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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O QUE RESTOU DE NÓS / Josiane da Veiga
O QUE RESTOU DE NÓS / Josiane da Veiga

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Blake estava de volta. E ele queria apenas uma coisa: o seu bebê.
Isis era uma mulher simples que caiu na lábia de um homem de moral questionável. Apesar de Blake Code ser conhecido por destruir seus opositores nos negócios, ele a fez tremer nas bases, e avassalou seus sentimentos e sua razão.
Contudo, ela conseguiu dizer adeus.
Porém, agora ele estava de volta. E não queria apenas aquela mulher. Seu desejo profundo era pelo bebê que ela gerava.

 


 


Tudo era uma questão de como se tratava aquelas vadias. Você não precisa amá-las, só precisa saber fodê-las de uma forma que outro homem não faria.

Olhe para elas sem medo. Saiba deixá-las tremulas com sua voz. Encare-as como se elas fossem únicas – nunca são! – e deixe-as entender que elas são tudo que você quer.

Obviamente, era mentira. Elas não são tudo que você quer. Na verdade, cada uma delas é apenas mais uma na enorme lista de buracos aonde você vai enfia seu pau.

Mas, quem precisa da verdade quando tudo que importa é o sexo?

Blake Code sorriu diante desse pensamento. Ele estava chegando ao seu limite.

Enxugou o rosto suado quando parou de empurrar e tentou recuperar o fôlego.

Blake estava com as bolas quase dentro da garçonete que ele havia flertado durante parte da noite, e ela ainda implorava por mais. Ele já tinha gozado duas vezes, mas a mulher parecia insaciável e não o deixava sair.

Queria mais. Queria tudo dele. Nunca teria.

Ele havia ido parar naquela cidade porque estava trabalhando em uma nova aquisição para sua empresa. Depois de longas reuniões sobre fusões, ele havia ido àquele bar para beber um pouco. Dormir com a garçonete não estava nos seus planos, mas ela havia se mostrado disponível e ele não era de recusar uma companhia fácil.

— Não pare! — A vadia implorou enquanto se balançava num vai e vem gostoso.

Ela não era uma grande foda. Na verdade, como qualquer felino, ele não tinha muito interesse por algo que se mostrasse fácil demais. Blake gostava de desafios. Mas, se ele a estava fodendo, era de bom tom que a fizesse ter um grande orgasmo.

Um gemido profundo foi exalado. Assim, ele conseguiu sair dela. Ela parecia querer pedir por mais, mas ele já não tinha mais interesse.

Tirou seu pau, desenrolou a camisinha, enquanto percebia os movimentos da mulher.

Era bonita, apesar de tudo. Havia chamado sua atenção porque tinha um corpo bom e olhos doces. Mas, era fácil.

Céus, Blake nunca se interessaria de verdade por uma mulher que não fosse um desafio!

— Então... — ele murmurou enquanto lutava para lembrar o nome dela. — Você vai cobrar quanto?

Ela parecia insultada, mas não respondeu. Apenas continuou a vestir-se e Blake fez o mesmo.

Antes que a situação se tornasse estranha, ele saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

Enquanto caminhava até o elevador, pensou no quão vazia era a sensação do pós-orgasmo.

Sempre as mesmas mulheres sem expressão, cujos rostos ele jamais se recordaria. Nem dos nomes, se lembrava.

A porta abriu. Apertou um botão.

Não era exatamente verdade.

Havia existido uma...

Mas, era passado. E o passado devia permanecer onde estava.

 

 

Capítulo Um

E u sei. É estúpido. Eu havia me apaixonado por aquele homem à primeira vista.

Era muito bonito. Ombros largos, corpo viril, tatuagens nos braços que se mostravam sempre que as mangas se erguiam um pouco, o tórax definido, o maxilar quadrado e o nariz grego.

Eu sabia quem era. Blake Code, um mesquinho e ambicioso homem de negócios que perseguia empresas pequenas até vê-las falir e depois as adquiria por preços bem abaixo do mercado. Fazia fusões sem se importar com nada nem ninguém. O tipo de pessoa que qualquer outra, sã, desprezaria.

E eu desprezava. Sempre que ele vinha ao bar, eu o odiava em silêncio. Assisti a todas as suas saídas com as mulheres que atendiam as mesas, até que chegou a minha vez.

Eu juro, quando Blake Code me olhou pela primeira vez, disse a mim mesma que o mandaria se foder. Era o que ele merecia. Mas, as emoções sobressaíram à razão.

Eu lutei por semanas contra ele. Eu não devolvia seus sorrisos e não aceitava seus presentes.

Até que num dia chuvoso, numa TPM terrível, eu acabei por aceitar uma carona.

Nós fizemos sexo no carro. Quando me lembro disso, sinto vergonha profunda de mim mesma. Eu caí em sua lábia como uma jovenzinha do interior, não acostumada a um flerte descarado.

Depois, vieram mais momentos sexuais. No apartamento dele, em hotéis em cidades vizinhas, na praia numa noite sem lua. E, aos poucos, percebi que ele não me via como as outras mulheres. Ele não me quis apenas para uma foda.

Eu me tornei a namorada de Blake Code. Era assim que ele me chamava. “Sua mulher” . Essa definição devia ter alguma importância porque as demais meninas do bar me encaravam num misto de inveja e ódio, e os homens que trabalhavam para Blake me respeitavam.

Contudo, ser sua mulher não me fez cega as suas atitudes.

Num dos meses do nosso namoro, ele me levou até uma pequena localidade próxima da Capital, chamada de Cassis. Lá, ele efetivou um dos seus negócios. E foi lá que descobri que não mais poderia ficar ao seu lado.

Após ver as lágrimas de uma senhora de setenta anos que precisou vender seu prédio a ele, eu desisti. Eu não podia ficar com um homem sem sentimentos, ganancioso ao ponto de avassalar uma idosa sem defesa. Um covarde...

“Eu não te quero mais” , eu avisei numa tarde, em que ele foi me buscar no serviço.

Eu sabia que era o primeiro fora que ele levava na vida. Vi o espanto nos seus olhos, sua incredulidade à minha audácia. Não me importei. Queria que ele sumisse antes que meu coração avassalasse minha consciência.

“Você vai se arrepender” , ele jurou.

Eu temi Blake depois daquelas palavras. Eu vi o que ele fez a muita gente. Eu não podia permanecer parada, esperando a hora que ele me destruísse.

Então, pedi demissão e voltei para a minha cidade natal.

Assim, esperava nunca mais vê-lo em minha vida.

 

 

— Isis! — A voz de Jenny, minha vizinha, me fez erguer a face e encará-la. — Bom te ver! Como você está?

— Oi Jenny — respondi baixinho.

Eu não queria conversar. Meu íntimo estava em um turbilhão.

— Está tudo bem? — ela notou meu estado.

— Tudo certo — afirmei.

Nada estava certo.

Aquela minha visita à farmácia devia ter sido discreta e sem encontros inesperados. Eu não queria ter que explicar para a minha vizinha o que havia na minha cesta.

Eu percebi seus olhos curiosos. Jenny provavelmente pensou que eu estivesse doente, e eu não a culpei por ser enxerida. Ela era assim, disposta a ajudar.

— Se precisar de algo, você sabe, né? — disse baixinho, me acalmando.

Ela não viu o que tinha na cesta. O produto que me levou a farmácia estava embaixo da caixa da pasta de dente, dos lenços umedecidos e do shampoo.

— Provavelmente é um resfriado. — menti. — O clima está tão frio.

— Steven — citou o marido — faz uma canja maravilhosa. Avise-nos se precisar.

Jenny e Steven eram boas pessoas.

— Se precisar, aviso sim — respondi.

Então ela se afastou. Eu suspirei de alívio. Vaguei pela farmácia por um momento, olhando para ver se eu conhecia mais alguém. Era uma cidade pequena, eu não queria que soubessem da minha vida pessoal.

Havia alguns outros clientes, mas nenhum que eu conhecia. Então, finalmente fui até a caixa registradora. Enquanto o atendente puxava um por um dos produtos, eu observei o teste de gravidez que saiu da cesta, por último.

Meu Deus...

Blake era um demônio na vida. Infelizmente, na cama também. Não foram poucas as vezes que eu fui descuidada. E, para piorar, na sua cabeça, eu já era sua propriedade, futura esposa, e duvido que ele pensasse que aquilo pudesse acontecer. Talvez até torcesse. Um bebê me tornaria sua para sempre, uma escrava sem vontades que ele avassalaria e dominaria.

Eu tomei todos os cuidados possíveis durante o tempo que fui sua namorada. Mas, eu sabia que as coisas podiam sair do controle. Meu maior problema é que sou muito ruim de memória e não lembrava direito se havia tomado o anticoncepcional certinho durante todos os meses com Blake.

— Quarenta e cinco dólares — o atendente me avisou.

Puxei a carteira. Minhas mãos trêmulas.

Depois, fui na direção do meu pequeno carro popular e joguei a sacola no banco do passageiro antes mesmo de abrir a porta.

Eu dirigi rapidamente, os olhos um tanto nublados pela preocupação. Ali estava, no meu lado, o teste que mudaria tudo. Estava nervosa e ansiosa para saber o resultado.

 

— Ok — eu murmurei enquanto me sentava na cama e lia as instruções do kit. — Isis, você consegue!

Que incentivo ridículo!

Nada na minha vida era fácil. Meu passado havia sido uma merda sem fim, meu presente, um emprego maçante e dívidas que se acumulavam, meu futuro, sem nenhuma perspectiva. E agora, aquele teste.

Nem mesmo ele era fácil.

Havia algumas instruções sobre xixi numa tira e aguardar algumas horas. Eu não conseguia aguardar muito tempo, estava muito ansiosa.

Caí de costas na cama, com os braços estendidos ao lado do corpo.

Grávida...

Eu seria uma péssima mãe. Era um fato. Como eu cuidaria de alguém quando toda a minha vida eu havia sido renegada e atirada de um lado para outro por parentes que não me queriam. Eu nem sabia trocar uma fralda. E sustentar uma criança? Meu Deus...

Mas, era minha culpa. Eu havia sido descuidada e conivente com as vontades do meu ex. Não queria, mas os pensamentos me rumaram nessa direção. Nós ficamos muito selvagens por um tempo. Apesar das minhas preocupações, eu não pude deixar de sorrir. Ele havia feito amor comigo em todas as posições imagináveis.

Meu sorriso desapareceu. O sexo foi bom com ele. Mais, tinha sido fantástico. Contudo, não havia válido a pena. Nada em relação a ele havia válido a pena.

 


Eu olhei para a pequena listra azul na tira de teste. Volvi a caixa, pela décima vez, tentando compreender algo diferente do que dizia.

Eu comparei a folha de instruções, o papel ficando desfocado a cada verificada. Engoli em seco quando o choque se instalou.

— Meu Deus!

Coloquei cuidadosamente a tira de teste no balcão e entrei no meu quarto, onde me sentei na beira da cama e olhei para os meus pés.

" O que vai ser de mim agora? ", eu indaguei num sussurro.

Levantei-me e voltei para a tira de teste. Eu precisava ver os resultados novamente, só para ter certeza.

O azul zombou de mim.

“ Ei, não virei vermelho só porque você quer! ” parecia me dizer.

Eu lutei contra as lágrimas com todas as minhas forças, mas não foi o suficiente. Voltei para a cama, e puxei as cobertas ao meu redor, olhando para o nada enquanto minha vida se desenrolava através dos meus olhos.

Eu tenho apenas vinte e três anos e não sou casada. Eu tinha um bom emprego, cuidando de um bar na Capital, e um diploma de secretariado que nunca me serviu para nada.

Depois de Code, desisti de tudo e voltei para minha pequena cidade, onde havia crescido. Não havia muito para mim aqui, mas imaginei que estaria mais segura longe dele.

Arrumei um emprego de auxiliar de escritório que pagava o kitnet no qual eu vivia. E, com certeza, seria dispensada depois que anunciasse a gravidez.

Meu lábio inferior tremeu enquanto lágrimas lavaram meu rosto.

Certo. Grávida, vinte e três anos, e desempregada. Pense, Isis, como você vai se manter? Uma mãe solteira desempregada em uma cidade do interior?

Covardemente, eu chorei por um tempo. Eu não pude evitar. Eu tentei ser cuidadosa. Blake não foi meu primeiro amante, e eu sempre tomei cuidado para eliminar o risco de isso acontecer.

Eu pensei no que diria minha tia-avó quando soubesse. A única pessoa que demonstrou qualquer apreço por mim era uma puritana com um marido diácono que pregava sobre moral e bons costumes todos os domingos na igreja. Será que agora ela me desprezaria?

Minha mãe também havia sido mãe solteira. Ela me deu um pé na bunda assim que eu desmamei. Foi curtir a vida, aproveitar sua juventude. Fiquei perambulando em casas de parentes até que fui pra um abrigo. Minha tia-avó Joanna e seu marido Ernest haviam sido as únicas pessoas a me visitarem lá. Eram pessoas pobres e simples, não puderam me acolher, mas nunca me deixaram passar meus aniversários, natais ou qualquer outra festa sozinha.

Foram eles que me pagaram o curso, quando saí de lá. Conseguiram o emprego na Capital para mim. Eu queria, de verdade, ser um motivo de orgulho para eles, mas depois de dois anos lutando para me manter, eu retornava a cidade grávida de um homem horrível e que lhes traria vergonha.

 

Eu acordei com um sobressalto e olhei para o relógio de cabeceira. Havia pegado no sono entre lágrimas de desespero. Por sorte, era sábado e eu não tinha que trabalhar, senão chegaria atrasada.

Estava um pouco melhor. Talvez o choque houvesse passado e agora eu poderia pensar numa solução. Claro, eu ainda sentia meus pés voando no ar, mas eu consegui assimilar a informação e agora queria fazer uma avaliação calculada, avaliar os danos e pensar nos próximos passos.

Fui ao banheiro. Na pia, o teste azul parecia me encarar. O joguei no lixo, ignorando o resultado. Eu estava grávida, era um fato, agora precisava avaliar o que fazer.

Liguei o chuveiro. A água quente desceu pelo meu corpo. Senti-me aquecida.

Ok, Isis. Não é o fim do mundo. Além disso, esses testes de farmácia vivem falhando. Por que não procura um médico antes de se desesperar realmente?

Obviamente eu sabia e sentia que não havia sido um falso positivo, mas minha mente lutava com a informação.

Mas, e se ele confirmar a gravidez?

Eu vou dar um jeito!

Enquanto lavava meu cabelo, sabia que também teria que quitar minhas dívidas. Enquanto a barriga não crescia, eu poderia arrumar um segundo emprego, juntar uma grana.

Isso! Era o que eu faria!

Eu saí do meu banho. Mais aliviada, senti que tinha um plano e me estava no controle da situação.

Toquei na minha barriga.

Minha vida estava prestes a mudar da maneira mais radical possível, mas tudo daria certo porque eu não faria com aquele bebê o que minha mãe fez comigo.


Ok, eu tinha um plano. Todavia, isso não significa que eu ainda não estava em estado de choque. Eu não conseguia me concentrar em nada enquanto minha mente girava em círculos cada vez mais rápidos.

Eu queria desesperadamente conversar com alguém, mas não conhecia ninguém em quem pudesse confiar meu segredo.

O que se faz numa situação dessas?

Sentei-me diante da TV e liguei no notíciario.

Seja qual for minha luta e minhas dores, eu precisaria ser forte. Eu estava sozinha nessa empreitada e nem passava pela minha mente avisar Blake sobre ela.

 


Capítulo Dois

 

E stacionei diante da casa de Joanna. De todos os confrontos que eu havia feito naqueles últimos dias – grande parte deles, interno – aquele era o que eu mais temia.

Minha tia-avó era uma pessoa boa, mas também extremamente religiosa. Ela havia vivido muitas situações na vida, e não sei como encararia que sua sobrinha, na qual investiu suas poucas economias, estava grávida e solteira, pedindo seu socorro, diante de sua porta.

Eu puxei o freio de mão e desliguei o motor do carro. Olhei para a casa simples naquele bairro pobre.

Eu temia entrar, mas tinha que fazer. Eu devia a verdade a Joanna, mesmo que isso levasse a um monte de perguntas que eu não queria responder.

O céu estava escuro. O inverno começava a despontar com força. Meu humor também parecia sombrio.

Você pode ter a idade que for, dizer a alguém da sua família que você está grávida e que aquele bebê não terá um pai sempre é algo difícil e angustiante.

Respirei fundo, saí do carro e caminhei até a porta da frente. Eu parei por um momento, respirando fundo enquanto agarrava a maçaneta. Depois, bati.

Barulhos internos. Passos, alguém se aproximando. Meu coração pulsou tão forte que achei que fosse desmaiar.

— Isis! Eu estava me perguntando por onde você andava. Faz dias que não aparece — Joanna me encarou, sorrindo.

O que você faz numa situação assim? Observei minha tia-avó com suas roupas largas de evangélica e calculei a dor que provocaria. Sei que parece infantil tanto medo, mas quem cresce sem família e amor, agarra-se desesperadamente a qualquer lampejo de carinho.

E Joanna me deu isso. Eu temia perdê-la.

Entrei e dei-lhe um beijo e um abraço. Ela retribuiu imediatamente.

Sentado no fundo da sala, Ernest, a quem eu considerava como meu avô, me destinou um sorriso.

— Paz do senhor, minha querida — ele cumprimentou, daquele jeito gentil dele, religioso, que sempre me fez bem.

— Olá — respondi, porque não achava certo retribuir quando havia ainda muitas questões morais em mim.

O pouco de princípios que tive durante a vida foi transmitido por aqueles dois. O maior deles, o que me fez fugir de Blake, veio deles.

Joanna e eu sentamos no sofá diante do dele. Minhas mãos tremiam, mas eu tentava respirar fundo.

— E então, querida? — Joanna puxou assunto. — O que aconteceu com você para ter sumido?

— Eu... eu...

Subitamente, ela se levantou. A cozinha era anexa, e ela logo pegou algumas xícaras e trouxe até a sala. O chá parecia já estar pronto antes mesmo de eu chegar.

Cheirei a camomila e tentei acalmar a mente.

Fazia quase uma semana desde que eu descobri que estava grávida, e eu havia aceitado aquela situação, mas não sabia qual seria a reação deles. Contudo, eu não apenas devia a verdade como ansiava para contar a eles, porque precisava desabafar com alguém.

— Você está bem, querida? — Joanna perguntou, me tirando do torpor.

— Sim. Por quê?

— Você parece um pouco quieta essa noite.

Ali estava, a mulher que me forneceu o pouco amor de uma família que eu havia recebido. Eu precisei conter as lágrimas. Em poucos minutos eu a decepcionaria.

— Apenas cansada, eu acho. Os dias não têm sido nada fáceis. Além disso, eu precisarei arrumar outro emprego. Um a noite.

— À noite?

— Preciso de economias.

— Trabalhar a noite nunca é bom. O ideal é uma pessoa ter sua ocupação em apenas um turno.

— Fico feliz se eu tiver oito horas de sono todas as noites — respondi.

Joanna aspirou o perfume do chá.

De súbito, eu ri. Não era um riso feliz, e eu podia sentir o pânico espalhando-se pela minha gargalhada. Volvi para ela, e percebi que ela não havia estranhado minha risada.

Joanna sorriu para mim e eu pude sentir o amor jorrando dela.

— Você sabe, eu me sinto sua avó. Esse é o meu trabalho. Cuidar de você e me preocupar com você.

Assenti. Eu sabia.

Diante das xícaras havia um prato com biscoitos caseiros. Peguei um. Senti o gosto da noz moscada bem acentuado.

— Estão duros? — Joanna indagou. — Ernest reclamou que as últimas fornadas eu fiz quase lhe quebraram o molar.

— Estão maravilhosos — elogiei.

Ernest riu.

— Isso porque você é jovem e tem dentes bons. Mas, espere... A velhice chega para todos. Um dia vai reclamar de biscoitos duros.

Subitamente, fiquei tranquila. Aqueles dois idosos eram minha família. Eles me amavam. Eles me entenderiam.

 

Enquanto comíamos, pude sentir os olhos de Joanna em mim.

Ela sabia que havia algo diferente. Não sei bem porque, nem como. Joanna não havia tido filhos e dizia que era feliz assim. Mas, de alguma maneira, seus instintos femininos pareciam aguçados sobre mim.

Após o jantar, Ernest disse que precisava descansar um pouco. Ele se afastou, deixando-nos sozinhas.

— Estava tudo delicioso — disse, terminando de comer.

— Que bom que gostou — apontou, enquanto se levantava e começava a recolher os pratos.

Eu também me ergui e comecei a ajudar. Ela estava de costas para mim enquanto limpava o excesso dos pratos antes de colocá-los na lava-louças.

— Então, Isis — Joanna começou. — Por que não me fala o que está acontecendo com você?

— Eu estou bem.

— Arrumar um segundo emprego? — ela murmurou. — Sério, Isis? Trabalhar até a exaustão? Você não está com problemas financeiros, está?


Revirei os olhos enquanto carregava a travessa da mesa para o fogão.

— Não. Não se trata disso. Apenas quero juntar uma grana, ter uma reserva.

Ela ficou quieta por um momento.

— OK. Se não é problema financeiro, é outra coisa. Existe algo diferente em você.

— É só... a vida. — justifiquei.


— Isis, qual é o problema? — Ela se virou para mim. Estava com o semblante sério. — Existe algo que possamos fazer para ajudá-la?

Não respondi.

— Isis? Diga-me o que está errado, querida. Você precisa falar. Estou aqui para te ouvir.

Eu podia sentir as lágrimas ameaçando despencar, mas as segurei.

— Isis?


Eu a encarei. As lágrimas estavam ali, firmes, mas nítidas no meu olhar.

— Estou com problemas — contei, receosa, as palavras mal saindo pelos meus lábios.

— Que tipo de problemas?

Eu havia deixado um bom emprego e uma vida na Capital, e retornado para minha cidade natal vários quilos mais magra e com o olhar destruído pela decepção. Mas, mesmo naquela época, Joanna não me inquiriu nada.

— Eu estou... — comecei, mas parei, incapaz de dizer, com medo de sua reação.

— Isis... — ela balbuciou aproximando-se, suas mãos firmes nos meus ombros. — Você pode me dizer qualquer coisa. Diga-me o que está errado, querida.

Resolvi ser franca.

— Eu sei que vai ficar decepcionada, e talvez me odeie... Não quero que me odeie. — As lágrimas que eu bravamente segurei agora cascateavam pelo meu rosto. — Não quero que Ernest me odeie...

O rosto de Joanna se suavizou, quase como se ela fosse rir daquele medo descabido.

— Isis, querida, eu nunca poderia te odiar — ela disse enquanto tocava meu rosto e empurrava meu cabelo para trás. — Eu vi você lutando para sobreviver a esse mundo cruel com bravura desde que era uma menininha. Se fez algo errado, oh querida, quem nunca errou que atire a primeira pedra. Então, apenas me diga o que está acontecendo.

— Estou grávida.

Eu assisti a reação dela como se estivesse vendo um filme no cinema. Eu poderia dizer que ela estava chocada, balançada, mas ela não parecia furiosa.

— Você tem certeza? — A pergunta veio logo.

— Sim.

— E o pai?

Aquela era a questão que eu mais temia.

— Seu nome é Blake.

— Ele sabe?

— Não. Nem deve.

— Você precisa contar a ele. Ele tem o direito de saber que será pai.

— Eu sei.

Mas, eu não pretendia contar. Aquele homem não era a pessoa certa para ser o pai do meu bebê. Ele havia sido um erro que me envergonhava. Eu não queria admitir isso para Joanna, e também não queria escandalizá-la.

— O que ele faz?

Meu Deus, ela estava realmente interessada em saber sobre Blake?

— Ele é empresário — tentei desconversar, ser o mais vaga possível.

— De que ramo?

— Eu não sei! — Mentira, eu sabia. Blake era um homem cruel, um destruidor de negócios familiares, alguém que comprava uma empresa a um preço módico e a vendia a preços astronômicos. Um milionário que construiu sua fortuna em cima das lágrimas das pessoas. — Eu não sei muito sobre ele. É isso. Eu sou uma vadia que dormi com um homem que mal conhecia! — Preferia que ela pensasse isso que soubesse a verdade.

Deixei que Blake me comprasse joias e me levasse a lugares caros com o dinheiro sujo, suado, de outras pessoas. Essa sensação era pior do que qualquer coisa.

Limpei meus olhos enquanto olhava para os meus sapatos.

— Eu sinto muito, Joanna. Eu sei que me tornei alguém de quem você jamais teria orgulho.

Joanna me segurou firme. Eu não conseguia mais impedir minhas lágrimas.

— Eu sinto muito — repeti. — Eu não queria que isso acontecesse. Eu fui cuidadosa. Eu não sei como isso aconteceu — solucei.

— Tudo bem, Isis. Essas coisas acontecem. Você não é a primeira garota a engravidar sem ser casada. E eu não quero ouvir você se depreciando novamente, está bem? Todo bebê é uma benção.

Eu me deixei guiar até a mesa. Sentamos nas cadeiras de madeira. Sua mão firme na minha.

— Isis, você é uma jovem bonita e brilhante que cometeu um erro. Isso acontece o tempo todo.

Meu maior erro não havia sido ser descuidada com a gravidez. Foi ter me envolvido com aquele homem.

— Como é o nome dele, mesmo? Blake? Você sabe como entrar em contato com ele? Precisa de ajuda?

— Eu vou fazer isso... — murmurei, recusando.

Nem morta eu faria isso!

— Ele é da Capital? Você sabe o sobrenome dele?

— Joanna, nós nos conhecemos numa noite, saímos e isso é tudo. Eu não me recordo do sobrenome...

Meu Deus, desde quando eu mentia para aquela mulher que me deu todo amor que podia?

Eu a vi franzir a sobrancelha e sabia o que ela estava pensando. Sua sobrinha-neta tinha ido para a cama com um homem que ela nem se importava o suficiente para obter o sobrenome dele.

— Você o conheceu no bar que trabalhava de garçonete?

Era tão vergonhoso. Eu queria cavar um buraco e sumir nele.

— Sim.

— Eu acho que poderia perguntar por lá. Veja se alguém sabe como entrar em contato com ele.

— Farei isso — afirmei.

— Isis, você não me parece muito certa, mas eu vou te afirmar: você precisa fazer isso. Ele não precisa apenas saber que vai ser pai, ele tem que arcar com as responsabilidades dele. Uma criança gera custos, despesas, não é algo fácil. Sabe por que não a adotei dos abrigos? Porque eu não poderia pagar sua escola, suas roupas... Eu queria muito, mas não pude. Não ache que se matar em dois empregos vai resolver seus problemas.

— Muitas mulheres fazem isso.

— E muitas desistem e somem, como sua mãe.

— Eu não farei isso.

— Sei que não. Mas, não faz ideia da carga emocional de tudo isso. Precisa focar e centralizar. Pedir socorro.

— Socorro?

— Você vai precisar de ajuda, querida. Pode parecer piegas, mas não tem ideia do quanto sua vida vai mudar. Se ele é um bom homem, fará a coisa certa.

Eu me senti quente.

— Como casar comigo?

Sim, Blake faria exatamente isso. E eu não aceitaria. De jeito nenhum. Nunca.

— Não digo casamento, mas ele deveria pelo menos tentar ajudá-la com as despesas. Ou você pensa em...

Não prosseguiu. Arqueei a sobrancelha.

— Pensar?

— Em não prosseguir com isso. — ela retrucou. — Isis, eu não sou sua dona, mas, se eu puder te aconselhar...

— Um aborto?

Eu não podia acreditar que ela me sugerisse tal coisa. Ela era cristã!

— Eu quis dizer adoção. Uma família com condições de criar a criança.

Ou deixá-la mofando num abrigo como eu.

— Não. Eu ficarei com o bebê. Eu fui mulher para fazer, vou ser mulher para assumir meus atos.

Joanna olhou para mim com tristeza.

— Isis, você precisa pensar sobre sua vida. Você sabe o quão difícil será criar um bebê sozinha? Ernest e eu vamos ajudar o tanto que pudermos, mas estamos velhos demais para fazer isso por você. Eu sei o que você está passando agora, mas se você ficar com o bebê, precisará da ajuda do pai.

— Joanna, eu posso fazer isso — afirmei. — Eu passei por muitas coisas na minha vida. Eu vou dar conta.

— Eu sei, querida, mas será muito mais fácil se você tiver ajuda. Confie em mim.

— Tudo bem. Vou perguntar no meu antigo trabalho e ver o que posso descobrir. Eu nunca o tinha visto antes, mas isso não significa que ele não tenha estado no bar depois, ou até saído com alguma outra garçonete.

— Eu acho que isso é sensato. Afinal, ele tem o direito de saber.

Blake não tinha direito de nada. Mas, Joanna podia se iludir.

— O que vou dizer a Ernest?

Ela acariciou minha mão suavemente.

— Vamos manter isso entre nós por enquanto.

Eu fiquei aliviada, mas sabia que teríamos que contar a ele, eventualmente.

— Sinto muito por tê-la decepcionado.

— Você não me decepcionou. Essas coisas acontecem. Eu sei que você está com medo agora, mas vamos passar por isso, ok? Tudo vai ficar bem.

 


Capítulo Tr ês


D e fato eu não fui de toda justa quando falei do meu atual emprego na primeira vez. Talvez tenham sido os hormônios, mas havia algumas coisas legais no pequeno escritório contábil de Kelly Cast.

Para começar, a própria Kelly, uma mulher grande e de olhar desafiador, que costumava levar tudo a rédeas curtas, mas que também era justa e gentil. As meninas que trabalhavam lá, eram duas, também eram incrivelmente generosas e acolhedoras.

Eu me adaptei rapidamente, mesmo não fazendo parte do núcleo de piadas obscenas e de espiadelas para o bumbum do personal trainer da academia de frente ao escritório, quando minhas colegas se focavam na janela e ficavam lá apenas babando pelo homem.

Então, quando fomos almoçar naquele dia, eu soube que talvez devesse conversar com elas sobre o que estava acontecendo. Quem sabe elas não poderiam me dar uma luz?

— O que está pegando, Isis? — Denise perguntou enquanto eu escolhia minha comida no buffet . — Só isso?

De todas, Denise havia se tornado minha melhor amiga. Nós havíamos nos conhecido na escola, mas naquela época éramos apenas colegas de classe. O tempo passou, ela formou-se em contabilidade e eu voltei para a cidade, indo trabalhar no mesmo escritório que ela. A vida nos uniu.

— Apenas uma salada — murmurei, e voltei para a mesa.

As demais já estavam lá e todas encararam meu prato. Eu não sou nenhum modelo de beleza, mas nunca havia feito dieta antes.

— O que diabos está acontecendo? — Denise me seguiu, preocupada — Está com dor de estômago? Nem pegou a lasanha que você adora.

O cheiro me deixava enjoada.

— Você está grávida ou algo assim? — Kelly brincou enquanto todas riam.

Quando não respondi de imediato, a mesa ficou quieta.

— Você está? — Denise insistiu, sentando-se ao meu lado.

Naquele momento eu percebi que não queria falar. Falar sobre o assunto sempre o tornava mais real.

— De quem é? — Kelly perguntou, naquele jeito meio bruto dela. — É daquele seu ex-namorado opressor?

Kelly era uma ativista feminista. Eu não concordava com quase nada do que ela falava, mas gostava dela, então preferia evitar atritos e não discordava. Blake era muitas coisas, mas não era um opressor.

— Sim, é do Blake.

— Mas que merda, hem Isis?

— Kelly! Isso é uma coisa horrível de dizer! — Jessie a recriminou.

Jessie era a mais velha de nós. Divorciada, trabalhava e mantinha praticamente sozinha o filho adolescente.

Kelly me encarou como se dissesse que sentia muito. Eu vi a piedade, e ignorei. Volvi ao prato de salada, mexendo no brócolis com o garfo.

Denise colocou a mão no meu braço.

— Você está bem?

— Sim. Ainda em estado de choque, mas bem.

— Como isso aconteceu? — Jessie perguntou baixinho.

Kelly riu.

— Sério que você não sabe?

Jessie a ignorou enquanto continuava a olhar para mim.

— Não era para ter acontecido. Não com Blake. — Eu murmurei.

— Querida, isso é uma merda. Sinto muito — Jessie murmurou. — Se você precisar de alguma coisa, ou apenas quiser desabafar, me liga, está bem?

Eu assenti. Foi como se um enorme peso fosse tirado dos meus ombros.

— Ele sabe? — Kelly trouxe à tona a pior questão.

— Não. E duvido que um dia descubra. Quer dizer, estamos longe um do outro e, pelo que conheço de Blake, ele já deve ter uma nova boneca de estimação para foder.

Elas ignoraram o meu tom. Foram compreensivas para entender que, por mais que eu tivesse terminado tudo, a memória de Blake ainda me trazia dor.

De fato, eu havia sido apaixonada por ele. Talvez até o tivesse amado. Nunca saberia, não tive tempo para descobrir.

— O que você vai fazer?

— Você precisa contar a ele — Jessie interrompeu. — Olhe, eu sei que o cara era um imbecil, mas ninguém merece ter um filho e não saber.

— Ele merece — Kelly deu os ombros.

— Sabemos que Blake pode ser um cara meio barra pesada, mas ele nunca foi agressivo com você, não é? — Jessie me indagou. — Aliás, contra ti nunca fez nada, estou errada?

— Não...

— Então, o que ele faz nos negócios é assunto dele. A questão aqui não é você concordar ou não com a moralidade do cara. A questão é você dizer a ele que será pai.

— Um péssimo pai — Kelly murmurou. — Eu sou contra ela contar. Você consegue se virar sozinha, Isis. Ou você pode abortar. Mas, não merece ter esse cara te infernizando novamente. Pense: ele fazia até uma idosa chorar, pensa no que não fará contra você agora que tem um bebê para usar a bel prazer. Aliás, não sei como você conseguiu se envolver com um tipo desses...

— Bom, eu não esperava me casar com ele, nem ter filhos com ele — fui absurdamente sincera.

— O que você esperava?

— Meu Deus, eu não sei! Eu tenho vinte e três anos! Estava num bom emprego, ganhava altas gorjetas no bar... O cara era lindo, houve uma conexão... Eu pensei que em meio ano ele se cansaria de mim e me daria um pé na bunda!

O clima pesou, mas logo Denise pôs suas mãos sobre meu ombro, num carinho confortador.

— Foda-se, Isis . Estou tão animada por você! Você vai ser uma ótima mãe! Eu sei que conseguirá, se sairá muito bem, porque é uma pessoa boa e o bebê tem sorte de tê-la.

Eu sorri, comovida. Enfim, um sinal de que não era o fim do mundo. Desde que eu falara da gravidez, todos tentavam me convencer a dar para adoção ou abortar. E tudo que eu queria era alguém para me dizer que as coisas iriam se ajeitar e que eu poderia cuidar da criança.

— Como sempre emotiva e não objetiva, Denise — Kelly interrompeu. — E o plano de saúde? Economias para a escola? E a sua vida? Sabe que os caras vão fugir de você como o diabo da cruz? Ninguém gosta de sair com uma mãe solteira, e quem saí não leva a sério. Vai desperdiçar a sua vida.

A mão de Denise fechou-se contra a minha.

— Não a deixe encher sua cabeça de bobagens. Sério, uma nova vida... Você está gerando uma nova vida! Isso é tão grandioso e maravilhoso. E será divertido também. Tenho certeza que a primeira vez que pegar seu bebê no colo, nada disso que Kelly falou terá qualquer importância.

Eu lacrimejei diante das palavras. Kelly e Jessie ficaram em silêncio enquanto Denise prosseguiu:

— Se você puder entrar em contato com Blake, faça isso. Eu não estou brincando. Você vai precisar de ajuda.

— Você parece Joanna — eu ri.

— Porque é maravilhoso e é incrível sim — Denise afirmou. — Mas, também será difícil. Se ele te ajudar, vai facilitar. De toda forma, eu estou aqui para você. Amigas para sempre, ok?

— Igual ao filme da Britney Spears? — eu brinquei com o título daquele filme e as palavras de Denise.

— Igual Thelma e Louise caindo juntas no abismo — Kelly retorquiu, irônica.

Independente das palavras, senti que todas naquela mesa estavam dispostas a me ajudar e aquilo me tocou.

— Eu estou com medo — admiti. — E feliz. Não sei explicar. Desespero e ansiedade.

— Oh, Isis... Quando engravidei eu estava casada e num lar estável, e ainda assim estava com medo — Jessie apontou. — Eu posso imaginar o quão assustada você deve estar. E eu não vou te enganar; é difícil. Acho que meu casamento foi para a merda por causa da gravidez. Meu ex passou a trabalhar mais para pagar as despesas extras, a gente mal se via. Quando percebi, ele já me traia. Mas, quer saber? E Daí? Justin foi à coisa mais maravilhosa que já me aconteceu e eu não mudaria nada.

Saber que Jessie me apoiava com aquele sorriso fez meu ser explodir em autoconfiança.

Eu iria conseguir!

— Obrigada, Jessie. Isso significa muito para mim.

— Mães, unidas, jamais serão vencidas — Jessie bramou e eu ri.

Kelly gemeu.

— Oh, eu vou ficar como a vaca da história, né? A única que fica dizendo que tudo pode dar errado.

— Mas, também pode dar certo! — Denise retrucou.

— Sim, pode dar certo — Kelly afirmou. — Isis, estou aqui também — minha chefe sorriu. — Não concordo que você siga adiante com isso, mas respeito sua escolha.

Eu me sentia melhor agora do que quando descobri que estava grávida, pois o apoio sincero e honesto das meninas me animava. Nós nos abraçamos novamente quando nos despedimos.

Amizade era, definitivamente, um bem por demais precioso.

 

Eu levei cerca de um mês para decidir que Blake tinha o direito de saber a verdade. Não que eu quisesse contar ou estivesse disposta a tê-lo novamente em minha vida, mas um pensamento incômodo começou a me tomar.

Eu não tinha um pai.

Obviamente, minha mãe deu para algum cara e eu nasci. Mas, quem era ele? Ela havia contado a ele sobre mim? Ele não me quis? Ou ela simplesmente não sabia quem era o cara e deixou por isso mesmo.

Eu não queria ter essa conversa com meu filho. Um dia eu diria a ele que o pai dele soube em tal data, e aceitou ou não.

Assim, eu parei meu carro diante do prédio dele, um apartamento luxuoso num dos melhores bairros da Capital.

Aguardei por duas horas, mas o carro escuro de Blake não apareceu na hora comum. Então, decidi ir a lugares corriqueiros a Blake. O bar, o restaurante famoso, uma padaria francesa, um quiosque perto do mar.

Eu mal pude acreditar quando o vi ali, perto do cais, ao lado de uma loira exuberante.

Mais uma das mulheres sem rosto, como ele chamava. Mulheres que ele costumava dormir por um preço. Pessoas que ele nunca valorizou.

— Blake — o chamei.

Ele volveu-se para mim. Estava muito bonito, naquele seu perfeito estilo de CEO poderoso. Seus olhos arregalaram e ele me observou dos pés a cabeça, como se não acreditasse que me visse ali.

— Isis — ele sorriu, charmoso.

Eu podia ler sua mente. Eu havia voltado. Ele já começava a tramar como me puniria pelo tempo afastados, e como me avassalaria com sua paixão, após isso.

Blake volveu-se para a mulher e cochichou algo para ela. Ela me encarou com despeito, mas se afastou.

Nunca entenderia como ele podia olhar para alguém sem graça como eu e dispensar uma loira maravilhosa daquelas. Mas, esquisitices faziam parte do seu caráter.

— Então você voltou — ele riu. — Perguntava-me quanto tempo demoraria em vir se arrastando atrás de mim, novamente.

— Blake — tentei interrompê-lo. Não queria que continuasse.

— Você tem sorte, Isis, por eu ser um cara tão legal — ele aproximou-se, repentino, quase colando seu corpo ao meu. — Eu devia te mandar embora, mas admito que...

Eu limpei minha garganta e afastei meu corpo.

— Blake, eu não sei como te dizer isso...

Ele sorriu maliciosamente para mim.

— Dizer o quê, benzinho? Perdão?

— Estou grávida.

Ali estava eu, diante daquele homem impiedoso e poderoso, vendo a cor drenar de seu rosto enquanto seu sorriso lentamente desaparecia.

— O quê?

— Você ouviu, eu não vou repetir. Todos que eu conheço me disseram que eu devia te falar, então estou aqui.

Blake permanecia uma incógnita, parado, olhando como se não me visse.

— Você não vai dizer nada?

Ele pareceu acordar.

— Você tem certeza?

— Não, Blake. Eu dirigi por quilômetros para te falar isso, mas estou cheia de dúvidas. — retruquei, ironizando. — O que você acha que acontece quando não se usa camisinha em todas às vezes?

— Ah.

“ Ah ”? Como assim, “ ah ”? Eu estava esperando a revolta, a negativa: “ Esse filho não é meu! ”, ou talvez um sorriso exuberante de “ Agora você é minha escrava para sempre ”, mas aquele “ ah ” me pegou desprevenida.

— É tudo o que você tem a dizer? — questionei duramente depois de dar a ele dois sólidos minutos para superar o choque inicial.

— Eu não sei o que dizer.

Blake não sabia o que dizer. Aquilo era inédito para o senhor autoconfiante.

— Bom, eu já fiz a minha parte. Fique aí com seu “ ah ” e “ Não sei o que dizer ”, porque eu preciso voltar para a minha vida.

Comecei a andar em direção ao estacionamento onde havia deixado meu carro.

— Espere, Isis! Onde você está indo? — ele gritou atrás de mim.

Para qualquer lugar longe dele.

 

 


Capítulo Quatro

 

F iz aquilo que todos me disseram para fazer: Falar a verdade para Blake. Obviamente, eu vivia para me arrepender. Tão logo seu olhar embasbacado me tocou, eu percebi que não suportaria ter aquele homem me questionando ou cobrando qualquer coisa.

Por que ele? De todos os homens do mundo, porque justamente aquele seria o pai do meu filho?

Eu sabia a resposta. Estava na reação do meu corpo à sua simples presença.

Meu Deus, afundada em minha cidade natal, eu podia fingir que aquilo não acontecia, mas diante de Blake, era inegável a atração.

— Isis! Espere um minuto — ele gritou assim que cheguei à porta do meu carro.

Não, eu não esperaria. Eu era a porra da vítima ali! Uma caipira idiota que se deixou seduzir pelo cafajeste! Que ele me deixasse em paz para eu me virar com o fruto daquela união.

Entrei no carro. Dei ré, os pneus girando no asfalto. Eu estava tão brava e magoada que não conseguia pensar direito. Troquei a marcha, o carro se moveu rapidamente. Entre minhas vistas nubladas, eu percebi a estrada mudando de forma, até se tornar a rodovia.

Pensei no bebê. Como eu explicaria para ele o que o pai dele fazia? Um simples empresário não era bem a palavra. E como esclarecer porque eu o deixara? E se Blake sumisse agora, como eu diria ao meu filho que o pai nunca o quis?

Eu era tão irresponsável!

Você não faz um filho assim. Uma criança é coisa séria, precisa de um lar e de pais que estão dispostos a dar-lhe tudo. No fundo, entendi porque minha mãe fugiu. Talvez meu pai mandou ela se foder com a criança, e ela não teve forças para reagir.

Foi muito duro para mim não ter pai nem mãe. Eu jurei que nunca deixaria alguém passar pelo mesmo. Agora, era exatamente o que eu faria.

Espere! Não!

Não! Não daria para a adoção. Eu criaria aquela criança e a afogaria em tanto amor que ela nem pensaria no pai. Talvez nunca questionasse!

Quando cheguei ao meu prédio, deixei o carro no estacionamento aberto e rumei em direção ao meu pequeno apartamento. Eu não pensava direito, nem via nada. Meu foco era na dor imensa que sentia.

Cheguei à minha porta. Pus a chave ali. Foi só então que percebi o corpo grande ao meu lado.

— Como se atreve a me seguir?

Ele me encarou como se estivesse diante de uma maluca.

— Eu gritei para você parar o carro, eu tentei falar contigo... Céus, não sei como não provocou um acidente.

— Você não tem o direito...

— Ah, querida. Tenho muitos direitos agora. Principalmente quando uma parte de mim está crescendo dentro de você. Então, vamos conversar como adultos?

— Conversar como adulta? Você deve estar zoando da minha cara? Eu tentei ser adulta com você, mas nem conseguia formular uma resposta coerente...

— Oh, pelo amor de Deus! Acabei de saber que vou ser pai! Como você esperava que eu reagisse? Você sumiu por mais de dois meses, e quando aparece me solta à bomba sem nenhuma preparação.

— Oh, perdão porque eu não fui gentil com seus sentimentos – desprezei.

— Ok, Isis. E com você, como foi? Aposto que recebeu a notícia de forma super madura, não é? Nem ficou chocada – Blake devolveu, cruel.

Eu abri a porta. Entrei. Ouvi seus passos atrás de mim.

— Estou grávida e meus hormônios estão fora de controle. No meu caso é desculpável. Mas, você sendo homem, enfim... Acho que eu esperava mais de você.

Certo, aquilo era ridículo e era uma pequena vingança. Afinal de contas, eu queria retribuir tudo que ele havia me feito passar.

— Isis – a voz dele me fez encará-lo. – Eu sou homem, mas você sabe que não sou lá muito responsável. Contudo, estou aqui, não é? Não estou fugindo de nada.

Eu sabia.

— Certo.

Subitamente, ele riu. Eu fiquei encarando-o como se estivesse louco.

— Pensei no meu pai – ele murmurou. – A minha mãe contava que ele ouviu sobre a gravidez, disse que ia ao banheiro, e ela nunca mais o viu.

Daquilo eu não sabia.

— Sinto muito – murmurei. – Pelo menos você sabe o que aconteceu com seu pai. Eu não sei nem o que aconteceu com a minha mãe. – Sentei no sofá, subitamente cansada. – Meu Deus, nenhum de nós sabe o que está fazendo, não é?

Ele não replicou aquela frase. Simplesmente aproximou-se do sofá e sentou-se também.

— Você vive sozinha aqui?

— Sim. É um apartamento pequeno, mas é tudo o que preciso.

Ele assentiu.

— Quer um café?

— Não, obrigado. – Ele passou a mão por cima da calça social e arqueou as sobrancelhas. – Então... Um bebê – murmurou. – Como foi que aconteceu? Eu usava preservativo.

— Nem sempre – rebati. Ele nunca usava quando fazíamos sexo no chuveiro.

— E você usava pílula.

— O sonho da minha vida – eu ri do ridículo. – Tentar entender como eu fui engravidar usando proteção e anticoncepcional.

Ele também riu.

— Isis, desculpe ter engravidado você, eu devia saber que eu tenho um super esperma.

Aquele era um lado que eu não conhecia de Blake. Eu gostei de saber que havia mais por baixo daquela couraça.

Ficamos em silêncio por um momento.

— Enfim, você não fugiu. Mas, isso não quer dizer que você vai assumir algo. Quero dizer, eu não estou te cobrando nada. Eu apenas te falei porque achava que você tinha que saber.

— Evidente que vou assumir, Isis.

— Mas, sobre isso... – Sim, eu precisava falar. – A gente não deu certo porque eu não concordo com as coisas que você faz, Blake. E o bebê não muda isso. Eu não sei se quero você perto dele.

— As coisas que eu faço? – ele pareceu ofendido. – Nunca fiz nada ilegal.

— O que não quer dizer que não seja imoral.

— Uma linha tênue bem questionável.

— Estive ao seu lado por meses e vi o que fez – retorqui.

— O que exatamente eu fiz?

Ele era impressionante!

— Você avassala as pessoas. Meu Deus, Blake, você não tem piedade de ninguém nos negócios.

Ele me encarou. Uma incógnita.

— Estranho... Acabei de perceber que você esteve ao meu lado Isis, mas não sabe quem sou eu.

— Sei exatamente quem é você, já disse.

— Você tem a imagem criada pela sua mente infantil. Mas, eu batalhei para cacete para chegar aonde cheguei. E eu lutei muito para comprar e revender negócios. E nunca, entenda bem, nunca fui desonesto com ninguém.

Eu não queria ouvir aquilo. Eu suportaria muitas coisas de Blake, mas mentiras pareciam por demais cruéis.

— Então – ele mudou de assunto. – Como faremos com o bebê?

— O que quer dizer?

— A gente casa?

Eu quase gargalhei na cara dele.

— Nem pense nisso.

— E como vamos criar essa criança? Um no interior, outro na capital?

— Isso importa? Você devia estar feliz, eu não pretendo incomodá-lo com o bebê. Pode curtir sua vida e sua grana.

— O bebê é meu filho também.

— Eu não estou pedindo nada!

Céus, por que diabos eu ouvi as pessoas e fui atrás dele?

— Não me importa se você pediu ou não. É meu filho também e eu vou participar disso.

— A única coisa que você fez foi dormir comigo. De resto, sua participação é descartável.

— Ah, certo. O que você é agora? Feminista? Ou talvez apenas queira me punir porque me viu com outra? Ciúmes, Isis?

— Você é tão ridículo.

— Foi você que me deixou. Colocou o rabinho entre as pernas e fugiu pra sua cidadezinha de bosta.

Ele havia me chamado de cadela?

— Acho melhor você ir embora – eu disse, sentindo meu rosto aquecer.

— No momento em que você me disse que estava grávida do meu filho, eu me tornei parte disso. Agora, não tem volta, você tem que aceitar que essa responsabilidade é compartilhada.

Se eu pudesse, eu mataria todos que me sugeriram contar para ele.

— Esqueça que eu o procurei. Eu vou criar essa criança sozinha.

Blake respirou fundo.

— Eu não quero brigar com você, Isis. Eu só quero o que tenho direito. É meu primeiro filho, cacete! Você poderia facilitar as coisas para mim?

— Facilitar como? O que você acha que vai acontecer? Você nem mora na minha cidade! Você vai vir uma vez por mês, ou no trimestre, quando sua agenda folgar, para ver minha barriga crescendo? E depois, quando puder, visitará a criança e irá levá-la para lanchar? Você acha que isso é ser pai?

— Já que perguntou, se voltasse a morar na Capital, tudo ficaria mais fácil.

— Eu não vou sair daqui por sua causa – retruquei.

— E por que não? Viver nesse cubículo é legal? Ok, você não quer morar comigo, mas eu encontraria um lugar espaçoso e bom...

— Você não vai me comprar, Blake. Ainda não percebeu isso? Você é tudo que eu abomino num ser humano.

Mais uma vez, aquele olhar de dar medo volvendo para mim.

— Você acha que sabe do que está falando, mas não sabe nada sobre mim!

— Eu sei o suficiente.

— Está me cansando com essas acusações.

— E você vai fazer o quê? Eu não tenho uma casa ou uma empresa para você destruir. Porque nisso você é muito bom. Você machuca as pessoas.

— Não sou o que você pensa.

— Não é? E você não fez isso, Blake? E aquela senhora que você comprou a empresa a migalhas? Diga-me, você não a destruiu?

Ele mordeu o lábio inferior. Eu conseguia ver seu dente branco afundando-se na carne.

— Você não respondeu a pergunta – observei.

Ele se levantou e andou de um lado para o outro duas vezes antes de se virar para mim.

— Você não entenderia.

Era um fato. Eu nunca entenderia como ele podia agir daquela forma.

— Isso já está resolvido? Agora você pode ir embora?

Ele acariciou o maxilar enquanto pensava.

— Eu quero estar com você para ajudá-la na gravidez...

Meu Deus, iria começar tudo de novo?

— Eu vou dar um jeito – ele murmurou.

— Acho bem difícil você dar um jeito em qualquer coisa.

Seu sorriso se alargou. Eu me ergui, pronta a ir até a porta, quando sua voz me interrompeu.

— Você acha que é uma menina?

— O quê? — Eu perguntei, minha testa se enrugou e tentei seguir a mudança repentina na conversa. – Ainda não sei o sexo. Por quê?

Ele me deu um sorriso torto.

— Sempre pensei que ter uma menina seria legal. Acho que eu seria daqueles pais corujas sabe?

Eu sorri, mesmo não desejando.

— Se for saudável, enfim... Eu realmente não pensei nisso.

Blake se aproximou e eu pude, mais uma vez, sentir a força dele.

— Seria legal ter mãe e pai – ele murmurou. — Um pai que esteja em casa todas as noites. Que conte histórias para ela antes de dormir. Que a ensine a se defender dos garotos.

Eu desviei os olhos. Não queria ser tomada por aqueles pensamentos.

— Eu poderia estar em casa todas as noites — sugeriu enquanto se aproximava. — Eu poderia cuidar de minhas duas meninas.

Eu dei um passo para trás, não gostando do jeito que ele estava me fazendo sentir.

— Eu acho melhor você ir – murmurei.

— Uma vida diferente da que nós tivemos, Isis. Você poderia pensar nisso?

Não! Eu não queria pensar nisso!

— Por favor, vá embora – pedi novamente.

Ele se aproximou de novo e me puxou gentilmente para ele, seus braços ao meu redor. Sorriu quando trouxe seus lábios para perto dos meus.

— Nós dois juntos, Isis... Nós sempre nos encaixamos perfeitamente. Nós somos bons juntos.

— O sexo era bom – admiti. – Mas, na vida, nem tudo se resume a isso.

Ele me beijou gentilmente nos lábios, e eu soube naquele instante que ainda o queria.

— Não – neguei, enquanto o empurrava suavemente para longe e me afastava dos seus braços. – Nós já colocamos uma pedra sobre isso.

— Já?

— Eu coloquei – afirmei. – Nosso assunto acaba aqui.

— Está brincando, querida? Há muito que conversar.

— Meu Deus, você não vai me deixar em paz, não é?

— Não vou mesmo – rebateu. — O que você fará depois que o bebê nascer? Como você vai viver?

— Eu tenho economias. Vou ficar bem.

— Você precisa de mim. — Ele se moveu para me beijar novamente, mas eu me afastei.

— Você me insulta insinuando que eu não daria conta. Sua mãe não deu? Eu me lembro de você dizer que ela se saiu bem.

Blake pareceu surpreso e pensativo. Repentinamente, ele aproximou-se novamente. Ele me beijou, suavemente, apenas um toque de plumas nos lábios antes que ele desviasse a boca e me desse um casto beijo na testa.

— Ela sofreu muito para me criar. Eu sou muito grato. Mas, não quero que passe pelo mesmo. Eu quero você. Eu sempre consigo o que eu quero.

Depois ele tocou minha barriga.

— Obrigado, Isis. – Eu juro que senti algo se mexer no meu íntimo. Mas, ignorei. – Amanhã eu volto.

Era o fim da minha paz.

 

 

 

Capítulo Cinco


E u odiava as manhãs. Eu sempre acordava com a boca estranha, sempre azeda, sempre com vontade de urinar e com a expectativa zero de ter um bom dia. Após a gravidez, as coisas pioraram. Precisei incluir na rotina os vômitos e tonturas, e a vontade de morrer quando acontecia.

Após me lavar, saí do banheiro em passos trôpegos, tentando chegar até minha varanda. Queria um pouco de ar puro e o calor do sol contra mim.

— Bom dia – ouvi, assim que puxei as cortinas e abri a porta.

Ali, na minha varanda, estava Blake. Achei que estivesse em um pesadelo.

— Isso não é real – murmurei, pensando em voltar para a cama.

— Eu fiz panquecas – ele alertou e o cheiro me indicou que sim, era real.

Volvi para aquele homem.

— O que diabos fazendo aqui?

Ele parecia me encarar como se não entendesse a questão.

— Cuidando da mãe do meu filho?

O quê?

— Isso não está acontecendo... – murmurei. Queria me convencer. – Quando você chegou?

— Eu não fui embora – ele respondeu, tranquilamente. – Esperei que você dormisse e então entrei pela escada dos bombeiros. Aliás, você devia trancar a porta da varanda. Não sabe o quanto é perigoso?

Era uma alucinação. Claro que era. Doce e assustadora ao mesmo tempo.

— Meu Deus...

Eu saí da varanda e fui até a cozinha. Sentei diante da mesa, ainda tentando acordar verdadeiramente para poder enfrentá-lo.

— Agora que você está menos nervosa e teve uma boa noite de sono, nós podemos conversar melhor – ele disse.

Blake não tinha filtro. Nem pudores. Ele sempre foi assim e eu sempre soube dessa característica. Mas, agora, ela parecia me deixar em estado de pânico.

— Eu não quero falar com você – avisei. – Quero que vá embora agora!

Ele suspirou.

— Isis, por favor, seja adulta.

Eu ser a adulta? Eu? Quem é que passou a noite rondando meu apartamento? Quem agora estava me forçando a uma conversa difícil que eu não queria?

— Eu realmente preciso falar com você.

Seu pedido parecia calmo, antagonizando com meu rosto enrubescido e meu estômago revirado.

— Então fala, caralho – resmunguei. – Mas, diga logo o que tem a dizer e depois vá embora. Eu tenho um compromisso.

Ele sorriu, sentindo-se vitorioso.

Eu mal podia reconhecê-lo. Durante nosso breve tempo juntos, era ele que sempre impunha algo, nunca pedia ou parecia se importar com os sentimentos alheios. Comigo, Blake sempre foi o cara legal, mas eu sabia que não era assim com todos. Eu fiquei estranhamente curiosa do porque parecia tão mudado.

— Você está linda essa manhã.

— Sério? Essa vai ser sua frase idiota para angariar simpatia? Eu acabei de vomitar e estou com dor de cabeça. Eu posso estar uma porrada de coisas, mas linda não é uma delas! – Respirei fundo. – Então, o que você quer falar comigo?

— Quero falar sobre mim.

Pisquei algumas vezes enquanto repassava mentalmente o que ele dissera para me certificar de ouvi-lo corretamente. Eu estava grávida, fodida e mal paga. O que me importava em falar sobre ele?

— Isis, você não sabe no que está se metendo, mas eu sei. Eu pensei em compartilhar algumas experiências de vida com você. Eu realmente quero ajudar você, Isis. E, acredite ou não, você vai precisar da minha ajuda.

— Uau! Quantos filhos você já tem mesmo?

— Pensei sobre o que aconteceu na noite passada, e percebi que você poderia ser minha mãe.

Que fofo!

— Nós já falamos sobre isso. Você esteve presente no aniversário da morte da minha mãe, lembra-se?

Sim, eu me recordava de ter ido com ele até um cemitério. Foi à única vez que o vi como um homem comum, cheio de dor e culpa.

— Ela era uma adolescente quando engravidou. Uma mulher um pouco mais jovem que você, cheia de sonhos... Enfim, como você, ela não tinha uma família estruturada, e sonhava em construir uma. Foi um alvo fácil para o meu pai.

Mantive o silêncio.

— Ele a fez acreditar que a amava, que eles ficariam juntos para sempre. Mas, quando ela engravidou, ele sumiu. Literalmente. Ele até saiu da cidade. Era um povoado pequeno, e a família dele não quis dizer onde estava. Anos mais tarde, ela soube que ele foi para a faculdade, casou-se e tinha uma nova vida. Foi muito duro para ela. Apesar de tudo que fez, acho que ela sempre o amou.

Ele serviu-se de café. Bebeu um gole antes de continuar.

— Minha mãe era uma menina, mas também era forte e destemida. Ao invés de abortar ou me dar para adoção, ela decidiu me criar.

— Eu imagino como foi duro para ela...

— Foi – ele confirmou. — E piorou depois que eu nasci. Ela começou a faltar ao trabalho por minha causa. Finalmente, eles a demitiram. Então ela teve dificuldade em pagar as despesas e começamos uma derrocada lenta para o fundo do poço.

Ele bebeu mais um gole. Respirou fundo.

— Ela era uma mulher orgulhosa. Ela não gostava de viver com doações da caridade. Mas, foi o que aconteceu durante algum tempo. Mais tarde ela conseguiu trabalho, mas precisou me deixar sozinho. Eu cresci tendo que cozinhar para mim mesmo, arrumar minhas coisas, e sendo desprezado na nossa cidade porque eu era filho da prostituta.

Arregalei os olhos.

— Oh, eu me esqueci de mencionar, não é? Minha mãe não aguentava a ideia de me ver passando fome. Uma vez, num natal, não tínhamos nada, então ela saiu e trouxe um frango e refrigerantes. Eu não questionei de onde veio o dinheiro. Não importava. Eu estava com fome. Mas, depois eu soube... Na escola, algumas pessoas comentavam...

Eu escutei com muita atenção. Blake falou baixo e com naturalidade, como se estivesse lendo um livro. Eu poderia dizer que ele não estava pedindo minha simpatia, mas estava entregando uma história de advertência.

— Céus, ela definhou, entende? Ela definhou diante dos meus olhos. Às vezes aparecia em casa com o rosto marcado por agressões, um olho roxo, marcas no corpo. Mas, ela não chamava a polícia. Ela temia que me tirassem dela.

— Sinto muito – fui sincera.

— Nossa cidade era como a sua. Talvez um pouco menor, mas ainda assim provinciana e cheia de julgamentos. Minha mãe foi julgada como vagabunda e ninguém respeita a vagabunda ou o filho dela.

Eu segurei seus dedos.

— Um dia, Isis, eu vou explicar para você como eu escapei disso. Mas, o que importa, nesse momento, é que saiba com que rapidez tudo pode voltar-se contra você. Mesmo as pessoas que considera amigas, quando a coisa ficar difícil, vão sumir.

Eu permaneci quieta, absorvendo aquela informação.

— Isso explica muita coisa – murmurei.

— Como o quê?

— Como você ser do jeito que é.

— E como eu sou?

— Você é cruel – disse, sem pena. – Você sofreu, e agora desconta nas outras pessoas.

— Eu não faço isso – ele murmurou, derrotado. – Nada do que eu faço é contra a lei.

— Esse é o ponto, Blake. Você sempre usa esse argumento, como se ele justificasse tudo. O que você faz pode ser dentro da lei, mas não é certo.

— Foi por isso que você me deixou? – ele indagou.

Sua expressão era um mistério.

— Isso não importa mais.

Silêncio. Os sons dos segundos do relógio de parede ficaram bem audíveis.

— Está certa, não importa mais. Então, esqueça – ele murmurou.

— Eu não posso esquecer isso...

— Se isso te incomoda tanto, ao menos conforte-se em saber que não é exatamente como você pensa! E, deixando toda essa merda de lado, o que isso tem a ver com a paternidade? Eu tenho o direito de me envolver com essa criança. É meu filho também! E, acreditando ou não, vai precisar de ajuda. Eu não quero que ele ou ela tenha que crescer como eu. Eu quero te ajudar, Isis. Por que você não acredita em mim?

— Eu não confio em você – despejei, franca, objetiva. – Você pode aparecer aqui dizendo palavras bonitas e fazendo café da manhã, mas é o mesmo cara que eu vi sorrindo diante do choro comovido e sofrido de uma idosa.

— Isso não é justo — ele devolveu. — Você sabia no que estava se metendo quando ficou comigo. Eu nunca jurei nada ou menti para você. Então você aparece grávida, e depois diz que eu não vou participar disso? Contou-me por qual motivo, então? Para que eu ficasse sofrendo com a situação? E o bebê? Vai mesmo punir seu filho porque não concorda como lido com os negócios? Negócios, aliás, que não te dizem respeito. Porque, Isis, se você fizer isso, então você é uma cadela!

Eu fiquei em choque diante daquela frase.

— Saia da minha casa agora!

Ele não fez nenhum movimento.

— A verdade dói, não é? Você pode ficar aí sentada despejando um monte de bosta moralista sobre mim, mas se eu devolver eu sou o desalmado?

— Saía! – gritei.

Ele levantou-se.

— Eu irei. Mas não terminamos, Isis. Voltarei mais tarde quando os ânimos se acalmarem. Você pode aproveitar esse momento para pensar no que é melhor para o nosso bebê e tentar esquecer seu orgulho estúpido.

— Eu não estarei aqui mais tarde. Eu vou estar no consultório do médico. Então você pode simplesmente pegar seu maldito carro e voltar para a Capital.

— Eu não vou a lugar nenhum enquanto não chegarmos a um acordo! Eu tenho o direito de me envolver com essa criança. – Ele olhou para o relógio de pulso, pareceu pensar. – Onde é sua consulta médica?

— Não te interessa.

— Por que não me poupa do trabalho de ligar para todos os obstetras da cidade?

Eu estava ao ponto de explodir.

— Você vai sair ou eu tenho que ligar para a polícia?

— Eu vou embora se é isso que você quer. Mas se você estiver indo para um pré-natal, eu estarei lá.

— Então boa sorte em tentar descobrir meu médico – murmurei.

Só depois disso, Blake se afastou.

 

 

Eu mal pude acreditar nos meus olhos quando o vi sentado na sala de espera, assim que eu cheguei.

— Dinheiro realmente compra qualquer informação, não é? – sussurrei para ele, inflamada de raiva.

Ele sorriu. Desgraçado!

Caminhei até a secretária e a avisei de minha presença. Ela pegou alguns papeis para eu preencher.

Blake logo estava ao meu lado, vendo as anotações.

— Esqueceu o nome do pai – ele murmurou no meu ouvido, antes que eu conseguisse devolver os papeis.

Eu seriamente pensei em ser infantil, mas sabia que como mãe não tinha mais esse direito.

Então pus “ Blake Code ” na linha pontilhada.

— Satisfeito?

— Sim, amor – ele olhou para a mulher que nos observava curiosa. – Meu amorzinho é sempre tão descuidada.

Eu queria baixar as calças dele e enfiar aqueles papeis na sua bunda. Mas eu simplesmente me desvencilhei das suas mãos e caminhei até o sofá.

De súbito, percebi que ele não me acompanhou. Ainda estava parado diante da mesa da secretária, sorrindo charmoso para ela, depois lhe passando algo escrito – um número de telefone, talvez? – que ela guardou imediatamente entre os papeis.

— Você teve a cara de pau de flertar com a secretária do meu médico? – questionei baixo quando ele enfim se aproximou.

— Não fique com ciúmes, Isis... É você que vai ficar gorda e com a barriga enorme, não eu.

Eu quase bati nele, quando percebi o sorriso debochado.

— Ela vai me ligar e avisar quando suas consultas estiverem agendadas – explicou.

O que diabos era aquele alívio?

— Por quê?

— Para que eu não perca nenhuma, é claro.

— Irá vir da Capital para todas as minhas consultas? Você tem ideia de quantas são?

— Podem ser milhares, você não toma nenhuma decisão sobre a minha garotinha sem que eu esteja presente.

Eu quis verdadeiramente odiar aquilo, mas percebi que estava aliviada por não enfrentar aquela maratona sozinha.

— Certo, Blake – murmurei.

E era isso. Estava tudo bem.

 

 

Capítulo Seis

E u realmente nunca vou entender o magnetismo que Blake tinha com as pessoas. Meu médico praticamente me ignorou na consulta, explicando para ele tudo que poderia mudar em mim e em como ele poderia me ajudar nessas mudanças.

Eu estava prestes a surtar dentro do consultório, sentindo-me a coadjuvante da gravidez de Blake. Era como se o pai importasse mais que a mãe!

Mas, acabei mantendo-me em silêncio com medo de que pensassem que eu havia endoidado.

Eram os hormônios, eu sabia. Não sei por que diabos, de repente, ter ele ali me deu uma vontade louca de arrancar sua roupa e estuprá-lo. Sim, isso. Não fazer amor, mas sim fazer ele meter em mim, mesmo sem vontade.

No final da consulta, minhas mãos suavam e eu precisava respirar fundo para que ninguém percebesse meus pensamentos pecaminosos.

Ah, nós mulheres...

Obrigada Deus. Nós éramos compensadas por menstruar e pela gravidez. Nossa compensação se devia ao fato de que podíamos estar sexualmente ativadas e ninguém perceberia se não falássemos.

— Você quer comer alguma coisa? — Blake perguntou no final da consulta, quando já chegávamos até o carro dele.

“ Você! ”, eu pensei, mas não disse. “Você com leite condensado e chocolate em calda!”

— Isis? – ele chamou minha atenção.

— Sim – eu respondi com simplicidade, escondendo meus desejos dos olhos sagazes dele.

E ele fechou minha porta. Depois, foi até o lado do motorista e ligou o motor.

— Tem preferência por algum restaurante?

Meus olhos pousaram naquele volume discreto nas calças. Subi os olhos e o encarei.

— Você está bem, Isis? Quer voltar para o médico?

“Me foda como uma putinha!”

— Só estou com fome – respondi.

— Você está me olhando como se eu fosse o prato do dia.

— Então vou morrer de fome, porque você é magro e quase sem gordura sobre os ossos.

Ele assentiu. Estava completamente ignorante das minhas reações e eu adorei isso.

— Tem um restaurante legal por aqui – ele murmurou, enquanto dirigia na direção leste.

De súbito, tudo passou. A fome, o desejo sexual, a vontade de estar com ele. Volvi para janela do carro e percebi a rua atravessando a visão.

— Acho que perdi a fome.

— Sério?

— Quero vomitar.

Ele parou o carro. Eu saltei para fora rapidamente e pus para fora o sanduíche de peito de peru que eu havia comido no café da manhã.

— Isis... – murmurou ao meu lado.

— Eu preciso de um pouco de ar — eu ofeguei, afastando-o com o braço. O enjoo começou a desvanecer-se.

— Você está bem? — Ele perguntou de novo me levantando gentilmente pelo cotovelo.

— Estou me sentindo melhor agora.

— Você tem certeza? Você quer ir para casa?

— Não. Estou bem agora. Vamos para o restaurante.

Olha que legal, eu já falava algo e me contradizia em seguida. Havia virado uma legítima doida dos hormônios.

Chegamos ao restaurante um pouco depois. No começo eu pensei que ia ficar bem, mas então a náusea me atingiu novamente. Eu empurrei Blake para fora do caminho e saí da porta antes de me envergonhar diante de todos. Eu estava curvada, as mãos nos joelhos, ofegando, enquanto eu lutava contra o meu estômago, quando senti sua mão acariciando minhas costas gentilmente.

— Assim que você se sentir melhor, eu vou te levar para casa.

Demorou vários suspiros ofegantes antes de me sentir bem o suficiente para ficar em pé.

— Estou melhor agora — respondi enquanto me endireitava, enormemente orgulhosa por não vomitar na frente do restaurante.

— Ok – ele saiu correndo, me deixando surpresa.

Logo, ele ressurgia diante do restaurante com o carro. Ele me ajudou a entrar e eu percebi que só queria ir para casa.

Começou a chover. Inverno, frio e chuva. Era sempre algo romântico e chamativo. Fechei meus olhos, estava tão cansada. De repente, senti que o carro parou.

— Espere aqui — ele disse enquanto se afastava do carro e entrava na chuva.

Blake estava completamente no controle das ações e eu estava deixando. Puta merda, eu estava completamente a mercê dele!

Eu o observei saltar por cima das poças e entrar no mercado, retornando alguns minutos depois com uma sacola. Abriu a porta e, depois de colocar a bolsa atrás do banco, enfiou-se de novo no carro.

Ele estava ensopado, mas eu não reclamei de estar molhando meu veículo. Voltei a fechar meus olhos, e só os abri quando chegamos ao meu prédio.

Subimos pelo elevador, e eu não precisei convidar para que Blake entrasse.

— Aqui — eu disse quando joguei uma toalha para ele, voltando do quarto

— Obrigado — Ele pegou a toalha e secou o cabelo.

Eu sabia que ele estava completamente encharcado, mas também sabia que se oferecesse meu chuveiro para ele, as coisas poderiam sair do controle.

Era Blake, afinal de contas, o único homem que já amei. E ele estaria ali, embaixo da água quente, nu e delicioso, a poucos metros de mim. Eu não resistiria a esse convite.

Abri a sacola de mantimentos e percebi frutas lá.

— Vitaminas e fibras – ele comentou.

Eu nunca fui adepta das frutas.

— Você está brincando comigo?

— Vai ter que mudar sua alimentação. Não posso deixar que continue comendo apenas porcaria. Seu próprio corpo está te avisando disso.

Ele se aproximou da mesa da cozinha e descascou uma maçã para mim. Depois, me estendeu. Fiz cara de nojo.

— Isis, você tem que comer alguma coisa.

— Um Xis Burger iria cair bem – tentei.

— Bananas, maçãs, melões... também.

— Desde quando você virou minha mãe?

Prendi a respiração e mordi a ponta da maçã. Meu estômago se rebelou, mas eu mastiguei e forcei. Esperei um momento para ver se ficaria bem e, depois de algumas respirações, pude sentir o enjoo começando a desaparecer. Eu peguei outro pedaço e comi. No momento em que eu tinha consumido a maçã inteira, eu estava me sentindo melhor.

— Quer outra? — Ele perguntou enquanto ajeitava as frutas numa travessa.

— Me dê o pepino.

Meu Deus, eu olhava para o pepino em conserva tirado da sacola e salivava.

Blake abriu o pote.

— E você? – eu perguntei enquanto fazia uma mistura grotesca de salgados e doces.

— Mais tarde eu como algo. – Depois, ele olhou para o relógio. Percebi que as horas o afligiram. — Lembre-se do que o médico disse. Coma com frequência, sempre que quiser. Amanhã eu trago mais comida.

— Não tem porque aparecer amanhã. Não tenho nenhuma consulta agendada.

Era ridículo que ele dirigisse por horas apenas para me ver todos os dias.

— Amanhã a gente se vê – ele mal parecia me ouvir. Caminhou até a porta.

— Por que, Blake? Não há necessidade de você vir.

Você não percebe o quanto essas atitudes anormais, de um cara legal, me deixam estranhamente em conflito, seu idiota?

Ele olhou para mim por um momento e depois suspirou.

— Qual é o problema, Isis? Por que você não aceita minha ajuda? Quero tentar entender.

Eu não queria magoá-lo, mas eu não podia esquecer o que de fato ele era.

— Você sabe o porquê, Blake. Você é uma pessoa que vai contra todos os meus princípios.

— Por causa do meu trabalho dentro da lei?

— Seu trabalho imoral.

— Nunca vou entender como comprar uma empresa, consertá-la, e a vendê-la a um preço justo possa ser tão ofensivo a você.

Eu neguei com a face. As coisas não eram tão simples.

— Você é bom para mim – apontei. – Mas, até quando? Quando se cansar, o que fará? Conhece minhas fraquezas, poderá querer até tomar o bebê de mim.

— Você acha que eu faria algo assim?

— Como posso confiar em você?

E lá estavam elas, as lágrimas. Eu chorei igual uma criança mimada. Mas, era real. Eram meus instintos. Eu conhecia aquele homem e não podia me dar ao luxo de me enganar pela encenação gentil dele.

— Eu nunca vou fazer nada para te machucar, Isis.

— E como você pode prometer isso? E se mudar de ideia?

— Nós vamos ter um filho. Isis, você vai ter que confiar em mim.

Eu queria. Mas, não podia. O que me diferenciava de todas as mulheres que ele já usou e descartou? Eu não era a mais bonita, nem a mais interessante. Eu nem sequer era do tipo dele. Eu não entendia porque ele realmente estava ali, mas minha paranoia começava a se insinuar. E se tudo que Blake estivesse fazendo era proteger sua cria? E quando o bebê nascesse, ele se livrasse de mim, como uma relés barriga de aluguel?

Podia ser uma ideia estúpida, mas também podia ser real. Ele era frio o suficiente para isso.

— Isis, eu dou minha palavra. Seus medos são infundados.

Não seja tola, Isis. Não seja tola!

— Por favor, não volte amanhã – pedi.

— Sinto muito, Isis, mas eu não vou desistir do meu bebê.

Respirei fundo.

— Por favor, vá – pedi. – Vá embora.

Observei seu rosto ficar duro e depois suavizar enquanto ele aceitava meu pedido.

— Eu tenho um compromisso de negócios agora. – explicou.

Mais alguém que ele avassalaria?

— Por isso, irei. Mas, amanhã estarei aqui, Isis. Eu entendo seus medos, mas você está se preocupando sem razão.

— Se estivesse em meu lugar, o que você faria.

Ele pareceu surpreso.

— Você não entende não é? – ele murmurou. – Você significou muito para mim.

Depois disso saiu pela porta. Naquele dia, ao menos, não voltou.

 


Capítulo Sete

N úmeros, números e mais números. Quanto mais eu organizava os cálculos, mais surgiam na minha frente.

De repente, uma vertigem. Mais uma. Quando me disseram que os primeiros meses não eram fáceis, eu não imaginei que fosse tanto.

— Jessie, você pode me cobrir por um minuto?

— Claro, Isis. Você está bem?

— Volto em alguns minutos. — disse, correndo até o banheiro.

A tarde tinha começado bem, mas quanto mais tempo meu turno durava, mais difícil era ficar focada.

Errei algumas planilhas, precisei refazer orçamentos, coisas simples para mim pareciam ser pesadas. Eu sentia um sono absurdo, apesar de ter dormido bastante na noite anterior.

Cheguei ao banheiro, e convulsionei sobre o vaso sanitário.

Logo, passou. Era sempre assim, rápido. Da mesma forma que a ânsia vinha, ela ia embora.

Voltei para minha mesa.

— Isis? Você está bem? Você está pálida como um fantasma – Jessie comentou.

— Estou bem, sim.

Percebi Kelly aproximando-se.

— Tem certeza de que você não precisa ir para casa? Não estamos com muito trabalho e eu consigo cobrir sua parte.

— Kelly, eu não vou te deixar na mão — recusei. — Você podia me colocar na rua se quisesse, mas não o fez.

Kelly me encarou de forma indecifrável, mas depois sorriu, otimista. Ela era uma excelente chefe e eu sentia orgulho de trabalhar ao seu lado.

Volvi para o computador. Ao lado dele, peguei uma barra de proteína e mordisquei. Naquele instante, pensei em tudo o que Blake havia dito, especialmente sobre as coisas que a mãe dele precisou fazer para sustentá-lo.

Foi mais que se destruir. Seus atos atingiram o filho.

Céus, eu não queria isso para o meu filho. Ao mesmo tempo, eu também não queria trazer outro problema para minha vida.

Blake era encantador – e eu precisava admitir que ele estava agindo com seriedade diante da minha gestação. Eu não pensei que ele fosse chegar tão longe e ser tão participativo. Seria muito mais fácil odiá-lo se ele fosse um idiota completo, se começasse a questionar sobre a gravidez ou se sumisse como o pai dele fez. Mas, ele estava sendo cuidadoso e gentil. Ele realmente parecia estar preocupado com o bebê. E comigo.

“Você significou muito para mim”.

Que porra havia sido isso? Era sério? Podia até ter sido, mas ficou evidente que era passado.

Agora, ele estava apenas interessado em cuidar do filho. Agora... Mas daqui a um mês? Cinco? Nove meses?

Quanto tempo duraria aquela novidade para Blake? Seu interesse? Eu havia visto seus olhos brilharem por mulheres belíssimas, e perderem o brilho após alguns dias. Ele era sempre tão raso, nessa questão.

Quando queria, movia céus e terra. Quando o efeito potente das emoções passava, ele ignorava...

Aquilo começou a me perturbar.

Como seria se ele simplesmente sumisse por meses? Como minha criança reagiria a um pai ausente?

Eu sabia que não devia me torturar com coisas que não aconteceram, mas não conseguia evitar. Eu sentia remorso e culpa por ter engravidado daquele homem, sabendo como ele era.

Toquei meu ventre.

Eu precisava ser forte pelo meu bebê. Eu devia ser seu escudo.

E eu seria.

 

Sim, eu estava segura em resistir a Blake, mas ele não estava ajudando me sufocando daquela forma.

— O que diabos você está fazendo aqui? — eu questionei com raiva.

Sim, algo no meu íntimo explodiu. Eu havia trabalhado durante todo o dia e tudo que queria era ir para casa, tomar um banho, beber uma sopa quente, e então ir dormir.

Mas, agora Blake estava ali, logo após eu ter feito todas as minhas resoluções sobre ele, encarando-me com a cara mais deslavada do mundo, como se fosse um bobinho apaixonado.

— Você não tem o direito de me importunar todos os dias — reclamei. — Esse é o meu trabalho!

— Eu não entrei — ele se defendeu.

— Não importa! Você me viu ontem. E anteontem! Meu Deus, você até deixou uma cesta de café da manhã na minha porta, hoje. Está me assustando, Blake!

Ele ergueu as mãos, num ato de defesa. Até parecia que ele iria apanhar de uma mulher grávida.

— Só estou aqui me certificando — explicou-se.

— Certificando do quê?

— Que você está segura. Que pode dirigir até seu apartamento.

— Estou grávida não em estado terminal!

Aquilo era ridículo. Eu já podia imaginar Denise ou Kelly saindo pela porta e eu tendo que explicar que aquele homem era Blake.

Olhei para o estacionamento. Não vi o carro dele.

— Como você chegou aqui?

— Eu peguei um táxi. Assim eu posso dirigir para você e levá-la em segurança para casa.

Precisei fincar meus pés no chão para não voar nele. Anos e anos de conquistas femininas pareciam derrubadas por aquela frase.

Eu não era uma boneca frágil!

Abri minha boca. Fechei. De que me adiantava ficar ali discutindo quando no final ele iria fazer exatamente o que queria? Com certeza Blake daria um jeito de chegar até minha casa antes mesmo de mim. Ele estendeu a mão, e joguei minhas chaves para ele. Caminhamos até o estacionamento. Ele destrancou a porta do passageiro e a abriu para mim. Com um suspiro eu deslizei para o banco e ele fechou a porta atrás de mim.

— Eu li que as mulheres ficam mais sensíveis nesses primeiros meses, então pensei que seria legal eu dirigir pra você — explicou.

Inclinei minha cabeça contra o encosto do banco e fechei meus olhos. Eu estava cansada, mas não tão cansada que não poderia ter voltado para casa. E, Blake, francamente, você não vai derrubar minhas defesas tão facilmente.

— Como foi o trabalho?

Eu não respondi. Foda-se a educação. Eu estava exausta de tudo, especialmente dele.

— Você não vai ficar na minha casa — adiantei, antes que ele pensasse besteiras. — Você me deixa em casa, e pega um táxi. Eu não vou tolerar você depois dessa carona.

Começou a chuviscar. Percebi o sorriso irritante dele num canto da boca.

— Blake! Você ouviu?

— Eu ouvi.

Não parecia. Céus, lá estava eu, naquela relação culposa novamente.

Chegamos.

— Você se importa se eu esperar meu táxi lá dentro?

— Você faz isso de propósito, não é?

— Isis, eu ainda não tenho a capacidade de fazer chover.

Comecei a duvidar até daquilo. Blake era tão irascível e acostumado a ter o que queria. Por um instante quase acreditei que ele subornasse algum anjo que controlasse o tempo.

— Entre! — disse, raivosa. — Só a tempo de chamar um táxi.

— Você é sempre tão gentil — ele comentou.

Ele estava ignorando meu surto propositalmente. Ao invés de me acalmar, fiquei ainda mais nervosa.
Saímos do carro e entramos no apartamento. Eu estava um caco, destroçada. Fui cambaleando até o sofá, louca para me sentar, quando senti a mão dele no meu braço.

De súbito, ele me girou.

— Obrigado pela sua gentileza — Ele pegou minha cabeça em suas mãos e me segurou suavemente.

E então me beijou... Não um beijo arrebatador, de amantes, daqueles que costumávamos dar as escondidas em cantos escuros de lugares movimentados. Era apenas um toque suave de seus lábios nos meus.

E era bom.

Consegui interromper o beijo e recuar. Nem sei de onde tirei forças para isso. Depois, dei um passo para trás e olhei em seus olhos.

— Eu já disse, você não vai ficar aqui — afirmei para nós dois.

— Eu sei.

— Então o que foi isso?

— O beijo?

— Isso, porra! O beijo! O que diabos foi isso?

— Papai e mamãe se beijam — ele me deu uma piscadela.

Uma piscadela!

— Não. — neguei. Estava exaurida. — Não, Blake. A gente não vai começar tudo isso de novo.

Ele levantou as mãos em sinal de rendição.

— Nossa, como você se tornou puritana. Foi apenas um beijinho...

— Dê beijinhos em outra. Eu não estou aqui para suas brincadeiras.

Ele sorriu.

— Eu sei, amor. Você é a mãe do meu filho.

Eu sabia como terminaria aquela briga. Blake sempre fazia isso, no nosso namoro. Era como carícias em palavras. Eu gostava, mas também me sentia perigosamente exposta.

Eu me afastei em direção ao quarto. Precisava ficar longe dele. A atração estava ali, presente, pungente, e eu fiquei agoniada por causa dela.

Oh, Isis, você passou a tarde toda pensando nisso, imbecil! Não ouse se render agora!

Entrei no banho, ignorando o mundo lá fora. Fiquei por cerca de quinze minutos sentindo o toque da água na minha pele. Depois, vesti um pijama. Imaginei que Blake havia ido embora quando o som da porta chamou minha atenção.

Quando cheguei à sala, ele estava pagando o entregador.

— O que é isso? — indaguei, assim que fechou a porta.

— Comida — explicou. — Você parecia cansada e...

— Você poderia parar isso? — Eu gritei.

Blake me encarou, um tanto assustado. Eu senti as lágrimas deslizando pela minha face. Eu estava completamente sujeitada a ele, naquele instante.

— Parar o quê? — Ele perguntou parecendo assustado pela minha explosão.

— Eu sei o que você está fazendo e não vai funcionar!

— Do que você está falando?

— Você gosta de desafios e me ter agora é um ótimo passatempo para você. Mas, não entende? Estou grávida! Estou sensível! Preciso de calma e paz. Você é um tormento!

Ele quase me pegou no colo. Senti-me com cinco anos.

— Oh, querida... Só estou arrumando seu jantar. Não vou demorar dois minutos.

Ele foi para a cozinha. Colocou a comida chinesa na mesa, e arrumou tudo para eu comesse.

Eu me senti absolutamente ridícula. Blake estava sendo legal e eu não estava facilitando isso.

— Sabe, Isis — ele murmurou. — Não precisa ser tão ríspida. Estou só tentando ser um cara legal.

Mas, você não é, Blake. Eu te conheço e você não é!

— Só vá embora — pedi.

Ele apertou os lábios, indignado.

— O que eu fiz que te ofende tanto?

— Você parece um pai deslumbrado — o acusei. — Fica abrindo a porta do carro, dirigindo para a minha cidade todos os dias, indo na consulta do bebê, me trazendo comida. Porra, esse não é você! Por que está agindo assim?

— Como assim “ esse não é você ”? Eu não posso ser um pai deslumbrado?

O encarei.

— Blake, você destrói a vida das pessoas. Você usa as mulheres. Porra, você até me ameaçou quando eu terminei com você. E daí eu te falo que estou grávida e tipo: “ Uau, vou dar uma volta de 180 graus e me tornar o cara mais legal do mundo!”? Essa encenação pode enganar outra, mas eu te conheço. Então, por que você simplesmente não vai embora?

Seu rosto desmoronou e ele sorriu tristemente.

— Você quer que eu seja um imbecil que te abandone grávida, é isso? Que vá embora e nunca mais volte?

— Sim!

Não! Eu não queria! Mas, estava com medo. Eu não reconhecia aquele homem.

— Pois pode esperar sentada, Isis. Eu já te avisei. Eu não vou desistir do bebê.

Ele continuou a olhar para mim e, em seguida, pegou meu rosto em suas mãos novamente. Ele parou por um momento, como se para me dar uma chance de protestar, então me beijou suavemente. Eu queria puxar de volta, mas eu também queria devolver o beijo. Então, não fiz nada.

Ele separou nossos lábios e olhou nos meus olhos, ainda me segurando gentilmente pelo queixo.

Meu coração parecia que iria explodir. Meu corpo agonizava numa vontade absurda.

— Eu só quero ser um bom pai, Isis.

— Até você se cansar, Blake? Não me importo comigo, mas o bebê não é descartável, ou uma novidade interessante.

— Eu sei disso — ele sussurrou enquanto trazia seus lábios aos meus novamente. — Confie em mim, Isis. Eu não vou te machucar. Eu estarei aqui por você. Eu vou te provar que sou o cara legal. — Ele me beijou de novo, com mais firmeza desta vez, e senti meu corpo responder.

Eu o empurrei e ele parou seu beijo enlouquecedor. Eu olhei em seus olhos, tentando decifrá-lo. Eu não pude lê-lo, mas eu o queria. Céus, eu o queria muito.

O puxei contra mim, esperando que...

Que...

Não... Não podia mais ser assim. Eu não era mais uma idiota sozinha, que podia se dar ao luxo de viver uma luxúria e depois seguir em frente.

Senti que meu moletom saiu pela minha cabeça, a calça despencou entre meus pés. No mesmo instante, o som de uma buzina soou.

— Seu táxi chegou — eu ofeguei, puxando sua boca com mais força contra meus lábios.

Blake se moveu entre as minhas pernas, me empurrando contra a parede. Ele me sondou, procurando pela minha abertura, depois a encontrando.

— Espere...

— Confie em mim, Isis — ele sussurrou enquanto empurrava lentamente.

Céus, era tão bom sem o preservativo. Sempre foi. O contato da sua pele... eu adorava. Por isso que quando fazíamos sexo no banho, eu sempre chegava ao orgasmo mais rápido.

A buzina do carro soou novamente, mas eu não me importei mais. Blake se afundou em mim mais forte, mais rápido, minha pele formigando quando ele me envolveu, seus braços em volta dos meus, seu corpo me levando a loucura. Eu cruzei meus tornozelos atrás das costas e segurei-o pelos ombros, puxando-o para baixo quando meu orgasmo começou a subir dentro de mim.

Ele se afastou, empurrando para cima. Eu segurei firme, mas ele era forte demais, e logo eu era agitada contra a parede como uma boneca de pano.

— Eu vou gozar — eu sussurrei.

Ele sorriu, seus olhos nunca deixando os meus. Meu orgasmo fluiu, envolvendo-me em seu abraço caloroso. Agarrei-me a ele, esperando que o prazer apressado diminuísse, prendendo a respiração enquanto nadava em calor e satisfação. Eu exalei quando meu clímax chegou. Logo, fui contida por outro beijo.

E era um beijo suave e amoroso, mas quando nos separamos, foram seus olhos que me seguraram. Ele nunca havia me olhado assim antes.

Enquanto eu observava, seu rosto se retorceu e ele grunhiu uma vez, seu sopro quase inaudível, e eu senti ele derramar dentro de mim. Seu rosto relaxou e seus lábios tomaram os meus.

— Eu nunca vou te machucar, Isis — ele jurou suavemente enquanto me beijava gentilmente. — Você pode confiar em mim.

Eu queria. Todavia, eu simplesmente não conseguia.

Eu senti como se fosse chorar.

— Eu vou provar para você, Isis — ele prosseguiu.

— Seu táxi — eu disse, me afastando, buscando pela calça. — Você precisa ir — eu ofeguei. — Isso foi um erro. Não devia ter acontecido.

Ele tentou me beijar de novo, mas consegui me afastar. Ele pareceu surpreso e insultado. Então, começou a ajeitar a roupa, guardando seu mastro, recusando-se a olhar para mim. Eu me senti uma maldita, mas eu não podia permitir que ele ficasse. Eu não podia permitir que ele entrasse em minha vida.
Não... tudo de novo, não!

— Eu sinto muito — murmurei.

— Eu também — ele disse baixinho.

Ele olhou para mim e eu pude ver dor em seus olhos. Parecia que iria me dizer algo, mas depois se virou e saiu pela porta.

Quando chegou ao táxi, fez uma pausa, como se esperasse que eu o chamasse de volta. Perante meus olhos aflitos na janela, ele abriu a porta e sentou-se.

Quando o carro saiu, fechei a porta da varanda e a tranquei.

Voltei para a cama e me permiti chorar até pegar no sono.

Meu amor por Blake Code ainda existia apenas de eu me recusar a aceitá-lo.

 

 

 

 

Capítulo Oito


N ão foi fácil contar para Ernest que eu estava grávida. Eu temi pela sua reação. Eu sabia que ele se sentia muito contente em ser o diácono perfeito da sua congregação, e que tudo a sua volta fosse certo e andasse em harmonia moral.

Imaginei que fosse me proibir de ir a sua casa. Mas, ele simplesmente pôs a mão no meu ombro e disse que estaria ali, caso eu precisasse.

As pessoas me surpreenderam muito, naqueles últimos dias. Blake veio a minha mente.

Enquanto eu dirigia para casa, eu pensei em tudo que ele disse. Em especial, na sua ferocidade ao se declarar inocente das minhas acusações.

E se eu estivesse enganada e Blake não fosse um monstro cruel? Não tinha escolha, eu precisava descobrir o quem de fato era o pai do meu filho.


Eu estacionei o carro. Lá fora, o vento movimentava as árvores ao longe. Busquei meu celular.

Houve apenas um toque. Ele logo atendeu.

— Blake – murmurei. – Sou eu.

— Isis?

Sim, devia ser surpreendente eu ligar para ele. Eu nunca ligava. Quando estávamos juntos ele sempre estava em reunião e eu sempre esperava que ele me avisasse quando terminava. Eu nunca quis incomodar.

— Estou ligando para pedir desculpas.

— Desculpas? — Apesar da pergunta, eu percebi que havia um traço de melancolia na sua voz.

— Não estou sendo justa com você, Blake. — Fiz uma pausa, para dar a ele uma chance de responder, mas ele não disse nada. — Podemos conversar?

— Para você me insultar novamente?

— Eu não estou sendo a mais fácil das mulheres, eu sei. Eu não vou colocar a culpa nos meus hormônios. Eu apenas estou com medo. Mas, eu não quero falar por telefone. Podemos conversar?

— Ok, amanhã eu irei até aí.

— Amanhã não — eu murmurei. Minhas mãos tremiam. — Hoje. Por favor.

Eu o ouvi suspirar no telefone.

— No seu apartamento?

— Naquele restaurante legal que você iria me levar se eu não estivesse vomitando todo meu ser — eu brinquei.

Ele pareceu pensar.

— Vou pedir um voo particular. Chego aí em uma hora.

Eu assenti.

— Obrigada.


Aquele restaurante bonito perto da estrada era bastante aconchegante, como uma casa de tia em dia de Natal. Eu entrei nele com o coração angustiado, e só respirei quando percebi que Blake já estava lá, sentado diante de uma mesa, me aguardando.

— Oi.

Eu estava insegura. Nervosa. Eu não devia estar, sabia o que meus olhos haviam visto nos meses que estive com ele, mas meu coração parecia doer diante daquele homem.

— Então... O que era tão urgente, Isis?

Ele estava áspero e sério. Era novamente o Blake que eu havia conhecido. Aquilo me destroçou. Eu sabia que a máscara iria cair, mas estava começando a gostar daquele Blake gentil e otimista que me cercou durante aqueles dias.

— Vai ficar calada? Eu peguei um voo às pressas para estar aqui e agora não diz uma palavra?

Eu me sentei. Estar sobre aquele olhar frio me fez sentir aos pedaços.

— Eu não tinha motivos para tratá-lo mal, então eu quero me desculpar...

— Tudo bem — disse, ríspido.

Não estava nada bem. Eu estava ao ponto de chorar, quando o garçom trouxe à mesa um pedaço de torta de chocolate.

Meu Deus do Céu...

Ali estava eu, os olhos fixos no doce, a boca salivando, Blake completamente esquecido, e meu bebê no útero berrando para eu roubar a comida e sair correndo.

— É sério, Isis? — Blake me chamou, mas eu não desviei os olhos do pequeno prato. — Bela maneira de demonstrar que está arrependida.

Então ele empurrou o prato na minha direção.

Porra, eu estava grávida, então que todo o resto se fodesse. Eu peguei o garfo rapidamente, e cortei um pequeno pedaço daquele chocolate derretido. Ele deslizou pela minha língua e eu dei um gemido que lembrava um orgasmo.

Não! Era melhor que sexo.

Mesmo com Blake.

— Saí da Capital rapidamente, num voo de última hora, e agora você nem olha para a minha cara.

— Mas eu quero conversar — me defendi.

Céus, como diabos aquilo era tão gostoso? O problema é que o pedaço era pequeno e logo acabou.

— Mais – pedi para ele.

— Está me zoando? Sobre o que você quer falar? Se simplesmente quisesse comer bolo, eu podia ter pedido para qualquer confeitaria entregar no seu prédio.

— Mais — retruquei.

Ele suspirou, mas fez um sinal para o garçom. Logo outro pedaço de torta foi trazido até mim.

— Então? — questionou, assim que comecei a comer.

— Quero falar sobre nós — respondi, enquanto mastigava.

Meu Deus, que delícia.

— Nós? Existe um “nós”? — Ele parecia incrivelmente irritado. — Escute, você deixou claro que não me quer na sua vida. Eu não vou aceitar isso. Mas, eu posso ser razoável se você também for. Podemos chegar a um consenso sobre o tempo que passarei com o bebê, contanto que você aceite que eu pague todas as despesas dele.

O bolo parou no minha garganta. Era sério? Ele estava resumindo tudo a dinheiro, novamente?

— Olhe, eu não vou deixar meu filho passar nenhum tipo de necessidade porque você é infantil demais para entender a importância do que está acontecendo. E isso não é negociável. Se você não gosta, problema seu. Ou acertamos as coisas agora, ou iremos nos encontrar num tribunal.

— Você está me ameaçando?

Era inacreditável. Eu realmente fora tola o suficiente para pensar que ele havia mudado ou que eu havia entendido errado sobre seus negócios?

— Você vai ser mãe, mas age como uma menina adolescente que não sabe se flerta ou brinca de boneca. Eu sou homem, não um moleque, e não estou aqui para jogar seu jogo. Eu não estou te ameaçando, estou te avisando que as coisas estão saindo do controle.

Eu sabia que devia dizer alguma coisa. Defender-me de algum jeito. Mas simplesmente fiquei ali, ouvindo suas palavras nervosas.

— Você sabe que isso não vai dar certo. Nós já tivemos essa conversa e estou tentando ser paciente, mas você não facilita. Você mora num cubículo. Você ganha uma miséria como auxiliar de escritório. Você sabe como uma criança gera gastos?

— Como pode falar assim comigo?

— Você acha que eu estou sendo ofensivo? Você ainda não entendeu a situação, Isis? Você não é incapaz de criar uma criança. Mas, é incapaz de dar tudo que ela precisa. Qualquer um com boa vontade cria uma criança, mas dar todas as condições para que ela tenha uma vida confortável não é simples. Esse bebê é meu bebê, também. E ele não vai passar pelas mesmas coisas que eu passei.

— Você acha que eu iria me prostituir?

— Se precisasse? Se seu filho a encarasse com fome? Sim, você faria. Mas, a questão é: você não precisa. Porque eu tenho responsabilidade e eu farei qualquer coisa pelo meu filho, pode ter certeza disso.

Houve um breve silêncio. Nós dois nos encaramos com muita mágoa.

— Aproveite sua torta — ele indicou.

E então se levantou. Eu sabia que se ele partisse, as coisas iriam se complicar. O Blake que eu conhecia e que agora se mostrava novamente para mim não me pouparia de nada para ficar com o bebê.

— Espere! Por favor, espere — pedi.

Ele não se moveu.

— Eu sei que você está certo — eu murmurei. — Eu não quero que nosso bebê tenha dois pais inimigos.

Blake suspirou alto. Voltou a sentar-se.

— E como vamos resolver?

— Não sei — murmurei. — Tudo aconteceu muito rápido. Mas, uma coisa eu sei... Blake, eu não quero o seu dinheiro.

— Você diz isso agora. Mas chegará a hora em que você pode precisar. Eu estou dizendo a você, Isis, e você precisa me ouvir: Toda a sua vida vai mudar em um piscar de olhos. Aconteceu com minha mãe. Se você não quer o dinheiro, tudo bem, coloque-o em uma poupança para o bebê. Ele estará lá se você precisar. E você vai.

Era insultante. Eu não era uma prostituta que engravidava de um homem rico para pegar dinheiro dele.

— Eu...

— Escute — me interrompeu. — Eu não estou disposto a arriscar. Eu quero que meu filho tenha uma vida diferente da minha. Eu não quero que ele passe por nenhuma dificuldade. Eu não quero que ele tenha que vestir roupas velhas compradas em um brechó. Eu quero que ele tenha uma árvore de Natal e presentes para comemorar. Eu quero que ele vá para a faculdade. Que ele possa ter um cachorro — aquilo parecia vir do fundo da alma dele, e eu não entendi porque sua voz embargou. — E mesmo que você consiga dar tudo isso a ele, ainda quero sentir que contribuí. É nosso filho, Isis. Nosso. Eu quero estar lá quando ele nascer. Eu quero vê-lo crescer. — Ele fez uma pausa. Seus olhos me deixaram algum momento, até que retornaram para mim cheios de tristeza. — Acima de tudo, eu quero que ele ou ela saiba quem é o pai, e que esse pai faria qualquer coisa por ele.

Lágrimas inundaram meus olhos e eu limpei-as.

— Você está certo, Blake. Sinto muito pela maneira como eu tratei você. Você tem todo o direito de estar envolvido.

Ele piscou para mim algumas vezes.

— O que você quer dizer?

— Quero dizer, tudo que você disse é verdade. Mas, também é difícil para mim, você precisa entender.

— Venha para a Capital comigo — pediu, de supetão. — Nós podemos recomeçar.

— Eu quero isso — admiti, nunca havia confessado aquilo nem para mim mesma. — Mas, eu ainda não consigo.

Ele me encarou por um momento e pude vê-lo pensar.

— Então, me dê algum tempo. Deixe-me resolver os negócios e depois eu me mudo para cá.

— Você faria isso? Você deixaria sua empresa para trás?

— Meus negócios são muito importantes para mim, e são eles que vão pagar a faculdade do nosso filho. Mas, eu darei um jeito, posso transferir a empresa, trabalhar pela internet, fazer algumas viagens quando for necessário.

Eu pensei sobre isso. Não era o suficiente. Ele estava tentando, eu sabia que ele estava, mas me incomodava que o dinheiro que sustentaria meu bebê era o mesmo que ele tirava de pessoas indefesas.

— É difícil, Blake.

— Eu sei. Mas, Isis, é o que eu faço. E eu preciso de tempo, tempo que eu não tenho agora. Por favor, Isis, confie em mim. Eu estarei aqui por você. E não há nada que precisa te preocupar porque tudo que eu faço é legal.

MEU DEUS, NÃO ERA ESSA A QUESTÃO!

Eu olhei para a torta na minha frente.

— Então, estamos de volta onde começamos.

Senti a mão dele deslizar pela mesa e pegar a minha. Era um gesto gentil.

— Isis, quero que você confie em mim. Eu só quero o que é melhor para você e o bebê. Deixe-me provar isso.

— Como?

— Eu tenho que voltar para a Capital amanhã. Eu nem devia ter vindo essa noite. Enfim, não precisa saber dos meus negócios porque sei que eles te incomodam. Mas, apenas confie em mim.

Olhei em seus olhos e pude ver a sinceridade lá e quis acreditar nele. Mais, eu acreditei nele. Eu esperava que ele faria tudo o que pudesse por mim e pelo nosso filho, mas às vezes a lei do retorno era impiedosa. Eu sabia que Blake tinha muito a pagar.

— Vou tentar. Me leve para casa?

Ele sorriu e eu permiti que ele me beijasse.

Blake me acompanhou até meu carro. Ele abriu a porta do passageiro e eu entrei.

Estava absurdamente cansada.

 


Capítulo Nove


O carro avançava pela avenida. Dentro dele, havia um silêncio inquieto. Enquanto as casas passaram pela minha janela, minha mente se focava nas palavras de Blake.

Sim, ele estava preocupado com seu filho e, por extensão, comigo, mas ainda me incomodava seu passado e nosso envolvimento.

Talvez porque eu ainda fosse romântica o suficiente para acreditar que ele fosse abdicar de seus negócios por minha causa. Eu queria ser a heroína que salvava o desprezível bandido. Aquilo não acontecia nem em filmes, por que ocorreria na vida real?

Juro que minha vontade era simplesmente jogar todo meu moralismo a merda e me atirar em Blake e em tudo que ele representava. Eu sempre gostei dele, do cheiro dele, da maneira como ele me observava, da forma como me tratava... Mas, eu tinha uma responsabilidade que ia além dos meus desejos.

É engraçado como suas prioridades mudam depois que você se torna responsável por outra vida. Agora, o mais importante era sempre o bebê.

Eu ainda estava meditando sobre a vida, e as escolhas que fizemos, quando Blake parou meu carro no estacionamento.

Toquei meu ventre. Lágrimas brotaram no meu íntimo. O quão cúmplice eu seria por aproveitar daquele homem tudo que ele estava disposto a me dar?

— Fique comigo essa noite — eu pedi, assim que ele saiu do carro.

Ainda estávamos no estacionamento. Uma brisa gelada cortava o ar.

— É isso que você quer?

— Sim.

— E você sabe o que isso significa?

Eu tinha medo dele. Medo de tudo que ele podia fazer contra mim com seu poder e dinheiro. E, ao mesmo tempo, eu buscava cegamente confiar nele.

— Estou confusa, Blake.

— E ainda assim acha que a melhor coisa é me convidar para entrar?

— Que escolha eu tenho? — indaguei. — Ainda...

Ainda amo você .

— Você não tem nada a temer de mim — disse enquanto se movia em minha direção. — Isis, eu nunca machucaria você...

Eu dei as costas e caminhei em direção ao prédio. Minhas pernas estavam bambas e, no elevador, precisei me firmar no braço de Blake para não desabar.

Eu abri a porta e nós entramos.

Houve uma troca de olhares juntamente com o silêncio. Ele se aproximou e me abraçou, segurando-me confortavelmente, uma mão ao redor das minhas costas e a outra na minha cabeça. Foi um abraço muito amoroso e eu relaxei com isso.

— Você sabe, Isis... Eu te quis desde o primeiro dia que te vi...

— Você saiu com todas as garçonetes do bar antes de me convidar.

— É... queria chamar sua atenção, mas você só me olhava com raiva. Então, aconteceu... Um dia você me deu uma chance e eu me aproveitei. Céus, eu gostei tanto... Eu não conseguia desligar, eu pensava em você o tempo todo. Eu queria me casar com você... E então você se foi...

— Você sabe por que eu fui — murmurei.

— Não importa mais. Agora você é a mãe do meu filho. É um laço inquebrável.

— É mesmo? — eu sorri. Gostava do romantismo das palavras, apesar de saber que não era completamente verdade. Muitos homens nem ligavam para a gravidez das mulheres, muitos sumiam depois de saberem do tal “ laço ”.

— Você tem uma parte de mim dentro de você. Eu não fiz de propósito, mas acho que foi uma resposta a minha vida. Eu passei meus apuros, e então eu te conheci: a garota perfeita. Eu fiquei louco por você, só que então me deixou. Agora, é obrigada a me tolerar — ele riu. — Porque uma parte de mim, com alma e coração, está dentro de você. Assim como uma parte de você sempre esteve dentro de mim...

Oh, Blake... eu sempre te amei. Desde o primeiro instante, apesar de enchê-lo de defeitos para fugir de ti.

Eu me movi para fora do seu abraço. Eu jamais confessaria tal coisa.

— Você acredita mesmo nisso?

— Só o destino ou uma divindade amorosa pode explicar eu ter perdido a mulher da minha vida, e depois eu tê-la novamente, com um filho meu em seu ventre. — Ele sorriu. — Eu estou apenas pedindo por uma chance, Isis. Você não vai me dar essa chance?

Eu era incapaz de largar meus princípios. Mas, também era incapaz de fugir de Blake. E ele sabia que eu estava completamente vulnerável diante dele. Assim, pegou meu rosto em suas mãos e me beijou suavemente.

Eu me juntei a ele, meus braços ao redor de seu pescoço, puxando-o para o beijo.

Deus, como eu o queria! Era desumano, mau, um vilão, é verdade... Mas eu o queria. Queria ele na minha vida, queria dar a ele uma chance. Abri minha boca e ofereci minha língua, nossas línguas se tocando enquanto elas se envolviam em seu próprio abraço, relaxadas.

Ele me pegou como se eu não pesasse nada e levou-me através do meu apartamento para o meu quarto, onde me colocou na cama. Blake afastou-se e simplesmente olhou para mim, seus olhos me tomando como se estivesse me vendo pela primeira vez, sua expressão me fazendo sentir a mulher mais maravilhosa do mundo.

Era isso!

Quando estávamos juntos, ele me fazia sentir assim. Havia beldades e mulheres arrebatadoras correndo atrás dele, mas eu nunca tive uma crise de ciúmes simplesmente porque quando ele me olhava... O mundo inteiro parava naquele olhar.

Talvez ele estivesse certo, e nós devêssemos estar juntos. Talvez fosse a vontade do acaso ou de algum deus bondoso e amoroso que ainda se preocupava com sua humanidade ferida.

Eu estendi meus braços, me oferecendo a ele, e seu sorriso me tocou. Não um sorriso vitorioso de alguém que venceu uma batalha, mas o sorriso de um homem que estava recebendo um presente a muito aguardado.

Ele se inclinou e beijou meus lábios enquanto seus dedos deslizavam ao longo da minha bochecha, seu toque gentil, como se estivesse lidando com a flor mais delicada.

Minhas roupas foram tiradas sem nenhum tipo desnecessário de pudor. Não era a primeira vez que ele fazia aquilo, percebi que não seria, igualmente, a última.

Blake me permitiu abrir as calças e eu alcancei o interior, tomando sua dureza na minha mão, cada batida do seu coração um pulsar na minha mão. Enquanto eu o segurava, ele me beijou com intensidade, um beijo tão erótico que tomou meu fôlego.

— Eu quero você — sussurrei.
Blake sorriu para mim enquanto seu rosto se suavizava.

— Eu sempre quis você, Isis — ele sussurrou em troca.

Depois, se afastou de mim e tirou suas botas e a calça enquanto eu me enrolava em suas costas e o beijava no pescoço.

Quando suas calças caíram no chão, ele se virou para mim, guiando-me de volta para a cama.

Ele seguiu minha lenta queda e começou a beijar meu pescoço, sua língua e seus lábios ocupados enquanto ele trabalhava em meu queixo, depois mais abaixo, no vale dos meus seios.

Houve uma breve pausa. Então ele se pôs a sugar meus mamilos, sua língua acariciando os pequenos pontos duros até que comecei a me contorcer e ofegar pela sensação.

Estremeci suavemente em antecipação aos prazeres que viriam.

Blake era um amante maravilhoso e sempre se preocupou em me dar atenção e prazer. Fiquei imóvel enquanto seus lábios dançavam em meu estômago, enquanto ele se movia entre as minhas pernas, sua respiração na minha área mais íntima era quente, erótica, e eu gemi.

Levantei minhas pernas quando ele me envolveu, meus tornozelos batendo nos seus braços quando ele alcançou o triângulo de cachos e colocou as mãos nos meus quadris para me segurar no lugar.

Ele começou devagar.

Sua língua me tocando levemente enquanto provocava a antecipação. Minhas mãos encontraram sua cabeça e eu o pressionei, precisando sentir a liberdade que seus beijos estavam me prometendo.

Eu olhei para baixo e encontrei seus olhos, seu sorriso quando ele me sondou com a língua, fazendo seus olhos se enrugarem. Eu fui incapaz de desviar o olhar, enquanto seu olhar me segurava.

O orgasmo se abateu sobre mim com pressa e meus olhos se fecharam enquanto eu me contorcia, ofegando em meu caminho através da minha feminilidade.

— Oh, Blake — eu suspirei seu nome, antes de puxá-lo para cima, querendo provar seus lábios.

Ele veio para mim. Enquanto nossas bocas se tocavam, peguei seu pênis em minha mão e o dirigi para dentro de mim enquanto eu lentamente o envolvia.

Quando ele entrou em mim, mais uma vez deleitei-me com o sentimento de tê-lo sem nada entre nós, pele na pele. Eu coloquei tudo o que tinha naquele beijo e ele me encontrou, o poder de seu beijo superando o meu.

Ele me segurou firme, seus braços ao meu redor quando ele começou a apontar em mim golpes longos e firmes.

Eu não conseguia respirar. Eu estava em algum mundo alheio ao nosso, repleto de prazer e delícias. Ofeguei, um som de puro prazer, quando ele começou a me levar para outro orgasmo.

— Blake! — gemi, alto.
Eu o ouvi grunhir suavemente quando ele começou bater com o quadril em mim mais e mais rápido.

— Assim, assim... Oh... — Comecei a me preparar para outra explosão.

Meu orgasmo me atingiu como um trovão em um lago calmo, e eu gemi baixinho enquanto lutava através de um prazer que parecia sem fim. Pouco antes de ser enterrado sob uma onda de prazer, ele gemeu baixinho e então me molhou.

Eu ri, enquanto emergia do oceano de prazer. Eu o beijei, radiante.

— Você gozou? — Sussurrei quando nossos lábios se separaram, embora eu já soubesse a resposta.

— Não — ele respondeu enquanto saboreava meus lábios novamente.

— Não?

Que mentiroso!

O que era aquilo branco se derramando nas minhas coxas?

Eu gargalhei, enquanto acariciava seu rosto.

A boca dele voltou a me encontrar. Eu estava em estado de graça, após dois orgasmos incríveis. Mas, com ele, sempre havia mais. Era espantoso como eu sempre conseguia me encaixar perfeitamente em Blake.

Seu corpo ficou sobre o meu. De repente, ele puxou meus quadris violentamente, me levantando da cama. Antes que eu pudesse protestar, ele estava se movendo atrás de mim, inclinando-me para o meu lado. Ele agarrou a minha coxa com uma grande mão, enquanto a outra segurou meu pulso. Ele soltou minha coxa apenas o tempo suficiente para encontrar minha abertura com seu pênis, antes que ele começasse a empurrar forte e rápido, sua respiração quente no meu pescoço.

Quando ele empurrou, seu pênis estava me atingindo em cheio na minha feminilidade. Embrulhada em seus braços, senti meu corpo inchar. Céus, era tão bom...

Coloquei minha mão em sua cabeça e puxei-a com força para meu pescoço. Blake começou a rosnar quando seus impulsos aumentaram em velocidade e poder. Ele estava se inclinando em seu orgasmo e minha boca se abriu em um grito silencioso de prazer enquanto eu o seguia.

Com um grunhido duro, ele fluiu para dentro de mim, pressionando duro e profundo enquanto eu me perdi no rio de prazer. Nós nos abraçamos apertados, esticando nosso prazer, sentindo a aura pós-orgasmo a nos tomar.

— E agora? Gozou?

— Se eu dizer que não, vai acreditar? — ele murmurou no meu pescoço com um leve aceno enquanto continuava a me segurar.

Eu ri. Porque rir com Blake era natural, mesmo no sexo. Tudo era natural. Eu girei na cama e nossos olhos se encontraram. Nós nos beijamos, um beijo longo, lento e amoroso que agitou as brasas da paixão passada.

Nós nos deitamos juntos, seus joelhos dobrados atrás dos meus, seu peito nas minhas costas e seus braços em volta de mim.

— Blake... fique comigo.

— Eu vou.

— Eu quero dizer, fique comigo do meu jeito. Esqueça a Capital, monte um negócio qualquer aqui. Nós podemos trabalhar juntos, construirmos algo para nosso bebê...

Ele ficou quieto por um momento, como se estivesse pensando.

— Não dá, Isis...

— Por quê?

— Por que eu ainda não acabei...

— Acabou o quê?

Ele suspirou.

— Isis, você sabe o que sinto por você. E eu estou te pedindo apenas um tempo. Seja paciente.

— Por quê?

— Por que o quê? — ele indagou.

— Por que isso importa? Você tem mais dinheiro do que pode gastar em toda a sua vida. Não é pela grana que se mantêm nisso, é?

Silêncio.

— Diga-me os motivos, Blake. Por favor.

Ele ficou quieto. Eu quase lacrimejei quando sua voz soou:

— Você não entenderia.

Eu não falei nada. Não havia o que ser dito.

— Eu sinto muito, Isis — ele murmurou.

— Eu também — eu sussurrei quando afastei-me do seu corpo.

Ele me puxou para perto, mas a conexão foi embora. Eu fiquei por meses ao lado daquele homem, e subitamente ele era completamente desconhecido para mim.

Era ganância? Medo de perder tudo? Apego material?

Nada disso combinava com Blake...

Eu fechei meus olhos. Tudo que eu queria naquele instante é que o torpor do sono me tomasse.

 

 

 

 

Capítulo Dez


C omo eu podia vomitar se eu sequer tinha algo no estômago desde a noite anterior?

Não importava. Meu corpo arrumava fluídos e minha cabeça girava inclinada sobre o vaso sanitário, enquanto aquela horrível sensação não passava.

Dei descarga, deslizando os dedos pelos lábios úmidos.

Ah, a maternidade... Era florescer no paraíso...

Voltei para a cama. As manhãs eram sempre ruins. Eu sentia como se um dia não fosse resistir a todos esses enjoos e tonteiras. Fechei meus olhos. Pelo menos eu estava me sentindo melhor. Eu sabia por experiência que eu tinha cerca de trinta minutos para me levantar e comer alguma coisa ou os vômitos iriam começar novamente.

Eu joguei as cobertas para trás e cambaleei para o banheiro. Depois de me um banho, vesti-me e fui reto para a cozinha.

Mesmo antes da gravidez, cafés da manhã não eram parte do meu dia. Eu simplesmente não curtia comer cedo. E meu corpo sabia disso. Ele se rebelava sempre que eu chegava naquela parte do apartamento.

Forcei um sanduíche, meu estômago começou a se acalmar e comecei a me sentir melhor.

Faltavam apenas alguns dias para encerrar o trimestre. Diziam que os enjoos passavam depois dos noventa dias. Era minha esperança, porque não sei como aguentaria nove meses naquele estado.

Ouvi o som de pneus na parte de baixo do prédio e, por pura falta do que fazer, fui espiar.

Era o carro dos correios. Mesmo não aguardando nada, eu desci até minha caixa na recepção para ver se havia algo lá.

Havia.

Subi novamente para meu andar, e pus o envelope com o cheque de Blake junto aos outros três que ele havia me enviado nos últimos dias.

Eu não sei exatamente o que eles significavam. Ele disse que sairia da minha vida caso eu aceitasse o dinheiro. Eu não queria ambas as coisas. Comecei a imaginar se, por fim, Blake não havia se cansado de tudo e desistido, quando o telefone tocou.

Eu não atendi. Deixei que a secretária eletrônica fizesse o trabalho. Eu não estava com disposição para conversar com ninguém. Não no meu estado, apavorada com a possibilidade de que eu o havia afastado definitivamente.

Subitamente, a voz de Blake soou na sala.

“Isis, apenas para confirmar, segunda é sua consulta, não é?”

Eu senti meus olhos lacrimejarem. Ele estaria lá? Apesar dos cheques, ele não havia desistido?

“Me liga” – ele murmurou.

 

 

Eu sorri enquanto estacionei meu carro. Blake me viu, e devolveu o sorriso, apesar de acanhado.

Ele estava na porta do consultório, e me esperou ali, até que eu conseguisse uma vaga para o carro.

Depois, andei até ele.

— Você veio — eu disse.

Não sei exatamente o porquê.

Blake se inclinou e me beijou suavemente nos lábios. Eu não queria que ele fizesse isso porque despertava todos os tipos de sentimentos que eu não queria sentir, mas rejeitá-lo não era uma opção.

— Eu disse que sempre estaria aqui.

Mas ele também mandou os cheques. Eu não sabia mais o que esperar dele.

— Chegou há muito tempo?

— Cerca de duas horas. Eu teria ido à sua casa, mas... — Sua voz emudeceu alguns instantes. — Pensei que seria mais fácil te encontrar aqui.

Eu franzi minhas sobrancelhas. Ele sabia exatamente como me fazer sentir uma idiota louca e egoísta.

Respirei fundo. Entramos. As cadeiras estavam vazias, e nos acomodamos nas mais próximas da janela. Eu abri minha bolsa e tirei os quatro envelopes.

— Isso é seu. — disse, estendendo a ele.

Blake me encarou de forma indecifrável. Não se mexeu, não fez qualquer menção de pegar o dinheiro.

— Não é meu. É do bebê.

— O bebê não nasceu e eu já disse que não quero o seu dinheiro! — Eu tentei ser o mais silenciosa possível.

Eu não queria um escândalo no consultório. Olhei para a mesa da secretária e a mulher sorriu para mim. Eu sorri de volta e afastei os cheques. Esse não era o momento nem o lugar para discutirmos.

— Você concordou — ele disse.

Era tão irritante, aposto que ele fazia de propósito!

— Eu não concordei!

— Vamos falar sobre isso mais tarde. — Pôs a mão gentilmente no meu braço.

Estava ali. O adulto responsável e a moça infantil que ele precisava afagar para que não surtasse. Céus, eu odiava aquela faceta dele!

— Não vai haver mais tarde!

— Sempre há mais tarde — retrucou, também num tom baixo.

Uma enfermeira chamou meu nome antes que eu pudesse erguer minha bolsa e atirá-la na cabeça dele.

Nós nos levantamos e seguimos a mulher para uma sala.

— O médico já está vindo — ela disse quando fechou a porta.

Volvi para Blake. Peguei os quatro cheques nas mãos e os rasguei em pedacinhos na frente dele.

— Eu não me enganei. Você é realmente uma pirralha.

— Vai tomar no seu...

Barulho de passos no corredor. Tentei sorrir. Eu não queria que meu médico achasse que eu fosse uma desequilibrada.

— Você sabe — Blake continuou. Meu Deus do céu, por que ele não calava a porra da boca? — Eu sabia que você faria isso, porque rasgar os cheques é a sua cara. Mas, não faz diferença, porque eu farei outros.

Eu estava nervosa. O médico iria entrar a qualquer momento e eu estava quase chorando como uma criança.

— O que há com você?

— Não sou eu que está agindo de forma idiota, Isis. É você. — Ele falou tão calmamente que eu quase voei no pescoço dele. — Eu estou apenas tentando te ajudar. Mas você é tão teimosa que não consegue enxergar isso.

— Pare de enviar os cheques. — disse. — Quando eu precisar, se eu precisar, te aviso. Mas, pare de ficar me mandando essa quantidade de dinheiro como se eu fosse...

— Ei — ele murmurou. — Fique calma. Eu concordei em deixá-la em paz. E eu não estou fazendo isso? Esse é o preço para me ter longe.

MAS EU NÃO TE QUERO LONGE, IMBECIL!

A porta se abriu e meu médico entrou, interrompendo qualquer diálogo.

— Como você está se sentindo hoje, Isis?

— Tirando os enjoos matinais, estou bem.

O médico sorriu em solidariedade. Ao menos um homem ali me compreendia.

 

 

 

Capítulo Onze


E nquanto andávamos pelo estacionamento, Blake parecia alheio a discussão que havíamos tido. Estava tranquilo e relaxado. Feliz porque o médico disse que estava tudo bem com o bebê.

— Aonde você quer almoçar?

— Eu vou almoçar na minha casa. Você, não faço ideia.

Ele me encarou. Aquele rosto de homem mais velho que tem que educar a menininha. Juro, aquela face resignada estava a cada dia me dando mais nos nervos.

— Ora, vamos lá, Isis. Você não está louca para encher minhas orelhas de reclamações? Aproveite então o almoço. Eu pago.

— Me deixa em paz — resmunguei.

— Não como nada desde ontem à noite, Isis. Precisei cumprir minhas obrigações de hoje durante a madrugada. Por favor, estou te pedindo.

Eu respirei fundo. Chegamos até meu carro.

— Você vai voltar para a Capital hoje?

— Sim. Por quê? Você quer que eu fique aqui pra ficar te ouvindo reclamando e surtando?

A amargura em sua voz me tocou.

— Blake...

— Lá vem... Olhe, gostaria de almoçar com você antes de ir, mas, se isso te enoja tanto, apenas me diga para que eu possa ir.

Ele parecia exausto. O observei melhor, as olheiras denotavam a noite em claro. Blake estava se esforçando para vir me ver.

— Vamos almoçar — murmurei. — Que tal pizza?

— Por que você tem essa inclinação por comidas ruins?

— O bebê gosta.

— O bebê? Sério?

— Juro — eu ri.

Ele relaxou um pouco.

— Ok, Isis. Então, vamos dar pizza para o bebê.

 

 

A pizzaria estava a apenas quinze minutos de distância, e Blake cochilou tão logo o carro começou a se mover. Isso me preocupou. Eu não queria ele na minha vida, mas isso não significava que eu queria vê-lo destruído pela exaustão, também.

Quando chegamos, puxei o freio de mão, e ele abriu os olhos e observou em volta.

— Eu dormi?

— Você veio de carro? — indaguei. — Como vai voltar dirigindo para a Capital se mal consegue manter os olhos abertos?

— Não seria a primeira vez — ele murmurou.

Nós entramos no pequeno bistrô italiano e escolhemos uma mesa próxima de uma janela aberta, onde o sol adentrava e iluminava. Depois, o garçom trouxe o cardápio. Peguei uma tradicional Marguerita e Blake uma pizza de frango.

Nós só voltamos a conversar quando as pizzas chegaram. Tão logo o garçom se afastou, Blake disse, baixo:

— Eu não quero brigar, mas por que você não está descontando os cheques?

— Você sabe porquê — retruquei.

— Isis, eu não sei — afirmou. — Não tenho a menor ideia. Por que você recusa a minha ajuda? Por que foi embora da Capital, para começar? Meu trabalho nunca te envolveu. E o que eu faço é dentro da lei. Tudo que eu consigo pensar é que você me odeia, só não entendo os motivos.

— Eu não te odeio, Blake — eu murmurei, incapaz de encontrar seus olhos.

— Então o que é? Por que você não aceita minha ajuda?

Eu respirei fundo. Larguei o pedaço de pizza no prato.

— Blake, eu cresci em abrigos, cresci sem apoio moral. A única pessoa que ia me ver era minha tia-avó, Joanna, e seu marido. Eles são muito pobres e nunca puderam me adotar nem me dar nada... Mas, me deixaram uma única herança que são seus princípios. Oh, não estou dizendo que sou perfeita, nem nada do tipo... Mas, quando estivemos juntos... Você sabe...

Ele suspirou.

— O que isso tem a ver com aceitar minha ajuda? Sábado foi à primeira vez que falei com você em um mês. Estou fazendo o que você pediu. Manter-me afastado não é suficiente?

— Se existe um preço para entrar na minha vida, esse preço não é o dinheiro, Blake.

Ele não disse nada e eu finalmente olhei para cima. Seus olhos estavam furiosos.

— É isso que você pensa que estou fazendo?

— Eu não sei o que você está fazendo — admiti.

— Estou tentando cuidar do meu filho. É isso que estou fazendo.

— Seu filho está dentro da minha barriga. Ele ainda não precisa de roupas, faculdade, nem nada do tipo. Nesse momento eu sou perfeitamente capaz de prover tudo que ele precisar.

— Isis, o que você quer que eu faça? Que eu me converta para a sua religião? Eu nem sei qual é a sua religião!

— Eu não tenho uma religião. Isso não tem nada a ver com religião, poxa!

— Então por que te incomoda tanto?

— Meu Deus, Blake. Por que não me explica seus motivos? Como você pode massacrar as pessoas e não ter nenhuma culpa?

Ele me encarava. O semblante sério e os lábios serrados. Eu sabia que ele não me diria. Porque Blake jamais confessaria o que quer que fosse.

— Isso não envolve você.

— O dinheiro que quer usar para sustentar meu filho vem dos seus negócios, então, sim... Envolve-me!

— Sabe a verdade? Você é apenas orgulhosa! Cheia de si, achando que vai dar conta, que vai pagar o aluguel e cuidar de uma criança com seu salário baixo. Que cortando gastos tudo vai dar certo no final. Seu otimismo vai ser derrubado pela verdade, quando as coisas começarem a se complicar.

Era assim que ele me via. Uma incapaz.

— Você tem direito de fazer suas escolhas e eu tenho direito de fazer as minhas — apontei.

— Você me queria longe — ele disse. — Deixou bem claro que não aceita que eu me aproxime porque não concorda com minha forma de agir. Ok, entendo. Não concordo, mas entendo. Contudo, o que não está claro é porque você não pode aceitar minha ajuda financeira. É tudo que estou pedindo, Isis. Deixe-me ajudar o bebê. Não o prive das coisas de que precisa. Como esse dinheiro chega a você não importa. É limpo, é honesto. Eu ganhei trabalhando.

Não era verdade, porra! Mas, eu apenas estava cansada demais para discutir.

— Eu sinto muito — disse suavemente.

Ele pegou minha mão. Eu senti todo meu corpo formigar. Eu o amava. Meu Deus, como era difícil dizer não para aquele homem.

— Sabe o que mais machuca? Você nem me dá o benefício da dúvida. Você criou a sua opinião... e pronto! Ela está completamente certa, não importa o quanto eu peça que confie em mim.

— Como posso confiar se você não conta nada?

— Um dia eu poderia te contar, mas não agora. Agora peço que simplesmente confie em mim. Acima de tudo, o que estou pedindo é que você não castigue nosso filho. Quem você acha que vai sofrer mais por conta do seu orgulho?

Eu suspirei.

— Sabe... Você quer continuar trabalhando e eu acho isso válido, mas sabe que não vai conseguir criar uma criança com seu salário.

— Sim, eu sei.

— Eu andei perguntando na Capital...

— Na Capital?

— Bom, eu vivo lá e conheço muita gente por causa dos negócios, e... enfim...

— Enfim?

— Um amigo meu precisa de uma secretária. Ele é um executivo de uma farmacêutica.

— Meu Deus, e você pediu emprego para mim?

— Estou tentando te ajudar.

— O que esse homem vai pensar de mim?

— Ele vai pensar: “ Nossa, eu tenho uma vaga aqui e o Blake conhece alguém que pode preenchê-la ”! Olha, eu não consegui o trabalho para você. Você ainda tem que fazer isso. Tudo o que fiz foi encontrar uma oportunidade. Eu não entendo como você consegue se chatear por coisa tão pouca.

Eu baixei a minha face. Ele estava certo.

— Você quer as informações de contato? — ele perguntou, sua voz cheia de aborrecimento.

— Sim, quero.

Ele me deu um cartão.

"Emma Jordan".

Embaixo dizia “Gerente”.

O encarei furiosa. Nem sei por quê!

— Uma amiguinha?

— Sim, uma amiga.

— Que tipo de amiga ela é? — Perguntei apenas para ser arrogante. Eu não tinha ciúmes, isso não fazia parte da minha personalidade, mas eu queria vê-lo perder aquele ar superior ao menos uma vez.

— Isso importa?

— Digamos que eu não estou disposta a conseguir emprego de alguém que você anda fodendo.

Eu vi seus lábios estreitarem.

— Ela é a irmã de Lance, o executivo que lhe disse. É uma pessoa maravilhosa. Devia aprender a controlar a boca.

Merda! Eu queimei de vergonha.

— Desculpe... — murmurei enquanto colocava o cartão na bolsa. — Desculpe mesmo. Posso pôr a culpa nos hormônios?

— Você vai colocar, de qualquer forma.

— Pois é, quem mandou me engravidar?

Ele sorriu, mas não parecia satisfeito. E quem poderia culpá-lo? Eu estava sendo uma vaca, e por nenhuma razão estava rejeitando todos os seus poucos avanços.

 

 

— Eu posso pagar o almoço ou isso é machista demais para você? — ele indagou.

Eu lhe destinei um sorriso fraco.

— Eu vou aceitar, você está merecendo um afago depois de tanta coisa que ando lhe dizendo.

Ele jogou duas notas de vinte na mesa.

— Você está pronta?

Eu me levantei quando ele recuou, esperou que eu passasse na frente dele e depois seguiu. Quando saímos, não aguentei mais.

— Blake... desculpe-me. Eu tenho agido tão mal...

— Não importa.

Como porra do caralho não importava? Parei na frente dele, forçando-o a me encarar.

— Eu não deveria estar tratando você assim. Então eu peço desculpas.

— Desculpas aceitas.

Boceta! Desculpas aceitas meu cu ! Ninguém aceita desculpas assim, tão prontamente e com o rosto amuado!

— Você vai aceitar meus cheques? — ele cortou meu pensamento. — Se você fizer isso, e tentar ser agradável uma ou duas vezes por mês, nós podemos passar por isso com um mínimo de respeito mútuo. Eu não espero que você fique feliz em me ver, mas seria bom se não estivesse me ofendendo toda vez que eu me aproximo.

— Blake...

Meu Deus, eu estava ao ponto de chorar.

— Você não entende como isso é difícil para mim... — murmurei.

— Difícil para você? E eu? Eu sou o descartável aqui! Eu tento me aproximar e fazer tudo que um homem decente faria, mas você me escorraça toda vez. Não percebe o quanto quero você. O quanto você me enrijece a cada passo. Você é a mãe do meu filho, mas você não me quer por perto. Isso é complicado, é doloroso. Essa é a palavra, Isis. Dói, Isis. Dói estar tão perto de você e saber que você não me quer.

Não era verdade!

— Eu não quero te machucar, Isis. Eu só quero o que é melhor para você. Porque vai ser difícil. É difícil para uma mulher num ótimo emprego, com casa própria e um marido para ajudar. Como você acha que vai ser para uma mãe solteira, com avós idosos, e um emprego que paga pouco mais que o mínimo? Eu entendo que você não quer sair da sua cidade, mas eu queria te dar uma opção.

— Você sabe... Eu não sou incapaz...

— Isso não é uma crítica, não encare tudo que eu falo como uma. Eu acho que você vai ser uma mãe maravilhosa. Eu só quero simplificar as coisas e dar uma chance melhor ao nosso bebê.

Ele olhou para mim por um momento e eu vi seus olhos ficarem cheios de lágrimas. Ele pegou meu rosto em suas mãos e me beijou, como se estivesse se despedindo para sempre, antes de dar um passo atrás.

— Eu vou de táxi até o estacionamento que deixei meu carro — murmurou.

Eu senti tanta vergonha que queria chorar.

— Não, Blake. Venha para casa comigo.

— Por quê? A última vez que você me convidou para a sua casa nós acabamos fazendo amor, e depois você me mandou embora. Eu não preciso disso novamente.

— Você está cansado. Pode dormir no meu sofá por algumas horas antes de sair.

— Você se importa comigo? Sério? — ele sorriu, triste. — Porque nunca demonstrou, Isis.

Nunca demonstrei?

Busquei com a mente. Nossa relação do passado, nossos momentos a dois. Eu vasculhei, mas não encontrei nada que pudesse denotar preocupação.

— Eu te olhava como um super homem poderoso — expliquei. — Mas, eu entendo que é apenas um homem — dei os ombros. — E não quero que o pai do meu bebê morra na estrada porque não resistiu ao sono.

Ele olhou para mim por um momento. Eu agradeci a Deus quando ele assentiu.

 

Nós fomos até o estacionamento onde ele havia deixado seu carro. Depois, ele me seguiu até meu prédio.

— Vou tentar ficar quieta — disse. — Você pode descansar na minha cama, se quiser. Eu vou trabalhar no turno da tarde.

Ele assentiu.

— Quem limpa a sua casa?

— Eu. Por quê?

— Você trabalha o dia todo e ainda cuida da sua casa?

— Igual milhares de mulheres no mundo todo.

— Eu trabalho o dia todo e chego em casa destruído. Se não fosse minha empregada, com certeza eu moraria num ninho de ratos.

Eu sorri.

— Você daria um jeito, tenho certeza — eu disse, indo para o banheiro.

Queria tomar um banho antes de ir para o trabalho.

 

Quando saí do chuveiro ele estava lavando as louças. Não eram muitas, mas parecia disposto a ajudar.

— Você não devia estar dormindo?

— Estou me sentindo cheio de poeira da estrada. Então, deixa pra lá...

— Quer tomar um banho? — perguntei.

— Eu não tenho roupas limpas.

— Tome um banho e vá descansar de toalha — sugeri. — Ninguém vai aparecer para te importunar.

Blake aceitou minha sugestão, não sei se porque ele queria ficar de toalha na minha frente ou porque realmente parecia exausto.

Ele deixou as roupas na porta do banheiro e eu as recolhi, para pôr na maquina de lavar. Eu tinha algumas roupas para limpar também, então aproveitei e pus tudo junto.

Mais tarde, quando voltei para o quarto, ele saía do banho vestindo apenas uma toalha em volta da cintura. Eu tentei não olhar, mas foi difícil.

— Isis? — ele me tirou do torpor.

— Oi? — ri de nervoso. — Blake, por favor, vá deitar. Você parece que vai desabar na minha frente.

Ele não fez nenhum movimento para me seduzir, mas eu não pude deixar de desejar que a toalha caísse. Se isso acontecesse, o que eu faria?

Blake era muito sensual, era alto, forte, um corpo esculpido em uma carne bronzeada. Ele fazia minha boca secar e sabia disso. Mas, naquele instante era apenas eu que me sentia disposta a tê-lo.

Blake caminhou até minha cama e puxou os lençóis. Ele deitou-se e eu me preparei para sair.

No fundo, queria jogar tudo para o alto e ir para a cama com ele. Lembrei-me de que aquilo não estava em discussão.

Então, decidi deixar de ser fraca e saí do apartamento.

Eu terminei aquela relação. Não apenas uma vez. Eu devia ser forte para deixá-la onde devia: no passado.

 

 

Capítulo Doze

E u havia passado a manhã no médico, e é claro que precisava ser proativa durante à tarde, no meu trabalho. Compensar minhas faltas ou ausências frequentes pelo enjoo para ir ao banheiro era uma obrigação.

Por mais que as mulheres do escritório se mostrassem dispostas a me ajudar, meu contrato de trabalho exigia que eu cumprisse com as metas estabelecidas mensalmente.

Contudo, mesmo que me esforçasse, no meio da tarde eu já estava exausta.

Eu verifiquei os balanços de uma empresa e senti vertigem. Havia muitas notas para serem lançadas no sistema e não tinha certeza que conseguiria dar conta de tudo até o final da tarde.

De repente, Kelly apareceu ao meu lado. Encarei minha chefe e vi que o semblante dela estava bem sério.

— Tudo bem, Isis? – ela indagou.

Os olhares de Jessie e Denise volveram para mim.

Havia alguma coisa ali, eu não era exatamente capaz de captar, mas eu sabia que havia.

Suspirei.

Em alguns países, quando você engravida a lei te protege. No meu, os contratos de trabalho são específicos. Se você não rende o esperado, não importa sua condição, você dá a chance de ser demitida.

Eu precisei manter, a custo, minha compostura. Kelly sempre foi uma defensora das mulheres, e eu não podia acreditar que ela pudesse me despedir porque eu havia engravidado. Não aconteceu de propósito e aquele era meu ganha-pão.

— Suas tonturas ainda não passaram? – ela questionou.

— Estou encerrando o trimestre. Em breve ficarei melhor.

Mas, depois de seis meses, eu daria a luz e teria que faltar ao trabalho. A licença era mínima, o bebê teria que ir para uma creche...

— Quando você terminar essas notas vá até o meu escritório, está bem?

Eu assenti.

Eu sabia que aquele era meu último dia no escritório.

 

Eu bati de leve na porta. Era possível ouvir Kelly batendo rapidamente nas teclas do teclado.

— Oi. – murmurei, abrindo a porta.

— Sente-se e feche a porta, por favor.

Seu tom era neutro e decidido.

— Você sabe que as coisas não estão fáceis, Isis – ela começou, assim que eu me sentei. – Não é fácil ter essa conversa com você, especialmente porque somos mulheres, temos esse lance de sonoridade entre nós...

Tínhamos?

— Mas, acima de qualquer coisa, eu sou sua chefe e eu preciso manter o escritório funcionando corretamente. Se ele não cumpre o que é estabelecido com os clientes, vou acabar fechando e Jessie e Denise ficaram sem trabalho.

Eu permaneci muda. Não havia realmente o que dizer.

— Isis, você é uma boa assistente. Mas desde que ficou grávida você falta muito ao trabalho, precisa ir a consultas, e todas essas coisas. Sua ausência aqui acaba atrasando o trabalho das demais meninas.

— Eu sinto muito.

— Se eu pudesse te ajudar de alguma forma, eu faria, Isis. Mas, eu realmente acho que não dá mais.

Silêncio. Então era assim que funcionava. Direitos das mulheres apenas enquanto elas fossem úteis.

— Oh, puxa... Estou me sentindo uma cretina – Kelly murmurou. – Vamos fazer o seguinte? Eu não quero te deixar sem salário agora, então você pode ficar até achar outra coisa, está bem?

Eu segurei o choro diante dela. Segurei até o final do expediente. Fui para o estacionamento com as lágrimas retidas nos meus olhos, mas quando fechei a porta do carro, eu desabei num pranto sem controle.

Durante meu tempo naquele lugar, eu nunca dei nenhum motivo para uma reclamação. Mesmo faltando, eu lutava para cumprir tudo que podia. Então, ouvir que eu era dispensável por causa da minha barriga machucou muito, não apenas meu ego trabalhador, como minha face como mulher.

Isso não devia acontecer. Nenhuma mulher devia ser humilhada por ficar grávida. Nós devíamos ser protegidas e cuidadas, porque gerávamos uma nova vida. A realidade, contudo, foi jogada na minha cara, da maneira como Blake disse que iria.

Do dia para a noite, eu deixei de ser uma assistente responsável para ser um peso no escritório. Jessie, que disse que me ajudaria, Denise, que eu achava ser minha melhor amiga, não moveram um dedo para me proteger ou precaver sobre o que viria.

Então era assim que as mulheres se amparavam? Minha avó me disse pra dar a criança, Kelly para que eu abortasse, Denise e Jessie me disseram palavras boas, mas me viraram as costas... E foi Blake, com seu jeito bruto, o único a me estender a mão.

Eu sequei as lágrimas. Decepções fazem parte da vida. E eu sobreviveria a todas elas, junto com meu filho, e ainda seria muito feliz.

 

Eu achei que Blake já tivesse ido para a Capital quando entrei no meu apartamento. Contudo, ele estava na cozinha, bebendo uma xícara de café, e me encarou com curiosidade:

— O que houve?

Eu sabia que estava com o rosto inchado pelas lágrimas. Não tinha porque mentir.

— Parece que minha chefe não acha que eu seja mais útil a empresa. – Contei, mas mudei de assunto, não queria falar disso. – Achei que tivesse voltado para a Capital – observei.

— Eu tenho que ir, mas pensei em ficar um pouco mais para jantarmos juntos.

— Jantar? Não sinto fome.

Cruzei por ele e fui até o quarto. Estava tão cansada, abatida. Sentia-me como se fosse Davi e tivesse acabado de lutar contra o gigante.

— Quer conversar sobre o que aconteceu no seu escritório?

— Por Deus, não...

— Ei Isis – ele se aproximou e me abraçou. – Está tudo bem...

Blake era firme e forte. Eu fiquei segura nele por um tempo.

– Vou ser demitida.

— Por quê?

— Porque eu fico tão cansada que não consigo render mais o que esperam. Porque atraso a entrega das notas. Porque passo boa parte do dia no banheiro. E porque meu contrato com Kelly explícita que ela pode me colocar na rua se eu não cumprir com as minhas obrigações.

— Eu sinto muito.

Eu esperei que ele dissesse o famoso “ eu te avisei ”, mas Blake simplesmente me apertou mais nos braços, como se pudesse me dar um pouco da sua força.

— Eu não sei o que vou fazer, Blake. Eu sempre dei o melhor de mim em tudo. Estou no meu limite...

— Sua chefe foi rude com você?

Eu lutei contra as lágrimas. O abraço cessou e nós nos sentamos na cama.

— Não. Na verdade ela foi até legal. Disse que me dará um tempo para achar outro trabalho...

— Grávida? Que tipo de megera ela é?

— Ela só está sendo protetora com sua empresa. Ela não tem nada a ver com os meus problemas.

— Eu jamais demitiria uma empregada grávida – ele afirmou. – É desumano.

Foi estranho ouvir aquilo. Kelly, para mim, era o estereótipo da chefe perfeita. Blake era o vilão mau que destruía as pessoas.

— Gostaria que houvesse algo que eu pudesse fazer para ajudá-la.

— Você já está ajudando.

Ficamos sentados e quietos. Minha mente num turbilhão de pensamentos. Minhas certezas se desmoronando diante dos últimos acontecimentos.

Blake estava sendo tão solidário e doce. Ele não parecia o homem que eu havia conhecido no passado. Mas, ao mesmo tempo, suas ações do passado ainda me atazanavam.

E se houvesse uma explicação? Ele havia me pedido para confiar nele. Estava tão insegura, mas agora eu queria me agarrar nele, e não deixá-lo partir nunca.

— Você precisa voltar hoje? – murmurei.

Ele me encarou. Seus olhos pareceram obscurecer. Ele entendeu a pergunta como um convite, mas mesmo assim não se moveu. Então me aconcheguei ainda mais perto e me estiquei para beijar seu pescoço.

— Isis – ele sussurrou. – Você sabe que eu não vou conseguir me segurar...

— Eu não quero que você se segure...

— Por favor...

— Eu quero que você me abrace até que tudo fique bem novamente. Você pode fazer isso, Blake? Segurar-me nos seus braços e não me soltar?

Eu me inclinei, oferecendo meus lábios. Blake me encarou, sua respiração irregular.

— Me beije, Blake...

Mas, ele não se mexeu. Percebi que havia machucado seus sentimentos, naquele instante. Ele sempre esteve lá para mim, e eu sempre o expulsei. Então se eu o queria, eu tinha que agir.

Puxei sua cabeça para baixo enquanto me estiquei para ele. Percebi seu corpo se retesar. Ele estava se contendo, tentando não levar aquilo à diante, mas eu o queria mais que o ar.

Então eu o beijei com tudo que eu tinha. Com todos os meus medos e frustrações, com toda minha malícia e pecados.

Sua boca abriu, finalmente aceitando o beijo, e eu pressionei, precisando sentir sua força.

— Isis, já chega - ele respirou e se afastou.

— Fique comigo, Blake. Não quero que você vá.

— Isis, nós já sabemos como isso começa e como termina. – havia amargura na sua voz.

— Eu sei. Eu sei que tudo é doloroso, mas ainda assim eu quero, eu preciso.

– Por quê?

— Porque eu quero entender você, quero confiar em você...

— Isis, você me deixou e pôs na cabeça que eu sou um desgraçado, um monstro que rouba pessoas sofridas. O que mudou? Por que agora você me quer de volta?

— Eu estou com medo, Blake. Eu preciso de você, não do seu dinheiro, mas de você. Eu preciso que esteja ao meu lado para eu não passar por tudo isso sozinha.

— Eu não vou largar a minha empresa nem os meus negócios.

— Você disse que se eu lhe desse um tempo, você terminaria de resolver algumas pendências e então podia ser meu. Isso ainda se mantém?

— Sim – afirmou. – Eu disse a verdade. Eu tenho coisas para resolver da empresa. Mas, quando eu terminar, eu posso ser seu, inteiramente.

Estava inundada de emoções que eu não conseguia entender. Aquela promessa se cumpriria? O que restaria para mim? Esperança ou arrependimento? Euforia ou desgosto?

— Eu espero – murmurei. – Espero você terminar o que quer que esteja te comprometendo.

Meu Deus, eu não podia estar falando sério.

Eu estava me dispondo a aguardar Blake destruir mais pessoas, para depois voltar para mim como se nada tivesse acontecido?

Ele sorriu. Eu percebi o nítido entusiasmo em seu semblante

— Isso é tudo que peço, Isis. Um pouco de paciência.

Não haveria paciência. Porque antes que as coisas se tornassem loucas, minha consciência iria pesar e eu o afastaria. Eu sabia. Mas, naquela noite não importou.

— Durma comigo – pedi.

— Sem arrependimentos? Porque para mim será para valer. Eu estou aqui com você e você estará aqui para mim. É uma volta?

Uma volta?

— Sim, nós vamos voltar – eu murmurei.

Eu precisava desesperadamente sentir o corpo dele, sentir algum calor. Eu estava destroçada e precisava de algo a que me firmar.

— Você tem a minha palavra — ele sussurrou antes de cobrir a minha boca com a sua — , que eu vou te fazer muito feliz.

Eu me inclinei no beijo, forçando a cabeça de Blake para trás enquanto me levantei e me sentei montada nele, me perdendo no beijo. Ele me puxou, segurando-me com força, seus braços em volta de mim, me firmando para que eu me sentisse protegida de uma forma que nunca estive antes.

Ele se afastou do beijo, seus lábios indo para minha garganta, onde ele beijou, sua língua ocupada acariciando minha pele.

Eu o queria.

Eu queria cair profundamente, loucamente, de cabeça para baixo, em tudo que ele podia me dar.

— Me fode, Blake — eu sussurrei enquanto segurava a cabeça dele no meu pescoço, meu rosto inclinando-se levemente contra o cabelo dele.

Ele me jogou na cama, caindo comigo, me pressionando no colchão com seu peso. Ele olhou para mim, talvez se perguntando se eu iria rechaçá-lo novamente, mas eu sorri para ele.

— Que horas precisa estar na Capital?

— Amanhã de manhã.

— Fique comigo até amanhã, então. E não me deixe antes disso.

Eu o vi abrindo os botões da camisa.

— Você não vai se arrepender, Isis...

Eu não queria ouvir. Ouvir seria confrontar minha consciência, e hoje não estava disposta a isso. Eu só queria Blake em mim, me fodendo, metendo, enquanto meu corpo exalava o gozo da paixão.

Eu o ouvi respirar fundo, depois o beijo ficou mais profundo e eu senti-me derreter num calor forte.

Era mais do que apenas um beijo; ele estava me fazendo uma promessa, uma promessa que de bom grado aceitei e retornei. Quando o beijo começou a ficar fora de controle, eu o empurrei. Ele levantou-se em suas mãos e olhou para mim, seu rosto escurecendo em mágoa.

Eu sorri, silenciosamente dizendo a ele que não estava brincando com suas emoções.

— Tira a roupa – mandei, num sussurro.

Saí da cama, diante do seu olhar em brasa.

— Já volto.

Eu havia chegado naquele apartamento completamente arrasada, com olheiras e olhos lacrimejantes. Além disso, havia passado o dia trabalhando, tentando colocar as notas em ordem, e devia estar suada por baixo da roupa social.

Eu queria que fosse especial, tudo em mim agradável, meu gosto e meu cheiro. Então, fui até o chuveiro e tomei uma ducha. Fui rápida, mas cuidadosa. Quando voltei ao quarto, Blake já estava nu, a roupa de cama cobrindo-o até a cintura, parecendo um comercial erótico de um filme adulto.

Eu senti vontade de rir. Mas, ao mesmo tempo, veio aquela antecipação e excitação que me tomava quando o via.

Deslizei entre as roupas de cama. Cada vez que fazíamos amor, tinha sido especial, mágico até, e eu estava ansiosa para hoje à noite. Eu me envolvi com ele e o beijei com tudo que eu tinha. Eu estava assim, entregue completamente. E Blake sabia.

Ele rolou, deixando-me de costas, me embalando em seus braços, e então me beijou. E que beijo! Enquanto ele chupava meu lábio inferior eu podia sentir meus dedos deslizando eroticamente pelo meu corpo.

Logo, ele baixou-se. Contorci-me de prazer quando ele brincou com o interior da minha coxa com a língua, me molhando, me deixando em um fogo acesso e avassalador.

— Por favor — eu implorei quando comecei a empurrar meus quadris, tentando fazê-lo começar, mas ele se recusou a se mover.

Blake balançou minha perna, inclinando-me para o meu lado, e colocou a minha perna por cima da sua, de modo que eu tinha uma visão dos nossos corpos unidos, antes que ele começasse a se mover.

E quando ele o fez, um prazer explodiu de mim de um modo que nunca tinha experimentado antes.

Eu toquei seu pênis, sentindo a carne dura lambuzando-se sobre minha pélvis. Ele se moveu lentamente, distribuindo o prazer em medidas que me fizeram nadar em êxtase quando sua dureza me tocou de uma forma que eu nunca havia sido tocada antes.

Eu me senti selvagem e fora de controle.

— Mete — eu implorei, alcançando o orgasmo. – Mete em mim...

O gemido que escapou de Blake quando começou a entrar em mim foi o som mais erótico que eu já tinha ouvido. Comecei a queimar em fogo orgásmico, minha pele quente como se estivesse sofrendo, exposta ao sol em uma altura assustadora e imponente.

— Oh, céus – eu murmurei.

Eu queria gritar de prazer. Era tão incrível. Era tão impactante. Com Blake sempre era especial.

— Mais duro — implorei, instigando-o, tentando levá-lo ao orgasmo. – Mais rápido.

— Eu vou gozar — ele engasgou, seus golpes se tornando ainda mais e mais rápidos.

Eu sabia que ele não queria que o orgasmo chegasse tão rápido. Ele queria aproveitar.

Mas, Blake, seu idiota... Tínhamos a vida toda para isso...

— Deixa vir — eu comecei, mas antes que eu pudesse completar o pensamento, ele estremeceu forte, segurando-se dentro enquanto ele grunhiu suavemente com cada gota de sêmen que senti dentro de mim.

Ele se desvencilhou das minhas pernas e caiu de costas, me puxando para perto e me envolvendo em seus braços com um profundo suspiro. Eu sorri quando me mexi para trás, me apertando, apreciando a sensação de sua masculinidade ainda dura pressionando contra a minha bunda e seu peito nas minhas costas. Eu queria dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas eu não consegui encontrar as palavras, então eu o alcancei com as mãos e acariciei seu rosto suado.

— Obrigado por me deixar ficar. Obrigado por me dar uma chance — ele murmurou enquanto acariciava meu pescoço com sua boca molhada.

Não queria pensar nas implicações daquilo, então não pensei. Simplesmente sorri e suspirei suavemente enquanto fechava os olhos.

Eu estava segura e protegida. Nisso eu podia acreditar.

 

 


Capítulo Treze

K elly me chamou no escritório tão logo eu cheguei, naquela manhã. Assustei-me um pouco com aquele convite, mas a segui em silêncio. O que ela poderia querer de mim?

— Isis, eu não vou te demitir – ela murmurou, assim que fechou a porta.

Sentei-me na cadeira. Ainda não entendia o que estava acontecendo. Por que ela havia mudado de ideia? Era por conta das causas que defendia?

— Eu pensei muito e, puxa... Eu me senti muito mal por causa disso. Entende?

Sim, eu entendia. Mas, claro, algo entre nós havia se quebrado. Ela havia dito no passado que eu podia contar com ela, e pouco depois deixou claro que me queria fora.

— Sim – respondi, apesar disso.

Afinal, eu precisava do trabalho.

— Você pode não contar para ninguém sobre ontem?

Então era isso. Eu senti-me pior do que ontem. Simplesmente, uma questão ideológica para minha chefe. Pôr-me na rua significava que ela era patriarcal como acusava a sociedade. Ter-me por perto, faria bem a sua imagem e ao seu ego.

Eu queria me levantar e ir embora. Mas, eu não queria depender de Blake, também. Então fui prática e dei a Kelly o que ela pediu, meu silêncio.

Voltei ao trabalho como se nada tivesse acontecido, e nos dias que vieram, eu cumpri todas as metas, mesmo que no final de cada dia meu corpo doesse e reclamasse.

No mais, as coisas se acalmaram. Blake me ligava todas as noites depois de eu chegar do trabalho, e tê-lo tentando me animar depois de um dia ruim era sempre um alento.

Numa das tardes, após eu cumprir meu expediente, Kelly aproximou-se da minha mesa:

— Isis, iremos dar uma palestra final de semana sobre mães no ambiente de trabalho. Você quer ir?

Eu só queria me sentir normal de novo. Não um elefante no meio do escritório.

— Vou pensar – respondi.

Ela se afastou e eu saí rapidamente. No carro, busquei o celular. Liguei imediatamente para Blake.

— Alô?

— Oi – murmurei. – Eu não te contei, mas Kelly disse que não vai me demitir – despejei.

Estava muito nervosa e precisava desabafar.

— Oh, que bom – ele murmurou, após minhas palavras.

— Ela quer me usar para afagar seu ego representante de alguma coisa social. – Eu estava quase chorando. – Primeiro ela me sugere abortar, depois ela diz que me quer fora, agora me sugere ir aos seus encontros de direitos femininos para demonstrar que serei mulher, mãe e profissional.

— Ela disse para você abortar? – só então percebi a voz dele furiosa.

— Isso foi antes de eu contar a você – expliquei. – Foi apenas uma vez, ainda no início.

Ele respirou fundo. Eu pude ouvir o som da sua respiração.

— Bem, o que posso dizer? Eu realmente não acredito em justiceiros sociais. Sua tia-avó é cristã, não? Você acredita em Deus?

Eu acreditava em Deus. Mas, não sabia me definir religiosamente.

— Você já leu a Bíblia? – Blake indagou.

— Não. Você já?

— Minha mãe lia para mim – ele contou.

E eu fiquei muito surpresa, já que a mãe dele também se prostituía.

— Você sabe o que diz a Bíblia? Algo sobre quando alguém faz o bem com a mão direita, a esquerda nem deve ficar sabendo? Então, para mim qualquer um que se propõe a ajudar alguém, mas quer expor essa ajuda, na verdade só quer plateia e aplausos, a famosa “glória dos homens”.

Aquilo significava que quando Blake ajudava alguém, ninguém ficava sabendo?

Mas, e as pessoas que ele feria?

— Isis? – ele me chamou, pois provavelmente eu estava em silêncio por tempo demais.

— Oi... Desculpe... – murmurei. – Estava pensando no que você disse.

— Certo. Preciso sair agora. Eu posso ligar para você mais tarde?

— Sim, claro.

Ouvi-o mexendo em alguns papeis.

— Isis, eu realmente gostaria de conversar, só que estou com alguns problemas aqui.

Ele não precisava se explicar. Mas, parecia querer isso para que eu não pensasse que meus problemas não tinham importância para ele.

— Problemas?

— Estava quase adquirindo o clube Babilônia na cidade de Cassis, mas o proprietário acabou desistindo. Estou tentando encontrar uma brecha jurídica nos nossos pré-acordos.

Cassis? Eu já havia ouvido aquele nome antes.

— Eu não quero te atrapalhar – murmurei. – Nos falamos mais tarde.

— Certo, querida.

Desliguei o telefone. De repente, algo veio como um furacão sobre minha mente.

Cassis! Era o nome da cidade em que estávamos antes de nos separarmos. A cidade onde ele praticamente roubou a empresa de confeitaria de uma senhorinha.

Senti-me mal. Eu não conseguiria dirigir, então simplesmente baixei a cabeça e a descansei no volante, enquanto respirava.

O que havia ocorrido em Cassis que Blake queria de toda maneira arrasar tudo lá?

Será que eu realmente queria descobrir?

 

No terceiro dia após a conclusão do trimestre, eu acordei numa manhã simplesmente sem o costumeiro enjoo. Aos poucos, minha disposição melhorou e, mesmo inchada e com dores nos pés e nas pernas, eu estava me sentindo melhor e mais confiante.

Kelly descontava minhas faltas, então meu salário reduziu um pouco e estava difícil equilibrar as contas. Mesmo assim, eu estava orgulhosa de tudo que estava fazendo.

Havia passado a ir ao supermercado com listas prontas, para evitar pegar besteiras. Cortei alguns gastos desnecessários e passei a economizar em tudo que podia para pagar o aluguel em dia.

Então, por mais que minha mente estivesse em paz com meus próprios esforços para tudo ficar bem, outra preocupação começou a me tomar.

Blake...

Nossas ligações estavam mais curtas. Ele sempre soava exausto e cansado no telefone.

— Você está bem? – eu perguntei, certa noite. – Blake, você pode falar comigo... Você pode me dizer qualquer coisa.

Ele sempre me pedia para ter confiança. Mas, ele mesmo não se abria.

— Está tudo bem – assegurou.

Era mentira.

Então numa noite chuvosa, sem avisar, uma batida na porta me acordou de um sono tranquilo.

— Blake?

— Oi – ele respondeu enquanto entrava.

E então me beijou como se eu fosse a única coisa em sua vida, como se eu fosse sua água em um deserto árido, uma boia de salvação em um mar revolto.

— Blake...

Deus, por que você não fala comigo?

— Você não parece bem – eu murmurei.

Ele sorriu, triste. Depois, caminhou até a cozinha, procurando por água. Eu o acompanhei. Observei enquanto ele tirava as botas e encostava-se à cadeira.

Estava claro que ele estava exausto. Mais do que eu.

— Você quer um banho quente? – indaguei, gentil.

— Deus, eu quero um banho quente – ele concordou.

Fui até ele e o arrastei pela mão. Ajudei-o a tirar a roupa e o deixei se banhar. Depois, voltei para cama e o esperei. Logo ele estava ao meu lado, os cabelos úmidos, mas o tom da pele um pouco mais corado.

— Eu estava tão perto de resolver minha vida, Isis – ele murmurou.

O que havia para resolver? Blake era podre de rico, tinha uma estabilidade invejável.

— É por causa daquele clube em Cassis? – joguei a isca.

— Sim. – ele caiu.

Fiquei quieta por um momento, minha cabeça num turbilhão.

— O que pode ser importante num simples clube? Existem muitos no país para você comprar e revender.

— Não, eu quero aquele.

— Por quê?

Silêncio.

— Me fale sobre Cassis, Blake – sussurrei.

Ao meu lado, ele parecia em outro lugar.

— É uma cidadezinha de bosta perto da Capital.

— E por que ela te importa?

— Eu nasci lá.

E aquilo significava o quê?

— Blake...

— Isis, chega – ele cortou. – Você não tem nada com que se preocupar. Eu quero comprar aquele clube, mas se não conseguir, não vou falir nem nada do tipo. O bebê ficará bem, e você também. Meu negócio imobiliário continua indo bem, apesar da bolha que ocorreu nos últimos anos.

Eu queria dizer tantas coisas para ele, mas resolvi mudar de assunto. Claramente Blake não falaria sobre aquilo comigo.

— Você vai ficar por alguns dias?

— Depois da consulta com seu obstetra amanhã, eu pretendo cair na estrada. Eu preciso mesmo ir para Cassis.

Bom, ao menos eu ainda o teria naquela noite. Então, me aproximei e o abracei, desejando ter dele o pouco que ele podia me oferecer.

E naquela noite foi apenas um sono tranquilo.

 

Nós acordamos cedo. Tomamos café em silêncio, havia um clima pesado no ar, eu não sabia definir exatamente o que era, mas podia senti-lo ali, entre nós.

No consultório, mantivemos o silêncio. O médico disse que estava tudo bem com o bebê e me receitou algumas vitaminas para eu reforçar meu sistema imunológico. No mais, estava liberada. As coisas seguiam como deviam.

Enquanto íamos em direção ao estacionamento, o celular dele vibrou.

— Desculpe, preciso atender – ele me disse, e afastou-se alguns passos. — Thomas, o que está acontecendo? – Houve uma breve pausa. — Ele o quê? – Blake berrou e eu senti meu corpo retesar de susto. Ele olhou para mim e eu pude ver a fúria em seu rosto. – Eu vou acabar com esse filho da puta – jurou. E então desligou. Caminhou até mim, parecia não me ver, realmente. — Eu tenho que ir – disse.

Eu estava em pânico. Ali estava o Blake do meu namoro. Aquele Blake que eu não queria perto de mim ou do meu bebê.

— O que aconteceu? – insisti.

Não vá, Blake... Eu preciso que fale comigo.

— Eu volto assim que der.

— Me diga o que está acontecendo – o segurei firme no braço. Minhas mãos tremiam.

Blake notou aquilo. Senti que ele relaxou, para tentar me acalmar.

— Eu ofereci um valor pelo clube, o dono aceitou. Depois, deu para trás, e pediu mais. Acabei concordando para encerrar logo a questão, contudo agora ele pediu o dobro, novamente.

— E o que você vai fazer?

— O que você acha, Isis? Eu vou acabar com o negócio dele.

 

 

 

 

Capítulo Quatorze

“ Eu vou acabar com o negócio dele”.

Já havia passado três dias desde que vi Blake pela última vez e a frase dele ainda me assombrava, invadia minha mente, deixava-me em estado de pânico.

Quando ele disse isso, seu olhar era o mesmo que vi ao assinar os documentos para ficar com a propriedade daquela idosa. Um olhar vazio, horrível, de puro mal.

Eu temi Blake naquela época, por isso fugi. Sua ameaça de que eu iria me arrepender soou como um aviso maléfico, mas ele não fez nada contra mim, naqueles dias. Mas, ainda assim, eu sentia que não o conhecia realmente.

Depois de voltar para a Capital, Blake me ligou e se desculpou por não ter me acompanhado até em casa. Minhas emoções estavam tão embaralhadas que eu quase disse a ele que para mim havia sido um alívio.

O que diabos eu realmente sentia por ele?

Por um lado, ele me fazia sentir amada, querida e desejada. Por outro, ele arrepiava meu íntimo e me dava medo.

Eu estava cavando minha própria sepultura sem saber?

Ok, lá estava eu novamente, sofrendo com as mesmas inseguranças que me fizeram fugir na primeira vez. E agora, eu tinha um filho na barriga e não podia me dar ao luxo de agir como uma donzela temerosa.

Tentei me concentrar no computador, mais exatamente nos cálculos que eu refazia pela terceira vez.

O lançamento das notas e o fechamento da contabilidade simplesmente não fechavam. Eu sabia que o motivo podia ser meu estado nervoso que me fazia errar os números, mas mesmo tentando me concentrar, nada batia.

Eu estava conferindo o trabalho de Denise. Era ela que cuidava do balanço daquela grande rede de supermercados, e eu temia dizer alguma coisa que pudesse ofendê-la, afinal, ela era contadora e eu apenas uma auxiliar.

Voltei novamente para a calculadora e para o balancete. Havia algum erro, mas eu não o encontrava. Talvez fosse a hora de pedir ajudar.

— Kelly – fui até a sala da chefe com os livros de receitas e despesas. – Pode me ajudar?

— No quê? – ela ergueu a face do próprio computador, me observando por trás dos óculos de grau.

— As contas não batem.

Ela me chamou com a mão e eu entrei na sala, fechando a porta atrás de mim.

Kelly e eu passamos toda a tarde verificando os dados novamente. O calculo dela batia com o meu. Contudo, os extratos não. Se havia sido um erro, fora proposital e estava afetando a empresa. Kelly parecia nervosa.

— Foi Denise quem fez isso?

— Sim...

Eu não queria dedurar minha amiga. Apesar de todas elas andarem afastadas de mim nos últimos tempos como se eu fosse leprosa, não me sentia a vontade para algo infantil como vingança.

— Tenho certeza que ela errou algo sem querer – justifiquei.

Kelly me encarou. Seu rosto era uma incógnita.

— Alguns dolares podem ser... Mas, mais de trinta mil dólares em quatro meses, acho o erro muito complicado de justificar.

Eu não podia acreditar que Denise estava falsificando notas e lançando-as com valor acima do que elas, realmente, valiam. O pagamento dos fornecedores estava ok, então a diferença tinha que ir para algum lugar.

Eu não entendia como aquilo podia estar acontecendo comigo. De repente, todas as pessoas que eu confiava, que eu acreditava que eram boas e honradas, pareciam dispostas a agir com má fé.

Será que o mundo sempre foi assim, e era eu que tentava insistir em ver o lado bom das coisas?

Durante o expediente eu vi Kelly chamar Denise para sua sala. As duas permaneceram lá por quase duas horas. Quando saíram, o rosto de Denise estava indecifrável.

Quando o horário do turno terminou, eu recolhi minhas coisas e saí em direção ao estacionamento. Antes de chegar ao meu carro, Denise me interceptou.

— Por que está tentando arrumar problemas para mim? – ela questionou.

— O quê?

— Eu não tenho culpa que você engravidou e não é mais necessária no escritório.

Eu estava sem palavras.

— Denise, é minha obrigação conferir os balancetes e avisar Kelly de qualquer diferença nos saldos.

Havia raiva no seu olhar quando ela me deixou. Eu senti que nossa amizade havia acabado ali.

Encostei-me no carro. Minha vida toda estava avassalada por tantas questões. A única coisa que eu queria era me esconder em um buraco fundo e só sair de lá quando tudo isso se resolvesse.

Se eu não fiz nada de errado, por que sempre me sentia culpada?

 

No final daquela semana, Kelly havia trazido à tona todos os balanços dos últimos dois anos do supermercado. E a perda havia sido significativa. Dados lançados errados, em valores irrisórios por nota, mas que quando se somavam davam quase cinco por cento do lucro anual.

Era uma fraude.

Uma fraude que eu descobri que minha melhor amiga praticava.

Foi difícil e duro para mim vê-la ser demitida por justa causa e ainda investigada pela polícia (sim, o supermercado deu a queixa).

Kelly tentou me dar uma promoção pela descoberta. Eu havia salvado a empresa de um escândalo.

Eu não quis a promoção.

Eu só queria desaparecer.

 

Eu me joguei no sofá e chutei meus sapatos. Se eu não estivesse grávida, eu teria enchido a cara para esquecer aquele dia difícil. Senti falta de Blake, naquele instante. Eu queria um colo, alguém para ouvir, alguém para desabafar. O pai do meu bebê parecia a pessoa ideal.

Eu evitava ligar para ele. Mas, naquele dia busquei o telefone. Estava ansiosa e, mesmo que na nossa última conversa por telefone ele parecesse estar furioso por conta do trabalho, imaginei que ambos poderiam animar um ao outro.

— Isis? – Ele atendeu após o segundo toque.

Não havia animação na sua voz. Eu senti vontade de chorar.

— Você está ocupado? Posso ligar outra hora...

Ouvi um suspiro.

— Não é você, querida. As coisas não estão correndo muito bem por aqui.

— O que aconteceu?

— O tempo que eu te pedi... Vai levar mais tempo do que eu planejei.

O que isso significava?

— Desistir não é uma opção? – murmurei.

— Eu tenho que fazer isso, ou nunca seguirei em frente, Isis.

Mais uma pausa. Nossos silêncios estavam cada vez mais longos.

— Isis?

— Estou aqui. Eu só estou pensando.

— Tudo vai dar certo. Não se preocupe. Eu farei dar certo. Você e meu bebê são minhas prioridades.

Não era verdade. Se fôssemos você estaria aqui, conosco.

— Preciso desligar, Isis. Thomas chegou.

Eu conhecia Thomas vagamente. Ele era o secretário de Blake. Lembro-me de nossos poucos encontros.

— Ok.

Eu desliguei o telefone, porque não queria ouvir nada sobre despedida em palavras amorosas. Eu queria Blake comigo, mas estava em desvantagem com seus negócios.

E por quê? O que havia lá que ele precisava tanto?

O telefone tocou. Observei o visor. O nome de Blake apareceu na tela.

Eu não queria atender, mas apertei o botão verde.

— Sim?

— Isis – a voz dele parecia tranquila. – Tudo ficará bem, querida. Eu vou resolver tudo e, quando menos esperar, estarei ao seu lado. E nunca mais sairei de perto de ti.

— E para isso você precisa foder com a vida do cara do clube, não é?

— Sim.

— Bom, por que não esquece isso e vem foder a mim?

Enfim, uma risada.

— Eu te amo, Isis. Você vai ver. Nós ainda vamos ser felizes.

Eu duvidava. Desliguei o telefone. Estava cansada de promessas.

 

 

 

Capítulo Quinze


U m dos gastos que eu cortei eram os almoços no restaurante. Passei a fazer minha refeição em casa, e guardá-la num recipiente. Levava-a comigo no dia seguinte e lanchava na mesa do escritório.

Aquilo acabou se tornando um tanto agradável. Percebi que eu gostava de comer em silêncio, especialmente depois do que havia ocorrido com Denise.

Contudo, naquele dia, isso não aconteceu. Eu estava na metade do meu prato quando o telefone tocou. Era Blake.

— Isis?

— Olá – eu respondi, rapidamente. — Quando eu vou te ver?

Eu não queria ser esse tipo de mulher, a que fazia exigências e cobranças, mas já tinha alguns dias que Blake não aparecia e eu estava começando a me enervar.

Muita coisa estava acontecendo na minha vida e eu queria mais que o pai do meu filho ao meu lado, desejava um amigo.

— Amanhã. – A voz dele soou tranquila. — Eu vou sair de manhã da Capital, devo chegar próximo da tarde.

— E você vem inteiro?

Era uma pergunta crucial. Eu preferia que ele não viesse se tudo que ele se focasse fosse naquele maldito clube em Cassis.

— Parece que sim.

Eu sorri, aliviada.

— Eu gostei de saber disso.

— É, eu também — ele rebateu, mas seu tom disse algo diferente.

Eu gelei.

— Está tudo bem entre nós?

— Sim, por quê?

— Você parece diferente, Blake.

— Eu só estou cansado – ele murmurou. – Mas, eu tentarei estar inteiro para você.

— Só... — minha voz silenciou. Senti que embargou e pigarreei antes de continuar. – Só esteja aqui. Eu sinto sua falta.

Ele não respondeu de imediato. Senti uma pontada no peito. Um pavor aterrorizante.

— Eu te amo, Isis – ele disse por fim.

E aquilo devia deixar tudo tranquilo, mas não era assim que eu me sentia.

 

Quando eu cheguei em casa, Blake estava parado diante do seu carro, o olhar sério e palavras áridas saindo de sua boca. Eu sabia com quem ele estava conversando pelo telefone. Eu podia ouvir o nome de Thomas e algumas palavras pejorativas sendo jogadas ao léu.

“ Não me interessa se ele tem família, ou o que for! Eu quero que você force as empresas fornecedoras a cortar as entregas para ele!”

Eu não queria ter ouvido aquilo, mas ouvi. E não podia fingir que não estava acontecendo.

Saí do carro e me aproximei dele. Percebi o “ eu tenho que desligar ” dito rapidamente, e então ele se focou em mim. Esforçou-se para sorrir e me dar um beijo na testa, mas aquela névoa maligna não havia se dissipado.

Talvez muitas mulheres se atraísse por um badboy . Mas, eu só queria um namorado bondoso e gentil. Um pai que daria orgulho ao meu filho.

— O que você estava fazendo? — indaguei.

— Nada importante.

— Você vai impedir o dono daquele clube de trabalhar?

Ele suspirou e não negou.

— A culpa é dele. Isso já estaria resolvido se...

— Se o quê, Blake? — gritei. — Se ele tivesse vendido a algum preço irrisório sua propriedade para você lucrar? Se ele tivesse te dado de bandeja todos os seus anos de trabalho?

Ele me encarou como se minha raiva fosse apenas mais um momento da gravidez, que devia ser desconsiderada.

— Já conversamos sobre isso. Você me prometeu um tempo. Depois que isso passar, eu poderei ser exclusivamente seu e do bebê.

Ele fez menção de tocar no meu ventre, mas eu me afastei.

— O que eu direi ao meu filho quando ele tiver idade para entender como o pai dele conquistou toda a sua fortuna?

— Não dirá nada.

— Acha que eu vou criá-lo para ser um playboyzinho que irá apenas pensar em grana, que avassalará tudo por dinheiro? Meu filho será honrado, uma boa pessoa.

— E você acha que vou impedir que faça isso?

— Seu exemplo é péssimo — retruquei. — Você tem que parar com isso! E parar com isso agora!

Ele arregalou os olhos. Talvez conseguisse perceber que estava me perdendo pelos dedos frágeis de suas mãos.

— Isis...

— Não — eu me afastei. — Eu estou te dando uma escolha. Estou me dando uma escolha, também. E talvez seja a melhor saída para nós.

Eu esperei que ele retrucasse, negasse, agarrasse-me e dissesse que tudo ficaria bem, mas para meu desespero, percebi Blake assentindo.

— É, talvez seja. É melhor eu voltar quando tudo isso já esteja finalizado.

Senti-me tão sozinha e vulnerável. Eu não queria que ele se fosse, mas eu tinha medo que ficasse.

— Eu acho que você já fez sua escolha, Blake — murmurei.

Os negócios eram mais importantes do que eu ou o filho dele. Eu estava dilacerada.

— Eu sinto muito — ele murmurou.

Ele pegou meu rosto em suas mãos e me segurou suavemente, olhando nos meus olhos, me encarando como se para memorizar cada detalhe do meu rosto. Então ele me beijou, um beijo doce e gentil, sem calor, mas cheio de sentimentos. Depois, segurou seus lábios nos meus e então respirou fundo enquanto recuava. Ele parecia tão triste que meu coração se partiu por ele, mas eu sabia quem sofreria mais.

— Adeus Isis.

 

 


Capítulo Dezesseis


T odo mundo já sofreu por amor. Chega a ser besta sentir o coração tão em frangalhos por algo tão pequeno, mas eu sabia que precisava reagir porque não era mais sozinha.

Minha barriga já estava saliente. Eu gostava de me sentar e olhar para baixo, sentindo aquela leve pressão, um ser vivo crescendo em mim.

No escritório as coisas não melhoraram muito, mas parei de dar atenção. Kelly me deixou tranquila após eu ter descoberto o esquema de Denise, e uma nova funcionária iria ser admitida em breve, para reorganizar os balanços que estavam pendentes.

Eu estava dando meu melhor e minha chefe sabia. O resto não me importava mais.

Naquele dia, eu estava me preparando para deixar minha mesa quando o celular tocou.

Olhei no visor. Era Blake.

— Oi – disse, sentindo o coração doer no peito.

— Oi. Você está bem?

— Sim.

— Eu posso ir te ver no final da semana?

Eu olhei para o meu telefone tentando absorver toda aquela questão. Desliguei. Foi um ato impensado. Foi uma reação automática, um pedido desesperado de socorro da minha sanidade.

Houve duas chamadas perdidas, ambas de Blake. Eu não atendi. Eu tinha que fugir. Peguei meu celular, minha bolsa e saí.


Eu tinha que proteger meu bebê. Cerrei meus dentes em determinação, enquanto colocava algumas roupas numa mala e me preparava para sair.

Eu não sabia do que Blake seria capaz quando percebesse que me perdeu. O fato de ele nunca ter feito mal para mim não dizia nada.

Ele sentia prazer em destruir as pessoas. Quanto tempo até ele perceber que eu seria um bom alvo?

Entrei no meu carro e dirigi até o único lugar que considerava seguro.

Joanna abriu a porta e me encarou com surpresa.

— Isis? O que você está fazendo aqui?

— Eu preciso de ajuda — disse, e aquilo saiu muito forçado. — Eu estou com problemas.

— Que tipo de problema?

Ernest apareceu atrás dela. Ambos me deram espaço e eu entrei na casa.

— É o pai do bebê — eu contei.

— O que aconteceu? — Ernest me seguiu até a sala. — Ele foi agressivo com você? Ele bateu em você?

— Não... Não é isso – eu me sentei. Estava exausta. — Ele não é esse tipo de homem, mas... Eu saí da vida dele por um motivo. Nunca devia ter retornado.

— E por que, querida? — Joanna sentou-se ao meu lado.

— Eu não sei exatamente o que ele faz. Eu só sei que ele não é uma boa pessoa. Ele trabalha com imóveis, ganha milhões assim. Ele avassala empresas pequenas até vê-las falir. Dai as compra por preços irrisórios, as recupera, e as vende por um alto custo. Como isso ocorre, exatamente, eu não faço ideia. Blake, o pai do bebê, nunca fala no assunto.

— Um homem sem honra... – Ernest resmungou. — Fez bem em deixá-lo, Isis.

— Sim...

— E você está segura agora. — Joanna apontou. — Você pode ficar aqui com a gente pelo tempo que precisar.

— E meu trabalho? E se ele for me procurar lá?

— Temos um pouco de dinheiro — Ernest contou. — Não é muita coisa, mas conseguimos economizar... Nós vamos ajudá-la.

Fiquei emocionada.

— Eu nem sei o que dizer... Muito obrigada. Contudo, não posso fugir dele para sempre.

— Só até as coisas se acalmarem — disse Joanna. — Tudo vai dar certo.

Eu assenti.

— Eu sinto muito por trazer esses problemas até sua casa.

— Não se preocupe. Você está grávida e precisa descansar. Então, fique tranquila, está bem?

Eu fui levada até um quarto bonito, com uma cama de solteiro e um roupeiro antigo. Tentei me arrumar da melhor forma que pude, e decidi dormir para tentar relaxar o corpo e aliviar minha mente.

Naquele momento, já deitada, senti o telefone vibrar. Por puro impulso, eu atendi.

— Sim?

— Isis? É o Blake.

Eu desliguei no momento em que reconheci sua voz. Não havia nada que ele pudesse me dizer que eu quisesse ouvir. O telefone tocou de novo quase imediatamente e apertei o botão para ignorar a ligação. Um momento depois, ele tocou de novo e, mais uma vez, ignorei. Nos cinco minutos seguintes, meu telefone tocou quase continuamente. Primeiro eu configurei para vibrar, depois mudo, então não precisei ouvir o zumbido. Era sempre Blake, e eu sabia que ele não desistiria. Por fim, desliguei o aparelho porque não queria sequer ver a luz que acendia quando o telefone tocava.

Acariciei meu ventre. O bebê se mexeu levemente. Fechei os olhos e dormi.

Eu estava em paz com minha decisão. Sofrendo sim, mas em paz.

Eu estava sendo mãe, coisa que até então eu havia deixado de ser. Eu estava escolhendo dar ao bebê uma vida decente, mesmo que cheia de dificuldades. Aquela criança saberia a diferença do certo e errado, mesmo que isso custasse meus sentimentos.

Quando finalmente acordei, uma hora depois, liguei meu telefone. Havia cerca de quarenta ligações perdidas. Fora as mensagens de voz, minha caixa postal estava cheia.

Eu sabia que precisava digitar o número três em cada uma delas para exclui-las, e comecei a fazer. Não ouvia as mensagens, apenas deixava-as tocar até que a opção surgisse.

Eu estava no meio desse trabalho quando o telefone tocou mais uma vez. Eu pensei em ignorar, mas também imaginei que ele não me deixaria em paz se não deixasse claro que era o que eu queria.

— Isis! — Ele gritou. — Não desligue!

— Eu atendi apenas para pedir que me deixe em paz!

— Isis, por favor! Eu só quero saber se você está bem.

— Não, Blake, eu não estou bem — senti as lágrimas escapando dos meus olhos. — Eu estou grávida e o pai do meu bebê prefere destruir pessoas a viver a gravidez comigo. Eu me culpo porque eu não podia ter escolhido pior pessoa para ter um filho comigo.

— O que você quer dizer?

— Eu quero dizer que, para você, para a sua consciência estar bem, pode ser que não haja problemas em fazer seu negócio sujo dentro da lei. Mas, para mim não é assim.

Ele ficou quieto por um momento.

— Eu sinto muito, Isis. Isso nunca devia ter chegado até você. Eu penso que se você voltar para a Capital...

— Eu não vou a lugar nenhum com você. Nunca. Entendeu? Você é uma pessoa horrível!

— Isis! Eu sei que você não está falando sério...

— Não estou? Esqueça-me, Blake. Está acabado. Eu nunca mais quero te ver de novo.

— Não é assim não! — ele resmungou. — Nós temos um filho.

— Eu terei um filho. Você tem seus negócios!

— Olha, sei que você está chateada e tem todo o direito de estar. Mas podemos deixar isso para trás? Por causa do bebê?

— Apenas fique longe de mim. Você e essa coisa que faz não traz nada além de dor e destruição. Eu nunca deveria ter me envolvido com você. Eu não me importo com seu dinheiro, se afogue nele, se quiser. Ele não compra tudo. Ele não vai comprar meus príncipios.

— Isis, por favor. Nós vamos resolver isso. Podemos nos ater ao nosso plano. Eu resolverei o caso do clube e depois ficarei com você. Eu juro.

— Foda-se você e as suas promessas!

— Isis...

— Eu faço vistas grossas agora, e você volta para mim? Poupe-me, Blake. Depois do homem do Clube, você não vai resistir e irá atrás de outras pessoas, não é?

— Eu não vou fazer isso. Eu juro. Ele é meu último negócio. Posso até vender a empresa, se você quiser.

Eu ri.

— Você acha mesmo que eu vou acreditar nisso?

— Eu nunca menti para você, Isis. Eu nunca vou mentir para você.

Eu respirei fundo.

— Nós terminamos aqui, Blake.

Eu joguei meu telefone de lado e caí de volta na cama. Um choro doloroso se formou no meu peito e eu apertei o travesseiro contra o rosto para que o som dos meus soluços não fossem audiveis.

— Isis? — era Joanna. Ela abriu a porta vagarosamente. — Você está bem?

— Sim. — Eu a encarei. — Ele ligou — apontei. — O pai do bebê — expliquei. — Queria saber se eu estava bem. Eu disse a ele que acabou.

Ela se sentou na cama.

— Dói, Isis. Mas, às vezes é melhor cortar o mal pela raiz.

— Eu sei. Eu nunca deveria ter me apaixonado por ele. Eu nunca deveria ter contado a ele sobre o bebê. Eu cometi um erro após o outro, e olhe para onde isso me trouxe.

— Não se culpe. Era o destino. Era para acontecer. Deus escreve certo por linhas tortas.

 

 

Capítulo Dezessete


Cinco meses. Em menos de meio ano, eu estaria com meu bebê nos braços. Eu observei minha barriga pelo enorme espelho que estava pendurado na sala e sorri.

Atrás de mim, Ernest me dedicou um olhar afetuoso.

— Um filho é uma dádiva – ele murmurou.

Joanna e ele também mereciam uma criança, mas as coisas não puderam ser. Eu lamentava por eles.

— Sabe, Ernest... Eu me arrependo de muitas coisas na vida, mas não do bebê. É estranho como ainda não sei nada sobre ele, nunca o toquei com meus dedos, mas já o amo profundamente.

Nossa conversa teria prosseguido não fosse às batidas fortes na porta.

— Está esperando visitas? — Ernest me indagou.

Não era comum, naquele bairro, visitas noturnas. Ernest era cristão e antiviolência, mas não era burro. Atrás do armário ele mantinha uma espingarga carregada. Foi até ela.

— Quem é?

Sua voz era forte e rouca. Poderosa. Outra, mais alta e potente devolveu.

— Eu procuro por Isis.

Meu corpo inteiro tremeu. Como diabos ele havia me achado? Por que não me deixava em paz? Ernest me encarou, mas eu era incapaz de responder. Então ele simplesmente foi até a porta e a abriu.

— Já não fez o suficiente, rapaz? — Ernest questionou.

Do outro lado eu tive um vislumbre de um Blake destruído, olheiras profundas e uma palidez incomum.

Eu me aproximei. Quis evitar um embate entre eles.

— Ernest, está tudo bem. Eu vou ouvi-lo — eu disse. Depois, me aproximei de Blake. — Mas, tenho uma condição.

Blake me encarou. Ele assentiu.

— O que você quiser.

— Eu quero a verdade. Toda a verdade. E depois de te ouvir, você vai ir embora e não vai voltar mais. Não vai ligar mais. Você vai me deixar em paz, entendeu?

Eu via a mente dele trabalhando freneticamente. O que parecia menos terrível para Blake?

— Eu aceito — ele murmurou, por fim.

Eu toquei em Ernest e então me encaminhei para a porta.

— Se você machucá-la, eu vou te matar — ouvi a ameaça de Ernest e me senti protegida e amada.

Sorri em sua direção.

— Se um dia ela aparecer machucada, é porque eu já estarei morto antes — Blake retrucou.

Ele me pegou pela mão e me arrastou para fora da casa. Desci os degraus, pude ouvir vozes distantes de drogados no final da rua. Eu parei na calçada, sentia meus braços gelados pelo vento, uma ansiedade descomunal a me tomar.

— Eu cresci em Cassis — ele murmurou.

— Eu sei disso.

— Não foi uma infância fácil.

Eu também já imaginava aquilo.

— Isso não te autoriza a avassalar todos de lá.

— Todos não — ele murmurou. — Todos não.

No final da rua um cachorro cruzou, com seu rabo erguido, em direçãos aos meninos que usavam drogas. Houve alguns afagos no vira-latas. Blake sorriu diante da visão.

— Sabe, a minha mãe alugava um quartinho na casa de uma mulher, lá em Cassis. Nós não podíamos ter animais, mas eu havia me apegado a uma cadela de rua que eu chamava de Tori.

— Tori?

— Ela era branca e eu queria homenagear a Tori Spelling. Eu era fã de “ Barrados no Baile ”. Nunca perdoei o Dylan por ter traído a Brenda com a Kelly — ele contou. – E eu achava a Donna linda demais.

Céus, fazia muito tempo que eu não ouvia falar daquela série de televisão. Lembrava-me vagamente de assistir alguns episódios.

Foi incontrolável, subitamente eu ri daquela história.

— A Tori pegou cria, sabe? Teve uns cinco filhotes, todos brancos como ela. Ela não tinha casa, então eu arrumei um cobertor velho e a ajeitei com os bebês embaixo de um banco no jardim. Minha mãe não sabia disso, era meu segredo. Eu levava água e comida para ela, todos os dias. Eu racionava meu almoço, para sempre sobrar um pouco.

Eu queria tocá-lo. Afagá-lo. Dizer que tudo ficaria bem. Eu podia assistir aquele pequeno e indefeso Blake sofrendo as maldades da vida.

— Um dia fui até Tori, e encontrei a proprietária surrando a cadela enquanto colocava os filhotes em um saco. Eu implorei para ela, eu pedi em nome de todos os santos para os quais ouvia minha mãe rezar — ele fechou os olhos. — Mas, ela não se importou. Ela caminhou reto até o rio que ficava há uns trezentos metros da casa, e jogou nele o saco com os filhotes.

Eu realmente não sabia o que dizer. Qualquer ato assim era condenável, ainda mais feito diante de uma criança.

— A dona da casa era a dona da confeitaria que eu comprei...

Então... Era vingança? Aquela senhorinha lacrimejante era uma vadia que maltratava animais? Eu fiquei mortificada. Eu realmente não sabia o que dizer.

— O dono do clube? — indaguei.

— Ele estuprou minha mãe. Chamaram a polícia, mas ela era só uma prostituta e ele um cafetão.

— Teve mais pessoas?

— Teve muitas — ele estava sendo absurdamente sincero. — Incluindo meu pai. O encontrei no Sul. Era dono de uma mercearia. Eu consegui comprar os dois terrenos próximos e vendi por uma bagatela para uma rede de supermercados. Ele faliu em menos de dois meses. Então comprei a propriedade dele ao custo de suas dívidas. Deixei-o na miséria.

— Como você conseguiu dinheiro para começar tudo?

— Você não vai acreditar em mim — adiantou.

— Tente.

— O pai de Emma...

Emma? Que Emma? Subitamente, me lembrei da gerente da rede farmacêutica que ele havia conseguido emprego para mim.

— Sim?

— Ele era um homem solitário. A mãe de Emma morreu jovem, e ele ficou com dois filhos. Minha mãe sempre ajudava no que podia. Fazia faxina em sua casa. Eu acabei crescendo ao lado deles. Emma e Lance são como irmãos para mim. Quando o pai deles morreu, me deixou algum dinheiro de herança. Eu até pensei que os irmãos iriam ficar ofendidos, mas não. Eles me ajudaram no começo. Depois, eu acabei devolvendo o valor, quando já estava estabelecido. Foi, digamos, um momento de sorte.

— E eles sabem o que você está fazendo? Contra as pessoas de Cassis?

— Eles não sabem de tudo. Apenas Thomas, meu secretário, sabe. E agora, você.

— E por que decidiu me contar?

Blake me encarou, firme.

— Por que acha, Isis? Eu quero você.

— Mas eu não quero mais você.

Era mentira. Minhas certezas haviam estremecido diante das últimas informações.

— Eu sei. Mas continuo tentando.

— Por quê? Eu entendo seus motivos, mas não concordo com o que faz.

— Eu tenho esperança.

— Não tenha, Blake. Não tenha.

Então volvi em direção à casa. No meu rosto, as lágrimas desciam sem cessar.

Eu estava arrasada. Por mim, pelo bebê... pelo pequeno Blake que viu sua mãe sofrendo, sua cachorrinha tendo seus filhotes afogados, que foi pisado e humilhado... e agora abandonado...

Eu queria voltar, mas não podia.

Travei.

— Você já conseguiu o Clube?

— Não.

— Eu sei que seus motivos são justos, mas não acredito que dê para começar uma vida com tanto passado pairando entre nós. Você tem a chance de continuar olhando para trás e avassalando tudo. Ou você pode olhar para frente, com seu filho. Espero que faça a escolha certa.

Entrei na casa e fechei a porta.

 

 

Capítulo Dezoito


E u retornei ao meu apartamento depois do meu encontro com Blake. Claramente ele tinha dinheiro o suficiente para contratar detetives e me localizar, onde quer que eu fosse.

Ele sumiu por umas duas semanas. Nenhuma ligação, nenhuma notícia, mas eu sabia que Blake surgiria quando eu menos esperasse, e eu precisava estar preparada para enfrentá-lo novamente.

Contudo, nada me preparou para vê-lo no final de um expediente cansativo, com minha barriga já pesada, meu corpo dolorido e minha vontade enorme de ir tomar um banho e dormir.

— Blake?

Ele estava parado diante do seu carro escuro, de terno, o olhar inquieto e ardente. Ele sorriu.

— Eu ainda posso escolher? —indagou.

Eu vi papeis nas mãos dele. O questionei com o olhar.

— São os pré-contratos da compra do Clube.

E então os rasgou. Eu senti meu olhar lacrimejar.

— Você não vai se arrepender? — questionei.

— Minha mãe era maravilhosa. Você me lembra dela. Você vai ser uma mãe incrível e eu vou amar cada momento com você e nosso bebê.

Eu assenti. As lágrimas deslizaram e eu não as impedi.

— Eu tive consulta essa semana. É uma menina — contei.

Ele riu. Eu percebi a felicidade em seu semblante.

— Qual era o nome da sua mãe? — indaguei.

— Leslie.

— Então esse vai ser o nome da nossa garotinha — murmurei.

Blake caminhou reto até mim. Apertou-me nos braços. Eu não fugi. Eu não queria mais ficar longe dele. Ele havia feito sua escolha. Era nossa família.

— Você quer se casar comigo? — ele indagou.

— Vai sair do time dos solteiros? — brinquei.

— Desde que te conheci, é como me sinto — rebateu. — Me sinto tão comprometido que não penso em estado civil.

Eu o puxei contra mim. Nossos lábios trocaram um beijo generoso.

— Eu aceito, Blake Code. Eu serei a sua mulher.

Naquele instante, nossa filha chutou. Como estávamos com os corpos juntos, sentimos aquele primeiro chute ao mesmo tempo. Encaramo-nos, surpresos e felizes.

— Eu te amo — confessei.

Ele sorriu, diante das palavras. A felicidade enfim chegara e nós sabíamos que não a perderíamos por nada.

Seriamos um do outro, para sempre.

 

 

                                                                  Josiane Biancon da Veiga

 

 

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