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O Regresso de Ernst Ellert / Clark Darlton
O Regresso de Ernst Ellert / Clark Darlton

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O Regresso de Ernst Ellert

 

Depois da longa viagem pela eternidade, o espírito de Ellert revive seu cadáver.

Com a descoberta de uma nave exploradora dos arcônidas, pousada na Lua, foi lançada a base da união da Humanidade terrana e do Império Solar, que haveria de sair dessa união. Então ninguém, nem mesmo Perry Rhodan, imaginava quantos esforços e firmeza de ânimo se tornariam necessários para, no curso dos anos, defender o sistema solar dos ataques vindos de dentro e de fora.

Graças ao auxílio dos arcônidas, conseguiu-se vencer a ameaça mais grave que pesou sobre a Humanidade, e que culminou na invasão dos druufs e na batalha em defesa do Império Solar.

E o perigo interno, provocado por Thomas Cardif, o renegado, foi removido graças à ação isolada de Gucky.

Acontece que a evolução pacífica da Humanidade só se tornará possível se a Galáxia estiver em paz — e parece que há um longo caminho a percorrer até que se chegue lá...

Também Atlan, o imortal, que há pouco passou a ocupar a máquina gigantesca, que por meio da atuação implacável das frotas robotizadas abafava qualquer revolução no nascedouro, quer a paz.

Atlan, que passou a ser conhecido como Gonozal VIII, e Perry Rhodan, o administrador do Império Solar, apóiam-se mutuamente, nem que seja pelo simples instinto de autoconservação.

E é assim que, em princípios de agosto do ano 2.044, quando recebe um aviso de emergência da Terra, Perry Rhodan, ainda se encontra em Árcon III. O Marechal Freyt lhe fala pelo telecomunicador. Transmite uma notícia vinda de Hades, a base terrana secreta, situada no Universo dos druufs. Trata-se do Regresso de Ernst Ellert...

 

                                 

 

A superioridade deles era tamanha que preferiu não oferecer a menor resistência. Os planadores foram chegando às dezenas e pousaram no chão duro e pedregoso do deserto. Apontaram os canhões energéticos para a íngreme encosta, atrás da qual estava escondido o laboratório subterrâneo do cientista.

Por meio das telas de televisão, observou-os e ficou quebrando a cabeça, imaginando como fora descoberto. O esconderijo fora muito bem escolhido, e ninguém, a não ser ele mesmo, sabia de sua existência.

Suas reflexões foram subitamente interrompidas, quando os microfones externos levaram as vozes dos atacantes para dentro do laboratório. Os sons não seriam perceptíveis a qualquer ouvido humano, pois ficavam acima das freqüências audíveis. Mas ele, que estava sendo procurado e acabara de ser encontrado, entendia o que diziam.

— Você está cercado, Onot! Se vier à superfície, sem armas, ouviremos o que tem a dizer. Caso contrário nós o mataremos e destruiremos seu laboratório.

Onot sentia-se abatido. Bem que desconfiara. No passado, sua vida não correra conforme desejava. Muitas vezes fizera coisas que ele mesmo julgava incompreensíveis e agira contrariamente às suas convicções. Às vezes procedera como se fosse inimigo de seu povo e amigo dos inimigos mais perigosos. Foi exclusivamente por sua culpa que os robôs de guerra dos atacantes destruíram o grande centro de computação e, posteriormente, também o centro científico espacial.

— Irei — disse para dentro de um microfone e olhou em torno, um pouco triste.

Encontrava-se num gigantesco recinto de pedra, que há tempos fora aberto na montanha por meio de grandes armas energéticas. O único caminho que levava à superfície era um corredor estreito. Ali ficava seu laboratório secreto, onde costumava trabalhar sempre que precisava de tranqüilidade e solidão. E, como fosse o cientista mais competente de seu povo, fizera algumas invenções importantes.

Mas, naquele momento, tudo isso estaria esquecido. A única coisa que importava era a traição. A traição cometida por ele.

Passou a mão pela junta disforme do outro braço. Ali sentiu uma saliência minúscula, que nenhuma outra pessoa notaria. Com uma ligeira pressão do dedo, ativou a bateria celular do minúsculo transmissor escondido sob a pele.

Por um momento, Onot refletiu sobre o motivo por que possuía esse transmissor e a pessoa à qual poderia dirigir o pedido de socorro transmitido. Mas finalmente cobrou ânimo e caminhou em direção à porta, a fim de entregar-se aos policiais.

Nesse meio tempo, os ocupantes dos planadores se haviam espalhado a fim de cercar a encosta. Outros aviões se encontravam no céu colorido, prontos a apoiar a ação de surpresa contra o cientista rebelde. Não eram seres humanos. Suas figuras quadráticas e grosseiras erguiam-se a quase três metros sobre as duas pernas que antes pareciam colunas. A pele sem pêlos parecia feita de couro grosso e cobria todo o corpo. A cabeça esférica tinha quase cinqüenta centímetros de diâmetro, e nela havia quatro olhos que permitiam uma visão de ao menos trezentos graus. Nariz e orelhas não haviam.

Os druufs descendiam de insetos, mas não se percebiam muitos sinais disso. De qualquer maneira, eram ultrafonadores. As ondas que levavam as mensagens eram transmitidas por emissoras orgânicas e captadas por receptores do mesmo tipo. O que ainda chamava a atenção eram os braços disformes, em cujas extremidades se viam dedos finamente articulados, que não guardavam qualquer proporção com o corpo gigantesco.

Na rocha surgiu uma fenda. Onot saiu para o platô. Abriu os braços, para mostrar que não trazia nenhuma arma. Em seu rosto lia-se certa perplexidade, misturada talvez com uma pequena dose de curiosidade.

— Aqui estou. O que querem de mim?

Um tenente da polícia saiu do abrigo, com a arma de radiações apontada para o cientista.

— Quer dizer que está disposto a entregar-se?

— Por que você acha que estou à sua frente? — respondeu Onot em tom irônico.

O oficial fez um sinal para seus homens.

— Revistem-no — gritou.

Não encontraram nada; não notaram o pequeno transmissor.

— Poderia informar de que sou acusado? — perguntou Onot.

O tenente ficou devendo a resposta.

— Oportunamente você saberá. Mas desde já posso dizer-lhe uma coisa: será muito difícil você limpar-se da pecha da traição. Devemos agradecê-lo pela destruição de nosso centro de computação. Mas isso foi apenas o primeiro passo. O centro espacial... ora, já basta! Siga-me.

Onot parecia querer dizer alguma coisa, mas resolveu ficar quieto. Seguiu o tenente com a boca triangular firmemente cerrada. Olhou para o céu e notou que o sol já se encontrava no poente. Dali a pouco, seria noite.

Era um gigantesco sol vermelho que se encontrava acima das colinas próximas e derramava sua luz sobre a paisagem desolada. Mas este sol não estava só. A seu lado via-se um pequeno companheiro esverdeado, quase oculto pela luz vermelha.

Depois de um vôo de pouco menos de uma hora, os planadores policiais pousaram no espaçoporto da capital. Um veículo blindado levou Onot ao edifício em que funcionava o Supremo Tribunal.

O cientista teve oportunidade de observar os arredores através de uma janela pequena. Ficou espantado ao constatar que a maior parte dos edifícios apresentava sérios danos. Alguns deles haviam sido destruídos por completo e desmoronaram. Havia bairros inteiramente arrasados.

Um confuso sentimento de culpa começou a dominar sua mente. Porém tal sentimento logo foi superado por uma voz interna, tranqüilizadora. Tal voz lhe dizia que era totalmente inocente.

A voz interior...?

Onot procurou lembrar-se do que sabia dela, mas sua memória falhou por completo. Havia alguma coisa; tinha uma lembrança confusa, mas por mais que se esforçasse, não seria capaz de dizer o que era. Alguém estava com ele, mas não podia vê-lo nem senti-lo.

Parecia despertar de um sonho, quando mãos rudes agarraram seus braços e o arrastaram para fora do carro. Encontrava-se numa área cercada por altos muros.

— Deixe os sonhos para depois — disse o tenente em tom irônico. Parecia ter-se esquecido de que o cientista facilitara seu trabalho ao entregar-se sem oferecer a menor resistência. — As celas são silenciosas e bastante solitárias.

— Obrigado — respondeu Onot, ainda distraído.

Levaram-no por uma série de enormes corredores. Passou por numerosas portas e, finalmente, desceu ao subsolo. Quando a porta da cela se fechou e ele se viu só, suspirou aliviado. Talvez lhe dessem tempo para refletir calmamente.

No teto do recinto sem janela, havia uma grade; pertencia ao sistema de condicionamento de ar. Era possível que atrás dela estivesse escondida uma objetiva de televisão. Num dos cantos havia uma cama estreita, e, ao lado da mesma, uma mesa e uma cadeira. Era só.

Onot sentou-se. Apoiou a cabeça nas mãos e procurou recapitular o passado. Fazia tanto tempo, mais de cem ou duzentos dias. Aliás, já não tinha uma idéia precisa de nada. Antigamente fora Onot, um homem afamado, o cientista mais competente dos druufs. Presenteara-os com numerosas invenções.

Invenções...?

Onot foi recuperando a esperança. Quer dizer que ainda sabia disso! Lembrou-se do último trabalho por ele realizado. Montara o estabilizador estrutural na grande estação espacial. Esta sua invenção mais recente era um aparelho único. Também poderia ser designado como paralisador do tempo. Permitia a criação de um campo em que o tempo ficava parado.

O paralisador do tempo...? Onot teve a impressão de que a escuridão, que cercava os acontecimentos pelos quais pretendiam responsabilizá-lo, estava cedendo. Talvez, se sua memória voltasse a funcionar, ele conseguisse encontrar a explicação.

Mas quando de repente tornou a sentir aquelas fortes dores de cabeça, perdeu as esperanças. Sabia que essa dor de cabeça era seu pior inimigo. Quando ela surgia, por vezes tinha a impressão de que a voz interior lhe falava. Lembrou-se de que, certa vez, soubera quem era essa voz, mas agora não se lembrava mais.

Talvez mais tarde conseguisse lembrar-se.

 

A rigor, o Capitão Marcel Rous encontrava-se numa posição perigosa.

Conforme se depreende do próprio nome, o planeta Hades era um verdadeiro inferno. Era o décimo terceiro planeta do maior sistema solar visto por qualquer olho humano. O gigantesco sol gêmeo de Siamed possuía sessenta e dois planetas, e quase todos eles eram cercados por luas. O planeta número 16 era Druufon, o mundo dos druufs.

Era este o motivo pelo qual o Capitão Marcel Rous se encontrava em Hades, que era o décimo terceiro planeta. A base terrana fora aberta em plena rocha por meio dos fortes raios energéticos das peças de artilharia das naves. Ficava bem abaixo da superfície do planeta crepuscular, no qual a vida era praticamente impossível, com exceção talvez da estreita zona da penumbra.

De qualquer maneira, não tinham nada a fazer na superfície, onde poderiam ser avistados por eventuais unidades de patrulhamento dos seres quadráticos. Depois da pesada derrota sofrida no Universo einsteiniano, os druufs se haviam retirado para sua dimensão temporal e desistiram das tentativas de ampliar seu poder. O inimigo até aproveitara a boa oportunidade proporcionada pela retirada e destruirá a estação espacial na qual estava instalada a mais recente criação de Onot.

De qualquer maneira, Marcel Rous preferiu agir com cautela. Se os druufs descobrissem que em seu sistema solar havia uma base da Terra, eles a atacariam com todo o poder de que dispunham.

A base tinha agora uma única finalidade: não permitir que a ligação com Ernst Ellert fosse interrompida.

Há mais de setenta anos Ernst Ellert se tornara membro do Exército de Mutantes. Sua capacidade de enviar o espírito para o futuro selara seu destino. Um acidente separara o espírito do corpo. Dali em diante, o espírito passou a vagar sem descanso pelo tempo e pelo espaço, à procura do presente, que nunca encontrou. O que encontrou foi um novo presente, que, naquele tempo, ainda se situava num futuro longínquo.

Agora possuía novamente um corpo, mas não era o seu. A sua verdadeira matéria encontrava-se num mausoléu nas proximidades de Terrânia. Perry Rhodan, administrador do Império Solar, mandara sepultá-lo naquele lugar.

Ellert encontrava-se em Druufon. Disse que avisaria quando chegasse o tempo em que pudesse abandonar o corpo, que o acolhera provisoriamente, e voltar à Terra.

A um ano-luz de Hades, havia uma fresta no Universo, que ligava os dois planos temporais. Graças a isto, tornava-se possível passar de um plano a outro, sem que houvesse necessidade de recursos técnicos especiais. Acontece que essa fresta — ou melhor, o chamado funil de descarga — se deslocava e se estreitava. Não demoraria muito, e tal abertura seria coisa do passado. Depois disso, os druufs simplesmente desapareciam do plano existencial dos terranos, a não ser que conseguissem transpor com seus próprios meios a barreira do tempo.

Na base de Hades havia doze transmissores de matéria. Graças a eles, se tornou possível a construção e a instalação da fortificação secreta. As armas, os materiais e mantimentos, as provisões e o pessoal foram transportados das naves para Hades, percorrendo mais de um ano-luz.

Marcel Rous fazia sua ronda diária pela base. Vez por outra, falava com um dos homens que a guarneciam e controlava o armamento, o equipamento de rádio e os aparelhos de alerta.

Ao passar pela sala de rádio, Rous certificou-se de que o setor de recepção estava pronto para entrar em ação. Ao menor impulso, as fitas gravadoras começariam a correr e armazenariam toda e qualquer mensagem que fosse recebida. Mas por enquanto as luzes de controle estavam no verde. Não havia chegado nenhuma mensagem.

— O cruzador Ohio encontra-se junto ao funil de descarga — informou o operador de rádio. — Não há nada de extraordinário.

Marcel Rous fez um gesto de assentimento e voltou aos seus alojamentos, depois de realizar mais uma visita à sala de comando da base.

Tudo calmo em Hades.

O planeta infernal parecia viver numa paz absoluta. No entanto, a desgraça encontrava-se a poucos minutos-luz de distância.

— Quando nada acontece tão perto da zona de perigo, a gente chega a sentir tédio — disse Marcel Rous ao deitar-se.

Mais tarde desejaria que nunca tivesse pensado assim.

 

Onot passou dois dias e três noites em sua cela, sem que ninguém se interessasse por ele. Um guarda silencioso trazia-lhe a comida e não respondia às perguntas que fazia.

A memória foi voltando lentamente.

Até então o cientista ainda não se dera conta de que estava atacado de amnésia. Era bem verdade que se esquecera, apenas, de uma ou outra coisa. No passado, especialmente quando o centro de computação foi destruído pelos robôs inimigos, agira de forma estranha. E não sabia explicar por que agira assim, mas ainda se lembrava de que ele o fizera.

Encontrava-se numa tremenda confusão mental. Seus pensamentos esforçavam-se para traçar uma linha reta, entre o presente e os acontecimentos do passado, mas não conseguiram. Teve a impressão de que inexplicáveis véus se interpunham entre os acontecimentos, impedindo-o de olhar para trás. E as dores de cabeça voltaram a tornar-se insuportáveis.

Sabia perfeitamente que se encontrava numa armadilha. Seria responsabilizado por coisas das quais não se lembrava.

Será que realmente fora ele quem causara a destruição do grande centro de computação subterrâneo? E, em caso afirmativo, por que teria feito isso? Por que havia permitido que os robôs inimigos penetrassem no centro de computação?

De repente, teve a impressão de que poderia tocar o passado com as mãos. Mas quando estendeu as mesmas, o passado desapareceu, outra vez, atrás dos véus. Até parecia que alguém o arrastara para longe. Alguém...?

De súbito, Onot lembrou-se de que alguém desempenhara um papel importante. Alguém que não podia ver, mas ouvir. Alguém que se encontrava perto dele. Ou melhor, dentro dele.

Isso mesmo; agora sabia. Ao amanhecer do terceiro dia, Onot começou a lembrar-se.

Naquela oportunidade, uma voz lhe dirigira a palavra. Parecia vir do nada, mas estava falando dentro dele... e para ele. Era uma voz clara e apavorante. Afirmara que já há anos habitava seu corpo e controlava seu trabalho. E essa voz ainda lhe dissera que foi só, graças a ela, que Onot se tornou o maior cientista de seu povo.

Onot levantou-se e caminhou nervosamente de um lado para outro. Cinco passos para um lado, cinco passos para outro lado. A voz...

Ela ainda lhe dissera que teria de fazer o que mandava. Precisava obedecer-lhe, fossem quais fossem as ordens transmitidas. E lembrou-se de que essa voz lhe ordenara que cometesse a traição. Sim, foi ele mesmo quem ligou o receptor do transmissor, a fim de que os robôs inimigos pudessem penetrar no centro de computação. E fez isso unicamente porque a voz o exigira.

Onot voltou a sentar-se.

Quando falasse a respeito da voz, será que o juiz acreditaria? Ou será que consideraria aquilo uma desculpa barata, uma elucubração de um cérebro doentio?

Onot já parecia ouvir as estrondosas gargalhadas que fariam retumbar a sala de sessões. Os druufs eram seres frios e calculistas. Não acreditavam em vozes ou fantasmas.

Onot continuou a revirar suas recordações.

Aquela voz não lhe dissera também que, quando ela o abandonasse, teria de morrer? Pois bem. Ela já o abandonara há muito tempo, mas continuava vivo. E, além disso, a memória dos acontecimentos estava voltando aos poucos. Talvez tudo isso acabasse bem, desde que conseguisse convencer os juizes de que era inocente. Instalaria outro centro de computação e montaria outro paralisador do tempo. Teria oportunidade de reparar os erros do passado.

Naquela oportunidade, a voz lhe dissera ser um espírito que perdera o corpo. Encontrara um novo abrigo no interior de Onot. O espírito e o intelecto de Onot, assim prosseguira a voz, não deveriam resistir às suas ordens, mas deveriam cumpri-las.

Onot obedecera por ter sido obrigado a isso, e ainda porque, no momento, não tivera a menor idéia do que estava acontecendo com ele. Sob o ponto de vista moral não era culpado dos crimes pelos quais o acusavam. Mas face às leis impiedosas de Druufon as coisas poderiam ser diferentes.

— Voltei a recuperar o domínio de meu espírito e, com isso, de meu corpo — balbuciou Onot. — Ninguém manda em mim. Construirei uma arma para os druufs, com a qual nós poderemos conquistar o Universo. Afinal, sou Onot, o cientista! O tempo... quais serão os acontecimentos que este ainda reserva para mim? Se quiser, posso inverter o fluxo do tempo. E eu o farei para anular os acontecimentos do passado. Descobrirei o dono daquela voz e o matarei, antes que seu espírito abandone meu corpo. A Terra foi sua pátria, e haveremos de descobrir onde fica esse planeta. Alguns dos nossos já estiveram lá. Se você me ouve, voz, responda. Confesse que sou mais forte que você...

Suas reflexões foram interrompidas, quando o guarda abriu a portinhola e olhou para dentro da cela. Após isso, a portinhola foi fechada de novo.

Onot encostou-se à parede.

“A voz não está mais aqui”, pensou numa disposição eufórica. “Antigamente bastava que dedicasse a menor idéia à rebelião, para que ela se fizesse ouvir e me ameaçasse. Fazia com que ficasse com dor de cabeça e me martirizava. Afastava meus pensamentos e transformava-me num escravo. Mas hoje...”

Não; a voz não estava mais com ele.

Finalmente chegara a hora pela qual ansiara por tanto tempo. Viu o passado nitidamente desenhado. Poderia explicar tudo ao juiz... mas seria necessário que este acreditasse em suas palavras.

Subitamente, teve a impressão de levar uma forte pancada; tudo parecia desmoronar em torno dele. A voz falou silenciosamente:

— Você está enganado, Onot! Ainda estou aqui. Mas é bem possível que, dentro em breve, você fique só... completamente só. Quando isso acontecer, você talvez irá desejar que eu volte.

Muito assustado, Onot prestou atenção à voz. Mas esta encerrou a fala.

 

Por alguns segundos ou milênios — não havia nenhum ponto de referência temporal, que lhe permitisse fixar este detalhe — o espírito de Ernst Ellert, abandonado pelo corpo, turbilhonou no fluxo do tempo, antes que as ondas o atirassem às margens temporais dos druufs.

Só então deu-se conta de que não havia apenas um fluxo temporal, que o plano temporal não era único, mas que havia vários. Atravessara alguns deles, varando muros geralmente impermeáveis. Mas as frestas fecharam-se atrás dele, tornando ilusória qualquer idéia de regresso.

E foi assim que entrou em Onot. Foi penetrando cautelosamente na mente do cientista. De início, o druuf se rebelara contra a tutela, mas depois de algum tempo teve de cessar a resistência. Onot transformou-se num escravo de Ellert, não mais possuía vontade própria. Era bem verdade que, vez por outra, procurava livrar-se do incômodo e perigoso hóspede vindo do nada, mas não conseguia. Ellert encontrara um novo corpo e, com isso, um novo lar para seu espírito.

Certa vez houve um contato com o plano temporal do qual provinha, mas ele não o percebeu. Foi na época em que Árcon colonizou o planeta Vênus e a Atlântida mergulhou num dos oceanos do planeta Terra. Foi só dali a dez mil anos — que para Ellert representaram apenas algumas semanas — que houve um segundo contato, que se revelaria decisivo.

Perry Rhodan encontrou o plano temporal dos druufs, e localizou Ellert.

Dali em diante, Onot passou a trabalhar por ordem de Ellert, a favor de Perry Rhodan e dos terranos. Ele o fez porque era obrigado a tanto. Entretanto, um dia rebelou-se e sentiu que estava mais forte. Não conseguira impedir a traição, mas sabia que o ser que o dominava — a voz — se tornara mais fraco.

Ellert também sabia.

Ficou preocupado ao constatar que a influência que conseguia exercer sobre o intelecto de Onot tornava-se cada vez mais reduzida. Teve de fazer um tremendo esforço para não ser expulso do cérebro de Onot. Não desejava assumir para sempre a identidade de Onot, mas ainda não havia chegado o momento de regressar. Seu verdadeiro corpo o esperava — a mais de seis mil anos-luz dali. Será que ainda era capaz de vencer essa enorme distância?

Contemplou os arredores através dos quatro olhos de Onot. Viu as paredes nuas e desoladas da cela em que o cientista se encontrava preso. Talvez devesse fazer uma tentativa, apesar de tudo. O segredo da propulsão encontrava-se em suas mãos, em sentido figurado. Seria capaz de construir espaçonaves capazes de voar a milhões de vezes acima da velocidade da luz, sem que fossem obrigadas a desmaterializarem-se. Pretendia presentear Rhodan com esse sistema de propulsão.

Nos últimos dias preferira não molestar Onot. Só naquela manhã vira-se obrigado a esclarecer ao druuf que ainda estava presente.

Mas agora havia outra coisa a fazer. Os documentos relativos ao sistema de propulsão linear estavam guardados no laboratório, isto é, no esconderijo escavado na rocha. Era bem verdade que sabia de cor os detalhes e sentia-se bastante seguro, mas não havia inconveniente em certificar-se mais uma vez. Mais tarde, talvez, não tivesse tempo para isso.

Começou a desprender-se cautelosamente de Onot. O druuf não sentiu nada. Subitamente Ellert viu-o embaixo dele, sentado na cama. As paredes da cela começaram a tornar-se confusas e foram recuando. Sua estrutura molecular não representava qualquer obstáculo para o espírito de Ellert. Atravessou a matéria sólida e, dali a alguns segundos, flutuava bem acima do edifício do tribunal.

Concentrou-se no deserto pedregoso e no laboratório secreto escondido sob a montanha — e, no mesmo instante, encontrava-se lá. Planava bem em cima da planície. Alguns veículos estavam parados junto à entrada do laboratório. Os druufs saíam do corredor de pedra e carregavam caixas e aparelhos para colocá-los nos veículos. Estavam reunindo material probatório.

Ellert assustou-se. Fazia votos de que ainda não tivessem levado os documentos relativos ao sistema de propulsão. Isso não assumiria uma importância decisiva. Todavia...

Desceu e manteve-se suspenso, invisível e desmaterializado, acima das cabeças dos druufs.

Um oficial, que pelos distintivos pertencia ao Serviço de Segurança de Druufon, comandava os homens com a arrogância típica das pessoas acostumadas a mandar. Ao que parecia, pretendia esvaziar totalmente o laboratório de Onot.

Se Ellert possuísse um rosto, qualquer pessoa que o olhasse naquele momento perceberia que estava sorrindo. Não teve nenhuma dificuldade em penetrar no cérebro desprevenido do druuf. Não houve a menor resistência. Mas os esforçados policiais não acreditaram no que seus superórgãos receptores captavam, quando subitamente receberam ordem para recolocar tudo no laboratório.

Ellert obrigou o oficial a dirigir-se ao laboratório. Havia uma confusão tremenda no interior dos recintos cavados na rocha. As coisas estavam jogadas por todos os lugares. E o caos aumentou ainda mais quando os druufs voltaram a trazer os objetos que haviam retirado.

O oficial atravessou os diversos recintos, como se estivesse procurando alguma coisa. Folheou grandes pilhas de documentos, contemplou-os com os olhos perplexos e recolocou-os no mesmo lugar. Levou quase trinta minutos para encontrar o que estava procurando, sem que o soubesse!

Ellert teria respirado de alívio, se possuísse pulmões. Achara as anotações. Estavam escritas numa folha de metal, finíssima e rabiscada com fórmulas quase ilegíveis. No entanto, o valor dessas fórmulas era imenso.

O oficial dobrou a folha e enfiou-a no bolso. No mesmo instante, ordenou aos homens que prosseguissem com o trabalho, levando tudo novamente para a superfície.

A ordem foi cumprida imediatamente. Estavam acostumados a agüentar muita coisa desse oficial, inclusive as ordens mais absurdas. Sem dizer uma palavra e sem demonstrar a menor contrariedade, os homens voltaram a esvaziar aqueles recintos.

O serviço foi concluído dentro de poucas horas. Ellert permaneceu no corpo do oficial, que entrou num planador e regressou à cidade, onde informou às autoridades de que sua missão fora cumprida.

Depois disso, pediu que lhe permitissem falar com o prisioneiro.

O general — segundo os padrões terra-nos — lançou-lhe um olhar de espanto.

— Quer falar com Onot? O que quer com ele? As investigações ainda não foram concluídas.

Ellert colocou a resposta na boca do oficial.

— Tenho a impressão de que ainda não encontramos tudo que possa servir de prova contra ele. Se eu o interrogar, talvez consiga algumas novas indicações.

O general refletiu por um instante. Finalmente fez um gesto de assentimento.

— Pedirei ao chefe da Corte de Justiça que lhe conceda uma entrevista.

Ellert aguardou pacientemente. Só no fim da tarde, sua paciência obteve a devida recompensa. O oficial conseguiu permissão para falar com o prisioneiro.

Onot sobressaltou-se em meio às suas reflexões, quando a porta da cela foi aberta e um oficial de polícia entrou. Libertado por algumas horas da presença de Ellert, recuperara a memória em toda plenitude e sabia o que havia acontecido. Era bem verdade que não poderia desconfiar de que aquele que o subjugara se encontrava na sua frente, corporificado na figura do visitante.

— Preciso falar imediatamente com o juiz — disse antes que o oficial tivesse tempo para abrir a boca. — Não cometi traição como todo mundo acredita. Eu...

— Cale-se! — respondeu o oficial, sob a coação exercida por Ellert. — Faça o que eu disser. Estive no seu laboratório e trouxe uma coisa que o senhor tem de esconder junto ao corpo. São estas anotações. As mesmas não se devem perder.

Entregou a folha a Onot. O cientista pegou-a. Ficou perplexo ao perceber que a letra era sua, e que a folha continha os segredos fundamentais da propulsão linear. Não compreendia a finalidade daquilo. Esse sistema de propulsão estava sendo usado há muito tempo.

Para que serviriam aquelas anotações? Para qualquer druuf seriam inúteis.

A não ser que um ser vindo de outro Universo...

Começou a compreender.

— Pegue estas anotações e destrua-as.

Ellert reconheceu a situação perigosa em que se encontrava. Seria impossível dominar dois indivíduos ao mesmo tempo. Estava na hora de apossar-se novamente da personalidade de Onot.

E o oficial? Não se lembraria do que acabara de acontecer? Será que um suave bloco amnésico seria suficiente para fazê-lo esquecer tudo?

Precisava tentar.

O tratamento durou dez segundos. Depois disso, Ellert abandonou o corpo do oficial e voltou a penetrar no cérebro de Onot. Sentiu uma resistência, que afastou implacavelmente. Cada segundo era precioso.

Onot cedeu.

— Está bem; farei o que o senhor acaba de pedir — disse em tom indiferente. — Faça o favor de retirar-se.

O oficial parecia despertar de um sonho.

Como fora parar na cela do prisioneiro? O que desejava de Onot, o traidor?

Virou-se sem dizer uma palavra e saiu da cela. O guarda trancou cuidadosamente a porta e acompanhou o oficial, quando este se dirigiu para cima. Caminhava em silêncio e como num transe, até que se visse à frente do juiz, que indagou sobre o resultado de seu trabalho.

— Então, conseguiu alguma coisa? O oficial parecia perplexo.

— Nada, excelência. Absolutamente nada.

— Era o que eu imaginava — respondeu o juiz e fez um gesto de indiferença. — Pode retirar-se.

O oficial saiu da sala.

Esforçou-se em vão para recordar o que acontecera a partir do momento em que haviam esvaziado o laboratório.

Mais uma vez, Ellert conseguiu dominar Onot. O druuf, que já se sentira livre, estava disposto a revelar os segredos perigosos que trazia na mente. Se isso acontecesse, os demais seres quadráticos estariam prevenidos. Jamais deveriam descobrir que Perry Rhodan dispunha de uma arma tão estonteante como era Ellert. E nem deve- riam descobrir que Rhodan estava atrás de todos os atentados cometidos contra Druufon, e, muito menos, perceberem que havia uma base dos terranos no planeta Hades.

— Para você, isso é uma questão de vida ou morte, Onot! — comunicou ao cientista. — Enquanto eu não o abandonar, nada lhe acontecerá. Você me ajudou e, por isso eu o ajudarei.

— Você não tem forças para isso — respondeu o cientista em tom exultante.

— Posso matá-lo — retrucou Ellert.

— Pois mate-me! — pediu o druuf.

— Ainda existe outra alternativa.

— Qual é?

— Abandoná-lo-ei assim que chegue o momento adequado. Prometo-lhe que nunca mais voltarei. Você será livre.

— O que você exige em troca? — indagou o druuf, que não seria capaz de imaginar que a liberdade lhe poderia ser restituída de graça. — O que devo fazer?

Ellert sentiu-se aliviado.

— Você pode sentir uma ligeira saliência sob a pele do braço esquerdo. Aperte-a com o dedo. É só o que tem que fazer. Isso mesmo; aperte com mais força.

Onot não estava disposto a submeter-se às ordens daquela voz, mas a simples curiosidade levou-o a procurar o objeto oculto sob sua pele. Não teve a menor dificuldade em encontrá-lo.

— O que é isto?

— Não faça perguntas, Onot. Aperte com mais força. Isso; assim está bom. Agora já lhe posso dizer. Isso é um pequeno transmissor, que me põe em contato- com bons amigos. Perto deles, nesse instante, uma luz vermelha se acendeu. Meus impulsos mentais, ou também os seus, são convertidos em vibrações elétricas, e estas são transformadas em palavras da minha língua por um aparelho especial. Agora, assuma por alguns minutos uma atitude inteiramente passiva. Já não estou em condições de obrigá-lo a fazer isso, mas peço-lhe que acredite que esta é sua última e única chance de continuar vivo.

 

O alarma arrancou o Capitão Marcel Rous de um sono profundo.

Colocou, ao mesmo tempo, os dois pés sobre o frio chão metálico de seu camarote e, nu da cintura para cima, saiu em disparada pelo corredor, em direção à sala de rádio da qual viera o alarma. Devia tratar-se de uma mensagem extremamente importante. Se o alarma tivesse vindo da sala de comando poderia tratar-se de um ataque direto dos seres-toco.

— Então não são os druufs — disse Rous em tom tranqüilizador para si mesmo.

Entrou esbaforido na sala de rádio e viu o sargento Masters desligar os receptores. Na pressa não pôde verificar se o aparelho havia captado uma hipermensagem da Ohio ou outro tipo de transmissão. A última coisa de que se lembrou foi o minúsculo receptor especial que ligava a base com o transmissor de Ellert.

— O que houve, Masters?

O sargento fez mais um movimento com a mão e levantou-se.

— Uma mensagem de Ellert, expedida de Druufon. A decifração está em andamento, Sir.

Rous fez um gesto de assentimento e começou a caminhar nervosamente pela sala de comando. Sabia que qualquer mensagem de Ellert seria importante e urgente.

O mutante só chamava em casos graves.

Sabia por experiência própria que o autômato não levaria mais de dez minutos para decifrar a mensagem. Pouco importava que a mensagem fosse breve ou longa.

O sargento Masters manteve-se em silêncio. Impaciente, olhava a fita, que se desenrolava, e ouvia os cliques da máquina decodificadora. Finalmente, a fita voltou a correr para trás.

— Pronto! — anunciou Masters.

O Capitão Rous fez um gesto afirmativo.

— Deixe correr!

Mais alguns movimentos com a mão, e no interior do recinto surgiu uma voz que pertencia, certamente, a um homem chamado Ellert. O receptor especial convertera os impulsos mentais do mutante em sons audíveis.

— Aqui fala Ernst Ellert! Encontro-me no corpo de Onot. Estou chamando Perry Rhodan. Corro o risco de ser descoberto. Estou ficando muito fraco para continuar a resistir ao espírito de Onot. Ele me afasta aos poucos. Onot foi preso e será acusado perante a Corte Suprema. Se não conseguir impedi-lo, ele me trairá. Ele já sabe da existência da base de Hades. Daqui não posso retornar ao meu corpo, que se encontra na Terra. Tragam meu corpo para Hades, ou levem Onot para a Terra. É a única possibilidade que nos resta. Apressem-se para transmitir esta mensagem para Rhodan. Ele sabe o que fazer. Daqui a poucos dias, será tarde. Ajudem-me! Ernst Ellert.

 

O Império Solar acabara de reconhecer o novo imperador de Árcon. Agora Atlan, o arcônida imortal, o fiel amigo de Rhodan, estava por trás do imenso computador. Os dois impérios trabalhavam em conjunto na difícil tarefa de colocar os diversos povos da Via Láctea sob um único cetro, na expressão de Reginald Bell.

Perry Rhodan ainda se encontrava em Árcon III e preparava seu regresso à Terra. O couraçado Drusus estava à sua disposição.

No fundo, Rhodan não atribuía grande importância aos maus pressentimentos, mas nos últimos dias não conseguira livrar-se da impressão de que algum perigo o ameaçava. Falara com Bell a este respeito, mas este tivera o atrevimento de fazer troça.

— Você está enxergando fantasmas, Perry. Os últimos acontecimentos o abateram e desgastaram seus nervos. Não consigo compreendê-lo. Afinal, o que deseja? Os druufs sofreram uma derrota da qual não se recuperarão tão depressa. Perderam sua base espacial e, dentro em breve, estarão presos em sua dimensão temporal. Acho que você está exagerando...

— Não se esqueça de Ellert — retrucou Rhodan sem dar a menor atenção à tela com belas figuras coloridas e abstratas. Não apreciava os entretenimentos dos arcônidas. — Ele está em Druufon. Devemos fazer alguma coisa para que possa voltar à Terra. Quando o funil de descarga se fechar será tarde.

— Por quê? Sempre poderemos trazê-lo...

— Mas em condições muito mais difíceis. É o que eu quero evitar.

— Bem. Se é assim, o que estamos esperando?

Até mesmo para Rhodan, a mudança de Bell, foi muito rápida. Lançou um olhar de espanto para o gorducho. Depois sorriu e respondeu:

— Isso mesmo; o que estamos esperando? Bem que eu gostaria de saber. Partiremos assim que eu receba a notícia de que na Terra tudo está em ordem. Acho que amanhã já teremos condições para isso. Por aqui, Atlan mantém as rédeas bem firmes. É bem verdade que ainda temos de contar com a ocorrência de distúrbios, mas unidos conseguiremos dominá-los. O que mais me preocupa é meu filho.

Bell não respondeu. Imaginava que justamente esse ponto pesava muito na mente de Rhodan. Achou preferível não fazer qualquer comentário. Por alguns segundos fitaram a tela em silêncio. Subitamente, Rhodan levantou-se.

— Vou dormir. Quer fazer favor de pedir a Sikermann que me acorde imediatamente, caso chegue alguma mensagem da Terra?

Bell sentiu sua curiosidade aguçada.

— Está esperando alguma mensagem? Rhodan percebeu a armadilha. Sorriu.

— E claro que não, Bell. Mas sempre pode acontecer que recebamos uma. E é bem possível que, pelo texto da mesma, Sikermann conclua que não é importante. Repito: seja qual for a mensagem, quero que me avisem imediatamente.

— Está bem — disse Bell. Ao que parecia, sua desconfiança se desvanecera.

A Drusus estava estacionada sobre o chão duro de granito, numa das extremidades do espaçoporto.

Tratava-se de um veículo espacial esférico com um quilômetro e meio de diâmetro. Uma pessoa que não conhecesse a nave poderia perder-se no interior do gigante e ficar vagando ao acaso por alguns dias.

Rhodan utilizou alguns elevadores e chegou ao corredor que dava para seu camarote.

“O que estará acontecendo com Ellert?”, pensou muito preocupado, embora não houvesse nenhum motivo especial para isso.

Durante sua última estada na Terra, pretendia visitar o mausoléu, mas não tivera tempo para isso. Alguma coisa o inquietava. Não sabia o que era. Os guardas postados diante do mausoléu não haviam notado nada de extraordinário. O corpo de Ellert continuava em seu jazigo, cinqüenta metros abaixo da superfície, aguardando o momento em que o espírito inquieto retornasse.

Rhodan deitou-se.

Qual seria o motivo de todo esse nervosismo? Se algo tivesse acontecido, ele não poderia senti-lo a uma distância de trinta mil anos-luz.

Apesar do cansaço, não adormeceu imediatamente. Os pensamentos não permitiram que tivesse sossego, embora, nas últimas semanas, tivesse conseguido tanta coisa.

A Galáxia tornara-se uma Unidade. Se é que ainda havia algumas raças que não queriam conformar-se com isso, tal fato não assumia maior importância. O tempo faria com que mudassem de idéia — se antes disso as frotas de guerra dos dois impérios cósmicos não as obrigassem a tanto.

Ouviu um ligeiro zumbido acima de sua cabeça. Ao mesmo tempo, uma luz acendeu-se bem embaixo da tela do intercomunicador.

Rhodan levantou-se com uma lentidão proposital.

“Meus pressentimentos”, pensou. “Será que eles já estão sendo confirmados?”

Apertou o botão e o rosto de um oficial apareceu na tela. Esse rosto demonstrava certo espanto. Ao que parecia, não tinha muita certeza de ter agido acertadamente.

— Sir, recebemos um aviso da sala de rádio. Trata-se de uma hipermensagem.

— Pode falar, Tompetch. Ou será que ainda não recebeu o texto?

Mike Tompetch fez um gesto afirmativo.

— Naturalmente, Sir. A mensagem vem do Marechal Freyt, que se encontra na Terra. Data da expedição: 5 de agosto de 2.044. Tempo terrano: 17 horas e 48 minutos. O texto é o seguinte: Alarma de Hades. Trata-se de Ellert. Pelo que informa o Capitão Rous, o espírito de Ellert está muito fraco para poder retornar a seu corpo e pede que Rhodan o ajude. É necessário agir imediatamente. Peço instruções. Freyt.

Rhodan manteve-se imóvel por alguns segundos, mas logo tomou sua decisão. Quando transmitiu sua ordem ao Tenente Tompetch, as palavras saíram-lhe nítidas:

— Mensagem dirigida a Freyt, Terrânia. Texto: Oportunamente forneceremos instruções.

Depois enviou outra, destinada a Hades.

— Texto: Ligar o receptor do transmissor de matéria exatamente dentro de cinco horas. Irei pessoalmente. Rhodan.

A seguir, concluiu:

— Providencie para que as duas mensagens sejam expedidas o mais rápido possível.

— Entendido, Sir...

— Um momento. Acorde o Coronel Sikermann. A Drusus partirá dentro de uma hora.

Tompetch arregalou os olhos.

— Nós... Está bem, Sir! A tela apagou-se.

Dali a dez minutos, Rhodan entrou na sala de rádio. Seu rosto estava muito sério. Pediu que confirmassem que as duas mensagens haviam sido expedidas e mandou que fizessem uma ligação de telecomunicador com Atlan. Provavelmente o imperador de Árcon se encontrava no palácio dos soberanos. Se não, teriam que dar um jeito para encontrá-lo.

Rhodan esperava, quando Bell entrou e anunciou:

— Sikermann manda dizer que a Drusus está em condições de decolar, Perry. Todos os homens estão a postos.

— Vamos adiar a partida. Ainda não conseguimos entrar em contato com Atlan.

— Deixe um recado para ele — sugeriu Bell. — Quem sabe em que local noturno ele se diverte.

— Estas coisas não existem em Árcon III — disse Rhodan, lembrando um fato que os tripulantes da Drusus já haviam lamentado bastante. — Se não conseguir encontrá-lo, não terei outra alternativa senão deixar um recado.

Refletiu um pouco.

— Está bem. A decolagem está definitivamente fixada para daqui a quarenta minutos.

Bell confirmou.

Cinco minutos antes dos gigantescos propulsores da Drusus serem ligados, Atlan chamou.

— Vai partir, Perry? Para que tanta pressa? O que aconteceu?

Um sorriso quase imperceptível surgiu no rosto de Rhodan.

— Você acaba de formular três perguntas de uma vez, almirante... perdão, imperador. Basta uma única resposta: Ellert está em perigo. Irei a Hades. Está com vontade de ir comigo?

Atlan soltou um suspiro.

— Que belos tempos foram estes em que nós dois podíamos vagar pelo espaço! Agora só posso pensar nas minhas obrigações. Devo confessar que a tarefa de governar não é fácil. Deixa-se de ser um homem livre.

— Pretende passar o resto dos seus dias em Árcon?

— É claro que não, Perry. Mas desta vez tenho de ficar. Tenho problemas diplomáticos urgentes a resolver. Você compreende? Desejo-lhe boa sorte, e faço votos de que volte logo. Passe bem.

— Procurarei apressar-me — disse Rhodan com um gesto de despedida.

Depois a tela apagou-se.

A Drusus decolou no momento indicado. Os propulsores começaram a uivar e empurraram a gigantesca nave pelo espaço afora. Os campos antigravitacionais neutralizaram a pressão. Acelerando cada vez mais, o gigante espacial aproximava-se da velocidade da luz e do anel de fortificações de Árcon, enquanto o planeta central mergulhava no infinito.

Depois de duas horas de velocíssima viagem, viram as estações espaciais automáticas passar de ambos os lados da nave e ficar para trás. A palavra-código evitara que essas fortalezas começassem a cuspir fogo e destruíssem a Drusus.

A nave prosseguia livremente em direção ao ponto de transição previamente calculado.

 

No momento certo, o Capitão Marcel Rous mandou colocar um dos transmissores em recepção. A essa hora, a Drusus devia estar materializando-se em algum lugar, nas proximidades do funil de descarga, que separava o Universo einsteiniano do plano temporal dos druufs, e Rhodan certamente estaria entrando na estação de remessa do transmissor de matéria.

Parado à frente da porta gradeada, Rous estava aguardando o chefe. A luz verde estava acesa, mas por enquanto não se via o menor sinal de Rhodan.

A luz começou a oscilar. Os primeiros impulsos expedidos pela Drusus estava chegando. O transmissor acabara de ser acionado. E então — subitamente, sem a menor transição — o vulto de um homem surgiu no interior da área cercada pelas grades. Saiu do nada e materializou-se de um instante para outro.

Rhodan abandonou a jaula e apertou a mão do Capitão Rous.

— Meteu-me um susto daqueles, capitão. Como foi que o Marechal Freyt acabou recebendo esse aviso?

Estavam caminhando pelo corredor, em direção à cabina em que residia o comandante da base. Antes que chegassem aos aposentos de Rous, este disse:

— Assim que recebi o pedido de socorro de Ellert, enviei uma mensagem de emergência à Ohio, que é nossa nave de ligação estacionada junto ao funil. Suponho que esta a tenha transmitido imediatamente ao Marechal Freyt, que por sua vez entrou em contato com o senhor. De qualquer maneira, a rapidez com que hoje em dia as notícias correm pela Via Láctea é verdadeiramente espantosa.

Abriu a porta e deixou que Rhodan passasse à sua frente. Só depois que os dois estavam sentados perto de uma bojuda garrafa colocada sobre a mesa, Rhodan perguntou:

— O que aconteceu com Ellert?

Rous enfiou a mão no bolso e tirou um pedaço de papel.

— É a primeira mensagem radiofônica que recebemos de Druufon.

Rhodan leu a mensagem de Ellert devagar e com o maior cuidado. Quando colocou o papel na mesa, parecia muito pensativo.

— Quer dizer que realmente agarraram Onot, e Ellert já não tem possibilidade de abandonar o corpo em que está hospedado, para voltar à Terra. Não teremos outra alternativa senão levar seu corpo para Druufon. Bem, não será nada fácil. Ainda bem que dispomos de bastante tempo. Alguns dias ainda se passarão, até que o inquérito esteja concluído e o processo contra Onot seja iniciado.

Rous sacudiu a cabeça. Empalidecera um pouco.

— Neste meio tempo, recebemos outra mensagem de Ellert, Sir. Receio que o tempo de que podemos dispor seja muito escasso. Já faz duas horas que Onot se encontra diante da Corte Suprema.

Rhodan fitou-o com uma expressão de perplexidade.

— E só agora o senhor vem me dizer isso?

O capitão não respondeu. Rhodan inclinou-se para a frente e colocou a mão direita sobre seu braço.

— O que diz a segunda mensagem, Rous? Seria capaz de fornecer-me o texto integral?

— Sei de cor, Sir. Ellert avisou que foram buscar Onot na prisão e o colocaram diante da Corte. Mal e mal lhe restam forças para obrigar Onot a fazer determinadas declarações. Diz que, no seu íntimo, o quadrático cientista está disposto a revelar toda verdade aos juizes. Ellert tenta impedir que isso aconteça. Não sabe por quanto tempo ainda agüentará. Se for obrigado a abandonar o cérebro e o corpo de Onot, não saberá para onde ir. Para sair de Druufon, precisaria de forças. E estas lhe faltam.

Rhodan fez um gesto de assentimento.

— Imagino perfeitamente o que acontecerá se ele for obrigado a abandonar Onot, sem que disponha da necessária energia. É possível que, se isso acontecer, perca o controle direcional do tempo e volte a mergulhar no fluxo temporal que o arrastou até aqui. Face a isso, pelo menos já sabemos que a permanência no presente exige um certo dispêndio de energia. É estranho, mas nunca pensei nisso.

Levantou a cabeça e fitou diretamente os olhos de Rous.

— Devemos agir imediatamente. Mais tarde poderemos filosofar. Voltarei para bordo da Drusus, mas permanecerei nas proximidades de Hades. Se houver algum ataque, conte comigo. Se Onot acabar falando...

Levantou-se e esperou que Rous abrisse a porta à sua frente. Enquanto caminhavam em direção aos transmissores, prosseguiu:

— Se chegar outra mensagem de Ellert, avise imediatamente.

— Certo Sir — prometeu Rous.

Rhodan voltou a virar o rosto para ele antes de desmaterializar-se.

Dali a um segundo, saiu do receptor instalado a bordo da Drusus e, apressado, dirigiu-se à estação de hiper-rádio da nave.

Suas instruções foram rápidas e precisas, como sempre acontecia, quando o destino da Terra ou da Galáxia estava em jogo.

 

Até mesmo pelo aspecto exterior, o Marechal Freyt tinha certa semelhança com Perry Rhodan. E, tal qual o administrador, recebera a ducha celular no planeta artificial Peregrino. Esse tratamento prolongava a vida e, por isso, o processo de envelhecimento foi detido. Naquele princípio de tarde, o movimento era enorme na central de emergência de Terrânia. As hipermensagens das naves estacionadas no espaço chegavam quase a cada hora que passava. Agora, que a posição galáctica da Terra já era conhecida, não havia motivo para maiores cuidados.

Acontece que todas as comunicações que iam chegando eram indiferentes para Freyt. Aguardava uma determinada notícia, muito embora apenas pudesse imaginar qual seria o conteúdo. Porém, Rhodan submeteu-o a uma espera prolongada.

Muito nervoso, estava sentado no seu gabinete. Seu corpo magro estava ligeiramente inclinado, mas isso acontecia antes por hábito que por fraqueza. À sua volta, os aparelhos de comunicação ameaçavam esmagá-lo. Em todos os lugares se viam telas, quadros de comando e cabos. A partir daquele recinto, podia controlar não apenas o planeta Terra, mas todo o sistema solar e uma gigantesca frota espacial.

Freyt transmitira para Rhodan, que se encontrava em Árcon, a mensagem radiofônica recebida de Hades. Sabia que uma decisão era iminente. Como sua mente possuísse uma elevada capacidade de combinar os fatos, tomara suas precauções e avisara o Professor Haggard e também o Dr. Jamison. Os dois médicos permaneciam em suas residências, à espera do momento em que teriam de entrar em ação.

Entrar em ação...?

Freyt sacudiu a cabeça e disse, para si mesmo, ser um pessimista.

“As coisas não devem estar tão ruins assim para Ellert”, pensou. “O peregrino do tempo acabará encontrando o caminho para a Terra, quando isso se tornar necessário.”

Encontraria mesmo?

Uma luz acendeu-se. Era a sala de rádio.

Era apenas um aviso de um couraçado que fora transferido de posição.

Mais uma vez, nada! A espera começava a tornar-se insuportável.

Porém, no momento em que finalmente a sala de hiper-rádio chamou e transmitiu a mensagem direta de Rhodan para a residência de Freyt, de um instante para outro, o marechal virou a calma em pessoa.

A tela oval iluminou-se. Nos primeiros segundos, os contornos do rosto de Rhodan eram um pouco apagados, mas logo tornaram-se nítidos. Reconhecia-se perfeitamente todas as linhas. As hiperondas possibilitavam o contato direto e imediato a uma distância de vários anos-luz.

— Até parece que tanto o senhor como eu esperávamos esta palestra, marechal.

— É verdade, Perry.

Numa ligação direta desse tipo, tinha-se a impressão de estar sentado à frente do interlocutor, na mesma sala. Se não fosse assim, Freyt não chamaria Perry de você. Quando se encontravam em público, até mesmo os velhos amigos costumavam resguardar a imagem da disciplina.

— Qual é sua posição? Ainda Árcon?

— Não. Hades. Encontro-me na Drusus, a um ano-luz do sistema dos druufs. Ellert enviou outra mensagem. Não está em condições de abandonar o corpo de Onot por um tempo mais prolongado, sem que corra um grave perigo. Onot encontra-se diante da Corte de Justiça, onde está sendo processado por traição. Ellert se esforça para evitar que faça uma confissão, cujas conseqüências poderão ser desastrosas a todos nós. Só vejo uma salda para esse impasse. O cadáver de Ellert deve ser retirado imediatamente do mausoléu e levado para Hades. O resto poderá ser arranjado depois.

— Era o que eu imaginava! — exclamou Freyt. — Haggard e Jamison estão de prontidão. Quando será?

Um sorriso surgiu no rosto de Rhodan.

— A semelhança entre nós não se limita ao aspecto exterior, Micha — seu rosto voltou a tornar-se sério. — Será imediatamente! Tome todas as providências para que tenham o maior cuidado quando estiverem lidando com o corpo. Ambos os médicos deverão acompanhá-lo e não tirarão os olhos do mesmo. Você vai providenciar tudo?

— Eu mesmo levarei Ellert, Perry. Rhodan fitou-o com uma expressão de perplexidade.

— Você é meu representante. Quem...?

— Em poucas horas, tudo estará resolvido. Mercant cuidará dos assuntos mais importantes. Acho que tem capacidade para isso.

— Também acho. Está bem, Micha. Espero-o.

— Conte comigo — disse Freyt e fez um sinal para o amigo.

A tela escureceu de um instante para o outro quando, depois das últimas instruções de Rhodan, a ligação foi interrompida.

Por um segundo, Freyt manteve-se imóvel em sua poltrona, mas logo seu corpo adquiriu vida. Mercant foi informado sobre a situação, os dois médicos receberam ordem para dirigir-se ao mausoléu, deram-se instruções para que o cruzador ligeiro C-13 fosse preparado para a decolagem e solicitaram-se vários planadores.

Dali a dez minutos, Freyt pousou no deserto, junto à pirâmide erguida sobre o túmulo de Ellert. Haggard a Jamison já o esperavam. As sentinelas, que mantinham guarda ininterruptamente no local, mantiveram-se imóveis. Seus rostos continuaram impassíveis.

O professor Haggard, um dos amigos mais antigos de Rhodan e que também recebera a ducha celular, foi ao encontro de Freyt a passos largos.

— O que houve? O cadáver de Ellert pegou um resfriado?

Haggard era conhecido por suas brincadeiras grosseiras mas todo mundo sabia que, com elas não pretendia ofender ninguém.

— Ou será que quer praticar a ressurreição? — prosseguiu.

— Talvez sejam ambas as coisas, em certo sentido — respondeu Freyt e apertou a mão do amigo. Cumprimentou o Dr. Jamison numa atitude um pouco mais reservada, mas não menos amável. — Acabo de receber instruções de Perry Rhodan para retirar o corpo de Ellert do mausoléu e levá-lo para Hades. No caso, o termo cadáver não me parece adequado, meu caro Haggard.

— Hein? — fez o professor. — Para Hades? Por quê?

— Porque Ellert já não está em condições de percorrer o longo caminho para a Terra. Só por isso. Sei perfeitamente como entrar no túmulo. Será que os senhores médicos poderiam ter a gentileza de acompanhar-me?

Passou entre as duas sentinelas, tocou a parede lisa da pirâmide com a mão espalmada, empurrou-a de um lado para o outro, como se estivesse procurando alguma coisa... e de repente ouviu-se um ruído.

O solo do deserto abriu-se, pondo à mostra uma escada, que conduzia para as profundidades.

— É por aqui que temos de descer — explicou o marechal. Caminhou à frente dos outros.

A segunda porta foi mais fácil de ser aberta e, depois disso, surgiu à frente deles a câmara mortuária propriamente dita, na qual o corpo imorredouro do teletemporário jazia há setenta anos, aguardando o momento em que o espírito retornasse a ele.

O Marechal Freyt fitou os complicados instrumentos que desencadeariam o alarma ao menor sinal de vida de Ellert. O espelho à frente da boca do “morto” não estava embaçado. O ar daquele recinto quadrático parecia abafado, muito embora tivesse sido renovado ininterruptamente nos últimos sete decênios.

Os três homens levaram algum tempo para perceber que o rosto de Ellert estava mudado. As faces estavam encovadas, os olhos jaziam no fundo das órbitas negras e a pele brilhava numa tonalidade azulada.

O professor Haggard apontou com a mão trêmula para o vulto magro, cujos contornos se desenhavam abaixo do tecido.

— É o início da decomposição...!

O Marechal Freyt teve a impressão de que seu coração ia parar.

Será que tudo fora em vão? Há setenta anos Ellert procurava seu corpo, e agora, que finalmente o tinha encontrado, talvez já fosse tarde. Era bem verdade que Ellert poderia assumir outro corpo, mas...

— Temos de apressar-nos! — disse com a voz apagada e virou-se para a parede, a fim de desligar os instrumentos que Rhodan lhe descrevera. — Jamison, ajude Haggard a levar Ellert para cima.

“Tomara que não estejam carregando realmente um cadáver”, pensou um tanto desesperado.

 

Vários pares de olhos frios e implacáveis fitavam Onot.

Atrás de uma mesa alta e comprida estavam sentados os juizes, em número de doze, envoltos em becas vermelhas. Mais ao fundo, o presidente da Corte estava sentado num pedestal, em posição mais elevada. Exercia também as funções de promotor e chefe do Ministério Público.

Ao contemplar os rostos impiedosos que tinha à frente, Onot sentiu-se pequeno e insignificante. Teve de ficar de pé e estava sendo vigiado por dois druufs que o fitavam com uma expressão zangada. Ouviu atrás de si o murmúrio da assistência, formada por cientistas e políticos. O processo provocara grande sensação.

— Pergunto — disse o presidente numa voz penetrante, mas inaudível aos ouvidos humanos. — O que tem a dizer sobre a acusação que acaba de ser apresentada? Reconhece sua culpa?

— Não — respondeu Onot, agindo de sua livre e espontânea vontade.

Ellert não fez qualquer tipo de pressão, muito embora se mantivesse de guarda. Não conseguira evitar que seu espírito consciente tivesse descoberto alguns dos seus segredos, que, em hipótese alguma, deveriam ser revelados.

— Não me sinto culpado pelos atos de que sou acusado.

O presidente da Corte acenou com a cabeça, como se não tivesse esperado outra coisa.

— Se é assim, chamo a testemunha Brodak.

Onot tinha uma vaga lembrança de Brodak. Fora um dos assistentes que trabalhara no centro de computação secundário, nas proximidades de seu laboratório secreto.

O que é que ele poderia saber?

Um druuf foi introduzido na sala e colocado à frente do juiz. Ao que parecia, estava disposto a aniquilar Onot, custasse o que custasse.

— No dia em que o centro de computação da capital foi destruído, vi Onot junto ao nosso computador, nas proximidades do deserto — declarou Brodak. — Estava saindo do metrô e tinha muita pressa. Uma hora antes, os robôs inimigos haviam penetrado e destruído o centro de computação. Onot foi o único que teve tempo para fugir. Ninguém mais conseguiu; a surpresa foi muito grande. Como já disse, Onot fugiu. E isso prova que sabia do ataque.

Houve um movimento na assistência. Os juizes puseram-se a confabular. Brodak prosseguiu em tom de triunfo:

— Hoje já sabemos que a invasão dos robôs foi realizada através do transmissor de matéria. O aparelho foi ligado exatamente no momento apropriado. E foi ligado por Onot!

Houve um tumulto indescritível. Onot ouviu gritos ameaçadores e estremeceu. Se dependesse da vontade dos assistentes, seria morto ali mesmo.

O presidente da Corte fez com que a calma se restabelecesse.

— O que tem a dizer, Onot?

Ellert concentrou suas forças e obrigou Onot a dar esta resposta:

— Isso é uma mentira infame! É pura intriga! Não fiz nada disso.

— Qualquer assassino costuma declarar que é inocente. Traga as provas de sua inocência.

— Nada disso! — exclamou Onot. — Vocês têm de provar que sou culpado!

Por um segundo, Ellert esqueceu-se das cautelas que devia adotar, porque tinha a sensação do triunfo. O intelecto de Onot rebelou-se contra a tutela exercida por Ellert. Onot disse:

— É claro que liguei o transmissor, mas permitam que explique...

O presidente da Corte parecia um tanto perplexo. O traidor negara tudo, e logo a seguir confessara. Uma confissão desse tipo não vale muita coisa, pois tinha-se a impressão de que resultava de alguma forma de induzimento.

Ellert voltou a subjugar Onot. O druuf prosseguiu:

— Naturalmente retifico o que acabo de declarar. Não sei o que me fez confessar um ato que não cometi.

— Por que não me obedece? — perguntou Ellert, sentindo o esforço que teve de fazer como se fosse uma dor física. — Será melhor para você mesmo.

Mas Onot lutava denodadamente contra sua subjugação mental.

— O traidor não sou eu, mas minha voz! — exclamou em tom de desespero. — Ela me obriga...

— A voz? — interrompeu o presidente da Corte e lançou um olhar bastante expressivo para seus colegas. Começava a imaginar onde o acusado pretendia chegar. — Que voz é essa?

Desta vez, Ellert se manteve vigilante. Fez com que Onot respondesse:

— Isso mesmo; minha voz. Com esta palavra quero designar as pessoas que têm inveja de mim, e que me atribuem atos que nunca pratiquei. Reafirmo minha inocência. Afinal, presenteei meu povo com um grande número de inventos valiosos.

— Esse fato será considerado a seu favor, Onot — disse o juiz com uma estranha benevolência. — Uma confissão livre e espontânea melhoraria ainda mais a sua situação.

A essa altura, Ellert já tinha compreendido que não conseguiria submeter Onot à sua vontade para sempre e ininterruptamente. Era capaz de fazê-lo a curtos intervalos. Mas vez por outra, era obrigado a libertar o espírito de Onot.

Quem sabe se não poderia transformar essas oportunidades numa tática inteligente, transformando sua fraqueza numa arma? Se Onot caísse em contradição, admitindo sua culpa para cinco minutos após isso negá-la energicamente, isso só poderia confundir os juizes e a assistência. Deixou Onot entregue a si mesmo.

— Foi a voz que me ordenou que ligasse o transmissor. De qualquer maneira, não o teria feito se fosse dono de mim mesmo. Não tive condições de me defender. A voz apossou-se de meu corpo e dirigiu meus músculos e nervos. Foi ela quem movimentou minhas mãos e me obrigou a ligar o transmissor.

Onot calou-se, exausto. Apressara-se em confessar sua culpa, pois receava que não poderia falar à vontade por muito tempo. Mas, para seu enorme espanto, o inimigo terrível não procurou impedi-lo. Antes que o juiz pudesse fazer qualquer observação, prosseguiu apressadamente:

— Um espírito alojou-se dentro de mim. Ele não vem deste mundo, mas de um planeta que fica a muitos anos-luz de distância. Agora perdeu as forças e já não me domina. Seu mundo é...

Calou-se, pois Ellert não estava dormindo. Havia certas coisas que Onot não devia contar. Por isso, os ouvintes ficaram bastante espantados, quando Onot prosseguiu:

— Não dêem atenção ao que estou dizendo. O que acabo de dizer é simples loucura. Não é verdade. Não sou nenhum traidor.

O presidente da Corte perdeu a paciência.

— Onot, você quer nos enganar, simulando um colapso nervoso. Você não conseguirá nada com isso. Você confessa e, logo a seguir, nega tudo. Uma voz! Ora essa! Será que poderíamos ver sua voz?

— A voz é invisível e está em toda parte, juiz. Neste momento está na sala em que nos encontramos. — Onot prosseguiu sem a menor pausa: — Às vezes chego a imaginar que a voz realmente existe, e que ela se encontra no interior do meu cérebro.

— Pois então! — o presidente da Corte fez um sinal para um dos oficiais de justiça. — Providencie para que os médicos cuidem de Onot. Testemunha Brodak, sua presença não é mais necessária. Levem o acusado à sua cela. O processo fica suspenso até que recebamos o laudo médico.

Quando os guardas o seguraram, Onot defendeu-se desesperadamente.

Ellert sabia que, se não acontecesse o milagre, não passaria pela prova que tinha pela frente.

 

A esfera tinha cinqüenta centímetros de diâmetro, era leitosa como uma tela de TV e flutuava no centro da sala.

Perry Rhodan, Bell e o Coronel Sikermann, comandante da Drusus, estavam sentados perto dela e observavam os acontecimentos transmitidos por Harno. Tais acontecimentos se desenrolavam no planeta Druufon.

Harno, que se tornara membro regular do Exército de Mutantes, podia “ver” qualquer ponto do Universo e, em sua superfície, a visão se tornava perceptível aos olhos humanos. Além disso, sabia transmitir expressões verbais por via telepática, mesmo a seres que não possuíssem o dom da telepatia.

E foi assim que os três homens puderam assistir ao ato judicial, que estava sendo realizado em Druufon.

Rhodan disse:

— Ellert está travando uma luta desesperada contra Onot, que vem se tornando cada vez mais forte. Quem dera que conhecêssemos as causas de sua debilidade progressiva. Nesse caso, talvez poderíamos fazer alguma coisa para combatê-la. Harno, será que você não nos poderia dar alguma informação a este respeito?

O ser esférico mantinha-se imóvel no ar. Compreendera a pergunta e respondeu por via telepática:

— Ellert é um espírito sem corpo. Só um corpo consegue manter-se no presente; um espírito não está preso ao tempo nem ao espaço. É como se fosse um homem agarrado a uma pedra, no meio de uma violenta correnteza, e que tem de segurar-se com toda força para não ser carregado pela água. Se sua força diminuir, acabará se soltando e será arrastado. Já faz alguns anos que Ellert se segura na pedra representada por Onot.

Rhodan fez um gesto de assentimento.

— Compreendo; naturalmente a explicação é figurada. Gostaria de saber o que podemos fazer.

Harno respondeu:

— Só há um meio. Ellert tem de regressar a seu corpo. Por enquanto ainda pode realizar o salto... talvez. Do contrário terá de permanecer, para sempre, no interior de Onot, não como dominador, mas como o subconsciente reprimido do druuf. Seria um destino nada agradável.

— Muitos seres vivos têm um subconsciente — interveio Bell. — Será que dali se deve concluir...

— Não tire conclusões apressadas — advertiu Harno. — Todo e qualquer ser orgânico inteligente tem um espírito, uma alma. E esta alma é dupla; só isso. O intelecto que se mantém na superfície corresponde ao que costumamos chamar de inteligência, enquanto o adversário reprimido é o subconsciente.

— Quer dizer que essa situação não se compara com o estado em que Ellert se encontraria depois de derrotado?

— Será que eu afirmei isso?

— Tive essa impressão.

— Se fosse assim, todo homem possuiria duas almas, dois intelectos.

Rhodan achou preferível interromper o debate. Se Harno começava a filosofar, ninguém podia prever quando iria terminar.

— Talvez seja isso mesmo — disse e viu os dois druufs levarem Onot. — Seria bom se pudéssemos aproveitar a pausa. Freyt deverá chegar dentro em breve.

A superfície de Harno modificou-se. Figuras coloridas correram sobre seu corpo esférico e aos poucos foram-se unindo num quadro.

Era o espaço cósmico. Milhões de estrelas tornavam o infinito num veludo negro coberto de brilhantes. Visto a uma distância maior, o veludo pareceria branco.

Uma pequena esfera flutuava perto de outra, quinze vezes maior.

— É a Ohio e nós — disse Rhodan. — Freyt ainda não chegou. Pela mensagem que recebemos, já deveria...

Enquanto Rhodan ainda falava, um pequeno cruzador da frota materializou-se a menos de dois segundos-luz. Deslocava-se a uma velocidade vertiginosa, porém o televisor vivo, Harno, mostrou-o e penetrou em seu interior.

— É Freyt — disse Rhodan com um suspiro de alívio, enquanto via a nave reduzir a velocidade e descrever uma curva ampla, para voltar ao ponto em que emergira do hiperespaço. — Harno, daqui em diante você vigiará Onot ininterruptamente e me avisará, assim que o druuf seja levado para ser submetido ao exame médico. É bem possível que não tenhamos mais muito tempo.

Sem responder nada, Harno subiu ao teto e tornou-se menor. A imagem projetada em sua superfície apagou-se. O Coronel Sikermann também se levantou, de maneira lenta e compenetrada.

Os três saíram da cabina, a fim de preparar a ação que se aproximava.

 

O Marechal Freyt não perdeu muito tempo com os cumprimentos. Mal o cruzador entrou no gigantesco hangar da Drusus, uma abertura surgiu no ventre do pequeno veículo espacial e uma pequena rampa desceu.

Um carro apareceu. Era a maça. Via-se o corpo de um homem, coberto de panos brancos. Freyt, Haggard e Jamison seguiram-no. Logo que chegaram ao lado do carro, Rhodan veio correndo e apertou a mão de Freyt.

— Vejo que trabalhou depressa, Freyt. Como está Ellert?

O Marechal respondeu com a voz preocupada:

— Não sei. Não gostei do seu aspecto. Nem Haggard. A pele já assumiu uma cor azulada em todas as regiões do corpo.

Naquele momento Eric Manoli, médico e amigo de Rhodan, chegou ao hangar. Ouvira as últimas palavras do colega.

— Vejo que a alma continua a manter uma ligação com o corpo, mesmo que se encontre longe — disse, enquanto cumprimentava os três homens. — Ellert constitui a melhor prova disso.

— Como?

Manoli lançou um olhar de surpresa para Haggard.

— Acho que é muito simples. Antigamente, o espírito de Ellert enviava uma pequena fração de sua energia ao corpo, vencendo o espaço e o tempo, a fim de fazê-la chegar ao túmulo situado na Terra. Atualmente, esse espírito está muito fraco. Suas forças estão desgastadas. Seu subconsciente, ou seja lá que nome se queira dar a isso, não dispõe mais de nenhuma energia. O corpo abandonado começa a morrer.

Fora mais ou menos o que Harno exprimira, sem saber das palavras de Manoli.

— Por que o espírito de Ellert está ficando fraco? — perguntou Rhodan.

— Porque o de Onot está ficando mais forte — respondeu Manoli.

Rhodan preferiu não fazer outras perguntas. Aproximou-se do carro e levantou os panos. No momento em que viu o rosto de Ellert levou um susto. Os olhos fechados pousavam profundamente nas covas negras. A pele era de um azul esmaecido.

Durante setenta anos, o corpo de Ellert não sofrerá qualquer modificação. Parecia que o teletemporário apenas dormia, mas agora o repouso estava chegando ao fim. O corpo de Ellert já tinha o aspecto de um organismo morto.

Rhodan controlou-se e ordenou:

— Reginald Bell me substituíra no comando da Drusus. Ras Tschubai e Gucky me acompanharão. Sim, você também, Manoli. Vamos a Hades. E levaremos o corpo de Ellert.

Bell esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas preferiu ficar calado. Talvez o rosto de Rhodan lhe dissesse que qualquer tentativa de fazê-lo mudar de opinião estava condenada ao fracasso. Sikermann limitou-se a acenar, concordando. Freyt parecia desapontado.

— Será que há tanta pressa?

— Infelizmente sim. De qualquer maneira, agradeço-lhe por ter agido tão depressa. Se tivermos êxito, provavelmente deveremos agradecer isso à sua ação rápida. Volte à Terra. Espero que em breve voltemos a nos encontrar.

As despedidas foram curtas. Dali a dez minutos, Rhodan, Ras Tschubai, o teleportador africano e o rato-castor Gucky já se encontravam na jaula do transmissor. O carro com o corpo moribundo dirigiu-se também para o aparelho. A porta fechou-se atrás de Manoli. Uma luz verde acendeu-se, indicando que o receptor fora ligado em Hades.

Rhodan moveu a alavanca do aciona-dor e teve a impressão de que nada estava mudando, ao menos no interior do transmissor. No entanto, tudo já estava modificado. Bell, que se encontrara ao lado do aparelho, desapareceu de repente. No lugar dele, surgiu Marcel Rous, que aguardava a expedição. O capitão abriu apressadamente aporta da jaula.

— Chegou rápido demais, Sir! — exclamou em tom de alívio. — Recebemos outro pedido de socorro irradiado pelo transmissor de Ellert. Infelizmente não temos nenhuma possibilidade de enviar-lhe uma mensagem. Seu minúsculo transmissor não está acoplado a qualquer receptor.

— Daqui a pouco estabeleceremos contato pessoal com ele — disse Rhodan, enquanto dois homens, dirigidos por Manoli, empurravam para fora do transmissor o carro com o corpo de Ellert. — Prepare uma das gazelas para mim, capitão. Uma nave de reconhecimento de longo curso é o veículo que melhor se presta aos nossos objetivos.

— Irá com a tripulação?

— Não; apenas com um piloto. A empresa é um tanto perigosa, e quero que o risco seja o menor possível. Somos poucos, e assim é bem melhor.

— Nesse caso sugiro o Tenente Werner Mundi.

— O húngaro?

— É austríaco, Sir. É um piloto muito competente. Acho que poderá confiar nele.

— É o que preciso, Rous. Pois bem. Diga a Mundi que decolaremos dentro de meia hora. Ainda preciso mandar levar algumas coisas para a gazela.

A nave de reconhecimento tinha a forma de um disco de trinta metros de diâmetro. O bojo, medido de pólo a pólo, era de dezoito metros. Além de desenvolver a velocidade da luz, as gazelas eram capazes de realizar hipersaltos até uma distância de cinco anos-luz.

O Tenente Mundi estava sentado na poltrona do piloto, diante dos controles, e aguardava instruções. Seu rosto rosado e amável não era nada magro e irradiava simpatia. Quando falava inglês, seu sotaque gentil revelava às primeiras palavras onde estivera seu berço.

Ras Tschubai e Gucky também se acomodaram na sala de comando. Mantiveram-se em silêncio, pois não estavam gostando da tarefa que tinham diante de si. Os riscos eram demais, e não havia a menor indicação concreta de que conseguiriam fugir pela segunda vez de Druufon.

Rhodan e Manoli foram os últimos a entrarem na sala de comando da gazela, que ainda continuava estacionada no hangar subterrâneo da base de Hades. Antes, Perry providenciara para que uma grande caixa de equipamentos de combate do Serviço de Segurança Solar fosse colocada no compartimento de carga. Além de armas portáteis, havia bombas-relógio, material de sabotagem e, além de outras coisas, alimentos e medicamentos. Ao lado da caixa, encontrava-se o carro com o corpo de Ellert.

— Saia de Hades, Tenente Mundi, e dirija-se a Druufon à velocidade da luz. A transição só deverá ser realizada, quando eu der ordem para isso.

Mundi respondeu com um sorriso amável e transmitiu ao pessoal que se encontrava na comporta da base subterrânea as instruções necessárias à decolagem. Dali a alguns segundos, o disco, sustentado pelos campos antigravitacionais, foi subindo lentamente e, aumentando de velocidade, passou pela galeria e dirigiu-se à superfície de Hades. As comportas abriram-se diante dele, e a gazela precipitou-se em direção ao céu escuro de Druufon, para logo a seguir desaparecer em meio às estrelas.

 

Os druufs não se apressaram.

Sentado sobre a cama, em sua cela, Onot contemplava o futuro com sérias preocupações. A essa altura, pouco importava se o espírito que o martirizava, realmente existisse ou não. Os juizes haviam solicitado o exame médico e hipnótico-psicológico. Era bem possível que durante o procedimento perdesse sua memória e viesse adquirir uma nova personalidade.

“Talvez”, pensou numa disposição amarga, “teria sido preferível que eu tivesse obedecido à voz. Nesse caso, o juiz ao menos não iria supor que eu tivesse enlouquecido. Quando muito, teria sido interrogado com o auxílio do detector de mentiras e, nesse caso, forçosamente haveriam de chegar à conclusão de que eu estava dizendo a verdade. Ellert me instruiria sobre as respostas e nenhum detector de mentiras seria capaz de provar o contrário.”

Mas já era tarde para arrepender-se do erro cometido.

— A culpa é sua — disse Ellert, que continuava a controlar os pensamentos de Onot.

Até teve a impressão de que aos poucos ia se recuperando das canseiras. Se Onot deixasse de oferecer resistência até poderia ser possível que conseguisse abandonar o corpo do druuf, sem que disso resultassem efeitos colaterais adversos.

— Por que não confiou em mim?

Onot rememorou os acontecimentos, e seus pensamentos tiveram a feição de palavras faladas:

— Como poderia confiar em você, depois de tudo que eu sabia a seu respeito? Você não está interessado na conservação de minha vida, porque sua vida corre perigo. Não acha que eu tinha todos os motivos para supor que você agiria da forma que melhor lhe conviesse? Estava disposto a pôr um fim na voz...

— Com isso, você só se colocou em pior situação. Não estou sentindo nenhuma dor física ou espiritual, mas você está. O que pretende fazer?

— Não tenho outra alternativa senão esperar.

Ellert sabia que Onot não estava mentindo. O druuf desistira definitivamente da luta. Mas já era tarde, até mesmo para ele, Ellert. Se Onot sofresse um choque mais forte, o espírito de Ellert poderia ser atirado para fora do corpo do druuf, e ninguém sabia o que aconteceria depois.

De repente, Ellert compreendeu que sua existência corria perigo.

Fez uma tentativa e constatou que voltara a dispor de energia suficiente para abandonar o corpo de Onot. Sem dúvida encontraria outro corpo em que poderia abrigar-se. Desde que se mantivesse quieto e em atitude passiva, poderia esperar até que Rhodan viesse buscá-lo.

Talvez a solução razoável fosse mesmo esta.

Comunicou suas idéias ao cientista, mas teve a surpresa de descobrir que Onot era de outra opinião.

— Ah, quer dizer que você quer se retirar depois que, por sua culpa, me vejo nesta situação difícil. Quero que fique! Se puder, ajude-me. Deve haver uma possibilidade para isso.

— Não vejo nenhuma saída — confessou Ellert. — Ainda acontece que a culpa é tanto sua quanto minha. Se tivesse obedecido...

— Se tiver outra oportunidade, obedecerei — prometeu Onot.

Nesse momento exato, a idéia salvadora surgiu na cabeça de Ellert.

 

No momento em que as primeiras unidades de vigilância dos druufs surgiram bem ao longe, a gazela abrigou-se no hiperespaço.

Ali permaneceram, desmaterializados, apenas por uma fração de segundo. Logo voltaram ao espaço normal; era bem verdade que se tratava do espaço em que reinava a dimensão temporal dos druufs.

O décimo sexto planeta era gigantesco em meio ao espaço. Estava cercado por vinte e uma luas e uma frota montava-lhe guarda.

Enquanto Rhodan transmitia suas instruções ao piloto, um sorriso frio surgiu-lhe no rosto.

— Mantenha ligado o neutralizador de vibrações. Ativar os campos defensivos. Prosseguiremos até a face noturna de Druufon, onde nos manteremos em posição de espera.

O Tenente Mundi também sorriu. Mas seu sorriso não era frio; antes exprimia gentileza e confiança.

— Os druufs ficarão espantados se não nos descobrirem — disse num ilogismo que desarmaria qualquer pessoa. — Vamos defender-nos se formos atacados?

— Se vamos! — respondeu Rhodan. Com isso, a situação ficou esclarecida. Agachado num canto do estreito sofá, Gucky parecia escutar seu próprio interior.

Sua capacidade telepática era tremenda; conseguia captar e interpretar impulsos mentais estranhos a uma distância de dezenas de milhares de quilômetros. Era claro que, naquele momento, estava captando um verdadeiro fluxo de impulsos vindos de Druufon, mas não conseguiu identificar os pensamentos de Onot, em meio a esse fluxo. Sua mente funcionava tal qual um rádio que captasse todas as emissoras ao mesmo tempo. Então, era-lhe difícil identificar a que interessava.

Gucky suspirou; parecia aborrecido.

— Você devia ter trazido Harno — piou em tom de recriminação, abrindo os olhos por um instante, — Ele poderia aproximar-me de Onot.

— Harno tem de permanecer com Bell a bordo da Drusus, a fim de que lá estejam sempre informados sobre nosso paradeiro — disse Rhodan em tom suave, mas firme. — O que há com Ellert? Por que não tenta encontrá-lo?

— Seria ainda mais difícil — respondeu o rato-castor em tom indignado e voltou a fechar os olhos. — O fantasma já parou de pensar.

Rhodan preferiu não fazer o comentário que trazia na ponta da língua, e que não seria nada gentil para Gucky. Mas pensou. E Gucky compreenderia seus pensamentos.

Ras Tschubai era teleportador, mas não telepata, por isso, a pergunta que dirigiu a Gucky era típica de um leigo.

— Você sabe em que lugar da capital fica a prisão, não sabe? Pois então! Por que não procura nesse lugar?

Gucky voltou a abrir os olhos, nos quais se lia um triste conformismo.

— Como você é inteligente, africano. Acha que ainda não tentei? Acontece que nosso prezado Onot não se encontra mais na prisão.

Rhodan, que estava de costas para Gucky, virou-se abruptamente.

— O que foi que você disse, Gucky? Onot não está mais na sua cela?

— Não consigo encontrá-lo lá — respondeu Gucky, esquivando-se cautelosamente. — É claro que foi o lugar em que tentei antes de qualquer outro, mas acontece que Onot e Ellert já não sabem pensar, ou então estão em outro lugar.

— E só agora você vem me dizer isso? — repreendeu-o Rhodan.

— Fiz o possível para encontrá-lo — disse Gucky a título de desculpa. — Por que haveria de deixá-lo preocupado? É possível que Onot já tenha sido levado a alguma instituição onde está sendo submetido a exames. Não se preocupe; haverei de encontrá-lo.

Sem esperar resposta, voltou a concentrar-se.

O Tenente Mundi apontou para a tela.

— Se quisermos pousar, devemos decidir logo. Daqui a pouco, voltaremos a sair da face noturna.

— Existem barreiras?

— Só muito acima do planeta. Já as atravessamos. Não nos localizaram goniometricamente; é ao menos o que espero. Se a sorte continuar a favorecer-nos, conseguiremos pousar, sem que ninguém perceba. Afinal, o novo dispositivo antilocalização está ligado.

Rhodan fez um gesto de assentimento.

— Vamos pousar. Antes, porém, ligue a tela de luz infravermelha. Quero examinar a área. Felizmente grande parte da superfície do planeta consiste em montanhas e planaltos desabitados. Se encontrarmos um bom esconderijo, teremos melhores condições de operar.

Constataram que se achavam em posição lateral em relação a uma cidadezinha. Desenvolvendo elevada velocidade, afastaram-se algumas centenas de quilômetros na direção norte, até que se encontraram em cima de uma cadeia de montanhas entrecortadas por profundos desfiladeiros.

Mundi deixou a gazela baixar em direção à superfície, até que os paredões rochosos, que se erguiam de ambos os lados, foram reduzindo o segmento do céu que podiam alcançar com a vista. Finalmente, a nave pousou suave. Os propulsores silenciaram.

— Foi um pouso bem feito — disse Ras Tschubai a título de elogio. — Tomara que ninguém nos encontre.

— Examine nos mapas a que distância fica a capital — ordenou Rhodan em tom frio. — Todos foram confeccionados em conformidade com as indicações fornecidas por Ellert. Não têm muita precisão, mas acho que para os nossos fins serão suficientes.

O Tenente Mundi pôs-se a trabalhar e determinou o local de pouso. Depois disso, as coisas não foram muito difíceis.

— Na capital é noite fechada, Sir. Fica a cerca de quinze mil quilômetros a oeste. No local em que pousamos, logo será dia.

— De qualquer maneira poderemos dormir um pouco — disse Gucky e reiniciou suas pesquisas, como se quisesse provar que não estava falando sério. — Voltarei a tentar.

— Deixe para lá — disse Rhodan. — É preferível que investigue as áreas adjacentes ao local de pouso, para evitar alguma surpresa desagradável. Quem sabe por quanto tempo teremos de esperar Ellert.

— Devo ir só?

— Não; Ras o acompanhará. Verifiquem se existem druufs nos arredores. Talvez consigam encontrar um esconderijo para a gazela. Prefiro não deixá-la exposta no desfiladeiro. Algum planador em vôo baixo poderia descobri-la.

Os dois teleportadores desapareceram para examinar o terreno. O Tenente Mundi resolveu dormir um pouco. Antes comeu alguma coisa. Era um sujeito notável! Nem para comer nem para dormir, saía da poltrona de piloto.

Rhodan dirigiu-se até a pequena enfermaria da nave, onde se encontrava o Dr. Manoli. Depois do pouso, o corpo de Ellert fora levado para lá, pois o compartimento de carga não parecia ser um local adequado.

Ellert estava deitado na cama. Rhodan percebeu que a coloração azul da pele aumentara, não muito, mas numa proporção capaz de causar preocupações.

— Por quanto tempo a estrutura celular deverá conservar a capacidade de revitalização, Eric?

Os dois costumavam tratar-se por você. Manoli acompanhara Perry Rhodan há mais de setenta anos, quando este, na qualidade de major da Força Espacial dos Estados Unidos, pousou na Lua. Também recebera a ducha celular no planeta Peregrino.

— Não tenho certeza, mas acho que uma demora de três dias já envolve certo perigo. Ellert deve retornar ao seu corpo amanhã, ou o mais tardar depois de amanhã. Depois será tarde.

— Em Druufon, o dia dura quarenta e oito horas, Eric. Quer dizer que o regresso deve verificar-se até amanhã. De noite, praticamente não podemos fazer nada.

— Quem dera que conseguíssemos estabelecer contato telepático. Não compreendo por que Gucky está fracassando.

— Não está fracassando no verdadeiro sentido da palavra — disse Rhodan, em defesa do rato-castor. — As circunstâncias trabalham contra ele. Provavelmente, Ellert está tão fraco que seus impulsos mal chegam a ser irradiados. Apenas podemos fazer votos, para que o acaso venha em nosso auxílio.

Rhodan fitou o rosto de Ellert, com uma expressão pensativa.

— O que mais me preocupa é que, segundo parece, Onot não se encontra mais na prisão. Gucky não consegue localizá-lo com seu goniômetro, conforme costuma dizer. Vê-se obrigado a procurá-lo em meio a milhões de impulsos.

— Por que não se teleporta para a cela em que Onot esteve por último? Talvez lá consiga encontrar alguma indicação.

— Mais tarde poderá fazer isso; por enquanto não. Devemos evitar de qualquer maneira que os druufs desconfiem de alguma coisa. Nunca devem descobrir que o cientista mantém qualquer tipo de contato conosco. Se isso acontecesse, logicamente teriam de admitir que também nos apoderamos das invenções de Onot e tomariam suas precauções. Uma nova invasão da Terra seria inevitável. Para eles, Onot deve continuar a ser apenas um druuf traidor... Seria uma perturbação psíquica; muito bem. Mas nunca devem concluir que está dominado pelo espírito de um terrano.

— Compreendo — murmurou Manoli e passou a caminhar de um lado para outro. — Acontece que não sei como poderemos encontrar Ellert, sem despertarmos a atenção de ninguém.

— Ainda esta noite Gucky e eu nos teleportaremos à capital — disse Rhodan. — É possível que lá surja alguma possibilidade de descobrir o paradeiro de Onot. Se um druuf puser os olhos em nosso rato-castor, por certo não haverá de acreditar que se trata de um terrano. E bem verdade que eu terei de me manter escondido.

Manoli sorriu.

— É verdade. Dificilmente alguém acreditará que Gucky é um ser humano. Apesar disso, sua aparição não deixa de representar um perigo para nós. É bem possível que alguém tenha ouvido falar dele.

— Gucky terá o máximo de cuidado — prometeu Rhodan e continuou a refletir com um máximo de concentração.

De repente, teve a impressão de se encontrar num beco sem saída.

E teria de sair do tal beco até o meio-dia do dia seguinte.

 

Antes de mais nada, Ellert pensou nas anotações relativas à hiperpropulsão linear que Onot trazia no bolso. Sabia que dispunha de energia suficiente para abandonar o corpo de Onot, sem que isso representasse qualquer perigo para ele. Porém não tinha a menor idéia da distância que poderia percorrer nos seus saltos. E se não possuísse forças para penetrar logo num outro corpo...

Nem se atreveu a pensar nas conseqüências. Mais uma vez, teria de realizar uma peregrinação imaterial pela eternidade.

— Está bem, Onot — comunicou depois de algum tempo ao druuf. — Se quiser obedecer-me, tentaremos juntos pregar uma peça ao juiz. Evitarei que você seja submetido a exame médico, e farei com que mais tarde, quando eu o tiver abandonado, ninguém lhe possa fazer nada.

— Como pretende fazer isso?

— Eu lhe darei uma nova memória, que corresponderá à antiga e permitirá que você conserve sua personalidade. Porém não me conhecerá mais. Será como se nunca tivesse existido para você. E, quando se encontrar diante do juiz, dirá a verdade. Os detectores de mentiras poderão provar isso. Você deixará de ser um traidor.

A idéia de uma nova memória não era muito simpática para Onot, mas teve a percepção lógica de que, para ele, não havia solução melhor.

— Estou de acordo — disse.

— Daqui a uma hora será noite. Hoje não virão buscá-lo mais. Fugiremos de noite. Procuraremos chegar a seu velho laboratório nas montanhas, onde poderemos “equipar-nos”. Talvez até lá consiga descobrir onde estão meus amigos. Assim que eu os encontrar, você estará livre. Quando voltar a enfrentar o juiz, estará “equipado” com sua nova memória.

Onot não se sentia muito à vontade dentro da sua grossa pele.

— Por que irei fugir se devo voltar a apresentar-me?

— Para provar sua boa vontade e sua consciência tranqüila. Garanto-lhe que isso bastará para convencê-los.

— Como faremos para sair da prisão?

— Deixe isto por minha conta, meu caro Onot.

O druuf deu-se por satisfeito. Deitou sobre a cama e, seguindo a ordem de Ellert, procurou dormir.

Assim que fechou os olhos e relaxou um pouco, Ellert fez a primeira tentativa.

Mais uma vez, viu Onot deitado a seus pés, enquanto ele mesmo flutuava livremente no espaço, sem corpo e sem peso. Atravessou o teto e viu-se no interior de outra cela. Um druuf acorrentado estava deitado no chão, dormindo. Tudo indicava que não recebera um tratamento tão bom quanto o de Onot; provavelmente não era nenhum célebre cientista.

Ellert preferiu não escolher essa pobre criatura como objeto de suas experiências. Seria preferível escolher algum druuf que estivesse em liberdade.

Sem a menor dificuldade, atravessou as paredes e viu-se no corredor. Naturalmente seria fácil “desaparecer” pura e simplesmente. Mas nesse caso, Onot continuaria no interior da cela e, com ele, as importantes anotações que, só em último caso, estaria disposto a abandonar. Era claro que poderia procurar diretamente o presidente da Corte e influenciá-lo, mas teve a impressão de que isso seria muito arriscado. Um insignificante guarda que cometesse um erro não despertaria muito interesse. Mas se além de Onot também o juiz mais graduado sofresse uma perturbação de suas faculdades mentais, o fato não poderia deixar de provocar suspeitas.

Devia-se ter a impressão de que Onot fugira de forma natural.

Ellert desceu através do soalho e chegou ao corredor que levava à cela de Onot. Já estava em condições de regular à vontade a velocidade de seu “vôo”, e tinha certeza de que conseguiria vencer distâncias maiores. No entanto, ainda não arriscaria um salto que o levasse de um planeta a outro.

O plano temporal dos druufs se adaptara até certo ponto ao Universo einsteiniano, mas tal proximidade não duraria muito. Dentro de alguns meses, os dois planos temporais voltariam a afastar-se e as diferenças nas dimensões temporais aumentariam, até que o tempo do Universo dos druufs corresse novamente setenta e duas mil vezes mais devagar que, por exemplo, o da Terra. Atualmente só corria duas vezes mais devagar. Como os druufs fossem grandes e pesados, quase não se notava essa diferença. Além disso, Ellert já se acostumara ao aspecto daqueles seres lerdos, sem lembrar-se constantemente de que, para eles, o tempo fluía apenas à metade da velocidade do tempo dos terranos.

Sentiu os pensamentos de um druuf que se aproximava.

Um homem, ou qualquer outro ser corpóreo, sem dúvida se sentiria inclinado a esconder-se. Mas Ellert não era um homem sob esse ponto de vista. Continuou onde estava, pois nenhum ser poderia encontrá-lo, caso ele não quisesse.

O druuf dobrou a esquina do corredor. Ellert já sabia que era o guarda que levava o jantar de Onot.

“É uma boa oportunidade de experimentar duas coisas ao mesmo tempo”, pensou Ellert muito satisfeito.

Poderia ver como Onot se comportaria, enquanto não estava submetido à sua influência e, ao mesmo tempo, tentaria assumir o corpo do guarda.

O druuf forneceu, em primeiro lugar, o alimento dos prisioneiros que se encontravam do outro lado do corredor. Finalmente, chegou à porta atrás da qual ficava a cela de Onot. Abriu a portinhola e colocou uma tigela sobre a tábua.

— Sua comida, Onot — disse e esperou, até que o prisioneiro se aproximasse da porta. — Tudo preparado para a noite?

Ao que parecia, Onot estava dormindo, pois levou quase trinta segundos para chegar à porta e poder dar uma resposta.

— Tudo em ordem — respondeu. Pegou a tigela e voltou à cama. Não emitiu um único impulso que pudesse ser interpretado como uma intenção de trair Ellert.

O guarda fechou a portinhola e afastou-se, arrastando os pés.

Ellert seguiu-o — em sentido figurado — até a sala dos guardas. Mais dois guardas estavam lá e se preparavam para passar a noite. Atrás da sala havia uma grade metálica que fechava um corredor. Ellert sabia que a galeria terminava na sala de controle, onde todos os visitantes eram examinados por meio de raios capazes de detectar a presença de armas ou ferramentas. Além disso, naquela sala ficavam os registros. Todos os prisioneiros eram registrados eletronicamente, na entrada e na saída.

Ellert deixou os três guardas entregues a si mesmos, depois de descobrir que eram os únicos funcionários a tirarem plantão noturno no interior da prisão propriamente dita. Havia apenas mais um druuf junto à saída, que controlava a porta eletrônica.

Quando voltou a sentir a presença de Ellert, Onot pouco se sentiu surpreso.

— Fez uma excursão? — perguntou, enquanto comia o resto do mingau que lhe haviam servido. — Acho que a comida de prisão é ruim em qualquer lugar do Universo. Se não estivesse com fome...

— Você tem de conservar as forças — advertiu Ellert. — Andei examinando a situação. Acho que a fuga não seria difícil. Não se esqueça de que a escapada deve parecer inteiramente normal. E tem de ser realizada hoje, pois amanhã será tarde — nem desconfiava de quanto essa opinião era correta. — Daqui a algumas horas, quando a cidade estiver dormindo, assumirei um guarda e voltarei. Assim que este abrir a porta, você o derruba com uma pancada. Acha que será capaz disso?

Onot colocou a tigela embaixo da cama.

— Acredito que sim. É verdade que sou contrário a todo e qualquer tipo de violência. Porém, na situação em que me encontro, vejo-me obrigado a abandonar certos princípios. O que poderei usar como arma?

— Infelizmente não lhe posso dar nenhuma arma. Acho que você poderá quebrar a perna dessa cadeira. Vamos preparar tudo.

A cadeira parecia muito frágil, mas não era. Onot teve de fazer um esforço tremendo para arrancar uma perna da mesma, que representava uma arma respeitável.

— É claro que poderia fazer com que um guarda lhe desse uma arma de radiações, mas nesse caso sua fuga se tornaria misteriosa, e é o que não deve acontecer. Deve parecer uma fuga inteiramente normal.

Onot estendeu-se na cama. Colocou a perna da cadeira ao seu lado.

— Pronto; podemos começar. É uma pena que não exista outro meio de convencer o presidente da Corte de Justiça.

— Quando estiver na hora, eu o acordarei — disse Ellert, sem dar atenção à observação que Onot acabara de fazer. — Durma um pouco.

Passado algum tempo, Onot adormecera. Ficara livre da carga de angustia que pesava sobre ele. Já não via o futuro com tamanho desespero.

Ellert também descansou, muito embora, em seu caso, não se pudesse falar em sono. O sono é um fenômeno orgânico. Até mesmo o espírito que se encontra dentro de um corpo adormecido apenas está descansando. O espírito nunca dorme.

As horas foram passando. Ellert não “pensava”, e foi por isso que Gucky não conseguiu captar seus impulsos. Eram muito débeis para que alguém pudesse detectá-los. E mais tarde, Gucky desistira de captá-los.

Lá fora já era noite. Ellert teve vontade de sair numa excursão, mas a fraqueza, que acabara de vencer, fê-lo desistir desse intento. Quem lhe garantiria que a mesma não poderia voltar? De qualquer maneira, a experiência do fim da tarde lhe infundira nova coragem.

Olhou para o relógio de Onot. Era meia-noite.

O cientista estava mergulhado num sono profundo. Ellert quase chegou a ter pena de acordá-lo, mas Onot devia estar preparado, quando o guarda aparecesse.

— Está na hora, Onot! Acorde!

Onot despertou ao primeiro impulso. Ergueu-se e olhou em torno, como se tivesse de fazer um esforço para lembrar-se de onde estava. Finalmente recuperou a memória. Pôs a mão na perna da cadeira.

— Já está chegando?

— Não, mas vou buscá-lo e faço-o entrar. Quando isso acontecer, derrube-o. Não bata com muita força, para não matá-lo.

— Infelizmente não tenho nenhuma experiência nessa área — respondeu Onot e piscou os quatro olhos.

Ellert teria sorrido, se fosse capaz disso. Como não era, despediu-se com um impulso amável e desprendeu-se do corpo de Onot. Dali a um segundo, já estava atravessando o comprido corredor e chegou à sala dos guardas. Um dos druufs estava deitado num leito e dormia. Os outros dois — inclusive o guarda que cuidava de Onot — achavam-se sentados junto a uma mesa e Jogavam. Por não conhecer o jogo, Ellert compreendeu que talvez seria obrigado a introduzir uma pequena modificação em seus planos.

Penetrou sem a menor dificuldade no cérebro do druuf e assumiu-lhe a consciência, desligando-a e vedando-o com um bloco amnésico. O que o guarda passou a pensar e fazer, dali em diante, não resultava de sua vontade e, mais tarde, não se lembraria disso. Quando acordasse no interior da cela de Onot, não saberia dizer como fora parar lá.

Ellert contemplou o homem que estava sentado à sua frente através dos olhos do guarda.

— É sua vez! — disse em tom enérgico.

Era fácil dizer isso. Mas esse estranho jogo não constituía a especialidade de Ellert.

Porém, de repente, encontrou uma saída. Levantou o braço e olhou para o relógio — o relógio do guarda.

Levantou-se.

— Daqui a pouco, continuaremos nosso jogo. Tenho de fazer uma ronda — o adormecido centro de memória do guarda lhe dera essa informação. — Já passou da hora.

— Até parece que isso é muito importante. Você não costuma ser assim...

— Mas hoje sou — respondeu Ellert e saiu da sala.

Percebeu que o outro druuf ficou um tanto desconfiado, mas não se preocupou com isso. Mesmo que mais tarde o colega do guarda declarasse que este tivera um comportamento estranho, tal fato não provocaria maiores suspeitas. Além disso, o guarda não teria interesse em fazer alarde de sua impontualidade.

Ellert — ou seja, o guarda — foi andando pelo corredor, em direção à cela de Onot. Tirou do bolso uma chave, consistente numa combinação eletrônica, enfiou-a na fenda e a ligou.

A porta da cela de Onot abriu-se imediatamente. O guarda entrou, sem desconfiar de nada. Ellert viu Onot de pé ao lado da cama, segurando a perna da cadeira com ambas as mãos. Parecia hesitar. Talvez preferisse esperar até que Ellert se encontrasse novamente em seu corpo, o que evidentemente seria um absurdo, pois Ellert não sentiria qualquer dor física, caso não quisesse.

— Bata logo! — fez o guarda dizer.

Por um instante divertiu-se com o rosto atoleimado de Onot. Mas logo abaixou-se — em sentido figurado — pois Onot deu um enorme salto em sua direção, brandindo a perna da cadeira. Atingiu a parte posterior do crânio do guarda.

Enquanto o druuf caía ao chão, Ellert abandonou-o e penetrou em Onot.

— Muito bem, amigo. Este não acordará antes do amanhecer.

Onot colocou, cautelosamente, a perna da cadeira no chão.

— Será que ele tem uma arma?

Naturalmente, Ellert não se lembrara disso. Na sala dos guardas, havia armas em abundância. Mas também havia um druuf que queria continuar seu jogo.

— Ainda arranjaremos uma arma, Onot. Faço votos de que nunca tenhamos necessidade de usá-la. Vá andando!

Ao que parecia, Onot gastara toda a coragem no golpe que desferira no guarda. Agora não lhe sobrara muita. Hesitou.

— O que devo fazer se aparecer alguém?

— Deixe isso por minha conta, Onot. Vamos logo; não podemos perder tempo.

O druuf obedeceu. Saiu para o corredor e foi caminhando em direção à sala dos guardas. Ellert correu à sua frente e “assumiu” o guarda que estava sentado à mesa. Aplicou-lhe um bloqueio amnésico e ordenou-lhe que fosse dormir.

Dali a dois minutos, quando Onot entrou na sala dos guardas, viu os dois homens deitados em suas camas. Não se mexiam, pois dormiam profundamente. Ellert sabia que, a essa hora, nem mesmo um tiro de canhão seria capaz de despertá-los.

— Ali na parede há armas — disse a Onot. — Entre elas há alguns radiadores de choque de grande alcance. Acho que você deveria pegar um deles. Posteriormente, isso servirá de prova de seu ânimo pacífico, que você poderá apresentar, quando estiver de novo à frente do juiz.

— Nem me fale nisso! — disse Onot em tom indignado e pegou uma das armas.

Como cientista que era, naturalmente tinha algum conhecimento desses artefatos eletrônicos e sabia quais eram as funções que desempenhavam. Examinou a carga e colocou a arma no cinto de sua capa.

— E agora? — perguntou, em tom mais confiante.

— Muito bem — disse Ellert. — Passe por essa porta. Atrás dela fica a sala de controle e, também, a saída.

Evidentemente, Ellert não tinha qualquer influência sobre o cérebro eletrônico.

No dia seguinte, quando lhe indagassem sobre a fuga de um preso, o guarda diria simplesmente que Onot passara sozinho na barreira; ninguém se encontrava em sua companhia.

Chegaram à saída sem quaisquer problemas.

Ellert correra à frente e “assumira” o guarda postado ali. Onot não teve a menor dificuldade em deixá-lo inconsciente com um disparo de sua arma. O druuf atingido levaria pelo menos cinco horas para acordar.

— Ótimo — disse Ellert muito satisfeito, quando viu o guarda caído atrás da mesa. — Aperte o botão que se encontra junto ao videofone. É ele que aciona o portão.

Onot começou a divertir-se com a fuga. Ninguém contestaria que se tratava de um acontecimento fora do comum. Dispunha de um auxiliar valiosíssimo. Se estivesse só, nunca se teria arriscado a fugir, e muito menos conseguiria.

— No espaçoporto estão estacionados os táxis planadores. Pegaremos um e voaremos ao laboratório nas montanhas. Uma vez lá, veremos o que podemos fazer.

— Pegar um planador? O espaçoporto está sempre vigiado.

Ellert riu em silêncio, mas Onot percebeu perfeitamente.

— Você acaba de ver quanto vale um guarda. Eles não nos causarão problemas.

Neste ponto, Ellert tinha razão, mas havia um detalhe que o mutante desconhecia...

Todo guarda estava equipado com um aparelho de controle positrônico, parecido com uma minúscula câmara fotográfica. No centro de controle do edifício do tribunal, um técnico estava sentado à frente de uma parede coberta por centenas de pequenas telas. Cada uma dessas telas exibia exatamente o quadro que o portador do respectivo aparelho de controle focalizava.

E, numa das telas, o técnico vira uma cela em cujo interior um druuf — segundo a tabela, era o preso Onot — golpeou o guarda com uma perna de cadeira. Deu o alarma geral.

 

— É uma área desolada. O solo é rochoso e praticamente não apresenta a menor vegetação. Acredito que seja desabitada — era Ras Tschubai quem estava transmitindo esse relato.

Gucky confirmou-o à sua maneira peculiar, pondo à mostra o dente roedor solitário.

— Não poderíamos ter escolhido esconderijo melhor que este. Até parece que pousamos no centro dos Alpes.

— De dia, as coisas serão diferentes — disse Rhodan, manifestando seus receios. — Precisamos camuflar a gazela. O ideal seria alguma rocha saliente.

— Encontramos uma, Sir. Se Mundi achar que pode se arriscar...

O tenente encolheu-se, como se alguém tivesse colocado uma medalha incandescente sobre seu peito.

— Arriscar-me? Se necessário levarei esta panqueca para dentro de uma toca de rato, sem provocar o menor arranhão.

Ras sorriu.

— Eu sabia. Tomara que o senhor seja capaz de fazer isso de noite.

— Se ligar a tela de luz infravermelha, não haverá problema, meu caro. Não convém acender os holofotes. Basta mostrar onde fica o esconderijo...

Rhodan interrompeu Mundi.

— Ninguém duvida de sua habilidade como piloto, tenente. Será necessário que nos dirijamos imediatamente ao esconderijo. Ninguém sabe se, de noite, a área costuma ser patrulhada por unidades equipadas com aparelhos de luz infravermelha. Então, Ras, faça o papel de navegador.

A manobra durou quase uma hora. Finalmente, conseguiram pousar a gazela junto ao paredão de rocha íngreme, que a uma altura de cinqüenta metros avançava a ponto de barrar a visão para cima.

Rhodan estava muito cansado. Mas havia muita pressa.

— Vamos dar um pulo à cidade, Gucky. Não manteremos contato pelo rádio, pois do contrário poderemos ser localizados pelos goniômetros. Se alguma coisa acontecer por aqui, Gucky saberá. Se houver necessidade, decole, Tenente Mundi. Em hipótese alguma, a gazela deverá ser destruída. Se isso acontecer, entrarei em contato com Hades. O corpo de Ellert é mais importante que nosso regresso na hora combinada...

— Sim senhor — disse Mundi, mas deu a perceber que tinha suas dúvidas, quanto ao que Rhodan acabara de dizer.

Ras Tschubai limitou-se a fazer um gesto de assentimento. Notava-se que estava bastante preocupado. Manoli, que acabara de entrar na sala de comando, disse:

— Na base está tudo preparado. Assim que o espírito de Ellert penetrar no corpo, o processo de revitalização será iniciado automaticamente. Acredito que haja necessidade de uma troca de sangue. É bem verdade que o braço direito...

— Deixemos isso para depois — interrompeu-o Rhodan, que não queria perder um segundo que fosse. — Ellert receberá uma prótese como nunca nenhum ser humano teve igual.

Ainda formulou algumas recomendações para os que ficariam. Depois segurou a pata direita de Gucky. O rato-castor conhecia o ponto de destino, mas preferiu não teleportar-se diretamente para o edifício da Corte de Justiça.

Quando o espaço tridimensional voltou-lhe a surgir diante dos olhos, Rhodan não viu muita coisa. Estava escuro; só as estrelas proporcionavam uma fraca penumbra. À direita, paredes íngremes erguiam-se, impedindo a vista para o céu. À esquerda, nada parecia impedir a visão do horizonte, ao menos de dia.

— Onde estamos?

— A cidade fica a vinte quilômetros — respondeu Gucky, que perscrutava a escuridão. — Os impulsos mentais são mais escassos; os druufs estão dormindo. É uma tremenda confusão. Gostaria de saber o que esses hipopótamos costumam sonhar.

Rhodan não pôde deixar de rir.

— Ainda não encontrou nenhum sinal de Ellert?

— Não. Espere aqui. Saltarei até a prisão e procurarei a cela dele. As indicações de Harno não foram muito exatas.

— Ah, é? Então você quer que eu fique aqui? E se aparecer alguém?

Gucky fez um sinal, mas Rhodan não o viu.

— Num raio de dez quilômetros não há viva alma, se é que os druufs têm alma. Voltarei dentro de poucos minutos. Além disso, manterei contato mental com você.

Rhodan não se sentiu muito à vontade, mas permitiu que Gucky se afastasse. Reconheceu que conviria melhor aos seus objetivos que o rato-castor saísse sozinho, para fazer um reconhecimento.

— Isto são rochas?

— É uma pequena cadeia montanhosa. Enquanto for noite, ninguém o encontrará por aqui. Fique encostado ao paredão.

A escuridão não era completa, mas bastava para impedir que Rhodan visse o torvelinho que se formou no momento da desmaterialização de Gucky.

O rato-castor calculou seu salto, a fim de surgir na periferia da cidade. Dali em diante, poderia realizar teleportações de curta distância, que seriam menos cansativas.

De início não viu ninguém. As ruas, que se estendiam sob o céu salpicado de constelações estranhas, estavam abandonadas. Só nos cruzamentos havia lâmpadas fortes. Ao que parecia, não estavam dispostos a realizar despesas com iluminação em outros lugares. Gucky sentia-se grato por essa medida dos druufs, muito embora não compreendesse sua finalidade.

Após três saltos, colocou-se junto da grande abóbada com a qual já travara conhecimento por ocasião de outras visitas. Era ali que funcionava o Conselho dos Sessenta e Seis, o órgão governamental de Druufon. Uma vez no local, conhecia o caminho que levava ao edifício da Corte Suprema e à prisão.

Com mais dois saltos, viu-se junto à parte dos fundos de uma enorme construção, que parecia atingir as estrelas. Naturalmente, essa impressão não passava de uma ilusão ótica, provocada pela escuridão. Em geral, as casas dos druufs eram mais largas que altas.

Gucky refletia para onde deveria dirigir o próximo salto, quando um acontecimento interrompeu abruptamente o silêncio da noite.

As luzes das ruas da cidade acenderam-se!

Gucky não teve tempo para descobrir a causa do tumulto que se abateu de repente, pois se o fizesse correria perigo de ser descoberto. O que importava era Ellert — ou melhor, Onot, o cientista.

Saltou para dentro da prisão.

No primeiro instante, tudo parecia normal no amplo corredor. Gucky não sabia se fora parar no andar certo. Não descobriu nenhum guarda que pudesse interrogar por via telepática. Havia um silêncio aterrador.

De repente, também aqui o inferno parecia às soltas.

Portas abriram-se e druufs, armados e uniformizados, surgiram no corredor. Gucky compreendeu que saltara para o andar errado. No lugar em que se encontrava, deviam ficar os alojamentos dos guardas e dos policiais. As celas localizavam-se mais embaixo.

Desapareceu e voltou a materializar-se num andar mais baixo. Enfiou-se apressadamente num nicho, quando viu dois druufs parados diante da porta de uma cela. Gesticulavam violentamente. O rato-castor não os ouvia, mas captou-lhes os impulsos mentais. E ainda os viu arrastarem um terceiro druuf para fora da cela.

— Onot quase chegou a matar o guarda. — descobriu Gucky.

E isso lhe bastou para que tirasse suas conclusões.

Onot fugira!

“Então foi por isso que não consegui mais detectar os pensamentos de Ellert nesse lugar”, pensou.

Naquele instante, Ellert-Onot poderia estar em qualquer lugar desse gigantesco mundo; seria difícil encontrá-lo.

De repente, os dois druufs se viraram. De início, Gucky teve a impressão de que ele mesmo fora imprudente, mas logo percebeu o motivo do interesse deles. Policiais aproximavam-se.

Estava na hora de dar o fora.

Gucky desmaterializou-se e, com isso, cometeu um erro grave.

Onot encontrava-se a menos de quinhentos metros do lugar em que estava. Caso o rato-castor se tivesse dado ao trabalho de classificar os impulsos mentais que o atingiam, provavelmente teria descoberto Ellert.

No entanto, saltou de volta ao local em que Rhodan se encontrava.

 

Onot comprimiu o botão que Ellert lhe indicara.

Ouviu-se um forte zumbido e a grade deslizou para o lado. Quando a abertura media dois metros, parou.

Por um instante Ellert sentiu-se perplexo. Mas, nesse momento, aconteceram três coisas ao mesmo tempo: as luzes da cidade iluminaram-se, uma sereia começou a uivar e o portão voltou a fechar-se.

Ellert compreendeu que havia algo de errado.

— Corra, Onot! — ordenou e procurou calcular a distância.

“Como um corpo destes é incômodo”, pensou num momento. “Se Onot não tivesse as importantes anotações...”

— É sua última chance!

Onot saiu correndo. Em comparação com o movimento da grade, Ellert considerava a velocidade do druuf muito reduzida. Eram apenas alguns passos... e Onot conseguiu.

Espremeu-se pela fresta, ainda existente, e viu-se na rua inundada de luz. À sua frente, havia uma larga avenida. Os arcos voltaicos mergulharam a ampla rua numa luz ofuscante.

— Não vá para lá! — disse Ellert. — Siga para a direita, em direção ao espaço-porto. Rápido! Já ouço os ruídos dos veículos. Provavelmente, são da polícia. Acho que descobriram nossa fuga. Gostaria de saber como isso pôde acontecer.

Enquanto Onot corria para salvar a vida e a liberdade, Ellert ficou refletindo. Naturalmente poderia deixar Onot entregue a si mesmo e tentar desviar os druufs do seu objetivo. Bastaria fazer com que o oficial, que comandava a operação, fizesse algumas coisas malucas. Mas como poderia reencontrar Onot, caso o cientista não permanecesse no lugar em que ele o abandonara?

O muro alto que cercava a prisão descreveu uma curva para a direita. Onot continuou a correr, para atravessar a rua. Mais adiante apareceu uma luz móvel.

— Ali: a entrada de uma casa.

Reunindo as forças que lhe restavam, Onot chegou ao outro lado da rua e comprimiu-se para dentro do nicho, que era muito pequeno para proporcionar um bom esconderijo. O veículo foi-se aproximando. Na parte dianteira, havia um holofote móvel, que girava ininterruptamente para todos os lados. Era claro que o fugitivo já estava sendo procurado nas ruas. Já se sabia que sua fuga fora bem sucedida.

— Fique aqui mesmo, aconteça o que acontecer! — ordenou Ellert e desprendeu-se do cientista.

No mesmo instante, viu a viatura policial abaixo de si e pôde reconhecer os uniformes. Seis druufs estavam sentados no carro aberto, com as armas destravadas apoiadas sobre os joelhos.

Ellert penetrou no cérebro do motorista e, dessa forma, assumiu indiretamente o controle do veículo. Desejava, na medida do possível, poupar a vida dos druufs. Mas se quisesse evitar que a luz do holofote giratório atingisse Onot, não lhe restava muito tempo.

De repente, cinco druufs soltaram um grito. O motorista virou a direção e o veículo precipitou-se para o lado direito da rua. Felizmente reduziu a potência do motor, fazendo com que a velocidade diminuísse. A luz do holofote bruxuleou e apagou-se.

Depois disso, seguiu-se o impacto. Ellert viu-o, mas já com os olhos de Onot. Estremeceu ao perceber o poder e a responsabilidade terríveis, que carregaria até o fim dos seus dias. As vidas que colocara em perigo não eram vidas humanas, mas sempre eram vidas. Toda e qualquer forma de vida tinha um direito à existência e não devia ser destruída. Nem mesmo a de um inimigo, caso isso pudesse ser evitado.

Não praticara um ato de legítima defesa?

Ellert percebeu que tentava justificar seu ato, embora ninguém o obrigasse a isso. Teve a satisfação de constatar que, segundo parecia, ninguém, fora morto no desastre. Os druufs saíram dos destroços do veículo e começaram a investir exaltadamente contra o motorista. Ellert achou que estavam cometendo uma injustiça, pois afinal o condutor do veículo, assim que readquiriu a liberdade de decisão, agira corretamente e freara o veículo. Se não tivesse atuado assim, as coisas estariam muito piores para os policiais.

Onot continuou parado no nicho. Os policiais, que se encontravam a menos de duzentos metros de distância, pareciam não se ter esquecido de sua missão. Logo que se certificaram de que escaparam ilesos, pegaram as armas e puseram-se a caminho de seu destino, o edifício da Corte Suprema.

Não demonstraram nenhum interesse por Onot, que suspirou aliviado quando viu que se afastavam.

— Vá andando! — ordenou Ellert, cheio de uma nova confiança. — Daqui a pouco, toda a cidade estará acordada. Nunca imaginava que fizessem tamanho estardalhaço por causa de uma fuga...

— Acontece que o preso é Onot — respondeu o cientista e Ellert captou a impressão de uma risada irônica. — Evidentemente, imaginam que ainda farei muitas tolices, para vingar-me da vergonha por que passei.

— Tomara que não imaginem que você pretende colocá-los no campo de ação de um paralisador do tempo. Se eles pensam assim, o medo e os esforços de voltar a pôr as mãos em você serão redobrados.

Mais duas vezes, tiveram que abrigar-se em vielas a fim de fugir às patrulhas, mas o perigo nunca se tornou tão grave a ponto de Ellert ter de intervir nos acontecimentos. Finalmente avistaram o espaçoporto.

— Ali, onde você vê a iluminação de arco voltaico, fica a área de estacionamento dos táxis aéreos — disse Onot, apontando para a luz difusa. — Não vejo polícia por lá.

Ellert ordenou ao druuf que ficasse parado. Pretendia fazer um reconhecimento da situação e queria ter certeza de que ninguém o via. Não havia nenhum inconveniente que Onot permanecesse no lugar em que se encontrava, pois, em caso de necessidade, poderia esconder-se no arco de um portão.

— Não saia daqui — disse Ellert, repetindo a advertência de antes. — Não demoro.

A rua foi deslizando embaixo dele à velocidade que desejava. Invisível aos olhos de todos, chegou ao espaçoporto e subiu para o alto, a fim de ter uma visão mais ampla.

As fileiras das naves de guerra, prontas para decolar, lembraram a Ellert que Druufon se encontrava em estado de guerra. Soldados saíram de um quartel, situado do lado oposto do espaçoporto, entraram nos veículos, que estavam parados à frente do tal quartel, e começaram a formar um cordão em torno do espaçoporto. As tropas de infantaria deslocaram-se para as áreas difíceis de serem abrangidas pela vista, situadas entre o espaçoporto e a cidade.

“Dali a meia hora”, raciocinou Ellert, “nem mesmo um rato conseguiria passar pelos cordões de isolamento... Quanto menos um druuf.”

Dirigiu-se apressadamente à área de estacionamento. Os planadores não estavam sendo vigiados, pois jamais alguém pensaria em roubar um veículo pertencente ao Governo. No entanto, Ellert notou que um destacamento de soldados já se dirigia à área de estacionamento.

Talvez dispusesse de uns cinco minutos...

O que aconteceria se Onot realmente fugisse num planador? Não voltaria a ser preso imediatamente?

Ellert lembrou-se da viatura policial que batera na fachada de um edifício... e riu em pensamento. Não, Onot não seria preso tão depressa. Em hipótese alguma!

Procurou Onot o mais rápido que pôde.

O druuf permanecia no mesmo lugar. Parecia ter um medo terrível de perder o contato com Ellert. Talvez não conseguisse conformar-se com a idéia de um belo dia voltar a ficar só.

— Corra, Onot, o mais depressa que puder. Devemos chegar à área de estacionamento antes dos soldados. Quanto tempo vai levar? Dois minutos?

O druuf avaliou a distância.

— Mais ou menos três minutos. Nem um segundo mais.

Naturalmente usavam as unidades de tempo de Druufon. Porém depois de convertidas, as respectivas indicações correspondiam aos valores terranos que acabam de ser mencionados.

— Muito bem. Corra! Vou deixá-lo a sós por um minuto. Estarei com você, antes que chegue à área de estacionamento.

Onot respondeu. No seu íntimo, até estava disposto e fugir sem Ellert, se isso fosse necessário e o espírito não voltasse em tempo. Mas dificilmente poderia esperar que isso acontecesse. Começou a correr.

Ellert introduziu-se no corpo de um funcionário da Corte de Justiça que parecia muito nervoso, e estava verificando os controles eletrônicos da prisão. Um druuf de rosto severo estava a seu lado. Ao que tudo indicava, estava esperando o resultado do trabalho.

— Então?

A vítima de Ellert moveu uma alavanca e disse:

— É verdade! Onot passou sozinho por esta sala. Ninguém o ajudou. Contou apenas com seus próprios recursos.

— O guarda golpeado continua inconsciente, tal qual o guarda do portão. Ninguém compreende como Onot conseguiu uma coisa dessas. Até parece que está completamente louco.

— É bem possível que esteja mesmo. Mais uma vez, o paisano mostrou-se indignado.

— Não nos cabe formular suposições. Ligue-me com o presidente da Corte de Justiça. Preciso de sua licença para iniciar uma busca em escala continental. Isso equivalerá ao estado de guerra.

— Tanta coisa por causa de um cientista maluco!

Ellert continuou ali, até que visse, através dos olhos do funcionário, o rosto do presidente da Corte Suprema projetado na tela, e ouvisse a ordem de capturar o fugitivo, custasse o que custasse... e capturá-lo vivo.

Na certeza de ter diante de si uma noite muito longa, abandonou o druuf e, numa espécie de teleportação imaterial, transportou-se de volta ao campo de pouso.

Estava tão alto que podia ver Onot e os soldados ao mesmo tempo. O fugitivo encontrava-se a uns cem passos do planador mais próximo e os soldados a duzentos metros da área de estacionamento.

Onot sentiu-se aliviado ao perceber a presença de Ellert.

— Não conseguiremos! — disse fungando e passou a correr mais depressa.

Para o lado, já se viam os contornos dos soldados em marcha. Não se apressaram muito, pois numa oportunidade como esta todos costumam acreditar que o centro dos acontecimentos está sempre mais afastado... E acabavam se enganando.

— Pegue o planador mais próximo.

Tratava-se de um veículo pequeno, mas este não devia ser menos veloz e manobrável que os outros.

Com um enorme salto, Onot colocou-se no interior da cabina, isso depois de a porta ter deslizado levemente para o lado. Num movimento quase automático suas mãos encontraram os controles. Enquanto a porta ainda se fechava, o propulsor já zumbia. Depois disso, o planador levantou-se do solo e, acelerando tremendamente, subiu ao céu escuro. A cidade desapareceu que nem um diadema de luzes cintilantes. Alguns tiros de radiações perderam-se à distância. Dali a pouco, só restava a solidão escura em torno deles.

 

— Fugiu — informou Gucky, depois de ter encontrado Rhodan num ponto mais distante, no fundo de uma pequena depressão. — Ellert deve ter desempenhado um papel importante nisso. Como faremos para encontrá-lo?

Sentado sobre uma grande pedra, Rhodan começava a sentir frio. Já por duas vezes usara sua arma de radiações para aquecer uma pedra do tamanho de uma cabeça humana, que foi usada como fogueira sem brilho. Mas isso não resolveria o problema por muito tempo. De qualquer maneira, a incerteza, onde estaria Ellert? Era mais inquietante que a friagem noturna de um mundo estranho.

— Gucky, para onde iria se estivesse no lugar de Ellert? Você deve partir do pressuposto de que seus amigos o procurarão e de que esses amigos dispõem de recursos extraordinários.

O rato-castor sentou-se sobre a larga cauda. Dirigiu os olhos para o céu, como se esperasse que as estrelas lhe dessem uma resposta.

— Iria a um lugar facilmente atingível, que meus amigos conhecessem.

— Pois bem. E qual é o lugar que tanto Onot, como Ellert e eu conhecemos?

Gucky deixou de interessar-se pelas estrelas.

— O antigo laboratório secreto, situado a setecentos quilômetros ao leste da capital! — subitamente levantou-se e, arrastando os pés, caminhou em direção a Rhodan. — Se sabemos disso tão bem, o que estamos esperando?

— Ainda estou refletindo para descobrir qual é o objetivo que Ellert pretende atingir com a fuga. Se está em condições de convencer Onot, também deve dispor de bastante energia para adquirir sua independência e sair à nossa procura. Deve saber que estamos a caminho. Por que expõe Onot a um risco sem a menor necessidade e também a si mesmo? Por que está desperdiçando seu tempo?

— É verdade. Também tenho a impressão de que há um mistério nisso — confessou Gucky. — Mas estou disposto a apostar minha cabeça contra o chinelo do pé direito de Bell de que Ellert tem um motivo sério para trazer o tal do Onot à nossa presença.

Rhodan fez um gesto quase imperceptível de assentimento. Também já lhe ocorrera isso.

— Ellert não é capaz de transportar qualquer tipo de matéria. Para fazê-lo, tem de recorrer a Onot. Suponho que queira trazer-nos algo por intermédio do cientista. De qualquer maneira, não temos nada a perder se dermos uma olhada no laboratório. Acho que serei capaz de encontrá-lo.

Gucky parecia perscrutar a noite.

— Uma coisa é certa: Ellert ainda não está no laboratório. Não consigo captar seus impulsos mentais. Ainda se encontra entre a cidade e as montanhas. Tomara que não tenha a intenção de fazer Onot percorrer essa distância a pé. Com a velocidade que esses hipopótamos sabem desenvolver, isso seria uma perspectiva nada agradável.

— Vamos ficar nas proximidades do laboratório — respondeu Rhodan. — Ou será que você tem uma sugestão melhor?

Gucky fez seu dente roedor brilhar à luz das estrelas.

— No momento não...

Dali a alguns segundos, a pedra, que se desaquecia na depressão junto à montanha, estava abandonada.

A tal pedra passou a constituir o único sinal de que por ali houvera criaturas vivas.

 

A solidão não durou muito.

— Estamos sendo perseguidos — constatou Onot, depois de lançar um olhar para a tela. — É uma esquadrilha de caças. E são mais velozes que nós.

— Não se preocupe — disse Ellert para tranqüilizar o cientista. — Fazem questão de que Onot compareça vivo à frente do juiz, pois desejam descobrir certas coisas. Morto, você não lhes serviria para nada. Quer dizer que não seremos derrubados.

As palavras, pronunciadas de forma inaudível diretamente para dentro do cérebro de Onot, preencheram sua finalidade. Este tornou-se mais tranqüilo, prudente e circunspeto. Os perseguidores aproximavam-se muito depressa, mas Onot nem tentou aumentar a velocidade de seu planador.

A quatrocentos quilômetros da cadeia de montanhas em que ficava o laboratório de Onot, alguns caças alcançaram o planador e colocaram-se à sua frente. Dispararam alguns tiros de advertência, mas Onot nem reagiu aos mesmos. Agiu por livre e espontânea vontade. Ellert permaneceu totalmente neutro.

— Você conhece esse tipo de caça? — perguntou. — Sabe como funcionam os propulsores? Será que no painel existe um dispositivo que permite desligar o sistema de propulsão? Talvez seja uma espécie de chave de ignição...

Onot nem teve necessidade de refletir.

Já sabia.

— Existe uma fechadura eletrônica igual a qualquer outra. Caso não se possua a chave não se pode fazer o caça decolar.

Ellert recorreu aos olhos de Onot para avaliar a situação. Havia uns dez caças desse tipo à sua frente; deviam ser unidades da força policial. À sua volta, mais alguns corriam à mesma velocidade do táxi aéreo, provavelmente para evitar que o planador escapasse. À retaguarda, outras dez unidades. Havia, portanto, um total de cerca de trinta caças.

A tarefa não seria simples, mas de qualquer maneira poderia ser executada nas circunstâncias em que se encontravam.

Bem abaixo deles deslizava o deserto.

— Mantenha o curso em direção ao laboratório, haja o que houver. E não se espante com nada.

Talvez Onot pensasse ligeiramente na viatura policial da cidade. Acenou com a cabeça; tratava-se de um gesto afirmativo que Ellert lhe transmitira.

— Confie em mim.

Ellert abandonou Onot e, no mesmo instante, flutuava no nada, ao lado do planador. Ainda não sabia como fazer, mas sentia-se confiante. Talvez fosse esta a primeira função geral de suas capacidades recém-adquiridas. O tempo em que atravessava os fluxos temporais já se fora; não era mais capaz disso. Em compensação, outro campo de atividade abria-se à sua frente.

Escolheu uma vítima entre os caças que voavam a seu lado, entrou na cabina e penetrou no cérebro do piloto, que estava só. Ellert desistiu do trabalho cansativo de criar um bloqueio amnésico, que não serviria para muita coisa. Assumiu pura e simplesmente a substância consciente do druuf e transmitiu-lhe suas ordens.

Foram apenas duas ordens.

Em primeiro lugar, o piloto soltou os controles e abriu a pequena fresta lateral de ventilação. Depois disso, com um movimento rápido, retirou a chave eletrônica e atirou-a pela janela.

O zumbido do propulsor cessou imediatamente. O caça caiu, mas ficou sob controle, assim que Ellert libertou o piloto. Viu o avião descer e preparar-se para o perigoso pouso no deserto. O piloto não tinha outra alternativa, pois não via outra possibilidade de fazer funcionar o propulsor. Por enquanto esse aparelho ficaria fora de ação.

Ellert sentiu-se satisfeito com o resultado da experiência, que não durara mais de vinte segundos. Naturalmente, o piloto estaria curioso para saber onde ficara sua chave e, mais tarde, não saberia explicar por que ele mesmo a atirara pela janela. Mas no momento, isso não importava. Os druufs teriam uma noz muito dura para quebrar. Uma coisa era certa: não encontrariam nenhuma explicação que pudesse parecer lógica.

Numa ação resoluta, Ellert dispôs-se a obrigar o piloto seguinte a realizar um pouso de emergência.

Onot, que prosseguia impassível no seu vôo, sem dar a menor atenção aos disparos de advertência, viu na tela que os perseguidores, um apôs outro, iam ficando para trás, isto é, se dirigiam ao solo do deserto. Dali a pouco, já não havia nenhum perseguidor, mas apenas os dez caças de interceptação que iam à sua frente.

Estes também desapareceram da mesma forma misteriosa que os outros. Um deles chegou a precipitar-se em direção ao solo e só conseguiu controlar-se uns cem metros acima da superfície. Onot não viu nenhuma chama ou explosão, e por isso concluiu que todos os caças conseguiram pousar sãos e salvos. Lá embaixo poderiam esperar tranqüilos pela ação de resgate.

Ao sentir que Ellert regressara, Onot apontou para a escuridão.

— Se o presidente da Corte de Justiça tivesse visto isso, talvez, agora estivesse disposto a acreditar nas declarações que prestei ontem. Bem, os pilotos lhe dirão o que aconteceu.

— Isso pouco lhe adiantará, pois nenhum dos pilotos sabe que foi ele mesmo quem atirou a chave para fora da cabina. Se tiverem sorte, poderão encontrar algumas das chaves perdidas, mas ninguém saberá dizer como foram retiradas do painel do controle e por que foram parar no deserto. Infelizmente não pudemos evitar essa ação chocante; não havia outra solução. A qualquer momento, eles nos teriam obrigado a pousar. Quantos quilômetros ainda faltam?

Onot olhou para o painel.

— Duzentos quilômetros. Dentro de dez minutos estaremos lá. Tomara que não sejamos alcançados por outra esquadrilha.

Tiveram sorte. Ninguém mais os perseguiu. Onot fez baixar o planador e pousou, com um forte solavanco, junto ao paredão de rocha, no qual se via a porta que dava para o laboratório subterrâneo. No momento, a tal porta estava bem aberta. Soltou um suspiro de alívio. Era aquele o lugar em que fora preso, e por certo não acreditariam que ele voltaria justamente para lá. E se pensassem assim...

Ellert cometeu um erro ao julgar-se em segurança. Deixou de realizar o reconhecimento do laboratório e seus arredores. Por isso foi tomado por uma incrível surpresa, quando, no momento em que Onot desceu do veículo aéreo, viu apontadas para si mais de duas dezenas de armas de radiações.

 

Neste exato momento, o Dr. Eric Manoli estava prestes a fazer uma descoberta.

Acordara há meia hora e conversava um pouco com Ras Tschubai. O Tenente Mundi dormia na poltrona do piloto.

— O senhor acredita que eles encontrarão Ellert?

Manoli não sabia o que dizer. Sentia-se cansado e abatido.

— Só podemos fazer votos de que isso aconteça. Do contrário não saberei como arranjar um corpo para Ellert. Sob o ponto de vista ético, seria um crime reprimir o intelecto de alguém para dar lugar a Ellert.

Deixaram que Mundi continuasse a roncar suavemente e saíram da sala de comando. O caminho até a enfermaria não era longo. Um minuto depois de terem terminado a palestra entraram no recinto de paredes brancas.

Manoli fechou a porta atrás de si, dirigiu-se à cama em que Ellert estava deitado e levantou o lençol.

Fitou o rosto pálido e imóvel, no qual não se via mais nada da coloração azul.

Levou quase dez segundos para compreender a modificação.

— Não é possível! — exclamou.

Depois de algum tempo, soltou o lençol, que voltou a cobrir o corpo imóvel. O rosto ficou à mostra.

— Um processo de decomposição biológica não pode ser invertido. O corpo estava morrendo, e agora parece reviver.

Seguindo um súbito impulso, inclinou o corpo e colocou o ouvido sobre o peito de Ellert. Voltou a erguer-se e sacudiu a cabeça.

— Não, não está vivo. Ellert ainda não voltou ao corpo que lhe pertence. Com os mil demônios, por que será? Se não encontrar uma explicação, acabarei enlouquecendo.

Ras Tschubai manteve uma calma espantosa.

— Não sou médico e por isso não posso dar-me ao luxo de formular um juízo sobre o assunto. Pelo que diz, o processo sofreu uma inversão. Talvez seja possível examinar os dados teóricos também em sentido inverso.

— O que quer dizer com isso? — perguntou Manoli em tom de perplexidade.

— É isso. Pelo que o senhor disse, a coloração azul do corpo provinha do fato de que o espírito de Ellert estava muito fraco para irradiar certas energias que fornecem impulsos vitais ao corpo separado no tempo e no espaço. Se agora o processo de decomposição foi detido e até se observa uma revitalização, devemos concluir logicamente que o espírito de Ellert voltou a irradiar energias excedentes, talvez sem se dar conta disso.

Manoli parecia adquirir vida. Acenou fortemente com a cabeça, mas não tirou os olhos do rosto de Ellert.

— Deve ser isso, Ras. É verdade que a explicação não resolve o problema, mas ao menos ganhamos algum tempo. O mais importante é que Rhodan seja informado da nova situação. Se por acaso Gucky estiver prestando atenção aos nossos pensamentos, Perry será avisado.

— É bem provável que o rato-castor ouça nossas palavras e pensamentos, se é que tem tempo — disse Ras com um sorriso. — Ele o faria pela curiosidade que lhe é peculiar.

Manoli concordou com um gesto tranqüilizador.

Nem ele nem Ras Tschubai poderiam imaginar que, naquele momento, Gucky estava sem tempo para ouvir os pensamentos de ambos.

 

Onot ergueu os braços disformes e depois deixou-os pender molemente junto ao corpo. Fitou tranqüilamente o policial druuf. Sua autoconfiança, que se apoiava principalmente nas faculdades de Ellert, crescera bastante.

— Já fui preso neste lugar — disse em tom irônico. — A vida é uma repetição contínua.

O oficial, que Ellert reconheceu pelo distintivo colorido preso ao uniforme, não parecia ter muito senso de humor. Enfiou a arma no coldre e fez um sinal para seus subordinados.

— Seja lá o que ele disser, não lhe dêem atenção. Vocês sabem quais são as ordens do presidente da Corte: levar o prisioneiro vivo até a cidade. E vocês também já conhecem seu poder traiçoeiro, que lhe permite enfeitiçar o cérebro de outras pessoas. Se eu der alguma ordem contrária, se por exemplo mandar que soltem Onot, não me obedeçam. Levem-no para o laboratório e deixem-no preso até que venham buscá-lo.

Onot acompanhou os policiais e soldados, sem oferecer a menor resistência.

Ellert percebeu que desta vez não seria tão fácil enganar os druufs. Só poderia “assumir” uma pessoa de cada vez, e teria de libertá-la, assim que quisesse penetrar no cérebro de outra pessoa. Não tinha possibilidade de exercer uma influência coletiva. E, se influenciasse o oficial, isso não lhe adiantaria nada. Os druufs já estavam prevenidos.

— Vá com ele — disse silenciosamente a Onot. — Enquanto isso procurarei uma saída.

Captou o impulso afirmativo de Onot e abandonou-lhe o corpo.

Não teve a menor dificuldade em fazer isso. Bastaria o simples desejo de libertar-se. A resistência que Onot lhe opusera literalmente devorara suas energias. Mas agora estava se recuperando. Não demoraria a readquirir a capacidade de deslocar-se livremente, ao menos dentro dessa dimensão temporal.

Lá fora, na área rochosa que cercava o laboratório, Ellert contou trinta druufs. Deviam estar ali há mais tempo e, ao que tudo indicava, esperavam Onot. Ellert não teve a menor idéia de como o destacamento policial conseguira chegar tão depressa. Será que, já antes da fuga de Onot, o juiz escondera os homens por ali, a fim de surpreender eventuais amigos do cientista que se aproximassem do laboratório?

Ao que parecia, o laboratório propriamente dito fora cuidadosamente revistado. Os papéis e os desenhos estavam bem empilhados num canto. Provavelmente pretendiam buscá-los para que servissem de base às pesquisas de outros cientistas dos druufs. As caixas e os armários haviam sido tombados e seu conteúdo estava espalhado no chão. Ao que parecia, ninguém se interessara pelo mesmo. Algumas máquinas foram arrancadas das bases e preparadas para o transporte.

Onot foi trancado numa pequena sala contígua. Ellert sabia que ali estaria em segurança. Poderia deixá-lo a sós por algum tempo.

Teve vontade de “assumir” o oficial e, no mesmo instante, enxergou através dos olhos deste. Tudo aconteceu sem a menor dificuldade. Apenas pensou na possibilidade, e a mesma realizou-se imediatamente.

O oficial dirigira-se a um veículo bem escondido, atrás de algumas rochas. Por meio de um transmissor avisou o chefe de polícia, na capital, de que Onot fora preso. Prometeram enviar o mais cedo possível um avião planador, a fim de levar o criminoso.

Isso demoraria pelo menos meia hora.

Ellert examinou atentamente o rosto que apareceu na tela, depois pensou na capital, no edifício da Corte de Justiça... e, no mesmo instante, estava no corredor que conhecia tão bem. Mais duas tentativas, e introduziu-se no cérebro do chefe de polícia.

Os oficiais presentes sentiram-se totalmente perplexos, quando subitamente viram seu comandante saltitar numa perna só.

Mas, de repente, parou imediatamente e fitou os outros druufs com os olhos muito arregalados.

— Está sentindo alguma dor? — perguntou um dos amigos em tom preocupado.

O oficial sacudiu a cabeça; parecia espantado.

— Não; apenas foi uma coisa que me deu de súbito. Senti vontade, e minhas pernas... isso não costuma acontecer com você? Às vezes, a gente sente uma alegria repentina e tem vontade de dançar. Não existe motivo para preocupações. Talvez fosse apenas a alegria de termos prendido Onot.

Não sabia que era apenas a personificação da alegria de Ellert, que não pôde deixar de dar vazão à satisfação que sentia.

Ao que parecia, tudo estava em ordem de novo. Era capaz de vencer grandes distâncias e chegar a um destino previamente fixado. Já não estava condenado a permanecer no corpo de Onot.

— Se você se alegrou tanto com a prisão de Onot, envie logo o planador para que possam trazer o traidor para cá.

Ellert apossou-se totalmente do oficial.

— Você poderá cuidar disso. Informarei o presidente da Corte sobre o êxito de nossa ação. Ainda bem que mandei colocar soldados junto ao laboratório.

O druuf ao qual ele se dirigira saiu da sala. Ellert deixou de se interessar pelo “seu” oficial. Seguiu apressadamente o emissário, que atravessou os corredores e, uma vez do lado de fora, fez parar um carro na rua, que voltara a ser escurecida, e pediu que o levassem ao espaçoporto.

Mesmo quando entrou em contato com o oficial de plantão, Ellert ainda assim não entrou em ação. Tudo estava correndo conforme previra.

— Trago uma ordem do chefe de polícia. Mande imediatamente um planador com a tripulação completa às montanhas de Brasi. Dirijam-se ao laboratório de Onot, ao norte do centro de computação. As coordenadas já são conhecidas. O preso fugido foi recapturado e o planador deverá trazê-lo.

O oficial parecia muito satisfeito.

— Irei pessoalmente — respondeu. — Conheço o terreno. Levarei três homens.

O emissário e amigo do chefe de polícia fez continência e voltou ao edifício da Corte.

Ellert deixou que ele se fosse e instalou-se no cérebro do oficial de plantão, que, pelos padrões terranos, ocupava o lugar de tenente. Seu nome era Rambos.

Rambos chamou os homens e designou um piloto e dois sargentos que deveriam acompanhá-lo. Dali a cinco minutos, a veloz máquina subiu ao céu noturno e, acelerando tremendamente, tomou a direção leste.

Pouco antes do pouso, Ellert realizou a segunda experiência.

Permaneceu no cérebro de Rambos e enviou apenas uma pequena fração de seu intelecto para Onot.

Encontrava-se simultaneamente nos cérebros de dois seres!

— Eles vêm buscá-lo, Onot. Acompanhe-os. Fugiremos de novo, mas desta vez a fuga será mais bem preparada. Verão que não podem brincar com você e só poderão pegá-lo, caso você se entregue. Você me entende?

— Como sempre — foi a resposta silenciosa de Onot. — O que acontecerá?

— Teremos um planador à nossa disposição — respondeu Ellert muito bem-humorado e voltou, integrando-se em Rambos.

O planador pousou. Rambos desceu e cumprimentou o oficial que prendera Onot. Este foi retirado do laboratório e entregue a Rambos, que o conduziu para dentro da cabina do planador e o colocou entre os dois sargentos fortemente armados. O piloto pôs as mãos nos controles.

Rambos cumprimentou o oficial e fechou a escotilha. O propulsor começou a zumbir. O planador subiu e disparou na direção oeste.

Mas não chegou à capital.

 

Quando a dor leve da rematerialização cessou, nem mesmo a posição das estrelas mudou. Era bem verdade que a sombra negra, que se encontrava a seu lado, havia desaparecido. Gucky calculara o salto de tal forma que não pararam junto ao laboratório, mas a algumas centenas de metros, em pleno deserto.

— Cuidado! — cochichou o rato-castor, sem fazer o menor movimento com o corpo. — Há uma porção de druufs nas proximidades. São policiais e estão vigiando o laboratório de Onot.

Rhodan compreendeu imediatamente e também se manteve quieto. Em torno deles reinava a escuridão. Mais adiante, ao norte, o horizonte parecia mais elevado; eram as montanhas. Ao pé da encosta, Rhodan viu uma luz débil e movente. Provavelmente pertencia a algum druuf que controlava os guardas.

Gucky confirmou a suposição de Rhodan.

— Cercaram o laboratório e querem prender os amigos de Onot.

Enquanto Gucky controlava os impulsos mentais que o atingiam, mantiveram-se em silêncio por algum tempo.

As unidades estacionadas junto ao laboratório ainda não tinham a menor idéia de que Onot se dirigiria justamente para lá, e por isso ninguém pensava nessa possibilidade, nem na fuga já realizada.

Foi por isso que, depois de “ouvir” atentamente por cerca de dez minutos, Gucky disse a Rhodan:

— Acho que não adianta ficarmos sentados aqui. Quem sabe quanto tempo Onot levará para chegar até este local. Só mesmo se conseguisse apoderar-se de um avião, e isso me parece pouco provável. De qualquer maneira, ele, ou Ellert, não será tolo a ponto de cair nas mãos desta gente. Ellert fará um reconhecimento do terreno, descobrirá a força policial... e fugirá para outro lugar.

— Isso parece bastante lógico — admitiu Rhodan. — O que devemos fazer?

— Você faz essa pergunta a mim? — Gucky parecia espantado. — Minha sugestão é a seguinte: levo-o de volta para a gazela e, depois, irei só à cidade para dar uma olhada. Talvez encontre alguma pista.

Rhodan refletiu um pouco e respondeu:

— De acordo.

Quando materializaram-se na sala de comando da gazela, só Mundi se encontrava ali.

No corredor, Rhodan encontrou-se com Manoli e Ras Tschubai.

E foi assim que soube da grande novidade.

Infelizmente, isso aconteceu com alguns segundos de atraso, pois Gucky já se encontrava a caminho...

 

O planador correu vertiginosamente na direção leste.

Assim que voltou a “assumir” o controle sobre Rambos, Ellert descrevera uma curva de cento e oitenta graus. O piloto levantou os olhos com uma expressão de espanto ao ouvir a ordem do oficial, mas cumpriu-a, sem a menor contradita. Os dois sargentos não tinham o mínimo conhecimento da arte da navegação aérea e interessaram-se exclusivamente pelo prisioneiro.

— Até aqui tudo bem. E agora?

Ellert sabia que não poderia voar, eternamente, com o planador roubado por cima de Druufon. Não demorariam a descobrir a nova fuga e o perseguiriam. Alguma coisa teria de ser feita, e depressa, a não ser que quisesse perder as anotações de Onot.

Será que Rhodan já havia enviado alguém? Será que seu pedido de socorro fora recebido?

Ellert lembrou-se da faculdade que acabara de adquirir. Porém, tal faculdade era limitada. Não era nenhum hipno e não tinha capacidade de dar uma ordem pós-hipnótica a quem quer que fosse. Assim que abandonasse Rambos, o tenente voltaria a agir segundo seu critério. Só permanecia sob o controle de Ellert, enquanto este dominasse seu cérebro e seu espírito consciente.

Todavia, agora já era capaz de assumir dois cérebros ao mesmo tempo.

Quando pensou nessa possibilidade, sentiu como que um choque elétrico. Dessa forma seria fácil dominar os quatro druufs que se encontravam no planador, além de Onot.

A primeira experiência bastou para convencê-lo de que isso era possível, mas apenas por pouco tempo e com um grande esforço. No momento, essa nova capacidade não valia muito, mas abria perspectivas nunca antes sonhadas.

Teve a impressão de que, bem ao leste, o dia já começava a raiar. O planador voava na direção do amanhecer. Não demoraria muito e seria dia, se continuassem a voar para o leste. Não havia nenhum motivo para mudar de rumo.

 

Neste meio tempo, Gucky saltara para a cidade. Com alguns saltos ligeiros, transportou-se ao edifício da Corte. Encontrou um ótimo esconderijo no gabinete do chefe de polícia. Os druufs eram grandes, e logicamente seus móveis também o eram. Gucky, porém, era de estatura pequena. Ninguém notou sua presença atrás do arquivo.

Descobriu que Onot conseguira fugir pela segunda vez, e soube que se haviam desencontrado por uma questão de segundos. O relato transmitido pelo oficial da tropa, estacionada junto ao laboratório, tornou Gucky ciente de que Onot conseguira por alguma forma inexplicável obrigar Rambos a não voar para a cidade. O planador que levara o prisioneiro desaparecera.

O chefe de polícia voltou a dar o alarma, que desta vez se dirigiu à vigilância aérea do planeta. Em todos os pontos de Druufon, os aparelhos automáticos de rastreamento foram ligados. Esquadrilhas de caças levantaram vôo e começaram a vasculhar sistematicamente a superfície do planeta. Nada lhes escaparia; nem mesmo um planador.

E nem uma gazela!

Gucky reconheceu imediatamente o perigo que os ameaçava. Além disso, já ouvira bastante. Ellert estava fugindo, sem saber que as pessoas que vinham em seu socorro estavam bem próximas.

Teleportou-se de volta para a gazela.

— Ora, Gucky. O que aconteceu? — perguntou Rhodan.

— Agora, que estamos todos reunidos, posso contar. Quero evitar repetições. Ellert, ou Onot voltou a fugir. Encontra-se no ar com um planador no qual viajam ao lado de quatro druufs. Ninguém sabe que direção tomou. Há um alarma aéreo que atinge todo o planeta, e este está sendo vasculhado. Seremos descobertos.

Rhodan lançou um olhar ligeiro para Manoli.

— Ao que parece, Ellert está retomando suas atividades — disse depois de algum tempo e, em breves palavras, explicou a Gucky o que havia acontecido. — Já dispõe de energias excedentes que lhe permitem abastecer seu corpo, embora, talvez, nem desconfie disso. Talvez consiga encontrar-nos.

— Eu deveria encontrá-lo! — disse Gucky e lançou um olhar triste para o teto, como se esperasse auxílio de cima. — Se ele não se esforçar, nunca conseguirei encontrá-lo. Por que não deixa Onot de lado e nos procura?

— Já conversamos sobre este ponto — observou Rhodan. — Deve ter seus motivos. Além disso... o que está havendo com você, Gucky?

Todo mundo fitou o rato-castor, que continuava a olhar para o teto. Fechou os olhos, como se tivesse de “escutar” atentamente. Depois de algum tempo, piou em tom exaltado:

— Nunca mais quero comer uma única cenoura, se esse não for Ellert. Está a menos de três quilômetros acima de nós, voando velozmente para o leste.

— É o planador! — exclamou Rhodan.

— Isso mesmo; o planador com o qual fugiu. Vou saltar para junto dele.

Antes que Rhodan ou qualquer outra pessoa pudesse dizer alguma coisa, Gucky desapareceu. No mesmo instante, surgiu na cabina do planador, onde Ellert realizava suas experiências com Onot e os outros druufs.

Ellert viu Gucky com vinte olhos ao mesmo tempo, mas enxergou-o uma única vez.

Cinco fluxos mentais dirigiram-se para o rato-castor. Todos eles continham um único pensamento:

— Gucky!

— Ellert, qual desses hipopótamos é você? Qual deles é Onot?

Mais uma vez, a resposta quintuplicada foi transmitida por via telepática:

— Onot é o que está sentado entre os guardas. Agora preciso distribuir-me. Não posso permanecer exclusivamente no interior dele. Os druufs desconfiariam. Mas da forma que estão as coisas, eles o esquecerão. Onde está a nave?

— Você se refere à nossa nave? Está lá embaixo, nas montanhas. Os druufs deram o alarma. Temos de dar o fora antes que seja tarde. Você pode vir comigo?

— Não posso abandonar Onot — Ellert hesitou um pouco. — Posso, sim. Ponha a mão no bolso direito de Onot, Gucky. Você encontrará uma folha de metal. Sim, é isso. Pegue-a e cuide bem dela. São os dados sobre o hiperpropulsor linear. O que foi que você disse? Alarma?

— Isso mesmo: alarma de âmbito planetário. Ninguém atravessará o dia de amanhã, sem ser submetido a um controle. E o que se dirá então de uma nave não registrada junto aos druufs? Saltarei de volta para nossa gazela. Rhodan veio pessoalmente para buscá-lo. Venha comigo!

— Aguarde um instante, Gucky. Eu o acompanharei; dentro de você. Apenas quero apagar as lembranças de Onot. Eu lhe prometi que faria isso.

Gucky olhou em torno. O piloto dirigia o veículo aéreo imperturbavelmente para o leste, em direção ao sol que nasceria dali a pouco. Rambos, que estava sentado a seu lado, examinava os controles com os olhos inexpressivos. Foi o que o intelecto remanescente de Ellert lhe ordenou. Os dois sargentos não faziam o menor movimento. Onot também se manteve imóvel. Ficou com os olhos fechados. Quando voltasse a abri-los, não saberia mais nada daquele estranho amigo chamado Ellert.

— Salte assim que Onot abrir os olhos — disse Ellert silenciosamente. — Nesse mesmo instante, retirarei meu espírito de dentro de todos os druufs. Não demore, pois o Tenente Rambos é um sujeito muito ágil. Ele o mataria imediatamente.

Gucky concentrou-se. Não tirou os olhos do rosto de Onot. Por mais que se esforçasse para perceber a presença espiritual de Ellert, não notou nada. O teletemporário mantinha-se em atitude neutra.

Finalmente Onot abriu os olhos e viu-o.

Gucky saltou.

 

O gigantesco sol geminado de Siamed despontava ao leste. Naquele instante, Mundi moveu os controles. O propulsor da gazela uivou e impeliu-a vertiginosamente em direção ao céu colorido, mas a velocidade ainda não era a máxima.

Os aparelhos de rastreamento dos druufs funcionavam muito bem, mas sua velocidade operacional era apenas metade da que seria necessária para descobrir a gazela.

— Passamos! — Rhodan soltou um suspiro de alívio.

Viu na tela a esquadrilha de caças que controlava o espaço aéreo de Druufon.

Os caças foram ficando para trás. A gazela já ultrapassara a velocidade máxima dos veículos atmosféricos e seguia para o espaço. Mas era lá que se encontrava o maior perigo: a frota espacial dos druufs.

— Entre em transição assim que apareçam as primeiras unidades — ordenou.

O Tenente Mundi confirmou com uma expressão obstinada. Finalmente chegara o momento em que poderia mostrar ao chefe quanto ele valia.

O Dr. Eric Manoli, que se encontrava na enfermaria, não notou os perigos que cercavam aquela fuga arriscada. Seu problema era o corpo de Ellert, que jazia numa cama. Há uma hora, quando Gucky materializou-se na sala de comando, todos pensaram que a missão tivesse fracassado. Mas Ellert logo deu sinal de sua presença. Há setenta anos fora atirado à eternidade, reduzido a um espírito sem corpo; e agora acabara de voltar no corpo de Gucky.

Manoli controlava o pulso, que era lento, mas firme. A transfusão de sangue fizera a pele ficar corada. Ellert começou a viver.

— Você me ouve, Ellert?

Sem que o quisesse, Manoli deu o tratamento íntimo ao teletemporário. Acharia esquisito se tivesse que dar outro tratamento àquele corpo, subitamente revitalizado, que conhecia tão bem.

— Quero saber se me ouve — acrescentou.

Os lábios de Ellert começaram a tremer. Via-se que fazia um grande esforço para responder por meio das cordas vocais. Mas não era fácil.

— Ouço.

O que atingiu o ouvido de Manoli parecia um sopro.

Era a primeira vez, há exatamente setenta e três anos, que Ellert falava pela própria boca.

Enquanto isso, Rhodan e Mundi, que se encontravam na sala de comando, enfrentavam sérios problemas. Um grupo de couraçados dos druufs fechava-lhes o caminho para o espaço. A velocidade ainda não era suficiente para uma transição normal. Teriam de “escorregar” pelo espaço intermediário.

— Transição! — ordenou Rhodan, quando os primeiros disparos energéticos passaram perto dos campos protetores da gazela.

Mundi não perdeu tempo: moveu a alavanca.

As naves inimigas tornaram-se confusas e foram recuando. Rhodan viu que continuavam a segui-los. A ligeira transição, dentro do sistema, não bastara para afastar os druufs.

À sua frente, o planeta Hades surgiu em meio ao oceano de estrelas.

— Pousar! Irradiar o código! Dar o alarma! — ordenou Rhodan.

A gazela precipitava-se velozmente em direção ao mundo da penumbra, desacelerou ao máximo e mergulhou no hangar. As estrelas desapareceram em cima de suas cabeças. Enquanto pousava, o alarma começou a soar no interior da base.

O Capitão Rous entrou correndo no hangar. Rhodan saiu pela escotilha da gazela.

— Evacuar a base! — gritou para o oficial, que não acreditou no que estava ouvindo. — Se os druufs raciocinarem corretamente, estarão aqui dentro de trinta minutos e transformarão Hades num inferno. O material terá de ser deixado para trás. Todos para dentro dos transmissores! Avisem a Drusus! Rápido! Não podemos perder um segundo.

Agiram com uma rapidez extraordinária.

Manoli cuidou de Ellert, cujo corpo ainda estava tão duro que não poderia mover-se sem ser ajudado. Não havia tempo para trazer o veículo de tráfego interno. Por isso, Ras e Gucky teleportaram o médico e seu paciente para dentro do transmissor mais próximo, que já fora ativado. Uma mensagem de rádio, dirigida à Drusus, fizera com que esta ficasse de prontidão e imediatamente colocasse seus transmissores de matéria em recepção.

— Uma grande frota dos druufs se aproxima — disse um operador de rádio, antes de ligar a carga explosiva ao mecanismo-relógio. Provavelmente a medida seria supérflua, mas ninguém poderia dizer se os druufs pretendiam destruir Hades ou se prefeririam pousar no planeta.

Os homens correram para dentro das grades dos transmissores. Só levaram seus pertences pessoais. Desapareceram em grupos, para rematerializarem-se no interior da Drusus, que se encontrava a quase um ano-luz de distância.

Rhodan e Marcel Rous foram os últimos. Aguardaram a decolagem das gazelas, cuja destruição queriam evitar. Cada uma dessa naves era dirigida por dois homens, a fim de não aumentar o risco. Tentariam chegar à nave retransmissora que se mantinha à espera junto ao funil de descarga e dali fugiriam por meio de uma série de transições quase que impossíveis.

As telas da sala de comando continuavam a funcionar. Mas, nos fundos, os mecanismos-relógio já tiquetaqueavam.

— Ainda dispomos de trinta minutos — disse Rous.

— Os druufs não levarão tanto tempo para chegar — respondeu Rhodan.

A seu lado, a porta do transmissor de matéria estava aberta. Caso a situação o exigisse, os dois homens poderiam colocar-se em segurança por meio de uns três ou quatro saltos.

Milhares de estrelas brilhavam no céu escuro de Hades. De repente novas estrelas surgiram, moveram-se lentamente, aumentaram de tamanho e transformaram-se em espaçonaves.

As gazelas que fugiram lhes haviam mostrado o caminho.

— Se não houver nenhuma resistência... — principiou Marcel Rous.

Rhodan fez um gesto afirmativo. Adivinhara seus pensamentos.

— Nós os enganaremos. Hades tem de ser destruído; não deve cair nas mãos deles. Ligue a defesa automática, capitão. Quero que eles pensem que nos encontramos na armadilha.

Foi muito rápido. Mal as primeiras naves dos druufs se aproximaram o bastante da base, os canhões energéticos da fortaleza começaram a disparar. Atiravam seus raios mortíferos para o espaço, na direção em que se encontrava a frota.

Rhodan viu na tela que os campos defensivos das naves dos druufs desmoronaram.

As outras unidades retiraram-se imediatamente. Entraram na formação conhecida como cunha de bombardeio, o que constituía indicação evidente de que pretendiam destruir o planeta. Era o que Rhodan queria.

— Está na hora — disse sem tirar os olhos da tela. — Dentro de poucos minutos, suas bombas e torpedos transformarão a crosta de Hades em lava liquefeita. Depois disso, ficará bem quente por aqui.

Rous continuou impassível. Com um simples movimento da mão regulou as defesas para uma distância maior. Os raios energéticos saíam das bocas dos canhões ocultos e penetravam na frota dos druufs, mas não produziram maiores danos. Mas isso bastaria para o inimigo perceber que a base dos desconhecidos estava sendo defendida.

Passaram ao ataque final!

As primeiras bombas caíram bem longe, mas causaram uma tremenda devastação. A segunda onda de torpedos atingiu as rochas mais próximas, transformando-as em figuras bizarras, derretendo-as. Finalmente, a primeira bomba de reação atingiu a superfície.

Um incêndio atômico, que ninguém conseguiria extinguir, foi desencadeado.

Hades estava irremediavelmente perdido.

— Agora já temos certeza de que ninguém porá os pés nesta base — disse o Capitão Rous com a voz triste.

Olhou em torno, como se procurasse alguma coisa.

— Vamos perder uma quantidade enorme de material precioso. Só os doze transmissores...

— Ora, material! — disse Rhodan, enquanto caminhava na direção do transmissor. — O senhor tem razão, Rous. Estamos trocando material por vidas humanas. Acho que a escolha não é difícil.

Sem dizer uma palavra, entraram no transmissor. Rhodan moveu a alavanca e, no mesmo instante, viu-se ao lado de Rous, no compartimento de carga da Drusus.

A primeira coisa que observaram foi o rosto preocupado de Bell, que se iluminou de repente.

— Já estava na hora, cavalheiros. Mais um minuto, e eu teria ido a Hades para buscá-los.

— Você teria queimado os dedos — respondeu Rhodan. — Tudo pronto para partir? Onde está Ellert?

— Manoli levou-o à enfermaria. O General Deringhouse aguarda instruções, Perry.

— Você poderá cuidar disso. Entraremos imediatamente em transição. Devemos voltar o mais depressa possível ao Universo einsteiniano e à Terra. Tenha cuidado! Vamos realizar várias transições em direções diferentes.

— Você não vai à sala de comando?

— Daqui a pouco. Primeiro preciso ver como vai Ellert.

Bell fez um gesto de assentimento e saiu correndo. Marcel Rous teve trabalho de sobra em reunir seus homens e indicar-lhes os alojamentos.

Perry Rhodan abandonou o compartimento de carga, onde estavam instalados os transmissores, e pôs-se a caminho da enfermaria. Já fazia tempo que o Marechal Freyt voltara para Terrânia. Sem dúvida, preparara tudo. Ellert teria uma surpresa.

Ellert...?

Rhodan sentiu-se dominado por um sentimento de profunda afeição. Finalmente reencontrara o amigo que morrera há setenta anos. Na verdade, permanecera vivo durante todo esse tempo, apenas em outro lugar, em outro tempo e em outro corpo.

O elevador deixou-o no pavimento em que ficava a enfermaria.

Ernst Ellert acabara de voltar! Era bem verdade que perdera a capacidade de enviar seu espírito para o futuro, mas talvez isso fosse bom. A simples idéia de uma viagem pelo tempo bastava para criar confusão e trazer complicações praticamente insolúveis.

“O que aconteceria”, pensou Rhodan, enquanto encostava a mão à porta da enfermaria para acionar a fechadura, “se eu pudesse ver o futuro? Será que o conhecimento dos fatos que estavam para vir não me roubaria a capacidade de agir no presente?”

Quando entrou, viu os rostos de Haggard e Jamison. No fundo da sala, Manoli estava inclinado sobre o corpo estendido de Ellert. Ao ver Rhodan, ergueu-se.

— O senhor não voltou à Terra com Freyt? — perguntou Rhodan, em tom de espanto.

Subitamente, sentiu um medo terrível.

— O que houve, Eric? Algo de errado com Ellert?

— Tudo bem, Perry. Ellert está descansando. Seu espírito também descansa. O corpo apresenta todos os sinais de rápida recuperação. Acreditamos que dentro de poucas semanas, esteja em perfeitas condições.

Rhodan sentiu um profundo alívio. Haggard e Jamison afirmaram que apenas pretendiam ajudar Manoli. Foi por isso que Freyt não os levara.

Foi até a cama e olhou para Ellert. O rosto, que ainda há pouco tempo era pálido e sem vida, voltara a viver. O sangue pulsava sob a pele. As pestanas tremeram, e subitamente Ellert fitou-o.

Era uma sensação estranha ver vida num corpo que estivera morto por alguns decênios.

— Como se sente, Ernst Ellert?

A boca mexeu, mas os sons eram quase incompreensíveis.

— É tão bom saber que o espírito e o corpo estão unidos de novo — ouviu Rhodan num sopro.

Ellert prosseguiu em voz um pouco mais alta:

— Muita gente gostaria de ser outra pessoa, mas não sabem como são tolos. É só nossa própria vida que nos satisfaz. Você compreende, Perry?

— Compreendo perfeitamente — respondeu Rhodan e colocou a mão sobre a testa de Ellert. — Daqui por diante você poderá voltar a ser Ernst Ellert.

Ellert sorriu.

— Serei feliz, mesmo que tenha apenas um braço.

Rhodan lançou um olhar expressivo para os médicos. Depois de algum tempo também sorriu.

— Você não demorará a ter dois braços, Ellert. O professor Haggard andou refletindo muito. Quando soubemos que faculdades maravilhosas você trouxe do passado, tivemos uma idéia. Na verdade, devemos a mesma a Onot. A conversa não o cansa?

— Não; entendo perfeitamente o que você diz. Continue.

— Você teve dificuldade em subjugar Onot, porque o cientista resistiu. Você perdeu muita energia e ficou fraco; a fraqueza chegou a um nível perigoso. Por isso receberá não só um braço novo, mas também uma arma hipnotécnica. A mesma constitui um aperfeiçoamento dos velhos projetores hipnóticos. Ela lhe conferirá o poder de, mediante a simples aplicação da tecnologia, submeter qualquer ser vivo a seu controle. Nós já conseguimos isso, mas o controle se tornava ineficaz assim que o projetor hipnótico era desligado. Com você, a coisa será diferente. Poderá assumir o intelecto paralisado do inimigo enquanto dura a projeção hipnótica, sem fazer o menor esforço. E ninguém resistirá a esse tipo de controle.

Ellert voltou a sorrir.

— Acho que você pensou em tudo. Será que com esse novo braço também poderei fazer outras coisas, como trabalhar e comer?

— Você poderá usá-lo como se fosse seu braço natural. Ninguém poderá dizer se é o verdadeiro ou não. Seu segredo ficará oculto em seu interior.

Manoli aproximou-se.

— Ele precisa repousar, Perry. A conversa ainda o deixa muito cansado.

Ellert não era da mesma opinião.

— Isto não me cansa, Manoli. Pelo contrário. É bom que vocês saibam que a felicidade nunca cansa. Durante minhas viagens, vi muitos planetas e muitos seres vivos. Vivi com eles e os conheci, mas nunca encontrei um povo que se possa comparar à raça humana. Teria sido uma pena se há setenta anos tivessem destruído meu próprio ser. Sinto-me feliz por ser um homem de novo.

Rhodan fez um gesto de assentimento, esboçou um sorriso gentil e colocou o dedo sobre os lábios.

— A felicidade também cansa, amigo. Por isso, neste instante, lhe dou minha primeira ordem como administrador do Império Solar. Não diga mais uma única palavra e procure dormir. Na Terra, ainda poderemos conversar muito. Recupere a saúde, Ernst, pois o futuro da Humanidade exige um Ellert capaz de entrar em ação com as forças renovadas. Acho que você compreende, não compreende?

Ellert fez que sim.

— Compreendo, sim. Mas é bem possível que um belo dia eu vá visitar um velho e bom amigo: Onot. A esta hora não queria estar na sua pele, no sentido literal da expressão. Mas ele conseguirá... Acabará sendo libertado.

Ellert fechou os olhos e logo sua respiração regular revelou que estava dormindo. Os quatro homens saíram da enfermaria.

Uma vez no corredor, Haggard perguntou:

— Será que os druufs descobrirão de quem era a base de Hades? Será que nos julgarão responsáveis por isso?

— Apagamos todos os vestígios. Pelo menos não poderão provar nada contra nós. Não acredito que venhamos a ter problemas. Eles também têm inimigos em seu próprio Universo. Seria perfeitamente possível que algum deles se tivesse instalado no sistema do sol geminado.

— O que acontecerá com o tal do Onot? — indagou Jamison.

— Ellert privou-o da memória — disse Rhodan. — Declarará perante os juizes que não cometeu nenhuma traição. E os detectores de mentiras revelarão que diz a verdade. Será posto em liberdade.

— E o que acontecerá com...

Foi interrompido. Gucky materializou-se à sua frente, no corredor.

— Vocês falam sem parar e, daqui a dois minutos, será realizada a primeira transição — ajustou o cinto estreito do uniforme espacial, talhado especialmente para ele. — Que tal se nos retirássemos para um camarote?

— Meu camarote fica aqui — disse Manoli e abriu uma porta. — Façam o favor de entrar — quando estavam sentados, lembrou-se da pergunta que fora interrompida por Gucky. — O que acontecerá com o sistema de hiperpropulsão dos druufs? Ellert não se referiu a isso?

Rhodan fez um gesto afirmativo.

— Não lhe perguntei nada sobre isso.

Tomara que ainda se lembre dos detalhes técnicos, para que estejamos em condições...

— Quase que eu me esqueço! — exclamou Gucky e escorregou do sofá para o chão, a fim de poder revirar melhor os bolsos.

No último bolso em que enfiou a mão encontrou o que estava procurando. Entregou a placa amassada a Rhodan.

— Tirei isto do bolso de Onot. São os dados relativos ao hiperpropulsor.

Rhodan pegou a lâmina e desdobrou-a. Era claro que não compreendia os detalhes. Porém bastou um relance de olhos para convencê-lo que se tratava de um sistema de propulsão igual ao dos druufs. Aquilo que Gucky acabara de lhe entregar, sem a menor dramaticidade, como se fosse um papel de sanduíche, representava uma nova chave para a conquista das estrelas.

Rhodan bateu no ombro de Gucky.

— Obrigado, meu pequenino. Você acaba de nos entregar o melhor presente trazido por Ellert. Em compensação nós lhe restituímos a vida.

— E o aparelho de hipnochoque — prometeu Haggard.

Quando começou a sentir a dor típica da transição, Rhodan ainda segurava as anotações de Onot.

A luz dos sóis galácticos lhes apontaria o caminho, da mesma forma que antigamente os faróis orientavam os navios que singravam os oceanos do planeta Terra.

 

                                                                                            Clark Darlton  

 

                      

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