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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O REI DO GADO / Peggy Moreland
O REI DO GADO / Peggy Moreland

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

O renomado magnata Forrest Cunninghan nunca teve tempo para amar, até seus companheiros, solteiros e membros do Clube dos Vaqueiros do Texas, começarem a se casar.

Na busca por uma noiva, Forrest pensou na sua leal amiga de infância Rebecca Sullivan. Só que ela já não era mais uma menina, mas sim uma mulher lindíssima, cujo olhar doce penetrou em sua alma.

Forrest percebeu que ela também sentira algo mágico. Porém, Rebecca estava ocultando um misterioso “noivo”.

Estaria ela tentando provocar ciúme? Bem, Forrest faria de tudo para que ninguém desposasse aquela beldade flamejante, a não ser ele mesmo!

 

 

 

 

                                       Royal, Texas, 1987

O suor escorria pelo rosto de Forrest Cunningham, grudava a camisa contra seu torso e tingia de escuro o cós da calça jeans.

Depois de perseguir novilhos a tarde inteira, entrando e saindo de picadas, com a vegetação fustigando sua pele e o sol do Texas na cabeça, Forrest quase se arrastava ao levar o cavalo para o curral.

Sentia-se tão seco quanto o chão por onde andava.

Graças aos céus seu companheiro era um vaqueiro experiente. De outra maneira Forrest estaria cuspindo ainda mais poeira àquela altura.

Só conseguia pensar numa coisa: na cerveja gelada que o esperava na carroceria da caminhonete. A idéia de mergulhar a mão no gelo e sair dele com uma lata de alumínio entre os dedos era o que o mantinha em pé.

Mal chegou ao veículo, já tinha a cerveja aberta, pronta para ser bebida.

– Ei, Woody, espere! O primeiro gole é meu!

De boca aberta, Forrest fez de conta que não ouvira o aviso de Rebecca... mas em seguida, baixou a bebida, obediente. Aquele era um ritual. O primeiro gole sempre era dela. E Forrest permitia que fosse assim, bem como que o tratasse por aquele apelido.

Cinco anos mais jovem que ele, e sua vizinha desde que podia se lembrar, Rebecca Sullivan era como uma irmã mais nova, e como tal tinha certos direitos e regalias.

Olhando de esguelha para ela, apreciou os longos cabelos vermelhos voando ao vento, o narizinho arrebitado empinado, mostrando avidez pelo líquido refrescante.

– Você é muito criança para beber, Becky. Só tem dezoito anos.

– Mesmo?! Então, me prenda!

Forrest deu-lhe a cerveja. Rebecca encostou-se no capô e se deliciou com o conteúdo.

Rebecca Sullivan podia ter só dezoito anos, mas bebia como um homem e agüentava o álcool mais do que muitos. Forrest sabia disso porque bebiam juntos vez por outra.

Além disso, Rebecca montava melhor que qualquer um dos arredores. Tinha adquirido essas e outras habilidades por força da necessidade, já que crescera trabalhando na fazenda de sua família, a Rancho Rústico.

Forrest também se orgulhava de dizer que muitas dessas capacidades fora ele mesmo quem desenvolvera em Rebecca. E ela aprendia rápido e bem. Poucos caubóis tinham a metade dos atributos e da coragem daquela menina.

– Certo, garota, agora deixe um pouco para mim. – Rindo pegou a latinha, que estava quase vazia. Entre brincadeiras, abriu mais duas e deu uma a Rebecca.

– Onde seu pai anda, desta vez?

Dando de ombros, Rebecca respondeu:

– Sei lá... Riodoso, creio. Parece que haverá corrida de cavalos este fim de semana, por lá.

Shorty Sullivan não precisava de muito para abandonar o rancho na mão da filha e sair pelo mundo.

– Então está sem programa, Becky?

– É.

Sentaram-se lado a lado na carroceria da picape, admirando a pastagem, saboreando as cervejas, ficaram calados por algum tempo. Um silêncio de camaradas em paz com a vida.

– Darão um baile no Clube dos Vaqueiros do Texas daqui a duas semanas, Woody.

Forrest puxou a aba do chapéu sobre o rosto, aprontando-se para tirar um cochilo ali mesmo.

– Estou sabendo.

– Quem você vai levar?

– Lyndean Sawyer.

– Nunca ouvi falar nela antes. Alguém que você anda namorando?

Alguma coisa no tom de voz de Rebecca levou Forrest a levantar o chapéu e encará-la.

– Por que quer saber?

Com movimentos tensos, Rebecca deixou de lado a bebida.

– Por nada. Simples curiosidade.

– Vai comparecer este ano?

Rebecca encolheu as pernas e apoiou o cotovelo num dos joelhos, o olhar perdido no horizonte.

– Não.

– Como assim?

– Ninguém me convidou.

Surpreso com o rubor repentino da amiga, Forrest brincou com ela, batendo de leve com a lata em suas costas.

– O que é isso?! Deixe de ser boba, tenho certeza de que alguém a levará.

Rebecca virou-se para o lado.

– Não, ninguém me fez o convite nem me convidará.

– Como pode estar tão certa disso?

– Por que eu sei, só isso.

– Uma garota bonita como você, Becky? Surgirão rapazes de todo lado para acompanhá-la. Espere e verá.

Forrest podia jurar que viu o queixo dela tremendo e lágrimas brilharem naqueles olhos lindos. Não, não podia ser. Rebecca não era de jeito nenhum do tipo que chora. Até que notou uma grossa lágrima deslizar pela face corada.

Deixando a bebida de lado, Forrest passou o braço ao redor dos ombros dela, puxando-a.

– Becky, não fique triste. O baile é daqui a quinze dias, ainda, alguém irá convidá-la.

– Quem? Billy Ray? Johnny? Eles já tem pares. Não, ninguém me chamará para ir junto. Talvez se lembrem de mim para uma corrida ou um rodeio, mas nunca para sair.

Forrest ficou quieto, pensando que talvez ela tivesse a razão.

Depois de uma pausa, Rebecca, de repente, olhou para ele.

– Woody, acha que nunca vou casar?

A ansiedade de Rebecca tocou o coração de Forrest, causando-lhe desconforto. Aliás a palavra “casamento” sempre exercia esse efeito nele.

– Não sei, Becky. Acho que sim, se quiser.

Rebecca tornou a mirar adiante, como se pudesse enxergar o futuro ali, em meio ao verde das pastagens.

– Não creio – murmurou, após um longo intervalo. – Os rapazes não me vêem como uma garota, mas como um deles.

E rindo concluiu:

– Posso até me ver com trinta anos, solteira e ainda aqui, cuidando do Rancho Rústico sozinha.

Forrest ponderou um instante, e resolveu fazer uma proposta.

– Becky, preste atenção ao que vou dizer: se até seu aniversário de trinta anos ainda não tiver se casado, eu mesmo me casarei com você...

Rebecca encarou Forrest com os olhos arregalados.

– Você fala sério?

– Pode apostar. – E beijou o rosto dela, tornando a se deitar e puxando a aba para baixo. – Claro que, até lá, você estará casada e com uma dúzia de filhos puxando sua saia.

Pelo menos aquela era a esperança dele. Forrest Cunningham era um homem cuja palavra era mais forte que qualquer lei. Mas uma certeza ele tinha: casamento não fazia parte de seus planos. A simples idéia de assumir um compromisso com uma mulher e passar com ela o resto de seus dias lhe era, no mínimo, repugnante.

 

                                     Royal, Texas 1999

Aquela vista era a mais bonita do universo. E Forrest Cunninghan sabia disso.

Tantos anos correndo o mundo, primeiro no Exército, depois à frente do império financeiro da família, lhe conferiam experiência para afirmar tal coisa.

Mas no momento sua visão do Texas estava restrita ao interior do Royal Diner, com suas paredes manchadas de fumaça, suas mesas de fórmica barata e a mesma jukebox de trinta anos antes.

Bem, ao menos podia imaginar a beleza oculta por trás daquelas paredes...

Forrest começava a duvidar da própria sanidade.

Tudo tivera início cerca de duas semanas atrás, quando ele e outros membros do seleto Clube dos Vaqueiros do Texas seguiram para Europa com a missão secreta de resgatar uma princesa e seu filhinho.

Resmungou ao se lembrar do principal motivo de seu descontentamento atual: uma princesa de verdade ali, no Texas, a seu lado. Mais precisamente do outro lado do balcão, trabalhando.

Linda. Só essa palavra era capaz de descrever Anna von Oberland, com sua cabeleira farta e loira, os olhos verde-escuros e uma silhueta que faria qualquer homem perder o fôlego.

Mesmo com um avental amarrado à cintura ela conseguia parecer aristocrática. Tinha sangue azul, sem dúvida.

Suspirando, Forrest dirigiu seu olhar pára a janela, cuja paisagem era desoladora. No estacionamento, rajadas de vento e areia contribuíam para torná-la ainda pior.

Uma princesa, um membro da realeza, ali em Royal. Quem haveria de imaginar? No entanto, Anna estava ali. E era uma princesa.

Forrest podia atestar ambas as coisas, visto que participara da missão que a resgatara das mãos de um príncipe que queria desposá-la após a morte de sua irmã num trágico acidente.

Os dois reinos eram vizinhos, e com aquele enlace o regente teria o domínio sobre ambos os países.

A equipe de resgate, de codinome Alpha, fora idealizada por Greg Hunt.

O irmão de Greg, Blake, e Sterling Churchill formavam o restante da equipe. Hank; Langley pagara as despesas, embora Forrest soubesse muito bem que ele teria preferido mil vezes ter estado em ação, em vez de assistir a tudo do conforto de seu escritório.

Pensar no velho amigo e dono do clube mais exclusivo do Texas causou uma ruga de preocupação na testa de Forrest.

Hank Langley não apenas era seu amigo mais antigo como também um dos solteiros mais cobiçados de Royal. Ou pelo menos tinha sido. Agora era um homem casado.

E também Sterling. Quem diria que Sterling tornaria a subir ao altar? Não depois do fiasco de seu primeiro casamento... Mesmo assim ele insistira.

E parecia tão feliz quanto Hank, como dois cachorrinhos diante de um grande e suculento osso. E em pouco tempo Sterling seria pai.

Pai!

Desolado. Era assim que Forrest estava se sentindo e, antes que a melancolia o dominasse de vez, resolveu reagir.

Ora, pensou, mal acabara de completar trinta e cinco anos!

Via-se no auge da existência, tinha mais dinheiro do que conseguia gastar e era dono da maior fazenda de gado do oeste do Texas. Que motivos poderia ter para ficar triste?

Deixou caírem os ombros, em desespero. Não era preciso ser psicólogo para responder a essa pergunta. Depois de muito ponderar sobre o assunto, Forrest achara a solução para seu dilema.

Precisava de uma esposa. E filhos.

De que servia ser milionário se não tinha para quem deixar tamanha fortuna? Quem levaria adiante o nome dos Cunningham?

Porém, havia um empecilho nesse plano, já que em todo o condado não havia uma mulher sequer com quem desejasse se unir. Inclusive fizera uma lista com todas as moças disponíveis que conhecia, enumerando as qualidades e defeitos das possíveis candidatas ao posto de futura sra. Forrest Cunningham.

– Gostaria de mais um pouco de café?

A indagação arrancou Forrest de seus devaneios, trazendo-o de volta à realidade. Parada a seu lado, Anna segurava o bule. Impossível não notar o contraste entre os dedos finos e delicados e a peça barata que eles seguravam.

Aquilo só aumentou suas dúvidas sobre a decisão de esconderem um membro da realeza ali, no Royal Diner.

Anna von Oberland, ou melhor Annie Grace, como fora rebatizada pelos membros da Equipe Alpha, destoava daquele ambiente como uma orquídea num campo de aspargos.

Mas não era o momento para tais reflexões. Olhando-a com simpatia, Forrest limitou-se a dizer:

– Acho que aceito, sim.

Forrest mal teve tempo de notar o tremor das mãos que o serviam antes de sentir o líquido queimando suas pernas.

Quando viu o que fizera, Anna não conteve os soluços, e com gestos estabanados pôs-se a limpar o colo de Forrest com seu avental.

Sem se dar conta de que quase tocava uma região bastante sensível, Anna não entendeu quando Forrest, quase roxo, segurou seu pulso.

– Se continuar com isso, garanto que o café não será a única coisa quente por aqui.

A princípio, Anna limitou-se a fitá-lo com os imensos olhos verdes e a boquinha entreaberta numa expressão atônita.

No entanto, em instantes baixou as pálpebras e, constrangida, se afastou, murmurando:

– Desculpe-me, por favor.

Céus, como era linda! Talvez...

Forrest logo afastou a idéia. Se não por nada, só por Greg Hunt, seu amigo. Aliás, fora ele quem Anna procurara para pedir auxílio. A missão toda fora idéia dele, e Forrest Cunningham não era o tipo de homem que trai um amigo.

E algo lhe dizia que havia mais que simpatia entre a princesa e Greg.

De guardanapo em punho, Forrest tentava minimizar os estragos sobre sua roupa, quando Anna ousou falar:

– Forrest, eu estava aqui pensando... Será que você soube algo a respeito de Blake?

Estava explicado o tremor dela, concluiu Forrest ao sentir-lhe o nervosismo na entonação. Se estivesse no lugar dela, também se sentiria dessa maneira.

Blake era o último braço da Equipe Alpha, responsável por trazer em segurança os sobrinhos de Anna até o Royal.

Duas crianças pequenas aos cuidados de um solteirão convicto numa viagem através de metade do mundo, sem dúvida, era uma coisa para se preocupar.

Um sorriso maroto surgiu nos lábios de Forrest só de imaginar o amigo bancando a babá. Queria ser uma mosca para poder apreciar a visão de Blake Hunt às voltas com fraldas e mamadeiras.

Mas, se havia alguém capaz de desempenhar tal tarefa, esse alguém era Blake.

– Não precisa atormentar sua linda cabecinha com Blake, Annie Grace. Eu lhe asseguro que os bebês estão em ótimas mãos.

– Claro que confio nele, não me entenda mal. Mas Blake não tem muita experiência com bebês, então eu...

– Isso é o que você pensa! Antes de sair para a missão, Blake fez questão de se preparar. Não só leu tudo o que havia sobre o assunto como pediu aulas práticas para algumas mães. Creia-me, poucas mulheres sabem tanto de bebês quanto nosso amigo.

Anna sorriu, mais aliviada.

– Acho que tem razão. – Antes de sair, tocou de leve o braço dele. – Obrigada, Forrest. Por tudo.

O olhar dele a seguiu pelo salão, atraído pelo meneio sedutor dos quadris. Sacudindo a cabeça, forçou-se a desviar a atenção para a vidraça.

“Nem ouse imaginar uma coisa dessas!” A advertência auto imposta tinha fundamento. Mesmo que não houvesse nada entre Greg e Annie Grace, ainda assim sabia que a princesa não era mulher para ele.

Então quem era? Ao se questionar, Forrest mais uma vez abria as portas para a frustração. Não existia mulher alguma num raio de cem quilômetros que despertasse nele um pingo de desejo.

Suspirando, consultou seu relógio. Quase duas horas da tarde. Prometera encontrar Rebecca às duas e meia, para examinar uma égua que mandara entregar no rancho dela.

Estava se levantando da cadeira, quando um nome o fez voltar a se sentar.

– Rebecca Lee Sullivan...

Como não pensara nela antes?

Rebecca como sua esposa...

Brincando com essa possibilidade, Forrest analisou a questão por vários ângulos. Além de vizinhos desde sempre, ela era o melhor amigo que um homem poderia desejar.

Adorava cavalos, gado e a lida na fazenda. Não temia o trabalho duro, ao contrário da maioria das mulheres que Forrest conhecia. Era sincera, e ninguém montava tão bem, incluindo ele.

Rebecca era a esposa perfeita para um fazendeiro como ele! Tirou o dinheiro do bolso, jogou o sobre a mesa e, segurando o chapéu, saiu pela porta decidido a relembrar uma conversa antiga que tivera com Rebecca e a promessa que lhe fizera.

“Se você não se casar até os trinta anos, eu mesmo casarei com você.” A parte boa era que Rebecca ainda estava solteira, e, se sua memória não o enganava, ela faria aniversário em novembro, dali a menos de seis semanas.

Ao subir na caminhonete, minutos depois, disse a si mesmo que estaria casado com Rebecca Lee Sullivan no dia de seu aniversário, ou não se chamava Forrest Cunningham.

Era só ele pedi-la em casamento.

Forrest estacionou a poucos metros do cercado onde Rebecca lidava com um potro.

O filhote era um dos de Forrest, nascido e criado no rancho dos Cunningham, o Novilho Dourado. Ele o trouxera para a fazenda de Rebecca antes da viagem, para que ela o domasse. E, pelo que estava vendo, a amiga fizera excelente uso desse tempo.

O potro trotava com suavidade, indo e vindo pela mão firme de Rebecca, cuja atenção estava toda no animal.

Forrest apertou os lábios, em sinal de admiração. Mas seu olhar não estava fixo no cavalinho, e sim na mulher a sua frente.

Apesar de muito magra, Rebecca tinha músculos rijos. Forrest sabia disso por experiência própria. E esse detalhe era de suma importância para o homem cuja esposa deveria viver numa grande e isolada propriedade.

Saiu da picape e se aproximou de Rebecca, cheio de ânimo e autoconfiança.

De propósito, bateu a porta com força. Com isso, Rebecca, enfim, notou sua presença.

Um sorriso iluminou seu rosto ao vê-lo.

– Olá, Woody!

– Olá, Becky!

Forrest apoiou-se na cerca de madeira.

– Ele parece ótimo.

– Mais do que isso, Woody. Veja só.

Rebecca balançou o braço no ar, e num gesto firme manobrou a corda que estava atada ao potro, ordenando:

– Galope.

O animal obedeceu, mudando o ritmo das pisadas.

Indo e vindo de acordo com as ordens de Rebecca, o filhote parecia magnetizado por ela, ultrapassando obstáculos sem titubear. Quando por fim terminou a apresentação, Rebecca afagou-lhe a crina, muito carinhosa, sussurrando:

– Bom menino, bom menino... – E, voltando-se para Forrest, já com outro tom, desafiou-o: – Então? Bem melhor que o seu “ótimo”, não?

– Depende do que você considera ótimo.

Amuada, Rebecca tornou a amarrar o cavalo, lançando um olhar de azedume para Forrest.

– Quantos potros você já viu que não se assustam com nada?

– Alguns.

Fechando ainda mais o cenho, Rebecca deu um safanão na corda e dirigiu-se para a porteira, pisando duro.

Forrest esperava por ela do lado de fora, segurando a cancela.

– Ingrato – resmungou, por entre os dentes, ao passar por ele.

– Exibida – Forrest gracejou.

– Onde você anda se escondendo, Woody? Não o via desde antes de partir para Europa, de férias. Aliás, não sei por que fez tanto segredo disso.

Forrest estivera, na verdade, dando de comer e beber para a população feminina de Royal, examinando as possíveis candidatas a esposa. Porém, achou mais prudente não comentar nada com Rebecca sobre isso.

Afinal, ela era uma mulher, e devia pensar que fora sua primeira opção em matéria de noiva.

– Ora, estive por aí...

Bufando, Rebecca arrancou o chapéu, exausta.

– Quando vão entregar a égua?

– A qualquer momento. – Forrest achou linda aquela cabeleira vasta e ruiva caindo sobre os ombros dela.

Estranho, mas nunca notara a beleza daqueles cabelos. Cheios de volume, os longos fios rubros tinham reflexos dourados, só desvendados com a luz solar.

Forrest jamais quisera enxergar uma mulher na amiga de infância. Sempre a vira como um amigo, como Sterling ou Hank.

Rebecca, alheia ao efeito de fascinação que começava a causar em Forrest, continuava a agir com normalidade. Jogando à cabeça para a frente, enfiou os dedos entre as madeixas vermelhas, tentando desembaraçar os fios.

Ao voltar à posição normal, a cascata rubra desabou sobre ombros e costas, ainda mais brilhante.

Enfim, os Cunningham teriam um pouco de colorido sobre a cabeça, foi a conclusão de Forrest. Seria engraçado ter filhos ruivinhos... Chegara a hora de romper a tradição dos morenos.

Cada vez mais se convencia da excelente escolha que fizera para a futura sra. Forrest Cunningham. Restava apenas encontrar um meio de propor casamento a Rebecca, e foi pensando nisso que passou o braço em volta de seus ombros, guiando-a para o estábulo, onde havia sombra, com uma única intenção.

– Sentiu minha falta enquanto estive fora, Becky?

– Tanto quanto de uma dor de dente.

– Deixe disso! Sei que teve saudade de mim.

Ao alcançarem a primeira sombra, pararam. Rebecca cruzou os braços e encarou Forrest.

– E você, Woody? Sentiu saudade de mim?

– Para ser honesto, sim.

A resposta inesperada pegou-a de surpresa, Forrest pôde constatar pelo jeito como Rebecca arqueou as sobrancelhas.

– Certo, faz de conta que eu acredito.

– Sério. Senti sua falta de verdade. Estava pensando exatamente nisso hoje, almoçando no Royal Diner.

– Por quê? Teve uma indigestão ou coisa parecida?

Rindo, Forrest despenteou-a, num gesto muito íntimo.

– Nada disso. Apenas me passaram pela memória imagens suas. Conhecemo-nos há tanto tempo...

– Por acaso sofreu algum acidente ou algo assim na Europa?

– Não há nada de errado comigo, lhe asseguro.

Rebecca sorriu, e seu sorriso era de pura diversão.

– Que alívio! Por um instante cheguei a ficar preocupada com sua sanidade.

Forrest juntou-se a Rebecca, que, apoiada contra a parede, olhava para o horizonte.

– Desde quando você e seu pai vivem aqui, Becky?

– Não sei bem. Há uns vinte anos. Mais, talvez.

– Vinte anos é bastante, não é?

– Acho que é. – Rebecca estava ficando curiosa.

– Está bem perto seu aniversário, não está?

– Sim. Woody, tem mesmo certeza de que se sente bem?

Frustrado, Forrest resolveu ser mais direto. Esquecera o quanto Rebecca podia ser irritante às vezes.

– Quer me dizer por que acha que há algo errado comigo?

– Sei lá... – Rebecca se sentou no chão. – Você não costuma ser tão... sentimental.

Absorta em espanar a poeira acumulada em seu chapéu, nem reparou no esforço que Forrest fazia para se controlar.

Não podia começar uma discussão no exato momento em que ia pedi-la em casamento. Por isso respirou fundo e prosseguiu:

– Não costumo, mesmo. Mas isso não significa que não pense certas coisas. – Agachou-se diante dela. – Lembra-se de uma vez em que estávamos tocando gado juntos? Você devia ter dezoito anos, e chorava por não ter ninguém que a levasse ao baile do Clube dos Vaqueiros.

Os lábios de Rebecca tremeram só de recordar o episódio, seus imensos olhos verdes soltando faíscas ao se voltarem para Forrest.

– Eu não choro, Woody. E não ligo a mínima para bailes. Nunca liguei.

Forrest sabia muito bem que não era verdade, e se lembrava de tê-la visto chorar. Até pelo fato de ter sido a primeira vez que vira tal coisa acontecer.

– De qualquer forma, você me disse, ou me perguntou, algo naquela ocasião. Algo como “Woody, acha que vou me casar um dia?”. Foi de cortar o coração, juro... Então, respondi que, se você chegasse aos trinta anos solteira, eu mesmo me casaria com você.

De repente os olhos de Rebecca se arregalaram tanto que pareceram querer saltar das órbitas. Engasgada, demorou um pouco para conseguir articular um pensamento coerente.

– Por que está me dizendo tudo isso, Woody? – Erguendo-se, Forrest ergueu o queixo, julgando-se dono da situação, e estufou o peito, orgulhoso de si.

– Bem, Becky, você fará trinta anos, e parece que está virando uma solteirona. Pensei bem, e decidi que está na hora de cumprir meu juramento.

Ela se pôs de pé tão rápido que até Forrest se assustou.

Com o dedo em riste apontado para ele, todo seu rosto era um retrato de fúria.

– Casar com você?! Seu egoísta, cabeça-dura, mula empacada! Não seria sua mulher nem que fosse o último homem do mundo!

E deu-lhe um empurrão que o jogou por terra.

Forrest ainda via estrelas, e Rebecca, não contente, se atirou sobre ele, esmurrando-o sem dó, as faces mais vermelhas que seus cabelos, espumando de raiva.

– Solteirona... Vou lhe mostrar quem é a solteirona aqui!

Forrest já ouvira o suficiente. Agarrando-a pelos cotovelos, partiu para o ataque, ou melhor, para a defesa, pois até aquele momento só Rebecca batia. E como batia!

Rolaram no solo, engalfinhados, até que Forrest, bem maior, conseguiu contê-la, mantendo-a suspensa no ar.

– Escute aqui, srta. Rebecca Lee Sullivan, estou lhe propondo casamento, a chance de ser minha esposa. Em Royal, muitas mulheres fariam qualquer coisa por isso.

– Quem? Diga, quero um nome!

Aquilo pegou Forrest desprevenido.

– Fanny Lou Farmer, por exemplo.

– Ela é medonha!

– E Marylee Porter. – Para pôr mais lenha na fogueira, acrescentou: – Além, claro, de Pansy Estrich.

Forrest sabia da aversão que Rebecca nutria pela loira de seios avantajados.

Rebecca se debatia como uma gata selvagem, tentando se soltar de Forrest, indignada.

– Se você sonhou um dia em se casar com qualquer uma delas, seu cérebro deixou de funcionar. Só pode ser isso!

– Qual o problema Becky? Ciúme?

O efeito foi instantâneo. Rebecca ficou paralisada.

– Ciúme? Dessas três? Não me faça rir! Solte-me!

– Não enquanto você não disser que se casa comigo.

Alguma coisa estranha, que Forrest não conseguiu identificar, apareceu no olhar de Rebecca. Medo? Expectativa? Fosse o que fosse, era assustador. Porém, nem tanto quanto o que ele ouviu a seguir:

– Por quê, Woody? Por que quer que eu me case com você?

Foi a vez de Forrest engasgar. A verdade era que ele precisava de uma esposa, mas não de um romance. Não era do tipo de homem que se expõe, ou expõe seus sentimentos. Nada o fazia fraquejar, e isso incluía mulheres. Sobretudo mulheres, aliás.

Podia negociar gado na Austrália ou em Londres e enfrentar tempestades no México. Sabia como ninguém sentar-se a uma mesa de pôquer. Mas nada disso adiantava quando estava diante de uma garota, mesmo que ela fosse quase um homem.

– Porque... porque prometi que o faria. E depois, não vejo muitos homens batendo a sua porta...

Furiosa, Rebecca se contorceu até se livrar de Forrest, e se levantou. De mãos na cintura, muito insolente voltou a encará-lo.

– Pois eu não me casarei com você, Woody.

Sentado no chão, Forrest abraçou os joelhos.

– Dê-me uma razão para isso.

– Já tenho um noivo. – Mal acabou de dizer isso, Rebecca deu um jeito de derrubar seu chapéu, e abaixou para pegá-lo, escondendo seu rosto de Forrest.

– Você está mentindo.

– Está me chamando de mentirosa?!

– Estou. Nunca soube que tivesse um namorado.

Fingindo tirar a poeira da roupa, Rebecca assumiu ares misteriosos.

– Você não sabe tudo sobre mim, Woody.

– Bem, de uma coisa eu sei: quando deixei Royal, você não namorava ninguém.

– Isso foi, foi... Isso aconteceu de repente.

Forrest levantou-se, pegou seu chapéu, e só então fez um comentário:

– Olhe, garota, isso é o que eu chamo de milagre. Diga, quem é esse noivo invisível? Meu conhecido?

– Duvido. – Dando meia-volta, Rebecca entrou no estábulo. Foi seguida por Forrest, que quase colou em seus calcanhares.

– Quem é esse sujeito?

– Alguém que encontrei, só isso.

– Encontrou onde?

Rebecca diminuiu o passo.

– Num leilão de gado.

– Ele é das redondezas?

– Não, é de... Wichita.

– Kansas?

– Isso mesmo. Do Kansas.

Rebecca podia sentir o olhar de Forrest grudado nela, e tão cheio de suspeitas quanto seu tom de voz e suas perguntas. – E faz tempo que ficaram noivos?

– Uma semana.

– Quando vai ser o casamento?

– Não sei. Nós ainda não marcamos a data.

– Qual é o nome dele?

– Nome?

Forrest já vira a mesma expressão, anos atrás, quando sua mãe a inquirira sobre uma torta de nozes que desaparecera da cozinha. O doce fora roubado e devorado por ambos.

– Nome, Becky. As pessoas o chamam de algum modo, não é?

– Claro... Ele é John, John Smith.

Forrest podia jurar sobre a Bíblia que Rebecca estava mentindo. Mesmo quando jogavam pôquer ela nunca fora muito boa em blefar. E John Smith era um nome tão ridículo quanto falso.

– Está certa disso?

– Lógico! Aliás é com “y” e não “i”; e com “e” no final.

– John Smythe. – Forrest pigarreou. – Realmente original, sem dúvida...

– Algum problema com o nome de meu noivo?

– Longe disso, imagine...

 

– Hank, eu preciso de uma esposa.

– Desculpe-me, mas já estou comprometido.

– Engraçadinho... – resmungou Forrest, bravo.

Acomodado muito à vontade na poltrona, Hank apoiou as botas caras na cadeira a sua frente, não sem antes verificar se Henry, o maítre do Clube dos Vaqueiros, não estava por perto. Dono ou não, nem Hank Langley tinha o direito de estragar a mobília.

– Não quis ser engraçado, Forrest. O fato é que sou casado, lembra-se?

Sterling Churchill caiu na gargalhada, mas por pouco tempo. A carranca de Forrest olhando em sua direção o obrigou a engolir o riso.

Chegando perto do amigo, Sterling perguntou:

– Você não está falando sério sobre esse negócio de esposa, está?

Forrest ergueu sua cerveja e, lacônico, afirmou:

– Estou sim. – Tomou um gole. – Mas que droga! Será possível que em toda Royal não exista uma única moça interessante e disponível?!

– Pansy continua solteira.

A sugestão partiu de Hank, e não agradou Forrest, que limitou-se a franzir ainda mais o cenho. Piscando para Sterling, Hank Langley se desculpou:

– Só estou tentando ajudar...

A conspiração estava armada. Decididos a atazanar a vida do amigo, foi a vez de Sterling sugerir:

– Que tal Martha Jo? Se não me engano, ela está entre um marido e outro, no momento.

Forrest suspirou, tamanho seu desconsolo.

– Quero uma esposa, não uma loira espevitada interessada em mais uma pensão alimentícia.

– Não vejo outra saída senão colocar um anúncio no jornal de Midland, Forrest. Os homens têm usado essa estratégia com êxito. – Sterling ilustrou sua idéia com um gesto. – Posso ler algo como: “Precisa-se de esposa. Não aceitamos loiras falsas...”

– Isso mesmo. E que tal “não é necessário experiência anterior”?

Forrest se jogou sobre a poltrona, entregue ao desânimo.

– Estão se divertindo a minha custa!

– Que bobagem Forrest! Não vê que é brincadeira?

– Pareço estar brincando, Hank? Preciso de uma mulher, droga! – Debruçou-se sobre a mesa, o olhar fixo na caneca de cerveja.

De repente, Forrest encarou Sterling.

– Becky lhe falou alguma coisa sobre se casar?

– Becky? Rebecca Sullivan?

– Quantas Becky você conhece?

– Só ela.

– Então. Falou ou não?

– Não. – Sterling sorriu, sem graça. – Faz tempo que não a vejo. Mas, me diga, Rebecca vai se casar?!

– Não falei isso. Eu perguntei se ela falou a respeito disso com vocês.

– Mas que coisa, Forrest! Afinal ela vai casar-se ou não?

– Não sei, mas esta tarde Becky me contou que estava noiva. Cá entre nós, acho que é mentira.

– E por que Becky mentiria sobre uma coisa dessas?

Forrest baixou as pálpebras um instante.

– Creio que por estar furiosa comigo.

Amigo de Rebecca havia muito tempo, Sterling se preparou para defendê-la.

– O que fez para ela?!

– Eu a pedi em casamento.

De olhos esbugalhados, Sterling quase caiu da cadeira.

– Pediu nada!

– Juro que pedi, mas Becky me recusou. Afirmou que já estava noiva de outro. Claro que só disse isso depois de me atirar no chão.

Hank ergueu o braço, intervindo na narrativa:

– Como é que é isso? Você lhe fez o pedido, e Becky o nocauteou?

– Bem, não foi bem isso. Na verdade, ela me empurrou, eu tropecei numa pedra e caí.

– Por que Becky tomou essa atitude?

– Sei lá! Ela é uma mulher, não é? Mulheres agem como loucas de vez em quando. Aliás, quase sempre.

Sterling e Hank se entreolharam, sabedores que eram da costumeira indelicadeza e falta de tato do amigo com o sexo oposto. Sua convivência com garotas não lhe ensinara nada sobre como cortejar uma dama. Talvez porque Forrest nunca tivesse necessidade disso, já que as moças pareciam cair em seu colo como moscas no mel, sem nenhum esforço de sua parte.

– Acho melhor você repetir palavra por palavra do que você falou a Becky quando pediu-lhe para ser sua mulher.

– Tudo que fiz, Sterling, foi relembrá-la de minha promessa de anos atrás: se até completar trinta anos ela ainda continuasse solteira, eu mesmo me casaria com ela. Bom, daqui a seis semanas Becky completará trinta. Daí, afirmei que estava disposto a cumprir o prometido.

Tendo ouvido da própria Rebecca essa história, poucas semanas antes, Sterling só indagou:

– É tudo?

Forrest arqueou uma sobrancelha, tentando se lembrar da conversa com exatidão.

– Acho que mencionei algo sobre a estar salvando de ficar para tia, ou virar solteirona... Algo assim.

Hank baixou a cabeça, em desalento.

– Meu Senhor!

– O que foi que fiz de tão errado, Hank?

– Que absurdo, Forrest! Você a insultou, não percebe? Mulher nenhuma suporta ser chamada de solteirona. Sterling, pelo jeito eu e você teremos de ensinar a nosso amigo como tratar as garotas.

Forrest estufou o peito, indignado:

– Só porque cada um de vocês já subiu ao altar duas vezes não significa que sejam autoridades nesse assunto.

– Nós temos esposas, não temos? E você, não – lembrou-o Sterling.

Forrest fez um gesto de derrota com a mão.

– Esqueçam isso. Becky está noiva, ou pelo menos é o que diz.

– Talvez ela vá mesmo se casar. – Sterling argumentou em defesa da amiga. – Becky não costuma mentir.

– Sei disso, mas desta vez ela está mentindo. E eu vou provar.

Disposto a não perder tempo, Forrest terminou sua bebida e saiu do Clube dos Vaqueiros direto para o Rancho Rústico.

 

Forrest notou que a cerca de arame farpado estava cheia de falhas, algumas tão grandes que o gado não teria dificuldade para escapar por ali.

Mandaria seus homens arrumarem aquilo no dia seguinte. Mesmo sabendo que se Rebecca descobrisse ficaria ainda mais furiosa com ele.

Por ela ser orgulhosa e cabeça-dura, muitas vezes já haviam discutido por coisas assim. Mas Forrest não conseguia ver a fazenda desmoronar em torno dela. Deus era testemunha de como Rebecca trabalhava duro para mantê-la funcionando.

Só de pensar no pai dela, Shorty Sullivan, Forrest ficava mal-humorado. Shorty merecia ser atrelado a um cavalo bravo e arrastado pelas ruas de Ozark Salt Lake nu e coberto de salmoura, por deixar que uma mulher sozinha fizesse trabalho de homem. E era assim fazia muitos anos.

Lembrou-se de quando descobrira pela primeira vez que Shorty deixara a filha sozinha no Rústico. Rebecca não podia ter mais que doze ou treze anos, na época. Forrest ligara para ela por causa de um rodeio, e, como ninguém atendia ao telefone e já era tarde, resolvera ir até lá.

Encontrou-a no estábulo, sozinha, enrolada num cobertor, na baia da égua favorita, tremendo de medo. Porém, nunca admitiria, teimosa como era.

E não mudara muito desde então. Não dava para contar quantas vezes sua família tentara ajudá-la nos tempos mais difíceis. Mas Rebecca nunca aceitava a assistência deles; caridade, em sua opinião.

Ele mesmo, Forrest, quisera oferecer-lhe um emprego no Novilho Dourado, para que checasse todos os dias os moinhos de vento, para ver se a irrigação do pasto estava em ordem.

Trabalho Rebecca podia aceitar; favores, não.

Com o passar dos anos, o serviço de Rebecca aumentara na fazenda, e tinha que montar os cavalos para fazer a ronda dos moinhos. Para isso Forrest usou a desculpa de que os animais precisavam de exercício, e ele pagaria para que ela os montasse.

Logo depois, Rebecca passou a treinar e domar os cavalos, e não demorou muito para que estivesse incluída na folha de pagamento do Novilho Dourado e os Cunningham pudessem dormir mais sossegados, sabendo que a garota ao menos não morreria de fome diante deles.

Forrest meneou a cabeça, ao estacionar diante da cocheira do Rancho Rústico, lastimando o gênio difícil da amiga.

Ansioso para arrancar maiores informações a respeito do noivo misterioso, Forrest saiu da caminhonete direto para o estábulo, certo de encontrá-la por lá.

E não deu outra; numa das últimas baias, Rebecca escovava a égua, murmurando palavras gentis para acalmá-la.

– Como vai ela?

Rebecca se assustou com a voz dele. Sobressaltada, virou-se, mas, ao deparar com Forrest, fez um muxoxo e voltou para o que estava fazendo.

– Bem.

Forrest chegou mais perto e passou a mão no pescoço do animal, devagar, para que a égua o reconhecesse. Observando o jeito como Rebecca a escovava, comentou:

– Vai deixá-la mimada...

– Ela gosta de atenção.

Pelo entonação, Forrest percebeu logo que qualquer motivo seria razão para Rebecca armar uma discussão. Mas ele não desejava brigar, só queria a verdade, e estava determinado a obtê-la.

– Tenho certeza de que sim, Becky.

Deixando-a trabalhar, afastou-se um pouco.

– Estava com Sterling, antes de vir para cá.

Mas Rebecca parecia pouco interessada. Apenas assentiu e permaneceu calada.

– Ele ficou bastante surpreso quando contei sobre seu noivado.

A reação dela foi quase imperceptível, mas por instantes Rebecca pareceu congelar.

– E vocês dizem que as mulheres mexericam...

– Estava apenas tomando uma cerveja com meus amigos, no clube.

– Falando da vida alheia.

Dando de ombros, Forrest prosseguiu:

– Imaginei que você tivesse falado com Sterling sobre seu noivo, visto que são tão amigos.

– Para você ver que isso não é tão importante.

Forrest arregalou os olhos, com uma expressão estupefata que estava longe de ser sincera...

– Como assim, Rebecca Lee?! Você me surpreende dizendo isso. Casamento é a coisa mais séria da vida de uma pessoa.

Grunhindo qualquer coisa, Rebecca tornou a se afastar, ficando de costas para Forrest com o pretexto de examinar uma ferradura.

– Faça algo de útil e me ajude com isto aqui.

A posição em que ela estava proporcionava um ângulo perfeito para que Forrest admirasse seu traseiro. Todos aqueles anos e nunca, nem uma única vez sequer, tivera segundas intenções em relação a Rebecca, mas agora era diferente. Muito diferente...

As formas perfeitas e arredondadas sobressaíam no jeans justo. Admirou-lhe o contorno rijo e bem-feito dos quadris, enquanto passava as ferramentas para ela.

– Matrimônio é algo muito sério – insistiu, chegando mais perto. – Espero que não vá fazer nada apressadamente, Becky.

Com a mão no queixo, Forrest admirava a destreza com que Rebecca limpava as ferraduras, livrando-a de pedras e cascalho.

– Como já lhe disse, Woody, não temos pressa de nada. Nem marcamos a data ainda.

– Parece-me uma sábia decisão. As pessoas se casam muito rápido, hoje em dia, e não têm tempo de se conhecerem de verdade.

Rebecca largou a pata que segurava e encarou Forrest.

– E, pelo que posso ver, você parece se achar um perito nesse assunto.

– Nunca disse isso.

– Então, porque veio até aqui para me encher de conselhos?

Forrest respirou fundo, antes de perder a calma e começar uma daquelas discussões intermináveis. Contou até dez e jurou que não ia aceitar as provocações.

Pegou a caixa de ferramentas de volta.

– Porque sou seu amigo, Becky, e amigos se preocupam uns com os outros.

– Não preciso de ninguém se preocupando comigo. Sei cuidar muito bem de mim mesma.

Colocando as mãos sobre os ombros dela, Forrest a forçou a ficar cara a cara com ele, mesmo tendo de dobrar seus joelhos para tanto.

– Sei disso, Becky. Sua independência é uma das coisas que mais admiro em você. Mas eu ficaria bem mais tranqüilo se soubesse um pouco mais sobre seu noivo.

Enlaçando a cintura dela, foi conduzindo-a em direção à saída.

– Na verdade, gostaria de fazer uma pesquisa sobre ele. Quem é, o que faz, uma coisa ou outra sobre seu passado... Tenho bons contatos por aí, e seria fácil obter qualquer informação.

Rebecca estacou tão rápido que uma nuvenzinha de poeira cobriu-lhe as botas.

– Pesquisar o passado dele?

– Foi o que eu disse. Apenas para estar certo de que é um bom sujeito. Basta me dar o nome completo, endereço e, se souber o número da identidade.

Forrest ficou observando a transformação das feições de Rebecca. Os lábios começaram a tremer, e, por um segundo, Forrest teve a impressão de que ela estava a um passo de confessar a verdade e admitir que não havia noivo algum.

Mais um pouco e a faria falar, e, lógico, em seguida Forrest faria de novo o pedido. Dessa vez não haveria recusas. E em novembro teria sua esposa.

Essa impressão durou pouquíssimo. Logo, Forrest notou que as faces de Rebecca estavam ficando quase tão vermelhas quanto seus cabelos. Vermelhas de ira...

Infelizmente para Forrest, ele não percebeu a tempo que o rubor nada tinha a ver com culpa ou vergonha, mas sim com fúria...

– Ora, Becky... – Deu um passo para trás, na defensiva.

– Não me venha com “Ora, Becky”. Não preciso de você ou quem quer que seja para tomar conta da minha vida. Venho fazendo isso há anos, e muito bem, devo acrescentar. Portanto, acho bom que pegue sua gentil oferta de espionar meu noivo e dar o fora daqui. E não volte!

Dando-se conta de que Rebecca estava escapando de novo, Forrest assumiu outra postura. Mãos na cintura, disse, firme:

– Que droga, Becky! Não sou um intrometido, só estava tentando protegê-la.

– Não preciso de proteção.

– Talvez sim, talvez não. Ah, Becky, não quero brigar com você, não foi para isso que vim.

– Então, para que foi? Vem a minha propriedade e insulta a mim e a meu noivo com uma porção de desconfianças sem propósito. E quer o quê?

– Não fiz nada disso.

– Quer espionar meu noivo, Woody, e isso não quer dizer nada?

– Bem, só o pretendia saber um pouco mais a respeito dele.

– Não há nada que precise saber. Quem vai se casar sou eu, não você..

Ouvi-la falar sobre o casamento de modo tão enfático fez com que Forrest perdesse o fôlego. Estivera tão convicto de que tudo não passava de uma farsa que a idéia de que o tal noivo existisse mesmo o deixou estarrecido. E Rebecca, pela primeira vez, o convenceu disso.

– Está falando sério sobre se casar com esse sujeito?

– Estou, sim. – Rebecca cruzou os braços e deu meia-volta.

Estático, Forrest teve a sensação de que garras esmagavam-lhe o coração, tamanho o aperto em seu peito. Uma tristeza tão grande, tão infinita que chegava a atordoar.

Rebecca sempre fizera parte dele. Era sua companheira, amiga... Mais que uma irmã caçula.

E de repente, ela ia se casar...

Sem uma palavra sequer, Forrest se virou e foi embora sem olhar para trás.

Nem bem assentara a poeira dos pneus dele, Rebecca entrou na lata velha que um dia fora uma picape e saiu direto para a casa de Maine, a única mulher de quem ela aceitava conselhos.

Ia tão distraída que só quando estava a dez metros da residência se lembrou de que, desde que se casara, Maine se mudara para Midland.

Por isso mesmo, quando viu a janela da cozinha iluminada, achou melhor parar e ver se tudo se encontrava em ordem.

Bateu palmas, chamou uma ou duas vezes pelo nome da amiga, e nada. Só lhe restava esperar...

Vozes vinham de lá de dentro, indicando que, se Maine estivesse ali, não estava só.

E não lhe agradava a idéia de falar de seus problemas diante de testemunhas, muito menos do marido de Maine. Portanto, decidiu voltar para o rancho, e já ia fazê-lo quando uma jovem abriu a porta.

– Olá... Rebecca, não é?

Tirando o chapéu, Rebecca fez que sim.

– Sim, senhora, Rebecca Sullivan, a seu dispor.

A garota sorriu.

– Foi o que pensei. Ouvi muito falar de você. – Estendeu-lhe a mão. – Sou Callie Langley, esposa de Hank e sobrinha de Maine.

Rebecca sabia do casamento do amigo, e tinha ouvido falar que a noiva era uma pessoa ótima. Porém, ninguém mencionara que, além disso, também tinha a beleza e as feições delicadas de uma boneca de porcelana.

Cumprimentou a jovem, sentindo-se um tanto desajeitada e pouco feminina, se comparada a ela.

– Muito prazer. Vi a luz acesa na cozinha e imaginei que Maine estaria aqui.

Callie abriu a porta, fazendo menção para que Rebecca entrasse.

– Ela está lá dentro. Íamos tomar uma xícara de chá. Por que não nos acompanha?

Tomar chá com senhoras não era bem o tipo de programa que Rebecca apreciava.

– Muito obrigada, mas não quero interromper nada. Já vou indo.

Mas Callie segurou-a pelo pulso, impedindo-a de sair.

– Não está interrompendo nada, Rebecca. Tia Maine vai adorar vê-la.

– Quem está aí, Callie?

– Rebecca Sullivan, tia.

Maine apareceu à soleira da cozinha, calorosa como sempre.

– Rebecca Lee Sullivan, acho bom que suas botas estejam limpas.

Rebecca olhou para os próprios pés e depois para a mulher a sua frente, antes de resmungar:

– Sim, estão.

– Acho bom, pois acabei de encerar o chão e, da última vez, você deixou um rastro pela casa inteira.

– Peço desculpas, Maine.

– Desculpas não enceram meu assoalho. – Maine caminhou de volta à cozinha. Entretanto, a dureza das palavras nada tinha a ver com o jeito terno como fitava Rebecca.

– O que está esperando? Puxe uma cadeira e sente-se conosco, menina.

As três mulheres acomodaram-se à mesa muito bem arrumada, com toalha de linho e xícaras finas.

Callie passou uma para Rebecca, que torceu o nariz para a infusão perfumada.

– O que é isso?

– Chá de camomila. É bom para acalmar os nervos. Parece que você está precisando...

– Está tão evidente assim?

Dando um tapinha na mão de Rebecca, Callie respondeu:

– Posso ser uma Langley agora, mas, minha querida, antes disso sou uma Riley, e as Riley têm o dom da intuição. Estou certa, tia Maine?

– Isso é verdade. – Maine empurrou o prato de biscoitos para Rebecca. – O que a trouxe aqui à esta hora da noite, Rebecca Lee?

Rebecca recusou os biscoitos, pois estava tão incomodada com a mentira que contara a Forrest que seu estômago parecia querer sair pela boca.

– Preciso de um conselho, Maine. Acontece que eu... bem, eu...

– Fale de uma vez, menina!

Constrangida, Rebecca se remexeu na cadeira, sentindo o olhar de Callie pregado nela.

– É um assunto íntimo...

– Não se incomode com Callie. Ela trabalhava num consultório médico antes de vir para o Texas, está acostumada a guardar confidências.

– Eu contei uma mentira.

– Bem, Rebecca Lee, decerto não foi a primeira, e sem dúvida não será a última. O que há de tão grave nisso?

Maine conseguia dizer as coisas mais embaraçosas com tamanha simplicidade, e era tão ponderada, que Rebecca recorria a ela quando sentia necessidade.

– Menti para Woody, e não sei o que fazer para lhe dizer a verdade.

– Woody é Forrest Cunningham – Maine explicou para Callie. – E que mentira foi essa?

– Inventei que estava noiva.

– O quê?

– Woody se ofereceu para se casar comigo antes que eu virasse uma solteirona, e me deixou tão zangada que falei a primeira coisa que me veio à mente: que já tinha um noivo.

A alcunha de “solteirona” acompanhara Maine até poucas semanas atrás, portanto, ela melhor que ninguém podia entender do que Rebecca estava falando.

– Não há nada de vergonhoso em permanecer solteira, Becky. Essa é a escolha de muitas mulheres.

– Sei disso, mas foi o jeito de ele falar que me deixou furiosa.

– Se Forrest tivesse feito o pedido de outro modo, você não hesitaria em aceitar, não é?

– Não.

– Bem, minha querida, antes de dar qualquer conselho, deixe-me lhe explicar uma coisa: você mentiu para Woody por algum motivo. Seria mais fácil dizer “não” e pronto.

– Senti como se ele estivesse me dando uma esmola, e odeio caridade. Depois disso, Woody voltou e me encheu de perguntas sobre o tal noivo, e eu menti ainda mais.

– E também quis provocar ciúme, não é?

– Talvez. Bom, quis sim.

– E conseguiu? – Maine sorria, matreira.

Rebecca meneou a cabeça, desalentada.

– Não acredito.

– Pois eu, sim. – Opinou Callie. Porém, em seguida, levou a mão à boca, corando. – Mil perdões. Não tinha a intenção de me meter.

– Pois meta-se à vontade, Callie. Preciso de toda a ajuda possível..

– Por que Forrest voltaria a falar no assunto se não estivesse preocupado, Rebecca? Sinal de ciúme, concorda, tia?

– Em gênero, número e grau.

– Fantástico, Woody está enciumado. E daí? Conto a verdade e agüento as conseqüências?

– Qualquer dia desses. Mas, antes que o momento chegue, vamos cozinhar Forrest Cunningham em banho-maria.

– Como assim, Maine?

– Faremos de conta que seu noivo existe. Aí, veremos o que acontece.

– Como é?

– Isso mesmo. Se Forrest achar que vai perdê-la para outro homem, aposto como lutará para que isso não aconteça. – Maine tinha um brilho estranhíssimo nos olhos ao fazer tal afirmação. – É tudo de que precisamos: uma disputa. Que, lógico, você vai deixá-lo vencer...

 

Bocejando, Forrest se reclinou ainda mais na poltrona de couro e apoiou os pés sobre a escrivaninha, tomando cuidado para não derramar seu café.

O escritório amplo e bem equipado era seu lugar favorito na casa. O mogno pesado dos móveis e o cheiro de couro eram reconfortantes, e as janelas ofereciam uma vista privilegiada a cada pôr-do-sol.

Naquele instante, a escuridão noturna tomava conta da paisagem, e Forrest se lembrou de que tinha de estar de pé antes que o astro-rei despontasse no horizonte.

Não que isso fosse novidade. Desde que voltara da missão na Europa, não tinha conseguido ter uma boa noite de descanso. A busca por uma esposa começava a lhe dar nos nervos, concluiu, irritadíssimo.

Contrariando seus hábitos, folheou seu caderninho de endereços, olhando para cada nome de mulher ali listado. Quantos nomes, e nenhum que servisse... Acabou atirando longe a agenda, com um impropério.

Massageando o peito, Forrest tentou, sem êxito, aliviar a dor. Não que estivesse sofrendo por amor, repetiu para si mesmo, com convicção.

A rejeição de Rebecca nada tinha a ver com esse tipo de sentimento. Afinal, sua proposta para ela fora muito mais um negócio que qualquer outra coisa. Precisava de uma esposa e filhos, e Rebecca, de um marido para ajudar na fazenda. Haveria acordo melhor?

Pelo jeito que as coisas estavam, essa não era a opinião dela. Tomou mais um gole do café, sentindo os primeiros efeitos da cafeína em seu corpo. Pousou a caneca quase vazia sobre a mesa, e seu olhar passeou pelo aposento..

Tudo o que viu foram fragmentos de sua existência, recolhidos através dos anos em fotografias, agora espalhadas em porta-retratos.

Um em particular chamou sua atenção. A foto da família Cunningham reunida, que sua mãe fizera questão de tirar, muito tempo atrás.

O olhar de Forrest vagou de retrato em retrato, e a cada nova imagem um mundo de lembranças vinha à tona, trazendo o passado de volta num passe de mágica.

Aos poucos, foi se apercebendo de que em quase todas as fotografias uma pessoa estava presente: Rebecca Sullivan.

Pegou a foto da família, uma de seus dezesseis anos. Rebecca não estava lá, mas Forrest recordou-se com nitidez de sua presença ao lado do fotógrafo, fazendo caretas e provocando-o.

Estava em pé, parado diante da parede de mogno onde uma dezena de fotografias maiores tinham sido emolduradas pouco antes da mudança de seus pais.

Nunca se dera conta de que ali estavam alguns dos momentos mais representativos da família Cunningham.

A árvore de Natal imensa contrastava com a tristeza explícita nos olhos verdes da menininha Rebecca, que perdera a mãe pouco antes das festas.

Numa outra, Rebecca, durante uma prova do Campeonato Estadual de Hipismo, montando um dos garanhões do Novilho de Ouro.

O sorriso dela no vigésimo primeiro aniversário, segurando, orgulhosa e sapeca, sua primeira cerveja dentro da lei.

Forrest levou a mão ao peito, outra vez, pois a pontada voltara com mais força, e seu coração parecia prestes a explodir. Rebecca Sullivan fazia parte de sua vida tanto quanto seus pais.

Mas isso chegava ao fim. Ela iria se casar e partir, deixando-o para trás, também.

Não podia deixar que isso acontecesse. Rebecca era mais que uma irmã para ele, e perdê-la estava fora de questão.

Porém, ao relembrar que fora escorraçado do rancho, voltou a cair em desânimo. Talvez já tivesse perdido sua amizade para sempre.

Afinal, não só a chamara de mentirosa como insultara seu noivo antes mesmo de conhecê-lo. Que espécie de amigo se comportaria daquela maneira?

Um amigo muito, muito egoísta, foi o que Forrest teve de admitir.

Era imperativo que se desculpasse. O que já não era muito fácil; afinal, Forrest Cunningham não estava acostumado a admitir seus erros, muito menos em público.

Mas se resolvera a fazer isso sem demora. E não sairia do Rústico enquanto Rebecca não o perdoasse.

 

De balde em punho, Rebecca despejava a ração no cocho da égua.

“Woody? Brigando por minha causa?” Bufando, ela ia e vinha, pensando sobre o que Maine lhe dissera, na véspera. Mesmo com todo o amor que sentia por ela e o respeito imenso por sua sabedoria, Rebecca tinha de admitir que, dessa vez, Maine estava enganada.

Redondamente. Se havia algo que não lhe passava pela cabeça era ver Forrest disputando sua mão com outro.

Sobretudo com um homem imaginário.

Torceu o nariz ao se lembrar da mentira que contara para Forrest. Um noivo... Com tantas desculpas para não aceitar a proposta de casamento, por que tivera que inventar um noivo?

Depois de completar sua tarefa, se dirigiu para casa, para cuidar de seu desjejum, enquanto amaldiçoava-se por ter sido tão estúpida.

– Um noivo! De tantas coisas imbecis, fui logo inventar a pior!

Abriu a porta da cozinha para mais uma refeição solitária. Estava farta de comer sozinha. Ou dormir sozinha. Enfim, cansara-se de viver só!

E, pelo jeito que as coisas iam, continuaria assim por um longo tempo.

Pela janela, via as cores tingindo o horizonte e o ruído distante do gado só fez aumentar sua melancolia.

Nesses momentos, a saudade de sua mãe ficava quase insuportável. Sentia, mais que nunca, a falta de um abraço, de uma palavra amiga.

Ainda tinha guardado na memória o jeito suave dela. O sorriso, seu perfume e até o som cristalino da risada, o calor de seus braços.

Era apenas uma criança de sete anos quando ficara órfã. Seu pai era tão ausente quanto imprevisível, sempre correndo atrás do cavalo campeão que o faria rico e famoso, o maior treinador do Texas. Só que tal cavalo não aparecera, e Rebecca sabia que nunca apareceria. Mas isso não impedia Shorty de continuar procurando.

Um focinho úmido encostou em sua mão, tirando-a de seus devaneios. Rebecca deparou com a presença de Rowdy, o cão pastor de Forrest.

– Olá, Rowdy. – Afagou a cabeça peluda. – Como vai, amigão? Parece morto de fome.

Foi então que Rebecca avistou a figura imponente de Forrest parado à soleira, maior e mais bonito que qualquer outro homem jamais sonhara em ser.

Usava roupas de trabalho. A calça e camisa jeans, as botas e o chapéu cobrindo parte do rosto davam-lhe a aparência de um caubói saído do Velho Oeste.

Embora Forrest fosse muito rico e seu guarda-roupa estivesse abarrotado de ternos caros e peças sob medida, Rebecca preferia vê-lo assim, por uma razão qualquer, aqueles trajes a faziam sentir em pé de igualdade com ele. Sabia que aquilo era ridículo, pois um par de botas enlameadas não tornariam Forrest Cunningham menos poderoso.

Rebecca ainda o olhava quando ouviu-o pigarrear, parecendo embaraçado.

– A culpa é minha por ele estar assim, Woody. Acostumei-o com biscoitos, enquanto você esteve fora.

Forrest não se deu ao trabalho de replicar, apenas avançou porta adentro, muito constrangido.

Sem saber o que pensar, Rebecca estremeceu ao imaginar que podia perder o trabalho no Novilho de Ouro. Se Forrest a despedisse, não teria onde ganhar seu sustento. E, depois do lhe dissera no dia anterior, isso não seria uma surpresa.

Enquanto maldizia a si mesma pela insolência, Forrest se adiantou:.

– Não acredito que estive aqui ontem e não lhe dei os parabéns, Becky.

O alívio dela foi tão grande que Rebecca quase esqueceu seus problemas. Contudo, por poucos instantes, apenas, antes que a culpa a tomasse de assalto de novo.

– É verdade, você não deu.

– Bem, quero me desculpar pelo jeito grosseiro como a tratei.

– Não precisa se desculpar, Woody. – Vendo-o se aproximar, perguntou: – Isso é tudo?

– Estou perdoado?

– Está.

– Ótimo. Será que eu e Rowdy podemos comer com você, então?

– Os tempos devem estar mesmo difíceis no Novilho de Ouro para que venham pedir comida aqui.

Um sorriso maroto surgiu no rosto de Forrest.

– Digamos que cozinha muito melhor que eu, Becky.

Rebecca também sorriu.

– Você não perde uma chance de levar vantagem...

– Minha mãe não criou um tonto. Vamos lá, o que tem de café da manhã?

– O que eu puser em seu prato, e sem reclamação.

– Alguma vez reclamei?

– Não, mas nunca é demais avisar. Levantou-se cedo, hoje.

Rebecca se pôs a lavar as mãos.

Forrest fez o mesmo.

– Pensei em acompanhá-la na ronda dos moinhos.

– Ora! Não confia mais em mim?

– Não falei que ia fiscalizar seu trabalho, Becky, só que queria ir junto. Perdemos dois novilhos, semana passada.

– Foram os coiotes?

Observando-a cozinhar, Forrest se acomodou numa cadeira.

– É provável que sim. Entretanto, não posso garantir, até olhar eu mesmo.

– Está pensando em organizar uma caçada?

– Não se eu puder resolver isso sozinho.

Rebecca deu de ombros, conhecendo o jeito de Forrest de fazer as coisas a seu modo.

– Posso ajudá-lo, se quiser.

– Estava contando com isso.

– Não creia que vai ser de graça – brincou, divertida. Aliviado por Rebecca não estar magoada com ele, Forrest, de bom grado, aceitou participar do mesmo joguinho de sempre, onde ambos barganhavam o valor dos serviços de Rebecca.

– Quanto?

Voltando a sua agitação natural, Rebecca sugeriu:

– Não sei bem... Mas a cria da égua nova pode ser suficiente para cobrir minhas despesas.

– O quê?! Aquela égua é puro-sangue, e foi coberta melhor garanhão do Colorado!

Rebecca ria ao servi-lo com os ovos e duas torradas quentes.

– Ela pode ser registrada, Woody, e o garanhão, o mais potente do mundo, mas o potro ainda não nasceu.

– Nascido ou não, aquele filhote vale milhares de dólares.

– E eu também.

Em geral, àquela altura da negociação Forrest teria oferecido outras coisas em troca, como três fardos de alfafa ou uma saca de aveia. E a farsa se estenderia por mais alguns minutos.

Porém, tudo em que conseguia pensar naquele instante era que logo não teria mais chance de passar manhãs como aquela, rindo e brincando com Rebecca, vendo o verde daquelas íris mudarem de tonalidade de acordo com o estado de espírito da dona.

– Onde você vai morar?

Na expectativa de vê-lo pechinchar, Rebecca ficou confusa.

– O que disse?

Forrest enfiou o garfo na comida e repetiu a questão, sem olhar direto para ela.

– Onde vai morar depois de casada?

O sorriso dela se esvaiu aos poucos.

– Não sei. Ainda não falamos sobre isso.

Sentindo o olhar dele sobre suas costas enquanto se servia, Rebecca não reagiu.

– Acha que vão ficar aqui? Duvido que Shorty se incomodaria.

Rebecca deu de ombros, mas permaneceu de costas.

– Pode ser, Woody, não sei.

Ela detestou-se por ter deixado o orgulho metê-la em tamanha confusão. Não via outra escapatória a não ser contar toda a verdade para Forrest, o que Maine desaconselhara com veemência.

Deu um longo suspiro e disse de si para consigo que conseguiria levar adiante aquela história. Tudo o que precisava fazer era manter Forrest sob tensão por um determinado período, suficiente para que ele se retratasse. E, por fim, fizesse o pedido de casamento da maneira sonhada.

Esboçou um sorriso e virou-se de frente para a mesa.

– Joe não se importa com o lugar, Woody, desde que estejamos juntos.

– Joe? Pensei que o nome dele era John.

– E é. Joe é o apelido que lhe dei.

– E como o rapaz a chama?

– Bem, ele... – Por sorte, o telefone tocou, salvando-a de mais essa resposta.

Rebecca atendeu ao chamado.

– Alô?

– Bom dia, Rebecca Lee Sullivan.

Rebecca se surpreendeu com a voz de Maine, do outro lado da linha.

– Por que tão cedo? Aconteceu algo?

– Queria pegá-la aí antes de sair para o trabalho.

Forrest a olhava com curiosidade, a comida esfriando no prato.

– Bem, então fale logo. Forrest está acabando de tomar café para sairmos.

– Ele está aí ao lado, Becky? Sabe que sou eu?

– Creio que não. Por quê? – Rebecca estudava a expressão dele...

– Então, finja que está falando com seu noivo.

Reprimindo um gemido, Rebecca levou a mão à testa, prevendo uma dor de cabeça chegar.

– Não acho que possa fazer tal coisa.

– Claro que consegue, menina! É só dizer algo como “querido”.

Rebecca relanceou o olhar para Forrest, e num esforço acabou dizendo:

– Se você garante... querido.

– Ótimo! Ele ouviu? Parece bravo? Triste?

– Acho que mais o primeiro.

– Céus, Rebecca Lee! Diga algo mais sugestivo que isso. Pergunte como estou, diga que sente saudade de mim, e com uma voz mais doce que essa, por favor!

Com as faces ardendo e um nó na garganta, Rebecca acabou murmurando, sem graça:

– Queria que você estivesse aqui comigo, agora.

Exultante, Maine quase gritou:

– Perfeito! Forrest está escutando?

As pupilas de Forrest despendiam chamas de raiva mal contida, e Rebecca se apressou a informar:

– Com certeza!

– Bem, então me mande um beijo e despeça-se.

Dando as costas para Forrest, Rebecca fez mais que isso: – Um beijo, amor. Eu te amo.

Rebecca só ouviu a cadeira ser arrastada, e ao se virar viu Forrest com a mão na maçaneta.

– Vou esperar lá fora. – E saiu batendo a porta.

– Que barulho foi esse? – Maine quis saber.

– Foi Woody saindo. Oh, Maine! – sussurrou Rebecca, ansiosa, esticando o pescoço para ver se Forrest não estava por perto. – Acho que não vou levar isso adiante...

– Lógico que vai! E esteja em casa à uma hora. Mandei que entregassem uma coisa aí. Até logo, querida.

– Maine, espere!

Mas a amiga já tinha desligado.

– Senhor! – murmurou Rebecca, atordoada. – Não estou bem certa de que essa coisa romântica vai funcionar...

 

– Quantas, Woody?

Agachado no chão, Forrest examinava as pegadas.

– Quatro ou cinco – respondeu, tenso, tornando a subir na sela.

E, sem dar muita atenção a Rebecca, tocou o cavalo adiante. Fora assim durante toda a manhã, falando só quando era interpelado, e suas respostas de tão lacônicas beiravam a grosseria.

Rebecca viu-o se afastar, com o coração opresso. Maine se enganara daquela vez. Ele não estava com ciúme, mas sim furioso.

Por quê? Não tinha feito nada para Forrest, exceto mentir. Mas isso ele não sabia.

– Woody?

– O que foi?

– Que horas são?

– Meio-dia e meia. Precisa tomar algum remédio ou coisa parecida?

Tentando acompanhar o ritmo dele, Rebecca esporeou a montaria.

– Não, mas tenho de estar em casa à uma.

– Por quê? Seu noivo vai chegar?

A inflexão dele ao pronunciar a palavra “noivo” irritou Rebecca sobremaneira. Estava ficando cansada daquela atitude, considerando que o culpado de toda aquela confusão era ele, Forrest, e não ela.

Se tivesse feito a proposta com um mínimo de cortesia, nada daquilo estaria acontecendo.

– Não, Woody, estou esperando uma entrega.

– Certo. Vamos checar o quarenta e seis, e então voltaremos.

– Não preciso de ajuda, Woody. Posso verificar sozinha.

Saltando da sela, Rebecca foi olhar se o moinho estava funcionando, e depois se dirigiu ao reservatório de água, para se refrescar.

– Tudo bem? – Forrest desmontou e foi ao encontro dela.

– Tudo.

– Perdoe-me se fui lacônico com você. – Molhou as mãos também.

Dois pedidos de desculpas num só dia? Atônita, Rebecca ficou vendo Forrest enfiar a cabeça no tanque e sair de lá espirrando água por todo lado.

Sem pensar, Rebecca lhe passou sua bandana para que ele se enxugasse um pouco.

– Obrigado – Forrest resmungou, ao devolver o lenço. – Vai me oferecer o almoço?

– Suponho que sim.

– Que bom, Becky, estou faminto!

E para surpresa dela, Forrest deu-lhe o braço, e juntos caminharam de volta aos cavalos.

Aquelas mudanças de humor cansavam, concluiu Rebecca, vendo o sorriso de Forrest surgir.

– Estou pensando em seguir a pista dos coiotes amanhã à noite. Pode vir comigo?

– Sim.

– Nenhum encontro marcado?

– Não.

Forrest assentiu, satisfeito com a resposta. Montando, desafiou-a:

– Vou ganhar de você. – E esporeou o cavalo.

– Droga, Woody! Não é justo, você saiu antes – gritou Rebecca, subindo na sela e galopando atrás dele.

O cavalo de Forrest tinha velocidade e resistência, mas o de Rebecca era tão rápido quanto, com a diferença de que o segundo adorava correr. Em poucos segundos, a distância entre eles diminuiu muito. Rebecca, então, ficou confiante em sua vitória.

Tirando o laço da sela, Rebecca agitou a corda acima da cabeça duas vezes, mirando o alvo com cuidado antes de arremessar.

O laço flutuou no ar antes de cair sobre Forrest e escorregar-lhe pelos ombros. Impedido de se mover, Forrest puxou as rédeas. Rebecca passou por ele à toda.

– Trapaceiro! – ela acusou-o, rindo ao jogar a ponta da corda em sua direção.

– Rebecca Lee, você me paga!

Olhando para trás, Rebecca gargalhou e continuou em disparada para a reta final.

Forrest lutou para se desvencilhar, e, assim que se viu livre, tornou a esporear a montaria.

– Vai se arrepender do que fez, Becky!

– Precisa me alcançar primeiro!

E a corrida se acirrou.

Quando chegaram perto do Rancho Rústico, os cavalos estavam emparelhados... mas Rebecca foi a primeira a alcançar o chão.

Correu para a casa, batendo a mão sobre a madeira da porta, sinal que indicava que vencera, no código inventado por eles, anos antes.

– Ganhei!

– Não ganhou nada. – Forrest desmontou. – Porque trapaceou.

– Foi você quem começou! Largou uma cabeça na frente, então, estamos quites. – Cruzou os braços, obstinada. – Admita que venci, Woody. – Rosnando, Forrest largou as rédeas e partiu para cima dela, franzindo os olhos, as mãos posicionadas ao lado do corpo, como se estivesse num duelo.

Rebecca começou a recuar.

– Woody, espera aí...

Sem dar ouvidos ao apelo, Forrest continuou indo em sua direção. Bem que Rebecca tentou escapulir, mas não foi possível. Quando se virou para correr, foi alcançada pelos braços fortes na altura das coxas, que a derrubaram direto no solo, para engolir poeira.

Rebecca nem teve chance de reagir. Forrest a imobilizou com seu peso sobre ela.

– Quem disse que você venceu, mocinha?

O prazer de tê-la sob seu jugo era evidente, o sorriso de triunfo em seu semblante dizia isso. Como evidência do poder físico, Forrest jogou ainda mais seu peso em cima de Rebecca quando ela começou a se debater.

Nesse movimento, seu tórax e os seios dela entraram em atrito. Forrest gelou com aquele contato inesperado. Depois, repetiu o mesmo movimento, só que dessa vez de propósito. E novo, e de novo e de novo.

Seus olhos pareciam querer ver a alma de Rebecca. E o que ela viu naquele olhar a deixou sem fôlego: um calor intenso, capaz de incendiá-la também.

Não se moveria dali nem mesmo se sua vida dependesse disso. E Forrest também não parecia disposto a parar com o que estava fazendo. A cada nova investida sobre Rebecca, maior era o contato entre eles, mais podia sentir sua feminilidade.

O volume e o contorno dos seios o transtornara só com um rápido toque. Imagine-se o que causou em Forrest sentir a protuberância dos mamilos crescer, despontando, salientes e rijos.

– Becky... – começou a dizer com voz rouca e desesperada, até mesmo para seus próprios ouvidos. – Eu....

Uma insistente buzina o interrompeu.

Virando a cabeça para a direção do inesperado ruído, Forrest deparou com uma perua branca onde se lia “Dee Dee Flores” pintado na porta.

– Nossa! Rebecca? É você aí debaixo de Forrest?

Forrest voltou o rosto para baixo, e encarou Rebecca. Ela o fitou do mesmo jeito intenso, trêmula.

– Sim, Dee Dee – gaguejou.

Uma calça rosa-choque apareceu diante do campo de visão de Forrest. Dee Dee, com um imenso buquê de rosas, se abaixou para olhar para eles mais de perto.

– São pra você Becky. Chegaram pelo expresso da manhã. Tem um cartão, mas acho que já sabe de quem são, não é? Não vai abrir? Claro que não, suas mãos estão ocupadas...

Rindo da situação de Rebecca, Dee Dee se aproveitou para abrir o envelope branco que acompanhava o arranjo.

Depois de passar a vista nos dizeres, abanou-se com o cartãozinho, piscando, cheia de malícia.

– Oh, céus!

Forrest, já longe de, Rebecca, se acercou de Dee Dee, com curiosidade superior a seu bom senso:

– Quem mandou?

– Não sei, mas tenho certeza de que gostaria de encontrá-lo. Becky, ele é tão bom na cama quanto é com as palavras?

Rebecca arrancou o cartão das mãos de Dee Dee, e, segurando-a pelo cotovelo, foi bem clara ao dizer:

– Tenho certeza de que está cheia de entregas a fazer. Portanto, não quero prendê-la mais. Boa tarde, Dee Dee.

Jogando charme para Forrest, a moça se despediu um tanto a contragosto.

– Preciso ir, mesmo... – E saiu, acenando para ele até chegar ao carro.

Forrest voltou-se para as flores nos braços de Rebecca. Queria perguntar quem as enviara, saber o que dizia o cartão.

Porém, já adivinhava que vinham do noivo de Rebecca, e, pela reação de Dee Dee, imaginava o que estava escrito nele.

Depois de sentir Rebecca deitada sob si, os seios contra seu peito, a simples imagem dela entregando-se a outro o deixava doente.

– Melhor pôr as flores na água antes que o vento as despetale, Becky. – Abaixou-se para pegar o chapéu e caminhou até seu cavalo. – Vejo-a mais tarde.

– Ei, e o almoço? – gritou Rebecca, atrás dele. – Você não estava faminto?

Forrest parou ao lado do animal e tomou as rédeas. Já na sela, murmurou, por entre os dentes:

– Não estou mais. – E se foi.

 

– Forrest estava lá quando entregaram as rosas?

Rebecca socou com força a pilha de colchas que trazia nos braços dentro de uma caixa.

– Oh, estava sim... com certeza.

Maine fechou a cômoda de cedro, agora vazia.

– E qual foi a reação dele?

– Montou no cavalo e partiu.

– Perfeito.

– Perfeito? – Rebecca atrapalhou-se ao atar a tampa da caixa com uma fita.

Maine foi em seu auxílio.

– Isso mesmo, Becky. Perfeito.

– O que pode haver de bom nisso? Pensei que a idéia era provocar ciúme nele. Como podemos fazer isso se Woody foi embora?

– Tolinha! Essa foi a primeira parte do plano. Está na hora de darmos o segundo passo. – Maine ajeitou o coque. – Ponha isso junto da porta da frente, com as outras..

Levantando a caixa com esforço, Rebecca resmungou:

– Não sei se quero saber do que se trata esse segundo passo...

– Você quer Forrest brigando por sua causa, não quer?

– Brigando com quem? Com uma sombra?!

– Querida, não se trata de uma luta, mas da disposição de lutar, isso sim.

Cansada de discutir sobre a situação bizarra na qual se metera, Rebecca passou os olhos em torno do aposento quase vazio.

– E agora?

Maine também observou ao redor, e, antes que caísse em pranto, mordeu o lábio trêmulo.

– Não vai chorar, vai, Maine?

– E por que deveria? É só uma casa velha.

– Bem, é o lugar onde você viveu os últimos... quarenta anos?

– Quarenta e nove, se é o que quer saber, menina curiosa. – E, com simpatia, concluiu: – Acho que chega, por hoje. E, de mais a mais, creio que seja bom deixar alguma coisa para meu novo marido fazer. Vamos tomar uma xícara de chá, enquanto eu explico a segunda parte da estratégia.

– Maine, você não teria uma cerveja na geladeira? Eu preciso de algo um pouco mais forte que chá para encarar o que me espera.

 

Forrest estava em seu escritório, olhando para a mesma parede coberta de fotos, mas dessa vez com raiva.

Não era justo. Ele passara a maior parte da vida sendo vizinho de Rebecca e nunca a vira senão com olhos de irmão mais velho.

Não, corrigiu-se. Não como um irmão mais velho. Na verdade, nunca a olhara como uma garota, esse era o problema. Para Forrest, Rebecca nunca passara de um garoto. Um irmão caçula, não uma irmã.

Afinal, eles haviam galopado e acampado juntos. Fora ele quem lhe dera a primeira cerveja para beber. Coisas que faria com um irmão menor, se tivesse tido um.

Jamais, em todos aqueles anos, tivera com Rebecca uma relação de homem e mulher, pelo simples fato de não a ver como uma garota.

Mas agora ele a via.

Exalou um longo, profundo suspiro. E que mulher! Não suspeitara que por baixo do exterior rude existisse uma moça tão suave e curvilínea.

No entanto, existia. E como! As curvas pareciam perfeitas, nos lugares certos e do tamanho exato.

Deixou a cabeça tombar sobre as mãos, desanimado.

Lembrando-se das formas de Rebecca sob si, tomou a suspirar. Ainda podia sentir os seios dela, os mamilos salientes, a rigidez de seu ventre. Cada centímetro de sua feminilidade vibrando embaixo dele.

Gemeu, desesperado. Não tinha o direito de pensar em Rebecca nesses termos.

Ela pertencia a outro homem.

E Forrest Cunningham nunca avançava no território alheio.

– Podemos acampar aqui, Becky.

Rebecca parou o cavalo lado a lado com Forrest. A paisagem iluminada pelo luar deixava entrever alguns arbustos e árvores baixas, ao lado de um lamaçal.

– Para mim, está bom – Ela desmontou e tirou a mochila da sela.

Depois de amarrar o animal e ajeitar os arreios, rumou para perto de Forrest.

– O que prefere, Woody: fazer fogo ou preparar o café?

Sem olhá-la, Forrest limitou-se a murmurar:

– Eu cuido do fogo.

Rebecca acompanhou com o olhar sua silhueta desaparecer na escuridão, desanimada com o péssimo humor dele. Como poderia provocá-lo se nem ao menos conseguia que a fitasse?

Maine podia ser muito esperta; e aquela caçada ao coiote era perfeita para o plano elaborado por ela, mas decerto não com aquele clima.

Abriu a mochila em busca da cafeteira, resignada com a situação. Hábil e ligeira, em pouco tempo estava tudo pronto, a clareira para o fogo, os utensílios do café e até os sacos de dormir para pernoitarem.

Ao terminar de alisar o cobertor de Forrest, ouviu os passos dele se aproximando. Ao virar-se, deparou com ele agachado, ajeitando os galhos e gravetos.

O trabalho prendia a atenção de Forrest e deixava-a à vontade para admirá-lo. Em poucos minutos, uma labareda iluminou o perfil másculo.

Como ele era bonito!, pensou Rebecca, com o coração batendo mais rápido. As chamas aumentavam aos poucos, iluminando-o por inteiro.

As mangas arregaçadas mostravam os braços fortes, a camisa entreaberta, a linha severa das mandíbulas. Rebecca ruborizou pelas imagens que lhe ocorriam.

O tom dourado da pele curtida pelo sol era acentuada pelas pequenas labaredas. Um homem rude, quase selvagem, decidiu Rebecca, suspirando de desejo.

Quando a fogueira ficou pronta, ela se aproximou e pôs a água para ferver, em seguida estirando-se sobre seu saco de dormir, apoiada na sela.

Determinada a seguir os conselhos de Maine, deu um tapinha no cobertor ao lado, e disse:

– Aproxime-se e venha conversar comigo.

Forrest olhou-a por cima do ombro e, relutante, sentou-se diante do fogo, porém, o mais distante possível de Rebecca.

– Está bravo ou coisa parecida?

– Não.

– Então por que não diz uma palavra há horas?

– Acho que não tenho nada para falar.

Rebecca estava pronta para ir até o fim, Por isso, ignorou a resposta atravessada e foi direto ao assunto:

– Woody, estou com um problema...

Forrest virou-se para ela, com um brilho furioso no olhar.

– Shorty limpou sua conta bancária de novo? Não precisa se preocupar, se o caso é esse, posso lhe adiantar a quantia que for necessária.

– Não se trata disso. – Baixando as pálpebras, Rebecca mirou as chamas, desviando-se de Forrest. – É, é... apenas... bem...

– Apenas o quê?

Rebecca tornou a fitar o homem que durante dezessete anos fora sua paixão secreta, e mais uma vez ficou encantada com o que viu. Só que dessa vez não eram os sentimentos de paixão adolescente que a dominavam, nem só o amor que nutria desde sempre. Era um algo novo e perturbador, cheio de uma sensação física. Cheio de volúpia.

Engoliu em seco antes de dizer a frase que ensaiara para o momento:

– Eu sou virgem, Woody.

Rebecca assistiu à reação ao que dissera na expressão de Forrest. Viu os músculos de sua face relaxarem aos poucos e ouviu o tom como ele repetiu cada sílaba:

– Virgem.

– Isso mesmo, sou virgem.

– Onde é que começa a ser um problema isso de ser virgem?

– Não pensei muito nisso antes, até ficar noiva.

– Você quer dizer que... que seu noivo e você nunca...

– Não – interveio Rebecca antes que ele fosse adiante. – Nós nunca fizemos.

– E o tal John sabe?

– Que sou virgem? Não.

– Bem é essa a questão?

– Mais ou menos. Joe virá me visitar dentro em breve, e nós vamos... É lógico que vamos acabar fazendo... aquilo. – Seguindo à risca as instruções de Maine, prosseguiu: – Achei que poderia me esclarecer alguns pontos, Woody.

Antes que ela conseguisse pedir mais alguma coisa, Forrest falou, brusco:

– De jeito nenhum! Pediu para a pessoa errada. Fale com uma mulher sobre esse assunto.

– Com quem? Minha mãe morreu, e não há ninguém mais com quem eu possa contar, a não ser você. Depois, o que quero entender só um homem pode explicar. Não preciso de nenhuma matrona me dizendo o que aprendi vendo vacas e éguas parindo. Quero aprender a agradar um homem. Pronto, falei!

– E vem perguntar para mim?!

– Quem melhor? Você me ensinou a caçar e a praguejar também. Qual a diferença? E depois, tem bastante experiência no assunto, certo?

Forrest se sentiria lisonjeado se ouvisse tal comentário em outra ocasião. Mas naquele momento só o que pensou foi na ironia do destino em fazê-lo ensinar Rebecca a fazer feliz um sujeito que ele tinha vontade de matar.

– Acho que não posso, Becky.

– Só peço que responda a umas poucas perguntas. Custa tanto assim?

– Que tipo de pergunta?

– Bem, como excitar um rapaz, por exemplo.

Gemendo, Forrest enfiou os dedos entre os cabelos.

– Vamos lá, Woody... Diga, o que uma mulher tem de fazer para deixá-lo louco?

– Becky, não quero falar sobre isso.

– Por favor, Woody! Eu não tenho mais ninguém no mundo.

– E Sterling? Pergunte a ele.

Rebecca apoiou o queixo nos joelhos, como uma garotinha triste.

– Nunca mais o vi depois que se casou. – Era mentira, mas, depois de mentir a respeito do noivo, essa nem contava. – Depois, ele riria de mim.

Forrest olhou para ela, dando o caso por perdido. Jamais negara nada a Rebecca, muito menos quando a via tão desamparada como naquele instante.

– Está certo, Becky. Pergunte o que quiser.

Animada, Rebecca se empertigou, feliz da vida.

– Vamos lá: Qual é a primeira coisa que você nota numa garota?

Forrest tirou o chapéu, desviando o olhar, incapaz de encará-la.

– Os quadris – resmungou, quase sem querer. – Gosto de mulheres com quadris estreitos.

– Verdade? E os meus são assim?

Forrest virou o rosto para a sombra.

– Como vou saber? Nunca notei.

Rebecca achou graça, pois nunca vira-o tão embaraçado.

Pôs-se de pé, e nem ela soube de onde vinha tanta coragem para agir como estava agindo. Com as mãos na cintura, ficou de costas para Forrest e disse:

– Então olhe agora. São estreitos?

Quando ele se recusou a olhar, ela berrou:

– Woody!

Funcionou. Ele a observou de soslaio.

– Sim, são.

Contente, Rebecca tomou a sentar-se.

– Continuando: quando uma mulher toca você, isso o excita?

– Depende do lugar.

– No braço, por exemplo.

– Talvez.

– Por que talvez?

– Vai depender do que ela estiver vestindo. – Ele enfiou o chapéu na cabeça e se deitou. – Isso é ridículo. Vamos dormir.

– Oh, Woody! Por favor, só mais algumas dúvidas...

– Não.

– Por quê?

– Porque todas as respostas que eu lhe der serão relativas.

– Como assim?

– Dependerão de uma série de coisas.

– Como o quê?

– O tempo, a hora do dia, meu estado de espírito. Uma moça pode entrar nua em meu escritório e eu nem notar, se estiver negociando um contrato.

– Você está brincando comigo, não é?

– Não estou, juro. – Foi então que Forrest teve noção da ingenuidade dela.

– Sempre acreditei que os homens fossem como cães perdigueiros.

– De onde tirou essas idéias absurdas? – Ergueu a aba para encará-la.

– De você, ora!

– De mim?! Nunca disse nada parecido!

– Não, mas eu o via, junto com outros rapazes, nos churrascos do Novilho de Ouro. Tinha sempre uma cerveja na mão e os olhos numa garota. Quando não estava com uma pequena nos braços e flertando com outra. Pareciam um bando de coiotes diante de um rebanho de ovelhas.

– Você está louca. – Forrest ajeitou-se sobre a sela, tornando a baixar o chapéu sobre o rosto.

– Não estou, não. E você vem me dizer que uma mulher pode entrar nua em seu escritório em certa situação que nem notaria? Louco está você se acha que vou acreditar nisso um segundo sequer.

Rebecca se deitou ao lado de Forrest, cruzando os braços e dando as costas para ele.

Devagar, Forrest levantou o chapéu e apoiou-se no cotovelo, tentando ver o semblante dela.

– Acreditar ou não é com você, Becky, mas essa é a mais pura verdade.

Como uma criança, Rebecca virou-se para ele, com ar maroto e ingênuo ao mesmo tempo, os dedos brincando com primeiro botão da camisa.

– Quer dizer que, se eu tirasse a blusa agora, isso não faria diferença nenhuma?

– Não.

– Quer apostar?

– Quanto?

– Cinco dólares.

Forrest fez um ar de enfado.

– Não vou jogar meu tempo fora.

– Por mim, tudo bem. Faça a aposta.

Estudando a expressão de Rebecca, Forrest jogou alto:

– Mil dólares.

Rebecca arregalou os olhos, chocada.

– Mil dólares! Não tenho essa quantia para apostar!

– Bem, como eu disse, nem você acredita em seus encantos femininos a ponto de pagar para ver...

Furiosa, Rebecca se empertigou.

– Apostado. Mil dólares, se você ganhar. Se eu ganhar, você me ensina tudo sobre sexo.

Estava tudo a seu favor, ponderou Forrest. Rebecca nunca ficaria nua a sua frente. Ele a conhecia. Ela era pudica demais para isso.

– Feito!

Mais que depressa, Rebecca passou a agir. O primeiro botão já estava aberto antes que Forrest pudesse respirar. E só então ele se deu conta de que cometera um erro terrível. Esquecera que Rebecca, quando desafiada, não media conseqüências.

E do outro grande equívoco ele só se deu conta quando seu corpo reagiu ao estímulo de imediato. E que estímulo... Só de olhar para as mãos de Rebecca já sentia cada célula pulsando com selvageria.

Não conseguia desviar os olhos dos dedos dela. O primeiro botão revelou pouco mais que nada, a pele dourada de sol. O próximo deslizou tão rápido quanto o primeiro, deixando entrever a brancura arredondada dos seios e o algodão do sutiã, o seio arfante e voluptuoso que enlouqueceu Forrest de desejo.

Sentiu uma vontade tão intensa de tomá-la que seu único pensamento era tocar os lábios naquela brancura e desvendar o tesouro centímetro a centímetro, sentir o sabor que aquela visão prometia.

Outro botão se abriu.

– Becky, pare.

– O quê?

– Não continue. – E segurou seu braço.

Rebecca tentou se soltar, mas estacou ao deparar com um olhar de fogo mal contido sobre si, tão abrasador e faminto sobre seu corpo, cuja intensidade a assustou.

Ainda tonta pela descoberta, sussurrou de olhos arregalados:

– Eu o deixei excitado.

Virando-se de lado, Forrest tentou disfarçar. Fez um gesto de enfado, mas sua respiração arfante quase audível já seria o bastante para denunciá-lo.

– Não seja ridícula.

Pegando-o pelos ombros, Rebecca o fez encará-la.

– Então por que me fez parar?

– Porque...

– Por quê?

– Não quero vê-la nua.

Uma pontada de rejeição magoou Rebecca, que rolou para seu lado e puxou o cobertor, segurando a camisa fechada.

– Eu venci – ela resmungou, embora não estivesse com essa sensação.

– E daí?

– Terá de honrar seu lado na aposta. Vai me ensinar tudo sobre sexo.

 

– Limpe os sapatos antes de entrar em casa!

Forrest, exausto após a noite conturbada com Rebecca, levou um choque ao reconhecer a voz de sua mãe, parado à soleira da cozinha, não sabia como reagir. Por instinto, esfregou os pés no capacho antes de pisar no chão de cerâmica.

– O que você está fazendo aqui, mãe?

Debruçando-se sobre a frigideira onde Kathleen Cunningham preparava bacon e ovos.

– Bom dia para você também, filho.

Pelo tom dela, Forrest percebeu que a magoara. Assim, fechando a porta atrás si, desculpou-se:

– Não me entenda mal mamãe. Só achei que estivesse em Londres, com papai.

– Deveríamos estar lá, mas Newt resolveu voltar mais cedo. – Rindo, a sra. Cunningham completou: – Disse que não agüentava mais ouvir as pessoas falando inglês daquele jeito.

Kathleen beijou Forrest nas faces e em seguida limpou a marca de batom que deixara no rosto do filho.

– Posso saber a razão de tanta irritação logo de manhã, querido?

– Quem disse que estou irritado?

Arqueando uma sobrancelha, Kathleen seguiu o filho com o olhar.

– Não está? Sabe que quase me enganou?

Forrest abriu a geladeira, e, depois de tomar leite direto no gargalo, respondeu:

– Não, não estou de mau humor, mas sim cansado. Passei a noite toda acordado...

– Forrest! – ralhou Kathleen ao ver o leite respingado no piso.

Kathleen Cunningham ainda tratava seu filho de trinta e cinco anos como a um garoto de escola. Mas certas coisas nunca mudavam e, em vez de praguejar, como era sua vontade, Forrest apenas baixou os olhos e murmurou:

– Perdão, mamãe.

– Posso saber onde esteve até agora? Ou a resposta não vai me agradar?

– Não se preocupe, não há nada que possa ferir sua suscetibilidade. Estava caçando coiotes, nada mais.

– Eles estão dando trabalho de novo?

– Nada que eu não possa resolver – tranqüilizou-a Forrest, sentando-se à mesa.

– Becky foi com você?

Forrest franziu o cenho.

– Foi.

– Como está ela?

– Bem, eu acho.

– É uma garota adorável. – Kathleen pôs-se a fritar os ovos para o filho.

– Adorável? – repetiu Forrest, com ironia.

– Foi o que eu disse, não foi? Fritos ou mexidos?

– Três fritos.

– Olhe o colesterol...

– Mamãe, não tenho problemas com isso. E quem come bacon...

– Se não comer direito, terá, com certeza.

– Eu como direito..

– Credo! Que azedume! Não ouvi uma palavra agradável desde que você chegou.

– Já disse que estou exausto.

– Então, vá dormir!

– É o que pretendo fazer assim que terminar meu desjejum.

– Querido, tem trabalhado demais, precisa arranjar alguém que tome conta de você. Esta casa precisa de algo mais que uma faxineira uma vez por semana.

– Para quê? Nunca paro aqui.

– O que estou dizendo é que talvez fosse hora de arrumar uma esposa e me dar netos.

Forrest sorriu para a mãe, levantou-se e beijou-lhe as faces, carinhoso.

– Querida, já não chega tomar conta da vida de papai? Deixe que eu mesmo resolvo a minha. Um dia desses, quem sabe?

– Há alguém especial em vista?

– Não, mamãe. Quando tiver, juro que será a primeira a ficar sabendo..

– Esse é o problema, Forrest. Está na hora de pensar numa única mulher.

– Certo, mãe. Só me diga qual, pois não achei em todo o condado uma única que com quem eu quisesse me casar.

– Não é possível, filho. Tem de haver alguma.

– Creia-me, não há.

– E Becky? Que tal ela?

– Rebecca Sullivan?

Ao ver a estupefação do filho, Kathleen, apressou-se em falar:

– Sei que cresceram juntos, mas Becky é uma boa moça, e bem bonita, se quer saber.

– Ela está noiva.

– Noiva?! De quem?

– Um sujeito de Wichita.

– Estou surpresa, quem diria... Nossa pequena Becky, noiva!

Forrest comeu em silêncio, olhando de vez em quando para a mãe, que parecia muito feliz com a notícia.

Por que todo o mundo se alegrava com o casamento de Rebecca? Forrest terminou a refeição e levantou-se.

– Obrigado, mãe, estava delicioso. Vou me deitar, agora.

– Você está bem, filho? Nem ao menos provou meu bolo de milho.

– Estou exaurido, só isso.

– Tudo bem. Descanse, mesmo. Afinal, a festa de Sterling será bem animada, e quero ver meu filho em forma. E, Forrest, eu comprei um smoking para você em Londres, está em seu armário. Ficará ótimo com a camisa de seda italiana e...

Forrest fechou a porta de comunicação entre os aposentos, interrompendo sua mãe no meio da frase.

De um jeito ou de outro, providenciaria para que ela tivesse os netos tão desejados, mas gostaria que parasse de pressioná-lo tanto.

Despiu-se rápido e se enfiou debaixo das cobertas, sentindo na pele a maciez dos lençóis de cetim.

Apesar do corpo cansado, mal fechou os olhos e a imagem de Rebecca se projetou em sua mente, tal e qual numa tela de cinema, corada de fúria, os dedos frenéticos em busca dos botões da camisa.

A visão perturbadora dos seios semi-expostos, o contorno arredondado e sedutor e o vale sombreado no meio deles não saía da cabeça de Forrest.

Determinado a expulsar tais imagens, virou-se no leito uma dúzia de vezes, fechando e abrindo os olhos, mas sem êxito. A figura esguia, a cabeleira ruiva voando ao vento, a teimosia em continuar com a aposta, a nesga de nudez intocada...

Àquela altura Forrest, sentia-se exausto demais para continuar resistindo. Deixou que a imaginação o levasse para onde bem quisesse.

Seu devaneio dava à cena da véspera um outro final, bem mais interessante. Em vez de interromper Rebecca antes de vê-la despida, ele se ajoelhava diante dela sussurrando seu nome, e, muito gentil, afastava-lhe as mãos para que ele mesmo tomasse para si a tarefa.

Então, Rebecca se entregou por completo, gemendo de prazer, abrindo-se sem pudor, permitindo que Forrest a possuísse e fizesse dela a mulher mais feliz do mundo.

Forrest exalou um suspiro, queimando de lascívia, e, sem hesitar colou sua boca ao travesseiro e...

Sentando-se, Forrest olhou a seu redor, meio alucinado, procurando encontrar ali a fogueira e o semblante de Rebecca... Mas logo se deu conta de que estava só em seu quarto.

Fora tão real, tão vívido, pensou ele, relutante. Ainda levou a mão aos lábios, certo de que poderia encontrar ali um restinho do gosto de Rebecca.

Um sonho. Tudo não passara de um sonho, concluiu Forrest, triste. Jamais tocaria Rebecca daquela forma, nem ela a ele.

Não enquanto estivesse prometida a outro homem.

Pulou para fora do leito, em busca do caderninho de endereços. E, pelos céus, havia de encontrar uma esposa, nem que fosse a última coisa que faria na vida!

 

Embora isso lhe causasse um enorme embaraço, Rebecca relatou todos os acontecimentos para Maine, pois a amiga apareceu logo cedo no Rancho Rústico.

Rebecca estava convicta de que escandalizaria Maine ao contar que por pouco não ficara nua diante de Forrest, mas, para seu assombro, foi aplaudida de pé:

– Agora você vai ver só... – Maine gargalhou, mal se contendo de tanta excitação. – O que eu não daria para ver Forrest naquela hora!

Recordando o momento, Rebecca sentiu um forte calor varrê-la de alto abaixo, fazendo seu rosto queimar.

Maine sorriu ao ver a súbita mudança de cor nas faces de Rebecca e deu um tapinha cúmplice em seu joelho.

– Você agiu certo, garota. Mais que certo, aliás. – Ajeitou os óculos e, com olhar perscrutador, perguntou, ao ouvir a campainha da cozinha: – Está esperando companhia?

Rebecca deu meia-volta e choramingou:

– Kathleen Cunningham. – E foi atender a porta.

Mal teve tempo de girar a maçaneta e foi envolvida pelo abraço afetuoso de Kathleen Cunningham.

– Estou tão contente por vê-la, Kathleen!

Sorrindo, Kathleen apertou-a com força, e em seguida, segurando seus braços, olhou-a de alto a baixo, dizendo:

– Também estou feliz por ver você. E, com certeza, prefiro esta recepção à que tive de meu filho pela manhã.

– Já o viu? – Rebecca esforçava-se para manter intacto seu sorriso.

– Por certo que sim. O velho mau humor de sempre... – indulgente, riu e passou o braço pela cintura de Rebecca, encaminhando-se para dentro. – Quando saí, Forrest dormia. Espero que o sono melhore seu estado de espírito...

Suspeitando que a irritação de Forrest era sua culpa, Rebecca mudou logo de assunto:

– Não sabia que viria para cá.

– A festa de Sterling é hoje à noite, e eu não perderia isso por nada.

Ao chegar à sala, Kathleen quase passou por cima de Rebecca, tão efusiva foi sua reação ao deparar com Maine.

– Maine Riley! Que milagre a traz até o campo?

– Não estou tão velha que não possa andar por aí sozinha, Kathleen.

– E, pelo que andei ouvindo – Kathleen lançou-lhe um olhar jocoso – muito menos para fazer uma série de coisas...

– Gosto de pensar que ainda posso surpreender, às vezes.

– Parece que um pouco mais que isso, não é, Maine? – E, olhando para Rebecca, que permanecia ao batente, insinuou: – Mas acho que não é só você quem tem novidades por aqui.

“Mas que droga, Woody!”, pensou Rebecca, se desesperando com o que Forrest poderia ter dito à mãe.

Seu olhar súplice para Maine não surtiu efeito, pois ela continuou impassível.

– Bem – principiou Rebecca, com dificuldade - posso explicar tudo.

– Espero que possa, mesmo. – Kathleen fingiu-se ofendida. – Tendo-a como uma filha, muito me espantou saber do noivado por Forrest, e não direto de você.

Kathleen sentou-se diante de Maine.

Rebecca afundou na cadeira ao lado, desejando poder entrar por uma brecha no chão, tamanha sua vergonha. Mentir para Forrest era uma coisa, mas para a mãe dele era bem diferente. Não conseguiria nunca fazer isso.

– Eu não estou noiva.

Os olhos de Kathleen se arregalaram de surpresa.

– Mas Forrest me disse que...

– Woody pensa que vou me casar, mas é uma enorme mentira.

– Como é, Becky? Mas por quê?

Incapaz de enfrentar a mãe de Forrest, Rebecca baixou o rosto o mais que pôde.

– É uma longa história, Kathleen, porém, o resumo é o seguinte: Woody me pediu em casamento, e eu, para recusar, inventei que já estava noiva..

– Forrest quer se casar, e você recusou?! Não posso crer!

– Acredite, porque é a verdade. Só que Woody não queria casar-se comigo, mas me fazer um favor. Como se fizesse uma caridade, e eu, de raiva, inventei um noivo.

– Quando foi isso?

– Uma semana atrás, mais ou menos – Rebecca estava muito envergonhada. – Eu queria provocar ciúme, sabe como é... Fazer com que quisesse lutar por mim.

Maine saiu em defesa de Rebecca:

– Fui eu quem a encorajou a fazer isso. Se vai ficar brava com alguém, fique comigo, Kathleen.

– Brava? Imagine! Estou furiosa!

Rebecca não sabia como agir. Mãos unidas sobre o tampo, olhou para a mãe de Forrest.

– Sinto muito por tê-la desapontado, Kathleen. Vou chamar Woody agora e contar tudo para ele.

– Não, você não vai! – Puxando Rebecca pelo pulso, Kathleen a impediu de se erguer. – Evidente que não! E se eu pudesse pôr as mãos naquele rapaz agora, torceria seu pescoço. Forrest é igualzinho ao pai!

– Mas fui eu que errei, Kathleen. Menti para Woody.

– Um pequeno deslize comparado ao comportamento grosseiro dele. Newt era idêntico. Não que não me amasse, mas não queria demonstrar isso. Só que eu cuidei bem do problema.

Kathleen interrompeu a frase para fitar Rebecca.

– Você irá à comemoração de Sterling, não é?

– Acho que não, Kathleen. Você o conhece, Sterling dará uma festa de gala, com traje a rigor e tudo o mais. Nem roupa adequada eu tenho.

– Pegue sua bolsa, menina – ordenou Kathleen.

– Como?

– Pegue sua bolsa. Iremos às compras. Vai se juntar a nós Maine?

– Pode apostar! Quem sabe se nós duas conseguimos enfiar essa garota num vestido.

 

Forrest permanecia sozinho, bebericando champanhe de uma fina taça de cristal, e assistindo aos casais rodopiando pela pista de dança que fora colocada especialmente para a ocasião, na Oásis, a fazenda de Sterling Churchill.

A música enchia o ambiente de sedução e romantismo. Embora tivesse aversão por smoking, Forrest fizera um sacrifício por causa do amigo, e claro, pelas moças que, com certeza, estariam presentes.

As possíveis candidatas ao posto de sra. Cunningham seriam avaliadas naquela noite. Forrest estranhou quando uma jovem loira o encarou, a caminho da pista, trazida pelo braço de um dos banqueiros de Royal.

Quem seria ela? O sorriso que lhe enviou era cheio de promessas, e pelas costas do banqueiro fez sinal de que era dele a próxima música.

Forrest forçou-se a responder com um sorriso polido, mas meneou a cabeça numa negativa; enquanto sorvia o último gole.

Era muito alta, ponderou ele. E amigável em excesso. Uma mulher que dança com um e flerta com outro não é confiável.

– Sterling sabe como dar uma festa, sem sombra de dúvida.

Forrest virou-se para dar com Hank bem atrás dele, também observando os casais, de braços cruzados.

– Isso é verdade. Apesar de que o cheiro deste lugar lembra um funeral. Não sei onde ele arrumou tantas flores frescas nesta época do ano.

Hank riu baixo.

– No Havaí, Forrest. Emprestei meu jatinho particular para esse fim.

– Por que ele não usou o próprio avião?

Hank se encaminhou para a mesa onde estava servido o bule. Lá, o caviar do mar Cáspio rivalizava com quiches de lagosta gigante. Pêras de Portugal eram servidas com queijo camembert e brie franceses.

O champanhe gelado podia ser acompanhado por morangos para aqueles que preferiam algo leve e afrodisíaco. Os homens se rendiam às ostras imensas e fresquíssimas do sul da Flórida.

– Porque às ostras foram trazidas à tarde, e por pouco Sterling não sofreu um enfarte, tamanho seu medo de que não chegassem a tempo.

Forrest achou graça.

– Teria feito melhor se matasse um novilho e abrisse um barril de cerveja.

Batendo nas costas do amigo, Hank comentou:

– É disso que mais gosto em você, Forrest. O paradoxo de ter paladar para cerveja e o bolso para champanhe francês.

– Não vejo razão para tanto barulho. Eles se casaram no cartório sem avisar ninguém, e agora resolvem comemorar assim...

– Se precisa perguntar, meu caro, é porque sua situação é pior do que eu supunha.

Franzindo o cenho, Forrest inquiriu o amigo:

– E o que isso quer dizer?

– Mulheres precisam de certas coisas, como romance. Talvez até um certo reconhecimento público.

– Uma aliança enfiada no dedo do sujeito devia ser o bastante.

Hank estudou Forrest por um momento.

– Ainda não encontrou uma esposa, não é?

– Não exatamente.

– Como assim?

Um garçom passou por eles, e ambos se serviram de mais champanhe. Forrest deu cabo de meia taça no primeiro gole, antes de responder:

– Quisera nunca ter comentado com você e Sterling que estava querendo me casar...

O rosto de Hank se iluminou num sorriso, quando, no outro extremo da pista, focalizou algo interessante..

– Bem, deveria ver aquilo.

– O quê? – Forrest seguiu o olhar de Hank até encontrar uma beldade, que, de costas para eles, falava com Sterling.

O vestido escuro era de um azul tão profundo que podia ser confundido com preto, porém, ao se mover, reflexos furta-cor iluminavam o tecido, dando a ilusão de ver-se ali o céu estrelado da meia-noite.

O corte perfeito, mas despojado, era de uma simplicidade absurda, sobretudo se comparado aos demais trajes ali presentes, todos cobertos de lantejoulas e vidrilhos bordados.

Forrest, no mesmo instante, percebeu que aquele era um vestido que definia uma mulher muito especial.

– Quem é ela? – Esticou o pescoço para enxergar melhor.

Foi então que Sterling tomou a mão da moça e a guiou para o centro da pista. Ao passarem por eles, a jovem se inclinou para ouvir o que Sterling lhe dizia, e Forrest pôde ver suas feições.

Seus dedos se crisparam em torno da taça de cristal, pois, chocado, a reconhecera.

– Becky!

– Em carne e osso.

O estômago de Forrest deu um nó. Ele e Hank puseram-se a assistir, extasiados, a Sterling conduzir Rebecca pelo salão. Leve e ligeira, ela parecia feita para dançar.

– Becky sempre dançou melhor que qualquer mulher, em Royal. – Hank mostrava-se alheio ao estado do amigo. – É tão suave que até um pé de chumbo como eu se sente como o Fred Astaire.

– Vá sonhando... – resmungou Forrest, o humor piorando a cada volteio do casal. – Ninguém é tão bom a esse ponto.

– Becky é – afirmou Hank, com plena convicção. – Lembro-me do churrasco em que dancei com ela, lá no Novilho de Ouro. Eu tinha acabado de voltar do Exército e me senti nas nuvens. Mal podia andar, e, quando anunciaram que as moças escolheriam seus pares, temi ficar de escanteio. Mas nossa amiga me escolheu, e juro: por alguns minutos, metade do salão morreu de inveja deste seu amigo.

Forrest viu Rebecca dar um beijinho no rosto de Sterling, e sentiu o sangue fervendo em suas veias.

Forrest suspirou, observando o lugar onde o tecido marcava o relevo dos seios.

– É uma pena que ela esteja noiva...

– Mas não está casada ainda – Hank provocou-o. – E, para mim, uma mulher que ainda não tem o nome escrito numa certidão de casamento ainda está no jogo. Bem, a conversa está ótima, mas já achei uma esposa, e é para ela que vou voltar.

Bateu no ombro de Forrest e se afastou, deixando-o sozinho para assistir ao casal rodopiando, felizes.

– Solte-a! – murmurou ele quando, num volteio mais ousado, Sterling puxou para si o corpo delgado de Rebecca.

Mesmo com anos de amizade, naquele momento a vontade de Forrest era de socar Sterling.

As palavras de Hank lhe vieram à mente. “Está no jogo”, ele dissera.

Colocando a taça no aparador ao lado, Forrest ajeitou o paletó e, sem perder mais um segundo, se dirigiu para a pista.

No que lhe dizia respeito, estava aberta a temporada de caça.

 

Forrest atravessou a pista de dança com determinação e certa indelicadeza, afastando os casais que se interpunham entre ele e seu destino. E conseguindo com isso olhares zangados e surpresos por onde passava.

Quando alcançou Rebecca e Sterling, deu um tranco no amigo que fez o quase ir ao chão.

– Mas o que... – Antes que Sterling pudesse terminar a frase, Forrest tomou o braço de Rebecca e passou-o em volta do pescoço, cingindo-lhe a cintura com firmeza. – Ei! Ela é o meu par nessa seleção!

– Era – Forrest falou, por cima do ombro. – Estou tomando seu lugar. – E virou-se para Rebecca. – A não ser que você não queira.

Emburrada, Rebecca segurou a mão que ele lhe oferecia e assentiu.

– Tudo bem. Na verdade, estava mesmo querendo uma oportunidade para conversar com você, esta noite.

– Ótimo, também acho que precisamos ter uma conversa. Sobre esse seu noivo...

Rebecca jogou a cabeça para trás e riu.

– Não é engraçado? Era mesmo sobre isso que eu queria falar.

– Era? – Forrest estava certo de que não iria gostar do que vinha a seguir.

– Isso mesmo, Woody. Tenho mais algumas questões a fazer.

Recordando-se da última vez em que Rebecca lhe fizera indagações a esse respeito, Forrest gemeu baixinho e foi taxativo: – De jeito nenhum!

– Acho que está se esquecendo de que perdeu uma aposta.

Ficaram em silêncio por preciosos instantes, sincronizados pelos acordes da orquestra. Apenas bailaram pelo salão, rodeados por outros casais.

Forrest foi relaxando, sentindo a melodia, a atmosfera festiva, por fim, envolvendo-o.

Já perdera a conta de quantos anos e quantas danças partilhara com Rebecca, mas nunca, em todo aquele tempo, a tivera tão próxima de si.

Certo que a maioria das comemorações e das músicas de que recordava tinha sido diferente daquela, bem mais animada, e, apesar de boa dançarina, Rebecca sempre o escolhia para seu par em quadrilhas, ou rock ou, ou...

Estava surpreso ao descobrir como Rebecca parecia frágil, delicada, tão... feminina.

Uma polca teve início, e, segurando mais firme sua cintura e com o joelho entre as pernas dela, Forrest a conduzia com rodopios rápidos de um lado para o outro. Não podia negar que, sentindo seu corpo contra o dela, tinha de admitir: dançar tinha muito a ver com fazer amor...

O movimento dos quadris, a sincronia, o ir e vir como amantes que provocam um ao outro.

Sem que ele se desse conta, seus dedos começaram a acariciar a pele nua das costas de Rebecca. Perdido em devaneios, sentiu-a estremecer num suspiro, e o hálito morno de um sussurro perto de sua orelha:

– Posso sentir seu coração batendo.

A cabeça ruiva foi só o que Forrest conseguiu ver ao baixar o queixo.

– Pode?

– Sim. E você, pode sentir o meu?

Ele sentia. E, com aqueles seios voluptuosos pressionados contra seu peito, mal podia raciocinar.

– Sim, Becky...

Quando Rebecca roçou-lhe o lóbulo com a ponta das unhas, aí então um tremor violento o bastante para ser medido pela escala Richter tomou-o de assalto.

– Acho que dá para entender a razão pela qual tantos grupos religiosos se opõem à dança – comentou Rebecca pensativa.

– E qual é essa razão?

Levantando o queixo para poder olhar para ele, as íris verdes brilhando numa recém-descoberta, disse:

– Porque isto é muito parecido com fazer amor.

Forrest engoliu em seco, olhando-a fixamente. Precisava mudar o rumo daquela conversa bem rápido, antes que acabasse colocando aos dois numa situação embaraçosa. Mas nem bem começara a pensar em algo, Rebecca se aconchegou a seu tórax, exalando um suspiro.

– Sabe de uma coisa, Woody?

– O quê?

– Acho que vou gostar de sexo.

Foi a gota d’água para Forrest. Ele estacou no meio da pista e, segurando a mão de Rebecca, puxou-a para longe dali.

– Woody! O que está fazendo?!

– Eu preciso de uma bebida.

– Oh... – Embora um tanto desapontada, Rebecca o seguiu. – Você está certo, eu estou morrendo de sede.

Forrest também estava morrendo na pista, mas não de sede, e não havia bebida que desse jeito no que o consumia por dentro.

A um canto, um cisne de cristal e gelo derramava champanhe pelo bico. Uma extravagância para muitos, porém, Forrest fez jus a ela. Serviu-se de uma taça, entornando-a de uma só vez e voltando a enchê-la. Só depois de ter bebido a segunda taça é que serviu Rebecca, e em seguida a si mesmo de novo.

– Céus, Woody – comentou ao vê-lo beber com tanta sofreguidão. – Achei que não gostasse de champanhe.

– Não gosto. – Bebeu a terceira taça. – Mas não estou vendo nenhum barril de chope, você está?

Rebecca fitou de relance os arredores, uma vista deslumbrante e verde, um oásis, se comparado à paisagem árida do restante do oeste do Texas. Sobretudo aquela noite, com as luzes e tantas flores frescas espalhadas por todo lado.

– Não, mas posso ir até a casa. Lá deve haver um ou dois engradados de cerveja no refrigerador. Sterling sempre tem.

– Como você sabe o que Sterling tem na geladeira? O que houve entre vocês dois durante esses anos todos?

Rebecca o encarou, estranhando sua reação.

– Sterling é um de meus melhores amigos – retrucou, na defensiva. Ao encarar Forrest, quis saber: – Você está bêbado?

– Não, não estou. – Desviando-se, deu um passo para trás, mas a combinação da champanhe e das emoções o traíram, e ele quase caiu, precisando se apoiar em Rebecca.

– Talvez seja melhor sentar-se um pouco, Woody – sugeriu ela, guiando-o até um banco mais afastado, debaixo da copa de uma árvore.

– Você vai ficar comigo, não vai, Becky? – Rebecca riu do jeito desamparado dele.

– Vou me sentar com você, Woody. Claro.

Ela o ajudou a recostar a cabeça, viu-o fechar os olhos; gemendo baixinho. Por um segundo, chegou a achar que Forrest desmaiara. Entretanto, viu que se enganara quando ele alisou o lugar a seu lado, e pediu:

– Sente-se. Você prometeu.

Sorrindo, Rebecca se acomodou, colocou seu copo de lado e ficou observando Forrest, em silêncio.

A lua estava linda, o gramado sob seus pés, macio como um tapete natural. Não pôde deixar de admirar seus sapatos novos; os saltos altos e elegantes.

Em seguida, sua atenção se voltou para Forrest. Uma mecha negra caía em desalinho sobre a testa larga, que Rebecca rearrumou com carinho, mantendo a respiração suspensa para não incomodar seu repouso.

Preferia Forrest em roupas de trabalho, mas, observando-o ali, de smoking preto, a camisa branca e impecável, o colarinho engomado sob a gravata de seda, percebeu nele uma elegância única.

Parecia talhado para usar trajes de gala. Os ombros largos, o torso musculoso tornavam ainda melhor o caimento do tecido. Baixou os olhos para a calça e, suspirando de desejo, viu-se em completa enlevação.

O peso da mão de Forrest sobre seus cabelos a despertou de seus devaneios.

– Essa sua cabeleira é tão bonita... – ouviu-o murmurar.

– Obrigada.

– E possui os olhos mais lindos do mundo. Tão verdes! – Segurando o queixo de Rebecca, fitou-a bem de perto. – Nunca tinha notado como são lindos.

Envergonhada, Rebecca se soltou.

– Papai costumava dizer que eu tinha olhos de gato.

Forrest tornou a segurar seu rosto.

– Sim, são tão maravilhosos quanto os de um gato. – E, cada vez mais rouco, prosseguiu: – Sua elegância ao caminhar e sua sensualidade podem ser chamadas de. felinas, também.

Forrest acariciava-lhe a face com o polegar.

– Esmeraldas!

– O quê, Woody?

– A tonalidade me faz pensar na mais rara e preciosa esmeralda. Comprarei uma para combinar com você.

Um arrepio percorreu a espinha de Rebecca ao ouvir a voz sedutora, o perfume da loção após a barba e o hálito doce de Forrest a envolverem. A mão dele deslizou para sua nuca, puxando-a para mais perto dele.

– Sonhei com você esta manhã, Becky. Estava certa quanto a gostar de sexo. Sei que gosta.

Rebecca cerrou as pálpebras. Nunca fora tocada por Forrest daquela maneira, e ele jamais falara daquele modo antes. Qualquer outro homem que lhe dissesse algo parecido teria recebido a resposta merecida, mas Forrest não era qualquer homem.

Um arrepio mais violento a percorreu inteira e a fez imaginar como poderia ter sido o sonho.

– E posso garantir que é tão boa quanto é dançando – acrescentou ele ao roçar seu nariz no rosto de Rebecca.

Arrepiada, inclinou a cabeça para trás, deixando os lábios de Forrest continuarem a deslizar por seu rosto, seguindo pelo queixo até a curva suave do pescoço. As mãos, que seguiam os lábios de Forrest no passeio, desapareceram nesse ponto para só reaparecerem nos seios de Rebecca.

Ela resfolegou ao sentir seu toque.

– Tão macios... – Forrest espalmou sobre eles. – E todos estes anos você os escondeu atrás de camisas masculinas, e eu não percebi.

Olhando para Rebecca em êxtase, prosseguiu:

– Devo ser cego. Uma coisa tão óbvia e eu demorei tanto para notar...

Um casal passou por eles, interrompendo o idílio, e Forrest se levantou rápido, puxando-a consigo.

– Woody... – choramingou Rebecca. – A festa...

– Tem gente demais aqui.

– Não podemos ir embora sem nos despedirmos, é falta de educação.

– Não iremos embora, só vamos até o estábulo. – E Forrest passou a conduzi-la pelo gramado.

– Woody, espere! Meus sapatos!

Rebecca parou para arrumar o fecho e foi surpreendida por Forrest.

– O que está fazendo?!

– Carregando você no colo.

Rebecca ainda tentou reclamar do sapato esquecido em meio ao gramado, mas foi interrompida pela visão do perfil másculo de Forrest sob o luar, os maxilares cerrados de determinação e o brilho das pupilas.

Ao entrarem na cocheira, Rebecca não pôde ver nada a não ser escuridão.

Um cavalo relinchou ao passarem pela baia, mas além disso só a respiração ofegante de Forrest e seus passos quebravam o silêncio.

De repente, ele estacou no meio do corredor, e a visão de Rebecca se acostumando com o escuro, divisou-lhe o semblante, sem saber como agir ou o que dizer.

Depois de todos os anos de relacionamento, aquele momento parecia tão difícil de ser definido ou dito que Rebecca se adiantou, selando os lábios de Forrest com seu indicador.

O bafejar morno em sua mão e a sensação estranha de que a raiva dera lugar a outra emoção acompanharam Rebecca quando Forrest a colocou no solo, e a encarou, sério:

– Você não vai se casar.

– Não vou?

– Não. E farei com que resolva mudar de idéia aqui e agora.

– Como?

Respirando fundo, Forrest tomou as mãos de Rebecca, e ela sentiu a tensão física e emocional vibrando dele.

– Assim.

Devagar, ele foi subindo pelos braços e ombros nus, o toque elétrico acompanhando os movimentos, até descer pelas costas e, segurando-a pelo quadril puxá-la para si, num encontro de corpos e desejos.

Maine não a prevenira quanto àquilo. Se era àquela luta que ela estava se referindo, não havia dúvida de que deixaria Forrest vencer.

O calor que a consumia por dentro tingiu de vermelho suas faces. Rebecca mal podia respirar quando os lábios de Forrest roçaram os seus, de leve, primeiro, com cuidado e delicadeza ingênua. Em seguida, porém, um outro beijo, de verdade, se sucedeu.

A língua percorrendo cada milímetro da boca de Rebecca, se infiltrando dentro dela, como um explorador à procura de tesouros. À medida que a carícia de Forrest se tornava mais ardente, os seios intumescidos de volúpia ansiavam pelos afagos dele.

Procurando aliviar seu sofrimento, Rebecca enlaçou-o pelo pescoço, pressionando-se contra ele. Entretanto, as nervuras e botões da camisa de Forrest só tornaram maior o suplício.

Gemendo de frustração e desconforto, Rebecca tentou afastá-lo, espalmando sobre seu peito.

Em meio ao delírio sensual em que se encontrava, Forrest levou alguns instantes até se dar conta de que estava sendo rejeitado. Sem entender a mudança, segurou-se pela cintura e encarou-a, confuso.

– O que foi, Becky?

– Sua camisa. – Ela cobriu o seio semidesnudo. – Está me machucando.

– Posso dar um jeito nisso. – Agindo rápido, Forrest tirou o paletó e a camisa em segundos. – Melhor agora?

Com o olhar fixo no feixe de músculos do torso dele, Rebecca se deliciou ao deslizar a mão sobre a pele bronzeada, acariciando-o.

– Muito, muito melhor...

Enlaçando-a junto dele, Forrest deixou que a música, que os alcançava, guiasse o balanço lânguido do amor. Quase inaudíveis, os acordes da orquestra se confundiam com o ritmo dos corações acelerados!

Perfeita, foi o que concluiu Forrest ao ter Rebecca em seus braços. Como não percebera isso antes?

Movendo-se com vagar, colocou seu joelho entre as coxas dela, pressionando sua virilha contra o ventre de Rebecca, simulando a posição da polca dançada um pouco antes. Então, olhou-a com profundidade, à procura de qualquer sinal de relutância ou hesitação por parte dela.

Mas só o que encontrou foi uma paixão tão ou mais ardente que a dele.

“Ela jamais olharia para mim desse modo se amasse outro homem. Noivo ou não, ela não o ama.” Liberto dessa dúvida, Forrest cerrou as pálpebras e deu-lhe um beijo tórrido. Emoldurando o rosto de Rebecca como se fosse um camafeu precioso, mergulhou mais e mais naqueles lábios, numa espécie de fúria apaixonada.

Entretanto, beijá-la não era o bastante. Forrest queria vê-la, tocá-la... inteira.

Procurando o fecho na nuca de Rebecca, Forrest tateava, temendo estragar o belo vestido. Já ia desistir quando, por magia, ele se abriu. Sem nada que o mantivesse no lugar, a seda deslizou, escorregando pelas espáduas de Rebecca.

Sem fôlego, Forrest mal pôde crer no espetáculo que se descortinava: como uma cascata negra, o traje desceu pelos braços, cedendo e revelando a beleza deslumbrante que estava oculta debaixo dele.

O olhar faminto de Forrest acompanhou cada milímetro, e, quando os seios nus surgiram, eram a perfeição com que sonhara.

Magníficos, redondos, alvos e com auréolas rosa-escuro no centro. Voluptuosos, sedosos...

Foi então que os mamilos se transformaram, desabrochando de desejo, trêmulos e rígidos, implorando para serem tocados.

Como em seu sonho, Forrest levantou a mão e a colocou sobre um deles, moldando-o. Ao mesmo tempo, fitou Rebecca.

– Quero provar seu gosto, querida.

Sem esperar pela permissão dela, Forrest afundou a cabeça sobre o seio de Rebecca, tocando com sua língua a ponta rosada e túrgida do mamilo.

Ouviu-a choramingar. Nos lábios, pôde senti-la vibrando. Essa reação o fez prosseguir, sua boca se abriu e tomou posse dele todo. Segurando nos ombros de Forrest, Rebecca arqueou-se para trás, permitindo e incentivando-o a ir em frente.

Alucinado, num frenesi erótico, Forrest ia de um seio para outro, mordiscando, beijando, sugando-os, até que Rebecca, em delírio, repetisse seu nome entre sussurros.

Devagar, ele recuou. Olhou para ela, acariciando com os polegares os mamilos proeminentes e molhados e disse, rouco de luxúria:

– Quero fazer amor com você.

– Eu... eu sei. Também quero, Woody.

Num relance, Forrest vasculhou em torno em busca de um lugar que oferecesse um mínimo de privacidade e conforto, desejando ter algo melhor para oferecer para a primeira vez dela.

Levando Rebecca pela mão, encontrou aberta a sala de ferrar. Puxou-a para dentro, louco de desejo e lascívia, e encostou-a contra a parede, atirando-se num torvelinho de beijos.

O prazer de tê-la ao alcance de seu toque, o consumia em fogo. Precisava senti-la, tocar cada curva e reentrância.

E foi o que fez. Cego a tudo que não fosse Rebecca, livrou-a de vez do vestido, despindo-a da cintura para baixo. Nada, a não ser uma minúscula tira de renda, o separava dela.

Com a respiração entrecortada, Forrest esperou que Rebecca ainda o impedisse de tirar sua calcinha, mas ela não esboçou reação alguma quando a lingerie cedeu, desnudando-a.

– Ah, Becky, Becky... Prometo que não vou machucá-la. Nunca, nunca vou machucar você.

Beijando seus olhos, lábios e faces, Forrest demonstrava ternura, repetindo baixinho seu nome uma dezena de vezes, tentando convencê-la de seu carinho.

– Woody... – Rebecca soluçou, retraindo-se quando sentiu o dedo de Forrest tocando-a com intimidade. – Oh, Woody!

– Calma, está tudo bem – tranqüilizou-a, movendo-se. Segurando-a pelos quadris, ele a suspendeu. – Apoie-se em meus ombros e enlace as pernas em volta de minha cintura.

Quando Rebecca fez o que ele dissera, Forrest apoiou-a contra a parede, e, usando a mão livre, abriu o zíper da calça.

Usando os dois braços outra vez, ele a segurou firme, erguendo-a.

– Vai doer um pouco, Becky, mas só no começo...

O desejo e a incerteza estavam mesclados nos olhos de Rebecca, junto com a confiança depositada nele.

Devagar, Forrest se guiou para ela, sentindo sua tensão quando seus sexos se encontraram pela primeira vez. Ouviu um gemido gutural, saído de sua própria boca. O. suor empapava sua testa, pela luta que travava para não ceder ao impulso de tomar Rebecca de um impulso só.

Com cuidado, suspendeu-a antes de tentar de novo, bem devagar. Sentiu a pressão dos dedos dela em sua nuca, e já ia recuar quando foi impedido.

Agora era Rebecca quem estava se movendo. Dançando, ela lhe falara. Era isso, fazer amor era como uma dança. A mais suave e linda possível.

Embalados num mesmo ritmo, Rebecca bailava sobre ele, indo cada vez mais e mais fundo até que seu corpo estava inclinado sobre o dele, os seios dela roçando o tórax forte, ventre e abdome colados, atiçando o fogo de Forrest.

Incapaz de se conter por mais tempo, enfim Forrest a penetrou com toda a intensidade de sua luxúria, e de novo, de novo e mais uma vez até ouvir Rebecca gritando.

Nunca ouvira um som tão belo. Cada arranhão, cada arrepio, cada tremor dela era sentido por Forrest como se viesse dele.

De repente, Forrest a apertou entre os braços e começou a girar, uma volta lenta, depois outra e outra, até rodopiar com Rebecca.

– Woody, que é isso? O que está fazendo?!

– Dançando, querida, dançando... – E, rindo, completou: – Você tinha razão, fazer amor é como dançar!

 

Forrest pegou sua camisa e, dando de ombros, falou:

– Podemos nos casar em seu aniversário, se você quiser. Fazer isso logo depois que terminar seu noivado pode trazer algum falatório, mas nada que não se possa dar um jeito. Se preferir, irei vou junto para dizer a seu noivo que não mais se casará com ele.

Quando viu o ar atônito com que Rebecca o fitava, Forrest interrompeu seu discurso.

– O que foi?

– Não foi nada...

– Não parece nada, para mim. Você não está arrependida, está?

Rebecca meneou a cabeça, em negativa.

– Não. É só que...

– Forrest? Você está aí? – Ao som da voz de Greg Hunt, ambos se sobressaltaram, cheios de culpa.

Afastando Rebecca para trás, Forrest se interpôs entre ela e Greg.

– Estou aqui, rapaz.

– Nossa! Procurei você por toda parte. O que veio fazer aqui, e nesta escuridão? Por que não acendeu as luzes, pelo menos?

– Não quis perturbar os animais.

Greg chegou mais perto e viu a silhueta de Rebecca. Estendendo a mão para ela, sorriu.

– Meus cumprimentos.

Rebecca, confusa, não sabia como agir.

– Pelo quê?

– Acabei de ouvir Sterling contando que está noiva. Será que é efeito da água daqui? Todo o mundo parece que está se casando... – Deu um soquinho no ombro de Forrest. – Só falta você, companheiro.

Greg sorriu mais uma vez e, virando-se para Forrest, mudou o tom de voz:

– Hank está nos esperando no escritório de Sterling. E é melhor que venha logo. Ele disse que é importante o que tem a dizer.

Forrest voltou-se para Rebecca, observando as lágrimas que corriam em suas faces.

– Não faça isso – pediu ele, sentindo-se péssimo ao ouvir a menção ao compromisso dela.

– Woody, preciso lhe dizer uma coisa.

Pela entonação de Rebecca, Forrest suspeitou que a culpa a estivesse torturando.

– Ei, Forrest, você não vem?!

Forrest olhou para a porta onde Greg o aguardava, impaciente, e berrou:

– Estou indo.

Dobrando seu joelho diante dela, segurou suas mãos.

– Espere por mim, Becky. Isto não deve demorar. Conversamos assim que eu voltar, prometo. Vamos dar um jeito e tudo dará certo. Confie em mim.

 

– Acabei de receber a notícia de que nosso amigo estrangeiro acabou de embarcar num jato com destino aos Estados Unidos.

De pé, com o ombro apoiado na parede almofadada de seu escritório, onde os membros da Equipe Alpha estavam reunidos, Sterling se aprumou, os olhos aguçados de curiosidade.

– Sozinho?

Hank apontou para o fax sobre a mesa.

– Isso é o que vamos descobrir.

– Deixe-o vir. – Greg fez uma careta. – Eu adoraria dar uma ou duas voltas com esse miserável.

Recostando-se no espaldar da poltrona de couro, Hank ponderou, enquanto tamborilava no tampo da escrivaninha:

– Talvez você tenha essa oportunidade.

Girando a poltrona, pegou o fax, com ar pensativo, para em seguida guardá-lo no bolso de seu paletó. Passeou o olhar entre todos os homens presentes, e disse:

– Mas nossa primeira preocupação é com Blake e as crianças.

Forrest passou as mãos nos cabelos, tentando desembaraçar os fios e as idéias, preocupado com o mal-estar de Rebecca com relação a ele.

Queria estar com ela, para afastar seus temores, e aliviando a sensação de culpa que parecia consumi-la, mas sua presença ali era imprescindível. Vidas estavam em jogo, e cabia a ele responder por elas.

Blake, os sobrinhos de Annie Grace... Com o príncipe Ivan no encalço deles, Forrest sabia que estavam correndo sérios riscos.

Annie Grace já tinha perdido a irmã, e cabia à Equipe Alpha impedir que viesse a prantear seus sobrinhos também.

– Tem notícias de Blake, Hank?

– Recentes, não.

Greg começou a andar de um lado para outro.

– Acha que Ivan os encontrou?

– Não creio, Greg. Seu irmão é esperto, sabe como viajar incógnito.

Forrest demonstrou impaciência.

– Uma coisa é viajar só; outra, bem diferente, é estar com dois bebês na bagagem.

Com as pupilas soltando chispas e as faces rubras de fúria, Greg replicou:

– Se alguém pode fazer isso, esse alguém é Blake!

Forrest ergueu os braços, num gesto apaziguador.

– Ei, estamos do mesmo lado, lembra-se?

Hank se levantou.

– Não podemos perder a calma agora, amigos. Estamos muito perto de terminar com tudo.

– Bem, o que devemos fazer? – Greg parecia frustrado.

– Ficar aqui sentados, esperando? É isso o que sugere?

– Exatamente. Mas com os olhos e ouvidos bem abertos para qualquer sinal de perigo. – E encarando um a um todos os rostos, prosseguiu: – Algo me diz que o príncipe Ivan não vai perder tempo procurando Blake mundo afora. É Annie Grace, ou melhor, Anna von Oberland quem ele quer, e ela está aqui, em Royal.

 

Forrest caminhou pelo gramado, procurando entre os convidados remanescentes por alguém de cabelos cor de fogo, cujo vestido tinha a coloração da noite no Texas.

Fez o mesmo caminho até o estábulo, foi e voltou várias vezes até que algo chamou-lhe a atenção entre as sombras. Chegou mais perto e viu que era o pé de sapato de Rebecca, que fora abandonado em seu ímpeto de fazer amor:

Era tão delicado que coube, com facilidade, no bolso de seu paletó. Seguiu com a busca mais algum tempo até se convencer de que ela se fora.

Para não entrar em pânico, Forrest repetia para si mesmo que já era tarde, e o que prometera ser uma reunião de minutos se alongara mais que o esperado. Decerto, Rebecca se cansara de esperar por ele e fora para casa.

Tarde ou não, pouco lhe importava, pensou Forrest, esperando pelo seu carro. Iria naquele instante ao Rancho Rústico pôr um fim àquela confusão.

Não iria permitir que nenhum senso de dever ou responsabilidade fizesse Rebecca se casar com alguém que ela não amava.

Aliás, ela ia se casar com ele!

 

Rebecca desceu da caminhonete. Na mão, além da bolsinha de brocado, o sapato e as chaves. No coração, um peso terrível.

As lágrimas mais uma vez turvaram-lhe a visão. Apoiando-se na porta do carro, deixou o pranto correr, silencioso. Os olhos molhados miravam o céu cheio de estrelas, e Rebecca se perguntava: “Como foi que me meti em tamanha embrulhada?”.

Quando Maine lhe falara sobre o plano, parecera-lhe uma coisa tão inocente... Fazer com que Forrest sentisse ciúme, nada mais. Provocá-lo um pouco, e manter a farsa até que ele percebesse que a amava. Só isso, dissera Maine.

Enxugando o rosto, Rebecca disse para si mesma que não podia culpar Maine pela confusão que ela mesma criara. Ou a mãe de Forrest, pela produção do traje para a festa. Não, a mentirosa ali era ela, e mais ninguém.

Agora estava ali, apavorada, pensando que Forrest talvez não a perdoasse pelo que fizera, como uma Cinderela pós-moderna, triste e só, andando descalça pelo chão do Rancho Rústico.

Dando uma olhada para si mesma, a saia cintilante, os pés descalços, não conseguiu conter o riso. Precisaria de meses de trabalho para conseguir juntar o que custara aquela roupa, e, sem dúvida, sua picape mais parecia uma abóbora que uma carruagem.

O sapato em sua mão podia não ser de cristal, mas, para quem só calçava botas de couro, era um luxo ter algo tão caro e belo para usar. Pelica e veludo negro, saltos altos e elegantes faziam-na sentir ainda mais a perda do outro pé.

Com um suspiro de resignação, calçou-o e, mancando, tomou a direção da residência. À porta da cozinha, um último olhar para a lua.

Uma estrela cadente riscou o firmamento, e Rebecca cerrou as pálpebras com força, suplicando para que Forrest a perdoasse.

Sem se voltar, girou a maçaneta e entrou.

– Olá, Becky.

Ela gelou, arregalando os olhos.

– Shorty? – Procurava enxergar entre as sombras da noite. – Não sabia que estava aqui.

Deparou com a figura do pai.

– Onde está seu caminhão?

– Vendi.

Com uma expressão desconfiada, Rebecca o encarou.

– Vendeu ou perdeu, Shorty?

– Dá na mesma – respondeu seu pai, mordiscando um palito.

– Não. Se você vende, lhe dão algo em troca. Quando perde numa aposta, não lhe sobra nada.

– Não precisa gritar! Eu ouço muito bem.

– Vou fazer mais que gritar se souber que jogou algo além do caminhão, Shorty.

O jeito como ele reagiu a isso, agitando nervosamente o palito de um lado para outro da boca, deixou Rebecca em estado de alerta.

– O que andou fazendo, pai?

Shorty fixou o olhar na ponta mascada de madeira, agora em sua mão, e disse:

– A coisa certa. O melhor negócio de minha vida. E, se não tivesse certeza de que daria certo, jamais teria entrado nesse acordo.

– Acordo? Que acordo? Que negócio Shorty?! – perguntou Rebecca, à beira do desespero.

– Um cavalo. – Tornou a morder o palito. – Boa conformação. Boa linhagem. Venceu muito na pista.

– Você o comprou?

– Não, era muito caro para mim. Apenas comprei uma participação nele.

– Quanto?

– A fazenda.

Shorty atirou o palito longe, entrando na cozinha. Rebecca, pálida como um cadáver, tremia dos pés à cabeça.

– Você trocou nosso rancho por uma parte num cavalo?!

– Não devia ser desse jeito. A fazenda estava como garantia até o dinheiro começar a entrar. – Abriu a geladeira, sem fitar Rebecca. – Nós teríamos o dinheiro de volta rápido, as apostas eram altas. Tudo estaria bem em um mês ou dois, no máximo. Tudo foi planejado, exceto...

– Prossiga.

– Exceto que a droga do cavalo só chegasse nos últimos lugares. – Abriu uma lata de cerveja.

O aposento pareceu encolher, as paredes se fechando em torno deles, até que Rebecca se sentiu sufocar. Ela se curvou para a frente; agarrando a própria cintura com os braços, como se temesse que seu interior se estilhaçasse se não o fizesse.

Sua fazenda, seu lar, se fora. Trocado por uma parte de um cavalo.

A mão de Shorty tocou seu ombro, o toque fraco de um homem fraco.

– Vai ficar tudo bem, Becky. Pensaremos em algo. Nós sempre damos um jeito.

– Nós?! – bradou, inconformada. – Nós quem? Sou a única que trabalha, e tenho suado durante anos para manter este lugar em pé, enquanto você... – Ergueu um dedo em riste –... joga cada centavo que consigo juntar em seus negócios escusos!

Shorty tentou se aproximar da filha, mas foi rechaçado. – Afaste-se de mim! Não ouse me tocar! – exigiu, transtornada. Em seguida, Rebecca bateu a porta, correndo para longe.

 

Forrest chegou ao Rancho Rústico pouco depois e o encontrou imerso em total quietude. Apesar de tentado a surpreender Rebecca em sua cama e passar a noite ali, se conteve. Ela podia estar adormecida, e não fazia sentido despertá-la.

Deu meia-volta e foi para casa, não sem antes olhar por um longo tempo para as janelas fechadas.

– O alfaiate está aqui.

Forrest desviou a atenção da tela do computador para ouvir o que a arrumadeira dizia.

– Não marquei nada com o alfaiate.

– Mas sua mãe, sim.

Afundando na poltrona, Forrest suspirou.

– Droga, Marie! Por que não avisou antes, para eu poder cancelar?

Ela deu de ombros, fazendo o possível para não cair na risada.

– Eu não sabia, também. Fui abrir a porta e dei com o homem lá.

Ansioso por reencontrar Rebecca, Forrest achou por bem resolver logo o assunto. Tinham um encontro ao meio-dia, e ele não queria se atrasar um minuto sequer.

– Onde ele está?

– Em seu quarto. Veio uma infinidade de tecidos com ele.

Às vezes Forrest tinha a impressão de que Marie se regozijava em ver suas escaramuças com Kathleen.

– Vai dispensá-lo, Forrest?

– Não, Marie. Isso só faria minha mãe remarcar essa visita. Melhor resolver tudo logo.

Antes de atravessar a porta dupla para os aposentos, Forrest tomou fôlego para mais essa prova de paciência.

Esperando por ele, de braços abertos, estava Chiang Liang, seu alfaiate, com uma centena de peças espalhadas sobre o aposento.

– Sr. Cunningham, que prazer tornar a vê-lo!

– Seja rápido sr. Liang, estou atrasado.

– Sempre com pressa... Isso não faz bem à saúde.

– Minha saúde está ótima. E só tire as medidas, não há nada para escolher, visto que só uso camisas sociais brancas.

O chinês fez um sinal de lástima com as mãos; desanimado.

– Como posso deixá-lo elegante, se o senhor só escolhe esse tipo de roupa?

A campainha tocou, e Forrest, por cima do ombro, fez sinal para Marie ir atender.

– Por favor, Marie, se for outro enviado de mamãe, cancele.

As mãos ligeiras do chinês se moviam em todas as direções do corpo de Forrest, meticulosas em seu oficio.

Marie voltou, sorrindo.

– Becky está aqui, Forrest. Devo mandá-la entrar?

Pelo espelho, Forrest viu quando Rebecca apareceu à soleira, e se voltou para encontrá-la.

Os olhos vermelhos e inchados o alarmaram.

– Becky? O que aconteceu?

– Vim entregar meu pedido de demissão. – Tirando um envelope do bolso traseiro da calça, deu-o para Forrest.

– Do que está falando?!

– Não poderei mais trabalhar na Novilho de Ouro. Estou partindo.

O estômago de Forrest revirou.

– Partir? Mas e a noite passada?

– Foi um erro – interrompeu-o, antes que ele terminasse a frase. – Sinto muito, Woody. Escute, tenho de ir. Há muito para empacotar.

– Droga, Becky, espere! Você não sairá daqui sem me dizer o que houve.

– Já falei: vou embora.

– Mas nós vamos nos casar. Ontem você me disse...

– Não, Woody. Você disse.

– Então, vai se casar com o tal John Smythe, ou seja lá qual for o nome dele?!

– Sim. – Ergueu o queixo, resoluta. – Vou me casar com ele.

Forrest não se conformava. Passando a mão nos cabelos revoltos, se desesperava. Pegou-a pelo braço e a levou para longe de Chiang e Marie.

Não podia ser verdade, não era possível. Rebecca fizera amor com ele, na véspera, Com ele. Não com qualquer noivo. E Rebecca não era o tipo de mulher que fazia amor com um homem se seu coração pertence a outro.

Com a respiração entrecortada, precisou se controlar para conseguir falar com Rebecca.

– Você não ama esse homem. Sei que não, ou jamais teria me amado.

As lágrimas escorriam pelas faces dela, mas Rebecca manteve a cabeça erguida, refreando o pranto.

– Pense o que quiser, Woody. O fato é que estou partindo. – E sem, olhar para trás, bateu a porta da sala e se foi.

Atônito, Forrest ficou ali, parado, olhando para a o piso, sem ação. Rebecca não podia se casar com aquele sujeito. Ele não permitiria que fizesse isso.

Sentindo uma tristeza imensa, Forrest jurou que não deixaria Rebecca partir. Ele a amava demais para consentir nisso.

 

Rebecca deu meia-volta e pegou a estrada numa manobra arriscada.

O pranto ensopava-lhe a camisa, e, para enxergar através delas, o esforço era triplo. Mas nada importava.

Era melhor assim, repetiu para si mesma. Se Forrest pensasse que estava deixando o Rancho Rústico para se casar, não desconfiaria da real causa.

E ela não podia dizer a verdade para Forrest e sua família. Não daquela vez. Durante toda uma vida de convivência e afeto, não conseguiria encará-los depois disso.

O vexame, a vergonha de ter um pai como Shorty, e pior, ter de esmolar de novo. Isso seria como abrir mão de seus valores, dos princípios que sempre a nortearam.

Sofrera anos de privação, invernos rigorosos se alimentando de feijão e batatas, um trabalho árduo de sol a sol, tudo para manter a dignidade.

As roupas remendadas, as botas velhas... Quanto sacrifício para manter a cabeça erguida ao encarar o espelho, bem como Forrest e os pais dele.

Jamais conseguiria olhar Forrest nos olhos se ele soubesse da situação em que se encontrava. A fortuna dos Cunningham seria um fardo insuportável se eles soubessem que nem um teto lhe restara.

O que tinha para oferecer? Nada. Nada!

Essa humilhação era demais para Rebecca. E insuportável a idéia de Forrest se casar com uma mulher que precisaria da caridade alheia para ter uma cama para dormir.

Rebecca não podia mais dirigir, tamanha a crise nervosa que a tomou de assalto. Parando no acostamento, se debruçou sobre o volante, soluçando.

– Deus meu! O que vai ser de mim agora?!

 

Forrest assobiou para Rowdy cercar o novilho que liderava o rebanho, e ajudá-lo a levar o gado porteira adentro, no Rancho Rústico.

A primeira idéia de Forrest fora a de chamar seus vaqueiros para trazer os animais até a pequena reserva de pasto que Rebecca arrendara para ele, fazia cerca de um ano.

Mas, depois da conversa daquela manhã, resolvera vir sozinho. Não que precisasse de uma desculpa para visitá-la, repetia de si para consigo, tentando se convencer.

Porém, estava resolvido a ter uma nova conversa, e quisesse ou não, Rebecca iria que ouvi-lo.

Ela não se casaria. Contudo, se isso viesse a acontecer, não seria com nenhum John Smythe, mas sim com ele, Forrest Cunningham.

Ansioso por terminar logo o serviço e encontrar Rebecca, Forrest mal olhou para o carro parado a alguns metros. Entretanto, ao chegar mais perto chamou, constatou que era um veículo alugado, e isso aguçou sua curiosidade.

Com a pulsação acelerada, assistiu a um homem de óculos e pasta descer do automóvel e ser seguido por Rebecca até a varanda. Algo que foi dito por ele a fez rir. Logo depois, viu-a servindo chá gelado com uma intimidade de velhos conhecidos, ou coisa pior.

O tropel do gado anunciou a presença de Forrest, pois Rebecca se virou na direção de onde ele vinha. Por pouco, Forrest não cedeu à tentação de galopar até lá e arrebentar o nariz do rapaz.

Mas sessenta cabeças de gado dependiam só dele e de Rowdy, portanto, não restou-lhe opção, a não ser acelerar o rebanho.

Prometeu a si mesmo que não ia deixar por menos. Voltaria para resolver aquela pendência assim que o último novilho passasse pela porteira. E, quando isso acontecesse, veriam quem é que riria por último.

 

Alfred, era esse o nome do desconhecido, e, como era a primeira visita dele ao Texas, e estava só de passagem, Rebecca não corria o risco de ter sua história desmentida.

Alfred enchera Rebecca de perguntas sobre Royal e seus habitantes, o que sem dúvida parecera bem esquisito para um homem que dizia apenas interessado na topografia texana.

Deixando de lado tais conjecturas, Rebecca entrou no estábulo, para as tarefas que a esperavam.

 

Ivan Strisksky olhou pelo espelho retrovisor a tempo de ver entrar na cocheira a jovem para quem dera carona.

Por um instante, passou por sua cabeça dar meia-volta e se divertir um pouco com ela. Apesar de seu jeito deselegante estar longe de merecer sua real atenção, era inegável que Rebecca tinha um certo charme. Em especial os seios, ponderou, com um sorriso malicioso nos lábios.

O sorriso transformou-se num esgar, e Ivan se concentrou na estrada a sua frente. Mas tinha outros assuntos mais sérios para se preocupar.

Anna von Oberland... A princesa conseguira escapar, mas não por muito tempo.

Ele a encontraria. E quando isso ocorresse...

 

Rebecca viu o carro desaparecer numa nuvem de poeira. Um calafrio a fez tremer inteira, e suas mãos suavam frio. O homem era assustador. Ela não conseguia discernir direito o que a apavorava tanto nele. Os olhos, talvez.

O olhar dele tinha uma coisa qualquer de predador, como se estivesse à espreita da presa, ou algo assim.

Tentou desanuviar, indo em direção ao estábulo terminar suas tarefas. Em vez de sentir alívio pela carona que o estranho, muito gentil, lhe oferecera ao ver sua caminhonete quebrada, um temor incontido a dominara.

Chegara até a imaginar que seria vítima de um ataque sexual ou algo assim quando o veículo estacionara a seu lado, na estrada.

Contudo, fora até bom que aquilo acontecesse, pois sem querer tinha conseguido que Forrest concluísse que seu “noivo” tinha vindo buscá-la.

Terminado o serviço, Rebecca retornou ao estábulo para ver a égua prenhe. Com a mão, sentiu a barriga do animal e viu que a hora estava bem próxima. Antes de terminar a semana, o Rancho Rústico teria um novo potro..

Afagando a crina sedosa da égua, murmurou, com carinho:

– Aposto que ficará bem mais contente quando isto terminar, certo? – Com uma escova, Rebecca pôs-se a pentear o pêlo brilhante. – Tudo vai ficar bem, eu prometo.

– Ela entrou trabalho de parto?

Rebecca deu um pulo ao deparar com Forrest parado junto dela, e gaguejando respondeu:

– Não ainda. Mas está perto.

Forrest afagou o pescoço da égua.

– Coloquei alguns novilhos no pasto.

Rebecca se virou de costas.

– Eu vi. Na certa, não terá problemas. Vou avisar os novos proprietários sobre nosso acordo. Tenho certeza de que eles honrarão o compromisso.

– Novos donos?! Você vendeu o Rancho Rústico?

Ela não queria admitir o que acontecera, o que Shorty fizera com a fazenda. Então, resolveu a questão dizendo:

– Eles vão tomar posse em duas semanas, mais ou menos.

– Quem estava com você na varanda? Seu noivo?

– Era ele, sim.

A mentira saiu fácil. Após semanas mentindo, uma a mais não faria tanta diferença.

– Eu o vi indo embora. Aonde foi?

– Joe tem negócios em Peco.

Enfurecido com a indiferença aparente de Rebecca, Forrest chutou uma pedra imaginária, levantando uma nuvem de pó dentro.

– Por que está fazendo isso Rebecca? Sei que você não o ama.

Embora tivesse sido difícil, Rebecca conseguiu manter a expressão impassível.

– Quem falou?

– Eu. – Segurando-a pelos braços, Forrest a encarou, desesperado. – Admita, não o ama.

– Não sei de onde você tirou tal idéia.

– Por que fez amor comigo se amava outro homem?

Rebecca ergueu a cabeça, em desafio, muito altiva.

– Por experiência. Queria que você me ensinasse como agradar um homem. – Com um repelão, Rebecca se soltou. – Agora eu sei.

Foi tão rápido que Rebecca mal teve tempo de piscar, Forrest já desaparecera de sua frente.

Dessa vez, fora definitivo, e a única coisa que ela teve forças para fazer depois disso foi enterrar seu rosto entre as mãos e desabar sobre o feno, soluçando.

 

Se Forrest imaginara que ao voltar da Europa sua situação era enlouquecedora, o que poderia dizer de seu estado mental àquela altura?

Quando Rebecca lhe contara sobre seu noivado, ele não só não acreditara como a insultara, se oferecendo para investigar o tal John Smythe. Mais tarde, já convencido da existência do noivo pelas evidências materiais, como as rosas, os telefonemas, fora pego por ela com as perguntas sobre sexo.

Rebecca queria saber como agradar ao noivo quando fizessem amor pela primeira vez.

Amor... Se era assim que agia uma mulher apaixonada, ele dispensava o casamento.

Podia passar a vida sozinho, sem esposa ou filhos que perpetuassem o nome dos Cunningham, mas não podia dividir a mesma cama com uma mulher sem princípios, sem lealdade para com os votos matrimoniais.

Contudo, por mais que quisesse se convencer de que Rebecca era uma moça desse tipo, não conseguia. Os muitos anos de convívio e amizade entre eles atestavam o oposto. Nunca pudera sequer questionar seu caráter, muito pelo contrário.

Certa ocasião, Rebecca Lee Sullivan encontrara uma cédula de vinte dólares na rua e, em vez de se apropriar do dinheiro, não sossegou até devolvê-lo ao dono.

E só Deus sabia o quanto aquela quantia poderia tê-la ajudado...

Quanto mais pensava no assunto, mais carregado o cenho de Forrest ficava. Os anos de trabalho árduo na Novilho de Ouro, as madrugadas de inverno que percorrera a cavalo por alguns dólares apenas, quando poderia viver à larga se aceitasse a ajuda dos Cunningham...

Afinal, se dependesse de Kathleen, Rebecca jamais teria de levantar um único dedo para viver. Bastava querer e a mãe de Forrest a teria criado como uma filha.

Entretanto, Rebecca se matara de trabalhar, nunca se esquivando das penosas obrigações da fazenda, e ainda por cima tendo de vencer os obstáculos criados pelo próprio pai. Se isso não demonstrava sua lealdade, o que mais o faria?

Porém, Forrest não conseguia entender como pudera vender o Rancho Rústico, a terra que lhe custara tanto suor e sacrifício.

Tinha alguma coisa errada naquilo tudo, decidiu Forrest, balançando a cabeça. A história não estava bem contada; ou melhor, não estava revelada.

Estacionou no acostamento, e, de celular em punho, pôs-se a tirar a limpo sua cisma.

– Sim, isso mesmo. – falou com a telefonista. – John Smythe. Wichita.

Esperou pela resposta, ansioso.

– Tem certeza?! Nada mesmo? – resmungou um agradecimento e desligou em seguida.

Estranho, muito estranho... Nenhum John Smythe em Wichita, Kansas. Isso não provava nada, pensou ao acelerar o veículo. Milhares de pessoas não constam das listas.

Era apenas um detalhe, que se se juntasse aos demais, só faria crescer a desconfiança de Forrest.

Pegando a rua principal, rumou para o clube. Nem bem virara a esquina, quando freou, atraído pelo adesivo de um carros estacionados ao longo da avenida. Era o mesmo automóvel que vira no rancho de Rebecca.

Em menos de um segundo, estacionou a picape no meio-fio e saiu em busca de uma pista do “noivo” de Rebecca.

Olhou em todas as direções, e nada. Subiu e desceu a via duas vezes, e só meio quarteirão abaixo é que avistou o desconhecido.

Apressando o passo, Forrest foi atrás dele.

– Ei! – chamou-o, se aproximando. – Ei, John! Espere um pouco!

Mas o homem nem se virou, e prosseguiu seu caminho. Sem desistir, Forrest foi mais incisivo, e gritando, segurou-o pelo ombro.

– John! Não me ouviu chamar? – interrogou-o Forrest, com rispidez.

O homem se voltou, contrariado, e erguendo o queixo com desprezo ostensivo, encarou Forrest.

– O que disse, senhor? – Tirou a mão de seu ombro, a própria encarnação da arrogância. – Com certeza está me confundindo com outra pessoa.

Dando as costas para Forrest, retomou o passo.

Mas Forrest não se enganara. Aquele era o mesmo que vira na varanda de Rebecca horas antes, e que ela jurara ser seu noivo.

Forrest fez o retorno e seguiu por onde viera, de volta para o Rancho Rústico. Sem tirar o pé do acelerador, em vinte minutos alcançou a entrada.

Parou diante do estábulo, abriu a porta e saltou. Com os pés no chão, tomou fôlego e seguiu em frente.

Rebecca mentira para ele. Estava na hora de acertarem as contas, e isso Forrest iria adorar.

Aprumando-se, suspirou, contou até dez e, mais seguro de si, levou os dedos à boca, soltando um longo assobio ao avançar pela cocheira.

O som agudo interrompeu a tarefa de Rebecca, que se mantinha ocupada separando a ração dos animais. Virando a cabeça, interrogou-o com irritação, enterrando a pá no balde:

– O que veio fazer de novo aqui?!

– Duas coisas, Rebecca Sullivan. Primeiro, vim me desculpar pelo modo como agi.

A surpresa estampada no rosto de Rebecca o levou a uma pausa, e tentando parecer o mais cordato possível, acrescentou:

– Estava certa, Becky. Saber que outro homem, que não eu, vai se casar com você foi demais para meu ego.

Rebecca voltou a encher a pá com a ração, desconcertada.

– Desculpas aceitas. O que mais?

– Bem, estive pensando que, já que seu noivo está na cidade, provavelmente, bem... vocês vão... – insinuou Forrest, com malícia velada.

O olhar horrorizado de Rebecca por pouco não o faz cair na gargalhada, mas contendo o riso prosseguiu com a farsa.

Por sua vez, Rebecca, embaraçada, abaixou a cabeça, pegou o balde e murmurou:

– É muito provável, sim.

Com toda a calma, Forrest tomou o balde das mãos dela, colocando-o de lado.

– Sabemos que você não quer fazer papel de boba quando isso acontecer. – Sorrindo, tomou-lhe as mãos e forçou-a a se apoiar em seus ombros. – Para mostrar que não guardo ressentimentos, estou aqui para esclarecer mais alguns pontos.

– Acho... que já está tudo bem claro, obrigada. – Tentou soltar-se dele.

No entanto, Forrest não só a mantinha segura, mas também se aproximava pouco a pouco, de forma a impedi-la de se mover. Sem se saber como, Rebecca acabou presa entre a parede e os poderosos músculos do tórax de Forrest.

– Oh, acho que não... Ainda há uma ou duas coisas que precisa aprender. – Forrest se deliciou ao perceber o pulso acelerado sob suas mãos. – Como beijar, por exemplo. – E inclinou-se sobre ela.

Passando a língua pelo contorno dos lábios de Rebecca, beijou-os de leve...

– Não nego que é receptiva, Becky, mas talvez precise ser um pouco mais... agressiva. Os homens gostam de sentir um certo interesse ativo no que estão fazendo.

E, pressionando a boca de Rebecca mais uma vez, murmurou: – Use sua língua, me provoque.

Rebecca, ao contrário, cerrou os lábios com força, ao mesmo tempo que procurava empurrar Forrest, que sorria.

– Vamos lá, Becky! Deixe-me ensinar-lhe o que sei.

Contra seu peito, Forrest podia sentir a dureza dos mamilos de Rebecca, e o tremor das pernas ao roçarem suas coxas lhe deu a certeza de que conseguira excitá-la. Resolveu aumentar a pressão entre eles, grudando seu abdome contra o ventre dela, e roçando os lábios da face até a nuca.

Arrepiada, trêmula, mas mesmo assim ainda resistindo, Rebecca empurrou-o mais uma vez.

– Woody, não!

– Não o quê? – perguntou, cínico, sem parar de beijá-la.

– Não faça isso comigo.

– Não estou fazendo nada com você. Aliás, estou tentando fazê-la reagir.

Dito isso, a boca de Forrest desceu sobre um dos seios de Rebecca, mordiscando-o de leve.

A reação dela foi involuntária. Gemendo, cravou as unhas na carne de Forrest. Não resistiu muito mais, e capitulou.

– Gosta disso? – sussurrou ele, tornando a mordiscá-la. – Conte o que sente, o que provoco em você.

Com a respiração entrecortada pelos suspiros, Rebecca fechou os olhos, encostando a cabeça contra a parede.

Forrest soltou uma das mãos de Rebecca e colocou-a entre suas pernas. O toque inesperado a surpreendeu.

– Pode sentir aqui? – murmurou com voz rouca, sentindo o calor dela. – Quando eu toco seus seios e os sugo... você sente aqui?

– Sim. – Rebecca balançava a cabeça em frenesi. – Sim, aí mesmo!

Embora sabendo que seria um grande erro fazer amor com Forrest de novo, Rebecca ignorou o bom senso e, pensando nas noites insones que teria pela frente, sonhando com ele a distância, resolveu aproveitar o momento presente.

A pressão crescente da mão de Forrest em seu ponto mais sensível a entorpecia, e, quando a boca faminta alcançou seu mamilo, uma sensação de êxtase a dominou.

– Faça amor comigo, Woody – implorou Rebecca, desafivelando o cinto dele.

Nada mais fazia sentido algum. As sensações atropelavam o raciocínio, e todas as células clamavam com urgência pelo corpo de Rebecca.

A única coisa que importava estava ali. Seus dedos a sentiam sob a camisa, e ele a queria. O resto do universo não podia intervir naquilo.

Debruçando-se sobre Rebecca, Forrest saciou um pouco do desejo que o consumia, sugando um e outro bico com volúpia enquanto ela o livrava do jeans.

A sensação de ter Rebecca, alucinada, despindo-o provocou espasmos de prazer em ambos. A paixão quase insuportável os consumia.

Arrancaram as peças de vestuário que ainda restavam como empecilho. Devorando-a com beijos, Forrest ainda lhe disse:

– Minha. – Encarou-a. – Você é minha.

Forrest penetrou-a, então, e viu quando o verde das íris de Rebecca ficou mais e mais intenso, faiscante, até ele mesmo cerrar as pálpebras, um gemido profundo escapando de seu peito, a delícia do êxtase tomando-o de assalto.

A mão delicada de Rebecca acariciava seu pescoço, puxando-o para junto dela. Um misto de erotismo e ternura, o sopro adocicado do hálito e o gosto acre em sua boca eram parte dela, e iam desaparecer para sempre.

Um novo ímpeto de paixão, quase uma fúria, dominou Forrest, e ele se atirou sobre Rebecca com energia renovada. Arqueou-se uma vez e mais outra, e outra, numa sofreguidão que deixou-os ensopados de suor e luxúria.

Por fim, as pernas dela o cingiram, e num esforço extremo por maior aproximação, puxou-o para mais junto de si.

Gritando pelo nome dele, Rebecca foi inundada pelo amor apaixonado de Forrest, mais uma vez. O coração acelerara, e cada músculo vibrava em seu corpo, mas a sensação de acolher o cansaço de Rebecca em seu peito o fez esquecer-se de si mesmo.

Ali estava ela, enrodilhada em seu regaço, a respiração cálida soprando sua pele. E não importava como ou a que custo; uma coisa era certa: Forrest não deixaria partir. Não a perderia de modo algum.

Recostando Rebecca contra o feno, Forrest beijou-a de leve nos cabelos, e sussurrou:

– Becky? – Segurou o rosto dela. – Case-se comigo. Agora. Já.

Foi o bastante para que a cor sumisse das faces rosadas e a volúpia se esvaísse dos olhos verdes.

– Não posso. – E, de pé, juntou suas roupas, vestindo-se.

Atônito, Forrest assistiu mudo à recusa. Contudo, a raiva se sobrepôs ao choque, e ele reagiu:

– Por que não pode?! – Colocou a calça. – E não me venha com aquela bobagem de noivado. – Abotoando-se, com fúria, continuou, aos berros: – Eu vi seu noivo na cidade. John Smythe, certo? Engraçado... O sujeito não atende por esse nome.

Rebecca gelou. As mãos paralisaram sobre as fraldas da blusa. O jogo terminara, e ela soube disso naquele instante. Recuperando os movimentos, murmurou:

– Eu não estou noiva.

Erguendo a cabeça, o queixo levantado, mas sem olhar para lugar algum, esperou pela reação dele.

– Agora, sim, temos uma surpresa. – O sarcasmo e a ironia estavam evidentes na voz e no jeito como afivelava o cinto. – E posso saber a razão pela qual inventou isso?

Embora pudesse mentir mais uma vez, Rebecca optou pela verdade:

– Porque você feriu meus sentimentos.

– O quê?! – bradou Forrest – Quando?!

– Na tarde em que me pediu em casamento. – Pôs-se a desembaraçar a cabeleira ruiva, cheia de feno.

As palavras de Hank sobre como as mulheres odiavam à palavra “solteirona” voltaram à memória de Forrest num relâmpago.

O amigo estava certo, reconheceu ele, um pouco tarde demais.

– Não quis ofendê-la quando falei aquilo sobre ser solteira...

Rebecca fuzilou Forrest com o olhar.

– Que droga! Você me conhece. Eu só queria me casar, só isso.

– Só queria se casar... – repetiu Rebecca irada. – Não importava quem fosse a noiva. Então, por que não a velha Becky? E ainda achou que me fazia um favor com isso!

Forrest se aborreceu com ela.

– Não foi assim, Becky.

– Não? Sei... As outras mulheres o recusaram, Woody? Aquelas com quem saiu para jantar e dançar quando voltou da Europa?

– Não pedi ninguém em casamento, só você – retrucou, indignado.

– E por que fez isso? – perguntou Rebecca ainda mais brava. – O romance servia para as outras garotas, mas para Becky, seu irmão mais novo, como sempre se referiu a mim, era desnecessário. E você, cansado de se divertir, achou mais fácil recorrer minha humilde pessoa, não é?!

Levou um minuto para Forrest, por fim, se dar conta das lágrimas nos olhos dela, e só aí perceber o quanto a tinha magoado com sua proposta desajeitada.

– Desculpe-me, por favor, Becky. Jamais me passou pela cabeça que você quisesse romance.

Com uma risada desprovida de humor, Rebecca falou:

– Não, nunca, mesmo.

E pegando o balde que Forrest tomara de suas mãos no começo de tudo, concluiu, seca:

– Você vai me dar licença, Woody. – Pisando duro, passou por ele. – Tenho trabalho a fazer.

Estático, Forrest ficou vendo Rebecca cruzar o estábulo. Mas era a melhor coisa a fazer, pelo menos no momento.

Quando Rebecca estava abespinhada com algo, Forrest aprendera anos atrás, o melhor a fazer era ficar longe dela.

De mais a mais, tinha mais coisas em que pensar. E, se Rebecca queria ser cortejada, então ela seria. Mas por ele!

No entanto, antes precisava encontrar um meio de resolver as coisas.

 

O Royal Diner era o lugar perfeito para se concentrar. O cheiro de gordura no ar, as velhas músicas na jukebox, tudo colaborava para dar ao ambiente o aconchego de que Forrest precisava.

Acomodado em seu canto favorito, aceitou o café que Annie lhe ofereceu.

– Sabe algo sobre Blake? – perguntou ela, num sussurro. Forrest meneou a cabeça.

– Sinto muito, mas não sei nada, de novo. Não se preocupe, teremos notícias em breve, posso assegurar.

– Ei, Annie! Cadê minhas fritas?

Forrest voltou-se para onde vinha a voz. Do balcão, um sujeito reclamava, impaciente. Contrariado, teve de interromper a conversa com Annie, que se desculpou, sem jeito:

– Perdão, Forrest, mas preciso atender aos outros fregueses.

– Não deve ser fácil para você. Mas não há outro jeito. Sinto muito, Annie.

E deixou-a ir. Um membro da realeza servindo café e comida para os tipos mais rudes do Texas... Que situação absurda!

A seu redor, a outras mesas, o assunto era o aviso de uma tempestade que se aproximava. Josie Walters, uma vizinha distante dele, parecia entretida com as notícias do rádio.

Um alerta sobre a ventania fez a moça virar seu café num só gole, e a testa franzida sinalizava seu estado de espírito. Forrest imaginou como Josie faria para chegar a seu rancho antes da borrasca.

Viu quando ela parou para trocar duas palavras com Pete Mitchell, um rapaz que costumava aceitar tarefas temporárias aqui e ali, em todo o condado. E ouviu quando Josie lhe perguntou se poderia ir até sua fazenda para fazer alguns reparos no celeiro.

Forrest viu também quando Pete levou a mão para o traseiro de Josie, pronto para apalpá-la.

Já estava de pé para sair em defesa da moça, mas tomou a sentar. Josie despejou todo o conteúdo do bule no colo do atrevido.

Vinte e nove anos e viúva, cuidando sozinha de uma propriedade... Não era fácil, concluiu Forrest, ao ver a luta da moça com o vento na janela.

Isso o levou a recordar outra mulher, na mesma situação, e em como convencê-la a se casar com ele. Desanimado, passou as mãos pelo rosto, a cabeça cansada de procurar saídas e não as encontrar.

Três dias, e nada lhe ocorrera para conquistar Rebecca. Nenhuma idéia. Tinha isso em mente quando Hank se aproximou.

– Callie disse que me chamou.

– Foi, Hank. Preciso de ajuda.

– Está doente?

– Nunca adoeço.

– Bom, sua fisionomia está horrível.

Forrest tinha vergonha de admitir qual era seu verdadeiro problema, mas não teve escolha.

– É Becky, Hank.

– Sei, fiquei sabendo do que Shorty aprontou. Uma vergonha, se quer minha opinião.

– Shorty está na cidade?

– Estava. Acabou de partir.

– E o que foi que ele fez?

– Você não sabe?!

Forrest fez que não. Hank apoiou os cotovelos no tampo e se inclinou para a frente:

– Vendeu o rancho sem consultar Rebecca. Ou melhor, perdeu-o no jogo.

Sem acreditar em seus ouvidos, Forrest arregalou os olhos.

– Como soube disso?

Hank se espichou na cadeira, sem notar o quanto Forrest ficara abalado.

– Ouvi isso em Del Rio. Parece que Shorty deu as terras em garantia na compra da parte de um cavalo. Pobre Becky...

Estupefato com as novidades, Forrest indagou:

– Por que Rebecca não me disse nada? Eu a teria ajudado.

– Você a conhece. Aquilo é um poço de orgulho.

Forrest engoliu em seco. Sim ele conhecia a altivez de Rebecca. Através dos anos, vinha lutando para entender a obstinação dela com relação a isso.

Com uma ponta de culpa, reconheceu que Rebecca lhe dissera que estava partindo, duas semanas atrás. Porém, na ocasião, Forrest só pudera pensar no noivado como motivo para tal atitude.

Sem dar tempo de Hank piscar, Forrest pôs-se de pé e, muito autoritário inquiriu o amigo: – Quem foi que emprestou dinheiro a Shorty?

Hank encarou Forrest, sem entender direito o que estava ocorrendo.

– Um marginal do Novo México. O nome é Reed, ou algo assim. Não me lembro deter ouvido o primeiro nome do sujeito.

– Não é preciso. Eu o encontrarei assim mesmo..

Forrest apanhou seu chapéu, e já estava de costas caminhando para a saída quando ouviu Hank perguntar:

– Mas por que me chamou até aqui?

O gesto antecedeu a frase de Forrest, preocupado com questões mais sérias que qualquer romance.

– Nada importante. – Deixou Hank falando sozinho, e foi embora.

O tal acordo devia ter sido feito a uma mesa de bar, escrito em guardanapo de papel e selado com um aperto de mão, nada mais. Mas, se fosse preciso mover céus e terras para desfazer o trato de Shorty e devolver a terra a Rebecca, Forrest os moveria.

Porém, não foi muito longe. Com o avião de Sterling e um carro alugado, chegou a Del Rio, e lá um lugar mal-afamado no meio do nada. Um letreiro em néon anunciava cerveja e garçonetes de topless: o Lowdown Saloon, quartel-general dos negócios de Reed.

Caminhões lotavam o estacionamento acanhado, dando uma noção da clientela habitual.

A fumaça e a iluminação precária não escondiam as paredes sujas iguais a centenas de outros bares de beira de estrada, com suas mesinhas e litros de bebida empilhados nas prateleiras do bar.

Colocou as mãos na cintura, numa atitude defensiva, enquanto passava os olhos ao redor, em busca de alguém que correspondesse à descrição que tinham lhe dado.

Já cobrira metade do salão quando um peso sobre seu ombro o alertou da presença de uma mulher a suas costas.

Imensa, com os olhos pintados e uma tonelada de rímel nos cílios, perguntou-lhe:

– Ei, caubói, me paga uma bebida?

Forçando um sorriso, Forrest se esquivou.

– Sinto muito, mas estou esperando uma pessoa.

Numa tentativa vã de parecer sexy, a mulher juntou os lábios e insistiu:

– Nem uma bebidinha? Uma vodca só...

– Desculpe-me, acho que encontrei a pessoa que procuro. – E afastou-se da grande loira de batom escarlate, não sem antes ouvir algo sobre os homens bonitos serem homossexuais.

No balcão, dirigiu-se ao barman, pedindo um uísque com água, e, enquanto assistia ao sacudir da coqueteleira, foi direto ao assunto:

– Onde fica a ação por aqui?

O homem serviu Forrest e, cauteloso, perguntou:

– Depende do que está procurando.

– Um joguinho seria bom. – E colocando uma nota no colete do rapaz, com discrição, acrescentou: – Digamos que o pôquer é uma de minhas paixões.

Em seguida, um homem ao lado dele no balcão se intrometeu na conversa, ao ver o maço de notas que Forrest sacara do bolso para dar ao barman.

– Você joga, companheiro?

– Claro que prometi a minha esposa nunca mais jogar, depois que perdi quase cem mil em Vegas. E você? – Forrest deu um gole na bebida.

– Às vezes perco, também... – O desconhecido examinava Forrest. – É das redondezas?

– Não, estou de passagem. Só por esta noite.

O estranho relutou por segundos, e então estendeu a mão.

– Reed, é assim que me conhecem.

Forrest aceitou o cumprimento, e sorriu.

– Meus amigos me chamam de Woody.

– Bem-vindo a Del Rio, Woody. – E fez menção para que Forrest o seguisse. – Costumamos ter um lugar nos fundos para diversão.

Acenando para o barman, Forrest brincou:

– Se eu estiver perdendo muito, me expulse daqui, certo? Ou terei de encarar um divórcio.

Reed passou o braço em torno dos ombros de Forrest, com uma expressão cínica.

– Não se preocupe meu rapaz, vamos tomar conta de você direitinho...

 

Como tirar doce de criança, pensou Forrest, sorrindo, convencido. Enfiou o certificado no bolso interno da jaqueta de couro e deu-lhe um tapinha, em seguida.

Alcançou a escadinha, e pulando de dois em dois degraus, adentrou o jato de Sterling, horas mais tarde.

 

Rebecca ficou parada entre as paredes estreitas da cozinha, procurando enxergar por cima da caixa que carregava.

Aliviada quando sua perna bateu contra o pé da mesa, depositou o volume pesado sobre a superfície. Balançando os braços, olhou ao redor, como se estivesse escolhendo o que fazer em seguida.

Precisava descongelar o freezer, porém, antes tinha de dar um destino à comida que estava estocada nele. Precisava ligar para a Cozinha Comunitária para que viessem buscar a carne e o que mais sobrasse, na mudança. Pelo menos estaria contribuindo para alimentar alguns desabrigados.

As cortinas não teriam serventia para ela, por isso resolveu deixá-las ali mesmo. Mais uma vez olhou em tomo. As paredes precisavam de uma demão de tinta, concluiu, com remorso, mas era ridículo pintar a casa para receber os novos proprietários, uma vez que nunca lhe ocorrera fazer isso enquanto vivia lá.

Seu olhar recaiu sobre o cabide atrás da porta, e as lágrimas que ela contivera a manhã toda lhe bloquearam a garganta.

Sem pressa, atravessou o aposento e apanhou o velho chapéu de um dos ganchos. Forrest tinha sempre uma muda de roupa, um par de botas e o chapéu ali, em sua residência. Virando o chapéu, releu as palavras que sabia estarem escritas em seu interior. Forrest escrevera: “Nem por sonho sou seu! Eu pertenço a Forrest Cunningham”.

O aviso era bem típico dele. Rindo através das lágrimas, Rebecca levou-o até o rosto, inalando o aroma acre, familiar e único, uma mistura de suor, cavalos e a colônia masculina, muito cara, que ele usava.

Impotente diante das emoções despertadas, Rebecca afundou numa das cadeiras. Pousou o chapéu sobre a mesa, os dedos acariciando o feltro.

Misericórdia, como odiava ter de partir! Aquela era casa onde crescera. O único lugar em que se lembrava de ter vivido.

A porta que dava para seu quarto estava ali. Embora Shorty não costumasse estar presente para apreciar o aposento principal, era ali que dormia em suas raras visitas.

O quartinho perto da cozinha ficara para Rebecca quando os pais se mudaram para lá, e ela era uma criança. Às vezes, nas noites insones em sua cama, imaginava poder ouvir sua mãe indo e vindo. Então, cerrava as pálpebras e jurava sentir o cheiro do chocolate quente e dos biscoitos assando no forno.

Uma lágrima desceu pela face, e Rebecca a enxugou. Tantas memórias!, pensou com tristeza. E tantos remorsos...

Com um suspiro, ajeitou o chapéu sobre o tampo, com todo o cuidado.

Mas não tinha tempo para chorar, disse a si mesma. Necessitava pôr mãos à obra, pois havia muito a fazer.

Pelo menos nos próximos dois dias.

O primeiro arranjo de flores chegou ao meio-dia. O segundo, um pouco depois da uma. As entregas continuaram ao longo do dia, marcando as horas até cobrirem cada espaço vazio na cozinha do Rancho Rústico com uma profusão de cores e botões.

Rebecca colocou a última cesta, três dúzias de rosas cor-de-rosa, sobre o fogão, o último lugar que restava, e apanhou o cartão que acompanhava. Nele apenas uma palavra: “Woody”, assim como em todos os demais.

– Isso tem de parar – Rebecca murmurou por entre os dentes, dirigindo-se para o telefone.

Rápido, discou o número desejado e esperou pouco, pois três toques depois a secretária eletrônica atendeu a seu chamado:

– Alô. Você ligou para o Novilho de Ouro. Não estou em casa, portanto, deixe sua mensagem após o sinal.

Bufando, impaciente, Rebecca esperou pelo bip para dizer:

– Aqui é Becky. – Após uma pausa breve, prosseguiu: – Ouça, as flores são lindas, mas...

Um ruído estranho a interrompeu, e logo depois escutou:

– Não desligue, estou aqui.

A voz de Forrest a perturbou tanto que seus dedos agarraram o fone, o coração apertado dentro do peito.

– Então você gostou, hein?!

Rebecca quase podia ver o sorriso espontâneo dele do outro lado da linha, e um arrepio a percorreu espinha abaixo, deixando-a trêmula. Contendo-se, Rebecca foi firme.

– Sim, são uma beleza, mas já chega.

Após instantes de silêncio, Forrest falou:

– Você não queria romance? Pois então...

– Nunca afirmei isso.

– Mas eu pensei que...

– Woody, a única coisa que está conseguindo é deixar Dee Dee rica. Desse modo, pare com isso, está certo? – Rebecca resolvera encurtar a conversa, e bateu o telefone.

Um minuto depois, alguém batia na porta, de novo. Rebecca respirou fundo, pronta para mandar ela mesma que Dee Dee parasse com as flores de uma vez por todas.

Mas não era Dee Dee, e sim um homem desconhecido que Rebecca encontrou à soleira.

– Pois não, o que deseja?

– A senhorita... – E olhando para o cartão que tinha em mãos, solicitou: – Rebecca Sullivan, por gentileza.

– Sou eu.

– Tenho uma entrega para a senhorita. Pode assinar o recibo, por favor? – Com polidez, entregou a Rebecca uma caneta e um papel.

Hesitante, ela deixou a porta entreaberta, sem saber direito como agir.

– Entrega? De que tipo? – Assinando o papel, Rebecca mal percebeu de onde o moço tirou o pequeno embrulho.

Assim que ela assinou, o desconhecido lhe deu uma caixinha e, com o recibo em seu poder, fez um rápido cumprimento e saiu.

– Tenha um bom dia, srta. Sullivan – foi o que Rebecca teve como resposta.

Estupefata, só lhe restou uma saída: ver o conteúdo, já que nada em seu exterior indicava sua origem ou o que havia dentro. Não tinha dúvidas quanto ao remetente. Forrest decerto estava por trás daquilo tudo.

Ergueu a tampa, mas só encontrou uma outra caixa, e dentro desta, uma terceira. Começava a perder a paciência quando, enfim, encontrou, nesta última, um estojo de veludo azul, onde o nome Tiffany’s fora gravado em ouro.

Seus dedos tremiam ao abrir o pequeno fecho, onde um cartão marfim trazia os dizeres: “Um para cada orelha. São da cor de seus olhos. Woody”.

Com medo de olhar, e ao mesmo tempo incapaz de resistir à tentação, deixou de lado o cartãozinho.

Seus olhos se arregalaram, e Rebecca perdeu o fôlego. Maravilhada viu as duas esmeraldas mais lindas do mundo repousando sobre uma almofada de cetim.

As lágrimas turvaram sua visão ao relembrar das palavras de Forrest, no dia da festa de Sterling. Apertando a caixa contra os seios, cerrou as pálpebras.

– Oh, Woody, por que está fazendo isso comigo?!

 

Rebecca se curvou e aparou em seus braços o novo potrinho, auxiliando-o a ficar em pé sobre as próprias patas.

– Que bebê mais lindo! – murmurou, esfregando o rosto no pêlo úmido do cavalinho.

A primeira reação do filhote foi procurar a barriga da mãe, ansioso por alimento e carinho maternal.

Rindo, Rebecca se alegrou com o ruído do potro sugando o leite materno. Com um suspiro de alívio e cansaço, olhou para a égua.

– Bom trabalho, mamãe! – Acariciou o focinho sedoso. – Bom, mesmo.

– Macho ou fêmea?

A voz de Forrest deixou Rebecca tensa de imediato.

– Macho.

– Já lhe deu um nome?

Ainda de costas para ele, disse:

– Não. Achei que você gostaria de fazer isso, Woody.

– Mas é você quem sempre dá nome aos potros.

O ruído das dobradiças anunciou a entrada dele na baia. Rebecca sentiu a presença masculina antes mesmo de vê-lo a seu lado.

– Não desta vez.

– Algum problema com o parto?

– Não. – Rebecca sentia dificuldade em respirar, com a proximidade entre eles. – Será uma excelente reprodutora para você.

– Para nós.

Rebecca fechou os olhos, o coração apertado de angústia.

– Não, Woody, por favor. Já lhe disse mil vezes que não posso me casar com você.

– Não pode ou não quer?

– Dá no mesmo.

– Não, de jeito nenhum. E, desde que seu noivo não existe mais, não vejo qual é o impedimento. – Juntando os apetrechos veterinários, Forrest argumentou: – Claro que sua teimosia é um empecilho e tanto. Desse modo, só posso deduzir que não quer casar-se comigo.

– Pense o que quiser. – Rebecca estava cansada demais para discutir. – O fato é que partirei amanhã.

– Vai para onde?

– Acho que Riodoso. Pelo menos por enquanto.

– Por que Riodoso?

– Shorty está lá. – Rebecca não fitava Forrest, entretida com a arrumação dos instrumentos.

– Ainda fala com ele depois de tudo o que aconteceu?!

Surpreso e irado, Forrest a encarou.

– Ele ainda é meu pai, e nada mudará isso.

Para Rebecca, aquilo explicava, percebeu Forrest. Sua única esperança era que ela o perdoasse com a mesma facilidade.

Segurou-a pelos ombros, forçando-a a olhar para seu rosto. Olheiras imensas sombreavam a fisionomia cansada. Tristeza e mágoa estavam estampadas em seu belo semblante.

– E se você não precisasse partir? E se pudesse ficar aqui, no Rancho Rústico?

– Woody, dessa vez você não pode fazer nada. Os novos donos já devem estar a caminho.

– O novo proprietário está aqui, bem a sua frente.

– O que está dizendo?

– Veja você mesma. – Passou um papel para as mãos trêmulas de Rebecca.

Nervosa, ela desdobrou o certificado, e, à medida que lia o que estava escrito nele, um fulgor mais e mais intenso iluminava-lhe as feições.

As pernas bambas precisaram se apoiar na parede, e, incrédula e radiante falou:

– Meu nome está na escritura...

– Com certeza.

– Como... como fez isso?

– Digamos que tive de correr atrás de um certo sujeito, aquele a quem Shorty devia e...

– Comprou dele o Rancho Rústico?

– Pode-se dizer que sim.

Rápida, Rebecca dobrou o papel e o devolveu a Forrest.

– Então, devia estar no seu nome, e não no meu.

– Não o comprei, Becky. Eu o ganhei num jogo de pôquer. – Forçou-a a aceitar de volta o documento. – O rancho é seu, por direito. E, desta vez, ninguém poderá tirá-lo de você.

Imperiosa, Rebecca tornou a dar a escritura a Forrest, mas agora enfiando-a no bolso de sua camisa.

– Não quero sua caridade, Forrest Cunningham. Ao menos dignidade me restou, e isso ninguém roubará de mim.

Dando meia-volta, Rebecca saiu da cocheira sem olhar para trás. Por dois segundos, Forrest assistiu, parado, àquela retirada estratégica, mas logo a seguiu, tão furioso quanto ela.

– Um minuto, Rebecca Lee! Cara ou coroa?

– O quê?

– Isso mesmo. Cara ou coroa?!

Rebecca continuou andando.

– Mas que droga! Shorty o perdeu num jogo, eu o recuperei num jogo. Então, por que não fazer o mesmo agora?

Rebecca ia abrir a boca para argumentar, mas foi impedida pelo bom senso. Não tinha razão alguma para não aceitar a aposta.

– Cara ou coroa? – Rezando para que aquilo desse certo, Forrest perguntou para Rebecca mais uma vez, apostando na justiça divina, e em nada mais.

– Cara. – Rebecca cruzou os braços, com as pupilas cintilando. Forrest pegou a moeda no bolso, colocou-a sobre a mão e atirou-a no ar, deixando-a cair ao chão, entre um e outro.

O alívio que a visão da face presidencial ali cunhada surtiu na alma de Forrest foi incomensurável.

– Cara, srta. Sullivan: Meus parabéns!

Hesitando por instantes, Rebecca acabou aceitando a certidão que Forrest lhe ofereceu. Por fim, agradecendo num sussurro quase inaudível:

– Obrigada...

Tirando sabe Deus de onde um pacotinho, Forrest piscou para ela.

– Tenho outra coisa para você. – Entregou-lhe uma rosa seca. – Acho que isto lhe pertence.

– Você não tinha o direito! Não podia fazer isso! Pegou-a de meu quarto! Eu te odeio! – Rebecca saiu correndo, fugindo dele.

Mas Forrest correu mais rápido e alcançou-a logo. Segurando o braço de Rebecca, não a deixou falar ou correr sem ouvi-lo.

– Becky, fui um tolo, um cego, um idiota, chame como quiser. Mas não me tire a única chance de ser feliz. Rebecca Sullivan eu te amo, e há muito tempo. Só que não sabia. Não chore, por favor, não chore! Perdão por tê-la magoado, perdão!

– O que você disse? – Rebecca parou de se debater, e o encarou.

– Perdão, por favor.

– Não, antes disso.

Forrest franziu a testa.

– Que eu te amo?

– Isso, essa parte mesmo.

– Eu te amo, Rebecca Lee Sullivan. Eu te amo, te amo, te amo!

As palavras de Forrest causaram em Rebecca uma felicidade tão intensa que ela achou que fosse desfalecer. Surgiu em seu olhar um brilho que esmeralda alguma jamais conseguiria refletir. Atirando-se nos braços de Forrest, caiu em pranto.

Forrest a abraçou e beijou, girando pela cocheira louco de alegria. Por fim, quando o choro cessou, fitou-a com todo o carinho.

– Não acredito que era só isso o que eu tinha de fazer! Como sou estúpido! Corri metade do país, quando na verdade só três palavrinhas teriam resolvido!

Enxugando o rosto com a fralda da camisa, Rebecca riu.

– Não vai ser tão fácil assim...

Forrest se ajoelhou diante dela e, cerimonioso, tomou-lhe a mão.

– Eu te amo, Rebecca Lee Sullivan. Acho que desde a primeira vez em que a vi, mas fui cretino demais para perceber isso até pouco tempo. Enfim, pode me perdoar pelos anos perdidos? – E rezando por estar fazendo direito desta vez, perguntou-lhe: – Quer se casar comigo?

– Oh, Woody! – Jogando-se em seus braços, Rebecca respondeu entre risos e lágrimas: – Pensei que não ia pedir nunca!

 

O Novilho Dourado fazia jus a seu nome, naquela noite. Centenas de tochas abriam o cenário, depois milhares de velas abrigadas em tulipas de cristal davam iluminação e romantismo ao ambiente.

A profusão de tule, cetim e flores frescas amenizava a imensidão armada no gramado em frente à residência. Detalhes simples conferiam sofisticação extra ao cenário do casamento mais falado do Texas.

Pessoalmente, Forrest não via motivo para tanto alarde, e teria preferido uma cerimônia simples e íntima. Mas Kathleen batera o pé, insistindo que todas as mulheres, e Rebecca não era exceção, sonhavam com uma festa grande, maravilhosa.

Por fim, Forrest acabara cedendo, e sua mãe trabalhara noite e dia para conseguir preparar tudo nas poucas semanas que Forrest lhe dera de prazo.

Tinha de reconhecer que Kathleen fora muitíssimo eficaz, pois, mesmo assim acabara produzindo um evento que, com certeza, realizaria o sonho de qualquer noiva.

E nada ali contara sequer com um dedo de sua ajuda. Parado no extremo do pátio, braços cruzados sobre o peito, Forrest virou a cabeça para o lado... e sorriu com orgulho.

A menos de cem metros dali, seus vaqueiros assavam a carne de um novilho nascido e criado no Novilho Dourado. Barris de cerveja gelavam, esperando para serem servidos. Os músicos da banda arrumavam os instrumentos num palco, do outro lado.

As mesas ao redor da pista de dança já estavam impecáveis fazia mais de uma hora, rebrilhando com cristais, prataria e porcelana Limoges, concessão dele ao desejo imperioso de Kathleen.

 

– Nervoso?

Forrest voltou-se para Hank, de pé a seu lado. Um arrepio renitente subia e descia por sua coluna, mas isso não o impediu de responder:

– Não, nem um pouco. Deveria?

Hank deu risada.

– Pode acreditar que eu fiquei, quando foi minha vez.

Apesar do corte impecável da camisa feita por Chiang Liang para o fraque, Forrest parecia sufocado naquele colarinho. Já era a terceira ou quarta vez que punha o dedo entre o pescoço e a casimira engomada.

– Não vejo a hora de tudo isso terminar.

– Calma, companheiro. Verá que passa bem mais rápido do que imagina – tranqüilizou-o Hank, olhando para o pátio cheio de convidados. – Vi que convidou Annie.

Forrest acompanhou o olhar do amigo e avistou a princesa e seu filho caçula parados ao lado de Sterling e da esposa, Susan.

– Foi. Achei que a festa desanuviaria um pouco a tensão dela.

Um laivo de preocupação nublou o semblante de Hank, ao se recordar de que um dos membros da missão ainda não retornara ao lar.

– Nós precisamos saber logo notícias de Blake.

– Se não tivermos, Hank, Greg irá atrás dele. Está preocupado com o irmão, e Annie, com os sobrinhos.

– Forrest?

Ele virou o rosto no mesmo instante, ao chamado de Kathleen.

Encontrou o pai e a mãe parados bem a suas costas e empalideceu ao notar que as lágrimas brilhavam nos olhos matemos.

– O que foi? Becky? Aconteceu algo com ela?!

– Nada, não foi nada. Você mesmo verá. – E tomando as mãos de Forrest nas suas, Kathleen sorriu. – Está na hora, meu filho.

Trêmulo como um garotinho, Forrest tomou seu lugar diante dos degraus de veludo, de acordo com as instruções dadas no ensaio.

Achara ridículo ter de ensaiar o próprio casamento, na véspera, mas, naquele instante, dava graças por ter comparecido.

Os acordes da harpa encheram a atmosfera de magia ao iniciarem a marcha nupcial. Os convivas se levantaram. Portas falsas de rosas e lírios brancos se abriram, para dar passagem à noiva...

Rebecca surgiu diante dele, como uma visão, os cabelos penteados para cima, envoltos num delicado véu, diáfana como uma fada.

O vestido era o mesmo que a mãe de Forrest usara quarenta anos atrás, ao se casar. O colo e as mangas longas eram de renda finíssima, cor de marfim antigo. O corpete era recoberto da mesma renda, porém, forrado de cetim do busto para baixo. Da cintura, a saia, do mesmo cetim, caía em ondas até os pés.

O decote em forma de coração realçava os seios fartos, dando-lhe uma feminilidade jamais sonhada.

Os passos lentos e cadenciados que a levariam até o altar pareciam hesitantes. Sem pensar no que estava fazendo, Forrest se viu caminhando a seu encontro, ansioso demais para esperar por sua amada.

Quando a encontrou, segurou a mão delicada com força, e encarando-a, murmurou:

– Rebecca Lee Sullivan, você é, sem sombra de dúvida, a mais deslumbrante mulher que já vi em toda a minha vida.

De imediato, sentiu diminuir a tensão dos dedos dela nos seus, e a cor voltar às faces de Rebecca, que se iluminavam num sorriso.

Segurou-a pelo braço, e ambos venceram a distância que os separava do sacerdote. Mas, antes de chegarem lá, Forrest a fitou de soslaio.

– Você me daria a honra de ser minha esposa, Becky?

Com as pupilas faiscantes como duas esmeraldas, Rebecca, enfim em paz, afirmou:

– Oh, Woody, nada me faria mais feliz neste mundo! 

 

                                                                                Peggy Moreland

 

 

                      

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