Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
O REI DAS ESTRELAS
JOHN GORDON
A PRIMEIRA vez em que John Gordon ouviu uma voz ressoar dentro de sua cabeça, pensou que estivesse ficando louco.
A princípio, o fenômeno acontecia à noite, na hora de Gordon dormir. A voz falava, clara e explicitamente, dentro da sua mente sonolenta:
— John Gordon, está me ouvindo? Está ouvindo meu apelo?
Acordando sobressaltado e bastante surpreso, Gordon sentou-se. Havia alguma coisa esquisita naquilo.
Depois sacudiu os ombros, pensando que a vontade cede quando se passa da vigília para o sono e que, nesse estado, o cérebro prega peças estranhas. Sem dúvida não era grave.
Esqueceu aquilo até a noite seguinte. Exatamente no momento em que começava a deslizar para o reino dos sonhos, a voz retornou à sua mente, tão clara quanto da primeira vez:
— Está me ouvindo? Se está, procure responder ao meu apelo!
Novamente John Gordon acordou sobressaltado. E, dessa vez, estava bastante preocupado. Que haveria com seu cérebro? Gordon sabia há muito tempo que ouvir vozes é sinal de perturbações mentais.
Saíra da guerra sem um arranhão. Mas talvez aqueles anos de vôo no Pacífico tivessem afetado sua mente. Talvez estivesse sofrendo uma neurose de ação retardada.
"Que diabo", pensou, "estou dando muita importância a uma ninharia". E concluiu irritadamente: "Estou nervoso e inquieto, é isso".
Inquieto? Era isso mesmo inquieto desde que, finda a guerra, voltara a Nova York.
É muito fácil pegar um contador de uma companhia de seguros, tirá-lo do seu emprego e transformá-lo num aviador capaz de pilotar bombardeiros de trinta toneladas tão facilmente quanto ir ao cinema. Sim, é fácil e foi o que fizeram com Gordon.
Mas, depois de três anos de vida militar, não era tão fácil dar a esse piloto um certificado de baixa, agradecer-lhe os serviços prestados e devolvê-lo ao seu antigo emprego. Gordon sabia disso; passara por essa amarga experiência.
Era curioso. Na época em que suava e arriscava o pescoço no Pacífico, não cessava de pensar como era maravilhoso poder voltar para casa, para seu antigo emprego e seu pequeno mas confortável apartamento.
E ali estava ele de volta! O trabalho e o teto não tinham mudado. Ele, porém, não era mais o mesmo. Um outro John Gordon voltara da guerra, um homem que participara de combates, sentira a morte passar por perto, correra mil perigos e perdera o hábito de sentar-se numa mesa, fazendo cálculos o dia inteiro.
Gordon não sabia exatamente o que queria, mas sabia muito exatamente que não tinha mais nenhuma vontade de levar a vida de antigamente. Era um rapaz sério e procurara repelir essas extravagâncias da imaginação. Lutara para se readaptar ao ramerrão da vida passada e essa luta deixara-o mais e mais preocupado.
E agora havia aquela estranha voz, que falava dentro da sua cabeça. Indicaria que seu nervosismo se transformava em neurose e que estava ficando doido?
Pensou em consultar um psiquiatra, mas a idéia não lhe agradou. Era melhor reagir e curar-se sozinho.
Por isso, na terceira noite, John Gordon esperou acordado que a voz o chamasse, para provar a si mesmo que se tratava de uma simples ilusão.
Nada ouviu nessa noite, nem na seguinte e pensou que estava tudo liquidado. Mas, na sexta noite, a voz ecoou mais forte que nunca:
— John Gordon, ouça-me! Não é uma ilusão. Sou um homem diferente do sonho e lhe falo por intermédio da sua mente, graças aos meus conhecimentos científicos.
Na sua sonolência, Gordon percebeu que aquela voz tinha um cunho singularmente autêntico.
— Por favor, procure responder-me, John Gordon! Não com palavras, mas com pensamentos. O canal está livre. Se quiser, poderá responder-me.
A mente ainda turva de John Gordon enviou uma resposta silenciosa, através da escuridão do espaço e do tempo.
— Quem é o senhor?
A voz retornou imediatamente, ainda mais clara e com um tom de alegre triunfo:
— Sou Zarth Arn, príncipe do Império do Centro da Galáxia. Falo-lhe através de uma distância de duzentos mil anos. Sim, John Gordon, vivo no futuro, a duzentos mil anos da senhor.
Espantado, Gordon pensou que aquilo não podia ser verdade. Era impossível! No entanto, a voz era tão real, tão nítida no seu espírito!
— Duzentos mil anos... no futuro? É uma loucura, é impossível, não se pode falar assim, através do tempo. Estou sonhando.
A resposta de Zarth não se fez esperar:
— Garanto que não sonha e que sou tão real quanto o senhor, embora dois mil séculos nos separem.
E Zarth explicou:
— A matéria não pode se deslocar no tempo. Mas o pensamento é imaterial. Nada, portanto, se opõe a que ele atravesse espaços seculares. Há muito tempo já que seu espírito viaja no tempo: cada vez que o senhor se lembra de alguma coisa, o fio de seus pensamentos desloca-se para trás, não é?
— Admitindo que seja verdade, por que haveria de me chamar? — perguntou Gordon, sem convicção.
— Muitas coisas mudaram em dois mil séculos — respondeu Zarth Arn. — No decorrer da primeira era, aquela a que o senhor pertence, a espécie humana espalhou-se pelos outros planetas da galáxia. Existem, agora, grandes reinos nas estrelas e o maior é o meu, o Império do Centro da Galáxia, um imenso Estado, como os homens do seu tempo não podem imaginar. Ele engloba todas as constelações que estão no centro da Galáxia.
Fez uma ligeira pausa e prosseguiu:
— Sou muito importante nesse Império, mas sou principalmente um cientista e pesquisador que se esforça por encontrar a verdade. Há anos, ajudado por um amigo, venho vasculhando o passado, projetando meu pensamento em épocas imemoriais. É dessa forma que estabeleço contato com homens que viveram antigamente e tomo conhecimento de sua maneira de viver.
Escolhendo cuidadosamente as palavras, continuou:
— Troquei de corpo com muitos desses homens do passado! A mente é um tecido de energia elétrica que habita o cérebro. Esse tecido pode ser arrancado mediante o uso de forças adequadas e outro tecido de energia elétrica, outra mente, pode ser implantado em seu lugar. Assim como lhe posso enviar uma mensagem mental, poderei enviar minha mente inteira para tomar o lugar da sua, no seu cérebro e no passado.
Nova pausa e a revelação:
— Minha mente já substituiu a de muitos homens de antigamente. E, simultaneamente, a deles precipitou-se no futuro para habitar meu cérebro. Desta maneira, vivi várias e diferentes eras da História humana.
Com um tom ansioso, concluiu:
— Mas nunca fui tão longe no passado como nessa sua remota era. Quero estudar a vida dos seus contemporâneos, John Gordon. Consente em ajudar-me? Emprestaria seu corpo à minha mente e sua mente ao meu corpo?
Gordon reagiu imediatamente, com um movimento de pânico, e recusou francamente.
— Não! Isso seria espantoso! Seria uma loucura!
— Por quê? Não há nenhum perigo — insistiu Zarth Arn. — Passaria simplesmente algumas semanas no meu corpo, nesta minha época, e eu em seu corpo, no seu tempo. Depois, o meu velho amigo Vel Quen tomará as providências necessárias para que nossas duas mentes tornem a ocupar seus respectivos lugares.
Após uma pausa, a voz continuou:
— Pense nisso, John Gordon! Assim como essa operação me permitirá explorar sua época, ela lhe permitirá apreciar as maravilhas do meu tempo!
Insinuante, afirmou:
— Conheço sua imaginação. Sei que é inquieto, atraído pelo desconhecido. Nunca homem algum da sua época teve a ocasião de atravessar o imenso golfo do tempo e viver no futuro. Ainda recusa?
Gordon foi, subitamente, atingido pelo caráter sensacional daquele projeto. Julgou ter ouvido um fantástico toque de clarim, anunciando a hora da aventura, de uma aventura mais extraordinária que os mais alucinados sonhos.
O mundo, o universo inteiro daí a dois mil séculos! O futuro! A glória das conquistas siderais! Uma civilização maravilhosa! Ver tudo aquilo com seus próprios olhos?
Valeria o risco de perder a vida ou a saúde mental? Se fosse verdade, não lhe estavam oferecendo a fabulosa oportunidade de aventura pela qual esperara tanto tempo?
— Eu estaria completamente desambientado, ao acordar no seu mundo! — disse ele a Zarth Arn. — Não saberia nem falar a língua dos seus contemporâneos.
— Vel Quen o receberá e lhe ensinará tudo o que precisar saber — respondeu Zarth Arn. — Sua época me será tão estranha quanto a minha para o senhor. Peço-lhe, pois, se estiver de acordo, que me prepare algumas bobinas-de-pensamento, graças às quais aprenderei sua língua e seus costumes.
— Bobinas-de-pensamento? O que é isso? — perguntou Gordon, intrigado.
— Ainda não foram inventadas no seu tempo? — disse o Príncipe do Império do Centro. — Então coloque à minha disposição alguns livros, desses de imagens, dados às crianças, alguns dicionários, para que eu aprenda o significado das palavras, e discos, para que eu saiba como pronunciá-las.
E Zarth Arn tranqüilizou Gordon:
— Não quero forçá-lo a uma decisão. Vou dar-lhe um prazo. Pense até amanhã, John Gordon. Voltarei a entrar em contato com o senhor e me dirá o que decidiu.
— Amanhã, como hoje, pensarei que se trata de um sonho, um sonho louco! — exclamou Gordon.
— Nunca! Não é um sonho — respondeu Zarth Arn, categoricamente. — Entro em contato com sua mente de noite, quando dorme, porque é quando sua vontade enfraquece e recebe melhor minhas mensagens. Mas não é um sonho.
Na manhã seguinte, quando acordou, John Gordon lembrou-se dessa conversa incrível e se perguntou, admirado:
"Terei sonhado? Zarth Arn me disse que não. Mas um personagem de sonho pode dizer a mesma coisa."
Gordon chegou ao trabalho ainda em dúvida.
Nunca sua sala, na companhia de seguros, lhe pareceu tão insuportável e lúgubre como naquele dia. Nunca seu trabalho lhe pareceu tão árido, monótono, rotineiro e sem importância.
E durante o dia todo entregou-se a estranhos devaneios nos quais se desenrolavam espetáculos magníficos, fantasias maravilhosas. Sua imaginação já começava a arrastá-lo para os grandes reinos estelares, a dois mil séculos no futuro, para novos mundos, estranhos e tentadores.
Quando a noite chegou, já se decidira. Se aquela inverossímil proposta não fosse um sonho, iria aceitá-la.
Voltando para casa, comprou livros com ilustrações, gramáticas elementares e cursos de inglês gravados em discos. Sentia-se meio sem jeito ao fazer essas compras.
Nessa noite, Gordon foi deitar-se cedo. Excitado pela perspectiva de uma aventura tão maravilhosa, aguardava o apelo de Zarth Arn. Esperou em vão. Gordon rolou na cama durante horas. O dia estava para nascer quando caiu numa espécie de sonolência.
Imediatamente, a mensagem de Zarth Arn soou:
— Finalmente! Custei a entrar em contato com o senhor. Então, John Gordon, que decidiu?
— Aceito, Zarth Arn — respondeu Gordon. — Mas tem que ser agora porque, se eu continuar a pensar nisso, ficarei louco. E seria ridículo ficar louco por causa de um sonho!
— Não é um sonho — repetiu Zarth Arn. — Podemos fazer agora mesmo a troca. Vel Quen e eu já preparamos a aparelhagem. Viverá no meu corpo durante seis semanas, no fim das quais estarei apto a retornar.
Zarth Arn prosseguiu, rapidamente.
— Mas primeiro deve prometer-me nada dizer sobre esta troca a quem quer que seja no meu tempo. Fora Vel Quen, ninguém deve saber que um estranho habita meu corpo. A menor indiscrição provocará uma catástrofe, tanto para o senhor como para mim.
— Prometo — respondeu Gordon, que acrescentou timidamente: — Tomará cuidado com o meu corpo, não é?
— Dou-lhe minha palavra — foi a resposta de Zarth Arn. — E agora, relaxe os nervos para que sua mente não ofereça resistência às forças que vão transportá-la através, do tempo.
Relaxar os nervos? Era mais fácil dizer do que fazer. Como relaxar os nervos, quando um estranho se prepara para se apoderar da nossa mente?
Mas Gordon esforçou-se para obedecer e acabou por cair em sonolência.
De repente, sentiu alguma coisa girando dentro do seu cérebro. Não era uma sensação física, mas a de um poder magnético inteiramente indescritível.
Presa de um medo total, como nunca sentira antes, John Gordon assistiu a sua mente deslizar em velocidade espantosa para dentro de um abismo negro.
NOSSO UNIVERSO NO FUTURO
John Gordon readquiriu, lentamente, a consciência e viu-se estendido sobre uma mesa alta, numa sala onde os raios de sol entravam abundantemente.
Durante um momento, contentou-se em ficar olhando para cima. Aliás, não poderia fazer outra coisa, de tal maneira se sentia fraco de corpo e, mentalmente, destituído de energia. Diretamente sobre sua cabeça, viu um aparelho estranho, parecido com um capacete enorme e brilhante, cheio de fios elétricos.
Um rosto inclinou-se sobre o dele. Era o de um homem idoso, de cabelos brancos. Mas um entusiasmo juvenil brilhava em seus olhos azuis. Dirigiu-se a John numa voz estridente de excitação. Infelizmente, falava uma língua quase incompreensível para ele.
— Não o estou entendendo — respondeu John Gordon, desamparado.
O desconhecido apoiou o indicador sobre o próprio peito e disse:
— Vel Quen.
Vel Quen? Gordon lembrou-se: era o nome do cientista que, no futuro, colaborava com Zarth Arn.
No futuro? A incrível troca de mentes, através do abismo do tempo, fora, assim, um sucesso.
Presa de uma louca excitação, Gordon tentou levantar-se, mas em vão: não tinha forças. Ainda estava muito fraco e deixou-se cair na mesa outra vez.
Mas conseguiu erguer a cabeça por um instante, o que lhe permitiu ver seu corpo, cujo aspecto o espantou.
Não era seu corpo. Não era o corpo pesado e musculoso de John Gordon. O corpo que ele habitava era alto e magro e usava uma camisa branca, sedosa, sem mangas, e calças e sandálias como nunca vira iguais.
— O corpo de Zarth Arn! — gritou Gordon. — E neste mesmo instante, Zarth Arn está acordando, a dois mil séculos daqui, dentro do meu corpo!
O velho Vel Quen entendeu, sem dúvida, o nome. Sacudiu a cabeça várias vezes.
— Zarth Arn-John Gordon — disse, apontando para Gordon.
Então a troca funcionara! Atravessara dois mil séculos e estava agora no corpo de outro homem!
Apesar disso, nada sentia de extraordinário. Tentou mexei-os pés e mãos. Os músculos respondiam documente aos impulsos de sua vontade. Mas seus cabelos continuavam obstinadamente eriçados, talvez pelo efeito das forças magnéticas que tinham agido sobre seu cérebro. John Gordon sentiu uma desesperada nostalgia da velha carcaça à qual se habituara desde que nascera.
Vel Quen pareceu compreender o que ele sentia, bateu-lhe amigavelmente no ombro e ofereceu-lhe um recipiente de cristal contendo um líquido vermelho espesso. Gordon bebeu e sentiu as forças voltarem.
O velho cientista ajudou-o a descer da mesa e ficar de pé. Gordon olhou ao redor, com admiração.
Enormes janelas cercavam completamente a grande sala octogonal onde se encontrava. O sol fazia as máquinas, os estranhos instrumentos e bobinas metálicas refulgirem. Gordon não era um homem culto e toda aquela ciência do futuro o perturbava.
Vel Quen levou-o até um canto onde havia um grande espelho. Gordon, quando se viu, não quis acreditar em seus olhos.
— Então a minha aparência agora é essa? — murmurou, meio assustado.
Não media menos de um metro e oitenta de altura, tinha os cabelos negros, o rosto moreno, o nariz aquilino e olhos sérios. O conjunto não o desgostava, mas não era mais ele.
Viu que vestia camisa e calças confortáveis. Vel Quen colocou-lhe sobre os ombros um longo manto semelhante ao que ele mesmo usava.
Depois fez-lhe sinal para que repousasse. Mas, por mais débil que se sentisse, o homem do passado tinha pressa de explorar os mundos desconhecidos do futuro.
Dirigiu-se para uma janela, esperando descobrir o formidável panorama de uma cidade supermoderna, a metrópole de um império interplanetário, cujo território abrangesse todo o centro da Galáxia. Mas ficou decepcionado.
Seu olhar perdeu-se numa paisagem grandiosa, mas desolada. Aquela sala octogonal estava situada no último andar de uma torre de cimento, elevada na extremidade de um planalto, à beira de um precipício, sem fundo.
Montanhas de cumes vertiginosos, cobertas de neve brilhante, tapavam o horizonte, na extremidade de uma paisagem deserta, semeada de precipícios e desfiladeiros. Nenhum outro edifício à vista. Gordon achou que as paisagens do futuro assemelhavam-se curiosamente às do Himalaia, na sua própria época.
Atordoado, cambaleou. Cercando-o de atenções, Vel Quen levou-o, por uma escada, ao andar inferior, instalando-o num pequeno quarto de dormir, onde Gordon deitou-se num diva macio. Adormeceu imediatamente.
Acordou no dia seguinte. Vel Quen, que vigiou seu sono, deu-lhe bom-dia, examinou-lhe o pulso e auscultou-o. O velho cientista sorriu, satisfeito, e levou-lhe alimentos.
Esse primeiro repasto, tomado no futuro, constituiu-se de um líquido espesso, açucarado, cor de chocolate, e biscoitos secos. Aquelas substâncias continham elementos muito nutritivos, pois a fome de Gordon diminuiu assim que absorveu uma pequena quantidade.
Vel Quen passou imediatamente a ensinar-lhe a língua. Serviu-se, para isso, de uma espécie de caixa na qual os objetos citados por ele apareciam em relevo. Depois dos objetos, foi a vez de seres animados.
Sem sair da torre, Gordon passou uma semana estudando e fez progressos extraordinários em tempo muito curto. Mas Vel Quen era um excelente professor e a língua do futuro derivava, visivelmente, do inglês do século XX. Duzentos mil anos haviam enriquecido o vocabulário e transformado muitas palavras, mas não era uma língua inteiramente desconhecida.
Ao fim de sete dias, as forças de Gordon ou, melhor, de Zarth Arn, tinham voltado completamente e Zarth Arn — perdão, Gordon — falava corretamente a língua do futuro.
— Estamos no planeta Terra? — foi a primeira pergunta que fez a Vel Quen.
O cientista anuiu com a cabeça e acrescentou:
— Estamos e esta torre está situada numa das mais altas montanhas da Terra.
John Gordon ficou alegre por ter reconhecido o Himalaia ao primeiro olhar. Isso não era de estranhar, pois ele sobrevoara freqüentemente aquelas imensas paisagens desoladas, caóticas, desertas e grandiosas, durante a guerra. . . uma guerra das épocas passadas.
— Mas então não há mais cidades na Terra? — perguntou, espantado — Os homens abandonaram seu planeta de origem?
— Os homens espalharam-se por todo o universo, mas ainda continuam a viver na Terra, onde prosperam grandes cidades. Zarth Arn escolheu este lugar isolado para se entregar, com toda a tranqüilidade, a experiências secretas.
— É desta torre, deste laboratório — continuou — que ele parte, cada vez que mergulha no passado, a fim de estudar as diversas épocas da história da humanidade, graças à boa vontade de pessoas tão corajosas quanto o senhor. Nunca, até agora, aventurou-se tão longe no tempo. O seu é o período mais remoto do passado a ser explorado por ele.
John Gordon sentiu um certo mal-estar ao pensar que outros homens o haviam precedido no corpo de Zarth Arn e parecia-lhe que esse corpo, à força de pertencer a todo mundo, deixara de ter intimidade. Por outro lado, era tranqüilizador.
— Os outros. . . voltaram sem problemas ao seu próprio corpo, na sua própria época?
— Claro. Sou eu quem manobra o aparelho de trocar mentes. Chegada a hora, faço as substituições sem dificuldade. Com o senhor acontecerá a mesma coisa.
Entusiasmava-o a aventura de seis semanas que lhe era oferecida. Mas a idéia de permanecer exilado para sempre, no corpo de outrem, causava-lhe horror.
Vel Quen explicou a Gordon o espantoso método científico pelo qual Zarth Arn entrava em contato com gente do passado e fazia com ela trocas de espíritos e de corpos.
Mostrou-lhe detalhadamente como manejar um ampliador de raios telepáticos, que projetava mensagens mentais no cérebro de indivíduos escolhidos cuidadosamente em determinadas épocas. Depois, sem se entregar a demonstrações práticas, expôs-lhe o funcionamento da máquina de transportar o espírito através do tempo.
— A mente é uma rede de impulsos elétricos que circulam nos neurônios do cérebro. Este aparelho permite separar essa rede e fazê-la ser atraída por outra de fótons imateriais. Essa mente-foton pode ser projetada em qualquer dimensão. E uma vez que o tempo é a quarta dimensão da matéria, a mente-foton pode, assim, ser projetada no passado. As forças operam num canal de duas direções, o que permite trocar uma mente pela outra.
— E foi o próprio Zarth Arn quem inventou esse processo? — perguntou Gordon, maravilhado.
— Trabalhamos juntos nele — respondeu Vel Quen. — Eu descobri o princípio e depois Zarth Arn aplicou-o na construção dos aparelhos.
— Foi um sucesso muito além dos nossos mais ambiciosos sonhos — continuou. — Está vendo essas prateleiras de bobinas de pensamentos? Elas contêm todos os conhecimentos que Zarth Arn trouxe de suas explorações no passado. Trabalhamos em segredo porque Arn Abbas, se soubesse, proibiria o filho de correr tais riscos.
— Arn Abbas? — inquiriu Gordon. — Quem é Arn Abbas?
— É o soberano do Império do Centro da Galáxia, cuja capital fica situada no sol Canopus. Tem dois filhos: Jhal Arn, o mais velho e seu herdeiro, e Zarth Arn.
Ainda mais atordoado de que ao acordar, Gordon perguntou :
— Então Zarth Arn, em cujo corpo estou atualmente, é filho do maior soberano da Galáxia?
O velho cientista confirmou com a cabeça e acrescentou:
— É, mas Zarth não se interessa pela política ou pelo poder. É cientista e erudito, o que explica o fato de só ficar por pouco tempo na corte de Throon e passar a maior parte de sua existência mergulhando no passado, tendo como base esta torre, na Terra.
Gordon lembrou-se de que, efetivamente, Zarth Arn lhe dissera que ocupava uma posição importante no Império,
Mas os que vêm de longe têm o costume de exagerar, por isso não prestara muita atenção.
— Vel Quen, explique-me o que é esse Império do Centro. Estende-se por toda a Galáxia?
— Não, John Gordon. Existem muitos outros reinos estelares. Alguns englobam inúmeros planetas ou sistemas solares. Foi somente depois de muitas guerras que se constituiu um no meio da Galáxia. É o mais importante de todos.
Um pouco decepcionado, Gordon comentou:
— E eu que pensei que o futuro pertencia à democracia e que não haveria mais guerras depois da que participei!
— Fique tranqüilo, nossos reinos e impérios são democracias. Os povos que neles habitam dirigem seus destinos —-explicou Vel Quen. — Mas damos aos que nos governam títulos aristocráticos e honrarias como aos monarcas. É o melhor sistema, quando se trata de manter as ligações entre planetas separados por espaços imensos e também entre os homens vindos da Terra e os que descendem dos nativos.
Gordon compreendeu.
— O regime dos senhores se parece com a democracia britânica do meu tempo. O rei da Inglaterra constituía um elo moral entre cinco ou seis repúblicas dispersas pela superfície da Terra.
— No tocante às guerras, saiba que elas foram banidas na Terra mais ou menos na sua época. Pelo menos, foi o que a tradição nos trouxe. Seguiu-se uma era de paz e de prosperidade, que permitiu fossem empreendidas as primeiras viagens através dos espaços siderais.
— Então — prosseguiu Vel Quen — o mundo dos homens expandiu-se e os povos se separaram e se diferenciaram. A guerra renasceu. Os soberanos do nosso Império esforçam-se, há algumas gerações, para restaurar a paz e a união, como aconteceu na Terra há muito tempo.
Vel Quen foi até a parede e apertou um botão embutido ao lado de um painel no qual, a princípio, Gordon viu apenas uma grande quantidade de lentes de aumento. Depois, raios luminosos, atravessando essas lentes, formaram uma imagem da Galáxia, composta de inúmeros pontinhos luminosos, plana e quase em forma de disco.
Cada um daqueles pontinhos representava uma estrela e seu número atordoou John Gordon. Nebulosas, cometas, nuvens negras — todos eram fielmente representados no mapa galáctico. E o mapa era dividido, por zonas de luzes coloridas, numa quantidade de grandes e pequenos setores.
— Essas zonas coloridas — explicou Vel Quen — são as fronteiras dos grandes reinos estelares. Como pode ver, a zona verde do Império do Centro da Galáxia é muito maior e inclui todo o norte e o centro. Aqui, perto da fronteira norte, fica Sol, o sol da Terra, não longe da fronteira selvagem do sistema de estrelas conhecido como Degraus do Espaço Exterior.
Apontando para uma região daquele mapa celeste, continuou :
— Essa zona púrpura, ao sul do Império, compreende os baronatos de Hércules, cujos barões governam o independente mundo estelar da constelação de Hércules. A noroeste, fica o Reino de Fomalhaut, ao sul do qual estendem-se os de Lira,. Cisne, Polaris e outros, a maioria deles aliada do Império.
Apontando para outro setor, prosseguiu:
— Essa enorme mancha escura a sudeste é a maior nuvem negra da Galáxia. É lá que fica situada a Liga dos Mundos Escuros, composta de sóis e mundos mergulhados na perpétua escuridão dessa nuvem. A Liga é a mais poderosa e invejosa rival do Império.
Voltando se para John Gordon, concluiu:
— A predominância do Império ainda não está ameaçada. Já lhe disse que nossos imperadores tentam, há muitas gerações, unir todos os reinos da Galáxia, a fim de manter a paz. Mas Shorr Kan, o dirigente da Liga, vive conspirando contra a política de Arn Abbas e semeia a discórdia entre os pequenos reinos, procurando separá-los do Império.
Tudo aquilo estava um pouco acima da compreensão de John Gordon, homem do século XX, que ficou olhando com assombro aquele estranho mapa.
— Vou ensinar-lhe a usar as bobinas-de-pensamentos — disse-lhe Vel Quen — o que lhe permitirá conhecer o essencial dessa história.
Nos dias que se seguiram, ao mesmo tempo em que se aperfeiçoava na língua do futuro, Gordon aprendia a história daqueles dois mil séculos.
As bobinas-de-pensamento lhe revelaram uma época gigantesca: a conquista das estrelas, bordada de lances fantásticos, de heroísmo, de explorações, de catástrofes, de combates mortíferos com os nativos de alguns planetas, muito diferentes dos homens para se ligarem a eles. Havia, também, a narrativa de outros acontecimentos: naufrágios sensacionais em obscuras nebulosas, tempestades siderais etc.
Depois, tendo a espécie humana se expandido de uma ponta a outra da Galáxia, a Terra viu-se isolada nos confins. Muito pequena, muito afastada, perdera sua condição de capital. Cada sistema solar, cada planeta, cada satélite conquistara sua independência. O Império governado por Arn Abbas datava daquele início e cresceu até tornar-se o grande Império do Centro da Galáxia.
Finalmente, Vel Quen disse a Gordon:
— Imagino que o senhor queira conhecer nossa civilização antes de retornar à sua época e ao seu corpo. Primeiro, vou mostrar-lhe o que aconteceu com a Terra. Coloque-se nessa plataforma.
A plataforma em causa era um disco de quartzo montado sobre engrenagens e alavancas de extrema complexidade.
— Este aparelho é um telestéreo. Projeta e recebe imagens estereoscópicas sonorizadas — explicou Vel Quen. — Funciona quase instantaneamente, qualquer que seja a distância.
Gordon subiu cautelosamente com ele na plataforma. O velho cientista torceu um interruptor.
Gordon teve a impressão de se ter deslocado. Sabia não ter deixado a torre do laboratório, mas uma projeção visual e sonora dele e do sábio aparecia agora num estéreo-receptor situado no terraço de um alto edifício de uma grande cidade.
— É Nyar, a maior cidade da Terra — explicou Vel Quen. — Mas não é nada perto das metrópoles dos grandes mundos estelares.
Gordon perdeu a respiração. Estava olhando para uma imensa cidade, circundada de brancas pirâmides. Na sua base, a perder de vista, estavam instaladas as rampas de lançamento do espaçoporto, ocupadas por imensas astronaves, semelhantes a peixes. Havia, também, naves de guerra, de aparência temível, com o cometa, emblema do Império, pintado na fuselagem.
A cidade propriamente dita o fascinava. Eram terraços verdejantes, semeados de toldos e cobertas de cores vivas, onde uma população numerosa se abrigava, não parecendo ter outra preocupação além de se divertir.
Vel Quen manobrou as alavancas do aparelho. Deixando o terraço, a imagem de Gordon passeou pelo interior da cidade: ruas, corredores, apartamentos, fábricas e as enormes usinas que distribuíam a energia atômica.
Subitamente, as imagens desapareceram e Gordon viu-se novamente no laboratório. Vel Quen, depois de ter desligado a corrente elétrica, correu para uma janela.
— Uma astronave à vista! — exclamou. — Não estou entendendo. Nunca uma nave pousou aqui!
Gordon ouviu um zumbido e percebeu um longo objeto cinzento, brilhante, que caía do céu. Inquieto, Vel Quen exclamou:
— Uma nave de guerra! É um cruzador fantasma. Mas não tem emblema. É muito esquisito!
A reluzente nave pousou no planalto a cerca de quatrocentos metros da torre. Uma porta abriu-se em seu flanco.
Uma dúzia de homens, com uniformes cinzentos, capacetes e armados de longas pistolas de canos extraordinariamente finos, desceu do aparelho e arremeteu contra a torre.
— Usam o uniforme do Império mas não deveriam vir aqui — disse Vel Quen.
Seu rosto enrugado manifestava uma viva inquietação.
— Pode ser...
Decidindo-se bruscamente, correu para o telestéreo, dizendo :
— Vou prevenir imediatamente a base de Nyar. Um ruído infernal retiniu nos andares inferiores.
— Arrombaram a porta! — gritou Vel Quen. — Depressa, Gordon, pegue. . .
Não teve tempo de dizer mais. Homens de uniforme acabavam de aparecer no alto da escada e invadiam o laboratório.
Eram homens muito estranhos. Suas faces eram brancas, pálidas, de uma lividez incrível.
— Soldados da Liga! — berrou Vel Quen, estendendo a mão para o interruptor do telestéreo.
Mas o chefe dos invasores brandiu sua longa pistola. Uma pequena pastilha penetrou nas costas do ancião. Explodiu e o cientista caiu no chão.
Paralisado pelo espanto, Gordon até então nada dissera mas, vendo Vel Quen, com quem simpatizara, cair, teve um acesso de raiva.
Soltando uma exclamação feroz, o americano pulou para frente. Um dos soldados imediatamente levantou a arma. o oficial que abatera Vel Quen interveio a tempo. — Não o mate! É Zarth Arn em pessoa! Devemos levá-lo vivo! .
Gordon deu diversos socos em alguns rostos mas foi só. Uma dezena de mãos o imobilizaram. Com os braços torcidos, atrás das costas, ficou tão impotente quanto uma criança zangada.
O oficial que comandava esse grupo lívido falou-lhe da seguinte maneira:
— Príncipe Zarth, lamento ter sido obrigado a matar seu amigo. Mas ele ia denunciar nossa presença aqui, que deve permanecer secreta para todo mundo.
Acrescentou rapidamente.
— Fique tranqüilo, pois nenhum mal lhe faremos. Vamos levá-lo à presença do nosso chefe.
Gordon não acreditava no que via. Parecia-lhe estar vivendo um extravagante pesadelo.
Mas uma coisa lhe chamou a atenção: ninguém duvidava de que ele fosse Zarth Arn. E isso era natural, uma vez que aquele era o corpo de Zarth Arn.
— Que significa?. . . — perguntou, furioso, ao outro. — Quem é o senhor?
— Viemos da Nuvem — respondeu o pálido oficial, imediatamente. — Sim, da Liga, e viemos para levá-lo à presença de Shorr Kan.
Tudo aquilo confundia John Gordon. Depois lembrou-se de várias coisas que lhe foram contadas pelo velho Vel Quen.
Shorr Kan era o líder da Liga dos Mundos Escuros, o maior adversário do Império. Isso queria dizer que aqueles homens eram inimigos do grande império a cuja casa reinante Zarth Arn pertencia.
Aqueles indivíduos pensaram que ele era Zarth Arn e o seqüestraram por isso! Zarth Arn não previra nada semelhante quando planejara a troca de corpos!
— Não vou com vocês! — gritou Gordon. — Não deixarei a Terra!
— Vamos ter que levá-lo à força — disse o oficial a seus homens, com voz áspera. — Tragam-no.
ASSALTANTES MISTERIOSOS
Houve uma súbita interrupção. Um soldado, ainda mais lívido que os outros, rompeu no laboratório gritando:
— O oficial do radar informa que três naves de combate se dirigem para esta região da Terra!
— Uma patrulha imperial! — guinchou o oficial da Liga. — Depressa, tragam o prisioneiro.
Gordon aproveitou a ocasião para agir. Com um violento esforço, libertou-se.
Apanhou um pesado instrumento de metal e atacou furiosamente o homem que corria para ele.
Os assaltantes estavam em desvantagem, pois não queriam feri-lo, enquanto ele não tinha essa preocupação. Seus violentos golpes derrubaram dois soldados. Então os outros conseguiram agarrá-lo e arrancaram-lhe das mãos a arma improvisada.
— Para a nave com ele! — gritou o oficial da Liga. — Depressa!
Carregado pelos quatro soldados mais fortes, Gordon desceu as escadas e achou-se imediatamente ao ar livre. Foram envolvidos por um vento gelado e seus raptores começaram a correr.
Haviam percorrido metade do caminho quando Gordon viu os canhões do cruzador fantasma apontarem suas bocas escuras para o céu. Atiraram.
O oficial levantou a cabeça e deu um grito de raiva. John Gordon percebeu o motivo: três enormes peixes metálicos desciam verticalmente sobre o planalto.
Uma explosão atirou-o ao chão, juntamente com seus captores.
Estonteado pelo choque, ouviu o ruído dos três cruzadores pousando. Levantou-se. O combate havia terminado.
Do cruzador da Liga restavam apenas destroços. As três naves que o destruíram estavam pousando e começaram logo a atirar de dentro delas, com armas semelhantes às dos seus adversários.
Gordon viu-se, num instante, cercado de corpos estraçalhados. As escotilhas dos cruzadores abriram-se e homens em uniforme e de capacetes cinzentos correram para ele.
— Príncipe Zarth! O senhor não está ferido, espero? — perguntou o comandante a Gordon.
Era um rapagão bem constituído, de cabelos negros, rosto marcado e pele cor de cobre. O ardor do combate brilhava em seus olhos.
— Sou o Capitão Hull Burvel. Comando uma patrulha no setor de Sirius — disse, cumprimentando Gordon. — Nossos radares detectaram um navio suspeito dirigindo-se para a Terra. Lançamo-nos em perseguição dele e só conseguimos alcançá-lo ao chegar aqui.
Dando uma olhada nos mortos que os rodeavam, acrescentou :
— Soldados da Nuvem! Meu Deus! Shorr Kan ousou tentar seqüestrá-lo! É motivo para uma guerra.
John Gordon pensou imediatamente: este agitado oficial do Império está naturalmente me tomando pelo filho do seu soberano.
E ele não podia dizer-lhe a verdade, não podia dizer-lhe que era John Gordon no corpo de Zarth Arn! Zarth Arn fizera-o prometer nada dizer a ninguém, avisara-o do desastre que isso poderia causar! Ia ser obrigado a sustentar a impostura até mais tarde.
Batendo os dentes e tremendo de frio, Gordon respondeu:
— Não estou ferido, mas temo que eles tenham assassinado Vel Quen.
Imediatamente Hull Burrel fez um sinal a seus soldados, que se precipitaram para a torre. Gordon seguiu-os e viu que eles subiam as escadas e inclinavam-se sobre o velho cientista.
Bastou um olhar: o corpo de Vel Quen estava literalmente estraçalhado pela explosão de uma só daquelas pequenas pastilhas atômicas.
Gordon estava apavorado: a morte do seu professor deixava-o completamente isolado no universo do futuro.
Como conseguiria reintegrar-se na sua época e no seu corpo? Era verdade que Vel Quen lhe havia explicado pacientemente o funcionamento e os princípios do aparelho de projeção da mente. Ele sentia-se capaz de manobrar a máquina se conseguisse entrar em contato com o verdadeiro Zarth Arn.
Gordon tomou imediatamente uma decisão: era vital para ele ficar na torre e não se afastar da máquina, o único instrumento que lhe permitiria tornar a habitar seu próprio corpo e voltar ao seu tempo.
— É preciso que eu relate a seu pai, imediatamente, este ataque, príncipe Zarth — disse o capitão Hull Burrel.
— Para quê? — perguntou Gordon. — O perigo já foi afastado. Não inquietemos meu pai. Conservemos o segredo entre nós.
Usando sua autoridade de filho do soberano, esperava impressionar o capitão, mas Hull Burrel, reveLando espanto no rosto crestado, protestou:
— Seria faltar com meu dever, se deixasse de dar parte de fato tão grave quanto este assalto da Liga!
Dirigiu-se para o telestéreo e manipulou certos botões. A tela iluminou-se. A imagem de um oficial apareceu.
— Estado Maior da frota imperial. Fala o Chefe de Operações, sediado em Throon — disse a imagem.
— O capitão Hull Burrel, do setor de Sirius, deseja apresentar a Sua Majestade Arn Abbas um relatório da mais alta importância — respondeu o oficial de pele bronzeada.
Seu interlocutor olhou-o fixamente e perguntou:
— O senhor não pode falar com o Comandante Corbulo?
— Não, é impossível. O assunto é demasiadamente importante e urgentíssimo — declarou Hull Burrel. — Assumo a responsabilidade de incomodar o Imperador.
Ao cabo de um instante, a primeira imagem desapareceu da tela e foi quase imediatamente substituída pelo busto de um gigante já entrado em anos, de sobrancelhas hirsutas, e cujos olhos cinzentos eram excepcionalmente penetrantes. Uma reluzente capa bordada pousava sobre uma jaqueta e calças, escuras e sua imponente cabeça grisalha estava descoberta.
— Desde quando um simples oficial de marinha se permite. . — perguntou o Imperador.
Mas, desviando o olhar na direção de John Gordon, conteve-se e dirigiu-se ao filho:
— Ah! Trata-se de ti, Zarth. Que está acontecendo?
Gordon percebeu que aquele atlético homem de olhar frio era o pai de Zarth Arn, soberano do Império do Centro da Galáxia, seu pai.
— Não é nada grave — respondeu. Mas Hull Burrel interrompeu-o:
— Desculpe-me, Príncipe Zarth, mas, pelo contrário, é extremamente grave. Um cruzador fantasma da Liga aventurou-se até o planeta Terra. Sua tripulação tentou seqüestrar o Príncipe. Por um feliz acaso, minha patrulha estava fazendo uma parada não programada em Sol e nossos radares detectaram esse aparelho. Seguimo-lo e o destruímos.
Arn Abbas emitiu um rugido de cólera.
— Como! Uma nave da Liga violou as fronteiras do Império! E tentaram seqüestrar meu filho? Maldito seja esse demônio Shorr Kan! Sua insolência desta vez ultrapassou os limites da tolerância!
Burrel acrescentou:
— Infelizmente não pudemos fazer prisioneiros, mas o príncipe Zarth dará os detalhes do acontecimento.
Gordon tentou ainda minimizar o caso para poder ficar na torre, pensando que, mesmo se a morte de Vel Quen o impedisse de retornar a seu corpo, ele estaria melhor no cume do Himalaia que em qualquer outro lugar, pois lá, pelo menos, não seria obrigado a fingir.
— Deve ter sido um ataque sem plano preconcebido — disse John, dirigindo-se a Arn Abbas. — Seja como for, não ousarão recomeçar. Por isso não há mais perigo.
— Não há mais perigo? Não sabes o que dizes — grunhiu Arn Abbas. — Sabes tão bem quanto eu por que Shorr Kan tentou seqüestrar-te. Podes adivinhar o que ele teria feito se tivesse conseguido.
E o Imperador ordenou, com voz firme:
— Não ficarás mais na Terra, Zarth. Já estou farto de te ver desaparecer a cada instante para te entregares a pesquisas incompreensíveis nesse longínquo planeta. Estás vendo o resultado. Estou decidido a não mais te permitir correr tais riscos. Portanto, exijo que voltes para Throon imediatamente.
John Gordon perdeu a coragem. Voltar a Throon, o planeta-capital, girando em torno do sol Canopus, quase no centro da Galáxia! Não podia ir para lá!
Não poderia continuar essa farsa, metido no corpo de Zarth Arn, dentro da própria corte! E se deixasse o laboratório, perderia a oportunidade de contatar Zarth Arn e proceder à troca de corpos.
— Não posso voltar para Throon agora — protestou Gordon, desesperadamente. — Preciso ficar na Terra mais uns dias para terminar algumas pesquisas.
— Faz o que te digo, Zarth, vem imediatamente para Throon — respondeu Arn Abbas e sua atitude indicava que ele não era homem para tolerar a menor desobediência.
Voltou o olhar zangado para Hull Burrel e ordenou:
— Capitão, traga-me o Príncipe imediatamente. Se ele recusar, não hesite em empregar a força!
O PLANETA MÁGICO
O gigantesco cruzador navegava pelo espaço sideral a uma velocidade cem vezes maior que a da luz. A Terra e o Sol tinham ficado para trás havia horas. À frente deles, cintilavam milhares de estrelas: o coração da Galáxia.
De pé na ponte envidraçada do Covis, com Hull Burrel e dois soldados, John Gordon era obrigado a esconder seu espanto. A prodigiosa velocidade da nave de guerra era evidenciada pelo fato de as estrelas aumentarem a olho nu.
Gordon não sentiu a aceleração graças à stasis de força que envolvia todos os passageiros. Ele procurava lembrar-se do que aprendera sobre a força motora dessas naves interplanetárias. Eram impelidas pela energia fornecida pelos famosos raios subespectrais, base da civilização galáctica.
O estudo da história de duzentos mil anos mostrara a Gordon que a estrutura global da civilização galáctica repousava na descoberta dos raios subespectrais.
A era das viagens espaciais começara realmente em 1945-46, com o primeiro fornecimento de energia atômica e a descoberta de que o radar funcionava eficazmente no espaço. Desde o fim do século XX, foguetes atômicos, orientados pelo radar, atingiram a Lua, Marte e Vênus.
A exploração interplanetária ganhara novo alento. Mas os outros planetas continuaram fora do alcance dos homens até o século XXII, quando três grandes invenções tornaram possíveis as viagens interestelares.
A mais importante das três, os raios subespectrais, que até então não haviam sido detectados, são radiações eletromagnéticas situadas bem abaixo do comprimento de onda dos raios gama e cósmicos e têm velocidades incalculavelmente maiores que a da luz.
De todos esses raios subespectrais, os mais úteis foram os chamados "raios de pressão", que reagem à impalpável poeira do vácuo sideral com uma enorme pressão. Esses raios de pressão constituíram-se na força de propulsão das naves estelares. Produzidos em geradores alimentados por turbinas atômicas e colocados na traseira das naves siderais, davam-lhes uma velocidade milhares de vezes superior à da luz.
A segunda importante invenção foi a do controle de massa. Einstein havia demonstrado que, se um navio viajasse à velocidade da luz, sua massa se expandiria indefinidamente. A dificuldade foi superada pelo controle da massa, armazenando-a sob a forma de energia e mantendo-a sob uma forma constante, inalterada pela velocidade. A energia assim retida era armazenada em acumuladores e fornecida automaticamente sempre que a velocidade diminuísse.
A terceira invenção relacionava-se com o elemento humano. Os corpos humanos não têm, normalmente, condições para suportar certas acelerações, mas esse obstáculo foi transposto pela stasis oscilante. Tratava-se de uma stasis de força que mantinha a coesão de todos os átomos numa nave. As turbinas de energia transmitiam seu impulso não à nave diretamente, mas à sua stasis. Assim, tudo e todos a bordo escapavam à aceleração. Aparelhos magnéticos, semelhantes aos minúsculos iqualizadores de gravidade usados pelos viajantes estelares, forneciam gravidade artificial à nave.
O mais rápido dos raios subespectrais propagava-se a tal velocidade que a luz parecia arrastar-se, em comparação com ele. Esse raio superveloz era usado na comunicação por telestéreo e desempenhava função vital nos radares das naves estelares.
Usando essas invenções para construir naves, a humanidade ganhou imediatamente o espaço interestelar. Alfa de Centauro, Sirius e Altair foram logo visitadas. Depois, foram estabelecidas colônias em mundos estelares habitáveis. Durante dez mil anos, o Sol e a Terra continuaram a sede do governo da região em expansão de estrelas colonizadas.
Até aí, nenhum conflito sério havia explodido. Raças nativas inteligentes foram descobertas em alguns sistemas estelares e ajudadas e educadas, mas não se encontrou o menor traço de civilização científica em nenhum mundo estelar. Isso era esperado porque, se tal raça existisse, nos teria visitado antes que tivéssemos conquistado o espaço.
Mas, no ano 12455, um conjunto de sistemas solares, situado nos arredores da Polaris, alegando que a Terra estava muito longe para compreender suas necessidades, fundou um reino independente. Os reinos de Lira e Cisne proclamaram sua independência mais ou menos em 39000, na mesma época dos baronatos do Grande Aglomerado de Hércules.
Os criminosos e fugitivos de toda espécie procuraram refúgio na Nuvem e lá fundaram a Liga dos Mundos Escuros. Pelo ano 120000, os reinos estelares eram numerosos. Mas o Império do Centro da Galáxia já era o Estado mais importante e quantidades enormes de reinos estelares continuavam fiéis a ele. Seu governo, por conveniência, deixou a Terra em 62339 e instalou-se num mundo gravitando em torno do grande sol Canopus.
O Império assumiu a liderança dos reinos estelares em 129411, quando a galáxia foi subitamente invadida por estranhas e poderosas criaturas provenientes das longínquas Nuvens de Magalhães. Depois que essa invasão foi rechaçada, o Império continuou tranqüilamente a se expandir, explorando e colonizando os selvagens e não catalogados sistemas estelares nas regiões fronteiriças denominadas Degraus do Espaço Exterior.
Assim, quando Gordon surgiu no futuro, no ano 202115, encontrou numerosos reinos estelares, com tradição e história já bastante velhas. Muitas guerras foram travadas entre eles, mas o Império tinha procurado evitar aquelas sangrentas lutas galácticas e unificá-los num programa de paz. O inquietante crescimento da Liga dos Mundos Escuros, porém, havia atingido um ponto em que a própria segurança do Império estava sendo desafiada. . .
— Parece-me uma loucura Shorr Kan ter mandado um cruzador da Liga aos nossos domínios, com essa missão! Que vantagem teria ele seqüestrando-o? — perguntou Hull Burrel.
Gordon se fazia a mesma pergunta. Não podia imaginar por que o inimigo tentara capturar o segundo filho do Imperador, o que não era herdeiro do trono.
— Talvez Shorr Kan quisesse me fazer de refém? — especulou. — Estou contente porque o senhor liquidou os demônios que mataram Vel Quen.
Sentindo que aquela conversa poderia levá-lo a cometer um deslize, Gordon acrescentou imediatamente:
— Gostaria de repousar, Capitão.
Hull Burrel pediu desculpas, precedeu-o na saída da porta e conduziu-o ao longo de corredores estreitos e passagens difíceis, através da nave.
Gordon fingia estar à vontade, mas olhava tudo aquilo com muito interesse. Havia longas e estreitas galerias de canhões atômicos, câmaras de navegação e salas de radares no convés superior.
Os homens e oficiais que com eles cruzavam, punham-se em posição de sentido e faziam continência ao Príncipe, com profundo respeito. Aqueles homens do Império do Centro da Galáxia diferiam de aspeto. A pele de uns era ligeiramente azulada, a de outros avermelhada e ainda a de outros amarelada. Isso se devia, como soube, ao fato de virem de sistemas estelares diferentes. Hull Burrel, por exemplo, nascera em Antares.
Hull Burrel abriu a porta de um pequeno compartimento, mobiliado com austeridade.
— Minha própria cabina, Príncipe Zarth. Peço-lhe que a use até nossa chegada a Throon.
Quando ficou só, John Gordon sentiu um pequeno alívio na tremenda tensão que o dominava havia horas.
Ele deixara a Terra logo após o enterro de Vel Quen. A partir de então, Gordon se vira forçado, a cada instante, a desempenhar um papel vital.
Não poderia revelar a incrível verdade sobre ele. Zarth Arn insistira em que a menor indiscrição provocaria uma catástrofe que afetaria a ambos. Por que era tão perigoso? Até agora Gordon não podia adivinhar.
Mas tinha a certeza de que era preciso atender ao pedido de Zarth, era preciso que ninguém suspeitasse de que ele era o Príncipe apenas fisicamente. Vel Quen dissera que as fantásticas pesquisas de Zarth Arn tinham sido realizadas no mais absoluto segredo. Quem acreditaria numa história tão maluca?
Gordon decidiu, portanto, desempenhar o papel de Zarth Arn da melhor forma possível, quando estivesse em Throon,. e voltar o mais depressa que pudesse para a tôrre-laboratório, na Terra. Então poderia planejar um meio de tornar a fazer a troca de mentes.
"Mas parece-me que estou envolvido num encrencado conflito sideral, que vai me tornar as coisas mais difíceis", pensou, desesperado.
Estendido no beliche, Gordon se perguntava se algum homem, desde a criação do mundo, já passara por situação tão complicada.
"Não posso fazer nada. Tenho de agüentar. Desempenhar o papel de Zarth Arn até o fim. Se Vel Quen ainda vivesse!" pensava.»
Sentiu outra vez uma pontada de pena pelo fim do cientista. Então, cansado e nervoso, adormeceu.
Quando acordou, esperava inconscientemente ver acima de sua cabeça o familiar teto de estuque branco do seu pequeno apartamento de Nova York. Mas viu um teto de metal polido e ouviu um zumbido profundo e contínuo.
Não era, portanto, um pesadelo. Estava ainda no corpo de Zarth Arn, numa enorme nave de guerra sideral, viajando através da galáxia. No fim dessa viagem, esperava-o uma duvidosa acolhida.
Um homem fardado entrou, inclinou-se respeitosamente e ofereceu-lhe uma estranha substância vermelha, que parecia carne sintética, frutas e a bebida semelhante a chocolate, que ele já conhecia.
Hurrel apareceu logo depois.
— Estamos viajando a uma velocidade de quase duzentos parsecs por hora e atingiremos Canopus em três dias, Alteza.
Gordon ignorava que o parsec era um termo inventado pelos astrônomos terrestres do século XX para calcular as distâncias galácticas. Correspondia a 3.258 anos-luz, isto é, um pouco mais de 30 trilhões e 830 bilhões de quilômetros.
Por isso, não arriscou uma resposta, limitando-se a sacudir a cabeça. Percebeu como era fácil cometer um deslize resultante da sua ignorância.
Essa possibilidade foi, nas horas que se seguiram, um peso no seu cérebro, acrescido pelo esforço sobre-humano de manter a impostura.
Perambulava pelo cruzador como se nunca tivesse feito outra coisa na vida, mas sem ousar fazer a menor pergunta, o que o teria imediatamente traído.
Decidiu fechar-se num silêncio zangado, o que lhe pareceu a melhor solução. Mas poderia continuar a representar essa comédia quando estivesse em Throon?
No terceiro dia, chegando à ponte, John Gordon ficou espantado ao ver um sol formidável, cujos raios eram filtrados pelos espessos vidros que protegiam as vigias do posto de comando.
— Enfim Canopus! — exclamou Hull Burrel, dirigindo-se a Gordon. — Pousaremos em Throon dentro de poucas horas.
O troar embriagador das trompas da aventura ressoou novamente na alma de Gordon, quando viu aquele formidável espetáculo.
Que importavam os riscos e perigos, que importava aquele pesadelo da troca de corpos através do golfo do tempo! Qualquer homem do século XX teria sacrificado a própria vida para ver o que ele estava vendo!
A majestade de Canopus foi um tremendo impacto em seus sentidos. O colossal sol obrigava-o a rever todas as suas limitadas idéias de grandeza. Aquele astro prodigioso ocupava uma enorme porção do espaço e seus raios transformavam o firmamento num mar de luz.
Gordon lutou para manter-se impassível, mas sua cabeça rodava. Era apenas um homem do passado e seu cérebro não estava habituado a tais espetáculos.
O zumbido das turbinas diminuiu e o cruzador sideral deu uma volta em torno de um planeta de dimensões quase iguais às da Terra. Esse planeta, com dezenas de outros, gravitava em torno do monstruoso sol Canopus.
Era o planeta Throon. Um mundo de continentes verdejantes e mares prateados, brilhando sob os raios do sol branco. Era também o coração e o cérebro de um império que se estendia sobre mais de metade da Galáxia.
— Pousaremos em Throon, evidentemente — disse Hull Burrel. — O Comandante Corbulo ordenou-me que o levasse imediatamente à presença de Arn Abbas.
— Ficarei muito feliz de rever meu pai — respondeu Gordon, tenso.
Seu pai? Um homem a quem nunca vira e que governava um conjunto gigantesco de sóis e planetas e que era pai do homem em cujo corpo físico ele habitava?
Novamente veio-lhe à memória a advertência de Zarth Arn: não revelar a verdade a ninguém, a ninguém! Tinha, portanto, que agir com prudência e voltar o mais depressa possível à Terra, para retornar ao seu corpo. . .
Os mares prateados e as terras verdejantes de Throon subiam vertiginosamente ao encontro do Caris, que mergulhava verticalmente sobre o planeta sem uma freagem prévia.
Retendo a respiração, Gordon admirava uma cadeia de altas montanhas, que brilhavam como se fossem de vidro. E, na verdade, eram de vidro. Ele percebeu isso momentos depois, ao divisar, através delas, por transparência, o brilho de um imenso oceano prateado.
Uma cidade feérica, irreal, estendia-se num planalto situado no meio daquelas montanhas de vidro. As cúpulas e as torres daquela cidade de uma graça infinita pareciam também ser feitas de bolas de vidro colorido. Os tetos e os terraços dos edifícios refletiam a luz de Canopus, espargida em raios gloriosos. Era Throon, alma e capital do Império!
O grande cruzador mergulhou na direção do porto sideral, situado ao norte da cidade maravilhosa. Ao longo do cais, centenas de naves interplanetárias estavam encostadas. Havia possantes couraçados, com um quilômetro de extensão, cruzadores de aspecto ainda mais temível, rápidos torpedeiros e cruzadores fantasmas, esguios como galgos. Todos exibiam o emblema do Império: o cometa flamejante.
Gordon desembarcou do Caris com Hull Burrel e outros oficiais, que lhe manifestavam um grande respeito. Os raios do sol eram tão brancos, tão quentes e, ao mesmo tempo, tão benfazejos, que ele esqueceu a situação crítica em que se encontrava.
As naves de guerra erguiam para o céu suas baterias de canhões atômicos. À sua frente, erguiam-se as incríveis cúpulas e torres reluzentes da cidade.
Assombrado, Gordon admirava a cena quando Hull Burrel, não sem manifestar algum espanto, chamou-o à realidade.
— Alteza, um transporte nos espera no tubular — informou o homem de Antares.
Gordon voltou a si e respondeu com desenvoltura:
— Então vamos!
Gordon começou a andar ao lado de Hull Burrel, vigiando atentamente seus movimentos, a fim de imitá-lo e evitar que ele percebesse sua ignorância. Caminharam ao longo do cais,. entre as torres de amarração e os guindastes móveis, de proporções gigantescas. Daqui e dali, homens fardados e oficiais faziam continência respeitosamente e punham-se em posição de sentido.
John Gordon estava desesperado. Tinha a certeza de que seus esforços seriam vãos. Como conseguiria desempenhar o papel de Zarth Arn se tudo o que via deixava-o embasbacado? "Uma catástrofe para ambos, se o senhor falar!" Aquele aviso de Zarth Arn — o verdadeiro Zarth Arn — ressoava em sua mente outra vez, com uma insistência arrepiante.
"Dane-se!", pensou. "Eles jamais imaginarão que não és o Príncipe, quaisquer que sejam os enganos que cometas. Fica de sobreaviso..."
Chegaram ao alto de uma escada fortemente iluminada, que entrava pelo cais do porto sideral até chegar a um vestíbulo subterrâneo, de onde partiam inúmeros túneis metálicos que mergulhavam na escuridão. Um veículo cilíndrico, também metálico, os aguardava.
Assim que Gordon e Burrel instalaram-se nas cadeiras pneumáticas, o veículo partiu numa velocidade fantástica. A velocidade era tanta que Gordon teve a impressão de que nem cinco minutos haviam passado e já o veículo parava num vestíbulo parecido com o primeiro.
Mas neste havia guardas fardados, armados de fuzis atômicos assemelhando-se a metralhadoras, vigiando cada saída. Apresentaram armas a Gordon.
Um jovem oficial fez continência e disse:
— Throon alegra-se com a sua volta, Alteza.
— Não temos tempo para cortesias — interveio Hull Burrel, impaciente.
E o antariano conduziu Gordon através de uma porta que abria para um corredor de paredes de alabastro.
O chão do corredor começou a deslizar assim que pisaram nele, o que fez Gordon perder o equilíbrio e abafar um grito de surpresa. O corredor subia em espiral. Gordon percebeu que estava nos porões do palácio de Arn Abbas. O verdadeiro centro nervoso do imenso Império estelar, que dominava milhares de sóis, distantes uns dos outros centenas de anos-luz I
Ainda não se refizera e não podia imaginar qual seria a próxima surpresa.
O tapete rolante levou-os a uma antecâmara onde servidores se puseram em posição de sentido e fizeram continência como os de baixo. Montavam guarda diante de uma alta porta de bronze. Hull Burrel eclipsou-se e o falso príncipe Zarth atravessou a soleira.
Encontrou-se numa saleta destituída de qualquer suntuosidade. As paredes eram inteiramente ocupadas por telestéreos. O resto do mobiliário limitava-se a uma curiosa mesa baixa, na qual Gordon viu um painel cheio de grades e telas.
Um homem estava sentando numa cadeira de metal por trás daquela mesa, flanqueado por outros dois homens, de pé. Todos três viram Gordon aproximar-se. O falso Príncipe sentia o coração disparar.
O personagem sentado era um gigante envolto num manto de ouro fosco. Seu rosto maciço e imperioso, seus olhos cinzentos e penetrantes, sua cabeleira negra, grisalha nas têmporas, davam-lhe um aspecto leonino.
Gordon viu que se tratava de Arn Abbas, soberano do Império, pai de Zarth Arn. Não, seu pai! Era preciso que ele se convencesse disso!
O mais moço dos dois homens de pé parecia-se com Arn Abbas trinta anos mais jovem. Era alto e robusto e tinha um rosto amigável. Devia ser Jhal Arn, seu irmão mais velho, pensou Gordon.
Quanto ao terceiro indivíduo, seu rosto quadrado, sua cabeleira grisalha, seu uniforme da marinha imperial constelado de condecorações e cheio de galões dourados nas mangas, indicavam indubitavelmente tratar-se de Chan Corbulo, Comandante da frota espacial.
Com a garganta contraída, Gordon parou diante do homem sentado. Sabendo que lhe cabia começar a falar, enfrentou aqueles olhos gelados:
— Pai. . . — começou.
Foi imediatamente interrompido. Arn Abbas, com os olhos brilhando de cólera, exclamou:
— Não me chames de pai! Não és meu filho!
FANTÁSTICA IMPOSTURA
AQUELA frase fez Gordon vacilar. Então Arn Abbas havia adivinhado que um estranho penetrara no corpo de seu filho Zarth!
Mas o enorme Imperador, cada vez mais indignado, continuava a invetivá-lo em termos que, apesar de tudo, o tranqüilizaram um pouco.
— Meu filho não iria isolar-se nas fronteiras do Império para brincar de cientista eremita durante meses, principalmente num momento em que me poderia ser útil! Teus malditos trabalhos científicos fazem com que esqueças teus deveres.
Respirando um pouco mais livremente, Gordon repetiu:
— Meus deveres, pai ?. . .
— Sim, teus deveres para com o Império e teus deveres para comigo — rugiu Arn Abbas. — Sabes que preciso de ti. Conheces a situação de nossa Galáxia e o perigo que ameaça os reinos planetários aliados.
Dando murros nos joelhos, Arn Abbas continuou:
— Pensa na catástrofe que poderia ter ocorrido! Aproveitando-se do teu isolamento na Terra, Shorr Kan quase te seqüestrou e podes adivinhar o que teria obtido se conseguisse.
— Sim, sei — concordou Gordon. — Shorr Kan me teria utilizado como refém.
Percebeu imediatamente que havia dito uma bobagem, ao ver Arn Abbas olhar para ele ainda mais severamente e os outros dois manifestaram uma viva surpresa.
— Em nome de todos os diabos de todas as estrelas, o que é que estás dizendo? — bramiu o Imperador. — Sabes tão bem quanto eu por que Shorr Kan queria te pôr a mão em cima: obrigar-te a lhe revelar o segredo do disruptor.
O disruptor? De que se trataria? Gordon percebeu outra vez que sua ignorância o traíra.
Como poderia desempenhar seu papel, ele, que ignorava tudo de Zarth Arn, da vida dele, do seu passado?
Gordon quase berrou a verdade. Mas a lembrança da palavra dada foi mais forte. Esforçou-se por dominar seu espanto e respondeu:
— O disruptor? Evidentemente, era o que eu queria dizer ...
— Não parece — respondeu Arn Abbas. Depois o Imperador deu livre curso à sua cólera.
— Por todos os céus de todos os planetas do meu Império, só tenho um filho prestável! O outro não passa de um sonhador de olhar vago e que nem mesmo se lembra do disruptor!
O enorme Imperador inclinou-se para a frente. Sua cólera esfumou-se e deu lugar a uma profunda preocupação.
— Acorda, Zarth! Uma crise terrível ameaça o Império! Sabes o que Shorr Kan está tramando? Acaba de enviar embaixadores aos barões da Constelação de Hércules, aos reis da Polaris, do Cisne e até mesmo ao longínquo Reino de Fomalhaut. Está tentando romper nossa rede de alianças e constrói sem cessar mais navios de guerra e mais armas lá no fundo na Nuvem dele.
O velho comandante Corbulo sacudiu a cabeça e confirmou :
— É verdade. Sabemos que reina uma intensa atividade no seio da Nuvem Negra. Embora uma recente invenção dos cientistas da Liga torne nossos telestéreos inúteis para ver no interior da Nuvem, tivemos conhecimento de que são construídas quantidades enormes de naves a uma cadência cada vez mais acelerada.
— Conheço as intenções de Shorr Kan — prosseguiu Arn Abbas. — Ele quer destruir o Império, desmembrá-lo em milhares de reinos planetários hostis uns aos outros e permitir assim que a Liga os devore um a um. Enquanto nós nos esforçamos em fortalecer os laços pacíficos entre todos os Estados da Galáxia, ele empenha-se em separá-los para melhor conquistá-los. Um só temor o impede, o que lhe inspira o nosso disruptor. Sabe que essa arma existe, mas ignora sua exata natureza. Tu, Jhal e eu somos os únicos, em todo o Universo, a conhecer seu segredo. Foi por isso que esse arqui-demônio tentou seqüestrar-te.
Agora as coisas começavam a se esclarecer. Então o disruptor era aquilo — uma arma misteriosa conhecida apenas pelos três membros da casa real.
Então Zarth Arn conhecia o segredo. Mas Gordon, embora vivesse no corpo dele, ignorava-o completamente! Apesar disso, era obrigado a fingir que conhecia.
— Bem, meu pai, confesso que não pensei nisso — disse, hesitante — mas sei como a situação é crítica.
— Tão crítica, mesmo, que a crise pode atingir o paroxismo dentro de algumas semanas! — afirmou Arn Abbas. — Tudo depende do sucesso diplomático obtido por Shorr Kan junto aos nossos aliados e também de se ele tem coragem de enfrentar o disruptor.
— Por isso — prosseguiu, gritando violentamente, — proíbo-te de voltares ao teu abrigo terrestre! Ficarás aqui e cumprirás as obrigações atribuídas ao segundo Príncipe do Império.
Gordon murmurou:
— Mas, pai, preciso voltar à Terra, nem que seja por poucos dias...
O monarca não estava de acordo.
— Eu te proíbo formalmente de ires, Zarth! Ousarás discutir com teu pai?
Gordon ficou desesperado. Era o aniquilamento de todos os seus planos. Um verdadeiro desastre! O que Zarth Arn temia não podia ser pior que esta catástrofe.
Se não podia voltar ao laboratório na Terra, como poderia entrar em contato com Zarth Arn e fazer a troca de corpos?
Vendo seu filho abrir a boca, o Imperador interrompeu-o violentamente.
— Não admito objeções! E agora sai! Tenho que conferenciar com Corbulo.
Desesperançado, Gordon virou-se para a porta. Até aquele instante, não havia plenamente percebido que caíra numa cilada, da qual seria impossível escapar.
Jhal Arn acompanhou-o. Quando se encontraram na antecâmara, o mais velho dos dois príncipes pôs a mão no ombro do caçula.
— Não é tão trágico assim, Zarth — disse ele. — Sei como tuas pesquisas científicas te apaixonam e adivinho a dor que te causou a morte de Vel Quen. Mas nosso pai tem razão. Precisamos de ti aqui. A crise está próxima.
Por mais abatido que estivesse, Gordon devia esforçar-se por escolher as palavras.
— Evidentemente, me esforçarei ao máximo. Mas em que posso ser útil?
— Nosso pai fazia alusão a Lianna — disse Jhal, com ar sério. — No que se refere a ela, Zarth, não cumpriste teu dever.
E Jhal acrescentou imediatamente, como se previsse as objeções do irmão:
— Eu te compreendo. . . há Murn. Mas o reino de Fomalhaut tem uma importância estratégica de primeira ordem para o Império, principalmente nas circunstâncias atuais. É preciso que cedas.
Lianna? Murn? Aqueles nomes não tinham nenhum sentido para John Gordon. Percebia o que havia de loucura naquela impostura, pois tudo o que o rodeava era misterioso.
— Então, segundo te parece, Lianna... — arriscou ele, sem dizer mais, na esperança de provocar alguma explicação.
Mas Jhal contentou-se em sacudir a cabeça e dizer:
— É preciso que obedeças, Zarth. Nosso pai anunciará o acontecimento na Festa das Luas, hoje à noite.
Bateu nas costas de Gordon, encorajando-o.
— Vamos, ânimo! Estás com uma cara de condenado à morte. Não é uma catástrofe. Até-logo, na festa.
Depois, o príncipe herdeiro deu meia volta e retornou para junto do pai, deixando Gordon só e perplexo na antecâmara.
Onde fora se meter? Em que encrencas o verdadeiro Zarth Arn estaria metido? Que papel faria John Gordon tentando substituí-lo? E até quando poderia fazê-lo?
Hull Burrel fora recebido pelo Imperador logo depois que este mandara John Gordon embora. Saiu e exclamou alegremente :
— Príncipe Zarth, permita-me que lhe expresse meu reconhecimento pelo feliz acontecimento que acaba de me suceder! Eu esperava ser repreendido pelo comandante Corbulo por ter mudado o itinerário da minha patrulha e ter ido até o Sol.
— E ele não o repreendeu?
— Puxa! Ele me disse o diabo, mas o Imperador interveio, fazendo notar que se eu não tivesse navegado nas paragens de Sol, não teria tido a ocasião de salvá-lo. Sua Majestade acaba de me nomear ajudante-de-ordens do Comandante!
Gordon deu-lhe parabéns. Mas falava distraidamente, pois seu cérebro pensava desesperadamente na complicada situação em que se encontrava.
Não podia continuar ali, de pé. Zarth Arn devia ter aposentos naquele enorme palácio e ele queria ir para lá. O diabo é que ele não tinha a menor idéia de onde ficavam!
Gordon deixou Hurrel e saiu da antecâmara por uma outra porta que não a pela qual entrara, fingindo saber aonde ia.
Foi dar num corredor. Assim que entrou, um tapete rolante pôs-se em marcha e levou-o até uma grande sala circular de paredes de prata polida, reluzentes sob os raios brancos do sol que entravam abundantemente pelas altas janelas de cristal. À guisa de altos-relevos, planetas negros giravam em torno da peça, dando a idéia de uma galáxia composta de estrelas mortas, de sóis extintos, de mundos sem vida.
O homem do século XX sentiu-se minúsculo diante da majestade daquela sala de proporções ciclópicas. Atravessou-a e achou-se numa outra quase tão vasta, mas cujas paredes representavam uma nebulosa em espiral parecendo chamejar.
"Onde, diabo, Zarth Arn mora neste palácio?" pensou.
Pôde avaliar seu enorme desamparo. Era impossível interrogar alguém. Impossível, também, errar de sala em sala sem suscitar espanto e suspeita.
Avistou, por fim, um homem de certa idade, de pele cinzenta e vestido com a libré negra da Casa Imperial. Aquele homem olhava-o pensativamente, através do saguão da Nebulosa. Gordon caminhou para ele. O outro inclinou-se profundamente.
Então Gordon teve uma idéia.
— Venha comigo aos meus aposentos — disse asperamente ao criado — quero que se incumba de uma coisa.
O homem cinzento inclinou-se outra vez e respondeu:
— Às suas ordens, Alteza.
Depois ficou parado, evidentemente esperando que Gordon começasse a andar para acompanhá-lo.
Mas John acrescentou, com um gesto de impaciência:
— Vá na frente, eu o seguirei!
Se o doméstico achou aquela atitude estranha, seu rosto, impassível como uma máscara, nada deixou transparecer. Deu meia volta e saiu da sala da grande nebulosa por uma porta que Gordon não havia reparado.
Um atrás do outro, entraram num corredor cujo tapete rolante levou-os aos andares superiores do palácio, num longo movimento em espiral.
Por duas vezes cruzaram com grupos de pessoas que iam em sentido contrário, num outro tapete rolante. Primeiro, foram duas moças brancas, enfeitadas com jóias brilhantes, e um risonho e moreno capitão da Marinha. Depois foram dois. funcionários de pele cinzenta e ar muito sério. Todos inclinaram-se diante de Gordon, cheios de respeito.
O tapete rolante parou num patamar de paredes pintadas com uma matéria opalina, que se assemelhava ao nácar. Uma porta abriu-se sozinha. Gordon entrou depois do criado, dando numa peça inteiramente branca.
— Às suas ordens, Alteza — repetiu o homem de pele cinzenta, interrogando Gordon com os olhos.
Como livrar-se daquele indivíduo? Gordon adotou a solução que lhe pareceu mais simples e disse:
— Pensando bem, não preciso mais do senhor. Pode ir. O servidor inclinou-se e saiu andando de costas. Gordon sentiu-se mais à vontade. O recurso que empregara não era dos mais hábeis mas, pelo menos, lhe servira para achar um refúgio temporário nos aposentos de Zarth Arn.
Gordon encostou-se na parede, ofegante pelo esforço despendido. Suas mãos tremiam. Até então, não percebera a tensão nervosa causada pelo embuste. Enxugou a testa.
"Meu Deus!", pensou. "Algum homem já esteve nesta situação?"
Nervoso demais para refletir, contentou-se em inspecionar seus aposentos. Aparentemente, Zarth Arn não tinha hábitos luxuosos, pois os quartos pareciam austeros em comparação com as out:as dependências do palácio.
Os dois salões tinham cortinas de seda branca e alguns móveis metálicos, aos quais, aliás, não faltava elegância. Gordon viu um móvel sobre o qual alinhavam-se centenas de bobinas-de-pensamento e um outro com o aparelho que possibilitava usá-las. Uma peça vizinha só continha aparelhos científicos e era, na realidade, um pequeno laboratório.
Percorreu com o olhar o quarto de dormir, de dimensões exíguas. Atravessou-o para abrir uma alta porta envidraçada e achou-se num terraço ensolarado onde cresciam plantas que lhe pareceram de uma beleza sobrenatural.
O terraço dos seus aposentos debruçava-se sobre os muros do palácio, pelo lado oeste, e dominava a cidade. Vendo-a, Gordon imobilizou-se.
"Throon! Meu Deus! Quem, alguma vez, terá sonhado com uma cidade como esta?"
A capital do Império parecia concentrar, nos seus milhares de edifícios, o esplendor e a riqueza do prodigioso Estado que se estendia sobre um número infinito de sistemas planetários. A majestade daquela metrópole fascinava John Gordon, habitante da pequena Terra e homem do século XX.
Mergulhando no horizonte, o enorme disco branco de Ca-nopus incendiava aquela cena e fazia refulgir os picos e escarpas das Montanhas de Vidro, que cercavam a cidade, por entre os quais via-se o oceano que parecia de fogo. Todo aquele panorama era tão luminoso, tão colorido, que Gordon teve a impressão de ver flutuar flâmulas e guirlandas multicores.
Mais rutilante ainda que os picos de vidro, brilhavam as torres feéricas de Throon. Cúpulas, minaretes, pórticos graciosos e edifícios, tudo era construído de vidro. Mais majestoso que tudo era o gigantesco palácio imperial, em cujo terraço ele se encontrava. Cercado por maravilhosos jardins, ele estava a cavaleiro da grande metrópole e do oceano prateado ao fundo.
O sol mergulhou no oceano prateado. Seus últimos raios fizeram refulgir os picos de vidro. Maravilhado pelo espetáculo, Gordon ficou no terraço. Divisou os enxames de naves siderais circulando em torno do planeta, semelhantes a aerólitos, meia dúzia de poderosas naves de guerra voaram majestosamente do porto sideral situado ao norte da cidade e mergulharam no céu que anoitecia.
A majestosa grandeza e vastidão desse Império estelar martelou o cérebro de Gordon. Aquela cidade era o coração de um vasto aglomerado de estrelas e mundos, através dos quais viera.
"E eu devo desempenhar o papel de membro da família imperial", pensou, consternado. "É impossível, não tenho coragem. Está acima de minhas forças. . ."
John, fascinado, ficou observando o enorme sol desaparecer. Sombras violetas espalharam-se como um manto de veludo pelo céu da metrópole.
Pouco a pouco, as luzes acenderam-se ao longo das ruas, dividindo a cidade em quadrados de fogo. Outras luzes apareceram nos terraços inferiores do castelo.
Duas luas de ouro subiram no céu e milhares de estrelas de constelações desconhecidas começaram a cintilar, tão brilhantes que eclipsavam a iluminação da cidade.
— Alteza, faz-se tarde!
Gordon virou-se bruscamente. Um criado corpulento, de rosto sério e pele azulada, inclinou-se diante dele.
Era, sem dúvida, um dos criados de Zarth Arn. O americano pensou que era preciso ser especialmente prudente na frente desse homem!
— Tarde? E daí? — perguntou, impaciente.
— A Festa das Luas começará em menos de uma hora, Alteza. Já é tempo de o senhor começar a se aprontar — recordou-lhe o servidor.
Gordon lembrou-se de que Jhal Arn fizera alusão àquela festa. Tratava-se, sem dúvida, de um banquete de que a família imperial participaria naquela noite.
E Jhal Arn não dissera que o imperador aproveitaria para anunciar alguma coisa? Não falara, também, de Murn e Lianna? E dos deveres que incumbiam ao caçula da família?
Gordon tremia à idéia de sofrer aquela prova. Durante o banquete, inúmeras pessoas que conheciam Zarth Arn teriam ocasião de observá-lo e notariam a menor falta. Mas não ir àquela festa seria ainda pior.
— Está bem, vou me vestir — disse ao criado.
Este inclinou-se e pôs sobre o leito as roupas que Zarth Arn deveria usar naquela cerimônia: uma jaqueta e calças de um negro sedoso, com uma capa presa aos ombros e flutuando sobre as costas.
Quando Gordon acabou de se vestir, seu criado pregou-lhe no peito um cometa feito com brilhantes gemas verdes. Gordon supôs que aquele emblema indicava que ele pertencia à Família Imperial.
Lembrar isso e ver sua imagem no espelho, morena, de nariz aquilino, deram-lhe vertigens.
— Preciso de uma bebida — disse. — Quero alguma coisa forte.
O criado azul não pôde esconder a surpresa e perguntou:
— Saqua, alteza?
Gordon concordou com a cabeça.
A bebida castanha que o criado lhe deu espalhou fogo nas veias de Gordon.
Bebeu um segundo copo e, quando saiu dos aposentos, teve a impressão de estar menos tenso, menos nervoso, mais confiante nele mesmo.
"Ora bolas! Procurei a aventura. Muito bem, aqui estou eu dentro dela!" — pensou Gordon.
Evidentemente, quando se deixou levar por Zarth Arn àquela extravagante troca de corpos e mentes, não esperava sofrer tais provas, principalmente a que consistia em passar por um príncipe imperial diante de toda a nobreza de um Império galáctico!
Todos os corredores suavemente iluminados do palácio estavam cheios de ruídos e risos alegres. Filas de homens e mulheres lindamente paramentados iam e vinham nos tapetes rolantes. Todos inclinavam-se diante de Gordon. Viu a direção em que ia a maioria e seguiu-a de maneira desenvolta.
Os tapetes rolantes o levaram, através de um dédalo de corredores e salões, a um vasto vestíbulo de paredes douradas. Altos funcionários do império, aristocratas, homens e mulheres, todos inclinavam-se respeitosamente à sua passagem.
Gordon empertigou-se, atravessou o vestíbulo, atingiu as portas de ouro maciço que se abriram à frente dele. Um mordomo, vestido de seda, inclinou-se e anunciou:
— Sua Alteza, o Príncipe Zarth Arn!
A FESTA DAS LUAS
Gordon parou subitamente. Estava sob um docel à entrada de um grande vestíbulo, que tinha o sublime esplendor de uma catedral, embora fosse de forma circular.
A vasta sala redonda, de mármore negro, tinha por todos os lados mesas espargindo uma luz suave, que parecia produzida por elas mesmas. Copos e um serviço de metal precioso estavam dispostos nessas mesas, em torno das quais sentavam centenas de homens e mulheres de uma enorme elegância.
Mas nem todos aqueles convivas eram seres humanos! Homens e mulheres dominavam, é verdade, como em todos os planetas da Galáxia, mas havia também representantes de raças aborígenes, descobertas pelos conquistadores do espaço em mundos onde o princípio da vida se desenvolvera de formas diferentes das que conhecemos na Terra. Vestidos com indumentárias semelhantes às dos homens, aqueles estranhos tinham qualquer coisa de grotesco aos olhos de John Gordon, que reparou num homem-sapo de pele esverdeada e escamosa, de olhos tão esbugalhados que pareciam pedunculares. Havia também um indivíduo de rosto de coruja, o que não era apenas aparência, pois tinha um bico recurvo, no lugar da boca; e dois outros, com ar de aranha, munidos de numerosos membros.
John Gordon levantou a cabeça e julgou, durante um momento, que aquela sala era ao ar livre. Depois viu que milhares de pedras fluorescentes, circulando numa abóbada de mármore negro, reproduziam as inúmeras estrelas e constelações da Galáxia. Naquele céu, duas luas de ouro e uma de prata convergiam para um ponto comum.
Gordon levou um certo tempo para compreender que se tratava de uma abóbada planetária artificial, tão perfeita era a imitação. Subitamente, notou que todos os olhos estavam virados para ele. No meio da sala havia uma mesa, mais suntuosa que as outras, preparada sobre um estrado. Jhal Arn levantou-se e chamou seu irmão com um gesto impaciente.
As primeiras palavras de Jhal Arn aterrorizaram o impostor à força. Provavam-lhe que tinha sido imprudente e sem sangue-frio.
— Então, Zarth, que é isso? Até parece que você nunca viu o Salão das Estrelas!
— Acho que nunca — respondeu Gordon, rouco. — Preciso beber alguma coisa.
Jhal Arn caiu na risada.
— Então você está se fortificando para enfrentar esta noite! Vamos, Zarth, não é tão terrível assim!
Procurando esconder da melhor maneira possível sua perturbação, Gordon sentou-se na cadeira indicada por Jhal. Duas cadeiras vazias o separavam de seu irmão que, por sua vez, sentou-se ao lado da encantadora esposa e do filhinho.
O Comandante Corbulo, grisalho e severo, ocupava uma cadeira ao lado de Zarth, em frente de quem sentava-se um homem magro, que era, como veio a saber, Orth Bodmer, Primeiro-Ministro do Império.
Corbulo levantou-se e inclinou-se diante de Gordon, no que foi seguido por todos os outros convivas. Depois, o Comandante das frotas siderais murmurou:
— Príncipe Zarth, o senhor está pálido e parece abatido. É isso o que o senhor ganha passando a vida dentro de laboratórios. Um homem de sua idade deveria viajar através do espaço.
— Acho que o senhor tem razão — resmungou Gordon. "Quisera o céu que eu estivesse viajando através do espaço!", pensou.
— É o acontecimento desta noite que o deixa tão comovido? — continuou Corbulo. — Mas a necessidade faz a lei e a ajuda do Reino de Fomalhaut será de uma importância vital se Shorr Kan atacar.
"De que diabo fala essa gente toda sem parar?", pensou amargamente Gordon. Os nomes Murn e Lianna, citados por Jhal Arn, e aquela referência outra vez ao Reino de Fomalhaut. . . pressagiavam o quê?
Um criado inclinou-se obsequiosamente atrás dele. Gordon murmurou-lhe:
— Saqua, para começar.
Dessa vez o licor castanho fez sua cabeça rodar, o que não o impediu de beber outro cálice. Corbulo manifestou sua reprovação com ar severo e Gordon viu Jhal Arn sorrir.
A decoração maravilhosa, as mesas fornecendo uma luz: suave, a massa humana e para-humana, o teto estrelado e as luzes em movimento, fascinavam Gordon. Então aquela era a Festa das Luas?
Uma orquestra invisível fazia ouvir, na sala de banquetes,, os longos e harmoniosos acordes de seus instrumentos de cordas e de sopro, que se misturavam ao barulho das conversas em voz baixa. Depois a música cessou. Trompas lançaram na sala um apelo argentino.
Todos os convivas se levantaram. Vendo que Jhal Arn também se levantava, Gordon seguiu apressadamente seu exemplo.
— Sua Majestade Arn Abbas, soberano do Império do Centro da Galáxia, dirigente dos pequenos reinos, Governador das estrelas e mundos dos Degraus do Espaço Exterior! — anunciou um arauto.
— Sua Majestade, a Princesa Lianna, soberana de Fomalhaut !
O claro e alto anúncio causou um choque em John Gordon, antes mesmo que o Imperador Arn Abbas estivesse na soleira da porta de ouro, com uma mulher jovem pelo braço. Então Lianna era uma moça, a princesa-governante do pequeno reino estelar de Fomalhaut, situado a oeste? Mas que tinha ela a. ver com ele?
Magnificamente coberto por uma capa azul-escura, na qual o cometa imperial brilhava com mil fogos verdes, Arn Abbas caminhava para o centro da sala. Parou. Seu olhar-gelado virou-se para Gordon, a quem disse rudemente:
— Zarth! Esqueces o protocolo? Vem cá!
Gordon avançou, quase tropeçando e mal teve tempo de olhar a moça que se apoiava no braço do Imperador.
Era alta, embora não o parecesse ao lado do gigantesco Arn Abbas. Quase da altura dele, seu rosto oval, de traços absolutamente regulares, era realçado pelo vestido de seda branca, cuja simplicidade atingia ao máximo de elegância. Sua cabeça de cabelos ouro-fôsco, mantinha-se ereta, de maneira bastante altaneira.
Orgulho, beleza, consciência do seu valor e de sua autoridade, tais eram as qualidades que Gordon leu no rosto finamente esculpido, nos lábios vermelhos e ligeiramente desdenhosos, nos olhos cinzentos e frios da princesa, fixados nele atentamente.
Arn Abbas pegou a mão de Gordon com uma das mãos e a de Lianna com a outra e depois proclamou, com voz de estentor:
— Nobres e capitães do Império e dos reinos aliados, eu vos anuncio o próximo casamento de meu filho Zarth Arn com a princesa Lianna, de Fomalhaut.
Casamento? Casar com aquela magnífica Princesa estelar?
O raio não teria sido pior para o infeliz Gordon. Então era a isso que Jhal Arn e Corbulo faziam alusão? Mas, por Deus, ele não podia continuar! Ele não era Zarth Arn. . .
— Pega a mão dela, imbecil! — ordenou o Imperador, exasperado. — Perdeste a cabeça?
Atordoado, Gordon pegou a mão fina, de dedos cheios de anéis.
Satisfeito, Arn Abbas caminhou para a mesa e sentou-se. Quanto a Gordon, continuou ali, petrificado.
Lianna sorria-lhe com graça, mas bastante friamente, e murmurou-lhe, sem esconder sua impaciência:
— Leve-me ao meu lugar, a fim de que os convivas possam sentar.
Gordon percorreu a sala com o olhar e constatou que toda a assistência continuava de pé, com os olhos fixos na moça e nele.
Com passo hesitante, conduziu a princesa Lianna até sua cadeira, fê-la sentar-se e deixou-se cair pesadamente sobre sua própria cadeira. Ouviu o rumor dos convivas que retomavam seus lugares nas mesas. E a orquestra iniciou uma alegre marcha.
Lianna olhou Gordon com ar zangado. Suas finas sobrancelhas arqueadas frisavam severamente a indignação que ela se esforçava por reprimir.
— Sua atitude com relação a mim vai dar o que falar. Parece até que eu o aterrorizo!
Gordon controlou-se. Já que era obrigado, devia continuar com sua impostura até o fim. Arn Abbas utilizava Zarth Arn numa combinação política. O filho aceitara, sem dúvida, submeter-se àquele casamento.
Gordon devia, portanto, comportar-se exatamente como Zarth Arn o faria, até o momento em que pudesse voltar ao seu planeta para entrar em seu corpo e devolver o que ocupava, tudo isso antes do casamento.
Esvaziou novamente um cálice de saqua e inclinou-se para Lianna, disposto a todas as audácias.
Ela esperava encontrar nele um noivo ardente, como Zarth Arn era, sem dúvida. Muito bem, ele o seria! Afinal de contas, não tinha culpa daquela encrenca. Sendo noivo de uma tão bela princesa, por que aquele diabo do Zarth se divertia em percorrer o tempo e ceder um lugar cheio de tentações a um bárbaro do século XX?
Respondendo ao reparo que ela fizera, Gordon murmurou:
— Lianna, ninguém nota o que eu faço porque todos estão ocupados em admirá-la.
— Nunca o vi assim, Zarth — respondeu Lianna, cuja voz e olhar manifestavam uma ligeira surpresa.
Gordon riu.
— É normal. Eu mudei muito. O Zarth Arn que está a seu lado é um homem inteiramente novo.
Não estava mentindo. Só ele compreendia o sentido real da confissão! Quanto à moça, franziu as sobrancelhas finas: seu espanto transformava-se em perplexidade.
O banquete desenrolava-se normalmente. Gordon deixava-se levar por um estado de euforia produzido pelo calor, a cor e o murmúrio das vozes. A saqua também contribuiu. Bebera-a tanto que o último traço de preocupação e inquietação desapareceram.
A aventura? Ele a quisera, pois muito bem, estava vi-vendo-a. Uma aventura como nenhum outro homem do seu tempo sonhara. Se tivesse que pagá-la com a vida, teria valido & pena. Não valia a pena arriscar a vida para estar sentado aqui, no Salão das Estrelas, em Throon, na companhia de senhores e reis que governavam imensos sistemas planetários e -ao lado da rainha de uma estrela longínqua?
Outros além de Gordon estavam bêbedos. Um rapaz elegante, sentado ao lado de Corbulo e que, como Gordon soube mais tarde, era Sath Shamar, governante do reino aliado de Polaris, bateu com o copo na mesa e exclamou, com o rosto vermelho!
— Pois que venham! E quanto mais cedo melhor! Shorr Kan precisa de uma lição!
— Justo, Alteza — respondeu Corbulo, malicioso. — Mas, quando chegar a hora de inflingir essa lição, quantos cruzadores sua armada empregará na batalha?
Sath Shamar confessou:
— Temo que apenas algumas centenas, mas o valor dos nossos homens compensará seu pequeno número.
Arn Abbas ouvia aquela conversa e sua voz tonitruante vibrou à direita de Gordon.
— Sei que os polarianos são fiéis às suas alianças e que eles o provarão. Não temo, também, no que concerne à lealdade dos povos de Fomalhaut, de Cisne, de Lira e de nossos outros aliados.
Zangado por causa do comentário de Corbulo, Sath Shamar acrescentou:
— Que os barões da Constelação de Hércules cumpram seu dever e nada teremos a temer de Shorr Kan.
Gordon viu todos os olhares convergirem para dois homens colocados numa extremidade da mesa. Um era um ancião de olhar gelado e o outro um sólido homem de uns trinta anos. Ambos usavam no manto um sol flamejante: o emblema do Aglomerado de Hércules.
O ancião respondeu:
— Os barões confederados manterão escrupulosamente seus compromissos, mas não assumiram nenhum com relação ao acontecimento citado neste instante.
Arn Abbas fechou a fisionomia ao ouvir esta fria declaração. Orth Bodmer, o Primeiro-Ministro de rosto fino inclinou-se, com ar conciliador, para o barão de ar gelado.
— Ninguém ignora quanto os grandes barões são ciosos de sua independência, Zu Rizal. Jamais cederão às ameaças de um tirano.
Momentos depois, Arn Abbas inclinou-se para o filho mais novo e disse:
— Shorr Kan está fazendo intrigas junto aos barões! É preciso que eu interrogue Zu Rizal esta noite, para ter idéia dos resultados que aquele demônio obteve.
Finalmente, o Imperador levantou-se, imitado por todos os convivas, que espalharam-se pelos salões vizinhos.
Cortesãos e nobres afastaram-se respeitosamente à passagem dos noivos. A princesa distribuiu sorrisos e palavras amáveis à esquerda e à direita. Sua desenvoltura demonstrava que ela estava bem habituada com seu papel de soberana.
Quanto a Gordon, sacudia a cabeça o tempo todo e respondia às felicitações com palavras engroladas. Certo de cometer alguma asneira, não queria arriscar. Pela primeira vez, depois que deixara seu século, sentia-se perfeitamente à vontade.
Aquela saqua, que bebida maravilhosa! Gordon lamentava não poder levar com ele um barrilete quando voltasse ao seu século. Era impossível, pois só a mente podia viajar através do tempo. Mas que pena!
Levando Lianna pelo braço, chegou à soleira de um salão banhado por uma feérica luz verde, proveniente de cometas que sulcavam o teto de um azul-celeste. Centenas de pares dançavam ao som de uma música de sonho, tocada por uma orquestra invisível.
Os movimentos infinitamente graciosos dos dançarinos fascinaram Gordon. Pareciam quase suspensos no ar, tão leves eram seus passos. Depois compreendeu que aquele salão de baile, equipado mais ou menos como as naves siderais, escapava às leis da gravitação universal e que os dançarinos, leves como borboletas, evoluíam dentro de uma espécie de stasis.
Hesitava em se lançar em tal experiência coreográfica quando Lianna, para seu alívio, disse:
— O senhor dança tão mal, príncipe Zarth, que é melhor irmos passear no jardim.
Gordon percebeu logo que o verdadeiro Zarth Arn, apaixonado pela ciência e pelas pesquisas, devia, na verdade, ser um péssimo dançarino, o que o deixou bastante alegre.
— Eu também prefiro os jardins — respondeu rindo — porque, creia-me ou não, hoje dançaria ainda pior.
Enquanto caminhavam por um corredor de paredes de prata, Lianna, intrigada, olhava seu noivo de soslaio.
— O senhor bebeu muito durante o banquete — disse ela. - Nunca o vira beber saqua.
—" É verdade, provei-a esta noite pela primeira vez — respondeu Gordon, que estourava de rir com essa conversa cheia de qüiproquós.
Chegando aos jardins, ele não pôde esconder um grito de admiração. Mesmo nos seus mais extravagantes sonhos, nunca pudera imaginar tal deslumbramento.
Os ramos das árvores e os arbustos brilhavam; botões e flores, vermelhos, verdes, azuis, esmeralda, turquesa, rubi, re-luziam na penumbra. Uma brisa leve e perfumada embalava as flores luminosas.
Mais tarde Gordon soube que aquelas plantas luminosas eram cultivadas no solo radiativo dos mundos gravitando em torno da estrela Achernar e replantadas em canteiros de terra daqueles mesmos planetas. Mas só lhe deram essas explicações muito mais tarde e a beleza do espetáculo deixou-o arquejante.
Atrás dele, os terraços enormes do gigantesco palácio pareciam se sobrepor às estrelas, como uma torre de fogo. E as três luas misturavam seus raios de ouro e de prata para tornar ainda mais feérico aquele quadro.
Levado pelo entusiasmo, Gordon exclamou:
— Como é belo!
Lianna não se espantou e respondeu, com voz suave:
— Admiro Throon, vosso planeta e vossas cidades, mas são estes jardins que eu prefiro, embora em certos mundos desabitados de meu reino existam maravilhas ainda mais admiráveis.
Os olhos da princesa brilharam e, pela primeira vez, Gordon viu-a manifestar qualquer emoção.
— Em meu reino — continuou ela, sonhadora — há mundos desertos, planetas luminosos banhados por maravilhosas auroras de estranhos sóis. Iremos visitá-los juntos, Zarth, quando o senhor fôr a Fomalhaut.
Ela olhava-o nos olhos e toda a luz das flores se refletia na sua cabeleira cendrada, semelhante a um diadema irisado.
Gordon pensou que ela esperava suas carícias. Não era gle — ou, pelo menos, ela pensava que fosse — seu noivo, o homem que se tornaria seu marido? Era preciso continuar a desempenhar seu papel até o fim.
Segurou-a pela cintura e inclinou-se para seus lábios. O corpo de Lianna, leve e tépido sob o vestido branco, e sua boca entreaberta, dava-lhe vertigens.
“Sou mesmo é um hipócrita", pensou, consternado. "Beijo-a porque tenho vontade e não para desempenhar um papel!"
Cheio de escrúpulos, recuou um passo. Lianna não escondia seu espanto.
— Zarth, por que fez isso? — perguntou ela.
Gordon pensou que ela estava recriminando sua timidez e, fingindo não compreender, evitou a resposta com outra pergunta :
— É tão espantoso que um noivo beije a noiva?
A resposta de Lianna deixou-o ainda mais estupefato.
— Um verdadeiro noivo, não! Mas o senhor sabe, tão bem quanto eu, que nosso casamento não passa de uma comédia política e até agora o senhor não havia demonstrado o menor interesse por mim.
Os vapores da saqua desapareceram ao sopro gelado da verdade.
Acabara de dar um passo em falso dos mais graves! As palavras de Jhal e Corbulo deveriam tê-lo feito compreender que Zarth não era um noivo ardente. Por que deveria Lianna amar o Príncipe, com quem deveria casar unicamente para selar uma aliança política?
Era preciso, urgentemente, a todo preço, corrigir aquele erro. A jovem olhava-o com ar indignado, como se suspeitasse de ser presa de uma grosseira mistificação.
— Não compreendo sua atitude. Ambos concordamos em ser apenas amigos — disse ela.
Gordon respondeu com a única explicação possível, a que mais se aproximava da verdade.
— Lianna, a senhora é tão bela que não pude me conter. É tão espantoso assim que eu me apaixone pela senhora apesar de nossas promessas?
O rosto da princesa endureceu e ela respondeu com voz severa:
— O senhor apaixonado por mim! Mas o senhor esquece que eu sei tudo sobre Murn?
Murn? Gordon lembrou-se de que Jhal Arn falara nesse nome.
Mais uma vez apavorou-se com sua ignorância. Não mais embriagado e tremendamente preocupado, murmurou:
— Acho que bebi saqua demais na festa.
A cólera e o espanto de Lianna pareciam ter amainado e ela observava o olhar de seu noivo com intensa curiosidade.
Felizmente, numerosos convivas invadiram o jardim. Nas horas seguintes, a assistência foi tão numerosa que Gordon pôde desempenhar melhor seu papel.
Apesar disso, sentia a Princesa olhar freqüentemente para ele. No fim da festa, ele a acompanhou até a porta dos seus aposentos e, quando se afastou, o olhar de Lianna denotava ainda uma curiosidade espantada.
Ele enxugou a testa e voltou para seus aposentos por um emaranhado de tapetes rolantes. Que noite! Era mais do que ele podia suportar!
Gordon achou seus aposentos iluminados mas o criado de pele azul não estava lá. Com um gesto fatigado, abriu a porta do quarto. O barulho de pés descalços correndo sobre o tapete fê-lo estremecer. Uma mocinha corria para ele. Era-lhe inteiramente desconhecida.
Era tão jovem que parecia uma criança. Seus longos cabelos negros flutuavam sobre as espáduas nuas, emoldurando um rosto adorável cujos olhos azul-escuros brilhavam de felicidade. Uma criança? Não era um corpo de criança o que se vislumbrava sob a camisa de dormir transparente!
Fascinado por esta surpresa final numa noite de surpresas, Gordon parou na soleira da porta. Mas, sem demora, a moça passou-lhe os braços nus e frescos em volta do pescoço.
— Zarth Arn! — gritou. — Enfim voltaste! Espero-te há tanto tempo!
A PRINCESA DAS ESTRELAS
Pela segunda vez, no decorrer daquela mesma noite, John Gordon tinha nos braços uma mulher que o tomava pelo verdadeiro Zarth Arn. Mas a adorável moça morena que o enlaçava pelo pescoço em nada se parecia à orgulhosa princesa Lianna.
Seus lábios tépidos comprimiam-se apaixonadamente contra os dele. A cabeleira negra que roçava seu rosto era suave e perfumada. Por um instante cedeu à tentação.
Depois, repeliu suavemente a moça. O rostinho encantador, virado para ele, encantava-o.
— Por que não me avisaste da tua volta a Throon? — reclamou ela. — Só fiquei sabendo quando te vi na sala de banquetes.
Sem saber o que dizer, Gordon respondeu ao acaso:
— Não tive tempo. Eu tive. . .
Aquele incidente deixava-o no maior embaraço. Quem era aquela encantadora mulher? Algum caso de Zarth Arn?
Ela sorriu-lhe ternamente e suas mãos suaves permaneceram pousadas nos ombros de Gordon.
— Não tem importância — disse, conciliadora. — Assim que o banquete acabou, vim me esconder aqui, onde te esperei com impaciência.
Encostou-se mais fortemente no peito de Gordon e acrescentou :
— Quanto tempo vais demorar em Throon? Quantas noites teremos?
Gordon estava apavorado. Esperava uma aventura fantástica, mas isto ?. . .
Subitamente, um nome veio-lhe à memória, um nome dito por Jhal Arn e por Lianna. O nome Murn.
Pensou que era muito possível. Para saber, disse, hesitante :
— Murn. . .
A moça levantou a cabeça do seu ombro e perguntou:
— O que é, Zarth?
Então ela era Murn, a moça sobre quem Lianna falara de maneira irônica. Assim, Lianna sabia do caso.
Procurando um meio de escapar a uma situação tão complicada, sentou-se. Imediatamente Murn acomodou-se em seus joelhos.
— Olhe, Murn, não devia estar aqui. Se alguém a viu entrar em meu apartamento... — arriscou ele.
Murn, espantada, fixou os olhos azuis nele.
— E daí? Não sou tua mulher?
Sua mulher? Pela vigésima vez Gordon foi esmagado pela consciência de ignorar tudo da época em que se aventurara.
Como, pelo inferno, poderia desempenhar o papel de Zarth Arn, sobre o qual nada sabia? Por que Zarth Arn, por que Vel Quen não o tinha posto a par?
Depois Gordon lembrou-se de que nem o Príncipe nem o cientista tinham julgado necessário informá-lo porque acreditavam que Gordon ficaria no planeta Terra e não iria a Throon. A tentativa de seqüestro planejada por Shorr Kan alterara todas as previsões, suscitando um encadeamento de complicações inextrincáveis.
Murn afundou o rosto no peito do Príncipe e murmurou, com voz chorosa:
— Mesmo que eu não passe de tua esposa morganática, ninguém pode me recriminar por vir ao teu quarto.
Então era isso: uma esposa morganática! Esse costume dos tempos antigos sobrevivia no ano 202115 entre os príncipes da galáxia.
Gordon sentiu um brusco sentimento de cólera contra o homem cujo corpo ele habitava. Que triste indivíduo era aquele Zarth! Casara em segredo com aquela menina-moça, destinando-lhe um papel dos mais apagados, enquanto se preparava para casar publicamente com a rainha de Fomalhaut!
Mas sua indignação esfumou-se depressa. O pobre Zarth Arn sem dúvida nada podia fazer. As reflexões de Jhal, de Corbulo e de Lianna provavam que o casamento com a Rainha não passava de um ato político e que, concordando com ele, nada fazia o Príncipe que obedecer às ordens do pai. Uma vez que Lianna e Murn não manifestavam qualquer ressentimento, por que tinha Gordon que julgar Zarth, que não amava Lianna, a quem certamente não escondera esse fato? Por que acusá-lo de procurar um consolo natural nos braços da adorável Murn?
Levantou-se com precaução, afastou-se de Murn e disse:
— Olhe, Murn, não pode dormir aqui esta noite. Peço-lhe que, durante as próximas semanas, não venha mais ao meu apartamento.
Murn empalideceu e perguntou, desolada:
— Que quer dizer isso, Zarth?
— Não chore, Murn — disse. E, sem saber o que responder, acrescentou: — Acredite que a amo da mesma maneira.
Mas como não haveria Murn de chorar?
— É Lianna — exclamou. — Te apaixonaste por ela. Bem que notei tua atitude no banquete!
A tristeza tornava seu rosto ainda mais infantil e Gordon sofria por atormentar aquela pobre menina.
Tomou a cabeça de Murn entre as mãos, olhou-a gravemente e disse:
— Acredite em mim. Falei a verdade: Zarth Arn ama-a da mesma maneira. Seus sentimentos não mudaram.
O tom e o olhar de Gordon pareceram convencer a moça, cuja tristeza diminuiu.
— Mas já que é assim, Zarth, por que. . . Gordon pensou numa desculpa.
— É por causa do meu casamento com Lianna e não porque eu a ame. Sabe que meu pai dá uma grande importância a uma aliança com o Reino de Fomalhaut, principalmente agora, com essa ameaça de guerra com a Nuvem.
Murn sacudiu a cabeça, embora não tenha entendido.
— Já me explicaste tudo isso mas que ligação tem com nossa união? Me disseste que Lianna concordava com um casamento de aparência.
— Nada mudou, Murn. Lianna manterá sua palavra, mas <eu temo os espiões de Shorr Kan. Se souberem que mantenho uma esposa morganática e que meu casamento com Lianna não passa de formalidade, denunciarão isso aos habitantes de Fomalhaut, que ficarão indignados ao saber que desprezo a princesa deles.
Murn cedeu. Tinha compreendido.
— Então, Zarth, não nos veremos mais?
— Só em público, pelo menos durante algumas semanas. Vou deixar Throon dentro em breve. E prometo que, na minha volta, tudo estará novamente nos eixos.
Gordon estava convencido de ter dito a verdade! Só tinha uma idéia na cabeça: voltar para o planeta Terra, chamar aquele danado do Zarth Arn do século XX e deixá-lo sair da enrascada de suas intrigas sentimentais.
Resignada. Murn colocou uma capa de seda negra nos ombros e preparou-se melancolicamente para ir embora.
Antes, porém, levantou-se na ponta dos pés e beijou apaixonadamente o marido.
— Boa-noite, Zarth.
Ele retribuiu-lhe o beijo, mas sem paixão, apenas com carinho. Sabia que Zarth Arn amava aquela encantadora mocinha de rosto de criança.
Os olhos de Murn revelaram confusão após esse beijo.
— Estás muito diferente, Zarth — murmurou. — Não sei como. . .
Gordon percebeu que o instinto de mulher apaixonada revelava a ela a incrível mudança operada nele. Deu um grande suspiro de alívio quando ela saiu.
Gordon estirou-se na cama, mas estava tão nervoso por causa de todos aqueles acontecimentos que ficou um tempo enorme olhando o teto e só adormeceu quando o luar esmaeceu.
Mesmo durante o sono ele ouvia a voz do bom-senso gritar : "Gordon, cessa essa impostura de uma vez. Tudo isso vai acabar mal. Se a guerra explodir, o laboratório de Zarth poderá ser destruído e ficarás exilado no futuro até o fim dos teus dias. Volta logo para a Terra."
Na manhã seguinte, a aurora de Canopus, de raios de prata em fusão, arrancou-o do sono. O criado de rosto azulado, nativo de Vega, estava de pé ao lado da cama.
— A Princesa Lianna pede-lhe para ir tomar o café com ela.
Gordon ficou nervoso. Por que Lianna o convidava? Também ela suspeitaria da verdade? Não, era impossível. No entanto. . .
Banhou-se num compartimento de paredes de vidro. Apertando diversos botões, fez correr águas mornas, frias, saponáceas e salgadas.
Entrementes, o vegano estendia sobre a cama um costume de seda branca e uma capa, o que evitou a Gordon hesitar na escolha de roupa. Vestiu-se rapidamente e foi para os aposentos da Princesa.
Lianna ocupava um apartamento deslumbrante, de paredes forradas de seda mate, dando para um florido terraço que dominava a cidade de Throon. Parecendo um rapazinho, com suas calças azuis e blusa, Lianna recebeu-o no terraço.
— Mandei servir o café aqui — disse ela. — O senhor chegou mesmo a tempo de ouvir a música da aurora.
Gordon ficou espantado ao perceber uma leve timidez no olhar de Lianna, que o estava servindo de frutas vermelhas, geladas, e um líquido cor de vinho. Não parecia a orgulhosa princesa da noite anterior.
E que música da aurora era essa a que ela se referia? Sem dúvida uma dessas inúmeras coisas do futuro, que ele deveria supostamente conhecer, mas da qual nada sabia.
— Ouça... está começando! — disse Lianna, erguendo um dedo.
Os picos cristalinos das montanhas de Vidro, que cercavam completamente Throon, erguiam-se para o céu, na aurora. E de suas alturas caíam agora notas puras, acordes deliciosos para os ouvidos.
A música cristalina, ampliando-se de segundo em segundo, transformou-se rapidamente numa tempestade de sons. Arpejos simultaneamente selvagens e angélicos caíam das montanhas como se os sinos do paraíso se pusessem a vibrar. Apesar disso, o ouvido percebia que aquele furacão musical era composto de um número infinito de notas muito puras, como as de uma harpa.
Gordon compreendeu o fenômeno: os raios brancos do sol Canopus aqueciam os picos sobre os quais tombavam e, dilatando-os, faziam vibrar sua massa cristalina. O canto das montanhas se elevava num crescente cada vez mais pujante. O sol emergia do horizonte quando a música diminuiu, em longas notas frementes.
Gordon exalou um longo suspiro e disse:
— Nunca ouvi nada tão belo.
Surpreendida pela confissão, Lianna fez-lhe notar:
— Mas não é a primeira vez que o senhor ouve a música da aurora!
Percebendo ter cometido novo erro, o homem do século XX virou-se para a princesa, que o olhava com curiosidade.
Estavam, nesse instante, debruçados, lado a lado, no parapeito que circundava o terraço. Subitamente, incapaz de reter por mais tempo a pergunta que lhe queimava os lábios, a princesa disse:
— Por que mandou Murn embora ontem à noite?
— Quem lhe disse? — perguntou, surpreso. Lianna riu suavemente.
— O senhor devia saber que não há segredos neste palácio. Não tenho a menor dúvida de que, neste mesmo instante cochicham por aí que estamos tomando juntos o nosso café da manhã.
"Danou-se!", pensou Gordon, desamparado. "Então agora é a vez de Murn me interrogar e me acusar de fazer a corte à minha noiva."
— Tiveram uma briga? — insistiu Lianna. Depois ruborizou-se e acrescentou: — Aliás, não tenho nada com isso.
— Mas tem, sim! — exclamou Gordon, impulsivo. — Eu queria apenas...
Parou abruptamente. Não poderia dizer: "Eu queria apenas poder confessar-lhe a verdade".
E tinha vontade de confessar-lhe aquela verdade. Queria-o de todo o coração, com toda a sua alma. Murn era adorável, mas era Lianna a quem ele nunca mais esqueceria.
Nesse instante, a princesa pousou nele seus intrigados olhos cinzentos.
— Pensei conhecê-lo e compreendê-lo, Zarth. Vejo que me enganei.
Calou-se um instante e prosseguiu, ligeiramente ofegante:
— Zarth, não sei enganar ninguém. Tenho que falar francamente. Diga-me... quando me beijou ontem à noite,, estava sendo sincero?
A resposta jorrou do coração de Gordon:
— Sim, Lianna, eu estava sendo sincero.
Seus olhos cinzentos fixaram-se nele, sérios, pensativos.
— É curioso. Tive essa impressão. E apesar disso, não posso acreditar. .
Depois, com a autoridade de uma mulher habituada desde a infância a reinar sobre dezenas de sistemas planetários, colocou a mão no ombro de Gordon, convidando-o a beijá-la novamente.
Mesmo se o castelo desmoronasse sobre sua cabeça para castigá-lo, Gordon não poderia resistir àquele convite. Como na noite anterior, sentiu o corpo leve da princesa vibrar entre seus braços e o contato delicado dos seus lábios o entonteceu.
— Como o senhor mudou, Zarth! Não compreendo o que está acontecendo, mas o senhor não é mais o mesmo — murmurou Lianna.
Ela repetia, sem saber, exatamente o mesmo sentimento de Murn.
— Quase chego a acreditar que o senhor me ama. . .
— Mas eu a amo, Lianna! — respondeu impulsivamente Gordon. — Amo-a desde o primeiro instante, desde que a vi pela primeira vez!
O olhar da princesa enterneceu-se e a alegria iluminou seus olhos.
— Então nosso casamento não será uma comédia? O senhor vai repudiar Murn?
Esmagado, Gordon recuou um passo. Que havia com ele? Prometer repudiar Murn era trair Zarth, que adorava a linda moreninha e não se interessava, em absoluto, pela rainha de Fomalhaut.
O ESPIÃO DA NUVEM
Uma intervenção providencial salvou Gordon dessa situação catastrófica: um mordomo apareceu no terraço e caminhou para eles com passos hesitantes. Inclinou-se diante de Gordon e disse:
— Alteza, seu pai pede-lhe que venha, com a Princesa Lianna, encontrá-lo na sala da Torre.
Gordon aproveitou a ocasião para mudar de assunto e disse, desajeitadamente:
— Precisamos ir já, Lianna, deve ser importante.
A Princesa olhou-o com ar pensativo. Ela esperava, visivelmente, uma explicação. Mas ele calou-se.
Que teria podido explicar? Dizer-lhe que a amava, era levá-la a uma decepção certa. Zarth Arn, quando voltasse, repudiaria suas palavras.
Assim, seguiram o mordomo, que os conduziu por calçadas e escadas rolantes até a mais alta torre do palácio. Mantiveram-se calados durante todo o percurso, até que chegaram a uma sala de paredes de vidro, que dominava as flechas e as cúpulas de Throon e se fundia na coroa de picos que cercava a cidade. Ao longe, o oceano de prata refulgia aos raios de sol matinal.
O Imperador, gigante dominador, andava pela sala com ar preocupado. Seu Primeiro-Ministro, Orth Bodmer, estava falando e seu filho, Jhal Arn, assistia à reunião.
Sem se deter em formalidades, Arn Abbas foi logo a» assunto:
— O que tenho a dizer refere-se a ambos; tanto à senhora, princesa Lianna, quanto a meu filho Zarth. A situação torna-se mais tensa, de hora em hora, entre o império e a Liga dos Mundos Escuros. Shorr Kan acaba de dar ordem de voltar para a Nuvem a todos os comandantes de seus navios.
E temo que os barões de Hércules inclinem-se para ele. Gordon lembrou-se da morna atitude de Zu Rizal e da indiferença dos outros barões, no decorrer do banquete. Arn Abbas continuou:
— Sondei Zu Rizal ontem à noite, depois da festa. Os barões hesitam em se comprometer, assinando um tratado com o Império. Corre o boato de que Shorr Kan tem uma arma secreta. Acho, no entanto, que Zu Rizal não representa a opinião geral dos barões. Estes estão, talvez, preocupados, mas não desejam, de maneira alguma, ver a Liga dos Mundos Escuros triunfar. Ainda espero ligá-los à nossa causa. É com esse objetivo que quero enviar-te, Zarth, como embaixador.
— Eu? — gritou Gordon. — Sou incapaz de levar a bom termo uma missão tão importante!
— Ora, Alteza! — interveio Orth Bodmer. — Quem o faria melhor? Sua posição na família imperial dá-lhe mais prestígio que a qualquer embaixador.
— Aliás, não há discussão — cortou Arn Abbas. — Cumprirás esta missão, queiras ou não!
Gordon estremeceu e quase sucumbiu a um movimento de indignação, mas lembrou a tempo de que Arn Abbas era seu pai, Apesar disso, que loucura! Ele, John Gordon, pobre ignorante do século XX, desempenhar o papel de embaixador junto aos poderosos barões do Aglomerado de Hércules?
Imaginou a seguir que aquela missão lhe oferecia a possibilidade de fugir. Assim que tivesse deixado Throon, acharia talvez um meio de passar pela Terra e devolver a Zarth Arn um corpo que se tornava cada vez mais incômodo para ele. Se pudesse fazer isso. . .
Entrementes, Arn Abbas explicava:
— Resulta daí que somos obrigados a celebrar teu casamento com Lianna mais cedo do que esperávamos. Partirás para Hércules daqui a uma semana, por isso deves desposar a rainha de Fomalhaut dentro de cinco dias.
Gordon teve a impressão de ter posto o pé sobre um alçapão mal fechado e mergulhar num abismo.
Até ali, esperara que o casamento se efetuasse muito mais tarde, muito depois da volta de Zarth Arn.
Apavorado, ousou protestar:
— Mas por que me casar antes da partida? Parece-me inútil.
— É indispensável! — respondeu Arn Abbas. — Mais que nunca o Império deve reforçar suas alianças. Casa com a rainha de Fomalhaut e terás ainda mais prestígio junto aos barões.
A resistência de Gordon espantava Lianna, que interveio.
— Talvez o príncipe Zarth tenha algum motivo.
— Motivo? Que diabo de motivo pode ele ter? — perguntou Arn Abbas.
Gordon compreendeu que uma desobediência aberta lhe seria prejudicial. Decidiu ganhar tempo, como não havia deixado de fazer desde que os azares da situação diplomática do futuro o haviam levado a Throon.
Na certa daria um jeito de sair da enrascada. Mas precisava de tempo para pensar.
— Estou perfeitamente de acordo, se a princesa Lianna aprovar este casamento precipitado.
— Então está tudo resolvido — disse Arn Abbas. — Apesar do pouco tempo que nos resta, espalharemos a nova e os reis da Galáxia terão tempo de chegar para a cerimônia. Vou redigir, com Bodmer, a proclamação.
Esta última frase era uma ordem de partida. Saíram da sala de vidro. Gordon verificou, com prazer, que Jhal Arn os acompanhou. Por nada no mundo teria podido enfrentar o olhar interrogativo de Lianna.
Nos poucos dias que se seguiram, o homem do século XX julgou estar vivendo num sonho. O palácio e a cidade inteira trabalhavam na preparação do casamento. Criados e mordomos iam e vinham por todos os lados. A cada instante, naves siderais pousavam no porto de Throon, trazendo convidados que afluíam de todos os planetas do Império e dos reinos aliados.
Cada chegada servia de pretexto para manifestações públicas de alegria, o que evitava a Gordon ficar a sós com a Princesa. De tempos em tempos, via Murn misturada à multidão. Mas o dia do casamento aproximava-se e ainda não encontrara um meio de escapar à sua sorte.
Havia momentos em que se decidia bruscamente: iria revelar a verdade ao Imperador, mas adivinhava que ele não .acreditaria. Aliás teria vergonha de trair a palavra dada a Zarth Arn. Mas que fazer? Por mais que puxasse pela cabeça, na véspera da cerimônia ainda não havia encontrado a solução.
Naquela noite, chegados os últimos convivas, os que vinham dos pontos mais longínquos da galáxia, houve uma recepção com grande pompa no Salão das Estrelas. A cerimônia era de um esplendor estonteante.
O estrado havia sido recuado até o fundo da sala. Arn Abbas encontrava-se nele, sentado em seu trono. Gordon e Lianna estavam de pé à sua direita, de mãos dadas, e à sua esquerda Jhal Arn, com a encantadora esposa Zora. O Comandante Corbulo, Orth Bodmer e outros dignitários estavam agrupados atrás da família imperial.
A cada instante, os mordomos anunciavam os nomes e títulos dos que cruzavam as portas de ouro e caminhavam para o trono. Gordon estava assombrado. Aparelhos de televisão, colocados em todos os cantos da sala, lhe faziam lembrar que bilhões de indivíduos, de um lado ao outro da Galáxia, assistiam ainda mais assombrados que ele às suas próprias núpcias.
À força de emoções, angústia, espanto, ele tinha chegado a um ponto de saturação tal que já não ligava mais e repetia, em pensamento:
"É um sonho. Daqui a pouco vou acordar no século XX, no meu pequeno apartamento de Nova York."
Entre dois toques de trompa, um mordomo anunciou:
— O Rei dos sóis de Cisne! Novo toque de trompa.
Aqueles personagens todo-poderosos desfilavam diante de Gordon. A cada um dava votos de boas-vindas e recebia de volta algumas palavras de felicitações. Reconheceu vários: Zu Rizal, de rosto gélido, embaixador dos barões de Hércules; o jovem e agitado Sath Shamar, de Polaris e alguns outros.
As trompas dos arautos tocavam e o mordomo anunciava:
— O Regente de Cassiopeia! Os Condes dos Degraus do Espaço Exterior!
Depois foi a vez de personagens menos importantes do Império. Entre os militares, Gordon viu chegar um Capitão da Marinha, de rosto bronzeado, que inclinou-se e ofereceu-lho uma bobina-de-pensamento.
— Uma pequena petição endereçada a Vossa Alteza pela minha esquadrilha, por ocasião deste feliz acontecimento. Espero que o senhor nos faça a graça de tomar conhecimento.
Gordon respondeu:
— Assim o farei, capitão...
Foi abruptamente interrompido pelo Comandante Corbulo. Este precipitou-se para a frente, com o olhar pregado nas insígnias que o capitão de Marinha exibia.
— Todos os oficiais dessa esquadrilha deveriam estar atualmente além de Vega. Como é seu nome e o número de sua divisão?
O capitão de Marinha pareceu vacilar. Deu um passo e, desconfiado, meteu a mão no bolso.
— Este homem é um espião, talvez um assassino! — gritou Corbulo. — Executem-no!
O capitão, desmascarado, brandiu nesse instante uma pequena pistola atômica.
Gordon cobriu Lianna com seu corpo e depois virou-se para o outro.
Mas, ouvindo os gritos de Corbulo, os guardas que vigiavam pelas aberturas dissimuladas, existentes nos altos das paredes, atiraram no espião. Trespassado por inúmeras pastilhas atômicas, seu corpo explodiu, transformando-se logo num cadáver esfacelado e enegrecido, caído ao pé do estrado.
Gritos ressoavam pela sala. A multidão, tomada de pânico, precipitava-se para as portas de ouro e Gordon, boquiaberto, olhava o cadáver do desconhecido.
A voz de Arn Abbas trovejou:
— Não há mais nada a temer. O traidor está morto, graças à vigilância de Corbulo e dos guardas que estão atrás das paredes.
A multidão de convidados acalmou-se. O Imperador continuava a dominar a situação.
— Levem o corpo daqui. Zarth e Jhal, sigam-me, meus filhos. Corbulo, manda examinar esta bobina-de-pensamento pelos raios-X. Ela pode ser perigosa. Lianna, quer se ocupar de nossos hóspedes?
Gordon acompanhou o gigantesco Imperador até uma salinha onde os criados depuseram o corpo do espião.
Jhal Arn inclinou-se sobre o cadáver e arrancou os farrapos de sua blusa. O torso não era bronzeado como o rosto; pelo contrário, era de uma palidez horrenda.
— Um homem dos Mundos Escuros! Um espião da Liga! Eu bem sabia! Mais um agente de Shorr Kan. Estava muito habilmente disfarçado! — gritou Arn Abbas.
Jhal Arn parecia intrigado.
— Por que veio cá? Não queria assassinar nenhum de nós porque só sacou a arma quando se viu desmascarado.
— A bobina-de-pensamento que deu a Zarth talvez nos revele alguma coisa — respondeu o soberano. — Aliás, aqui está Corbulo.
O comandante Corbulo tinha a bobina na mão.
— O exame pelos raios-X deu um resultado negativo. É apenas uma bobina-de-pensamento, nada mais.
— Curioso... — rosnou Arn Abbas com o rosto enfarruscado. —- Ponha essa bobina no aparelho de leitura e vamos ver o que ela contém.
A bobina-de-pensamento foi inserida na máquina de leitura. Arn Abbas ligou o aparelho.
A bobina começou a se desenrolar. Gordon sentiu as pulsações mentais que ela continha ressoar no seu cérebro como no dos outros.
Uma voz clara e vibrante começou a falar:
"Shorr Kan ao príncipe Zarth Arn: É lamentável que uma patrulha imperial nos tenha impedido de realizai- o projeto que tínhamos posto em execução, que era trazê-lo até a Nuvem. Estou tão desolado quanto o senhor, creia-me. Mas creio, também que tornarei novas disposições para que o senhor possa encontrar-me são e salvo e em segredo. Nossos acordos continuam válidos. Assim que o senhor estiver a meu lado e me tenha revelado o segredo do disruptor, a Liga dos Mundos Escuros atacará o Império e o vencerá. Obtida a vitória, o senhor será proclamado Imperador, no lugar de seu pai e do seu irmão mais velho. Assinaremos um tratado de aliança e governaremos juntos todos os mundos conhecidos. Enquanto espero,-mos, evite o menor gesto e a menor palavra que possam despertar suspeitas. Espere até que um dos meus agentes entra em contato com o senhor e o traga até aqui."
NA PRISÃO DO PALÁCIO
A PRINCÍPIO, aquela mensagem mental não tinha qualquer sentido para John Gordon. Por que Shorr Kan teria se comunicado com ele, ou melhor, com Zarth Arn?
Depois compreendeu e deu um pulo de indignação. Indignação ainda mais agravada pelo terrível olhar que lhe lançou o Imperador Arn Abbas.
— Por todos os demônios da Galáxia! Meu próprio filho trai o Império! — gritou o governante. — Meu próprio filho conspira secretamente com o senhor dos Mundos Escuros!
— Mas essa mensagem não passa de uma mentira! — respondeu Gordon, certo da sua boa-fé. — Nunca tive o menor contato com Shorr Kan e jamais fiz um acordo com ele!
— Então por que te envia ele tal mensagem? — rugiu o Imperador.
Apesar do seu espanto — e quem não estaria espantado no lugar dele? — Gordon deu a única explicação plausível:
— Shorr Kan enviou essa mensagem prevendo que ela seria interceptada e com o único fim de estabelecer confusão! Não há outro motivo.
Jhal Arn, cujo rosto simpático denotava um grande embaraço, interveio a favor do irmão.
— Creio que Zarth tem razão. Como pode o senhor pensar que ele seja traidor?
— As explicações embaraçadas do traidor provam sua culpa — respondeu Arn Abbas, cheio de raiva. — Por que achas que Shorr Kan urdiu uma intriga tão descabelada e que lhe daria tão pouca vantagem? Notem que seu espião só foi desmascarado por acaso. Se Corbulo não tivesse notado a insígnia de sua esquadra, o mensageiro teria entregue essa bobina a Zarth sem dificuldade. E, ainda por cima, sob o nosso nariz!
— Zarth, o fato de seres meu filho não te salvará se tiveres conspirado com o dirigente da Liga!
— Juro que não o fiz! — respondeu Gordon. — Nada tive com essa tentativa de seqüestro lá na Terra e por que haveria eu de trair o Império?
— És meu segundo filho — lembrou-lhe Arn Abbas. — Talvez secretamente invejes Jhal Arn, que me substituirá no trono imperial, e finjas te absorver em estudos científicos para esconderes tua conspiração. Não será a primeira vez que isso acontece.
Evidentemente, era possível. John Gordon percebeu-o e seu lindo sonho de aventuras transformava-se cada vez mais num pesadelo, um pesadelo dos mais angustiantes.
— Faremos a verdade aparecer. Vamos investigar. Saberemos tudo! — rugiu Arn Abbas. — Enquanto esperas, serás recolhido à prisão do palácio.
— É impossível, pai! — protestou Jhal Arn. — Não se pode fazer isso com Zarth!
O comandante Corbulo apoiou o herdeiro.
— Majestade, ao menos para salvar as aparências, confine Zarth Arn nos aposentos dele.
Arn Abbas fulminou-os com o olhar.
— Vocês dois perderam a cabeça? Não compreendem que, se Zarth é traidor, representa um perigo mortal para o Império? Eu, Jhal e ele somos os únicos a conhecer o segredo do disruptor. É só ele entregar esse segredo a Shorr Kan e a Liga imediatamente atacará. Ousariam correr tal risco?
— Mas, e o casamento previsto para amanhã? E os convidados? — perguntou Jhal.
— Anuncia aos convidados que o príncipe Zarth ficou subitamente enfermo — respondeu o Imperador ao primogênito — E você, Corbulo, prenda-o. Você responde por ele com a própria vida.
Gordon tinha vontade de berrar a verdade, de revelar que ele tudo ignorava do disruptor, que ele era John Gordon, honesto cidadão americano do século XX, vivendo sob a aparência física de Zarth Arn. Em circunstâncias tão dramáticas, ele tinha o direito de liberar sua consciência e Zarth não poderia recriminá-lo por isso.
Mas acreditariam nele? Não, evidentemente. Pensariam que ele inventava histórias para esconder sua culpa. Zarth Arn fazia suas pesquisas em segredo e ninguém, mesmo no ano 202115, acreditava ser possível a transferência de uma mente para um outro corpo através de dois mil séculos.
Gordon sacudiu os ombros e, sem uma palavra, seguiu o Comandante Corbulo.
No tapete rolante que descia em espiral para o subsolo do palácio, o velho marinheiro disse-lhe bruscamente:
— Zarth, estou convencido de que o senhor não é traidor. Sou obrigado a prendê-lo, mas pode contar comigo. Farei o que estiver ao meu alcance para proclamar sua inocência.
O inesperado apoio do velho oficial reanimou Gordon um pouco. Saindo de sua desesperada aflição, afirmou:
— Corbulo, juro-lhe que sou vítima de uma intriga diabólica! Meu pai não pode realmente acreditar que eu tenha traído o Império!
— O senhor sabe que o nosso Imperador tem um temperamento violento — replicou o Comandante. — Mas, assim ,que sua cólera aplacar, farei com que ouça a voz da razão!
Chegados a uma grande profundidade sob o palácio, encontraram-se diante de uma porta maciça, de metal, furada por um minúsculo orifício, na direção do qual Corbulo apontou a pedra do seu anel. Gordon viu um fio luminoso jorrar (da jóia. A porta deslizou ao longo da parede, revelando uma pequena cela, toda de metal liso.
— É uma cela das prisões secretas que seu pai fez instalar sob o palácio, príncipe Zarth. Nunca imaginei que um dia viria prendê-lo aqui. Mas tranqüilize-se, persuadirei o Imperador.
Com um gesto de agradecimento, Gordon apertou a mão do velho marinheiro e entrou na cela. A porta maciça voltou ao lugar.
Gordon estava encerrado numa peça exígua, de paredes lisas e nuas, das quais destacavam-se duas torneiras: da primeira corria água e da outra um fluido alimentício. O mobiliário se reduzia a um catre, coberto por um fino colchão.
Gordon deixou-se cair sobre esse leito. As palavras de Corbulo ainda ressoavam em seus ouvidos e o tranqüilizavam. Mas, após alguns minutos de reflexão, perdeu toda esperança. Mesmo se Corbulo e Jhal confiassem nele, nunca conseguiria provar sua inocência.
E depois, uma terrível suspeita infiltrou-se em seu espírito. Afinal de contas, ele talvez fosse culpado. Zarth Arn podia muito bem ter conspirado com Shorr Kan. E Gordon, perdido nas brumas de um passado multimilenario, seria provavelmente o último a saber.
"Não, é impossível!", pensou. "Zarth Arn é um cientista apaixonado. Não é um intrigante. Aliás, se tivesse conspirado, evitaria trocar de mente comigo, num momento tão desfavorável."
Mas, se Zarth Arn estava inocente, por que Shorr Kan lhe enviara uma mensagem fazendo alusão a entendimentos secretos ?
Por fim, Gordon desistiu.
"Fiz uma bobagem. Eu deveria adivinhar que a minha ignorância me arrastaria a um desastre se eu desempenhasse o papel de Zarth. Errei ao me lançar em tal aventura!"
A lembrança de Lianna cortou-lhe o coração. Mesmo que o Imperador escondesse a verdade a todos os convidados, seria obrigado a revelá-la a Lianna.
Também ela iria considerá-lo traidor? Seria abominável.
Durante um certo tempo, agitou-se na cela, presa de febril desespero. Depois caiu numa enorme apatia e adormeceu.
Quando Gordon abriu os olhos, teve a impressão de já estar na tarde do dia seguinte. A porta, ao abrir-se, acabou de acordá-lo.
Levantou-se e viu Corbulo entrar, acompanhado da Princesa, vestida com uma calça de linho e casaco preto.
— Lianna! — exclamou, não acreditando em seus olhos. — Lianna, que veio fazer aqui?
Ela caminhou para ele com passos decididos e pôs-lhe as mãos nos ombros. Pálida, com os olhos brilhantes, falou sem hesitar.
— Zarth, contaram-me as acusações que seu pai lhe fez. O Imperador deve ter perdido a razão.
Devorando-a com o olhar, ele perguntou:
— Não crê que eu seja traidor, Lianna?
— Sei que não é. Eu disse isso a Arn Abbas. Mas ele estava furioso demais para me ouvir.
Mais comovido do que pensara, Gordon respondeu:
— Bem, o que mais me torturava, Lianna, era pensar que a senhora poderia duvidar de mim.
O velho comandante, que se mantivera afastado, interveio:
— Ande depressa, Princesa, é preciso que tenhamos saído daqui dentro de vinte minutos, todos três, se não meu plano vai por água abaixo.
— Todos três? — repetiu Gordon. — Vão me levar também?
— Vou, Príncipe Zarth. Pensei muito. Tomei uma decisão. E a Princesa me apóia. É preciso que o senhor fuja e deixe Throon imediatamente.
— Corbulo, sua confiança me comove. Não sei como expressar-lhe minha gratidão, mas que pensarão de mim, se fugir?
— Príncipe, não há outra solução. Pensei convencer seu pai mas, infelizmente, descobriram outras mensagens de Shorr Kan em seus aposentos.
Gordon estava espantado.
— São falsas! Foram colocadas lá por traidores, para me incriminar.
— Estou convencido disso, Príncipe Zarth. Mas seu pai não quer mesmo me ouvir. Ele acredita na sua culpa. Está de tal maneira furioso que é capaz de mandar fuzilá-lo de uma hora para outra. Não quero dar-lhe essa oportunidade. Talvez eu esteja traindo a confiança dele, mas sei que mais tarde ele compreenderá, quando sua inocência for comprovada. É preciso, portanto, que o senhor se afaste de Throon até que eu tenha provado que foi vítima de uma intriga.
— Está tudo previsto — acrescentou Lianna. — Um cruzador ligeiro nos espera, pronto a se lançar no espaço. Essa nave nos levará a Fomalhaut. Lá estaremos ao abrigo de toda perseguição até que o Comandante e seu irmão tenham conseguido convencer o Imperador.
Com a garganta apertada, Gordon perguntou:
— Nós? Lianna, a senhora me acompanha nesta fuga? Por quê?
À guisa de resposta, ela o abraçou e ele sentiu os lábios da Princesa colarem-se aos seus.
— É por isso que eu partilho sua sorte, príncipe Zarth — murmurou ela.
— Mas então a senhora me ama, Lianna. É possível?
— Amo-o desde que me beijou depois do banquete, na Festa das Luas — confessou ela. — Até então o senhor me agradava, mas eu não esperava suplantar Murn em seu coração. O Senhor mudou tanto!
Os braços de Gordon enlaçaram a cintura fina de Lianna.
— Então é ao novo Zarth que a senhora ama?
— É o que lhe acabo de dizer — respondeu ela.
Na sua prisão subterrânea, bem no fundo do gigantesco palácio de Throon, Gordon sentiu uma alegria delirante invadir seu espírito. Que importavam perigos e conspirações?
Era ele, ainda que no corpo de um outro, que havia conquistado o amor da princesa! Embora ela nunca viesse a saber, não era Zarth Arn que ela amava, mas John Gordon!
FUGA NO VÁCUO
Mais uma vez a verdade subiu aos lábios de John Gordon. De toda sua alma, gostaria de revelar a Lianna o segredo de sua identidade, dizer-lhe que ele era um homem do passado, momentaneamente introduzido no corpo de Zarth Arn.
Mas não tinha esse direito. Dera sua palavra. E a princesa sofreria quando a deixasse, pois teria que fazê-lo um dia.
John Gordon já previa os sofrimentos nos quais se debateria até o fim de seus dias. Não era atroz abandonar aquela que o amava e a quem amava, pôr entre ela e ele dois mil séculos no tempo e metade de uma galáxia no espaço?
— Lianna, não deve fugir comigo — disse ele, bruscamente. — É muito perigoso.
— E a filha de um rei das estrelas teme o perigo? — perguntou ela, com os olhos brilhantes. — Não, Zarth, partiremos juntos. Aliás, sua vida está em jogo. Minha presença a bordo impedirá que o Imperador lance seus navios em sua perseguição e, quando estivermos no meu reino, ele não ousará mandar ninguém persegui-lo. Nas atuais circunstâncias, o Império tem necessidade de todos os seus aliados.
Gordon percebeu que aquela fuga talvez lhe permitisse escapar a todas as intrigas. Assim que tivesse deixado Throon, conseguiria provavelmente fazer a nave passar pela Terra, onde iria encerrar-se no laboratório e voltar para sua época.
Consumada a troca, o verdadeiro Zarth Arn resolveria a situação. Culpado ou não, isso só a ele dizia respeito. Aliás, seria muito mais fácil para ele provar sua inocência. Muito preocupado, Corbulo disse:
— Não podemos esperar mais. Os corredores estão vazios, agora. Daqui a pouco será muito tarde.
Sem ligar para os protestos de Gordon, Lianna pegou o pulso do noivo e puxou-o.
Corbulo abriu a pesada porta. Os corredores estavam pouco iluminados, desertos e silenciosos.
— Vamos pelo ramal menos usado do tubular. Um dos meus mais fiéis oficiais está esperando lá — disse Corbulo, rapidamente.
Apressaram o passo pelos corredores existentes sob o bem guardado castelo de Throon. Nenhum ruído saía da pesada estrutura sobre suas cabeças. Essas passagens secretas eram à prova de som.
Também não encontraram ninguém. Mas quando entraram num corredor amplo, Corbulo tomou mais cuidado. Finalmente, chegaram numa pequena sala que servia de vestíbulo a uma das passagens. Um veículo estava esperando.
Nesse momento, um homem, vestindo a farda da Marinha Imperial, saltou para o cais. Corbulo apresentou-o:
— Este é o Capitão Thern Eldred, Comandante do cruzador ligeiro Markab, que os conduzirá a Fomalhaut. Podem ter confiança nele.
O rosto esverdeado do capitão indicava ser oriundo de Sirius e seus traços fortemente marcados atestavam que ele passara inúmeros anos na Marinha Imperial. Inclinou-se diante do casal real e disse, com os olhos brilhantes:
— Princesa, príncipe Zarth, estou orgulhoso de cumprir esta missão. O Comandante me explicou tudo. Podem contar comigo e com meus homens para levá-los a qualquer ponto da Galáxia.
— Tenho, na verdade, a impressão de estar fugindo como um covarde — disse Gordon, sem jeito.
Corbulo deixou escapar uma praga de marinheiro sideral.
— Zarth, é a única oportunidade de sair com vida. Partindo, o senhor me dará tempo de juntar provas e convencer seu pai. Se ficar, ele é capaz de mandar executá-lo, de uma hora para outra.
Apesar de todos os perigos que o rodeavam, Gordon talvez tivesse ficado se sua evasão não lhe desse alguma esperança de retornar à Terra e ao laboratório de Zarth.
Apertou a mão do Comandante, ao qual Lianna murmurou :
— O senhor está arriscando sua vida por nós. Nunca esquecerei.
Entraram no veículo. Thern Eldred manipulou algumas alavancas. O veículo começou a correr e mergulhou na noite do túnel.
O capitão olhava freqüentemente o relógio.
— Está tudo minuciosamente cronometrado, Alteza — explicou ele a Gordon. — Meu cruzador, o Markab, está pronto para decolar, num canto afastado do porto. Oficialmente, vamo-nos juntar à esquadra que patrulha Sagitário.
— O senhor também arrisca sua vida por nós, Capitão — frisou Gordon.
— O Comandante Corbulo sempre foi um pai para mim
— disse o nativo de Sirius, sorrindo. — Como poderia ter recusado a missão que me confiou?
O veículo parou num outro pequeno vestíbulo, onde dois oficiais de marinha, armados com pistolas atômicas, montavam guarda.
Saudaram Gordon e Lianna. Depois Eldred, caminhando com passos largos, conduziu seus protegidos para a escada rolante.
— Levantem as golas de suas capas para esconder os rostos até que estejamos a bordo do Markab — disse ele. — Depois, nada mais terão a temer.
Chegaram à superfície num canto do espaçoporto. Era noite. As duas luas douradas iluminavam o céu estrelado e seus raios brilhavam sobre imensas naves e gigantescos guindastes. Passando ao lado de uma delas, Gordon reparou suas baterias de canhões atômicos erguidas para o céu, como se ameaçassem as estrelas.
O capitão ergueu a mão e sussurrou-lhes que se escondessem na sombra de um guindaste, para deixar passar um grupo de marinheiros, que desembarcavam com uma alegria ruidosa. Imóvel na escuridão, Gordon sentiu os dedos esguios de Lianna apertarem sua mão. O rosto dela, apenas visível na sombra, o encorajava, com um sorriso cheio de orgulho.
Então Thern Eldred deu sinal de partida.
— Agora apressemo-nos! — Ele suava. — Estamos atrasados. . .
Correram ao longo do cais. Finalmente, o casco negro do Markab, apareceu, sob os raios das luas, longo como um peixe. Através das vigias, as luzes brilhavam e ouvia-se um suave zumbido na popa do cruzador ligeiro.
Lianna e Gordon acompanharam o capitão e seus dois oficiais até a rampa. O portaló abriu-se... Mas, de repente, o silêncio foi violentamente quebrado.
Por todo o espaçoporto, alto-falantes transmitiam o som de uma sereia de alarme. Então uma voz de homem, rouca e emocionada, começou a falar:
— Alerta geral para toda a frota! Arn Abbas acaba de ser assassinado!
Gordon ficou gelado e apertou brutalmente o braço de Lianna, ao mesmo tempo em que parava na rampa de acesso. A voz continuava a gritar:
— Quem encontrar o príncipe Zarth, deve prendê-lo imediatamente !
Gordon gritou:
— Meu Deus! Arn Abbas assassinado... e pensam que fui eu que o matei e fugi!
O alerta espalhava como um rastro de fogo por todo o porto sideral. A voz transmitida pelos alto-falantes repetia incansavelmente a mensagem. Por todos os lados, ouviam-se toques e viam-se homens correndo, gritando.
Ao sul, passando sobre as torres de Throon, naves reluzentes mergulhavam no espaço e se dispersavam pelos pontos cardeais.
Thern Eldred tentou empurrar Gordon e Lianna pela rampa.
— Apressem-se, Altezas! É a última oportunidade de salvação! — gritou o homem de Sirius.
— Fugir e dar a entender a todos que assassinei Arn Abbas? — gritou Gordon. — Por nada neste mundo. Voltaremos imediatamente ao palácio.
Lívida, mas sempre corajosa, Lianna concordou.
— Tem razão. O assassinato de seu pai abalará o Império! Seu lugar é ao lado de Jhal.
Gordon tornou a descer a rampa. Mas Thern Eldred, com o rosto esverdeado crispado por uma expressão de raiva, apontou-lhe uma pequena arma de vidro.
Era uma espécie de vareta de vidro na extremidade da. qual um crescente do mesmo material terminava em duas. pontas metálicas. Ele a apontou para o rosto de Gordon.
— Cuidado, Zarth! É um paralisador! — gritou Lianna, que reconheceu a arma, enquanto Gordon não sabia de que se tratava.
Ignorava, evidentemente, que o paralisador era uma pistola que permitia pôr fora de combate um adversário sobre o qual podia-se atirar à queima-roupa. As duas extremidades do crescente de vidro lançavam uma espécie de eletrochoque de alta tensão, que se propagava pelos nervos e paralizava o cérebro do adversário.
Foi exatamente o que aconteceu: o crescente de vidro aflorou o queixo de Gordon, que, imediatamente, sentiu o raio fulgurar dentro de sua cabeça.
Sentiu-se cair, com os músculos contraídos e com os nervos e o cérebro dormentes. Imaginou ter ouvido muito ao longe a voz de Lianna, quando ela inclinou-se sobre ele.
Depois nada percebeu porque flutuava na escuridão e tinha a impressão de estar assim há séculos e séculos.
Quando voltou a si, a primeira coisa que sentiu foi que seus membros estavam doloridos e crispados. Deitado em algo liso e duro, ouvia um zumbido contínuo.
Abriu os olhos penosamente e viu-se numa pequena cabina metálica, sumariamente mobiliada e parcamente iluminada.
Lianna, com o rosto lívido e de olhos fechados, jazia num beliche ao lado do seu. Por uma estreita vigia viu o céu, no qual cintilavam miríades de estrelas. Então reconheceu o zumbido que o havia espantado ao acordar: era o barulho das possantes turbinas atômicas e dos propulsores da nave sideral.
"Meu Deus!", pensou, "estamos no espaço! Thern Eldred nos seqüestrou e está nos levando para..."
De fato, estavam a bordo do Markab, que navegava através do vácuo galáctico a uma velocidade incrível.
Lianna mexeu-se. Gordon levantou-se, aproximou-se da Princesa e fez massagens em seus pulsos e rosto até que ela abriu os olhos.
Ela recuperou imediatamente a memória e percebeu instantaneamente a situação.
— Seu pai foi assassinado! — disse ela a Gordon. — E em Throon pensam que você é o culpado!
Desolado, Gordon sacudiu a cabeça e respondeu:
— É preciso voltar imediatamente ao palácio. Vou procurar convencer Thern Eldred.
Mas quando tentou abrir a porta, não conseguiu. Estavam prisioneiros.
A voz de Lianna fê-lo voltar-se. A moça estava na vigia olhando para fora. Seu rosto estava extremamente pálido.
— Zarth, venha cá!
Foi para o lado dela. A cabina estava situada junto a proa. A curvatura da fuselagem permitia-lhes ver através da vigia o ponto para o qual a nave se dirigia.
— Não estão nos levando para Fomalhaut! — disse Lianna. — Thern Eldred traiu-nos!
O olhar de Gordon perdeu-se na floresta faiscante de estrelas, que se espalhava pelo espaço.
— Que significa isso? — perguntou. — Para onde Thern Eldred está nos levando?
— Olhe a oeste da Nebulosa de Orion, bem na nossa frente — disse Lianna.
Gordon olhou para o ponto que ela mostrava na janela oval. As "janelas" de uma nave espacial não são simples aberturas, mas vídeos operados pelos raios subespectrais, mais velozes que a luz. Por isso, quando uma nave desloca-se mais rapidamente que os raios luminosos, essas janelas dão-lhe um quadro verdadeiro do espaço circundante.
Gordon viu, de fato, ao longe, na solidão estrelada, um: pequeno orifício negro à frente da nave. Um orificiozinho negro que parecia ter devorado um pedaço do firmamento estrelado.
Viu imediatamente do que se tratava. A Nuvem! Era efetivamente para aquele universo misterioso, continuamente mergulhado na penumbra, no centro do qual estavam as estrelas e planetas da Liga dos Mundos Escuros, dominada por Shorr Kan, que o Markab se dirigia!
— Estão nos levando para a Nuvem! Zarth, foi um golpe de Shorr Kan! — exclamou Lianna.
CONSPIRAÇÃO GALÁCTICA
A verdade finalmente ficou clara para Gordon. Desde que assumira a personalidade de Zarth Arn, tudo o que lhe acontecia era devido à instigação do maquiavélico intrigante que governava a Liga dos Mundos Escuros. Graças a seus numerosos agentes secretos, Shorr Kan conseguira envolvê-lo no conflito que punha, frente a frente, as duas gigantescas confederações galácticas. Finalmente, começava a ver claro e concluiu que Thern Eldred era um dos agentes do inimigo!
— Agora compreendo! — disse ele à Princesa, estupefata. — Thern Eldred trabalha para a Nuvem e traiu a confiança do Comandante Corbulo!
— Mas por que fizeram isso, Zarth? Por que o acusaram, de ter assassinado seu pai?
— Para me comprometer irremediavelmente e não poder voltar a Throon!
Lianna empalidecera e olhava para ele gravemente.
— E o que nos acontecerá quando chegarmos à Nuvem? — perguntou a Princesa.
Gordon sentiu uma enorme apreensão. Ele era o culpado do perigo mortal que ela corria. Lianna tinha querido ajudá-lo e se metera na boca do lobo com ele.
—. Lianna, eu sabia que a senhora não devia ter vindo comigo! Se lhe acontecer alguma coisa. . .
Parou porque a porta abriu-se e Thern Eldred apareceu na soleira.
Vendo o siriano olhá-lo com um sorriso cínico pálido na face esverdeada, Gordon atirou-se sobre ele, presa de uma fúria louca.
Com um gesto rápido, o capitão do Markab puxou do cinto a pequena arma de vidro.
— Veja, estou armado — advertiu secamente. — Controle-se, se não quiser continuar esta viagem desacordado.
— Traidor! O senhor desonrou seu uniforme: traiu o Império !
Thern Eldred sacudiu a cabeça calmamente.
— Há anos sou dos melhores agente de Shorr Kan. Quando chegarmos a Thallarna, espero ser calorosamente felicitado por ele.
— Thallarna? A misteriosa capital da Liga? — perguntou Lianna. — Então é mesmo para a Nuvem que o senhor nos leva ?
Eldred confirmou.
— Chegaremos dentro de quatro dias. Felizmente, conhecendo o itinerário das patrulhas do Império como conheço, posso seguir uma rota que nos evitará um encontro desagradável.
— Então Arn Abbas foi assassinado pelos espiões da Liga! — exclamou Gordon, indignado. — O senhor sabia que esse crime seria- cometido no momento da minha evasão e por isso estava tão apressado!
— Mas é claro! — respondeu o capitão, com um sorriso glacial. — A conspiração desenrolou-se dentro de um esquema perfeitamente cronometrado, sem atrasos. Era preciso que sua fuga se desse alguns minutos depois do assassinato do Imperador, a fim de que ninguém duvidasse de sua culpa. Conseguimos.
— Ainda não! Ainda não chegamos na Nuvem! Corbulo sabe que sou inocente! Ele descobrirá essa conspiração e mandará uma esquadra em nossa perseguição.
Thern Eldred olhou para ele, espantado, e depois atirou a cabeça para trás, numa grande risada que encheu seus olhos de lágrimas.
— Desculpe-me, príncipe Zarth — zombou ele — mas senhor disse uma coisa muito engraçada! Então o senhor não percebeu nada? Por que haveria Corbulo de me perseguir? Foi ele o organizador de tudo!
— O senhor está maluco! — exclamou Gordon. — Corbulo é o mais fiel oficial do Império!
— É verdade, mas é apenas um oficial, apenas o Comandante da frota, pouco para as ambições dele. Corbulo trabalha secretamente há alguns anos para Shorr Kan, com mais alguns oficiais como eu.
Os olhos do siriano brilharam.
— Shorr Kan prometeu-nos que, assim que tiver destruído o Império, dará um reino sideral a cada um. O de Corbulo será o maior.
O siriano parecia sincero na sua cínica confissão. A incredulidade de Gordon esfumou-se.
Horrorizado, percebeu que era tudo verdade, que Chan Corbulo, Comandante-em-Chefe da frota imperial, podia perfeitamente ser um agente do inimigo!
Aquela hipótese explicava tudo. Por que Corbulo havia desrespeitado as ordens do Imperador e facilitado sua evasão? Por que não impedira a partida do Markab, quando soube do assassinato de Arn Abbas?
Adivinhando o que se passava na mente de Gordon, Thern Eldred sorriu:
— O senhor finalmente percebeu com que facilidade o enganamos. Foi o próprio Corbulo quem matou Arn Abbas ontem à noite e ele jurará que viu o senhor matar seu pai.
Lianna ficou lívida e perguntou, incrédula:
— Mas por quê? Por que incriminar Zarth?
— Porque — sorriu o siriano — é a melhor maneira de esfacelar o Império e abrir caminho para um ataque da Nuvem. E há ainda outra razão, que Shorr Kan lhes dirá pessoalmente.
A malícia, o triunfo, visíveis nos olhos de Thern Eldred, fizeram explodir a raiva que crescia em John Gordon.
Ele mergulhou para a frente, sem se preocupar com o grito de advertência de Eldred. Procurou, com uma rápida manobra do corpo, evitar o paralisador do outro. Seu soco atingiu o rosto do siriano.
Thern Eldred caiu para trás e Gordon pulou sobre ele como uma pantera. Mas o siriano conseguiu agarrar a arma. E antes que Gordon conseguisse tomá-la, Thern Eldred desesperadamente apontou-a outra vez.
O crescente na ponta da haste de vidro tocou o pescoço de Gordon. O raio glacial fulgurou dentro da cabeça dele. Sentiu perder os sentidos rapidamente.
Quando Gordon acordou pela segunda vez, estava estendido num dos beliches. Mas seus membros estavam ainda dormentes e mais doloridos. Lianna, sentada a seu lado, examinava-lhe o rosto ansiosamente.
— Zarth! — disse ela aliviada, quando ele abriu os olhos. — Já estava ficando preocupada. O senhor ficou inconsciente o dia todo!
— Estou... bem — murmurou ele, tentando sentar-se. Mas, usando ambas as mãos, ela obrigou-o a ficar deitado.
— Não, Zarth. . . espere passar o efeito do eletrochoque. Gordon olhou pela vigia. As estrelas não pareciam ter mudado. Mas pôde perceber que a mancha negra da Nuvem crescera um pouco na distante floresta de sóis. Lianna acompanhou seu olhar.
— Deslocamo-nos a uma velocidade formidável, mas o Markab só atingirá a Nuvem daqui a alguns dias. Enquanto isso, talvez tenhamos a oportunidade de encontrar uma patrulha imperial.
— Não conte com isso, Lianna — respondeu Gordon. — O Markab é um cruzador imperial. As patrulhas, portanto, vão deixá-lo passar sem problemas. E se Corbulo é mesmo o chefe da conspiração, dará um jeito para afastar todas as patrulhas da nossa rota, a fim de evitar o menor tropeço.
— Não parei ainda de pensar e não posso acreditar. A traição de Corbulo parece um absurdo! E apesar disso. . .
Gordon, porém, não tinha a menor dúvida. A evidência era esmagadora.
— Corbulo é um ambicioso. Por ambição, certos homens são capazes de trair — murmurou.
Então percebeu as implicações: "Meus Deus, isso quer dizer que, se a Liga atacar o Império, o Comandante das forças imperiais sabotará a defesa!", pensou ele.
Apesar dos conselhos de Lianna, Gordon levantou-se penosamente do beliche.
— Se, pelo menos, pudéssemos dar um jeito de enviar uma mensagem a Throon! Isso pelo menos poria Jhal de sobreaviso !
Lianna sacudiu a cabeça, tristemente.
— Acho que deveremos perder a esperança a partir do momento em que estivermos presos na Nuvem. Shorr Kan dará um jeito de nunca mais sairmos.
Tudo aquilo redemoinhava na cabeça de Gordon, num perturbador caos de fatores conhecidos e desconhecidos, durante as horas seguintes.
Algumas coisas, porém, apareciam claramente. Uma delas era que todos o tomavam por Zarth Arn. Todos pensavam, portanto, que ele conhecia o segredo do disruptor, a misteriosa arma conhecida apenas por Arn Abbas e seus dois filhos.
Fora por isso que Corbulo urdira aquela maquiavélica conspiração, graças à qual Shorr Kan contava apoderar-se do segredo! Assim que o conhecesse, o chefe dos Mundos Escuros nada mais teria a temer do império. Com a cumplicidade de Corbulo, teria garantida uma vitória fácil!
As turbinas do Markab zumbiam. Quando a sineta de quarto acusou a tarde de um dia arbitrário, o aspecto do firmamento havia mudado. A Nebulosa de Orion, em sua glória titânica, incendiava o céu a leste.
A nave já a ultrapassara e mergulhava agora para os sóis mais longínquos da Galáxia, além dos quais a Nuvem Negra, aumentando sem cessar revelava suas proporções gigantescas.
Nem o capitão, nem qualquer outro oficial, entraram mais na cabina. Portanto, era impossível atacá-los. Aliás, Gordon remexeu em tudo e não encontrou o menor objeto que pudesse servir de arma. Quanto a tentar uma evasão, era ainda mais impossível.
O destino de Lianna o preocupava mais e não cansava de repetir para si mesmo:
"Por que a trouxe comigo? Por que aceitei sua ajuda?"
Mas a princesa em nada parecia assustada.
— Zarth, pelo menos vivemos uns dias juntos — disse ela. — Talvez seja o nosso único instante de felicidade.
Um impulso de ternura agitou Gordon e ele quase tomou-a nos braços. Mas conteve-se.
— Lianna — disse, contrafeito — a senhora deve tentar dormir.
A moça olhou para ele com um pequeno sorriso pensativo e perguntou:
- Por que, Zarth? O que está acontecendo?
Gordon tinha uma vontade louca de abraçá-la, de beijá-la, mas sucumbir à tentação seria uma odiosa traição.
Trairia Zarth Arn, que lhe confiara sua personalidade e seu corpo! Trairia também Lianna pois, se conseguisse atingir o laboratório no alto do Himalaia, Gordon desapareceria do futuro, para o qual Zarth Arn tornaria a voltar, Zarth que amava Mura e não Lianna.
"Isso nunca acontecerá", murmurou uma voz insinuante e tentadora no subconsciente de Gordon. Vocês nunca fugirão da Nuvem. !'Pega a felicidade pelos cabelos!"
Mas Gordon repeliu essa voz insinuante e, para liquidar o assunto, declarou bruscamente à moça espantada:
— Lianna, esqueça por favor a confissão que lhe fiz. Não pode haver uma ligação amorosa entre nós.
— Mas, Zarth, em Throon, há poucos dias, o senhor disse me amar! — exclamou ela, mais incrédula e estupefata que indignada.
Desesperado, Gordon sacudiu a cabeça.
— Eu sei e lamento, Deus é testemunha. Fiz mal em falar daquela maneira.
Nuvens passaram pelos olhos cinzentos de Lianna e ela empalideceu tanto que até seus lábios ficaram brancos.
— Quer dizer que o senhor continua amando Murn? Que responder? Tentado a confessar a verdade, saiu pela tangente:
— Zarth Arn continua apaixonado por Murn. É preciso que a senhora saiba, Lianna.
A incredulidade cedeu lugar, no pálido rosto de Lianna, a uma enorme dor que transbordou de seus olhos cinzentos.
Gordon esperava um acesso de cólera, acusações violentas, e preparou-se para enfrentá-los. Mas aquela dor profunda e silenciosa o arrasou.
"Para o diabo com a minha promessa!", pensou, furioso. "Zarth Arn me desculparia se soubesse a encrenca em que estou metido!"
Pegou na mão de Lianna, inclinou-se para ela, olhou-a nos olhos e declarou gravemente:
— Vou confessar-lhe toda a verdade! Zarth Arn não a ama. . . mas eu sim.
Prosseguiu febrilmente:
— Não sou Zarth Arn. Sou um outro homem, vivendo no corpo do príncipe. Sei que isso parecerá incrível. No entanto. . .
Ela, evidentemente, não acreditou e, suspeitando que ele estava recorrendo a um subterfúgio estúpido, calou-o severamente.
— Pelo menos pare de mentir! — acrescentou.
— Não estou mentindo. É a pura verdade! — insistiu ele. — Fisicamente, é mesmo Zarth Arn quem está na sua frente mas, apesar disso, sou um homem totalmente diferente dele!
Esta tentativa foi tão vã quanto a primeira. Ela não aceitava a verdade. Nunca a aceitaria.
E por que esperaria ele que ela acreditasse? Se alguém lhe houvesse contado uma história semelhante, também ele não acreditaria.
Desde a morte de Vel Quen, John Gordon era possuidor de um segredo fantástico; se o proclamasse por todo o Império, ninguém acreditaria.
O rosto magoado de Lianna se acalmara. A corajosa princesa recuperara o sangue-frio.
— É inútil inventar histórias semelhantes, Zarth, para justificar sua inconstância. Não creio em desdobramento de personalidades. Creio apenas que o senhor cumpriu seu dever com o Império. Teve medo, naturalmente, de que eu, no último instante, me recusasse a casar com o senhor e por isso fingiu me amar, para garantir o meu apoio e o de Fomalhaut.
— Juro-o, Lianna, não é nada disso! Mas para que me justificar se a senhora não tem confiança em mim?
Desprezando seus protestos, a Princesa continuou:
— Era inútil fingir amor; eu teria de qualquer maneira casado com o senhor porque, se o Império tem necessidade de estreitar sua aliança com meu reino, a sorte de Fomalhaut depende também dessa aliança. No entanto, sou uma mulher como as outras. E quando o senhor me fez acreditar que me amava, fiquei feliz. Tudo isso é um mal-entendido. Apesar de tudo, vamos nos casar. Mas espero que, daqui por diante, o senhor seja honesto e que manteremos nosso acordo primitivo; nossa união será apenas aparente.
John Gordon gostaria de protestar, defender-se, convencer, mas calou-se. A solução proposta por Lianna era a única viável.
Permitia que Zarth Arn reocupasse seu lugar sem que nada tivesse mudado.
— Está bem, Lianna. Repito-lhe que não menti. Mas, na situação em que estamos, nada mais tem importância.
Apontou para a vigia. À frente da nave, no estrelado vácuo sideral, a mancha monstruosa da Nuvem tornava-se cada vez maior e mais próxima.
— Aparentemente, não temos nenhum meio de escapar às garras de Shorr Kan — disse Lianna. — Mas se a sorte nos ajudar e recuperarmos a liberdade, serei sempre sua aliada. Nossos sentimentos pessoais não devem nos fazer esquecer nossos deveres e atualmente temos um que se sobrepõe a todos os outros: voltar a Throon e alertar seu irmão contra os traidores que o rodeiam.
No decorrer das horas seguintes, Gordon verificou que as oportunidades de escapar não cessavam de diminuir. A velocidade do Markab parecera aumentar e a Nuvem Negra crescia cada vez mais depressa.
Quando a noite chegou, e as luzes da nave automaticamente diminuíram, deitou-se no beliche e pensou amargamente que era vítima da maior farsa já armada contra um homem desde que o mundo era mundo.
A moça que partilhava sua cabina amava-o e ele a amava. Dentro em breve, se ele ainda vivesse, dois mil séculos os separariam para sempre e até o fim de seus dias ela pensaria ter tratado com um mentiroso.
NA NUVEM CÓSMICA
Na manhã seguinte, verificaram que a Nuvem Negra ocupava a metade do firmamento. Os detalhes de sua forma apareciam nitidamente. Era uma esfera girando no espaço, que arrastava atrás dela volutas negras esgarçadas, semelhantes aos tentáculos de um polvo monstruoso, pronto a abarcar toda a galáxia com suas ventosas.
Quatro couraçados escoltavam agora o Markab. Exibiam na proa o disco negro, emblema da Liga dos Mundos Escuros. Navegavam tão perto e tinham ajustado tão precisamente sua velocidade à da nave imperial, que podiam ser vistos claramente.
— Deveríamos ter imaginado que Shorr Kan nos faria escoltar — murmurou Lianna. Ele deve estar contente. Breve terá o segredo do disruptor em seu poder, graças à sua prisão.
— Quanto a isso, não se preocupe — respondeu Gordon. — Se ele está contando comigo para lhe revelar o segredo, não o terá nunca.
— Eu sei que o senhor não é traidor. Mas dizem que os cientistas da Liga são especialistas em matéria de torturas e ninguém sabe até onde é possível resistir diante da dor.
Gordon riu amargamente, mas insistiu:
— Quaisquer que sejam minhas fraquezas e as torturas que eu possa sofrer, Shorr Kan ficará decepcionado.
As cinco naves cada vez se aproximavam mais da Nuvem. Todo o universo à frente delas era escuro e movente.
Então, mantendo a mesma rígida formação, as naves mergulharam na Nuvem.
Foram envolvidos pela escuridão. Não uma escuridão total. Gordon viu que a poeira cósmica era muito menos densa do que parecia. De tempos em tempos, percebia, no meio das nuvens, a imagem de sóis bruxuleantes.
Aqueles sóis só eram visíveis a alguns parsecs de distância ; seu brilho tinha qualquer coisa de lúgubre, de infinitamente triste e, mesmo, de apavorante.
O Markab contornou alguns de muito perto e Gordon percebeu que planetas giravam em torno deles, bem como de outros sóis. Mas aqueles planetas estavam tão fracamente iluminados que mal apareciam, assemelhando-se, antes, a pontos ainda mais negros girando na poeira cósmica. Os seres que viviam neles não conheciam a alegria das auroras brilhantes, dos dias quentes e dos ocasos maravilhosos! Só conheciam os dias sombrios que engendram o desespero.
Orientando-se pelo radar, as naves mergulhavam cada vez mais profundamente na Nuvem e só no dia seguinte começaram a diminuir a marcha.
— Agora devemos estar perto — disse Gordon. Lianna concordou e mostrou um sol avermelhado, que luzia fracamente.
— Thallarna! — murmurou ela. — Capital da Liga dos Mundos Escuros e cidadela de Shorr Kan.
No decorrer das horas seguintes, apareceram pequenos meteoros que os obrigaram a desviar-se e mudar de curso várias vezes. O alarme contra meteoros fazia-se ouvir a cada instante e quando um maior que os outros parecia precipitar-se ao encontro da nave, era desintegrado pela aparelhagem da energia atômica.
Estranhas luminosidades esverdeadas flutuavam em zonas particularmente escuras, onde a nuvem, mais densa, era com posta de meteoros pulverizados. Assim que o Markab penetrou nessa zona, o sol avermelhado deixou de ficar visível. E toda vez em que a nave dela saía, Gordon constatava que o astro havia crescido.
— Não foi por acaso que eles escolheram Thallarna para construir lá a capital — murmurou Lianna. — O acesso é difícil e os invasores custariam a encontrar o caminho através dessas nuvens turbilhonantes.
De perto, o sol em torno do qual Thallarna gravitava parecia um astro envelhecido, uma fornalha prestes a extinguir-se e seus raios iluminavam a imensidão enevoada com uma luz sinistra. Apesar disso, brilhava no centro da grande Nuvem Negra, semelhante a um olho malévolo.
Finalmente, o próprio planeta tornou-se visível. Girava sozinho em torno do seu sol. Planícies esbranquiçadas e florestas estranhas, de aspecto esponjoso, cobriam uma grande parte de sua superfície. Sobre as ondas de ébano de um oceano de tinta, os raios do sol avermelhado espalhavam longas estrias sangrentas.
O Markab aproou na direção de uma cidade gigantesca, negra e maciça, um aglomerado de cubos enormes, alinhados sem estética.
Lianna abafou uma exclamação e apontou para as fileiras de docas situadas no fim da cidade. Gordon viu o prodigioso porto e notou uma intensa atividade nele. Milhares de naves negras estavam alinhadas ao longo dos cais. Por todos os lados, os guindastes trabalhavam incessantemente.
— É claro que a frota de Shorr Kan está se preparando para a luta — disse ela. — E há ainda muitas outras bases neste planeta e em outros pontos da Nuvem. A Liga está mais armada do que pensávamos.
— Mas Jhal Arn está certamente reunindo todas as forças do império. Ele tem o disruptor e, se Corbulo for posto em estado de não perturbar, o Império pode resistir ao ataque — respondeu Gordon.
O Markab separou-se de sua escolta, que ficou para trás, <e mergulhou na direção de um cubo colossal: o cais.
Assim que pousou, soldados afluíram de todos os lados. Usavam uniforme negro. Gordon ficou espantado ao ver a incrível palidez de todos eles.
Alguns minutos mais tarde, a porta da cabina abriu-se. Thern Eldred apareceu em companhia de dois oficiais da Liga.
— Mal chegamos e acabo de saber que Shorr Kan quer vê-los imediatamente — disse o traidor. — Peço-lhes não resistir, pois seria um gesto inútil.
Depois de ter sido posto fora de combate duas vezes seguidas pelo paralisador, Gordon não duvidava da inutilidade da resistência. Segurando a mão de Lianna, respondeu:
— Quanto mais depressa, melhor!
Os iqualizadores de gravidade, que todos os viajantes do espaço usavam na cintura, permitiram-lhes pisar no planeta Thallarna sem sentirem nenhuma diferença de gravidade. O ar era enregelante e o sentimento de depressão era aumentado pela tenebrosa escuridão que aumentava com o pôr-do-sol vermelho-
A sombra tornou-se mais espessa e Gordon verificou, melancolicamente, que o ambiente do planeta se prestava às mil maravilhas para a elaboração de tenebrosas conspirações como a de que era vítima.
— Este é Durk Undis, importante oficial da Liga — estava dizendo o siriano. — Durk, estes são o príncipe Zarth Arn e a princesa Lianna.
Durk Undis era moço. Embora não fosse antipático, seu rosto pálido e os olhos grandes, davam-lhe um ar de fanatismo.
Chegaram a uma porta. Durk Undis inclinou-se diante de Gordon e da Princesa, declarando secamente;
— Nosso Comandante os espera.
Gordon viu um clarão de triunfo passar pelo seus olhos e pelos dos soldados que com eles cruzavam.
Naturalmente estavam a par e exultavam com a captura do filho de Arn Abbas, seu mais poderoso inimigo.
Passada a porta, encontraram-se num vestíbulo, de onde partiam calçadas rolantes que desapareciam em túneis. Essas salas de paredes nuas e cinzentas não tinham nenhum enfeite. Durk Undis disse, orgulhosamente:
— Nossa capital surpreende-os, naturalmente. Não temos luxos inúteis aqui.
A simplicidade espartana e a austera sobriedade dos cais, salas e túneis contrastavam, de fato, com o esplendor e a magnificência de Throon. Aqui, todos pareciam usar farda. Estava-se na capital de um império militarista.
A calçada rolante conduziu-os até uma porta ainda mais maciça que a primeira, junto da qual montavam guarda soldados da Liga, armados de fuzis atômicos. Os guardas afastaram-se e a porta abriu-se.
Durk Undis e Thern Eldred ladeavam Gordon e Lianna, ao entrarem na sala protegida.
Era uma sala ainda mais despojada, mais triste do que tudo quanto haviam visto antes. A mobília se limitava a uma única mesa, uma banqueta e alguns visores e telas. Uma janela abria para a escuridão que banhava Thallarna.
O homem que estava sentado atrás da mesa, levantou-se. Era alto, de ombros largos e ainda não atingira a casa dos quarenta. Seus cabelos negros eram cortados à escovinha. Seu rosto, lívido como os dos seus compatriotas, tinha traços duros e severos, tão duros quanto seus olhos negros, por onde passava,, de quando em quando, um clarão de malícia.
— Shorr Kan, Comandante da Liga dos Mundos Escuros — anunciou Durk Undis, com um acento de respeito quase religioso. Depois, acrescentou: — Chefe, eis os prisioneiros!.
Shorr Kan mal deu um olhar a Lianna e concentrou sua atenção no rosto de Gordon.
— Thern Eldred, você fez um bom trabalho. Chan Corbulo e você acabam de provar sua dedicação à Liga. Fique certo de que lhes seremos reconhecidos — disse Shorr Kan, com voz seca. — E agora, volte o mais depressa possível. Incorpore o Markab à esquadra a que pertence, para evitar suspeitas.
Thern Eldred concordou com um aceno de cabeça e disse:
— Imediatamente. Assim, estarei a postos para executar as ordens que o senhor me enviar por intermédio de Corbulo.
Shorr Kan acrescentou:
— Pode ir também, Durk. Interrogarei sozinho meus dois hóspedes involuntários.
— Deixá-los a sós com o senhor? Eles não estão armados, mas. . . — preocupou-se Durk Undis.
Shorr Kan fulminou o jovem fanático com um olhar severo:
— Acha que esse pequeno príncipe me mete medo? E mesmo que fosse preciso correr um risco, pensa que eu hesitaria?
Acrescentou, com um tom dramático:
— Breve, milhões de homens oferecerão alegremente suas vidas pela causa. Já que sou o chefe deles, devo pelo menos dar provas de uma coragem igual. A partir de agora, nosso sucesso depende de nossa coragem e venceremos. Retomaremos, pela força, os direitos que nos foram arrebatados pelos insaciáveis imperadores da Galáxia. Eles esperavam nos condenar ao exílio perpétuo, longe da luz e do calor. Breve deixaremos os Mundos Escuros e gozaremos a mesma felicidade dos outros homens. Para conseguir isso, não recuaremos diante de nenhum sacrifício, mesmo o da nossa vida.
Durk Undis inclinou-se, quase devotamente. O homem de Sirius também e ambos se retiraram.
A eloqüência tonitruante de Shorr Kan espantava Gordon, mas sua surpresa ainda não chegara ao fim.
Assim que a porta foi fechada, o chefe da Liga deixou-se cair na banqueta e sorriu para os prisioneiros.
— Que achou do meu pequeno discurso, Zarth Arn? Sei que é uma bobagem, mas eles adoram isso!
Aquela súbita transformação deixou Gordon estupefato.
— Então o senhor não acredita no que diz? — perguntou .
— Tenho jeito de imbecil? — replicou Shorr Kan, rindo. — Só os fanáticos podem tragar essas bobagens. Mas também só os fanáticos são capazes de se lançar numa tarefa tão gigantesca quanto fazer uma guerra contra o Império de Arn Abbas. Devo, portanto, cultivar-lhes o fanatismo e passar aos olhos deles como o mais fanático de todos. Por isso repito, sem cessar, as mesmas fórmulas vazias.
Levantou-se e apanhou duas cadeiras atrás de uma cortina. Deu-as aos prisioneiros e declarou, com simplicidade.
— Gostaria de oferecer-lhes uma bebida mas não ouso ter qualquer líquido alcoólico na minha sala. Se fôr descoberto, a auréola que meus partidários vêem em torno de minha cabeça será destruída. Duvidarão da minha austeridade, da minha fé e do meu devotamento aos povos da Liga.
Calou-se e ficou olhando os interlocutores com um jeito ao mesmo tempo cínico e malicioso.
— Estou muito bem informado sobre o senhor, Zarth Arn, e conheço-o melhor do que imagina. Sei que é apaixonado por pesquisas científicas e que, mesmo faltando-lhe um pouco de senso prático, nem por isso deixa de ser muito inteligente. Também não ignoro que sua noiva, a princesa Lianna, não é uma pessoa qualquer. Tanto melhor! Assim nos entenderemos mais facilmente. Prefiro discutir com pessoas inteligentes em vez de fazê-lo com meus pobres partidários ignorantes, diante dos quais só se podem dizer frases vazias sobre o destino, o dever, a missão sagrada etc.
Passado o espanto, Gordon começou a compreender o caráter daquele homem poderoso, cujos projetos semeavam a inquietação em toda a Galáxia.
De uma inteligência fora do comum e de um cinismo descarado, impiedoso, astucioso e fino como uma lâmina, assim era Shorr Kan.
Diante desse Maquiavel, Gordon sentia-se pequeno e fraco. Seu sentimento de inferioridade tornava-o furioso.
— Espera que eu discuta calmamente com o senhor, quando estou aqui contra minha vontade e suas intrigas me fazem passar por parricida aos olhos dos meus concidadãos? — perguntou Gordon.
— Vamos, vamos. Reconheço que tudo isso é muito desagradável para o senhor. Mas, se eu o tivesse convidado, o senhor não teria vindo. E se os homens que mandei ao seu laboratório terrestre tivessem conseguido capturá-lo, eu não teria sido obrigado a recorrer a um assassinato e a maquinações tão tenebrosas.
Sacudiu tristemente a cabeça e acrescentou:
— Veja como os planos mais hábeis podem ser prejudicados por um detalhe imprevisível. Corbulo nos forneceu em tempo hábil o itinerário e o horário de todas as patrulhas imperiais navegando entre a Terra e a nossa Nuvem. Normalmente, os que enviei para seqüestrá-lo deveriam passar despercebidos. Mas teria de existir esse diabo desse antariano para cometer uma indisciplina e fazer a empresa fracassar! Isso me obrigou a recorrer a outros meios. Não achei nada melhor que enviar-lhe uma mensagem incriminadora, colocando-o em má situação. Corbulo, é claro, tinha ordens para "descobrir" meu mensageiro e mais tarde garantir a fuga do senhor de Throon, de forma a que a culpa do assassinato de Arn Abbas, cometido por ele, lhe fosse atribuída!
Gordon, como se não tivesse entendido, insistiu:
— Então Chan Corbulo está a seu serviço? Shorr Kan arreganhou os dentes.
— Compreendo que isso o choque. Corbulo é muito astuto. É louco pelo poder, por possuir um reino estelar só para ele. Mas vem escondendo admiravelmente o jogo sob o aspecto de um velho e honesto homem do espaço, conquistando a confiança do império e do imperador. Para acalmar sua desilusão, confesso-lhe que, além de Corbulo, há apenas cerca de uma dúzia de traidores entre os dignitários e oficiais do império. Mas reconheço que são suficientes para levar a resistência dos senhores a um fracasso, chegado o momento do ajuste de contas.
Gordon inclinou-se para a frente e perguntou:
— E quando chegará esse momento?
O CHEFE DA NUVEM
Shorr Kan reclinou-se na banqueta antes de responder:
— Isso depende, Zarth Arn. O ajuste de contas acontecerá imediatamente ou um pouco mais tarde, dependendo de o senhor querer ou não colaborar conosco.
Desdenhosamente, Lianna interveio:
— Por colaborar o senhor quer dizer trair o Império! Nem um pouco impressionado, o Chefe dos Mundos Escuros respondeu:
— É uma interpretação. Mas prefiro defini-la como mostrar-se realista.
Inclinou-se para a frente e sua face forte e expressiva revelava honestidade quando continuou:
— Zarth, estou pondo as cartas na mesa. A Liga dos Mundos Escuros construiu em segredo uma frota tão poderosa quanto a do Império. Temos exatamente as mesmas armas que os senhores e uma nova que vai fazer o diabo com a frota dos senhores.
— Que espécie de arma? O senhor está blefando, não é? — replicou Gordon.
— O senhor está tentando pescar uma informação. Digo-lhe apenas que essa arma nos permite atacar os navios inimigos de dentro.
Acrescentou:
— Graças a essa invenção, à nossa poderosa frota e, principalmente, à ajuda do Comandante-em-Chefe das frotas do Império, venceremos sem a menor dúvida. Já teríamos atacado há muito tempo se uma única coisa não nos tivesse detido: o disruptor. Corbulo nada pôde nos dizer a esse respeito, uma vez que só os membros da família real conhecem o segredo . Freqüentemente me pergunto se a tradição não exagera o poder dessa arma, mas sei que, mesmo exagerando, essa tradição baseia-se em dados sérios. A invasão da Galáxia pelos seres de Magalhães foi repelida numa só e breve batalha, no decorrer da qual seu ancestral Brenn Bir pôs o disruptor à prova.
O rosto de Shorr Kan endureceu e seus olhos tornaram-se severos.
— O senhor conhece o segredo dessa arma misteriosa, Zarth, e quero que mo revele.
John Gordon esperava por isso, mas continuou a manobrar.
— Suponho — disse, ironicamente — que o senhor vai me oferecer um reino estelar em troca do segredo do disruptor.
— Mais ainda! — respondeu Shorr Kan, imediatamente. — Ofereço-lhe o governo de toda a Galáxia.
Gordon estava espantado com a audácia daquele homem. Havia qualquer coisa de espantoso nele.
— Há pouco, o senhor me disse que gostava de discutir com pessoas inteligentes. O senhor me acha bastante estúpido para acreditar que, depois de vencer o Império e dominar a Galáxia, o senhor iria entregá-los a mim?
Shorr Kan sorriu.
— Eu nada disse sobre dar-lhe o poder. Falei em entregar-lhe o governo. São coisas diferentes.
E passou a expor:
— Assim que o segredo do disruptor estiver em seu poder, esmagarei o Império e dominarei a Galáxia. Mas a metade da população ficará me detestando e me considerando um usurpador, um estranho. Haveria revoltas e perturbações. Mas, se eu mantiver no trono um membro da família imperial, um filho legítimo do saudoso Arn Abbas, todos os mundos conhecidos se constituirão numa federação pacífica. Eu serei apenas um modesto conselheiro do Imperador.
Sorriu outra vez.
— Veja como é simples. Um Imperador legítimo, sem revoltas ou perturbações. A princesa Lianna e o senhor gozarão de luxo e respeito. A pompa imperial e os aspectos exteriores do poder não me interessam. Contentar-me-ei em puxar discretamente os fios.
— E se, como Imperador, me vier à cabeça liquidá-lo? — perguntou Gordon, com curiosidade.
— O senhor não poderia fazê-lo, Zarth! — respondeu Shorr Kan, rindo. — A base das forças armadas será composta de soldados da Liga, escolhidos por mim.
Shorr Kan levantou-se, manifestando dessa forma que tinha a intenção de abreviar a discussão e perguntou:
— Que acha, príncipe Zarth? Veja sua situação atual. O senhor é um fugitivo, procurado através de todo o Império pelo assassinato de seu pai. Se me ajudar, será imperador, o maior imperador da história humana, e ninguém mais pensará nesse assassinato.
— Sua proposta é, sem dúvida, interessante, mas temo que tenha perdido seu tempo, Shorr Kan. Não conseguirá vencer o Império. O disruptor aniquilará suas frotas e isso simplesmente porque não lhe revelarei o segredo.
Gordon esperava um acesso de cólera. Mas Shorr Kan pareceu apenas desapontado.
— Pensei que o senhor fosse bastante esperto para desprezar velhas bobagens como patriotismo e lealdade, e usar um pouco de bom-senso.
— Evidentemente, o senhor não pode compreender! — interveio Lianna, indignada. — Não pode compreender o que sejam lealdade e honra porque o senhor não as tem!
Shorr Kan franziu as sobrancelhas mas não pôde se impedir de sorrir à bela princesa.
— Não, não as tenho. Que querem dizer lealdade, honra, patriotismo, todas essas admiráveis qualidades? Não passam de idéias pelas quais os bobos dão a vida. E com entusiasmo! Eu sou realista. Recuso-me a ser afetado por idéias.
Voltou-se para Gordon e continuou:
— O senhor está cansado. Os acontecimentos que precederam sua fuga, a própria fuga e a longa viagem, o esgotaram. Paremos hoje por aqui, pois o senhor não está em condições de tomar uma decisão imediata. Amanhã, o senhor terá tempo para pensar nisso. Espero que possa refletir com o cérebro e não com o coração. Voltaremos a nos ver e o senhor compreenderá que tenho razão.
Acrescentou, frisando as palavras:
— Eu poderia empregar outros meios e dizer-lhe que, se recusar colaborar comigo, vai sofrer um bocado. Mas não quero ameaçá-lo, Zarth! Sei muito bem que o senhor não ligará sua sorte à minha por simpatia ou por amor a uma causa que não é a sua. Mas espero que o faça por interesse.
Gordon percebeu nesta frase a mão de ferro em luva de pelica. Adivinhava que Shorr Kan não recuaria diante de nenhum meio para conseguir seus fins, mas que era bastante hábil para só recorrer à força em último caso.
O chefe dos Mundos Escuros apertou um botão. A porta abriu-se e Durk Undis entrou.
— Dê ao príncipe Zarth e à sua noiva os melhores aposentos da cidadela — ordenou Shorr Kan. — Ponha uma guarda reforçada, mas não permita que sejam incomodados. A menor falta de respeito será severamente punida.
Durk Undis inclinou-se e fez continência junto da porta. Gordon tomou Lianna pelo braço e saiu da sala sem nada dizer.
Durante todo o percurso pelos corredores e calçadas rolantes, Gordon refletiu. Tinha a consciência de enfrentar um homem muito mais forte e mais astucioso que ele. Temia, portanto, deixar-se manobrar.
Já bastante sinistra no dia claro, a cidadela de Shorr Kan o era mais ainda à noite. As lâmpadas que iluminavam os corredores a intervalos não conseguiam espantar a neblina que envolvia aquele mundo.
Foram levados para um apartamento que nada tinha de luxuoso. Os quartos quadrados, de paredes brancas e nuas, só continham rigorosamente o indispensável. As janelas davam para a lúgubre cidade de Thallarna.
Durk Undis inclinou-se friamente e disse:
— Encontrarão aqui tudo o que for indispensável à vida. Aquelas torneiras lhes darão água e fluido alimentício. Ninguém os incomodará, mas não tentem fugir porque todas as saídas estão estritamente vigiadas.
O oficial da Liga retirou-se e John Gordon virou-se para Lianna, que estava junto da janela.
O rosto dela não demonstrava o menor traço de medo. Essa coragem comoveu John Gordon, cuja garganta contraiu-se ao pensar na sorte que a esperava. Aproximou-se dela, pegou-lhe a mão e disse:
— Seu eu pudesse salvá-la revelando o segredo do disruptor, não hesitaria um instante.
Ela voltou rapidamente.
— Não faça isso! Shorr Kan ainda hesita, de tal maneira teme essa arma. Quanto mais tempo vacilar, maior a oportunidade de Jhal descobrir a traição de Corbulo.
— Não temos nenhuma possibilidade de denunciar o traidor. Para isso seria preciso fugir e não vejo como.
— Eu sei — disse ela. — Mesmo se, por milagre, conseguíssemos sair desta cidadela e nos apoderássemos de uma nave, ainda assim nunca poderíamos abrir caminho através dos labirintos da Nuvem.
A Nuvem! O céu negro, ameaçador, onde a luz mal conseguia penetrar, não mostrava nenhuma estrela.
Gordon tinha a impressão de sufocar naquela obscuridade. Trilhões de quilômetros de escuridão davam-lhe a sensação de ter sido atirado para fora da Galáxia.
A cidade de Thallarna não dormia. Pesados veículos percorriam suas ruas retilíneas. Naves siderais decolavam e pousavam sem parar, fazendo vibrar as paredes e o ar.
Gordon estendeu-se num diva na sala. Não esperava dormir, mas seu corpo relaxou e uma pesada sonolência afastou toda a preocupação de sua mente.
A aurora o levantou. Mas que aurora! Menos luminosa e mais triste ainda que os dias em que o sol não conseguia dissipar a neblina. Gordon encontrou Lianna sentada na cama.
Ela o estava esperando e disse, ruborizando-se:
— Não sabia que o senhor já estava acordado. Preparei nosso café. O fluido nutritivo não é mau, mas temo que se torne monótono.
— E eu temo que a senhora não vá ter tempo de se cansar dele — respondeu Gordon.
— Acha que Shorr Kan vai exigir-lhe o segredo do disruptor já esta noite?
— Tenho quase certeza. Se nada ma;s o impedir de atacar, não vai permitir que eu retarde seus planos.
O dia escoou-se tristemente. O sol avermelhado subiu lentamente no céu nevoento. Os dois prisioneiros esperavam ser chamados por Shorr Kan de um momento para outro.
Mas a noite já caíra havia muito tempo quando Durk Undis entrou no apartamento com quatro soldados armados.
O jovem fanático inclinou-se cerimoniosamente:
— Nosso chefe deseja vê-lo imediatamente — disse. Como Lianna desse um passo para junto de Gordon, acrescentou :
— Nosso chefe quer ver o Príncipe sozinho. A Princesa indignou-se.
— Vou aonde Zarth for.
— Lamento, mas recebi ordens e tenho de cumpri-las — respondeu Durk Undis, friamente. — Quer acompanhar-me, príncipe Zarth?
Vendo que seria inútil resistir, a Princesa recuou: Gordon hesitou e, depois, deixou-se levar por seus sentimentos. Segurou o rosto da Princesa e beijou-o.
— Não tenha medo, Lianna — disse e deu-lhe as costas. Com o coração aos pulos, Gordon seguiu Durk Undis. Pensava nunca mais rever a Princesa.
Talvez fosse melhor assim. Não era preferível morrer imediatamente a voltar para seu século e continuar a viver atormentado por um amor irremediavelmente perdido?
Desta vez, Shorr Kan não recebeu Gordon em seu triste gabinete, mas num laboratório. Assim que entrou, o homem do século XX viu uma mesa, acima da qual pendia um cone de metal, ligado por inúmeros fios e aparelhos complicados, equipados com tubos eletrônicos, painéis e agulhas. Dois indivíduos magros, de rostos enfezados e lívidos, vestidos com blusas brancas, estavam junto do Chefe dos Mundos Escuros.
Shorr Kan despediu Durk Undis e os soldados. Depois, recebeu Gordon com seu bom-humor habitual.
— O senhor dormiu bem, está descansado? ótimo! Diga-me agora o que decidiu.
Gordon sacudiu os ombros.
— Não há decisão a tomar. Não posso dar-lhe o segredo do disruptor.
O rosto de Shorr Kan fechou-se imediatamente.
— Claro, nunca deveria ter duvidado. O senhor é vítima de velhos hábitos mentais, de velhas tradições, das quais às vezes as pessoas inteligentes não conseguem se libertar.
Calou-se um instante, franziu as sobrancelhas e acrescentou :
— Disse-lhe ontem que, em caso de recusa, seria obrigado a usar meios desagradáveis. Não lhe forneci detalhes porque esperei tê-lo convencido. Agora, essa sua atitude obriga-me a ser mais explícito. Para começar, devo dizer-lhe que o senhor me dará o segredo do disruptor, queira ou não queira.
— Vai me torturar? Eu esperava por isso — respondeu
Gordon, com um sorriso de desprezo.
Shorr Kan fez um gesto de repulsa.
— Tenho horror à tortura. É um recurso inepto e pouco seguro. Os que a usam acabam perdendo seus melhores aliados. Tenho coisa melhor.
Mostrando o mais velho dos dois homens de branco, prosseguiu :
— Land Aliar é um dos melhores psico-cientistas da Nuvem. Há alguns anos, ele inventou um aparelho, que fui forçado a usar diversas vezes. É o esquadrinhador de cérebros. Esse aparelho literalmente lê o cérebro, esquadrinhando os neurônios, transforma essa leitura das células cerebrais em correntes elétricas e traduz essas correntes em pensamentos, recordações, emoções, que são gravados. Com ele, antes do fim da noite, terei arrancado do seu cérebro o segredo do disruptor.
— Ora, vamos! — disse Gordon. — Mais um blefe?
— Garanto-lhe que não — respondeu Shorr Kan, sacudindo a cabeça. — Posso provar-lhe, se quiser. Se não, pode acreditar na minha palavra. Esse aparelho vai esquadrinhar seu cérebro e transmitir-nos tudo o que ele contém.
Continuou:
— O processo tem um certo inconveniente, pois os raios que esquadrinharão suas células cerebrais, hora após hora, deslocarão seus neurônios e, quando conhecermos seus segredos, o senhor terá se transformado num idiota. Seu cérebro será esvaziado para sempre.
Gordon estremeceu. Sabia que Shorr Kan estava dizendo a verdade. Se ainda tivesse alguma dúvida, a expressão de angústia que lia no rosto dos dois homens de branco, acabara de convencê-lo.
Era espantoso, fantástico, horrível! Mas ele, imprudentemente, se metera num século onde a ciência atingira tal desenvolvimento que tudo era possível. Um instrumento que lia mecanicamente o cérebro e, lendo-o, destruía-o!
— Eu preferiria não recorrer a um meio tão radical — repetiu Shorr Kan. — O senhor me seria mais útil se, depois, pudesse desempenhar seu papel de Imperador, quando eu tivesse conquistado a Galáxia. Mas se o senhor continuar a esconder o segredo, não terei escolha.
John Gordon sentiu uma vontade louca de rir. Apesar de tudo, era muito engraçado.
— O senhor previu tudo — disse ele a Shorr Kan — mas ainda uma vez o acaso lhe prega uma peça.
— Isso quer dizer o quê? — perguntou o chefe da Liga com perigosa suavidade.
— É muito simples: não posso dar-lhe o segredo do disruptor, porque o ignoro.
Shorr Kan fez um gesto de impaciência.
— É um recurso estúpido, esse seu. Todos sabem que, como filho do Imperador, o senhor conhece o segredo do disruptor.
— É verdade mas, infelizmente, não sou filho do imperador. Sou na verdade, outro homem.
Shorr Kan sacudiu os ombros.
— Vejo que é inútil discutir — disse ele. Depois, voltando-se para os cientistas, disse:
— Comecem.
Gordon imediatamente pulou na garganta de Shorr Kan!
Mas um dos cientistas aplicou-lhe o crescente do paralisador no pescoço e ele caiu.
Sentiu que o levantavam e que o estendiam na mesa. Viu o rosto duro de Shorr Kan inclinar-se sobre o dele e seus olhos gelados olharem para baixo.
— É sua última oportunidade, Zarth. Uma palavra, um .sinal, um piscar de olhos e evitará. . .
Gordon sentiu a inutilidade de tudo, embora sua fúria o tenha feito lançar um olhar feroz ao Chefe da Liga.
O paralisador atingiu-o novamente. Este choque foi semelhante a uma explosão física. Mal percebeu os dois cientistas manejando o cone de metal sobre sua cabeça e mergulhou na escuridão.
A AMEAÇA DOS MUNDOS ESCUROS
Quando acordou, Gordon só sentia uma pavorosa dor de cabeça. Todos os martelos do inferno golpeavam seu crânio também estava com o estômago embrulhado.
Um copo gelado estava sendo encostado na sua boca e escutou uma voz repetir, junto ao seu ouvido:
— Beba, beba!
Gordon conseguiu engolir um líquido amargo, que consertou seu estômago e acalmou sua dor de cabeça.
Ficou ainda um pouco estendido na mesa, antes de abrir os olhos. Quando o fez, o cone de metal e a aparelhagem complicada haviam desaparecido.
Um dos dois cientistas da Nuvem inclinava-se sobre ele, com o rosto aflito. Depois, a silhueta maciça e os brilhantes olhos negros de Shorr Kan entraram em seu campo de visão.
— Pode sentar-se? — perguntou o homem de branco. — Isto o ajudará a sentir-se melhor.
O psico-cientista amparou-o e ajudou-o a descer da mesa e sentar-se numa cadeira.
Shorr Kan colocou-se em frente a ele e olhou-o, com ar ao mesmo tempo intrigado e interessado.
Finalmente, perguntou:
— Está se sentindo melhor, John Gordon?
Gordon estremeceu e ergueu os olhos para o chefe dos Mundos Escuros.
- Então o senhor sabe? — perguntou.
— Por que teríamos suspendido o exame? Se não tivéssemos sabido da verdade logo no começo, o senhor a esta hora não seria mais que uma ruína.
Shorr Kan sacudiu a cabeça, com ar admirado, e prosseguiu :
— É inacreditável! Mas o esquadrinhador de cérebros não mente. E nos primeiros minutos, quando ficou claro que o senhor era a mente de John Gordon no corpo de Zarth Arn e que o senhor não conhecia o segredo do disruptor, parei a exploração.
Shorr Kan acrescentou, pesaroso:
— E pensar que eu acreditava ter, finalmente, conseguido o segredo! Tive um trabalho danado para capturar Zarth Arn, sem resultado. Mas quem poderia pensar numa coisa igual? Como imaginar que um homem do século XX habita o corpo do príncipe Zarth?
Shorr Kan sabia! Gordon, meio tonto, tentava pôr seus pensamentos em ordem e encarar a nova situação.
Pela primeira vez, depois que vivia no futuro, alguém conseguira descobrir o segredo de sua identidade. Que significaria isso para ele?
— John Gordon! Um homem do século XX! Separado de nós por duzentos mil anos e aqui, diante de mim, no cérebro e corpo de um Príncipe do Império. É incrível!
— Sua máquina contou-lhe como aconteceu?
— Claro, foi a primeira coisa que apareceu nos aparelhos gravadores, porque era sua principal preocupação.
Shorr Kan começou a andar de um lado para outro. Depois parou, praguejou e exclamou:
— Esse maluco do Zarth Arn! Que idéia! Trocar de corpo e mente com um homem através do tempo! E sua mania científica leva-o a se exilar em mundos do passado no momento em que seu Império está em perigo!
O Chefe dos Mundos Escuros recomeçou a andar e, depois de uns instantes de meditação, voltou para junto de Gordon.
— Mas por que não me disse a verdade?
— Tentei e o senhor não acreditou — respondeu Gordon.
— É verdade, o senhor tentou e eu não acreditei. Mas como acreditar nisso antes do esquadrinhador provar? Gordon o senhor perturbou meus planos. Eu tinha a certeza de obter o segredo do disruptor através do senhor.
A cabeça de John Gordon funcionava melhor, agora que suas forças começavam a voltar. A descoberta de sua verdadeira identidade mudara tudo.
Aquilo talvez lhe desse uma remota possibilidade de fugir! Uma oportunidade de salvar Lianna, de denunciar a traição de Corbulo e avisar Jhal do perigo iminente! Gordon pensou ter uma saída.
Exagerando seu aturdimento, disse a Shorr Kan:
— O senhor é o primeiro a descobrir a verdade sobre mim. Enganei todos os outros, Arn Abbas, Jhal Arn e a princesa Lianna. Ninguém desconfiou da verdade.
Os olhos de Shorr Kan fecharam-se ligeiramente.
— Mas, Gordon, parece-me que lhe agrada ser Príncipe do Império. . .
Gordon riu tristemente:
— Sem dúvida me agrada. No meu mundo eu não passava de um pobre ex-soldado. E agora, depois de Zarth Arn me ter proposto esta estranha troca de corpos através dos tempos, encontro-me membro da família governante do maior reino estelar do Universo! Quem não gostaria da troca?
— Mas o senhor prometeu a Zarth Arn voltar à Terra e devolver-lhe o corpo, como nosso aparelho nos revelou — frisou Shorr Kan. — Portanto, todo este esplendor é efêmero.
Gordon olhou Shorr Kan com uma expressão que, esperava, fosse de cinismo.
— Por que diabo — disse, desdenhosamente — pensa que eu teria mantido a palavra?
O chefe dos Mundos Escuros olhou-o atentamente.
— Como? O senhor quer dizer que estava planejando enganar o verdadeiro Zarth Arn e conservar seu corpo e sua identidade?
— Espero que não queira me dar lições de lealdade — respondeu Gordon. — Em meu lugar o senhor teria feito o mesmo. Não o negue.
Shorr Kan desatou a rir, como resposta, e Gordon continuou :
— Aqui ou, melhor, agora, sou um dos personagens mais importantes do Universo e casarei com a mulher mais bela que já vi. Ninguém duvidará da minha identidade. Basta que eu esqueça minha promessa a Zarth Arn. Que teria feito o senhor?
Shorr Kan bateu-lhe amigavelmente no ombro e exclamou :
— John Gordon, o senhor é um aventureiro dos meus! Vejo que os homens dos séculos passados são audaciosos. Não se preocupe. Conheço a verdade, mas apenas eu e esses dois cientistas e, fique tranqüilo, eles não falarão. Não tenho o menor motivo para impedir-lhe levar a vida que deseja.
Gordon fingiu cair no laço.
— Então. . . então o senhor não me denunciará?
— Claro que não. Acho que podemos nos entender às mil maravilhas.
Gordon sentia que o cérebro poderoso por trás daqueles perspicazes olhos negros estava trabalhando intensamente.
Compreendia que enganar aquele indivíduo inteligente e rude era uma tarefa insana.
Mas a vida de Lianna e o bem-estar do Império dependiam do seu sucesso.
Shorr Kan ajudou-o a ficar de pé, dizendo:
— Venha comigo, vamos acertar tudo. Está podendo andar?
Gordon respondeu que sim e acompanhou o chefe dos Mundos Escuros para fora do laboratório. Vendo-o aparecer. Durk Undis parecia tão estupefato como se estivesse vendo um fantasma.
Shorr Kan riu.
— Vai tudo bem, Durk, o príncipe Zarth está colaborando conosco. Vamos para o meu apartamento.
— Então, chefe, o senhor tem o segredo do disruptor?
— Desde quando o senhor me faz perguntas? — retrucou o chefe, franzindo as sobrancelhas.
Enquanto caminhavam, a mente de Gordon trabalhava naquela farsa. Até ali tinha esperança de que seu plano funcionasse.
Mas era preciso ter muito cuidado com Shorr Kan porque ele era, sem dúvida, um dos homens menos fáceis de manobrar. Gordon tinha, portanto, a impressão de andar numa corda esticada sobre um abismo.
Os aposentos do Chefe dos Mundos Escuros eram tão nus e austeros quanto seu gabinete de trabalho. Algumas cadeiras e banquetas mobiliavam a sala e um diva que mais parecia um .catre ocupava quase todo o espaço da peça ao lado.
Durk Undis não entrou. Vendo Gordon examinar com o olhar a peça onde estavam, Shorr Kan voltou a sorrir.
— Uma toca miserável para o Chefe dos Mundos Escuros viver, não é? — perguntou ele. — Mas eu também desempenho um papel. E esta austeridade é o cenário natural. Veja, fanatizei meus homens para que ataquem o império, dizendo-lhes sem cessar que somos pobres, que levamos uma vida dura. Em tais condições, como quer que eu tenha conforto?
Indicou uma cadeira a Gordon e sentou-se perto dele, olhando-o atentamente.
— Ainda me custa acreditar — declarou. — Parece-me incrível que eu esteja falando com um homem de um passado remoto! Como viviam os senhores naquele tempo, quando os homens ainda não haviam abandonado a pequenina Terra?
Gordon encolheu os ombros.
— Quase como agora. . . Havia cada vez mais guerras e conflitos. . . No fundo, o homem mudou pouco. . . O Chefe da Liga concordou enfaticamente.
— A massa será sempre estúpida. Alguns milhões de homens lutando em seu velho planeta ou dez mil sistemas estelares, uns contra os outros neste Universo, significa, no fundo, a, mesma coisa.
Após um momento de reflexão, Shorr Kan continuou:
— Gordon, gosto do senhor. O senhor é inteligente, audacioso, corajoso. Sendo inteligente, compreende que não quero me deixar influenciar por uma simpatia passageira. Creio que poderemos nos entender.
Inclinou-se para a frente.
— O senhor não é Zarth Arn. Fora eu, ninguém no Universo sabe disso. Portanto, para a Galáxia, o senhor é Zarth Arn. Assim, posso utilizá-lo, como pensei poder fazer com o verdadeiro Zarth. O senhor governará o Império nominalmente, depois que a Nuvem tiver conquistado a Galáxia.
John Gordon estava esperando por esse oferecimento. Mas fingiu espanto.
— Quer dizer que eu serei o governante da Galáxia?
— Por que não? — respondeu o outro. — Como Zarth Arn, o sangue imperial corre em suas veias e o senhor estará em posição de impedir revoltas depois que o Império fôr conquistado. Claro, o verdadeiro poder será exercido por mim, como lhe disse.
Acrescentou, francamente:
— Pensando bem, o senhor me será mais útil que o verdadeiro Zarth Arn. Ele teria escrúpulos, me daria trabalho. O Império não inspira ao senhor nenhuma lealdade. Ao senhor só interessarão vantagens.
Gordon sentiu que atingia o fim. Era exatamente o que queria que Shorr Kan pensasse: que ele, John Gordon, era apenas um aventureiro ambicioso e sem escrúpulos.
— Terá tudo o que quiser! — continuou Shorr Kan. — Oficialmente, será o Chefe da Galáxia. Casará com a princesa Lianna. O poder, o luxo, tudo lhe pertencerá!
Gordon fingiu estar encantado com essa perspectiva.
— Eu! Eu, John Gordon, Imperador da Galáxia!
E, de repente, sem que tivesse mesmo tempo de perceber, o fim que ele visava esfumou-se do seu cérebro e a voz da tentação murmurou em seu ouvido.
Se quisesse, podia tornar-se Imperador! Podia ser nominalmente o supremo soberano de uma Galáxia inteira, com milhares e milhares de sóis em torno dos quais giravam planetas habitados por milhões de homens! Ele, John Gordon, de Nova Iorque, podia governar o Universo, com Lianna a seu lado!
Para isso, bastaria juntar-se a Shorr Kan e pôr-se a serviço da Liga. E por que não? Quais eram suas ligações com o Império? Por que não lutar em benefício próprio, por um poder e esplendor como nenhum homem na história da Humanidade jamais pensara em atingir?
O MISTÉRIO DA GALÁXIA
John Gordon combateu aquela tentação, que abalara inesperadamente sua vontade. Percebendo que desejava, com todo seu ser, aproveitar a ocasião que lhe oferecia, indignou-se com sua baixeza.
Não era a pompa e o governo da Galáxia o que o tentava. Nunca tivera ambição de poder e, de qualquer maneira, este ficaria nas mãos de Shorr Kan. Era a existência de Lianna que o motivava. Queria estar sempre com ela, viver ao lado dela.. .
Viver uma mentira! Fingir ser outro homem, ser perseguido toda a vida pela lembrança de ter traído a confiança de Zarth Arn e ter destruído o Império! Não podia fazer isso! Um homem tem seu código de honra e Gordon viu que nunca quebraria sua promessa.
Shorr Kan olhava-o com ar malicioso.
— Essa perspectiva parece espantá-lo mais que alegrá-lo, Gordon. É uma oportunidade, não a perca.
Gordon controlou-se.
— Estava pensando nas dificuldades, que são muitas, como, por exemplo, o segredo do disruptor.
— É verdade — concordou Shorr Kan, pensativamente. — Essa é a maior dificuldade. E eu estava convencido de que, quando tivesse Zarth Arn em meu poder, teria esse segredo!
Sacudiu os ombros: - Mas não podemos fazer nada. É preciso continuar e atacar o Império sem ele e providenciar para que Corbulo impeça Jhal Arn de usar o disruptor.
— Corbulo matará Jhal Arn, como fez com Arn Abbas?
— perguntou Gordon.
O chefe da Nuvem confirmou.
— Sim, de uma maneira ou de outra, Corbulo dará sumiço em Jhal na véspera do ataque. Depois será designado um dos regentes e governará em nome do filho de Jhal. Isso facilitará seu trabalho de sabotar as defesas do Império.
Gordon compreendeu que, mesmo tendo fracassado na obtenção do segredo do disruptor, Shorr Kan não hesitaria em atacar.
— Esse é seu problema! — disse Gordon, bruscamente. — Mas estou pensando no meu. O senhor quer me utilizar como Imperador depois de ter conquistado a Galáxia mas, se eu não lhe entregar o segredo, seus próprios homens não me aceitarão.
Shorr Kan franziu as sobrancelhas.
— Por que esse motivo impediria sua aceitação?
— Porque eles, como todos, aliás, me tomam por Zarth Arn e acreditam que conheço o segredo. Então perguntarão: "Se Zarth está do nosso lado, por que não nos dá o segredo?"
Shorr Kan praguejou e exclamou:
— É mesmo, não tinha pensado nisso! Maldito seja esse: disruptor! Está sempre atrapalhando meus planos!
— O que é, na verdade, o disruptor? — perguntou Gordon.
— Fingi saber tudo a respeito dele mas, na realidade, não tenho nenhuma idéia do que se trata.
— Ninguém tem! — respondeu Shorr Kan. — Não obstante, tem sido uma temível tradição em toda a Galáxia, nos últimos dois mil anos.
Após uma breve pausa, o Chefe da Nuvem explicou:
— Há dois mil anos, a Galáxia foi invadida por seres não humanos, vindos dos aglomerados estelares denominados Nuvens de Magalhães. Apoderaram-se de vários sistemas estelares e prepararam-se para estender suas conquistas quando Brenn Bir, um dos grandes reis-cientistas do Império, atacou-os com uma temível força ou arma. Segundo a tradição, ele não só destruiu os invasores mas, também, os sistemas estelares ocupados por eles e quase aniquilou a própria Galáxia T.
Levantando-se, Shorr Kan continuou:
— O que Brenn Bir usou ninguém sabe. É chamado disruptor, mas o nome nada significa. Seu segredo, conhecido somente pela casa imperial, nunca mais foi usado. Mas a lembrança permanece na memória de todos e assusta a Galáxia. É a isso principalmente que o Império deve seu prestígio.
— Imagino que o senhor tenha tentado desvendar esse mistério, antes de atacar o Império — disse Gordon. — Mas. ainda há um meio de obter o segredo!
— Qual? Jhal Arn é o único ser vivo que sabe do que se trata e não temos nenhuma possibilidade de capturá-lo.
— Há um outro homem que conhece o segredo — lembrou-lhe Gordon. — O verdadeiro Zarth Arn!
— Mas a mente do verdadeiro Zarth Arn vive agora no seu corpo, Gordon, em séculos passados — começou Shorr Kan, mas depois parou e ficou olhando o terrestre. — O senhor tem uma idéia qualquer, não é? De que se trata?
Gordon estava tenso e expôs o plano que lhe dava uma precária esperança de fuga.
— Poderíamos interrogar o verdadeiro Zarth Arn — propôs, — e obrigá-lo a nos revelar o segredo. Há, no laboratório que ele construiu na Terra, psicomecanismos graças aos quais posso comunicar-me com Zarth através do espaço. Vel Quen me ensinou a manejá-los e posso contatar o Príncipe, a quem direi: "Shorr Kan me mantém prisioneiro e não me soltará sem que lhe dê o segredo do disruptor, que eu não conheço. Se o senhor não me revelar esse segredo, recuso-me a devolver-lhe seu corpo". Que acha que ele fará? Tenho a certeza de que não quererá ficar abandonado no meu mundo e século até o fim dos seus dias. Este é o universo dele, adora a esposa morganática e consentirá em todos os sacrifícios para voltar. Ele nos contará tudo!
Shorr Kan não pôde esconder sua admiração.
— Por Deus, Gordon, acho que funcionará! Dessa maneira poderemos obter o segredo do disruptor!
Parou bruscamente e. um instante mais tarde, perguntou:
— Mas, depois que ele lhe der o segredo, o senhor fará a troca de corpos?
Gordon desatou a rir.
— Acha que sou maluco? É evidente que não! Simplesmente romperei o contato e deixarei Zarth Arn acabar seus dias no meu corpo, enquanto continuarei aqui desempenhando o papel dele.
Shorr Kan atirou a cabeça para trás e desatou a rir.
—Gordon, repito, o senhor é dos meus! Depois recomeçou a andar para baixo e para cima, o que parecia ser nele um sinal de intensa meditação.
— A dificuldade principal é enviar o senhor ao planeta Terra para retomar contato com Zarth — declarou o homem da Nuvem. — As patrulhas imperiais vigiam mais atentamente que nunca as fronteiras e a frota principal do Império está em manobras perto das Plêiades. E Corbulo não pode dar ordem para deixar a região livre sem despertar suspeitas.
Shorr Kan fez uma pausa e continuou:
— O único tipo de nave da Liga com possibilidades de atingir a Terra é um cruzador fantasma. Fantasmas podem passar pelos lugares mais difíceis, mesmo onde esquadras não podem abrir caminho.
Gordon, que tinha apenas uma idéia vaga daquela espécie de nave, perguntou, curioso:
— Fantasma? O que é um cruzador fantasma?
— É verdade, eu sempre esqueço que o senhor é um estranho em nossa era — disse Shorr Kan. — O cruzador fantasma é uma pequena nave armada com uns poucos canhões atômicos de grande potência, que pode se tornar totalmente invisível no espaço. Consegue isso envolvendo-se numa esfera de forças que absorvem, em vez de refletir, os raios luminosos e as ondas de radar. Mas consome uma energia formidável para manter essa invisibilidade e não pode navegar, nesse estado, mais de vinte ou trinta horas.
John Gordon fez um aceno de compreensão.
— Sei. Acho que é a melhor maneira de chegar à Terra.
— Durk Undis o acompanhará com uma tripulação de homens fiéis — finalizou Shorr Kan.
Aquela perspectiva em nada agradava a Gordon, que sabia quanto o jovem fanático o detestava.
— Mas se Durk Undis souber que não sou o verdadeiro Zarth Arn...
— Não saberá — interrompeu Shorr Kan. — Saberá apenas que vai levá-lo ao seu laboratório na Terra, onde o senhor ficará por algum tempo, trazendo-o de volta depois, são e salvo.
Gordon encarou o Chefe da Nuvem.
— Isso quer dizer que Durk Undis será encarregado de me vigiar. O senhor não confia inteiramente em mim, não é?
— Quem, diabo, lhe disse que eu confio no senhor? — respondeu alegremente Shorr Kan. — Não confio inteiramente em ninguém. Às vezes me fio nos que nada têm a ganhar me enganando e que sabem disso. Por isso, de uma certa maneira, posso confiar no senhor. Mas Durk Undis o acompanhará, apesar disso, com uma tripulação escolhida.
Mais uma vez Gordon tremeu ao ver quanto era desesperada a cartada que jogava contra um homem tão esperto, habituado a todas as intrigas e difícil de enganar.
Apesar disso, concordou friamente.
— Pensando bem, o senhor tem razão. Mas eu, também, confesso-lhe não ter confiança no senhor, Shorr Kan. Por isso só partirei se Lianna for comigo.
Shorr Kan pareceu, por um instante, sinceramente surpreendido.
— A moça de Fomalhaut? Sua noiva?
Um brilho de ironia apareceu nos seus olhos.
— Então esse é o seu ponto fraco, Gordon. . . essa moça?
— Amo-a e não a deixarei aqui para que o senhor se meta com ela — respondeu Gordon, mal-humorado.
— Se o senhor me conhecesse bem — riu Shorr Kan — saberia que para mim uma mulher é igual a outra. Acha que iria arriscar meus projetos pelos belos olhos de uma mulher? Mas enfim. . . já que está com ciúmes, pode levá-la.
O chefe da Nuvem acrescentou:
— E como explicará tudo isso a ela? O senhor não pode confessar-lhe a verdade sobre nosso acordo.
Gordon previra essa pergunta e respondeu calmamente:
— Inventarei uma história. Direi que o senhor me permitiu ir em troca de alguns valiosos documentos secretos científicos, existentes no meu laboratório na Terra.
Shorr Kan sacudiu a cabeça, concordando. — Essa é a melhor desculpa. Acrescentou rapidamente:
— Vou mandar imediatamente preparar nosso melhor cruzador fantasma. Esteja pronto para partir amanhã de noite.
Gordon levantou-se.
— Gostaria de descansar. Sinto-me como se tivesse passado pela pedra de um moinho.
Shorr Kan disse, rindo:
— Homem, isso não é nada comparado com o que o senhor teria se tornado se o esquadrinhador de cérebros tivesse funcionado mais de alguns minutos! Como as coisas mudam! O senhor poderia se ter tornado um completo idiota e não o próximo imperador fantoche da Galáxia!
Acrescentou, com o rosto adquirindo a dureza do aço.
— Mas nunca se esqueça de que seu poder será apenas nominal e de que serei eu a dar as ordens.
Gordon sustentou firmemente seu olhar.
— Esqueceria, talvez, se com isso ganhasse alguma coisa, mas acho que só terei a perder. Quando estiver no trono, meu poder dependerá unicamente do senhor. Pode confiar em mim... ou nos meus interesses.
— Tem razão. Não lhe disse desde o começo que gosto de tratar com pessoas inteligentes? Vamos nos dar bem.
Shorr Kan apertou um botão. Durk Undis entrou. O Chefe da Liga disse:
— Acompanhe o príncipe Zarth aos seus aposentos e depois volte para receber ordens.
Gordon despediu-se e saiu, presa de uma exaltação febril. A comédia que acabara ás representar, abalara seus nervos.
Até agora, havia conseguido. Seu plano de evasão começava a tomar forma. Fazendo o jogo de Shorr Kan, fingindo cinismo, reagindo como aquele professor de malícia queria, havia ganho.
Mas John Gordon sabia que isso era apenas o começo. Outras dificuldades se apresentariam, possivelmente piores ainda.
Tinha que continuar, por mais arriscado e suicida que fosse seu plano! Não tinha outra saída.
Quando entrou em seus aposentos, Lianna correu para ele. Agarrou-o pelo braço.
— Zarth, o senhor está bem? — gritou, com os olhos cinzentos brilhando. — Eu estava com tanto medo!...
Ela ainda o amava. Gordon viu isso no rosto dela e, novamente, sentiu aquele selvagem, desesperado, impulso.'
Mas conteve-se. Afastou-a suavemente, embora seu desejo fosse abraçá-la com todas as suas forças. Lianna enganou-se com o gesto, corou e recuou.
— Está tudo bem, Lianna. Estou apenas um pouco nervoso — disse Gordon, deixando-se cair numa cadeira. — Acabo de experimentar a ciência da Nuvem e garanto-lhe que não é agradável.
— Eles o torturaram? Arrancaram-lhe o segredo do disruptor!
Gordon sacudiu a cabeça.
— Não, não o revelei nem revelarei. Consegui mesmo persuadir Shorr Kan de que nada conseguiria de mim.
Gordon continuou, o mais perto possível da verdade.
— Fiz aquele demônio acreditar que eu devia ir ao meu laboratório na Terra apanhar o segredo para ele. E vamos juntos. Viajaremos amanhã de noite, num cruzador fantasma.
— O senhor vai enganá-lo! Tem algum projeto? — perguntou Lianna, com os olhos brilhantes de entusiasmo.
— Gostaria de ter — murmurou Gordon. — Até aqui sé consegui uma coisa: vamos sair da Nuvem. Já, com a graça de Deus! Espero que, de uma maneira ou de outra, encontraremos um meio de fugir e pôr Jhal Arn de sobreaviso contra a traição de Corbulo. Só vejo uma solução para isso: sabotar o cruzador fantasma a fim de fazê-lo cair nas mãos da Marinha Imperial. Mas como conseguir? Não sei. Isso será muito difícil pois Durk Undis nos acompanhará com uma tripulação escolhida a dedo entre os mais fanáticos dentre eles.
A fé e a coragem brilhavam no olhar de Lianna.
— O senhor encontrará um meio de conseguir, Zarth. Tenho certeza.
A confiança de Lianna não podia fazê-lo esquecer que seu projeto era quase irrealizável.
Tentando evadir-se, não só arriscava a própria vida como a da Princesa. Mas estariam perdidos de qualquer maneira, a menos que traísse Zarth Arn e o Império. Essa tentação momentânea abandonou Gordon para sempre.
Gordon dormiu profundamente a noite toda e grande parte do dia seguinte. A noite caía quando Shorr Kan e Durk Undis entraram no apartamento.
— Já dei minhas ordens a Durk Undis — explicou o Chefe da Liga. — O fantasma está pronto. O senhor chegará na Terra daqui a cinco dias e voltará daqui a onze dias.
Sua face brilhou.
— Então comunicarei a toda a Galáxia que temos o segredo do disruptor e que Zarth Arn juntou-se a nós. Darei o sinal secreto a Corbulo e a Liga se lançará ao ataque!
Duas horas depois, o cruzador fantasma, esguio e brilhante, partiu do sombrio espaçoporto de Thallarna e mergulhou no espaço, levando a bordo Gordon e Lianna.
SABOTAGEM NO ESPAÇO
Quando Gordon e Lianna entraram no Dendra, o cruzador fantasma que ia levá-los naquela missão, foram encaminhados por Durk Undis para o convés central.
O jovem fanático inclinou-se com frieza e apontou para a porta de um pequeno conjunto, composto de duas cabinas estreitas.
— Ficarão alojados nestas cabinas, sem poder sair delas, até que cheguemos à Terra.
— Não ficaremos! — respondeu Gordon, encolerizado. — A Princesa está doente por causa do confinamento em que vive desde que nos trouxeram para cá. Não vamos passar mais cinco dias encerrados nesses cubículos estreitos.
O rosto magro de Durk Undis endureceu.
— O Chefe deu-me ordem de vigiá-los estreitamente.
— Shorr Kan determinou que ficássemos fechados em duas celas minúsculas o tempo todo? — perguntou Gordon.
Vendo um ar de dúvida no rosto do interlocutor, prosseguiu no ataque.
— Se não nos permitirem fazer algum exercício, recusaremos executar a missão.
O fanático homem da Nuvem hesitou. Gordon acertara quando imaginou que Durk Undis não voltaria confessando que a missão havia fracassado por motivo tão fútil.
Finalmente, de má vontade, Durk Undis disse:
— Está bem. Os senhores poderão andar por este corredor duas vezes por dia. Mas não mais que isso e nunca quando estivermos em estado de escurecimento.
Não era tanto quanto Gordon queria, mas compreendeu que era o máximo que poderia obter. Fingindo estar encolerizado, acompanhou Lianna às pequenas cabinas e ouviu o ruído da fechadura atrás deles.
Enquanto o Dendra decolava do porto de Thallarna e mergulhava na névoa escura da Nuvem, Lianna olhava interrogativamente para Gordon.
— O confinamento em nada me incomoda, Zarth. O senhor tem algum plano?
— Apenas o que mencionei há pouco, ou seja, atrair a atenção de uma patrulha do Império para esta nave, a fim de que seja descoberta e capturada — admitiu.
E acrescentou, com determinação:
— Até agora não sei como fazer, mas deve haver um meio.
Lianna parecia em dúvida.
— Este fantasma está, indubitavelmente, equipado com um radar supersensível, o que lhe permitirá detectar as patrulhas comuns muito antes de ser notado. Ficará invisível até passar por elas.
O zumbido das grandes turbinas de propulsão aumentando a velocidade, constituiu-se no fundo sonoro das horas que se seguiram.
O Dendra mergulhou através de chuvas de partículas minúsculas de meteoros, de correntes de poeira que o fizeram sacolejar e balançar rudemente. Mudava freqüentemente de direção, abrindo caminho para fora da Nuvem.
No meio do dia seguinte, saíram da névoa e encontraram-se no espaço imenso e constelado. O cruzador acelerou a marcha.
Gordon e Lianna olhavam, através da vigia, o espetáculo maravilhoso da Galáxia. Para seu espanto, a distante luz de Canopus ficava muito à esquerda. À frente do Dendra, cintilavam uma abóbada de estrelas diferentes, entre as quais a Nebulosa de Orion ardia gloriosamente.
— Não estamos voltando em linha reta para o Império — disse Lianna. — Eles estão evitando a bem guardada fronteira e contornando a Nebulosa de Orion pelo oeste, passarão os Degraus do Espaço Exterior e farão uma curva em direção ao Sol.
— É, eles fizeram uma grande volta para entrar no Império por um lugar inesperado — resmungou Gordon. — Foi, sem dúvida o trajeto feito pela nave que Shorr Kan mandou me capturar na Terra.
Suas esperanças pareciam naufragar.
— Teremos menos oportunidades de encontrar uma patrulha imperial, se viajarmos por rotas pouco utilizadas.
— Não é provável que cruzemos com mais de uns poucos patrulheiros e Durk Undis poderá passar por eles invisível.
Desanimado, Gordon olhou a admirável cena exterior, na direção em que, sabia, Canopus devia estar.
Lianna acompanhou seu olhar e virou-se para ele interrogativamente.
— Está pensando em Murn? — perguntou-lhe.
Essa pergunta surpreendeu Gordon. Havia quase esquecido a adorável moreninha, amada pelo verdadeiro Zarth Arn.
— Murn? Não! Estava pensando no infame traidor Corbulo, que está preparando outras traições, lá em Throon, esperando uma oportunidade para assassinar Jhal Arn e sabotar as defesas do Império.
— Esse é o maior perigo — concordou Lianna. — Se ao menos eles pudessem ser avisados da traição de Corbulo, o ataque da Liga poderia ainda ser repelido!
— Mas somos os únicos que podemos avisá-los — murmurou Gordon.
Ao fim de três dias, ele se confessava que as possibilidades de evasão eram praticamente nulas.
O Dendra atravessara as fronteiras do Império e dirigia-se para o norte, a fim de contornar a Nebulosa de Orion.
Depois de esconder-se atrás dela, iria obliquamente para noroeste pelos poucos navegados fins dos Degraus do Espaço Exterior. Deveria haver poucas naves de guerra imperiais naquela selvagem fronteira de sistemas estelares inexplorados. Sol e seu planeta Terra deviam, portanto, estar muito perto.
Por duas vezes, nesses três dias, a sirena de alarme tocou no Dendra, cujos radares haviam acusado a presença próxima de uma nave imperial. E de cada vez, nas suas cabinas, Lianna e Gordon viram, através da vigia, a abóbada celeste desaparecer.
Da primeira vez, Gordon não pôde evitar uma exclamação de espanto.
— Que é isso? Todo o espaço escureceu! Lianna olhou-o, surpresa.
— Evidentemente, o cruzador ficou invisível. O senhor se lembra, naturalmente, que quando um navio entra na escuridão, os que estão dentro dele nada vêem do que os cerca.
— Ora, é isso mesmo — apressou-se Gordon a responder. — Há tanto tempo não ando numa nave destas que até esqueci !
Então ele compreendeu o que estava acontecendo. O novo som lamentoso que atravessava a nave, era o barulho dos geradores de escuridão, que estavam espalhando um envoltório do força em torno da nave.
Esse envoltório absorvia cada raio de luz ou de radar que o atingisse. Por isso, o cruzador fantasma não podia ser visto nem localizado pelo radar.
Quando era necessário, esse desvio de toda a luz exterior mergulhava a nave na mais absoluta escuridão.
Gordon ouviu os geradores de escuridão funcionando durante quase uma hora no convés inferior. Eles, aparentemente, necessitavam praticamente a força total da nave, inclusive a dos motores de propulsão, que mal zumbiam, fazendo com que o fantasma se movesse levado pela inércia.
O mesmo fenômeno se reproduziu, na manha seguinte, quando a nave estava perto da fronteira oeste da Nebulosa de Orion. Essa massa incandescente espalhava-se sobre bilhões de quilômetros de espaço.
Gordon viu numerosas estrelas dentro da Nebulosa. Lembrou-se de que era uma barragem de elétrons que provocava a poeira cósmica da Nebulosa e lhe dava aquele aspecto incandescente.
Naquela noite, Lianna e Gordon estavam andando pelo corredor, sob a vigilância de um homem armado da Nuvem, quando o sinal de alarma soou novamente, de uma ponta à outra. Quando o zumbido familiar dos geradores de escuridão chegou, no momento em que voltavam para as cabinas, pôde murmurar no ouvido de Lianna:
— Finja desmaiar bem na porta da cabina.
A Princesa não deu sinal aparente de ter ouvido, mas apertou a mão de Gordon em sinal de aquiescência.
O homem da Nuvem seguia-os a meia dúzia de passos de distância com a mão na coronha da pistola atômica.
Chegados à porta da cabina, Lianna cambaleou e levou a mão ao coração.
— Zarth, estou doente! — suspirou ela, começando a escorregar para o chão.
Gordon segurou-a e amparou-a.
— Ela desmaiou! Eu sabia que ela não poderia suportar por muito tempo este confinamento interminável!
Virou-se para a porta e ordenou, em tom furioso, ao espantado guarda:
— Ajude-me a colocá-la na cabina!
O homem estava ansioso para afastá-los do corredor. Recebera ordem de encerrá-los assim que a escuridão começasse.
Seu zelo, porém, pregou-lhe uma peça. Abaixou-se para ajudar Gordon a carregar Lianna.
Nesse instante, Gordon agiu! Sem contemplação, deixou Lianna cair e tomou a pistola atômica do guarda.
Agiu tão rapidamente que já estava com a arma empunhada quando o outro, compreendendo o que se passava, virou-se para ele e abriu a boca para pedir socorro.
Gordon atingiu o homem com uma coronhada na têmpora. O soldado ficou lívido e caiu como um saco de trapos.
— Depressa, Lianna! — ordenou Gordon. — Vamos escondê-lo na cabina!
A princesa já estava em pé. Num instante arrastaram o homem caído para dentro da cabina e fecharam a porta.
Gordon inclinou-se sobre sua vítima. Havia fraturado o crânio dele.
— Morto. . . — murmurou rapidamente. — Lianna, é a minha oportunidade.
Começou a tirar a túnica do cadáver. Ela caminhou para o lado dele.
— Zarth, que vai fazer?
— Deve haver uma nave imperial patrulhando estas paragens — respondeu Gordon. — Se eu conseguir sabotar os aparelhos que tornam o Dendra invisível, o patrulheiro nos verá e aprisionará.
— Temo que nos reduzam a migalhas — disse Lianna. Seus olhos procuraram os dela.
— Não duvido, mas é um risco a correr. Está de acordo?
— Evidentemente, Zarth — respondeu ela, com os olhos cinzentos brilhando. — A sorte da Galáxia inteira depende disso.
— Então fique aqui. Vou vestir este uniforme e pôr o capacete. Assim, terei alguma possibilidade de agir.
Em poucos minutos, Gordon estava metido no uniforme preto do morto. Socou o capacete na cabeça, recolocou a pistola no coldre e esgueirou-se pelo corredor.
O negror continuava e o Dendra tateava seu caminho através da escuridão provocada. Gordon caminhou para a popa.
Ele já havia localizado, nos dias anteriores, o barulho dos geradores de escuridão como vindo de um ponto situado no convés inferior, perto da popa. Apressou-se na direção daquele barulho.
Ninguém no corredor. Quando o navio mergulhava na escuridão, tripulação e oficiais ficavam nos postos de ação.
Gordon chegou ao fim do corredor. Desceu depressa por uma estreita escada de ferro, que levava ao convés inferior. As portas estavam abertas, permitindo-lhe ver a sala dos motores de propulsão da nave. Havia oficiais ocupados nos painéis de vôo e homens vigiando os manômetros dos enormes geradores de energia.
Um oficial pareceu surpreso ao ver Gordon atravessar a porta, mas o capacete e o uniforme o tranqüilizaram.
Estava agora perto do barulho dos geradores de escuridão. Estes estavam bem à frente, na sala de máquinas central, e a porta da sala dos geradores de escuridão também estava aberta.
Tirou a pistola do coldre e atravessou a soleira. Olhou para dentro de uma grande sala, cujos geradores estavam emitindo aquele profundo barulho. Um lado inteiro da sala estava tomado por filas de pilhas que pulsavam com uma radiação branca.
Havia dois oficiais e quatro soldados na sala. Um oficial, no painel de interruptores, virou-se para falar com um soldado e viu o rosto crispado de Gordon, que estava parado na soleira.
— Zarth Arn! — gritou o oficial, procurando a arma. — Cuidado!
Gordon atirou. Mas nunca havia utilizado arma igual e sua ignorância o traiu.
Visou a pilha através da sala, mas o projétil explodiu no teto porque a pistola subiu bruscamente na sua mão quando disparou. Vendo o oficial atirar nele, deitou-se no chão. A pastilha atômica atingiu o lado da porta, acima de sua cabeça, explodindo instantaneamente.
— Alarma geral! — gritou o oficial. — Pegue. . . Gordon atirou novamente. Desta vez visou bem em baixo.
As pastilhas atômicas de sua pistola explodiram entre as pilhas gigantescas.
Um enorme cogumelo elétrico encheu a sala! O oficial e dois homens urraram quando as violentas chamas azuladas os envolveram.
0 oficial, apavorado, apontava a arma para todos os lados. Gordon atirou nele. Depois, atirou no gerador mais próximo.
Mas as pastilhas apenas fundiram a couraça de metal. Nesse meio tempo, as chamas azuladas, expelidas pela pilha quebrada, transformavam a sala num inferno. Dois homens rolavam pelo chão, urrando de dor.
Gordon bateu em retirada pelo corredor. Gritava de alegria vendo a escuridão se dissipar no exterior da vigia e miríades de estrelas brilhantes cintilarem na abóbada celeste.
— Nossa escuridão falhou! — berrou uma voz, no convés superior.
Sirenas ressoaram loucamente. Gordon ouviu os soldados precipitarem-se atabalhoadamente para o convés inferior, na direção da sala dos geradores de escuridão.
NAUFRÁGIO NA NEBULOSA
Gordon viu uma dúzia de soldados da Liga irromper na parte mais afastada do convés inferior. Sentiu que estava perdido, mas levantou a arma e atirou sem piedade na direção deles.
As pastilhas atômicas voaram pelo corredor e explodiram. Os pequenos feixes de energia esfacelaram metade dos homens da Nuvem. Mas os outros precipitaram-se para a frente, dando gritos ferozes. Nesse instante, sua pistola calou, com o pente vazio.
Então verificou-se a catástrofe! A inteira estrutura do Dendra foi violentamente sacudida por um choque terrível, ouvindo-se o estardalhaço de placas e vigas deslocando-se. Todo o espaço em torno da nave foi iluminado por um brilhante clarão.
— Aquela nave imperial nos descobriu e está atirando em nós! — gritou uma voz. — Fomos atingidos!
As chapas do casco continuavam a se deslocar, acompanhadas do assovio modulado do ar escapando. Depois ouviu-se o estalar característico dos compartimentos estanques fechando.
O corredor, no qual Gordon se encontrava, foi subitamente dividido por portas que se fechavam automaticamente! Gordon ficou separado dos homens que estavam no fim do convés.
— Postos de combate! Vestir roupas espaciais! — ordenou Durk Undis, cuja voz, espalhada pelos alto-falantes, ressoou de um lado ao outro da nave. — Fomos atingidos, mas lutaremos até o fim contra esse cruzador do Império!
Sinos tocavam e sereias zumbiam. Depois, ouviu-se o rápido repercutir dos grandes canhões atômicos exteriores. Gordon viu aparecer, muito ao longe no espaço, no meio da vasta escuridão, pontos de luz subitamente explodindo e desaparecendo.
Um duelo no espaço sideral! Ao sabotar a proteção escura, ele revelara o Dendra ao cruzador imperial, que imediatamente abrira fogo.
"Lianna!", pensou Gordon, preocupado. "Se ela estiver ferida.
Voltou-se e se arrastou pela escada metálica acima na direção do convés central.
Lianna foi correndo ao encontro dele no corredor. Seu rosto estava pálido, mas calmo.
— Há roupas espaciais naquele armário! — exclamou ela. — Depressa, Zarth! A nave pode ser atingida outra vez, de uma hora para outra!
A moça conservara sangue-frio suficiente para achar as roupas espaciais, colocadas em pontos estratégicos da nave.
Na cabina, ela e Gordon meteram-se rapidamente nas roupas. Estas eram feitas de um tecido metálico espesso e encimadas por um capacete esférico de glassite, cujo aparelho de oxigênio funcionava automaticamente assim que o capacete fosse atarrachado.
Lianna falou e ele ouviu sua voz claramente, graças a um minúsculo áudio instalado em cada capacete.
— O cruzador imperial vai reduzir esta nave a migalhas, agora que ela não está mais invisível! — gritou a moça.
Gordon ficou tonto com a estranha cena vista pela vigia. O Dendra, manobrando com uma velocidade infernal, para fugir do radar da outra nave, atirava seus pesados projéteis atômicos continuamente.
Os projéteis dos grandes canhões atômicos, usados nas batalhas espaciais, eram propelidos por jatos de raios de pressão subespectrais, que os impeliam com a velocidade da luz.
Muito longe, no espaço, minúsculos pontos de luz apareciam e sumiam numa fração de segundo. As distâncias eram tão grandes entre os dois combatentes, que os imensos jatos de chamas das explosões dos projéteis atômicos pareciam muito pequenos. O espaço explodiu novamente em cegante luz em torno deles, quando os projéteis do cruzador imperial explodiram mais tarde. O Dendra sacudiu-se no seu eixo com a força da explosão silenciosa.
Um choque mais violento jogou Gordon e Lianna no chão. Gordon notou então que o zumbido das turbinas havia decrescido. Mais compartimentos estanques fecharam com um estalo.
— O posto de comando está meio destruído! — gritou alguém, cuja voz ressoou nos fones das roupas espaciais. — Só estão funcionando duas turbinas!
— Conserve-as em marcha! — ordenou energicamente Durk Undis. — Dentro de um momento, destruiremos a nave inimiga com a nossa nova arma!
A nova arma? Gordon lembrou-se imediatamente do que lhe dissera Shorr Kan. A Liga tinha uma potente nova arma, capaz de destruir qualquer nave.
— Lianna, eles estão ocupados demais para se incomodarem conosco! — exclamou Gordon. — É a nossa oportunidade de fuga! Se conseguirmos pegar um bote, poderemos chegar à nave imperial!
— De acordo, vamos tentar! — respondeu Lianna, sem hesitação.
— Então siga-me! — exclamou ele.
O Dendra continuava a se sacudir brutalmente. Gordon teve que amparar Lianna até o fim do corredor.
Vestidos com as roupas espaciais, os artilheiros estavam absorvidos demais pela luta para perceber que os prisioneiros tentavam fugir.
Os dois atingiram uma escotilha, onde havia um compartimento contendo, fixado no casco, um dos botes salva-vidas siderais.
— Lianna, não sei como se abre isto! A senhora sabe? Ela rapidamente agarrou as alavancas e puxou. Sem resultado.
— Os comandos automáticos estão bloqueados, Zarth! O bote está quebrado.
Gordon não quis se deixar abater. . .
— Deve haver outros botes! No outro lado...
O Dendra continuava sendo sacudido brutalmente. Suas vigas divisórias rachavam e rangiam. Projéteis explodiam cegamente lá fora.
Mas, de repente, ouviram Durk Undis gritar, com voz exultante:
— Nossa arma inutilizou-os! Continuem a atirar! Quase imediatamente ouviu-se uma explosão de alegria.
— Conseguimos!
Gordon viu, pela vigia da escotilha, ao longe, no vácuo, um repentino relâmpago, como se uma nova estivesse surgindo. Desta vez não foi uma cabeça de alfinete, mas uma flame jante estrela que brilhou e desapareceu.
— Conseguiram destruir o cruzador imperial! — gritou Lianna.
O coração de Gordon confrangeu-se.
— Mas ainda podemos tentar escapar, se conseguirmos outro bote!
Começaram a voltar. Nesse instante, dois desgrenhados oficiais da Liga apareceram no corredor.
— Agarremo-los! — gritou um deles.
Puxaram, ao mesmo tempo, as pistolas atômicas, que estavam nos coldres das roupas espaciais.
Gordon pulou para a frente. Uma sacudidela mais forte fê-lo cair sobre os dois homens. Rolando com eles pelo chão do corredor, Gordon tentou tomar a arma de um dos seus adversários.
Mas um barulho de vozes ressoou em torno deles. Inúmeras mãos agarraram Gordon, separando-o dos seus oponentes. Novamente de pé, arquejante e sem respiração, Gordon viu-se com Lianna, cercado por seis soldados da Nuvem.
O rosto afogueado e crispado de Durk Undis podia ser visto dentro do capacete de glassite do homem mais afastado.
— Traidor! — gritou ele para Gordon. — Bem que eu disse a Shorr Kan que não devia ter confiança em ninguém do Império!
— Fuzilemos os dois imediatamente! — sugeriu um soldado, fervendo de raiva. — Foi Zarth Arn quem sabotou os escurecedores e nos pôs nesta situação!
— Não. Não vão morrer já! — respondeu Durk Undis. — Shorr Kan vai se ocupar deles, quando estivermos de volta na Nuvem.
— Se voltarmos! — retificou, amargamente, outro oficial. — O Dendra está inutilizado. Suas duas últimas turbinas mal funcionam. Os botes espaciais estão quebrados. Não podemos sequer fazer a metade do caminho!
Durk Undis fechou a cara.
— Então vamos nos esconder até que Shorr Kan envie uma expedição para nos socorrer. Vamos informá-lo do que aconteceu, pelas ondas secretas.
— Esconder-nos onde? — perguntou outro oficial. — Estamos em pleno espaço imperial! Antes de explodir, o cruzador deve ter assinalado nossa presença e, dentro de vinte e quatro horas, a região inteira estará infestada de esquadras inimigas.
Durk Undis rangeu os dentes.
— Eu sei. Temos que sair daqui e só há um lugar para ir. Mostrou, pela vigia, uma estrela cor de cobre, cujo brilho quente aparecia ligeiramente no interior da borda enevoada e chamejante da grande Nebulosa de Orion.
— Aquele sol de cobre tem um planeta marcado como desabitado nos mapas. Iremos para lá e ficaremos esperando socorro. Se espalharmos os destroços, as naves do Imperador não procurarão muito e pensarão que fomos destruídos.
— Mas os mapas dizem que aquele sol e seu planeta estão no centro de um turbilhão! Não podemos ir para lá! — objetou outro homem da Nuvem.
— O turbilhão nos levará ao nosso destino. Se a nave de socorro que mandarem à nossa procura for bastante poderosa, virá até aqui e voltará — insistiu Durk Undis. — Rume para esse planeta e dê o máximo de força às duas turbinas que sobram. É inútil consumir energia agora para avisar Thallarna. Faremos isso quando estivermos a salvo naquele mundo!
Depois, apontando Gordon e Lianna, ordenou:
— Amarre esses dois, Linn Kyle, e coloque um guarda junto deles, de arma na mão, sem perdê-los de vista um só instante!
Arrastaram Gordon e Lianna para uma cabina metálica, cujas paredes mostravam os desgastes sofridos durante o combate. Foram sentados em duas poltronas rotatórias e basculantes.
Peças de plástico, surgidas das poltronas, imobilizaram seus braços e pernas. Depois, o oficial Linn Kyle deixou-os em companhia de um enorme soldado da Liga, de arma em punho.
À força de trancos, Gordon conseguiu virar a cadeira e ficar de frente para a Princesa.
— Lianna — disse, tristemente — pensei poder nos salvar e só fiz piorar as coisas.
Ela sorriu, impávida, por trás do capacete de glassite.
— Era preciso tentar, Zarth. E afinal, o senhor atrapalhou os planos de Shorr Kan.
Gordon sabia mais. Sabia que todos os seus esforços redundaram num fracasso.
Sabia que a arma secreta da Liga revelara-se eficaz. E provara aos homens da Nuvem e a Shorr Kan, que era inimigo deles.
Ninguém conseguiria avisar Throon da traição de Corbulo e impedir o ataque! Ele e Lianna seriam levados de volta para a Nuvem e para o castigo de Shorr Kan.
"Não, não permitirei que isso aconteça!", prometeu Gordon a si mesmo. "Darei um jeito para que nos matem antes de deixar Lianna voltar para lá!"
Durante horas o Dendra, ofegante, penosamente movido por suas derradeiras turbinas, dirigiu-se para o sol de cobre. Depois cortou a energia e deixou-se arrastar. Logo após, penetrou na estranha incandescência da gigantesca nebulosa.
De tempos em tempos, ouvia-se o ranger do casco meio deslocado. Quando um outro soldado foi render seu cão de guarda, as palavras que trocaram revelaram a Gordon que apenas dezoito homens haviam sobrevivido, entre eles os oficiais.
A abalada nave foi, horas mais tarde, envolvida por fortes correntes. Gordon viu que deviam ter entrado no grande turbilhão da nebulosa a que Linn Kyle se referira.
As sacudidelas se tornaram cada vez mais violentas. Subitamente, ouviu-se um barulho enorme e um assovio estridente que permaneceu por vários minutos.
— O ar foi todo sugado do navio — murmurou Lianna. — Sem nossas roupas espaciais, estaríamos mortos.
A morte, em todo caso, parecia acompanhar John Gordon. A nave avariada estava agora inteiramente nas garras da poderosa corrente de poeira da nebulosa, que a empurrava contra a estrela que estava mais além.
As horas passavam. O Dendra estava agora usando a escassa potência das turbinas restantes para atingir o sol cor de cobre.
Gordon e Lianna conseguiram dar uma olhada quando uma sacudidela fazia girar suas poltronas para uma posição favorável. Viram um planeta gravitando em torno da estrela cor de cobre. Um mundo pequeno, raquítico e amarelo.
A voz de Durk Undis deu uma ordem final:
— Preparar para pouso forçado!
O guarda que vigiava Gordon e Lianna amarrou-se numa poltrona ao lado dos dois. O ar entrou aos borbotões pelos orifícios do casco e produziu o mesmo assovio de horas antes.
Num fugaz instante, Gordon viu florestas estranhas, de côr amarela, que subiam a toda velocidade contra a vigia. As turbinas zumbiram, num breve esforço de desaceleração. Finalmente, um choque mergulhou Gordon numa momentânea escuridão.
OS HOMENS MONSTROS
A VOZ ansiosa de Lianna despertou Gordon. Estava ainda aturdido pelo choque.
A moça inclinava-se para ele da poltrona em que estava manietada. Tinha um aspecto preocupado.
— Zarth, por um momento pensei que o senhor estivesse gravemente ferido! Sua poltrona quebrou-se e desprendeu-se quase completamente.
— Estou bem — respondeu ele. Seus olhos voltaram-se, para ver o que se passava. — Creio que pousamos!
O Dendra deixara de ser uma nave. Só existia uma massa de metal retorcido que nunca mais viajaria pelo espaço.
O casco rompera-se como papel. A couraça e os rebites se tinham espalhado com o choque. Um sol cor de cobre dardejava seus raios por uma fenda do casco. Gordon deu uma olhada através dessa abertura.
Os destroços jaziam no meio de um matagal ocre, de árvores estranhas, cujas grandes folhas nasciam diretamente dos troncos amarelos. Árvores, moitas e sarças estranhas, com flores amarelas e negras, haviam sido esmagadas pela queda da nave. Seu pólen ainda flutuava aos raios do sol metálico e curiosos pássaros, ou criaturas, de asas diáfanas, voejavam naquele sertão amarelo.
O barulho irregular das turbinas atômicas e dos geradores chegou aos ouvidos de Gordon, vindo de muito perto, d< dentro dos destroços.
— Os homens de Durk Undis estão tentando consertar os dois geradores — disse Lianna. — Parece que não estão muito estragados.
— Então estão tentando um contato com a Nuvem — murmurou Gordon. — E Shorr Kan mandará outra nave para cá!
O oficial Linn Kyle entrou na cabina, não mais vestindo a roupa espacial.
— Pode deixar que os prisioneiros tirem as roupas espaciais, mas torne a prendê-los imediatamente em suas poltronas — ordenou ele ao guarda.
Livrar-se da pesada roupa metálica e do capacete, aliviou Gordon. Achou o ar perfeitamente respirável, mas com um curioso cheiro de especiarias.
Exatamente em frente à prisão deles, no corredor, ficava a sala do estéreo. Eles ouviram logo depois um assovio agudo do transmissor. Então, chegou-lhes a voz de Durk Undis.
— Chamando o quartel-general em Thallarna! O Dendra chamando!
Lianna perguntou:
— Esse apelo não vai atrair alguém? Se fôr ouvido pelas naves de guerra do Império, será bom!
Mas Gordon desanimou-a.
— Não. Durk Undis falou em usar uma onda secreta. Isso quer dizer que podem contatar Thallarna sem serem percebidos.
Os chamados se prolongaram durante vários minutos e depois Durk Undis deu ordem de desligar o transmissor.
— Tentaremos mais tarde — ouviram-no dizer. — Devemos continuar sem parar, até conseguirmos estabelecer contato com o quartel-general.
Gordon fez a poltrona girar, com imperceptíveis movimentos de corpo, o que lhe permitiu olhar o que se passava na sala do estéreo, cuja porta pendia dos gonzos.
Duas horas mais tarde, viu Durk Undis e seu operador tentando entrar em contato com o quartel-general em Thallarna. Assim que os geradores, na popa, começaram a zumbir, o operador manipulou diversos botões e começou a rodar cuidadosamente os dials.
— Procure ficar sempre no mesmo comprimento de onda
— recomendou Durk Undis. — Se as naves imperiais ouvem um simples murmúrio, cairão imediatamente sobre nós.
Então recomeçou a série de chamados e desta vez Durk Undis obteve uma resposta.
— Aqui o Dendra. Falando o capitão Durk Undis! — disse, no microfone. — Não posso me servir do estéreo por falta de força. Mas eis meu número de identificação.
Disse uma série de números que, evidentemente, correspondiam a um código de identificação preestabelecido. Depois deu rapidamente as coordenadas espaciais do planeta dentro da nebulosa em que houve o naufrágio e fez um relatório da batalha e suas conseqüências.
A vibrante voz de Shorr Kan jorrou do alto-falante.
— Então Zarth Arn tentou sabotar a expedição? Nunca pensei que fosse tão louco! Vou mandar outro cruzador fantasma socorrê-los imediatamente. Fiquem em silêncio até sua chegada. A frota imperial não deve suspeitar de que o senhor ainda está no espaço deles.
— Presumo que não prosseguiremos com nossa missão na Terra? — perguntou Durk Undis.
— Claro que não! — respondeu Shorr Kan asperamente.
— Traga Zarth Arn e a moça para a Nuvem. E principalmente impeça-os de fugir e revelar em Throon o que viram aqui!
Ouvindo isso, Gordon sentiu o coração gelar. Lianna olhava-o calada.
Durk Undis e os soldados rejubilavam-se. Gordon ouviu o jovem fanático começar a dar ordens.
— Coloquem sentinelas em torno dos destroços. Não sabemos que espécie de criaturas vive nesta floresta. Linn Kyle, o primeiro quarto de guarda é seu.
O sol de cobre desapareceu e a noite estendeu-se sobre o matagal amarelado. O cheiro úmido da floresta se fez sentir mais intensamente.
A noite não era muito escura porque a flamejante nebulosa espalhava uma estranha radiação pela sombria floresta e pelos destroços. Da parte escura da mata subiu, pouco depois, o eco de um grito longínquo. Era um apelo animalesco e rouco, mas com qualquer coisa de humano no seu tom arrepiante.
Gordon ouviu Durk Undis dizer:
— Deve ser um animal de grande porte. Fiquem alertas. Lianna estremeceu.
— Contam-se histórias estranhas sobre alguns destes mundos perdidos da Nebulosa — disse ela. — Poucas naves se atrevem a entrar nestes turbilhões de poeira.
— Se depender de mim, algumas entrarão neste — murmurou Gordon. — Não voltaremos para a Nuvem!
Acabara de descobrir uma coisa que lhe dava um pouco de esperança. A poltrona onde estava amarrado havia sofrido, assim como o resto da nave, com o choque contra o solo. O braço metálico, onde seu pulso estava preso, ficara rachado em todo o comprimento.
A rachadura era apenas perceptível e em nada afetava a solidez da poltrona, mas produziu uma aresta afiada, na qual Gordon começou a esfregar furtivamente o plástico que lhe prendia o pulso.
Gordon percebeu a improbabilidade de conseguir romper a presilha apenas esfregando-a contra a aresta. Mas era uma possibilidade e esfregou enquanto pôde, até os músculos doerem.
Ao amanhecer, foram acordados pela repetição dos espantosos gritos guturais. Passaram-se dois dias, com os homens da Nuvem esperando. Mas, na terceira noite, o horror explodiu.
Logo após o anoitecer, o grito de uma sentinela foi seguido pelo barulho do disparo de uma pistola atômica.
— Que foi? — perguntou Durk Undis.
— Vi uma criatura que parecia um homem. . . mas derreteu quando atirei nela! Desapareceu como por encanto!
— Aqui há outra! E mais ainda! — gritou outra sentinela. — Vejam!
O espocar de tiros de pistola rasgou a noite. Durk Undis dava ordens aos berros.
Lianna fizera sua poltrona girar na direção da vigia. Exclamou :
— Zarth! Olhe!
Gordon conseguiu virar-se para o mesmo lado e viu um espetáculo incrível.
Criaturas com formas humanas saíam da mata aos montes e aproximavam-se da nave. Assemelhavam-se a seres humanos altos, feitos de borracha. Seus olhos brilhavam quando atacavam.
Durk Undis e seus homens atiravam com as pistolas atômicas. O cegante explodir das pastilhas obscurecia a fraca luminosidade da nebulosa.
Quando os homens de borracha eram atingidos por uma pastilha, simplesmente derretiam. Seus corpos transformavam-se numa geléia viscosa que escorria lentamente pelo chão, na direção da mata.
— Eles também estão vindo pelo outro lado! — gritou Linn Kyle.
A voz de Durk Undis ordenou, imperiosa:
— Nossas pistolas não são suficientes para contê-los por muito tempo! Linn, vá com dois homens e ponha os geradores a funcionar. Ligue um tubo neles e regaremos essas criaturas com raios de pressão.
Os olhos de Lianna encheram-se de horror quando viram uma horda de homens de borracha aprisionar dois homens da Nuvem e levá-los para a mata.
— Zarth, são monstros! Não são homens nem animais. . . Gordon viu que a luta não ia bem. A horda de borracha
encurralava a tripulação nos destroços. Aparentemente, não demonstravam qualquer espécie de medo, pois os que eram atingidos simplesmente transformavam-se em geléia e escorriam para o bosque.
Finalmente, os geradores zumbiram. Linn Kyle e dois homens apareceram, puxando um enorme tubo. Tinham fixado na extremidade dele um dos projetores de raios de pressão que, normalmente, propeliam a nave.
— Depressa! — ordenou Durk Undis. — São demais para nós!
— Afastem-se! — gritou Linn Kyle.
Ligou o poderoso projetor de raios. Jorraram jatos cegos de força, que cortaram a horda gelatinosa em pedaços. O solo transformou-se instantaneamente num horrível riacho de trêmula e deslizante gelatina.
O monstruoso ataque foi, de repente, suspenso. E a viscosa lama no chão recuou para o escudo protetor da mata.
Ouviu-se então o coro lamentoso de gritos guturais não humanos, partidos do fundo da floresta ocre.
— Depressa! Preparem outro projetor de raios! É o único meio de mantê-los a distância! Precisamos de um em cada lado dos destroços — ordenou Durk Undis.
— Mas em nome de todos os diabos, que são essas coisas? — perguntou Linn Kyle, com uma voz que o pavor tornava aguda.
— Não é hora de especular a esse respeito! — retrucou o outro. — Prepare esses projetores!
Meia-hora mais tarde, Gordon e Lianna assistiram a um segundo assalto. Mas desta vez a horda gelatinosa viu-se frente a frente com quatro projetores de raios de pressão e desistiu do ataque.
— Foram embora mas levaram dois dos nossos! — disse um dos soldados.
Desligaram os geradores. Quando o zumbido cessou, Gordon ouviu um outro som a distância.
— Lianna, está ouvindo?
Era uma espécie de pulsação, que lembrava o profundo ressoar de tambores. Vinha de longe, a oeste, da mata fracamente iluminada pela Nebulosa.
Então, misturando-se ao barulho dos tambores, chegou-lhes uma série de débeis e dolorosos gritos humanos, seguidos por um coro triunfante de urros. Depois, o silêncio.
— Foram os dois soldados que eles levaram — murmurou Gordon, espantado. — Deus sabe o que lhes aconteceu!
Lianna estava pálida.
— Zarth, caímos num mundo de horror. Agora compreendo por que o Império não coloniza estes planetas.
À ameaça que pesava sobre eles desde que haviam partido de Throon, juntava-se agora outra, ainda mais terrível. Para evitar a Lianna os terrores daquele planeta de pesadelo, Gordon quase desejou voltar à Nuvem.
Mas reanimou-se. Era preciso lutar e nunca voltaria para as mãos de Shorr Kan, se pudesse evitar!
Tornou a esfregar sua ligadura contra a aresta cortante e passou tanto tempo esfregando que adormeceu sem perceber, para acordar horas depois da aurora.
Na manhã seguinte, a mata ocre tinha um aspecto decepcionantemente pacífico sob os raios do sol acobreado. Mas prisioneiros e guardas sabiam que, sob as folhas amareladas, escondiam-se horrores inomináveis.
Gordon passou o dia inteiro esfregando o plástico contra o braço da cadeira. Só parava quando os guardas olhavam para ele.
Lianna sussurrou, esperançosa:
— Acha que vai conseguir libertar-se?
— Acho que até a noite consigo — murmurou.
— E depois? Qual é a vantagem? Não podemos voar e nos esconder na mata!
— Não, mas podemos pedir socorro — murmurou Gordon. — Imaginei um jeito!
Caiu a noite e Durk Undis começou a dar ordens:
— Dois homens em cada projetor para repelir as criaturas, se elas aparecerem! Os geradores ficarão funcionando a noite inteira!
Essa notícia encheu o coração de Gordon de satisfação porque tornava possível o plano que arquitetara.
Mas a ligadura de plástico continuava firme e Gordon não conseguia quebrá-la, embora ela estivesse limada até o meio.
Os geradores recomeçaram a zumbir. Os assustados homens da Nuvem não tiveram de esperar muito pelo ataque que tanto temiam. Mais uma vez, da penumbrosa mata, chegaram os terríveis gritos guturais.
— Estejam prontos para repeli-los, quando aparecerem! — ordenou Durk Undis.
Com um coro de gritos roucos, a horda de borracha atirou-se numa onda feroz para fora da mata. Imediatamente os projetores lançaram contra os assaltantes os terríveis feixes de raios de pressão.
— Continuem! Eles estão sendo detidos! — gritou Durk Undis.
— Mas eles não morrem! — gritou outro homem. — Derretem e escorrem para debaixo das árvores!
Gordon viu que chegara sua oportunidade. Os soldados estavam todos empenhados na defesa dos destroços e os geradores funcionavam.
Contraiu os músculos num esforço para romper as ligaduras. Mas tinha superestimado suas forças. O forte plástico continuava inquebrável.
Então recomeçou a esfregar violentamente. Desta vez, conseguiu. Livrou-se rapidamente do resto, no outro braço e pernas. Ficou de pé e apressou-se a libertar Lianna. Depois atravessou o corredor, dirigindo-se para a sala de transmissões em frente.
— Vigie o corredor e avise-me se alguém vier! Vou tentar ligar o aparelho de transmissão — disse ele à moça.
— Mas o senhor conhece bastante o funcionamento dessa máquina para mandar uma mensagem? — perguntou Lianna.
— Não, mas se conseguir ligar o aparelho, me contentarei em transmitir em qualquer comprimento de onda, o que bastará para atrair a atenção sobre este planeta — explicou Gordon.
Dirigiu-se, na escuridão da sala, para os interruptores que ele vira o operador manipular para ligar o transmissor.
Gordon mexeu nos botões, mas o transmissor continuava mudo. Gordon não ouviu nenhum assovio do aparelho, nem os tubos eletrônicos acenderam. Uma onda de desespero apertou-lhe o coração quando percebeu que seu plano fracassara.
MUNDO DE HORROR
Gordon forçou-se a ficar calmo, a despeito do barulho infernal da luta lá fora. Tornou a examinar os botões que vira o operador manipular para fazer funcionar o transmissor.
Havia esquecido um! Assim que o apertou, o pequeno motor começou a zunir ruidosamente e as grandes válvulas acenderam-se.
— Os geradores estão começando a enfraquecer! Nosso esguicho estão perdendo a força! — gritou um soldado lá fora, nos destroços.
— Zarth, o senhor está roubando energia demais dos dois geradores — avisou-lhe Lianna. — Por isso os lança-raios estão perdendo a potência. Eles virão ver o que está acontecendo!
— Só preciso de um instante! — respondeu Gordon, debruçado tensamente sobre o painel dos dials.
Sabia que não podia enviar uma mensagem coerente porque quase nada conhecia daqueles complicados aparelhos da ciência do futuro.
Mas qualquer sinal, mesmo sem nexo, partido de um mundo semelhante, que julgavam ser desabitado, chamaria a atenção dos cruzadores imperiais, que patrulhavam os arredores.
Gordon girava, portanto, ao acaso, os botões do aparelho. Este tartamudeava e soluçava nas suas mãos desajeitadas.
— Os monstros ganham terreno! — gritou Durk Undis. — Linn, vá ver por que os geradores estão enfraquecendo!
A batalha lá fora era um feroz corpo-a-corpo. Lianna deu uni grito para avisar Gordon, mas era muito tarde.
Linn Kyle já havia chegado lá, furioso e descomposto. Soltou uma praga e levou a mão à coronha da pistola atômica.
— Meu Deus, eu devia ter imaginado. . .
Gordon mergulhou na direção dele e derrubou-o. Lutaram furiosamente.
No meio do burburinho cada vez mais ensurdecedor, Gordon ouviu de repente Lianna gritar de pavor. Viu os monstros entrarem pela popa rachada e agarrar a apavorada moça.
Os atacantes de borracha! Os nativos daquele mundo louco haviam penetrado as defesas de Durk Undis e invadiam a nave!
— Lianna! — berrou Gordon, vendo a moça ser levada por um monstro.
Com seus rostos sem expressão e olhos redondos, outros monstros corriam para ele. Tentou fugir ao abraço de Linn Kyle e levantar-se. Mas não teve tempo! Os corpos de borracha amontoavam-se sobre ele e o homem da Nuvem. Braços semelhantes a tentáculos caíram-lhe em cima e o carregaram. Linn Kyle atirou ferozmente. Um monstro derreteu e uma poça de lama gelatinosa escorreu para a popa. Mas, imediatamente, outros monstros apoderaram-se do oficial da Liga.
Uma intensa fuzilaria ressoou no corredor. Durk Undis, sempre na primeira linha de luta, ordenou:
— Expulsem-nos da nave e vigiem as portas até que os lança-raios recomecem!
Gordon ouviu Linn Kyle abafar um grito de horror quando ele e o homem da Nuvem foram arrastados. A fuzilaria obrigava os assaltantes a recuar. Fugiam desordenadamente para fora da nave, mas carregavam Lianna e os dois.
Gordon debatia-se em vão. Compreendia, horrorizado, que, ao enfraquecer as defesas dos homens da Nuvem, havia exposto Lianna a perigos maiores.
— Durk! Estão nos levando! — berrou Linn Kyle.
No meio da fuzilaria e dos berros, Gordon ouviu o comandante gritar de espanto.
Mas já estavam fora dos destroços e seus captores tinham entrado com eles na densa floresta. A inteira horda de borracha já se havia retirado para a mata iluminada pela Nebulosa, quando Durk Undis e o remanescente de seus homens repuseram o lança-raios em ação.
Gordon ficou aturdido. Os pavorosos agressores o levavam habilmente pela mata, com uma agilidade simiesca. Lianna e Linn Kyle eram carregados atrás velozmente. Do alto, do céu da Nebulosa flamejante, caía uma radiação ardente, que embrasava a medonha floresta.
Os estranhos captores apressaram o passo depois de alguns minutos de viagem pela mata. Ladeiras rochosas partiam da densa floresta para o alto.
A horda fantástica arrastou-os para uma profunda garganta de pedra. Era um lugar mais aterrador ainda que a floresta. Os rochedos em volta luziam com um resplendor fraco que não era o reflexo do céu da Nebulosa, mas produzido por eles mesmos.
"Rochedos radioativos", pensou Gordon, estupefato. "Talvez isso explique a horrenda conformação desses monstros."
Um pavoroso clamor arrancou-o de seus pensamentos. Havia uma multidão dessas criaturas de borracha na ravina. Os cativos eram recebidos com berros roucos e ensurdecedores.
Gordon viu-se de repente ao lado de Lianna. O rosto dela estava mortalmente pálido.
— Não está ferida, Lianna? — perguntou.
— Não, Zarth! Mas que irão fazer de nós?
— Meu Deus, não faço idéia! — respondeu Gordon, com voz estridente. — Mas devem ter um motivo para nos trazerem vivos.
A horda quase-humana atirara-se sobre Linn Kyle! Tiraram-lhe toda a roupa do corpo. Um clamor rouco, como o aplauso de um auditório infernal, subiu ruidosamente quando Linn Kyle foi empurrado para a frente. As criaturas de borracha agachavam-se para bater no chão com ambas as mãos, num ritmo de tambores.
Linn Kyle, lutando corajosamente, foi arrastado para o fundo da ravina. Quando a multidão dividiu-se em duas, para dar-lhe passagem, Gordon olhou para onde levavam o homem da Nuvem.
No centro da ravina, cercada por rochas de tênue luminosidade radioativa, havia um charco de mais ou menos vinte metros de extensão. Mas não era um charco de água e sim de vida!
Uma rastejante e trêmula massa de vida gelatinosa crescia e se agitava sob a luz do flamejante céu da Nebulosa.
— O que é aquilo? — perguntou Lianna. — Parece vivo! . Um último horror assaltou a mente vacilante de Gordon.
Agora via coisas em torno do charco.
Pequenas coisas gelatinosas, como miniaturas de corpos humanos, saíam da massa de vida viscosa! Algumas ficavam presas ao grosso da massa por filamentos. Uma quebrou sua ligação naquele instante e caminhou com passos vacilantes na direção deles.
— Nossa Senhora! — murmurou Gordon. — Essas criaturas saem dessa poça de vida. Nascem nela!
Os gritos de Linn Kyle abafaram os urros e a batida rítmica. Finalmente, o corpo nu do oficial foi atirado dentro do charco viscoso!
O infeliz berrava de forma pavorosa. Gordon virou o rosto.
Quando tornou a olhar, um momento depois, o corpo de Linn Kyle fora envolvido pela geléia viscosa, que se agitava esfomeada em cima dele. Em poucos momentos, o homem da Nuvem desapareceu, absorvido pelo charco de vida.
— Não olhe, Lianna! — gritou Gordon.
Ele fez um esforço para se livrar dos que o agarravam. Era como uma criança nas garras daquelas criaturas de borracha .
Mas seu esforço chamou a atenção sobre ele e seus captores começaram a arrancar suas roupas. Ouviu o grito abafado de Lianna.
O explodir das pistolas atômicas reboou através do infernal barulho dos tambores de gritos! As criaturas de borracha cambalearam, caíram e se converteram numa geléia que, rapidamente, deslizou para o charco.
— Durk Undis! — gritou Gordon, que vira o jovem capitão de rosto estreito e olhos brilhantes chegar, abrindo caminho através da horda, à frente de seus homens.
— Peguem Zarth Arn e a moça, depressa! E voltem para a nave! — gritou Durk Undis para seus homens.
Gordon não pôde deixar de admirar aquele intrépido fanático. Shorr Kan lhe ordenara levar Gordon vivo para a Nuvem e o capitão arriscava a vida para cumprir seu dever.
Desnorteados por aquele ataque imprevisto, os monstros recuaram. Gordon libertou-se, com um puxão violento, das duas criaturas que ainda o seguravam e correu para Lianna.
Houve um instante de caos, onde se misturavam figuras quase-humanas e pastilhas atômicas explodindo, gritos de Durk Undis e rouca algazarra da horda.
Quando os selvagens recuaram por um momento, Durk Undis e seus homens explodiram as criaturas que ainda estavam em volta de Lianna e Gordon. Logo após, com Gordon e a moça meio desmaiada no centro, os homens da Nuvem saíram da ravina.
— Eles estão nos perseguindo! — gritou um dos soldados ao lado de Gordon.
O homem do século XX viu que a horda infernal tinha recuperado a presença de espírito. Com um horrendo clamor rouco, a massa não-humana penetrou na selva, perseguindo-os.
Os fugitivos haviam percorrido quase a metade do caminho, quando os monstros os cercaram por todos os lados.
— Cercaram-nos! Vamos tentar furar! — gritou Durk Undis. — Vamos atravessar lutando!
Mas a situação era desesperada e tanto o oficial quanto Gordon o sabiam. Uma dúzia de pistolas atômicas não podia conter aquela horda irracional por muito tempo.
Gordon conservou Lianna atrás dele e usou um galho que cortou de uma árvore caída como porrete contra o ataque dos homens de borracha. Com aquela arma podia até matar a moça antes que ela fosse arrastada para o horrendo charco de vida!
Aquela luta de pesadelo foi subitamente envolvida pela sombra de uma enorme massa negra, que caiu sobre eles do céu da Nebulosa incandescente!
— Uma nave! — gritou um soldado da Liga. — É uma das nossas.
Um cruzador fantasma, com o disco negro da Nuvem destacando-se nitidamente na proa, picou sobre eles, com os brilhantes faróis varrendo toda a cena.
Tomados de pânico, os monstros bateram em retirada. O cruzador fantasma pousou perto, na selva. Uma nuvem de soldados com armas atômicas pulou para fora.
Gordon levantou Lianna, meio desmaiada, do chão. Subitamente viu-se face a face com Durk Undis, que lhe apontava uma pistola. Os recém-chegados corriam velozmente.
— Holl Vonn! — exclamou Durk Undis, saudando o corpulento capitão de cabelos curtos que vinha na frente. — Chegou a tempo.
— Acho que sim! — respondeu Holl Vonn, olhando espantado a viscosa geléia viva, ainda deslizando, trêmula para fora do local da luta. — Mas, por Deus, que eram essas coisas que os atacavam?
— Habitantes deste planeta louco — respondeu Durk Undis. — Acho que, antigamente, eram seres humanos, provavelmente colonos, que se instalaram aqui e sofreram uma mutação pelo efeito de emanações radioativas. Têm um ciclo novo e diferente de reprodução. Nascem num charco de vida e voltam para lá quando feridos, para renascerem.
Continuou rapidamente:
— Mas tornaremos a falar disso mais tarde, pois o principal é sair logo daqui. Teremos, dentro em pouco, as esquadras imperiais patrulhando toda a área a oeste da Nebulosa.
Holl Vonn concordou.
Shorr Kan ordenou-nos levar imediatamente Zarth Arn e Lianna de volta para a Nuvem. Vamos na direção leste, através da Nebulosa e depois aproaremos para o sul, acompanhando a orla.
Gordon reanimava Lianna. Ela voltou a si e olhou espantada para o enorme cruzador e os soldados da Nuvem que os rodeavam.
— Que está acontecendo, Zarth Arn? Isto quer dizer que?...
— Quer dizer que estamos voltando para a Nuvem, para Shorr Kan — respondeu ele, desesperado.
Durk Undis aproximou-se e, apontando para o novo cruzador fantasma, ordenou:
— Entrem no Meric! Os dois!
Nesse instante, Holl Vonn estremeceu.
— Ouçam. . . pelo amor de Deus!
Seu rosto quadrado estava ainda mais lívido ao apontar raivosamente para cima.
Quatro enormes naves desciam do céu da Nebulosa! Aquelas não eram fantasmas, mas cruzadores pesados. Os canhões atômicos já eram visíveis nos flancos e o cometa, emblema do Império do Centro da Galáxia, chamejava na proa.
— Uma esquadra imperial! — gritou Holl Vonn, furioso.
— Fomos apanhados. Eles nos descobriram!
Gordon foi sacudido por uma enorme esperança. Seu desesperado estratagema surtira efeito. Chamara a atenção de uma esquadra que patrulhava aquelas paragens!
DESASTRE AO LARGO DAS PLÊIADES
Durk Undis emitiu uma exclamação de raiva quando os cruzadores do Império caíram do céu.
— Para a nave! Abriremos caminho através deles!
— Muito tarde! — respondeu Holl Vonn, com o rosto mortalmente pálido, quando começou a fugir velozmente da direção da sua nave. — Fomos apanhados em cheio.
Durk Undis ficou um instante paralisado e depois tirou a pistola atômica do coldre, virando-se para os dois prisioneiros.
Os olhos do jovem fanático chamejavam.
— Então vou liquidar Zarth Arn e Lianna aqui mesmo. Shorr Kan deu-me uma ordem precisa. Aconteça o que acontecer esses dois não devem chegar a Throon!
Sem esperar o fim da frase, Gordon atirou-se sobre Durk Undis! Desde o instante da aparição dos cruzadores imperiais, imaginara que o oficial da Nuvem preferiria matá-los a deixá-los fugir.
Estava pronto para agir um momento antes de Durk Undis virar-se de arma na mão. Atingiu o soldado da Nuvem como um projétil humano. Durk Undis foi atirado violentamente para trás.
Holl Vonn chegou à nave gritando ordens à tripulação. Ao mesmo tempo em que Durk Undis se estatelava no chão, Gordon pegou Lianna pela mão e correu para o abrigo da mata.
— Se conseguirmos ficar escondidos um pouco, estaremos salvos! — disse para ela. — Essas naves do Império certamente darão busca nos arredores.
— Holl Vonn decidiu lutar! — gritou Lianna, apontando para o céu.
De fato, com o barulho de um trovão, a longa e fina fuselagem do fantasma de Holl Vonn, o Meric, subia numa vertiginosa velocidade pelo céu flamejante.
Gordon viu, então, que, apesar de todos os seus defeitos, os habitantes da Nuvem não eram covardes. Sabendo-se perdido, compreendendo que, depois da destruição de uma nave do Império no próprio espaço imperial, estava destinado a uma execução imediata, Holl Vonn atirava-se à luta.
Os canhões atômicos do Meric despejavam sem cessar uma saraivada de balas sobre os cruzadores do Império. O céu da Nebulosa pareceu arrebentar-se em cegante 'brilho, por causa das explosões.
Foi magnífico, mas desesperado aquele ataque de um fantasma contra quatro cruzadores pesados, cujas baterias esmigalharam, literalmente, o Meric.
Desabrochando como flores de fogo atômico, as deflagrações envolveram o cruzador da Nuvem. Quando as chamas se extinguiram, o Meric apareceu reduzido a destroços em confusão (precipitando-se verticalmente no espaço e caindo na mata distante.
— Cuidado Zarth! — gritou Lianna, empurrando Gordon. Uma pastilha atômica siflou aos ouvidos do falso Zarth
Arn e explodiu ao lado!
Durk Undis, mortalmente pálido, aproximou-se e levantou a pistola para atirar outra vez. Lianna agarrou desesperadamente o braço dele.
Gordon ficou espantado com a tenacidade do jovem capitão da Liga, que havia ficado para trás e seguira-os com o objetivo de matá-los.
— Tenho que acabar com isto! — gritou Durk Undis, afastando Lianna violentamente com o cano da arma.
Mas Gordon também o atacava. Durk deu um grito de agonia quando Gordon torceu-lhe brutalmente o pulso.
A pistola atômica escapou de seus dedos. Com os olhos em chamas, deu uma violenta joelhada no estômago e um soco no rosto de Gordon.
Mas o homem do século XX estava tão furioso que mal sentia os golpes.
Pegou o adversário pelo meio do corpo e os dois antagonistas rolaram sobre as folhas amareladas.
Durk conseguiu agarrar a garganta de Gordon e apertou-a com ambas as mãos. Mas, antes de perder os sentidos, este último pegou Durk pelos cabelos e martelou sua cabeça contra uma árvore. Depois, desmaiou.
Estava tão profundamente mergulhado numa barulhenta escuridão, que só após alguns minutos a voz de Lianna penetrou nos seus ouvidos.
— Zarth, está tudo acabado! Ele morreu!
Gordon encheu de ar os pulmões doloridos e sentiu a cabeça clarear. Continuava a agarrar os cabelos de Durk Undis.
O crânio de seu inimigo estava literalmente esfacelado Gordon levantou-se, cambaleando. Lianna amparou-o. Ele tartamudeou:
— Eu não o tinha visto. Se a senhora não me avisasse e agarrasse o braço dele, ele teria me matado.
Ouviu-se uma voz severa ao lado deles. Gordon deu meia-volta.
Através da selva iluminada suavemente, de armas em punho, soldados, usando a farda cinzenta do Império, convergiam para eles. Uma das naves pousara nas proximidades, enquanto as outras patrulhavam os céus acima da cabeça deles.
O homem que os interpelava era um jovem capitão de rosto simpático e olhos vivos. Olhava espantado para a figura amarrotada de Gordon e para Lianna.
— Os senhores não parecem gente da Liga! — disse ele. — Mas estavam com eles. . .
Parou bruscamente, deu um passo à frente e franziu a testa, examinando o rosto ensangüentado de Gordon.
— O príncipe Zarth Arn! — exclamou, estupefato. Um ódio feroz incendiou seus olhos.
— Enfim o apanhamos! E com os soldados da Nuvem. Juntou-se a eles, quando fugiu de Throon!
Os soldados do Império tremeram de raiva e Gordon leu nos olhos deles um ódio mortal.
O jovem capitão formalizou-se e declarou:
— Eu sou o capitão Dar Carrul, da Marinha Imperial. Prendo-o pelo assassinato do Imperador e por traição!
Gordon olhou em volta e, procurando conservar o sangue frio, disse firmemente:
— Não assassinei Arn Abbas! Não me aliei à Nuvem... Era prisioneiro deles e consegui fugir pouco antes da chegada dos senhores.
Apontou para o cadáver de Durk Undis e acrescentou:
— Aquele homem preferia me matar a me deixar fugir! — Que foi que os trouxe a este planeta? Um sinal intermitente, não foi?
Dar Carrul pareceu espantado.
— Como o sabe? É verdade. Nossos operadores captaram um sinal vindo deste mundo desabitado, quando estávamos patrulhando o espaço a oeste da Nebulosa.
— Foi Zarth quem enviou o sinal! — interveio Lianna. — Usou esse recurso para atrair as naves imperiais.
Atordoado, Dar Carrul respondeu:
— Mas todos sabem que o senhor matou seu pai! O Comandante Corbulo disse! E o senhor fugiu de Throon.
— Não fugi. Fui seqüestrado — declarou Gordon. — Só peço uma coisa: leve-me para Throon, a fim de que eu possa me justificar!
Dar Carrul parecia cada vez mais perplexo devido ao rumo dos acontecimentos.
— Não tenha dúvidas de que irá para Throon, onde será julgado — respondeu a Gordon. — Mas esta é uma situação demasiadamente complicada para ser resolvida por um comandante de esquadrilha. Vou levá-lo, portanto, ao meu chefe imediato e aguardar ordens.
— Deixe-me falar agora, pelo estéreo, com meu irmão Jhal Arn!
— Não — respondeu Dar Carrul duramente. — O senhor é um criminoso fugitivo, acusado das mais graves faltas contra o Império. Não posso permitir-lhe comunicar-se com quem quer que seja antes que eu tenha um contato com meus superiores.
Fez um gesto com a mão. Uma dúzia de soldados, de armas em punho, cercou Lianna e Gordon.
— Acompanhe-nos imediatamente à nossa nave — disse o capitão.
Dez minutos mais tarde, o cruzador decolava daquele horrível planeta. Com as outras três naves, dirigiu-se para oeste, através do vasto braseiro da Nebulosa de Orion.
Encerrado com Lianna numa cabina bem guardada, Gordon andava furiosamente de um lado para outro.
— Se ao menos me deixassem pôr Jhal Arn em guarda contra as manobras de Corbulo! — exclamou. — Se precisarmos esperar até a chegada a Throon, poderá ser tarde!
— Mesmo quando chegarmos a Throon não será fácil convencer Jhal da sua inocência, Zarth — murmurou Lianna, preocupada.
Gordon percebeu a verdade daquilo e estremeceu de raiva,
— Mas têm que acreditar em mim! Eles certamente não acreditarão nas mentiras de Corbulo, mas em mim, que estou dizendo a verdade!
— Espero que sim — murmurou Lianna. E acrescentou com uma ponta de orgulho.
— Eu confirmarei sua história. Afinal, ainda sou a Rainha de Fomalhaut!
As horas pareciam arrastar-se enquanto os cruzadores saíam da Nebulosa de Orion e aproavam para oeste, através do espaço aberto.
Lianna, fatigada, dormia havia algum tempo. Mas Gordon não podia dormir. Sentia-se cada vez mais tenso, à medida em que se aproximava o clímax daquele gigantesco jogo galáctico, no qual não passava de um pião.
Ele precisava convencer Jhal da autenticidade de sua história! E deveria fazê-lo imediatamente, pois Shorr Kan atacaria sem demora, assim que soubesse de sua fuga.
A cabeça de Gordon doía. Em que ia dar aquilo tudo? Quando teria uma oportunidade real de esclarecer aquela confusão, voltar para a Terra e trocar de corpo com o verdadeiro Zarth Arn?
Finalmente, os cruzadores diminuíram a marcha. A Nebulosa de Orion não passava, agora, de um clarão no céu estrelado à ré da nave. Mas, à sua proa, brilhava o aglomerado de estrelas das Plêiades. E perto delas estendia-se uma cadeia de pontos luminosos.
Aqueles pontos eram naves! Naves de guerra da grande esquadra do Império do Centro da Galáxia, cruzando ao largo das Plêiades, uma das mais poderosas esquadras, vigiando e protegendo as fronteiras do Império!
Lianna havia acordado. . . Olhou para fora e viu o cruzador passar lentamente por gigantescos couraçados, colunas de escuros cruzadores, esguios fantasmas e destróieres.
— Esta é uma das principais forças navais do Império — murmurou ela.
— Por que nos trouxeram para cá, em vez de nos deixarem dar nosso aviso? — perguntou Gordon.
A nave onde se encontravam costeou um enorme couraçado. Os cascos se uniram e eles ouviram o ruído das máquinas.
A porta da cabina abriu-se e o jovem Dar Carrul entrou.
— Recebi ordem de transferi-los imediatamente para o Ethne, nossa nave capitânea.
— Permita-me, primeiro, falar com Throon, com o Imperador! — exclamou Gordon. — O que tenho a dizer a ele pode salvar o Império de um desastre!
Dar Carrul sacudiu a cabeça.
— Recebi ordens estritas de não permitir que o senhor se comunique com ninguém e de transferi-los para o Ethne. Essa nave, presumo, levá-los-a imediatamente para Throon.
Gordon estacou, doente de desapontamento e desesperança. Lianna pegou-lhe o braço.
— Esta nave não levará muito tempo para chegar a Throon e então o senhor poderá falar com o Imperador — encorajou-o.
Os dois, cercados de guardas, atravessaram a nave na direção de uma escotilha. E desta, para uma curta passagem, tubular que levava à outra nave.
Passaram através dela, já agora guardados por soldados do couraçado. Viram o ódio na face deles, quando os olhavam. Eles também o julgavam assassino do pai e traidor do Império!
— Quero ver imediatamente o comandante desta nave — disse Gordon ao tenente que chefiava a guarda.
— Ele está chegando — respondeu o tenente com ar glacial.
De fato, um ruído de passos ressoava no corredor ao lado. Gordon deu meia-volta, disposto a reclamar energicamente o direito de falar com o Imperador, mas a estupefação tornou-o mudo.
Ele estava encarando um atarracado indivíduo fardado, cujo acinzentado rosto quadrado e olhos glaciais ele conhecia muito bem.
— Corbulo! — exclamou.
Os olhos do almirante não piscaram ao som cortante da voz de Gordon.
— Sim, traidor, sou eu! Enfim, ambos foram presos!
— Como? Eu é que sou o traidor? — disse Gordon, indignado. — O senhor é que é o maior traidor de toda a história. . .
Chan Corbulo virou-se friamente para um capitão alto e moreno, originário de Arturus, que entrara com ele e olhava ferozmente para Gordon.
— Capitão Marlann, é inútil levar este assassino e sua cúmplice para serem julgados em Throon. Eu os vi assassinar Arn Abbas! Como Comandante da Frota Imperial, declaro-os culpados e, em nome das leis do espaço, ordeno que sejam imediatamente executados!
MOTIM NO VÁCUO
Olhando o rosto de Corbulo, no qual brilhava uma alegria insolente, Gordon compreendeu a desastrosa realidade. O traidor na qualidade de comandante da Marinha do Império, tinha sido o primeiro a ser informado da captura dos fugitivos. Sabendo que era preciso impedir Gordon de voltar a Throon e revelar o que sabia, Corbulo apressara-se a rumar para lá e ordenara que levassem Gordon e Lianna para bordo de sua própria nave.
Gordon olhou friamente os presentes.
— É preciso que me creiam! Não sou traidor! Foi o próprio Corbulo quem assassinou meu pai e está se preparando para vender o Império a Shorr Kan.
Só viu descrença fria e amarga aversão nos rostos dos oficiais. Então Gordon reconheceu uma figura familiar.
Era o rosto curtido e avermelhado de Hull Burrel, o capitão antariano que o salvara da tentativa de seqüestro da Nuvem na Terra. Gordon lembrou-se de que, por aquilo, Hull Burrel fora promovido a Ajudante de Ordens do Comandante.
— Hull Burrel, o senhor precisa acreditar em mim! — implorou Gordon. — O senhor sabe que Shorr Kan já tentara me seqüestrar antes.
O alto antariano franziu as sobrancelhas.
— Eu pensava que fosse verdade. Não sabia que o senhor estava secretamente em contato com ele e que tudo aquilo era simulação.
— Não era! — gritou Gordon. — Corbulo está enganando os senhores todos!
Lianna, cujos olhos cinzentos brilhavam na face branca, acrescentou:
— Zarth está dizendo a verdade! O traidor é Corbulo! Chan Corbulo fez um gesto brusco.
— Chega dessas mentiras, idiotas! Capitão Marlann, atire-os no espaço imediatamente. É a mais misericordiosa maneira de executá-los!
Os guardas deram um passo à frente. Sentindo-se perdido e vendo um sorriso irônico franzindo os olhos de Corbulo, Gordon fez uma final e desesperada tentativa.
— Estão deixando Corbulo enganá-los! — gritou. — Por que está ele tão apressado em executar-nos, em vez de levar-nos para Throon a fim de sermos julgados? Por que quer silenciar-nos ! Sabemos demais!
Até que enfim, percebeu Gordon, causara uma pequena impressão nos oficiais! Hul Burrel e outros pareciam um tanto em dúvida.
O antariano olhou interrogativamente para Corbulo.
— Comandante, peço-lhe que me perdoe se estou exorbitando das minhas funções. Mas talvez fosse mais regular levá-los para serem julgados em Throon.
Vai Marlann apoiou Hull Burrel.
— Zarth Arn é membro da família real. E a princesa Lianna governa importantes domínios.
Lianna disse, rapidamente:
— Lembrem-se de que esta execução significará a quebra da aliança do Reino de Fomalhaut com o Império!
A face quadrada de Chan Corbulo revelava enorme cólera. Estava certo de que Lianna e Gordon tinham chegado ao fim e aquela ligeira demora o irritava.
Essa irritação levou-o a cometer um erro. Tentou agir sobranceiramente, passando por cima das objeções feitas.
— Não há necessidade de levar assassinos e traidores vis para Throon! — retrucou. — Vamos executá-los imediatamente. Obedeçam minhas ordens!
Gordon aproveitou a ocasião para endereçar um veemente apelo aos oficiais:
— Estão vendo? Corbulo nunca nos deixará ir a Throon para dizer o que sabemos! Comunicou ele nossa captura ao Imperador?
Hull Burrel, com a desconfiança estampada no rosto rude, virou-se para um jovem oficial terrestre.
— Verlin, o senhor é oficial de comunicações. Foi enviado algum relatório ao Imperador sobre a captura de Zarth Arn?
Corbulo teve uma explosão de fúria.
— Burrel, como ousa duvidar de minha conduta? Por Deus, vou liquidá-lo por causa disto!
Verlin olhava para o furioso Comandante, sem saber o que fazer. Depois, hesitante, respondeu à pergunta de Hull Burrel.
— Nenhuma espécie de relatório foi enviada a Throon. O Comandante me ordenou que não fizesse qualquer menção a respeito.
A voz de Gordon vibrou.
— Isso não os faz duvidar? — gritou para os carrancudos oficiais. — Por que Corbulo queria que meu irmão não soubesse da minha captura? Porque ele sabe que Jhal Arn ordenaria que fôssemos levados para Throon, a fim de sermos julgados e isso não convém a ele!
Gordon acrescentou, febrilmente:
— Não estamos pedindo perdão nem clemência. Se eu fôr considerado culpado, mereço a execução. Só peço que me levem a Throon, para ser julgado. Se Corbulo persistir na recusa, só pode ser porque ele é o traidor e eu sei disso!
Os rostos mudaram de expressão. Gordon percebeu que havia despertado fundas dúvidas nas mentes deles.
— Os senhores estão arriscando a Frota Imperial se deixarem esse traidor comandá-la! — insistiu Gordon. — Ele está mancomunado com Shorr Kan. A menos que me deixarem ir a Throon prová-lo, a esquadra e o Império serão arrasados!
Hull Burrel olhou para todos os seus colegas e para Chan Corbulo.
— Comandante, não queremos desrespeitá-lo. Mas o pedido de julgamento de Zarth Arn é razoável. Ele deve ser mandado para Throon.
Fez-se ouvir um coro de vozes baixas, provindo dos outros oficiais. Sua entranhada disciplina tornava ainda mais profunda a dúvida e o temor pelo destino do Império, que Gordon acordara.
O rosto de Corbulo tornou-se rubro de cólera.
— Burrel, o senhor está preso! Por Deus que o senhor vai acompanhar estes dois no seu passeio pelo espaço! Guardas, prendam-no!
O alto e moreno Capitão Vai Marlann deu um passo à frente e interveio.
— Guardas, parem! Comandante Corbulo, o senhor é o supremo Comandante da frota do Império, mas eu sou o Capitão do Ethne. E concordo com Burrel quando ele diz que não podemos executar sumariamente prisioneiros.
— Marlann, o senhor não é mais o capitão do Ethne! — rugiu Corbulo. — Está demitido. A partir deste instante, assumo o comando da nave.
Vai Marlann tomou uma atitude de desafio, ao mesmo tempo em que replicava asperamente.
— Comandante, se eu estiver errado, assumirei a responsabilidade. Mas, por Deus, há aqui qualquer coisa esquisita. Vamos a Throon descobrir o que é!
Gordon ouviu os murmúrios de aprovação dos outros oficiais. Corbulo também ouviu.
A frustração estampou-se no seu rosto profundamente pálido e ele mudou de opinião.
— Muito bem. . . vamos para Throon! E quando eu tiver terminado com o senhor, lá na corte marcial, o senhor lamentará sua indisciplina. Insubordinação no espaço! Espere só para ver!
Corbulo deu meia-volta, e atirou-se para fora da saia, caminhando pelo corredor.
Burrel e os outros oficiais olharam-se gravemente. Então Vai Marlann dirigiu-se a Gordon, em tom ameaçador.
— Príncipe Zarth, o senhor vai ter o julgamento que pediu ! E se não nos disse a verdade, pagará com o pescoço.
— Deve ter dito a verdade — declarou Hull Burrel. — Eu nunca pude entender por que Zarth Arn matou o próprio pai! E por que Corbulo está tão apressado em executar Zarth Arn se não tem nada a esconder?
Neste momento, os alto-falantes da nave transmitiram uma voz retumbante.
"O Comandante Corbulo falando com toda a tripulação'.
Houve um motim a bordo do Ethne. O Capitão Marlann e seu Estado-Maior, o meu ajudante Hull Burrel, o príncipe Zarth e a princesa Lianna são os cabeças! Intimo a todos os homens leais a se armarem e capturar os amotinados.
Os olhos azuis de Hull Burrel expediram um clarão gelado.
— Ele está levantando a nave contra nós! Vai, dirija-se ao microfone e faça um apelo aos homens! Convença-os!
Os oficiais precipitaram-se, pelos corredores, para o interior do poderoso couraçado. Gordon gritou:
— Lianna, fique aqui! Pode haver luta!
Enquanto corria com Hull Burrel e os outros pelos corredores, ouviu explodir um tumulto na proa.
O grande couraçado tinha subitamente mergulhado num caos, com sirenas tocando, vozes gritando nos alto-falantes pés correndo pesadamente pelos corredores.
Os espaconautas, instados a obedecer as ordens do Comandante supremo, estavam agora perplexos diante da quebra da autoridade. Os que tentaram obedecer e prender Vai Marlann e seus oficiais, foram imediatamente atacados pelos. próprios companheiros, que se mantiveram leais ao capitão da nave.
A tripulação, na sua maioria, não tivera tempo de se armar. Bastões de metal e punhos cerrados substituíram as pistolas atômicas. A luta propagou-se rapidamente pelo convés da tripulação, pelas galerias dos canhões e pelos corredores .
Gordon, Hull Burrel e Marlann viram-se misturados a uma agitada multidão, que se batia no corredor do convés principal.
— Tenho que encontrar um microfone! — gritou Vai Marlann. — Ajudem-me a atravessar esta turba!
Gordon, o alto antariano e Verlin juntaram-se a ele e mergulharam naquela luta alucinada.
Conseguiram atravessar, mas deixaram Hull Burrel lutando com um bando de espaconautas.
Vai Marlann berrou através do alto-falante.
— O Capitão Marlann chamando todos os homens! Cessem a luta! A notícia do motim foi falsa, foi mentirosa! Obedeçam-me !
Verlin pegou no braço de Gordon ao ouvir um distante barulho de gerador chegar aos seus ouvidos através da barulhada.
— É o estéreo-transmissor funcionando! — gritou para Gordon. — Corbulo deve estar pedindo socorro a todos os navios da frota!
— Temos de impedi-lo! — gritou Gordon. — Mostre o caminho.
Correram por um corredor, depois viraram e subiram por uma escada até o convés superior.
As ordens de Vai Marlann estrondavam nos alto-falantes e pareciam obter rapidamente um efeito calmante. Para a tripulação, era uma voz mais familiar que qualquer outra. Um longo hábito fê-los obedecer.
Verlin e Gordon mergulharam numa enorme sala cheia de estéreos, cujas válvulas e geradores estavam zumbindo. Dois perturbados técnicos manejavam o painel de controle.
Chan Corbulo, com uma pistola atômica na mão crispada, manteve-se no transmissor, falando alto e apressadamente.
— ... ordeno que todos os couraçados nas proximidades mandem imediatamente destacamentos para bordo do Ethne, a fim de restabelecer a ordem! Devem prender. . .
Corbulo, com o rabo do olho, viu os dois invadirem a sala. Voltou-se rapidamente e atirou.
A pastilha era dirigida a Gordon, mas Verlin, pulando para a frente, recebeu-a em pleno peito.
Gordon tropeçou no corpo que caía do jovem terrestre. Esse tropeção permitiu a Corbulo dar um segundo tiro, que passou logo acima da cabeça de Gordon.
O homem do século XX caiu para a frente. Agarrou-se às pernas de Corbulo e atirou-o ao chão.
Os dois técnicos voaram sobre eles e seguraram Gordon, separando-o de Corbulo. Mas largaram-no quando viram o rosto dele.
— Meu Deus, é o príncipe Zarth Arn! — gritou um.
Um respeito instintivo pela casa reinante do Império paralisou os dois homens. Gordon libertou-se dele e arrancou a pistola do coldre de Verlin.
Corbulo levantara-se, no outro lado da sala. Estava apontando a pistola outra vez.
— O senhor nunca irá para Throon! — rugiu. — Por
Gordon atirou, deitado no chão como estava. A pastilha atômica, mais por acaso que por pontaria, atingiu o pescoço de Corbulo e explodiu. O Comandante-em-Chefe voou para trás como se uma gigantesca mão o houvesse empurrado.
Vai Marlann e Hull Burrel entraram de roldão na sala dos estéreos, seguidos pelos outros oficiais. Toda a enorme nave ficou, subitamente silenciosa.
Marlann inclinou-se sobre o corpo estraçalhado de Corbulo,
— Morto!
Hull Burrel, ofegante, com as faces em fogo disse severamente a Gordon:
— O senhor matou nosso Comandante, príncipe Zarth! Que Deus o ajude se sua história não fôr verdadeira.
— Ela é verdadeira. . . e Corbulo foi apenas um dos muitos traidores a serviço de Shorr Kan — respondeu Gordon, abalado. — Vou prová-lo em Throon.
A imagem de um escuro e gigantesco capitão de um couraçado centauriano apareceu na tela do estéreo.
— Vice-Comandante Ron Giron, falando do Shaor! Que diabo está acontecendo a bordo de Ethne? Estamos nos aproximando para abordá-los, como nos ordenou o Comandante Corbulo.
— Ninguém entra nesta nave! — respondeu Vai Marlann . — Vamos partir imediatamente para Throon.
— Que quer dizer isto? — gritou o vice-comandante. — Deixe-me falar com o próprio comandante Corbulo. . .
— Impossível. . . Ele está morto! — cortou Hull Burrel. Estava traindo a frota com a Nuvem. Vamos provar isto em Throon.
— Então é um motim? — gritou Ron Giron. — Preparem-se para a abordagem e considerem-se presos ou abriremos fogo!
— Se atacar o Ethne, destruirá a única oportunidade de o Império desmantelar a conspiração de Shorr Kan! — gritou Vai Marlann. — Nossas vidas são o penhor da palavra do príncipe Zarth e o estamos levando para Throon.
O próprio John Gordon deu um passo à frente para fazer um apelo ao furioso Vice-Comandante.
— Comandante Giron, eles estão dizendo a verdade! Dê-nos esta oportunidade de salvar o Império de um desastre!
Giron hesitava.
— Tudo isso é uma loucura! Corbulo morto e acusado de falsidade, Zarth Arn de volta. . .
Pareceu ter tomado uma decisão.
— Não estou entendendo nada, mas vamos examinar o assunto em Throon. Para termos a certeza de que irão para lá, quatro couraçados escoltarão o Ethne, com ordens para explodirem os senhores, se forem para qualquer outro lugar!
— É quanto basta! — gritou Gordon. — Ainda uma palavra de advertência! O ataque da Liga poderá começar agora, a qualquer momento. Sei que está para acontecer... e breve!
A enorme figura do Comandante Giron empertigou-se.
— Isso é o diabo! Mas vamos imediatamente tomar as disposições possíveis. Vou me comunicar com o Imperador e fazer-lhe um relatório a respeito.
A imagem desapareceu. Pelas vigias, viram quatro couraçados moverem-se e tomarem posição nos flancos do Ethne.
— Partiremos para Throon imediatamente — disse Vai Marlann. — Vou dar as ordens.
Enquanto o oficial corria para fora e alto-falantes e sereias começavam a troar por toda a nave, Gordon fez uma pergunta:
— Devo me considerar prisioneiro?
— Não, que diabo! — exclamou Hull Burrel. — Se o senhor nos disse a verdade, não há nenhuma razão para mantê-lo prisioneiro. Se não nos disse, então estará sujeito à corte marcial e execução!
Gordon encontrou Lianna no corredor, procurando apressadamente por ele. Contou-lhe o que acontecera.
— Corbulo está morto? É um grande perigo a menos! — exclamou ela. — Mas, Zarth, agora as nossas vidas e o destino do Império dependem de podermos provar ao seu irmão que nossa história é verdadeira!
Nesse momento, o poderoso Ethne começou a se movimentar pesadamente no vácuo, com as enormes turbinas zumbindo alto.
Em poucos minutos, o grande couraçado e seus quatro severos guardiães estavam rasgando, com suas proas, o espaço estrelado, na direção de Throon.
CRISE GALÁCTICA
A enorme, deslumbrante e branca Canopus incendiava o firmamento estrelado com seu cegante esplendor, quando as cinco grandes naves dirigiram-se para ela, diminuindo a velocidade. Mais uma vez, John Gordon olhou, do passadiço de uma nave, para o glorioso sol, capital do Império, e seu verde e lindo mundo. Mas quanta coisa havia acontecido desde sua primeira ida a Throon!
— Pousaremos em Throon daqui a duas horas. — Ouviu Hull Burrel dizer e acrescentar, sombriamente: — Teremos uma comissão de recepção à nossa espera. Seu irmão deve ter sido avisado de nossa chegada.
— Basta que eu tenha tempo de provar a Jhal a minha história — declarou Gordon. — Garanto que o convencerei.
Mas, intimamente, tinha o pressentimento de que não era inteiramente certo. Tudo ia depender de um só homem e de se Gordon julgara corretamente as reações desse homem.
Durante todas as horas e dias do direto vôo de volta através do Império, Gordon fora torturado pela persistente dúvida. Pouco dormira e mal se alimentara, consumido pela crescente tensão.
Precisava convencer Jhal Arn! Uma vez conseguido isso, uma vez extirpado o último traidor, o Império estaria pronto para enfrentar o ataque da Nuvem. A obrigação dele, John Gordon, teria sido cumprida e podia retornar à Terra para sua troca de corpos com o verdadeiro Zarth Arn. E o verdadeiro Zarth Arn podia voltar para ajudar a defender o Império.
Mas Gordon sentia uma tremenda angústia cada vez em que pensava nessa nova troca de corpos. A partir do dia em que voltasse para o seu próprio tempo, abandonaria Lianna para sempre.
Lianna apareceu, nesse instante, no tombadilho. Ficou de pé ao lado dele, agarrando-lhe a mão com os dedos esguios, olhando para a frente e encorajando-o:
— Seu irmão vai acreditar no senhor, Zarth. . . Tenho a certeza.
— Não sem provas — murmurou Gordon. — E só um homem pode provar a minha história. Tudo depende de se ele soube ou não da morte de Corbulo e da minha volta e se fugiu ao saber.
Essa angustiante incerteza aprofundava-se em seu ser à medida em que os cinco couraçados mergulhavam na direção de Throon.
Era noite na capital. Sob a luz das duas luas, vislumbravam-se as feéricas montanhas de Vidro e o mar prateado. As torres iluminadas da cidade erguiam-se ousadamente na luz suave, como rendados luminosos.
As naves pousaram no cais do espaçoporto naval. Gordon e Lianna, com Hull Burrel e o Capitão Vai Marlann, desceram do Ethne ao encontro de um sólido contingente de guardas armados.
Dois oficiais dirigiram-se a eles e, acompanhando-os, estava também Orth Bodmer, o Primeiro-Ministro. O rosto magro de Bodmer estava marcado por funda preocupação quando encarou Gordon.
— Alteza, esta é uma triste volta ao lar! — balbuciou. — Deus permita que o senhor prove sua inocência!
— Jhal Arn conservou em segredo a nossa volta e o que aconteceu nas Plêiades? — perguntou Gordon.
Orth Bodmer fez um aceno afirmativo.
— Sua Alteza está esperando pelo senhor. Vamos diretamente para o palácio, pelo tubular. Devo avisá-lo de que esses guardas receberam ordem de matá-lo imediatamente, a qualquer tentativa de resistência.
Foram revistados e levados para o tubular. Os guardas entraram com eles nos vagões. Não viram ninguém, pois o espaçoporto fora evacuado e fechado.
Tudo aquilo parecia um sonho a John Gordon, enquanto viajavam velozmente pelo tubular. Muita coisa lhe acontecera em pouco tempo. Sua mente não podia agüentar. Mas o tépido aperto de mão de Lianna continuava sendo um elo com a realidade, dando-lhe forças para enfrentar a provação.
No grande palácio de Throon, andaram por corredores vazios até a sala em que, pela primeira vez, John Gordon vira Arn Abbas.
Jhal Arn estava sentado por trás da mesa, com o belo rosto demonstrando cansaço. Seus olhos estavam completamente frios e sem expressão quando ergueu-os para Gordon, Lianna e os dois capitães do espaço.
— Fique com os guardas lá fora, Bodmer — ordenou ao Ministro, com voz sem timbre.
Orth Bodmer hesitou.
— Os prisioneiros não têm armas. No entanto, talvez. . .
— Faça como mandei — cortou Jhal Arn. — Eu estou armado. Não há perigo de o meu irmão poder me matar.
O agitado Primeiro-Ministro e os guardas saíram e fecharam a porta.
Gordon começou a sentir um profundo ressentimento em conseqüência dessa atmosfera de irrealidade.
Deu um passo à frente.
— É essa a espécie de justiça que pretende aplicar no Império? — gritou para Jhal Arn. — Uma espécie de justiça que condena um homem antes de ouvi-lo?
— Ouvi-lo? Você foi visto matando nosso pai! — gritou Jhal Arn, levantando-se. — Corbulo viu-o e agora você também matou Corbulo!
— Jhal Arn, não é verdade! — gritou Lianna. — O senhor tem que ouvir Zarth!
Jhal Arn virou o olhar sombrio para ela.
— Lianna, não a culpo. A senhora ama Zarth e deixa-se levar por ele. Quanto a ele, o irmão estudioso, pesquisador, de quem gostei, o irmão que conspirou todo o tempo para tomar •o poder, que matou nosso pai...
— Quer me ouvir? — gritou Gordon furiosamente. — Você fica aí vociferando acusações sem me dar a oportunidade de respondê-las!
— Acabei de ouvir suas respostas — respondeu Jhal Arn. — O Vice-Comandante Giron informou-me, ao comunicar sua vinda, que você acusara Corbulo de traição para encobrir seus crimes nefandos.
— Posso provar, se você me der oportunidade! — declarou Gordon.
— Que provas pode dar? — retrucou o outro. — Que provas podem prevalecer sobre a tremenda evidência da sua fuga, do testemunho de Corbulo, das mensagens secretas que Shorr Kan lhe enviou?
Gordon percebeu que havia chegado ao clímax da situação, ao auge de uma crise que decidiria se ele venceria ou fracassaria.
Com voz rouca, falou sobre a traiçoeira ajuda de Corbulo à fuga dele e de Lianna e como esse ato havia sido cuidadosamente cronometrado com o assassínio de Arn Abbas.
— Foi tudo organizado para parecer que eu cometi o crime e fugi! — acentuou Gordon. — O próprio Corbulo matou nosso pai e depois disse que me viu fazê-lo, sabendo que eu não estava aqui para negar!
Narrou rapidamente como o traidor capitão siriano levou-os para a Nuvem, e resumiu a forma pela qual induziu Shorr Kan a permitir-lhe ir até a Terra. Não disse, não pôde dizer, que seu ardil era baseado no fato de que ele não era Zarth Arn. Não pôde dizer isso.
Gordon terminou sua breve história e viu que a nuvem negra de um amargo descrédito continuava escurecendo o rosto de Jhal Arn.
— Essa história é fantástica demais! E não há nada para prová-la, a não ser a sua palavra e a palavra desta moça, que o ama. Você disse que pode provar sua história!
— Posso, se me der oportunidade — respondeu Gordon. E prosseguiu:
— Jhal, Corbulo não é o único traidor em posição importante no Império. O próprio Shorr Kan me disse que havia um grupo de traidores, mas não disse os nomes. Tenho a certeza de que Thern Eldred, o capitão siriano que nos levou para a Nuvem, é um deles! Ele poderá confirmar, se eu conseguir fazê-lo falar!
Jhal Arn, com a testa franzida, olhou Gordon durante um instante. Depois, apertou um botão e começou a falar num painel da mesa.
— Quartel-General Naval? Falando o Imperador. Há em suas forcas um capitão chamado Thern Eldred, um siriano. Veja se está em Throon. Se estiver, mande-o imediatamente para cá, escoltado.
A tensão de Gordon aumentou durante a espera. Se o siriano estivesse no espaço, se de algum modo tivesse sabido dos acontecimentos e tivesse fugido. . .
Finalmente, ouviu uma voz aguda no alto-falante.
— Thern Eldred está aqui. Seu cruzador acaba de voltar de uma patrulha. Está sendo enviado para aí.
Meia hora depois, a porta abriu-se e Thern Eldred entrou. O siriano tinha um ar pensativo na face esverdeada. Então seus olhos caíram sobre Gordon e Lianna.
— Zarth Arn! — exclamou, espantado, recuando. Levou a mão ao cinto, mas havia sido desarmado.
— Está surpreendido? — perguntou Gordon. — Pensava que ainda estávamos na Nuvem, onde nos deixou, não é?
Thern Eldred recuperou imediatamente o sangue-frio. Olhou para Gordon com uma perplexidade estudada.
— Não sei o que quer dizer com isso de Nuvem! Jhal Arn falou incisivamente.
— Zarth afirmou que o senhor levou a ele e Lianna à força para Thallarna. Acusa-o de ser traidor do Império e de conspirar com Shorr Kan.
O rosto do siriano mudou para um admirável fingimento de raiva.
— É mentira! Como, se eu não vejo o príncipe Zarth e a princesa Lianna desde a Festa das Luas?
Jhal Arn olhou severamente para Gordon.
— Você disse que podia provar a acusação, Zarth. Até agora é apenas a sua palavra contra a dele.
Lianna interveio calorosamente.
— Então minha palavra não vale nada? A Princesa de Fomalhaut será considerada uma mentirosa?
Novamente Jhal Arn olhou para ela sombriamente.
— Lianna, eu sei que está mentindo por Zarth Arn, o que não faria por mais ninguém no Universo.
Gordon já esperava a negativa do siriano. E estava contando com o julgamento que fizera do caráter daquele homem, para arrancar dele a verdade.
Deu um passo à frente e encarou-o. Reprimiu sua raiva e falou pausadamente.
— Thern Eldred, o jogo acabou. Corbulo morreu e toda a conspiração com Shorr Kan foi posta a nu. O senhor não tem como esconder sua culpa e quando ela fôr confirmada, significará execução.
O siriano começou a protestar, mas Gordon continuou rapidamente:
— Eu sei o que está pensando! Está pensando que, se insistir na negativa, conseguirá me derrotar e que isso é a sua única oportunidade de salvar a pele. Mas não é, Thern Eldred! E não é porque seu cruzador, o Markab, tinha uma tripulação completa quando nos levou para a Nuvem. Sei que aqueles oficiais e soldados foram subornados para apoiar o senhor e negar que tenham estado na Nuvem. No princípio, negarão. Mas, com uma pressão adequada, acabará sendo encontrado um fraco entre eles, que confessará para se salvar!
Então, pela primeira vez, Gordon viu a dúvida aparecer nos olhos do siriano. Mas Thern Eldred sacudiu furiosamente a cabeça.
— O senhor está dizendo coisas sem nexo, príncipe Zarth! Se quiser ir ao Markab interrogar meus homens, pode ir. O testemunho deles provará que o senhor não está dizendo a verdade.
Gordon intensificou o ataque, agora com voz vibrante.
— Thern Eldred, o senhor não pode enganar ninguém! Sabe que um deles falará! E quando isso acontecer, o senhor será executado. Só há um meio de o senhor se salvar. É denunciar os outros oficiais e funcionários que estão na conspiração, os que trabalham para Shorr Kan. Dê-nos os nomes deles e lhe permitiremos sair livremente do Império!
Jhal Arn interrompeu.
— Não concordo com a proposta! Se este homem fôr traidor, deve ser condenado.
Gordon virou-se arrebatadamente para ele.
— Jhal, ouça! Ele merece a morte por causa da traição. Mas o que é mais importante: puni-lo ou salvar o Império do desastre?
O argumento abalou Jhal Arn. Franziu a testa silenciosamente durante um instante e depois falou pausadamente.
— Muito bem. Concordo em permitir que ele se vá, livre, se fizer uma ampla confissão e denunciar seus comparsas.
Gordon virou-se para o siriano.
— É a sua última oportunidade, Thern Eldred! Pode se salvar agora ou nunca!
Viu a indecisão nos olhos de Thern Eldred. Estava jogando tudo no fato de ser o siriano um realista frio, ambicioso,, egoísta, que não era leal com ninguém a não ser com ele mesmo.
E Gordon ganhou a parada. Face a face com a iminência da descoberta, com a brecha oferecida para salvar a pele, a arrogante negativa de Thern Eldred caiu por terra.
Disse, asperamente:
— Tenho a palavra do Imperador de que posso sair livre, lembra-se?
— Então o senhor participava da conspiração? — disse Jhal Arn. — Mas mantenho a palavra dada. Será posto em liberdade se denunciar seus comparsas e tão logo os tenhamos aprisionado e confirmado suas denúncias.
Thern Eldred estava mortalmente pálido, mas esboçou um sorriso.
— Sei quando estou numa enrascada e quero ser amaldiçoado se me deixar matar por lealdade a Shorr Kan. Ele não o faria por mim!
Virou-se para Jhal Arn.
— O príncipe Zarth disse a verdade. Chan Corbulo era o chefe de um pequeno grupo de funcionários que planejava trair o Império em benefício da Nuvem. Corbulo matou Arn Abbas e me fez seqüestrar Zarth e Lianna para que a culpa recaísse neles. Tudo o que o Príncipe disse é verdade.
Gordon sentia os olhos toldados e os ombros tremerem, à medida em que aquelas palavras o aliviavam da intolerável tensão a que estava submetido havia muitos dias.
Sentiu os braços tépidos de Lianna em torno dele, ouviu sua voz ansiosa e sentiu Hull Burrel e Vai Marlann baterem-lhe nas costas alegremente.
— Zarth, eu sabia que conseguiria se inocentar! — disse ela.
Jhal Arn, pálido como um morto, caminhou para Gordon. Falou com voz emocionada.
— Zarth, você algum dia me desculpará? Meu Deus, quem poderia imaginar? Nunca me perdoarei!
— Está bem, Jhal! — gaguejou Gordon. — Que mais poderia você pensar, quando foi tudo tão bem planejado?
— O Império inteiro vai saber imediatamente a verdade! — exclamou Jhal Arn.
Virou-se para Thern Eldred.
— Primeiro, o nome dos outros traidores.
Thern Eldred caminhou para a mesa e escreveu durante alguns minutos. Silenciosamente, estendeu a folha para Jhal Arn, que chamou a escolta.
— O senhor ficará preso até que verifiquemos a informação — disse para o siriano. — Depois, cumprirei minha promessa. O senhor será posto em liberdade. . . mas a história de sua traição o seguirá até as estrelas mais remotas!
Jhal Arn olhou a lista de nomes enquanto a escolta levava o prisioneiro para fora. Gritou, espantado:
— Meu Deus, olhem!
Gordon olhou. O primeiro nome da lista era "Orth Bodmer, Primeiro-Ministro do Império".
— Bodmer traidor? É impossível! — gritou Jhal Arn. — Thern Eldred o acusou apenas porque não gosta dele.
Gordon franziu a testa.
— Talvez. Mas lembre-se de que Corbulo era protegido por ele!
Os lábios de Jhal Arn tremeram. Falou ao microfone, com voz cortante.
— Diga ao Ministro Bodmer para vir imediatamente. A resposta foi rápida.
— O Ministro Bodmer saiu da antecâmara já há algum tempo. Não sabemos para onde foi.
— Mandem procurá-lo e trazê-lo aqui imediatamente! — ordenou Jhal Arn.
— Fugiu quando viu Thern Eldred ser trazido para cá! — gritou Gordon. — Jhal, ele sabe que o siriano o denunciou!
Jhal Arn deixou-se cair numa cadeira.
— Bodmer traidor! Custo a acreditar! E veja os outros nomes. Byrn Ridim, Korrel Kane, Jon Rollory... todos funcionários de confiança.
O capitão da guarda informou:
— Alteza, não conseguimos encontrar Orth Bodmer em lugar nenhum do palácio! Não foi visto sair, mas não é encontrado !
— Expeça uma ordem geral de prisão contra ele — retrucou Jhal Arn.
Entregou a lista de nomes ao capitão.
— Prenda estes homens imediatamente. Mas sem chamar a atenção.
Olhou, ansioso, para Gordon e Lianna.
— Toda essa traição vai sacudir o Império! E os reinos estelares do sul estão vacilando! Seus emissários me pediram uma audiência urgente para esta noite e temo que eles queiram quebrar a aliança com o Império!
O SEGREDO DO IMPÉRIO
Gordon reparou, de repente, que a figura esguia de Lianna estava caindo de cansaço.
— Lianna, a senhora deve estar meio morta depois de tudo o que passou!
Lianna esboçou um sorriso.
— Confesso que não me oporia a descansar.
— O Capitão Burrel leva-la-á a seus aposentos, Lianna — disse Jhal Arn. — Quero que Zarth fique aqui comigo durante a audiência dos emissários dos reinos estelares, para mostrar-lhes que a nossa Casa Real está novamente unida.
Acrescentou, para Hull Burrel e Vai Marlann:
— Os senhores dois e seus homens estão completamente livres da acusação de amotinação, é claro. Considero-me eternamente devedor dos senhores, por terem ajudado a denunciar Corbulo e salvar meu irmão.
Depois que eles saíram com Lianna, Gordon atirou-se cansadamente numa cadeira. Continuava sentindo as conseqüências da longa tensão.
— Zarth, eu deveria deixar que você fosse repousar também, mas sabe como é vital conservar a aliança dos reinos estelares quando a crise está se aprofundando — disse Jhal. — Que Shorr Kan, o diabo negro, seja amaldiçoado!
Um criado levou-lhes saqua e o ardente licor aclarou a enevoada mente de Gordon e devolveu o vigor ao seu fatigado corpo.
Naquele instante, um mordomo abriu a porta da sala e inclinou-se profundamente.
— Os embaixadores dos reinos de Polaris, Cisne, Perseu e Cassiopeia e os dos baronatos do Aglomerado de Hércules!
Os enviados, em uniforme de gala, pararam espantados ao verem Gordon em pé, ao lado de Jhal Arn.
— Príncipe Zarth! — exclamou o rechonchudo enviado de Hércules. — Nós pensávamos. . .
— Meu irmão foi completamente inocentado e os verdadeiros traidores serão presos — informou-lhes Jhal Arn. — A notícia será difundida dentro de uma hora.
Seus olhos passearam pelos rostos dos embaixadores.
— Senhores, com que objetivo me pediram esta audiência? O gordo embaixador de Hércules olhou para o grave e idoso enviado do Reino de Polaris.
— Tu Shal, o senhor é o nosso porta-voz.
O rosto anguloso de Tu Shal estava profundamente perturbado quando deu um passo à frente e falou.
— Alteza, Shorr Kan ofereceu secretamente a todos os nossos reinos um tratado de amizade com a Liga dos Mundos Escuros! Disse-nos que, se mantivermos nossa aliança com o Império, seremos destruídos.
O embaixador de Hércules acrescentou:
— Fez o mesmo oferecimento aos barões, recomendando que não nos juntássemos ao Império.
Jhal Arn olhou rapidamente para Gordon.
— Então Shorr Kan está agora enviando ultimatos? Isso quer dizer que ele está quase pronto para atacar.
— Nenhum de nós tem amor à tirania de Shorr Kan — continuou Tu Shal. — Preferimos apoiar o Império, que deseja paz e união. Mas andam dizendo que a Nuvem preparou tremendos armamentos e tão revolucionários que destruirão tudo se houver uma guerra.
Os olhos de Jhal Arn brilharam.
— Pensam que ele pode conquistar o Império, quando temos o disruptor para usar em caso de necessidade?
— É justamente isso, Alteza! — disse Tu Shal. — Ele diz que o disruptor só foi usado há muito tempo e provou ser tão perigoso que o senhor não ousará servir-se dele outra vez!
E acrescentou:
— Temo que nossos reinos desfaçam suas alianças com o Império, a menos que o senhor prove que isso é mentira. A menos que o senhor prove que ousará utilizar o disruptor.
Jhal Arn olhou firmemente para os enviados, enquanto respondia. E suas solenes palavras pareceram a Gordon trazer o eco de algo estranho e sobrenaturalmente terrível para dentro da sala.
— Tu Shal, o disruptor tem um fantástico poder. Não quero esconder que é perigoso desencadear esse poder dentro da Galáxia. Isso aconteceu uma vez, quando os seres de Magalhães nos invadiram. E o faremos novamente, se necessário! Meu pai morreu, mas Zarth e eu podemos desencadear essa força. E o faremos e fenderemos a Galáxia, antes de deixar Shorr Kan tiranizar os mundos livres!
Tu Shal parecia mais perturbado que antes.
— Mas, Alteza, nossos reinos pedem que nós vejamos antes uma demonstração do disruptor!
Jhal franziu o cenho.
— Eu havia desejado que o disruptor nunca fosse retirado de seu cofre e posto novamente em ação. Mas talvez seja melhor fazer o que os senhores pedem.
Seus olhos brilhavam.
— Sim, quando Shorr Kan souber que ainda podemos utilizar aquela força, talvez pense duas vezes antes de provocar uma guerra galáctica!
— Então o senhor fará a demonstração? — perguntou o enviado de Hércules, com um temor respeitoso no rosto gordo.
— Há uma região abandonada de estrelas negras a cinqüenta parsecs a oeste de Algol — disse-lhes Jhal Arn. — Daqui a dois dias, libertaremos lá a energia do disruptor, para que vejam.
O rosto perturbado de Tu Shal acalmou-se um pouco.
— Se o senhor fizer isso, nossos reinos rejeitarão totalmente as propostas da Nuvem!
— E eu posso garantir que os baronatos do Aglomerado apoiarão o Império! — acrescentou o gordo enviado de Hércules.
Depois que eles partiram, Jhal Arn olhou para Gordon com uma expressão ansiosa.
— Foi a única maneira de contê-los, Zarth! Se eu recusasse, ficariam em pânico e se entregariam a Shorr Kan.
Gordon perguntou-lhe, pensativamente:
— Vai, realmente, desencadear a energia do disruptor para convencê-los?
O outro estava transpirando.
— Deus sabe que eu não quero! Você conhece tão bem quanto eu a advertência de Brenn Bir! Você sabe o que quase aconteceu quando ele usou aquela energia sobre os magelânicos, há dois mil anos!
Empertigou-se.
— Mas correrei também aquele risco antes de permitir que a Nuvem desencadeie uma guerra para escravizar a Galáxia !
Gordon experimentou uma profunda sensação de pasmo e perplexidade, misturada com uma tremenda apreensão.
O que era, na verdade, a velha força secreta que até Jhal Arn, seu possuidor, não mencionava sem temor?
Jhal Arn continuou, apressado.
— Zarth, vamos agora à sala do disruptor. Há muito tempo não vamos lá e quero estar certo de que tudo está pronto para a demonstração.
Gordon teve um movimento de recuo. Ele, um estranho, não podia conhecer o mais bem guardado segredo da Galáxia.
Mas percebeu, de repente, que fazia muito pouca diferença èle ver a coisa. Não tinha conhecimento científico bastante para compreendê-la. E, de qualquer maneira, voltaria breve para seu próprio tempo e seu próprio corpo.
Tinha que dar um jeito de escapar para a Terra o mais cedo possível, sem que Jhal Arn soubesse. Poderia ordenar a uma nave que o levasse até lá.
Mais uma vez, a esse pensamento, sentiu o coração angustiado por compreender que estava se afastando de Lianna para sempre.
— Venha, Zarth! — estava dizendo Jhal, com impaciência. — Sei que deve estar cansado, mas resta-nos pouco tempo.
Foram até a ante-sala e Jhal Arn despediu os guardas que se preparavam para acompanhá-lo.
Gordon seguiu-o por rampas rolantes que desciam, depois através de corredores e novamente por rampas descendentes, até que percebeu que devia estar muito abaixo do grande palácio de Throon, em nível mais baixo ainda que a prisão onde ficara.
Desceram por uma escada circular que dava num salão cavado na rocha viva do planeta. Desse salão partia um longo corredor também talhado na rocha. Era iluminado por uma trêmula radiação branca, emitida por placas luminosas nas paredes.
Caminhando com Jhal Arn por esse brilhante corredor, Gordon sentiu um espanto que ocultava com dificuldade. Esperava uma enorme quantidade de guardas, portas maciças com tremendos ferrolhos e toda a espécie de mecanismos engenhosos para guardar a mais titânica força da Galáxia.
Em vez disso, parecia que nada havia para guardar! Ninguém na escada nem no corredor! Quando Jhal Arn abriu a porta, no fim do corredor, esta nem mesmo estava fechada a chave!
Da soleira, Jhal Arn e Gordon olharam para dentro, através da porta aberta.
— Tudo na mesma, como sempre — disse Jhal, com um leve tom de respeito na voz.
A sala era pequena, redonda, cavada também na rocha viva e também iluminada pela mesma trêmula radiação branca das placas das paredes.
Gordon viu, no meio da sala, um grupo de objetos para os quais Jhal Arn estava olhando com respeito.
O disruptor! A arma tão terrível, que sua força foi desencadeada uma única vez em dois mil anos!
"Mas que é esta força?", pensou Gordon, olhando fixamente.
Eram doze enormes objetos cênicos de metal cinzento fosco, com cerca de quatro metros de comprimento cada um. P ápice de cada cone era um conjunto de finas esferas de cristal. Grossos cabos multicores saíam da base dos cones.
Ele não podia sequer adivinhar a complexidade daqueles cones, fruto de uma ciência muito acima de sua compreensão. Além dos grossos suportes para montá-los, o único outro objeto era um volumoso armário, tendo num dos lados um painel de manômetros luminosos e seis comutadores de reostatos.
— Ele consome uma tal energia que devia ser montado num couraçado, é claro — disse Jhal Arn, pensativamente. — Que tal o Ethne, em que você veio? Suas turbinas poderão fornecer energia suficiente? Gordon atrapalhou-se.
— Acho que sim. Mas é melhor que você decida. Jhal olhou-o espantado.
— Mas, Zarth, é você o cientista da família! Você sabe mais sobre o disruptor do que eu!
Gordon apressou-se a negar.
— Temo que não. Sabe, já se passou tanto tempo, que eu esqueci uma porção de coisas.
Jhal Arn olhou, incrédulo, para ele.
— Esquecer coisas sobre o disruptor ? Você deve estar brincando! Essas são coisas que a gente não esquece! Elas nos foram gravadas profundamente na memória, para nunca mais ser esquecidas, no primeiro dia em que fomos trazidos aqui para sintonizar a Onda com nossos corpos!
A Onda! Que Onda? Gordon sentiu-se completamente perdido na sua ignorância.
Tentou uma justificação.
— Jhal, eu lhe disse que Shorr Kan usou um esquadrinhador de mentes para tentar obter o segredo do disruptor. Não conseguiu. . . mas, com o meu deliberado esforço para que ele não conseguisse, acho que, realmente, esqueci muitos detalhes.
Jhal Arn pareceu satisfeito com a explicação.
— Então foi isso! Choque mental, é claro. Mas, naturalmente, você conhece a natureza básica do segredo. Ninguém pode esquecê-la.
— Claro, isso não esqueci! — obrigou-se Gordon a mentir apressadamente.
Jhal empurrou-o para a frente.
— Aqui você se recordará. Estes suportes servem para montar os cones de energia na proa da nave. Os cabos coloridos são encaixados nos lugares de cores idênticas no painel de controle e o transformador é ligado diretamente nos propulsores da nave.
Apontou para os manômetros.
— Eles fornecem as coordenadas exatas, no espaço, da área a ser atingida. A emissão dos cones tem que ser igual, é claro. Os reostatos têm como função igualar essa emissão.
Quando chegaram perto, John Gordon começou vagamente a perceber que os cones haviam sido desenhados para projetar energia numa área determinada do espaço.
Mas que espécie de energia? Que aconteceria com a área ou objeto sobre os quais agisse? Seria tão terrível? Não ousou perguntar.
Jhal Arn estava terminando a explicação.
— ... portanto, a área que servirá de alvo deve estar a, pelo menos, dez parsecs de distância da nave operadora, ou haverá um ricochete. Está lembrando agora, Zarth?
Gordon acenou afirmativamente.
— Claro. Mas, apesar disso, gostaria que fosse você a manejá-lo.
Jhal olhou-o, ainda mais aflito.
— Deus sabe que eu também não quero! Esta arma ficou aqui, parada, todos estes séculos. E a advertência de Brenn Bir ainda é válida.
Ao mesmo tempo que falava, apontou para cima, para uma inscrição na parede fronteira. Gordon a estava lendo pela primeira vez.
"Aos meus descendentes, que -possuem o segredo do disruptor descoberto por mim, Brenn Bir:
Ouçam minha advertência! Nunca usem o disruptor para mesquinhas conquistas pessoais! Usem-no somente se a liberdade da Galáxia estiver ameaçada! Este poder que possuem pode destruir a Galáxia. É um demônio tão titânico que, uma vez desencadeado, corre o risco de não ser novamente contido. Não assumam esse pavoroso risco, a menos que a vida e a liberdade de todos os homens estejam em perigo!
A voz de Jhal Arn era solene.
— Zarth quando éramos garotos e fomos trazidos por nosso pai para sermos sintonizados com a Onda, nunca pensamos que poderia chegar o dia em que consideraríamos a possibilidade de usar esta energia, que aqui repousa há tanto tempo.
Sua voz vibrou mais profundamente.
— Mas a vida e a liberdade de todos os homens estarão ameaçadas se Shorr Kan conseguir conquistar a Galáxia! Se tudo o mais falhar, teremos de correr o risco!
Gordon sentiu toda a significação da advertência. Era como a voz da morte falando, com ressonância tumular, no silêncio da sala.
Jhal virou-se e caminhou para fora.
Voltaram pelo corredor radiante e saíram para a suave luz amarela da sala da escada circular.
— Vamos instalar o equipamento no Ethne amanhã de manhã — disse Jhal. — Quando o mostrarmos aos enviados dos reinos estelares...
— O senhor nunca lhes mostrará nada, Jhal Arn!
Um homem desgrenhado apareceu na base da escada circular, apontando uma pistola atômica para Jhal Arn e Gordon.
— Orth Bodmer! — gritou Gordon. — O senhor estava todo esse tempo escondido no palácio!
O rosto esquálido de Orth Bodmer estava mortalmente pálido e torcido por um terrível sorriso.
— Estava, Zarth — disse, rangendo os dentes. — Eu sabia que tudo acabara quando vi trazerem Thern Eldred. Não podia sair do palácio sem ser rapidamente descoberto e preso. Por isso, escondi-me nos corredores mais profundos.
Tinha, agora, um sorriso cadavérico.
— Escondi-me com a esperança de que o senhor viesse até a sala do disruptor, Jhal Arn! Eu o estava esperando!
Os olhos de Jhal faiscavam.
— Que espera ganhar com isso?
— É simples — retrucou Bodmer. — Sei que minha vida está liquidada. Portanto é a sua em troca da minha!
Aproximou-se e Gordon viu a loucura do medo estampada em seus olhos chamejantes.
— Alteza, quando o senhor dá sua palavra, não a quebra, Prometa-me que serei perdoado e não o matarei!
Gordon viu que o pânico estava levando aquele covarde e nervoso traidor a cometer uma loucura.
— Jhal, aceite! — gritou. — Ele não merece que você arrisque a vida!
O rosto de Jhal Arn estava rubro de fúria.
— Já libertei um traidor e chega!
Subitamente, antes que novo grito de apelo chegasse aos lábios de Gordon, Orth Bodmer atirou.
A pastilha atingiu o ombro de Jhal Arn e explodiu, ao mesmo tempo em que Gordon pulava sobre o alucinado traidor.
— Seu louco assassino! — gritou Gordon, ferozmente, torcendo o pulso do outro.
Por um momento, o magro Ministro pareceu ter a força de um super-homem. Eles se agarraram, tropeçaram e rolaram juntos, da sala para a radiação branca do corredor.
Então Orth Bodmer deu um grito! Gritou como uma alma penada e Gordon sentiu o corpo dele ficar horrivelmente flácido.
— A Onda! — guinchou Bodmer, cambaleando na- trêmula radiação.
Ao mesmo tempo em que ouvia o grito do homem, Gordon via o rosto e o corpo inteiro dele enegrecerem e murcharem, Foi um corpo encarquilhado e sem vida que tocou o solo.
Essa morte súbita foi tão angustiante e misteriosa que, por um momento, Gordon ficou aturdido. Então, de repente, compreendeu.
A radiação trêmula do corredor e da sala do disruptor era a Onda de que Jhal falara! Não se tratava de iluminação, mas de uma terrível energia destruidora, uma energia sintonizada, com as vibrações do corpo humano, que destruiria qualquer pessoa, exceto as escolhidas para guardar o segredo do disruptor.
Claro que fechaduras, ferrolhos e guardas eram desnecessários para proteger o disruptor! Nenhum homem poderia chegar perto dele sem ser destruído, a não ser Jhal Arn e o próprio Gordon. Não, não John Gordon, mas Zarth Arn. Era com o corpo físico de Zarth Arn que a Onda estava sintonizada.
Gordon cambaleou para fora daquela terrível radiação, de volta à sala. Inclinou-se sobre o corpo caído de Jhal Arn.
— Jhal! Pelo amor de Deus. . .
Jhal tinha uma horrível e enegrecida ferida no ombro. Mas ainda respirava, ainda estava vivo.
Gordon correu até a escada e gritou para cima.
— Guardas! O Imperador está ferido!
Os guardas, os funcionários e os oficiais precipitaram-se rapidamente para baixo, Jhal Arn começava a mexer-se fracamente. Seus olhos abriram.
— Bodmer... foi ele quem me atacou! — murmurou. —
Zarth está bem?
— Estou aqui. Ele não me atingiu. Bodmer está morto — falou Zarth, com voz rouca.
Uma hora depois, ele estava na antecâmara dos aposentos reais, no alto do palácio. Lianna tentava acalmar a chorosa esposa de Jhal Arn.
Um médico saiu do quarto para onde Jhal Arn fora levado.
— O Imperador ficará bom! — anunciou. — Mas está gravemente ferido e levará várias semanas.
Acrescentou, preocupado:
— Insiste em que o príncipe Zarth entre.
Gordon entrou, vacilante, no enorme e luxuoso quarto. As duas mulheres o acompanharam. Parou junto da cama. Jhal Arn sussurrou uma ordem.
— Traga o aparelho de estéreo-transmissão. Quero avisar a todo o Império que você não é culpado.
— Jhal, não faça isso! — protestou Gordon. — Você pode anunciar minha inocência mais tarde.
— Não é só isso que eu quero fazer — sussurrou Jhal. — Zarth, você não percebe o que significa para mim estar fora de ação no momento exato em que os planos de Shorr Kan atingem o clímax?
O estéreo-transmissor foi rapidamente trazido. Seu vídeo foi colocado de maneira a focalizar a cama de Jhal Arn, Gordon, Lianna e Zora.
Jhal Arn levantou penosamente a cabeça do travesseiro e seu pálido rosto encarou a tela.
— Povos do Império! Os mesmos assassinos traidores que mataram meu pai, tentaram me matar, mas falharam. Em breve estarei bom outra vez. Chan Corbulo e Orth Bodmer. . . eram os líderes do grupo! Meu irmão Zarth está completamente inocente e reassume suas funções na administração real. E como estou impossibilitado de governar, indico meu irmão Zarth Arn para Regente até meu restabelecimento. Qualquer que seja o desastre que nos atinja, dêem seu apoio a Zarth Arn, como líder que é do nosso Império!
TEMPESTADE SOBRE THROON
Gordon proferiu uma exclamação involuntária de consternado espanto.
— Jhal, não! Não posso governar o Império, mesmo por pouco tempo!
Jhal Arn fez imediatamente um gesto, mandando os técnicos saírem. Eles desligaram o estéreo-transmissor, assim que o Imperador acabou de falar, e foram embora.
Ao ouvir o protesto de Gordon, Jhal Arn virou o rosto mortalmente pálido para ele e respondeu, sussurrando.
— Zarth, é preciso que você fique no meu lugar. Neste momento de crise, em que a Nuvem ameaça estender-se por toda a Galáxia, o Império não pode ficar sem um chefe.
Zora, a esposa de Jhal, o apoiou.
— Você é da Casa Real. Só você pode chefiar as alianças. A cabeça de Gordon rodou. Que deveria fazer? Recusar e, afinal, revelar-lhes a inesperada verdade de sua identidade e de sua involuntária impostura?
Não podia fazer aquilo agora! Seria deixar o Império sem uma cabeça, deixar todo o povo e seus aliados confusos e perplexos, torná-los uma presa iminente da Nuvem.
Mas, por outro lado, como podia desempenhar o papel sendo tão ignorante daquele Universo? E como poderia voltar então à Terra para contatar o verdadeiro Zarth Arn?
— Você foi proclamado Regente do Império e é impossível agora voltar atrás — disse Jhal Arn, com um fraco suspiro.
O coração de Gordon encolheu-se. Era impossível desfazer a proclamação sem atirar o Império em confusão ainda maior.
Só havia um caminho a seguir. Devia assumir a Regência até poder ir para a Terra, como havia planejado. Quando tivesse tornado a trocar de corpo, o verdadeiro Zarth poderia voltar e assumir o cargo.
— Farei o melhor possível — balbuciou Gordon. — Mas, se eu cometer algum erro. . .
— Não cometerá — respondeu Jhal Arn. — Deixo tudo em suas mãos, Zarth.
Caiu para trás nos travesseiros com um espasmo de dor aparecendo no rosto pálido. Zora chamou apressadamente os médicos.
Estes correram para o quarto.
— O Imperador não pode fazer esforço ou não responderemos pelas conseqüências.
Gordon encontrou Lianna na esplêndida ante-sala. Olhou, trêmulo, para ela.
— Lianna, como posso eu dirigir o Império e conservar a aliança dos reis das estrelas, da mesma maneira que Jhal?
— Por que não? — respondeu ela. — O senhor não 6 filho de Arn Abbas, não descende da mais poderosa linhagem de governantes da Galáxia?
Ele queria gritar que não era, que era apenas John Gordon, da velha Terra, totalmente incompetente para assumir tão vasta responsabilidade.
Não pôde. Continuava emaranhado na rede que o apanhara desde o começo — como parecia longe! — em que, por espírito de aventura, firmara, através do tempo, aquele pacto com Zarth Arn. Devia continuar a desempenhar seu papel até que pudesse reassumir sua identidade.
Lianna despediu imperiosamente os criados e funcionários, que formigavam em torno deles.
— O príncipe Zarth está exausto! Têm que esperar até amanhã de manhã.
Gordon sentia-se, na verdade, tonto de cansaço ao caminhar, com passos inseguros, até seu velho apartamento. Lianna deixou-o ali.
— Tente dormir, Zarth. Amanhã terá todo o peso do Império nas costas.
Gordon pensara que não ia poder dormir, mas mal se deitara e já um sono pesado tomou conta dele.
Acordou, na manhã seguinte, com Hull Burrel ao lado da cama. O gigantesco antariano olhava para ele com ar duvidoso.
— A princesa Lianna sugeriu que eu ficasse como seu ajudante, Alteza.
Gordon sentiu um enorme alívio. Precisava de alguém em quem confiar e tinha uma grande simpatia por aquele enorme e rude capitão.
— Hull, não poderia haver idéia melhor. O senhor sabe que não fui educado para reinar. Há muita coisa que deveria saber e não sei.
O antariano sacudiu a cabeça.
— Detesto ter que começar dizendo-lhe isto, mas os acontecimentos estão se produzindo com grande rapidez e o senhor tem que tomar decisões. Os enviados dos reinos estelares do sul pediram outra audiência. O Vice-Comandante Giron chamou, de bordo, duas vezes na última hora, para falar com o senhor.
Gordon tentou pensar, enquanto se vestia rapidamente.
— Hull, Giron é um bom oficial?
— Dos melhores — respondeu prontamente o antariano. — Um disciplinador duro e um excelente estrategista.
— Então — disse Gordon —, vamos fazê-lo Comandante da esquadra. Já falarei com ele.
Teve que se controlar para enfrentar o tormento de andar com esse ajudante pelo palácio, de responder às saudações, de desempenhar seu papel de Príncipe-Regente.
Encontrou Tu Shal e os outros enviados esperando-o na pequena sala que era o centro nervoso do Governo do Império.
— Príncipe Zarth, todos os nossos reinos lamentam o covarde ataque a seu irmão — disse o polariano. — Mas isso irá adiar a demonstração do disruptor, prometida a nós por ele ?
Gordon empalideceu. No calor dos acontecimentos da noite anterior, quase esquecera a promessa. Tentou contornar a pergunta.
— Meu irmão está gravemente ferido, como sabem. Não tem condições de cumprir a promessa feita aos senhores.
O enviado de Hércules disse, rapidamente:
— Mas o senhor sabe como manejar o disruptor, príncipe Zarth. O senhor pode levar a efeito a demonstração.
Isso era o diabo, pensou Gordon, apavorado. Ele não conhecia os detalhes do disruptor! Sabia só o pouco que Jhal Arn lhe dissera sobre o funcionamento do aparelho, mas continuava sem ter a menor idéia do que aquela misteriosa, terrível energia podia fazer.
— Tenho pesados encargos como Regente do Império enquanto meu irmão estiver incapacitado e devo adiar essa demonstração por algum tempo — respondeu-lhes.
O rosto de Tu Shal tornou-se apreensivo.
— Alteza, não faça isso! Garanto-lhe que, se não nos der essa demonstração, o argumento de que o disruptor é muito perigoso de usar ficará fortalecido. É preciso impedir os vacilantes de abandonar o Império.
Gordon sentiu-se acuado. Não podia deixar que aliados vitais do Império o abandonassem. No entanto, como manejar o disruptor?
Poderia procurar saber mais coisas sobre o assunto, com Jhal Arn, pensou, desesperadamente. O bastante para poder tentar manejar o disruptor, pelo menos naquela demonstração ?
Respondeu, pausada e severamente:
— A demonstração será feita na primeira oportunidade. É tudo o que posso dizer.
Pôde ver que isso não bastou para satisfazer os preocupados embaixadores, que olhavam furtivamente uns para os outros.
— Comunicarei isto aos barões — disse o gorducho enviado do Aglomerado de Hércules.
Os outros também se inclinaram e partiram. Hull Burrel não lhes deu tempo de refletir sobre as conseqüências dessa nova complicação.
— O Vice-Comandante Giron está no estéreo, Alteza.. Completo a ligação?
Quando, momentos depois, a imagem do Comandante da, Armada do Império apareceu na tela, Gordon viu que o corpulento centauriano estava profundamente perturbado.
— Príncipe Zarth, desejo saber se continuo no comando da frota ou se o senhor vai enviar um novo Comandante.
— O senhor foi designado Comandante-em-Chefe e só meu irmão, quando reassumir, poderá reformar este ato — respondeu Gordon.
Giron não deu nenhuma demonstração de vaidade.
— Obrigado, Alteza. Mas, se estou no comando da esquadra, a situação chegou a um ponto em que preciso ter informações políticas em que baseie meus planos estratégicos.
— Que quer dizer com isso? A que situação se refere? — perguntou Gordon.
— Nosso radar de longo alcance captou movimentos maciços de esquadras no interior da Nuvem! — foi a resposta incisiva. — No mínimo quatro poderosas esquadras deixaram suas bases lá e estão navegando exatamente na borda interna da fronteira norte da Nuvem.
Giron acrescentou:
— Isso deixa bem claro que a Liga dos Mundos Escuros está planejando um ataque de surpresa contra nós em, pelo menos, duas frentes. À vista dessa possibilidade, é imperativo que eu estabeleça rapidamente um programa de ação para minhas naves.
Deu uma olhada no estéreo-mapa do aglomerado de estrelas da Galáxia, com suas zonas de luzes coloridas, representando o Império do Centro e os reinos estelares.
— Minhas forças principais estão dispostas em três divisões, que se estendem daqui até a Nebulosa de Orion, passando por Rigel. Cada divisão é auto-suficiente em couraçados, cruzadores, fantasmas etc. O contingente de Fomalhaut foi incorporado à primeira divisão. Esse é o nosso plano de defesa previamente estabelecido, mas conta ainda com as frotas dos baronatos de Hércules e do Reino de Polaris para resistirem a qualquer tentativa de invasão através dos seus domínios. Conta, também, com as frotas de Lira, Cisne e Cassiopeia, que deverão juntar-se a nós, quando dermos o sinal. Mas irão eles cumprir seus compromissos? Preciso saber se os reinos aliados ficarão conosco, antes de estabelecer meus planos.
Gordon percebeu a tremenda gravidade do problema enfrentado pelo comandante Giron, lá nos confins do vácuo sulino.
— Então o senhor vai dar já o sinal aos reinos aliados?
— perguntou Gordon.
— Assumi essa responsabilidade há duas horas, à vista dos alarmantes movimentos da frota da Liga dentro da Nuvem
— foi a resposta de Giron. — Até agora não recebi qualquer resposta dos reinos estelares.
Gordon compreendeu o crucial caráter da situação.
— Dê-me mais vinte e quatro horas, Comandante — pediu ele. — Tentarei, nesse espaço de tempo, obter respostas positivas dos baronatos e dos reinos.
— Enquanto isso, nossa posição aqui continuará vulnerável — respondeu o Comandante. Sugiro que, até termos certeza da lealdade dos reinos, concentremos nossas forças principais na direção de Rigel, para ficar em posição de conter qualquer ataque através de Hércules e de Polaris.
Gordon concordou rapidamente.
— Deixo essa decisão inteiramente em suas mãos. Comunicar-me-ei com o senhor, tão-logo tenha notícias.
Hull Burrel olhou para ele atentamente, enquanto a imagem do Comandante fazia continência e desaparecia.
— Príncipe Zarth, o senhor não conseguirá que os reinos cumpram suas alianças sem provar-lhes que pode manejar o disruptor!
— Eu sei — murmurou Gordon. Tomou uma decisão.
— Vou ver se meu irmão pode falar comigo.
Agora compreendia que o antariano tinha razão: só uma demonstração do disruptor podia acalmar os vacilantes reinos.
Ousaria ele manejar aquela energia misteriosa? Sabia mais ou menos como fazê-lo, graças ao que Jhal lhe ensinara, mas ainda assim não era bastante. Se pudesse aprender um pouco mais!
Os médicos estavam preocupados e desanimados quando ele chegou aos aposentos de Jhal.
— Príncipe Zarth, o Imperador está sob a ação de drogas e sem condições de falar com ninguém! Isso vai consumir suas forças.. .
— Preciso vê-lo! — insistiu Gordon. — A situação o exige.
Acabou conseguindo, mas eles o advertiram:
— Só podemos permitir-lhe uns poucos minutos, ou declinamos qualquer responsabilidade pelo que vier a acontecer.
Jhal Arn abriu os olhos enevoados pelas drogas, quando Gordon inclinou-se para ele. Levou algum tempo para compreender o que Gordon estava dizendo.
— Jhal, você precisa me entender e responder! — pediu Gordon. — Necessito saber mais sobre como operar o disruptor!
Você lembra de que eu lhe disse ter o esquadrinhador de cérebros de Shorr Kan me feito esquecer.
A voz de Jhal Arn era um murmúrio sonolento.
— É curioso tê-lo feito esquecer dessa maneira. Pensei que nenhum de nós esqueceria, a partir do dia em que cada detalhe foi impresso em nossos cérebros, quando crianças.
Seu murmúrio tornou-se mais fraco e sonolento.
— Você se lembrará de tudo quando chegar a hora, Zarth. Os cones de energia devem ser montados na proa da sua nave, formando um círculo de cinqüenta pés; os cabos coloridos do transformador encaixam-se nas tomadas da mesma cor e os condutores de força nos propulsores da nave.
Seu murmúrio tornou-se tão fraco que Gordon teve de inclinar-se ainda mais.
— Escolha, com o auxílio do radar, um ponto exato no centro do seu alvo. Use os manômetros para regular a direção dos raios emitidos pelos cones. Não ligue os interruptores sem que os seis feixes de raios estejam nivelados.
Sua voz foi desaparecendo aos pouquinhos, cada vez mais fraca, até se tornar inaudível. Gordon tentou desesperadamente acordá-lo.
— Jhal, não me abandone! Preciso saber ainda mais! Mas Jhal Arn recaíra na sonolência drogada, da qual não pôde ser novamente acordado.
Gordon repassou tudo na memória. Sabia um pouco mais que antes.
A forma de manejar o disruptor estava clara. Mas não era bastante. Era como dar a um selvagem do seu próprio tempo uma pistola e ensinar-lhe como puxar o gatilho. O selvagem poderia apontar o cano para o próprio rosto!
"Devo fingir, pelo menos, que vou fazer uma demonstração com a coisa", pensou Gordon, tensamente. "Isso talvez satisfaça os enviados dos reinos até que eu aprenda mais com Jhal Arn."
Desceu com Hull Burrel até a sala do disruptor.
Gordon entrou sozinho e saiu carregando os suportes para montar os cones de energia.
Hull Burrel olhou para aqueles simples suportes com um temor respeitoso, quando ajudou a carregá-los pelos corredores.
Gordon e Hull Burrel usaram o tubular para ir velozmente ao espaçoporto naval, fora de Throon. Vai Marlann e seus homens estavam esperando junto ao enorme e escuro casco do Ethne.
Gordon entregou-lhe os suportes.
— Devem ser montados na proa do Ethne, de maneira a formar um círculo de exatamente cinqüenta pés de diâmetro. O senhor providenciará, também, a instalação de uma tomada para ligar esses cabos de força nos geradores da casa de máquinas.
O rosto moreno de Vai Marlann revelou preocupação.
— Vai utilizar o Ethne como base para o disruptor, Alteza? — exclamou, excitado.
Gordon confirmou.
— Mande seus técnicos começarem a instalar esses suportes imediatamente.
Usou o estéreo da nave para falar com Tu Shal.
— Como pode ver, Tu Shal, estamos preparando uma demonstração do disruptor. Ela será feita o mais breve possível — disse Gordon ao Embaixador, com ar de confiança.
O rosto perturbado de Tu Shal não se modificou.
— Deve ser imediatamente, Alteza! Cada capital da Galáxia está seriamente agitada por boatos sobre manobras das frotas da Nuvem!
Gordon sentia-se quase desesperado quando voltou para o palácio. Não podia mais agüentar muito tempo. E, com Jhal Arn. ainda em estado de coma, via-se impossibilitado de aprender mais coisas sobre o disruptor.
Ao anoitecer, trovões rugiram sobre o grande palácio de Throon, produzidos por uma tempestade elétrica vinda do mar. Quando Gordon se recolheu, cansado, aos seus aposentos, viu, através das janelas, relâmpagos violentos iluminando feericamente as imponentes montanhas de Vidro.
Lianna estava esperando por ele. Recebeu-o ansiosamente.
— Zarth, estão correndo rumores, no palácio, de um ataque iminente da Liga. Vai haver guerra?
— Shorr Kan pode estar blefando — respondeu ele, exausto. — Se eu pudesse manter a situação até que...
Quase disse: até que pudesse voltar para a Terra e tornar a trocar de corpo com o verdadeiro Zarth Arn, permitindo que este reassumisse suas responsabilidades.
— Até que Jhal fique bom? — perguntou Lianna, sem desconfiar.
O rosto dela suavizou-se.
— Zarth, eu sei como tudo isto é penoso para o senhor. Mas está provando que é filho de Arn Abbas!
Ele quis tomá-la nos braços e esconder o rosto em seus cabelos. Deixou transparecer alguma coisa, pois os olhos de Lianna abriram-se ligeiramente.
— Zarth! — gritou uma ansiosa voz feminina.
Ele e Lianna voltaram-se rapidamente. Gordon reconheceu a encantadora morena que acabava de entrar em seus aposentos.
— Murn! — exclamou.
Quase havia esquecido aquela moça.
Espanto e, depois, incredulidade, apareceram no rosto dela, quando viu Lianna.
— A princesa Lianna aqui! Nunca sonhei. . . Lianna disse, tranqüilamente:
— Não há necessidade de fingimentos entre nós. Murn, sei muito bem que Zarth a ama.
Murn corou. Respondeu, titubeante:
— Eu não teria vindo se soubesse. . .
— Tem mais direito que eu de estar aqui — respondeu Lianna, calmamente. — Vou-me embora.
Gordon fez um movimento para retê-la, mas a moça já estava saindo do quarto.
Murn caminhou para ele e encarou-o ansiosamente, com os aveludados olhos escuros.
— Zarth, antes de sair de Throon, você me disse que, quando voltasse, seria diferente, seria como antigamente.
— Murn, você precisa esperar um pouquinho mais — respondeu ele. — Então tudo será como antes, prometo-lhe.
— Continuo não entendendo — murmurou ela, perturbada. — Mas estou contente porque você foi inocentado daquele crime hediondo e voltou.
Olhou para ele outra vez, com a mesma curiosa timidez, e saiu. Gordon percebeu que Murn ainda sentia uma certa estranheza com relação a ele.
Gordon deitou-se e, em sua mente, Lianna, Murn, Jhal Arn e o disruptor, giravam caoticamente até que, finalmente, adormeceu.
Devia ter dormido umas duas horas, quando uma voz excitada o acordou. A tempestade rebentara furiosamente sobre
Throon. Relâmpagos cegantes dançavam sobre a cidade e os trovões começavam a se tornar ensurdecedores.
Hull Burrel sacudia-o e o rosto rude do antariano estava escuro e tenso de excitação.
— Chegou a hora, Alteza! — gritou. — As frotas da Nuvem atravessaram nossas fronteiras! Está havendo, neste instante, uma dura batalha entre cruzadores, ao largo 'de Ri-gel. Muitas naves já foram perdidas e Giron informa que duas frotas da Liga estão aproando para Hércules!
OS REIS DAS ESTRELAS DECIDEM
Guerra galáctica! A guerra que a Galáxia receava a luta de morte entre o Império e a Nuvem, longamente temida!
E teria de acontecer naquele desastroso momento em que ele, John Gordon, da antiga Terra, tinha a responsabilidade de dirigir a defesa do Império!
Gordon pulou da cama.
— Frotas da Liga aproando para Hércules? Os barões estão aptos a resistir?
— Talvez não resistam um instante — gritou Hull Burrel. — Shorr Kan ameaçou-os pelo estéreo, a eles e a todos os reinos, avisando-os de que qualquer resistência será inútil porque o Império está a ponto de fracassar! Disse-lhes, ainda, que Jhal Arn está moribundo e incapaz de manejar o disruptor e que o senhor não pode usá-lo porque não conhece o segredo !
Essas palavras foram como um raio iluminando um abismo. Gordon subitamente compreendeu por que Shorr Kan tinha, finalmente, se decidido a atacar.
Shorr Kan sabia que ele, John Gordon, era um farsante encarnado no corpo físico de Zarth Arn. Sabia que Gordon nada conhecia sobre o disruptor, ao contrário de Zarth Arn.
E sabendo disso, no momento em que teve notícia do atentado a Jhal Arn, Shorr Kan desencadeou o ataque, longamente planejado. Contava com o fato de que não havia ninguém para usar o disruptor. Ele, John Gordon, devia ter previsto o que Shorr Kan iria fazer!
Hull Burrel gritava, enquanto Gordon vestia-se com pressa frenética.
— Aquele demônio está falando agora mesmo pelo estéreo, com os reis das estrelas! O senhor precisa mantê-los fiéis aos compromissos!
Funcionários, oficiais de Marinha, agitados mensageiros, estavam todos se aglomerando na sala e clamando aos gritos pela atenção de Gordon.
Hull Burrel, rudemente, afastou-os do caminho, quando ele e Gordon, apressadamente, saíram e correram pelo palácio, na direção da sala que era o centro nervoso do Império.
O palácio inteiro, toda Throon, ficara acordada, nessa noite fatal! Vozes gritavam, luzes se acendiam; as grandes naves de guerra, alçando vôo, podiam ser ouvidas cruzando o céu tempestuoso.
Na sala, Gordon foi momentaneamente aturdido pela quantidade de estéreos ligados. Dois deles reproduziam as imagens emitidas da ponte de comando de cruzadores no meio da luta, na fronteira, vendo-se barulhentos canhões em ação e o espaço incendiado pelos projéteis atômicos.
Depois, Gordon virou-se para o estéreo que mostrava a imagem sombria, dominadora, de Shorr Kan, de pé, falando. Com a escura cabeça descoberta, os olhos brilhando desafiadoramente, o chefe da Nuvem estava dizendo:
— ... portanto repito, barões e dirigentes dos reinos estelares, que esta guerra da Nuvem não é contra os senhores. Nossa disputa é só com o Império, que há muito tempo procura do minar toda a Galáxia, sob o pretexto de trabalhar na organização de uma federação pacífica. Nós, da Liga dos Mundos Escuros, resolvemos lutar contra esse expansionismo egoísta. Nossa Liga oferece amizade a todos os reinos! Os senhores não precisam entrar na luta e ser levados à destruição junto com o Império! Basta que deixem nossas frotas passar, sem oposição, pelos seus domínios. E os senhores serão membros plenos e igualitários da verdadeira federação democrática da Galáxia, que vamos estabelecer quando a tivermos conquistado. Porque vamos conquistá-la! O Império cairá. Suas forças não resistirão às nossas poderosas frotas e às nossas novas armas. Nem o tão famoso disruptor deles conseguirá agora salvá-los, pois não têm ninguém para manejá-lo. Jhal Arn, que sabe como fazê-lo, está impossibilitado... e Zarth Arn não sabe como usá-lo!
A voz de Shorr Kan elevou-se com suprema confiança, quando acentuou a declaração final.
— Zarth Arn não sabe como usá-lo porque, na verdade, não é Zarth Arn coisa nenhuma! É um impostor fingindo de Zarth Arn! Tenho uma prova irrefutável disso. Eu poderia desafiar a ameaça do disruptor se não tivesse essa prova? O Império não pode usar o segredo e por isso o Império acabou. Reis e barões das estrelas, não se aliem a uma causa perdida, que os fará afundar junto com seus domínios.
A imagem de Shorr Kan desapareceu do estéreo assim que terminou essa sonora declaração.
— Meu Deus, ele deve ter ficado louco! — arquejou Hull Burrel para Gordon. — Proclamar que o senhor não é verdadeiramente o senhor!
— Príncipe Zarth — disse a voz agitada de um oficial, através da sala. — Comandante Giron está chamando. . . com urgência!
Ainda atordoado pelo audacioso ataque de Shorr Kan visando a neutralizar os reinos, Gordon dirigiu-se apressadamente para o outro estéreo.
Ao vê-lo, o Comandante Giron e seu Estado-Maior, de pé na ponte do couraçado, inclinaram-se sobre as telas dos seus radares. O veterano centauriano dirigiu-se a Gordon.
— Alteza, quais as notícias dos reinos estelares? — perguntou, com voz aguda. — Temos informações de radar dizendo que duas das maiores frotas da Liga estão saindo da Nuvem, na direção de Hércules e Polaris. Os barões e os reis vão submeter-se a elas ou vão resistir? Precisamos saber:
— Saberemos assim que eu entrar em contato com os enviados dos reinos — disse Gordon, aflito. — Qual é a situação aí?
Giron fez um gesto rápido.
— Até agora só os cruzadores de cobertura estão agüentando. Alguns fantasmas da Nuvem esgueiraram-se entre eles e estão atacando nossa frota principal, aqui em Rigel, mas não é nada sério. O que é sério é que não ouso empregar o grosso de minhas forças nesta fronteira sul se a Liga flanquear-me, vinda de Hércules! Se os baronatos e os reinos não se juntarem a nós, devo recuar para oeste, a fim de proteger Canopus desse ataque de flanco.
Gordon cambaleou com o peso daquela enorme responsabilidade e procurou pôr em ordem seus atordoados pensamentos.
— Adie o maior tempo possível o emprego de suas forças principais, Giron — pediu ele. — Ainda tenho a esperança de trazer os reinos para o nosso lado.
— Se nos abandonarem, estaremos numa péssima situação! — disse Giron. — A Liga tem duas vezes mais naves do que pensávamos! Estão fazendo um desvio para atacar Canopus.
Gordon virou-se para Hull Burrel.
— Chame imediatamente os embaixadores dos reinos estelares! Traga-os aqui!
Burrel saiu correndo. Mas voltou quase imediatamente.
— Estarão aqui dentro de instantes! Acabam de chegar! Tu Shal e os outros enviados dos reinos estelares apareceram na porta um momento depois, pálidos, agitados e tensos.
Gordon não perdeu tempo com o protocolo.
— Sabem que duas frotas de Shorr Kan estão se dirigindo para Hércules e Polaris?
Tu Shal, pálido, confirmou.
— Recebemos a notícia agora mesmo. Ouvimos o pronunciamento de Shorr Kan...
Gordon interrompeu-o rudemente.
— Quero saber se os barões vão resistir a essa invasão ou vão permitir passagem livre! E quero saber se os reis vão honrar seus compromissos de aliança com o Império ou vão ceder às ameaças de Shorr Kan!
O mortalmente pálido Embaixador de Lira respondeu:
— Nossos reinos honrarão seus compromissos com o Império se este cumprir os dele! Prometemos aliança quando o Império garantiu usar o disruptor, se necessário, para proteger-nos.
— Não lhes disse que o disruptor seria usado? — fuzilou Gordon.
— Disse, mas está fugindo a uma demonstração dele! — gritou o enviado de Polaris. — Por que, se o senhor conhece o segredo? Mas imagine que Shorr Kan tenha razão e o senhor seja um impostor... Se assim fôr, iremos jogar fora nossos, domínios, numa luta inútil!
Hull Burrel, dominado pela ira, soltou um grito.
— Os senhores acreditam nessa fantástica mentira da Shorr Kan?
— É uma mentira? — perguntou Tu Shal, olhando fixamente para Gordon. — Shorr Kan deve saber alguma coisa para garantir que o disruptor não será usado ou nunca teria coragem de fazer esse ataque!
— Maldição! Não estão vendo que ele é mesmo Zarth Arn? — gritou o capitão antariano.
— Técnicas científicas podem transformar um homem num outro! — respondeu o enviado de Hércules.
Gordon, desesperado diante desse terrível obstáculo final, pegou uma idéia que lhe cruzou o pensamento.
— Fique calmo, Hull! — ordenou. — Tu Shal, senhores, ouçam-me! Se eu provar que sou Zarth Arn e que posso e quero usar o disruptor, seus reinos ficarão conosco?
— O Reino de Polaris ficará! — disse, imediatamente, o enviado. — Prove-o e eu me comunicarei com a nossa capital.
Os outros concordaram apressadamente, com a mesma certeza. E o Embaixador de Hércules acrescentou:
— Nós, baronatos do Aglomerado, queremos resistir à Nuvem, se não fôr inútil. Prove-nos que não é, e lutaremos.
— Posso provar, dentro de cinco minutos, que sou o verdadeiro Zarth Arn! — respondeu Gordon. — Sigam-me! Hull, venha também!
Atordoados, correram atrás de Gordon, quando este saiu da sala e começou a andar pelos corredores e rampas do palácio.
Chegaram à sala da escada circular, de onde partia o corredor da mortal radiação branca, que levava à sala do disruptor.
Gordon virou-se para os espantados embaixadores.
— Todos devem saber o que é este corredor. Tu Shal respondeu.
— A Galáxia inteira ouviu falar nele. Leva à sala do disruptor.
— Algum homem pode andar neste corredor, sem que seja membro da família real? — insistiu Gordon.
Os enviados começaram a compreender.
— Não! — exclamou o polariano. — Todos sabem que só os herdeiros dos imperadores podem ser banhados pela Onda, que está sintonizada para destruir todo mundo, menos eles.
— Então olhem! — gritou Gordon e entrou no corredor.
Caminhou a passos largos até a sala do disruptor. Agarrou um dos grandes cones de energia, de metal cinzento. Tirou-o da plataforma circular e rolou-o, primeiro para fora da sala e depois pelo corredor.
— Ainda acreditam que eu seja um impostor? — perguntou.
— Por Deus, não! — gritou Tu Shal. — Ninguém, a não ser o verdadeiro Zarth Arn, poderia entrar nesse corredor e sair vivo!
— Então o senhor é Zarth Arn e sabe como usar o disruptor! — gritou outro.
Gordon viu que os convencera. Eles pensavam que era possível ele ser um outro homem disfarçado de Zarth Arn. E agora viam que não era possível. . .
O que eles nunca poderiam adivinhar era aquilo que mesmo Shorr Kan não teve coragem de dizer, com medo de ser desmentido : ele tinha o corpo físico de Zarth, mas a mente de um outro homem!
Gordon apontou para o grande cone de energia.
— Isto é parte do conjunto do disruptor. O resto já foi levado para ser montado no couraçado Ethne. Depois embarcarei nele e irei usar o terrível poder para esmagar o ataque da Liga!
Gordon se decidira. Fizera, naqueles minutos de tensão, sua escolha fatal.
Deveria tentar usar o disruptor? Sabia como operá-lo, graças às explicações de Jhal Arn, embora sua finalidade e força continuassem um terrível mistério para ele. Ao usá-lo, estava correndo o risco de um desastre.
Fora por sua culpa que o Império estava à beira do desastre. Era, portanto, responsabilidade sua, obrigação sua, resolver a situação.
O velho rosto de Tu Shal estava inflamado.
— Príncipe Zarth, se o senhor pretende manter seu compromisso, manteremos o nosso! O Reino de Polaris lutará ao lado do Império contra a Nuvem!
— E Lira! E nossos baronatos! — elevaram-se vozes agitadas e ansiosas. — Vamos comunicar aos nossos governos que o senhor vai partir com o disruptor para entrar na luta!
— Então comuniquem já! — disse-lhes Gordon. — Seus reinos devem colocar suas frotas sob as ordens do Comandante Giron!
Enquanto os agitados embaixadores corriam escadas acima para enviar suas mensagens, Gordon virou para Hull Burrel:
— Traga aqui os técnicos do Ethne, com um grupo de guardas, Hull. Vou retirar da sala as peças do disruptor, que deverão ser levadas imediatamente para o couraçado.
Indo e vindo na silenciosa e radiante sala, Gordon apressadamente retirou os misteriosos cones, um a um. Tinha que fazê-lo sozinho. . . ninguém mais, exceto Jhal Arn, podia entrar lá.
Na hora em que estava puxando para fora o pesado transformador, Hull Burrel chegou de volta, com o Capitão Vai Marlann e seus técnicos.
Trabalhando apressadamente, mas manejando as peças com a cautela que revelava seu pavor, os homens colocaram o equipamento nos vagões do tubular.
Meia hora mais tarde, estavam no espaçoporto naval, à sombra do casco do possante Ethne. Este e outros dois couraçados eram os únicos que ainda permaneciam ali; os outros já haviam partido para tomar seus lugares na memorável batalha. .
Sob a luz dos refletores e o barulho dos relâmpagos e da chuva, os técnicos trabalhavam para instalar os enormes cones de energia nos suportes já colocados nos seus lugares em torno da proa do couraçado. As pontas dos cones estavam dirigidas para a frente e seus cabos foram ligados, através do casco, à sala de máquinas.
Gordon mandara colocar ali o transformador com seu painel de controle. Orientou a junção dos cabos ao painel, como Jhal Arn lhe explicara. Os cabos de força foram levados para baixo e ligados aos poderosos propulsores.
— Prontos para partir em dez minutos — informou Vai Marlann, com o rosto brilhando de suor.
Gordon tremia por causa do esforço.
— Vou fazer a última inspeção dos cones.
Correu para o meio da tempestade, aparecendo e desaparecendo sobre o casco da proa da belonave. Os doze cones, naquela altura, pareciam finos, minúsculos.
Era incrível pensar que aquele pequeno aparelho pudesse produzir um efeito tão devastador! E no entanto. . .
— Decolagem em dois minutos! — berrou Hull Burrel do passadiço, por cima do barulho das sereias e dos gritos dos homens apressados.
Gordon voltou-se e viu, através da confusão, uma figura esguia dirigir-se para ele.
— Lianna! — gritou. — Meu Deus, por que. ..
Ela atirou-se em seus braços. Seu rosto estava pálido, manchado de lágrimas, quando olhou para ele.
— Zarth, tinha de vê-lo antes que partisse! Se você não regressar, quero que saiba... ainda o amo! Sempre o amei, mesmo sabendo que o senhor ama Murn!
Gordon gemeu, mantendo-a segura nos braços, face contra face.
— Lianna! Lianna! Nada posso garantir quanto ao futuro, talvez muitas coisas mudem entre nós daqui para a frente, mas digo-lhe agora que é a senhora que eu amo!
Uma onda final de profunda angústia tomou conta dele, naquele instante de louca despedida.
Porque Gordon sabia que era um adeus para sempre! Mesmo que sobrevivesse à luta, era preciso que fosse o verdadeiro Zarth Arn quem voltasse a Throon e não ele. E se não sobrevivesse...
— Príncipe Zarth! — berrou Burrel ao seu ouvido. — Está na hora!
Gordon teve uma breve visão do rosto branco e dos olhos brilhantes de Lianna, que ele nunca mais esqueceria. Sabia que seria a última.
E enquanto era arrastado por Hull Burrel para o passadiço, portas fechavam-se rangendo, as grandes turbinas rugiram e as sereias ressoaram pelos corredores.
"Decolagem!", anunciavam os alto-falantes estridentemente e, com um barulho de ar sendo rasgado, o Ethne ergueu-se no céu varrido pela tempestade.
Rumava para o alto e, com ele, seguiam os outros dois couraçados para o espaço estrelado.
— Giron está chamando! — gritou Hull Burrel ao ouvido de Gordon, que cambaleava pelos corredores. — Está havendo uma enorme batalha nas proximidades de Rigel! E as frotas da Liga, vindas do leste, estão forçando a passagem!
No posto de pilotagem, onde fora instalado o disruptor, Gordon viu surgir na tela do estéreo a imagem severa do comandante Giron.
Pela janela situada atrás de Giron, Gordon divisou um espaço literalmente animado por uma infernal explosão de projéteis atômicos, de naves destruídas.
A voz de Giron era fria e rápida.
— Entramos em luta com as duas frotas da Liga vindas do leste. Estamos sofrendo perdas proibitivas. O inimigo tem um novo tipo de arma que parece fazer explodir nossas naves de dentro. . . não consigo entender.
Gordon estremeceu.
— A nova arma de que Shorr Kan se vangloriou! Como é ela?
— Não sabemos! — foi a resposta. — As naves subitamente derivam, abandonam a ação e não respondem aos nossos chamados.
Giron acrescentou:
— Os barões informam que a frota deles está se dirigindo para leste do Aglomerado, a fim de enfrentar as duas frotas da Nuvem que se dirigem para lá. As frotas de Lira, Polaris e dos outros reinos aliados estão se encaminhando, neste instante, a toda velocidade, para noroeste, onde se juntarão a mim.
O Comandante concluiu, sombriamente:
— Mas essa nova arma da Liga, seja ela qual fôr, está nos dizimando! Estou recuando para oeste, mas eles estão nos martelando violentamente e seus fantasmas continuam se infiltrando. É meu dever avisá-los de que não poderemos continuar lutando por muito tempo em face dessas perdas.
Gordon respondeu-lhe:
— Estamos levando o disruptor e vamos usá-lo! Mas precisaremos ainda algumas horas para chegar ao campo da luta.
Procurou raciocinar, antes de dar ordens. Lembrou-se de que Jhal Arn lhe havia dito que a área do alvo da energia do disruptor devia ser limitada ao máximo.
— Giron, para o disruptor ser utilizado, é imperativo que as frotas da Liga estejam juntas. Pode conseguir isso?
Giron respondeu, com voz alterada.
— A única maneira é eu recuar ligeiramente na direção sudoeste deste lado do ataque, como se eu tivesse a intenção de ajudar os barões. Isso levará as duas frotas da Nuvem a atacarem juntas.
— Tente! — urgiu Gordon. — Recue para sudoeste e dê-me uma posição aproximada para um encontro entre nós.
— Bem a oeste de Deneb. É a posição aproximada em que estaremos quando o senhor chegar — respondeu Giron. — Deus sabe o que restará de nossa frota até lá, se essa nova arma da Nuvem continuar atacando!
Giron desligou, mas nos outros telestéreos desdobrava-se a batalha que se travava ao longo da linha próxima a Rigel.
Além das naves que soçobravam no inferno das explosões atômicas e do ataque arrasador dos furtivos cruzadores fantasmas, a tela do radar mostrava muitas naves do Império subitamente saindo de ação.
— Que diabo de coisa tem a Nuvem, que põe nossas naves fora de ação dessa maneira? — perguntou Hull Burrel, suando.
— Seja o que fôr, está esmagando os flancos de Giron rapidamente — murmurou Vai Marlann tensamente. — A retirada dele pode se transformar em derrota!
Gordon afastou-se dos estéreos para olhar ansiosamente pelas vigias.
O Ethne, desenvolvendo cada vez maior velocidade, ultrapassou os pequenos sóis de Argo, encaminhando-se para o sul, na direção de Armageddon da Galáxia.
Gordon, numa reação pânica, sentiu-se dominado pelo terror. Não havia lugar para ele naquele titânico conflito dos tempos futuros! Devia estar maluco ao tomar a decisão de usar o disruptor.
Ele, usar o disruptor? Como poderia, quando sabia tão pouco? Como ousaria desencadear a pavorosa energia, cujo próprio descobridor avisara que poderia fender e destruir a própria Galáxia?
BATALHA ENTRE AS ESTRELAS
Palpitando, zumbindo, com cada viga estremecendo por causa do impulso dos seus poderosos jatos, o Ethne e seus dois companheiros corriam para o sul.
Hora após hora, os três couraçados precipitavam-se em velocidade máxima para o fatal encontro junto da longínqua centelha que era Deneb, para onde as forças do Império estavam se retirando.
— Os barões estão lutando! — gritou Hull Burrel do telestéreo, onde vigiava com olhos febris. — Meu Deus, olhe a batalha do Aglomerado!
— Eles deviam estar se retirando agora para a região de Deneb, como estão fazendo as forças de Giron! — exclamou Gordon.
Estava aturdido pela cena que via no telestéreo. Transmitida por uma das naves do Aglomerado, que se achava no meio da batalha, a imagem mostrava uma quase incompreensível visão do conflito.
Aparentemente, era pequeno o objetivo ou finalidade da luta. A abóbada estrelada do espaço, próxima das gigantescas bolas que eram os sóis do Aglomerado de Hércules, parecia pontilhada de finos clarões. Finos clarões que brilhavam rapidamente e rapidamente desapareciam! E cada um desses clarões era a descarga de uma bateria de canhões, longe no espaço!
Gordon não pôde visualizar aquela horrível batalha. Aquela guerra desenrolada no longínquo futuro era demasiadamente estranha para ele, que não pôde apreender o total significado daquela dança de brilhantes raios mortais entre as estrelas. Aquela guerra, na qual naves enormemente afastadas umas das outras se contatavam pelo radar e disparavam seus poderosos canhões atômicos, manejados por computadores, era-lhe incompreensível e fantástica.
A configuração da batalha que ele testemunhava começava lentamente a aparecer. A fantástica dança dos clarões deslocava-se aos poucos na direção do titânico conjunto de sóis do Aglomerado. A linha de batalha crepitava e cintilava ao norte e noroeste do espesso conjunto de sóis.
— Estão recuando, como Giron mandou! — exclamou Hull Burrel. — Meu Deus, a metade da frota dos baronatos deve estar agora destruída!
Vai Marlann parecia um tigre enjaulado, andando para a frente e para trás entre os estéreos.
— Vejam o que está acontecendo com o grosso da frota de Giron, em retirada para Rigel! — disse, rouco. — Os da Nuvem a estão martelando como loucos. Nossas perdas devem ser tremendas!
O estéreo, para onde olhara, mostrou a Gordon idêntico revolutear de enormes clarões mortais recuando, a oeste, na direção de Rigel.
Pensou, entorpecido, que era bom não poder encarar aquela terrível Armageddon da Galáxia da mesma maneira que os outros. Aquilo podia desequilibrar seu sistema nervoso e ele precisava estar calmo.
— Quanto tempo mais para chegarmos ao lugar de encontro com Giron e os barões? — perguntou a Vai Marlann.
— No máximo doze horas — disse o outro. — E Deus sabe se ainda haverá alguma nave dos barões para juntar-se a nós.
— Maldição para Shorr Kan e seus fanáticos! — praguejou Hull, com o rosto vermelho fremente de raiva. — Durante todos estes anos, eles estavam construindo navios e inventando novas armas para esta guerra de conquista!
Gordon caminhou até o painel de controle do disruptor. Pela centésima vez, desde que deixara Throon, ele ensaiava a maneira de desencadear a misteriosa energia.
"Mas o que é que essa força faz, quando em ação?", pensou novamente, preocupado. "Age como um gigantesco feixe de ondas letais ou destrói a matéria sólida?'
Especulação inútil! Dificilmente poderia ser isso. Brenn Bir não deixaria a solene advertência de que poderia destruir a Galáxia, se se tratasse disso!
Sucediam-se horas de tremenda tensão, enquanto o Ethne e as outras naves dirigiam-se para a cena da titânica batalha. Cada hora que passava, mostrava que a situação das forças do Império piorava mais e mais.
Giron, recuando para sudoeste a fim de juntar-se à derrotada frota de Hércules, ainda lutando ao largo do Aglomerado, foi finalmente alcançado, perto da Nebulosa da Ursa, pelas frotas de Lira, Polaris e Cisne.
O Comandante do Império atraiu o ataque da armada da Liga e lutou ferozmente durante duas horas, numa desconcertante ação de retaguarda que envolveu ambas as forças na incandescente Nebulosa.
Então Gordon ouviu suspender a ação. A ordem, expedida num código secreto, como todas as mensagens navais, veio pelos próprios estéreos.
Capitão Sandrell, da Divisão Lira, saia da Nebulosa! O inimigo está introduzindo uma coluna entre o senhor e a Divisão Cisne!
O Comandante da divisão Lira respondeu, desesperado:
— Os fantasmas deles amontoaram-se na proa da nossa coluna. Mas eu. . .
Essa resposta foi abruptamente interrompida e o vídeo escureceu. Gordon ouviu Giron chamar Sandrell. Inutilmente.
— Está acontecendo cada vez mais — disse Hull Burrel.
— Uma nave imperial assinala a presença próxima de um fantasma e, subitamente, sua informação é cortada e a nave deriva, silenciosa e inutilizada!
— É a nova arma de Shorr Kan — gritou Vai Marlann.
— Se ao menos tivéssemos uma idéia do que ela é!
De repente, Gordon lembrou-se do que lhe dissera Shorr Kan, em Thallarna, quando se vangloriara.
". . .essa arma nos permite atacar os navios inimigos de dentro!"
Gordon repetiu a frase para os outros e acrescentou:
— Talvez eu esteja maluco, mas parece-me que a única maneira de eles atacarem uma nave de dentro, é introduzir um raio de energia de alguma espécie, utilizando o estéreo d& nave! Cada navio atacado estava transmitindo no momento!
— Hull, é muito possível! — gritou Vai Marlann. — Se eles' conseguem penetrar nos nossos próprios estéreos e usá-los como transmissores dentro do nossos navios. . .
Pulou para o estéreo e apressadamente chamou Giron, informando-o sobre a suspeita.
— Se usar transmissão telegráfica em código, talvez consigamos neutralizar a nova arma deles! — concluiu Vai Marlann. — Eles não eram capazes de penetrar em nossos aparelhos E mantenha equipamento interferente na suas salas de estéreo, para o caso de eles penetrarem.
Giron assentiu.
— Vamos tentar. Vou determinar às nossas naves que só usem o telégrafo e gravem as mensagens.
Vai Marlann ordenou que homens com geradores de campos elétricos interferentes, que podem evitar radiações perigosas, ficassem permanentemente ao lado dos estéreos.
A ordem foi imediatamente obedecida pelas naves do Império e começaram a enviar as mensagens em jatos de poucos segundos cada.
— Está dando certo... só uns poucos de nossos navios estão agora fora de ação! — informou Giron. — Mas fomos muito atingidos e a frota dos barões quase não existe. Devemos voltar para o Aglomerado?
— Não! — gritou Gordon. — Não ousarei usar o disruptor dentro do Aglomerado. O senhor tem de manter as naves da Nuvem perto de Deneb.
— Vamos tentar — respondeu Giron. — Mas se o senhor não chegar nas próximas quatro horas, não haverá muitos de nós para mantê-los.
— Quatro horas? — perguntou Vai Marlann, suando. — Não sei se poderemos! As turbinas do Ethne estão sobrecarregadas !
O pequeno esquadrão encabeçado pelo Ethne continuou à toda velocidade para o sul, no rumo de Deneb, enquanto a grande batalha a leste da estrela desenrolava-se na direção dela.
A dança de morte das chamejantes naves estelares que caíam, movia-se lentamente para oeste, através dos espaços galácticos! Vindos do sul, os derrotados remanescentes da corajosa frota dos barões chegavam para juntar-se às do Império e dos reinos, para a luta final.
Era, de fato, a Armageddon da Galáxia! Agora, as vitoriosas forças principais da Nuvem estavam se unindo a leste e carregando, num arrasador ataque final.
Gordon viu, nas telas do estéreo e do radar, aquela cena culminante da luta, que o Ethne quase conseguiu alcançar.
— Mais meia hora e teríamos conseguido! — murmurou Vai Marlann, através dos lábios paralisados.
O oficial encarregado do radar central gritou:
— Fantasmas a bombordo!
As coisas começaram a acontecer com tanta rapidez, que tontearam Gordon. Ao mesmo tempo em que via cruzadores fantasmas da Nuvem aparecerem nas telas do radar, houve um monstruoso clarão no espaço, à esquerda dele.
— Um dos navios-escolta explodiu! — gritou Hull Burreli. — Ah!
Os canhões do Ethne, manejados por computadores muito mais rápidos que a mente humana, principiaram a atirar estrondosamente.
O espaço em torno começou a encher-se de relâmpagos cegantes, provocados pela explosão de balas atômicas de grosso calibre, que quase os atingiram. Dois distantes relâmpagos surgiram e morreram um instante depois.
— Atingimos dois! — gritou Hull. — O resto deve ter se tornado invisível e não se atreverá a reaparecer.
A voz de Giron surgiu do estéreo, numa transmissão entrecortada, que era reconstituída nos gravadores e transmitida normalmente.
— Príncipe Zarth, a armada da Liga está nos flanqueando e dentro de uma hora nos estraçalharão!
Gordon respondeu, gritando.
— Agüente um pouco mais até que. . .
Nesse instante, na tela do estéreo, Giron desapareceu e foi substituído por homens fardados de preto, pálidos, que apontavam pesadas armas em forma de vara.
— Soldados da Nuvem! Os fantasmas da Liga interferiram em nossos aparelhos e estão usando a nova arma de Shorr Kan! — guinchou Burrel.
Um dardo de luz azul jorrou da arma em forma de vara do homem que estava mais próximo do estéreo. Aquele relâmpago de energia passou sobre a cabeça de Gordon e perfurou a parede metálica.
A nave estava sendo invadida por estéreo-imagens!
Aquilo durou alguns segundos. Depois, as proteções funcionaram e as imagens dos soldados da Nuvem desapareceram.
— Então é assim que eles agem! — gritou Burrel. — Não admira que tenham atingido metade de nossas naves antes de descobrirmos!
— Apontem os aparelhos interferentes, depressa! — ordenou Vai Marlann. — É muito provável que haja a qualquer momento outro ataque através do estéreo!
Gordon sentiu os cabelos eriçarem-se na nuca, quando o Ethne rumou para o campo de batalha. Aproximava-se a hora decisiva.
Giron concentrou as naves do Império e dos reinos numa curta linha de defesa, com o flanco esquerdo apoiado na grande e deslumbrante massa branca de Deneb. As densas colunas das frotas da Liga pressionavam, atirando ininterruptamente, tentando envolver o flanco direito.
Quando o Ethne começou a lutar na frente de batalha, o espaço parecia um inferno de naves agonizantes, de chamas dançando entre as estrelas. Seus canhões atiravam nos fantasmas da Nuvem, que saíam continuamente da invisibilidade para o ataque.
— Chegamos, Giron! — gritou Gordon. — Agora espalhe suas naves e recue à toda velocidade.
— Se eu fizer isso, as frotas da Nuvem se juntarão e atravessarão nossas tênues linhas como se fossem de papel! — protestou Giron.
— É isso o que eu quero, aglomerar o mais possível as naves da Liga! — replicou Gordon. — Depressa, nós. . .
Novamente a imagem de Giron foi substituída por um soldado da Nuvem com a tal arma.
A arma expeliu um dardo azul. . . mas este morreu, aniquilado pelo campo interferente. Então a proteção funcionou novamente e cortou a ligação do estéreo.
— Essa maneira de cortar nossas comunicações deveria ser suficiente para decidir a luta! — rosnou Hull Burrel.
Gordon viu, na tela do radar, a manobra que estava sendo rapidamente efetuada no espaço.
As colunas de Giron recuaram para oeste a toda velocidade, mudaram de direção e separaram-se o máximo que podiam.
— Ali vem a esquadra da Liga! — gritou Vai Marlann. Gordon também viu, na tela, um aglomerado de pontinhos representando milhares de belonaves da Liga, a menos de doze parsecs.
Vinham em perseguição das frotas aliadas, mas não amontoadas como era de desejar. Suas linhas pareciam apenas um pouco mais espessas que antes.
Gordon percebeu que tinha de agir lembrando-se do aviso de Jhal, de qualquer maneira. Não podia deixar que eles se aproximassem mais antes de acionar o disruptor.
— Mantenha o Ethne firme e aponte a proa exatamente para o centro da linha de batalha da Liga — ordenou Gordon, com a garganta seca.
A frota de Giron estava, agora, por trás deles, enquanto o Ethne permanecia defrontando a armada da Liga, que se aproximava.
Gordon dirigiu-se ao painel do disruptor. Torceu os seis interruptores, fazendo cada reostato avançar quatro pontos.
Os ponteiros dos manômetros começaram a se movimentar no quadrante. Os geradores do poderoso couraçado aumentavam cada vez mais o barulho, em virtude do misterioso aparelho sugar-lhes uma amperagem considerável.
Toda aquela energia estaria sendo acumulada nos cones de força instalados na proa? E que lhe havia dito Jhal Arn? Gordon procurava se lembrar.
"...os seis manômetros direcionais devem estar exatamente equilibrados, se o objetivo não fôr provocar um desastre !"
Os manômetros não estavam equilibrados. Nervosamente, mexeu num reostato e depois num outro. Os ponteiros foram se arrastando na direção da parte vermelha do quadrante, só que alguns muito, muito depressa!
Gordon sentiu bagas de suor descerem pelas faces, sentiu o corpo retesar-se com o esforço. Não podia fazer aquilo! Não ousava liberar aquela energia, da qual ignorava tudo!
— As colunas deles estão se aproximando depressa. . . estão agora a oito parsecs! — avisou Vai Marlann, secamente.
Três, depois quatro ponteiros atingiram o vermelho. Mas os outros ainda não. Gordon girou apressadamente para cima os reostatos atrasados.
Agora estavam todos no setor vermelho mas não exatamente no mesmo lugar. O Ethne era sacudido brutalmente pelo esforço de suas barulhentas turbinas. O ar parecia eletrificado, tal era a tensão.
Os ponteiros igualaram-se! Estavam todos na mesma zona dos manômetros e no mesmo número. . .
— Agora! — gritou Gordon, roucamente, e girou o interruptor central.
O DISRUPTOR
Pálidos, fantasmagóricos raios saltaram da proa do Ethne na direção da escura região do espaço em frente. Aqueles pálidos raios pareciam quase arrastar-se para diante, espalhando-se em forma de leque.
Gordon, Hull Burrel e Vai Marlann abaixaram-se na vigia, gelados e incapazes de um movimento, olhando para a frente. Nada parecia ter mudado.
Então, o aglomerado de pontos no radar, que assinalava a posição da linha de frente da Nuvem, pareceu ondular levemente. Uma luz bruxuleante pareceu percorrer aquela área.
— Nada está acontecendo! — grunhiu Burrel. — Nada! A coisa deve ter...
Um ponto de escuridão apareceu ao longe. Aumentou cada vez mais, pulsando e piscando.
E de repente transformou-se numa grande, crescente mancha de escuridão, não de escuridão por mera ausência de luz, mas uma vivida e palpitante escuridão, como ser vivo algum jamais vira.
Na tela do radar, a área que abrangia metade da esquadra da Nuvem, postada na vanguarda, havia sido engolida pelo negror! E também na tela via-se uma mancha, um borrão que repelia os raios do radar.
— Deus do céu! — gritou Vai Marlann, tremendo. — O disruptor destruiu o próprio espaço naquela área!
A terrível, inimaginável resposta ao enigma do pavoroso poder do disruptor penetrou subitamente no cérebro de Gordon !
Ainda não compreendia, nem compreenderia nunca, o método científico daquilo. Mas o efeito irrompeu em sua mente. O disruptor era uma energia que aniquilava não a matéria, mas o espaço!
O continuum espaço-tempo do nosso cosmo era quadridimensional, um globo quadridimensionado flutuando num abismo extradimensional. A força dos terríveis raios do disruptor destruíram um enorme pedaço dessa esfera, empurrando-o para fora do cosmo!
Essa revelação atravessou, num segundo, a mente apavorada de Gordon. De repente, teve medo! Convulsivamente, soltou o interruptor. Então, no segundo que se seguiu, o Universo pareceu ter enlouquecido!
Era como se mãos titânicas tivessem atingido o Ethne através do espaço, com uma força alucinante. Viram estrelas e espaço se tornarem loucos, a imensa e luminosa massa branca de Deneb rodopiar brutalmente no vácuo e cometas, estrelas mortas e meteoros, em desvairada corrida pelo céu.
Gordon, atirado contra a parede, tremia interiormente, como se o Universo tivesse se levantado em louca vingança contra o insignificante ser que ousara atingir com mãos profanas a urdidura do espaço eterno.
Gordon voltou a si minutos depois. O Ethne estava girando e sendo sacudido por uma furiosa tempestade celeste, mas a estrelada abóbada do espaço parecia se ter recuperado da louca convulsão.
Vai Marlann, cujo sangue via-se latejar nas têmporas,, agarrava-se num balaústre e gritava ordens no microfone.
Seu rosto estava lívido e aflito.
— As máquinas estão agüentando e a turbulência diminuiu. Essa convulsão quase atirou nossa nave em Deneb e sacudiu as estrelas em toda esta parte da Galáxia!
— A reação de ricochete! — gritou Gordon, sufocado. — Foi isso... o espaço em volta estava sendo arrastado para o buraco aberto nele pelo disruptor.
Hull Burrel foi para á tela do radar.
— Só metade dos navios da Nuvem foi destruída pela convulsão!
Gordon estremeceu.
— Não posso usar o disruptor outra vez! Não quero!
— O senhor não vai precisar! — disse Burrel, nervoso.
— Os restos da frota deles está se retirando em pânico para a Nuvem!
"Eu posso compreendê-los", pensou Gordon, sentindo-se mal. Se ele soubesse antes que o próprio espaço enlouqueceria e se esfacelaria, nunca teria ousado aplicar aquela energia.
— Agora eu sei por que Brenn Bir fez aquela advertência sobre o uso leviano do disruptor! — disse, com voz cansada.
— Queira Deus que ele nunca mais seja usado!
De todos os lados, através dos estéreos, chegavam perguntas.
— Que aconteceu? — repetia sem cessar o trêmulo comandante Giron.
No meio de toda essa agitação, Hull Burrel não perdia de vista a esquadra inimiga.
— As frotas da Liga, ou o que resta delas, estão em plena retirada para a Nuvem! — disse, exultante, ao Comandante.
— Se as perseguirmos, poderemos esmagá-las para sempre!
Giron estava de acordo.
— Vou ordenar a perseguição agora mesmo!
Os remanescentes da frota da Liga rumavam, através dos espaços galácticos, para a proteção da Nuvem. E atrás deles, hora após hora, corriam o Ethne e a estropiada frota do Império.
— Se conseguirmos destruir a autoridade de Shorr Kan e esmagar os restos de sua frota, eles estarão liquidados! — gritava Burrel, exaltado.
— O senhor pensa que Shorr Kan está a bordo? — perguntou Gordon.
— Ele é vivo demais para isso. . . deve estar comandando de Thallarna, não há perigo! — afirmou Vai Marlann.
Gordon concordou. Sabia que Shorr Kan não era covarde, mas devia estar dirigindo a luta de seu quartel-general dentro da Nuvem.
Horas depois, as naves da Liga dos Mundos Escuros desapareceram na proteção da Nuvem. Logo após, a esquadra do Império deteve-se na borda exterior daquela vasta e enevoada escuridão.
- Se penetrarmos atrás deles, poderemos cair em emboscadas — disse Giron. — Isto aqui está cheio de perigos que desconhecemos. Gordon propôs:
— Vamos mandar-lhes um ultimato, uma ordem de rendição!
— Shorr Kan não se renderá! — afirmou Hull Burrel. Mas Gordon já estava apontando um feixe de raios do
estéreo para a Nuvem, na direção de Thallarna, e começara a falar.
— Ao Governo da Liga dos Mundos Escuros! Oferecemos-lhes a oportunidade de se renderem. Venham desarmados ao nosso encontro e prometemos que ninguém será punido, exceto os criminosos que chefiaram esta agressão. Mas se recusarem, apontaremos o disruptor para a Nuvem inteira! Extirparemos essa região para sempre da Galáxia!
Vai Marlann olhou para ele, assustado.
— O senhor faria isso? Mas, meu Deus. . .
— Eu não ousaria fazer! — respondeu Gordon. — Nunca mais manejarei o disruptor. Mas eles sentiram sua força e podemos contar com isso.
Nenhuma resposta foi dada a essa mensagem. Uma hora depois, repetiram-na.
Nenhuma resposta. Finalmente, após outra hora de espera, ouviu-se a voz de Giron.
— Acho que temos de ir lá, príncipe Zarth.
— Não, espere! — gritou Hull Burrel. — Está chegando uma mensagem de Thallarna!
Um grupo de desgrenhados cidadãos da Nuvem apareceu no estéreo. Alguns estavam feridos.
— Concordamos com seus termos, príncipe Zarth! — disse um porta-voz. — Nossas naves serão ancoradas e desarmadas imediatamente. O senhor poderá entrar daqui a poucas horas.
— Pode ser uma cilada! — disse Vai Marlann. — É para dar tempo a Shorr Kan de preparar alguma traição.
O homem da Nuvem sacudiu a cabeça.
— A desastrosa tirania de Shorr Kan acabou. Quando ele recusou render-se, nós nos revoltamos. Posso prová-lo, deixando que os senhores o vejam. Shorr Kan está morrendo.
O estéreo mudou abruptamente para uma outra sala do palácio. Shorr Kan apareceu diante da tela.
Estava sentado numa cadeira, no pequeno quarto de onde dirigira o tremendo ataque para conquistar a Galáxia, cercado por soldados da Nuvem. Seu rosto estava mortalmente pálido e tinha um profundo e escuro ferimento do lado.
Seu olhar mortiço repousava neles, através do estéreo, c teve um breve lampejo quando se fixou em Gordon. Sorriu fracamente .
— O senhor venceu. Nunca pensei que tivesse a coragem de usar o disruptor. Teve uma sorte de louco, pois poderia se ter destruído.. .
Sufocou-se e depois continuou:
— Azar meu de acabar assim não? Mas não me lamento. Vivi minha vida até o fim. O mesmo lhe acontece, por isso gosto do senhor.
Shorr Kan sacudiu a cabeça e sua voz transformou-se num murmúrio.
— Talvez eu seja um produto do seu mundo, Gordon? Nascido fora do meu tempo? Talvez. . .
Pela maneira como o corpo inclinou-se sobre a mesa, viram que havia morrido.
— O que queria ele dizer, príncipe Zarth? — perguntou Hull Burrel, confuso. — Não entendi nada.
Gordon sentiu uma estranha, aguda emoção. A vida é imprevisível. Não havia nenhum motivo para que ele gostasse de Shorr Kan. Mas via agora que gostara.
Vai Marlann e os outros oficiais do Ethne estavam exultantes.
— Vencemos! Varremos para sempre a ameaça da Liga! A nave vibrava com uma alegria que se estendia por toda a frota.
Duas horas depois, Giron começou a levar as forças de ocupação para o interior da Nuvem, guiado por ondas de radar provenientes de Thallarna. Metade de suas naves ficou de guarda fora da Nuvem, para prevenir uma traição.
— Não há dúvida de que eles realmente se renderam — informou a Gordon. — A frota deles está ancorada e sendo desarmada, como fui informado pela nave que mandei na dianteira.
Acrescentou:
— Vou deixar uma escolta para o Ethne. Sei que o senhor está querendo voltar para Throon.
Gordon respondeu-lhe:
— Não necessito de escolta. Vai Marlann, o senhor pode partir imediatamente.
O Ethne iniciou sua longa viagem de volta para Canopus. Mas, meia hora depois, Gordon deu novas ordens.
— Vamos aproar para o Sol e não para Canopus. Nosso destino é a Terra.
Hull Burrel, espantado, protestou.
— Mas, príncipe Zarth, Throon inteira está esperando sua volta! Todo o Império, cada pessoa, estão todos a esta hora loucos de alegria, esperando para cumprimentá-lo!
Gordon sacudiu a cabeça lentamente.
— Não vou para Throon agora. Leve-me para a Terra.
Olharam para ele, perturbados, pensativos. Mas Vai Marlann deu a ordem e a nave mudou de rumo rapidamente e aproou para o Sol, naquele instante um longínquo ponta amarelo.
Durante horas, enquanto o Ethne voava para o norte, Gordon permaneceu sentado, olhando pensativamente pelas vigias, mergulhado numa estranha e cansada confusão.
Enfim estava voltando para a Terra, para o seu próprio mundo e tempo, para seu próprio corpo. Só agora, finalmente, podia cumprir a promessa feita a Zarth Arn.
Olhou para fora, para as soberbas estrelas da Galáxia. Longe, longe, a oeste, brilhava a luz de Canopus. Pensou em Throon e nos milhões que lá se regozijavam.
"Tudo isso acabou para mim agora", se disse, pensativamente. "Acabou para sempre."
Pensou em Lianna e aquela cega onda de desgosto invadiu novamente seu cérebro. Também ela estava fora de cogitações.
Hull Burrel aproximou-se e disse:
— Todo o Império, toda a Galáxia, está comemorando em sua honra, príncipe Zarth! O senhor precisa ir à Terra, agora que eles estão esperando?
— Sim, preciso — reafirmou Gordon e o antariano retirou-se, perplexo.
Gordon adormeceu, acordou, tornou a adormecer. O tempo parecia não passar, agora que não tinha mais significação. Quantos dias faltavam ainda para que o familiar disco amarelo do Sol brilhasse sobre a nave?
O Ethne inclinou-se para a velha e verde Terra, para o iluminado hemisfério leste.
— Pouse no meu laboratório, nas montanhas... Hull sabe onde fica — disse Gordon.
A torre estava situada no velho e gelado Himalaia e não mostrava sinal de alteração desde que partira. . . parecia uma eternidade! O Ethne pousou suavemente na pequena plataforma.
Gordon virou-se para os confusos amigos.
— Vou ao meu laboratório e quero que só Hull venha comigo.
Hesitou e acrescentou:
— Um aperto de mão? Os senhores são os melhores amigos e camaradas que um homem pode ter.
— Príncipe Zarth, isto parece um adeus! — exclamou Vai Marlann, preocupado. — Que é que o senhor vai fazer lá?
— Nada me acontecerá, prometo-lhe — disse Gordon, com um sorriso. — Voltarei para a nave dentro de umas poucas horas.
Apertaram a mão dele. Ficaram olhando, silenciosos, ele e Hull Burrel caminharam para fora, para o ar gelado e cortante.
Ao chegar à torre, Gordon dirigiu-se ao laboratório de vidro onde haviam ficado os estranhos aparelhos inventados pelo verdadeiro Zarth Arn e pelo velho Vel Quen.
Gordon rememorou o que o cientista lhe dissera sobre o funcionamento do ampliador telepático e do transmissor de mentes. Verificou os instrumentos tão cuidadosamente quanto possível.
Hull Burrel olhava pensativamente, apreensivo. Depois de um certo tempo, Gordon virou-se para ele.
— Hull, vou precisar de sua ajuda mais tarde. Quero que faça o que lhe pedir, mesmo se não entender. Concorda?
— Sabe que cumprirei qualquer ordem que me dê! — disse o antariano. -— Mas não posso evitar a preocupação.
— Não há motivo para isso. . . dentro de algumas horas o senhor estará viajando de volta a Throon junto comigo — disse Gordon. — Agora, espere.
Pôs na cabeça o capacete do ampliador telepático. Tornou a verificar se estava sintonizado com a freqüência mental de Zarth Arn, como lhe ensinara Vel Quen. Depois, ligou o aparelho .
Gordon pensou. Concentrou sua mente na projeção de uma mensagem mental, ampliada pelo aparelho, para o passado, através do abismo do tempo dimensional, para a única mente com a qual estava sintonizado.
— Zarth Arn! Zarth Arn! Pode ouvir-me? Nenhuma resposta mental chegou ao seu cérebro. Repetiu inúmeras vezes o apelo, sem obter resposta.
Dúvida e preocupação começaram a angustiar Gordon. Tentou novamente, uma hora mais tarde, sem o menor sucesso. Hull Burrel olhava, confuso.
Então, passadas quatro horas, fez desesperadamente nova tentativa.
— Zarth Arn, pode ouvir-me? É John Gordon quem está chamando!
E, desta vez, fraca e longínqua, através do inimaginável abismo do tempo, chegou-lhe ao cérebro uma tênue resposta pensada.
— John Gordon! Meu Deus, há dias estou esperando e imaginando o que teria saído errado! Por que é o senhor e não Vel Quen a estabelecer o contato?
— Vel Quen morreu — respondeu Gordon, num rápido pensamento. — Foi morto por soldados da Liga, logo depois que cheguei a este tempo.
Passou a explicar, apressadamente.
— Houve uma guerra galáctica entre a Nuvem e o Império. Fui envolvido e não pude voltar para a Terra, a fim de chamá-lo e efetuarmos a troca de corpo. Tive que assumir sua identidade, sem nada dizer a ninguém, como lhe prometi. Um homem descobriu minha impostura, mas está morto e ninguém mais sabe.
— Gordon! — O pensamento de Zarth Arn revelava uma febril excitação. — Então vai cumprir o que me prometeu? Podia ter ficado aí, no meu corpo e posição, mas não quis?
Gordon respondeu-lhe:
— Zarth, penso que, seguindo o que Vel Quen me ensinou, posso executar a operação de transmissão da mente para voltarmos a trocar de corpos. Diga-me se é assim.
Repetiu para Zarth todos os detalhes da operação. A resposta mental de Zarth Arn foi rápida, confirmando a maioria das coisas e corrigindo algumas.
— É assim que deve ser feito... Estou pronto para a troca — disse Zarth Arn, finalmente. — Mas quem vai manejar o transmissor para o senhor, se Vel Quen está morto?
— Tenho um amigo aqui ao lado, Hull Burrel — respondeu Gordon. — Ele não tem idéia do que estamos fazendo, mas posso ensiná-lo como usar o transmissor.
Deixou de se concentrar e virou-se para o preocupado antariano, que estava parado, olhando.
— Hull, agora preciso de sua ajuda — disse Gordon. Mostrou os comutadores do transmissor de mentes.
— Quando eu der o sinal, o senhor torcerá estes comuta dores na seguinte ordem.
Hull Burrel ouviu cuidadosamente e depois sacudiu a cabeça em sinal de compreensão.
— É fácil. Mas o que vai acontecer ao senhor?
— Não lhe posso dizer, Hull. Mas nada de grave me acontecerá, prometo-lhe.
Apertou fortemente a mão do antariano. Depois, tornou a ajustar o capacete e novamente enviou o pensamento através do abismo.
— Está pronto, Zarth? Se está, darei o sinal a Hull.
— Estou pronto. E, Gordon, antes de dizer adeus... muito obrigado por tudo o que fez por mim, por sua lealdade ao compromisso assumido!
Gordon levantou a mão, dando o sinal. Ouviu Hull Burrel torcendo os comutadores. O transmissor zumbiu e Gordon sentiu sua mente ser atirada numa ruidosa escuridão. . .
A VOLTA DO VAGABUNDO DAS ESTRELAS
GORDON acordou lentamente. Sua cabeça doía e tinha um enervante sentimento de estranheza. Mexeu-se e depois abriu os olhos.
Encontrava-se num quarto familiar, numa cama familiar. Era o seu pequeno apartamento de Nova York, o mesmo quarto confortável que agora lhe parecia pequeno e acanhado. Vacilante, agarrou uma lâmpada e pulou da cama. Olhou-se no grande espelho do outro lado do quarto.
Era outra vez John Gordon! A figura forte, troncuda e morena de John Gordon olhava-o de volta, em vez do rosto aquilino e da alta estatura de Zarth Arn.
Correu para a janela e olhou os edifícios iluminados e as luzes piscantes de Nova York. Como lhe parecia pequena, acanhada e velha a cidade, agora que ainda tinha na mente a imagem dos fabulosos esplendores de Throon!
As lágrimas saltaram de seus olhos quando ergueu a cabeça para fitar o céu estrelado. A Nebulosa de Orion não passava de uma nevoenta estrela pendurada naquela gigantesca faixa de constelações. A Ursa Menor aparecia lá atrás, na direção do pólo. Logo acima dos telhados, piscava o olho branco de Deneb.
Não pôde, porém, ver Canopus, que estava abaixo do horizonte. Mas seus pensamentos dirigiam-se para lá, através do abismo do tempo e do espaço, para as feéricas torres de Throon.
— Lianna! Lianna! — suspirou, com as lágrimas correndo pelas faces.
Lentamente, com o passar da noite, Gordon controlou seus nervos para enfrentar o sofrimento que o acompanharia pelo resto da vida.
Intransponíveis golfos de tempo e de espaço o separavam da única mulher que amara. Não podia esquecer, nunca poderia esquecer. Mas tinha que viver a vida como ela era.
Foi, na manhã seguinte, ao escritório da grande companhia de seguros onde trabalhava. Lembrou-se, ao entrar, de que maneira o deixara, semanas antes, em brasas pela emoção de uma possível aventura.
O gerente, a quem Gordon estava subordinado, recebeu-o com a surpresa estampada no rosto.
— Gordon, já está se sentindo em condições de trabalhar? Isso me alegra!
Gordon percebeu imediatamente que Zarth Arn, no seu corpo, fingira doença para não revelar ser incapaz de fazer o trabalho dele.
— Já estou bom — disse Gordon. — E quero voltar a trabalhar.
Nos dias que se seguiram, o trabalho foi a única forma de Gordon esquecer seu desespero. Mergulhou nele como outros o fazem na bebida ou nas drogas. O trabalho impedia-o, por algumas horas, de lembrar.
Mas, de noite, lembrava-se. Ficava acordado, olhando pela janela as brilhantes estrelas que, para os olhos de sua mente, sempre seriam imensos sóis. E o rosto de Lianna flutuava diante dos seus olhos.
Seu chefe, dias depois, elogiou-o calorosamente.
— Gordon, eu temia que sua doença fosse diminuir sua capacidade de trabalho. Se continuar assim, breve será sub-gerente.
A idéia pareceu-lhe tão fora de propósito que teve vontade de dar gargalhadas. Ele, subgerente?
Ele que, como Príncipe da casa real do Império, se banqueteara com reis das estrelas, em Throon? Ele, que chefiara as hostes dos reinos na maior batalha ao largo de Deneb? Ele, que desencadeara a destruição da Nuvem e fendera o próprio espaço?
Mas não riu. Disse, tranqüilamente:
— Seria ótimo para mim, senhor.
E então, numa noite, semanas depois, ouviu novamente uma voz chamando de dentro de sua mente meio adormecida!
— Gordon! John Gordon!
Reconheceu imediatamente a chamada. Reconheceu a mente que o estava chamando. Reconheceria, mesmo depois da morte.
— Lianna!
— Sim, John Gordon, sou eu!
— Mas como pode chamar-me. . . como pôde saber.. .
— Zarth Arn me contou — interrompeu ela, ansiosasamente. — Contou-me a história toda, quando voltou para Throon. Contou-me que foi realmente o senhor que amei no corpo dele! Ele chorava quando me contou, John Gordon! Mal pôde falar quando soube tudo o que o senhor fez e o quanto se sacrificou pelo Império.
— Lianna. . . Lianna. . . — gritava a mente de Gordon através de inimagináveis profundezas. — Finalmente conseguimos nos despedir.
— Não, espere! — seu cristalino grito mental chegou até ele. — Não é preciso dizer adeus! Zarth Arn acredita que, assim como as mentes podem viajar através do tempo, também os corpos poderão, se os aparelhos forem aperfeiçoados. Está trabalhando nisso agora. Se ele tiver sucesso, quer vir para mim. . . o senhor, John Gordon, no seu corpo físico?
A esperança surgiu nele como a chama das cinzas. Sua resposta foi um trêmulo pensamento.
— Lianna, eu iria nem que fosse para ficar um só instante com a senhora!
— Pois espere nosso aviso, John Gordon! Zarth Arn vai conseguir breve e, então, o chamaremos!
Uma buzina de automóvel. . . e Gordon acordou com a ansiosa vibração daquele longínquo pensamento desaparecendo de seu cérebro.
Sentou-se, trêmulo. Teria sonhado? Teria?
— Não! — gritou, rouco. — Foi real. Sei que foi real. Caminhou para a janela e olhou, por cima das luzes de Nova York, para o grande esplendor da Galáxia no céu.
Mundos de reis das estrelas, muito longe, muito além das profundezas do infinito e da eternidade... ele queria voltar para lá!
Voltar para lá e para aquela filha de um rei das estrelas, cujo amor o chamara por cima do espaço e do tempo.
Edmond Hamilton
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