Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
O REI DE FERRO
—Vamos! — Eu gritei, puxando meu braço livre e tentando agarrar os olhos do príncipe. —Meu irmão está lá fora! Tenho que salva-lo!
—Você nem sequer sabe onde ele está. — Ash agarrou meu pulso livre e o prendeu em seu peito. Olhos prateados brilharam dentro dos meus enquanto ele me sacudia apenas uma vez. —Me escute! Se você for até lá atacar sem um plano, você matará a todos nós, e seu irmão morrerá. É isso o que você quer?
—Não. — Eu sussurrei, toda a luta estava fora do meu alcance. Com a respiração fraca, olhei pra ele e enxuguei meus olhos. —Desculpe.— Disse sem jeito. —Estou bem agora. Não vou surtar mais, prometo.
Ash ainda segurava minha mão. Gentilmente, eu tentei solta-la, mas ele não deixou. Eu olhei pra cima e vi seu rosto a centímetros do meu. Meu coração deu uma parada, então ele começou mais alto e mais rápido que antes. O príncipe estava sem expressão, seu rosto ou seus olhos nada demonstravam, mas seu corpo sim.
Passei a língua pelos meus lábios e sussurrei: —É agora que você diz que vai me matar?
Um canto de seu lábio se enrugou. —Se você quiser.— Ele murmurou. Uma chama de satisfação passou pelo seu rosto. —Embora isso seja muito mais interessante, do que mata-la.
O Fantasma no Computador
Dez anos atrás, no meu sexto aniversário, meu pai desapareceu.
Não. Ele não me deixou. Deixar implica em malas e gavetas vazias, e cartões de aniversário atrasados com notas de dez dólares enfiadas dentro. Deixar implica em ele estar infeliz comigo e a minha mãe, ou que ele tivesse encontrado um novo amor em algum outro lugar. Nada disso era verdade. Ele também não tinha morrido, porque não ouvi nada a respeito. Não existia nenhuma batida de carro, nenhum corpo, nenhuma polícia misturada em uma cena de assassinato brutal. Tudo aconteceu muito silenciosamente.
No meu sexto aniversário, meu pai me levou no parque, um dos meus lugares favoritos naquela época. Era um parque solitário no meio do nada, com uma pista de corrida e um lago verde turvo cercado de pinheiros. Nós estávamos na borda do lago alimentando os patos quando escutei o som do caminhão de sorvete no estacionamento depois da colina. Quando implorei pro meu pai um picolé recheado[1], ele riu, me deu umas notas e mandou que eu fosse até o caminhão.
Foi a última vez em que o vi.
Mais tarde, quando a polícia fez uma busca na área, eles descobriram os sapatos do meu pai na beira da água, mas nada mais. Eles enviaram mergulhadores ao lago, mas o lago tinha apenas três metros de profundidade e eles nada acharam além de galhos e lama no fundo. Meu pai tinha desaparecido sem deixar rastro.
Meses depois, eu tinha pesadelos recorrentes sobre estar no topo da colina olhando meu pai andando dentro do lago, enquanto a água cobria sua cabeça, eu podia escutar o caminhão de sorvete tocando lá embaixo, uma música devagar e misteriosa com palavras que eu mal entendia. Contudo, todas as vezes em que eu tentava entender as palavras, eu acordava.
Não muito depois do desaparecimento do meu pai, minha mãe se mudou com a gente pra uma cidade caipira pequenininha no meio da baía de Louisiana. Minha mãe dizia que queria “começar de novo”, mas eu sabia que lá no fundo ela estava fugindo de alguma coisa.
Demorei outros dez anos para descobrir isso.
MEU NOME É MEGHAN CHASE. Em menos de vinte e quatro horas, eu terei dezesseis anos.
Doces dezesseis anos. Tem uma mágica que os cerca. Dezesseis é supostamente a idade que as meninas se tornam princesas, se apaixonam e vão para os bailes, formaturas e tal. Inúmeras histórias, músicas e poemas são escritos sobre essa maravilhosa idade, quando a garota encontra o verdadeiro amor, as estrelas brilham pra ela, e um príncipe lindo a leva para ver o pôr-do-sol.
Eu não pensei que seria desse jeito pra mim.
Na manhã anterior ao meu aniversário, acordei, tomei um banho, e vasculhei minha cômoda por alguma coisa pra vestir. Normalmente, eu agarrava qualquer coisa limpa do chão, mas hoje era especial. Hoje era o dia que Scott Waldron finalmente me notaria. Eu queria estar perfeita. Com certeza, meu guarda-roupa era, infelizmente, uma droga no departamento de roupas populares. Enquanto as outras garotas gastam horas em frente aos seus armários gritando “O que eu devo vestir?” minhas gavetas tinham basicamente três coisas: roupas para doar, roupas usadas e macacões.
Eu queria que não fôssemos tão pobres. Sei que ter uma fazenda de porcos não é um trabalho tão glamoroso, mas eu acho que minha mãe poderia, pelo menos, me dar uma calça jeans legal. Olhei com desgosto para o meu armário vazio. Acho que Scott terá que se impressionar com minha graça e charme naturais, se eu não fizer papel de idiota na frente dele.
Finalmente, eu vesti uma calça cargo, uma camisa verde, e meu único par de tênis velhos, antes de passar uma escova no meu cabelo louro-branco. Meu cabelo é liso e bem fino, e estava fazendo aquela coisa idiota de ficar voando. Que parecia que eu tinha enfiado meu dedo na tomada. Fiz um rabo de cavalo e desci as escadas.
Luke, meu padrasto, estava sentado à mesa, bebendo café e folheando um jornaleco da cidade, que parecia mais ser uma coluna de fofocas de escola, do que uma fonte de informação. “Bezerro com cinco patas nasce em fazenda de Patterson”, gritava na página principal, pra você ter uma idéia. Ethan, meu meio-irmão de quatro anos, estava sentado no colo do seu pai, comendo um Pop-Tart e deixando migalhas espalhadas em torno de Luke. Ele agarrou Floppy, seu coelhinho de pelúcia favorito, com um braço e de vez em quando tentava alimenta-lo com seu café da manhã. A cara do coelho estava cheia de migalhas e pedaços de frutas.
Ethan é uma boa criança. Ele tem os cabelos castanhos cacheados do seu pai, mas como eu, herdou os olhões azuis da mamãe. Ele é o tipo de criança que as velhinhas param pra brincar, sorriem de forma estranha e acenam do outro lado da rua. Mamãe e Luke mimam o bebê, mas isso não parece estraga-lo, graças à Deus.
—Onde está a mamãe? — Eu perguntei quando entrei na cozinha. Abrindo as portas do armário, Procurei por entre as caixas de cereal, uma que eu gostava, imaginando se minha mãe lembrou-se de comprar. Claro que ela não lembrou. Nada além de caixas de fibras e nojentos cereais de marshmalloow para Ethan. É tão difícil se lembrar de Cheerios[2]?
Luke me ignorou e tomou um gole de café. Ethan mordeu seu Pop-Tart e espirrou no braço do seu pai. Eu bati a porta do armário fazendo um barulho satisfatório.
—Onde está a mamãe? — Eu perguntei um pouco mais alto desta vez. Luke levantou sua cabeça e finalmente olhou pra mim. Seus preguiçosos olhos castanhos, como os de uma vaca, registraram uma leve surpresa.
—Oh, olá, Meg. — Ele falou calmamente. —Eu não escutei você entrar. O que você falou?
Suspirei e repeti a pergunta pela terceira vez.
—Ela tinha um encontro com algumas senhoras na igreja. — Luke murmurou, voltando para o seu jornal. —Ela não vai voltar nas próximas horas, então você vai ter que pegar um ônibus.
Eu sempre peguei ônibus, eu só queria lembrar a mamãe que ela tinha que me dar autorização pra dirigir neste final de semana. Com Luke, eu não tinha esperança. Eu poderia falar alguma coisa pra ele catorze vezes, que ele esqueceria no momento em que eu deixasse o local. Isso não significava que Luke era ruim, malicioso ou, mesmo, burro. Ele adorava Ethan, e mamãe parecia verdadeiramente feliz com ele. Mas, todas as vezes em que eu falava com meu padrasto, ele me olhava com uma verdadeira surpresa, como se ele esquecesse que eu morava aqui também.
Peguei um bagel[3] em cima da geladeira e o mordi mal-humorada, mantendo o olho no relógio. Beau, nosso pastor alemão, entrou e colocou sua cabeça grande em meu joelho. Eu o cocei atrás da orelha e ele gemeu. Pelo menos, o cachorro gostava de mim.
Luke levantou e gentilmente colocou Ethan de volta na cadeira. —Então, garotão. — Ele falou, beijando a cabeça de Ethan. —O papai tem que consertar a pia do banheiro, então você sente aí e seja bonzinho. Quando eu terminar, nós vamos dar comida aos porcos, tudo bem?
—Tá bem. — Ethan falou com a vozinha fina, balançando as perninhas gorduchas. —Floppy quer ver se a Sra. Daisy já teve seus bebês.
O sorriso de Luke era tão nojentamente orgulhoso que me senti enjoada.
—Ei, Luke. — Eu disse enquanto ele se virava pra sair. —Aposto que você não adivinha que dia é amanhã.
—Hum? — Ele nem se virou. —Eu não sei, Meg. Se você tiver planos pra amanhã, fale com sua mãe. — Ele estalou seus dedos e Beau, imediatamente, me deixou e o seguiu. O som dos seis passos foram diminuindo nas escadas em que fiquei sozinha com meu meio irmão.
Ethan chutou o ar, me olhando com seu jeito solene. —Eu sei. — Ele anunciou suavemente, colocando seu Pop—Tart na mesa. —Amanhã é o seu aniversário. Não é? Floppy me disse e lembrei.
—É. — Eu falei, virando e arremessando o bagel na lixeira. Ele bateu na parede como um murro e caiu dentro dela, deixando uma macha de gordura na pintura. Eu dei um risinho e decidi sair.
—Floppy falou pra eu te dizer feliz aniversário antecipado.
—Agradeça ao Floppy. — Eu baguncei o cabelo de Ethan e deixei a cozinha, meu humor estava completamente azedo. Eu sabia disso. Minha mãe e Luke tinham esquecido completamente que meu aniversário era amanhã. Eu não teria um cartão, ou um bolo, ou nem mesmo um “feliz aniversário” de ninguém. Exceto do estúpido coelho de pelúcia do meu irmão. O quanto isso era patético?
De volta ao meu quarto, agarrei alguns livros, trabalho de casa, roupas de ginástica e o iPod que eu levei um ano economizando pra comprar, apesar do desdém de Luke por aqueles “dispositivos de entorpecimento da mente”.
De acordo com a moda caipira verdadeira, meu padrasto desgosta e desconfia de qualquer coisa que poderia fazer a vida fácil. Celular? De jeito nenhum, nós temos uma perfeita e boa linha telefônica. Vídeo games? Eles são ferramentas do mal, transformando as crianças em delinqüentes e serial killers. Eu implorei à minha mãe várias vezes pra me comprar um laptop pra escola, mas Luke insiste que o seu PC antiquado e esquisito é bom pra ele e pra família. Nunca se importa que a conexão dial-up fique discando uma eternidade. Quero dizer, quem ainda usa uma conexão dial-up?
Olhei meu relógio e xinguei. O ônibus já estava chegando e eu tinha uns bons dez minutos andando até a estrada principal. Olhando pela janela, vi que o céu estava cinza e pesado com nuvens de chuva, então agarrei a jaqueta também. E, não era a primeira vez, que eu estava desejando morar perto da cidade. Eu jurei, quando tirasse a carteira de motorista, que eu nunca mais voltaria para esse lugar.
—Meggie? — Ethan rondava no caminho da porta, segurando seu coelho debaixo do queixo. Seus olhos azuis me olhavam sombriamente. —Posso ir com você hoje?
—O quê? — Dando de ombros dentro de minha jaqueta, eu o olhei por minha mochila. —Não, Ethan. Estou indo pra escola agora. Escola pra crianças grandes, não é permitido crianças pequenas. — Eu virei pra ir e senti dois bracinhos enrolados na minha perna. Apoiando minha mão na parede pra não cair, eu olhei pro meu meio irmão. Ethan estava agarrado em mim obstinadamente, seu rosto inclinado me olhando, com sua mandíbula cerrada. —Por favor? — Ele implorou. —Eu vou ser bonzinho, eu prometo. Me leva com você? Só hoje?
Com um suspiro, abaixei e o peguei no colo.
—O que foi, pequenino? — Eu perguntei, tirando seu cabelo dos olhos. Mamãe precisaria corta-lo logo, estava começando a parecer um ninho de passarinho. —Você está terrivelmente pegajoso esta manhã. O que está acontecendo?
—Medo. — Ethan falou, enterrando seu rosto no meu pescoço.
—Você está com medo?
Ele balançou a cabeça. —Floppy está com medo.
—Do que Floppy está com medo?
—Do homem no armário.
Eu senti um pequeno calafrio subindo pelas minhas costas. Às vezes, Ethan ficava tão quieto e sério que era difícil lembrar que ele só tinha quatro anos. Ele ainda tinha medos infantis de monstros embaixo da cama, e homem espantalho no armário. No mundo de Ethan, animais de pelúcia falavam com ele, homens invisíveis acenavam pra ele dos arbustos, e criaturas assustadoras batiam longas unhas contra a janela do seu quarto. Ele raramente ia até a mamãe ou Luke com histórias de monstros e homens espantalhos, desde quando ele começou a andar sozinho, ele sempre vinha à mim.
Eu suspirei sabendo que ele queria que eu fosse até lá em cima e checasse, para garantir pra ele que nada se escondia em seu armário ou debaixo da cama. Eu mantinha uma lanterna na sua cômoda por isso mesmo.
Lá fora, relampejava e o trovão ressoava à distância. Eu estremeci. Minha caminhada até o ponto de ônibus não iria ser nada agradável.
Droga! Eu não tenho tempo pra isso.
Ethan se jogou pra trás e olhou pra mim com os olhos implorando. Eu suspirei de novo. —Tudo bem. — Eu falei colocando—o no chão. —Vamos procurar os monstros.
Ele me seguiu silenciosamente pelas escadas, observando ansiosamente enquanto eu agarrava a lanterna e ficava de joelhos, iluminando embaixo da cama. —Nenhum monstro aqui. — Eu falei e levantei. Andei até o armário e abri a porta, enquanto Ethan espiava por trás das minhas pernas. —Nenhum monstro aqui também. Eu acho que você vai ficar bem agora.
Ele concordou e me deu um sorriso fraco. Eu comecei a fechar a porta quando eu notei um chapéu cinza estranho no canto. Tinha um formato redondo no topo, com um aro circular e uma faixa vermelha ao redor da base: um chapéu de feltro.
Estranho. Por que estava lá?
Enquanto eu me endireitei e comecei a virar, alguma coisa se moveu no canto do meu olho. Eu tive uma visão rápida de uma figura se escondendo atrás da porta do quarto de Ethan, seus olhos claros estavam me olhando pela fresta da porta. Eu virei minha cabeça, mas claro que não havia nada lá.
Jesus, agora Ethan me pegou vendo monstros imaginários. Eu preciso parar de assistir aqueles filmes de terror tarde da noite.
Uma explosão estrondosa que veio diretamente em cima de mim me fez pular, e gotas grossas espirraram contra as vidraças. Deixando Ethan pra trás, eu voei pra fora de casa, e desci a rua correndo.
EU ESTAVA ENCHARCADA QUANDO CHEGUEI ao ponto de ônibus. A tardia chuva de primavera não estava gelada, mas estava fria o bastante para ficar desconfortável. Eu cruzei meus braços e aconcheguei—me sob um cipreste musgoso, esperando o ônibus chegar.
Imaginando: onde Robbie está? Eu pensei, olhando a estrada. Ele normalmente está por aqui nesse horário. Talvez ele não esteja com vontade de ficar molhado e ficou em casa. Eu bufei e rolei os olhos. Matando aula de novo, hum? Preguiçoso. Eu queria poder fazer isso.
Só se eu tivesse um carro. Eu conhecia garotos que ganharam carros dos pais nos seus aniversários de dezesseis anos. Pra mim, eu seria sortuda se ganhasse uma torta. A maioria dos meus colegas de aula tinham habilitação e podiam dirigir sozinhos para as boates, festas, qualquer lugar que eles queiram. Eu era sempre deixada para trás, a garota caipira lerda que ninguém queria convidar.
Exceto Robbie, me corrigi com uma encolhida de ombros mental. Pelo menos Robbie iria lembrar. Fico pensando: que maluquice ele está planejando pro meu aniversário amanhã? Eu poderia quase garantir que seria alguma coisa estranha e maluca. No último ano, ele me tirou de casa para um piquenique à meia noite na floresta. Foi estranho. Lembro-me do vale e do lago pequeno com vaga-lumes sobrevoando em cima. Mas, embora eu tenha explorado a floresta atrás de minha casa inúmeras vezes desde então, eu nunca mais o encontrei.
Algo fez barulho nos arbustos atrás de mim. Um gambá ou um veado, ou mesmo uma raposa, procurando abrigo da chuva. A vida selvagem aqui era estupidamente ousada e tinha pouco medo dos humanos. Se não fosse pelo Beau, a horta da mamãe seria um banquete para coelhos e veados, e a família de guaxinins local se supriria com tudo dos nossos armários.
Um ramo estalou nas árvores, mais perto desta vez. Mudei incomodada, determinada a não virar por algum esquilo ou guaxinim estúpido. Eu não sou como Angie “peitos-inflados”, Srta Líder de Torcida Perfeita, que iria pirar se visse um roedor engaiolado ou um grão de sujeira em seu jeans Hollister[4]. Eu já acampei no feno, matei ratos e conduzi porcos através da lama até os joelhos. Animais selvagens não me assustam.
Ainda olhava para estrada na esperança de ver o ônibus virando a esquina. Talvez fosse a chuva ou minha própria imaginação doente, mas a floresta parecia o cenário do filme A Bruxa de Blair[5].
Não tem lobos nem assassinos em série aqui fora, eu disse a mim mesma. Deixe de ser paranóica.
A floresta estava de repente muito quieta. Eu me inclinei contra a árvore e tremi, desejando que o ônibus aparecesse. Um arrepio correu pelas minhas costas. Eu não estava sozinha. Com cuidado, estiquei meu pescoço pra cima, espiando através das folhas. Um enorme pássaro preto estava empoleirado em um galho, as penas apontavam contra a chuva, sentado imóvel como uma estátua. Enquanto eu o observava, ele se virou e encontrou meu olhar, seus olhos eram tão verdes quanto um vidro colorido.
E então, alguma coisa alcançou a árvore e me agarrou.
Eu gritei e saltei longe, com meu coração martelando nos meus ouvidos. Dando a volta, fiquei tensa e comecei a correr, minha mente estava repleta de estupradores, assassinos e Leatherface do Massacre da Serra Elétrica[6].
Uma gargalhada explodiu atrás de mim.
Robbie Goodfell, meu vizinho mais próximo — o que quer dizer que ele vivia a pelo menos duas milhas de distância — largado contra o tronco da árvore, ofegante de tanto rir. Alto e esguio, com um jeans rasgado e uma velha camisa de malha, ele parou para olhar o meu rosto pálido, antes de gargalhar novamente. Seus cabelos vermelhos espetados estavam colados em sua testa e suas roupas estavam agarradas em sua pele, enfatizando que sua estrutura magra, ossuda, bem como seus membros, não se encaixavam muito bem. Estar encharcado e coberto de galhos, folhas e lama não pareciam incomodá-lo. Poucas coisas o faziam.
—Droga, Robbie! — Eu me enfureci, batendo os pés e dando um chute nele. Ele se esquivou e cambaleou para a estrada com o rosto vermelho de tanto rir. “Isso não foi engraçado, seu idiota. Você esteve perto de me matar do coração.”
—Dês-Desculpa, princesa. — Robbie ofegou, apertando seu coração enquanto ele puxava o ar. —Isso foi perfeito. — Ele deu uma última gargalhada e se endireitou, segurando suas costelas. —Cara, isso foi impressionante. Você deve ter pulado um metro do chão. O que você pensou que eu era, Leatherface ou alguma coisa assim?
—Claro que não, estúpido. — Eu me virei com uma bufada para esconder meu rosto queimando. —E você, pare de me chamar assim! Eu não tenho mais dez anos.
—Claro, princesa.
Eu virei meus olhos. —Alguém já te disse que tem a maturidade de uma criança de quatro anos de idade?
Ele riu alegremente. —Olha quem está falando? Não sou eu que fico a noite toda acordado com as luzes acesas assistindo O Massacre da Serra Elétrica. Eu tentei avisar você. — Ele fez uma careta grotesca e cambaleou em minha direção com os braços esticados. —Ooooh, veja só, é o Leatherface.
Eu fiz uma cara feia e chutei água nele. Ele chutou um pouco de água para trás, rindo. Quando o ônibus apareceu poucos minutos depois, estávamos cobertos de lama, ensopados, e o motorista do ônibus nos falou pra sentarmos no fundo.
—O que você vai fazer depois da escola? — Robbie perguntou enquanto nos amontoávamos no banco do fundo. Em torno de nós, os alunos conversavam, brincavam, riam, e geralmente não prestavam nenhuma atenção em nós. —Quer tomar um café depois? Ou poderíamos dar uma escapada e ir ao cinema assistir um filme.
—Hoje não, Rob. — Eu respondi, tentando torcer a água da minha camisa. Agora que tudo acabou, eu lamentei a nossa pequena batalha de lama. Eu estaria parecendo O Monstro da Lagoa Negra[7] na frente do Scott. —Você terá que escapar sem mim desta vez. Eu darei tutoria para uma pessoa depois da aula.
Os olhos verdes de Robbie se estreitaram. —Tutoria para alguém? Quem?
Meu estômago se agitava, e eu tentei não sorrir. —Scott Waldron.
—O quê? — O lábio de Robbie se curvou em uma careta de desgosto. —Aquele coquilha[8]? Por que, ele precisa de você para ensina-lo a ler?
Eu fiz uma cara feia para ele. —Só porque ele é o capitão da equipe de futebol não significa que você pode ser um idiota com ele. Ou você está com ciúmes?
—Oh, é claro que é isso. — Robbie disse com desprezo. —Eu sempre quis um QI de uma pedra. Não, espera. Isso seria um insulto com a pedra. — Ele bufou. —Eu não posso acreditar que você está indo por causa daquele coquilha. Você pode fazer muito melhor, princesa.
—Não me chame assim. — Eu me virei para esconder o rosto vermelho. —É só uma sessão de tutoria. Ele não vai me convidar pro baile de formatura. Jesus.
—Tá certo. — Robbie não parecia estar convencido. —Ele não vai, mas você tem esperança que ele vá. Admita. Você está babando por ele como toda líder de torcida sem-nada-na-cabeça do campus.
—E se eu estiver? — Eu falei irritada, me virando. —Isso não é da sua conta, Rob. Por que você se incomoda?
Ele ficou muito quieto, balbuciando alguma coisa não inteligível enquanto suspirava. Eu virei de costas e fiquei olhando pela janela. Eu não me importava com o que Robbie disse. Esta tarde, durante uma gloriosa hora, Scott Waldron seria só meu, e ninguém iria me distrair disso.
A AULA SE ARRASTOU. TUDO QUE OS PROFESSORES falavam parecia sem sentido e os relógios pareciam estar voltando no tempo. A tarde se arrastou em um torpor. Finalmente, finalmente, o último sinal tocou me liberando da tortura sem fim dos problemas de X igual a Y.
Hoje era o dia, eu disse a mim mesma enquanto manobrava pelos corredores lotados, mantendo-me à uma distância mínima da massa fervilhante. O tênis molhado guinchava sobre azulejo, e o miasma de suor, cigarro, e odor corporal pesava no ar. O nervosismo vibrava dentro de mim. Você pode fazer isso. Não pense nisso. Basta entrar e acabar com isso.
Os alunos se esquivavam, eu fiz meu caminho pelo corredor e olhei dentro da sala dos computadores. Ali estava ele, sentado em uma das cadeiras e com os dois pés em cima de uma outra cadeira. Scott Waldron, capitão do time de futebol. Belíssimo Scott. O Rei-da-escola Scott. Ele vestia uma jaqueta esportiva vermelha e branca que mostrava seu peito largo e seu cabelo cheio, loiro escuro, e escovado que chegava na gola.
Meu coração batia forte. Uma hora inteira na mesma sala com Scott Waldron, com ninguém em nosso caminho. Normalmente, eu não poderia nem chegar perto do Scott, ele estava sempre cercado por Angie e suas tietes líderes de torcida, ou seus amigos do futebol. Tinham outros estudantes no laboratório de informática conosco, eram nerds ou monitores, mas eram inferiores para Scott Waldron notar. Os atletas e as líderes de torcidas não seriam capturados e mortos aqui, se eles pudessem evitar. Eu respirei fundo e entrei na sala.
Ele não olhou pra mim enquanto caminhei até ficar ao seu lado. Ele descansava na cadeira com os pés para cima e a cabeça para trás, jogando uma bola invisível através sala. Eu limpei minha garganta. E nada. Eu tentei mais alto. Nada ainda.
Agarrando a minha coragem, eu fiquei em frente a ele e acenei. Seus olhos cor de café finalmente se levantaram e olharam pra mim. Por um momento, ele olhou assustado. Em seguida, uma sobrancelha subiu em um arco preguiçoso, como se ele não conseguisse entender por que eu queria falar com ele.
Uh—oh. Fala alguma coisa, Meg. Algo inteligente.
—Um… — Eu gaguejei. —Oi, Eu sou Meghan. Eu sento atrás de você. Na aula de informática. — Ele ainda estava me dando aquele olhar vazio, e eu senti minhas bochechas ficarem quentes. —Uh... Eu realmente não assisto muito a esportes, mas eu acho você um fantástico quarterback[9], não que eu tenha visto muito — bem, só vi você, pra falar a verdade. Mas você realmente parece que sabe o que está fazendo. Eu vou a todos os seus jogos, então. Geralmente fico muito no fundo, então você provavelmente não me vê. — Oh, Deus. Cale a boca, Meg. Cale a boca agora. Eu segurei a minha boca fechada para impedir a tagarelice incessante, queria cavar um buraco e morrer. O que eu estava pensando, concordando com isso? Melhor ser invisível que parecer uma idiota total e completa, especialmente na frente de Scott.
Ele piscou preguiçosamente, olhou pra cima e tirou os fones do ouvido. —Desculpe-me, babe[10]. — Ele falou demoradamente com sua voz profunda e maravilhosa. —Eu não te escutei. — Ele me olhou outra vez e sorriu. —É você quem será minha tutora?
—Hum, sim. — Eu me estiquei e me endireitei juntando meus pedaços de dignidade remanescentes. —Eu sou Meghan. O Sr. Sanders me pediu para ajudá-lo com seu projeto de programação.
Ele continuou com aquele sorrisinho bobo pra mim. —Você não é aquela garota caipira que vive no pântano? Você sabe mesmo o que é um computador?
Meu rosto inflamou e meu estômago se contraiu numa pequena bola apertada. Ok, eu não tinha um grande computador em casa. Por isso que eu passava a maior parte do meu tempo depois da escola aqui no laboratório, fazendo o trabalho de casa ou só navegando na internet. De fato, eu tinha esperanças de me tornar ITT Tech[11] em alguns anos. Programação e Web design era fácil pra mim. Eu sabia como trabalhar num computador, droga.
Mas diante da crítica de Scott, eu só consegui gaguejar: —Sim, eu sei. Quero dizer, eu sei bem. — Ele me deu um olhar de dúvida, e eu senti a picada de orgulho ferido. Eu tinha que provar pra ele que eu não era a caipira atrasada que ele pensava. —Aqui, vou mostrar pra você. — Eu ofereci e alcancei o teclado sobre a mesa.
Então, alguma coisa estranha aconteceu.
Eu nem tinha tocado as teclas quando a tela do computador ligou. Quando eu parei, meus dedos parados sobre o teclado, as palavras começaram a rolar na tela azul.
Meghan Chase. Nós vemos você. Nós iremos buscar você.
Eu gelei. As palavras continuaram aquelas três frases, de novo e de novo. Meghan Chase. Nós vemos você. Nós iremos buscar você. Meghan Chase. Nós vemos você. Nós iremos buscar você. Meghan Chase. Nós vemos você. Nós iremos buscar você… outras vezes, até encher a tela completamente.
Scott inclinou a cadeira pra trás olhando pra mim e, em seguida, pro computador. —O que é isso? — Perguntou irritado. —Que merda você está fazendo, sua louca? — Empurrando-o pro lado, eu sacudi o mouse, apertei o ESC, e pressionei Ctrl/Alt/Del para parar as frases intermináveis. Nada adiantou.
De repente, sem qualquer aviso, as palavras pararam e a tela ficou em branco por um tempo. Então, em letras garrafais, uma outra mensagem começou a aparecer.
SCOTT WALDRON ESPREITA OS GAROTOS NO VESTIÁRIO, KKKKK[12].
Eu suspirei. A mensagem começou a rolar nas telas de todos os computadores, fazendo seu caminho ao redor da sala, e eu sem conseguir pará-la. Os estudantes nas outras mesas pararam, ficaram um tempo chocados e, então, começaram a apontar e rir.
Eu podia sentir o olhar de Scott como uma faca em minhas costas, me virei e o achei olhando-me com o peito arfante. Seu rosto estava vermelho, provavelmente com raiva ou vergonha, ele apontou um dedo na minha direção.
—Você acha que isso é engraçado, garota do pântano? Você acha? Espera só. Eu vou te mostrar o que é engraçado. Você só cavou sua própria sepultura, vadia.
Ele saiu da sala com o eco das gargalhadas o seguindo. Uns poucos estudantes me deram sorrisos, aplausos e sinais de que gostaram[13]; um deles até piscou pra mim.
Meus joelhos estavam tremendo. Eu me larguei numa cadeira e dei um olhar vazio para tela do computador, que de repente desligou, levando a mensagem ofensiva com ela, mas o estrago já estava feito. Meu estômago doía, e eu tinha uma sensação de dor no fundo dos meus olhos.
Enterrei meu rosto nas minhas mãos. Estou morta. É isso, o jogo acabou, Meghan. Fiquei imaginando: minha mãe me deixará mudar para um internato no Canadá?
Um sorriso fraco interrompeu meus pensamentos desolados e eu levantei a cabeça.
Agachada em cima do monitor, silhueta negra contra a janela aberta, era uma pequena, coisa disforme. Comprida e emagrecida, tinha braços longos, finos e enormes orelhas de morcego. Os olhos verdes em fenda me olhavam por cima da mesa, brilhando com inteligência. Ela forçou um sorriso, mostrando a boca cheia de dentes pontiagudos que brilhou com a luz neon azul, antes de desaparecer, como uma imagem na tela do computador.
Sentei lá um tempo, olhando para o lugar onde a criatura estava, minha mente girava em várias direções de uma vez só. Ok. Ótimo. Não basta Scott me odiar, eu estou começando a ter alucinações também. Meghan Chase, vítima de um colapso nervoso um dia antes de completar dezesseis anos. Basta me enviar para o hospício, porque tenho certeza que não vou sobreviver mais um dia na escola.
Me arrastando pelo corredor, eu cambaleava como um zumbi.
Robbie esperou por mim nos armários, com uma garrafa de refrigerante em cada mão. —Ei, princesa. — Ele me cumprimentou enquanto eu andava com dificuldade. —Você saiu cedo. Como foi a sessão de tutoria?
—Não me chame assim. — Eu falei baixo batendo minha testa no meu armário. —E a sessão de tutoria foi fabulosa. Por favor, me mate agora.
—Que bom, hum? — Ele me jogou um refrigerante diet, que eu mal peguei e ele abriu sua root beer[14] torcendo a tampinha fazendo um barulho de espuma. Eu podia ouvir o sorriso em sua voz. —Bem, eu acho que eu poderia dizer ‘Eu te avisei’.
Eu dei um olhar afiado pra ele, desafiando-o a continuar.
O sorriso sumiu do seu rosto. —Mas... não vou dizer. — Ele franziu os lábios, tentando não sorrir. —Por que...isso seria errado.
—O que você está fazendo aqui? — Eu questionei. —Todos os ônibus já saíram agora. Você estava escondido pelo laboratório de informática, como se fosse um perseguidor assustador?
Rob tossiu alto e tomou um longo gole de sua root beer. —Ei, eu estava pensando, — ele continuou brilhantemente, —o que você vai fazer no seu aniversário amanhã?
Me esconder no meu quarto, com as cobertas sobre a cabeça, eu pensei, mas dei de ombros e puxei para abrir meu armário enferrujado. —Não sei. Qualquer coisa. Eu não tenho nada planejado. — Agarrei meus livros, entulhei—os na bolsa, e bati a porta do armário. —Por quê?
Robbie me deu aquele sorriso que sempre me deixa nervosa, um sorriso que se estendia pelo rosto inteiro, que fazia seus olhos se estreitarem em fendas verdes. —Eu tenho uma garrafa de champanhe que consegui roubar da adega. — Ele falou baixinho, agitando as sobrancelhas. —O que você acha de ir para o nosso lugar amanhã? Nós podemos comemorar seu aniversário em grande estilo.
Eu nunca bebi champanhe. Eu tentei um gole de cerveja do Luke uma vez e achei que iria vomitar. Mamãe às vezes traz vinho em caixa, e não é tão ruim, mas não sou muito boa consumidora de álcool.
—Que inferno? Você só faz dezesseis anos uma vez, certo?
—Claro. — Eu disse pra Robbie e dei uma resignada encolhida de ombros. —Parece legal. Poderia ser um arraso.
Ele inclinou a cabeça para mim. —Você está bem, princesa?
O que eu poderia dizer pra ele? Que o capitão do time de futebol, o qual eu tinha uma queda à dois anos, estava fora do meu alcance, que eu estava vendo monstros toda hora, e que os computadores da escola estavam hackeados ou possuídos? É, certo. Eu não teria a simpatia do maior brincalhão da escola. Conhecendo Robbie, ele pensaria que isso era uma brilhante piada e iria me parabenizar. Se eu não o conhecesse tão bem, eu poderia até pensar que foi ele quem armou isso.
Eu só dei um sorriso cansado e acenei. —Estou bem. Vejo você amanhã, Robbie.
—Nos vemos, então, princesa.
Mamãe estava atrasada pra me pegar de novo. A sessão de tutoria deveria durar uma hora, mas sentei na calçada, na chuva fina, por uma outra boa meia hora, contemplando minha vida miserável e assistindo o entrar e sair do estacionamento. Finalmente, seu carro azul virou a esquina e parou em minha frente. O banco da frente estava cheio com bolsas de doces e jornais, então entrei na parte de trás.
—Meg, você está encharcada. — Minha mãe gritou olhando no retrovisor. —Não sente no estofado, pegue uma toalha ou qualquer coisa. Você não trouxe um guarda-chuva?
Bom te ver também, mãe. Eu pensei, emburrada, agarrei um jornal do chão e coloquei-o no banco. Não... “como foi seu dia?” ou “desculpe pelo atraso”. Eu deveria ter largado a estúpida sessão de tutoria com Scott e ter pego o ônibus pra casa.
Fomos em silêncio. As pessoas costumavam dizer que eu me parecia com ela, isso é, antes de Ethan chegar e ser o novo centro das atenções. A partir desse dia, eu não sei onde eles viam semelhança. Mamãe é uma daquelas mulheres que parece normal com um terninho e salto alto. E eu gosto de calças cargo largas e tênis. O cabelo da mamãe cai em grossos cachos dourados. O meu é mole e fino, quase prata se pegar a luz direito. Ela parece suntuosa, graciosa e esbelta, eu só pareço magra.
Mamãe poderia ter casado com qualquer um no mundo — uma estrela de cinema, um magnata dos negócios — mas ela escolheu Luke o fazendeiro de porcos e sua fazendinha pobre que mal se sustenta. Que me lembra...
—Ei, Mãe. Não esquece que você tem que me dar a permissão pra dirigir neste final de semana.
—Oh, Meg. — Minha mãe suspirou. —Eu não sei. Eu tenho tanto trabalho nesta semana e seu pai quer eu o ajude a consertar o celeiro. Talvez na próxima semana.
—Mãe, você prometeu!
—Meghan, por favor. Eu tive um dia difícil. — Mamãe suspirou de novo e olhou pra mim pelo retrovisor. Seus olhos estavam vermelhos e marcado com máscara de cílios escorrida. Eu me mexi desconfortável. Minha mãe estava chorando?
—O que foi? — Eu perguntei cuidadosamente.
Ela hesitou. —Houve um …acidente em casa. — Ela começou, e sua voz fez minha barriga se contorcer. —Seu pai teve que levar o Ethan para o hospital nesta tarde. — Ela parou de novo, piscou rapidamente e soltou o ar. —Beau o atacou.
—O quê? — Meu desabafo a fez começar. Nosso pastor alemão? Atacando Ethan? —O Ethan está bem? — Perguntei, sentindo meu estômago se retorcer de medo.
—Sim. — Mamãe me deu um sorriso cansado. —Muito abalado, mas nada sério, graças à Deus.
Eu suspirei em sinal de alívio. —O que aconteceu? — Eu perguntei, ainda incapaz de acreditar que nosso atual cachorro atacou um membro da família. Beau adorava Ethan, ele até ficava chateado se alguém desse uma bronca em Ethan. Eu tinha visto Ethan agarrar o pêlo, as orelhas, o rabo, e o cachorro apenas respondia com uma lambida. Eu tinha visto Beau pegar a manga de Ethan e gentilmente o puxar pra dentro de casa, pra longe da estrada. Nosso pastor alemão poderia ser o terror dos esquilos e veados, mas eu nunca o vi mostrar os dentes para ninguém em casa. —Por que Beau ficou doido assim?
Mamãe sacudiu a cabeça. —Eu não sei. Luke viu Beau subir correndo as escadas e então escutou Ethan gritar. Quando ele chegou ao quarto, ele achou o cachorro arrastando Ethan pelo chão. Seu rosto estava todo arranhado e tinha marcas de mordida no seu braço.
Meu sangue correu frio. Eu vi Ethan sendo maltratado, imaginando seu terror quando nosso fiel cachorro se virou contra ele. Isso é tão difícil de acreditar, como se fosse alguma coisa de um filme de horrores. Eu sabia que mamãe estava tão surpresa quanto eu. Ela confiava completamente em Beau.
Minha mãe ainda estava se segurando. Eu poderia dizer que era pela forma que ela apertava seus lábios fechados. Tinha alguma coisa que ela não tinha me falado e eu tinha medo de descobrir o que era.
—O que aconteceu com Beau?
Seus olhos se encheram de lágrimas e meu coração afundou. —Nós não podemos ter um cachorro perigoso rondando, Meg. — Ela falou e eu ouvi, compreendendo o fundamento da questão. —Se o Ethan perguntar, diga que achamos uma outra casa pro Beau. — Ela deu um suspiro profundo e agarrou firme o volante, sem olhar pra mim. —É para a segurança da família, Meghan. Não culpe seu pai. Mas, depois que Luke trouxe Ethan pra casa, ele levou Beau para o lago.
A música da condenação
O jantar estava tenso naquela noite. Eu estava furiosa com meus pais: com Luke por ter feito e com a mamãe por ter permitido. Eu me recusei a falar com os dois. Mamãe e Luke conversavam sobre coisas sem importância, triviais, e Ethan estava sentado, agarrado com Floppy, em silêncio. Era estranho não ter Beau andando em volta da mesa, como ele sempre fazia, procurando pelas migalhas. Eu pedi licença pra sair mais cedo, e fui para o meu quarto, batendo a porta atrás de mim.
Eu me larguei na cama, lembrando das vezes que Beau tinha se enrolado aqui comigo, uma presença sólida e quente. Ele nunca pediu nada pra ninguém, feliz só por estar perto, tendo certeza que seus protegidos estavam seguros. Agora que ele tinha ido, a casa parecia mais vazia.
Eu queria poder conversar com alguém. Eu queria ligar pro Robbie e falar sobre essa injustiça toda, mas seus pais, que eram mais retrógrados do que os meus, não tinham telefone, ou mesmo computador. Falando sobre viver na Idade das Trevas, Rob e eu fazíamos nossos planos na escola, ou às vezes, ele só aparecia do lado de fora da minha janela, tendo andado três quilômetros até a minha casa. Isso era um saco, às vezes, eu pretendia consertar isso quando eu pegasse meu próprio carro. Minha mãe e Luke não poderiam me manter numa bolha, isolada do mundo, pra sempre. Talvez nossa próxima grande compra fosse celulares para nós duas, e que se lixe o que Luke pensa sobre isso. Toda essa coisa de “tecnologia do mal” estava ficando meio velho.
Eu falaria com Robbie amanhã. Eu não poderia fazer isso hoje à noite. Além disso, o único telefone que tinha na minha casa é a linha da cozinha, e eu não queria desabafar sobre a estupidez dos adultos com eles estando no mesmo ambiente. Isso seria muito atrevimento.
Escutei uma tímida batida na porta, e Ethan colocou a cabeça pra dentro, pra espiar.
—Ei, pequenino. — Eu sentei na cama, limpando umas poucas lágrimas. Um Band-Aid de dinossauro cobria sua testa, e seu braço direito estava enrolado em uma gaze. —O que está acontecendo?
—Mamãe e papai mandaram Beau embora. — Seu lábio inferior tremeu, e ele soluçou, enxugando os olhos no pêlo do Floppy. Eu suspirei e bati na cama.
—Eles precisaram fazer isso. — Expliquei enquanto ele subiu na cama, e se aninhou em meu colo, com coelho e tudo. —Eles não queriam que o Beau te mordesse de novo. Eles estavam com medo que você se machucasse.
—Beau não me mordeu. — Ethan me olhou com os olhos arregalados e cheio de lágrimas. Eu vi o medo neles e uma compreensão que vai além da sua idade. —Beau não me machucaria. — Ele insistiu. —Beau tentou me salvar do homem no armário.
—Monstros de novo? — Eu suspirei, querendo discordar, mas uma parte de mim hesitou. E, se Ethan estivesse certo? Eu tenho visto coisas estranhas ultimamente, também. E se... e se Beau estivesse realmente protegendo Ethan de alguma coisa horrível e aterrorizante?
Não! Eu sacudi minha cabeça. Isso era ridículo! Eu estaria fazendo dezesseis anos em poucas horas, e isso é ser muito velha para ainda acreditar em monstros. E já é tempo de Ethan crescer, também. Ele era uma criança esperta, e eu estava ficando cansada dele ficar culpando espantalhos imaginários quando alguma coisa dava errado.
—Ethan. — Eu suspirei de novo tentando não parecer irritada. Se eu fosse muito dura, ele provavelmente iria começar a berrar, e eu não queria perturba-lo depois de tudo o que ele tinha passado hoje. Mas isso já tinha ido longe demais. —Não existem monstros no seu armário, Ethan. Não existe essa coisa de monstros. Ok?
—Sim. Existe, sim! — Ele fechou a cara e chutou o cobertor com os pés. —Eu os vi. Eles falaram comigo. Eles falaram que o rei quer me ver. — Ele soltou seus braços, me mostrando sua bandagem. —O homem do armário me agarrou aqui. Ele estava me puxando pra debaixo da cama, quando Beau entrou e o espantou.
Com certeza, ele não iria mudar de idéia. E eu realmente não queria uma birra no meu quatro nesse momento. —Ok, tudo bem. — Eu cedi e o envolvi com meus braços. —Vamos dizer que alguma coisa que não era o Beau te agarrou hoje. Por que você não contou pra mamãe e pro Luke?
—Eles são adultos. — Ethan falou como se estivesse muito claro. —Eles não irão acreditar em mim. Eles não podem ver os monstros. — Ele suspirou e olhou pra mim com a expressão mais grave que eu já tinha visto em uma criança. —Mas Floppy diz que você pode vê-los também. Se você se esforçar, você pode vê-los através da névoa e do feitiço, Floppy diz que pode.
—Como é que é?
—Ethan? — A voz da mamãe flutuou atrás da porta, e sua silhueta apareceu na porta. —Você está aí? — Nos vendo juntos, ela piscou e mostrou um sorriso tentador. Eu olhei furiosa e com frieza de volta.
Mamãe me ignorou. —Ethan, querido, é hora de ir pra cama. Foi um longo dia. — Ela estendeu a mão, e Ethan saltou para atravessar o quarto, arrastando atrás de si, o coelho.
—Eu posso dormir com você e com o papai? — Eu o escutei perguntar com sua voz baixa e assustada.
—Oh! Pode sim. Só essa noite, ok?
—Ok. — Suas vozes foram desaparecendo através do corredor, e eu chutei minha porta para fecha-la.
Naquela noite, eu tive um sonho estranho: acordava e via o Floppy, o coelho de pelúcia do Ethan, no pé da minha cama. No sonho, o coelho estava falando comigo, palavras que eram graves e aterrorizantes, cheias de perigo. Ele queria me avisar, ou queria minha ajuda. Eu devo ter prometido alguma coisa. Na manhã seguinte, contudo, eu não consegui me lembrar muito do sonho.
EU ACORDEI COM O SOM DA CHUVA batendo no telhado. Meu aniversário estava destinado a ser frio, feio e molhado. Por um momento, eu tinha um peso pressionando na parte de trás da minha mente, contudo, eu não sabia por que eu me sentia tão deprimida. Então, tudo do dia anterior estava de volta e eu gemia.
Feliz aniversário pra mim, eu pensei, me enterrando nos cobertores. Eu iria passar o resto da semana na cama, obrigada.
—Meghan? — A voz da minha mãe chamou do lado de fora da porta, seguida de uma tímida batida. —Tá ficando tarde. Você já está de pé?
Eu a ignorei e me enrolei mais nas cobertas. Um ressentimento surgiu enquanto eu pensei no pobre do Beau, carregado pro lago. Mamãe sabia que eu estava zangada com ela, mas ela poderia sofrer com sua culpa, por enquanto. Eu não estava pronta para perdoar, e me recompor ainda.
—Meghan, levante-se. Você vai perder o ônibus. — Minha mãe me disse colocando a cabeça dentro do quarto. Seu tom era tranqüilo, e eu suspirei. Falta tanto pra fazer as pazes.
—Eu não vou pra escola. — Eu murmurei por baixo das cobertas. —Eu não me sinto bem. Acho que eu peguei um resfriado.
—Doente? No seu aniversário? Que falta de sorte. — Mamãe entrou no quarto e eu olhei pra ela por uma abertura nas cobertas. Ela lembrou?
—Muito triste. — Mamãe continuou, sorrindo, e cruzando os braços. —Eu ia te dar permissão pra dirigir depois da escola, mas se você está doente...
Eu apareci. —Sério? Hum…bem, acho que eu não estou me sentindo tão mal. Eu vou tomar alguma aspirina ou qualquer coisa do tipo.
—Eu pensei que fosse. — Mamãe sacudiu a cabeça, enquanto eu pulei da cama. —Eu vou ajudar seu pai a consertar o chiqueiro esta tarde, depois eu não vou poder te buscar. Mas, quando você chegar em casa, nós vamos pegar sua autorização no departamento de trânsito. Isso parece um bom presente de aniversário?
Eu mal escutava o que ela tinha falado. Eu estava tão ocupada correndo em volta do quarto, agarrando as roupas e juntando minhas coisas. Quanto mais rápido passasse o dia, melhor.
Eu estava enfiando meu trabalho de casa na mochila quando a porta fez barulho, abrindo de novo. Ethan espiou ainda na entrada do quarto, com as mãos pra trás, com um sorriso tímido e cheio de expectativa no rosto.
Eu pisquei pra ele e puxei meu cabelo pra trás. —O que você quer, pequenino?
Com um sorriso, ele deu um passo pra frente e me entregou um pedaço de papel. Desenhos de giz de cera brilhosos decoravam a frente, um sol com uma carinha sorrindo sobre uma casa pequena com uma fumaça saindo da chaminé.
—Feliz aniversário, Meggie. — Ele disse, todo orgulhoso. —Viu, como eu me lembrei?
Sorrindo, eu peguei o cartão feito à mão e abri. Dentro, um desenho simples de giz de cera da nossa família sorrindo. Tinha as seguintes figuras: mamãe e Luke, eu e Ethan de mãos dadas e uma criatura de quatro patas que deveria ser o Beau. Eu senti um bolo na garganta, e meus olhos encheram de água por um momento.
—Você gostou? — Ethan perguntou, me olhando ansioso.
—Eu amei. — Eu disse, bagunçando seu cabelo. —Obrigada. Aqui, por que você não coloca o desenho na geladeira para que todo mundo possa ver o grande artista que você é?
Ele sorriu e saiu pulando agarrado com o cartão, e eu senti meu coração um pouquinho mais leve. Depois de tudo o que aconteceu, talvez hoje o dia não seja tão horrível.
—ENTÃO SUA MÃE VAI TE DAR autorização hoje pra dirigir? — Robbie perguntou enquanto o ônibus parava no estacionamento da escola. —Legal. Você vai poder finalmente nos levar até o centro pra ir ao cinema. Nós não iremos depender de ônibus, ou desperdiçar outra noite assistindo vídeos na sua TV de 20 polegadas.
—É só uma autorização, Rob. — Eu peguei minha mochila enquanto o ônibus se movia para a parada. —Eu não vou ter a minha carteira de motorista agora. Conhecendo a mamãe, vai demorar mais outros dezesseis anos até eu poder dirigir o carro sozinha. Ethan provavelmente vai ter a carteira antes de mim.
Pensar sobre meu meio irmão me deu um calafrio inesperado. Eu lembrei das suas palavras na noite anterior: Você pode vê-los através da névoa e do feitiço, Floppy diz que pode.
Tirando o coelho de pelúcia, eu não fazia idéia do que ele estava falando.
Enquanto eu descia os degraus do ônibus, uma figura familiar apareceu com um grupo grande e veio caminhando em minha direção. Scott. Meu estômago se contorceu e eu olhei em volta procurando uma rota de fuga adequada, mas antes que eu pudesse fugir no meio da multidão, ele já estava na minha frente.
—Ei. — Sua voz arrastada e profunda, me fez tremer. Eu estava aterrorizada , ele ainda era lindo, com seu cabelo loiro úmido caindo em ondas, e cachos rebeldes na testa. Por alguma razão, ele parecia nervoso hoje, passando as mãos na franja e olhando em volta. —Hum... — Ele hesitou, estreitando os olhos. —Qual é mesmo o seu nome?
—Meghan. — Eu suspirei.
—Ah, claro. — Ele deu um passo mais para perto, olhou para os seus amigos logo atrás, e baixou a voz. —Escute, eu me senti mal sobre como eu te tratei ontem. Foi desnecessário. Me desculpe.
Por um momento, eu não entendi o que ele estava dizendo. Eu estava esperando ameaças, insultos ou acusações. Então, um balão de alívio inchou dentro de mim enquanto suas palavras finalmente foram registradas. —O-oh. — Eu gaguejei, sentindo meu rosto quente. —Tá tudo certo. Esqueça isso.
—Eu não posso. — Ele balbuciou. —Você não sai da minha cabeça desde ontem. Eu fui um idiota e queria desfazer essa imagem. Você... — Ele parou, mordendo seu lábio, então colocou tudo pra fora atropelando as palavras. —Você quer almoçar comigo esta tarde?
Meu coração pulava. Borboletas pululavam loucamente no meu estômago, e eu senti meus pés, como se estivessem flutuando à centímetros do chão. Eu mal tinha voz para um chiado sem fôlego. —Claro. — Scott sorriu, mostrando os dentes que cegavam de tão brancos, e me deu uma piscada.
—Ei, rapazes! Aqui! — Um dos colegas da equipe de futebol do Scott estava em pé, há poucos metros, com um celular com câmera na mão apontado pra nós. —Olha o passarinho.
Antes que eu soubesse o que estava acontecendo, Scott colocou a mão em volta do meu ombro e me puxou pra perto dele. Pisquei para ele, atordoada, enquanto meu coração começou a disparar no meu peito. Ele piscou com seu sorriso deslumbrante para a câmera, mas eu só conseguia olhar, estupefata, como uma idiota.
—Obrigado, Meg. — Scott falou, me soltando. —Vejo você no almoço. — Ele sorriu, afastou—se para a escola, e deu uma piscadela final. O cara com a câmera riu e correu atrás dele, me deixando atordoada e confusa na entrada do estacionamento.
Por um momento, eu fiquei lá, em pé olhando igual a uma idiota, enquanto meus colegas de classe apareciam em volta de mim. Então, um sorriso percorreu o meu rosto e eu gritei de alegria, pulando no ar. Scott Waldron queria me ver! Ele queria almoçar comigo, só comigo, na cafeteria. Talvez minha sorte estivesse virando. O melhor aniversário de todos só estava começando.
Enquanto uma cortina prateada de chuva caia sobre o estacionamento, eu senti os olhares em mim. Virando, eu vi Robbie há poucos passos de distância, me observando no meio da multidão.
Através da chuva, seus olhos cintilavam, um verde muito brilhante. Enquanto a água batia no concreto e os estudantes corriam pela escola, eu percebi alguma coisa no seu rosto: um focinho longo, olhos em fenda, uma língua pendurada pra fora entre as presas pontiagudas. Meu estômago se revirou, mas eu pisquei e Robbie era ele de novo — normal, sorridente, despreocupado que ele estava ficando encharcado.
E eu também.
Com um pequeno ganido, eu corri sob o beiral e mergulhei dentro da escola. Robbie me seguiu, rindo, puxando as mechas do meu cabelo até que eu bati nele, e ele parou. Durante toda a primeira aula, eu fiquei olhando Robbie, procurando por aquele indício predatório estranho no seu rosto, imaginando se eu estava maluca. Tudo o que eu consegui, foi uma dor no pescoço e um comentário ríspido do meu professor de inglês para prestar atenção, e parar de olhar os meninos.
QUANDO O SINAL DO ALMOÇO SOOU, eu levantei, meu coração disparado há mil por hora. Scott estava esperando por mim na cafeteria. Eu agarrei meus livros, enfiei-os na mochila e virei...
E dei de cara com Robbie, parado, em pé atrás de mim.
Eu gritei. —Rob, eu vou bater em você se você não parar de fazer isso! Agora, ande. Eu tenho que ir num lugar.
—Não vá. — Sua voz era quieta e séria. Surpresa, eu olhei pra ele. O sorriso pateta de sempre tinha ido e sua mandíbula estava cerrada. O seu jeito de olhar era quase assustador. —Isso é ruim. Eu posso sentir. Esse coquilha está aprontando alguma coisa. Ele e seus amigos estavam rondando o departamento onde ficam os anuários, um tempão depois que falou com você. Eu não gosto disso. Me prometa que você não irá.
Eu recuei. —Você estava escutando a gente? — Eu exigi de cara feia. —O que tem de errado com você? Você já ouviu falar de ‘conversa particular’?
—Waldron não se importa com você. — Robbie cruzou seus braços, me desafiando a contrariá-lo. —Ele vai quebrar seu coração, princesa. Acredite em mim, eu já vi muitos desse tipo pra saber.
A raiva queimava, raiva da audácia dele em colocar o nariz nos meus relacionamentos, raiva que ele poderia estar certo. —De novo, isso não é da sua conta, Rob! — Eu rebati, fazendo suas sobrancelhas arcarem. —Eu posso me cuidar sozinha. Ok? Pare de se meter onde você não é chamado.
A mágoa brilhou rapidamente, mas foi embora. —Tudo bem, princesa. — Ele deu um sorriso fraco e levantou suas mãos. —Não dê sua calcinha rosa real em troca[15]. Esqueça que eu disse alguma coisa.
—Eu irei. — Virei minha cabeça, e saí da sala batendo os pés, sem olhar pra trás.
A culpa me roia enquanto eu ziguezagueava pelos corredores em direção à cafeteria. Eu me arrependi de ter explodido com Robbie, mas às vezes essa encenação de Big Brother dele vai longe demais. Apesar que Robbie sempre foi assim: ciumento, superprotetor, sempre olhando por mim, como se fosse seu trabalho. Eu não consigo me lembrar quando eu o vi pela primeira vez, eu sinto como se ele sempre estivesse ali.
A cafeteria estava barulhenta e sombria. Eu rondava logo após a entrada, procurando por Scott, só pra vê-lo na mesa do meio do salão, cercado pelas líderes de torcida e os jogadores do time de futebol. Eu hesitei. Eu não poderia apenas marchar em direção àquela mesa e sentar; Angie Whitmond e seu batalhão de líderes de torcida iriam me fazer em pedacinhos.
Scott levantou o rosto e me viu, e um sorriso mole se espalhou em seu rosto. Entendendo como um convite, eu parti em direção a ele, fazendo o meu caminho entre as mesas. Ele pegou seu telefone, apertou um botão, e olhou pra mim com os olhos semi-cerrados, ainda sorrindo.
Um telefone tocou perto.
Eu dei um pulinho, mas continuei andando. Atrás de mim, eu escutei arfadas e depois gargalhadas histéricas. E então, uma conversa em sussurros que sempre faz você pensar que estão falando sobre você. Eu senti olhares nas minhas costas. Tentando ignorar isso, eu continuei pelo corredor.
Um outro telefone tocou.
E outro.
E agora, sussurros e gargalhadas se espalhavam feito relâmpago. Por alguma razão, eu me senti terrivelmente exposta, como se um holofote estivesse brilhando em mim e eu fosse a amostra. Os risos não poderiam ser direcionados pra mim, poderiam? Eu vi várias pessoas apontando na minha direção, sussurrando entre elas, e eu fiz o meu melhor para tentar ignorá—las. A mesa de Scott estava apenas há alguns metros de distância.
—Ei, bochechas quentes! — Uma mão bateu na minha bunda, e eu dei um gritinho. Virando pra trás, eu vi Dan Ottoman, um louro, cheio de espinhas que toca clarinete na banda. Ele sorriu pra mim e piscou. —Eu nunca achei que você pudesse tocar alguma coisa, gata. — Ele falou, tentando jogar charme, mas me lembrou Caco, o sapo sujo[16]. —Venha pra banda um dia desses. Eu tenho uma flauta que você pode tocar.
—Do que você está falando? — Eu rosnei, mas ele riu e mostrou seu telefone.
Primeiro, a tela estava branca. Mas então uma mensagem atravessou em amarelo brilhante. —Qual a semelhança entre Meghan Chase e uma cerveja gelada? — eu li. Arfei, e as palavras desapareceram enquanto uma imagem apareceu.
Eu. Eu e Scott no estacionamento, com seus braços em volta dos meus ombros e um enorme sorriso no seu rosto. Só agora, minha boca caiu aberta, eu estava pelada, encarando ele maravilhada, meus olhos inexpressivos e idiotas. Ele obviamente usou Photoshop; meu “corpo” era magro e sem graça, como uma boneca, meu peito era reto como de uma garota de doze anos. Eu gelei, e meu coração parou de bater quando a segunda mensagem rolou pela tela.
—Ela é suave e desce fácil!
O fundo do meu estômago, e minhas bochechas inflamaram. Horrorizada, eu olhei para Scott, vendo toda sua mesa vibrando com as gargalhadas e apontando pra mim. Os celulares ecoavam pela cafeteria, e as gargalhadas batiam em mim como ondas físicas. Eu comecei a tremer, e os meus olhos queimaram.
Cobrindo meu rosto, eu virei e fugi da cafeteria antes que eu começasse a chorar como uma criança de dois anos. Estridentes gargalhadas ecoaram em torno de mim, e lágrimas brotaram dos meus olhos como veneno. Consegui atravessar a sala sem tropeçar nos bancos ou em meus pés, abri violentamente as portas, e escapei para o corredor.
Eu passei quase uma hora no canto de uma cabine no banheiro das meninas, soluçando e chorando muito, e planejando mudar para o Canadá, ou possivelmente pra Fiji, algum lugar muito, muito distante. Eu não ousaria mostrar minha cara pra ninguém neste estado de novo. Finalmente, as lágrimas diminuíram, e minha respiração voltou ao normal. Eu refletia como a minha vida tinha se tornado miserável.
Eu acho que eu devia me sentir honrada, eu pensei amargamente, prendendo minha respiração enquanto um grupo de garotas se reuniram no banheiro. Scott perdeu tempo para arruinar minha vida pessoalmente. Eu aposto que ele nunca tinha feito isso com ninguém mais. Sorte minha, eu sou a maior perdedora do mundo. Lágrimas me ameaçaram de novo, mas eu estava cansada de berrar e segura-las.
Primeiro, eu planejei me enfiar num buraco no banheiro até a aula acabar. Mas, se alguém sentisse minha falta na aula, este seria o primeiro lugar que eles procurariam. Então, eu finalmente reuni toda minha coragem e fui até a enfermaria na ponta dos pés e fingi uma dor de estômago horrível para que eu pudesse me esconder lá.
A enfermeira estava há quase dois metros nos seus sapatos de saltos grossos, mas o olhar que ela me deu, quando eu espiei pela porta, dizia que ela não iria engolir nenhuma besteira de adolescente. Sua pele parecia uma fruta seca, seu cabelo branco estava em uma toca, e ela usava óculos pequenininhos dourados, na ponta do nariz.
—Bem, senhorita Chase. — Ela falou com uma voz séria e estridente, deixando de lado sua prancheta. —O que você está fazendo aqui? — Eu pisquei, pensando no quanto ela me conhecia. Eu só tinha estado na enfermaria uma vez, quando uma bola de futebol perdida bateu no meu nariz. Na época, a enfermeira era magra e alta, com uma mandíbula que a fazia parecer com um cavalo. Esta pequena mulher gorda e enrugada era nova, e um pouco irritante com o jeito que ela me encarava.
—Eu estou com dor no estômago. — Eu reclamei segurando meu umbigo como se ele estivesse prestes a estourar. —Eu só preciso deitar por uns minutos.
—Claro, senhorita Chase. Têm algumas macas lá atrás. Eu vou trazer alguma coisa pra você se sentir melhor.
Eu acenei e andei pela sala dividida por vários e enormes lençóis. Exceto pela enfermeira e eu, a sala estava vazia. Perfeito. Eu escolhi uma maca no canto e deitei sobre o colchão coberto com papel.
Momentos mais tarde, a enfermeira apareceu, me entregando um copo descartável cheio de alguma coisa que borbulhava e evaporava. —Tome isso, você vai se sentir melhor. — Ela falou empurrando o copo para a minha mão.
Olhei para ele. O líquido branco efervescente cheirava a chocolate branco e ervas, só que mais forte, de alguma forma, uma mistura tão potente que me deixou com água nos olhos. —O que é isso? — Eu perguntei.
A enfermeira apenas sorriu, e deixou a sala.
Tomei um gole com cuidado e senti um calor espalhar da minha garganta até o estômago. O gosto era incrível, como o chocolate mais rico do mundo, com apenas um toque amargo no final. Eu virei o resto em dois goles, segurando o copo de cabeça para baixo para obter as últimas gotas.
Quase imediatamente, eu me senti sonolenta. Deitando de costas no colchão, eu fechei meus olhos por um momento, e tudo desapareceu.
EU ACORDEI COM VOZES, conversando em tons baixos, logo depois das cortinas. Tentei me mexer, mas eu senti como se meu corpo estivesse embrulhado em algodão, minha cabeça cheia de gaze. Eu lutei tentando manter meus olhos abertos. Do outro lado dos lençóis, eu vi duas silhuetas.
—Não faça nada imprudente. — Avisou uma voz baixa e grave. A enfermeira, eu pensei, imaginando em meu delírio, se ela me daria mais daquela coisa de chocolate. —Lembre-se, seu dever é tomar conta da garota. Você não deve fazer nada que chame atenção.
—Eu? — perguntou uma voz familiar meio perturbada. —Chamar atenção pra mim? Por que eu faria uma coisa dessas?
A enfermeira bufou. —Se toda a equipe de líderes de torcida virar ratos, Robin, eu vou ficar muito chateada com você. Adolescentes mortais são cegas e cruéis. Você sabe disso. Você não deve se vingar, não importa o quanto você sinta sobre a garota. Especialmente agora. Existem mais coisas pra se preocupar chegando.
Eu estou sonhando, eu decidi. Só pode ser. O que tinha naquela bebida, a propósito? Na luz escura, as silhuetas que estavam através das cortinas pareciam confusas e estranhas. A enfermeira, pelo menos, parecia que estava até menor, quase noventa centímetros de altura. A outra sombra estava mais peculiar: tamanho normal, mas com estranhas protuberâncias na lateral de sua cabeça que pareciam com chifres, ou orelhas.
A sombra mais alta fez sinal e se moveu para sentar em uma cadeira, cruzando suas longas pernas. —Eu escutei o mesmo. — Os rumores negros estão aumentando. A Corte está inquieta. Parece que alguma coisa de fora está assustando todo mundo.
—Este é o motivo pelo qual você deve continuar a ser os dois, o tutor e o guardião dela. — A enfermeira virou, colocando ambas as mãos nos quadris, com voz de censura. —Eu estou surpresa que você ainda não deu à ela o vinho que enevoa. Ela fez dezesseis anos hoje. O véu vai começar a levantar.
—Eu sei, eu sei. Eu estou trabalhando nisso. — A sombra assinalou, colocando sua cabeça entre as mãos. —Eu cuidarei disso nesta tarde. Como ela está?
—Descansando. — Disse a enfermeira. —Coitadinha, ela está traumatizada. Eu dei à ela uma leve porção do sono que deve derruba-la até ela ir pra casa.
Uma risada. —A última criança que bebeu uma das suas ‘leves’ porções de dormir não levantou antes de duas semanas. E você é uma que fala sobre ser discreto.
A resposta da enfermeira foi confusa e quebrada, mas eu tenho quase certeza que ela disse, —ela é filha do seu pai mesmo. Ela ficará bem. — Ou talvez fosse só eu. O mundo ficou nebuloso, como uma câmera fora de foco, e eu não entendi nada por um tempo.
—MEGHAN!
Alguém estava me sacudindo pra eu acordar. Eu xinguei e balancei, momentaneamente confusa, e finalmente levantei minha cabeça. Meu olhos pareciam que tinham cinco quilos de areia e com remela nos cantos, era impossível distinguir. Gemendo, eu limpei meus olhos e encarei o rosto de Robbie com a visão ainda turva. Por um momento, sua sobrancelha estava contraída de preocupação. Então eu pisquei, e ele estava normal, sorrindo consigo mesmo.
—Acorde, acorde, Bela Adormecida. — Ele provocou enquanto eu lutava pra ficar sentada. —Você é sortuda, a aula já acabou. É hora de ir pra casa.
—Hã? — Eu murmurei inteligentemente, limpando os últimos traços da soneca dos meus olhos. Robbie riu e me puxou pra eu ficar em pé.
—Aqui. — Ele disse, entregando minha mochila pesada de tantos livros. —Você tem sorte que eu sou um grande amigo. Eu anotei todas as aulas que você perdeu depois do almoço. Ah, você está perdoada, por acaso. Eu não vou nem dizer ‘eu te disse.’
Ele estava falando muito rápido. Meu cérebro ainda estava adormecido, minha mente estava confusa e desconexa. —Sobre o que você está falando? — Eu falei, me encolhendo atrás da minha mochila.
E então, eu lembrei.
—Eu preciso ligar pra minha mãe. — Eu disse pulando da maca. Robbie franziu o rosto e olhou confuso. —Ela tem que vir me buscar. — Eu detalhei. —Sem chances de eu pegar o ônibus de novo. — O desespero tomou conta de mim, e eu escondi meu rosto em minhas mãos.
—Olhe, Meghan. — Robbie disse. —Eu escutei o que aconteceu. Não foi grande coisa.
—Você está doido? — Eu perguntei, olhando pra ele através dos meus dedos. —A escola toda está falando de mim. Isso provavelmente vai parar no jornal da escola. Eu serei crucificada se eu mostrar minha cara em público. E você diz que não foi grande coisa?
Eu juntei meus joelhos em meu peito e enterrei minha cabeça neles. Era tudo tão horrível e injusto. —É meu aniversário. — Eu gemi nos meus jeans. —Não deveria acontecer isso no aniversário das pessoas.
Robbie me olhou. Largando sua bolsa, ele sentou e colocou seus braços em volta de mim, me puxando pro seu peito. Eu funguei e deixei escorrer poucas lágrimas na sua jaqueta, escutando seu coração batendo no seu peito. Ele batia rápido, como se ele tivesse corrido vários quilômetros.
—Vamos. — Robbie ficou de pé, me puxando com ele. —Você pode fazer isso. E eu prometo. Ninguém vai se importar com o que aconteceu hoje. Amanhã, todo mundo terá esquecido isso. — Ele sorriu, apertando meu braço. —Além disso, hoje você não tem uma autorização pra dirigir?
Aquela centelha no meio da miséria negra da minha vida me deu esperança. Eu concordei, escondendo de mim mesma o que estava por vir. Nós deixamos a enfermaria juntos, a mão de Robbie pegou firme a minha.
—Só fique perto. — Ele murmurou enquanto nós nos aproximávamos da parte mais cheia do corredor. Angie e outras três do grupo estavam paradas em frente aos armários, conversando e mascando chiclete. Meu estômago ficou tenso e meu coração começou a pular. Robbie apertou minha mão. —Está tudo bem. Não saia de perto de mim, e não fale nada com ninguém. Eles não vão nem notar que nós estamos aqui.
Enquanto nos aproximávamos do grupo de garotas, eu me preparei para que elas se virassem com suas risadas e suas lembranças horríveis. Mas nós passamos por elas sem nem uma olhada, contudo Angie estava no meio da narração da minha vergonhosa saída na cafeteria.
—E então ela começou a gritar. — Angie disse, sua voz anasalada atravessava o corredor. —E eu pensava, ‘Oh, meu Deus. Ela é tão derrotada’. Mas o que vocês esperariam de uma caipira inata? — Sua voz baixou para um sussurro e ela se inclinou pra frente. —Eu escutei que a mãe dela tem uma obsessão fora do comum por porcos, se vocês entendem o que eu quero dizer.
As meninas explodiram em um coro de gargalhadas, e eu quase bati. Robbie, porém, me apertou ainda mais, e me puxou para fora. Eu o ouvi murmurar algo sob sua respiração, e senti um arrepio percorrer o ar, como um trovão sem som.
Atrás de nós, Angie começou a gritar.
Eu tentei voltar, mas Robbie me puxou pra frente, costurando no meio da multidão enquanto o resto dos alunos empurraram suas cabeças em direção ao barulho agudo. Mas, por uma fração de segundo, eu vi Angie cobrindo seu nariz com suas mãos, e os gritos dela pareciam cada vez mais com roncos de um porco.
O Changeling
A volta pra casa de ônibus foi silenciosa, pelo menos entre Robbie e eu. Em parte por que eu não queria chamar atenção, mas principalmente, por que eu tinha muita coisa na minha cabeça. Nós sentamos no canto de trás, comigo espremida contra a janela e olhando fixamente as árvores passarem como um flash. Eu estava com meu iPod e meus fones de ouvido explodindo nos meus tímpanos, mas isso era mais uma desculpa pra não falar com ninguém.
Os gritos de porco da Angie ainda ecoavam na minha mente. Aquilo foi provavelmente o som mais horrível que eu já escutei. E mesmo que ela fosse uma total vadia, eu não podia evitar de me sentir culpada. Não existia dúvida na minha cabeça de que Robbie tinha feito alguma coisa com ela, mas eu não podia provar. Eu estava, de fato, com medo de descobrir. Robbie parecia uma pessoa diferente agora, quieta, reflexiva, observava as crianças no ônibus com uma intensidade predatória. Ele estava estranho, estranho e arrepiante, e eu estava pensando o que tinha de errado com ele.
Então, sobre aquele sonho estranho, eu estava começando a pensar que não tinha sido realmente um sonho. Quanto mais eu pensava sobre isso, mais eu pensava que a voz familiar conversando com a enfermeira era de Robbie.
Alguma coisa estava acontecendo, alguma coisa estranha, arrepiante e aterrorizante, e a parte mais assustadora disso tudo tinha um rosto comum e familiar. Eu dei uma olhada para Robbie. Até que ponto eu o conhecia bem, realmente o conhecia? Ele era meu amigo há tanto tempo quanto eu me lembrava, e eu nunca tinha ido na sua casa, ou conhecido seus pais. As poucas vezes que eu sugeri conhecer sua casa, ele sempre tinha uma desculpa para não me levar. Ou sua família estava fora da cidade, ou eles estavam reformando a cozinha. Cozinha esta, que eu nunca vi. Isso era estranho, mas mais estranho, de fato, era que eu nunca percebi ou questionei isso, até agora. Robbie estava sempre lá, como se fosse conjurado do nada, sem nada atrás, sem casa e sem passado. Qual era sua música preferida? Ele tinha objetivos na vida? Ele nunca se apaixonou?
Nunca, minha mente sussurrou, perturbadoramente. Você não o conhece de maneira nenhuma. Eu tremi e olhei pra fora da janela de novo.
O ônibus freou numa parada de quatro vias. E eu vi que nós deixamos a periferia da cidade e estávamos indo agora para região campestre. Meu vizinho. A chuva ainda respingava nas janelas tornando as regiões pantanosas embaçadas e indistintas, as árvores com formas escuras e confusas através do vidro.
Eu pisquei e me endireitei no acento. No fundo do pântano, um cavalo e seu cavaleiro estavam embaixo de galhos de um carvalho enorme, como se fossem a própria árvore. O cavalo era um animal negro e enorme com uma crina e um rabo que ondulavam por trás dele, mesmo encharcado como estava. Seu cavaleiro era alto e esbelto, vestido de prata e preto. Uma capa preta caía dos seus ombros. Através da chuva, eu captei um pequeno vislumbre de um rosto: jovem, pálido, impressionantemente bonito... justamente me encarando. Meu estômago se contorceu e eu segurei a respiração.
—Rob. — Eu murmurei tirando meus fones de ouvido. —Olhe aquil...
O rosto de Robbie estava há centímetros do meu, olhando fixamente pra fora da janela, seus olhos verdes estreitaram-se em fendas duras e perigosas. Meu estômago se revirou e eu me inclinei pra longe dele, mas ele nem me notou. Seus lábios se moveram, e ele sussurrou uma palavra, tão suave que eu mal escutei, mesmo tão perto quanto estávamos.
—Ash.
—Ash? — Eu repeti. —Quem é Ash?
O ônibus engasgou e andou para a frente novamente. Robbie voltou pra trás, seu rosto tão imóvel que poderia ter sido esculpido em uma pedra. Engolindo, eu olhei pra fora da janela, mas o espaço embaixo do carvalho estava vazio. O cavalo e o cavaleiro tinham ido embora, como se nunca tivessem existido.
O QUE JÁ ESTAVA ESTRANHO ficou pior.
—Quem é Ash? — Eu repeti, me virando para Robbie, que parecia estar em seu próprio mundo. —Robbie? Hey! — Eu o cutuquei no ombro. Ele virou e finalmente olhou pra mim. —Quem é Ash?
—Ash? — Por um momento, seus olhos estavam ferozes e brilhantes, seu rosto parecia de um cachorro selvagem. Então, ele piscou e estava normal de novo. —Oh, é só um antigo amigo de muito tempo atrás. Não se incomode com isso, princesa.
Suas palavras soaram estranhas pra mim, como se ele quisesse que eu esquecesse, simplesmente por que ele pediu. Eu senti uma pinicada de irritação por ele estar escondendo alguma coisa, mas rapidamente passou, por que eu não conseguia me lembrar sobre o que estávamos conversando.
Na nossa parada, Robbie pulou como se o acento estivesse em chamas e correu para porta. Piscando com sua partida abrupta, eu coloquei meu iPod na mochila antes de deixar o ônibus. A última coisa que eu queria era que o objeto caro recebesse chuva.
—Eu tenho que ir. — Robbie anunciou quando eu me juntei à ele na calçada. Seus olhos verdes varreram as árvores, como se ele esperasse que alguma coisa saísse de dentro da floresta. Eu olhei em volta, mas exceto por um pássaro cantando no alto, a floresta estava calma e parada.
—Eu...hum...esqueci uma coisa em casa. — Ele se virou pra mim na mesma hora com um olhar de desculpas. —Vejo você hoje à noite, princesa? Eu levarei aquele champanhe mais tarde, ok?
—Oh. — Eu tinha esquecido disso. —Claro.
—Vá direto pra casa, tá bem? — Robbie estreitou seus olhos, seu rosto intenso. —Não pare e não fale com ninguém que você encontrar. Entendeu?
Eu ri nervosa. —O que você é? Minha mãe? Você vai me dizer pra não correr com tesouras, e olhar para os dois lados antes de atravessar a rua? Além disso... — eu continuei enquanto Robbie sorria, parecendo mais em seu estado normal —...quem eu encontraria no caminho da roça? — A imagem do garoto no cavalo de repente veio à minha cabeça, e meu estômago fez aquele movimento estranho de novo. Quem era ele? E por que eu não conseguia parar de pensar nele, se ele até mesmo existisse? As coisas estavam ficando realmente estranhas. Se não fosse pela reação estranha do Robbie no ônibus, eu estaria pensando que o garoto era uma outra das minhas loucas alucinações.
—Tudo bem. — Robbie acenou, mostrando seu sorriso levado. —Vejo você mais tarde, princesa. Não deixe o Leatherface pegar você no caminho de casa.
Eu chutei na direção dele. Ele riu, saltou longe, e correu pela estrada. Colocando minha mochila no ombro, eu marchei até o caminho da garagem.
—MÃE? — EU CHAMEI, ABRINDO a porta da frente. —Mãe, já cheguei. — O silêncio me cumprimentou, ecoando nas paredes e no chão, pesando no ar. A quietude era quase uma coisa viva, presa no centro da sala, me observando com olhos frios. Meu coração começou com uma alta e irregular palpitação no meu peito. Alguma coisa estava errada.
—Mãe? — Eu chamei de novo, me aventurando pela casa. —Luke? Tem alguém em casa? — A porta rangeu enquanto eu entrava. A televisão berrava e brilhava, passando uma reprise de uma série em preto-e-branco. Contudo, o sofá na frente estava vazio. Eu desliguei e continuei pelo corredor, entrando na cozinha.
Por um momento, tudo parecia normal, exceto pela porta do refrigerador, pendurada. Um pequeno objeto no chão prendeu minha atenção. Primeiro, eu pensei que era um pano sujo. Mas, olhando de perto, eu vi que era Floppy, o coelho de Ethan. A cabeça do bicho de pelúcia tinha sido arrancada, e o algodão espalhado pelo buraco no pescoço.
Me esticando, eu escutei um barulhinho do outro lado da mesa de jantar. Eu andei em volta, e meu estômago se virou tão violentamente que a bile chegou na minha garganta. Minha mãe estava deitada com as costas no chão de ladrilho xadrez, braços e pernas espalhados, um lado do seu rosto coberto de vermelho brilhante. Parado perto dela no caminho da porta, com a cabeça inclinada para um lado, como um gato curioso, estava Ethan.
E ele estava sorrindo.
—MÃE! — EU GRITEI, ME JOGANDO sobre ela. —Mãe, você está bem? — Eu agarrei um ombro e a sacudi, mas foi como sacudir um peixe morto. Sua pele ainda estava quente. Então, ela não poderia estar morta. Certo?
Onde se meteu o Luke? Eu a sacudi de novo, observando sua cabeça pendendo pesada. Isso fez meu estômago virar. —Mãe, levante-se! Você consegue me ouvir? É Meghan. — Eu olhei em volta freneticamente, então eu agarrei um pano da pia. Enquanto eu passava levemente sobre seu rosto ensanguentado, eu notei de novo Ethan parado no caminho da porta. Seus olhos agora estavam arregalados e cheios de lágrimas.
—Mamãe escorregou. — Ele sussurrou, e eu notei um poça clara no chão, na frente da geladeira. Com a mão tremendo, eu passei um dedo na gosma e cheirei. Óleo vegetal? Que merda é essa? Eu limpei mais sangue do rosto dela e notei um pequeno corte na têmpora, quase invisível debaixo de todo o sangue e cabelo.
—Ela vai morrer? — Ethan perguntou, e eu dei um olhar afiado pra ele. Embora seus olhos eram enormes e redondos, e com lágrimas no canto dos olhos, ele parecia mais curioso do que qualquer coisa.
Eu tirei meus olhos do meu meio-irmão. Eu precisava conseguir ajuda. Luke não estava, então a única coisa que restava era chamar uma ambulância. Mas, logo que eu levantei para pegar o telefone, a mamãe gemeu, se mexeu, e abriu seus olhos.
Meu coração pulou. —Mãe. — Eu disse enquanto ela lutava para sentar com um olhar confuso no seu rosto. —Não se mexa. Vou ligar para a emergência[17].”
—Meghan? — Mamãe olhou em volta, piscando. Uma mão tocou sua bochecha e ela olhou para o sangue nos seus dedos. —O que aconteceu? Eu...eu devo ter desmaiado...
—Você bateu sua cabeça. — Eu respondi, levantando e procurando pelo telefone. —Você deve ter tido uma concussão. Aguente aí. Estou chamando uma ambulância.
—Uma ambulância? Não, não. — Mamãe sentou, parecendo um pouco melhor. —Não faça isso, querida. Estou bem. Só vou me limpar e colocar um Band-Aid. Não tem necessidade disso tudo.
—Mas, mãe...
—Eu estou bem, Meg. — Mamãe agarrou o pano esquecido e começou a limpar o sangue do seu rosto. —Desculpe-me se te assustei, mas eu vou ficar bem. É só sangue, nada sério. Além do mais, nós não podemos arcar com uma conta alta de médico. — Ela levantou rapidamente se endireitou e olhou em volta do lugar. —Onde está seu irmão?
Assustada, eu olhei pra trás para a porta, mas Ethan tinha saído.
OS PROTESTOS DA MAMÃE FORAM EM VÃO quando Luke chegou em casa. Ele deu um único olhar para ela pálida, com uma bandagem no rosto, jogou um roupa, e insistiu que eles fossem para o hospital. Luke pode ser estupidamente persistente quando ele precisa ser, e mamãe eventualmente cede a pressão. Ela ainda estava me dando instruções: toma conta do Ethan, não deixe que ele fique acordado até tarde, tem pizza congelada no freezer, enquanto Luke a colocava no seu Ford trepidante, e rugia, saindo em direção à rodovia.
Assim que a caminhonete virou e desapareceu de vista, um silêncio frio desceu sobre a casa mais uma vez. Eu tremi, esfregando meus braços, o senti se arrastar pelo espaço e assoprar na base do meu pescoço. A casa que eu morei na maior parte da minha vida parecia desconhecida e assustadora, como se as coisas se escondessem nos armários e nos cantos, esperando para me agarrar enquanto eu passasse. Meu olhar demorou nos restos amassados de Floppy, espalhados pelo chão, e por alguma razão isso me deixou muito triste e assustada. Ninguém nesta casa iria rasgar o bicho de pelúcia favorito de Ethan. Alguma coisa estava muito errada.
Passos batiam no chão. Eu virei para achar Ethan na porta me encarando. Ele parecia estranho sem o coelho em seus braços, eu estava pensando por que ele não estava chateado com isso.
—Eu estou com fome. — Ele anunciou, me fazendo piscar, —Faz alguma coisa pra mim, Meggie.
Eu fiz cara feia com seu tom exigente.
—Não é hora pra jantar ainda, pequenino. — Eu disse à ele, cruzando meus braços. —Você pode esperar mais duas horinhas.
Seus olhos se estreitaram, e seus lábios encolheram mostrando seus dentes. Por um momento, eu imaginei que eles eram serrilhados e afiados. —Estou com fome agora. — Ele resmungou, dando um passo à frente. Um sentimento de medo passou por mim e eu recuei.
Quase imediatamente, seu rosto se suavizou de novo, seus olhos enormes e suplicantes. —Por favor, Meggie? — Ele gemia. —Por favor. Eu estou com tanta fome. — Ele se irritou, e sua voz se tornou ameaçadora. —Mamãe, não fez comida pra mim também.
—Tá certo. Se você calar a boca, tudo bem. — As palavras de raiva surgiram do medo, e de um grande embaraço por que eu estava apavorada. Com Ethan. Com o meu estúpido irmão de quatro anos de idade. Eu não sabia de onde estas suas mudanças de humor demoníacas vinham, mas eu esperava que não fossem o início de uma tendência. Talvez ele só estivesse chateado por ter causado o acidente da mamãe. Talvez se eu alimentasse o pirralho, ele cairia no sono e me deixaria em paz durante a noite. Eu abri o freezer, peguei a pizza, e a empurrei no forno.
Enquanto a pizza assava, eu tentei limpar a poça de óleo que estava na frente da geladeira. Eu estava pensando como aquela coisa tinha acabado no chão, especialmente quando eu tinha achado a garrafa vazia no lixo. Eu estava com cheiro de Crisco[18] quando eu terminei. O chão ainda tinha um pedaço escorregadio, mas era o melhor que eu poderia fazer.
O ranger da porta do forno me assustou. Eu me virei para ver Ethan abrindo—o e mexendo dentro.
—Ethan! — Agarrando seu pulso, eu o puxei de volta, ignorando seu grito de protesto. —O que você está fazendo, seu idiota? Você quer se queimar?
—Fome!
—Sente-se! — Eu rebati, e o coloquei à força na cadeira de jantar.
Ele tentou me bater, o pequeno ingrato. Eu resisti fortemente a bater nele. —Deus! Você está um saco hoje. Sente aí e fique quieto. Vou fazer sua comida num segundo.
Quando a pizza saiu, ele caiu em cima como um selvagem, sem nem esperar esfriar. Chocada, eu só pude olhar enquanto ele partia os pedaços como um cachorro faminto, mal parando para mastigar enquanto ele engolia. Logo, seu rosto e mãos estavam sujos com molho e queijo, e a pizza rapidamente diminuiu. Em menos de dois minutos ele tinha comido tudo, até a última migalha.
Ethan lambeu suas mãos, então levantou seus olhos, e fez cara feia pra mim. —Ainda com fome.
—Você não está. — Eu disse pra ele, desviando meu olhar. —Se você comer mais qualquer coisa, vai ficar doente. Vá brincar no seu quarto ou fazer alguma outra coisa.
Ele olhou para mim com uma expressão maligna, e parecia que sua pele escurecia, enrugava e murchava abaixo de sua gordura de bebê. Sem aviso, ele saltou da cadeira, correu pra mim, e afundou os dentes na minha perna.
—Hei! — A dor se espalhou pela minha panturrilha como um choque elétrico. Agarrando seu cabelo, eu tentei afastar seus dentes da minha pele, mas ele se agarrou em mim como uma lesma, e me mordeu ainda mais forte. Parecia que eram cacos de vidro entrando na minha perna. Lágrimas borraram minha visão, e meus joelhos quase se curvaram com a dor.
—Meghan!
Robbie estava em pé do lado de dentro da porta com uma mochila pendurada no seu ombro e seus olhos verdes arregalados com o choque.
Ethan me soltou, virando a cabeça em direção ao grito. Sangue escorria dos seus lábios. Vendo Robbie, ele sibilou, não tem outro jeito de falar isso, e fugiu de nós subindo as escadas e desaparecendo de vista.
Eu estava tão chocada que tive que sentar no sofá. Minha perna latejava, e minha respiração vinha em pequenos soluços desiguais. Sangue, brilhante e vívido, escorria através do meu jeans como uma flor desabrochando. Atordoada, eu olhava para ele, a dormência amortecendo meus membros, congelando—os em choque.
Robbie cruzou a sala em três passadas e ajoelhou perto de mim. Rapidamente, como se ele já tivesse feito isso antes, ele começou a enrolar a perna da calça pra cima.
—Robbie. — Eu suspirei enquanto ele se inclinava sobre sua tarefa, seus dedos longos surpreendentemente gentis.
—O que está acontecendo? Tudo está ficando louco. Ethan simplesmente me atacou...como um cachorro selvagem.
—Aquele não era seu irmão. — Robbie murmurou enquanto ele empurrou o tecido para trás, revelando uma bagunça sangrenta abaixo de meu joelho. Uma ferida oval estragava a minha perna, tinha sangue escorrendo, e a pele em volta já estava púrpura. Rob assobiou baixinho. —Imundo. Espere aqui. Eu já volto.
—Eu não estou indo a lugar nenhum. — Eu respondi automaticamente, e então eu percebi sua afirmação anterior. —Espere um minuto. O que você quis dizer com não era o Ethan? Quem mais poderia ser?
Rob me ignorou. Andando para sua mochila, ele a abriu e tirou uma garrafa verde longa, e um pequena taça de cristal. Eu me irritei. Por que ele estava pegando o champanhe agora? Eu estava machucada, com dor, e meu irmão pequeno tinha virado um monstro. Com certeza eu não estava com humor para comemorar.
Com todo o cuidado, Robbie colocou a champanhe na taça e voltou, tendo cautela para não derramar nenhuma gota.
—Aqui. — Ele disse me entregando a taça. O copo cintilava na sua mão. —Beba isso. Onde você guarda as toalhas?
Eu desconfiei. —No banheiro. Só não use as brancas boas da mamãe. — Quando Rob saiu, eu olhei para a pequena taça. Tinha só um pouco, o suficiente para um gole. Isso não parecia champanhe pra mim. Eu estava esperando algo efervescente, branco ou rosa, espumando no copo. O líquido da taça era um vermelho escuro profundo, da cor de sangue. Uma névoa fina se contorcia e dançava sobre a superfície.
—O que é isso?
Robbie voltou do banheiro com uma toalha branca e virou seus olhos. —Você precisa questionar tudo? Isso irá ajuda-la a esquecer a dor. Só beba isso logo.
Eu cheirei pra experimentar, esperando notas de rosas ou frutas vermelhas, ou algum tipo de essência doce misturada com álcool.
Não cheirava a nada. Nada mesmo.
Oh, bom. Eu levantei o copo em um brinde silencioso. —Feliz aniversário pra mim.
O vinho encheu minha boca, inundando meus sentidos. Não tinha gosto de nada e de tudo. Tinha gosto de crepúsculo e neblina, luar e geada, vazio e saudade. A sala balançava, e eu caí para trás contra o sofá. Isso era forte. Realidade desfocada nas bordas, envolvendo-me em uma neblina embaçada. Eu me senti, ao mesmo tempo, doente e sonolenta.
Tão logo meus sentidos retornaram, vi Robbie colocando uma bandagem em volta da minha perna. Eu não me lembrava como ele limpou ou higienizou a ferida. Eu me senti entorpecida e confusa, como se um cobertor tivesse sido colocado sobre meus pensamentos, fazendo com que fosse difícil me concentrar.
—Aqui. — Robbie disse, se esticando. —Tá feito. Pelo menos sua perna não vai cair. — Seus olhos ansiosos e avaliadores seguiram até os meus. —Como está se sentindo, princesa?
—Hum. — Eu disse inteligentemente, e tentei varrer as teias de aranha do meu cérebro. Tinha alguma coisa que eu não estava me lembrando, alguma coisa importante. Por que Robbie estava amarrando minha perna? Eu, por um acaso, tinha me machucado?
Eu me sentei repentinamente.
—Ethan me mordeu! — Eu exclamei, indignada e furiosa, mais uma vez. Eu virei pra Robbie. —E você... você disse que não era o Ethan! Sobre o que você estava falando? O que está acontecendo?
—Relaxe, princesa. — Robbie largou a toalha ensanguentada no chão, e deitou num estrado. Ele suspirou. —Eu tinha esperança que não chegasse a isto. É minha culpa, eu acho. Eu não deveria ter te deixado sozinha hoje.
—Sobre o que você está falando?
—Você não deveria ter visto isso, nada disso. — Robbie continuou, para minha completa confusão. Ele parecia estar falando mais com ele mesmo do que comigo. —Seu Sinal sempre foi forte, o que é uma dádiva. Mas eu ainda não esperava que eles fossem atrás da sua família também. Isso muda as coisas.
—Rob, se você não me disser o que está acontecendo...
Robbie olhou pra mim. Seus olhos brilhavam, travessos e selvagens. —Contar pra você? Você tem certeza? — Sua voz era suave e perigosa, arrepios correram pelos meus braços. —Uma vez que você começar a ver coisas, você não será capaz de parar. Pessoas ficam malucas com tanto conhecimento. — Ele suspirou, e a ameaça saiu de seus olhos. —Eu não quero que isso aconteça com você, princesa. Não tem que ser por este caminho, você sabe. Eu posso faze-la esquecer tudo isso.
—Esquecer?
Ele confirmou e levantou a garrafa de vinho. —Isso é mistura de vinho. Você só tem que beber. Uma taça fará tudo voltar ao normal. — Ele balançou a garrafa com dois dedos, observando-a ir pra frente e pra trás. —Uma taça e você será normal de novo. O comportamento do seu irmão não te parecerá estranho e você não se lembrará de nada estranho ou assustador. Você sabe o que dizem... Ignorância é uma maravilha, certo?
Apesar da minha inquietação, senti um fogo lento de raiva queimando meu peito. —Então, você quer que eu beba isso...essa coisa e esqueça do Ethan. Só esquecer do meu único irmão. É isso que você está dizendo.
Ele levantou uma sobrancelha. —Bem, quando você coloca dessa forma...
O calor cresceu quente e furioso, afastando o medo. Eu cerrei os punhos. —É claro que eu não vou esquecer o Ethan! Ele é meu irmão! Você é realmente desumano, ou só estúpido?
Para minha surpresa, um sorriso se espalhou sobre seu rosto. Ele baixou a garrafa, pegou-a e a colocou no chão. —O primeiro. — Ele disse muito suavemente.
Aquilo me pegou de surpresa. —O quê?
—Desumano. — Ele estava sorrindo pra mim, o sorriso esticando tanto a sua boca que seus dentes brilhavam na luz fraca. —Eu alertei você, princesa. Eu não sou como você. E agora, nem seu irmão é.
Apesar do medo picando meu estômago, eu me inclinei para frente. —Ethan? O que você quer dizer? O que tem de errado com ele?
—Aquele não era o Ethan. — Robbie recostou—se, cruzando os braços. —A coisa que te atacou hoje era um changeling[19].
Puck
Eu olhei para Robbie, me perguntando se essa era outra de suas brincadeirinhas estúpidas. Ele sentou ali, me observando calmamente, assistindo minha reação. Embora ele ainda estivesse com um meio sorriso, seus olhos estavam fixos e sérios. Ele não estava brincando.
—Ch-changeling? — Finalmente eu gaguejei, olhando para ele como se ele fosse louco. —Não é um tipo de... de...
—Faery[20] — Robbie terminou para mim. —Um changeling é uma prole faery que foi trocada por uma criança humana. Normalmente, um trolls[21] ou goblins[22], embora o sidhe[23] (a nobreza faery) tem sido conhecido por fazer a troca, também. Seu irmão foi substituído. Essa coisa não é Ethan, mais do que eu seja.
—Você é maluco. — Eu sussurrei. Se eu não estivesse sentada, eu teria me afastado dele em direção à porta. —Você foi longe demais. Hora de cortar o anime[24], Rob. Não existem coisas como faeries.
Robbie suspirou. —Sério? É isso o que você acredita? Como é previsível. — Ele se inclinou para trás e cruzou seus braços. —Eu pensava melhor de você, princesa.
—Pensava melhor sobre mim? — Eu chorei, saltando do sofá. —Escute a si mesmo! Você realmente espera que eu acredite que meu irmão é algum tipo de pixie[25] com pó de glitter e asas de borboleta?
—Não seja estúpida. — Rob disse suavemente. —Você não tem idéia do que está falando. Você está pensando na ‘Sininho’, o que é uma típica resposta humana para a palavra faery. Uma fey real não é nada como tudo isso. — Ele parou por um momento. —Bem, exceto pelos piskies[26], é claro, mas essa é uma história completamente diferente.
Eu sacudi minha cabeça, meus pensamentos girando em várias direções ao mesmo tempo. —Eu não posso lidar com isso agora. — Eu murmurei, e cambaleei para longe dele. —Eu tenho que verificar o Ethan.
Robbie apenas deu de ombros, se inclinou contra a parede e colocou suas mãos atrás de sua cabeça. Depois de uma última olhada para ele, eu subi as escadas e abri a porta do quarto de Ethan.
Estava uma confusão, uma zona de guerra de brinquedos quebrados, livros e roupas para tudo que é lado. Eu olhei em volta procurando por Ethan, mas o quarto parecia estar vazio, até eu escutar um pequeno arranhão embaixo da cama.
—Ethan? — Eu chamei suavemente. —Está tudo bem? Por que você não vem aqui um segundo? Eu não estou chateada com você. — Bem, isso era uma mentira, mas eu estava mais agitada do que com raiva. Eu queria arrastar Ethan escada abaixo e provar que ele não era um troll ou um changeling ou o que quer que Robbie disse que ele era.
A aglomeração se mexeu um pouco, e a voz de Ethan saiu da abertura. —O homem assustador ainda está aqui? — Ele perguntou em uma pequena voz assustada. Eu deveria ter sido simpática, se minha panturrilha não tivesse latejado tanto.
—Não. — Eu menti. —Ele foi embora agora. Você pode vir para fora. — Ethan não se moveu, e minha irritação faiscou. —Ethan, isso é ridículo. Saia já daí, você vai? — Eu meti minha cabeça mais para dentro do colchão e estendi minha mão para ele.
Ethan se virou para mim com um sibilo, olhos amarelos queimando, e deu uma bocada no meu braço. Eu puxei meu braço enquanto os dentes dele, pontudos como os de um tubarão, estalaram junto com um som horrível de clique. Ethan rosnou, sua pele em um azul horrível de criança afogada, seus dentes brilhando na escuridão. Eu gritei, lutei para ir para trás, peças de lego e Tinkertoys[27] mordendo minha palma. Batendo na parede, eu me levantei, me virei e saí do quarto.
Eu corri e bati em Robbie, parado do lado de fora da porta.
Ele agarrou meus ombros enquanto eu gritava e comecei a bater nele, pouco consciente do que eu estava fazendo. Ele suportou o ataque sem palavras, simplesmente me segurando no lugar, até eu cair contra ele, e enterrar minha cabeça em seu peito. E ele me segurou, enquanto eu chorei colocando para fora meus medos e raiva.
Finalmente, as lágrimas pararam, deixando—me exaurida e completamente exausta. Eu funguei e fui para trás, limpando meus olhos com minha palma, tremendo. Robbie ainda estava parado quietamente lá, sua camisa úmida com minhas lágrimas. A porta do quarto de Ethan estava fechada, mas eu podia ouvir fracas pancadas e risadas através da porta.
Eu tremi, olhando para Robbie. —Ethan realmente se foi? — Eu sussurrei. —Ele não está apenas escondido em algum lugar? Ele realmente se foi?
Robbie assentiu gravemente com a cabeça. Eu olhei para a porta do quarto de Ethan e mordi meus lábios. —Onde ele está agora?
—Provavelmente em Faeryland[28]. — Afirmando de forma tão simples, eu quase ri do quão ridículo era tudo isso. Ethan tinha sido roubado por faeries e substituído por um terrível doppelgänger[29]. Faeries sequestraram meu irmão. Eu fiquei tentada a me beliscar para ver se era um sonho distorcido ou uma alucinação. Talvez eu tenha caído dentro de um estupor bêbado no sofá. Num impulso, eu mordi forte o interior da minha bochecha. A dor aguda e o gosto de sangue me disse que isso realmente era real.
Eu olhei para Robbie, e sua expressão grave baniu a última das minhas dúvidas. Uma sensação de enjôo cresceu em meu estômago, me fazendo nausear e tremer.
—Então... — Eu engoli e me forcei a ficar calma. Ok, Ethan foi sequestrado por faeries; eu posso lidar com isso. —O que vamos fazer agora?
Robbie elevou um ombro. —Isso é com você, princesa. Existem famílias humanas que têm criado changelings como se fossem os próprios filhos, embora eles normalmente estejam inconscientes da real natureza da criança. Geralmente falando, se você o alimentar e o deixar sozinho, ele irá se adaptar à sua nova casa sem muitos problemas. Changelings criam um transtorno para si mesmos primeiro, mas a maioria das famílias se adapta. — Robbie sorriu, mas era uma tentativa de leveza ao invés de humor. —Esperançosamente, seus pais vão achar que ele está apenas passando por um momento terrível.
—Robbie, essa coisa me mordeu, e provavelmente fez mamãe escorregar e cair na cozinha. Ele é mais que um transtorno, ele é perigoso. — Eu olhei para a porta fechada de Ethan e estremeci. —Eu quero isso longe. Eu quero meu irmão de volta. Como vamos nos livrar disso?
Robbie suspirou. —Bem, existem maneiras de se livrar de um changelings — Ele começou, parecendo inconfortável. —Um método antigo é preparar cerveja ou cozinhar guisado em cascas de ovos, o que vai fazer o changeling comentar sobre a esquisitice disso. Mas esse método era para crianças que foram trocadas, desde que o bebê seja muito jovem para falar, os pais saberiam que o changeling é um impostor e os pais verdadeiros teriam que leva-lo de volta. Eu não acho que esse método irá funcionar para alguém mais velho, como o seu irmão.
—Legal. Qual o outro método?
—Er, o outro método é bater no changeling quase levando-o à morte, até que os gritos forcem os pais fey a devolverem a criança verdadeira. Salvo esta, você pode enfiar ele no forno e cozinha-lo vivo...
—Pare. — Eu me senti enjoada. —Eu não posso fazer nenhuma dessas, Robbie. Eu simplesmente não posso. Tem que existir outro jeito.
—Bem... — Rob parecia hesitante e coçou sua nuca. —O único outro método é viajar através das faery lands e traze-lo de volta. Trazendo a verdadeira criança para dentro da casa novamente, irá forçar o changeling a ir embora. Mas... — Ele pausou, como se estivesse a beira de dizer alguma coisa, apenas para pensar melhor sobre isso.
Mas o quê?
—Mas... você não sabe quem levou seu irmão. E sem esse conhecimento, você apenas estará andando em círculos. E, se você está se perguntando, andar em círculos na faeryland é uma idéia muito, muito, ruim.
Eu estreitei meus olhos. —Eu não sei quem o pegou. — Eu afirmei, olhando seriamente para Robbie. —Mas você sabe.
Robbie vacilou nervosamente. —Tenho um palpite.
—Quem?
—É apenas um palpite, preste atenção. Eu posso estar errado. Não vá tirando conclusões.
—Robbie!
Ele suspirou. —A Corte Unseelie[30].
—A o quê?
—A Corte Unseelie. — Robbie repetiu. —A Corte de Mab, Rainha do Ar e da Escuridão. Inimigos jurados do Rei Oberon e da Rainha Titania. Muito poderosa. Muito má.
—Espere, espere, espere. — Eu segurei minhas mãos. —Oberon? Titania? Como de ‘Um sonho de uma noite de verão’[31]? Não são apenas mitos antigos?
—Antigos, sim. — Robbie disse. —Mitos, não. Os senhores faery são imortais. Aqueles que têm canções, poemas, e histórias escritas sobre eles nunca morrem. Crença, adoração, imaginação. Nós nascemos dos sonhos e medos dos mortais, e se somos lembrados, mesmo que de um modo bem pequeno, sempre iremos existir.
—Você continua dizendo ‘nós’. — Eu apontei. —Como se você fosse um desses faeries imortais. Como se você fosse um deles. — Robbie sorriu, um orgulhoso e zombeteiro sorriso, e eu engoli em seco. —Quem é você, de qualquer jeito?
—Ah, bem. — Robbie deu de ombros, tentando parecer modesto e inteiramente desapontado. —Se você já leu ‘Um sonho de uma noite de verão’, você pode se lembrar de mim. Existe esse lamentável incidente, completamente indesejado, onde eu dou à alguém uma cabeça de burro e faço Titania ficar apaixonada por ele.
Eu fiquei pensando nas partes. Eu li isso na sétima série, mas eu tinha esquecido a maioria do enredo. Existiam muitos personagens, tantos nomes para pensar, pessoas se apaixonando e desapaixonando tão frequentemente que era ridículo. Eu me lembrava de alguns nomes humanos: Hermia, Helena, Demetrius. No lado faery, existiam Oberon e Titania e...
—Merda. — Eu sussurrei, indo para trás contra a parede. Eu olhei para Robbie com novos olhos. —Robbie Goodfell. Robin... você é o Robin Goodfellow.
Robbie sorriu. —Me chame de Puck.
PUCK. O PUCK ESTAVA PARADO no meu corredor.
—De jeito nenhum. — Eu sussurrei, sacudindo minha cabeça. Esse era Robbie, meu amigo mais próximo. Eu teria percebido se ele fosse um faery antigo. Não teria?
Assustadoramente, quanto mais eu pensava sobre isso, mais plausível parecia. Eu nunca tinha visto a casa de Robbie ou seus pais. Todos os professores o amavam, embora ele nunca tenha feito algum trabalho escolar e dormia na maioria das aulas. E estranhas coisas aconteciam quando ele estava perto: ratos e sapos apareciam nas mesas, ou nomes eram trocados nos papéis de chamada. Embora Robbie Goodfell pensasse que esse cenário era absolutamente hilário, ninguém suspeitava dele.
—Não. — Eu murmurei novamente, andando para trás em direção à sala. —Isso é impossível. Puck é uma lenda, um mito. Eu não acredito nisso.
Robbie me deu aquele sorriso estranho. —Então, princesa, deixe-me, sem sombra de dúvida, assegura-la.
Seus braços elevaram de seus lados, como se ele pudesse levitar no ar. Das escadas, eu ouvi a porta da frente abrir, e eu desejei que mamãe e Luke não tivessem chegado em casa ainda. Sim, mamãe, Ethan virou um monstro, e meu melhor amigo pensa que é um faery. Como foi seu dia?
Um enorme pássaro preto voou para dentro do corredor. Eu gani e me abaixei enquanto o corvo, ou o quer que isso fosse, fazia um caminho mais curto em direção à Robbie, e pousou em seu braço. Eles me assistiam com seus pares de olhos brilhantes, e Robbie sorriu.
Uma ventania, e de repente, o ar estava cheio de silvo de pássaros pretos, voando pela porta aberta. Eu engoli e me abaixei enquanto a nuvem de corvos enchia o corredor, seus gritos quase me ensurdeceram. Eles voavam em volta de Robbie, um tornado de asas batendo e garras afiadas, rasgando-o com as garras e bicos. Penas voavam por todos os lugares, e Robbie desapareceu dentro do redemoinho de massa. Então, todos juntos, os pássaros dispersaram-se, voando para fora pela porta aberta, tão rápido quanto eles tinham entrado. Quando o último pássaro foi embora, a porta se fechou, e o silêncio desceu mais uma vez. Eu respirei e olhei para Rob.
Robbie tinha ido. Apenas um redemoinho de penas pretas e grãos de poeira permaneceu no lugar onde ele havia estado.
Isso era demais. Eu senti minha sanidade se desfazer como tecido desgastado. Com um grito chocante, eu me virei e voei para meu quarto, batendo a porta atrás de mim. Me atirando nas cobertas, eu coloquei o travesseiro sobre minha cabeça e sacudi, esperando que quando eu acordasse, as coisas estariam normais.
Minha porta abriu, e o som de asas batendo encheu meu quarto. Eu não queria olhar e coloquei as cobertas mais apertadas em volta de mim, pedindo que o pesadelo acabasse. Eu ouvi um suspiro, e passos sobre o chão.
—Bem, eu tentei te avisar, princesa.
Olhei para fora. Robbie estava parado ali, olhando para mim, um triste sorriso em seu rosto. O vendo, eu senti alívio, raiva, e terror ao mesmo tempo. Eu joguei as cobertas para o lado e me sentei, estreitando meus olhos enquanto eu o olhava. Robbie esperou, mãos dentro dos bolsos de seu jeans, como se estivesse me desafiando à contradize-lo um pouco mais.
—Você realmente é o Puck? — Eu finalmente disse. —O Puck? Como na história?
Robbie/Puck fez uma pequena reverência. —O próprio e único.
Meu coração ainda estava apertado. Eu respirei profundamente para me acalmar e olhei para o estranho no meu quarto. Minhas emoções se agitaram; eu não sabia o que sentir. Eu me estabeleci na raiva; Robbie tem sido meu melhor amigo por anos, e ele nunca compartilhou seu segredo comigo. —Você poderia ter me falado antes. — Eu disse, tentando não soar magoada. —Eu poderia ter mantido seu segredo. — Ele apenas sorriu e levantou uma sobrancelha, me enfurecendo ainda mais. —Legal. Volte para a Faeryland, ou de onde quer que você tenha vindo. Supõe-se que você não seja o bobo de Oberon ou alguma coisa assim? Por que você esteve em volta de mim por tanto tempo?
—Você me ofende, princesa. — Robbie soava qualquer coisa menos magoado. —E depois que eu me convenci a te ajudar a trazer seu irmão de volta.
Minha raiva desapareceu instantaneamente, substituída pelo medo. Com toda essa conversa sobre fey e senhores faery, eu tinha quase esquecido sobre Ethan.
Eu tremi enquanto meu estômago se contorceu por dentro como uma pequena bola. Isso ainda parecia com alguma coisa que saiu de um pesadelo. Mas Ethan tinha ido, e faeries eram reais. Eu tinha que aceitar isso agora. Robbie estava parado ali, me olhando com expectativa. Uma pena preta caiu de seus cabelos, espiralando em cima da cama. Cautelosamente, eu a peguei, girando-a com meus dedos. Pareciam sólidas e reais.
—Você vai me ajudar? — Eu sussurrei.
Ele me deu um olhar perspicaz, um canto de sua boca virando para cima. —Você conhece algum modo de entrar em Faery por conta própria?
—Não.
—Então você precisa da minha ajuda. — Robbie sorriu e esfregou suas mãos juntas. —Além do mais, já faz um bom tempo desde que eu não vou para casa, e nada tem acontecido aqui. Atormentar a Corte Unseelie soa divertido.
Eu não compartilhei seu entusiasmo. —Quando nós iremos? — Eu perguntei.
—Agora. — Robbie respondeu. —Quanto mais cedo, melhor. Você tem alguma coisa que queira pegar, princesa? Você pode não voltar por algum tempo.
Eu assenti, tentando permanecer calma. —Apenas me dê um minuto.
Robbie assentiu e andou para dentro do corredor. Eu peguei minha mochila laranja brilhante e a joguei na cama, me perguntando o que levar. O que alguém precisa para uma noite de viagem para a Faeryland? Eu agarrei um jeans e uma camisa extra, uma lanterna, um frasco de aspirina, e joguei tudo dentro da mochila. Descendo para a cozinha, eu joguei dentro uma coca-cola e dois sacos de batatas fritas, desejando que Robbie soubesse onde encontrar comida na jornada. Finalmente, nem mesmo sabendo o porquê, eu agarrei meu iPod, colocando-o dentro do bolso lateral.
Mamãe deveria me levar hoje para o DMV[32]. Eu hesitei, mordendo meus lábios. O que mamãe e Luke vão pensar quando eles descobrirem que eu desapareci? Eu sempre tinha seguido as regras, nunca fugi, exceto essa vez com Robbie, nunca fiquei até depois do toque de recolher. Eu me perguntei o que Rob queria dizer quando ele disse que nós iríamos ficar fora ‘por um tempo’. Luke poderia nem mesmo notar que eu tinha ido, mas mamãe iria se preocupar. Agarrando minha velha folha de tarefa, eu comecei a escrever uma pequena nota, mas parei, minha caneta pairando sobre o papel.
O que você irá dizer para ela? “Querida mamãe, Ethan foi sequestrado por faeries. Fui para traze-lo de volta. Oh, e não confie no Ethan que está aqui; ele é na verdade um faery changeling.” Isso soava maluco até para mim. Eu hesitei, pensando, então rabisquei uma pequena nota:
Mamãe, teve uma coisa que eu tive que cuidar. Eu estarei de volta logo, eu prometo. Não se preocupe comigo. Meghan.
Coloquei a nota na porta da geladeira, tentando não pensar que eu poderia nunca mais ver novamente minha casa. Colocando a mochila no ombro, sentindo meus sentimentos interiores se contorcerem como um ninho de cobras, eu subi as escadas.
Robbie me esperava no patamar da escada, braços cruzados sobre seu peito com um sorriso preguiçoso. —Pronta?
Apreensão fez cócegas em meu estômago. —Isso será muito perigoso?
—Oh, extremamente. — Robbie disse, andando para a porta do quarto de Ethan. —É o que faz isso divertido. Você pode morrer de tantas maneiras interessantes: em uma espada de vidro, afogada e comida por um kelpie[33], transformada em uma aranha ou em uma roseira para sempre. — Ele olhou de volta para mim. —Bem, você vem ou não?
Eu percebi que minhas mãos estavam tremendo, e eu as segurei em meu peito. —Por que você está dizendo essas coisas? — Eu murmurei. —Você está tentando me assustar?
—Sim. — Robbie respondeu, impassível. Ele parou na porta de Ethan, uma mão na maçaneta e olhou para mim. —Essas são as coisas que você vai ter que encarar, princesa. Eu estou te dando agora um bom conselho. Ainda acha que queres ir? Minha oferta anterior ainda está de pé.
Eu me lembrei do gosto do vinho enevoador, o desesperado desejo por mais, e eu tremi. —Não. — Eu disse rapidamente. —Eu não vou deixar o Ethan com um bando de monstros. Eu já perdi um pai, eu não irei perder um irmão também.
E então, me ocorreu uma coisa, alguma coisa que me fez perder a respiração, me perguntando por que eu não pensei nisso antes. Pai. Meu coração bateu forte, recordando dos meus sonhos pela metade, onde meu pai sumia através de um lago e nunca ressurgia. E se ele tivesse sido sequestrado por faeries também? Eu podia achar Ethan e meu pai, e trazer os dois para casa!
—Vamos lá. — Eu demandei, olhando Robbie nos olhos. —Qual é, nós já desperdiçamos tempo demais aqui. Se nós vamos fazer isso, vamos acabar logo.
Rob piscou, e um estranho olhar apareceu em seu rosto. Por um momento, pareceu como se ele quisesse falar alguma coisa. Mas então ele se sacudiu, como se ele tivesse saído de um transe, e o momento se foi.
—Tudo bem, então. Não diga que eu não te avisei. — Ele sorriu, e o brilho em seu olhar aumentou. —Prioridades, primeiro. Nós temos que achar uma entrada para Nevernever. Isso é Faeryland para você. Não é um lugar que você possa entrar, e as portas estão normalmente muito bem escondidas. Felizmente, eu tenho uma boa idéia onde tem uma escondida. — Ele sorriu, virando-se para longe, e bateu na porta do quarto de Ethan. —Toc, toc! — ele falou em uma voz alta.
Por um momento, um silêncio. Então veio um baque e um barulho, como se alguma coisa pesada tivesse sido jogada contra a porta. —Vá embora! — rosnou a voz dentro.
—Ah, não. Isso não é como a piada funciona. — falou Rob. —Eu digo ‘toc, toc’ e supõe-se que você responda ‘Quem é?’
—Foda-se!
—Não, ainda está errado. — Robbie parecia imperturbável. Eu, entretanto, estava horrorizada com o linguajar de Ethan, embora eu soubesse que não era ele. —Aqui... — Rob continuou em uma voz agradável. —...eu irei falar toda a coisa, então você irá saber como responder da próxima vez. — Ele limpou a garganta e bateu na porta novamente. —Toc, toc! — ele berrou. —Quem é? Puck! Puck, quem? Puck, que irá transforma-lo em um porco espinho e tampa-lo dentro do forno, se você não sair do nosso caminho! — E com isso, ele golpeou a porta e abriu-a.
A coisa que parecia com Ethan estava parado na cama, e um livro em cada mão. Com um sibilo, ele jogou em direção a porta. Robbie esquivou, mas um de brochura me acertou no estômago e eu resmunguei.
—Por favor. — Eu ouvi Rob murmurar, e um pente voou através do ar. E de repente, todos os livros do quarto agitaram suas capas, voando do chão e das prateleiras, e começaram a ir em direção à Ethan, como um bando de gaivotas enfurecidas. Eu apenas pude olhar, sentindo minha vida ficar mais surreal à cada segundo. O falso Ethan sibilou e rosnou, golpeando os livros enquanto eles o envolviam, apenas um golpe em seu rosto, e ele caiu para fora do colchão. Cuspindo em fúria, ele se lançou embaixo da cama. Eu ouvi garras aranhando contra a madeira, enquanto seus pés sumiam da visão. Maldições e rosnados derivavam para fora da escuridão.
Robbie sacudiu a cabeça. —Amadores. — Ele suspirou enquanto os livros que voavam em volta do quarto congelaram no meio do vôo e caíram no chão com um estrondo. —Vamos lá, princesa.
EU ME SACUDI E PEGUEI MINHAS coisas sobre os livros caídos, juntando-me à Robbie no meio do quarto. —Então. — Eu arrisquei, tentando soar casual, como se livros voadores e faeries fossem alguma coisa que eu encarava todos os dias. —Onde fica essa entrada para a Faeryland? Você terá que fazer um anel mágico, ou um feitiço, ou alguma outra coisa?
Rob riu. —Não exatamente, princesa. Você faz disso muito complicado. Portais para Nevernever tendem a aparecer em lugares onde existe muita crença, criatividade ou imaginação. Frequentemente você pode encontrar nos roupeiros de crianças, ou embaixo de suas camas.
Floppy temia o homem do closet. Eu tremi, mentalmente me desculpando com meu meio irmão. Quando eu o encontrar novamente, eu irei com certeza falar para ele que eu acreditava em monstros também.
—O closet, então. — Eu murmurei, caminhando por cima de livros e brinquedos para alcançar o armário. Minha mão tremeu um pouco quando eu agarrei a maçaneta. Sem voltar atrás agora, eu disse para mim mesma, e puxei a porta.
Uma figura alta e emagrecida, com um rosto estreito e olhos fundos, me olhou quando a porta foi aberta. Seu corpo muito magro vestia um terno preto, e um chapéu de feltro em cima de sua cabeça pontiaguda. Ele piscou, olhando para mim, e os lábios sem cor puxaram-se para trás formando uma careta, revelando dentes finos e pontudos. Eu fui para trás com um grito.
—Meu closet! — Sibilou a figura. Uma mão comprida e fina agarrou a maçaneta. —Meu closet! Meu! — E ele fechou a porta com um barulho.
Robbie deu um suspiro exasperado enquanto eu me escondia atrás dele, meu coração batendo em torno da minha caixa torácica como um bastão. —Bogeys[34]. — Ele murmurou, sacudindo sua cabeça. Ele trotou para a porta, bateu três vezes, e a abriu.
Desta vez, o espaço estava vazio, exceto por camisas penduradas, caixas empilhadas e coisas normais de closet. Robbie colocou as roupas de lado, manobrando em volta das caixas e colocou uma mão na parede do fundo, traçando seus dedos ao longo da madeira. Curiosa, eu caminhei para mais perto.
—Onde você está? — Ele murmurou, sentindo ao longo da parede. Eu rastejei até a porta e olhei para cima de seu ombro. —Eu sei que você está aqui. Onde está... aha.
Agachando, ele inspirou e soprou contra a parede. Instantaneamente, uma nuvem de poeira subiu, envolvendo-o e brilhando como glitter laranja.
Quando ele se endireitou, eu vi uma maçaneta dourada na parede de trás e o contorno de uma porta, luz pálida brilhava através da fenda inferior.
—Vamos lá, princesa. — Rob se virou e acenou para eu ir em frente. Seus olhos verdes brilhavam na escuridão. —Esse é o nosso caminho. Nosso único ticket para Nevernever.
Eu hesitei, esperando meu pulso acalmar para alguma coisa semelhante ao normal. Ele não acalmou. Isso era loucura, uma pequena parte assustada de mim sussurrava. Quem sabia o que esperava através dessa porta, que horrores escondiam nas sombras? Eu podia nunca mais vir para casa novamente. Essa era minha última chance de voltar atrás.
Não, eu disse. Eu não posso voltar atrás. Ethan está lá, em algum lugar. Ethan está contando comigo. Eu respirei profundamente, e caminhei para frente.
Uma mão enrugada saiu debaixo da cama, travando meu tornozelo. Ele puxou selvagemente e eu quase cai, enquanto um grunhido ecoou no espaço escuro embaixo. Com um grito, eu chutei e me liberei da garra, caminhando cegamente para dentro do closet e fechei a porta atrás de mim.
The Nevernever
Na escuridão empoeirada do closet de Ethan, eu pressionei uma mão contra meu peito, e esperei mais uma vez o meu batimento cardíaco voltar ao normal. Escuridão me rodeava, exceto pelo retângulo pequeno de luz delineado contra a parede distante. Eu não conseguia ver Robbie, mas eu sentia sua presença por perto, ouvia sua quieta respiração em minha orelha.
—Pronta? — Ele sussurrou, sua quente respiração na minha pele. E antes que eu pudesse responder, ele empurrou a porta para trás com um barulho, revelando Nevernever.
Uma pálida luz prateada encheu o closet. A clareira além da porta era cercada por enormes árvores, tão densas e emaranhadas que eu não conseguia ver o céu através dos ramos. Uma ondulação de névoa rastejava pelo chão, e o bosque era escuro e silencioso, como se a floresta fosse presa em um crepúsculo perpétuo. Aqui e ali, salpicos de cores brilhantes se destacavam entre as cinzas. Um canteiro de flores, suas pétalas, um chocante azul-elétrico, balançavam gentilmente na névoa. Uma vinha trepadeira serpenteava em volta de um tronco de um carvalho sem folhagem, longos espinhos vermelhos, um contraste com a árvore que ela estava matando.
Uma brisa quente soprou dentro do closet, carregada com uma variedade chocante de cheiros, cheiros que não deveriam estar juntos em um mesmo lugar. Folhas esmagadas e cheiro de canela, fumaça, maçãs, terra fresca, lavanda, e os cheiros fracos e inebriantes de podridão e decadência. Por um momento, eu capturei um cheiro de alguma coisa metálica, semelhante à cobre, envolto no cheiro de podridão, mas se foi na respiração seguinte. Nuvens de insetos giravam em cima de nossas cabeças, se eu escutasse bem eu poderia quase imaginar que eu ouvi cantos. A floresta era silenciosa à princípio, mas então eu capturei movimentos dentro das sombras, ouvi folhas sussurrarem em a volta. Olhos invisíveis pareciam me vigiar sob cada ângulo, perfurando minha pele.
Robbie, seu cabelo uma chama brilhante em cima de sua cabeça, andou através da porta, olhando em volta e riu. —Lar. — Ele suspirou, abrindo seus braços, como se fosse abraçar tudo isso. —Eu estou finalmente em casa. — Ele rodopiou e com outra risada, caiu para trás na névoa, como se ele estivesse fazendo um anjo na neve, e sumiu.
Eu engoli em seco e dei um cauteloso passo para frente. Névoa rodou em volta do meu calcanhar como uma coisa viva, acariciando minha pele com dedos úmidos. —Rob?
O silêncio me pegou. Do canto dos meus olhos, alguma coisa grande e branca se lançou dentro das árvores de modo imprevisível. —Rob? — Eu chamei novamente, me movendo para o lugar onde ele tinha caído. —Onde você está? Robbie?
—Boo. — Rob apareceu atrás de mim, levantando—se da névoa como um vampiro de seu caixão. Dizer que eu gritei era um pouco de eufemismo.
—Um pouco nervosos hoje, não estamos? — Robbie riu, e se lançou para fora do meu alcance antes que eu pudesse mata-lo. —Hora de mudar para o café descafeinado, princesa. Se você vai gritar para cada bogey que pule para fora e diga ‘boo’, você estará exausta antes de chegarmos na margem do bosque.
Ele tinha mudado. Calças verdes de caçador e um grosso capuz marrom substituíram seus jeans e sua camisa velha. Eu não consegui ver muito bem seus pés na névoa, mas parecia como se ele houvesse trocado seus tênis por botas de couro macias. Seu rosto estava mais magro, mais duro, com ângulos agudos e feições pontiagudas. Seu cabelo ruivo combinado com os olhos verdes brilhantes, ele me lembrava uma raposa sorridente.
Mas a diferença mais notável eram suas orelhas. Delgadas e pontudas, elas projetavam-se nas laterais de sua cabeça, como... bem, como de um elfo. E, naquele momento, todos os traços do Robbie Goodfell desapareceram. O garoto que eu havia conhecido por quase minha vida toda tinha desaparecido, como se ele nunca tivesse existido, e apenas Puck permanecia.
—Qual o problema, princesa? — Puck bocejou, esticando suas longas pernas. Era minha imaginação ou ele tinha ficado mais alto também? —Você parece como se estivesse perdido seu melhor amigo.
Eu ignorei a questão, não querendo continuar com o assunto. —Como você fez isso? — Eu perguntei, para conduzir a conversa para outro lugar. —Suas roupas, eu quero dizer. Elas estão diferentes. E o jeito como você fez os livros voarem em volta do quarto. Isso é mágica?
Puck sorriu. —Glamour. — Ele disse, como se isso significasse alguma coisa para mim. Eu franzi as sobrancelhas para ele, e ele suspirou. —Eu não tive tempo para me trocar antes de chegarmos aqui, e meu senhor, o Rei Oberon, desaprova vestir roupas mortais na corte. Então, eu usei glamour para me fazer apresentável. Como usei glamour para me fazer parecer humano.
—Espere um minuto. — Eu lembrei do sonho da conversa entre Robbie e a enfermeira. —Existem outros como você... você tipo faery, andando pela cidade? Embaixo do nariz de todo mundo?
Puck me deu um sorriso muito estranho. —Nós estamos em todos os lugares, princesa. — Ele disse firmemente. —Embaixo de suas camas, em seus sótãos, passando por vocês nas ruas. — Seu sorriso aumentou, mais feroz. —O Glamour é alimentado pelos sonhos e imaginações dos mortais. Escritores, artistas, pequenos garotos fingindo serem cavaleiros, os fey são atraídos por eles como mariposas para as chamas. Por que você acha que várias crianças tem amigos imaginários? Até seu irmão tinha um. Floppy, eu acho que é como ele se chamava, embora esse não seja seu nome verdadeiro. Um cruel changeling conseguiu mata-lo.
Meu estômago se apertou. —E... ninguém pode ver você?
—Nós somos invisíveis, ou nós usamos glamour para esconder nossa real natureza. — Puck se inclinou contra a árvore, lançando suas mãos atrás de sua cabeça de uma forma muito Robbie. —Não olhe tão chocada, princesa. Mortais têm aperfeiçoado a arte de não ver o que eles não querem que esteja lá. Embora, existam poucos humanos que podem ver através da névoa de glamour. Normalmente, esses são indivíduos muito especiais, inocentes, sonhadores ingênuos, e os fey estão cada vez mais atraídos por eles.
—Como Ethan. — Eu murmurei.
Puck me deu um olhar estranho, um canto de sua boca subiu. —Como você, princesa. — Ele parecia que ia dizer mais alguma coisa, mas então um ramo estalou em algum lugar na escuridão.
Ele endireitou—se rapidamente. —Oops, hora de ir. É perigoso ficar parado em qualquer lugar. Nós atrairemos atenção de algo não desejado.
—O quê? — Eu exclamei enquanto ele trotava através da lareira, movendo-se tão graciosamente como um veado. —Eu pensei que você disse que aqui era seu lar.
—Nevernever é o lar de todas os fey. — Puck disse sem olhar para trás. —Ele é dividido em territórios, ou mais tecnicamente, em cortes. A Corte Seelie é o domínio de Oberon, enquanto Mab reina o território Unseelie. Enquanto estiver nas Cortes, é normalmente proibido atormentar, mutilar ou matar outros fey sem a permissão dos governantes.
—No entanto. — Ele continuou, olhando para mim. —Agora, nós estamos em território neutro, lar dos fey selvagens. Aqui, nas palavras de vocês humanos, todas as apostas estão fora. As coisas que vierem até nós agora, pode ser um bando de sátiros que iria nos fazer dançar até que fiquemos exaustos, então eles iriam nos violentar um por um, ou então poderia ser uma matilha de lobos que nos rasgaria em partes. De todo o modo, eu não acho que você vá querer andar por ai.
Eu estava com medo novamente. Parecia que eu sempre estava com medo. Eu não queria estar aqui, nessa floresta estranha, com essa pessoa que eu achava que conhecia. Eu queria ir para casa. Porém, em casa tinha virado um lugar tão assustador também, quase tanto quanto Nevernever. Eu me sentia perdida e traída, fora do lugar em um mundo que desejava me machucar.
Ethan, eu me lembrei. Você está fazendo isso por Ethan. Uma vez que você o pegar, você poderá ir para casa e tudo irá voltar ao normal.
O rumor cresceu, e galhos agarraram o que quer que estava lá perto. —Princesa — Puck repreendeu, perto de mim. Eu pulei e engoli um grito quando ele agarrou meu pulso. —As companhias desagradáveis que eu citei capturaram nosso cheiro e estão vindo. — Embora sua voz fosse casual, eu podia ver a tensão em seus olhos. —Se você não quer que seu primeiro dia em Nevernever seja seu último, eu sugiro que nos mexamos.
Eu olhei para trás, e vi a porta que nós viemos parada no meio da clareira. —Nós iremos ser capazes de voltar para casa por esse caminho? — Eu perguntei enquanto Puck me empurrava para frente.
—Não. — Quando eu olhei para ele em horror, ele encolheu os ombros. —Bem, você não pode esperar que as portas permaneçam em torno de um único lugar, princesa. Não se preocupe. Você tem a mim, lembra? Quando o momento chegar, nós iremos achar um jeito de voltar.
Nós corremos para o lado mais distante da clareira, direto para um emaranhado de galhos com espinhos amarelos tão longos quanto meu polegar. Eu parei, tendo a certeza que nós iríamos ser cortados em tiras, mas enquanto nós nos aproximávamos, os ramos estremeciam e abriam caminho para nós, revelando um estreito caminho que cortava através das árvores. Enquanto nós entrávamos, os ramos se juntavam novamente, escondendo a trilha e protegendo nosso rastro.
Nós caminhamos por horas, ou pelo menos, parecia isso para mim. Puck mantinha um ritmo constante, nem se apressando nem caminhando devagar, e o som de perseguição foi diminuindo. Algumas vezes a trilha se dividia, levando a direções diferentes, mas Puck sempre escolhia um caminho sem hesitar. Muitas vezes, eu capturava movimentos de canto de olho, um flash de cores nos ramos, uma figura de silhueta entre as árvores, mas quando eu me virava, não tinha nada. Algumas vezes, eu quase jurava escutar cantos ou música, mas, é claro, sempre desaparecia quando eu tentava focar. A falta de luminosidade da floresta nunca diminuía ou aumentava, e quando eu perguntava para Puck que horas da noite iria escurecer, ele levantava uma sobrancelha para mim, e dizia que a noite iria vir quando estivesse na hora.
Irritada, eu chequei meu relógio, me perguntando quanto tempo nós estávamos viajando. Eu recebi um choque desagradável. Os delgados ponteiros tinham congelado no lugar. Ou a bateria do relógio tinha acabado ou alguma coisa estava interferindo.
Ou talvez, o tempo não existisse nesse lugar. Eu não sei por que achei isso imensamente perturbador, mas achei.
Meus pés estavam doendo, minha barriga roncando, e minhas pernas estavam queimando de exaustão quando o eterno crepúsculo finalmente começou a escurecer. Puck parou, olhando para cima para o céu, quando uma enorme lua brilhava em cima das copas das árvores, tão perto que você podia ver os buracos e crateras que estragavam a superfície.
—Eu acho que devemos descansar durante a noite. — Puck soou relutante. Ele me deu um sorriso torto quando eu sentei na tora mofada. —Nós não queremos que você tropece em um monte dançante, ou siga um coelho branco por um buraco escuro. Vamos lá, eu conheço um lugar não muito longe onde nós poderemos dormir tranquilos.
Ele segurou minhas mãos e me puxou. Meus membros gritavam em protesto, e eu quase sentei novamente. Eu estava cansada, debilitada, e a última coisa que eu queria era mais uma trilha. Olhando ao redor, eu vi um amável lago através das árvores. A água brilhava na luz da lua, e eu parei, olhando sobre o reflexo da superfície. —Por que não dormir aqui? — Eu perguntei.
Puck deu um olhar para o lago, fazendo careta, e puxou adiante. —Ah, não — ele disse rapidamente. —Tem muitas criaturas malvadas dentro da água, kelpies, glaistigs[35], sereias, entre outras coisas. Melhor não arriscarmos.
Eu olhei para trás e vi uma forma escura quebrando a perfeita superfície do lago, enviando ondas através da água calma. O topo da cabeça de um cavalo, negro como carvão e liso como uma foca, me olhou com sinistros olhos brancos. Com um suspiro, eu corri.
Alguns minutos depois, chegamos ao tronco de uma enorme árvore. A casca era tão rugosa e inculta que eu quase podia ver rostos espiando do tronco. Isso me lembrava às rugas de um idoso, empilhados em cima uns dos outros, e agitando os braços indignamente.
Puck se ajoelhou entre as raízes e bateu na madeira. Eu olhei acima de seus ombros e, com uma batida, vi uma pequena porta, mal tinha um pé (30cm), perto da base da árvore. Enquanto eu assistia com olhos arregalados, a porta se abriu e uma cabeça apareceu para fora desconfiada.
—Eh? Quem é? — Uma voz grossa perguntou enquanto eu olhava maravilhada. A pele do homenzinho era da cor de nozes; seus cabelos pareciam um feixe de varas que saiam para fora de seu couro cabeludo. Ele vestia uma túnica marrom e uma legging marrom, e parecia-se como uma vara viva, exceto pelos olhos, olhando para fora de seu rosto, pretos e brilhantes como um besouro.
—Boa noite, Twiggs. — Puck o cumprimentou educadamente.
O homenzinho piscou, olhando para a figura imponente sobre ele. —Robin Goodfellow? — Ele guinchou finalmente. —Não tenho te visto por aí faz um tempo. O que o traz à minha humilde árvore?
—Serviço de escolta — Puck respondeu, movendo-se para o lado para que Twiggs pudesse ter uma clara visão de mim. Aqueles bonitos olhos fixaram-se em mim, piscando em confusão. Então, de repente, eles tornaram—se enormes e redondos, enquanto Twiggs voltava a olhar para Puck.
—Isso...isso é....?
—É.
—Ela...?
—Não.
—Oh, meu Deus. — Twiggs abriu toda a porta, acenando com um braço fino. —Venha, venha. Rapidamente, agora. Antes que os dryads[36] avistem-na, as fofoqueiras irritantes. — Ele sumiu no interior da árvore, e Puck virou-se para mim.
—Eu nunca irei ser capaz de entrar aí. — Eu disse para ele antes que ele pudesse dizer uma palavra. —Não tem jeito de eu entrar, a menos que você faça uma mágica de cogumelo venenoso que irá me deixar do tamanho de uma vespa. E não irei comer nada como isso. Eu já vi Alice no país das maravilhas, você sabe.
Puck sorriu e pegou minha mão.
—Feche seus olhos — ele me disse, —e apenas caminhe.
Eu o fiz, meio que esperando dar com o nariz na árvore, cortesia de uma grande brincadeira de Robbie. Quando nada aconteceu, eu quase espiei, mas pensei melhor. O ar ficou quente, e eu ouvi uma porta bater atrás de mim, enquanto Puck dizia que eu poderia abrir meus olhos novamente.
Eu estava parada em uma aconchegante sala redonda, as paredes feitas de madeira lisa e vermelha, o chão coberto com tapete de musgo. Uma pedra lisa em três tocos servia como uma mesa no centro da sala, com frutas do tamanho de bolas de futebol. Uma escada de corda pendurada na outra parede, e quando meus olhos subiram nela, eu quase desmaiei. Dezenas de insetos rastejando nas paredes ou pairando no ar acima de nós, para o tronco mais afastado que eu poderia ver. Cada bicho era do tamanho de um Cocker spaniel, e suas traseiras brilhavam em um amarelo-esverdeado luminescentes.
—Você fez uma reforma, Twiggs. — Puck disse, sentando em um feixe de pele que passou por um sofá. Eu olhei mais de perto e vi a cabeça de um esquilo ainda imóvel na pele, e tive que desviar o olhar. —Esse lugar mal era um buraco na árvore quando eu o vi pela última vez.
Twiggs parecia satisfeito. Ele estava da nossa altura agora, na verdade, eu acho que nós estávamos mais da altura dele, e mais de perto ele cheirava a cedro e musgo.
—Sim, eu tenho crescido bastante no fundo dela. — Twiggs disse, caminhando sobre a mesa. Ele pegou uma faca e cortou a fruta em três partes, arrumando os pedaços em pratos de madeira. –Apesar de eu ter que me mudar logo. Os boatos dos dryads me dizem coisas horríveis. Eles dizem que parte da Wyldwood[37] está morrendo, sumindo mais há cada dia. Ninguém sabe o que está causando isso.
—Você sabe o que está causando. — Puck disse, agarrando a cauda do esquilo sobre suas pernas. —Todos sabem. Isso não é nada novo.
—Não. — Twiggs sacudiu sua cabeça. —Descrença mortal sempre levou um pouco de Nevernever, mas não é nada como isso. Isso é... diferente. É difícil explicar. Você vai ver o que eu quero dizer se você for mais para frente.
Ele nos entregou um prato com enormes frutas vermelhas, uma meia noz de carvalho, e uma porção de uma coisa que parecia larvas brancas cozidas à vapor. Apesar da esquisitice do dia, eu estava faminta depois das horas de caminhada. A fatia da fruta tinha um gosto picante e doce, mas eu não queria tocar na coisa que parecia bichada, dei-a toda para Puck. Depois do jantar, Twiggs me arrumou uma cama de couro e pele de esquilo, e embora eu estivesse um pouco cansada, eu caí no sono imediatamente.
NAQUELA NOITE, EU SONHEI.
Em meu sonho, minha casa estava escura e vazia, a sala de estar envolta em sombra. Um breve olhar para o relógio da parede indicava 3:19. Eu flutuei através da sala de estar, passando pela cozinha, e subi as escadas. A porta do meu quarto estava fechada, ouvi os roncos de Luke vindo do quarto principal, mas no final do corredor, a porta de Ethan estava entreaberta. Eu andei pelo corredor e olhei através da fenda.
Tinha um estranho parado no quarto de Ethan, uma figura alta e magra vestida em cinza e preto. Um rapaz, talvez um pouco mais velho que eu, embora fosse impossível dizer exatamente sua idade. Seu corpo era juvenil, mas existia uma quietude nele que me sugeriu que era mais velho, alguma coisa incrivelmente perigosa. Com um choque, eu o reconheci como o rapaz no cavalo, que tinha me observado através da floresta naquele dia. Por que ele estava aqui, agora, na minha casa? Como ele entrou? Eu brinquei com a idéia de enfrenta-lo, sabendo que tudo isso era um sonho, quando eu percebi alguma coisa a mais, alguma coisa que me fez gelar. Cabelos espessos caiam para os ombros, não cobrindo as orelhas delicadas e pontudas.
Ele não era humano. Ele era um deles, um dos fey. Parado em minha casa, no quarto do meu irmão. Eu estremeci e comecei a andar para trás.
Então ele se virou, olhando diretamente para mim, e eu teria arfado se eu estivesse respirando. Ele era deslumbrante. Mais do que deslumbrante, ele era lindo. Magnificente lindo, beleza de um príncipe de uma nação estrangeira. Se ele entrasse na minha sala durante a fase final, estudantes e professores iriam ficar se jogando aos seus pés. Apesar de ser uma beleza gelada e dura, como de uma estátua de mármore, desumana e de outro mundo. Seus olhos oblíquos, sob a franja irregular e longa, brilhavam como pedaço de aço.
O changeling não estava em lugar nenhum onde eu pudesse ver, mas eu podia ouvir ruídos vindo de debaixo da cama, a batida de um coração batendo rapidamente. O garoto fey não pareceu perceber. Ele se virou e colocou uma mão pálida na porta do closet, passando seus dedos ao longo da madeira. Um fantasma de um sorriso tocou seus lábios.
Em um movimento suave, ele puxou a porta e andou para dentro. A porta se fechou atrás dele com um suave estalo, e ele se foi.
Cautelosamente, eu me desloquei em direção à porta do closet, mantendo um olhar cuidadoso no espaço entre a cama. Eu ainda ouvia abafadas batidas de coração, mas nada saiu para me agarrar. Eu cruzei o quarto sem nenhum incidente. O mais silenciosa que eu pude, e agarrei a maçaneta do closet, a virei, e puxei a porta.
—Meu closet! — Gritou o homem de chapéu de feltro, pulando em mim. —Meu!
EU GRITEI E ME ACORDEI.
Por um momento, olhei amplamente em volta da sala, não sabendo onde estava. Meu coração bateu, e um suor gelado deixou minha testa úmida e escorregadia. Cenas do pesadelo vivo dançavam através da minha mente: Ethan me atacando, Robbie fazendo livros voarem ao redor do quarto, um portal aberto para um estranho mundo novo.
Um ronco alto chamou minha atenção e eu me virei. Puck estava esparramado no sofá na minha frente, um braço arremessado sobre seus olhos, seu busto envolto em um cobertor de esquilo.
Meu coração afundou enquanto as memórias voltaram. Isso não era um pesadelo. Eu não sonhei isso. Ethan tinha ido; um monstro o tinha substituído. Robbie era um faery. E eu estava no meio de Nevernever procurando pelo meu irmão, embora eu não tivesse idéia de onde procurar, e nenhuma esperança real de encontra-lo.
Eu deitei de volta, estremecendo. Estava escuro na casa de Twiggs; os pirilampos ou o que quer que fossem, tinham parado de piscar e estavam agora agarrados na parede, aparentemente dormindo. A única luz vinha de uma brilhante cintilação de fora da janela. Talvez Twiggs tivesse uma luz na varanda ou alguma coisa assim.
Fiquei de pé. Na verdade, aquele brilho era uma luz de vela, e abaixo disso, um rosto estava olhando dentro da sala de lá de fora. Eu abri minha boca para gritar para Puck, quando aqueles olhos azuis viraram para mim, e um rosto que eu conhecia muito bem recuou para a escuridão.
Ethan.
EU PULEI PARA FORA DA CAMA e corri através do chão, nem me importando em colocar meu sapato. Puck bufava e se mexia embaixo do seu monte de peles, mas eu o ignorei. Ethan estava lá fora! Se eu pudesse pega-lo, nós poderíamos ir para casa e esquecer que essa confusão existiu.
Eu puxei a porta e saí, olhando para floresta à procura do meu irmão. Só mais tarde que me ocorreu que eu estava do meu tamanho normal, e que a porta ainda tinha apenas trinta centímetros. Tudo o que eu podia pensar era em Ethan e o leva-lo para casa, nos levar para casa.
A escuridão me cumprimentou, mais adiante eu vi um brilho laranja cintilante saltando, ficando cada vez mais longe. —Ethan! — Eu chamei, minha voz ecoando dentro da quietude. —Ethan, espere!
Eu comecei a correr, meus pés descalços batendo contra as folhas e galhos, escorregando em rochas e musgos. Meu dedão bateu em alguma coisa afiada, e deveria ter machucado, mas minha mente não registrou a dor. Eu podia ver mais à frente, uma pequena figura andando através das árvores, segurando uma vela diante dele. Eu corri o mais rápido que pude, galhos raspando minha pele e rasgando meus cabelos e roupas, mas sempre parecia que ele estava na mesma distância ao longe.
Então ele parou e olhou sobre seus ombros, sorrindo. A brilhante luz de vela mostrou suas feições em um brilho fantasmagórico. Eu dei uma explosão de velocidade, e estava apenas há alguns metros de distância quando o chão de repente caiu longe. Com um grito, eu caí como uma pedra, aterrissando com uma pancada na água gelada que se fechou sobre minha cabeça, inundando meu nariz e minha boca.
Arfando, eu me debatia para a superfície, meu rosto ardendo e meus membros adormecidos. Acima de mim, uma canção começou, e uma bolha brilhante de luz pairou acima. Isso balançou por um momento, como se apreciando minha humilhação, então correu para as árvores, risos agudos ecoando atrás disso.
Pisando na água, eu olhei ao redor. Uma rampa enlameada na minha frente, escorregadia e traiçoeira. Tinha várias árvores antigas crescendo sobre a água, mas seus galhos eram muito altos para eu alcançar. Eu tentei achar algum apoio para minha mão na rampa para eu ficar de pé, mas meu pé escorregou nos musgos, e as plantas que eu agarrei se soltaram por causa do óleo, jogando—me dentro do lago com um barulho. Eu teria que arranjar outro jeito.
E então eu ouvi outro barulho, mais distante, e soube que não estava sozinha.
O luar brilhava sobre a água, pintando tudo em um realce prateado e preto. Exceto pelo barulho dos insetos, a noite estava muito silenciosa. No canto mais distante do lago, pirilampos dançavam e rodopiavam por cima da superfície, alguns brilhando em rosa e azul ao invés de amarelo. Talvez fosse apenas imaginação que eu tivesse escutado um barulho. Nada parecia estar se mexendo exceto por uma tora velha que vinha na minha direção.
Eu pisquei e olhei novamente. Aquela tora de repente se parecia muito com o topo de uma cabeça de cavalo, se um cavalo pudesse nadar como um jacaré. E então eu vi os mortos olhos brancos, os pequenos e brilhosos dentes, e eu entrei em pânico como uma maré negra.
—Puck! — Eu gritei, agarrando a rampa. A tora enlameada rasgou-se em pedaços; Eu teria que achar um apoio de mão só para escorregar novamente. Eu podia sentir a coisa chegar mais perto. —Puck, me ajude!
Eu olhei sobre meus ombros. A coisa cavalo estava há apenas alguns metros de distância, levantando o pescoço da água para expor uma boca cheia de dentes que pareciam agulhas. Oh, Deus, eu irei morrer! Essa coisa vai me comer! Alguém, me ajude! Eu arranhei freneticamente a rampa, e senti um galho sólido sob meus dedos. Agarrando, eu puxei com toda minha força, e senti o galho me tirar da água, justo quando o monstro cavalo atacou com um rugido. O nariz molhado atingiu o fundo do meu pé, garras rompendo com um malévolo ruído seco. Então o galho me arremessou, ofegante e chorando, para a rampa, e a coisa cavalo afundou abaixo da superfície mais uma vez.
Puck me encontrou minutos mais tarde, enrolada em uma bola há alguns metros da rampa, a pele molhada e tremendo como uma folha. Seus olhos estavam uma mistura de simpatia e exasperação quando ele pulou ereto.
—Você está bem? — Ele correu suas mãos em meus braços, certificando-se que eu ainda estava inteira. —Sozinha aqui, princesa? Fale comigo.
Eu assenti, tremendo. —Eu vi... Ethan. — Eu gaguejei, tentando achar algum sentido nisso tudo. —Eu o segui, mas ele se transformou em uma luz e sumiu, e então essa coisa cavalo tentou me comer... Minha fala sumiu. —Não era Ethan, era? Era apenas outro faery, brincando com minhas emoções. E eu me atraí por isso.
Puck suspirou e me levou de volta para a trilha. —Sim — ele murmurou, olhando para mim. —Wisps[38] são assim, fazem-na ver o que você quer ver, antes de te direcionar para um caminho. Embora esse parecia meio maldoso, te dirigindo direto para o lago dos kelpies. Eu imagino que eu poderia te dizer para nunca sair sozinha, mas acho que seria um desperdício de fôlego. Oh, que inferno. — Ele parou e se virou, me parando na trilha. —Não saia sozinha, princesa. Sob quaisquer circunstâncias, entendeu? Nesse mundo, você é vista como um brinquedo ou como um pequeno lanche. Não se esqueça disto.
—Sim. — Eu murmurei. —Sim, eu já entendi.
Nós continuamos a andar na trilha. A porta na árvore tinha ido, mas meus tênis e minha mochila estavam lá fora, um sinal claro que nossa visita tinha acabado. Tremendo, eu deslizei meus sangrentos pés para dentro do calçado, odiando esse mundo e tudo o que tinha dentro dele, desejando apenas ir para casa.
—Bem, — Puck disse alegremente, —se você já terminou de brincar com os will-o’-wisps e kelpies, eu acho que é melhor nós continuarmos. Oh, mas me diga da próxima vez que você quiser tomar chá com um ogro. Eu irei me certificar de levar meu taco.
Eu lancei para ele um olhar venenoso. Ele apenas sorriu. Acima de nós, o céu estava brilhando no estranho crepúsculo cinza, silencioso e imóvel como a morte, enquanto nós entrávamos mais para dentro de Nevernever.
A caçada selvagem
Não tínhamos ido muito longe quando encontramos uma zona de morte no meio da floresta, era um lugar misterioso e tranquilo, mas ainda estava vivo. As árvores eram antigas e altas, as plantas floresciam, e manchas de cores vibrantes salpicavam o cinza, indicando vida. Os animais deslizavam por entre as árvores, e estranhas criaturas moviam-se nas sombras, nunca pude vê-las claramente, mas sabia que estavam lá. Você poderia sentir que a estavam observando.
Então, inesperadamente, as árvores diminuíram e nos encontramos à beira de um deserto claro. A pouca grama que restava estava amarela e morrendo, poucas áreas de vegetação no solo rochoso. Havia algumas árvores espalhadas aqui e ali, mas estavam murchas, torcidas, sem folhas e enegrecidas. Há uma distância, os ramos brilharam ásperos e afiados, como estranhas esculturas de metal. O quente vento cheirava a poeira e cobre.
Puck olhou para a floresta morta por um longo tempo. — Twiggs tinha razão. — murmurou, olhando uma árvore seca. Ia tocar um ramo, mas afastou—se com um arrepio. — Isto não é normal. Algo está envenenando a floresta. — Estiquei uma mão para tocar um dos brilhantes ramos, mas puxei-a para trás com um aperto. — Ai!
Puck virou—se para mim. — O quê?
Mostrei-lhe minha mão. Brotou sangue de uma parte do meu dedo, tão fino como um corte feito por papel. — A árvore. Ela me cortou.
Puck examinou meu dedo e franziu a testa. — Árvores metálicas. — ponderou, tirando um lenço do bolso e envolvendo meu dedo. — Isso é novo. Se você vir algumas Dryads de aço, não se esqueça de me dizer para que eu possa fugir gritando.
Eu fiz uma careta e me virei para olhar as árvores. Uma gota de sangue brilhava sobre o ramo ofensivo, antes de cair na terra rachada. Os galhos brilhavam nas bordas, como se fossem delicadas espadas.
— Oberon deve saber sobre isto. — Puck murmurou, agachando-se para examinar um círculo de grama seca. — Twiggs disse que estava expandindo, mas de onde ela vem? — Ele se levantou rapidamente e sacudiu seus pés, estendendo uma mão para se estabilizar. Agarrei o braço dele.
— Você está bem? — Perguntei.
— Estou bem, princesa. — Ele assentiu e me deu um sorriso triste. — Um pouco perturbado pelo estado da minha casa, mas o que se pode fazer? — Ele tossiu e agitou a mão na frente do rosto como se estivesse cheirando algo fedido. — Mas esse ar está me deixando doente. — Vamos sair daqui.
Aspirei, mas não cheirei nada estranho, apenas sujeira e o cheiro penetrante de algo metálico, como ferrugem. Mas Puck já estava indo, com sua testa enrugada de raiva ou dor, e eu corri para alcança-lo.
O UIVO COMEÇOU algumas horas mais tarde.
Puck parou no meio do caminho, tão abruptamente que quase colidi com ele. Levantou uma mão, silenciando-me antes que eu pudesse perguntar o que estava acontecendo.
Ouvi-os então, movendo-se pela brisa, um coro arrepiante de uivos e gritos ecoando atrás de nós. Meu coração disparou e me aproximei mais do meu companheiro.
— O que é isso?
— Uma caçada. — Puck respondeu, olhando para longe. Ele fez uma careta. — Você sabe, eu estava pensando que precisávamos ser perseguidos como coelhos, e destroçados. Meu dia não está completo sem alguma coisa tentando me matar.
Eu esfriei. — Tem alguma coisa atrás de nós?
— Você nunca viu uma caçada selvagem, certo? — queixou-se Puck, passando os dedos pelo cabelo. — Maldição. Bem, isso complicará as coisas. Estava esperando dar-lhe o magnífico Tour pela Terra do Nunca, princesa, mas acho que terei que adia-lo.
O grito se aproximou, profundos gritos guturais. Seja o que for que se aproximava de nós, era grande.
— Não deveríamos correr? — Sussurrei.
— Você nunca será capaz de deixa-los para trás. — Puck disse, recuando. — Eles têm o nosso cheiro agora, e nenhum mortal escapou de uma perseguição selvagem.
Ele suspirou e colocou dramaticamente seus braços sobre os olhos. — Suponho que o sacrifício da minha dignidade é a única coisa que nos salvará agora. As coisas que suporto por amor. A Fates[39] ri do meu tormento.
— Do que você está falando?
Puck deu uma pequena e inquietante risadinha e começou a se transformar.
Seu rosto se alongou, tornando-se mais longo e estreito, enquanto seu pescoço começava a crescer. Seus braços contraindo-se, os dedos ficaram pretos e tornaram-se cascos. Ele arqueou suas costas, sua espinha crescendo, enquanto suas pernas tornaram-se musculosas na parte de trás. Pelo cobria sua pele enquanto caia em quatro patas, já não era mais um menino, e sim, um elegante cavalo cinza com uma crina grossa e rabo. A transformação tinha demorado menos de dez segundos.
Eu recuei, lembrando do meu encontro com a coisa na água, mas o cavalo malhado dava patadas com sua pata dianteira no chão e agitava o rabo, impacientemente. Observei seus olhos, brilhando como esmeraldas através das franjas penduradas, e meu medo diminuiu um pouco.
O uivo estava muito perto agora, cada vez mais frenético. Corri para o cavalo-Puck, e saltei sobre suas costas, agarrando sua franja para me puxar para cima. Apesar de viver em uma fazenda, só havia andado à cavalo uma ou duas vezes, e me custou um par de tentativas para subir.
Puck bufou e balançou a cabeça, incomodado com a minha falta de habilidade de equitação. Lutando em pé, agarrei a crina e vi Puck colocando os olhos em branco. Então, com a parte de trás, pulamos para dentro do mato e fomos para fora.
Cavalgar em pelo não é divertido, especialmente quando você não tem controle sobre sua montaria ou para onde está indo. Eu posso dizer honestamente que este foi uma das viagens mais aterrorizantes da minha vida. As árvores passavam rapidamente como um borrão, os ramos me batiam, e minhas pernas ardiam por agarrar a lateral do cavalo com meus joelhos. Meus dedos estavam fechados em torno de sua crina em um aperto mortal, mas isso não evitava que eu escorregasse sempre que Puck mudava de direção. O vento gritava em meus ouvidos, mas ainda podia ouvir os terríveis uivos de nossos perseguidores, aparentemente em nossos calcanhares. Não ousei olhar para trás.
Perdi a noção do tempo. Puck nunca diminuiu a marcha ou perdeu o fôlego, mas o suor escureceu seu corpo e deixou minha montaria mais escorregadia e assustadora. Minhas pernas adormeceram, e minhas mãos pareciam pertencer a outro alguém.
E de repente, uma enorme criatura negra surgiu dos arbustos à nossa direita, e se jogou no cavalo, estalando suas mandíbulas. Era um cão de caça, maior do que qualquer outro que eu tinha visto, com olhos de fogo azul.
Puck saltou para o lado para evita-lo e pateou, quase me fazendo cair no chão da floresta.
Como que gritando, uma pata dianteira atacou, atingindo o cão no peito, e o cachorro uivou enquanto era jogado longe.
Os arbustos explodiram e outros cinco cães monstruosos, caíram no caminho. Rodeando—nos, rosnavam e uivavam, mordendo as patas do cavalo, e saltando para trás quando os chutava. Eu estava congelada, me agarrando no dorso de Puck, observando enquanto essas enormes mandíbulas estalavam a centímetros dos meus pés.
Então, por entre as árvores, eu o vi, uma figura esquálida em um enorme cavalo negro.
O garoto do meu sonho, o que eu vi do ônibus naquele dia. Seu rosto cruel e angelical tinha um sorriso enquanto ele pegava um grande arco, uma flecha brilhava na ponta.
— Puck! — Eu gemi, sabendo que era tarde demais. — Tenha cuidado!
As folhas sobre o caçador sussurraram e então um grande galho caiu, atingindo o menino no braço justo quando ele ia soltar a corda. Senti o silvo quando a flecha passou voando pela minha cabeça e entrou em um pinheiro.
Uma teia de gelo espalhou-se onde a flecha acertou, e a cabeça equina de Puck moveu-se rapidamente em direção à fonte. O caçador colocou outra flecha na corda, e com um estridente relincho, Puck empinou e saltou sobre os cães, de alguma forma evitando seus dentes. Quando seus cascos tocaram o chão novamente, ele fugiu, os cães ladravam e mordiam seus calcanhares.
Uma flecha passou com um silvo, e olhei para trás para ver o outro cavalo nos perseguindo através das árvores, seu cavaleiro se preparando para outro disparo. Puck resfolegou e mudou de direção, quase me desmontando, entrando mais profundamente na floresta.
Aqui as árvores eram monstros, e estavam tão juntas que Puck teve que desviar bruscamente e ziguezagueando entre elas. Os cães recuaram, mas ainda sentia seus uivos e, ocasionalmente, eu podia ver seus magros corpos negros, passando rapidamente através do mato. O cavaleiro tinha desaparecido, mas eu sabia que ele ainda nos seguia, suas flechas mortais prontas para penetrar em nossos corações.
Enquanto passávamos sob os ramos de um carvalho enorme, Puck derrapou para parar e empinou tão violentamente que eu voei de suas costas, minhas mãos arrancadas de sua crina. Passei por sua cabeça, com meu estômago na garganta, e cai com um impacto brusco em um feixe de ramos interligados. O fôlego saiu dos meus pulmões, e uma pontada de dor disparou entre minhas costelas, trazendo lágrimas aos meus olhos. Com um ronco, Puck continuou galopando, com os cachorros seguindo-o nas sombras.
Momentos depois, o cavalo negro e o cavaleiro passaram debaixo da árvore. Ele desacelerou por um aterrorizante segundo e eu prendi a respiração, certa de que ele olharia para cima e me veria. Então, o uivo excitado de um dos cães soou pelo ar, e ele esporeou o cavalo para frente, continuando a caçada por entre as árvores. Em um momento, o som desapareceu.
O silêncio caiu entre os galhos, e eu estava sozinha.
— Bem. — Alguém disse, muito perto. — Isso foi interessante.
Dos Goblins à Grimalkin
Eu não gritei desta vez, mas cheguei muito perto. Da forma como aconteceu, eu quase caí da árvore. Abraçando um ramo, olhei em volta freneticamente, tentando determinar o dono da voz, mas não vi nada além de folhas, e uma luz cinza fraca brilhando através dos ramos.
—Onde você está? — Engoli em seco. —Mostre-se.
—Eu não estou me escondendo, menininha. — A voz soava divertida. —Talvez... se você abrir os seus olhos um pouco mais. Como estes.
Imediatamente em minha frente, não há cinco metros de distância, um par de olhos iguais à pires se abriram do nada, e eu olhei para o rosto de um enorme gato cinzento.
—Veja! — ‘Isso’ sussurrou, olhando—me com um olhar amarelo preguiçoso. Seu pêlo era longo e delgado, a camuflagem perfeita dentro das árvores e de toda a paisagem. —Me vê agora?
—Você é um gato. — Eu soltei estupidamente, e eu jurei que ele arqueou uma sobrancelha para mim.
—No sentido mais literal da palavra, eu suponho que você possa me chamar assim. — O felino rosa, arqueou suas costas, antes de se sentar e curvar sua cauda emplumada em torno de suas pernas. Agora que meu choque estava desaparecendo, percebi que o gato era ele, e não um isso. —Os outros me chamam de Cait Sith, Grimalkin, ou o gato do diabo, mas desde que eles signifiquem a mesma coisa, acho que você está correta.
Eu estava olhando com a boca aberta para ele, mas o pulsar afiado em minhas costelas levou a minha mente para outras coisas.
Ou seja, que Puck me deixou sozinha num mundo que me viam como um lanche, e eu não tinha idéia de como sobreviver.
Choque e raiva vieram primeiro; Puck realmente tinha me deixado, para salvar sua própria pele e depois veio um medo tão real e assustador que tudo o que eu não poderia fazer era abraçar o ramo e soluçar. Como Puck pôde fazer isso comigo? Eu nunca conseguiria fazer isso sozinha. Eu terminaria como sobremesa de um cavalo monstro carnívoro, dilacerada por uma matilha de lobos, ou irremediavelmente perdida por décadas, por que eu tinha certeza de que o tempo tinha deixado de existir, e eu estaria presa aqui para sempre.
Eu respirei fundo, me forçando a ficar calma. Não, Robbie não faria isso comigo. Eu tenho certeza disso. Talvez ele me abandonou para mandar a caçada para longe, para certificar-se que a caçador o seguiu e deixou-me sozinha. Talvez ele pensou que estava salvando a minha vida. Talvez ele tivesse salvado minha vida. Se fosse esse o caso, eu esperava que ele voltasse logo, eu não penso em cair fora de Nevernever sem ele.
Grimalkin, ou qual quer que fosse seu nome, continuou a observar-me como se eu fosse, particularmente, um inseto interessante. Olhei-o com novos sentimentos de desconfiança. Claro, ele parecia um enorme, um pouco gordo, gato de casa, mas os cavalos geralmente não eram carnívoros, e árvores normais não tinham homenzinhos vivendo em seu interior. Este felino poderia estar me analisando para a sua próxima refeição. Engoli em seco e encontrei seu misterioso e inteligente olhar de frente.
—O-o que você quer? — Eu perguntei, grata que minha voz tremeu apenas um pouco.
O gato não pestanejou. —Humanos. — Ele disse, e se um gato poderia soar paternalista, este focalizava isso —pense no absurdo dessa pergunta. Estou descansando na minha árvore, cuidando da minha vida, e me perguntando se eu deveria caçar hoje, quando você vem voando como um grão de sidhe e espanta todas as aves num raio de quilômetros. Então, você tem a audácia de perguntar o que eu quero. — Ele cheirou e me deu um olhar de desdém típico de gatos. —Estou ciente de que os mortais são rudes e bárbaros, mas até agora...
—Sinto muito. — Eu murmurei automaticamente. —Eu não quis ofende-lo.
Grimalkin contraiu a cauda, e então virou-se para seu traseiro.
—Hum. — Eu continuei depois de um momento de silêncio. —Eu estava me perguntando se, talvez ... você pudesse me ajudar.
Grimalkin pausou, depois continuou sem olhar para cima. —E por que eu iria querer fazer isso? — ele perguntou, tecendo as palavras e se lambendo junto, sem perder o ritmo. Ele ainda não olhou para mim.
—Estou tentando encontrar meu irmão. — Eu respondi, irritada pela recusa casual de Grimalkin. —Ele foi roubado pela Corte Unseelie.
—Mmm. Quão terrivelmente desinteressante.
—Por favor. — Implorei. —Ajude-me. Dê-me uma sugestão, ou apenas me aponte na direção certa. Qualquer coisa. Vou recompensar você, eu juro.
Grimalkin bocejou, mostrando caninos longos e uma língua rosa brilhante e, finalmente, olhou para mim.
—Você está sugerindo que eu lhe faça um favor?
—Sim. Olhe, eu te pago na volta de alguma forma, eu prometo.
Ele contraiu uma orelha, olhando divertido. —Cuidado com as palavras lançadas de modo casual. — Alertou. —Isso vai colocar você em dívida comigo. Tem certeza de que deseja continuar?
Eu não pensei nisso. Eu estava tão desesperada por ajuda, que eu concordaria com qualquer coisa. —Sim! Por favor, eu preciso encontrar Puck. Eu estava andando no cavalo quando ele me derrubou. Ele não era realmente um cavalo, você sabe. Ele é um...
—Eu sei o que ele é. — Grimalkin disse calmamente.
—Sério? Oh, isso é ótimo. Você sabe onde ele poderia ter ido?
Ele me encarou com um olhar fixo e, em seguida movimentou sua cauda, uma vez. Sem dizer uma palavra, ele levantou-se, saltou graciosamente em um membro inferior, e caiu no chão. Ele se espreguiçou, arqueando sua espessa cauda sobre a sua coluna, e desapareceu no mato sem olhar para trás.
Eu gemi, lutando para desembaraçar-me dos ramos, estremecendo pelas pontadas de dor entre as costelas. Eu mais ou menos cai da árvore, pousando com um baque em minha bunda, o que provocou uma palavra que mamãe não aprovaria. Espanando minhas costas, eu olhei em volta procurando por Grimalkin.
—Humanos. — Ele apareceu como um fantasma cinza deslizando para fora dos arbustos, grandes olhos brilhantes eram a única prova de que ele estava lá. —Este é o nosso acordo. Eu vou levar você para o seu Puck, e você me deve um pequeno favor em troca, sim?
Algo sobre o jeito como ele disse acordo causou arrepios em minha pele, mas acenei com a cabeça.
—Muito bem, então. Siga-me. E tente me acompanhar.
MAIS FÁCIL DIZER, DO QUE FAZER.
Se você já tentou seguir um gato através de uma floresta densa, cheia de espinhos, arbustos e vegetação rasteira emaranhada, você vai saber como isso é impossível. Perdi a trilha toda vez que Grimalkin desaparecia de vista, e eu passava alguns minutos de tirar o fôlego à procura dele, esperando que eu estivesse indo no caminho certo. Sempre senti um alívio desesperado quando eu finalmente tinha um vislumbre dele esgueirando-se por entre as árvores à frente, mas atravessaria a mesma situação minutos depois.
Não ajudava que minha mente estivesse ocupada com o que poderia ter acontecido com Puck. Ele foi morto, derrubado pelo misterioso menino fey ou rasgado pelos cães? Ou será que ele realmente fugiu, já decidido que ele não estava voltando por mim, e eu poderia me arriscar por conta própria?
O medo e a raiva tomaram conta de mim, e meus pensamentos rabugentos se apresentaram como meu guia. Grimalkin parecia saber o caminho que deveríamos pegar, mas como ele sabia onde Puck estaria?
Por que devo confiar nele? E se o felino errante estivesse me levando a algum tipo de armadilha?
Enquanto eu estava entretida nesses pensamentos sombrios, Grimalkin desapareceu novamente.
Droga, eu vou amarrar um sino no pescoço dessa coisa estúpida, se ele não parar com isso. A luz estava desaparecendo, e a floresta era ainda mais cinzenta. Eu parei e pisquei para os arbustos, buscando o felino esquivo. À frente, os arbustos fizeram barulho, o que me surpreendeu. Grimalkin tinha sido completamente silencioso até agora.
—Humana! — Sussurrou uma voz familiar, em algum lugar acima de mim. —Esconda-se!
—O quê? — Eu disse, mas já era tarde demais. Galhos estalaram, arbustos se separaram, e uma série de criaturas apareceram do nada em meu campo de visão.
Eles eram pequenas coisas feias, com estatura de 2-3 pés, pele verde-amarelada com protuberâncias, e nariz bulboso. Suas orelhas eram grandes e pontiagudas. Eles vestiam roupas rasgadas e carregavam lanças de ossos em suas garras amarelas. Seus rostos eram maus e cruéis, com olhos redondos, e a boca cheia de dentes irregulares e quebrados.
Por um momento, eles pararam, piscando os olhos, surpresos. Em seguida, o bando inteiro guinchou e invadiu a minha frente, apontando-me suas lanças.
—O que é isso? O que é isso? — Rosnou um, enquanto eu me mantinha longe dos pontos de esfaqueamento. Risos e vaias encheram o ar à medida que me rodeavam.
—É um elfo. — Sussurrou o outro, dando-me um olhar malicioso. —Um elfo que perdeu seus ouvidos, talvez.
—Não, uma menina-cabra. — Gritou um terceiro. —Boa para se comer.
—Ela não é uma cabra, cretino! Olhe, ela não tem nenhum "casco!"
Eu tremia e olhava em torno de uma rota de fuga, mas sempre que eu me virava, aqueles afiados pontos ósseos eram empurrados em mim.
—Levem-na para o chefe. — Alguém sugeriu por último. —O chefe saberá o que ela é, e se ela é segura para se comer.
—Certo! O chefe saberá!
Alguns deles correram atrás de mim, e eu senti um golpe por trás dos joelhos. Com um grito, eu desmoronei, e todo o bando deles me enxamearam, chiando e gritando. Eu gritei e chutei, agitando os braços, batendo com o peso da criaturas. Alguns saíram voando para o mato, mas eles saltaram com gritos agudos e me atacaram de novo. Golpes choviam sobre mim.
Então, algo me atingiu por trás da cabeça, fazendo explodir luzes atrás dos meus olhos, e eu não soube de nada por um tempo.
EU ACORDEI COM A MÃE DE TODAS as dores de cabeça fazendo uma dança dentro do meu crânio. Eu estava sentada, e algo que parecia como cabos de vassoura pressionavam desconfortavelmente minhas costas. Gemendo, eu sondei em torno de minha cabeça, procurando por algo rachado ou quebrado. Exceto por um galo enorme logo acima da linha do meu cabelo, tudo parecia estar intacto.
Quando eu tive certeza que eu ainda estava inteira, eu abri meus olhos.
E me arrependi imediatamente.
Eu estava em uma gaiola. Uma gaiola muito pequena, feita de galhos amarrados com couro. Quase não havia espaço suficiente para eu levantar minha cabeça, e quando me movi, algo afiado picou-me no braço, tirando-me sangue. Eu olhei mais de perto e vi que muitos dos ramos estavam cobertos de espinhos de aproximadamente 1 centímetro de comprimento.
Além das barras, havia várias cabanas de barro distribuídas sem nenhum arranjo especial em torno de uma grande fogueira. Os pequenos e feios bichinhos corriam para lá e para cá em torno do campo, lutando, discutindo, ou roendo ossos. Um grupo deles sentou-se ao redor da minha mochila, puxando as coisas para fora uma por uma. Minha roupa extra, eles só jogaram no chão, mas as batatas e o frasco de aspirina imediatamente os rasgaram, provaram, e brigavam alegremente. Um conseguiu abrir a lata de refrigerante e pulverizou o líquido efervescente em todos os lugares, conseguindo gritos furiosos de seus companheiros.
Um deles, menor do que os seus companheiros e vestindo um colete vermelho barrento, viu que eu estava acordada. Com um silvo, ele correu até a gaiola e enfiou sua lança através das grades.
Eu encolhi de volta, mas não havia para onde ir, os espinhos picando minha carne enquanto a lança espetou-me na coxa.
—Ai, pare com isso! — Eu chorei, o que só o incentivou ainda mais. Cacarejando, ele cutucou e incitou-me, até que eu me abaixei e peguei a cabeça da lança. Rosnando uma maldição, a criatura tentou arranca-lo de volta, e tivemos um ridículo cabo-de-guerra até que outro goblin viu o que estávamos fazendo. Ele correu e me apunhalou pelas barras no lado oposto, e eu soltei a lança com um grito.
—Greertig, pare de espetar a carne. — Exclamou a criatura, o segundo mais alto. —Não é nada bom se todo o sangue escorrer para fora.
—Pah, eu estava apenas certificando que isso era macio, e é. — O outro bufou e cuspiu sobre o chão, depois olhou para mim com os olhos vermelhos gananciosos. —Por que estamos esperando? Vamos apenas comer isso já.
—O chefe ainda não voltou. — A criatura mais alta olhou para mim, e para meu horror, uma longa sequência de baba escorreu de seu queixo. —Ele é a certeza de que essa coisa é segura para se comer.
Eles me deram um último brilho de anseio, depois andaram de volta para a fogueira, discutindo e cuspindo uns nos outros. Eu puxei meus joelhos contra meu peito e tentei controlar a minha agitação.
—Se você vai chorar, faça-o em silêncio. — Murmurou uma voz familiar às minhas costas. —Goblins podem sentir o medo. Eles só vão atormentar você mais, se você der-lhes uma razão.
—Grimalkin? — Contorcendo-me em minha gaiola, olhei em volta para ver o quase invisível gato cinza agachado em um canto. Seus olhos se estreitaram em concentração, e seus fortes e afiados dentes foram mastigar uma das amarraduras de couro.
—Idiota, não olhe para mim! — Ele cuspiu, e eu rapidamente desviei o olhar. O gato rosnou, puxando uma das barras. —Goblins não são muito inteligentes, mas mesmo eles irão notar se você começar a falar sozinha. Apenas sente-se que eu vou te tirar daqui em um minuto.
—Obrigado por ter voltado. — Eu sussurrei, assistindo a dois goblins lutando por uma costela de um desafortunado animal de uma gaiola. A discussão terminou quando um dos goblins bateu na cabeça do outro com uma clave e correu com o seu troféu. O outro goblin ficou atordoado por um momento, depois ficou de pé e foi em perseguição.
Grimalkin cheirou e começou a mastigar as amarraduras novamente. —Não se coloque mais em dívida. — Ele disse em torno de um bocado de couro. —Já fizemos um contrato. Eu concordei em leva-la para Puck, e eu sempre mantenho a minha parte no trato. Agora, cale-se para que eu possa trabalhar.
Eu balancei a cabeça e me calei, mas de repente houve um grande clamor no acampamento dos goblins. Goblins ficaram de pé, assobios e comoção, enquanto uma grande criatura saía da floresta para o meio do acampamento.
Era um outro goblin, só que maior e mais largo que os seus companheiros. Esse usava um uniforme vermelho com botões de bronze, as mangas arregaçadas e as caudas arrastando ao longo do terreno. Ele também carregava uma lâmina curvada, bronze oxidado e irregular ao longo da borda. Ele rosnou e entrou confiante no acampamento, os outros goblins abriram espaço, e eu sabia que esse deveria ser o chefe.
—Calem-se, bando de cães barulhentos! — Rugiu o chefe, mirando um golpe em um par de goblins que não saíram da frente de uma maneira rápida o suficiente. —Inúteis, grande parte de vocês! Eu estive trabalhando arduamente nas fronteiras do inimigo, e o que parte de vocês têm para me mostrar, hein? Nada! Nem mesmo um coelho fervendo na panela. Vocês me deixam doente.
—Chefe, chefe! — Gritaram vários goblins ao mesmo tempo, dançando e apontando. —Olhe, Olhe! Nós pegamos alguma coisa! Nós trouxemos para você!
—É? — O olhar do chefe brilhou por todo o acampamento, seus malvados olhos se fixando em mim. —O que é isso? Vocês arruaceiros miseráveis realmente conseguiram pegar um alto e poderoso elfo?
Ele andou em direção à gaiola. Eu não poderia me ajudar e dirigi um rápido olhar para Grimalkin, esperando que o gato não fosse fugir. Mas Grimalkin estava longe de ser visto.
Engolindo em seco, olhei para cima e encontrei os redondos olhos vermelhos do chefe.
—O que em nome de Pan[40] é isso? — O chefe goblin bufou. —Isto não é um elfo, seus cretinos. A não ser que ele trocou as orelhas! Além disso — ele cheirou o ar, franzindo o bulboso nariz —É um cheiro diferente. Ei, coisa elfo engraçada... — ele cheirava a gaiola com a lâmina de sua espada, fazendo-me saltar —... o que você é?
Eu tomei uma profunda respiração enquanto o resto da tribo goblin se aglomerava ao redor da gaiola, me assistindo, alguns curiosos mas a maioria com olhares famintos. —Eu sou uma... uma faery otaku. — Eu disse, causando um confusa cara feia no chefe, e olhares perplexos do resto do acampamento. Sussurros começaram a surgir a partir da multidão, ganhando força como um incêndio.
—Uma o quê?
—Eu nunca ouvi sobre isso antes.
—É gostoso?
—Podemos comer isso?
O chefe franziu o cenho. —Eu admito, eu nunca me deparei com uma faery otaku antes. — Rosnou, coçando a cabeça. —Ah, mas isso não é importante. Sua aparência jovem é suculenta o suficiente, eu acho que você vai me alimentar por várias noites. Então, qual é a sua preferência, otaku? — Ele sorriu e ergueu a espada. —Fervida viva, ou espetada no fogo?
Cerrei as mãos para impedi-las de tremer. —De qualquer forma é bom para mim. — Eu disse, tentando soar casual. —Amanhã isso não importará mais. Há um veneno letal correndo em minhas veias. Se você engolir um pouco de mim, seu sangue vai ferver, seu interior vai derreter, e você vai se dissolver em uma pilha fumegante de lixo. — Silvos por toda a tribo; vários goblins mostraram seus dentes para mim e rosnaram. Cruzei os braços e levantei meu queixo, olhando para o goblin chefe. —Então, vá em frente e me coma. Amanhã você vai ser uma grande poça de gosma, afundando no chão.
Muitos dos goblins estavam recuando agora, mas o chefe ficou firme. —Calem-se, vocês choramingam muito! — Ele rosnou para os goblins nervosos. Deu—me um olhar amargo e cuspiu no chão. —Então, não podemos comer você. — Ele parecia impressionado. —Piedade, o que é. Mas não pense que vai salvar você, menina. Se é tão mortal, eu vou matar você agora, só que eu vou sangrar você lentamente, assim seu sangue venenoso não vai me machucar. Então eu vou tirar a pele e pendura-la na porta, e usar os ossos como lanças. Como meu avô sempre dizia, nunca desperdice.
—Espere! — Eu chorei quando ele se aproximou, levantando sua espada. —É, seria uma vergonha para mim ser desperdiçada assim. — Gaguejei quando ele olhou para mim com olhos suspeitos. —Há uma forma de purificar o veneno do meu sangue para que eu seja segura de se comer. Se eu vou morrer de qualquer forma, eu prefiro ser comida do que torturada.
O chefe goblin sorriu. —Eu sabia que você iria ver o meu lado. — Ele se regozijou. Voltando à sua tribo, ele estufou o peito. —Vejam, cães? Seu chefe ainda está procurando faery para vocês! Nós festejaremos hoje!
Um grito estridente subiu, e o chefe se virou para mim novamente, nivelando sua espada no meu rosto. —Então menina otaku. Qual é o seu segredo?
Pensei rapidamente. —Para limpar o veneno do meu sangue, você terá que me ferver em um grande pote com vários ingredientes de purificação. Água de primavera de uma cachoeira, uma semente do carvalho mais alto, cogumelos azuis, e ... hum ...
—Não me diga que você se esqueceu. — Disse o chefe em tom ameaçador, e enfiou a ponta da espada através das barras da jaula. —Talvez eu possa te ajudar a se lembrar.
—Pó de Pixie. — Eu soltei desesperadamente, fazendo-o piscar. —De uma Pixie viva. — Eu acrescentei. —Não morta. Se ela morrer, a receita não vai funcionar. —Rezei para que houvesse pixies neste mundo. Se não, eu estaria bem morta.
—Uuh. — Resmungou o chefe, e virou-se para a tribo que o esperava. —Muito bem, arruaceiros, vocês ouviram isso! Eu quero aqueles ingredientes de volta aqui antes do amanhecer! Quem não trabalhar, não come! Agora, mexam-se!
A tribo se dispersou. Assobiando, tagarelando, xingando uns aos outros, eles desapareceram na floresta até que ficou apenas um guarda, encostado em uma lança torta.
O chefe me olhou com cautela e apontou sua espada através das grades.
—Não pense que você pode enganar-me dando ingredientes falsos. — Ele me ameaçou. —Eu planejo cortar fora seus dedos e atira-lo na panela, eu tenho um dos meus companheiros que podem provar isso. Se ele morrer, ou derreter em uma poça, será uma morte lenta e longa pra você. Entendeu?
Com arrepios, eu assenti. Eu sabia que nenhum dos goblins morreria, por que a minha invenção de veneno e a receita para a sopa era, naturalmente, completamente falsa. Ainda assim, eu não estava feliz em perder um dos meus dedos. Aterrorizada seria uma palavra melhor.
O chefe cuspiu e olhou ao redor do acampamento quase deserto. —Bah, nenhum daqueles cães saberá como pegar uma pixie. — Ele murmurou, coçando a orelha. —Eles provavelmente iriam come-la se a pegassem. Arg, é melhor eu mesmo encontrar uma . Bugrat!
Há alguns metros dali, o guarda solitário estalou em atenção. —Chefe?
—Fique de olho no nosso jantar. — O chefe ordenou, colocando sua espada na bainha. —Se ela tentar fugir, corte seus pés.
—Você terá isso, chefe.
—Eu estou indo caçar. — O chefe atirou em mim um olhar de último aviso, e depois saltou para a vegetação rasteira.
—Isso foi inteligente. — Grimalkin murmurou, soando relutantemente impressionado.
Concordei, sem fôlego para responder. Após um momento, o som da mastigação recomeçou.
Demorou um pouco, durante esse tempo eu mordia o meu lábio, apertava minhas mãos, e tentava não perguntar como Grimalkin estava indo há cada vinte segundos. Enquanto os minutos se esticavam, lancei olhares ansiosos para as árvores e a floresta, esperando que o chefe ou a horda de goblins rompesse-a. O guarda solitário perseguia o perímetro do campo, atirando-me um olhar malvado assim que passava, e parava o plano de fuga de Grimalkin. Finalmente, no oitavo ou nono círculo, a voz de Grimalkin flutuou depois que o guarda já tinha passado.
—Veja! Acho que você pode passar agora.
Eu me mexi contornando da melhor forma que pude. Olhando cuidadosamente as barras, eu vi que muitas das ligações foram mastigadas pela metade, prova que Grim tinha mandíbulas fortes e dentes afiados.
—Vamos, vamos, vamos! — Grimalkin assobiou, movimentando sua cauda. —Você pode ficar de boca aberta depois, eles estão voltando.
Arbustos se partiram em minha volta, e o riso áspero encheu o ar, chegando mais perto. Com o coração acelerado, agarrei as barras, com cuidado para evitar os espinhos, e empurrei. Eles resistiram, me mantendo no lugar por ramos entrelaçados, então empurrei mais duramente. Era como tentar empurrar as barras através de um intenso trecho de roseiras; as barras se moveram um pouco, me provocando com a liberdade, mas teimosamente dando pouco espaço.
O chefe goblin saiu das árvores, seguido por mais três goblins. Agarrava algo pequeno que se contorcia em uma das mãos, e os braços de seus seguidores estavam preenchidos com pálidos cogumelos azuis.
—Os cogumelos foi a parte fácil. — O chefe bufou, lançando um olhar zombeteiro de volta aos outros. —Qualquer idiota pode coletar plantas. Se eu tivesse deixado esses cães pegarem a pixie, nós não teríamos nada além de ossos.
Ele parou e atirou seu olhar para mim. Por um momento, ele ficou lá, piscando, em seguida, seus olhos se estreitaram, e ele cerrou os punhos. A criatura em suas mãos deu um grito estridente enquanto o goblin esmagava a vida dela e arremessava—a para o chão. Com um rugido de indignação, o chefe puxou a espada. Eu gritei e empurrei a jaula tão forte quanto eu pude.
Com um grande barulho de galhos e espinhos, o fundo da gaiola se soltou, e eu estava livre.
—Corra! — Grimalkin gritou, e eu não precisava de encorajamento. Nós nos metemos dentro da floresta com os gritos enfurecidos dos goblins em nossos calcanhares.
Alameda iluminada pela lua
Parti para a floresta, com ramos e folhas acertando meu rosto, seguindo a misteriosa forma de Grimalkin o melhor que pude. Atrás de mim, galhinhos me agarravam, ecoavam grunhidos, e os incômodos xingamentos do chefe Goblin[41] soavam mais alto em meus ouvidos. Minha respiração arranhava meu peito, meus pulmões ardiam, mas forcei minhas pernas a continuarem movendo-se, sabendo que se eu tropeçasse e caísse, morreria.
— Por este caminho! — Ouvi Grimalkin gritar, entrando como uma flecha em um campo de amoras. — Se conseguirmos chegar ao rio, nós estaremos a salvo! Os Goblins não sabem nadar!
Segui-o para uns arbustos, preparando-me para que os espinhos ferissem minha carne e rasgassem minhas roupas. Mas os ramos afastavam-se facilmente do meu caminho, como haviam feito quando estava com Puck, assim escapei com pequenos arranhões. Ao deixar o campo de amoras, um alto e estrondoso som ressoou atrás de mim, seguido de fortes gritos e xingamentos. Parecia que os Goblins não estavam achando o caminho tão fácil para atravessar, e agradeci à qualquer força que estivesse trabalhando enquanto eu continuava.
Sobre o rugido em meus ouvidos e minha respiração irregular, ouvi o som da água corrente. Quando cambaleei para fora das árvores, o solo transformou-se abruptamente em um barranco rochoso. Um grande rio surgiu diante de mim, com cerca de 100 metros de largura, sem pontes ou barcos à vista. Eu não podia ver o outro lado por que a água estava suspensa em uma muralha de névoa, se estendendo tão longe quanto eu podia ver. Grimalkin parou na borda, quase invisível na névoa, chicoteando seu rabo, impacientemente.
— Apresse-se! — Ordenou-me, enquanto eu tropeçava na encosta por causa do esgotamento das minhas pernas. — O território do Erlking encontra-se do outro lado. Você tem que nadar. Rápido!
Eu hesitei. Se monstruosos cavalos estivessem espreitando nas tranquilas lagoas, o que poderia haver em um grande rio negro? Imagens de peixes gigantes e monstros marinhos passavam em minha mente.
Algo passou voando por meu braço, assustando-me, saltando nas rochas com um chocalho. Era uma lança Goblin, a ponta de osso branco brilhava sobre as rochas. O sangue fugiu do meu rosto. Eu poderia ficar parada ali e ser espetada, ou arriscar-me no rio. Abrindo caminho ao longo da costa, me joguei na água.
O frio me assustou e ofeguei, lutando contra a corrente que me puxava rio abaixo. Sou uma nadadora muito boa, mas minhas pernas pareciam gelatina, e meus pulmões respiravam de forma entrecortada para inalar mais oxigênio. Eu lutei para manter-me à tona e afundei, soprando água pelo nariz e fazendo com que meus pulmões gritassem. A corrente levou-me mais para longe e reprimi o pânico.
Outra lança passou por cima da minha cabeça. Olhei para trás e vi os Goblins me seguindo pela costa, arrastando-se através das rochas e atirando lanças. O medo invadiu-me, dando-me novas forças. Lancei-me para a margem oposta, com os braços e pernas batendo loucamente, lutando contra a corrente, o melhor que pude. Mais lanças caíram na água perto de mim, mas felizmente, a pontaria dos Goblins parecia combinar com a sua inteligência.
Quando me aproximava da muralha de névoa, algo bateu no meu ombro com força, enviando um surto de agonia através de minhas costas. Ofeguei e afundei. A dor paralisou meus braços, e enquanto a corrente me puxava para baixo, eu tive certeza que iria morrer.
Algo agarrou minha cintura e eu senti que me puxavam para cima. Minha cabeça saiu da água e inalei ar para meus famintos pulmões, lutando com a escuridão na minha visão periférica. Quando meus sentidos voltaram, eu percebi que alguém estava me arrastando pela água, mas não conseguia ver nada em meio à névoa. De repente, meus pés tocaram terra firme, e a próxima coisa que sei é que eu estava deitada na grama com o sol brilhando calorosamente em meu rosto. Meus olhos estavam fechados, e os abri com cuidado.
O rosto de uma menina estava suspenso sobre o meu, seus cabelos loiros tocando minhas bochechas, grandes olhos verdes tão ansiosos quanto curiosos. Sua pele era da cor da grama no verão e pequenas escamas brilhavam prateadas de seu pescoço. Ela sorriu e seus dentes brilharam tão afiados e pontudos como os de uma enguia.
Um grito brotou da minha garganta, mas engoli-o. Esta... menina?... tinha acabado de salvar minha vida, mesmo que isso significasse que queria me comer. Seria rude se eu gritasse na sua cara, além do mais, qualquer movimento brusco poderia provocar uma agitação agressiva de fome. Eu não podia demonstrar medo. Com um profundo suspiro, me sentei, fazendo uma careta de dor quando uma pontada de dor atravessou meu ombro.
— Err... Olá. — Balbuciei, vendo-a sentar-se e piscar. Estava surpresa que ela tinha pernas ao invés de uma cauda de peixe, mas seus dedos e pés estavam unidos por membranas, e suas garras eram muito, muito afiadas. Um pequeno vestido branco ajustava-se a seu corpo com sua bainha ensopada. — Sou Meghan. Qual é seu nome?
Ela inclinou a cabeça, lembrando-me um gato que não podia decidir se comia o rato, ou brincava com ele. — Você é estranha. — ela disse, sua voz ondulava como água sobre as rochas. — O que você é?
— Eu? Eu sou humana. No momento em que eu disse isso, desejei não te-lo feito. Nos antigos contos de fada, os quais eu estava lembrando mais e mais, os humanos sempre eram alimento, brinquedo, ou um trágico interesse amoroso. E como eu estava descobrindo rapidamente, os habitantes daqui não tinham escrúpulos sobre comer uma criatura falante e sensível. Eu estava na mesma posição na cadeia alimentar que um rato ou um esquilo. Era um pensamento assustador, e bastante humilhante.
— Humana? — A garota inclinou a cabeça para o outro lado. Consegui ver as brânquias rosadas sob o seu queixo. — Minhas irmãs me contaram histórias sobre os humanos. Elas dizem que às vezes cantam para atraí-los para debaixo d'água. Sorriu, mostrando seus afiados dentes de agulha. — Estive praticando. Quer ouvir?
— Não, ela certamente não quer. — Grimalkin veio com passos majestosos através do pasto, com o rabo erguido no ar. O felino estava encharcado, com água escorrendo de seu pêlo em pequenos riachos, e não parecia feliz.
— Chuu. — resmungou a garota, e depois recuou, silvando e mostrando os dentes.
Grimalkin não parecia impressionado. — Vá embora. Eu não estou com humor para brincar com uma Nixie[42].
A garota sibilou mais uma vez e fugiu, deslizando na água como uma foca. Observou-nos do meio do rio, e depois, desapareceu na névoa.
— Sereias insuportáveis. — Grimalkin disse, virando-se para mim com os olhos apertados. — Não prometeu-lhe nada, certo?
— Não. — Meu cabelo ficou arrepiado. Estava feliz em ver o gato, é claro, mas eu não gostei da sua atitude. Não era minha culpa que os Goblins nos perseguiram. — Você não tinha porque assusta-la, Grim. Ela salvou minha vida.
O gato sacudiu o rabo, respingando água em mim. — A única razão pela qual ela te tirou do rio foi por curiosidade. Se eu não tivesse chegado, ela teria cantado debaixo d'água para afoga-la, ou teria te comido. Felizmente, as Nixies não são muito corajosas. Ela prefere lutar sob a água, onde tem todas as vantagens. Agora, sugiro que encontremos os outros. Você está ferida, e nadar me cansou muito. Se você pode andar, te aconselho a faze-lo.
Fazendo uma careta, me levantei. Meus ombros pareciam como se estivessem em chamas, mas mantive os braços juntos ao meu peito, a dor diminuía, tornando-se um latejar monótono. Mordendo os lábios, segui Grimalkin, para longe do rio nas terras do Erlking.
MESMO MOLHADA, CANSADA E DOLORIDA, eu ainda tinha energia para ficar fascinada. Pouco depois, meus olhos pareciam enormes e inchados de olhar por tanto tempo sem piscar. A terra deste lado do rio era um distante lamento da misteriosa floresta cinza dos Elfos selvagens. Mesmo que as cores fossem diminuindo e desaparecendo, tudo era muito vibrante e intenso. As árvores eram muito verdes, as flores escandalosamente coloridas. As folhas brilhavam afiadas como navalhas na luz, e as pétalas brilhavam como jóias, quando recebiam a luz do sol. Tudo era muito bonito, mas eu não podia afastar um sentimento de apreensão enquanto assimilava. Tudo parecia... falso de alguma forma, como se fosse um elaborado revestimento sobre a realidade, como se não estivesse olhando para o mundo real em absoluto.
Meu ombro ardia, e a pele ao redor dele parecia inchada e quente. Quando o sol se levantou mais alto no céu, o intenso calor desceu por meu braço e se espalhou para as minhas costas. O suor escorria pelo meu rosto, fazendo com que meus olhos coçassem e que minhas pernas tremessem.
No final desabei sob um pinheiro, ofegando, meu corpo estava quente e frio ao mesmo tempo. Grimalkin circulou em torno de mim e trotou para trás, com o rabo erguido no ar. Por um momento, havia dois Grimalkins, mas depois pisquei o suor dos meus olhos, e tinha apenas um.
— Há algo errado comigo. — Sugeri, enquanto o gato me olhava com calma. Seus olhos saíram do rosto dele bruscamente e deslizaram no ar entre nós. Pisquei fortemente, e estavam normais de novo.
Grimalkin concordou. — Veneno de Dreamlace. — ele disse, para minha confusão. — Os Goblins envenenam suas lanças e flechas. Quando começam as alucinações, não te sobra muita coisa.
Respirei com dificuldade. — Não há algum antídoto? — Sussurrei, ignorando a samambaia que começava a rastejar em minha direção como uma aranha com folhas. — Alguém que possa me ajudar?
— É para onde nós vamos. — Grimalkin ficou de pé, me olhando. — Não muito longe, humana. Mantenha seus olhos em mim, e tente ignorar todo o resto, não importa o que se passe com você.
Custaram—me três tentativas para me levantar, mas finalmente consegui me levantar e ter equilíbrio suficiente para poder dar um passo. E depois outro. E outro. Segui Grimalkin por milhas, ou assim pareceu. Depois que a primeira árvore me alcançou, agitando seus galhos, eu achei difícil me concentrar. Quase perdi Grimalkin várias vezes, enquanto a paisagem se transformava em assustadoras versões de si mesmo, tentando me pegar com dedos de galhos. Figuras distantes faziam sinais pelas sombras, chamando meu nome. O terreno tornou-se uma massa retorcida de aranhas e centopéias subindo pelas minhas pernas. Um veado parou no meio da estrada, levantou a cabeça, e me perguntou a hora.
Grimalkin parou. Saltando em uma rocha, ignorando os gritos indignados da pedra para que descesse e me olhou na cara. — Você está sozinha a partir de agora, humana. — Disse, ou pelo menos é o que eu ouvi sobre os gritos da rocha. — Apenas continue andando até que ele se mostre. Ele me deve um favor, mas também tende a desconfiar dos humanos, por isso as chances de ajudá-la é como 50% — 50%. Infelizmente, ele é o único que pode curála agora.
Eu fiz uma careta, tentando entender suas palavras, mas como as moscas zuniam eu não conseguia entender. — O que você está falando? — Perguntei.
— Você saberá o que quero dizer quando encontra-lo e se encontra-lo. — O gato levantou a cabeça e me deu um olhar observador. — Você ainda é virgem, certo?
Eu decidi que esta última parte era resultado do delírio. Grimalkin fugiu antes que eu pudesse perguntar algo mais, deixando-me confusa e desorientada. Afastando com a mão um enxame de vespas que estavam circulando pela minha cabeça, tropecei em busca dele.
Uma videira me alcançou e se agarrou no meu pé. Eu caí, rompendo direto para o chão, aterrissando em um leito de flores amarelas. Elas voltaram suas pequenas faces para mim e gritaram, enchendo o ar com pólen. Sentei-me e encontrei-me em um bosque iluminado pela lua, o chão atapetado de flores. As árvores dançavam, as rochas riam de mim, e pequenas luzes moviam-se rapidamente através do ar.
Minhas pernas estavam dormentes, e de repente eu estava muito cansada. A escuridão penetrou na periferia da minha visão. Recostei-me contra uma árvore e observei as luzes que ondulavam pelo ar. Confusamente, alguma parte de mim, percebeu que tinha parado de respirar, mas o resto de mim realmente não se importava.
Um raio de luz da lua escapou das árvores e se arrastou em minha direção. Olhei-o, sem interesse, sabendo que era uma alucinação. Enquanto se aproximava, brilhou e mudou de forma, às vezes parecendo um veado, outras vezes, uma cabra ou um pônei. Um chifre de luz cresceu em sua cabeça, como se me contemplasse com antigos olhos dourados.
— Olá. Meghan Chase.
— Oi. — Eu respondi, embora meus lábios quase não se moveram e não tinha fôlego para falar. — Eu estou morta?
— Ainda não. — A criatura de luz da lua riu baixinho, sacudindo sua juba. —Não é seu destino morrer aqui, princesa.
— Ah! — Considerei-o, meus pensamentos giravam na minha cabeça. — Como você sabe quem eu sou?
A criatura bufou, abanando uma cauda como um leão. — Aqueles que vêem o céu têm visto sua chegada há muito tempo, Meghan Chase. Os catalisadores sempre brilham com mais força, e sua luz brilha como jamais visto antes. Agora, a única pergunta que permanece é: qual caminho vai tomar, e como escolherá governar?
— Não estou entendendo.
— Supõe-se que não o faça. A criatura de luz da lua deu um passo à frente e respirou. Um ar de prata me banhou, e minhas pálpebras se fecharam. — Agora, durma minha princesa. Seu pai lhe espera. E diga a Grimalkin que escolho ajudar, não como um favor, mas sim por minhas próprias razões. A próxima vez que me visitar será a última.
Eu não queria dormir. Perguntas rodavam na minha cabeça, zumbindo, e insistentes. Abri minha boca para perguntar sobre meu pai, mas o chifre da criatura tocou meu peito, enviando uma onda de calor por todo meu corpo. Ofeguei e abri meus olhos.
A alameda iluminada pela lua tinha desaparecido. Um prado me rodeou, a grama alta ondulando ao vento, um tênue brilho rosado iluminava o horizonte. Os últimos vestígios de um estranho sonho revoavam em minha mente: árvores que se moviam; um veado que falava; uma criatura feita de gelo e luz da lua. Perguntei-me o que era real, e se era apenas efeito do delírio. Sentia-me bem agora — melhor do que bem. Alguma coisa disso deve ter sido real.
De repente, a grama estalou, como se algo tivesse deslizado atrás de mim.
Eu me virei e vi minha mochila há poucos metros de distância, um laranja forte em contraste com o verde. Pegando-a rapidamente, a abri. A comida já não estava, naturalmente, como também minha lanterna e a aspirina, mas minha roupa extra estava lá, amassada numa bola e encharcada.
Confusa, olhei para a mochila. Quem poderia te-la trazido aqui desde o acampamento do Goblin? Não creio que Grimalkin tenha ido por ela. Especialmente porque isso teria significado atravessar o rio novamente. Mas aqui estava a minha mochila, mofada e molhada, mas estava aqui. Pelo menos as roupas secam.
E então me lembrei de outra coisa. Algo que me fez estremecer.
Abrindo o bolso lateral, tirei meu encharcado iPod.
— Merda. — Suspirei, olhando-—o. A tela estava borrada e distorcida, e ele completamente arruinado, a economia de um ano jogada pelo ralo. O agitei e ouvi jatos de água dentro. Não era bom. Só para ter certeza, conectei os fones de ouvido e liguei. Nada. Nem mesmo um zumbido. Ele estava em boas condições mas verdadeiramente morto.
Com tristeza, voltei a coloca-lo no bolso e fechei o zíper. Eu já não poderia ouvir Aerosmith na Faeryland. Estava prestes a ir procurar Grimalkin, quando uma risadinha sobre a minha cabeça me fez olhar para cima.
Algo estava agachado nos galhos. Algo pequeno e disforme, olhando-me com brilhantes olhos verdes. Vi o perfil de um vigoroso corpo, tinha longos e finos braços e orelhas como um Goblin. Só que não era um Goblin. Era muito pequeno para isso, e o mais perturbador, parecia inteligente.
O monstro me encontrou olhando-o e me ofereceu um lento sorriso. Seus dentes pontiagudos e afiados como uma navalha brilhavam com fogo azul neon, justo antes que ele desaparecesse. E eu não me refiro a que ele tenha fugido ou desaparecido como um fantasma. Desapareceu de vista, como a imagem na tela de um computador.
Como essa coisa que eu vi no laboratório de informática. Definitivamente, hora de ir.
Encontrei Grimalkin bronzeando-se em cima de uma rocha, com os olhos fechados, ronronando profundamente com sua garganta. Ele entreabriu um olho quando eu me aproximei apressadamente.
— Vamos. — Eu disse, encolhendo os ombros para colocar minha mochila. — Você vai me levar para onde Puck está, vou resgatar Ethan, e iremos para casa. E se eu nunca mais visse um Goblin, Nixie, Cait Sith ou seja lá o que seja, seria muito bom.
Grimalkin bocejou. Irritantemente, levou um tempo para levantar-se, esticando-se, bocejando, coçando a orelha, certificando-se que cada pêlo estivesse em seu lugar. Fiquei quieta, quase dançando com a impaciência, querendo agarra-lo pelo pescoço, apesar de saber que provavelmente seria destruída por isso.
— Arcadia, a Corte Summer, está fechada. — Disse Grimalkin quando ele finalmente considerou-se pronto para começar. — Lembre-se, você me deve uma pequena dívida, quando encontrarmos seu Puck. — Pulou da rocha para o chão, olhando-me solenemente. — Reclamarei meu preço tão logo o encontremos. Não se esqueça.
Caminhamos durante horas por uma floresta que parecia estar constantemente se fechando sobre nós. Na minha visão periférica, galhos, folhas, até troncos de árvores se moviam e mudavam de forma, tentando me pegar. Às vezes, passava por uma árvore ou arbusto, só para vê-lo mais adiante na estrada. Um riso ecoou do alto da copa das árvores, e estranhas luzes piscavam e se moviam abruptamente à distância. Em um momento, uma raposa nos espiou por debaixo de um tronco caído, com um crânio humano assentado em sua cabeça. Nada disso incomodou Grimalkin, que trotava pelo caminho na floresta com o rabo para cima, nunca olhando para trás, para ver se eu o seguia.
A noite caiu e a enorme lua azul estava no alto, quando Grimalkin parou, achatando as orelhas. Com um silvo, ele deslizou para fora do caminho, e desapareceu em um campo de samambaias. Surpresa eu levantei os olhos para ver um par de cavaleiros aproximando-se, brilhando no escuro. Seus cavalos eram cinza e prata, e os cascos não tocavam o chão enquanto mantinham o meio galope, direto para mim.
Eu fiquei parada enquanto eles se aproximavam. Não havia nenhum sentido em tentar superar os caçadores à cavalo. Quando chegaram mais perto, vi os cavaleiros: altos e elegantes, com características nítidas e cabelos ruivos amarrados em um rabo. Eles usavam casacos de malha prateada que brilhavam na luz do luar, e levavam consigo espadas finas em seus lados.
Os cavalos me rodearam, resfolegando vapor, suas respirações suspensas no ar como nuvens.
Em seus cavalos, os cavaleiros me olharam com uma beleza pouco natural, suas características muito finas e delicadas para serem reais. — Você é Meghan Chase? — Um deles perguntou com sua voz alta e clara como uma flauta. Seus olhos brilhavam da cor do céu no verão.
Engoli em seco. — Sim.
— Você virá conosco. Sua Majestade o Rei Oberon, Senhor da Corte Summer, nos enviou atrás de você.
Na Corte Seelie
Eu andava na frente de um cavaleiro elfo, que tinha um braço muito bem envolvido em torno da minha cintura enquanto o outro segurava as rédeas. Grimalkin cochilou no meu colo, um peso morno, pesado, e que se recusava a falar comigo. Os cavaleiros não responderam a nenhuma das minhas perguntas: para onde estávamos indo, se eles conheciam Puck, ou por que o Rei Oberon me queria. Eu nem sabia se eu era uma prisioneira ou uma convidada deles, embora eu suponho que eu iria descobrir em breve. Os cavalos voavam sobre o chão da floresta, e eu vi mais à frente que as árvores foram começando a se afinar.
Nós rompemos através da linha das árvores, e diante de nós ergueu uma colina enorme. Ela elevou-se acima de nós coberta de gramíneas e com um antigo esplendor, o cume parecendo tocar o céu. Árvores espinhosas e arbustos cresceram em todos os lugares, especialmente perto do topo, então a coisa toda se assemelhava a uma grande cabeça barbada. Em torno dela crescia uma barreira abundante de espinhos, alguns maiores que meu braço. Os cavaleiros estimularam seus cavalos em direção à parte mais densa da barreira. Não fiquei surpresa quando as amoreiras se partiram para eles, formando um arco, por onde passamos por baixo antes que voltassem ao lugar com um rangido alto.
Fiquei surpresa quando os cavalos andaram em linha reta na lateral da colina sem diminuir a velocidade, agarrei Grimalkin com força, fazendo-o rosnar em protesto. A colina, nem se abriu, nem se afastou de qualquer forma, nós fomos em direção a ela e por entre ela, o que enviou um arrepio por todo o trajeto entre a minha coluna e meus pés.
Piscando, olhei em volta para o caos total.
Um pátio enorme esticava-se diante de mim, uma grande plataforma circular de pilares de marfim, estátuas de mármore, e árvores floridas. Fontes lançavam gêiseres de água no ar, luzes multicoloridas dançavam sobre as piscinas, e flores das cores de todo o espectro do arco-íris floresciam em todos os lugares. Música chegou aos meus ouvidos, uma combinação de harpas e tambores, cordas e flautas, sinos e assobios, de alguma forma animada e melancólica ao mesmo tempo. Ela trouxe lágrimas aos meus olhos, e de repente tudo o que eu queria fazer era deslizar do cavalo e dançar até que a música me consumisse, e eu me perdesse nela. Felizmente, Grimalkin murmurou algo como ‘tenha controle sobre si mesma’ e fincou as garras em meu pulso, me repreendendo com isso.
Faeries estavam por toda parte, sentadas nos degraus de mármore ou bancos, dançando juntas em pequenos grupos, ou apenas passeando. Meus olhos não podiam capturar as imagens rápido o suficiente. Um homem com o peito nu, e pernas peludas que terminavam em cascos, piscou para mim a partir da sombra de um arbusto. Uma menina esguia e com a pele esverdeada saiu de uma árvore, para repreender uma criança pendurada nos ramos. O menino deu língua, sacudiu seu rabo de esquilo, e disparou rapidamente por entre as folhagens.
Senti um puxão no meu cabelo. A pequena figura pairava perto do meu ombro, leves asas zumbiam como as de um beija-flor. Engoli em seco, mas o cavaleiro segurando-me não deu importância, só olhou para ela. Ela sorriu e estendeu o que parecia ser uma uva gorda, exceto que a casca da fruta era azul e salpicada em laranja. Eu sorri polidamente e assenti com a cabeça, mas ela franziu a testa e apontou para minha mão. Confusa, eu a levantei. Ela deixou cair a fruta em minha palma, deu um risinho satisfeito, e fugiu.
—Tenha cuidado — Grimalkin retumbou, enquanto o aroma inebriante flutuou do pequeno fruto, fazendo a minha boca encher de água. —Comer ou beber certas coisas em Faery poderiam ter desagradáveis consequências para alguém como você. Não coma nada. Na verdade, até encontrar o seu Puck, eu não falaria com ninguém. E o que quer que faça, não aceite presentes de qualquer espécie. Esta será uma noite longa.
Eu engoli e deixei cair a fruta em uma das fontes em que passávamos, observando o enorme cardume verde e ouro ao seu redor com bocas escancaradas. Os cavaleiros espalhavam as faeries enquanto andavam pelo pátio em direção a um alto muro de pedra, com um par de portas de prata na frente. Duas criaturas fortes, cada uma com 10 metros de altura, de pele azul e presas, guardavam a porta. Seus olhos brilhavam em amarelo abaixo dos cabelos pretos não muito bons, e sobrancelhas pesadas. Mesmo vestidos, seus braços e peitos protuberantes sobressaiam através do tecido de seus uniformes vermelhos, detonando com os botões de bronze, eles ainda eram aterrorizantes. —Trolls. — Murmurou Grimalkin, enquanto eu encolhia contra a firme figura do cavaleiro elfo. —Esteja grata por estarmos nas terras de Oberon. A corte Winter abriga ogros.
Os cavaleiros pararam e me desceram há poucos metros do portão. —Seja cortês quando você falar com o Erlking, criança. — O cavaleiro com quem eu havia montado me disse, e levou sua montaria para longe. Fiquei de frente para os dois trolls gigantes com nada além de um gato e minha mochila.
Grimalkin se contorceu nos meus braços, e eu o deixei cair para as pedras. —Vamos. — O gato suspirou, chicoteando o rabo. —Vamos nos reunir com o Senhor Orelhas Pontudas e acabar logo com isso.
Os dois trolls piscaram enquanto o gato sem medo aproximou do portão, parecendo um inseto cinza rastejando em torno de suas patas. Um deles se moveu, e eu me preparei, esperando ele transformar Grimalkin em pudim de gatinho. Mas o troll só esticou o braço e puxou o portão para abri-lo enquanto os outros faziam o mesmo ao seu lado. Grimalkin me lançou um olhar para trás, contraiu o rabo, e deslizou através da arcada. Eu respirei fundo, alisei meu cabelo emaranhado, e o segui.
A floresta crescia densa do outro lado dos portões, como se o muro tivesse sido construído para refreá-la. Um túnel de árvores florindo e ramos se espalhava longe de mim, totalmente florido, o cheiro tão forte que eu senti a cabeça leve.
O túnel terminava com uma cortina de videiras, abrindo em uma clareira enorme cercada por árvores gigantescas. Os troncos antigos e os ramos entrelaçados faziam uma espécie de catedral, um palácio vivo de colunas gigantes e um teto arqueado folhoso. Mesmo que eu soubesse que estávamos sob a terra, e que lá fora era de noite, a luz solar iluminava o chão da floresta, surgindo através de rachaduras nas copas. Bolas de luz brilhante dançavam no ar, e uma cachoeira caía em cascata suavemente em uma lagoa próxima. As cores aqui eram deslumbrantes.
Uma centena de faeries agrupavam-se em torno do meio da clareira, vestidas com brilhantes e estranhos enfeites. Pelo olhar delas, achei que essas eram os nobres da corte. Seus cabelos pendiam longos e soltos, ou tinham um impossível penteado fashion em cima de suas cabeças. Sátiros, facilmente reconhecidos pelos seus pés peludos de cabra, e pequenos homens peludos estavam atrás, servindo bebidas e bandejas de comida. Esbeltos cães de caça com pêlo verde-musgo circulavam, na esperança de cair migalhas. Cavaleiros de armadura prateada permaneciam firmes ao redor da sala, além de alguns falcões ou até mesmo pequenos dragões.
No centro estava um par de tronos, aparentemente cresciam para fora do chão da floresta, ladeados por dois uniformizados centauros. Um dos tronos estava vazio, exceto por um corvo confinado em um dos braços. O grande pássaro preto grasnou e bateu suas asas contra a sua prisão, seus brilhantes e verdes olhos redondos. No entanto, no trono, à esquerda...
Rei Oberon, pois eu só poderia assumir que esse era ele, sentado com os dedos entrelaçados juntos, olhando para a multidão. Como o restante dos nobres fey, ele era alto e esguio, com cabelos prateados que caiam até a cintura, e frios olhos verdes. Uma coroa de chifres descansava em sua testa, lançando uma sombra sobre a corte, como gananciosas garras. Poder irradiava dele, sutil como uma tempestade.
Sobre o mar colorido de nobres, os nossos olhares se encontraram. Oberon levantou uma sobrancelha, elegante como a curva da asa de um gavião, mas não mostrou expressão em seu rosto. E naquele momento, cada faery na sala parou o que estava fazendo e se virou para olhar para mim.
—Ótimo — murmurou Grimalkin, esquecido ao meu lado. —Agora todos sabem que estamos aqui. Bem, vamos lá, humana. Vamos jogar nicies[43] para a Corte.
Minhas pernas estavam fracas, minha boca seca, mas eu me forcei a caminhar. Senhores e Senhoras fey viraram-se para mim, mas se por respeito ou desprezo, eu não poderia dizer. Seus olhos, frios e divertidos, não me deram uma pista. Um cão de caça verde faery cheirou-me e rosnou quando eu passei, mas além disso, o local ficou em silêncio.
O que eu estava fazendo aqui? Eu nem sabia. Grimalkin deveria estar levando-me para Puck, mas agora Oberon queria me ver. Parecia que eu estava ficando mais e mais longe do meu objetivo de resgatar Ethan. A menos, claro, que Oberon soubesse onde estava Ethan.
A menos que Oberon estivesse mantendo-o como refém.
Alcancei o pé do trono. Coração acelerado, não sabendo mais o que fazer, me ajoelhei e fiz uma reverência. Eu senti os olhos do Erlking na parte de trás do meu pescoço, como os antigos da floresta que nos rodearam. Finalmente, ele falou.
—Levante-se, Meghan Chase.
Sua voz era suave, mas o tom cadenciado me fez pensar no rugir dos oceanos e tempestades ferozes. O chão tremeu sob meus dedos. Controlando o medo, levantei-me, olhei para ele e vi algo cintilando pelo seu rosto sem expressão. Orgulho? Diversão? Isso tinha ido embora antes que eu pudesse dizer.
—Você tem andado sem permissão em nossas terras. — Ele me disse, enviando um murmúrio baixo na corte faery. —Você nunca deveria ter visto Nevernever, e ainda assim, você enganou um membro desta corte para traze-la através da barreira. Por quê?
Não sabendo mais o que fazer, eu lhe disse a verdade. —Eu estou procurando meu irmão, senhor. Ethan Chase.
—E você tem razões para acreditar que ele está aqui?
—Eu não sei. — Lancei um olhar desesperado para Grimalkin, que estava lambendo a pata de trás, sem prestar atenção em mim. —Meu amigo Robbie ... Puck ... ele me disse que Ethan foi sequestrado por faeries. Que eles deixaram um changeling no lugar dele.
—Entendo. — Oberon virou a cabeça ligeiramente, em direção ao pássaro engaiolado em seu trono. —E essa é ainda outra transgressão, Robin.
Eu olhei com minha boca boquiaberta. —Puck?
O corvo olhou para mim com olhos verdes e brilhantes, grasnou baixinho, parecia dar de ombros. Eu olhei para trás, para Oberon. —O que você está fazendo com ele?
—Ele foi ordenado a nunca lhe trazer para nossa terra. — A voz de Oberon era calma, mas impiedosa. —Ele foi ordenado a mantê-la cega para os nossos caminhos, nossa vida, nossa própria existência. Eu o puni por sua desobediência. Talvez eu o transforme de volta em poucos séculos, após ele ter tempo para pensar em suas transgressões.
—Ele estava tentando me ajudar!
Oberon sorriu, mas foi frio, vazio. —Nós imortais não pensamos na vida, da mesma forma como os seres humanos. Puck não deveria ter interesse em resgatar uma criança humana, especialmente se isso entra em conflito com minhas ordens diretas. O fato que ele cedeu às suas demandas, sugere que ele talvez esteja gastando muito tempo com os mortais, aprendendo os seus modos e suas emoções caprichosas. É hora dele se lembrar de como ser fey.
Engoli em seco. —Mas e o Ethan?
—Eu não sei. — Oberon recostou-se, encolhendo os magros ombros. —Ele não está aqui, dentro do meu território. Isso eu posso te dizer.
O desespero me esmagou como um peso de dez toneladas. Oberon não sabia onde estava Ethan, e pior, não se importava. Agora eu perdi Puck como guia, bem. Estava de volta à estaca zero. Eu tinha que encontrar a outra corte, a corte Unseelie, me infiltrar e resgatar meu irmão, tudo por mim mesma. Ou seja, se eu conseguisse chegar lá inteira. Talvez Grimalkin concordasse em me ajudar. Olhei para o gato, que estava completamente absorvido em lamber o rabo, e meu coração se apertou. Provavelmente não. Bem, então. Eu estava por conta própria.
A enormidade da minha tarefa apareceu à frente, e eu lutei contra as lágrimas. Onde é que eu vou agora? Como eu iria até mesmo sobreviver?
—Tudo bem. — Eu não queria parecer rude, mas eu não estava me sentindo muito positiva neste momento. —Eu vou sair agora. Se você não vai me ajudar, eu vou ter que continuar procurando.
—Eu receio... — disse Oberon — ...que eu não possa deixar você ir, ainda.
—O quê? — Eu recuei. —Por quê?
—Grande parte da terra sabe que você está aqui. Continuou o Erlking. —Fora desta corte, eu tenho muitos inimigos. Agora que você está aqui, agora que você está ciente, eles usariam você para chegar à mim. Eu receio que não possa permitir isso.
—Eu não entendo. — Olhei para os nobres fey, muitos deles pareciam sombrios, hostis. Os olhares que eles destinavam a mim agora brilhavam com antipatia. Voltei-me para Oberon, articulando. —Por que eles iriam querer a mim? Eu sou apenas um ser humano. Eu não tenho nada a fazer com essas pessoas. Eu só quero meu irmão de volta.
—Pelo contrário. — Oberon suspirou, e pela primeira vez, a idade parecia pesar-lhe. Ele parecia mais velho, ainda fatal e extremamente poderoso, mas antigo e cansado. —Você está mais ligada ao nosso mundo do que você sabe, Meghan Chase. Veja, você é minha filha.
A filha do Erlking
Eu olhei para Oberon enquanto o mundo caia abaixo de mim. O Erlking me olhou de volta, sua expressão calma e imperturbável, seus olhos inexpressíveis mais uma vez. O silêncio a nossa volta era absoluto. Eu não via mais nada, exceto por Oberon; o resto da Corte desvaneceu no fundo, até que nós éramos os dois únicos em todo o mundo.
Puck deu um indignado grasno e bateu suas asas contra a gaiola.
Isso quebrou o encanto. —O quê? — Eu oprimi. O Erlking não fez muito além de piscar, o que de alguma forma me enfureceu ainda mais. —Isso não é verdade! Minha Mãe foi casada com meu pai. Ela ficou com ele até ele desaparecer, e ela casou outra vez, com o Luke.
—Isso é verdade, — Oberon assentiu com a cabeça. —Mas aquele homem não era seu pai, Meghan. Eu sou. — Ele levantou, sua veste cortês ondeou em volta dele. —Você é metade fey, metade meu sangue. Por que você acha que eu coloquei Puck cuidando de você, poupando você de ver nosso mundo? Porque isso vem naturalmente para você. A maioria dos mortais são cegos, mas você poderia ver através da névoa desde o começo.
Lembrei-me de todas as vezes que eu quase vi alguma coisa, pelo canto dos meus olhos, ou silhueta nas árvores. Vislumbre de coisas que não estavam exatamente lá. Eu balancei minha cabeça. —Não, eu não acredito em você. Minha mãe amava meu pai. Ela não deveria — Eu rompi, não querendo pensar nas implicações.
—Sua mãe era uma linda mulher, — Oberon continou suavemente. —E bastante extraordinária, para uma mortal. Pessoas artísticas podem sempre ver um pouco do mundo dos fey em volta delas. Ela costumava ir ao parque para pintar e desenhar. Foi lá, ao lado do lago, que nós nos encontramos pela primeira vez.
—Pare! — Eu gritei. —Você está mentindo. Eu não sou uma de vocês. Não posso ser.
—Apenas metade, — Oberon disse, e do canto dos meus olhos eu capturei olhares de desgosto e desprezo do resto da corte. —Mas, isso é suficiente para meus inimigos tentarem me controlar através de você. Ou, talvez, virar você contra mim. Você é mais perigosa do que você percebe, filha. Por causa da ameaça que você representa, você deve permanecer aqui.
Meu mundo parecia estar em colapso em volta de mim. —Por quanto tempo? — Eu sussurrei, pensando na minha mãe, Luke, escola, tudo o que eu deixei para trás em meu mundo. Eu já estaria como desaparecida? Quando eu retornasse, encontraria centenas de anos que haviam passado, e todos que eu conhecia estariam mortos faz tempo?
—Até eu encontrar outro jeito, — Oberon disse, no tom que minha mãe frequentemente usava quando ela decidia a questão. Porque eu disse tanto. —No mínimo, até que o Elysium[44] esteja terminado. A Corte Winter chegará em alguns dias, e eu a teria aqui onde posso vê-la. — Ele bateu palmas, e uma sátira[45] saiu do meio da multidão e se curvou diante dele. —Leve minha filha para seu quarto, — ele ordenou, sentando de volta em seu trono. —Veja se ela ficará confortável.
—Sim, meu senhor, — murmurou a sátira, e começou a se movimentar para longe fazendo barulho, olhando para trás para ver se eu estava indo. Oberon se inclinou para trás, sem olhar para mim, seu rosto branco e inflexível.
Minha audiência com o Erlkin tinha terminado.
Eu tropecei, me preparando para seguir a menina cabra para fora da corte, quando a voz do Grimalkin flutuou do chão. Eu tinha completamente esquecido do gato. —Imploro seu perdão, meu senhor, — Grimalkin disse, sentando e ondulando sua cauda em torno de si, —mas seu negócio ainda não está completo. Você vê, a garota está em débito comigo. Ela me prometeu um favor por trazê—=-la em segurança aqui, e a dívida ainda não foi paga.
Eu olhei para o felino, pensando o porquê dele estar trazendo isso agora. Oberon, entretanto, olhou para mim com uma severa expressão. —Isso é verdade?
Eu assenti, pensando por que os nobres estão me dando olhares de horror e compaixão. —Grim me ajudou a escapar dos goblins, — Eu expliquei. —Ele salvou minha vida. Eu não estaria aqui se ele não estivesse... — Minha voz sumiu quando eu vi o olhar nos olhos de Oberon.
—Uma dívida de vida, então. — Ele suspirou. —Muito bem, Cait Sith[46]. O que você quer de mim?
Grimalkin baixou suas pálpebras. Era fácil ver que o gato estava ronronando. —Um pequeno favor, grande senhor, — ele ressoou, —a ser pedido em um momento posterior.
—Concedido. — Erlking assentiu, e ele parecia crescer ainda mais em sua poltrona. Sua sombra pairou sobre o gato, que piscou e baixou suas orelhas. Um trovão rugiu ao alto, a luz na floresta obscureceu, e um vento gelado chocalhou os galhos nas árvores, banhando-os com as pétalas. O resto da corte se encolheu; alguns desapareceram de vista completamente. Na escuridão repentina, os olhos de Oberon brilharam em âmbar. —Mas está advertido, felino, — ele cresceu, sua voz fazendo o chão tremer. —Eu não estou brincando. Não pense em me fazer de bobo, para que eu possa lhe conceder o seu pedido de forma intransponível e desagradável.
—É claro, grande Erlking, — Grimalkin acalmou, sua pele chicoteando no vendaval. —Eu sou sempre seu servo.
—Eu seria tolo, de fato, em confiar nas palavras de um lisonjeiro Cait Sith. — Oberon se inclinou para trás, uma máscara inexpressiva em sua face mais uma vez. O vendo parou, o sol retornou, e as coisas estavam normais novamente. —Você teve o seu favor. Agora vá.
Grimalking curvou sua cabeça, virou, e trotou em minha direção, um caule de bottlebrush[47] erguida.
—O que é isso, Grim? — Eu exigi, franzindo a sobrancelha para o felino. —Eu pensei que você queria um favor de mim. O que foi tudo aquilo com o Oberon?
Grimalkin não fez muito mais que uma pausa. Cauda para cima, ele passou por mim sem comentar, deslizando para o túnel de árvores, e sumiu de vista.
A sátira tocou meu braço. —Por aqui, — ela murmurou, e me conduziu para longe da corte. Eu senti os olhos dos nobres e dos cães de guardas nas minhas costas, enquanto nós saíamos da presença do Erlking.
—Eu não entendo. — Eu disse miseravelmente, seguindo a menina sátira através da clareira. Meu cérebro tinha ficado dormente; eu me senti flutuando em uma maré de confusão, momentos distantes de afogamento. Eu apenas queria encontrar meu irmão. Como cheguei a esse ponto?
A sátira me lançou um olhar de compreensão. Ela era menor que eu em um pé (30 centímetros), com amplos olhos cor de avelã que combinavam com seu cabelo crespo. Eu tentei manter meus olhos longe da parte inferior peluda dela, mas era muito difícil, especialmente quando ela cheirava levemente a um zoológico.
—Isto não é tão ruim — ela disse, não me conduzindo através do túnel, mas para um lado distante da clareira. As árvores daqui eram tão espessas que a luz do sol não permanecia nos ramos, deixando tudo na sombra, na esmeralda escuridão. —Você pode apreciar isso aqui. Seu pai te dá uma grande honra.
—Ele não é meu pai, — Eu vociferei. Ela piscou largamente, olhos marrom claro, e seu lábio inferior tremeu. Eu suspirei, lamentando meu tom áspero. —Desculpe. Isso é muito para eu entender. Dois dias atrás, eu estava em casa, dormindo na minha própria cama. Eu não acreditava em goblins, elfos ou gatos falantes, e eu certamente não pedi por nada disso.
—O Rei Oberon deu uma grande chance para você — a sátira falou, sua voz um pouco firme. —O cait sith guarda uma dívida de vida sobre você, o que significa que poderia ter pedido qualquer coisa. Meu senhor Oberon a pegou e fez isso, então Grimalkin não pode lhe pedir para envenenar ninguém, ou lhe dar o seu primeiro filho.
Eu recuei em terror. —Ele teria?
—Quem sabe o que ocorre dentro da cabeça do gato? — A sátira deu de ombros, escolhendo o seu caminho ao longo de um emaranhado de raízes. —Apenas... tenha cuidado com o que você fala por aqui. Se você fizer uma promessa, você estará ligada a ela, e guerras foram travadas por ‘pequenos favores’. Tenha cuidado especialmente em volta das senhoras e senhores da nobreza — todos eles são adeptos do jogo de política e de peões em decisões. — Ela repentinamente empalideceu e colocou uma mão em sua boca. —Eu disse demais. Por favor, me perdoe. Se isso cair no ouvido do Rei Oberon...
—Eu não irei dizer nada — eu prometi.
Ela parecia aliviada. —Eu estou grata, Meghan Chase. Outros poderiam usar isso contra mim. Eu ainda estou aprendendo as maneiras da corte.
—Qual é seu nome?
—Tansy.
—Bem, você é a única que tem me tratado bem, sem esperar nada em troca. — Eu disse a ela. —Obrigada.
Ela parecia embaraçada. —Verdadeiramente, você não precisa se colocar em dívida comigo, Meghan Chase. Aqui, deixe-me mostrar seu quarto.
Nós estamos no canto das árvores. Uma parede de espinheiro em floração, tão espessa que eu não consegui ver do outro lado, elevava-se acima de nós. Entre as flores rosas e roxas, espinhos eriçavam ameaçadoramente.
Tansy estendeu a mão e acariciou uma das pétalas. A cerca viva estremeceu, enrolada e reorganizada em si, formando um túnel não diferente do que levava à corte. No final do túnel espinhoso, estava uma pequena porta vermelha.
Com admiração, eu segui Tansy dentro do túnel de sarça e através da porta, conforme ela abriu-a para mim. Dentro, um deslumbrante quarto saudava meus sentidos. O chão era de um mármore branco, incrustado com modelos de flores, pássaros e animais. Sob meu olhar incrédulo, algum deles moravam. Um chafariz borbulhava no meio do quarto, e uma pequena mesa parada perto, coberta com bolos, chá, e garrafas de vinho. Uma cama maciça e coberta com seda dominava uma parede, enquanto uma lareira ficava na outra. As chamas crepitavam na lareira mudando de cor, de verde para azul, para rosa, e tudo de novo.
—Esta é a suíte do convidado de honra — Tansy anunciou, olhando ao redor com inveja. —Apenas convidados importantes da Corte Seelie são permitidos aqui. Seu pai realmente está te dando uma grande honra.
—Tansy, por favor, pare de chama-lo disso. — Eu suspirei, olhando ao redor do quarto maciço. —Meu pai era um vendedor de seguros do Brooklyn. Eu iria saber se eu não fosse inteiramente humana, não saberia? Não haveria algum tipo de sinal, orelhas pontiagudas, ou asas, ou alguma coisa assim?
Tansy piscou, e o olhar que ela me deu, me enviou um arrepio nas minhas costas. Ruídos de cascos, ela atravessou o quarto e parou ao lado de uma grande cômoda com um espelho em cima. Olhando para trás, ela acenou para mim com um dedo.
Ansiosamente, eu movi e parei do lado dela. Em algum lugar interior, uma voz começou a gritar que eu não iria querer ver o que seria revelado a seguir. Eu não escutei a tempo. Com um solene olhar, Tansy apontou para o espelho, e por um segundo naquele dia, meu mundo virou de cabeça para baixo.
Eu não tinha me visto desde o dia em que eu passei através do closet com o Puck. Eu sabia que minhas roupas estavam imundas, manchada de suor, e rasgada em pedaços por ramos, espinhos e garras. Do pescoço para baixo, eu parecia como eu esperava parecer: como uma vagabunda que tinha estado vagando através do lugar selvagem por dois dias sem tomar banho.
Eu não reconheci meu rosto.
Eu quero dizer, eu sabia que era eu. O reflexo moveu os lábios quando eu movi, e piscou quando eu pisquei. Mas minha pele estava mais pálida, os ossos do meu rosto mais finos, e meus olhos pareciam enormes, como aqueles de um cervo pego pelos faróis dianteiros. E através do meu cabelo emaranhado e bagunçado, como se nada tivesse sido ontem, duas pontudas orelhas projetavam-se de ambos os lados da minha cabeça.
Eu, espantada com o reflexo, me senti tonta, incapaz de compreender o significado. Não! Meu cérebro gritou, rejeitando violentamente a imagem diante de si, essa não é você! Não é!
O chão oscilou embaixo dos meus pés. Eu não consegui pegar meu fôlego. E então, todo o choque, adrenalina, medo, e horror dos dois últimos dias se abateram sobre mim de uma só vez. O mundo girou, inclinado sobre seu eixo, e eu caía no esquecimento.
A promessa de Titania
—Meghan — Mamãe chamou do outro lado da porta. —Acorde. Você irá se atrasar para a escola.
Eu gemi e espiei para fora, sob a coberta. Já era de manhã? Aparentemente sim. Uma luz nebulosa cinza, filtrada pela janela do meu quarto, reluzindo no meu despertador no qual era 6:48 da manhã.
—Meghan! — Minha mãe chamou, e dessa vez uma forte batida acompanhou sua voz. —Você está acordada?
—Si-sim! — Eu gritei da cama, desejando que ela fosse embora.
—Bem, se apresse! Você irá perder o ônibus.
Eu bamboleei em meus pés, joguei as roupas mais limpas da pilha no chão, e agarrei minha mochila. Meu iPod caiu longe, aterrissando com um splat[48] na minha cama. Eu franzi a sobrancelha. Por que estava molhado?
—Meghan! — veio a voz da mamãe mais uma vez, e eu rolei meus olhos. —São quase sete! Se eu tiver que te levar para a escola, por que você perdeu o ônibus, você estará de castigo por um mês!
—Tudo bem, tudo bem! Eu estou indo, merda! — Pisoteando até a porta, eu a empurrei abrindo-a.
Ethan estava parado ali, seu rosto azul e enrugado, seus lábios puxados em um largo sorriso. Em uma mão, ele segurava uma faca de açougueiro. Sangue respingando de suas mãos e rosto.
—Mamãe caiu — ele sussurrou, e mergulhou a faca em minha perna.
EU ACORDEI GRITANDO.
Chamas verdes faiscavam na lareira, lançando ao quarto um brilho estranho. Ofegante, eu deitei novamente contra o fresco travesseiro de seda, o pesadelo desaparecendo dentro da realidade.
Eu estava na corte do rei Seelie, tanto um prisioneiro aqui como o pobre Puck, preso em sua gaiola. Ethan, o real Ethan, ainda estava lá fora em algum lugar, esperando para ser resgatado. Eu perguntei se ele estava bem, se ele estaria tão apavorado quanto eu estava. Eu perguntei se Mamãe e Luke estavam bem com aquele demônio changeling na casa. Eu orei para que o ferimento da mamãe não fosse sério, e que o changeling não ferisse ninguém mais.
E então, deitada em uma cama estranha no reino faery, outro pensamento me veio. Um pensamento provocado pelo que o Oberon disse. O homem não é seu pai, Meghan. Eu sou.
É seu pai, e não, era. Como se Oberon soubesse onde ele estava. Como se ele ainda estivesse vivo. O pensamento fez meu coração bater de emoção. Eu sabia isso. Meu pai deveria estar em Faeryland, em algum lugar. Talvez em algum lugar perto. Se eu pudesse chegar até ele.
Primeiro, as prioridades, de qualquer forma. Eu tinha que sair daqui.
Eu sentei... e encontrei os insensíveis olhos verdes do Erlking.
Ele estava parado na lareira, a inconstante luz das chamas banhando sobre seu rosto, fazendo-o ainda mais estranho e espectral. Sua grande sombra se apoderou do quarto, a coroa com chifres ramificados sobre as cobertas como se tivesse agarrando-as com dedos. Na escuridão, seus olhos brilhavam em verde como de um gato. Vendo que eu estava acordada, ele assentiu e acenou para mim com um elegante e longo dedo da mão.
—Venha. — Sua voz, apesar de suave, era dura como aço com autoridade. —Se aproxime. Vamos conversar. Minha filha.
Eu não sou sua filha, eu queria dizer, mas as palavras ficaram presas na minha garganta. Com o canto do meu olho, eu vi o espelho em cima da cômoda, e minha longa orelha refletia nele. Eu estremeci e me virei para longe.
Jogando as cobertas para o lado, eu vi que minhas roupas tinham mudado. Ao invés da camisa e calça cortadas e nojentas que eu tinha usado durante os últimos dois dias, eu estava limpa e envolta em uma camisola branca rendada. Não só isso, mas existia um equipamento preparado para mim ao pé da cama: um vestido ridiculamente extravagante incrustado com esmeraldas e safiras, assim como um manto e umas luvas longas até os cotovelos. Eu enruguei meu nariz pelo conjunto todo.
—Onde estão minhas roupas? — Eu perguntei, virando—me para o Oberon. —Minhas reais.
O Erlking inalou. —Eu não gosto de roupas mortais aqui na minha Corte — ele afirmou calmamente. —Eu acredito que você deva vestir alguma coisa adequada para seu patrimônio, como você vai ficar aqui por algum tempo. Eu queimei seu trapo mortal.
—Você o quê?
Oberon estreitou seus olhos, e eu percebi que eu poderia ter ido longe demais. Eu imaginei que o Rei da Corte Seelie não estava acostumado a ser questionado. —Hum...desculpe — Eu murmurei, saindo da cama. Iria me preocupar com as roupas mais tarde. —Então, O que você queria falar?
O Erlking suspirou e me estudou desconfortavelmente. —Você me coloca em uma posição difícil, filha. — Ele murmurou enfim, se virando para a lareira. —Você é a única da minha prole que se arrisca a entrar em nosso mundo. Eu devo dizer, eu fiquei um pouco surpreso que você conseguiu sobreviver todo esse tempo, mesmo com Robin cuidando de você.
—Prole? — Eu pisquei. —Você quer dizer que eu tenho outros irmãos e irmãs? Metade irmãos?
—Nenhum deles estão vivos. — Oberon fez um gesto de desdém. —E ninguém deste século, eu lhe garanto. Sua mãe foi a única humana a chamar minha atenção em quase duzentos anos.
Minha boca está repentinamente seca. Eu olhei para Oberon com uma raiva crescente. —Por quê? — Eu exigi, fazendo-o arquear as sobrancelhas finas . —Por que ela? Ela já não estava casada com meu pai? Você nem ao menos se importou?
—Não. — O olhar de Oberon era impiedoso, impenitente. —O que me importa rituais humanos? Eu não preciso de permissão para ter o que eu quero. Além do mais, ela tinha estado verdadeiramente feliz, eu não teria sido capaz de influenciá-la.
Bastardo. Eu mordi minha língua para não falar sem pensar. Furiosa como eu deveria estar, eu não era suicida. Mas os olhos de Oberon me encararam afiados, como se ele soubesse o que eu estava pensando. Ele me deu um longo e nivelado olhar, desafiando—me a desafia-lo. Olhamo-nos um ao outro por várias batidas de coração, a sombra envolvendo—nos, enquanto eu lutava para manter firme o meu olhar. Não adiantava, olhar para Oberon era como enfrentar um tornado próximo. Eu estremeci e baixei meus olhos primeiro.
Depois de um momento, a face de Oberon amoleceu, e um fraco sorriso curvou em seus lábios. —Você é muito como ela, filha. — Ele continuou, sua voz meio entre orgulho e resignação. —Sua mãe era uma notável mortal. Se ela tivesse sido fey, suas pinturas poderiam ter se tornado vida, muito cuidado foi colocado nelas. Quando eu a vi no parque, eu senti seu desejo, sua solidão e isolamento. Ela queria mais para sua vida do que ela estava tendo. Ela queria que alguma coisa extraordinária acontecesse.
Eu não queria ouvir isso. Eu não queria nada para estragar minha perfeita memória da nossa vida de antes. Eu queria continuar acreditando que minha mãe amava meu pai, que eles eram felizes e contentes, e ela foi a vida toda dele. Eu não queria ouvir sobre uma mãe que era solitária, que caiu na armadilha, truques e glamour dos faery. Com uma afirmação causal, meu passado foi destruído por uma estranha confusão, e eu senti que eu não conhecia minha mãe, afinal de contas.
—Eu esperei um mês antes de me apresentar para ela — Oberon continuou, alheio ao meu tormento. Me afundei contra a cama enquanto ele continuava. —Eu cresci sabendo seus hábitos, suas emoções, cada polegada dela. E quando eu me revelei, eu mostrei a ela apenas um vislumbre da minha real natureza, curioso para ver se ela iria acreditar no extraordinário, ou se ela iria se apegar a sua descrença mortal. Ela me aceitou ansiosamente, com alegria incontida, como se ela estivesse me esperando por um longo tempo.
—Pare. — Eu paralisei. Meu estômago agitou-se; eu fechei meus olhos para evitar ficar doente. —Eu não quero ouvir isso. Onde estava meu pai quando tudo isso aconteceu?
—O marido de sua mãe estava fora na maioria das noites — Oberon respondeu, colocando ênfase nessas suas palavras, me lembrando que o homem não era meu pai. —Talvez seja por isso que sua mãe ansiava por alguma coisa a mais. Eu dei a ela isso; uma noite de mágica e paixão que ela sentia falta. Apenas uma, antes de eu retornar para Arcadia[49], e a memória de nós dois juntos desapareceu da memória dela.
—Ela não se lembra de você? — Eu olhei para cima, para ele. —Esse é o porquê que ela nunca me disse?
Oberon assentiu. —Os mortais tendem a esquecer seus encontros com a nossa espécie — ele disse suavemente. —Na melhor das hipóteses, isso parece um sonho vívido. Na maioria das vezes, nós esquecemos a memória completamente. Certamente você já percebeu isso. Como até mesmo as pessoas que vivem com você, que te vêem todos os dias, não parecem lembrar-se de você. Embora, eu sempre suspeitei que sua mãe soubesse mais, lembrava-se mais, então ela esqueceu. Especialmente depois que você nasceu. — Um tom sombrio rastejou em sua voz; seus olhos negros e oblíquos ficou sem pupilas. Eu tremi, enquanto a sombra rastejava pelo chão, alcançando-me com dedos pontudos. —Ela tentou te levar para longe — ele disse com uma terrível voz. —Ela queria esconder você de nós. De mim. — Oberon pausou, parecendo completamente desumano, embora ele não estivesse se movendo. O fogo pulou da lareira, dançando loucamente nos olhos do Erlking.
—E mesmo assim, aqui está você. — Oberon piscou, seu tom amoleceu, e o fogo baixou novamente. —Diante de mim, sua fisionomia humana desapareceu no passado. O momento em que você colocou um pé em Nevernever, foi apenas uma questão de tempo antes de sua herança começar a se mostrar. Mas agora eu tenho que ser muito cauteloso. — Ele ergueu-se, colocando suas vestes em volta de si, como se ele fosse sair. —Eu não posso ser muito cauteloso, Meghan Chase — ele advertiu. —Existem muitos que poderiam te usar contra mim, alguns dentro dessa corte. Seja cuidadosa, filha. Até mesmo eu, não posso lhe proteger de tudo.
Eu caí na cama, meus pensamentos girando loucamente. Oberon observou-me por um longo momento, sua boca endureceu em uma linha sombria, então atravessou o quarto sem olhar para trás. Quando eu olhei para cima, o Erlking tinha ido. Eu nem mesmo ouvi a porta se fechar.
UMA BATIDA NA PORTA ME ASSUSTOU e eu me levantei. Eu não sabia quanto tempo tinha passado desde a visita de Oberon. Eu ainda estava deitada na cama. As chamas coloridas queimavam baixo, cintilando instavelmente na lareira. Tudo parecia surreal, nebuloso, como um sonho, como se eu estivesse imaginando todo o encontro.
A batida veio novamente, e eu despertei. —Entre!
A porta se abriu, e Tansy entrou, sorrindo. —Boa noite, Meghan Chase. Como você se sente hoje?
Eu deslizei para o chão, percebendo que eu ainda estava de camisola. —Bem, eu acho. — Eu murmurei, olhando em volta do quarto. —Onde estão minhas roupas?
—O Rei Oberon lhe deu um vestido. — Tansy sorriu e apontou para o vestido em cima da cama. —Ele desenhou esse especialmente para você.
Eu fiz uma careta. —Não. De jeito nenhum. Eu quero minhas roupas reais.
A pequena sátira piscou. Ela andou até o vestido e pegou a bainha do vestido, passando entre seus dedos. —Mas... meu senhor Oberon deseja que você vista isso. — Ela parecia aturdida por que eu recusei os desejos de Oberon. —O vestido não lhe agradou?
—Tansy, eu não vou vestir isso.
—Por que não?
Eu recusei o pensamento de desfilar com essa lona de circo. Minha vida toda, eu tinha usado jeans surrados e camisas. Minha família era pobre e eu não podia comprar roupas de grifes e marcas. Em vez de lamentar o fato que eu nunca tive coisas boas, eu exibia minha falta de estilo, e desprezo pelas garotas ricas e superficiais que passavam horas no banheiro retocando suas maquiagens. O único vestido que eu já usei foi no casamento de alguém.
Além do mais, se eu usasse o traje de fantasia que Oberon me deu, iria ser como se estivesse admitindo que eu fosse sua filha. E eu não iria fazer isso.
—Eu- Eu apenas não o quero. — Eu gaguejei. —Eu preferiria vestir minhas próprias roupas.
—Suas roupas foram queimadas.
—Onde está a minha mochila? — Repentinamente eu me lembrei das mudas de roupas que eu tinha trazido dentro. Elas estariam úmidas, mofadas e repugnantes, mas era melhor do que vestir essa roupa espalhafatosa faery.
Eu encontrei minha mochila aberta, colocada descuidada atrás da cômoda. Um cheiro azedo e úmido subiu vindo de dentro quando eu despejei o conteúdo no chão. A estufada bola de roupa rolou para fora, enrugada e com mau cheiro, mas minhas. O iPod quebrado também saiu para fora, derrapando pelo chão de mármore, e parou há alguns pés de distância de Tansy.
A menina sátira latiu, e em um salto fantástico, saltou sobre a cama. Agarrando o canto da cama, ela olhou com olhos arregalados para o dispositivo no chão.
—O que é isso?
—O quê? Isso? Isso é um iPod. — Piscando, eu recuperei o dispositivo e o segurei. —É uma máquina que toca músicas, mas está quebrada agora, então não posso lhe mostrar como funciona. Desculpe.
—Isso fede a ferro!
Eu não sabia o que dizer sobre isso, então eu optei por uma expressão confusa.
Tansy olhou para mim com grandes olhos marrons, muito lentamente descendo da cama. —Você...você pode segurar isso? — Ela sussurrou. —Sem queimar sua carne? Sem envenenar seu sangue?
—Hum. — Eu olhei para o iPod, deitado inofensivamente na minha palma. —Sim?
Ela estremeceu. —Por favor, coloque isso longe. — Eu dei de ombros, agarrando minha mochila, e colocando-o dentro do bolso lateral. Tansy suspirou e relaxou. —Me perdoe, eu não queria lhe aborrecer. Rei Oberon me mandou ficar com você até o Elysium. Gostaria de conhecer mais a Corte?
Na verdade, não, mas isso era melhor do que ficar presa aqui sem nada para fazer. E talvez eu encontre um jeito de sair desse lugar.
—Tudo bem — eu disse para a menina sátira. —Mas eu quero me trocar primeiro.
Ela lançou um olhar para as minhas roupas mortais, deitadas e amassadas no chão, e suas narinas alargaram. Eu poderia dizer que ela queria dizer alguma coisa, mas era educada o suficiente para não dizer nada. —Como você desejar. Eu irei esperar lá fora.
EU VESTI O JEANS LARGO E A ENRUGADA e mal cheirosa blusa, sentindo um brilho desagradável de satisfação enquanto eles deslizavam confortavelmente sobre a minha pele. Queimar minhas coisas, ele irá? Eu pensei, colocando meus tênis para fora e empurrando meus pés para dentro. Eu não sou parte dessa corte, e eu certamente não reivindiquei ser a filha dele. Não importava o que ele dizia.
Tinha uma escova em cima da cômoda, e eu a peguei para pentear meu cabelo. Quando olhei no espelho, meu estômago revirou. Eu parecia menos reconhecível do que antes, de um jeito que eu não poderia nem mesmo colocar um dedo. Eu sabia que quanto mais eu ficava aqui, mais eu estava desaparecendo.
Tremendo, eu agarrei minha mochila, feliz pelo familiar e confortável peso, e a atirei nos meus ombros. Mesmo que não tivesse nada dentro, apenas um iPod quebrado, ainda era meu. Me recusando a olhar para o espelho, sentindo olhos atrás do meu pescoço, eu abri a porta e fui para o túnel de sarça.
A luz do luar entrando através dos ramos, deixou o caminho com sombras prateadas. Eu pensei por quanto tempo eu tinha ficado acordada. A noite estava quente, e uma música que dava sono foi trazida pela brisa. Tansy aproximou-se, e na escuridão, seu rosto parecia menos humano e mais uma cabra preta. Um fio do luar caiu sobre ela, e ela estava normal novamente. Sorrindo, ela pegou meu braço e me conduziu para frente.
O túnel de sarça parecia mais longo desta vez, cheio de voltas que eu não me lembrava. Eu olhei para trás uma vez, e vi os espinhos fechando-se atrás de nós, o túnel desapareceu de vista.
—Hum...
—Está tudo bem — Tansy disse, puxando-me para frente. —A cerca viva pode te levar para qualquer lugar que você queira ir dentro da corte. Você só tem que saber os caminhos certos.
—Onde nós estamos indo?
—Você verá.
O túnel abriu em um bosque iluminado pela lua. A música flutuando na brisa, tocada por uma esbelta menina verde em uma elegante harpa dourada. Um pequeno grupo de meninas elfos agrupadas em volta de uma cadeira alta, do tronco de uma parreira, com rosas brancas crescendo para fora dos braços.
Deitado no pé da cadeira, tinha um humano. Eu pisquei, esfregando meus olhos para ter certeza se eles não estavam pregando truques em mim. Não, era um humano, um jovem homem com cabelos loiros encaracolados, os olhos dele estavam vazios e assustados. Ele estava sem camisa, e um colar dourado cercava seu pescoço, ligado a uma corrente fina de prata. O grupo de meninas fey estavam todas em volta dele, beijando seus ombros nus, esfregando suas mãos sobre o seu peito, cochichando coisas em seu ouvido. Uma delas correu sua língua rosa sobre o pescoço dele, suas unhas fazendo derramar sangue para as costas dele, fazend-o arfar com êxtase. Meu estômago revirou e eu olhei para longe. Um momento depois, eu esqueci tudo sobre eles.
No trono estava uma mulher de uma beleza transcendental, instantaneamente eu estava mortificada pelas minhas maltrapilhas roupas e aparência casual. Seus longos cabelos mudando de cor com a luz do luar, algumas vezes prata, algumas vezes dourado brilhante. Arrogância brigava com a aura de poder em volta dela. Quando Tansy me puxou para frente e curvou-se, a mulher estreitou os olhos azuis brilhantes e me olhava como se fosse examinar uma lesma encontrada debaixo de um tronco.
—Então — Ela disse finalmente, sua voz pingando veneno. —Essa é a pequena bastarda de Oberon.
Oh, merda. Eu sabia quem era. Ela sentava no segundo trono vazio na corte de Oberon. Ela era a outra força motriz no livro “Sonho de uma Noite de Verão”. Ela era quase tão poderosa quanto Oberon.
—Rainha Titania — eu engoli em seco, curvando-me.
—Ela fala — a senhora continuou, fingindo surpresa —como se ela me conhecesse. Como se, o regresso de Oberon fosse lhe proteger da minha ira. — Seus olhos brilharam como pedaços de diamante, e ela sorriu, fazendo-a ainda mais bonita e aterrorizante. —Mas eu estou sentindo misericórdia essa noite. Talvez eu não corte fora a língua dela e dê para meus cães de guarda. Talvez. — Titania olhou de mim para Tansy, curvando-se ainda mais baixo, e entortou um elegante dedo. —Venha para frente, criança cabra.
Mantendo sua cabeça curvada, Tansy foi para frente até ela encostar no braço da rainha faery. Rainha Titania se inclinou para frente, enquanto sussurrava para a sátira, mas falava alto o suficiente para eu ouvir. —Irei permitir-lhe ser a voz dessa conversação — ela explicou, como se fosse para uma criança pequena. —Irei direcionar todas as perguntas para você, e você irá falar para a bastarda ali. Se, a qualquer momento, ela tentar falar comigo diretamente, irei transformar-la em um veado, e soltar meus cães atrás dela até que ela caia em exaustão ou esteja rasgada. Está perfeitamente claro?
—Sim, minha senhora — Tansy sussurrou.
Perfeitamente claro, rainha vaca, eu ecoei em meus pensamentos.
—Excelente. — Titania inclinou-se para trás, parecendo prazerosa. Ela me lançou um sorriso falso, tão hostil quanto um cão raivoso. —Agora, menina cabra, por que a bastarda está aqui?
—Por que você está aqui? — Tansy repetiu, direcionando a pergunta para mim.
—Estou procurando meu irmão. — Eu respondi, sendo cuidadosa em manter meus olhos em Tansy e não na bruxa vingativa de gelo ao lado dela.
—Ela está procurando por seu irmão — Tansy confirmou, se virando novamente para a rainha faery. Meu Deus, isso iria durar eternamente.
—Ele foi sequestrado e trazido para dentro de Nevernever. — Eu disse, continuando antes que Titania pudesse fazer outra pergunta. —Puck me trouxe aqui através do closet. Eu vim para pegar meu irmão, leva-lo para casa, e me livrar da changeling deixada em seu lugar. Isso é tudo o que eu quero. Eu irei partir assim que eu o encontrar.
—Puck? — meditou a senhora. —Aah, é lá onde ele estava todo esse tempo. Quanta inteligência de Oberon, escondendo você assim. E então você teve que arruinar a pequena farsa vindo aqui. — Ela falou e balançou sua cabeça. —Menina cabra — ela disse, olhando para Tansy mais uma vez —Pergunte a bastarda isso — ela iria preferir ser um coelho ou um veado?
—Mi—minha senhora? — Tansy gaguejou enquanto eu sentia sombras fechando em mim. Meu coração acelerou e eu olhei em volta por uma rota de fuga. Sarças com espinhos nos cercavam; não havia para onde correr.
—Essa é uma pergunta simples — Titania continuou, seu tom perfeitamente informal. —Em que ela iria preferir ser transformada — um coelho ou um veado?
Ela parecia uma armadilha de coelho, Tansy virou e encontrou meus olhos. —Mi-minha senhora quer saber se você —
—Sim, eu escutei. — Eu interrompi. —Um coelho ou um veado. Que tal nenhum? — Eu atrevi e olhei para cima e encontrei com os olhos da rainha faery. —Olhe, eu sei que você me odeia, mas apenas me deixe resgatar meu irmão e ir para casa. Ele só tem quatro anos, e ele deve estar aterrorizado. Por favor, eu sei que ele está esperando por mim. Uma vez encontrado ele, nós sairemos, e você nunca mais irá nos ver novamente, eu juro.
O rosto de Titania brilhou com triunfo raivoso. —A criatura se atreveu a falar comigo! Muito bem. Ela escolheu seu destino. — A rainha faery levantou uma mão enluvada, e relâmpago brilhou sobre sua cabeça. —Um veado, então. Liberem os cães. Nós teremos uma caçada alegre!
Sua mão foi para baixo, apontando para mim, e espasmo balançou meu corpo. Eu gritei e arqueei minhas costas, sentindo minha espinha alongar e estalar. Alicates invisíveis agarraram meu rosto e puxaram, alongando meus lábios em um focinho. Eu senti minhas pernas ficarem mais compridas, mais finas, meus dedos virando cascos. Eu gritei novamente, mas o que saiu da minha garganta foi um agonizante balido de um veado.
Então, de repente, parou. Meu corpo foi para a forma normal, como um elástico esticado, e eu desmoronei, ofegante, no chão da floresta.
Através da minha visão embaçada, eu vi Oberon parado na boca do túnel, uma dupla de cavaleiros faery atrás dele, seu braço estendido. Por um momento, eu tive certeza que eu vi Grimalkin parado em seus pés, mas eu pisquei e as sombras estavam vazias. Com sua aparência, a melodia da música da harpa pausou. As meninas fey em torno do colarinho do humano se atiraram para o chão e inclinaram suas cabeças.
—Esposa — Oberon disse calmamente, aproximando da clareira. —Você não irá fazer isso.
Titania ficou vermelha, seu rosto uma máscara de fúria. —Você se atreve a falar comigo desse jeito — ela cuspiu, e o vento agitou os ramos das árvores. —Você ousa, depois de escondê-la de mim, depois de enviar seu animalzinho para protege-la! — Titania zombou, e relâmpagos estrondaram lá no alto. —Você me nega um consorte, e ainda exibe sua abominável mestiça na corte para todos verem. Você é uma desgraça. A corte zomba de você em segredo, e você ainda protege ela.
—Não o bastante. — De algum modo, a composta voz de Oberon subiu acima do uivo do vento. —Ela é do meu sangue, e você não irá tocá-la. Se você tem alguma queixa, minha senhora, lance-as a mim, e não na garota. Isso não é culpa dela.
—Talvez eu a transforme em um repolho — a rainha refletiu, lançando-me um olhar de ódio negro, — e a plante em meu jardim para os coelhos a apreciarem. Então ela poderá ser útil e querida.
—Você não irá toca-la — Oberon disse novamente, sua voz aumentando em autoridade. —Sou eu quem comanda aqui, esposa. Eu dei minha palavra que ela não irá fazer mal dentro da minha corte, e você irá me seguir nisso. Eu fui claro?
Relâmpagos chiaram, e o chão tremeu embaixo da intensidade dos olhares dos governadores. As garotas aos pés do trono encolheram-se, e os guardas de Oberon agarraram o punho de suas espadas. Um ramo caiu perto, quase pegando a menina da harpa, que se encolheu sob o tronco. Eu me pressionei na terra e tentei me deixar a menor possível.
—Muito bem, marido. — A voz de Titania era fria como gelo, mas o vendo gradualmente foi parando e a terra parou de se mexer. —Como você mandar. Eu não irei fazer mal a mestiça enquanto ela estiver dentro da corte.
Oberon deu um breve aceno de cabeça. —E seus servos também não irão machucá-la.
A rainha franziu seus lábios como se ela estivesse mordido um limão. —Não, marido.
O Erlking suspirou. —Muito bem. Iremos falar sobre isso mais tarde. Desejo-lhe boa noite, minha senhora. — Ele se virou, seu manto ondulando atrás dele, e deixou a clareira, os guardas seguindo-o em sua vigília. Eu queria chamar depois por dele, mas eu não queria que isso fosse visto como se eu estivesse correndo para a proteção de meu pai, especialmente depois dele colocar Titania de cara no chão.
Falando de que...
Eu engoli e me virei para encarar a rainha faery, que olhou para mim como se esperasse que meu sangue pudesse ferver em minhas veias. —Bem, você ouviu sua majestade, mestiça — ela murmurou, sua voz cheia de veneno. —Saia da minha frente, antes que eu me esqueça da minha promessa e te transforme em um caracol.
Eu estava tão feliz para sair. No entanto, um pouco antes de eu me levantar e me preparar para sair, Titania estalou seus dedos.
—Espere! — Ela ordenou. —Eu tive uma idéia melhor. Menina cabra, venha aqui.
Tansy apareceu ao seu lado. A sátira parecia aterrorizada; Seus olhos estavam saltando para fora de sua cabeça, e suas pernas peludas estavam tremendo. A rainha apontou um dedo para mim. —Leve a bastarda de Oberon para a cozinha. Diga à Sarah que encontramos uma nova criada para ela. Se a bastarda deve ficar, ela deverá trabalhar também.
—Mmas, minha senhora — Tansy gaguejou, e eu me maravilhei que ela teve a coragem de contradizer a rainha —Rei Oberon disse —
—Ah, mas o Rei Oberon não está mais aqui, está? — Os olhos de Titania brilhavam, e ela sorriu. —E o que Oberon não souber, não irá lhe machucar. Agora, vá, antes que eu realmente perca a minha paciência.
Nós fomos, tentando não tropeçar uma na outra enquanto nós saíamos da presença da rainha e íamos para o túnel.
Quando nós alcançamos o canto dos ramos, uma onda de energia balançou no ar, e as gurias atrás de nós deram gritos de desespero. Um momento depois, uma raposa apareceu dentro do túnel com uma pele brilhosa vermelha. Ela parou alguns metros longe e olhou para nós, grandes olhos âmbar com confusão e medo. Eu vi o brilho do colar dourado ao redor de sua garganta, antes que ela desse um latido assustado e desapareceu dentro dos espinhos.
Em silêncio, eu segui Tansy através do labirinto de sarça cheio de voltas, tentando processar tudo o que tinha acontecido. Ok, então Titania tinha uma séria raiva de mim; isso era muito, muito ruim. Como o registro dos ‘Inimigos-que-eu-não-quero” se moveu, a Rainha dos Faeries provavelmente poderia estar no topo da lista. Eu provavelmente deverei ser muito cuidadosa de agora em diante, ou arriscarei acabar sendo um cogumelo na sopa de alguém.
Tansy não disse uma palavra até nós chegarmos em um par de portas grandes na cerca. Gavinhas de vapor enrolavam-se abaixo das rachaduras, e o ar era quente e gorduroso.
Ao empurrar as portas, uma rajada de ar quente e enfumaçada foi liberada. Escorrendo lágrimas dos meus olhos, eu olhei para dentro da enorme cozinha. Fornos de tijolo[50] rugiram, chaleiras de cobre borbulhavam sobre o fogo, e uma dúzia de aromas inundaram meus sentidos. Pequenos homens peludos de aventais entravam e saiam por entre os vários e longos balcões, cozinhando, pegando alimentos, experimentando o conteúdo dentro da chaleira. Uma carcaça sangrenta de um javali estava sobre a mesa, e o cortando, estava uma mulher grande, de pele verde, com dentes compridos e espessos, com cabelo marrom preso em uma trança.
Ela nos viu na porta e veio correndo, sangue e pedaços de carne presos em seu avental.
—Sem vagabundos na minha cozinha — ela rosnou, acenando uma grande faca de açougueiro para mim. —Eu não tenho restos do que você gosta. Leve seus sorrateiros dedos ladrões para outro lugar.
—S-Sarah Skinflayer, essa é Meghan Chase. — Enquanto Tansy nos apresentava, eu dei para a mulher troll um fraco sorriso de por-favor-não-me-mate. —Ela está aqui para nos ajudar na cozinha por ordem da rainha.
—Eu não preciso da ajuda de uma ursinha magra meio humana — Sarah Skinflayer rosnou, olhando-me desdenhosamente. —Ela nos atrasara, e nós estamos com pressa, nos preparando para o Elysium. — Me olhando, ela suspirou e coçou a cabeça com a ponta da faca de açougueiro. —Eu acho que eu posso encontrar um lugar para ela. Mas diga para a vossa majestade que se ela quiser torturar mais alguém, tente os estábulos, ou o canil. Eu tenho todo tipo de ajuda aqui.
Tansy assentiu e saiu rapidamente, me deixando sozinha com a giganta. Eu senti suor escorrendo pelas minhas costas, e não era por causa do fogo. —Tudo bem, ursinha — Sarah Skinflayer latiu, apontando a faca para mim. —Eu não me importo se você é o regresso de vossa majestade, você está na minha cozinha agora. As regras aqui são simples — você não trabalha, você não come. E eu me divirto um pouco com o chicote no canto. Eles não me chamam de Sarah Skinflayer[51] por nada.
O resto da noite passou em um borrão de lavagem e limpeza. Eu esfreguei o chão de pedra removendo sangue e pedaços de carne. Eu varri as cinzas dos fornos de tijolos. Eu lavei montanhas de pratos, taças, potes e panelas. Toda vez que eu parava para massagear meus membros que estavam doendo, a mulher troll estava lá, dando ordem ou me empurrando para a minha próxima tarefa. Perto do final da noite, depois de me pegar sentada em um banco, ela rosnou alguma coisa sobre ‘humanos preguiçosos,’ pegando a vassoura da minha mão, e me deu uma que ela estava carregando. Assim que minhas mãos fecharam em torno do cabo, a vassoura saltou para a vida e começou a varrer vigorosamente, viva, traços rígidos, enquanto os meus pés me levavam em volta da cozinha. Eu tentei largar a coisa, mais meus dedos pareciam grudados no cabo, e eu não conseguia abrir minhas mãos. Eu limpei o chão até minhas pernas doerem e meus braços queimarem, até eu não poder ver o suor em meus olhos. Finalmente, a mulher troll estalou os dedos e a vassoura louca parou de varrer. Eu caí, meus joelhos dobrando debaixo de mim, tentando arremessar a vassoura sádica dentro do forno mais próximo.
—Você gostou disso, mestiça? — Sarah Skinflayer perguntou, e eu estava muito exausta para responder. —Amanhã terá mais, eu garanto. Aqui. — Dois pedaços de pão e um de queijo caíram no chão. —Esse é o jantar que você ganhou hoje à noite. Deve ser seguro para você comer. Talvez amanhã você receba alguma coisa melhor.
—Bom. — Eu murmurei, pronta para rastejar de volta para o meu quarto, pensando que não existiria jeito de voltar aqui. Eu planejei convenientemente ‘esquecer’ sobre minha servidão forçada de amanhã, talvez até achar um jeito de sair da Corte Seelie. —Até amanhã.
A troll bloqueou meu caminho. —Onde você pensa que está indo, mestiça? Você é parte da minha mão de obra agora, então isso significa que você é minha agora. — Ela apontou para uma porta de madeira em um canto. —O quarto dos criados está cheio. Você pode ficar na despensa ali. — Ela sorriu para mim, feroz e terrível, mostrando severos dentes amarelos e presas. —Nós começamos a trabalhar na madrugada. Até amanhã, ursinha.
EU COMI MEU PEQUENO JANTAR e rastejei por entre as prateleiras de cebolas, nabos e estranhos vegetais azuis, para dormir. Eu não tinha cobertor, mas a cozinha era desconfortavelmente quente. Eu estava tentando virar um saco de grãos para ser um travesseiro, quando lembrei da minha mochila, atirada em uma prateleira, e rastejei-me para recupera-la. Não tinha nada na mochila laranja agora, além do iPod, mas ainda era minha, a única lembrança da minha velha vida.
Eu peguei a mochila na prateleira e estava voltando para meu pequeno quarto, quando senti alguma coisa se mexer dentro dela. Assustada, eu quase deixei a mochila cair, e ouvi um suave riso vindo de dentro. Indo para um canto, eu coloquei a mochila no chão, agarrei uma faca e abri, pronta para mergulhar a faca no que quer que pulasse para fora.
Meu iPod estava parado ali, morto e silencioso. Com um suspiro, eu fechei a mochila e levei-a para a despensa comigo. Jogando-a em um canto, eu me enrosquei no chão, coloquei minha cabeça sobre o saco de grãos, e deixei meus pensamentos navegarem. Eu pensei em Ethan, minha mãe e na escola. Alguém estava sentindo minha falta em casa? Havia grupos de buscas enviados para me procurar, policiais e cachorros farejando os últimos lugares por onde estive? Ou mamãe tinha se esquecido de mim, como eu tinha certeza que Luke tinha? Será que eu ainda tenho uma casa para voltar, se eu conseguir encontrar Ethan?
Eu comecei a tremer, e meus olhos ficaram nebulosos. Logo, lágrimas desceram por minhas bochechas, manchando o saco debaixo da minha cabeça e fazendo meu cabelo pegajoso. Eu virei meu rosto para o tecido áspero e solucei. Eu estava no fundo do poço. Deitada em uma despensa escura, sem nenhuma esperança de resgatar Ethan, e nada para olhar a não ser medo, dor e exaustão, eu estava pronta para desistir.
Gradualmente, enquanto eu parava de soluçar e minha respiração ficava mais calma, eu percebi que eu não estava sozinha.
Levantando minha cabeça, primeiro eu vi minha mochila, onde eu a havia jogado em um canto. Ela estava aberta, parada, como uma boca aberta. Eu vi o brilho do iPod dentro.
Então, eu vi os olhos.
Meu coração parou, e eu sentei rapidamente, batendo a cabeça contra a estante. Poeira me lavou quando eu corri para um canto mais distante, ofegando. Eu já tinha visto esses olhos antes, brilhando verde e inteligentemente. A criatura era pequena, menor que os goblins, com uma pele preta oleosa e longos braços magros. Exceto pelas grandes orelhas como de goblins, se parecia com um horrível cruzamento de um macaco com uma aranha.
A criatura sorriu, e seus dentes iluminaram o canto com uma luz azul pálida.
Então ele falou.
Sua voz ecoou categoricamente na escuridão, como um locutor de rádio com a estática chiando. Eu não consegui entender de primeira. Então, como se tivesse mudado de estação, a estática foi embora, e eu ouvi as palavras.
— ...está esperando — ele estalou, sua voz ainda zumbindo com a estática. —Venha para...Iron...seu irmão...mantido...
—Ethan? — Eu rapidamente fiquei de pé, batendo minha cabeça novamente. —Onde ele está? O que você sabe sobre ele?
— ...Corte Iron...nós...esperando por... — A criatura tremeu na escuridão, indo impreciso como um sinal fraco. Ele assobiou e desapareceu de vista, deixando a despensa dentro da escuridão novamente.
Eu deitei ali no chão, meu coração batendo forte, pensando sobre o que a criatura tinha falado. Eu não podia entender muito da estranha conversa, exceto que meu irmão estava vivo, e que alguma coisa chamada Corte Iron estava esperando por alguma coisa.
Tudo bem, eu disse para mim mesma, dando uma profunda respiração. Eles ainda estão lá fora, Meghan. Ethan e seu pai. Você não pode desistir agora. É o momento de parar de ser uma criança chorona e começar a agir.
Eu peguei o iPod e o coloquei dentro do meu bolso de trás. Se aquela coisa monstro viesse para mim com mais notícia de Ethan, eu queria estar pronta. Deitando de volta no chão frio, eu fechei meus olhos e comecei um plano.
OS DOIS PRÓXIMOS DIAS SE PASSARAM como um borrão. Eu fiz tudo o que a mulher troll me disse para fazer: lavar louça, lavar o chão, fatiar carne de carcaça de animal até minhas mãos ficarem manchadas de vermelho. Nenhum feitiço foi lançado em mim, e Sarah Skinflayer começou a me olhar com um invejoso respeito. A comida que eles ofereciam era simples: pão, queijo e água. A mulher troll me informou que qualquer coisa mais exótica poderia causar estragos em meu delicado sistema digestório meio humano. À noite, eu queria rastejar, cansada, para dentro da cama na despensa, e cair no sono imediatamente. A criatura alta e magra não me visitou mais, depois daquela primeira noite, e meu sono agradável estava livre de pesadelos.
Ao mesmo tempo, eu mantinha meus olhos e orelhas em alerta, recolhendo informação que poderia me ajudar quando eu finalmente fizesse minha fuga. Na cozinha, sob os olhos de falcão da Sarah Skinflayer, escapar era impossível. A mulher troll tinha o hábito de aparecer sempre que eu pensava em fazer uma pausa, ou caminhava para dentro de um quarto, quando eu terminava uma tarefa. Eu tentei sair da cozinha uma noite, mas quando eu empurrei a porta da frente, um pequeno armazém me cumprimentou ao invés do túnel de espinhos. Eu quase desapareci naquele ponto, mas me forcei a ter paciência. A hora iria chegar, eu disse para mim mesma; eu apenas teria que estar pronta quando chegasse.
Eu falava com outros trabalhadores da cozinha quando eu podia, criaturas chamadas brownies[52] e house gnomes[53], mas eles são tão ocupados que eu ganhei pouquíssima informação deles. Eu descobri alguma coisa que fez meu coração pular de alegria. Elysium, o evento que fez todos na cozinha se apressarem como coisas loucas, seria há alguns dias. Como tradição ditada, as Cortes Seelie e Unseelie se encontrariam em terra neutra, para discutir política, assinar novos acordos, e manter suas tréguas muito desconfortavelmente. Desde a primavera, a Corte Unseelie deveria estar viajando para o território de Oberon para o Elysium; no inverno, a Corte Unseelie seria a anfitriã. Todos na corte estavam convidados, e como funcionário da cozinha, era exigido que nós estivéssemos lá.
Eu continuei trabalhando duramente, meus próprios planos para o Elysium girando na minha cabeça.
Então, três dias depois da minha sentença na cozinha, nós tivemos visitas.
Eu estava parada sobre uma cesta de pequenas codornas mortas, depenando-as depois que a Sarah Skinflayer quebrou o pescoço delas e passou-as para mim. Eu tentei ignorar a troll quando ela chegou com uma jaula, agarrou uma asa de uma ave, de olhos brilhantes e torceu o pescoço com um fraco som de estalo. Em seguida, ela jogou o corpo sem vida dentro de uma cesta, como um fruto arrancado, e andou para pegar outra.
As portas se abriram bruscamente, enviando luz para dentro, e três cavaleiros faery entraram. Cabelos prateados longos e presos em um simples rabo de cavalo que brilhavam na penumbra da cozinha, e seus rostos eram orgulhosos e arrogantes.
—Nós viemos pela mestiça — Um deles anunciou, sua voz ecoando através da cozinha. —Por ordem do rei Oberon, ela virá conosco.
Sarah Skinflayer olhou na minha direção, bufando, e pegou outra codorna. —Isso é bom para mim. A criança não fez nada a não ser perder peso desde que ela chegou aqui. Tire-a da minha cozinha, e boa viagem para ela. — Ela cortou a frase com um estalo no pescoço da ave, e um brownie deixou o forno para ocupar meu lugar, enxotando—me quando pulou em um banco.
Eu comecei a segui-los, mas lembrei da minha mochila, deitada no chão da despensa. Balbuciando uma desculpa, eu corri para pegá-la, atirando-a sobre meus ombros enquanto eu retornava. Nenhum dos brownies olhou para mim enquanto eu saia, embora Sarah Skinflayer me olhou furiosamente quando ela quebrou o pescoço da ave. Batendo um alívio e uma sensação de culpa, eu segui os cavaleiros para fora da cozinha.
Eles me conduziram através das curvas de silvas para outra porta, abrindo-a sem preâmbulo. Eu entrei em um pequeno quarto, não tão extravagante como o primeiro, mas bom o bastante. Vislumbrei uma piscina redonda fumegante através de uma porta, na lateral do quarto, e desejei ansiosamente um banho.
Eu ouvi ruídos abafados no chão do carpete, e me virei para ver uma dupla de gurias sátiras entrar por trás de uma mulher esbelta e alta, com pele branca e cabelos negros lisos. Ela vestia um vestido tão preto de modo que sugava a luz, e seus dedos eram longos como os de uma aranha.
Uma das sátiras olhou para mim por trás do vestido da mulher. Eu reconheci Tansy, que me deu um sorriso tímido, como se ela temesse que eu estivesse zangada por causa do encontro com Titania. Eu não estava; ela tinha sido um peão no jogo da rainha faery, assim como eu. Mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, a mulher alta andou em minha direção e me agarrou, segurando meu queixo com seus dedos esqueléticos. Olhos negros, sem pupila ou íris, examinando meu rosto.
—Imunda — ela rosnou, sua voz como seda sobre uma lâmina de aço. —Que simples, uma espécime pequena e suja. O que Oberon espera que eu faça com isso? Eu não sou uma fazedora de milagres.
Eu arranquei meu rosto de seu aperto, e as garotas sátiras chiaram. A mulher, entretanto, parecia divertida. —Bem, eu suponho que nós deveríamos tentar. Mestiça...
—Meu nome não é ‘Mestiça’ — Eu vociferei, cansada de escutar a palavra. —É Meghan. Meghan Chase.
A mulher não piscou. —Você dá o seu nome completo tão facilmente, criança — ela afirmou, fazendo-me uma careta de confusão. —Você tem sorte que esse não é seu nome real, se não, você poderia se encontrar em uma situação difícil. Muito bem, Meghan Chase. Eu sou Lady Weaver, e você me escutará atentamente. O Rei Oberon me pediu para torna-la apresentável para hoje a noite. Ele não terá sua filha mestiça desfilando com trapo camponês, ou pior, em roupas mortais, em frente da Corte Unseelie. Eu disse para ele que faria o meu melhor e para não esperar milagres, mas nós temos que tentar. Agora... — ela gesticulou para um lado do quarto. — ...primeiro, as prioridades. Você cheira a humano, troll e sangue. Vá tomar um banho. — Ela bateu palmas uma vez, e as duas sátiras trotaram em volta do meu rosto. —Tansy e Clarisse irão atendê-la. Agora eu preciso desenhar alguma coisa para você vestir que não irá envergonhar seu pai.
Eu olhei para Tansy, que não estava encontrando os meus olhos. Silenciosamente, eu as segui para a piscina, tirando minhas repugnantes roupas, e mergulhei na água quente.
Êxtase. Eu boiei por alguns minutos, deixando o calor entrar nos meus ossos, aliviando as dores dos últimos três dias. Eu imaginei se existia faeries sujas e suadas; eu nunca vi nenhum nobre parecer menos do que elegante.
O calor estava me fazendo dormir. Eu devo ter adormecido, pois eu tive sonhos perturbadores de aranhas rastejando sobre meu corpo em grandes enxames pretos me cobrindo com teias como se eu fosse uma mosca gigante. Quando eu acordei, tremendo e coçando, eu estava deitada na cama e Lady Weaver estava em cima de mim.
—Bem. — Ela suspirou enquanto eu bati meu pé. —Não é meu maior trabalho, mas eu suponho que deveria ser. Venha aqui, menina. Fique parada na frente do espelho por um momento.
Eu fiz o que ela pediu, e fiquei pasma com o meu reflexo. Um vestido de prata cintilante me cobria, o material mais leve que seda. Ele ondulava mais que água com o menor movimento, mangas rendadas ondulavam fora dos meu braços, mal tocando minha pele. Meu cabelo estava elegantemente cacheado e trançado em um gracioso redemoinho sobre a minha cabeça, fixado no lugar por pinos brilhantes. Uma safira do tamanho de um punho de um bebê brilhava como fogo azul na minha garganta.
—Bem? — Lady Weaver gentilmente tocou uma das minhas mangas, admirando como um artista fazia com sua pintura favorita. —O que você acha?
—É lindo — Eu consegui dizer, olhando para a princesa elfa no vidro. —Eu nem mesmo me reconheço. — Uma imagem apareceu na minha cabeça e eu ri com ligeira histeria. —Eu não irei me transformar em uma abóbora quando a meia noite chegar, irei?
—Se você aborrecer a pessoa errada, você poderá. — Lady Weaver virou para longe, batendo suas mãos. Como um relógio, Tansy e Clarissa apareceram vestindo simples vestidos brancos, seus cabelos encaracolados escovados para fora. Eu peguei um vislumbre de chifres sob a franja avelã de Tansy. Ela segurava minha mochila laranja com dois dedos, como se temesse que algo pudesse morde-la.
—Eu pedi para as garotas lavarem suas roupas mortais — Lady Weaver disse, afastando-se do espelho. —Oberon as teria destruído, mas isso significaria mais trabalho para mim, então eu as coloquei em sua mochila. Uma vez que o Elysium estiver acabado, eu irei pegar esse vestido de volta, então você poderá vestir suas próprias roupas.
—Hum, ok — eu disse, pegando a mochila de Tansy. Uma rápida inspeção mostrou minha calça jeans e a camisa dobrada dentro, e o iPod ainda escondido em um bolso lateral. Por um momento, eu pensei em deixar a mochila para trás, mas decidi que não. Oberon poderia achar isso ofensivo e mandar alguém queima-la sem meu conhecimento. Isso ainda era meu, e tinha tudo o que possuía nesse mundo. Sentindo—me um pouco embaraçada, eu coloquei sobre meus ombros, a princesa camponesa com uma mochila laranja brilhante.
—Vamos lá — Lady Weaver falou, envolvendo um xale preto transparente em torno de sua garganta.
—Elysium espera. E, mestiça, eu trabalhei muito nesse vestido. Tente não se matar.
Elysium
Nós andamos através do túnel de sarça para o pátio. Como antes, tinha várias fey, mas o humor tinha mudado para algo escuro. Música tocava, assombrosa e selvagem, e faeries dançavam, pulavam, e pinoteavam em uma natureza selvagem. Um sátiro se ajoelhou atrás de uma irresistível garota de pele vermelha, correndo suas mãos acima de suas costelas, e beijando o pescoço dela. Duas mulheres com orelhas de raposa circulavam um brownie com olhar atordoado, seus olhos dourados brilhavam com fome. Um grupo de nobres fey dançavam em um padrão hipnótico, seus movimentos eróticos, sensuais, perdidos na música e na paixão.
Eu senti uma urgência selvagem de me unir a eles, jogar minha cabeça para trás e girar com a música, sem me importar onde ela estava me levando. Eu fechei meus olhos por um momento, senti a melodia elevar minha alma e fazendo-a planar em direção ao céu. Minha garganta apertou, e meu corpo começou a balançar em sintonia com a música. Abri meus olhos com um sobressalto. Sem querer, eu comecei a caminhar em direção ao círculo de dançarinos.
Eu reprimi meus lábios fortemente, sangrando, e a dor aguda me trouxe de volta aos meus sentidos. Fique junto, Meghan. Você não pode baixar a guarda. Isso significa sem comer, dançar ou falar com estranhos. Foco no que você tem que fazer.
Eu vi Oberon e Titania sentados em uma mesa bem longa, cercados por cavaleiros Seelie e trolls. O Rei e a Rainha estavam sentados lado a lado, mas estavam ativamente ignorando um ao outro. O queixo de Oberon descansava em sua mão enquanto ele olhava para sua corte; Titania sentava como se ela tivesse um pólo glacial em seu traseiro.
Puck não estava em lugar nenhum para ser visto. Eu me perguntei se Oberon já o tinha libertado.
—Apreciando a festa? — perguntou uma voz familiar.
—Grimalkin! — eu gritei, levando o gato cinzento à beira de uma piscina construída, seu rabo enrolado entre suas patas. Seus olhos dourados me consideraram com o mesmo preguiçoso desinteresse. —O que você está fazendo aqui?
Ele bocejou. —Eu estava tirando uma soneca, mas pareceu que as coisas iriam ficar interessantes em breve, então pensei que eu deveria ficar por aqui. — Levantando-se, o gato se esticou, arqueando suas costas e me dando um olhar de lado. —Então, humana, como está sua vida na corte de Oberon?
—Você sabia — eu o acusei enquanto ele sentava e lambia uma pata. —Você sempre soube quem eu era. Esse é o porquê de você concordar em me levar para o Puck, você estava esperando fazer chantagem com Oberon.
—Chantagem — disse Grimalkin, piscando os apáticos olhos amarelos —é uma palavra rude. E você tem que aprender muito sobre os fey, Meghan Chase. Você acha que os outros não iriam fazer o mesmo? Tudo aqui tem um preço. Pergunte a Oberon. Sobre esse assunto, pergunte para o seu Puck.
Eu queria perguntar o que ele queria dizer, mas naquele momento, uma sombra caiu sobre meu ombro e eu me virei para ver que Lady Weaver pairava sobre mim.
—A Corte Winter irá chegar em breve — ela falou, dedos finos fechando em meu ombro. —Você deve tomar seu acento na mesa, ao lado do Rei Oberon. Ele solicitou sua presença. Vá, vá.
Ela me apertou fortemente, e me direcionou para a mesa onde Oberon e os senhores da Corte Summer esperavam. O olhar de Oberon estava cuidadosamente neutro, mas o brilho de ódio de Titania me fez querer correr e me esconder. Entre a assustada senhora aranha e a Rainha da Corte Seelie, eu tinha certeza que eu iria acabar a noite como um rato ou uma barata.
—Salde seu respeito pelo seu pai — Lady Weaver cochichou em minha orelha, antes de me dar um pequeno empurrão em direção ao Erlking. Eu engoli e, embaixo dos fortes olhares dos nobres, me aproximei da mesa.
Eu não sabia o que falar. Eu não sabia o que fazer. Eu senti como se eu tivesse fazendo um discurso perante o auditório da escola, e tivesse esquecido minhas anotações. Pleiteando silenciosamente para a indicação, eu me encontrei com os vazios olhos verdes de Oberon e desci em uma reverência desajeitada.
O Erlking deslocou em seu assento. Eu vi seus olhos tremer na mochila laranja e estreitou ligeiramente. Minhas bochechas queimaram, mas eu não poderia tira-las agora. —A Corte dá as boas-vindas à Meghan Chase — Oberon disse em uma voz rígida e formal. Ele pausou, como se estivesse esperando eu dizer alguma coisa, mas minha voz prendeu na minha garganta. Silêncio se prolongou entre nós, e alguém na multidão riu. Finalmente, Oberon gesticulou em direção a uma cadeira vazia perto do fim da mesa, e eu sentei, vermelha e corando sob os olhares de toda a corte.
—Isso foi impressionante — refletiu uma voz perto do meu pé. Grimalkin saltou para uma cadeira ao meu lado, justo quando eu estava para colocar minha mochila onde ele pulou. —Você definitivamente herdou a inteligência perspicaz de seu pai. Lady Weaver deve estar tão orgulhosa.
—Cale a boca, Grim — Eu murmurei, e meti a mochila embaixo do meu assento. Eu teria falado mais, mas naquele momento a música parou e um alto som de trombeta começou.
—Eles chegaram — Grimalkin afirmou, estreitando os olhos para a abertura dourada. O gato quase parecia sorrir. —Isso deve ser muito interessante.
O som da trombeta aumentou, e em uma das extremidades da corte, a parede sempre presente de espinhos deslocou-se, enrolando-se para trás, formando um grande arco, muito alto e mais elegante do que tudo o que eu já tinha visto. Rosas pretas florescendo entre os espinhos, e um vento gelado assobiou através do portão, revestindo as árvores mais próximas com geada.
Uma criatura passou através do arco, e eu estremeci mais, pelo frio. Era um goblen, verde e verrugoso, vestido em um casaco preto com botões dourados. Ele lançou um olhar astuto em volta da corte à espera, estufou o peito, e ainda gritou em uma voz clara de cascalho:
—Sua majestade, Rainha Mab, Senhora da Corte Winter, Soberana dos Territórios Autumn[54], e Rainha do Ar e da escuridão!
E a Unseelie veio.
À primeira vista, eles pareciam muito parecidos com os fey Seelie. Os homenzinhos carregando a bandeira Unseelie pareciam como gnomos com capas de fantasia e bonés vermelhos. Então eu notei seus irregulares sorrisos como tubarão e a loucura em seus olhos brilhantes, e eu sabia que esses não eram os amigáveis gnomos de jardins, em nenhum sentido da palavra.
—Redcap[55] — Grimalkin refletiu, enrugando seu nariz. —Você irá querer ficar longe deles, humana. A última vez que eles vieram, uma púca[56] não-tão-brilhante desafiou um para jogar o shell game[57] e ganhou. Ele não se saiu bem.
—O que aconteceu? — Eu perguntei, pensando no que a púca fez.
—Eles comeram ele.
Ele apontou para os próximos ogros, grandes bestas pesadas com grandes rostos estúpidos, e presas lisas com babas. Algemas em volta de seus pulsos, e correntes pratas estavam envoltas em seus grandes pescoços. Eles bamboleavam dentro da corte como gorilas drogados, as articulações dos dedos arrastando-se pelo chão, absortos pelos olhares assassinos que estavam recebendo dos trolls.
Mais Unseelies entraram na clareira. Bogeys magros se escondendo, como aquele no closet de Ethan, e arrastando-se pelo chão como aranhas altas e magras. Goblins rosnando e sibilando. Um homem com cabeça e peito de bode preto e peludo, seus chifres varrendo em pontos cruéis que capturavam a luz. E mais criaturas, cada uma mais apavorante do que as primeiras. Eles riram quando me viram, lambendo seus lábios e dentes. Felizmente, sob o severo olhar de Oberon e Titania, nenhum deles se aproximou da mesa.
Finalmente, quando a corte aumentou em quase o dobro, a Rainha Mab fez sua apresentação.
A primeira alusão que eu fiz foi que a temperatura claramente abaixou uns 10 graus. Um arrepio surgiu em meus braços, e eu tremi, desejando que eu tivesse alguma coisa mais pesada do que um vestido feito de seda de aranha e gaze. Eu estava prestes a mover minha cadeira a alguns pés abaixo da mesa, fora do vento, quando uma nuvem de neve estourou na boca do túnel, e entrou o tipo de mulher que faz as mulheres chorarem de inveja, e homens entrarem em guerra.
Ela não era alta, como Oberon, ou esbelta e magra como Titania, mas sua presença atraía todos os olhos do pátio. Seu cabelo era tão preto que parecia azul em alguns lugares, e escorria por suas costas como uma cachoeira de tinta. Seus olhos eram vazios, de uma noite sem estrelas, um grande contraste com sua pele como mármore, e seus pálidos lábios de amora. Ela vestia um vestido que contorcia em volta dela como uma sombra encarnada. E, como Oberon e Titania, ela irradiava poder.
A quantidade de fey no pátio, tanto Seelie quanto Unseelie, estavam me deixando muito, muito nervosa. Mas quando eu estava pensando que as coisas poderiam ficar mais estranhas, a comitiva de Mab entrou.
Os dois primeiros eram altos e belos como o resto de suas espécies, em todos os ângulos, membros fortes e graciosos. Eles vestiam ternos preto e prata, com a simples audácia de nobres, cabelos negros puxados para trás para mostrar suas características cruéis e orgulhosas. Como príncipe sombrio, eles marcharam atrás de Mab com toda a arrogância da rainha, finas mãos descansando em suas espadas, suas capas voando atrás deles.
O terceiro nobre, caminhando atrás deles, também estava vestido de preto e prata. Como os outros dois, ele carregava uma espada, descansando confortavelmente em seu quadril, e seu rosto carregava as finas linhas da aristocracia. Mas, ao contrário dos outros, ele parecia desinteressado, quase aborrecido, com o evento inteiro. Seus olhos captaram a luz do luar, e brilharam como moedas de prata.
Meu coração virou gelo, e meu estômago ameaçou sair pela minha boca. Era ele, o garoto dos meus sonhos, o que tinha perseguido eu e Puck através da floresta. Eu olhei em volta descontroladamente, pensando se eu poderia me esconder antes que ele me visse. Grimalkin me lançou um estupefato olhar e contorceu seu rabo.
—É ele! — Eu sussurrei, cortando meu olhar para o nobre se aproximando atrás da rainha. —Aquele rapaz! Ele estava me caçando aquele dia na floresta, quando eu aterrissei na sua árvore. Ele tentou me matar!
Grimalkin piscou. —Aquele é o Príncipe Ash, o filho caçula da Rainha Mab. Dizem que ele é um bom caçador, e passa muito de seu tempo em Wyldwood, ao invés de ficar na corte com seus irmãos.
—Eu não me importo com quem ele é. — Eu sibilei, abaixando—me em seu assento. —Eu não posso deixa-lo me ver. Como posso sair daqui?
A bufada de Grimalkin soou com suspeita como um riso. —Eu não irei me preocupar com isso, humana. Ash não iria correr o risco de provocar a fúria de Oberon por atacar você na sua própria corte. A regra do Elysium impede qualquer tipo de violência. Além do mais... — o gato farejou — ...a caçada foi dias atrás. É como se ele estivesse esquecido tudo sobre você.
Eu fiz uma cara feia para Grimalkin, e mantive o rapaz fey na minha visão enquanto ele curvava para Oberon e Titania, murmurando alguma coisa que eu não consegui ouvir. Oberon assentiu, e o príncipe voltou para trás, ainda curvado. Quando ele ficou ereto e virou em volta, seu olhar varreu a mesa para descansar somente em mim. Seus olhos estreitos, e ele sorriu, dando-me um pequeno aceno. Meu coração acelerou e eu tremi.
Ash não tinha se esquecido de mim, não por um longo olhar.
ENQUANTO A NOITE PASSAVA, eu pensei ardentemente nos meus dias na cozinha.
Não apenas por causa do príncipe Ash, embora fosse a principal das minhas razões que eu tentei evitar observar. Os criados da Corte Unseelie me deixaram nervosa e inconfortável, e eu não era a única. Tensão correu alta entre as fileiras das Cortes Seelie e Unseelie; ficou claro que essas eram inimigas antigas. Apenas a devoção das fey pelas regras e etiquetas apropriadas, e o poder de seus mestres sidhe, impediam as coisas de sair em erupção, em um banho de sangue.
Ou foi o que Grimalkin me disse. Eu peguei suas palavras e fiquei muito quieta em meu assento, tentando não chamar atenção.
Oberon, Titania e Mab ficaram na mesa a noite toda. Os três príncipes sentaram à direita de Mab, com Ash mais abaixo da mesa, mais para meu alívio. A comida foi servida, vinho foi derramado, e os governantes sidhe falaram entre si. Grimalkin bocejou, entediado com tudo isso, e deixou meu lado, sumindo na multidão. Depois do que pareciam horas, a diversão começou.
Três rapazes brilhantemente vestidos com rabos de macaco viraram para o palco montado diante da mesa. Eles executaram saltos incríveis e davam cambalhotas em direção e através de uns aos outros. Uma sátira jogou seus tubos, e uma humana dançou com a melodia até seus pés sangrarem, seu rosto uma mistura de terror e êxtase. Uma mulher deslumbrante, com casco de cabra e dentes de piranha, cantou uma música sobre um homem que seguiu seu amor sobre as águas do lago, e nunca mais foi visto. E no final da música, eu arfei o ar dentro dos meus pulmões que queimavam, e sentei-me, inconsciente que eu não tinha sido capaz de respirar.
Algumas vezes, durante o curso das festividades, Ash desapareceu.
Franzindo a sobrancelha, eu o procurei pelo pátio, buscando um rosto pálido e cabelos escuros entre o caótico mar de fey. Ele não estava no pátio, tão longe quanto eu podia ver, e ele não estava na mesa com Mab e Oberon...
Houve uma risada suave ao meu lado, e meu coração parou.
—Então, essa é a famosa mestiça de Oberon — Ash refletiu enquanto eu me virava. Seus olhos, frios e desumanos, brilhavam com divertimento. De perto, ele era ainda mais bonito, com seu saliente maxilar e os cabelos escuros despenteados caindo em seus olhos. Minhas mãos traidoras coçaram, desejando correr meus dedos através desse corpo. Horrorizada, eu os cerrei em meu colo, tentando me concentrar no que Ash estava falando. —E em pensar — o príncipe continuou, sorrindo —Eu perdi você aquele dia na floresta, e nem mesmo sabia o que eu estava perseguindo.
Eu encolhi, olhando Oberon e a Rainha Mab. Eles estavam profundos na conversa e não me notaram. Eu não queria interrompe-los simplesmente porque o príncipe da Corte Unseelie estava falando comigo.
Além do mais, eu sou uma princesa faery agora. Mesmo que eu realmente não acredite nisso, Ash certamente acreditava. Eu respirei profundamente, levantando meu queixo, e o olhei diretamente nos olhos.
—Eu advirto você. — Eu disse, satisfeita que minha voz não tremeu —que se você tentar alguma coisa, meu pai vai remover sua cabeça e enfia-la em um quadro em sua parede.
Ele encolheu um dos magros ombros. —Existem coisas piores. — Pelo meu olhar horrorizado, ele ofereceu um fraco sorriso auto-depreciativo. —Não se preocupe, princesa, eu não irei quebrar as regras do Elysium. Eu não tenho a intenção de enfrentar a ira de Mab por envergonha-la. Não é por isso que estou aqui.
—Então, o que você quer?
Ele inclinou-se. —Uma dança.
—O quê! — Eu olhei para ele em descrença. —Você tentou me matar!
—Tecnicamente, eu estava tentando matar Puck. Você apenas estava lá. Mas sim, se eu tivesse a chance, eu teria feito isso.
—Então por que infernos você acha que eu irei dançar contigo?
—Aquilo foi antes. — Ele me considerou maliciosamente. —Isso é agora. E isso é uma tradição em Elysium que o filho e a filha de territórios opostos dancem um com o outro, para demonstrar a benevolência entre as cortes.
—Bem, isso é uma tradição estúpida. — Eu cruzei meus braços e olhei. —E você pode esquecer. Eu não irei a lugar nenhum com você.
Ele levantou uma sobrancelha. —Você irá insultar minha monarca, Rainha Mab, por recusar? Ela irá levar isso para o lado pessoal, e culpar Oberon pela ofensa. E, Mab pode guardar rancor por muito, muito tempo.
Oh, merda. Eu estava presa. Se eu dissesse não, eu irei insultar a rainha faery da Corte Unseelie. Eu estaria na lista de merda de ambas, Mab e Titania, e entre elas, minhas chances de sobreviver eram completamente nulas.
—Então, você está me dizendo que não vai me dar uma chance.
—Sempre existe uma escolha. — Ash segurou sua mão. —Não irei forçá-la. Eu apenas sigo as ordens da minha rainha. Mas, agora o resto da corte está nos esperando. — Ele sorriu amargo e zombando de si mesmo. —E eu prometo ser um perfeito cavalheiro até a noite acabar. Você tem minha palavra.
—Merda. — Eu cruzei meus braços, tentando pensar em alguma coisa para sair disso. —Eu apenas irei lhe envergonhar, de qualquer jeito. — Eu disse para ele em um tom desafiador. —Eu não sei dançar.
—Você é sangue de Oberon. — Uma nota de divertimento coloriu sua voz. —É claro que você sabe dançar.
Eu lutei comigo mesma por um momento. Esse é o príncipe da Corte Unseelie, eu pensei, minha mente correndo. Talvez ele saiba alguma coisa sobre Ethan. Ou meu pai! O mínimo que você pode fazer é perguntar.
Eu respirei profundamente. Ash esperava pacientemente com sua mão estendida, e quando eu finalmente coloquei meus dedos nas suas palmas, ele ofereceu um fraco sorriso. Sua pele era fria quando ele suavemente moveu minha mão para seu braço, e eu tremi com a proximidade dele. Ele cheirava nitidamente a gelo e a algo estranho, não desagradável, mas estranho.
Nós deixamos a mesa juntos, e meu estômago revirou enquanto eu vi centenas de brilhantes olhos de fey nos assistindo. Seelie e Unseelie igualmente separadas por nós, inclinando, enquanto nos aproximávamos do palco aberto.
Meus joelhos tremeram. —Eu não consigo fazer isso — eu sussurrei, agarrando o braço de Ash para buscar apoio. —Deixe-me ir. Eu acho que irei ficar doente.
—Você ficará bem. — Ash não olhou para mim enquanto nós passávamos pela pista de dança. Ele olhou o trio de governantes fey, com sua cabeça erguida e sua expressão vazia. Eu olhei para o mar de rostos, e tremi em terror.
Ash aumentou o seu aperto em minha mão. —Apenas siga em minha direção.
Ele curvou-se para a mesa de Oberon, e fez uma reverência. O Erlking deu um aceno solene, e Ash virou para me encarar, pegando uma das minhas mãos e guiando a outra para seu ombro.
A música começou.
Ash se moveu para frente, e eu quase tropecei, batendo meus lábios enquanto eu tentava acompanhar seus passos. Nós andamos mais ou menos com afetação ao redor do palco, me concentrando em não cair ou pisar no pé, Ash se deslocava com a graça de um tigre. Felizmente, ninguém vaiou ou jogou coisas, mas eu deslizei para frente e para trás em um assombro, só esperando pela humilhação ao final.
Em algum lugar desse pesadelo de dança, eu ouvi uma risada. —Pare de pensar — Ash murmurou, me puxando em um giro que eu acabei contra seu peito. —A platéia não importa. Os passos não importam. Apenas feche seus olhos e escute a música.
—Fácil para você falar. — Eu rosnei, mas ele me virou novamente, tão rápido que o palco rodopiou e eu fechei meus olhos. Lembre-se por que você está fazendo isso, minha mente sibilou. Isso é pelo Ethan.
Certo. Eu abri meus olhos e olhei para o príncipe sombrio. —Então — eu murmurei, tentando soar convencional — você é o filho da Rainha Mab, certo?
—Eu acho que nós estabelecemos isso, sim.
—Ela gosta de... colecionar coisas? — Ash olhou-me estranhamente, e eu me apressei. —Humanos, eu quero dizer? Ela tem vários humanos em sua corte?
—Alguns. — Ash me virou novamente, e dessa vez eu fui com ele. Seus olhos estavam brilhando quando eu voltei para seus braços. —Mab normalmente se irrita com mortais depois de alguns anos. Ela liberta-os, ou os transforma em alguma coisa mais interessante, depende de seu humor. Por quê?
Meu coração martelou. —Ela tem um menininho em sua corte? — eu perguntei enquanto nós girávamos em volta do palco— quatro anos de idade, cabelo encaracolado marrom, olhos azuis? Quieto a maior parte do tempo?
Ash me olhava de um modo estranho. —Eu não sei. — Ele disse, para meu desapontamento. —Eu não tenho estado na corte ultimamente. Mesmo se eu tivesse, eu não posso acompanhar todos os mortais que a rainha adquire, ou os libertados ao longo dos anos.
—Oh. — Eu murmurei, abaixando meu olhar. Bem, a idéia foi destruída. —Bem, se você não está na corte, onde você está, então?
Ash me deu um sorriso frio. —Na wyldwood — ele respondeu, me rodando longe. —Caçando. Eu raramente deixo minha presa escapar, então fique grata que Puck é um covarde. — Antes que eu pudesse responder, ele me puxou para perto novamente, sua boca contra minha orelha. —Embora, eu esteja feliz que eu também não a matei. Eu te disse que uma filha de Oberon poderia dançar.
Eu tinha me esquecido da música, e eu percebi que meu corpo estava se mexendo automaticamente, varrendo sobre o chão de dança como se eu tivesse feito isso um milhão de vezes. Por um longo momento, nós não dissemos nada, perdidos na música e na dança. Minhas emoções crescendo rapidamente com o passar da noite, e não tinha mais ninguém exceto nós, girando em círculo.
A música cessou quando Ash me puxou para uma volta final. Eu acabei pressionada contra ele, seu rosto a centímetros do meu, seus olhos intensos cinza brilhando. Nós ficamos lá um momento, congelados no tempo, nossos corações batendo selvagemente entre nós. O resto do mundo tinha desaparecido. Ash piscou e me deu um pequeno sorriso. Seria preciso apenas metade de um passo para encontrar os lábios dele.
Um grito rasgou a noite, nos jogando de volta aos nossos sentidos. O príncipe me liberou e andou para longe, seu rosto fechando em uma máscara vazia mais uma vez.
O grito veio novamente, seguindo por um estrondo que chacoalhou as mesas, e pequenos pedaços de cristais caíram no chão. Sobre a multidão de espectadores, eu vi a parede de sarças mexendo selvagemente enquanto alguma coisa grande rasgava-a através do caminho. Fey começaram a gritar e empurrar uns aos outros, e Oberon ficou em pé, sua voz áspera pedindo por ordem. Por apenas um momento, todos congelaram.
As sarças repartira-se com uma ensurdecedora pressão, e alguma coisa grande rasgou-as livre. A pele amarelada escondia faixas de sangue do monstro — não é uma sombra, bogey sob-a-sua-cama que te coloca para fora, mas um monstro real que poderia rasgar seu estômago e comer suas tripas. Ele tinha três horríveis cabeças: um leão com uma sátira sangrenta em suas presas, uma cabra com loucos olhos brancos, e um dragão sibilante com chama derretida pingando de seus dentes. Uma quimera.
Por uma batida de coração, ele parou, olhando para a festa que ele tinha acabado de interromper, as cabeças vacilaram em uníssono. A sátira morta, agora uma refeição destroçada e mastigada, caiu no chão, e alguém na multidão gritou.
A Quimera rosnou, três vozes elevando-se em um grito ensurdecedor. A multidão espalhou-se quando o mostro recolheu seu traseiro atrás dele, e partiu para briga. Ele veio por baixo ao lado de um redcap que fugia, e o atacou com uma garra na ponta de sua pata, pegando o faery pelo estômago e estripando-o instantaneamente. Quando o redcap cambaleou e caiu, prendendo seu intestino, a quimera se virou, e lançou-se sobre um troll, levantando-o do chão. O troll rosnou e agarrou a garganta do leão, segurando-o longe, mas então a cabeça do dragão veio, apertando suas garras em volta do pescoço do troll, e o quebrou. Sangue escuro explodiu em um fino spray, enchendo o ar com um cheiro enjoativo de cobre. O troll estremeceu e ficou mole.
Sangue escorreu de seu nariz, a quimera olhou para cima e me viu, ainda congelada na pista. Com um rosnado, ele saltou, pousando no canto da pista de dança. Meu cérebro gritava para eu correr, mas eu não conseguia me mexer. Eu só podia olhar detectando fascínio enquanto ela agachava, músculos ondulando sobre a sua pele sangrenta. Sua respiração quente me inundou, fedendo a sangue e carne podre, e eu vi um fragmento de roupa vermelha no dente do leão.
Com um grito, a quimera atacou, e eu fechei meus olhos, esperando que isso fosse rápido.
Fugindo da Corte Seelie
Alguma coisa me bateu, me empurrando para longe. Uma dor subiu pelo meu braço quando eu caí sobre meu ombro, abri meus olhos com um suspiro.
Ash estava parado entre eu e a quimera, sua espada desembainhada. A lâmina brilhava em um azul piscina, envolto em gelo e névoa. O monstro rosnou e deu um golpe na direção dele, mas ele saltou para o lado, cortando-o com sua espada. A borda congelada cortou a pata do quimera, e o monstro soltou um grito como o de um humano. O monstro atacou, e Ash rolou para o lado. Em pé de novo, ele levantou um braço, uma luz azulada brilhando de seus dedos. Quando o monstro girou diante dele, ele arremessou suas mãos, e o quimera gritou quando o estilhaço de gelo brilhante rasgou seu couro.
—As armas! — O vozeirão de Oberon se elevou acima dos gritos do quimera. —Cavaleiros, mantenham o animal para trás! Protejam os enviados! Rapidamente!
A voz de Mab se juntou ao caos, mandando seus indivíduos atacarem. Agora mais fey estavam chegando, pulando dentro do palco com armas e gritos de guerra, presas e dentes à mostra. Menos guerreiros fey correram do palco, fugindo para salvar suas vidas, enquanto os outros atacavam. Trolls e ogros batiam com grandes porretes de ponta de ferro na pele da besta, redcaps a cortavam com facas denegridas pelo bronze, e os cavaleiros Seelie brandiam espadas de fogo e cortavam-na na lateral. Eu vi o irmão de Ash se juntar à luta, suas lâminas de gelo perfurando as costas do monstro. A quimera rosnou novamente, gravemente ferida, momentaneamente intimidada pelos seus atacantes.
Então, a cabeça de dragão ergueu-se, névoa surgindo de sua boca, e soprou uma corrente líquida de fogo nos fey que a cercava. A saliva derretida cobriu vários de seus atacantes, que gritaram e caíram no chão, debatendo-se descontroladamente, enquanto a carne derretia de seus ossos. O monstro tentou sair da pista de dança, mas os fey o pressionaram, golpeando-o com suas armas, mantendo-o no lugar.
Quando a última fey civil deixou o palco, o Rei Seelie ficou lá, seu rosto aterrorizado e estranho, longos cabelos grisalhos caíam atrás dele. Ele levantou suas mãos, e um grande estrondo balançou o chão. Os pratos tiniram e caíram no chão, árvores tremeram, e os fey saíram de perto do monstro raivoso. A quimera rosnou e rompeu o ar, seus olhos desconfiados e confusos, como se ela fosse incapaz de entender o que estava acontecendo.
O palco, quatro pés (um metro e meio) de mármore sólido, estilhaçou-se com um estalo ensurdecedor, grandes raízes saíram através da superfície. Grossas e antigas, cobertas com reluzentes espinhos, elas fecharam-se em volta da quimera como cobras gigantes, entrando em seu couro. O monstro rosnou, buscando a madeira viva com suas garras, mas a espiral continuava a apertar.
Os fey cercaram o monstro novamente, o golpeando e cortando-o. A quimera lutou, chicoteando com garras e presas mortais, agarrando aqueles que se aventurassem a chegar perto. Um ogro esmagou seu porrete na lateral da besta, mas levou um golpe selvagem da pata do monstro que rasgou seu ombro, deixando-o aberto. Um cavaleiro Seelie cortou a cabeça do dragão, mas a mandíbula se abriu e cuspiu fogo derretido no faery. Gritando, o cavaleiro rodou para trás, e o dragão ergueu sua cabeça para olhar para o Erlking parado na mesa, seus olhos meio fechados em concentração. Seus lábios apertados, e ele tomou fôlego. Eu berrei para Oberon, mas minha voz foi perdida na cacofonia, e eu sabia que meu aviso iria ser tarde demais.
E então, Ash estava lá, esquivando das presas da besta, sua espada fazendo marcas em um borrão gelado. A espada deslizou através do pescoço do dragão, cortando-o, e a cabeça bateu no mármore com um barulho repugnante. Ash dançou para longe quando o pescoço continuou contorcendo-se, derramando sangue e fogo líquido da parte que restou. Fey uivava de dor. Enquanto Ash recuava do spray de lava, um troll bateu com sua lança através da goela aberta do leão e na parte de trás da cabeça, e um trio de redcaps conseguiram desviar das garras e pular em cima da cabeça de cabra, mordendo e esfaqueando. O quimera empurrou, bateu, e finalmente caiu nas teias de ramos.
A batalha tinha acabado, mas a carnificina permanecia. Carbonizados, desconfigurados, corpos mutilados deitados como brinquedos quebrados, ao redor do palco fraturado. Feys gravemente feridos apertavam seus ferimentos, seus rostos contorcidos em agonia. O cheiro de sangue e carne queimada era avassalador.
Meu estômago saltou. Virando minha cabeça para longe da visão horrível, eu rastejei para o canto do palco, e vomitei dentro das roseiras.
—Oberon!
O grito me enviou calafrios. Rainha Mab estava em seus pés, olhos ardentes, apontando um dedo enluvado para o Erlking.
—Como você se atreve! — ela murmurou, e eu tremi quando a temperatura caiu para congelante. Uma geada revestiu os ramos e rastejou pelo chão. —Como você se atreve a mandar esse monstro para nós durante o Elysium, quando nós viemos aqui sob a bandeira de confiança! Você quebrou o pacto, e eu não irei perdoar esta heresia!
Oberon parecia aflito, mas a Rainha Titania saltou em seus pés —Você se atreve? — ela gritou, enquanto relâmpagos crepitavam em cima. —Você se atreve a nos acusar de convocar essa criatura? Esse é obviamente o trabalho da Corte Unseelie para nos enfraquecer em nossa própria casa!
Feys começaram a murmurar entre eles mesmos, lançando olhares desconfiados para a outra corte, mesmo que segundos atrás eles estavam lutando lado a lado. Um redcap, pingando sangue escuro, da quimera, de sua boca, saltou no palco para me olhar, olhos redondos brilhavam de fome.
—Estou cheirando um humano — ele gargalhou, arrastando sua língua roxa sobre suas presas. —Estou cheirando sangue de uma jovem menina, e carne mais fresca do que de um monstro. — Eu fui para trás, andando em volta do palco, mas ele me seguiu. —Venha para mim, menininha — ele murmurou. —Carne de monstro é amarga, não doce como de jovens humanos. Eu só quero uma mordidinha. Talvez só um dedo.
—Para trás. — Ash apareceu do nada, parecendo perigoso com sangue escuro manchando seu rosto. —Nós já estamos com problemas suficientes sem comer a filha de Oberon. Saia daqui.
O redcap zombou e saiu correndo. O rapaz fey suspirou e virou para mim, seu olhar examinando a extensão do meu vestido. —Você está ferida?
Eu sacudi minha cabeça. —Você salvou minha vida. — Eu murmurei. Eu estava prestes a dizer ‘obrigada’, mas me contive, desde que essas palavras pareciam endivida-lo em Faery. Um pensamento veio, espontâneo e perturbador. —Eu... eu não estou presa a você ou qualquer coisa como isso, estou? — Eu perguntei assustadoramente. Ele levantou uma sobrancelha, e eu engoli. —Nenhuma dívida de vida, ou ter que se tornar sua esposa, certo?
—Não, à menos que nossos pais fizeramm um acordo sem o nosso conhecimento. — Ash olhou para trás onde os governantes estavam discutindo. Oberon estava tentando calar Titania, mas ela não queria nada disso, descontando sua raiva nele, bem como Mab. —Eu tenho que falar que qualquer contrato que eles fizeram estão oficialmente quebrados agora. Isso provavelmente significa guerra.
—Guerra? — Alguma coisa gelada tocou minha bochecha, e eu olhei para cima para ver flocos de neve rodando em um céu crivado de relâmpago. Era estranhamente bonito, e eu tremi. —O que irá acontecer, então?
Ash deu um passo para mais perto. Seus dedos vieram para tirar o cabelo do meu rosto, enviando um choque elétrico através de mim, desde a espinha até meu dedão. Sua respiração gelada fazia cócegas em minha orelha, enquanto ele se inclinava.
—Eu irei te matar. — Ele sussurrou, e andou para trás, juntando-se a seus irmãos na mesa. Ele não olhou para trás.
Eu toquei o lugar onde seus dedos tinha tocado minha pele, vertiginoso e pavoroso ao mesmo tempo.
—Cuidado, humana. — Grimalkin apareceu no canto do palco, ofuscado pela quimera morta. —Não perca o seu coração por um príncipe faery. Isso nunca acabará bem.
—Quem lhe perguntou? — Eu olhei para ele. —E por que você sempre surge quando você não é chamado? Você teve o seu pagamento. Porque você ainda está me seguindo?
—Você é divertida — ronronou Grimalkin. Olhos dourados esvoaçavam para os insignificantes governadores, e voltaram novamente. —E de grande interesse para o rei e para as rainhas. Isso lhe faz uma peã valiosa, certamente. Eu me pergunto o que você vai fazer a seguir, agora que seu irmão não está no território de Oberon?
Eu olhei para Ash, parado ao lado de seus irmãos, rosto que nem uma pedra, enquanto os argumentos entre Mab e Titania se alastravam. Oberon estava tentando acalmar a ambas, mas com pouco sucesso.
—Eu tenho que ir para a Corte Unseelie. — Eu sussurrei, enquanto Grimalkin sorria. —Eu terei que procurar por Ethan no território da Rainha Mab.
Eu teria imaginado isso — Grimalkin ronronou, cortando seus olhos em mim. —Só que você não sabe onde fica a Corte Unseelie, sabe? A comitiva de Mab veio aqui em carruagens voadoras. Como você irá achar?
—Eu posso me esconder dentro de uma das carruagens, talvez. Disfarçando-me.
Grimalkin bufou em gargalhadas. —Se os redcaps não sentirem seu cheiro, os ogros irão. Não existirá nada, apenas ossos da época em você chegou em Tir Na Nog[58]. — O gato bocejou e lambeu uma pata dianteira. —Pena a falta de um guia. Alguém que conheça o caminho.
Eu olhei para o gato, uma lenta raiva subindo enquanto eu percebia o que ele estava dizendo. —Você sabe o caminho para a Corte Unseelie. — Eu disse silenciosamente.
Grimalkin limpou uma pata acima de sua orelha. —Talvez.
—E você vai me levar lá — eu continuei, —por um pequeno favor.
—Não. — Grimalkin disse, olhando para mim. —Não existe nada pequeno em ir ao território Unseelie. Meu preço será íngreme, humana, não se engane com isso. Então, você pode se perguntar, o que teu irmão vale para você?
Eu caí em silêncio, olhando para a mesa, onde as rainhas ainda estavam brigando.
—Por que eu iria convocar a besta? — Mab questionou com um tom sarcástico na direção de Titania. —Eu perdi súditos leais, também. Por que eu enviaria a criatura contra eu mesma?
Titania correspondia ao mesmo desdém da outra rainha. —Você não se importa com quem você assassinou — ela disse com uma fungada —contanto que você consiga o que quer no final. Esta é uma estratégia inteligente para enfraquecer a nossa corte, sem levantar suspeita sobre si mesma.
Mab inchou em fúria, e a neve voltou a cair. —Agora você está me acusando de assassinar meus próprios indivíduos! Eu não irei escutar mais nenhum minuto! Oberon!— Ela se virou para o Erlking com seus dentes para fora. —Encontre o responsável por isso! — Ela assobiou, seu cabelo contorcendo-se em volta dela como cobra. —Encontre-os e entregue-os para mim, ou enfrentará a fúria da Corte Unseelie.
—Lady Mab — Oberon disse, segurando suas mãos —não seja precipitada. Certamente você perceberá o que isso significa para nós dois.
O rosto de Mab não mudou. —Eu irei esperar até o Solstício de verão — Ela anunciou, sua expressão dura. —Se a Corte Seelie não nos entregar os responsáveis por essa atrocidade, você pode se preparar para a guerra. — Ela se virou para seus filhos, que estavam esperando por suas ordens silenciosamente. “Envie-os para nossos curandeiros — ela disse para eles. —Reúnam nossos feridos e mortos. Nós iremos retornar para Tir Na Nog hoje à noite.
—Se você vai se decidir — Grimalkin disse suavemente —decida rapidamente. Uma vez que eles partirem, Oberon não irá deixá-la ir. Você é um peão valioso demais para perder para a Corte Unseelie. Ele irá mantê-la aqui contra sua vontade, sob chave e fechadura se ele precisar, para mantê-la longe das garras de Mab. Depois de hoje à noite, você não irá ter outra chance de escapar, e você nunca irá encontrar seu irmão.
Eu assisti Ash e seus irmãos desaparecerem dentro da multidão de fey escuros, vi o cruel e aterrorizado olhar no rosto de Erlking, e tomei minha decisão.
Eu respirei profundamente. —Tudo bem, então. Vamos sair daqui.
Grimalkin ficou parado. —Bom — ele disse. —Vamos sair agora. Antes que o caos diminua, e Oberon lembre-se de você. — Ele olhou para cima do meu elegante vestido e farejou, mexendo seu nariz. —Irei buscar suas roupas e pertences. Espere aqui, e tente não chamar atenção para si. — Ele contraiu o rabo, deslizando dentro das sombras, e sumindo.
Eu estava perto da quimera morta, olhando ao redor nervosamente, e tentando me manter longe da visão de Oberon.
Alguma coisa pequena caiu da juba do leão, refletindo brevemente enquanto aparecia na luz, batendo no mármore com um pequeno barulho. Curiosa, eu me aproximei cautelosamente, mantendo meus olhos na carcaça grande e nos poucos redcaps que ainda o estavam comendo. O objeto no chão piscou metalicamente quando eu me ajoelhei e o peguei, colocando-o em cima da minha palma.
Parecia um pequeno bicho de metal, redondo e parecido com um carrapato, mais ou menos do tamanho da unha do meu mindinho. Suas pernas finas e grandes de metal estavam curvadas sobre sua barriga, do jeito que as pernas de insetos ficam quando eles morrem. Ele estava coberto em lama preta, o que eu percebi, com horror, que era o sangue da quimera.
Enquanto eu olhava para isso, as pernas mexeram, e ele capotou acima da minha mão. Eu gani e arremessei o bicho no chão, onde ele escavou sobre o palco de mármore, espremido em uma rachadura, e desapareceu de vista.
EU ESTAVA SECANDO O SANGUE DA QUIMERA da minha mão, descobrindo que ainda estava fresco, quando Grimalkin apareceu, materializando-se do nada, com minha brilhante mochila laranja. —Por aqui — o gato murmurou, e me conduziu do pátio para um aglomerado de árvores. —Se arrume rápido — ele ordenou enquanto nós nos abaixávamos sob as sombras das pessoas. —Nós não temos muito tempo.
Eu abri a mochila e coloquei minhas roupas no chão. Eu comecei a tirar o vestido quando eu percebi que Grimalkin ainda estava me olhando, olhos brilhando no escuro. —Eu posso ter um pouco de privacidade? — Eu perguntei. O gato sibilou.
—Você não tem nada que eu esteja interessado, humana. Se apresse.
Carrancuda, eu coloquei o vestido no chão e mudei para minhas velhas e confortáveis roupas. Enquanto eu colocava meus pés dentro dos tênis, eu percebi que Grimalkin estava olhando atrás do pátio. Um trio de cavaleiros Seelie estavam vindo em nossa direção através do gramado, e parecia que eles estavam procurando por alguém.
Grimalkin achatou suas orelhas. —Seu desaparecimento já foi notado. Por aqui!
Eu segui o gato através das sombras em direção a cerca viva que cercava o pátio. Os ramos se moveram para trás quando nos aproximamos, revelando um buraco estreito na cerca, apenas grande o suficiente para espremer minhas mãos e joelhos. Grimalkin deslizou para dentro sem olhar para trás. Eu fiz uma careta, me ajoelhei, e rastejei para dentro depois do gato, agarrando minha mochila atrás de mim.
O túnel estava escuro e sinuoso. Eu me furei uma dúzia de vezes enquanto eu manobrava o meu caminho através das curvas do labirinto de espinhos. Me espremendo através de um trecho particularmente estreito, eu amaldiçoei enquanto os espinhos continuavam a prender meu cabelo, roupas e pele. Grimalkin olhou sobre seus ombros, piscando seus luminosos olhos enquanto eu lutava.
—Tente não sangrar muito nos espinhos — ele disse quando eu me furei na palma e sussurrei em dor. —Agora, ninguém pode nos seguir, e você está deixando uma trilha muito fácil.
—Certo, por que eu estou sangrando por todo lugar só por diversão e besteira. — Um ramo pegou meu cabelo, e eu puxei com um som doloroso e triste. —Quanto tempo mais para estarmos fora?
—Não muito. Nós estamos pegando um atalho.
—Isso é um atalho? O que, isso nos leva dentro do jardim de Mab ou alguma coisa?
—Na verdade não. — Grimalkin sentou e coçou suas orelhas. —Esse caminho, na verdade, nos leva de volta para seu mundo.
Eu empurrei minha cabeça para cima, me furando no crânio e trazendo lágrimas para meus olhos. —O quê? Você está falando sério? — Alívio e emoção chamejaram; Eu poderia ir para casa! Eu poderia ver minha mãe; ela deveria estar doente de preocupação comigo. Eu poderia ir para meu próprio quarto e...
Eu parei, o balão de felicidade esvaziou tão repentinamente como se encheu. —Não. Eu ainda não posso ir para casa — Eu disse, sentindo minha garganta apertar. —Não sem Ethan. — Eu mordi meus lábios, resolvida, então olhei para o gato. —Eu pensei que você estava me levando para a Corte Unseelie, Grim.
Grimalkin bocejou, parecendo entediado com tudo isso. —Eu estou. A Corte Unseelie fica muito mais próxima do seu mundo do que dos territórios de Seelie. É muito mais rápido entrar na terra mortal e deslizar dentro de Tir Na Nog de lá.
—Oh. — Eu pensei nisso por um momento. —Bem, então, por que Puck me levou através do wyldwood? Se é mais fácil chegar à Corte Unseelie do meu mundo, por que ele não usou esse caminho?
—Quem sabe? Trods — os caminhos dentro de Nevernever — são difíceis de encontrar. Alguns estão constantemente mudando de lugar. A maioria conduz direto dentro de wyldwood. Apenas poucos irão lhe levar para os territórios Seelie ou Unseelie, e eles tem guardiões poderosos os protegendo. O trod que nós estamos usando agora é um modo. Uma vez que estamos dentro, nós não somos capazes de achá-lo novamente.
—Não tem outro caminho?
Grimalkin suspirou. —Tem outros caminhos para Tir Na Nog a partir de wyldwood, mas você terá que lidar com as criaturas que moram lá, como você pode encontrar com os goblins, e eles não são as piores coisas que você pode encontrar. Também, os guardiões de Oberon estarão caçando você, e o wyldwood será o primeiro lugar onde eles irão procurar. O caminho mais rápido para a Corte Unseelie é o caminho que eu estou te levando agora. Então, decida, humana. Você ainda quer ir?
—Não parece como se eu tivesse escolha, parece?
—Você ainda fala isso — Grimalkin observou —mas sempre existe uma escolha. E eu sugiro que paremos de falar e continuemos andando. Nós estamos sendo seguidos.
Nós continuamos andando, nos dirigindo através do túnel de sarça, sendo picada pelos espinhos, até eu perder todos os sentidos de tempo e direção. Primeiro, eu tentei evitar os ramos me arranhando, mas continuei sendo picada e empurrada, até que eu finalmente desisti e parei de me importar com isso. Estranhamente, uma vez que eu desisti, eu estava sendo arranhada muito menos. Uma vez que eu parei de me mover como um caracol, Grimalkin estabeleceu um ritmo constante através dos ramos, e eu segui o melhor que eu pude. Ocasionalmente, eu vi túneis laterais derivando em outras direções, e eu capturei olhares de formas se movimentando através das moitas, embora eu nunca tenha tido uma visão clara.
Nós viramos em um canto, e de repente encontramos um grande tubo de cimento em nosso caminho. Isso era um tubo de drenagem; Eu podia ver o céu aberto e azul através do buraco. Estranhamente, estava claro do outro lado.
—O mundo mortal é através daqui — Grimalkin me informou. —Lembre-se, uma vez que estivermos lá, nós não seremos capazes de voltar para Nevernever por esse caminho. Nós teremos que encontrar outro trod para voltar.
—Eu sei — eu disse.
Grimalkin me deu um longo e inconfortável olhar. —Lembre-se também, humana — você esteve em Nevernever. O glamour acima de seus olhos se foi. Embora outros mortais não irão ver nada estranho em você, você irá ver as coisas um pouco... diferentes. Então, tente não reagir diferente.
—Diferente? Como o quê?
Grimalkin sorriu. —Você verá.
NÓS EMERGIMOS DO TUBO DE DRENAGEM PARA o som dos motores dos carros e tráfegos nas ruas, um choque depois de ter estado no mundo selvagem por tanto tempo. Nós estávamos no centro da cidade, com prédios elevados acima de nós por todos os lados. Uma calçada estendida sobre o tubo de drenagem; além disso, o tráfico da hora do rush lotava as estradas, e pessoas tergiversavam embaixo das passagens, absortas em seus próprios mundinhos. Ninguém parecia notar um gato e uma mendiga, uma adolescente, levemente ensangüentada, rastejando para fora de um tubo de drenagem.
—Ok. — Apesar da minha preocupação, eu estava em terror por estar de volta para meu próprio mundo familiar, e surpreendida pelas grandes construções de vidro-e-metal acima de mim. O ar aqui estava gelado, apenas desconfortável, uma lama suja entupia as calçadas e esgotos. Esticando meu pescoço, eu olhei para cima para ver os arranha-céus, sentindo—me levemente tonta enquanto eles pareciam oscilar contra o céu. Não tinha nada como isso em minha pequena cidade Louisiana. —Onde estamos?
—Detroit. — Grimalkin meio que fechou seus olhos, espreitando em volta da cidade e das pessoas que passavam por nós. —Um momento. Faz um tempo desde que eu estive aqui. Deixe-me pensar.
—Detroit, Michigan?
—Silêncio.
Enquanto ele estava pensando, uma figura alta em um gorro esfarrapado vermelho cambaleou para fora da multidão e veio em nossa direção, segurando uma garrafa em um saco. Ele parecia como um mendigo, embora eu nunca tenha visto um. Eu não estava muito preocupada; nós estávamos em uma rua bem movimentada, com um monte de testemunhas para me ouvir gritar, se ele tentasse alguma coisa. Ele provavelmente iria me perguntar por um troco ou cigarro, e ir embora.
Entretanto, quando ele chegou perto, ele levantou sua cabeça, e eu vi um rosto barbudo e enrugado com salientes dentes tortos em sua boca. Na sombra do capuz, seus olhos eram amarelos e grandes como os de um gato. Eu pulei quando o estranho olhou e andou para perto de mim. Seu fedor quase me derrubou; ele cheirava a atropelado, ovos estragados e peixe apodrecido ao sol. Eu engasguei e quase perdi meu almoço.
—Menina linda. — O estranho rugiu, chegando com uma garra. —Você veio por lá, não veio? Me envie de volta, agora. Me envie de volta!
Eu fui para trás, mas Grimalkin saltou entre nós, eriçando-se até atingir duas vezes seu tamanho. Seu uivo empurrou o homem para um estacionamento, e os olhos do vagabundo arregalaram em terror. Com um choroso murmúrio, ele se virou e correu, batendo nas pessoas de lado enquanto ele corria. Pessoas amaldiçoavam e olhavam em volta, olhando uns para os outros, mas ninguém parecia notar o vagabundo correndo.
—O que foi isso? — Eu perguntei para Grimalkin.
—Um Norrgen[59] — O gato suspirou. —Abominações. Aterrorizador de gatos, se você quiser acreditar. Ele provavelmente foi banido de Nevernever em algum momento. Isso pode explicar suas palavras para você, esperando que você o envie de volta.
Eu olhei para o norrgen, mas ele já tinha sumido dentro da multidão. —Todos os fey andando no mundo humano são marginais? — Eu perguntei.
—Claro que não. — O olhar de Grimalkin era desdenhoso, e ninguém fazia desdém melhor do que um gato. “Muitos escolhem estar aqui, indo e voltando entre esse mundo e o Nevernever de acordo com sua vontade, na medida em que eles conseguem encontrar um trod. Alguns, como brownies e bogarts[60], assombram uma casa para sempre. Outros, misturam-se na sociedade humana, posando como mortais, alimentando sonhos, emoções e talentos. Alguns têm estado casados com um humano particularmente excepcional, embora suas crianças são evitadas pela sociedade faery, e os pais fey normalmente os deixam se as coisas ficarem muito difíceis.
—É claro, existem aqueles que foram banidos para o mundo mortal. Eles fazem seus caminhos o melhor que eles podem, mas passar muito tempo no mundo humano faz coisas estranhas com eles. Talvez seja a quantidade de ferro e a tecnologia que é tão fatal para a sua existência. Eles começam a se perder, aos poucos no tempo, até que eles sejam apenas sombras do que eles costumavam ser, cascas vazias cobertas por glamour para fazê-los parecerem reais. Eventualmente, eles simplesmente deixam de existir.
Eu olhei para Grimalkin em alarme. —Isso poderia acontecer com você? Comigo? — Eu pensei em meu iPod, lembrando-se do jeito que Tansy pulou longe com terror. Repentinamente, eu me lembrei do jeito que Robbie era misteriosamente ausente nas aulas de computação. Eu simplesmente pensei que ele odiava digitar. Eu não tinha idéia de que isso o matava.
Grimalkin parecia despreocupado. —Se eu ficar aqui tempo o suficiente, talvez. Talvez em duas ou três décadas, embora eu certamente não tenha planos de ficar por tanto tempo. Em relação à você, você é metade humano. Seu sangue mortal a protege do ferro e dos efeitos banais da ciência e da tecnologia. Eu não me preocuparia muito se eu fosse você.
—Qual é o problema com a ciência e a tecnologia?
Grimalkin realmente revirou seus olhos. —Se eu achasse que isso poderia virar uma lição de história, eu teria escolhido uma sala de aula melhor do que as ruas da cidade. — Sua cauda chicoteou, e ele sentou. —Você nunca vai encontrar um faery no centro de ciência. Por quê? Porque ciência é tudo sobre provar teorias e entender o universo. Ciência envolve tudo em pura lógica e pacotes bem explicados. Os fey são mágicos, caprichosos, ilógicos, e inexplicáveis. A ciência não pode provar a existência dos faeries, assim naturalmente, nós não existimos. Esse tipo de descrença é fatal para faeries.
—E quanto a Robbie... er... Puck? — Eu perguntei, sem saber o porquê que ele de repente surgiu em minha cabeça. —Como ele ficou tão perto de mim, indo para a escola e tudo, com todo o ferro em volta?
Grimalkin bocejou. —Robin Goodfellow é um faerie muito velho. — Ele disse, e eu me contorci em pensar nele assim. —Não apenas isso, ele tem baladas, poemas, e histórias escritas sobre ele, então ele está muito perto da imortalidade, enquanto os seres humanos ainda se lembrem dele. Não digo que ele é imune ao ferro e à tecnologia — longe disso. Puck é forte, mas até mesmo ele, não pode resistir aos efeitos.
—Isso poderia matá-lo?
—Lentamente, com o passar dos anos. — Grimalkin olhou para mim com olhos solenes. —O Nevernever está morrendo, humana. Está crescendo cada vez menos, há cada década. Muito progresso, muita tecnologia. Mortais estão perdendo sua fé em qualquer coisa além da tecnologia. Até mesmo as crianças do homem, são consumidas pelo progresso. Eles zombam das histórias antigas e são atraídas pelos aparelhos mais novos, computadores ou vídeo games. Eles não acreditam mais em monstros e mágicas. Enquanto as cidades crescem, e a tecnologia toma conta do mundo, crença e imaginação são deixadas para trás, assim como nós.
—O que nós podemos fazer para parar isso? — Eu sussurrei.
—Nada. — Grimalkin elevou uma pata e coçou uma orelha. —Talvez Nevernever irá resistir até o fim do mundo. Talvez irá desaparecer em alguns séculos. Tudo morre eventualmente, humana. Agora, se você já fez as perguntas, nós poderíamos continuar caminhando.
—Mas se Nevernever morrer, você não irá desaparecer também?
—Eu sou um gato — Grimalkin respondeu, como se isso explicasse tudo.
EU SEGUI GRIMALKIN PELA CALÇADA ENQUANTO o sol morria sobre o horizonte, e as luzes das ruas chamejavam para a vida.
Eu capturei olhares de fey em todos os lugares, caminhando, passando por nós, saindo de ruelas escuras, roubando sobre os telhados, ou saltando entre os fios de eletricidade. Eu perguntei como eu poderia ser tão cega antes. E eu me lembrei da minha conversa com Robbie, na minha sala de estar algum tempo atrás, uma vida passada. Uma vez que você começa a ver as coisas, você não será capaz de parar. Você sabe o que eles dizem: ignorância é êxtase, certo?
Se eu apenas o estivesse escutado.
Grimalkin me conduziu à várias ruas abaixo, e de repente, parou. Atravessando a rua, um clube de dança de dois andares, iluminado com luzes neon rosa e azul, radiando a escuridão. A placa proclamava Blue Chaos. Homens e mulheres jovens alinhados fora do clube, brincos com luzes brilhavam, pregos de metal e cabelos brancos. A música martelava a parede de fora.
—Aqui nós estamos — Grimalkin disse, parecendo contente consigo mesmo. —A energia em volta de um trod nunca muda, embora quando eu estive aqui da última vez, esse lugar era diferente.
—O Trod que não sei o nome é o clube de dança?
—Dentro do clube de dança — Grimalkin disse com uma grande amostra de paciência.
—Eu nunca entrarei lá. — Eu disse para o felino, olhando para o clube. —A fila é como uma milha de distância, e eu não acho que isso seja um lugar bem amigável. Eu não irei passar pela porta da frente.
—Eu deveria pensar que seu Puck ensinou você melhor do que isso. — Grimalkin suspirou, e deslizou para dentro de um beco próximo. Confusa, eu o segui, perguntando se nós estávamos indo por outro caminho.
Mas Grimalkin saltou em cima de um Dumpster[61] cheio e me olhou, seus olhos com órbitas flutuantes amarelas no escuro. —Agora — ele começou, ancorando seu rabo —escute atentamente, humana. Você é metade fey. O mais importante, você é filha de Oberon, e esse é o momento para você aprender a acessar alguns poderes que todos estavam tão preocupados.
—Eu não tenho nenhum...
—É claro que você tem. — Os olhos de Grimalkin se estreitaram. —Você cheira a poder, esse é o porquê do fey ter reagido à você tão fortemente. Você apenas não sabe como usar isso. Bem, eu irei te ensinar, por que isso será mais fácil do que eu ter que te colocar dentro do clube por mim mesmo. Você está pronta?
—Eu não sei.
—Bem o suficiente. Primeiro... — e os olhos do Grimalkin desapareceram — ...feche seus olhos.
Não me sentindo um pouco apreensiva, eu fechei.
—Agora, alcance e sinta o glamour ao seu redor. Nós estamos muito perto do clube de dança, assim o glamour está pronto para fornecer as emoções interiormente. Glamour é o que flui nosso poder. Isso é como nós mudamos de forma, cantamos para alguém para sua morte, e aparecemos invisíveis para os olhos mortais. Você pode sentir isso?
—Eu não...
—Pare de falar e apenas sinta.
Eu tentei, embora eu não soubesse o que eu estava pretensa a experimentar, não sentindo nada, senão meu próprio desconforto e medo.
E então, como uma explosão de luzes na lateral de minha visão, eu senti.
É como se a cor tivesse emoção: laranja, paixão; vermelho escuro, luxúria; carmesim, raiva; azul, tristeza; uma agitação, diversão hipnótica de sensações na minha mente. Eu arfei, e ouvi o ronronar de aprovação de Grimalkin.
—Sim, isso é o glamour. Os sonhos e emoções de mortais. Agora abra seus olhos. Nós vamos começar com o mais simples glamour faery, o poder de desaparecer da visão dos humanos, se tornar invisível.
Ainda grogue da torrente da roda de emoções, eu acenei. —Tudo bem, se tornar invisível. Soa fácil.
Grimalkin olhou para mim. —Sua descrença irá mutilá-la se você pensar assim, humana. Se você pensar que isso é impossível, isso será.
—Tudo bem, tudo bem, desculpe-me. — Eu segurei minhas mãos. —Então, como eu irei fazer isso?
—Retrate o glamour em sua mente. — O gato abriu a metade de seus olhos novamente. —Imagine que isso é uma capa que a cobre completamente. Você pode mudar o glamour para parecer com qualquer coisa que você deseje, incluindo um espaço vazio no ar, um lugar onde ninguém está. Quando você coloca o glamour sobre si mesma, você tem que acreditar que ninguém poderá vê-la. Apenas isso.
Os olhos desapareceram, juntamente com o resto do gato. Mesmo sabendo que Grimalkin era capaz de fazer isso, ainda era estranho vê-lo desaparecer de vista em frente aos meus olhos.
—Agora. — Os olhos abriram novamente, e o corpo do gato seguiu. —Sua vez. Quando você acreditar que você é invisível, nós iremos ir.
—O quê? Eu não vou ter uma prática para testar, ou alguma outra coisa?
—Tudo o que você precisa é acreditar, humana. Se você não acreditar que você é invisível na primeira tentativa, ela só vai piorar. Vamos ir. E lembre-se, sem dúvidas.
—Certo. Sem dúvidas. — Eu respirei e fechei meus olhos, disposta a deixar o glamour vir. Eu me imaginei desaparecendo da vista, rodando uma capa de luz e ar em volta dos meus ombros e puxando o capuz para cima. Ninguém pode me ver, eu pensei, tentando não me sentir idiota. Eu estou invisível agora.
Eu abri meus olhos e olhei para baixo, para minhas mãos.
Elas ainda estavam lá.
Grimalkin sacudiu sua cabeça e olhou para cima com desapontamento. —Eu nunca irei entender humanos — ele murmurou. —Com tudo o que você tem visto, mágicas, fey, monstros e milagres, você ainda não acredita que você possa se tornar invisível. — Ele respirou pesadamente, saltando para fora do Dumpster. —Muito bem. Eu suponho que eu terei que nos colocar para dentro.
Blue Chaos
Nós ficamos na fila em torno de uma hora.
—Tudo isso poderia ser evitado, se você apenas fizesse o que eu disse para você — Grimalkin sibilou pela centésima vez. Suas garras cravadas em meu braço, e eu resisti da urgência de chuta-lo pelo muro como uma bola de futebol.
—Me dê um tempo, Grim. Eu tentei, ok? Basta largar, já. — Eu ignorei os olhares estranhos que eu estava ganhando das pessoas ao redor, escutando a menina louca murmurando consigo mesma. Eu não sei o que eles vêem quando olham para Grim, mas isso certamente não era um gato falante vivo. E um gato pesado, nesse ponto.
—Um simples encanto de invisibilidade. Não tem nada mais fácil. Gatinhos podem fazer isso antes deles começarem a andar.
Eu teria dito alguma coisa, mas nós estávamos nos aproximando do segurança que guardava a porta da frente do Blue Chaos. Escuro, másculo e pesado, ele checou a identidade de um casal em frente a nós, antes de acenar para eles entrarem. Grim mordeu meu braço com suas presas, e eu andei para frente.
Frios olhos pretos me olharam de cima a baixo. —Eu não acredito, querida — o segurança disse, flexionando um músculo em seu braço. —Por que você não se vira e vai embora? Você tem escola amanhã.
Minha boca estava seca, mas Grim falou com sua voz baixa e calmante. —Você não está olhando para mim, direito — ele ronronou, embora o segurança não olhasse para ele. —Eu, na verdade, pareço muito mais velha do que eu pareço.
—É? — Ele não parecia convencido, mas pelo menos ele não estava me jogando para fora pela nuca. —Deixe-me ver alguma identificação, então.
—É claro. — Grim me acotovelou, e eu desloquei o peso para uma mão para que eu pudesse entregar meu cartão da Blockbuster[62] para o segurança. Ele pegou, olhando para ele com suspeita, enquanto meu estômago rolou e o suor frio descia pelo meu pescoço. Mas, Grimalkin continuava a ronronar em meu braço, completamente tranquilo, e o segurança me entregou de volta o cartão com um olhar invejoso.
—É, bem. Entre, então. — Ele balançou uma grande mão para mim, e nós estávamos dentro.
Dentro estava um caos. Eu nunca tinha estado em um clube antes, e eu fiquei momentaneamente estupefata com as luzes e o barulho. Fumaça de gelo seco, retorcia-se sobre o chão, me lembrando da névoa que rastejava através da Wyldwood. Luzes coloridas deixavam a pista de dança em uma eletrizante fantasia de rosa, azul e dourado. Música crepitava em meus ouvidos; Eu podia sentir a vibração em meu peito, e me perguntei como alguém poderia se comunicar nessa cacofonia.
Dançarinos rodavam, contorciam-se, e seduziam no palco, saltando no tempo da música, suor e energia saiam deles enquanto eles dançavam. Alguns dançavam sozinhos, alguns em pares que não poderiam manter suas mãos longe um do outro, sua energia virando paixão.
Entre eles, contorcendo e serpenteando em frenesi, alimentando-se do derramamento de glamour, dançavam os fey.
Eu vi faeries em calças de couro e roupas que brilhavam e estavam meio rasgadas, grande diferença entre a refinação medieval da Corte Summer. Uma garota, com garras de pássaros e plumas para cabelo, flutuava no meio da multidão, cortando uma pele jovem e lambendo o sangue. Um menino magricelo com braços triplos os envolvia em volta de um casal dançando, longos dedos entrelaçados em seus cabelos. Duas meninas com orelhas de raposas dançavam juntas, um mortal entre elas, seus corpos pressionados contra ele. O rosto do humano estava jogado para trás em êxtase, inconsciente que tinha mãos correndo sobre seu bumbum e entre suas pernas.
Grimalkin contorceu-se e pulou dos meus braços. Ele correu em direção aos fundos do clube, seu rabo parecendo como um indistinto periscópio de navegação, no oceano de névoa. Eu o segui, tentando não olhar para os dançarinos não humanos rodando entre a multidão de humanos.
Perto do bar, uma pequena porta com as palavras Somente Pessoas Autorizadas, ficava perto dos fundos do bar. Eu podia ver a luz difusa de glamour em volta, deixando difícil de olhá-la; meu olhar queria deslizar. Casualmente, eu me aproximei da porta, mas antes que eu pudesse chegar mais perto, o barman levantou-se de trás do balcão e estreitou seus olhos.
—Você não quer fazer isso, amor — ele advertiu. Seu cabelo escuro estava preso em um rabo, e chifres espiralavam de sua testa. Ele se moveu para o canto do bar, e eu ouvi cascos fazendo ruído sobre a madeira. —Por que você não vem aqui e eu irei lhe arranjar uma coisa agradável? Em casa, o que você me diz?
Grimalkin pulou em um banquinho no bar e colocou suas patas dianteiras sobre o balcão. Um humano no banco do lado dele deu um pequeno gole de sua bebida como se nada tivesse acontecido. —Nós estamos procurando por Shard — Grim disse enquanto o barman lançava para ele um olhar irritado, virando para longe de mim.
—Shard está ocupada. — O sátiro respondeu, mas ele não olhou para os olhos de Grim quando ele disse isso, e um momento depois ele começou a limpar o bar. Grim continuou olhando-o, até o sátiro o olhar. Seus olhos entreabriram perigosamente. —Eu disse, ela está ocupada. Agora, por que você não cai fora, antes que eu chame os redcaps para lhe entulhar em uma garrafa?
—David, essa não é a maneira de se tratar um cliente — uma calma voz feminina exalou atrás de mim, e eu pulei. —Especialmente se esse for um velho amigo.
A mulher atrás de nós era pequena e magra, de pele pálida e lábios neon azul que curvavam ironicamente nos cantos. Seu cabelo espetado estava preso em todos os ângulos, ele era tingido de tons azuis, verdes e branco, semelhantes à cristais de gelo que cresciam para fora de seu couro cabeludo. Ela vestia calças de couro apertada, uma blusinha curta em formato de T que mal cobriam seus seios, e um punhal em uma coxa. Seu rosto brilhava com inúmeros piercings: sobrancelha, nariz, lábios e nas bochechas, todos de prata ou ouro. Suas longas orelhas brilhando com brincos, alargadores e barras, o suficiente para fazer qualquer metaleiro chorar de inveja. Um piercing prateado atravessava seu umbigo, e um minúsculo pingente de dragão estava pendurado.
—Olá, Grimalkin — a mulher disse, soando resignada. —Faz um tempo, não faz? O que o trás ao meu humilde clube? E com essa ursinha da Summer, junto? — Seus olhos, cintilando azul e verde, me olhavam curiosamente.
—Nós precisamos entrar dentro de Tir Na Nog — Grimalkin disse sem hesitação. —Hoje à noite, se você puder.
—Não pede por muito, pede? — Shard sorriu, acenando—nos para uma mesa de canto. Uma vez sentados, ela se inclinou para trás e estalou seus dedos. Um humano, magro e esguio, saiu das sombras para ficar ao seu lado, seu rosto negligente com adoração.
—Appletini[63] — ela disse para ele. —Derrame isso, e passe o resto de seus dias como uma barata. Vocês dois querem alguma coisa?
—Não — Grimalkin disse firmemente. Eu balancei minha cabeça.
O humano saiu correndo, e Shard se inclinou para frente. Seus lábios azuis curvado em um sorriso.
—Então. Passagem para o território Winter. Vocês querem usar meu trod, estou correta?
—Não é seu trod — Grimalkin disse, batendo o rabo contra a cabine forrada.
—Mas está sob meu clube de dança — Shard respondeu. —E a Rainha da Winter não irá ficar contente se eu deixar a ursinha da Summer entrar em seu território sem autorização. Não me olhe assim, Grim. Eu não sou estúpida. Eu conheço a filha do Erlking quando eu a vejo. Então, a questão é, o que eu faço para sair dessa?
—Um favor retribuído. — Grimalkin estreitou seus olhos para ela. —Sua dívida comigo, cancelada.
—Isso é bom para você... — Shard disse, e virou—se e olhou para mim —...mas e quanto à ela? O que ela pode oferecer?
Eu engoli. —O que você quer? — Eu perguntei antes que Grimalkin pudesse falar qualquer coisa. O gato me lançou um olhar exasperado, mas eu o ignorei. Se alguém deveria mudar meu destino, esse alguém deveria ser eu. Eu não queria que Grimalkin prometesse para essa mulher meu primeiro filho sem minha permissão.
Shard inclinou-se para trás novamente, cruzando suas pernas com um sorriso. O rapaz desengonçado apareceu com sua bebida, uma mistura verde com um pequeno guarda—chuva, e ela deu um gole lentamente, seus olhos nunca deixando os meus.
—Humm, é uma boa pergunta — Shard murmurou, rodando sua bebida pensativamente. —O que eu quero de você? Deve ser muito importante para você entrar no território de Mab. O que isso vale?
Ela deu outro gole, parecendo imersa em pensamentos. —Que tal... seu nome? — ela ofereceu finalmente. Eu pisquei.
—Meu... meu nome?
—Isso mesmo. — Shard sorriu de modo apaziguador. —Não muito. Apenas me prometa que você falará seu nome, seu Verdadeiro Nome, e nós vamos chamá-lo sempre, sim?
—A menina é jovem, Shard — Grimalkin disse, nos assistindo com olhos entreabertos. —Ela nem mesmo deve saber seu chamamento verdadeiro, ainda.
—Tudo bem. — Shard sorriu para mim. —Apenas me diga qual o nome que você se chama agora, e nós iremos fazer, sim? Eu tenho certeza que eu posso achar algum uso com isso.
—Não — Eu disse para ela. —Sem negócio. Você não vai saber meu nome.
—Oh, bem. — Shard encolheu os ombros e levantou o copo para seus lábios. —Eu acho que você terá que encontrar outro jeito de entrar no território de Mab, então. — Ela se deslocou para o final da cabina. —Foi um prazer. Agora, se vocês me dão licença, eu tenho um clube com o qual lidar.
—Espere! — Eu deixei escapar.
Shard pausou , me olhando esperançosamente.
—Tudo bem — Eu sussurrei. —Tudo bem, eu darei um nome à você. Depois disso, você irá abrir o trod, ok?
A faery sorriu, mostrando seus dentes. —É claro.
—Você tem certeza que você quer fazer isso? — Grimalkin perguntou suavemente. —Você sabe o que acontece quando você diz seu nome para um faery?
Eu o ignorei. —Jure — Eu disse para Shard. —Prometa que você irá abrir o trod uma vez que eu lhe disser o nome. Diga a palavra.
O sorriso da faery virou rancoroso. —Não tão estúpida quanto ela pareceu à princípio— ela murmurou, e deu de ombros. —Muito bem. Eu, Shard, guardiã do Trod Chaos, juro abrir o caminho uma vez que eu receber o pagamento na forma de um único nome, falado pela requerente. — Ela terminou e sorriu para mim. —Satisfeita?
Eu assenti.
—Bom. — Shard lambeu seus lábios, parecendo desumanamente ansiosa, enquanto seus olhos brilhavam. —Agora, me dê o nome.
—Tudo bem. — Eu respirei profundamente enquanto meu estômago se contorcia descontroladamente. —Fred Flintstone[64].
O rosto de Shard ficou branco. —O quê? — Por um glorioso momento, ela parecia completamente desorientada. —Esse não é seu nome, mestiça. Não foi isso que nós concordamos.
Meu coração disparou. —Sim, foi sim. — Eu disse para ela, mantendo minha voz firme. —Eu te prometi lhe dar um nome, não meu nome. Eu fiz minha parte do acordo. Você tem um nome. Agora, nos mostre o trod.
Ao meu lado, Grimalkin começou a espirrar, e de repente uma explosão de risada do felino. O rosto de Shard permaneceu branco por mais um tempo, em seguida uma raiva gélida penetrou em seus traços e seus olhos ficaram pretos. Suas penas eriçaram, e gelo revestiu o vidro em sua mão antes que quebrasse em um milhão de pedaços brilhantes.
—Você. — Seu olhar perfurou dentro de mim, gelado e aterrorizante. Eu lutei com a urgência de correr gritando para fora do clube. —Você irá lamentar essa insolência, mestiça. Não irei esquecer isso, e irei fazer você implorar por perdão, até que sua garganta fique em carne viva.
Minhas pernas tremeram, mas fiquei parada e olhei para ela. —Não antes de você nos mostrar a trod.
Grimalkin parou de rir e pulou em cima da mesa. —Você já negociou, Shard. — Ele disse, sua voz ainda espessa com o divertimento. —Corte suas perdas e tente novamente outra vez. Agora, nós precisamos ir andando.
Os olhos da faery continuavam brilhando em preto, mas ela fez um visível esforço para se controlar. —Muito bem — ela disse com grande dignidade. —Eu irei manter minha parte do acordo. Espere aqui um momento. Eu preciso informar ao David que sairei por um tempo.
Ela se afastou com seu queixo empinado, sua coluna balançando como pingente.
—Muito inteligente — Grimalkin disse suavemente quando a faery marchou para o bar. —Shard sempre foi tão precipitada, nunca parando para escutar detalhes importantes. Ela pensa que é inteligente demais para isso. Ainda assim, nunca é sábio zangar um sidhe da Winter. Você pode lamentar sua pequena batalha de raciocínio antes que isso acabe. Um fey nunca esquece um insulto.
Eu fiquei em silêncio. Seus olhos estavam normais novamente, embora eles ainda me olhavam com um gelado desgosto. —Por aqui — ela anunciou friamente, eu os conduzo através da sala, em direção a porta ‘Somente Pessoas Autorizadas’ na parede mais distante.
Nós a seguimos descendo cinco ou seis lances de escada, parando em outra porta com a palavra ‘Perigo! Afaste-se!’ Pintada na superfície, em vermelho brilhante. Shard olhou para trás, para mim com um pequeno sorriso maligno.
—Não se preocupe com Grumly. Ele é nosso último impedimento contra aqueles que metem o nariz onde não são chamados. Ocasionalmente, algumas púca ou redcap irão se achar inteligentes, e esgueirar passando por David para ver o que tem aqui em baixo. Obviamente, eu não posso permitir isso. Então, eu uso Grumly para dissuadi-los. — Ela riu. —Às vezes, um mortal encontra seu caminho aqui em baixo, também. É o melhor entretimento. Reduz a sua conta alimentar, também.
Ela me deu um sorriso afiado, e empurrou a porta.
O fedor me bateu como martelo gigante, uma revoltante mistura de putrefação, suor e excremento. Eu recuei, e meu estômago saltou. Ossos bagunçados no chão de pedra, alguns humanos, outros definitivamente não eram. Uma pilha de palha suja estava em um canto, perto da porta da outra parede. Eu sabia que era a entrada para o território Unseelie, mas eu sabia que chegar à ela era um desafio real.
Acorrentados a um anel no chão, algemados nas pernas por um toco de árvore, estava o maior ogro que eu já vi. Sua pele tinha escoriações roxas, e quatro presas amarelas enrolavam sua mandíbula. Seu busto era maciço, músculos e tendões ondulavam sob a sua pele manchada, e seus dedos finos acabavam em uma curvada garra preta.
Ele também usava um colar pesado em volta de sua garganta, a pele embaixo vermelha e em carne viva, mostrando velhas cicatrizes onde ele havia se ferido. Um momento depois, eu percebi que ambos, o colar e as algemas eram feitos de ferro. O ogro mancava através do quarto, protegendo a perna acorrentada, enquanto ele se movia, seu tornozelo machucado com bolhas e feridas abertas. Grimalkin deu um pequeno assobio.
—Interessante — Ele disse. —É um ogro realmente forte, para ficar preso dessa maneira?
—Ele escapou algumas vezes no passado, antes de começarmos a utilizar ferro — Shard respondeu, parecendo satisfeita consigo mesma. —Quebrou o clube em pedaços, e comeu alguns patrões antes de nós o determos. Eu pensei que medidas drásticas eram precisas. Agora, ele se comporta.
—Isso o irá matar. — A voz de Grimalkin era fraca. —Você deve perceber que isso irá diminuir consideravelmente sua vida útil.
—Não tente me ensinar, Grimalkin. — Shard deu ao gato um olhar de desgosto, e andou através do quarto. —Se eu não o mantiver aqui, ele irá esbravejar em outro lugar. O ferro não irá matá-lo imediatamente. Ogros se curam rápido.
Ela passeou até o ogro, que a olhou com olhos amarelos cheios de dor. —Se mexa — ela o ordenou, apontando para a pilha de palha no canto. —Vá fazer sua cama, Grumly. Agora.
O ogro olhou para ela, rosnou baixinho, e arrastou-se para sua cama, a corrente tinindo atrás dele. Eu não podia ajudar, mas senti um pouco de pena dele.
Shard abriu a porta. Um longo corredor esticado além da porta, e neblina fluiu através da porta aberta para dentro do quarto. —Bem? — Ela nos chamou. —Aqui está seu trod para o território Winter. Vocês vão ficar aqui parados ou o quê?
Mantendo um olhar cauteloso em Grumly, eu comecei a ir para frente.
—Espere — Grimalkin murmurou.
—Qual o problema? — Eu me virei e o encontrei examinando o quarto, olhos estreitos para as fendas. —Medo de ogros? Shard irá mantê-lo longe de nós, certo?
—De modo algum — o gato respondeu. —seu negócio está feito. Ela apenas abriu o caminho para Tir Na Nog para nós. Ela nunca nos prometeu proteção.
Eu olhei para dentro da sala novamente e encontrei Grumly olhando para nós, a baba escorrendo pelos seus dentes para o chão. No outro lado, Shard estava sorrindo para mim.
Houve um repentino barulho na escada, o som de muitos pés pulando os degraus abaixo. Sobre a escada, um rosto maligno enrugado apareceu para mim, dentes afiados brilhando. Um lenço vermelho caiu de sua cabeça para aterrissar em meus pés.
—Redcaps — Eu arfei, andando para dentro do quarto sem pensar.
Grumly rosnou, andando para o final de sua corrente, remexendo o chão com suas garras. Eu gani e me pressionei contra a parede enquanto o ogro rosnou e cortou o ar, esforçando-se para me achar. Seus grandes punhos bateram no chão nem dez pés (3 metros) distantes, e ele berrou em frustração. Eu não consegui me mexer. Grimalkin tinha desaparecido. A risada de Shard rodeou o ar enquanto uma dúzia de redcaps entravam dentro do quarto.
—Agora — ela disse, inclinando contra a moldura da porta. —Isso é entretenimento.
O retorno de Puck
Os redcaps amontoaram-se através da soleira da porta, dentes reluzindo na luz fraca. Eles vestiam jaquetas de motoqueiro e calças de couro, e usavam lenços carmesim ao invés de suas capas de marca registrada. Rosnando e rangendo seus dentes, eles viram Grumly ao mesmo tempo que o ogro os notou, e pularam para trás quando um punho gigante atingiu o pavimento.
Rosnados e maldições cresceram no ar. Os redcaps dançaram loucamente para fora do alcance do ogro, brandindo facas de bronze e bastões de beisebol de madeira. —O que é isso? — Eu ouvi um deles guinchar. —O homem cabra nos prometeu carne jovem se nós seguíssemos as escadas. Onde está nossa carne?
—Lá! — rosnou outro, apontando para mim com uma faca manchada. —No canto. Não deixe o monstro pegar nossa comida!
Eles deslizaram na minha direção, abraçando a parede como eu tinha feito, ficando longe das garras do ogro. Grumly rosnou e golpeou o chão, remexendo as profundas trincheiras dentro do chão de cimento, mas os redcaps eram pequenos e rápidos, e ele não conseguiu alcançá-los. Eu assistia em terror enquanto a horrível fey pulava na minha direção, rindo e acenando com sua arma, e eu não podia me mover. Eu estava prestes a ser comida viva, mas se eu me arriscasse a ir mais longe da sala, Grumly iria me rasgar independentemente.
Apesar de tudo isso, eu estava ciente de Shard, vagando na outra porta, um sorriso forçado de auto satisfação em seu rosto. —Você gostou para onde nosso contrato a levou, putinha? — ela chamou sobre os bafos do Grumly e os ruídos dos dentes dos redcaps. —Me fale seu real nome, e eu posso mandá-los embora.
Um dos redcaps pulou em mim, boca entreaberta, saltando direto no meu rosto. Eu joguei meus braços, e os dentes irregulares fincaram na minha carne, apertando como uma armadilha de aço. Gritando, eu girei descontroladamente, deslocando o repulsivo peso, e o arremessando para o ogro. O redcap bateu no chão e pulou em seus pés rosnando, justo quando o punho de Grumly o acertou em uma massa sangrenta.
O tempo parecia que tinha diminuído. Eu acho que isso acontece quando você está prestes a morrer. Os redcaps surgiram à frente, dentes afiados sorrindo e estalando, Grumly berrou no fundo de suas correntes, e Shard se inclinou contra a moldura da porta e riu.
Um grande pássaro preto entrou através da porta aberta.
Os redcaps pularam.
O pássaro pomba afundou suas garras nos rostos dos redcaps, gritando e batendo suas asas. Assustados e confusos, os redcaps hesitaram enquanto o pássaro os açoitava, batendo suas asas e esfaqueando os olhos dos faery com seu bico. O bando gritou e bateu com força com seus bastões, mas o pássaro lançou-se para cima no último segundo, e o redcap uivou quando a arma bateu nele ao invés do pássaro.
Na confusão, o pássaro explodiu, mudando de forma no meio do ar. Um corpo caiu entre mim e os redcaps, derramando penas pretas, e me dando um sorriso familiar.
—Olá, princesa. Desculpe-me pelo atraso. Tráfego é uma merda.
—Puck!
Ele piscou para mim, então lançou um olhar a sidhe da Winter, parada na soleira da porta. —Hey, Shard. — Ele acenou. —Bom lugar que você tem aqui. Eu irei me lembrar, para que eu possa dar o especial ‘toque Puck’.
—É uma honra recebê-lo, Robin Goodfellow — Shard respondeu, sorrindo malignamente. —Se os redcaps deixarem sua cabeça intacta, eu irei colocar sua cabeça em cima do bar, para que todos vejam quando vierem aqui. Matem-no!
Rosnando, os redcaps saltaram, dentes cintilando como piranhas afogando um pássaro imerso. Puck puxou alguma coisa de seu bolso e o atirou. Isso explodiu em uma tora grossa, e os redcaps apertaram suas garras em volta da madeira, dentes afundando na casca. Com abafados ganidos, eles se moveram para o chão.
—Artifício — Puck chamou.
Gritos de raiva, os redcaps estilhaçaram a tora, rasgando-a como serras circulares. Dentes rangendo, eles cuspiram as lascas, e nos olharam mortiferamente. Puck se virou para mim com um olhar de desculpe. —Dê-me licença por um momento, princesa. Eu tenho que ir brincar com os cãezinhos.
Ele andou na direção deles, sorrindo, e os redcaps o atacaram, brandindo facas e bastões de beisebol. Puck esperou até o último segundo antes de se esquivar, dentro da sala e longe da parede. O bando o seguiu. Eu arfei quando o punho de Grumly atacou, mas Puck pulou para o lado em tempo, e um redcap foi esmagado, ficando mais achatado do que uma panqueca.
—Oooops — Puck exclamou, colocando ambas as mãos em sua boca, mesmo quando ele deu um passo lateral no segundo ataque de Grumly. —Desajeitado, eu.
Os redcaps rosnaram maldições e o atacaram novamente.
Eles continuavam com sua dança mortal em volta do quarto, Puck conduzindo os redcaps com suas provocações, risadas e aplausos. Grumly rugiu e esmagou, com seus punhos, um homenzinho que corria em volta de seus pés, mas os redcaps eram rápidos, e agora, atentos para o perigo. Isso não os impedia de lançar um ataque completo em Puck, que dançava, esquivava-se, e fazia seu caminho com piruetas em volta do ogro, quase parecendo divertido. Meu coração ficou preso em minha garganta o tempo todo; um movimento errado, um engano, e Puck poderia ser um borrão de sangue no chão.
O ar em volta de mim ficou gelado. Eu tinha estado tão focada em Puck, que eu não percebi que Shard tinha saído da moldura da porta e estava agora há alguns passos. Seus olhos pretos brilhantes, e seus lábios curvados em um sorriso, enquanto ela levantava uma mão. Uma longa lança de gelo se formou acima da cabeça, angulada na minha direção.
Houve um berro, e um peso invisível deve ter batido em suas costas, para ela cambalear e quase cair. Alguma coisa dourada brilhou em seu peito: uma chave, ligada em uma fina corrente prata. Com uma maldição, Shard atirou o atacante invisível na parede; houve um barulho e assobio de dor, enquanto Grimalkin se materializou por uma fração de segundo, e sumiu de vista novamente.
Nesse momento de distração, eu ataquei, agarrando a chave em volta de seu pescoço. Ela se virou com uma velocidade estonteante, e uma mão pálida fechou em volta da minha garganta. Eu arfei, unhando seu braço com minha mão livre, mas parecia ser feito de pedra. Sua pele queimava de tão gelada; cristais de gelo se formaram em meu pescoço enquanto Shard diminuía o aperto, sorrindo. Eu afundei em meus joelhos enquanto o chão começou a escurecer.
Com um grito feroz, Grimalkin aterrissou em suas costas, afundando as garras e dentes em seu pescoço. Shard gritou, e a pressão em meu pescoço desapareceu. Levantando, eu empurrei a sidhe com toda minha força, empurrando-a longe. Houve um empurrão e um som metálico, e a chave se soltou na minha mão.
Tossindo, eu cambaleei para longe da parede, olhando para o ogro. —Grumly! — Eu gritei, minha voz fraca e rouca. —Grumly, olhe para mim! Me escute!
O ogro parou de bater no chão, e balançou seu atormentado olhar para mim. Atrás de mim, um berro de um felino cortou o ar, e o corpo de Grimalkin tombou no chão.
—Nos ajude! — Eu chorei, segurando a chave. Ele piscou em ouro na luz. —Nos ajude, Grumly, e nós iremos te libertar! Vamos te deixar livre!
—Livre... eu?
Alguma coisa esmagou atrás da minha cabeça, quase me nocauteando. Eu desmaiei, segurando a chave, enquanto a dor varria meus sentidos. Alguma coisa me bateu nas costelas, lançando-se em minhas costas. Shard apareceu em cima de mim, seu punhal na sua mão elevada.
—Não!
O rugido de Grumly encheu o quarto. Assustada, Shard olhou para cima, apenas percebendo que ela estava dentro do alcance do ogro. Tarde demais. O golpe com as costas da mão de Grumly esmagou-a no peito, arremessando-a contra a parede com um sórdido ruído. Até os redcaps pararam de perseguir Puck e olharam para trás.
Eu mexi meus pés, ignorando o modo como meus músculos gritavam em protesto. Eu cambaleei em direção a Grumly, esperando que o ogro não tivesse se esquecido e me esmagado como um pudim. Ele não se mexeu quando eu cheguei nas correntes, a cruel algema de ferro estava enterrada em sua carne. Empurrando a chave dentro do buraco, eu virei até que estalou. A atadura de ferro se desprendeu e caiu longe.
Grumly rosnou, um rosnado que encheu a sala de triunfo e raiva. Ele se virou, surpreendentemente rápido para seu peso, e chutou um redcap na parede. Puck saiu do caminho quando o ogro levantou um pé e atropelou mais dois como baratas. Os redcaps ficaram furiosos. Rosnando e guinchando, eles puxaram os pés de Grumly, batendo-nos com seus bastões e afundando seus dentes nos calcanhares. Grumly pisou e chutou, quase me pegando, e o chão tremeu com seus golpes, mas eu não tinha força para me mover.
Evitando o massacre, Puck me agarrou e me empurrou para fora da batalha. —Vamos — ele murmurou, olhando para trás, sobre seus ombros. —Enquanto eles estão distraídos. Vá para o trod.
—E Grimalkin?
—Eu estou aqui — o gato disse, aparecendo ao meu lado. Sua voz soando tensa, ele se apoiou na sua pata dianteira esquerda, mas de qualquer forma, parecia bem. “É o momento de, definitivamente, sair.
Nós cambaleamos em direção à porta, mas encontramos nosso caminho bloqueado por Shard. —Não — a sidhe rosnou. Seu braço direito pendurado e mole, mas ela elevou uma lança de gelo e angulou-a em meu peito. —Vocês não irão passar. Vocês irão morrer aqui, e irei pendurá-los na parede para todos verem.
Um rosnado estrondoso ecoou atrás de nós, e um pesado passo balançou o chão.
—Grumly... — Shard disse sem deixar o meu olhar —...mate-os. Tudo isso será perdoado. Rasgue—os em pedaços, lentamente. Faça isso, agora.
Grumly rosnou novamente, e uma perna grossa aterrissou perto de mim. —Amiiiiiiiigos — o ogro ressoou, parado sobre nós. —Libertaram Grumly. Amigos de Grumly. — Ele deu outro passo, a ferida em carne viva irritada na sua perna cheirava a podridão e gangrena. —Matar a patroa — ele rosnou.
—O quê? — Shard recuou, seus olhos arregalados. Grumly deslizou para frente, e levantou seus grandes punhos. —O que você está fazendo? Para trás, sua coisa estúpida. Eu comando você! Não, não!
—Vamos — Puck sussurrou, arrastando meu braço. Nós saímos por debaixo das pernas de Grumly e corremos para a porta aberta. A última coisa que eu vi, antes da porta se fechar atrás de nós, foi Grumly pairando sobre sua antiga mestra, e Shard levantar sua lança enquanto ela recuava.
O CORREDOR SE ESTENDEU DIANTE DE NÓS, lotado de névoa e luzes tremendo. Eu afundei contra a parede, tremendo enquanto a adrenalina desaparecia.
—Tudo bem, princesa? — Puck perguntou, olhos verdes brilhando com preocupação. Eu cambaleei para frente e joguei meus braços em volta dele, abraçando-o apertadamente. Ele envolveu seus braços em minha volta e me puxou para perto. Eu senti seu calor e as rápidas batidas de seu coração, sua respiração contra minha orelha. Finalmente, eu me afastei e afundei contra a parede, trazendo-o junto.
—Eu pensei que Oberon o tinha transformado em um pássaro. — Eu sussurrei.
—Ele transformou — Puck respondeu com um encolhimento de ombros. —Mas quando ele descobriu que você tinha desaparecido, ele me enviou para achá-la.
—Então, foi você que eu ouvi nos seguindo — Grimalkin disse, quase invisível na névoa.
Puck concordou. —Eu imaginei que vocês estavam indo para a Corte Unseelie. Quem você acha que criou aquele atalho? De qualquer jeito, uma vez que eu estava fora, eu farejei, e um piskie me disse que viu vocês indo para essa parte da cidade. Eu sabia que Shard era proprietária de um clube aqui, e o resto, como os mortais falam, é história.
—Estou feliz que você veio. — Eu disse, me levantando. Minhas pernas pareciam um pouco fortes agora, e a tremedeira tinha quase parado. —Você salvou minha vida. Novamente. Eu sei que você não quer ouvir isso, mas obrigada.
Puck me deu um olhar de soslaio que eu não gostei. —Não me agradeça ainda, princesa. Oberon está um pouco irritado que você deixou a segurança do território Seelie. — Ele esfregou suas mãos e parecia desconfortável. —Eu devo, supostamente, te levar de volta para a Corte.
Eu olhei para ele, sentindo-me como se ele tivesse me chutado no estômago. —Mas... você não irá, certo? — Eu gaguejei. Ele olhou para longe, e minha depressão cresceu. —Puck, você não pode. Eu tenho que encontrar Ethan. Eu tenho que ir para a Corte Unseelie e trazê-lo para casa.
Puck esfregou uma mão em seus cabelos, um gesto estranhamente humano. —Você não entende — ele disse, soando estranhamente inseguro. —Eu sou o lacaio favorito de Oberon, mas eu não posso empurrá-lo para longe. Se eu falhar com ele novamente, eu posso acabar muito pior do que um corvo, por dois séculos. Ele pode me banir de Nevernever para sempre. Eu nunca irei ser capaz de ir para casa.
—Por favor. — Eu implorei, pegando em suas mãos. Ele ainda não olhou para mim. —Ajude-nos. Puck, eu conheço você desde sempre. Não faça isso. — Ele largou suas mãos e olhei para ele, estreitando meus olhos. —Você percebe que você terá que me arrastar de volta, chutando e gritando, e que eu nunca irei falar com você novamente.
—Não seja assim. — Puck finalmente me olhou. —Você não percebe o que você está fazendo. Se Mab encontrá-la... você não sabe do que ela é capaz.
—Eu não me importo. Tudo o que eu sei é que meu irmão ainda está lá, em problemas. Eu tenho que encontrá-lo. E eu irei fazer isso, com ou sem sua ajuda.
Os olhos de Puck brilharam. —Eu poderia lançar um encanto em você — ele meditou, um canto de seus lábios torcendo para cima. —Isso poderia resolver uma série de problemas.
—Não — Grimalkin falou antes que eu pudesse explodir —Você não irá. E você sabe que não irá, então pare de exibicionismo. Além do mais, eu tenho alguma coisa que poderia resolver esse pequeno problema.
—Oh?
—Um favor — Grimalkin balançou o rabo languidamente. —Do rei.
Isso não impedirá Oberon de me banir.
—Não — Grimalkin concordou. —Mas eu posso solicitar que você seja banido por um tempo limitado apenas. Algumas décadas ou algo assim. Isso é melhor do que nada.
—Uh—huh. — Puck parecia insatisfeito. —E isso iria me custar um pequeno favor em retorno, certo?
—Você me colocou nesse conflito no momento em que você derrubou essa garota na minha árvore — Grimalkin disse, piscando preguiçosamente. —Eu não acredito que foi um ato de coincidência, não do abominável Robin Goodfellow. Você deveria saber que poderia chegar a isso.
—Eu sei mais do que fazer acordos com um gato Sith — Puck revidou, então suspirou, esfregando uma mão sobre seus olhos. —Tá — ele disse finalmente. —Você venceu, princesa. A liberdade é altamente subestimada, de qualquer jeito. Se eu irei fazer alguma coisa, eu posso muito bem fazê-la em grande estilo.
Meu coração acelerou. —Então, você irá nos ajudar?
—Claro, por que não? — Puck me deu um sorriso conformado. —Você teria sido comida viva sem mim. Além do mais, atacar a Corte Unseelie? — Seu sorriso cresceu. —Não posso deixar isso passar, por nada.
—Então vamos lá — Grimalkin disse enquanto Puck puxava-me para meus pés. —Quanto mais demorar, mais vão se espalhar sobre as nossas intenções. Tir Na Nog não está tão longe agora. — Ele virou e caminhou para baixo no corredor, sua cauda ereta no nevoeiro.
Nós seguimos no corredor por alguns minutos. Depois de um tempo, o ar ficou gelado e cortante; geada revestia as paredes do corredor, e pingentes de gelo pendiam no teto.
—Nós estamos nos aproximando. — Veio a desencarnada voz de Grimalkin na névoa.
O corredor acabava com uma simples porta de madeira. Um pó fino de neve revestia a margem da fresta, e a porta tremeu e rangeu no uivo do vento lá fora.
Puck caminhou para frente. —Senhoritas e felinos — ele declarou solenemente, segurando a maçaneta —Bem vindo a Tir Na Nog. Terra do inverno sem fim, e montanhas de neve.
Uma onda de pó congelante acariciou meu rosto enquanto ele abria a porta. Piscando por causa dos cristais de gelo de fora, eu andei para frente.
Eu parei em um jardim congelado, os espinhos da cerca estavam revestidos por gelo, um chafariz de querubim no centro do jardim jorrava água congelada. À distância, além das árvores sem folhas e do pequeno arbusto espinhoso, eu vi o telhado pontiagudo de uma enorme propriedade Vitoriana. Eu olhei para trás, para Grim e Puck e os vi parados sob um enorme pergolado com vinhas roxas e flores de cristal azul. Enquanto eles andavam para dentro, o corredor desaparecia atrás deles.
—Encanto — Puck comentou, olhando em volta em desgosto. —Eu amo o sentimento morto e estéril que eles têm. Quem é o jardineiro, eu me pergunto? Eu iria adorar ganhar algumas dicas.
Eu já estava tremendo. —O qu-quão longe nós estamos da corte da Rainha Mab? — Eu perguntei, com meus dentes batendo.
—A Corte Winter fica há, talvez, dois dias de caminhada daqui — Grimalkin disse, saltando para um toco de árvore. Ele balançou suas patas, uma a uma, e sentou cuidadosamente. —Nós devemos encontrar um abrigo em breve. Eu estou desconfortável com esse tempo, e a menina provavelmente vai congelar até a morte.
Uma risada sombria ecoou através do jardim. —Eu não iria me preocupar com isso agora.
Uma figura saiu de trás de uma árvore, espada segurada livremente em uma mão. Meu coração saltou, e em seguida saltou novamente, mais alto e mais irregular do que antes. A brisa bagunçava o cabelo preto da figura, enquanto ele se movia em nossa direção, graciosamente e silencioso como uma sombra. Grimalkin assobiou e desapareceu, e Puck me colocou atrás dele.
—Eu tenho estado esperando por você — Ash murmurou no silêncio.
O Fey Iron
—Ash. — Eu sussurrei quando a figura magra deslizou furtivamente para nós, sua bota não fazia som na neve. Ele estava devastadoramente maravilhoso, vestido todo em preto, seu rosto pálido parecia flutuar sobre o chão. Eu me lembrei do jeito que ele sorriu, o olhar em seus olhos prateados enquanto nós dançávamos. Ele não estava sorrindo agora, e seus olhos eram frios. Esse não era o príncipe com quem eu havia dançado na noite de Elysium; não era nada além de um predador.
—Ash — Puck repetiu em um tom conversacional, embora sua face tinha ficado dura e feroz. —Que surpresa em vê-lo aqui. Como você nos encontrou?
—Não é difícil — Ash soava entediado. —A princesa mencionou que ela estava procurando por alguém dentro da corte de Mab. Existem várias maneiras de entrar em Tir Na Nog através do mundo mortal, e Shard exatamente não mantêm segredo que ela guarda uma trod. Eu imaginei que era apenas uma questão de tempo antes de você chegar aqui.
—Muito inteligente — Puck disse, sorrindo. —Mas então, você sempre foi um estrategista, não foi? O que você quer, Ash?
—Sua cabeça — Ash respondeu suavemente. —Em uma lança. Mas o que eu quero não importa dessa vez. — Ele apontou sua espada para mim. —Eu vim por ela.
Eu arfei enquanto meu coração e estômago começaram a carenar em volta do meu peito. Ele está aqui por mim, para me matar, como ele prometeu no Elysium.
—Sobre o meu cadáver. — Puck sorriu, como se isso fosse uma conversação amigável na rua, mas eu senti músculos enrolando sob sua pele.
—Essa é a parte do plano. — O príncipe levantou sua espada, a lâmina de gelo envolta em névoa. —Eu irei vingá-la hoje, e colocar a memória dela para descansar. — Por um momento, uma sombra de angústia voou através de seu rosto, e ele fechou seus olhos. Quando ele os abriu, estavam frios e brilhavam com malícia. —Se prepare.
—Vá para trás, princesa — Puck advertiu, me empurrando para longe do caminho. Ele alcançou o interior de suas botas e puxou um punhal, a lâmina curvada iluminava como vidro. —Isso pode ficar um pouco rude.
—Puck, não. — Eu agarrei-o pela manga. —Não lute com ele. Alguém pode morrer.
—Duelos até o fim tendem a acabar dessa maneira. — Puck sorriu, mas era uma coisa selvagem, cruel e assustadora. —Mas eu estou comovido que você se importa. Um momento, príncipe. — Ele chamou Ash, que inclinou sua cabeça. Pegando meu pulso, Puck me direcionou atrás do chafariz e inclinou para perto, sua respiração quente em meu rosto.
—Eu tenho que fazer isso, princesa — ele disse firmemente. —Ash não irá nos deixar ir sem uma luta, e visto que isso estava por vir há muito tempo. — Por um momento, uma sombra de pesar chamejou através de seu rosto, mas então foi embora.
—Então — ele murmurou, sorrindo enquanto ele inclinava meu queixo para cima — antes de uma marcha para a luta, que tal um beijo para dar sorte?
Eu hesitei, perguntando por que agora, depois de tanto tempo, ele pediria por um beijo. Ele certamente não pensava em mim desse jeito... pensava? Eu me balancei. Não tinha tempo para pensar nisso. Inclinando para frente, eu o beijei na bochecha. Sua pele estava quente, e arranhando com a barba por fazer. —Não morra — eu sussurrei, indo para trás.
Puck parecia desapontado, mas apenas por um segundo. —Eu? Morrer? Eles não lhe disseram, princesa? Eu sou Robin Goodfellow.
Com um grito, ele balançou sua faca, e ordenou ao príncipe à espera.
Ash atacou, um borrão escuro atravessou a neve, sua espada assobiando baixo em um arco vicioso. Puck pulou para fora do caminho, e o golpe enviou uma pequena nevasca arqueada na minha direção. Eu arfei, o spray congelante picou como agulhas, e irritou os meus olhos que queimavam. Quando eu pude abri-los novamente, Ash e Puck estavam intensos na batalha, e parecia que cada um tinha a intenção de matar o outro.
Puck abaixou em um golpe selvagem e jogou em Ash alguma coisa de seu bolso. Isso irrompeu em um grande javali, guinchando loucamente enquanto ele atacava o príncipe, dentes brilhando. A espada de gelo entrou dentro dele, e o javali explodiu em um redemoinho de folhas secas. Ash arremessou seus braços, e um spray de cacos de gelo brilhantes voaram em direção a Puck, como punhais. Eu gritei, mas Puck inalou e soprou na direção dele, como se ele tivesse assoprando um bolo de aniversário. Os cacos difundiram-se em margaridas, chovendo inofensivamente em volta dele, e ele sorriu.
Ash atacou viciosamente, sua espada cantando enquanto ela caia sobre seu oponente. Puck esquivou-se e se defendeu com seu punhal, recuando diante da investida do príncipe da Winter. Indo para longe, Puck arrancou um punhado de galhos da base da árvore, assoprou neles, e os jogou no ar...
...e agora tinham três Pucks, sorrindo perversamente enquanto eles atacavam seu oponente. Três facas brilhavam, três corpos envolviam o príncipe sombrio, enquanto o Puck real inclinava contra a árvore e assistia Ash lutar.
Mas, Ash estava longe de ser espancado. Ele rodou para longe dos Pucks, sua espada como um borrão, enquanto ele esquivava-se e defendia-se, girando de um ataque para o próximo. Ele abaixou sob a guarda de um oponente, rasgando sua espada para cima, e deslizando claramente através do estômago do Puck. E o doppelgänger[65] se dividiu em dois, transformando-se em vários pedaços que caíram. Ash rodou para encontrar o Puck correndo para seu lado. Sua espada rodopiou, e a cabeça do Puck caiu de seus ombros antes de reverter em um galho. O último Puck atacou o príncipe pelas costas, adaga levantada alta. Ash nem mesmo se virou, mas colocou sua lâmina para trás, apontada para cima. O ataque do Puck levou-o dentro da lâmina e dirigiu-o através se seu estômago, o ponto irrompeu em suas costas. O príncipe arrancou sua espada sem se virar, e um galho quebrado caiu na neve.
Ash abaixou sua espada, olhando em volta cautelosamente. Seguindo seu olhar, eu deu uma olhada. Puck tinha desaparecido, puxando Grimalkin enquanto estávamos distraídos. Imediatamente cauteloso, o príncipe da Winter examinou o jardim, deslocando-se para frente com sua espada elevada. Seu olhar foi para mim, e eu fiquei tensa, mas ele me indeferiu muito rapidamente, pisando sob os galhos de um pinheiro congelado.
Enquanto Ash pisava sob os ramos, alguma coisa voou da neve, rosnando. O príncipe se esquivou, a faca por pouco o errando, e Puck desequilibrou, tropeçando para frente. Com um rosnado, Ash dirigiu a ponta da espada através das costas de Puck e para fora de seu peito, fixando-o no chão.
Eu gritei, mas quanto eu gritei, o corpo sumiu. Por um pequeno segundo, Ash olhou para o pedaço de folha na ponta de sua espada, então jogou-se para o lado enquanto alguma coisa desceu de uma árvore, punhal brilhando na luz.
A risada de Puck soou enquanto Ash rolava sobre seus pés, agarrando seu braço. Sangue escoando entre seus dedos pálidos. — Quase lento demais dessa vez, príncipe — Puck zombou, balançando o punhal em dois dedos. — Realmente, é o truque mais velho no livro. Eu sei, por que eu escrevi o livro. Eu tenho mais de um milhão de truques, se você quiser continuar a brincar.
—Eu estou ficando cansado de lutar com cópias — Ash se endireitou, baixando sua mão. —Eu acho que honra não é tão predominante na Corte Seelie como eu pensava. Você é o Puck real, ou ele é tão covarde para me enfrentar?
Puck considerou o desdém, antes de esvoaçar em nada. Outro Puck saiu de trás de uma árvore, um desagradável sorriso em seu rosto.
—Tudo bem, então, príncipe — ele disse, sorrindo enquanto se aproximava. —Se é isso o que você quer, eu irei matá-lo do modo antigo. — E então, eles voaram um para o outro novamente.
Eu assisti a batalha, meu coração em minha garganta, desejando que eu pudesse fazer alguma coisa. Eu não queria que nenhum deles morresse, mas eu não tinha idéia de como Pará-los. Gritar ou correr entre eles, parecia como uma má idéia; um poderia estar distraído, e o outro não iria desperdiçar tempo para terminar com o outro. Um desespero agitou meu estômago. Eu não tinha percebido que Puck era tão sanguinário, mas o louco brilho em seus olhos me disse que ele iria matar o príncipe da Winter, se ele pudesse.
Eles tinham uma história, eu percebi, assistindo Ash cortar viciosamente o rosto de Puck, por pouco errando quando seu oponente mergulhou. Alguma coisa aconteceu entre eles, para fazer um odiar o outro. Eu me perguntei se eles já foram amigos.
Minha pele formigou, um estranho arrepio além do frio. Sobre o tinir e o guinchar dos metais, eu ouvi algo a mais, um ruído fraco, como se mil insetos estivessem vindo em nossa direção.
—Corra! — A voz de Grimalkin me fez pular. Pegadas apareceram na neve, correndo na minha direção, e invisíveis garras arranharam contra a casca enquanto o felino fugiu para cima de uma árvore. —Alguma coisa está vindo! Esconda-se, rapidamente!
Eu olhei para Puck e Ash, ainda trancados no combate. O sussurro cresceu alto, acompanhado por uma risada estática e débil bem alta. Repentinamente, através das árvores, centenas de olhos brilhavam verdes elétricos na escuridão, nos cercando. Puck e Ash pararam de lutar e se separaram, finalmente conscientes que alguma coisa estava errada, mas era tarde demais.
Eles verteram sobre o chão como um tapete vivo, aparecendo de todos os lugares: pequenas criaturas de pele negra, com braços finos e compridos, orelhas grandes e sorrisos de navalha que brilharam num azul-branco na escuridão. Eu ouvi os rapazes chorarem em choque, e o berro de horror de Grimalkin enquanto ele fugiu mais para cima na árvore. As criaturas me viram, e eu não tive tempo de reagir. Eles pularam em mim como vespas furiosas, subindo pelas minhas pernas, arremessando—os sobre minhas costas. Eu senti garras cravarem dentro da minha pele, minhas orelhas encheram com altos zumbidos e risadas agudas, e eu gritei, batendo descontroladamente. Eu não podia ver, não sabia de qual maneira tinha sido. O peso de seus corpos me colocaram para baixo, e eu caí em uma apreensão de massas, se contorcendo. Centenas de mãos me levantando, como formigas carregando um gafanhoto, e começaram a me levar para longe.
—Puck! — Eu gritei, lutando para me libertar. Mas sempre que eu rolava fora de um grupo, uma dúzia mais escorregavam para seus lugares, me aguentando. Eu nunca toquei o chão. —Grimalkin! Ajude-me!
Seus choros pareciam distantes e longe. Carregada em um colchão vivo de zumbido, Eu deslizei rapidamente sobre o chão e sobre a esperada escuridão.
EU NÃO SEI QUANTO TEMPO ELES me carregaram. Quando eu me debatia, as garras que me apertavam deveriam cavar dentro da minha pele, transformando o colchão em uma cama de agulhas. Logo eu parei de me debater, e tentei me concentrar onde eles estavam me levando. Mas era difícil; sendo carregada pelas costas, a única coisa que eu claramente via era o céu. Eu tentei virar minha cabeça, mas as criaturas tinham suas garras afundadas em meu cabelo e eu não podia arrancá-las até que lágrimas se formassem em meus olhos. Resignei-me a ficar deitada, tremendo de frio, esperando para ver o que iria acontecer. O frio e a torturante preocupação exauriram-me... Eu permiti que meus olhos ficassem fechados, e encontrei consolo na escuridão.
Quando eu abri meus olhos novamente, o céu noturno tinha desaparecido, e substituído por um teto de gelo sólido. Eu percebi que nós estávamos viajando no subsolo. O ar ficava mais gelado quando o túnel abriu em uma magnífica caverna de gelo, brilhando com uma beleza, beleza de outro mundo. Grandes pingentes pingavam do teto, alguns maiores do que meu tamanho, e cruelmente afiados. Foi um pouco perturbador passar sob os espinhos eriçados, assistindo-os brilharem como lustres de cristais, rezando para que eles não caíssem.
Meus dentes bateram, e meus lábios estavam dormentes com o frio. Entretanto, enquanto viajávamos para dentro da caverna, o ar gradualmente ia aumentando. Um leve ruído ecoou através da baixa caverna: um rugido, som de sibilo, como vapor em um tubo quebrado. Água gotejava do teto em ribeiros agora, ensopando minhas roupas, e alguns dos afiados pingentes de gelo pareciam perigosamente instáveis.
O sibilar aumentava, pontuado com um grande urro de tosse e o irritante cheiro de fumaça. Agora eu vi que alguns dos pingentes tinham de fato caído, esmagado em pedaços no chão e brilhando como vidro quebrado.
Meus raptores trouxeram-me em uma grande caverna desarrumada com cacos quebrados de gelo. Poças impregnavam o chão, e água caia como chuva do céu. As criaturas me derrubaram no chão de gelo e saíram. Eu esfreguei meus dormentes membros doloridos, e olhei em volta, me perguntando onde eu estava. A caverna estava quase vazia, salva por uma caixa de madeira cheia de pedras pretas (carvão?) em um canto. Mais estavam empilhadas ao longo da outra parede, perto de uma arcada de madeira que conduzia para dentro da escuridão.
Um agudo apito, como uma máquina a vapor rosnando em uma estação, irrompeu do túnel, e fumaça preta saiu da entrada. Eu cheirei cinzas e enxofre, e então uma profunda voz ecoou através da caverna. —VOCÊS A TROUXERAM?
As criaturas se espalharam, e vários pingentes caíram no chão quase como uma rima musical. Eu mergulhei atrás de uma coluna de gelo enquanto o pesado passo de pés chiava abaixo do túnel. Através da fumaça, eu vi alguma coisa grande e grosseiramente distorcida, alguma coisa que definitivamente não era humano, e balancei em terror.
Um cavalo negro maciço emergiu da contorcida fumaça, olhos brilhando como brasas, chamejando vapor de suas narinas. Ele era tão grande quanto o cavalo que puxava o vagão Budweiser[66], mas ali a semelhança acabava. À princípio, eu pensei que ele era coberto por placas de ferro; sua pele era volumosa como metal, oxidada e preta, e ele se movia de forma desajeitada com o peso. Então, eu percebi que seu corpo era feito de ferro. Pistão e engrenagens projetavam-se de suas costelas. Sua crina e sua cauda eram de cabos de aço, e um grande fogo queimava em sua barriga, visível através das fendas na sua pele. Seu rosto era uma máscara assustadora quando se virou para mim, explodindo chamas de suas narinas.
Eu caí para trás, certamente eu iria morrer.
—VOCÊ É MEGHAN CHASE? — a voz do cavalo sacudiu o quarto. Mais pingentes cometeram suicídio, mas eles eram a última das minhas preocupações. Eu me aninhei para trás com medo, enquanto o monstro de ferro agigantava—se sobre mim, lançando sua cabeça e bufando chamas —ME RESPONDA, HUMANA. VOCÊ É MEGHAN CHASE, FILHA DO REI DE VERÃO?
—Sim. — Eu sussurrei enquanto o cavalo se movia para perto, cascos de ferro trituraram o gelo. —Quem é você? O que você quer de mim?
—EU SOU O IRONHORSE[67] — a besta respondeu —UMA DAS MÁQUINAS TENENTES DO REI. EU TE TROUXE AQUI POR QUE MEU SENHOR PEDIU ISSO. VOCÊ IRÁ VIR COMIGO PARA VER O REI IRON.
O vozeirão estava me dando dor de cabeça. Eu tentei me focar através do barulho na minha cabeça. —O Rei Iron? — Eu perguntei estupidamente. —Quem...?
—REI MACHINA — Ironhorse respondeu. —O SENHOR SOBERANO DA CORTE IRON, E GOVERNADOR DO IRON FEY.
Iron Fey?
Um calafrio deslizou até minha coluna. Eu olhei em volta, aos olhos de inúmeros monstros que pareciam do mal, e do enorme e maciço Ironhorse, eu me senti tonta com as implicações. Iron Fey? O que poderia ser isso? Em toda a história, poemas e jogos, eu nunca encontrei nada como isso. De onde eles vieram? E quem era essa máquina, governador do Iron Fey? Mais importante...
—O que ele quer comigo?
—NÃO É DO MEU CONHECIMENTO. — Ironhorse bufou, chicoteando sua cauda com um barulho. —EU APENAS OBEDEÇO. ENTRETANTO, VOCÊ DEVE SER INTELIGENTE PARA VIR CONOSCO, SE VOCÊ DESEJA VER SEU IRMÃO NOVAMENTE.
—Ethan? — Eu empurrei minha cabeça para mim, olhando a máscara sem expressão do Ironhorse. —O que você sabe sobre ele? — Eu exigi. —Ele está bem? Onde ele está?
—VENHA COMIGO, E TODAS AS SUAS QUESTÕES SERÃO RESPONDIDAS. A CORTE IRON E MEU SENHOR MACHINA ESPERAM.
Eu fiquei parada quando o Ironhorse virou, um som vindo em direção ao túnel. Seus pistões rangeram e as engrenagens reclamaram em voz alta, enquanto ele andava para frente. Ele era velho, eu percebi, assistindo um parafuso se afrouxar e cair no chão. Uma relíquia dos tempos passados. Eu me perguntei se existiam mais novos, modelos mais novos lá fora, e com o que eles pareciam. Mais rápidos, melhores, iron fey mais superiores. Depois de um momento, eu decidi que eu não queria saber.
Ironhorse parou na boca do túnel, impacientemente. Faíscas voaram de seus cascos quando ele olhou furioso para mim. —VENHA — ele ordenou, com uma explosão de vapor de suas narinas. —SIGA O TROD PARA A CORTE IRON. SE VOCÊ NÃO FOR ANDAR, OS GREMLINS IRÃO LHE CARREGAR. — Ele sacudiu sua cabeça e levantou-a, chamas saindo se seu focinho. —OU TALVEZ EU IREI CORRER ATRÁS DE VOCÊ, ESBAFORINDO FOGO...
Uma lança de gelo voou através do ar, atingindo o Ironhorse entre suas costelas, explodindo em vapor quando o fogo tomou conta dele. O cavalo gritou, um assobio estridente, e cascos rodopiando brilharam quando eles atingiram o gelo. Os gremlins deslizaram para frente, olhando freneticamente, em busca dos intrusos.
—Hey, feio! — Chamou uma voz familiar. —Belo lugar que você tem aqui! Aqui está uma consideração, no entanto. Da próxima vez, tente um esconderijo um pouco mais resistente para fogo do que uma caverna de gelo!
—Puck! — Eu chorei, e um elfo vermelho cabeludo acenou para mim, sorrindo do lado mais distante da caverna. Ironhorse gritou e atacou-o, gremlins se espalhando como pássaros quando ele caiu sobre Puck. Puck não se moveu, e a grande besta de ferro o chutou fracamente no gelo, atropelando-o com seus cascos de aço.
—Oh, isso parece doloroso — chamou outro Puck, um pouco mais para baixo. —Nós realmente precisamos falar sobre sua questão de controle da raiva.
Com um rugido, Ironhorse atacou o segundo Puck, movendo-se mais para longe de mim e da Trod. Os gremlins seguiram, rindo e sibilando, mas mantiveram uma distância razoável da besta e de seus cascos.
Uma mão gelada segurou minha mão, abafando o meu grito assustado. Eu virei para olhar dentro de uns olhos prateados brilhantes.
—Ash?
—Por aqui — ele disse em uma voz baixa, apertando a minha mão —enquanto o idiota os distrai.
—Não, espere — eu sussurrei, puxando para trás. —Eles sabem sobre Ethan. Eu tenho que achar meu irmão...
Ash estreitou seus olhos. —Hesite agora, e Goodfellow irá morrer. Além do mais... — ele estendeu e tocou minha mão novamente. —Eu não estou te dando uma opção.
Atordoada, eu segui o príncipe da Winter ao longo da parede da caverna, tão aturdida para perguntar o porquê que ele estava me ajudando. Ele não queria me matar? Esse resgate era apenas para me pegar sozinha para terminar o trabalho em paz? Mas isso não fazia nenhum sentido; Ele podia ter me matado enquanto Puck estava distraído com o Ironhorse.
—Olááááá — A voz de Puck ecoou mais baixo na caverna. —Desculpe, feio, o eu errado! Continue vindo, eu tenho certeza que você irá acertar da próxima vez!
Ironhorse olhou para cima do esmagado falso Puck no chão, olhos vermelhos com chamas de ódio. Vendo ainda outro Puck, ele tencionou os músculos de ferro para atacar, quando um dos gremlins nos viu fugindo ao longo da parede, e deu um grito de alarme.
Ironhorse rodou, olhos queimando quando eles cravaram em nós. Ash murmurou uma maldição. Com um rugido e uma explosão de chamas de suas narinas, ele atacou, caindo em cima de nós como o motor a vapor como foi nomeado. Ash extraiu sua espada e arremessou uma chuva de estilhaços de gelo no monstro. Eles quebraram sem causar danos em sua pele blindada, fazendo nada além de fazer ele ficar com mais raiva. Com um rugido, a massa de metal ardente desceu, Ash me empurrou para fora do caminho e mergulhou para frente, os cascos o errou por centímetros. Rolando em seus pés atrás do monstro, ele cortou o lado do cavalo, mas o Ironhorse mergulhou sua cabeça para baixo e o bateu nas costelas. Houve um barulho repugnante de algo quebrando, e Ash foi arremessado longe, dobrando-se no chão em um montinho.
Um bando de corvos gritando desceram sobre o Ironhorse antes que ele pudesse alcançar Ash no chão. Eles rodaram em cima da crina do cavalo, o bicando e arranhando, e o Ironhorse rosnou enquanto ele atacava o bando, explodindo-os em pedaços de cinzas. Ash cambaleou sobre suas pernas enquanto Puck aparecia ao nosso lado, agarrando minha mão.
—Hora de ir — Ele anunciou alegremente. —Príncipe, vamos indo ou fique para trás. Nós estamos saindo.
Nós corremos através da caverna, deslizando no gelo e na lama, os rugidos insanos do Ironhorse e dos assobios dos gremlins nos nossos calcanhares. Eu não ousei olhar para trás, A caverna balançou, e pingentes quebraram no chão em toda nossa volta, me enchendo com cacos afiados, mas nós continuamos andando.
Uma forma cinza difusa apareceu na nossa frente, rabo inclinado para cima. —Vocês a encontraram — Grimalkin disse, parando de olhar para Puck. —Idiota. Eu lhe disse para não brigar com a coisa cavalo.
—Não posso falar agora, estou um pouco ocupado no momento! — Puck arfou, enquanto nós voávamos passando pelo felino, continuando a descer o túnel. Grimalkin achatou suas orelhas e juntou-se a nós quando os gritos dos gremlins ricochetearam da parede. Eu podia ver a boca da caverna, gotejando com pingentes, e coloquei uma explosão de velocidade.
Ironhorse berrou, e um gelo afiado caiu há polegadas do meu rosto.
—Desmorone a caverna! — Grimalkin gritou, saltando ao nosso lado. —Traga o céu abaixo na cabeça deles! Faça isso! — Ele zuniu longe, através da entrada da caverna, e se foi.
Nós saímos da caverna momentos depois, ofegando e tropeçando na neve. Olhando para trás, eu vi dúzias de olhos verdes deslizando para frente, ouvindo o triturar dos cascos do Ironhorse enquanto ele nos seguia logo atrás.
—Vamos indo! — Ash gritou, e se virou. Fechando seus olhos, ele trouxe um punho sobre seu rosto e curvou sua cabeça. Os gremlins pularam na direção dele, e o brilho vermelho do Ironhorse apareceu, chamas escorrendo na escuridão.
Ash abriu seus olhos e arremessou uma mão.
Um estrondo baixo balançou o chão, e a caverna tremeu. Grandes pedaços de pingente estremeceram, balançando para trás e para frente. Quando os gremlins chegaram na boca da caverna, o céu inteiro caiu com um rosnado e um som como vidros se quebrando. Os gremlins gritaram enquanto eles eram esmagados sob várias toneladas de gelo e rocha, e o consternado Ironhorse subiu sob a cacofonia.
O barulho parou, e o silêncio caiu. Ash, parado há dois pés (60cm) da parede sólida de gelo de vedação da caverna, caiu na neve.
Puck agarrou meu braço quando eu me lancei para frente. —Whoa, whoa, princesa — ele disse enquanto eu tentava me libertar. —O que você pensa que está fazendo? No caso de ter esquecido, o príncipe é o inimigo. Nós não ajudamos o inimigo.
—Ele está machucado.
—Mais uma razão para nós sairmos.
—Ele salvou nossas vidas!
—Tecnicamente, ele salvou sua própria vida — Puck respondeu ainda não me deixando ir. Eu o empurrei com força, e ele finalmente me soltou. —Olhe, princesa — ele suspirou enquanto eu olhava para ele. —Você acha que Ash irá ser bonzinho agora? A única razão para ele ter ajudado, a única razão dele ter concordado com uma trégua, era que ele poderia te levar para Mab. Ela quer você viva, para lhe usar como arma contra Oberon. Essa foi a única razão para ele ter vindo. Se ele não estivesse machucado, ele iria tentar me matar aqui.
Eu olhei para Ash, deitado sem se mexer na neve. Flocos manchando seu corpo, em breve eles deveriam o cobrir completamente. —Nós simplesmente não podemos deixar ele aqui para morrer.
—Ele é um príncipe da Winter, Meghan. Ele não irá congelar até a morte, confie em mim.
Eu franzi a testa para ele. —Você é tão mal quanto eles são. — Ele piscou, assustado, e eu me virei para longe dele. —Eu irei ver se ele está bem, pelo menos. Venha ou saia do meu caminho.
Puck jogou suas mãos. —Ok, princesa. Irei ajudar o filho da Mab, eterno inimigo da nossa corte. Mesmo que ele provavelmente irá enfiar a espada nas minhas costas no segundo em que minha guarda estiver abaixada.
—Eu não me preocuparia com isso — Ash murmurou, levantando lentamente seu pé. Uma mão agarrando sua espada; o outro braço estava envolvido em volta de suas costelas. Ele balançou a neve de seu cabelo e elevou sua espada. —Nós podemos continuar agora, se você quiser.
Sorrindo, Puck puxou seu punhal. —Eu ficaria emocionado. — Ele murmurou, dando um passo para frente. —Isso não irá ser demorado.
Eu me joguei entre eles.
—Parem! — Eu sibilei, olhando para os dois. —Parem com isso agora! Coloquem suas armas para cima, os dois! Ash, você não está em condição para lutar, e, Puck, se envergonhe, concordando em lutar com ele enquanto ele está obviamente machucado. Sente-se e cale a boca.
Eles piscaram para mim, espantados, mas lentamente abaixando suas armas. Uma risada abafada correu dos ramos de uma árvore, e Grimalkin apareceu, balançado seu rabo com alegria.
—A filha de Oberon afinal de contas — ele falou, mostrando seus dentes em um sorriso felino. —A Rainha Titania estaria orgulhosa.
Puck deu de ombros e desabou sobre um tronco, cruzando seus braços e pernas. Ash continuou em pé, me assistindo com uma expressão ilegível. Ignorando Puck, eu andei para ele. Seus olhos estreitaram, e ele ficou tenso, levantando sua espada, mas eu não estava com medo. Pela primeira vez, desde que eu vim aqui, eu não estava com medo afinal de contas.
—Príncipe Ash. — Eu murmurei, indo para perto. —Eu proponho que façamos um acordo.
Surpresa tremeu através de seu rosto.
—Nós precisamos de sua ajuda. — Eu continuei, olhando diretamente para seus olhos. —Eu não sei o que essas coisas são, mas eles se chamaram de iron fey. Eles também mencionaram alguma coisa chamada Machina, o Rei Iron. Você sabe o que é isso?
—O Rei Iron? — Ash balançou sua cabeça. —Não existe nenhum desse nome nas cortes. Se esse Rei Machina existe, ele é um perigo para nós todos. Ambas as cortes irão querer saber sobre ele e esses... iron fey.
—Eu preciso achá-lo. — Eu disse, forçando tanta determinação na minha voz quanto eu podia. —Ele está com meu irmão. Eu preciso que você nos ajude a escapar do território Unseelie e encontre a Corte do Rei Iron.
Ash elevou uma sobrancelha. —E por que eu faria isso? — Ele perguntou suavemente. Não zombando, mas sério.
Eu engoli. —Você está ferido. — Eu apontei, segurando seu olhar. —Você não irá ser capaz de me pegar à força, não com a grande vontade de Puck de enfiar uma faca em suas costelas. — Eu olhei de volta para Puck, mau humorado no tronco, e abaixei minha voz. —Essa é minha oferta. Se você me ajudar a encontrar meu irmão e o deixar ir com segurança para casa, então eu irei com você para a Corte Unseelie. Sem uma luta, minha ou de Puck.
Os olhos de Ash brilharam. —Ele significa tanto assim para você? Você trocaria sua liberdade pela segurança dele?
Eu respirei profundamente e concordei. —Sim. — A palavra pairava no ar entre nós, e eu me apressei antes que eu pudesse voltar atrás. —Então, temos um acordo?
Ele inclinou sua cabeça, como se ainda estivesse tentando descobrir o quebra-cabeça. —Não, Meghan Chase. Nós temos um contrato.
—Bom. — Minhas pernas tremeram. Eu andei para longe dele, precisando sentar antes de cair. —E não tente matar Puck, também.
—Isso não faz parte do contrato — Ash disse, antes de fazer uma careta e afundar seus joelhos e braços em sua volta. Sangue escuro pingava entre seus lábios.
—Puck! — Eu chamei, me virando para olhar para o faery na tora. —Saia daí e ajude.
—Oh, estamos brincando de bem agora? — Puck permaneceu sentado, parecendo com nada além de condescendente. —Devemos tomar uma xícara de chá primeiro? Fazer um bonito pote de não-enche-meu-saco?
—Puck! — Eu gritei em desespero, mas Ash levantou sua cabeça e olhou para seu inimigo.
—Trégua, Goodfellow — ele gritou. —A casa Chillsorrow é há algumas milhas à leste daqui. No momento, a senhora da casa está longe da corte, então estaremos seguros lá. Eu sugiro que nós adiemos nosso duelo até nós chegarmos, e a princesa ficar longe do frio. A menos que você queria me matar agora.
—Não, não. Podemos nos matar mais tarde. — Puck saiu da tora e se levantou, colocando seu punhal dentro de sua bota. Colocando o braço do príncipe sobre seus ombros, ele empurrou-o para seus pés. Ash grunhiu e ofegou seus lábios mas não chorou. Eu olhei para Puck. Ele me ignorou.
—Lá vamos nós. — Puck suspirou. —Você vem, Grimalkin?
—Oh, definitivamente. — Grimalkin aterrissou com um suave barulho na neve. Seus olhos dourados, cheios de diversão, consideração e conhecimento. —Eu não irei perder isso por nada no mundo.
O oráculo
A casa Chillsorrow fazia jus a seu nome[68]. Do lado de fora, da grande propriedade, estava coberto por gelo, o gramado estava congelado, as numerosas árvores com espinhos estavam revestidas por água cristalizada. Dentro, não era muito melhor. As escadas eram escorregadias, o chão lembrava pistas de gelo, e minha respiração pairava no ar, enquanto fazíamos o nosso caminho através dos corredores estreitos e frios. Pelo menos os funcionários eram úteis, embora extremamente assustadores; gnomos esqueleticamente magros, com pele branca, e dedos longos, longos, deslizavam silenciosamente em volta da casa, sem dizer uma palavra. Seus olhos pretos sem pupila pareciam muito grandes para seus rostos, e eles tinham o hábito desanimador de olhar para você melancolicamente, como se você tivesse uma doença fatal e não tivesse muito tempo no mundo.
Mas, eles nos convidaram para dentro da casa, inclinando respeitosamente para Ash, fazendo-o confortável em um dos quartos. O frio cortante não afetava o príncipe da Winter, embora eu estivesse tremendo e com dentes batendo, até um dos serventes me oferecer uma colcha grossa, e sair sem dizer uma palavra.
Agarrando a colcha com gratidão, eu olhei para dentro do quarto onde Ash estava na cama rodeado por gnomos ice. Ele estava sem camisa, mostrando seus magros braços e peito musculoso. Ele foi criado mais como um dançarino ou um lutador de arte marcial, do que um fisiculturista, a graça da estrutura elegante de um humano, simplesmente, não poderia se igualar. Seu cabelo preto despenteado caía em seus olhos, e ele distraidamente jogou-o para fora de seu rosto.
Meu estômago estremeceu estranhamente, e eu voltei para o corredor. O que você está fazendo? Eu me perguntei, horrorizada. Esse era Ash, príncipe da Corte Unseelie. Ele tentou matar Puck, e ele pode tentar te matar, também. Ele não é sexy. Ele não é.
Mas ele era, extremamente, e era inútil negar. Meu coração e meu cérebro estavam em desacordo, e eu sabia que deveria chegar a um acordo com rapidez. Ok, legal, eu disse para mim mesma, ele é deslumbrante, eu tinha que admitir. Eu estou apenas reagindo pela sua boa aparência, isso é tudo. Todos os sidhe eram deslumbrantes e belos. Isso não significava nada.
Com esse pensamento para me fazer boiar, eu andei de volta para o quarto.
Ash olhou para cima enquanto eu me aproximava, a colcha enrolada em volta dos meus ombros. Um par de gnomos estavam enrolando curativos em seu torso, mas acima de seu estômago, eu pude ver um vergão preto de raiva.
—É ai onde...
Ash acenou uma vez. Eu continuei olhar para isso, observando como a carne estava enegrecida e formando uma cicatriz. Eu estremeci e olhei para longe.
—Parece queimado.
—Os cascos da criatura eram feitos de ferro — Ash respondeu. —Ferro tende a queimar, quando não mata inteiramente. Eu tive sorte que o golpe não pegou meu coração. — Os gnomos apertaram os curativos e ele estremeceu.
—Quão ruim está seu ferimento?
Ele me deu um olhar avaliador. —Os fey se curam mais rápido do que vocês mortais — ele respondeu, e levantou graciosamente seus pés, dispensando os gnomos. —Especialmente se nós estamos dentro de nosso próprio território. Exceto por isso... — ele tocou levemente o ferro queimado em suas costelas —...eu devo estar melhor amanhã.
—Oh. — Eu estava sem respirar, repentinamente incapaz de tirar meus olhos dele. —Isso é... bom, então.
Ele sorriu, então, com um gesto frio e sem graça, ele se aproximou.
—Bom? — Sua voz era zombeteira. —Você não deveria desejar pela minha saúde, princesa. Isso deveria ter sido mais fácil para você, se Puck tivesse me matado quando ele teve a chance.
Eu resisti à urgência de andar para longe dele. —Não, não deveria. — Sua sombra pairou sobre mim, formigando minha pele, mas eu permaneci onde estava. —Eu preciso de sua ajuda, para sair do território Unseelie e para encontrar meu irmão. Além do mais, eu não poderia deixá-lo matar você a sangue frio.
—Por que não? — Ele estava muito perto agora, tão perto que eu podia ver a pálida cicatriz em seu peito. —Ele parece muito leal à você. Talvez você espere até que nós deixemos Tir Na Nog para ele me apunhalar pelas costas? O que aconteceria se nós lutássemos novamente, e eu o matasse?
—Pare com isso. — Eu olhei para ele, encontrando seus olhos. —Por que você está fazendo isso? Eu dei à você, a minha palavra. Por que você está fazendo isso agora?
—Apenas quero ver como você se coloca, princesa. — Ash voltou um passo, não mais sorrindo. —Eu gosto de ter um sentimento pelos meus inimigos antes que entremos em um combate. Ver quais são suas forças e seus medos.
—Nós não estamos em combate...
—Combate não têm que ser com espadas. — Ash andou de volta para a cama, extraindo sua lâmina e analisando o comprimento brilhante. —As emoções podem ser uma arma mortífera, e conhecendo o ponto de fraqueza de seus inimigos pode ser a chave para vencer a batalha. Por exemplo... — ele se virou e apontou a espada, me olhando abaixo da borda polida. —Você faria qualquer coisa para encontrar seu Irmão, se colocar em perigo, negociar com inimigos, dar a sua própria liberdade, se isso significar salvá-lo. Você provavelmente iria fazer o mesmo pelos seus amigos, ou alguém com quem você se preocupa. Sua lealdade pessoal é seu ponto de fraqueza, e seus inimigos certamente irão usar isso contra você. Esse é seu defeito, princesa. Esse é o mais perigoso aspecto em sua vida.
—Então o quê? — Eu desafiei, puxando a colcha mais apertada em volta de mim. —Tudo o que você está me dizendo é que eu não irei trair meus amigos e familiares. Se essa é uma fraqueza, essa é uma que eu quero.
Ele me considerou com os olhos brilhando, a expressão em seu rosto ilegível. —E, se a escolha está entre salvar seu irmão e me deixar morrer, qual você escolheria? A resposta deveria ser óbvia, mas você poderia fazer isso?
Eu mastiguei meus lábios e permaneci em silêncio. Ash assentiu lentamente e se virou. —Eu estou cansado. — Ele disse, sentando na cama. —Você deve encontrar Puck e decidir onde nós iremos depois daqui. A não ser, é claro, que você saiba onde fica a Corte do Machina. Eu não sei. Se eu irei lhe ajudar, eu preciso descansar.
Ele deitou e colocou um braço sobre seus olhos, me dispensando. Eu andei para trás e deixei o quarto, dúvidas sombrias rodando em volta da minha cabeça.
No corredor eu encontrei Puck, inclinado contra a parede com seus braços cruzados. —Então, como vai o maravilhoso príncipe? — Ele zombou, empurrando para longe da parede. —Ele irá sobreviver à sua provocação para lutar outro dia?
—Ele está bem — Eu murmurei, enquanto Puck andava ao meu lado. —Ele ganhou um queimadura desagradável onde o cavalo o chutou, e eu acho que suas costelas estão quebradas, mas ele não quer dizer.
—Desculpe se meu coração não sangra por ele — Puck respondeu, rolando seus olhos. —Eu não sei como você conseguiu a ajuda dele, princesa, mas eu não confiaria nele além do que eu poderia derrubá-lo. Acordos com a Corte Winter são uma má notícia. O que você prometeu para ele?
—Nada — Eu disse, sem encontrar com seus olhos. Eu podia sentir seu olhar incrédulo, e parti para a ofensiva de o distrair. —Olhe, qual é seu negócio com ele, de qualquer jeito? Ele disse que você o esfaqueou nas costas uma vez. O que aconteceu para isso?
—Isso... — Puck hesitou, e eu pude ver que eu bati em uma ferida. —Isso foi um erro — ele falou em uma voz calma. —Eu não quis dizer por que isso aconteceu. — Ele se balançou, e a auto-dúvida desapareceu, substituído por um sorriso irritado. —De qualquer forma, isso não importa. Eu não sou o cara mau aqui, princesa.
—Não. — Eu admiti. —Você não é. Mas eu vou precisar dos dois para me ajudar a ter Ethan de volta. Especialmente agora. Especialmente desde que esse Rei Iron me quer tão mal. Você sabe alguma coisa sobre ele?
Puck ficou atento. —Eu nunca escutei sobre ele antes — ele murmurou enquanto nós entramos na sala de jantar. Uma longa mesa estava no centro da sala, com uma magnífica escultura de gelo como peça central. Grimalkin agachou na mesa com sua cabeça em uma tigela, comendo alguma coisa que cheirava fortemente a peixe. Ele olhou para cima quando nós entramos, lambendo suas garras com uma brilhante língua rosa.
—Ouviu falar de quem antes?
—Rei Machina. — Eu puxei uma cadeira e sentei, descansando meu queixo nas minhas mãos. —Essa coisa cavalo — Ironhorse — chamava-o de governador da iron fey.
—Hmm. Eu nunca ouvi falar sobre ele. — Grimalkin colocou sua cabeça de volta na tigela, mastigando alto. Puck sentou ao meu lado.
—Não parece possível. — Ele murmurou, olhando minha pose com seu queixo em suas mãos. —Iron fey? Isso é blasfêmia! Isso vai contra tudo o que conhecemos. — Ele tocou seus dedos na sua testa, estreitando seus olhos. —E ainda, Ironhorse era definitivamente mais fey. Eu pude sentir isso. Se existem mais como ele e aquelas coisas gremlin, Oberon deve ser informado imediatamente. Se esse Rei Machina trouxer seu iron fey contra nós, ele poderá destruir as cortes antes de nós sabermos como matá-los.
—Mas você não sabe nada sobre ele — Grimalkin disse, sua voz ecoando dentro da tigela. —Você não tem nem idéia de onde ele está, quais são seus motivos, quantos iron fey na realidade estão lá fora. O que você iria falar para Oberon agora? Especialmente desde que você tem...ahã...caído em desgraça por desobediência.
—Ele está certo — eu disse. —Nós devemos descobrir mais sobre esse Machina antes de falarmos para as Cortes. E se eles decidirem enfrentá-lo agora? Ele pode lutar de volta, ou ele pode ir para um esconderijo. Eu não posso me arriscar a perder Ethan.
—Meghan...
—Sem falar com as Cortes. — Eu disse firmemente, olhado em seus olhos. —E ponto final.
Puck suspirou e me jogou um sorriso invejoso. —Ok, princesa — ele disse, levantando suas mãos. —Iremos fazer isso do seu jeito.
Grimalkin abafou o riso dentro de sua tigela.
—Então, como iremos achar esse Machina, de qualquer forma? — Eu perguntei, expressando a questão que veio me incomodando toda a noite. —A única trod para seu reino está enterrada sob uma tonelada de gelo. Onde vamos começar a procurar por ele? Ele pode estar em qualquer lugar.
Grimalkin levantou sua cabeça. —Eu devo conhecer alguém que deve nos ajudar — ele ronronou, deslizando seus olhos. —Um oráculo das sortes, vivendo dentro de seu mundo. Muito velho, mais velho até do que o Puck. Mais velho do que Oberon. Quase tão velho quanto um gato. Se alguém pode falar para você onde esse Rei Iron deve estar, deve ser ele.
Meu coração saltou. Se esse oráculo pudesse me dizer alguma coisa sobre o Rei Iron, talvez ele pudesse me dizer onde meu pai está, também. Não deveria doer perguntar.
—Eu pensei que ele tinha morrido — Puck disse. —Se é o mesmo oráculo que eu estou pensando, ele sumiu anos atrás.
Grimalkin bocejou e lambeu seus bigodes. —Não morto — ele respondeu. —Dificilmente morto. Mas ele muda seu nome e aparência muitas vezes. Ele gosta de manter um perfil curto, você sabe.
Puck franziu a testa, unindo suas sobrancelhas. —Então como é que você se lembra dele?— ele exigiu, soando indignado.
—Eu sou um gato — Grimalkin ronronou.
EU NÃO DORMI MUITO BEM AQUELA NOITE. As inúmeras colchas não me protegeram muito bem do frio incessante; que penetrava em qualquer buraquinho que pudesse encontrar, levando para fora o calor com os dedos congelados. Alem disso, Grimalkin dormiu em cima de mim sob os cobertores, com seu corpo peludo, um quentinho abençoado, mas ele mantinha suas garras cravadas na minha pele. Perto do amanhecer, antes de ser empurrada para ser acordada mais uma vez, eu levantei, enrolei uma colcha em volta dos meus ombros, e sai para procurar Puck.
Ao invés dele, eu encontrei Ash na sala de jantar, praticando manobras com a espada pela luz cinzenta do amanhecer. Seu corpo magro e afinado deslizava sobre os azulejos, espada varrendo graciosamente através do ar, olhos fechados em concentração. Eu parei na porta e o assisti por alguns minutos, incapaz de desviar meu olhar. Era uma dança, bela e hipnótica. Eu perdi a noção do tempo em que eu fiquei parada assistindo-o, e teria ficado feliz a manhã inteira lá, quando ele abriu os olhos e me viu.
Eu rangi e me ajeitei culpadamente. —Não se preocupe comigo — eu disse enquanto ele relaxava em sua posição. —Eu não queria interromper. Por favor, continue.
—Eu acabei, de qualquer jeito. — Guardando sua espada, ele me considerou solenemente. —Você precisa de alguma coisa?
Eu percebi que eu estava olhando e ficando vermelha, virando meus olhos para longe. —Hum, não. Isso é... eu estou feliz que você esteja se sentindo melhor.
Ele me deu um sorriso pequeno e estranho. —Eu tenho que estar no meu melhor estado se eu irei matar coisas para você, certo?
Eu fui salva de responder quando Puck entrou, zumbindo, carregando uma tigela de estranhas frutas douradas, todas do tamanho de uma bola de golfe. —Bom dia, princesa — ele disse com sua boca cheia, colocando a tigela na mesa. —Olhe o que eu encontrei.
Ash piscou. —Você está invadindo o celeiro agora, Goodfellow?
—Eu? Roubando? — Puck deu um sorriso desonesto e colocou outra fruta na boca. —Na casa de um antigo inimigo? O que lhe faz pensar assim? — Ele colheu outra fruta e me atirou com um piscar de olhos. Era quente e macia, e tinha a textura de uma pêra madura.
Grimalkin saltou sobre a mesa e inalou. —Summerpod — ele afirmou, envolvendo seu rabo em volta de si. —Eu não acho que elas cresçam nos territórios Winter. — Ele virou-se para mim com uma expressão séria. —Melhor não comer muito dessas — ele avisou. —Eles fazem o vinho faery aqui. Seu lado humano pode não se adaptar muito bem.
—Oh, deixe-a tentar uma — Puck bufou, rolando seus olhos. —Ela tem estado em Faery tempo o suficiente para comer nossa comida. Não irá transformá-la em um rato ou alguma coisa assim.
—Onde estamos indo? — Ash questionou, soando entediado conosco. —Vocês fizeram um plano para encontrar o Rei Iron, ou vamos desenhar metas nas nossas costas, e andar em círculos até que ele apareça?
Eu mordi a fruta, e um calor inundou minha boca. Eu engoli, e encheu meu corpo inteiro, colocando o frio para fora. A colcha estava sufocante e quente; Eu a coloquei em uma das cadeiras e engoli o resto da fruta em uma mordida.
—Você está muito ansioso para ajudar — Puck falou pausadamente, inclinando-se para trás contra a mesa. —E neste ponto, eu estava me preparando para um duelo como a primeira coisa da manhã. Por que mudou o seu coração, príncipe?
Os efeitos da summerpod estavam terminando; o frio formigou meus braços, e minhas bochechas doeram. Ignorando o brilhante aviso de Grimalkin, Eu apanhei outra fruta e o coloquei dentro da minha boca como Puck tinha feito. Maravilhoso e delicioso calor vagou por mim, e eu suspirei em prazer.
O contorno borrado de Ash no canto enquanto ele olhava para Puck. —Sua princesa e eu fizemos um negócio — ele disse. —Eu concordei em ajudá-la a encontrar o Rei Iron, embora eu não me preocupe com os detalhes. Enquanto eu defendo o meu contrato, e isso não o envolve de qualquer jeito. Eu apenas prometi ajudá-la.
—O que significa que nós ainda estamos livre para duelos em outra hora que quisermos.
—Exatamente.
A sala balançou levemente. Eu cai em uma cadeira e agarrei outra summerpod da tigela, empurrando a coisa inteira na minha boca. Novamente, eu senti aquela maravilhosa corrida de calor e impetuosidade. Em algum lugar distante, Puck e Ash estavam envoltos em uma conversa perigosa, mas eu não poderia me importar. Pegando a borda da tigela, eu puxei a coisa toda para mim e comecei as mastigar como se fossem bala.
—Bem, por que esperar? — Puck soava ansioso. —Nós podemos ir lá para fora agora mesmo, Sua Alteza, e acabar logo com isso.
Grimalkin suspirou alto, interrompendo a conversa. Ambos os faeries viraram e o olharam. —Tudo isso é muito fascinante — Grimalkin disse, sua voz censurando em minha orelha —mas ao invés de posar e riscar o chão, pavões no cio, talvez vocês deveriam olhar para a garota.”
Ambos me olharam, e os olhos de Puck ficaram grandes. —Princesa! — ele latiu, saltando sobre a tigela e a tirando dos meus dedos apertados. “Você não está pretensa a... Nem todos eles... Quantos desses você comeu?
—O tanto quanto você, Puck. — A voz de Ash veio de uma grande distância, e a sala começou a girar. —Oferecer uma prova do vinho faery, e agir com surpresa quando ele for consumido.
Isso me pareceu divertido, e eu cai em risadas histéricas. E uma vez que eu comecei, eu não pude parar. Eu ri até que estava arfando por respiração, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Meu pé coçou e minha pele arrepiou. Eu precisava me mover, fazer alguma coisa. Eu tentei ficar em pé, esperando rodar e dançar, mas a sala inclinou violentamente e eu cai, ainda rindo.
Alguém me pegou, tirando-me de meus pés e me colocando dentro de seus braços. Eu cheirei geada e inverno, e escutei um exasperado suspiro de algum lugar acima da minha cabeça.
—O que você está fazendo, Ash? — Eu ouvi alguém perguntar. Uma voz familiar, embora eu não pude lembrar de seu nome, ou por que ele soava tão desconfiado.
—Eu estou a levando de volta para seu quarto. — A pessoa acima de mim soava maravilhosamente calma e sincera. Eu suspirei e me senti segura em seus braços. —Ela vai ter que dormir para os efeitos da fruta passar. Nós provavelmente iremos ficar aqui outro dia por causa da sua idiotice.
Outra voz disse alguma coisa alterada e inteligível. Eu estava de repente tão cansada e tonta para me importar. Relaxando contra o peito da pessoa misteriosa, eu cai dentro de um sono violento.
EU ESTAVA EM UM QUARTO ESCURO, rodeada por máquinas. Cabos de aço tão grossos quanto meu braço suspendia em cima da minha cabeça, computadores do tamanho da casa revestiam a parede, piscando com um milhão de flashes de luzes, e milhares de televisões quebradas, antigos PCs, jogos consoles fora de moda e VHS players deitados estavam no acervo e amontoados por toda a sala. Arames cobriam tudo, contorcidos e arrastados ao longo das paredes, sobre a montanha de tecnologias esquecidas, caídos em pedaços emaranhados do teto. Um alto arranhado encheu a área fazendo o chão vibrar e meu dente zumbir.
—Meggie.
O sufocante sussurro veio atrás de mim. Eu me virei para ver uma forma pequena suspensa nos fios. Eles estavam enrolados em volta de seus braços, peito e pernas, segurando-o de braços abertos perto do teto. Com horror, eu vi uma das cordas perfurado-o, colocado dentro de seu rosto, pescoço e testa como tomada elétrica. Ele balançava levemente, olhos azuis me implorando.
—Meggie — Ethan sussurrou, como se alguma coisa grande e monstruosa elevou-se atrás dele. —Salve-me.
Eu me arremessei para a posição vertical, a imagem de Ethan balançando nos fios queimando na minha mente. Grimalkin pulou longe com um uivo, garras afiadas afundaram no meu peito enquanto ele fugia. Eu mau as senti. Arremessando as cobertas de lado, eu corri para a porta.
Uma forma escura elevou de uma cadeira contra a parede, me interceptando enquanto eu tentava sair. Ele capturou a parte de cima do meu braço, me segurando enquanto eu lutava com ele. Tudo que eu podia ver era o rosto de Ethan contorcido em agonia morrendo na minha frente.
—Vamos lá! — Eu gritei, empurrando meu braço livre e tentando ferir os olhos do meu oponente. —Ethan está lá fora! Eu tenho que o salvar! Deixe-me ir!
—Você nem mesmo sabe onde ele está. — Uma mão capturou meu pulso fino e o prendeu em seu peito. Olhos prateados olhavam dentro dos meus olhos enquanto ele me balançou uma vez. —Me escute! Se você for atacar lá fora sem um plano, você irá nos matar e seu irmão irá morrer. É isso o que você quer?
Eu cedi contra ele. —Não — eu sussurrei, toda a luta saiu de mim. Lágrimas jorraram, e eu sacudi com o esforço para mantê-las presas. Eu não podia ser fraca, não mais. Se eu estava tendo alguma esperança de salvar meu irmão, eu não poderia ficar em um canto e chorar. Eu tinha que ser forte.
Com uma respiração trêmula, eu me arrumei e enxuguei meus olhos. —Desculpe-me. — Eu sussurrei, embaraçada. —Eu estou bem agora. Sem mais piração, eu prometo.
Ash ainda segurava minha mão, gentilmente eu tentei puxar de volta, mas ele não estava deixando. Eu olhei para cima e encontrei seu rosto a centímetros do meu, seus olhos ardentemente brilhando nas sombras do quarto.
O tempo congelou ao nosso redor. Meu coração parou um pouco, e então pulou alto e mais rápido do que antes. A expressão de Ash era vazia; não mostrava nada em seu rosto ou em seus olhos, mas seu corpo tinha ido muito além. Eu sabia que eu estava enrubescendo como um motor de fogo. Seus dedos vieram e gentilmente limparam a lágrima na minha bochecha, enviando um formigamento através da minha pele. Eu tremi, assustada com a crescente pressão entre nós, precisando quebrar a tensão.
Eu lambi meus lábios e sussurrei —É aqui onde você diz que irá me matar?
Um canto de seus lábios curvou. —Se você quiser — ele murmurou, uma centelha de divertimento finalmente cruzando seu rosto. —Embora tenha ficado muito interessante para isso.
Soou sons de passos do outro lado do corredor, e Ash moveu—se para longe, deixando minha mão. Ele cruzou seus braços e inclinou contra a parede quando Puck entrou, Grimalkin trotando preguiçosamente atrás dele.
Eu dei um furtivo e profundo suspiro e desejei que meu rosto vermelho não aparecesse nas sombras. Puck lançou a Ash um olhar suspeito antes de olhar para mim. Um tímido sorriso cruzou seus lábios.
—Er, como você está se sentindo, princesa? — Ele perguntou, colocando ambas as mãos atrás de sua cabeça, um sinal claro de que ele estava nervoso. —Aquelas frutas summerpod te encheram completamente como ponche, não foi? Hey, pelo menos elas não são bristlewort[69]. Você teria passado o resto da noite como um porco—espinho.
Eu suspirei, sabendo que isso era o mais perto de um pedido de desculpas que eu iria receber. —Eu estou bem. — Eu disse, rolando meus olhos. —Quando nós partimos?
Puck piscou, mas Ash respondeu como se nada tivesse acontecido. —Hoje à noite — ele disse, vindo da distante parede, esticando-se como uma pantera. —Nós perdemos muito tempo aqui. Eu presumo que o cait sith sabe o caminho para o oráculo?
Grimalkin bocejou, mostrando as presas e a brilhante língua rosa. —Obviamente.
—O quão longe é? — Eu perguntei.
O gato olhou de mim para Ash e ronronou conscientemente. —O oráculo vive no mundo humano — ele disse —em uma grande cidade que fica abaixo do nível do mar. A cada ano, pessoas se vestem em trajes e fazem um enorme vexame. Eles dançam, comem, e jogam dinheiro para outros removerem suas roupas.
—Nova Orleans. — Eu disse, franzindo o cenho. —Você está falando de Nova Orleans. — Eu gemi, pensando sobre o que seria necessário para chegar lá. Nova Orleans era a cidade mais perto da nossa pequena e apertada cidade caipira, mas ainda era uma boa viagem. Eu sabia, por que eu tinha fantasiado dirigir para a próxima cidade mística quando eu finalmente tivesse minha licença. —Isso é há centenas de milhas! — Eu protestei. —Eu não tenho carro, dinheiro ou uma passagem de avião. Como nós vamos chegar lá, ou nós estamos planejando viajar de carona?
—Humana, a Nevernever atinge todas as fronteiras do mundo humano. — Grimalkin sacudiu sua cabeça, soando impaciente. —Ela não tem limites físicos, você pode ir para Bora Bora daqui, se você souber a trod certa. Pare de pensar em termos humanos. Eu tenho certeza que o príncipe sabe o caminho para a cidade.
—Oh, claro que ele sabe — Puck disse. —Ou um caminho direto para o centro da Corte Unseelie. Não que eu me importe em ir para uma festa da Mab, mas eu gostaria que fosse em meus próprios termos.
—Ele não irá nos levar para uma armadilha. — Eu vociferei para Puck, que piscou para mim. —Ele prometeu nos ajudar a encontrar o Rei Iron. Ele estaria quebrando sua palavra se ele nos entregasse para Mab. Certo, Ash?
Ash parecia inconfortável, mas assentiu.
—Certo. — Eu repeti, forçando uma ousadia que eu não sentia. Eu espera que Ash não fosse nos trair, mas, como eu tinha aprendido, acordo com faeries tendiam a te morder na bunda. Eu coloquei de lado minha hesitação, e me virei para o príncipe. —Então — eu exigi, tentando soar confiante, —onde nós podemos achar essa trod para Nova Orleans?
—Nas ruínas gigantescas de gelo — Ash respondeu, parecendo pensativo. —Muito perto da corte de Mab. — Pelo olhar de Puck, ele encolheu os ombros e um triste e pequeno sorriso. —Ela vai para Mardi Gras todos anos.
Eu imaginei a Rainha da Corte Unseelie dançando com um casal de baladeiros bêbados, e ri incontrolavelmente. Todos os três me lançaram um olhar estranho. —Desculpem-me — eu arfei, mordendo meus lábios. —Ainda efeito da tontura, eu acho. Podemos ir, então?
Puck sorriu. —Apenas deixe-me pegar emprestado alguns suprimentos.
MAIS TARDE, NÓS QUATRO CAMINHAMOS abaixo de uma trilha estreita de gelo escorregadio, a casa Chillsorrow ficava cada vez menor atrás de nós. Alguma hora durante a noite, os gnomos tinham desaparecido; a casa estava vazia quando nós saímos, como se ela tivesse sido assim por cem anos. Eu vesti um longo sobretudo de pêlo cinza que tilintou musicalmente enquanto eu caminhava, como minúsculos sinos de vento. Puck tinha me dado quando nós saímos da casa, sob o olhar desaprovador de Ash, e eu não me importei em pergunta-lo onde ele havia conseguido isso. Mas isso me mantinha perfeitamente quente e confortável, enquanto nós viajávamos através do domínio frio e congelado de Mab.
Enquanto nós caminhávamos, eu comecei a perceber que a paisagem gelada do território Unseelie era tão bonita, e perigosa, quanto o domínio de Oberon. Pingentes pendurados nas árvores, brilhando como diamante na luz. Ocasionalmente, um esqueleto deitado abaixo deles, lanças de gelo entre seus ossos. Flores de cristais floresceram ao longo da estrada, pétalas tão delicadas e duras como vidro, espinhos angulavam na minha direção enquanto eu me aproximava. Uma vez, eu pensei ter visto um urso branco nos observando do topo de uma colina, uma figura pequena estava em suas costas, mas uma árvore passou na frente da minha visão e eles tinham sumido.
Ash e Puck não falaram uma palavra um para o outro enquanto nós viajávamos, o que provavelmente era uma boa coisa. A última coisa que eu queria era outro duelo até a morte. O príncipe mantinha uma marcha silenciosa e uniforme na nossa frente, raramente olhando para trás, enquanto Puck me entretinha com piadas e tagarelice inútil. Eu acho que ele estava tentando me animar, tentando me fazer esquecer sobre Machina e meu irmão, e eu estava satisfeita pela distração. Grimalkin desaparecia periodicamente, pulando dentro das árvores, apenas para reaparecer em minutos, ou horas, mais tarde sem nenhuma explicação de onde ele tinha estado.
No final da tarde, chegamos a um cume com séries irregulares cobertas de gelo, e a caminhada virou abruptamente árdua. O caminho tornou-se escorregadio e traiçoeiro, e eu tinha que ver onde eu colocava meus pés. Puck tinha ficado para trás na trilha; ele ficava dando olhares suspeitos sobre seus ombros, como se ele temesse uma emboscada por trás. Eu olhei para trás, para ele, e nesse momento, meu pé bateu em um pedaço de gelo, e deslizou debaixo de mim. Eu caí, perdendo o equilíbrio na trilha estreita, tentando desesperadamente ficar em pé e não escorregar montanha abaixo.
Alguma coisa agarrou meu pulso, me empurrando para frente. Eu colidi contra um sólido peito, meus dedos cravaram dentro da camisa para me manter de pé. Quando a adrenalina parou, e meu batimento cardíaco voltou ao normal, eu olhei para cima e encontrei o rosto de Ash há centímetros do meu, tão perto que eu podia ver meu reflexo em seus olhos prateados.
Sua proximidade fez meus sentidos rodarem, e eu não podia olhar para longe. Tão perto, seu rosto estava cuidadosamente cauteloso, mas eu senti a rápida batida de seu coração sob minha palma. Minha batida de coração pulou em resposta. Ele me segurou por um instante, apenas o suficiente para fazer meu estômago balançar agitadamente, então se afastou, deixando-me sem respiração no meio da trilha.
Eu olhei para trás e encontrei Puck olhando para mim. Embaraçada e me sentindo estranhamente culpada, eu espanei minhas roupas e ajeitei meu cabelo com um xingamento indignado antes de começar a seguir Ash na montanha.
Puck não falou comigo depois disso.
Até tarde da noite, tinha começado a nevar, grandes e suaves flocos caiam preguiçosamente do céu. Eles literalmente cantavam enquanto caíam, passando pelas minhas orelhas, pequenas vozes dançando no vento.
Ash parou no meio do caminho, olhando para trás, para nós. Flocos em seu cabelo e em suas roupas, rodando em volta dele como se estivessem vivos. —A Corte Unseelie não está muito à frente — ele disse, ignorando os redemoinhos que giravam em volta dele. —Devemos desviar da estrada. Mab tem outros, além de mim, procurando por você, também.
Quando ele terminou, a neve rodopiou loucamente em volta de nós, guinchando e chorando em nossas roupas. Meu casaco de pele ressoou quando a nevasca me cobriu de neve, queimando minhas bochechas e me cegando. Eu não conseguia respirar; meus membros estavam duros e congelados do meu lado. Quando o turbilhão de vento acalmou, eu me encontrei revestida de gelo do pescoço para baixo, incapaz de me mexer. Puck estava similarmente congelado, exceto que sua cabeça inteira estava coberta por cristais, suas feições congeladas em choque.
Ash estava ileso, olhando para nós sem expressão.
—Merda, Ash! — eu gritei, lutando para me libertar. Eu nem mesmo podia mexer um dedo. —Eu pensei que nós tínhamos um acordo.
—Um acordo? — sussurrou outra voz. O turbilhão de vento de neve solidificou, submergindo uma mulher alta com cabelos brancos compridos e pele azulada. Um vestido branco vestia seu corpo elegante, e seus lábios pretos curvados em um sorriso.
—Um acordo? — ela repetiu, virando para Ash com um olhar horrorizado de desprezo. —Diga, Ash, querido, eu não acredito que você esteja escondendo essas coisas de nós.
O Museu Vodu
—Narissa. — Ash murmurou. Ele soou desinteressado, até mesmo entediado, embora eu tenha visto seus dedos movimentarem-se em volta de sua espada. —Ao que devo o prazer desta visita?
A snow faery[70] me olhava como uma aranha que observa um inseto em sua teia, antes de virar seus olhos pretos sem pupila para Ash. —Eu o ouvi direito, querido? — Ela rugiu, vagando pela terra até o príncipe. —Você realmente fez uma barganha com a mestiça? Até onde eu me lembro, nossa rainha nos ordenou a trazer a filha de Oberon para ela. Você está confraternizando com o inimigo agora?
—Não seja ridícula. — A voz de Ash estava desafinada enquanto ele mandava um riso em minha direção. —Eu nunca iria trair minha rainha. Ela quer a filha de Oberon, eu irei trazer a filha de Oberon. E eu estava no meio deste feito, até você aparecer, e interromper meu progresso.
Narissa não pareceu convencida. —Um belo discurso. — Ela cantarolou, correndo um dedo abaixo da bochecha de Ash, deixando um rastro de gelo. —Mas e o companheiro da garota? Eu acredito que você tenha jurado matar Robin Goodfellow, Ash querido, e, no entanto, você o traz para dentro do coração de nosso território. Se a rainha souber que ele está aqui...
—Ela iria me permitir lidar com ele a meu modo. — Ash a interrompeu, cerrando os olhos. A fúria em seu rosto era real agora. —Eu trouxe Puck junto por que eu quero mata-lo lentamente, gastar meu tempo com ele. Depois que entregar a mestiça, eu terei séculos de vingança sobre Robin Goodfellow. E ninguém vai me negar esse prazer quando o mesmo vier.
Narissa flutuou de volta. —É claro que não, querido. — Ela aplacou. —Mas talvez eu deva capturar a mestiça para a Corte a partir daqui. Você sabe o quão impaciente a rainha pode ser, e realmente, não é adequado para um príncipe ser escolta. — Ela sorriu e flutuou em minha direção. —Eu irei apenas tirar este fardo de suas mãos.
A espada de Ash raspou livre, parando a faery em seu caminho. —Dê outro passo e este será o seu último.
—Como você se atreve a me ameaçar!? — Narissa girou de volta, neve espiralando ao redor deles. —Eu ofereço-te ajuda, e esta é minha recompensa!? Seu irmão ouvirá sobre isso.
—Estou certo que ele ouvirá. — Ash sorriu friamente e não abaixou sua espada. —E você pode dizer a Rowan que se ele quer ganhar gratidão de Mab, ele deveria capturar a mestiça ele mesmo, e não enviar você para rouba-la de mim. Enquanto você estiver nisso, você pode informar à Rainha Mab que entregarei a filha de Oberon para ela, dou minha palavra sobre isso.
—Agora... — Ele continuou, fazendo um movimento e enxotando-a com sua espada. —...é o momento de você partir.
Narissa olhou para ele por mais um momento, com seu cabelo esvoaçante ao redor de seu rosto. Depois, ela sorriu. —Muito bem, querido. Eu me divertirei em observar Rowan rasga-lo membro a membro. Até nosso próximo encontro. — Ela rodou, o corpo dela se dissipando em neve e vento, e afastou-se para as árvores.
Ash suspirou, sacudindo sua cabeça. —Nós precisamos nos mover rápido. — Ele murmurou, caminhando até mim. —Narissa dirá a Rowan onde nós estamos, e ele virá extremamente rápido para reinvindicá-la para si mesmo. Fique parada.
Ele ergueu o cabo da espada e abaixou-a batendo sobre o gelo. O escudo congelado rachou e começou a quebrar em alguns lugares. Ele bateu de novo e as rachaduras aumentaram.
—N-não se preocupe co-comigo. — Eu disse com os dentes batendo. —Ajude P-Puck. Ele irá sufocar ali d-dentro!
—Minha barganha não é com Goodfellow. — Ash resmungou, não se desviando de sua tarefa. —Eu não tenho o hábito de ajudar inimigos mortais. Além disso, ele vai ficar bem. Ele sobreviveu à coisas bem piores do que congelamento. Infelizmente.
Eu o encarei. —Você e-está realmente nos a-ajudando? — Eu exigi enquanto mais pedaços do envoltório de gelo começaram a estalar. —O que você disse para Narissa...
—Eu não disse à ela nada que não fosse verdade. — Ash interrompeu, encarando-me de volta. —Eu não irei trair a minha rainha. Quando isto acabar, eu irei entregar a filha mestiça de Oberon a ela, como prometi. — Ele quebrou o contato visual e colocou a sua mão sobre o gelo, onde a fenda era maior. —Eu apenas irei fazer isso um pouco depois do que ela espera. Feche seus olhos.
Eu os fechei, e senti a coluna de gelo vibrar. O tremor ficou mais alto e mais forte até que, como o som de vidro se quebrando, o gelo se rompeu em um milhão de pedaços, e eu fiquei livre.
Eu despenquei no chão, tremendo incontrolavelmente. Meu sobretudo de pele estava coberto de gelo, o seu tilintar fora silenciado. Ash ajoelhou-se para me ajudar a levantar, mas eu afastei sua mão.
—Eu não vou a lugar nenhum. — Eu rosnei. —Até que você solte o Puck.
Ele suspirou irritado, mas ergueu-se, andou até o segundo monte congelado, e pôs a mão sobre ele. Dessa vez, o gelo se partiu violentamente, voando em todas as direções como estilhaços de cristal. Vários pedaços se alojaram num tronco de árvore nas proximidades, brilhantes punhais de gelo afundaram dentro da casca. Eu me arrepiei com a viciosa explosão. Se ele tivesse feito isso comigo, eu teria sido retalhada.
Puck cambaleou para frente com seu rosto ensanguentado, e suas roupas em farrapos. Ele oscilou em seus pés, olhos vidrados, e começou a cair. Eu gritei seu nome, e me adiantei enquanto ele caia em meus braços.
Desapareceu. O corpo dele sumiu no momento em que eu o peguei, fui deixada encarando uma folha desgastada, que espiralou até o chão. Ao meu lado, Ash bufou e sacudiu sua cabeça.
—Você ouviu tudo o que você queria Goodfellow? — Ele falou para o ar vazio.
—Ouvi. — Veio a voz desencarnada de Puck, flutuando para fora das árvores. —Mas não sei se acredito em meus ouvidos.
Ele caiu dos galhos de um pinheiro, aterrissando com um baque na neve. Quando ele se endireitou, seus olhos brilhavam com raiva. Não direcionados a Ash, mas para mim.
—Isso foi o que você prometeu a ele, princesa!? — Ele gritou, erguendo suas mãos. —Essa foi sua barganha!? Você ofereceu a si mesma para a Corte Unseelie!? — Ele se virou e socou uma árvore, enviando galhos e pedaços de gelo para o chão. —De todas as ideias estúpidas, essa foi a pior! O que há de errado com você!?
Eu me encolhi. Esta era a primeira vez em que eu o via furioso. Não só Puck, mas Robbie também. Ele nunca ficou louco, via tudo como uma piada colossal. Agora ele parecia pronto para arrancar a minha cabeça fora.
—Nós precisávamos de ajuda. — Eu disse, assistindo em horror enquanto os olhos dele brilhavam, e seu cabelo se contorcia como chamas em sua cabeça. —Nós temos que sair do território Unseelie e entrar no reino de Machina.
—Eu teria te posto lá dentro! — Puck rugiu. —Eu! Você não precisa da ajuda dele! Você não confia em mim para mantê-la segura!? Eu teria dado tudo por você. Por que, você não acha que eu seria bom o bastante?
Fiquei completamente muda. Puck soava magoado, me encarando como se eu o tivesse apunhalado pelas costas. Eu não sabia o que dizer. Eu não ousei olhar para Ash, mas eu senti que ele estava se divertindo muito com todo esse espetáculo.
Enquanto nós encarávamos um ao outro, Grimalkin deslizou para fora de uma moita, um monte de fumaça deslizando sobre a neve. Os olhos dele entediados e com as pálpebras quase fechadas, divertimento apareceu enquanto ele olhava do fumegante Puck, e depois, para mim. —Isso fica mais interessante à cada dia. — Ele ronronou com seu sorriso felino.
Eu não estava de bom humor para o sarcasmo dele. —Você tem alguma coisa útil para dizer, Grim? — Eu o repreendi, observando os olhos dele se fecharem ainda mais.
O gato bocejou e sentou para se lamber. —Na verdade, sim. — Ele murmurou, inclinando-se para seus flancos. —Eu tenho uma coisa que talvez você se interesse, inclusive. — Ele continuou lavando seu rabo por algumas batidas de coração, enquanto eu lutava com a urgência de agarrar aquele rabo e pendura-lo ao redor da minha cabeça como um bolo[71]. Finalmente, ele se endireitou e olhou pra cima, piscando preguiçosamente.
—Eu acredito... — Ele ronronou, esticando-se todo. —...que encontrei os trilhos que você está procurando.
Nós seguimos Grimalkin até a base de um antigo castelo em ruínas, onde pilares despedaçados e gárgulas quebradas estavam espalhadas pelo pátio. Bem como ossos que enchiam a área, apontando através da neve, me deixando nervosa. Puck seguia atrás, sem falar com nenhum de nós, envolvido em um silêncio furioso. Eu fiz uma promessa de conversar com ele depois quando ele esfriasse, mas por enquanto, eu estava ansiosa para sair do território Unseelie.
—Lá. — Grimalkin disse, assentindo para um largo pilar de pedra quebrado em dois. Uma metade repousava sobre a outra, formando um arco entre eles.
Havia também um corpo deitado em frente a isso. Um corpo que tinha pelo menos doze pés de altura, vestido de couro e peles de animal, com a pele branco-azulada e uma barba branca emaranhada. Ficou lá, deitado de costas com o rosto virado pra longe, uma mão carnuda segurando um porrete de pedra.
Ash fez uma careta. —Está certo. — Ele murmurou enquanto nós nos escondíamos atrás de um muro baixo de pedra. —Mab deixa seu bichinho de estimação gigante aqui para guardar o lugar. Cold Tom não ouve ninguém, a não ser a rainha.
Eu olhei para o gato, que parecia despreocupado. —Você poderia ter mencionado alguma coisa, Grim. Você esqueceu esse pequeno, mas super importante, detalhe? Ou você simplesmente não viu o gigante de doze pés de altura no meio do chão?
Puck, sua animosidade esquecida, ou suprimida, espiou para fora atrás de um pedregulho.
—Parece que é a hora da soneca do Tom. — Ele disse. —Talvez a gente possa se esgueirar ao redor dele.
Grimalkin nos avaliou, um de cada vez, e piscou vagarosamente. —Em momentos como esse, eu sou ainda mais grato por ser um gato. — Ele suspirou e trotou em direção ao enorme corpo.
—Grim! Pare! — Eu silvei atrás dele. —O que você está fazendo?
O gato me ignorou. Meu coração ficou preso na minha garganta enquanto ele foi pra cima do gigante, parecendo com um rato distorcido em relação ao tamanho de Tom. Olhando para o corpo, ele contorceu o rabo, agachou e saltou sobre o peito do gigante.
Eu parei de respirar, mas o gigante nem se mexeu. Talvez Grimalkin fosse muito leve para ele, sequer, notar. O gato virou e se sentou, curvando seu rabo ao redor de seus pés, e nos observando estupefatos.
—Morto. — Ele declarou para nós. —Completamente morto, de fato. Você pode parar de se encolher de terror, se você quiser. Eu juro. Como vocês sobrevivem com narizes como esses, eu nunca irei saber. Eu poderia sentir o fedor dele há uma milha de distância.
—Ele está morto? — Ash imediatamente avançou pra frente, franzindo o cenho. —Estranho. Cold Tom era um dos mais fortes de seu clã. Como ele morreu?
Grimalkin bocejou. —Talvez ele tenha comido alguma coisa que discordou dele.
Eu dei um passo cautelosamente. Talvez eu tenha assistido à muitos filmes de terror, mas eu quase esperei que o “morto” gigante abrisse os olhos e se erguesse sobre nós. —O que isso importa?
Eu chamei Ash, ainda mantendo um olhar cuidadoso no corpo. —Se isso está morto, então nós podemos sair daqui sem ter que lutar com a coisa.
—Você não sabe de nada. — Ash replicou. Seu olhar deslizando sobre o cadáver, olhos semi-cerrados.
—Este gigante era forte, um dos mais fortes. Alguma coisa o matou, dentro do nosso território. Eu gostaria de saber o que poderia ter levado Cold Tom deste jeito.
Eu estava perto da cabeça do gigante agora, perto o suficiente para ver os olhos em branco, esbugalhados, a língua cinzenta pendendo parcialmente para fora da sua boca. Veias azuis destacavam-se em torno de suas órbitas e de seu pescoço. O que quer que o tenha matado, não foi rápido.
Então uma aranha de metal se arrastou para fora de sua boca.
Eu gritei e recuei. Puck e Ash correram para o meu lado enquanto o enorme aracnídeo escapava pra longe, sobre o rosto de Tom e subia num muro. Ash desembainhou a espada dele, mas Puck deu um grito e atirou uma pedra nela. A rocha acertou fatalmente a aranha; com um flash de faíscas, o invertebrado despencou no chão, pousando com um tilintar metálico nas lajes.
Nós nos aproximamos cautelosamente, Ash com a espada dele desembainhada, Puck com uma rocha de bom tamanho. Mas a coisa invertebrada jazia quebrada e sem movimento no chão, quase esmagada em duas partes. De perto, isso parecia menos aracnídeo e mais como aquelas coisas, de cara pegajosa, do Aliens, exceto que era feito de metal. Cuidadosamente, eu a peguei pela calda em forma de chicote.
—O que é isso? — Ash murmurou. Dessa vez, o imperturbável fey soou quase… aterrorizado. —Outro iron fey de Machina?
Alguma coisa estalou na minha cabeça. –Isso é um bug[72]. — Eu sussurrei. Os rapazes me deram cenhos confusos, e eu fui adiante. —Ironhorse, gremlins[73], bugs, está começando a fazer sentido para mim agora. — Eu girei para Puck, que piscou e deu um passo atrás. —Puck, você não me disse uma vez que uma fey nascia dos sonhos dos mortais?
—Sim? — Puck disse, sem pegar a pista.
—Bem, e se estas coisas... — Eu apontei o bicho metálico —...nascem de sonhos diferentes? Sonhos de tecnologia, e progresso? Sonhos da ciência? E, se a busca de ideias que uma vez pareceram impossíveis: vôo, motores a vapor, a Worldwide Web, deram origem a uma completa e diferente espécie de faery? A humanidade deu grandes saltos na tecnologia ao longo dos últimos cem anos. E com cada sucesso, nós continuamos procurando, sonhando, por mais. Estes iron fey poderiam ser o resultado.
Puck empalideceu, e Ash pareceu incrivelmente perturbado. —Se isso for verdade. — Ele murmurou, seus olhos cinzas escurecendo como nuvens de trovão. —Então todas os fey podem estar em perigo. Não apenas as Cortes Seelie e Unseelie. Nevernever em si, seria afetada, todo o mundo fey.
Puck assentiu, parecendo mais sério do que eu jamais o tinha visto. —Isso é uma guerra. — Ele disse, prendendo o olhar a Ash. —Se o Rei Iron está assassinando os guardas dos portais, ele deve estar planejando invadir. Nós temos que encontrar Machina e destruí-lo. Talvez ele seja o coração desses iron fey. Se nós o matarmos, seus seguidores podem se dispersar.
—Eu concordo. — Ash embainhou sua espada, dando ao bicho um olhar revoltado. —Nós iremos levar Meghan para a Corte Iron e resgatar o irmão dela, matando o líder dos iron fey.
—Bravo. — Disse Grimalkin, olhando para baixo do peito de Cold Tom. —O Príncipe da Corte Winter e o bobo da corte de Oberon concordando em alguma coisa. O mundo deve estar acabando.
Nós o encaramos. O gato espirrou uma risada e pulou pra baixo do corpo, olhando para o animal em minha mão. Ele torceu o nariz.
—Interessante. — Ele meditou. —Essa coisa fede a ferro e aço, e, no entanto, isso não queima você. Eu suponho que ser quase—humana tem vantagens, no final das contas.
—O que você quer dizer? — Eu perguntei.
—Mmm. Atire-o para o Ash, você poderia?
—Não! — Ash se afastou, a mão indo automaticamente para a espada. Grimalkin sorriu.
—Você vê? Mesmo o poderoso príncipe da Corte Winter não pode suportar tocar em ferro. Você, por outro lado, pode manusear isso sem efeitos nocivos. Agora você vê por que as Cortes estão se esforçando para te encontrar? Pense no que Mab poderia fazer se ela tivesse você sob o controle dela.
Deixei cair o bicho com um tremor. —É por isso que Mab me quer? — Eu indaguei Ash, que ainda estava parado há alguns passos de distância. —Como uma arma?
—Ridículo, não é? — Grimalkin ronronou. —Ela não pode nem mesmo usar o glamour. Ela seria uma assassina horrível.
—Eu não sei por que Mab quer você. — Ash disse lentamente, encontrando meus olhos. —Eu não questiono as ordens de minha rainha. Eu apenas as obedeço.
—Isso não importa agora. — Puck se intrometeu, com um olhar penetrante para o príncipe da Corte Winter. —Primeiro, nós temos que encontrar Machina e tira-lo da Corte. Depois nós vamos decidir os problemas de lá. — A voz dele sugeria que os problemas seriam decididos com uma luta.
Ash pareceu como se quisesse dizer mais alguma coisa, mas ele assentiu. Grimalkin bocejou ruidosamente e trotou em direção ao portão.
—Humana, não deixe o bug aqui quando partirmos. — Ele anunciou sem olhar para trás. —Isso pode corromper a terra ao redor dele. Você pode joga-lo fora em seu mundo, e isso não irá fazer nenhuma diferença.
Com o rabo ondulando, ele trotou sobre o pilar, e desapareceu. Pinçando o animal entre o polegar e o dedo indicador eu o enfiei na mochila. Com Ash e Puck flanqueando—me como cães de guarda desconfiados, eu andei para baixo dos pilares e tudo ficou branco.
ENQUANTO O BRILHO APAGAVA, eu olhei ao redor, primeiro, em confusão, depois, em horror. Eu estava no meio de uma boca aberta, com dentes partidos forrando cada lado, e uma língua vermelha abaixo de meus pés. Eu gritei em horror e pulei para fora, tropeçando no lábio inferior, me curvei sobre meu estômago.
Contorcendo-me, por perto eu vi Ash e Puck avançarem através da barriga aberta de uma baleia azul de desenho animado. Sentado, no topo da estátua de baleia, sorrindo e apontando à distância, estava Pinóquio, suas feições amadeiradas congeladas em gesso, e fibra de vidro.
—Com licença, moça! — Uma garotinha de macacão rosa passou por cima de mim apressando-se para a boca da baleia, seguida por dois amigos dela. Ash e Puck deram um passo pro lado, e as crianças não lhe deram atenção enquanto gritavam e pinotavam dentro das mandíbulas da baleia.
—Lugar interessante. — Puck meditou enquanto ele me punha de pé. Eu não respondi, muito ocupada, pasmada com os arredores. Parecia que nós tínhamos adentrado no meio da terra da fantasia. Um sapato rosa gigante há poucos metros de distância, e um castelo azul brilhante mais adiante, com crianças que pulavam sobre ambos. Entre bancos de jardim e árvores frondosas, um navio pirata hospedava um bando de fanfarrões em miniatura, e um magnífico dragão verde descansava nas patas traseiras, e cuspia fogo de plástico. As chamas atiradas de sua boca serviam de escorrega. Eu observei um pequeno garoto escalar os degraus de trás do dragão, abrir o zíper no escorregador, e rolar com deleite, eu sorri tristemente.
Ethan iria amar este lugar, eu pensei, assistindo o garoto disparar em direção a uma carruagem de abóbora. Talvez quando tudo isso tiver acabado, eu o traga aqui.
—Vamos logo. — Grimalkin disse, saltando sobre um cogumelo cor-de-rosa gigante. O rabo do gato eriçou, e seus olhos dispararam. —O oráculo não está longe, mas nós devemos nos apressar.
—Por que está tão nervoso, Grim? — Puck perguntou, olhando ao redor do parque. —Eu acho que nós deveríamos ficar um pouco, absorver a atmosfera. — Ele sorriu e acenou para uma pequena garota espiando ele por trás de uma cabana, ela se abaixou para ficar fora de vista.
—Tem crianças demais aqui. — Grimalkin disse, olhando nervosamente por sobre seu ombro. —Muita imaginação. Elas podem nos ver, você sabe. Como nós realmente somos. E diferente do duende ali, eu não gosto de atenção.
Eu segui o olhar dele e vi um pequeno faery brincando no sapato com várias crianças. Ele tinha cabelo marrom enrolado, um casaco surrado, e orelhas cabeludas despontando nas laterais de sua cabeça. Ele riu e perseguiu as crianças ao redor dele, e os pais sentados nos bancos não pareceram perceber.
Um menino de cerca de três anos nos viu e se aproximou, seus olhos em Grimalkin. —Gatinho, gatinho. — Ele cantarolou, erguendo ambas as mãos. Grimalkin achatou as orelhas e silvou, expondo os dentes, e o menino recuou. —Supere isso, criança. — Ele cuspiu, e o menino caiu em lágrimas, correndo em direção a um casal nos bancos. Eles franziram o cenho para as reclamações do filho sobre o gatinho malvado, e olharam para nós.
—Certo, hora de ir. — Puck disse, se afastando. Nós prosseguimos, com Grimalkin tomando a liderança. Nós deixamos Storyland, como o local era chamado na placa de saída, através de uma porta vigiada por Humpty Dumpty[74] e Little Bo Peep[75], e andamos através de um parque cheio de verdadeiros carvalhos gigantes cobertos por musgo e videiras. Eu peguei vislumbres de rostos nos espiando dos troncos, mulheres com olhos negros redondos. Puck soprou beijos para algumas delas, e Ash curvou sua cabeça respeitosamente enquanto nós passávamos. Até Grimalkin assentiu com a cabeça para os rostos nas árvores, me fazendo questionar por que eles eram tão importantes.
Depois de aproximadamente uma hora de caminhada, nós alcançamos as ruas da cidade.
Eu pausei e olhei ao redor, desejando que tivéssemos mais tempo para explorar. Eu sempre quis ir à Nova Orleans, particularmente durante o Mardi Gras[76], embora eu soubesse que mamãe nunca iria permitir isso. Mesmo agora, Nova Orleans pulsava com vida e atividade. Prédios e lojas rústicas alinhavam-se na rua, muitas empilhavam uma ou duas lojas acima, com grades e varandas com vista para o calçadão. Notas de jazz arrastavam-se pelas ruas, e o cheiro picante de refeição acadiana[77] fez meu estômago rosnar.
—Babe depois. — Grimalkin me cutucou na canela com uma garra. —Nós não estamos aqui a passeio. Nós temos que chegar ao Quarteirão francês. Um de vocês, encontre-nos algum transporte.
—Onde exatamente estamos indo? — Ash perguntou, enquanto Puck sinalizou para uma carruagem puxada por uma mula de sonolentos olhos vermelhos. A mula bufou e achatou as orelhas enquanto nós nos amontoamos dentro, mas o cocheiro sorriu, e assentiu. Grimalkin pulou para o banco da frente.
—O Museu Histórico Vodu. — Ele disse ao cocheiro, que não pareceu incomodado por um gato falante. —E vá depressa.
MUSEU VODU? EU NÃO estava certa do que esperar quando a carruagem rumou para um edifício com aparência miserável no Quarteirão Francês. Um par de portas simples e negras estava sob o portal, e uma simples placa de madeira o identificava como Museu Histórico de Nova Orleans. O Crepúsculo já havia caído e a placa na janela encardida indicava: Fechado.
Grimalkin assentiu para Puck, que murmurou umas poucas palavras sob sua respiração e bateu na porta. Ela abriu com um suave rangido, e nós entramos.
O interior era mofado e quente. Eu tropecei em uma saliência no carpete e esbarrei-me em Ash, que me firmou com um suspiro. Puck fechou a porta atrás de nós, mergulhando a sala na escuridão. Eu tateei pela parede, mas Ash falou uma rápida palavra, e um globo de fogo azul apareceu sobre a sua cabeça, iluminando a escuridão.
A pálida luz caia sobre uma macabra coleção de horror. Um esqueleto de cartola estava parado junto da parede mais distante, ao lado de um manequim com uma cabeça de jacaré. Caveiras humanas e de animais decoravam a sala, acompanhadas de máscaras sorridentes, e numerosas bonecas de madeira. Caixas de vidro preenchidas por jarras com cobras e sapos flutuando em um líquido âmbar, dentes, pilões, tambores, cascos de tartarugas, e outras estranhezas.
—Por aqui. — Veio a voz de Grimalkin, anormalmente alta no silêncio eminente. Nós o seguimos por um corredor escuro, onde porta-retratos de homens e mulheres nos encaravam das paredes. Eu senti olhos me seguindo enquanto eu adentrei em uma sala cheia com mais coisas macabras, parafernálias, e uma mesa no centro coberta por uma toalha preta. Quatro cadeiras ao redor dela, como se alguém estivesse nos esperando.
Enquanto nos aproximávamos da mesa, um dos rostos dissecados no canto da sala agitou-se e flutuou pra longe da parede. Eu gritei e saltei para trás de Puck, enquanto uma mulher esquelética com cabelos brancos emaranhados andou com dificuldade até nós, seus olhos vazios marcavam um rosto murcho.
—Olá, crianças. — A bruxa sussurrou, sua voz soava como areia sibilando em um tubo. —Veio visitar a velha Anna, não é? Puck está aqui, e Grimalkin, também. Que prazer. — Ela gesticulou para a mesa, e as unhas em suas nodosas mãos reluziam como aço. —Por favor, tomem um assento.
Ela cheirava à decadência e poeira de jornais velhos que haviam sido deixados em um sótão por anos. Ela sorriu para mim, revelando amarelos dentes afiados.
—Eu farejo necessidade. — Ela acrescentou afundando na cadeira. —Necessidade e desejo. Você, criança... — Ela curvou um dedo para mim. —...você veio procurando por conhecimento. Você procura por alguma coisa que deve ser encontrada, sim?
—Sim. — Eu sussurrei.
A velha sacudiu sua cabeça mirrada. —Pergunte, então, criança dos dois mundos. Mas lembre-se…
Ela me fixou com um olhar vazio. —Todo conhecimento deve ser pago. Eu lhe darei as respostas que procura, mas eu desejo alguma coisa em troca. Você irá aceitar o preço?
O desapontamento me inundou. Mais barganhas de faery. Mais dívidas a pagar. Eu já estava em tanto débito, que eu nunca veria o fim disto. —Eu não tenho muito para dar. — Eu disse a ela. Ela riu com um assobio sibilante.
—Sempre há alguma coisa, querida criança. Até agora, apenas a sua liberdade tem sido reclamada por outro. — Ela farejou, como um cachorro quando está pegando um cheiro. —Você ainda tem a sua juventude, seus talentos, sua voz. Sua futura criança. Todos estes são do meu interesse.
—Você não vai conseguir meu futuro filho. — Eu disse automaticamente.
—Sério? — O oráculo bateu seus dedos entre si. —Você não desistiria disso, mesmo embora isso não lhe trague nada, além de desgosto?
—Basta. — A voz forte de Ash rompeu pela escuridão. —Nós não estamos aqui para debater os “e se” do futuro. Diga seu preço, oráculo, e deixe a garota decidir se ela quer pagar.
O oráculo fungou e se acomodou. —Uma memória. — Ela afirmou.
—Uma o quê?
—Uma memória. — A bruxa disse de novo. —Uma que você lembre com grande afeição. A memória mais feliz de sua infância. Eu tenho poucas e preciosas, você vê.
—Sério? — Eu perguntei. —Isso é tudo? Você só quer uma de minhas memórias, e nós temos um acordo?
—Meghan... — Puck interrompeu —...não encare isso de forma tão fácil. Suas memórias são parte de você. Perdendo uma de suas memórias é como perder um pedaço de sua alma.
Isso soou ainda mais ameaçador. Entretanto, eu pensei, uma memória é muito mais fácil de pagar do que minha voz, ou meu primogênito. E não é como se eu fosse sentir falta disso, especialmente se eu não puder lembrar. Eu pensei sobre os momentos mais felizes de minha vida: festas de aniversário, minha primeira bicicleta, Beau quando filhote. Nenhuma delas pareceu importante o suficiente para se manter. —Tudo bem. — Eu disse ao oráculo, e tomei um assento do outro lado dela. —Você a tem. Você pega uma de minhas memórias, uma, e depois você me diz tudo o que eu quero saber. Feito?
A bruxa mostrou os dentes em um sorriso. —Ssssssiim.
Ela se ergueu sobre a mesa, emoldurando meu rosto com as mãos em forma de garras. Eu estremeci e fechei meus olhos enquanto as unhas dela gentilmente arranhavam minhas bochechas.
—Isso pode ser um pouco… desagradável. — O oráculo assobiou, e eu ofeguei enquanto ela afundava suas garras dentro da minha mente, rasgando-a como um saco de papel. Eu a senti embaralhar minha cabeça, classificando as memórias como fotografias, examinando-as antes de joga-las de lado. Imagens descartadas flutuavam ao meu redor: memórias, emoções, e velhas feridas se abrindo de novo, frescas e dolorosas. Eu queria empurra-la de volta, para fazer isso parar, mas eu não podia me mover.
Finalmente, o oráculo pausou, rumando em direção a um ponto brilhante de felicidade, e em horror, eu vi qual ela estava indo atrás.
Não! Eu queria gritar. Não, não essa! Deixe-a em paz, por favor!
—Sssssssiim. — O oráculo assobiou, afundando suas garras dentro da minha memória “Eu irei tomar esta aqui. Agora é minha.
Houve uma sensação de rasgo, e um disparo de dor através da minha cabeça. Eu endureci, meu maxilar travou prendendo um grito, e eu cai na minha cadeira, sentindo como se minha cabeça tivesse sido aberta ao meio.
Sentei-me, estremecendo com o latejar em minha cabeça. O oráculo me observava através da mesa, um sorriso satisfeito em seu rosto. Puck estava murmurando alguma coisa que eu não podia entender, e Ash me considerava com um olhar de pena. Eu me senti cansada, drenada, e vazia por alguma razão, como se tivesse um vazio profundo dentro de mim.
Hesitantemente, eu repassei minhas memórias, me perguntando qual o oráculo havia tomado. Depois de um momento, eu percebi como absurdo isso era.
—Está feito. — O oráculo murmurou. Ela depositou suas mãos, palmas pra cima, na mesa entre nós. —E agora eu irei cumprir minha parte da barganha. Ponha suas mãos nas minhas, criança, e pergunte.
Engolindo minha repulsa, eu pus minhas palmas gentilmente sobre as dela, estremecendo enquanto aquelas longas unhas curvavam-se ao redor dos meus dedos. A bruxa fechou seus olhos em cova. —Três perguntas. — Ela demandou, a voz dela parecendo vir de uma grande distância. —Essa é a regra.
Eu irei responder três perguntas, e estarei quite. Escolha sabiamente.
Eu tomei uma profunda respiração, olhei para Puck e Ash, e sussurrei: — Onde eu posso encontrar meu irmão?
Silêncio por um momento. Os olhos da bruxa abriram, e eu pulei. Eles não estavam mais vazios, mas queimavam como chamas, tão negras e sem profundidade como o vazio. A boca dela abriu, impossivelmente larga, enquanto ela respirava:
—Dentro da montanha de ferro uma criança roubada espera.
—Um rei que não está mais em seu trono guiará você após os portões.
—Oh, fabuloso. — Puck resmungou, sentando-se de volta na sua cadeira, e rolando os olhos. —Eu amo charadas. E elas rimam tão lindamente. Pergunte a ela onde nós achamos o Iron King.
Eu assenti. —Onde está Machina, o Iron King?
O oráculo suspirou, vozes surgindo da garganta dela para sussurrar:
—No coração da destruição, uma torre canta em cujo trono senta o Rei Iron.
—Destruição. — Puck assentiu, arqueando as sobrancelhas. —E torres cantantes. Bem, isso fica melhor e melhor. Eu estou completamente grato que decidimos vir aqui. Príncipe, você pode pensar em alguma coisa que você queira perguntar ao nosso mais grato oráculo?
Ash, absorto em pensamentos com o queixo sobre as mãos, ergueu a cabeça. Seus olhos semi—cerrados.
—Pergunte a ela como nós o matamos. — Ele demandou.
Eu me contorci, desconfortável com o pensamento de ter que matar. Eu apenas queria resgatar Ethan. Eu não sabia como isso tinha se transformado em uma guerra santa. —Ash...
—Apenas faça.
Eu engoli e virei de volta para o oráculo. —Como nós matamos o Iron King? – Eu sussurrei relutantemente. A boca do oráculo abriu.
—O Rei Iron não pode ser morto por um homem mortal ou fey.
—Procure os Guardiões das árvores.
—Seu coração irá mostrar o caminho.
Tão logo as últimas palavras saíram de sua boca, o oráculo desmoronou na mesa.
Por um momento ela permaneceu lá, uma mulher dessecada e velha, e então ela apenas… desintegrou-se. Poeira voou por toda parte, ardendo em meus olhos e minha garganta. Eu me virei para longe, tossindo e arfando, e quando eu pude respirar de novo, o oráculo tinha desaparecido. Apenas alguns montes de poeira flutuando mostravam que ela tinha estado ali.
—Eu acredito... — Grimalkin disse, espiando por cima da borda da mesa. —...que nossa audiência acabou.
—ENTÃO PARA ONDE AGORA? — Eu perguntei enquanto nós deixávamos o Museu Vodu, pisando nas ruas mal iluminadas do bairro francês. —O oráculo não nos deu muito para seguirmos em frente.
—Pelo contrário... — Grimalkin disse, olhando de volta pra mim —...ela nos deu muito com o que lidar. Um: nós sabemos que seu irmão está com Machina. Essa foi dada, mas uma confirmação é sempre benéfica. Dois: nós sabemos que Machina é supostamente invencível, e seu covil está no meio de uma terra arruinada. E, o mais importante, o três: nós sabemos que há alguém que sabe como mata-lo.
—Sim, mas quem? — Eu esfreguei uma mão sobre meus olhos. Eu estava tão cansada, cansada de procurar, cansada de correr em círculos sem respostas para nada. Eu queria que tudo isso acabasse.
—Realmente, humana, você não estava ouvindo? — Grimalkin suspirou, exasperado de novo, mas eu não liguei.
—Não era nem mesmo uma charada, de verdade. E vocês dois? — Ele questionou, olhando para os garotos. —Será que nossos poderosos protetores captaram algum pouco de conhecimento, ou eu era o único prestando atenção?
Ash não respondeu, muito ocupado encarando a rua abaixo, olhos cerrados. Puck encolheu os ombros. —Procure os Guardiões das árvores. — Ele murmurou. —Essa foi suficientemente fácil. Eu presumo que nós devamos voltar para o parque.
—Muito bom, Goodfellow.
—Eu tento.
—Eu estou tão perdida. — Eu grunhi, sentando-me na calçada. —Por que nós estamos indo de volta ao parque? Nós acabamos de vir de lá. Há outras árvores em Nova Orleans.
—Por que, princesa...
—Explique depois. — Ash apareceu de meu lado. Sua voz baixa e ríspida. —Nós precisamos ir. Agora.
—Por quê? — Eu perguntei, bem quando as luzes da rua, e cada luz artificial na quadra, piscou e se apagou.
Luzes faery brilharam sobre nossas cabeças e tanto Ash quanto Puck a chamaram à existência. Passos ecoaram nas sombras, se aproximando, vindos de todas as direções. Grimalkin murmurou alguma coisa e desapareceu. Puck e Ash recuaram para me flanquear, seus olhos varrendo a escuridão.
Adiante, o círculo de luz e formas escuras se misturavam. Enquanto elas vinham para a luz, o fogo faery iluminou o rosto de humanos, homens e mulheres normais, suas feições indiferentes enquanto eles se aproximavam. A maioria deles carregavam armas: canos de ferro, tacos de beisebol de metal, e facas. Cada zumbi de filme que eu já havia visto surgiu na minha mente, e eu me pressionei a Ash, sentindo os músculos se contraírem sob sua pele.
—Humanos. — Ash murmurou, sua mão descendo para a espada. — O que eles estão fazendo? Eles não deveriam ser capazes de nos ver.
Uma risada sombria surgiu das fileiras cambaleantes em nossa direção, e a multidão abruptamente parou. Eles se moveram pro lado enquanto uma mulher flutuava entre eles, mãos em seu delicado quadril.
Ela vestia um terninho social verde veneno, salto quinze, batom verde que brilhava com uma luz radioativa. Seu cabelo aparentava ser feito de fios, finos cabos de rede de várias cores: verdes, pretos e vermelhos.
—Aqui está você, afinal. — A voz dela zumbiu, como milhões de abelhas dando discurso. —Eu estou chocada que Ironhorse tenha tido tanto problema com você, mas enfim, ele está tão velho. Passou sua utilidade, eu diria. Você não terá um momento tão fácil comigo.
—Quem é você? — Rosnou Ash. Puck moveu-se ao lado dele, e juntos, eles formaram um escudo vivo em minha frente. A senhora deu uma risadinha, como um zumbido de mosquito no ouvido, e estendeu uma mão de unhas feitas em verde.
—Eu sou Vírus, segunda no comando do Rei Machina. — Ela me soprou um beijo que fez minha pele arrepiar. —Prazer em te conhecer, Meghan Chase.
—O que você fez com estas pessoas? — Eu exigi.
—Oh, não se preocupe com elas. — Vírus rodopiou no lugar, sorrindo. —Elas só pegaram um pequeno bug. Estes pequeninos bugs, para ser exata. — Ela ergueu sua mão, e um enxame de finos insetos voou para fora da manga dela para pairar sobre a palma de sua mão, como pó de prata cintilante. — Coisinhas fofas, não são? Completamente inofensivos, mas eles me permitem entrar no cérebro e reescrever a programação. Permita-me demonstrar. — Ela gesticulou para o humano mais próximo, e o homem caiu de quatro, e começou a latir. Vírus se deliciou, batendo palmas. —Vê? Agora ele acha que é um cachorro.
—Brilhante. — Puck disse. —Você pode faze-lo cantar como um galo, também?
Ash e eu o encaramos. Ele piscou. —O quê?
Eu comecei, uma memória tomando lugar, e girei de volta para Vírus. —Você… foi você quem soltou a chimera no Elysium!
—Por que, sim, isso foi trabalho meu. — Vírus pareceu satisfeita, embora sua feição tenha mudado um instante depois. —Embora, como um experimento, isso não tenha funcionado completamente como o esperado. As fey normais não reagem bem aos meus bugs. Toda aquela aversão à coisas de ferro, você sabe. Isso deixou a besta estúpida louca, e provavelmente a teria matado, se ela não tivesse sido feita em pedaços. Mortais, entretanto... — Ela piruetou no ar, abrindo os braços, como se quisesse abraçar a multidão. —...deram maravilhosos zangões. Tão devotados a seus computadores e tecnologia, eles eram escravos disso bem antes de eu chegar.
—Deixe-os partir. — Eu disse a ela.
Vírus me considerou com brilhantes olhos verdes. —Eu acho que não, queridinha. — Ela estalou seus dedos, e a multidão cambaleou para frente de novo, braços se erguendo. —Tragam-me a garota. — Ela ordenou enquanto um círculo se apertava ao nosso redor. —Matem o resto.
Ash desembainhou sua espada.
—Não! — Eu gritei, agarrando o braço dele. —Não os machuque. Eles são apenas humanos comuns. Eles não sabem o que estão fazendo.
Ash me atirou um olhar feroz abismado sobre seu ombro. —Então o que você quer que eu faça?
—Eu sugiro que corramos. — Puck propôs, tirando alguma coisa do bolso. Ele a jogou para o grupo, que explodiu em uma tora, prendendo dois homens zumbis assustados no chão, e criando um buraco vazio no círculo ao nosso redor.
—Vamos! — Puck gritou, e nós não precisávamos de encorajamento. Nós saltamos sobre os corpos se debatendo no chão, nos esquivando dos canos que eles sacudiram para nós, e descemos a rua.
A Dríade do City Park
Um barulho de passos nos alertou que estávamos sendo seguidos. Um cano girando voou por cima do meu ombro, batendo no vidro de uma loja. Eu gani e quase caí, mas Ash agarrou minha mão e me puxou para cima.
—Isto é ridículo. — Eu ouvi um rosnado, e me endireitei. —Fugir de uma multidão, uma multidão de humanos. Eu poderia mata-los com um só golpe.
—Talvez você não tenha visto a enorme quantidade de ferro que eles estão carregando. — Puck disse, estremecendo enquanto uma faca que foi lançada passou por ele, derrapando na rua. —É claro, se você quiser fazer uma parada suicida, eu certamente não irei te impedir. Embora, eu ficaria desapontado se você não estivesse vivo para o nosso último duelo.
—Assustado, Goodfellow?
—Só em seus sonhos, principezinho.
Eu não podia acreditar que eles estavam se desafiando, enquanto nós estávamos fugindo para salvar nossas vidas. Eu queria dizer para eles pararem com isso, mas um cano foi lançado no ar, acertando o ombro de Puck. Ele arfou e cambaleou, mal se aguentando, eu gritei com medo.
Zumbidos de risadas ecoaram atrás de nós. Eu virei minha cabeça para ver Vírus flutuando sobre a multidão, seus bichinhos rodopiando em volta dela, como uma tempestade de diamantes. —Vocês podem correr, pequenos faery, mas não podem se esconder. — Ela falou. —Existem humanos em todos os lugares, e todos podem ser meus fantoches. Se vocês pararem agora e entregarem a garota, eu até deixarei vocês escolherem como querem morrer.
Ash rosnou. Ele me empurrou, rodou, e lançou um pedaço de gelo na cabeça de uma mulher. Ela arfou, e um outro zumbi pulou no ar para bloquear o ataque, os cacos o rasgaram no peito. Ele caiu, contraindo-se, e Vírus sibilou como uma vespa furiosa.
—Oh, muito bom, príncipe. — Puck falou enquanto os zumbis moveram-se para frente com gritos furiosos. —Arranjou um jeito de irritá-la.
—Você o matou! — Eu olhei para Ash, aterrorizada. —Você acabou de matar uma pessoa, e nem mesmo era culpa dele!
—Existe vítimas em todas as guerras. — Ash respondeu friamente, me puxando para um canto. — Ele teria nos matado se pudesse. Um soldado a menos para nos preocupar.
—Isto não é uma guerra! — Eu gritei para ele. — E é diferente, os humanos nem mesmo sabem o que está acontecendo. Eles só estão atrás de nós por causa de uma faery louca que está brincando com suas mentes!
—De qualquer jeito, eles ainda devem morrer.
—Sem mais mortes. — Eu rosnei, desejando que nós pudéssemos parar, então eu poderia olhar para ele diretamente. —Você me ouviu, Ash? Encontre outro jeito de pará-los. Você não precisa matar.
Ele olhou para mim de canto de olho, então suspirou irritado. —Como desejar, princesa. Embora você reconsiderará isso antes do anoitecer.
Nós saímos em uma praça iluminada com uma fonte de mármore no centro. Pessoas vagueavam pelas calçadas, e eu relaxei um pouco. Certamente, Vírus não iria nos atacar aqui, na frente de todas essas testemunhas. Faeries podiam se misturar no meio das pessoas, ou ficarem invisíveis, mas humanos, especialmente humanos canalhas, não tinham muito poder.
Ash afrouxou o passo, pegando minha mão e me puxando para seu lado. —Caminhe. — Ele murmurou, arrastando meu braço para me acalmar. —Não corra, isso atrairá a atenção deles.
A multidão que nos perseguia parou à uma certa distância no canto da rua, vagueando como se sempre fizesse isso. Meu coração batia forte, mas eu me forcei a caminhar, segurando a mão de Ash, como se nós estivéssemos saindo para um passeio.
Vírus flutuou na quadra, seus bichinhos estavam em todas as direções, e meu nervosismo aumentou. Eu avistei um policial encostado ao lado de sua viatura, e saí do aperto de Ash, correndo até ele.
A risada de Vírus cortou a noite. —Eu te vejo. — Ela chamou, justo quando eu alcancei o policial.
—Com licença, senhor! — Eu arfei enquanto o policial se virava para mim. —O senhor poderia me ajudar? Tem uma gangue seguindo...
Eu cambaleei para trás horrorizada. O oficial me considerou sem expressão, sua mandíbula suspendendo calmamente, seus olhos vazios de entendimento. Ele atacou, agarrou meu braço, e eu gani, chutando-o. Isso não o perturbou, ele agarrou meu outro pulso.
Os pedestres na praça cambalearam em nossa direção com um vigor renovado. Eu rosnei uma maldição e ataquei o policial, dando uma joelhada em sua virilha. Ele estremeceu e me bateu no rosto, fazendo minha cabeça girar. A multidão se aproximou, agarrando meus cabelos e roupas.
E Ash estava lá, enfiando sua faca dentro da mandíbula do policial, jogando-o para trás. Puck me agarrou, e saltou para dentro da viatura policial, me jogando sobre o capô. Nós ficamos livres da multidão e corremos, a risada de Vírus nos seguiu pela rua.
—Lá na frente! — Grimalkin apareceu ao nosso lado, com sua cauda peluda para fora e seus olhos selvagens. —Está sem uso! Uma carruagem. Usem-na, rapidamente.
Eu olhei através da rua e vi um cavalo sozinho e no topo, a charrete aberta, esperando na calçada para pegar os passageiros. Não era um carro de fuga, mas era melhor do que nada. Nós atravessamos a rua e corremos em direção à carruagem.
Um tiro de arma ressoou atrás de nós.
Puck estremeceu estranhamente e caiu, batendo no pavimento com um grito de agonia. Eu gritei, e Ash imediatamente o pegou, forçando-o a se mover. Nós cambaleamos através da rua, Ash arrastando Puck com ele, enquanto outro tiro encheu a noite. O cavalo relinchou e meio que empinou com o barulho, arregalando os olhos. Eu agarrei as rédeas antes que ele fugisse assustado. Atrás de mim, andando em nossa direção naquela confusão zumbi, eu vi o policial com o braço estendido, apontando seu revólver em nossa direção.
Ash colocou Puck dentro da carruagem, e pulou no assento do motorista, Grimalkin saltou ao lado dele. Eu subi e me agachei ao lado de Puck que estava esparramado no chão da carruagem, arfando. Aterrorizada, eu assisti o sangue escuro surgir ao redor de suas costelas, escorrendo para o chão.
—Segurem-se! — Ash gritou, e apertou as rédeas do cavalo com um grito —Hiya! — O cavalo saltou para frente com um relincho. Nós galopamos através da luz vermelha, mal nos esquivando de um táxi que estava buzinando. Carros com som alto, pessoas gritando e amaldiçoando, e o som da perseguição diminuía atrás de nós.
—Ash! — Eu chorei alguns minutos depois. —Puck não está se movendo!
Preocupado em dirigir a carruagem, Ash mal olhou para trás, mas Grimalkin pulou no chão, e trotou para o corpo. O rosto de Puck estava da cor da casca de um ovo, sua pele gelada e úmida. Eu tentei estancar o sangue usando a manga de seu moletom com capuz, mas tinha muito sangue. Meu melhor amigo estava morrendo, e eu não podia fazer nada para ajudar.
—Ele precisa de um médico. — Eu falei para Ash. —Nós precisamos encontrar um hospital...
—Não. — Grimalkin me interrompeu. —Pense, humana! Nenhum faery iria sobreviver em um hospital. Com todos aqueles instrumentos afiados de metal, ele estaria morto antes da noite cair.
—Então o que vamos fazer? — Eu chorei, à beira da histeria.
Grimalkin pulou novamente para o lado de Ash. —O parque. — Ele disse calmamente. —Vamos leva-lo para o parque. As dríades devem ser capazes de ajuda-lo.
—Devem? E se elas não puderem?
—Aí, humana, eu começaria a rezar por um milagre.
ASH NÃO PAROU NA MARGEM do parque, ao invés disso, ele dirigiu a carruagem sobre a calçada e a grama, embaixo das árvores. Preocupada com Puck, eu não tinha percebido que nós tínhamos parado, até o príncipe se ajoelhar ao meu lado, colocando Puck em um ombro, e sair. Entorpecida, eu o segui.
Nós paramos embaixo dos ramos de dois enormes carvalhos, os galhos retorcidos tampavam completamente o céu noturno. Ash carregou Puck sob os gigantes galhos retorcidos, e o largou na grama.
Nós esperamos.
Duas figuras saíram do tronco da árvore, se materializando em nossa frente. Elas eram duas mulheres magras, com cabelos verde-musgo, e pele como mogno polida. Salientes olhos pretos nos olhavam enquanto as dríades avançavam, houve um cheiro de terra fresca e casca de árvore grossa no ar. Grimalkin e Ash assentiram com a cabeça respeitosamente, eu estava muito preocupada em captar o movimento em tempo.
—Nós sabemos por que vocês vieram. — Uma das dríades falou, sua voz era como um suspiro de vento entre as folhas. —A brisa trouxe um sussurro sobre vocês, notícias das terras distantes. Nós sabemos sobre seu problema com o Rei Iron. Nós temos esperado por você, criança dos dois mundos.
—Por favor... —eu perguntei, andando para frente —...vocês podem ajudar Puck? Ele levou um tiro bem aqui. Eu irei negociar com vocês, darei qualquer coisa que queiram, se puderem salva-lo.
De canto de olho, eu vi Ash me lançar um olhar furioso e obscuro, mas o ignorei.
—Nós não iremos negociar com você, criança. —A segunda dríade murmurou, e eu senti o desespero me afundando. —Não é assim que nós trabalhamos. Nós não somos iguais aos sidhe ou o cait sith, buscando inúmeras maneiras de se fortalecer. Nós simplesmente somos.
—Como um favor, então. — Eu implorei, recusando-me a desistir. —Por favor, ele irá morrer se vocês não o ajudarem.
—A morte faz parte da vida. —A dríade me considerou com seus olhos pretos sem piedade. —Todas as coisas morrem eventualmente, até mesmo um fey, tão velho, como Puck. As pessoas irão esquecer as suas histórias, esquecer que ele existiu, e ele deixará de existir. As coisas são assim.
Eu lutei contra a urgência de gritar. As dríades não queriam ajudar. Elas apenas irão assistir Puck morrer. Fechando meus punhos, eu olhei para as mulheres-árvore, querendo sacudi-las, estrangula-las até que elas concordassem em ajuda-lo. Eu senti uma agitação de... alguma coisa... e a árvore acima de mim suspirou e sacudiu, nos lavando com folhas. Ash e Grimalkin deram um passo para trás, e as dríades trocaram olhares.
—Ela é forte. — Uma sussurrou.
—O seu poder adormece. — A outra respondeu. —A árvore a escutou, a terra respondeu a seu pedido.
—Talvez isso seja o suficiente.
Elas acenaram novamente, e uma delas levantou Puck na altura de sua cintura, andando com dificuldade em direção à árvore. Eles se misturaram à casca da árvore e desapareceram. Eu avancei em alarme.
— O que você está fazendo?
— Não se preocupe. — A dríade, que ficou, falou virando de costas para mim. —Nós não podemos cura-lo, mas podemos parar os danos. Puck irá dormir até que ele esteja bem o suficiente para se reunir novamente com vocês. Pode levar uma noite, ou vários anos, para que ele fique inteiramente bem.
Ela inclinou sua cabeça para mim, deixando cair musgos. —Você e seus acompanhantes podem ficar aqui hoje à noite. Aqui é seguro. Dentro desses limites, os iron fey não irão se aventurar. Nosso poder sobre as árvores e a terra, os manterão afastados. Descansem, iremos chama-los quando for a hora.
Com isso, ela desapareceu na árvore, nos deixando sozinhos, com uma companhia a menos do que quando tínhamos começado.
EU QUERIA DORMIR. Eu queria deitar, apagar, e acordar em um mundo onde meu melhor amigo nunca foi baleado, e meu irmãozinho nunca foi raptado. Eu queria que tudo tivesse acabado, e minha vida voltasse ao normal.
Mas, eu estava tão exausta que não conseguia dormir. Eu vaguei no parque, aturdida, entorpecida com tudo. Ash estava fora falando com umas fey que moravam no parque, e Grimalkin tinha desaparecido, então eu estava sozinha. No luar disperso, faeries dançavam, cantavam e riam, me chamando à distância. Sátiros[78] sopravam melodias em suas flautas, piskies pairavam no ar com suas asas leves, e dríades graciosas dançavam por entre as árvores, seus corpos magros oscilando como gramas ao vento. Eu os ignorei.
No canto de um lago, sob os ramos de outro carvalho gigante, eu sentei, puxei meu joelho contra meu peito, e solucei.
Mermaids[79] foram para a superfície do lago para olhar para mim, e vários piskies vieram em volta, pequenas luzes pairando na confusão. Eu mal os vi. A constante preocupação por Ethan, o medo de perder Puck, e a infeliz promessa para Ash eram demais para mim. Eu chorei até ficar sem fôlego, soluçando tanto que meus pulmões doíam.
Mas, é claro que os fey não deixariam eu me sentir miserável em paz. Enquanto minhas lágrimas escorriam, eu estava consciente que não estava sozinha. Um rebanho de sátiros me cercavam com seus olhos brilhando em melancolia.
— Linda flor. — Um deles disse, dando passos para frente. Ele tinha um rosto escuro, um cavanhaque, e chifres curvando através de seus grossos cabelos pretos. Sua voz era baixa, calma, e tinha um pequeno sotaque de Creole[80]. —Por que tão triste, moça bonita? Venha comigo, e nós iremos fazer você rir novamente.
Eu tremi e me levantei tropeçando. —Não, obri...gada... não. Eu estou bem. Eu apenas preciso ficar sozinha por um tempo.
—Estar solitária é uma coisa horrível. — O sátiro falou, vindo mais para perto. Ele sorriu, charmoso e atraente. Glamour brilhava ao redor dele, e eu vi sua aparência mortal por um segundo: um lindo escolar, saindo pra passear com seus amigos. —Por que não tomamos um café, então você poderá me falar sobre isto?
Ele soava tão sincero, que eu quase acreditei nele. Então eu capturei um brilho de luxúria em seus olhos, nos olhos de seus amigos, e meu estômago se contraiu de medo.
—Eu realmente tenho que ir. — Eu disse, indo para trás. Eles me seguiram, seus olhos famintos e intensos. Eu senti um cheiro de alguma coisa forte no ar e percebi que era almíscar. —Por favor, por favor me deixem sozinha.
— Você irá nos agradecer mais tarde. — O sátiro prometeu, e me atacou.
Eu corri.
O rebanho me perseguiu, gritando e fazendo promessas, que eu iria gostar, que eu precisava me divertir um pouco. Eles eram muito rápidos, e o bode chefe me agarrou de lado, braços em volta da minha cintura. Eu gritei quando ele me levantou, chutando-o e batendo-o. Os outros sátiros se aproximaram, me agarrando, me apalpando, e rasgando minhas roupas.
Senti uma onda de energia, a mesma que eu tinha sentido mais cedo, e de repente o carvalho em volta de nós se moveu. Com um barulho ensurdecedor, um galho torto e grosso como minha cintura, caiu e bateu na cabeça do sátiro. Ele me soltou e cambaleou para trás, e o galho bateu novamente nele no estômago, derrubando-o. Os outros sátiros recuaram.
O garoto bode se abaixou e se levantou, olhando para mim. —Eu vejo que você é um pouco rude. — Ele bufou. Sacudindo sua cabeça, ele correu sua língua sob seus lábios, e andou para frente. —Tudo bem, nós podemos ser rudes, certo, rapazes?
—Assim como eu. — Uma figura escura deslizou para fora das árvores, uma porção de luzes veio para vida. Os sátiros piscaram e apressadamente recuaram, enquanto Ash passava pelo meio do rebanho. Elevando-se atrás de mim, ele deslizou um braço ao redor dos meus ombros e me puxou para seu peito. Meu coração acelerou, e meu estômago girou. —Esta... — Ash rosnou —...está fora de alcance.
—Príncipe Ash? — O sátiro chefe arfou, enquanto o resto do rebanho curvava suas cabeças. Ele empalideceu e levantou suas mãos. —Desculpe-me, Sua Majestade, eu não sabia que ela era sua. Minhas desculpas. Nenhum dano feito, ok?
—Ninguém toca nela. — Ash disse com sua voz bem fria. —Toquem nela, e eu irei congelar seus testículos e coloca-los em um jarro. Entendido?
Os sátiros se encolheram servilmente. Balbuciando desculpas, tanto para Ash quanto para mim, eles curvaram-se e saíram. Ash atirou um olhar para dois piskies que pairavam por perto para assistir, e eles fugiram para dentro das árvores com umas risadinhas. Tudo ficou em silêncio, e nós estávamos sozinhos.
—Você está bem? — Ash murmurou, me soltando. —Eles te machucaram?
Eu estava tremendo. Aquela emocionante onda de poder tinha ido. Agora eu me sentia completamente drenada. —Não. — Eu sussurrei, me movendo para longe. —Eu estou bem. — Eu devia ter chorado, mas não tinha mais nenhuma lágrima. Meus joelhos tremeram e eu tropecei, colocando uma mão contra a árvore para me segurar.
Ash se aproximou. Pegando meu pulso, ele gentilmente me puxou para ele, enrolou seus braços ao meu redor, e me abraçou apertado. Eu estava assustada, mas apenas por um momento. Fungando, eu fechei meus olhos e enterrei meu rosto em seu peito, deixando todos os medos e raivas irem embora sob o toque dele. Eu escutei o seu rápido batimento cardíaco, e senti o frio espetar minha pele através de sua camisa. Estranhamente, não era desconfortável.
Nós ficamos assim por um momento. Ash não falou, não fez perguntas, não fez nada além de me segurar. Eu suspirei, relaxei, e por um pequeno instante, tudo estava bem. Ethan e Puck ainda hesitavam no fundo da minha mente, mas agora, estava bem. Isso era o suficiente.
Então, eu cometi um erro estúpido, e olhei para cima, para ele.
Seus olhos encontraram com os meus, e por um momento, seu rosto estava aberto e vulnerável à luz da lua. Eu capturei um vislumbre de admiração enquanto nós nos olhávamos. Lentamente, ele se inclinou para frente. Eu prendi minha respiração, mas um pequeno suspiro escapou.
Ele endureceu, e sua expressão se fechou, seus olhos ficando duros e gelados.
Me empurrando, ele andou para trás, e meu coração apertou. Ash olhou para as árvores, para as sombras, para a lagoa, para qualquer lugar menos para mim. Esperando recuperar o momento perdido, eu o alcancei, mas ele desviou.
—Isso está ficando repetitivo. — Ele disse em uma voz que combinava com seus olhos. Ele cruzou seus braços e andou para longe, colocando ainda mais distância entre nós. —Eu não estou aqui para brincar de babá, princesa. Talvez você não deva sair vagando por aí sozinha. Eu não quero que você se machuque antes de chegarmos na Corte Unseelie.
Minhas bochechas queimaram, e eu cerrei meus punhos. A lembrança de ser humilhada na cafeteria, tanto tempo atrás, cresceu na minha memória e zombou de mim. —Isso é tudo o que eu sou para você, não é? — Eu rosnei para ele. —Sua chance de ganhar pontos com sua rainha. Isso é tudo com o que se importa.
—Sim. — Ele respondeu calmamente, me enfurecendo ainda mais. — Eu nunca pretendi mais do que isso. Você sabia dos meus motivos desde o começo.
Lágrimas de fúria arderam meus olhos. Eu pensei que eu iria chorar, mas eu estava enganada. —Bastardo. — Eu sibilei. — Puck estava certo sobre você.
Ele sorriu friamente. —Talvez você deva perguntar para Puck por que eu jurei matá—lo um dia. — Ele disse com seus olhos cintilando. —Veja se ele tem a coragem de te dizer um pedaço da história entre nós. — Ele sorriu e cruzou seus braços. —Isto é, se ele algum dia acordar.
Eu abri minha boca para responder, mas com a ventania das folhas, duas dríades apareceram próximas de um tronco. Ash desapareceu dentro da escuridão enquanto elas se aproximaram, me deixando com minhas palavras raivosas não ditas. Eu fechei minhas mãos, querendo bater direto no rosto perfeito do arrogante. Ao invés disso, eu me virei e bati em uma madeira.
As dríades curvaram—se para mim, despreocupadas com a minha ligeira birra.
—Meghan Chase, a Anciã quer ver você agora.
EU AS SEGUI PARA A BASE de um solitário carvalho, seus ramos envoltos em musgos, parecia que estavam pendurados por cortinas mofadas. Ash e Grimalkin já estavam lá, embora Ash nem mesmo me olhou enquanto eu me aproximava. Eu olhei para ele, mas ele continuou me ignorando. Com o gato de um lado, e o príncipe da Corte Winter me acompanhado do outro, entrei sob os ramos do grande carvalho e esperei.
A casca de árvore ondulou, e uma mulher antiga saiu da árvore. Sua pele descamava como uma casca de árvore enrugada, e seu cabelo comprido em castanho-esverdeado era de musgos velhos. Ela se inclinou e curvou, coberta por um manto de liquens que tremiam pelos milhares de insetos e aranhas. Seu rosto lembrava uma nogueira, com linhas e rugas, e quanto ela se moveu, suas articulações rangeram como ramos ao vento. Mas seus redondos olhos eram nítidos e claros, enquanto ela me olhava e acenava com uma mão rugosa.
—Se aproxime, criança. — Ela sussurrou, sua voz farfalhando como folhas secas. Engoli em seco, e fui para frente, até que eu pude ver os insetos em sua pele, ela cheirava à terra. —Sim, você é a filha de Oberon sobre a qual o vento sussurrou. Eu sei por que você está aqui. Você procura um que se chama Rei Iron, certo? Você deseja encontrar a entrada para seu reino.
—Sim, eu murmurei. —Estou procurando por meu irmão. Machina o sequestrou, e estou indo busca-lo.
—Como você é, não será capaz de salva-lo. — A Anciã disse para mim, e meu estômago caiu aos meus pés. – O Rei Iron te espera em seu covil de aço. Ele sabe que você está indo, e você não será capaz de pará-lo. Nenhuma arma feita pelos mortais ou pelas fey podem causa-lo dano. Ele não teme nada.
Ash andou para frente, inclinando sua cabeça respeitosamente. —Anciã... — ele murmurou —...fomos informados que você poderia saber o segredo para matar o Rei Iron.
A velha dríade o considerou solenemente. —Sim, jovem príncipe. — Ela sussurrou. —Você ouviu a verdade. Existe um jeito de matar Machina e acabar com o seu reinado. Você precisa de uma arma especial, uma que não possa ser feita com ferramentas, alguma coisa tão natural quanto uma flor crescendo na luz solar.
Ash inclinou para frente avidamente. —Onde podemos encontrar essa arma?
A dríade anciã suspirou, e pareceu encolher-se. —Aqui. — Ela murmurou, olhando para o grande carvalho, sua voz cheia de tristeza. —A arma que você precisa é a Witchwood[81], proveniente do coração da árvore mais antiga, é tão mortal para Machina quanto o ferro o é para uma fey normal. Uma madeira viva contêm o espírito da natureza, e o poder natural da terra, um veneno para as faeries do progresso e da tecnologia. Fora isso, você não tem chance de mata-lo e salvar a criança humana.
Ash ficou em silêncio, seu rosto severo. Desnorteada, eu olhei para ele, então olhei de volta para a dríade anciã. —Você vai nos dar, não vai? — Eu perguntei. —Se esse é o único jeito de salvar Ethan...
—Meghan... — Grimalkin murmurou da grama —...você não sabe o que está pedindo. Witchwood é o coração da árvore da Anciã. Sem isso, o carvalho irá morrer, assim como as dríades conectadas a ele.
Desanimada, eu olhei para a dríade anciã, cujos lábios estavam curvados em um pequeno sorriso. —É verdade. — Ela sussurrou. —Sem esse coração, a árvore lentamente vai murchando e morrendo. E mesmo assim, eu sabia pelo que você estava vindo, Meghan Chase, e planejei oferecer isto desde o início.
—Não. — Eu disse automaticamente. —Eu não quero. Não assim. Deve existir outro jeito.
—Não tem outro jeito, criança. — A Anciã sacudiu sua cabeça para mim. — E se você não vencer o Rei Iron, nós iremos morrer do mesmo jeito. Seu poder cresce. Quanto mais forte ele se torna, mais Nevernever desaparece. Eventualmente todos iremos murchar e morrer na terra inculta pela lógica e ciência.
—Mas eu não posso mata-lo. — Eu protestei. —Eu não sou uma guerreira. Eu apenas quero Ethan de volta, isso é tudo.
—Você não deve se preocupar com isso. —A dríade assentiu para Ash, que estava silenciosamente parado perto. —O príncipe da Corte Winter pode lutar para você, eu imagino. Ele cheira à sangue e sofrimento. Eu ficarei satisfeita em entregar a Witchwood para ele.
—Por favor. — Eu olhei para ela, suplicando, esperando que ela entendesse. Puck já tinha possivelmente dado sua vida pela minha busca; eu não queria outra morte em minhas mãos. —Eu não quero que você faça isto. Isso é demais. Você não deve morrer por minha causa.
—Eu dou minha vida pela vida de todos os fey. — A dríade respondeu solenemente. —Você será apenas o meu instrumento de salvação. Além do mais, a morte um dia chega para todos nós, no final. Eu já vivi muito, mais do que a maioria. Eu não tenho nenhuma lamentação.
Ela sorriu para mim, um sorriso de uma velha avô, e desapareceu em seu carvalho. Ash, Grim, e as outras dríades estavam parados silenciosamente, suas expressões sérias e sombrias. Um momento depois, a Anciã ressurgiu, agarrando alguma coisa em suas mãos murchas, uma madeira longa e reta, tão pálida que era quase branca, com veias avermelhadas em todo o comprimento. Quando ela se aproximou e ofereceu-a para mim, segundos se passaram antes que pudesse pega-la. Era quente e suave nas minhas mãos, pulsando com vida, e eu quase arremessei longe.
A Anciã colocou uma mão enrugada e nodosa em meu braço. —Mais uma coisa, criança. — Ela acrescentou enquanto eu lutava com a madeira viva. —Você é poderosa, muito mais do que imagina. O sangue de Oberon corre em suas veias, e Nevernever responde aos seus caprichos. Seu talento ainda dorme dentro de você, mas ele vai começar a acordar. Como você vai usa-lo irá modelar o futuro das Cortes, dos fey, do seu próprio destino, de tudo.
—Agora... — ela continuou, soando mais fraca do que antes —...vá e resgate seu irmão. A trod para o reino de Machina é uma fábrica abandonada embaixo do cais. Um guia irá guiar vocês até lá amanhã. Mate o Rei Iron e traga paz para ambos os mundos.
—E se eu não puder? — Eu sussurei. —E se o Rei Iron realmente for invencível?
—Então todos nós iremos morrer. — A dríade anciã disse, e desapareceu em seu carvalho. As outras dríades saíram, me deixando sozinha com o gato, o príncipe, e a madeira. Suspirei e olhei para a madeira em minhas mãos.
—Sem nenhuma pressão, ou qualquer coisa do tipo. — Eu murmurei.
Dragões de Ferro e Packrats[82]
Sairemos de madrugada. Tempo suficiente para eu ter, talvez, duas horas de sono num terreno irregular, e dizer o meu último adeus à Puck. Ele ainda estava dormindo profundamente dentro da árvore, quando acordei horas antes do amanhecer. A Dríade ligada ao carvalho me disse que ele ainda vivia, mas ela não tinha ideia de quando acordaria.
Fiquei ao lado do carvalho durante vários minutos, minha mão contra a casca, tentando sentir sua pulsação através da madeira. Sentia falta dele. Ash e Grimalkin podiam ser aliados, mas eles não eram amigos. Eles queriam me usar para seus próprios fins. Só Puck realmente se importava comigo, e agora ele se foi.
—Meghan. — Ash apareceu atrás de mim, sua voz surpreendentemente suave. —Nós devemos ir. Não podemos nos dar ao luxo de esperar por ele, não se, pode levar meses até que ele acorde. Nós não temos esse tempo.
—Eu sei. — Pressionei a palma da minha mão na casca, sentindo as arestas arranharem minha pele. — Acorde rapidamente. — Eu disse a ele, perguntando-me se ele sonhava, se ele podia sentir o meu toque na árvore. — Acorde rapidamente, e encontre-me. Eu estarei te esperando.
Eu me virei para Ash, que estava vestido para a batalha, com sua espada na cintura e um arco pendurado em suas costas. Olhando para ele, a minha pele formigou.
—Você a tem? — Eu perguntei, para esconder a queimação em meu rosto.
Ele concordou, e suspendeu uma brilhante flecha branca com veias vermelhas ondulando em torno dela. Ash pediu-me a Witchwood na noite anterior, alegando que poderia transforma-la em uma arma adequada, e eu a dei sem hesitação. Agora eu olhava para o dardo, sentindo minha apreensão crescer. Parecia uma coisa tão pequena e frágil para se derrubar o supostamente invencível Rei dos Iron Fey.
—Posso segura-la? — Perguntei, e Ash imediatamente colocou a flecha na palma da minha mão, seus dedos demorando—se sobre os meus. A madeira pulsava em minha mão, um pulso rítmico, como um piscar de olhos, estremeci e a levantei, esperando que ele a pegasse de volta.
—Guarde-a para mim. — Ash disse suavemente, seu olhar preso ao meu. —Esta é a sua missão. Você é quem decide quando deverei usa-la.
Corei e abri minha mochila, empurrando a flecha para dentro. O eixo da flecha se projetando para fora dela, fechei o zíper em torno da flecha, prendendo-a no lugar antes de balançar a coisa sobre meus ombros. A mochila estava pesada agora; na noite passada eu tinha invadido uma fonte do parque, e conseguido, com muito esforço, moedas suficientes para comprar comida e garrafas de água para o resto da viagem. O funcionário do posto de gasolina próximo parecia um pouco chateado por ter que contar um punhado de moedas naquela hora da manhã, mas eu não queria começar a etapa final da nossa viagem de mãos vazias. Esperava que Ash e Grim gostassem de beef jerky[83], cereais e Skittles[84].
—Você tem apenas uma chance. — Eu murmurei. Ash sorriu sem humor.
—Então terei que fazer valer a pena.
Ele parecia tão confiante. Eu me perguntei se ele já esteve com medo, ou se tinha dúvidas sobre o que fazer. Guardar rancor parecia ridículo agora, já que ele estava prestes a me seguir em direção a um perigo mortal. — Olhe, me desculpe por ontem à noite. — Falei. — Eu não queria ser uma psicopata. Eu só estava preocupada com Ethan, com Puck levando um tiro, e tudo o mais...
—Não se preocupe com isso, Meghan.
Pisquei, meu estômago vibrou. Essa foi a primeira vez que ele me chamou pelo nome. —Ash, eu...
—Estive pensando. — Grimalkin anunciou, saltando sobre uma rocha. Eu olhei e soltei um suspiro amaldiçoando seu timing. O gato apareceu sem aviso prévio. — Talvez devêssemos repensar a nossa estratégia. — Ele disse olhando para cada um de nós. —Ocorreu-me que entrar imprudentemente no reino de Machina é uma ideia singularmente ruim.
—O que você quer dizer?
—Bem. — O gato sentou—se e lambeu os dedos de trás. —Levando em conta que ele continua enviando os seus oficiais atrás de nós, eu acho que ele provavelmente sabe que estamos chegando. Por que ele sequestrou seu irmão em primeiro lugar? Machina deve saber que você viria atrás dele.
—Excesso de confiança? — Arrisquei.
Grimalkin balançou a cabeça. —Não. Alguma coisa está faltando. Ou talvez, apenas não a estamos vendo. Para o Rei Iron, uma criança não teria utilidade. A menos que... — o gato olhou para nós, estreitando os olhos. —...estou saindo fora.
—O quê? Por quê?
—Eu tenho uma teoria. — Grimalkin ficou de pé, balançando sua cauda. —Eu acho que sei de outra maneira para chegar ao reino de Machina. Você está convidada a se juntar a mim.
—Uma teoria? — Ash cruzou os braços. —Nós não podemos quebrar o plano por um palpite, Cait Sith.
—Mesmo que o caminho que você irá, nos levará direto para uma armadilha?
Eu balancei minha cabeça. —Temos que arriscar. Nós estamos tão perto, Grim. Não podemos voltar atrás. —Ajoelhei-me na cara de Grimalkin, olho no olho. —Venha conosco. Precisamos de você. Sempre nos apontaste a direção certa.
—Eu não sou um lutador, humana. — Grimalkin sacudiu a cabeça e piscou. —Você tem o príncipe para isso. Acompanhei-lhe para mostrar o caminho até seu irmão, e para minha própria diversão. Mas conheço minhas limitações. — Ele olhou para Ash e fixou suas orelhas. —Eu não seria útil para vocês lá. Não pelo caminho que vocês estão indo. Então, é hora de definirmos nossas dívidas, e nos separarmos.
Isso mesmo. Eu ainda devia um favor ao gato. Um desconforto me agitou. Eu esperava que o gato não pedisse a minha voz, ou o meu futuro filho. Eu ainda não sabia o que se passava naquela cabeça tortuosa. —Certo. — Suspirei, tentando manter minha voz firme. Ash moveu-se para ficar atrás de mim, uma presença discreta e confiante. —Trato é trato. O que você quer, Grim?
O olhar de Grimalkin penetrou o meu. Ele sentou-se direito, agitando sua calda. —Meu preço é este... — declarou —...quero poder te chamar, uma vez, em um momento de minha escolha, sem perguntas. Esta é a dívida comigo.
Um alívio me inundou. Isto não soava tão ruim. Ash, no entanto, fez um som de pensativo e cruzou os braços.
—Uma convocação? — O príncipe parecia confuso. —Estou te estranhando, Cait Sith. O que espera conseguir com ela?
Grimalkin o ignorou. —Quando eu chama-la. — Continuou, olhando-me. —Você deverá vir imediatamente, sem interrupção. E deverá me ajudar de qualquer maneira que seja capaz. Esses são os termos de nosso acordo. Você estará ligada à mim até que os cumpra.
—Está bem. — Concordei. —Posso viver com isto. Mas se me chamar, como saberei onde te encontrar?
Grimalkin deu uma gargalhada. —Não se preocupe com isso, humana. Você saberá. Mas por agora, devo deixar-lhe. — Ele ficou quieto, inclinando a cabeça para mim, depois para Ash. —Encontraremo-nos de novo.
Então deslizou para o chão, com sua calda levantada e desapareceu.
Sorri tristemente. —E então, restaram apenas dois.
Ash aproximou-se e tocou meu braço, uma breve carícia, como uma pluma. Olhei-o, e ele me deu um sorriso pequeno e atraente, um de desculpa e ânimo, uma promessa silenciosa de que não me deixaria. Dei-lhe um sorriso trêmulo e resisti ao impulso de inclinar-me para ele, querendo sentir seus braços ao meu redor mais uma vez.
Uma Piskie caiu, como uma espiral dos galhos, deslizando há poucos centímetros do meu rosto. Sua pele era azul, com cabelo de dente de leão[85] e asas translúcidas, ela mostrou-me a língua e se moveu rapidamente para Ash, pousando em seu ombro. Ash sacudiu a cabeça enquanto a Piskie sussurrava algo em seu ouvido. Um canto de sua boca se inclinou, me olhou, e sacudiu a cabeça. A Piskie riu e girou no ar novamente. Eu fiz uma careta, perguntando-me o que estavam falando de mim, depois decidi que não me importava.
—Esta é Seedlit. — Ash disse, enquanto a Piskie girava pelo ar como um colibri bêbado. —Ela nos guiará até os anões, e depois até a fábrica. Depois disso, estaremos sozinhos.
Assenti, meu coração martelava em meus ouvidos. Esta era a última parte da viagem. No final seria Machina e Ethan, ou a morte. Sorri com ousadia irrefletida, e levantei o queixo. —Está bem, Sininho[86]. — Eu disse para a Piskie, que me deu um zumbido indignado. —Nos guie.
SEGUIMOS A LUZ BRILHANTE até a beira do rio, onde a água fria e calma do Mississipi agitava-se sob o céu cinza. Não falamos muito. Ash caminhava ao meu lado, nossos ombros quase se tocando. Depois de vários minutos em silêncio, rocei sua mão. Ele curvou seus dedos ao redor dos meus, e caminhamos assim até alcançarmos a fábrica.
Um prédio de aço enferrujado, escondido atrás de uma cerca de malha, uma escura mancha contra o céu. Seedlit murmurou algo para Ash, que assentiu gravemente, antes de afastar-se para ficar longe de vista. Ela havia nos trazido tão longe o quanto podia, agora estávamos sozinhos.
Quando nos aproximamos do portão, Ash hesitou um pouco, com um olhar doloroso em seu rosto.
—O que foi?
Ele fez uma careta. —Nada. Apenas... — ele inclinou a cabeça para a cerca —...muito ferro. Posso senti-lo daqui.
—Dói?
—Não. — Ele sacudiu a cabeça. —Teria que toca-lo para sentir dor. Mas é exaustivo. — Ele estava incomodado em admitir isso. —Fica difícil usar o glamour.
Sacudi o portão de modo experimental. Não iria ceder. Grossas correntes envolviam a entrada, trancada com um cadeado e protegida por arame farpado enrolado na parte superior da cerca.
—Dê-me sua espada. — Eu disse à Ash.
Ele piscou para mim. —O quê?
—Dê-me sua espada. — Repeti. —Nós temos que entrar, você não gosta de tocar no ferro, certo? Dê-me a espada e me encarregarei disto.
Ele parecia indeciso, mas pegou sua espada e ofereceu-a para mim, pelo cabo. Peguei a arma com cuidado, o cabo estava dolorosamente frio, a lâmina emitia uma aura azul congelada. Levantei-a sobre minha cabeça e a levei para baixo cortando o cadeado que unia a entrada. As partes se romperam como se fossem feitas de vidro, quebrando-se com um som metálico. Satisfeita, agarrei o cadeado para retira-lo, mas o metal queimava como fogo, e o soltei com um grito.
Ash estava ao meu lado, pedindo sua espada enquanto eu agitava meus dedos chamuscados e doloridos. Depois de embainhar sua arma, ele agarrou minha mão e virou a palma para cima. Uma linha vermelha cruzava meus dedos, enrijecida e formigando com o tato.
—Pensei que eu fosse imune ao ferro. — Choraminguei.
Ash suspirou.
—Você é. — Murmurou, indo para longe da cerca e suas qualidades “drenantes de glamour”. Sua expressão era uma mistura de diversão e irritação. —No entanto, pegar em um metal super frio é ainda muito desagradável para uma fey da Corte Summer, não importa quem você seja.
—Oh.
Ele sacudiu sua cabeça, examinando a ferida novamente. —Não está congelada. — Murmurou. —Vai fazer bolha, mas você ficará bem. Talvez perca uns dois dedos.
Olhei-o duramente, mas ele estava rindo. Por um momento, fiquei sem palavras. Meu Deus, o Príncipe da Corte Winter agora estava fazendo piadas, o mundo deve estar acabando. —Isso não é legal. — Assobiei, batendo nele com minha outra mão. Ele afastou—se facilmente, com a diversão ainda em seu rosto.
—Você é parecida com ela. — Murmurou tão suavemente que mal o escutei. E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele virou-se, tirou sua espada, e retirou os cadeados da porta. Eu a abri com um ruído, e Ash observou o recinto com cautela.
—Fique perto de mim. — Murmurou, e entramos com cuidado.
Grandes pilhas de ferro velho amontoavam-se no pátio pelo qual caminhávamos, as pontiagudas pontas brilhavam sob os débeis raios da madrugada. Ash se contraía de dor toda cada vez que passávamos por uma, mantendo um olhar cauteloso sobre elas, como se fossem saltar e ataca-lo. Estranhas criaturas corriam pelos montes de metal, diminutos homens com traços de rato e rabos pelados.
Quando mordiscavam um pedaço de metal, este enferrujava sob seus dentes. Não nos incomodaram, apesar de Ash estremecer cada vez que via um, suas mãos jamais abandonavam sua espada.
As portas de ferro tinham mais cadeados ao seu redor, mas a espada de gelo os cortou facilmente. Ao entrar, olhei ao redor lentamente, meus olhos se ajustavam à luz fraca. Parecia um armazém comum, vazio e escuro, mesmo que se ouvissem sons nos cantos. Mais montanhas de sucata poluíam a penumbra, algumas maiores que eu.
Onde está a Trod? Perguntei-me, entrando mais. Grades de metal cobriam o piso, pressionando através dos meus sapatos. Ash hesitou, parando na entrada.
Vapor flutuava sobre o solo, enrolando-se ao redor das minhas pernas. Contra a parede do fundo, vi que uma das grades havia sido levantada, deixando um enorme buraco quadrado. Fumaça fervia da abertura. Ali!
Fui até o buraco. Da entrada, Ash me disse para parar. Antes que meus nervos pudessem fazer soar um aviso, uma pilha de sucata se moveu. Então, com um grito que fizeram meus dentes bater, o monte desmoronou, soltando faíscas no ar enquanto se arrastava pelo piso. Da bagunça, levantou-se um longo pescoço, feito de ferro, cabos e vidros quebrados. A cabeça de um réptil me olhou, fragmentos de metal eriçaram-se de sua cabeça. Então o monte completo tremeu, transformando-se em um enorme lagarto de ferro e aço, com garras de metal curvado, e uma cauda irregular espinhosa.
O dragão rugiu, um grito metálico ensurdecedor que fez com que meus olhos quisessem sair da minha cabeça. Ele atacou e eu me arrastei para trás de outro monte, rezando que não fosse um dragão também. O dragão protestou e continuou, emitindo vapor de suas narinas abertas, as garras de aço tilintando sobre o chão.
Uma descarga de dardos de gelo voou pelo ar, batendo na cabeça do dragão e se quebrando inofensivamente fora de sua cabeça. Ele gritou e pulou, olhando para Ash, que estava no outro extremo do recinto com sua espada desembainhada. Chicoteando seu rabo, o dragão atacou, faíscas voando de suas garras enquanto se dirigia para Ash. Meu coração foi parar em minha garganta.
Ash fechou seus olhos por um momento, então se encolheu, e apontou a extremidade de sua espada para o chão. Houve um brilho de luz azul, e o gelo estendeu-se rapidamente da ponta da espada, cobrindo o chão e revestindo tudo de cristal. Minha respiração ficou suspensa no ar, formaram-se pingentes no alto das vigas. Estremeci violentamente pelo repentino frio enquanto a sucata congelava, irradiando um frio absoluto.
Ash saltou para o lado quando o dragão o alcançou, movendo-se facilmente sobre o gelo, como se fosse um chão normal. Incapaz de parar, o dragão bateu contra a parede, e pedaços de metal voaram por todos os lados. Ele resmungou e lutou para se levantar, derrapando no piso escorregadio, seu rabo chicoteando. Ash saltou para frente e deixou escapar um longo assobio, enviando um turbilhão de gelo, girando através do ar. O dragão grunhiu quando a nevasca o rodeou, cobrindo-o de gelo e neve. A geada endureceu seu corpo de metal, sua luta ficou cada vez mais fraca, enquanto o gelo o levava para baixo.
Ash parou, ofegando fortemente. Rolou para longe do dragão congelado, e reclinou-se contra uma viga, fechando seus olhos. Eu meio que corri, tropeçando e escorregando sobre o gelo, até alcança-lo.
—Você está bem?
—Nunca mais… — Murmurou, quase para si mesmo. Seus olhos ainda estavam fechados, e eu não estava certa se ele sabia que eu estava ali. —Não verei isso acontecer de novo. Não... perderei outra... assim. Não posso...
—Ash? — Sussurrei, tocando seu braço.
Seus olhos abriram-se, e seu olhar caiu sobre o meu. —Meghan. — Murmurou, parecendo um pouco confuso por que eu ainda estava ali. Ele piscou e agitou a cabeça. —Por que você não correu? Tentei dar-lhe tempo. Devia ter continuado.
—Você está louco? Não podia te deixar com esta coisa. Agora, vamos. — Peguei sua mão afastando-o da viga enquanto olhava nervosamente para o dragão congelado. — Vamos sair daqui. Acho que essa coisa piscou para nós.
Seus dedos apertaram os meus, e ele me puxou. Assustada e perdendo o equilíbrio, olhei-o, e então ele estava me beijando.
Congelei pela surpresa, mas apenas por um instante. Envolvendo meus braços em torno de seu pescoço, me levantei na ponta dos pés para alcança-lo, beijando-o de volta com uma fome que surpreendeu a ambos. Ele apertou-me, levando-me para mais perto dele, e eu passei as mãos por seu sedoso cabelo, deslizando-o por entre meus dedos. Seus lábios estavam frios sobre os meus, e minha boca formigava. E por um momento, não existiu Ethan, nem Puck, nem Rei Iron. Apenas isto.
Ele se afastou, ligeiramente sem fôlego. Meu sangue correu, e inclinei minha cabeça sobre seu ombro, sentindo os duros músculos de suas costas. Senti-o tremer.
—Isto não é bom. — Ele murmurou, sua voz curiosamente agitada. Mas ainda sem me soltar. Fechei meus olhos e ouvi o rápido batimento de seu coração.
—Eu sei. — Sussurrei de volta.
—As Cortes nos matarão se souberem.
—Sim.
—Mab me acusaria de traição. Oberon acreditaria que estou fazendo você se voltar contra ele. Ambos veriam nisso um motivo de exílio, ou de execução.
—Sinto muito.
Ele suspirou, enterrando seu rosto em meu cabelo. Sua respiração estava fria sobre meu pescoço, e eu estremeci. Nenhum dos dois disse nada pelo que pareceu ser um longo tempo.
—Pensaremos em algo. — Arrisquei.
Ele concordou com a cabeça e se afastou, mas tropeçou ao dar um passo para trás. Dei-lhe meu braço de novo.
—Você está bem?
—Ficarei bem. — Ele soltou meu cotovelo. —Muito ferro. O feitiço exigiu muito de mim.
—Ash...
Um estrondo ensurdecedor nos interrompeu. O dragão liberou uma pata e a bateu contra o chão. Apareceram mais fendas no gelo enquanto lutava para livrar-se, derramando gelo. Ash pegou minha mão e corremos.
Com um enfurecido assobio, o dragão destroçou sua prisão de gelo, enviando estilhaços para o ar. Corremos à toda velocidade através do galpão, ouvindo o dragão nos perseguindo, suas garras cravando no solo gelado. O buraco sem grade apareceu adiante, e nos lançamos nele, saltando através do vapor e caindo direto para o desconhecido. O bramido frustrado do dragão soou sobre nossas cabeças, enquanto nuvens de vapor nos envolviam, e tudo ficou branco.
NÃO ME LEMBRO DE ATERRISSAR, mesmo estando consciente de que Ash segurava minha mão enquanto o vapor clareava tudo ao nosso redor. Com olhos bem abertos, ambos observamos horrorizados em volta.
Uma retorcida paisagem estendia-se ante nós, árida e escura, o céu de um amarelo-cinza doente. Montanhas de escombros enchiam a terra: computadores velhos, carros enferrujados, televisores, telefones, rádios, todos empilhados em enormes montes que cobriam tudo. Algumas das pilhas estavam em chamas, queimando-se com uma espessa e asfixiante névoa tóxica. Um vento quente soprava através do deserto, agitando a poeira em brilhantes redemoinhos, girando a roda de uma antiga bicicleta jogada em um monte de sucata. Pedaços de alumínio, latas velhas, e pedaços de espuma rodavam pelo chão, e um forte odor de cobre flutuava pelo ar, obstruindo minha garganta. As árvores aqui eram coisas doentes, curvadas, e murchas. Algumas tinham lâmpadas, e baterias que pendiam como frutas brilhantes.
—Isto é Nevernever. — Ash murmurou. Sua voz era desgostosa. —Em algum lugar nessa profunda confusão, eu suponho. Sem dúvida a floresta está morrendo.
—Isto é Nevernever? — Perguntei, olhando ao redor horrorizada. Ainda me lembrava da fria e imaculada beleza de Tir Na Nog, as cores deslumbrantes da Corte Summer. —De forma alguma era assim. Como pôde chegar a isso?
—Machina. — Ash respondeu. —Os territórios adquirem o aspecto de seus governantes. Suponho que seu reino é muito pequeno agora, mas se expande, ele englobará a floresta e eventualmente destruirá Nevernever.
Pensei que odiava Faeryland, e tudo nela, mas isso foi antes de Ash. Este era seu lugar. Se Nevernever morresse, ele morreria também. Além de Puck, Grim, e todos os outros que conheci em minha estranha viagem aqui. —Temos que detê-lo. — Exclamei, olhando em torno da paisagem morta. A fumaça fez cócegas em minha garganta, fazendo-me querer tossir. —Não podemos deixar que isto se estenda.
Ash deu um sorriso frio e aterrorizante. —Por isso estamos aqui.
Lentamente, abrimos caminho através das montanhas de sucata, mantendo um olhar cauteloso sobre qualquer coisa que pudesse adquirir vida e nos atacar. Pelo canto do olho captei movimento e me virei para ele, com medo de outro dragão disfarçado de inofensivos escombros. Desta vez não era um dragão, e sim, várias criaturas pequenas e corcundas balançando-se de lá para cá, entre os montes. Pareciam Gnomos murchos, curvados pelos enormes montes de coisas empilhadas em suas costas, como gigantes caranguejos ermitãos. Quando encontravam algum objeto que lhes agradavam: um jogo quebrado, aros de bicicletas, eles os juntavam ao montante em suas costas, e se arrastavam para o próximo monte. Algumas de suas coleções eram grandes e bastante impressionantes, de uma maneira triste. Algumas das criaturas vieram e nos cercaram, balançando-se com redondos e brilhantes olhos curiosos. Ash pegou sua espada, mas eu coloquei uma mão sobre seu braço. Senti que estes seres não eram perigosos, e talvez eles pudessem nos mostrar a direção correta.
—Olá. — Eu os cumprimentei suavemente enquanto nos rodeavam, bufando como cães impacientes. — Não queremos causar nenhum problema. Estamos um pouco perdidos.
Eles inclinaram suas cabeças, mas não disseram nada. Alguns se aproximaram e vários dedos longos se estenderam para bisbilhotar minha mochila, mexendo no material brilhante. Não maliciosamente, mas sim, curiosos, como gaivotas beliscando um cogumelo. Dois deles se amontoaram ao redor de Ash, tocando a bainha de sua espada. Ele se moveu inquieto, e se afastou.
—Preciso encontrar o Rei Machina. — Eu disse. —Podem nos mostrar onde ele vive?
Mas as criaturas não estavam prestando atenção, muito ocupadas tocando minha mochila e cochichando entre eles. Um deu um puxão experimental na mochila que quase me derrubou.
Em um brilho de luz azul, Ash pegou sua espada. As criaturas recuaram, seus olhos arregalados e fixos na lâmina brilhante. Alguns tremiam os dedos, como se quisessem toca-la, mas eram muito espertos para se aproximarem.
—Vamos. — Murmurou Ash, apontando sua espada para qualquer Gnomo que se aproximasse. — Não vão nos ajudar. Vamos embora daqui.
—Espere. — Peguei em sua manga enquanto se virava. —Tenho uma ideia.
Tirando a mochila, abri o zíper lateral, estendi minha mão, e peguei meu iPod quebrado há tempos. Dando um passo para frente, levantei-o para o alto, vendo que os Gnomos o seguiam com olhares arregalados e fixos.
—Um trato. — Eu disse baixinho. Eles me olharam sem piscar. —Vêem isto? — Eu disse, agitando o iPod para trás e para frente. Eles o seguiram, como cães olhando um osso. —Darei para vocês, mas em troca, levem-me ao Rei Iron.
Os Gnomos giraram e cochicharam um com o outro, ocasionalmente olhando para atrás para ter certeza que ainda estávamos ali. Finalmente, um deles deu um passo para frente. Um triciclo balançava-se na parte superior de seu monte. Olhou-me fixamente, e fez sinal para que eu o seguisse.
Seguimos as estranhas e pequenas criaturas, a quem secretamente apelidei de Packrats, através do deserto de sucata, atraindo olhares curiosos dos outros residentes que viviam ali. Vi mais homens parecidos com ratos, cujos dentes enferrujavam o metal, alguns cães esqueléticos vagando, e insetos de ferro rastejando sobre tudo. Uma vez, à distância, eu consegui ver, aterrorizada, outro dragão saindo do monte de sucata. Menos mal, ele moveu-se para uma posição mais confortável para dormir, e voltou ao seu disfarce perfeito como uma pilha de sucata.
No final, as montanhas de sucatas diminuíram e o líder dos Packrats sinalizou com um longo dedo para uma árida planície. Através de uma planície cinza rachada, recoberta com lava e milhões de luzes tremeluzentes, uma ferrovia se estendia à distância. Máquinas descomunais, como enormes escaravelhos de ferro, permaneciam ao seu lado, soprando vapor. Uma progressiva torre negra erguia-se da terra, uma silhueta contra o céu coberta de névoa e uma fumaça trêmula.
Fortaleza de Machina.
Ash respirou tranquilo. Fiquei olhando a imponente torre, meu estômago revirando-se com medo, até que um puxão em minha mochila me arrancou do torpor. Um Packrat estava ali, um olhar de expectativa em sua cara, dedos movimentando-se.
—Oh, sim. — Tirando o iPod, entreguei-o solenemente. —Trato é trato. Espero que aproveite.
O Packrat sorriu de alegria. Apertando o instrumento em seu peito, escapuliu como um enorme caranguejo, desaparecendo no deserto de sucata. Ouvi um murmúrio excitado, e o imaginei exibindo seu troféu para que todos o vissem. Então, as vozes desapareceram e estávamos sozinhos.
Ash virou-se para mim e percebi o quão mal ele estava. Sua pele estava pálida, havia sombras em seus olhos e seu cabelo estava úmido de suor.
—Ficará bem? — Sussurrei.
Um canto de sua boca se curvou. —Veremos, não é?
Peguei em sua mão, envolvendo meus dedos em torno dos seus, e a apertei. Ele levou minha mão até seu rosto e fechou os olhos, como que tomando força com meu toque. Juntos, descemos ao coração do Reino de Machina.
Cavaleiros da Coroa Iron
—Não olhe agora... — murmurou Ash, depois de estarmos há horas caminhando —...mas estão nos acompanhando.
Estiquei a cabeça por cima do meu ombro. Estávamos seguindo a estrada de ferro, caminhando em sua lateral em vez de andar diretamente sobre os trilhos, em direção à imponente fortaleza e não havíamos encontrado nem uma criatura, Fey ou outra coisa, durante a viagem. Os postes sobressaiam do chão, iluminando o caminho e os gigantes de ferro, lembrando-me dos veículos de uma animação japonesa na era à vapor escondidos ao longo dos trilhos, apitando e liberando fumaça. Através do vapor retorcido, era difícil ver algo além de uns poucos metros.
De repente, uma pequena e familiar criatura escapou rapidamente dos trilhos, desaparecendo entre a fumaça. Pude ver um triciclo aparecendo através de um monte de sucata e franzi o cenho. — Por que os Packrats estão nos seguindo?
— Packrats? — Ash sorriu para mim.
— Sim, você sabe, colecionam coisas brilhantes, amontoando-as em seus abrigos. Packrats. Ah! É igual. — Lancei-lhe um olhar brincalhão, preocupada demais para me aborrecer. Ash nunca se queixou, mas eu podia notar que o ferro que estava por todo lado estava lhe afetando. —Quer parar em algum lugar para descansar?
—Não. — Ele pressionou a palma de sua mão contra um dos olhos, como se estivesse tentando parar uma dor de cabeça. — Isso não mudaria nada.
A retorcida paisagem continuava. Deixamos para trás as poças de lava derretida, borbulhando e resplandecendo por causa do calor. As chaminés sobressaiam, lançando grandes jorros de fumaça negra que poluía o céu amarelo-cinza. Os raios arqueavam e crepitavam entre as espumantes torres metálicas, e o ar zumbia com a eletricidade. Uns tubos cruzavam-se pelo solo, deixando escapar o vapor vindo das válvulas e juntas, uns cabos negros atravessavam o céu sobre nossas cabeças. O forte odor de ferro, óxido, e vapor obstruíam minha garganta, e faziam meu nariz arder.
Ash quase não falava, caminhava dando tropeções sem se deixar abater. Minha preocupação por ele era um nó constante em meu estômago. Eu estava fazendo isso com ele, era o acordo comigo que o obrigava a me ajudar, apesar de está-lo matando lentamente. Mas não podíamos voltar atrás, eu só poderia observar impotente o quanto Ash lutava para continuar. Sua respiração arranhava dolorosamente sua garganta, e ele ficava mais pálido à cada hora. O medo me rasgava por dentro. Eu estava aterrorizada, ele iria morrer e me deixar sozinha neste lugar escuro e retorcido.
Passou-se um dia, e a torre de ferro agigantava-se negra e ameaçadora sobre nós, mesmo que ainda distante. A cor amarelo-cinza doente do céu escureceu, e a silhueta nebulosa da lua brilhava entre as nuvens. Parei e olhei para o céu. Sem estrelas. Nenhuma. As luzes artificiais refletiam-se na névoa, fazendo com que a noite tivesse tanta claridade quanto o dia.
Ash começou a tossir, apoiando uma mão contra uma parede decadente, para manter o equilíbrio. Coloquei meus braços ao seu redor, segurando-o constantemente enquanto ele se apoiava em mim. Os violentos estalos de sua tosse fizeram com que meu coração se apertasse. —Temos que descansar. — Murmurei olhando ao redor, procurando um lugar para acamparmos. Um grande tubo de cimento estava meio enterrado debaixo dos trilhos, coberto de pichação, eu apontei para ele. —Vamos.
Desta vez ele não protestou, me seguiu abatido, e entrou no refúgio de cimento. O tubo não era alto o suficiente para ficarmos de pé, e o chão estava salpicado de pedaços de vidro colorido. Não era o melhor dos acampamentos, mas pelo menos não era de ferro. Afastei com um chute uma garrafa quebrada e ele sentou-se com cuidado, ignorando minha mochila.
Desembainhando a espada com um puxão, Ash sentou-se de frente para mim sem disfarçar um gemido. A flecha Witchwood vibrou quando eu abri o zíper da mochila e procurei a comida e a garrafa de água dentro dela.
Abrindo com um rasgão um pacote de carne seca, eu o ofereci para Ash. Ele disse não com a cabeça, seus olhos pareciam cansados e sem brilho.
—Você tem que comer alguma coisa. — Eu o repreendi, enquanto mordiscava a carne seca. Eu mesma não estava particularmente faminta, estava muito cansava, sentia muito calor e estava muito preocupada para ter apetite, mas queria ter algo no estômago. — Tenho cereal ou doce, se você quiser outra coisa. Aqui estão. — Agitei um saco de mistura de amendoim diante dele. Ele o olhou em dúvida, e eu franzi a testa. — Sinto muito, mas não vendem comida faery nos supermercados. Coma.
Em silêncio, ele aceitou o saco e pegou um punhado de amendoins e passas. Olhei para longe, onde a torre negra e ameaçadora abria um buraco nas nuvens. — Quanto tempo acha que demoraremos para alcança-la? — Murmurei, apenas para que ele voltasse a falar.
Ash enfiou todo o punhado na boca, o mastigou e o engoliu, sem entusiasmo. — Eu diria que no máximo um dia. — Respondeu apoiando o saco. —Depois disso... — ele suspirou e seus olhos escureceram —...duvido muito que eu possa voltar a ser útil.
Meu estômago contraiu-se de medo. Eu não podia perde-lo agora. Já tinha perdido muito, parecia um tanto cruel que Ash não pudesse chegar até o final de nossa aventura. Eu precisava dele como nunca havia precisado de alguém antes. Eu te protegerei, pensei, surpreendendo a mim mesma. Conseguirá superar isto, eu prometo. Simplesmente não morra Ash.
Ash encontrou meu olhar, como se pudesse perceber o que eu pensava, com seus olhos cinzentos sob as sombras da tubulação. Perguntei-me se minhas emoções estavam espalhando meus pensamentos, se Ash podia ler a aura de glamour que me rodeava. Por um momento, hesitou como se estivesse lutando uma batalha interior. Então, com um suspiro de resignação, sorriu fracamente para mim e estendeu-me a mão. Eu a peguei, e ele a puxou abraçando-me, colocando-me diante dele, envolvendo seus braços ao redor da minha cintura. Recostei-me contra seu peito e ouvi seu coração. Cada batida me dizia que isto era real, que Ash estava aqui, vivo, e ainda comigo.
O vento se intensificou, cheirando a ozônio e a algum outro odor químico estranho. Uma gota de chuva bateu na borda da tubulação, e uma pequena brisa de fumaça formava espirais no ar. Exceto por sua lenta respiração, Ash estava completamente imóvel, como se temesse que qualquer movimento brusco me assustasse. Eu me abaixei e desenhei com meus dedos o perfil de seu braço, maravilhada pela pele suave e fresca sob meus dedos, como gelo vivo. Senti-o tremer, escutando sua respiração irregular.
— Ash?
— Humm?
Umedeci os lábios. — Por que você prometeu matar Puck?
Ele se moveu bruscamente. Senti seus olhos em minha nuca e mordi o interior da minha bochecha, desejando poder desculpar-me, me questionando, o que foi que me fez perguntar isso a princípio. —Não importa. — Eu lhe disse, agitando uma mão. —Esqueça. Não tem que me contar. Estava apenas me perguntando...
Quem é você realmente? O que Puck fez para que o odeie? Quero entender você. Sinto que não conheço nenhum dos dois.
Algumas gotas mais de chuva bateram no solo, assobiando em meio ao silêncio. Mastiguei as tiras de carne seca e fiquei olhando a chuva, hiper consciente do corpo de Ash, de seus braços ao redor da minha cintura. Eu o ouvi colocar—se em uma posição mais confortável e suspirar.
—Foi há muito tempo. — Murmurou, com sua voz quase perdida no vento que subia. — Antes de você nascer. As Cortes Winter e Summer ficaram em paz durante várias estações. Sempre havia pequenas brigas entre as Cortes, mas na realidade deixamo-nos uns aos outros em paz durante um período que foi o mais longo de muitos séculos.
— Próximo do final do verão. — Continuou, um pouco de dor começou a ser percebida em sua voz. — As coisas começaram a mudar. Os Feys não lidam bem com o tédio, e alguns dos membros mais impacientes começaram novamente a fazer piadas com a Corte Summer. Deveria ter percebido que haveria problemas, mas nessa época, não pensava em política. Toda a Corte estava entediada e inquieta, mas eu... — sua voz cortou, apenas por um momento, antes de continuar —... estava com minha dama, Ariella Tularyn.
Senti como se me roubassem o ar. Sua dama. Ash tinha estado comprometido, uma vez. E, a julgar pela dor escondida em sua voz, ele a amava muito. Fiquei tensa, de repente fiquei muito consciente da minha respiração, de seus braços ao redor da minha cintura. Ash não parecia perceber.
—Estávamos caçando na floresta selvagem. — Continuou, apoiando o queixo sobre minha cabeça. — Seguindo o rumor de uma raposa dourada que havia sido vista na região. Havia três de nós neste dia caçando juntos. Ariella, eu e..., e Robin Goodfellow.
—Puck?
Ash mexeu—se desconfortável. Um trovão rugiu ao longe, disparos de raios verdes cruzavam o céu. — Sim. — Murmurou, como se doesse dize-lo. —Puck. Puck foi... foi um amigo, em outros tempos. Não sentia vergonha de chama-lo assim. Então, nós três nos encontrávamos sempre na floresta selvagem, longe da censura das Cortes. Não nos importavam as regras. Naquele momento, Puck e Ariella eram meus companheiros mais próximos. Eu confiava neles completamente.
— O que aconteceu?
A voz de Ash foi suavizando-se com as lembranças enquanto continuava. —Estávamos caçando. — Explicou de novo. —Seguindo a nossa presa em um território que nenhum de nós havia visto antes. A floresta selvagem é enorme, e algumas partes estão mudando constantemente, por isso pode ser perigoso, mesmo para nós. Rastreamos a raposa dourada durante três dias, através de florestas desconhecidas e montanhas, fazendo apostas sobre de quem seria a flecha que finalmente lhe faria cair. Puck se gabou de que a Corte Winter com certeza perderia para a Corte Summer, e Ariella e eu nos gabamos mas do contrário. Enquanto a floresta que nos rodeava escurecia e se tornava mais selvagem. Nossos cavalos eram corcéis Fey cujos cascos não tocavam o solo, mas estavam cada vez mais nervosos. Deveríamos ter prestado atenção neles, mas não o fizemos; nosso obstinado orgulho nos fez seguir em frente como se fôssemos bobos.
—Finalmente no quarto dia, chegamos a um lugar com um precipício formando um grande buraco. Do outro lado, correndo pelo topo, estava a raposa dourada. O buraco que nos separava não era profundo, mas era amplo e estava cheio de sombras e de plantas daninhas emaranhadas, o que tornava difícil ver o que havia lá embaixo.
—Ariella queria dar a volta, apesar de nos tomar mais tempo. Puck não concordou, insistindo que perderíamos a nossa presa a menos que cavalgássemos através do buraco. Discutimos. Eu me coloquei do lado de Ariella, mesmo que não encontrasse razão para seu receio, se ela não estava disposta a seguir em frente, eu não iria obriga-la.
—Puck, no entanto, tinha outras ideias. Enquanto eu dava a volta com meu cavalo, Puck soltou um grito e deu um tapa no cavalo de Ariella para ir em direção à gruta, depois esporeou seu próprio cavalo para seguir em frente. Eles caíram da borda, correndo pelo despenhadeiro, com Puck gritando que o alcançasse se pudéssemos. Não tive mais escolha senão, segui-los.
Ash ficou em silêncio, com o olhar sombrio e atormentado. Olhou para longe até que eu não pude suportar mais. —O que aconteceu? — Sussurrei.
Ele soltou uma gargalhada amarga. —Ariella tinha razão, claro. Puck nos levou diretamente para um ninho de Wyvern[87].
Senti—me estúpida em perguntar, mas... —O que é um Wyvern?
—É da família dos Dragões. — Ash respondeu. — Não é tão inteligente, mas continua sendo muito perigoso e territorialista. Essa coisa saiu do nada, todo de escamas, dentes e asas, nos atacando com seu ferrão envenenado. Era um macho antigo, enorme, cruel, e poderoso. Lutamos de nossa maneira sem problemas, os três, um ao lado do outro. Havíamos estado juntos durante tanto tempo que conhecíamos os estilos de luta dos demais, e o utilizamos para derrubar o inimigo. Foi Ariella quem lhe deu o golpe de misericórdia. Mas, enquanto estava morrendo, o Wyvern sacudiu seu rabo pela última vez, acertando-a no peito. O veneno Wyvern é extremamente potente, e estávamos há quilômetros de qualquer curandeiro. Nós... tentamos salva-la, mas...
Ele fez uma pausa, inspirou agitadamente. Eu apertei-lhe o braço para consola-lo.
—Ela morreu em meus braços. — Concluiu, fazendo um perceptível esforço para compor—se. —Morreu com meu nome nos lábios, pedindo-—me que a salvasse. Enquanto eu a segurava, vi como a vida desaparecia de seus olhos, e eu só podia pensar em uma coisa: Puck tinha causado isso. Se não fosse por ele, ela ainda estaria viva.
—Eu sinto muito, Ash.
Ash assentiu com a cabeça uma única vez. Sua voz ficou firme. —Jurei neste dia vingar a morte de Ariella, matando Robin Goodfellow, ou morrer tentando. Temos nos enfrentado várias vezes desde então, mas Goodfellow sempre dá um jeito de escapar, ou armar alguma armadilha que acaba com nossos duelos. Não posso descansar enquanto ele viver. Prometi a Ariella que iria continuar caçando Robin Goodfellow até que um de nós estivesse morto.
—Puck me disse que foi um acidente. Não queria que tivesse acontecido. — As palavras deixaram um sabor amargo em minha boca. Não parecia certo defende-lo. Ash havia perdido alguém que amava por causa das ações de Puck, uma brincadeira que no final, foi longe demais.
—Não me importo. — Ash afastou-se de mim, sua voz era cruel. —Minha promessa é irrevogável. Não posso descansar até que tenha cumprido meu juramento.
Não sabia o que dizer, então olhei para a chuva, sentindo-me miserável e partida em dois. Ash e Puck, dois inimigos enfrentando-se numa luta que só terminaria quando um deles matasse o outro. Como poderia ficar entre duas pessoas assim, sabendo que um dia, um deles teria êxito? Eu sabia que os juramentos dos faery eram irrevogáveis, e Ash tinha boas razões para odiar Puck, mas ainda me sentia impotente. Não podia parar isto, mas não queria que nenhum deles morresse.
Ash suspirou e inclinou-se de novo para frente, roçando minha mão, acariciando a pele dos meus dedos. —Sinto muito. — Murmurou. Um calafrio subiu por meu braço. —Queria que você não estivesse envolvida. Não há como desfazer uma promessa uma vez que a tenha dito em voz alta. Mas quero que saiba que se eu soubesse que iria te conhecer, talvez meu juramento não tivesse sido tão precipitado.
Minha garganta fechou. Queria dizer algo, mas nesse momento, uma forte rajada de vento jogou algumas gotas de chuva no tubo. A água respingou em minha calça, e gritei enquanto alguma coisa queimava minha pele.
Examinamos minha perna. Pequenos buracos onde as gotas haviam caído estragaram minha calça jeans, o jeans queimou fundo, a pele embaixo estava vermelha e queimada. Ela latejava como se tivessem espetado agulhas na minha carne.
—Que diabos? — Murmurei, olhando para a tempestade. Parecia uma chuva normal, cinza e nebulosa, um pouco deprimente. Quase compulsivamente, levei a mão até a abertura, onde a água gotejava pela borda do tubo.
Ash agarrou meu pulso, puxando-me para dentro. —Queimará sua mão tanto quanto queimou sua perna. — Disse com voz suave. —Pensei que você tinha aprendido a lição com os cadeados.
Envergonhada, deixei minha mão cair e me enfiei mais para dentro do tubo, longe da borda e da chuva ácida que gotejava dela. — Suponho que ficarei acordada toda a noite. — Eu disse, cruzando os braços. —Não quero dormir e encontrar a metade do meu rosto derretido quando acordar.
Ash me puxou, apoiando-me outra vez contra ele, afastando o cabelo do meu pescoço. Sua boca passou roçando meu ombro, até o pescoço, fazendo com que eu sentisse borboletas no estômago. —Se você quiser descansar, descanse. — Sussurrou contra minha pele. —A chuva não te tocará, eu prometo.
—E você?
—Eu não tinha a intenção de dormir. — Fez um gesto casual para uma goteira da água da chuva que se infiltrava pelo tubo, e transformou-a em gelo. —Tenho medo de não ser capaz de acordar.
Minha preocupação aumentou ainda mais. —Ash.
Seus lábios roçaram minha orelha. —Durma, Meghan Chase. — Sussurrou, e de repente não pude manter os olhos abertos. A metade de minha consciência que ainda lutava contra a escuridão se rendeu e me fundi em seus braços que me esperavam.
QUANDO DESPERTEI, A CHUVA TINHA parado e tudo estava seco, ainda que o solo continuasse soltando vapor. Não dava pra enxergar o sol através das nuvens asfixiantes, mas o ar continuava borbulhando com o calor. Agarrei minha mochila e sai da tubulação, procurando Ash ao redor. Ele estava sentado na parte externa do tubo, com a cabeça para trás e a espada apoiada sobre seus joelhos. Ao vê-lo, senti uma onda de ira e medo. Ele havia me encantado na noite anterior, me enfeitiçado para que eu dormisse, sem minha permissão. O que significava que provavelmente havia usado glamour, mesmo que seu próprio corpo estivesse cada vez mais fraco. Fumegante e com medo, aproximei-me pisando forte e coloquei as mãos sobre meus quadris. Seus olhos cinza se abriram um pouco e me olhou sonolento.
—Não faça isso de novo. — Tentei gritar para ele, mas sua vulnerabilidade me fez parar. Ele piscou, mas teve a gentileza de não me perguntar sobre o que eu estava falando.
—Minhas desculpas. — Murmurou, inclinando a cabeça. —Pensei que ao menos um de nós dois poderia beneficiar-se de umas poucas horas de sono.
Deus, ele estava horrível. Tinhas as bochechas fundas, olheiras sob os olhos, e sua pele estava quase transparente. Precisava encontrar Ethan e conseguir que todos saíssem daqui, antes que Ash se transformasse em um esqueleto ambulante, e caísse morto aos meus pés.
Ash olhou para a torre parecia tirar forças dela. —Agora está muito longe. – Murmurou como se fosse um mantra que o mantivesse em pé. Estendi-lhe a mão e ele me deixou puxa-lo, para ajudá—lo a colocar-se de pé.
Começamos a seguir os trilhos outra vez.
As chaminés e as torres de metal lentamente foram ficando distantes, atrás de nós, à medida em que continuávamos através do Reino de Machina. A terra estava vazia e estéril, o vapor subia das frestas do solo fazendo espirais ao nosso redor, como se fossem fantasmas. Máquinas gigantescas, com enormes rodas de ferro e janelas blindadas, estavam colocadas ao lado dos trilhos. Pareciam um cruzamento entre tanques atuais e os veículos-robôs gigantes dos desenhos japoneses. Eram velhos, estavam enferrujados e estranhamente me lembravam Ironhorse.
Ash gemeu e caiu de repente, de joelhos. Agarrou seu braço, enquanto ele mesmo se colocou de pé, ofegando muito rápido.
—Vamos parar para descansar? — Perguntei.
—Não. — Ele cerrou os dentes. —Siga em frente. Temos que...
De repente ele se endireitou, com sua mão indo até sua espada.
Diante de nós, o vapor se intensificou e dispersou-se o suficiente para revelar uma figura descomunal no caminho. Um cavalo feito de ferro, resfolegando fogo, com seus cascos de aço batendo no solo. Ele nos olhava severamente com seus olhos brilhantes.
—Ironhorse! — Ofeguei, perguntando-me, durante um momento surrealista, se meus pensamentos de antes o haviam trazido até aqui.
—PENSARAM QUE TINHAM SE LIVRADO DE MIM, CERTO? — Ironhorse trovejou, com sua voz ecoando através das máquinas ao nosso redor. —PRECISARÃO DE MAIS DO QUE UM TOMBO PARA ME MATAR. ANTES, COMETI O ERRO DE SUBESTIMÁ-LOS. ISSO NÃO ACONTECERÁ DE NOVO.
Um movimento surgiu ao nosso redor quando centenas de gremlins se espalharam e colocaram-se à vista, assobiando e grunhindo. Eles subiram sobre as máquinas como aranhas, rindo e tagarelando, correndo pelo chão. Em questão de segundos, haviam nos cercado, um tapete vivo negro. Ash sacou sua espada, e os gremlins rosnaram grosseiramente para ele.
Duas figuras apareceram ao nosso lado através do vapor. Andaram para frente juntos, os gremlins separaram-se para dar-lhes passagem. Eram guerreiros com armadura de combate, com capacetes e máscaras cobrindo seus rostos, que entravam no círculo. Seus trajes similares a um inseto pareciam tirados de um filme de ficção científica, de certo modo, antigos e modernos ao mesmo tempo. Suas armaduras tinham a insígnia de uma coroa de arame farpado. Pegando suas espadas, eles avançaram um passo.
—Meghan, para trás. — Ash murmurou, preparando-se para lutar contra a dupla armada que ia em direção a ele.
—Você está louco? Não pode lutar assim...
—Vá!
De má vontade, retrocedi, mas de repente agarraram-me por trás. Gritei e esperneei, mas fui arrastada para beira do círculo, onde os gremlins balbuciavam coisas para mim. Eu me virei e vi que meu raptor era um terceiro guerreiro.
—Meghan! — Ash tentou vir atrás de mim, mas os dois cavaleiros fecharam seu caminho, uma luz fraca brilhando de suas espadas de ferro. Olhando-os furioso, Ash levantou sua espada e colocou—se em uma posição de batalha.
Lançaram-se sobre ele, as espadas foram movimentadas como um borrão, vindo tanto de cima quanto de baixo. Ash saltou por cima do primeiro golpe e deteve o segundo, jogando a espada para longe com uma rajada de gelo e faíscas. Ele aterrissou, girou a sua espada à esquerda para bloquear o violento golpe de contra ataque, e se agachou quando o segundo golpe com a espada passou assobiando por sobre sua cabeça. Ash girou rapidamente e atacou, cravando sua espada em um dos peitos blindados, houve um grito incomum. O cavalo tombou para trás, com a imagem da coroa de arame farpado coberta de gelo.
Eles separaram-se por um momento, um em frente ao outro, com as espadas à mão. Ash estava ofegante, seus olhos estreitos em concentração. Ele não parecia estar bem, e meu estômago se contraía de medo. Os outros cavaleiros começaram a cercá-lo lentamente, indo por todos os lados, como lobos espreitando. Mas antes que pudessem chegar até sua posição, Ash rosnou e os atacou.
Por um momento, o cavaleiro com quem ele estava se ocupando foi jogado pela ferocidade de seu ataque. Ash o golpeava sem descanso, com sua espada penetrando através das defesas do inimigo para fazer sua armadura em pedaços. As faíscas voavam e o cavaleiro tropeçou, quase caindo, rachando o capacete que saía.
Eu ofeguei. O rosto sob o capacete era como o de Ash, ou pelo menos o de um irmão perdido. Os mesmos olhos cinzentos, o mesmo cabelo cor de ébano, as mesmas orelhas pontiagudas. Seu rosto parecia um pouco maior, e uma cicatriz descendo por sua bochecha, mas as semelhanças eram quase perfeitas.
O verdadeiro Ash hesitou, tão atordoado quanto eu, e isso lhe custou muito caro. O segundo cavaleiro correu atrás dele, com sua espada lançando um golpe baixo, Ash girou, muito tarde. Sua lâmina se juntou à espada de seu oponente, mas o golpe tirou a arma de suas mãos. Ao mesmo tempo, seu companheiro lançou um contra-ataque em Ash com sua luva de metal, golpeando-o atrás da orelha. Ash desabou no solo sobre sua espada, e as espadas de ferro pressionaram sua garganta.
—Não! — Tentei correr até ele, mas o terceiro guerreiro me agarrou, me segurou, e prendeu meus braços atrás das costas. Colocaram algemas em volta dos meus pulsos.
Os dois cavaleiros chutaram Ash no estômago e colocaram seus braços para trás, prendendo-o de forma parecida. Eu o ouvi gemer quando o metal tocou sua carne, e o seu sósia o sacudiu brutalmente pelo pé.
Eles empurraram-nos para Ironhorse, que nos esperava no meio do caminho, agitando seu rabo. Sua máscara de ferro não mostrava nada.
—BEM. — Bufou. —O REI MACHINA FICARÁ ENCANTADO. — Seus olhos vermelhos estavam fixos em Ash, que mal podia ficar de pé, ele voltou a prender sua atenção. —RECOLHA SUAS ARMAS. — Ordenou com desdém.
O rosto de Ash contorcia-se com agonia. O suor corria por sua testa e ele apertava os dentes. Vi o cavaleiro de ferro recolher sua espada na beira do caminho e joga-la em uma vala. Houve um som suave quando a lâmina bateu na água com óleo e afundou, para fora de visão. Um segundo cavaleiro fez o mesmo com o arco. Eu prendi a respiração, rezando para que não vissem a arma mais importante de todas.
— A FLECHA TAMBÉM.
Meu coração apertou e o desespero surgiu em meu interior. O sósia de Ash se aproximou, tirou com um puxão a flecha Witchwood da minha mochila, e a lançou na vala com o resto das armas. Meu coração apertou ainda mais, e a pequena margem de esperança murchou, encolhendo-se até desaparecer. Então isso era tudo. O jogo acabou. Havíamos fracassado.
Ironhorse olhou para trás, para nós dois, e soltou um rugido de vapor. —NÃO TENTE FAZER NENHUMA GRACINHA, PRINCESA. — Advertiu, lançando uma cortina de fumaça. —OU MEUS CAVALEIROS ENVOLVERÃO O PRÍNCIPE DA CORTE WINTER COM TANTO FERRO QUE A PELE DELE SE DESPRENDERÁ DOS OSSOS. — Ele tossiu uma chama, que queimou minhas sobrancelhas, e virou a cabeça para a fortaleza que nos esperava. —VAMOS, O REI MACHINA NOS ESPERA.
Ultima proteção de Ash
Foi uma tortuosa caminhada de pesadelo em direção à torre de Machina.
Haviam enrolado uma corrente ao redor de minha cintura, prendendo-me a Ironhorse, que caminhava firmemente pela estrada. Ao meu lado, Ash usava outra, e eu sabia que estava lhe machucando. Ele continuava tropeçando, mal conseguindo se manter em seus próprios pés, enquanto seguíamos Ironhorse mais à frente, na estrada de ferro. Gremlins davam cambalhotas ao nosso redor, nos batendo, beliscando-nos e rindo de nosso tormento. Os cavaleiros caminhavam de ambos os lados e se recusavam a deixar Ash caminhar fora do caminho de ferro, empurrando-o de volta assim que ele tentava deixa-lo. Uma vez, ele caiu e foi arrastado por várias jardas, até que pôde ficar de pé novamente. Queimaduras vermelhas atravessavam seu rosto, onde sua pele havia tocado a estrada de ferro, eu sofria por ele.
O céu nublou, passando de um amarelo-cinzento para um sinistro vermelho-enegrecido em coisa de instantes. Ironhorse parou e levantou seu pescoço, alargando suas narinas.
—MALDIÇÃO. — Murmurou, pisoteando com o casco. —VAI CHOVER EM BREVE.
Meu estômago se remexeu sob o pensamento da chuva ácida. Relâmpagos encheram o ar com um forte odor.
“RÁPIDO, ANTES QUE CHEGUE A TEMPESTADE“. O cavalo se afastou do caminho, começando a trotar enquanto um trovão rugiu sobre nós. Minhas pernas queimavam e eu rompi em uma corrida estranha atrás dele, cada músculo gritando em protesto, mas era continuar, ou ser arrastada. Ash tropeçou e caiu, e desta vez não se levantou.
Uma gota de chuva pingou contra minha perna, e senti uma forte dor. Arfei. Mais gotas caíram, sibilando enquanto atingiam o chão. O ar cheirava a produtos químicos, e escutei alguns gremlins gritarem quando gotas de chuva os atingiram também.
Uma cortina prateada de chuva se arrastou até nós. Alcançou alguns dos gremlins mais lentos e os envolveu. Eles gritaram e se retorceram saindo faíscas de seus corpos, até que se sacudiram uma última vez e ficaram quietos. A chuva aumentou.
Em pânico, olhei para cima para ver Ironhorse nos guiando a uma mina. Nós agachamos sob o teto, enquanto a tempestade varria sobre nós, alcançando mais alguns gremlins, que gritavam e dançavam em agonia, buracos queimavam através de sua pele. O restante dos gremlins zombavam e riam. Virei-me antes de me sentir doente.
Ash estava recostado sem se mover sobre o chão, coberto de pó e sangue onde ele tinha sido arrastado. Saia vapor de seu corpo onde as gotas de chuva o tinham atingido. Ele grunhiu e tentou se levantar, mas não conseguiu levantar suas costas. Abafando o riso, alguns gremlins começaram a bater nele, subindo em seu peito para esbofetear seu rosto. Ele estremeceu e se afastou, mas isso só os incentivou a continuar.
—Parem! — Agarrei e chutei um gremlin com toda minha força, lançando-o longe de Ash como se fosse uma bola de futebol. Os outros se viraram para mim, e eu os ataquei, chutando e pisoteando-os. Sibilando, subiram na minha perna, puxando meus cabelos com suas garras. Um enfiou seus dentes afiados em meu ombro, e eu gritei.
—JÁ BASTA! — O grito de Ironhose fez o teto tremer. Tomamos um banho de sujeira e os gremlins foram para trás. Sangue corria por minha pele proveniente de uma dezena de pequenas feridas, e meu ombro latejava onde o gremlin havia me mordido. Ironhorse me olhou, agitando sua cauda contra suas costelas, depois voltou a cabeça para os cavaleiros.
—LEVEM—OS AOS TÚNEIS! — Ordenou com um indício de exasperação. —ASSEGUREM-SE QUE ELES NÃO ESCAPEM. SE A TEMPESTADE NÃO DIMINUIR, PODEREMOS FICAR AQUI POR UM TEMPO.
As correntes que nos prendiam a Ironhorse foram soltas. Dois cavaleiros arrastaram Ash pelos pés, e puxaram metade dele para baixo de um túnel. O último cavaleiro, aquele que tinha o rosto semelhante ao de Ash, pegou-me pelo braço e me levou para depois de seus irmãos.
Paramos em um cruzamento onde os túneis ficavam conectados. Caminhos de madeira levavam à escuridão, e frágeis carros, meio cheios de minério, descansavam de cada lado. Grossas vigas de madeira sustentavam o teto, de pé ao longo do caminho a cada alguns passos. Algumas lanternas haviam sido pregadas na madeira, mas a maioria estava quebrada e escura. Na cintilante luz das tochas, brilhantes veias de ferro serpenteavam pelas paredes.
Continuamos por um túnel que terminava em uma pequena sala, onde tinham dois postes de madeira no centro. Algumas caixas e uma picareta abandonada estavam empilhadas em um canto. Os cavaleiros empurraram Ash contra um poste, abriram uma algema e o colocaram atrás da viga, fixando-o no lugar. A pele sob a faixa de metal estava vermelha e queimada, e ele se agitou quando voltaram a fecha-la ao redor de seu pulso. Mordi o lábio em solidariedade.
O cavaleiro que me capturou primeiro endireitou-se e deu um tapinha no rosto de Ash, rindo enquanto Ash se afastava da luva de aço. —Sente-se bem, não é, verme? — Ele disse, e eu me levantei surpresa. Era a primeira vez que escutava um deles falar. —Vocês de sangue antigo são completamente fracos, não é? Está na hora de partir. Agora está obsoleto, velho. Seu tempo acabou.
Ash levantou a cabeça e olhou o outro faery nos olhos. —Palavras atrevidas para alguém que ficou de lado e lutou como menina, enquanto seus irmãos lutavam por você.
O cavaleiro o golpeou com as costas da mão. Gritei enojada e comecei a andar para frente, mas o cavaleiro atrás de mim puxou meu braço. —Deixe-o sozinho, Quintus. — Ele disse com a voz tranquila.
Quintus fez uma careta de desaprovação. —Sentindo pena dele, Tertius? Talvez tenha algo fraternal por teu similar aqui?
—Não deveríamos falar com faery de sangue antigo. — Respondeu Tertius no mesmo tom frio. —Você sabe disso. Ou eu deveria informar a Ironhorse?
Quintus cuspiu no chão. —Você sempre foi fraco, Tertius. — Ele resmungou. —Coração mole demais para ser feito de ferro. É uma desgraça para a irmandade. — Ele se virou em um salto e foi para o túnel, o último cavaleiro o seguindo atrás. Suas botas ressoavam forte sobre o piso de pedra, e então esvaiu-se para o silêncio.
—Imbecil. — Murmurei enquanto o cavaleiro que sobrou me botava contra o poste. —Seu nome é Tertius, não é?
Ele abriu a algema e enrolou a corrente ao redor da viga, sem me olhar. —Sim.
—Ajude-nos. — Eu implorei. —Você não é como eles, eu posso sentir isso. Por favor, eu tenho que resgatar meu irmão e sair daqui. Eu faço um acordo com você, se isso for preciso. Por favor, ajude-nos.
Por um momento ele me olhou nos olhos. E me choquei de novo ao ver como ele se parecia com Ash. Seus olhos eram de um cinza metálico em vez de prateados, e a cicatriz o fazia parecer mais velho, mas tinha o mesmo rosto intenso e honrado. Ele parou por um momento, e me atrevi a ter esperança. Mas então, fechou a algema ao redor de meu pulso e se afastou, seus olhos escurecendo para negro.
—Sou um cavaleiro da Coroa Iron. — Disse, sua voz tão dura quanto aço. —Não trairei meus irmãos, ou meu rei.
Ele se virou, e foi embora sem olhar para trás.
NA VACILANTE ESCURIDÃO do túnel, escutei uma respiração rouca de Ash, e o movimento de cascalho enquanto se sentava. —Ash? — Chamei suavemente, minha voz fazendo eco entre as vigas. —Está bem?
Um momento de silêncio. Quando Ash finalmente falou, sua voz era tão baixa que mal dava para escutar. —Desculpe-me, princesa. — Murmurou, quase para si mesmo. —Parece que não poderei manter nosso trato depois disso tudo.
—Não desista. — Eu disse, sentindo-me uma hipócrita enquanto lutava com meu próprio desespero. —Sairemos disso de alguma forma. Nós apenas temos que cuidar de nossas cabeças. — Me veio uma ideia e baixei minha voz. —Você não pode congelar as correntes até que se rompam, como fez na fábrica?
Ele deu uma risada baixa e sem humor. —Neste momento, estou dando tudo que tenho para não desmaiar. — Ash murmurou, soando ferido. —Se você tem algo daquele poder sobre o qual a Antiga Dríade falou, agora seria a hora de usa-lo.
Assenti. O que tínhamos a perder? Fechando meu olhos, me concentrei em sentir o glamour ao nosso redor, tentando me lembrar do que Grimalkin havia me ensinado.
Nada. Exceto por um lampejo da pura determinação de Ash, não havia emoções para extrair, nem esperanças, nem sonhos, nem nada. Tudo estava morto, desprovido de vida, sem paixão. Os iron fey eram como máquinas (frios, lógicos, e calculadores), e seu mundo refletia isso.
Recusando a me render, pressionei mais, tentando passar à superfície. Isto havia sido Nevernever uma vez. Tinha que ter algo que não foi tocado pela influência de Machina.
Senti uma pulsação de vida, em algum lugar no fundo. Uma árvore solitária, envenenada e morrendo, mas ainda agarrando-se à vida. Seus galhos estavam virando lentamente metal, mas as raízes, o coração da árvore, ainda não estavam corrompidas. Se remexeu em minha presença, um pequeno pedaço de Nevernever no vazio do nada. Mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, passos arrastados romperam minha concentração, e o vínculo desapareceu.
Abri meus olhos. A luz do túnel havia ido, nos deixando na escuridão. Escutei criaturas se movendo-se até nós, nos rodeando, e não pude ver nada. Minha mente se aventurou para todos os tipos de conclusões horríveis: ratos gigantes, baratas enormes, grandes aranhas subterrâneas. Quase desmaiei quando algo bateu no meu braço, mas depois ouvi um murmúrio baixo de vozes familiares.
Um feixe de luz amarela fez um clique na escuridão: uma lanterna. Ela iluminou os rostos enrugados e curiosos de uma meia dúzia de Packrats, piscando contra a repentina luz. Eu os olhei surpresa enquanto falavam em sua estranha língua. Vários rodearam Ash, puxando-o pelas suas mangas.
—O que estão fazendo aqui? — Sussurrei. Eles falaram coisas sem sentido e puxaram minha roupa, como se tentassem me levar para longe. —Estão tentando nos ajudar?
O packrat com um triciclo deu um passo à frente. Ele apontou para mim , e então para o fundo da sala. No feixe da luz da lanterna, vi a abertura de um outro túnel, quase invisível nas sombras. Estava parcialmente formado, como se os mineiros tivessem começado a cavar só para abandona-lo. Uma saída? Meu coração acelerou. Um Packrat hesitou impacientemente e me fez um sinal para frente.
—Não posso. — Disse-lhe, fazendo minha corrente chacoalhar. —Não posso me mover.
Ele falou com o resto deles, e eles tramaram logo adiante. Um por um, eles alcançaram por trás deles, sacos de lixos em suas costas e começaram a puxar coisas para fora.
—O que estão fazendo? — Ash murmurou.
Eu não pude começar a responder. Um dos Packrats apresentou uma furadeira elétrica, mostrando ao líder, que balançou a cabeça. Outro pegou um tipo de canivete, mas o líder recusou também, bem como um isqueiro, um martelo, e um despertador redondo. Então, um dos Packrats menores gritou excitadamente e deu um passo à frente, sustentando algo longo e metálico.
Um alicate.
O líder dos Packrats disse algo sem sentido e apontou. Mas ao mesmo tempo, escutei ruídos de botas de aço aproximando-se do túnel, e o som de milhares de garras sobre a rocha. Meu estômago se agitou. Os cavaleiros estavam voltando, assim como os gremlins.
—Depressa! — Eu encorajei, enquanto o Packrat se equilibrou e começou a cortar as correntes. Apareceram luzes à distância, agitando ao longo do chão; gremlins com tochas ou lanternas. O riso se estendeu pela sala, e meu estômago remexeu. Depressa! Pensei, furiosa com o lento progresso dos packrats. Nós não conseguiremos! Estarão aqui a qualquer segundo!
Senti o ruído das argolas enquanto se separaram, eu estava livre.
Agarrando o alicate, corri até Ash. As luzes se aproximavam mais e mais, e o silvo dos gremlins podia ser escutado pelo túnel. Inseri a corrente no alicate aberto e apertei o cabo, mas a ferramenta estava oxidada e era difícil de usar. Resmungando maldições, agarrei o cabo e apertei.
—Deixe-me. — Ash murmurou enquanto eu me esforçava para unir os cabos. —Não serei capaz de te ajudar, e só te atrasarei. Vá sozinha.
—Não vou te deixar. — Bufei, apertando meus dentes e empurrando com toda minha força.
—Meghan...
—Não vou te deixar! — Disse bruscamente, lutando contra minhas lágrimas. Corrente estúpida! Por que ainda não tinha se quebrado? Joguei todo o meu peso contra ela, cortando-a com uma fúria que nascia do medo.
—Lembra quando eu te disse sobre sua fraqueza? — Ash murmurou, esticando a cabeça para me olhar. Embora seus olhos estivessem duros e vidrados de dor, sua voz era amável. —Você têm que fazer essa escolha agora. O que é mais importante para você?
—Cale a boca! — As lágrimas me cegavam, e eu pisquei para as afastar. —Não pode me pedir para tomar essa decisão. Você é importante para mim, também, droga! Não vou te deixar para trás, então cale a boca.
A primeira onda de gremlins entrou no túnel e gritaram alarmados quando me viram. Em uma confusão de medo e terror, eu dei um empurrão final no alicate, e a corrente finalmente quebrou. Ash arrastou-se enquanto os gremlins uivaram com horror, e agitaram-se para frente.
Nós corremos pelo túnel secreto, seguindo os packrats enquanto eles corriam através dele. O corredor era baixo e estreito; eu tinha que abaixar minha cabeça para evitar o teto, e as paredes cortavam meus braços enquanto fugíamos. Atrás de nós saiam gremlins da abertura como formigas, deslizando ao longo das paredes e do teto, sibilando enquanto nos perseguiam.
Ash se deteve repentinamente. Virando o rosto para o canto, pegou um bastão de beisebol, encostado na parede. Eu me assustei; ele deve ter pego das caixas, pouco antes de chegarmos ao túnel. As correntes quebradas, tremeram quando seus braços se agitaram. Os gremlins pararam há alguns metros de distância, seus olhos brilhantes analisavam a nova ameaça. Todos juntos começaram a avançar para frente.
—Ash! — Chamei. —O que está fazendo? Vamos!
—Meghan. — A voz de Ash, apesar da dor sob a pele, estava calma. —Espero que encontre seu irmão. Se vir Puck de novo, diga que me arrependo de ter que abandonar nosso duelo.
—Ash, não! Não faça isso!
Eu senti seu sorriso. —Você fez eu me sentir vivo novamente. — Ele murmurou.
Gritando, os gremlins atacaram.
Ash golpeou dois deles a inconsciencia com a picareta, se gachou quando outro saltou para sua cabeça, e foi esmagado. Eles pulavam sobre ele, agarrando – se a suas pernas e braços, mordendo e arranhando. Parte superior do formulário
Ash golpeou dois deles que ficaram desacordados com a pancada, e abaixou sua cabeça enquanto outros saltaram sobre a sua cabeça, ele foi sobrepujado. Eles pularam sobre ele, agarrando seus braços e pernas, mordendo-o e arranhando. Ele tropeçou e caiu de joelhos, deslizaram sobre suas costas, até que não pude vê-lo através da massa de gremlins que se retorcia sobre ele. Ainda assim, Ash seguiu lutando; com um grunhido, voltou a ficar de pé, arremessando vários gremlins para que uma dúzia maior tomasse seus lugares.
—Meghan, vá! — Sua voz estava rouca enquanto golpeava um gremlin contra a parede. —Agora!
Afogando-me em lágrimas, virei e fugi. Segui os Packrats que faziam sinais até que o túnel se dividiu e ramificou-se em várias direções. Um packrat pegou algo de sua mochila e agitou para o líder. Arfei quando vi que era uma banana de dinamite. O líder grunhiu algo, e um outro packrat correu para frente com um isqueiro.
Não pude evitar de olhar para trás, justo à tempo de ver Ash finalmente livre do mar de Gremlins e fora de vista. Os gremlins gritaram por sua vitória e se dirigiram até nós.
Saiu faíscas do pavio. O líder dos packrats sibilou para mim e fez sinal para os túneis, onde o resto deles estavam desaparecendo. Lágrimas caiam por minhas bochechas, eu os segui, enquanto o packrat que segurava a dinamite a jogou em direção aos gremlins que se aproximavam.
Um estrondo sacudiu o teto. Sujeira e pedras caíram sobre mim, enchendo o ar de pó. Tossi e afundei contra a parede, esperando que o caos se amenizasse. Quando tudo estava quieto, olhei para cima para ver a entrada do túnel que tinha desabado. Os packrats estavam gemendo suavemente. Um deles não tinha saído à tempo.
Afundando na parede, levei meus joelhos até meu peito, e me juntei a eles em seu sentimento lutuoso, eu havia deixado meu coração no túnel, onde Ash havia caído.
O Rei Iron
Por muitos minutos, fiquei sentada ali, paralisada demais até para chorar. Eu não podia acreditar que Ash estivesse realmente morto. Eu continuei olhando para a parede que desabou, meio que esperando que de alguma maneira milagrosa, ele saísse através dos escombros, machucado, sangrento, mas vivo.
Quanto tempo me sentei ali, eu não sei. Mas finalmente, um packrat deu um puxão gentil em minha manga. Seus olhos, tristes e solenes, se encontraram com os meus, antes que ele girasse e fizesse sinal para que eu o seguisse. Com um olhar final para a caverna atrás de nós, o segui para os túneis.
Caminhei por horas, e gradualmente, os túneis se transformavam em cavernas naturais, banhadas por água e estalactites[88]. Os packrats me emprestaram uma lanterna, e foi como se eu brilhasse na caverna , vi que o piso estava cheio de artigos estranhos, uma nadadeira aqui, um robô de brinquedo lá... Parecia que estávamos indo fundo no ninho dos packrats, quanto mais longe íamos, mais lixo secular espalhado sobre o chão.
Finalmente, entramos em uma caverna que parecia uma catedral, cujo teto se elevava para a escuridão, e as paredes estavam empilhadas por montanhas de lixo, parecendo a Wasteland[89] em miniatura.
No centro da caverna, sentado em um trono feito totalmente de ferro-velho, havia um homem velho, muito velho. Sua pele era cinza, e eu não digo pálida ou cinzenta, mas cinza metálica, cinza-mercúrio. Seu cabelo branco fluía passando por seus pés, perto de tocar o chão, como se ele não houvesse se movido de sua cadeira por séculos. Os packrats se arrastaram ao redor dele, arrumando vários objetos e colocando-os aos seus pés. Eu vi meu iPod entre eles. O homem velho sorriu enquanto os packrats gorjeavam e corriam ao seu redor, como cães ansiosos, então seus olhos verde-pálido olharam para mim.
Ele piscou muitas vezes, como se não pudesse acreditar no que estava vendo. Eu segurei minha respiração. Este era Machina? Os packrats me trouxeram direto ao Rei Iron? Para um rei todo-poderoso, não esperava que ele fosse tão...velho.
—Bem... — Ele ofegou finalmente. —Meus súditos têm me trazido muitas coisas curiosas ao longo dos anos, mas acredito que esta seja a mais incomum. Quem é você, menina? Por que está aqui?
—Eu...Meu nome é Meghan, senhor. Meghan Chase. Estou procurando meu irmão.
—Seu irmão? — O homem velho olhou para os packrats, horrorizado. —Não me lembro de trazerem para casa uma criança. Vocês o encontraram?
Os packrats inquietaram-se, sacudindo suas cabeças. O homem velho franziu o cenho para eles enquanto eles falavam algo sem sentido e saltavam ao seu redor, então me olharam de novo. —Meus súditos me disseram que não encontraram mais ninguém, além de você e seu amigo, lá fora em Wasteland. Por que pensa que seu irmão possa estar aqui?
—Eu... — Parei, olhando ao redor da sombria caverna, os packrats, o frágil homem velho. Isso não poderia ser bom. —Desculpe-me... — Continuei, me sentindo estúpida e confusa. —Mas... você é Machina, o Rei Iron?
—Ah. — O homem velho se firmou, entrelaçando suas mãos. —Agora eu entendo. Machina tem o seu irmão, não é? E você está à caminho para resgatá—lo.
—Sim. Relaxei, dando um suspiro de alívio. —Então, eu suponho que você não seja o Rei Iron?
—Oh , eu não poderia dizer isso. —O homem velho sorriu, e a minha cautela voltou a aumentar. Ele riu. —Não se preocupe, menina. Eu não represento nenhum perigo para você. Mas você deveria abandonar seu plano de resgatar seu irmão. Machina é muito forte. Nenhuma arma pode feri-lo. Você estaria jogando sua vida fora.
Eu me lembrei da flecha Witchwood, jogada no fundo de uma vala, e meu coração apertou. —Eu sei. — Suspirei. —Mas tenho que tentar. Eu vim de longe. Não vou me render agora.
—Se Machina sequestrou seu irmão, ele deve estar te esperando. — O velho homem disse, inclinando-se para frente. —Ele te quer para alguma coisa. Posso sentir o poder em você, minha menina, mas não será suficiente. O Rei Iron é um mestre na manipulação. Ele te usará para promover seus próprios planos, e você não será capaz de suportar. Vá para casa, menina. Esqueça o que você perdeu e vá para casa.
—Esquecer? — Pensei em meus amigos, que sacrificaram tudo para eu chegar aqui. Puck. A Antiga Dríade. Ash. —Não. — Murmurei, um bolo se formando em minha garganta. —Não posso esquecer. Mesmo que isso seja inútil, eu tenho que ir. Devo muito à todos.
—Menina tonta. — O velho homem grunhiu. —Eu conheço Machina melhor do que ninguém, seus hábitos, seu poder, o modo como sua mente trabalha, e você no entanto, não me escuta. Muito bem. Corra para sua destruição como muitos que vieram antes de você. Perceberá, como eu, tarde demais. Machina não pode ser derrotado. Eu só queria ter escutado quando meus conselheiros me alertaram.
—Tentou derrota-lo? — Encarei-o, tentando imaginar o velho homem frágil combatendo e falhando. —Quando? Por quê?
—Por que... — O velho homem me explicou pacientemente. —Uma vez eu fui o Rei Iron.
—Meu nome é Ferrum. — O velho homem me disse em meu silêncio chocado. —Como você, sem dúvida percebeu, eu estou velho. Mais velho do que Machina, mais velho do que todos os iron fey. Eu fui o primeiro, como pode ver, nascido da fornalha, quando a humanidade começou a experimentar o ferro. Eu me ergui de sua imaginação, sua ambição de conquistar o mundo com um metal que pudesse cortar tanto o bronze quanto o papel. Eu estava ali, quando o mundo começou a mudar, quando os humanos deram seus primeiros passos fora da Idade das Trevas para ir à Civilização.
—Por muitos anos, pensei que estava sozinho. Mas a humanidade nunca está satisfeita, ela está sempre buscando, sempre tentando fazer algo melhor. Outros vieram, outros como eu, levantados por estes sonhos de um novo mundo. Eles me aceitaram como seu rei, e por séculos, permanecemos escondidos, isolados do resto dos fey. Eu me dei conta de que, sem dúvida, se as Cortes soubessem de nossa existência, elas se uniriam para nos destruir.
—Então, com a invenção dos computadores, os gremlins vieram, e os bugs. Trazidos à vida pelo medo dos monstros que se ocultavam nas máquinas, estes eram mais confusos que os outros fey, violentos e destrutivos. Eles se espalharam por todas as partes do mundo. Como a tecnologia se transformou em uma força de condução em todos os países, novos e poderosos fey começaram a existir. Vírus. Glitch. E, Machina, o mais poderoso de todos eles. Ele não estava feliz em se sentar e se esconder. Seu plano foi a conquista, propagando-se ao longo de Nevernever como um vírus, destruindo toda a oposição. Ele era meu Primeiro e mais poderoso tenente, e nós nos enfrentamos em muitas ocasiões. Meus conselheiros me disseram que ele se exilara, se aprisionara, e para eu mata-lo. Eles tinham medo dele, e com razão, mas eu estava cego para o perigo.
—Claro, foi só uma questão de tempo, antes que Machina me desse a volta. Reunindo um exército de fey ao seu lado, ele atacou minha fortaleza, sacrificando todos que fossem leais à mim. Minhas tropas lutaram, mas nós estávamos velhos e cansados, em comparação ao exército cruel de Machina.
—No final, sentei em meu trono e o vi se aproximando, sabendo que iria morrer. Mas, Machina me derrubou, riu, e disse que não iria me matar. Ele me deixou desmaiado por um tempo, girando no escuro e sem lembranças, sem saber nada sobre meu nome, ou quem eu era. Enquanto ele se estabelecia no meu trono, senti quando meu poder se foi fluindo até Machina, reconhecendo-o como o novo Rei Iron.
—Então, agora vivo aqui. Ferrum fez sinal para a caverna e os packrats. —Em uma caverna esquecida, sentado em um trono feito de lixo, rei dos poderosos colecionadores de lixo. É um título nobre, não é? — Seus lábios se voltaram em um sorriso amargo. —Estas criaturas são muito leais, trazendo-me coisas que não posso usar, fazendo-me rei desse monte de lixo. Elas me aceitaram como seu rei, mas o que tem de bom nisso? Elas não podem me conceder de volta o meu trono, no entanto são as únicas criaturas que me impedem de desaparecer. Eu não posso morrer, mas eu mal posso suportar viver sabendo do que eu perdi. O que me foi roubado. Machina é foi quem planejou isso!
Ele se jogou em seu trono e pôs sua cabeça entre as mãos. Os packrats se arrastavam a seus pés, dando palmadinhas, fazendo sons altos de preocupação. Olhei-o, sentido um surgimento de simpatia e desgosto.
—Eu perdi coisas também. — Disse, sobre o som de seus soluços. —Machina roubou muito de mim. Mas eu não vou me sentar numa cadeira e esperar por ele. Eu irei enfrentá-lo, invencível ou não, de alguma maneira irei recuperar o que é meu. Ou morrerei tentando. De qualquer maneira, não estou me rendendo.
Ele me olhou através de seus dedos, seu frágil corpo se sacudia com as lágrimas. Ele fungou e abaixou suas mãos, seu rosto estava molhado e escuro.
—Vá, então. — Sussurrou Ferrum, fazendo com a mão para eu ir. —Não posso lhe prender. Talvez só uma garota desarmada, possa ter sucesso onde um exército inteiro falhou. — Ele deu uma risada amargurada e petulante, e então eu senti uma onda de raiva. —Boa sorte para você, garota tonta. Se não me ouvir, não é mais bem vinda aqui. Meus súditos te levarão sob a fortaleza de Machina, através dos túneis secretos que são como favos de mel na terra. É uma maneira mais rápida de acelerar a sua derrota. Agora vá, eu estou contigo.
Eu não fiz uma reverência. Eu não o agradeci por sua ajuda. Só me virei e segui os packrats para fora da caverna, sentindo o olhar de ódio do rei destronado às minhas costas.
MAIS TÚNEIS. MEU BREVE encontro com o último Rei Iron não foi suficiente para afastar meu cansaço. Raramente descansávamos, e eu me apegava à cada pequeno sonho que podia. Os packrats me deram um estranho cogumelo para mascar, pequenas coisas brancas que brilhavam na escuridão, tinham gosto de mofo, e que me permitiam ver nos diferentes tons da escuridão como se fosse o crepúsculo. Isso era uma coisa boa, por que minha lanterna finalmente piscou e queimou, e nenhum deles me ofereceu novas baterias.
Perdi a noção do tempo. Todas as cavernas e túneis pareciam estar unidos em um gigante e impossível, labirinto. Eu sabia que, se conseguisse chegar à fortaleza de Machina e resgatar Ethan, eu não poderia sair pelo mesmo caminho.
O túnel acabou, e de repente eu estava parada em uma ponte de pedra que passava por um vasto precipício, pedras irregulares lanceavam ao fundo. Ao meu redor, nas paredes e no teto, pendurados precariamente na ponte, enormes mecanismos de ferro viravam e rangiam, fazendo o chão tremer. O mecanismo mais próximo era facilmente 3 vezes a minha altura, e alguns eram ainda maiores. Era como estar dentro de um relógio gigante, o barulho era ensurdecedor.
Devíamos estar debaixo da fortaleza de Machina, pensei, olhando ao redor com medo. Eu me perguntava, para que serviam esses enormes mecanismos?
Houve um puxão em meu braço, me virei para ver o líder dos packrats apontar para o outro lado da ponte, seu falatório se perdendo no barulho estridente do lugar. Eu entendi. Eles haviam me levado o mais longe que podiam. Agora, a última parte da viagem, seria por minha conta.
Assenti para mostrar que entendi, e comecei a ir adiante quando ele agarrou a minha mão. Segurando meu pulso, fez sinal aos seus subordinados, se comunicando. Dois caminharam para frente, pegando um objeto de suas costas.
—Estou bem. — Eu disse. —Não preciso de qualquer...
Minha voz morreu. O primeiro packrat tirou uma longa bainha, com um punho familiar, que brilhava em negro-azulado na escuridão. Parei de respirar. —É isso.. ?
Ele a soltou solenemente. Pegando-a pelo punho, puxei a lâmina da espada para fora, que reluziu em um luz azul claro. Uma névoa se retorceu na ponta da espada, e um nó ficou preso em minha garganta.
Oh, Ash.
Embainhei a espada, fixei-a em volta da minha cintura, e medrosamente apertei o cinto. —Eu aprecio isso. — Disse aos packrats, incerta se eles me entendiam. Eles tagarelavam para mim, no entanto eu não me movia, então o líder apontou para o segundo packrat, o menor de todos, que se aproximou. Ele piscou e se aproximou, avançando com um arco um pouco maltratado, e...
Pela segunda vez meu coração parou. — O packrat segurava a flecha Witchwood, viscosa e coberta com óleo, mas de qualquer forma intacta. Peguei-a com uma reverência, minha mente girava. Eles poderiam te-las dado a Ferrum, mas não o fizeram, salvaram-nas para mim todo esse tempo. A flecha palpitava em minhas mãos, ainda viva e mortal.
Não pensei. Caí de meus joelhos e abracei os packrats, tanto o líder quanto o menor. Eles gritaram de surpresa. Suas corcundas empurravam minha pele, tornando impossível eu ter meus braços completamente em volta deles, mas não me importei. Quando me levantei, eu pensei que estava emocionada, mas era difícil ver na escuridão, o pequeno packrat sorria de orelha a orelha.
—Obrigada. — Disse, pondo toda sinceridade que pude na voz. —De verdade, obrigada não é o suficiente, mas é tudo que tenho. Vocês são incríveis.
Eles se agitaram até mim, e deram palmadinhas em minhas mãos. Desejei saber o que estavam dizendo. Então, com um agudo grito do líder, se viraram, e desapareceram nos túneis. O menor olhou para trás, seus olhos brilhavam nas trevas, e então eles haviam ido.
Me endireitei e enfiei a flecha em meu cinto, assim como Ash tinha feito. Agarrando o arco e a espada de Ash pendurados em minha cintura, andei por debaixo da torre de Machina.
SEGUI O CAMINHO que se convertia de pedra à uma grade de ferro, através do gigante labirinto de mecanismo de relógio, colocando minha força contra o triturador de metal feito de metal. Encontrei uma escada de ferro retorcida e a segui até um alçapão, o qual abriu com uma pancada ressonante. Recuei e espiei cautelosamente.
Nada. O lugar que olhei estava vazio, salvo por um enorme forno de caldeira que brilhava em vermelho, e enchia o ar com um vapor sibilante.
—Certo. — Eu resmunguei, escalando até o final do recinto. Meu rosto e minha camisa estavam ensopados de suor por conta do calor vacilante. —Eu estou dentro. Para onde agora? — Eu me perguntei.
Cima.
O pensamento veio espontâneo, e eu sabia que estava certa. Machina e Ethan, estariam em cima da torre.
O som de passos atraiu minha atenção, e eu me escondi através de uma das caldeiras, ignorando o calor abrasador que irradiava do metal. Muitas formas entraram na sala, pequenas e robustas, vestidas em volumosas roupas de lona, como os bombeiros. Eles usavam apetrechos para respirar que cobriam todo o seu rosto, um par de tubos serpenteava de sua boca para um tipo de tanque que estava em suas costas. Eles caminhavam por entre as caldeiras, fazendo um som metálico com suas chaves, acertando vários tubos, canos e válvulas. Um grande molho de chaves estava pendurado na cintura de cada um, tilintando enquanto se moviam.
Eu os segui, me mantendo escondida no vapor e nas sombras, observando como trabalhavam. Os trabalhadores não conversavam nem falavam uns com os outros, estavam ocupados demais em seus trabalhos, o que para mim era bom. Um se separou do resto do grupo, que não prestou atenção, e começou a perambular entre o vapor. Eu o segui por um corredor feito de canos, vigiando sorrateiramente atrás dele, quando ele se virou para checar uma fenda que assobiava no metal.
Sacando a espada de Ash, esperei até que ele se levantasse e virasse; então pressionei a ponta da espada em seu peito. O trabalhador saltou e correu para trás, mas o tubo de ligação o travou entre mim e a saída. Dei um passo para frente e movi a espada angulada em sua garganta.
—Não se mova. — Grunhi o mais friamente que pude. Ele assentiu e levantou suas mãos enluvadas. Meu coração disparou, mas me apressei em empurra-lo com a espada. —Faça exatamente o que eu digo e não te matarei, certo? Tire suas roupas.
Ele obedeceu, puxando suas roupas externas e tirando sua máscara, revelando um homem suado com uma espessa barba negra. Um anão, um normal; sem pele de aço, sem cabos saindo de sua cabeça, nada para ser identificado como um iron fey. Ele me olhou com os olhos negros como carvão, seus braços ondulados com os músculos, e deu um sorriso de desprezo.
—Afinal de contas você veio? — Ele cuspiu no piso perto de um tubo que estalou alto. —Todos nós estávamos nos perguntando que rumo você tomaria no final. Bem, se vai me matar, menina, acabe logo com isso.
—Não estou aqui para matar ninguém. — Disse cuidadosamente, mantendo a espada nele, como havia visto Ash fazer. —Estou aqui apenas por meu irmão.
O anão resmungou. —Ele está lá em cima na sala do trono com Machina. Em cima da torre oeste. Boa sorte para que chegue até ele.
Estreitei meus olhos. —Está sendo muito prestativo, por que eu deveria acreditar em você?
—Bah, nós não nos importamos com Machina ou seu irmão chorão, menina. — O anão falou e cuspiu no tubo, onde borbulhou como ácido. —Nosso trabalho é manter esse lugar funcionando, e não julgar a Corte como um grupo de aristocratas esnobes. Machina trabalha por sua própria conta, eu pediria que me mantivesse fora disso.
—Então, não está tentando me deter?
—Você tem chumbo em seus ouvidos? Eu não me importo com o que você faça, menina! Então, mate-me ou me deixe em paz, inferno! Pode ser? Não me meterei em seu caminho, se você não se meter no meu.
—Está bem. — Abaixei a espada. —Mas precisarei da sua roupa.
—Está bem, pegue. O anão a chutou para mim, com uma bota de sola de aço. – Nós temos várias. Agora, eu posso voltar a trabalhar, ou tem mais pedidos ridículos para me poupar do meu trabalho?
Eu hesitei. Eu não queria feri-lo, mas não podia deixa-lo solto. Não importa o que dissesse, ele poderia dizer aos outros trabalhadores, e eu tinha certeza de que eu não podia lutar com todos eles. Olhei em volta e encontrei um outro alçapão, como os anteriores, há poucos pés de distância.
Apontei para ele com a espada. —Abra isso, e fique ai.
—Dentro do mecanismo de engrenagem?
—Deixe suas botas. E as chaves.
Ele olhou com raiva, então levantei minha espada pronta para corta-lo se ele investisse contra mim. Mas o anão grunhiu uma maldição, andou até a grade de metal, e enfiou uma chave na fechadura. Empurrando-a, ela abriu com um barulho, ele tirou suas botas e desceu a escada em caracol, fazendo com que se ouvisse cada passo. Com o anão me olhando furiosamente, fechei a porta e tranquei-a, ignorando a culpa que me corroia por dentro.
Eu me vesti com a roupa do anão, que estava quente, pesada, e cheirava a suor. Engasguei enquanto entrava nela. Era muito pequena, mas com a frouxidão do traje e minha magreza, eu fiz funcionar. Minhas panturrilhas saiam pelas pernas da calça, mas empurrei meus tênis para dentro das botas do anão, e não ficou muito evidente. Pelo menos, esperava que não fosse. Coloquei o tanque nas costas, achando-o surpreendentemente leve, e coloquei a máscara. Ar doce e fresco golpeou meu rosto, suspirei de alívio.
Agora o único problema era a espada e o arco. Imaginei que os trabalhadores da torre não saiam por aí com armas, assim que encontrei um pedaço de lona, enrolei a espada, enfiando-a debaixo do braço. A flecha Witchwood, no entanto, estava segura em meu cinto, por baixo da roupa.
Com meu coração acelerado, voltei ao salão das caldeiras, onde os demais anões estavam saindo em fila. Respirando fundo para acalmar meu agitado estômago, me juntei a eles, mantendo minha cabeça baixa, e sem fazer contato visual. Ninguém me deu atenção, e eu os segui até uma longa escadaria, até que chegamos à torre principal.
A FORTALEZA DE MACHINA ERA ENORME, metálica, e pontiaguda. Trepadeiras espinhosas avançavam sobre as muralhas, suas farpas feitas de metal. Cacos irregulares sobressaiam das paredes sem razão aparente. Tudo tinha linhas duras e bordas cortantes, até os fey que viviam aqui. Além dos gremlins sempre presentes, vi mais cavaleiros armados, cães de caça feitos de mecanismos de relógio, e criaturas que se pareciam com louva-a-deus de metal, com suas patas afiadas e suas antenas prateadas brilhando sob a luz tênue.
Os anões se dispersaram no momento em que saíram das escadas, afastando-se em grupos de dois ou três. Eu me afastei da multidão, que diminuía rapidamente, e fui para a parede, tentando olhar como se eu tivesse um plano. Os gremlins faziam rombos nas paredes, aprisionando uns aos outros, e torturando um outro fey. Packrats computadorizados com pequenas orelhas, pés e olhos vermelhos piscando, apressaram-se quando eu me aproximei. Uma vez, um gremlim parou um, causando um grande grito, antes de enfiar a pequena criatura em sua boca, soltando faíscas. Ele sorriu para mim, o rabo do rato pendurado entre seus dentes pontiagudos, mordendo-o outra vez. Enrugando meu nariz, segui adiante.
Finalmente, descobri uma escada em espiral por centenas de metros ao longo das paredes da torre. Olhando para o infinito número de degraus, senti meu estômago apertar. Esta era a escada certa. Ethan estaria lá em cima. E Machina.
Senti uma dor em meu coração, como se houvesse algo... alguém que eu deveria me lembrar. Mas a memória se foi, estava fora de meu alcance. Com meu coração vibrando por dentro de minhas costelas, como um morcego louco, comecei a última fase de minha jornada.
Havia pequenas e estreitas janelas, há cada vinte passos acima dos degraus. Olhei para fora e vi o céu aberto, com estranhas aves brilhantes elevando-se com o vento. No topo da escada, havia uma porta de ferro contendo a insígnia de uma coroa de arame farpado. Rapidamente tirei a roupa do anão, aliviada por estar fora da volumosa roupa malcheirosa. Tirando o arco, coloquei cuidadosamente a flecha Witchwood na corda. Quando a flecha estava em sua superfície, começou a pulsar mais rápido, como se participasse de uma corrida, seu batimento cardíaco em excitação.
E, parada na última porta na torre do Rei Iron, eu hesitei. Eu poderia realmente fazer isto, matar uma criatura vivente? Eu não era uma guerreira como Ash, ou um trapaceiro brilhante como Puck. Eu não era inteligente como Grim, e certamente não tinha o poder de meu pai, Oberon. Eu era só eu, Meghan Chase, uma estudante normal do ensino médio. Nada especial.
Não. A voz em minha cabeça era minha, e não era. Você é mais que isso. Você é filha de Oberon e Melissa Chase. Você é a chave para prevenir uma guerra faery. É amiga de Puck, irmã de Ethan, querida de Ash, você é muito mais do que pensa. Você tem o que precisa. Tudo que falta é dar um passo à frente.
Um passo à frente. Eu posso fazer isso. Respirando fundo, empurrei a porta aberta.
Parei na entrada de um enorme jardim, a porta rangendo enquanto se afastava de mim. As lisas paredes de ferro ao meu redor foram cobertas por espinhos irregulares, uma negra silhueta contra o céu aberto. As árvores formavam uma linha ao lado de uma estrada rochosa, mas todas elas eram feitas de metal, e seus galhos estavam retorcidos e afiados. Os pássaros me olhavam com seus membros de aço. Quando eles se moviam, soavam como se lâminas estivessem arranhando umas contra as outras.
No centro do jardim, onde todos os caminhos se encontravam, havia uma fonte. Não era feita de mármore ou de gesso; mas de diferentes máquinas, girando lentamente com o fluxo da água. Eu apertei os olhos e olhei mais perto. E na engrenagem inferior, deitado de costas enquanto o equipamento girava lentamente ao seu redor, havia uma figura.
Era Ash.
Eu não gritei seu nome. Nem corri até ele, embora cada músculo do meu corpo me dissesse para o fazer. Forçando-me a manter a calma, olhei em volta do jardim, desconfiada de armadilhas e emboscadas súbitas. Mas não havia muitos lugares para os atacantes se esconderem; exceto por árvores de metal e uns poucos espinhos em uma videira, o jardim se via vazio.
Somente quando eu tive a certeza de que estava sozinha, corri a toda velocidade através do caminho pedregoso para a fonte.
Não esteja morto. Por favor, não esteja morto. Meu coração parou quando eu o vi. Ele tinha sido acorrentado à uma engrenagem, envolto em ligas de metal, dando voltas e voltas em um círculo sem fim. Uma perna pendia sobre a borda, a outra estava dobrada debaixo dele. Sua camisa tinha sido rasgada em pedaços, sua pele tinha um chocante contraste de carne pálida e marcas vermelho vivo de garras. A pele onde as correntes o tocavam estava em carne viva. Ele não parecia estar respirando.
Minhas mãos tremeram quando agarrei a espada. O primeiro golpe destroçou a maioria das argolas, o segundo partiu as máquinas em duas. As correntes se deslizaram, e a engrenagem fez um estrondo enquanto eu parava. Deixei cair a espada, e afastei Ash da fonte, seu corpo estava mole e frio em meus braços.
—Ash. — Eu o embalei em meu colo, além das lágrimas, além de qualquer coisa, mas só havia um terrível vazio. —Ash vamos. — Eu o sacudi um pouco. —Não faça isso comigo. Abra seus olhos. Acorde. Por favor...
Seu corpo estava mole, não respondia. Mordi meu lábio duramente para sentir o sangue, e botei meu rosto entre seu pescoço. —Desculpe-me. — Sussurrei e comecei a chorar. As lágrimas saíram de meus olhos fechados, e caíram em seu corpo frio e úmido. —Eu sinto muito. Queria que não tivesse vindo. Queria que nunca tivesse aceitado esse estúpido acordo. É minha culpa, tudo isso. Puck, a Dríade, Grim, e agora você... — Estava ficando muito difícil de falar, minha voz estava embargada pelas lágrimas. —Desculpe-me. — Murmurei outra vez, com a falta de outra coisa pra dizer. —Perdão, eu sinto muito...
Algo tremeu embaixo de minha bochecha. Piscando e soluçando, me levantei e olhei seu rosto. Sua pele continuava pálida, mas pude ver um movimento debaixo de suas pálpebras. Meu coração disparou, abaixei minha cabeça e rocei um beijo em sua boca. Seus lábios se abriram, e um suspiro meio interrompido escapou por eles.
Eu sussurrei seu nome em alívio. Seus olhos se abriram e piscaram para mim, confusos, como se não tivesse certeza se ele estava sonhando ou não. Ele moveu seus lábios, mas fez algumas tentativas antes que alguma coisa saísse.
—Meghan?
—Sim. — Sussurrei imediatamente. —Estou aqui.
Sua mão subiu, seus dedos estacionando na minha bochecha, acariciando a minha pele. —Eu... sonhei... que você ...viria... — Ele murmurou, antes que seus olhos se arregalassem um pouco, e seu rosto escurecesse. —Você não deveria... estar aqui. — Ele arfou, cravando seus dedos em meus braços. —Isso...é uma armadilha.
E então, escutei uma horrível risada sombria se elevando da parede atrás de nós. As engrenagens da fonte tremeram, e então começaram a girar para trás. Com um barulho alto e opressivo, a parede detrás de nós começou a afundar na terra, revelando a outra parte do jardim. Árvores de metal alinhavam-se no caminho até um enorme trono de ferro, que culminava para o céu. Um esquadrão de cavaleiros armados parou de pé em frente ao trono, com suas armas apontando para mim. Outro esquadrão entrou através da porta e a fechou de uma só vez, prendendo-nos entre eles.
Em pé, no alto de seu trono, observando a nós todos com um olhar sinistro de satisfação, estava Machina, o Rei Iron.
Machina
A figura no trono me lançou um sorriso tão afiado quanto a uma navalha. —Meghan Chase. — Murmurou ele, com sua voz viva fazendo eco sobre o jardim. —Seja bem vinda. Estava te esperando.
Suavemente deitei Ash, ignorando seus protestos, e dei um passo à frente, protegendo-o atrás de mim. Meu coração batia com força. Não sabia o que esperar da aparência do Rei Iron, mas com certeza não era isso. A figura no trono se levantou, alto e elegante, com cabelo prateado ondulando, e orelhas pontudas da nobreza fey. Ele se parecia ligeiramente com Oberon, refinado e elegante, mas incrivelmente poderoso. Ao contrário de Oberon e o luxo da Corte Seelie, o Rei Iron vestia um sobretudo preto que se agitava ao vento. Energia crepitava ao seu redor, como um trovão sem som, mas vi faíscas de relâmpagos em seus dissimulados olhos negros. Um brinco de metal brilhava em uma orelha, um telefone com tecnologia Bluetooth em outra. Seu rosto era bonito e arrogante, todos os ângulos e superfície afiados; senti que poderia me cortar em sua bochecha, se eu chegasse perto demais. E ainda assim, quando sorriu, iluminou todo o jardim. Uma capa prateada estranha jazia sobre seu ombros, retorcendo-se levemente como se estivesse viva.
Peguei o arco e a flecha do chão, segurando-os contra o Rei Iron. Esta poderia ser a minha única oportunidade. A Witchwood vibrou em minhas mãos enquanto eu armei a flecha no arco, mirando o peito de Machina. Os cavaleiros gritaram em alarme e avançaram, mas era tarde demais. Liberei a flecha com um grito de triunfo, vendo-a rapidamente ir direto para o alvo, em direção ao coração do Rei Iron.
E, a capa de Machina ganhou vida.
Cabos prateados se desenrolaram com a velocidade de um raio, surgindo de seus ombros e da sua coluna vertebral. Eles se propagaram ao redor de Machina como um halo de asas de metal, perversamente farpadas na extremidade, as pontas brilhando na luz. Chicotearam com força e para frente para proteger o Rei Iron, golpeando a Witchwood longe, fazendo-a voar em outra direção. Vi a flechar bater contra uma árvore de metal e se partir em duas, caindo no chão em pedaços. Alguém gritou de raiva e horror, e percebi que era eu.
Os guardas se apressaram até nós, suas espadas levantadas, e eu os vi vir com uma certa imparcialidade. Eu estava consciente de Ash, tentando se levantar para me proteger, e sabia que era tarde demais. A flecha tinha fracassado, e nós estávamos prestes a morrer.
—Parem.
A voz de Machina não era alta. Ele não gritou e nem deu uma ordem, mas cada cavaleiro se deteve bruscamente, como se fossem puxados por cordas invisíveis. O Rei Iron flutuou para baixo de seu trono, os cabos retorcendo-se lentamente atrás dele, como serpentes famintas. Seus pés tocaram o chão, e ele sorriu para mim, completamente indiferente ao fato de que eu tinha tentado mata-lo.
—Saiam. — Ele disse aos cavaleiros, sem tirar os olhos de mim. Muitos deles sacudiram sua cabeça com a surpresa.
—Meu rei? — Gaguejou um, e reconheci sua voz. Quintus, um dos cavaleiros que havia estado com Ironhorse nas minas. Eu me perguntei se Tertius estava aqui, também.
—A dama está desconfortável com sua presença. — Machina continuou, sem olhar para longe de mim. — Não desejo que ela esteja desconfortável. Vão. Eu cuidarei dela, e do príncipe da Corte Winter.
—Mas, Sua Majestade...
Machina não se moveu. Um de seus cabos chicoteou de repente, quase rápido demais para se ver, perfurando a armadura do cavaleiro pelas suas costas. O cabo levantou Quintus no ar e o jogou contra a parede. Quintus ecoou contra o metal, e caiu imóvel no chão, um buraco irregular através de seu peitoral. Sangue escuro e oleoso surgiu embaixo dele.
—Saiam. — Machina repetiu suavemente, e os cavaleiros se apressaram para obedecer. Eles saíram através da porta, e a fecharam com uma batida, e estávamos a sós com o Rei Iron.
Machina me estudou com olhos negros sem profundidade. —Você é tão bonita quanto eu imaginei. — Ele disse caminhando para frente, seus cabos enroscando-se atrás dele. —Linda, impetuosa, determinada. — Ele se deteve a poucos metros, os cabos se acalmando atrás da capa viva. —Perfeita.
Com um último olhar para Ash, ainda caído ao lado da fonte, dei um passo adiante. —Estou aqui por meu irmão. — Disse, aliviada por minha voz não tremer. —Por favor, deixe-o ir. Deixe-me leva-lo para casa.
Machina me olhou silenciosamente, então fez um gesto para trás dele. Um ruído estrondoso começou, e alguma coisa surgiu da terra perto de seu trono, como se tivesse surgido de um elevador. Uma gaiola grande e de ferro apareceu em minha visão. Dentro...
—Ethan! — Comecei a avançar, mas os cabos de Machina chicotearam, bloqueando meu caminho. Ethan agarrou as barras da gaiola, olhando com assustados olhos azuis. Sua voz ecoou estridente pelo pátio.
—Meggie!
Atrás de mim, Ash grunhiu uma maldição e tentou se levantar. Virei-me para Machina furiosamente. —Deixe-o ir! É só um menino pequeno! O que quer com ele, de qualquer forma?
—Minha querida, não me entenda mal. — Os cabos de Machina se agitaram ameaçadoramente, me fazendo retroceder. —Não peguei seu irmão por que o queria. Eu o peguei por que sabia que te traria aqui.
—Por quê? — Perguntei, virando—me pra ele. —Por que sequestrar Ethan? Por que não apenas me levar em seu lugar? Por que arrasta-lo para tudo isso?
Machina sorriu. —Você estava bem protegida, Meghan Chase. Robin Goodfellow é um guarda-costas formidável, e eu não podia me arriscar a te levar sem chamar atenção para mim, ou para meu reino. Felizmente, seu irmão não tinha essa proteção. É melhor arrastar-te até aqui por sua própria vontade, do que me arriscar à ira de Oberon e da Corte Seelie. Além disso... — Os olhos de Machina se reduziram a fendas negras, embora ainda sorrisse pra mim. –...eu precisava testar você, assegurar—me que você era realmente a escolhida. Se você não pudesse chegar à minha torre por sua própria conta, não seria digna.
—Digna de quê? — De repente, eu estava muito cansada. Cansada e desesperada para salvar meu irmão, leva-lo para longe dessa loucura, antes que ela o consumisse. Eu não poderia ganhar, Machina nos tinha em xeque-mate, mas levaria Ethan para casa, pelo menos. —O que você precisa, Machina? — Perguntei exausta, sentindo o Rei Iron um passo mais perto. —Seja o que for, apenas deixe-me levar Ethan de volta ao nosso mundo. Você disse que me queria. Estou aqui. Mas deixe eu levar meu irmão de volta pra casa.
—Claro. — Machina suavizou. —Mas primeiro, vamos fazer um acordo.
Congelei, tudo se quebrou dentro de mim. Um acordo com o Rei Iron, em troca da vida de meu irmão. Eu desejei saber o que ele iria pedir. De algum modo, sabia que me custaria de qualquer maneira.
—Meghan, não. — Murmurou Ash, arrastando-se pela fonte, ignorando as queimaduras em suas mãos. Machina o ignorou.
—Que tipo de acordo? — Perguntei suavemente.
O Rei Iron se aproximou. Seus cabos acariciaram meu rosto e meus braços, me fazendo tremer. —Tenho estado te observando há 16 anos. — Murmurou ele. —Esperando pelo dia que finalmente abrisse seus olhos, e nos víssemos. Esperando pelo dia que viria pra mim. Seu pai teria te cegado deste mundo para sempre. Ele tem medo do teu poder, medo do seu potencial, uma meio fey que é imune ao ferro, embora tenha o sangue do Rei da Corte Summer em suas veias. Tanto potencial. — Seu olhar permaneceu em Ash, por último em seus pés, e o liberou com a mesma rapidez. —Mab se deu conta de teu poder, que é a razão pela qual ela te quer tanto. É por isso que ela enviou o melhor para te capturar. Mas, até ela não pode te oferecer o que eu posso.
Machina deu os últimos passos que havia entre nós, e pegou minha mão. Seu toque era frio, e senti o poder zumbindo através dele, como correntes de eletricidade. —Quero que seja minha rainha, Meghan Chase. Ofereço-lhe meu reino, meu súditos, a mim mesmo. Quero que governe ao meu lado. Os fey de sangue antigo são obsoletos. Seu tempo está terminando. É o momento de uma nova ordem subir, mais forte e maior que a antiga. Só diga sim, e viverá para sempre, Rainha dos Fey. Seu irmão pode ir para casa. Deixarei você ficar com seu príncipe, se quiser, mas temo que ele possa não se adaptar bem ao nosso reino. Independentemente, você pertence a este lugar, ao meu lado. Não é isso que sempre quis? Pertencer?
Hesitei. Governar com Machina, tornar-me uma rainha. Ninguém iria rir ou zombar mais de mim, teria multidões de criaturas prontas para obedecer às minhas ordens, e finalmente seria a única lá em cima. Finalmente, seria a mais amada. Mas então, vi as árvores, retorcidas e metálicas, e me lembrei da devastação sombria e o terrível vazio na Wyldwood. Machina acabaria com Nevernever completamente. As plantas morreriam, ou se converteriam em versões deformadas de si mesmas. Oberon, Grimalkin, Puck: desapareceriam como o resto de Nevernever, até que somente os gremlins, bugs, e fey de ferro permaneceriam.
Engoli em seco. E, mesmo já sabendo a resposta, eu perguntei. —E se eu recusar?
A expressão de Machina não vacilou. —Então seu príncipe morrerá. E seu irmão também. Ou, talvez, farei dele um de meus brinquedos, metade humano, metade máquina. A erradicação do sangue antigo começará com ou sem você, minha querida. Estou te dando a opção de liderar, ou ser consumida por ela.
Meu desespero cresceu. Machina estendeu a mão e acariciou meu rosto, passando seus dedos por minha bochecha. —É tão terrível governar, meu amor? — Perguntou ele, inclinando meu queixo para cima, para olha-lo. —Ao longo dos milênios, tanto humanos quanto fey têm feito isso. Eliminando os fracos, para dar espaço aos fortes. Os fey de sangue antigo e os iron fey não podem co-existir, você sabe disso. Oberon e Mab nos destruiriam se soubessem sobre nós. Como isso é diferente? — Ele roçou um beijo sobre meus lábios, senti plumas de luz e vibrações de energia. —Vamos, uma palavra, isso é tudo o que tem à dizer. Uma palavra para enviar seu irmão para casa, para salvar o príncipe que você ama. Olhe. —Ele acenou uma mão, e um grande arco de ferro surgiu da terra. Do outro lado, eu podia ver minha casa, brilhando através do portal, antes que ela desaparecesse de vista. Arfei e Machina sorriu. —Eu o enviarei para casa agora, se aceitar. Uma palavra, e será a minha rainha, para sempre.
Tomei fôlego. —Eu...
E Ash estava ali. Como ele podia estar de pé, muito menos se mover, era um mistério. Mas ele empurrou-me para o lado, seu rosto selvagem, enquanto as sobrancelhas de Machina se elevaram em surpresa. Os cabos reluziram, golpeando Ash, enquanto o príncipe disparou para frente, e golpeou o peito de Machina com sua espada.
Machina cambaleou para trás, seu rosto contraído de dor. Relâmpagos explodiram ao redor da espada em seu peito. Seus cabos bateram selvagemente, atingindo Ash e lançando-o em direção à uma árvore de metal, em uma pancada repugnante. Ash caiu contra o tronco, enquanto Machina se endireitou, dando-lhe um olhar vazio de fúria.
Descendo, o Rei Iron agarrou o punho da espada e a puxou, deslizando-a para fora de seu corpo. Relâmpagos chamuscaram, derretendo o gelo ao redor do buraco, e então, cabos finos se contorceram-se ao redor da ferida, tecendo juntos. Machina jogou a espada longe e me olhou, seus olhos negros faiscando com fúria.
—Estou perdendo a paciência contigo, minha querida. — Um de seus cabos se lançou para frente, enroscando-se ao redor da garganta de Ash, e levantando seus pés. Ele engasgou e lutou fracamente, enquanto Machina o pendurava há vários metros acima de sua cabeça. Ethan choramingou em sua prisão. —Governe comigo, ou os deixe morrer. Faça tua escolha.
Caí de joelhos quando minhas pernas se dobraram, tremendo. O chão de pedra estava frio contra minhas mãos. O que posso fazer? Pensei desesperadamente. Como posso escolher? De qualquer maneira, pessoas morreriam. Não posso permitir isso. Não permitirei.
O chão vibrou sob minhas mãos. Fechei meus olhos e deixei minha mente flutuar para a terra, buscando alguma faísca de vida. Senti as árvores da Corte de Machina, seus galhos sem vida, mortos, mas suas raízes e corações intactos. Como da última vez. Eu lhes dei um empurrão e as senti responder, retorcendo-se ao meu encontro, empurrando para cima através da terra, como as árvores da Corte Seelie fizeram por Oberon com a quimera.
Tal pai, tal filha.
Respirei fundo, e puxei.
O chão tremeu, e de repente raízes vivas romperam através da superfície, fluindo através do pavimento, rompendo e se enroscando ao redor. Machina deu um grito de alarme, e raízes voaram ao seu encontro, envolvendo-se em volta de seu corpo, prendendo os cabos. Ele rugiu e atacou, relâmpagos correndo por suas mãos, explodindo de longe a madeira. Raízes e cabos de ferro entrelaçaram-se ao redor dele como serpentes enfurecidas, girando em uma dança hipnótica de fúria.
Ash se soltou dos cabos, caindo e batendo no chão junto à uma árvore de metal, sem fôlego, e no entanto, tentando ficar em pé, cambaleando atrás de sua arma. Vi um pedaço de madeira pálida sob o tronco, a metade da flecha Witchwood quebrada, e corri atrás dela.
Um cabo se enroscou na minha perna, tirando meus pés do chão. Virei ao redor para ver Machina me olhando, seu braço estendido enquanto ele lutava contra uma teia de raízes. O cabo se apertou em volta da minha perna, e me arrastou até ele. Gritei e arranhei o chão, arrancando minhas unhas e ensanguentando meus dedos, mas não pude me deter. O rosto furioso do Rei Iron surgia mais perto.
A espada de Ash atacou mais uma vez, cortando o cabo, arrancando-o. Mais cabos chicotearam contra ele, mas o Príncipe da Corte Winter se manteve firme, a espada brilhando enquanto tentáculos de ferro se retorciam ao nosso redor.
—Vá. — Resmungou ele, cortando a ponta de um cabo no ar. —Eu os conterei, vá!
Pulei, ficando de pé, corri em direção ao tronco e a flecha debaixo dele. Fechei minha mão, girei-a para um lado da madeira e depois para o outro, então vi um cabo cortar as defesas de Ash e bater em seu ombro, jogando-o no chão. Ash gritou, balançando sua espada fracamente, mas outro cabo o golpeou.
Corri até o Rei Iron, esquivando-me de cabos e raízes que serpenteavam. Por um momento, sua atenção estava em Ash, mas logo seu olhar se pousou em mim, relâmpagos brilhando na profundidade de seus olhos. Dando um grito de guerra, eu o ataquei.
Justo quando o alcançava, algo bateu nas minhas costas, tirando minha respiração. Não podia me mover, e me dei conta de que um dos cabos havia me apunhalado nas costas. Estranhamente, não havia dor.
Machina me arrastou para ele, enquanto os cabos e raízes guerreavam lá no alto. Todo o resto desapareceu, e havia apenas nós.
—Eu teria feito de você uma rainha. — Ele murmurou, levantando uma mão para mim. As raízes rodeando seu tórax, segurando seu outro braço, apertando ao seu redor, mas ele parecia nem se dar conta. —Teria lhe dado tudo. Por que recusou tal oferta?
Minha mão apertou a Witchwood, sentindo uma fraca batida de vida lá dentro. —Por que... — Sussurrei, levantando meu braço. —...eu já tenho tudo o que preciso.
Levei meu braço para frente, afundando a flecha em seu peito.
Os lábios de Machina se abriram em um grito silencioso. Ele arqueou sua cabeça para trás, ainda bradando, e raios verdes explodiram de sua boca, propagando-se por seu pescoço. Uma estranha vibração de energia, como um choque elétrico, percorreu meu corpo, fazendo meus músculos contraírem. O cabo me jogou longe, bati no chão e contive o grito quando a dor se lançou até minha coluna. Eu me endireitei, olhei ao redor, agarrei a espada, e fui até a prisão de Ethan. Um golpe com a espada de gelo rompeu a porta, abrindo-a, abracei meu irmão, sentindo ele chorar em meu cabelo.
—Meghan! — Ash cambaleou até mim, segurando o ombro, sangue escuro escorrendo pela sua pele. Atrás dele, a porta se abriu, e dezenas de cavaleiros adentraram. Por um momento, eles congelaram em estado de choque, vendo seu rei no centro do jardim.
Machina ainda se retorcia em sua prisão, mas fracamente. Galhos cresciam de seu peito, seus cabos virando videiras com pequenas flores brancas. Enquanto observávamos, ele se dividiu, então um tronco de carvalho novo brotou de seu peito, elevando no ar. O telefone Bluetooth caiu dos galhos e assentou, disfarçando-se nas raízes da árvore.
—Uau. — Sussurrei em silêncio.
Os cavaleiros se voltaram para nós com um rugido. Correram para frente, mas de repente, a terra tremeu. Ruídos encheram o ar quando o trono de ferro começou a desmoronar, lançando ásperos estilhaços como escamas. Um tremor sacudiu a terra, fazendo com que todos cambaleassem.
Em seguida, um grande pedaço do jardim se quebrou e caiu longe, levando vários cavaleiros com ele para o esquecimento. Mais rachaduras apareceram quando o pátio começou a despedaçar. Os cavaleiros uivaram e se dispersaram, gritos se elevaram no ar.
—A torre inteira está vindo abaixo! — Gritou Ash, esquivando-se de um raio que caiu. —Temos que sair daqui, agora!
Corri para o arco de ferro, tropeçando enquanto mais rachaduras apareciam no chão, e me agachei através dele, só para reaparecer do outro lado. Nada aconteceu. Eu me desesperei, e olhei ao redor freneticamente.
—Humana. — Disse uma voz familiar, e Grimalkin apareceu, encolhendo o rabo. Fiquei assustada com ele, não crendo em meus olhos. —Por aqui. Depressa.
—Pensei que não viria. — Engasguei, seguindo-o através do jardim onde duas árvores de metal cresciam juntas, os troncos formando um arco entre eles. Grimalkin me olhou e ronronou.
—Acreditei que você tomaria o caminho mais difícil, possível. — Disse ele, agitando seu rabo. —Se tivesse me escutado, teria te mostrado um caminho mais fácil. Agora, se apresse. Esse ar está me deixando doente.
Um rugido ensurdecedor sacudiu o chão, e o jardim desmoronou completamente. Agarrando Ethan com força, mergulhei entre os troncos, com Ash em meu encalço. Senti o formigamento da magia quando passamos através da barreira, e me dei conta de que estava caindo, antes de tudo ficar completamente escuro.
Retorno para casa
Acordei lentamente, com um piso de ladrilho frio e duro contra a minha bochecha. Fazendo uma careta de dor, eu me sentei, verificando se meu corpo ainda estava dolorido. Eu estava vagamente consciente de que teria alguma dor, lembrei-me de Machina me golpeando nas costas com seus cabos de ferro, senti a explosão de agonia enquanto rasgava minha carne, mas não havia nenhuma dor. Na verdade, eu me sentia melhor do que tinha estado há muito tempo, meus sentidos zumbiam com energia enquanto eu olhava ao redor. Eu estava deitada em uma sala grande e escura, cheia de mesinhas e computadores. O laboratório de informática da escola!
Dei um pulo, e me sentei procurando ao redor por meu irmão, me perguntando, por um momento que parou meu coração, se tudo havia sido um horrível sonho. Um momento depois, relaxei.
Ethan descansava debaixo de uma mesa próxima, seu rosto tranquilo, sua respiração suave e profunda. Acariciei um fio rebelde de sua franja, sorri, e depois me levantei.
Ash não estava em nenhum lugar visível, mas Grimalkin descansava sobre uma mesa debaixo de uma janela suja, ronronando sob o sol que entrava pelo vidro. Cuidadosamente, para não acordar Ethan, me aproximei e me encontrei com Grim.
—Aí está você. — O gato bocejou, me olhando com um canto de seu olho dourado. —Estava começando a achar que dormiria para sempre. Sabe, você ronca.
Ignorei esse comentário, pulando em cima da mesa que estava ao lado dele. —Onde está Ash?
—Saiu. — Grimalkin disse, e se esticou, enrolando sua cauda ao redor dele mesmo. —Ele foi mais cedo, antes que você acordasse. Ele disse que tinha que fazer algumas coisas. Falou para eu te dizer para não esperar por ele.
—Oh. — Deixei que isso me penetrasse, sem saber o que sentir. Poderia estar irritada, furiosa, ressentida que ele tenha ido tão de repente, mas tudo o que sentia era cansaço. E um pouco de tristeza. —Ele estava muito machucado, Grim? Vai ficar bem?
Grimalkin bocejou, obviamente desconcertado. Eu não estava tranquila, mas Ash era forte, forte o suficiente para fazer todo o caminho de volta para o coração do Reino Iron e voltar. Um fey menor poderia morrer. Ele quase morreu. Será que ele pegou glamour de mim, naquele lugar miserável? Ou foi outra coisa que o permitiu sobreviver? Perguntei-me se eu ainda teria a oportunidade de pergunta-lo.
Depois de um momento, me virei para observar ao redor da sala, assombrada que o caminho para o Reino Iron estivesse tão perto. Será que um dos computadores escondia o caminho para a terra de Machina? Tínhamos voado de um monitor, ou só fomos apagados da transmissão, como os gremlins?
—Então... — eu me virei para o gato —...você encontrou para nós o caminho de casa. Parabéns. Quanto te devo por isso? Outra dívida de vida? Meu primeiro filho?
—Não. — Os olhos de Grimalkin brilharam de diversão. —Deixarei essa passar. Só dessa vez. — Sentamo-nos em silêncio por um momento, desfrutando da luz do sol, contentes por estarmos vivos. No entanto, observei Ethan dormindo sob a mesa, um peso estranho me abateu como se tivesse perdido algo. Como se houvesse esquecido algo de importância vital em Faery.
—Então... — Grimalkin refletiu, lambendo sua pata da frente —...o que vai fazer agora?
Dei de ombros. —Não sei. Levar Ethan pra casa, suponho. Voltar para a escola. Tentar seguir com minha vida. — Pensei em Puck, e um nó subiu por minha garganta. A escola não seria a mesma sem ele. Espero que ele esteja bem, e que possa vê-lo outra vez. Pensei em Ash, e me perguntei se o Príncipe da Corte Unseelie aceitaria jantar e ver um filme.
—Espero você na eterna primavera. — O gato murmurou.
—Sim. — Suspirei e caí no silêncio outra vez.
—Eu estava me perguntando... — Grimalkin continuou —...como Machina sequestrou seu irmão em primeiro lugar. Ele usou um changeling, sim, mas não era um iron fey. Como fez a troca, se ele não era um de seus súditos?
Pensei nisso e franzi minha testa. —Alguém deve te-lo ajudado. — Imaginei.
Grimalkin assentiu. —Imaginei isso. O que significa que Machina tinha fey normais trabalhando para ele, e agora que morreu eles não estarão nada felizes contigo.
Eu me arrepiei. Sentindo a esperança por uma vida normal rapidamente se esvaindo. Imaginei navalhas no chão, meu cabelo amarrado na cabeceira da cama, coisas perdidas, e faeries irritados em meu closet ou debaixo da minha cama, prontos para atacar. Nunca mais poderia dormir, isso era certo. Eu me perguntei como eu poderia proteger a mim e a minha família.
Um gemido veio da figura dormindo no canto. Ethan estava acordando.
—Vá, então. — Grimalkin ronronou enquanto eu me levantava. —Leve-o para casa.
Queria dizer obrigado, mas não queria me colocar de novo em dívida com o gato. Em lugar disso, fui me encontrar com Ethan, andamos até o outro lado da sala, ziguezagueando ao redor das mesas, e computadores escuros e silenciosos. Na porta, que felizmente estava destrancada, olhei para trás, para a janela e o raio de sol, mas Grimalkin já não estava lá.
Os corredores da escola estavam escuros e vazios. Desconcertada, fiz o caminho de saída pelos corredores sombrios, agarrando a mão de Ethan, e me perguntando onde estavam todos. Talvez fosse final de semana, mas isso não explicava o chão e os armários sujos, veio um sentimento de completo vazio enquanto passávamos de uma sala fechada para outra. Inclusive aos sábados, sempre há no mínimo uma classe extracurricular. Eu senti como se a escola estivesse vazia há semanas.
As portas da frente estavam fechadas e trancadas, então tive que abrir uma janela. Depois de levantar Ethan, me balancei para sair depois dele, caindo no chão e olhando ao redor. Não havia carros no estacionamento, mas era meio-dia. O lugar se via completamente deserto.
Ethan olhou ao redor em silêncio, girando seus olhos azuis para capturar tudo. Havia uma precaução em seu olhar que parecia terrivelmente fora de lugar, como se ele estivesse velho para seu corpo que continuava o mesmo. Eu me preocupei e gentilmente apertei sua mão.
—Estaremos logo em casa, ok? — Sussurrei enquanto começávamos atravessar o estacionamento. —Apenas uma curta viagem de ônibus, e você poderá ver de novo mamãe e Luke. Está emocionado?
Ele assentiu solenemente. Não sorriu.
DEIXAMOS O CAMPUS ESCOLAR PARA TRÁS, seguindo pela calçada até que chegamos ao ponto de ônibus mais próximo. Ao nosso redor, os carros aceleravam, ziguezagueando de um lado para o outro no tráfego da tarde, e pessoas iam de um lado para outro. Algumas mulheres idosas sorriram para Ethan, mas ele não prestou atenção. Minha preocupação com ele, fez com que meu estômago doesse. Tentei anima-lo, lhe fazendo perguntas, contando pequenas histórias sobre minhas aventuras, mas ele só me olhou com tristes olhos azuis, e não deu uma palavra.
Nós paramos na esquina para esperar o ônibus chegar, e ficamos olhando o número de pessoas aumentar à nossa volta. Vi faeries passando escondidos através da multidão, entrando nas pequenas lojas que tinham na avenida, ou seguindo os humanos como lobos em caça. Um menino fey com asas de couro negro sorriu, e saudou Ethan de um beco do outro lado da rua. Ethan tremeu, e seus dedos apertaram os meus.
—Meghan?
Eu me virei ao som de meu nome. Uma garota saía de uma cafeteria atrás de nós, e me olhava com assombro e incredulidade. Franzi a testa, me movendo incomodada. Ela era familiar, com seu cabelo longo e escuro, sua cintura fina de líder de torcida, mas eu não me lembrava de onde a conhecia. Era uma colega de classe? Se era, creio que poderia reconhecer. Ela poderia ser muito charmosa, mas não era, seu nariz distorcido estragava seu rosto perfeito.
E então, veio o golpe.
—Angie... — Sussurrei, sentindo que a surpresa me deu um soco no estômago. Então me lembrei da risada zombeteira da líder de torcida, Puck murmurando algo sob sua respiração, e os gritos de horror de Angie. Seu nariz era plano e magro, com duas narinas grandes que a faziam parecer um porco. Isso era uma vingança faery? Um horrível sentimento de culpa me corroeu, e tirei meus olhos de seus rosto. —O que quer?
—Oh, meu Deus, é você! — Angie me olhou boquiaberta, suas narinas se alargando. Vi Ethan encarando sem vergonha o seu nariz. —Todos pensaram que você estava morta! Há detetives e policias à sua procura. Eles disseram que fugiu. Onde estava?
Eu pisquei. Isso era novo. Angie nunca havia falado comigo antes, exceto para zoar de mim na frente de seus amigos. —Eu...há quanto eu tempo sumi? — Gaguejei, sem saber o que dizer.
—Mais de 3 meses até agora. — Ela afirmou, e a olhei. Três meses? Minha viagem para Nevernever não tinha sido assim tão longa, tinha? Uma semana ou duas, no máximo. Mas lembrei-me que meu relógio parou em Wyldwood, e um sentimento doentio veio em meu estômago. O tempo segue diferente em Faery. Não me surpreende que a escola esteja fechada e vazia; estávamos agora nas férias de verão. Eu realmente havia ido há três meses.
Angie estava me observando com curiosidade, e vacilei para dar uma resposta que não soasse confusa. Antes que eu pudesse pensar em algo, um trio de loiras que ia para cafeteria parou, e nos olharam boquiabertas.
—Oh, meu Deus! — Uma delas gritou. —É a garota do pântano, ela voltou! — Escutei risadas agudas ecoando na calçada, fazendo com que muita gente parasse e olhasse. —Ei, soubemos que você engravidou, e seus pais te levaram para uma escola militar. É verdade?
—Oh, meu Deus! — Uma de suas amigas gritou, apontando para Ethan. —Olha isso, ela já tem um filho! — Elas começaram a rir histericamente, me enviando olhares sutis para ver minha reação. Eu as olhei calmamente e sorri. Desculpem-me por decepciona-las, pensei, olhando a frente tricotada de suas roupas com confusão. Depois de enfrentar goblins homicidas, redcaps, gremlins, cavaleiros, e faeries demoníacas, vocês já não são tão terríveis.
Mas então, para minha surpresa, Angie franziu o rosto e deu um passo para frente. —Parem com isso. Ela repreendeu, enquanto eu reconhecia o trio de loiras como sua velha equipe de animadoras. —Ela apenas voltou para a cidade. Dêem-na um descanso.
Elas fizeram suas caras de malvadas. —Desculpe-nos, Cara de Porco, mas você está falando conosco? — Uma perguntou docemente. —Eu não acredito que esteja falando com você de alguma forma. Por que não vai pra casa com a pequena cadela do pântano? Estou certa de que ela poderá encontrar um lugar pra você em sua fazenda.
—Ela não pode te entender. — Outra disse. —Você tem que falar com ela em sua língua. Assim... — Ela fez um coro de oinks e gritos, e as outras começaram a chorar de tanto rir. Os ecos encheram a rua com grunhidos afiados, que fizeram Angie ficar com o rosto vermelho.
Eu estava parada ali, atônita. Era tão estranho, olhar a menina mais popular da escola ficar em meu lugar. Deveria estar feliz, a perfeita líder de torcida estava finalmente provando do seu próprio veneno. Mas meus instintos diziam que esse tratamento não era novo. Começou desde o dia em que Puck fez sua mágica cruel, e eu senti empatia. Se ele estivesse aqui, viraria seu braço até que a mudasse de volta.
Se ele estivesse aqui...
Rapidamente afastei esses pensamentos. Se continuasse, começaria a chorar, e isso era a última coisa que não queria fazer na frente delas. Por um segundo, pensei que Angie começaria a chorar e fugiria. Mas, depois de um momento, ela respirou fundo e se virou para mim, girando seus olhos.
—Vamos sair daqui. — Ela sussurrou, sacudindo sua cabeça para um estacionamento perto. –Você já foi em casa? Eu posso te levar, se quiser.
—Hum... — Impressionada outra vez, olhei para Ethan. Ele olhou pra mim, seu rosto estava pálido e cansado. Apesar de minha hesitação, queria leva-lo para casa o mais rápido possível. Apesar de que ainda tinha minhas dúvidas, Angie certamente se mostrava diferente agora. Resumidamente, me perguntei se era uma grande adversidade que fazia uma pessoa mais forte. —Sim.
ELA FEZ UM MONTE DE PERGUNTAS no caminho de casa, onde eu havia estado, por que eu fui, se a gravidez foi o que realmente me fez ir. Contestei o mais vagamente possível, deixando de fora as partes com faeries homicidas, é claro. Ethan acenou atrás de mim, e caiu no sono, e logo seus quase imperceptíveis roncos era o único som além do zumbido do motor.
Angie finalmente subiu um familiar caminho de cascalho, e meu estômago revirou nervosamente enquanto eu abria a porta do carro, puxando Ethan comigo. O sol tinha se posto, e uma coruja piou sob a minha cabeça. Lá longe, a luz do poste brilhava como um farol no crepúsculo.
—Obrigada pela carona... —Eu disse a Angie, fechando a porta do carro. Ela assentiu, e eu disse uma pequena palavra. —Obrigada. A culpa me apunhalou de novo enquanto olhava seu rosto. —Sinto muito sobre... bem, você sabe.
Ela deu de ombros. —Não se preocupe com isso. Farei uma cirurgia plástica em duas semanas. O cirurgião deve cuidar disso. — Ela engatou a marcha no carro, mas parou se virando para mim. —Sabe... — ela disse, franzindo o rosto —...não me lembro como fiz isso. Sabe? Algumas vezes, penso que sempre fui assim. Mas então, as pessoas olharam pra mim engraçado, como se elas não pudessem acreditar. Como se tivessem medo, por que sou tão diferente. — Ela piscou pra mim, havia olheiras debaixo de seus olhos. Seu nariz parecia saltar. —Mas você sabe como é isso, não é?
Assenti sem respirar. Angie piscou de novo, como se estivesse me vendo pela primeira vez. —Bom, então... — um pouco envergonhada, ela acenou para Ethan e fez um rápido movimento com a cabeça para mim —...até mais.
—Adeus. — Observei-a ir, os faróis traseiros de seu carro ficando menores e menores, até que eles viraram em uma esquina e desapareceram. A noite de repente ficou escura e sem vento.
Ethan pegou minha mão e olhei-o preocupada. Ele ainda não falava. Meu irmão sempre foi um menino quieto, mas este completo silêncio ressentido era perturbador. Esperava que ele não estivesse muito traumatizado por conta de sua horrível experiência.
—Casa, garoto. — Suspirei, vendo um longo, longo caminho. —Acha que pode ir?
—Meggie?
Aliviada, olhei pra ele. —Sim?
—Você é um deles agora?
Prendi a respiração sentindo como se tivessem me esmurrado. —O quê?
—Você está diferente. — Ethan tocou suas orelhas, olhando para as minhas. —Como o rei mau. Como eles. — Ele fungou. —Você vai viver com eles agora?
—Claro que não. Não pertenço a eles. — Apertei sua mão. —Eu viverei com você, mamãe e Luke, como sempre.
—Uma pessoa misteriosa falou comigo. Disse que me esqueceria deles em um ano ou dois, e que eu não seria capaz de vê-los nunca mais. Isso significa que vou esquecer de você também?
Eu me ajoelhei e o olhei nos olhos. —Eu não sei, Ethan. Mas, sabe o que mais? Não me importo. Independente de qualquer coisa, seremos sempre uma família, certo?
Ele assentiu solenemente, como alguém muito velho para sua idade. Juntos, continuamos caminhando.
O CONTORNO DE NOSSA CASA, crescia conforme nós íamos nos aproximando. Ela parecia familiar e estranha ao mesmo tempo. Eu podia ver a caminhonete de Luke no caminho, e as cortinas florais de mamãe se balançando ao vento. Meu quarto estava escuro e quieto, mas uma luz saía do quarto de Ethan, piscando em laranja. Meu estômago revirou ao pensar em quem dormia ali. Uma única luz brilhava na janela de baixo, eu recuperei meu ritmo.
Mamãe dormia no sofá quando abri a porta. A televisão estava ligada, tinha uma caixa de lenços de papel em seu colo, e um lenço torcido entre seus dedos. Ela se moveu quando eu fechei a porta, mas antes que eu dissesse algo, Ethan choramingou. —Mamãe! — E se atirou em seu colo.
—O quê? — Mamãe acordou assustada pela agitação da criança em seus braços. —Ethan? O que está fazendo aqui embaixo? Teve um pesadelo?
Então, ela me olhou e seu rosto ficou pálido. Tentei sorrir, mas meus lábios não me obedeciam muito bem, um nó na garganta dificultou minha fala. Ela se levantou, carregando Ethan, e nos abraçamos. Solucei em seu pescoço, e ela me abraçou mais forte, as lágrimas escorrendo sobre minha bochecha.
—Meghan. — Finalmente, ela se recompôs e me olhou, um brilho de fúria se misturava com alívio em seus olhos. —Onde estava? — Ela perguntou-me com uma pequena sacudida. —A polícia está te procurando, detetives, a cidade inteira. Ninguém encontrou um rastro seu, eu estava doente de preocupação. Onde esteve por três meses?
—Onde está Luke? — Perguntei, sem saber o porquê. Talvez senti que ele não precisava escutar isso, que era entre eu e mamãe. Perguntei-me se havia dado conta da minha ausência. Mamãe franziu a testa, como se soubesse o que eu estava pensando.
—Ele está lá em cima, dormindo. — Respondeu, voltando-se para mim. —Deveria acorda-lo, dizer que voltou para casa. Cada noite durante estes últimos três meses, ele pegou sua caminhonete e dirigiu pelas estradas, te procurando. Algumas vezes só voltou de manhã.
Atônita, pisquei para afastar as lágrimas. Mamãe me deu um olhar severo, o único que eu tive direito antes de ser repreendida. —Espere aqui até que ele acorde, então, senhorita, terá que nos dizer onde estava enquanto nós estávamos ficando loucos. Ethan, amor, vamos para a cama.
—Espere. — Eu disse enquanto ela se virava para ir, com Ethan ainda pendurado em sua roupa. —Irei com você e Ethan, também. Acho que todos deveriam escutar isso.
Ela hesitou, olhando Ethan, mas finalmente assentiu. Viramo-nos para irmos juntos, mas um ruído vindo das escadas congelou nossos passos.
O changeling parou ali, estreitando os olhos, seus lábios descascados para trás em confusão. Ele usava o pijama de coelhinhos de Ethan, e seus pequenos punhos estavam fechados pela ira. O verdadeiro Ethan gemeu e se agarrou em mamãe, escondendo seu rosto. Mamãe deu um suspiro, sua mão foi à sua boca, enquanto o changeling sibilava.
—Maldita! — Gritou, chutando o piso. —Estúpida, menina estúpida! Por que tinha que traze-lo de volta? Eu te odeio! Eu te odeio! Eu...
Uma fumaça surgiu de seus pés, e o changeling lamentou. Deformando, ele desaparecia em meio à fumaça, gritando maldições enquanto encolhia cada vez mais, e finalmente, desapareceu por completo.
Dei um pequeno sorriso de triunfo.
Mamãe baixou sua mão e virou-se para mim de novo, vi o entendimento em seus olhos e um terrível medo. —Entendo. — Ela murmurou, olhando para Ethan. Ela tremeu, e seu rosto estava pálido. Ela sabia. Ela sabia tudo sobre eles.
Eu a encarei. As perguntas vieram à minha mente, eram muitas e todas emaranhadas para que alguma saísse. Mamãe estava diferente agora, frágil e com medo, não era a mamãe que eu conhecia. —Por que não me disse? — Sussurrei.
Mamãe se sentou no sofá, puxando Ethan com ela. Ele se acomodou a ela como se nunca mais fosse deixa-la ir embora. —Meghan, eu... Isso aconteceu há muitos anos, quando o conheci....ele...seu pai. Lembro com dificuldade... vejo mais como um sonho do que como outra coisa. — Ela não me olhava enquanto falava, estava perdida em seu próprio mundo. Sentei-me na beira da cadeira enquanto ela continuava com uma fala quase imperceptível.
—Por meses me convenci que isso nunca tinha acontecido. Não era real, o que fizemos, as coisas que me mostrou. Foi só uma vez, e nunca mais voltei a vê-lo. Quando descobri que estava grávida, estava um pouco nervosa, mas Paul estava muito feliz. Os doutores nos disseram que nunca poderíamos ter filhos...
Paul. Minha mente deu voltas inquietantes com esse nome. Senti como se pudesse reconhecer. Então, uma palavra de mamãe veio e me bateu: Paul havia sido meu pai, pelo menos se casou com minha mãe. Eu não me lembrava, no entanto. Não tinha idéia de quem era, como se parecia. Ele devia ter morrido quando eu era muito pequena.
Este pensamento me deixou triste, irritada. Houve outro pai que mamãe tinha tentado esconder de mim.
—Então você nasceu. — Mamãe continuou, ainda longe, com uma voz distante. —E coisas estranhas começaram a acontecer. Até te encontrei fora de seu berço, no chão, mesmo quando ainda não sabia andar. Portas se abriam e fechavam sozinhas. As coisas desapareciam, e eram encontradas só em lugares estranhos. Paul pensou que a casa estava assombrada, mas eu sabia que eles estavam te procurando. Eu podia senti-los, inclusive até os ver. Eles me aterrorizavam. Eu tinha medo que eles fossem atrás de você, e eu não podia dizer a meu marido o que estava acontecendo.
—Decidimos nos mudar, e por um tempo, as coisas foram normais. Você cresceu e virou uma menina comum e feliz, achei que tudo tinha ficado pra trás. Então... — Sua voz tremeu, e lágrimas encheram seus olhos. —Então aconteceu o incidente no parque, imaginei que eles a haviam encontrado outra vez. Depois que tudo se acalmou, viemos para cá, e conheci Luke. Você conhece o resto.
Franzi a testa. Lembrava do parque, com suas altas árvores e um pequeno lago refrescante, mas não podia me lembrar desse ‘incidente’ sobre o qual mamãe estava falando. Antes que pudesse perguntar, mamãe se inclinou para frente e agarrou minha mão.
—Durante muito tempo eu quis te contar. — Ela murmurou, seus olhos estavam grandes e à beira das lágrimas. —Mas tive medo. Não de que não acreditasse em mim, mas do que faria. Queria te dar uma vida normal, sem viver com medo deles, sem que acordasse cada manhã temendo que eles tivessem te encontrado.
—Realmente não funcionou, não é? — Minha voz saiu rouca e ríspida. A raiva fervia, eu a encarei. —Eles não só vieram por mim, mas Ethan também foi arrastado para isso. O que vamos fazer agora, Mamãe? Fugir igual às outras vezes? Você sabe o quanto funcionou.
Ela se reclinou para trás, abraçando Ethan protetoramente. —Eu... não sei. — Ela tremeu, limpando seus olhos, e imediatamente me senti culpada. Mamãe passou pelas mesmas coisas que eu. —Pensaremos em algo. Agora, só estou feliz por vocês dois estarem a salvo. Juntos.
Ela tentou sorrir pra mim, e devolvi o sorriso, sabendo que isso não havia acabado. Nós não podíamos meter nossas cabeças na areia e fingir que os fey não estavam lá fora. Machina poderia ter ido, mas o Reino Iron continuaria crescendo, envenenando Nevernever, pouco a pouco. Não havia maneira de deter o progresso da tecnologia. De algum modo, eu sabia que não podíamos escapar. Fugir não resolveria...eles são muito persistentes e teimosos. Eles podiam guardar rancor para sempre. Cedo ou tarde, teríamos que enfrentar os fey de novo.
É claro que o ‘cedo’ veio mais rápido do que eu pensava.
—ETHAN. — MAMÃE DISSE DEPOIS de um momento, a adrenalina tinha ido, e a casa estava quieta. —Por que você não sobe correndo e acorda o papai? Ele vai gostar de saber que Meghan está em casa. Depois pode dormir com a gente, se quiser.
Ethan assentiu, e nesse momento, a porta da frente se abriu com um rangido, um vento frio cruzou a sala e nos fez tremer. O luar brilhava além da porta, consolidando algo sólido e real.
Ash estava parado na soleira da porta.
Mamãe não ergueu os olhos, mas Ethan e eu saltamos enquanto meu coração começou a bater ruidosamente no meu peito. Ash estava diferente agora, seus cortes e queimaduras haviam sarado, seus cabelos caiam suavemente ao redor de seu rosto. Ele usava jeans escuros e uma camisa branca, sua espada estava pendurada ao seu lado. Ainda era perigoso. Ainda era desumano e mortal. Ainda era a coisa mais linda que eu já tinha visto. Seus olhos cor de mercúrio encontraram os meus, e ele inclinou sua cabeça.
—É a hora. — Ele murmurou.
Por um momento, o olhei sem entender, e então algo me golpeou de uma só vez. Oh, Deus. O trato. Ele está aqui para me levar para a Corte Winter.
—Meghan? — Mamãe olhou para mim e para a porta, sem ver a silhueta do Príncipe da Corte Winter contra a moldura. Mas seu rosto estava duro, ela sabia que havia algo ali. —O que está acontecendo? Quem está aí?
Não posso ir agora, me enraiveci silenciosamente. Acabei de chegar em casa! Quero ser normal, quero ir à escola, e aprender a dançar para o baile do próximo ano. Quero esquecer que os faery existem.
Mas dei minha palavra. E Ash conservou a dele até o final da barganha, apesar de quase ter morrido por ela.
Ash esperou silenciosamente, seus olhos nunca deixando os meus. Assenti e me virei para minha família.
—Mamãe. — Eu sussurrei sentando no sofá. —Eu... eu tenho que ir. Eu fiz uma promessa para alguém que iria ficar com eles por um tempo. Por favor, não se preocupe ou fique triste. Eu voltarei, eu juro. Mas isso é algo que eu tenho que fazer, ou então eles poderiam vir à sua procura ou de Ethan, de novo.
—Meghan, não. — Mamãe pegou minha mão, apertando-a forte. —Podemos fazer algo. Deve haver uma maneira de mantê-los... longe. Nós podemos mudar outra vez, todos nós. Nós...
—Mamãe. — Deixei que o glamour desaparecesse, revelando minha verdadeira identidade para ela. Não foi difícil manipular o glamour que me envolvia. Como as raízes no reino de Machina, veio tão naturalmente que me perguntei como alguma vez pude imaginar que seria difícil. Os olhos de mamãe se arregalaram, e ela levou sua mão para trás, se aproximando de Ethan. —Agora sou uma deles. — Sussurrei. —Não posso fugir disso. Você deveria saber que não. Tenho que ir.
Mamãe não contestou. Ficou me olhando com uma mistura de pena, culpa e horror. Suspirei e me levantei, deixando que o glamour se assentasse de novo em mim. Eu sentia o peso do mundo inteiro.
—Pronta? — Ash murmurou, e eu pausei, dando uma olhada em direção a minha casa. Queria levar algo comigo? Tinha minha roupa, minha música, meus pequenos objetos pessoais que havia colecionado ao longo de meus dezesseis anos.
Não. Não precisava deles. Essa pessoa se foi, se ela tinha sido real à princípio. Eu precisava descobrir quem eu realmente era, antes de voltar. Se eu voltar. Olhando para mamãe, que continuava congelada no sofá, me perguntei se alguma vez estaria em casa de novo.
—Meggie? — Ethan deslizou para fora do sofá e veio até mim. Me ajoelhei, e ele abraçou ao redor do meu pescoço com toda a força que um menino de quatro anos podia ter.
—Não me esquecerei. — Ele sussurrou, e engoli em seco. Parei, despenteei seu cabelo, e me virei para Ash, que ainda me esperava silenciosamente na porta.
—Tem tudo? — Ele perguntou enquanto eu me aproximava. Assenti.
—Tudo o que eu preciso. — Murmurei de volta. —Vamos.
Ele fez uma reverência, não para mim, mas para mamãe e Ethan, e saiu caminhando. Ethan fungou ruidosamente e acenou, tentando com todas as suas forças não chorar. Eu sorri, vendo suas emoções claramente como uma charmosa pintura: azul de tristeza, esmeralda de esperança, vermelho de amor... Estávamos conectados, todos nós. Nada, nem fey, Deus ou imortal poderia romper isso.
Acenei para Ethan, assenti por perdão para mamãe, e fechei a porta, seguindo Ash sob um luar prateado.
[1] Creamsicle, tipo de picolé recheado. Veja imagem em: http://caffeportofino.files.wordpress.com/2009/05/creamsicle.jpg
[2] Cheerios, cereal de mel bem antigo.
3 Bagel, pão salgado em forma de rosca.
[4] Marca de roupa americana.
[5] Filme “The Blair Witch”
[6] The Texas Chain Saw Massacre, uma série de filmes baseados em fatos reais sobre um psicopata canibal do Texas . O personagem principal é o Leatherface.
[7] Creature from the Black Lagoon, filme “O monstro da lagoa negra” (título em português)
[8] Jockstrap, é uma cueca que protege a genitália masculina em esportes de contato, como futebol americano.
[9] Quarteback, uma posição do futebol americano. É o jogador que começa a jogada, passa a bola pro jogador logo atrás dele, e parte para segurar os jogadores do time oposto para não chegarem à bola. É erroneamente chamado de zagueiro, em português. Teoricamente, é um dos jogadores mais fortes do time, pois tem que segurar ou derrubar os jogadores do time oposto que tentam chegar à bola.
[10] Babe, adaptação de baby, que quer dizer bebê. É comum ser traduzido como gata, gatinha, linda, mesmo sem muita intimidade.
[11] ITT Tech, curso de especialista em programação.
[12] ROFL, abreviação na Internet para Rolling On the Floor Laughing, que significa rolando de rir.
[13] Thumbs–up, sinal que a gente faz com o dedão pra cima e todos os outros dedos fechados.
[14] Root Beer, bebida que é feita com a raiz de um planta. Na América do Norte ela tem versão alcoólica e não alcoólica. Aposto que estes são refrigerantes.
[15] Em inglês, Don’t get your royal pink panties in a twist
[16] Em inglês, Kermit the Frog, um dos principais personagens do Muppet Show, criado por Jim Hensen
[17] Semelhante ao 911, telefone pra qualquer emergência.
[18] Crisco, banha fina enlatada
[19] Changeling, criança muito feia ou defeituosa deixada por fadas, no lugar de outra muito bonita.
[20] Faery pode significar tanto fada quanto o lugar onde elas vivem, o reino das fadas ou então a terra das fadas, a palavra fey, também se refere à fada.
[21] Trolls, criaturas antropomórficas do folclore escandinavo. Poderiam ser tanto como gigantes horrendos - como ogros - ou como pequenas criaturas semelhantes a goblins. Viviam em cavernas ou grutas subterrâneas. Veja imagem em: http://viamaolotado.com/wp-content/uploads/2010/02/troll.jpg
[22] Goblins, criaturas geralmente verdes que se assemelham a duendes. Fazem parte do folclore nórdico; nas lendas, eles vivem fazendo brincadeiras de mau gosto. Veja imagem em: http://www.seligorscastle.zoomshare.com/files/Of_Peppermint_Larks_and_Goblin/Goblins02_1_.jpg
[23] Sídhe, sìth, sidh é uma palavra gaélica (irlandesa e escocesa) que se refere a pequenas colinas ou montes de terra imaginados como o lar de um povo sobrenatural de espíritos da natureza vinculado às fadas, janas e elfos de outras tradições, e posteriormente, a seus supostos habitantes, propriamente Aes Sídhe, Daoine Sídhe ou Duine Sìth, o "povo das colinas". Para saber mais: http://pt.fantasia.wikia.com/wiki/Sidhe
[24] Anime, desenho animado proveniente do Japão
[25] Pixies, criaturas do folclore britânico. São pequenas fadas esbeltas, que vivem nos bosques. A Sininho do Peter Pan é um tipo de pixie. Para saber mais: http://pt.wikilingue.com/es/Pixie
[26] Piskies, é um tipo de fada. É um termo da língua Cornish para Pixie.
[27] Veja imagem em: http://kedgyonline.com/store/images/tinkertoys.jpg
[28] Faeryland, Terra das fadas
[29] Doppelgänger segundo as lendas germânicas de onde provém, é um monstro ou ser fantástico que tem o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe ou que passa a acompanhar (como dando uma idéia de que cada pessoa tem o seu próprio). Ele imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo suas características internas mais profundas.
[30] No folclore de muitas sociedades celtic, Unseelie Court consiste em fadas malévolas, demônios e monstros. Ao contrário da Seelie Court, que se constitui por fadas do bem. A Unseelie e a Seelie são ‘Cortes’ que comandam o território faeryland, a Corte Unseelie é conhecida como Corte Winter (Winter - inverno ), e a Seelie é conhecida como Corte Summer (Summer - verão)
[31] Em inglês, A Midsummer Night’s Dream, é uma comédia da autoria de William Shakespeare, escrita em meados da década de 1590. Para saber mais, acesse: http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Midsummer_Night%27s_Dream
[32] DMV, Department of Motor Vehicles, onde se adquire a carteira de habilitação.
[33] Kelpie ou cavalo aquático, criatura fantástica pertencente à mitologia celta. Estas criaturas seriam seres espirituais, que segundo as lendas viveriam nos lagos, já que seriam espíritos da água.
[34] Bogeys, espíritos ingleses malévolos que vivem na escuridão, fazendo suas casas em armários, sob as camas, e closets. Aparecem como amorfos amontoados de poeira, podendo mudar sua forma. Eles causam o tipo de brincadeira durante a noite, inclusive roubam almas, mas se tornam inofensivos à luz do dia. O bicho-papão é um bogeyman.
[35] Glaistigs, criatura da mitologia escocesa. Na maioria das histórias, a criatura é descrita como uma linda mulher com pele escura ou cinza e cabelos loiros. Sua parte inferior é de uma cabra, geralmente disfarçada por um longo manto verde ou vestido. Veja imagem em: http://www.parhedros.com/images/cover_cent_lg.jpg
[36] Dryads, ninfa da floresta na mitologia grega. Veja imagem em: http://t1.gstatic.com/images?q=tbn:x8NRMaR97Hzf8M:http://brandon9520.tripod.com/sitebuildercontent/sitebuilderpictures/.pond/dryad.jpg.w300h370.jpg&t=1
[37] Wyldwood, nome de uma cidade na fairyland
[38] Wisps, no folclore é uma representação de uma luz fantasmagórica às vezes vista durante a noite ou no crepúsculo sobre pântanos e brejos. Assemelha-se à uma lâmpada piscando, e às vezes é dito que recua se alguém se aproximar. Sinônimo de: will-o'-the-wisp
[39] Fates, deusa do destino
[40] Pan, Deus grego que protege os pastores e seus rebanhos
[41] Goblin, duende.
[42] Nixie, ninfa aquática.
[43] Nice, deusa da vitória na mitologia grega
[44] Na mitologia grega, campos Elísios é o paraíso, um lugar do mundo dos mortos, governado por Hades, oposto ao Tártaro (lugar de eterno tormento e sofrimento). Nos Campos Elísios os homens virtuosos repousavam dignamente após a morte, rodeados por paisagens verdes e floridas, dançando e se divertindo noite e dia, descrição semelhante ao céu dos cristãos e Muçulmanos.
[45] Sátira, veja imagem em: http://www.mischiefmanagedcmu.org/Todd%20Satyr.jpg
[46] Cait Sith, ente da mitologia Escocesa e Irlandesa. Parece um grande gato preto com uma mancha branca no peito. A lenda conta que ele é um gato espectro que assombra as montanhas da Escócia e o folclore popular ainda diz que Cait Sith não é uma "fada" e sim uma bruxa transformada.
[47]Bottlebrush, veja imagem em: http://hansdejager.com/flkeysslices/FLKeysSlicesPics–3/Bottlebrush.jpg
[48] Splat, barulho.
[49] Arcádia (em grego, Αρκαδία) era uma província da antiga Grécia. Com o tempo, se converteu no nome de um país imaginário, criado e descrito por diversos poetas e artistas, sobre tudo do Renascimento e do Romantismo. Neste lugar imaginário reina a felicidade, a simplicidade e a paz em um ambiente idílico habitado por uma população de pastores que vivem em comunhão com a natureza, como na lenda do nobre selvagem. Neste sentido, possui quase as mesmas conotações que o conceito de Utopia ou o da Idade de ouro. Arcádia tem permanecido como um tema artístico desde a antiguidade, tanto nas artes visuais como na literatura. Imagens de belas ninfas e paisagens pastoris tem sido uma frequente fonte de inspiração de pintores e escultores.
[50] Forno usado para fazer pizza, pães... Veja imagem em: http://farm3.static.flickr.com/2134/2454891326_0029d9dced.jpg
[51] Skinflayer, esfolador de pele
[52]Brownie, duende pequeno, de tez marrom, geralmente amigável, que auxilia nas tarefas da casa. Tende a ajudar um morador da casa em especial, favorecendo esta pessoa. Porém, se um brownie for maltratado, transforma–se num Boggart, uma verdadeira praga. Deve ser recompensado indiretamente, pois caso contrário, sumirá para sempre. Um exemplo de recompensa indireta é deixar um pedaço de bolo "acidentalmente" fora do armário.
Brownie [2] Na Escócia, é um goblin invisível, que vive nas casas e tem boa índole. Durante a noite, o Brownie realiza tarefas domésticas; porém, se lhe for oferecido pagamento pelo trabalho, desaparece e nunca mais retorna.
[53]House Gnomes, tipo especial de gnomo. Ele se assemelha a um gnomo normal, mas tem um maior conhecimento da humanidade. Devido ao fato de que muitas vezes ele habita antigas casas históricas, com os ricos e pobres e ouve muitas coisas. Ele fala e entende a linguagem do homem; os gnomos reis são escolhidos a partir de sua família. Esses gnomos são bem humorados, sempre prontos para uma brincadeira ou provocação, pois eles nunca são maléficos, com algumas exceções, é claro. Se um gnomo é realmente mau, que só acontece de vez em quando, é devido à más genes que resultam de cruzamentos em lugares distantes.
[54] Autumn, referente ao outono.
[55]Red Cap ou Recap é também conhecido como Powrie ou dunter, é um tipo de anão malévolo assassino, duende, elfo ou fada encontrada no Folclore. Veja imagem em: http://www.trueghosttales.com/img/red–cap–goblin.gif
[56]Phouka, Púca é uma criatura do folclore céltico, especialmente na Irlanda, a oeste da Escócia e no País de Gales. É uma das inúmeras fadas populares e, como em vários folclores de fadas, é tanto respeitado e temido por aqueles que acreditam. A criatura é uma fada mitológica, muito boa em mudar de formas, podendo se transformar em cavalos, coelhos, cabras, goblins e cachorros. Porém, independente da forma que a púca assuma, sua pelagem é sempre escura, e são muitas vezes representados como cavalos pretos com olhos alaranjados. Eles têm o poder da fala humana e são conhecidos por dar bons conselhos, mas também gostam de confundir os humanos. Púcas gostam de charadas e são muito sociáveis, e também gostam de pregar peças em pessoas distraídas e crianças. Veja imagem em: http://1.bp.blogspot.com/_qp6B3sUbXnc/S1XSShXj7_I/AAAAAAAAABY/Q9nnGIkG0wE/s320/mitologico–6%5B1%5D.gif
[57]Shell game, jogo que você esconde uma pedra dentro de um pote e mistura com outros potes e você tem que descobrir em qual pote a pedra está. Veja imagem em: http://nwipatriots.com/blog/wp–content/uploads/2009/09/shell_game.jpg
[58]Tír na nÓg, chamada em inglês de Land of Eternal Youth ("Terra da Eterna Juventude") ou Land of the Ever–Young ("Terra dos Sempre Jovens"), é o mais popular dos Outros Mundos da mitologia irlandesa, talvez mais conhecido pelo mito de Oisín e Niamh do Cabelo Dourado. Foi onde os Tuatha Dé Danann ou sídhe se fixaram depois de abandonar a superfície da Irlanda, e foi visitado por alguns dos maiores heróis irlandeses. Tír na nÓg é similar a outras terras míticas irlandeses tais como Mag Mell e Ablach.
[59] São chamados de Norrgens nos Alpes da suíça; na Itália, país de origem, são chamados de Orculli, os gigantes suíços; os Norrgens preferem comer crianças humanas e jovens faeries.
[60] No folclore inglês, boggart/bogart é um bicho–papão, uma fada do lar que faz com que as coisas desapareçam. Sempre malévolo, um boggart sempre irá seguir sua família para onde quer que elas fujam. No norte da Inglaterra, pelo menos, havia uma crença de que nunca deve ser chamado um boggart, pois quando for dado um nome a um boggart , este não seria educado nem convertido, mas se tornaria incontrolável e destrutivo.
[61] Dumpster, container. Veja imagem em: http://andrewdavidburgess.files.wordpress.com/2009/03/commercial–dumpster.jpg
[62] Blockbuster, locadora on line de DVD’s
[63] Appletini, coquetel também conhecido como Martini de Maçã
[64] Personagem fictício, protagonista do desenho animado Os Flintstones, criado por William Hanna e Joseph Barbera em 1960
[65]Doppelgänger, segundo as lendas germânicas de onde provém, é um monstro ou ser fantástico que tem o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe ou que passa a acompanhar (como dando uma idéia de que cada pessoa tem o seu próprio). Ele imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo suas características internas mais profundas.
[66] O Budweiser Wagon é um vagão mundialmente conhecido que puxa a cerveja Budweiser e que era puxado por 8 cavalos bem grandes. Cerca de 2 metros mais alto do que o ombro de um humano e pesavam por volta dos 950Kg.
foto do vagão http://simplymarvelous.files.wordpress.com/2008/02/budweiser–wagon–1.jpg
foto dos cavalos http://www.ourtownonline.biz/content/articles/2008/07/04/neighbors/local_news/sample209.jpg
[67] Ironhorse significa algo como cavalo ferro, cavalo de ferro...
[68] Chillsorrow significa algo como ‘tristeza gelada’.
[69] Bristlewort, planta pertencente à família Centrolepidaceae
[70] Snow Faery, fada da neve. Veja imagem em: http://digitalart.org/art/52761/fantasy/snow-fairy/
[71] Bolo, corda presa ao pescoço com um fecho ornamental e usada como gravata
[72] Bug, erro no funcionamento comum de um software, também chamado de falha na lógica programacional de um programa de computador, e pode causar discrepâncias no objetivo, ou impossibilidade de realização, de uma ação na utilização de um programa de computador ou apenas uma trava no sistema.
[73] Gremlins, duendes nocivos que, na tradição da aviação inglesa e norte-americana, supostamente causavam danos mecânicos em aviões militares, durante a Segunda Guerra Mundial.
[74] Humpty Dumpty, personagem de rimas infantis, aparece na história da Alice, ele geralmente é representado em formato oval e está em cima de um muro. Veja imagem em: http://migre.me/1AQNd
[75] Little Bo Peep, personagem de rimas infantis, camponesa, pastorinha de ovelhas. Veja imagem em: http://migre.me/1AR1V
[76] Mardi Gras, em francês significa ‘terça-feira gorda’, trata-se de uma festa carnavalesca muito popular
[77] Cajun, em inglês, descendente dos franceses que se mudaram da antiga província canadense Acadia e se estabeleceram em Louisiana.
[78] Na mitologia grega, sátiros são deuses da natureza com o aspecto de homens com cauda e orelhas de asno, narizes chatos, lábios grossos, barbas longas e órgãos sexuais de dimensões acima da média, muito frequentemente mostrados em ereção.
[79] Sereias
[80] Creole, indivíduo de raça branca nascido nas terras de além-mar; indivíduo do sul dos E.U.A. descendente dos colonos franceses
[81] Witchwood, pode ser traduzida como madeira encantada
[82] Packrats, (1) pessoa que coleciona objetos sem utilidade; indivíduo que não joga nada no lixo; (2) qualquer roedor do gênero Neotoma do leste da América do Norte
[83] Beef jerky, carne cujo processamento se assemelha ao processamento do charque, porém adicionado de nitrito; sempre é comercializado em embalagem a vácuo. Veja imagem em: http://www.route66beefjerky.com/images/all-beef-jerky.jpg
[[84]] Skittles, marca de doces semelhante ao M&M’s. Veja imagem em: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Skittles-Wrapper-Small.jpg
[85] Planta. Veja imagem em: http://www.baixaki.com.br/papel-de-parede/5061-dente-de-leao.htm
[86] Em inglês, Tinker Bell, personagem fictícia na obra e no livro de James M. Barrie caracterizada por ser uma fada travessa, mas leal acompanhante de Peter Pan.
[87] Wyvern, ou wivern, réptil alado semelhante a um dragão, mas de dimensões distintas.
[88] Estalactites, formações rochosas sedimentares que se originam no teto de uma gruta ou caverna, crescendo para baixo em direção ao chão, pela deposição (precipitação) de carbonato de cálcio arrastado pela água gotejante do teto.
[89] Wasteland, Terra da Devastação. Na mitologia irlandesa e romances do Graal, é um tema céltico que associa a aridez de uma terra à uma maldição que deve ser quebrada por um herói.
Julie Kagawa
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