Emma implorou para que eu a levasse nas minhas costas, então eu fingi ser um animal de fazenda e corri pelo Rancho Danby roncando e guinchando. Eu não tenho certeza se havia sido o fato de eu ficar fazendo aqueles barulhos estranhos ou a corrida que havia me cansado primeiro. Antes de dirigir até a Cabana Real Chic, eu liguei para a Ursula para avisá-la sobre a prisão da Helena e que eu suspeitava que ela pudesse reconhecer quem esteve recentemente trabalhando com o George Braun. Eu expliquei quem a Karen e o Doug Stoddard eram sem falar sobre a experiência do filho deles na cadeia em Chicago. Ursula não conseguia se lembrar do primeiro nome da assistente e ainda pensava que a pessoa que trabalhava no laboratório tinha o sobrenome Lambertson. Poderia ser ou não a mesma pessoa, eu lembrei a mim mesmo.

– Myriam tem um jantar esta noite com todos os outros chefes de departamento das faculdades próximas. Já que eu estou sozinha, talvez eu devesse tentar ir ao novo restaurante Stoddard para ver se eu reconheço a Karen. – Ursula sugeriu ao telefone. – Quer se juntar à diversão?

– Eu acho que é uma boa ideia. Eu iria com você se pudesse, mas estou indo aos meus pais para passar um tempo em família com a Eleanor, Nana D e a Emma. Tenha cuidado, eu não confio exatamente na família Stoddard agora. – eu a aconselhei enquanto estacionava a SUV e soltava o cinto de segurança. – Não a pressione, ela gosta de brigar ou é muito difícil. E esteja avisada, o Cheney tem o temperamento curto.

Quando nós chegamos, Emma colocou um marcador de páginas do My Little Pony no livro e esperou que eu destrancasse a porta de trás. Minha filha preciosa pulou nos meus braços dizendo:

– O que nós trouxemos para o jantar? – enquanto fechava a porta, eu percebi que não havia perguntando aos meus pais se eles precisavam de algo e nem havia me voluntariado para trazer parte da refeição. Eu era um mau filho.

– Bem, querida, o papai teve um dia longo e...

Emma me interrompeu e disse:

– A Tia Eleanor acabou de chegar. Ela vai salvar o dia. – ela desceu do meu colo e correu até o carro da minha irmã que tinha estacionado atrás de nós. Quando a Eleanor saiu pela porta do motorista, ela e Emma sussurraram como duas adolescentes. Eu ouvi uma segunda porta de carro sendo fechada e observei a Nana D saindo pelo lado do passageiro.

– É mesmo? O seu papai esqueceu-se de trazer algo, que coisa estranha. – Eleanor provocou.

– Oh, meu neto brilhante, se as mulheres na sua vida não estivessem em cima das coisas, você seria o pior tipo de bagunça. – Nana D me deu uma reprimenda enquanto caminhava entre os dois veículos. – Pegue isso. – ela disse, me entregando um cheiroso buquê com margaridas brancas e solidagos amarelos. – Use um pouco do poder das flores.

Desde que eu havia voltado à Braxton três meses atrás, eu poderia contar nos dedos de uma mão quantas vezes nós jantamos juntos como uma família. Quando a Eleanor, Nana D e meus pais se reuniam em uma sala, os comentários sarcásticos voavam tão rápido que ricocheteavam nas paredes e te acertavam por trás antes que você pudesse pegar o próximo. Por mais sarcástico que eu pudesse ser, ficar a altura deles não era uma opção. Eu conhecia o meu lugar naquele ninho de cobras. Será que isso iria mudar agora que o Gabriel estava de volta? Eu estava preocupado sobre manter o segredo dele de todo mundo hoje à noite, já que eu havia acabado de encontrá-lo novamente. Agora eu teria que evitar mencionar o nome dele ou arriscar uma nova guerra mundial.

– Pra mim? Não precisava. – eu beijei a Nana D na bochecha e peguei o buquê e uma bandeja de bolo que ela estava carregando. – Bem longe. Você foi uma hippie, Nana D? Pode dizer. – eu pensei em apimentar a noite com uma pequena gíria que ela pudesse se lembrar.

– Você pode apostar o seu doce traseiro que eu era, agora não estrague a minha vibe! Isso responde a sua pergunta? – usando a sua mão livre, a Nana D me bateu com uma grande bolsa de lona. – Isso é o que eu estou trazendo. Bolo de chocolate alemão feito com os grãos de cacau que a Deirdre me mandou de uma das viagens dela ao Brasil. Supostamente fazendo pesquisas para o próximo livro dela, meu docinho.

– O que tem naquela bolsa, milhares de moedas? – eu disse, trocando o buquê de flores para a minha outra mão para que eu pudesse esfregar o meu ombro. – A Nana D pegou sua bandeira de louca e está se repetindo. – eu disse em uma voz lenta como se estivesse intoxicado. – Ela deve estar voando alto com a grana!

– Pare. Ninguém te acha engraçado. Emma provavelmente tem vergonha de ser sua filha. – Nana D disse.

– Ela as está carregando por aí durante toda a semana e ameaçando nocautear o vereador se ele continuar espalhando rumores sobre ela. – Eleanor se intrometeu e pegou a mão da Emma para entrarmos. Na outra mão dela havia uma bolsa com pelo menos quatro garrafas de vinho aparecendo. Bom, um para cada um de nós. Meu pai bebia whisky, mas o resto de nós precisaria de uma garrafa para enfrentar a noite.

– Aquele idiota contou a um grupo de mercadores no centro que eu queria derrubar as lojas deles para construir um lar para cachorros. Ele é um arrogante filho-da-.... – Nana D ergueu a voz até que eu inclinei a minha cabeça na direção da Emma. – Cabeça de cocô! De qualquer forma, você pode entregar as flores para sua mãe, então não vai parecer que é um tolo por ter se esquecido de trazer algo.

– Obrigado, Nana D. Eu amo você. – eu segui todos para dentro e me preparei para a batalha.

Meu pai estudou a sua formidável sogra, procurando pela melhor frase de boas-vindas. Então, ele a falou como um tornado.

– Querida sogrinha, é maravilhoso de ver você sem a sua vassoura essa noite. Ficou sem combustível? Ou você deu aos pequenos macacos uma noite de folga?

Ele esticou a mão para pegar o bolo, mas ela empurrou a mão dele para longe.

– Faça algo de útil e desapareça. – Nana D passou por ele empurrando-o com o ombro e foi procurar a minha mãe na cozinha.

Eleanor deixou o vinho no bar lateral da sala de jantar e imediatamente abriu a gaveta superior procurando um abridor de garrafas. Enquanto a Emma contava ao meu pai sobre o dia dela na escola, eu me aproximei da minha irmã e sussurrei:

– Será que você deveria estar bebendo já que está tentando engravidar?

– Eu não estou grávida agora. Eu vou parar se e quando isso acontecer, mas até lá eu considero esse suco de uva especial uma armadura necessária para a noite. – ela respondeu e tirou a rolha da primeira garrafa de vinho branco. – Um Sancerre francês deve fazer a gente começar da maneira certa.

Emma saiu pulando até a cozinha fazendo barulhos de coelho para ajudar a avó dela e a Nana D. Meu pai abriu o armário de bebidas, pegou uma garrafa nova, e se serviu de whisky escocês.

– O que tem de novo na sua vida, filho? Desde que você abandonou o navio, eu quase não te vejo mais.

– Eu estive ocupado planejando a próxima peça de teatro na Casa de Espetáculos Paddington. Sunset Boulevard deve trazer um pessoal novo enquanto tem poucos estudantes nesse verão. – eu respondi, esperando evitar alguns tópicos que ele, sem dúvidas, levantaria. – A reprise do ano passado na Broadway foi um sucesso.

– Escolha excelente. A Ursula e a Myriam estão te tratando bem, eu presumo. – ele mexeu a metade do líquido em seu copo e inspirou seu cheiro pesado e amadeirado. – Como aquele galpão velho e sujo da Nana D está funcionando para você? A sua mãe definitivamente sente falta de ver você e a Emma pela casa. Ela está mais desanimada do que o comum ultimamente.

Nana D escolheu bem aquele momento para entrar pelo outro lado da sala.

– Isso é porque a Violet está presa o dia inteiro com você, Wesley. Ela só consegue aguentar um certo tempo ao lado de velhos acadêmicos esqueléticos. – e tão rapidamente quanto ela entrou na sala, ela pegou a taça de vinho que a Eleanor havia acabado de servir para mim e voltou para a cozinha. – Quem escolheu esse vinho seco? Nós deveríamos comprar apenas vinhos americanos. E whisky, Wesley. Não pense que eu não percebi o seu estoque de bebidas caras no bar. Vilas inteiras na África poderiam comer por um mês com o que você gastou naquela garrafa.

– Quem convidou essa velha chorona? – meu pai perguntou enquanto se servia de mais bebida. – Ela não tem uma campanha para perder? – apesar de eles trocarem insultos um com o outro, era tudo uma brincadeira. Eles nunca gostaram genuinamente um do outro, mas a nossa família apoiava os membros entre si quando isso era importante para o público.

– Na verdade, pai, ela recuperou alguns pontos baseado nas últimas notícias dessa manhã. Nana D está atualmente na frente do Vereador Stanton. – Eleanor disse enquanto servia outra taça de vinho para mim.

– Por falar em Vereador Stanton, eu o encontrei hoje. Ele mencionou que iria ser feita uma prisão no caso do assassinato do George Braun, mas não queria me contar quem era até que isso se tornasse oficial. É alguém que eu conheço? – meu pai disse.

– Mais cinco minutos para o jantar. – minha mãe comentou alegremente enquanto colocava a cabeça para dentro da sala de jantar. – Olá, meu filho. Está tudo tão quieto por aqui sem você ultimamente. Eu sei que você precisava da sua privacidade, mas se quiser voltar para casa, você é sempre bem vindo. – ela foi até o bar lateral e se serviu de uma taça de vinho, então pegou minhas bochechas. – Eu amo esse rosto.

Eu sabia a ordem das coisas que aconteciam na família Ayrwick.

– É claro, mãe. Eu agradeço por isso. – eu disse, e entreguei a ela o buquê de flores.

– Essas flores parecem exatamente como aquelas que eu vi na casa da Nana D na semana passada. Vocês dois devem comprar na mesma floricultura. – minha mãe provocou antes de fazer um círculo completo pela sala e voltar para a cozinha para finalizar a nossa refeição.

Eleanor deu de ombros.

– O Kellan sabe sobre a prisão pai. Ele estava lá quando aconteceu.

Como ela sabia? Eu não havia tido um momento de paz para contar a alguém. Eu inclinei a minha cabeça para o lado e a olhei de maneira confusa.

– Fale.

– A Emma me contou que você e a April Montague queriam ficar sozinhos na Pousada Roarke & Daughters Inn. – Eleanor disse, me jogando de propósito para debaixo do ônibus com o nosso pai. – Eu não tenho certeza do que ela queria dizer. E quanto a isso, Kellan? O que está acontecendo na sua vida amorosa ultimamente?

Eu pigarreei e olhei de maneira maldosa para a minha irmã.

– Eu acho que você já bebeu demais. Eu fiquei sabendo que você foi ao médico recentemente. Sobre o que era tudo aquilo? – eu me virei para o meu pai e contei a ele que por mais que a Helena tivesse sido presa, não iria ficar lá muito tempo.

– O Finnigan vai limpar os registros, já que ela não é culpada. Os Roarkes são maravilhosos demais para fazer qualquer coisa ruim. É uma vergonha que as coisas não tenham funcionado entre você e a Maggie, hein, Kellan? – meu pai tinha terminado a maior parte da sua segunda dose de whisky naquele ponto, e estava de olho na garrafa.

Eleanor sabia que nós estávamos navegando por águas perigosas. Meu pai havia deixado claro no passado que ele não gostava da Francesca. Já que ela estava viva e apenas eu e a Eleanor sabíamos, nós precisávamos desviar desse assunto. Meu pai era inteligente o suficiente para não dizer nada rude na frente da Emma, mas eu ainda precisava acabar com aquela conversa. Eleanor falou primeiro:

– Você sabe, pai, a Maggie está definitivamente preocupada com a irmã dela. Kellan está ajudando a investigar. Ele está pesquisando sobre a história dos Stoddards e do George Braun em Chicago. Você sabe de alguma coisa sobre eles?

Eu servi mais vinho na taça da minha irmã. Ela merecia isso.

– Isso está certo, você chegou a encontrar algum deles no campus?

Meu pai se sentou na cabeceira da mesa.

– Sim, eu conheci a Karen quando o Millard Paddington nos apresentou. Ela também está ajudando a organizar a Exposição de Flores Mendel, eu creio. – ele e a minha mãe não tinham participado do baile à fantasia, para que a Ursula pudesse assumir completamente o comando de Braxton sem que seu predecessor ainda estivesse pelo campus. – Nunca conheci o tal do Braun. É uma coisa bem infeliz que ele tenha sido assassinado na biblioteca. Isso não deixa as coisas mais fáceis para a Maggie com os planos da reforma.

Minha mãe, a Nana D e a Emma entraram marchando na sala de jantar como três soldados de madeira carregando o jantar. A empregada havia preparado a comida mais cedo naquele dia. Tudo o que a minha mãe tinha que fazer era esquentá-la quando chegasse em casa. Cozinhar não era um dos pontos fortes dela.

– Nós vamos ter um divino risoto de lagosta com pãezinhos com queijo feitos em casa e vagem.

– Ela quer dizer feijões verdes com peixe e arroz. – Nana D relembrou a todos. – Entre você e a Deirdre, metade das minhas filhas acha que são chefs do canal Food Network. Eu acho que não! – ela exagerou suas palavras como se ela fosse uma esnobe com um ego maior do que a parte leste das Montanhas Wharton.

– Sim, mãe. Obrigada por esclarecer a nossa refeição, então a Emma vai saber o que está comendo. – minha mãe disse com uma voz mais agitada. Apesar de elas se darem bem na maior parte das condições, elas tinham pouco em comum quando era em relação aos serviços domésticos. – Por falar na Deirdre, ela está vindo para casa. Eu estou tão animada.

– Verdade? Eu não sabia. – eu disse. O nome dela estava aparecendo em todo lugar ultimamente, mas eu nunca esperava uma visita. Ninguém morreu ou se casou. Não que eu soubesse. Espere, eu precisava conferir o obituário do dia.

Depois de a minha mãe servir porções do risoto de lagosta, a Nana D adicionou os vegetais em cada prato circulando pela mesa. Emma colocou um pãozinho no prato de cada um e disse “próximo pedido” em uma voz profunda como a do Chef Manny. Será que ela estava passando tempo demais na lanchonete? Pelo menos havia dois pãezinhos no meu prato. Minha filha sabia que meu amor pelos pães vinha em segundo lugar depois dos doces.

A Nana D suspirou.

– Ela está voando de volta com a Lissette Nutberry. A pobre mulher estava tentando encontrar a irmã. Pelo que entendi, ela ficou sabendo de notícias chocantes e pediu que a Deirdre a acompanhasse.

– Lissette mencionou que a Judy estava sendo difícil de ser contatada ultimamente. Eu me pergunto se ela conseguiu encontrá-la. – eu ajudei a Emma a cortar a vagem em pedaços menores. Ela adorava os legumes, mas ainda não havia aprendido completamente a usar uma faca.

– Eu não sei. A Deirdre prometeu me ligar quando chegar. Ela vai ficar na casa de fazenda por alguns dias. – Nana D fez uma pequena oração antes de comermos, e no final se sentiu compelida a dizer: – E que o bom Deus possa trazer de volta para casa todos os outros membros da nossa família, assim como o Gabriel, que foi forçado a ir embora de Braxton quando alguns de nós não conseguimos ter a mente aberta sobre seus empregos e egos.

Meu pai ficou quieto pelo resto da refeição, até que a sobremesa chegou. No prato final, eles sempre davam uma trégua. Ele não conseguia ignorar a habilidade dela de fazer bolos e finalmente desistiu da luta a anos atrás.

– Estava delicioso. Muito obrigado a todos, mas eu tenho que retornar uma ligação para o Hampton. Ele está procurando uma propriedade pela área e queria o meu conselho. É sempre maravilhoso saber que meus filhos ainda precisam de mim. Nem todo mundo é esperto o suficiente para reconhecer isso. – será que ele tinha olhado para mim enquanto saía da sala?

Minha mãe e a Nana D se retiraram para a sala de estar para assistir televisão. Eleanor abriu a terceira garrafa de vinho. Nós concordamos em limpar a mesa, lavar os pratos e limpar a cozinha. As cozinheiras mereciam um descanso, e nós estávamos felizes de conseguir um tempo sozinhos. Emma havia esvaziado a sala de jantar, então eu disse que ela poderia ir brincar na sala de jogos. Meus pais tinham vários brinquedos, quebra-cabeças e surpresas para todos os netos quando eles os visitavam.

– Não foi tão difícil hoje à noite. – Eleanor disse pensativamente enquanto jogávamos os restos de comida na lixeira. – Eu só contei sete comentários sarcásticos. Menos do que o normal.

– Eu pensei que ia perder o controle quando o pai falou sobre o meu término com a Maggie. – eu respondi enquanto praticava a minha cesta de três pontos com o pano de prato dentro do cesto de roupas sujas. – Obrigado por me ajudar a redirecionar a conversa.

– E alguma coisa nova sobre a sua esposa não-tão-morta? – ela perguntou. Eu contei a ela a minha teoria sobre os pais da Francesca a estarem escondendo dentro da mansão para me torturar e me influenciar a me mudar de volta para Los Angeles. Eleanor não achava que eles fossem fazer algo tão dissimulado. – Apesar de tudo o que tem acontecido, eles querem o melhor para todos vocês. Eu acho que tem algo mais acontecendo.

– Por falar em algo mais acontecendo... você tem conversado com o Connor? Eu sei que ele tem apoiado a Maggie com toda essa coisa da Helena. – eu conferi o meu celular, me perguntando como a missão de reconhecimento da Ursula no restaurante Stoddard estava indo. Ela não havia me dado nenhum update desde que nós conversamos três horas atrás.

– Eu e ele temos um encontro marcado para a próxima semana. Ele está saindo com a Maggie, mas não é nada sério por enquanto. É a maneira moderna de se fazer as coisas, Kellan. Nós, milenials, saímos com algumas pessoas até que alguma coisa se encaixe. Não é como nos dias antigos onde casais como a mãe e o pai ficavam firmes. – ela disse em um floreio enquanto colocava os pratos na lava-louças.

Por que essa coisa de millenials continua vindo até mim? Será que realmente havia uma grande diferença entre gerações para se discutir?

– Eu acho que posso aceitar isso. E quanto a toda aquela coisa do bebê? – eu perguntei hesitantemente. Ela não havia trazido o assunto à tona por alguns dias.

– Não tenho certeza. Eu lhe disse antes. Quando eu tiver certeza, vou dizer. Por enquanto, fique calado, mano. Você deixou a sua opinião bem clara na outra noite. – Eleanor queria fechar a abertura para esse assunto por enquanto, o que eu alegremente entendi e concordei.

Meu celular vibrou.

– É a Madame Presidente. Eu preciso atender. Você pode dar uma olhada na Emma? – Eleanor concordou e seguiu para a sala de jogos. Eu atendi a ligação da Ursula.

– Você estava certo. Karen é a assistente.

– O que aconteceu? – eu perguntei, esperando ficar sabendo de algo importante que pudesse limpar a Helena. Eu não desgostava exatamente dos Stoddards, mas se um deles havia matado o George Braun, ele deveria pagar pelo seu crime.

– É uma longa história, mas eu vou lhe dar a versão condensada. – Ursula explicou que a Karen ficou chocada quando ela apareceu no restaurante. A mulher agiu de maneira confusa no começo, mas assim que a Ursula mencionou o Hans e a explosão, o olhar no rosto da Karen contou a verdade. – Foi quase como se ela tivesse revivido o passado na minha frente.

– Então, ela era definitivamente a assistente que estava por lá no dia do acidente? Eu sinto muito. – eu sacudi a cabeça por causa do drama que estava se desenrolando ao redor de todo mundo na minha vida.

– Karen disse que ela amava o Hans e ficou devastada quando ele morreu. Ela me culpou pela morte dele, e é por isso que ela contou aos policiais e aos jornais que eu causei tudo aquilo. Ela queria propositalmente que a mídia mudasse o foco da cobertura, para que eu parecesse sendo o cara mau.

– E como o Doug entra na história? – eu disse.

– Depois que o Hans morreu, ela se casou com o Doug. Eles já estavam saindo juntos casualmente, mas o incêndio os aproximou. Karen seguiu em frente e nunca olhou para trás assim que ficou grávida do Cheney.

As datas soavam terrivelmente convenientes.

– Eu suponho que isso possa ser uma possibilidade. Você acha que ela está mentindo sobre qual homem é o pai do Cheney? Será que o Cheney poderia ser o seu sobrinho? – eu perguntei, tentando comparar as suas aparências físicas e maneirismos. Eu não tinha passado muito tempo com a Karen ou o Cheney para fazer uma sólida avaliação.

– Eu preciso ver uma foto do Cheney, não posso ter certeza. – Ursula indicou que ela estava preocupada que a Karen pudesse revelar a verdade para alguém na mídia novamente, mas quando ela perguntou à Karen sobre isso, ela pediu desculpas. – A mulher me disse que o passado está no passado. Hans já estava morto. Ela quer reconstruir a vida junto com o marido, o filho e a filha em Braxton. Ela não vai me machucar, ela prometeu.

– Ela sabia que o George era o Hans esse tempo todo? Será que ela estava ajudando-o?

– Eu perguntei diretamente para a Karen se ela estava envolvida com o envio dos bilhetes. Eu contei a ela que o George estava me perseguindo e ameaçou me machucar em um momento. – Ursula comentou que a Karen havia ficado chateada, mas como se tudo isso fosse estranho para ela.

– Então, ela negou estar envolvida com o George ou Hans de qualquer maneira?

– Não exatamente. Ela disse que eles se encontraram por acaso na Exposição de Flores Mendel. Ele pediu que ela o ajudasse em nome dos velhos tempos. Ela pensou que seria um grande evento para lançar a empresa dela e do Doug em Braxton.

– Tome cuidado. Eu não acho que ela está te contando toda a história. – se o Hans fosse o pai do Cheney, Karen pode ter matado ele para evitar que a verdade fosse descoberta. Por outro lado, se o Doug soubesse que não era o pai do Cheney, ou que a Karen estava tendo um caso, ele poderia ter matado o Hans como vingança.

Ursula me pediu um dia para pensar em tudo o que havia acontecido. Nós concordamos em conversar assim que eu tivesse a chance de falar com a Helena e a Xerife Montague. Se a xerife encontrasse alguma coisa nova contradizendo o que a Karen havia contado para a Ursula, nós teríamos uma pista sólida. Enquanto eu desligava, vi pelo reflexo da janela que a Emma e a Eleanor estavam andando agachadas pela cozinha com armas Nerf. Elas iriam atacar o meu pai no escritório dele e a minha mãe e a Nana D por detrás do sofá. Eu estava definitivamente a bordo para esse tipo de distração.


16

 


Nana D concordou em cuidar da Emma no sábado enquanto eu organizava uma programação ao redor das várias conversas que eu precisava ter. Gabriel concordou em se encontrar comigo depois do almoço dele com o Millard para discutir a futura exposição de flores. Já que a Maggie e os pais dela estariam visitando a Helena na prisão durante a tarde, ela teria tempo pela manhã para me encontrar. O Detetive Gilkrist me levou para uma sala de espera no segundo andar do prédio administrativo do Condado de Wharton, onde estava localizado todo o sistema jurídico e a prisão principal. Criminosos pequenos eram mantidos durante a noite na cadeia local, no escritório da xerife, até que eles fossem vistos pelo juiz para uma decisão sobre a fiança. Se fosse garantida, o preso poderia deixar o prédio até que o julgamento começasse. Se a fiança fosse negada, eles eram levados para a prisão principal. Já que a Helena estava sendo mantida sob custódia por acusação de assassinato até que pudesse ver o Juiz Grey na segunda-feira, eles a haviam transferido para a prisão principal imediatamente.

O segurança me deixou entrar na área de visitantes depois que recebi minha permissão para conversar com a Helena. O espaço estava pintando com uma cor off-white e tinha pouco espaço para se mover. O Detetive Gilkrist nos disse que ele iria retornar em vinte minutos e que havia um guarda postado do lado de fora da porta. Helena estava sentada do outro lado de uma parede de vidro para que não pudéssemos ter nenhum contato físico, e nós conversávamos através de dois telefones que se conectavam por baixo da grossa barreira. Ela estava vestindo um triste macacão cinza e nada de maquiagem, mas estava com uma aparência melhor do que eu havia esperado.

– Pelo menos eu ainda não estou vestida com aquelas listras. – Helena provocou depois que nós nos sentamos e pegamos o telefone.

– Você sobreviveu a sua primeira noite. São apenas mais duas antes que o Finnigan consiga te tirar daqui. – eu disse. Helena me disse que ele havia explicado tudo o que sabia sobre o caso para ela no fim daquela tarde. Eles iriam se preparar no domingo e apresentar o melhor cenário possível do por que ela deveria ser libertada, em seu próprio reconhecimento, na audiência de segunda-feira com o juiz.

– O Finnigan não acha que eles vão negar a fiança. Não existe o risco de eu tentar fugir da cidade. O caso deles não é completamente sólido.

– Eu tenho certeza de que ele está fazendo de tudo para os seus melhores interesses. Tem algumas perguntas para as quais eu preciso de respostas, se você quer que eu te ajude. – eu ofereci o meu melhor olhar de falso irmão mais velho preocupado e esperava que a janela de vidro entre nós não distorcesse as minhas intenções.

– Pode perguntar. Aparentemente, eu tenho bastante tempo. – ela tamborilou os dedos no vidro. Helena havia lidado com o seu tempo na prisão melhor do que eu teria se nossos papeis fossem invertidos.

– Eu preciso encontrar o Cheney sem os pais dele por perto. Acho que ele está escondendo algo. Se você não vai me dizer nada mais, eu vou ter que perguntar diretamente a ele.

– Eu não escutei nenhuma pergunta aí. – Helena disse, dando de ombros e olhando para mim com uma expressão modesta. – Será que devo presumir que você quer que eu te diga onde encontrá-lo?

– Isso iria deixar o meu trabalho bem mais fácil. – eu comentei.

– O Cheney não fez nada. Eu confio nele, mas eu não o teria culpado se ele tivesse feito algo. Os pais dele não são pessoas muito honestas. Ele descobriu algo que o deixou chateado quando conversou com o George. Eu não sei de todos os detalhes. Você vai ter que perguntar a ele.

– Continue. Eu fico satisfeito que você esteja se abrindo e tentando se proteger. E se os Stoddards estiverem envolvidos com a morte do George Braun?

– Eu duvido. – ela disse, esfregando a unha no balcão. – Eu não os conheço tão bem assim, mas eles não parecem assassinos para mim.

– Alguém matou o homem. – eu sabia em meu coração que a Ursula não havia assassinado o cara. Olhando no passado, o choque no rosto dela foi cem por cento autêntico quando ela percebeu que era o irmão dela. Eu não tinha certeza no começo, e a mancha no xale dela havia me confundido, mas ela teria me contado a verdade se tivesse feito alguma coisa estúpida, e aceitado as consequências de seus atos. – Como poderia ser ruim se eu conversasse com o Cheney? Eu não vou contar a ele que foi você quem me mandou. Vou sentir se ele estiver confortável para falar do que quer que ele tenha descoberto. – eu esperei um minuto antes que a Helena finalmente respondesse com algo útil.

– Você pode encontrá-lo durante o happy hour em Kirklands, um pub em Woodland. – ela indicou que eles tinham cerveja por apenas dois dólares começando a partir das quatro da tarde todos os dias. Era um local suficientemente remoto onde eu também poderia sugerir como local para o Gabriel me encontrar.

– O que mais você quer saber? – ela perguntou. – Eu agradeço tudo o que você está fazendo. Não quero ser rude, mas esse lugar é chato. Eu quero sair daqui o mais rápido possível.

– Estou trabalhando nisso. Você tem certeza de que não há nada mais que você consiga se lembrar sobre o George Braun e que possa me levar até outro suspeito? E quanto ao nome Hans Mück?

– Não reconheço ele. Eu lhe disse que ele se encontrou com alguma mulher para conversar sobre a exposição de flores. Talvez fosse a namorada dele ou esposa. Ele tinha uma, mas raramente falava sobre ela. – Helena se inclinou sobre o balcão e encostou a cabeça no vidro.

O guarda bateu na porta para assustar a Helena antes de colocar a cabeça para dentro da sala.

– Não se esqueçam de que eu estou observando por essa janela.

Helena se virou fazendo um gesto rápido na direção dele. Já que Helena estava de costas para mim, eu não pude ver o que era, mas tinha a sensação de que era altamente inapropriado.

– Jovem, velha? Como ela se parecia?

– Eu a vi apenas por um segundo. Ela poderia ter entre vinte e quarenta anos, até mesmo cinquenta. Tinha um lenço amarrado em volta da cabeça, então não consegui ver o cabelo e nem seu rosto.

Poderia ter sido a Anita Singh. Eu também não havia visto nenhuma foto da Sierra Stoddards.

– Você conhece a irmã do Cheney?

– Nah, ela voltou da Suíça na semana passada. Ela terminou o primeiro ano do curso de direito em Londres, então foi esquiar antes de voltar aos Estados Unidos para o verão. Cheney iria me apresentar a ela nesse final de semana.

– Será que a mulher que você viu com o George não poderia ser a Sierra? – eu perguntei. Será que eles haviam se conhecido na Suíça em algum momento?

– Eu acho que isso é possível. Eu não sei qual foi a data exata que a Sierra chegou em Braxton, mas eu acho que foi antes de quando eu vi essa mulher conversando com o George. Cheney saberia com certeza. – Helena colocou o telefone apoiado no pescoço e arrumou o cabelo. Eu preciso de shampoo. É melhor a Maggie me trazer coisas boas. Eu acho que eles me deram algum sabonete e shampoo genéricos para usar hoje de manhã. Que incivilizados!

– Você está bem. Foque em escutar ao Finnigan hoje à tarde. Faça tudo o que ele lhe disser, ele é o melhor. – eu não tinha outras perguntas para a Helena, então nós nos despedimos. O guarda escoltou a Helena de volta para a cela. O Detetive Gilkrist estava ocupado, mas a xerife queria que eu passasse por lá se tivesse tempo.

No caminho até lá, eu considerei tudo o que a Helena havia revelado. Se a Sierra esteve na Europa ao mesmo tempo em que o George, Sierra poderia ser a pessoa ajudando-o em sua vingança contra a Ursula. Talvez ela tivesse alguma relação com a morte dele? Eu mandei uma mensagem para o meu irmão me encontrar no Kirklands em Woodland às duas e meia. Isso nos daria bastante tempo para conversarmos antes que o Cheney aparecesse para sua cerveja da tarde.

Eu disse à recepcionista da mesa frontal que a April Montague estava me esperando. Fui levado ao escritório dela na mesma hora.

– Pequeno Ayrwick, eu agradeço a sua visita. Como foi a sua conversa com a Helena? Ela continua com a mesma história?

– A Helena é como um biscoito seco. Ela me deu algumas ideias para acompanhar, mas nada de concreto. Eu vou lhe avisar se tiver algo de frutífero. – eu disse.

O escritório da April ainda estava pouco decorado como mais cedo naquela semana, exceto que agora ela tinha uma foto em sua mesa com um homem o qual abraçava. Eu sabia que ela não era casada, mas não sabia de nada mais sobre ela. De onde ela havia vindo? Será que ela tinha uma pessoa especial na vida dela?

No breve silêncio, April me pegou olhando para a foto.

– Darren era o meu noivo. Eu estava noiva dele há dois meses, até que alguém atirou nele de um carro seis anos atrás.

Foi isso que ela quis dizer no outro dia quando falou que sabia o que era perder alguém.

– Eu sinto muito, April. Eu não tinha ideia.

– Eu raramente falo sobre isso. Não foi um bom período para mim. O idiota que o matou havia sido liberado com fiança depois de roubar uma dúzia de carros e atirar em um atendente de estacionamento em Buffalo. Eu fui a policial que o prendeu. Nunca pude provar isso, mas eu acho que o Darren foi morto como uma mensagem de vingança contra mim.

– Isso é terrível. Você deixa essas coisas trancadas a sete chaves, não é mesmo? – eu perguntei.

Ela assentiu.

– Como eu disse, não foi um bom período pra mim. É por isso que eu aceitei esse emprego quando ele apareceu. Eu precisava ficar longe das cidades com muitos crimes.

– E você pensou que o Condado de Wharton seria um lugar mais calmo para você trabalhar? – eu comecei a entender mais sobre a April Montague nos poucos minutos que ela abaixou a guarda na minha frente.

– Eu quero manter os cidadãos dentro da minha jurisdição seguros. Eu não conseguia mais fazer isso em Buffalo. Não havia uma grande quantidade de crimes, mas eles eram assassinatos e tiroteios de gangues. Eu pensei que seria diferente aqui. – ela disse, acariciando gentilmente a foto.

– E agora nós temos quatro assassinatos em Braxton nos últimos três meses. – era uma afirmação e eu não esperava uma resposta, mas a April riu.

– Eu lhe disse no começo da semana. Eu estou preocupada que você seja um imã para desastres. Os primeiros anos da minha jurisdição no condado foram tranquilos. Agora, você me deixou um pouquinho atarefada com as coisas. – April fez uma pausa para colocar os pensamentos em ordem. – É por isso que eu coloquei essa foto de volta aqui. Eu preciso de um lembrete sobre pelo que eu estou lutando. O que eu vim fazer nesse belo lugar.

– Salvando cidadãos bons e honestos como eu?

– Ainda temos que julgar se você é um desses bons e honestos cidadãos, mas você entendeu o meu ponto. Não tenho medo de um desafio, e não vou deixar as coisas saírem de controle por aqui. Eu devo manter a lei e a ordem. E isso inclui te relembrar das suas fronteiras.

– Devidamente anotado. Eu me considero protegido e avisado, mas, por favor, lembre-se April... eu estou apenas tentando ajudar os meus amigos.

– Eu sei disso. E é por isso que planejo pegar um pouco mais leve com você. Eu não vou lhe contar tudo sobre esse caso, mas estou satisfeita de que nós estejamos colaborando um com o outro, e não antagonizando. No interesse de proteger Ursula Power e Helena Roarke, vamos conversar sobre algumas coisas novas que surgiram. – April pegou um extrato bancário de uma pasta na mesa dela e me entregou.

Depois de eu analisá-lo, eu disse:

– Se estou lendo isso corretamente, George Braun recebeu transferências bancárias de grandes valores de uma outra conta para essa nos últimos quatro meses. Quem é o dono da outra conta?

– Muito bem. Você está fazendo as perguntas certas. Eu não tenho certeza, mas nós estamos tentando pegar esses detalhes. Eu suspeito que ele estava financiando os seus experimentos de laboratório para encontrar a cura que perdeu há vinte e cinco anos. Eu acho que alguém o estava ajudando com a pesquisa. Nenhuma das grandes companhias médicas iria lidar dessa maneira. Eles iriam publicar o seu trabalho para conseguir mais fundos. Já ele, fez um esforço para manter isso escondido.

– Você acha que essa outra conta pertence ao parceiro do George?

– Talvez. Eu devo saber dentro das próximas vinte e quatro horas. Eu também consegui localizar a última residência conhecida dele na Suíça e confirmei que ele esteve morando por lá até que assumiu a responsabilidade de trazer a Exposição de Flores Mendel para os Estados Unidos. Ela aconteceu em Chicago em janeiro passado, então ele fez essa parada especial em Braxton.

– Você pode me contar alguma coisa sobre o relacionamento do George com a Anita Singh ou o Ed Mulligan?

April reclamou, mas eventualmente concedeu.

– Mulligan admitiu que ele foi ver o George no dia do baile à fantasia. George queria mais dinheiro e dizia que tinha uma informação que iria envergonhar o reitor.

– Ele tinha? O que o Reitor Mulligan fez? Isso explicaria a raiva do reitor na nossa ligação telefônica.

– Ed Mulligan tem um mau temperamento, e ele fez algo que não deveria ter feito. Isso é certamente comprometedor para Braxton, mas impacta apenas algumas pessoas. Isso é tudo o que eu posso revelar por enquanto. – April pressionou os dedos contra a ponta do nariz para aliviar a pressão ou tensão.

– Okay. Você mencionou que a Yuri estava com raiva do Reitor Mulligan e que provavelmente havia exagerado o que contou naquele dia? – quando a April pareceu concordar, eu disse: – Ursula mencionou que o Reitor Mulligan sabia onde ela mantinha a faca no escritório dela.

– Estou ciente e seguindo isso de perto. O mesmo vale para a Anita Singh, apesar de você não ter me perguntado. O jaleco de laboratório nunca apareceu, mas ela está mantendo segredo sobre o seu casamento. Eu não posso te contar mais nada por enquanto.

Eu sabia que o melhor era recuar, mas era reconfortante de saber que ela estava investigando as pistas que eu havia sugerido a ela. Antes de sair, eu contei à April sobre a viagem de esqui que a Sierra fez para a Suíça. Ela concordou em conferir isso com os contatos internacionais dela para descobrir se a Sierra e o George estiveram no mesmo lugar. Eu fiquei contente em desenvolver uma nova tentativa de parceria com a xerife. Depois que saí do escritório dela, consegui um tempo para me exercitar, tomei rapidamente um shake de proteína como meu almoço, e dirigi cruzando o rio até o Kirklands para me encontrar com o Gabriel.

Ele estava sentado em uma cabine de canto olhando algo em seu celular. Apesar da barba aparada e da jaqueta de couro, meu irmão ainda parecia mais inocente do que seus vinte e oito anos. Eu não tinha certeza de como ele iria explicar o piercing no nariz e as tatuagens para os nossos pais, mas isso o deixava mais ousado. O cabelo loiro dele ainda estava espetado e bagunçado, fazendo com que ele parecesse uma mistura entre um conhecido modelo britânico e um cantor de qualquer banda de rock.

Quando Gabriel ouviu os meus passos se aproximando, me cumprimentou com um sorriso hesitante e retirou os fones de ouvido.

– Eu só estava ouvindo um pouco de Callum Scott. A voz dele é incrível. Então, eu pedi pra gente duas bebidas do que tivesse na casa.

– Está bom para mim. Eu levantei peso durante a última hora, então vai queimar rapidamente. Eu posso ficar bebendo aqui por um tempo. – eu disse, explicando a minha esperança de encontrar o Cheney em algum momento.

– Onde você quer começar? – Gabriel perguntou.

Eu tinha vários assuntos. Desde quando ele sabia que era gay? Ele já esteve em um relacionamento sério? Será que mais alguém da família sabia? Por que ele foi embora há oito anos? O que ele tem feito da vida dele? Quando decidiu voltar à Braxton? Eu não queria colocar coisa demais em cima dele, então eu sugeri que ele contasse o que estivesse confortável para fazer agora.

– Claro. Vamos começar com o porquê de eu ter ido embora de Braxton? – ele começou enquanto dois copos de cerveja eram entregues na nossa mesa. – Eu acho que eu sempre soube que eu era diferente, mas não podia fazer nada sobre isso. Eu conheci alguém no meu segundo ano em Braxton. Ele mudou a minha vida. – Gabriel terminou a história dele, e quando ela acabou, eu fiquei orgulhoso do meu irmão mais novo.

Depois de semanas saindo com o cara entre as aulas ou durante as refeições, Gabriel sabia que sua antiga vida havia acabado. O cara estava sendo transferido para Penn State e queria que o Gabriel fosse com ele. Gabriel fez a solicitação e conseguiu a transferência, que foi quando o nosso pai aceitou o papel de presidente em Braxton. Infelizmente, o caso do meu irmão acabou semanas depois quando os pais do outro cara descobriram e o mandaram para alguma clínica psiquiátrica para uma avaliação. Gabriel recebeu um último e-mail antes do cara desaparecer, e enquanto isso o havia devastado, meu irmão sabia que ele não podia se transferir de faculdade sozinho. Ele retornou para Braxton, mas o nosso pai não queria ceder com relação a desistir de sua nova posição. Gabriel não queria receber tratamento especial porque seu pai cuidava da faculdade. Em um último esforço para trabalhar com ele, o Gabriel confessou seu segredo para o nosso pai e implorou pela mesma oportunidade de terminar a faculdade como todos os seus irmãos mais velhos, sem nenhuma influência. Eles brigaram sobre isso, e nosso pai queria contar para a nossa mãe, mas o Gabriel não estava pronto para contar a ninguém mais.

– Então eu fui embora. Eu fiz ele prometer manter o meu segredo, o que ele concordou em fazer, desde que não precisasse sair de seu novo emprego. Foi então que eu me mudei para San Francisco. Era para lá que eu achava que tinha que ir... até chegar lá. Vamos apenas dizer que não era para mim. – Gabriel revirou os olhos.

April estava certa. Nós realmente tínhamos os mesmos maneirismos.

– E por que ficou longe durante oito anos?

– É uma coisa difícil de se lidar, Kellan. No começo, você pensa que porque você é diferente, tem algo de muito errado com você. Então você passa pela sua própria fase de aceitação. Bastante tempo se passou e eu estava com medo de contar para vocês. Eu gostava da minha vida. Eu cresci quieto e recuado, quase como se eu nunca tivesse a chance de me tornar eu mesmo. Não é culpa de ninguém, mas isso aconteceu.

Gabriel ficou dois anos em San Francisco, conseguiu o seu diploma em biologia, então se mudou para Seattle e conseguiu um emprego em uma empresa farmacêutica.

– Eu foquei no meu PhD, consegui um bom dinheiro trabalhando com construções nos finais de semana, e tinha um emprego das nove às cinco em um laboratório durante a semana. Tudo estava indo bem.

– Mas agora você voltou para casa. Porque? – eu perguntei, desejando que nós dois soubéssemos que estávamos morando ambos na Califórnia durante aqueles anos.

– Eu não quero falar sobre isso. Algo aconteceu, eu fiquei com raiva. Será que podemos esquecer isso por enquanto? – Gabriel imediatamente mudou de assunto, comentando que ele se mantinha atualizado sobre a família ao ler os jornais locais. – Eu sinto muito pela Francesca, mas eu mal espero poder conhecer a Emma.

O que o meu irmão estava escondendo? Eu queria contar a ele a verdade, mas não era o momento certo.

– Eu acho que você vai ser recebido de volta de braços abertos. Sério, todos vão ficar bem. – eu expliquei sobre como o Condado de Wharton e Braxton haviam ficado com a mente mais aberta e tolerantes nos últimos anos, citando a Ursula Power como presidente da faculdade. Eu não havia escutado nada de negativo sobre ela, o que mostrava o nosso crescimento.

– É isso que o Sam me conta. Ele é um cara realmente honesto, carinhoso e que me dá apoio. Mas nós estamos levando as coisas de maneira devagar. – Gabriel disse, sinalizando para o bartender servir mais duas cervejas.

Quando eu e o Gabriel terminamos de conversar sobre o que havia acontecido com nós dois desde que nos vimos por último, parecia como se estivéssemos nos velhos tempos. Parte de mim estava preocupada que ele ainda estivesse escondendo algo sobre a sua ligação com o George Braun, especialmente sobre como ele ficou recuado em vários momentos da nossa conversa. Nós decidimos que eu iria marcar um jantar em família na próxima semana onde o Gabriel iria aparecer e tentar se reintegrar.

– Onde você está planejando morar? – eu perguntei ao meu irmão.

– Não com a mãe e o pai. Eu preciso da minha privacidade. Estava pensando em comprar alguma terra e construir uma casa assim que conseguir um emprego permanente novamente. – Gabriel disse enquanto tomava o último gole da sua cerveja e pediu se eu queria outra.

Eu olhei pelo bar no momento em que o Cheney Stoddard subia em um banco.

– Eu quero, mas tenho que fazer aquele cara, de alguma maneira, contar alguns segredos. – depois de explicar ao meu irmão o que eu precisava saber do Cheney, ele ofereceu cuidar do assunto.

– O Cheney pode ser um pouco bruto e ele está procurando por emprego. Eu acho que ele está com raiva de toda essa situação. – eu disse enquanto meu irmão caminhava até o bar. Alguns minutos depois, ele deu um encontrão no Cheney, fazendo com ele deixasse um pouco de cerveja cair do seu caneco. Eu fiquei preocupado que meu irmão estivesse prestes a começar uma briga no bar. Eu monitorei a situação por pelo menos dez minutos enquanto eles bebiam algumas cervejas juntos, seguidos por dois shots de alguma bebida transparente. Quando os dois se viraram e começaram a caminhar na direção da mesa, riam como se tivessem sido amigos a vida inteira.

– Hey, Kellan, esse é o Cheney. Cheney, esse é o meu irmão, Kellan. – Gabriel disse, apresentando-nos como se não tivéssemos nos conhecido mais cedo naquela semana. – Bem que você disse, mano, eu sempre causo acidentes. Eu totalmente esbarrei nele enquanto pedia mais cervejas. Eu ofereci comprar mais uma pra ele, e nós começamos a conversar. E acontece que hoje é o aniversário dele.

Cheney disse:

– Sim, e eu estou celebrando sozinho. Você sabia que o seu irmão está no ramo da construção? Ele sabe de um possível emprego para me ajudar... hey... espere... eu já não conheço você?

Eu adotei a atitude mais relaxada e amigável do meu irmão, ignorando o quão bêbado o Cheney provavelmente já estava.

– Yeah, sim, isso é engraçado. Eu fui ao seu restaurante para o almoço no começo dessa semana. Você está saindo com a minha amiga, Helena. Cidade pequena!

Cheney colocou sua cerveja na mesa, se sentou em frente a mim, e bateu a mão contra a testa.

– Helena Roarke. Aquela mulher linda vai ser a minha queda. Você não vai acreditar no que ela está fazendo para me proteger dessa vez. Eu poderia usar a companhia de dois caras para contar sobre quão ferrada a minha vida está agora.

E simplesmente assim, meu irmão retornou à cidade e conseguiu a melhor pista que eu tinha nessa investigação de assassinato. Uau! Era bom estar em casa com o Gabriel novamente.


17

 


Cheney terminou sua cerveja, chamou uma garçonete para pedir mais três, e bateu com os punhos na mesa.

– Ugh, será que você já viveu sua vida inteira sabendo que tinha algo errado? Então você descobre que tudo é uma grande mentira!

Eu concordei empaticamente com ele.

– Não a minha vida inteira, mas definitivamente alguns momentos dela. – eu disse, pensando sobre os últimos anos onde eu pensava que a Francesca estava morta. Gabriel entrou na conversa com lamentações similares, e todos nós nos lamentamos por pelo menos dez minutos catárticos. Eu não queria pressionar o Cheney, mas quanto mais ele bebesse, mas ele iria revelar.

Depois que a garçonete trouxe a nova rodada de bebidas e levou os copos vazios, o olhar do Cheney se arregalou e ele sussurrou:

– Eu posso confiar em vocês, certo caras?

Eu percebi que o copo anterior do Gabriel ainda estava cheio quando a garçonete o recolheu, e o seu novo copo tinha um líquido claro que eu pensei ser vodka. Eu me aproximei para cheirá-lo. Não havia nenhuma bebida alcoólica naquele copo. O que ele estava fazendo?

– É claro que você pode, Cheney.

O Gabriel arregalou os olhos para mim, então se virou para o Cheney e tomou um gole de seu copo.

– Totalmente. Você estava falando algo sobre a Helena, certo?

– Yep. – Cheney bufou e sacudiu a cabeça. – Ela está me dando cobertura por causa de uma estúpida briga com alguém.

– É sobre o que aconteceu na biblioteca? – pelo meu canto do olho, enquanto o Cheney se focava em contar sua história, eu observei o Gabriel colocar o meu drink em um copo vazio. Ele colocou uma nota de dez dólares ao lado dele, e um minuto depois, a garçonete pegou tanto o copo quanto o dinheiro. Ele não havia bebido nada desde que esbarrou com o Cheney no bar. Gabriel estava nos mantendo sóbrios, para que nós pudéssemos convencer nosso novo amigo a falar.

– Exatamente. Aquele cara morto... a minha mãe conhece ele de anos atrás. Vinte e cinco anos hoje para ser exato.

Oh, eu sabia o que ele estava prestes a dizer. Minhas habilidades de detetive estavam se tornando profissionais.

– Isso é bem estranho, cara!

– Ouve isso. Ele é o meu verdadeiro pai. Ele e a minha mãe tiveram um caso anos atrás antes de ele desaparecer. Então, ela se casou com o cara que eu pensei ser o meu pai e tem mantido esse segredo escondido esse tempo todo. – Cheney grunhiu sobre todos os desapontamentos em sua vida. – Você acha que consegue encontrar um emprego para mim, então eu posso ir embora desse lugar? – ele murmurou para o Gabriel.

– Yeah, definitivamente eu vou tentar. Eu tenho vários contatos. – meu irmão respondeu enquanto tomava outro gole de seu copo de água. Ele brindou com o copo do Cheney, encorajando ele a terminar. – O cara morto sabia que ele era seu pai?

Eu não aprovava exatamente o engenhoso plano do Gabriel para embebedar o Cheney, mas ele provavelmente teria bebido tudo isso sozinho para seu aniversário. Nós iríamos chamar um táxi para levá-lo seguramente até sua casa.

– Não esse tempo todo, mas ele descobriu na semana passada. – Cheney engoliu o restante de sua cerveja e pediu outra antes de terminar sua história. Ele havia escutado escondido sua mãe conversando com o George uma tarde sobre ter dado à luz ao filho dele, mas que tinha pensado que ele havia partido para sempre. Cheney não sabia que o George era na verdade Hans Mück, que não havia sido morto na explosão. A impressão do Cheney ao ouvir a conversa era que sua mãe havia simplesmente perdido contato com seu pai biológico e seguido em frente.

– Eu não entendo como a Helena se encaixa nisso. – eu perguntei, sabendo que havia alguma ligação, mas talvez não fosse lógica. Cheney não era o cara mais inteligente que eu já tinha conhecido.

– Helena sabe que eu confrontei o George no pátio. Eu havia descoberto a verdade no dia anterior ao baile à fantasia e tentei conversar com ele, mas ele não me deu uma folga. Aquele homem havia originalmente me prometido um emprego com construção. Quando ele descobriu quem eu era, ele recuou.

– George não queria reconhecer que você era o filho dele? – Gabriel perguntou bebendo novamente de seu copo. Meu irmão havia acabado de perceber que o George o havia contratado ao invés do Cheney para reformar a cabana.

– Não. Eu disse a ele que mentiras foram contadas a nós dois e nós merecíamos uma chance de conhecer um ao outro. Nós começamos uma discussão quando ele me disse para deixá-lo sozinho e esquecer que eu havia descoberto a verdade. Eu não preciso de outro pai para me dizer o que fazer. Que perdedor!

– Desculpe, isso é uma disfunção. – eu disse, apoiando o cara. – Você contou tudo isso à Helena? É sobre a sua verdadeira ligação com o George que ela concordou em não contar para a polícia?

– Sim. Ela contou a eles apenas sobre a discussão dela no quarto dele. Acontece que outra pessoa me escutou dizendo à Helena que eu queria ensinar uma lição para o George Braun e confessou para os policiais o que havia acontecido na pousada. – Cheney estava ficando bêbado demais para continuar falando. – Eu saí de lá!

Yuri era a pessoa que havia visto do George brigando com a Helena na pousada e o Cheney subsequentemente defendendo a honra da sua namorada. Será que ela no fundo, estava fazendo joguinhos para colocar a suspeita num caminho diferente?

– Não quero te desrespeitar, mas você tem alguma coisa a ver com a morte do cara? – eu não tinha tido a sensação de que ele estava envolvido, mas sem perguntar isso, eu poderia deixar passar algo de valor.

Cheney se levantou e abriu os braços.

– Diabos que não! Eu disse para aquele idiota que ele nunca seria o meu pai porque eu era bom demais para ele. Eu o agarrei pela aquela fantasia estúpida para fazer ele se calar. Foi então que ele me mostrou a faca que tinha no bolso. Eu me afastei. Eu não era estúpido para levar o risco de ele me esfaquear. Ele estava agindo de maneira louca sobre como eu o havia confrontado, então saí do pátio e voltei para atender no bar durante o resto da noite.

Cheney se inclinou demais para o lado, mas o Gabriel pulou para pegá-lo. Apesar de o Cheney ser mais pesado e alto que meu irmão, o Gabriel conseguiu aprumá-lo.

– Nós precisamos chamar um táxi pra ele. – Gabriel disse.

Eu assenti e estava prestes a pegar meu celular quando uma voz de mulher reclamou para nós.

– Deixem o meu irmão em paz. O que está acontecendo aqui?

Sierra Stoddard havia finalmente aparecido. Camadas de cabelo cacheado cascateavam por suas costas, e uma parte estava presa em um coque acima da cabeça. Maçãs-do-rosto proeminentes e uma pinta acima de seu lábio faziam a aparência dela ser misteriosa e contemplativa. Ela estava vestindo uma saia preta de comprimento midi, botas de couro acima do joelho e uma blusa de seda dourada escondida por um terno. De certa maneira, ela fazia com que eu me lembrasse da Francesca antes de ela passar pela massiva transformação.

Cheney abraçou a irmã.

– É o meu aniversário, mana, mas eu tenho que ir ao banheiro dos meninos.

– Você não pode esperar, querido? Eu vou te colocar no carro e te levar para casa. – Sierra implorou enquanto girava uma pequena bolsa de contas por sobre o ombro. Ela colidiu com um pesado colar e fez um som metálico.

– Não! – Cheney fez uma careta e saiu correndo em direção ao banheiro masculino.

Gabriel correu atrás dele.

– Eu vou cuidar dele. Nós vamos estar de volta assim que possível.

Eu me virei para a Sierra.

– Olá, eu sou o Kellan Ayrwick. Nós estávamos tomando uns drinks com...

– Eu sei exatamente quem você é. A minha mãe me contou tudo sobre como você está xeretando por aí com perguntas sobre a nossa família. Qual sua intenção? – ela disse, jogando a bolsa sobre a mesa e puxando uma cadeira para se sentar.

Eu joguei as minhas mãos para o ar e recuei.

– Inocente. Eu só estava bebendo com o meu irmão. Cheney apareceu sozinho, e então nós todos nos sentamos para tomarmos uns drinks e batermos um papo.

– O meu irmão vai ficar um tempo no estado em que vocês o colocaram. – ela disse, chutando a perna de outra cadeira na minha direção. – Sente e bata um papo comigo. – a confiança excessiva na voz da Sierra e sua intensa atitude não estavam fazendo ela ganhar nenhum ponto comigo. Será que essa era uma tática que ela tinha aprendido na faculdade de direito ou era seu charme cosmopolitano natural?

– Eu não tenho certeza do porque você está sendo tão defensiva. O Cheney está saindo com a Helena, que é a irmã de uma boa amiga minha. Eu a conheço há mais de dez anos. E quanto aos seus pais, eu os encontrei duas ou três vezes. Quem disse que eu estava xeretando? – Doug não teria contado sobre a nossa conversa para a filha dele, ele queria manter essa situação em paz. A Karen deveria estar preocupada sobre alguma coisa.

– Eu não estou sendo defensiva. Eu estou cautelosamente protegendo a minha família. Eles são tudo o que eu tenho, e vou fazer qualquer coisa para mantê-los seguros. – Sierra cruzou os braços e relaxou na cadeira. – Eu não quis ser rude.

– Está bem, eu posso entender o cuidado por aqueles que você ama.

– Minha mãe disse que você tem uma reputação de ficar se metendo na vida pessoal das pessoas. A nossa está muito boa, nós não precisamos de uma toupeira inventando drama apenas pelo drama. – Sierra me avisou enquanto ela secava alguns pontos grudentos na mesa com um guardanapo. – Se você precisar saber de qualquer coisa sobre nós, direcione as suas perguntas para mim no futuro. Capiche?

– A faculdade de direito é perfeita para você. Você vai ser uma ótima caçadora de casos um dia. – eu duvidava que fosse conseguir muito da garota se eu a irritasse, mas talvez ela pudesse ecoar seu irmão e dizer algo por causa da frustração ou raiva. Eu sinalizei para a garçonete me trazer a conta. – Eu acho que nós terminamos aqui.

– Não, nós não terminamos. – ela disse, apontando o dedo para mim. – O que o Cheney te contou?

– Nada do que você precise se preocupar. O cara está sozinho no aniversário dele, apenas precisava de um pouco de companhia. Me diga, por que você não veio celebrar com ele hoje à noite se é uma irmã assim tão fantástica? – eu me levantei e peguei a minha carteira para pegar algumas notas de vinte dólares.

– Eu estava ajudando os meus pais com os documentos legais para a empresa. Nós deveríamos ter um jantar em família hoje à noite, mas o Cheney não apareceu. Eu sei que ele gosta de ficar por aqui, então vim buscá-lo.

– Então você admite que o seu irmão causou seu próprio problema hoje à noite. Não fui eu. – eu vi o Cheney e Gabriel voltando do banheiro. O irmão dela parecia ter ficado um pouco mais sóbrio.

Sierra bufou.

– Considere esse um aviso formal ou um conselho grátis, o que você quiser. Meus pais são boas pessoas. O meu irmão está tentando colocar sua vida em ordem. Eu sou completamente leal a eles e vou impedir qualquer um de machucar um Stoddard. Então cai fora! – ela sorriu e se virou para a garçonete, arrancando a conta das mãos dela. Depois de olhar por seus bolsos, Sierra pegou algumas notas de dinheiro e a entregou para a moça.

– Eu ia pagar, você sabe, é o aniversário dele. – eu disse.

– Não, obrigado. Você colocou o Cheney nessa bagunça, eu vou tirá-lo. – ela disse, quase indiferentemente. Quando o Cheney esticou o braço para a mesa, ela pegou a mão dele e puxou seu irmão para mais perto. – Vamos, vamos jantar, babe. Nós temos uma noite de diversão planejada.

Cheney seguiu sua irmã até a porta da frente, mas se inclinou para trás e sussurrou para mim com um grande sorriso:

– Estou ferrado. Nunca tire ela do sério, ela sempre vence no final!

Gabriel suspirou.

– Isso foi divertido. É assim que as coisas são para você o tempo todo, mano?

Eu não achava que fosse, mas ele tinha um ponto. As pessoas sempre tinham reações extremas perto de mim, boas ou ruins. Será que a Sierra estava ouvindo a nossa conversa e escutou quando o Cheney nos contou sobre o George ser o pai biológico dele? Será que ela era a responsável por se livrar do homem, para que ele não pudesse mais machucar a família dela? Eu precisava descobrir quando ela havia voado para a Suíça e também para Braxton, assim como se ela tinha sido uma convidada no baile à fantasia daquela noite.

– Isso não é intencional, Gabriel. Eu não sei o que aconteceu aqui hoje à noite, mas a melhor coisa foi te ver em ação.

– Você aprende a sobreviver quando se está sozinho. Eu gosto de conversar com pessoas. Eu sei como me conectar e fazer alguém falar. Você deveria me testar algum dia. – Gabriel disse. Ele conferiu que não havíamos deixado nada sobre a mesa. – Vamos embora. Eu preciso me encontrar com o Sam.

– Você prometeu que viria para o jantar na próxima semana com todo mundo. – eu relembrei a ele enquanto andávamos até o estacionamento. – Eu estou orgulhoso de você. – ele continuou caminhando até seu carro sem nenhuma resposta.

Depois que o Gabriel foi embora de Kirklands, liguei para a xerife e contei a ela o que havia ficado sabendo com o Cheney e a Sierra. Ela ficou chocada ao descobrir a verdade sobre o George sendo o pai do Cheney, mas a Sierra não estava no radar dela. April prometeu que iria conferir os registros de viagens da Sierra, e consideraria como prosseguir com o Cheney.

– Eu quero trazê-lo aqui por obstrução de justiça, e sem mencionar adicionar essas queixas ao registro criminal da Helena Roarke. Por que a pessoas mentem sobre algo tão importante assim? – April perguntou.

– Eu acho que você sabe a resposta para essa pergunta. Ou esse segredo não tem relação sobre o motivo da morte do George, ou eles estão com medo de algo. – eu não era um expert em psicologia humana, mas o Cheney estava emocionalmente devastado em vários níveis. A mãe dele mentiu para ele durante toda sua vida, e George havia rejeitado o filho sem saber muito sobre ele. Cheney tinha problemas para lidar com a raiva, e isso poderia ter se escalado ao ponto de ele ter pegado a faca do George e esfaqueado seu pai recém-descoberto em um momento de desilusão ou raiva e dor extremas.

– É isso o que eu vou descobrir. – April insistiu. A mulher precisava de uma noite de folga. As muitas pistas não resolvidas a estavam desgastando. – Eu aprecio que você tenha me contado isso tão rapidamente. Eu preciso te relembrar a não contar para mais ninguém. Nem mesmo à Maggie. Helena já está com problemas suficientes por ter escondido isso de mim. Eu vou impedir visitas pelo resto do final de semana, então ela e o Cheney não poderão se comunicar.

April desligou. Eu entendia por que ela tinha que limitar as conversas da Helena com outras pessoas. Se ela tivesse contado antes sobre o que o Cheney havia lhe dito, Helena poderia não ter sido presa. Cheney poderia ter sido, mas isso não teria desperdiçado o tempo do Escritório do Xerife do Condado de Wharton nos últimos dias. Eles poderiam estar investigando outros ângulos ao invés de uma discussão sobre o acesso ao quarto do George na Pousada Roarke & Daughters Inn. Apesar de eu não querer que a Helena tivesse ainda mais problemas, talvez alguma coisa mais forte do que um tapa em seu pulso quando isso acabasse pudesse ser uma coisa boa.

Antes de ir até a Nana D para pegar a Emma, eu parei no campus para pegar a minha correspondência e corri até o correio da faculdade dentro do prédio da união estudantil. Eu digitei o meu código no teclado e peguei minhas coisas. O cartão-postal de Orlando que eu pedi para meu amigo enviar já havia chegado, mas também havia um do Parque de Yellowstone. Nele estava escrito:


Emma ama tanto os animais, eu pensei que ela nunca nos deixaria ir embora. Entre o alce e o bisão, ela quase não conseguia conter a felicidade. Eu queria que nós tivéssemos a chance de retornarmos juntos como uma família. Tanto mudou nos últimos anos. Se eu pudesse ver a reação dela quando a neve caísse em seu rosto e a fizesse rir como quando o Old Faithful entrou em erupção.

 

Lembrar-me da nossa viagem em família para Yellowstone me confortou de uma maneira que eu não tinha sentido por um longo tempo. Por mais que eu desejasse que nós pudéssemos ter aquela vida de volta, não era possível agora. Eu precisava pressionar os Castiglianos se eles estivessem jogando comigo. Eu tirei foto de ambos os cartões-postais e os enviei para o Vincenzo. Haviam vários dias de diferença entre as datas nos dois cartões, então não iria parecer suspeito quando ele os lesse. Iria parecer que ela havia saído da Costa Oeste e voado para a Costa Leste para terminar sua viagem ao passado. Se as coisas continuassem, a próxima e última parada seria em Savannah. Será que ela voltaria para Los Angeles depois disso, ou visitaria Braxton para me convencer a dar a nós dois uma nova chance?

Quando eu cheguei na Nana D, eu as chamei em voz alta e joguei a minha bolsa no sofá. Ninguém me respondeu. Meu estômago estava reclamando enquanto eu conferia a cozinha. Havia um frango inteiro assando no forno, e o molho estava cozinhando no fogo baixo do fogão. Sálvia e alecrim tentaram o meu nariz a experimentar uma colherada. Eu olhei pela janela dos fundos e vi que elas estavam alimentando os cavalos no celeiro. Nana D sempre seguia a mesma regra, os animais comem primeiro, então os humanos podem ter a sua parte. Quando eu acenei para ela, Emma pulou de um lado para o outro e começou a correr em direção a casa.

Enquanto eu esperava elas retornarem, meu telefone tocou. Eu atendi a ligação.

– Você recebeu as fotos?

– Recebi. Você nunca me contou sobre Orlando. Você disse Savannah e o Parque. Esse é algum truque que você está jogando em mim? – ele perguntou com um tom assustadoramente calmo. “Only The Good Die Young” estava tocando no fundo.

Bingo! Vincezo tinha mordido a isca. Agora eu tinha que descobrir se ele estava chateado por que eu não havia contado a ele sobre Orlando ou porque era ele quem estava mandando os cartões-postais e não tinha ideia de onde esse tinha vindo.

– Eu devo ter me esquecido. Sua filha e eu fomos casados por seis anos antes de ela desaparecer, Vincezo. Nós fomos a vários lugares.

– Eu vou mandar o meu pessoal para lá hoje à noite. Não tenho ninguém em Orlando, mas tenho alguns em Miami. Talvez ela ainda esteja na Disney. – Vincenzo soava como se acreditasse que ela estava lá.

– Talvez a Francesca precisasse desse tempo para decidir o futuro dela. Ela vai voltar para casa em breve. Deve ter sido difícil ficar escondida dentro de casa por tanto tempo. – eu estava seguindo por uma linha tênue ao incomodar o meu sogro, ele era muito melhor em jogos do que eu. Dar um tiro ao meu plano era algo necessário.

– Não! A minha filha não iria me ignorar por tanto tempo. Ela manda esses cartões-postais para você. Eu não recebo nada. Os pais dela não têm mensagens. Ela é uma boa filha. Faz tudo o que eu a mando fazer. – Vincenzo começou a perder a compostura.

Talvez ele não estivesse mandando os cartões-postais. Talvez a Francesca estivesse fazendo isso sozinha. Eu iria descobrir isso em breve, mas no meio tempo, Emma entrou correndo na sala e me abraçou.

– Hey querida. – eu disse para minha filha. – Fale com o nono. – eu disse ao Vincenzo que sua neta estava entrando na linha e que eu contaria a ele quando o próximo cartão-postal chegasse. Emma pegou o telefone e correu para a sala de estar.

– Problemas com os Castiglianos? – a Nana D perguntou enquanto lavava as mãos. Apesar dos meus pais nunca terem sabido sobre o submundo dos negócios dos meus sogros, a Nana D havia dado a pista algumas vezes no passado de que ela sabia. – Quer que eu me envolva? O Clube Septuagenário sempre quis ir a uma viagem para Los Angeles. Nós poderíamos ser uma boa distração para tirá-los das suas costas!

Isso era tudo o que eu precisava. A Nana D entrando em uma guerra de máfias para me proteger. Enquanto ela era inteligente em conseguir vingança e torturar as pessoas verbalmente, a máfia não era um mundo onde ela precisasse ter alguma experiência.

– Vai ficar tudo bem. Eles estão com saudades da Emma.

Nana D beliscou as minhas bochechas.

– Esse cabelo mais curto fica bom em você. Fico feliz de ver que você está cuidado de si mesmo novamente. Eu não posso imaginar o que é perder uma esposa em uma idade tão jovem quanto você tinha e ter que criar a sua filha sozinho. Você é verdadeiramente uma inspiração, meu neto brilhante.

Sem sarcasmo? Nenhum elogio distorcido? Quem era essa mulher e o que ela havia feito com a Nana D? Era ela quem deveria falar. Nana D e o vovô foram casados por quase cinquenta anos quando ela o perdeu para um ataque cardíaco. Nós fomos gratos de que aconteceu tudo rapidamente e ele não sentiu muita dor, mas ela foi a minha inspiração.

– Eu te amo, Nana D. Eu não sei o que eu faria sem você.

– Você provavelmente estaria mais enrascado do que o normal. – Nana D tirou o frango do forno e me instruiu a servir três copos de chá gelado para nós.

Ela estava certa. Provavelmente eu estaria mais enrascado, mas ela também.

– Como estão sendo seus últimos dias como uma mulher livre? O Stanton ainda não reconheceu isso?

– Nah, aquele imbecil não vai desistir até que conte cada voto. A equipe me disse que eu estou avançando o suficiente, então não estão tão preocupados. Ainda é uma corrida acirrada, então eu não posso...

– Não pode deixar suas esperanças altas demais. Só continue sendo sempre confiante e humilde. Você é o que esse condado precisa para consertar os erros do passado. – eu disse.

Durante tempo demais, o Condado de Wharton tem sido liderado por famílias ricas que aceitavam propinas, compravam policiais e deixavam que o medo segurasse qualquer mudança. Quando o antigo xerife se aposentou e as pessoas votaram por alguém de fora da cidade, o começo de um novo futuro havia emergido. April não tinha tolerância para os modos burocráticos e não deixava pedra sobre pedra. Eu havia ficado preocupado quando ela prendeu a Helena por causa da pressão do Vereador Stanton e do Prefeito Grosvalet, mas ela tinha um motivo maior para atrair o verdadeiro criminoso. Ela era suficientemente esperta para não os deixar ganhar com seus jogos.

– Pode apostar que eu sou. – Nana D disse animada. Ela me entregou a faca para eu cortar o frango. – Alguma novidade sobre o assassinato que você está envolvido? Você ainda está ajudando a irmã da Maggie?

– Estou. O que o Reitor Mulligan queria com você? – a curiosidade estava quase me matando.

– Para pedir que eu te convencesse a parar de investigar o assassinato do George Braun.

– O que? – eu não tinha esperado que ela fosse dizer isso.

– Ele escutou você e a xerife conversando sobre ele estar envolvido de perto com a exposição de flores, os desacordos com a Anita Singh, etc. O reitor não queria causar um problema para a faculdade ao confrontá-lo pessoalmente, então ele me pediu para fazer isso.

– Isso não faz sentido. Ele na verdade é um suspeito agora.

– Ed Mulligan e eu nos conhecemos há muito tempo. Ele pensou que eu poderia fazer com que você o deixasse em paz antes de ele fazer uma reclamação formal sobre isso. – a Nana D respondeu.

Eu sentia como se o homem tivesse me esfaqueado pelas costas.

– O que você disse?

– Oh, meu neto brilhante. Ele e eu podemos ser amigos, mas eu e você somos família. Eu disse a ele para lutar suas próprias batalhas, e se você estava metendo o nariz nas coisas dele, é porque tinha um motivo válido!

– Isso fez ele se calar? – eu me lembrei das duas fotos mostrando como ele estava com a fantasia arrumada diferentemente. Será que tínhamos encontrado o nosso assassino?

– Sim. Ele me assegurou que não tem nada a ver com o falecimento do George Braun. Mas eu vou deixar com que você prove isso. – a Nana D podia ter acreditado nele, mas todos os assassinos diziam que não eram culpados. Ele sabia de algo importante.

– Obrigado, Nana D. Eu estou trabalhando com a April que está indo falar com ele enquanto nós conversamos.

– April? Desde quando você chama aquela xerife pateta pelo primeiro nome? – a Nana D bateu a tampa da panela de molho.

– Nós estamos nos dando melhor esses dias. Eu estou cansado de brigar com ela. – eu disse, me perguntando a quem eu estava tentando convencer: a Nana D ou a mim mesmo. Eu gostava das nossas discussões, mas será que essa era a abordagem mais efetiva para conseguir os fatos pertinentes de uma xerife que deveria se manter quieta sobre os detalhes de um crime? – Não foi você quem me disse que se pega mais moscas com mel? – enquanto eu terminava de cortar o frango, Emma entrou na cozinha e colocou o telefone no meu bolso.

– Aquela mulher é feita de vinagre. Ela não conta. – Nana D disparou.

Não havia motivos para pressionar a Nana D com aquela situação. Desde quando a xerife quase prendeu a minha avó a vários anos atrás, ela guardava o maior rancor que eu já tinha encontrado.

– O jantar parece maravilhoso, não é mesmo? – eu disse, me virando para a Emma.

– O nono disse que o seu tempo acabou. O que isso significa, papai? – Emma segurou a minha camisa enquanto levamos até a mesa o resto dos acompanhamentos, purê de batatas e cenouras cozidas.

– Nós estávamos jogando um jogo e ele está com medo de perder, é só isso. – Vincenzo sabia que não deveria passar mensagens através da Emma. Eu não ia deixar que isso continuasse.

A Nana D olhou inquisitivamente para mim enquanto colocava o molho em seu frango.

– Ele vai perder se eu tiver que dizer alguma coisa sobre isso. – será que a minha avó sabia mais do que estava dizendo?

– Posso jogar também? – Emma perguntou.

– Não, é um jogo de adultos. Nós podemos jogar um diferente hoje à noite com a Nana D.

– Eu gosto de Uno. Podemos brincar disso?

– Sim, querida.

Enquanto nós terminávamos o jantar, conversamos sobre o dia delas na fazenda e como o Rodney estava se adaptando ao seu final de semana em casa. Antes de sentarmos para jogar Uno, nós brincamos com o coelho e demos um pouco de cenoura. Enquanto eu observava a minha filha confortando o pequeno animal, eu me lembrei da nossa visita a Yellowstone. Ela tinha apenas três anos naquela época, ainda muito nova para aproveitar a viagem, ainda assim se divertiu bastante apesar daquele verão estar com temperaturas insuportáveis. Nós nunca deveríamos ter ido escalar naquele tempo, mas a Francesca se certificou de que nós tivéssemos protetor solar e fizemos várias pausas para beber água.

Espere! Nós fomos para Yellowstone durante o verão. Por que o cartão-postal da Francesca mencionava neve? Definitivamente não houve neve na nossa viagem. Será que ela ficou confusa?

– O Rodney está de volta na gaiola, papai. Vamos jogar Uno. – Emma disse.

Eu não conseguia me livrar da sensação de que havia alguma coisa errada acontecendo, mas o que isso significava? Emma pegou a minha mão e nós encontramos a Nana D na sala para jogar cartas. Depois de uma hora, Emma venceu algumas rodadas, mas a Nana D triunfou no resto. Eu fiquei em último lugar por bem menos pontos do que gostaria de admitir.

Nós deixamos a Nana D e voltamos para nossa casa. Eu coloquei a Emma na cama no horário normal sem nenhum problema. Minha filha era verdadeiramente a criança perfeita. Cada pai dizia isso, mas eu tinha certeza, diferentemente dos outros. Eu tive sorte e nunca me esqueceria disso.

Eu fiquei debatendo se deveria ou não ligar para a Ursula para contar o que eu havia ficado sabendo sobre o George sendo o verdadeiro pai do Cheney. Ela agora tinha um sobrinho, mas será que seria capaz de reconhecê-lo? Eu mandei uma mensagem para ver se ela estava acordada. Ainda eram antes das dez horas em um sábado, ainda assim eu não queria arriscar ligar e a Myriam atender o telefone. Quem saberia qual citação era iria jogar pra cima de mim a essa hora?

Ursula me ligou ao invés disso.

– Oi. A Myriam está fazendo pipoca. Nós vamos assistir um documentário na PBS. O que está acontecendo?

Eu nunca pensei que a Myriam assistisse televisão. Na verdade, eu nunca pensei sobre o que ela fazia além de me torturar e de trabalhar em Braxton. Será que ela tinha uma vida pessoal onde fazia coisas normais?

– Eu passei um tempo com o Cheney essa noite. Nossas suspeitas estavam corretas. Ele é o seu sobrinho.

Houve um longo momento de silêncio no telefone.

– Eu tenho que conversar com ele. Ele é família.

– Eu não faria isso ainda. – eu aconselhei a Ursula. – Ele é um garoto problemático. – apesar de ter vinte e cinco anos, ele parecia mais novo. Talvez todo o infortúnio que ele havia se metido com sua atitude e ações imaturas faziam ele ser assim. Eu pensei sobre tudo o que sabia sobre o Cheney. – Eu não acho que o Doug sabe que o Cheney não é filho dele. Sierra é uma carta selvagem. Karen pode estar mentindo para você sobre não querer matar o George.

– Você acha que um deles matou o meu irmão? – ela perguntou.

– Eu acho que isso é altamente provável. Karen é a única pessoa com quem eu não tive uma conversa particular, mas você sim. – eu não tinha certeza de como seguir adiante, mas a Karen definitivamente estava escondendo alguma informação chave.

– Ela é astuta e fala em círculos. Vamos pensar nisso durante a noite. Então podemos criar um plano para confrontá-la amanhã. – Ursula sugeriu.

– A Exposição de Flores Mendel começa na segunda-feira. Talvez nós possamos pegá-la fora de guarda enquanto ela está se preparando para isso? – eu disse antes de desligar o telefone e me preparar para a cama. Tinha sido um longo dia e com muitos fatos misturados que estavam caindo aos meus pés. Eu tinha uma forte intuição de que a resposta estava enterrada em algum lugar nos detalhes do que eu já sabia, mas eu não conseguia ligar os pontos.


18

 


No domingo de manhã, Emma e eu encontramos meus pais na igreja. Minha família era católica, participava da missa aos domingos, e celebrava os feriados mais importantes mas, além disso, nós não éramos particularmente religiosos. Eu não tinha mais certeza sobreo que eu acreditava, mas Emma precisava aprender o máximo possível sobre o mundo. Ela poderia tomar suas próprias decisões sobre qual era o papel da religião na sua vida assim que tivesse idade suficiente.

Eu sugeri um jantar em família para a quinta-feira à noite, já que também era o dia da eleição para a prefeitura. Nós poderíamos passar a tarde juntos e apoiar a Nana D assim que ela vencesse. Ela tinha que vencer, eu havia me convencido. A Tia Deirdre queria ver todo mundo, e eu tinha a maior surpresa de todas, supondo que o Gabriel aparecesse. Eu estava meio convencido de que ele iria embora antes disso, mas tinha que me manter focado.

Emma foi para a casa dos meus pais por algumas horas. Ela queria escolher novas flores pereniais para o jardim. Já que eu planejava confrontar a Karen Stoddard em algum momento do dia, fiquei mais do que feliz em deixar minha filha passar algumas horas com seus avós.

Quando eu cheguei na Lanchonete Pick-Me-Up, Eleanor estava conversando com o Connor. Eu iria me encontrar com a Ursula e a Myriam para discutirmos tudo o que havíamos ficado sabendo no dia anterior. Eu acenei para ele e me sentei em frente às minhas duas chefes.

– Bom dia, senhoras. Vocês estão famintas assim como eu? O Chef Manny faz os melhores waffles bélgicos cobertos com o verdadeiro xarope de Maple e...

– Um coma diabético? Que consideração a sua, Sr. Ayrwick. – Myriam disparou. – Minha esposa ficou sabendo que tem um sobrinho há muito perdido, que a antiga faca de sua família foi usada para matar seu irmão, e que todo o seu passado sórdido está prestes a se tornar um pesadelo para as relações públicas. E a única coisa que você pode falar é em comida! Bem, eu tenho novidades para você, seu sapo marreco e veneno...

– M, por favor, não exagere. O Kellan estava simplesmente... – Ursula tentou impedir a batalha de falas prestes a ser liberada, mas não teve sucesso quando Myriam deu mais uma de suas tiradas humorosas.

– "Ele me comeu fora de casa e em casa, ele colocou toda a minha substância naquela barriga gorda dele." O homem é um verdadeiro egoísta e desperdício de espaço no nosso campus, minha querida. Como você continua aguentando ele? – Myriam explodiu com uma verdadeira frustração.

– Oh, Myriam. Essa é a segunda citação dessa semana de Henrique IV. Eu pensei que você fosse mais cuidadosa do que isso com suas injúrias. – eu respondi, suprimindo um desejo de me regozijar dançando e cantando.

– Pare de antagonizar com ela, ela só vai responder com mais... –Ursula me avisou.

– Pelo menos eu sei de que peça é aquela citação, “tu élfico, porco abortivo e enraizado! Você ferve, uma praga ferida na minha...” – Myriam gritou.

– Ao invés de dizer algo original? Você é incapaz de me insultar com as suas próprias barbáries? Será que você sempre tem que usar frases de quinhentos anos de idade que só fazem você soar antiquada? – ops, talvez eu tivesse ido longe demais. Afinal de contas, ela era a minha chefe.

– Já chega! – Ursula gritou com toda a sua voz. Um silêncio completo de repente tomou conta da lanchonete. Cada cliente do lugar olhou para a nossa mesa.

Quando eu olhei para a Myriam, ela assentiu.

– Eu sinto muito, pessoal. – eu anunciei para todos. – Nós estamos ensaiando as falas para a produção de teatro desse verão na Casa de Espetáculos Paddington. Ficamos empolgados pelo nosso amor ao roteiro.

– Por favor, venham conferir a peça, nós estamos ansiosos para ver todo mundo lá. – Myriam adicionou. Facas e garfos começaram a arranhar os pratos novamente, dando uma chance para a minha mesa se acalmar.

– Vocês dois terminaram? – Ursula nos deu uma reprimenda. – Eu posso ter que demitir vocês dois.

Nós olhamos para a Ursula, abaixando nossos óculos até a ponta do nariz. A Myriam falou primeiro.

– Duvido, minha querida. Você me ama demais.

Dez minutos depois, nós concordamos que o Ed Mulligan estava escondendo algo, que a Anita Singh estava se comportando estranhamente, e que era a minha vez de tentar conseguir respostas com a Karen. Se a Ursula abordasse a antiga assistente do laboratório dos seus pais sobre o Cheney ser filho do Hans, isso poderia impedir que nós soubéssemos de qualquer outra informação.

– Eu vou conversar com ela sobre a exposição de flores e fazer uma transição para o relacionamento dela com o seu irmão. Se ela não me contar exatamente quando e como se encontrou com ele novamente ou o que ele estava fazendo, então eu vou jogar a verdade nela. – eu parti para meus waffles bélgicos. Eles estavam tão deliciosos que até mesmo ofereci um pedaço para a Myriam. Ela declinou apenas com uma careta. Eu queria dizer a ela que franzir o cenho dava rugas, mas eu havia prometido à Ursula que me comportaria melhor.

– Isso quer dizer? – Ursula pediu que eu esclarecesse.

– Eu vou contar a ela que eu sei que o Doug não é o pai do Cheney e que eu vou informar à polícia se ela não confessar os motivos do Hans.

– Mas você já contou para a polícia. – Ursula comentou.

– A Karen não sabe disso, querida. – Myriam disse. – Continue nos acompanhando.

Ursula deu um olhar para a sua esposa que me deu um arrepio pelo corpo. Essas duas eram um par formidável, e eu só podia imaginar que tipo de disputas de poder aconteciam na casa delas.

– April não vai conversar com ela até termos todas as informações. – eu relembrei para a Ursula e Myriam enquanto saíamos da lanchonete. – Eu vou contar tudo a vocês duas depois.

– Eu também vou chamar a Anita Singh e o Ed Mulligan ao meu escritório hoje para descobrir o que está acontecendo entre eles. – Ursula respondeu.

Antes de ir embora, eu passei no escritório da Eleanor para saber dela e do Connor.

– Hey, crianças. O que estão fazendo? O café-da-manhã estava delicioso.

– Foi uma cena e tanto a que você causou antes. – Connor brincou enquanto se levantava e apertava a minha mão. – Você realmente deveria atuar naquelas produções do campus.

– Digna de um Oscar, hein?

Ele assentiu.

– Você ainda vai me encontrar amanhã cedo na academia antes das aulas?

– Sim. – eu confirmei. Eu planejava ir até a exposição de flores durante a tarde, então nós concordamos em nos encontrar às oito da manhã para um exercício matinal. – Alguma coisa nova vinda da sua melhor amiga no caso do assassinato do George Braun?

Connor sacudiu a cabeça.

– Nah, a April não me contou nada recentemente. – ele tentou dar um sorriso na direção da Eleanor, mas foi meio estranho já que não queria mencionar algo sobre a Maggie ou a família dela na frente da Eleanor.

– Eu tenho certeza de que a Helena vai conseguir a fiança amanhã. – Eleanor disse. Ela optou por ser corajosa e não se esconder atrás do elefante na sala. – Vocês podem conversar sobre a Maggie, caras. Nós somos todos adultos.

– Apenas sendo cuidadoso. – eu disse, olhando a expressão de relaxamento do Connor.

– Eu tenho algo para conversar com você amanhã na academia, Kellan. É importante. – Connor disse enquanto se levantava. – Mas eu preciso fazer a minha ronda pelo campus agora. Eu vejo vocês mais tarde. – ele olhou para mim, então para a Eleanor, decidindo o que fazer. Eventualmente, ele deu um beijo na bochecha da minha irmã e saiu da lanchonete.

– Ufa, aquilo foi divertido. Ele deve ser tão romântico, passa direto pela minha cabeça! – eu disse.

– Você pode ser um chato algumas vezes! – Eleanor brigou comigo e saiu do escritório dela para dar uma olhada na lanchonete.

Eu dirigi para o centro até o escritório da empresa de eventos Simply Stoddard. Karen estava me evitando durante toda a semana. O brunch de domingo era um evento memorável em Braxton, ela tinha que estar no lugar para ajudar o marido a cuidar do novo restaurante. Quando eu entrei no vestíbulo de entrada, uma recepcionista me recebeu e perguntou quantas pessoas havia no meu grupo.

– Nenhuma. O que aconteceu com o Cheney? – eu pensei que ele geralmente ficava na recepção. Talvez a ressaca tenha impedido que ele trabalhasse hoje.

– Ele só trabalha aqui durante alguns dias na semana. Eu sou a recepcionista na maior parte das noites e finais de semana. Como posso ajudá-lo?

– O Doug e a Karen estão por aqui? – eu perguntei para a jovem mulher, percebendo que ela conhecia o seu trabalho.

Ela apontou para a porta à minha direita.

– Karen está trabalhando no escritório. Doug está na cozinha. Eu acho que a Sierra está ajudando o seu pai hoje. Cheney deveria passar por aqui, mas não estava se sentindo bem.

Eu sorri e agradeci a ela. Ela cumprimentou um casal que havia acabado de chegar atrás de mim enquanto eu abria a porta para o escritório da Simply Stoddard e chamava a Karen.

– Posso ajudá-lo? – ela disse, se levantando atrás da mesa. Quando eu entrei no seu campo de visão, ela pareceu chateada. – Oh, Kellan. Eu sei que você deixou algumas mensagens. Está uma loucura por aqui ultimamente.

– Fiquei sabendo. Eu encontrei a sua filha, Sierra, ontem.

– Na verdade, eu estou bem ocupada agora. Talvez nós pudéssemos marcar um horário para a próxima semana se você precisa planejar um evento. – ela se sentou de volta e moveu o mouse do computador. A tela do computador se acendeu, mas eu não consegui ver o que estava mostrando.

– Eu tenho algumas perguntas pra você. Certamente, você pode me dar alguns minutos agora. Maggie e Millard só disseram coisas maravilhosas sobre trabalhar com você. – eu não estava mentindo, ambos haviam elogiado os serviços que a Simply Stoddard havia feito para eles.

– Olhe, eu não quero ser rude, mas você deixou o meu filho bêbado ontem. Você tem feito perguntas sobre nós por toda a cidade. As pessoas falam bastante sobre como você gosta de se envolver nos assuntos privados de situações que não são suas. Eu não tenho tempo para fofocas ou drama de cidade pequena.

Ela acenou para a porta, indicando que eu deveria ir embora.

– Agora eu entendo de onde o Cheney puxou seus modos hospitaleiros. – eu não ia discutir o meu envolvimento nas situações de outras pessoas, mas eu sempre fiz investigações apenas quando alguém me pedia. – Eu vou considerar ir embora se você me contar o nome da pessoa que disse algo negativo sobre mim.

– Eu vou lhe dar dois nomes, então talvez eu também possa pular o nosso próximo encontro. – ela não importou de olhar para cima enquanto digitava no teclado. – Ophelia Taft e Myriam Castle. Adeus.

Ophelia, eu podia entender. Eu conversei com a mulher algumas vezes enquanto determinava se ela tinha alguma relação com a morte da mãe dela mais cedo naquele ano. Myriam falava mal de mim na maior parte das ocasiões, mas ela não deveria ter feito isso enquanto eu ajudava a esposa dela.

– Quando foi e o que a Myriam disse?

– Myriam me contatou para planejar uma festa para o elenco de um show recente. Provavelmente há cerca de um mês, mas no fim ela decidiu não gastar o dinheiro. Ela mencionou que eu deveria ignorar qualquer coisa que você falasse, mas eu e você, naquela época, ainda não havíamos tido o prazer de nos conhecermos. Isso é tudo?

Eu sabia que não era recente. Myriam deve ter me excluído do planejamento da celebração do Rei Lear em algum momento. No fim, eu a convenci de fazer a festa para o elenco na Lanchonete Pick-Me-Up, e foi por isso que ela não escolheu a Simply Stoddard.

– Está bem, nós podemos jogar dessa maneira. Eu vou levar as minhas perguntas sobre o George Braun ser o pai biológico do Cheney até a Xerife Montague. Tenha um bom dia, Lambertson.

Eu me virei e voltei ao vestíbulo, então tentei ir embora do prédio. Karen me chamou, mas eu a ignorei. Ela finalmente saiu correndo do escritório, agarrou o meu braço enquanto eu saía para o pátio externo e me levou de volta à mesa dela.

– Pensando bem, agora pode ser um bom momento para nós conversarmos, Kellan. Como você sabia que o meu nome de solteira era Lambertson?

– Uma amiga em comum me contou. Que bom que você decidiu falar comigo agora. Eu vou me certificar de me lembrar da melhor maneira para te motivar no futuro, isso é, assumindo que você não vá para a prisão por matar o Hans Mück. – Karen respondia a ameaças, o que significava que quanto mais eu a deixasse com medo, mais ela poderia consentir em me contar tudo o que sabia.

– O que exatamente você sabe? – ela perguntou. A maior parte do rosto dela estava pálido, mas suas bochechas ficaram vermelhas como duas maçãs quando eu disse o nome Hans Mück.

– Não, eu estou na posição de motorista agora. Se você tivesse sido mais aberta no começo, nós poderíamos ter tido uma conversa tranquila e civilizada sobre o passado. – eu me sentei em frente a ela, descansei meu pé esquerdo sobre o joelho direito e coloquei as mãos atrás do pescoço. – Conte-me o que você quiser. Eu vou lhe dar algumas dicas. Você já sabe que eu sou próximo da família Roarke e que a Helena não o matou. Eu trabalho para a Ursula Power, que me contou sobre o passado dela como Sofia Mück. Ela também não matou o irmão.

– Eu também não o matei! – Karen rosnou.

– Talvez alguém na sua família o tenha matado. A xerife eventualmente vai descobrir isso, mas eu estou te dando essa oportunidade de você me ajudar a te ajudar. Se nós pudermos trabalhar juntos, todo mundo pode sair desse desastre sem ficar mais chamuscado.

– Está bem! Os Mücks me contrataram para trabalhar no laboratório deles logo após eu me formar. Eu fiquei fascinada pela pesquisa deles e passei bastante tempo com o filho deles, Hans. Eu os ajudava com vários experimentos, na maior parte documentando os resultados todas as noites e manhãs.

– Isso explica o que o Doug disse na semana passada sobre você trabalhar tarde da noite.

Ela assentiu.

– Hans flertava comigo. Ele era esperto e sofisticado. Eu me apaixonei, mas ele estava focado demais em fazer um nome para si mesmo. Eu havia conhecido o Doug uma noite em um bar. Ele prestava bastante atenção em mim, e eu me joguei nele. A próxima coisa que eu sabia, Hans me pediu ajuda para falsificar os resultados dos testes do laboratório. Eu não queria fazer isso, mas ele me disse que assim que ficasse famoso, ele queria se casar comigo e viajar pelo mundo.

– Hans tirou vantagem sobre você. – eu disse. Isso acontecia mais vezes do que as pessoas percebiam. – Mas você não sabia naquela época.

– Exatamente. Ele fazia pausas escondidas para segurar a minha mão ou me beijar dentro do armário. Eu pensei que ele estava sendo sério. Então ele pediu que eu trocasse alguns dos químicos para invalidar os experimentos dos pais dele. Ele estava fazendo os mesmos experimentos, mas com quantidades excessivas de glicerina e outros fertilizantes. Ele fez com que eu comprasse e guardasse grandes quantidades no laboratório. Eu não tinha ideia de que alguém iria colocar fogo lá propositalmente naquele dia.

Um poço começou a se formar no meu estômago. Ursula pensou que ela estava criando apenas uma pequena explosão para impedir que o Hans machucasse seus pais.

– Você causou a explosão que os matou.

Karen bateu sua cabeça contra a mesa e começou a chorar.

– Sim, foi culpa minha.

Ursula não sabia dessa parte.

– Você precisa me contar tudo agora.

Karen continuou a me explicar o que havia acontecido há vinte e cinco anos. Ela havia colocado todos os resultados exatos dos Mück em um armário de arquivos separado. Hans não queria que eles saíssem do laboratório, mas também não queria que ninguém soubesse sobre o que ele estava fazendo.

– Durante vinte e cinco anos, eu pensei que o Hans havia morrido naquela explosão. Assim que a irmã dele me contou o que ela havia feito, eu percebi que a culpa era minha, mas não pude contar para a polícia. Então eu vazei para a imprensa que ela havia causado a explosão e destruído todos os resultados. Eles estavam perto de encontrar a cura para alguns tipos de câncer.

– O que aconteceu depois? – eu sacudi a minha cabeça para o tanto de danos que o Hans Mück havia causado durante os anos.

– Algumas semanas depois, eu descobri que estava grávida. Assim que eu descobri de quanto tempo, soube que provavelmente o Hans era o pai do meu bebê, mas ele havia partido. Eu gostava bastante do Doug, então contei que ele tinha me engravidado. Eram apenas algumas semanas de diferença, ele não pensou em questionar nada.

Naquele ponto, Karen deixou a Sofia em paz porque ela tinha que seguir em frente. Sofia fugiu e se tornou a Ursula Power. Karen se mudou para o meio-oeste com o Doug, e teve a Sierra alguns anos depois, fingindo que o passado nunca tinha acontecido.

– Eu amava trabalhar com plantas e flores, cuidar de laboratórios, e ser parte de algo complexo e desafiador. Eventualmente, me envolvi com o planejamento de conferências médicas e eventos de angariação de fundos. Quando a minha filha, Sierra, decidiu cursar direito em Londres, eu a visitei com mais frequência e até mesmo aceitei alguns trabalhos de organização de eventos por lá. Foi então que eu encontrei o Hans. Ele estava cuidando da Exposição de Flores Mendel na Europa e planejava levá-la para os Estados Unidos em algum momento. – Karen explicou que o Hans havia conseguido um nome para si mesmo como George Braun, um botânico que lecionava em várias faculdades e universidades. Ele ainda estava tentando recriar os experimentos de anos atrás, mas nunca conseguiu descobrir o equilíbrio correto de todas as fórmulas e entradas. Ele acreditava que sua irmã iria lembrá-las.

– Como você veio parar em Braxton? – eu perguntei, sentindo que não estava claro como todo mundo havia vindo para a minha cidade natal.

– Eu queria confessar a verdade, mas ele parecia tão diferente. Eu decidi não contar ao Hans sobre o Cheney até que pudesse conhecê-lo um pouco melhor novamente. Hans, usando o nome de George naquele tempo, me pressionou para que eu lembrasse tudo o que eu pudesse sobre os experimentos, mas não era suficiente. Eu voltei para casa e conversava ocasionalmente com ele ao telefone. – naquele ponto, Karen não tinha certeza de como havia acontecido, mas George disse que havia encontrado a irmã novamente. Ela estava morando em Braxton, Pensilvânia, e ele havia pedido que a Karen se mudasse para Braxton e o ajudasse a redescobrir a cura.

– Agora eu entendo como você veio para Braxton, mas o que o Doug sabe?

– Doug não sabe de nada sobre isso. Eu o convenci de que nós poderíamos começar novamente aqui. Foi então que decidimos abrir o restaurante para que ele se focasse nisso, e eu criei a empresa de organização de eventos.

– Ela é real, ou é só para encobrir a sua ajuda ao George?

– É completamente legítima. A minha empresa ajudou o George a coordenar e fazer a transição da exposição de flores para os Estados Unidos. Ele estava usando todas as plantas em seus experimentos para encontrar a cura.

– Por que você concordou em ajudá-lo depois de todos esses anos?

– No começo, foi porque eu e o Doug estávamos tendo problemas. Cheney teve alguns problemas legais em Chicago. Doug e eu estávamos pensando em nos separar. Eu pensei que eu teria uma chance com o Hans novamente. Depois que nós nos mudamos para Braxton, Hans e eu ficamos mais próximos. Eu disse a ele que nunca havia deixado de amá-lo e que... – ela fez uma pausa e se levantou.

– O que?

Karen estava entrando em pânico por causa de algo.

– Tem alguém aí? – ela passou correndo por mim e entrou no vestíbulo. Quando voltou, parecia assustada.

– Tinha alguém ouvindo?

Karen sacudiu a cabeça.

– Não havia ninguém lá, mas eu vi uma sombra.

– Talvez tenha sido a recepcionista ou um cliente entrando. – eu esperei pela Karen se sentar novamente.

– Eu posso estar nervosa. Minha família não sabe sobre isso. – Karen continuou a me explicar o que havia acontecido depois que ela contou ao Hans que o Cheney era filho dele. – Ele me disse que não podia pensar sobre isso até depois que descobrisse uma maneira de fazer a irmã dele se lembrar de tudo sobre os experimentos.

– Você o ajudou a perseguir a Ursula? Ou Sofia... seja lá como vocês se referiam a ela.

Karen assentiu.

– No começo, eu coletei informações sobre ela e deixei alguns bilhetes. Pensei que se eu o ajudasse com o plano, nós poderíamos terminar mais cedo. Então ele e eu poderíamos ficar juntos.

– O que impediu isso de acontecer?

– Ele havia invadido o escritório da irmã dele e percebeu que ela havia criado uma nova vida para si mesma e esquecido sobre ele. Hans ficou com raiva porque sua irmã o havia desfigurado. Ele queria vingança.

– Ele ia matá-la?

– Eu estava com medo de que ele pudesse. Foi então que parei de ajudá-lo e tentei ignorá-lo. Mas ele não me deixou. Ele me chantageou.

– Dizendo que iria contar ao Doug e ao Cheney a verdade? – eu perguntei.

– Sim. – nós nos sentamos em silêncio por alguns minutos enquanto eu debatia o meu próximo movimento.

– Karen, você matou ele?

– Não, eu te contei. Ele ficava me forçando a fazer coisas até o fim.

– Como deixar aquele bilhete final para a Ursula no baile à fantasia? – eu perguntei.

– Exatamente. Eu finalmente disse a ele que era a última coisa que eu faria. Ele confirmou que não precisaria mais da minha ajuda depois daquela noite.

– Por que não? – eu perguntei.

– Ele me mostrou uma faca. Ele iria matar a irmã depois que conseguisse arrancar as fórmulas dela. – Karen explicou que Hans havia seguido a Helena até os escritórios privativos para encontrar um lugar quieto para levar a Ursula assim que ele a confrontasse às nove da noite. Infelizmente, Cheney voltou para lá, fazendo com que Hans se atrasasse para voltar ao salão principal, finalmente dando ao assassino a oportunidade para atacar.

Tudo finalmente estava se encaixando. Exceto sobre quem o havia matado. Eu percebi naquele momento que a Karen não sabia que o Cheney sabia da verdade.

– O seu filho confrontou o Hans naquela noite.

– Eu sei. Ele estava chateado sobre a maneira que a Helena havia sido tratada na pousada da família dela.

– Não. – eu disse, sacudindo a cabeça. – Cheney escutou você conversando com o Hans sobre o seu passado juntos. Ele sabe da verdade e tentou criar laços com o pai. – eu disse à Karen tudo o que o Cheney havia me contado no bar.

Karen ficou esmagada.

– Cheney pode tê-lo provocado, mas meu filho não o mataria.

Naquele momento, Sierra colocou a cabeça para dentro do escritório.

– Mãe, você sabe onde está o pai? O sub-chef está cuidando da cozinha sozinho, mas ele precisa de ajuda. – quando ela me viu sentado em frente à mãe dela, ela congelou. – O que você está fazendo aqui? Eu disse a você para parar de incomodar a minha família.

Karen olhou entre mim e a filha, decidindo o que fazer ou falar.

– Kellan, eu preciso apagar alguns incêndios. Será que podemos terminar essa conversa amanhã ou mais tarde?

Apesar de eu ficar preocupado em perder o embalo se a deixasse ir, ela tinha um restaurante para cuidar. Eu também precisava contar para a April o que havia escutado.

– Claro, mas você sabe que essa conversa precisa ser contada para outra pessoa, certo?

– Assim que eu localizar o meu marido e conversar com o meu filho. Essa é a minha prioridade agora. Adeus, Kellan. – Karen nos empurrou para fora do escritório até o vestíbulo. Ela trancou a porta e disse à recepcionista para não deixar ninguém mais entrar.

– Sierra, vamos organizar a cozinha antes de eu ir encontrar o seu pai.

Quando elas desapareceram, eu caminhei até o estacionamento. Será que o Doug havia escutado a nossa conversa e ido embora do restaurante? Baseado no que a Karen havia me contado, a família toda dela tinha motivos para matar o Hans Mück. Qual deles havia feito isso? Eu liguei para o escritório da xerife, mas o Policial Flatman me informou de que ela estava em uma ligação internacional. Ele não pôde comentar se ela havia descoberto quando a Sierra Stoddard havia chegado à Braxton, mas ele diria à Xerife Montague que eu precisava conversar urgentemente com ela.


19

 


No caminho para casa, contei à Maggie sobre o meu progresso no caso. Eu não podia contar a ela sobre o envolvimento da Ursula, mas mencionei que os Stoddards tinham uma ligação passada com o George Braun.

– Eu não tenho certeza do que tudo isso significa. Isso pode depender de quando foi que a Sierra Stoddard chegou em Braxton.

– Eu não sei exatamente quando ela voou para cá, mas ela já estava de volta durante o baile à fantasia. Karen me pediu se a filha dela poderia ir ao baile naquela noite. Ela até mesmo teve tempo para alugar uma fantasia. Eu acho que era algum tipo de enfermeira. Eu acho que é heroína, mas havia uma bandagem sobre o olho.

– Dançando com o meu primo Alex! – de repente eu entendi porque a Sierra me parecia tão familiar. – Você me ajudou tanto, não pode nem imaginar o quanto.

– Você acha que a Sierra tem alguma coisa a ver com a morte do George? Ela não deveria estar na festa. Foi um pedido de última hora, Kellan. Eu fiquei chocada que ela havia conseguido a fantasia na loja. A Dot disse que a loja estava praticamente esgotada depois que eu recomendei o lugar para todos os convidados escolherem entre um herói e um vilão.

– Eu não tenho certeza, mas ela pode saber de algo que não contou para ninguém ainda. – eu disse à Maggie que eu precisava desligar e fazer outra ligação. Tentei ligar para o Alex, mas a ligação caiu diretamente na caixa de mensagens. Eu mandei a ele uma mensagem e liguei para sua assistente. Ele era afiliado ao Hospital Geral do Condado de Wharton, e geralmente deixava o celular desligado quando estava em cirurgia.

Enquanto dirigia para casa, eu tentei organizar tudo o que eu sabia sobre a Sierra. Ela esteve esquiando na Suíça, havia voltado para casa em tempo de participar do baile à fantasia, e era uma protetora feroz de sua família. Yuri havia me dito que ela escutou o George brigando com uma mulher sobre algo não ser culpa dele. George era casado, mas a xerife não conseguia encontrar o nome da esposa dele. Será que poderia ser a Sierra Stoddard? Será que o George havia se envolvido com a Sierra na Europa e foi por isso que ele subsequentemente encontrou a Karen novamente?

Eu cheguei ao Rancho Danby animado para ver a minha filha, mas desesperado para ter alguma notícia do meu primo, Alex, sobre a Sierra. Eu bati na porta da Nana D e entrei na sala de estar esperando ver a minha avó e minha filha lendo ou trabalhando em um quebra-cabeça.

– Nós estamos na cozinha limpando, meu neto brilhante. – Nana D falou em voz alta. – Advinha quem está aqui!

Eu não estava com humor para esse tipo de brincadeira no momento.

– Os meus pais? – eu sabia que a Eleanor estava trabalhando na lanchonete. Quem mais poderia ser? Eu descobri quando entrei na cozinha.

– Kellan, você está maravilhoso! – Tia Deirdre gritou enquanto olhava por cima do balcão. Ela deve ter esquecido que estava secando uma faca afiada. A mão dela deslizou, e uma linha vermelha deixou uma mancha em sua manga. – Aaaiii!

Emma deu um gritinho e cobriu os olhos. Ela não gostava da visão de sangue e às vezes desmaiava quando o via. Nana D disse:

– Kellan, olhe a sua tia. Eu vou pegar a Emma.

– Coloque a sua mão acima da cabeça. – eu corri para a Tia Deirdre e cobri a ferida dela com uma toalha. Eu também não gostava de ver sangue, mas tinha que ver a profundidade do corte. – Deixe-me dar uma olhada.

Enquanto eu olhava a situação, Deirdre riu.

– Eu sou tão estabanada! Meleca! Está em toda a minha blusa novinha que eu comprei com a Lissette ontem no aeroporto. – por mais que o dedo dela parecesse sensível e tivesse um corte, não parecia precisar de pontos.

– Eu acho que se nós colocarmos um band-aid e cobrirmos a ferida com cuidado, você vai ficar bem. – eu disse.

Assim que a Emma se acalmou, Nana D levou a Tia Deirdre para o banheiro para cuidar do ferimento dela. Eu dei um suspiro de alívio seguido de um dos grandes momentos de clareza que eu já tinha tido.

April contou para mim que o George havia sido esfaqueado duas vezes. Se o assassino dele tivesse puxado a faca para esfaqueá-lo novamente, o sangue teria espirrado no assassino. Era uma festa à fantasia, todos estavam fantasiados, até mesmo os garçons tinham algo para a noite. Se tivesse sangue na fantasia do assassino, a loja poderia inadivertidamente saber quem havia matado o George Braun.

Eu liguei para a loja de fantasia, mas eles já haviam fechado para a noite. Já eram depois das oito horas em um domingo, é claro, eles tinham que estar fechados bem quando eu mais precisava. Deixei uma mensagem para que eles me ligassem de volta na manhã seguinte assim que pudessem.

Assim que a Tia Deirdre estava devidamente enfaixada, nós provamos uma torta de maçã que a Emma e a Nana D haviam feito mais cedo naquele dia. Deirdre explicou que a Lissette havia viajado até o lugar que sua irmã morava apenas para descobrir que ela havia falecido dois dias antes. Já que Judy era nova na cidade onde estava, ninguém sabia quem era a família dela, para informar sobre a morte. Lissette ficou de coração partido e implorou para a Tia Deirdre encontrá-la no aeroporto de Londres, então ela teria companhia para voar de volta para casa. Elas haviam chegado em Braxton naquela tarde, mas a Tia Deirdre iria ligar para sua amiga em breve. Como eu disse, eram sempre os funerais ou casamentos que a traziam para casa em Braxton. Ninguém que ela conhecesse estava indo se casar, então eu contei essa visita como um funeral. Lissette iria organizar um velório e memorial dentro dos próximos dias para a irmã dela, na casa funerária da família.

Eu levei a Emma para casa e a coloquei na cama, já que ela tinha escola no dia seguinte. Quando eu voltei ao meu quarto, olhei meu celular. Fern Terry me mandou uma mensagem, que eu havia deixado uma correspondência cair perto dela no outro dia quando nos encontramos no prédio da união estudantil. Eu tinha um cartão-postal de alguém em Savannah, Georgia, ela iria me entregar na segunda-feira. Por enquanto, ela me mandou uma foto da mensagem escrita atrás:


Você queria se mudar para cá depois de uma viagem à cidade mais hospitaleira do sul. Imagine o que teria sido para a Emma crescer no grande mundo do estilo sulista. Foi uma pena que você tenha quebrado o seu tornozelo e não pôde ficar a semana inteira para experimentar as possiblidades. Talvez outra viagem sem muita dor seja a resposta.

 

Savannah era uma bela cidade e eu quis me mudar para lá em um momento. Eu preferia climas mais úmidos e sentia falta do tempo de Los Angeles. Mas a Francesca estava errada novamente. Eu havia quebrado o meu tornozelo no aeroporto no dia que nós fomos embora de Savannah. Isso não interrompeu a nossa viagem. Talvez o voo para casa tenha sido pior do que o normal já que eu estava dopado de analgésicos durante as cinco horas de voo. Será que ela estava confusa sobre mais uma de nossas viagens? Isso não fazia sentido, mas outras mensagens eram mais importantes no momento.

Alex havia me deixado uma mensagem de voz dizendo que havia encontrado a garota apenas no baile à fantasia. O nome dela era Sierra, eles conversaram sobre ela estar visitando os pais durante alguns dias e que ela morava em Londres. Quando eu liguei para ele, ele estava de plantão e teve que falar rapidamente.

– Não, eu dancei com ela duas vezes. Ela conversou com algumas outras pessoas. Honestamente, eu não me lembro com quem.

– Você chegou a ver se ela entrou na parte privativa dos escritórios? – eu perguntei ao meu primo.

– Eu não sei. Logo após você ter passado por nós, ela pediu licença e foi ao banheiro feminino. Eu não a vi novamente naquela noite.

– Qual era a fantasia dela? Uma enfermeira?

– Sim, ela era Elle Driver do filme Kill Bill. Você se lembra da enfermeira malvada que era a Daryl Hannah? – Alex tinha que visitar um paciente e desligou depois de mencionar um dia para jantarmos na próxima semana.

Pelo menos eu tinha ficado sabendo pelo meu primo qual era a fantasia da Sierra, e que ela havia desaparecido pouco antes de o George ser esfaqueado. Será que ela havia ido embora do evento por que tinha sangue na fantasia?

A Xerife Montague também havia me deixado uma mensagem dizendo que estava seguindo as pistas para a esposa do George Braun e iria conversar comigo de manhã para discutirmos o que eu havia ficado sabendo naquela noite depois da minha conversa com a Karen Stoddard.

Apesar de ter ido dormir cedo, eu dormi mal por causa de tudo o que estava na minha mente. Visões da Francesca me perseguindo por Braxton invadiram os meus sonhos. Cada vez que eu tentava pegá-la, ela desaparecia no ar. Em outro momento durante a noite, eu havia sido amarrado contra um poste enquanto quatro mulheres com máscaras entoavam um cântico em um círculo. Uma após a outra, elas retiraram as máscaras. Myriam, April, Sierra e a Karen estavam colocando feitiços em mim para me torturarem. Pouco antes de eu acordar, uma pessoa misteriosa ficava me esfaqueando. Eu voltava à vida a cada vez, e quando estava prestes a abrir a porta para ver quem havia matado o Hans, eu morria novamente. Talvez a Eleanor fosse capaz de interpretar tudo isso, porque eu certamente não conseguia.

Depois de deixar a Emma na escola na manhã seguinte, eu encontrei o Connor na academia para uma hora de levantamento de pesos, então fui conversar com a Maggie. Helena era o primeiro caso do dia para o Juiz Grey.

– Ela está preparada?

Maggie suspirou.

– Eu não pude conversar com ela ontem. Ela só tinha permissão para encontrar o Finnigan. Ele disse que ela está cooperando.

– Eu queria poder estar lá, mas tenho aulas para dar. Então vou para aquela loja de fantasias que você me contou. Se o assassino manchou de sangue a fantasia, nós podemos ser capazes de solucionarmos isso mais rapidamente. – eu sabia que nós estávamos chegando perto, mas não era tão perto para que eu parasse e deixasse a xerife cuidar disso sozinha. A minha curiosidade estava aguçada, e havia poucas chances desse cachorro soltar o osso.

Depois que eu e a Maggie desligamos, eu conversei com a Ursula e a Myriam. Elas estavam tomando café no escritório da Ursula antes que o dia ficasse ocupado demais. Ursula disse:

– Eu me encontrei com o Reitor Mulligan. Esperava mais do homem, mas parece que ele vai se aposentar no próximo semestre.

Ursula explicou que o Reitor Mulligan havia desenvolvido uma atração pela Dra. Anita Singh durante o último ano. Ambos eram solteiros e não tinha uma grande diferença de idade, mas ele sabia, como chefe dela, que nada poderia acontecer entre eles. Anita implorou que ele não contratasse o George. Ela havia ficado sabendo que o homem era cruel e sobre os vários esquemas clandestinos que ele criou em várias conferências internacionais de ciências. Mulligan já havia assinado o contrato e teve que bancar o árbitro entre eles durante semanas. George mais tarde descobriu o crush secreto do Mulligan e tentou extorquir mais dinheiro do homem para a Exposição de Flores Mendel e seus próprios experimentos pessoais. O reitor recusou isso no começo, mas para proteger a Anita de qualquer repercursão, ele havia cedido. Ele confrontou o George na Pousada Roarke & Daughters Inn na tarde do baile à fantasia, e foi isso que a Yuri escutou e usou para conseguir favores do reitor. Quando isso não funcionou, ela exagerou a história para descontar sobre o Reitor Mulligan.

– Isso é tudo bem infantil. Mas isso não explica por que a fantasia do reitor estava tão desarrumada no final daquela noite. – eu comentei. O que o Reitor havia feito com a Anita?

Myriam assobiou.

– Eu posso explicar isso. A fantasia dele de Zeus consistia em um grande robe grego. Cada vez que o homem ia ao banheiro, ele tinha que tirar toda a roupa. Dessa maneira ele nunca a arrumava do mesmo jeito novamente. Que idiota!

Enquanto o que a Myriam disse fazia sentido, isso claramente apontava um erro tolo que eu deveria ter percebido.

– Isso nos leva a descobrir o que a Anita Singh está escondendo.

– Hmm! Eu conheço a Anita, e ela é muito gentil para esfaquear alguém. Agora estou me inclinando na direção da Sierra Stoddard. Ela tem um motivo, e eu acho que teve a oportunidade. – Myriam retorquiu.

– A janela de tempo é realmente apertada, mas ela poderia ter ido escondida até o pátio logo após eu tê-la visto na pista de dança e ficado escondida até depois que o Cheney e a Helena saíram. – eu disse.

– Eu estava concentrada demais contando a você sobre o bilhete que eu havia encontrado. Não prestei atenção em mais ninguém passando pelas portas duplas até os escritórios privativos enquanto nós estávamos atrás das cortinas de seda. – Ursula explicou. – E o que mais sobre a sua conversa com a Karen?

– Ela ainda não me retornou. Eu suspeito que ela e o Doug estejam colocando a história a limpo, ou ela está me evitando até que eu force o assunto novamente. – eu expliquei. Ursula queria conversar com o Cheney, mas eu a convenci a esperar até que nós descobrissemos quem matou o irmão dela. Ela já poderia estar em uma posição perigosa por causa dele.

Eu saí para lecionar a minha aula de duas horas pela manhã, então peguei um lanche na máquina de vendas. Não havia tempo para perder com o almoço. Maggie me mandou uma mensagem dizendo que o Juiz Grey estava atrasado, e que a Helena iria vê-lo às uma e meia. Finnigan havia conseguido uma informação adicional com o Detetive Gilkrist sobre uma nova pista que a xerife estava investigando. Maggie não sabia se isso iria prejudicar ou ajudar o caso da irmã. April ainda não havia retornado a minha segunda ligação da noite anterior. Eu queria mandar uma mensagem para ela, mas nós não éramos realmente próximos para que parecesse apropriado cruzar essa linha entre nós.

Segui direto para a loja de fantasias na fronteira da cidade em Woodland. A loja de fantasias não havia ligado, mas uma emergência para eles e uma emergência para mim eram provavelmente duas coisas diferentes. Eu estacionei a SUV e subi os poucos degraus até o andar do jardim no prédio de pedra calcária.

Eu entrei pela porta, reparando em vários manequins organizados em cenários artísticos. Cada um deles tinha uma placa descrevendo o tipo de fantasia e em qual andar e seção você poderia encontrá-la. O prédio tinha cinco andares e estava dividido em quatro quadrantes, ou salas, em cada um. No andar do jardim inferior havia uma escada que levava ao segundo andar e uma que levava ao porão. Eles provavelmente mantinham todas as fantasias devolvidas no porão, ou para serem limpas ou para serem enviadas para outra loja.

Havia outros dois clientes por perto. Um estava olhando um livro no salão frontal, outro estava conversando com uma mulher mais velha vestida com um vestido tye-die e um xale claro ao redor dos ombros. Ela tinha uma tatuagem do símbolo da paz em seu pulso esquerdo. Quando o cliente foi embora, eu andei até o balcão, me apresentei, e perguntei se ela tinha ouvido a mensagem que tinha deixado.

– Eu não consegui retornar nenhuma das mensagens hoje. A minha nova vendedora não apareceu, e as segundas-feiras são sempre difíceis. As pessoas precisam relaxar como a gente fazia nos anos sessenta. – ela murmurou.

– Isso significa que você tem uma resposta para mim ou não? – eu disse com uma cara enrugada.

– Você pediu sobre uma fantasia de Tarzan para uma festa de final de semana? Deixa comigo, cara. – a mulher tinha um crachá preso na cintura dela que chamou a minha atenção enquanto ela ia de um lado ao outro em um transe.

Será que ela estava meio chapada agora?

– Hmmm... não. Eu liguei para falar sobre as fantasias que foram devolvidas depois do Baile à Fantasia da Biblioteca Memorial de Braxton. – eu fiquei, no entanto, curioso para saber quem havia pedido a fantasia de Tarzan. Eu nunca mostraria tanta pele, mas mais poder para quem estava confortável em ficar de tanga na frente do mundo inteiro. – Escute, Dot, isso é realmente importante. Eu preciso saber se uma certa fantasia foi devolvida.

– Todos os meus clientes são importantes. Qual é o seu problema, cara? Essa loja é o meu orgulho e alegria. Eu levo o meu trabalho muito a sério, e eu faço de tudo para ajudá-los. – ela prendeu o anel no xale e passou trinta segundos tentando retirá-lo. – Bem, isso não é um saco?

Quando o desespero borbulhou dentro de mim, fui ajudá-la.

– Permita-me. – depois de soltá-lo, nós rimos sobre as chances de isso acontecer novamente. Eu realmente não me importava, mas sabia que precisava ser tão doce como uma torta. Não apenas a Nana D iria me dar uns tapas por tratar mal uma pessoa mais velha, mas ela também acreditava apaixonadamente que você conseguia mais respostas sendo gentil. E com essa hippie, eu teria que ser extremamente paciente. – Será que você poderia me dizer se alguém devolveu uma fantasia com uma mancha? Algo vermelho na parte da frente?

– Como molho de tomate?

– Não exatamente. – eu sacudi a minha cabeça. Eu sentia o começo de uma dor de cabeça.

– Manchas de vinho tinto são as mais difíceis de limpar. Minha mãe me ensinou um truque anos atrás. Peróxido de hidrogênio com... – ela disse com um gosto desenfreado antes de pausar para se lembrar do que queria dizer.

– Não mas eu agradeço a dica. É algo um pouco mais pegajoso. Confie em mim, você provavelmente saberia qual é a fantasia se eu descrevesse a mancha. – por favor, não me faça dizer que é sangue. Nenhum dono de loja iria querer saber que alguém sangrou em uma de suas roupas.

– Nós podemos tentar essa abordagem, mas eu não posso dar nomes. Eu respeito a privacidade do meu cliente. O publico não gosta quando eu falo. – ela pegou uma prancheta atrás dela. – A lei claramente diz que...

– Dot, eu preciso que você me ajude aqui. Entendo a sua preocupação com a privacidade. Se nós precisarmos ter que chamar a xerife para fazer as perguntas, eu posso ligar para ela agora mesmo. – eu sabia que isso provavelmente não iria funcionar, mas eu tinha que torcer para que a Dot não me desafiasse. Eu dobrei os meus dedos do pé dolorosamente até que eles parecessem se rasgar.

– Não precisa de tanto trabalho, menino. – ela fechou o livro e tomou um gole de seu chá herbal. – Diga-me novamente. Como era essa fantasia?

Okay, talvez nós finalmente estivéssemos chegando a algum lugar. Eu expliquei o que consegui pela minha memória. Passei pelas dez fotos que a Maggie tinha me enviado, mas não havia nenhuma da Sierra com a fantasia branca de enfermeira. Eu descrevi a bandagem e a forma do vestido, mas não foi até que eu disse que era do filme Kill Bill que a Dot soube qual eu estava dizendo.

– Yeah! Elle Driver. Ela é uma fantasia popular para o Halloween. Eu assisti a aquele filme várias vezes. Prefiro muito mais o uniforme amarelo de couro e spandex da Uma Thurman, se você sabe o que eu quero dizer. Não tinha nenhum enchimento de espuma escondido na fantasia daquela garota! – ela apertou um botão no teclado e procurou pela fantasia A Noiva que a Uma Thurman havia vestido. – Aqui está.

– Não, não é essa que eu quero.

– Você tem certeza? É uma ótima fantasia. Apesar de que eu acho que não iria caber em você com esses seus ombros largos. Que tamanho você veste? Quarenta, quarenta e dois? – Dot estava caindo na categoria de mulheres mais velhas que flertavam demais comigo. Nós também não estávamos chegando a lugar nenhum nesse trem da loucura.

– Vamos tentar isso novamente. Fantasia branca de enfermeira. Bandagem para o olho. Será que ela foi devolvida com uma mancha vermelha? – meu rosto deve ter ficado mais vermelho do que os adesivos de morango grudados nas bochechas da Dot.

– Isso é tudo o que você precisa saber? – ela clicou outro botão na tela. – Você realmente deveria ter perguntado isso antes. Precisa relaxar um pouquinho, senhor.

– Eu não sou um senhor! Só tenho trinta e dois anos. – mordi o meu lábio inferior com força. Dot estava fazendo o seu melhor. Eu precisava ter paciência. – Você encontrou?

– Oh, eu nem precisei olhar aquela. Ela foi retornada no dia seguinte. Lavada rapidamente e mandada dois dias depois para outra festa. Vapt-vupt!

– Havia uma mancha nela? – eu perguntei.

– Eu acabei de te dizer que ela foi alugada logo em seguida, senhor. Você acha que eu a daria para outra pessoa se tivesse uma mancha nela? Nós somos a melhor loja de fantasias do Condado de Wharton. Essa não é a maneira de se fazer negócio. Definitivamente não havia uma mancha naquela fantasia. – ela se voltou para um novo cliente que havia entrado na loja. – Eu vou te atender rapidinho, querido. Estou quase terminando de ensinar a esse jovem como nós operamos por aqui.

Isso era inútil. Será que o assassino poderia ter usado o jaleco de laboratório para proteger a fantasia de ficar suja de sangue? Isso siginificaria que havia sido um assassinato premeditado, mas a April achava que esse crime havia acontecido inesperadamente. Ninguém iria escolher matar alguém em um lugar cheio de pessoas. Eu precisava pedir para a xerife interrogar a Dot, talvez colocar um pouco de medo nela, então teríamos melhores respostas.

– Eu estava meio esperando que você me dissesse que aquela fantasia tinha uma mancha nela. Teria deixado a minha vida muito mais fácil.

– Eu não tenho certeza do por que você iria querer uma fantasia de enfermeira com uma mancha nela, mas cada um é cada um. – ela bateu a mão no balcão e riu. – Meu ex-marido costumava dizer que as pessoas eram instáveis quando...

– Obrigado pela sua ajuda. – talvez a Nana D tivesse conseguido a resposta ao invés de mim. Essas duas teriam se dado fabulosamente bem.

– Não tem de que. Aquele baile à fantasia fez o melhor mês de vendas em um bom tempo. Paz e amor! – ela sorriu e saiu de trás do balcão mostrando dois dedos em uma forma de V enquanto nós caminhávamos até a porta da frente.

– Eu fico feliz que vocês estejam indo bem. – eu disse, finalmente me lembrando das boas maneiras. Eu havia ficado distraído pelo meu desejo de encontrar um assassino. Defintivamente não era importante. Eu bati na minha cabeça e comecei a ir embora.

– Com certeza. E nós tivemos apenas uma fantasia que nunca foi devolvida. Isso foi uma vergonha, também. Tive que manter o depósito. Era uma fantasia que nós havíamos começado a alugar há pouco tempo, depois do aniversário de morte de cem anos da pessoa. – Dot gritou para a outra cliente que logo iria atendê-la.

– Por que o cliente não a devolveu? – isso era um tiro no escuro, mas a Dot poderia me surpreender.

– O cliente disse que a fantasia desapareceu. Eu não sei como uma fantasia se levanta e sai andando sozinha, mas pelo menos recebi o meu dinheiro para comprar uma nova. – ela abriu a porta e acenou enquanto eu passava por ela.

– Espere. Dot, será que você pode me dizer o nome do cliente? – por favor, deixe ser essa a pista que eu preciso.

– Você não ouviu o que eu disse antes? Eu tenho que manter os dados dos clientes em privativo. A polícia cara, a polícia!

– Certo, você mencionou isso. – eu grunhi.

– Mas tenho certeza de que não há mal algum se eu mostrar a foto da fantasia, certo? – ela piscou para mim e pediu para eu entrar novamente. – Eu meio que gosto de você. Seria uma vergonha mandar para casa um cliente bonito e infeliz.

Ela me levou de volta para dentro da loja e passou algumas telas em seu computador. Quando parou na que queria me mostrar, ela falou animada:

– Grande Mãe Terra! Eu encontrei.

Eu olhei para a tela em descrença completa. Eu sabia quem havia vestido aquela fantasia, mas não conseguia fazer sentido do porque aquela pessoa iria querer matar o George Braun ou Hans Mück.

– Obrigado Dot. Você satisfez um homem muito curioso. – talvez isso fosse uma coincidência?

* * *

Assim que voltei para a SUV, eu liguei para meu irmão. Gabriel atendeu no segundo toque.

– Hey, ótimas notícias! Millard me contratou para ajudá-lo com o resto da exibição de flores e quer que eu trabalhe com ele para fazer o paisagismo de toda a mansão Paddington.

– Isso é ótimo. Eu mal posso esperar para escutar mais sobre isso. Eu preciso te fazer uma pergunta importante. – eu não tinha certeza se ele se lembraria, mas tinha que tentar.

– Claro, vá em frente. Nós podemos conversar mais tarde sobre o meu novo emprego.

Eu abri as dez fotos que a Maggie havia me mandado.

– Você me disse que encontrou brevemente a outra pessoa que foi entrevistada para o emprego com o George Braun. Eu sei que o Cheney estava esperando conseguir o emprego para a reforma da cabana, mas era outra pessoa que queria trabalhar na exposição de flores, certo?

– Yeah. O George disse que o outro candidato era muito chato e tinha outros motivos.

Eu mandei todas as fotos para o Gabriel.

– A pessoa que o George entrevistou era alguma dessas?

Gabriel levou alguns segundos para responder.

– É difícil de ter certeza por causa da fantasia, mas eu acho que é a da primeira foto. Eu tive apenas um vislumbre quando saí da entrevista e ela estava esperando para conversar em seguida com o George.

– Mais uma pergunta. Será que o George mencionou alguma vez sobre ter uma esposa? – eu não havia pensando em pedir isso ao Gabriel antes quando ele me disse que trabalhava para o homem.

– Ele me contou pouco sobre sua vida pessoal, mas realmente mencionou ser casado em algum momento. Onde você quer chegar com todas essas perguntas, Kellan? Eu não estou entendendo tudo isso.

– Eu vou explicar tudo mais tarde. Por acaso ele disse o nome da esposa ou o que havia acontecido com ela? – a coisas estavam começando a se encaixar, mas eu tinha algumas peças que ainda não entravam naquele quebra-cabeça.

– Você sabe, eu tenho certeza de que ele mencionou que ela havia falecido há pouco tempo. Nunca soube do nome dela.

Eu desliguei com o Gabriel depois de dizer a ele que eu poderia precisar da ajuda dele com outra coisa. Que tolo que eu havia sido! A resposta estava bem na minha frente o tempo todo. Eu precisava encontrar a prova. O culpado era extraordinariamente esperto e tinha criado um ardil elaborado para ter o álibi perfeito. Havia apenas uma outra pessoa que poderia ser capaz de colocar o último prego no caixão. Era hora de fazer outra ligação telefônica!


20

 


– Oi, meu neto brilhante. Você precisa que eu busque a Emma na escola hoje? Você deveria me pedir mais cedo. – Nana D disse.

– Sim, é exatamente por isso que eu estava ligando. Bem, isso e um outro motivo também.

– Claro, eu vou buscar a Emma. O que mais eu posso fazer para ajudá-lo? – Nana D era sem dúvidas a melhor avó do planeta. Eu poderia contar com ela no último minuto para quase qualquer coisa. Pedi que a Nana D colocasse a minha tia no telefone.

Quando ela atendeu, disse:

– Alô, Kellan. O que está acontecendo?

– Tia Deirdre, eu tenho uma pergunta estranha pra você. Mas primeiro, como está o seu dedo?

– Essas são os melhores tipos de perguntas, querido. – ela disse com uma risada alta. – Está sarando, obrigado por ter pensado rápido.

– Ótimo! Agora a pergunta estranha. Quando foi que a Lissette Nutberry descobriu que a irmã dela, Judy, havia falecido? – eu sabia que havia alguma coisa errada com o timing, mas precisava provar isso.

– Uns dois dias antes de nós voltarmos para casa, eu não me lembro da data exata. Isso é importante?

– Não a data exata. Você tem certeza de que a Judy Nutberry morreu há apenas alguns dias atrás?

– Foi isso que a Lissette me disse. Foi por isso que eu voltei correndo para cá com ela. Eu não estava planejando uma visita até o próximo mês. Isso mudou todos os meus planos e quase estragou a supresa que eu tenho para todos vocês.

Surpresa? Eu não podia ficar distraído agora.

– Onde ela estava antes de te encontrar em Londres?

– Na Suíça, eu tenho certeza disso. Eu a esperei na parte de imigração quando nós chegamos aos Estados Unidos. – a Tia Deirdre respondeu. – Eu também percebi o carimbo no passaporte dela.

– Eu sabia. – tem alguma ligação entre ela e o George Braun. Qual era o relacionamento deles?

– Foi estranho. Eu não fui na mesma cabine que ela porque não somos da mesma família. Eu pensei ter escutado o homem atrás do balcão perguntar para a Lissette se ela visitava a Suíça frequentemente a trabalho. Aparentemente, ela esteve viajando para fora do país várias vezes nesse ano.

Bingo! Lissete havia dito que não sabia onde sua irmã estava morando. Ela mentiu.

– Obrigado. Você é a melhor tia do mundo. Será que você pode me fazer um favor, não conte a ela sobre essa conversa. É importante.

– Okay, mas eu estou indo até o campus da faculdade para encontrá-la para a abertura da Exposição de Flores Mendel hoje. Eu espero que eu não me esqueça e acidentalmente diga algo, Kellan. Você me conhece, eu fico divagando sobre as ideias para os meus livros e a próxima coisa que eu sei, eu estou tagarelando...

– Por favor, fique em casa hoje. Eu acho que algo terrível aconteceu. – eu desliguei o telefone depois de conseguir uma promessa da minha tia de que ela ia manter os lábios selados ou fingir um derrame se não conseguisse se impedir de tagarelar.

Eu tinha que tentar falar novamente com a xerife. Depois que o Policial Flatman me transferiu, April atendeu o telefone.

– Você está brincando com a sorte, Pequeno Ayrwick. Estou tentando solucionar um caso de assassinato e não poderia ligar de volta para você até hoje de tarde.

– Eu acho que eu involuntariamente o solucionei para você, April. – eu contei tudo de novo que fiquei sabendo, incluindo a minha conversa com a Dot na loja de fantasias, minha conversa com o Gabriel e a Tia Deirdre, e as fotos do baile à fantasia.

– Eu também estive ocupada. Eu tenho a confirmação da data exata em que a esposa do George morreu. De acordo com a certidão de óbito, Judy Nutberry Braun morreu de insuficiência cardíaca quatro semanas atrás. – April confirmou. – Pelo que você acabou de me contar, Lissette está mentindo sobre ter descoberto a morte da irmã apenas na semana passada. Por que ela faria isso?

– Eu tenho as minhas suspeitas, mas apenas a Lissette vai ser capaz de nos contar a verdade. Eu tenho uma ideia de como forçar ela dizer isso. O quanto você confia em mim?

* * *

Maggie e eu havíamos acabado de desligar quando eu cheguei a Braxton. Helena tinha conseguido fiança, e os pais dela estavam pagando os dez por cento necessários para que ela fosse solta. Depois que os documentos fossem processados, Ben e Lucy Roarke iriam escoltar a Helena de volta para casa para ela tomar banho e dormir sem ser perturbada. Maggie sabia que a Helena iria correndo até o Cheney, mas ela não podia impedir a irmã de fazer o que o seu coração lhe dizia. Maggie não iria à exposição de flores porque precisava voltar à Biblioteca Memorial depois de ter passado a manhã inteira no tribunal esperando por respostas.

A Exposição de Flores Mendel estava acontecendo no Hall de Ciências Cambridge no Campus Norte. Amanhã era o dia oficial da abertura da exposição, mas hoje era uma mostra só para convidados de um seleto grupo de cidadãos do Condado de Wharton. Millard Paddington queria oferecer uma oportunidade para a administração de Braxton, os professores e estudantes a participarem gratuitamente sem uma grande multidão no caminho deles.

A Simply Stoddard, a empresa de organização de eventos da Karen, havia lidado com a maior parte da coordenação do público e imprensa enquanto o Millard trabalhava nos bastidores com os botânicos e cientistas que apresentariam suas pesquisas mais recentes. O Gabriel concordou em ajudar nos escritórios dos bastidores, mesmo estando preocupado que alguém pudesse descobrir o retorno dele a Braxton mais cedo do que ele preferia. Eu não podia contar para ninguém o plano para conseguir uma confissão da Lissette Nutberry, mas precisaria da ajuda do Gabriel e da Karen para ter sucesso.

– Kellan, eu não entendo por que você precisa estar presente na cerimônia de abertura hoje. Por que ninguém me contou isso antes? – Karen perguntou. Nós estávamos no salão de palestras no segundo andar do prédio preparando a abertura antes que fosse a hora de permitir que a pessoas entrassem na exposição.

– Millard me pediu para dizer algumas palavras para todos. Eu não vou levar muito tempo. – Millard não tinha ideia do que eu queria dizer, mas ele confiava em mim e sabia que eu não teria pedido a não ser que tivesse um bom motivo.

Depois da fala do Millard na cerimônia de cortar a faixa, ele iria me apresentar para aqueles que estavam no hall principal. Ele já havia confirmado com a Lissette que ela pretendia vir à exposição, já que amava muito as flores e havia ajudado ele com alguns detalhes antes de meu irmão ser recontratado. Eu preparei um memorial suscinto, um tipo de elogio para o falecido George Braun. Eu tinha algumas mensagens chaves para entregar. Se tudo corresse conforme o plano, Lissette não seria capaz de se conter.

– Está bem, mas você tem cinco minutos. Sete, no máximo. Tudo está coordenado até os mínimos detalhes. – Karen me aconselhou como se eu tivesse pedido para ela reorganizar toda a agenda. – Você pode pensar que eu sou uma pessoa terrível por mentir sobre a explosão e a identidade do verdadeiro pai do Cheney, mas estou determinada a fazer desse evento um sucesso.

Eu disse à Karen que eu achava que as ações anteriores dela eram difíceis de serem aceitas e que ela deveria se desculpar com a Ursula por tudo o que tinha acontecido.

– Cheney é sobrinho dela. Ela perdeu o irmão e não tem mais ninguém da família. Talvez ela não queira revelar sua verdadeira identidade para o mundo, mas eu tenho certeza de que ela não vai ignorar um parente de sangue.

A Karen seguiu para o hall principal para verificar se tudo estava pronto. Eu instruí o Gabriel sobre o que eu precisava que ele criasse para mim. Então, liguei para a April para conferir se a equipe dela estava no lugar.

– Eu tenho dois policiais disfarçados na entrada frontal e mais alguns espalhados pelo andar principal. Ela tem duas saídas possíveis, e nós vamos impedi-la seja lá qual rota escolher. – April confirmou. Ela não tinha ficado confortável com a minha proposta, mas a evidência que ela tinha coletado não era suficiente para prender a Lissette. – Nós temos uma chance de cinquenta por cento de fazê-la reagir hoje. Tome cuidado e não estrague qualquer oportunidade que eu possa ter no futuro de conseguir uma confissão completa dela.

– Eu entendo. – enquanto nós desligávamos, eu fiquei repetindo as minhas frases para me convercer de que o nosso plano iria funcionar. Eu não queria chocar a Ursula ou a Myriam na cerimônia de abertura, então contei a elas a essência da minha estratégia. Elas apoiaram inteiramente a abordagem e iriam prestar atenção nas reações pela sala. Eu não havia contado que nós suspeitavamos da Lissette ter matado o irmão da Ursula, mas ambas sabiam que eu estava focado na esposa misteriosa de quem o irmão da Ursula havia deixado para trás.

Encontrei o Millard em um dos escritórios próximos e segui com ele até o hall principal. Millard acenou para a Lissette que estava conversando com a Fern Terry. Eu não estava confortável com a ideia de uma boa amiga estando tão perto de uma possível assassina, mas havia pouco a ser feito. Cerca de duzentos funcionários da Faculdade Braxton e cidadãos do Condado de Wharton estavam reunidos do lado de fora das portas, transbordando de animação para ver todas as flores elegantes, luxuriosas folhagens e as pesquisas brilhantes conduzidas no ano passado. Além daquelas portas no outro lado da sala estava a primeira exibição, a pesquisa pessoal inacabada do George, sobre a extração de tecido vascular e epidermal de certas flores para curar doenças.

Na sala frontal havia um palco elevado um metro acima do chão. Alinhados de cada lado havia um conjunto de vasos de vários tamanhos e formatos, cheios de cores robustas de diferentes espécies de flores. Havia as mais comuns que todos estavam familiarizados como as rosas, tulipas, margaridas e lírios, mas também havia espécias estranhas e exóticas como a flor Kadupul do Sri Lanka e a azedinha-listrada da África do Sul. A maravilha da beleza à nossa frente era intimidante. Será que o George Braun estava à beira de uma grande descoberta antes de morrer? Será que sua morte seria em vão?

Enquanto Millard subia no palco, Karen chegou ao meu lado.

– Gabriel disse que os seus slides estão carregados. Tudo o que você precisa fazer é apertar esse botão superior, e eles vão aparecer. Não me cause nenhum atraso!

Se tivesse sido alguém mais gentil e mais honesta, eu estaria me sentindo pior sobre causar uma grande cena no segundo maior evento da Karen em Braxton. Ela conseguiu se sair bem apesar da morte do George Braun na biblioteca, mas se nós prendessemos o assassino no segundo evento da empresa dela, a Simply Stoddard poderia ganhar uma reputação infeliz. Ou ainda pior, comentários ruins no Yelp!

Millard se apresentou para a plateia explicando como o seu amor pelas flores havia florescido quando ele era novo. Ele falou sobre como havia iniciado seu envolvimento com a Exposição Mendel enquanto viajava pela Europa. Destacou algumas coisas que as pessoas podiam esperar ver na exposição desse ano e nas descobertas de experimentos, então apresentou a mim, comentando que eu tinha uma apresentação especial antes que todos pudessem entrar na exposição.

April assentiu para mim. Eu tive um vislumbre da Velha Betsy, a arma SIG P227 preta dela, calibre .45, no fundo do casaco xadrez dela, perto do quadril. Estava óbvio demais em minha opinião, mas todo mundo sabia que ela carregava proteção para onde quer que fosse. Eu apertei a mão do Millard, agradeci a ele, e ajustei o microfone.

– Boa tarde a todos. – eu comecei. Lissette estava na frente e no centro, o que fazia ser fácil e, ao mesmo tempo, difícil para que eu me concentrasse. – Como todos sabem, nós perdemos um colega muito honorável e querido na semana passada. George Braun conquistou um sucesso marcável em seu campo ao longo dos anos. Hoje, nós vamos poder ver o trabalho recente dele e tomarmos um momento para dizer adeus a um pilar da comunidade científica.

Eu percebi um esgar se formando nos lábios da Lissette. O nariz dela se enrugou e retorceu enquanto eu falava. Algumas pessoas aplaudiram quando eu pausei para apertar o botão que a Karen havia me mostrado anteriormente. Os esforços do Gabriel haviam funcionado. Uma foto do George Braun tirada no primeiro dia dele no campus foi projetada na tela atrás de mim.

– Antes de nós mostrarmos a exposição especial do George nessa tarde, vamos tomar um minuto para conhecer o homem por trás das flores e da ciência. – eu apertei novamente o botão e observei quando a foto do George e da Judy apareceu na tela.

Eu me senti um pouco culpado por instigar a Lissette dessa maneira. Ela era uma amiga que a minha tia e a Nana D conheciam há vários anos. Eu mitiguei as minhas preocupações sabendo que tudo o que eu havia planejado para hoje era dizer o suficiente para forçar a Lissette a reagir. Ela tinha poucas chances de saber como eu havia descoberto a verdade. Assim que a xerife me mostrou uma foto da Judy Nutberry, eu me lembrei de ter visto uma similar dela na pasta que o George manteve escondida debaixo da cama na pousada da família da Maggie. Nós não percebemos quem ela era naquela época por que ela tinha ficado doente e havia se deteriorado no último ano. Eu, infelizmente, tive que manchar a Judy para pressionar a Lissette.

– Nós temos o privilégio de ter uma foto do George e de sua esposa, Judy, de algum momento no começo do ano. Nós não sabemos muito sobre a vida privativa dele, já que o professor raramente falava sobre si mesmo, mas ao julgar pelo olhar de seus rostos, George e Judy tiveram um casamento feliz. É uma pena que a Judy não tenha retornado às nossas ligações para estar conosco aqui hoje. Talvez ela só esteja com ciúmes do homem ou não era uma esposa muito suportiva.

Lissette arquejou. Fern se virou para ela com uma expressão de choque e apreensão. Eu olhei para a Ursula, que fazia um esforço para se manter firme, mas era óbvio que esse exercício era uma experiência dolorosa. Eu havia conhecido mais sobre ela nos últimos meses e reconhecia quando ela estava assustada, triste ou preocupada. Eu tinha que continuar pressionando mais.

– Enquanto nós estamos todos juntos aqui para lançar a Exposição de Flores Mendel, vamos relembrar esse homem brilhante e gentil por tudo o que ele conquistou ao longo dos anos. Vamos esperar que o George Braun possa descansar em paz e que nós possamos localizar sua esposa indiferente, para contar algumas notícias importantes para ela sobre o legado profundo dele.

Lissette deu um passo para frente. Não foi um grande, mas o suficiente para que eu pudesse ver uma lágrima rolando por seu rosto. Uma fina linha de máscara para os cílios traçava o contorno de sua bochecha. Foi preciso toda a energia restante que eu tinha, mas eu me forcei a dar o golpe final.

– Nós estamos construindo e dedicando um memorial para o falecido George Braun, um estudioso, um cientista brilhante e um honorável humanitário que merecia a nossa gratidão. – eu apertei o botão para o último slide aparecer. Uma placa de memorial que o Gabriel havia criado usando o Photoshop mais cedo naquela tarde, uma bela pedra de fundo, escrita preta e elegante, e um vaso de flores em cada canto.


George Braun, em mémoria de um amado professor, amigo e marido.

 

– Não! Isso é besteira. Ele não era nada disso. George Braun era um monstro. – Lissette gritou enquanto subia ao placo e tremia incontrolavelmente. Ela deixou cair sua bolsa e caminhou pelo palco.

– Lissette, você está bem? – eu disse, enquanto colocava uma mão no ombro dela.

Ela me empurrou para longe, pegou o controle remoto apontando aleatóriamente pela sala, e apertou os botãos até que a foto com a Judy aparecesse novamente na tela.

– Aquele demônio matou a minha irmã. – ela correu por trás de mim e jogou suas mãos na imagem, como se estivesse tentando tocar a Judy. – Ele a abandonou. Ele roubou o dinheiro dela e a deixou para que morresse sozinha.

Um dos membros da equipe da xerife se aproximou dos degraus no lado oposto de onde Lissette estava. Eu caminhei na direção dela e gentilmente retirei o controle de suas mãos.

– Lissette, vamos pegar um pouco de água para você na outra sala. Eu tenho certeza de que você está confusa. Foi o George quem morreu. Nós precisamos honrá-lo antes de cortar a fita para a abertura da exposição. – eu apertei o botão de desligar e a imagem desapareceu da tela. Eu me senti terrível por torturar ainda mais a mulher, mas ela havia matado um homem e precisava pagar por seus pecados.

– Não! – ela gritou para mim enquanto procurava pela sala por alguém que acreditasse nela. – Aquele homem merecia morrer. Aquele homem matou a Judy. Mas eu consegui a minha vingança. Eu o fiz sofrer por tudo o que ele fez com ela. – Lissette se transformou em um animal louco e raivoso que esteve preso apenas, a poucos metros de mim. Ela pegou um dos vasos de planta e correu na minha direção com a fúria em seus olhos.

Eu tive apenas um momento para me virar para o lado e me proteger enquanto ela erguia o vaso e o bateu com força contra a minha cabeça. Eu caí ao chão enquanto ela corria pelo palco até o outro conjunto de degraus. A última coisa que eu me lembro antes que a minha visão escurecesse era a April correndo na nossa direção.

* * *

– Ele está acordando. – alguém disse. Eu reconheci a voz, mas a minha cabeça estava tonta demais para ligá-la a pessoa.

Outra voz, definitivamente a de uma mulher dessa vez, disse em um tom calmante.

– Não se levante. Você sabe onde está?

Murmurei um sim ou um não, eu não tinha certeza de qual som saiu pela minha boca. De repente, o foco nos meus olhos começou a clarear. Parecia que eu estava deitado. Fern estava sentada ao meu lado. Por que ela tinha terra nas mãos? Eu tentei me levantar, mas um braço forte me segurou.

– Fique deitado. Você pode ter uma concussão. – a primeira voz disse novamente. Quem quer que ele fosse, ele estava com as mãos em volta da minha cabeça. Ele se inclinou sobre mim e sorriu. – Você sabe quem eu sou, Kellan?

Eu sabia.

– Brad Shope. Você é um enfermeiro. Você me deu bons remédios?

Brad e Fern riram.

– Não. Você foi acertado com um vaso de flores na cabeça, e isso fez com que você desmaiasse. – Brad respondeu.

– Aparentemente, a sua cabeça não é tão forte como você pensa. – Fern adicionou.

Eu comecei a me lembrar do que havia acontecido antes de eu ficar inconsciente.

– Eles a pegaram?

Fern explicou o que havia acontecido. Assim que a Lissette pegou o vaso de flores, April pulou as escadas para impedir que ela jogasse em mim. A xerife estava longe demais, e na pressa para escapar, Lissette me acertou na cabeça. Quando eu caí ao chão, Lissette correu pelo palco e se encontrou presa entre o Policial Flatman e a xerife.

– Foi uma cena e tanto por uns dois minutos. Lissette correu de um lado para o outro até que eles se aproximaram dela, então ela pulou do palco e escapou pela multidão. – Brad comentou.

– Ela conseguiu fugir? – eu murmurei, sentindo minha força retornando. Como isso pôde acontecer?

– Não, alguém a derrubou. – Brad disse, esfregando algo na minha cabeça. – Isso pode arder um pouco.

Passos se aproximavam pelo outro lado.

– Como ele está?

– Ele está bem. – eu disse a April. – Foi você quem derrubou a Lissette Nutberry?

– Não exatamente.

– Eu acho que essa seria eu. – Fern disse com uma risada. Ela tinha o físico de um quarterback, não tinha como alguém passar por ela.

– Obrigado. – eu senti a dor na minha cabeça ficar pelo que seria uma noite longa.

O Brad limpou a ferida com um antiséptico e colocou uma bandagem.

– Eu acho que você vai ficar bem, mas nós realmente deveríamos levar você para o hospital para ver se tem algum outro dano.

April riu:

– Eu não tenho certeza de como eles vão poder saber disso. Eu acho que o cérebro dele já estava danificado quando criou esse plano louco.

– Você concordou com ele. – eu retorqui. Quando eu ria doía muito, no entanto. – A Lissette confessou?

April assentiu.

– Nós a levamos até um escritório para ela se acalmar e desabafar. Temos o suficiente para prendê-la, mas ela pediu um advogado antes de dizer qualquer outra coisa.

Enquanto o Brad me ajudava a sentar ereto para ver se eu era capaz de caminhar sozinho, Fern me contou que o Millard pediu que todos fossem em direção à primeira exibição. Ele havia dado a eles a opção de continuar ou voltar para casa e retornar amanhã para a exibição completa. A maior parte quis seguir em frente para ver a exposição especial do George. April e a equipe dela interrogaram a Lissette. Brad e Fern cuidaram de mim enquanto eu estava deitado no palco. Eles haviam colocado um travesseiro debaixo da minha cabeça e ligado para a Nana D, então alguém saberia o que havia acontecido.

Apesar de eu conseguir me levantar, eu precisaria de mais tempo até que pudesse andar até algum carro. April pegou uma cadeira e ajudou-me a me situar.

– Lissette nos contou que ela havia finalmente conseguido rastrear a irmã dela até uma pequena cidade na Suíça há cerca de um mês atrás. Ela estava mandando dinheiro para a Judy para ajudá-la com todas as despesas médicas. Judy não podia trabalhar por causa de seu problema no coração. Ela foi embora dos Estados Unidos no ano passado porque pensava que sua família fazia desse problema uma grande coisa e queria ter sua privacidade. Foi então que ela conheceu o George.

Enquanto a April fazia uma pausa para eu processar o que ela havia dito, Connor caminhou até nós.

– Hey, cara. Eu fiquei sabendo que você perdeu uma briga para um vaso de flores. Definitivamente era uma partida desigual. Você nunca teve uma chance.

– Ha! Vamos ver sobre isso quando eu chutar o seu traseiro amanhã na academia. – eu zombei enquanto a minha cabeça latejava. – Talvez no dia depois de amanhã.

Brad riu.

– Eu vi vocês dois na academia. O Connor vai te destruir em menos de um minuto.

– Vamos esperar alguns dias antes de você se exercitar novamente. Eu não quero te envergonhar dois dias seguidos. – Connor provocou. – Vamos tomar um café amanhã. Eu tenho que conversar com você sobre algo.

Para amigos, esses dois haviam se juntado contra mim. Já que eu me lembrei que essa era a segunda vez que o Connor mencionava que precisava conversar comigo, eu sabia que eu não estava apresentando grandes danos na minha cabeça. Ele também não tinha me contado sobre o que era durante a academia mais cedo.

– Você acabou de encontrar a Lissette? – eu perguntei.

– Sim. Isso aconteceu na propriedade da faculdade, então eu me sentei com a xerife e a equipe dela enquanto eles interrogavam a mulher. – Connor comentou. O papel dele como diretor de segurança em Braxton era útil. – George estava roubando todo o dinheiro que a família da Judy havia mandando para cuidar das despesas médicas dela. Ele usou isso para continuar com sua pesquisa, financiar a exposição de flores e encontrar a irmã dele.

– Lissette foi visitar a Judy há quatro semanas e a encontrou à beira da morte. Ela estava completamente sozinha e acamada, sem ninguém para cuidar dela. Judy morreu naquela noite, e quanto a Lissette fez uma busca na casa, descobriu sobre as mentiras do George e o dinheiro desaparecido. Lissette o seguiu até Braxton, até mesmo tentou conseguir um emprego com ele na exposição de flores. Ela usou um nome falso com um currículo perfeito, então apareceu para se encontrar com ele. Ela queria vingança, mas ele nunca a contratou. – George não havia reconhecido a Lissette na entrevista porque a esposa dele tinha uma aparência bem diferente devido à doença.

– Ele não a contratou porque George deu o emprego para o Gabriel. – eu disse.

Connor engasgou.

– O seu irmão está de volta?

– Vamos falar sobre isso outra hora. – eu sussurrei. Ou pelo menos eu achava que sim. Ou a acústica da sala era ruim ou a minha cabeça estava pior do que eu pensava.

Brad disse:

– Você tem que descansar agora. A sua cabeça precisa de repouso para você se recuperar apropriadamente.

April aprovou a insitência do Brad para que eu fosse para o hospital.

– Essa é a segunda vez que você se coloca na linha de fogo para conseguir que um assassino confesse seu crime. Você quer morrer?

Eu sacudi a cabeça. Provavelmente rápido demais, porque tudo ficou embaçado durante uns vinte segundos. Traços de pontos embaçados me seguiam para onde eu olhasse.

– Eu não quero. Estou motivado a proteger as pessoas com quem me importo. Os medos devem ser conquistados.

– Isso siginifica que você pularia em um voo comigo até Antígua para visitar a minha família nesse final de semana? – Connor disse com um sorriso maldoso.

– Pare de me provocar. Eu sou um homem doente. – eu finalmente cedi. Não haveria voos no futuro. Brad e o Connor me ajudaram a ficar em pé. Quando eu recusei a ida ao hospital para fazer alguns exames, nós fizemos um acordo. O Brad iria me levar para a casa da Nana D e me monitorar por algumas horas. Fern concordou em seguir o Brad na minha SUV, então o carro não ficaria pelo campus durante a noite.

Enquanto nós nos preparávamos para ir embora, o Policial Flatman escoltava a Lissette em algemas até o hall principal. Ela o parou quando passaram por nós.

– Kellan, eu sinto muito ter batido em você. Eu... eu... eu fiquei tão chateada quando vi a foto da Judy com aquele bastardo arrogante. Como você pode dizer todas aquelas coisas maravilhosas sobre ele?

– Eu sinto muito. Eu sei que ele machucou a sua família. – eu me sentia mal, mas não podia dizer que eu a havia enganado, com medo de que isso pudesse causar algum problema no futuro julgamento dela. Até onde todos sabiam, Lissette simplesmente teve um ataque e confessou quando me ouviu falando sobre sua irmã.

– Eu tenho certeza de que o meu advogado vai dar um jeito nisso. Eu confrontei o George no baile à fantasia. Ele puxou uma faca contra mim. Tive que me proteger. – quando Lissette começou a lutar, o Policial Flatman a levou para longe.

– Talvez essa linha de defesa pudesse funcionar se ela tivesse esfaqueado ele uma vez e corrido para buscar ajuda. Mas ela o esfaqueou duas vezes e mentiu sobre a data da morte da irmã. O resto da família ainda acha que a Judy morreu apenas alguns dias atrás. Lissette vai ficar presa por um longo tempo. – April disse.

– As queixas contra a Helena vão ser retiradas agora? – eu perguntei para a April.

– Nós estamos trabalhando nisso. Ela mentiu para nós, e ajudou alguém que nós conhecemos ao retirar evidências do quarto do George. – April tinha as mãos nos quadris e me deu um olhar de advertência.

– Mas se isso não tivesse acontecido, nós nunca teríamos...

– Leve o Pequeno Ayrwick para casa, Brad. Ele está soando um pouco ilusório. – April seguiu o Policial Flatman para fora do prédio e acenou um adeus na minha direção. – Adeuzinho.

Aquela mulher realmente ia me deixar louco. Eu preciso de umas férias longe dela antes que me colocasse na cadeia por cruzar as linhas que eu sabia que não deveria cruzar.

– Eu preciso de alguns analgésicos. Agora mesmo!


21

 


Enquanto nós caminhavamos em direção ao estacionamento, uma voz de mulher nos chamou.

– Espere, posso falar com ele um minuto? – Ursula disse, com a Myriam perto.

– Claro. Mas seja rápida. Ele precisa de um pouco de descanso. – Brad se afastou para conversar com a Fern enquanto eu me apoiava no carro dele.

– Eu não sei como te agradecer, Kellan. O meu irmão não era um homem bom, mas ele não merecia morrer daquela maneira. Isso não importa agora, eu fiz as pazes anos atrás. É hora de seguir em frente. – Ursula disse.

Myriam engoliu algo que devia estar preso na garganta dela.

– Eu suponho que você vai precisar de um dia ou dois para se recuperar, Sr. Ayrwick?

Ursula bateu em sua esposa.

– M, eu tenho certeza de que nós podemos encontrar alguém para cobrir as aulas dele por alguns dias. Nós devemos isso ao Kellan.

– “Que a preguiça não diminua os seus novos horrores”. – Myriam respondeu na minha direção com uma leve reverência. Henrique IVVI. Eu não consegui a energia para lutar de volta, mas enquanto ela se afastava, vi uma piscadela dela na minha direção. Myriam estava grata pela minha ajuda, e a escolha dela da citação fez isso ficar óbvio. Será que esse era um momento de mudanças na nossa relação?

Fern e Brad me ajudaram a entrar no carro. Enquanto saíamos do estacionamento, eu lutei contra a vontade de dormir. Eu não tinha descansado apropriadamente em um longo tempo, mas mesmo agora não poderia dormir até que a Nana D soubesse que eu não tinha sofrido uma concussão. Eu finalmente havia percebido que apesar de vencer uma batalha aqui ou ali, eu nunca venceria a guerra quando era a respeito das mulheres na minha vida.

O resto da segunda-feira foi um borrão. Nana D me informou que o Brad e a Fern iriam ficar por ali até que eu começasse a funcionar normalmente de novo. É claro, a minha avó contou a todos os amigos dela que eu havia bebido demais naquela noite. Enquanto eu entrava e saía de cochilos rápidos (ela me acordava a cada hora para ter certeza de que eu estava bem) todos os seus amigos ligaram para saber sobre mim. Alguns tinham participado da Exposição de Flores e queriam saber por que a Lissette Nutberry havia ficado completamente louca daquela maneira. Apesar de geralmente gostar de fofocas, Nana D havia sido próxima da mulher e não estava pronta para falar sobre o que havia dado errado.

– Obrigado, Nana D. Tudo está se encaixando agora, mas eu ainda não consigo entender porque a Anita Singh ficou tão chateada nessa semana quando nós perguntamos a ela sobre o casamento. Em um momento, eu cheguei a pensar que ela era a esposa do George. – Lissette havia confessado ter pegado o jaleco de laboratório da Anita para esconder as manchas de sangue de sua própria fantasia. Ela eventualmente jogou tudo fora, e é por isso que não havia sido devolvida para a loja.

– Oh, eu queria que você tivesse me perguntado isso antes. – a Nana D respondeu, seguindo para a porta da frente. – Anita Singh se casou no começo do ano, mas os caras da imigração estão incomodando ela por causa disso.

– Eu não havia percebido que ela não era americana. – eu comentei, finalmente percebendo porque ela estava tão apreensiva para conversar conosco.

– Não, você entendeu errado, Kellan. Anita nasceu aqui, mas o marido dela não. Ele é do Irã, e com todo esse foco no controle de fronteiras, restrições de viagens, e a reticência para garantir cidadania, eles estão ameaçando deportá-lo. A família dela também não a está apoiando, pois ela se casou fora da cultura dela.

– Ela casou com ele por amor ou para mantê-lo no país? – eu disse.

– Não seja um tolo! Anita é uma das pessoas mais honestas e carinhosas que eu conheço. É claro que é um casamento legítimo. Mas ela tem lutado contra o governo durante todo o ano. Infelizmente, o Ed Mulligan foi quem denunciou o marido da Anita para a imigração. Ele pensou que estava protegendo-a.

– Significando o que... que ele poderia ter uma chance com ela?

Nana D assentiu.

– Se ele não pudesse tê-la, então ninguém mais poderia. Eu disse que aquele homem era um tolo idiota. Eu acho que ele aprendeu a lição dessa vez. Assim que o George descobriu o que o Ed havia feito, foi fácil de chantageá-lo para conseguir o dinheiro para os experimentos no laboratório.

* * *

Enquanto a Nana D deixava a Emma na escola na terça-feira de manhã, eu tive café-da-manhã com a Tia Deirdre. Myriam havia encontrado alguém para me subsitituir nas minhas aulas hoje, o que significava que eu tinha o dia de folga. Eu sabia que teria que voltar a trabalhar na quarta-feira, então não me preocupei muito com o impacto.

– Estou desvastada por ela. – a Tia Deirdre disse, bebendo seu chá Earl Grey e comendo bolinhos. Ela havia trazido eles de Londres, sabendo que a Nana D não teria nada parecido com eles no Rancho Danby.

– As pessoas fazem loucuras quando alguém a quem elas amam está machucado. – eu confortei a minha tia com palavras e com um grande abraço de urso antes de me sentar à mesa. – Eu não tenho certeza se um dia nós vamos ficar sabendo da história completa do que aconteceu entre a Judy e o George.

– Oh, Kellan, eu tenho que confessar algo para alguém, ou vou ficar louca achando que sou a causa de todo esse drama. – a Tia Deirdre pegou uma cadeira ao meu lado e colocou a cabeça no meu ombro. Ela ainda estava vestida com sua camisola de seda e um robe. A roupa cobria o essencial, mas era como uma versão mais nova da minha mãe andando por aí com poucas roupas. Eu teria imaginado que era assim que as heroínas nos romances dela se vestiam, mas elas eram de pelo menos um século atrás.

O que a Tia Deirdre poderia possivelmente confessar sobre a situação?

– Você não matou a Judy ou o George. Eu tenho certeza de que o que você está ansiosa para confessar é menos problemático do que você pensa.

– Fui eu quem mandou para a Judy o artigo sobre a Ursula Power se tornando a nova presidente em Braxton. Era um grande artigo no jornal Gazeta do Condado de Wharton publicado no começo do ano sobre a transição da década quando o seu pai anunciou a aposentadoria. – ela gemeu e chafurdou em seu próprio pequeno mundo, como se as suas ações fossem tão terríveis quanto o próprio assassinato.

Eu não entendia o que ela estava tentando me dizer.

– E como isso te faz a responsável? – eu me servi de mais outra xícara de café para a possibilidade de que eu ainda não tivesse acordado o suficiente para entender a explicação incoerente dela.

– Judy estava lendo o artigo na viagem de trem da França para a Suíça. Ela havia acabado de me visitar em Londres e havia pegado o Túnel até Paris. Ela estava cansada da sua família ficar observando cada pequena coisa que ela fazia enquanto estava em casa. É por isso que ela tinha se mudado para a Europa. Eu a encorajei a viajar como uma maneira de conhecer mais pessoas. – ela abraçou o robe como se um calafrio tivesse passado por seu corpo.

– Okay, então ela estava lendo o artigo no trem e George viu isso. Isso não significa que você os colocou juntos.

– Mas eu fiz isso. Judy me ligou depois de tê-lo conhecido. George a levou para jantar naquelas primeiras semanas. Ele a convenceu a se mudar para a Suíça para ficar com ele. Ela não tinha ideia de como cuidar de si mesma e deixou que ele a manipulasse. Quando ela me perguntou sobre o que fazer, eu disse a ela para aproveitar a sensação de se apaixonar. – a Tia Deirdre suspirou e pegou o celular. – Eu mesma comecei a me apaixonar, entende.

– Você está me dizendo que sabia que a Judy estava morando na Suíça, mas não contou para a Lissette ou o resto da família Nutberry? – eu ignorei a frase dela sobre estar se apaixonando. Ela havia sugerido algo no dia anterior sobre ter uma surpresa para nós. Eu tenho certeza de que nós iríamos ficar sabendo em breve. Algum senhor inglês ou barão da terra, supus.

– Eu contei, mas nunca soube quem era o homem. Judy se referia a ele como o amigo doutor dela. Eu acho que era porque ele tinha um PhD e estava todo preocupado com ela no começo, sobre o problema de coração dela. Eu não sabia que eles haviam se casado. – os olhos da Tia Deirdre estavam inchados e distantes. – Fico me peguntando se eu poderia ter previnido a morte dela.

– Você não poderia ter previsto que o homem ia arrancar todo o dinheiro da Judy e abandoná-la assim que ele encontrou um motivo para... – eu parei, percebendo que essa não era uma conjectura apropriada. Nós não sabíamos se ele havia matado a Judy ou se ela tinha morrido por causa de sua doença.

Ela se animou.

– Você está provavelmente certo. Além disso, será que alguém sabe por que ele escolheu vir para Braxton? Isso não faz sentido, é de onde a Judy vinha.

Eu sabia o motivo. A irmã dele, Sofia, vivendo agora como Ursula Power, havia se mudado para cá. Mas eu não podia contar para a minha tia ou para mais ninguém. Cabia à xerife e à minha chefe essa decisão.

– Eu sei que é difícil estar de luto pela morte de uma amiga e ter que aceitar que outra amiga está indo para a prisão por assassinato. Aproveite o seu tempo enquanto está nos visitando e reagrupe sua mente. Nana D está tão animada por ter você aqui, Tia Deirdre.

Ela parou de procurar algo no celular e deu uma risada.

– Eu realmente tenho um segredo para contar. Eu ia esperar até o grande jantar em família na quinta-feira à noite, mas não vai ter problema se eu te contar antes.

Eu me preparei para qualquer choque que ela estivesse prestes a liberar sobre mim. Isso não se compararia ao que eu iria levar para a mesa sobre o Gabriel.

– Claro, eu estou curioso para ouvir a sua surpresa. – eu bebi o resto de café da minha xícara.

– Estou noiva. Nós vamos nos casar no mês que vem. Eu acho que vamos fazer aqui em Braxton. – ela estava animada. O humor dela havia passado de triste e preocupado para animado e eufórico. Eu pensei que eu estava em uma montanha-russa da maior proporção com relação aos sentimentos dela. Talvez Brad tivesse me dado algum remédio para me manter em um estado meio tonto.

– Parabéns! Eu estou ansioso para conhecê-lo. – o que mais eu podia dizer? Essa era a primeira vez que isso acontecia. – Onde vocês se conheceram?

A Tia Deirdre me entregou o celular.

– Essa é a foto dele, ele não é lindo? – ela disse com um sorriso enigmático. – Ele quer ter um bebê assim que possível, e bem, eu não vejo porque não podemos ter se estamos apaixonados.

Eu queria poder ter visto o meu queixo cair ao chão, mas os meus olhos haviam explodido das órbitas e aterrisado em algum lugar no pomar leste do Rancho Danby. Eu sabia que a Tia Deirdre era mais nova do que a minha mãe, mas eu não achava que era assim tão jovem. Eu não conseguia pensar na maneira mais educada para perguntar, e tinha que me impedir de me engasgar.

– Água, por favor.

Ela pulou em pé e encheu a minha xícara de café com a água da pia da cozinha.

– Beba, Kellan.

Quando eu recobrei a minha compostura, dei uma nova olhada na foto que me encarava no celular dela.

– Esse é o Timothy Paddington!

– Sim, eu o conheço a minha vida toda, mas nós nos afastamos. Encontramos um ao outro no Facebook de novo esse ano. Todos nós estamos usando muito mais as mídias sociais. Ele é tão generoso e cuidadoso. – o sorriso no rosto feliz da minha tia era tão grande que eu não conseguia olhar para ele. Se houvesse uma versão feminina do Coringa do Batman, essa seria ela agora.

– Mas... você sabe ele é... quero dizer, não é que você não possa... o que eu estou tentando dizer... – eu não conseguia colocar as palavras para fora da minha boca.

– Ele está em recuperação contra o vício em álcool e drogas. Estou ciente disso, mas ele vai ser liberado da Reflexões da Segunda Chance em duas semanas. Eu já estava planejando me encontrar com ele nesse dia para começarmos a nossa vida juntos, então a Lissette me pediu para acompanhá-la de volta para casa. Isso era o destino! – ela proclamou antes de fazer uma pequena dança na cozinha.

Outra voz na cozinha riu com uma voz rouca.

– Eu pensei em passar aqui para dar uma olhada em você, mas posso ver que a sua tia está cuidado disso. – Connor provocou. Ele abraçou a minha tia que me agradeceu por animá-la, então exigiu que eu guardasse o segredo dela. Enquanto ela foi tomar um banho, eu me servi de outra xícara de café e ofereci uma para o Connor.

– Não me pergunte. Eu não tenho certeza se eu estou tonto ou ela está realmente aqui. Será que estou vendo pessoas? Você é real? – eu peguei alguns bolinhos da tigela e joguei nele.

– Oh, eu a vi fazendo aquela dancinha irlandesa. Aquela mulher precisa de algumas aulas sobre como encontrar um pouco de ritmo. – Connor pegou um bolinho, se apoiou no balcão e bebeu seu café.

– Sem dúvidas sobre isso. É bom te ver. – eu disse.

– Eu não posso mais manter isso só pra mim. Tenho que contar pra você antes que você descubra por outra pessoa. – Connor estava radiante, e era incomum que ele mostrasse tanto suas emoções. Dez anos trabalhando no ramo da segurança o haviam deixado rígido e difícil de ser lido.

Será que ele também estava prestes a me dizer que iria se casar também? Não poderia ser com a Eleanor. A minha irmã não conseguiria esconder essa notícia. Então eu percebi que ele não teria proposto para a Maggie com tudo o que ela estava fazendo para apoiar a irmã durante essa semana.

– Põe pra fora. Você tem aquele olhar maldoso no rosto de quem está prestes a me acertar com algo grande. – eu respondi.

– Você está olhando para o mais novo detetive do Escritório da Xerife do Condado de Wharton. Ou pelo menos assim que o Gilkrist se aposentar no fim do mês. – Connor veio me abraçar, derramando café em ambas as nossas costas. Ele continuou explicando que ele e a April estavam conversando bastante sobre a parceria dele para manter a cidade de Braxton e o campus da faculdade, mais seguros. – Você sabe que eu deixei a força policial na Filadelphia por que eu não queria mais me envolver com as brigas de gangues, a alta taxa de assassinato e os crimes urbanos.

– Você queria algo mais tranquilo onde realmente pudesse fazer a diferença. – eu disse. Nós havíamos conversado previamente sobre isso quando eu voltei para Braxton.

– Ela sugeriu isso. Eu conversei com o Gilkrist, e é um cargo perfeito. Eu vou realmente sentir falta de trabalhar na faculdade, mas a Ursula vai entender. – Connor havia passado por entrevistas esse tempo todo e nunca me contou. E nem à Ursula. Eu acho que havia uma linha distinta entre relações pessoais e profissionais.

– A Maggie já sabe? – eu perguntei.

– Nós vamos nos encontrar para o almoço. Eu dei algumas pistas a ela, mas nunca disse que tinha passado por uma entrevista com a April. – Connor comentou. Ele conferiu o relógio e mencionou que tinha que sair para pegar a Maggie em tempo.

Depois que ele saiu, eu tive um momento onde me senti deprimido. Eu estava feliz pelo meu amigo que havia encontrado um ótimo emprego novo, mas com ele e a April trabalhando tão próximos juntos, isso poderia deixar qualquer investigação de assassinato futura mais difícil para mim. Então eu percebi algo. Por que eu estava prevendo que haveria outro assassinato que eu iria querer solucionar? Pelo jeito que as coisas estavam indo desde o meu retorno para Braxton, talvez houvesse alguma verdade nas piadas da April sobre eu estar no centro de todos os crimes da nossa cidade charmosa e reclusa.

Quando a Tia Deirdre terminou de tomar banho e se vestir, eu me despedi e segui para a casa de hóspedes para determinar como eu introduziria o Gabriel novamente na família. Eu precisava acordar, então decidi tomar banho. Assim que tirei as minhas roupas e liguei a água, meu celular tocou. Era a Maggie.

– Hey, você me ligou em uma hora ruim. Posso te ligar em quinze minutos?

– O Connor está vindo me buscar. Eu queria te agradecer por tudo o que você fez. Helena está em casa com todas as queixas oficialmente retiradas de seu registro. E isso só porque você saiu para nos defender. – Maggie disse em uma voz suave e gentil. – Eu estou mais grata do que consigo dizer.

– Eu só fiz por você o que você teria feito por mim, se a situação fosse contrária. Vamos nos encontrar em breve.

– Isso é ótimo. Eu preciso correr. Helena e o Cheney organizaram esse almoço para nós quatro nos conhecermos.

– Diga oi a eles por mim.

– Talvez nós pudéssemos nos encontrar no próximo final de semana. Eu adoraria saber das suas ideias para a reforma da Biblioteca Memorial. A construção começa em doze semanas. – Maggie disse com uma voz apaixonada.

– Essas são ótimas notícias! – eu disse a Maggie que nós conversaríamos em breve e desliguei. Conferi a temperatura da água e entrei debaixo do chuveiro com força total. Meus ombros estavam doloridos e eu precisava de um alívio. Eu só saí do chuveiro quando ouvi alguém se movendo pelo corredor. Eu rapidamente me sequei em uma toalha limpa e falei: – Um minuto. Só estou colocando algumas roupas.

Eu peguei o jeans e a camiseta preta que eu havia pendurado atrás da porta e os vesti. Encontrei os meus óculos e andei até a sala de estar. Não havia ninguém lá. Olhei na cozinha, então no meu quarto, mas eles também estavam vazios. A porta do quarto da Emma ainda estava fechada, então não havia ninguém lá. Talvez eu estivesse ouvindo coisas, assim como vendo.

Peguei a minha bolsa e olhei todos os cartões-postais que a Francesca havia enviado. Agora que nós havíamos encontrado a assassina do George Braun e eu havia recebido cartões-postais de todos os lugares que eu a minha esposa visitamos, era hora de descobrir o que ela estava aprontando.

Enquanto eu relia cada um deles, percebi que havia outros erros além dos dois que eu reconheci nos cartões-postais de Savannah e Yellowstone. Não apenas a Francesca havia mencionado incorretamente sobre a neve em um deles e o meu tornozelo quebrado no outro, mas ela se referiu como se a Emma tivesse seis anos de idade. Emma havia feito sete anos várias semanas antes que o cartão-postal tivesse chego no mês anterior. Eu os coloquei todos sobre a mesa e tentei fazer sentido do que estava na minha frente.

A porta da frente se abriu e a Emma entrou correndo, seguida de perto pela Nana D.

– Estou de volta da escola! – ela havia sido liberada mais cedo hoje.

– Hey, bebê! Vocês acabaram de chegar, ou entraram na casa há alguns minutos atrás? – eu perguntei para a minha filha. Talvez eu não tivesse alucinado sobre o barulho.

– Hmm, você viu a gente entrando, papai. A sua cabeça ainda está doendo? – Emma perguntou enquanto batia no meu nariz. – Rodney está de volta na escola. Eu sinto falta dele.

Nana D olhou para a mesa na minha frente, então para mim, e finalmente para a minha filha.

– Por que você não faz um lanche, Emma? Eu deixei algumas maçãs cortadas na geladeira mais cedo. Talvez coloque um pouco de manteiga de amendoim nelas, okay?

Emma ficou animada e correu para a cozinha. Nana D se sentou ao meu lado e pegou o cartão-postal de Mendoza.

– O que está acontecendo, meu neto brilhante?

Eu não estava pronto para contar à minha avó que a minha esposa estava viva. Eu precisava encontrá-la primeiro.

– Não é nada, Nana D. Eu estava olhando as mensagens antigas da Francesca. Você está preparada para o dia da eleição? – eu peguei o cartão-postal da mão dela e coloquei de volta na pilha.

– Eu acho que sim. Estou com um bom sentimento sobre isso, mas você nunca sabe quais truques sujos o Marcus Stanton tem sob as mangas. – Nana D se aproximou para estudar um dos outros cartões-postais, mas eu o confisquei antes que ela fizesse isso. – Nada de bom vem ao se focar no passado. Eu vou jogar eles fora mais tarde.

– Nunca tenha medo da história. Aqueles que esquecem as lições que aprenderam estão condenados a repetirem os mesmos erros. É como aqueles roubos de joias que começaram novamente. – Nana D me avisou.

Eu não sabia disso, mas me lembrei sobre a xerife mencionar algo sobre um roubo que ela estava investigando na noite do baile à fantasia.

– O que você quer dizer?

– Você não se lembra? – ela perguntou inquisitivamente enquanto se inclinava sobre a mesa para dar uma olhada melhor no único cartão-postal ainda acessível. – Oh, é mesmo, aconteceu enquanto você estava em Los Angeles.

Será que eu teria que implorar por detalhes?

– E o prêmio de revelação mais dramática vai para...

– Vá com calma, meu neto brilhante. Estou chegando lá. – Nana D derrubou uma almofada enquanto se levantava do sofá, mas eu estava ciente dos truques dela. – Pode pegar isso, por favor? – ela disse enquanto se abaixava para pegar o cartão-postal.

Eu mudei toda a pilha de lugar, os juntei na minha mão esquerda, e peguei a almofada com a direita.

– Continue. Eu vou guardá-los agora.

– Oh, há cerca de oito anos atrás... mais ou menos na mesma época que o Gabriel saiu de Braxton... houve uma série de roubos pelo campus. Começou com coisas pequenas, mas o ladrão conseguiu trabalhar mais e pegou joias caras e bastante dinheiro. – Nana D se jogou contra o sofá com um longo suspiro, obviamente chateada por eu não a deixar se meter nas minhas coisas.

– Eles conseguiram pegar a pessoa?

– Não. Quando tudo terminou, uma doação de cinquenta mil dólares havia sido roubada do prédio dos professosres. Algum tolo havia deixado dinheiro. Ele foi roubado antes da noite cair. – Nana D deu de ombros e jogou suas mãos para o ar. – Eles nunca encontraram o culpado ou o dinheiro. Isso aconteceu novamente na semana passada.

– Mais dinheiro foi roubado?

– Você não lê os jornais? É melhor você se espertar ou vai perder contato com a realidade. – ela balançou seu dedo desaprovadoramente na minha direção. – Foi deixado o mesmo cartão de visitas, mas muito mais foi roubado dessa vez. Seu pai acha que talvez fosse um dos professores. Talvez esse fosse um caso que você pudesse se envolver?

Emma nos interrompeu de continuarmos a conversa sobre o dinheiro e as joias roubadas. Isso era intrigante, mas eu precisava de algum tempo para relaxar.

– O que foi, querida?

– Posso ir jogar no iPad no meu quarto? Eu quero bater o meu record no Candy Crush Saga. – ela riu e fez a sua adorável expressão de súplica.

– Você já fez a lição de casa? – eu perguntei. Quando ela assentiu, eu a deixei ter trinta minutos no dispositivo. Então ela teria que ajudar a preparar o jantar comigo e com a Nana D.

Nana D pigarreou depois que a Emma saiu correndo da sala.

– Quando você ia me contar que o Gabriel está de volta? – ela estreitou seu olhar julgador na minha direção.

Como ela sabia?

– Eu... hmmm... ele me pediu para manter segredo.

– Eu não gosto quando você mente para mim, meu neto brilhante. – Nana D fez um som de tsk tsk para me envergonhar. Infelizmente, isso estava começando a funcionar.

Antes que eu pudesse responder, um grito veio do quarto da Emma. Nós dois pulamos para fora do sofá e corremos para ir olha-la. Eu pensei que ela tinha caído e se machucado.

Quando entrei no quarto, Emma estava inclinada sobre uma cesta de vime na cama dela e chorando lágrimas de alegria.

– É um filhotinho. Foi aquele que nós vimos na loja de animais, papai. Você o comprou pra mim!

Eu não peguei o filhote para ela. Olhei para a Nana D, que sacudia a cabeça veementemente.

– Não fui eu.

Enquanto a Emma abraçava o filhote de shiba inu contra o peito, Nana D se sentou na cama e alisou o cabelo dela. Eu olhei na cesta e encontrei outro cartão postal. Nele estava escrito:


Parece que a Francesca não tinha mais lugares para visitar, então voltou para casa. Emma amou a visita dela à loja de animais no outro dia. Ela cuidou tão bem do coelho na semana passada. Talvez esse filhote a deixe feliz até que a mamãe volte para casa. Se você quer ver a mamãe dela viva novamente, precisa convencer os seus sogros a fazer exatamente o que eu disser. Vou entrar em contato em breve. Não tente me encontrar, ou a Francesca vai estar verdadeiramente morta dessa vez.

-Familia Los Vargas

 

Eu corri até a sala de estar e olhei os outros nove cartões-postais. Eu conferi minunciosamente o primeiro e encontrei a letra “L” escrita sob o endereço. No segundo, encontrei um “O” escondido sob o carimbo da postagem. Quando terminei de olhar todos eles, haviam nove letras espalhadas em cada um dos nove cartões. Ela havia colocado a letra maiúscula em algumas de suas palavras para mostrar seu ponto. Não era aleatório. Elas soletravam LOS VARGAS. Mas dizia muito mais do que isso. A Francesca não estivera visitando todos os lugares que nós fomos no passado. Os pais dela não a estavam mantendo segura na mansão Castigliano. A família Vargas havia sequestrado a minha esposa e forçado ela a contar os detalhes das nossas viagens, para que eles pudessem enviar os cartões-postais. Eles não queriam que nós a encontrássemos!

Francesca devia estar mandando as pistas para revelar o que estava acontecendo. Eu não tinha ideia do que fazer em seguida. Será que deveria confessar tudo para a Nana D? Seria melhor entrar em contato com o Vincenzo e a Cecilia para pedir ajuda? Será que eu precisava envolver o FBI?

Meu telefone tocou, me tirando do meu estupor inesperado. O filhote latiu no quarto da Emma enquanto eu entrava em pânico com o número na minha tela. Era a xerife. Eu de repente soube o que fazer no momento.

– April, eu preciso da sua ajuda. Algo insano aconteceu, e você é a única pessoa em quem posso confiar agora.

                                                                                                                         

 

                                                   James J. Cudney         

 

 

 

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