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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O PRÍNCIPE DO CREPUSCULO / Maggie Shayne
O PRÍNCIPE DO CREPUSCULO / Maggie Shayne

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Vlad Dracul era mais velho que sua própria lenda, pois levava séculos atravessando a terra em busca da reencarnação de sua esposa, Elisabeta. Agora, acreditava ter encontrado quem abrigava a alma de sua amada, e desejava fazê-la sua para sempre.

Tempest Jones era mortal, mas há muito tempo sentia que havia algo dentro dela tentando controlá-la, uma sensação que se fazia mais intensa quando estava perto daquele sombrio príncipe. Ao mesmo tempo em que negava a paixão que a atraía para ele, Stormy resistia a que Elisabeta se apoderasse de sua mente e corpo para estar com Vlad.

Os sentimentos de Vlad por Stormy desencadearam em Elisabeta uma ira incontrolável. Exigia alcançar seu destino e ameaçava destruir a sua rival, deixando Vlad com a angústia de saber o que poderia ser.

Agora só ele poderia escolher quem viveria e quem morreria.

 

 

 

 

     Século XV, Romênia

     —Temos que enterrá-la, meu filho.

     Vlad permanecia de pé na pequena capela de pedra ao lado de sua recém falecida esposa. A pele de Elisabeta estava fria como o jazigo de pedra sobre o que jazia. Ia embelezada com o vestido de noiva verde pálido que os criados conseguiram encontrar para ela no dia de seu precipitado casamento. A saia caía a ambos os lados da laje preta, envolvendo-a em uma aura de indescritível beleza. Os cabelos, pálidos como a prata em fios, e interminavelmente longa, esparramavam-se ao redor de sua cabeça como um travesseiro de nuvens.

     —Meu filho...

     Desta vez a voz do sacerdote ancião foi acompanhada de sua mão, que segurou o ombro de Vlad.

     Vlad se voltou para o homem como se o queimasse.

     —Não! —exclamou contendo a raiva com muita dificuldade—. Não quero que a enterrem. Ainda não. Não o permitirei.

     Um brilho de temor se uniu à compaixão nos olhos do ancião. Ainda não.

     —Sei que é muito duro, sei, mas Elisabeta merece descansar em paz.

     —Eu disse que não-repetiu Vlad, a voz cansada, o coração morto.

     Vlad deu as costas ao sacerdote e concentrou sua atenção no que devia, nela, em sua amada esposa. O tempo compartilhado tinha sido muito breve. Uma noite depois das núpcias e parte da segunda, até que o chamaram de novo a defender seu país do invasor inimigo. Não era suficiente.

     O sacerdote continuava ali.

     —Parta se não quiser que desembainhe a espada e lhe esquarteje.

     As palavras do Vlad foram apenas uns sussurros roucos, mas tão carregadas de ameaça que o clérigo deu um breve coice.

     —Mandarei a seu pai. Possivelmente ele possa...

     Vlad voltou à cabeça para lhe dirigir um fulminante olhar de advertência.

     —Vou meu senhor — disse o sacerdote, e com uma ligeira reverência se retirou de costas pelas portas da capela.

     Vlad respirou aliviado quando as portas voltaram a fechar-se, deixando-o só com sua amada e sua dor. Inclinou-se sobre o corpo de Elisabeta, apoiou a cabeça em seu peito e deixou que suas lágrimas empapassem o vestido verde.

     —Por que, meu amor? Por que o tem feito? Não merecia nosso amor suportar a dor de um dia? Disse-te que voltaria. Por que não pôde me acreditar?

     Um suave rangido acompanhado da brisa noturna e o pigarro de um ancião lhe avisaram de que não estava sozinho. Vlad se obrigou a incorporar-se e olhar a seu pai. Não era seu verdadeiro pai, mas o homem tinha chegado a ser para ele tão pai como qualquer, desde o Utnapishtim.

     O rei ancião estava pálido e tremulo. Tinha perdido a uma nora a que esteve a ponto de amar, e durante três dias acreditou que também tinha perdido a seu filho.

     O rei cruzou a capela com passos lentos e inseguros, rodeou com seus frágeis braços os ombros do Vlad e o abraçou com força, com toda a força que lhe permitia seu debilitado corpo.

     —Vivo-murmurou—. Por todos os deuses, meu filho, está vivo.

     Vlad fechou os olhos e abraçou o seu pai a sua vez.

     —Vivo pai, mas neste momento não contente por está-lo-disse Vlad olhando de novo a sua amada.

     Seu pai também o fez. Soltou ao Vlad e se aproximou do féretro.

     —Não sabe quanto me causa pena te ver sofrendo assim, e quanto mais ser testemunha da perda de uma jovem preciosa como Elisabeta.

     —Sei.

     —Sua amiga, a mulher estrangeira, contou-te algo?

     Vlad assentiu.

     —Rhiannon é uma velha amiga. E muito querida. Disse-me que veio nos visitar e nos felicitar justo depois de eu ter sido chamado a defender nossas fronteiras.

     —Certo. Demos-lhe alojamento. Muito exigente é, por certo, e acredito que não tinha uma opinião muito favorável da noiva que tinha escolhido. Acaso os dois...?

     —Fomos os mais amigos que duas pessoas podem ser-disse Vlad—, mas sem compromisso. Não podia estar ciumenta.

     —Disse que a princesa era... Qual foi a palavra que usou? Ah, sim, uma lamurienta —lhe contou o ancião rei—. E o disse à cara.

     Vlad assentiu, sem duvidá-lo nem um momento.

     —Quando chegou à notícia de que tinha morrido no campo de batalha, a pobre Elisabeta se encerrou na habitação da torre. Ordenei a meus homens que jogassem a porta abaixo até que...

     —Sei pai. Sei que fizeram tudo o que esteve em suas mãos.

     O rei baixou a cabeça, possivelmente para ocultar as lágrimas que nublaram os olhos azuis.

     —Me diga o que posso fazer para aliviar sua dor.

     Vlad o pensou, concentrando-se intensamente. Rhiannon não era uma mulher qualquer, a não ser uma antiga sacerdotisa do Isis e filha de Faraó, perita nas artes ocultas. Tinha-lhe assegurado que no futuro voltaria a reunir-se com a Elisabeta. Quinhentos anos mais tarde, caso ela vivesse tanto tempo. O que não lhe prometeu foi que Elisabeta fosse depois de tanto tempo a mesma mulher que amou e perdeu, nem que ela pudesse recordá-lo e amá-lo de novo.

     —Há algo que posso fazer por ti-disse o rei—. O vejo em seus olhos. Fala, meu filho, e se fará, seja o que for.

     Vlad olhou a seu pai aos olhos e sentiu seu amor. Amor verdadeiro, embora o rei não fosse seu verdadeiro pai.

     —Não posso permitir que a enterrem. Ainda não. Necessito que enviem a nossos mais hábeis cavaleiros em nossas montarias mais velozes, pai, a procurar os melhores bruxos e feiticeiros do reino. Aos adivinhos mais sábios, aos maiores magos e magas. Devem estar aqui antes de enterrar a minha amada na fria terra.

     O rei o olhou aos olhos com preocupação.

     —Meu filho, deve saber que nem o mago maior poderá devolvê-la à vida. Enterrada ou não, agora vive entre os mortos.

     Vlad assentiu uma vez, e fechou os olhos para evitar o inquisidor olhar de seu pai.

     —Sei pai. Só preciso saber que descansa em paz.

     —Mas o sacerdote...

     —Suas orações não são suficientes. Quero estar seguro. Por favor, pai. Disseram que fariam algo para diminuir minha dor. Isto o fará mais que nada.

     O rei assentiu com firmeza.

     —Nesse caso que assim seja.

     —E, pai, até que venham, evite que entre alguém. E inclusive então, quando chegarem, que entrem só de noite.

     O ancião, que estava acostumado à natureza noturna do Vlad, assentiu, e Vlad soube que o rei manteria a promessa.

     O rei se foi e Vlad desencapou a espada ensangüentada e permaneceu entre o féretro e a porta da capela. À alvorada, fechou a porta, arrancou uma tapeçaria da parede e se envolveu nela. Quando o sol ficou de novo se viu obrigado a cobrir o corpo da Elisabeta com a tapeçaria para não ver como a morte começava a fazer estragos no corpo de sua amada. Mas ao começo da terceira noite, o aroma de morte e podridão flutuava intensamente no ar.

     Por fim, a meia-noite da terceira noite, as portas da capela se abriram de par em par e entraram vários homens. Entre eles não havia nenhuma mulher. Entraram acompanhados de uma rajada de vento, todos envoltos em ásperas capas de lã de tom esbranquiçado exceto um, que vestia um pano mais fino em um tom marrom avermelhado com um bordado de vinhas verdes entrelaçadas que percorria todo o bordo do objeto.

     Todos se ajoelharam ante ele e baixaram a cabeça.

     —Meu príncipe, viemos o antes possível —disse um deles—. Nossos corações estão cheios de dor pela perda da princesa.

     —Sim-disse ele—. Se levantem. Necessito sua ajuda.

     Os homens se olharam entre si com nervosismo. Eram cinco, e por seu aspecto físico e seus traços pareciam ser da região, embora uns tivesse traços orientais e outro tinha certo aspecto mouro.

     —Nos sentimos grandemente honrados por poder ajudar-disse o que se erigiu como porta-voz do grupo—. Mas não sei o que podemos fazer. Contra a morte nem sequer nós podemos fazer nada.

     Vlad assentiu e pensou no Gilgamesh, o legendário rei da Sumeria. Sua desesperada busca da chave da vida resultou na criação de toda uma raça, os mortos-vivos. Os vampiros. Como Vlad, como Rhiannon, como tantos outros. Mas nunca conseguiu recuperar da morte ao Endiku, o querido amigo do grande rei.

     Possivelmente seus próprios desejos eram também descabelados, pensou Vlad. Mas tinha que tentá-lo.

     —Não é minha intenção lhes pedir que conquistem à morte. Só desejo que quando voltar a encontrá-la, seja capaz de reconhecê-la, e ela a mim. E também desejo que me recorde, e me ame outra vez.

     Os feiticeiros e os magos franziram o cenho e se olharam entre si sem acabar de compreender.

     —Um capitalista vidente me disse que a princesa retornará em outra época, mas será em um futuro longínquo.

     —Mas, meu senhor, você será um ancião e ela uma menina.

     —Isso não deve lhes preocupar, feiticeiro. Só quero me assegurar que quando retornar recorde tudo o que ocorreu antes, que seja a mulher que foi agora. Podem fazer realidade meu desejo ou não? —inquiriu.

     Um dos homens começou a sussurrar ao ouvido do outro, e Vlad escutou palavras e expressões como «não natural» e «imoral», mas o porta-voz do grupo elevou uma mão para silenciá-los. Depois, o homem da capa marrom avermelhada se aproximou do Vlad com passos lentos e uma grande cautela, e por fim assentiu.

     —Podemos e o faremos meu senhor. Vá se alimentar e descanse-lhe disse—. Em nossas mãos estará a salvo, prometo-lhe isso.

     Vlad olhou a forma humana que se adivinhava sob a tapeçaria. Já não era sua Elisabeta, a não ser a carcaça do que anteriormente tinha conduzido sua essência. Depois olhou de novo aos homens.

     —Não temam tentá-lo. Sei que peço muito, e dou minha palavra de que não lhes castigarei exatamente se fracassarem, sempre e quando se esforçarem ao máximo. Juro-lhes isso sobre sua lembrança.

     Os homens fizeram uma profunda reverência e Vlad viu o alívio refletido em seus rostos. Ele não era conhecido por sua compreensão nem sua misericórdia. Saiu e os deixou trabalhar, mas não descansou, nem tampouco ingeriu nenhum alimento. Não podia, ao menos até que soubesse algo.

     Às quatro da madrugada um criado foi buscá-lo e Vlad correu à capela. A porta estava aberta e por ela saía o ancião sacerdote balançando um incenso diante dele e envolto em uma espessa nuvem de fumaça negra. Detrás, uns homens levavam um beliche sobre o qual jazia o cadáver coberto de flores.

     E para fechar a silenciosa procissão fúnebre, os bruxos e feiticeiros que olharam a Vlad nos olhos e assentiram em silencio com a cabeça para lhe informar do êxito do ritual. O homem da capa marrom avermelhada se aproximou dele enquanto os outros caminhavam devagar atrás do cortejo fúnebre.

     O criado do sacerdote tocou um sino, e o clérigo começou a entoar suas orações em voz muito alta para que as pessoas do castelo e da aldeia se unissem à procissão. Muitos o fizeram levando velas e tochas, e aquela noite ninguém dormiu. Todos esperavam o enterro da princesa, e assim a procissão se foi fazendo cada vez mais numerosa, avançando lentamente na escuridão como uma serpente salpicada de pontos luminosos.

     —Meu príncipe-disse o homem da capa avermelhada—, fizemos. Tome.

     O homem entregou ao Vlad um pergaminho que ia firmemente enrolado e sujeito com um anel de rubi, o anel que ele tinha presenteado a Elisabeta com motivo de suas bodas. O anel que Elisabeta levava no dedo no momento de sua morte. Ao vê-lo, Vlad conteve uma exclamação de dor.

     —Não o entendo-disse—. Tiraram-lhe o anel de bodas. Por quê?

     —Realizamos um poderoso rito, ordenando a parte de sua essência manter-se unida a terra. O anel é a chave que a vincula e que algum dia a liberará. Quando a futura reencarnação da Elisabeta voltar para você, só será necessário que ponha o anel em seu dedo e realize o rito que se explica neste manuscrito. Então se recordará de tudo e voltará a te amar.

     —Está seguro? —perguntou Vlad, temeroso de acreditar e abrigar esperanças em vão.

     —Por minha vida, meu príncipe, te juro que assim será—lhe assegurou o homem—. Embora exista uma condição que não pudemos evitar, devido a que, ao tratar de alterar assuntos de vida e morte arriscamos nossas almas. Por isso, é imprescindível permitir que os deuses falem e decidam.

     —Os deuses?! —repetiu Vlad encolerizado—. Os deuses foram quem decidiram arrebatar-la desta maneira! Ao inferno com os deuses.

     —Meu príncipe!

     O feiticeiro olhou a seu redor como temendo que a blasfêmia de Vlad tivesse sido escutada pelas divindades à que tanto temia.

     —Me falem dessa condição — ordenou Vlad—. Mas se apresse, devo assistir ao enterro de minha esposa.

     O homem segurou ao Vlad pelo braço e pôs-se a caminhar a seu lado, o puxando até alcançar ao resto do cortejo fúnebre embora se mantendo a certa distância.

     —Se o rito não se realizar quando a Estrela Vermelha do Destino eclipse à Vênus, a magia desaparecerá.

     —E o que ocorrerá então a Elisabeta?

     —Sua alma ficará livre. Todas as partes de sua alma, a parte que retivemos vinculada a terra, e qualquer outra parte que possa ter renascido no reino do físico. Toda ela ficará livre.

     —E por livre querem dizer... Morta-sussurrou Vlad compreendendo a ameaça que se abatia sobre sua amada. Segurou ao homem pelo peitilho da capa marrom avermelhada e o elevou do chão—. Não têm feito nada! —gritou encolerizado.

     —A morte não é mais que uma ilusão, meu senhor-tratou de apaziguá-lo o homem—. A vida é eterna. E terá tempo, tempo mais que de sobra, para encontrá-la de novo, juro-lhe isso.

     Vlad cravou os olhos no feiticeiro, tentado a desembainhar sua espada e deslizá-la por entre as costelas do homem. Entretanto, em lugar disso o deixou no chão.

     —Quanto tempo? Quando, exatamente, eclipsará a Vênus essa Estrela Vermelha da que falam?

     —Não até dentro de uns... De uns quinhentos e vinte anos, meu senhor, segundo nossos cálculos.

     Vlad tragou sua dor e sua ira. A predição do Rhiannon falava do mesmo tempo: que ele voltaria a encontrar a Elisabeta passados quinhentos anos. Sua principal preocupação nesse momento foi como conseguiria sobreviver tanto tempo sem ela; como poderia suportar tanta dor.

     Agora tinha uma preocupação acrescentada. A encontraria a tempo para realizar o feitiço, para levar o cabo o ritual dos magos e lhe devolver suas lembranças e sua alma?

     Pelos deuses que tinha que ser assim. Estava resolvido a que assim fosse. Não podia falhar.

     De maneira nenhuma.

     Ele não era um homem qualquer, nem sequer um vampiro qualquer.

     Ele era Drácula.

    

     Época atual

     —Melina Roscova-disse a esbelta mulher loira lhe estendendo a mão—. Você deve ser Maxine Stuart.

     —É Maxine Malone, e não, não sou ela-Stormy estreitou a mão da mulher, uma mão fria que apertou a sua com firmeza—. Stormy Jones-se apresentou—. Max e Lou estão ocupados com outro caso, e não achamos necessário estar presente os três para a entrevista inicial.

     —Já vejo-Melina lhe soltou a mão e tirou um cartão de visita do bolso—. Suponho que isto está um pouco antiquado.

     Stormy tomou o cartão e o olhou. O logotipo SIS se sobrepunha às palavras Serviços de Investigações Supernaturais. Em letras menores, os nomes dos três sócios da agência de investigação, Maxine Stuart, Lou Malone, Tempest Jones e abaixo, com letra pequena e elegante: experiência, profissional idade e discrições seguidas de um número de telefone gratuito.

     Stormy lhe devolveu o cartão.

     —Sim, é bastante velho. Maxie e Lou se casaram faz dezesseis anos. Claro que não fizemos cartões novos até que terminamos de utilizar todos os antigos. É prático, já sabe.

     —É obvio.

     —A que se deve todo este mistério? —perguntou Stormy—. E por que quis que viésemos aqui?

     Enquanto falava, as duas mulheres atravessaram a porta principal e entraram pelo vestíbulo abobadado do Museu Nacional do Canadá. Seus passos ressoavam no chão de pedra enquanto avançavam para as bilheterias.

     Melina pagou duas entradas em dinheiro e as duas mulheres entraram no edifício.

     —Não há nenhum mistério. Quero que se ocupe de um caso muito sensível. A discrição é imprescindível-disse a mulher chamada Melina enquanto golpeava o desgastado cartão de visita contra os nódulos dos dedos.

     —Nisso pode estar tranqüila-assegurou Stormy—. Se não soubéssemos ter a boca fechada não seguiríamos trabalhando.

     Stormy contemplou uma tapeçaria antiga puída que estava exposta no interior de uma vitrine. As cores estavam virtualmente desbotadas e o tempo os tinha reduzido a um tom cinzento. Dava a sensação de que a mínima rajada de vento seria capaz de reduzi-la a um montão de penugem.

     —Mas por que aqui?

     —Porque aqui é onde está-disse Melina, enquanto percorria com os olhos vários objetos de prata protegidos em outra vitrine.

     Tratava-se de terrinas, urnas e distintos tipos de pendentes e braceletes também antigos e totalmente sem brilho.

     —Onde está o que?

     —O que quero que veja. Mas não estará aqui muito tempo-lhe disse—. Forma parte de uma exposição itinerante. Trata-se de uma série de objetos descobertos recentemente em uma escavação arqueológica no norte da Turquia.

     Stormy a olhou, esperando que a mulher continuasse falando, mas Melina seguiu caminhando entre diagramas e desenhos de escavações emoldurados como obras de arte, mas sem prestar excessiva atenção. Depois, dirigiu-se para as portas abertas que se abria para uma sala de grandes dimensões.

     Nela, havia uma série de objetos antigos expostos nas paredes, todos bem protegidos dentro de suas caixas de cristal. Objetos de latão, facas com folhas metálicas e punhos de osso e marfim elaborada mente esculpidos. Stormy jogou uma olhada aos objetos expostos, e depois se esfregou os braços. De repente se deu conta de que estava gelada e desejou que subissem à temperatura.

     —Não entendo por que não põem a calefação. Faz um frio insuportável-murmurou.

     Então, para se distrair do frio, tomou um folheto de uma estante próxima e começou a lê-lo. Segundo o folheto, os objetos encontrados não pertenciam à cultura da zona onde foram localizados, e muitos eram provavelmente parte de uma pilhagem de guerra levados até ali pelos soldados que os saquearam em terras longínquas de inimigos conquistados. Os cientistas que tinham descoberto o lugar acreditavam que a escavação arqueológica tinha sido um monastério, um lugar onde os homens estudavam a magia e as artes ocultas.

     —Aqui está-disse Melina.

     Stormy olhou à mulher que estava diante de uma pequena vitrine colocada sobre um pedestal a poucos metros dela. No interior do pequeno cubo de cristal e sobre uma base acrílica transparente, havia um anel. Era um anel grande e largo, com o aro gravado e uma pedra vermelha enorme incrustada. Sem lugar a dúvidas, a pedra era autêntica.

     —É um rubi-informou Melina confirmando as suspeitas do Stormy—. Seu valor é incalculável. Verdade que é incrível?

     Stormy não respondeu. Não podia apartar os olhos do anel. Por um momento, foi como se estivesse vendo-o através de um comprido e escuro túnel. A seu redor tudo se obscureceu e seu campo de visão se ateve ao anel. E então ouviu uma voz.

     —Inelul else ao meu!

     A voz... Tinha saído de sua garganta. Seus lábios se moviam, mas não era ela quem os movia. A sensação era como se tivesse se convertido em uma marionete, ou um boneco de ventríloquo. Seu corpo também se movia por própria vontade, uma vez que suas mãos seguraram a vitrine pelos lados e a elevaram de sua base.

     Uma mão a segurou com força pelo braço e a apartou.

     —Senhorita Jones, que demônios está fazendo?

     Stormy piscou rapidamente e então viu a Melina segurando-a pelo braço enquanto olhava a seu redor, como esperando a repentina aparição da versão canadense de uma equipe especial de segurança.

     Stormy esclareceu garganta.

     —Disparei algum alarme?

     —Acredito que não-disse Melina—. Há sensores no pedestal. Só soam se tira o anel.

     Stormy franziu o cenho e a olhou.

     —Como sabe?

     —É meu trabalho sabê-lo. Encontra-se bem?

     Assentindo, Stormy evitou o olhar da outra mulher.

     —Sim, estou bem. Foi um enjôo momentâneo, nada mais.

     Mas não era assim. E não estava bem. Justamente o contrário. Fazia dezesseis anos que não tinha experimentado um episódio similar, mas conhecia perfeitamente a sensação que tomou conta dela.

     Conhecia-a muito bem. Nunca a esqueceria. Nunca. Fazia dezesseis anos que não a sentia da última vez que esteve com ele. Com o Drácula. O autêntico Drácula desde tempos imemoriais. E embora a lembrança dos detalhes daquele encontro fosse um vazio absoluto em sua mente, as lembranças de... Ser possuída por ele era inesquecível. E à margem dessas lembranças, Stormy acabava de ouvir sua voz a apenas um momento, sussurrando perto dela.

     «Sem o anel e o pergaminho, temo-me que não há esperança».

     A que se referia? Onde estava? Perto dali? E por que, se não recordava quase nada do tempo que estiveram juntos, tinha chegado àquela frase a sua memória nesse momento?

     Não. Ele não voltaria sabendo o efeito que tinha em seu corpo e em sua mente. Deixaria-a tranqüila para evitar obrigá-la a passar por aquela loucura outra vez. Ou isso era o que Stormy queria acreditar.

     Só recordava ter despertado no avião privado de Rhiannon que a levava de retorno aos Estados Unidos. E, como todas as vítimas do Vlad antes que ela, a lembrança de seu encontro tinha desaparecido por completo de sua mente. Ou quase. Porque o que não desapareceram foram seus sentimentos por ele. Inexplicavelmente, depois de separar-se dele sentiu uma profunda sensação de perda, e após, Stormy sentia que tinha morria por dentro um pouco cada dia que vivia sem ele.

     Vlad não estava ali. Não a faria passar por aquilo outra vez. A não ser que...

   Stormy olhou de novo o anel. Céus seria o anel do que lhe tinha falado? E o que tinha querido dizer com aquela frase retumbante? Era horrível não ser capaz de recordar. Deveria odiá-lo por jogar com sua mente daquela maneira. Uma e outra vez Stormy lutou por recordar o tempo que esteve com ele, depois de ser seqüestrada no meio da noite fazia tanto tempo. Inclusive o tentou com a hipnose, sem consegui-lo. Não o conseguiu com nada. Vlad lhe tinha arrebatado umas lembranças que ela tinha a sensação de que podiam ser as melhores de sua vida.

     —Senhorita Jones? Stormy?

     Stormy se voltou lentamente e se encontrou com a curiosidade e estranheza refletidas nos olhos da Melina.

     O anel é a razão pela que deseja contratar nossos serviços? —perguntou em um esforço de voltar para a realidade presente.

     —Assim é-confirmou Melina—. Qual é sua relação com ele?

     Stormy franziu o cenho.

     —Não a entendo. Não tenho nenhuma relação.

     —Não parece. Parece que só o fato de vê-lo lhe impactou.

   Stormy negou com a cabeça.

     —OH, não, não. Não são mais que perdas temporárias de cor. A seqüela de uma velha contusão.

     —E falar em um idioma estrangeiro também é outra seqüela? —perguntou Melina.

     —São balbucios sem importância-lhe assegurou Stormy, subtraindo importância ao que acabava de acontecer—. Não significam nada. Ouça não me fez vir até aqui para falar de meu estado mental, verdade? Vai me dizer no que consiste o trabalho ou não?

     Melina a olhou, apertou os lábios e baixou a voz.

     —Quero que o roube-sussurrou.

    

     Ao sair precipitadamente pelas portas do museu, Stormy não recordava com certeza o que havia dito a Melina Roscota ao ouvir sua proposta, ainda assim, sabia que tinha a ver com fazer algo anatomicamente impossível. Sem deter-se, Stormy retornou ao Hotel Royal Arms, onde entregou as chaves do carro e um bilhete de dez dólares a um frentista.

     —Cuida-o como se fosse teu advertiu—. É muito especial.

     O jovem lhe prometeu fazê-lo e ela o observou afastar-se ao volante de seu reluzente Nissan negro com matrícula personalizada, Bela-Donna, para o estacionamento ao outro lado da rua. Quando se perdeu de vista na escuridão do túnel de entrada, Stormy ouviu um chiado de rodas e amaldiçoou para seus entre dentes.

     —Um arranhão, tio, e você vai ver-grunhiu em voz baixa—. Traz-me isso com um arranhão e...

     —Senhora?

     Stormy se voltou e se encontrou com o porteiro que a olhava com estranheza nos olhos.

     —Vai entrar? —perguntou-lhe o trabalhador do hotel.

     — Diga a esse imbecil quando voltar que se me arranhar o carro terá que se ver comigo-advertiu ao porteiro—. E é senhorita-lhe corrigiu—. Nem todas as mulheres de trinta e tantos estão casadas, saiba.

     —É obvio senhorita-disse o homem, sem expressão no rosto.

     Stormy se dirigiu a seu quarto e abriu o grifo da banheira. Queria pôr ao Max a par de todo o acontecido enquanto tomava um banho. Estava preocupada. Estava inquieta. Estava morta de medo pelo forte e inesperado impacto do anel sobre ela.

     Além disso, tinha falado claramente em romeno. E sabia com exatidão o que havia dito, embora não falasse nenhuma palavra desse idioma.

     «O anel me pertence».

     Elisabeta. Tinha que ser sua voz.

     Stormy tinha começado a ter os sintomas fazia dezesseis anos. Sintomas como entrar em transe, falar um idioma desconhecido, ficar agressiva, atacar inclusive a seus melhores amigos e, normalmente, não recordar nada depois. Era como estar possuída por uma alma alheia, como se seu corpo fosse à marionete cujas cordas eram manipuladas por um desconhecido.

     Max lhe havia dito que durante esses momentos seus olhos trocavam de cor, e se voltava de um tom azul celeste e transparente como o céu a um negro profundo como o ébano.

     Através da hipnose Stormy tinha conhecido o nome da intrusa. Elisabeta. E tinha sabido, sem nenhuma dúvida, que a mulher tinha algum tipo de relação com Vlad. Uma relação íntima.

     Vlad tinha sofrido um ataque e a tinha tomado como refém para poder escapar. Inclusive então, Stormy sentiu uma profunda atração por ele, pelo corpo musculoso e forte, pelos cabelos largos e negros como as asas de um corvo. Stormy recordou pensar nele como se fosse o único homem do mundo. Ou possivelmente não foram mais que imaginações dela. Uma fantasia deliciosamente erótica que a deixou com uma profunda dor no corpo e na alma. Stormy recordava tinha tido a esperança de que lhe ajudasse a resolver o mistério da identidade da Elisabeta, um ente que não deixava de persegui-la e tentar apoderar-se dela. E possivelmente Vlad o fez. Porque a sua volta, Max lhe disse que tinha sido cativa do Vlad durante uma semana, apesar de que ela não recordava nada.

     Só sabia que após muito pouco havia tornado a sentir a presença da alma da intrusa, e tinha chegado à conclusão de que era a proximidade do Vlad o que despertava à intrusa de sua letargia e a fazia cobrar vida.

     E seguia estando ali. Stormy nunca o tinha duvidado, apesar de manter a esperança de estar equivocada. Queria estar equivocada, é obvio, mas sabia que Elisabeta, fosse quem fosse, estava sempre à espreita em seu interior, escondida, esperando... Algo.

     Stormy deixou de passear pela habitação, deteve-se diante do espelho e segurou a cabeça com as mãos.

     —Acreditava que se tinha ido, maldita seja-sussurrou—. Estava quase convencida de que não voltaria jamais. Não soube nada de ti em dezesseis anos. E agora volta? Por quê? Desfarei-me alguma vez de ti, Elisabeta?

     Uns golpes na porta a surpreenderam e a fizeram voltar à cabeça.

     —Por favor, senhorita Jones-disse Melina Roscova do outro lado da porta—. Dê-me só dez minutos para que o explique. Dez minutos. É tudo o que necessito.

     Stormy suspirou, levantou os olhos ao teto com paciência e foi ao quarto de banho fechar os grifos antes de ir abrir a porta. Não esperou que Melina entrasse; deixou a porta aberta, deu meia volta e voltou até a pequena mesa no extremo oposto da habitação. Ali tirou uma cadeira e a assinalou com a cabeça, convidando a recém chegada a sentar-se.

     —Somos detetives-disse à mulher.

     Do minibar da habitação tirou uma lata de limonada e uma diminuta garrafa de uísque. Jogou o conteúdo de ambas em um copo alto com gelo.

     —Não somos ladrões. Não quebramos a lei, senhorita Roscova. Por nenhum preço.

     —Me chame Melina, por favor-disse a mulher sentando-se—. E só quero que escute o que tenho para dizer. Esse anel... Tem poderes.

   —Poderes.

     Stormy repetiu as palavras em tom seco, sem inflexão, e depois bebeu um comprido trago do copo.

     —Sim, poderes que poderiam cair em mãos equivocadas, alterar a ordem sobrenatural de maneira possivelmente irrevogável.

     —A ordem sobrenatural?

     —Sim. Escute, é muito simples. Permita-me que o explique. Prometa-me primeiro que ficará entre você e eu, e depois, se continua negando-se, não voltarei a incomodá-la.

     Stormy bebeu a metade do uísque com limonada de um gole e se sentou.

     —E lhe basta minha palavra de que isto será confidencial?

     —Sim.

     —Por quê?

     Melina piscou, e Stormy teve a sensação de que a mulher, depois de uma breve reflexão, optou por uma resposta honesta e direta.

     —Porque minha organização leva anos observando-a. Sabemos que sempre cumpre sua palavra, e sabemos que guardou segredos maiores que os nossos.

     Outro comprido trago. O copo estava ficando vazio e Stormy ia necessitar outro. Sete dólares canadenses por um gole de uísque. Que de momento valeria a pena pagar.

     —Sua organização?

     —A Irmandade de Ateneu existe há séculos-explicou Melina falando devagar e com cuidado, meditando bem cada frase antes de dizê-la—. Somos um grupo de mulheres dedicadas a observar e conservar a ordem sobrenatural-umedeceu os lábios—. Em realidade é a ordem natural, mas nos concentramos fundamentalmente no que a maioria da gente considera sobrenatural. As coisas são como têm que ser. Os humanos têm o cacoete de querer interferir, mas nós não, a não ser que seja para evitar essa interferência.

     Stormy arqueou as sobrancelhas em um ar interrogante, quase divertido.

     —Os humanos, né? —olhou à mulher—. O diz como se houvesse seres não humanos.

     —As duas sabemos que os há - afirmou a mulher de forma categórica.

     As duas mulheres ficaram em silêncio, olhando uma a outra, como se estivessem medindo-se.

     Era possível que Melina Roscova conhecesse a existência dos vampiros. Pensou Stormy olhando a sua visitante.

     Por fim se esclareceu garganta.

     —Isto me soa muito familiar, Melina, o que não significa que seja positivo. Ouviu falar de uma agência governamental conhecida como o DIP?

     —Não temos nada que ver com a Divisão de Investigações Para normais, Stormy. Eu prometo. E nosso financiamento é privado, não governamental-Melina se umedeceu os lábios—. Nós protegemos o mundo sobrenatural, não procuramos destruí-lo nem experimentar com ele como faz a DIP. Nós somos as guardiãs do desconhecido.

     Stormy assentiu com a cabeça.

     —E para que quer o anel?

     —Unicamente para evitar que caia em mãos equivocadas e se utilize para fazer o mal.

     —E eu tenho que acreditá-la? —perguntou Stormy com ceticismo—. Não só isso. Está-me pedindo que me apoiando em suas palavras entre ilicitamente no museu e roube uma jóia antiga de um valor incalculável.

     —Assim é-assentiu Medina baixando a cabeça—. Sinto não poder lhe contar mais, mas quantas mais pessoas conheçam os poderes do anel, mais perigoso será.

     Stormy suspirou.

     —Sinto muito. Terá que me desculpar, porque eu não posso fazê-lo. Inclusive se quisesse meus sócios, Max e Lou nunca o aceitariam.

     Melina assentiu com tristeza e resignação.

     —Está bem. Suponho que teremos que encontrar outra maneira-disse a mulher.

     —Exatamente. Boa noite, Melina, e boa sorte.

     —Boa noite, Stormy.

     Melina se levantou e saiu da habitação do hotel. Stormy a seguiu só para fechar a porta por dentro, e depois voltou a abrir os grifos e encher de novo o copo com uma generosa dose de uísque e um jorro de limonada.

    

     Vlad leu pela quarta vez a breve noticia publicada no Easton Press para certificar-se de que não era produto de sua imaginação. Nela se falava de uma nova exposição de objetos encontrados na Turquia, nesse momento em um museu canadense.

    

     O objeto mais excepcional é um anel com seus corcéis empinados gravados em ouro a ambos os lados de um impressionante rubi de 20 quilates.

    

     —Não pode ser-sussurrou ele.

     Mas podia. Claro que sim. Não havia motivos para duvidar de que era o anel que tinha colocado no dedo de sua amada esposa séculos atrás. E, entretanto, não queria acreditá-lo. Acreditar trazia esperança, e a esperança poderia significar dor e perda. Não estava seguro de poder sofrer mais do que tinha sofrido.

     Apesar de seus esforços para esquecê-la, não tinha podido. Ela tinha um poder sobre ele tão forte como qualquer servidão imposta por ele a um mortal.

     Os vampiros não sonhavam, mas Drácula sim. Sonhava com ela. Com o Tempest... Ou Elisabeta Ou... As duas estavam tão entrelaçadas e mescladas em sua mente que não sabia distinguir seus sentimentos de uma para a outra. Não sabia como as distinguir.

     Vlad tinha adquirido uma pequena península na costa de Maine e tinha utilizado seus poderes para ocultar o lugar aos olhos dos curiosos. Um turista só veria um lugar envolto em brumas, névoas e árvores, não a espetacular mansão que construiu. A mansão se achava tão somente a trinta quilômetros do Easton onde Tempest, que insistia em fazer-se chamar Stormy, vivia com seus amigos Maxine e Lou em outra mansão.

     Durante todos estes anos a tinha vigiado e observado, mas ao longe, sem nunca aproximar-se muito, sem tocá-la nem lhe fazer sentir sua presença. Mas ele sabia tudo o que fazia. Também sabia dos vampiros que compartilhavam a mansão com os mortais e lhes ajudavam em suas investigações: Morgan de Silva e Dante, que tinha sido engendrado por Serafina, a sua vez engendrada pelo Bartrone. A vampiresa Morgan era irmã gêmea da mortal Maxine, e embora não tinham vivido juntas durante sua infância, agora estavam muito unidas.

   Também conhecia a família de Tempest: seus pais estavam retirados e viviam na Florida, onde ela os visitava duas vezes ao ano. Também conhecia suas relações com outros homens, embora sabê-lo o matava. Às vezes Tempest saía com homens, e em todas aquelas ocasiões, sem exceção, Vlad era dominado por uma ira que quase não conseguia conter.

     Nesses momentos era perigoso, e quando a raiva era superior as suas forças se obrigavam a partir para longe. Era a única maneira de evitar terminar com todos os porcos que lhe tinham posto a mão em cima, e certamente com ela também.

     Mas todas as relações do Tempest tinham sido passageiras. Nunca a havia sentido apaixonar-se e sentir por ninguém o que queria pensar que tinha sentido com ele.

     Vlad sabia tudo sobre ela. Sobre sua vida e seus gostos, e também que não restava muito tempo.

     A data que aqueles bruxos de antigamente tinham incluído em seus feitiços se aproximava rapidamente. A chamada Estrela Vermelha do Destino ia eclipsar a Vênus em apenas cinco dias. E quando isso ocorresse, Elisabeta cruzaria ao outro lado, junto com o Tempest, e as perderiam as duas para sempre. Céus, a idéia era insuportável.

     Embora o certo fosse que, a nível prático, já as tinha perdido. A menos que...

     Tempest não estava na mansão. Estava resolvendo um de seus casos com seus dois colegas de agência e esta vez não a tinha seguido. Felizmente.

     Vlad permaneceu de pé junto às janelas abobadadas do salão. A chaminé a suas costas estava apagada e fria. Ele não a necessitava. Não necessitava calor, nem tampouco comodidades. No exterior, uma forte tormenta iluminava de vez em quando as empinadas ondas do oceano, sacudidas a mercê das fortes rajadas de vento. Encantavam-lhe aquelas noites.

     Voltou a olhar ao periódico e se fixou na localização da exposição. O Museu Nacional canadense no Edmunston, a menos de trezentos quilômetros.

     De carro poderia estar ali em quatro horas ou menos.

     Mas ele era Drácula, e tinha meios de transporte muito mais rápidos e eficazes. Colocou o casaco de pele negra que lhe chegava até os pés, abriu a janela central e empurrou os painéis para fora. Então começou a girar sobre si mesmo cada vez a mais velocidade, como um ciclone, concentrando-se e alterando a forma de seu corpo.

     Quando remontou o vôo para entrar na noite e na tormenta, o fez com a forma de um gigante corvo negro. Logo averiguaria se o anel exposto no Canadá era o seu.

     O dela.

    

     Stormy não sabia que demônios fazer embora o que sabia era que ia ter que conseguir aquele anel, porque se era «o anel» não podia arriscar-se a que caísse em mãos de ninguém mais. Nem sequer da Melina e sua maravilhosa Irmandade de Ateneu, da que não sabia nada e tampouco confiava de forma nenhuma.

     Nem tampouco de Vlad. Céus, ele não.

     O anel tinha uma espécie de poder sobre ela. Era o anel que tinha despertado a Elisabeta de sua letargia, tinha-lhe permitido tomar as rédeas de seu corpo de novo. E era o anel, agora estava mais segura que nunca, ao que fazia referência a leve lembrança que se abriu em sua mente.

     Se Vlad sabia que o anel estava ali, iria buscá-lo. Nada o deteria se esse era seu objetivo. E só Deus sabia o que faria com ele uma vez em suas mãos. Utilizá-lo possivelmente, para devolver a vida a cruel e vingativa Elisabeta que seguia habitando entorpecida em seu interior? Não podia voltar a passar por isso. Tinha que desfazer-se da intrusa de uma vez por todas.

     Tinha que destruir o anel. Possivelmente essa era a solução. Sem a existência do anel, seus poderes, quaisquer que fossem também deixariam de existir. Essa era a resposta. Destruí-lo, fundi-lo e romper o rubi em mil pedaços.

     Mas para isso necessitava um plano. Primeiro decidiu não dizer nada a Max e ao Lou; ainda não. Primeiro porque estavam trabalhando em outro caso fora do país, e em segundo lugar porque Max era muito protetora com ela. E Stormy devia solucioná-lo sozinha, sem sentir a necessidade de explicar, justificar ou defender suas decisões.

     Metida na banheira, com o terceiro uísque na mão, deu voltas e voltas tentando descobrir como roubar o anel, não para a Melina a não ser para ela.

     Assim ficou dormida, com o copo vazio no chão e tratando de ignorar as imagens que lhe atormentavam. Imagens de Vlad.

     E então, em sonhos, viu-o. Uma lembrança do passado.

    

     Vlad a tinha mandado dormir no diminuto camarote do veleiro que tinha utilizado para fugir depois de seqüestrá-la, lhe dizendo que logo chegariam a seu destino.

     Já deviam ter chegado, pensou ela ao despertar e não sentir o suave balanço do mar debaixo dela. Mas naquele lugar reinava a mais absoluta escuridão, e era impossível saber onde estava.

     Stormy rodou para um lado e estirou uma mão para procurar um abajur ou algo, mas se deu contra uma parede sólida. Que estranho. O mais provável era que já não estivessem no navio, porque ali a parede estava muito mais afastada da cama. Passou a palma da mão pela parede e comprovou que estava empapelada em tecido, um tecido tão suave como o cetim.

     Piscando pela perplexidade, moveu a mão para cima e encontrou outra parede suave e forrada em cetim detrás de sua cabeça.

     Com um nó no estômago, rodou rapidamente para o outro lado com as duas mãos estiradas e encontrou outra parede. Uma terrível suspeita se abriu em sua mente. Respirando rapidamente, com o coração pulsando de desespero, dirigiu as palmas para cima, mas rapidamente se encontrou com um teto forrado em cetim.

     «Estou em um caixão!», gritou para si mesma. «Estou apanhada em um caixão! Vou me asfixiar!».

     O pânico se apoderou de seu corpo. Apertou os punhos e golpeou o teto, dobrou os joelhos até onde o espaço lhe permitiu e chutou com força os lados e o fundo. E começou a gritar com todas suas forças.

     —Me tire daqui! Abre este maldito caixão e me tire daqui!

     Surpreendida comprovou que com os golpes o teto foi elevando-se pouco a pouco, e se deu conta de que, embora estivesse em uma caixão, não estava encerrada.

     A tampa se abriu por completo e por fim pôde ver. E o que viu foi a um homem de pé junto a caixão, olhando-a. Parecia cansado, arrasado; levava os três botões superiores da camisa desabotoados e uma larga juba negra solta e despenteada.

     O homem estirou as mãos para ela.

     Stormy as apartou com um gesto mal-humorado e segurando os lados da caixão, levantou-se e saltou no chão. Com um estremecimento, rodeou o corpo com os braços, baixou o queixo e fechou os olhos.

     Tocou-lhe os ombros. Seu corpo reagiu com calor e fome, mas lutou para ignorar ambas as sensações.

     —Sinto muito. Tempest. Pensava já te ter tirado daí quando despertasse, mas...

     Stormy lhe deu um murro. Com força. Diretamente no plexo solar. Escutou com satisfação o grunhido de dor, e quando abriu os olhos e o viu cambalear-se para trás, sua satisfação aumentou.

    —Porco.

     —Tempest, deixa que te explique...

     —Como se atreve? Como se atreve a me colocar em um asqueroso caixão? E por que pelo amor de Deus? Em que droga estava pensando?

     Com o punho apertado para trás Stormy avançou para ele, com a intenção de golpeá-lo de novo, esta vez entre as sobrancelhas.

     Mas antes de poder lançar o punho, Vlad a segurou por ambos os braços, por isso lhe deu uma patada na tíbia. Vlad gritou de dor, mas não a soltou.

     —Sabe o que te digo? Que isto é o que eu mais gosto nos vampiros. Que sentem a dor muito mais que os humanos.

     —Já basta!

     Vlad gritou com todas suas forças, ou ao menos isso acreditou ela, embora possivelmente não, possivelmente ainda ficava muito mais força do que ela tinha visto até então. Mas fosse como fosse, o som de sua voz foi tão profundo e tão potente que ressoou em seu interior como o repicar de um sino gigante.

     Stormy levou as mãos aos ouvidos e fechou os olhos até que o eco deixou de ressoar em seu cérebro. Depois, devagar, baixou as mãos, abriu os olhos e elevou a cabeça. Vlad seguia diante dela, olhando-a com dureza e um brilho de cólera nos olhos negros.

     —Já lhe disse isso. Sinto pelo caixão. Era a única maneira.

     Stormy entrecerrou os olhos, a ponto de soltar outra larga enxurrada de insultos, acusações e certamente algum palavrão, quando viu o espaço á trás dele e emudeceu.

     Altos muros de pedra subiam para tetos abobadados: das cúpulas investidas penduravam gigantescos abajures de aranha, e os spots das paredes tinham todo o aspecto de estar ali para sustentar largas tochas. As janelas eram enormes, arqueadas e com grossos painéis de cristal tão antigos que a noite ao outro lado aparecia distorcida. O único mobiliário eram as formas cobertas de lençóis brancos distribuídos por distintos pontos, e ao fundo um lance de escada em espiral que levava ao andar de cima.

     —Esta é... Sua casa?

     Stormy tragou saliva. Tudo parecia coberto por uma capa antiga de pó e teias de aranha. Voltou-se devagar e quase deu um pulo ao ver os dois caixões um ao lado do outro, os dois abertos.

     —Não parece que tenha estado muito habitada ultimamente-comentou.

     —Faz muito que ninguém vive aqui, é certo.

     Piscando, Stormy se aproximou da janela mais próxima e limpando o pó do cristal com a palma da mão, olhou ao exterior.

     A lua cheia resplandecia no céu e iluminava com sua luz os escarpados e rochas que se elevavam quase como suspensos no ar, embora além dos escarpados próximos se adivinhasse a silhueta de uma cadeia montanhosa e outros escarpados.

     Entretanto, ali não havia mais que escuridão. Inclusive as poucas e raquíticas árvores que se aferravam com força às ladeiras rochosas que se precipitavam por volta do mar pareciam moribundas.

     Stormy tragou a secura na garganta. Estava desidratada, sedenta, faminta e um pouco assustada.

     Aquilo não parecia uma ilha frente às costas da Carolina do Norte como lhe havia dito ele.

     —Onde demônios estamos Vlad?

 

     Vlad se manteve a distância do resto dos visitantes do museu. Mortais. Turistas. Grupos de meninos com seus professores. Sem chamar a atenção entrou na pequena sala onde estava à exposição itinerante da Anatolia e se aproximou da vitrine onde descansava o anel. Ao vê-lo, as lembranças afluíram em sua mente, em sua alma, mas as rechaçou.

     Não era fácil. Recordou tirar o anel do dedo mindinho e colocar em Elisabeta no índice, o único do que não lhe caía. Em sua mão pequena e delicada o anel era grande, forte e poderoso, e parecia marcá-la como se fosse uma posse dele.

     —Senhor? Perdoe senhor-disse uma voz de mulher.

     Vlad piscou e olhou à mulher uniformizada que se aproximava totalmente alheio a sua presença e ao comprido momento que levava contemplando o anel.

     —O museu vai fechar. Deve partir senhor.

     —Sim, é obvio.

     A mulher se afastou e ele olhou o anel por última vez. Tinha-o encontrado por fim, e sim, sairia do museu, de momento. Mas nada, absolutamente nada, lhe impediria de ficar com o anel.

     Fechou os olhos e saiu ao exterior, mas assim que se viu envolto pela fresca brisa da noite, notou a presença de algo mais, algo que não esperava.

     —Tempest-sussurrou, sabendo que estava perto.

     E estava.

     Vlad começou a mover-se, quase sem olhar, deixando-se levar pela sensação de sua presença. Como seguindo o rastro deixado pela esteira de um cometa, em seguida localizou seu calor, sua luz, sua energia.

     Mas não podia aproximar-se muito sem arriscar-se a que ela se desse conta. Nunca se tinha aproximado muito a ela, apesar da tentação que quase não era capaz de resistir. Porque enquanto mantinha a distância, Elisabeta dormia entorpecida no interior do Tempest.

     Vlad sabia que Elisabeta seguia ali, que não tinha morrido nem continuando sua viagem ao mundo do descanso eterno. Sentia-a, mas ela continuava imóvel.

     Assim seria mais fácil para a Beta, ou ao menos isso esperava ele. Deixá-la descansar e esperar o momento ideal. Mas o tempo estava se acabando para os dois. E agora que tinha encontrado o anel, apenas se atrevia a abrigar esperanças de um futuro com ela.

     E assim seguiu o rastro de sua presença que se foi fazendo cada vez mais poderoso e irresistível, possivelmente porque estava se permitindo aproximar-se dela mais que nos últimos dezesseis anos.

     Vlad se deteve na calçada junto a um hotel, e levantou o olhar para a habitação onde estava seguro de que estava ela.

     Céus, como desejava escalar a parede e ir até ela!

     Antes sempre tinha estado preparado para resistir a seus impulsos. Antes sempre tinha tido tempo para fortalecer-se antes de entrar em seu campo de energia. Mas esta vez sua presença era totalmente inesperada e não estava preparado. Esta vez não tinha ido ali por ela, mas sim pelo anel, mas para poder levar a cabo seus objetivos necessitava também o pergaminho. Sem o pergaminho, o anel não servia de nada.

O que fazia Tempest ali? Também tinha ido procurar o anel? Por quê? Como sabia?

     Não podia permitir que ela ficasse com ele, se essa era sua intenção. Era muito perigoso.

     Enquanto permanecia de pé na calçada olhando a sua habitação, Tempest saiu ao terraço, apoiou-se no corrimão e contemplou a noite a seu redor.

     Já não havia rubor juvenil no corpo da mulher em cujo interior dormia sua amada esposa. Em lugar disso, os ângulos de uma mulher na flor da vida, com o rosto mais magro e os olhos mais duros que antes. O cabelo seguia sendo loiro, mas não tão pálido. Curto, mas nem tanto. Agora, a curta juba lhe emoldurava brandamente o rosto e se movia com a carícia da brisa. Seguia tendo uma semelhança com a Elisabeta, e Vlad desejou deslizar os dedos entre as mechas douradas; desejou afundar-se nela e senti-la estremecer-se sob o poder de suas carícias. Ela o desejava.

     Céus podia sentir o desejo de Tempest por ele. E soube que ela tinha sentido sua presença, possivelmente não com a claridade que ele sentia a ela, mas sim. E conscientemente ou não, estava-o chamando. Seguia-o desejando.

     Vlad teve que controlar-se. Tinha que saber o que fazia ela ali. Tinha esperado dezesseis anos para voltar a estar com ela, e antes disso mais de quinhentos. Sem dúvida podia esperar uma noite mais. Embora não muito mais.

     Estava faminto. Necessitava sustento, sangue para satisfazer seu corpo e acalmar o violento desejo em suas veias. Para não ir a ela. Ainda não. E depois, pouco antes da alvorada, iria procurar o anel.

     Isso foi precisamente o que fez. Mas quando chegou ao museu, encontrou uma janela quebrada, os alarmes soando e o anel...

     Desaparecido.

    

     Stormy despertou ao sentir a força dos raios do sol na cara. Rodou pela cama e ocultou o rosto no travesseiro, mas a lembrança de seus sonhos despertou com mais força que o sol.

     Tinha sonhado com o Vlad.

     Mas o sonho não eram os dois fazendo amor, que era algo que tinha sonhado muitas vezes nos últimos dezesseis anos, sem saber se tinha ocorrido de verdade ou se estava só provocado pelo irracional desejo que tinha dele. Ou um pouco mais sinistro; possivelmente o desejo da intrusa ou uma de suas lembranças.

     Não. O sonho tinha sido mais como uma lembrança. Até o final. Depois tinha se convertido em uma visão. Ele estava de pé junto à borda do Endover, com a espetacular mansão ao estilo de um castelo medieval elevando-se a suas costas e o mar bramando entre eles.

     Vlad só a olhava.

     Desejando-a.

     Chamando-a.

     O vento lhe açoitava a juba negra, e ela recordou a sensação de deslizar os dedos entre as escuras mechas.

     Vlad estava nu da cintura para acima, certamente porque assim era como ela preferia recordá-lo. Seu peito era, junto com seus olhos, a boca e o cabelo negro, o que mais gostava dele. Em sonhos lhe acariciou o peito e depois o ventre. Era real? Tinha-o sido alguma vez?

   —Deus-gemeu ela rodando sobre a cama com desespero—. Conseguirei esquecê-lo algum dia?

     Mas já conhecia a resposta. Se tinha sido incapaz de esquecer o Drácula em dezesseis anos, tampouco ia esquecê-lo agora.

     Ele exercia um forte poder sobre ela, disso estava segura, mas o que não sabia era se esse era o motivo, ou simplesmente o fato de que ele tinha sido o único homem que a tinha feito sentir-se... Desesperada por ele. Faminta dele.

     Como nenhum outro homem, nem no passado nem no futuro.

    Nem sequer tinha podido alcançar um orgasmo com outro homem que não fosse ele.

     Certamente ele não teria esse problema. Não havia tornado a ficar em contato com ela em dezesseis anos. E isso lhe doía mais do que deveria. Às vezes se dizia que Vlad o fazia para protegê-la da dor que provocaria Elisabeta se aproximasse dela. Mas quase sempre terminava dizendo-se que a verdadeira razão era que Vlad amava a Elisabeta, não ao Stormy. E visto que não podia ter a sua amada, para que incomodar-se com ela?

   Stormy fechou os olhos e recordou as partes iniciais do sonho. Então soube que tinha sido uma lembrança. Um fragmento das semanas que Vlad apagou de sua memória, quando a levou a Romênia, não a Carolina do Norte, colocada dentro de um caixão. Recordou despertar em seu castelo, furiosa.

     Mas por quê? O que ocorreu ali? Por que a deixou partir?

     Deus, por que a tinha deixado partir?

     Com um gemido, Stormy se levantou da cama e se aproximou da porta, esperando encontrar a ordem que tinha dado na recepção para todos os dias de sua estadia no hotel.

     Assim era. No corredor havia um carrinho com uma jarra de café recém feito e um prato de confeitaria recém assada; ao lado um exemplar do periódico local.

     Stormy colocou o carrinho no quarto, serviu-se uma xícara de café, provou um dos pães-doces cheios de queijo e geléia e se sentou para ler o periódico.

     O primeiro que viu foi o titular em letras maiúsculas:

    

     Espetacular roubo no museu nacional. Desaparecido objeto de incalculável valor.

    

     —Não-sussurrou.

     Mas já sabia, inclusive antes de ler o artigo, de que objeto se tratava. E não se equivocou,

     Segundo o artigo, a subtração tinha sido um áspero exercício de romper e roubar. Alguém tinha quebrado a janela da sala onde estava o anel fazendo soar todos os alarmes do centro, e se tinha partido pelo mesmo lugar antes que os guardas de segurança tivessem tempo de chegar até ali.

     Não parecia uma forma de operar própria da Melina Roscova. Dela, Stormy teria esperado um golpe mais elegante e sofisticado. Mas quem se não ela podia desejar o anel?

     A resposta se apresentou com uma clarividência absoluta. Vlad. O ladrão.

     A noite anterior tinha sonhado com ele. Tinha sido uma casualidade? Ou tinha sido sua proximidade real o que tinha feito que aparecesse sua imagem em sua mente?

     Ele tinha o anel? E que classe de poder possuía?

     Stormy se estremeceu e soube que, fosse o que fosse, assustava-a.

     —Só há uma maneira de averiguá-lo-murmurou dando de ombros e tomando o café de um gole.

Tomou uma ducha em tempo recorde, mas quando ia sair se deteve. Por que... Não tinha dormido a noite anterior nua na banheira? Por que não recordava ter saído da água e meter-se na cama?

     Franzindo o cenho secou o corpo, colocou um par de jeans e uma camiseta negra com o desenho de uma moderna fada com a frase: «Confia em mim».

     —Devia estar mais cansada do que acreditava-disse—. Já me lembrarei.

     E com essas, jogou-se um punhado de creme no cabelo loiro e o secou em dois minutos com o secador.

     —Por isso eu adoro o cabelo curto-disse.

     E depois de calçar-se e encher o recipiente térmico de café quente, saiu do hotel. Ali, junto à entrada, estava sua Bela-Donna, esperando-a, embora não recordava ter chamado à noite anterior para pedir que lhe tivessem o carro preparado pela manhã na porta do hotel. Ou se tinha esquecido? Não parecia provável, mas entre os whiskies que tomou e o estresse de estar na mesma cidade que o anel, e que Vlad, pensou que tudo era possível.

     Claro que agora tinha que concentrar-se no roubo. Tinha que ver a Melina Roscova porque tinha que averiguar o que tinha ocorrido com o anel.

     «Meu anel», sussurrou uma vozinha no mais profundo de sua mente.

     Uma voz que não era dela.

    

     Várias horas depois, Stormy detinha seu reluzente veículo negro diante de umas portas de ferro forjado sobre as quais, também em negro, lia-se a palavra Ateneu. A porta estava fechada, mas em cima de uma das colunas laterais havia um timbre com alto-falante.

     Stormy desceu do carro. A enorme porta de ferro pendurava entre dois pilares de pedra de considerável altura. O lugar estava rodeado por um muro de pedra de três metros de altura, e além das portas, Stormy pôde ver que a casa estava também construída na mesma pedra.

     Umas corujas gigantescas de granito branco coroavam os dois pilares e se erigiam como duas sentinelas de olhos negros que guardavam o castelo. Aqueles olhos de ônix negro fizeram estremecer ao Stormy. Muito parecidos com os olhos da Elisabeta, imaginou.

     Stormy pôs o botão do interfone e disse:

     —Stormy Jones, de SIS. Estou aqui para falar com a Melina Roscova.

     —Bem-vinda-respondeu uma voz conhecida do interior—. Por favor, passe.

As portas se abriram devagar. Stormy voltou para carro, sentou-se nos bancos de couro negro com bordados de dragões japoneses vermelhos a jogo com os capachos e a capa do volante e esperou a que a porta se abrisse de tudo.

     Depois avançou lentamente pelo atalho circular que rodeava uma impressionante fonte. Stormy deteve o carro junto à entrada principal da mansão e o fechou. Depois, erguendo-se em toda a sua altura e esperando que Melina admitisse ter roubado o anel, subiu os degraus de pedra até as portas duplas de madeira com dobradiças e pomos de ferro forjado, mais próprias de um castelo medieval que de uma residência moderna. Para rematar o efeito, o trinco se segurava nos calcanhares de outra coruja branca.

As portas se abriram antes de poder chegar a chamar, e Melina apareceu sorridente ante ela.

     —Sei que não falamos de dinheiro, mas lhe pagarei o que me peça. Alegro-me de que tenha trocado de opinião.

     A mulher continuava falando enquanto Stormy a seguia incrédula através do impressionante vestíbulo da mansão por um amplíssimo corredor que levava até a biblioteca. Ali passaram junto a outras mulheres, todas ocupadas, mas curiosas que elevaram a cabeça a seu passo. Todas tinham entre vinte e cinqüenta anos, pensou Stormy, todas eram muito atrativas e todas tinham uma invejável forma física. Todas sem exceção.

     —Vejo que quando toma uma decisão trabalha rápido-estava dizendo Melina enquanto fechava as portas da biblioteca e convidava ao Stormy a sentar-se em uma poltrona de pele—. O trouxe?

     Stormy se aproximou da poltrona, mas não se sentou. Em lugar disso. Voltou-se para olhar à mulher e perguntou, com toda a calma que foi capaz de solicitar:

     —Se tenha trazido o que?

     Por um segundo, o sorriso da Melina pareceu desfalecer ligeiramente.

     —O anel, é obvio.

     O impacto da decepção obrigou ao Stormy a deixar cair pesadamente na poltrona a suas costas e baixar a cabeça.

     Maldita fora, suas esperanças caíram por terra. Porque não pensou que Melina estivesse fingindo.

     —Eu não o tenho, Melina.

     —Então o que tem feito com ele?

     —Nada.

     Stormy se obrigou a levantar a cabeça, a olhar à mulher que nesse mesmo momento se deixava cair em uma poltrona frente a ela, com uma expressão tão devastada como ela se sentia por dentro.

     —Ou seja, que posso dizer sem temor a me equivocar que você não entrou no museu e o roubou-disse Stormy.

     —Eu não, o asseguro-disse Melina, fechando brevemente os olhos—. Pensei que tinha sido você. Pensei que tinha trocado de idéia, ou algo assim.

     —Eu não fui-disse Stormy, repetindo a mesma negativa que sua anfitriã.

     —O que significa...

     —Significa que o tem outra pessoa-disse Stormy.

     Melina se incorporou devagar, foi até um armário e o abriu. Ali se serve três dedos de vodca Stolichanya.

     «Bom vodca», pensou Stormy,

     Viu-a esvaziar o copo de um gole e depois sustentar a garrafa no ar, oferecendo-lhe.    

     —Não, obrigado. Tenho que conduzir — Stormy rechaçou o convite.

     —Espero que ainda não.

     —Não? Por que razão?

     Melina tirou outro copo, serviu-o e depois voltou a encher o seu. Guardou a garrafa e cruzou a sala para lhe entregar um dos dois copos com uma generosa dose do líquido transparente ao Stormy.

     —Porque necessito sua ajuda. Agora mais que nunca, Stormy. Tem que aceitar o trabalho.

     —O trabalho consistia em roubar o anel-disse Stormy—. Isso já o têm feito.

     —Sim. E agora o trabalho consiste em encontrar ao ladrão e tirar-lhe antes que seja muito tarde.

     Stormy estava bastante segura de saber quem o tinha. E não tinha nenhuma vontade de enfrentar-se a ele, embora tinha a sensação de que não teria eleição. Possivelmente com o dinheiro e os recursos da Irmandade teria a oportunidade de sobreviver às malévolas intenções do Vlad. Ao menos de tentá-lo. Deus sabia que não podia permitir ao Vlad decidir o que fazer com o anel.

     Stormy não sabia que tipo de poder possuía o objeto em questão, mas tinha a certeza de que podia destruí-la.

     Melina suspirou.

     —Tenho que pôr a minhas Primeiras a par do ocorrido para que possamos iniciar a busca.

     —Suas Primeiras?

     —Meus... Lugares-tenentes, a falta de uma expressão melhor. Por não mencionar a meus superiores-ao dizê-lo secou o que bem podia ser uma gota de suor da frente—. Por favor, fique para jantar. Assim que o tenha organizado tudo, falar-lhe-ei do anel. O contarei tudo, Stormy. Embora...

     Stormy arqueou as sobrancelhas, espectadora, e ao ver que Melina não continuava, insistiu:

     —Embora?

     Melina encolheu os ombros.

     —Tenho a sensação de que sabe tanto quanto eu-disse sem levantar a voz—. A que se deve isso, Stormy?

     Stormy encolheu os ombros.

     —Ontem foi a primeira vez que vi esse anel, Melina. Acredito que sua imaginação está um pouco acelerada.

     Melina a estudou em silencio durante um comprido momento, e depois pareceu aceitar suas palavras com um movimento de cabeça.

     —Ajudará-me?

     —Mantenha sua palavra e me conte tudo o que sabe absolutamente tudo, Melina, e farei tudo o que esteja em minha mão para encontrar e «adquirir» o anel.

     Melina sorriu.

     —Obrigado, Stormy. Muitíssimo obrigado-repetiu e lhe estreitou brevemente a mão.

     Stormy sentiu certos remorsos ao aceitar tanta gratidão da mulher. De, pois de tudo, não lhe havia dito nada de entregar o anel a ela uma vez que conseguisse ficar com ele. Porque era algo que não pensava fazer.

    

     Quando o sol se pôs, Vlad se levantou da cripta onde tinha passado o dia protegido da mortífera luz diurna. A devastadora sensação que lhe embargou no momento em que sua mente saiu do topor do sono esteve a ponto de lhe fazer desabar-se de joelhos, mas lutou contra ela. Nem tudo estava perdido.

     Depois de estar tão perto do anel, o perder daquela maneira...

     Só podia chegar a uma conclusão. Tempest. Ela o devia ter. Tinha ido buscá-lo, igual a ele, e lhe tinha ganhado.

     Por isso ainda havia uma oportunidade. Só tinha que encontrá-la e...

     «foi-se».

     Soube com uma claridade absoluta, tão real e evidente como o ar que se filtrava nos pulmões dos mortais. Tempest tinha deixado à cidade.

     Mas não importava. Não havia lugar na terra onde ele não pudesse segui-la. Onde não pudesse encontrá-la. Tempest nunca poderia escapar dele.

     E assim seguiu o rastro de sua essência, o rastro que tinha entrelaçado com o desejo que sentia por ele. E a encontrou.

     Tempest estava detrás dos muros daquela mansão, ao outro lado de uma barreira de pedra e uma porta de ferro marcada com uma palavra,

     Ateneu.

     Vlad reconheceu o lugar: era uma das sedes da Irmandade de Ateneu.

     Aquelas bruxas. O que tinham que ver com o Tempest? E com o anel? Por todos os deuses, como? Por quê? Por que se relacionava Tempest com personagens como elas?

     Vlad se plantou no exterior do muro de pedra que rodeava o lugar, embora tivesse podido entrar sem nenhum problema. Mas não o necessitava. O poder que tinha sobre o Tempest era suficiente para meter-se dentro de sua mente, ver o que ela via e ouvir o que ela ouvia. Podia sentir seus pensamentos como se fossem próprios.

     E ao inferno com as conseqüências. Stormy tinha roubado o anel... Para que? Para entregar-lhe a umas mortais intrometidas? Como se atrevia a trai-lo daquela maneira?

     Não. Faria o que fosse necessário para chegar ao fundo do assunto, para encontrar o anel e recuperá-lo. Por isso se acomodou o melhor que pôde na escuridão e se deslizou com supremo cuidado no interior da mente da mulher.

 

     O jantar na Irmandade de Ateneu se servia tarde, mas a espera mereceu a pena: assado de porco untado com cenouras e batatas, acompanhado de vários pratos de variadas guarnições e sobremesa.

     Enquanto jantava, Stormy tentou recordar os nomes das mulheres que se sentavam a seu redor, embora não era fácil. A três delas as conhecia. Melina é obvio. Depois estava a que parecia ser sua mão direita, Brooke, com uma juba ruiva que lhe caía até o ombro e tão lisa como se estivesse molhada. Parecia recém saída da rodagem de um vídeo de Roubem Palmer e estava tão magra que Stormy pensou que não devia comer nada. Levava uma saia de tweed rodeada dos quadris até os joelhos, com uma blusa de seda cor marfim grampeada até o pescoço. E a terceira era Lupe, uma sul-americana de curvas sinuosas que cada vez que abria a boca, ao Stormy recordava a Rosie Pérez. De um metro e cinqüenta e cinco de estatura, era muito mais baixa que suas duas colegas, e gozava de uma figura totalmente curvilínea. Tinha os lábios grossos e carnudos e a pele cor de argila; levava uma juba não muito larga, similar a do Brooke, mas de um tom negro azeviche e que se ondulada sobre os ombros. Os olhos castanhos escuros tinham o tom adocicado do chocolate com leite. Ia embelezada com uns jeans de alta costura e um suéter de pelúcia que provavelmente custavam mais que todo o vestuário do Stormy.

     Dessas três se lembrava. E foram as três que entraram com ela na biblioteca depois do jantar. E sim, pensou Stormy, Brooke tinha comido; o suficiente para alimentar a um passarinho.

     Uma quarta mulher entrou com uma bandeja de café que deixou em uma mesa e saiu sem dizer uma palavra.

     —Este lugar é... Estranho-disse Stormy.

     —Você acha?

     Melina serviu café em quatro taças, tomou uma e se sentou. Stormy notou que tomava com leite e sem açúcar. Suave mas forte.

     —Parece uma mescla entre um barracão do exército e um convento.

     —Porque isso é o que é-disse Lupe com um sorriso em seu típico acento latino do Brooklyn, enquanto se servia quatro colheradas de açúcar no café.

     Quente e doce, mas só; pensou Stormy.

     Stormy percorreu a sala com os olhos. Era grande, de tetos altos e as quatro paredes estavam totalmente cobertas de livros e manuscritos encadernados, muitos dos quais pareciam muito antigos. O lugar cheirava a papel velho e couro. No extremo oposto havia uma mesa que parecia um escritório, embora estava coberta por uma toalha de cetim violeta. Sobre ele havia um par de candelabros de estanho com velas douradas a ambos os lados de um desgastado livro de couro.

     Stormy olhou o livro, notando de uma vez a Brooke, que se serviu uma taça de café a que não acrescentou nada. Só e amargo.

     Depois ela se serviu o seu com umas gotas de leite para tirar o amargor e um pouco de açúcar para tentar esquecer que a cafeína podia pô-la pelas nuvens e não deixá-la pegar o olho em toda a noite.

     Então Melina falou.

     —Conhecemos a existência do anel em 1516 - começou com sua explicação a chefa da irmandade—, quando uma membro da irmandade comprou o jornal de uma presumida maga que viveu um século antes.

     —Tão antiga é a Irmandade de Ateneu? —perguntou Stormy.

     —Mais inclusive-disse Melina olhando o livro entre os candelabros sobre a toalha violeta.

     —Esse é o jornal? Esse jornal tão antigo? —perguntou Stormy, dando uns passos para o livro que descansava na mesa.

     —Sim.

     Stormy deixou a taça e se aproximou do livro, detendo-se só quando Brooke lhe pôs uma mão surpreendentemente gelada sobre a sua.

     —É muito delicado. Tome cuidado.

     —O que acha que quer roubar a coberta? —perguntou Lupe, sacudindo a cabeça—. Não seja tão histérica, Brookie.

     Era evidente que o ápodo não era um término carinhoso.

     Stormy olhou a ambas as mulheres. Tão diferentes e possivelmente tão iguais. Havia tensão entre elas, mas esse não era seu problema. Relaxando-se, tocou o livro com grande cuidado; levantou a tampa de couro e observou a página amarelada e quebradiça com interesse.

     As palavras fluíam ao longo da página em um alfabeto desconhecido, do que quase não podia distinguir as palavras. Muitas não eram mais que meras sombras. Queria voltar à página, mas não se atreveu por temor a que se desintegrasse.

     —Não está em nosso idioma.

     Depois de dizê-lo se deu conta de que sua observação era mais que evidente.

     —Não-disse Melina—. Faltam muitas páginas, e de outras só há uma parte. Muitas não se podem ler, mas traduzimos as que pudemos. Está escrito em um idioma esquecido, por isso algumas das traduções são pouco sistemáticas ou simplesmente hipóteses. Mas a diária fala do Anel do Empalador».

     —Refere-se ao Vlad o Empalador, aliás, Drácula.

     —É à conclusão que chegamos, sim. As datas coincidem, e posto que se encontrou na Turquia e os turcos estiveram em guerra com os romenos na época do reinado de Drácula, não é uma conclusão absolutamente descabelada.

     Stormy sentiu um estremecimento. Era o anel ao que Vlad se referiu fazia dezesseis anos. Se em algum momento tinha tido alguma dúvida, esta desapareceu por completo. Era o anel que Vlad levava mais de cinco séculos procurando. Stormy se obrigou a levantar a taça, beber devagar e procurar ocultar o tremor de suas mãos.

     —E o jornal diz algo do anel? —perguntou.

     Melina se aproximou do livro e o abriu por uma seção marcada com uma fita vermelha.

     —Esta é a referência-disse—. Se preferir, pode copiá-la e levá-la a um tradutor. Mas lhe asseguro que não encontrará uma interpretação mais exata que a nossa. Para estas coisas só contratamos aos melhores lingüistas.

     —Acredito- —disse Stormy—. Mas se não lhe importar, preferiria copiá-lo. Ou melhor...

     Stormy colocou a mão na mochila que tinha deixado pendurada no respaldo da poltrona e tirou uma câmara de fotos digital, pequena, ligeira, de 8. 5 mega píxels. —Posso?

     Melina assentiu embora sua expressão dizia o contrário.

     Stormy fez várias fotos do livro, incluídos alguns primeiros planos da página com o texto indicado. Depois, guardou a câmara e se voltou para a Melina.

     —Vai me dizer o que tem?

     —É obvio-disse a mulher.

     De uma gaveta do escritório, sob a toalha violeta, Melina tirou uns óculos e uma agenda e começou a ler.

     —«Por petição do príncipe imbuímos o anel da essência de sua amada e criamos um poderoso rito que transcrevemos a um pergaminho. Ambas as coisas lhe foram entregues, junto com nossas instruções. Quando encontrar à mulher, deve lhe colocar o anel no dedo e realizar o rito que criamos. Nesse momento a essência da amada perdida retornará. E então ela recuperará suas lembranças e sua alma. Do mesmo modo, também recuperará alguns traços físicos, traços que são um mistério para nós, mas que o príncipe conhece, ou isso dizem nossas adivinhações. Este é provavelmente o feitiço mais importante que realizei em toda minha larga vida-Melina fez uma pausa antes de continuar—. A união do poder de todos nós, os magos mais capitalistas de nosso tempo, foi uma experiência impressionante, mas, ainda assim, meu coração fica carregado de inquietação, porque existe um lado escuro. A alma perdida, embora seja parte de um todo, é só uma parte, não um todo completo. Para sua volta, deve deslocar outra parte. Vai contra a natureza, e temo as repercussões sobre o todo, sobre o inocente, e sobre minha própria alma por minha participação na criação do que não posso por menos pensar que está mau. Entretanto, encontramos uma forma para que os deuses anulem nossa obra. Um limite temporário. Quando a Estrela Vermelha do Destino eclipse a Vênus, terminará o tempo do feitiço. E todas as partes da alma dormida, tanto da mulher como as de seus descendentes espirituais, ficarão livres para continuar até o outro lado».

     Melina fechou o livro e levantou a cabeça. Tirou-se os óculos e os dobrou com cuidado.

     Stormy olhou ao resto das mulheres reunidas e se deu conta de que era a primeira vez que as duas mulheres escutavam aquelas palavras em voz alta. Brooke parecia intrigada e entusiasmada, enquanto a expressão do Lupe era preocupada e cautelosa.

     —O anel tem o poder de devolver a vida a alguém? —perguntou Lupe genuinamente assombrada.

     —Não o corpo-disse Melina—. Só a alma.

     —E criar o que? Um fantasma? —perguntou Lupe.

     Stormy deixou a taça.

     —É uma transmissão de almas. O espírito morto entra no corpo de uma pessoa viva e se apodera dele-disse. Um estremecimento a percorreu—. Não é assim?

     Melina assentiu.

     —É também minha interpretação, efetivamente.

     —E por descendente espiritual se refere a uma espécie de reencarnação? —perguntou Stormy, embora pensasse que ela conhecia a resposta.

     —Mas não seria uma reencarnação da alma da pessoa morta? —perguntou Lupe.

     Stormy negou com a cabeça.

     —Não necessariamente. Alguns dizem que quando morremos nossa alma volta para fundir-se na alma coletiva, uma alma superior. Ali se compartilham todas as experiências e surge uma nova alma. Isso é a reencarnação. É parte de um todo, mas não é o mesmo todo que existiu anteriormente, a não ser a pessoa renovada.

     Lupe assentiu, como se o entendesse.

     Ao Stormy o tinha explicado o hipnotizador que foi ver em Salem, embora ao princípio não acreditou. Não tinha querido acreditar que o inimigo estava dentro dela, e que era seu antepassado espiritual. Uma parte dela.

     Agora tinha que tentar entender um novo pesadelo. Elisabeta era a esposa do Vlad. Sua esposa morta, oculta no corpo do Stormy, esperando a oportunidade de apoderar-se dele. E o anel que provavelmente ele tinha roubado a noite anterior era quão único podia lhe devolver a vida no corpo do Stormy.

     —Assim que a pergunta é-se perguntou Stormy—, o que acontece com a pessoa viva? Ao proprietário atual do corpo? Expulsam-na de seu corpo... Quando Elisabeta se apodera dele?

     Melina se umedeceu os lábios.

     —Como sabe que seu nome é Elisabeta?

     Os olhos do Stormy olharam à mulher, e por uma décima de segundo, Stormy se sentiu cambalear-se por dentro, mas rapidamente se recuperou e controlou o possível dano causado com sua revelação.

     —Vamos, Melina. Há dito que leva anos me observando. Tem que saber que sou perita em todo o relacionado com vampiros, especialmente no Drácula.

     Melina assentiu, mas continuou olhando ao Stormy com expressão de estranheza durante um segundo mais. Depois suspirou.

     —Não sei o que lhe ocorreria ao proprietário do corpo, mas o rito do que se fala neste jornal poderia ser a receita perfeita para o assassinato metafísico.

     —Não necessariamente-disse Brooke—. Há gente, entre as que me incluo que acreditam que duas almas podem coexistir perfeitamente dentro do mesmo corpo, no caso de que ambas assim o lembrem.

     —Isso seria como ter uma dupla personalidade-disse Stormy—. O que implica um conflito contínuo e a luta pelo controle-falava por experiência pessoal—. Não terminaria até que um dos dois morresse.

     —Sinto discordar-disse Brooke—. Podem compartilhar. Possivelmente inclusive unir-se com o tempo. Melina, diz o rito que a pessoa cujo corpo recebe a alma tem que ser um descendente espiritual?

     —Não.

     —É obsceno-disse Lupe—. Uma bofetada em pleno rosto à ordem sobrenatural, inclusive se funcionar.

     —Exato-disse Melina—. Uma vida termina quando conclui seu tempo. É assim. Não se pode interferir com algo dessa natureza e acreditar que não haverá repercussões graves. E agora... —a mulher fechou os olhos—. Alguém tem o anel.

     —Mas e o rito? —perguntou Stormy—. Vem explicado no jornal?

     —Não-respondeu Melina. E ao dizê-lo, seu olhar se cruzou brevemente com a do Brooke—. Nem sequer sabemos se o rito continua existindo. Inclusive é possível que se desintegrou como ocorreu com tantas outras páginas do jornal.

     —Poderia se recriar? —perguntou Stormy.

     Melina inclinou a cabeça para um lado e estudou ao Stormy em silêncio; outra vez com possivelmente muito interesse.

     —É possível. Um feiticeiro ou um bruxo experiente poderiam criar um feitiço que funcionasse. Ou ao menos tentá-lo, com Deus sabe que resultados. E lógico que há mais de um, ignorante ou por ambicioso, disposto a fazê-lo-Melina sacudiu a cabeça—. Por isso é necessário recuperar o anel. Para pô-lo em um lugar seguro. Enquanto exista, há perigo para uma vida inocente.

     Stormy estava de acordo. Especialmente desde que a vida inocente em questão era a sua própria.

     —E o que significava a última parte? —perguntou—. A da Estrela Vermelha de não sei o que?

     —Não sabemos. Nem sequer sabemos se existia naquela época ou como é chamada pelos astrônomos atuais-Melina devolveu o caderno a seu lugar e o fechou—. Bem. Isso é tudo o que sabemos. Brooke e Lupe, minhas duas diretas subordinadas, são as únicas pessoas que sabem além de mim. E agora você, é obvio-se aproximou do Stormy—. Acredita que poderá encontrar o anel e recuperá-lo?

     Umedecendo-se nervosamente os lábios, Stormy assentiu.

     —Acredito que não fica outro remédio.

    

     Tinha passado muito tempo. Muito tempo.

     Elisabeta seguia viva. Vlad a sentia viva e alerta, no mais profundo da consciência do Tempest, esperando que ele a resgatasse.

     E possivelmente o que tinha ouvido do mais profundo da mente do Tempest exigia sua intervenção.

     A mulher chamada Melina, a chefa da pequena congregação, convidou ao Tempest a passar a noite ali e Vlad suspirou aliviado. Não podia esperar muito mais. Precisava estar com ela.

     Mas tinha que tomar cuidado. Não sabia como reagiria ao vê-lo pela primeira vez em dezesseis anos, mas não podia ir sem vê-la.

    O dormitório onde a alojaram tinha um pequeno terraço. Vlad saltou até ali sigilosamente e ouviu o ruído da ducha no quarto de banho contíguo.

     Por fim o som da água cessou, e Vlad esperou. Viu-a entrar no dormitório usando só uma toalha. E quando a toalha caiu ao chão, todo seu corpo se acendeu ao vê-la, nua, molhada e preciosa.

     Stormy cruzou o dormitório, retirou as cobertas, deitou-se na cama e fechou os olhos.

     Estava cansada. Vlad sentia o cansaço nela e esperou que dormisse. Não demorou muito. Depois, abriu a porta de cristal e entrou sigilosamente no dormitório.

     Permaneceu um comprido momento junto à cama, sentindo-a. Sua fragrância, tão conhecida e excitante, os sons de sua respiração, lentos e profundos, seu rosto. O cabelo, antes cor platino, tinha agora novas tonalidades, douradas e mel, mescladas com mechas mais pálidas. Levava-o um pouco mais comprido que antes, com um corte menos agressivo. Desejava acariciá-la e saboreá-la, e saber que os lençóis eram a única coisa que cobria o corpo feminino, o fazia arder por dentro de paixão.

     Mas não estava ali para isso. Necessitava informação. E o anel.

     Sentou-se em uma cadeira e se concentrou na mente feminina, entrando lentamente nela, com cuidado, para que Tempest não fosse consciente da intrusão. Tampouco queria despertar a Elisabeta. Fechou os olhos e se afundou em seus sonhos. Stormy estava em um veleiro, tombada em coberta, seu corpo banhado pela luz da lua cheia que iluminava tudo do céu ao mar a seu redor. Logo que levava um tecido branco que a cobria de um ombro até os pés.

     Tempest estava sorrindo a alguém. Com uma mescla de surpresa e prazer, Vlad se deu conta de que era ele. Ele estava em seus sonhos. E se aproximava dela, estirando a mão e lhe dizendo que não tivesse medo.

     —Não tenho medo-lhe disse ela—. De ti não-lhe assegurou e inclinou a cabeça—. Elisabeta não pode entrar em meus sonhos. Sabia?

     A revelação surpreendeu ao Vlad de verdade, mas não ao Vlad sonhado, que assentiu com a cabeça.

     —É o único lugar onde está a salvo dela-disse ele—. Por isso vim aqui.

     Era certo? Era verdade? Parecia quase como se não fosse a primeira vez que Stormy sonhava com ele. Seria certo?

     Tinha que comprová-lo.

     Vlad saiu de sua consciência e a viu tendida na cama, viu a Tempest real, não a Tempest através dos olhos femininos dentro de seu sonho.

     —Não despertará. Estará a salvo no refúgio de seus sonhos-lhe disse ele—. O entende?

     Vlad sentiu seu assentimento, embora Tempest não falou em voz alta. Também sentiu o desejo na mente feminina, o desejo dele, de suas carícias.

     —Tenho que te fazer umas perguntas, Tempest.

     —Sim.

     Vlad estava sentado na beira da cadeira, inclinado para ela. Não pôde evitar acariciá-la, ligeiramente, e de uma vez que lhe ordenava não despertar com o poder de sua mente, percorreu-lhe as bochechas com as pontas dos dedos.

     Stormy se estremeceu de puro desejo. Como seguia reagindo ante ele! Mais inclusive que antes!

     —Tempest, para que buscas o anel?

     —Tenho que encontrá-lo. Prometi-o-respondeu ela em voz alta, embora dormida.

     Vlad foi retirar a mão, mas ela a segurou com a mão e a aproximou da cara. Depois, lentamente, deslizou-a para baixo, pelo pescoço, a garganta, sob os lençóis até o peito.

     Vlad se estremeceu enquanto acariciava com a palma a pele cálida e suave e sentia o mamilo endurecido elevar-se para ele. Tão suave como antes, e mais morna e plena. Stormy arqueou as costas, e ele rodeou e apertou o mamilo entre os dedos.

     —Por que, Tempest? —perguntou ele—. Diga-me por que.

     —Me faça o amor, Vlad.

     —Primeiro me diga isso. Responde as minhas perguntas-insistiu ele.

     Stormy se retorceu na cama, empurrando os lençóis até a cintura, ficando nua ante seus olhos.

     Vlad se estremeceu ao vê-la. Seguia sendo incrivelmente formosa, com uma pele cremosa que quase suplicava suas carícias. Os quadris um pouco mais largos que antes, o corpo um pouco mais formado e arredondado. Já não era o corpo de uma jovem de vinte e três anos, a não ser o de uma mulher, e ele ardia em desejos de enterrar-se nela.

     —Me conte por que tem que encontrar o anel.

     Vlad tomou o outro seio com a mão, apertou-o e o elevou. Depois lhe beliscou o mamilo brandamente, porque adorava vê-la ofegar e estremecer-se cada vez que seus dedos apertavam o endurecido botão.

     —Se o encontrar matará-me.

     —Eu nunca te faria mal, Tempest.

     Outro beliscão, esta vez mais forte. Tempest sorveu uma baforada de ar. Deuses, como a desejava.

     —Com a boca-sussurrou ela.

     —Me diga por que acredita que te matarei-disse, sem poder apartar os olhos dos seios inchados que se elevavam para ele.

     Queria saboreá-los, e não teve suficiente força de vontade para não fazê-lo. Vlad baixou a cabeça, enquanto apertava o peito com a mão e elevava o mamilo para cima, e o lambeu com a língua.

     Tempest gemeu.

     —Mais.

     Ao Vlad adorava aquela nova faceta do Tempest. A jovem com quem tinha estado anos atrás teria esperado que ele tomasse a iniciativa, que ele a acariciasse para depois reagir. Mas a mulher que era agora lhe dizia exatamente o que queria, e ele estava mais que disposto a obedecer e a agradá-la.

     —Diga-me isso Tempest, e te darei o que quer-sussurrou ele lhe banhando a pele sensível com o fôlego.

     —Se conseguir o anel me porá isso e executará o rito-disse ela—. Por favor, Vlad.

     Vlad fechou a boca sobre o mamilo e sugou profundamente. Stormy lhe segurou a cabeça contra ela. Ele a mordeu ligeiramente, e ela se arqueou para ele, suplicando mais.

     Vlad se deteve.

     —Segue falando, Tempest. Conte-me o que quero saber.

     Sem respiração, ela sussurrou:

     —Se realizar o rito, morrerei. Minha alma desaparecerá, e ela se apoderará de meu corpo, e de ti. —disse Tempest, apertando o peito contra seus lábios.

     Ele o voltou a tomar, beijou-o, lambeu e sugou enquanto ela se retorcia baixo ele até que o lençol caiu ao chão, deixando-a nua e totalmente vulnerável.

     Que os deuses me ajudem, pensou Vlad.

     Deslizou a mão pelo corpo feminino, sobre o ventre, até o suave pêlo encaracolado entre as pernas. Stormy separou as coxas e arqueou os quadris contra a mão masculina.

     —O que fará com o anel quando o encontrar? —perguntou ele.

     —Não lhe posso dizer isso. Impedirá-me.

     Vlad deslizou os dedos entre suas dobras. Estava úmida, empapada, e muito excitada.

     —Diga-me isso Tempest-o sussurrou, e deslizou os dedos em seu interior.

     Stormy se estremeceu da cabeça aos pés, e se apertou mais contra ele.

     —O dará a essa mulher? A Melina?

     —Não a conheço. Não confio nela-disse ela. E depois—: Mais forte.

     Vlad afundou os dedos mais profundamente em seu corpo, retirou-os e repetiu o movimento uma vez mais.

     —Me diga o que fará com o anel.

     —Destruí-lo-sussurrou ela.

     Vlad ficou imóvel. Perplexo. Destruí-lo? Não, não podia fazê-lo. Não se atreveria.

     Os olhos femininos piscaram levemente.

     Vlad o viu, e soube que estava começando a sair do sonho, por isso recorreu a todo o poder de sua mente.

     —Não te atreva a despertar, Tempest. Dorme. Sonha. Goza.

     Ela se relaxou um pouco, e ele o recompensou lhe introduzindo de novo os dedos. Uma e outra vez.

     —Te entregue ao prazer, minha formosa Tempest. Entregue-te a mim.

     —Você me fará mal, me destruirá.

     —Se for minha vontade, de nada serve tratar de resistir. Renda-te a mim, Tempest.

     Inclinou-se para frente e voltou a tomar o peito com a boca, com os dentes, usando o polegar para atormentar o clitóris de uma vez que os dedos se afundavam nela e a acariciavam até que a sentiu ao bordo do clímax.

     Tempest gemeu e se retorceu com um poderoso orgasmo enquanto lhe ordenava continuar dormida e não recordar o acontecido mais que como um prazenteiro sonho. O corpo feminino se convulsionou e estremeceu e Tempest sussurrou seu nome uma e outra vez enquanto se desabava por um abismo de prazer.

     Vlad a acariciou até que remeteram os últimos estremecimentos, até que as convulsões terminaram e ela se acalmou. Acariciou-lhe o corpo e lhe falando ao ouvido sussurrou que era dela, que lhe pertencia. Também lhe ordenou confiar nele, acreditar no que lhe dissesse e obedecer a suas ordens. Sempre. Depois a cobriu com os lençóis.

     —Tem-me feito mal-sussurrou ela—. Não voltou para ver-me, Vlad. Só vieste agora, pelo anel. E o tem você.

     Estava começando a ficar nervosa. Vlad a tranqüilizou, lhe acariciando o cabelo e as bochechas.

     —Eu não o tenho, Tempest. Eu não o roubei.

     —Não? Mas o quer. E tem que sabê-lo, inclusive Melina sabe.

     —O que é que sabem?

     Tempest sacudiu a cabeça de um lado a outro, embora não chegou a abrir os olhos.

     —Não te importa verdade? Só quer o caminho livre para que ela volte, inclusive se isso significa minha morte. Quer-me morta. Nada pode me fazer mais mal que isso.

     —Confia em mim, Tempest. Sua vontade é minha. Sua alma é minha. Sabe e deve deixar de lutar contra isso. Fará o que eu te ordene, seja o que for. Mas agora, dorme Tempest. Só dorme.

     Tempest se tranqüilizou uma vez mais enquanto lhe acariciava os ombros e o pescoço.

     —Quero-te, Vlad-sussurrou—. Nunca quis me apaixonar por ti, mas o fiz.

     Vlad não soube como responder a semelhante declaração. Tinha a esperança de que ela continuasse sentindo algo por ele, porque seria mais fácil fazer o que tinha que fazer se contava com sua cooperação.

     Mas nunca imaginou que os sentimentos femininos fossem tão intensos, sobretudo tendo em conta que tinha apagado de sua memória o tempo que tinham estado juntos.

     Stormy se relaxou e caiu em um sono ainda mais profundo.

     Vlad se levantou, foi ao quarto de banho, lavou as mãos de seu aroma e sua essência, sem o menor traço de remorso, e depois jogou água fria na cara.

     À margem do acontecido entre eles, inteirou-se de muitas coisas. De que Tempest não trabalhava para a Irmandade de Ateneu, nem tampouco tinha roubado o anel. Também soube que estava apaixonada por ele, embora ela sabia que ele escolheria a Elisabeta, inclusive a custa de sua vida.

     Mas também tinha sabido algo muito mais importante. Tempest se acreditava imune à invasão da Elisabeta em seus sonhos, mas estava equivocada. Elisabeta tinha estado ali, e o tinha ouvido, sentido e experimentado tudo. Por que não se manifestou? Possivelmente por estar muito fraca depois de tanto tempo, ou possivelmente para conseguir a mesma informação que ele procurava. Quem tinha o anel e como consegui-lo.

     Agora ele sabia que podia visitá-la quando quisesse, e fazer amor com as duas, Tempest e Elisabeta embora só fosse em sonhos.

     E sabia que voltaria noite após noite se podia. Era como um viciado que tinha encontrado a fonte interminável de sua droga e que não podia deixá-lo, especialmente sendo consciente do pouco tempo que ficava. Quatro dias. Quatro breves noites até que a Estrela Vermelha do Destino eclipsasse a Vênus. E então as duas morreriam.

     Vlad voltou para o dormitório, inclinou-se sobre ela e lhe sussurrou ao ouvido:

     —Me recorde só como um sonho, Tempest. E não o esqueça. Voltará a sonhar comigo. Mas de agora em diante, formosa Tempest, suas noites e sua vontade me pertencem.

     —Não vá-sussurrou ela—. Não me deixe outra vez.

     Vlad se inclinou sobre ela, beijou-a na boca e desejou muito mais, mas tinha que ir-se. Tinha que encontrar uma vítima que lhe desse o sangue morno e rico que necessitava antes que lhe falhasse a força de vontade e bebesse do Tempest.

     Isso faria vulnerável a ela, fortaleceria o potente vínculo que havia entre eles e significaria certa debilidade nele. Uma debilidade que poderia lhe impedir de fazer o que tinha que fazer.

     E não podia falhar. Tinha que continuar com seu plano ou tudo estaria perdido.

 

     Com uma agradável sensação de calidez, Stormy começou a despertar. Rodou de flanco, abraçou o travesseiro e suspirou satisfeita com um sorriso nos lábios. Até que despertou por completo e o sorriso se gelou em seus lábios de uma vez que um estremecimento a percorria da cabeça aos pés.

     Vlad tinha estado ali.

     Sentou-se na cama e percorreu com os olhos a escuridão da habitação. As portas do terraço estavam fechadas e no relógio digital junto à cama eram às quatro e quinze da madrugada. Acendeu a luz e não viu ninguém, mas os sentiu: um par de olhos que a observavam.

     A sensação era tão real que girou em redondo e olhou a suas costas, mas não havia ninguém. Entretanto, era como se alguém estivesse a seu lado, respirando junto a sua nuca.

     Aproximou-se das portas do balcão e comprovou que estavam fechadas. Depois acendeu a luz do quarto de banho e viu que estava vazio.

     Voltou para a cama, mas deixou a luz acesa.

     Estava sozinha, sim.

     Mas Vlad tinha estado ali. Estava segura. Não tinha sido só um sonho. Ela conhecia bem a diferença. Levava dezesseis anos sonhando com ele, e nunca se havia sentido assim ao despertar, tão relaxada, tão satisfeita e tão saciada.

     Tragou saliva e, sem deixar-se amedrontar, abriu as portas do terraço e saiu à escuridão da noite.

     —Vlad? Onde está?

     A única resposta foi o suave sussurro da brisa noturna através das árvores que rodeavam a casa.

     —Sei que está aí, Vlad. Sei que quer o maldito anel. Não me tente pôr isso Vlad. Nem te ocorra, advirto-lhe isso.

     Tampouco houve resposta. Permaneceu ali um comprido momento, e foi recordando partes de um sonho que não era um sonho. Recordou as carícias masculinas, o prazer que suas mãos e sua boca provocaram em seu corpo.

     «Não seja tola! Estava-me acariciando. É a mim a quem deseja não a ti! A ti nunca!».

     A voz, tão conhecida e odiada, gritou as palavras dentro de sua mente, e Stormy conteve uma exclamação, segurou-se a cabeça e fechou os olhos. Estes eram os olhos que a estavam observando. Da Elisabeta, que estava despertando de novo em seu interior, cobrando cada vez mais força.

     Stormy recordou as palavras do Vlad. Que ele não tinha o anel, isso lhe havia dito.

     Seria a verdade? Possivelmente sim. Porque se o tivesse, por que não o tinha posto? Por que esperar?

     Possivelmente porque ainda não tinha localizado o rito que necessitava para complementar o feitiço. Possivelmente só estava esperando encontrar o que lhe faltava.

     «de agora em diante, Tempest, suas noites e sua vontade me pertencem».

     Stormy ouviu o sussurro apaixonado, uma ordem, não uma petição.

     Elevou a cabeça e olhou para a escuridão da noite.

     —Nada de mim te pertence, Vlad. Entende-o. Já não sou a jovem inocente de antes. E levo muito tempo estudando aos de sua classe para saber como me proteger. Minha vontade é muito forte para deixar que caia em mãos de um vampiro. Eu sou minha proprietária, não pertenço a nenhum homem. Nem sequer a ti.

   Recordou que lhe havia dito que lhe amava, mas não pensou que Vlad se tomasse a sério uma declaração feita em sonhos.

     —Esteve mau, Vlad. O que me fez ontem à noite, me obrigando a seguir dormida e tentando me convencer de que era um sonho. Esteve mau. Violou-me.

     «Para chegar para mim! E o fará uma e outra vez, sem que você possa fazer nada a respeito».

     —Te cale, Beta.

     Stormy não sentiu nenhuma reação do Vlad. Tragou saliva e baixou a cabeça. Tinha-lhe encantado o momento, mas isso não significava que estivesse bem. Vlad se tinha limitado a tomar.

     Ou melhor, dizendo a dar. Entretanto...

     —De acordo. Vlad só veio a me matar. O aceita, Stormy.

     Porque era certo. Vlad não tinha ido de visita por ela, a não ser para procurar o anel e a Elisabeta.

     —Não permita que volte a ocorrer-se disse em um sussurro.

     E no fundo soube que Vlad estava escutando, em algum lugar.

     —Não o permita.

     Voltou para o dormitório e se meteu na cama, sabendo que Vlad não voltaria àquela noite. O alvorada estava muito perto.

     Stormy desejou poder estar tão segura sobre a Elisabeta. A intrusa adormecida tinha despertado cheia de força e preparada para apresentar batalha, uma batalha que Stormy preferia evitar.

     Rodou na cama com os olhos fechados e por fim conseguiu dormir, embora não obteve o descanso reparador necessário para enfrentar-se ao dia seguinte, a não ser um sonho carregado de lembranças do passado.

    

     Vlad acendeu uma fogueira na chaminé e arrancou os lençóis que cobriam os móveis do castelo para protegê-los do pó. Assim estariam mais cômodos. Encontrou a pouca comida que tinham deixado seus criados seguindo suas ordens e Tempest a devorou faminta como estava. Os encarregados de cuidar do castelo só iam um fim de semana por mês, e embora ele chamou para lhes ordenar que preparassem uma habitação para ela, a despensa estava bastante vazia.

     —Eu não sou o Vlad Drácula original-lhe disse ele.

     Stormy levantou os olhos para olhá-lo, com estranheza.

     —Não?

     —Não, sou muito mais antigo. Eu já tinha vários séculos quando minhas viagens me levaram a Romênia. Foi o destino o que me levou ali. A ela.

     —Elisabeta?

     —Sim-disse ele, com os olhos cravados nas chamas da chaminé—. O príncipe, o verdadeiro filho do rei, morreu sendo muito jovem lutando no campo de batalha, e seu corpo ficou ali abandonado, sem que ninguém o identificasse nem o reclamasse. Seu pai nunca soube o que foi dele, e quando eu cheguei a sua corte ele, já levava vários anos chorando sua morte. Eu conhecia o destino do jovem príncipe. Ouvi-o diretamente do inimigo que o assassinou. O desgraçado, ao dar-se conta de que tinha matado ao príncipe, foi presa do pânico, sabendo que o rei procuraria vingança ao inteirar-se. Por isso despiu ao príncipe, destroçou-lhe a cara e arrastou seu corpo entre uns arbustos, onde nunca o encontraram.

     Vlad baixou a cabeça e fez uma pausa.

     —Quando eu cheguei, o rei me tomou por seu filho perdido. Eu não tive coragem de matar a alegria nos olhos do ancião, e aceitei me fazer passar por seu filho.

     — Entendo.

     Embora Stormy não entendia virtualmente nada, mas queria conhecer mais dele, e da Elisabeta, a mulher que a aterrorizava, e que às vezes parecia possuí-la.

     —Quando a conheci levava cinco anos vivendo como o príncipe Vlad. Casamo-nos ao dia seguinte.

     Stormy o olhou, sem compreender.

     —Só um dia depois de conhecê-la? Não vai me contar nada mais sobre o cortejo?

     Vlad elevou as sobrancelhas.

     —Que mais quer que te conte?

     —Não sei. Como a conheceu, onde, por que te apaixonou por ela. Deve ter sido... Muito intenso, se casaram tão depressa.

     —Intenso, sim-disse ele—. Os detalhes não são importantes.

     —Os detalhes é o único importante.

     Vlad encolheu os ombros e Stormy soube que ele não se permitiria compartilhar seu inferno particular com ela. Ao menos nesse momento, e possivelmente nunca.

     —O resultado é o mesmo. Na nossa noite de bodas tive que liderar a nossos soldados contra os inimigos que tinham cruzado nossas fronteiras, e foi uma batalha muito crua. Muitos de meus soldados morreram. Feriram-me, mas meus homens me levaram a um refúgio e me deixaram ali, protegido do sol.

     Stormy suspirou. Queria conhecer mais detalhe sobre sua relação com a Elisabeta.

     —Foi sorte ou os soldados sabiam que deviam te proteger do sol?

     Vlad voltou à cabeça para ela.

     —Ninguém conhecia minha verdadeira identidade, mas para então todo mundo estava acostumado as minhas aventuras noturnas. Sabiam que antes da alvorada me encerrava em meus aposentos e não saía até de noite-encolheu os ombros—. Possivelmente suspeitavam algo mais. Certamente havia rumores sobre mim já naquela época.

     —Algumas das coisas que se contam sobre ti são bastante desagradáveis.

     Vlad permaneceu em silêncio uns momentos.

     —Não me sinto orgulhoso de algumas das coisas que tenho feito, mas não pedirei perdão. Retornei ao castelo para encontrar a minha esposa morta, e então fui brutal com meus inimigos. Mas isso já passou, e não se pode trocar.

     —Culpava-os de sua morte? —perguntou ela—. A mataram seus inimigos durante sua ausência...?

     Stormy se interrompeu ao ver que ele negava com a cabeça.

     —Como morreu Elisabeta, Vlad?

     Vlad apertou a mandíbula e cravou os olhos na fogueira.

     —Disseram-lhe que eu tinha morrido no campo de batalha, e em sua dor, lançou-se de uma das torres do castelo.

     Stormy não pôde conter uma exclamação de horror e se levou a mão aos lábios involuntariamente.

     —Sinto-o-sussurrou com os olhos empanados de lágrimas.

     Vlad encolheu os ombros e olhou para outro lado.

     —Por que faz isso? —perguntou ela.

     —Fazer o que? —repetiu ele sem olhá-la.

     —Fingir que não lhe afeta, que não te dói.

     —Ocorreu faz muito tempo.

     —E após te comeu por dentro.

     —Não finja que me entende, Tempest. Nem sequer imagina...

     —Passaste todos estes anos esperando sua volta, procurando-a. Não tente me dizer que sua obsessão não se apóia em uma dor insuportável, Vlad. Não desaparecerá.

     —Minha dor não é o tema desta conversação. Perguntaste-me sobre a Elisabeta e lhe disse isso.

     —Não me contaste muito-disse ela—, mas possivelmente posso fazer uma idéia com o pouco que está disposto a me contar. Continua, Vlad. Termina a história. O que ocorreu depois?

     —Seu corpo jazia na capela. Minha querida amiga Rhiannon chegou em minha ausência e me contou o ocorrido. Também me disse que voltaria ao cabo de cinco séculos.

     Stormy assentiu devagar.

     —Ouvi falar do Rhiannon. É muito versada nas artes ocultas. Magia, profecias, adivinhação.

     —Foi uma sacerdotisa do Isis.

     —E você acreditou em suas palavras?

     —É obvio que sim, mas sua volta não era suficiente. Queria me assegurar de que Elisabeta me recordaria que seguiria sendo a mulher que amava, e que voltaria a me amar.

     Tempest se levantou da cadeira e ficou de pé diante dele, obrigando-o a olhá-la.

     —Como pôde fazê-lo?

     —Eu não pude, mas sabia quem podia. Mandei procurar os melhores feiticeiros, magos e bruxos do reino, e quando chegaram lhes encarreguei à tarefa e eles me asseguraram que tinham conseguido. Deram-me o anel do dedo da Elisabeta junto com um pergaminho. Disseram-me que tinham vinculado a essência da Elisabeta ao anel, e que quando ela retornasse, só tinha que lhe colocar o anel no dedo e realizar o rito contido no pergaminho. Assim a recuperaria por completo.

     Vlad ficou em silêncio e observou o rosto feminino, a expressão de seus olhos, esperando sua resposta. Stormy o olhava com os olhos úmidos.

     —E acredita que sou eu. Acredita que esse anel e esse pergaminho podem... Fazer-me recordar o passado?

     Ele assentiu devagar.

     —Ainda não estou convencido de que seja ela. Ainda não. Mas se o é, acredito que o rito o conseguiria, sim.

     Tempest fechou os olhos e baixou a cabeça.

     —O mesmo exército que nos atacou nos dias anteriores a sua morte voltou a atacar depois de enterrá-la-continuou explicando ele—. Fizeram-nos uma emboscada, e mataram a todo mundo. Ao rei, aos camponeses, aos sacerdotes. A todos, inclusive a mim.

     Tempest franziu o cenho um momento, mas em seguida se deu conta do ocorrido.

     —Mas você reviveu.

     —Sim, pouco antes da alvorada. Mas me tinham revistado e me tinham arrebatado tudo o que tinha de valor. O anel e o manuscrito tinham desaparecido-Vlad se aproximou da chaminé e apoiou uma mão no batente de pedra—. Pensei que se te trazia para a Romênia, e te ensinava os lugares que conhecia, as lembranças voltariam para sua mente.

     —Não as minhas-disse ela com a garganta seca—. As dela. E de momento isso não está ocorrendo.

     —Não, e não o fará neste castelo. Que eu saiba, ela nunca veio aqui. O que queria te mostrar são os lugares onde viveu-Vlad olhou por volta da janela—. Mas logo amanhecerá, e devo descansar. Esta noite te levarei a aldeia. Ao castelo de meu pai. Aos lugares que ela conhecia. Possivelmente então possa recuperar alguma lembrança.

     —Não sei se eu poderei, mas com certeza ela sim-disse Stormy, começando a entender sua terrível e trágica situação—. Se apoderará de mim e já não terei controle sobre meu corpo nem sobre meus atos. Não tem nem idéia da horrível sensação que é Vlad. Não quero voltar a passar por isso.

     —Se ocorre-disse ele voltando-se devagar a olhá-la—, te afastarei do que o tenha instigado. E te cuidarei até que volte a recuperar o domínio de seu corpo.

     Stormy não acreditou em suas mentiras nem por um momento.

     —E também me impedirá que faça o que não faria se fosse eu?

     Vlad a olhou, mas não disse nada, e ela fechou os olhos.

     —Quando ela toma o controle, Vlad, já sabe o que ocorre. Entre nós. Vai me obrigar a dizê-lo?

     Vlad tampouco respondeu, e Stormy recordou as coisas que tinha feito durante esses intervalos: lançava-se a seus braços, beijava-o e bebia de sua boca de uma vez que sussurrava palavras de amor em romeno. Arqueava-se para ele, pegava os quadris às suas e lhe dizia o muito que o desejava. Só que não era ela. Era Elisabeta. Stormy não era mais que uma testemunha muda e imóvel da situação. E, entretanto, ardia com o mesmo desejo que a outra sentia por ele.

     —Necessito sua promessa, Vlad. Prometa-me que não me fará o amor... A menos que esteja seguro de que sou eu.

     Vlad a segurou pelos ombros e a voltou para ele. Depois lhe elevou o queixo e a obrigou a olhá-lo.

     —E se estiver seguro de que é você? —perguntou—. Nesse caso, pensa te deitar comigo, Tempest?

     —Não sei. Não sei se o que sinto por ti é real, é meu desejo ou algo que Elisabeta plantou em mim. Não sei.

     —E não quer ter uma relação sexual até que saiba-disse ele.

     —Sei que não tem que esperar se não quiser. Pode me ter quando quiser, bem à força, bem utilizando o poder de sua mente para me submeter a sua vontade. Nem sequer vou mentir e te dizer que te odiaria por isso. Desejo-o-lhe confessou ela—. Com todas minhas forças. Mas te peço que não o faça. Peço-te que espere.

     Vlad lhe segurou uma mecha de cabelo com a mão, jogou-lhe a cabeça para trás e tomou a boca embora só brevemente. Foi um beijo faminto, e por um breve instante lhe colocou a língua na boca para saboreá-la. Depois apartou a cabeça.

     Stormy estava tremendo.

     —Inclusive se apodera de mim. Inclusive se te suplica que a faça tua.

     —Será uma prova difícil que não posso prometer poder cumprir-Vlad lhe acariciou a bochecha com o dedo, e depois a mandíbula e o pescoço—. Mas tenha por seguro, Tempest, que se isto não é mais que um jogo, se me está mentindo, se tenta me convencer de que é meu Elisabeta como tantas outras mulheres o tentaram ao longo dos anos, tomarei conta por completo de ti e te converterei em minha escrava, um farrapo sem vontade própria-a ameaçou ele—. Só existirá para meu prazer e só durante o tempo que eu o deseje.

     Stormy elevou os olhos e sussurrou:

     —Isso é uma ameaça, Vlad? Porque não soa tão horrível.

     Vlad elevou as sobrancelhas, mas não disse nada. Entretanto, ela viu a paixão em seus olhos, e por um momento acreditou que a sentia por ela e não pela mulher que a possuía.

     Stormy lhe roçou o ombro sem apartar o olhar de seus olhos.

     —Quero voltar a ser eu de novo, por completo. Quero entender isto e mais ainda... Sinto algo por ti, Vlad. Um pouco muito forte, e me mata não saber se são meus sentimentos ou os dela. Quero esclarecê-lo, e pela primeira vez tenho o pressentimento de que agora terei a oportunidade de fazê-lo. Sim, irei contigo a visitar esses lugares.

     Vlad desviou a vista uma vez que suas feições se endureciam visivelmente.

     —Não tem eleição-disse ele.

     —Não, isso é certo, não tenho eleição-a repôs, baixando os olhos—. Mas me diga uma coisa, Vlad. Se ela consegue voltar para a vida, o que será de mim?

     Vlad olhou para a janela de novo.

     —Vai sair o sol, noto-o.

     A resposta foi para o Stormy como uma faca cravada no coração porque se deu conta de que ao Vlad não importava absolutamente o que lhe ocorresse. Absolutamente.

    

     Stormy não pôde evitar levar ao Brooke com ela quando voltou para o museu. Na verdade, não sabia por que se incomodava em voltar para a cena do crime. Sabia perfeitamente quem tinha sido o autor do roubo do anel. Vlad. Tinha que ser ele, por muito que o negasse. Não interessava a ninguém mais. Além disso, ela sabia que Vlad estava perto. Sentia sua presença, e seguia decidida a expulsa-la de seu próprio corpo para recuperar à lunática queixosa de sua esposa.

     Não deveria lhe doer, mas lhe doía.

     —Essa é a sala, não? —perguntou Brooke enquanto caminhavam pelos largos corredores do museu.

     —Sim, essa é.

     Embora não havia fitas de polícia nem cordão de segurança, a porta da sala estava fechada.

     Stormy olhou a um lado e outro do corredor e, ao não ver ninguém, segurou o trinco da porta com uma mão e o tentou girar. Para sua surpresa, o trinco cedeu.

     —Não está fechada. Quem iria pensar?

     —De verdade acredita que...? —começou Brooke com certo temor.

     —Só será um minuto-lhe interrompeu Stormy—. Ouça, por que não vai dar uma volta? Não demorarei.

     —Nem pensar. Se você entrar aí, eu vou contigo.

     Stormy franziu o cenho, mas não perdeu tempo e penetrou na sala, com a Brooke perto dela. Fechou a porta e olhou a seu redor.

     —Melina não confia em mim, verdade?

     Brooke pareceu surpreendida.

     —Por que o diz?

     —Mandou a ti para me acompanhar, e se comporta como se te tivesse dado a ordem explícita de não me perder de vista nem um segundo.

     Brooke sacudiu a cabeça.

     —Não é Melina. Sou eu. O caso me interessa muito.

     —Sério?

     Brooke assentiu.

     —Parece-me fascinante. Não me diga que não lhe parece isso? Você ganha a vida investigando este tipo de coisas.

     —É obvio que me parece isso. Por isso estou metida neste mundo. Mas também o está você, em certo modo. Ao igual a sua... Irmandade.

     Brooke assentiu, mas não explicou a que se devia o interesse da irmandade.

     —E me diga a que vem o especial interesse neste caso? —insistiu Stormy ao não obter resposta.

     Brooke encolheu os ombros e olhou a seu redor, depois assinalou com o dedo.

     —Devem ter entrado por aí, não acha?

     Stormy olhou à janela, que tinha sido coberta com uma lâmina de plástico azul, certamente até que trocassem o cristal. Aproximou-se e levantou o plástico. Sem dúvida o autor do roubo tinha quebrado o cristal sem muito cuidado e ainda ficavam restos bicudos cravados no marco.

     —É o ponto de entrada, sim-confirmou. Com cuidado apareceu ao exterior—. Aqui há uma cornija. Suponho que o intruso pôde escalar por essa árvore, deslizar-se pela cornija até a janela e entrar.

     «A menos», sussurrou-lhe uma vozinha em seu interior, «que saltasse diretamente do chão. Nada difícil para um vampiro».

     Brooke tratou de aparecer, mas Stormy deixou cair o plástico de novo em seu lugar.

     —Bem, pergunto-lhe isso outra vez, a que se deve o especial interesse que tem no caso, Brooke?

     Brooke pareceu dar-se conta de que não ia evitar tão facilmente a pergunta e após pensar um momento disse:

     —Não estou acostumada a discordar com a Melina, mas desta vez temos teorias distintas, e quero encontrar provas que demonstrem qual das duas tem razão.

     —Tão importante é para ti ter razão? —perguntou Stormy—. Ou o é mais demonstrar que é ela quem está equivocada?

     Brooke encolheu os ombros sem deixar entrever nada.

     —Só quero saber, seja o que for.

     —Bem.

     Stormy arquivou a informação e continuou examinando a sala. Em uma das esquinas havia uma câmara de segurança e desejou poder fazer uma cópia da gravação. O que não se visse nas imagens lhe diria tanto como o que se visse.

     Umas vozes aproximando-se pelo corredor a sobressaltaram e as duas mulheres se aproximaram sigilosas a uma parede, tratando de ocultar-se aos olhos de uma possível visita, mas as vozes não demoraram para afastar-se.

     —Será melhor que vamos-disse Stormy—. Acredito que já vimos tudo o que tinha para ver.

     Brooke assentiu e Stormy se aproximou da porta, encostou a orelha a ela um momento, e depois de uma rápida olhada ao corredor, saiu. Brooke a seguiu sem que ninguém as visse.

     —E agora o que? —perguntou Brooke—. Já vamos?

     —Ainda não-disse Stormy—. Quero ver o ponto de entrada do exterior.

     As duas mulheres saíram do museu e rodearam o edifício até o lateral onde estava a janela quebrada. Stormy estudou a rua de extremo a extremo, sem perder nem um só detalhe, enquanto continuava interrogando ao Brooke.

     —Quanto tempo leva na irmandade, Brooke?

     —Dezoito anos. Quanto leva você investigando casos sobrenaturais?

     —Oficialmente? Uns dezesseis anos. Mas Max e eu fomos detetives aficionadas desde adolescentes. Um pouco como a turma do Scooby Doo.

     —Que curioso-disse Brooke, sorridente, afastando-se um pouco.

     —Devia ser muito jovem quando te uniu a irmandade, não? —perguntou Stormy, de uma vez que se fixava em uma cuba de lixo que parecia discordante.

     A cuba estava pintada de verde, levava o símbolo de uma folha de bordo em uma lateral e estava colocado sob uma árvore com um largo ramo baixo junto ao edifício do museu.

     —Tinha dezessete anos.

     —Sério? E Melina?

     Alguém podia ter subido no ramo usando o cubo de lixo, pensou Stormy, e do ramo não lhe devia ter sido muito difícil subir até a cornija e chegar à janela.

     —O que quer saber dela?

     —Suponho que as duas têm mais ou menos a mesma idade, não?

     —Ela é um ano mais velha que eu, e entrou na irmandade um ano antes.

     —Hmm.

     Brooke a olhou.

     —O que?

     —Nada.

     Stormy tinha localizado outras cubas de lixo. Todos eram verdes, com o mesmo logotipo da folha de bordo na lateral, mas não na calçada, mas sim do outro lado da rua, em um pequeno parque. Ali as cubas estavam distribuídas a intervalos regulares com o passar do atalho.

     —Venha, esse «humm» significava algo-disse Brooke.

     Stormy encolheu os ombros.

     —Bom, não sei. É que não entendo muito bem por que a chefa é ela, e não você. Tem que ver com a idade Ou...?

     Já não havia mais cubas de lixo no resto da rua nem tampouco na calçada. Todas estavam no parque. Por isso alguém tinha colocado aquela expressamente debaixo da árvore. Claro que um vampiro não precisaria mover uma cuba de lixo do outro lado da rua, subir em uma árvore nem caminhar pela cornija de um edifício para chegar a essa janela. Só tinha que pôr-se a voar.

     Pela primeira vez, Stormy pensou que possivelmente Vlad lhe havia dito a verdade. Possivelmente ele não tinha o anel.

     —A chefa anterior escolhe à nova. Para ser sincera, Eleonore nos estava preparando as duas para ocupar seu lugar, mas teve que escolher a uma.

     —E escolheu a Melina.

     —Sim.

     —Isso não deve te ter deixado satisfeita.

     Brooke lhe dirigiu um olhar sério, com o cenho franzido.

     —Não seja ridícula. Se eu não gostasse, não seguiria aqui.

     —Não, suponho que não.

   —Bom, tem descoberto algo? Alguma pista ou o que seja que procurem quando investigam um roubo?

     Stormy pensou que tinha descoberto muitas coisas. Sobretudo uma. Se Vlad não tinha o anel, quem o tinha? E por que se sentia de repente mais vulnerável que alguma vez tinha se sentido, quando sabia perfeitamente que não havia ameaça maior contra ela que ele?

     —O que te parece se formos comer algo? —sugeriu em voz alta—. Depois podemos passar pela delegacia de polícia a ver se conseguimos que nos contem algo sobre o que tem descoberto a polícia até o momento.

     —Acha que nos dirão algo? —perguntou Brooke com evidente ceticismo.

     —Voluntariamente é obvio que não.

 

     O dia não tinha sido muito produtivo, mas nesse momento, Stormy sabia que não podia descartar que o ladrão do anel fosse uma pessoa mortal, não Vlad.

     Possivelmente à noite lhe desse mais respostas.

     Alegando cansaço, Stormy se retirou cedo a sua habitação. Mas não estava cansada. Estava nervosa, excitada e aterrada de uma só vez. Stormy sabia que Vlad iria a ela aquela noite. O medo era lógico, mas não a excitação nem o desejo.

     Abriu as janelas para que a brisa noturna entrasse no dormitório e entrou no banheiro para tomar um banho quente e relaxante. Quando saiu depois de secar-se e completamente nua ao dormitório, ele estava ali. Esperando-a.

     Estava sentado em uma poltrona, na escuridão de uma esquina. Não lhe surpreendeu, nem sequer se sentiu coibida por estar nua diante dele. Era o mais normal e natural.

     —Olá, Tempest-disse ele.

     Stormy se esticou e procurou uma bata.

     —Sabia que viria, agora que apareceu o anel-disse ela a modo de resposta—. Diga-me, Vlad, o de ontem à noite foi real?

     Vlad ficou em pé, aproximou-se dela e lhe tirou a bata das mãos sem lhe dar a oportunidade de colocá-la. A ela lhe fez um nó no ventre, e inclusive então sentiu a presença alheia agitando-se no mais profundo de seu ser.

     —Eu gosto de te olhar. Conceda-me ao menos isso-disse ele em voz baixa.

     —Sabe que não posso Vlad. Não sabe o que significaria o que me faria. Inclusive agora está despertando tratando de me dominar. O mero feito de estar perto de ti...

     —Sei Tempest. Acredite-me, sei.

     —Claro que sabe. Por isso está aqui.

     Vlad pareceu surpreso ante a veemência da declaração, mas continuou.

     —Nunca estive longe de ti-lhe assegurou ele.

     Fosse verdade ou uma descarada mentira, Stormy preferiu acreditar nas palavras e as armazenar em seu coração como um prezado tesouro.

     —Joguei-te tanto de menos-sussurrou.

     Vlad agachou à cabeça e a beijou, rodeou-lhe a cintura com os braços e apertou o corpo nu contra o seu, vestido. Colocou a língua na boca feminina e ela a pegou e se arqueou contra ele. Mas a «outra» estava despertando, subindo pouco a pouco à superfície, exigindo a posse do corpo do Stormy.

     Esta se separou dele.

     —Desejo-te-disse ele quase com um rugido.

     E Stormy se deu conta de que não pronunciou seu nome, por isso suspeitou que em realidade se dirigia a Elisabeta, não a ela.

     —Não seria eu —disse —. Estaria fazendo o amor a ela. Meu corpo, sua alma-olhou aos olhos e lhe sustentou o olhar—. Possivelmente não te importaria tanto. É ela que de verdade quer.

     —E o que tem Tempest? Não acredito que você me rechaçasse, e sei que ela não o faria.

     —Então faz-o-disse.

     Stormy o viu franzir o cenho.

     —Tempest?

     —Sim, sigo sendo eu, maldita seja. Faz-o. Tome e vejamos o que acontece. Mas lhe advirto isso, Vlad, se me puser esse anel no dedo...

     —Eu não tenho o anel.

     —Por favor, não me minta, Vlad. Por favor...

     —Eu não o tenho, Tempest. Vim para buscá-lo, mas alguém me adiantou. Até ontem à noite, pensava que o tinha você.

     Stormy fechou os olhos, desejando poder acreditá-lo.

     —Ontem à noite descobri uma coisa, Tempest-o disse—. E sabe do que se trata, não? Elisabeta não pode invadir seus sonhos. Pode invadir todo seu ser, tudo, exceto seus sonhos. Ontem à noite, apresentei-me em seus sonhos, e ela não pôde apoderar-se de sua mente. Seus sonhos são teus. Pelo visto é um terreno seguro.

     Stormy piscou e o olhou.

     —Mas só invadiu minha mente.

     —Não, Tempest. Foi real. Acariciei-te, beijei-te. Você... —Vlad fechou os olhos.

     —Não sabia que conseguir a permissão da mulher fora uma de suas prioridades, Vlad.

     Vlad baixou a cabeça.

     —Ouvi-te me amaldiçoar pouco antes do alvorada, mas ainda não sei se foi de tudo sincera. Embora acredite que os dois sabemos que te tomarei de uma maneira ou outra.

     Stormy tampouco queria pensar nisso.

     —Parece-me que não te acredito-disse.

     —Me rechace e saberá.

     Stormy baixou os olhos e não respondeu. Seu corpo o desejava com toda sua paixão. Queria aceitar que ele a tomasse de todas as formas imagináveis. Queria rechaçá-lo e desfrutar de ser submetida por sua vontade.

     —Trouxe-te uma coisa-disse ele, lhe oferecendo um objeto que tinha deixado na mesa de cabeceira.

     Era uma fita de vídeo.

     —O que é?

     —As gravações de segurança do museu. Tirei-as da delegacia de polícia.

     Stormy levantou as sobrancelhas, mas não teve que perguntar como as tinha conseguido.

     —Vê-se algo?

     —Não sei não as vi. Deixarei que você o faça e me conte o que averiguar.

     Stormy piscou, com uma mescla de raiva e perplexidade.

     —O que te faz pensar que lhe contarei isso?

     —Ao menos assim saberá que eu não tenho o anel. Eu não tenho nem o tempo nem o desejo de repassar horas de gravações, nem acesso a uma equipamento áudio-visual. E se decidir não me contar o que averigúe não me custará nada te ordenar que me conte isso ou simplesmente invadir sua mente para lê-lo diretamente.

     —Tão seguro está de seu poder?

     Vlad a olhou aos olhos e sorriu devagar com um brilho diabólico nos olhos.

     —Contigo? Sim, Tempest, é obvio que sim. Fará tudo o que eu te ordene.

     Vlad olhou à cama, e ela também, e soube no que estava pensando. Ela estava pensando o mesmo. Seu orgulho queria rechaçá-lo, mas decidiu mandar ao orgulho ao inferno. Desejava-o; era uma força a que nem sequer se tentou resistir. Era ele quem lhe obrigava a sentir-se assim, inclusive nesse momento? Ou era o desejo da Elisabeta o que havia em seu interior? Ou acaso poderia ser o seu?

     Stormy o desejava tanto que tremia. Respirava entrecortadamente enquanto que o coração lhe retumbava com acelerados pulsados no peito.

     Aproximou-se da cama, deixou a fita sobre a mesa e se meteu sob os lençóis. Depois de tampar-se fechou os olhos.

     —Agora vou dormir. É bem-vindo em meus sonhos. Sempre o foste.

     Vlad se aproximou da cama e se sentou no bordo.

     —Abre os olhos, Tempest.

     Ela assim o fez e se encontrou olhando aos dele.

     —Não pisque e não desvie o olhar. Olhe-me aos olhos, sente minha vontade. Sente-a?

     —Sim-sussurrou ela.

     —Bem. Agora fecha os olhos e dorme. Dorme. Esteja alerta e consciente, e recorda-o tudo, mas dorme. E não desperte até que eu lhe diga isso.

     —Sim-Stormy se umedeceu os lábios a enquanto os últimos vestígios de controle desapareceram por completo—. Faça-me tua, Vlad.

     Estava dormida, embora sentiu como Vlad retirava os lençóis, inclinava-se sobre ela e a acariciava. Percebia perfeitamente todas suas carícias, mas não podia mover-se nem reagir. Era como uma marionete em suas mãos. Só se movia quando ele queria, mas não por própria vontade.

     As mãos masculinas lhe acariciaram o seio, esfregando e apertando-a. E depois seguiu o mesmo atalho com os lábios, beijando-a e lambendo-a.

     Stormy desejou lhe segurar a cabeça e mantê-la contra seu peito, mas não podia mover-se.

     Vlad deslizou uma mão entre suas pernas.

     «as separe», sussurrou dentro de sua mente.

     De repente, as pernas femininas puderam mover-se, separar-se, e separar-se ainda mais quando a vontade masculina assim o indicou. Stormy ficou ali tendida, totalmente exposta a ele, e ele a explorou com os dedos, entrando-os em seu corpo e beliscando o centro de seu primeiro desejo ligeiramente e depois com mais força.

     Stormy se ouviu gemer de prazer, e sentiu os dentes do Vlad no mamilo, imitando os movimentos dos dedos. Beliscando, atirando, convertendo a dor em prazer. Stormy queria arquear as costas, lhe oferecer os peitos; desejava agitar os quadris ao ritmo dos movimentos da mão que se afundava uma e outra vez em seu corpo. Mas não podia mover-se. Estava paralisada.

     E então ele começou a deslizar-se por seu corpo, lhe acariciando o ventre e o abdômen com a língua e os lábios úmidos até chegar por fim ao centro de seu ser.

     A sensação foi tão intensa que Stormy quis fechar as pernas para poder suportá-la, mas estas não se moveram. Ao contrário, abriram-se ainda mais, obedecendo à vontade dele, que a fez arquear os quadris para cima para lhe dar melhor acesso.

     Com a língua lhe lambeu os lábios e depois entre as dobras antes de afundar-se dentro dela, e Stormy sentiu que seus quadris se elevavam ainda mais para esfregar-se contra a boca que a possuía.

     Vlad a lambeu com o frenesi de um faminto, arranhando-a com os dentes e lhe mordiscando a pele. E com as mãos a abriu ainda mais, deixando-a a mercê de sua língua e sua boca, de uma vez que utilizava seu poder mental para fazê-la acariciar os seios com as mãos, e se retorcer e beliscar os mamilos.

     Era totalmente sua e estava por completo em seu poder. Podia fazer com ela o que quisesse, e isso foi precisamente o que fez. Ela não podia resistir nem rechaçá-lo. Embora, se tivesse podido, tampouco o teria feito. Desejava-o muito.

     A mente do Vlad lhe sussurrou:

     «Te entregue a mim, Tempest. Corra-te em minha boca, agora».

     O corpo feminino reagiu obedientemente enquanto ele continuava mordendo-a e sugando-a com mais força que antes e a obrigava a beliscar os mamilos. Stormy explorou em sua boca, e ele bebeu dela enquanto o corpo feminino se convulsionava descontroladamente. As sensações eram tão entristecedoras que Stormy queria apartar-se, mas ele não o permitiu, mas sim a obrigou a permanecer tombada, aberta e totalmente a sua mercê, até deixá-la reduzida a uma massa ofegante de sensações e espasmos.

     Então ele se colocou sobre seu corpo e se afundou nela.

     —Outra vez-sussurrou, movendo-se dentro dela—. Mova-te comigo.

     Stormy o fez, apesar da intensidade das sensações, a paixão renasceu de novo inclusive antes de apagar de tudo.

     Sem soltá-la, penetrou-a com força uma e outra vez, deixando-a quase sem respiração, e esta vez, quando os dois alcançaram o clímax, Vlad cravou os dentes na garganta feminina e bebeu sua essência, seu sangue.

     O orgasmo foi muito mais intenso e entristecedor que qualquer outro no passado. Stormy sentiu tudo. O corpo masculino duro e pulsando dentro dela, invadindo-a, enchendo-a. Os dentes cravados na carne macia da garganta enquanto a boca de seu amado sugava o sangue de seu corpo. Era dele, total e completamente dele, e seu corpo e sua alma exploraram seguindo suas ordens. Com uma força inesperada.

     Com tanta força que de fato despertou do lúcido sonho e o encontrou ainda ali, dentro dela, abraçando-a, beijando-a na garganta e lambendo as feridas que lhe tinha deixado na delicada e pálida carne do pescoço, inclusive enquanto começava a mover-se nela de novo para voltar a prender a chama.

     Elisabeta cobrou vida de repente e Stormy quase não teve tempo de sussurrar uma negativa antes de desaparecer.

     —Não-foi tudo o que pôde balbuciar.

     Seu tempo com o Vlad tinha terminado. A invasora acabava de expulsá-la de seu corpo.

    

     Quando sentiu as unhas que lhe arranhavam as costas, Vlad se deu conta de que ela tinha trocado. Já não respondia às sugestões de sua mente, mas sim se movia por vontade própria, e quando se retirou para olhá-la, perguntando-se como tinha conseguido escapar ao poder de sua mente, viu que tinha os olhos muito abertos...

     ... E que eram negros como a noite.

     —Tempest...

     —Já não está, e não a deixarei voltar. Esta vez não, Vlad. Este corpo é meu-disse Elisabeta, lhe rodeando o pescoço com os braços e pegando os quadris mais a ele.

     Vlad se moveu uma, duas vezes, fechou os olhos e se rendeu à paixão que surgiu nele. Tremia de desejo e ardor, e só desejava tomar o que necessitava como tinha feito sempre. Esta vez não era diferente.

     E tomou. Tomou as duas, a Elisabeta e ao Tempest. Nenhuma das duas o rechaçou, embora tampouco teria importado que o tivessem feito.

     Montou-a cada vez com mais força, sentindo as unhas que lhe arranhavam as costas, ouvindo os gemidos enquanto a cama golpeava contra a parede com a força de cada tranco, e a penetrou ainda com mais raiva. Não lhe importava lhe causar mal.

     —Elisabeta! —exclamou seu nome enquanto se derramava nela, investindo-a uma e outra vez.

     Elisabeta gemeu, possivelmente de dor ou possivelmente de prazer, mas não lhe importou. Devagar saiu dela, mas não ficou na cama a abraçá-la nem beijá-la, mas sim se levantou e começou a procurar suas roupas.

     —Voltei para ti, Vlad-sussurrou Elisabeta, retorcendo-se na cama como uma gata satisfeita, abraçando o travesseiro—. E esta vez será para sempre.

     —Então está morta? Conseguiste expulsá-la do corpo sem minha ajuda?

     Beta se sentou na cama.

     —O que importa isso? É a mim que amas. Eu sou sua esposa, Vlad. Sua esposa.

     —Não tem que me recordar isso. Levo te buscando desde o dia de sua morte, Elisabeta.

     —Mas não morri-disse ela—. Não de tudo. Seus magos e feiticeiros não me permitiram isso. Encerraram minha essência em um estado intermediário, e a uniram ao anel. Não podia ter seguido até o outro lado nem que tivesse querido. Mas não queria Vlad. Não queria te deixar e não o tenho feito-o olhou com os olhos cheios de lágrimas—. Vlad, por que não te alegra? Não era isto o que queria?

     —É o que sempre quis-disse ele, vestindo-se.

     Mas ela continuava chorando e ele não pôde lhe dar as costas por completo. Sentou-se na cama e a abraçou.

     —Nunca deixei que te querer, Beta. Nem deixei de desejar sua volta. Mas tenho que sabê-lo. Está morta?

     Elisabeta o olhou, e ele soube, antes de ouvir a resposta, que ela ia mentir. Por isso a beijou, para impedi-lo, e ao fazê-lo entrou em sua mente e leu o que ali havia com total facilidade.

     Mas não havia respostas e pensamentos específicos, só uma sensação de veemência, ódio e raiva que o surpreendeu, e Vlad interrompeu o beijo como se queimasse. Também sentiu ao Tempest ali, viva, mas apanhada. Cativa dentro de seu próprio corpo.

     —Meu amor? —perguntou Elisabeta—. Não pode ficar comigo? Só um momento mais?

     —Não, Beta. Devo ir. E você também. As amigas do Tempest virão procurá-la logo, e saberão o que tem feito a menos que... Retire-te. Volta a dormir em seu interior e espera ao momento oportuno.

     Os lábios da Elisabeta se esticaram.

     —Não-se negou com raiva—. É muito difícil conseguir o controle. Se o ceder agora possivelmente não volte a recuperá-lo nunca.

     —O recuperará-o disse—. Prometo-lhe isso. Não confia em mim? —tomou a bochecha na palma da mão—. Por favor, Beta. Deixa-a sair de novo. De momento.

     Por um momento, Vlad viu raiva e ira brilhar no fundo dos olhos negros, mas Elisabeta em seguida piscou e acessou.

     —Está bem. Farei o que diz. De momento.

     Elisabeta se tendeu na cama, cobriu-se e fechou os olhos. Em uns momentos respirava pausadamente.

     Vlad lhe tocou o cabelo, a cara.

     —Tempest?

     Ela não respondeu, continuou dormindo. Tentou entrar em sua mente, mas não pôde. Uma barreira o impediu.

     Elisabeta. Não era a mulher que recordava, mas Vlad sabia que ele era o responsável por aquela mudança. Prisioneira e apanhada durante centenas de anos, como não perder-se em muita raiva, ira e inclusive loucura?

     —Sinto muito. Beta. Sinto o que te fiz, mas te prometo que lhe compensarei isso.

     Depositando um beijo na frente da mulher, Vlad se levantou, foi à janela e saltou a terra, mas não chegou a aterrissar. Em lugar disso, trocou de forma e sobrevoou por cima dos muros da mansão Ateneu.

 

   Desejava a outra mulher.

     O coração emprestado da Elisabeta parecia haver-se convertido em uma parte de gelo. Seu príncipe, seu marido, que lhe tinha prometido a vida eterna, seguia amando-a, sim, mas também amava a aquela Tempest.

     Claro que lhe enganou. Fingiu obedecer a seus desejos, retrair-se e devolver o controle ao Tempest, mas o certo era que só tinha fingido estar dormida até que ele tinha saído da habitação.

     Mas não mais.

     A mulher cujo corpo possuía Tempest, que se fazia chamar Stormy, revolveu-se em seu interior, lutando para recuperar o controle, e Elisabeta soube que tinha que trabalhar depressa e fazer o necessário para vencê-la. Porque agora não podia confiar em que Vlad o fizesse por ela. Tinha que fazê-lo sozinha.

     —Não voltará-disse a que tinha deslocado—. Esta vez não.

    

     Stormy sonhou e recordou mais fragmentos de seu passado. Uma vez mais estava na Romênia, no castelo do Vlad.

     Com um candelabro na mão, Vlad a levou ao andar superior pela ampla escada de madeira e até uma espetacular habitação de altos tetos dominada por uma enorme cama com dossel e cortinados brancos. Para sua surpresa, a cama parecia, coberta por um grosso edredom e a habitação estava surpreendentemente limpa. Stormy se aproximou da cama, passou uma mão pelo edredom e respirou o suave aroma de roupa limpa e recém lavada.

     —Está tudo limpo-disse olhando ao Vlad.

     Ele continuava de pé junto à porta.

     —Chamei para que lhe preparassem uma habitação. Espero que esteja cômoda.

     —Sim-disse ela—. Está bem.

     Estava mais que bem. Era um luxuoso aposento saído de algum sofisticado conto gótico. Stormy elevou o abajur e reparou nos móveis de madeira antigos, uma cadeira de balanço, uma escrivaninha, uma cômoda e um armário. Também havia uma chaminé, com lenha que estava preparada para o toque de um fósforo.

     Vlad se aproximou, retirou a tela protetora e tirou um largo fósforo de uma caixa de latão do suporte. Acendeu-a com o polegar e se agachou para prender o fogo.

     —Para ser um vampiro joga muito com fogo-disse ela.

     Ele encolheu os ombros.

     —Tomo cuidado.

     Ela assinalou as janelas.

     —E essas? São bastante grosas as cortinas para...?

     Vlad se voltou a olhá-la com uma pergunta nos olhos e Stormy não terminou a frase.

     —Não tinha pensado descansar aqui contigo, Tempest. Embora se preferir que o faça...

     —Não. Não, não me referia a isso-ela apartou os olhos, negando com a cabeça, embora era exatamente ao que se referia—. Na verdade, agradeceria um pouco de intimidade. Tenho muito no que pensar. Mas é que, não estou acostumada a dormir de dia e temo que o sol desperte.

     —Entendo.

     O que temia era que ele despertasse.

     Vlad se aproximou das janelas, soltou os cordões e uniu bem as cortinas, bloqueando por completo a luz cinzenta do exterior.

     —Melhor?

     —Sim, mas podia havê-lo feito eu.

     Olhou-o à cara e viu que os olhos do homem começavam a fechar-se.

     —Vete, vá deitar-te. Eu me arrumarei sozinha.

     Ele assentiu, mas titubeou um momento antes de sair.

     —Vá tranqüilo, Vlad. Não me escaparei. Temos um trato. Eu sempre mantenho minha palavra.

     —Alegra-me sabê-lo, Tempest. Que descanse.

     —Você também. Vejo-te ao anoitecer.

     Vlad assentiu e a deixou sozinha no dormitório.

     As chamas da chaminé prenderam iluminando a habitação e Stormy a explorou com mais calma. Havia uma penteadeira com um jogo de escova, pente e espelho em prata, e Stormy se perguntou se estava ali antes ou se Vlad o tinha feito comprar para ela. Também pensou que podiam ter pertencido a Elisabeta, embora tinham um aspecto bastante novo. Curiosa, abriu algumas gavetas e viu que não estavam vazias, mas sim continham uma variada seleção de roupa interior, camisolas e regatas. No armário encontrou toda uma coleção de calças jeans e blusas, assim como um casaco. Em uma estante havia um par de sapatilhas e uns sapatos. Levantou um e olhou o número na sola. Era seu pé. Na cômoda havia jérseis e camisetas que sem dúvida Vlad tinha encarregado a alguém de comprar para ela. Uma coisa era evidente: Vlad conhecia perfeitamente suas medidas e sua forma de vestir.

     Outra porta revelou um banheiro surpreendentemente moderno, ao menos em comparação com o resto do castelo. A banheira era antiga, de ferro fundido com patas, e todos os acessórios eram de latão reluzente. Em uma estante, toda uma seleção de toalhas novas, e em uma pequena prateleira uma coleção completa de potes e artigos de penteadeira.

     Produtos para o cabelo, nata hidratante, sabão e inclusive maquiagem. Tudo das mesmas marcas e cores que ela utilizava.

     Céus, como sabia tanto dela?

     Stormy não sabia se sentir-se comovida e adulada pelas moléstias que se tomou para que estivesse como em sua casa, ou assustada e preocupada ao ver que ele conhecia até os detalhes mais mínimos de sua vida cotidiana.

     Decidiu dar um banho e depois, depois de escolher uma das camisolas da cômoda, meteu-se na cama e logo ficou profundamente dormida.

     Dormiu durante muito momento, com um sonho profundo, reparador e sem interrupções.

     Até que chegou o sonho.

     No sonho não era ela. Era outra pessoa. Elisabeta. OH, era o corpo do Stormy, era sua cara, certamente, mas os olhos pertenciam à outra mulher. Estava sobre as rochas que dominavam o mais alto de uma profunda e ensurdecedora cascata, disposta a saltar.

     Stormy se sentiu no interior do corpo da outra mulher, mas sem ter o controle.

     O estranho era que sabia as mesmas coisas que Elisabeta, sentia as mesmas sensações que ela, e apesar de tudo, via-a como desde fora de seu corpo.

     Elisabeta levava um singelo vestido que lhe chegava até os pés e sua silhueta se desenhava contra a escuridão da noite, sobre um fundo negro salpicado de estrelas. Em seu interior havia sofrimento e solidão, acompanhados de uma dor que nenhum ser humano podia suportar. Era muito intenso. Stormy o sentiu.

     «Perdi-o tudo, a todos meus seres queridos, não fica nada».

     «A peste», pensou Stormy. A família da Elisabeta morreu por causa da peste. Sua mãe. Seu pai. Seus irmãos. Sua irmã pequena.

     —Alanya-Stormy sussurrou o nome da pequena—. Só tinha dois anos.

     Fez-lhe um nó na garganta e sentiu as lágrimas nos olhos. Lágrimas pela Elisabeta.

     Mas a mulher tinha algo mais. Não, não era uma mulher. Logo que era uma menina, totalmente afligida pela dor física e emocional, sem motivo para continuar vivendo, sofrendo uma misteriosa enfermidade que provavelmente a mataria agora que sua família também tinha morrido.

     «É uma de Los Escolhidos», deu-se conta Stormy.

     Um desses mortais com o antígeno Beladona, quão únicos podiam converter-se em vampiros. Sempre se debilitavam e morriam jovens, mas não tão jovens.

     Os vampiros eram conhecedores de sua condição, percebiam-na com seus agonizados sentidos, e os vigiavam e protegiam. Onde estava agora seu protetor. Perguntou-se Stormy.

     Ouviu um grito e viu um homem no lado oposto da cascata. Embora era muito tarde para detê-la.

     —Este é o fim-sussurrou a jovem atormentada.

     Abriu os braços e se balançou para diante, deixando cair ao vazio. Seu corpo caiu, e Stormy caiu com ele. A espuma e as rochas avançavam para ela a uma velocidade de vertigem.

     E então algo saiu disparado para ela, como uma flecha no céu, e se colocou sob seu corpo, recolhendo-a. Quando seus corpos colidiram, Stormy acreditou ouvir o rangido dos ossos ao partir-se antes que a água os tragasse aos dois e por um momento tudo foi frio como o gelo e negro como a mais absoluta escuridão.

     Nesse momento se ouviu um grito.

     —É meu! —gritou a jovem atormentada, e Stormy voltou de novo os olhos da Elisabeta.

     A mulher falava sem mover os lábios.

     —É meu. Não tenho nada mais. Não me arrebatará isso-lhe disse de uma vez que rodeava a garganta do Stormy com suas mãos pequenas e apertava.

     Stormy despertou de repente, e a sensação de ser estrangulada desapareceu como se não tivesse ocorrido nunca.

     Mas em seguida se deu conta de que não estava na cama da habitação. Nem sequer estava no castelo.

     Estava sentada em um extenso prado em cujos limites se abria um bosque. A brisa era suave, mas fria, e carregada de umidade. Ao longe ouviu um rugido e sentiu um estremecimento. Lentamente, ficou em pé, girou em semicírculo e, horrorizada, deteve-se e conteve uma exclamação.

     Porque não havia nada, só um espaço vazio a seus pés. Ao outro lado do escarpado rochoso, uma cascata se desabava com força sobre o rio que discorria ao fundo e provocava uma enorme nuvem de bruma que a envolvia.

     —Oh, Meu deus. Oh, céus.

     Deu um passo atrás, apartando do escarpado, e tratou de respirar com dificuldade. Tremia-lhe o corpo, doía-lhe na garganta e apenas lhe chegava o oxigênio aos pulmões. Deus, como podia ser tudo tão real? Elisabeta tinha tratado de estrangulá-la, e ela tinha conseguido fugir, e chegar ao mesmo lugar que tinha estado em seus sonhos.

     Elevou a cabeça e olhou assustada para a noite que a rodeava. Mas não havia ninguém. Estava sozinha.

     «Sozinha não», pensou. «O inimigo está dentro de mim».

     Apertando as mãos contra a cabeça, Stormy esperou recuperar o fôlego e pouco a pouco o enjôo desapareceu.

     Quis chamar o Vlad, e inclusive enquanto se dizia que era uma idéia ridícula, sabia que o necessitava, como se fora uma droga. Ou possivelmente era Elisabeta. Só sabia que o queria ali, naquele momento, com ela.

     E de repente Vlad estava ali.

     Segurou-lhe os ombros com as mãos e a fez girar lentamente para ele, enquanto procurava a resposta em seu rosto.

     —Tempest?

     Um gemido surgiu de sua garganta, e Stormy apertou a mandíbula, fechou os olhos para evitar as lágrimas, e manteve o corpo rígido.

     —Despertei e não estava-disse ele com ternura—. O que passou? Como chegaste até aqui?

     —Não sei-sussurrou ela—. Não sei.

     E então se derrubou. Não pôde manter-se rígida e forte nem um segundo mais. Relaxou o corpo, e lhe permitiu fazer o que mais desejava: cair contra o forte peito masculino, descansar em seus poderosos braços e segurar-se a ele com força.

     Apoiou a cara no ombro masculino e deu rédea solta às lágrimas.

    

     A lembrança se desvaneceu e Stormy tratou de despertar, mas lhe resultou impossível. Estava apanhada em um horrível pesadelo, em uma tumba sem ar e sem luz que era seu próprio corpo.

     Não podia ver, ouvir nem mover-se, mas sentia que seu corpo se movia, acordado e caminhando como se tudo fosse normal. Só que outra pessoa levava o leme.

     Elisabeta.

     « víbora má. Devolva minha mente».

     Stormy lutou, movendo-se contra a escuridão, e teve a sensação de que Elisabeta devia estar debilitando-se, porque um empurrão mais e a escuridão cedeu.

     Imediatamente recuperou todos seus sentidos, que cobraram vida, embora ainda não tinha equilíbrio nem sentido de orientação.

     Stormy se encontrou de pé perto da janela em sua habitação da mansão Ateneu, envolta só na bata, com os joelhos tremendo e o corpo tratando de recuperar o equilíbrio. Piscou para enfocar o olhar e o que viu lhe golpeou a alma.

     O enorme anel de rubi. Levava-o na mão, colocado na ponta do dedo, e inclusive naquele momento o estava deslizando para dentro.

     Ficou imóvel e olhou suas mãos, lhes ordenando deter-se. Sujeitava o grande rubi com a mão direita e estava a ponto de deslizar-lhe no índice da esquerda.

     Um grito horripilante saiu de sua garganta enquanto lançava o anel ao outro extremo da habitação. O anel se chocou contra a parede e ricocheteou no chão até deter-se.

     Nesse momento a porta de sua habitação se abriu de par em par e Melina se precipitou ao interior.

     —Stormy! O que ocorre? O que passou?

     Esta foi incapaz de responder. Não sabia o que dizer nem como dissimular, e antes de poder articular palavra, Melina viu o anel e se levou a mão ao peito.

     —É o...?

     —Céus! —murmurou Brooke da porta—. De onde demônios saiu?

     —Não sei! Não sei!

     Ao Stormy lhe dobraram os joelhos e imediatamente Lupe estava a seu lado, lhe passando um braço pela cintura e segurando-a, com mais força do que seu aspecto físico aparentava. Lupe a levou a cama e a ajudou a sentar-se.

     —Foi o Empalador? —perguntou Melina sem olhar ao Stormy fixando ao anel—. Esteve aqui?

     —Não, claro que não-conseguiu murmurar Stormy—. Como te ocorre pensar isso?

     Viu que Melina e Brooke e depois Lupe olhavam para as portas da terraço, que não estavam fechadas de tudo. A brisa que penetrava pela abertura, fria e úmida, balançava as cortinas.

     —Não seria tão estranho, não te parece? —disse Melina olhando ao Stormy—. Vlad necessita um corpo para sua esposa morta. Possivelmente escolheu o teu. Está segura de que não esteve aqui?

     —Acredito que se Drácula viesse a me fazer uma visita noturna me daria conta, Melina. Não é das coisas que me passam por cima-repôs Stormy com fingida desenvoltura e procurando em todo momento manter o lado esquerdo do pescoço oculto aos olhos curiosos das três mulheres.

     As marcas ainda seguiriam ali, e seguiriam estando-o até que a luz do sol lhe tocasse a pele.

     —Tem o suficiente poder para te fazer esquecer-disse Brooke—. Pelo que tenho lido, pode trocar de forma e ninguém pode resistir a seu poder.

     —Eu sim. Levo trabalhando com vampiros dezesseis anos, não o esqueça.

     —Então de onde saiu o anel? —perguntou Brooke—. Como chegou até aqui?

     —Não sei-respondeu Stormy—. Despertei-me e estava aqui. É tudo o que sei.

     —No chão? —perguntou Melina, indo para o anel e agachando-se para recolhê-lo.

     Stormy teve que fazer um esforço sobre-humano para não lançar-se ao chão e pega-lo antes que ela. Mas sabia que o impulso não era só dela, mas também da Elisabeta.

   —Em minha mão-disse Stormy—. Estava andando sonâmbula, ou algo assim.

     Lupe a olhou com curiosidade, mas não fez nenhum comentário.

     —Ao despertar estava de pé e tinha o anel na mão.

     Lupe murmurou algo em voz baixa e se benzeu.

     —Deve ter sido aterrador-disse Melina.

     —Alguém teve que trazer o anel-disse Brooke—. Não viu nem ouviu nada?

     —Não, nada-insistiu Stormy.

     Brooke apertou os lábios.

     —Pois não pôde aparecer sozinho.

     —Eu não disse isso.

     —Deixa-a em paz, Brookie-lhe espetou Lupe, aproximando-se do Stormy quase com um gesto protetor—. Deveríamos revistar os jardins e deixar que Stormy se recupere-sugeriu, provavelmente em um intento de trocar de conversação e relaxar o nível de tensão entre as duas mulheres—. Irei preparar uma infusão. De camomila, valeriana, possivelmente um pouco de lavanda, e depois falaremos.

     Melina assentiu.

     —É muito prudente, Lupe. Primeiro a segurança, depois estudaremos o acontecido-disse a chefa da irmandade. Voltou-se a olhar ao Brooke—. Acorda umas quantas garotas para que registrem a casa, de cima abaixo. Eu acordarei outro grupo para registrar os jardins.

     —Eu prepararei a infusão-disse Lupe. E depois se aproximou da Melina e lhe tendeu a mão aberta—. Acredito que será melhor que o eu guarde até que volte. No caso de te encontra com... Sabe quem.

     Melina abriu a palma da mão e olhou o anel.

     Brooke a olhou aos olhos.

     —Posso guardá-lo eu, se se quiser ofereceu.

     Melina negou com a cabeça.

     —Lupe tem razão, estará mais seguro aqui com ela. Depois decidiremos o que fazer-disse, e entregou o anel ao Lupe, que o guardou no bolso da bata.

     Depois Lupe se voltou para olhar a Stormy.

     —Não deveria ficar aqui sozinha. Será melhor que venha à cozinha comigo.

     —Obrigado.

     As quatro mulheres saíram ao corredor. Melina e Brooke tomaram direções opostas para ir procurar ajuda e revistar toda a mansão. Stormy não estava preocupada. Vlad se tinha ido fazia muito tempo.

     Mas tinha sido ele quem tinha deixado o anel em sua habitação? Como se não tinha podido chegar até ali?

     E ela, como podia estar tão cega? Era evidente que Vlad relaxou seu poder sobre ela e continuou lhe fazendo o amor, sabendo que isso despertaria a Elisabeta em seu interior. E depois lhe tinha dado o anel para que o pusesse. Para tirar a ela de seu corpo, para matá-la. Vlad a queria morta.

     Por que então continuava desejando-o com tanta intensidade?

     Caminhou atrás do Lupe com passos lentos e pesados, como se tivesse as pernas de chumbo, até que esta a olhou um momento com certo nervosismo e, detendo-se, disse-lhe:

     —Sabem quem é Stormy.

     Stormy quase colidiu contra ela. O braço forte e bronzeado do Lupe a segurou, e ela se agarrou ao corrimão.

     —O que sabem?

     —Vamos-Lupe a segurou com a mão pelo antebraço e a levou escada abaixo até a enorme cozinha da mansão, na parte posterior da casa.

     Ali pôs água a ferver em uma chaleira de metal e depois tirou um bule, taças e pratos de um armário.

     —O que é que sabem?

     —Sabem de você e Vlad. Que te seqüestrou faz dezesseis anos e te teve retida um par de semanas, duas semanas que não recorda. E... —Lupe se interrompeu e trabalhou em excesso na tarefa de mesclar as ervas para preparar a infusão.

     —E o que? —insistiu Stormy.

     —E... Não é fácil. Dizê-lo em voz alta é aterrador-confessou a mulher—. Mas acreditam que você é Elisabeta Drácula. Sua reencarnação, ou algo assim.

     —Acreditam? —Stormy se deixou cair em uma cadeira e sacudiu a cabeça—. E o que você acha Lupe?

     —Que me crucifiquem se sei-disse a latina colocando a bolsa de ervas na bule—. Vi o retrato, ao menos em fotografia. Em nosso histórico sobre o Drácula.

     —Têm um histórico sobre o Drácula?

     Lupe dirigiu um olhar ao Stormy que dizia claramente que aquilo era um segredo da irmandade do que não pensava revelar nada mais.

     —Isso explicaria o do seqüestro. Se pensasse que é Elisabeta.

     Stormy baixou a cabeça.

     —Por isso Melina lhes contratou para encontrar o anel-continuou Lupe com uma franqueza inesperada—. Sabia que seria mais fácil encontrá-lo se você nos ajudava. Você tem um poderoso vínculo com ele, e um interesse especial em que não caia em mãos equivocadas. Se suas teorias forem certas, o anel é teu.

     —Prometo-te, Lupe, que não sou Elisabeta Drácula. Sou Tempest Jones.

     —Sim? —Lupe suspirou—. Então como conseguiu o anel?

     —Não sei.

     A água ferveu na chaleira e Lupe o jogou no bule. O aroma das ervas flutuou rapidamente pela cozinha.

     —Está bem. Então, o que há na fita?

     A cabeça do Stormy se levantou como impulsionada por uma mola e seus olhos se cravaram no Lupe.

     —Vi-a na mesa-explicou sem preâmbulos—. O que é? E como chegou até aqui? Igual ao anel ou...?

     Stormy elevou uma mão.

     —Não sei se quero falar da fita. Ao menos ainda não.

     —Não confia em mim-Lupe encolheu os ombros—. Não lhe reprovo isso. Não me conhece, e não tem nem idéia do que arrisquei ao te contar o que acabo de te contar. Se inteirarem...

     —Não se inteiraram.

     Lupe esboçou um sorriso, baixou a cabeça e pôs a tampa da bule.

     —Terá que deixá-lo repousar uns minutos-disse, e olhou ao Stormy—. Você tem mais direito a isto que ninguém-disse tirando o anel do bolso e elevando-o no ar.

     Stormy sacudiu a cabeça, tratando de fazer um esforço para que o medo não se apoderasse dela de novo.

     —É melhor que o mantenha afastado de mim. Ao menos até que o destruamos.

     —Não podemos destruí-lo-disse Melina da entrada.

     As duas mulheres deram um coice e se voltaram para olhá-la. Stormy não sabia quanto momento levava ali nem quanto tinha escutado da conversação e, a julgar pela expressão de sua cara, Lupe tampouco.

     —Mas me disse que o anel é perigoso-disse Stormy—. Que se cair em mãos equivocadas...

     —É perigoso, mas a lenda diz que a alma da Elisabeta está vinculada a este anel. Se for certo, temos que liberá-la. Com o anel, podemos realizar um exorcismo. E depois poderemos destruir o anel para sempre.

     Melina estirou a mão com a palma aberta e para cima.

     —Até então, acredito que será melhor que o guardemos em uma caixa forte-disse—. Sou a única que tem a chave, Stormy. Enquanto o anel esteja ali, não acontecerá nada, prometo-lhe isso.

     Stormy apertou os lábios e depois de uns momentos assentiu.

     —Está bem.

     —Bom.

     Lupe lhe entregou o anel.

     —Guardarei-o em uma caixa forte assim que tenha amanhecido.

     —Por que então?

     Melina se umedeceu os lábios.

     —Como medida de precaução.

     Isso não era de tudo certo. Stormy sabia. Alguém devia ter visto algo. Alguém sabia que Vlad tinha estado ali, ou possivelmente Melina soubesse detectar uma mentira com a mesma destreza que Stormy. Em qualquer caso, suas anfitriãs sabiam que um vampiro tinha estado na irmandade e não queriam arriscar-se a que soubesse onde estava o anel.

     —Nos avise quando a infusão esteja pronta—disse Melina—. Tenho que ir ver o grupo do Brooke.

     E saiu da cozinha, levando o anel.

     Stormy ia segui-la, mas Lupe a deteve.

     —Tem tempo-lhe disse—. Há um vídeo em minha habitação, se quer usá-lo. Não tem que sabê-lo ninguém.

     —Obrigado.

     Lupe assentiu, e Stormy ficou com a incerteza de saber por que a estava ajudando. Seria uma armadilha, ou era sincera? Embora no fundo, Stormy sabia que não importava. Agradeceu-lhe e saiu atrás da Melina.

     —Melina, só uma coisa-a chamou da porta da cozinha.

     Melina se voltou a olhá-la.

     —Esse exorcismo, sabe como fazê-lo?

     Umedecendo os lábios, a outra mulher sacudiu a cabeça.

     —Não.

     —Sabe de alguém que saiba?

     —Não, assim de repente não, mas estou segura de que poderemos encontrar a alguém.

     —Não será necessário-lhe disse Stormy—. Eu conheço alguém. Provavelmente a melhor pessoa para fazê-lo, possivelmente a única.

 

     Stormy voltou para seu dormitório para chamar. De todos os vampiros que tinha conhecido, e eram muitos, Rhiannon era a que menos confiança lhe dava. Certo que tinha sido quem a tinha ajudado quando esteve na Romênia, mas Stormy sabia que era perigosa muito mais perigosa que qualquer outro vampiro, exceto, possivelmente, o próprio Drácula.

     Stormy tirou a agenda eletrônica e teclou a contra-senha daquela semana, DRAC-2006. Depois abriu o arquivo de contatos confidenciais e procurou o número do celular do Rhiannon. Esta respondeu ao segundo timbre.

     —Vá, vá, vá-disse a vampiresa—. Mas se for a mortal mais valente que conheço. Faz muito que não sabia nada de ti, Stormy Jones.

     —Se não suspeitasse que tem identificação de chamadas, seus dotes de adivinhação me teriam impressionado, Rhiannon-disse Stormy como resposta.

     Rhiannon soltou uma gargalhada, lenta e sensual como sua voz.

     —Não menospreze tão logo meus poderes de adivinhação. Acredito que posso te dizer por que chamaste-disse a vampiresa.

     —De acordo-disse Stormy. Cruzou a habitação, pegou a fita de vídeo e se deixou cair em uma das cadeiras junto às portas da terraço—. Por que chamei?

     —Porque se aproxima a data e o tempo se acaba.

     Stormy piscou e franziu o cenho.

     —A data?

     Rhiannon não respondeu em seguida.

     —Que data Rhiannon? —insistiu Stormy—. Tem que ver com o pergaminho esse da Estrela Vermelha do Destino?

     —Oh, pensava que sabia. Não se pôs Vlad em contato contigo para lhe dizer isso? - perguntou-lhe baixando o tom de voz, mais preocupada do que Stormy a tinha visto nunca.

     —Não, Vlad não me disse nada de nenhuma data. Mas se tiver que ver comigo, acredito que tenho direito de saber, não?

     —Sem dúvida. A mim não me ocorreria lhe ocultar isso embora ele, pelo visto, deve obter algum benefício de fazê-lo. Diga-me uma coisa. Conhece o resto da história? Sabe onde está o anel que está procurando?

     —Como sabe que estou procurando um anel? —perguntou Stormy, dando-se conta de que a vampiresa sabia muito mais do que ela suspeitava.

     Rhiannon suspirou.

     —Eu gosto de saber de sua vida-respondeu com certa ironia—, e da do Vlad também. Temo-me que esta situação está chegando ao final. Diga-me, sabe do anel?

     —Sim-reconheceu Stormy, sabendo que seria inútil tratar de brincar de gato e rato com ela. Além disso, não gostava de dar voltas em um assunto—. Sei que se me puserem isso no dedo e realizarem um rito, Elisabeta voltará e certamente isso me custará à vida. É o que pretendo evitar.

     —Bom. Que você saiba já é um primeiro passo importante. Mas há mais. Stormy, os magos puseram um tempo limite à magia que utilizaram para enfeitiçar o anel. Se a alma da Elisabeta não voltar para a vida quando a Estrela Vermelha do Destino eclipse a Vênus, a magia desaparecerá e Elisabeta será livre.

     —Isso ouvi.

     Stormy girou a fita de vídeo na mão, desejando poder vê-la já, em sua habitação.

     —Os magos incluíram no feitiço a todas as mulheres que foram ela. Se você for sua reencarnação, Stormy, e passa a data, você também será... Livre.

     —O que significa isso?

     —Que morrerá.

     Stormy ficou gelada. A confirmação de seus temores em relação à interpretação das retumbantes palavras do jornal lhe gelou até os ossos.

     —Não te deixe levar pelo pânico, menina. Ainda há tempo para evitá-lo.

     —Não estou acostumada a me deixar levar pelo pânico, Rhiannon-lhe recordou Stormy—. E não sou uma menina.

     —Comparada comigo, uma recém-nascida.

     Stormy baixou a cabeça.

     —E quando essa Estrela Vermelha do Sino...?

     —Do Destino.

     —Como se chame. Quando eclipsa a Vênus?

     —Aproximadamente cada cinco séculos e meio.

     —E isso será quando?

     —Na terça-feira a meia-noite-disse Rhiannon.

     —Não me chateie-exclamou Stormy e fechou os olhos—. Amanhã é segunda-feira-sussurrou pensando em voz alta—. Ou seja, que vou morrer dentro de dois dias e ao Vlad nem sequer lhe ocorreu mencioná-lo?

     Quando o pegasse, ia matá-lo com suas próprias mãos.

     —Pelo visto.

     —E se tivéssemos o anel? —perguntou Stormy—. Acha que poderia exorcizar seu espírito de meu corpo?

     —Claro que sim-lhe assegurou a vampiresa—. Não tenha a menor duvida.

     Stormy assentiu.

     —E isso evitaria minha morte?

     —Não estou completamente segura, Stormy, mas acredito que sim-Rhiannon fez uma pausa—. Ou seja, tem o anel.

     Para que ocultar-lhe ao Rhiannon se nada nunca lhe passava despercebido?

     —Sim.

     —Vlad sabe?

     —Está na cidade-disse ela—. Sabe que o anel está aqui, que alguém o tem, mas não sei se sabe que o tenho eu.

     «Já eu gostaria. Sei perfeitamente que foi ele quem trouxe o anel a minha habitação esta noite», disse-se para si mesma.

     —Então não tem nada do que preocupar-se. Agora já está quase amanhecendo, mas posso sair ao entardecer e me reunir contigo amanhã mesmo. Onde está, Stormy?

     —No Edmunstun-disse ela—. Está em...

     —New Brunswick, Canadá. Por todos os deuses, me diga que não te enredaste com esse ninho de víboras de Ateneu.

     Uma vez mais, Stormy sentiu que lhe gelava o sangue nas veias.

     —Por que o diz?

     —Pelos deuses de ultra tumba, tem-no feito, não?

     —Foram as que me disseram que o anel estava aqui. Tentaram me contratar para roubá-lo, mas alguém me adiantou. Concordei em ajudar a encontrá-lo, e de repente o anel apareceu em minha habitação-explicou por fim, começando a dar-se conta de que Rhiannon podia ser sua melhor aliada.

     —Sua habitação onde?

     Stormy tragou saliva, cada vez mais tinha a garganta mais seca.

     —Aqui, na mansão Ateneu.

     —Está chamando de seu telefone? Pelos deuses do Egito, menina, seguro que está intervindo!

     —Não, chamo-te com meu celular.

     —Não são de confiança, Stormy-lhe advertiu—. Sobretudo uma que se chama Brooke, se ainda segue com elas.

     Stormy piscou. Agora tinha a garganta completamente seca.

     —Onde está agora o anel?

     Stormy mal podia mover os lábios. Olhou à janela, e viu que o sol tinha saído.

     —Melina e Brooke o estão guardando em uma caixa forte.

     —Pelos chifres do Isis, Stormy! Vá atrás delas! Agora mesmo!

     Stormy fechou o celular, colocou a fita de vídeo debaixo do colchão e saiu correndo ao corredor. Na metade das escadas se encontrou com a Lupe.

     —Onde estão as caixas fortes?

     —Não lhe posso dizer isso-disse a mulher baixando a voz e olhando a ambos os lados—. Só um punhado de mulheres sabem onde estão, e menos ainda...

     —Não me venha com sandices. É terceira na hierarquia de mando, depois da Melina e Brooke. Sei que sabe. Me leve ali.

     Lupe esticou as costas e negou com a cabeça.

     —Não.

     —Maldita seja, Lupe. É possível que haja um problema.

     —É possível?

     —Confia em mim, não? Tenho que...

     —Eu irei, mas não contigo-Lupe lhe deu as costas.

     —Mas...

     Lupe se voltou a olhá-la uma vez mais.

     —Maldita seja, Stormy, sabe o que ocorre às mulheres que traem a confiança depositada nelas pela Irmandade de Ateneu?

     —Não, não sei-disse Stormy—. O que lhes ocorre, Lupe?

     Lupe cravou os olhos nela com um olhar mais que eloqüente. Mas de seus lábios não saiu nenhuma palavra.

     —Não importa. Vamos.

     Lupe levou ao Stormy escada abaixo e depois, através da mansão, até a biblioteca.

     —O telefone funciona como um teletransmisor em ambas as direções. Há outro na cripta onde estão as caixas fortes.

     Lupe se inclinou sobre o telefone e estirou a mão para pulsar uma tecla, mas antes de fazê-lo se ouviu um ruído pelo alto falante do telefone.

     —Melina? Brooke? Estão aí? —perguntou ao microfone do aparelho, pulsando a tecla de falar.

     Soltou a tecla e olhou ao Stormy. De novo, um som chegou pelo alto-falante com uma única palavra.

     —Socorro-se ouviu uma fraca e longínqua voz de mulher.

     —Melina?

     Stormy apertou a tecla de falar sem esperar a que lhe fizesse Lupe.

     —Melina? O que passou? Está bem?

     Soltou a tecla, mas, ao não obter resposta, pulsou-a de novo.

     —Melina, onde está o anel?

     Stormy esperou, mas tampouco houve resposta, e olhou ao Lupe.

     —Temos que ir. E acredito que depois desta circunstância, não acredito que tenha muitos problemas ao me levar contigo.

     —É possível que sim, mas neste ponto estou disposta a me arriscar. Vamos.

    

     Stormy seguiu ao Lupe através da mansão até os amplos e cuidados jardins que rodeavam a casa e que pareciam estender-se interminavelmente. Ali, seguiram um atalho serpenteante que lhes guiou até o que Stormy supôs era o centro do jardim e onde havia uma escultura gigante de granito da deusa Ateneu. A deusa se elevava orgulhosa com uma coruja no ombro, um cetro na mão e uma coroa de estrelas ao redor da cabeça. O tecido de pedra que a cobria caía de um ombro até os pés e cobria parte do pedestal sobre o que se elevava. O pedestal estava decorado com vinhas entrelaçadas esculpidas que se mesclavam com outras autênticas que cresciam do chão.

     —Deus-sussurrou Stormy.

     —Deusa, quererá dizer.

     Lupe se ajoelhou junto ao pedestal da estátua, de pelo menos um metro e meio de altura e tocou uma das folhas de uva ali esculpidas. Imediatamente, uma parte do pedestal se deslizou para fora.

     —Por aqui-disse Lupe, entrando pelo oco.

     Assim que Stormy entrou atrás dela, a peça se deslizou de novo a seu lugar e as duas ficaram às escuras no interior.

     —Fique quieta um momento-disse Lupe, lhe pondo uma mão no ombro, para assegurar-se de que obedecesse.

     Então se fez uma luz, e Stormy viu que Lupe levava uma lanterna na mão e que estavam na parte superior de umas estreitas escadas que se perdiam para a escuridão, afundando-se na profundidade da terra.

     —Já vejo que tomam muito a sério este clima do sincretismo-comentou.

     —Não fica outro remédio. Siga-me-disse Lupe, e pôs-se a andar escada abaixo.

     Depois de baixar as intermináveis escadas, as duas mulheres chegaram a um túnel de uns cem metros de longitude. Ao final deste, havia uma porta. Quando por fim chegaram a ela, Lupe teclou um código em um painel e a porta se abriu. Dentro, foi ligando vários interruptores que revelaram a magnificência da sala onde estavam.

     Tratava-se de um espaço enorme e redondo, com o teto côncavo que tinha todas as paredes cobertas de livros. Milhares de livros, possivelmente dezenas de milhares de livros antigos.

     —O que é este lugar? —perguntou Stormy em um sussurro.

     —A biblioteca de Ateneu-respondeu Lupe—. Aqui temos documentação virtualmente de tudo. Em uma instalação à parte, há umas cem mulheres copiando e arquivando os livros em computadores, um a um. Não sabem para quem trabalham ou por que o fazem. Limitam-se a escrever e guardar, ou escanear aqueles que o podem suportar.

     —Uma decisão muito sábia. Se houvesse um incêndio...

   —Já tivemos um. Em nossa biblioteca da Alexandria.

     Stormy piscou perplexa.

     —Essa era...?

     —Por aqui-disse Lupe.

     Cruzou a espaçosa sala da cripta e no extremo oposto tirou um livro de uma das estantes e colocou a mão no oco. A estante se abriu para revelar uma porta oculta.

     —Me siga.

     Stormy a seguiu por outro lance de escadas, desta vez menos largo, e chegaram a uma sala quadrada cujas paredes pareciam ser feitas de fileiras de portas blindadas de distintos tamanhos. Uma seção tinha portas pequenas, outras portas um pouco maiores, e outras portas maiores ainda. Algumas eram altas e estreitas, outras mais baixas e largas. Todas tinham duas coisas em comum: uma fechadura e um número.

     Duas eram distintas às demais. Ambas eram diminutas, e ambas estavam totalmente abertas.

     A sala estava na penumbra, e a única luz procedia da porta que dava à escada, ainda aberta.

     De repente, um gemido chamou a atenção do Stormy.

     —Melina! —gritou Lupe, e saiu correndo a uma esquina da sala, caindo de joelhos junto a um ponto que tinha que ser Melina.

     Stormy correu a seu lado e se ajoelhou junto à mulher tendida de costas no chão, com os olhos fechados e uma mancha escura junto à fronte que parecia sangue.

     —Melina, acorde. Diga-nos o que ocorreu.

     Os olhos da Melina piscaram ligeiramente.

     —O anel-sussurrou a mulher quase sem forças.

     —Sim, o anel. Onde está o anel?

     Melina abriu os olhos e olhou primeiro ao Stormy e depois ao Lupe.

     —Oh, Deus, o anel-exclamou.

     A mulher se sentou com dificuldade e tentou ficar em pé, mas Lupe a segurou pelos ombros.

     —Devagar, Melina. Está ferida. Está sangrando.

     —Me ajudem, depressa-disse, levando-a mão ao pescoço, procurando algo.

     Uma chave recordou Stormy. Levava-a pendurando em uma corrente, mas não estava ali.

     Lupe e Stormy a ajudaram a levantar-se.

     —A chave. Céus tirou-me a chave.

     —Não. Olhe, está aí-Lupe se agachou e recolheu a cadeia rota com a chave de prata ainda pendurando dela—. E aqui estão as demais-disse recolhendo outro aro enorme com um montão de chaves.

     —Não o entendo. Que alguém me explique o que é que está acontecendo —disse Stormy —. E onde demônios está Brooke?

   —Oh, Brooke. Oh, Deus, Brooke-Melina baixou a cabeça—. Descemos as duas com o anel. Eu ia abrir a caixa número um-assinalou com a cabeça uma das diminutas portas totalmente abertas—. É a caixa onde guardamos as chaves. Eu sou a única que tem a chave.

   Enquanto ela falava, Lupe colocou o enorme chaveiro em sua caixa e a fechou. Utilizou a chave de prata da Melina para girar a fechadura e depois a entregou a sua superiora.

     —Golpeou-me com algo, um par de vezes-continuou explicando Melina—, Caí ao chão, e notei como me arrancava a corrente do pescoço. E já não sei nada mais, desmaiei.

     —Onde estava nesse momento o anel? —quis saber Stormy.

     —Tinha-o eu em minha mão-disse Melina. Elevou a mão, abriu-a e piscou ao comprovar que estava vazia—. Não posso acreditar que Brooke me tenha traído que tenha traído à irmandade.

     —Levou o anel, não? —perguntou Stormy.

     —Certamente-disse Lupe, que estava olhando à segunda porta diminuta, que ainda estava aberta.

     —O que havia nessa caixa? —perguntou Stormy.

     Lupe olhou a Melina, e olhou à porta aberta. Então sua expressão trocou. O que havia em seu rosto era autêntico pânico. Melina se aproximou da caixa e olhou ao interior, mas não havia nada.

     —O que havia nessa caixa? —repetiu Stormy.

     Melina apertou os lábios.

     —Não sei com certeza-disse Lupe—, mas se for o que imagino... —Lupe olhou para Melina—. Temos que dizer-lhe.

           Suspirando, Melina baixou a cabeça.

     —O rito.

     —O... Rito? —Stormy demorou um momento em compreender o autêntico significado da terrível revelação—. O rito que se tem que utilizar com o anel? Que deve devolver a Elisabeta à vida? Estava aqui desde o começo, e agora o tem Brooke?

     —Sim, isso é o que parece-disse Melina.

     Melina fechou a porta, mas não com chave.

     —Mas por quê? Por que demônios me ocultaram isso? Como puderam jogar assim comigo? O que era que pretendiam? —exigiu saber Stormy, furiosa.

     Melina desviou o olhar.

     —É uma empregada, contratada para encontrar o anel. Não tinha necessidade de saber...

     —Não me venha com tolices, Melina-lhe interrompeu Stormy, que sentia vontades de sacudi-la—. Conhecia meus vínculos com o anel e com a Elisabeta. Por isso me contratou. Minha vida está no centro do alvo e você tinha a única bala. Tinha que me haver isso dito.

     —Teria dado igual.

     —Absolutamente. É minha vida, Melina. Isso tinha que havê-lo decidido eu!

     Melina suspirou.

     —Sinto muito, Stormy. Fiz o que me parecia melhor. Espero que me acredite.

     —Sim, o melhor para ti e a maldita irmandade, possivelmente-lhe espetou Stormy.

     Já era muito tarde para arrependimentos.

     Melina sacudiu a cabeça.

     —Voltemos para a casa. Temos que chegar ao fundo disto.

     —É claro que sim-disse Stormy.

    

     Brooke estava sentada em uma habitação na penumbra de uma casa vazia a uns quilômetros da mansão Ateneu. A única fonte de luz procedia de uma vela acesa sobre uma pequena mesa redonda diante dela. Na mesa também havia uma tabela redonda de madeira com uma série de letras e números pintados, uma taça de vinho de barriga para baixo, um caderno e uma caneta.

     Ao Brooke só ficavam dois objetos por acrescentar: o pergaminho cuidadosamente enrolado e sujeito por uma fita amarela e o anel de rubi. O Anel do Empalador.

     Brooke respirou profundamente um par de vezes e depois colocou os dedos sobre o fundo da taça.

     —Elisabeta Drácula, eu te convoco. Fale-me, Elisabeta. Fiz o que me pediu a última vez que contatamos. Tenho o anel e o pergaminho.

     Ao princípio não ocorreu nada. Mas Brooke era paciente. A recompensa prometida pela Elisabeta valia a pena, assim repetiu as palavras e esperou um pouco mais. A taça começou a mover-se, muito lentamente ao princípio, mas cada vez com mais força até que foi deslizando-se sobre a suave tabela de madeira formando arcos e círculos sobre a superfície. Quando se deteve, Brooke abriu os olhos para ver que letras havia escolhido a taça e as anotou.

     As letras eram:

     B—O—M.

     —O que quer que faça agora?

     B—U—S—C—A soletrou o espírito.

     Brooke continuou anotando as letras que a taça investida assinalava cada vez com mais rapidez.

     A—T—E—M—P—E—S—T.

     —O que quer que faça com ela?

     P—O—N—H—A—L— E.

     Brooke franziu o cenho, mas continuou anotando a toda velocidade, enquanto a taça se deslizava pelo tabuleiro a toda velocidade, como voando por cima das letras.

     O—A—N—E—L.

     O lápis que levava na mão caiu ao chão. Brooke se agachou a recolhê-lo e a taça continuou movendo-se sozinha, sem que ela a tocasse.

     Uma porta se fechou com uma pancada, mas não havia ninguém.

     T—E—N—H—A —C—U—I—D—A—D—O.

     —Perdão. Segue.

     Brooke olhou ao caderno e leu o que tinha escrito.

     —ponha-lhe o anel. Quer que procure o Stormy Jones e lhe ponha o anel no dedo, não? Mas não me permitirá isso, Elisabeta.

     F—A—Ç—A—O—A—F—O—R—Ç—A.

     —Sim, sim, entendido.

     F—A—Ç—A—O—R—I—T—O.

     Brooke assentiu, embora começava a sentir-se decepcionada. Elisabeta ainda não lhe havia dito como ia manter a promessa que lhe tinha feito: conceder-lhe a imortalidade em pagamento por sua ajuda.

     —Entendo-o-repetiu—. Ponho-lhe o anel e faço o rito, pela força se for necessário. É muito simples-Brooke se esclareceu garganta—. E depois de tudo isso, caso possa fazê-lo, o que ocorre?

     E—U—V—I—V—O.

     —Sei Elisabeta, mas o que quero saber é o que passa comigo? Prometeste-me a imortalidade. Quando a consigo e como?

     D—E—P—O—I—S.

     Brooke franziu o cenho. Não confiava na Elisabeta. Desde o começo temeu que só fosse um engano.

     —Não, disse nada. Tem que me dizer isso agora. Diga-me como se fará, ou não há trato.

     Uma rajada de vento gelado soprou com força de novo e abriu de par em par a porta da casa, apagando a vela.

     Brooke ficou em pé.

     —Não te peço que faça nada, só que me diga isso. Só quero saber como o fará.

     O vento aumentou com força, a vela caiu e rodou pelo chão, mas não houve resposta da tabela.

     —Você é uma dos Escolhidos, Elisabeta. Mas eu não o sou. Como posso conseguir a imortalidade?

     Tampouco obteve resposta.

     —Ao piores diga uma coisa, Elisabeta —gritou Brooke ao vento —. Por que tem que ser o corpo do Stormy? Ela tampouco é uma dos Escolhidos. Por que ela? Por que não pode ser alguém como eu?

     A taça de vinho estalou em pedacinhos para fora como impulsionada por uma força invisível desde seu interior. Brooke deu um salto, com um breve grito de alarme. Então o vento se acalmou por completo, e a casa ficou em silêncio, como uma tumba. Elisabeta se tinha ido.

     Brooke se tranqüilizou e arrumou a casa, abrindo as cortinas e deixando as coisas como estavam.

     —Não confio nem um cabelo dessa harpia-disse pensando em voz alta—. Acredito que me prometeu o que sabe que desejo por cima de todas as coisas só para que a ajude a voltar para o mundo dos vivos. Pois não penso dar minha recompensa ao Stormy Jones, quando sou eu a que está fazendo todo o trabalho para ganha-lo.    

     Brooke recolheu as partes de cristal, colocou o tabuleiro, a vela e o pergaminho em uma bolsa, e recolheu o anel. Olhou-o e, sorrindo devagar, o pôs no dedo.

     —Vá que casualidade-murmurou—. Nem que me tivesse feito isso à medida. Acredito que tentaremos fazer isto a minha maneira, Elisabeta. O que te parece?

     Com o anel no dedo, Brooke tirou o pergaminho da bolsa, soltou com cuidado a fita que o enrolava e o abriu. Ia fazer o rito, tal e como lhe tinha pedido Elisabeta, só que com uma pequena diferença.

     —Agora vejamos o que necessitamos para o ritual-disse.

    

     Quando voltaram para a casa, Melina se negou a ir a seu dormitório e se dirigiu a sala de comidas onde uma dúzia de mulheres estavam tomando o café da manhã. Ao ver sua superiora naquele estado, todas emudeceram.

     —Fomos traídas por uma das nossas-disse Melina—. Isso põe a todas em perigo. Passamos ao plano D imediatamente. Não lhes atrasem, a menos que saibam algo que possa me ajudar a localizar ao Brooke.

     Houve uma exclamação coletiva de surpresa ao escutar o nome do Brooke, mas todas as mulheres se levantaram e saíram obedientemente do comilão.

     —Qual é o plano D?

     —Deixar imediatamente a sede. Estarão fora daqui a vinte minutos, junto com suas notas, qualquer objeto pessoal que possa as identificar como membros da irmandade, seus computadores, e qualquer indício de ter estado aqui.

     Stormy elevou as sobrancelhas.

     —Muito impressionante.

     Nesse momento apareceu Lupe com um estojo de primeiros socorros na mão e obrigou a Melina, a sentar-se apesar de seus protestos.

     —Temos que revistar a habitação do Brooke e seu computador.

     —O faremos-disse Lupe—, mas primeiro terá que te curar essa ferida.

     Stormy estava ainda furiosa, mas necessitava ação, não raiva. De momento. E também precisava pensar. Nada daquilo tinha sentido. Por um momento pensou que tinha sido Brooke quem tinha roubado o anel, mas para que deixá-lo em sua habitação se queria voltar a roubá-lo?

     Então recordou a fita de segurança do museu que lhe tinha dado Vlad. Ainda não a tinha visto.

     —Tenho que trocar de roupa-disse—. Depois me reunirei com vocês na habitação do Brooke.

     —Nos espere no corredor-disse Melina—. Não entre em sua habitação sozinha.

     Stormy a olhou perplexa, sem poder acreditar que a mulher seguisse dando ordens.

     —Não penso esperar a ninguém. Se não estiver ali quando eu chegar, começarei sem ti. Mas antes de ir, há algo que acredito que deve saber. Esta manhã chamei a uma mulher para que nos ajude a exorcizar o espírito da Elisabeta e liberá-la do poder do anel. Chegará esta noite.

     Lupe levantou o algodão com o que estava limpando o sangue da ferida da Melina e se voltou a olhá-la.

     —Quem é? —perguntou Melina.

     —Uma vampiresa chamada Rhiannon.

     As duas mulheres da irmandade abriram desmesurada mente os olhos, e Stormy sorriu para si mesma com satisfação.

     —Sim, já imaginava que a conheciam. Ela certamente lhes conhece. E devo dizer que tenho muito interesse em saber o que ela sabe.

     Stormy deu meia volta e saiu do comilão. Subiu as escadas abrindo-se passo entre a maré de mulheres que baixavam levando mochilas, malas e bolsas de viagem. Era um êxodo maciço, rápido e ordenado.

     Quando chegou ao segundo andar as escadas estavam vazias, e do exterior do edifício chegava o ruído de motores e portas de carros.

     Stormy foi a seu dormitório e tirou a fita de vídeo de debaixo do colchão. Respostas necessitava respostas, e as necessitava já e em particular. Já não estava segura de poder confiar na Melina e na irmandade. Ao menos Rhiannon não confiava nelas, e possivelmente tivesse um bom motivo para não fazê-lo. Com o Brooke ao menos não se equivocou.

     Tomou um momento para trocar de roupa e tirar a camisola. Rapidamente colocou uns jeans, uma camiseta e suas sapatilhas esportivas verdes e turquesa. Levou a fita à habitação do Lupe e em seguida localizou o pequeno e antiquado televisor com vídeo incorporado em uma esquina da habitação.

     Colocou a fita no vídeo e a pôs para rodar. Na esquina inferior esquerda punha à hora: às nove da noite. Conforme os informes da polícia, os alarmes soaram a uma da manhã, assim Stormy procurou o controle remoto e acelerou a imagem até essa hora.

     Então viu algo. Fragmentos de algo voando pelo ar. Cristais pensou. Tinham quebrado a janela do museu. Um momento depois, uma pequena figura apareceu ante a câmara.

     Não era um vampiro. Os vampiros não apareciam em fotografias e gravações. Tratava-se de um mortal, e sem dúvida era uma mulher. Pequena e ágil, com um pulôver de pescoço alto negro e uma boina de ponto negro na cabeça. Sem perder tempo, a mulher arrancou a vitrine de vidros duplos do pedestal, tirou o anel, o meteu nas calças dos jeans, caminhou para a janela e desapareceu da imagem.

     Por um momento, Stormy a viu da cabeça aos pés, da boina negra às esportivas verdes e turquesa.

     Conteve o fôlego. Procurou o controle sem apartar os olhos da tela, rebobinou, parou a imagem e desta vez pulsou a pausa no momento em que apareceram as sapatilhas. Esportivas verdes e turquesa. Levantou-se e se olhou às sapatilhas que levava postas. Esportivas verdes e turquesa. Tinha-as comprado para fazer ginástica.

     —Não pode ser-sussurrou—. Eu não pude... Mas de uma vez que o dizia, recordou que aquele dia se ficou dormida na banheira do hotel, mas tinha despertado na cama. Recordou as roupas atiradas pelo chão, e seu carro ao dia seguinte, que não estava na garagem onde o tinha metido o frentista do hotel a sua chegada.

     Stormy fechou os olhos, incapaz de acreditá-lo, mas consciente de que não podia negar o que lhe apresentava com tanta claridade. E ao repassar de novo as imagens, reconheceu seu corpo e sua roupa, embora não a forma de andar nem os movimentos. Ela foi quem roubou o anel, sim, mas sem ter o controle de seu corpo.

     —Elisabeta-sussurrou.

     Levou as mãos à cabeça e se deixou cair para trás na cama do Lupe, com os olhos fechados. E ao fazê-lo, uma nova quebra de onda de lembranças se apresentou ante ela, lembranças que tinha acreditado perdidas para sempre.

    

     —É aqui-disse Vlad com a voz enrouquecida.

     Tinha-a levado a entrada de uma cova perto do bordo das cascatas, sob os escarpados romenos onde Stormy se encontrou de repente fazia apenas um momento. Também lhe mostrou o buraco onde Elisabeta lhe ajudou a encontrar refúgio para passar a noite, e agora a tinha levado ao lugar onde os dois consumaram seu amor, tudo em um intento de fazê-la recordar. De que se convertesse na Elisabeta.

     Stormy só queria descobrir a verdade e livrar-se da mulher.

     —Aquela noite fui aos escarpados pela mesma razão que Elisabeta-disse Vlad—. Para pôr fim a minha vida. Oh, eu não teria me atirado de como ela. Pensava esperar à saída do sol junto à cascata, o lugar mais capitalista que conhecia. Mas quando a vi, quando se lançou do bordo, senti o impulso de salvá-la.

     —Fê-lo? Vlad assentiu.

     —Lancei-me como um míssil pelo ar e tentei amortecer a queda antes de nos dar contra as rochas e a água.

     Stormy não estava olhando ao lugar onde se deteve a não ser vendo o que ele tratava de ocultar, uma dor intolerável que se refletia em tudo. Sua forma de andar e suas pernadas, menos poderosas e seguras que antes; sua postura física: ombros largos, costas reta e queixo alto, suavizou-se, como se o aço em seu interior se estivesse fundindo gradualmente. E seus olhos, a dor refletida em seus olhos e que não podia dissimular.

     —Lesei-me gravemente e ela me ajudou a entrar na cova, ficou ali comigo, e lhe contei meus segredos. Contei-lhe o que era eu, e lhe disse que ela era uma dos Escolhidos. Também lhe assegurei que podia curar a enfermidade que lhe estava arrebatando a vida, com a condição de que fosse minha para sempre. E aceitou.

     —Assim dois suicidas se conhecem uma noite e decidiram casar-se? Vlad, não te dá conta de quão retorcido é? Não lhes conheciam, e nenhum dos dois estavam em um estado mental favorável.

     Vlad a olhou sério.

     —Ninguém questionou jamais minha prudência, Tempest-lhe advertiu em tom ameaçador.

     —A gente sã não se suicida, Vlad.

     —Não tem nem idéia do que é viver milhares de anos. Viver sozinho.

     —Não, isso é certo, mas conheço muitos vampiros, Vlad, e nenhum se dedica a caminhar para a saída do sol, por muito velhos que sejam.

     Obrigando-se a apartar os olhos dele, Stormy olhou o lugar onde estavam. Era um claro em meio de uma pequena arvoredo, um lugar recolhido e acolhedor, tranqüilo e formoso. E soube que foi o lugar onde Elisabeta e ele consumaram seu amor.

     Uma noite. Isso foi tudo o que tiveram.

     Comovida até as lágrimas, Stormy lhe pôs uma mão no ombro.

     —Sinto que isto seja tão difícil para ti.

     Vlad lhe cravou os olhos com raiva.

     —Não sinta lástima de mim, Tempest. Não quero isso de ti. Só quero...

     —Sim, sei, sei que recorde-Stormy se umedeceu os lábios e olhou a seu redor, mas não recordava nada. O lugar não lhe resultava conhecido—. Trocou muito?

     —As árvores são maiores, algumas morreram, e há outras novas-disse ele assinalando alguns arvorezinhas próximos—. Além disso, está virtualmente igual.

     Olhou-a aos olhos e mergulhou neles, procurando respostas.

     —Não recorda nada? —perguntou ele.

     —Sinto-o-disse ela—, mas não.

     —Tem que recordar. E recordará.

     Stormy viu o desespero em seus olhos justo antes que ele a rodeasse com seus braços e a apertasse contra seu peito, lhe segurando a cabeça com uma mão para evitar que se afastasse. Algo que ela não pensava fazer.

     Então a beijou.

     E ela, para seu pesar, adorou, sim. Queria seus beijos, e muito mais.

     Vlad abriu a boca sobre a dela e a fechou ligeiramente, devorando seu sabor. E quando usou a língua, Stormy sentiu uma quebra de onda de excitação que lhe fluiu da cabeça aos pés. Todo pensamento coerente, todo argumento racional para rechaçá-lo se esfumou de sua mente, e só ficaram as sensações de sentir-se desejada com uma força e uma paixão irracional e completa. E a sensação dele nela. Uma sensação tão embriagadora e poderosa que não se pôde resistir.

     Stormy lhe rodeou o pescoço com os braços e se abriu a ele, beijando-o tão apaixonada e desesperadamente como ele a ela. Céus ia ser maravilhoso. Ia ser incrivelmente alucinante.

     Vlad a deitou na erva e lhe baixou a camisola pelos ombros, despindo-a da cintura para acima. Deslizou uma mão entre os ombros para mantê-la incorporada, e depois lhe beijou os seios, lambendo e sugando com crescente ardor até mordiscar e beliscar os mamilos eretos, arrancando ofegos e gemidos de sua garganta e fazendo-a arquear as costas para ele, oferecendo-se por completo a suas carícias.

     Deitando-a de tudo no chão, Vlad se deslizou sobre ela, lhe beijando a garganta com a boca e saboreando-a com os lábios. Stormy elevou o queixo para lhe dar melhor acesso e sussurrou:

   —OH, Vlad, como te desejo.

     —Eu também te desejo Elisabeta.

     Foi como se lhe tivessem jogado um jarro de água fria. Stormy ficou rígida e depois lhe apartou empurrando-o com as mãos.

     Vlad deixou de beijá-la e elevou a cabeça. Olhou-a com uma mescla de paixão e confusão nos olhos, e Stormy notou quão excitado estava: sua ereção, forte e dura, apertava-se contra sua coxa.

     —Levanta-ordenou ela empurrando-o de novo.

     —Tempest...

     —Exato. Soul Tempest, Stormy Jones. Mas não era comigo que estava fazendo amor, verdade, Vlad? Não sou a mulher que desejas. É ela. Elisabeta, não eu.

     —Pode ser ela. Será. Não te dá conta?

     —Não. Não, não sou ela, nunca o fui e nunca o serei. Ela tenta apoderar-se de meu corpo sem minha permissão, e isso é o que esteve a ponto de fazer você também, Vlad-o acusou furiosa—. Utilizar-me para poder tê-la, ou te enganar e te fazer acreditar que a tinha. Não me desejas, não é?

     Vlad se levantou lentamente, passou uma mão pela juba negra e passeou diante dela.

     —Se te tiver feito mal, peço-te perdão.

     —A mim ninguém faz mal-disse ela colocando a camisola e cobrindo-se—. Sou muito dura para isso, Vlad, assim não se castigue por isso. Eu não sou uma suicida necessitada como sua pequena esposa. De jeito nenhum.

     Stormy ficou em pé e pôs-se a andar através das árvores.

     —O castelo é por ali, Tempest-disse ele, assinalando em direção oposta aonde ela ia.

     Mas Stormy não podia dar meia volta e arriscar-se a que ele visse as lágrimas que lhe empanavam os olhos. Porque apesar de suas palavras, Vlad acabava de feri-la profundamente. Muito mais do que era sensato nem razoável. Como podia ser tão tola?

     —Necessito um momento a sós. Volta você. Logo te alcanço.

     —Há lobos.

     —Bom, estou de saco cheio, assim se souberem o que lhes convém, não se aproximarão-disse ela, e se afastou entre as árvores o suficiente para limpar as lágrimas e respirar profundamente, tratando de convencer aos condutores respiratórios para que se abrissem um pouco e deixassem chegar o ar até os pulmões.

     Por fim se voltou e com a cabeça alta retornou até onde tinha deixado Vlad. E o encontrou ali, esperando... Com outra mulher.

     A mulher se voltou, e Stormy piscou enquanto a pergunta saiu de seus lábios.

     —Rhiannon?

     Rhiannon a olhou, franziu o cenho e seus olhos se cravaram ato seguido no Vlad.

     —Já a tem feito chorar?

     —A mim ninguém faz chorar-negou Stormy.

     Rhiannon jogou a larga juba negra para trás com um gesto exagerado. Levava um vestido de veludo que lhe caía até o chão e rodeava cada curva de seu corpo.

     —Este pode fazer chorar à Esfinge. Não terá que envergonhar-se-disse, e ignorando ao Vlad, voltou-se para o Stormy—. Dizem por aí que foste abduzida pelo próprio Príncipe das Trevas. E pensei vir constatar com meus próprios olhos.

     —Não sabia que interessava a você-murmurou Stormy com evidente sarcasmo.

     Rhiannon arqueou as sobrancelhas.

     —E não me interessa. Mas dá a casualidade de que você é um desses poucos mortais aos que estaria disposta a ajudar em um dado momento-disse Rhiannon olhando as unhas largas e pintadas de vermelho—. Dado que é amiga de alguns de meus mais queridos amigos, não podia deixar que tivesse que te defender sozinha.

     —Me defender sozinha é o que melhor sei fazer.

     —É possível. Tem fama de dura, para um mortal, claro. Mas seja realista, Stormy. Nunca poderia te enfrentar a Drácula.

     —Surpreenderia-te-disse Vlad sem elevar a voz.

     Rhiannon o olhou, e quando voltou a olhar ao Stormy, seus olhos estavam carregados de interrogações.

     —Significa que possivelmente vim resgatar a quem não o necessita? Não importa. Vlad podemos continuar esta conversação em um lugar mais apropriado? Percorrer a metade dos bosques da Romênia colecionando urtigas com a prega de meu vestido do Givenchy não está entre minhas atividades favoritas.

     —Se tivesse avisado que vinha...

     —O que expõe outra interrogação. Por que não o soubeste? Está perdendo as faculdades, Vlad. Não percebeste que vinha outro vampiro? É inquietante e dá que pensar. O que te terá mantido tão... Distraído?

     Vlad não respondeu. Limitou-se a pôr-se a andar para o castelo.

 

     Uns passos no corredor lhe avisaram que as outras foram começar a busca. Não tinha tempo para meditar sobre isso, e teve que lutar contra a sensação de náusea e enjôo que se apoderou dela. Céus, que tola tinha sido apaixonando-se por um homem que não a amava, que não a queria mais que como recipiente para a sua lunática esposa morta.

     Mas então era jovem. Agora era mais amadurecida, mais sábia e muito mais forte. E seguia sendo uma tola. Porque ainda o desejava. E amava.

     Nunca pensou que seria uma dessas mulheres que se apaixonam por um homem que não sentia nada por elas. Embora ele era tão estúpido como ela, por seguir obcecado durante tantos anos por uma mulher a que quase não conhecia.

     Stormy tirou a fita de vídeo do aparelho e a deixou em sua habitação antes de reunir-se com a Melina e Lupe na habitação do Brooke.

     Passaram todo o dia procurando-a por toda a casa, os jardins e os porões, e inclusive no computador de Brooke, o que não foi fácil já que estava protegido com contra-senhas.

     De fato, ainda seguiam tratando de entrar em seus arquivos quando o sol se pôs.

    

     As três mulheres estavam sentadas no escritório da biblioteca da mansão, não a biblioteca secreta a não ser a outra, a que havia na casa, tratando de entrar no portátil do Brooke.

     —Preciso descansar-disse Stormy a Melina e ao Lupe—. Sigam vocês, eu vou tomar um pouco de ar.

     Stormy as deixou ali, pensando que certamente as duas mulheres seriam tão capazes de averiguar as contra-senhas utilizadas pelo Brooke com sua ajuda ou sem ela. Depois de tudo, elas conheciam o Brooke.

     Saiu da casa e foi até a grama sob a janela de seu dormitório. Porque ali iria Vlad aquela noite, a sua janela, assim que despertasse, estava segura.

     Tinha que falar com ele, tinha que lhe contar o do Brooke e o desaparecimento do anel e o pergaminho. Além disso, necessitava ajuda para encontrar ao Brooke, e sabia que com seus poderes, era a pessoa mais indicada. Quando encontrassem o anel, ela procuraria a maneira de ocultar-lhe ao Vlad, anular o feitiço e devolver-lhe quando não pudesse mais fazer mal.

     Stormy se aproximou de um enorme salgueiro chorão cujos ramos caíam até o chão por toda parte. Curiosa, apartou a cortina de ramos e entrou no interior.

     —Sabia que viria-sussurrou uma voz.

     Mas não era a voz do Vlad. Não era a voz de um vampiro, e tampouco era a voz de um homem. Era uma voz de mulher.

     A mulher se levantou do banco de pedra que havia juntado ao tronco da árvore.

     —Brooke? —perguntou Stormy.

     Mas a mulher que se levantou não era Brooke, embora sim era seu corpo. A mulher não se movia como Brooke, nem tinha a mesma forma de ser. E seus olhos eram negros como a noite.

     —Já não-disse a mulher—. Não me reconhece Tempest? Estava segura de que o faria. Depois de tudo, estivemos muito unidas durante muito tempo.

     Um estremecimento gelado percorreu a coluna vertebral do Stormy quando esta olhou a mão da mulher, onde brilhava o anel de rubi.

     —Elisabeta? —sussurrou—. Mas como?

     —O como não tem importância-disse a mulher com um amplo sorriso—. Não se sente aliviada, Tempest? No fim das contas, não tive que te arrebatar o corpo.

     Stormy deu um passo atrás, consciente do perigo.

     —Sim, muito aliviada.

     —Pois não deveria-Elisabeta deu um passo para frente, e Stormy continuou retrocedendo outros dois—. Vou te matar de todos os modos, Tempest. Estiveste te deitando com meu marido, e não penso continuar permitindo que seja uma distração em meu matrimônio.

     A mulher estirou a mão para trás e, rápida como um raio, tirou uma enorme e afiada faca e se lançou contra Stormy.

     Stormy esquivou o golpe com agilidade, mas ao fazê-lo tropeçou com uma raiz da árvore que se sobressaía da terra e caiu de costas ao chão. Um segundo mais tarde, a outra mulher estava sentada escarranchada sobre ela, com a faca elevada no ar e preparada para cravar-lhe no peito.

    

     Vlad não podia acreditar o que estava vendo. Uma mulher estava a ponto de cravar uma faca ao Tempest no coração. Lançou-se para elas justo no momento que Tempest conseguia atirar um certeiro golpe com o talão da mão no queixo de seu atacante, lhe fechando a mandíbula e lhe jogando a cabeça para trás tão violentamente que a mulher caiu de lado e rodou pelo chão. Tempest aproveitou o momento para ficar em pé e atirar uma patada nas costelas da mulher com tanta força que elevou o corpo de seu atacante do chão. De uma segunda patada, Tempest a tombou de costas. Esta vez a faca saiu voando pelo ar e aterrissou no chão vários metros mais à frente.

     Tempest avançou e Vlad acreditou que ia matar à desconhecida, mas então a mulher tendida no chão o viu as olhando e elevou uma mão para ele.

     —Vlad, me ajude. Por favor, não deixe que me mate.

     Aquela voz. E aqueles olhos.

     Vlad piscou perplexo, e então, quando Tempest foi se lançar para diante, segurou-a pelos ombros e a deteve.

     Tempest girou em redondo e o olhou com raiva.

     —Acaba de tentar me matar!

     —Quem é? —perguntou ele em um sussurrou.

     A mulher no chão fez um esforço para incorporar-se.

     —Sou eu, Vlad. Sou Elisabeta. Não me reconhece? Sou sua esposa.

     —Como... Como pudeste...?

     —Chama-se Brooke-disse Tempest, ofegando—. É membro da irmandade de Ateneu. Vlad...

     Ele tinha os olhos cravados na mulher, a desconhecida. Sua esposa?

     Tempest o segurou pelos ombros e o sacudiu obrigando-o a voltar-se para olhá-la.

     —Me escute, Vlad. Eu roubei o anel do museu. Fui eu.

     —Você?

     —Sim, mas só porque ela tinha o controle. Foi Elisabeta. Não o soube até que me despertei esta manhã e a encontrei a ponto de me pôr o anel.

     Vlad franziu o cenho e procurou em seus olhos.

     —Íamos guardá-lo em uma caixa forte, mas Brooke o roubou, e também o rito, que estava aqui guardado. Brooke acreditou que lhe daria a imortalidade, e deve ter realizado o ritual.

     Vlad não podia deixar de olhar às duas mulheres, ao Stormy e à desconhecida com a voz e os olhos que conhecia bem.

     —Quer dizer que minha Beta... Vive nesse corpo. Não no teu.

     Tempest ficou olhando durante um longo momento. Vlad sentiu seus olhos nele, mas não a olhou, porque seu olhar estava cravado na outra mulher.

     —Sim, Vlad. Já não está em meu corpo. Já não se apoderará de mim cada vez que te aproxime.

     Elisabeta esboçou um sorriso dirigido ao Vlad, e este sentiu um nó no peito. O sorriso também lhe resultava familiar. Muito familiar.

     —Quanto a tempo sussurrou—. Quero-te, Vlad. Sempre te quis. E agora te necessito, mais que nunca. Por favor, não me abandone.

     —Eu nunca te abandonarei Beta.

     —Estou ferida. Ela me feriu.

     Vlad deu um passo para frente e lhe ofereceu uma mão para ajudá-la a levantar-se.

     —Pobrezinha, não deveria tê-lo feito, verdade, Vlad? —perguntou Stormy.

     O sarcasmo em sua voz era mais que evidente, e por fim, Vlad olhou para ela. Stormy estava furiosa.

     —Suponho que tinha que lhe ter deixado me cravar a faca no meu coração-continuou Stormy. Encolheu os ombros—. Embora isso você sozinho já fazendo perfeitamente.

     Deu-se meia volta para afastar-se.

     Vlad soltou a mão da Elisabeta.

     —Vlad!

     Este se voltou a olhar a sua esposa, que se desabava de novo no chão, dobrada pela cintura e apertando o estômago, no lugar onde Tempest a tinha golpeado.

     Vlad olhou ao Tempest outra vez, e depois a Elisabeta.

     —Adiante, fica com ela-disse Tempest—. Escuta no que me diz respeito, isto se acabou. Já saiu de meu corpo, e é o único queria. O ritual teve êxito, o que significa que já não vou morrer. O que faça com ela depende de ti. Não me importa absolutamente-Stormy olhou a Elisabeta—. Mas se voltar a te aproximar de mim, te matarei. Não o duvide. E ninguém, nem sequer o próprio Drácula, poderá me impedir isso. Entendido, sua víbora?

     Elisabeta não respondeu, mas sim rompeu a chorar.

     —Sim, já imaginava. Brooke me teria matado por isso-Stormy olhou ao Vlad aos olhos—. Não é que não mereça o que lhe tem feito sua pobre esposinha, Vlad, mas possivelmente queira averiguar o que passou com o Brooke antes que os dois vão por fim de lua de mel.

     E após pronunciar aquelas palavras, Stormy girou sobre seus pés e se dirigiu para a casa.

     Vlad necessitava tempo para processar o que estava ocorrendo. Como podia Elisabeta estar viva no corpo dessa mulher, Brooke?

     Mas nesse momento só podia pensar em uma coisa. Sua esposa estava ferida, e o necessitava. Não podia deixá-la ali deitada na erva, sangrando.

     Deixou que Tempest se fosse e se agachou para tomar a Beta nos braços e levar-lhe fora da mansão Ateneu.

    

     A dor que se arrastava contra seu coração era quase insuportável. Stormy caminhava com passos firmes para a casa, mas assim que cruzou a porta, deteve-se, segurou-se no marco e esperou a que deixassem de lhe tremer os joelhos. Levava dezesseis anos abrigando a esperança de que Vlad se desse conta de que ela era a mulher de sua vida, de que se pudesse estaria com ela.

     Mas agora que podia, Vlad tinha escolhido estar com a Elisabeta.

     —Bem-disse elevando a cabeça e secando-as lágrimas com um gesto furioso—. Espero que se apodreçam juntos. Estou farta deste rolo.

     —Esta é a valente mortal que com o tempo cheguei a... Tolerar-era Rhiannon, a vampiresa, que a observava do meio da sala—. Agora deixa de chorar e me conte o que passou.

     Stormy secou as lágrimas e sacudiu a cabeça.

     —Já terminou tudo, por fim. Sinto que tenha vindo até aqui para nada.

     —Você acha?

     Stormy assentiu com a cabeça, ergueu as costas e elevou o queixo.

     —Sim. Tinha razão sobre o Brooke, Rhiannon. Como sabia?

     —Já lhe explicarei isso. O que tem feito esta vez a muito traidora?

     —Roubar o anel e o pergaminho. Resulta que a maldita irmandade o tinha há um montão de tempo em uma de suas caixas fortes. Suponho que Elisabeta decidiu que Brooke era um branco fácil, porque tomou conta de seu corpo.

     Rhiannon arqueou as sobrancelhas.

     —Agora Elisabeta é corpórea?

     —Certamente é a sensação que me deu quando tentou me cravar uma faca no peito faz uns minutos.

     Rhiannon conteve uma exclamação, mas Stormy subtraiu importância à situação.

     —Tranqüila. Dei-lhe uma surra que não esquecerá.

     —Bom isso não faz falta nem que o diga. E onde está Vlad? —perguntou Rhiannon.

     —A última vez que o vi a levava em braços. Certamente ajudando-a a lamber as feridas. Acabei com os dois.

     —Não sabe como eu gostaria que fosse certo. Por seu bem, se não pelo do Vlad-disse Rhiannon.

     Stormy sacudiu a cabeça.

     —É a verdade. Vou recolher minhas coisas e me vou. Já não tenho motivos para seguir com este mau rolo.

     —Stormy, ainda não terminou.

     Nesse momento, Rhiannon se interrompeu e se voltou para a porta.

     —Temos companhia.

     Melina e Lupe estavam entrando nesse momento, e se detiveram de repente ao ver Rhiannon.

     —Bem, bem, bem-disse a vampiresa com um ronrono que podia converter-se em um grunhido sem avisar—. Voltamos a nos encontrar. Olá, Melina.

     —Rhiannon.

    Lupe contemplava a cena com os olhos muito abertos, e por fim conseguiu apartar o olhar do Rhiannon para fixar-se no Stormy.

     —O que te passou? —perguntou-lhe.

     —Logo lhe conto. Conseguistes entrar no ordenador do Brooke?

     —Sim. A contra-senha era imortalidade.

     Rhiannon se esticou.

     —Brooke levava muito tempo obcecada para consegui-la-disse—. E suponho que em parte a responsabilidade do ocorrido é minha e de meus amigos, por não lhes falar de seu duplo jogo.

     —O incidente Stiles —disse Melina —. Acabamos de encontrar suas notas no ordenador. Queria roubar a fórmula desenvolvida pelo Frank Stiles, a que segundo ele podia converter a um mortal em imortal.

     —Sim-Rhiannon esperou sem dizer nada mais.

     —Teria funcionado?

     Tinha funcionado. Stormy sabia por que os vampiros a tinha utilizado para salvar a vida de Willem Stone. E tinham aprendido a recriar a fórmula.

     —Segundo todos os informes, Stiles está morto-disse Rhiannon—. Pelo visto, a fórmula não funcionou como ele esperava.

     Melina assentiu lentamente, possivelmente suspeitando que essa não era toda a verdade. Mas nesse momento, Stormy soube com total certeza que Rhiannon jamais revelaria o segredo do Willem Stone: provavelmente a irmandade o veria como uma ruptura de sua maravilhosa ordem sobrenatural e poderiam decidir tomar medidas para impedi-lo.

     —Por que não me contaram isso seus amigos, se sabiam que Brooke queria roubar a fórmula? Tinham que saber que isso era uma traição dos princípios de nossa ordem.

     Rhiannon encolheu os ombros.

     —Isso terá que perguntar a eles.

     —Por que não me explica isso você, Rhiannon?

     —Porque confio em ti tão pouco como confiava no Brooke-respondeu Rhiannon sem preâmbulos—. Além disso, se já chegamos a este ponto, que mais há para contar?

     —Que mais havia em seu computador? —perguntou Stormy em um intento de trocar de conversação—. Algo mais sobre o anel ou o pergaminho?

     Melina assentiu e trocou de tema.

     —Brooke acreditava que quando Elisabeta voltasse para a vida, ofereceria-lhe a forma de conseguir a imortalidade. Pensou que se conseguia fazer entrar em seu corpo o antígeno Beladona que, segundo ela, Elisabeta teve que ter em vida, poderia converter-se em vampiresa.

     —Isso não lhe ajudaria em nada-disse Stormy.

     —Brooke acreditava que sim-disse Lupe—. Estava convencida de que Elisabeta podia coexistir com outra alma no mesmo corpo. E estava disposta a compartilhar seu corpo com ela em troca da vida eterna-Lupe baixou a cabeça—. Céus quer colocar o anel e fazer o ritual. Quer que Elisabeta compartilhe seu corpo.

     —Já o tem feito-disse Stormy.

     As duas mulheres a olharam boquiabertas. Stormy o confirmou com um movimento de cabeça e continuou.

     —Acabo de me encontrar com ela lá fora. Só que não era Brooke. Era Elisabeta. E não sei vocês, mas eu a conheço. Vivi com ela muito tempo, e sei perfeitamente que não tem a menor intenção de compartilhar esse corpo com o Brooke.

     —Não poderia fazê-lo nem se queria-disse Rhiannon—. Duas almas não podem ocupar o mesmo corpo durante muito tempo.

     —O meu sim-disse Stormy—. Levava anos vivendo dentro de mim.

     —Sim, porque o anel lhe impedia de ir a algum outro lugar. Brooke não tem essa ancoragem. Entregou-lhe seu corpo. Em seu corpo, Tempest, Elisabeta só podia estar escondida, à espreita, esperar e tomar o controle muito ocasionalmente. Não era o bastante forte para te expulsar, e o poder do anel lhe impedia de seguir. Mas Brooke entregou a si mesma, e sua alma se irá debilitando gradualmente até desaparecer.

     —Em quanto tempo? —perguntou Melina.

     —Melina? —perguntou Lupe.

     —Em quanto tempo? —repetiu Melina, ignorando a pergunta de sua subordinada.

     Rhiannon encolheu os ombros.

   —Uns dias no máximo.

     —Podemos salvá-la?

     —Para que quer salvá-la? —gritou Lupe—. Melina traiu-nos. Traiu a irmandade. Agrediu-te com sanha. Por que quer ajudá-la?

     Melina baixou os olhos.

     —Não espero que o entenda.

     —Ninguém pode entendê-lo. Não tem nenhuma lógica.

     —Para mim sim-Melina olhou ao Rhiannon de novo—. Podemos salvar ao Brooke?

     —Só exorcizando a Elisabeta. E só depois de anular o poder do anel sobre ela, para que possa descansar definitivamente-disse Rhiannon e baixou a cabeça.

     —Acreditava que o poder do anel se debilitou agora que Brooke realizou o ritual-disse Stormy.

     —Temo-me que não de tudo-respondeu Rhiannon—. Se liberarmos a Elisabeta do corpo do Brooke, é possível que o anel continue lhe impedindo de descansar como deveria ser. É possível que volte para seu corpo, Stormy. Os poderes do anel são muito fortes. Temos que estar seguras.

     —E se não pudermos fazê-lo? —perguntou Stormy.

     Rhiannon se mordeu o lábio.

     —Então as duas morrerão. Mas Elisabeta ficará outra vez apanhada pelo poder do anel. Stormy, Elisabeta necessita seu corpo. Você é seu descendente espiritual, estou segura disso. As duas saíram com a mesma alma coletiva. Você saiu com a mesma alma da Elisabeta.

     Stormy baixou a cabeça.

     —Bom, eu vou embora daqui. Isto já não tem nada que ver comigo.

     —Temo-me que sim, Stormy.

     Stormy olhou ao Rhiannon, rezando para que a vampiresa não tivesse nenhum argumento racional para defender suas palavras.

     —Elisabeta logo se dará conta de que não pode viver no corpo do Brooke. Não são compatíveis. E quando isso ocorra, irá te buscar. Não esqueça que segue tendo o anel e o pergaminho.

     «E ao Vlad», pensou Stormy. Também tinha ao Vlad. E quando ele se desse conta de que sua queridíssima esposa estava morrendo no corpo do Brooke, de que necessitava o seu para sobreviver, seguro que a iria procurar pessoalmente e se encarregaria de levar a cabo o maldito ritual.

     Por forte e valente que fosse Stormy sabia que não poderia enfrentar a eles. E muito menos aos dois.

     —Além disso, deve ter em conta a data. Se sua alma não estiver em paz, já seja restabelecida em um corpo vivo ou totalmente liberada da carga da vida física, morrerá. E você com ela, Stormy. Na terça-feira, a meia-noite.

     Stormy fechou os olhos e baixou a cabeça.

     —Está bem-acessou por fim para seu pesar—. Conta comigo. Mas não tenho nenhum interesse em salvar ao Brooke. No que me diz respeito, o ganhou à força-olhou ao Lupe e a Melina—. E pelo que sei da Irmandade, terminará sendo executada de todos os modos. Não é assim?

     Melina conteve uma exclamação, mas apartou o olhar e se negou a responder.

     —Ou seja, tenho razão-continuou Stormy—. Ninguém deixa esta organização. E tampouco tenho nenhum interesse em liberar a Elisabeta, para que sua alma possa viver eternamente e ser feliz. Quão único quero é matá-la. De uma vez por todas. Quero-a morta.

     —No fundo é o mesmo-disse Rhiannon.

     —Então façamo-lo.

     —Primeiro teremos que trazê-la aqui-disse Rhiannon—. Temos que convencer ao Vlad. E acredito Stormy, que você é a única que pode fazê-lo.

     Stormy baixou a cabeça.

     —Não me fará conta.

     —Eu acredito que sim-afirmou a vampiresa. Contemplou ao Stormy em silêncio uns momentos e depois continuou—. Nunca cheguei a entender muito bem por que me cai tão bem, Stormy, considerando que tenho tão pouca tolerância para os de sua classe. Embora tinha chegado à conclusão de que era porque, no fundo, recordava-me.

     Stormy a olhou aos olhos.

     —Isso é um cumprimento?

     —Ao menos o era, embora comece a pensar que possivelmente esteja equivocada. Porque na verdade, eu nunca deixaria que outra mulher me arrebatasse ao homem que amo. Eu lutaria por ele.

     Stormy suspirou.

     —Levo dezesseis anos lutando com a Elisabeta.

     —Efetivamente. Por que não uma noite mais?

     Stormy ficou pensativa uns momentos, e por fim assentiu, dando-se conta de que Rhiannon tinha razão. Ganhasse ou perdesse sempre estaria apaixonada pelo Vlad, e valia a pena tentá-lo uma última vez. Ao inferno o orgulho. Além disso, sua vida também estava em jogo.

     —O que quer que faça?

     —Vá vê-lo. Está em uma casa vazia a uns três quilômetros ao norte daqui. Senti sua presença ao chegar. Vá vê-lo, Stormy. Fala com ele. Faça-lhe ver que é a única maneira.

     Stormy se umedeceu os lábios e assentiu.

     —Irei dando um passeio. O ar fresco me virá bem.

 

     Enquanto Stormy caminhava na noite quente e limpa, sentiu chegar a sua mente as lembranças de seus momentos com o Vlad dezesseis anos atrás.

     Vlad e ela tinham retornado ao castelo com o Rhiannon onde encontraram ao Roland, o companheiro do Rhiannon, esperando-os. Este insistiu em levar ao Stormy ao povoado mais próximo para que comesse uma comida decente, provavelmente para deixar ao Vlad e Rhiannon falar em particular, e também para assegurar-se de que Vlad não a retinha contra sua vontade.

     Mas no caminho de volta pela estrada serpenteante que levava até o castelo, Stormy viu algo que lhe impactou. Um prado, com uma velha fonte em ruínas em uma esquina. Sem poder evitá-lo, deteve o carro e desceu, e então desmaiou.

     Quando recuperou o sentido de novo, Roland a levava nos braços ao castelo do Vlad. E então...

     Sentia-se fraca, doente e dolorida, com o corpo inerte apoiado contra o ombro do Roland e sem poder manter os olhos abertos mais que um décimo de segundo.

     —Que demônios ocorreu? —quis saber Vlad.

     —Não tenho nem idéia, meu amigo-disse Roland.

     Vlad tomou Stormy dos braços de Roland e a meteu no castelo. Ali a deitou na chance longue e lhe deu uns tapinhas nas bochechas enquanto Stormy o sentia sondando em sua mente.

     —Conta-me tudo, Roland.

     —É obvio. Jantamos, falamos um pouco, e parecia perfeitamente bem. Mas na volta...

     Nesse momento entrou Rhiannon e conteve uma exclamação.

     —Por todos os deuses, Roland, o que te passou na cara? —exclamou ao vê-lo.

     Stormy abriu os olhos e olhou ao vampiro.

     Roland se tocou a cara, e pela primeira vez Stormy viu os quatro largos arranhões que foram da maçã do rosto até a mandíbula.

     —Roland? —insistiu Vlad.

     —Não sei o que passou Vlad. Desceu do carro e saiu correndo a um prado a ver uma fonte em ruínas. Eu a segui, é obvio, e ela não parava de dizer: «já vem ela vem». E depois trocou.

     —Em que sentido? —perguntou Rhiannon.

     —Em todos-sussurrou Roland—. A voz, a postura, o aroma. Os olhos se tornaram negros, e começou a falar em um idioma que não conheço.

     —Romeno-disse Vlad lhe acariciando o cabelo e insistindo mentalmente que despertasse por completo.

     Stormy o sentia, mas estava muito fraca para reagir e obedecer.

     —Não foi à primeira vez-disse Vlad—. Ela te tem feito esses arranhões na cara?

     —Sim, quando tentei impedir que fosse correndo para o bosque-explicou Roland e franziu o cenho—. Era forte, Vlad. Muito mais forte que um mortal.

     —Igual à descrição do Maxine-disse Rhiannon—. Assim é como o espírito de sua querida Elisabeta se une com o do Stormy? Dominando-o, atacando a um amigo?

     Vlad continuava acariciando a cara e o pescoço do Stormy.

     —Acordada, Tempest. Lhe acordada disse. E depois ao Rhiannon —. Beta está confundida e frustrada. Leva quinhentos anos tentando voltar para mim, e agora que acredita que encontrou a forma, Tempest insiste em lhe plantar batalha.

     —Possivelmente por uma boa razão.

     Tempest piscou lentamente e abriu os olhos por completo.

     —Estou... Estou bem-se sentou e se levou as mãos a fronte—. Recordo ver uma fonte em um prado, e sair correndo a examiná-la mais de perto. Roland... —deteve-se o ver o rosto arranhado do Roland—. Eu te tenho feito isso. Sinto muito.

     —Não acredito que fosse você, Stormy-disse Roland.

     —Não, não era eu-Stormy olhou ao Vlad—. Por que surgiu com tanta força?

     Vlad fechou os olhos, mas não respondeu.

     —A casa-disse Stormy, compreendendo-o tudo—. Era sua casa. A da Elisabeta, verdade?

     —Sim-Vlad olhou ao Rhiannon—. Segue acreditando que estou equivocado?

     —Em muitas coisas-respondeu a vampiresa—. Se esse espírito invasor for o da Elisabeta, Vlad, não é a mulher que você recorda. Trocou muito.

     —Você é a que se equívoca.

     Rhiannon se aproximou do Stormy, inclinou-se sobre ela e tomou sua mão.

     —Volta conosco, Tempest, e encontrarei a forma de exorcizar a essa criatura de seu corpo de uma vez por todas.

     Tempest se incorporou e baixou as pernas ao chão. Procurou no rosto do Vlad, que não pôde manter seu olhar. Tinha remorsos? Era consciente do que lhe estava fazendo? Sabia que Rhiannon tinha razão?

     —Em seguida amanhecerá-disse ele por resposta—. Agora não fica tempo para ir-se.

     —O alvorada não o afeta-recordou ao Roland—. Nosso avião espera a vinte quilômetros daqui com instruções de que a levem de volta a casa com ou sem nós-olhou ao Tempest—. Pode ir se o desejar, Stormy. Reuniremos-nos contigo assim que possamos.

     Vlad se passou as mãos pelo cabelo e se afastou uns passos.

     —Maldita seja, por que não lhes mantêm a margem?

     —Porque a destruirá, Vlad-disse Rhiannon—. Quantos episódios mais como este acha que poderá suportar? Olha-a!

     Vlad girou em redondo e a olhou furioso.

     —Destruirei-te se continuar a se entrometer.

     Roland se interpôs entre os dois, e Vlad lhe atirou um único e potente golpe que o mandou ao extremo oposto da sala, contra uma parede e ao chão. Então Rhiannon se lançou contra Vlad, rugindo como uma gata selvagem, e o jogou no chão. Ia montar sobre ele para continuar golpeando-o quando Tempest se levantou e gritou com força apesar da debilidade que ainda invadia seu corpo.

     —Basta! Quietos de uma vez!

     Rhiannon se paralisou e se voltou lentamente para olhá-la. Vlad continuou onde estava, tendido de costas no chão, e Roland levantou a cabeça, mas não o corpo, de onde tinha caído.

     —Não acham que isso o devo decidir eu?

     Stormy cruzou a sala até o Vlad e lhe estendeu a mão. Ele tomou e a olhou aos olhos. Stormy sabia perfeitamente que Vlad não tinha a menor intenção de deixá-la partir, ao menos até que recordasse o que ele queria. Estava obcecado com sua maldita esposa morta, mas Stormy tinha suas próprias razões para ficar. Precisava resolver aquele assunto de uma vez por todas.

     E abrigava a esperança de que ele decidisse deixar partir a Elisabeta e chegasse a amar a ela.

     Depois de ajudar Vlad a levantar-se, aproximou-se do Roland.

     —Está bem? —disse lhe ajudando também.

     Roland assentiu.

     —Tem um corte na cabeça, Rhiannon-informou Stormy a vampiresa—. Será melhor que o cure antes de dormir. Têm um lugar onde passar a noite?

     A intenção da pergunta era evidente. Não podiam ficar ali.

     —Podemos dormir no avião-disse Rhiannon enquanto estudava a ferida do Roland.

     Rhiannon a apalpou ligeiramente com um dedo, e Roland conteve uma exclamação de dor. Rhiannon se voltou a olhar ao Vlad.

     —Matar-te-ei por isso.

     —Ninguém vai matar a ninguém-disse Tempest e olhou ao casal de vampiros—. Será melhor que vão antes do amanhecer. Eu fico. Uma noite mais. Dou minha palavra-depois se voltou a olhar ao Vlad—. Igual a você me deu a tua de me devolver sã e salva e espero que a mantenha como eu mantenho a minha-lhe recordou. Olhou aos outros dois—. Estarei bem, vêem-no?

     —Oh, eu o vejo, Stormy. Mas e você? —perguntou Rhiannon enquanto pressionava com a ponta dos dedos a cabeça do Roland para conter a hemorragia—. Ele é Drácula, e se decide te reter aqui, nada poderá evitá-lo.

     Stormy piscou e depois se voltou a olhar ao Vlad.

     —Confio nele-mentiu—. Manterá sua palavra.

     —E se não o faz?

     —Então me terei equivocado, não?

     Rhiannon a olhou furiosa.

     —Que o céu nos libere de mortais com mais guelra que cérebro-murmurou—. A coragem não te tirará desta, Stormy.

     —Nunca me falhou antes.

     Com um suspiro, Rhiannon pareceu atirar a toalha.

     —Se alguém nos der umas ataduras, iremos em seguida-disse.

     Vlad assinalou com a cabeça um armário visível através de uma porta aberta ao fundo da sala.

     —Sempre tenho um estojo de primeiro socorros à mão.

     —E nós também-lhe espetou Rhiannon—. Mas o deixamos no avião. Nem em sonhos nos ocorreu que o necessitaríamos aqui, em casa do vampiro que me transformou.

     —Você a transformou? —perguntou Stormy surpreendida—. Vlad foi você quem converteu ao Rhiannon em vampiresa?

     —Sim-disse ele—. Embora há vezes que me arrependo profundamente.

     Rhiannon se foi e voltou um momento mais tarde com ataduras e esparadrapo. Depois de curar a ferida do Roland, os dois se deram à mão e, sem despedir-se, dirigiram-se para a porta.

     Ali Rhiannon se deteve e se voltou um momento para dizer umas últimas palavras ao Tempest, não ao Vlad.

     —Se não estiver de retorno nos Estados Unidos em um tempo razoável, voltaremos-olhou de soslaio ao Vlad—. E não viremos sozinhos.

     —Oh? —Vlad arqueou as sobrancelhas e falou em tom sarcástico—. Com quem, com um exército de vampiros para deter a força a Drácula?

     —Não precisaremos trazê-los, Vlad. Há vampiros por toda parte. Mais dos que uma criatura tão anti-social como você pode imaginar. E embora sejam diferentes, têm uma coisa em comum. Um princípio que compartilhamos: não lesamos a mortais nem nos metemos em suas vidas. E tampouco toleramos a quem o faz.

     —Proteger aos Escolhidos. Não é isso interferir?

     —Tempest não é uma dos Escolhidos.

     —E, entretanto está aqui, interferindo.

     —Estou aqui para evitar que a destrua. E no processo destrua a ti mesmo.

     Vlad apartou o olhar.

     —Isso não importa.

     —Sim, Vlad. Claro que importa-Rhiannon abriu a porta e saiu, embora com uma última advertência—. O que tem feito esta noite não se poderá desfazer. Adeus, Vlad.

     Vlad não respondeu, limitou-se a observar como se fechava a porta e depois se voltou a olhar ao Tempest.

     —Lhe obrigado disse.

     —Por quê?

     —Por confiar em mim.

     —Acha que sou tola? —espetou-lhe ela—. É obvio que não confio em ti, Vlad. Não quando sei perfeitamente de que lado está. Só queria me liberar deles para que pudéssemos continuar. Sigo pensando que as respostas que procuro estão aqui, neste lugar, e possivelmente em ti.

     O rosto masculino se enfureceu. Vlad a pegou pelo braço e a levou para as escadas.

     —Esta noite compartilharemos a cama-disse ele.

     —Por mim tudo bem-disse ela.

     Era consciente de que Vlad já sabia o que lhe tinha querido ocultar: o brilho de desejo, de ardor em seus olhos. Desejava-o, inclusive naquele momento.

     Stormy tratou de ocultar o desejo e enterrá-lo sob um tom sarcástico.

     —De todos os modos, estará quase morto dentro de vinte minutos-disse.

     —Mas muito vivo outra vez ao anoitecer, Tempest-lhe recordou.

    

     Vlad levou a Elisabeta, no corpo do Brooke, à casa a uns quilômetros dali onde se refugiou para passar a noite e onde havia sentido a presença de um mortal ao despertar aquela mesma tarde. Inclusive sem a ajuda de seus aguçados sentidos teria sabido que alguém tinha estado ali. Havia restos de cristais quebrados no chão, curvados, como de uma taça. Além disso, alguém tinha movido à desmantelada mesa de madeira em que havia restos de cera negra, sem dúvida indicação de algum ritual de magia negra.

     O aroma no ar era de uma mulher.

     A mulher que levava nos braços. Embora não a mesma. Agora era diferente. Agora era Elisabeta.

     Em lugar de levar a Elisabeta ao porão onde ele tinha um refúgio seguro montado, levou-a a parte posterior da casa e a deitou em um sofá.

     —Descansa-lhe disse—. Segue-te doendo? —elevou-lhe a blusa para ver as marcas na pele que lhe cobriam as costelas.

     —Já não tanto-disse ela—. Tinha esquecido o muito que dói estar... Viva.

     Vlad a olhou à cara. Sabia que suas palavras não se limitavam à dor física que tinha experimentado aquela noite.

     —Também te dói?

     —Mais.

     —Mais?

     —Nos vampiros-explicou ele lhe baixando a blusa—, as sensações se amplificam. Também a dor.

     —E como pode suportá-lo?

     —É inevitável.

     —Mas lhes curam depressa, verdade? Todas as dores desaparecem assim que sai o sol, e quando despertam de novo ao anoitecer estão totalmente recuperados. Não é assim?

     —Sim.

     Elisabeta assentiu.

     —Começo a me sentir melhor-lhe sorriu e tratou de incorporar-se—. Quando me fará isso?

     —O que, Beta?

     —Me trocar, é obvio. Quero ser imortal. Um vampiro, igual a você.

     Vlad a olhou, sacudiu negativamente a cabeça e nesse momento se deu conta de que ela tinha o antígeno Beladona, embora muito debilitado. Alterado.

     Antes Brooke não o possuía. Disso estava seguro. Se tivesse sido uma dos Escolhidos, ele o teria notado.

     —Tem-se que fazer no momento adequado, Beta-disse ele.

     Elisabeta lhe segurou pelos ombros e se apertou contra ele, lhe acariciando a mandíbula e a bochecha com os lábios.

     —Quando?

     —Não sei.

     A boca feminina se deslizou sobre a sua, e por um momento, Vlad a beijou. Mas depois, a sujeito pelos ombros e a apartou.

     —Beta, temos que falar.

     —Mas já te esperei demais, Vlad. Não quero esperar mais.

     —Não será por muito tempo, mas tenho que saber sobre o Brooke.

     A cabeça da Elisabeta se elevou como disparada por uma mola.

     —Brooke?

     —Está utilizando seu corpo, Beta, e tenho que conhecê-lo. Brooke não era uma dos Escolhidos.

     —Oh, não. Significa que...?

     —Não, céu, não. Percebo o antígeno em ti-a tranqüilizou ele—, mas não é forte e não estou seguro de que seja o mesmo. É possível que a transformação não chegue a dar-se.

     —Ou sim.

     —Se não se der, morrerá Beta.

     Ela piscou depressa.

     —Pois isso certamente não o podemos permitir-depois franziu o cenho—. Tem certeza que está me contando a verdade?

     —Por que ia te mentir?

     —Por ela, é obvio.

     —Quem? Brooke?

     —Tempest.

     Vlad negou com a cabeça.

     —Ela já não tem nada que ver com isto.

     —Tem se estiver apaixonado por ela. Se escolher a ela em vez de a mim. Esperei quinhentos anos, Vlad.

     —Não esperou absolutamente, Elisabeta. Nem sequer três dias. Quando lhe disseram que me mataram no campo de batalha, o acreditou e se apressou a te matar.

     —Morto-vivo-viva-sussurrou ela—. Apanhada, enterrada viva. Isso me fez você.

     —Queria te salvar.

     —Me destruísse. Para poder me recuperar. Se tiver decidido que já não me quer depois de tudo o que passei...

     —Não. É a verdade, Beta. Temos que falar e nos assegurar primeiro de que sobreviverá. Onde está agora Brooke?

     Beta suspirou.

     —Aqui, Vlad. Dentro deste corpo. Mas não por muito tempo. Isso sei.

     —Como sabe?

     —Sei-disse, e se deitou no sofá enquanto desabotoava os botões da blusa—. Mas isso já não tem importância. Agora estou aqui. Por fim estamos juntos. Como esperamos todos estes anos-se endireitou e lhe riscou a mandíbula com o dedo—. Tome Vlad. Bebe meu sangue e me faça imortal.

     Vlad se umedeceu os lábios, vendo como se abria a blusa e descobria o peito... Não, o peito de outra mulher. E a desejou. Mas se inclinou para cobri-la com o tecido.

     —Ainda não. Ainda não está o bastante forte. Há algo... Estranho.

     Algo trocou nos olhos da Elisabeta. Algo escuro que escureceu também seu rosto. E subitamente se tornou para trás, tirou uma faca que levava escondida entre a roupa e passou o fio com força pela palma da mão.

     —Beta, não! —exclamou ele.

     Mas ela se afastou e elevou a mão. Um atoleiro de sangue vermelho se estava acumulando na palma, e quando ela se aproximou dele e o aproximou dos lábios, ele não pôde resistir.

     Vlad fechou os olhos e saboreou o sangue da mão da Elisabeta. Segurou-lhe o pulso e bebeu até a última gota.

     Depois se apartou e entrecerrou os olhos.

     —É parcialmente seu sangue Beta. Tem o antígeno Beladona, o que lhe fazia ser uma dos Escolhidos quando vivia em seu corpo, mas o tem em muito pouca quantidade. O que corre por suas veias segue sendo o sangue do Brooke, e ela não tinha o antígeno.

     —Como sabe?

     —Porque se tivesse tido o haveria sentido. Da mesma maneira que agora sei que tem algo, mas muito pouco.

     —É suficiente, tem que ser suficiente. Troque-me, Vlad. Faça-me como você-a suplicou.

     —Beta, é a verdade. Tenta-se te trocar agora, o corpo que roubaste morrerá, estou seguro.

     —Não o roubei, foi-me entregue, Vlad-exclamou Elisabeta—. Vlad me demonstre que me quer-insistiu deslizando as mãos pela camisa masculina, uma delas envolta em um lenço—. Demonstre-me que me quer e então lhe beijou e mordiscou o pescoço—. Demonstre-me isso - sussurrou, apertando os quadris contra ele.

     Vlad fechou os olhos e baixou as mãos aos ombros femininos, e depois à cintura. Sem poder rechaçá-la, beijou-a. Elisabeta lhe retorceu uma mecha de cabelo entre os dedos e sugou sua língua, lhe desejando com uma paixão que Vlad não havia sentido nunca nela.

     E quando ela interrompeu o beijo, apertou a cabeça masculina contra sua garganta.

     —Quer-me, sabia. Tome querido. Passou tanto tempo.

     Vlad se separou dela.

     —Não posso fazê-lo, Beta. Está muito fraca-disse—. Não é seu corpo. Brooke...

     —Te esqueça do Brooke. Logo morrerá. Já a sinto debilitar-se agora que minha alma tomou posse de seu corpo. Estará morta em questão de uns dias. Não pode durar.

     —Por que não? —perguntou Vlad—. Você viveu durante anos no corpo do Tempest, embora entorpecida.

     —Sim, mas eu não podia sair dali. Estava dominada pelo poder do anel.

     —Entendo. Mas é parte de ti-disse Vlad—. Parte de tudo isto.

     —A odeio-disse Elisabeta—. Oxalá estivesse morta. Quando for uma vampiresa, será minha primeira presa-disse sonriendo lentamente, mas seu sorriso desapareceu de repente, possivelmente ao ver a surpresa e estranheza nos olhos do Vlad.

     —Oh, Vlad, não ponha essa cara. A morte não é tão horrível. Eu também o pensava, quando era jovem e ingênua-a recordou—. Como gritei de dor pela morte de minha família, de meus irmãos, de minha irmã pequena! Como quis morrer com eles! Mas a morte é uma mentira. Não terá que temê-la. Quando matas a alguém, não deixam de existir. Digamos que só as tira de nosso meio-Elisabeta sorriu—. Ser um vampiro deve ser como ser um deus-sussurrou.

     —Não, Beta, não o é.

     —Oh, é claro que sim que é. Durante todos estes anos que estive dentro do Tempest a vi tratar com vampiros continuamente. E todos vivem eternamente.

     —Podemos morrer igual a outros, mas por distintos meios. O fogo, a perda de sangue, a luz do sol...

     —Os vampiros têm o poder da vida e a morte em suas mãos-insistiu Elisabeta.

     —Mas não somos animais —lhe disse ele —. Não matamos simplesmente por prazer.

     —Não recordo essa parte de ti-disse ela, estudando-o com o cenho franzido—. Você não é assim.

     —Beta, passaram cinco séculos. Possivelmente troquei.

     —Não, não é só isso. Nega-te a me fazer o amor, e não tem nada que ver com o ridículo espírito que segue vinculado a este corpo. É ela. É Tempest.

     —Tempest não tem nada a ver com isto. Disse-lhe isso, troquei-lhe assegurou Vlad—. Você também trocaste.

     —Não é de se admirar, depois de levar quinhentos anos encerrada-disse ela. Ficou em pé e se dirigiu para a porta—. Se você não me trocar, Vlad encontrarei a outro vampiro que o faça. Acredite-me, sei onde encontrá-los. Aprendi muito enquanto estive apanhada no corpo do Tempest Jones.

     Vlad foi atrás dela e a segurou pelos ombros.

     —Maldita seja, Beta, não vá assim.

     Elisabeta se girou tão rapidamente que Vlad não viu a faca que levava na mão, mas a sentiu. Sentiu a folha afiada afundar-se em seu ventre lhe atravessando a carne.

     O corpo do Vlad se desabou sobre o chão, presa de uma dor insuportável.

     —Vá, nisso me há dito a verdade. Sente a dor mais intensamente que os mortais-Elisabeta inclinou a cabeça a um lado—. É certo isso que acha Tempest, que quanto mais velho é o vampiro mais aguçados tem os sentidos? Porque se for certo, na sua idade, isso deve doer-acrescentou com ironia, e encolheu os ombros.

     Depois, ajoelhou-se junto a ele para poder olhá-lo aos olhos. Vlad tratou de falar, mas a dor o impediu.

     —Posso te ajudar, Vlad. Posso te curar a ferida e te alimentar com meu sangue. Se me transformar. Faça-me como você.

     —Mataria-te-lhe disse ele quase sem voz.

     Elisabeta encolheu os ombros de novo e ficou em pé.

     —Nesse caso, adeus.

 

     A porta se abriu de par em par e Vlad elevou a cabeça, tratando de ver quem era através da dor que lhe nublava os sentidos. E soube inclusive antes de vê-la. Sentiu-a.

     Tempest.

     Esta percorreu a habitação com os olhos e viu o Vlad de joelhos no chão, sangrando, e a Elisabeta de pé a seu lado, observando-o com indiferença.

     —Que demônios lhe tem feito? —perguntou a Elisabeta.

     —O que faz você aqui? —perguntou Elisabeta do corpo do Brooke—. Não vê que estou falando com meu marido?

     —Oh, sim, percebo.

     —Tem uma faca, Tempest-conseguiu dizer Vlad.

     —Percebi-a disse e ato seguido deu um passo adiante, girou a metade do corpo e atacou primeiro com um pé, depois com o outro.

     A primeira patada arrebatou a faca de mãos da Elisabeta e a segunda a golpeou em pleno queixo, fazendo-a cair violentamente contra o chão. Tempest correu junto ao Vlad, ajoelhou-se junto a ele e lhe abriu a camisa. Ao ver a forte hemorragia, tirou-se a camisa que levava e, em camiseta, cobriu-lhe a ferida com ela.

     —Aperta-lhe isso forte, Vlad.

     A suas costas. Foi dizer este, mas inclusive antes que conseguisse emitir um som, Tempest se levantou como impulsionada por uma mola e atirou um golpe ao queixo da Elisabeta com o lateral da mão. A cabeça da Beta se balançou como um pêndulo. Outro golpe da outra mão e o nariz da Beta começou a sangrar profusamente.

     Beta chiou, segurando a cara com ambas as mãos e tornando-se para trás.

     —Matarei-te, zorra. Matarei-te embora seja o último que he faça ameaçou, horrorizada pela dor e o sangue nas mãos.

     —Sim, olhe como tremo-respondeu Stormy—. Antes não podia lutar contra ti, Elisabeta. Estava dentro de mim, mas cometeu o engano de sair, e agora que posso fazê-lo, é o que penso fazer, não o duvide.

     —Nunca conseguirá ganhar.

     —Já o tenho feito-Tempest lhe segurou pelo braço e o retorceu as costas.

     —Tempest, o que lhe vais fazer? —perguntou Vlad.

     Tempest o olhou, com clara incredulidade, mas antes de poder responder, Elisabeta lhe mordeu a mão, e quando ela a apartou com um gemido, Beta saltou sobre seus calcanhares e saiu correndo da casa tão rápido quanto às pernas do Brooke foram capazes de levá-la.

     Tempest ia atrás dela, mas se deteve e se voltou para ele.

     —Deveria deixar que te sangrasse.

     Vlad assentiu devagar.

     —Me dê uns minutos e te darei o gosto.

     —Mérda.

     Vlad se desabou muito enjoado para seguir de joelhos e incapaz de manter-se acordado.

    

     Stormy desejou ter seu carro e o estojo de primeiro socorros que levava sempre no porta-malas. Em sua linha de trabalho, era importante o ter sempre perto. Os vampiros sangravam profusamente. Muitos deles eram amigos deles, e a maioria dos mortais que sabiam de sua existência preferiam vê-los mortos.

     Mas aquela noite tinha decidido ir andando, por isso não tinha o carro, assim ia ter que arrumar-se com as poucas coisas que levava na mochila.

     Correu pela casa em busca da cozinha ou do banheiro, jogando uma olhada ao relógio. Ainda não eram onze horas. Ainda ficava muito tempo até o amanhecer, o momento em que a ferida cicatrizaria e sanaria por si só. Muito tempo. Se não fazia nada, Vlad morreria antes da alvorada.

     Encontrou a cozinha. Excelente. Tirou-se a camiseta de algodão que levava e com os dentes lhe arrancou as mangas e as molhou na água depois de voltar a colocar a camiseta.

     De volta no que supunha que devia ser o salão da desmantelada mansão viu o Vlad tratando de incorporar-se.

     —Não te mova-lhe disse—. Fica deitado ou não fará mais que piorar as coisas.

     —Acreditava que tinha ido detrás dela-disse ele.

     —E te deixar morrer? Estou muito zangada contigo, mas nem tanto-Stormy suspirou—. Deite-te e deixa jogar uma olhada à ferida.

     Stormy lhe baixou a camisa pelos ombros e começou a lhe limpar o sangue com os trapos úmidos. As mãos lhe tremiam, mas o sangue não parava de brotar.

     —Toma, aperta com força-lhe disse lhe entregando uma parte de tecido enrolado.

     Da pequena mochila que tinha deixado junto à porta ao entrar, Stormy tirou um pacote onde havia agulhas curvadas e fio de seda. Vlad viu a agulha quando ela a tirou do pacote, desviou a vista e amaldiçoou em voz baixa.

     —Sei-disse Stormy—. Vai-te doer muitíssimo, mas se não te ponho uns pontos, não durará até o alvorada. Não vejo outra maneira de deter a hemorragia.

     Vlad assentiu.

     —Sei. Não importa, faça-o.

     Stormy se inclinou para frente e começou a unir as bordas da ferida, ainda sangrando. O corpo do Vlad se esticou. A dor era, com muita dificuldade, suportável.

     —Sinto-o-disse ela quando terminou com o primeiro ponto e fez um nó no fio de seda.

     Depois se preparou para o segundo ponto. Para um mortal três pontos teriam sido suficientes, mas no caso do Vlad, ela sabia que necessitaria ao menos seis.

     —Não ia fazer nenhum machuco a Elisabeta-disse ela depois de uns minutos—. Só queria levá-la a casa. Rhiannon estava ali. Diz que se não fizermos algo, Brooke e Elisabeta morrerão. São incompatíveis.

     —Elisabeta necessita seu corpo.

     —Sim. Por sorte para mim, você não está em condições de me entregar a ela.

     Vlad a olhou aos olhos, mas não o negou. Stormy continuou unindo as bordas da ferida até que terminou cobrindo-a com uma gaze e um pouco de esparadrapo.

     —Pronto-declarou por fim, sentando-se sobre os calcanhares.

     Mas Vlad não respondeu. Tinha os olhos fechados e estava muito quieto. A dor devia ter sido tremenda para lhe fazer perder a consciência. Também podia estar causado pela perda de sangue. Ou também podia estar...

     —Né-Stormy lhe deu uns tapinhas nas bochechas—. Vlad me diga algo.

     Ele piscou, mas mal pôde manter os olhos abertos uns instantes.

     —Sinto muito.

     —Você não tem a culpa-disse ela—, mas temos que te levar a um quarto seguro. Sei que tem um. Todos os vampiros têm um lugar seguro. Onde está, Vlad? Onde te refugia durante o dia?

     —Oh-Vlad apertou os lábios e tragou saliva—. Abaixo. No porão.

     —Estava segura de que não podia estar muito longe-ela comentou.

     Com o Stormy segurando-o pela cintura e apoiando-se nela, chegaram por fim a uma habitação no porão. Era uma habitação pequena e austera, com uma cama de casal que ocupava virtualmente todo o espaço.

     Stormy lhe ajudou a tirar a camisa e deitar-se na cama. Uma pequena mancha vermelha aparecia na improvisada atadura sobre o ventre.

     —Não te mova-disse ela, a seu lado—. Vou ajudar-te a deitar na cama, mas não faça nenhum esforço, Vlad. Não quero que volte a sangrar de novo.

     Stormy se sentou na cama a seu lado e o rodeou com os braços, lhe dizendo que deixasse cair todo seu peso sobre ela. Quando por fim Vlad esteve completamente deitado, Stormy o cobriu com a colcha.

     —Pronto. Está cômodo?

     Vlad assentiu com a cabeça, com os olhos fechados.

     Stormy comprovou uma vez mais a ferida. A hemorragia parecia controlada, e, mais tranqüila, sentou-se na cama.

     —Sei muito sobre vampiros, Vlad. Eu diria que mais que qualquer outro mortal. Alguns de meus melhores amigos são vampiros. Entende o que estou dizendo?

     Vlad assentiu levemente com a cabeça, de costas a ela sem estar muito seguro de aonde queria chegar.

     —Perdeste muito sangue e morrerá antes do amanhecer-continuou ela.

     Vlad rodou sobre as costas e a olhou.

     —Não acredito que...

     —Vais morrer-repetiu ela—. Mal pode manter os olhos abertos. Detive a hemorragia, mas não tem bastante sangre para chegar com vida até a alvorada-Stormy apertou os lábios—. Não sobreviverá a menos que me deixe te ajudar. A menos que me permita fazer... O que tenha que fazer.

     Os olhos do Vlad se cravaram nela com incredulidade.

     —Faria isso por mim? Inclusive depois de...?

     —Inclusive depois de escolher a ela em lugar de a mim? Ouça Vlad, sei que preferiria que fosse ela que estivesse aqui contigo, te ajudando.

     —Se estivesse ela aqui, agora estaria morto-disse ele—. Mas Elisabeta está confusa, Tempest.

     —O que está é louca. Tentei lhe dizer disse Stormy fechando os olhos—. Temos que ser práticos. Você necessita sangue. Eu tenho de sobra. Só podemos fazer uma coisa.

     Stormy lhe ofereceu a palma da mão e com um assentimento de cabeça, disse:

     —Adiante-ao vê-lo titubear insistiu—. Venha, faça-o.

     Vlad fechou os olhos durante uns segundos, mas quando os abriu ignorou a boneca que lhe oferecia e lhe segurou a nuca com a palma da mão, de uma vez que a atraía para ele.

     —Assim não-sussurrou ela.

     —Assim, Tempest. Assim-repetiu ele.

     Stormy fechou os olhos e se deixou levar, estremecendo-se enquanto lhe oferecia a garganta.

     Vlad a beijou no pescoço, e ela suspirou. Estirou as pernas e se tombou a seu lado, colando o peito a ele, e deixando a garganta apoiada contra a boca masculina. Involuntariamente arqueou o pescoço, desejando, necessitando que tomasse.

     Vlad suspirou seu nome contra sua pele, e ela sentiu seus lábios sugando brandamente, até que por fim uma pontada de dor a percorreu quando lhe cravou as presas. Mas a penetrante dor foi breve e deliciosa de uma vez, e despertou nela uma quebra de onda de sensações similares ao sexo, com os dentes afundados em sua carne, a língua lhe acariciando a pele, e a boca sugando em sua garganta.

     E então Vlad começou a mover-se, tendendo-a de costas e cobrindo-a com seu corpo. Seguia alimentando-se de seu sangue enquanto deslizava a mão por dentro de seu jeans.

     —Vlad, não deveria te mover...

     Mas Stormy não pôde continuar falando, porque os dedos masculinos se estavam deslizando em seu interior, e comprovando o excitada e úmida que estava. Por ele. Só por ele. Vlad a excitou com a mão, e ela separou mais as pernas, desejando o que só ele podia lhe dar.

     Então ele encontrou o botão que pulsava e pedia sua atenção e o esfregou com o polegar de uma vez que continuava lhe sugando na garganta e a penetrava com os dedos.

     Stormy teve um orgasmo tão potente que por um momento pensou que lhe arrancaria a carne dos ossos.

     O orgasmo continuou enquanto ela gemia, tremia e se convulsionava. Arqueou as costas para a mão masculina e jogou a cabeça para trás enquanto ele continuava acariciando-a sem piedade.

     Vlad a possuía por completo, com os dentes na garganta, e os dedos na vagina, sem lhe dar nem um momento de descanso, lançando-a em uma espiral de prazer que não diminuía, ao contrário, aumentava segundo a segundo, até lhe proporcionar um prazer quase insuportável. E inclusive a dor era a fonte de prazer. Mas era muito. Muito.

     Por fim, as sensações alcançaram o clímax, Vlad retirou os dedos e depois as presas e deixou de beber dela para começar a lhe beijar o pescoço com uma ternura que era em si uma prece. E depois, deitou-se na cama de novo, sem soltá-la, e colocando-a a seu lado, abraçou-a.

     Stormy tinha ficado debilitada pela potência do orgasmo e possivelmente também pelo sangue que ele tinha bebido de seu corpo. Ainda sentia os tremores do orgasmo, um orgasmo sobre-humano que não havia sentido nunca. Não era a primeira vez que compartilhavam sangue, mas Stormy sabia, por muito que o negasse que cada vez que ocorria, o vínculo entre eles se fazia mais potente e mais poderoso.

     E apesar do risco que isso supunha, adorava. E o amava.

     Com gesto preguiçoso, Stormy estirou os braços e cobriu ambos os corpos com a colcha. Viu uma mancha de sangue no abdômen do Vlad, mas não muito, e soube que seu sangue tinha servido para lhe devolver a vida. Vlad se salvaria.

     Mas e ela? Seria capaz de salvar-se?

     Sentia-se enjoada, esgotada e tremendamente débil, e de uma vez era consciente de que Vlad podia fazer o que quisesse com ela. Não resistiria.

     Apoiou a cabeça no ombro masculino e se aconchegou contra ele.

     —Obrigado, Vlad-sussurrou.

     E ficou dormida em seus braços.

    

     Quando Elisabeta deixou a casa onde estava Vlad se sentia doída e confusa.

     Como tinha podido cravar uma adaga ao Vlad, a seu amado esposo? Não podia acreditá-lo! Mas com certeza ele se recuperaria. Depois de tudo era um vampiro.

     Agora ela tinha que lutar com a complexidade de estar encarnada em um corpo humano outra vez, algo que só tinha conhecido em umas poucas ocasiões quando conseguia tomar o controle do corpo do Tempest. Agora habitava um corpo próprio que, embora Brooke tratava de recuperar, seus esforços não deixavam de ser, no mínimo, ridículos. Não supunha nenhuma ameaça.

     Mas, céus, as sensações!

     Aquele ataque de Tempest lhe tinha feito mal, a muito besta! O golpe que lhe tinha atirado, a dor na cara e o nariz sangrando. Ainda lhe doía, apesar de que no momento tinha passado. Não estava acostumada à dor física.

     E agora havia também outras sensações, como o rugido que sentiu no estômago, e se deu conta de que era fome. Mas não estava segura do que devia fazer a respeito. Fazia muito, muito tempo que não tinha que ocupar-se de satisfazer as necessidades do mundo corpóreo. Mais de cinco séculos. Mas o que sim sabia era que podia ter acesso aos conhecimentos que Brooke tinha adquirido ao longo de sua vida, do mesmo modo que tinha utilizado os as informações armazenadas do Tempest.

     A memória do Brooke lhe disse que tinha dinheiro no bolso e que havia um supermercado aberto vinte e quatro horas a uns três quilômetros de distância. Ali poderia comprar comida.

     O passeio se fez eterno, e para quando chegou estava tão cansada que apenas ficavam forças para comer. Além disso, devia ocupar-se de outras necessidades mais básicas e graças às lembranças do Brooke foi capaz de utilizar os banheiros públicos do supermercado.

     Aquilo lhe repugnou profundamente. Esqueceu-se dos aspectos menos agradáveis da existência física.

     Quase deu um salto quando a terrina de porcelana no que se sentou pareceu cobrar vida assim que se levantou. Um forte jorro de água caiu automaticamente do interior e deixou a terrina tão limpa como estava antes de usá-lo. Ficou olhando ao objeto durante um longo momento, apertando o coração com a mão.

     Depois, ao lavar as mãos, olhou-se ao espelho e viu que tinha uma cara agradável. Bastante atrativa, de fato. Passou-se as mãos pela juba castanha e a figura esbelta, embora débil, e sorriu.

     Por último, retornou aos corredores do supermercado e procurou nas estantes algo de comer. A maioria dos objetos não tinham aspecto de comida: latas e caixas com bonitas imagens.

     Com um suspiro desejou ser já um vampiro. Assim só teria que lhe chupar o sangue a um estúpido mortal e terminar com aquilo.

     Um mortal como Tempest. Adoraria chupar a vida daquela malvada ladra de maridos. E o faria.

     Mas agora precisava comer. Por fim encontrou um mostrador com comida preparada e o que viu lá lhe resultou mais comestível. Escolheu um sandwich de vitela, consciente de que precisava recuperar forças para voltar para a casa onde estava Vlad.

     Quando por fim retornou ao lugar onde tinha deixado ferido a seu marido, era muito tarde, ou possivelmente muito cedo, a ponto de amanhecer. Tratou de abrir a porta, mas estava fechada.

     Como se atrevia a deixá-la fora? Ainda não se deu conta de que não devia enfurecê-la? Por que a tratava assim?

     Elisabeta estava cansada, e lhe doíam às pernas e as costas. Naquele momento só desejava uma cama quente e o forte corpo do Vlad abraçando-a, mas teve que conformar-se com uma parte de erva seca à esquerda da porta principal, sob um bordo. Ali se aconchegou no chão para descansar um momento. Mais tarde decidiria o que tinha que fazer. Quando se fizesse dia, pensou, encontraria a maneira de entrar na casa. Quando saísse o sol.

     E Vlad não poderia detê-la.

 

     Stormy permaneceu nos braços do Vlad, perguntando-se até onde podia chegar àquela loucura. Certo que Vlad ainda a desejava até certo ponto, apesar de que Elisabeta já não habitava no interior de seu corpo, embora o mais provável era que seu desejo estivesse alimentado pela necessidade de sangue. Stormy conhecia bem aos vampiros, e sabia que para eles o desejo sexual e a sede de sangue eram a mesma coisa. Além disso, estava o vínculo criado por ele quando bebeu de seu sangue.

     E ela estava apaixonada por ele, algo que ele tinha que perceber cada vez que entrava em sua mente.

     Deitada na cama e abraçando-o, Stormy procurou em sua mente mais lembranças do passado que tinham compartilhado, e comprovou com certa estranheza que estavam ali. Por quê? Acaso Vlad queria que agora recordasse o que lhe tinha feito esquecer?

     Mas o motivo não importava. O importante era que estavam ali, esperando a que ela os recordasse. E mais importante ainda era que Stormy os necessitava para saber o que tinha ocorrido exatamente entre os dois tanto tempo atrás.

    

    

     Quando Rhiannon e Roland deixaram o castelo do Vlad, Tempest tomou banho, colocou uma camisola e foi à cama onde Vlad estava curvado de lado, olhando-a e com a cabeça apoiada em uma mão. Estava nu, ao menos da cintura para cima. O resto de seu corpo ficava coberto pela colcha.

     Stormy não sabia por que tinha ficado. Ficar não fazia mais que piorar a situação. Ali, em sua terra natal, Elisabeta era mais forte e tinha mais possibilidades de fazer-se com o controle de seu corpo.

     Então, por que não tinha aceitado o convite de Rhiannon de ir-se com eles?

     A resposta era simples, embora terrivelmente arriscada: estava-se apaixonando pelo Drácula. O que sem dúvida confirmava que estava louca. Que sentido tinha que uma mortal normal e comum se apaixonasse por um vampiro, e muito menos do próprio Drácula?

     —Dá-te medo vir à cama, Tempest?

     Tempest deixou a um lado suas meditações e se deu conta de que levava um par de minutos com os olhos pegos ao peito masculino.

     —Deveria o ter?

     —Tendo em conta onde terminou a última vez, não seria surpresa que o tivesse.

     —Oh, isso-Tempest encolheu os ombros e tratou de conter o estremecimento ao recordar ter despertado à beira de um escarpado.

     —Fechei as portas e as janelas-disse ele—. Esta vez não poderá ir mais longe que os limites desta habitação.

     Stormy se aproximou da cama, e ele jogou a coberta para trás. A camisola que levava era como outros da cômoda, transparente, curta, só que este em vez de branca era negra.

     Meteu-se na cama de costas, sem tocá-lo, cobriu-se e olhou o teto. Vlad se levantou para apagar o abajur da mesa de cabeceira e depois voltou a colocar-se como estava de lado. Mas não era justo. A habitação estava sumida na mais absoluta escuridão, e ela não podia ver nada, embora ele sim.

     —Antes te equivocaste-disse ele—. Sobre desejar a Elisabeta e não a ti.

     Algo percorreu o rosto feminino, e sua bochecha. Stormy pensou que era o dorso dos dedos.

     —Sim? —disse com a voz entrecortada, quase sem respiração.

     —Sim-os dedos descenderam pela mandíbula e depois a garganta—. Estava rodeado por lembranças do passado, Tempest: Dizer seu nome foi um lapso sem importância.

     —Duvido muito-disse Stormy, consciente de que só o fazia para mantê-la ali o tempo suficiente de conseguir o que desejava.

     Que não seria outra coisa que sua querida Elisabeta tomasse o controle de seu corpo.

     —Só queria que tivéssemos mais tempo antes do alvorada, para lhe poder demonstrar isso a mão continuou deslizando-se devagar pelo peito e o decote, onde se deteve—. Agora só temos uns vinte minutos.

     —Não acho que faríamos outra coisa se tivéssemos mais tempo.

     —Não me rechaçaria.

     —Não esteja tão seguro.

     —Sei quando uma mulher me deseja Tempest.

     Ela encolheu os ombros.

     —O que desejo e o que me convém são duas coisas muito distintas, Vlad. De fato, neste caso, são diametralmente opostas.

     A mão masculina continuou deslizando-se em uma carícia quase imperceptível sobre o corpo feminino.

     —Vinte minutos, né? Suponho que podemos falar-disse ela.

     —É obvio.

     Stormy se estirou de lado, embora mantendo uma prudente distancia.

     —Me fale do Rhiannon. Há dito que você a transformou.

     Vlad permaneceu em silencio durante um longo momento, e por um instante Stormy pensou que não obteria resposta. Mas por fim falou.

     —Ela era uma dos Escolhidos. Já sabe o instinto tão forte que têm os vampiros de proteger-se mutuamente.

     —Sim.

     —E também sabe que para cada vampiro há um dos Escolhidos com quem o vínculo é inclusive mais forte.

     Stormy assentiu na escuridão, sabendo que ele a via.

     —E ela era sua escolhida?

     —Sim. Percebi sua necessidade viajando perto do Egito e fui até ali. Era a filha do faraó, mas este tinha querido um filho e a considerava uma maldição dos deuses, um castigo por algum crime, imaginado ou real. Por isso a tirou do palácio e a mandou a ser educada e formada pelas sacerdotisas do Templo do Isis, mas nunca a deixavam sair dali, nem sequer quando estava doente. Era virtualmente uma prisioneira.

     —Os Escolhido sempre morrem jovens se não forem transformados-murmurou ela—. Deve ter sido muito jovem quando notou os sintomas.

     —Sim. O caso é que a levei dali. Estivemos a ponto de morrer quando outra organização interveio em nome das sacerdotisas. Entretanto, conseguimos escapar com vida. Disse-lhe quem era eu, no que ia se converter, e aceitou.

     Stormy desejou poder ver o rosto masculino na escuridão, porque estava segura de que essa não era toda a história.

     —Vi o vínculo de união entre os vampiros e seus escolhidos. É bastante forte.

     —Sim.

     —Inclusive se não tiverem uma relação sexual...

     —Me está perguntando isso, Tempest?

     Stormy se umedeceu os lábios, e baixou os olhos.

     —Não. Referia-me a que deviam estar muito unidos.

     —Assim é. E o estamos.

     —E ainda, contudo estava disposto a romper esse vínculo pela Elisabeta.

     Vlad não disse nada. E seu silêncio foi tão eloqüente como se o tivesse admitido abertamente.

     Stormy se umedeceu os lábios e ficou um momento em silêncio, tratando de armar-se de coragem para expor a pergunta que ardia em sua mente. Os minutos passavam lentamente, e por fim, respirou fundo, fechou os olhos e a soltou.

     —Fará-me o amor quando ficar o sol esta noite?

     Stormy esperou a resposta com os olhos fechados, mas esta não chegou. Depois, estirou-se de lado e o tocou.

     —Vlad?

     Nada. Provavelmente o sol já tinha saído no exterior e Vlad estava descansando. Provavelmente nem sequer tinha ouvido a pergunta. Ela nem sequer sabia qual era a resposta que queria ouvir nesse momento.

     Que demônios, claro que sabia. Desejava-o. Ardia por ele, e a espera não estava servindo mais que para aumentar sua frustração e seu desejo.

     Possivelmente deveria aceitar e render-se ao que ambos queriam; fazer o amor com ele e ver o que ocorria.

     Possivelmente era o momento de deixar a um lado à lógica e escutar as demandas e desejos de seu próprio corpo.

     Sim, era o momento.

     Quando o sol se pôs, Stormy não tinha pregado o olho, mas estava preparada. Aquela seria sua última noite juntos, caso Vlad mantivesse sua palavra e a deixasse partir depois. Ela o desejava e sabia que poderia continuar vivendo sem ele se tivesse uma lembrança a qual sustentar-se no futuro.

     Vlad elevou a cabeça dos travesseiros e se voltou a olhá-la. Ela estava deitada de barriga para cima, coberto até os ombros, que tinham ficado ao descoberto. Vlad os olhou, e depois olhou o pescoço.

     Tragando saliva e amaldiçoando-se por estar tão nervosa, Stormy se obrigou a permanecer sem mover-se quando ele levantou o lençol e olhou debaixo.

     Ela estava nua. Para ele. E agora ele sabia se não o tinha pressentido antes.

     Vlad jogou as mantas para trás e ela rodou de lado, aconchegando-se ligeiramente em reação ao frio da habitação. Vlad não parecia capaz de apartar os olhos dela, que se deslizaram pela curva do quadril, e com o passar da coxa.

     Pô-lhe uma mão no ombro e a deslizou pelo braço até a cintura. Stormy se estremeceu pelo contato. Depois, ele baixou um pouco mais a mão, tomou o quadril, e deslizou brandamente a palma sobre a coxa.

     Vlad deixou a mão aí, mas voltou os olhos aos seios e por fim à cara feminina.

     —Surpresa-a sussurrou, com a voz pastosa.

     Vlad a empurrou ligeiramente até que ela se deitou de novo de costas e o corpo masculino se moveu com ela, lhe empurrando o peito com o seu para o colchão até que por fim tomou a boca. Stormy se abriu ao beijo e reagiu com paixão. As bocas se uniram e suas línguas se entrelaçaram, sugando e soltando-se, em um movimento que imitava o que iam fazer seus corpos pouco depois. Vlad a segurou pelo quadril e a colou contra ele enquanto se colocava entre suas pernas. Moveu-se contra ela, esfregando-a com sua ereção de uma vez que se alimentava de sua boca. Depois deslizou uma mão para baixo e lhe acariciou as dobras, sentindo a umidade provocada pela excitação.

     —Tempest-sussurrou.

     —Sim, Tempest, não Elisabeta. Recorda isso, Vlad. Está fazendo o amor comigo, não com ela.

     Os dedos do Vlad a penetraram e ela conteve a respiração.

     —Sei quem he é disse ele.

     —Esperar e te desejar tanto foi uma tortura, Vlad-a sussurrou.

     Ele a penetrou ainda mais com os dedos, beijou-a de novo e se deslizou para baixo para tomar um seio na boca e excitar o mamilo, que se endureceu. Stormy se estremeceu de prazer.

     —Tome agora, Vlad-disse ela—. Agora.

     —Quero que desfrute.

     —Não acredito que isso seja nenhum problema-disse ela, movendo os quadris e esfregando-se contra seus dedos.

     —Prometo-te que não o será.

     Vlad se deslizou mais abaixo e, sem deixar de lhe acariciar os seios com as mãos, colocou a cabeça entre as pernas femininas e a saboreou ali, sugando profundamente. Stormy lhe segurou a cabeça com as mãos, mantendo-a ali, e Vlad tomou como o consentimento para possuí-la e apoderar-se dela por completo.

     Vlad soube quando ela estava ao bordo do orgasmo e nesse momento se deteve e se apartou.

     Ela gemeu de frustração e de desejo.

     —Quero que te corra comigo dentro de ti-disse ele, e suas palavras soaram mais como uma ordem que uma petição—. Quero que alcance o orgasmo só quando eu te possua, em corpo, sangue e alma.

     Stormy ofegava e tremia.

     Vlad se colocou de novo sobre ela e se deslizou em seu interior. Stormy se esticou ligeiramente, e teve que acostumar-se a sua forma e tamanho, mas ele não trocou o ritmo. Penetrou-a profundamente uma e outra vez, e depois lhe elevou e separou os joelhos com as mãos, para afundar-se ainda mais em seu corpo.

     Stormy gemeu, a ponto de pedir clemência. Mas se sentia dor, era uma dor deliciosa que não se podia distinguir do prazer mais intenso imaginável.

     Vlad se retirou ligeiramente e a penetrou de novo, esta vez com mais força. E outra vez, mais depressa. O ritmo se acelerou e ela moveu os quadris para aceitá-lo, para seguir o ritmo do corpo masculino.

     Stormy deslizou as mãos pelas costas fortes e o apertou contra ela, lhe cravando as unhas na carne.

     —Mais forte Vlad-suplicou, olhando-o aos olhos—. Mais depressa.

     Então ele pareceu perder por completo o controle e a penetrou com força.

     Stormy lhe rodeou a cintura com as pernas unindo os tornozelos e elevou os quadris para cima, movendo-se para receber cada tranco. Sem saber como, era capaz de suportar a força com que ele a possuía, e queria mais.

     Vlad deslizou as mãos por suas nádegas, e lhe elevou os quadris para poder penetrá-la inclusive mais profundamente e sujeitá-la contra cada um de seus movimentos.

     E justo quando ela estava chegando ao topo do prazer, ele inclinou a cabeça para o pescoço feminino e mordeu, afundando as presas através do jugular e sugando o sangue de seu corpo enquanto continuava movendo-se com ela.

     Quando ele se derramou nela, Stormy gritou seu nome, e ele a penetrou um par de vezes mais, enchendo-a com sua semente de uma vez que bebia de sua garganta.

     Seguraram-se com força o um ao outro enquanto as convulsões de um orgasmo interminável dominavam ambos os corpos, e ambos tremiam com a força dos espasmos.

     Foi então quando as pernas e os braços do Stormy começaram a debilitar-se e Vlad pareceu dar-se conta de que continuava sugando o sangue de sua garganta e ejaculando sêmen em seu corpo, e se deteve.

     Debaixo dele, o corpo feminino se relaxou sobre o colchão. Com cuidado, Vlad saiu de seu corpo e se tendeu a seu lado, rodeando-a com seus braços e atraindo-a para ele.

     —Agora é minha-lhe sussurrou lhe acariciando o cabelo com a mão.

     Stormy não respondeu, não podia. Mas lhe ouviu. O que significava? O que lhe tinha feito?

     Quanto momento tinha estado à mercê do orgasmo? Quanto sangue tinha bebido? Estava morrendo? Porque essa era a sensação que tinha.

     Vlad lhe deu uns tapinhas na bochecha, devagar primeiro, depois com mais força.

     —Tempest? Tempest abre os olhos. Olhe-me.

     Tempest abriu os olhos. Sentiu-os abrir-se, mas ela não os abriu. Estava apanhada dentro, e de repente entendeu por que. O orgasmo, e possivelmente a perda de sangue, tinham-na debilitado, e agora era a outra quem tinha o controle.

     —Não me chame pelo nome dessa zorra-disse com uma voz mais grave que a do Tempest.

     Mas Tempest, debilitada e tremendo, apanhada dentro de seu próprio corpo, ouviu-o tudo.

     —Elisabeta? —Vlad se tornou ligeiramente para trás.

     —Sim, sou eu-lhe segurou a cara com as mãos e lhe beijou na boca—. Oh, Vlad, meu amor, ainda me quer? Diga-me que sim.

     —Claro que sim-o sussurrou.

     Por dentro Stormy sentiu que lhe partia o coração.

     —Então encontra a forma de ter este corpo. Se não, morrerei.

     —Estou tentando, Beta-lhe disse ele.

     —Você foi quem começou tudo isto-lhe disse Elisabeta, em tom de recriminação, com dureza—. Você com seus feiticeiros e magos. Sabe o que foi estar apanhada entre dois mundos todos estes anos, sem poder retornar e sem poder continuar?

     —Não era assim como tinha que ser, Beta-lhe assegurou ele—. Juro-te que nunca foi minha intenção...

     —Agora sua intenção importa pouco. Já passou. Meu sofrimento, meu enterro em vida já passou. E agora você tem que terminar Vlad.

     —Não sei onde encontrar o anel e o pergaminho com o rito-o disse.

     —Então morrerei-disse ela, fechando os olhos.

     —Não permitirei que isso ocorra pequena.

     Uma lágrima se deslizou pela bochecha feminina.

     —Promete-o?

     —Prometo-lhe isso. Arrumarei-o, juro-lhe isso. Como é.

     —Obrigado, Vlad. Obrigado-disse Elisabeta e o beijou.

     —Agora quero que descanse. Durma e deixa que Tempest volte para seu corpo. Você espera minha chamada.

     —Sim. Sim, Vlad, farei-o.

     —Bom. Bom.

     Elisabeta se desvaneceu, ou algo assim, e Stormy notou como recuperava pouco a pouco o controle. Mas aquela noite tinha aprendido algo, sem dúvida nenhuma.

     Vlad amava a Elisabeta, e estava disposto a dizer e fazer algo, inclusive à custa da vida do Stormy, para recuperá-la.

    

     A lembrança se desvaneceu e, nesse momento, Stormy tinha lágrimas nas bochechas. Agora sabia o que significava o que Vlad lhe tinha feito. Ao sugar seu sangue, Vlad tinha criado um vínculo entre eles inquebrável, e o tinha feito para mantê-la vulnerável a seu poder, a seu controle, até que conseguisse lhe roubar o corpo para sua querida esposa morta.

     Agora entendia por que o amava tanto.

     Stormy permaneceu com ele até a saída do sol, um sol que não pôde ver, mas que adivinhou ao notar a mudança nele. Tinha que sair dali e pensar.

     Vlad não amava a ela, nunca a amaria. Céus, agora entendia o total domínio que ele exercia sobre ela. Ninguém podia despertar em seu corpo as sensações que despertava ele.

     Por isso lhe havia dito que só alcançaria um orgasmo sendo possuída por ele em corpo, alma e sangue. Explicaria isso por que nunca tinha obtido um orgasmo com nenhum outro homem? O muito porco!

     Stormy acendeu a vela e com cuidado retirou a vendagem que tinha colocado sobre a ferida do ventre masculino. Com surpresa comprovou como trocava a pele ao longo das bordas; como empalidecia e como as bordas se uniam lentamente. Também sabia que o corpo rechaçaria os pontos que lhe tinha posto em questão de dias, mas provavelmente seria penoso, inclusive doloroso, e com o desejo de querer lhe evitar inclusive isso, procurou as tesouras de sua bolsa e foi cortando cada ponto e arrancando os fios. Os diminutos buracos deixados pelos pontos se fecharam quase ao mesmo tempo em que tirou os fios.

     Quando terminou, a ferida era virtualmente impossível de detectar. Uma fina linha vermelha marcava o lugar onde tinha estado, e em questão de uns poucos momentos, inclusive isso desapareceu.

     Suspirando profundamente, Stormy o contemplou uns momentos antes de ir-se. Passou as mãos pelo peito musculoso e o ventre liso, acariciou-lhe os ombros. Seu corpo não era como o de outros vampiros, que em geral estavam acostumados a ser magros e robustos, inclusive fracos, devido provavelmente ao antígeno Beladona, que com o tempo estava acostumado a fazê-los débeis e doentios, sobre tudo quando sua transformação a vampiros demorava bastante tempo.

     Provavelmente Vlad não sentiu os efeitos do antígeno quando o vampiro Anthar o transformou.

     Sim, Anthar. Outra recordação na larga lista de lembranças daqueles dias na Romênia quando ele falou de suas verdadeiros origens. Vlad foi o ajudante de um homem sumério chamado Utnapishtim, um homem cujo nome ainda se conhecia na atualidade. Sua história foi à precursora da do Noé, o personagem bíblico, e segundo a lenda, Utnapishtim sobreviveu ao grande dilúvio enviado pelos deuses e foi concedido o dom da imortalidade. Parente do Vlad, este foi enviado a viver com ele como servente e companheiro.

     Um dia, o grande rei Gilgamesh foi visitar ao ancião suplicando o segredo da imortalidade. Depois de ordenar ao Vlad que os deixasse sozinhos, Utnapishtim concedeu a petição ao rei, desobedecendo aos ditados dos deuses.

     Mais adiante, um malvado homem chamado Anthar chegou à busca do Gilgamesh com escuras intenções. Ele também pediu ao ancião o segredo da imortalidade, mas este o negou. Anthar o obrigou a ponta de faca e depois o decapitou, deixando-o morto no chão e levando ao jovem Vlad cativo para que fosse seu escravo.

     Vlad esteve prisioneiro do vampiro durante anos, fortalecendo-se para poder escapar algum dia. Quando Anthar decidiu que necessitava que seu escravo fosse como ele, quer dizer um vampiro, Vlad já era um jovem forte com uma saúde de ferro.

     E por isso, quando foi transformado, tinha o mesmo aspecto que agora: musculoso, forte e belo.

     Stormy lhe beijou o abdômen. Quis beijar cada centímetro de seu corpo, mas se deteve. Tinha coisas que fazer, e precisava encontrar a forma de livrar-se dele, de romper o vínculo e o poder que tinha sobre ela, e de pôr fim ao amor que a possuía. Ficando em pé, Stormy o cobriu de novo com a colcha.

     Depois se levou a mão à garganta, às duas marcas diminutas que lhe tinha deixado, e seu corpo reagiu uma vez mais ao recordar as sensações que tinha despertado nela.

     Mas não devia esquecer que a paixão que Vlad sentia por ela não era amor. Porque amava a Elisabeta, e estava disposto a trocar a vida do Stormy pela dela. Não devia esquecê-lo.

     Com cuidado abriu a porta e fechou do exterior. Fez o mesmo com a porta do porão ao final das escadas e depois saiu da casa pela porta principal, assegurando-se de deixá-la fechada também. Tinha que voltar para a mansão Ateneu e formular um plano para capturar a Elisabeta e que Rhiannon realizasse nela o ritual.

     Ao Vlad não gostaria. De fato, certamente não a perdoaria nunca.

    

     Elisabeta estava ainda meio dormida sobre a erva quando um ruído despertou. O primeiro que pensou foi que era Vlad, que saía a procurá-la, lhe pedir perdão por seu comportamento e lhe dizer o muito que a amava.

     Mas em seguida se deu conta de que não podia ser Vlad. O sol já tinha saído pelo horizonte.

     Então a viu, e sua ira se converteu em autêntica fúria.

     Era ela! Tempest. Tinha passado a noite com seu marido. Sim, tinha-o sabido desde o começo. Vlad estava apaixonado por ela, e muito confuso para dar-se conta de que a atração que sentia por ela se devia unicamente a que ela, Elisabeta, tinha estado dentro de seu corpo.

     —Vou ter que matá-la-disse em voz baixa—. É a única maneira.

     Elisabeta se levantou e a seguiu pelo atalho com os punhos apertados, mas aos poucos passos estava enjoada e lhe tremiam os joelhos. Apertou-se uma mão contra a frente, fechou os olhos e apoiou uma mão em uma árvore para não cair.

     Que lhe ocorria? Possivelmente estava ainda muito fraca naquele corpo do Brooke ao que ainda não se adaptou.

     Em seguida se deu conta de que não estava em condições de matar ao Tempest só com suas mãos. E recordou como Tempest se voltou e lhe tinha atirado uma patada em toda a mandíbula. Ela não tinha nenhuma experiência no combate físico, e necessitaria uma ajuda. Uma arma.

     Olhou a seu redor e viu a arma perfeita: uma pedra maior que um laranja, lisa e redonda. Agachou-se a recolhê-la e depois saiu com passos acelerados detrás do Tempest. Provavelmente se dirigia para a mansão Ateneu, e embora Elisabeta não conhecia o lugar, Brooke o conhecia perfeitamente e ela se converteu em uma perita em fuçar em sua mente para obter informação.

     Deixou o atalho e atravessou o pinheiral com a esperança de interceptar ao Tempest. Ao sair pelo outro lado, viu o atalho que estava a uns escassos metros do bosque e, ocultando-se depois de umas árvores, esperou.

     Minutos depois, Tempest apareceu pelo atalho, com passos rápidos e expressão preocupada no rosto. Elisabeta sabia que devia pega-la despreparada, e por isso se manteve escondida até que Tempest passou. Então, com passos rápidos e sigilosos foi atrás dela pelo terreno ligeiramente elevado que bordejava o atalho com a arma escolhida na mão. Elevou a pedra com ambas as mãos, segurando-a por cima da cabeça, e se lançou contra Tempest.

     Tempest se voltou no último momento e se tornou para um lado. A pedra lhe golpeou o ombro em lugar do crânio, e embora o golpe não foi letal, Stormy deixou escapar uma exclamação de dor e caiu de lado, aterrissando no chão com um impacto seco que deve ter doído tanto como o golpe.

     Furiosa, Elisabeta elevou de novo a pedra, mas Tempest moveu as pernas em um arco que levantou os pés da Elisabeta do chão.

     A mulher caiu com força e se golpeou a cabeça contra a mesma rocha que acabava de utilizar para tentar esmagar a do Tempest.

 

     Stormy ficou de pé com uma mão no ombro e a sensação de ter sido atropelada por um trem de carga.

     —Que demônios te passa, chata psicopata?

     A mulher que estava no chão não respondeu, e Tempest se aproximou dela com cautela, mas não muito preocupada.

     —Um ataque surpresa, né? Essa não é uma forma muito digna de brigar, Elisabeta.

     A mulher não respondeu, e Stormy viu as manchas de sangue na rocha junto à cabeça da mulher.

     —Vá, golpeaste-te com isso, né?

     Empurrou-a com o pé, e esta vez era o corpo do Brooke, não da Elisabeta. Elisabeta estava inconsciente.

     Suspirando, e reprimindo o desejo de chutar a muito traidora pelo golpe no ombro, Stormy lhe arrancou o anel de rubi do dedo e depois rebuscou nos bolsos, onde encontrou o pergaminho.

     Meteu-se o anel e o pergaminho na mochila, pegou o celular e chamou à mansão Ateneu.

    

    

     Ao entardecer, Stormy vigiava à mulher que jazia inconsciente na cama do Brooke, na mansão Ateneu. Lupe, Melina e ela levavam todo o dia alternando-se, à espera que chegasse Rhiannon para realizar o ritual. Mas se a alma da Beta não ficava logo livre, Stormy morreria com ela.

     Nesse momento a paciente abriu os olhos, uns olhos grandes e azuis, que eram os olhos do Brooke, não da Elisabeta.

     —Não pensei... Que seria assim-balbuciou Brooke em um sussurro.

     Stormy se inclinou para frente e lhe segurou uma mão.

     —Sei. Sei pelo que está passando, me acredite. E faremos todo o possível para tirá-la de ti, Brooke, prometo-lhe isso.

     Brooke fechou os olhos.

     —Quer... Quer...

     —O que, Brooke? O que é o que quer?

     —Quer-te morta.

   Stormy já sabia, mas ao ouvi-lo sentiu um estremecimento que lhe percorreu a coluna vertebral. Entretanto, não foi o mesmo tipo de estremecimento que sentiu um décima de segundo depois quando a mão do Brooke lhe apertou com mais força a sua, e a outra a segurou pela cabeça aproximando-a de sua cara.

     —E te verei morta, prometo-lhe isso. Vlad é meu.

     Os olhos que se cravavam nos de Stormy agora eram negros. Stormy escapou dela.

     —De momento te está custando, verdade Elisabeta? Queria me abrir à cabeça com uma pedra, e foste você a que terminou com uma brecha. E me acredite, não vai a nenhuma parte.

     —Vlad me salvará. Quer-me.

     —Sim, claro. E você quer a ele, não? Por isso tentou matá-lo ontem à noite lhe cravando uma faca no ventre.

   —Não, não queria matá-lo. Ele não pode morrer. É um vampiro, é imortal.

     —A imortalidade não existe. Os vampiros também morrem embora lhes custe um pouco mais que a nós-Stormy segurou com força a munheca da Elisabeta e a retorceu—. Se voltar a me fazer danifico te matarei. Entendeste-o? Matarei-te, e que seja o que os deuses queiram.

     Beta piscou, fez uma careta de dor e olhou ao Stormy com expressão repentinamente inocente.

     —De verdade me mataria? —perguntou.

     —Sem nenhum gênero de dúvidas. Hoje tinha que ter levantado essa pedra e te abrir o crânio. Se não o fiz, é por que...

     —Porque Melina lhe impediu de fazer isso-disse Beta com vozinha de menina assustada e lágrimas nas bochechas—. Faz-me mal.

     Elisabeta mentia. Não tinha sido isso o que tinha ocorrido. Foi ela quem chamou a Melina e lhe pediu que as fosse buscar com um carro para levar a Elisabeta de volta à mansão. Que interesse podia ter em acusá-la de algo que não era certo estando as duas sós na habitação?

     Um décimo de segundo depois, Stormy soube a razão, ao ouvir a voz do Vlad a suas costas.

     —Solta-a, Tempest.

     Tempest, que já a estava soltando, levantou-se e se voltou a olhá-lo.

     —Graças a Deus que vieste Vlad-disse Elisabeta da cama.

     Estupendo. Agora Vlad tinha ouvido sua ameaça, e provavelmente também a confissão de intenção de assassinato.

     —Tentou me matar! —continuou a muito zorra soluçando da cama—. Esta manhã, quando te deixou, tentei falar com ela, Vlad, mas me atacou! —choramingou, com um fio de lágrimas de crocodilo pelas bochechas.

     Stormy baixou a cabeça e suspirou profundamente. Vlad passou junto a ela, em linha reta para a atriz que jazia na cama, e se inclinou sobre ela para ver a ferida na cabeça de sua amada.

     —Tempest, é isso certo? —perguntou incorporando-se e olhando ao Stormy.

     Stormy abriu a boca para negar tudo e lhe dar uma explicação completa do ocorrido, mas se interrompeu. Inclinou a cabeça a um lado.

     —Para que vou me incomodar? De todos os modos vais acreditar o que te diga esta zorra psicótica, inclusive depois de que te cravasse uma faca nas tripas e te deixasse morrer sangrando. Inclusive depois de te haver dado meu sangue para te salvar a vida. Para que vou me incomodar? —repetiu.

     —Tempest...

     Stormy elevou a palma da mão e sorriu com amargura ante a ironia da situação.

     —Passo deste rolo. E de ti também, Vlad-disse, e saiu da habitação dando uma portada.

     A metade do corredor se encontrou com o Rhiannon, mas não a saudou, seguiu caminhando.

     —Espera! —disse esta.

     Ao ver que Stormy não se detinha, Rhiannon trocou de direção e saiu atrás dela.

     —Stormy, aonde vai?

     —A recolher minhas coisas. Vou-me. Já a trouxe aqui, certo? Tenho o anel e o pergaminho-tirou ambos os objetos do bolso e os pôs na mão do Rhiannon—. Faz o que tenha que fazer, exorciza-a ou manda-a ao inferno, importa-me um nada. Mas terá que te enfrentar ao Vlad, porque não a deixará partir tão facilmente, isso lhe garanto. Eu já não tenho motivos para seguir aqui. E amanhã pela manhã se me acordar saberei que funcionou. E se não, por isso, suponho que não. Pelo que estou segura é que não vou passar o que podem ser as últimas horas de minha vida vendo o Vlad adular a essa lunática sanguinária.

     —Stormy, não faça isto.

     Stormy se deteve. Estava na porta de seu dormitório, mas antes de entrar olhou ao Rhiannon, apesar de que isso significasse revelar as lágrimas que se amontoavam em seus olhos.

   —Obrigado por querer me ajudar. Estou em dívida contigo.

     —Me dê obrigado quando tiver terminado, se o consigo.

     —Espero ter essa oportunidade, Rhiannon-disse Stormy e pestanejou para secar as lágrimas—. Isto se está pondo asquerosamente sentimental. Vai à habitação do Brooke antes que Vlad tenha a oportunidade de levar-se a sua patética esposa daqui.

     —É patética, verdade?

     —É sanguinária, egoísta, violenta e está louca. Mas o pior de tudo é que é uma queixosa.

     Rhiannon esboçou um sorriso.

     —Isso foi o primeiro que pensei eu também. Não trocou. Adeus, Stormy.

     E dando meia volta, dirigiu-se ao quarto do Brooke.

    

     Vlad estava sentado junto à Elisabeta. Desejava poder curá-la, e lhe destroçava vê-la sofrer assim.

     Rhiannon entrou na habitação e se sentou no lado oposto da cama.

     —Olá, Vlad. Surpreende-me que as mulheres de Ateneu lhe tenham deixado entrar.

     —A que chamam Lupe tentou impedi-lo.

     —Oh. Ainda segue viva? —perguntou Rhiannon com um sorriso a que Vlad não pôde evitar responder com outra.

     —Claro que sim.

     Vlad ficou em pé e a abraçou, temendo uma reação fria por parte do Rhiannon, mas não foi assim.

     Rhiannon o abraçou a sua vez. Passasse o que passasse eles, o vínculo entre ambos era forte, sempre o tinha sido, e sempre o seria.

     —Passou muito tempo-disse ele.

     —Sim, muito, e temo que este abraço não dure, Vlad. É possível que terminemos em lados opostos.

     —Oxalá não seja esse o caso-disse ele, olhando-a aos olhos—. À margem do que te diga depois, Rhiannon, inclusive se me vejo obrigado a te destruir, quero que saiba que te quero.

     —E eu a ti. Quererei-te inclusive quando te estiver matando, Vlad.

     Vlad assentiu.

     —Entendido.

     Rhiannon olhou a Elisabeta.

     —Melina diz que a ferida da cabeça não é grave.

     —Não confie neles, Vlad-suplicou Elisabeta da cama—. Mentem. Querem que morra.

     —Isso é certo-disse Rhiannon—. Queremos que morra, mas não queremos que Tempest morra, e tampouco temos direito a executar ao Brooke, embora provavelmente depois o façam suas queridas irmãs.

     —Não poderá salvar ao Brooke-disse Elisabeta—. Agora este é meu corpo.

     Rhiannon suspirou e fechou os olhos com paciência.

     —Importa-te que falemos no corredor, Vlad? Está-me acabando a paciência.

     Elisabeta tratou de segurar as mãos do Vlad.

     —Não vá, Vlad! Não me deixe!

     —Tranqüila, descansa, aqui está a salvo.

     Os dois vampiros saíram ao corredor e Rhiannon lhe contou o que realmente tinha passado no atalho, desmentindo a versão da Elisabeta.

     —Ao menos estão as duas bem-disse ele fechando os olhos.

     As outras duas mulheres se aproximaram pelo corredor e se uniram a eles junto à porta da habitação.

     —Não estão bem-disse Melina—. Brooke corre perigo de morrer, e Elisabeta está doente. Não é a ferida, é algo mais.

     —Temo-me que sei o que é-disse Vlad baixando a cabeça.

     —E eu também-disse Rhiannon—. O percebo daqui. É o antígeno Beladona. A está matando.

     Melina franziu o cenho.

     —Mas é impossível, Brooke não é uma dos Escolhidos.

     —Não, mas Elisabeta sim-disse Vlad.

     —E se o passou ao Brooke? —perguntou Melina—. O transmitiu a outro corpo? É isso possível?

     —Não sei como ocorreu, mas assim é-disse Vlad—. O antígeno é diferente nela, está alterado.

     Rhiannon assentiu.

     —Está em um corpo que não estava preparado para alojá-lo —explicou Rhiannon —. Segundo o que tenho lido em textos antigos os receptores do antígeno têm um antepassado comum. Dizem que é você, Vlad, mas suspeito que se remonta a muito mais atrás.

     —Ao Utnapishtim-disse Vlad em voz baixa—. O primeiro imortal. Eu fui seu criado, mas também um parente longínquo.

     —Embora não estou segura de que tenha que ser um descendente de sangue-continuou Rhiannon.

     —O que outro tipo de descendente pode ser? —perguntou Melina.

     Rhiannon a olhou aos olhos.

     —Uma encarnação futura da mesma alma-disse—. Todos nós temos uma alma matriz comum. Algo assim como um ser superior. Quando morremos, voltamos a nos fundir com esse ser superior, para compartilhar com ele a sabedoria e a experiência de nossa vida mortal. Sua força e sabedoria aumenta, e de uma vez desprende partes que vivem outra vida.

     —E o que ocorre, Rhiannon, se essa fusão não se der? —perguntou Vlad.

     Rhiannon encolheu os ombros.

     —Eu tenho a suspeita de que cada encarnação futura é menos completa que a anterior, porque lhe falta uma parte de seu passado espiritual que é o que a faria completa.

     Vlad franziu o cenho.

     —O que acha que supõe isso para nós, Rhiannon? Nunca nos havemos... fundido.

     —Tenho minhas teorias ao respeito-sussurrou ela—, mas acredito que é uma conclusão a que tem que chegar cada um por si só.

     Vlad baixou a cabeça, sacudindo-a lentamente.

     —O que vamos fazer para ajudar a Elisabeta?

     —Acredito que já conhece a resposta, Vlad-Rhiannon lhe pôs ambas as mãos nos ombros—. Têm que exorcizá-la. Temos que liberar sua alma da influência do anel, para que possa continuar ao outro lado e fundir-se com seu ser superior, algo que devia ter feito faz tempo.

     —Poderíamos transformá-la-sugeriu Vlad.

     —Sinceramente, Vlad, não sei nem como te ocorre semelhante despropósito. Sabe perfeitamente que Beta está louca. Não pode lhe dar o poder de um vampiro e deixá-la solta no mundo dos mortais. Seria um grande perigo, e ao final terminaríamos tendo que destruí-la.

     Rhiannon suspirou, e ao ver que Vlad não argumentava nada em contra nem tratava de defender a sua esposa, continuou.

     —Além disso, terá que considerar algo mais. A menos que liberemos a Elisabeta todos seus descendentes espirituais morrerão. Assim se determinou no feitiço. E sabe o que isso significa Vlad. Stormy, a única inocente em todo este assunto, morrerá. Esta noite, Vlad. Esta noite a meia-noite.

     Vlad abriu os olhos, entreabriu os lábios para dizer algo, mas os fechou de novo, repensando suas palavras.

     —Então terei que encontrar a forma de salvar a Elisabeta antes disso.

     —Vlad? O que... Que demônios te passa?

     Rhiannon o olhava como se não o tivesse visto em sua vida, mas Vlad não podia lhe dizer a verdade, mesmo mentalmente, sem arriscar-se.

     —Quero falar com o Tempest-disse—. Onde está?

     Lupe, que tinha estado calada até então, olhou-o com preocupação.

     —Acreditava que sabia. Foi-se.

     Vlad piscou perplexo.

     —Foi-se?

     —Diz que isto já não é assunto dela, Vlad-disse Rhiannon—. Estava furiosa, contigo, suponho.

     —Vi-a em sua habitação, recolhendo suas coisas-acrescentou Lupe.

     Vlad saiu correndo pelo corredor ao dormitório do Tempest. Abriu a porta de par em par, mas estava vazio. Depois abriu o armário, o banheiro, mas tudo estava vazio, e não ficava nem rastro de sua presença, só seu aroma. Só sua essência flutuando no ar.

     Vlad baixou correndo as escadas e saiu pela porta principal. Fora comprovou que o carro do Tempest tampouco estava. Só ficava um rastro de pó. Devia haver-se ido fazia um momento.

     —Vlad! —gritou Rhiannon.

     Vlad retornou ao dormitório do Brooke, cuja porta estava aberta. As outras três mulheres, Rhiannon, Melina e Lupe, estavam dentro.

     —Tinha razão. Lupe, Tempest se foi.

     —Sim, e agora podemos ter um problema de verdade-disse Rhiannon e, fazendo-se a um lado deixou ver a cama vazia—. Porque Elisabeta também se foi-disse, retorcendo-as mãos com os olhos fechados.

     —Mas faz um momento estava com a orelha pega na porta, nos escutando! —exclamou Vlad.

     Rhiannon elevou as sobrancelhas e o olhou aos olhos.

     —É isso certo. Por isso há...?

     —Agora não. Rhiannon-Vlad fechou os olhos—. Têm que as encontrar. E não temos muito tempo.

 

     Elisabeta se tinha arrastado desde a cama até a porta, pegando o ouvido à madeira para escutar o que estavam dizendo ao outro lado. Assim tinha sido como tinha descoberto que necessitava a loira queria lhe arrebatar a seu marido, porque segundo as palavras do Rhiannon, ela mesma a necessitava.

     Necessitava seu corpo. Ainda seguiam falando do outro lado da porta quando Elisabeta fugiu. No momento em que Rhiannon declarou que a única solução era exorcizá-la e matá-la, Elisabeta decidiu que devia ficar longe daquelas harpias.

     O corpo que tinha agora, que tinha arrebatado ao Brooke estava se debilitando, e por fim entendeu o motivo. Por culpa do antígeno Beladona, é obvio. Embora era mais que isso. O corpo do Brooke não era para ela, e nele não conseguiria sobreviver muito mais tempo. Por isso necessitava o corpo do Tempest.

     Mas como? Tempest lhe tinha tirado o anel e o pergaminho.

     Em primeiro lugar sabia que tinha que ir-se dali antes que aquelas víboras a matassem definitivamente. Inclusive se Vlad tratava de protegê-la, não poderia enfrentar a todas elas. E a vampiresa Rhiannon, estava segura, era uma poderosa inimiga.

     Escapar tão debilitada como estava teria sido mais difícil se não tivesse podido pinçar na memória do Brooke em busca de uma solução. Brooke conhecia o lugar como a palma de sua mão, e sobre tudo sabia onde se guardavam as armas, as armas que ela necessitava para derrotar ao Tempest.

     O corpo da mulher era débil, mas ainda servia. Elisabeta foi à janela, abriu-a e se deslizou parede abaixo, ao igual à Brooke fazia muitas vezes antes. Depois rodeou a casa pela parte posterior e penetrou ao vestíbulo principal sem ser vista. Todos estavam no primeiro andar, planejando sua destruição. Os muito porcos.

     Elisabeta chegou à habitação onde se armazenavam as armas e, depois de colocar o código no painel de segurança para abrir a porta, pegou um revólver, uma caixa de munição e uma faca pequena de fio duplo que colocou no cós dos jeans que levava.

     Depois correu para a porta e se escondeu detrás de um arbusto bem a tempo de ver um reluzente carro negro deter-se diante da porta principal. Escondida atrás do arbusto, Elisabeta viu como o porta-malas do carro se abria e uma mulher desembarcava do carro e corria para as escadas do alpendre.

     Era Tempest, quem se apressou a recolher uma mala e uma bolsa de viagem do último degrau.

     Tempest se ia?

     Não. Ela não podia perdê-la. E se não a encontrava de novo a tempo?

     Tomando uma rápida decisão, Beta correu até o carro enquanto Tempest estava de costas a ela e se ocultou nos assentos de atrás, agachada no chão com a esperança de que a zorra não olhasse ali antes de ir-se.

     Em silêncio, sem mover-se e quase sem respirar, Elisabeta esperou.

     Notou o movimento do veículo quando Tempest colocou a bagagem no porta-malas, e depois o golpe ao fechá-lo. A seguir a sentiu abrir a porta do condutor, montar-se, e pouco depois se estavam movendo.

     Elisabeta não sabia o que ia fazer. Provavelmente esperar até chegar a algum lugar protegido. Tempest tinha o anel e o pergaminho, e sem dúvida se o ritual tinha funcionado uma vez, voltaria a funcionar agora. Quão único tinha que fazer era submeter à loira o momento suficiente para lhe pôr o dedo no anel e realizar o rito para transferir sua alma ao corpo do Tempest. Assim se desfaria para sempre dela.

     Elisabeta voltaria a recuperar suas forças, e Vlad seria dela.

     Com cuidado, acomodou-se no chão do veículo, apoiou a cabeça no respaldo do assento dianteiro e fechou os olhos.

    

    

     Enquanto conduzia, Stormy tratava de apartar ao Vlad de sua mente, mas não podia. Quanto mais tentava não pensar nele, mais invadia ele sua alma. Lembranças do passado juntos, lembranças tanto tempo esquecidas de uns dias proibidos compartilhados com ele na Romênia, esperavam a ser descobertos por ela. Por isso, em lugar de seguir pensando em seu amor não correspondido, por não mencionar sua iminente morte, deixou que fluíssem até sua consciência e recordou.

     —Não está bem, verdade? —perguntou Vlad enquanto conduzia pelos caminhos poeirentos e serpenteantes da Romênia.

     —Estou bem-respondeu ela, embora não era certo.

     Era Elisabeta. A presença da mulher ali era mais forte, e a luta constante por manter o controle de seu corpo estava esgotando ao Stormy.

     —Está pálida-disse Vlad.

     Mais preocupado pela Elisabeta que por ela, pensou Stormy.

   —Você também-disse ela; tratando de fazer uma brincadeira.

     —Seguro que poderá suportar esta excursão?

     —Quando se não agora? —perguntou ela—. Segue conduzindo, Vlad. Me leve a castelo do Drácula.

     Vlad deteve o carro e desceu.

     —Temo-me que em carro só podemos chegar até aqui.

     Estavam ao pé de um elevado pico, e o caminho de acesso era virtualmente vertical. No topo, envolto em bruma e escuridão, Stormy mal pôde adivinhar a silhueta do que podia ser um castelo.

     Stormy suspirou, temendo não ter a força suficiente para subir até o topo. Mas então Vlad a olhou.

     —Venha, Tempest. Me rodeie o pescoço com os braços.

     Stormy franziu o cenho, pensando que não era o momento nem o lugar, mas obedeceu.

     —Segure-se-sussurrou ele, levantando-a no ar.

     De repente, houve um movimento tão rápido que Stormy quase não teve tempo de absorvê-lo, e muito menos de segui-lo. Segundos depois, Vlad a deixava de novo no chão. Felizmente continuou segurando-a pela cintura, porque os joelhos não a sustentavam. Dobraram-se assim que tentou ficar em pé, e o enjôo de antes se multiplicou por mil.

     Stormy lhe apertou a cabeça com as mãos de uma vez que tratava de enfocar a vista.

     —Que demônios foi isso? —perguntou ela.

     —Não me pareceu que estivesse em condições de subir sozinha-disse ele—. E, além disso, não era necessário. Já chegamos.

     Franzindo o cenho, Stormy olhou a seu redor. Em realidade não era um castelo, eram um montão de ruínas, um montão de enormes blocos de pedra milenares, empilhados uns sobre outros formando paredes que a erosão tinha ido desgastando. Entre eles se abria um caminho, e alguém tinha colocado um corrimão moderno, provavelmente para proteger aos turistas do que seria uma queda mortal.

     —É isto? Acreditava que o castelo de Drácula era grande e mais sofisticado, por não dizer em muito melhor estado de conservação.

     —Isso é o castelo do Bran. Eu quase não vivi ali, mas aos turistas adoram. Eu vivia aqui, no castelo do Poenari, embora já fica pouco que ver, temo-me.

     —É seguro?

     —Venha.

     Vlad tomou a mão, não por ela, recordou-se Stormy uma vez mais, a não ser para evitar que caísse e não pudesse salvar a sua querida Elisabeta. Foram para a parte mais alta do castelo, uma torre redonda e Vlad foi assinalando onde tinham estado antigamente os pátios, as quadras e os jardins.

     Ao Stormy não resultava nem vagamente familiar, mas por fim suspirou e lhe tocou o ombro.

     —Vlad, onde está a torre? O lugar onde morreu?

     Ele se deteve e baixou a cabeça.

     —Acha que te resultará muito duro? Se o preferir, posso ir sozinha-disse ela.

     —Não. Estou bem. Vamos.

     Vlad tomou a mão e a levou por um atalho através das pedras em ruínas, e se deteve por fim junto a outras ruínas.

     —Vê aquela torre? —perguntou, assinalando com uma mão—. Segundo a lenda, aqui é onde morreu. Dizem que se lançou ao vazio ao saber que se aproximavam os turcos, para evitar ser feita prisioneira. Mas como sabe isso não foi exatamente o que ocorreu.

     —Suponho que isso a converte em uma figura histórica e heróica-disse Stormy.

     —Sim, mas a torre a que me refiro estava aqui-disse ele, assinalando um estreito círculo de pedra, de apenas um metro e meio de altura—. Esta era a torre onde eu vivia. Meus aposentos estavam na parte superior.

     Stormy se aproximou da base circular, a um ponto que ficava apenas a uns metros de uma queda vertical. Ia se aproximar da borda, mas Vlad a segurou pelos ombros.

     —Cuidado. O terreno é bastante instável.

     Segurando-a, Vlad avançou um pouco mais para a borda e se deteve. Stormy olhou para baixo, para a bruma que parecia não ter fim. E então, um vento abriu e dissipou as brumas do fundo, e ela alcançou a ver até o pequeno arroio que descendia sobre as rochas e penhascos mais abaixo.

     Então o sentiu: a poderosa sensação de seu corpo ao cair precipitadamente. A sensação da gravidade, de vôo. O silêncio mortal de sua queda. Sentiu também os descompassados pulsados de seu coração, e o doloroso impacto, além de toda resistência física, explorando em cada parte de seu corpo. Segundos depois, tudo se desvaneceu e não ficou mais que um bendito alívio que a envolvia. Sentiu que expulsava com força o fôlego. O último fôlego. E sorriu ao morrer. Por fim, pensou. Paz. O ponto final a tanto sofrimento. Por fim. Acabou-se.

     —Tempest!

     Stormy piscou e abriu os olhos lentamente para encontrar-se deitada no chão, sustentada entre os braços do Vlad, que a sacudia.

     —Tempest, me diga algo. Pelo amor dos deuses...

     —Estou bem-conseguiu balbuciar ela—. Estou bem.

     —Ainda bem-disse ele, e a abraçou com força, ajoelhado a seu lado, e lhe acariciando o cabelo.

     Por um momento, Stormy quase se permitiu acreditar que ele a queria. Quase.

     —O que te passou? —perguntou ele.

     Stormy se apoiou contra ele e fechou os olhos.

     —Acredito que era ela, Elisabeta. Senti o que sentiu ao cair ao vazio, Vlad. E não era horrível. Bom, houve dor quando se deu contra as rochas, mas foi muito breve, e nada em comparação com a dor que sentia antes. A dor emocional, uma dor que a estava matando. Mas deixou de sofrer, Vlad. Ao morrer, o que a embargou foi uma profunda sensação de alívio. Beta não queria seguir sofrendo.

     —E, entretanto continuou fazendo-o, não?

     —Acredito que ainda segue sofrendo, Vlad. A mulher que senti nessas lembranças é uma jovem doce e agradável. É inocente e ingênua, muito débil e com muita necessidade de afeto. E sofre quase todo o tempo. Não tem nada que ver com a de agora, que é cruel, malvada e violenta. Não estou segura de que se trate da mesma mulher.

     —Ou possivelmente sim. Possivelmente esta é no que se converteu por minha culpa-Vlad baixou a cabeça—. Possivelmente Rhiannon tenha razão. O ritual que encarreguei aos magos foi um engano.

     —Temo que nisso tem razão.

     —Céus, o que lhe tenho feito?

     Stormy se levantou, apartando o cabelo da cara.

     —Possivelmente Rhiannon tinha razão. Temos que encontrar a maneira de exorcizá-la. De deixá-la livre.

     Vlad a olhou com um brilho de raiva nos olhos.

     —Quer dizer matá-la.

     —Vlad, não está viva.

     —Oh, é claro que está viva. Agora a vejo em ti. Inclusive agora, a vejo. Está tentando me falar através de ti, verdade, Tempest?

     Stormy se esticou e apertou a mandíbula.

     —Sim, desde que... —mas não terminou a frase—. Não sei quanto tempo mais poderei continuar contendo-a. É exaustivo.

     —Você também sofre pelo que fiz-disse ele.

     —Os remorsos não resolverão nada-disse Tempest—. E eu não posso continuar assim, Vlad. Não por muito tempo. Ao menos quando não estou contigo, permanece entorpecida, dormida. Mas aqui...

     Vlad suspirou com impaciência, e possivelmente raiva e frustração. Ainda continuava alimentando a esperança de que Stormy recordasse de repente e se convertesse na mulher que ele desejava. Entretanto, ela só queria encontrar a forma de livrar-se dela.

     E também o convencer de que a amava.

     Stormy tragou saliva.

     —Quer me levar a sua tumba?

     —Está segura de que tem forças para suportá-lo?

     —Não, mas quero fazê-lo.

     —Não o faça por mim, Tempest.

     —Não, faço-o por ela, Vlad. Parte de mim a quer tanto como você. Ao menos à mulher que era não à presença que me persegue continuamente.

     —É uma mulher generosa.

     Stormy endureceu o olhar.

     —Quero ajudá-la fazendo-a livre, não devolvendo-a de novo ao mundo dos vivos.

     As feições masculinas se endureceram, mas Vlad ficou em pé e lhe ofereceu a mão para ajudá-la a levantar-se.

     —Não fica muito tempo.

     —Não-disse ela e lhe deslizou os braços pelo pescoço—. Então, não percamos mais tempo.

     Vlad assentiu e os dois se perderam em um redemoinho na noite.

     Stormy saiu de suas lembranças. Tinha a sensação de que o tinha recordado virtualmente tudo. Agora sabia quando se apaixonou por ele, e por que tinha estado tanto tempo a sua mercê. Pela Elisabeta, não por ela. Vlad nunca a tinha amado.

     E nunca a amaria.

    

     —Não há motivo para acreditar que lhes ocorreu algo horrível-disse Rhiannon pela enésima vez.

     Mas era exatamente o que acreditava Vlad, e se culpava por isso.

     Melina estava marcando uma vez mais o número do celular do Tempest, mas só conseguia ficar em contato com sua caixa de mensagens.

     —Mas você pode encontrá-la, Vlad-disse Rhiannon.

     Ele olhou ao Rhiannon, franzindo o cenho.

     —Não sei. Meu vínculo com a Elisabeta não é tão forte como...

     —Não me refiro a Elisabeta, Vlad. Pelo amor dos deuses, quer deixar de pensar nela um momento? Tão obcecado está? Refiro-me a Stormy. Acha que não posso cheirá-la em ti? —espetou-lhe Rhiannon—. Bebeste seu sangue, e mais de uma vez. Seu aroma e sua essência seguem vivos em ti, e o vínculo criado entre os dois é muito potente. É a pessoa mais indicada para localizá-la.

     —Vou busca-las-disse Vlad—. É provável que Tempest volte para casa, a sua mansão do Easton. Irei e...

     —Ainda não-disse Rhiannon, e olhou a Melina e Lupe—. Alguma das duas conhece a arte da adivinhação física?

     —Eu-disse Lupe.

     —Então faça com um mapa e um pêndulo e tenta localizar as duas-depois se voltou para o Vlad—. Você vem comigo, temos muito que fazer.

     Vlad a seguiu até uma habitação cheia de esculturas e velas. Parecia um templo espiritual, com enormes travesseiros de cetim repartidas pelo chão. Rhiannon lhe indicou uma para que se sentasse e depois fechou a porta atrás deles.

     Situando-se no centro da sala, Rhiannon girou lentamente em um círculo com a mão estendida e uma a uma as velas se acenderam.

     —Deite e relaxe-lhe disse ela.

     Vlad a obedeceu, impressionado.

     —Escuta só minha voz-continuou Rhiannon em um tom mais grave e profundo—. Não pense em nada e concentra toda sua atenção em minha voz. Em minhas palavras, só em minhas palavras.

     —Tentarei.

     —Mantenha os olhos abertos, escolhe uma vela e te concentre em sua chama. Note em como dança e como se move, note em como se derrete a cera. Está vendo, Vlad?

     —Vejo-disse ele.

     —Sente como seu corpo se esquenta e se derrete igual à cera. Sente como se derretem seus pés.

     Vlad sentia as palavras e as ordens do Rhiannon fluir em seu corpo.

     —Agora as panturrilhas. Sente como se derretem em um atoleiro de cera quente, e os joelhos, as coxas. Sente-os esquentando-se, derretendo-se.

     Vlad pensou nas mulheres enquanto seu corpo obedecia, perguntando-se o que lhes teria ocorrido.

     —Minhas palavras, Vlad. Escuta minha voz. Te concentre na vela, sente seu calor. Nos quadris, na pélvis, o abdômen. Tudo vai esquentando-se, derretendo-se.

     Rhiannon continuou falando em um tom hipnótico até o convencer de que todo seu corpo era um atoleiro de cera quente sobre os travesseiros.

     —Agora relaxa a vista. Olhe agora com seu olho interior. Pode ver o Tempest. Saboreia de novo seu sangue. Sente-a em suas veias. Está dentro de ti, Vlad. É parte de ti. Estão unidos. Pode vê-la através de seus olhos.

     A vista de Vlad se nublou e seus olhos se fecharam.

     —Onde está, Vlad?

     —Em seu carro. Está conduzindo-respondeu ele, meio em transe.

     —Sim, bem. Não te esforce, Vlad. Deixa que as imagens fluam em ti, igual à cera quente, te enchendo. Que mais vê?

     Vlad deixou de esforçar-se e se relaxou.

     —Está chorando.

     —Não deixe que as lágrimas lhe distraiam. Fluem mornas como a cera, fluem por ti, mostram-lhe seu coração. São as águas da verdadeira emoção e estão limpando e curando a alma da mulher.

     —Me quer-sussurrou ele, sentindo a emoção que enchia por completo o coração feminino.

     —Sim, e quer que saiba onde está. Quer que vá a ela, Vlad. Escuta seus pensamentos. Deixa que seus pensamentos entrem em ti. Deixa-os chegar a sua mente.

     A voz do Rhiannon se desvaneceu, e foi substituída pela voz do coração do Tempest, de seus pensamentos.

     «Não me quer, nunca me quis. Quer a ela. Eu só fui o meio para recuperá-la. Utilizou-me. Esbanjei minha vida, amando-o, desejando-o, esperando, e ele nunca... Tenho que deixar de pensar nele. Deus, por que não posso tirá-lo da cabeça? Tenho que voltar para casa. Não, a casa não. Ainda não quero ver a Maxine e ao Lou, não quero lhes contar o quanto fui tola. Não quero estar com ninguém, ainda não. Preciso estar sozinha e superar isto.

     Não sei se Vlad permitirá ao Rhiannon exorcizar a Elisabeta do corpo do Brooke. Provavelmente não. Sei que não. Oxalá Rhiannon pudesse exorcizar a ele de meu coração. Possivelmente possa, o perguntarei. Embora na verdade, tampouco importará. Se Rhiannon não pode mandar a Elisabeta ao outro lado estarei morta».

     Tempest olhou através do pára-brisa, e viu o pôster.

     Seaside, 80 km.

     «Será o suficiente longe dele? Possivelmente. Só fica uma hora. Ficarei ali, eu adoro o mar. Se tiver que morrer esta noite, que seja ali, junto à borda, com as ondas rompendo a meus pés. Um bom lugar para morrer».

     —Seaside-disse Vlad em voz alta—. Uma cidade chamada Seaside. É aonde se dirige.

     —Bom Vlad-disse Rhiannon—. Muito bom. Agora quero que saia de seu corpo, de sua mente, e veja o que há a seu redor, no carro. Há alguém mais com ela?

     —Eu estou com ela.

     —Sim, mas além de ti.

     Devagar, Vlad se retirou da mente do Tempest e sentiu algo, uma presença conhecida. Franziu o cenho e dirigiu sua atenção para a mesma. E então viu...

     Nesse momento a porta da habitação se abriu de par em par devolvendo ao Vlad à realidade com tal brutalidade que teve que levar as mãos à cabeça. As mãos do Rhiannon se fecharam em seus ombros.

     —Lupe, como te ocorre entrar assim, em metade de uma sessão de...?

     —Maldita mortal! —rugiu Vlad—. Quando puder me pôr em pé...

     —Sei onde está-disse Lupe quase de uma vez. Então olhou ao Vlad e ao ver sua expressão, ficou rígida de pânico—. Sinto muito, não era minha intenção...

     Vlad elevou a mão para calá-la.

     —Sabemos aonde vai, Lupe-explicou Rhiannon—. A uma cidade chamada Seaside.

   —Eu tenho descoberto o mesmo, mas não só ela-disse Lupe, quase sem respiração—. Também localizei ali a Elisabeta. Acredito que a está seguindo...

     —Não a está seguindo-disse Vlad, e segurando-se ao bordo da mesa, ficou em pé, ainda um pouco tremente—. Está com ela.

     —Com ela? —perguntou Rhiannon.

     —Escondida no assento de trás de seu carro.

     Uma exclamação chegou da entrada, e todos se voltaram para ver a Melina com os punhos apertados e o rosto congestionado.

     —A porta da sala de armas estava aberta. Entrei para ver e dei por falta um revólver.

    

     Tempest estacionou e desceu do carro. Durante um momento contemplou o litoral escarpado e o mar enfurecido que rompia contra as rochas do escarpado. Gostou que a praia não fosse arenosa e plaina, a não ser séria e imponente, dura sob o manto aveludado e salpicado de estrelas que a envolvia.

     Colocando a mochila nos ombros, Stormy desceu pelo pequeno caminho até a praia e permaneceu ali durante um momento, contemplando o mar. Inclusive enquanto tratava de encontrar algo positivo à situação, as lágrimas lhe empanaram os olhos e rodaram lentamente por suas bochechas.

     —Ao menos me livrei dela —se disse.

     Tomou um momento para sentir a ligeireza de sua alma. Já não tinha a sensação de algo alheio espreitando e desejando apoderar-se dela, o que resultava um grande alívio.

     E, entretanto, havia outro peso em seu interior, um que lhe esmagava por completo o coração. Amava-o. Amava-o inclusive agora. Por muito ridículo e patético que fosse amar a um homem sem ser correspondida. Mas não podia fazer nada a respeito. Que lástima pensar que ela, a independente e lutadora Stormy Jones, ia morrer por um homem que passava grandiosamente dela.

     —Patético-murmurou e se agachou para pegar uma pedra do chão e lançá-la às ondas.

     —Certamente. Muito patético.

     Tempest se girou em redondo ao ouvir a voz a suas costas, sabendo quem era antes de vê-la. Elisabeta, no corpo do Brooke, com um revólver na mão e apontando-a diretamente ao peito.

     Stormy se esticou, reprimindo as palavras que esteve a ponto de soltar. Estava ante uma lunática que lhe apontava uma arma e a queria morta. Melhor tratar de relaxar a situação.

     —Vim embora porque não quero saber nada mais dele, Beta-disse Stormy—. É todo teu. Não voltarei.

     —Por desgraça, isso não é suficiente.

     Franzindo o cenho, Stormy tratou de calibrar a situação. Ela não tinha nenhuma arma, e embora levasse o celular na bolsa, Elisabeta podia apertar o gatilho antes que ela tivesse tempo de tirá-lo. Além disso, ali não havia ninguém. E provavelmente tampouco em muitos quilômetros na redondeza.

     —Então o que é que quer de mim? —perguntou.

     —Não muito. Só seu corpo.

     Stormy se esticou. Saberia a víbora que não poderia sobreviver muito tempo no corpo do Brooke? Já estava bastante pálida e murcha, para não falar das olheiras escuras ao redor dos olhos que faziam ressaltar ainda mais as órbitas brancas e saltadas.

     —Já tem um.

     —Está morrendo-disse Elisabeta—. Por isso necessito o teu.

     —Sinto muito, mas neste momento o estou usando-disse Stormy, em um tom carregado de sarcasmo e insolência.

     Assim que as palavras saíram por sua boca sentiu vontades de se dar uma patada por havê-lo dito e tratou de serenar-se. De nada serviria provocar ainda mais a Elisabeta.

     —Ao melhor... Posso te ajudar de algum jeito, Elisabeta-sugeriu em um tom mais amável.

     —É claro que sim. Necessito seu corpo antes da meia-noite, ou as duas morreremos-declarou Elisabeta—. Para fazê-lo, preciso recuperar o anel e o pergaminho. Dê-me eles.

     Necessitava o anel e o pergaminho para o ritual, e esta vez, Stormy se deu conta de que queria realizá-lo nela.

     —Sinto muito, mas não posso...

     —Me dê ou lhe mato.

     Stormy tragou saliva e elevou a mão para acalmar a mulher.

     —Se me matas, nunca terá meu corpo.

     —Se não me der isso, morrerei de todas as maneiras-disse Elisabeta—. Dê-me isso.    

     Stormy esperou um momento, tratando de decidir qual era a melhor resposta, e ao final decidiu não tentar a sua sorte.

     —Não os tenho.

     —Mente!

     —Não. Ao sair lavei as mãos de todo o caso. Não queria saber nada mais de ti, nem do Vlad, nem desse maldito anel. Digo-te a verdade, Beta, eu não os tenho.

     Elisabeta fechou os olhos, mas os abriu desmesuradamente antes que Stormy tivesse tempo de pensar inclusive em lhe arrebatar a arma.

     —Quem os tem?

     Stormy quase sorriu. Quase. Porque de todas as mentiras que lhe ocorreram como resposta, a verdade era a melhor opção.

     —Rhiannon-disse—. Não será fácil para você tirar-lhe isso.         Elisabeta ficou em silêncio um longo momento, em uma atitude como se estivesse escutando algo ou a alguém, e por fim piscou e a olhou.

     —Tem um telefone... Mutável, não?

     —Um celular? Sim, tenho-o na bolsa.

     —Lhe tire ordenou Elisabeta—. Devagar-disse, brandindo a arma.

     —Certo. Tranqüila com isso.

     Muito devagar, Stormy tirou o celular do bolso lateral da mochila.

     —Está aqui.

     —Chama-a.

     —A quem? Ao Rhiannon?

     Elisabeta assentiu, mas a mão que empunhava a arma começava a tremer. Estava cada vez mais cansada e débil.

     —Certo. Está apagado-advertiu, para que a mulher não se assustasse e fizesse algo irreparável—. Tenho que acendê-lo.

     Depois de uns momentos, marcou o número da mansão Ateneu, mas não obteve resposta.

     —Não respondem-disse.

     —Não tem ela um celular que leva sempre com ela? Como o teu?

     —Sim. Quer que a chame nesse?

     Elisabeta assentiu, e Stormy marcou o número. Mas não foi Rhiannon quem respondeu, e sim Vlad.

     —Tempest? —perguntou ele, falando como se de verdade quisesse que fosse ela.

     Sim, certamente era o que queria, recordou-se Stormy. Ainda a necessitava para salvar à lunática de sua esposa.

     —Sim, sou eu.

     —Está bem? Onde está?

     —Estou com a Beta, que me está apontando com uma arma.

     —Me dê isso he ordenou Elisabeta.

     —Um momento. Sua esposa quer falar contigo-disse Stormy e lhe ofereceu o celular.

     Elisabeta o arrancou da mão sem deixar de apontá-la.

     —Consegue o anel e o pergaminho do Rhiannon e me traz isso. Se quer me salvar, Vlad, faz-o por mim. Se não, Tempest e eu logo estaremos mortas. E sabe que é a verdade. E se vier Vlad, e não vem sozinho, a matarei, só para me assegurar de que não tenta salvar a quem não deve.

     Sem esperar resposta, Elisabeta devolveu o celular ao Stormy.

     —Lhe diga onde estamos para que possa vir.

     Stormy assentiu e levou o celular ao ouvido.

     —Estamos em uma praia deserta junto à saída do Seaside. Gira à direita, a uns três quilômetros, e verá meu carro no caminho-olhou a Elisabeta e disse—. Vai tentar apoderar-se de meu corpo. Se fosse eu, deixaria morrer a esta zorra, embora suponha que você não pensa o mesmo.

     Elisabeta lhe arrancou o telefone da mão e o lançou ao mar.

     —Deveria te matar agora mesmo.

     —Adiante. Não tenho nada urgente que fazer.

     Stormy se balançou. De repente. Não o esperava. O revólver lhe atirou um duro golpe na cabeça, junto ao olho esquerdo. Stormy sentiu uma forte explosão de dor e ato seguido se desabou no chão.

     Seu último pensamento foi que, o que havia dito ao Vlad eram uma inútil perda de tempo. Vlad jamais deixaria que sua amada Elisabeta morresse. Certamente não demoraria em lhe levar o anel e o pergaminho e colaborar em sua execução.

 

     —Há dito que vá sozinho, e isso é o que penso fazer-disse Vlad, mantendo-se flutuando ligeiramente no ar junto à porta principal da mansão.

     Suas palavras foram dirigidas ao Rhiannon, enquanto as outras duas mulheres mortais se mantinham a pouca distância. Pareciam nervosas, como se esperassem o estalo de uma repentina briga entre vampiros.

     —E na verdade, já estou cansado de repetir o mesmo. Dê-me o anel, Rhiannon. E o pergaminho-exigiu estendendo a mão com a palma aberta a sua amiga.

     Rhiannon os tinha na mão, mas não os ofereceu.

     —É melhor que te acompanhe Vlad. Ela não é uma de nós. Nunca saberá se estou escondida entre as sombras, preparada para te ajudar, caso seja necessário.

     —E desde quando Drácula necessita ajuda? —perguntou ele—. Rhiannon, Elisabeta é mortal, e, além disso, está doente.

     Rhiannon apertou os lábios e o olhou com uma expressão das mais eloqüentes.

     —É sua esposa.

     —Não confia em mim-lhe reprovou ele.

     Rhiannon desviou o olhar.

     —Acompanho-te e não se fala mais nisso. Se quer me impedir isso Vlad, terá que me matar, e não acredito que esteja disposto a fazê-lo-Rhiannon encolheu os ombros e o olhou desta vez menos séria—. Mais ainda, não acredito que pudesse nem que o tentasse.

     —Não aposte sua vida.

     Rhiannon lhe cravou os olhos com intensidade.

     —Jamais pensei que chegaríamos a isto, nos enfrentando. Vou ajudar ao Stormy, Vlad. E vou agora-disse com firmeza indo para a porta.

     Mas Vlad estirou o braço e a golpeou no peito com uma descarga de energia que a deteve em seco.

     —Como se atreve! —começou Rhiannon.

     —Me dê o anel e o pergaminho, Rhiannon.

     Rhiannon fez um poderoso arco com o braço e lhe mandou uma descarga de energia que o empurrou para trás até lançá-lo de costas contra a parede. Um quadro próximo caiu ao chão com estrépito.

     Vlad se endireitou e, rapidamente recuperado, lançou toda a força de sua vontade contra ela, esta vez com muita mais potência. Rhiannon saiu voando pelo ar até aterrissar de costas no chão com um golpe seco.

     Vlad se equilibrou sobre ela, aprisionou-a contra o chão com ambas as pernas e a revistou até encontrar os objetos que necessitava. Os tirou, e detendo-se só um momento para olhá-la à cara, acariciou-lhe brandamente na bochecha enquanto ela pestanejava.

     —Sinto muito, Rhiannon. Não me deste eleição.

     Depois saiu correndo do vestíbulo e da mansão, perdendo-se na noite.

     Vlad sentia remorsos, mas também era consciente de que Rhiannon se teria recuperado do golpe em menos de uma hora e sairia em sua perseguição. Por isso decidiu dar-se pressa.

     E ali mesmo, junto à mansão Ateneu, começou a girar sobre si mesmo cada vez a maior velocidade e se concentrou com grande esforço para alterar sua forma. E como um corvo gigantesco, flexionou as asas, bateu-as uma, duas, três vezes, uma vez que se empurrava com as pernas e voava para o céu estrelado. Enquanto se dirigia para ela, Vlad recordou como tinha terminado o tempo que tinham estado juntos e deixou que as lembranças fluíssem por sua mente com a esperança de que lhe dessem a força necessária para fazer o que sabia que tinha que fazer.

    

     Tinha começado a perder a esperança de encontrar a forma de solucionar o enigma em que se converteu sua vida. Estava de pé junto ao Tempest sobre o que tinha sido a tumba de sua esposa, uma tumba que agora era vítima dos estragos do tempo, coberta por árvores e ervas daninhas junto ao arroio que seguia passando a seu lado. As estrelas seguiam brilhando como sempre sobre o lugar onde descansava sua amada.

     Não, não descanso. Nunca houve descanso para sua amada. Nem tampouco paz em todos aqueles anos. Por que não tinha tido a força de deixá-la partir?

     Tempest não tinha bom aspecto. Estava pálida e tremia de vez em quando. Esfregou-se os braços com as mãos, como se tivesse frio, e ele a rodeou com um braço, para lhe transmitir um pouco de calor.

     —Não comeste nada-disse ele—. Possivelmente deveríamos...

     Ela se voltou para ele, elevando as mãos, e cravando os olhos nos seus, uns olhos negros como o carvão.

     —Não te atreva a me deixar aqui, Vlad! Nem o pense!

     Vlad retrocedeu uns passos, surpreso ante a mudança repentina. Mas sabia que já não era Tempest, e sim sua amada esposa, sua Elisabeta. Elevou uma mão tremula e lhe roçou a cara.

     —Não te deixarei.

     —Já o tem feito! —acusou-o ela, mas não se apartou, mas sim lhe cobriu a mão com a sua, e se apoiou nela—. Abandonaste-me a esta existência, apanhada, incapaz de voltar, incapaz de continuar. Quero voltar Vlad. Quero estar contigo. Nunca me renderei.

     —Não deveria ter se suicidado, Beta. Deveria esperar minha volta. Oh, por todos os deuses, se me tivesse esperado.

     —Esperei-te todos estes séculos. E agora tornamos a nos encontrar. Não deixe que ela se interponha entre nós, Vlad. Não permita que te afaste de mim.

     —Eu... —Vlad procurou no rosto feminino, incapaz de falar, porque era como se ela soubesse exatamente o que estava pensando.

     —Ela te quer para ela. E quer me forçar a voltar para esse mundo que não é vida. Quer minha morte. Essa pressão entre os dois mundos. Não posso voltar ali, Vlad. Não voltarei.

     —Eu não o permitirei Beta.

     —Quer-te para ela-sussurrou Elisabeta.

     Vlad baixou a cabeça.

     —Nunca o permitirei nunca lhe permitirei que seja seu-insistiu Elisabeta.

     Vlad elevou a cabeça ao escutar o veneno no tom de voz. O ódio. Não parecia a Elisabeta que ele conheceu.

     —Antes a matarei, Vlad. Juro-te que a matarei.

     —Beta, não pense isso. Não... —mas se interrompeu porque Elisabeta tinha saído correndo para o bosque.

     Vlad saiu atrás dela.

     —Beta maldita seja, espera!

     E nesse momento a horrível cena se abriu ante seus olhos. Beta se tinha jogado, não, tinha jogado ao Tempest ao ponto mais profundo do arroio, e ali estava de barriga para baixo na água, movendo os braços como se quisesse levantar-se, mas algo a atraia irresistivelmente para o fundo. Estava se afogando!

     Vlad a segurou pela cintura e o peito e a tirou da água. Depositou-a na borda e escutou sua respiração, mas não ouviu nada. Até que de repente, Tempest levantou a cabeça e começou a tossir, cuspindo água pela boca e o nariz.

     —Graças aos deuses-murmurou ele e a colocou de lado para ajudá-la a expulsar a água gelada dos pulmões.

     Enquanto ela tratava de recuperar a respiração, Vlad tirou seu casaco e o jogou pelos ombros.

     —Tempest?

     Ela levantou a cabeça, com olhos cansados.

     —O que passou? —perguntou.

     —Não... Não sei.

     A suas costas rangeu um ramo, e Vlad se voltou. Ali estava Rhiannon de pé, com expressão furiosa. Roland estava a seu lado.

     —Sabe perfeitamente o que passou Vlad. Elisabeta acaba de tentar assassinar ao Tempest. Viu-o. Sabe que é a verdade.

     Vlad fechou os olhos e baixou a cabeça.

     Rhiannon se aproximou e se ajoelhou junto ao Tempest.

     — Isto já ocorreu antes, Stormy?

     Ainda tremendo, Stormy se apertou o casaco que levava pelos ombros e assentiu.

     —Sim, acredito que sim. Bom, não estava segura até agora, mas...

     Outro ataque de tosse interrompeu suas palavras.

     —Temos que levá-la ao castelo-disse Roland—. É imprescindível que tire essa roupa molhada e se seque. Os corpos dos mortais não toleram facilmente este tipo de trauma.

     Assentindo, Vlad ficou em pé e foi pegar Tempest nos braços, mas Roland o deteve lhe pondo uma mão no ombro.

     —Deixe meu amigo. Levarei-a em seguida, porei-a diante da chaminé e cuidarei dela até que volte.

     —Por quê? —perguntou Vlad.

     Foi Rhiannon quem respondeu.

     —Acredito que já sabe. Sabe o que devemos fazer Vlad. Necessitamos coisas para o exorcismo.

     Vlad deixou escapar um grito afogado, e seu olhar passou do Rhiannon ao Tempest quando Roland elevou o corpo inerte e debilitado da jovem. Tempest não estava bem, e não suportaria muitos mais ataques. Sem o anel e o pergaminho não tinha esperança de ajudá-la a encontrar a união e a harmonia com a alma que acreditava ser parte dela. Mas assim tampouco podia continuar e sobreviver.

     Com os olhos cheios de umas lágrimas que já não reprimiu, Vlad sussurrou:

     —Então que assim seja.

     Quando Rhiannon e Vlad retornaram ao castelo, Tempest tinha tirado a roupa molhada e levava uma camisola e uma bata de veludo. Envolta em uma manta e sentada diante da chaminé acesa, bebia a sorvos a sopa quente de uma terrina fumegante. Começava a ter o cabelo seco, mas sua expressão de esgotamento deixava claro em que estado de debilidade se encontrava.

     Rhiannon lhe tinha explicado que Roland e ela, conscientes de que a temeridade do Vlad só podia conduzir ao desastre, decidiram ficar um dia mais, uma noite mais, se por acaso os necessitavam.

     Vlad sabia que tinha que se despedir do objetivo que perseguia desde fazia quase seiscentos anos. Tinha que despedir-se da Elisabeta. Possivelmente então houvesse uma oportunidade para ele e Tempest. Não sabia, não sabia se os sentimentos dela para ele eram próprios ou se deviam tão somente à posse de seu corpo por sua esposa morta. De fato, nem sequer estava seguro de que os sentimentos que tinha para ela fossem realmente por ela ou pela mulher que foi em outro tempo e em outro lugar.

     Mas fosse como fosse, o fim era inevitável. Ela era mortal. Não era uma dos Escolhidos. Ia morrer, enquanto que ele continuaria vivendo.

     —Estamos preparados para fazê-lo? —perguntou Rhiannon.

     Vlad olhou ao Tempest.

     —Está segura de que o suportará?

     —Não acredito que lhe afete muito, Vlad. Só é um ritual.

     Ele assentiu. Tempest o olhou.

     —Estou preparada-disse—. Sinto muito, Vlad. Sinto não ser o bastante forte para lhe dar uma oportunidade.

     Vlad se aproximou dela e lhe acariciou a mão.

     —Possivelmente seja melhor assim, Tempest. Elisabeta necessita paz, e isso o podemos dar.

     Tempest assentiu e depois olhou ao Rhiannon.

     —O que tenho que fazer?

     —Se deitar e relaxar-disse Rhiannon assinalando a chance longue a uns metros da chaminé.

     Com a ajuda do Roland e Vlad, Stormy se deitou na mesma.

     —Muito bem.

     Rhiannon abriu a bolsa que levava e começou a tirar objetos, um a um. Ervas recolhidas no bosque, um punhado de terra da tumba de Elisabeta, uma pedra do arroio onde caiu seu corpo, uma garrafinha de água do mesmo arroio, sal e umas quantas velas negras. Também um sino. Recolheu umas quantas velas do castelo e as colocou com o resto dos objetos.

     Foi depositando os objetos um a um sobre uma pequena mesa e depois fez o mesmo com as velas negras em direções opostas do salão. Uma no batente da chaminé ao sul, outra em uma mesa ao oeste onde esvaziou a água do arroio em uma terrina. Uma terceira em um oco que fez na estante ao norte, e a quarta junto a um prato de ervas ao este.

     Rhiannon olhou fixamente as velas, e uma a uma as chamas se foram acendendo sob a força de sua vontade. Depois, utilizando uma das velas, acendeu o montão de ervas, que crepitaram e se elevaram em chamas durante um momento até que se apagaram e ficaram reduzidas a brasas e cinzas em uma fonte de prata.

     —Sentem-se a ambos do lados dela. Se Elisabeta se der conta do que estamos fazendo, é possível que tente evitar que completemos o ritual, ou se isso não der certo, que tente lhe fazer mal. Terão que segurá-la para evitá-lo.

     Vlad olhou ao Tempest, que olhava ao Rhiannon com os olhos muito abertos, e lhe acariciou a fronte.

     —Não permitirei que isso ocorra. Prometo-lhe isso.

     Tempest assentiu e Vlad se voltou para o Rhiannon.

     —Continua.

     Rhiannon permaneceu imóvel e concentrada durante uns momentos, conectando-se a alguma força em seu interior, ou possivelmente mais à frente. Quando abriu os olhos, seu aspecto tinha trocado visivelmente e era mais capitalista que nunca.

     Moveu-se como se flutuasse, elevando uma mão e riscando a forma de um círculo por todo o salão, enquanto murmurava palavras num idioma que Vlad acreditou ser egípcio. E também viu um éter formando uma esfera a seu redor. Uma esfera apenas visível que dançava, e Vlad teve a sensação de estar dentro de uma borbulha de poder.

     Depois, Rhiannon se dirigiu à parte mais ocidental do círculo e moveu os braços, como abrindo uma cortina. Atrás da cortina imaginária, apareceu uma porta escura na parede da borbulha.

     Por fim, Rhiannon se aproximou do Tempest e começou o ritual. Declamou sobre seu corpo, e deslizou os dedos para salpicá-la com água da terrina. Depois elevou o incenso e, com as mãos, estendeu a fumaça sobre o Tempest, da cabeça aos pés.

     Continuou declamando palavras em um tom melódico e hipnótico. Os olhos do Tempest se fecharam e ela começou a respirar com dificuldade, movendo a cabeça de esquerda à direita.

     Vlad a segurou pelos ombros, querendo falar com ela, reconfortá-la, mas Rhiannon percebeu suas intenções e com os olhos lhe disse que permanecesse em silêncio enquanto ela continuava com seus cânticos.

     Rhiannon deixou a terrina de ervas fumegantes em seu lugar e tomou o sino, que passou pelo corpo do Tempest, sobre a cabeça, o peito, o ventre, nos quadris, os joelhos e os pés, enquanto cantava em um tom mais forte e autoritário.

     Tempest moveu violentamente a cabeça. Tinha dificuldades para respirar, e começou a agitar o corpo, retorcendo-se de um lado a outro.

     —Sai de seu corpo, Elisabeta-ordenou Rhiannon—. Vá até a porta do oeste e atravessa o caminho de seu descanso. De sua paz. Vá, Elisabeta. Libera a esta mulher e se vá.

     Os olhos do Tempest se abriram como pratos e um grito agônico saiu de sua garganta de uma vez que seu corpo se elevava da chance longue e suas costas se arqueavam.

     Roland e Vlad a seguraram, mas necessitaram de todas as suas forças para voltar a deitá-la.

     —Vá-ordenou Rhiannon—. Não pertence a este plano. Vá, Elisabeta.

     O corpo do Tempest começou a convulsionar-se, presa de um ataque incontrolável, e Vlad olhou ao Rhiannon apavorado.

     —Acredito que não respira. Não respira Rhiannon.

   Tempest tinha a cara vermelha e os lábios azuis.

     —A está matando, meu amor-disse Roland—. Isto não vai funcionar. Elisabeta não permitirá que Tempest siga com vida uma vez que ela parta.

     Rhiannon titubeou apenas um momento enquanto os espasmos continuavam e imediatamente saiu correndo para o Tempest e a segurou pelos ombros.

     —Acabou-se-disse—. Já não mais. Respira devagar, filha. Respira.

     Imediatamente o corpo do Tempest se relaxou e deixou de tremer. Mas passou um longo momento antes de voltar a respirar.

     Rhiannon suspirou aliviada.

     —Te ocupe dela-disse ao Vlad—. Eu tenho que me ocupar do círculo.

     —Resultou? —perguntou Vlad—. Se foi Beta?

     Rhiannon o olhou aos olhos e negou tristemente com a cabeça.

     —Seu poder sobre o Tempest é mais forte do que acreditava Vlad. Se a tivesse obrigado a sair dela, teria levado consigo sua alma. Sinto muito.

     Vlad suspirou. Não sabia se sentia-se aliviado ou decepcionado. Possivelmente ambas as coisas. Tomando ao Tempest nos braços foi à cadeira junto à chaminé e se sentou com ela no regaço, perguntando-se o que podia fazer agora que o exorcismo tinha fracassado.

     Rhiannon tinha retirado à esfera de energia, apagado as velas e jogado as ervas fumegantes à chaminé.

     —Não podemos exorcizar a alma invasora de seu corpo, mas podemos minimizar sua força e seu poder. Esse poder, Vlad, alcança seu maior nível quando está perto de ti. Sabe. O viu-Rhiannon fechou os olhos, e Vlad acreditou ver o brilho úmido de uma lágrima neles—. Tem que te afastar dela. Por seu bem, deve te afastar dela.

     Vlad olhou à formosa mulher que tinha em seus braços. Apartou-lhe o cabelo da cara.

     —Não será para sempre, Tempest. Só até que possa localizar o anel e o pergaminho. Só até então. Prometo-lhe isso-se inclinou e depositou um beijo em seus lábios—. Será-lhe mais fácil se lhe faço esquecer-disse a seus amigos—. Dêem-me uns minutos com ela. Apagarei as lembranças e depois poderão levá-la.

    

     —Rhiannon?

     Melina e Lupe se ajoelharam a ambos os lados do Rhiannon enquanto esta recuperava o conhecimento e tratava de levantar-se.

     —Encontra-te bem? —perguntou Melina.

     —Claro que estou bem-respondeu Rhiannon com desprezo, recolhendo os restos de sua dignidade e tratando de ficar em pé.

     Para sua maior humilhação, as duas mulheres mortais a ajudaram, segurando-a pelos braços e acolhendo ela. Assim que recuperou o equilíbrio, Rhiannon lhes apartou as mãos com brutalidade e se sacudiu o vestido.

     —Não desejo sua ajuda.

     —Não lhe reprovo isso. Sei que alguns membros de nossa ordem ajudaram às sacerdotisas a te reter contra sua vontade faz muito tempo.

     —Sua intenção era me matar. Se Vlad não me tivesse tirado daquele lugar e transformado quando o fez, teria morrido. E isso era exatamente o que queriam. Quase mataram a nós dois tratando de impedir minha fuga.

     —O que fizeram esteve mal-disse Lupe—, e o sinto.

     —Rhiannon-disse Melina—, tem que saber que essas mulheres não atuaram de acordo com as leis da irmandade. Decidiram por sua conta ajudar às sacerdotisas do Isis em troca de umas migalhas de sabedoria.

     —É obvio. E suponho que a irmandade as castigou por isso. Ou lhes concederam alguma medalha?

     Melina olhou ao Lupe, mas não disse nada. Lupe franziu o cenho e olhou ao Rhiannon.

     —Não encontrei nenhuma menção a isso nos textos que se conservam da época-disse a mulher latina.

    —Não guardamos documentos escritos desse tipo de coisas-disse Melina.

     —Que tipo de coisas? —perguntou Lupe sem compreender.

     Melina se umedeceu os lábios.

     —As duas foram executadas. Enforcadas por trair as leis da ordem-olhou ao Rhiannon aos olhos—. Lê-o em minha mente se não o acredita, Rhiannon. Eu não estou orgulhosa do que fizeram, mas tampouco estou orgulhosa do duro castigo que lhes impôs. Mas suponho que tem direito a isso. Pode confiar em nós.

     Rhiannon seguia cética.

     —Estamos perdendo tempo-disse Lupe—. Temos que ir atrás dele se queremos salvar ao Stormy.

     —Irei sozinha-afirmou Rhiannon.

     Melina deu um passo adiante e se esclareceu nervosa a garganta.

     —Temos que ir, Rhiannon. E me temo que não posso aceitar uma negativa. Se Brooke sobreviver, necessitaremos, e teremos que trazê-la aqui.

     Rhiannon a olhou com desprezo.

     —Onde sem lugar a dúvidas ato seguido será julgada, condenada e executada por trair a ordem.

     —Não queira entender nossa forma de fazer as coisas, Rhiannon. Se houver uma forma de salvá-la, farei-o. Mas terá que enfrentar às repercussões de seus atos.

     Lupe se aproximou da Melina.

     —Não quero lhes dizer como fazer isto, mas temo que necessitamos um plano.

     Nisso tinha razão, pensou Rhiannon, embora detestava ter que reconhecê-lo.

     —Se vierem comigo, suponho que será melhor que vamos de carro. Copiei o ritual que necessitaremos para exorcizar a Elisabeta do corpo do Brooke, para libertá-la dos poderes do anel. Está aqui... —meteu-se a mão no bolso, mas a tirou vazia.

     —Tenho a cópia que me deu-disse Melina.

     Rhiannon tragou saliva.

     —Só há uma coisa que devo lhes dizer, e nisso sou categórica. Não faremos nada até que estejamos seguras das intenções do Vlad.

     —Já conhecemos suas intenções-disse Melina—. Ajudar a Elisabeta a se apoderar do corpo do Stormy. Vai matá-la, Rhiannon.

     —Possivelmente-disse Rhiannon, mas no fundo esperava estar equivocada.

     Uns anos atrás, Vlad tinha tomado a decisão acertada, e agora tinha que acreditar que faria o mesmo, apesar de que sua obsessão pela Elisabeta só parecia ter piorado nos últimos dezesseis anos. Por ele, tinha que lhe dar a oportunidade de atuar corretamente.

     E depois lhe pensava dar seu castigo pelo que lhe tinha feito àquela noite.

     —Não interviremos-disse de novo Rhiannon—, até que esteja segura. Se alguma das duas tenta fazer algo antes que eu dê a ordem, prometo-lhes que não verão o amanhecer de amanhã.

     As mulheres se olharam aos olhos com temor.

     —Entendido-disse Melina.

    

     Caída ali, em um estado de seminconsciência, Stormy se viu afligida uma vez mais pelas lembranças, os fragmentos que faltavam dos momentos que passou com o Vlad dezesseis anos atrás. As lembranças que ele apagou de sua memória.

     Vlad tentou salvá-la. Permitiu ao Rhiannon tratar de exorcizar a Elisabeta de seu corpo. E quando se viu obrigado a escolher entre as duas, escolheu-a a ela. Ao Stormy.

     Entretanto, a alegria que sentiu ao recordá-lo se apagou em seguida, quando outra parte de lhe recordou que isso não significava que Vlad voltasse a tomar a mesma decisão agora. Em nenhum momento tinha manifestado seus sentimentos, nem tampouco dado motivos para acreditar que atuaria contra sua esposa para salvá-la.

     Stormy tratou de esquecer suas dúvidas nesse momento e avaliar a situação em que se achava. Em seguida viu que estava paralisada, incapaz de mover as extremidades, e instintivamente tratou de mover-se e endireitar-se.

     Algo a golpeou. Uma bofetada no rosto.

     Ficou quieta, piscando através das lágrimas que lhe encheram os olhos.

     Brooke... Não, não era Brooke, era Elisabeta, estava diante dela. A luz da lua iluminava sua silhueta, que se recortava contra a escuridão da noite e o oceano a suas costas. A praia era diferente. Pouco a pouco, sua mente se foi limpando e Stormy se deu conta de várias coisas de uma vez. Primeiro que não estava paralisada, a não ser atada pelas mesmas cordas que levava sempre no porta-malas do carro. Estava deitada de costas, com os braços abertos e sujeitos a estacas cravadas ao chão; as cordas lhe arranhavam a pele. Também tinha os tornozelos unidos e sujeitos a uma estaca, e já não estava na zona rochosa junto ao mar onde se deteve para enfrentar-se a seus sentimentos e sua dor, e possivelmente a morrer.

     Não, o lugar era diferente. Havia árvores e arbustos, e o chão não era tão rochoso, mas sim entre as pedras havia terra, não areia. As ondas rompiam contra a costa detrás da Elisabeta, que agora estava mais longe que antes.

     Por último, Stormy olhou à mulher de pé sobre ela e lhe entrou pânico ao sentir que estava totalmente a mercê daquele ser desenquadrado e vingativo, uma mulher que só desejava vê-la morta.

     Elisabeta pareceu satisfeita ao ver que Stormy tinha deixado de retorcer-se e continuou com o que estava fazendo. Que não era mais que colocar velas no chão. Stormy deslizou a vista pelas que já estavam colocadas e viu que formavam um círculo a seu redor. Um círculo no que, quando estivesse terminado, ela não ficaria no meio, há não ser um pouco inclinada, deixando lugar para outra pessoa, sem dúvida Elisabeta.

     Em quatro pontos eqüidistantes do círculo, Elisabeta tinha colocado incensarios com ervas que logo arderiam e desprenderiam uma fumaça densa para envolvê-la em nuvens de fragrância e poder. E embora Stormy não tinha nem idéia de onde tinha tirado aquela louca as velas e as ervas, não lhe cabia a menor duvida de que Elisabeta sabia muito bem o que estava fazendo.

     Tinha que largar-se dali. Continuou puxando as cordas que a seguravam, tratando de afrouxá-las, mas Elisabeta se deteve com um fósforo aceso na mão, a ponto de acender uma das velas, e a olhou.

     —Fica quieta. Não te servirá de nada. Só está esbanjando sua energia.

     Stormy se deteve, mas não pelas palavras da Elisabeta, mas sim por seu aspecto à luz das diminutas chamas. Tinha os olhos mais afundados que antes, com enormes olheiras negras que lhe davam um aspecto tétrico. Estava pálida e gasta, e a pele estava tão seca que parecia a ponto de rachar-se e desprender-se dos ossos.

     —Meu deus, quanto tempo levamos aqui?

     Elisabeta encolheu os ombros.

   —Um par de horas, por quê?

     Era evidente que Elisabeta não conhecia as rápidas e espetaculares mudanças em seu aspecto, e ao observá-la, Stormy se deu conta de que a mulher tampouco se sentia muito melhor. Caminhava dando passos curtos e débeis, quase sem separar os pés do chão, com as costas inclinada e a cabeça agachada. Também parecia ter dificuldades para respirar. Em apenas umas horas, tinha envelhecido cinqüenta anos.

     —De onde tiraste as velas?

     —Estavam na bolsa do Brooke. Guardou-as da última vez.

     —E as ervas?

     —Também. Uma lástima que não memorizasse também o rito-disse, e encolheu os ombros—. Mas não importa. Tenho que esperar ao anel. Vlad virá com o anel e o pergaminho.

     Stormy teria gostado de pensar que Vlad não lhe permitiria realizar o ritual, que chegaria como uma espécie de cavalheiro andante em uma armadura de ônix e a salvaria daquela lunática. Mas a louca era sua esposa. O amor de sua vida tinha que reconhecer. De fato, Vlad nunca lhe havia dito que estava apaixonado por ela, nem no passado, nem no presente. Possivelmente se Elisabeta não tivesse estado escondida em seu corpo, ele nunca haveria sentido nada por ela.

     E, entretanto havia tentado salvá-la fazia dezesseis anos. Possivelmente tentasse fazê-lo de novo.

     Não, não podia contar com isso. Tinha que salvar-se ela.

     Stormy puxou com força com o braço direito, mas mais discretamente que antes, para que Elisabeta não se desse conta. Com um esforço sobre-humano, puxou com a esperança de afrouxar um pouco a estaca cravada no chão.

     Mas não pôde.

     Possivelmente pressentindo algo estranho, Elisabeta se voltou a olhá-la.

     —O que faz?

     —Vejo que nos transferimos a um lugar diferente-disse Stormy.

     —Aqui estamos protegidas pelas árvores e essas rochas altas dali-disse Elisabeta, assinalando com a cabeça os gigantescos penhascos que protegiam o lugar.

     —Não tem muito bom aspecto-disse Stormy, falando para ocultar seus movimentos e desviar a atenção da Elisabeta.

     Não tinha tido sorte com a estaca do braço esquerdo, e agora estava puxando a do direito. Embora de momento tampouco estava tendo muita sorte.

     —Não importa. Logo me transferirei deste corpo.

     —Sim, parece que em qualquer momento.

     Stormy sentiu o furioso olhar que Elisabeta lhe dirigiu e deixou de puxar a estaca direita. Tampouco se tinha movido nada. Bom, podia provar com a dos pés. Puxou com força, dobrando os joelhos para cima ligeiramente.

     —Ah, já vem-disse Elisabeta levantando-se da última vela e voltando-se devagar.

     Estava encurvada, como se fosse muito anciã, e a mudança em umas poucas horas era simplesmente incrível.

     Stormy girou a cabeça para onde Elisabeta olhava, e viu um corvo gigante, do tamanho de uma águia, aterrissar agilmente no chão a pouca distância de onde se encontravam. Depois, o corvo abriu as asas e pareceu incorporar-se, estirar-se e por fim, diante de seus olhos, transformar-se em um homem vestido de negro. Drácula.

     Sorrindo, com uma expressão que dava mais medo que pena Elisabeta o chamou.

     —Aqui, Vlad. Estou aqui.

     Stormy fechou os olhos e puxou com mais força as cordas que prendiam seus tornozelos. As cordas lhe arranhavam e lhe queimavam a pele, mas não importava. Tinha que fugir. Drácula tinha chegado. Para salvá-la ou para matá-la? Não tinha forma de que soubesse, e tampouco queria ficar para comprová-lo.

     Quando ele chegou à luz das velas, buscou-a com os olhos, encontrou-a, mas seu rosto não refletiu nada. Nem um indício de afeto, nem um esboço de sorriso, nada. Só a olhou impassível primeiro à cara e depois às estacas que lhe prendiam os braços e os tornozelos.

     Depois olhou a Elisabeta, e esta vez sua expressão trocou incapaz de ocultar o horror que lhe produzia o aspecto da mulher.

     —Por todos os deuses, Beta...

     —Sei-disse—. Sei que aspecto tenho. Estou morrendo, Vlad.

     Ele assentiu, aproximou-se dela e lhe tocou a cara. Maldito seja ele.

     Stormy procurou não ver a ternura nos olhos masculinos, mas a viu. Estava ali, e sua missão era provavelmente lhe arrebatar a vida para salvar a sua esposa.

     E, entretanto ela o amava.

     Deus, que patética. Mas o amasse ou não, Stormy sabia que ela não titubearia na hora de degolá-lo e deixá-lo sangrar se isso significava para ela a diferença entre viver e morrer.

     Puxou com mais força, e a estaca dos pés cedeu ligeiramente.

    

     Vlad não podia acreditar a mudança na Elisabeta, embora supôs que em realidade a espetacular deterioração física estava afetando ao corpo do Brooke, não a Elisabeta. Só ao corpo que estava ocupando nesse momento. Seu aspecto era débil e agonizante, e lhe doeu vê-la assim.

     Tempest, por outro lado, parecia estar bem. Seus olhos azuis cintilavam com o mesmo fogo e a mesma intensidade de sempre, e embora tinha um golpe na cabeça, estava bem. Forte. Inteira. Embora assustada, e também furiosa.

     Vlad havia sentido os olhos femininos nele, tratando de pinçar em sua mente, procurando indícios de suas intenções. Era evidente que não confiava nele. Por que o ia fazer?

     —Trouxeste o anel e o manuscrito? —perguntou Elisabeta.

     —Sim.

     —Me dê isso.    

     Vlad olhou ao Tempest, que o observava com uma súplica muda nos olhos, mas ele apartou o olhar e tirou o anel e o pergaminho do bolso do casaco negro. Elisabeta lhe arrancou o pergaminho da mão, desenrolou-o e se inclinou para pô-lo no chão, segurando-o com umas pedras. Colocou-o entre duas velas, para poder lê-lo. Depois, sem elevar a cabeça, falou.

     —Lhe ponha o anel, Vlad.

     Vlad voltou a olhar ao Tempest.

     Ela o olhou aos olhos, fazendo um leve movimento de cabeça, à esquerda, à direita e à esquerda outra vez.

     Vlad não se moveu. Elisabeta voltou à cabeça para ele.

     —Faz-o já-disse—. Não temos muito tempo. Estou-me debilitando muito depressa.

     Elisabeta se aproximou da primeira terrina de ervas e lhe prendeu fogo com uma das velas acesas. Depois de deixá-lo arder uns momentos, soprou e o apagou. A fumaça, densa e cheirosa, flutuou no ar e foi estendendo-se a seu redor. Depois Elisabeta fez a mesma coisa com as outras terrinas.

     Vlad se obrigou a entrar no círculo de velas acesas e ajoelhar-se junto ao Tempest, entre um dos braços estirados e as pernas unidas pelos tornozelos. Levava o anel no dedo, e o moveu para ela.

     Stormy dobrou a boneca, tratando de apartar-se.

   —Não o faça, Vlad-lhe suplicou.

     —Faço o que tenho que fazer-respondeu ele enigmaticamente.

     As nuvens de fumaça que se elevavam das terrinas de ervas se faziam cada vez mais densas e foram envolvendo a cena em uma bruma mais e mais impenetrável.

     —Ouça, sei que quer a ela e não a mim, certo? Entendo-o perfeitamente. Quer estar com ela, e fará tudo o que seja necessário para consegui-lo-disse ela, tratando de falar com lógica e sensatez.

     —Basta, Tempest.

     —Não. Estamos falando de minha vida. Eu não te reprovo que queira estar com a mulher que amas Vlad, mas não é justo que para isso eu deva entregar minha vida.

     Vlad titubeou um segundo, com o anel quase na ponta de seu dedo. Tinha que ficar o, mas lhe tremia a mão.

     —E é justo que tenha que morrer eu? —disse Elisabeta atrás do Vlad—. Foi justo me ter apanhada entre a vida e a morte durante quinhentos anos? —fez uma pausa para respirar, esgotada pelo mero feito de falar—. Uma das duas tem que morrer Tempest.

     —Uma das duas já morreu Elisabeta. Uma das duas decidiu morrer, tirando-se a vida. Você tomou essa decisão. Seja bastante mulher para agüentar as conseqüências.

     —Já basta! —interrompeu-lhes Vlad com um tom de voz que surpreendeu ao Stormy. Trêmulo e entrecortado—. De nada serve discutir. A decisão está tomada-disse, e segurou a mão do Tempest para imobilizá-la.

     Stormy fechou o punho.

     —Não! Não lhe permitirei isso!

     —Me dê a mão, Tempest.

     —Não!

     Deuses, como detestava aquilo. Se a dor emocional pudesse matar, esse seria seu fim, sem dúvida. Vlad a olhou aos olhos através de uma densa fumaça que o fazia chorar e por um momento lhe deixou entrever seu coração.

     —Por favor, Tempest. Abre a mão.

     Stormy lhe sustentou o olhar, com os olhos cheios de lágrimas.

     —Vlad?

     «Confia em mim uma vez mais». Vlad não sabia se a força do vínculo que os unia era suficiente para que ela pudesse ouvir seus pensamentos, mas então ela abriu lentamente a mão e estirou os dedos.

     —Maldito seja por isso, Vlad-sussurrou ela—. Maldito seja. Quero-te.

     —Sinto-o-disse ele lhe deslizando o anel no dedo.

     Depois voltou a cara, incapaz de seguir olhando-a aos olhos.

     Elisabeta pegou ao Vlad pela mão e o levou ao lugar onde estava o pergaminho aberto no chão.

     —Aqui. Aqui pode ler o pergaminho. Segue exatamente as instruções.

     Assentindo com a cabeça, Vlad se ajoelhou e se inclinou para ver as palavras escritas; depois se voltou para observar o que fazia Elisabeta.

     Deitou-se junto ao Tempest no interior do círculo.

     —Começa-disse.

     —Não me faça isto, Vlad-lhe suplicou Tempest.

     Vlad a ignorou, embora não foi fácil. Não quando havia lágrimas deslizando-se pelas bochechas femininas.

     —Beta este ritual não vai funcionar.

     —Claro que funcionará -lhe assegurou ela- Começa de uma vez, pelo amor dos deuses. Não temos muito tempo.

     Com os olhos fechados, Elisabeta esperou. Vlad olhou ao Tempest, mas não se atreveu a fazê-lo por muito tempo.

     —Não. Segundo as palavras aqui escritas, te libertara do poder do anel e te fará entrar no corpo de quem o tenha posto, mas você já te liberou do poder do anel para entrar no corpo do Brooke.

     —Temos que tentá-lo, Vlad.

     —Vim preparado-disse ele—. Localizei outro ritual, desenhado para fazer exatamente o que queremos que faça.

     Stormy abriu os olhos, mas não o olhou.

     —O que é que queremos que faça?

     —Liberar a seu espírito do corpo do Brooke-o disse—. Uma vez conseguido procederemos com o rito original, que te fará entrar no corpo do Tempest.

     Elisabeta respirou penosamente e tratou de incorporar-se com dificuldade.

     —Ta. E de onde tiraste esse ritual? —perguntou.

     Vlad se apressou a ajudá-la segurando-a pelos ombros.

     —Roubei-o dos arquivos da irmandade de Ateneu. Ninguém sabe que o tenho.

     Era mentira. Não o tinha roubado da irmandade, mas sim do bolso do Rhiannon.

     Uma vez sentada, Elisabeta se inclinou para frente, abraçando-se pela cintura.

     —Obrigado, Vlad. É que... Não estou segura de...

     E antes que ele pudesse reagir, Vlad ouviu uma explosão e sentiu um calor abrasador que lhe atravessava o abdômen. A culatra de uma arma se cravou em seu corpo no mesmo momento em que ela apertou o gatilho, lhe colocando a bala no corpo. A dor era insuportável, e Vlad caiu de joelhos ouvindo os gritos do Tempest e sentindo como o sangue fluía a fervuras de seu corpo.

     Elisabeta lhe arrancou o ritual da mão e se aproximou da vela para lê-lo.

     —Sabia! —bramou furiosa—. Sabia que era mentira! Este ritual é para me exorcizar. Vieste me matar.

     —Não, Beta, não-disse Vlad com os dentes apertados—. Ia liberar-te.

     —Vieste-me salvar-sussurrou Stormy—. Escolheste-me.

     Vlad a olhou aos olhos, embora lhe começava a nublar a vista.

     —TE escolhi faz muito tempo, Tempest. Quero-te. Todo este tempo te quis.

     —Porco! —gritou Elisabeta.

     Furiosa, espremeu o ritual que Rhiannon tinha copiado para o Vlad e o aproximou da chama de uma vela até que o papel pegou fogo e ardeu. Depois, inclinou-se sobre o pergaminho original, que tinha o rito antigo que condenaria ao Tempest a morte, e começou a lê-lo em voz alta.

     —Poderes dos Antigos e dos Deuses da Ultratumba, abram as portas entre a vida e a morte! Abram as portas e tomem a esta, tomem ao Tempest Jones porque seu corpo me pertence, Elisabeta Drácula!

     Vlad levantou a cabeça, consciente de que ia perdendo forças por segundos.

     —Não funcionará, Elisabeta. Não funcionará. Assim não.

     Ela se deteve um momento e lhe dirigiu um olhar carregado de ódio.

     —Como sei que não está me mentindo outra vez, print, ul meu?

     —Juro-lhe isso por sua vida.

     —Por sua vida? Sim, já vejo que te importa muito, né? O único pelo que te ocorre jurar é por sua vida. Não importa Vlad. Sua vida está a ponto de terminar.

     —Não funcionará, asseguro-lhe isso. Se o fizer, as duas morrerão.

     —Eu estou morta de todos os modos-disse ela—. Melhor morrer tratando de salvar a mim que simplesmente me render. Melhor que morra ela comigo, assim não morrerei sozinha. Nunca te terá Vlad.

     —Tenho-o agora, Elisabeta-disse Stormy—. O tive durante dezesseis anos, só que não sabia. Sinto não ter acreditado em ti, Vlad.

     —Não te dava motivos para que o fizesse. E, entretanto, apesar de tudo, o tem feito quando me deixaste te pôr o anel no dedo.

     —Calem-se os dois! Estão me pondo doente!

     Elisabeta foi onde estava Tempest e se agachou para lhe segurar os tornozelos com força.

     —Sînge la sînge! ¡Minte la minte! ¡Corp la suflet! ¡Al tu la al meu!     Gritou as palavras uma e outra vez enquanto sujeitava com as mãos os tornozelos do Tempest. Ao redor do Stormy começou a formar uma bruma cinzenta.

     —Funciona-sussurrou Elisabeta.

     —Não! —gritou Vlad—. Não continue, Elisabeta. Suplico-lhe isso, pára de uma vez.

     —Alma a alma, mente a mente, corpo a corpo, do teu ao meu-continuou cantando Elisabeta—. Tempest fora! Elisabeta dentro! Pelos poderes de ultratumba, eu lhe ordeno isso! Tempest, fora! Saia! Cruza o véu! Faz-o agora!

     A bruma que rodeava ao Tempest começou a estender-se pelas pernas e o torso. E era como sua própria sombra transparente elevando-se de seu corpo, enquanto ela se revolvia e lutava por detê-la. No mesmo momento, uma bruma similar envolveu a Elisabeta.

     —Agüenta Tempest! —gritou Vlad—. Elisabeta, não o faça, suplico-lhe isso!

     —Fora, fora, fora! —exclamou Elisabeta, jogando a cabeça para trás, com a voz mais suave e um brilho novo nos olhos—. Guardiões da Ultratumba levem-lhes isso.    

     Vlad utilizou a pouca força que ficava para equilibrar-se sobre ela, golpeá-la e jogá-la no chão, obrigando-a a soltar os tornozelos do Tempest.

     Seus cantos também ficaram silenciados, mas enquanto Vlad lutava contra a insuportável dor, Elisabeta escapou dele, ficou em pé, empunhou de novo a arma e o apontou contra ele.

     Vlad esteve a ponto de perder as esperanças, mas nesse momento sentiu a presença do Rhiannon. Tinha-o seguido. Tal e como ele sabia que o faria. Voltou o olhar para onde percebia a presença de sua querida amiga, entre as sombras. Sentiu-a ali, esperando. E encontrou sua mente com o poder da sua e lhe disse.

     —Faz o que deve fazer.

     Então Rhiannon falou.

     —Agora, Melina.

     O repentino grito da Elisabeta foi o único som que rasgou o silêncio da noite enquanto seu corpo era jogado para trás, longe do Tempest. Cambaleando-se, Elisabeta caiu de lado no chão, olhando com incredulidade o dardo que tinha no peito. Com mãos trêmulas, segurou-o e o arrancou com um gemido de dor; depois o jogou com raiva a um lado.

     Melina saiu de entre as sombras com uma arma na mão, uma pistola de dardos tranqüilizantes. A seu lado estava Lupe com outra pistola. Rhiannon pôs-se a correr para o Vlad e apertou uma parte grande de tecido à ferida do peito.

     —Não perca tempo comigo. Ocupe-te de Tempest-exclamou ele. Olhou ao Stormy e viu que a bruma que se elevou sobre seu corpo parecia assentar-se de novo—. Por favor, Rhiannon. Está bem?

   Com evidentes reticências, Rhiannon se aproximou do Tempest, e a apalpou para certificar-se de seu estado. Depois retornou junto ao Vlad.

     —Stormy sobreviverá, embora não estou tão segura sobre ti-disse. Levantou os olhos e olhou a Melina, que estava ajoelhada junto à Elisabeta—. E ela?

     —Brooke? —disse Melina inclinando-se sobre o corpo do Brooke—. Brooke está aí?

     Uma mão se elevou de repente e lhe arranhou a cara. Melina se tornou para trás. Lupe apontou com a pistola e disparou ao corpo do Brooke, mas falhou. Ao ouvir o ruído, Elisabeta deu um coice, e depois ficou muito quieta.

     —Quer matá-la? —gritou Melina voltando-se para o Lupe e lhe arrancando a arma das mãos.

     —Elisabeta segue estando em seu corpo-disse Rhiannon.

     —Não importa. Temos o ritual que necessitamos Rhiannon-disse Melina—. O que nos escreveu. Agora sabemos como liberar a Elisabeta.

     Vlad fechou os olhos e gemeu.

     —O que ocorre, Vlad?

     —Eu trouxe o ritual. Pensava usá-lo, mas Elisabeta se deu conta e o queimou.

     —Não importa-disse Rhiannon—. Sabia que tinha desaparecido, e esperava com todas minhas forças que o tivesse roubado você-Rhiannon olhou a Melina—. Há outra cópia do ritual no escritório da biblioteca. Utiliza-a.

     —Faremo-lo-disse Melina—. Esta noite. Ainda temos tempo para levar ao Brooke a casa e realizar o ritual. Nos ocuparemos de tudo, prometo-lhe isso.

     Melina se ajoelhou junto ao Vlad enquanto Lupe tirava um par de algemas e uns grilhões de uma bolsa e os usava para imobilizar as bonecas e tornozelos da Elisabeta.

     —Se não sobreviver-disse Melina ao Vlad—, prometo-te que seu amor estará te esperando ao outro lado. Ocuparei-me disso.

     Vlad sacudiu negativamente a cabeça e olhou ao Tempest, que seguia no chão, apenas consciente, com o olhar perdido e os olhos úmidos.

     —Não-disse ele—. A mulher que amo está aqui.

     Melina assentiu e olhou ao Rhiannon.

     —Levem-lhes e terminem com isto-ordenou Rhiannon—. Eu ainda tenho o que fazer aqui.

     —Espero que agora não haja mais rixas entre nós-disse Melina.

     —Meu enfrentamento é contra a irmandade, não contra ti, Melina. E isso segue sendo assim-disse Rhiannon—. Embora deva admitir que a irmandade tem alguns membros que deixam muito a desejar.

     Rhiannon levantou o corpo enfraquecido do Brooke em braços.

     —Levarei-a ao carro-disse e olhou ao Vlad—. Não se mova. E por todos os deuses, não te sangre.

     Vlad desejou poder prometer-lhe, mas assim que Rhiannon desapareceu de sua vista, arrastou-se para onde estava Tempest. Ali se tendeu com a cabeça quase pega a dela enquanto utilizava as poucas forças que ficavam para lhe desatar uma mão.

     —Vlad? —sussurrou ela, e lhe apoiou a mão recém liberada na bochecha.

     —É você, Tempest-lhe disse ele—, não ela. Sempre foi você. Sinto ter demorado tanto em lhe dizer isso, mas se lhe confessava, ela saberia. Tinha que fazer que confiasse em mim para te salvar.

     —Vlad, está sangrando de novo!

     Stormy se desatou rapidamente a outra mão e depois os tornozelos, e segurou a cabeça do Vlad no regaço.

     —Por favor, me escute-disse ele—. Possivelmente não tenha muito tempo. Tinha razão. Mal conhecia a Elisabeta. Conhecemo-nos em um momento de crise, quando nenhum dos dois tínhamos motivos para viver. Mas não a conhecia. A ti, sim. Conheço-lhe, Tempest. Conheci-te faz dezesseis anos. Você é a mulher que amo, não pode haver outra, nem nunca houve. Possivelmente a atração que senti pela Elisabeta faz tanto tempo se deu porque que era um antepassado de seu descendente espiritual. Teu. Tempest. Só teu.

     —Vlad. Temos que fazer algo. Está... Está...

     —Não. Meu amor. Não pode fazer nada. Mas me diga uma coisa, por favor. Diga-me que esta vez me acredita. Vim para te salvar, não para te matar.

     —Acredito e te quero, Vlad. Te quis sempre. Quero-te há dezesseis anos,

     Vlad suspirou como se lhe tirassem um grande peso da alma e sorriu.

     —Obrigado, Tempest.

     E então lhe fecharam os olhos.

 

     Rhiannon se ajoelhou junto ao Vlad, que estava apoiado no regaço do Stormy. Com lágrimas nos olhos, acariciou-lhe a cara.

     —Meu senhor-sussurrou—. Meu querido amigo, meu pai. Deus, como odeio te ver morrer.

     —Não! —exclamou Stormy segurando ao Vlad pelos ombros e sacudindo-o—. Não pode morrer. Não pode permitir que morra. Rhiannon temos que fazer algo.

     —É muito tarde.

     —Não, não o é. Dê-lhe sangue. Dê-lhe meu sangue, e depois tamparemos a ferida e o manteremos vivo até o amanhecer.

     —Sinto-o-disse Rhiannon, quase sem voz, e voltou à cara—. Não tem nem idéia de quanto o sinto.

     —Aparta Rhiannon.

     Stormy deixou escapar um grito afogado ao escutar a voz grave e profunda que chegou da escuridão. O homem que estava ali de pé possuía uma aura evidente de força e poder. Stormy o tinha visto só uma vez, mas o conhecia. Era Damien, quem fora o antigo grande rei Gilgamesh. Era o mais antigo e o mais capitalista de todos. O único vampiro vivo mais antigo que Vlad. O primeiro.

     —Damien-sussurrou Rhiannon, ficando em pé—. Como o soubeste?

     Stormy não podia deixar de olhar ao vampiro. Este parecia profundamente aflito e se ajoelhou imediatamente junto ao Vlad. Tomou a mão.

     —Embora faça anos que não nos vemos, Iskur é meu irmão. Nosso vínculo é muito poderoso.

     —Iskur? —sussurrou Stormy.

     —Esse era seu nome, antes de adotar a nova identidade. É o nome de...

     —O deus sumerio das tormentas-terminou Stormy. Com os olhos cheios de lágrimas olhou ao Damien—. Pode ajudá-lo, Damien?

     —Sim. Se eu não puder, ninguém poderá.

     Damien subiu a manga da camisa, tirou uma navalha e se fez um corte na boneca.

     —O que faz? —perguntou Stormy ao vê-lo agachar-se—. Não vai...?

     —Está muito fraco para beber, Stormy-murmurou Damien—. Minha única esperança é que o sangue seja o bastante capitalista para alcançá-lo assim.

     Damien sustentou a boneca com o talho para baixo sobre a ferida de bala no ventre do Vlad. Stormy lhe rasgou a camisa para lhe dar melhor acesso à ferida, mas isso também lhe fez ver melhor o terrível buraco deixado pela bala e fechou os olhos.

     —Pelos deuses-sussurrou Rhiannon—. Stormy olhe. Abre os olhos e olhe.

     Stormy se obrigou a obedecer e olhou de novo ao Vlad.

     —Oh, céus, o que está ocorrendo?

     Uma espécie de bruma ou vapor sussurrava e saía pela ferida à medida que o sangue gotejava em seu interior. Stormy nunca tinha visto uma coisa assim, nem tampouco tinha lido nem ouvido nada similar.

     —O que está ocorrendo, Damien? —perguntou em um sussurro.

     —Não estou muito seguro. É a primeira vez que faço isto, mas é o método que utilizou Utnapishtim para me dar o dom da imortalidade. Ele não era vampiro. A ele foram os deuses quem lhe concederam a imortalidade. Ele não tinha presas, podia caminhar à luz do dia, e alimentar-se de carne e verduras. Quando concordou a me fazer imortal, abriu-me o peito, cortou-se a boneca e depois jogou seu sangue em minha ferida.

     —E assim criou uma nova raça.

     —Somente espero... —Damien baixou a cabeça e a sacudiu, como sacudindo o sono.

     —Já basta, Damien-sussurrou Rhiannon—. Está se debilitando.

     —Só um pouco mais-disse ele.

     —Deste tudo o que podia-insistiu Rhiannon, segurando-o pelo ombro—. O resultado não depende de que você te de sangre.

     Damien se sentou sobre os calcanhares, e sua cabeça caiu ligeiramente para diante. Rhiannon lhe segurou o braço e lhe atou rapidamente uma parte de tecido que arrancou de seu vestido para deter a hemorragia.

     A ferida do Vlad continuava sussurrando e dela seguia emanando um vapor esbranquiçado, cada vez mais débil, até que por fim desapareceu por completo.

     Então Vlad gemeu, piscou e abriu os olhos.

     Estava vivo!

     Stormy se inclinou sobre ele, quase sem poder acreditar o que acabava de ver.

     —Vlad?

     Ele a olhou.

     —Não esperava voltar a te verte, meu amor.

     Vlad elevou uma mão e tomou com ela a bochecha feminina. Stormy se apoiou nele, soluçando de alívio e abraçando-o.

     —Está vivo! Deus, Vlad, acreditava que tinha te perdido.

     —Eu também-disse ele, e a rodeou com os braços—. Possivelmente... Exista uma oportunidade para nós, Tempest.

     —Existe-sussurrou ela—. Com certeza que sim.

     Então Vlad olhou ao Damien e abriu desmesuradamente os olhos.

     —Meu rei-sussurrou.

     —Seu irmão e amigo-lhe corrigiu Damien—. Alegro-me de que tenha sobrevivido, Iskur.

     —Sobrevivido? —repetiu Vlad—. Sinto-me com uns poderes insuspeitados. Algo novo e poderoso corre por minhas veias-piscou ao dar-se conta do que tinha ocorrido—. Me deste seu sangue.

     —E te curou-disse Rhiannon, oferecendo uma mão para lhe ajudar a ficar em pé—. Suponho que agora que tem o sangue do primeiro correndo por suas veias, poderá ganhar em uma briga.

     —Já te ganhei antes, não o esqueça.

     —Não te engane, Vlad. Deixei-te ganhar.

     Vlad arqueou uma sobrancelha.

     —Vocês brigaram? —perguntou Stormy.

     —Pediu-me o anel e o pergaminho-disse Rhiannon—. Não estava segura de que pensava em usá-los para te salvar ou para te matar.

     —E enfrentaste a ele por mim?

     —Brevemente-disse Rhiannon—. Mas que não te suba a cabeça, minha pequena mortal. Ao final decidi confiar nele e pôr em risco sua vida-se voltou para o Vlad e lhe sorriu—. Alegro-me de que não tenha me decepcionado.

     Vlad olhou ao Stormy, e seus olhos se encontraram.

     Damien pigarreou.

     —Será melhor que vamos, Rhiannon. Estes dois têm coisas... Do que falar.

     Rhiannon assentiu, abraçou ao Vlad, deu-lhe um beijo na bochecha e depois o soltou.

     —A um par de quilômetros daqui há um navio lhe atracado disse ela—. Refugiaremos-nos ali até o amanhecer. Ainda restam umas horas.

     —Já é meia-noite? —perguntou Stormy. Esqueceu-se do pouco tempo que ficava.

     —São onze e meia-disse Damien—. Por quê?

     —Será melhor que os deixemos sozinhos-disse Rhiannon, dando-se conta de que se Melina e Lupe fracassavam em seu intento de liberar a alma da Elisabeta do corpo do Brooke, era possível que ao Stormy só ficasse meia hora de vida—. Explicarei-lhe isso pelo caminho-disse colocando o braço no cotovelo do Damien e levando-lhe dali.

    

     —O disse a sério? —perguntou Stormy ao Vlad—. O de que se sente mais forte que alguma vez? De verdade está bem?

     Vlad respondeu com um sorriso lento e carregado de promessas. Tomou sua cara entre as mãos e a beijou na boca com ternura, longamente.

     —Quer que lhe demonstre isso?

     —Sim. Sim, Vlad. E depressa. Porque se Melina e Lupe...

     —Shh. Não fracassarão-disse ele lhe acariciando com os dedos a bochecha e depois a garganta.

     Stormy não quis pensar no que ocorreria ao chegar à meia-noite. Não queria danificar o que podiam ser os últimos momentos com ele. Tinha-se que morrer, morreria em seus braços. E morreria feliz.

     Vlad a amava.

     Rodeou-a com seus braços, dobrou-a para trás e a beijou como se quisesse devorá-la.

     —Vlad-sussurrou ela.

     Nesse momento lhe estava beijando a garganta.

     —Não me diga que pare.

     —Se parar te cravo uma estaca-disse ela—. Mas preferiria que fôssemos a outro lugar.

     —Aonde quer ir, Tempest?

     —À praia. À areia. Não aqui, onde aconteceram coisas tão horríveis.

     Vlad assentiu e, antes que ela pudesse reagir, a tomou nos braços e a levou para a praia.

     —Não mais atrasos, Tempest. Está a ponto de ser devorada por um vampiro.

     —E não um vampiro qualquer. Pelo próprio Drácula. E não pela primeira vez-disse ela.

     —Nem a última-disse ele.

     Quando quase chegaram à praia, Vlad encontrou uma zona de erva e pedras protegida por umas rochas e a depositou ali. Depois, aproximou-se um momento à borda onde lavou os restos do sangue do Damien do abdômen. Só demorou um momento, e apenas um décimo de segundo depois se ajoelhava na areia junto a ela.

     —Quero-te-lhe disse.

     —Teria que ser bem parvo para não fazê-lo-disse ela, sorrindo.

     —O vampiro mais parvo da história-o disse, e lhe abriu a blusa.

     Como se não pudesse esperar, lançou-se sobre os seios femininos e os lambeu e sugou como se não pudesse conter-se. Stormy tratava de mover-se e lhe empurrar a cabeça, mas ele não o permitiu, mas sim continuou beijando-a e por fim lhe tirou as calças e fez o mesmo com os seus.

     Stormy lhe acariciava o corpo com as mãos e lhe beijava o peito com os lábios. Oh, Deus, que formoso era. Não podia deixar de acariciá-lo. E da ferida de bala quase não ficava uma cicatriz rosada.

     —É o homem mais bonito que vi em minha vida-sussurrou ela.

     —Então não surpreende que tenha elegido a mulher mais bonita. Esperei-te, Tempest. Esperei-te durante séculos.

     Vlad lhe dobrou e separou os joelhos, colocou-se entre elas e se deslizou nela com uma naturalidade que só podia significar que foram feitos um para o outro.

     Levou-a por duas vezes ao orgasmo antes de alcançar o dele, e depois caiu a seu lado, abraçando-a como se fosse à coisa mais apreciada e querida que jamais tinha tido entre os braços.

     Mas no fundo os dois estavam pensando em sua mortalidade, embora nenhum o mencionou em voz alta. Ainda não. Ainda não era meia-noite. Só faltavam uns minutos, mas inclusive se Stormy sobrevivia a aquela noite, seguiam tendo adiante um futuro muito escuro, e ela pensou que já era hora de falar do assunto.

     —Vlad?

     —Hmm?

     —Ouça, inclusive se Lupe e Melina o conseguem, o nosso não pode durar. Eu não tenho o antígeno. Não posso me converter em um dos teus. Existe um remédio que poderia alargar minha vida, mas não há forma de saber se funcionará em meu caso ou se posso consegui-lo.

     Vlad ficou em silêncio uns momentos e a abraçou com mais força, como em resposta à idéia de ter que separar-se dela.

     —Quererei-te toda minha vida. E inclusive depois.

     Stormy apoiou a cabeça no peito musculoso e notou os dedos masculinos no cabelo.

     —Eu me farei velha, mas você seguirá sendo jovem.

     —Não tão jovem Tempest. O corpo não envelhece, mas todo o resto sim. Por dentro sou velho, embora meu corpo segue tendo a idade que tinha quando me trocaram.

     —A que idade foi?

     Ele sorriu.

     —Aos vinte anos.

     Stormy fechou os olhos com força.

     —Meu Deus, eu tenho trinta e seis.

     —Vivo há milhares de anos, Tempest. Eu sou o mais velho dos dois.

     —Oh, isso sei, mas fisicamente, eu envelhecerei. E isso também é importante.

     —Para mim não-lhe assegurou ele—. Passei os últimos cinco séculos me acreditando apaixonado por uma mulher morta, uma que não tinha corpo, não o esqueça.

     —Sairão-me rugas-sussurrou ela.

     —E eu te quererei.

     —Me porá o cabelo grisalho.

     —E eu te seguirei querendo.

     —Me porá o corpo fofo e enrugado.

     —E eu te quererei ainda mais-lhe disse ele, beijando-a na cabeça.

     Stormy respirou profundamente e levantou a cabeça para poder lhe ver os olhos.

     —Morrerei Vlad.

     Sustentou-lhe o olhar.

     —Então possivelmente saberei que também é o momento de deixar esta vida-disse ele.

     —Vlad!

     Vlad lhe segurou as bochechas.

     —Agora não quero falar disso, Tempest. Agora não. Já haverá tempo para arrumá-lo mais adiante. Agora só quero estar contigo. Sentir a alegria que trouxeste para minha vida. Pelos deuses, sabe quanto tempo faz que não me sinto assim?

     —Como... Assim?

     —Feliz Tempest. Muito feliz-Vlad olhou ao céu e moveu a cabeça—. Estou no paraíso, graças a ti.

     Vlad continuou falando, mas Stormy deixou de escutar por causa de um repentino zumbido nos ouvidos. Na cabeça.

     Franzindo o cenho se sentou e colocou a camisa. Era bastante larga e não se incomodou em colocar os jeans.

     Vlad se endireitou sem compreender. Chamou-a, mas quase não o ouviu, por culpa do zumbido.

     Com os olhos cravados na escuridão, Stormy tratou de adivinhar o que era o que se movia nas sombras. Viu uma mulher, e a reconheceu. Era Elisabeta, e seu aspecto era o mesmo que tinha no retrato. No princípio, Stormy temeu que Elisabeta houvesse retornado para terminar o que tinha tratado de começar.

     Mas não. Seu aspecto não era ameaçador nem cruel. Havia algo frágil nela, e medo em seus olhos. E Stormy se deu conta uma vez mais da grande semelhança física que tinha com ela. Poderiam ser irmãs. Possivelmente fossem.

     —Beta? —sussurrou Stormy.

     —Obrigam-me a ir-exclamou Elisabeta—. E não quero ir.

     A dor na voz da jovem encolheu o coração do Stormy, e nesse momento se deu conta de que a Elisabeta que estava vendo não era corpórea. Era opaca, quase transparente. Melina e Lupe deviam ter realizado já o ritual.

     Stormy sentiu um nó na garganta e lágrimas nos olhos.

     —É o que fazemos todos ao morrer Beta-disse à assustada jovem—. É algo que temos que fazer. Olhe, olhe atrás de ti.

     Elisabeta se voltou lentamente e viu o que estava olhando Stormy. Atrás dela, sobre a água, brilhava uma luz dourada. Sua textura era como de ouro líquido, e a atraía como um ímã. Tinha algo incrivelmente formoso, algo magnético, que também atraiu ao Stormy. Esta se aproximou involuntariamente, e ainda, contudo não teve medo.

     —É preciosa-sussurrou Elisabeta.

     —Sim.

     Elisabeta se deteve, tragou saliva, e depois segurou ao Stormy pela mão.

     —Acompanha-me até ali?

     Stormy assentiu e caminhou com ela para o resplendor. À medida que se aproximavam algo se fez visível no interior da luz: era uma mulher. Provavelmente uma deusa, um anjo, ou uma virgem. Mas parecia muito mais pessoal. E seu aspecto era...

     —Parece-se conosco-sussurrou Stormy, olhando a sua companheira.

     Um fio de lágrimas caía pelas bochechas da Elisabeta. A mulher parecia estar falando com ela, mas Stormy não podia ouvi-la. A expressão da mulher dourada era incrível; tranqüila, carinhosa e transcendente.

     —Sei-disse Elisabeta em resposta às palavras da mulher—. Sei que tinha que haver ido antes, mas estava apanhada. E depois tinha medo.

     A mulher elevou uma mão e a ofereceu a Elisabeta.

     Elisabeta se voltou para o Stormy e se secou as lágrimas.

     —Agora o entendo-disse Elisabeta.

     —Eu não. Quem é Beta?

     —É... É nós. É você, e eu e todas as mulheres que fomos. É todas nós. Todas as que fomos ou seremos. É nosso ser superior.

     Stormy olhou à formosa mulher de pé dentro da luz dourada com os braços estendidos e se ouviu suspirar:

     —Quero-a.

     Elisabeta se soltou de sua mão e pôs-se a caminhar para diante. E então a mulher abriu os braços e a recebeu neles, e foi como se Elisabeta fosse absorvida pela luz.

     Stormy estava atemorizada, e então avançou também para diante, estendendo as mãos.

     A mulher a olhou aos olhos.

     —Você não, Tempest. Ainda não. Não por muito, muito tempo. Mas ao menos agora estará completa. Recuperará as partes que lhe faltavam.

     A mulher lhe mostrou as mãos e delas surgiu um raio de luz dourada que foi direto ao peito do Stormy. Foi como uma martelada de calor e luz que a jogou para trás com a força de um trem a toda velocidade. E então a luz se desvaneceu, e ela ficou sozinha na escuridão, mas já não sentia medo. Justamente o contrário. Sentia-se maravilhosamente bem.

    

     Vlad levou Tempest a bordo do iate em estado de pânico.

     —Rhiannon! Damien! Ajuda!

     Rhiannon correu para ele e o alcançou na escotilha que levava ao camarote.

     —O que passou? —perguntou Rhiannon, tomando ao Vlad pelo braço e levando-o pela escotilha e as escadas até um dos camarotes.

     Ali o guiou até um pequeno sofá, onde Vlad depositou ao Tempest e se inclinou sobre ela. Acariciou-lhe o cabelo e a cara.

     —Não sei-respondeu Vlad—. Estava bem, e de repente pôs-se a caminhar por volta do mar. Estava... Falando com alguém. Com a Elisabeta, acredito. Não parava de repetir seu nome, e de repente saiu disparada para trás e caiu de costas ao chão-Vlad segurou a cabeça com as mãos—. Deuses, já passou a meia-noite? Não puderam as mulheres de Ateneu liberar a Elisabeta? Está morrendo? —fechou os olhos—. Não pode ser. Deuses, não posso perdê-la agora.

     Rhiannon se inclinou para frente e tocou ao Stormy, apalpando-a e procurando indícios de vida. Stormy estava viva, isso sabia, mas então Rhiannon se deteve e, com os olhos muito abertos, sussurrou:

     —Pelos deuses.

     Vlad se assustou inclusive mais do que estava.

     —O que, Rhiannon? O que ocorre? Pelos deuses, me diga que não esperei todo este tempo só para voltar a perdê-la.

     —Perdê-la? —Rhiannon bateu as largas pestanas um par de vezes—. Não o nota? Vlad, não o cheira nela?

     Damien se aproximou e sussurrou:

     —O antígeno Beladona.

     Rhiannon o olhou aos olhos e assentiu. Depois olhou ao Vlad.

     E ele o sentiu. Sentiu-o como todos os vampiros podiam sentir sempre a um dos Escolhidos. Aquela energia procedia dela, do Tempest.

     Elevou os olhos para a vampiresa que antigamente ele mesmo transformou.

     —Mas, como pode ser?

     Nesse momento, Tempest piscou, abriu os olhos e sussurrou seu nome, sorrindo.

     —É feliz-disse Tempest—. Elisabeta é feliz.

     Vlad não pôde fazer mais que olhá-la sem compreender.

     —Melina e Lupe devem ter levado a cabo o ritual e a liberaram. Vi-a, Vlad. Caminhei com ela. Deus era precioso. Havia uma mulher, envolta em uma magnífica luz dourada, ou possivelmente ela fosse à luz. Beta foi a seus braços e as duas... Fundiram-se.

     Vlad se deixou cair no sofá para abraçá-la com ternura.

     —Me alegro de que tenha encontrado a paz. Mas, Tempest, está bem?

     —Estou maravilhosamente bem-respondeu ela com um amplo sorriso—. Melhor que nunca. Essa mulher me deu algo. Encheu-me com... Algo.

     Rhiannon apoiou uma mão no ombro do Vlad, e repetiu devagar o que lhe havia dito em outra ocasião.

     —Quando morremos, nossa alma se funde com nossa alma coletiva, nosso ser superior. Este ser é nossa fonte. Tudo o que somos se funde e se combina para gerar a alma seguinte, e a seguinte, e a seguinte. Ao Stormy faltava uma parte de si. Essa parte era Elisabeta. A parte que nunca pôde fundir-se com a fonte. Agora a tem.

     —E esta parte inclui...? —perguntou ele.

     —O antígeno Beladona-sussurrou Rhiannon.

     Stormy, que estava olhando ao Vlad, desviou os olhos ao Rhiannon.

     —O que?

     —Agora é uma dos Escolhidos -lhe disse Rhiannon—. Pode te transformar em um de nós quando o desejar.

     Stormy olhou ao Vlad, e este assentiu.

     —Não aspiro a compreendê-lo como uma sacerdotisa do Isis-disse ele—. Mas sim, agora tem o antígeno. E não está debilitado, nem diluído, nem diferente como ocorreu no caso do Brooke. Provavelmente porque deve ter sido parte de ti sempre.

     —Então... —Stormy piscou e procurou nos olhos masculinos—. Então poderemos estar juntos, para sempre?

     —Se quiser Tempest.

     Stormy lhe rodeou o pescoço com os braços e o abraçou.

     —Claro que quero. Já sabe.

     Rhiannon sorriu.

     —Oh, que os deuses tenham piedade de nós. Stormy a olhou sem entender.

     —Né, não me olhe assim. Como mortal você já gosta bastante de ser esperta. Detesto aos espertinhos.

     —Você é o melhor exemplo-disse Damien rendo.

     —Não, eu sou um exemplo de arrogância-disse ela—. E com razão. Não é o mesmo.

     —Entendido.

     —Porá a todos no bolso-disse Rhiannon ao Damien enquanto os dois se dirigiam à porta do camarote.

     Mas ao chegar à soleira, voltou à cabeça, olhou ao Stormy e lhe piscou um olho.

     Stormy tomou como uma bem-vinda à família.

    

     Vlad a levou a coberta superior, sobre a qual brilhava a luz da lua que se elevava cheia no céu. Não demoraria em se esconder e dar passo ao sol, e Vlad não perdeu tempo. Tirou toda a roupa, despiu também a ela, e depois se rodeou a cintura com as pernas femininas e a penetrou. E enquanto se moviam juntos, ele cravou os dentes na garganta de sua amada e bebeu sua essência. Bebeu até que a sentiu tremer, até que a sentiu debilitar-se, até que se afundou tão completamente em seus braços que era como se fossem um. E então, fez-se um corte pouco profundo no jugular com a ponta de uma faca e elevou até ali a cara feminina.

     Stormy não se moveu até que o sangue lhe roçou os lábios. E então entreabriu os lábios e o saboreou ligeiramente. Um momento depois sugou com mais força e bebeu, e bebeu, e bebeu. Enquanto o fazia, Vlad se movia dentro dela, e inclinou a cabeça para beber mais dela.

     Assim unidos, com as bocas nas gargantas, e os corpos em um, movendo-se e bebendo-se permaneceram um momento. E quando ele derramou sua semente nela, seu sangue se mesclou por completo.

     Stormy ficou inerte em seus braços, e ele a recolheu nos braços e a baixou ao camarote. Ali lhes esperava uma cama e uns lençóis. Vlad a deitou na cama e se tendeu a seu lado.

     —Escuta! —disse ela de repente—. O ouve?

     —O que, meu amor?

     —O mar. Ouço-o...

     —Normal. Estamos em um navio-disse ele com um sorriso, embora sabia exatamente a que se referia.

     —Sim, mas é diferente. Ouço... Como nadam os peixes. E os cheiro, não como antes, a não ser muito mais, mas é...

     Vlad assentiu.

     —Sei. Seus sentidos estão aguçados, provavelmente sua capacidade se multiplicou por cem, e é provável que logo se multiplicará por mil. Será muito poderosa, Tempest. Tão forte como Rhiannon. Possivelmente mais.

     —Tão forte como Rhiannon? —ao Stormy gostou da idéia.

     Vlad assentiu.

     —Possivelmente. Com o tempo. Meu sangue é muito antigo. Só há um vampiro com sangue mais antigo, e agora também corre por suas veias, igual corre pelas minhas.

     —Damien-sussurrou ela.

     —Gilgamesh-o confirmou.

     Stormy suspirou e se apertou contra ele.

   —Não me importa não ser tão forte, Vlad-lhe assegurou ela.

     —Que mentirosa é Tempest!

     Stormy sorriu e lhe beijou o peito.

     —Bom, vale, importa-me. Eu adoro ser poderosa. E penso provocar ao Rhiannon com isso o resto de nossas vidas e desfrutar de cada minuto-disse Stormy, e se pôs a rir só de pensá-lo.

     Gostava da relação provocadora e quase amistosa que tinha desenvolvido com a vampiresa que no passado considerou a mais altiva de todos os vampiros que teve a oportunidade de conhecer.

   —Mas mais que isso-sussurrou, concentrando sua atenção no importante—, mais que nada, Vlad, eu adoro estar contigo.

     —Estará comigo-lhe prometeu ele—. Para sempre.

     Vlad a beijou profundamente, e quando interrompeu o beijo, Stormy se aconchegou em seus braços e soube que seguiria estando ali quando despertasse. E de novo uma e outra vez, cada entardecer, durante o resto da eternidade.

 

 

                                                                                                    Maggie Shayne

 

 

 

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