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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O RESGATE / Julie Garwood
O RESGATE / Julie Garwood

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Gillian encontra a chave para resolver o seu passado conturbado nos belos lairds escoceses Ramsey Sinclair e Brodick Buchanan. Com a astúcia e a coragem dos escoceses e com a amizade de uma nova aliada, Brigid, Gillian envolve-se numa batalha com o inescrupuloso Barão Alfred, que quer reivindicar a sua casa, sua família e a reputação de seu pai. Mas, na presença dos poderosos guerreiros, Gillian e Brigid descobrem que o desejo pode ser mais forte do que qualquer coisa.

 


 


Prólogo

Inglaterra, sob o reinado de Ricardo I.

As desgraças sempre chegam à noite.
A mãe de Gillian morreu durante as escuras horas da noite, lutando para dar à luz uma nova vida.
Sua jovem e aturdida criada, ansiosa para ser a primeira a comunicar a triste notícia, despertou às duas pequenas para informar que sua querida mãe tinha morrido.
Mais duas noites depois, outra vez foram arrancadas de seu sono para serem informadas que seu irmão recém—nascido, Ranulf, assim batizado em honra a seu pai, também tinha falecido.
Seu frágil corpo não tinha sido capaz de suportar o duro esforço de ter nascido com dois meses de antecedência.
Gillian temia à escuridão. Esperou até que a criada houvesse abandonado seu dormitório para deslizar de sua grande cama até o frio chão de pedra.
Descalça, correu até a passagem proibida, um corredor secreto que conduzia ao quarto de sua irmã, e aos grandes degraus que desciam para os túneis situados debaixo da cozinha. Correu pelo costado de madeira que seu papai tinha colocado frente à estreita porta, para evitar que por ali fossem e viessem continuamente suas filhas.
Tinha as advertido até não poder mais que se tratava de uma passagem secreta só para ser utilizada nas mais extremas circunstâncias, e certamente não para brincar. Nem seus mais fiéis serventes conheciam a existência dos corredores que comunicavam três dos dormitórios, e estava decidido a que as coisas continuassem assim.
Também se preocupava muito que suas filhas pudessem cair pelos degraus e quebrar seus lindos pescoços, e costumava ameaçá—las com uma boa surra no traseiro se alguma vez as pegasse ali. Era perigoso e proibido.Mas aquela terrível noite de perda e pesar, Gillian não se importava com a possibilidade de se meter em encrencas. Estava assustada, e sempre que se sentia assim, corria para sua irmã maior, Christen, em busca de consolo.
Gillian abriu apenas uma brecha da porta, gritou chamando Christen e aguardou que ela viesse. Sua irmã apareceu, a tomou pela mão e a atraiu para sim. Depois, ambas subiram à cama de Christen. As pequenas se abraçaram sob as pesadas mantas, chorando, enquanto os atormentados lamentos de angústia e desolação de seu pai ressoavam pelos desertos salões. Ouviram como gritava o nome de sua mãe uma e outra vez.
A morte tinha entrado no seu pacífico lar.
A família não teve o tempo necessário para recuperar—se, porque os monstros da noite espreitavam para convertê—los em suas vítimas. Às altas horas da madrugada, os infiéis invadiram sua casa, e a família de Gillian foi destruída.
Seu Pai a despertou ao entrar o mais rápido possível no seu dormitório, levando Christen nos seus braços. Seus leais soldados, William — o favorito de Gillian, já que costumava dar—lhe balas de mel quando seu pai não olhava—, Lawrence, Tom e Spencer, iam atrás dele. Todos mostravam expressões sombrias. Gillian se levantou da cama, esfregando os olhos com o dorso da mão, enquanto seu pai passava Christen aos braços de Lawrence e corria para ela. Colocou a vela que levava sobre o baú situado ao lado da cama, e depois, sentando—se a seu lado, afastou suavemente o cabelo que caía sobre o rosto de Gillian.
Seu pai parecia terrivelmente triste, e Gillian supôs que conhecia a razão.
—Mamãe morreu outra vez, papai? —perguntou, preocupada.
—Pelo amor de...! Não, Gillian — respondeu ele, com voz fatigada.
—Voltou para casa, então?
—Ah, minha doce menina, já falamos muitas vezes do mesmo. Sua mamãe não vai voltar nunca mais para casa. Os mortos não voltam. Agora ela está no céu. Tente entender.
—Sim, papai — respondeu em um sussurro.
Gillian ouviu o fraco som de gritos que provinham do térreo, e então se deu conta que seu pai usava a cota de malha.
—Você vai agora brigar, pelo amor de Deus, papai?
—Sim — respondeu ele—. Mas antes devo colocar, a sua irmã e você à salvo.
Tomou as roupas que Liese, a criada de Gillian, tinha deixado preparadas para a manhã seguinte, e vestiu apressadamente sua filha. William se aproximou abaixando—se para colocar os sapatos na menina.Seu papai nunca a tinha vestido antes, e ela não sabia o que pensar.
—Papai, devo tirar o camisão antes de colocar a roupa, e Liese deve pentear o meu cabelo.
—Esta noite não vamos preocupar—nos muito com seu cabelo.
—Papai, está escuro lá fora? —perguntou, enquanto ele lhe passava a túnica pela cabeça.
—Sim, Gillian, está escuro.
—Tenho que sair na escuridão?
Seu pai detectou o medo na voz da menina e tentou acalmá—la.
—Terá tochas para iluminar o caminho, não estará só.
—Você virá com Christen e comigo?
Esta vez respondeu sua irmã.
—Não, Gillian — ela gritou através do quarto—. Porque papai tem que ficar aqui e brigar, pelo amor de Deus — disse, repetindo a expressão frequentemente utilizada pelo seu pai—. Não é mesmo, papai?
Lawrence indicou a Christen que ficasse calada.
—Não queremos que ninguém saiba que vocês estão saindo — explicou em um murmúrio—. Você pode agora ficar calada?
Christen assentiu com ansiedade.
—Sim, posso — respondeu também sussurrando—. Posso estar terrivelmente calada quando tenho que ficar, e quando eu...
Lawrence lhe tapou a boca com a mão.
—Silêncio, minha menina dourada.
William tomou Gillian nos seus braços, e saindo do quarto, a levou pelo corredor até o quarto de seu pai. Spencer e Tom iam diante, iluminando o corredor com brilhantes velas. Sombras gigantescas, que se mantinham a seu lado, bailavam sobre os muros, e o único som que se ouvia era o de suas grandes botas contra o chão de pedra. Gillian, assustada, rodeou o pescoço do soldado com seus braços, e ocultou a cabeça sob seu queixo.
—Não gosto das sombras — falou
—Não vão te fazer nenhum mal — a tranquilizou ele.
—Quero a minha mamãe, William.
—Já sei, urso meloso.
O tolo apelido com o qual ele sempre a chamava a fez sorrir, e de repente já não tinha mais medo. Viu que seu papai passava correndo a seu lado, para adiantar—se e entrar primeiro na seu quarto, e o teria chamado, mas William pôs o dedo sobre os lábios, lembrando—a que devia ficar calada.
Tão logo estiveram todos dentro do quarto de seu pai, Tom e Spencer tiraram uma grande arca baixa situada contra a parede, para poder abrir a porta secreta. As oxidadas dobradiças gemeram e chiaram como um porco faminto.
Lawrence e William se viram obrigados a deixar as meninas no chão para empapar as tochas com azeite e acendê—las. Logo deram a volta, Christen e Gillian correram para onde se encontrava seu pai, que estava ajoelhado sobre outro baú aos pés de sua cama, remexendo seu conteúdo. Puseram—se uma de cada lado e ficaram na ponta dos pés, com as mãos apoiadas sobre a borda do baú, para poder espiar no seu interior.
—Que procura papai? —perguntou Christen.
—Isto — respondeu ele, enquanto levantava uma refulgente caixa adornada com pedras.
—É muito bonita, papai — disse Christen—. Posso ficar com ela?
—Eu também? — disse Gillian.
—Não — respondeu ele—. A caixa pertence ao príncipe Juan, e eu devo fazer com que volte para ele.
Ainda de joelhos, o pai se virou para Christen e a pegou pelo braço, trazendo—a para junto dele apesar de sua resistência para se afastar.
—O senhor está me machucando, papai!
—Eu sinto, meu amor — disse ele, afrouxando de imediato o apertão. Não quis fazer mal a você, mas é necessário que você preste atenção ao que vou dizer. Você pode fazer isso, Christen?
—Sim, papai, posso prestar atenção
—Isso está muito bem — aprovou ele—. Quero que você leve esta caixa contigo quando for. Lawrence te protegerá do perigo e te levará a um lugar seguro muito longe daqui. Também te ajudará a ocultar este tesouro até que chegue o momento oportuno e eu possa ir buscar você e levar a caixa ao príncipe Juan. Não deve falar com ninguém deste tesouro, Christen.
Gillian rodeou seu pai para ir ao lado de Christen.
—Pode contar a mim, papai?
Seu pai não fez caso da pergunta, e continuou aguardando a resposta de Christen.
—Não direi nada — prometeu esta.
—Eu também não direi nada — disse também Gillian, ao tempo que assentia com veemência para demonstrar que falava a sério.
Seu pai continuou ignorando sua filha pequena, porque queria que Christen compreendesse a importância do que estava dizendo.
—Ninguém deve saber que você tem a caixa, pequena. Agora, observe o que faço —ordenou—. Vou envolver a caixa com esta túnica.
—Para que ninguém a veja? —perguntou Christen.
—Isso mesmo — sussurrou ele—. Para que ninguém a veja.
—Mas eu já a vi, papai! —exclamou Gillian.
—Sei que você viu — conveio seu pai. Levantou então os olhos para Lawrence, ao mesmo tempo em que dizia— É tão pequena...! Estou pedindo muito. Santo Deus, como posso deixar que minhas meninas se vão?
Lawrence deu um passo ao frente.
—Protegerei Christen com minha própria vida e me assegurarei que ninguém veja a caixa!
William também se apressou a oferecer seu compromisso de lealdade.
—Lady Gillian não sofrerá nenhum dano — prometeu—. Dou—lhe minha palavra, Barão Ranulf. A defenderei com minha vida!
A veemência de sua voz foi um consolo para o barão, que assentiu com a cabeça para que ambos os soldados soubessem que sua confiança neles era absoluta.
Gillian puxou o cotovelo de seu pai para atrair sua atenção. Não queria que a deixasse à margem. Quando seu papai envolveu a bonita caixa em uma de suas túnicas e a deu a Christen, Gillian juntou suas mãos, expectante, porque supôs que, como tinha dado um presente para sua irmã, também daria um a ela. Mesmo que Christen fosse a primogênita e tinha mais três anos que Gillian, seu pai jamais tinha mostrado nenhum favoritismo.
Era difícil ser paciente, mas tentou. Observou como seu pai tomava Christen nos seus braços, depositava um beijo sobre sua testa e a abraçava com força.
—Você se esqueceu de mim papai — murmurou—. Não se esqueça de mim.
Depois, foi até Gillian. Ela se jogou nos seus braços e o beijou sonoramente na bochecha.
—Papai, você não tem outra bonita caixa para mim?
—Não, carinho meu. Agora deve ir com William. Dê a mão...
—Mas, papai, eu também quero ter uma caixa. Você não tem uma para que eu leve?
—Essa caixa não é um presente, Gillian.
—Mas, papai...
—Te amo — a interrompeu, piscando para conter as lágrimas enquanto a abraçava fortemente contra si—. Que Deus te proteja.
—Você me sufoca, papai. Posso revezar com Christen para levar a caixa? Por favor, papai!
Hector, o administrador de seu pai, entrou no quarto, gritando. Sua entrada sobressaltou tanto Christen, que ela deixou cair o tesouro. A caixa saiu da túnica que a envolvia e rodou pelas pedras do chão com grande estrondo. À trêmula luz das tochas, os rubis, safiras e esmeraldas que a cobriam cobraram vida, lançando cegantes brilhos como se fossem brilhantes estrelas caídas do céu.
Hector parou de repente, deslumbrado pela beleza ante ele.
—Que foi Hector? —perguntou o barão.
Mesmo que vinha trazer ao barão uma mensagem de Bryant, o comandante—chefe de suas forças, Hector parecia ter se esquecido de sua missão enquanto recolhia a caixa e a estendia a Lawrence. Então, lembrando o propósito que o trazia, se virou para seu senhor.
—Milord —disse— Briánt me ordenou vir até aqui para dizer que o jovem Alford o Vermelho e seus soldados estão conseguido abrir uma brecha no muro de defesa interior.
—Ele viu ao barão Alford? —inquiriu bruscamente William — Ou continua escondendo—se de nós?
Hector se virou para o soldado e o olhou.
—Não sei — confessou, antes de voltar sua atenção novamente para o barão—. Bryant também me ordenou dizer que seus homens estão reclamando sua presença, milord.
—Irei imediatamente — anunciou o barão, colocando—se de pé. Fez um sinal a Hector, para que saísse do quarto, e depois se foi, detendo—se um instante na porta para contemplar suas lindas filhas pela última vez. Christen, com seus caracóis feitos de cabelo dourados e suas bochechas de querubim, e a pequena Gillian, com os brilhantes olhos verdes de sua mãe e sua branca cútis, pareciam a ponto de romper a chorar.
—Vão agora, e que Deus os guarde — ordenou asperamente o barão. —Vão. Os soldados se apressaram a entrar na passagem . Tom na frente para abrir a porta no final do túnel e assegurar—se que a zona não tivesse sido ocupada pelo inimigo. Lawrence tomou a Christen pela mão e iniciou a marcha pelo sombrio corredor com sua tocha bem alta. Gillian ia atrás de sua irmã, pendurada na mão de William. Fechava a marcha Spencer, que voltou a colocar a porta frente à dissimulada entrada da passagem antes de fechar as portas.
—Papai nunca me disse que tinha uma porta secreta — sussurrou Gillian à sua irmã.
—A mim também não — respondeu Christen no mesmo tom—. Talvez tenha se esquecido.
Gillian puxou a mão de William para atrair sua atenção.
—Christen e eu também temos uma porta secreta, mas está dentro de nossos quartos. Não podemos contar a ninguém porque é um segredo. Papai diz que nos dará uma surra se contarmos. Você sabia que era um segredo, William? —O soldado não respondeu, mas ela não se deixou assustar pelo seu silêncio—. Você sabe aonde conduz nossa passagem? Papai diz que ao sair de nosso túnel pode ver os peixes do tanque. É para onde vamos?
—Não — respondeu William—. Este túnel nos conduzirá debaixo da adega. Já estamos nos aproximando da escada, e quero que você fique bem calada.
Gillian jogou um preocupado olhar de esguelha às sombras que a seguiam pelas paredes. Aproximou—se de William, e depois olhou sua irmã. Christen segurava a caixa contra seu peito, mas um das bordas da túnica pendurava sob seu braço, e Gillian não pôde resistir a tentação de dizer.
—Posso revezar com você para levar a caixa. Papai disse.
Christen se indignou.
—Não, não disse —gritou. Girou o corpo para Lawrence para que Gillian não pudesse se aproximar da caixa, e se queixou ao soldado—. Lawrence, Gillian disse uma mentira. Papai disse que eu devia levar a caixa, não ela.
Gillian não fraquejou na sua decisão.
—Mas eu posso levá—la — voltou a dizer a sua irmã, enquanto tentava de novo agarrar a ponta da túnica, mas retrocedeu quando achou ouvir um ruído a suas costas. Virou—se para olhar. A escada estava escura como a boca do lobo e não pôde ver nada, mas tinha certeza que havia monstros espreitando nas sombras, talvez um feroz dragão esperando o momento de atirar sobre ela. Aterrada, agarrou com força a mão do soldado e se apertou contra ele.
—Não gosto deste lugar — gritou—. Dê—me colo, William.
No preciso instante em que o soldado se inclinava para levantá—la com seu braço livre, uma das sombras da parede saltou sobre ela. Gillian soltou um grito de terror, se desequilibrou e caiu sobre Christen.
—É minha! —gritou sua irmã, ao mesmo tempo em que girava para evitar chocar—se com Gillian, enquanto a sombra investia contra William. O golpe o fez cair de joelhos e se derrubou sobre Lawrence. Os degraus estavam escorregadios devido à umidade que gotejavam das paredes, e os homens estavam muito perto da beirada para poder manter o equilíbrio. Caíram de cabeça no tenebroso oco, junto com as meninas. Chispas das tochas voaram em todas as direções, ao rodar pelos degraus ante eles.
William tentou desesperadamente proteger à menina enquanto seus corpos caíam sobre as afiadas bordas dos degraus, mas não pôde protegê—la totalmente, e Gillian bateu o queixo contra um afiado canto.
Aturdida pelo golpe, lentamente Gillian se sentou e olhou a seu redor. O sangue empapava seu vestido, e quando viu que também havia sangue em suas mãos, se pôs a gritar. Sua irmã jazia a seu lado, de boca para baixo, sem proferir som algum.
—Christen, ajude—me! —soluçou Gillian—. Desperte! Não gosto deste lugar. Desperte!
Trabalhosamente, William se pôs de pé com a menina nos seus braços, e apertando—a contra seu peito, correu pelo túnel.
—Cale—se, querida, cale—se — dizia uma e outra vez, sem parar de correr.
Lawrence foi atrás deles levando Christen. O sangue gotejava da ferida que esta tinha na testa.
—Lawrence, você e Tom levem Christen até o riacho! Spencer e eu nos reuniremos com vocês lá! —gritou William.
—Venha conosco agora — urgiu Lawrence, fazendo—se ouvir acima dos gritos de Gillian.
—A menina está ferida. Necessita que tratem da ferida — replicou William—. Vá agora. Te alcançaremos. Deus nos dará asas — acrescentou, adiantando—se.
—Christen! —uivou Gillian—. Christen, não me deixe!
Ao se aproximar da porta, William cobriu a boca dela com a mão e implorou que se calasse. Spencer e ele a levaram até a cabana do curtidor, nos limites do muro defensivo exterior, para que Maude, a esposa do curtidor, pudesse tratar a ferida. O queixo de Gillian estava em carne viva.
Ambos os soldados a agarraram enquanto Maude cuidava dela. A batalha trovejava perigosamente perto, e o ruído se tornou tão ensurdecedor que se viram obrigados a gritar para poder ouvir.
—Termine com a menina — ordenou William à mulher—. Devemos colocá—la a salvo antes que seja muito tarde. Depressa — gritou, enquanto saiu fora para montar guarda.
Maude rematou a costura com um nó e depois recortou os fios restantes. Tão rapidamente como pôde, enfaixou o pescoço e o queixo de Gillian com uma grossa bandagem.
Spencer levantou a menina e saiu após William. O inimigo, com suas flechas incendiárias, tinham ateado fogo aos tetos de palha de vários dos barracos, e sob essa brilhante luz, os três correram para a colina onde os aguardavam suas montarias.
Se encontravam na metade da ladeira, quando de cima desceu um tropel de soldados, inundando o lugar. Outro grupo lhes fechava o passo pela retaguarda. Fugir era impossível, mas os dois valentes se mantiveram fiéis a seu dever. Deixaram Gillian no chão entre os dois, com suas pernas como única proteção contra o ataque, se ergueram um de costas ao outro, elevaram suas espadas, e lançaram seu último grito de guerra. Os nobres soldados morreram tal como tinham vivido, com coragem e honra, protegendo ao inocente.
Um dos oficiais de Alford reconheceu a menina, e tornou a levá—la ao grande salão. Liese, a criada de Gillian, ao vê—la entrar nos braços do soldado, avançou audazmente dentre o grupo de serventes que se apinhavam em um canto, debaixo do olhar vigilante de um guarda inimigo. Suplicou ao soldado que a permitisse cuidar da menina. Por sorte, o oficial considerava Gillian um estorvo, e se alegrou de poder livrar—se dela. Ordenou a Liese que a levasse acima e voltou a sair para unir—se à luta.
Gillian parecia estar imersa em uma espécie de dormência. Liese a apertou contra seu corpo e subiu correndo a escada, atravessando a galeria rumo ao quarto da menina, para afastar—se do massacre. Ao agarrar o puxador da porta, sentiu que o pânico se apossava dela. Dispunha—se a abri—la, chorando silenciosamente, quando um repentino estrondo a fez retornar. Voltou—se no preciso instante em que se abriam de repente as pesadas portas de carvalho que davam ao grande salão. Por elas irrompiam soldados que levavam em alto suas ensanguentadas tochas de guerra e as espadas desembainhadas. Ébrios de poder se voltaram contra os fracos e indefesos. Os homens e mulheres desarmados tentaram inutilmente proteger—se com suas mãos, em uma lastimosa tentativa de defender—se do ataque do afiado aço inimigo. Foi um massacre desnecessário. Horrorizada, Liese caiu de joelhos, fechou os olhos e tapou os ouvidos para não ver nem ouvir as desesperadas súplicas de misericórdia de seus amigos.
Gillian permaneceu impassível ao lado de Liese, mas ao ver que seu pai era arrastado até o interior do salão, correu para a varanda da galeria e se ajoelhou.
—Papai! —sussurrou. Então viu um homem vestido com uma capa dourada, que levantava sua espada sobre seu pai.
— Papai! —gritou.
Essas foram as últimas palavras que pronunciou. A partir desse momento, Gillian sumiu em um mundo de silêncio.
Mais duas semanas depois, o barão Alford, o Vermelho de Lockmiere, o jovem que tinha tomado o controle das terras de seu pai, a chamou em sua presença para decidir que fazer com ela; e sem pronunciar uma palavra, Gillian o fez saber o que havia na sua mente e em seu coração.
Liese tomou Gillian pela mão e se dirigiu para o grande salão para apresentar—se ante o monstro que havia matado ao pai da pequena. Alford, que mal tinha a idade suficiente para ser considerado um homem, era um malvado ávido de poder, e Liese não era tola. Sabia que com um simples estalo de seus dedos ou um gesto da mão podia ordenar a morte de ambas.
Ao entrar no salão, Gillian se soltou da mão de Liese e avançou só. Parou ao chegar junto à mesa onde Alford e seus jovens companheiros estavam jantando. Com o rosto inexpressivo e as mãos pendurando flacidamente aos lados, Gillian permaneceu imóvel, observando o barão com o olhar vazio.
Este tinha uma coxa de faisão em uma mão e um pedaço de pão preto na outra. Da rala barba vermelha que cobria seu queixo penduravam restos de gordura e carne. Durante vários minutos, enquanto devorava sua comida, ignorou a presença da menina, mas logo depois de ter arrojado os ossos acima do ombro, se virou para ela.
—Quantos anos você tem, Gillian? —Alford esperou um longo minuto antes de insistir—. Fiz—te uma pergunta. —murmurou, tratando de manter seu irritadiço caráter sob controle.
—Não deve de ter mais de quatro anos — sugeriu um companheiro.
—Com certeza que tem mais de cinco — disse outro—. É pequena, mas pode ser que até tenha seis.
Alford levantou a mão, impondo silêncio, enquanto seus olhos seguiam cravados na menina.
—É uma pergunta muito simples. Diga—me, e enquanto o faz, diga—me que acha que devo fazer com você. O confessor do meu pai diz que não pode falar porque o diabo se apossou de sua alma. Quer que dê permissão a ele para expulsá—lo de seu interior, utilizando métodos muito desagradáveis. Gostaria que te contasse exatamente o que faria? —perguntou—. Não, não acho que gostasse — respondeu a si mesmo, com um sorriso afetado—. Depois, seria necessária a tortura, já que é a única forma de expulsar os demônios, ou pelo menos assim me contaram. Gostaria de estar amarrada a uma mesa durante horas enquanto meu confessor faz seu trabalho? Tenho o poder de ordenar que o façam. Agora, responde a minha pergunta e tenha pressa. Diga—me sua idade — exigiu, com um grunhido.
O silêncio foi toda a resposta que obteve. Um silêncio apavorante. Alford advertiu que suas ameaças não a comoveram. Se lhe ocorreu que talvez fosse muito néscia para entendê—lo. Depois de tudo, era a filha de seu pai, e que tolo ingênuo e estúpido tinha sido este ao crer que Alford era seu amigo.
—Talvez não responda por que não sabe quantos anos tem — sugeriu seu amigo—. Passe para o assunto importante — o pressionou—. Pergunte a ela pela caixa.
Alford assentiu com um gesto.
—Vejamos, Gillian — começou a dizer em um tom acre como o vinagre — seu pai roubou uma caixa muito valiosa do príncipe Juan, e me proponho a recuperá—la. A tampa e os lados estavam adornados com belas pedras preciosas. Se você a viu, você devia relembrar — acrescentou—. Você ou sua irmã viram este tesouro? Responda—me! —ordenou, com uma voz cheia de frustração—. Você viu seu pai esconder essa caixa? Você Viu?
Gillian não mostrou nenhum sinal de ter ouvido uma só palavra do que ele tinha dito. Limitou—se a continuar olhando—o. O jovem Barão deixou escapar um suspiro de fastio e decidiu olhá—la fixamente até intimidá—la.
Em um instante, a expressão da menina passou da indiferença ao ódio. O puro aborrecimento que brilhava em seus olhos conseguiu amedrontá—lo, sentiu que se eriçavam os pêlos da nuca e se punha arrepiado. Era quase um sacrilégio que uma menina de tão curta idade demonstrasse sentimentos tão intensos.
Ela lhe dava medo. Furioso ante sua própria reação, tão estranha ante uma menina que era pouco mais que um bebê, Alford recorreu mais uma vez à crueldade.
—Você é uma menina com um aspecto muito doentio, com essa pele tão pálida e esse cabelo pardacento. A bonita era sua irmã, não é mesmo? Diga—me, Gillian, você estava ciumenta dela? É por isso que você a jogou pelas escadas? A mulher que te coseu a ferida me disse que Christen e você rodaram pelas escadas, e um dos soldados que estavam contigo disse que você empurrou a sua irmã. Christen está morta, você sabe, e é culpa sua
—Se inclinou para ela e apontou com um dedo longo e ossudo—. Você vai carregar esse grande pecado pelo resto de sua vida, por mais curta que seja. Decidi te mandar ao fim do mundo — anunciou imprevistamente—. Ao inclemente e frio norte da Inglaterra, onde viverá junto dos selvagens até que chegue o dia em que volte a necessitar de você. Agora, sai da minha vista. Faze com que me arrepie a pele.
Tremendo de medo, Liese deu um passo adiante.
—Milord — disse—, posso acompanhar à menina ao norte para cuidar dela?
Alford voltou sua atenção para a criada encolhida de medo, que aguardava perto da porta, e estremeceu visivelmente ao contemplar seu rosto cheio de cicatrizes.
—Uma bruxa para cuidar de outra? — mofou—. Não me interessa se você vai ou fica. Faça o que você quiser, mas saia agora daqui para que meus amigos e eu não tenhamos que continuar suportando seu asqueroso olhar.
Ao notar o perceptível tremor de sua própria voz, Alford se encheu de cólera. Tomou uma pesada caçarola de madeira da mesa e a jogou à menina. Esta passou voando junto de sua cabeça, a poucos centímetros. Gillian não se sobressaltou, nem sequer piscou. Limitou—se a permanecer de pé onde estava com seus verdes olhos brilhando de ódio.
Ela estava olhando dentro de sua alma? Só a ideia o fez sentir um calafrio na coluna.
—Fora! —gritou—. Saiam daqui!
Liese se apressou a tomar Gillian no colo, e saiu correndo do salão.
Logo se encontraram fora e a salvo, abraçou à pequena contra seu peito.
—Já terminou tudo —sussurrou —, em breve deixaremos este horrível lugar sem olhar atrás nem uma só vez. Jamais terá que voltar a ver o assassino de seu pai, e eu não terei que continuar cuidando de meu marido Hector. Começaremos uma nova vida você e eu juntas e, com a ajuda de Deus, conseguiremos achar um pouco de paz e de alegria.
Liese estava decidida a partir antes que o barão Alford mudasse de parecer. A autorização para deixar Dunhanshire tinha sido uma liberação, já que a permitia deixar Hector também. Seu marido tinha perdido o juízo durante o ataque ao castelo e estava muito confuso para ir a alguma parte. Após ter presenciado o massacre da maioria dos soldados e do pessoal da casa, e ter salvado a pele por muito pouco, sua mente tinha se quebrado e tinha se tornado tão louco como uma raposa furiosa; se dedicava a vagar o dia todo pelas colinas de Dunhanshire, carregando sua bolsa com pedras e pedaços de terra aos que chamava seus tesouros. Todas as noites preparava a cama no extremo sul dos estábulos, onde o deixavam em paz para que se retorcesse em seus pesadelos. Seus olhos tinham um olhar vidrado e distante, e alternava constantemente entre murmúrios sobre como ia se transformar em um homem rico, tão rico como o mesmíssimo rei Ricardo, e lançava gritos obscenos porque estava demorando muito em alcançar seu objetivo.
Tanto os infiéis como seu chefe, que reclamavam Dunhanshire para si em nome do rei ausente, eram o bastante supersticiosos para não atrever—se a mandar Hector embora. Enquanto o pobre demente os deixasse em paz, o esqueciam.
Inclusive se viam alguns dos soldados mais jovens caírem de joelhos e fazer o sinal da cruz cada vez que Hector passava a seu lado. Este sagrado ritual servia de talismã contra a possibilidade de contagiar—se com delírio do idiota. Não ousavam matá—lo também, já que achavam firmemente que os demônios que tinham se apossado da mente de Hector podiam apoderar—se deles e tomar o controle de suas ações e pensamentos.
Liese sentiu que Deus a tinha dispensado de seus votos matrimoniais. Durante os sete anos tinham vivido como marido e mulher, Hector jamais tinha demonstrado um pingo de afeto nem tinha dito uma só palavra amável. Achava que seu dever como marido consistia em agredi—la para obter sua submissão e humildade e assim assegurar à sua esposa um lugar no céu, e assumiu a sagrada responsabilidade com um grande entusiasmo. Hector havia sido um homem brutal e de mau caráter, que de menino tinha sido vergonhosamente malcriado por pais complacentes, e dava por certo que podia obter tudo aquilo que desejasse. Estava convencido que devia viver uma vida de folga, e permitiu que a cobiça dominasse todos seus pensamentos. Três meses antes que o pai de Gillian fosse assassinado, Hector tinha sido elevado ao invejado cargo de administrador geral, graças às sua habilidade com os números. Teve então acesso à enorme quantidade de dinheiro procedente dos aluguéis dos arrendatários, e descobriu a quanto era exatamente a fortuna do barão. A avareza se apoderou de seu coração, e com ela uma amargura ácida como a bílis por não ter sido recompensado com o que ele achava que lhe correspondia.
Hector era também um covarde. Durante o ataque, Liese tinha sido testemunha de como seu marido tinha utilizado Greta, a cozinheira e uma querida amiga de Liese, como escudo contra as flechas que choviam sobre eles desde o pátio de arma. Quando Greta morreu, Hector tinha colocado seu corpo em cima do dele e tinha simulado estar morto.
Liese sentiu grande vergonha, e já não pôde voltar a olhar a seu marido sem ódio. Sabia que corria o risco de perder sua própria alma, já que desprezar uma criatura de Deus como ela desprezava Hector seguramente era pecado.
Agradecia a Deus que a brindasse uma segunda oportunidade para redimir—se.
Preocupada que Hector resolvesse ir atrás delas, o dia fixado para sua partida Liese levou à menina aos estábulos para despedir—se. Levando—a pela mão, entrou na cavalariça onde vivia seu marido. Viu sua bolsa, salpicada de sangue e estrume, pendurando de um gancho em um canto, e franziu o nariz com desgosto. Cheirava tão mal como o homem que passeava frente a ela.
Quando o chamou, ele se sobressaltou e depois correu na busca de sua bolsa para escondê—la. Se agachou até quase colocar—se de joelhos, enquanto movimentava nervosamente os olhos de um lado a outro.
—Você, velho tolo! —murmurou Liese—. Ninguém vai a roubar sua bolsa. Venho dizer que vou embora de Dunhanshire com lady Gillian e não voltarei a vê-lo nunca mais, Deus seja louvado. Você ouve o que estou dizendo? Deixe de resmungar e olhe—me. Não quero que você me siga, entende?
Hector soltou um riso sufocado. Gillian se aproximou mais de Liese, aferrando às suas saias. A mulher se inclinou para tranquilizá—la.
—Não deixe que a assuste — sussurrou—. Não permitirei que te faça nenhum dano —acrescentou antes de voltar sua atenção e desagrado novamente para seu marido.
—Estou falando a sério, Hector. Não se atreva a seguir—me. Não quero ter de cuidar de você nunca mais. Pelo que me diz respeito, você já morto e enterrado.
Ele não pareceu prestar—lhe nenhuma atenção.
—Em breve vou cobrar minha recompensa... Tudo vai ser meu... Um resgate de rei —alardeou com um sonoro bufado—. Tal como mereço... Seu reino pelo resgate. Tudo vai ser meu... Tudo meu...
Liese fez com que Gillian voltasse a cabeça para poder olhá—la.
—Lembra este momento, menina. Isto é o que a covardia faz a um homem.
Liese não olhou atrás. Alford se negou a ordenar a seus soldados que as escoltassem ao norte. O divertia pensar que ambas as bruxas tivessem que caminhar. No entanto, os jovens irmãos Hathaway vieram em sua ajuda. Waldo e Henry, arrendatários do noroeste, ofereceram seus cavalos de trabalho e seu carro para a viagem, e as acompanharam, fortemente armados, já que existia a ameaça de vagabundos espreitando nos campos, à espera da oportunidade de atirar sobre viajantes desprevenidos.
Afortunadamente, a viagem transcorreu sem incidentes, e foram bem—vindas à propriedade do solitário Barão Morgan Chapman. O barão era tio político de Gillian, e mesmo que se achasse em bons termos com a coroa, era considerado um forasteiro e, portanto, muito raramente era convidado à corte. Pelas suas veias corria sangue das
Highlands, por isso o viam como alguém pouco confiável e inclusive um pouco inferior.
Tinha um aspecto um tanto atemorizador, com seu mais de um metro e oitenta de altura, seu cabelo preto muito encaracolado, e seu permanente cenho franzido. Alford tinha enviado Gillian a casa deste parente distante como castigo, mas seu exílio aos confins da Inglaterra foi sua salvação.
Mesmo que o aspecto de seu tio fosse aparentemente tosco e inacessível, sob essa fachada batia um grande coração. Na verdade era um homem afável e carinhoso, que com só um olhar à sua desventurada sobrinha, soube imediatamente que ambos eram almas gêmeas. Disse a Liese que não pensava em permitir que uma menina se intrometesse em sua pacífica existência, mas em seguida se contradisse, dedicando todo seu tempo a cura de Gillian. A quis como um pai, e se impôs a obrigação fazer com que voltasse a falar. Morgan desejava ouví—la rir, mas o preocupava que talvez suas aspirações fossem inúteis.
Liese também se impôs a missão de ajudar que Gillian se recuperasse da tragédia que tinha se abatido sobre sua família. Dormia no mesmo quarto que a menina para poder acalmá—la e tranquilizá—la quando os pesadelos faziam com que Gillian despertasse gritando. Mas depois de passar vários meses mimando—a e consolando—a sem obter nenhum resultado, a criada da pequena dama estava a ponto de ceder ao desespero.
Firmemente guardados dentro da mente da menina se achavam fechados fragmentos e imagens soltas dessa aterrorizante noite na qual morreu seu pai. Em seu curta idade, era difícil separar a realidade da imaginação, mas lembrava com claridade a resistência para ficar com a caixa coberta de pedras preciosas, quando tentava tomá—la de sua irmã para poder tê—la em sua mão, e depois quando rodavam pelos degraus de pedra que levavam aos túneis situados sob o castelo. A cicatriz de seu queixo provava que não tinha imaginado. Lembrava—se dos gritos de Christen. Também se lembrava do sangue. Nas suas confusas lembranças, tanto Christen como ela estavam cobertas de sangue. O pesadelo que a atormentava nas escuras horas da noite era sempre a mesma. Monstros sem cara, com vermelhos olhos flamejantes e longas garras como látegos, perseguiam Christen e ela por um escuro corredor, mas nesses pavorosos sonhos jamais era ela quem matava a sua irmã. Eram os monstros.
Uma dessas noites, durante uma terrível tempestade, finalmente Gillian falou. Liese a despertou para tirá—la de seu pesadelo, e depois, tal como já era rotina, a envolveu em uma das simples e suaves mantas escocesas de seu tio, e a levou ao lado do fogo.
A roliça mulher embalou à pequena nos braços, e começou a falar—lhe em voz baixa.
—Não está certo que se comportes assim, Gillian. Durante o dia não pronuncia palavra, e de noite passas todo o tempo uivando como um lobo solitário. Isso acontece porque você tem guardado toda a dor dentro de você, e necessita tirá—la para fora?
É assim, pequeno anjo meu? Fale—me, pequena. Conte—me o que aflige seu coração.
Liese não esperava nenhuma resposta, e esteve a ponto de deixar cair à menina de cabeça quando escutou seu tênue sussurro.
—Que você disse? —perguntou, em um tom um pouco mais seco do qual se propunha.
—Não queria matar Christen. Não fiz de propósito. Liese rompeu a chorar.
—Oh, Gillian, você não matou Christen! Te disse isso mais de mil vezes. Eu sobre o que te disse o barão Alford. Não Lembra que mal te tirou do salão, te disse que ele estava mentindo? Por que você acha? O barão Alford estava sendo cruel com você.
—Está morta.
—Não, não está.
Gillian elevou o olhar para Liese para descobrir, pela sua expressão, se estava dizendo ou não a verdade. Desejava e precisava acreditar com desespero.
—Christen está viva —insistiu Liese com um gesto afirmativo—. Me ouça. Por terrível que seja a verdade, nunca, jamais te menti.
—Lembro—me do sangue.
—Em seus pesadelos?
Gillian assentiu.
—Empurrei Christen pelas escadas. Papai me levava pela mão, mas me soltou. Hector também estava lá.
—Você tem tudo misturado em sua cabeçinha. Nem seu papai nem Hector estavam lá.
Gillian apoiou a cabeça sobre o ombro de Liese.
—Hector está louco.
—Sim, está —conveio Liese.
—Você estava no túnel comigo?
—Não, mas sei o que aconteceu. Quando Maude tratou sua ferida, um dos soldados que estava no túnel com você, contou. Despertaram sua irmã e você, e as levaram ao quarto de seu pai.
—William me levava nos braços?
—Sim.
—Fora estava tudo escuro.
Liese a sentiu estremecer e a abraçou.
—Sim, foi no meio da noite. Alford e seus soldados tinham aberto uma brecha no muro de defesa interior.
—Lembro a parede aberta no quarto de papai.
—A passagem secreto levava às escadas que davam ao túnel. Havia quatro soldados com seu pai, quatro homens aos que confiou seu bem—estar. Você os conhece, Gillian. Ali estavam Tom, Spencer, Lawrence e William.
Spencer foi quem contou a Maude o acontecido. Eles as conduziram pela passagem secreto, levando tochas para iluminar o caminho.
—Se supõe que eu não devo falar da minha porta secreta.
Liese sorriu.
—Sei que você tem uma também em seu quarto —disse.
—Como soube? Christen disse?
—Não, ela não me disse —replicou a mulher—. Todas as noites, eu te deitava em sua cama, mas na maioria das manhãs você amanhecia na cama de Christen. Então imaginei que teria uma passagem , porque sei que você não gosta dos lugares escuros e o vestíbulo que você devia atravessar diante de seu quarto era um lugar muito escuro. Terias que ter encontrado outro caminho.
—Você vai me bater por ter falado dele?
—Oh, céus, não, Gillian! Eu jamais te bateria.
—Papai também não me bateu nunca, mas sempre dizia que o faria. Estava brincando?
—Sim, estava —respondeu Liese.
—O papai me levava pela mão?
—Não, ele não foi com vocês pela passagem . Não teria sido honrado escapar da batalha, e seu pai era um homem honrado. Ficou junto de seus soldados.
—Eu empurrei Christen pelas escadas, e depois tinha sangue. Não chorou. Eu a matei.
Liese soltou um suspiro.
—Sei que você é muito pequena para entender, mas ouça, é tudo quero que você tente. Christen se caiu pela escada, e você também. Spencer contou a Maude que parecia que William tinha perdido o equilíbrio e caído sobre Lawrence. O chão de pedra estava escorregadio, mas William insistia em que alguém o tinha empurrado.
—Talvez foi eu quem o empurrou —exclamou Gillian com tom preocupado.
—Você é muito pequena para fazer perder o equilíbrio a um homem grande. Você não tens tanta força.
—Mas talvez...
—Você não tem culpa de nada —insistiu Liese—. É um milagre que nenhuma de vocês tenha morrido. Sem embargo, você precisava que tratassem a ferida, e por isso William e Spencer te levaram a casa de Maude. William ficou fora, montando guarda, até que a batalha se aproximou muito. Maude me contou que estava desesperado para te colocar a salvo, mas infelizmente, quando ela terminou de cuidar de sua ferida, os soldados do barão Alford haviam rodeado o pátio de armas e já não havia possibilidades de escapar. Você foi capturada e levada de volta ao castelo.
—Christen também foi capturada?
—Não, puderam tirá—la antes que descobrissem o túnel.
—Onde está Christen agora?
—Não sei —reconheceu Liesen— Mas talvez seu tio Morgan possa dizer. É possível que saiba. Amanhã você deve ir e perguntar a ele. Te quer como a uma filha, Gillian, e sei que te ajudará a encontrar sua irmã. Tenho certeza que ela também tem saudades de você.
—Talvez tenha se perdido.
—Não, não se perdeu.
—Mas se perdeu, deve estar assustada.
—Menina, não se perdeu. Está a salvo em alguma parte, fora do alcance das garras do barão Alford. Você acredita agora? No mais fundo de seu coração, você acha que sua irmã está viva?
Gillian assentiu. Começou a enroscar uma mecha do cabelo de Liese no seu dedo.
—Te acho —sussurrou, bocejando—. Quando papai vem para me levar para casa?
Os olhos de Liese voltaram a encher—se de lágrimas.
—Ai, meu amor, seu papai não pode vir por ti! Está morto. Alford o matou.
—Pôs uma faca na barriga de papai.
—Santo Deus, Você viu fazê—lo?
—Papai não gritou.
—Oh, pobre anjo meu...!
—Talvez Maude possa tratar dele também, e então poderia vir me buscar.
—Não, não pode vir te buscar. Está morto e os mortos não voltam à vida.
Gillian soltou a mecha de Liese e fechou os olhos.
—Papai está no céu com mamãe?
—Claro que sim.
—Eu também quero ir para o céu.
—Não é seu momento para ir. Primeiro você tem que viver uma comprida vida, Gillian, e depois você poderá ir para o céu.
Gillian apertou muito forte os olhos para não chorar.
—Papai morreu de noite.
—Sim, é verdade.
Transcorreu um longo momento antes que Gillian voltasse a falar. Era um murmúrio quase inaudível.
—As desgraças sempre chegam de noite.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 1
A Escócia, quatorze anos depois
O destino de todo o clã Macpherson descansava nas mãos de Laird Ramsey Sinclair. Com o recente nascimento de Alan Doyle e a tranquila morte de Walter Flanders, o número dos Macpherson era exatamente de novecentos vinte e dois, e a grande maioria daqueles orgulhosos homens e mulheres desejavam e precisavam desesperadamente da proteção de Ramsey.
Os Macpherson estavam em uma má situação. Seu laird, um homem ruim de olhar triste chamado Lochlan, havia morrido no ano anterior, e por própria mão, que Deus se apiede de sua alma. Os membros do clã tinham ficado aturdidos e horrorizados ante o ato de covardia de seu laird, e até esse momento não tinham sido capazes de falar abertamente do tema. Nenhum dos mais jovens tinha reclamado com êxito seu direito a liderar o clã, mesmo que, para dizer verdade, a maioria não queria ocupar o lugar de Lochlan porque achavam que este tinha amaldiçoado o título ao suicidar—se.
Devia estar louco, conjecturavam, um homem ajuizado jamais cometeria um pecado tal sabendo que teria que passar toda a eternidade no inferno por ter ofendido a Deus com um insulto de semelhante magnitude.
Os dois idosos que tinham assumido o papel de líderes do clã Macpherson, Brisbane Andrews e Otis Macpherson, estavam velhos e cansados depois de mais de vinte anos de lutas contra os clãs ávidos de terras do leste, sul e oeste de seus domínios. A luta tinha endurecido depois da morte do laird, já que os inimigos sabiam do vulnerável que estavam sem uma liderança efetiva. No entanto, situações desesperadas como essa exigiam soluções engenhosas, de maneira que Brisbane e Otis, com a aprovação do resto do clã, decidiram abordar laird Ramsey Sinclair durante o transcurso do festival anual da primavera. O acontecimento social parecia o momento ideal para apresentarem a ele sua petição, já que existia uma norma tácita que, durante a duração da festa, todos os clãs deixavam de lado sua animosidade e se uniam como uma só família ao longo das duas semanas de competições e harmonia. Eram dias nos quais as velhas amizades se reafirmavam, os rancores se esqueciam, e, mais que tudo, se acertavam contratos matrimoniais. Os pais das donzelas casadoiras passavam a maioria de seu tempo tratando ansiosamente de proteger seus brotos dos candidatos indesejáveis, ao mesmo tempo em que tentavam encontrar o melhor partido possível.
Muitos homens sentiam que era esta uma época absolutamente revigorante.
Como as terras de Sinclair confinavam com as dos Macpherson no extremo sul, Ramsey supôs que os líderes Macpherson desejavam falar—lhe de uma possível aliança, mas foi que os idosos queriam muito mais que isso. Estavam atrás de uma união, um casamento, para ser claros, entre os dois clãs, e estavam inclusive dispostos a renunciar a seu nome e converter—se em Sinclairs se o laird lhes desse sua solene palavra que todos os Macpherson seriam tratados como legítimos Sinclair. Queriam um trato igualitário para cada um dos novecentos vinte e dois membros do clã.
A tenda de Ramsey Sinclair tinha o tamanho de uma grande cabana e era suficientemente espaçosas para abrigar o encontro. No centro havia uma mesa—redonda com quatro cadeiras e sobre o chão, vários colchões de palha para dormir. O comandante—em—chefe de Ramsey, Gideon, e outros dois curtidos guerreiros Sinclair, chamados Anthony e Faudron, se achavam presentes. Michael Sinclair, o irmão menor de Ramsey, aguardava inquieto entre as sombras a autorização para ir—se unir aos festejos. Já tinha recebido uma severa reprimenda por interromper a reunião, e mantinha a cabeça baixa, envergonhado.
Brisbane Andrews, um velho de olhar penetrante e áspero vozeirão, se antecipou para explicar por que os Macpherson buscavam uma união.
—Temos soldados jovens, mas estão mal treinados, e não podem defender as nossas mulheres e crianças de nossos agressores. Necessitamos da sua força para manter a raia aos predadores, e poder viver uma vida pacífica.
Otis Macpherson, uma lenda nas Highlands por seus notáveis, mesmo que muito exageradas, proezas de juventude, se sentou na cadeira que Ramsey oferecia, colocou as mãos sobre seus ossudos joelhos, e falou, enquanto fazia um gesto de assentimento para Michael.
—Talvez, senhor —disse—, seria melhor que vocês aceitasse à petição de seu irmão e lhe vocês permitissem ir antes de continuar com esta conversa. As crianças costumam repetir segredos sem má intenção, e não eu gostaria que ninguém soubesse desta... União... Até que vocês a tenham aceitado ou rejeitado.
Ramsey esteve de acordo, e se virou para seu irmão.
—Que quer, Michael?
O rapaz se sentia terrivelmente tímido ante seu irmão maior, porque o havia visto tão só algumas vezes em toda sua curta vida, mal o conhecia. Ramsey, após seus anos de treinamento obrigatório para se transformar em um bom guerreiro, tinha estado vivendo na propriedade de Maitland como emissário, e tinha retornado ao lar dos Sinclair quando seu pai o tinha convocado de seu leito de morte. Os irmãos eram praticamente desconhecidos, mas Ramsey, apesar de não ser muito hábil no trato com crianças, estava disposto a corrigir essa situação o mais rápido possível.
—Quero ir pescar com meu novo amigo —murmurou Michael, com a cabeça ainda baixa—, se vocês estão de acordo, senhor.
—Olhe—me quando pedir algo —ordenou Ramsey.
Michael se apressou a fazer o que lhe dizia e repetiu sua petição, desta vez acrescentando “por favor”.
Ramsey pôde notar o medo nos olhos de seu irmão, e se perguntou quanto tempo demoraria para o rapaz acostumar—se à sua presença. O jovem ainda chorava a morte de seu pai, e Ramsey sabia que Michael se sentia como abandonado. Não lembrava de sua mãe, que havia falecido quando mal tinha um ano, mas tinha estado muito unido a seu pai e ainda não tinha se recuperado de sua morte. Ramsey esperava que, com tempo e paciência, Michael aprendesse a confiar nele e inclusive, talvez, a lembrar como sorrir.
—Não se aproxime à cascata e retorne à tenda antes do anoitecer —ordenou suavemente.
—Estarei de volta antes do anoitecer —prometeu Michael—. Agora posso ir?
—Sim —respondeu Ramsey, enquanto observava exasperado como Michael tropeçava com seus próprios pés e levava uma cadeira consigo, na sua pressa por reunir—se com seu amigo.
—Michael — chamou seu irmão quando chegava correndo a porta— Não esquece de algo?
O rapaz pareceu confundido até que Ramsey lhe assinalou com um gesto aos visitantes. De imediato, Michael se aproximou dos dois homens e se inclinou ante eles.
—vocês me dão permissão para sair? —exclamou.
Otis e Brisbane permitiram, sorrindo ao ver como o rapazinho desaparecia o mais rápido possível.
—O rapaz se parece com o senhor —comentou Brisbane—. Certamente, é seu vivo retrato. Lembro muito bem quando você mesmo eram um meninote. Se Deus assim o quiser, Michael também se transformará em um guerreiro. Um líder de homens.
—Isso mesmo—acrescentou Otis—. Com a adequada orientação, se transformará em um grande líder; e não tenho evitado advertir que o rapazinho te teme. Por que, senhor?
Ramsey não se ofendeu pela pergunta. O idoso não tinha feito mais que dizer a verdade e tinha se limitado a fazer uma observação.
—Para ele sou um estranho, mas com o tempo aprenderá a confiar em mim.
—E confiará em que não o abandonará? —perguntou Otis.
—Sim —respondeu Ramsey, dando—se conta do perceptivo que era o idoso.
—Lembro—me quando seu pai decidiu voltar a se casar —assinalou Brisbane—. Eu pensava que Alisdair tinha muitos anos e muitas manias para tomar uma nova esposa. Fazia mais de dez anos que sua mãe havia morrido, mas ele conseguiu surpreender—me, e parecia estar realmente satisfeito. Alguma vez você teve a oportunidade de conhecer Glynnes, sua segunda esposa?
—Assisti a seu casamento —respondeu Ramsey—. Como ela era muito mais jovem que meu pai, ele tinha certeza que morreria primeiro, e quis assegurar—se que ela estaria bem protegida.
—Ele pediu que vocês cuidasse disso? —perguntou Otis com um sorriso.
—Sou seu filho —respondeu Ramsey—. Teria feito qualquer coisa que ele tivesse pedido.
Otis se virou para seu amigo.
—Laird Sinclair jamais daria as costas a ninguém que necessite de sua ajuda. Ramsey pensou que já tinham perdido muito tempo falando de assuntos pessoais e levou a conversa ao tema original.
—Vocês disseram que necessitam de minha proteção mas não podem conseguir isso com uma simples aliança?
—Seus soldados teriam que patrulhar nossas fronteiras dia e noite —disse Otis—. E com o tempo se cansariam dessa obrigação, mas se vos vocês fossem os proprietários dessas terras...
—Sim —insistiu Brisbane com ansiedade—. Se os Sinclair possuíssem essas terras, vocês as protegeriam a todo custo.
—Nós temos... —Ao ver que Ramsey se aproximava para servir mais vinho nas suas taças vazias, se distraiu, surpreendido, e perdeu o fio de seus pensamentos—. Você é o laird... E no entanto nos serve como se você fosse nosso lacaio. Será que você não sabe o poder que possui?
Ramsey sorriu ante seu desconcerto.
—Sei que vocês são hóspedes em minha tenda —respondeu— e mais velhos. É, portanto, meu dever atender a sua comodidade.
Os homens se sentiram honrados por estas palavras.
—Você têm o mesmo coração que seu pai —o elogiou Otis—. Me alegra ver que Alisdair vive em seu filho.
O cavalheiro aceitou o elogio com um gesto e depois, com cortesia, voltou ao tema que desejava discutir.
—Vocês estavam dizendo que eu protegeria suas terras a todo custo se fossem minhas...
—Isso mesmo—conveio Otis—. E nós temos muito que oferecer em troca desta união. Nossa terra é rica em recursos. Nossos lagos estão acumulados de gordos peixes, nosso solo é rico para semear, e nossas colinas estão cheias de ovelhas.
—E por isso nossas fronteiras são constantemente atacadas pelos Campbell, os Hamilton e os Boswell. Todos eles querem nossas terras, nossas águas e nossas mulheres, mas o resto de nós pode ir ao inferno.
Ramsey não mostrou nenhuma reação ante o apaixonado discurso. Começou a vaguear pela tenda com a cabeça inclinada e as mãos unidas na costas.
—Com sua permissão, senhor, posso fazer algumas perguntas? —inquiriu Gideon.
—Como queira — disse Ramsey a seu comandante.
Gideon se virou para Otis.
— Com quantos soldados contam os Macpherson?
—Perto de duzentos —respondeu Otis—. Mas, como disse Brisbane, não foram adequadamente treinados.
—E já há cem mais em idade de começar o treinamento—interrompeu Brisbane—. Vocês poderiam se tornar invencíveis, senhor. Tão invencíveis como os espartanos de laird Brodick Buchannan. Sim, é possível, porque já têm a mente e o coração de guerreiros.
— Você chamou de espartanos os soldados de Brodick? —perguntou Gideon, sorrindo.
—Assim o fazemos, porque isso é o que são —replicou Otis—. Não tem ouvido como nós as histórias dos espartanos da antiguidade dos lábios de seus pais e seus avôs?
—Sim —assentiu Gideon—. Mas a maioria dessas histórias são exageradas.
—Não, a maioria são certas —o contradisse Otis—. Essas histórias foram postas no papel por monges veneráveis, e relataram em inumeráveis ocasiões. Eram uma tribo bárbara —acrescentou com um trejeito— Pecadoramente orgulhosos, mas extremamente valentes. Se dizia que preferiam morrer antes que perder uma discussão.
—Eu opino que eram um bando de fanáticos.
—Não gostaríamos que nossos soldados fossem tão impiedosos como os de Buchannan —se apressou a interromper Brisbane.
Ramsey se pôs a rir.
—Oh sim, os soldados de Buchannan são impiedosos – seu sorriso se desvaneceu ao acrescentar—. Levem em conta o seguinte, cavalheiros. Mesmo que a miúdo tenhamos desacordos, considero Brodick um dos meus amigos mais íntimos. É como um irmão para mim. Mesmo assim, não me ofenderei por isso que vocês disseram dele, já que sei que Brodick estaria muito satisfeito de saber que vocês o consideram impiedoso.
—O homem governa com paixão —disse Otis.
—Oh, sim —reconheceu Ramsey—. Mas também é justo até o exagero.
—Ambos vocês foram treinados por Ian Maitland, Não é mesmo? —perguntou Brisbane.
—Sim.
—Laird Maitland governa seu clã com sabedoria.
Ramsey também esteve de acordo com isso.
—A Ian também o considero meu amigo e irmão —acrescentou.—Brodick governa com paixão; Ian com sabedoria —disse Otis, sorrindo—, e você, laird Ramsey, governais com a férrea mão da justiça. Todos sabemos que você é um homem compassivo. Demostra—nos sua clemência —rogou.
—Como vocês podem saber que tipo de laird sou? —perguntou Ramsey—. Me chamam compassivo, mas só há seis meses que sou laird e ainda não fui provado.
—Olhe seus comandantes —disse Brisbane, com um gesto afirmativo—. Gideon, Anthony e Faudron dirigiram e controlaram o clã Sinclair quando seu pai adoeceu, e depois de sua morte e de converter—vos em laird, você não fez o que outros teriam feito em seu lugar.
—E o que teriam feito?
—Substituir os comandantes por homens leais a você.
—Nós somos leais a nosso senhor! —exclamou Gideon—. Vocês se atrevem a sugerir outra coisa?
—Não —o tranquilizou Brisbane—. Só digo que qualquer outro laird se teria mostrado menos... confiado...
—Se sentindo embaraçado de qualquer possível concorrente, isso é tudo. Senhor, você mostrou compaixão ao permitir permanecerem nos seus importantes cargos.
Ramsey não mostrou acordo nem desacordo ante o julgamento do veterano soldado.
—Como acabo de dizer, sou laird há muito pouco tempo, e dentro do clã Sinclair há problemas que devo resolver. Não me parece que seja o momento mais indicado para...
—Não podemos continuar esperando, senhor. Os Boswell nos declararam guerra, e dizem que se aliaram com os Hamilton. Se for assim, os Macpherson serão destruídos.
—Seus soldados estariam dispostos a jurar lealdade e obediência a Ramsey? —perguntou Gideon.
—Sim, sem dúvida nenhuma —afirmou Otis.
—Todos? —insistiu o comandante dos Sinclair—. Não há nenhum dissidente?
Otis e Brisbane se olharam antes que o primeiro respondesse.
—Só uns poucos se opõem a esta união. Há quatro meses, antes de vir ouvir nossa proposta, a pusemos a votação. Todo o mundo, homens e mulheres, participaram.
—Vocês deixam que suas mulheres votem? —perguntou Gideon com incredulidade.
Otis mostrou um largo sorriso.
—Sim, assim foi, porque quisemos ser justos e a nossas mulheres também lhes afetaria a união. Não nos teria ocorrido incluí—las se Meggan Macpherson, neta de nosso último laird, não tivesse insistido nisso.
—É uma dama que não tem papas na língua —acrescentou Brisbane, mesmo que o brilho no seu olhar assinalou que não considerava isto um defeito.
—Se vocês votaram há quatro meses, por que vocês vêm agora colocar sua demanda a Ramsey? —quis saber Gideon.
—Na verdade, votamos duas vezes —explicou Otis—. Há quatro meses submetemos o tema à votação do clã, e depois deixamos um tempo para que todos reconsiderassem a questão. A primeira votação foi favorável à união, mas por uma margem muito pequena.
—Não quisemos que se dissesse que nos apressávamos em uma questão de tanta importância —acrescentou Brisbane— De maneira que lhes demos tempo para que levassem em conta todas as possíveis implicações. Então voltamos a votar.
—Isso mesmo —confirmou Otis—. Muitos dos que no início estiveram contra da união, mudaram de opinião e votaram a favor.
—De outro modo não teríamos esperado tanto para vir te ver, senhor, porque nossa situação se tronou crítica.
—Qual foi o resultado da segunda votação? —perguntou Ramsey—. Quantos soldados votaram contra a união?
—Sessenta e dois, que seguem estando contra da união, e todos são jovens, muito jovens. respondeu Otis.
—Permitiram que o orgulho empanasse seu julgamento—opinou Brisbane.
—Estão dominados por um rebelde obstinado chamado Proster, mas todos os demais se mostraram de acordo com a união e a maioria manda.
—E os dissidentes acatarão a decisão da maioria? —voltou a perguntar Ramsey.
—Sim, mesmo que de má vontade —reconheceu Otis—. Se pudesse conseguir o apoio de Proster, os outros o seguiriam. Há uma maneira muito simples de ganhar sua lealdade... realmente muito simples.
—E essa seria...?
—Casar—se com Meggan Macpherson —exclamou Brisbane—. E unir—se a nós mediante um casamento.
—Muitos homens se tem casado por menos do que estamos oferecendo —assinalou Otis.
—E se decido não casar—me com Meggan?
—Igualmente o suplicaríamos que, de uma forma ou outra, você aceitasse à união de nossos clãs. O casamento com uma Macpherson só fortaleceria ainda mais essa união. Meu clã... meus filhos... necessitam de sua proteção. Há mal duas semanas, Lucy e David Douglas foram assassinados, e seu único pecado foi aventurar—se muito perto da
fronteira. Eram recém casados.
—Não podemos continuar perdendo gente, e se não nos aceitar, serão eliminados um por um. Que acontecerá com nossos filhos? —perguntou Brisbane—. Temos crianças da idade de seu irmão —acrescentou em uma tentativa por comover ao cavalheiro.
Ramsey era incapaz de dar as costas a um pedido de auxílio. Sabia até onde estavam dispostos a chegar os Boswell na sua avidez por apoderar—se de novas terras. Nenhum de seus soldados duvidaria um instante antes de matar um menino.
—Os Boswell são chacais —murmurou.
Gideon conhecia muito bem seu laird, e imaginava qual seria sua resposta.
—Ramsey, você submeterá esta questão à opinião do clã, antes de dar a conhecer sua decisão a estes homens? perguntou.
—Não —afirmou Ramsey—. O tema não está aberto à discussão.
Gideon ocultou sua frustração, mas insistiu.
—Mas refletirás sobre isso antes de decidir?
Advertido que seu comandante estava pedindo que esperasse, e que desejava tratar do tema com ele em particular antes que tomasse uma decisão, Ramsey lhe dirigiu um brusco movimento de cabeça antes de responder aos Macpherson.
—Cavalheiros, vocês terão minha resposta dentro de três horas. Parece bem?
Otis se pôs de pé, assistindo.
—Com seu permissão, senhor, voltaremos então para conhecer sua resposta.
Brisbane agarrou o braço de seu amigo.
—Você esqueceu de contar da competição —sussurrou de forma audível.
—Que competição? —perguntou Gideon.
Otis corou notoriamente.
—Nós pensamos... para deixar a salvo o orgulho de nossos soldados... que talvez vocês aceitariam competir em uma série de justas. Não temos possibilidades de ganhar, mas nos resultaria mais fácil renunciar a nosso nome e adotar o de Sinclair se fôssemos inquestionavelmente vencidos em um combate de força.
Gideon deu um passo a frente.
—E se vocês ganharem?
—Não ganharemos —insistiu Otis.
—Mas, e se fazem?
—Então os Sinclair renunciam a seu nome. Você seguiria sendo chefe, Ramsey, mas vocês se transformariam em Macpherson, e o homem que o tivesse ganhado seria seu primeiro oficial.
Gideon se sentiu indignado, mas Ramsey teve a reação oposta.
A proposta era tão absurda que teve vontade de rir. Se obrigou a manter uma expressão séria.
—Já tenho um comandante, e estou muito satisfeito com ele —disse.
—Mas, senhor, só pensávamos... —começou a dizer Otis.
Ramsey o cortou de repente.
—Meu comandante está ante vós, cavalheiros, vocês o insultam gravemente com sua proposta.
—E se vocês submetem essa proposta à opinião de seu clã? —sugeriu Brisbane—. As justas acabam de começar, e ainda faltam duas semanas. Vocês poderiam competir no final.
—Mas então eu, da mesma forma que vós, deveria escutar o que têm a dizer todos os homens e todas as mulheres, e como a maioria não veio ao festival, lhes asseguro que levaria meses antes que todos tivessem votado. Deveríamos esperar até o próximo ano para competir.
—Mas não podemos esperar tanto —disse Otis.
—Serei totalmente honesto com vocês, e digo que de nenhuma maneira submeteria a questão à opinião do clã. A sugestão é obscena. O nome de Sinclair é sagrado. No entanto, e já que vocês dizem que o único que pretendem é deixar a salvo o orgulho de seus soldados, se decidir aceitar esta união, sugiro que compitam por postos de categoria inferior ao de comandante. Aqueles soldados Macpherson que demonstrem força e coragem contra meus soldados, serão treinados pessoalmente por Gideon.
Otis assentiu.
—Retornaremos dentro de três horas para conhecer sua resposta —disse.
—Que Deus os ajude nesta transcendente decisão —acrescentou Brisbane, enquanto saía atrás de seu amigo.
Ramsey riu baixo.
—Nos quiseram tomar a força —assinalou—. Otís acha que os soldados Macpherson podem vencer—nos, e assim poderia ficar com tudo. Nossa proteção, e seu nome.
Gideon não estava achando graça.
—Vêm a você tirando o chapéu, suplicando, mas depois têm a audácia de colocar condições. É um ultraje.
—E o que você acha, Anthony? —perguntou Ramsey a seu segundo oficial
—Sou contra esta união —murmurou o soldado de cabelo amarelo como a palha—. Qualquer homem disposto a renunciar a seu nome me desagrada.
—Eu sinto o mesmo —interveio Faudron, com seu rosto de falcão vermelho de fúria—. Otis e Brisbane são desprezíveis.
—Não, só são dois velhos astutos que querem o melhor para seu clã. Faz tempo que sei que viriam a ver—me, de modo que tive a oportunidade de considerar a questão. Diga—me, Gideon, Você está a favor desta união?
—Eu sei que sim, você está —replicou o oficial—. Você tem o coração muito suave, laird. Este é um defeito que traz problemas. Vejo todos os inconvenientes que acarretaria essa união.
—Eu também —disse Ramsey—. Mas Otis tem razão: têm muito que oferecer a mudança. Mais importante que isso é sua petição de auxílio, Gideon. Você pode voltar as costas a eles?
Seu comandante negou com a cabeça.
—Não, os Boswell os massacrariam. No entanto, me preocupam Proster e os demais dissidentes.
—Tiveram tempo para aceitar esta união — lembrou Ramsey—. Você ouviu o que disse Otis, votaram a primeira vez há quatro meses. Além disso, os vamos vigiar de perto.
—Já tomou uma decisão, verdade?
—Sim, darei as boas—vindas a nosso clã.
—Terá problemas com nossos homens...
Ramsey lhe deu uma palmada no ombro.
—Pois então solucionaremos —disse—. Não fique tão preocupado. Agora, deixemos o assunto de lado, e nos unamos aos festejos. Judith e Ian Maitland estão aqui desde ontem à tarde, e ainda não falei com eles. Vamos buscá—los.
—Antes deve atender a outra questão urgente —disse Gideon.
Ramsey despediu a Anthony e a Faudron, e ficou com Gideon.
—Por seu sorriso deduzo que o tema não é grave —disse.
—Para seu fiel soldado Dunstan Forbes é muito grave. Sente—se para escutar isto: Dunstan solicitou sua permissão para se casar com Bridgid KirkConnell.
De repente, Ramsey se sentiu esgotado.
—Com este quantos são? Gideon se pôs a rir.
—Incluindo a mim, eu conto um total de sete propostas matrimoniais, mas Douglas jura que são oito.
Ramsey se sentou e estirou seus compridas pernas.
—Bridgid sabe deste último candidato?
—Ainda não —respondeu Gideon—. Mas tomei a liberdade de mandá—la chamar. Está fora, esperando, e finalmente você conhecerá a causadora deste problema. —Após fazer este comentário, explodiu em gargalhadas.
Ramsey sacudiu a cabeça.
—Você sabe, Gideon, todo este tempo estive convencido que quando te desafiou pelo cargo de laird, ganhei limpamente.
Gideon se pôs sério de forma instantânea.
—E assim foi —asseverou.
—Você tem certeza que não me deixou ganhar para não ter de lidar com Bridgid KirkConnell?
Gideon voltou a rir.
—Pode ser —disse—. Reconheço que eu gosto de estar na sua presença, é uma linda mulher e uma verdadeira delícia para os olhos. Tem um espírito que poucas mulheres possuem. É verdadeiramente... apaixonada... mas, pobre de mim, é obstinada como uma Buchannan. Me alegra que me tenha rejeitado, assim não terei que casar—me com uma mulher tão complicada.
—Como é possível que, desde que sou laird, tenha tido que comunicar a rejeição de três propostas desta mulher, e ainda não a tenha conhecido?
—Ela enviou, as três vezes, sua rejeição da casa de seu tio, em Camnwath. Lembro ter comentado que lhe tinha dado permissão para ir ajudar sua tia com seu novo bebê. Eles também estão aqui, no festival.
—Se você disse, eu esqueci —disse Ramsey—. No entanto, lembro as rejeições. Nas três ocasiões enviou a mesma mensagem.
—Tenho a sensação que hoje pronunciará as mesmas palavras, e que Dunstan engrossará as filas dos corações quebrados.
—A culpa de toda esta história a teve meu pai, foi ele quem prometeu ao pai de Bridgid que ela poderia escolher seu marido. Para mim é inconcebível que ela decida seu futuro pela sua conta.
—Você não tem alternativa —disse Gideon—. Você deve honrar a palavra de seu pai. O pai de Bridgid foi um nobre guerreiro, e se achava em seu leito de morte quando arrancou de seu pai esta promessa. Me pergunto se saberia a obstinada que ia ser sua filha.
Ramsey se pôs de pé e indicou a Gideon que fizesse entrar Bridgid.
—E deixe já de sorrir — ordenou—. Este assunto é importante para Dunstan, e assim o trataremos. Quem sabe? Pode dizer que sim à sua proposta.
—Oh, sim, e esta tarde podem chover porcos —disse Gideon com voz cansada enquanto afastava a tela que se fazia de porta da tenda. Titubeou um instante, e depois se voltou para seu chefe.
—Alguma vez você perdeu a cabeça por uma mulher? —disse.
A pergunta conseguiu exasperar a Ramsey.
—Não, jamais.
—Então, em seu lugar, eu me prepararia para o que você vai ver. Te asseguro que vai ficar tonto.
Um instante depois, o prognóstico de Gideon se fez realidade quando Bridgid KirkConnell fez sua entrada na tenda e praticamente deixou sem coragem a seu laird. Era uma jovem assombrosamente bela, de cútis branca, olhos brilhantes e longos cabelos cor mel, descaradamente encaracolados, que formavam um halo ao redor dos ombros. Suas suaves curvas estavam todas onde deviam estar, e Ramsey se surpreendeu que só tivesse recebido oito propostas.
Bridgid fez uma reverência, sorriu com enorme doçura e o cumprimentou.
—Bom dia , laird Ramsey.
Ele respondeu com uma inclinação.
—De modo que por fim nos conhecemos, Bridgid KirkConnell. Tive que romper o coração de vários candidatos à sua mão sem saber por que esses bons homens se mostravam tão ansiosos por desposar a uma mulher tão obstinada. Agora entendo por que meus soldados são tão persistentes.
O sorriso de Bridgid se desvaneceu.
—Mas sim que nos vimos anteriormente.
Ele negou com a cabeça.
—Asseguro que se a tivesse conhecido, não teria esquecido.
—Mas é verdade, nos conhecemos —insistiu ela—. E lembro nosso encontro como se tivesse sido ontem. Você veio à minha casa para assistir ao casamento da minha prima. Enquanto meus pais estavam na cerimônia, eu decidi ir nadar no lago situado além da casa. Você me resgatou.
Ramsey juntou as mãos na costas e tentou concentrar—se no que ela lhe dizia. Gideon não tinha exagerado: era uma mulher extraordinária.
—E por que tive que resgatar você?
—Estava me afogando.
—Não sabia nadar, moça? —perguntou Gideon.
—Para minha surpresa, não.
A jovem voltou a sorrir e o coração de Ramsey se pôs a bater descontroladamente. Estava assombrado de sua própria reação, mas não parecia poder subtrair—se ao feito que fosse tão condenadamente bonita. Não era próprio dele comportar—se dessa forma; Já não era um menino, e já tinha estado em outras ocasiões frente a outras mulheres atraentes. Era
seu sorriso, decidiu. Era realmente uma feiticeira.
Se perguntou se a Gideon estaria ocorrendo o mesmo que a ele e logo pôde reunir a disciplina necessária para deixar de olhá—la com a boca aberta, se virou para seu comandante.
—Se não sabia nadar, por que você foi ao lago? —continuou perguntando Gideon, tentando encontrar algum sentido a um ato tão ilógico.
Bridgid encolheu os ombros.
—Nadar não me parecia difícil e tinha certeza de poder fazê—lo, mas, pobre de mim, estava equivocada.
—Você se comportou como uma jovem muito ousada —comentou Gideon.
—Não, fui uma estúpida.
—Você era muito jovem —sugeriu Ramsey.
—Devem ter saído muitos cabelos brancos em seus pais por sua culpa —disse Gideon.
—Muitas vezes me acusou de algo semelhante —reconheceu ela, antes de voltar para Ramsey —Entendo por que não se lembra. Meu aspecto mudou, daquilo há muito tempo. Já sou uma adulta, mas não sou obstinada, senhor. Realmente, não sou.
—Já deveria ter se casado —disse Ramsey—. E me parece que você está sendo cabeça—dura. Todos os homens que propuseram casamento são excelentes e dignos soldados.
—Sim, estou de acordo em que são bons homens —concedeu ela.
Ramsey se aproximou. Ela deu um passo atrás, já que sabia o que vinha e queria estar perto da entrada à tenda para poder sair depressa. Ramsey viu sua rápida olhada de esguelha, e pensou que estava calculando a distância que a separava da liberdade. Manteve sua severa atitude, mas foi difícil. O pânico que ela sentia lhe dava graça. Talvez o casamento lhe parecesse algo tão desagradável?
—Agora há outro soldado que solicitou sua mão em casamento —disse—. Se chama Dunstan . O conhece?
Ela negou com a cabeça.
—Não, não o conheço.
—É um bom homem, Bridgid e certamente lhe tratará bem.
—Por que? —perguntou ela.
—Por que, o que? —replicou ele.
—Por que quer casar—se comigo? Lhes deu uma razão? Como Dunstan não tinha falado pessoalmente com ele, Ramsey se virou para Gideon.
—Ele deu alguma razão?
—Porque te quer —disse, assentindo.
Pela vacilação na voz de Gideon, Ramsey soube que não estava dizendo toda a verdade.
—Repete suas palavras exatas — ordenou.
O rosto de Gideon se pôs escarlate.
—Seguramente o jovem não quer ouvir cada palavra, senhor.
—Acho que sim —o contradisse Ramsey—. E Dunstan espera que falemos em seu nome.
O comandante franziu o cenho para ocultar sua conturbação.
—Muito bem, então. Bridgid KirkConnell, Dunstan jura seu amor por você. Admira sua beleza e idolatra o chão.., sobre o qual... pisas... Ponho a Deus por testemunha que essas foram suas palavras.
Ramsey sorriu, mas Bridgid não pareceu nem remotamente tão comprazida. Ofendida pela declaração, tentou ocultar seus sentimentos, sabendo que seu laird não os compreenderia. Como podia compreendê—los?
Era um homem, e em consequência, não poderia entender nunca o que havia em seu coração.
—Como é possível? —perguntou—. Nem sequer conheço este homem, e no entanto declara seu amor por mim?
—Dunstan é um bom homem —insistiu Gideon—. E me parece que fala a sério.
—Está claramente deslumbrado por você —acrescentou Ramsey—. Você Preferiria que lhe desse um pouco de tempo para considerar sua proposta? Talvez se você se sentar com ele e discutirem o assunto...
—Não —interrompeu Bridgid impetuosamente—. Não quero sentar—me com ele e não preciso de tempo para considerar sua proposta. Eu gostaria de dar minha resposta agora. Por favor, diga a Dunstan que agradeço sua proposta, mas...
—Mas o que? —perguntou Gideon.
—Não vou comprometer—me com ele.
Eram as mesmas palavras que tinha utilizado para rejeitar aos outros oito homens.
—Por que não? —perguntou Ramsey, com evidente irritação.
—Não o amo.
—E o que tem a ver o amor com uma proposta matrimonial? Você poderia aprender a amar a esse homem.
—Amarei ao homem com o qual me case, ou não me casarei nunca.
Depois de realizar sua veemente declaração, deu outro passo atrás.
—Como eu posso raciocinar com tão absurda convicção? perguntou Ramsey a Gideon.
—Não sei —replicou este — De onde terá tirado essas ideias? Sua grosseria ao falar dela, como se não se achasse presente a enfureceu e a fez sentir frustrada, mas tentou controlar—se porque Ramsey era o laird e devia respeitar sua categoria.
—Não mudará de opinião com relação a Dunstan? —insistiu Ramsey uma vez mais.
Ela negou com a cabeça.
—Não me comprometerei com ele —repetiu.
—Ah, Bridgid, vocês é uma jovem muito obstinada!
Ser criticada pela terceira vez feriu seu orgulho, e foi impossível continuar guardando silêncio.
—Estive ante sua presença menos de dez minutos, mas em tão pouco tempo me chamou de obstinada, cabeça—dura e obstinada. Se já terminou de insultar—me, gostaria de voltar a reunir—me com meus tios.
Ramsey ficou atônito ante seu estalo de fúria. Era a primeira mulher que lhe falava nesse tom. Sua atitude beirava a insolência, mas não podia reprová—la porque ele tinha pronunciado essas palavras e eram insultantes.
—Não fale ao laird com semelhante falta de respeito —ordenou Gideon—. Seu pai se revolveria no seu túmulo se te ouvisse falar assim.
Bridgid desceu a cabeça, mas Ramsey pôde ver lágrimas nos seus olhos.
—Deixa seu pai fora disto —disse a seu comandante.
—Mas, senhor, pelo menos deveria desculpar—se.
—Por que? Eu a insultei, mesmo que não fosse de propósito, e por isso quem se desculpa sou eu.
Bridgid levantou bruscamente a cabeça.
—Você se desculpa comigo?
—Sim.
Uma radiante sorriso iluminou o rosto da jovem.
—Pois então devo dizer que lamento mostrar—me tão obstinada.
E com uma reverência, se virou, e saiu correndo. Ante essa pressurosa saída, Gideon franziu o cenho.
—É uma mulher difícil —voltou a assinalar—. Compadeço ao homem que se case com ela, deverá travar uma permanente batalha.
Ramsey se pôs a rir.
—Mas vá, que estimulante batalha que será esta!
Gideon ficou surpreendido ante o comentário.
—E você estaria interessado em ...?
Sua pergunta foi interrompida por um forte grito, e Gideon se virou para a entrada da tenda justo quando entrava um jovem soldado o mais rápido possível. Se tratava de Alan, o filho de Emmet Macpherson, e parecia que acabou de ver ao fantasma de seu pai.
—Senhor, venha logo. Houve um terrível acidente... terrível... na cascata —murmurou, arquejando para recuperar o coragem—. Seu irmão... oh, Deus, seu pequeno irmão...!
Ramsey tinha saído correndo antes que as seguintes palavras de Alan o alcançassem como uma facada.
—Michael morreu.

 

 

 

 

 


Capítulo 2
A Inglaterra, sob o reinado do rei Juan

Estava pendurado por um fio. No seu desespero para se esconder de seu inimigo, o menino tinha enroscado a velha corda abandonada que tinha encontrado em um canto dos estábulos, ao redor de uma pedra, depois a tinha atado com o triplo nó que o tinha ensinado a fazer o tio Ennis, e o mais rápido possível, antes de pensar duas vezes, tinha começado a descer pela borda do penhasco com a corda amarrada fortemente a seu braço esquerdo. Era muito tarde quando lembrou que devia ter atado a corda ao redor da cintura, e assim poder utilizar os pés para segurar—se, da mesma forma que tinha visto fazer aos curtidos guerreiros que desciam dos penhascos de Huntley para seu lugar de pesca favorito.
O menino tinha muita pressa, para voltar a subir e começar tudo novo. As rochas se cravavam sobre sua suave pele como agulhas afiadas, e em breve teve o peito e o estômago em carne viva e sangrando.
Tinha certeza que ficariam cicatrize, o que faria dele um verdadeiro guerreiro, e se por um lado pensava que era muito bom que um menino de sua idade conseguisse algo semelhante, por outro teria desejado que não tivesse que ser tão doloroso.
Mesmo assim, estava resolvido a não chorar, sem importar a terrível que fosse a dor. Pôde ver manchas de brilhante sangue que ia deixando sobre as rochas à medida que deslizava, e isso o assustou quase tanto como sua precária situação. Se seu pai pudesse vê—lo nesse momento, seguramente lhe perguntaria se tinha perdido a razão, e inclusive poderia chegar a sacudir a cabeça, decepcionado. Mas também o salvaria, e tudo voltaria a estar bem, e... “oh, papai, quem dera você estivesse agora aqui”. As lágrimas afluíram a seus olhos, e soube que ia esquecer sua própria promessa para chorar como uma criança.
Queria ir para casa, sentar—se no colo de sua mamãe e que ela afagasse seu cabelo, o abraçasse com força e o mimasse. Também o ajudaria a recuperar a razão, o que quer que fosse esta coisa, e então papai não se enfadaria com ele.
Pensar nos seus pais provocou tanta nostalgia que começou a choramingar. Agarrou a corda com força até que os dedos também começaram a sangrar e teve que afrouxar a tensão arriscando a cair. Doíam os braços, os dedos palpitavam e o ventre ardia, mas não pensava na dor, porque o pânico tinha se apossado dele e só no que podia pensar era em sair dali antes que o diabo descobrisse sua ausência.
Descer e colocar—se no desfiladeiro era muito mais difícil do que tinha pensado, mas continuou em frente, sem atrever—se a olhar a boca do abismo que seguramente era tão profunda como o mesmo purgatório. Tentou imaginar que estava descendo de uma das velhas árvores que rodeavam sua casa, porque era um trepador bom e ágil, inclusive melhor que seu irmão maior. Isso tinha dito seu pai.
Esgotado , parou para descansar. Elevou o olhar e ficou surpreendido ao ver o longe que tinha chegado, e por um instante se sentiu orgulhoso de sua façanha. Mas então, o fio que o segurava à vida começou a desfiar. Seu orgulho se transformou em terror, e explodiu em pranto. Tinha certeza que nunca voltaria a ver sua mamãe e seu papai.
Quando lady Gillian chegou ao penhasco, seu peito parecia estar em chamas e a duras penas conseguia respirar. Havia seguido seu rastro desde a espessura, correndo tão velozmente como permitiam suas pernas, e quando finalmente chegou ao penhascos e escutou os gritos do menino, caiu de joelhos, tremendo de alívio. O menino estava vivo, graças a Deus.
Sua alegria durou pouco, porque quando tomou a corda que o sustentava para içá—la e levar o menino a um lugar seguro, pôde ver como desfiada estava, e soube que só era questão de minutos antes que se rompesse totalmente.
Teve medo até de tocar a corda. Se atrevia a segurá—la, os fios que ficavam fariam fricção contra as rochas e se romperiam com mais rapidez.
Ao mesmo tempo em que ordenava a gritos que permanecesse completamente imóvel, se debruçou e se obrigou a olhar acima da borda. As alturas a aterrorizavam, e teve um acesso de náuseas ao ver o abismo que se abria sob ela. Como ia tirá—lo dali? Demoraria muito se voltasse para conseguir uma corda resistente, e as possibilidades que topasse com algum dos soldados de Alford eram muito grandes como para arriscar—se.
Havia algumas pedras que sobressaíam da rocha, e pensou que um homem ou uma mulher com mais experiência seriam capaz de descer por ali.
Mas ela não tinha experiência.., nem agilidade. Olhar para baixo lhe dava vertigem, mas não podia deixá—lo ali, e o tempo acabava. A corda estava a ponto de partir, e o menino cairia para a morte.
Não tinha alternativa, de modo que elevou uma frenética oração, rogando a Deus que lhe desse coragem. “Não olhe para baixo”, se ordenou em silêncio, enquanto se arrastava sobre o ventre e se aproximava à borda. “Não olhe para baixo.”
Gillian lançava um grito de júbilo cada vez que seu pé se apoiava sobre uma das pedras sobressalentes. “Como se fosse uma escada’, tentou pensar”. Quando por último se encontrou à mesma altura que o menino, apoiou a testa contra a fria rocha e deu graças a Deus por ter chegado até ali sem quebrar o pescoço.
Lentamente, se virou para o menino. Não podia ter mais de cinco ou seis anos, e estava tentando desesperadamente de ser valente e audaz ao mesmo tempo. Estava há minutos agarrado à corda, se agarrava a ela com a mão esquerda enquanto segurava uma adaga, a adaga dela, na direita. Tinha os olhos dilatados pelo terror, mas ela também pôde ver
Lágrimas, e ai, seu coração sofria por ele.
Ela era a única esperança que tinha o menino de sobreviver, mas este temia confiar nela. Desafiante, tontamente obstinado, se negava a falar ou a olhar para ela, e cada vez que ela tentava agarrá—lo, ele atacava com a adaga, ferindo—a no braço em cada investida. Apesar disso, não estava disposta a dar—se por vencida, mesmo que tivesse que morrer na tentativa.
—Termine já com esta bobagem e deixe—me te ajudar — exigiu—. Juro por todos os céus que você não tem nem pingo de juízo. Não percebeu ainda que sua corda está arrebentando?
A aspereza de seu tom sacudiu o menino e pôde tirá—lo do terror que o invadia. Ficou olhando o sangue que gotejava dos dedos de Gillian e de repente se deu conta do que tinha feito. De imediato, soltou a adaga.
—Sinto senhora —gritou em gaélico—. Perdoa—me. Não devo machucar as damas, jamais.
Falava tão atropeladamente e tinha um acento tão forte, que Gillian mal pôde compreender o que dizia.
—Você me deixará te ajudar agora? —Esperava que ele a entendesse, pois não tinha certeza de ter utilizado as palavras corretas, já que só possuía um conhecimento rudimentar do gaélico.
Antes que ele pudesse responder, voltou a gritar.
—Não se mecha dessa forma, que vai romper a corda! Deixe—me te agarrar.
—Depressa, senhora! —sussurrou o menino, mas desta vez o fez no idioma de Gillian.
Gillian se aproximou pouco a pouco, para manter o equilíbrio, se agarrou com uma mão à um saliência que havia na rocha situada acima dela e então se estirou para agarrá—lo. Acabava de rodear a cintura do menino com seu braço ensanguentado, e estava levando—o para a borda, quando a corda se rompeu.
Se o menino não tivesse tido um pé firmemente apoiado em um saliência da rocha, ambos teriam caído para trás. Gillian o abraçou contra seu corpo e deixou escapar um suspiro de alívio.
—Você chegou em cima da hora —disse o menino, enquanto se desembaraçava da corda e a brincava ao vazio. Queria vê—la cair até o fundo, mas quando se virou para fazê—lo, ela o apertou com mais força e ordenou que ficasse quieto.
—Chegamos com sucesso até aqui —disse em voz tão baixa que duvidou que ele a tivesse ouvido—. Agora nos falta o mais difícil.
Ele pôde detectar o tremor de sua voz.
—Você têm medo, senhora? —pergunto.
—Oh, sim, tenho medo. Agora vou te soltar. Apoie—se contra a rocha e não se movimente. Vou começar a subir, e...
—Mas nós temos que descer, não subir.
—Por favor, não grite — disse ela —. Não vai ser possível descer mais. Não há muitas saliências onde apoiar os pés. Não vê que a rocha se inclina?
—Talvez se você for e conseguir uma boa corda, poderíamos...
Ela o cortou de repente.
—Disso, nem falar.
Com ambas as mãos se agarrou à pequena rachadura que encontrou em cima e buscou a maneira de içar—se. As forças pareciam tê—la abandonado, e apesar de sua valente tentativa, não conseguiu subir.
—Vocês sabem de uma coisa senhora?
—Sshh! —sussurrou ela, enquanto elevava outra silenciosa súplica para recuperar as forças e realizava uma nova tentativa.
—Senhora, sabe do que?
—Não, o que? — perguntou Gillian, enquanto se apoiava contra a rocha e tentava que seu coração recuperasse o ritmo normal.
—Abaixo há um saliência realmente grande. Eu posso ver. Poderíamos saltar sobre ela. Olhem para baixo senhora e você poderá vê—la com seus próprios olhos. Não está longe.
—Não quero olhar para baixo.
—Mas vocês têm que olhar se quiser ver onde está. Então talvez poderíamos arrastar—nos...
—Não! —gritou Gillian, enquanto voltava a tentar elevar—se para a seguinte saliência. Se só pudesse fazer essa pequena façanha, seguramente encontraria a forma de sair dali e de içar ao menino.
Este contemplou seu esforço.
— Te faltam forças para subir?
—Suponho que sim.
—Posso ajudar?
—Não, limite—se a ficar imóvel.
Tentou içar—se mais uma vez, mas foi um esforço inútil. Sentia tanto pânico que mal podia respirar. Santo Deus, nunca tinha sentido tanto medo em toda sua vida.
—A senhora...
O menino era implacável e Gillian deixou de pedir—lhe que ficasse quieto.
—Que?
—Temos que descer, não subir.
—Estamos subindo.
—E então por que não nos movimentamos?
—Tente ter paciência — ordenou—. Não consigo encontrar um apoio adequado. Dê—me um minuto e tentarei novamente.
—Você não pode subir porque eu a feri, tem toda a roupa manchada de sangue. A feri com a adaga. Sinto muito, mas estava assustado.
Ele estava à beira das lágrimas. Gillian se apressou a tratar acalmá—lo.
—Não se mortifique com isso — disse, enquanto realizava uma nova tentativa. Lançando um grunhido de frustração, finalmente se deu por vencida.
— Acho que você tem razão. Teremos que descer.
Muito lentamente, se virou na estreita saliência, e com a costas apertadas contra a rocha, se sentou. O menino a olhou, e depois se deixou cair a seu lado.
A rapidez de seu movimento fez seu coração bater mais depressa e o agarrou pelo braço.
—Podemos saltar agora? —perguntou o menino com ansiedade.
Realmente, o menino não tinha nada de juízo.
—Não, não vamos saltar. Vamos descer com todo cuidado. Dê—me a mão e agarre—se com força.
—Mas você tem a mão cheia de sangue.
Gillian secou rapidamente a mão contra sua saia, e depois segurou a dele. Juntos, olharam acima do ombro. Gillian teve que olhar para assegurar—se que a saliência tinha largura suficiente. Fez uma rápida oração, e em seguida, juntando a coragem, saltou.
Não estava a grande distância, mas mesmo assim, o impacto foi considerável. Ao cair sobre o saliência, o menino perdeu o equilíbrio mas ela conseguiu segurá—lo. Ele se jogou em seus braços, apertando—a contra a rocha e, ocultando a cabeça no ombro de Gillian, começou a tremer violentamente.
—Quase passo de longe.
—Efetivamente —confirmou Gillian . Mas já estamos a salvo.
—Não vamos continuar descendo?
—Não. Nós vamos ficar aqui.
Passaram vários minutos encolhidos um junto ao outro sobre a borda da saliência na parede do penhasco antes que o menino pudesse se soltar dela. No entanto, rapidamente se recuperou do recente perigo, e foi de gatinhas até a parte mais larga da saliência, que estava protegida por uma ampla cornija.
Com ar de satisfação, se sentou com as pernas cruzadas e por gestos indicou que ela se reunisse com ele.
—Estou bem aqui —disse ela, negando com a cabeça.
—Vai chover e vamos nos molhar. Não será difícil. É só você não olhar para baixo.
Como para confirmar seu prognóstico, se ouviu o retumbar de um trovão na distância.
Muito lentamente Gillian foi para ele. O coração batia como um tambor e tinha tanto medo que achou que ia vomitar. Aparentemente, o menino era mais valente que ela.
—Por que você não pode olhar para baixo? —perguntou o menino, enquanto se arrastava até a borda para espreitar o precipício.
Estava perigosamente perto da borda, e Gillian o agarrou freneticamente pelos tornozelos para arrastá—lo para dentro.
—Não faça isso!
—Mas quero cuspir e ver onde cai.
—Sente—se a meu lado e fique quieto. Tenho que pensar no que podemos fazer.
—Mas por que você não pode olhar para baixo?
—Porque não posso.
—Acho que você vai se sentir mal. Você tem o rosto verde. Você vai vomitar?
—Não —respondeu Gillian com cansaço.
—Você tem medo de olhar para baixo?
Ele era infatigável.
—Por que me faz tantas pergunta?
O menino encolheu os ombros com gesto exagerado.
—Não sei. Só as faço.
—E eu não sei por que me dá medo olhar para baixo, mas é assim. Nem sequer gosto de olhar pela janela de meu quarto porque é muito alto. Me dá vertigem.
—Todas as damas inglesas são como você?
—Não, não acho que sejam.
—A maioria são fracas —afirmou o menino com total autoridade—. Me disse isso meu tio Ennis.
—Seu tio está errado. A maioria das damas inglesas não são fracas. Podem fazer qualquer coisa que façam os homens.
O menino deve ter pensado que o comentário era muito engraçado, porque se pôs a rir com tanta força que se sacudiu incontrolavelmente. Gillian se perguntou como era possível que um menino de tão curta idade fosse tão arrogante.
Ele tornou a atrair sua atenção com outra pergunta.
—Como você se chama, senhora?
—Gillian.
Esperou que ela fizesse a mesma pergunta a ele, e ao ver que não fazia, lhe deu um leve cotovelada.
—Não quer saber como me chamo?
—Já sei como se chama. Os soldados falavam de você. Você é Michael, e você pertence a um clã liderado por um homem chamado laird Ramsey. Você é seu irmão.
O menino negou veementemente sacudindo a cabeça.
—Não, Michael não é meu verdadeiro nome —disse. Se aproximou mais dela e lhe tomou a mão—. Estávamos brincando quando chegaram esses homens e me capturaram. Me colocaram em um saco de farinha.
—Você deve ter passado muito medo —comentou Gillian— . Que tipo de brincadeira vocês estavam fazendo? — Antes que ele pudesse responder, acrescentou—. Por que não me esperou nos estábulos? Teria sido muito fácil fugir se você tivesse feito o que te disse para fazer. E por que você me feriu com a adaga no braço? Você sabia que sou amiga sua. Eu abri a porta, não é mesmo? Se você tivesse confiado em mim...
—Se supõe que não devo confiar nos ingleses, todo mundo sabe isso.
—Isso te disse seu tio Ennis?
—Não, meu tio Brodick —explicou o menino—. Mas isso eu já sabia.
—Você confia em mim?
—Talvez sim —respondeu ele—. Não tive intenção de te ferir. Dói muito?
Doía endemoniadamente, mas não pensava dizer isso a ele porque notou a ansiedade no seu olhar. O pequeno já tinha suficientes preocupações na sua cabeça e não pensava lhe dar uma mais.
—Estarei bem —insistiu Gillian—. No entanto, acho que deveria fazer algo com o sangue.
Enquanto ele a contemplava, Gillian rasgou uma tira de suas anáguas e enfaixou o braço. O menino a atou e depois ela voltou a colocar a ensanguentada manga sobre a bandagem.
—Já está, pronta, como nova.
—Você sabe de uma coisa?
Gillian deixou escapar um suspiro.
—Não, o que?
—Feri os dedos —disse como se estivesse se gabando de uma incrível proeza, e sorria enquanto estendia a mão para que a visse—. Agora não posso fazer nada por nós porque me ardem os dedos.
—Imagino.
O menino iluminou os olhos. Era um belo menino, com escuros cachos e os mais encantadores olhos cinzentos que ela já tinha visto. Tinha o nariz e as bochechas cobertas de sardas.
Se afastou um pouco dela, levantando a blusa para que ela pudesse ver seu peito e o estômago.
—Vou ter cicatrizes —anunciou.
—Não, não acho que fiquem cicatrizes —começou a dizer Gillian, mas então advertiu sua decepção—. Bom, talvez fiquem algumas. Quer tê—las não é mesmo?
—Sim —afirmou, assentindo com a cabeça.
—Por que?
—Todos os guerreiros têm cicatrizes. São marcas de coragem.
Disse com uma seriedade, que Gillian não riu.
—Você sabe o que é a coragem?
O menino negou com a cabeça.
—Não, mas sei que é algo bom.
—Isso mesmo—assentiu ela—. Coragem é ser valente, e isso é algo realmente bom. Imagino que esses cortes te ardem —acrescentou— enquanto lhe descia a blusa para cobrir a barriga dele—. Quando nos levarem de volta ao castelo, pedirei a algum dos serventes que ponha unguento nos seus dedos e no estômago, e então te sentirás muito melhor.
—Algumas das mulheres mais velhas ainda se lembram de mim ——acrescentou—. Nos ajudarão.
—Mas não podemos retornar para lá –grito o menino
Sua mudança de humor a tomou desprevenida.
—Tente compreender. Estamos presos aqui. Este saliência não leva a nenhuma parte.
—Eu poderia arrastar—me até o final e ver...
—Não —o interrompeu ela. A rocha não pode suportar seu peso. —Não vê como se estreita perto da curva?
—Mas eu poderia...
—No posso permitir que você corra esse risco. Os olhos do menino se encheram de lágrimas.
—Não quero voltar. Quero ir para casa. Ela assentiu, fazendo um gesto de simpatia.
—Sei que quer voltar para casa e eu quero ajudar você a ir. Encontrarei uma maneira. —Prometeu . —Te dou minha palavra.
Ele não pareceu muito convencido. Se recostou contra ela e bocejou.
Você sabe o que diz meu tio Ennis? Se um inglês te dá sua palavra, você ficará sem nada.
—Realmente, tenho que conhecer seu tio um dia destes e esclarecer algumas coisas.
O menino soltou um bufo.
—Ele não te dirigiria a palavra —disse . Pelo menos, não acho que o fizesse . Gillian? —disse, disposto a fazer—lhe outra pergunta . Sei que devia esperar nos estábulos, mas então entrou esse homem, me assustei e saí correndo.
—Quer dizer que o barão entrou no estábulo?
—Esse homem mau com a barba vermelha.
—Esse é o barão —confirmou ela— Te viu?
—Não, acho que não. Quando me escondi entre as árvores, o vi sair dali junto de outros dois homens. Talvez não voltem mais.
—Oh, sim que voltarão — o contradisse ela, não queria dar falsas esperanças ao menino—. Se não for amanhã, será depois de amanhã.
A enrugada testa do menino lhe dava um aspecto muito sério para seus poucos anos e conseguiu entristecê—la. Os pequenos tinham que estar fora correndo, rindo e brincando seus jogos tolos com seus amigos. Este pequeno havia sido arrancado de sua família para ser utilizado como peão no esquema do barão Alford. Devia se sentir como jogado no centro de um pesadelo.
—Você tem medo, Gillian?
—Não.
—Eu nunca tenho medo —alardeou ele.
—Quase nunca —se corrigiu ele.
—Quantos anos você tem?
—Quase sete.
Quase?
—Os farei muito em breve.
—Você é um rapaz muito valente.
—Eu sei afirmou ele, com atitude prática—. Por que me tiraram do festival esses homens? Foi o primeiro festival que fui, e estava gostando. Foi porque meu amigo e eu estávamos tentando enganar a nossas famílias?
—Não — assegurou ela—. Não foi por essa razão.
—Fiz algo... errado?
—Oh, não, não fez nada errado. Nada disto é culpa sua. Te pegaram por medo, isso é tudo. O barão quer algo de mim, mas ainda não me disse que é, e você se viu envolvido no assunto.
—Eu sei o que é isso— se gabou ele—. E você sabe o que? O barão vai ir ao inferno, porque meu papai vai mandar ele para lá. Tenho saudades da mamãe e do papai —reconheceu, angustiado, enquanto sua voz se quebrava em um soluço.
—Sim, claro que você tem saudade. Devem estar como loucos te procurando.
—Não, não estão, porque, você sabe porque? Acham que estou morto.
—E por que teriam de pensar tal coisa?
—Ouvi o barão falar com seus amigos.
—Então, você sabe quais são os planos do barão? —perguntou ela em tom agudo.
—Talvez sim —disse ele—. Os homens que me apanharam fizeram parecer que eu tinha batido a cabeça nas rochas, caído pela cascata e me afogado. Mas a mamãe não vai mais chorar todo o tempo.
—Essa pobre mulher...!
—Me tem saudades com loucura.
—Sem dúvida que sim. Mas pensa a alegria que terá quando voltar para casa. Agora diga—me, por favor, que mais você pôde ouvir do que diziam o barão e seus amigos? —lhe perguntou como casualmente, como se a pergunta não tivesse uma enorme importância, para que o menino não se incomodasse.
—Ouvi tudo o que diziam, porque você sabe o que? Fiz uma armadilha. O barão não sabia que eu entendia, porque não falei, nem sequer em gaélico, nem diante dele nem dos demais.
—Isso foi incrivelmente astuto de sua parte —Pôde notar que seu elogio o tinha satisfeito. O menino sorriu, enquanto enlaçava seus dedos com os dela—. Conte—me tudo o que você ouviu, e por favor, use o tempo necessário para não esquecer de nada.
—Há muito tempo o barão perdeu uma caixa, mas agora acha que sabe onde está. Isso disse um homem.
—Que homem? Disse como se chamava?
—Não, mas esse homem estava morrendo quando disse. A caixa tinha um nome gracioso, mas agora não me lembro.
De repente, Gillian sentiu que seu estômago se revirava. Entendeu por que Alford a tinha forçado a retornar a Dunhanshire, e quando compreendeu todas as implicações, seus olhos se encheram de lágrimas.
—Arianna —sussurrou — A chamou de Arianna?
—Sim! —exclamou ele, muito excitado. —Como você sabe o nome?
Gillian não respondeu. Sua mente ardia com perguntas. Oh, Deus, será que Alford tinha encontrado Christen?
—Como você aprendeu a falar gaélico?
—Que? —disse Gillian desconcertada pelo súbito mudança de tema.
Ele repetiu a pergunta.
—Você está zangada comigo por perguntar? —acrescentou.
Gillian pôde ver com que ansiedade a olhava.
—Não, não estou zangada —assegurou—. Aprendi a falar gaélico porque minha irmã Christen vive nas Highiands, e eu...
—Em que parte das Highlands? —a interrompeu ele.
—Não sei com exatidão...
—Mas...
Não permitiria que voltasse a interromper.
—Quando descobrir onde está exatamente, irei vê—la e quero poder falar—lhe em gaélico.
—Como é possível que ela pertença a um clã, viva nas Highlands e você não?
—Porque a mim me prenderam— respondeu ela—. Há muito tempo, quando era muito pequena, o barão e seus homens se apoderaram de Dunhanshíre. Meu pai tentou colocar—nos a salvo, mas no caos nos separaram.
—Sua irmã está perdida?
—Não, não está. Um dos soldados leais a meu pai a levou ao norte, às Lowlands. Meu tio Morgan teve muito trabalho para averiguar exatamente onde está, mas tinha evaporado em algum lugar das Highlands. Não tenho certeza de onde está agora, mas espero que algum dia possa encontrá—la.
—Você tem saudades?
—Sim, tenho saudades. Há muito tempo que não a vejo e temo que nem sequer possa reconhecê—la. O tio Morgan me disse que a família que cuidou dela talvez tenha mudado o nome para protegê—la.
—Do barão?
—Sim —confirmou ela—. Mas ela se lembrará de mim.
—Se não for assim?
—Se lembrará —insistiu ela.
Transcorreu todo um longo minuto de silêncio antes que ele voltasse a falar.
—Você sabe o que?
—Sim?
—Posso falar bem em seu idioma porque minha mamãe me ensinou como falar com os ingleses, mesmo que papai não queira e só me fale em gaélico. Nem sequer me lembro como o fiz. Só aprendi e já está.
—Você é um menino muito inteligente.
—Isso diz minha mamãe. O gaélico é difícil de falar —continuou dizendo—, porque cada clã tem sua própria maneira de dizer as coisas, e se demora muito tempo aprender todas as diferenças. Quando o tio Brodick me fala, tem que fazê—lo no gaélico que falo porque de outra forma eu não entenderia o que me diz, mas não importaria muito que você entendesse o que dizem, porque, você sabe porque? Não falariam com você, a menos que ordenasse meu tio.
—Por que não falariam comigo?
Ele lhe dirigiu um olhar que sugeria que ela era uma completa estúpida. Era um menino tão adorável que Gillian teve que conter—se para não abraçá—lo.
—Porque você é inglesa —explicou exasperado—. Está escurecendo —assinalou com preocupação—. Você tem medo de escuridão como você tem de olhar abaixo?
—Não, não tenho medo.
O menino estava tentando fazer que Gillian rodeasse seus ombros com o braço, mas esta parecia não perceber a insinuação, de maneira que, frustrado, terminou por tomar—lhe as mãos e fazê—lo por ela.
—Você cheira como minha mama.
—E como é esse cheiro?
—Bom.
Ao dizer isto, se quebrou a voz, e Gillian supôs que tornava a sentir saudade de seu lar.
—Talvez o barão não nos encontre —disse o menino.
—Seus soldados verão a corda atada ao redor da rocha — lembrou suavemente.
—Não quero voltar para lá.
Explodiu em lágrimas. Gillian se inclinou para ele, tirou os cachos que cobriam os olhos dele e beijou sua testa.
—Tranquilo, tudo vai ficar bem. Prometo que encontrarei uma maneira de te levar de volta para casa.
—Mas não é mais que uma mulher! — lamentou o menino.
Gillian tentou pensar em algo que o acalmasse e desse alguma esperança. Seus soluços estavam destroçando seu coração, e quando já estava por sucumbir ao desespero, pensou:
—Você sabe o que é um orientador, não é?
Ele respondeu entre soluços.
—O mesmo que um protetor. —Se sentou e secou as lágrimas que cobriam as bochechas com o punho—. Eu tinha um orientador, e depois tive outro. Desde o dia em que nasci me atribuíram um orientador, porque todo menino que nasce em nosso clã tem que ter um. Têm a missão de cuidar do menino, ou da menina, durante toda sua vida, para assegurar—se que não acontece nada mal. Angus era meu orientador, mas morreu.
—Sinto muito —disse Gillian—. Tenho certeza que Angus era um magnífico orientador.
Estava começando a se sentir exausta e era difícil manter o bate—papo. Doía o braço e sentia como se o tivessem posto sobre uma tocha acesa. Esgotada como estava depois da longa viajem para Dunhanshire, não retrocedeu na sua decisão de manter o menino ocupado com a conversa até que o sono vencesse.
—Me atribuíram um novo protetor — contou ele—. Papai teve que pensar durante muito tempo porque queria escolher o melhor para mim. Me disse que queria que meu orientador fosse tão hábil e feroz como o de Graham.
—Quem é Graham?
—Meu irmão.
—E quem seu pai escolheu?
—Um amigo —respondeu ele—. É um feroz guerreiro, um chefe muito importante, e você sabe o que?
—O que? —disse ela, sorrindo.
—É terrivelmente antipático. Isso é o melhor. Papai diz que será um excelente orientador.
—Porque é antipático?
—E porque é forte —explicou ele—. Pode partir uma árvore em duas só com seu furioso olhar. Isso me disse o tio Ennis. Ele só é antipático quando não tem mais remédio.
—Seu protetor não será o tio Ennis, verdade?
—Não —respondeu o menino—. Tio Ennis não poderia ser. É muito amável.
Gillian se pôs a rir.
— E isso seria impróprio para um bom protetor?
Poderia ter jurado que ele considerava estúpida a pergunta.
—Não, você tem que ser antipático com seus inimigos, não amável. Por isso papai escolheu ao tio Brodick. É meu novo orientador, e jamais é amável. Você sabe o que?
Essas palavras estavam começando a torná—la louca.
—Não, o que?
—Provavelmente Brodick esteja lançando chispas, porque disse a papai que não me deixasse ir ao festival, mas mamãe insistiu e papai teve que ceder.
—Seu tio Brodick foi ao festival?
—Não, nunca vai a nenhum, porque sempre há muitos ingleses. Com certeza que ele não acha que eu tenha morrido. É o novo laird dos Buchan, e todo mundo sabe os teimosos
que são os Buchannan. Agora que é meu novo orientador, tenho que chamá—lo “tio”. Talvez ele me encontre antes que meu pai.
—Talvez sim —conveio ela, para tranquiliza—lo. —Por que não apoia a cabeça em meu colo e você fecha os olhos? Descanse um momento.
—Não irá enquanto estou dormindo, não é?
—Aonde poderia ir?
O menino sorriu ao se dar conta de como tola era sua preocupação.
—Vou ter medo quando você for. Ouvi o barão dizer a seus amigos que você tinha que ir buscar a sua irmã. Vai se enfurecer quando descobrir que você se perdeu.
—Por que não me disse antes?
—Esqueci.
—O que mais disse? — implorou—. Preciso saber de tudo.
—Lembro que disse que seu rei também está procurando a caixa, mas o barão vai encontrá—la primeiro. Eu não sei por que, não lembro mais nada —terminou dizendo, com um gemido — Quero que meu papai venha agora me buscar!
—Não chore, por favor — suplicou Gillian. O abraçou com mais força—. Um rapazinho que tem três protetores deveria estar sorrindo, não chorando.
—Não tenho três, só tenho um.
—Oh, sim que você tem três. O primeiro é seu pai, o segundo é Brodick e eu sou a terceira. Serei sua protetora até que consiga te levar são e salvo para casa.
—Mas as mulheres não podem ser protetoras.
—Certamente que podem.
O menino refletiu sobre a questão durante longo momento, e finalmente assentiu.
—Muito bem —consentiu—. Mas então deve me dar algo.
—Oh, sim?
Ele voltou a assentir.
—Um orientador sempre dá algo importante ao menino ou à menina que deve cuidar —explicou—. Deve me dar algo seu.
—Seu tio Brodick te presenteou com algo importante?
—Sim—respondeu ele—. Ele deu a papai seu melhor punhal para que o entregasse a mim. Tem seu escudo no punho. Papai fez uma bainha de couro, e me permitiu levá—lo ao festival. Agora já não tenho.
—Que aconteceu?
—Um dos soldados do barão me tomou. O vi jogá—lo sobre um banco do grande salão.
—Encontraremos uma forma de recuperá—lo — prometeu Gillian.
—Mas o que você vai me dar? —voltou a perguntar.
Ela levantou uma mão.
—Você vê este anel que levo? O aprecio mais que tudo no mundo.
Na minguante luz do ocaso era difícil vê—lo com claridade. O menino tomou a mão dela e o observou com atenção.
—É lindo —comentou.
—Pertenceu à minha avó. Meu tio Morgan me presenteou no meu último aniversário. O colocarei em minha fita e o pendurarei no seu pescoço. Vai usá—lo debaixo da blusa para que o barão não o veja.
—Posso conservá—lo para sempre?
—Não, não pode —respondeu ela—. Quando cumprir a promessa que te fiz, e tenha te levado são e salvo até sua casa, você me devolverá. Agora feche os olhos e tente dormir. Pensa no felizes que ficarão seus pais quando voltem a ver você.
—Mamãe vai chorar de feliz, e papai também estará muito contente, mas não vai chorar porque os guerreiros nunca choram. No entanto, a alegria não vai durar muito tempo, porque terei que dizer que o desobedeci.
—Como você desobedeceu?
—Me disse que não me aproximasse da cascata. Disse que era muito perigoso que as crianças brincassem ali porque as rochas eram muito escorregadias, mas meu amigo e eu fomos assim mesmo, e quando dizer a papai, vai se irritar comigo.
—Você tem medo de seu pai?
O menino riu baixo.
—Jamais poderia ter medo de papai.
—Então por que você se preocupa?
—Porque me obrigará a sair para dar um passeio com ele, por isso, e depois me fará meditar sobre o que fiz, e depois me fará dizer o que fiz de errado em tudo isso e então me castigará.
—Que te fará?
—Talvez não me deixe sair para cavalgar com ele por um tempo... este seria o pior castigo, porque gosto muito de cavalgar sobre seu colo. Papai me deixa levar as rédeas.
Gillian o acariciou nas costas e sugeriu que por enquanto não se preocupasse com isso.
Ele não tinha terminado de confessar seus pecados.
—Mas isso não é tudo o que tenho que contar —continuou dizendo—. Tenho que dizer o que fizemos Michael e eu.
—Seu amigo também se chama Michael?
—Meu amigo é o Michael —a corrigiu ele—. Já te disse, estávamos brincando.
—Não se preocupe. Seu pai não se importará com o que você brincava com seu amigo...
—Mas...
—Dorme — ordenou.
O menino ficou quieto e calado durante vários minutos. Gillian achou que finalmente tinha dormido e sua mente voou para outros assuntos mais importantes.
—Você sabe o que?
Ela soltou um suspiro.
—Não, o que?
—Eu gosto de você, mas da maioria dos ingleses eu não gosto. O tio Ennis odeia a todos. Isso me disse. Diz que se dá a mão a um inglês, termina sem dedos, mas isso não é verdade não?
—Não, não é verdade.
—Você lamenta ter de ser inglesa?
—Não, só lamento que Alford seja.
—É um ignorante. Você sabe por que?
Soube que ele não se daria por satisfeito até ter dito.
—Não, por que? —perguntou, obediente.
—Porque acha que eu sou Michael.
Gillian deixou de acariciar suas costas e ficou imóvel.
—Você não é Michael?
O menino se virou, e depois se sentou de cara para ela.
—Não, Michael é meu amigo. Isso é o que tenho tentado dizer. O estúpido Barão acha que sou o irmão de laird Ramsey, mas não sou. Michael que é irmão dele. Esse é o jogo que inventamos. Trocamos nossos tartáns, e apostamos para ver quanto tempo demorariam todos em perceber que trocamos de lugar. Quando escurecesse, eu ia à tenda de Michael, e ele à minha.
—Santo Deus! —sussurrou Gillian, tão aniquilada que ficou quase sem força. O inocente menino não tinha a mínima ideia do que significava o que acabava de dizer, e tudo o que o preocupava era a reação de seu pai ao saber do tolo jogo que tinha inventado com seu amigo. Era questão de tempo que Alford descobrisse a verdade, e quando o fizesse, o destino da criatura ficaria selado.
O agarrou pelos ombros e o atraiu para ela.
—Escute—me — disse em um premente sussurro—. Jamais deve dizer a ninguém o que acaba de me dizer. Prometa.
—Eu prometo.
Só ficavam alguns fracos clarões de luz para iluminar as rochas do penhasco, e era difícil ver o rosto com claridade. Se aproximou a ele mais ainda, e olhando—o fixamente nos olhos, perguntou.
—Quem é você?
—Alec.
Gillian deixou cair as mãos sobre seu colo e se apoiou contra a parede de rocha.
—Você é Alec —repetiu. Não podia recobrar—se da surpresa, mas o menino pareceu não advertir seu estupefata reação.
Alec sorriu.
—Você vê? O barão é muito ignorante, porque apanhou ao menino errado —disse.
—Sim, estou vendo. Alec, seu amigo viu como te apanharam os homens de Alford e te tiravam do festival?
O menino beliscou o lábio inferior com os dedos enquanto pensava no sucedido.
—Não —respondeu—. Michael retornou à sua tenda na busca de seu arco e suas flechas, porque queríamos atirar pela cascata, e nesse momento eles chegaram e me apanharam. Você sabe o que? Não acho que fossem soldados do barão, porque usavam tartáns.
—Quantos eram?
—Você não sei... talvez três.
—Se eram das Highlands, então eram traidores cúmplices do barão —murmurou Gillian, enquanto passava os dedos pelo cabelo, com grande agitação—. Que enrascada é essa.
—Mas que acontecerá se o barão descobrir que não sou o Michael? Vai se enfurecer, não é verdade? Talvez obrigue aos traidores a ir buscar meu amigo. Espero que não coloquem o Michael dentro de um saco de farinha. Dá medo.
—Temos que achar uma maneira de advertir do perigo à família de Michael.
Sua mente voava de uma ideia a outra, enquanto tentava compreender o retorcido jogo que estava brincando Alford.
—Talvez tenha estado muito assustado para contar.
—Quantos anos tem Michael?
—Não sei —respondeu Alec—. Pode ser que tenha minha idade. Você sabe o que? Talvez tenha tirado o tartán. Isso é o que eu faria se estivesse realmente assustado, e Michael teria medo de irritar a seu irmão porque praticamente não o conhece, já que faz muito pouco que chegou para se transformar em laird. A Michael o assustava brincar com esse engano porque não queria colocar—se em problemas. É culpa minha! —exclamou, chorando—. Eu o obriguei a fazer!
—Quero que você deixe de se preocupar com isso. Ninguém vai te culpar de nada. Por que não apoia a cabeça sobre meu colo e fique quieto de uma vez, para que eu possa pensar?
Gillian fechou os olhos, para desanimá—lo de fazer mais perguntas.
Alec não estava disposto a cooperar.
—Você sabe o que? Ao ver que ela não respondia, se pôs a puxar a manga—. Você sabe o que?
Gillian se deu por vencida.
— Que?
—Tenho um dente mole. —Para provar que estava dizendo a verdade, tomou uma mão dela e a obrigou a tocar um de seus dentes com o dedo—. Você vê como se movimenta de atrás para frente quando o toca? Talvez amanhã caia.
A ansiedade na sua voz ao contar esta notícia tão importante a lembrou subitamente o pequeno que era. Perder um dente, evidentemente, o comovia.
—Papai ia tirar, mas depois disse que devia esperar que se afrouxasse e caísse só.
Bocejando audivelmente, Alec tornou a apoiar a cabeça sobre o colo de Gillian e esperou pacientemente que ela continuasse esfregando—lhe as costas.
—Ia pedir ao papai que tirasse meu dente durante o festival, porque Michael queria ver como fazia. Michael é de Ramsey —Acrescentou, pois tinha esquecido de informar.
—E você de quem é, Alec?
Ele se ergueu, cheio de importância.
—Eu sou o filho de lan Maitland.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 3

Alford gostava de jogar. Era particularmente torcedor a todos aqueles jogos que implicavam crueldade.
Nesse momento ele estava passando muito bem, mesmo que, na verdade, o dia não tinha começado nada bem. Havia retornado a Dunhanshire domingo ao meio—dia, congelado e calado até os ossos por culpa de um inesperado e torrencial aguaceiro que o tinha pegado desprevenido pelo caminho, e tal como se sentia, não estava no melhor humor para inteirar—se de que lady Gillian tinha tentado ajudar o menino a escapar. Antes que sua fúria fosse maior — já tinha matado o soldado portador das desagradáveis notícias , Gillian e o rapaz foram localizados e levados de retorno ao castelo. Nesse momento se achavam ante ele, à espera de ouvir seu castigo.
A expectativa do prazer que o aguardava não fazia mais que aumentar. Queria que se queimassem nos seus próprios medos, e parte do prazer de Alford consistia em deixá—los imaginar o tipo de tortura que tinha pensado para eles. O menino, o trôpego irmão menor de laird Ramsey, era muito estúpido para entender ou para falar, mas Alford sabia
que estava assustado pela maneira em que se apertava contra Gillian. Ela, pelo contrário, estava resultando decepcionante, e se não estivesse prevenido, teria pensado que estava tentando deliberadamente atrapalhar sua diversão. Não parecia em absoluto preocupada pela sua sorte. Não pôde detectar nela o menor sinal de temor.
A esperta ainda tinha o poder de amedrontá—lo, e se insultou em silêncio pela sua própria covardia e por não poder sustentar—lhe o olhar.
“Protege—me dos justos”, disse em seu íntimo. Enfrentar todo um esquadrão de soldados não era nem remotamente tão intimidante como este projeto de mulher, e apesar de não cessar de lembrar que quem tinha o poder era ele, e que podia mandá—la matar com uma simples ordem, Alford não podia evitar sentir que ela levava vantagem.
Nunca tinha esquecido a forma em que o tinha olhado quando a levaram ante sua presença após o massacre. Naquele dia então, ela não era mais que uma menina, mas a lembrança ainda o fazia estremecer. Alford sabia que ela o tinha visto matar a seu pai, mas tinha imaginado que a lembrança teria se apagado com o tempo. Nesse momento, já não estava tão seguro. Que mais lembraria Gillian? Teria o ouvido confessar seus pecados a seu pai antes de assassiná—lo? A dúvida produzia calafrios. O ódio de Gillian o aterrava, debilitava e o punha arrepiado.
Sua mão tremia ao tomar sua taça de vinho, e tentou ignorar seus temores antes de atirar ao tema que tinha entre mãos. Sabia que não tinha a mente clara, mas entorpecida e enturvada. Não costumava embriagar—se dessa forma diante de seus amigos. Fazia anos que era um bebedor empedernido porque as lembranças não o permitiam descansar. Mas sempre tinha tido a precaução de beber a sós. Esse dia tinha feito uma exceção, porque o vinho o ajudava a acalmar sua fúria. Não queria fazer nada que mais tarde pudesse lamentar, e mesmo que tinha pensado em aguardar até o dia seguinte para se ver com a desafiante Gillian, decidiu que estava suficientemente lúcido para terminar de uma vez com a questão e assim poder continuar bebendo com seus companheiros.
Alford contemplou Gillian através de olhos confusos e injetados de sangue. Estava sentado no centro de uma comprida mesa, ladeado pelos seus sempiternos acompanhantes — o barão Hugh de Barlowe e o barão Edwin, o Careca.
Raramente ia a algum lado sem eles, já que eram seu público mais devoto. Desfrutavam tanto com seus jogos que a miúdo tinham pedido que os deixasse participar, e assim Alford jamais teve que preocupar—se pela possibilidade que o traíssem, já que eram tão culpados como ele de seus passados crimes.
Gillian e o menino não tinham provado um bocado sequer desde a manhã anterior e Alford supôs que a essas alturas estariam mortos de fome, de modo que os obrigou a olhar como seus amigos e ele compartilhavam um banquete digno de um rei, enquanto discutiam vários possíveis castigos. A mesa estava carregada de faisões, coelhos, perus e frangos, rodelas de queijo amarelo, grandes pedaços de áspero pão preto cobertos de marmelada e mel, e excelentes tortas de amoras. Os serventes iam e vinham, levando grandes jarras cheias de vinho, e sobre mesas adicionais se empilhavam outras delícias, esperando para satisfazer seus vorazes apetites.
Sobre a mesa havia comida suficiente para alimentar todo um exército. Vê—los comer era a Gillian tão desagradável, que em breve perdeu a fome, que antes a tinha feito sofrer. Não conseguia decidir qual dos três homens era mais repugnante. Hugh, com suas enormes orelhas e seu queixo proeminente, soltava constantes grunhidos enquanto comia, e Edwin, com sua tripla papada e seus vermelhos olhos suínos, suava profusamente enquanto se apressava a colocar—se na boca com a mão enormes pedaços de carne gordurenta. Parecia temer que a comida fosse acabar antes que pudesse encher sua descomunal barriga, e quando se detinha um momento para respirar, o rosto reluzia de oleoso suor.
Os três estavam bêbados. Enquanto ela aguardava de pé, eles tinham acabado com seis jarras de vinho, e estavam esperando que um servente servisse uma sétima.
Eram uns autênticos porcos, mas decidiu que Alford era com muito o pior de todos. De seus lábios penduravam pele de frango, e quando introduziu uma torta inteira na boca, pelos cantos escorreram os sucos de amoras, manchando de preto sua vermelha barba. Muito ébrio para preocupar—se pelos seus modos ou seu aspecto, atacou outra torta com avidez.
Alec estava à esquerda de Gillian, perto da lareira, contemplando o espetáculo sem pronunciar uma palavra.
De vez em quando roçava a mão com a sua. Por muito que anelasse consolá—lo, não se atrevia nem a olhá—lo, já que Alford não tirava os olhos de cima. Se demonstrasse preocupação ou compaixão pelo menino, Alford o usaria contra ela.
Gillian tinha tentado preparar Alec, advertindo que tudo poderia colocar—se ainda pior antes de terminar, e também o tinha feito prometer que não abriria a boca sob nenhuma circunstância. Enquanto Alford seguisse pensando que o menino não entendia o que lhe dizia, era provável que continuasse falando livremente ante ele, e talvez dissesse algo que explicasse o motivo do sequestro.
Quando já não pôde continuar vendo comer a esses animais, Gillian se virou para a porta. Sabia que de pequena devia ter brincado nesses salões, mas não conservava nenhuma lembrança. Perto da escada havia um longo banco apoiado contra a parede, e se perguntou se teria pertencido a seus pais, ou se Alford o teria trazido com suas coisas.
Sobre ele se achavam espalhados vários mapas e rolos de pergaminho, mas perto da beirada havia uma adaga. Alec havia dito que o soldado tinha arrebatado a adaga e a tinha jogado sobre um banco. Ainda estava ali. Pôde distinguir os raros e intrincados desenhos do punho, e se sentiu estranhamente confortada. A adaga tinha sido um presente de
Brodick, o orientador de Alec.
Um poderoso arroto de Alford atraiu sua atenção. Viu como limpava a boca com a manga de veludo e se recostava na sua cadeira. Parecia ter dificuldades para manter os olhos abertos, e quando se dirigiu a ela, sua voz era áspera.
—Que vou fazer com você, Gillian? Cada vez que nos encontramos, você oferece resistência, não vê que busco o melhor para ti?
Edwin soltou uma estridente gargalhada. Hugh riu baixo, enquanto voltava a tomar sua taça de vinho.
—Você foi um verdadeiro fastio —continuou dizendo Alford—. Fui muito complacente com você. Não te deixou em paz durante todo este tempo? Devo reconhecer que me surpreendeu ver em que linda mulher você se transformou. Você era uma menina tão pouco atraente, tão carente de encantamento, que a transformação é verdadeiramente assombrosa. Agora você é valiosa, querida minha. Poderia vender—te ao melhor licitante e ganhar uma pequena fortuna. Te assusta essa possibilidade?
—Parece aborrecida, não assustada —assinalou Edwin.
Alford encolheu de ombros com indiferença.
—Você se dá conta, Gillian, de que foi necessário todo um batalhão de soldados para te arrancar do lado de seu santo parente? Me inteirei que seu tio Morgan ofereceu uma dura batalha, o que me parece francamente gracioso, considerando o velho e doentio que é. Você sabe, acho que seria um ato de piedade da minha parte colocar final a suas desditas. Tenho certeza que agradeceria uma morte rápida em vez de seguir durando e durando.
—Meu tio não é velho nem doente —replicou Gillian.
Edwin se pôs a rir. Gillian controlou o impulso de golpeá—lo. Santo Deus, como desejava ser mais forte.
Detestava sentir—se tão impotente e assustada.
—Deixe em paz meu tio, Alford — exigiu—. Ele não pode fazer—te nenhum dano.
Alford continuou como se não a tivesse ouvido.
—Se transformou em um pai adorável, não é mesmo? Morgan não teria brigado como fez para te proteger se não te amasse como um pai. Sim, me desafiou para te proteger, maldito seja —acrescentou, com um trejeito de desprezo— Também me desgostei muita sua própria resistência. Foi muito desconcertante, a verdade. Eu esperava que você obedecesse meu chamada. Sou seu guardião, depois de tudo, e você deveria vir de imediato quando te chamo. Simplesmente, não entendo sua resistência— Não, não a entendo —disse, sacudindo a cabeça antes de prosseguir— Este é seu lar, não é mesmo? Pensei que você estaria ansiosa para retornar. O rei Juan decretou que Dunhanshire seguirá sendo seu até que você se case.
Depois, naturalmente, o controlará seu marido em seu nome.
—Tal como deve ser —interveio Hugh.
—Ainda não reclamou Dunhanshire ao rei Juan? —perguntou Gillian, sem poder ocultar a surpresa.
—Não o tenho pedido —murmurou ele—. Por que ia fazê—lo? De todas as formas me pertence, já que sou seu guardião e portanto controlo tudo o que é seu.
—O rei Juan te nomeou meu guardião? —Gillian fez esta pergunta só para irritá—lo, sabia que o rei não lhe tinha outorgado tal direito.
O rosto de Alford se pôs púrpura de fúria, e a contemplou sério, enquanto ajustava a desordenada túnica e bebia outro gole de vinho.
—Você é tão insignificante para nosso rei, que esqueceu tudo o que se refere a ti. Eu me designei como seu guardião, e isso é o que conta.
—Não, não é suficiente.
—Alford é o assessor de mais confiança que tem o rei —declarei Edwin—. Como se você atreve a falar com ele em um tom tão insolente?
—É insolente, verdade? —concordou Alford—. Goste ou não, Gillian, sou seu guardião e seu destino está em minhas mãos. Vou escolher seu marido pessoalmente. Quanto a isso, bem poderia casar—me com você eu mesmo —acrescentou, impulsivamente.
Gillian não se permitiu mostrar nenhuma reação ante tão repulsiva possibilidade e continuou olhando fixamente a Alford sem responder a sua ameaça.
—Se você a prometeu a seu primo — lembrou Hugh a Alford—. Ouvi que Clifford está fazendo grandes planos.
—Sim, já sei o que prometi, mas quando você me viu manter minha palavra? —perguntou Alford com um sorriso torcido.
Hugh e Edwin se puseram a rir até que as lágrimas correram pelas bochechas. Finalmente, Alford ordenou silêncio com um gesto.
—Me fizeram perder o fio do que estava dizendo.
—Você estava explicando a Gillian o desgostado que você estava ante sua resistência — lembrou Edwin.
—Sim, muito desgostado —afirmou Alford—. Isto não pode continuar assim, Gillian. Sou um homem indulgente, o qual é um verdadeiro defeito, na verdade, e não posso evitar compadecer aos menos afortunados, por tanto permiti que o insultante comportamento de seu tio não fosse devidamente castigado. Também perdoarei sua negativa a obedecer de imediato meu chamado. —Bebeu um longo gole antes de continuar—. E como pagas minha benevolência? Tentando ajudar a escapar ao pequeno selvagem. Como seu guardião, não posso permitir que sua desobediência fique impune. É hora que o menino e vocês aprendam uma lição de humildade.
—Se você bater nela , Alford, necessitará de tempo para recuperar—se antes que você possa empreender com ela essa busca tão importante — o preveniu Edwin.
Alford tomou o resto de sua taça, e a estendeu a um lacaio para que a enchesse.
—Eu sei —respondeu—. Você notou, Edwin, como se afeiçoou o menino com Gillian? Como tolo que é, talvez creia que ela poderá protegê—lo. Demonstramos quão errado está? Hugh, já que você desfruta tanto de seu trabalho, você pode pegar o menino.
—Não vai tocar neste menino. —Gillian fez esta afirmação em voz muito baixa, o que foi muito mais efetivo que os gritos, e pela desconcertada expressão de Alford, soube que o havia pegado com a guarda baixa.
—Não?
—Não.
Alford tamborilou com os dedos sobre a mesa.
—A dor convencerá o menino do inútil que é tentar escapar. Além disso, vocês dois me irritaram, e realmente, não posso decepcionar o Hugh. —Alford se voltou para seu amigo—. Tente não matar ao menino. Se Gillian me falhar, vou necessitar dele.
—Não vai tocar neste menino —repetiu Gillian, mesmo que desta vez o fez em tom duro e enfático.
—Se está disposta a ser castigada em seu lugar?— pergunto Alford
—Sim.
Alford se surpreendeu ante sua imediata conformidade, e se enfureceu porque Gillian não mostrava nenhum temor. A coragem lhe era um conceito estranho, e jamais tinha compreendido por que alguns homens e mulheres exibiam este raro fenômeno, e outros não. Essa virtude sempre lhe tinha faltado, e mesmo que, certamente, nunca tinha sentido a necessidade de mostrar—se valente, os que eram, conseguiam tirá—lo de si. Detestava encontrar nos demais aquilo do qual ele carecia.
—Farei o que me apeteça, Gillian, e não poderá deter—me. Bem poderia decidir matar—te.
—Sim, é verdade —concedeu ela, com um dar de ombros—. Você poderia matar—me, e eu não poderia deter—te.
Alford levantou uma sobrancelha e a observou com atenção. Era difícil concentrar—se, o vinho lhe causava sonolência e só o que desejava era poder fechar os olhos alguns minutos. Em lugar disso, bebeu outro gole.
—Você está tramando algo —disse—. De que se trata, Gillian? Que tipo de jogo você se atreve a jogar?
—Nenhum jogo —replicou ela—. Mate—me, se este é seu desejo. Tenho certeza que você encontrará alguma explicação satisfatória que dar a nosso rei. Mesmo assim, como bem você disse, não se lembrou de mim durante todos estes anos, e de repente você me obriga a voltar aqui. É óbvio que quer algo de mim, e se você me mata...
—Com efeito —a interrompeu Alford—. Quero algo de ti. —Se endireitou na cadeira, e a olhou com ar triunfante antes de prosseguir—. Tenho magníficas notícias. Depois que muitos anos de busca, finalmente encontrei sua irmã. Sei onde se esconde Christen. —Observou minuciosamente a Gillian, e ficou muito desiludido ao ver que não mostrava nenhuma reação ante a notícia. Fazendo girar a taça entre seus dedos, disse, sorrindo com afetação—. Inclusive sei o nome do clã que a protege. Trata—se dos Macpherson, mas não sei debaixo de que nome se oculta Christen. Uma irmã seguramente poderá reconhecer à outra, e por isso quero que você vá e a traga de volta.
—Por que não envia seus soldados para buscá—la? —perguntou ela.
—Não posso enviar minhas tropas ao interior das Highiands e é precisamente ali onde ela se esconde. Esses selvagens massacrariam meus homens. Sem dúvida, poderia obter a bênção do rei Juan para esta empresa, e então tenho certeza que me enviaria soldados de reforços, mas não quero envolvê—lo em assuntos de família. Além disso,tenho você para fazê—lo.
—Os soldados não saberiam reconhecê—la, e é seguro que os selvagens não diriam. Protegem os seus a toda custo —interveio Hugh.
—E se me nego a ir? —perguntou Gillian.
—Pois alguém mais a traria até aqui —fanfarreou ele—. Só que seria menos complicado se você fosse.
—E esse a alguém seria capaz de reconhecê—la?
—O tipo das Highlands que nos deu esta informação conhece o nome sob o que se oculta Christen —lembrou Edwin a Alford—. Você poderia obrigá—lo a te dizer . —
—Pelo que sabemos, o selvagem poderia estar trazendo Christen com ele. —disse Hugh— A mensagem que enviou indicava que havia um problema...
—Um problema urgente —acrescentou Edwin—. E não é certo que chegue amanhã. Poderia fazê—lo no dia seguinte.
—Não duvido que o problema seja urgente —Hugh se inclinou para frente para poder ver a Alford—. O traidor não teria corrido o risco de vir até aqui se não fosse por um assunto urgente. Poderiam vê—lo.
Edwin esfregou sua tripla papada.
—Se você castigar o menino, Hugh, o tipo das Highlands poderia desentender—se e reclamar que devolvam seu ouro.
Hugh se pôs a rir.
—Quer ver morto ao menino, velho tolo. Você estava muito bêbado todo o tempo para entender a conversa. Basta dizer que se selou um trato entre o tipo das Highlands e Alford. Como você sabe, cada tanto surge um novo rumor que foi vista a caixa de ouro, e cada vez que chegam aos ouvidos do rei Juan, envia tropas a rastrear por todo o reino. Seu desejo de achar o culpado da morte de sua Arianna, assim como o de recuperar seu tesouro, não diminuiu com os anos.
—Alguns dizem que inclusive aumentou muito mais —remarcou Edwin—. O rei inclusive enviou tropas às Lowlands, em busca de informação.
Hugh assentiu, movimentando a cabeça.
—E enquanto Juan procura seu tesouro, Alford procura Chrysten, porque acha que ela sabe onde está escondida essa caixa. Se propõe demonstrar que seu pai a roubou. Ao longo de todos estes anos, Alford também fez averiguações em todos os clãs, perguntando por Christen.
—Mas nenhuma deu resultado.
—Isso mesmo—confirmou Hugh—. Ninguém disse conhecê—la.., até que chegou o homem das Highlands.
—Mas, e o trato pactuado entre este traidor e nosso Alford?
Hugh olhou o barão, esperando que respondesse à pergunta, mas Alford tinha os olhos fechados e a cabeça caída sobre o peito. Parecia estar cochilando.
—Jamais vi tão ébrio o barão —sussurrou Hugh a seu amigo de forma audível—. Olha como dormiu.
Edwin encolheu os ombros.
—E o pacto? —insistiu.
—O barão aceitou manter cativo o menino para atrair até aqui seu irmão, laird Ramsey, e que assim o tipo das Hmghlands pudesse matá—lo. O menino não é mais que um chamariz, e quando o jogo estiver terminado e Ramsey tenha sido assassinado...
—O menino já não servirá para nada.
—Exatamente —confirmou Hugh—. Portanto, já vê que, o batermos nele não vai preocupar em absoluto ao tipo das Highlands.
—E o barão que obtém deste trato?
—O homem deu ouro e algo mais, deixe que explique o próprio Alford. Se ele quer que você saiba, te dirá.
Edwin se indignou ao ficar sem resposta. Deu uma forte cotovelada a Alford. O barão despertou, sobressaltado, murmurando uma blasfêmia.
Edwin, então, exigiu conhecer os detalhes do pacto. Antes de responder, Alford bebeu mas vinho.
—O traidor me deu uma informação mais importante que o ouro.
—Que pode ser mais importante que isso? —perguntou Edwin.
Alford sorriu.
—Te disse que me deu o nome do clã que esconde Chrisren, e quando conseguir o que quer, me dirá embaixo de que nome se oculta. Por tanto, já você vê, se Gillian não me for útil, o traidor das Highlands virá em meu auxílio.
—Por que não te diz agora? Seria muito mas fácil se você soubesse...
—Não confia em nosso barão —disse Hugh, com um riso sufocado—. Primeiro deve morrer esse Ramsey. Então jura que nos dirá o nome.
Gillian não podia crer que os três falassem com tanta liberdade frente a ela. Estavam muito bêbados para mostrar—se precavidos, e duvidava que nenhum lembrasse uma só palavra do dito à manhã seguinte. E Hugh pareciam crer que Alford receberia um recompensa do rei, e discutiam sobre que devia fazer com ela. Se sentia mais que agradecida pela sua falta de atenção, ao informar—se que o homem das Highlands chegaria em breve a Dtinhanshire, sentiu que se abria o chão sob seus pés. Presa do pânico, sentiu que se revolvia o estomago, e cambaleou. Alford não pareceu dar—se conta de nada.
Sem dúvida, ela sabia por que vinha o traidor, ia dizer a Alford o erro cometido com o menino, e então, que Deus se apiedasse de Alec. O tempo acabava.
Alford bocejou ruidosamente e a olhou, vesgo:
—Ah, Gillian, esqueci que você estava aí! Agora vejamos, do que estávamos falando? Oh, sim! —disse, virando—se para Hugh—. Já que Gillian se ofereceu tão graciosamente a tomar o lugar do menino, você pode dar—lhe o gosto. Não a toque no rosto – o advertiu— . Aprendi por experiência própria que os ossos do rosto demoram mais em curar, e
quero enviá—la a cumprir com meu recado o mais rápido possível.
—E o menino? —perguntou Hugh.
Alford olhou Gillian com um gesto de desprezo.
—Quero que também dê uma boa surra nele —respondeu.
Gillian atraiu a Alec para ela.
—Antes você terá que matar—me, Alford. Não vou permitir que você o toque.
—Mas não quero matar—te, Gillian. Quero que você vá e me traga sua irmã.
Seu tom de burla foi deliberado, já que queria que soubesse que ria de suas patéticas tentativas de proteger o menino. Realmente achava que seus desejos tinham alguma importância para ele? E como ousava dar—lhe ordens, dizendo o que podia e o que não podia, fazer? Ele faria o que quisesse, certamente, e também a ensinaria uma valiosa lição.
Gillian se inteiraria de uma vez por todas do que insignificante que era.
—Te juro que se machucar o menino, não te trarei Christen.
—Sim, sim, sei —disse Alford, aborrecido—. Já me ameaçou com isso antes.
Hugh jogou sua cadeira para atrás, se esforçando para colocar—se de pé. Presa no frenesi, Gillian tentou pensar em algo que pudesse salvá—los.
—Na verdade, você não quer ter de volta a Christen, verdade?
Alford torceu a cabeça para ela.
—Certamente quero tê—la aqui. Tenho grandes planos para ela.
Tentando deliberadamente distrair sua atenção e separá—la do menino, Gillian se pôs a rir.
—Oh, já conheço seus grandes planos. Quer a preciosa caixa do rei Juan, e você acha que Christen a tem, não é assim? Isso é o que realmente quer, e você acha que se você a obriga a voltar aqui, trará o tesouro com ela. Então você poderá obter o prêmio prometido, assim como as terras de Dunhanshire. Não são esses seus grandes planos?
Alford reagiu como se acabassem de receber azeite fervendo em pleno rosto. Uivando de ira, se pôs de pé de um salto. Sua cadeira tombou, batendo contra a parede.
—Você lembra da caixa! —mugiu, enquanto saltava de trás da mesa e ia para ela, afastando a Hugh de seu caminho com um empurrão—. E você sabe onde está escondida!
—Naturalmente que sei —mentiu Gillian.
Um novo grito aterrorizador sacudiu o salão enquanto Alford corria para ela.
—Diga—me onde está! — exigiu—. Christen a tem em seu poder, verdade?... Você sabia... sabia que ela a tinha... esse louco do Hector me disse que seu pai a tinha dado. Sua irmã a roubou, e todo este tempo você... você sabia... todo o tempo em que quase perdi o julgamento procurando—a... você sabia... todo o tempo você soube.
Nesse momento perdeu completamente os estribos e lhe deu um forte murro na mandíbula, jogando—a ao chão.
Alford estava totalmente fora de controle. Sua bota de couro se cravou sobre a doce pele de Gillian. A chutou de uma forma selvagem uma e outra vez, decidido a fazê—la gritar de agonia, a fazê—la lamentar ter ousado ocultar—lhe a verdade.
Durante todo esse tempo ela tinha sabido que essa caixa destruiria a reputação de seu pai e o permitiria obter Dunhanshire e a recompensa do Rei. Todos esses anos, a cadela o tinha atormentado com total deliberação.
—Eu darei a caixa ao rei... eu só! —rugiu, arquejando tentando recuperar a coragem—. A recompensa será minha... minha... minha...
Cambaleando pelo golpe no rosto, Gillian estava muito aturdida para oferecer resistência. No entanto, teve a suficiente serenidade para girar sobre si mesma, e proteger a cabeça com os braços. A maioria dos golpes, os recebeu na costas, nos braços e nas pernas, mas, ironicamente, não sentia tanto dor como teria desejado Alford, já que no seu estado perto à inconsciência mal notava os golpes de sua bota.
Subitamente, se pôs alerta quando sentiu que Alec se jogava sobre ela. Histérico, gritava com toda a força de seus pulmões, enquanto ela tentava afastá—lo de Alford. O rodeou com seus braços e o apertou contra ela, tentando protegê—lo, e depois tomou a mão dele e a apertou, com a esperança que compreendesse que devia permanecer em silêncio.
A fúria de Alford se dirigia diretamente contra ela, e a aterrava pensar que a interferência do menino pudesse atrair seu cólera.
Espuma e saliva saíam da boca de Alford enquanto rugia obscenidades e enquanto seguia chutando—a. Em breve ficou esgotado, perdeu o equilíbrio e cambaleou para trás. A Hugh, a imagem pareceu tão divertida, que não pôde conter o riso. Edwin queria que a diversão continuasse, e animava Alford com seus gritos para que continuasse. Em Gillian zumbiam os ouvidos pelo ruído ensurdecedor, e o quarto inteiro girou a seu ao redor em uma confusão, mas desesperadamente continuou tentando concentrar—se no aterrado pequeno.
—Sshh! —sussurrou— Agora, cale—se.
Como se alguém tivesse tapado a boca com a mão, Alec deixou de gritar no meio de um soluço. A poucos centímetros de seu próprio rosto, com os olhos dilatados pelo pânico, lhe fez um rápido gesto com a cabeça, indicando que permaneceria em silêncio. Se sentiu tão feliz com ele, que conseguiu esboçar um fraco sorriso.
—Trata de controlar—se, Alford — gritou Hugh entre gargalhadas. Secou as lágrimas que banhavam o rosto antes de acrescentar—: Não poderá ir a nenhuma parte se você matar.
Alford, tropeçando, conseguiu apoiar—se na mesa.
—Sim, sim —arquejou—. Devo controlar—me.
Secou o suor que lhe cobria a testa, afastou o menino longe de Gillian, e a puxou até colocá—la de pé. O sangue corria pelo canto dos lábios, e Alford observou satisfeito seu vítreo olhar, porque soube que lhe havia causado considerável dano.
—Se atreve a fazer—me perder as estribeiras —murmurou—. À única que deve culpar pela dor que sente, é você mesma. Te darei dois dias para que se recupere, e depois você partirá para esses lugares negligentes da mão de Deus que chamam Highlands. Sua irmã se oculta no clã Macpherson. Encontre—a — ordenou—, traga—a, ela e a caixa.
Se aproximou, vacilante, até a mesa, ajustando a túnica, enquanto gritava ao criado que voltasse a encher a taça.
—Se você falhar, Gillian, esse homem que tanto você aprecia sofrerá as consequências. ‘Seu tio padecerá uma dolorosa agonia, uma morte lenta e dolorosa. Te juro que me suplicará que ponha fim a seus sofrimentos. O menino também morrerá—acrescentou, como se acabasse de ocorrer isso—. Mas quando você trouxer Christen e a caixa, te dou minha palavra de que perdoarei a vida do menino, apesar da promessa que fiz ao traidor das Highlands.
—Mas, e se traz uma e não a outra? —perguntou Hugh.
Edwin também tinha pensado nessa possibilidade.
—Que é mais importante para você, Barão? Christen ou a caixa do rei?
—A caixa, certamente —respondeu Alford—. Mas quero as duas, e se Gillian me traz só uma, seu tio morrerá.
Hugh rodeou a mesa com ar jactancioso, até deter—se frente a Gillian. A lascívia que esta pôde detectar em seus olhos a fez acovardar—se de medo.
Hugh manteve os olhos cravados nela, enquanto falava a Alford.
—Você e eu fomos amigos muito tempo — lembrou ao barão—. E nunca te pedi nada... até agora. —Dê—me Gillian.
A petição de Hugh conseguiu surpreender e divertir a Alford.
—Você levaria uma bruxa a sua cama?
—É uma leoa, e eu vou domá—la —alardeou, lambendo obscenamente os lábios ante sua própria fantasia.
—Te cortaria a garganta enquanto você dorme —advertiu Edwin.
Hugh soltou um bufo.
—Com Gillian em meu leito, te asseguro que não dormiria.
Se aproximou dela para acariciá—la, mas ela afastou a mão dele e deu um passo atrás. Hugh desceu a vista até o menino que se agarrava às suas saias. Rapidamente Gillian tentou conseguir que voltasse o olhar para ela e se esquecesse do menino.
—Você é um tolo redomado, Hugh —lhe disse— e tão questionável! Quase tenho pena de você.
Surpreendido pelo veneno que destilava sua voz, lhe deu uma bofetada com o dorso da mão.
Ela respondeu com um sorriso.
—Deixe—a em paz —ordenou Alford, impaciente quando Hugh voltava a elevar a mão, dispondo—se a dar—lhe uma nova bofetada.
Hugh olhou a Gillian pelo rabo do olho durante alguns instantes.
—Vou ter—te, cadela —sussurrou. Deu meia volta e retornou a seu lugar na mesa—. Dê—me Gillian —lhe rogou a Alford—. Posso ensiná—la a ser obediente.
—Levarei isso em conta —prometeu Alford com um sorriso.
Edwin não estava disposto a menos.
—Se você der Gillian a Hugh, então deve dar Christen para mim.
—Já está prometida —disse Alford.
—Você a quer para si — acusou Edwin.
—Eu não a quero, pois se a prometi a outro.
—A quem você prometeu?
Hugh o interrompeu rindo.
—Isso importa, Edwin? Alford jamais manteve sua palavra.
—Nunca —confirmou Alford com uma risadinha—. Mas sempre há uma primeira vez.
Edwin também sorriu, já tranquilo, porque achava tontamente que ainda tinha uma possibilidade de conseguir a Christen.
—Se é a metade de bela do que é Gillian, me darei por bem servido.
—Quanto tempo você dará a Gillian para que traga sua irmã? —perguntou Hugh.
—Deve retornar antes que comece as festas da colheita.
—Mas isso não é suficiente —protestou Edwin—. Vá, levará uma semana, talvez até duas, chegar no seu destino, e se tem algum problema no caminho, ou se não encontra a Christen...
Alford levantou a mão, exigindo silêncio.
—Todo esse falatório pelo bem da raposa me fez ficar tonto. Contenha sua língua enquanto explico os detalhes à minha pupila. Gillian? Se te ocorreu que você vai encontrar gente nas Highlands que te ajudem a salvar seu tio, saiba disto: um contingente completo dos meus soldados rodeou sua casa, e se algum guerreiro das Highlands ousar colocar um pé dentro da propriedade, Morgan será executado. O terei como refém até que você retorne. Fui claro?
—E se ela contar a Ramsey que seu irmão não se afogou, e que você o tem? —perguntou Hugh.
—Não dirá —replicou Alford—. Com seu silêncio, Gillian conserva a vida do menino. —Basta de perguntas — acrescentou—. Agora quero falar de questões mais divertidas, tal como em que gastarei a recompensa do rei quando lhe devolver a caixa. Já sugeri, e mais de uma vez, que foi o pai de Gillian e Christen quem roubou a caixa e matou Arianna, e quando o rei descobrir que Christen a teve no seu poder todo este tempo, se convencerá.
Com um gesto, indicou às duas sentinelas postados na entrada que se aproximassem.
—A querida senhora aqui presente não pode manter—se de pé. Vocês veem como cambaleia? Leve—os para cima, a ela e ao menino. Acomode—a no seu antigo quarto. Você vê que considerado sou, Gillian? Vou permitir que você durma em sua cama.
—E o menino, milord? —perguntou um dos soldados.
—Ponham no quarto ao lado —disse Alford—. Assim poderá ouví—la chorar toda a noite.
Os soldados se apressaram a cumprir a ordem de seu amo. Um tomou Alec pelo braço, e o outro fez o mesmo com Gillian. Esta se afastou bruscamente, recuperou o equilíbrio e lenta e dolorosamente se endireitou. Com a cabeça alta, se apoiou na borda da mesa até que suas pernas recuperaram um pouco de força, e então começou a avançar com passos precisos e medidos. Perto da entrada, tropeçou, e caiu sobre o banco.
O soldado a levantou e a arrastou até a escada. Gillian cruzou os braços sobre suas castigadas costelas e se dobrou sobre si mesma, enquanto Alec se agarrava às suas saias e começavam a subir os degraus. Gillian tropeçou duas vezes antes que suas pernas falhassem totalmente. Com um som metálico, o soldado a levantou e a levou nos braços o resto do trajeto.
A dor nas suas costas se tornou insuportável e Gillian desmaiou antes de chegar na porta. O soldado a deixou sobre a cama, e tentou tomar a mão do menino, mas Alec se negou a ir embora. Mordeu, arranhou e chutou o soldado que tentava apanhá—lo e separá—lo de Gillian.
—Deixe — sugeriu seu amigo—. Se deixamos os dois no mesmo quarto, esta noite só teremos que colocar um guarda frente a essa porta. O menino pode dormir no chão.
Ambos abandonaram o quarto, passando o ferrolho depois deles. Alec trepou à cama onde estava Gillian, e se aconchegou a seu lado. Aterrorizado ao pensar que ela pudesse morrer e deixá—lo só, soluçava incontrolavelmente.
Passou um longo momento antes que finalmente ela despertasse. A dor era tão intensa em todo seu corpo que os olhos se encheram de lágrimas. Esperou que o quarto deixasse de dar voltas a seu ao redor e tentou sentar—se, mas a dor era insuportável, e desabou sobre a cama, sentindo—se impotente e vencida.
Alec a chamou em um sussurro.
—Tudo bem, Alec. Já passou o pior. Por favor, não chore.
—Mas você está chorando.
—Já não choro — assegurou ela.
—Você vai morrer? —perguntou Alec com preocupação.
—Não —sussurrou ela.
—Te dói muito?
—Já me sinto muito melhor —mentiu ela—. Está escuro aqui, não acha? Por que não corre a cortina para que entre um pouco de luz?
—Já não tem quase luz — disse o menino, ao mesmo tempo em que saltava da cama e corria para a Janela para fazer o que ela pedia.
A luz do entardecer entrou em fachos no quarto, Gillian pôde ver as partículas de pó suspensas no ar, pôde cheirar o rançoso cheiro de mofo e se perguntou quanto tempo fazia que o quarto estava fechado. Talvez teria sido ela a última a dormir nessa cama? Não era provável. Alford gostavam das diversões, e seguramente tinha tido multidão de convidados em Dunhanshire desde que a expatriou.
Alec subiu à cama, se acomodou a seu lado e lhe tomou a mão.
—Está se pondo o sol. Você dormiu durante muito tempo, e não podia te despertar. Me assustei —reconheceu—. E, você sabe o que?
—Não, que?
—Isto vai ficar muitíssimo pior, porque ouvi o que dizia o barão. O homem das Highlands vem para cá.
—Sim, eu também ouvi —Gillian apoiou a mão sobre a testa e fechou os olhos. Elevou uma silenciosa prece, rogando a Deus que lhe restituísse em breve as forças porque o que se avizinhava era grave.
—O homem das Highlands chegará amanhã ou depois —continuou dizendo Alec, muito agitado—. Se me ver, saberá que não sou Michael. E seguramente me delatará.
Enquanto tentava penosamente sentar—se, Gillian decidiu falar—lhe com franqueza.
—Tenho certeza que já sabe que não é Michael. Provavelmente sejam essas as notícias tão urgentes que quer dar ao barão.
Alec franziu o cenho com grande concentração, até que as sardas de seu nariz se fundiram em uma só.
—Talvez queira dizer outra coisa —sugeriu.
—Não acho.
—Não quero que você me deixe só.
—Não vou te deixar só —prometeu ela.
—Mas o barão vai te enviar para longe.
—Sim, isso mesmo—concedeu Gillian—. Mas vou te levar comigo.
Alec pareceu não acreditar. Gillian segurou a mão dele e se obrigou a sorrir:
— A nós não afeta que o homem das Highlands venha ou não, mesmo que, para dizer a verdade, eu gostaria de vê—lo.
—Porque é um traidor?
—Sim.
—E então você poderá dizer a meu papai e a Brodick, e inclusive a Ramsey, como é esse traidor?
Como Alec pareceu animar—se ante essa ideia, Gillian se apressou a dar—lhe razão.
—Sim, exatamente. Poderia dizer a seu pai como é esse traidor.
—E a Brodick, e inclusive também a Ramsey?
—Sim.
—Você sabe o que ocorreria então? Fariam com que lamentasse amargamente ser um traidor.
—Sim, não tenho dúvida que o fariam.
—Como é isso que não nos afeta que venha ou não venha o homem das Highlands?
—Não nos afeta porque partimos esta mesma noite.
Os olhos de Alec se abriram grandes como pratos.
—Na escuridão?
—Na escuridão. Tomara que haja lua para nos guiarmos.
A ansiedade do menino era quase irreprimível, e se pôs a saltar sobre a cama.
—Mas como vamos fazer? Ouvi como o soldado passava o ferrolho ao sair, e acho que há um guarda na porta. Por isso falo em voz baixa, porque não quero que me ouça.
—Assim mesmo, nós vamos.
—Mas, como?
Gillian assinalou o outro lado do quarto.
—Você e eu vamos atravessar essa parede.
O sorriso de Alec se desvaneceu como por encantamento.
—Não acho que possamos fazê—lo.
Parecia tão desolado, que Gillian sentiu desejos de rir. Advertiu então que, apesar da dor, começava a sentir—se eufórica porque não ia deixar o menino nas mãos de Alford. Tinha sido uma verdadeira sorte que Alford não os tivesse separado, e se propunha a aproveitar ao máximo esse erro do barão.
Não pôde resistir ao desejo de tomar Alec nos seus braços, e apertá—lo com força.
—Oh, Alec, não duvide que Deus está nos protegendo!
Ele permitiu que o beijasse na testa e afastasse o cabelo dos olhos, antes de escapulir de seu abraço.
—Por que acha que Deus nos protege? —Estava muito impaciente para aguardar sua
resposta—. Acha que Deus vai nos ajudar a atravessar a parede?
—Sim —se limitou a responder Gillian.
Alec sacudiu a cabeça.
—Me parece que o barão te deixou tola com tanto golpe.
—Não, não me deixou tola. Me irritou muito, muito, muito.
—Mas, Gillian, as pessoas não podem atravessar as paredes.
—Vamos abrir uma porta secreta. Esse era meu quarto quando era pequena — contou—. O quarto de minha irmã estava junto do meu, e cada vez que me sentia só ou assustada, abria a passagem secreta e corria a seu dormitório. Meu pai se enfadava muito comigo por fazer isso.
—Por que?
—Porque o passagem devia ser utilizado só em circunstâncias extremas, e não queria que ninguém soubesse de sua existência, nem sequer seus serventes mais fiéis. Minha donzela, Liese, no entanto, sabia que existia a passagem, porque me contou que pelas manhãs costumava encontrar minha cama vazia. Liese imaginava que devia ter uma porta secreta porque sabia o medo que tinha da escuridão, e sabia que jamais me teria atrevido a sair ao vestíbulo escuro durante a noite. Você vê esse banco apoiado contra a parede? Meu pai o pôs ali, para desanimar—me a passar. Sabia que o banco era muito pesado para que eu pudesse movimentar sem ajuda, mas Liese me contou que eu me passava debaixo para sair da passagem secreta .
— Você desobedeceu seu papai? —perguntou Alec com os olhos muito abertos de incredulidade.
—Parece que sim —respondeu ela.
Ao menino pareceu muito engraçado que reconhecesse, e riu até que se encheram os olhos de lágrimas.
Preocupada que o guarda pudesse ouví—lo, Gillian pôs um dedo sobre os lábios para que guardasse silêncio.
—Mas se a passagem conduz ao quarto de sua irmã, como poderemos sair dali?
—A passagem também conduz a uma escada que chega até os túneis que passam embaixo do castelo. Se não foram selados, nos levará além dos muros.
—Então, podemos ir agora? Por favor!
Ela negou com a cabeça.
—Devemos esperar até que o barão tenha ido à cama. Bebeu tanto vinho que dormirá em seguida. Além disso, pode enviar algum servente antes que caia a noite, e se não nos encontrar aqui, dará o alarme.
Alec deslizou seus dedos nos de Gillian, e os apertou com força, sem deixar de olhar a parede, tentando descobrir onde estava a porta. Quando se virou para Gillian, outra vez franzia o cenho.
—E se o barão o tivesse bloqueado?
—Então teremos que encontrar outra maneira de escapar.
—Mas como?
Gillian não tinha a mais remota ideia, mas sabia que tinha que tirar Alec de Dunhanshire antes que chegasse o homem das Highlands.
—Poderíamos bajular ao guarda para que entrasse...
Cheio de excitação, o menino a interrompeu.
—E poderíamos dar—lhe um golpe na cabeça para que desmaiasse —completou, demonstrando o que dizia com fortes golpes sobre a cama — Farei com que saia sangue — assegurou—. E se subo ao banco, inclusive poderia apoderar—me de sua espada, e então, você sabe o que? Eu cortaria tudo, e o faria lançar uivos de dor. Eu sou muito forte —terminou alardeando.
Gillian teve que resistir o impulso de voltar a abraçá—lo, e também não se atreveu a sorrir, para que o menino não achasse que ria dele.
—Sim, sei como você é forte —disse, entretanto Alec sorriu satisfeito com o elogio, e quadrou os ombros, assentindo.
Será que todas as fantasias das crianças pequenos seriam tão cheias de sangue como as deste menino, se perguntou Gillian? Um momento, chorava e se agarrava a ela, e no seguinte se regozijava com o projeto de alguma horrenda vingança. Ela não tinha nenhuma experiência com crianças. Alec era o primeiro com o qual tinha contato direto em muito tempo, e se sentia totalmente inadequada, mesmo que ao mesmo tempo sentia também um tremendo desejo de protegê—lo. Ela era tudo o que separava o menino do desastre, e para ela isso só significava que Alec ainda se achava em perigo.
—Dói?
Gillian piscou, surpreendida.
—Se dói o que?
—O rosto —respondeu Alec, ao mesmo tempo em que a tocava na bochecha—. Está inchando.
—Só me arde um pouco, isso é tudo.
—Como você fez essa cicatriz debaixo do queixo?
—Caí pela escada. Foi há muito tempo.
Gillian deu uma palmada sobre a cama.
—Por que não deita a meu lado e tenta dormir um pouco?
—Mas ainda não é de noite.
—Eu sei, mas vamos passar toda a noite caminhando — explicou —. Você deveria tentar descansar agora.
Alec se aproximou dela e pôs a cabeça sobre seu ombro.
—Você sabe o que?
—Tenho fome.
—Depois buscaremos algo para comer
—Teremos que roubar comida?
Pelo entusiasmo com que pronunciou estas palavras, Gillian supôs que esperava ansiosamente essa possibilidade.
—Roubar é pecado.
—Isso é o que diz mamãe.
—E tem razão. Não vamos roubar nada. Só vamos pedir emprestado.
—Podemos pedir emprestados cavalos?
—Se tivermos sorte, e encontramos um robusto, e não haja ninguém perto que nos detenha, então sim, o tomaremos emprestado.
—Podem te enforcar por roubar um cavalo.
—Essa é a menor das minhas preocupações —disse Gillian, enquanto mudava de posição na cama. Cada centímetro de seu corpo doía, e não conseguia encontrar uma posição cômoda. Colocou o braço enfaixado ao lado do corpo. Ao fazê—lo, sentiu uma picada, e então se lembrou da surpresa que tinha reservada a Alec.
—Tenho algo para você —disse—. Feche os olhos, e não olhe.
O menino se pôs de joelhos, e fechou os olhos com força.
—Que é?
Gillian levantou a adaga. Não foi preciso que indicasse que abrisse os olhos, porque já estava olhando. Ao ver sua alegria quase teve vontade de chorar.
—A adaga de Brodick! —sussurrou com admiração—. Como você fez para encontrá—la?
—Você disse onde estava — lembrou Gillian—. A peguei do banco ao sair do salão. Guarde na bainha de couro para que não veja os ajudantes de cozinha.
Alec estava tão contente por ter recuperado seu tesouro, que jogou os braços ao pescoço e a beijou na inchada bochecha.
—Te amo, Gillian!
—E eu também te amo, Alec.
—Agora posso te proteger porque tenho minha faca.
—Você vai ser meu protetor, então? — perguntou ela, sorrindo.
—Não— respondeu entre risos.
—Por que não?
Alce se afastou dela e respondeu o que parecia óbvio.
—Porque sou um menino pequeno. Mas, Você sabe o que?
—Não, que?
—Vamos te encontrar um.
—Um protetor?
Ele assentiu solenemente.
—Não preciso de um protetor — assegurou ela, sacudindo a cabeça.
—Mas você tem que ter um. Talvez possamos pedir a Brodick.
—O antipático? —brincou ela.
Alec tornou a assentir.
Gillian se pôs a rir em voz baixa.
—Não acho que...
—Sim, pediremos a Brodick —insistiu ele, com ar muito sério—. Porque, você sabe o que?
—Não, que?
—Você precisa

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 4
Não gostaram de sua mensagem. Quatro dos guardas de elite do laird Buchanan rodeavam ao jovem soldado MacDonald, erguendo—se sobre ele como vingativas gárgulas, enquanto murmurava sua importante mensagem e tremendo de medo. Três dos guerreiros haviam ficado sem palavras ante as notícias. Aaron, Robert e Liam se sentiam indignados ante o que logo após imaginaram que era uma armadilha feita por laird Macdonald. Todos os membros do clã Buchanan sabiam que o chefe do mensageiro era um astuto e mentiroso filho de uma cadela, e se negaram a crer em uma só palavra do que dizia. O quarto guerreiro Buchanan, Dylan, teve uma reação oposta. Mesmo que ele também achasse que laird MacDonald era um astuto e mentiroso filho de uma cadela, se sentia divertido e intrigado pela mensagem, e queria conhecer todos os detalhes.
Aaron, o mais falador do grupo Buchanan, se antecipou para o aterrado emissário sacudindo a cabeça incrédulo, e exigiu que repetisse cada uma das palavras da mensagem.
—É como já disse —insistiu o jovem soldado Macdonald.
—Pois então diga de novo —ordenou Aaron, aproximando—se ainda mais com toda deliberação para que o homem se visse obrigado a esticar o pescoço para trás se quisesse olhá—lo nos olhos—. Quero escutar novamente essa estúpida mensagem; palavra por palavra.
O soldado Macdonald se sentiu como um coelho apanhado. Robert se achava à suas costas, Dylan em frente, e Aaron e Liam o pressionavam de ambos os lados. Todos os guerreiros Buchanan o passavam pelo menos duas cabeças de altura, e podiam esmagá—lo com toda facilidade tão só com seu próprio peso.
O jovem se virou para o guerreiro que tinha falado, e tentou retroceder um passo para colocar um pouco de distância entre ambos.
—Há uma jovem dama que insiste em que seu chefe vá vê—la logo após. Aguarda no interior da igreja que está perto do cruzamento de estradas próximo da propriedade de Len. Sustenta... que ela é... O pavoroso olhar que viu nos olhos do guerreiro aterrorizou ao soldado de tal maneira, que não pôde continuar. Se virou para Dylan, depois retrocedeu tentando afastar—se de seu chamejante olhar, e chocou contra o outro guerreiro chamado Robert o Preto.
—Minha mensagem é para Brodick, e só para Brodick —protestou.
—Para você, é laird Buchanan, mucoso —grunhiu Liam.
—Sim... sim... laird Buchanan —se apressou a corrigir o soldado—. Me enganei.
—Oh, sim, se enganou —murmurou Robert às suas costas.
Dylan se antecipou para interrogar o mensageiro. Brodick já tinha sido chamado ao grande salão, mas ainda não havia chegado, de modo que o comandante do corpo de guardas de elite dos Buchanan decidiu se encarregar do interrogatório. Sabia que o soldado Macdonald estava assustado, por tanto uniu as mãos na costas para demonstrar—lhe que não tinha intenção de machucá—lo, e aguardou com impaciência que o jovem recuperasse a compostura.
—Continue com a mensagem —ordenou Dylan,
—A dama... garante que é sua prometida —resmungou o aterrado jovem—. E exige que seu líder a escolte até a casa para que possa estabelecer sua residência.
Robert deu uma cotovelada ao soldado para atrair sua atenção, mas acidentalmente o empurrou contra Dylan, que permaneceu impassível. O soldado se endireitou rapidamente e se virou para o guerreiro.
—Eu não minto —insistiu—. Só repito o que me ordenaram dizer.
— Como você se chama? —perguntou Robert. Achava que sua pergunta era inofensiva, e portanto ficou assombrado ao ver a reação do mensageiro. O jovem se pôs tão pálido como uma mulher assustada.
—Henley —exclamou com um suspiro, agradecido por ter sido capaz de recordá-lo— Me chamo Henley.
Dylan chamou sua atenção dando uns golpezinhos para que se virasse. Este se apressou a obedecer, enjoado de girar no meio desses gigantes. Tentou concentrar—se no comandante Buchanan, mas foi difícil, já que os outros três continuavam pressionando—o.
—Por que os Macdonald enviaram um rapaz para que nos trouxesse esta mensagem? —perguntou Dylan com desprezo.
A garganta de Henley subia e descia no seu pescoço quando o jovem tragava saliva. Não se atreveu a contradizer o comandante sustentando que ele era um homem, não um rapaz.
—Meu laird considerou que um jovem teria mais probabilidades de sobreviver ao caráter do seu. Todos os vimos em batalhas, e conhecemos sua notável força. Muitos sustentam que o têm visto derrubar inimigos com uma simples pancada. Também ouvimos dizer que é... pouco prudente... irritá—lo ou enfadá—lo. laird Macdonald não se envergonha admitir que sente um respeitoso temor por seu líder.
Dylan não pôde evitar um sorriso.
—Respeitoso temor.
Henley assentiu.
—Meu chefe diz também que Brodick...
Liam empurrou o mensageiro com força, enviando—o contra Robert. Este não se movimentou nem um milímetro, mas Henley sentiu que acabava de cair contra um muro de pedra. Se virou para Liam, desejando com todo seu coração ter a serenidade necessária para sugerir que, se o guerreiro queria atrair sua atenção, simplesmente o chamasse por seu nome.
—Para ti, Brodick é laird Buchanan —tornou a recordar Liam.
—Sim, laird Buchanan —concordou Henley.
—Você dizia...?
Para poder responder, Henley teve que voltar para a esquerda.
—Meu laird diz que laird Buchanan é um homem honrado, e que não atacará a um homem desarmado. Não levo arma.
Henley se viu obrigado a voltar para a direita ante a pergunta de Dylan.
—Seu chefe também te disse que Brodick é razoável? Henley pensou que, se mentisse, os guerreiros notariam.
—Não, disse exatamente o contrário — reconheceu. Dylan se pôs a rir.
—Sua honestidade te protege a pele.
Nesse momento falou Aaron, o que obrigou Henley a dar uma volta completa.
—Aqui não matamos os mensageiros —apontou.
—A menos, naturalmente, que não gostemos da mensagem —acrescentou Robert sorrindo.
Henley tornou a dar a volta para ficar de cara com o líder.
—Há mais —anunciou— Mas temo que o resto será desagradável de verdade a seu líder — acrescentou.
O mais rápido possível que desse a mensagem, mais rápido poderia sair da armadilha na qual se encontrava, e com sorte, poderia estar a caminho de sua casa antes que chegasse Brodick.
O laird tinha sido chamado ao salão quando se encontrava no campo de treinamento, e o tinha incomodado a interrupção, mas ao informar—se que a mensagem era urgente, o coração deu uma reviravolta, com a esperança que as notícias fossem de Ian Maitland, dizendo que tinham encontrado seu filho Alec.
Gawain, outro de seus guardas de confiança, se encarregou de desvanecer essas esperanças ao comunicar que o tartán que levava o mensageiro pertencia ao clã Macdonald.
A decepção provocou uma grande indignação.
—Amanhã voltaremos à cascata, e continuaremos procurando. Você vai discutir comigo desta vez, Gawain? —disse, virando—se para Gawain.
O soldado negou com a cabeça.
—Não, já sei que é inútil discutir com você, laird. Até que não se convença no fundo de seu coração que o menino morreu, seguirei procurando tão conscientemente como você.
—Você acha que Alec se afogou?
O suspiro que soltou Gawain foi de cansaço.
—Acho de verdade.
Brodick não pôde culpar seu amigo pela sua sinceridade. Continuou subindo a colina, com Gawain a seu lado.
—Seu pai o ensinou a nadar — lembrou ao soldado.
—Mas se Alec bateu a cabeça contra as rochas, tal como o indica o sangue que vimos, devia estar inconsciente ao cair na água. Por outra lado, inclusive para um homem adulto seria difícil sobreviver nessas rápidas corredeiras.
—Nem lan nem eu achamos que Alec esteja morto.
—Laird Maitland está chorando seu filho —disse Gawain—. A seu devido tempo, aceitará sua morte.
—Não —o contradisse Brodick—. Até que não haja um corpo que enterrar, nenhum dos dois aceitaremos.
—Você era seu orientador ——assinalou Gawain—. Essa é mais uma razão para que não possa aceitá—lo. Como seu novo orientador.
—Um orientador que fracassou —o interrompeu Brodick com aspereza— Devia tê—lo vigiado. Nem sequer sei se lan deu a Alec minha adaga e se o menino sabia... —Sacudiu a cabeça e se obrigou a pensar no presente—Fique a cargo do treinamento. Me reunirei com você o mais rápido possível, logo tenha ouvido o que tem a dizer o soldado Macdonald.
Uma gélida corrente de ar entrou no salão ao se abrir de par em par as portas que davam ao pátio de armas.
Henley ouviu o som das botas de Brodick ressoando contra o chão de pedra e fechou os olhos. O pânico ameaçou fazê—lo perder o sentido, e teve que fazer um supremo ato de vontade e de coragem para permanecer imóvel e não sair correndo.
—Mais vale que a condenada mensagem seja realmente urgente. Onde está o soldado Macdonald? —exclamou Brodick entrando no salão a grandes pernadas.
Dylan assinalou com um gesto aos guardas que rodeavam o jovem.
—Retrocedam, para que nosso laird possa escutar esta mensagem tão importante —ordenou. Tentou soar serio, mas soube que não havia tido sucesso.
Brodick se pôs junto a Dylan de cara ao mensageiro. Henley sentiu que seus tremores se centuplicavam já que ambos os guerreiros eram terrivelmente ameaçadores. Laird Buchanan era inclusive mais alto que seu comandante. Brodick era um gigante com uma poderosa musculatura nos ombros, braços e coxas que mostravam seu enorme e feroz vigor.
Tinha a pele bronzeada e o longo cabelo loiro. Seus olhos se cravaram em Henley com um olhar tão intenso e penetrante que o jovem soldado teve a sensação de ser observado por um leão que pensava comê—lo.
Sim, se encontrava dentro da cova do leão, e que o céu o ajudasse quando desse o resto da mensagem.
Antes, Dylan tinha conseguido aterrorizá—lo, mas nesse momento, de pé junto de seu chefe, já não parecia tão atemorizador. De aspecto, Dylan era a antítese de Brodick, já que era moreno e pálido como a noite. De tamanho e corpulência eram iguais, mas os gestos de Dylan eram menos intimidantes.
—Quero escutar esta mensagem tão urgente —ordenou Brodick.
O coração de Henley parou uma batida. Era foi impossível sustentar o olhar do laird, de modo que fixou o olhar na ponta de suas botas enquanto repetia palavra por palavra tudo o que tinha memorizado.
—A dama... ordena ir à sua procura até a igreja de São Tomás, no cruzamento de caminhos além da propriedade de Len, e a dama.., exige... sim, exige... que vocês a escoltem até sua casa.
Henley se atreveu a dirigir um rápido olhar a Brodick para ver sua reação, e depois desejou de todo coração não
ter sido tão curioso. O rosto do chefe do clã tinha feito com que o sangue se amontoasse nas têmporas, e Henley temeu desonrar o nome de Macdonald caindo redondo ali mesmo.
—Quem? —perguntou Brodick suavemente.
—Diga — ordenou Dylan.
—Sua prometida —resmungou Henley—. A dama é sua prometida.
—Esta mulher diz que é minha prometida?
Henley assentiu.
—É verdade.
—Ao inferno com isso! Não é! —replicou Dylan.
—Não, só digo que ela diz que é... Me ordenou repetir suas palavras exatas. Laird Buchanan, minha mensagem não é do seu agrado? —Enquanto aguardava a resposta, conteve a respiração. Acreditava em todos os rumores que corriam sobre
Brodick, e estava convencido que seu destino dependia da reação deste.
—Isso depende da mulher —disse Aaron—. Você sabe se é atraente?
Henley não só se atreveu a contradizer o guerreiro, mas se permitiu mostrar um relâmpago de irritação em sua expressão e em sua voz ao responder—lhe.
—Não é simplesmente qualquer mulher. É uma dama, uma verdadeira dama.
—E como se chama esta verdadeira dama? —perguntou Robert.
—Buchanan —respondeu Henley—. Se chama a si mesma lady Buchanan. —Inspirou profundamente antes de continuar—. Deve ser a esposa de seu laird, porque é muito adequada. Me pareceu muito sincera.
—Evidentemente, te roubou o julgamento —comentou Aaron—. Mas, bom, você é só um rapaz, e os rapazes se impressionam muito.
Henley fez caso omisso de seu cinismo, e se concentrou no chefe.
— Posso falar com total liberdade e relatar tudo o sucedido?
Brodick deu sua permissão, mas Dylan pôs uma condição.
—Sempre e quando você for a verdade —advertiu.
—Sim, só a verdade —prometeu Henley—. Ia caminho de meu lar, nas Lowlands, quando me alcançou um homem que tomei por granjeiro. Falava como um inglês. Me surpreendeu porque é muito estranho que um inglês ande pelas Highlands sem que se saiba e sem ter permissão. Pensei que era muito impertinente, mas em breve perdoei sua falta, ao informar—me de sua nobre missão.
—E qual era essa nobre missão? —perguntou Aaron.
—Seu irmão e ele protegiam à dama.
—Somente dois homens para proteger semelhante tesouro? —se mofou Robert.
Henley decidiu ignorar o comentário, e tentou reunir forças para suportar a reação do laird, ao dizer—lhe o que considerava a pior das notícias.
—Laird Buchanan, sua prometida é inglesa.
Liam, o mais calado do grupo, soltou um bramido que surpreendeu tanto a Henley que o fez dar um salto. Robert murmurou um profano juramento, Aaron sacudiu a cabeça, desgostado, e Dylan não pôde ocultar seu trejeito de desagrado. Brodick pareceu ser o único ao que não afetou a notícia. Levantou a mão, reclamando silêncio, e com toda calma ordenou ao rapaz que prosseguisse.
—No início não soube da existência da dama —explicou Henley . O inglês me disse que se chamava Valdo, e me convidou a compartilhar seu jantar. Me explicou que tinha obtido uma permissão para atravessar a propriedade de Len, do velho laird em pessoa, e que a família de sua esposa tinha um parentesco distante com o clã. Acreditei em sua explicação, porque não me ocorreu nenhuma razão pela que tivesse que mentir, e também porque estava muito cansado e faminto. Aceitei seu convite. Parecia um tipo bastante agradável... para ser inglês. Depois de comer, me disse que tinha uma grande curiosidade pelos clãs do norte. Conhecia vários, e me pediu que esboçasse um mapa sobre a terra com uma vara e lhe desenhar a localização de certos clãs em particular.
—Em que clãs em particular estava interessado? A voz de Brodick se tinha voltado áspera.
—Estava interessado nos Sinclair e nos Macpherson respondeu Henley—. Mas seu maior interesse radicava em saber onde estavam as terras de Maitland, e também as suas, laird Buchanan. Sim, se mostrou muito interessado nos Buchanan. Agora que o penso, me parece raro, mas o granjeiro pareceu ficar desiludido ao ver quão ao norte residiam os Maitland. No entanto, sorriu quando lhe assinalei que sua propriedade confinava com a de Sinclair; e que a propriedade de Sinclair confinava, a sua vez, com um extremo da de Maitland. Deveria ter—lhe perguntado por que se alegrava tanto, mas não o fiz.
— Te ocorreu perguntar—lhe porque tinha tanto interesse nos clãs? perguntou Dylan.
Henley sentiu que o tom utilizado pelo guerreiro conseguia irritá—lo.
—Sim, me ocorreu —respondeu—. Waldo me disse que queria saber quem lhe daria permissão para atravessar as terras e quem não. Eu respondi que o melhor que podia fazer era dar a volta e retornar a sua casa, já que nenhum dos clãs pelos quais me tinha perguntado o permitiria colocar um pé em suas terras.
—Quando te falou da mulher? —perguntou então Aaron.
Henley se atreveu a corrigir o guerreiro outra vez.
—É uma dama — disse.
Aaron levantou os olhos ao céu.
—Isso é o que você diz —replicou—. Ainda tenho que julgá—la por mim mesmo.
—Prossegue com sua história — ordenou Dylan.
—Depois que desenhar o mapa dos clãs a Waldo, me perguntou se conhecia um guerreiro chamado Brodick.
—Para ti, é laird!—ladrou Liam.
Henley se apressou a assentir.
—Só repito as palavras do granjeiro —disse precipitadamente—.Foi ele quem chamou de Brodick a seu laird. Respondi que certamente sabia de quem se tratava, e também lhe expliquei que agora também é conhecido como Lair Buchanan. Me fez muitas perguntas sobre você, laird, , mas o que mas lhe interessava era saber com certeza se você era....honrado.. Disse que você era muito honrado, e foi então quando me confessou o verdadeiro motivo que o havia trazido às Highlands. Disse que estava escoltando a sua prometida.
—Foi então que se apresentaram os soldados de seu pai?
—Não —respondeu Henley—. Com ela viajavam dois homens, nem um a mais nem um menos, eram muito velhos para essa missão. Busquei para ver se havia outros, mas não havia ninguém mais.
—Que classe de pai é o que envia sua filha com só dois velhos para protegê—la? —perguntou Aaron.
—Não havia outros —insistiu Henley—. Sim, eram velhos, de mais de quarenta anos, mas foram capazes de trazê—la até as terras de Len, e isso significa um bom trajeto pelo interior das Hinghlandls. Os irmãos a protegiam com o maior zelo. Não me permitiram vê—la, mas me disseram que se encontrava no interior da igreja. Me deram a mensagem que devia transmitir a você, laird Buchanan, e depois trataram que me colocasse em marcha, com a promessa que você me daria uma forte recompensa. No entanto, não espero nada de vós —se apressou a esclarecer— porque já fui recompensado amplamente.
—Que recompensa você obteve? —perguntou Robert.
—Vi à dama e falei com ela. Não há recompensa que iguale a esse momento.
Liam burlou abertamente, mas Henley preferiu ignorá—lo.
—Ria se quiser, mas ainda não a viu e não pode entender.
—Conte—nos algo dela — ordenou Aaron.
—Me chamou através da janela quando já partia. Eu tinha ido pedir permissão a meu laird para vir te ver, mesmo que, para ser sincero, esperava que laird Macdonald encarregasse do recado a algum outro, porque eu não queria vir aqui.
—Ao ponto —ordenou Dylan.
O comandante sentia curiosidade pela reação de Brodick, já que, até o momento, não tinha pronunciado uma palavra. Parecia estar mais bem aborrecido ante a notícia que uma inglesa reclamava ser sua prometida.
Antes de prosseguir, Henley limpou a garganta.
—A dama me chamou, e então desci de um salto de meu cavalo e corri para a janela antes que Waldo e seu irmão pudessem me impedir, e porque sentia uma grande curiosidade para vê—la e ouvir o que tinha para me dizer.
O mensageiro fez uma pausa, enquanto rememorava os vívidos detalhes desse momento tão encantador. Em um abrir e fechar de olhos, toda sua atitude mudou, passando de ser a de um homem atemorizado, à de outro fascinado, e sua voz se fez doce ao relatar o encontro.
—A vi com toda claridade, e estive o suficientemente perto dela como para tocar sua mão.
—E você fez? —perguntou Brodick em um tom suave mas apavorante.
Henley negou enfaticamente com a cabeça.
—Não, jamais ousaria cometer tal audácia! —insistiu—. Sua prometida foi muito maltratada, laird — acrescentou —. Tinha machucado um lado do rosto, e sua pele estava de uma cor amarelada, com marcas de cor púrpura ao longo das maçãs do rosto e mandíbula. Ainda podia notar a inflamação, e pude ver outros machucados em suas mãos e no braço direito. O esquerdo estava enfaixado desde o cotovelo até a mão, e a faixa estava manchada de sangue. Quis perguntar à dama como tinha feito estas feridas, mas as palavras me engasgaram na garganta e me foi impossível falar. A dor e a fadiga se refletiam nos seus olhos, uns magníficos olhos verdes da cor de nossas colinas na primavera, e não pude afastar a vista dela —reconheceu —. Nesse momento me pareceu estar na presença de um anjo.
Henley se virou para dirigir—se a Aaron.
—Você perguntou se era atraente, mas essa palavra não faz justiça à prometida de laird Buchanan. —Com o rosto encarnado como o fogo, acrescentou— A dama... é muito linda... sim, deve ser um anjo, já que te asseguro que é pura perfeição.
Brodick ocultou a exasperação que lhe causava o retrato que o enfeitiçado soldado fazia da inglesa. Sim, claro, um anjo. Um anjo que mentia descaradamente.
—Você descreveu a perfeição da dama a seu chefe ou a algum outro membro de seu clã? —perguntou Brodick.
—Sim, o fiz —reconheceu Henley—. Mas não me fixei nos detalhes.
—Por que não? —quis saber Robert.
Henley cuidou muito bem de voltar para laird Buchanan. Poderia ser considerado um insulto, e pela mesma razão não olhou a Robert nos olhos quando respondeu.
—Sabia que qualquer um poderia reclamá—la para si se soubesse da forte impressão que tinha me causado. A meu laird disse a verdade, ou seja, que dois ingleses tinham pedido que transmitisse uma mensagem a seu chefe. E disse que os irmãos queriam comunicar que era o momento que você fosse buscar a sua prometida. Meu chefe ficou satisfeito com a explicação, e me permitiu vir ver vocês... mas seu comandante quis mais detalhes.
—Balcher te interrogou? —perguntou Dylan.
—Isso mesmo—respondeu Henley.
—E o que você disse? —perguntou Robert.
—Me perguntou diretamente se a dama estava nas Highlands nesse momento, e não pude, nem jamais o faria, mentir. E respondi que, efetivamente, estava nas Highlands, mas não fui mais específico —admitiu—. Havia dado à dama minha palavra de honra que só diria a você, laird Buchanan, seu paradeiro exato.
—Então, você mentiu a Balcher? —perguntou Dylan. Henley negou com a cabeça.
—Não, não o fiz. A meu comandante disse que a dama se encontrava perto da propriedade de Len. Não mencionei a igreja.
—Portanto agora Balcher poderia estar a caminho para roubar a mulher de Brodick —murmurou Aaron.
—Não me fizeram jurar que guardaria silêncio, por tanto posso dizer, sem dúvida nenhuma, que Balcher vai rastrear toda a propriedade de Len em busca da dama. Qualquer habitante das Highlands sabe quanto gosta de desafiar a vocês, e se pudesse roubar—lhe a prometida...
—Ousa apoderar—se do que nos pertence! —exclamou Liam, indignado ante semelhante possibilidade.
—Se algum dos Macdonald se atrever a tocá—la, morrerá —afirmou Robert, fazendo eco do pensamento dos demais—. Não é verdade?
—Sim, isso mesmo—concordou Liam.
—Me parece que não compreendem —disse Henley—. Se os membros do meu clã chegarem a vê—la, não se preocuparão pela possível ira de seu chefe. Ficarão muito atordoados para pensar com claridade.
—Tal como você está atordoado? —perguntou Aaron, dando um forte empurrão ao mensageiro.
—A pura verdade é que sim, estou.
—Mas não a tocou? —perguntou Dylan.
—Acabo de dizer a seu laird que não a toquei, e gosto muito minha vida para mentir a um de vocês. Além disso, mesmo que não fosse a prometida de laird Buchanan, não lhe faltaria o respeito tentando tocá—la. É a mais delicada das damas.
—Balcher não se preocupa muito com o respeito, nem com a honra —murmurou Robert.
Dylan se sentia irritado. Robert, Aaron e Liam pareciam ter—se erigido defensores da dama.
—Não há nem cinco minutos se sentam indignados com esta mensagem — os lembrou—. Que provocou esta mudança de atitude?
—Os Macdonald —respondeu Robert.
—Concretamente, Balcher —completou Aaron.
—A dama pertence a Brodick e mais ninguém vai tocá—la —decretou.
Tão absurda tinha se voltado a conversa, que Brodick já não pôde ocultar o sorriso.
—Eu não a reclamei — lembrou a seus soldados.
—Mas ela fez com você, laird —afirmou Liam.
—E com isso é suficiente? —perguntou Dylan.
Antes que ninguém pudesse responder, Brodick levantou a mão para impor silêncio.
—Eu gostaria de fazer uma última pergunta ao mensageiro e quero poder ouvir sua resposta.
—Sim, laird Buchanan? —perguntou Henley, voltando a tremer.
—Você disse que te chamou para que se aproximasse à janela e assim poder falar com você, mas não nos contou o que te disse.
—Ela enviou uma mensagem adicional.
—Uma petição? —perguntou Aaron.
Henley pôde sorrir pela primeira vez.
—Não, não era uma petição. Era uma ordem.
—Ela deu uma ordem a mim?—Brodick estava estupefato ante a temeridade da mulher.
Henley inspirou profundamente com a esperança que não fosse a última vez que respirava.
—Ela ordena que se apresse —resmungou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 5

Gillian começava a ter sérias dúvidas sobre seu precipitado plano. Alec e ela estavam esperando quase há vinte e quatro horas na igreja abandonada, e parecia tempo mais que suficiente para que laird Buchanan tivesse chegado, se é que pensava vir.
Se encontrasse logo que, e sabia que caso se sentasse provavelmente não teria a força suficiente para voltar a colocar—se de pé, de modo que não deixou de vaguear de ponta a ponta pela nave principal, enquanto refletia sobre as circunstâncias em que se encontravam.
—Vamos ter que ir em breve — disse ao menino—. Não podemos ficar esperando tanto tempo.
Alec, sentado em uma cadeira com as pernas sob o corpo, ficou contemplando—a.
—Você não tem bom aspecto, Gillian. Você está se sentindo mal?
—Não —mentiu ela—. Só cansada.
—Eu tenho fome.
—Você acaba de comer.
—Mas depois vomitei.
—Sim, porque você comeu muito depressa —replicou ela.
Foi até o fundo da igreja, onde tinha posto seu saco de tela e o cesto com comida que seus queridos amigos, os Hathaway, tinham roubado para ela. Olhou pela Janela, e viu Henry andando lá de fora.
—Que olha? —perguntou Alec.
—Aos Hathaway —respondeu—. Não sei o que teríamos feito sem eles. Há muitos anos me ajudaram a chegar até a casa do meu tio. Foram muito valentes. Não pensaram duas vezes quando os pedi que me ajudassem outra vez. Devo achar uma forma de agradecê—los —acrescentou.
Ela passou a Alec um pedaço de queijo e um grosso pedaço de pão.
—Por favor, desta vez coma devagar. Alec mordeu um pedaço de queijo.
—O tio Brodick chegará em breve, não é? —perguntou.
—Lembra seus modos, Alec. Não é correto falar com a boca cheia.
—Você sabe o que? —insistiu ele, ignorando suas palavras.
—Não, que?
—Não podemos ir, porque o tio Brodick vai se irritar muito se chegar e não nos encontrar. Temos que esperá—lo.
Gillian se sentou a seu lado.
—Daremos mais uma hora, mas isso será tudo. Está bem?
Ele assentiu.
—Detesto esperar.
—Eu também —reconheceu ela.
—Gillian, que você pensa fazer se não encontrar a sua irmã?
—A encontrarei —afirmou ela—. Devo fazê—lo.
—Também tem que encontrar essa caixa — lembrou Alec—. Ouvi que o barão te ordenava.
—Não sei. A caixa desapareceu há muitos anos.
—Mas ao barão você disse que você sabia onde estava.
—Menti —confessou ela—. Foi a única coisa em que pensei nesse momento para que te deixasse em paz. Meu pai deu a caixa a minha irmã para que a guardasse. Houve um acidente...
—Mas, Por que o barão quer a caixa?
—É muito valiosa, e também é o segredo de um mistério ocorrido há muito tempo. gostaria de escutar a história?
—Me dará medo?
—Um pouco. Ainda quer escutá—la?
Ele assentiu com ansiedade.
—Adoro as histórias de medo.
—Muito bem, então —disse Gillian com um sorriso—. Te contarei. Parece que antes que Juan se transformasse em rei...
—Era príncipe.
—Sim, era, e estava loucamente apaixonado por uma jovem chamada Arianna. Diziam que era tão linda...
— Tão linda como você?
A pergunta a pegou desprevenida.
—Você acha que sou linda?
Alec assentiu.
—Obrigada, mas Arianna era muito mais bela que nenhuma outra mulher do reino. Tinha o cabelo dourado, que resplandecia debaixo da luz do sol...
—E depois adoeceu e morreu?
—Não, não adoeceu, mas sim, morreu. —Se pôs de pé de repente e depois desabou, como aconteceu com Angus.
—Não, ela...
—E então que aconteceu?
Gillian se pôs a rir.
—Acabarei antes com a história se você deixa de me interromper. Agora, vejamos, onde estava? Oh, sim como estava dizendo, o príncipe Juan estava apaixonado por esta linda mulher...
—Que significa “estar apaixonado”?
—Significa que gostava muito dela. A amava — apressou a dizer ao ver que o menino se dispunha a voltar a interrompê—la—. Era seu primeiro amor verdadeiro, e queria se casar com ela. Você ouviu falar alguma vez da caixa de São Columbo?
O menino negou com a cabeça.
—Que é?
—Uma caixa coberta de pedras preciosas que pertence aos escoceses — explicou ela—. Há muito, muito tempo, os restos sagrados de São Columbo foram colocados nessa caixa...
—Que são “restos”?
—Fragmentos de ossos —respondeu Gillian—. Agora, como ia dizendo, os restos foram colocados dentro de a caixa, e os escoceses costumavam levá—la à batalha com eles.
—Como era possível que quisessem levar ossos à batalha?
—Achavam que ao ter a caixa com eles ganhariam do inimigo.
—E era assim?
—Imagino que sim —disse ela—. Ainda é costume levar a caixa à batalha. Mas não a levam a todas; só a algumas —acrescentou.
—E como soube que existia essa caixa?
—Meu tio Morgan me contou.
—Então os que a levam são das Lowlands, não os das Highlands.
—Por que você diz isso?
—Porque os das Highlands não necessitam de nenhuma caixa quando lutam. Ganhan sempre porque são os mais fortes e os mais valentes. Você sabe o que diz meu tio Ennis?
—Não, mas imagino que será algo desagradável.
—Diz que quando os soldados ingleses veem a mais de três homens das Highlands cavalgando para eles, jogam as espadas e se põe a correr como coelhinhos assustados.
—Nem todos os ingleses são como o barão. A maioria dos ingleses são muito valentes —insistiu Gillian.
Alec não estava interessado na sua defesa dos ingleses.
—Não vai me dizer que aconteceu com a bonita dama e o rei Juan?
Depois de fazer essa pergunta, se virou e cuspiu no chão.
Gillian fez caso omisso de seu grosseiro comportamento e continuou com a história.
—Juan se sentiu cativado pela história da caixa coberta de pedras preciosas dos escoceses, e decidiu criar uma lenda própria. A encomendou a seu artesão.
—Que significa encomendar?
—Mandou seu artesão fazer— que fabricasse uma linda caixa coberta de pedras preciosas. Juan sempre tinha gostado de ser mais inteligente e mais astuto, de maneira que mandou fazê—la de maneira que ele fosse o único que soubesse como abri—la. O artesão levou quase um ano para completar o desenho e montar a caixa, e quando finalmente esteve terminada, decidiu que era realmente magnífica. No entanto era impossível saber qual era a tampa e qual a base, porque não se via nenhuma fechadura nem nenhum fecho. Todo o exterior estava coberto por tiras de ouro que se entrecruzavam, e tinha safiras azuis como o céu, e esmeraldas verdes como...
—Seus olhos? aventurou Alec com ansiedade.
—E também tinha rubis, brilhantes rubis vermelhos...
—Vermelhos como o sangue?
—Pode ser —concordou ela . Todas as pedras preciosas estavam incrustadas entre os cruzamentos das tiras de ouro. Só Juan sabia onde apertar para abrir a caixa.
—Isso não é verdade. Também sabia o homem que fabricou a caixa.
—Isso é exatamente o que pensou Juan —disse Gillian—. De maneira que fez algo terrível, mandou matar o artesão.
—E o rei Juan —fez uma pausa para voltar a cuspir antes de terminar a pergunta , matou à bela dama e pôs seus ossos na sua caixa?
—Não, a caixa era muito pequena! explicou Gillian — Além disso, a única coisa que queria Juan era uma mecha do cabelo de Arianna porque tinha certeza que lhe traria sorte quando enfrentasse uma batalha. Abriu a caixa, pôs dentro sua adaga incrustada de joias, e depois ordenou a seu escudeiro que levasse a caixa até o quarto de lady Arianna, com a ordem que ela colocasse uma mecha de seu cabelo de ouro dentro da caixa de ouro.
—E depois o que aconteceu?
—Lady Arianna recebeu a caixa aberta e com a adaga dentro das mãos do escudeiro. Este entrou no quarto dela, pôs a caixa sobre a mesa e saiu. Mais tarde disse ao príncipe que a única pessoa presente no quarto era lady Arianna. Nem sequer estava a criada da dama.
—Já sei que aconteceu depois: ela roubou a caixa e a adaga, verdade?
Gillian não pôde deixar de sorrir ante o entusiasmo do menino.
—Não, não roubou a caixa. Segundo conta a história, quando o escudeiro de Juan saiu do o quarto, ouviu como ela passava o ferrolho. Mais tarde retornou para buscar a caixa para levar de novo ao príncipe, mas lady Arianna não respondeu a suas chamada. Juan entrou em pessoa foi ao quarto.
E ela o deixou entrar?
—Não.
—Disse que fosse embora?
—Não respondeu ela—. De dentro não saía nenhum som. Juan sempre foi famoso pela sua impaciência. Não passou muito tempo antes que montasse em cólera porque a jovem não lhe respondia, de maneira que ordenou a seus soldados que jogassem a porta abaixo. Juan entrou no quarto como uma exalação, e assim foi ele quem a encontrou. A pobre lady Arianna jazia no chão, no meio de uma poça de sangue. Alguém a tinha apunhalado.
—Então Juan introduziu seus ossos na caixa?
—Não, não fez. Lembra que te disse que a caixa era muito pequena para conter seus ossos. Além disso, nem a caixa nem a adaga estavam ali. Tinham desaparecido.
—E onde estavam?
—Ah, eis aí o mistério.
—Quem matou à dama?
—Ninguém sabe. Juan ordenou a seus soldados que buscassem a caixa por todo o reino, mas parece ter se esfumado no ar. Acha que quem roubou a caixa, é o mesmo que matou a sua amada. O tio Morgan me contou que de vez em quando, uma vez a cada dois anos, mais ou menos, surgem rumores que se viu em algum lugar a caixa de Arianna, e Juan redobra seus esforços para encontrá—la. A recompensa que ofereceu é enorme, mas por enquanto ninguém a reclamou.
—Você sabe o que? —Essa dama está melhor morta que casada com o rei Juan —após fazer este comentário, tornou a vira—se e cuspir novamente no chão.
—Por que você está fazendo isso?
—Devo fazer —replicou ele—. Cada vez que pronunciamos seu nome, temos que cuspir. É para demonstrar o que sentimos.
Gillian se sentiu escandalizada e divertida ao mesmo tempo.
—Você quer dizer que todos os habitantes das Highlands cospem cada vez que algum pronuncia o nome do rei Juan?
—Alguns lançam um juramento, mas mamãe não me deixa fazer isso.
—Me parece muito certo.
—Brodick lança juramentos cada vez que tem que pronunciar o nome do rei. Você diria a ele que deixasse de fazer? —Explodiu em risadinhas.
O som demonstrou ser contagioso e Gillian lhe deu golpezinhos sobre o nariz.
—Você é o menino mais adorável que conheço —sussurrou—. Mas faz as perguntas mais extravagantes.
— Mas você diria a Brodick que não jurasse? —insistiu Alec.
Gillian elevou os olhos ao céu.
—Se alguma vez pronunciasse o nome do rei Juan em minha presença, e depois blasfemasse... ou cuspisse — acrescentou— sem dúvida que ordenaria que deixasse de fazer.
Alec rompeu em gargalhadas.
—Você lamentará, se tentar dizer o que ele tem que fazer. Não gostará —disse—. Tomara se apresse e chegue de uma vez.
—O mesmo digo.
—Acho que você deveria ter enviado a adaga junto com a mensagem, tal como você pensava em fazer —comentou Alec—. Que te fez mudar de ideia?
—Se enviasse a Brodick a adaga que te presenteou, saberia que o motivo pelo qual quero vê—lo tem a ver com você, mas depois me preocupei ao pensar que pudesse vê—la alguma outra pessoa, e me pareceu muito perigoso. — Eu não sei em quem confiar.
—Mas você viu o traidor quando cavalgava pelo caminho — lembrou ele—. Você disse que pôde ver de cima da colina, enquanto eu dormia.
—Sim, o vi, mas você lembra o que te disse? Não vamos contar a ninguém.
—Nem sequer a Brodick?
—Não, nem sequer a Brodick.
— Quanto tempo mais teremos que esperar?
Ela tocou sua mão.
—Acho que já esperamos tudo o que podemos. Já não virá buscar—nos, mas não quero que se preocupe. Já encontraremos outra maneira de retornar para casa.
—Porque você prometeu, de acordo?
—Sim, porque prometi. Em que estava pensando? Foi uma ideia tola dizer ao soldado Macdonald que era a prometida de Brodick.
—Mas acho Brodick necessite de uma namorada. Poderia vir por nós.
—Deveria ter oferecido ouro.
Alec soltou um bufo.
—Brodick não se interessa por ouro.
—Dá no mesmo, porque não tenho —disse Gillian com um sorriso.
Os olhos de Alec se abriram de estupefação.
—Você mentiria ao tio Brodick?
—Menti ao dizer que sou sua prometida.
—Vai estar muito zangado quando chegar aqui, mas não permitirei que grite com você.
—Obrigada. Já não está zangado comigo não?
—Estava —reconheceu ele—. Mas já não estou.
—Você precisava de um banho. Você estava sujo.
—Brodick vai pensar que você é bonita, mas Você sabe o que?
—Não, que?
—Não vai dizer. Quer que pense que você é bonita?
—Não especialmente —respondeu ela, com a mente ocupada em questões mais importantes—. Já não podemos continuar esperando, Alec. Teremos que seguir nosso caminho sozinhos mesmo. Termine sua comida, e depois iremos.
—Mas se você não quer que Brodick pense que você é bonita, por que você pôs sua elegante roupa verde?
Gillian soltou um suspiro. Alec fazia as perguntas mais indiscretas. As questões mais transcendentes pareciam ter enorme importância para ele, e não retrocedeu até que ela desse o que ele considerava uma resposta adequada.
—Eu coloquei estas roupas porque meu outro traje está sujo.
Ele comeu outro pedaço de pão enquanto refletia sobre sua resposta.
—Você sabe o que? —disse depois.
Gillian teve que apelar para sua paciência.
—Não, que?
—Você vai ter medo de Brodick.
—Por que você diz isso?
—Porque as mulheres sempre têm medo dele.
—Bom, pois eu não terei —afirmou Gillian—. Deixe já de falar, e termine a comida.
Nesse momento chamaram à porta, e Gillian se pôs de pé no preciso momento em que Waldo, o mais velho dos Hathaway, entrava apressadamente.
—Temos problemas, milady —resmungou—. O soldado Macdonald... o que levou a mensagem para...
— Henley?
Waldo assentiu enfaticamente.
—Deve ter contado aos outros Macdonald que você estava aqui, porque há quase trinta deles aproximando—se pela planície. Todos levam as mesmas cores que Henley, mas não o distingui entre eles.
—Não compreendo —disse Gillian—. Não disse nada a Henley sobre Alec. Por que virá aqui seu clã?
—Me parece que vêm para te reclamar, milady.
Gillian ficou atônita ante a sugestão e negou com a cabeça.
—Mas não podem reclamar—me.
Waldo pareceu cansado e cabisbaixo.
—Nestes lugares fazem tudo diferente —lhe disse—. Se querem algo, simplesmente o tomam.
Gillian agarrou a Alec pela mão e o obrigou a colocar—se de pé.
—Partimos. Waldo, procure seu irmão, e se reúna conosco onde estão os cavalos. Tenha pressa!
—Mas, milady —protestou Waldo—, não é só isso que devo dizer. Há outro clã no extremo oposto da planície cavalgando a tudo força para os Macdonald. Não estou muito certo de quem são, mas me parece que são os Buchanan que você mandou buscar. São nove.
—Se for Brodick e seus homens, pois então estão em uma penosa desvantagem numérica.
—Não, milady, os que me parecem penosos são os Macdonald. Jamais vi soldados com aspecto semelhante ao dos Buchanan. Parecem ferozes, e pela forma em que os Macdonald estão retrocedendo, acho que os temem. Se hoje se derramar sangue, não acho que seja sangue dos Buchanan. Você está segura de querer colocar seu destino e o do menino nas mãos desses selvagens?
Gillian não soube o que pensar, e sentiu que interiormente a atacava um pânico tal que achou que pararia seu coração.
—Espero que se trate de Brodick e seus homens —disse em um sussurro.
Alec estava lutando para livrar—se dela e poder sair para observar a luta, mas Gillian o reteve com força e não o deixou sair.
—Waldo, Henry e devem ir antes que cheguem aqui. Agradeço tudo o que vocês fizeram por Alec e por mim. Depressa, antes que os vejam.
Waldo sacudiu a cabeça.
—Meu irmão e eu não iremos até estarmos seguros de seu bem—estar, milady montaremos guarda na porta. Antes de poder chegar até vocês, os soldados terão que matar—nos.
Gillian não conseguiu dissuadi—lo do que ele considerava seu nobre missão. Logo que o bom homem saiu, se virou para Alec.
—Diga—me que aspecto tem Brodick. Ordenou.
—Parece... Brodick respondeu ele.
—Mas, exatamente, qual é seu aspecto?
Alec deu de ombros.
—É grande —disse em voz baixa. Depois, sorrindo porque tinha lembrado de algo mais, acrescentou: é velho.
—Velho?
O menino assentiu.
—Terrivelmente velho —insistiu. Gillian não acreditou.
—De que cor é seu cabelo?
—Branco.
—Você tem certeza? Alec assentiu.
—Você sabe o que? —disse.
Gillian sentiu que seu coração tinha afundado no estomago.
—Não, que?
—Não ouve muito bem.
Teve que sentar—se.
—Por que não me disse que Brodick era um idoso antes que enviasse a mensagem dizendo que era sua prometida? A impressão poderia tê—lo derrubado — Se pôs de pé de um salto, e arrastou Alec com ela—.
—Vamos.
—Mas, e os Buchanan?
—Parece que o outro clã na planície não é o de Brodick. Waldo me teria dito se algum dos guerreiros fosse um idoso.
—Quero ir olhar. Eu posso dizer se são os Buchanan.
Waldo abriu a porta.
—Os Macdonald recuam, milady, só o outro clã vem para cá! —gritou.
Gillian pegou Alec pelos ombros e o obrigou olhá—la nos olhos.
—Quero que você se esconda atrás dessa pilha de pedra até que averigue quem são esses homens. Não quero que você diga nem uma só palavra, Alec. Prometa... por favor...
— Mas...
—Prometa.
—Se for Brodick, posso sair?
—Não, até que tenha falado com ele e conseguido sua promessa que nos ajudará.
—Muito bem —concordou o menino . —Prometo que ficarei quieto.
Gillian ficou tão contente de conseguir sua colaboração, que não resistiu o impulso de dar—lhe um beijo na bochecha. De imediato, ele secou com o dorso da mão e se retorceu do abraço.
—Sempre está me beijando protestou. — com um sorriso que indicou a Gillian que na verdade não se incomodava tanto . —Igual a mama.
—Vá, esconda—se — disse, enquanto o levava até o fundo da igreja.
Ele a pegou pelo braço esquerdo, e Gillian reagiu fazendo um trejeito de dor. As feridas feitas com o punhal não haviam cicatrizado, e pela maneira em que latejava, soube que tinha infectado.
Alec viu seu sobressalto.
—Você necessita do remédio da minha mama – sussurrou— Se sentiria melhor.
—Com certeza que sim— respondeu ela . — Agora, Alec, nem uma só palavra. —o preveniu . — Não importa o que aconteça, fique quieto e não faça ruído. Você pode dar—me a adaga que te presenteou Brodick?
—Mas é minha!
—Já sei que é sua. Só quero pedi—la emprestada. lhe assegurou.
Alec estendeu a adaga, Mas quando ela se virou para ir não pôde conter um sussurro.
—Aqui está muito escuro.
—Estou aqui com você, portanto você não tem por que ter medo.
—Os ouço vir.
—Eu também —respondeu Gillian em um sussurro.
—Gillian, Você tem medo?
—Sim. Agora, fique quieto.
Atravessou a nave central e se deteve frente ao altar para esperar. Momentos depois, ouviu Waldo dar a voz de alto. Sua ordem foi obviamente ignorada, porque um segundo mais tarde a porta se abriu de par em par e no centro do arco apareceu o guerreiro mais assustador que tinha visto na sua vida. Se tratava de uma figura altíssima com longos cabelos loiros, e pele bronzeada. Só levava um simples tartán que não chegava sequer aos joelhos. Uma larga banda da mesma tela, presa sobre seu ombro esquerdo, atravessava seu peito coberto de cicatrizes. Na cana de uma de suas botas de pele podia ver—se uma adaga tipicamente escocesa, mas não levava espada.
O homem nem sequer tinha posto um pé dentro da igreja, mas ela já tremia da cabeça aos pés. Seu tamanho impedia a entrada da luz do sol, mesmo que a seu redor refulgiam raios de luz dourada que o faziam aparecer etéreo. Gillian aferrando a adaga, a ocultou a suas costas, e após desliza—la para dentro da manga de seu traje, voltou lentamente as mãos para frente e as cruzou, em uma tentativa por fazê—lo crer que se achava totalmente à sua mercê.
O guerreiro permaneceu imóvel durante vários segundos, mas com o olhar buscava alguma ameaça que pudesse atacá—lo dos cantos, e quando se convenceu que estava só, transpôs a entrada e fechou a porta atrás de si.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 6

Brodick percorreu a nave a grandes pernadas que fizeram tremer as vigas do teto da pequena igreja e provocaram uma pequena chuva de pó. Valentemente, Gillian se manteve firme.
Quando esteve a meio metro dela, se deteve, cruzando as mãos na costas, e a contemplou com insolência, percorrendo—a da cabeça aos pés com o olhar. Tomou todo o tempo que quis, e depois de terminar com sua descarada inspeção, cravou seu olhar no dela, e ficou esperando que falasse.
Gillian tinha planejado cuidadosamente esse momento, e tinha ensaiado as palavras que diria. Começaria por apresentar—se, porque era o que pedia a boa educação, e depois perguntaria seu nome. Ele responderia que se chama Brodich, mas ela não acreditaria até que demonstrasse a autenticidade de sua identidade respondendo a várias perguntas que ela tinha preparado cuidadosamente; um exame, na verdade, para determinar se podia confiar nele.
Sim, ia ser muito astuta no seu interrogatório e assim que conseguisse tranquilizar—se, ia começar a perguntar. A forma em que ele a olhava era inquietante, e começava a ter dificuldades para construir um só pensamento coerente.
Ele era impaciente.
—Vocês é a mulher que diz ser minha prometida?
O aborrecimento que detectou na sua voz conseguiu que o rosto ardesse. Sentiu que corava de mortificação.
—Sim, com efeito.
Brodick ficou assombrado ante sua sinceridade.
—Por que?
—Menti.
—É evidente.
—Geralmente, não...
—Geralmente não, o que? —a interrompeu ele, ao mesmo tempo em que se perguntava por que estaria tão nervosa. Ele tinha se preocupado em mostrar uma atitude relaxada com as mãos cruzadas na costas e tinha dado sua espada a Dylan antes de entrar na igreja. Seguramente ela tinha notado que não pensava causar—lhe nenhum dano.
—Geralmente não minto —explicou Gillian, surpreendida ao descobrir que podia lembrar de que estavam falando. Manter o olhar fixo na queixo de Brodick a ajudava, porque os olhos desse homem eram muito intensos —. Você não é um idoso — espetou, e depois sorriu—. Me disseram que você era um idoso —sussurrou——, de cabelo branco.
E então se pôs a rir, convencendo a Brodick que tinha perdido o julgamento.
—Me parece que é melhor que comece de novo. Sou lady Gillian, e lamento muito ter mentido, mas dizer que era sua prometida foi a única maneira que me ocorreu para obrigar você a percorrer tão longa distância.
—A distância não foi tão comprida —disse ele, encolhendo os ombros.
—Não? —perguntou ela, surpreendida—. Pois então, por que vocês demoraram tanto em chegar? Há muito que os esperamos nesta igreja.
—Você e quem mais? —perguntou ele com toda calma.
—Eu e... os irmãos Hathaway... os dois guardas da porta. Temos esperado muito tempo.
—Por que você estava tão segura que viria?
—Por curiosidade —respondeu ela—. E tive razão, não é mesmo? Por essa razão vocês vieram.
A sombra de um sorriso cruzou fugazmente o rosto de Brodick.
—Isso mesmo—confirmou ele—. Tinha curiosidade em conhecer a mulher capaz de semelhante audácia.
—Você é Brodick.. quero dizer, você é laird Buchanan?
—Sou.
O rosto de Gillian se iluminou de alívio. Maldição, como era bonita. O mensageiro não tinha mentido ao descrevê—la, pensou Brodick. Em todo caso, tinha sido poucos os elogios.
—Pensava te submeter a uma prova para garantir que você é mesmo Brodick, mas uma só olhada bastou para me convencer. Me disseram que seu olhar podia partir em dois um tronco de árvore, e por sua expressão, acho que é possível. Você é intimidante, mas já sabe disso, não é mesmo?
Brodick não mostrou nenhuma reação.
—O que você quer de mim?
—Quero... não, preciso —se corrigiu—, sua ajuda. Tenho comigo um tesouro muito valioso, e preciso de ajuda para levá—lo para casa.
—Não há nenhum inglês que possa vir em seu auxílio?
—É muito complicado, laird.
—Comece pelo princípio —sugeriu ele, surpreendido ante seu próprio desejo de prolongar este encontro. A voz da moça era muito atraente; era suave, doce, e ao mesmo tempo um pouco rouca e sensual, tal como a mesma jovem.
Brodick era treinado para ocultar seus pensamentos de modo que tinha certeza que ela não tinha a menor ideia do efeito que causava. O maravilhoso aroma que despedia era outra fonte de distração. Era muito feminino e cheirava tenuemente a flores, o que lhe pareceu sedutor e incitante ao mesmo tempo. Teve que lutar contra o impulso de
se aproximar mais a ela.
—Isto lhe explicará tudo o que você quer saber —disse Gillian, enquanto tirava lentamente a adaga e a bainha de seu manga, e as expunha ante ele.
Brodick reagiu com a velocidade do raio. Antes que ela pudesse sequer adivinhar sua intenção, arrancou a adaga da mão dela, a agarrou pelo braço ferido e a aproximou até ele com violência, dominando—a com sua altura.
—De onde você tirou isto? — perguntou.
—Eu explicarei! —gritou ela—. Mas, por favor, solte—me. Vocês está me machucando.
As lágrimas nos seus olhos confirmaram a Brodick a verdade de suas palavras e a soltou de imediato. Afastando—se ligeiramente, voltou a exigir—lhe que se explicasse.
—A adaga não é minha, me emprestaram —disse Gillian, e então, virando—se, disse—: Alec, já pode sair.
Nunca tinha estado Brodick tão perto de perder a compostura. Quando o menino Maitland saiu correndo para ele, sentiu que os joelhos não o sustentavam e o coração subia à garganta. Estava muito surpreendido para dizer uma só palavra enquanto Alec se jogava em seus braços. As mãos de Brodick tremeram quando o levantou e o apertou contra seu peito.
O pequeno jogou os braços ao pescoço dele e o abraçou com força.
—Sabia que você viria! Disse a Gillian que você nos ajudaria.
—Você está bem, Alec? —perguntou, com a voz trêmula pela emoção. Se virou para Gillian, interrogando—a com o olhar, mas ela estava contemplando Alec com doce e maternal olhar.
—Responda, Alec —indicou Gillian ao menino.
Este se reclinou nos braços de Brodick, assentindo.
—Estou muito bem, tio. A dama cuidou muito bem de mim. Me deu sua comida e aguentou a fome quando não conseguia para os dois, e você sabe o que? Não permitiu que ninguém me fizesse mal, nem sequer quando esse homem quis fazê—lo.
Brodick olhou a Gillian enquanto Alec seguia falando, mas assentiu quando o pequeno havia terminado com sua explicação.
—Me dirá exatamente o que aconteceu —disse a Gillian. Não era um pedido, mas a afirmação de um fato.
—Sim —concordou ela— farei.
—Tio, você sabe o que?
—Não, que? —disse Brodick, virando—se para Alec.
—Não me afoguei.
Brodick ainda estava muito perturbado para rir ante o ridículo da declaração.
—Já vejo —respondeu secamente.
—Mas você achava que sim, que tinha me afogado? Disse a Gillian que você não acharia, porque você é muito obstinado, mas você fez?
—Não, não achei que você tivesse afogado.
Alec se virou para olhar a Gillian.
—Eu disse! —se orgulhou, antes de voltar a concentrar—se no seu tio—. Me colocaram em um saco de farinha, e me assustei muito.
—Quem te colocou em um saco de farinha? —perguntou Brodick, tentando ocultar a fúria de sua voz para não assustar o menino.
—Os homens que me apanharam. Podia ter gritado. —Parecia que estava confessando um terrível pecado—. Não fui valente, tio Brodick, mas você sabe o que? Gillian disse que sim, que fui.
—Que homens te colocaram em um saco?
Sua brusquidão preocupou ao menino, que desceu o olhar.
—Não sei. Não vi suas caras. —Respondeu, angustiado.
—Alec, ele não está zangado com você. Por que não vai e recolhe suas coisas enquanto falo com seu tio?
Brodick desceu cuidadosamente Alec, e o observou correr para o fundo da igreja.
—Me ajudará a levá—lo a sua casa, junto de seus pais? —perguntou Gillian.
—Me assegurarei que retorne para sua casa.
—E eu também —insistiu ela—. Fiz a Alec uma promessa, e me proponho cumpri—la, e também devo falar com seu pai. O assunto é extremamente sério. Além disso —acrescentou——, confio em você, laird Buchanan, mas não confio em mais ninguém. Hoje você veio com outros oito homens. É verdade?
—Sim.
—Gostaria de ver cada um deles antes que Alec saia.
—Você quer vê—los? —perguntou ele confundido por sua extravagante exigência—. São Buchanan —acrescentou—, e isso é tudo o que você necessita saber.
Alec se aproximou correndo pela nave da igreja precisamente quando Gillian voltava a fazer sua demanda.
—Eu os olharei primeiro.
—Você sabe por que, tio?
—Por que?
—Ela viu o traidor —exclamou Alec, desejando ser o primeiro a oferecer uma explicação — Eu dormi, mas Gillian pôde vê—lo bem. Isso me disse. Fez com que nos escondêssemos um momento muito longo para poder vê—lo. É um homem das Highlands —achou necessário acrescentar.
—Oh, Alec, não devia dizer a ninguém!
—Esqueci —se desculpou o menino—. Mas Brodick não dirá a ninguém se você pedir que não o faça.
—O homem que vi provavelmente esteja ainda a caminho de volta às Highlands —disse Gillian—. Eu não sei quanto tempo pensava ficar na Inglaterra, mas não quero correr riscos. É preferível estar seguros.
—E pretende ver meus homens para assegurar—se que nenhum deles seja o homem que vocês viram? — perguntou Brodick, claramente ofendido.
Gillian se sentiu de repente tão cansada que precisou sentar—se, e não se sentia de humor para mostrar—se diplomática e idealizar uma resposta aceitável que acalmar os ânimos do laird.
—Sim, isso é exatamente o que pretendo.
—Você disse que confia em mim.
—E isso mesmo—assentiu ela, e acrescentou— Mas só porque devo confiar em alguém e você é o orientador de Alec, mas não vou confiar em mais ninguém. Alec me contou que lhe pareceu que os três homens que o levaram do festival eram das Highlands mas poderia ter mais, além do homem que planejou o sequestro, de maneira que, como você compreenderá, Alec ainda está em perigo; e penso continuar cuidando dele até que o leve são e salvo de volta para sua casa.
Antes que ele pudesse responder a seu argumento se ouviu um assobio do exterior, que atraiu sua atenção.
—Devemos ir —anunciou—. Meus homens estão impacientes e é só questão de tempo que os Macdonald reúnam mais homens e voltem para nos atacar.
—Vocês estão brigando com os Macdonald? —perguntou Alec.
—Pois não estávamos —respondeu Brodick—. Mas parece que agora sim.
—Por que? —quis saber Gillian, desconcertada ante esta semi—explicação—. O soldado Macdonald que conheci era um cavalheiro muito agradável e evidentemente era um homem de palavra, já que manteve sua promessa e transmitiu minha mensagem.
—Sim, Henley —confirmou Brodick, assentindo—, e efetivamente, me transmitiu sua mensagem, mas só depois de ter dito a seu laird e de ter despertado a curiosidade de seu clã.
—E vieram até aqui para brigar com vocês? —perguntou Gillian, tentando compreender.
Brodick sorriu.
—Não, moça, vieram para te sequestrar, e como você verá, é um insulto que não posso permitir.
Gillian ficou estupefata.
—Sequestrar—me? —sussurrou—. E por que, no nome do céu, iam querer fazer algo semelhante?
Brodick sacudiu a cabeça para deixar—lhe ver que não estava disposto a explicar com mais detalhes.
—Por mais vontade que tenha de matar algum Macdonald, terei que esperar até que os tenha levado a casa de Maitland. Partimos neste instante.
Se Gillian não o tivesse segurado pelo braço, obrigando—o a ficar a seu lado, Alec teria saído correndo.
—Espera aqui até que tenha me convencido que é seguro que você saia.
—Mas não quero esperar mais!
—E eu não quero escutar mais protestos, rapazinho. Você fará o que te digo, entendeu?
Imediatamente, Alec levantou os olhos para Brodick em busca de ajuda.
—Não faço mais que dizer—lhe que meu papai é laird, e que ela não pode me dizer todo o tempo o que tenho que fazer, mas não me faz caso. Não tem nenhum medo de papai. Talvez você deva explicar.
Brodick ocultou seu riso.
—Que lhe explique o que?
—Que me deixe fazer o que quero.
—A dama quer o melhor para você, Alec.
—Mas conte de papai! Rogou o menino.
Brodick cedeu.
—Ian Maitland é um poderoso personagem nas Highlands —disse —Muitos temem provocar sua ira.
Gillian sorriu com grande doçura.
—Oh.
—E muitos também cuidam com o que dizem a seu filho.
Alec assentia calorosamente, quando Gillian desceu o olhar até ele.
—Tenho mais interesse em manter você com vida que em conseguir a aprovação de seu pai aguentando sua rebeldia e, talvez, deixando que te matem.
—Deixe—me ver seu braço —ordenou Brodick. Gillian piscou, surpreendida.
—Por que?
Brodick não aguardou sua resposta, nem esperou que fizesse o que ordenava, mas a pegou pela mão e levantou a manga do vestido até além do cotovelo. Estava quase todo coberto por uma grossa bandagem, mas pela inflamação e a cor roxa da mão pôde ver que a ferida tinha infectado.
—Como aconteceu isto?
Alec se apertou contra ela.
—Você vai me delatar? — ele sussurrou, preocupado.
Brodick fingiu não ter escutado a pergunta do menino. Já tinha a resposta que esperava: de alguma maneira, o responsável da ferida de Gillian era Alec, e mais tarde, quando se encontrasse a sós com o rapaz, se inteiraria dos detalhes. Por enquanto, deixaria as coisas como estavam.
Gillian e o menino estavam evidentemente exaustos, e grandes círculos violáceos rodeavam os olhos de ambos. A jovem tinha o rosto avermelhado, e Brodick não tinha nenhuma dúvida que tinha febre. Sabia que se não cuidasse dessa ferida o mais rápido possível, teria problemas sérios.
—Não importa como fiz, laird.
—Você me chamará Brodick — indicou.
—Como você quiser —respondeu ela, perguntando—se por que razão teria suavizado sua voz e a expressão carrancuda tinha abandonado seu rosto.
Antes que ela pudesse se dar conta do que ele se propunha fazer, tomou seu queixo e a obrigou a inclinar a cabeça para o lado para poder ver as fracas marcas que tinha sobre as bochechas.
— Como você fez esses machucados?
—O homem, bateu nela com o punho —interveio Alec, agradecido porque a atenção de seu tio tinha se afastado do braço de Gillian. Estava envergonhado de tê—la ferido, e esperava que seu tio não soubesse nunca da verdade—. E, tio Brodick, Você sabe o que?
Brodick estava contemplando Gillian com expressão preocupada.
—Que?
—Também tem a costas preta e azul. Pelo menos, a tinha, e talvez ainda esteja assim.
—Alec, fique quieto e cale a boca.
—Mas é verdade. Vi as marcas quando você saiu do lago.
—Imaginei que você estava dormindo —disse Gillian, enquanto afastava a mão de Brodick de seu rosto—. Posso ver agora seus soldados?
—Sim —concordou ele.
Gillian tinha planejado deixar Alec dentro da igreja enquanto ela saía à escada para ver aos soldados, mas Brodick tinha outras intenções. Lançou um agudo assobio que fez com que Alec rompesse em risadinhas e tapasse os ouvidos. A porta se abriu de par em par, e oito homens entraram no templo. Gillian olhou que cada um deles teve que agachar—se para passar embaixo do arco de entrada. Será que todos os Buchanan eram gigantes?
No mesmo instante em que se abriu a porta, Gillian empurrou Alec para ocultá—lo atrás dela, o que em realidade era muito gracioso, considerando o tamanho e a fortaleza dos guerreiros que se aproximavam. Brodick a viu defender o menino com seu próprio corpo, e tentou não ofender—se pelo insulto que infligia a seus soldados com essa
atitude. Mesmo que os considerasse impiedosos com seus inimigos, os Buchanan jamais teriam levantado a mão contra uma mulher ou um menino. Todos os habitantes das Highlands sabiam que eram homens de honra, mas Gillian provinha da Inglaterra e não conhecia as pessoas do lugar, portanto ele perdoou seu comportamento.
Dylan lançou a espada a seu chefe enquanto avançava pela nave da igreja, e Brodick deslizou o arma dentro de sua bainha, sorrindo em seu íntimo ao ver a expressão deslumbrada nos rostos de seus soldados. Evidentemente, estavam seduzidos pela bela dama r não podiam tirar os olhos dela.
Sua satisfação, no entanto, em breve trocou para irritação, e descobriu que, depois de tudo, não gostava que contemplassem Gillian tão abertamente. Uma coisa era olhar, e outra diferente, ficar com a boca aberta. Será que nunca tinham visto uma mulher linda?
Alce espiou de trás de Gillian, viu Dylan, e o cumprimentou com a mão. O comandante tropeçou e se chocou contra Robert, que rapidamente o empurrou de volta a seu lugar.
Enquanto Brodick mantinha a vista fixa nela, Gillian estudou minuciosamente a cada um dos homens.
—Convencida agora? — perguntou com tranquilidade quando ela terminou seu escrutínio.
—Sim, estou convencida.
—É um Maitland o que se esconde atrás das saias de uma mulher? —perguntou Dylan, que ainda não havia recobrado totalmente a compostura—. Por Deus que juraria que o mucoso parece Alec Maitland!
Alec saiu correndo para Dylan e riu encantado quando o soldado o levantou acima de sua cabeça.
—Ela me fez esconder! Eu não queria, mas me obrigou.
—Achávamos que você tinha se afogado, rapaz —sussurrou Liam, com voz tão áspera como o roçar de folhas secas.
Dylan desceu Alec e o sentou sobre seus ombros. De imediato, o menino rodeou o pescoço dele com seus braços e se inclinou para trás para poder ver aos demais.
—Não me afoguei —anunciou.
Os oito soldados rodearam Alec, mesmo que vários deles seguiam contemplando Gillian. Brodick deu um passo para ela, com atitude possessiva, e demonstrou seu desagrado a Liam e a Robert, os mais claramente fascinados, com um feroz trejeito, para que soubessem que seu chefe desaprovava sua conduta.
—A terras dos Maitland ficam muito longe daqui?
—Não —respondeu Brodick—. Robert, toma seu alforje e amarre em seu suporte —ordenou, enquanto tomava a Gillian pela mão e a levava até a porta—. Alec cavalgará com você, Dylan —acrescentou, enquanto passava frente a Robert, a quem murmurou—: Será que nunca viu uma mulher bonita?
—Nunca tão bela como esta —replicou Robert.
Dylan mudou de posição a Alec, e se antecipou para cortar o passo a seu chefe.
—Não vai nos apresentar a sua prometida, laird?
—É lady Gillian —disse Brodick. A seguir, apresentou os soldados a ela, mas pronunciou seus nomes tão depressa e com tão pronunciado acento, que mal pôde entender um ou dois.
Quis fazer uma reverência, mas como Brodick seguia retendo sua mão, teve que conformar—se com uma inclinação de cabeça.
—É um prazer conhecer vocês —disse lentamente, falando em gaélico pela primeira vez desde que conheceu a Brodick, e achou tê—lo feito aceitavelmente, até que viu que todos sorriam. Estavam satisfeitos pela sua tentativa de falar seu idioma, ou riam dela porque tinha fracassado lamentavelmente? Suas palavras se voltaram mais vacilantes por sua crescente falta de confiança em sim mesma, quando acrescentou—: E eu gostaria de agradecer que vocês me ajudem a levar Alec de volta para sua casa.
Gillian sentiu emoção ao vê—los assentir.
—Você é sua prometida? —perguntou Robert, adiantando—se.
—Não —respondeu ela, sorrindo levemente.
—Mas você disse ser — lembrou Aaron.
—Sim, fiz —assentiu ela, sorrindo—, mas era uma mentira para despertar a curiosidade de seu laird e obrigá—lo a vir aqui.
—Uma declaração é uma declaração —sustentou Liam, e os demais estiveram de acordo com ele.
—Isso significa? — perguntou Gillian ao soldado. Dylan sorriu ao responder.
—Significa, moça, que você é sua prometida.
—Mas menti! —protestou ela, totalmente confundida pelo giro da conversa. Sua explicação parecia simples de compreender, mas os soldados se conduziam de maneira muito desconcertante.
—Mas você disse. —disse outro soldado. Gillian lembrou que se chamava Stephen.
—Agora não é momento para esta discussão —anunciou Brodick. Foi para a saída, levando Gillian depois dele, e quase não prestou atenção aos dois ingleses apostados nas escadas. Os cavalos estavam atados perto de o arvoredo.
—Você cavalgará comigo — avisou Brodick.
—Devo despedir—me dos meus amigos —disse Gillian, afastando—se. Antes que pudesse detê—la, foi correndo para onde se encontravam Waldo e Henry. Os dois homens inclinaram suas cabeças e sorriram quando lhes falou. Brodick não podia escutar o que dizia, mas a julgar pela expressão dos homens, pareciam muito satisfeitos.
Quando a viu tomar—lhes as mãos, tornou a se aproximar a ela.
—Já perdemos muito tempo.
Gillian o ignorou.
—Laird —disse, entretanto—, eu gostaria que você conhecesse Waldo e Henry Hathaway. Se não fosse por estes valentes homens, Alec e eu jamais teríamos chegado até aqui.
Brodick não disse nada, mas cumprimentou aos irmãos com uma inclinação de cabeça.
—Waldo, você poderá devolver o cavalo que peguei emprestado? —pediu.
—Mas você roubou o cavalo, milady! —protestou Henry.
—Não — o contradisse Gillian—. Eu peguei emprestado sem permissão. Por favor, prometa—me também que ambos vocês se ocultarão até que tudo isto tenha terminado. Se ele descobrir que me vocês ajudaram, os matará.
—De acordo, milady —disse Waldo—. Sabemos do que é capaz esse desalmado, e nos esconderemos até que você retorne. Que Deus a proteja em sua busca.
Os olhos de Gillian se encheram de lágrimas.
—Em duas oportunidades vocês vieram em minha ajuda, e me salvaram do desastre.
—Percorremos um longo caminho juntos —disse Waldo—. Quando nos conhecemos, você era muito pequena. Nem sequer falava.
—Lembro o que me contou minha querida Liese. Nesse dia tão fatídico, vocês ofereceram para escoltar—nos. E agora, uma vez mais vieram em meu auxílio. Estarei eternamente em dívida com vocês, e não sei como vou fazer para compensá—los.
—Para nós foi uma honra ajudar, milady —murmurou Henry.
Brodick, tomando—a pelo braço, a obrigou a separar—se e a soltar a mão do irmão maior.
—Devemos partir —ordenou, mesmo que desta vez soou muito mais premente.
—De acordo —concedeu Gillian.
Se voltou, viu Alec nos braços de Dylan, e com um gesto indicou aos Hathaway que aguardassem. Se soltou da mão de Brodick, e correu atravessando o claro.
—Alec, seguramente você quer agradecer a Waldo e a Henry por ter nos ajudado.
Ele negou com a cabeça.
—Não, não farei —afirmou—. São ingleses, portanto não tenho que agradecer nada. Nós das Highlands não gostamos dos ingleses —acrescentou, muito arrogante.
Gillian controlou sua irritação.
—Dylan, poderia conceder a Alec e a mim um momento a sós?
—Como você desejar, milady.
Logo pôs Alec no chão, Gillian o agarrou pelo braço e o arrastou até as árvores. Ali se inclinou sobre ele e murmurou ao ouvido, enquanto o menino não deixava de resistir para se soltar.
—Que está fazendo? — perguntou Dylan a Brodick.
Brodick não pôde evitar o sorriso.
—Lembrando ao menino suas boas maneiras —respondeu. Tornou a olhar os irmãos, e soltando um suspiro, acrescentou— E parece que também é preciso recordá—las a mim.
Antes que Dylan pudesse pedir que esclarecesse seu estranho comentário, seu chefe foi para onde estavam Waldo e Henry. Os irmãos, evidentemente, estavam assustados, e ambos retrocederam ante seu avanço até que ordenou a eles ficar onde estavam.
Dylan não pôde escutar o que Brodick lhes dizia, mas o viu agachar—se e tirar seu punhal com punho de pedras preciosas da cana de sua bota e estender a Waldo. O assombro no rosto do inglês foi idêntico ao de Dylan.
Viu como Waldo tentava rejeitar o obséquio, mas Brodick insistiu, e o obrigou a aceitá—lo.
Enquanto lecionava a Alec sobre suas obrigações, Gillian também pôde observar a cena, e sorriu para si mesma.
Momentos depois, Alec, arrastando os pés com toda deliberação, atravessou o claro para falar com os ingleses.
Gillian lhe deu um leve empurrão na costas para que apertasse o passo.
Alec afundou a queixo no peito, e se deteve junto a Brodick. Desde ali se dirigiu a Waldo e a Henry.
—Agradeço que vocês cuidaram de mim —disse.
—E mais? —urgiu Gillian.
—E porque não vocês tinham por que fazer isso, mas fizeram assim mesmo.
Exasperada, Gillian acabou por ele.
—O que quer dizer Alec é que lamenta ter sido uma moléstia para vós, Waldo e Henry. Também sabe que os dois arriscaram a vida por ele . —Não é mesmo, Alec?
O menino assentiu, e depois, tomado a mão de Gillian, observou como iam os dois homens.
—Eu disse bem?
—Sim, você esteve muito bem.
Dylan levantou Alec e o colocou sobre a sela de seu cavalo. Depois, se voltou para Brodick.
—Ela disse o que aconteceu, e como foi que Alec e ela acabaram juntos? —perguntou.
Brodick saltou sobre seu garanhão antes de responder.
—Não, ainda não me disse nada, mas o fará. Tem paciência, Dylan. Neste momento o mais importante é afastar, a ela e ao menino, dos Macdonald. Uma vez que saiba que estão a salvo, e que não tenha que continuar olhando por em cima do ombro, lhe pedirei explicações. Diga a Liam que tome a frente —ordenou—. Antes de dirigir—nos para o norte, vamos passar pela casa de Kevin Drurnmond. Robert fechará a marcha para cobrir a retaguarda.
—A casa de Drurnmond fica há várias horas daqui e nos afasta de nosso caminho —disse Dylan—. Já terá caído a noite antes que cheguemos ali.
—Sei muito bem onde vive —replicou Brodick—. Mas a esposa de Kevin é famosa pelas suas habilidades curativas, e o braço de Gillian necessita de atenção.
Gillian se achava no meio da clareira, tremendo de frio, enquanto esperava pacientemente que os dois homens terminassem de falar dela. Supunha que ela era o tema da conversa, porque a olhavam com o cenho franzido enquanto conversavam entre si. O sol do verão batia em cheio no rosto, mas a cada minuto que passava se sentia mais e mais enregelada, e doía cada músculo de seu corpo. Sabia que não se tratava só de fadiga, e não era o momento oportuno para cair doente. Precisava cada minuto de cada dia antes do festival de outono para buscar a sua irmã.
Oh, tudo parecia tão improvável! Não deveria ter mentido a Alford, dizendo que sua irmã tinha a caixa do rei Juan. Como ia encontrar a caixa quando todos os soldados do reino a tinha buscado durante os últimos quinze anos? Podia ser que Christen ainda a tivesse? Alford parecia crer que sim, e Gillian tinha reforçado essa crença porque naquele momento Alec se encontrava em um grave perigo. No fundo de seu coração, sabia que a caixa estava irremediavelmente perdida, se sentia como intrometida em um pântano no qual se afundava a toda velocidade.
Tinha um esboço de plano. Uma vez chegados na casa de Alec, rogativa a seu pai que a ajudasse a chegar nas terras dos Macpherson, onde diziam que vivia Christen. “E depois, que?” pensou. Sua mente fervia com perguntas sem resposta e rezou para poder achar as respostas logo se sentisse melhor.
Esfregando os braços para aliviar o frio, se obrigou a pensar no presente. Brodick se aproximava sobre seu cavalo.
Não obrigou o garanhão a diminuir o galope ao chegar na sua altura. Se inclinou sobre o suporte, e com muito pouco esforço, rodeou a cintura dela com o braço e a sentou diante dele.
Gillian cobriu os joelhos com as saias, e tentou sentar—se muito erguida para que suas costas não se apoiasse contra o peito de Brodick, mas ele a apertou contra si.
Na verdade, Gillian se sentiu agradecida pelo seu calor, e o masculino aroma que despedia seu corpo foi muito agradável. Cheirava como os espaços abertos, como o ar livre. Desejou poder fechar os olhos e descansar pelo menos uns minutos, e talvez inclusive pretender que o pesadelo que estava vivendo já tivesse terminado. No entanto não se atreveu a entregar—se a tão absurda fantasia, porque devia continuar vigiando Alec.
Se voltou para Brodick e levantou o olhar. “Era realmente muito bonito”, pensou, esquecendo ao momento o que pensava dizer—lhe. Tinha ouvido falar dos guerreiros vikings que séculos atrás tinham vagueado pela Inglaterra, e pensou que sem dúvida Brodick descendia deles, pois era monumental, tal como se dizia que eram os vikings. Sua estrutura óssea era bem definida, desde as altas maçãs do rosto até a quadrada mandíbula. Sim, era belo e certamente havia destroçado o coração de mais de uma mulher. Esse pensamento a levou a outro, Alec tinha contado que Brodick não era
casado, mas teria o laird algum amor que esperasse ansiosamente seu retorno?
—Aconteceu algo ruim, moça?
—Poderia Alec cavalgar conosco? Poderíamos dar um lugar a ele aqui.
—Não.
Gillian aguardou todo um minuto para que ele explicasse por que se tinha negado, mas se deu conta que isso era tudo o que ia dizer—lhe. Sua atitude era distante, mas ela procurou não tomar como algo pessoal. Seu tio Morgan sempre tinha dito que os habitantes das Highlands eram uma raça diferente, e “dançavam sua própria e estranha musica”, e então supôs que Brodick não tentava mostrar—se especialmente grosseiro. Sua brusquidão era, simplesmente, parte de sua maneira de ser.
Se recostou contra ele e tentou relaxar, mas a cada instante olhava para atrás para assegurar—se que Alec se encontrava bem.
—Quase chegamos — anunciou Brodick—. Você vai ficar com o pescoço torcido se continuar olhando continuamente para atrás. Alec está bem — assegurou—. Dylan não permitirá que aconteça nada com ele. —Dizendo isto, pegou a cabeça dela e a pôs sobre seu próprio ombro—. Agora, descanse —ordenou.
E isso foi precisamente o que Gillian fez.

 

 

 

 

 

Capítulo 7

Ao chegar a seu destino, Brodick sacudiu suavemente a Gillian para despertá—la.
Ela conseguiu emergir de sua dormência e esfregou o pescoço dolorido. Custou certo esforço, mas finalmente foi capaz de enfocar o olhar, e por um breve instante, pensou que continuava sonhando. Onde estava? Que era esse lugar? A rodeavam colinas de um verde exuberante. Pela ladeira corria um estreito riacho e no meio da verde planície, se elevava uma casa de pedra com teto de palha. O jardim que a rodeava estava cheio de flores silvestres de todas as cores, cujo aroma flutuava a seu redor. O cristalino riacho que fluía a oeste da casa estava ladeado por bétulas, e ao leste, se estendia uma extensa pradaria coberta de um espesso manto gramado. Um rebanho de ovelhas, prontas para tosquiar, lotava o extremo mais distante do campo, balindo ao uníssono qual velhas fofoqueiras, enquanto um majestoso cachorro pastor as vigiava, sentado sobre seus quartos traseiros. Da chaminé da casa surgiam colunas de fumaça que se perdiam em um céu sem nuvens. Uma leve brisa acariciou as bochechas de Gillian. Isto era o paraíso.
Ela ouviu um grito que a arrancou de sua contemplação. Na entrada da casa havia um homem, alto e de rosto magro, que sorria chamando os soldados que se aproximavam. Enquanto Gillian os observava desaparecer dentro da casa, lembrou todo o sucedido nos dias anteriores.
Dylan, com Alec sobre seus ombros, se inclinava para atravessar a porta. Brodick já tinha desmontado, mas estava esperando Gillian.
Quando finalmente ela se virou, ele a ajudou a descer tomando—a entre seus braços. Por um instante seus olhos se encontraram, e Gillian observou minuciosamente o rosto do homem que mal conhecia e ao que, no entanto, tinha confiado sua vida. Seus penetrantes olhos a fizeram pensar que ele conhecia todos seus segredos. Tentou libertar—se de pensamentos tão absurdos. Era só um homem, mais nada... e precisava de uma boa barbeada. Uma dourada barba começava a brotar sobre suas bochechas e sua mandíbula, e de repente a acometeu o louco impulso de averiguar o que sentiria ao passar os dedos por esse rosto.
—Por que me olha dessa forma? — ela perguntou a Brodick.
—Pela mesma razão pela que você me olha, moça —replicou ele.
Pelo brilho de seus olhos, Gillian teve a sensação que tinha o diabo dentro, e francamente, não se sentia com vontade de lidar com flertes. Nem sequer tinha certeza que soubesse como.
Ela afastou as mãos que ainda rodeavam sua cintura e se afastou dele.
—Por que paramos aqui? —perguntou—. E quem é o homem que vi na entrada? Alec não deveria ter entrado até...
Ele a cortou de repente.
—É a última vez que te digo que Alec está a salvo com Dylan. E se sentiria muito ofendido se soubesse que não confia nele.
—Mas é que não confio —disse ela em voz baixa para que os demais não a ouvissem—. Não o conheço.
—A mim também não —assinalou ele—. Mas você decidiu confiar em mim, e portanto você terá que crer que o que te digo é verdade. Meus soldados protegerão Alec com suas próprias vidas. —A aspereza de sua voz indicou que com essas palavras dava por terminado o tema.
—Estou muito cansada para discutir.
—Pois não faça então. É inútil discutir com um Buchanan —acrescentou Brodick—. Você não tens possibilidade alguma de ganhar, moça. Nós, os Buchanan, não perdemos nunca.
Gillian supôs que devia estar brincando, mas não estava completamente segura, de modo que não riu. Ou Brodick tinha um estranho sentido do humor ou era descaradamente arrogante.
—Vamos. Estamos perdendo tempo —disse ele, enquanto a tomava pelo braço e começava a subir o atalho de pedras.
—Vamos passar a noite aqui?
Brodick não se dignou a se virar para responder.
—Não, iremos tão logo Annie cuide de seu braço.
—Não quero ser uma transtorno.
—Se sentirá honrada de atender você.
—Por que?
—Acha que você é minha prometida —explicou ele.
—Por que acha tal coisa? Só disse essa mentira a um soldado dos Macdonald.
Brodick se pôs a rir.
—As notícias correm com rapidez, e é de domínio público que os Macdonald não sabem guardar segredos.
—Oh, por Deus, te introduzi em um bom problema não é mesmo?
—Não, não é mesmo —respondeu ele.
Ao chegar na porta, Brodick deu um passo atrás para permitir a ela entrar primeiro. Gillian se aproximou dele.
—Você confia nesta gente? —perguntou em voz baixa. Brodick deu de ombros.
—Tanto como confio em qualquer que um não seja um Buchanan —respondeu—. A irmã de Kevin Drummond é casada com um dos meus soldados, de modo que o consideramos uma espécie de parente distante. Tudo o que você dizer diante deles será confidencial.
Dylan a apresentou ao casal. Annie Drummond, de pé junto da lareira, a cumprimentou com uma reverência. Tinha aproximadamente sua mesma idade, e era evidente sua avançada gravidez. Kevin Drummond também fez uma reverência, e lhe deu as boas—vindas a seu lar. Ambos, pensou Gillian, pareciam muito nervosos.
A casa era pequena e cheirava a pão recém assado. Uma mesa retangular, no centro do quarto, ocupava a maior parte do espaço, e pelo número de cadeiras, seis no total, Gillian supôs que os Drummond eram acostumados a receber visitas. Era um verdadeiro lar, cálido, confortável e acolhedor, o tipo de lugar com o qual Gillian fantasiava cada vez que se atrevia a sonhar em apaixonar—se e fundar uma família. Vá, que ideia tola, pensou. Nesse momento sua vida estava cheia de preocupações que não deixavam resquício para ilusões semelhantes.
—É um privilégio receber vocês em nossa casa — disse Kevin, apesar de que seus olhos, segundo pôde advertir Gillian, olhavam diretamente a Brodick.
Depois de cumprimentar formalmente o laird, Annie convidou Gillian a sentar—se junto da mesa para examinar—lhe a ferida. Ela, por sua vez, aproximou uma cadeira do outro lado, e aguardou que Gillian se pusesse cômoda. Depois cobriu a mesa com uma toalha limpa, enquanto Gillian levantava a manga e começava a retirar a bandagem.
—Agradecerei qualquer ajuda —disse esta—. Não é uma ferida grave, mas acho que se inflamou um pouco. —Gillian não achava que seu braço estivesse tão mal que, mas Annie empalideceu ao vê—lo.
—Ah, moça, deve doer muitíssimo!
Brodick e seus homens se aproximaram para ver a ferida. Alec correu para Gillian e se apertou contra ela. Parecia assustado.
—No nome de Deus, como aconteceu isto? —perguntou Dylan.
—Me cortei.
—É preciso abrí—la e drenar —sussurrou Annie—. laird, vocês vão ter que ficar conosco pelo menos um par de dias enquanto atendo isto. É uma dama —explicou—, e por isso devo utilizar o método lento para curá—la.
—Não, não posso ficar tanto tempo —protestou Gillian.
—E se fosse um homem? Que você faria? —perguntou Brodick.
Annie pensou que ele tinha feito a pergunta por mera curiosidade.
—Abriria — respondeu—, e drenaria a infecção, e depois lavaria a ferida com fogo de mãe, e mesmo que esse remédio demonstrou curar praticamente qualquer coisa sempre que a utilizei, provoca uma dor insuportável.
—Vi gritar a experientes guerreiros durante o tratamento de Annie com seu fogo de mãe —apontou Kevin.
Brodick aguardou que Gillian decidisse que método preferia utilizar.
Gillian achava que os Drummond tinham exagerado ao explicar o tratamento, mas na verdade o fato carecia de importância. Não podia dar—se ao luxo de perder mais tempo só para evitar um pouco de dor. Brodick pareceu ler seus pensamentos.
—E os guerreiros que você tratou com seu remédio, ficaram alguns dias ou foram logo após? —perguntou.
—Oh, eles foram em seguida, pois depois untei com bálsamo curativo sobre suas feridas —respondeu Annie.
—Os que puderam se colocar de pé, partiram —corrigiu Kevin.
Brodick viu o quase imperceptível gesto de assentimento de Gillian.
—Você usará com Gillian o tratamento que você aplica aos guerreiros, e ela não emitirá nem um som enquanto você trabalha. É uma Buchanan —acrescentou, como se esse último comentário explicasse tudo.
—Não proferirei nem um som, laird? —perguntou Gillian, com um tom de ironia na voz ante sua exasperante arrogância.
—Não, não fará —replicou ele com toda seriedade.
Gillian sentiu o repentino impulso de começar a gritar como uma condenada inclusive antes que Annie a tocasse, só para irritar o presunçoso Brodick, mas não cedeu a ele por temer que a bondosa mulher e o pequeno Alec se preocupassem. No entanto, quando se encontrasse a sós com Brodick ia lembra a ele que ela não era uma Buchanan, e bem poderia acrescentar que dava graças a Deus por isso, já que os Buchanan eram uns metidos a valentões. Tinha visto como, quando Brodick anunciou que ela não ia proferir som algum, todos seus homens tinham feito gestos de assentimento.
Oh, sim, certamente ardia em desejos de se pôr a gritar.
Quando Brodick indicou qual o tratamento que devia aplicar, Annie se pôs branca como o leite. Reclinando—se contra seu marido, sussurrou algo ao ouvido. Falou muito rápido para que Gillian pudesse entender mais que algumas palavras soltas, mas foram suficientes para adivinhar que Annie pedia a Kevin permissão para dar a Gillian algum narcótico.
Kevin falou com Brodick, enquanto Annie andava pela casa recolhendo o que precisava para o tratamento. Antes que Brodick pudesse responder, Gillian se antecipou.
—Não quero que me droguem, —disse—. Agradeço sua preocupação, mas insisto em permanecer lúcida para poder continuar nossa viagem.
Brodick fez um gesto de aprovação, mas Gillian não soube se estava atendendo à petição de Kevin, ou a sua negativa.
—Falo sério —insistiu—. Não quero que me droguem.
Nesse momento, Alec distraiu sua atenção puxando—a pela manga. Ao inclinar—se para atendê—lo, pelo rabo do olho viu que Annie jogava uns pós pardos em uma taça e acrescentava vinho.
—Que foi, Alec? —perguntou ao menino.
—Vai me delatar? —sussurrou ele.
—Pelos cortes em meu braço? —Alec, ao fazer um gesto de assentimento com a cabeça, lhe deu um golpe no queixo—. Não, não vou te delatar, e quero que você pare de se preocupar com isso.
—Muito bem —concordou ele—. Tenho fome.
—Dentro de um momento conseguirei algo de comer para você —prometeu.
—Com sua permissão, laird, gostaria de brindar com você e com sua prometida —anunciou Kevin, enquanto colocava sobre a mesa uma bandeja com taças.
—Oh, mas eu não... —começou a protestar Gillian.
—Você tem minha permissão — a interrompeu Brodick.
Ela o olhou franzindo o cenho, desconcertada porque não tinha corrigido o erro de Kevin, mas decidiu esperar até mais tarde.
Kevin pôs a taça diante de Gillian. A seguir, distribuiu o resto das taças a boa distância da taça dela, para evitar que o vinho que continha a droga se misturasse com os outros. O truque do brinde era engenhoso, e mesmo que soubesse que as intenções de Kevin eram boas, nem por isso deixou de sentir—se doída ao ver que ignorava seus desejos.
Uma vez que tivessem feito os brindes teria que beber esse vinho, pois ao contrário seria uma ofensa. Isso lhe deixava uma única alternativa.
—Posso chamar os outros soldados para que compartilhem o brinde conosco? —perguntou a Kevin.
Como toda resposta, Brodick foi em pessoa até a porta e lançou um assobio. O som ressoou por toda a casa.
Menos de um minuto depois o resto de seus homens fazia fila para tomar uma das taças. Gillian colaborou dando uma a cada um.
Quando todos estiveram com sua taça na mão, Kevin deu um passo a frente e levantou a sua.
—Por uma feliz e longa vida cheia de amor e alegria, e por filhos e filhas saudáveis.
—Saúde, saúde —brindou Aaron.
Todos aguardaram que Gillian tivesse bebido um gole antes de dar conta de seu vinho. Brodick fez uma sinal afirmativo a Annie, pegou uma das cadeiras e se sentou em frente a Gillian. Com um gesto, indicou que pusesse o braço sobre a mesa e colocou sua mão sobre a dela.
Gillian não teve necessidade de perguntar—lhe por que a segurava: estava se assegurando que não escaparia durante o tratamento de Annie.
Dylan, rodeando a mesa, se aproximou e lhe pôs uma mão sobre o ombro.
—Robert, leve ao menino para fora —ordenou.
Alec se agarrou a Gillian, cheio de ansiedade.
—Quero ficar com você —sussurrou, nervoso.
—Pois então peça a Dylan —indicou ela—. E talvez reconsidere sua ordem, mas seja cortês quando fizer, Alec.
O menino olhou ao soldado, vacilante, estirando o pescoço tudo o que pôde.
—Posso ficar... por favor?
—Milady? —perguntou Dylan.
—Me alegraria sua companhia.
—Então você pode ficar um momento, Alec, mas não deve estorvar. Você promete que não fará?
—Prometo —assentiu Alec, e depois se apoiou contra Gillian.
Annie, de pé a seu lado, a olhou fixamente. Estava pronta para começar, mas continuava esperando.
—Não sente um pouco de sono, milady? —pergunto.
—Não muito —respondeu Gillian.
Annie olhou ao laird.
—Talvez devamos esperar uns minutos —sugeriu.
Gillian levantou o olhar para os homens que a rodeavam e notou que o marido de Annie não fazia mais que bocejar, mas nesse momento começou a bocejar também Robert, e não soube qual dos dois estava ficando com sono. Então, Kevin começou a cambalear.
—Annie, você poderia dizer, por favor, a seu marido que se sente?
Kevin escutou sua recomendação, e piscando furiosamente, tentou encontrar uma explicação.
—Por que deveria me sentar, moça?
—Para que não tenham que percorrer esse longo trecho quando você cair ao chão.
Ninguém entendeu seu comentário até que de repente Kevin caiu para frente. Afortunadamente, um dos soldados de Brodick estava perto e pôde sustê—lo antes que batesse a cabeça contra a borda da mesa.
—Ah, moça, você mudou as taças, verdade? —disse o soldado.
—Drogou a Kevin —comentou outro, com um sorriso.
Gillian sentiu que o rosto ardia, e fixou o olhar na toalha, enquanto tentava imaginar uma desculpa adequada que oferecer à esposa de Kevin.
Sobressaltada ante o ardil de Gillian, Annie só pôde olhar para o laird. Brodick sacudiu a cabeça, como se estivesse decepcionado, mas seus olhos e sua voz refletiam seu agrado.
—Parece que Kevin se drogou só —disse—. Coloque—o na cama, Aaron, e terminemos com isto. Annie, devemos continuar viagem.
A mulher assentiu, e com mão trêmula apoiou a faca sobre o braço de Gillian. Brodick lhe agarrou com força a mão antes que sentisse o primeiro corte sobre sua lacerada pele. No início, Gillian quis demonstrar que achava que exagerava, mas quando Annie começou a escavar nas suas feridas, se alegrou que a segurasse. A necessidade de tirar o braço era instintiva, mas o apertão de Brodick não a permitiu fazer nenhum movimento.
A cura não foi tão terrível como tinha imaginado. O braço tinha palpitado continuamente pela infecção, mas logo Anne abriu as feridas, o alívio foi instantâneo.
Alec apertou o braço direito, e se pendurou nela.
—Dói muito? —murmurou, assustado.
—Não —respondeu ela em voz baixa.
Ao ver como se mantinha tranquila, a tensão de Alec se afrouxou.
—Doeu muito quando esse homem bateu no seu rosto? —perguntou, com curiosidade.
—Cale a boca, Alec.
—Mas doeu? —insistiu ele.
Gillian soltou um suspiro.
—Não —respondeu.
Annie estava limpado as feridas com panos limpos, mas se deteve ao escutar a pergunta de Alec.
—Alguém a atacou, milady? —A afável mulher parecia tão horrorizada que Gillian sentiu necessidade de tranquilizá—la.
—Não foi nada, sério —sustentou—. Por favor, não se preocupe.
—O homem... quem era? —perguntou Annie.
Um tenso silêncio caiu sobre o quarto, enquanto todos aguardavam sua resposta. Gillian negou com um gesto.
—Não tem importância —insistiu.
—Oh, mas claro que tem —disse Dylan, ante um coro de murmúrios de assentimento.
—Era um inglês! —soltou Alec.
Com um gesto que indicava que acreditava no que dizia o menino, Annie pegou outro trapo limpo e acabou de limpar as feridas. Gillian fez um trejeito de incomodo, sem advertir que estava apertando a mão de Brodick.
—Sabia que tinha que ser um inglês —grunhiu Anne—. Não conheço nenhum homem das Highlands capaz de levantar a mão contra uma mulher. Não, não existe.
Vários dos soldados murmuraram seu acordo. Desesperada para mudar de tema, Gillian apelou ao primeiro pensamento que se passou pela cabeça.
—Hoje está um dia esplêndido, verdade? Brilha o sol, e sopra uma suave brisa...
—O homem estava bêbado, terrivelmente bêbado —a interrompeu Alec.
—Alec, ninguém tem vontade de ouvir os detalhes...
—Ah, mas claro que sim que queremos ouvi—los —a contradisse Brodick com uma suave voz cansada que tentava de ocultar o que realmente sentia. Tinha tentado ter paciência, mas já não podia ocultar sua urgência para conhecer toda a história.
Que tipo de homem seria capaz de maltratar assim à uma dama tão adorável e a um menino pequeno? Alec já havia esboçado um sombrio quadro do horror ao que tinha sobrevivido, e o tinha permitido vislumbrar a coragem que Gillian tinha demonstrado. Sim, queria conhecer todos os detalhes, e decidiu que conheceria toda a história antes do anoitecer.
—Estava bêbado, não é mesmo, Gillian? —insistiu o menino.
Ela não respondeu, mas nem por isso Alec desistiu. Como ela não o tinha proibido de falar da surra, decidiu contar tudo o que sabia.
—Tio Brodick, Você sabe o que?
—Não, que?
—Esse homem bateu nela com o punho e a jogou ao chão, e depois você sabe o que fez? A chutou e chutou e chutou. Eu me assustei muito, e tentei detê—lo, mas ele continuou.
—Como você tentou detê—lo? —perguntou Dylan.
Alec levantou os ombros.
—Não sei —admitiu—. Acho que gritei.
—Annie, você terminou? —perguntou Gillian.
—Falta pouco —respondeu a mulher.
—E depois, você sabe o que? Me joguei em cima de Gillian, mas ela me afastou, e depois, você sabe o que fez? Girou até me cobrir com seu corpo e me tampou a cabeça com as mãos para que ninguém pudesse chutar—me.
—E depois o que aconteceu, Alec? —perguntou Liam.
—Me protegeu as costas e me disse que não gritasse porque tudo ia ficar bem. Não deixou que ninguém me machucasse — acrescentou—. Não recebi nem um só chute.
Gillian desejou poder tampar a boca do menino com a mão. Os homens pareciam espantados com o que o menino dizia, mas seus olhares estavam fixos nela. Se sentiu alterada e envergonhada pelo que tinha acontecido.
—Foi só um inglês que machucou lady Gillian? —perguntou Robert—. Ou havia outros?
—Outro homem também lhe bateu —disse Alec.
—Alec, eu gostaria que não... —começou a dizer Gillian.
—Mas te bateu, não se lembra? O homem te chutou, e depois o outro te bateu. Como é possível que não se lembre?
Gillian inclinou a cabeça.
—Me lembro, Alec. É só que não quero falar disso.
O menino se virou para Brodick.
—Você sabe o que ela fez depois que ele lhe bateu? Ela sorriu, para enfurecê—lo.
Annie juntou todos os lenços que tinha utilizado e os deixou dentro de uma tigela. A seguir, colocou uma grossa toalha debaixo de braço de Gillian.
—Laird, terminei de limpar a infecção.
Brodick assentiu.
—O menino tem fome —disse—. Agradeceria que você lhe desse um pedaço de seu pão, se não for muita incômodo.
—Talvez você possa untar com um pouco de mel —sugeriu Alec.
—Certamente com mel —disse Annie com um sorriso.
—Deve comê—lo lá fora —ordenou Brodick—. Robert irá com você para que não cometa nenhuma diabrura.
—Mas, tio Brodick, quero ficar com Gillian. Ela precisa de mim, e se sentirá muito só sem mim.
—Eu lhe farei companhia — prometeu Brodick — Robert?
O soldado se antecipou. Alec o viu se aproximar, e se apertou contra Gillian.
—Chamarei se precisar de você — sussurrou ela, inclinando—se para ele.
Teve que prometer pela memória de sua mãe antes que o menino se convencesse que não desapareceria se a deixasse só por uns minutos. Depois disso, Alec pegou o pão que lhe oferecia Annie e correu para a porta, esquecendo na sua pressa de agradecer.
—Mais tarde se lembrará dos bons modos e então te agradecerá —disse Gillian—. Eu agradeço a paciência que mostra com ele. É só um menino, e tem passado por momentos muito difíceis.
—Mas você o ajudou a sair deles imune —comentou Dylan às suas costas, e mais uma vez lhe pôs as mãos sobre os ombros. Gillian não soube se com isso a brindava com seu elogio, ou se assegurava que não tentasse escapar.
Momentos depois, reapareceu Annie, levando uma vasilha retangular cheia de uma pestilenta bebida que havia aquecido sobre o fogo. A segurou pelo cabo de ferro, que tinha envolvido com um grosso trapo, e provou a temperatura do líquido com a ponta dos dedos.
—Não está muito quente, milady, mas vai doer bastante. Se sentir necessidade de gritar...
—Não emitirá som algum —repetiu Brodick em tom firme, que não admitia discussão.
O arrogante guerreiro pareceu ter estabelecido um fato inquestionável, e ela não pôde evitar sentir—se irritada por seus ditatoriais gestos. Devia ser ela quem decidiria se ia se mostrar valente ou não. O que o fazia pensar que a decisão era dele?
Annie, sem deixar de titubear, parecia assustada e insegura. Gillian levantou os olhos para ela.
—Por que chama “fogo de mãe” o seu tratamento? —perguntou.
Formulou a pergunta menos de um segundo antes que Brodick fizesse um gesto à mulher, indicando que continuasse, e Annie derramou o líquido sobre as feridas abertas de Gillian. A dor foi imediata, terrível, afligida. Parecia como se seu braço tivesse sido esfolado, e depois submergido em lixívia fervente. Sentia o fogo na pele que a consumia até os ossos. O estômago revirou e sua vista nublou. Se Dylan e Brodick não a tivessem sustentado com tanta força, teria caído da cadeira. Por Deus Santo, a agonia parecia não ter fim! Depois do primeiro espasmo de dilacerante dor, começou a latejar por toda a pele, e sentiu que tinham introduzido brasas ardentes nas feridas do braço.
Arqueando as costas que apoiava contra Dylan, inspirou várias vezes com rápidos suspiros, fechou os olhos para reter as lágrimas que tentavam sair, apertou as mandíbulas para não gritar e se agarrou à mão de Brodick com todas as suas forças.
Se ele tivesse demonstrado um ápice de compaixão, teria quebrado em pranto e se teria posto a soluçar como um bebê, mas quando o olhou e pôde ver sua expressão tranquila e desapaixonada, foi capaz de recuperar o controle de si.
Ao notar que estava recostada contra Dylan, se obrigou a sentar—se direita na sua cadeira. Mas não podia deixar de apertar a mão de Brodick, mesmo que Deus bem sabia que não queria fazê—lo. No preciso instante em que achou não poder suportar mais um segundo, a tortura começou a ceder.
—Já passou o pior, moça —disse Annie em voz baixa, em uma tentativa de consolá—la.
Agora vou colocar um pouco de bálsamo calmante sobre a pele, e colocarei uma bandagem limpa. Está passando a dor?
Gillian tentou, mas foi impossível pronunciar qualquer palavra nesse momento, de modo que assentiu com um rígido gesto. Cravou o olhar além dos ombros de Brodick, se concentrou em uma lasca de madeira que sobressaía da parede mais distante e rezou para não desmaiar.
Annie trabalhou com rapidez, e em poucos minutos o braço de Gillian ficou coberto com uma espessa capa de unguento. Depois disso, o enfaixou do cotovelo até a mão. Foi um processo delicado, e Gillian não quis soltar a mão de Brodick. Nesse momento, no qual a dor já era suportável, ela se deu conta que ele estava acariciando a palma de sua mão com seu polegar. Sua expressão não tinha mudado, mas a leve carícia teve um poderoso efeito. Gillian teve a sensação que ele a tinha tomado nos seus braços e a sustentava ternamente.
Depois que Annie atou os extremos da bandagem na sua mão, Gillian inspirou profundamente algumas vezes para serenar, e por último pôde retirar sua mão da de Brodick.
—Bom, está pronto —murmurou Annie—. Amanhã já se sentirá bem. Por favor, tratem para que a ferida não se molhe durante alguns dias.
Gillian assentiu outra vez. Sua voz soou fraca quando agradeceu à mulher a assistência a ela.
—Se vocês me desculparem um momento... —disse, enquanto se punha de pé lentamente. Dylan a pegou pelo cotovelo e a ajudou.
Ela cambaleou e caiu contra ele, se endireitou com lentidão, e depois inclinou a cabeça ante Annie antes de sair da casa.
Os soldados se inclinaram por sua vez quando passou frente a eles.
Gillian teve a segurança que a observavam até a porta, de modo que não cedeu ao impulso de correr até o refúgio do arvoredo. Alec se encontrava brincando feliz, descalço no riacho, enquanto Robert o vigiava. Por sorte, o menino não a viu quando passou correndo na direção oposta, nem a escutou quando deixou escapar o primeiro soluço.
Ao vê—la sair, Liam fez um gesto de preocupação e olhou a Annie.
—Ainda restou algo desse fogo? —perguntou.
—Sim.
Lian foi para a mesa, tirou a camisa e se fez um pequeno corte na mão. Todos seus amigos se deram conta do que ia fazer e nenhum se surpreendeu. Liam era o mais cético do grupo e também o mas curioso.
Desejoso de saber como se sentia exatamente ao receber o líquido diretamente sobre uma ferida aberta, colocou o braço sobre a toalha que Annie tinha deixado sobre a mesa.
— Ponha um pouco sobre este arranhão. Quero saber o que se sente. ordenou.
Se Annie pensou que era uma petição estúpida, teve a suficiente lucidez para não mostrá—lo. A mulher tinha a sensação de ter—se intrometido em uma cova habitada por uma família de loucos. Esses homens eram o guerreiros mais ferozes de todas as Highlands. De uma suscetibilidade extrema e rápidos em reagir, eram violentos inimigos. Ao mesmo tempo, eram os melhores aliados. Annie se considerava afortunada por ter parentesco com os Buchanan, por isso seu marido nem ela seriam jamais acossados por outros clãs mais civilizados.
Se antecipou para fazer o que lhe ordenava.
—Sua ferida é insignificante comparada com a de milady comentou—. O ardor que sentirás não será tão terrível.
Após faz esse comentário, inclinou a vasilha que continha o líquido e o derramou sobre o corte. Liam não mostrou nenhuma reação. Uma vez saciada sua curiosidade, fez a Annie um gesto de assentimento, e virando—se, saiu da casa a grandes pernadas. Brodick e os demais foram depois dele. O rodearam, e esperaram que lhes contasse sua experiência. Quando Liam finalmente falou, Aaron não pôde menos que sorrir, porque sua voz soava como o coaxar de uma rã submergida em água.
—Dói como mil demônios —disse roucamente—. Eu não sei como fez essa moça para suportar.
Robert se reuniu com eles, levando Alec sobre o ombro como se tratasse de um saco de farinha. O menino gritou de prazer, até que advertiu que Gillian não se encontrava entre eles. Uma expressão de terror cobriu seu rosto, e se deixou cair até o chão, onde começou a chamar a Gillian a todo pulmão. Robert lhe cobriu a boca com a mão para obrigá—lo a calar.
—Está por trás das árvores, Alec. Logo estará de volta.
O menino correu para onde se encontrava seu tio Brodick, enquanto grandes lágrimas corriam pelas suas bochechas.
Brodick o levantou nos seus braços e lhe afagou a costas com rudeza.
—Esqueci que pequeno você é, rapazote —disse com certa brusquidão——. Gillian não te abandonou.
Envergonhado pelo seu ataque de pânico, Alec ocultou o rosto no oco do pescoço de Brodick.
—Achei que tinha ido —reconheceu.
—Desde que você a conheceu, te abandonou alguma vez?
—Não... mas as vezes... me assusto —disse em voz baixa—. Antes não me assustava, mas agora sim.
—Está bem —disse Brodick, e suspirando acrescentou—. Já está a salvo. Não vou permitir que te ocorra nada ruim.
—Isso é o que disse Gillian —lembrou o menino—. Ela não vai permitir que ninguém me faça dano nunca. —Levantou a cabeça, e olhou a Brodick diretamente nos olhos—. A ela também terá que cuidá—la porque não é mas que uma frágil mulher.
Brodick se pôs a rir.
—Não tenho notado nada frágil nela.
—Mas é frágil. Chora às vezes, quando acha que estou dormido. Eu disse que ela precisava de você. Não quero que ninguém a machuque nunca mais.
—Não permitirei que ninguém o faça — assegurou Brodick—. Agora, deixe de se preocupar e vá com Robert buscar seu cavalo. Partiremos logo que Gillian retorne de seu passeio.
Gillian não retornou até bem depois de outros dez minutos, e pelos seus olhos avermelhados foi evidente que tinha estado chorando. Brodick, de pé junto de seu garanhão, aguardou que se despedisse de Annie e agradecesse e quando finalmente Gillian se aproximou dele, a subiu ao suporte e depois montou atrás dela. Gillian estava tão esgotada depois da dura prova que caiu exânime contra seu corpo.
De improviso, Brodick sentiu a afligida necessidade de protegê—la e consolá—la. Tentou mostrar—se gentil quando a acomodava sobre seu colo, e depois a rodeou com seus braços, trazendo ela contra si. Em questão de minutos, Gillian ficou adormeceu profundamente. Apertando os calcanhares, indicou ao cavalo que avançasse, e com toda suavidade acomodou Gillian no oco de seu braço. Os longos cachos da jovem caíam sobre suas coxas. Tinha o rosto mais angélico que já tinha visto, e a acariciou levemente no rosto com o dorso da mão. Finalmente, cedeu ao desejo que o havia acossado desde o primeiro instante em que pôs seus olhos nela: inclinando—se sobre seu rosto, beijou seus lábios, sorrindo quando Gillian enrugou o nariz e soltou um suspiro.
Uma voz em seu interior ordenava ser razoável. Ela era inglesa, e ele não podia suportar nada nem ninguém que falasse inglês. Tinha aprendido a lição na sua única incursão nesse odioso país, quando era jovem e tolo. Tinha querido encontrar uma esposa tão conveniente como Judith, a esposa de Ian Maitland, mas a busca tinha sido inútil, Ian tinha tido a sorte de achar o único tesouro que a Inglaterra tinha para oferecer.
Ou pelo menos isso achava Brodick até conhecer Gillian. Já não estava tão seguro.
—Você é uma garota valente —sussurrou. E com um gesto de assentimento—.Eu gosto, Mas nada mais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 8

O primeiro era Alec. Impaciente como se sentia pra obter algumas respostas, Brodick decidiu esperar até que o menino tivesse comido, antes de interrogar Gillian. Era tarde, muito depois que se tivesse posto o sol, e a lua já resplandecia no céu. A jovem e o menino estavam cansados. Acamparam em uma estreita clareira situada ao pé de Carntth Ridge, rodeado de enormes pinheiros por três de seus lados. O quarto descia até as ribeiras cobertas de erva do lago Becch, um diáfano espelho de água cujo leito de pedra estava povoado por numerosas trutas prateadas.
Aaron colocou um tartán no chão junto ao fogo que Liam tinha acendido ao ver que Gillian estava tremendo.
Ela o agradeceu com um sorriso que fez corar ao curtido soldado como a um rapazinho.
Gillian se sentou sobre um dos extremos do tartán, com as pernas debaixo do corpo enquanto Alec se derrubava a seu lado como um indolente patrício romano. Brodick pensou que seu anjo parecia que viera da guerra.
Gillian tinha a pele acinzentada, os lábios apertados e os olhos inflamados pela febre, mas não pronunciou uma só palavra de queixa. Rejeitou a comida que Robert lhe ofereceu, mas se assegurou que Alec enchesse seu estômago aparentemente insaciável. O menino teria querido devorar avidamente tudo o que lhe davam, mas Gillian foi servindo pequenas porções cada vez. Em voz baixa, o lembrava que devia comer lentamente para não vomitar, e demonstrou uma surpreendente paciência ao prestar atenção a seu interminável falatório.
O pequeno manteve seu bom humor até que ela sugeriu que devia banhar—se. Tropeçando com seus próprios pés, correu para seu tio.
—Não preciso banhar—me! —gritou.
Gillian foi a única que não se surpreendeu ante o estalo do menino.
—Depois se sentirás melhor — prometeu. Alec negou enfaticamente com a cabeça.
—Não é verdade! —gritou—. Não pode obrigar—me.
—Alec, não deve falar à dama nesse tom —ordenou Brodick—. E deixa já de esconder atrás de mim. Um Maitland não se diminui.
Pela expressão desconcertada do menino, Brodick supôs que não conhecia o significado de “diminuir”, mas deve ter adivinhado porque de imediato deu um passo a frente e se ergueu junto de seu tio. Com o ombro se apertava contra a coxa de Brodick.
—Não quero tomar um banho —murmurou.
—Por que não?
—Me obriga a usar seu sabão —disse, assinalando a Gillian—, e então eu...
—Você o que?
—Vou cheirar como uma garota.
—Duvido muito, Alec.
—Me meti em muitos problemas para conseguir esse sabão —interveio Gillian.
—Você roubou.
—Não, Alec, eu peguei emprestado — corrigiu ela, antes de olhar a Brodick—. O sabão tem pétalas de rosa, e Alec parece pensar que porque eu o uso...
—Vou cheirar como uma garota —completou Alec, enquanto retrocedeu e a observava cautelosamente pelo rabo do olho.
Detrás apareceu Robert, rodeou Alec com o braço, o levantou e o levou ao lago. Liam pediu a Gillian o sabão e foi depois deles.
Esta ouviu Robert assegurar a Alec que mesmo que provavelmente cheirassem a rosas depois do banho, isso não ia se converter em mulherzinha.
Um minuto mais tarde, Alec estava rindo, e aparentemente a crise tinha sido superada. Decidiu colocar—se de pé e esticar as pernas, e tinha conseguido colocar—se de joelhos quando Aaron e Stephen se aproximaram apressadamente para oferecer—lhe sua ajuda. Sem perguntar cada um a pegou por um cotovelo e entre ambos a levantaram.
—Obrigada, cavalheiros.
—Você podem chamar—me Stephen —disse o soldado moreno.
—Duvido que você recorde de todos nossos nomes —assinalou Aaron.
—Lembro da maioria de vós. O que levou a Alec ao lago é Robert, o que foi com ele é Liam e sei que você é Aaron, mas ainda não conheço os outros nomes.
—Eu sou Fingal —anunciou um ruivo, dando um passo ao frente.
—E eu, Ossian —disse outro, também aproximando—se. Era um homem alto e tão corpulento que o pescoço desaparecia entre os largos ombros.
De repente, Gillian teve a sensação de estar fechada após uma parede masculina de dois metros de altura. Os homens a contemplavam de cima como se a considerassem uma curiosidade caída do céu. Talvez nunca tinham visto antes uma inglesa? E por que estavam atuando de maneira tão peculiar? Já tinha passado todo um dia na sua companhia, e era tempo que superassem sua curiosidade.
Se movimentou para a esquerda para poder ver por entre os dois dos soldados, e avistou Brodick, apoiado contra uma árvore, com os braços cruzados sobre o peito. Também ele a observava, mas, ao invés de seus soldados, não sorria.
Gillian inclinou quase imperceptivelmente a cabeça, assinalando aos homens que a rodeavam até quase asfixiá—la, esperando que Brodick compreendesse sua sutil indireta e os ordenasse separar—se. No entanto, não pareceu mostrar—se disposto a ir em seu auxílio.
—Não comeu muito, milady —disse Ossian—. Se sente mal?
—Me sinto muito bem, obrigada —replicou ela.
—Não têm por que se mostrar valente ante nós —assinalou Stephen.
—Mas, senhor...
—Por favor, me chame de Stephen... —Antes que ela pudesse assentir, acrescentou—: Digo a sério. Não têm por que se mostrar valente ante nós.
Outro soldado se uniu ao grupo. Ia ser o mais fácil de lembrar o nome, porque tinha uma cicatriz que cruzava o lado esquerdo do rosto, e os mais belos olhos castanhos que já tinha visto.
—Me chamo Keith. informou—. E sempre poderá falar livremente ante nós. Somos a guarda de seu laird.
—Mas não é meu laird! —protestou ela.
Dylan interveio na conversa a tempo de ouvir seu protesto. Se deu conta que nenhum dos homens a contradizia, mas todos sorriam como idiotas.
—Milady, Annie Drummond deu a Liam um pouco de pó medicinal. Você deve tomar a metade esta noite, misturado com água, e o resto amanhã à noite.
Liam, que tinha retornado do lago, lhe ofereceu uma caçarola cheio de um líquido.
—Eu provei, milady —disse . É amargo, portanto será melhor que você o beba de repente. —Também cheira muito mal.
Gillian o olhou fixamente nos olhos.
—Está pensando em me drogar, Liam? perguntou suspicaz.
Este se pôs a rir.
—Não, milady aprendemos a lição do pobre Kevin Drumrnond. A poção aliviará a febre.
Gillian decidiu acreditar e bebeu o líquido o mais rápido que pôde. A necessidade de vomitar foi irresistível, mas aspirando várias vezes profundamente, conseguiu superar.
—O remédio é pior que a doença comentou, com o rosto pálido como farinha.
—Dói o braço? perguntou Stephen.
—Não respondeu ela . Se me vocês desculparem, cavalheiros, gostaria de ir sentar—me junto de seu laird, para poder falar com ele.
Fingal e Ossian se puseram de lado para que pudesse passar, ao mesmo tempo em que Keith recolhia o tartán que havia deitado no chão e se apressou a estendê—lo sobre a pedra para que se sentasse sobre ele.
Ela agradeceu sua atenção, e se sentou.
—Há algo mais que possamos fazer por você, milady? —perguntou Fingal.
—Não, obrigada —replicou ela—. Vocês foram muito amáveis comigo —acrescentou.
—Você não têm que nos agradecer por cumprir com nossa obrigação, milady — disse Ossian.
—Por favor, me chame de Gillian.
O soldado pareceu ofender—se pela sugestão.
—Não posso, milady.
—Não, não pode —confirmou Brodick, aproximando—se—. Nos deixem a sós ordenou a seus homens.
Um por um, todos cumprimentaram Gillian com uma reverencia antes de dirigir—se ao lago. Ela os observou até que desapareceram de sua vista, enquanto tentava colocar em ordem seus pensamentos porque sabia que tinha chegado o momento de dar uma explicação detalhada do sucedido. Por Deus, o só feito de reviver o passado já lhe era esgotante.
Firmando os ombros, juntou as mãos sobre seu colo e esperou que Brodick começasse a perguntar. Dylan permaneceu a seu lado, com os braços cruzados sobre o peito.
—Como foi que Alec e você se encontraram? ——perguntou Brodick.
—Não sei muito bem por onde começar.
—Pelo princípio —indicou ele.
Gillian assentiu.
—A obsessão começou há muito tempo —disse.
—Obsessão? —repetiu Dylan.
—Deixe—a explicar sem interromper —ordenou Brodick—. Depois perguntaremos o que quisermos.
—Tenho uma irmã —contou Gillian . Se chama Christen, e quando éramos pequenas, nosso lar foi invadido e nosso pai, assassinado.
O vento aumentava, silvava entre os pinheiros com um som sobrenatural e melancólico. Gillian, apertando as mãos, descreveu a fatídica noite com todos seus detalhes, mesmo que para dizer verdade não tinha certeza de lembrar fielmente do acontecido, ou se Liese lhe tinha relatado exatamente os fatos ocorridos. A história do tesouro de Arianna e a obsessão do rei para encontrar o homem que tinha matado a sua amada intrigou a Brodick, mas não a interrompeu. Se limitou a fazer um gesto afirmativo quando a viu titubear, incitando—a a continuar.
—Se o barão encontrar o tesouro antes que outro o faça, receberá uma importante recompensa. Atiça ainda mais sua pura cobiça —explicou—. No entanto, não acho que saiba com segurança que meu pai deu a caixa a Christen, pois de outra maneira teria intensificado sua busca.
Brodick interrompeu sua concentração ao levantar o tartán e colocá—lo sobre os ombros dela.
—Você está tremendo —disse com voz rouca.
Surpreendida pela sua consideração, agradeceu, murmurando.
—Continue —ordenou ele com um dar de ombros, desprezando seu agradecimento como desnecessário.
—O barão soube que Christen se oculta nas Highlands.
— E de onde obteve essa informação?
—De um homem das Highlands que se dele aproximou com uma proposta. Lembre —se apressou a acrescentar—, que ao longo dos anos o barão realizou averiguações em todos os clãs, não conseguiu informação concreta até há aproximadamente um mês, quando chegou esse homem das Highlands. Ele disse ao barão que sabia onde estava Christen, e que estava em condições de proporcionar essa informação em troca de outra coisa.
—E o que queria este homem das Highlands? —perguntou Brodick.
—Queria que sequestrassem o irmão de laird Ramsey no festival, para dessa forma atrair Ramsey e matá—lo. Queria que os dois morressem.
Dylan não pôde continuar calado.
—Mas o que sequestraram foi o menino Maitland.
—Sim, sequestraram o menino errado.
Ali começou o interrogatório exaustivo, uma pergunta após outra até que Gillian sentiu que a cabeça estava a ponto de estourar. Do lago, chegava o som dos risos de Alec. Os soldados o mantinham ocupado, ela sabia, para que não estorvasse enquanto Brodick a interrogava.
—Onde você se encaixa neste quebra—cabeças, Gillian? —perguntou este.
—Me disseram que procurasse minha irmã e ao tesouro, e levasse ambos à presença do barão antes que comece nosso festival de outono.
—E se você não conseguir?
—Matarão meu tio Morgan. —Sua voz se quebrou em um soluço que a tomou completamente de surpresa. A fadiga a tornava sentimental, pensou, e se obrigou a tranquilizar—se—. É o melhor homem do mundo. Me recebeu em sua casa e me criou como uma filha. O quero muito, e desejo protegê—lo a todo custo.
—O barão não é aparentado com você?
—Não, não está. Acabou com as perguntas? Gostaria de preparar a Alec para que vá dormir. É tarde.
—Já quase terminou —replicou ele—. Diga—me o nome do homem das Highlands que fez o pacto com o Barão.
—Não posso dar o seu nome, porque não sei.
—Você está dizendo a verdade? Seguramente o barão ou algum de seus seguidores pronunciou seu nome —disse Brodick, com frustração na sua voz ante o repentino silêncio.
—Por que ia mentir? Para proteger um traidor?
—Mas você o viu, não é mesmo? —a pressionou Brodick . Alec me disse que você viu ao homem da colina.
—Sim.
—E você o reconheceria se o visse novamente? —perguntou Dylan.
—Sim —respondeu Gillian—. Alec e eu estávamos escondidos em uma lombada, justo em cima de um atalho. O vi claramente quando cavalgava para mim—continuou dizendo—. Alec disse que eram dois... ou talvez três... os que o sequestraram durante o festival. —Tão exausta que mal podia manter a cabeça erguida, sussurrou—: Você sabe por que o homem das Highlands retornou a Dunhanshire
—Para informar ao barão que tinha raptado o menino errado —respondeu Brodick—. Nesse caso, Alec teria sido assassinado, verdade?
—Com certeza.
—Milady, por que ele te bateu? Disse por que, o canalha? —perguntou Dylan.
—O homem que bate em uma mulher é um covarde, Dylan, e os covardes não necessitam razões que justifiquem seus atos —disse Brodick em um tom cheio de fúria.
Gillian se embrulhou no tartán.
—Nossa primeira tentativa de fuga fracassou, e o barão quis castigar—nos, a Alec e a mim.
—O menino contou que você o cobriu com seu próprio corpo —disse Dylan—. Foi um ato de grande valentia, milady.
Gillian não esteve de acordo.
—Não foi valentia. Estava aterrorizada ao pensar que poderiam matá—lo. Não acho ter estado tão assustada em toda minha vida. Acabava de informar—me que o homem das Highlands ia chegar, e eu sabia por que ele vinha, e o pânico me impulsionou a tentar afastá—lo dali antes de... —Se deteve de repente, e teve que respirar profundamente—. Tantas coisas poderiam ter saído errado! Poderiam ter nos separado, ou ter escondido Alec, e cada vez que penso em tudo o que poderia ter ocorrido, volto a sentir pânico.
—Valentia? Não acho.
Brodick e Dylan cruzaram seus olhares antes que Brodick falasse.
—Quem foi que te bateu? Foi o barão, ou algum de seus soldados?
—Por que quer saber?
—Responda.
—O barão.
—Alec disse que outro dos homens também te bateu. É verdade? —A voz de Brodick soou baixa e ameaçante.
—Não me lembro.
—Sim, você lembra! —resmungou ele—. Diga—me!
Esmagada pelo seu tom, Gillian se pôs rígida.
—De fato, um de seus amigos me bateu. Não compreendo, no entanto, por que você necessita saber. Tudo terminou.
—Não, moça —a corrigiu ele com suavidade—. Acaba de começar.

 

Capítulo 9


Sob o aguerrido exterior do guerreiro batia o coração de um verdadeiro cavalheiro. Este descobrimento foi surpreendente e gracioso ao mesmo tempo, já que mesmo que, evidentemente, Brodick tentava mostrar—se amável, em breve se fez evidente que não tinha a menor ideia de como se fazia. Quando finalmente acabou seu interrogatório, Gillian se apressou a colocar—se de pé antes que mudasse de ideia. Se virou para ir, mas embaraçou os pés no tartán, e em lugar de ir, caiu nos seus braços. Ele a agarrou pelos ombros para firmá—la, o que foi um gesto muito considerado, sem dúvida, mas não se deteve ali. Uma vez que a teve nos seus braços, decidiu conservá—la ali. Como se tivesse todo o direito do mundo, a rodeou com seus braços e a apertou contra si. Gillian tentou separá—lo com toda a delicadeza possível, mas não funcionou, de modo que levantou os olhos para olhá—lo e pedir que a soltasse. Ele estava esperando, e o impacto desses penetrantes olhos escuros, cheios de compaixão e de ternura, fez com que seu coração se acelerasse e lhe tremessem os joelhos.
Será que ele tinha alguma ideia do efeito que lhe causava? O calor de sua pele despertou nela o desejo de aconchegar junto de seu peito. Esse calor a abrigava mais que dez mantas empilhadas sobre seu corpo. E também sua voz, rouca e espessa, era maravilhosamente sensual. Até sua forma de caminhar, com tão inconsciente arrogância, como se achasse o dono do mundo, com um suave movimento de quadris e essas musculosas coxas...
Gillian se obrigou a reprimir tão inadequados pensamentos. Não devia prestar atenção a coisas semelhantes. Era verdade, no entanto, que jamais tinha conhecido um homem como ele, nem jamais tinha tido esse tipo de reação. A única coisa que queria era apoiar a cabeça sobre seu ombro por uns minutos, e fechar os olhos. Quando estava com ele, não se sentia tão vulnerável e insegura de si mesma. Brodick parecia o tipo de homem que não tinha medo de nada. Seria invencível? E ao crer, fazia com que fosse realidade? De onde proviriam sua altivez e sua confiança? se perguntou Gillian. Ai, como gostaria que ele lhe prestasse um pouco de cada!
O esgotamento a estava vencendo. Gillian o olhou, sorrindo. Mesmo que só fizesse um dia que o conhecia, se sentia como se tivesse estado a seu lado durante anos. Caminharam juntos para o lago, apoiando—se um no outro, como se fossem velhos amigos, cômodos com o silêncio e a proximidade que compartilhavam, e também como se fossem amantes, pensou ela, que estivessem quase sem coragem ante a expectativa de que viria a continuação.
Sim, o efeito que ele lhe causava era muito estranho. A fazia sentir que já não estava só. A ajudaria a terminar com os monstros? Não, decidiu de imediato. Não podia, nem devia, envolvê—lo nas suas próprias lutas. Compreendia sua responsabilidade. Devia lutar só contra o dragão, e se fracassasse...
—Você tem frio, Gillian?
—Não.
—Você está tremendo.
—Estava pensando em meu tio. Me preocupa.
—Merece sua preocupação?
—Oh sim claro que sim!
Brodick se aproximou a seu ouvido:
—Esta noite, você pode fazer algo por seu tio?
—Não —respondeu ela, tentando ignorar a carícia de sua cálida respiração sobre sua pele sensibilizada.
—Então deixe de pensar nisso. Sua preocupação não vai ajudar.
—Isso é mais fácil de dizer que de fazer.
—Pode ser —concedeu ele.
Nesse momento passou Alec correndo a seu lado, arrastando um pau. O menino estava descalço, levava meio corpo desnudo, e era evidente que estava gostando do que fazia. Suas gargalhadas ressoavam entre as árvores.
—Está muito excitado para dormir.
—Vai dormir profundamente—a contradisse ele.
Não a soltou até que chegaram na margem do lago.
—Você pode cuidar só, ou necessita de ajuda? — perguntou então.
—Posso cuidar só, obrigada.
—Não molhe o braço — lembrou ele, enquanto empreendia o retorno ao acampamento.
—Espere!
—Sim? —disse Brodick, virando—se.
—Você...
De repente, Gillian se deteve. Perguntando—se por que tinha vacilado, Brodick deu um passo para ela. Gillian agachou a cabeça e juntou as mãos como se estivesse rezando. Nesse momento ele a viu terrivelmente vulnerável... e doce.
—Sim? —tornou a dizer.
—Você me faz sentir segura. Te agradeço muito.
Brodick não soube que responder. Finalmente, se firmou para efetuar um rápido movimento de cabeça, e se afastou.
Mesmo que tinha certeza que o tinha confundido, se alegrava de ter dito o que sentia. Sabia que deveria ter—se mostrado mais eloquente, mas já era muito tarde para corrigir.
Ainda lhe doía o braço, mesmo que muito menos do que tinha doído antes da cura, e esperava que a febre remetesse em breve. Pela manhã, estaria como nova, ou estaria morta, e nesse momento era incapaz de decidir que seria o melhor. O cansaço se abatia sobre ela como um peso insuportável. Talvez um banho a fizesse sentir melhor, pensou. A água não era muito profunda perto da margem, o leito de pedra parecia bastante liso, e ela, sem dúvida, teria cuidado de não molhar o braço.
Quando tentou tirar a túnica, a embaraçou na cabeça, e então, ao tirar dela, bateu o braço. A dor que sentiu foi a gota que transbordou o copo, e rompendo em pranto, se sentiu desfalecer.
Mas antes de cair no chão, notou que um par de fortes braços a levantavam no ar. Não pôde ver de quem se tratava porque a túnica lhe tapava o rosto, mas soube que era Brodick quem tinha vindo em seu resgate.
—Quer colocar ou tirar isto? —perguntou ele com voz rouca.
Ela assentiu. Não era uma resposta adequada, de modo que ele tomou a decisão por ela e tirou a túnica por cima da cabeça dela. Jogando—a sobre a erva, Brodick pegou o queixo dela e viu suas lágrimas e a envolveu com seus braços.
—Você pode chorar tudo o que quiser. Aqui não há ninguém que possa incomodar você.
Gillian secou as lágrimas com a borda do tartán.
—Você está —sussurrou, em tom machucado.
O queixo de Brodick se apoiou sobre sua cabeça, e não a soltou até que ela conseguiu serenar—se. Depois a permitiu separar—se.
—Já você está melhor? —disse.
—Sim, obrigada.
Gillian não pôde crer no que fez a seguir. Sem pensar, se pôs na ponta dos pés, rodeou o pescoço dele com seus braços, e o beijou na boca. Seus lábios roçaram os dele poucos segundos, mas foi um beijo, e quando recuperou a sensatez e se atreveu a separar—se e olhá—lo nos olhos, viu no seu rosto a mais curiosa das expressões.
Brodick soube que ela lamentava sua espontaneidade, mas ao olhá—la em seus brilhantes olhos verdes, soube também, com uma certeza que o impressionou até o mais fundo, que esta mulher tinha mudado sua vida de maneira irrevogável.
Sobressaltada ante sua própria temeridade, Gillian retrocedeu com lentidão.
—Não sei que me passou —sussurrou.
—Quando tudo isto terminar...
—Sim, Brodick?
Ele se limitou a sacudir a cabeça, incapaz por enquanto de pronunciar outra palavra mais, e depois se virou bruscamente.
Que havia estado a ponto de dizer? Gillian desejou poder ir atrás dele e exigir uma explicação mas imediatamente mudou de ideia. Quando Brodick quisesse dizer o que pensava, diria. Além disso, ela estava praticamente segura de saber de que se tratava. Em breve retornaria à Inglaterra, e portanto era ridículo se apaixonar.
Por que o tinha beijado? Será que tinha perdido o julgamento, ou era simplesmente estúpida? Nesse momento, a última coisa que precisava era uma complicação como essa; não com todos os problemas que tinha. Pensou em aproximar—se dele e explicar que realmente não tinha tido intenção de beijá—lo, simplesmente, tinha acontecido, e que era uma ação espontânea surgida da bondade que mostrava para ela e por curiosidade. Talvez pudesse fazer como se não houvesse acontecido, pensou enquanto passava os dedos pelos lábios e deixava escapar uma longo suspiro de arrependimento.
Decidiu que um banho estava fora de questão, no seu estado provavelmente terminaria afogando—se. Se lavou o melhor que pôde, e depois demorou em vestir—se, enquanto reunia a coragem suficiente para retornar ao acampamento e enfrentar Brodick.
Todos os Buchanan estavam sentados no extremo mais distante da clareira, conversando, até que a viram se aproximar.
O súbito silêncio que se seguiu conseguiu intimidá—la, e não se atreveu a olhar a Brodick por temer ruborizar e fazer com que os soldados se perguntassem o porquê. Manteve a cabeça baixa enquanto preparava a cama no outro extremo da clareira, mas pôde sentir todas os olhares cravados nela. Alec estava desenhando círculos na terra com uma vara.
—Você está pronto para se deitar, Alec? —o chamou.
—Vou dormir com os homens, de acordo?
—Sim —concordou ela—. Boa noite, então.
Se deitou de lado, de frente às árvores, dando as costas aos soldados, totalmente convencida que não teria um minuto de descanso com um público que observava cada um de seus movimentos, mas o cansaço a venceu e poucos minutos depois estava profundamente adormecida.
Para não perturbar seu sono, os homens falavam em murmúrios. Brodick não podia deixar de olhá—la e de preocupar—se com questões tolas, tais como se tinha suficientes mantas. Tinha levantado um forte vento, e nuvens carregados de chuva corriam velozmente pelo céu, tapando a luz da lua. Na distância se ouviu o retumbar do trovão, e a atmosfera se tornou densa.
Quanto mais escura se tornava a noite, mais agitado se mostrava Alec. Robert apagou o fogo, e o acampamento ficou negro como a boca do lobo. Tomando sua manta, o menino se pôs de pé, oscilando.
—Vou dormir com Gillian! —exclamou.
—Por que? —perguntou Brodick, perguntando—se se o menino estaria disposto a admitir que a escuridão lhe dava medo.
—Porque ela se assusta de noite. —Sem esperar sua permissão, arrastou a manta através da clareira e a colocou ao lado de Gillian. Pôs a vara a uma distância prudente, bocejou e se aconchegou contra as costas da Jovem.
Brodick o contemplou lutar para manter os olhos abertos e o ouviu sussurrar.
—Tio...
—Que foi, Alec?
—Não irá... verdade?
—Não, não irei. Agora, durma.
Em algum momento da noite, Gillian foi arrancada de seu sono por um terrível grito semelhante ao uivo de um animal sofrendo. Ela sabia muito bem a origem do som: Alec padecia outro de seus pesadelos. Rapidamente, se virou para o outro lado e pegou o menino nos seus braços para acalmá—lo.
—Sshh — sussurrou, enquanto o acariciava na testa—.Está tudo bem. Você está a salvo.
Os gritos foram transformando—se em choramingos, e o terror do menino foi cedendo. Gillian continuou acariciando—o até que sentiu que relaxava e ouviu sua regular respiração.
Mas uma hora depois, se repetiu o grito que gelava o sangue nas veias, e ela voltou a realizar todo o ritual pela segunda vez. Nas horas prévias ao amanhecer, tornou a despertar, mas por motivos totalmente diferentes. Jazia de costas, com o braço esquerdo estendido. O sentia imobilizado e palpitava dolorosamente. Virou a cabeça, e viu
que Alec estava usando sua bandagem como travesseiro. Muito lentamente, para não despertá—lo, conseguiu tirar o braço de debaixo da cabeça do menino. Quando descia a mão para um lado, advertiu que tinha algo apoiado sobre o estômago. Era outra mão, pesada e que não lhe pertencia. Estupefata, a olhou piscando várias vezes, enquanto tentava tirá—la, e depois seguiu com o olhar o percurso desde a mão pelo musculoso braço, até chegar ao largo ombro. O coração saltou, por Deus, estava dormindo com Brodick! Devagar, conseguiu sentar—se, e deu um olhar a seu redor. Descobriu que se achava no centro de um círculo formado pelos soldados de Brodick. Não chegou a compreender como tinham chegado até ali, ou como tinha terminado por dormir nos braços de Brodick. Tentou pensar nisso, mas tinha tanto sono que não conseguiu manter os olhos abertos o tempo suficiente para esclarecer nada, de modo que voltou a recostar—se, apoiou a cabeça sobre o ombro de Brodick, a mão sobre seu peito e dormiu.
Pela primeira vez em muito, muito tempo, se sentiu protegida, e seus pesadelos a deixaram em paz.
Capítulo 10


Brodick a despertou uma hora depois do amanhecer. A pobre moça parecia esgotada, e Brodick lamentou ter que despertá—la depois de tão poucas horas de descanso, mas acabava o tempo, e ainda tinham que atravessar o hostil território que tinham pela frente.
—Devemos colocar—nos em marcha, Gillian.
—Estarei pronta em um minuto — prometeu ela, enquanto corria para o lago com sua sacola sob o braço. Se asseou rapidamente, escovou seu cabelo, e revolveu sua bolsa na busca de uma fita. Como estava enfaixada, sua mão esquerda era praticamente inútil, e não pôde trançar o cabelo. Depois de tentar em vão recolher o cabelo com a fita, desistiu da tentativa.
Quando retornou ao acampamento, todos estavam aguardando—a. Liam pegou sua sacola, e a passou a Robert.
—Você deve comer, milady —disse Liam, enquanto punha na mão dela o que parecia um triângulo de massa frita.
—Não tenho fome, Liam, mas te agradeço...
Ele não afastou a comida.
—Você deve comer, milady —insistiu.
Gillian não queria parecer mal—agradecida, de modo que se obrigou a tragar o insosso bocado.
—Liam, você seria tão amável de prender o meu cabelo com esta fita? Parece que não posso... —Sua voz se foi apagando ao ver a expressão escandalizada do soldado—. Não seria correto? —perguntou.
—Não, milady, não seria. O único homem autorizado a tocar seu cabelo é seu laird.
Seu laird. Como podia discutir uma ideia tão absurda? Os Buchanan, já tinha aprendido, eram um clã muito obstinado, e quando metiam uma ideia na cabeça, ninguém conseguia tirar.
Também eram homens bons e honrados que nesse momento os estavam protegendo, e nada que pudessem fazer a faria perder a paciência.
—De acordo, então —concedeu.
Brodick se aproximava dela, montado no seu cavalo. Gillian correu para ele, e solicitou sua ajuda. Também ele pareceu surpreendido, mas aceitou tomar a fita. Gillian se virou, passou sua massa de cabelo sobre os ombros e a levantou com a mão. Brodick se afastou, puxou de seu cabelo como se estivesse amarrando a crina de seu cavalo, e amarrou grosseiramente a fita em um apertado nó.
O homem tinha a delicadeza de um touro. Gillian teve a sensação que tinha puxado seu cabelo a propósito, a modo de vingança por ter pedido que fizesse uma tarefa tipicamente feminina, mas ocultou seu sorriso e o agradeceu profusamente.
—Chegaremos nas terras de laird Ramsey Sinclair antes do anoitecer?
—Não — respondeu ele com brusquidão. A pegou pela cintura e a subiu em seu cavalo. Depois, subiu atrás dela, e tomou as rédeas—. Vamos à casa de Maitland.
Gillian se virou tão violentamente que bateu no queixo dele.
—Temos que ir ver Ramsey e avisá—lo do perigo que correm seu irmão e ele antes de levar a Alec para sua casa.
—Não.
—Sim.
Brodick ficou atônito ao comprovar que tinha a coragem de contradizê—lo. Jamais nenhuma mulher tinha ousado discutir com ele, e não sabia muito bem que fazer. Será que ela não se dava conta de sua categoria?
—Você é inglesa — explicou—. E portanto vou ter certas considerações especiais com você. Me dou conta que não compreende que não deve discutir comigo, e por isso vou explicar: não discuta comigo.
—E isso é tudo? Respondeu Gillian incrédula—. — ‘Não discuta comigo” é sua única explicação para dar que não devo discutir contigo?
—Você está tentando me fazer irritar?
—Não, sem dúvida que não.
Supondo que ela já compreendia que ele não ia perder um tempo precioso comentando suas decisões com ela, se voltou e chamou a Dylan, mas Gillian voltou a chamar sua atenção colocando a mão no peito dele. Sua voz era baixa, mas insistente.
—Devo advertir a laird Sinclair.
Brodick inclinou ligeiramente a cabeça, enquanto a observava.
— Você o conhece? — perguntou com suavidade—. Você viu a Ransey alguma vez?
Gillian não conseguiu compreender por que havia se posto de repente tão tenso e irritável. O comportamento de Brodick era muito desconcertante, mas Gillian decidiu não dizer nada porque tinha mais interesse em tentar fazer que se mostrasse razoável.
—Não, não o conheço, mas sei muito sobre ele.
Brodick levantou uma sobrancelha.
—Diga—me o que você sabe.
Fazendo caso omisso de seu tom rude, ela respondeu:
—Sei que governa o clã Sinclair, e que é o novo laird. Estou certa?
—Sim.
Os dedos de Gillian avançavam pelo seu peito, e seu contato era muito perturbador. Brodick se perguntou se ela não se dava conta do que estava fazendo, ou se tratava de um ardil deliberado para ganhar sua colaboração. Acharia esta mulher que uma palavra amável e uma suave carícia bastariam para fazê—lo mudar de opinião? Realmente, era gracioso. Qualquer que o conhecesse sabia que uma vez que tinha tomado uma decisão, ninguém conseguia fazê—lo mudar de ideia.
—E tenho algumas ideias sobre ele—continuou dizendo ela—. Um homem não se transforma em laird a menos que seja um acostumado guerreiro. Imagino que... é... tão forte como você.
Ele sentiu que sua tensão se afrouxava.
—Quase —concedeu com soberba.
Gillian não sorriu, mas o impulso foi quase irresistível.
—Sei também que Ramsey tem um irmão menor como Alec. Trata—se de um menino, e portanto sua obrigação e a minha é protegê—lo. Todo menino deveria ser protegido de qualquer dano e Michael não é a exceção.
Seu argumento era contundente. Brodick tinha pensado em levar Alec e ela primeiro ao clã de Maitland, onde estariam seguros, e depois ir só, ver Ramsey para adverti—lo. Nesse momento reconsiderou seu decisão.
—Sua principal preocupação é o menino, verdade?
—Isso mesmo. replicou ela.
—Enviarei Dylan e outros dois homens para advertir Ramsey, mas o resto de nós iremos à casa de Maitland. Está bem para você?
—Sim, obrigada.
Brodick pegou a mão dela para evitar que continuasse acariciando—o.
—No futuro, não vai discutir comigo —disse.
Não era uma petição mas uma afirmação, e Gillian decidiu fazê—lo crer que consentia.
—Como você quiser.
Após receber as instruções pertinentes, Dylan partiu com Ossian e Fingal, rumo às terras dos Sinclair.
Alec montou com Robert, e Liam tomou a frente. Ao meio—dia, quando pararam para que os cavalos descansassem, Keith e Stephen se afastaram. Os soldados voltaram a reunir—se com o grupo mais de uma hora depois, trazendo uma brava égua.
Gillian gostou do animal imediatamente. Sentia feliz que tivessem tomado emprestada à égua, até que descobriu que não tinham a menor intenção de devolvê—la. Horrorizada, se negou a montá—la a menos que prometessem que, logo que chegassem à casa de Maitland, a devolveriam a seu proprietário, mas os soldados eram tão teimosos como seu laird, e não aceitaram fazer nada semelhante. Keith tentou mudar de tema, enquanto Stephen tentava convencê—la que o dono se sentiria honrado que um Buchanan tivesse escolhido roubar—lhe a égua.
—Você quer que ofendamos ao pobre homem? —perguntou Stephen.
—Não, sem dúvida que não, mas...
—O humilharíamos —assegurou Keith.
—Se ambos acham isso, vou acreditar.
No momento de partir! Brodick deu a ordem ao mesmo tempo em que a subia sobre a égua. Sua mão descansou sobre a coxa de Gillian—. Você sabe cavalgar, moça?
Gillian tentou retirar a mão dele, mas ele se limitou a apertá—la com mais força, enquanto esperava pacientemente que ela respondesse.
Gillian decidiu proporcionar—lhe uma dose de sua própria arrogância.
—Melhor que você, laird.
Broclick sacudiu a cabeça e tentou ignorar o doce sorriso que lhe dedicou, junto de sua jactância.
—Não gosto das mulheres arrogantes.
—Pois então não vai gostar de mim absolutamente. —replicou ela alegremente . —Sou terrivelmente arrogante. —Você não tem mais que perguntar a meu tio Morgan. Sempre diz que é meu pior defeito.
—Não, a arrogância não é seu pior defeito.
Antes que ela pudesse dar—se conta do planejava, Brodick a pegou pela nuca com a mão e a atraiu violentamente para si. Seu movimento tinha sido tão veloz que não lhe deu tempo sequer para piscar, e ainda sorria quando a boca dele se apoiou possessivamente sobre a sua.
A beijou até deixá—la sem coragem. O calor de boca dele contra a sua, provocou uma onda de excitação que recorreu todo o corpo dela. O beijo foi apaixonado, mas melhorou mais ainda. A língua de Brodick lambeu a dela, e o prazer foi tão intenso que não tinha dúvida alguma que devia ser pecado, mas não se importou. Só o que desejava era devolver o beijo com a mesma paixão com que ele a beijava.
Queria estar mais perto dele, abraçar ao pescoço dele, apertá—lo contra seu corpo e não soltá—lo nunca mais. Isso foi exatamente o que tentou fazer, e quando ele terminou de beijá—la esteve a ponto de cair no chão. Por sorte, ele parecia não estar tão transtornado como ela na verdade, o beijo não parecia tê—lo afetado em absoluto e pôde sustentá—la antes que caísse ao chão.
Gillian pôde ouvir Alec fazendo ruídos de desgosto em meio de suas risadinhas, mas não se virou para olhar nenhum dos soldados, consciente que seu rosto ardia de vergonha.
—Não deve me beijar nunca mais, Brodick —sussurrou roucamente.
Brodick se pôs a rir enquanto subia de um salto a seu cavalo e se antecipava para abrir a marcha. Gillian esporeou sua égua para que marchasse ao trote, e o alcançou.
—Disse a sério —murmurou.
Brodick fez como se não a tivesse ouvido, e Gillian decidiu deixar as coisas como estavam.
Esse dia cavalgaram continuamente, efetuando uma só parada para que os cavalos descansassem e Alec estirasse as pernas. Gillian se manteve atrás de Brodick, enquanto atravessavam terras acidentadas e indômitas, mesmo que de assustadora beleza.
Quando se detiveram para passar a noite, Gillian foi até o riacho que corria perto da clareira escolhida e se lavou, sem deixar de pensar no comentário que ele tinha feito, e quanto mais pensava nisso, mais curiosidade sentia. Ele tinha dito que a arrogância não era seu pior defeito, portanto devia pensar que ainda havia algo pior.
Morria de vontade de pedir uma explicação, mas estava também firmemente resolvida a não fazê—lo, e mesmo que fosse muito frustrante, foi capaz de controlar sua curiosidade durante um momento. Alec e ela estavam tão exaustos pela longa jornada de viagem, que depois de jantar foram diretamente dormir. Ambos dormiram tão profundamente que, se Alec teve algum pesadelo, Gillian não se lembrava. Despertou pouco antes do amanhecer, e estava novamente encolhida nos braços de Brodick. Contente, fechou os olhos e tornou dormir.
Para que Alec pudesse recuperar algumas horas de sono, no dia seguinte levantaram acampamento já bem avançada a manhã. Alec estava mais relaxado, mas seguia insistindo em não perdê—la de vista. Gillian teve que ordenar que ficasse com Keith quando precisou de um momento de intimidade, e mal retornou, o menino correu para ela e se pendurou em sua mão.
O pobre menino se mostrou muito aliviado ao vê—la outra vez.
—Não vou desaparecer, Alec.
—O tio Brodick diz que já estamos perto da minha casa.
— Este vale é conhecido?
—Não —reconheceu Alec. Tomando a mão, a chamou em um sussurro — Gillian!
—Sim? —respondeu ela, inclinando—se para ele e perguntando—se que nova coisa o preocupava.
—Posso cavalgar com você?
—Você não gosta de cavalgar com Robert?
—Não me deixa falar, nem sequer quando não há nenhum perigo.
—Você pode vir comigo.
—Mas você tem que pedir permissão ao tio Brodick.
—Pedirei —prometeu ela—. Termine de comer, e em seguida irei perguntar.
Brodick retornava da floresta com expressão preocupada quando ela se aproximou.
—Brodick, a que distância estamos da casa de Alec?
—Um par de horas de viagem.
—Te parece bem que Alec venha comigo um momento?
—Tem que ir com Robert.
—Mas Robert não fala com ele.
—Meus soldados têm a mente ocupada em coisas mais importantes— assinalou Brodick, exasperado.
—O menino não compreende essas coisas. Com um suspiro, ele cedeu.
—Muito bem. Pode ir com você, já estamos em terreno seguro. Foi para seu cavalo, e de repente se deteve.
—Todas as crianças de sua idade falam tanto como ele? —perguntou.
—Não sei. Alec é o primeiro menino com o qual tenho tanto contato.
—Você é boa com ele —comentou ele com brusquidão—. Você tem um bom coração, Gillian.
Ela o contemplou enquanto se afastava. O sol parecia estar seguindo—o. Fachos de luz refulgiam sobre seu cabeça e seus ombros ao atravessar o estreito vale, e no dourado resplendor, o bronzeado guerreiro parecia ter sido esculpido por Deus conforme à imagem do arcanjo Miguel, para que também ele pudesse lutar contra os demônios que assolavam o mundo. Foi nesse preciso instante que teve consciência de sua presença como nunca antes tinha tido. Estava reagindo como mulher, e sentiu que a consumia uma saudade tão intensa que os olhos se encheram de lágrimas. De repente, veio à sua mente a encantadora casinha de Annie e Kevin Drummond. Na sua fantasia, quem estava de pé na porta não era Kevin, mas Brodick, e estava fazendo sinais para que se aproximasse.
Sonhar com os olhos abertos era perigoso, porque a faziam anelar coisas que jamais teria.
—Milady, tem algo errado? —perguntou Liam.
Ante o som da voz dele, Gillian teve um sobressalto.
—Não, nada.
Antes que continuasse perguntando, Gillian recolheu as saias e correu para sua égua. Com só sua mão esquerda, não podia subir corretamente, e depois de tentar duas ou três vezes sem sucesso, se deu por vencida e chamou Brodick para que a ajudasse.
Ele se aproximou montado no seu cavalo, se inclinou e a subiu na égua de um só movimento. Robert levantou Alec, o sentou em seu colo, e foi buscar seu cavalo.
—Brodick —chamou ela em voz baixa para que os demais não pudessem ouví—la.
—Você disse que a arrogância não era meu pior defeito. Qual outro tenho pior que este?
Brodick se perguntou quanto tempo teria custado a Gillian reunir coragem para fazer—lhe essa pergunta, e teve que fazer um grande esforço para não rir.
—Você tem muitos defeitos —assinalou. Poderia ter jurado que viu acender—se uma chispa de ira nos seus olhos cor esmeralda, ao mesmo tempo em que a jovem quadrava os ombros. A moça tinha muito caráter, e a Brodick este parecia um defeito muito agradável—. Mas você tinha um que fazia com que, em comparação, os demais parecessem insignificantes.
—Tinha? —repetiu ela—. Já não tenho?
—Não, já não tem.
—Diga—me, por favor —sussurrou à beira da exasperação— qual era esse terrível defeito.
Brodick a olhou sorrindo.
—Você era inglesa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 11

Gillian teve a sensação de ter entrado em outro mundo. Inclusive os crepúsculos pareciam diferentes nas Highlands. O céu tinha se transformado em uma brilhante tela coberta por largas pinceladas de ouro salpicadas de nós que se formam em tecidos alaranjadas. O centro do sol era de um ardente escarlate, diferente a qualquer cor que Gillian tinha visto, e soube que no dia seguinte, a gama de cores seria igualmente magnífica.
—Gillian, Você sabe o que? Já quase estamos em casa.
—Devemos estar perto —conveio ela—. Subimos até quase o alto da montanha.
Alec bocejou audivelmente.
—Conte—me outra vez a história de como você assustou seu tio Morgan e o fez gritar —rogou o menino.
—Te contei essa história pelo menos cinco vezes.
—Mas quero voltar ouvir de novo. —Por favor.
—Feche os olhos e descanse, e te contarei a história. Alec se aconchegou contra seu peito, e bocejou outra vez.
—Pronto, rápido.
—Quando era pequena...
—Não falou durante todo um ano.
O pequeno evidentemente, tinha memorizado a história.
—Sim, efetivamente. Não falei durante um ano inteiro.
Brodick obrigou seu cavalo a diminuir a marcha, e aguardou até que Gillian esteve a seu lado. Tinha ouvido o que estava dizendo a Alec, e sentia curiosidade para conhecer o resto da história.
—E você foi viver com seu tio Morgan, você lembra?
—Sim, lembro —respondeu Gillian com um sorriso.
—Mas deve dizer.
—Certa noite, tive um terrível pesadelo...
—Como os pesadelos que às vezes eu tenho?
—Sim —assentiu ela—. Minha criada, Liese, me despertou para que deixasse de gritar, e tal como costumava fazer me pegou nos seus braços, e me aconchegou no seu colo, me embalando para que me tranquilizasse.
—E então quase te deixa cair de cabeça no chão porque finalmente você falou.
—Com efeito, Alec.
—E o homem mau que tinha dito que você tinha matado a sua irmã mentiu, porque Liese te disse que você não a tinha matado. Era um homem mau, mas você sabe o que?
—Não, que?
—O tio Brodick fará com que lamente ter sido mau.
Alterada, porque sabia que Brodick estava prestando atenção ao que o menino dizia, se apressou a continuar com a história.
—Me alegrou muito saber que Christen estava viva, mas então me preocupei que pudesse estar perdida. Liese me disse que não devia inquietar—me pela minha irmã porque tinha certeza que meu tio Morgan me ajudaria a encontrá—la. Me disse que tudo o que tinha que fazer era pedir. Era para eu esperar até a manhã seguinte, mas a surpreendi ao saltar de seu colo e correr até o quarto do meu tio.
—Porque era no meio da noite, não é?
—Isso mesmo —assentiu Gillian.
Alec começou a rir tontamente, porque sabia que vinha a continuação, e a duras penas conseguia conter—se. Seus ombros se sacudiam, enquanto tampava a boca com a mão e aguardava cheio de ansiedade, com os olhos brilhantes.
—Liese tentou me deter, mas não foi suficientemente rápida, e não pôde me seguir até dentro do quarto do meu tio. Corri até seu leito, subi à cama, e o sacudi para que despertasse. Estava profundamente adormecido, inclusive roncava, e por mais que o tocasse e o chamasse, não consegui que abrisse os olhos.
A história atraiu a atenção de Brodick, mas não tinha certeza se o que o divertia tanto era a forma em que Gillian a relatava ou a reação de Alec. O menino praticamente não podia ficar quieto no colo de Gillian.
—E depois, o que você fez? —perguntou Alec.
—Você sabe muito bem que fiz. Te contei tantas vezes esta história que você conhece melhor que eu.
—Mas conte tudo.
—Eu gritei ao pobre homem e lhe dei um bom susto.
Alec explodiu em ruidosas gargalhadas.
—E gritou, verdade?
—Oh, Meu Deus, sim como gritou!
—E depois você gritou, verdade?
Gillian se pôs a rir.
—Sim, eu gritei. Meu pobre tio estava tão sobressaltado que se levantou de repente e pegou sua espada, mas se enredou com as mantas, caiu e rodou para baixo da cama. E este é o final da história.
—Mas você tem que contar como você o seguiu por todas as partes, falando e falando sem parar o dia todo.
—Você acaba de dizer —disse ela—. Meu tio me contou que durante o ano em que não falei, não deixou de rezar uma só noite para que algum dia eu pudesse chamá—lo pelo seu nome...
—Mas que quando você começou a falar e não parava, começou a rezar pedindo um pouco de paz e tranquilidade?
—Isso mesmo—respondeu ela—. Você sabe, Alec, quando chegar em casa vai ter um grande alvoroço, e duvido muito que você possa ir dormir tão cedo. Por que não fecha os olhos e descansa?
Bocejando, o menino rodeou a cintura dela com os braços.
—Gillian... —sussurrou. —Te amo.
—E eu amo você, urso meloso.
O pequeno estava claramente exausto, e em poucos minutos dormiu. Tudo ficou imerso em silêncio enquanto continuaram subindo a escarpada montanha. De vez em quando, Brodick se virava e a olhava com uma expressão de desconcerto, como se estivesse tentando adivinhar algo.
Se levantou um vento, um ululante e frio vento que parecia colocar—se dentro dos ossos. Notou que Alec tremia, e o envolveu com o tartán.
O peso do menino sobre seu braço esquerdo em breve se tornou intolerável, e finalmente decidiu pedir ajuda a Brodick. Alec estava tão esgotado que não despertou quando passou aos braços de seu tio. A ternura nos olhos de Brodick, enquanto acomodava com cuidado a cabeça do menino contra seu peito, lembraram a Gillian seu tio Morgan e à forma como ele costumava embalá—la em seu colo enquanto contava histórias na hora de dormir, e de repente sentiu tanta nostalgia e tanto medo que quis chorar.
Brodick a pegou contemplando—o.
—Alec terá dor de ouvidos se não cobrir a cabeça dele —murmurou Gillian para dissimular sua perturbação.
Brodick acomodou o tartán sobre a cabeça do menino, mas manteve seu olhar fixo em Gillian.
—Que te preocupa tanto, moça?
—Nada —mentiu ela—. Estava pensando...
—Pensando em que? — incitou ele.
Tinha se aproximado tanto que com sua perna roçava a dela. Gillian simulou não perceber.
—Responda —exigiu Brodick.
Gillian soltou um suspiro.
—Estava pensando que quando você casar e tiver filhos, será muito bom pai.
—Que te faz pensar que já não tenho filhos? Gillian abriu os olhos como pratos.
— Mas não é casado!
Brodick se pôs a rir.
—Um homem não necessita estar casado para ter filhos.
—Entendo —replicou ela, fazendo o possível por soar experimentada—. Não sou tão ignorante.
—Mas você é totalmente inocente, não é mesmo?
—Isso, senhor, não é assunto de sua incumbência.
Sentiu que suas bochechas estavam de um vermelho furioso de vergonha. Era um prazer para os olhos, pensou ele, e uma segura tentação.
—Assim? —perguntou ela em um murmúrio.
—Assim o que?
—Você tem filhos?
—Não.
—Então você estava zombando de mim.
Gillian pareceu esperar uma resposta a esta afirmação, de modo que ele assentiu com um rápido gesto antes de esporear seu cavalo e voltar à frente da marcha.
Poucos minutos depois, se ouviu o retumbar de um trovão, e a terra começou a tremer. Stephen, Aaron, Liam e Robert se aproximaram e formaram um círculo a seu redor.
—Protejam Alec e seu laird —ordenou Gillian.
—Milady, já estamos em terras de Maitland. Não há perigo algum —explicou Stephen.
—Então por que me rodearam os quatro? Robert respondeu com um sorriso.
—Só estamos avisando aos Maitland.
—Avisando de que, Robert?
O soldado não quis explicar nada. Nesse instante, através do arvoredo, irromperam os soldados de Maitland, rodeando—os imediatamente. O estrondo sobressaltou à égua de Gillian. Antes que pudesse acalmá—la, Liam pegou as rédeas e obrigou o animal a agachar a cabeça.
Estavam rodeados de guerreiros, e sua proximidade se tornou opressiva. Eram pelo menos quarenta, e cada um deles parecia implacável.
Um dos soldados se antecipou e conduziu seu cavalo até onde se encontrava Brodick para falar com ele. Seu aspecto lhe foi vagamente familiar.
—O homem está zangado com seu laird? —perguntou.
—Não, milady — respondeu ele—. Se chama Winslow, e sempre tem o cenho franzido.
—Winslow é o comandante chefe de Ian Maitland — explicou Stephen—. Também é irmão de Brodick.
Isso explicava por que ele era familiar, e nesse momento pôde ver a semelhança nos penetrantes e azuis olhos do irmão. Winslow inclusive franzia o cenho como Brodick, pensou, e nesse momento o comandante dos Maitland se virou para ela, entrecerrou os olhos, e comentou algo a seu irmão.
Sem pressa, Stephen obrigou seu cavalo a se aproximar a Gillian, e Liam fez o mesmo do outro lado.
—Winslow quer saber quem você é, milady — sussurrou Robert detrás.
Gillian viu como Brodick encolhia os ombros, como se para ele ela fosse tão insignificante que não conseguisse lembrar seu nome.
E assim deveria ser, pensou Gillian. Ela não era importante para ele, era simplesmente um meio para alcançar um fim.
Durante um breve período, Brodick e ela tinham compartilhado o mesmo objetivo de levar um menino inocente de retorno a seu lar. Mas nesse momento se encontravam em terras dos Maitland, e em breve esse objetivo estaria cumprido. Alec ficaria com seus pais, Brodick voltaria, sem dúvida, para sua casa, e ela começaria a busca de sua irmã. Sua mente compreendia que o tempo passado juntos tinha acabado, mas seu coração sofria por isso. Era lógico que Brodick retornasse às suas obrigações como laird dos Buchanan... e estava certo. Por que, então, se sentia tão só? Gillian não precisava dele, nem precisava de nenhum outro homem... salvo seu tio, sem dúvida. Tio Morgan era toda sua família, e quando sua busca tivesse terminado, se chegasse em ter sucesso, voltaria para ele.
Mas jamais esqueceria Brodick... nem ao espontâneo beijo que para ele nada tinha significado e para ela tinha sido tudo.
Winslow atraiu sua atenção quando ao olhá—la outra vez, franziu o cenho com evidente desagrado. Ela o ouviu pronunciar a palavra “inglesa”, e supôs que estava irritado porque Brodick tinha levado uma forasteira às terras Maitland.
A resposta de Brodick foi severa, mesmo que devido à velocidade com a qual falou, Gillian não pôde compreender uma só palavra. Fosse o que fosse que disse, pareceu acalmar seu irmão, porque este se jogou para atrás e assentiu com desinteresse. Nesse momento, Brodick afastou a manta que cobria o rosto de Alec. Winslow ficou tão estupefato, que deixou escapar um grito. Alec despertou de imediato, tirou a manta de uma palmada, e se endireitou, sorrindo ao ver se aproximar os soldados Maitland.
Todos os homens começaram a gritar e dar vivas, armando uma animação tal que os ouvidos de Gillian zumbiam.
Alec estava encantado de atrair tanta atenção. Cumprimentou alegremente os soldados com a mão, e depois, virando—se no colo de Brodick, fixou seu olhar em Gillian. O júbilo de Alec era maravilhoso, e Gillian soube que jamais esqueceria esse fantástico momento. “Obrigada, Meu Deus —orou— por permitir que este menino voltasse para sua casa.”
A radiante expressão de Gillian deixou Brodick sem coragem, e quando ela o olhou, sorrindo, conseguiu que se sentisse invencível. Como era possível que uma mulher provocasse nele um impacto tal em tão breve tempo? Tinha a sensação que todo seu mundo tinha mudado para sempre, e não sabia se gostava disso. Gillian era uma alteração...
—Ian voltará logo dos campos de treinamento —informou Winslow,interrompendo os pensamentos de seu irmão.
—Você deveria prepará—lo —disse Brodick—. Com toda segurança, vai ter uma comoção ao ver seu filho retornar da morte.
Winslow se pôs a rir.
—Uma alegre comoção —assinalou, antes de ir.
Os soldados Maitland começaram a sufocar Gillian, situação que de imediato trataram de conter os Buchanan, e se Brodick não tivesse intervindo para colocar ponto final à situação, Gillian tinha a plena segurança de que tudo teria terminado em briga. trocaram palavras ásperas e se deram fortes empurrões, mas não houve danos maiores.
Brodick conduziu a caravana até a última das empinadas colinas. Ao abrigo da montanha se agrupavam cabanas de todas as formas e tamanhos, algumas austeras e sem adornos, outras com portas de brilhantes cores. Ao passar frente a elas, do interior das cabanas surgiram homens e mulheres que se somaram à procissão. Pelo seu aspecto pareciam estar presenciando um milagre, e muitos deles, segundo pôde observar Gillian, se benzeram, inclinando suas cabeças em atitude de oração. Outros esfregavam os olhos para conter as lágrimas de júbilo.
O lar dos Maitland se achava situado sobre um largo platô. A cinzenta estrutura de pedra tinha um aspecto realmente ameaçador, com o duplo portão da entrada coberto por uma enorme bandeira preta. Também as janelas estavam cobertas.
Brodick desmontou levando Alec em seus braços, com um gesto indicou a Robert que ajudasse Gillian, e apoiou o menino no chão. O menino correu para Gillian, a pegou pela mão e a arrastou pela escada de entrada.
No total silêncio, a multidão avançou depois deles. Brodick pegou a outra mão de Gillian, dando—lhe um leve apertão ao notar que estava incomodada com a multidão de curiosos que a olhavam com a boca aberta. O guerreiro se deteve na entrada, deu um passo à frente, e rasgou a preta bandeira que tampava a porta. Os vivas inundaram o ar. Brodick abriu as portas de par em par e se afastou para que Gillian pudesse entrar primeiro, mas ela negou com a cabeça e se aproximou dele para que pudesse ouví—la acima das vozes.
—A chegada de Alec deveria ser algo íntimo. Eu prefiro esperar aqui.
Brodick a olhou com um sorriso.
—E eu prefiro que você entre comigo —replicou, enquanto suavemente a obrigava a avançar diante dele. Gillian decidiu que esperaria na porta até que Alec tivesse alguns minutos de intimidade com seus pais, e nenhum argumento nem empurrão a faria mudar de opinião.
O salão de entrada estava iluminado com uma só candeia cintilante colocado sobre um banco baixo, próximo da escada que levava ao apartamento superior. À sua esquerda, três degraus conduziam ao salão principal. Na lareira ardia um bom fogo, e uma comprida mesa de madeira atravessava o quarto. Em um de seus extremos se achava uma dama, que costurava à luz de duas velas. Tinha a cabeça inclinada sobre seu trabalho, e mesmo que Gillian não pudesse ver o rosto dela, não tinha nenhuma dúvida que se achava na presença da mãe de Alec. A mulher não levantou a vista, mesmo que sem dúvidas tinha ouvido abrir—se a porta. Parecia totalmente insensível ao alvoroço da multidão.
Gillian escutou a voz de laird Maitland antes de vê—lo.
—No nome de Deus, quem está fazendo todo esse barulho? —perguntou lan.
A voz proveio do corredor que conduzia para a parte traseira da casa. O pai de Alec olhou o grande salão diretamente da despensa, avistou Brodick e exigiu saber por que todo mundo estava gritando.
Alec tinha começado a subir a escada, rumo ao quarto de seus pais, mas ao ouvir a voz de seu pai, se voltou e se pôs a correr. Atravessou correndo o chão de pedra, desceu saltando os três degraus do grande salão e abriu os braços.
—Mamãe! Papai!... Estou em casa! —exclamou.
A emoção esteve a ponto de acabar com seus pais. Pela primeira vez na sua vida, Ian Maitland ficou completamente atordoado. Como se acabasse de bater a cabeça contra uma parede, retrocedeu cambaleando, sacudindo a cabeça com incredulidade. Seus escuros olhos se empanaram.
—Alec? —sussurrou asperamente. E depois, outra vez, rugindo — Alec!
Judith Maitland se pôs de pé de um salto e deixou escapar um grito de alegria, enquanto seu esquecido cesto de trabalho caía ao chão, esparramando todo seu conteúdo. Levou a mão ao coração. Vacilante, deu um passo para seu filho e caiu desmaiada. Infelizmente, Brodick se achava muito longe dela para segurá—la antes que caísse no chão, e seu marido ainda se encontrava muito perturbado para fazer algo mais que contemplá—la cair.
Alec quase derrubou seu pai ao se atirar contra ele e abraçar—lhe as pernas. Ian tentou sacudir o estupor que o paralisava. Tremendo, o imponente guerreiro caiu de joelhos, e inclinando a cabeça, com seus olhos fechados, rodeou seu filho com seus fortes braços.
O menino apoiou a cabeça sobre o ombro de seu pai e olhou preocupado para sua mãe.
—Papai não deveria levantar a mamãe? —perguntou.
Ian se pôs de pé, mas não pôde soltar seu filho, de modo que pediu a Brodick que fizesse algo com sua esposa.
Brodick, se agachou, deslizou a mão embaixo dos ombros de Judith, e com toda delicadeza a levantou em seus braços. A mulher tinha o rosto branco, e por muito que fizessem não ia recuperar o sentido até que estivesse pronta.
—Você deu à sua mãe uma grande surpresa, Alec —comentou Brodick—. Ela já te considerava morto e enterrado.
lan negou com a cabeça.
—Não, ainda abrigava esperanças no fundo de seu coração.
Judith abriu os olhos e se encontrou nos braços de Brodick.
—Que...?
—Mamá, você acordou!
Lentamente, Brodick desceu Judith, mas continuou sustentando—a pela cintura se por via das dúvidas tornasse a desmaiar.
Subitamente afligida pela maré de emoções que ameaçava desbordar, Judith começou a soluçar incontrolavelmente. Ian foi para seu lado e a sustentou, enquanto Alec os contemplava com preocupação.
—Não deveria chorar, mamãe. Não estou morto. Estou em casa. Papai, diga que não chore.
Ian se pôs a rir.
—Está feliz com sua volta. Dê um minuto a ela, e te dirá ela mesma.
Judith acariciou o rosto de Alec com mão trêmula.
—Rezei tanto para que você...
Brodick retrocedeu com prudência. Queria deixar os Maitland alguns minutos a sós, e também queria encontrar Gillian. Pensava que estava junto dele ao entrar no grande salão, mas nesse momento se deu conta que tinha ficado para trás. A encontrou sentada sobre um banco, perto das escadas. Tinha as mãos juntas sobre o colo e os olhos baixos.
—Que você está fazendo? —perguntou com gesto bruto.
—Estou esperando que os Maitland terminem com seu reencontro. Acho que observá—los seria atuar como uma intrusa. Têm que ter uns minutos a sós.
Brodick se sentou junto dela, ocupando todo o espaço que ficava livre no banco. Gillian se descobriu apertando contra ele. Em outra ocasião o tinha comparado com um urso, e nesse momento a imagem parecia totalmente certa.
Ele a pegou pela mão, e com cuidado levantou a manga do vestido.
—Esta noite, antes de deitar, você terá que tirar esta bandagem.
—Tirarei.
Ele não soltou sua mão e ela também não a retirou.
—Brodick —disse.
Gillian o olhou nos olhos durante um longo minuto antes de voltar a falar.—Quero agradecer sua ajuda. Sem você, Alec nunca teria retornado para seus pais.
Brodick não concordou.
—Eu não o trouxe para casa, Gillian. Você trouxe. Eu me limitei a ajudar — acrescentou
— Mas se não tivesse ajudado, você teria encontrado uma forma de trazê—lo.
Nesse momento Ian o chamou, mas ela o reteve pela mão para que a olhasse.
—Depois de falar com os pais de Alec... Você vai voltar a sua casa? Brodick se pôs de pé, e a obrigou a levantar. Os separavam alguns centímetros, com a cabeça dele inclinada para ela, com o rosto dela voltado para ele, como amantes a ponto de beijar—se. Maldição, sim que o acometeu um súbito desejo de beijá—la. Um prolongado, cálido beijo que depois levaria a outro, e outro mais...
A maneira como ele a olhava causou calafrios em Gillian.
—Você voltará? —insistiu.
—Que você está perguntando? —demandou ele com impaciência.
Surpreendida pela aspereza de sua voz, Gillian deu um passo atrás, e bateu contra o banco a parte interna de seus joelhos.
—Depois de falar com os Maitland, você voltará para sua casa? —Contemplando as mãos, acrescentou— Você é um laird, depois de tudo. Você tem muitas obrigações importantes.
—Sim, há muito a fazer —assentiu ele.
—Sim —disse Gillian, tentando que sua voz não deixasse transparecer sua decepção—. Devo agradecer, Brodick, tudo o que você fez por Alec e por mim, mas sua obrigação terminou; Alec se encontra a salvo no seu lar. Eu não sei o que... teria feito... sem você. —Soube que estava divagando, mas parecia não poder se deter —. Certamente, você deve voltar para sua casa. Só pensei que...
Gillian deu de ombros com gesto delicado.
___Pensei que talvez você quisesse voltar a ver seu bom amigo Ramsey antes de ir.
Ele levantou o queixo dela com o polegar.
—O verei antes de ir daqui. Chegará daqui a pouco.
—Quem te disse...? Ele não a deixou terminar a pergunta.
—Enviei Dylan para que o avisasse, você lembra?
—Sim, mas...
—Ramsey quer falar com você o mais rápido possível. Virá aqui. disse de novo. — Mas depois você irá para sua casa?
—Como acabo de dizer, tenho muito que fazer.
— Não pode me dar uma resposta simples? —exclamou Gillian, frustrada.
lan gritou, chamando a Brodick.
— Venha comigo, Gillian. Ian quer conhecer você. Já teve tempo suficiente para repor—se de sua surpresa.
—E sua esposa?
— Ela levará mais de uma semana para se recuperar. Duvido que permita que Alec se afaste de sua vista durante esse tempo.
Gillian tentou tirar o pó que cobria seu vestido.
—Estou horrível.
—Sim, você está.
Gillian recolheu a saia para descer os degraus, mas Brodick a deteve, segurando—lhe o braço. E falou em voz baixa.
—Você pediu que te desse uma resposta direta. Agora me pergunto por que não você formula uma pergunta direta.
—Por todos os céus, e o quer dizer com isso? O que você acha que deveria te perguntar?
—O que você queira saber.
—Você é um homem exasperante.
—Já me disse isso —replicou ele—. E também impaciente —acrescentou . Mas neste caso, estou disposto a esperar.
—Ali está, mamãe! Essa é Gillian! —O grito de Alec ressoou por todo o salão.
Afastando—se de Brodick, Gillian sorriu ao menino que se aproximou correndo. Alec a tomou pela mão e começou a puxá—la.
—Não tenha medo de papai. Muitas mulheres têm medo dele, mas acho que você não, porque não é como as demais—disse.
Não estava tão certa como estava Alec. lan Maitland era uma figura imponente, um homem alto e musculoso, com penetrantes olhos cinzentos. Seu escuro cabelo tendia a cachear, o que parecia suavizar sua feroz expressão. Se não fosse tão impressionante poderia ter pensado que era quase tão belo como Brodick.
O sorriso de Judith Maitland ajudou a diminuir o ameaçante aspecto de seu marido. Era uma bela mulher, mas o que realmente cativava era a cor de seus olhos. Tinha os olhos da cor das violetas. Era uma mulher pequena e miúda, mas tinha um porte tão majestoso que Gillian se sentiu na presença de uma verdadeira rainha.
Logo Brodick havia realizado as apresentações pertinentes, Judith se apressou a tomar a mão de Gillian.
Sua voz tremeu.
—Você encontrou nosso filho, e você o trouxe de volta para casa. Eu não sei como poderemos te pagar.
Gillian de uma rápida olhada em Brodick. Evidentemente, os Maitland achavam que seu filho tinha se perdido, e como ia a explicar o que realmente tinha acontecido?
—Vem e sente—se —a convidou Judith—. Deve ter fome após uma viagem tão longa. Alec me disse que você vem da Inglaterra assinalou, enquanto levava Gillian até uma cadeira perto do extremo da mesa.
—Sim, vim da Inglaterra.
—Eu também sou inglesa — disse Judith.
—Não, Judith —a corrigiu seu marido—. Você era inglesa. Judith sorriu.
—Aqui os homens mudam a história segundo lhes convêm.
—Você é uma Maitland —insistiu ele—. E isso é tudo o que conta. Brodick, sirva de vinho e sente—se. Quero ouvir todos os detalhes do ocorrido antes de abrir as portas aos familiares e amigos. Alec, venha e sente—se com seu pai. — A ordem foi dada com uma grande ternura.
O pequeno rodeou correndo a mesa e aproximou um tamborete à cadeira de seu pai. Gillian pôde ver que a mão de Ian tremia ao tocar o ombro de seu filho. Alec sorriu e se sentou a seu lado, mas de imediato voltou a colocar—se de pé, aguardando que primeiro se sentassem as damas presentes.
Winslow, o comandante dos Maitland, entrou no salão e cumprimentou seu laird e a sua esposa.
—Ramsey Sinclair acaba de cruzar nossas fronteiras, e estará aqui em menos de uma hora —anunciou.
—Já soube de nossa boa sorte? —perguntou Ian.
—Enviei Dylan atrás dele —explicou Brodick, antes de se voltar para seu irmão.
—Gillian, eu gostaria que você conhecesse meu irmão. Winslow, esta é lady Gillian.
Winslow a cumprimentou com uma reverência.
—Lady Gillian, você é da Inglaterra? —perguntou, franzindo o cenho.
—Sim, sou da Inglaterra. Essa é a verdade, e não posso nem quero modificá—la, sir. O desgosta?
Winslow a surpreendeu ao dirigira ela um fugaz sorriso.
—Depende, milady.
— Depende de que?
—Do meu irmão. —Sem mais explicações, mudou de tema ao voltar para Brodick—. Você verá a minha esposa e as crianças antes de ir? Se sentirão frustrados se não for vê—los.
—Sem dúvida que os verei.
—Traga—os aqui, Winslow —ordenou Ian—. Esta noite devemos festejar. As crianças ficarão acordadas até tarde.
—Winslow, você pôde ver se Michael, o irmão de Ramsey, vem com ele? —perguntou Gillian.
Se ao soldado a pergunta pareceu estranha, não manifestou.
—Não sei, milady, mas em breve averiguaremos. —Tornou a inclinar—se, e abandonou o salão.
Judith se encarregou pessoalmente de buscar um cântaro com água para oferecer a seus hóspedes.
—Papai, onde está Graham? —perguntou Alec.
—Seu irmão está com seu tio Patrick, mas em breve voltará para casa. Vai se alegrar muito de ver você.
—Por que? Teve saudades de mim? —perguntou o menino com ansiedade.
—Todos tivemos saudades, Alec. respondeu Ian sorrindo.
—Mamãe foi a que mais me abraçou. Ainda está tremendo pela surpresa que lhe dei. —Olhe, papai. Nem sequer pode servir a água. Vai chorar de novo?
Ian se pôs a rir.
—É provável —respondeu—. A sua mãe... e eu —acrescentou—, vai custar muito nos repor desta maravilhosa surpresa.
Alec não tinha exagerado ao descrever a condição de Judith. Já tinha derramado uma boa quantidade de água sobre a mesa, e até o momento não tinha vertido nem uma só gota dentro das taças. As mãos lhe tremiam violentamente, e cada vez que olhava a seu filho, seus olhos enchiam de lágrimas.
Ian cobriu a mão dela com a sua.
—Sente—se, meu amor — sugeriu suavemente.
Judith aproximou sua cadeira de seu marido, se sentou nela e se recostou contra ele. Ian serviu água a Gillian, mas quando esta estava a ponto de tomar a taça que ofereciam, viu como tinha as mãos sujas e as ocultou entre suas saias.
Ian rodeou sua esposa com o braço e a estreitou contra si. Mesmo assim, seu olhar não se afastou de Gillian.
—Comece pelo princípio, e diga—me como e quando você encontrou meu filho. Quero escutar todos os detalhes — ordenou. Fez uma pausa para dar uma palmadinha afetuosa em Alec antes de acrescentar: — É um milagre que um menino de cinco anos consiga sobreviver a uma queda na cascata.
—Alec só tem cinco anos? —perguntou Gillian.
—Mas vou ter sete.
—Seu irmão tem sete — lembrou lan.
—Mas eu também vou ter sete.
Alec desceu rapidamente do tamborete e rodeou a mesa para ir correndo para o lado de Gillian. Sem pedir permissão, subiu em seu colo, a obrigou a rodeá—lo com seus braços e sorriu.
—Alec e você se tornaram muito amigos —assinalou Judith com um sorriso.
—Ian, talvez você prefira esperar até que Alec tenha ido à cama para escutar os detalhes —sugeriu Brodick.
—Mas vou ficar levantado até tarde porque papai disse que temos que festejar —interpôs Alec. — Não Disse isso, papai?
—Isso mesmo—assentiu seu pai.
—Você sabe o que, Gillian? —perguntou Alec no que pretendeu ser um sussurro.
Ela se inclinou para escutá—lo.
—Não, que?
—Quando vou deitar, mamãe se senta a meu lado até que eu durma e meu irmão dorme comigo, no mesmo quarto, portanto talvez não tenha maus sonhos e não me assuste.
—Talvez esta noite você não sonhe com nada.
—Mas você terá que conseguir alguém com quem dormir, porque você se assustará e eu não estarei ali para te consolar.
—Estarei bem. assegurou ela.
Alec não ficou convencido.
—Mas e se tiver medo? Você tem que ter ao seu lado alguém que te desperte. Talvez você possa pedir a Brodick para dormir com você, como fez antes.
Gillian cobriu a boca dele com a mão para obrigá—lo a calar, e sentiu que ruborizava. Sabia que Brodick a estava olhando, mas não se atreveu a devolver o olhar.
Judith se pôs a rir.
—Alec, carinho, você está envergonhando a Gillian.
—Mamãe , você sabe como me chama Gillian?
—Não como?
—Urso meloso — respondeu o menino rindo.
O olhar de Ian foi de Gillian a Brodick.
—O pai Laggan está de volta —comentou—. E com ele há outro mais, uma jovem cura chamado Stevens.
—Por que você diz isso? —perguntou Brodick.
—Só queria que você soubesse que há dois sacerdotes disponíveis — Explicou Ian, brindando um olhar significativa a Gillian.
—Eu não dormi com Brodick! —explodiu ela—. Não preciso de nenhum sacerdote!
—Oh, sim que você fez.
—Alec, não é de boa educação contradizer aos mais velhos.
—Mas, ....
—Sshh, carinho.
Gillian cravou o olhar em Brodick, esperando. Ele podia esclarecer este horrível mal—entendido com toda facilidade, com só dar uma superficial explicação. Mas, ele não se mostrou inclinado a fazê—lo. E piscou um olho.
—Não sabia que um rosto podia ficar tão vermelho —comentou.
—Explique, por favor —exigiu ela.
—Explicar o que? —perguntou ele, fingindo inocência.
Gillian se virou para Judith.
—Estávamos acampando... e não foi tal como parece... eu dormi, e quando despertei... todos estavam lá...
—Todos... —repetiu lan.
—Seus soldados.
—Também dormiu com seus soldados?
Gillian não compreendeu que Ian brincava com ela.
—Não! Ou seja... nós... dormimos. Isso é tudo o que sucedeu, laird.
—Deixa já de atormentar Gillian — ordenou Judith a seu marido—. Será que não pode ver que embaraçoso é isto para ela? Gillian não entende o humor das Highlands. Que aconteceu a seu braço? —perguntou então a Gillian, tentando mudar o tema para outro menos delicado—. Vi a bandagem, e me perguntei...
Alec interrompeu sua mãe, saltando da saia de Gillian.
—Gíllian, temos que sair para dar um passeio —disse.
—Agora? —perguntou Ian.
—Sim, papai, agora.
—Alec, quero falar com Gillian e com Brodick. Estou ansioso por saber como te encontraram.
—Mas, papai, tenho que dizer o que fiz, e então você vai se irritar comigo. Temos que dar um passeio para que possa pensar nisso.
—Vem aqui, filho meu —ordenou seu pai, preocupado pela ansiedade que viu nos olhos de seu filho.
O pequeno foi até onde se achava seu pai com a cabeça baixa e arrastando os pés. Ian apoiou as mãos sobre os ombros de seu filho e se inclinou para ele.
Alec rompeu em pranto.
—Me assustei muito, papai, e cortei o braço a Gillian, e inchou, e então Annie teve que tratar dela, e é culpa minha porque machuquei à uma dama e não devo machucar as damas, mas estava muito assustado. Não gostava dos ingleses e queria voltar para casa —Alec jogou os braços ao redor do pescoço de seu pai, e se pôs a chorar sério.
—Alec se preocupava muito em decepcionar vocês, laírd —explicou Gillian—. Ele não entendeu que eu estava tentando ajudá—lo. Tinha descido por um desfiladeiro com uma corda, mas estava gasta e começou a desfiar, e ele...
—Olhou Brodick em busca de ajuda. A tarefa de explicar tudo de repente foi difícil, e se sentiu tão cansada que não soube por onde começar.
—Meu filho não é muito coerente —disse Ian—. Disse que estava em Inglaterra?
Gillian se preparou para o que ia vir, e falou com voz calma.
—Diz a verdade. Alec estava na Inglaterra.
—Te disse, papai.
Ian assentiu com um gesto, mas manteve a atenção fixa em Gillian.
—Como chegou meu filho à Inglaterra?
—Alec não foi à cascata. O raptaram no festival, e o fizeram prisioneiro em um castelo da Inglaterra. Ali foi onde o encontrei.
A expressão do rosto de Ian mudou totalmente. Passou a Alec sobre a saia de Judith e se pôs de pé. Para não assustar seu filho, tentou manter um tom mensurado de voz, mesmo que o que desejava era uivar.
—Quem o raptou?
Gillian sentiu um instante de franco pavor quando Ian se ergueu sobre ela, lançando chispas pelos olhos como se houvesse já decidido que Gillian era a única responsável do perigo que tinha ocorrido a seu filho.
—Foi um erro —sussurrou Gillian.
—Maldição se foi! —rugiu Ian. Alec abriu os olhos como pratos.
—Você está zangado, papai?
Seu pai inspirou com força.
—Sim —declarou.
—Não está zangado com você, Alec —disse Gillian.
—Ele já sabe.
—Não fale com Gillian nesse tom —Brodick, que até esse momento tinha permanecido em silêncio, parecia tão zangado como Ian ao dar essa ordem—. Nisto, é tão inocente como é seu filho. Sente—se, e contarei o que sei.
—Entendo sua ansiedade para conhecer todos os detalhes, mas não deve levantar a voz com Gillian. Não vou permitir.
Gillian pôde ver que Ian estava a ponto de explodir, e se apressou a dar explicações antes que os dois lairds brigassem de verdade.
—Quando disse que tinha sido um erro...
—Sim?—disse Ian.
—O homem que raptou Alec achou que estava sequestrando Michael, o irmão de Ramsey. Sequestraram o menino errado.
—Pelo amor de...! —lan estava tão furioso que não pôde continuar.
—Sente—se, Ian —sugeriu Judith—. Escute o que Gillian tem para nos dizer.
Ian afastou de uma palmada uma das cadeiras e esteve a ponto de jogá—la no chão. Se sentou e recostou contra o apoio olhando fixamente Gillian durante um longo momento.
—Comece a falar.
—É uma longa história, laird, e Ramsey deve estar para chegar. Se vocês pudessem esperar...
Ian apertou as mandíbulas e negou com a cabeça.
—Papai, você sabe o que? —O menino sorriu a seu pai, e Ian se inclinou para dar—lhe uma palmadinha na cabeça.
—Não, que Alec?
—Tentamos escapar duas vezes, mas a primeira vez nos pegaram e nos arrastaram de volta à prisão. Foi culpa minha, porque não esperei como devia fazer.
Ian piscou várias vezes, tentando entender a confusa explicação de seu filho.
—Que ocorreu a primeira vez que você escapou?
—Desci pelo desfiladeiro, isso é o que fiz —alardeou o menino—. Mas não consegui uma boa corda.
—Estava muito puída —interveio Gillian.
—Meu filho desceu por um desfiladeiro com uma corda puída? —rugiu Ian—. E onde você estava enquanto Alec descia?
—Papai, ela me disse que a esperasse, mas não fiz, e não íamos descer pelo penhasco, mas pensei que isso seria mais rápido. Mas me segurei, não, Gillian?
—Sim, você segurou.
—Deveria ter esperado no estábulo.
—Mas não esperou —disse sua mãe.
—Não, e pensei que Gillian fosse vomitar, porque ficou verde quando olhou pela borda e me viu. Me disse que sente mal quando tem que olhar para baixo, e que às vezes também vomita.
—Você tinha medo de... —começou a dizer Judith.
Seu marido a interrompeu.
—Mas assim mesmo você desceu pelo desfiladeiro para resgatar Alec?
—Não tinha alternativa.
—Tinha que me ajudar, papai —explicou Alec—. E chegou em cima da hora, porque a corda arrebentou logo depois que Gillian me agarrou. Me disse que estava terrivelmente assustada, mas não vomitou.
O menino parecia um tanto decepcionado por essa circunstância. Nenhum de seus pais sorriu, já que ambos pensavam no perto que tinham estado de perder seu filho.
Também estavam entendendo que Gillian o tinha salvo.
—Me obrigarei a ser paciente e esperar que Ramsey chegue para escutar seu relato —anunciou Ian a Gillian. — Mas pelo menos me dê os nomes dos bastardos que raptaram meu filho —exigiu. — Por Deus, quero saber quem são, e quero saber já, agora mesmo!
—Te adverti que não usasse esse tom para falar com Gillian. Agora te ordeno, Ian. Não quero que você a faça se sentir mal.
Judith Maitland não conseguia decidir quem tinha ficado mais atônito ante o estalo de ira de Brodick. Ian parecia não poder sair de seu assombro e Gillian parecia imersa na incredulidade.
Ian se repôs rapidamente. Se inclinou para frente, e assoviou com fúria.
—Você se atreve a me dar ordens? —disse.
Brodick também se inclinou para ele.
—Isso é exatamente o que eu...
Gillian, tentou evitar o perigo da crescente hostilidade.
—Se gritar comigo, não me sentirei mal! —exclamou.
Se perguntou se Brodick perceberia que quem estava quase gritando era ele. Buscou o olhar de Judith em procura de ajuda, mas foi Alec o que, sem se dar conta, desviou a atenção de seu pai.
—Papai, não grite com Gillian! —exclamou o menino, enquanto contornava à mesa e sentava no colo de Gillian—. Ela jamais gritou, nem sequer quando o homem bateu nela. Bem que o enganou, papai.
—Alguém bateu na moça? —perguntou Ian.
Alec assentiu.
—Gillian fez com que ele batesse nela para que não batesse em mim.
O pequeno lembrou de repente o anel que Gillian tinha dado a ele, e tirou a fita pela sua cabeça.
—Gillian disse que ia ser minha protetora, igual ao tio Brodick, e me disse que podia ficar com o anel até que chegasse em casa. Me prometeu que não permitiria que ninguém me machucasse, e cumpriu. Já não preciso do anel para lembrar que estou salvo, mas no entanto quero ficar com ele.
—Não pode, Alec —disse Gillian com suavidade.
Sem vontade, Alec entregou o anel.
—Tio Brodick disse que podia ficar com a adaga para sempre.
Gillian se pôs a rir.
—Ainda assim, não vou deixar que você fique com o anel de minha avó.
Judith apoiou a mão sobre a de seu marido.
—Ian você se dá conta que, se não fosse por esta querida jovem, nosso filho estaria morto?
—Certamente, me dou conta.
—Então, te sugiro que em lugar de gritar com ela e tratá—la como se você a considerasse responsável pelas ações dos outros, você agradeça. Penso ficar de joelhos e dar graças a Deus por colocá—la no caminho de Alec. Foi seu anjo da guarda.
O emotivo discurso envergonhou Gillian, que sacudiu a cabeça, protestando. Judith secou os olhos com um lenço branco, e se pôs de pé.
—Gillian —começou Ian em tom vacilante — Agradeço você por ter protegido meu filho, e certamente que não tive nenhuma intenção de sugerir que você tivesse nada a ver com seu sequestro. Se dei essa impressão, te peço desculpas. Por difícil que me seja, esperarei que Ramsey se reúna conosco para informar—me do ocorrido.
Judith resplandecia de satisfação.
—Acho que é a primeira vez que te ouço pedir desculpas. É uma ocasião muito especial. E já que está com animo tão tolerante, me atrevo a sugerir que Ramsey e você esperem até o final dos festejos para escutar o que Gillian tem para dizer. Esta noite comemoramos o retorno de Alec, e em breve chegarão nossos familiares e amigos. —Não esperou que seu marido desse seu consentimento—. Gillian deve querer se refrescar.
—A Gillian adora os banhos, mamãe —disse Alec—. Ela também me obrigou a tomar banhos. Eu não queria, mas mesmo assim me obrigou.
Judith riu.
—Ela cuidou muito bem de você, Alec —disse, enquanto tomava Gillian pelo braço—. Que te parece agora um bom banho?
—Adoraria.
—Buscarei roupas limpas e farei com que lavem as suas o mais rápido possível —prometeu—. O tartán de Maitland ficará bem e te abrigará —acrescentou—. Mesmo que os dias sejam cálidos, durante a noite esfria muito.
Saber que Gillian usaria o tartán dos Maitland não agradou Brodick. Nem pensou em como podiam ser interpretadas suas palavras.
—Ela usará o tartán Buchanan para esta comemoração —anunciou.
Ian cruzou os braços e se reclinou na sua cadeira.
—Porque quer que use suas cores? Acaso você está...? —perguntou.
Brodick o cortou de repente.
—Meus homens... os incomodaria. Com toda certeza, se rebelariam se a vissem usar suas cores, Ian. Estão se afeiçoando com a moça, e se tornaram muito possessivos e protetores. Enquanto estiver nas Highlands, usará nossos cores. Não quero que os soldados Buchanan se sintam ofendidos.
Ian esboçou um sorriso.
—Se preocupa que seus soldados se sintam irritados? É isso que você disse? Por amor de Deus, são guerreiros, não...! —Ia dizer “mulheres', mas mudou rapidamente de ideia quando viu o olhar que lhe dirigiu sua esposa.
Com um sorriso, o substituiu por “crianças”.
Judith não pôde mais que rir ao ver que seu marido procurava mostrar—se diplomata. Se dirigiu para as escadas, mas no trajeto Gillian se deteve para falar com Brodick.
—Brodick, você prometeu a seu irmão Winslow que iria ver a sua mulher e a seus filhos.
—Lembro o que prometi.
—Então, você estará aqui quando descer?
Se exasperou ao ver que não tinha a coragem de formular uma pergunta direta a ele.
—Sim —respondeu.
Gillian assentiu em silêncio, apressando—se para alcançar Judith. Tentou ocultar o alívio que sentiu ao saber que Brodick ficaria mais um pouco, e depois se irritou consigo mesma por se permitir ter esses sentimentos. Estava se comportando como uma tola, porque estava dependendo dele, e não tinha direito de apoiar—se nesse homem. Não, não podia pedir mais nada.
Tentou separá—lo de seus pensamentos durante a seguinte hora, enquanto se banhava e lavava o cabelo. Judith trouxe um vestido de cor amarelo claro para que vestisse. Ficava um pouco justo no busto e o decote mostrava mais do que devia de seus seios, mas ainda assim Judit o considerou apropriado. Brodick tinha enviado um dos tartáns Buchanan, e Judith a ensinou como se colocava ao redor da cintura. Depois passou um dos extremos por cima do ombro esquerdo e o introduziu dentro do cinto.
—Levei muito tempo para aprender a fazer isto. O que mais foi difícil foi fazer que as pregas ficassem certas. A única maneira de fazê—lo bem, é com prática.
—O tartán é muito importante para as pessoas das Highlands, não é?
—Oh, sim! —assentiu Judith—. Eles.., quero dizer, nós... somos gente muito imaginativa. O tartán sempre deve cobrir o coração —acrescentou—. Levamos nossas cores com grande orgulho. —Deu um passo atrás para inspecionar o resultado—. Você está encantadora —anunciou—. Agora vem, sente—se junto ao fogo e me deixe desembaraçar o seu cabelo. Já parece estar quase seco. Se incomodaria que te fizesse algumas perguntas? —Se pôs a rir—. Sou terrível, reconheço. Obriguei meu marido esperar e agora a impaciente sou eu.
—Não tenho problemas em responder suas perguntas. Que quer saber?
—Como foi que você se encontrou com Alec? Você também era uma prisioneira?
—Sim, era.
—Mas, por que? Você é inglesa, e certamente você podia pedir ajuda a seu rei.
—Meu rei é amigo dos homens responsáveis do que aconteceu a Alec e a mim, e de alguma maneira, Juan é o responsável de tudo.
Enquanto Judith escovava o cabelo de Gillian, ela contou tudo relacionado com o tesouro de Arianna. Judith ficou cativada pela história, e quando Gillian falou da morte de seu pai, a sensível dama pareceu genuinamente afligida.
—O príncipe Juan se apaixonou por Arianna, e mesmo que parece algo muito romântico, a verdade é que era casado. Foi trágico que assassinassem Arianna, mas o certo é que não tenho nenhuma simpatia por meu rei. Traiu os votos que fez à sua esposa.
—Já se casou duas vezes, não é? E tenho entendido que sua primeira esposa ainda vive.
—Sim, vive —confirmou Gillian —Juan conseguiu a anulação do casamento com Hadwisa após muitos anos de casados. Não tiveram filhos —acrescentou—. Eram primos em segundo grau. O arcebispo de Cantembury tinha proibido o casamento, mas Juan obteve uma dispensa de Roma.
—Se o primeiro casamento de Juan foi reconhecido pela Igreja, como pôde, então, casar—se pela segunda vez?
—O arcebispo de Bordeaux e os bispos de Poitiers e de Saintes declararam que o primeiro casamento não era válido.
—Com que argumentos?
—Consanguinidade —respondeu Gillian.
—Porque como primos segundos eram parentes próximos verdade?
—Sim —confirmou Gillian—. Imediatamente depois, Juan se casou com lsabella, o que trouxe a ele um infinidade de problemas porque ela já tinha sido prometida a outro homem. Isabella mal tinha doze anos quando se casaram.
—Juan se apodera do que quer, não é mesmo? —comentou Judith.
—Sim, isso mesmo—concordou Gillian.
Judith sacudiu a cabeça, pesarosa.
—A Inglaterra mudou muito desde os tempos em que eu vivia ali.
—O culpado das piores mudanças é o rei Juan. Expropriou as posses de muitos nobres poderosos, e correm rumores de insurreição. Pior ainda, alienou os bens da Igreja, e o Papa tomou represálias pondo todos os ingleses sob uma interdição.
Judith soltou uma exclamação sufocada.
—Juan foi excomungado?
—Ainda não, mas acho que o papa Inocêncio se verá obrigado a excomungá—lo se Juan não se dobrar e em breve à decisão do pontífice. A raiz do problema é o cargo de arcebispo de Cantembury. Juan queria que se nomeasse o bispo de Norwhich, John de Grey, mas os jovens monges de Cantembury já tinham escolhido Reginald e o haviam enviado a Roma para que fosse confirmado pelo Papa.
—E o Papa confirmou Reginald, então? Gillian negou com a cabeça.
—Não, pôs seu próprio candidato, Stephen Langton. Juan se indignou de tal forma que proibiu Langton de retornar à Inglaterra, e assumiu o controle do mosteiro de Cantembury, então foi quando o pontífice pôs sob interdição todo o povo inglês. Não é possível realizar ofícios religiosos. As igrejas estão fechadas e os padres devem negar—se a abençoar casamentos. Não podem administrar nenhum dos sacramentos, salvo aqueles de extrema necessidade. Correm tempos sombrios na Inglaterra, e temo que só se agravarão.

—Ouvi dizer que Juan se deixa levar pelos seus acessos de ira.
—É bem conhecido pela sua ferocidade.
—Não é estranho que não tenha ido a ele em busca de ajuda.
—Não, não pude —disse Gillian.
—Você tem família que cuide de você?
—Meu tio Morgan é prisioneiro —murmurou Gillian—. E me atribuiu... uma tarefa... para cumprir antes da colheita de outono. Se fracassar, meu tio será executado.
—Oh, Gillian, tantas coisas que você passou!
—Preciso da ajuda de seu marido.
—Ele te ajudará em tudo o que puder — prometeu Judith, em nome de lan.
—O homem que mantém meu tio prisioneiro é conselheiro do rei, e Juan ouvirá a ele, não a mim. Pensei em solicitar ajuda de um dos nobres mais poderosos, mas todos se acham enredados em lutas internas, e não sei em quem poderia confiar. A Inglaterra; concluiu—, está um caos, e me preocupa o futuro.
—Não vou continuar te acossando com mais perguntas —anunciou Judith—. Você terá que contar tudo a Ramsey e a meu marido.
—Obrigado por sua paciência —replicou Gillian.
Nesse momento bateram na porta, mas antes que Judith pudesse responder, Alec entrou correndo na quarto. Ao ver Gillian, parou de repente.
Ela, sorrindo, se pôs de pé.
—Aconteceu algo, Alec? — perguntou.
—Você está... linda —conseguiu dizer ele.
Judith estava de acordo. Ao secar, o longo cabelo de Gillian caía sobre seus ombros em uma cascata de cachos que emolduravam perfeitamente suas delicadas facções. Era uma atraente mulher que essa noite ia provocar um verdadeiro revoo, predisse Judith.
—Mamãe, papai te ordena descer neste mesmo instante. Diz: ‘não pode ouvir a música?”. Já chegou todo mundo e estão todas prontos para começar a comer. Gillian, você também deve descer. Isso disse o tio Brodick.
—Judith, vá na frente —disse Gillian—. Tenho a bandagem úmida, e de todas as maneiras, que tenho que tirar.
Judith ofereceu sua ajuda, mas Gillian insistiu que fosse se reunir com seu marido. Uma vez que ficou só, se sentou, e com toda lentidão tirou a bandagem, temerosa do que ia encontrar. A ferida era mais impressionante do que esperava, mas por sorte já não supurava e a inflamação parecia ter desaparecido. Tinha a pele enrugada, em carne viva e com um aspecto horrível. Se lembrou que ser vaidosa era pecado e que não devia preocupar—se com cicatrizes. Além disso, sempre podia cobrir o braço com a manga de seu traje, e nunca ninguém a veria mais que ela mesma. A ferida ainda estava muito sensível ao tato, e ao lavá—la com água e sabão não pôde evitar uma careta de dor. Quando terminou de cumprir com as indicações dadas por Annie Drummond, o braço latejava.
Se secou dando suaves golpes, desceu a manga até a mão e deixou de lado o insignificante tema de sua ferida. Havia coisas muito mais importantes com as quais se preocupar. Seu pensamento retornou a seu tio Morgan. O tratariam bem? Será que tinham permitido que seus servos ficassem com ele, Gillian sabia que estaria bem, mas se Alford o tivesse mudado de lugar...
Afundou o rosto entre as mãos. “Por favor, Senhor, cuide dele. Não permita que tenha frio ou que adoeça. E, por favor, não deixe que se preocupe comigo.
O som de risos interrompeu suas súplicas; com um suspiro, se pôs de pé e com má vontade, desceu para se reunir com os Maitland.

 

 

 

 

 

 


Capítulo 12

Tal e como Judith tinha predito, Gillian causou um grande revoo.
Uma verdadeira multidão tinha se reunido para festejar o retorno de Alec, e o ambiente era festivo e ruidoso. O salão estava brilhantemente iluminado com numerosas velas. Em um dos ângulos, um jovem tangia um alaúde, enquanto os criados abriam caminho em meio à multidão levando bandejas de prata repletas de bebidas. Em outro extremo assavam um leitão novo, vigiado por uma idosa com um atiçador em uma mão e uma colher de madeira na outra. Esta última a utilizava para afastar do leitão novo os homens que pretendiam roubar pedaços da carne antes que estivesse pronta para ser servida.
A alegre música e o clima festivo rodearam Gillian tão logo chegou à entrada do grande salão. Começou a descer os degraus, e imediatamente cessou a música. O músico levantou seu olhar, e as vozes diminuíram uma a uma, ao mesmo tempo em que mulheres e homens voltavam seus rostos para ela.
Brodick se achava respondendo às intermináveis perguntas de Ian quando seu olhar tropeçou com a imagem de Gillian, que descia lentamente os degraus. De imediato perdeu o fio de seus pensamentos.
Também esqueceu seus modos, já que, na metade de uma frase, virou as costas a seu irmão e a seu amigo, e foi para a escada.
Brodick já tinha percebido sua silhueta, as suaves curvas do corpo de Gillian eram mais evidentes nesse momento. Não gostou muito do corte de seu traje, porque pareceu que mostrava muito de sua figura, e considerou seriamente a possibilidade de conseguir outro tartán Buchanan e colocá—lo ao redor do pescoço para que pendurasse sobre seu peito para ocultar seus femininos encantamentos dos olhos dos espectadores.
Maldição, mas estava adorável.
Gillian percebeu o carrancudo cenho de Brodick, e teve o súbito impulso de dar meia—volta e retornar para cima. Mas já estava na metade do caminho, e não estava disposta a mostrar—se covarde retrocedendo dessa maneira. Os olhos cravados nela a mortificavam, o silêncio era assustador. Vários dos homens, se deu conta, pareciam aturdidos; outros, atordoados. Só os soldados de Brodick, os leais Robert, Stephen, Liam, Keith e Aaron, sorriam, portanto decidiu olhá—los e ignorar o resto dos presentes, e até mesmo Brodick, enquanto seguia avançando.
Brodick, no entanto, não estava disposto a ser ignorado. A esperou no final da escada, e quando chegou até onde ele estava, estendeu a mão. Vacilante, Gillian estendeu a sua e levantou os olhos para ele. Alterada ao comprovar que ainda a olhava com expressão furiosa, ela sorriu com a maior doçura.
—Se não deixar de me olhar com essa cara, juro que vou te dar um bom pontapé. Assim você terá uma boa razão para mostrar—se furioso — sussurrou.
Brodick ficou tão estupefato ante sua infantil ameaça que se pôs a rir.
—Você pensa que poderia me machucar?
—Sem dúvida nenhuma.
Ele tornou a rir com uma maravilhosa gargalhada parecida ao trovão, como brilhavam os olhos de pura malícia! Em breve, Gillian sentiu que dominava muito melhor a situação e recuperou certa dose de confiança em sim mesma. O resto das pessoas praticamente deixou de ter importância. Além disso, já não podiam continuar se examinando, já que os homens de Brodick a rodearam pelos quatro lados, tal como era seu peculiar costume.
—Laird, não deveria permitir que os Maitland observassem dessa maneira a milady. É incorreto.
—E como você quer que os impeçam? —perguntou Brodick.
—Nos alegraria muito de cuidar disso —se ofereceu Liam, com um quê de ansiedade na voz.
—Sim, faremos com que tenham que esquecer seus luxuriosos pensamentos. murmurou Stephen.
Aaron lhe deu uma cotovelada nas costelas.
—Não use a palavra “luxúria” diante de milady —reprovou.
Graças a Deus, se reiniciou a música e os convidados retomaram seus festejos.
Enquanto respondia a uma pergunta que Liam fez, Brodick não soltou sua mão, e como não a olhava, Gillian fingiu estar prestando atenção ao que dizia para poder olhá—lo. Era tão escandalosamente belo que se perguntou se ele teria consciência de como afetava às mulheres.
Essa noite também parecia perigoso com seus longos cabelos sobre os ombros e sua barba de um dia. Era evidente que tinha tomado banho, porque seu cabelo ainda não estava de tudo seco, e tinha posto uma camisa branca que, ou a levava entre suas coisas ou a tinha emprestado Ian. Sua pele parecia ainda mais bronzeada em contraste com o tecido branco, e levava o tartán Buchanan atado com um nó sobre um de seus largos ombros.
Viu que ela o estava olhando. O brilho de seus olhos a deixou sem coragem, e sentiu o súbito impulso de afundar—se em seus braços e apagar com seus beijos esse gesto mal—humorado de seu rosto. Em lugar disso, soltou um suspiro e deu graças a Deus porque ele não podia ler seus pensamentos.
—Sugiro que levemos para fora os soldados de Maitland, e digamos a eles algumas coisas, laird —ofereceu Robert.
—Um punho é mais convincente que as palavras Robert —disse Liam—. Que poderíamos dizer que os convencesse?
Gillian não tinha prestado muita atenção aos grunhidos dos homens, até que escutou a palavra “punho”.
—Esta noite não terá nenhuma briga —ordenou—. Isto é uma comemoração, não uma rixa.
—Mas, milady, uma boa briga sempre é motivo de comemoração —protestou Stephen.
—Você está tentando me dizer que vocês gostam de brigar?
Os soldados se olharam uns aos outros, evidentemente perplexos ante sua pergunta. O habitualmente arredio Robert inclusive esboçou um sorriso.
—Efetivamente, é o que fazemos —respondeu Liam.
Gillian esperou que Brodick pusesse ponto final a tão indignante conversa, mas este não pronunciou palavra.
Quando ele apertou sua mão, se limitou a retribuir o apertão.
—Não me interessa se vocês gostam ou não —começou a dizer Gillian—, laird Maitland não gostará muito se causarem problemas precisamente esta noite.
—Mas, milady, seus soldados não fazem mais que olhar para você, Não podemos permitir.
—Sim, podem.
—É uma atitude insolente —explicou Stephen.
—Se alguém está me olhando, é por culpa minha.
—Sim, é culpa sua —disse Brodick, rompendo finalmente seu silêncio—. Esta noite você está condenadamente bela.
Gillian não conseguiu decidir se sentia—se adulada ou irritada.
—Só você pode fazer com que um elogio soe como uma crítica.
—Era uma crítica — respondeu ele—. Simplesmente, não pode ter o aspecto que você tem e pretender que os demais te ignorem. É culpa exclusivamente sua que os demais estejam olhando para você dessa forma.
Gillian afastou sua mão com violência.
—Exatamente o que devo fazer para mudar meu aspecto?
—É seu cabelo, milady —explicou Aaron—. talvez você poderia atá—lo por esta noite, e cobri—lo com um manto.
—Não farei nada semelhante.
—Também é o vestido que está usando —decidiu Liam— Milady... não poderia usar algo menos... justo... para colocar esta noite?
Gillian, descendo os olhos, se contemplou e depois voltou a levantar os olhos.
—Que acha se vestisse um saco de farinha, Liam? —perguntou.
O robusto soldado pareceu estar considerando seriamente tal possibilidade. Gillian elevou os olhos, enfastiada.
—Esses soldados podem estar me contemplando, talvez estavam perplexos a me ver usar o tartán de Buchanan. Não deveria tê—lo posto.
—Por que não, milady? perguntou Robert—. Nós gostamos de vê—la com nosso tartán .
—Só um Buchanan deveria usar o tartán —replicou ela—. E não deveria proclamar algo que não sou. Se me desculparem, voltarei para cima e porei minhas próprias roupas, por mais sujas que estejam.
—Não, não fará —disse Brodick. Tomando—a pela mão, a arrastou atrás dele. Sua intenção era levá—la até onde os aguardavam Judith e lan, para que pudessem apresentá—la a quem achassem conveniente, mas os soldados de Maitland continuaram enfastiando, com seus ansiosos requerimentos para conhecer a Gillian. Um deles em particular, com a constituição de um touro, se mostrava um pouco muito entusiasmado e persistente para o gosto de Brodick, que se viu obrigado a bater no homem para fazê—lo cair de joelhos e assim tirá—lo do caminho.
Gillian ficou horrorizada pelo seu comportamento.
—Você é o laird do clã Buchanan! o lembrou entre sussurros.
—Sei quem sou —exclamou ele.
Se ele não se preocupava que pudessem ouvir, pois então ela também não se preocuparia.
—Então aja como tal! —exclamou por sua vez.
Brodick se pôs a rir.
—É o que faço. Na verdade, precisamente estou defendendo nossa reputação e nossas tradições.
—Seus soldados e você estão comportando como pistoleiros.
—É muito atento de sua parte ter notado isso.
Gillian abandonou a tentativa de entrar em razões com ele. Cotovelada após cotovelada, finalmente chegaram até onde os aguardavam Judith e Ian. O laird dos Maitland se inclinou ante ela antes de voltar sua atenção, e seu evidente descontentamento, para Brodick.
—Controle seus soldados — ordenou—. Ou o farei eu.
Brodick sorriu. Gillian deu meia volta para ver o que estavam fazendo os homens de Buchanan, e se sentiu realmente afligida ao ver que estavam procurando briga com os Maitland.
Não tinha nenhum direito a dar ordens aos soldados de Brodick mas ainda assim se sentiu um pouco responsável por seus atos. No breve tempo que fazia desde que os conhecia, tinha chegado a gostar autenticamente de todos eles, e não desejava que irritassem Ian em sua casa, mesmo que para dizer verdade, os cinco patifes pareciam desfrutar da situação. Parecia que as brigas eram tão atraentes para eles como os doces a um menino.
—Peço que me desculpem um momento, laird Maitland. Gostaria de falar com os soldados de Brodick.
Fez uma reverência a seus anfitriões, ignorando Brodick totalmente porque ia cumprir com obrigações que competiam a ele, e depois foi para os soldados, que se achavam a ponto de iniciar uma algazarra com um numeroso grupo de soldados Maitland.
Falou em um tom de voz suficientemente alto para que também pudessem ouví—la os soldados Maitland.
—Eu gostaria muito que esta noite vocês se comportassem como verdadeiros cavalheiros.
Os Buchanan a observaram com desalento, mas se apressaram a assentir. Ela sorriu para eles, e se voltou para os Maitland.
—Seu laird dispôs que esta noite não haverá briga nenhuma de seus soldados. Me dei conta da desilusão que isso causa, mas, como vocês sabem, os Buchanan são homens honrados e já não continuarão provocando.
—Se não podem brigar conosco, para que nos irritar? —disse Liam—. Seu laird tirou toda nossa diversão.
Um dos soldados Maitland deu uma batidas no ombro de Liam.
—Que você acha, então, de abrir um barril de cerveja? Mostraremos como Eric é capaz de beber uma jarra cheia sem respirar nem uma vez. Com certeza que nenhum de vós é capaz de superar essa proeza.
Aaron não estava de acordo com ele, e após cumprimentar lady Gillian com uma inclinação, os Buchanan foram atrás dos Maitland para a despensa, na busca da cerveja.
A competição, evidentemente, tinha começado.
—Crianças, todos eles —murmurou Gillian, enquanto recolhia as saias e retornava com os Maitland.
Judith a afastou dos homens para apresentar sua melhor amiga, uma bonita dama ruiva com o rosto cheio de sardas que ostentava dois sonoros nomes: Frances Catherine
—Seu marido Patrick é irmão de Ian — explicou Judith—. E Frances Catherine e eu somos amigas há muitos anos.
O sorriso de Frances Catherine fez com que Gillian se sentisse cômoda em questão de segundos.
—Judith e eu temos falado de você —reconheceu a ruiva—. Você cativou Brodick, o que não é pouca coisa, Gillian. Não gosta muito dos ingleses —acrescentou, suavizando a verdade.
—Te contou que faz muito tempo Ramsey e ele foram à Inglaterra em busca de esposas? —perguntou Judith.
Gillian abriu muito os olhos, enquanto olhava a Brodick.
—Não, não me contou. Quando foi à Inglaterra com seus amigos?
—Há pelo menos seis ou sete anos.
—Mais certo oito —a corrigiu Frances Catherine.
—E o que aconteceu?
—Ambos estavam apaixonados por Judith —respondeu Frances Catherine.
—Não, não é verdade —protestou Judith.
—Sim, estavam —insistiu Frances Catherine—. Mas, naturalmente, Judith estava casada com lan, de modo que foram à Inglaterra buscar namoradas como ela.
Gillian sorriu.
—Eram muito jovens então?
—E cheios de tolas expectativas —acrescentou Frances Catherine—. Nenhuma das mulheres que conheceram chegava nem sequer aos calcanhares de Judith...
—Oh, pelo amor de Deus, Frances Catherine. Não é necessário que você me faça parecer uma santa. Não estavam procurando mulheres como eu. Eram inquietos, e não tinham encontrado uma companheira por estes lugares. Em breve recuperaram a sensatez e retornaram para casa. Ambos juraram a Ian que se casariam com moças das Highlands.
—E isso foi tudo —rematou Frances Catherine.
—Até que você apareceu —assinalou Judith com um sorriso.
—Brodick foi muito bondoso comigo —disse Gillian—. Mas isso é tudo. É um homem muito gentil —acrescentou, murmurando.
—Não, não é —a contradisse Frances Catherine.
Judith se pôs a rir.
—Você sente algo por este homem tão gentil, Gillian? —perguntou.
—Não deveria fazer—lhe essa pergunta —a repreendeu Frances Catherine—. Mas diga—me, você sente algo por ele, Gillian?
—Certamente me interessa. Veio em meu auxílio, e me ajudou a trazer Alec de volta para casa. Estarei toda a vida em dívida com ele. No entanto — se apressou a acrescentar quando viu que as duas mulheres se preparavam para interrompê—la — devo retornar à Inglaterra tão logo termine com a obrigação que me retém aqui. Não posso me distrair com... sonhos impossíveis.
—Há complicações que você desconhece, Frances Catherine —explicou Judith.
—O amor tem complicações —replicou sua amiga—. Responda a uma última pergunta, Gillian, e prometo que te deixarei em paz: você entregou seu coração a Brodick?
Gillian não teve oportunidade de responder essa pergunta, porque nesse momento se aproximou o marido de Frances Catherine e as interrompeu. Patrick Maitland se parecia com seu irmão na cor da pele e do cabelo, mas era muito mais corpulento. No entanto, se mostrava tão protetor com sua esposa como Ian, e Gillian pensou que ambos os irmãos
não se importava que os demais vissem o que sentiam pelas suas esposas. Seu amor era evidente, cálido, invejável.
Frances Catherine a apresentou a Patrick, e depois assinalou com orgulho seus seis filhos: duas gêmeas parecidas a sua mãe e quatro bonitos varões. O bebê não podia ter mais de um ano, e não fazia mais que se mexer nos braços de seu pai, tentando escapar. Quando o bebê sorriu, ficaram à vista dois pequenos dentes brilhantes.
Alec puxou sua mão para atrair sua atenção, e apresentou seu irmão Graham. O primogênito dos Maitland era muito tímido. Não pôde elevar os olhos para Gillian, mas se inclinou formalmente em uma profunda reverência e depois correu para reunir—se com seus amigos.
—Chamamos nosso filho de Graham em memória de um valente soldado que treinou meu marido —explicou Judith—. Graham morreu há oito anos, mas ainda choramos sua morte. Era um homem maravilhoso, e para mim foi como um pai. Ah, ali está Helen, fazendo sinal para que nos aproximemos. A comida deve estar pronta. Vem, Gillian. Brodick e você se sentarão ao lado de Ian e eu. Frances Catherine, traga seu marido e unam—se a nós.
Caiu a noite, e trouxeram mais velas ao gigantesco salão. Todas as mulheres se ofereceram para ajudar levando tigelas de comida. Gillian também se ofereceu, mas não a permitiram levantar um só dedo.

Estava muito surpreendida de comprovar que tivesse preparado semelhante festim com tanta rapidez. Havia frangos, pombas e faisão, salmão, pães brancos e pretos de crocante casca, tortas doces e tortas de maçã, e para descer tudo, reluzentes jarras de vinho e de cerveja, e água gelada trazida de um riacho da montanha. Também havia leite de cabra, e Gillian bebeu uma taça cheia do cremoso líquido.
Durante a comida, Alec passou de mão em mão de todos os soldados. Estava muito excitado para comer, e falava a tal velocidade que gaguejava.
—Meu filho tem olheiras ao redor dos olhos —assinalou Ian—. E você também, Gillian. Ambos terão que deitar cedo.
—Os dois padecem de pesadelos —Brodick fez o comentário em voz tão baixa que só Ian pôde escutá—lo—. Onde dormirá Gillian esta noite?
—No antigo quarto de Graham —respondeu lan—. Não deve preocupar—te com ela. Judith e eu nos asseguraremos que nada a incomode.
A música voltou a soar, e Patrick se pôs de pé de imediato. Deixou o bebê sobre a saia de Judith, e fez com que sua esposa se levantasse do assento. O rosto de Frances Catherine estava corado pela excitação enquanto ia com seu marido para o centro do salão. Em breve se juntaram aos outros casais. Dançaram com o acompanhamento dos homens, que batiam no chão com seus pés e batiam palmas seguindo o ritmo da musica.
Vários soldados jovens e audazes se aproximaram de Gillian para pedir uma dança, mas bastou um pavoroso olhar de Brodick para que desistissem.
A fúria de Brodick crescia minuto a minuto. Por tudo o mais sagrado, será que não podiam ver que ela levava seu tartán? Não a podiam deixar em paz por uma maldita noite? A moça estava claramente exausta.
Inclusive Ian tinha advertido os círculos escuros que rodeavam seus olhos. Brodick sacudiu a cabeça, desgostado. Que raios teria que fazer para que Gillian pudesse ter um minuto de paz e de silêncio?
E que direito tinha ele para mostrar—se tão possessivo? Ela não lhe pertencia. Simplesmente, tinham unido esforços pelo bem de Alec.
—Demônios! —murmurou.
—Perdão? —Gillian esfregou inadvertidamente o braço com o dele ao inclinar—se para ele—. Você disse algo, Brodick?
Ele não respondeu.
—Disse “demônios” —a informou alegremente Ian—. Não foi isso, Judith?
—Oh, sim, aliás —replicou ela, com olhos brilhantes de malícia, enquanto embalava seu sobrinho—. Disse “demônios.
— Mas, Por que? —perguntou Gillian—. Que aconteceu?
Ian riu.
—Você —respondeu—. Você é o que aconteceu.
Brodick franziu o cenho.
—Ian, pare com isso.
—Milady posso dançar com você?
A seu lado estava Alec, dando pequenas batidas entre os ombros para atrair sua atenção. Quando ela se virou, sorrindo, ele fez uma profunda inclinação. Estava adorável, e Gillian teve que resistir ao impulso de tomá—lo em seus braços e apertá—lo contra seu peito.
Enquanto Brodick explicava ao menino com grande paciência que Gillian estava muito cansada para dançar, esta se pôs de pé, fez uma reverência como se tivesse sido honrada com um convite do mesmíssimo rei da Escócia e estendeu a mão a Alec.
O menino pensava que dançar consistia em andar em círculos até ficar enjoado. Brodick foi até um dos cantos do salão, e se apoiou contra uma coluna com os braços cruzados sobre o peito, observando—os. Tomou nota do brilho de cobre que lançavam seus escuros cachos ao ser iluminados pelo resplendor das chama da lareira situada às suas costas, e também percebeu seu sorriso. Estava tingida de uma doce alegria.
Então se deu conta que não era o único homem que a olhava. Tão logo terminou a dança, os soldados, qual abutres, se lançaram sobre ela. A rodearam pelo menos oito homens, reclamando sua atenção.
Todos queriam dançar com ela, mas Gillian declinou seus oferecimentos com toda cortesia. Encontrou Brodick em meio da multidão, e sem pensar duas vezes no que fazia, foi para ele e se pôs a seu lado. Nenhum dos dois olhou o outro nem falou, mas quando se aproximou mais dele, ele se aproximou dela, até que seus corpos se tocaram.
Brodick olhava acima das cabeças.
—Você sente falta da Inglaterra? — perguntou.
—Sinto falta de meu tio Morgan.
—Mas você também sente da Inglaterra?
—É meu lar.
Transcorreram vários minutos em silêncio, enquanto contemplavam os que dançavam.
—Fale—me de sua casa — pediu ela.
—Não gostaria.
—Por que não?
Brodick deu de ombros.
—Os Buchanan não são como os Maitland.
—E isso significa?
—Somos... mais rudes. Nos chamam os espartanos, e em certo sentido acho que talvez sejamos. Você é muito delicada para nosso estilo de vida.
—Há outras mulheres vivendo nas terras de Buchanan, Não é mesmo?
—Sim, naturalmente.
—Não sei muito bem a que você se referia ao dizer que sou delicada, mas tenho a sensação que não é um elogio. Sem embargo, não vou me ofender. Além disso, com certeza que as mulheres Buchanan não são muito diferentes de mim. Se eu sou delicada, pois então elas também são.
Ele desceu os olhos para ela, sorrindo.
—Te comeriam no jantar.
—Que quer dizer com isso?
—Quebraria seu o coração em questão de segundos.
Gillian se pôs a rir, e várias cabeças se voltaram ao ouvir o cristalino som.
—Fale—me destas mulheres. pediu ela—. Você despertou minha curiosidade.
—Não há muito que dizer —replicou ele — São fortes — acrescentou. —E sabem se cuidar sozinhas. Podem proteger—se dos ataques, e podem matar com a mesma facilidade e rapidez que qualquer homem —Dando a ela outro olhar, terminou dizendo: — São guerreiras, e na verdade, não são delicadas.
—Você está criticando, ou elogiando? — quis saber Gillian.
—Elogiando, certamente.
Gillian se pôs diretamente frente a ele.
—Por que você falou das mulheres de seu clã?
—Você perguntou.
Gillian sacudiu a cabeça.
—Quem começou esta conversa foi você. Agora, termine—a. Brodick soltou um suspiro.
—Só queria que você soubesse que jamais funcionaria.
—Que jamais funcionaria?
—Você e eu.
Gillian não tentou fingir que estava indignada ante sua imprudência, nem ofendida pela sua arrogância.
—Você é muito direto, verdade?
—Não quero que você tenha falsas ilusões.
Brodick soube que com esse último comentário a tinha feito perder as estribeiras. Os olhos de Gillian se tornaram da cor de um mar turbulento, mas não estava disposto a retirar suas palavras nem a suavizar a verdade.
Ele vivia na realidade, não com fantasias, e no entanto só a ideia de afastar—se dela se tonava cada vez mais inaceitável. Que demônios ocorria? E que estava ocorrendo com sua disciplina? Nesse momento sentiu que o havia abandonado, mesmo que tentasse, não pôde tirar os olhos dela. Se concentrou em sua boca, lembrando claramente como tinha apoiado esses lábios suaves sobre os seus. Maldição, queria voltar a beijá—la.
Entrecerrou os olhos, e pareceu a ponto de começar a grunhir.
—Provavelmente você se sente muito nobre por ter dito que nunca poderia me amar...
O surpreendeu sua interpretação.
—Eu não disse que não poderia te amar! replicou Brodick com voz rouca.
—Sim, você disse. — o contradisse ela. —Você acaba de dizer que uma vida compartilhada está fora de questão.
—Está fora de questão. Você seria muito desventurada.
Gillian fechou os olhos e rezou pedindo paciência. Estava irritada, mas não queria que ele o advertisse.
—Esclareçamos este assunto. Você poderia me amar, mas jamais poderia viver comigo. É isto não?
—Mais ou menos —concordou ele.
—Como te sentiu obrigado a esclarecer sua posição, eu farei o mesmo. Se padeço da desgraça de gostar de um espartano arrogante, cabeça—dura e obstinado como você; mesmo que, devo dizer, que isso é tão improvável como poder voar; não poderia casar—me com você. De maneira que,veja bem, importa um cominho o que você acha que uma vida compartilhada está fora de questão.
—Por que?
—Por que, que?
—Por que não pode se casar comigo?
Gillian piscou algumas vezes. Esse homem a estava tornando louca.
—Devo voltar para a Inglaterra..
—Assim, o canalha que te deu uma surra que quase te mata, terá uma nova oportunidade de te matar?
—Devo proteger meu tio Morgan a todo custo.
A Brodick não gostou de escutar isso. Apertou as mandíbulas, flexionou os músculos e sua frustração era palpável.
—E quando você encontrar a sua irmã, também pedirá a ela que renuncie à sua vida?
—Não, não farei —respondeu Gillian em um sussurro—. Se puder encontrar o tesouro de Arianna.. . será suficiente para satisfazer ao captor do meu tio.
—Me chama a atenção que, em todo o tempo que estamos juntos, jamais tenha pronunciado seu nome.
—Não estamos juntos a tanto tempo.
—Por que não pronuncia seu nome? Você não quer que eu me inteire de quem é, Gillian?
Ela se negou a responder.
—Eu gostaria de me sentar. Você me desculpa, por favor?
—Em outras palavras, você não quer falar do tema.
Ela começou a assentir, mas depois mudou de ideia.
—Na verdade, sim, tenho algo mais que dizer.
—Pois então, diga — ordenou ele ao vê—la vacilar.
—Jamais poderia amar a um homem que vê tantos defeitos em mim.
Gillian tentou afastar. Mas Brodick a pegou pelos ombros e a atraiu para si.
—Ah, Gillian, você não tens defeitos. —Inclinou levemente a cabeça para ela—. Você é... só... tão... doce.
A rodeou com seus braços e a apertou contra seu corpo. Roçou os lábios dela com os seus. O mero roçar dos suaves lábios de Gillian era tão embriagador que o que aconteceu a seguir era, seguramente, inevitável, e estava destinado a ocorrer.
Brodick se deixou vencer.
Com sua boca cobriu a de Gillian, em um gesto de posse absoluta. Nesse gesto se encobria sua própria necessidade, assim como o desejo de transmitir a ela seus sentimentos. Sabia que ela era muito importante para ele, mas precisava, e queria, muito mais que isso. A música, as pessoas e o ruído foram totalmente esquecidos nesse momento suspenso no tempo durante o qual Brodick a beijou interminavelmente. Sentiu o tremor de Gillian quando sua língua se introduziu na boca dela com evidente autoridade, e apertou o braço em torno de sua cintura, pensando que não queria soltá—la nunca mais. Então sentiu os braços de Gillian cingindo ao redor de seu pescoço, e o corpo da moça apoiando—se contra o seu até que os coxas de ambos ficaram pressionados. Ela respondeu a seu beijo com idêntico e sincero fervor, e com uma entrega tal que o fez tremer de puro desejo.
Brodick estava considerando seriamente a possibilidade de pô—la sobre o ombro e buscar a cama mais próxima quando alguém gritou e o fez recuperar a sensatez. Terminou o beijo tão bruscamente que Gillian ainda o rodeava com seus braços quando se afastou dela.
Demorou vários minutos em perceber onde estava e o que tinha feito, e quando finalmente esclareceu as ideias, Gillian se sentiu horrorizada ante seu vergonhoso comportamento. Santo Deus, havia pelo menos sessenta estranhos observando—os! Que diria seu tio Morgan sobre sua pecaminosa exibição de luxúria?
Estava tão confusa que não sabia o que fazer. Queria dizer a Brodick que não voltasse a beijá—la nunca mais, mesmo que ao mesmo tempo queria exatamente o contrário, e o queria nesse momento. Que acontecia? Já nem sequer reconhecia seus próprios pensamentos. Estava zangada e furiosa.
—Nunca mais volte a me beijar dessa forma! — ordenou, com voz trêmula pela emoção.
—Oh sim, que farei!
Sua voz era alegre, e Gillian não estava disposta a ficar ali, discutindo com ele. Virando—se, tentou afastar—se.
Ele a pegou pela mão e a fez retroceder.
—Gillian...
—Sim? —replicou ela, negando—se a olhá—lo nos olhos.
—Ramsey está aqui.
—Está aqui? —repetiu Gillian, levantando bruscamente a cabeça.
Brodick assentiu.
—Quando você o conhecer, lembre—se do meu beijo. Na verdade, você lembrará pelo resto da noite.
Não era uma esperança de Brodick; era uma ordem, e Gillian não soube o que era mais ofensivo, se sua arrogância ou seu autoritarismo.
—Oh, sim? —perguntou em tom desafiante.
—Sim —confirmou ele sorrindo.
Decidida a ter a última palavra, deu um passo para ele para que ninguém pudesse ouví—la.
—Nunca te amarei — murmurou.
Ele também deu um passo para ela, sem dúvida tentando intimidá—la, supôs ela, e depois, se inclinou sobre seu ouvido.
—Já ama —disse.
Todas as jovens casadoiras do clã Maitland se puseram de pé, ansiosas, no mesmo instante em que laird Ramsey e seu séquito Sinclair fez sua entrada no salão. Um suspiro coletivo brotou das bocas de todas as moças, que se comportavam como um bando de pássaros, indo após Ramsey à medida que este avançava pelo grande salão ao encontro de Iain.
Brodick observou atenciosamente a reação de Gillian ante o Adônis. Ao contrário do resto das mulheres, não saltou de sua cadeira para ir atrás do laird. Em lugar disso, pareceu intrigada, e depois aliviada, ao avistar o irmão pequeno de Ramsey, Michael, que o seguia. Na verdade, o que verdadeiramente parecia interessar Gillian era quem havia no séquito. Com uma expressão de preocupação desenhada no rosto, observou com cuidado cada um dos homens que entravam no salão. Quando finalmente relaxou em sua cadeira, Brodick se deu conta que tinha estado esperando ver se o traidor estava no grupo.
Dylan entrou por último. Foi imediatamente até onde o esperava seu laird para informar—se.
—Onde está lady Gillian? Não a vejo dançando com os demais —perguntou.
Com um gesto, Brodick assinalou um canto da sala. Dylan se virou, a viu ali e sorriu.
—Vestiu nosso tartán —assinalou com orgulho—. Não é a mais bonita de todas?
—Sim, é —concordou Brodick.
—Laird, isto é uma comemoração, e mesmo assim advirto que milady está só. E isso, por que? Os Maitland decidiram ignorá—la? Talvez o clã a considere uma estranha? Não disse Ian para sua gente que ela é a única razão que tenham algo que festejar? Por Deus não se dão conta que Alec estaria morto se não fosse pela sua coragem e força?
A cada pergunta, Dylan se indignava cada vez mais, até que seu rosto ficou vermelho de ira. A possibilidade que lady Gillian fosse deixada de lado, evidentemente, o enfurecia.
—Você acha que permitiria que alguém ignorasse a Gillian? Procure seus soldados, e saberá do motivo pelo qual está só. Não deixam que ninguém se aproxime.
Dylan olhou ao redor do salão, e pareceu relaxar. Sua cólera em breve se transformou em satisfação.
Robert e Liam estavam perto da lareira, para poder interceptar facilmente qualquer tolo soldado que se mostrasse ansioso para se aproximar de Gillian. Com igual determinação, Stephen, Keith e Aaron tinham tomado posições do outro lado para poder bloquear o acesso à sua senhora tanto da entrada como do extremo sul do salão.
Brodick mudou de tema.
—Como Ramsey recebeu a notícia de quem queriam raptar era Michael?
—Não disse a ele.
—Por que não?
—Havia muitas pessoas estranhas no lugar, incluindo os bastardos Macpherson —explicou—. Sem saber em quem confiar...
—Não devia confiar em nenhum deles —confirmou Brodick.
—É verdade —concordou Dylan—. De maneira que me limitei a dizer que lan e você queriam se reunir com ele o quanto antes possível. Também insisti em que Michael viesse conosco. Quando finalmente pude estar a sós com ele, contei que tinham achado Alec.
—Suponho que Ian está contando a verdade neste instante —assinalou Brodick, ao ver aos dois lairds imersos em uma séria conversa. O aborrecimento escurecia as feições de lan, e especificava o relato do sucedido a seu filho com amplos gestos, mas Ramsey não mostrava nenhuma reação ante as assombrosas notícias. Se mantinha imóvel, com as mãos caídas e o aspecto de quem está escutando um comentário sobre o tempo.
—Ramsey parece estar recebendo muito bem as notícias —comentou Dylan,
Brodick não estava de acordo.
—Não, não está. Está furioso. —Não vê como aperta os punhos? Ramsey pode dissimular seus sentimentos melhor que Ian e que eu.
—Laird Maitland está te chamando — indicou Dylan.
De imediato, Brodick foi reunir—se com seus amigos. Demonstrou seu afeto por Ramsey dando—lhe fortes palmadas no ombro e uma poderosa cotovelada nas costas. Ramsey devolveu suas atenções dando—lhe um empurrão.
—Me alegro de voltar a te ver, velho amigo! —disse Ramsey.
—Corre um rumor pelas Highlands sobre você, Ramsey, mas me nego a acreditar. Dizem que você tomou os abatidos Macpherson sob sua proteção, mas sei que uma intriga tão desprezível não pode ser verdade.
—Você sabe muito bem que os Macpherson se uniram a meu clã. Queriam ser Sinclair —acrescentou—. Mas não são fracos, Brodick, mas só mal treinados. Não tiveram a sorte de contar com um líder como lan que os treinasse como fez você e comigo.
—É verdade —concedeu Brodick—. Ian já te disse?
—Disse que Alec foi raptado por erro, e que o alvo era Michael.
—Onde está a mulher que trouxe Alec de volta? —pergunto Ramsey—. Gostaria de falar com ela.
—Eu também —disse lan—. A festa terminou.
Ian fez um gesto aos presentes, e em questão de minutos, a multidão se dispersou. Ramsey deu boa noite a seu irmão, e perguntou se queria ficar um tempo com os Maitland.
Michael se mostrou excitado ante tal perspectiva.
—Alec me disse que seu papai nos levaria para pescar e que não permitirá que nos afoguemos —anunciou.
—Espero que não —replicou Ramsey—. Enquanto você estiver aqui, lembre das boas maneiras e obedeça a lady Maitland.
Michael saiu correndo para as escadas, junto de Alec e de seu irmão Graham, no momento em que Winslow voltava ao salão. O comandante Maitland foi diretamente para onde se encontrava Gillian, que acabava de se despedir de Frances Catherine.
—Minha esposa ficou muito desiludida porque não a conheceu. Se amanhã você dispuser de um pouco de tempo...
—Ficaria encantada de conhecer sua esposa antes de ir.
—Ir? —repetiu ele, confundido—. Aonde você vai?
—Às terras de Sinclair, com Ramsey.
— Brodick permitiria algo assim? —perguntou Winslow com incredulidade.
—Não pedi autorização, Winslow.
—Meu irmão jamais a permitiria ir a nenhum lado com Ramsey —anunciou Winslow.
—E por que não?
—Minha esposa se chama Isabelle.
A brusca mudança de tema tinha sido deliberada, naturalmente. Winslow queria terminar com a discussão. Sua atitude lembrou a Gillian a de seu irmão, já que Brodick era igualmente brusco.
E igualmente autoritário, decidiu, quando Winslow disse que ela gostaria da sua esposa. Não tinha expressado uma expectativa, mas tinha feito uma afirmação: tinha ordenado que ela gostasse de Isabelle.
—Tenho certeza que de sua esposa eu gostarei muito, e espero com ansiedade o momento de conhecê—la.
Winslow assentiu, aprovando.
—Os lairds a estão esperando —disse depois.
Soltando um profundo suspiro, Gillian endireitou os ombros, e fez um gesto afirmativo.
O salão estava ainda muito iluminado com as velas acesas e o fogo da lareira. O imponente trio, reunido em um extremo da enorme mesa de carvalho, aguardava que se reunisse com eles. lan estava sentado na cabeceira, com Ramsey a sua esquerda e Brodick a sua direita. Quando os lairds a viram se aproximar, se puseram de pé.
Gillian afastou uma cadeira do extremo oposto, e se sentou. Dylan e Winslow ocuparam seus lugares atrás de seus lairds.
—Gostaria de saber exatamente que aconteceu a meu filho —disse Ian. Brodick arrastou sua cadeira até o extremo da mesa onde se encontrava sentada Gillian, se sentou a seu lado, cruzou os braços sobre o peito e lançou a seus amigos um olhar glacial, indicando que era capaz de matá—los se ousassem dizer uma palavra por sua mudança de lugar na mesa.
Ramsey manteve bem ocultos seus pensamentos, mas Ian não cuidado em exibir sua satisfação. Dylan inclusive assentiu com um gesto, como demonstrando sua aprovação, e depois, por sua vez, foi até onde tinha se sentado seu laird para situar—se às suas costas.
Ao contemplar Brodick, Ian pareceu divertido, e de repente Gillian pensou que o laird Maitland era um homem bondoso. Ao conhecê—lo, tinha considerado que era intimidante e tosco, mas já não pensava o mesmo. Talvez o que a tinha feito mudar de opinião fosse o afeto que ele demonstrava à sua esposa e a seus filhos.
Ramsey, pelo contrário, era mais difícil de julgar. Parecia muito mais relaxado que Brodick, o que não deixava de ser surpreendente, em vista de que acabava de ser informado que alguém queria raptar seu irmão. Que seria capaz de fazer ao conhecer o resto da história?
—Deveria ter pensado em dizer a Dylan que te sugerisse trazer a seu comandante — disse Brodick a Ramsey.
—Contarei a Gideon tudo o que deve saber quando retornar para casa —disse Ramsey.
—Meu comandante, Winslow, e o de Brodick, Dylan, estão aqui por uma razão bem concreta, Gillian —explicou lan.
Ela cruzou as mãos sobre a mesa.
—Que razão concreta, laird?
O braço de Brodick roçou o seu quando este se inclinou para a frente.
—Vingança —disse.
Brodick pronunciou a palavra em um tom de voz que lhe provocou calafrios. Aguardou mais explicações, enquanto sua cabeça ardia de perguntas, mas Brodick não disse mais nada.
—Que tipo de vingança? Quer dizer, guerra?
Em lugar de responder, Brodick se virou para Ian.
—Vamos, terminemos de uma vez. Ela está cansada —disse.
—Gillian, Por que não começa pelo princípio? Prometo não interromper —disse Ian—. Terminaremos em breve com isto, e você poderá ir descansar.
Gillian tinha esperado em parte que Ramsey vociferasse, a acusasse e a culpasse relacionando—a com a traição de outros ingleses. Afortunadamente, estava enganada, e pôde relaxar, recostando contra Brodick.
—Não estou muito cansada, obrigada —insistiu—. Mas agradeço sua preocupação. Vou começar pelo verdadeiro princípio, ou seja, durante a noite em que meu pai despertou minha irmã e eu, tentando colocar—nos a salvo.
Durante a hora seguinte, Gillian relatou sua história aos três homens. Não tremeu a voz, nem titubeou uma só vez na narração de fatos. Limitou—se a dizer todo o ocorrido em uma ordem cronológica precisa. Tentou não omitir nada de importância, e quando terminou de falar, sentiu a garganta seca e ardente.
Os homens não a interromperam, e no silêncio que seguiu às suas palavras, o único som que pôde ouvir—se foi o dos lenhos crepitando na lareira. Sem dúvida tinham notado a rouquidão de sua voz, já que Brodick lhe serviu uma taça de água. Gillian agradeceu, e a bebeu até o final.
Ian e Ramsey se mantiveram surpreendentemente serenos, levando em conta o que acabavam de escutar. Revezaram—se para formular algumas perguntas, e durante a hora que se seguiu Gillian foi submetida a um intenso interrogatório.
—Seu inimigo pensou em utilizar seu irmão para atrair você, Ramsey, e dessa maneira poder te matar. Disse Brodick—. Quem te odeia tanto que possa ser capaz de chegar a tal extremo
—Maldição se sei! —murmurou Ramsey.
—Ramsey, você conhece Christen? —perguntou Gillian. Você ouviu falar da família que pode tê—la recolhido e criado como filha própria?
Ramsey negou com a cabeça.
—Ainda não conheço todos os membros do meu clã — respondeu —. Estive longe do meu lar durante muitos anos, Gillian, e quando retornei às terras dos Sinclair e me transformei em laird, só conhecia um punhado dos partidários do meu pai.
—Mas Christen não é uma Sinclair — lembrou Gillian.
—Sim, você disse que é uma Macpherson, mas infelizmente também não tive tempo de conhecê—los todos — reconheceu —. Honestamente, não sei o que poderíamos fazer para encontrá—la.
—Então, você me ajudará?
Ramsey pareceu surpreendido pela sua pergunta.
—Sem dúvida que vou ajudar.
—Os mais idosos devem saber algo de Christen — disse Brodick, e com este comentário conseguiu atrair a atenção de todos os presentes.
lan assentiu.
—Você tem razão. Os idosos lembrarão. Conhecem todas as famílias e estão inteirados de todas as intrigas.
Quantos anos tinha Christen quando chegou aqui?
—Seis ou sete anos — respondeu Gillian.
—Se uma família adota como própria uma menina... —começou a dizer Ramsey, mas Ian o interrompeu.
—Gillian acaba de nos dizer que essa família viveu perto da fronteira durante vários anos antes de se mudar para o norte para reunir—se com seus familiares.
—Ainda assim, deve ter corrido o boato que não se tratava de sua própria filha —insistiu Brodick.
—Farei as averiguações pertinentes —prometeu Ramsey.
—Encontrá—la não será tão difícil como você imagina —disse lan—. Brodick tem razão no que se refere aos idosos.
Quando Graham e Gelfrid ainda viviam, sabiam de tudo o que se passava.
—Sim, é verdade — concordou Ramsey antes de se voltar para Gillian. —Diga—me, o que você fará quando encontrar sua irmã? Pedirá que retorne à Inglaterra com você?
—Não. Respondeu ela, inclinando a cabeça. Mas espero que se recorde do tesouro de Arianna, e inclusive saiba onde está escondido.
—Era muito pequena quando recebeu a caixa — disse lan—. Você espera que tenha tão boa memória? Duvido que se lembre de alguma coisa.
—Inclusive, talvez nem se lembre de você — disse Brodick.
Gillian se negou a aceitar essa possibilidade.
—Christen é minha irmã. Me reconhecerá — afirmou.
—Nos disse que Christen tinha um ano mais que você — disse Ramsey.
—Quase três anos — corrigiu Gillian.
—Então, como você se lembra dos detalhes tão vividamente? Por Deus, não era mais que um bebê!
—Liese, minha querida amiga, que em paz descanse, me ajudou a conservar as lembranças. Constantemente me falava daquela noite, e do que os sobreviventes tinham contado. Liese não queria que eu esquecesse porque sabia que algum dia poderia querer...
Ao ver que se interrompia, Brodick lhe deu um suave cotovelada.
—Que você poderia querer?
—Justiça.
—E como você espera levar a cabo essa tarefa? —perguntou Ramsey.
—Ainda não sei, mas de algo tenho certeza, não permitirei que o nome de meu pai seja difamado. O homem que mantém em cativeiro meu tio Morgan acha poder provar que meu pai matou Arianna e roubou a caixa. Proponho—me a provar que não o fez. Meu pai deve descansar em paz no seu túmulo — afirmou, com a voz trêmula de emoção—.
Tenho um princípio de plano — continuou—. Ao monstro o guia a cobiça — disse em referência ao barão Alford, mesmo que deliberadamente omitisse seu nome—. E gosta dos jogos. Acha—se muito astuto, mas talvez possa encontrar uma forma que isso se volte contra ele. Pelo menos, espero.
Fatigada por ter se visto obrigada a reviver o passado, bebeu um novo gole de água, e pensou em colocar fim à discussão.
—Acho não ter esquecido nada — disse—. Tentei contar tudo.
Estava a ponto de solicitar que a desculpasse, mas lan a obrigou a mudar de ideia com um comentário.
—Não tudo, na verdade — disse com suavidade.
Gillian se recostou contra o apoio de sua cadeira e apoiou as mãos sobre sua saia.
—O que não lhes disse? —perguntou, fingindo inocência.
Brodick cobriu as mãos dela com as suas.
—Sabem que você viu o homem das Highlands que selou esse pacto com o demônio inglês — disse.
—Você disse a eles?
—Alec contou a seu pai, e este o disse a Ramsey — explicou Brodick—. Mas que fique claro Gillian: se o menino não tivesse dito, o teria feito eu.
—Por que você pediu a Alec que não nos dissesse nada sobre o traidor? —perguntou Ramsey.
Gillian inspirou profundamente.
—Me preocupava pensar que vocês pudessem me reter aqui até que identificasse o homem que os traiu.
lan e Ramsey cruzaram rápidos olhares, e instintivamente Gillian soube que esses eram exatamente seus planos. Propunham—se retê—la nas Highlands. Quis que reconhecessem.
—É o que vocês pensam fazer?
Ambos os lairds ignoraram a pergunta.
—Que aspecto tinha? —perguntou Ramsey.
—Era um homem corpulento, com um longo cabelo escuro e firme mandíbula. Não tinha um aspecto desagradável — reconheceu.
—Você acaba de descrever a maioria dos homens das Highlands, Gillian. Não tinha alguma marca particular que nos ajudasse a identificá—lo?
—Vocês se referem a cicatrizes?
—Qualquer coisa.
—Não, sinto. A verdade é que não tinha nada fora do comum.
—Só esperava... Algo que facilitasse as coisas — disse Ramsey, e se inclinou para ela para fazer mais uma pergunta. Gillian estava surpreendida pelo domínio de si mesmo que mostrava laird Sinclair. Seu semblante era tranquilo e controlado e ela sabia bem o afetado e furioso que devia sentir—se por tudo o que tinha ouvido até o momento; ele não deixava que suas emoções saíssem à superfície, e Gillian pensou que seu controle era admirável.
Nesse momento, apareceu Alec, que descia correndo as escadas.
—Papai, posso interromper um momento? —perguntou.
O sorriso de seu pai era toda a permissão que o menino precisava. Descalço, atravessou correndo o salão.
—Alec, que faz ainda levantado?
—Esqueci de te dar o beijo de boa noite, papai.
lan abraçou Alec, e prometeu passar para vê—lo em seu quarto antes de ir deitar—se e o enviou de volta acima.
Gillian o observou enrolar um tempo para atravessar o salão, em uma óbvia tentativa de atrasar o momento de ir para a cama. As crianças odeiam ir dormir, mas os mais velhos adoravam, e nesse momento ela se sentiu uma verdadeira idosa.
—Mais alguma pergunta? —perguntou com cansaço.
—Só uma — respondeu Ramsey.
—Sim, só uma — concordou Ian—. Queremos seus nomes, Gillian, os nomes dos três.
Gillian olhou os lairds.
—E quando vocês souberem quem são, o que pensam fazer? —perguntou.
—Deixe que nós nos preocupemos com isso — disse Ian—. Não é necessário que você saiba.
Ela não se mostrou de acordo com isso.
—Oh, mas sim acho que é necessário que saiba. Diga—me — solicitou.
—Que demônios você acha que vamos fazer? — perguntou Brodick em voz baixa e ameaçante.
Sua ira só conseguiu irritá—la.
—Não se atreva a falar—me nesse tom, Brodick! — ela ameaçou. Brodick ficou atônito ante seu estalo, e não soube como reagir. Se estivessem a sós, provavelmente a teria sentado sobre seu colo e a teria beijado, pelo puro gosto de fazê—lo, mas não estavam a sós, havia um público que olhava e esperava, e não quis colocá—la em apuros.
Desejava beijá—la, mesmo assim, e ao dar—se conta disso ficou mais irritado. Que tinha acontecido com sua disciplina? Quando estava perto de Gillian, parecia perder o controle de seus próprios pensamentos.
—Demônios — murmurou.
—E também não jure em minha presença — sussurrou Gillian.
Ele a pegou pelo braço, e se inclinou para falar—lhe ao ouvido.
—Eu gosto de ver que você tem a coragem de me enfrentar — sussurrou.
Alguma vez chegaria a compreendê—lo? Perguntou—se Gillian.
—Pois então vou te fazer delirar de prazer, laird.
—Não — a contradisse Ian—. Você vai responder—me várias perguntas. Queremos os nomes dos ingleses.
Ninguém tinha reparado no fato de que Alec ainda rondava pelo salão. Ao ouvir a aspereza no tom de seu pai, tinha dado a volta para olhar e escutar, e depois, lentamente, deslizou até o lugar onde conversavam os adultos. O preocupava que seu pai pudesse indispor—se com Gillian,, e se isso fosse ser efetivamente assim, decidiu que seria seu protetor. Se isso também não funcionasse, então iria procurar sua mama.
Brodick tinha se reclinado contra o apoio de sua cadeira, e aguardava pacientemente que Gillian cumprisse com o requerido pelos lairds.
—Sim — respondeu de repente Gillian—. Ficarei feliz em poder dizer seus nomes, logo vocês me prometam que não farão nada até depois do festival de outono.
—Necessitamos seus nomes agora, Gillian — insistiu Ramsey, fazendo caso omisso de seu pedido.
—Primeiro preciso da sua promessa, Ramsey. Não permitirei que vocês ponham em perigo meu tio Morgan.
—Já está em perigo — assinalou Ian.
—Sim, mas ainda está vivo, e me proponho que siga assim.
—Como você pode estar tão segura que ainda vive? —pergunto Ramsey.
—Se o matassem, eu não teria motivos para retornar à Inglaterra. O monstro sabe disso. Não lhe darei nada até ver meu tio — explicou—. Não lhe fará dano.
Ian suspirou.
—Você está pondo a todos em uma situação muito difícil — disse, tentando ser diplomata—. Você trouxe de volta meu filho, e por isso serei eternamente agradecido. Sei quanto significa o seu tio para você, e prometo que farei tudo o que estiver a meu alcance para libertá—lo, mas Gillian, quero o nome do homem que encerrou meu filho como se fosse um animal, o homem que te bateu até quase te matar...
—Papai, não irrite a Gillian! —Alec gritou sua súplica enquanto corria para seu pai. O menino tinha os olhos cheios de lágrimas—. Ela não fez nada de errado. Eu sei como se chama esse homem.
lan levantou Alec sobre seu colo, e tentou tranquilizá—lo.
—Não estou zangado — assegurou—. E também sei que Gillian não fez nada de errado.
—Alec, você ouviu todos os nomes? — perguntou Brodick.
O pequeno se apoiou contra o peito de seu pai, e assentiu lentamente.
—Sim — disse—. Ouvi todos os seus nomes, mas não lembro os dos outros dois... Só o do homem que bateu em Gillian.
—Esse é o nome que mais me interessa — disse Brodick com enganosa suavidade—Quem é, Alec?
—Alec, por favor — rogou Gillian.
—Diga—me, Alec. Quem é?
—Barão — sussurrou Alec—. Chama—se Barão.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 13

Os gritos começaram na metade da noite. Judith Maitland despertou sobressaltada, e se deu conta que o que estava ouvindo era os gritos de Alec, capazes de gelar o sangue nas veias, e jogou a um lado os cobertores, mas antes que pudesse levantar—se, Ian já tinha chegado ao quarto das crianças.
Graham e Michael estavam sentados em suas camas, com os olhos dilatados pelo pânico. Alec resistiu ao abraço de seu pai, lançando pontapés e arranhando—o. O menino estava apanhado em um pesadelo, e nenhuma carícia nem sacudida conseguia arrancá—lo dele. Os atormentados gritos de seu filho eram insuportáveis, mas Ian não sabia que fazer
para que cessassem.
Judith se sentou ao lado de seu filho, o tomou nos seus braços e o embalou. Após vários minutos, o menino começou a acalmar—se. Sua mãe sentiu como seu corpinho relaxava, e Alec continuou dormindo tranquilamente.
—Santo Deus! Que tipo de inferno atravessou meu filho? —murmurou Ian.
As lágrimas banharam o rosto de Judith. Sacudiu a cabeça, presa de uma dor tão grande que a impedia de falar. Ian tomou Alec de seus braços, o beijou na testa e voltou a deitá—lo na sua cama. Judith o tampou com as mantas.
Nas seguintes horas, mais duas vezes foram despertos pelos gritos de seu filho, e em ambas as ocasiões correram a seu lado. Judith quis levá—lo com eles para sua cama, e Ian prometeu que se Alec voltasse a gritar, o levaria.
Judith e Ian demoraram bastante para tornar a dormir, mas quando finalmente dormiram, seu sono não foi interrompido de novo. Ambos dormiram até tarde, e não despertaram até passado o amanhecer, quando seu filho maior, Graham, entrou correndo no quarto. Foi até onde dormia seu pai e o tocou no ombro.
—Papai, Alec se foi —sussurrou.
Ian não se deixou levar pelo pânico. Pensando que seu filho teria se levantado cedo e estaria em algum lugar da casa, indicou a Graham com um gesto que não fizesse ruído para não incomodar a sua mãe. Se levantou, e após se assear e vestir, saiu ao vestíbulo, onde o aguardavam Graham e Michael.
—Provavelmente esteja embaixo —disse Ian em um sussurro, fechando a porta atrás dele.
—Não iria só lá embaixo, papai —exclamou Graham.
—Deixe de se preocupar — ordenou seu pai—. Alec não desapareceu.
—Mas já o fez outra vez, papai —insistiu Graham, com um desassossego que crescia minuto a minuto.
—Vocês dois, vão para baixo, busquem Helen e tomem o café da manhã. Deixem que eu me preocupe por Alec.
Nenhum dos dois rapazes se movimentou. Michael tinha a cabeça baixa, mas Graham olhou seu pai diretamente nos olhos.
—Lá embaixo está tudo escuro —disse.
—E você não gosta da escuridão —disse Ian, tentando não soar irritado.
—Eu também não —reconheceu Michael, com a vista ainda cravada no chão.
Nesse momento se abriu a porta principal, e entraram Brodick e Ramsey. Tinham dormido ao ar livre, sob as estrelas, porque assim preferiam. Não gostavam de sentir—se fechados entre quatro paredes, e estavam habituados a adormecer arrulhados pela fragrância dos pinheiros e o vento soprando entre os galhos. Para dizer verdade, a única ocasião em que gostavam de estar em uma cama era quando a compartilhavam com alguma mulher, mas nunca passavam toda a noite com nenhuma delas.
Michael, ao ver a seu irmão, foi correndo para ele.
—Ramsey, Alec se foi!
—Que quer dizer com que se foi?
—Não está em sua cama.
lan desceu as escadas saltando vários degraus. Entrou no grande salão, e abriu as cortinas que cobriam as vidraças. A luz inundou o quarto.
—Está por aqui, em algum lugar —disse, tentando não alarmar—se.
—Se tivesse saído, os guardas o teriam visto —disse Ramsey—. Onde demônios está?
Ramsey estava obviamente preocupado, mas Brodick, pelo contrário, não mostrava nenhuma inquietação.
—Está com Gillian —anunciou.
Ramsey e Ian se voltaram ao uníssono para cravar o olhar no seu amigo.
—Por que ia estar com Gillian? —perguntou Ian, enquanto voltava correndo para as escadas.
—Se sente seguro com ela.
Ian girou sobre seus calcanhares.
—Não se sente seguro com sua mãe e seu pai?
Brodick começou a subir a escada atrás dele.
—Certamente sim, mas sabe que Gillian o permitirá ficar na sua cama. Está dormindo com ela, e você não vai entrar em seu quarto a menos que eu entre com você.
—Pelo amor de...! —lan não terminou a frase. Atravessou o vestíbulo a grandes pernadas e abriu a porta do quarto de Gillian sem incomodar—se em bater previamente. O quarto estava escuro. Brodick passou frente a ele e foi para as janelas. Afastou a cortina, a atou com um cordel à parede e se virou.
Tal como Brodick tinha predito Alec, efetivamente, estava na cama. Estava encolhido contra Gillian e sua cabeça repousava sobre o ombro da jovem. Gillian dormia de costas, abraçando com o braço direito o pequeno como tentasse protegê—lo ainda durante o sono. O outro braço estava estirado sobre a cama, com a palma para em cima, e pela luz que entrava pela janela, as cicatrizes e as zonas que tinha em carne viva era uma visão assustadora.
Ramsey permaneceu na entrada, e mesmo que habitualmente fosse um homem de tato, recuperou os modos que, em algum tempo passado, o tinham contagiado de Brodick.
—Que diabos sucedeu no braço dela? Está horrível!
Afortunadamente, realizou esse comentário em voz baixa, e não despertou a Gillian nem a Alec.
Brodick voltou a fechar a cortina para que o sol não os incomodasse, e dando uma cotovelada em Ian, indicou que saíssem.
Ian não se moveu.
—Um anjo protege a outro —murmurou. Se virou e saiu ao vestíbulo—. Faremos o que ela nos pede — disse a Ramsey.
—Vamos esperar para nos vingar? —perguntou este, irritado com a possibilidade.
—Sim, vamos esperar.
Brodick havia se demorado dentro do quarto. Ao ver seu tartán dobrado sobre uma cadeira o recolheu, e cobriu Gillian e Alec com as cores dos Buchanan. Ao sair, enquanto fechava a porta com cuidado, voltou a olhá—la, e sentiu que o invadia uma estranha satisfação. De improviso, o acometeu a certeza que jamais a deixaria sair de seu lado.
Ela gostasse ou não, ia ser sua.
Gillian despertou sentindo—se totalmente descansada. Se lavou e vestiu suas próprias roupas. Os serventes deviam de tê—las lavado e secado frente ao fogo durante a noite, já que estavam secas e sem manchas.
A túnica que usava sobre seu vestido amarelo claro era de um intenso verde esmeralda, do qual seu tio tinha dito com frequência que realçava a cor de seus olhos. Após atar o bordado cinto ao redor da cintura de modo que caísse graciosamente sobre seus quadris, escovou o cabelo, deu vários beliscões em suas bochechas para que tomassem cor e se dirigiu ao térreo.
Tomou o café da manhã com Judith e as crianças. Graham rogou a sua mãe que o permitisse levar Michael e Alec ao campo de treinamento para ver como se exercitavam os soldados, e logo que Judith lhes concedeu sua autorização, tomaram as espadas de madeira com as quais praticariam e saíram correndo.
—Agora podemos falar —disse Judith—. Você dormiu bem? Você levantou cedo. Tinha certeza que você ficaria na cama pelo menos até o meio—dia. Você deve estar esgotada.
—Dormi muito bem —replicou Gillian—. E queria levantar cedo. Hoje devo partir.
—Você abandona, tão logo?
—Sim.
—Aonde você pensa ir?
—Vou acompanhar Ramsey até as terras dos Sinclair.
Judith abriu muito os olhos.
—Brodick sabe?
—Ainda não. Você sabe onde está?
—Nos estábulos, com Ian e Ramsey. Se incomodaria que fosse com você? Realmente, gostaria de ver a cara de Brodick quando você dizer que pensa em ir com Ramsey.
—Por que teria que achar ruim? Sabe que tenho que encontrar minha irmã, e também sabe que é uma MaePherson, de modo que sem dúvida entenderá que devo ir até as terras dos Sinclair buscá—la.
—Com Ramsey.
— Por que você parece tão cética? Você sabe que ontem à noite Winslow reagiu exatamente igual a você quando mencionei que hoje iria com Ramsey? Também me perguntou se Brodick sabia. Foi muito estranho.
—Vejo que vou ter que explicar.
—Sim, por favor —disse Gillian.
—Ramsey, Ian e Brodick são como irmãos —começou Judith—. E são totalmente leais um ao outro. Mas seguramente você terá se dado conta, no tempo que você passou com Brodick, do possessivo que é. Todos os Buchanan são —acrescentou, reafirmando com um gesto.
—Que você está tentando me dizer?
Judith soltou um suspiro.
—Quando lan e eu estávamos recém casados, meu marido não gostava que Ramsey andasse perto de mim.
—Por que? Não confiava nele?
—Oh, sim confiava, como confia Brodick, mas as mulheres, você sabe, tendem a perder a cabeça por Ramsey. Você deve reconhecer que é mais bonito que o demônio.
—Sim, e também o são Ian e Brodick.
—lan se sentia... inseguro.., mas depois de um tempo se tranquilizou, porque soube, sem dúvida nenhuma, que meu coração pertencia a ele. Brodick não sabe isso de você, compreende? E portanto vai custar a aceitar que viajes a sós com Ramsey.
—Não custará tanto — assegurou Gillian.
Judith se pôs a rir.
—Você acha conhecê—lo muito bem, não é mesmo?
—Sim, com efeito.
—Existe também uma certa rivalidade entre Brodick e Ramsey. Inclusive poderia ter sido motivo de ruptura, mas não chegou nesse extremo. Como te disse ontem à noite, há mais ou menos oito anos foram juntos à Inglaterra na busca de esposas. O que não te contou é que Brodick encontrou uma mulher que podia ser adequada.
—E aí, o que passou? —a estimulou Gillian, ao ver que sua amiga titubeava.
—Esta mulher se entregou a Brodick.
—E se comprometeram?
Judith negou com a cabeça.
—Não, mas assim mesmo se entregou a ele, você entende?
—Quer dizer que o levou a sua cama?
Suas vozes tinham se transformado em sussurros, e ambas estavam ruborizadas.
—Conhecendo Brodick como o conheço, diria que ele a levou para a cama, mas ela deve ter dado seu consentimento, pois de outra maneira ele jamais teria ousado tocá—la.
—Ele te contou isso?
Gillian estava sobressaltada. Ao vê—la, Judith se pôs a rir.
—Por Deus, não, ele não me contou! — respondeu—. Me disse Ian, mas me custou uns bons seis meses de contínuo assédio a meu marido para conseguir que me explicasse. Deve prometer que jamais dirá a nenhum dos homens que te contei esta história.
—Te prometo —se apressou a assegurar Gillian, ansiosa para escutar o final da história. —Que aconteceu com essa mulher? Brodick é um homem honrado, e jamais tomaria a uma inocente...
—Mas ela não era nenhuma inocente —murmurou Judith—. Já tinha estado com outros homens.
—Oh, Meu Deus! —exclamou Gillian, pensando que era uma verdadeira pena que a mulher fosse inglesa.
—E um desses homens foi Ramsey.
—Sshh! —a fez calar Judith—. Não quero que nos ouçam os serventes.
—Ambos homens a levaram para a cama?
—Sim, mas durante um tempo nenhum dos dois soube que ela brincava dos dois lados.
Gillian ficou com a boca aberta.
—Não é de estranhar que Brodick odeie tanto os ingleses. Que ocorreu quando ambos souberam da verdade?
—Nenhum dos dois quis ficar com ela, sem dúvida. Retornaram para casa, e juraram casar—se com uma dos seus, ou não se casar.
—Brodick a amava?
—Duvido muito —replicou Judith—. Se a tivesse amado, teria ficado furioso com Ramsey, mas tal como foi tudo, mal se incomodou.
—E Ramsey?
—Tomou tudo com calma. As mulheres se jogam nos braços dele. —acrescentou—. E por esse motivo Brodick se irritará quando você falar que pensa em ir com Ramsey.
—Você disse que ele confiava em Ramsey.
—Você é em quem não confiará — disse francamente Judith—. Como já te disse, as mulheres costumam perder a cabeça por Ramsey.
—Ele se preocupará que eu... oh, por todos os céus! —exclamou Gillian, para depois acrescentar, rindo — Você está equivocada, Judith. A Brodick não se importará com o que eu faça.
— Vamos ver? —a convidou Judith, colocando—se de pé.
As duas mulheres desceram juntas pela colina. Era fácil distinguir aos três lairds, juntos atrás dos estábulos como altas árvores no meio do campo, enquanto observavam os soldados que treinavam com suas espadas.
Os três se voltaram quando as damas chegaram até eles. Gillian pôde ver que lan não podia tirar os olhos de cima de sua esposa. Evidentemente, o amor não tinha diminuído ao longo dos anos que estavam casados.
—Gillian tem algo a dizer —anunciou Judith.
—Laird... —começou Gillian.
—lan. a corrigiu ele.
Com um rápido gesto afirmativo, Gillian recomeçou.
—lan, antes de tudo quero agradecer sua gentileza e sua hospitalidade.
—Sou eu quem deve agradecer a você por ter trazido meu filho para casa.
—Quer ir com Ramsey, e eu acho que deve —assinalou Judith com certo ênfase, para que seu marido soubesse que ela apoiava o projeto—. Quer partir hoje mesmo.
—É verdade, Gillian? —perguntou Ian, lançando um olhar a Brodick.
—Ramsey, você tinha pensado ir embora hoje?
—Sim —respondeu ele, e Gillian notou que também olhava a Brodick.
—Sei o importante que é para todos encontrar o homem que traiu Ramsey.
Ian a interrompeu.
—Que traiu a todos, moça.
—Sim —Gillian se apressou a assentir para poder explicar sua decisão antes de perder o impulso. Dizer a esses gigantes o que era que deviam fazer requeria de coragem, especialmente se estava tão perto deles. Gillian queria soltar o discurso que tinha ensaiado com Judith no trajeto pela ladeira da colina o mais rapidamente possível. — Tenho tempo até o festival de outono para fazer o que vim fazer, o que significa que não tenho muito tempo. Com a ajuda de Deus, encontrarei minha irmã, e como é uma Macpherson, e agora os Macpherson são parte do clã Sinclair, vou com Ramsey para começar minha busca. Espero que todos colaborem comigo.
Depois de pronunciar seu discurso, cruzou de braços e tentou parecer segura.
—Vejo que você tomou uma decisão —comentou secamente lan—. Imaginamos que você queria ir às terras de Ramsey.
—Fez com que me preocupasse sem nenhum motivo —cochichou Gillian a Judith.
—Já veremos —respondeu Judith.
—Ramsey, e você o que diz? Você levará hoje Gillian com você? —perguntou Ian.
—Podemos partir imediatamente, se assim desejar lady Gillian.
— E você Brodick? —perguntou Judith—. Que opina da ideia de Gillian de ir com Ramsey?
Gillian não deu tempo dele responder.
—Brodick vem comigo —anunciou intempestivamente.
— É mesmo? —perguntou ele em voz baixa.
De repente, o coração de Gillian começou a bater o mais rápido possível, e ficou quase sem coragem. Se deu conta que se achava à beira do pânico, e tudo pelo medo que Brodick pudesse abandoná—la. Quando e como tinha se permitido apegar—se tanto a Brodick, e em tão pouco tempo? Sabia que não devia envolvê—lo nos seus problemas e sem embargo, só a ideia de vê—lo afastando—se dela, sabendo que jamais o voltaria a ver, era simplesmente intolerável.
—Os Buchanan são inimigos dos Macpherson — informou Judith em voz baixa—. Me parece que talvez você esteja pedindo muito a Brodick.
—Ainda não me pediu nada —disse Brodick.
—Judith, os Bucbanan não são inimigos dos Macpherson. —corrigiu lan à sua esposa—. Simplesmente não se dão bem. Não gostam de ninguém que lhe pareça fraco.
—Ninguém pode ser tão forte como você é, Brodick. Você deveria defender os fracos, não desprezá—los —disse Gillian.
Os três lairds sorriram ao trocar olhares, e Gillian pensou que sua atitude era divertida para eles.
Evidentemente, a consideravam uma ingênua.
— Será que não é mesmo? —insistiu, desafiante.
—Não, não é mesmo — respondeu Brodick—. Os fracos não sobrevivem nas Highlands.
lan e Ramsey assentiram, aprovando com gestos afirmativos.
—Os Macpherson são parasitas —continuou dizendo Brodick, neste caso dirigindo—se a Ramsey—. Espremerão até a última gota de força dos Sinclair, incluindo você. Gostam que alguém cuide deles —acrescentou—. E tenha certeza que não têm nenhum interesse em ser fortes. Uma vez que tenham te usado e destruído, simplesmente irão para outro laird sensível, e rogarão que se faça cargo deles.
—Fazes com que a compaixão pareça um pecado —disse Gillian.
—Neste caso é —respondeu ele.
—Há muito pouco tempo que Ramsey é laird, mas já ganhou uma reputação de homem sensível e compassivo —assinalou Ian. —Este é o motivo pelo qual os Macpherson foram a ele.
—Eu também não tolero um homem em boas condições que escolhe intencionalmente uma atitude passiva e indolente, e deixa que sejam outros os que se ocupem dele e de sua família. Mesmo assim, acho que ambos estão enganados com respeito aos Macpherson. Seus soldados estão mal treinados, e isso é tudo. Não são fracos, são ineptos —argumentou Ramsey.
A discussão continuou mas um movimento no leste atraiu a atenção de Gillian. Perto da primeira linha de árvores, havia quatro jovens damas observando os lairds. As quatro estavam ocupadas se arrumando. Uma jovem ruiva não deixava de beliscar as bochechas, e tanto as outras arrumavam o cabelo e alisavam suas saias. As quatro lançavam risadinhas. Sua atitude despreocupada provocou o sorriso de Gillian. Supôs que as mulheres queriam oferecer o melhor aspecto possível quando falassem com laird Maitland, mas cortesmente aguardavam que este terminasse com a conversa que estava mantendo.
—Essa é, exatamente, nossa preocupação, Ramsey —disse lan—. Você treinará aos Macpherson, e depois se voltarão contra ti.
—Por sorte, lan e eu não permitiremos que te destruam —disse Brodick—. Se você não cuidar das suas costas, nós o faremos.
—Sei o que faço —anunciou Ramsey com autoridade—. E vocês dois se manterão afastados dos meus assuntos.
— E se o traidor que Gillian viu for um Macpherson? —perguntou Judith.
—Isso nos passou pela cabeça, sim —respondeu Ian.
Judith voltou o olhar para Brodick.
—Se este homem souber que Gillian o viu.., se sabe que ela pode identificá—lo não tentará de impedir?
—Alec nos contou que os homens que o sequestraram eram três, portanto sabemos que este traidor não atua só.
—Mas não sabe que o vi —disse Gillian—. De modo que estou a salvo.
—Quem mais sabe, além de nós três, que Gillian o viu? —perguntou Judith a seu marido.
—Disse a meu irmão Patrick, e enquanto eu ficar ausente, ele cuidará de ti, de nossos filhos e do irmão de Ramsey. Também disse a Dylan e a Winslow, e Ramsey pensa comunicar a Gideon, seu comandante. —Virando—se para Ramsey, acrescentou — Patrick não permitirá que Michael se afaste de sua vista até que tudo isto tenha terminado.
—Meu irmão não poderia ficar em melhores mãos —replicou Ramsey.
—Por que vocês disseram a Winslow? —perguntou Judith com suavidade.
— Mas seguro que você confia no irmão de Brodick! —exclamou Gillian, murmurando—. Não é possível que você ache que possa trair a confiança de seu laird.
—A Winslow eu confiaria minha própria vida —respondeu Judith —Não é por isso que fiz essa pergunta a meu marido, mas, como você sabe, Winslow é o comandante de nossas tropas —explicou—. E sei que lan teve uma boa razão para dizer. Quero saber qual é.
Ian pareceu sentir—se incomodado. Jogou um olhar a Gillian, e depois voltou os olhos para sua esposa.
—Era preciso que Winslow soubesse, para que pudesse preparar—se.
Judith não se conformou com a resposta.
—Preparar o que?
—Preparar nossas tropas.
Gillian se pôs rígida.
—Para a guerra? —perguntou.
—Sim.
—Vocês vão à Inglaterra?
—Sim.
—Quando?
—Quando nos disser os nomes desses ingleses —respondeu Brodick.
Gillian deu um passo para ele.
—Então também Dylan vai preparar a seus soldados?
—Meus soldados sempre estão preparados —respondeu Brodick, sorrindo—. Simplesmente, cuidará dos detalhes.
—Mas, por que?
—Como você pode fazer—me semelhante pergunta? Ian é meu aliado e meu amigo, Alec é meu afilhado. Minha obrigação é a vingança em nome do menino.
—Mas também você tem outra razão, verdade? —perguntou Ramsey.
Brodick, prevenido, assentiu com lentidão.
—Sim, há outra razão.
—E qual é essa outra razão? —perguntou Judith desta vez.
Brodick fez um gesto negativo, dando a entender que não pensava explicar. Gillian se voltou para Ramsey.
—Seu comandante também vai preparar as tropas?
—Sim.
Com incredulidade, Gillian se dirigiu à única pessoa que se achava ainda lúcida.
—Judith, não podem estar pensando em invadir a Inglaterra.
—Pensam que podem fazê—lo —respondeu esta.
—Vamos em busca de três homens, não de toda a nação —comentou secamente Ian.
—Mas trata—se de três barões muito poderosos —disse Gillian—. Se entrarem na Inglaterra guerreiros armados, posso assegurar que o rei Juan vai saber. Vocês arriscam uma guerra com toda a Inglaterra, quer queiram ou não.
—Ah, moça, não compreende — disse Brodick—. Seu rei nem vai saber que estamos ali. Ninguém vai nos ver.
—Você acha que poderão se tornar invisíveis?
—Vamos, Gillian, não é necessário que você seja sarcástica —disse Ramsey, dedicando um esplêndida sorriso que Gillian teria achado encantador se o tema não tivesse sido tão delicado.
—Sem dúvida que o rei Juan saberá que vocês estão ali! —explodiu, frustrada—. Diga—me, Brodick, quando planejam exatamente levar a cabo esta invasão que ninguém verá?
—Ian já te respondeu essa pergunta —respondeu ele—. Partiremos tão logo você nos diga os nomes desses porcos ingleses.
—Entendo —disse ela—. Agora que compreendo seus planos, jamais direi seus nomes. Já encontrarei a maneira de me ver com eles. De uma forma ou outra, se fará justiça.
Ian franziu o cenho.
—Gillian, que você pensa fazer? Você é uma mulher...
Brodick saiu em sua defesa.
—É forte e decidida, e muito astuta. Sinceramente, acho que pode achar uma maneira de vencer esses canalhas.
—Obrigada.
—Não é um elogio — esclareceu ele—. Me limito a afirmar um fato. No entanto, não posso permitir que nos arrebate nossos direitos, Gillian. Nisto, nós temos tanto em jogo como você.
—A vingança não é meu motivo principal —explicou ela—. Mas sim é o seu verdade?
Brodick deu de ombros. Gillian se virou para Ramsey com a esperança de colocar fim à discussão.
—Posso estar pronta para partir em questão de minutos.
Ele assentiu.
— Você vem conosco, Brodick? — perguntou Ramsey.
—Chegou o momento que me peça diretamente, moça.
—Brodick, me lembro que quando Annie Drummond estava a ponto de verter aquele bendito fogo de mãe sobre meu braço, você disse que eu não emitiria som algum.
—E não fez, não é mesmo?
—Não, não fiz —confirmou ela—. Mas não me perguntou nada. Simplesmente, me ordenou. Não faço mais que seguir seu exemplo.
—Por amor de Deus! —murmurou ele, juntando sua paciência— Se quer que vá com você, peça—me, faça agora, Gilliam, ou vou embora.
—Você me abandonaria? —sussurrou ela, horrorizada que pudesse ameaçá—la com algo semelhante.
Ele pareceu ter vontade de estrangulá—la.
—Peça—me —voltou a exigir.
—Não quero que você pense que preciso...
—Você precisa.
Gillian deu um passo atrás. Ele a seguiu. Soltando um suspiro, ela voltou a tentar.
—É só que cheguei a te conhecer muito bem, e confio em você.
—Já sei que você confia em mim.
—Por que você está tornando tudo tão difícil?
—Sou um homem difícil.
—Sim, é —concordou Ramsey.
Os demais, evidentemente, tinham ouvido tudo o que ela tinha dito.
— Você virá comigo? —pergunto, sentindo—se como uma tola
—Sim.
—Obrigada.
Brodick a pegou pelo queixo, e a obrigou a olhar para ele.
—Ficarei com você até que você retorne para casa. Te dou minha palavra —prometeu—. Agora, você pode deixar de se preocupar.
Alheio às testemunhas que presenciavam a cena, se inclinou para ela e a beijou. Foi um leve roçar de sua boca contra a dela, e terminou num piscar de olhos, mas conseguiu que o coração de Gillian batesse com força.
Um estalo de gargalhadas a sobressaltou, e se virou para o lugar de onde provinha o som. Abriu os olhos de surpresa, já que havia pelo menos doze mulheres observando—os do arvoredo.
—Laird Maitland, há algumas damas que aguardam para falar com você —disse então.
Judith se pôs a rir.
—Não estão aguardando para falar com meu marido. Ele já está ocupado.
—Ocupado?
—Casado —explicou Judith.
—Durante o tempo em que Gillian permanecer nas Highlands, é minha responsabilidade —afirmou Ian—. É graças a ela que meu filho está vivo —acrescentou—. Portanto, atuarei como seu protetor.
—Eu também sinto uma enorme responsabilidade por Gillian —disse Ramsey—. Também graças a ela meu irmão estará a salvo, e sei que agora me encontro com uma insurreição entre mãos.
lan passou seu olhar a Brodick.
—Não permitirei que manchem sua reputação — disse.
—A que você se refere? —perguntou Brodick.
—As pessoas vão murmurar —disse Judith—. Não quero que ninguém machuque os sentimentos de Gillian.
—E o que podem dizer? —perguntou Gillian.
Judith evitou com toda deliberação dar—lhe uma resposta direta, para não alterar a sua nova amiga.
—Algumas pessoas podem ser cruéis. Não os Maitland, sem dúvida, mas há outros que podem dizer coisas terríveis.
—O que Judith tenta dizer é que correrão rumores que você é amante de Brodick.
—Ian, é necessário que você seja tão bruto?
—É preciso que compreenda exatamente o que queremos dizer.
—Já correm esses rumores? —perguntou Gillian.
Por toda resposta, Ian deu de ombros.
—Essa não é uma resposta satisfatória —disse Brodick—. Neste momento, está em perigo sua reputação?
Parecia indignado ante tal possibilidade. Gillian endireitou os ombros.
—Não me preocupa a maledicências —replicou—. Devo reconhecer que não tinha pensado em... isto é, com tudo o que tenho na cabeça, não me detive a considerar... —Se obrigou a deixar de titubear, e mesmo que pudesse sentir que seu rosto ardia de vergonha, sua voz era firme — As pessoas que perde seu tempo bisbilhotando a vida alheia é mesquinha e estúpida. Pelo que a mim diz respeito, podem chamar—me de rameira se lhes apraz. Eu sei muito bem o que abriga meu coração, e só tenho que responder ante Deus.
—Por outro lado a mim preocupa, maldito se me preocupa —disse Brodick em tom irado—. E não vou permitir que ninguém te calunie.
—Como você propõe detê—los, Brodick? —perguntou Ramsey.
—Sim —concordou Ian—, diga—nos o que você pensa fazer.
Para Brodick só havia uma solução possível. Soltou um prolongado suspiro.
—Casar—me com ela, suponho —respondeu.
O anúncio deixou Gillian sem força, e esteve a ponto de cair.
—Você supõe mal —disse.
Todos, inclusive Judith, ignoraram seu protesto.
—A mim me parece lógico —comentou Ian.
—Sim, a mim também —concordou Ramsey — Brodick veio se comportando de maneira muito possessiva com Gillian. — Ontem à noite não permitiu que me aproximasse dela mesmo quando ele estava a seu lado.
—Sabe muito bem que as mulheres tendem a perder a cabeça quando estão perto de você —apontou Ian—. E também há o desgraçado incidente da Inglaterra, quando Brodick e você foram buscar esposas. É possível que continue irritado por isso.
—Não estou irritado —anunciou Brodick.
Seus amigos pareceram não ouví—lo, Ramsey deu de ombros.
—Isso aconteceu há oito anos —comentou—. Além disso, Brodick não teria sido feliz com uma mulher capaz de interessar—se por outros homens com tanta facilidade.
—E por isso nenhum dos dois a trouxe para casa.
—Nenhum dos dois a queria. Carecia de princípios morais.—Essa qualificação é muito indulgente —disse Ian com uma risadinha afogada.
Brodick parecia ter vontade de matar Ian e Ramsey, mas estes não faziam nenhum caso de seu feroz aspecto.
—Nesta história há mais do que vocês dizem, verdade? —disse Judith.
Ninguém respondeu. Ian piscou para ela, e Judith decidiu que já encontraria a forma de saber de tudo.
—Ontem à noite, Gillian tinha posto seu tartán, Brodick — lembrou Ramsey.
—Ele insistiu em que usasse suas cores —disse Ian—. Não é raro que as pessoas faça especulações sobre a situação de Gillian.
—Ouvi dizer que durante os festejos de ontem à noite, você a beijou diante de todo o clã Maitland.
Brodick deu de ombros.
—Não todo o clã, só alguns de seus membros.
—Você queria que todos soubessem... —começou a dizer Ian.
Brodick o interrompeu.
—Você tem toda a maldita razão; sim, queria.
—Queria que todos soubessem de que? —perguntou Judith, dando um olhar preocupado a Gillian.
—Que Gillian lhe pertence —explicou Ian.
—Por isso a beijou diante de todo o mundo —completou Ramsey.
A pobre Gillian pareceu ter recebido um golpe na cabeça. Judith sentiu pena dela, porque sabia bem que não compreendia as bruscas atitudes dos homens das Highlands.
—Tenho certeza que não foi mais que um beijo amistoso, da classe que um primo daria a outro como cumprimento.
Gillian assentiu freneticamente.
—Ao diabo se foi —Brodick contradisse em um murmúrio. Com um leve suspiro, Judith se deu por vencida. Se algo tinha aprendido ao longo dos anos compartilhados com lan, era que nenhum homem das Highlands sabia ser sutil.
Se desejavam que se fizesse algo, o faziam eles mesmos, e se algum deles queria uma mulher, a tomava. Era assim simples. Respeitavam às mulheres, sem dúvida, e precisamente por essa razão geralmente se casavam com elas antes de levá—las para a cama, mas uma vez que tinham assumido um compromisso, o mantinham até a morte. Nesta ocasião era óbvio que Brodick queria Gillian, e nenhum argumento seria capaz de convencê—lo do contrário. A tomaria, e seus dois leais amigos, com suas irritantes brincadeiras, não faziam mais que dar a entender que aprovavam a união e fariam tudo o que pudessem para ajudar.
Nenhum deles, mesmo assim, tinha levado em conta os sentimentos de Gillian. Judith lhe afagou a mão, para demonstrar sua simpatia. Gillian parecia absolutamente aturdida.
—Brodick.
—Você ama Gillian?
Um denso silêncio seguiu à pergunta. Se os olhares fossem capazes de matar, Ian teria ficado sem esposa, pensou Judith. Era evidente que Brodick não gostava que o acossassem com perguntas tão pessoais. Judith, no entanto, não se jogou atrás, antes de tudo, levava em conta os interesses de Gillian.
—Você ama? —insistiu.
—Carinho, não deveria fazer semelhante pergunta — disse Ian.
—Eu acho que sim —contra—atacou ela.— Alguém tem que preocupar—se com Gillian.
—Nós o fazemos —protestou Ramsey.
—E Brodick, evidentemente, a quer —somou Ian.
—Querê—la não é suficiente —afirmou Judith—. Vocês esqueceram que é inglesa?
—Era inglesa —exclamaram Ian e Ramsey em uníssono.
Judith não ocultou sua exasperação.
—Mas Brodick e você não juraram casar somente com uma mulher das Highlands? — perguntou a Ramsey.
—Sim, assim foi —respondeu Ian—. Depois daquele desventurado incidente na Inglaterra...
—Você poderia deixar de chamá—lo de “desventurado incidente”? —pediu Brodick.
—Sim, fizemos essa promessa —reconheceu Ramsey—. Mas, obviamente, Brodick mudou de ideia.
—Estou pensando na sua reputação —disse este.
—Pois então limite—se a se manter afastado dela —sugeriu Judith.
—Essa não é uma solução aceitável —disse Brodick.
—Por que? —insistiu Judith.
—Porque Brodick não quer manter—se afastado dela —disse Ramsey—. Isso deveria ser evidente, Judith.
Judith decidiu provar em outra direção.
—Brodick, você informou a Gillian como seria sua vida com os Buchanan?
Ele deu de ombros.
—Acabo de decidir casar—me com ela —reconheceu.
—Me disse que me sentiria desgraçada. —A voz de Gillian era mal um rouco sussurro. Ainda não havia se recuperado da ultrajante ousadia de Brodick ao dizer seu futuro, mas a incredulidade ia se transformando rapidamente em fúria, e em questão de segundos tremia de ira. Não deixou de repetir a si mesma que em qualquer momento todos se poriam a rir e lhe diriam que não tinha sido mais que uma piada.
—Sim, seria desgraçada —confirmou Brodick.
Ramsey rompeu em gargalhadas.
—Você disse a verdade, então. Não invejo a ninguém, homem ou mulher, que tente adaptar—se ao estilo de vida desses selvagens que se chamam Buchanan.
— Não serei desgraçada! —exclamou Gillian—. E vocês sabem por que?
Os homens atuaram como se não tivessem ouvido sua pergunta. Ian se deteve na sua primeira afirmação.
—Vocês veem? Já tem uma perspectiva otimista. É um bom começo.
—Cavalheiros, poderiam deixar de brincar? —pediu Gillian. Tinha conseguido recuperar o controle, e estava resolvida colocar fim a essa discussão.
—Não acho que estejam brincando —disse Judith. Se aproximou de Gillian, e murmurou — Se não percebeu ainda, talvez deva te explicar que...
Agitada, Gillian passou os dedos pelo cabelo.
— Explicar—me o que?
—Nunca brincam. Acho que Brodick fala a sério quando diz que se casará com você.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 14

—Brodick, gostaria de falar a sós com você. —Suas secas palavras não admitiam discussão, e nem sequer tentou dissimular sua injúria. Queria que ele soubesse que estava furiosa.
—Agora não, Gillian —replicou Brodick com impaciência, aparentemente não muito afetado pela sua exibição de mau humor—. Ramsey, partiremos dentro de dez minutos. Você acha que você poderá estar pronto até lá?
—Certamente —respondeu o aludido, e depois de cumprimentar com uma inclinação a Gillian e a Judith, começou a subir pela colina.
lan rodeou os ombros de sua esposa com seu braço, e se virou para o oeste.
—Antes de voltar às minhas obrigações, vou buscar às crianças. Foram à casa de Patrick e Frances Catherine.
Judith não teve muitas alternativas, já que seu marido já a arrastava com ele.
—Você prometeu que os levaria para pescar — lembrou.
—Não, Alec prometeu em meu nome.
—Mas os você levará?
—Sem dúvida que sim —respondeu ele, rindo—. E não deixarei que se afoguem —acrescentou, repetindo a promessa que Michael fez a seu irmão.
Brodick continuava de pé junto de Gillian, mas não lhe prestou atenção. Estava totalmente concentrado em encontrar Dylan no prado ao pé da colina, onde treinavam perto de uma centena de soldados Maitland.
Gillian observou o grupo de mulheres, que recolheram as saias e subiram correndo a colina. A maioria ria tontamente, como criançinhas.
—Que estão fazendo?
Brodick olhou às mulheres.
—Perseguindo Ramsey —respondeu em tom prático e realista, e continuou esquadrinhando o campo.
—Por que?
—Por que, o que? —perguntou ele, sem deixar de buscar.
Gillian soltou um suspiro.
—Por que as mulheres o perseguem?
A pergunta o desconcertou, já que devia ser óbvio para Gillian, evidentemente não era em absoluto.
Deu de ombros.
—É o que sempre fazem —disse.
—Todas as mulheres o perseguem? —perguntou Gillian, ainda sem compreender.
Por fim, Brodick dedicou a ela sua atenção.
—Sim, isso mesmo—disse com lentidão.
—Mas, por que?
—Você não sabe?
—Se soubesse não te perguntaria, Brodick —replicou ela, completamente confundida.
—O acham... belo —disse Brodick, sem encontrar uma palavra melhor—. Pelo menos, isso é o que me disseram.
—É muito amável e educado, mas não posso me imaginar perseguindo—o só porque é atraente.
—As mulheres não se interessam por sua conduta ou seu caráter. As agradam olhá—lo.
Gillian sacudiu a cabeça.
—Já sei o que tenta fazer. Você está tentando me fazer rir para que esqueça suas arrogantes pretensões.
—Te juro que estou dizendo a verdade. Às mulheres gostam de olhar Ramsey, e por isso o perseguem. Você não acha que é belo?
—Até agora, não tinha ocorrido pensar nisso, mas suponho que é —respondeu Gillian—. Sim, claro que é —confirmou com mais um pouco de convicção para que Brodick não pensasse que desprezava a seu amigo. lan também é muito bonito. Me surpreende que as mulheres não persigam a você. Depois que tudo, você é muito mais...
Se deteve a tempo. Por todos os céus, havia estado a ponto de dizer o quanto ele era atraente. Sua rude masculinidade roçava o pecaminoso. O mero feito de estar perto dele lhe provocava pensamentos e desejos muito pouco adequados em uma dama, pensamentos mais próprios de uma rameira. Mas elas eram lascivas; Gillian não. Ao menos, não era até que Brodick entrou em sua vida e a virou de pernas para cima.
Oh, não estava disposta a permitir que ele soubesse quanto a afetava. O último que ela desejava era fomentar seu soberba. Brodick já tinha de sobra para toda sua vida.
—Sou muito mais o que? —perguntou ele.
Gillian sacudiu a cabeça, tentando não prestar atenção a seu penetrante olhar.
—Já sei por que as mulheres não te perseguem —disse—. As assusta. Brodick se pôs a rir.
—Me alegra sabê—lo.
—E sempre tem o cenho franzido.
—Ah, ali está Dylan.
Sem dignar—se sequer a despedir—se, Brodick se afastou a grandes pernadas. Gillian não pôde crer em sua falta de cortesia, nem se tinha incomodado em olhar para atrás. Simplesmente, tinha ido.
—Oh, não, você não fará —murmurou—. Não vai me deixar aqui plantada. —Resmungando em seu íntimo, recolheu as saias e desceu correndo a colina.
—Brodick, insisto em falar com você, e não me importa se quer ou não me escutar! —exclamou, mas como ele já estava longe dela, duvidou que tivesse ouvido uma só palavra.
Gillian não tinha proposto apressar o passo, mas a ladeira da colina era muito mais escarpada do que tinha pensado, e antes que pudesse se dar conta, se encontrou correndo, aparentemente sem poder parar.
O impulso a lançou no meio de uma luta de espadas.
—Rogo que me desculpem —balbuciou, ao se chocar contra um dos soldados.
O homem não a ouviu, mas evidentemente sentiu o golpe nas suas costas. Achando que outro dos soldados o atacava pela costas, deu meia volta, levantou a espada, e já se dispunha a deixá—la cair, descrevendo uma amplo arco, sobre seu atacante, quando descobriu a quem estava a ponto de bater.
O grito de sobressalto que soltou perfurou a copa das árvores. Gillian retrocedeu de um salto, e se chocou contra outro soldado. Se virou rapidamente para ele.
—Eu sinto muito —murmurou.
Então foi esse outro soldado quem gritou. Mortificada pelo tumulto que estava provocando, e sem saber para onde dirigir—se, Gillian deu voltas em círculos e depois se deteve no meio da simulação de batalha, rodeada por um numeroso grupo de ofegantes soldados que lutavam como se suas vidas dependessem disso. Nenhum parecia se dar conta que só estavam treinando.
No meio do caos, Gillian perdeu de vista a Brodick.
—Por favor, me desculpem por interromper —se desculpou, enquanto gentilmente tentava abrir passo entre a multidão.
Brodick soltou um bramido que conseguiu parar seu coração. Então, todos começaram a gritar. Com um suspiro de resignação, soube que a razão era ela.
A luta tinha cessado, e Gillian se encontrou no centro de um círculo de guerreiros estupefatos que a contemplavam como se acabasse de cair do céu.
—Sinto, cavalheiros. Não tinha intenção de interromper seu treinamento. Realmente, estou... oh, ali está Brodick. Por favor, deixe—me passar.
Os homens pareciam muito atônitos para se movimentar. A feroz ordem de Brodick, no entanto, os trespassou, e em questão de segundos abriram um largo corredor para que passasse Gillian. Em um dos extremos a aguardava Brodick, de pé com as pernas separadas, as mãos sobre as quadris, e um gesto mal—humorado no rosto.
Gillian pensou que talvez seria uma boa ideia ir para o outro lado, mas quando olhou para lá, viu que esse extremo o fechavam Dylan e Winslow. Este último a olhava como se tivesse a intenção de matá—la. Dylan, entretanto, só parecia estar atônito.
Sentindo que estava apanhada, Gillian decidiu que devia superar sua conturbação e quadrando os ombros, caminhou lentamente para o homem a quem considerava o único responsável de ver—se transformada em uma tola diante de seus homens.
—Pelo amor de Deus, Gillian, em que você estava pensando? Poderiam ter te matado.
Um surdo grunhido de assentimento brotou da multidão. Gillian sentiu que o rosto ardia de vergonha, mas se obrigou a voltar e olhar de frente ao desgostado público. Uniu as mãos como se estivesse rezando.
—Sinto muito —repetiu—. Comecei a descer a colina, e antes que pudesse parar, me encontrei correndo. Peço que me desculpem, cavalheiros, por interromper e causar preocupação.
A sinceridade de sua voz e suas sentidas desculpas acalmaram e agradaram aos homens. Vários deles inclusive se inclinaram ante ela, os demais assentiam com a cabeça para demonstrar que perdoavam sua falta.
Gillian começou a sentir—se melhor, mas tão logo se virou para Brodick, esse sentimento se evaporou. Sua fúria poderia chegar em derreter o sol.
—Quero falar com você —disse Gillian.
Brodick foi para ela, com a testa baixa como um touro. Ao chegar ao lugar onde ela estava, não diminuiu o passo.
Se limitou a tomá—la pela mão, e continuou andando no mesmo ritmo. Gillian não teve alternativa. Ou podia caminhar junto a ele; na verdade correr, já que as pernadas de Brodick eram muito mais compridas e velozes que as suas, ou ele a arrastaria como um trapo.
—Solte—me, ou caminhe mais devagar —exigiu, enquanto tentava manter o passo.
Brodick diminuiu a marcha.
—Te juro por Deus que você põe a prova a paciência de um santo.
—Não é nenhum santo, Brodick, não importa o que possa ter dito sua mãe.
O touro, inacreditavelmente, sorriu.
—Ah, mas você gosta, Gillian, há se gosta!
Ela não estava de humor para elogios, especialmente os prodigalizados em um tom de tanto assombro.
—Pois então vou te fazer...
—Delirar de prazer? —perguntou ele lembrando suas palavras da noite anterior.
—Sim, você delirará de prazer, e você sabe por que?
—Não —replicou ele com ressecamento—, mas você vai me dizer, não é mesmo?
Tinha posto um tom resignado, mas Gillian se negou a tomar como um insulto.
—Te libero de sua obrigação.
—Que quer dizer?
—Você não tem que se preocupar mais pela minha reputação. Se eu não me preocupo, porque você teria que se preocupar?
—Entendo.
—Você não tem que se casar comigo.
—Ah, sim?
De repente, Brodick mudou de rumo, para dirigir—se para o arvoredo onde anteriormente se tinham congregado as admiradoras de Ramsey.
—Aonde você me arrasta agora?
—Necessitamos de uns momentos a sós.
Gillian não discutiu, nem assinalou o fato de que tinha pedido um pouco de intimidade antes que saíssem em busca do Dylan, era ela. Quando antes explicasse sua posição, melhor, pensou, antes que alguém os tornasse a interromper ou que ele voltasse a escapar.
—Sei por que me ofereceu.
—Que te ofereci? —perguntou ele, olhando—a de esguelha.
—Você pode prestar atenção, por favor? Só estava mostrando—se galante comigo quando sugeriu que me casasse com você.
—Sugerir? —zombou ele—. Gillian, eu não costumo fazer sugestões. Eu dou ordens. Você pode ver a diferença?
Gillian se negou a perder tempo tentando acalmá—lo.
—Este não é momento para diplomacia —disse—. Tenho que te fazer compreender que você não tem por que ser tão nobre. É tudo culpa minha, realmente é. Agora me dou conta. Não deveria ter te pedido que viesse comigo até as terras de Ramsey. Te encurralei, e foi um erro da minha parte.
—Ninguém jamais conseguiu me encurralar, nunca —replicou ele, muito ofendido pelo seu comentário—. Fiz o que queria fazer, e o que pensei que fosse necessário.
—Não é responsável por mim.
A levou até um lugar isolado dentro da floresta, enquanto ela não deixava de falar e perguntar porquê havia feito o que tinha feito. Brodick advertiu que Gillian parecia ter pensado profundamente sobre todo o assunto. Ela tinha entendido tudo errado, certamente, mas ele decidiu esperar até que ela terminasse de explicar seus próprios motivos antes de esclarecer as coisas.
Quando chegaram em uma clareira no arvoredo, soltou a mão dela, se apoiou contra um grosso tronco de árvore, cruzou os braços sobre o peito e aguardou que Gillian terminasse seu sermão.
Tentou se concentrar no que ela dizia, mas se distraiu. Gillian era tão deliciosa, com essas bochechas coradas e os castanhos cachos caindo sobre os ombros! Sabia que ela não tinha a menor ideia da linda que era, que não se preocupavam as aparências, e Brodick pensou que era uma mudança refrescante com relação a outras mulheres que tinha conhecido. Os olhos de Gillian tinham se tornado de um profundo verde esmeralda. Era evidente que no seu interior bulia a paixão, e o acometeu um súbito e afligido desejo de tomá—la nos braços e não soltá—la jamais.
—Você compreende agora?
De que diabos estaria falando?
—Compreender o que? — perguntou, dando conta que não tinha escutado uma só palavra do que ela tinha dito.
—Não prestou atenção? —exclamou Gillian, cheia de frustração.
—Não.
Gillian deixou cair os ombros.
—Brodick, não vou me casar com você. —Enfatizou suas palavras sacudindo negativamente a cabeça—. Não te permitirei se comportar com nobreza.
—Gillian.
—Você gosta de estar comigo?
Ela simulou não compreender porque pareceu mais seguro que permitir a ele obrigá—la a reconhecer todos esses sentimentos que tentava desesperadamente ocultar.
—Você se refere a... agora?
—Você sabe exatamente o que quero dizer.
—Brodick...
—Me responda.
Ela inclinou a cabeça.
—Sim, eu gosto... muito... de estar com você —admitiu—. Mas isso não tem importância —se apressou a acrescentar — Há muito pouco tempo que nos conhecemos, e você tem que ir para sua casa. Tenho certeza que você tem muitas obrigações. Depois de tudo, você é o laird dos Buchanan.
—Sei muito bem quem diabos sou! —replicou ele com brusquidão. Ela contra—atacou, com uma dose de seu próprio remédio.
—Não se atreva a me falar nesse tom! Não vou tolerar!
Quando ele, de repente sorriu, Gillian sentiu que estava a ponto de explodir.
—Te pareço divertida?
—Te encontro absolutamente refrescante.
Gillian sentiu que tinha dificuldades para respirar.
— Oh!
—Sim, sim. Não são muitas as mulheres que se atreveriam a me falar como você tem feito. A verdade é que você é a primeira — acrescentou, um tanto envergonhado—. Não deveria te permitir tanta insolência.
—Não acho ter sido insolente, e geralmente não costumo censurar aos demais, mas me faz perder as estribeiras.
—Isso é muito bom.
Exasperada, Gillian deu um passo para ele, e sacudiu a cabeça.
—Eu gostaria que você deixasse de tentar me confundir mudando sempre de tema. Você está pondo muito difícil. Simplesmente estou tentando...
—Libertar—me?
—Sim — disse Gillian, ao tempo que soltava um suspiro.
Brodick se aproximou dela, mas Gillian retrocedeu, levantando a mão para detê—lo.
—Não faça.
—Que não faça o que?
—Beijar—me. Isso era o que você ia fazer não é?
Ele voltou a apoiar—se na árvore.
—Quer que o faça?
Gillian passou os dedos pelo cabelo, muito agitada.
—Sim...quero dizer, não. Oh, deixe já de me fazer perguntas! — exclamou—. Você me confunde. Não posso me casar com você. Tenho que encontrar a minha irmã e essa maldita caixa, e depois retornar à Inglaterra. Se me casasse com você, no final você ficaria só.
—Que pouca fé você tem em mim? Não acha que possa proteger você?
Gillian não vacilou.
—Sem dúvida que tenho fé em você. Sei que você pode me proteger, mas esta guerra não é a sua. É minha, e não te introduzirei nela. Se te acontecer algo, não poderia suportar.
Brodick se assaltou com uma súbita ideia, que o sacudiu até o mais profundo.
—Há algum homem esperando você na Inglaterra?
Pela primeira vez desde que tinham se enredado em tão acalorada discussão, o ouviu inseguro de si. Sua vulnerabilidade era atraente. Mesmo que Gillian soubesse que tinha a possibilidade de terminar com a discussão de uma vez para sempre, se sentiu obrigada a dizer a verdade.
—Não, não há outro homem. Vou para casa, buscar meu tio Morgan... mas não há nenhum outro.
—Talvez seu tio já te escolheu um marido?
—Não.
Brodick inclinou a cabeça, observando—a.
—Ele me achará aceitável —disse serenamente.
Gillian não discutiu.
—Sim, com certeza.
—Ele ficaria satisfeito ao se informar que você se casou com um laird?
A estima de Brodick voltava a estar no seu lugar, e qualquer insegurança que pudesse ter detectado nele tinha esfumado totalmente. Voltava a ter frente a si o arrogante guerreiro, pretensioso e orgulhoso.
—Meu tio gostaria de saber que você alcançou uma categoria de semelhante importância dentro de seu clã, mas não é por isso que te consideraria aceitável.
—E então, por que? —perguntou ele com curiosidade.
—Porque poderia ver facilmente além de seu arisco exterior. Você é acalorado e apaixonado na hora de defender suas convicções, e também extremamente leal para com aqueles que você ama. Você é um homem honrado, Brodick, e não poderia enganar meu tio. Ele saberá o que há em seu coração.
—E você, Gillian? Você sabe tudo o que há em meu coração?
Sua voz era mal um suave sussurro, e um estremecimento de desejo a percorreu da cabeça aos pés. Sob os raios do sol que se filtravam pelas copas das árvores, o corpo de Brodick tinha adquirido um resplendor. Resplandeciam a pele e os longos cabelos dourados. A contemplação desse homem a deixou com a boca seca e um vazio no estômago. Suas fantasias cobriram de rubor seu rosto, e quando advertiu que tinha os olhos cravados em seu boca, se obrigou a descer a vista até o chão até que pudesse dominar seus loucos pensamentos. Até conhecer Brodick, jamais tinha considerado seriamente a possibilidade de estar com nenhum homem, e graças a ele soube que ia ter que passar um bom momento no confessionário, contando ao padre quão depravada tinha se tornado.
—Você esteve com muitas mulheres? —Não podia crer que teve a audácia de formular uma pergunta tão íntima, e desejou ter retirado essas palavras—. Não responda —retificou— Não deveria ter perguntado isso.
—Você pode me perguntar o que quiser —disse ele—. E, sim, estive com outras mulheres —acrescentou em um tom prático e realista—. Gostaria que contasse quantas?
—Não, obrigada —respondeu ela. Sem deixar de olhar o chão, perguntou — Te espera alguma em particular?
—Imagino que há várias me esperando.
O olhar de Gillian voou para ele.
—Não pode se casar com várias mulheres, Brodick. Só com uma. Tinha o rosto corado. Brodick teve que fazer um considerável esforço para não rir.
—Sempre há mulheres me esperando e desejando compartilhar meu leito —explicou—. Nenhuma delas tenta se casar comigo.
Gíllian decidiu que odiava cada uma dessas mulheres. O ataque de ciúmes que sofreu nesse momento carecia de sentido, mas conseguiu fazê—la se sentir desolada. Não ia se casar com ele, mas apesar disso detestava a imagem de Brodick compartilhando sua cama com outra mulher.
Incapaz de ocultar sua fúria, pois esta lhe impregnava a voz.
—E todas essas mulheres vão continuar compartilhando sua cama depois que você se casar? —perguntou.
—Não tinha pensado nisso —reconheceu ele.
—Pois então, pense —replicou ela.
Gillian se deu conta que ele sabia exatamente o que passava pela sua cabeça quando a olhou sorrindo. Oh, sim, ele sabia que ela não gostava de ouvir falar de outras mulheres, e estava desfrutando enormemente com sua reação. De repente quis chutá—lo e beijá—lo, tudo ao mesmo tempo.
Em lugar disso, optou por conservar a compostura.
—A sua esposa não gostaria que você levasse outras mulheres à sua cama.
—Gillian, quando nos casarmos, só terei você e a nenhuma outra mais. Nós seremos fiéis um ao outro, nas boas e nas más horas. Não deve se preocupar por coisas tão insignificantes. Só quero você. Seu tio Morgan se dará conta que vou cuidar de você?
—Ele sabe que eu sei me cuidar só. Não sou nenhuma frouxa. Meu tio me ensinou a me defender. Pensa que sou fraca porque Alec te disse que me bateram?
—Não —respondeu ele—. Você demonstrou fortaleza, não debilidade. Você protegeu o rapaz do perigo ao voltar a fúria do canalha contra si mesma. Além disso —acrescentou, pretensioso—, jamais me casaria com uma mulher fraca.
A calidez de sua voz e seu elogio por um triz se transformaram na sua ruína. Oh, como anelava se atirar nos seus braços e abraçá—lo! Não sabia como proteger—se, e já começava a lamentar sua perda. Soube que quando retornasse para a Inglaterra, jamais voltaria a ser a mesma.
—Diga que você me ama — pediu ele.
—Te amo —confessou Gillian—. Mas não me alegra. Eu não sei bem como sucedeu.., tão rapidamente.., não tive tempo de me proteger de você, e não tinha nenhuma intenção de me apaixonar. —Sacudiu a cabeça, como se tentasse ordenar seus pensamentos—. No entanto, não tem muita importância, porque não me casarei com você.
Brodick sentiu que seu corpo relaxava. Mesmo que imaginasse que ela o amava, suas palavras lhe deram a segurança que precisava. A tensão o abandonou, e de repente se sentiu renovado. Ela conseguia fazê—lo sentir limpo, novo, indestrutível.
—Vou ter você, Gillian.
Desconcertada pela veemência de sua voz, Gillian negou com a cabeça.
—Não.
—Sim —a contradisse ele, em tom firme e decidido—. Entenda isto: nenhum homem vai te tocar. Você me pertence.
—Quando você tomou essa decisão?
—Ao me dizer que me ama. Eu já sabia, mas parece que precisava ouvir você dizer.
Ela rompeu em pranto.
—Por que não tenta compreender? Eu jamais poderei ter uma casa como a de Annie Drummond. Nem agora, nem nunca. Você está colocando ideias tolas na minha cabeça, e quero que você deixe de fazê—lo. É cruel me fazer desejar aquilo que nunca poderei ter. Não! —acrescentou, praticamente a gritos—. Não quero sonhar! É perigoso.
—Quer uma casa como a de Annie Drummond? —perguntou ele, surpreendido pelo extravagante desejo—. Porque?
—Oh, não importa. Não compreenderia.
—Então me explique para que eu entenda.
—É o que a casa de Annie representa — explicou ela, vacilante—. Ela tem sua casa, e um marido que a ama, e sua vida é...idílica.
—Não pode saber como é sua vida, a menos que você se ponha na sua pele —disse ele.
—Deixa de tentar se mostrar lógico —exigiu ela—. Simplesmente, estou tentando que você compreenda que nunca poderei sentir—me como Annie. Tenho que voltar à Inglaterra.
Subitamente, Brodick se pôs rígido. A verdade o bateu com força. Finalmente, adivinhou a verdadeira razão de que Gillian negasse a se casar com ele, e se deu conta que, inclusive nesse momento, ela tentava protegê—lo.
—Você acha que voltará à Inglaterra para morrer, verdade, Gillian? Isso é o que você está dizendo.
Ela afastou o olhar.
—Existe essa possibilidade —disse, e voltou a explodir em pranto.
—Não gosto de ver você chorar. Deixe de chorar, agora mesmo.
Gillian piscou, incrédula. Só Brodick podia dar uma ordem tão ridícula. Talvez achasse que chorava de propósito, para irritá—lo?
—Você é o homem mais difícil que conheço, e não me casarei com você.
Ele se movimentou com uma velocidade tal que não lhe deu tempo de reagir. Num instante estava a seu lado.
—Já se comprometeu comigo ao reconhecer que me ama. Mais nada tem importância. Me importa um nada o complicado que possa ser tudo. Agora você é minha. Você acha sinceramente que vou deixar você ir?
Repetindo que devia manter—se forte e não ceder ante Brodick, Gillian negou com a cabeça e lutou para se libertar. Empurrou as mãos apoiadas sobre o peito de Brodick, empurrou com todas suas forças, tentando desesperadamente colocar distância entre eles. Quando estava perto, tudo o que queria era submergir—se no seu calor e esquecer o resto do mundo. Queria que o tempo parasse... e isso era impossível.
Suas resistências foram inúteis. Não conseguiu movimentá—lo nem um centímetro. A força de Brodick era muito superior à sua, e depois de um instante parou de revolver—se nos seus braços, e inclinou a cabeça.
—Que vamos fazer? —sussurrou, outra vez à beira das lágrimas.
Gillian não reparou no revelador de sua própria pergunta. Não tinha perguntado que ia fazer ela, mas que iam fazer, ambos. Satisfeito por enquanto, simplesmente ao tê—la nos seus braços, Brodick se inclinou, a beijou nos cabelos e fechou os olhos para aspirar seu aroma. Não se parecia às mulheres Buchanan, e se deu conta que ela lhe inspirava certo temor reverente. Gillian tinha a pele lisa e suave tal como ele imaginava que seria o tato de uma nuvem, e seu sorriso conseguia fasciná—lo. Era linda como a de um bebê, e igual pura. Nela não havia sinal de astúcia ou malícia. Não, não se parecia a outras mulheres. Lembrou que quando a conheceu, a tinha julgado como quase dolorosamente melindrosa e correta, e frágil, muito frágil para o estilo de vida que ele levava. No entanto, em pouco tempo tinha notado o temperamento de aço oculto no seu interior. Gillian era valente e honrada, e essas não eram mas que duas das centenas de razões pelas quais não pensava deixá—la nunca.
—Te prometerei algo —anunciou com voz rouca—. E então você deixará de se preocupar.
—Qual é essa promessa?
—Se você voltar à Inglaterra, irei com você.
—Se voltar?
—Isso ainda não foi decidido.
—Que você está dizendo? Não compreendo. Essa decisão a tenho que tomar eu.
Brodick não discutiu, e seu silêncio conseguiu preocupá—la. Mais uma vez, tentou que explicasse suas palavras, mas ele se negou com obstinação.
—Quando retornar, irei só. Deve ficar aqui. Se acontecesse algo com você, não poderia suportar.
A voz dela tremeu pela emoção, e o temor que detectou na sua voz surpreendeu e agradou a Brodick. Jamais havia tido ninguém que se preocupasse tanto com ele. Sua única família era seu irmão, Winslow, mas a deles era uma relação distante, tensa. Se amavam como se amam os irmãos, mas nunca demonstravam seu afeto.
—Você terá que confiar em minha capacidade para proteger você — ordenou.
—Não sabe com quem você deverá enfrentar. Não são homens comuns. Contam com o apoio e a amizade do rei, e seguramente também com a do diabo.
—Nenhum deles tem sangue das Highlands, e isso os faz vulneráveis.
— Pode falar sério alguma vez? —exigiu ela—. Um homem das Highlands sangra igual a um inglês.
—Você tem que ter fé em mim. Te ordeno.
Gillian renunciou a discutir com ele, com a sensação que poderia ser mais fácil convencer um muro de pedra que a Brodick.
—Tenho fé em ti, e tentarei não me preocupar, mas isso é tudo o que te prometo. Você pode me dar todas as ordens que te ocorram, que não mudarão o que sinto.
—Todo homem tem seu ponto fraco — explicou ele com paciência—. Descobrirei o dele, te prometo.
—Todo homem?
—Sim —afirmou ele com convicção.
A mão de Brodick deslizou até sua nuca. Enredando seus cachos entre os dedos, a fez jogar a cabeça para atrás. Com seu rosto colado ao dela, a olhou nos olhos, fazendo—a sentir seu cálido e doce hálito sobre o rosto.
—E qual é seu ponto fraco, Brodick?
—Você.

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 16

Brodick baixou a cabeça e a beijou, aplacando qualquer possível protesto. Não foi uma doce carícia de seus lábios contra os dela, mas um beijo profundo e exigente que apagou qualquer dúvida sobre o tanto que ele a desejava. Seu língua entrou na boca doce e cálida dela para acariciá—la, e em questão de segundos Gillian estava devolvendo o beijo com a mesma intensidade. Timidamente no início, com a ponta de sua língua roçou a dele, mas quando sentiu que ele a apertava com mais força e grunhia baixo, se tornou mais audaz. A paixão de Brodick a afligia, mas não sentiu medo porque confiou que ele saberia quando parar. Por um momento, mesmo assim, não parecia ter a intenção de fazer nada semelhante, e por Deus! Que mágicas sensações provocava sua boca em todo seu corpo. Um abismo anelante no seu interior clamava por mais, e quando a boca de Brodick se apossou da sua uma e outra vez, só o que pôde pensar foi em que queria estar ainda mais perto dele.
Suas mãos acariciaram as costas dela e depois as estendeu enquanto continuava apertando—a contra seus coxas, de modo que ficassem intimamente unidos um ao outro. Com seus seios, Gillian esfregou contra seu peito, e sentiu que as coxas dele eram como aço. Brodick a fazia arder de desejo por ele, e Gillian sentiu que era incapaz de recuperar a coragem enquanto devolvia os beijos dele com frenesi.
—Brodick, quero...
Ele voltou a beijá—la, quase de uma forma selvagem, e de repente a separou dele e a deixou deslizar lentamente até o chão.
Manteve a cabeça oculta no oco do pescoço de Gillian, aspirando várias vezes com força enquanto tentava recuperar o controle de si mesmo.
Ela, no entanto, não queria deixá—lo ir, e quando ele começou a mordiscar o lóbulo da orelha, enquanto lambia suavemente sua sensível pele, sentiu que a recorria uma convulsão de puro prazer.
—Não, não... —balbuciou, e notou que a voz se quebrava, ao mesmo tempo em que tremia como uma folha.
Ele recorreu o pescoço da jovem com seus lábios.
—Não, o que? —disse.
Gillian jogou a cabeça para atrás para facilitar—lhe o acesso, e soltou um profundo suspiro.
—Não pare —respondeu.
Brodick a afastou suavemente, e a teria soltado se ela não houvesse cambaleado. Com um pícaro olhar de masculina satisfação, se sentiu orgulhosamente satisfeito de tê—la excitado e confundido em tão pouco tempo. A paixão de Gillian igualava à sua, e soube que uma vez que pudesse se livrar de sua timidez, se mostraria tão desinibida e ardente na sua noite de núpcias como ele pensava que seria. Melhor seria que se casassem em breve porque não achava poder esperar muito tempo mais, e certamente não desejava desonrá—la fazendo—a sua antes que seus votos matrimoniais tivessem sido abençoados. Mas ela estava tornando isso difícil. Só de olhá—la despertava nele um ardente desejo. Esses incríveis olhos verdes conseguiam fazer estragos. Seu cabelo era uma massa de cachos caindo sobre seus ombros, e tinha a boca rosada e inchada pelos seus beijos.
Esperar que entendesse e aceitasse se casar com ele estava fora de questão. Pois quando se decidisse, teriam pelo menos duas crianças.
O mundo voltou a intrometer—se entre os dois, obrigando—os a voltar à realidade. Ramsey gritou chamando Brodick, e com um longo suspiro de pesar, Brodick se afastou de Gillian.—Vá e prepare suas coisas. Chegou o momento de partir —Se voltou, dirigindo—se para o campo.
Gillian correu atrás dele.
—Obrigado por entender.
—Entender o que?
—Que não posso me casar com você.
Brodick continuou caminhando, e até onde Gillian ficou chegou o eco de seu riso.
Quando Gillian retornou à casa dos Maitland, Helen, a governanta, já tinha preparado todas suas coisas, e ao agradecer Gillian lembrou uma promessa que tinha feito. Por sorte, Helen pôde ajudá—la, e a mostrou um atalho para chegar no seu destino da porta traseira da residência.
Passaram dez minutos, e depois dez mais, e Brodick, já impaciente por natureza, ia se irritando cada vez mais enquanto esperava Gillian no pátio de armas.
Ramsey e Winslow aguardavam a seu lado, e cada dois segundos um ou outro olhava à porta de entrada.
—Que demônios a está atrasando? —murmurou Brodick.
—Talvez esteja esperando lan e Judith. Aí vêm eles. Seguramente Gillian quer despedir—se deles.
Ramsey foi o primeiro a ver Gillian que se aproximava deles do lado oposto da colina.
—Ali vem.
—Não se esqueceu —disse Winslow, sorrindo.
Sua esposa Isabelle caminhava junto de Gillian, e as duas crianças de Winslow vadiavam atrás delas. Andrew, o menor, que em breve faria cinco anos, se aproximou e tomou a mão de Gillian. Winslow a observou falar ao menino e sorrir. O que lhe disse fez com que o menino explodisse em gargalhadas. Isabelle se esforçava para não rir também.
—Do que não se esqueceu? — perguntou Brodick a seu irmão.
—Disse que Isabelle estava irritada comigo porque não a tinha apresentado. Não esqueceu.
De repente, Winslow soube por que sua família se divertia tanto com Gillian.
—Não acho que Isabelle entenda uma palavra do que diz. O gaélico de sua mulher necessita melhorar.
Brodick assentiu.
—Tem uma mente rápida. Aprenderá em breve.
—Você vai ficar com ela?
—Sim.
—Ela sabe?
—Ainda não.
Ramsey, que estava ouvindo a conversa, riu de boa vontade.
—Suponho que você levou em conta todas as circunstâncias, Brodick.
—Claro que sim.
—Não será fácil viver com... —começou a dizer Ramsey.
Brodick terminou a frase por ele.
—Viver com o clã Buchanan. Eu sei, e me preocupa sua adaptação.
Ramsey sorriu.
—Não é isso o que queria dizer. Não será fácil viver com você. Dizem que é difícil te aguentar.
Brodick não se sentiu ofendido.
—Gillian conhece bem meus defeitos.
—E ainda assim quer ficar com você? —perguntou Winslow.
—Na verdade, se negou se casar comigo.
Conhecendo Brodick como o conheciam, tanto Ramsey como Winslow tornaram a rir.
—Portanto, quando é o casamento? —perguntou Ramsey.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 17

Supunha—se que o amor não chegava de repente.
Gillian passo a maioria do caminho até as terras de Ramsey pensando em Brodick e perguntando—se como era possível que tivesse cativado seu coração tão completamente e em tão pouco tempo. Praticamente a tinha feito perder a sensatez. Gillian tinha plena consciência dos defeitos de Brodick, mas ainda assim o amava, e como era isso possível?
O amor era algo que ia crescendo com o tempo. Um lento descobrimento que ocorria após meses e meses de cortejo, e às vezes se dar conta que estava apaixonado requeria anos. O amor, certamente, não fulminava como um raio.
Talvez fora luxúria, e se fosse, então, como ia poder falar de tal atrocidade no confessionário sem morrer de vergonha? Era luxúria? Brodick era muito bonito, e era necessário estar morta para não notar. No entanto, Ian e Ramsey também eram bonitos, e seu coração não se desbocava quando um dos dois estava perto dela. Brodick, sem
embargo, exercia sobre ela um efeito hipnótico. Só o que tinha que fazer era olhá—la para deixá—la sem coragem.
Nesse momento não prestava a mínima atenção nela. Ramsey e ele cavalgavam muito na frente dos soldados e de Gillian, e Brodick não olhou para trás nem uma só vez para ver como ia. Gillian passou um bom momento contemplando seus largos ombros, enquanto tentava pensar que fazer para recuperar o sentido comum.
Não queria lembrar os motivos que a levavam às terras de Ramsey, mas a realidade terminou por impor—se.
E se sua irmã não estivesse ali? E se tivesse se casado, partindo para longe dos MacPherson? Ou pior ainda, e se não se lembrasse dela?
Christen não tinha tido Liese para ajudá—la a manter viva a lembrança, e se tivesse se esquecido tudo o que aconteceu?
Imersa em seus pensamentos, não percebeu que Brodick e Ramsey tinham parado. Dylan se aproximou dela e pegou as rédeas de sua montaria, fazendo—a parar. Os soldados e ela aguardaram a boa distância de seus lairds, e estava a ponto de perguntar ao comandante por que não seguiam o caminho, quando viu que se aproximava um cavaleiro pelo oeste, subindo a ladeira da colina. O desconhecido fez uma ampla volta, galopou até onde se encontravam Brodick e Ramsey e parou a seu lado.
Pacientemente, Gillian esperou para saber o que ocorria, enquanto observava o que parecia ser uma discussão entre Brodick e o desconhecido. No entanto, não podia ser uma discussão muito importante. Mesmo que Brodick tivesse o cenho franzido, e o desconhecido sacudia repetidamente a cabeça, pôde ver que Ramsey estava sorrindo.
—Dylan, quem é esse homem que movimenta a cabeça e fala com seu laird? —perguntou.
—O pai Laggan. É quem atende as necessidades espirituais dos Sinclair, dos Maitland e vários outros clãs.
Também cuida dos Buchanan?
—Quando não tem mais remédio, sim.
—No compreendo. Não Gosta dos Buchanan?
Dylan solto uma risadinha.
—Nós não agradamos a ninguém. — Nos sentimos muito orgulhosos disso. A maioria dos clãs não se metem conosco, como também o clero, incluindo o pai Laggan.
—E por que ninguém gosta de vocês?
—Têm medo de nós —explicou jovialmente o comandante Buchanan—. O pai Laggan acha que somos uns selvagens.
—E como você sabe isso?
—Pelo mesmo pai Laggan. É assim que nos chama.
—Tenho certeza que não pensa nada disso. Vocês não são selvagens. São um pouco... intensos.., isso é tudo. O padre parece não dar—se por vencido. Você vê como nega com a cabeça?
—Mas Brodick vai ganhar assim mesmo —predisse Dylan . Sempre ganha.
Como se soubesse que falavam dele, Brodick de repente girou na sela e a olhou fixamente, enquanto o sacerdote continuava discutindo. Obviamente irritado, Laggan agora agitava as mãos com veemência.
Então Brodick, sem deixar de olhá—la, piscou para ela. Gillian não soube que pensar de sua atitude. Não era próprio de Brodick flertar com ela diante dos demais, e o gesto, mínimo e inocente, encheu de calor seu coração.
—Você sabe por que discutem? — perguntou a Dylan.
—Sim, claro — respondeu ele.
Nesse momento, o pai Laggan também girou na sua sela para olhá—la. Tinha o cabelo surpreendentemente branco, e sua bronzeada pele parecia couro. Franzia os lábios em um gesto descontente, e por essa razão Gillian não sorriu nem o cumprimentou com a mão. Se limitou a inclinar a cabeça, em um silencioso cumprimento.
Logo o padre voltou a olhar para Brodick, Gillian se dirigiu a Dylan.
—Diga—me o que estão discutindo.
—Você, milady.
—O que você disse?
—Acho que você é o tema de discussão, milady.
—Seguramente que não —protestou ela— O sacerdote nem sequer me conhece.
—Iain só enviou Brodick, e me parece que agora Laggan esta atuando como seu guarda. Quer assegurar—se que ninguém a force a fazer nada que você não queira fazer.
—Mas eu quero ir às terras de Ramsey insistiu Gillian—. lain deve ter explicado minha situação ao pai.
Dylan desejou ferventemente que Gillian não pedisse mais explicações sobre o papel do sacerdote. Em seu opinião, quanto menos soubesse Gillian, seria melhor.
Brodick fez sinal para que se aproximasse, enquanto o sacerdote, ainda com gesto mal—humorado, movimentou seu cavalo a um lado para deixar espaço suficiente. Ramsey a ladeou por um lado, e Brodick pelo outro. Enquanto Ramsey realizava as apresentações de rigor, Gillian sorriu ao sacerdote, mas o sorriso se esfumou tão logo advertiu onde se encontrava. Tinha achado que Brodick tinha parado no alto de uma suave elevação, mas nesse momento, ao chegar a poucos metros desse alto, pôde ver um profundo abismo em frente de si. Puxou as rédeas com tanta força que o cavalo empinou, mas a rápida intervenção de Brodick evitou que fosse jogada da sela.
Ele lhe tirou as rédeas das mãos.
—Gillian, que aconteceu?
Ela se obrigou a olhá—lo fixamente, só ele e mais nada que ele.
—Eu não gosto das alturas —sussurrou— Me dá vertigem.
Vendo o pânico nos seus olhos, Brodick fez retroceder vários metros aos dois cavalos. Ramsey fez outro tanto.
—Já está melhor?
Gillian soltou um longo suspiro, sentindo que relaxava.
—Sim, muito melhor, obrigada. — murmurou, antes de se voltar para o pai Laggan.
—Ramsey, você terá que me ajudar com isto —disse Brodick em voz baixa.
—Farei tudo o que puder —prometeu seu amigo no mesmo tom.
Curiosa, Gillian o olhou.
—Você quer que eu também te ajude? —disse.
Brodick não pôde menos que sorrir.
—Sua ajuda é, definitivamente, necessária.
—Então diga—me, por favor, em que você necessita que te ajude, e o farei com o maior prazer.
Brodick jogou um breve olhar a Ramsey.
—O padre está esperando para falar com você. Quer que pense que você é uma mal—educada? —se apressou a dizer.
A possibilidade que involuntariamente pudesse ter faltado com o respeito a um homem de Deus a fez corar.
—Não, sem dúvida que não —disse apressadamente—. Bom dia para o senhor, pai. É um prazer conhecê—lo.
—Bom dia —replicou ele com uma cortesia que tinha esfumado quando acrescentou—Agora, tenho algumas perguntas importantes que formular para satisfazer à Igreja.
—Quer satisfazer à Igreja? —repetiu Gillian, desconcertada por seus bruscos gestos e sua estranha exigência. Seguramente, não tinha ouvido bem.
—Sim —respondeu ele com veemência. Então fez uma pausa para dedicar a Brodick o que só podia ser interpretado como um olhar extremamente hostil, acrescentou — Não vamos nos movimentar nem um milímetro até que não tenha a plena segurança que ninguém te pressionou.
—Pai, é muito importante que vá...
Antes que pudesse terminar sua explicação, Ramsey a interrompeu.
—Gillian não teve que descer por um desfiladeiro para resgatar Alec Maitland? lan me contou que seu filho tinha ficado preso em uma saliência da garganta.
—A tem em frente de você, Ramsey. Pergunte a ela —sugeriu Brodick. Gillian não estava prestando nenhuma atenção a eles.
—Pai, Por que precisa me perguntar...?
Mais uma vez, Ramsey a interrompeu, se não achasse que isso era impossível, teria pensado que fazia de propósito, mas, claro, isso era ridículo. Ao invés de Brodick, Ramsey jamais seria deliberadamente impertinente. Em todo caso, seu excesso de tato era quase um defeito.
—Se fiz o que? — perguntou distraída, enquanto seguia olhando o padre. Por que razão, em nome do céu, tinha que satisfazer à Igreja antes de reiniciar viagem para as terras de Ramsey?
Repetindo sua pergunta, Ramsey exigiu que o olhasse ao responder. Como se mostrava muito insistente, Gillian se desculpou com o sacerdote e se virou para ele.
—Sim, Ramsey, desci pela garganta do desfiladeiro para resgatar o Alec.
Antes que pudesse fazer outra pergunta a ela, Gillian voltou a prestar total atenção ao sacerdote.
—Pai, está me dizendo que não posso seguir viagem sem satisfazer à Igreja? Ouvi bem?
—Sim, milady, isso é exatamente o que disse. Ninguém vai sair deste lugar até que não me considere completamente satisfeito. — Falo sério, laird —acrescentou, dando outro penetrante olhar a Brodick.
—Receberá a satisfação que espera, pai — assegurou Brodick.
—Não compreendo... —começou a dizer Gillian.
—Me assegurarei que compreenda — disse o sacerdote—. Os Buchanan são expertos em armadilhas e enganos. — Farão o que for necessário para conseguir o que querem, e como nem seus pais nem seu confessor estão aqui para te proteger, considero meu dever atuar como seu guardião e seu guia espiritual. Você compreende agora?
Gillian não compreendia absolutamente nada. Começou a sacudir negativamente a cabeça, e pensou em perguntar ao pai por que achava que precisava que alguém velasse por ela. Será que não se dava conta que ali estava Brodick para cumprir essa função?
—Pai, eu pedi a Brodick...
O padre ficou tão abalado que não a deixou terminar.
—Você pediu a Brodick? Então, não foi obrigada?
Gillian começava a crer que o pai Laggan estava um pouco mal da cabeça. Mais uma vez, tentou pacientemente explicar.
—Se alguém exerceu alguma tipo de pressão, fui eu. Se eu não tivesse pedido, Brodick teria retornado para sua casa...
O mesmo Brodick foi quem a interrompeu desta vez.
—Ela tem capacidade de decisão própria, pai. Nem a forcei nem a obriguei a nada. Não é mesmo, Gillian?
—Sim, isso mesmo—confirmou ela—. Mas, pai, sigo sem compreender por que acha necessário atuar como meu protetor. —Não vê que estou em boas mãos?
O pai Laggan pareceu a ponto de chorar.
—Querida menina, você não imagina em que está se metendo —exclamou, estupefato ante sua serena aceitação — Me responda o seguinte —exigiu— Alguma vez você esteve nas terras de Buchanan?
—Não, não est...
O padre levantou as mãos com gesto de desespero.
—Aí vocês têm! —exclamou triunfantemente, quase gritando.
—O que até agora vi das Highlands é muito belo —disse Gillian— E suponho que as terras de Brodick são igualmente encantadoras.
—Mas não conheceu nenhum dos selvagens que chamam a si mesmos Buchanan, verdade, moça? — perguntou o sacerdote com voz chiada.
Era mais que evidente que o pai Laggan estava terrivelmente irritado, e Gillian tentou tranquilizá—lo.
—Não, não conheci muitos de seus seguidores, mas tenho certeza que são pessoas muito agradáveis, não selvagens.
—Santo Deus das alturas, acha que são agradáveis! Você ouviu, Ramsey? Você ouviu?
Ramsey teve que fazer um esforço para não soltar uma gargalhada.
—A ouvi, pai —respondeu—, mas me atrevo a recordar o que disse Brodick. Gillian toma suas próprias decisões. Eu acho que achará muito agradáveis aos seguidores de Brodick.
—Como é possível que ela...?
—Ela acha muito agradável o laird Buchanan. Não estaria a seu lado se não fosse assim. Brodick pode ser realmente... encantador... se propõe a isso. — O riso afogado que acompanhou as últimas palavras se transformou em uma estrondosa gargalhada.
O padre se virou para Brodick.
—Não é possível que saiba de tudo o que você reserva para ela.
—Está sugerindo que não vou cuidar dela como corresponde, ou que algum dos membros do meu clã vai maltratá—la?
O pai Laggan advertiu que havia extrapolado, e se apressou a tentar reparar o dano.
—Não, não —exclamou levantando as mãos — só sugeria... a moça parece ser uma jovem tão gentil.., e não imagino como fará para viver em um ambiente tão duro.
Gillian não conseguia compreender o que tinha provocado esta conversa tão peculiar, nem por que o pai Laggan se mostrava tão obviamente angustiado. Olhou a Brodick, com a esperança que ele explicasse o que estava acontecendo, mas ele a ignorou, enquanto falava com o padre em gaélico a toda velocidade. Seu acento era muito forte, sua hostilidade inegável, e Gillian se horrorizou que pudesse falar a um clérigo com tanta fúria.
O que Brodick estava dizendo era o quanto Gillian significava para ele, e que estava disposto a morrer antes de permitir que alguém a fizesse dano. Sabia que Gillian não entendia uma só palavra do que dizia, mas o fazia o pai Laggan, e no momento, era tudo o que importava.
Portanto, achou graça da confusão de Gillian.
—Não deve falar ao pai com essa grosseria! —exclamou ela— Deus não se agradará. —Virando—se para o padre, acrescentou —Ele não quis ser Insolente.
—Não é necessário que você se desculpe em meu nome —disse Brodick.
—Me preocupo por sua alma —replicou ela.
—Se preocupa com sua alma? —repetiu o padre.
—Alguém tem que preocupar—se com ela —respondeu Gillian—. Não vai ao céu se não o ajudar. — Seguramente, já tem se dado conta disso, pai, já que o conhece há mais tempo que eu.
—Gillian, basta dessa tola tagarelice —ordenou Brodick.
Ela preferiu ignorá—lo.
—Mas também tem um bom coração, pai. É só que não quer que ninguém saiba.
O sacerdote se permitiu um sorriso.
—Você vislumbrou a bondade no seu interior?
—Sim — respondeu ela suavemente—. A vi.
O sacerdote a olhou entrecerrando os olhos.
—Você foi criada em um lar pacífico?
—Sim, fui. O lar do meu tio era um lugar pacífico.
—E ainda assim, você está disposta... —O pai Laggan sacudiu a cabeça—. Como já disse, você não sabe como fará para sobreviver em um lugar tão duro.
—Pai, Brodick e eu nos dirigimos às terras de Ramsey —disse Gillian, tentando esclarecer sua confusão.
—Mas não vai ficar ali eternamente —replicou ele com frustração—. Alguma vez você tem que ir para casa.
—Sim, depois. Devo retornar para...
—Gillian, como você conseguiu? —perguntou Ramsey.
Confundida, Gillian se virou para ele.
—Consegui o que, Ramsey?
—Se te dá medo, como você conseguiu descer pelo desfiladeiro para resgatar o Alec?
—Quer falar disso agora?
—Sim.
—Mas estava explicando ao pai Laggan que devo...
—Responda a pergunta de Ramsey, Gillian — ordenou Brodick.
Nesse exato instante, Gillian renunciou a tentar controlar a conversa.
—Como fiz para resgatar o Alec? Foi simples: fechei os olhos.
—Deve ter sido muito difícil. Há poucos minutos vi como seu rosto se punha de cor cinzento ao chegar perto da borda.
—Não tive alternativa, e não tinha muito tempo. A corda que sustentava o Alec estava se rompendo.
—Bom, moça, se puder me prestar atenção um instante, eu gostaria de te fazer algumas perguntas —insistiu o pai Laggan.
—Certamente você tinha outra alternativa. Fazer algo que te causa tanto terror requer de uma grande valentia — disse Ramsey ao mesmo tempo.
—Gillian fez o que tinha que fazer. Certamente é valente —disse Brodick.
Ela não estava de acordo.
—Não, não fui nada valente. Tinha tanto medo que não deixava de tremer. E gritei —achou oportuno acrescentar.
—Gillian, não discuta comigo. Disse que você é valente, e você deve aceitar que sei do que estou falando.
Gillian não gostou que a contradissesse.
—Brodick, o único infalível é o Papa. Você não é. Portanto, não é possível que você saiba...
—Realmente, gostaria de continuar —os urgiu o sacerdote—. Vejamos, moça, preciso saber o seguinte: Você está em bons termos com a Igreja?
—Como diz?
—Quer saber se você está em bons termos com a Igreja —repetiu Brodick.
Gillian passou o olhar de um a outro.
—Acho que sim.
—E quando foi sua última confissão? —perguntou Laggan
Gillian titubeou antes de responder.
—Conte a ele — ordenou Brodick.
Ela sentiu que perdia os estribos.
—Te pedi que não me fale nesse tom — o repreendeu em um sussurro—. Eu não gosto.
O pai Laggan ouviu suas palavras. E ficou com a boca aberta e os olhos quase lhe saíram das órbitas.
—Se atreve a criticar o laird Buchanan? —balbuciou.
Envergonhada porque o sacerdote a tinha ouvido tentou justificar sua atitude.
—Quem se atreveu a me falar com brusquidão foi ele, pai. O senhor o ouviu, não foi? Será que não devo me defender?
—Sim, sem dúvida que deve fazê—lo, mas, moça, a maioria das mulheres não teriam se atrevido. — Temeriam as represálias.
Gillian desprezou a ideia.
—Brodick jamais faria mal a nenhuma mulher.
O pai Laggan a surpreendeu pondo—se a rir.
—Ouvi dizer que para cada homem existe uma mulher, apesar do obstinado e bárbaro que possa ser ele, e agora devo reconhecer que, efetivamente, é assim.
—Podemos continuar? —perguntou Brodick.
—Sim, claro —concordou o pai Laggan—. Lady Gillian, voltarei a perguntar: quando você se confessou pela última vez?
—Há muito tempo —respondeu ela, avermelhando.
Laggan não gostou do que ouviu.
—E por que não realizou esse sagrado sacramento?
—Devo responder essa pergunta antes de seguir a caminho da casa de Ramsey?
—Isso mesmo—respondeu o padre.
—O pai está aguardando sua resposta — lembrou Brodick.
Começou a doer a cabeça. Parecia ser a única que achava estranho o interrogatório do sacerdote, mas quanto estivesse a sós com Brodick, ia exigir uma explicação. Por enquanto, decidiu satisfazer a todos.
—Não me confessei porque a Inglaterra foi posta sob interdição papal, e aos sacerdotes não são permitidos administrar os sacramentos, salvo em casos muito extremos. Sem dúvida, terá ouvido mencionar o... desgosto... de nosso pontífice com o rei Juan. Ambos estão enredados em uma luta sobre quem será o próximo arcebispo de Cantembury.
O pai Laggan assentiu.
—A interdição. Sim, sem dúvida. Em que estava eu pensando? Esqueci que você vinha da Inglaterra. Agora, vejamos: gostaria que ouvisse sua confissão agora?
—Agora?
Não tinha tido intenção de gritar a pergunta, mas tinha ficado tão surpreendida pela sugestão que fizesse uma recontagem de seus pecados frente a Brodick e a Ramsey, e sem nada que a separasse discretamente do pai Laggan, que não pôde controlar sua reação.
—Não fez nada que precise que a perdoe — assegurou Brodick a Laggan.
—Como você sabe? — perguntou Gillian, nervosa.
Brodick se pôs a rir.
—Eu sei.
Ela o olhou de soslaio.
—Pequei —disse, gemendo em seu íntimo porque se ouviu confessar em tom de jactância.
—Não, não fez.
Que a contradissesse era a último coisa que estava disposta a tolerar.
—Sim que fiz —insistiu—. Graças a você, tive pensamentos impuros, e todos foram com você, entende? Pequei em abundância.
Só depois de pronunciar estas palavras se deu conta do que acabava de admitir
—Meus pecados são por sua culpa, Brodick, e se tenho que ir ao purgatório, pois então por Deus que você irá comigo. Ramsey, se não deixar agora mesmo de rir, juro que jogarei pelo penhasco.
—Você o ama, moça? —perguntou o padre.
—Não, em absoluto —respondeu ela com veemência.
—Não é um requisito essencial —assinalou o pai Laggan.
—Espero que não! —exclamou Gillian.
—Mas te faria a vida mais fácil —voltou a comentar ele.
—Gillian, deve dizer a verdade —exigiu Brodick.
—Disse a verdade. Não amo Ramsey, e se não deixa de rir de mim, muito em breve os Sinclair estarão procurando um novo laird.
—Não me refiro a Ramsey —gritou Laggan para ser ouvido acima dos risos de Ramsey—. Estou perguntando se você ama a Brodick.
—Você disse ao pai que eu te amo? E que mais você disse?
Segundo a opinião de Brodick, a pergunta não merecia nenhuma resposta. Tranquilamente, pediu que voltasse a dizer que o amava.
—Brodick, agora não é momento...
—É o momento perfeito.
Gillian não esteve de acordo.
—O que te disse foi algo particular.
—Você ama?
Reticente a admitir a verdade frente a um público pendente de cada uma de suas palavras, ela inclinou a cabeça.
—Não quero discutir questões sentimentais agora.
Brodick não ia deixar que o desafiasse, de modo que a pegou pelo queixo e voltou a perguntar.
—Você me ama? —E apertou a mão para obrigá—la a responder.
—Você sabe que sim —disse Gillian em voz baixa.
Com expressão solene, Brodick tomou o pedaço de seu tartán que caía atrás de seu ombro, e envolveu seus mãos unidas com uma das pontas.
Finalmente Gillian compreendeu que estava ocorrendo. Presa do pânico, tentou libertar a mão, mas Brodick não a soltou, e após uns segundos de resistências, desistiu de tentar.
Seu coração pertencia a ele.
—Diga as palavras —ordenou Brodick, olhando—a nos olhos.
Gillian, teimosamente, se manteve calada. Ele, teimosamente, insistiu.
—Quero as palavras, Gillian. Não me negue.
Gillian pôde sentir todos os olhos fixos nela, e sabia bem o implacável que podia chegar a ser Brodíck. Seguiria molestando até conseguir o que queria. Além disso, a ela era impossível negar que o amava, e se o que ele precisava era voltar a escutar as palavras, pois então as pronunciaria.
Com um suspiro, reconheceu que tinha perdido a batalha, mesmo que a vitória fosse sua.
—Te amo —disse, no mais baixo dos sussurros.
—Agora, e para sempre?
Gillian permaneceu um instante em silêncio, e depois pôs de lado seus medos e tomou uma decisão.
—Sim.
—E vou te honrar e proteger, Gillian —disse Brodick. Apoiou a mão sobre a nuca da jovem, e a aproximou até ele com um enérgico movimento. Pelo rabo do olho, Gillian viu que o pai Laggan levantava a mão e fazia a sinal da cruz.
Foi incapaz de resistir quando Brodick inclinou a cabeça para beijá—la. Sua carícia era tão ostensivamente possessiva! Ela o acariciou na bochecha, e por um instante esqueceu aos espectadores e os vivas que proferiam. Quando finalmente Brodick a soltou, teve que segurar—se no suporte para não cair do cavalo. Tentou compor seu aspecto, enquanto Brodick voltava a colocar a banda do tartán acima do ombro e a ajustava com o cinto.
Gillian continuou esperando que Brodick dissesse algo, mas ele parecia disposto a permanecer em silêncio, de modo que se virou para o pai Laggan.
—Que o Senhor seja com você —disse o padre.
Ramsey, sorrindo com atitude culpada, afagou os ombros de Brodick.
—Esta noite temos que festejar.
—Festejar o que, Ramsey? —perguntou Gillian com toda inocência.
—Você satisfez à Igreja.
—Podemos continuar viagem, então?
—Sim.
Antes que pudesse fazer—lhe mais perguntas, Ramsey se apressou a dirigir—se ao sacerdote.
—Pai, jantará conosco esta noite?
—Prometi ao laird MacHugh que hoje passaria pela sua casa, mas se sair com tempo para que não me surpreenda a noite na metade do caminho, aceitarei com vontade sua hospitalidade. A verdade é que estes velhos ossos meus se acostumaram a passar a noite em uma cama quente. Uma cama quente e vazia —acrescentou, brindando um olhar a Brodick.
—Pois uma cama vazia será o que o espera esta noite, pai —prometeu Brodick com um sorriso.
O pai Laggan dirigiu a Gillian um olhar de compaixão.
—Ainda há tempo... —exclamou— não é estranho que uma moça mude de opinião antes que seja muito tarde. Lady Gillian, se refletir antes que caia a noite, ou recupere a razão, você verá a bobagem...
—O feito, feito está, pai. Desejamos assim — disse Ramsey.
Laggan deixou cair os ombros.
—Eu os advirto, laird Buchanan, vou continuar cuidando dela.
Ramsey se pôs a rir.
—Quer dizer que violará seu próprio juramento, e voltará às terras dos Buchanan? Me lembro que disse a lain Maitland que os Buchanan eram todos uns selvagens pagãos e que jamais voltaria a colocar um pé nas suas terras.
—Me recordo muito bem do que disse —resmungou o sacerdote—. E certamente, não tenho esquecido o desventurado episódio. Mesmo assim, está muito claro em que consiste minha obrigação. Vou cuidar de lady Gillian, e se comprovar que é infeliz ou se põe doente, terá que responder ante mim, laird. Será melhor que cuide bem dela. Espero que saiba que tem aqui um verdadeiro tesouro.
Após pronunciar seu apaixonado discurso, Laggan tomou as rédeas de seu cavalo, e o conduziu através do grupo de soldados.
—Que o Senhor esteja com vocês —disse enquanto se afastava.
Gillian o observou ir, mas Brodick reclamou sua atenção com um pequeno puxão de cabelo. Suavemente, ele acomodou os cachos sobre os ombros.
—Te tratarei bem —prometeu ferventemente.
—Me assegurarei que assim seja —respondeu ela—. Nós vamos?
Com um gesto, Brodick indicou a Dylan que se antecipasse, e se virou para falar com Ramsey. Gillian viu que o comandante se dirigia diretamente para o precipício. Gillian, olhou horrorizada e incitou o cavalo para marchar em direção contrária. Em um segundo se afastou de Brodick e se encontrou na metade da descida sul da colina.
—Aonde diabos vai? — perguntou Brodick a Ramsey, enquanto lançava seu cavalo a galope. Alcançou Gillian, tomou as rédeas de seu cavalo e tentou obrigá—la a voltar. Ela resistiu, tentando afastar sua mão e forçando o cavalo a continuar para frente.
—Você errou e direção.
—O rumo correto é através do precipício? —perguntou ela, à beira da histeria.
—Vamos, Gillian, não é...
—Não irei.
—Se só me permitir explicar... —começou a dizer com paciência.
Mais tarde, Brodick juraria que jamais havia vista ninguém se movimentar com a rapidez com a qual então se movimentou Gillian. Ao ver que era impossível que Brodick soltasse as rédeas, desceu de sua sela e se afastou caminhando a toda velocidade antes que ele conseguisse encontrar uma boa razão para persuadi—la que convinha tomar o atalho.
Brodick a alcançou de novo.
—Que você pensa que está fazendo?
—Que te parece que faço? Caminho. Tenho necessidade de esticar as pernas.
—Dê—me a mão.
—Não.
—Isso não é um precipício —disse ele.
—Vou tomar o caminho mais longo.
—De acordo —concedeu ele.
Gillian parou de repente.
—Você diz a sério? Não vai me obrigar a ir?
—Certamente não vou te obrigar. Tomaremos o caminho mais longo.
Brodick lançou um agudo assobio, e levantou a mão. Imediatamente, Dylan se virou e olhou para trás.
Gillian sabia que devia estar humilhando a Brodick com sua negativa a descer uma estúpida colina. Todos os soldados tinham os olhos cravados nela, mas por sorte ficaram onde estavam e portanto não puderam ouvir o que ela dizia.
—Não quero te envergonhar diante de seus amigos e seus soldados, mas te juro que se você me obrigar a descer por essa caminho, cairei.
—Aterrada como você está, sua única preocupação é a possibilidade de me envergonhar? Ah, Gillian você jamais poderia me envergonhar. Daremos a volta.
—Quanto tempo nos atrasará? —perguntou ela, com uma mistura de ansiedade e de alívio.
—Depende da velocidade com que cavalguemos.
—Um dia —reconheceu ele, enquanto voltava a tomá—la pela mão.
—Tanto tempo? Mesmo que tenhamos pressa?
—Tanto tempo —confirmou ele—. Dê—me a mão.
—Posso cavalgar.
—Preferiria que você cavalgasse comigo.
Gillian deu um passo atrás.
—Brodick...
—Sim, moça?
—Tenho que descer esse penhasco, verdade?
—Você não tem que fazer nada que não queira fazer.
Gillian inspirou profundamente levantou os ombros e então sim o agarrou pela mão. Em lugar de subi—la à garupa de seu cavalo, Brodick mudou de ideia e a acomodou diante de si.
Pôde senti—la tremer, e só pensou em consolá—la. Rodeando—a com seus braços, a abraçou com força.
—Este medo seu...
—É muito irracional, verdade?
—Você sabe qual é sua causa? Aconteceu algo para que você se voltasse tão cautelosa?
—Covarde, quer dizer?
Tomando—a pelo queixo, a obrigou a olhá—lo nos olhos.
—Que não volte a ouvir isso de você mesma. Não é nenhuma covarde você entende?
—Sim —concedeu ela.
—Diga — ordenou Brodick.
—Não sou covarde. E você pode deixar de me apertar —disse Gillian.
Aguardou que afrouxasse seu aperto.
—Mudei de ideia. Desceremos pelo penhasco. Mas seremos os últimos —se apressou a dizer, com a esperança de reunir coragem enquanto aguardavam sua vez.
—Você tem certeza?
—Sim —insistiu Gillian, mesmo que em um tom tão baixo que duvidou que ele a tivesse ouvido—. E montarei meu próprio cavalo— acrescentou, com mais força—. Não quero que seus homens pensem que sou fraca.
—Eles nunca pensariam nada semelhante — disse ele, enquanto esporeava a seu cavalo rumo à colina..
Não se deteve no alto, nem diminuiu o ritmo de seu cavalo ao começar a descida pelo estreito e retorcido desfiladeiro que conduzia para as terras de Ramsey. Gillian afundou o rosto no tartán de Brodick, rodeou a cintura dele com seus braços e pediu que esperasse até que todos os outros tivessem passado.
—Te disse que não.
Ainda podiam parar antes de chegar ao ponto mais íngreme do desfiladeiro, e Gillian se propôs obrigá—lo a fazer. Precisava de tempo para reunir coragem. Porque não podia entender esse cabeça de mula?
—Quero ser a última.
—E eu gosto de ser o primeiro.
—Vamos esperar —exigiu Gillian com voz chiada. O pânico começava a fechar sua garganta, e só no que podia pensar foi em cair por um interminável abismo tenebroso e não parar nunca. O impulso de gritar ameaçava em tornar irreprimível, e estava a ponto de vomitar, ou de desmaiar.
—Brodick... não consigo...
—Conte—me esses pensamentos impuros que você teve comigo.
—Que?
Pacientemente, Brodick e repetiu a pergunta. Seu garanhão tropeçou, e pela escura boca do barranco caíram várias pedras com grande estrondo, mas Brodick se limitou a mudar de posição no suporte para ajudar ao cavalo a recuperar o passo, e seguiu em frente.
Gillian, ouvindo o ruído, já se virava para ele, mas este tentou distraí—la.
—Nesses pensamentos impuros, estávamos de roupa? —perguntou.
Gillian sentiu que o rubor tingia seu rosto.
—A roupa? —repetiu.
—Em suas fantasias comigo...
—Não eram fantasias.
—Claro que eram —a contradisse alegremente—. Você disse a Laggan que você tinha sonhos impuros.
—Pensamentos impuros — corrigiu ela.
—E também disse que esses... pensamentos... se referiam a mim. Não é certo?
—Oh, fique quieto!
—A tínhamos ou não a tínhamos? —perguntou ele rindo.
Gillian deixou cair os ombros.
—Se tínhamos o que?
—A roupa posta.
—Naturalmente que tínhamos a roupa posta! —exclamou ela, claramente nervosa.
—Então não devem ter sido pensamentos impuros muito interessantes.
—Você pode deixar de falar disso?
—Por que?
—Porque não é correto, por isso.
—Acho que tenho direito de saber. Você disse que os pensamentos impuros eram sobre mim, não é mesmo?
—Sim.
—E bem? Quero saber que fazia eu.
Gillian fechou os olhos.
—Você estava me beijando.
—E isso é tudo? Mais Nada?
—Que você esperava ouvir?
—Muitíssimo mais —disse ele—. Onde te beijava?
—Nos lábios —respondeu ela—. Agora, se você pode acabar com...
—E em nenhum outro lado? —perguntou Brodick, decepcionado—. Quer que te conte minhas fantasias com você?
Gillian abriu muito os olhos.
—Você teve.. . pensamentos... sobre mim?
—Certamente, mas são muito mais interessantes que os seus.
—Oh sim?
—Quer que te conte?
—Não.
Brodick se pôs a rir, ignorando a negativa.
—Em minhas fantasias, não você usava nada. Não, não é exatamente assim. Sim você usava algo.
Sabia que não devia perguntar, mas mesmo assim não pôde evitar fazê—lo.
—Que usava?
Ele se inclinou e sussurrou no ouvido dela.
—A mim.
Ela se jogou para atrás, e o empurrou apoiando as mãos sobre seu peito.
—Oh, por Deus! —gritou—. Vamos para ao purgatório se continuarmos com esta pecaminosa conversa. Como você pode saber que aspecto tenho sem roupas?
—Uma suposição aproximada —respondeu ele—. Você é perfeita, seja dito de passagem.
—Não, não sou.
—Você tem a pele acetinada e macia, e em minhas fantasias, quando estou entre suas coxas... —Gillian tampou a boca dele com a mão, para obrigá—lo a calar. Brodick tinha os olhos brilhantes de pura malícia. Era indignante, e talvez por isso mesmo se sentia atraída para ele. De alguma maneira, Brodick tinha conseguido libertar—se de todo preconceito. Não se importava o que pudessem pensar dele, e também não queria impressionar ninguém.
Gillian desejou poder ser igualmente livre.
—Estar com você é uma... experiência.., libertadora —sussurrou.
—Isso não foi tão mal , verdade, milady?
Ante o som da voz de Dylan, Gillian se assustou.
—O que foi? —perguntou, enquanto tirava lentamente a mão da boca de Brodick. Ele a reteve um instante para depositar um beijo na palma. Com um súbito ataque de timidez, Gillian retirou a mão antes que Dylan pudesse vê—los.
—A descida pelo barranco não foi tão mau, não acha? —comentou Dylan.
Gillian levantou o olhar para as rochas, sacudiu a cabeça e se pôs a rir.
—Não, não foi tão mau, depois de tudo.
Minutos depois, voltava a montar no seu próprio cavalo. Decidida a tomar a frente, obrigou o cavalo a um rápido trote, até passar Brodick e a Ramsey.
—Você me enganou! — gritou a Brodick ao passar.
—Sim, eu fiz — reconheceu ele—. Você está zangada comigo?
Ela começou a rir.
—Eu não me zango. Eu me desgosto.
Sem saber, Gillian acabava de recitar o credo dos Buchanan.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 18

A casa de Ramsey Sinclair era majestosa. Se elevava sobre um platô situada em meio a um magnífico vale, ladeado por escarpados e precipícios por um de seus lados e onduladas colinas pelo outro. Um brilhante manto de erva, salpicado aqui e lá com os primeiros brotos de urze da primavera, cobria o chão até onde alcançava a vista, e o aroma do urze e das árvores impregnava a brisa da tarde, junto com o cheiro da fumaça que saía pelas chaminés das cabanas de teto de palha. O enorme castelo de pedra do laird se erguia, protetor, sobre as casas que pontilhavam a paisagem a seus pés, e todo o conjunto estava rodeado por um muro de pedra e madeira que garantia a segurança do clã.
Abriram os pesados portões girando sobre dobradiças de ferro, e Ramsey entrou com seus hóspedes em sua propriedade. A seu redor ressoaram os vivas com os quais os soldados davam as boas—vindas a seu laird, enquanto um grupo de jovens se aproximava correndo para cumprimentá—los.
Num instante, Gillian se viu rodeada pela ciumenta guarda de Brodick. Aaron se situou frente a ela, Dylan e Robert o fizeram aos lados, e Liam colocou seu cavalo atrás dela.
Apesar de que praticamente era impossível ver o que acontecia, com os largos ombros dos guardas impedindo a visão, tentou igualmente olhar a cada um dos rostos que formavam a multidão. Mesmo que tivesse sido maravilhoso, e inclusive milagroso, que pudesse encontrar imediatamente a Christen, Gillian sabia que não ia a ser fácil. No entanto cada vez que avistava uma cabeleira loira, seu coração dava um salto de esperança.
Brodick e Ramsey tinham desmontado e estavam rodeados pelos soldados. Gillian se armei de paciência, esperando que Brodick se lembrasse dela.
—O viu, milady? —perguntou Dylan em voz baixa.
—Quem?
—O traidor —sussurrou.
—Não, sinto. Não estava procurando... —disse, enquanto voltava a buscar entre a multidão—. Ainda não — murmurou em seu íntimo—. Aqui há tanta gente...!
—A maioria dos homens de Ramsey não está aqui —explicou Dylan—. Seguramente estão treinando nos campos detrás do castelo. Sim, com certeza estão ali, pois em caso contrário Gideon teria se aproximado para cumprimentar seu laird.
Enquanto Gillian seguia esquadrinhando entre a multidão, uns poucos soldados Macpherson vestidos com o tartán de seu clã, ousados e curiosos, se aproximaram para vê—la melhor. Um deles, jovem e um pouco tolo, inclusive se atreveu a se aproximar muito.
Robert o Moreno levou seu cavalo até ele, obrigando o homem a ficar de lado, sob pena de ser esmagado.
—Deixa já de olhar à dama! — ordenou em um tom que destilava veneno.
O corpulento soldado deu um olhar a seus amigos, e depois se virou para Robert com um insolente gesto de desprezo no rosto.
—Ou que? —o desafiou.
Robert não se deixou impressionar pela sua bravata. Antes que o soldado pudesse adivinhar sua intenção, se inclinou, o agarrou pela garganta e o levantou no ar.
—Ou te romperei todos os ossos do corpo.
O soldado Macpherson era um homem de grande tamanho, mas Robert o tinha levantado como se não pesasse mais que uma pluma. A assombrosa demonstração de força deixou estupefata a Gillian. Como também seus maus modos.
—Robert, por favor desça o rapaz.
—Como você disser, milady —grunhiu Robert.
No momento em que enviava o soldado voando ao chão, Brodick retornava onde estavam seus homens. O jovem aterrissou no meio de seus amigos. Sacudindo a cabeça, Brodick abriu passo através das pessoas e se deteve frente ao aturdido Macpherson, que jazia de boca contra o chão.
—Robert?
—Não gostei da forma em que olhava a milady, laird. O soldado tentou levantar—se, mas Brodick o impediu plantando a bota sobre o peito dele.
—E como a olhava?
—Com insolência —respondeu Robert.
—É muito bela —disse o soldado, desafiante—. Se quero olhá—la, vou fazer.
Brodick olhou para baixo, e aplicou mais pressão com o pé sobre o peito do jovem.
—Sim, é muito bela —concordou satisfeito—. Mas não gosto que outros homens a olhem. —Aumentando ainda mais a pressão até que o rosto do soldado se voltou de cor roxa e começou a arquejar em busca de ar. Brodick acrescentou, em tom decididamente ameaçador—: Não gosto nada.
A seu lado apareceu Ramsey.
—Deixe—o colocar—se de pé —ordenou.
Brodick deu um passo atrás, e contemplou como o soldado se levantava do chão. Nesse momento, Ramsey investiu contra ele, empurrando—o com tanta força que o pobre homem voltou a aterrissar no chão, desta vez sobre suas costas.
—Você vai se desculpar com laird Buchanan, agora mesmo! —rugiu.
—Buchanan? —balbuciou o soldado—. É laird Buchanan? Não sabia...
Ramsey deu outro passo para ele. O soldado tropeçou com seus próprios pés ao retroceder.
—Rogo que me desculpe, laird Buchanan —murmurou—. Jamais voltarei a colocar os olhos sobre sua mulher. Juro pela cabeça do meu pai.
Ramsey não ficou satisfeito. Tinha visto que o soldado e seus amigos seguiam usando o tartán dos Macpherson.
—Vocês porão minhas cores, ou agora mesmo os jogarei das minhas terras.
Gillian ficou olhando a Ramsey, completamente assombrada. Até esse momento o tinha considerado um homem amável e de bons gestos. Judith Maitland tinha contado que sempre que lan queria fazer uma aliança, enviava a Ramsey para atuar como seu emissário para finalizar os detalhes pelas suas qualidades como diplomata. Nesse momento, certamente, não estava se comportando como um diplomata. Na verdade, seu caráter nada tinha que invejar ao de Brodick. Envergonhada por ser a causa do distúrbio, olhou fixamente a Robert reprovando sua atitude por provocar semelhante incidente, mas o soldado se defendeu.
—Estava sendo insolente, milady —disse.
—A mim não pareceu —replicou ela.
—Mas a mim sim, milady.
Suas mandíbulas apertadas e desafiantes mostravam às claras que achava ter toda a razão, e Gillian decidiu não continuar discutindo com ele.
—Ali vem Gideon —disse Aaron—. Você deveria falar com ele, Dylan. Se comenta que se considera seu igual.
Um numeroso grupo de soldados desciam as colinas por ambos os lados do castelo, e Gillian não pôde ver os rostos porque estavam contra a luz.
—Gideon é o comandante de Ramsey —comentou Robert—. Não é, portanto, igual a Dylan?
—Ninguém é igual a mim —afirmou Dylan enquanto dava a volta no seu suporte—. Mas agradarei a Gideon indo falar com ele. Se me desculpar, milady... —disse Dylan enquanto tomava as rédeas para dirigir a seu cavalo até onde se encontravam os soldados.
—Sem dúvida —respondeu ela—. Gostaria de desmontar, Robert. Se incomodaria em afastar seu cavalo para que tenha lugar?
—Você deve esperar seu laird —respondeu ele.
—Sim, você deve esperar —concordou Liam enquanto se dispunha a ocupar o lugar que tinha deixado vago Dylan—. Milady, facilitaria as coisas se você usasse nosso tartán.
—Facilitaria o que?
—Fazê—los saber que está...
Se deteve. Gillian insistiu:
—Que eu estou o que?
—Conosco —disse Robert.
Se livrou de dar mais explicações porque Ramsey fez sinal que se afastasse para ficar ao lado de Gillian.
A ajudou a desmontar.
—Não julgue meu clã apenas por uns rapazes revoltados — pediu.
—Já tem os pés sobre o chão —disse Brodick às suas costas—. Você pode ir.
Ramsey o ignorou, e continuou sustentando Gillian.
—Entre. Já é quase meio—dia, e deve ter fome.
Brodick afastou a mão de Ramsey de um golpe, e indicou a Gillian que se aproximasse dele. Irritada pela sua atitude, ela permaneceu firme onde estava, e o obrigou a ir para ela.
—Não tenho fome — disse a Ramsey.
—Esta noite teremos uma grande festa —prometeu este—. Mas antes disso, você terá que dar uma olhada em cada um dos soldados que neste momento estão dentro da propriedade. Se o homem que você viu não se encontrar entre eles, pois então iremos buscar aos demais. Levará tempo, Gillian — advertiu—. Agora que os Sinclair e os Macpherson se uniram, há muito território que percorrer.
—Que passa com sua irmã? —perguntou Brodick.
—Gostaria de conhecer também a todas as mulheres —disse Gillian, deslizando sua mão na de Brodick—. Compreendo a importância que te mostre o homem que te traiu, e farei tudo o que possa para encontrá—lo, mas te rogo que você faça o mesmo por mim. Devo encontrar Christen.
Ramsey assentiu.
—Nos disse que a tinham recolhido os Macpherson, e tal como sugeriu Ian, os idosos devem ter ouvido falar dela.
—E então por que ninguém deu nenhuma informação? O rei Juan enviou emissários a todos os clãs, e ninguém respondeu.
Ramsey sorriu.
—E por que teriam de fazê—lo?
—Não compreendo.
—Não gostamos do rei Juan —explicou Brodick em forma franca e direta.
—Não, não gostamos —concordou Ramsey.
Continuaram subindo os degraus de pedra que conduziam aos largos portões de madeira do castelo, enquanto a multidão se punham a um lado para abrir passagem. Gillian pôde ver dois idosos aguardando na entrada. Um deles era alto e magro como um cajado, e o outro tinha a metade de sua estatura mas era redondo como uma lua cheia.
Ambos se anteciparam e cumprimentaram Ramsey com uma inclinação.
Depois de apresentá—los, Ramsey se virou para Gillian.
—Espero que Brisbane e Otis possam te ajudar a encontrar a Christen. Ambos são Macpherson.
Ramsey deu aos homens todos os detalhes necessários aproxima da irmã de Gillian.
—Com sua memória, tenho certeza que vocês poderão lembrar de uma família que recolheu uma menina. Devia de ter cerca de seis anos.
—Mas se a família chegou até nós proveniente das Lowlands com a menina, como podíamos saber que não era realmente sua? —disse Brisbane.
—Sei que vocês saberiam. Sabem tudo o que passa por aqui; devem ter ouvido os rumores.
—Talvez poderíamos ajudar à dama —disse Otis—. Mas me pergunto por que você ajuda, laird. Talvez signifique mais para ti, algo mais que o devido?
—Significa muito para mim —disse Ramsey, em tom cortante.
—Mas é inglesa —acrescentou Brisbane, assinalando o que era óbvio—. Isso é o que preocupa a Otis.
—Sei que é inglesa —disse Ramsey—. Lady Gillian é a mulher de Brodick, e Brodick é meu amigo.
O anúncio alegrou a ambos. Otis mostrou um grande alívio.
—Então, você não...
—Não —o cortou Ramsey—. Seu coração pertence a Brodick.
Brisbane se virou para Brodick.
—Apesar de ser inglesa... igualmente você a reclama?
—Sim.
Gillian estava se irritando com o giro que tinha tomado a conversa.
—Me sinto muito feliz de ser inglesa —disse.
Otis dirigiu a ela um olhar de compaixão.
—Ah, moça, não é possível que se alegre ser inglesa, mas é muito valente de sua parte simular que sim. Vem comigo —acrescentou, afastando Ramsey com um gesto para tomá—la pelo braço—, e falaremos de sua irmã.
Brisbane não estava disposto a que o deixasse de lado.
—Minha memória é muito melhor que a sua, Otis —disse enquanto tomava Gillian pelo outro braço, afastando bruscamente Brodick com uma cotovelada—. Demos um passeio pelo lago e pensemos juntos. Lembro de uma família em particular. Têm uma filha aproximadamente de sua idade, e vieram das Lowlands.
Como os dois homens a tomavam pelos braços, Gillian não pôde fazer nada. Deu a Brodick um olhar, viu seu gesto de assentimento e depois dedicou toda sua atenção a suas duas escoltas.
Ramsey e Brodick a observaram afastar—se.
— Estará bem? —perguntou Brodick, que já fazia sinais a Robert e a Liam para que fossem atrás dela.
—Certamente estará bem —replicou Ramsey—. Deixe que seus homens afrouxem sua vigilância.
—Muito bem —concedeu Brodick, que se apressou a cancelar a ordem dada a seus soldados. Seguiu Ramsey até o interior do castelo, onde tinha se congregado toda uma multidão que desejava falar com seu laird.
—Você acha que Otis e Brisbane poderão ajudá—la? —perguntou Brodick.
—A pergunta não é se podem ajudá—la, e sim se querem fazê—lo —Ramsey serviu uma taça de vinho, a deu a seu amigo e serviu outra para ele—. Provavelmente tenham uma ideia bastante aproximada de onde se encontra Christen —continuou dizendo—. Mas antes de dizer a Gillian, dirão à família. Se Christen quiser ver sua irmã, marcarão o encontro. Se não...
—Você ordenou que colaborassem.
—Com efeito —assentiu Ramsey—. Mas será difícil. Os idosos costumam ser obstinados.
—Tentarão protegê—la porque é uma Macpherson?
—Isso mesmo.
—E por que achariam que têm que protegê—la de sua própria irmã?
—Sua irmã inglesa —esclareceu Ramsey—. Deixa de preocupar—se, Brodick. Se Christen está aqui, a encontraremos. Ah, ali está Gideon, com Dylan. Permita—me me ocupar das questões mais urgentes, e depois também nós pensaremos e decidiremos nosso plano de ação.
A hora seguinte passou com grande rapidez, enquanto Ramsey atendia os assuntos de seu clã e escutava o relatório que dava Gideon dos problemas surgidos durante sua ausência. Não o surpreendeu informar—se que a maioria os tinham provocado os soldados Macpherson. Ramsey teve que apelar a toda sua paciência para escutar a comprida lista de incidentes ocorridos nos campos de treinamento.
Quando o comandante Sinclair terminou de expor todas suas queixas, seu rosto estava encarnado de fúria.
—Você ordenou que seja tolerante — lembrou Gideon a seu laird—. Mas te digo: é perigoso permitir estas insubordinações. O líder deste grupo de inadaptados está se tornando a cada dia mais poderoso. Quando dou uma ordem, a maioria dos Macpherson olha primeiro a ele, e quando ele a aprova com um gesto, cumprem minha ordem. É
inaceitável! —acrescentou com voz trêmula de ira.
Ramsey permaneceu serenamente de pé, frente ao fogo, enquanto observava seu comandante vaguear nervosamente pelo salão. Brodick, apoiado contra a mesa, também escutava a reclamação contra Macpherson. Dylan estava seu lado.
Quando Ramsey considerou que tinha ouvido o suficiente, levantou a mão reclamando silêncio.
—E o quer que faça eu, Gideon? —perguntou em voz baixa.
O comandante girou sobre seus calcanhares para olhar seu laird.
—Expulsar o canalha!
—Tem nome esse canalha? —perguntou Dylan.
—Proster —lhe respondi Gideon.
—E quer que o expulse? —perguntou Ramsey.
—Preferiria que me deixasse matá—lo, laird, mas me dou por satisfeito que você o jogue daqui.
—E seus seguidores? Que você quer que se faça com eles?
—A verdade?
—Naturalmente.
Gideon soltou um suspiro.
—Eu gostaria que você os expulsasse a todos. Você sabe bem que sempre estive contra a fusão de ambos os clãs, laird, e me lembro ter te advertido que não ia funcionar.
— Você acha que seu prognóstico se cumpriu?
—Sim.
—Você sabia que ia ter problemas, Gideon. Sua obrigação consiste em achar a maneira de solucioná—los, não em expulsar os inadaptados —acrescentou em tom cortante— Procure o Proster, e envie—o aqui —ordenou então—. Vou ajustar as contas, com ele e com seus seguidores.
Gideon pareceu sentir—se aliviado, e assentiu com ansiedade.
—Realize sua intervenção, laird, porque te asseguro que estes revoltosos me tem posto entre a cruz e a espada. — Eu não tenho sua paciência.
“Ninguém tinha a paciência de Ramsey”, pensou Brodick. Evidentemente, Gideon não conhecia bem seu laird, já que se conhecesse saberia que debaixo da fina capa de urbanidade e diplomacia batia o coração de um selvagem guerreiro com um temperamento ainda pior que o seu. A diferença de Brodick, Ramsey demorava em explodir, mas quando chegava em seu limite ou havia, segundo sua opinião, aguentado muito, sua reação era explosiva e temível. Podia ser muito mais brutal que Brodick, e talvez essa fosse uma das razões pelas quais tinham se tornado tão amigos. Confiavam um no outro. Sim, Brodick confiava e admirava Ramsey tanto como confiava e admirava o homem que os tinha treinado para líderes, lan Maitland.
Este sim que era um líder impiedoso. Ian em muito raras ocasiões demonstrava clemência, e era bem conhecido por seu impaciência, razão pela qual tinha confiado tantas vezes em Ramsey para que falasse no seu nome nas reuniões do Conselho. Em situações nas quais lan teria matado qualquer um que fosse contra, Ramsey utilizava a persuasão, e tão só quando mais nada funcionava, apelava, como lan e como Brodick, à força bruta.
Tão logo Gideon havia ventilado todas suas queixas, sua disposição mudou radicalmente.
—Há mais uma questão que você tem que atender antes de poder descansar —anunciou com um sorriso.
Ramsey levantou uma sobrancelha.
— Esta questão te diverte?
—Oh, sim!
—Deixa—me adivinhar —disse, suspirando—. É algo que tem a ver com Bridgid KirkConnell?
Gideon se pôs a rir.
—Você é muito perspicaz, laird, já que sim, efetivamente, tem a ver com Bridgid. —Voltaram a pedir sua mão.
—De quem se trata desta vez? —perguntou Ramsey, com a resignação pintada no rosto.
—O soldado se chama Matthias —disse Gideon—. É um Macpherson, e devo te advertir que se Bridgid aceitar se casar com ele depois de ter rejeitado tantos de nossos melhores soldados Sinclair, se armará um bom confusão.
Esta vez quem se tocou a rir foi Ramsey.
—Se algo pode dizer—se de Bridgid, é que é previsível. Sabemos que não vai aceitar casar—se com Matthias, de modo que não é preciso que você se preocupe pelas consequências. Mande—a entrar, e farei a pergunta pessoalmente. Gostaria que Brodick a conhecesse.
—Por que? —perguntou o aludido.
—É... intrigante —explicou Ramsey.
—Com sua permissão, laird, sua mãe solicitou te ver primeiro. Deseja te falar antes que você convoque Bridgid.
—Está esperando?
—Não —respondeu Gideon—. Enviarei a alguém para buscá—la.
—Quando terminemos —disse Ramsey—. Quero que você ordene aos homens que se congreguem todos no pátio de armas ao entardecer. Todos devem estar presentes —insistiu.
—E sem desculpas — completou Brodick. Gideon assentiu de imediato.
—Como você quiser — disse. Olhou fixamente a Ramsey vários minutos antes de perguntar: —Você está pensando em fazer algum anúncio? Devo te felicitar?
—Não —se limitou a responder Ramsey.
Brodick sentiu curiosidade ante o comentário de Gideon.
—Felicitar por que? —perguntou.
—Os idosos me pediram que considere a possibilidade de me casar com Meggan Macpherson. Ainda não tenho decidido o que vou fazer. A verdade é que você não tenho tido tempo de pensar nisso. Devo admitir que me faria a vida mais fácil, com os dois clãs unidos por um casamento.
—Você vai destroçar um montão de corações —Dylan não pôde evitar assinalar—. Há algumas damas que estão atrás de você, mas já vejo que nenhuma teve a coragem de se aproximar para falar com você.
—O normal é que o persigam —disse Gideon—. Hoje, mesmo assim, se mostraram muito tímidas. Acho que sei a razão pela que se mantiveram afastadas.
—E qual é? —perguntou Brodick.
Gideon decidiu mostrar—se direto.
—Você, laird. Você estava junto de Ramsey, e por isso as damas não se aproximaram. Mesmo que estejam fascinadas com seu laird, é maior o medo que têm de você.
Dylan desenhou um sorriso.
—É bom saber que ainda provoca desmaios entre as mulheres, Brodick.
—Não temos tempo para brincadeiras —murmurou Ramsey, claramente incômodo pelo bate—papo sobre a conduta das jovens. Brodick sabia que Ramsey não gostava que se fizessem brincadeiras sobre seu aspecto, e na sua qualidade de amigo, Brodick utilizava essa informação em seu benefício. Sempre que podia zombar de Ramsey, o fazia. —Para você deve ser um inferno ter sido maldito com esse fresco rosto de rapazote —disse lentamente—. A agonia de encontrar cada noite uma mulher diferente em sua cama deve te deixar esgotado. Eu não sei de onde sacas a resistência para aguentar esta pesada carga.
Os músculos da mandíbula de Ramsey se esticaram, o que agradou Brodick.
—Os dois sabemos que você teve tantas mulheres em sua cama como eu —exclamou Ramsey—. Mas o que disse, disse a sério. Temos coisas mais importantes que discutir.
Cansado, se dirigiu para a mesa, empurrando deliberadamente Brodick quando este tentou bloquear seu passo e continuar rindo às suas costas. Indicou com um gesto a Dylan e a Gideon que tomassem assento, e Ramsey se sentou à cabeceira. Pegou uma jarra de água fresca, se serviu dela e pediu ao jovem escudeiro que guardava na porta que levasse um pouco de pão quente e queijo para entreter a fome até que o jantar estivesse pronto.
Tão logo o rapaz abandonou o quarto, Ramsey sugeriu a Brodick que pusesse Gideon a par de todo o sucedido, e de seus planos futuros.
—Nossos comandantes terão que unir seus esforços para atacar —disse—. lan quer que Winslow, Dylan e você escolham aos soldados que virão conosco a Inglaterra.
—Vamos atacar a Inglaterra? —perguntou Dylan, atônito.
—Não —respondeu Brodick—. Mesmo que a ideia me seja atraente.
Reclinando—se sobre o apoio de sua cadeira, contou a Gideon tudo o que tinha acontecido e a maneira em que Gillian tinha salvo Alec Maitland. Para Gideon não foi fácil digerir toda essa informação. Quando Brodick terminou seu relato, o soldado sacudia a cabeça.
—Por Deus, é um milagre que Alec tenha sobrevivido! —murmurou.
—Seu milagre foi Gillian —assinalou Brodick—. Se não fosse por ela, Alec estaria morto.
—E ninguém saberia que tínhamos um traidor entre nós —acrescentou Ramsey.
—Quem seria capaz de fazer algo semelhante? — perguntou Gideon. Então bateu a mesa com o punho, enquanto arriscava uma resposta — Tem que ser um Macpherson, porque são os únicos que sairiam ganhando com isto. — Há muitos deles que se alegrariam com sua morte, laird, e todos estão sob o domínio de Proster. Mesmo que seja pouco mais que um rapaz, ganhou a lealdade deles. São rebeldes, pura e simplesmente.
—Eu não estou tão convencido como você, e antes de atuar quero estar bem seguro —disse Ramsey.
Levantou a mão ordenando silêncio ao ver entrar ao escudeiro com a bandeja de pão e queijo. Depois de colocar a comida sobre a mesa, Ramsey o ordenou esperar nas cozinhas, e retomou a conversa.
—Devemos ajudar Gillian a encontrar sua irmã. Lhe dei minha palavra de honra.
—Tem certeza que trata—se de uma Macpherson? —perguntou Gideon esfregando a mandíbula e meditando sobre a questão.
—Sim —respondeu Ramsey—. Se chama Christen, e tem uns poucos anos mais que Gillian.
—A família seguramente mudou o nome para protegê—la —comentou Brodick.
—Ainda assim, espero que Brisbane e Otis saibam quem é. Não deixam escapar nada.
—Eu também poderia ajudar —disse Gideon—. Meu pai também tem muito boa memória, e conhece à maioria dos Macpherson. Os odeia, mas é correto com eles —acrescentou—. Sua irmã se casou com um Macpherson.
Ela já morreu, mas em vida seu marido a maltratou muito, e meu pai não esquece. Apesar disso, te ajudará, laird, se puder fazê—lo. Se uma família adotasse um menino, é muito provável que meu pai soubesse. Agora que se sente melhor detesta estar fechado, e este assunto irá distraí—lo. Com sua permissão, laird, irei vê—lo o mais rápido possível.
—O pai de Gideon quebrou uma perna em uma queda —explicou Ramsey a Brodick e a Dylan—. Me alegra saber que está soldando. Em um momento achamos que não ia se curar, e Gideon foi a sua casa para estar a seu lado.
—Se não pudesse voltar a caminhar, preferiria morrer —comentou Gideon—. Mas há esperança. Se não me necessita por um par de dias, poderia partir agora mesmo. Estaria já na metade do caminho antes que caísse a noite.
—Sim —concordou Ramsey—. O mais rápido possível que você fale com seu pai, melhor. Brisbane e Otis demorarão vários dias em fazer o que devem fazer com os Macpherson, e você poderia fazer o papel de retorno com a informação antes que esses velhos se decidam a dizer—nos a verdade.
—Christen poderia aparecer por decisão própria —sugeriu Dylan.
Gideon começou a colocar—se de pé, mas mudou de ideia.
—Laird —disse— você disse que iríamos à Inglaterra, mas aonde, exatamente, nos dirigiremos?
—Não sabemos... ainda —reconheceu Ramsey—. Gillian não nos deu os nomes dos ingleses que retiveram Alec e pactuaram com o traidor.
—Por que não disse, laird? —Gideon perguntou perplexo.
Quem respondeu foi Brodick.
— Meteu na cabeça que se nos disser quem são esses homens nós atacaremos, deixando seu tio em uma situação vulnerável. Também a preocupa que a obriguemos a ficar aqui.
—Mas isso é exatamente o que você vai fazer, não é mesmo? —disse Ramsey— Não permitirá que ela volte à Inglaterra.
—É complicado —reconheceu Brodick—. Gillian é muito teimosa.
—Que é precisamente a razão que se sentisse atraído por ela —assinalou Ramsey.
Brodick sacudiu a cabeça.
—Como posso exigir que confie em mim enquanto no fundo do meu coração sei que vou trair essa confiança? Demônios, não sei o que fazer. Não gosto da ideia de faltar à palavra dada, mas não posso aceitar a ideia que se veja envolvida em um perigo assim.
—Você vai ter de solucionar isto com ela, e em breve, Brodick. Necessitamos dos nomes —disse Ramsey.
Gideon se pôs de pé, e se inclinou ante seu laird.
—Com sua permissão, eu vou.
—Dê a seu pai meus melhores desejos de uma pronta e total recuperação.
—Assim o farei —prometeu Gideon. Rumo à porta, se deteve para acrescentar — Laird, com todos isto me esquecido de perguntar.
—Ainda quer que os homens se reúnam no pátio de armas ao entardecer? Farei com que Anthony lhes dê a ordem —se apressou a acrescentar—. Mas se não vai anunciar sua decisão de se casar com Meggan Macpherson, posso perguntar porque quer falar a seus homens? Talvez devesse ficar.
Ramsey se deu conta que não tinham lhe contado um detalhe importante.
—Contamos com vantagem para encontrar o traidor —disse—. Gillian o viu enquanto escapavam.
—Ela o viu? —perguntou Gideon, estupefato.
—Sim, viu a esse canalha —confirmou Dylan—. Pelo seu relato do lugar pelo que ia, diria que esteve suficientemente perto dele, para poder desenhar seu rosto, mas ele nunca soube que ela estava ali.
—E por isso quero todos os homens reunidos no pátio de armas. Gillian olhará a cada um, e se o homem estiver ali, o identificará —disse Ramsey.
Gideon sacudiu a cabeça.
—E é seguro que o reconhecerá?
—Isso mesmo—afirmou Ramsey.
—Então é preciso protegê—la a todo custo. Se este homem souber que ela pode identificá—lo, com toda segurança que tentará impedir que...
—Ela vai estar protegida. — anunciou Dylan—. Nós, os Buchanan, não vamos permitir que aconteça nada com ela.
—Agora nos pertence.
Gideon piscou algumas vezes.
—Lady Gillian pertence aos Buchanan? — perguntou a Ramsey, confundido pelo alarde de Dylan.
Seu laird assentiu.
—Sim, isso mesmo. Só que ela ainda não sabe.

 

 

 


Capítulo 19

A reunião de Ramsey com Leah, a mãe de Bridgid KirkConnell, o deixou com um amargo sabor na boca. A primeira impressão de Ramsey, ao vê—la entrar no grande salão, tinha sido positiva. Apesar de estar em idade adulta, Leah era ainda uma mulher muito atraente. Sim, o tempo tinha se mostrado benévolo com ela. Depois de escutar o que ela tinha vindo dizer, a opinião de Ramsey tinha mudado de maneira drástica, e quando abandonou o grande salão, só sua presença já bastava para adoecê—lo.
Tinha ido com Brodick até o lago para se lavar e trocar de roupa, mas depois de ouvir a petição de Leah Ramsey sentiu a súbita necessidade de voltar a se lavar. A perfídia de Leah ofendia toda maternidade.
Brodick retornou ao salão poucos minutos depois do encontro, com o cenho franzido, tal como era seu costume habitual, porque Gillian ainda estava falando com Brisbane e com Otis. Estava ansioso por inteira das novidades que pudessem ter lhe dado. Também desejava tê—la a seu lado, e reconhecer isso não fez mais que acentuar seu gesto mal—humorado, porque inclusive ele se dava conta que estava atuando como um rapazinho embevecido.
Encontrou Ramsey desabado sobre uma cadeira, com a cabeça inclinada como se estivesse rezando.
Então seu amigo levantou a vista e Brodick pôde ver sua expressão de amargura.
—Que se passa? — perguntou—. Você tem o aspecto de ter bebido lixívia.
—Assim me sinto —reconheceu Ramsey—. Acabo de ter uma reunião com a mãe de Bridgid KirkConnell, Leah.
—Imagino que a reunião não foi muito bem.
—Essa mulher é má —murmurou Ramsey—. Como vou fazer, no nome de Deus, para dizer a Bridgid que sua própria mãe...?
—Que?
Ramsey soltou um suspiro.
—Leah está ciumenta de sua filha —explicou, sacudindo a cabeça ante um pecado dessa magnitude.
—Te disse ela, com essas palavras?
—Não, mas essa parece ser a raiz de todos os seus problemas. Leah voltou a se casar, e não gosta da forma em que seu novo marido olha a Bridgid. Acha que este sente luxúria por Bridgid, e quer que ela se vá da casa.
—Pode ser que esteja pensando em protegê—la —sugeriu Brodick.
Ramsey voltou em negar com a cabeça.
—Não, o bem—estar de sua filha é a última de suas preocupações. Não fez mais que falar sobre o velha que parecia ao lado de Bridgid.
—Pelo amor de Deus! —murmurou Brodick—. Porque você tem que cuidar de assuntos tão mesquinhos?
—Igual a você, eu também devo velar pelo meu clã, e Bridgid faz parte da minha família. Fique e você poderá conhecê—la —o convidou—. Assim você poderá compreender por que me enoja tanto a atitude de sua mãe.
—Sabe Bridgid que sua mãe quer que abandone seu lar?
—Não sei. —Disse Ramsey— A enviarei à casa de sua irmã durante uma temporada, com a desculpa que podia ajudá—la com seu novo filho.
—Então talvez possa voltar à casa de sua tia.
—Só foi uma solução temporária —explicou Ramsey—. A tia tem cinco filhos e vive em uma casa muito pequena. Simplesmente, não há lugar para Bridgid.
—Então, a única saída é o casamento.
—Esse é o problema —disse Ramsey, e explicou a promessa feita ao pai de Bridgid.
—Então você está dizendo que Bridgid pode decidir com quem vai se casar?
—A menos que eu quebre essa promessa.
—Te conheço bem —disse Brodick—, e não será capaz de tal coisa.
—Bem, e qual é, então, a solução a este problema? —perguntou Ramsey—. Se te ocorre algo?
Brodick pensou um instante.
—Ian poderia encontrar algum lugar para ela —disse depois.
—Ela pertence a este lugar. Este é seu lar —disse Ramsey—. Pensaria que a estaria expulsando.
—Terminaria adaptando—se.
—Não vou machucar seus delicados sentimentos. Ela não fez nada errado.
Brodick ficou contemplando—o vários minutos.
—Se importa muito com esta mulher, verdade? —perguntou.
—Sem dúvida. É parte de meu clã.
Brodick sorriu.
—Então por que não se casas com ela?
Ramsey se pôs de pé e começou a vaguear frente ao fogo.
—Porque pertence ao clã Sinclair —explicou—. Conheço meu dever. Se me proponho que esta união entre os Sinclair e os Macpherson funcione, devo me casar com Meggan Macpherson. É o lógico, você não acha? E com esse acordo obtenho o que quero. As terras dos Macpherson são um dote que não posso desprezar.
—Sempre foi um homem prático —comentou Brodick.
—Igual a você —replicou Ramsey— até que Gillian entrou em sua vida.
Brodick assentiu com um gesto.
—Nem a vi chegar.
Como Brodick parecia desgostado consigo mesmo, Ramsey se pôs a rir.
—Quando, exatamente, você soube...?
Brodick deu de ombros para ocultar seu desagrado.
—Quando Annie derramou fogo líquido sobre as feridas abertas de Gillian. Eu sustentei a mão dela para que não se movimentasse durante o atroz tratamento. Não emitiu um só som.
—Ah, de modo que o que te cativou nela foi sua integridade.
—Não, foi a maneira em que me olhou. — Deus! te digo que parecia querer me matar por obrigá—la a padecer semelhante indignidade. Como podia não amar como um louco uma mulher tão forte e tão teimosa?
Anthony pôs fim à conversa ao anunciar que Bridgid KirkConnell esperava para falar com seu laird.
Instantes depois, Bridgid fazia sua entrada no salão. Só a visão de seu sorriso bastou para levantar o ânimo de Ramsey, mesmo que não deixo de se surpreender que ainda tivesse vontade de sorrir.
—Bom dia, laird —cumprimentou, enquanto se aproximava e fazia uma reverência—. E bom dia a você, laird Buchanan.
Bridgid deixou de olhar Brodick nos olhos ao cumprimentá—lo, havia ouvido todos os rumores que corriam sobre ele, e por isso, se mostrava cautelosa.
Brodick pôde advertir que a assustava, mas o impressionou que apesar disso, igualmente se aproximasse e lhe fizesse uma reverência.
—Não é um dia esplêndido? —disse, em um esforço para evitar o tema sobre o qual queria falar Ramsey.
—E o que tem de esplêndido? —perguntou este.
—Oh, tudo, laird. Brilha o sol, e há uma cálida brisa. É um dia muito lindo.
—Bridgid, acabo de falar com sua mãe...
Ela desceu os olhos e juntou as mãos na costas.
—Oh, sim?
—Sim.
—E o convenceu a romper a sagrada promessa que você fez a meu pai?
Bridgid utilizou a palavra “sagrada” com total deliberação, Ramsey sabia bem, para que se sentisse culpado se fizesse algo parecido.
—Não, não me convenceu a romper a promessa que fiz a seu pai.
Bridgid voltou a sorrir.
—Obrigada, laird, mas já abusei muito de seu tempo. Com sua permissão, vou —acrescento.
Já tinha atravessado meio salão quando Ramsey a deteve.
—Não te dei minha permissão, Bridgid. Volte aqui. Tenho que te falar de uma questão importante.
Brodick pôde ouvir seu suspiro quando se virou. Evidentemente, sabia qual era essa questão, e tinha tido a esperança de evitá—la.
tomou seu tempo para voltar junto de seu laird. Ao chegar, ficou imóvel frente a ele, olhando—o diretamente nos olhos, e esperando que falasse.
—Recebi outra petição para sua mão.
—Que eu declino graciosamente.
—Nem sequer sabe como se chama o homem que quer casar—se com você. Ainda não pode declinar.
—Sinto —disse ela, mesmo que não se mostrava nada contrita —E quem é esse homem?
—Se chama Matthias —disse Ramsey—. É um Macpherson, e devo reconhecer a você que não sei muito mais sobre ele. Sem embargo, tenho certeza que se você aceitar, te tratará com gentileza.
Aguardou todo um minuto que ela respondesse, mas Bridgid manteve um obstinado silêncio.
—E bem? Que você diz?
— Posso declinar agora?
—Pelo amor de ...! Você Conhece a este homem?
—Sim, o tenho visto, laird.
—E não pode encontrar nada aceitável nele?
—Oh, tenho certeza que tem muitas qualidades maravilhosas.
—E então?
—Não o quero.
—Por que não?
—Laird, você percebeu que está gritando comigo?
Brodick tossiu para dissimular o riso. Ramsey o fulminou com o olhar antes de se virar para Bridgid. A viu acomodar uma mecha rebelde de cabelo com gesto delicado e feminino, e por um instante perdeu o fio de seus pensamentos.
—Você põe a prova minha paciência.
—Peço desculpas, laird. Não tenho intenção de colocar a prova sua paciência. Me dá agora sua permissão para ir? Ouvi dizer que há aqui uma dama da Inglaterra, e tenho que conhecê—la.
—Por que você tem que fazê—lo? —perguntou Brodick.
Ante o ladrar da voz de Brodick, Bridgid se assustou, mas breve se recuperou da impressão.
—Porque nunca estive na Inglaterra —explicou—. E tenho milhares de perguntas que fazer a ela. Tenho curiosidade para saber como é a vida na Inglaterra, e ela é a única que pode me dizer. Não posso imaginar a vida em outro lugar que não seja aqui, e me pergunto se ela sente o mesmo com relação a seu lar na Inglaterra. Já decidi que vou gostar dela —acrescentou.
—Sim, você gostará.
—Você tem muito em comum com lady Gillian —assinalou Ramsey— Ambas são mulheres muito obstinadas.
—A ela também obrigaram as e casar? —perguntou Bridgid, incapaz de ocultar sua irritação.
Ramsey deu um passo para ela.
—Ninguém está te obrigando a se casar, Bridgid.
—Então, posso ir agora?
—Não, não pode —exclamou Ramsey—. Com relação a este Matthias...
Bridgid apoiou as mãos nas quadris, com gesto de impaciência.
—Voltamos ao mesmo assunto? —perguntou.
—Bridgid, te advirto que não tolerarei nenhuma insolência. Imediatamente, a jovem se desculpou.
—Sinto muito. Sei que fui insolente, mas já declinei seu oferecimento.
Ramsey se negou a se dar por vencido.
—Você se dá conta de todos os oferecimentos que rejeitou?
—Sim, me dou conta.
—Você despedaçou muitos corações.
—Duvido, laird. Nenhum desses homens me conhece o suficiente para ficar com o coração destroçado. — Se estivesse em minhas mãos impedir que continuassem realizando propostas matrimoniais, o faria. Me é muito incômodo ter de passar por isto uma e outra vez. A verdade é que começo a temer...
—Temer, o que? —a urgiu Ramsey ao ver que se interrompia. O rosto de Bridgid se tornou de cor púrpura de conturbação.
—Não tem importância —disse.
—Você pode falar com toda liberdade. Agora, diga—me: que te causa temor?
—Ver você —resmungou Bridgid—. As únicas oportunidades em que você fala comigo é quando você quer me informar de uma proposta matrimonial. Bem sei o desagradável que é esta situação. Seguramente você não deseja perder seu valioso tempo com questões tão insignificantes.
—Não é insignificante.
—Mas sou difícil, verdade?
—Sim, você é.
—Acabamos?
—Não. Bridgid, quer se casar?
—Certamente quero. Quero ter filhos —respondeu com tom fervoroso — Muitos filhos, para amá—los como deve amar toda mãe.
—Então por que você rejeitou tantos oferecimentos? Se quer ter filhos...
Ela não o deixou terminar.
—Amo outro homem.
O anúncio tomou Ramsey de surpresa.
—Oh sim?
—Sim.
—Quem é esse homem?
Ela negou com a cabeça.
—Não posso dizer seu nome.
—Pois case—se com ele —disse Ramsey com impaciência. Bridgid soltou um suspiro.
—Não me pediu.
—Ele sabe o que você sente?
—Não. É um homem muito estúpido.
Brodick se pôs a rir, não pôde evitar.
—E sem dúvida, você o ama? Bridgid sorriu.
—Sim —respondeu—. Não quero amá—lo, mas o amo, com todo meu coração. Devo ser tão estúpida como ele. É a única explicação que posso encontrar. As coisas do coração são muito complicadas e não sou tão esperta para entendê—las. —Virando—se para Ramsey, acrescentou— Não me casarei com Matthias. Não farei com nenhum homem que não ame.
Sua própria reação confundiu Ramsey. Quando ela admitiu que amava outro homem e que, portanto, não aceitaria Matthias, se surpreendeu, mas esse sentimento em breve foi substituído por algo que só podia definir como irritação. Mesmo que não soubesse por que, a ideia de Bridgid apaixonada por outro homem não o agradou nada. Sua reação carecia de lógica. Ali estava ele, tentando convencê—la que se casasse com Matthias, E o que teria ocorrido se ela tivesse aceitado? Teria sentido a mesma desilusão? “Não”, pensou, “porque, na verdade, ela jamais teria aceitado”.
Tentou afastar esses confusos pensamentos.
—Diga—me quem é esse homem e falarei com ele em seu nome —disse.
—Eu agradeço a sugestão, mas o homem que amo deve decidir sem interferências externas.
—Não estava fazendo nenhuma sugestão. Te dei uma ordem: diga—me seu nome.
Deu outro passo para ela, mas Bridgid se manteve em seu lugar. Não foi fácil. Ramsey era um homem tão corpulento que sua proximidade a afligia, e Bridgid teve que se lembrar que ele era seu laird, e portanto, seu dever era protegê—la, não causar—lhe dano. Ela era um membro leal de sua própria família, e ele gostasse ou não, tinha que velar por seus interesse. Por outra parte, ela conhecia sua generosidade e gentileza. Podia causar—lhe um temor que a deixava sem coragem, mas jamais levantaria a mão contra ela.
Decidiu distrair sua atenção, com a esperança que não notasse que não tinha respondido a sua pergunta.
—Laird, onde está Michael? Hoje não o vi, e faz tempo prometi a ele que iríamos juntos subir nas árvores.
—Subir nas árvores?
—Todo menino deveria saber como subir em uma árvore.
—Você acha que você poderia ensiná—lo como se faz?
Bridgid assentiu lentamente.
—Está na casa dos Maitland —disse Ramsey—. Alec e ele se tornaram bons amigos, mas quando voltar para casa, você não o ensinará a subir em árvores. Não é próprio de uma dama, Bridgid.
—Suponho que você têm razão —concedeu ela de má vontade.
Mais uma vez, Ramsey pediu o nome do homem que tinha declarado amar.
Sua artimanha para fazê—lo esquecer a pergunta não tinha funcionado.
—Não quero dizer seu nome, laird —disse, irritada.
—Isso é mais que evidente —replicou ele—. Mas assim mesmo, me dirá.
—Não, não farei.
Ramsey não pôde crer que tinha a audácia de desafiá—lo.
—Não vou me dar por vencido —a advertiu——. Diga—me seu nome.
Ramsey se mostrava implacável como um cachorro perseguindo um gato, e Bridgid se reprovava ter dito a verdade.
—Você conta com uma injusta vantagem —protestou.
—Como é isso?
—Você é o laird —respondeu ela—. Você pode falar com total liberdade, no entanto eu...
não a deixou terminar.
—Você falou com total liberdade desde o instante em que entrou neste quarto. Agora, responde minha pergunta.
Seu tom de voz era decididamente incisivo, e Bridgid se sobressaltou. Não sabia como ia fazer para sair do atoleiro em que tinha se metido.
—A menos que você ordene que...
—Já te ordenei que diga seu nome — lembrou ele.
Sua brusquidão lhe causou uma grande conturbação. Agachou a cabeça para que não pudesse ver seu rosto.
—Sinto, não posso dar seu nome —disse.
Ramsey se deu por vencido, e por enquanto, decidiu deixar o tema. Estava desgostado consigo mesmo. Não era próprio dele perder as estribeiras com uma mulher. O que passava era que essa mulher em particular esgotava sua paciência.
—É pecado o desafiar, laird? —perguntou Bridgid.
A pergunta o fez titubear.
—Não, sem dúvida que não —disse finalmente.
—Isso é bom! —disse ela sorrindo.
Ramsey não tentou ocultar sua irritação.
—Você sabe condenadamente bem que não é.
Ela ignorou seu comentário.
—Já roubei muito seu tempo. Com sua permissão, eu saio —disse Bridgid.
Fez uma reverência e ia sair do quarto, quando Ramsey a reteve.
—Se não vai se casar com Matthias, há outro tema que gostaria de discutir com você —disse ele.
—Oh ,sim?
—Sim.
Bridgid aguardou, expectante, mas Ramsey parecia incapaz de achar as palavras certas. Como ia magoá—la dizendo que sua mãe não a queria? Não podia fazê—lo.
—Parece que esqueceu...
Brodick foi em sua ajuda.
—Michael? —sugeriu.
—Michael? —repetiu Rainsey, olhando seu amigo sem compreender.
Brodick assentiu.
—Não estava me dizendo que você ia pedir a Bridgid que te ajudasse com seu irmão, porque anda nervoso,não? —Não se lembra?
Então Ramsey captou a ideia.
—Sim, isso mesmo. Agora me lembro. Michael está com os Maitland.
—Sim, laird, já me disse que estava visitando seu amigo.
—Claro, claro —disse ele, sentindo—se como um idiota . Mas quando voltar para casa.
Ramsey dirigiu um angustiado olhar a Brodick, em busca de auxílio.
—Ramsey não tem tempo para dedicar a seu irmão, e também acha que Michael necessita da influência de uma mulher.
—Sim, isso —assentiu Ramsey. Estavam inventando uma história, mas Bridgid não pareceu dar—se conta.
—Me alegraria muito poder ajudá—los com Michael.
—Então, tudo acertado.
—Que está acertado? Que vocês querem que faça, exatamente?
—Mudar para cá —explicou ele—. Em cima há três quartos vazios. Escolhe um e traga suas coisas o mais rápido possível. Você terá que deixar sua casa, naturalmente, e sei que será difícil para sua mãe e para você —acrescentou, orgulhoso de não ter se engasgado ao dizer essa mentira.
—Você quer que viva aqui? Laird. Não seria correto. As pessoas falariam.
—Pois então dorme com os serventes nos quartos situadas atrás do castelo.
Ela ficou contemplando—o durante vários minutos sem pronunciar palavra alguma, e depois assentiu lentamente. A tristeza que Ramsey pôde ver nos seus olhos partiu sua alma, e então se deu conta que Bridgid tinha compreendido tudo.
Enquadrando os ombros, a jovem inspirou profundamente.
—Me alegrará muito ajudá—lo com Michael, mas não devia esperar até seu retorno antes de trazer minhas coisas? —disse.
—Não, quero que você se instale o quanto antes possível.
—Então, com sua permissão, irei buscá—las.
Ramsey se outorgou, e a olhou se afastar. Seu orgulhoso porte conseguiu impressioná—lo, sobretudo depois de ver as lágrimas que inundavam seus olhos antes que lhe desse as costas.
Ao chegar na porta, Bridgid se deteve, e o chamou: —Laird?
—Não julguem minha mãe com tanta dureza. Não pode evitar sentir o que sente. É recém casada, e deseja estar com seu marido. Eu estou no meio. Além disso, já é hora que me vá de casa.
— Você acha que essa é a razão pela que te pedi que vivesse aqui? Porque sua mãe deseja intimidade?
—E não é mesmo? —perguntou ela—. Que outra razão poderia ter?
“Luxuria e ciúmes”, pensou Ramsey, mas não ia dizer—lhe a vergonhosa verdade que seu padrasto a desejava e sua própria mãe estava ciumenta da beleza de sua filha.
—Já te expliquei minhas razões. Você me ajudará com Michael, e isso é tudo.
—Você é um bom homem, laird —disse ela—. Mas...
—Mas o que?
Bridgid sorriu fugazmente.
—Realmente, não mente muito bem.

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 20

Nunca nada era fácil. Após uma longa e tediosa conversa com Brisbane e Otis, Gillian tinha dor de cabeça em consequência de todas as respostas evasivas. Eram homens amáveis e gentis, mas terrivelmente teimosos. Mesmo que nenhum dos dois reconhecesse perante ela, foi evidente que, apesar de saber onde se encontrava Christen, não iam dizer até depois de falar com ela e obter sua autorização. Gillian apelou a toda sua paciência, e finalmente foi recompensada, acidentalmente, Otis deixou escapar que Christen vivia efetivamente nas terras dos Macpherson. O coração de Gillian deu um salto de puro júbilo, e começou a pressionar, implacável, mesmo que sem nenhum resultado.
Tão segura se sentia Gillian que Christen viria em sua procura tão logo soubesse que sua irmã estava ali, que concordou em esperar até que os homens falassem com ela. Rogou que o fizessem o mais rápido possível, explicando—lhes que acabava seu tempo e devia retornar à Inglaterra logo depois. Não lhes disse por que.
Os homens se foram, deixando—a nervosa e frustrada, e decidiu dar um passeio pelo atalho de pedras que seguia por entre todas as construções que formavam parte da propriedade de Ramsey, para poder estar a sós uns instantes. Ao chegar no alto da colina encontrou um lugar à sombra de uma árvore, e se sentou para descansar. Acomodou suas saias sobre a erva, fechou os olhos e deixou a mente em branco, oferecendo o rosto à carícia da suave brisa. Quando voltou a abrir os olhos, deu um atenta olhar a seu redor. As terras de Ramsey era belíssima.., e cheia de paz. A seus pés, os membros do clã se dedicavam a sua rotina cotidiana. Os soldados afiavam suas armas, outros homens se inclinavam sobre suas ferramentas, lavrando a terra e preparando—a para a próxima colheita. As mulheres conversavam à porta de suas casas, enquanto moíam o grão para amassar o pão e enquanto as crianças saltavam a seu redor, brincando um ruidoso passatempo com uma pedra e um pau.
Durante um breve instante, ela também se sentiu inundada pela paz; contagiada da tranquilidade da cena.
Mas sua mente não lhe deu trégua. Bulia com todas as perguntas que queria fazer a Christen quando a visse.
Rezou para que sua irmã se lembrasse dela, e para que suas lembranças fossem de afeto. Liese tinha mantido vivo nela a lembrança de Christen com divertidas histórias sobre sua infância compartilhada. Ela as tinha contado uma e outra vez, para que Gillian não esquecesse sua irmã. Christen não tinha tido ninguém que a ajudasse a lembrar, mas Gillian esperava que, ao ser mais velha que ela, não a tivesse esquecido.
O súbito grito de uma mulher a arrancou de suas divagações, e Gillian se virou a tempo de ver uma jovem loira que vinha correndo pelo atalho. Rugas de preocupação sulcavam a testa, e Gillian viu logo depois a razão;
Pisando os calcanhares vinha um homem de aspecto bestial, com feroz determinação brilhando em seu olhar. Ao vê—lo de mais perto, pôde comprovar que se tratava mais de um rapaz, e não de um homem adulto.
— Te disse que me deixasse em paz, Stewart, e digo a sério! Se não deixa de me incomodar, eu...
Ao ver Gillian, se interrompeu. Sorriu e se aproximou rapidamente, esquecendo por enquanto seu indesejável pretendente. Stewart também se deteve, e se dispôs a escutar sua conversa.
—Bom dia, milady.
—Bom dia —respondeu Gillian.
—Me chamo Bridgid —disse a jovem, inclinando—se ante ela—. Não se ponha de pé —acrescentou—. Você é a dama que veio da Inglaterra, verdade?
—Isso mesmo. Me chamo Gillian.
—A estive procurando por toda parte —disse a jovem—. Esperava que, se não estiver muito ocupada, me dedicasse alguns minutos para me responder algumas perguntas sobre a Inglaterra. Sinto uma grande curiosidade por saber sobre a vida lá.
Gillian se sentiu surpreendida e adulada.
—Gostarei muito de responder suas perguntas, mesmo que devo confessar que você é a primeira pessoa daqui que mostra algo de interesse pelo meu país. Você gosta da Inglaterra?
—Não sei se gosto ou não —respondeu a moça, rindo— Ouvi histórias terríveis sobre os ingleses, mas estou decidida a descobrir se são verdadeiras. Os homens destes lugares tendem a exagerar.
—Ainda sem ter ouvido essas histórias, posso assegurar que são falsas. Os ingleses são boas pessoas, e me orgulha ser uma delas.
—É muito nobre de sua parte defender assim seus compatriotas.
—Não sou nobre, só honesta. Conte—me algumas dessas histórias, e te convencerei que são falsas.
—Se essas histórias são exageros, provavelmente então mude de parecer e queira conhecer algum dia a Inglaterra, mesmo que não acho que meu laird me autorize. Seu país é tão belo como o meu?
—Oh, sim! —replicou Gillian—. É... diferente, mas é formoso.
Outro soldado tinha se aproximado de Stewart, e também tinha ficado olhando Gillian e Bridgid. Da mesma forma que Stewart, mal era um rapaz, alto e desajeitado, com manchas no rosto. Gillian pensou que era muito descortês de sua parte escutar sua conversa tão ostensivelmente, e de boa vontade os teria expulsado, mas como Bridgid parecia ignorá—los, decidiu fazer o mesmo.
—Minha mãe me contou que os maridos ingleses devem bater em suas esposas todos os sábados durante a noite, para que ao chegar na missa do domingo elas tenham cumprido com sua penitência —disse Bridgid.
A mentira causou tanta graça que Gillian que se pôs a rir.
—Não é verdade! Os maridos ingleses são bondosos e considerados, e jamais fariam dano à suas esposas. Ao menos, não faria a maioria deles —se corrigiu—. Não são diferentes dos homens que vivem aqui. Sustentam os mesmos valores, e querem o mesmo para suas famílias.
—Já suspeitava que era uma história inventada —comentou Bridgid—. E com certeza a história que me contaram sobre o Papa também é falsa.
—Que te contaram?
—Que o Santo Padre tinha decretado a interdição sobre a Inglaterra.
Gillian sentiu que caíam os ombros.—Isso é verdade. O Papa tem um desentendimento com o rei Juan. Em breve se arrumarão.
—Isso não é o que ouvi —disse Bridgid.
—E o que você ouviu?
—Que primeiro excomungará Juan.
Gillian fez o sinal da cruz, tão atroz era a predição de Bridgid.
—Sinceramente, espero que não —murmurou—. Meu rei já tem suficientes problemas entre as mãos com a rebelião dos barões.
—Seu rei se procura seus próprios problemas.
—Mas é meu rei — lembrou gentilmente a Bridgid—. E meu dever é mostrar—lhe minha lealdade.
Bridgid refletiu um instante sobre o tema, e finalmente assentiu.
—Sim, eu também devo ser leal a meu laird, a menos que ele cometa atos que traiam essa lealdade. Posso sentar—me com você? Acabo de levar todas as minhas coisas ao castelo, e estou cansada. Além disso, tenho centenas de perguntas para te fazer, e prometo que nenhuma está relacionada com seu rei, já que me dou conta que o tema a incomoda.
—Sim, por favor, sente—se —disse Gillian, e pôde ver então Stewart que corria para Bridgid, com o outro jovem seguindo seus passos—. Oh, ali vêm os velhacos.
Quando Gillian se pôs de pé, Stewart se aproximou e pegou Bridgid pela cintura. Ela soltou um chiado e tentou libertar—se de seu abraço.
—Solte—me, Stewart!
—Já ouviu —ordenou Gillian, decidida a ajudá—la— Fique longe dela!
Stewart a olhou sorridente.
—Este é um assunto entre Bridgid e eu. Só quero um beijo, e depois a soltarei. Talvez te roube um beijo também. Na minha opinião, você é tão bonita como Bridgid.
—Você pode me soltar? Você cheira como um cachorro molhado —murmurou Bridgid.
O outro jovem se aproximou apressado.
—Já apanhou uma das mulheres. Eu apanharei à outra —alardeou—. E roubarei um beijo.
Nesse instante, Stewart soltou um uivo de dor e soltou Bridgid, dando um salto para trás. Olhou o braço, e gritou:
—Me mordeu! Você, pequena...! —gritou.
Com as mãos nas quadris. Bridgid se virou para enfrentar seu agressor.
—Pequena, o que? —o desafiou.
—Cadela —murmurou Stewart.
Estupefata ante o insulto, Gillian levou a mão à garganta, sufocada, mas Bridgid não pareceu impressionada.
—Se não fosse um rapazinho tão estúpido, te denunciaria de imediato a nosso laird, Stewart. Agora vai e me deixe em paz. Você é um chato —disse, sacudindo a cabeça.
—E você é uma mulher fácil.
—Não sou nada disso! —replicou ela.
—Oh, sim que você é. Te vi levando suas coisas ao castelo. Sua mãe te jogou de sua casa, verdade? E não está casada, o que te transforma em uma mulher fácil. Não sou nenhum rapazinho —continuou dizendo, com o cenho franzido— E vou te demonstrar. Conseguirei o beijo, com sua permissão ou sem.
—Então eu também conseguirei —se orgulhou o outro soldado, mesmo que Gillian advertiu que tragava com dificuldade e olhava permanentemente acima do ombro, para assegurar—se que ninguém o ouvisse.
—Esse jovem se chama Donal —disse Bridgid—. É tão jovem e ignorante como Stewart —Aproximando—se muito de Gillian, sussurrou— Você está com medo? Se é assim, chamarei pedindo ajuda.
—Não tenho medo. No entanto, estou muito zangada. Estes jovens necessitam aprender boas maneiras.
Bridgid sorriu.
—Que acha de jogá—los pela colina?
O plano era muito arriscado e divertido, e Gillian era suficientemente ousada para tentar. Seguiu Bridgid e ambas retrocederam lentamente até encontrar—se perto da ladeira.
Donal e Stewart, sorrindo como idiotas, foram aproximando—se. Bridgid os encorajou fazendo sinais com o dedo.
—Faça o mesmo que eu — sussurrou a Gillian, instruindo—a, e então ordenou a Stewart se virar e fechar os olhos, com a promessa de recompensa.
Excitados como filhotes ante um osso com carne, os rapazes se viraram.
—Não olhem — ordenou Bridgid—. Fechem os olhos com força.
—Vocês estão prontos? —perguntou Gillian a Donal.
O jovem assentiu vigorosamente quando recebeu um forte empurrão na costas. Ao mesmo tempo, Bridgid deu outro empurrão a Stewart. Donal saiu voando, mas Stewart demonstrou ser muito mais ágil. Lançando um grito de vitória, deu um passo atrás para evitar cair pela ladeira, e se virou para ver como seu amigo caía colina abaixo. Bridgid e Gillian aproveitaram sua distração. Levantando as saias, deram pontapés no traseiro dele e conseguiram que rodasse junto de Donal.
Infelizmente durante o processo Bridgid perdeu o equilíbrio. Antes de poder recuperá—lo, rodava ela também pela ladeira da colina. Suas gargalhadas podiam ser ouvidas ressoando pelo arvoredo. Gillian, ansiosa para ajudá—la, foi atrás dela, se enredou com suas próprias saias, e terminou caindo sobre Bridgid.
Ficaram cobertas de erva, terra e folhas, mas nenhuma das duas pareceu importar—se. Estavam mortas de riso, e armaram um alvoroço tal que os soldados que treinavam nos campos mais abaixo, pararam para olhá—las. As jovens procuraram recuperar o controle, mas quando viram Stewart que escapava correndo, acharam tão engraçado que tornaram a explodir em histéricas gargalhadas.
—Te disse que eram estúpidos —disse Bridgid, as lágrimas escorriam pelo rosto.
—Oh, sim —replicou Gillian, que se pôs de pé cambaleando. Nesse momento sentiu que sua blusa rasgou e ao descer a vista viu que a manga esquerda caía, rasgada, sobre sua cintura, o que voltou a provocar—lhe risos incontroláveis.
—Tenho um aspecto tão terrível como o que você tem? —perguntou Bridgid.
—Você tem mais folhas que cabelos na cabeça.
—Basta! —rogou Bridgid—. Já não posso rir mais. Me deu uma alfinetada nas costas.
Gillian estendeu a mão para que Bridgid pudesse colocar—se de pé. Sua nova amiga era vários centímetros mais alta que ela, e para poder olhá—la nos olhos teve que levantar a cabeça.
—Está mancando! —advertiu Bridgid, enquanto desciam juntas pela colina —. Você se machucou?
Gillian voltou a rir.
—Perdi meu sapato.
Bridgid o encontrou, e o deu a Gillian. Precisamente no momento em que Gillian se inclinava para calça—lo, Bridgid a pegou pelo braço.
—Por Deus, não olhe! — sussurrou.
—Que não olhe onde? —perguntou Gillian, entortando a vista ao olhar os soldados contra o resplendor do sol.
—Um dos soldados Buchanan está olhando. Oh, céus, acho que é o comandante. Está no alto da colina. Não olhe —murmurou quando Gillian se virou—. Você acha que viu o que fizemos?
Gillian se afastou de Bridgid, e se virou para olhar.
—É Dylan —disse—. Vem, te apresentarei. É um homem muito agradável.
Bridgid ficou para trás.
—Não quero conhecê—lo. É um Buchanan.
—Sim, é.
—Pois bom, então não pode ser agradável. Nenhum deles é —acrescentou, com um gesto afirmativo — Mas você é inglesa por tanto não pode saber...
—Saber que?
—Que são... impiedosos.
—Oh, sim?
—Te digo a verdade —insistiu Bridgid—. Todo o mundo sabe que são brutais. Como poderiam não ser? Seguem o exemplo de seu líder, e laird Brodick Buchanan é o homem mais aterrorizador sobre a face da terra. Sei do que falo —continuou dizendo—. Poderia te contar muitas histórias que fariam com que seu cabelo ficasse cinzento da noite para o dia. Vá, conheci mulheres que explodiram em prantos só porque laird Buchanan olhou em sua direção.
Gillian se pôs a rir.
—Isso é absurdo!
—É verdade —voltou a insistir Bridgid—. Eu estava no salão, falando com meu laird, e ele se encontrava ali.
—Fez você chorar?
—Não, claro que não. Não sou suave, como muitas das mulheres por aqui. Mas te digo uma coisa: não pude olhá—lo nos olhos.
—Te asseguro que não é tão violento.
Bridgid lhe deu umas palmadinhas na mão, e dirigiu um olhar indicando que pensava que era terrivelmente inocente. Depois, voltou a levantar os olhos para o alto da colina.
—Oh, Meu Deus, não saiu! Acho que está nos esperando.
Gillian a pegou pelo braço e a levou com ela, esquecendo por um momento que ainda segurava o sapato com a outra mão.
—Asseguro que gostará do Dylan.
Bridgid soltou um bufo.
—Duvido muito. Gillian, escute—me. Já que você vai ser minha amiga, aconselho que você se mantenha afastada dos Buchanan, especialmente de seu laird. Não vai te machucar, mas te fará morrer de medo.
—Eu não me assusto com facilidade.
—Eu também não —disse Bridgid—. Você não compreende. Aceite meu conselho, e fique afastada dele.
—Isso vai ser difícil.
—Por que?
—Estou prometida a ele.
Bridgid cambaleou, e teria caído se Gillian não a tivesse sustentado com força pelo braço. Bridgid aspirou, fazendo esforço para recuperar a coragem, e então explodiu em gargalhadas.
—Por um segundo achei que você falava a sério. Será que todos os ingleses têm um sentido do humor tão pícaro como o seu?
—É verdade —insistiu Gillian—. E vou demonstrar.
—Como?
—Perguntarei a Dylan, o comandante de Brodick. Ele vai confirmar.
—Você está louca.
—Quer saber de algo decididamente impressionante?
—Sim, sem dúvida.
—Amo Brodick.
Bridgid abriu os olhos grandes como pratos.
—Você ama laird Buchanan! Você tem certeza que não o confunde com outra pessoa? Todas as mulheres estão apaixonadas de Ramsey. Ninguém ama a Brodick —explicou com tom de autoridade.
—Eu não amo Ramsey. Gosto dele —replicou Gillian—. Mas Brodick...
Bridgid a interrompeu.
—Não sabe em que...
—Estou me metendo? —completou Gillian ao ver que Bridgid não terminava a frase—. Que estranho, essas foram as mesmas palavras do pai Laggan. No entanto, sei muito bem o que estou fazendo. Se conseguir levar a cabo uma... missão... na Inglaterra, e puder voltar aqui, me casarei com Brodick.
Bridgid continuou rindo. Se negava a crer que Gillian falava a sério, tão extravagante era só a ideia que alguma mulher pudesse comprometer—se voluntariamente com semelhante homem.
Discutiram durante toda a subida da colina. Bridgid queria dar uma volta para evitar a Dylan, mas Gillian não permitiu. A obrigou a ir frente ao comandante.
Dylan oferecia um aspecto vagamente aterrorizador, supôs Gillian, ali de pé com as pernas separadas e os braços cruzados sobre o peito. Se erguia frente a elas, e parecia estar zangado, mas Gillian sabia que não se tratava mais que de uma pose.
—Bom dia, Dylan —cumprimentou—. Eu gostaria que você conhecesse minha amiga Bridgid. Bridgid, este impressionante soldado é Dylan, o comandante de todos os soldados Buchanan.
Bridgid se pôs pálida e inclinou a cabeça.
—É um prazer te conhecer, senhor —disse.
Dylan não respondeu, mas inclinou ligeiramente a cabeça. A Gillian sua arrogância lhe pareceu deliciosa.
—Lady Gillian, que aconteceu?
—Você não viu esses homens.
Bridgid lhe deu uma cotovelada. O gesto carrancudo de Dylan ficou mais intenso.
—Que homens?
Gillian se virou para Bridgid. Sua amiga respondeu apressadamente.
—Esses homens do campo. Os vimos.
—Você não os viu? —perguntou Gillian.
—Se não vi o que, milady?
—Os homens.., os homens que estão no campo de treinamento —balbuciou Gillian, tentando manter uma expressão séria.
—Certamente os vi —replicou ele, obviamente exasperado—. Agora também os vejo. Estou perguntando.
—Mas isso é o que estivemos fazendo! —explicou Bridgicl.
—Sim, sim —confirmou enfaticamente Gillian. Uma folha seca caiu de seu cabelo para seu próprio rosto, e não pôde evitar rir—. Estávamos olhando aos soldados.
—Não vão me dizer o que aconteceu, não é?
Uma covinha apareceu então em sua bochecha, e Dylan tentou não reparar no atraente que era. Ela era a mulher de seu laird, e ele não devia pensar em outra coisa que em protegê—la. Mas não deixava de ser motivo de orgulho o fato de que Brodick houvesse cativado uma mulher tão linda.
—Não, não vou dizer.
—Também não dirão a Brodick?
—Não, não acho que o faça.
—Com certeza que sim.
—As damas gostam das apostas —replicou ela, mudando de tema—. Dylan, tenho que pedir—te uma coisa.
—Farei o que me você peça, milady —disse ele, em tom novamente formal.
—Eu disse a Bridgid que estava prometida a Brodick, mas não me acredita. Você poderia confirmar? Por que você parece tão surpreendido?
—Então você acha que está comprometida com... Brodick —completou ela, preocupada pela expressão divertida que Dylan tentava em vão de ocultar.
—Sabia que você tinha inventado! —exclamou Bridgid, tornando a dar—lhe uma cotovelada . Tem um sentido do humor muito pícaro. disse a Dylan.
—Eu não tenho inventado nada. Dylan, diga, por favor.
—Pelo que eu sei, você não está comprometida com laird Buchanan.
—Não estou? —sussurrou Gillian.
—Não, não está. confirmou ele.
Gillian ficou com o rosto escarlate.
—Mas eu achei... o padre estava ali... o vi abençoar...
Se deu conta que estava se comportando como uma tola.
—Então estava equivocada —murmurou . —Te agradeceria que não mencionasse a Brodick. — se apressou a acrescentar . Não quero que pense que sou uma... idiota. Foi um mal—entendido, e te agradeço que você tenha esclarecido.
—Mas, milady...
Ela levantou a mão.
—Verdadeiramente, não quero continuar falando disto.
—Como quiser.
Para Gillian foi difícil superar sua conturbação, mas tentou fingir que não tinha se sentido completamente humilhada frente ao comandante. Lembrou que tinha a manga rasgada, pendurando sobre o cotovelo. A levantou e sustentou contra seu ombro, e soltou um suspiro.
—Brodick quer falar com você. — disse Dylan, lembrando finalmente por que tinha ido buscar Gillian.
Ao se dar conta que ainda tinha o sapato na mão, se sustentou pelo braço de Dylan para voltar a calçá—lo.
—Onde está?
No pátio de armas, com Ramsey.
—Bridgid e eu vamos ao lago. Realmente, eu gostaria de colocar roupas limpas antes de vê—lo.
—Brodick não gosta de esperar, e eu gostaria muito que a visse em sua atual condição —reconheceu Dylan com um sorriso.
—Muito bem —concordou ela.
Bridgid permaneceu em silêncio até que Dylan, depois que cumprimentá—la com uma inclinação, se foi.
—Considere—se afortunada —disse depois.
—Me sinto como uma verdadeira tola. Realmente, pensei que Brodick e eu estávamos prometidos. Ele me pediu que me casasse com ele, de verdade. Não, isso não é verdade, Me disse que eu ia casar com ele.
—Não é possível que isto te faça se sentir mal.
Gillian deu de ombros.
—Eu não sei o que pensar, nem que sentir —disse—. Vem. Não devemos fazer esperar a Brodick. Não tem paciência.
Bridgid atravessou junto dela o atalho ondulado.
—Eu não sei se devo sentir por você admiração, ou pena.
—Por que?
—Porque você parece desiludida.
—Estou envergonhada.
—Oh, já conheço a sensação. Hoje mesmo fui absolutamente humilhada. Você ouviu o que disse Stewart? Minha mãe me jogou de sua casa... Eu achava que também era minha. Mas ela me tirou desse erro. Se Stewart já sabe, então sabe todo mundo. E você sabe o que é o pior de tudo?
—Que?
—Também sabe meu laird. Me fez levar minhas coisas ao castelo, com a desculpa de que precisava de ajuda para cuidar de seu irmão Michael, mas essa não é a verdadeira razão. Foi pela minha mãe. Ela pediu que fizesse algo comigo.
—Que fizesse algo?
—Essas foram as palavras que me gritou enquanto recolhia minhas coisas. Está zangada comigo porque me neguei a me casar.
Bridgid explicou os detalhes, e quando terminou de fazer, Gillian tinha esquecido totalmente tudo o referente a sua própria humilhação.
—Sua mãe cometeu um erro ao te obrigar a deixar sua casa.
—Quer que eu passe a ser problema de Ramsey —disse Bridgid—. Minha mãe é recém casada, e eu sou uma filha difícil.
Caminharam ao longo do atalho, fazendo com que as flores que o rodeavam soltassem todo seu aroma com o roçar de suas saias, e compartilhando confidências em voz baixa, tão cômodas uma junto da outra como se fossem velhas amigas. Nenhuma das duas queria ter pressa. Bridgid aceitava abrir seu coração a alguém que não a julgasse com dureza, e Gillian desejava esquecer por um momento seus próprios problemas.
—Por tanto já vê, não posso culpar a minha mãe. Estou cansada de falar dos meus problemas. Conte—me algo de você. De verdade você ama Brodick?
—Sim, o amo.
—Há muito tempo que você conhece
—Na verdade, não. O conheço há muito pouco tempo.
—Pois esta é a explicação! —exclamou Bridgid—. Quando você conhecer ele bem, você se dará conta que só era um capricho.
Gillian negou com a cabeça.
—Não escolhi me apaixonar por ele. Simplesmente aconteceu, mas o amo com todo meu coração.
Bridgid soltou um suspiro.
—Eu também estou apaixonada —confessou.
Gillian a olhou atenciosamente.
—Não parece estar muito feliz.
—Não estou. Na verdade me sinto muito infeliz. Não quero amá—lo.
—Por que?
—Porque ele não me ama.
—Você tem certeza?
—É muito estúpido.
Gillian se pôs a rir.
—E no entanto você ama!
—Sim.
—Quem é ele?
—Um Sinclair.
—Sabe o que você sente por ele?
—Não.
—Você pensa dizer a ele que você o ama?
—Pensei muito no assunto, e também tentei que... reparasse em mim. Esperava que fosse mais perceptivo, mas até agora não se tem dado conta.
—Acho que você deveria dizer. Que você pode perder?
—O respeito por mim mesma, minha dignidade, meu orgulho, meu...
—Bom, não tem importância.
—Sei que você tem razão. Deveria dizer. Se continuo esperando, chegarei a ser uma idosa antes que chegue a se dar conta que sou o melhor que pôde ter acontecido com ele. Ninguém o amará como eu o amo. Conheço todos os seus defeitos, que são muitos, te asseguro, mas igualmente o amo.
—Quando?
—Oh, não falarei.
—Mas você acaba de dizer...
—Que deveria dizer. No entanto, não farei. E se não me ama? Inclusive é possível que nem sequer goste de mim.
—Pensando bem, acho que não o agrado em nada. Não faz mais que dizer o quanto difícil e obstinada que sou.
—Então ele prestou atenção em você, não é mesmo?
—Sim, mas só me vê como um problema. Aqui os homens cortejam às mulheres. Na Inglaterra é ao contrário?
—Não, é igual aqui.
—Então ele deveria me cortejar, verdade? Não, não direi o que sinto. Quando te disse Brodick que te amava?
Nesse momento três soldados se aproximaram pelo atalho, e Gillian aguardou até que estivessem o suficientemente longe para não ouví—la.
—Ainda não disse que me ama —respondeu—, e para ser completamente sincera, não tenho certeza que me ame. Só sei que sente algo por mim, mesmo assim.
—E apesar disso você disse que o amava?
—Sim.
Bridgid estava profundamente impressionada.
—Você é muito mais valente que eu. Só de pensar que possa me rejeitar, é muito doloroso, mas você teve a coragem de dizer a Brodick o que sentia, mesmo que ele não tivesse feito o mesmo.
—Na verdade, foi ele quem me disse que eu o amava.
Bridgid se pôs a rir.
—Típico dos homens. Todos são muito arrogantes, como você sabe.
—Sim, a maioria —concordou Gillian—. Mas Brodick acertou, e quando me pressionou para que admitisse que o amava, o fiz. Não pude mentir.
—E te disse que ia se casar com você. É terrivelmente romântico, e também é um pouco... impressionante.
—Porque é um Buchanan. Posso te fazer uma pergunta pessoal... realmente muito pessoal? Você não tem que me responder se não desejar —se apressou a acrescentar.
Gillian advertiu a vacilação na voz de Bridgid.
—A beijou?
—Sim, me beijou.
Gillian sentiu que seu rosto ardia.
—Foi muito prazeroso —sussurrou. Olhando Bridgid, sorriu e disse: — Esse homem consegue me fazer estremecer só com um olhar.
Bridgid deixou escapar um anelante suspiro.
—Eu beijei somente uma vez em minha vida, e não estremeci. Me pergunto o que sentiria se me beijasse o homem que amo.
—Se afrouxarão os joelhos, o coração baterá loucamente e você ficará sem forças. E você sabe o que mais?
— Que?
—Não irá querer que o beijo termine nunca.
Ambas suspiraram em uníssono, e depois riram de sua própria conduta. Bridgid retomou o tema.
—Jamais entendi como é possível que Ramsey e Brodick sejam tão amigos. Não se parecem em nada.
—Oh, eu acho que têm muito em comum.
—Não, não é mesmo. Ramsey é generoso até o excesso, e amável e considerado...
—Também Brodick —insistiu Gillian— Só mostra seu lado amuado, e também é generoso, amável e considerado. Ah, ali vem o homem dos meus sonhos! —acrescentou rindo.
Brodick e Ramsey cruzavam o pátio de armas quando viram Gillian e Bridgid que iam para eles. Os guerreiros pararam bruscamente.
—Não é possível que tenhamos tão mau aspecto —assinalou Gillian enquanto arrumava o cabelo sobre os ombros.
—Oh, sim que temos —replicou Bridgid. Se virou para Gillian, e tentou ajudá—la a segurar a manga rasgada sobre o ombro, mas o tecido voltou a cair imediatamente sobre o cotovelo.
—Que diabos aconteceu com vocês? —perguntou Brodick, mugindo como um leão.
Ante o som de sua voz, Bridgid fez um trejeito.
—Bridgid, explique—se —exigiu Ramsey.
Gillian se virou para sua amiga, e propôs em voz baixa.
—Que você acha de jogá—los também colina abaixo?
Bridgid mordeu o lábio inferior para conter o riso, enquanto seguia Gillian pelo pátio de armas.
—Te fiz uma pergunta. Que aconteceu, Gillian? —repetiu Brodick.
Gillian parou a certa distância dos homens, abandonando a tentativa de recuperar a compostura, e juntou as mãos. Bridgid se pôs a seu lado.
—Que os faz pensar que nos aconteceu algo? —perguntou com ar de inocência.
Observando o aspecto que ofereciam, Ramsey considerou que a pergunta era ridícula.
E Brodick, mesmo assim, não achou nenhuma graça. Deu um passo para Gillian.
—Você tem o vestido rasgado — disse — o rosto manchado de terra, e seu cabelo está cheio de erva e folhas. — A mancha que ostentava Gillian no nariz o estava distraindo. A pegou pelo queixo, e com o polegar a limpou. O brilho nos olhos de Gillian fez com que ficasse prendado de seu olhar, e não pôde soltá—la. Em um tom muito mais suave, voltou a pedir que contasse o ocorrido—. Dylan me disse que você tinha mencionado algo com relação acerca dos homens que estavam na colina. Quem eram e o que fizeram?
—Não havia nenhum homem com Bridgid nem comigo.
—Gillian...
—Conosco não havia nenhum homem.
Antes que pudesse continuar perguntando, ela apoiou as mãos sobre o peito dele, se pôs na pontas dos pés, e lhe sussurrou ao ouvido.
—Estava me divertindo um pouco, e isso é tudo. No entanto, tive saudades de você. E você?
—Sou um homem ocupado —replicou ele com voz rouca, tentando ignorar sua maravilhosa fragrância. Sentia o calor de suas mãos sobre o peito, e então se deu conta do quanto gostava de sua informal e aberta demonstração de afeto. Desde muito jovem tinha aprendido a ocultar seus sentimentos até o ponto que a introversão tinha se transformado na sua segunda natureza. Gillian era exatamente o contrário. Tudo o que tinha que fazer era olhá—la no rosto para saber com certeza o que pensava e o que sentia. Nela não havia suspeita nem simulação.
Era refrescantemente sincera, voluntariosa, e, aparentemente, não sentia medo. Também era irresistível. Ele nem sequer tinha tido tempo de se proteger, num piscar de olhos, Gillian tinha conquistado seu coração.
Ela tentou retroceder, mas Brodick cobriu as mãos dela com as suas.
—Será que você poderá me dedicar um momento a sós? —perguntou ela.
—Para que?
A voz de Gillian voltou se transformar em um sussurro, e com doce coragem cochichou no ouvido.
—Eu gostaria de me jogar desavergonhada mente em seus braços e te beijar com toda paixão até que te desse voltas a cabeça.
O beijou no rosto, e se afastou dele, aparentemente muito satisfeita de si mesma.
—Você acha que poderá fazer tudo o que acaba de dizer?
—Sim.
—Fazer que? —perguntou Ramsey.
Brodick sorriu.
—Acha que pode...
—Brodíck! —exclamou Gillian com voz sufocada.
—O que te disse era algo particular!
Ramsey abandonou o tema.
—Gillian, todos os Sinclair se reunirão aqui ao entardecer.
Ela custou a se concentrar. A forma com que Brodick estava olhando—a fazia com que o estômago desse voltas. O efeito que provocava nela era, certamente, pecaminoso.
—Eu sinto. Que você dizia?
—Todos se reunirão aqui ao entardecer —repetiu Ramsey pacientemente.
—Homens e mulheres?
—Sim.
—Bem.
—Talvez então você possa ver sua irmã —disse Bridgid.
—Isso mesmo—confirmou Ramsey, sorrindo ante o entusiasmo da jovem. Virando—se para Gillian, perguntou — Otis e Brisbane te disseram que estava aqui?
—Não exatamente —reconheceu ela—. Um deles deixou escapar que sabia de quem se tratava, no entanto, e quando o pressionei, disse que se a moça fosse, efetivamente, Christen, então vive nas terras dos Macpherson. Não sei quão longe fica daqui.
—Não muito longe —disse Ramsey.
—Se me vocês me desculparem, gostaria de ir ao lago com Bridgid, e nos lavar. Devo fazer algo com meu aspecto antes do entardecer.
—Ainda não —disse Brodick, enquanto tomava Gillian pela mão, praticamente a arrastava, e se dirigia para o castelo. Ela se viu obrigada a correr para manter—se a seu lado.
—Que você está fazendo? — perguntou.
Ele não respondeu. Abrindo a porta de par em par, de uma só vez a obrigou a entrar. Quando a porta se fechou atrás eles, entraram no vestíbulo, que estava escuro e cheirava a mofo. Gillian mal podia vê—lo quando ele a apoiou contra a porta, pôs as mãos sobre sua cabeça, e se apertou contra ela. Gillian pôde sentir o calor e a força que emanavam dele, mesmo que quando a tocou se mostrou incrivelmente delicado.
—Aqui você tem seu minuto, Gillian. Você vai desperdiçá—lo, ou você vai me demonstrar que não alardeava?
Subitamente insegura, Gillian lutou contra sua timidez, e lentamente rodeou o pescoço dele com seus braços, afundando os dedos no cabelo de Brodick para atraí—lo para si. Sua boca roçou a dele. Com os dentes capturou seu lábio inferior, e puxou suavemente. Ouviu sua respiração, e soube que sua ousadia o tinha satisfeito.
Abraçando—o com força, jogou a cabeça para atrás, abriu a boca e o beijou com atrevido entusiasmo.
Os joelhos de Brodick afrouxaram.
Acostumado a ser quem tomava a iniciativa, não podia permitir que Gillian o ganhasse de mão. Com um rouco grunhido a levantou no ar, enquanto a beijava uma e outra vez, sua língua enredada com a de Gillian, a ponto de perder por completo o controle quando a escutou emitir um gemido de prazer. A acariciou nas costas, e a levantou mais um pouco até que esteve apoiada contra sua virilha.
Ambos arquejavam em busca de ar quando Gillian terminou de beijá—lo. Continuou agarrada a ele, com o rosto afundado em seu pescoço, enchendo de beijos o oco de sua garganta.
—Não se afaste de mim —sussurrou, sabendo que se fosse, ela morreria. O beijo a tinha deixado sem forças, e só no que podia pensar era em voltar a beijá—lo. Se sentia absolutamente desenfreada, e não se importava em absoluto.
—Jamais —respondeu ele—. Jamais te deixarei ir.
Lentamente, a desceu até que seus pés voltaram a tocar o chão, mas não deixou de abraçá—la, enquanto a beijava no pescoço. O suspiro que deixou escapar Gillian estava cheio de desejo.
Reticente a separar—se dele, apoiou a cabeça sobre o ombro de Brodick e fechou os olhos. Sua mão descansava sobre o coração de Brodick, e pôde sentir seus batimentos acelerado.
—Não te provoquei palpitações, provoquei?
—Sim —reconheceu ele—. Você é uma sedutora, Gillian. Não pode me beijar assim, e pretender poder ir tão tranquila.
—E o que você quer que faça?
Senhor, como era inocente!
—Já te explicarei esta noite — prometeu.
Brodick afastou gentilmente os braços dela, e a lembrou que tinha que ir ao lago com Bridgid.
Já tinha se voltado para a porta quando Brodick a deteve.
—Dylan me contou que tinha parecido que alguns dos soldados Sinclair estavam te molestando.
—Conosco não havia nenhum homem —voltou a dizer ela—. Mas se tivesse estado, e me tivessem incomodado, eu teria me encarregado deles só.
—Não, você não teria feito —insistiu ele—. Você diria quem eram, e eu me encarregaria deles.
—E o que você faria?
Brodick não teve que pensar muita sua resposta.
—Se algum homem se atrevesse a te tocar, o mataria.
As chispas de fúria que viu nos seus olhos e o gesto decidido de sua mandíbula apertada, a convenceram que falava a sério. De repente lhe pareceu muito perigoso.
—Não pode matar...
Ele não a deixou terminar.
—É o estilo Buchanan —disse com veemência—. Você me pertence, e não permitirei que nenhum outro homem ponha as mãos em você. E já basta disto. Há algo que quero te dizer, e este é tão bom momento como qualquer outro.
Gillian aguardou um instante que ele continuasse, antes de insistir.
—E bem?
—Por aqui nós fazemos as coisas de forma diferente.
—Nós?
—Os Buchanan —especificou—. Quando queremos algo, tomamos.
—Isso não parece correto.
—Não tem importância que pareça ou não correto. É assim mesmo que fazemos.
—Mas claro que importa. Você pode se colocar em problemas com a Igreja se tomar algo que não te pertence.
—A Igreja não me preocupa.
—Deveria.
Apertando os dentes, Brodick a advertiu.
—Não discuta comigo.
—Não estou discutindo. Simplesmente, assinalo um fato. Não é necessário que você fique de mal humor.
Ele a pegou pelos ombros e a aproximou dele.
—Vou começar de novo. Vou te explicar, e quero que você preste atenção ao que te digo.
—Você está me insultando?
—Não, minha querida. Só escute—me.
Gillian ficou tão surpreendida pela amostra de afeto que nublaram os olhos.
—Muito bem —sussurrou—. Vou prestar atenção. Que quer explicar—me?
—Você disse que me amava. Você admitiu, não é mesmo? Não pode retirar suas palavras.
Nesse momento expôs sua vulnerabilidade, e Gillian tratou imediatamente de tranquilizá—lo.
—Não quero retirar minhas palavras. Te amo.
Brodick afrouxou seu abraço.
—Esta noite... —Eu... ou seja, nós... ai, demônios.
—Brodick, por todos os céus, que te passa?
—Você —murmurou ele—. Você é o que me passa.
Ela afastou as mãos dele.
—Seu humor muda segundo o vento. Agora, se você me desculpa, tenho que fazer coisas mais importantes que estar aqui plantada, te escutando grunhir. —Deu meia volta, abriu a porta com as duas mãos e saiu do quarto.
Ele se deu por vencido. Sabia que tinha feito uma furada, mas confiava que essa noite tudo terminasse bem. Gillian era uma mulher astuta. Seguramente, quando ele tivesse terminado de tirar as roupas e a houvesse levado até sua cama, já teria dado conta de tudo. Se não fosse assim, teria que explicar.
Nesse momento entrou Ramsey, viu Brodick e em seguida adivinhou o que tinha passado.
—Ainda não disse a verdade?
—Não, mas Deus sabe que tentei.
—É bastante simples, Brodick.
—Não, não é.
—E o que acha disso: “Gillian, você está casada comigo. Parece muito complicado?
—Te disse que tentei, maldito seja. Se você acha que é fácil, diga você mesmo.
Ramsey se pôs a rir.
—Por Deus, você tem medo de dizer a verdade a ela?
—Certamente não.
—Sim, você tem medo. Que você acha que pode fazer?
Brodick renunciei a continuar com suas bravatas.
—Sim, tenho medo. Se porá a correr. Entrará em pânico, e depois tentará fugir. Maldição, eu a enganei, e não deveria ter feito isso.
—Também enganou um sacerdote.
—Sim, bom... Mas me preocupa só Gillian. Não deveria tê—la enganado. Foi errado que...
—Mas você faria outra vez, não é mesmo?
Dando de ombros, Brodick reconheceu que, efetivamente, voltaria a fazê—lo.
—Sim. Não consigo imaginar a vida sem ela, e se você rir de mim por admitir semelhante debilidade, te juro que te quebrarei a cara com um murro.
Ramsey lhe deu uma palmada no ombro.
—Tenha coragem —disse.
—E o que diabos quer dizer—me com isso?
—Gillian pode sentir pânico quando souber que está casada com você. Demônios, qualquer mulher sentiria o mesmo.
—Ramsey, não está ajudando.
—Mas não escapará, Brodick.
—Se disser no jantar... Sim —acrescentou assentindo com firmeza—. Eu direi então no jantar.
Ao abrir a porta de par em par para ir, Brodick quase a arrancou de suas dobradiças.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 21

A excitação ante a possibilidade de se reunir finalmente com sua irmã era mais intensa do que Gillian podia suportar. Enquanto se vestia para reunir—se com o clã de Ramsey, lhe tremiam as mãos, e sentia que seu estômago se retorcia.
Pôs um traje cor dourado com bordados no extremo da saia e dos punhos. Uma criada a ajudou a colocar o tartán Buchanan ao redor da cintura e, um dos extremos, sobre o ombro. O tecido foi ajustado com um cinto de couro trançado.
Uma vez vestida, Gillian ainda não se sentia pronta para descer, por tanto ficou no quarto que Ramsey havia atribuído a ela no final do corredor, andando ansiosa frente à lareira e ensaiando o que ia dizer quando cumprimentasse Christen.
Bridgid subiu para buscá—la. Abriu a porta e olhou no interior do quarto, viu Gillian iluminada pelo fogo, e de repente se deteve.
—Oh, Gillian, você está linda! Essa cor te assenta maravilhosamente.
—Obrigada, mas empalideço a seu lado.
Bridgid soltou um alegre riso.
—Ora, que par que somos! Elogiando uma à outra como meninas tolas.
—Eu digo de coração. Você está radiante, e seguramente esta noite o homem que você ama reparará em você.
Bridgid lançou um bufo.
—Prevejo que continuará olhando através de mim como tem feito até agora. Sempre fez. Já estou acostumada —acrescentou, afirmando com um gesto—. Você está pronta para descer?
—Sim —respondeu Gillian enquanto deixava a escova sobre a cômoda. Tentou controlar o tremor de seus mãos, e se obrigou a inspirar profundamente—. Estou tão excitada ante a perspectiva de voltar a ver minha irmã que não posso deixar de tremer.
—Você acha que poderão se encontrar esta mesma noite?
—Sim. E estive praticando o que vou dizer. Quero que nosso reencontro seja perfeito, e quero que goste de mim. Não é uma preocupação tola? Certamente vai gostar de mim. Sou sua irmã, por todos os céus.
—Vamos —disse então Bridgid—. Não devemos fazer laird Ramsey esperar. Seja dito de passagem, Brodick está com ele, e também Brisbane e Otis. Te advirto que nenhum deles parece muito feliz. Algo está acontecendo, mas ninguém me disse o que é. No entanto, com certeza tem a ver com os Macpherson. Esse homem, Proster, sempre está causando problemas.
Anthony e Faudron se queixam continuamente dele e de seus seguidores.
—Quem são Anthony e Faudron? —perguntou Gillian, enquanto beliscava as bochechas para dar cor, e seguia Bridgid fora do quarto.
—São os amigos mais íntimos de Gideon, e Gideon é...
—O comandante de Ramsey.
—Isso mesmo—disse Bridgid—. É raro ver um sem o outro, e sempre que Gideon está fora da propriedade, Anthony fica cargo de seu posto.
Quando chegaram ao último degrau, se abriu a porta e entrou correndo um soldado. Era alto, magro e tinha profundas rugas na testa.
—Esse é Anthony —sussurrou Bridgid—. Te apresentarei depois que você tenha falado com Ramsey. Não deveria fazê—lo esperar.
Os homens aguardavam no extremo mais distante do salão. Ramsey e Brodick estavam juntos, cochichando em voz baixa, e tanto Brisbane e Otis estavam sentados à mesa, observando os lairds. Os idosos tinham o aspecto de quem perdeu seu melhor amigo. Otis foi o que primeiro a viu chegar, e se pôs de pé, depois de ter avisado a seu amigo com uma cotovelada.
O sorriso de Gillian se esfumou quando viu a expressão de Brodick. Estava furioso, e depois de ter saudado a Ramsey com uma inclinação, Gillian juntou suas mãos e esperou para descobrir o que passava.
A missão de destroçar seu coração recaiu sobre os ombros de Brodick, que decidiu falar—lhe imediatamente para terminar o mais rápido possível.
—Sua irmã se negou a encontrar—se contigo —disse.
Gillian não pôde crer no que acabava de ouvir. O obrigou a repetir as notícias.
—E por que se nega a me ver?
Brodick dirigiu o olhar a Brísbane, na busca de uma resposta. O velho arrastou sua cadeira sobre o chão ao separá—la da mesa, e foi para ela com expressão sombria, explicou:
—Ela foi uma Macpherson praticamente desde que tem memória, e não sente nenhuma lealdade para a Inglaterra.
—E sua família? —perguntou Gillian— —Ela não sente nenhuma lealdade para o tio Morgan ou para mim?
—Sua família está aqui —disse Brisbane— Tem um pai e uma mãe, e...
Ela o interrompeu.
—Sua mãe e seu pai estão enterrados na Inglaterra.
Os ombros de Brisbane pareceram cair mais que de costume.
—E também tem um marido —se apressou a acrescentar—. Está... satisfeita.
—Satisfeita? Está satisfeita? —repetiu Gillian quase gritando. Mentalmente viu a imagem de seu tio Morgan, e se pôs a tremer de fúria. A vida de um homem bom e gentil estava em perigo, e Gillian não se importava a satisfeita que pudesse sentir—se Christen.
Deu um passo para Brisbane, mas Brodick a deteve rodeando a cintura dela com seu braço e trazendo—a a ele.
—Tente compreender, lady Gillian —rogou Brisbane.
—Não tenho tempo de compreender —replicou ela—. Devo falar com minha irmã o mais rápido possível.
— Foi ela que te disse que não veria Gillian, ou foi seu marido quem falou no seu nome? —perguntou Brodick.
A pergunta surpreendeu a Brisbane, e a ruminou durante vários minutos.
—Foi seu marido que me explicou tudo —reconheceu—. Ela não abriu a boca, mas estava ali, e escutou cada palavra que se falou lá. Se não tivesse estado de acordo, podia ter protestado.
—Sabe que só o que quero é falar com ela? Que não exigirei nada?
—Sim, disse que só o que você queria era voltar a vê—la, mas não acho que nem ela nem seu marido me tenham acreditado. —Lembre, milady, que no passado se fizeram muitas averiguações sobre seu paradeiro. Teme que você a obrigue a retornar à Inglaterra ou que diga a outras pessoas onde se encontra.
Gillian levou a mão à testa.
—Eu não faria nada semelhante.
Se apoiou em Brodick e tentou pensar. Como podia fazer para que sua irmã não sentisse temor? E como era possível que Christen achasse que sua própria irmã podia traí—la?
—Ramsey! —chamou Brodick—. Que demônios você pensa fazer com isto?
—Darei um dia para que ela mude de atitude.
— E se não mudar?
—Então falarei com ela em nome de Gillian. Se continuar se negando, ordenarei que se apresente aqui. Se me vejo obrigado a arrastá—la, o farei. Preferiria, no entanto, que tomasse essa decisão por si mesma.
—Seu marido não vai gostar disso —interpôs Brisbane.
—Não me importa se ele gostar ou não —disse Ramsey.
—É um Macpherson muito orgulhoso —se antecipou Otis, desejoso de intervir na acalorada discussão.
—Pois agora é um Sinclair! —exclamou Ramsey—. Me jurou sua lealdade não?
—Como fizeram todos os Macpherson —disse Brisbane.
—Todos os soldados Macpherson lhes são leais, laird —disse Otis—Mas já que você trouxe o tema conversa, devo dizer que todo o clã sente que os trata como párias, especialmente os soldados. Seu comandante, Gideon, e seus segundos Anthony e Laudron, zombam continuamente deles, e ridicularizam todos os esforços que fazem. Os Macpherson ainda não foram treinados devidamente, e digo que se não fizer algo com rapidez, pode produzir—se uma insurreição.
Ramsey não respondeu imediatamente a tão fervente exposição, mas Brodick pôde notar que estava furioso.
—Você está sugerindo que Ramsey deveria mimá—los ou ter considerações especiais com os soldados Macpherson? —perguntou Brodick.
Otis negou com a cabeça.
—Só sugiro que lhes dê uma oportunidade justa para que demonstrem sua força.
—Amanhã me ocuparei pessoalmente do treinamento, e quando Gideon retornar, discutirei o tema com ele — anunciou Ramsey—. Isso te deixa satisfeito?
Otis mostrou um enorme alívio.
—Sim, muito obrigado.
Brisbane tentou mostrar—se tão conciliador como Ramsey.
—Com sua permissão, laird, gostaria de voltar a falar com a irmã de lady Gillian amanhã mesmo. Insistirei que lady Gillian jurou que só deseja falar com sua irmã. —Enquanto fazia este comentário, não deixou de olhar fixamente a Gillian.
—Sim, com efeito, isso é tudo o que quero — assegurou ela.
Depois que Ramsey havia aceitado, Brodick interveio.
—Brisbane, quando você falar com ela, assegure—se que seu marido não esteja no quarto. Bem poderia ser que tomasse a decisão por ela.
—Por que você pensa isso? —perguntou Gillian.
—É o que faria eu.
—Mas, Por que? —insistiu ela.
—O marido de sua irmã talvez queira protegê—la.
Brisbane esfregou a mandíbula.
—Agora que penso nessa reunião, devo dizer que me parece que isso é exatamente o que sucedeu. Não acho que ela tenha tido nada a ver com a decisão.
O que diziam era lógico, e Gillian sentiu que relaxava. Se agarrou à ideia que era o marido de Gillian quem se negava a vê—la, e não sua irmã. Não o culpava, já que como tinha sugerido Brodick, só tentava proteger sua esposa. Mas achava de todo coração que se podia passar uns poucos minutos a sós com sua irmã, poderia conseguir que deixasse de lado todos seus temores.
—Você terá que ter mais um pouco de paciência —disse Brodick.
—Não tenho tempo para a paciência —replicou ela.
Ele a beijou na testa.
—Não quero que esta noite você se preocupe com isso —sussurrou para tranquilizar sua mente. —Esta noite tem que ser uma noite de júbilo.
—Por que? O que acontece esta noite?
Gillian tinha o rosto voltado para ele, e simplesmente, Brodick não pôde resistir a tentação. Beijou seus doces lábios. Como não estavam sós, não aprofundou o beijo, mas de toda forma esteve a ponto de matá—lo, e quando se afastou dela sua frustração era evidente. Não estava acostumado a controlar—se, e mesmo que só tinha que esperar umas poucas horas mais para fazê—la sua, se sentia tenso pela espera.
E preocupado. Para dizer a verdade não tinha certeza de como ia reagir Gillian ao descobrir que estava casada, e a incerteza o fazia sentir tão nervoso como um animal engaiolado.
Tragou saliva e inspirou com força.
—Gillian, tenho algo que dizer. —Pigarreou, limpando a garganta, e continuou: — Quero que você saiba que...Olha... maldição, que você tem uns lindos olhos.
Por todos os céus, que acontecia com Brodick? Se não o tivesse conhecido tão bem teria pensado que estava nervoso. Isso era ridículo, certamente. Brodick era um dos homens mais seguros de si mesmo que já tinha conhecido. Aguardou uns segundos para que ele dissesse o que tinha em mente, e depois tentou ajudá—lo.
—Você queria dizer—me algo sobre esta noite?
A testa de Brodick estava molhada de suor.
—Sim— disse—. É algo relacionado com esta noite. —A pegou pelos braços, e acrescentou: — Não quero que você se sinta mal. O foi feito, feito está, e você terá que aceitar.
—Aceitar o que? —perguntou Gillian, totalmente desconcertada.
Brodick deixou escapar um longo suspiro.
—Demônios —murmurou—. Não posso crer que me custe tanto encontrar as palavras.
—Brodick, o que vai ocorrer esta noite?
Brisbane e Otis estavam pendentes de cada uma de suas palavras, mas Ramsey os distraiu acompanhado—os à saída. A repentina intimidade não facilitei a tarefa a Brodick, que decidiu esperar um pouco mais. O faria durante o jantar, resolveu. Sim, a levaria à parte e diria.
—Te fiz uma pergunta — lembrou Gillian—. O que vai acontecer esta noite?
—Que você vai me fazer muito feliz.
Não foi o que disse, mas como disse, com um sussurro rouco e sensual, o que provocou calafrios por todo o corpo de Gillian. Tudo o que ele tinha que fazer era olhá—la com seus formosos olhos cinzentos, e ela se derretia. Seu olhar ardente tinha o poder de impedi—la de pensar. Nem sequer podia lembrar o que ele tinha dito, mas como parecia esperar uma resposta, suspirou:
—Isso é maravilhoso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 22

Durante as seguintes duas horas, Gillian permaneceu de pé na escada, com Ramsey a seu lado, recebendo cada um dos homens que se aproximava para cumprimentá—la. Brodick ficou atrás dela, e quando Gillian começou a mostrar sinais de cansaço, passando seu peso de um pé para outro, insistiu em que se reclinasse contra ele.
Muitos membros do clã tinham levado consigo suas esposas, e Gillian pôde ver que todas as mulheres olhavam Ramsey com olhos deslumbrados, e a Brodick com temerosa cautela.
Que ia fazer, em nome do céu, para encontrar o traidor entre tanta gente? Era impossível, pensou, tão impossível como encontrar alguém das Highlands que sentisse afeto pelo rei Juan.
Quando o sol do crepúsculo coloriu o céu sobre o pátio de armas, Gillian teve a sensação de ter olhado a milhares de rostos.
A luz desaparecia com rapidez, e a uma ordem de Ramsey, os soldados acenderam grandes tochas ao redor do perímetro do pátio e aos lados do atalho que corria atrás.
—Que razão você deu para que se congregassem aqui? —perguntou Gillian a Ramsey em um sussurro.
—Não dei nenhuma razão —replicou ele—. Estão aqui porque requeri sua presença.
Sua arrogância a obrigou a sorrir. Ao vê—la, Brodick, grunhiu como sempre, e sugeriu que prestasse atenção ao que estava fazendo.
Passou ainda mais uma hora cumprimentando a cada homem e cada mulher que se aproximava. Seu estômago começou a emitir sons de protesto, e sentiu a resposta, que a fria brisa a fazia estremecer, de modo que se apertou contra o corpo de Brodick para receber um pouco de seu calor.
No meio da tediosa cerimônia, aconteceu um momento de diversão. Os dois jovens que tinham tentado beijar Bridgid e a ela se aproximaram juntos. Com os olhos fora das órbitas, ficaram olhando fixamente a Brodick, com rostos que parecia ter desaparecido todo o sangue.
—Bom dia, Donal —cumprimentou Gillian.
O soldado dobrou os joelhos, e caiu ao chão. Seu amigo o pegou pelo braço e o ajudou a colocar—se de pé, mas o fez sem olhá—lo. Não, seu olhar seguia cravada em Brodick.
—Você conhece este homem? —perguntou Ramsey.
Donal conteve a respiração, enquanto aguardava Gillian ouviu o riso de Bridgid.
—Sim, o conheço. Me apresentaram hoje cedo.
—E o outro? —perguntou Brodick.
Stewart pareceu a ponto de se por a chorar.
—Também o conheci.
De onde você os conheceu? —insistiu Brodick, com um tom decididamente cortante—. Por acaso estavam na colina?
Gillian lhe deu uma resposta indireta.
—Donal e Stewart são amigos de Bridgid. Ela os apresentou.
—Gillian...
Ela pôs a mão sobre a dele.
—Deixe assim —pediu em voz baixa.
Brodick decidiu ceder. O último dos grupos que se aproximou estava encabeçado por um homem jovem de aspecto colérico e porte tão jactancioso como o do mesmo Brodick. Quando se antecipou para cumprimentar a seu laird com um brusco gesto de sua cabeça, em lugar da inclinação de rigor, seus longos cabelos castanhos lhe tamparam o rosto. De imediato, girou para ir. Ramsey o obrigou a parar.
—Proster, volte aqui.
O soldado se pôs rígido, mas fez o que tinha ordenado. Os outros jovens que o tinham acompanhado, se fizeram a um lado para deixá—lo passar.
—Você e seus amigos se exercitarão amanhã comigo.
A atitude de Proster mudou como por encantamento. Parecia ter recebido o maná do céu.
—Todos os meus amigos? Somos oito.
—Todos vocês —confirmou Ramsey.
—E teremos a oportunidade de lutar com você, laird?
—A terão.
—Mas oito contra um... Não parece justo.
—Para vocês, ou para mim?
—O número joga a nosso favor, não ao seu —assinalou o soldado.
Ramsey olhou a Brodick.
—Você está interessado?
—Definitivamente, sim —respondeu Brodick.
Ramsey voltou a dirigir—se ao soldado.
—Laird Buchanan lutará comigo. Não se preocupe. Não te matarei, nem seus amigos.
O jovem soldado se mofou abertamente da ideia.
—Espero ansiosamente o momento de me enfrentar com os dois no campo de batalha.
—Vocês desejam brigar com armas, ou sem elas?
—Vocês podem usar suas armas, se assim preferem. Laird Buchanan e eu só usaremos as mãos nuas.
—Mas, laird, quando eu... quero dizer, se vou brigar com vocês, quero que seja em uma luta justa.
Ramsey sorriu.
—Te asseguro que será justo — assegurou—. Apresente—se no campo ao amanhecer.
Proster se inclinou, e marchei depressa junto de seus camaradas, sem dúvida para planejar sua estratégia para a manhã seguinte.
Bridgid viu e ouviu a conversa da escada. Não pôde evitar intervir.
—Laird?
—Sim, Bridgid?
—Proster e seus amigos usarão suas espadas. Como vocês farão para se defender?
Gillian também teve algo que dizer. Se virou para ver Brodick
—Não se atreva a machucar esses rapazes —o advertiu.
—E não se preocupa que utilizem armas?
—Ambos sabemos que Ramsey e você tirarão as espadas deles antes que tenham tido tempo de desembainhar. E digo a sério, Brodick: não quero que sejam feridos.
—Prometa—me —insistiu.
Brodick revirou os olhos.
—Quando Ramsey e eu tenhamos terminado com eles, sua arrogância e sua insolência se terão esfumado. Isso sim prometo.
Ramsey esteve em completo acordo.
—Quando abandonem meu campo de batalha, terão aprendido um pouco de humildade.
A conversa chegou ao fim quando um último grupo de atrasados se apressou a inclinar—se ante seu laird.
Ramsey observou Gillian para vislumbrar qualquer sinal de reconhecimento, mas ela negou com a cabeça.
Se sentiu como se de alguma maneira tivesse fracassado.
—Eu sinto. Não o vi —murmurou.
—Tinha certeza que você assinalaria um dos amigos de Proster —reconheceu Ramsey.
—Você não acha que sejam leais?
—Se opuseram à união de ambos os clãs —explicou. —No entanto, me alegra que não seja nenhum deles. São muito jovens, e detesto... Se interrompeu, sem dar mais explicações, e Gillian não o pressionou.
Brodick expressou o que ela estava pensando.
—Ian estava certo que você achava que se tratava de um Macpherson?
—Sim, estava —reconheceu Ramsey. — Já não estou tanto. Diabo, os Hamilton ou os Boswell poderiam estar ocultando o canalha. Ambos os clãs têm boas razões para desejar o fracasso da união com os Macpherson Os homens continuaram discutindo a questão enquanto entravam para assistir o banquete que os serventes tinham preparado. Gillian queria que Bridgid se sentasse com eles, mas quando a buscou viu que tinha desaparecido e não voltou a vê—la até o final da refeição.
Mais tarde sua amiga lhe fez sinais desde o corredor posterior
—Gillian, posso falar a sós com você? —perguntou Bridgid—. Eu estava escutando quando Brisbane te disse que sua irmã se negava a falar com você, e quero que você saiba quanto lamento. Sei que deve sentir—te muito decepcionada.
—Estou decepcionada —replicou ela—. Mas ainda tenho a esperança que mude de opinião.
—Ramsey a ordenará que se presente. Eu o ouvi dizer.
—Sim, mas depois de amanhã, como muito em breve. Quer dar a ela a oportunidade que tome a decisão correta por si mesma, suponho. Apesar disso, detesto ter de esperar.
—Se você soubesse onde vive, o que você faria?
Gillian não teve que pensar a resposta.
—Iria vê—la imediatamente. Não conto com um tempo ilimitado para esperar que mude de ideia.
—Eu poderia te ajudar —sussurrou Bridgid—. Anthony também ouviu o que dizia Brisbane, e se ofereceu para segui—lo quando amanhã voltar à casa de sua irmã e rogar—lhe que mude de ideia.
—Não se meterá em problemas por me fazer este favor?
—Acha que o favor faz a mim —explicou Bridgid—. Além disso, Anthony é o segundo oficial, atrás de Gideon, e pode fazer praticamente o que quiser. Se alguém vai se colocar em problemas, essa será eu, mas não me preocupa, porque ninguém vai saber. Anthony me dirá aonde vive ela, e eu te direi. Se meu laird se submete à pressão de Brisbane e decide adiar seu encontro com Christen, então você pode tomar decisão no assunto.
—Por que cederia à pressão?—Brisbane é um dos idosos do clã Macpherson, e meu laird o respeita. Também não quer dar ordens a Christen, se pode evitar. Sua família teve muito trabalho para conseguir que sua verdadeira identidade fosse mantida em segredo.
—Sua família sou eu.
—Eu sei —murmurou Bridgid. Afagou a mão de Gillian—. Brisbane poderia voltar amanhã com Christen.
—Mas não acha que o faça, verdade?
—Permaneceu oculta durante muitos anos. Não, não acho que venha pela sua própria vontade.
—E você me levará até ela?
—Sim.
—Quero ir amanhã à tarde.
—Te ordenaram que esperasse.
—Ordenado, não —a corrigiu Gíllian—. Brodick me sugeriu que fosse paciente.
—Muito bem, então. Iremos amanhã à tarde.
Gillian olhou a Brodick.
—Vou ter que inventar uma maneira de me livrar dos homens de Brodick. Me seguem como se fossem minha sombra —sussurrou.
—Não te seguiram ao lago.
—Não, sem dúvida que não. Sabiam que ia me banhar.
Bridgid sorriu.
—Então? Diga que você vai ao lago.
—Odeio ter de mentir a eles. Me afeiçoei muito com os guardas de Brodick.
—Mas se vamos primeiro ao lago, não terá que mentir não te parece?
Gillian se pôs a rir.
—Você tem a mente de um criminoso.
—Que vocês estão cochichando? —perguntou Ramsey da mesa.
—Tolices —respondeu Bridgid— Laird, Fionna se ofereceu para fazer alguns vestidos para Gillian, para que não tenha que pedi—los emprestados, mas necessita tomar as medidas. —Podemos cuidar disso agora? Não demoraremos muito.
Tão logo as duas jovens estiveram longe e não puderam ouví—los, Ramsey perguntou a Brodick.
—Quando você vai conseguir que Gillian conte os nomes dos ingleses? lan está ficando impaciente.
—Quer se colocar em marcha, e eu também.
—Esta noite —prometeu Brodick.
—As mulheres prepararam uma das cabanas para Gillian e para você, a menos que você prefira usar algum das quartos de cima.
—A cabana nos oferecerá maior intimidade —disse Brodick—. Mas preferiria ficar na intempérie.
—Sua esposa merece uma cama na sua noite de núpcias —disse Ramsey, e Brodick assentiu com um gesto.
A festa começou com a chegada do pai Laggan, expressando suas felicitações e pedindo o jantar. Enquanto os serventes se ocupavam de atender suas necessidades, Brodick começou a vaguear pelo salão, esperando Gillian.
Em pouco tempo, o salão se encheu de Sinclairs. Os soldados de Brodick não se misturaram com os demais até que chegaram vários barris de cerveja e um Sinclair se vangloriou de ser capaz de vencer qualquer um dos Buchanan em uma queda de braço sem verter uma gota de suor. Robert o Moreno se propôs a demonstrar seu erro, e começou o jogo.
Quando Gillian desceu, por um fugazes instante pensou que estava de volta na casa de Maitland. O bulício era igual de ensurdecedor. Observou o mar de caras que havia no salão e avistou o pai Laggan em um canto, comendo e bebendo. Ao vê—la, o sacerdote se pôs de pé, empurrou o banco para atrás, e com sinais indicou que se aproximasse. Gillian pegou Bridgid pela mão e abriu caminho até onde as aguardava o padre.
Ramsey observou Gillian inclinando—se ante o pai Laggan, e com uma cotovelada indicou a Brodick que se virasse para poder vê—los.
—Laggan está com Gillian — avisou.
—Ai, demônios!
—Realmente, você deveria falar com ela antes que o padre conte.
A cotoveladas, Brodick abriu passo entre a multidão para chegar até Gillian. Um dos soldados Macpherson estava sustentando uma acalorada discussão com um Sinclair, e quando Brodick chegava a sua altura, começaram a brigar aos murros.
Ramsey se movimentou com incrível rapidez.
—Isto é uma comemoração, não uma rixa! —disse em voz baixa, desgostado, enquanto com uma mão agarrava a nuca do soldado Sinclair, e com a outra mão fazia o próprio com o soldado Macpherson. Girando as mãos, fez com que batessem as cabeças, e depois os soltou de um empurrão, vendo como se estatelavam contra o chão. O golpe deixou ambos inconscientes.
Correu um grunhido de aprovação, Brodick continuou avançando. Ramsey ordenou que tirassem os caídos do salão, e foi atrás de seu amigo. Nada ia impedí—lo de presenciar a reação de Gillian quando Brodick finalmente achasse a coragem necessária para dizer—lhe a verdade.
O sacerdote estava ocupado, ralhando com Bridgid porque continuava solteira.
—Sua obrigação é casar e ter filhos —disse—. É a vontade de Deus.
—Eu quero me casar, pai — replicou ela, ruborizando ligeiramente — Tão logo me peça o homem indicado.
—Está apaixonada, pai —interveio Gillian—. E tem a esperança que o homem ao que deu seu coração se case com ela.
—Sabe este homem que você se casaria com ele? —perguntou o padre. Bebeu um longo gole, enquanto aguardava a resposta de Bridgid.
—Não, pai, não sabe.
Era evidente pela forma em que Bridgid se movimentava, incômoda, que não queria continuar falando de casamento, de modo que Gillian tomou a palavra.
—Pai, hoje cometi um estúpido erro.
O sacerdote franziu o cenho.
—É um pouco tarde para arrependimentos, moça.
— Perdão, como disse?
—Já ouviu. Te perguntei se você sabia em que estava entrando, e você disse... Não, acho que foi Brodick que disse que você sabia sim. Você disse, com suas próprias palavras, que você o amava.
O pai Laggan estava ficando muito nervoso.
—Foi um mal—entendido —disse ela—. Mas quando perguntei a Dylan, me esclareceu tudo.
O sacerdote inclinou a cabeça de lado.
—De que mal—entendido você está falando?
—É tolo, na verdade e vergonhoso. Verá o senhor, quando abençoou Brodick e a mim, supus que estávamos comprometidos. E disse a Bridgid que estávamos, mas ela não acreditou em mim, portanto pedi a Dylan que confirmasse. Esse foi o mal—entendido —acrescentou, com voz fraca, porque se dava conta do desconcertado que parecia o pai
Laggan.
O pobre homem se engasgou com seu vinho. Acabava de beber um gole quando ela pronunciou a palavra “prometidos”.
Tinha os olhos fora das órbitas e o rosto encarnado.
—Você está me dizendo... —murmurou—, está me dizendo que achava que você estava comprometida com o Buchanan?
Gillian desejou que não tivesse gritado a pergunta, porque tinha atraído a atenção de todos os presentes. A guarda de Brodick já avançava para ela. Se apressou a sorrir a Dylan, para tranquilizá—lo, e se virou para o sacerdote.
—Isso era o que pensava mas Dylan esclareceu tudo — disse em voz baixa.
O pai Laggan estendeu sua taça a Bridgid e juntou as mãos como se estivesse rezando.
—E como o comandante esclareceu o assunto? —perguntou com olhar penetrante.
Gillian ficou completamente confundida pela atitude do sacerdote. Se comportava como se ela houvesse confessado um obsceno pecado.
—Me disse que não estava comprometida.
—Não está, está? —disse Bridgid.
—Não, não está —resmungou o padre. Depois em voz mais baixa, disse: — Bom Deus Todo—poderoso...
—Perdão?
—Não está comprometida moça... —O padre tomou uma das mãos de Gillian com suas duas mãos e lhe dirigiu um olhar de simpatia—. Você está casada.
—Perdão, como disse?
—Disse que você está casada! —exclamou gritando. Estava tão nervoso que a duras penas podia controlar—se—. Por isso te abençoei. Você expressou seus votos.
—Eu fiz?
—Sim, você fez, moça. Te perguntei se você tinha sido forçada, e você assegurou que não... e havia testemunhas.
—Eu fiz? —repetiu ela tontamente.
—Sim —afirmou ele — Não se lembra? Você junto dos demais acabavam de subir até o alto da colina que domina a propriedade... nesse momento me reuni com vocês, e o Buchanan tomou sua mão...
—Não —murmurou ela.
—Era correto e selou o compromisso.
Gillian sacudiu a cabeça, frenética.
—Não posso estar casada. Eu saberia se estivesse... ou não?
—Foi um truque —afirmou o sacerdote— Bom Deus Todo—poderoso! O Buchanan me enganou, a mim, um homem de fé!
A explicação do padre estava, finalmente, entrando na sua cabeça, e com a compreensão sobreveio um cegante ataque de fúria que esteve a ponto de derrubá—la.
—Não! —gritou.
Passou por ali um servente que levava uma bandeja cheia de taças de vinho. Bridgid tomou uma e a pôs na mão de Gillian.
Antes que pudesse beber, o padre a tirou da mão dela e a tomou até o final sem respirar. Gillian pegou outra taça. E nesse preciso instante Brodick, com Ramsey pisando seus calcanhares, apareceu a seu lado.
—Gillian...
Ela deu meia volta para enfrentá—lo.
—Hoje nos casamos?
—Sim —respondeu ele com toda calma, enquanto tirava a taça da mão dela e a entregava a Ramsey.
—Sobre um cavalo? Me casei sobre um cavalo?
Ramsey passou a taça a Bridgid antes de se voltar para Gillian.
—Devemos festejar tão jubilosa ocasião —sugeriu com expressão impassível. Gillian parecia querer matar a Brodick que tinha adotado uma expressão impassível, e o padre estava à beira da histeria.
—Isto pode ser desfeito —ameaçou o pai Laggan.
—Ao demônio com isso! —exclamou Brodick. O padre o olhou com os olhos que lançavam chispas.
—Este casamento foi consumado? Ramsey levantou uma sobrancelha.
—Está perguntando pra mim?
Gillian sentiu que o rosto pegava fogo. Bridgid, com pena, entregou a ela uma nova taça de vinho.
Quando já a levava aos lábios, Brodick a tirou da mão dela e a entregou a Ramsey.
—Não exceda com a bebida —disse—. Esta noite te quero bem lúcida.
Gillian estava tão zangada, que as lágrimas nublavam sua vista.
—Como você pôde? —sussurrou—. Como você pôde? — desta vez gritou.
—Você está zangada... —Brodick se deteve para dar em Ramsey um forte empurrão—. Isto não é engraçado, maldição.
—“Você está zangada?” Isso é o melhor que pode pensar para acalmar sua mulher? — perguntou Ramsey.
—Eu não sou sua mulher! —gritou Gillian.
—Vamos, carinho —voltou a tentar Brodick sem ter a menor ideia do que ia dizer para tranquilizá—la—. Você terá que se acostumar.
—Não, de nenhuma maneira —declarou ela com veemência.
Era evidente que não se achava de humor adequado para escutar nada do que pudesse dizer—lhe. Quando tentou tomá—la nos braços, ela deu um passo atrás, pisando ao pai Laggan.
—Fiz uma pergunta e exijo uma resposta —disse o sacerdote—. Este casamento, foi consumado?
Como estava olhando para Bridgid, esta pensou que esperava que ela respondesse.
—Honestamente, não sei, pai. Não acho que eu deva saber... deveria saber?
O pai Laggan tirou a taça que Ramsey tinha na mão, e a bebeu de um só gole. Rapidamente, Ramsey pegou outra taça da bandeja e voltou a colocá—la na mão de Laggan.
Laggan, fora de si pelo mentira de Buchanan, não estava prestando atenção ao que fazia.
—Em toda minha vida, nunca... O responsável é o Buchanan. —Deixou de divagar, e se pôs a secar a testa com a manga de seu hábito—. Bom Deus Todo—poderoso. Que se pode fazer?
—Sobre um cavalo, Brodick.
—Gillian parece ter problemas para assimilar o assunto —assinalou secamente Ramsey.
—Você poderia ter descido do cavalo — disse Brodick, tentando mostrar—se razoável—. Se você queria casar com os pés na terra, você deveria ter dito algo.
Gillian sentiu desejo de estrangulá—lo.
—Mas não sabia que estava me casando, não vê?
—Gillian, não é necessário que você grite. Estou bem na sua frente.
Ela passou os dedos pelo cabelo, frustrada, tentando recuperar o domínio de si.
—Nós sabíamos —disse Ramsey.
De repente caiu na conta que havia um montão de espectadores observando e pendentes de cada palavra.
Estava rodeada pela guarda de Brodick, e ao contemplar minuciosamente cada um dos rostos, se prometeu que, se algum ousasse rir, se poria a gritar.
—Todos vocês sabiam? —perguntou.
Até o último dos homens fez um gesto afirmativo. Os olhos de Gillian pareceram arder de fúria
—Eu não sabia! —exclamou— Você me enganou!
—Não, não fiz —replicou ele—. Te disse que ia me casar com você, não disse?
—Sim, mas eu...
não a deixou terminar.
—E você disse que me amava. Não é também verdade?
—Mudei de opinião.
Brodick se aproximou dela e lhe dirigiu um olhar colérico, para demonstrar que sua resposta não o satisfazia. Debaixo de seu penetrante olhar, Gillian não pôde continuar mentindo.
—Tá bom, muito bem —concedeu. — sim, te amo. Você está contente agora? Te amo, mas só Deus sabe porque, porque eu, certamente, não sei. Você é o homem mais difícil, teimoso, arrogante e cabeça dura que conheci.
Brodick não pareceu ficar muito impressionado pela diálogo confidencial.
—Agora estamos casados, Gillian —disse em um tom sereno que provocou em Gillian o desejo de arrancar os cabelos.
—Não por muito tempo —ameaçou ela.
Ele não gostou de ouvir isso. Parecia a ponto de tomá—la pelo braço, de modo que ela rapidamente retrocedeu, em uma pobre tentativa de evitá—lo.
—Fique onde está! —ordenou—. Você sabe que quando você me toca não posso pensar, e preciso ter a mente limpa para poder decidir o que fazer.
Ramsey deu ao sacerdote uma nova taça de vinho.
A cabeça do pai Laggan já começava a nublar, afligido pelo engano de Buchanan e pelo vinho.
Convencido que seu dever consistia em velar pela pobre moça, secou o suor da frente com o capuz de seu hábito, e se antecipou para tomar conta da situação.
—Já foi consumado este casamento? —perguntou, sem advertir que estava gritando.
Gillian se sentiu mortificada.
—Tem que me fazer uma pergunta tão pessoal frente a semelhante multidão?
—Tenho que saber —insistiu o sacerdote—. Senhor, faz um calor aqui —acrescentou com voz pastosa. Desta vez foi o pescoço que secou com seu capuz, enquanto repetia a pergunta — Foi consumado, ou não?
—Não —respondeu Gillian em um sussurro.
—Então talvez possa desfazer este malfadado enredo.
—Não fará nada disso! —ordenou Brodick.
O padre olhou vesgo ao laird Buchanan, e tentou enfocar o gigante.
—Bom Deus Todo—poderoso, há dois! —Sacudindo a cabeça em um esforço para esclarecer sua visão, acrescentou — laird, você usou a mentira para apanhar esta doce jovenzinha.
Brodick não negou a acusação, mas se limitou a dar de ombros. O pai Laggan se virou para Gillian, em uma tentativa para oferecer consolo neste difícil momento.
—Você terá que se manter afastada dele, moça, até que possa decidir como resolver isto. —Você entende o que estou dizendo. — Não deve deixar que te toque, se realmente quer desfazer esta união. Deve manter—se longe dele. — Nenhuma ênfase nesse ponto será suficiente—acrescentou, tomando a mão—. Uma vez que ele... e você tenha sido... bom, você entende, verdade? Não poderei desfazer. Você entende o que estou dizendo?
—Sim, pai, entendo.
—Muito bem, então. Agora deixemos o assunto até amanhã, e então juntos decidiremos que vamos fazer.
—Jamais me encontrei ante uma situação como esta, e me altera, há se altera, mas não deveria alterar—me porque se trata dos Buchanan, e seu laird é o pior de todos. São todos uns pagãos —acrescentou, enfatizando suas palavras com um gesto—. Enganar um homem de fé! Esperem até que meus superiores saibam disto.
—Ora, tenho certeza que acharão uma maneira de suspender a bênção desta união.
—Inclusive posso solicitar ao Papa que os excomungue a todos.
—Oh, pai, por favor não faça isso. Não quero que os Buchanan entrem em conflito com a Igreja.
Brodick tinha ouvido cada palavra da conversa, e se sentia francamente divertido pelo fervoroso discurso do padre.
—Onde está? —perguntou, inclinando—se para Ramsey.
Seu amigo compreendeu o que desejava saber, e respondeu em um tênue sussurro.
A fúria de Gillian apontou a Dylan. E cravou o dedo no seu peito.
—Por que não me disse? —perguntou.
—Não me perguntou, lady Buchanan.
—Não sou lady Buchanan! —gritou Gillian, tão exasperada que suas palavras se confundiram em um indignado balbuciado.
—Não deseja pertencer a nosso clã, milady? —perguntou Robert.
—Não desejo pertencer a ninguém.
—Então por que você se casou com nosso laird? —perguntou Liam
—Não sabia que estava me casando com ele.
—Nós sim —anunciou alegremente Aaron.
—Queremos que você fique, milady —interveio Stephen—. Você ama nosso laird. Todos a ouvimos dizer.
—Sim, a ouvimos —concordou Robert—. E você pertence a nosso clã.
Talvez fosse porque todos estavam pressionando—a, com aspecto tão sério e preocupado, que não pôde continuar zangada. Amava Brodick, e queria estar casada com ele. Agora, e toda a vida. Santo Deus, essa gente a voltava louca.
O pai Laggan se derrubou sobre um banco e apoiou as mãos sobre os joelhos.
—Esta noite será melhor que você passe o ferrolho a sua porta —sugeriu—. Você entende o que estou dizendo? Deve se manter afastada dele.
—Gillian?
—Sim, Brodick?
—Quero falar a sós com você. Agora.
Gillian não teve tempo de pensar. Tomando—a pela mão, Brodick saiu do salão arrastando—a atrás dele.
Mal se fecharam as portas atrás deles, no interior ressoaram fortes vivas. Bridgid ficou totalmente perplexa.
—Por todos os céus. —Que havia para aclamar?
O pai Laggan também tinha observado a partida do casal e sacudiu a cabeça.
—Mas —exclamou— esta menina não escutou nem uma palavra do que disse? Bom Deus Todo—poderoso!
Ramsey sugeriu um brinde. Bridgid pensou que estava louco. Não tinha ouvido a conversa?
—Laird, me parece que vocês deveriam esperar que retornem Gillian e laird Brodick antes de brindar. E em todo caso, por que é preciso brindar? Não ouviram o que disse o pai Laggan? Amanhã vai... Porquê vocês sorriem?
—Ah, Bridgid, esqueci o quanto você é inocente e ingênua —disse Ramsey.
—Não sou tão ingênua.
—Você espera que Gillian retorne?
Ao vê—la assentir, Ramsey se pôs a rir
— E não é ingênua?
—Não, não sou —insistiu ela.
—Já entendeu então?
—Se entendi o que?
Ramsey voltou a rir.
—Não vão retornar.
O sacerdote continuou sacudindo a cabeça.
—Bom Deus Todo—poderoso! A apanhou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 23

Brodick a levantou no ar, e entrou com ela na escuridão da noite. Gillian rodeou o pescoço dele com seus braços, e aguardou pacientemente que lhe dissesse onde a estava levando. Para dizer a verdade, já tinha começado a aceitar a ideia de resignar—se ante o inevitável. Amava esse homem com todo seu coração, e por enquanto, isso era só o que importava.
Deixou correr o dedo indicador ao longo do rosto de Brodick para atrair sua atenção.
—Brodick.
—Não discuta comigo — ordenou ele—. Você vai dormir comigo, esta noite e todas as noites do resto de nossas vidas, entendeu?
Gillian não gritou nem protestou o que lhe causou certa surpresa.
Transcorreu um instante em silêncio.
—Tenho só uma pergunta para fazer —disse ela depois.
Ele a olhou com expressão cautelosa.
—Qual é?
—Que direi a nossos filhos?
Ele se deteve bruscamente.
— Que?
—Já você ouviu. Que vou dizer a nossos filhos? Me nego a contar que me casei com seu pai montada sobre um cavalo, mas seguramente também você esperará que dê à luz sobre um cavalo, não é mesmo?
Brodick a olhou com olhos cheios de ternura, e respondeu a sua extravagante pergunta.
—Acho que deveríamos nos concentrar em fazer meu filho, antes de nos preocupar com o que vamos dizer a ele.
Ela o beijou no pescoço.
—Pois então tenho um problema.
—Por que?
—Porque não posso me concentrar quando estou com você, mas farei tudo que puder.
Brodick se pôs a rir.
—Isso é tudo o que qualquer homem poderia esperar.
—Nem sempre você vai se dar bem.
—E claro que sim.
—O casamento é um tira e põe.
—Não, não é.
Gillian o mordiscou no lóbulo da orelha.
—Isso não muda nada, você sabe. Ainda penso em voltar à Inglaterra e terminar o que já comecei.
—Tudo mudou, querida minha...
Seguindo as instruções de Ramsey, Brodick se afastou do atalho principal e desceu pela ladeira da colina. Ao pé da mesma, se erguia uma cabana de pedra cinzenta, estava isolada das demais e rodeada por uma densa parede de altos pinos. Brodick abriu a porta de par em par, e entrou com sua flamejante esposa. Fechou a porta com um pontapé, e apoiando—se contra ela, deixou escapar um suspiro de masculina satisfação.
A cabana era cálida e acolhedora, e cheirava levemente a madeira recém cortada. Um alegre fogo crepitava na lareira e banhava o quarto com um resplendor ambarino. Sobre a estante da lareira havia várias velas, e depois que deixou Gillian no chão, Brodick se aproximou para acendê—las. Gillian permaneceu junto da porta, observando, sentindo—se subitamente nervosa e tímida, com a atenção posta sobre a cama junto à lareira coberta com um tartán. A cabana tinha parecido espaçosas até que Brodick começou a movimentar—se. Seu corpo parecia ocupar muito espaço, e a cama parecia ocupar o resto.
Em um canto do quarto, junto de uma pequena mesa, Gillian viu sua sacola. Pensou que talvez deveria tirar dela seu camisão, mas nesse momento a acometeu uma súbita preocupação: como ia trocar de roupa com Brodick a poucos metros e sem nenhum biombo que os separasse?
Não podia fazê—lo. As paredes pareceram fechar—se sobre ela. Retrocedeu até ficar com as costas apoiadas contra a porta. Às cegas, buscou com as mãos o trinco. Calma, pensou, enquanto começava a respirar rapidamente.
De repente parecia ter dificuldades para inalar suficiente ar, e não conseguia entender por que. Quanto mais rapidamente inspirava, menos ar parecia entrar no seu corpo.
Brodick a olhou, e se deu conta que estava sendo dominada pelo pânico. Se reprovou por ter dado tempo a ela para pensar, o que tinha sido um erro. Foi para ela, a obrigou a levantar a cabeça para ele, e com suavidade tirou a mão dela do trinco. O arquejo de Gillian piorou, até que sua respiração soou como uma fanfarra.
—Parece que você tem problemas?
Seu tom divertido conseguiu irritá—la.
—Não posso respirar —disse, sufocada —. Você poderia mostrar um pouco de compaixão.
Ele riu na sua cara. Atônita ante sua atitude indiferente, Gillian deixou de sentir pânico.
—Te diverte meu temor, Brodick?
—Sim, mas me amas igualmente, não é mesmo?
Suas mãos foram até a cintura de Gillian, e a aproximou de si, enquanto sua boca possuía a dela. Gillian permaneceu tensa contra ele, quase rígida, mas ele não tinha pressa, e depois de explorar lentamente toda sua boca durante minutos, sem mostrar urgência nem exigências, a sentiu relaxar em seus braços.
Desejava poder cativá—la com doces e amorosas palavras que dissessem o muito que significava para ele, mas não sabia o que dizer, porque não tinha sido treinado para a sedução. Era um guerreiro, um selvagem e um pagão, tal como tinha dito o pai Laggan, e pela primeira vez na sua vida, lamentou não ter a facilidade para o discurso poético que mostrava Ramsey.
Estava fazendo um sacrifício por ela. Se tinha proposto a proceder com prudência e lentidão, que eram duplamente necessárias porque ela era virgem, e sabia que devia estar muito assustada.
A estava tornando louca com seus suaves carícias e seus doces beijos. Afastando sua boca da dele, Gillian rogou que deixasse de brincar. O pegou pelo cabelo, e voltou a buscar sua boca. Foi amplamente recompensada por sua impaciência. Com um audível grunhido, misturado com risos, Brodick deu o que ela queria. A beijou voraz e profundamente, enquanto sua língua a acariciava e a enlouquecia, e Gillian sentiu que todo seu corpo começava a estremecer. O coração batia, desbocado, o estômago parecia dar voltas, e de repente se encontrou se agarrando a seus ombros para não cair.
Brodick, sim, sabia beijar! Ela se apoiou, inquieta, contra ele, o que foi todo o estímulo que Brodick precisava.
Continuou beijando—a, devorando—a, enquanto a despia o mais rápido possível. Gillian estava tão abrasada pela paixão que ele despertava nela, que não advertiu o que Brodick fazia até que sentiu que descia sua camisa pelos ombros.
Tentou afastar suas mãos e pedir que esperasse até que estivesse sob os lençóis, mas ele continuou beijando—a e tirando suas roupas, e antes que pudesse sequer respirar ou pedir— que aguardasse, já era tarde, e se encontrou totalmente despida.
Ele também tinha tirado a roupa. Gillian se deu conta quando ele a abraçou com força e a apertou contra seu peito. Ao sentir o contato de seus suaves seios contra o peito, Brodick deixou escapar um rouco grunhido, ao mesmo tempo em que Gillian suspirava pelo calor que emanava de seu corpo.
De repente, as mãos de Brodick pareceram estar em todos os cantos de seu corpo. A acariciou nos ombros, na curva da costas, nas coxas.
Seus beijos se tornaram selvagens, vorazes, e quando se separaram, ambos arquejavam, desejando mais. Brodick a pegou pelos ombros.
—Me faz arder —disse.
Gillian não soube se isso era bom ou mau, e também não se importou. Rodeou a cintura dele com seus braços, e o beijou com todo o desejo e a paixão que ele tinha acendido nela.
Brodick se sentiu comovido até a medula de seus ossos, já que nunca tinha tido uma mulher que reagisse como sua doce esposa. Afundou o rosto no pescoço de Gillian, inspirou seu feminino aroma, e sentiu que isso era o mais próximo ao paraíso que jamais conheceria.
—Maldição —voltou a sussurrar—. Temos que ir mais devagar.
—Por que?
Brodick teve que apelar para toda sua capacidade de concentração para poder responder.
—Porque quero que para você isto seja perfeito.
Gillian o acariciou na nuca, afligida pela força que brotava dele. Pôde sentir seus músculos, tensos sob sua pele, e, oh, Senhor, o calor de seu corpo apertado intimamente contra o seu a abrasava para intensidade que desejou fechar os olhos e deixar que essa sensação tomasse conta de todas as partes de seu corpo.
—Já é perfeito —murmurou—. Me leve para a cama.
Seus belos olhos verdes estavam nublados pela paixão. Orgulhosamente satisfeito de ver que conseguia enlouquecê—la tanto como ela a ele, a levantou nos seus braços e a levou até a cama.
Gillian tomou o rosto de Brodick entre suas mãos trêmulas, e buscou novamente sua boca para dar—lhe outro profundo beijo. Ele não deixou de beijá—la enquanto afastava as mantas e caiu sobre a cama com Gillian nos seus braços.
Delicadamente, a acomodou de costas, e cobriu seu corpo com o dele. O contato com sua quente pele foi quase mais do que pôde suportar, e se sacudiu de desejo. Gillian estava imóvel sob seu corpo, de modo que apoiou ambas mãos aos lados de seu corpo e se ergueu para não esmagá—la com seu peso. O glorioso cabelo da jovem estava derramado sobre o tartán, e quando levantou a cabeça para olhá—la, viu que estava sorrindo.
—Agora tenho você onde quero, Brodick — sussurrou ela.
—Não, carinho meu, sou eu quem tem você.
Começou a beijar o pescoço, e mais uma vez tentou pensar nas palavras poéticas que ela merecia escutar.
—Do que você gosta, Gillian?
Ela inclinou a cabeça para facilitar o acesso a seu pescoço, estremecendo quando ele beijou a sensível zona debaixo da orelha.
—Diga—me do que você gosta — pediu com voz rouca.
—Você. Eu gosto de você —respondeu ela, com um suspiro de desejo.
Seguiu em frente com o doce assédio a todos seus sentidos, acariciando e beijando—a até que Gillian se sentiu no fim de suas forças. Com os dedos do pé o esfregou audazmente nas pernas, e depois começou a acariciar as costas, desfrutando de seu forte corpo sob seus dedos. Como era possível que alguém tão forte fosse tão assombrosamente doce?
As carícias de Brodick se tornaram mais exigentes, e muito mais íntimas, sacudindo—a da doce lassidão que a invadia. A acariciou nas coxas, e depois subiu para acariciar seu centro. Gillian esteve a ponto de saltar da cama. Tentou tirar a mão, mas ele silenciou seu protesto com outro beijo. E continuou com seu erótico jogo até que Gillian tremeu convulsivamente de desejo.
O agarrou pelos ombros, beijando—o com frenesi, e desejando desesperadamente dar a ele tanto prazer como ele estava dando a ela, mas não sabia o que tinha que fazer, e não era capaz de encontrar forças para perguntar.
Brodick a estava tornando louca, e pôde sentir que seu controle esfumava a toda velocidade. Estava assustada pela intensidade das violentas sensações que pareciam brotar de seu interior.
—Brodick, é certo que façamos isto? —gritou.
Ele começou a descer lentamente pelo seu corpo, colando a boca a sua suave pele enquanto enchia de úmidos beijos seu pescoço e seus ombros.
—Sshh, amor meu, é. Podemos fazer tudo o que desejemos —disse com voz áspera. Tentou não ir depressa, mas foi a coisa mais difícil que tinha enfrentado em toda sua vida. O coração batia furiosamente, e sua masculinidade estava rígida e ardente. Se sentia palpitar pelo desejo de estar dentro de Gillian.
Amá—la ia significar sua morte, mas, demônios, morreria contente.
—Quero te dar prazer —sussurrou—. Diga—me — pediu, enquanto deixava deslizar a mão no meio do fragrante vale entre seus seios—. Isto te faz feliz?
Menos de um segundo depois de fazer esta pergunta, cobriu com sua boca um dos seios de Gillian. Ela reagiu como se acabasse de ser fulminada por um ardente raio branco. Sem coragem, soltou um grunhido do mais profundo de seu garganta, e lhe cravou as unhas nos ombros.
Gillian fechou os olhos.
—Oh, sim, me faz feliz! — respondeu entre suspiros.
Brodick mordiscou a pele acima do umbigo, o que provocou a contração dos músculos. Seus sufocados suspiros indicaram que também tinha gostado, de modo que fez de novo.
—Então isto te fará delirar —disse, usando a frase que ela tinha repetido várias vezes. Seguiu descendo com lentidão, acariciando e beijando—a no mais íntimo de seu corpo até que a sentiu se retorcer sob ele.
Nem em suas mais loucas fantasias, Gillian tinha se imaginado fazendo amor assim. Jamais teria achado também que perderia o controle dessa maneira, mas isso foi exatamente o que ocorreu. Ele não permitiu que se afastasse, e ao fazer—lhe amor com sua boca, Gillian arqueou o corpo contra o seu, gritando seu nome e arranhando—o freneticamente nos ombros.
Sua reação estimulou a de Brodick. Não pôde esperar mais para fazê—la sua. Sentiu que tremiam as mãos, e seus movimentos não tiveram nada de delicados quando separou as pernas dela e se acomodou entre suas coxas. Com sua boca sobre a dela e as mãos segurando as quadris, tentou penetrá—la lentamente, pensando que talvez assim seria menos doloroso, mas Gillian se movimentou ligeiramente, e isso o fez perder o controle. Investindo com força, a penetrou completamente e afogou seu grito com outro faminto beijo. Com sua língua, remexeu na sua boca para forçar uma resposta e fazer—lhe esquecer a dor que causara.
Brodick permaneceu absolutamente imóvel, com sua disciplina pendente por um fio, afundou a cabeça no pescoço de Gillian e inspirou com suspiros entrecortados para obrigar—se a ir mais devagar. Ela precisava de tempo para adaptar—se à sua invasão, mas não movimentar—se o estava matando. Ela estava tão ardente, tão úmida, tão apertada, tão perfeita! Sabia que tinha feito mal a ela, e por Deus que esperava que a dor parasse em breve. Diabos, que bem se sentia com ela.
A dor tinha tirado de Gillian a respiração, mas se acalmou rapidamente. A sensação de tê—lo dentro de seu corpo a emocionou e também a assustou. Fez com que palpitasse de desejo, anelando mais e mais, mas Brodick não se movimentava, e parecia ter problemas para respirar. Começou a preocupá—la a possibilidade de não tê—lo satisfeito em absoluto.
—Brodick? —sussurrou, permitindo que ele advertisse o temor na sua voz.
—Tudo está bem, meu amor. Só não se movimente... deixe—me... Há, demônios, você se movimentou...!
Ela tinha mudado levemente de posição, arquejando ante o inesperado e incrível prazer que tinha causado esse movimento. Um estalo de puro prazer percorreu o corpo com tanta intensidade que não pôde evitar gritar. Tentou ficar imóvel, mas não pôde controlar o fogo que ardia em seu interior. Voltou a se movimentar, e o prazer se intensificou.
Brodick reagiu soltando um grunhido. Estava instalado profundamente dentro dela, mas continuou tentando controlar as vorazes demandas de seu corpo. Então ela se mexeu, e ele perdeu definitivamente a batalha. Sua disciplina se foi. Se afastou ligeiramente, e depois voltou a entrar profundamente nela.
Gillian sentiu que era o mais maravilhoso que tinha ocorrido em sua vida. Se voltou indômita, já que as sensações eróticas controlavam totalmente todos seus movimentos. Instintivamente, levantou as pernas para permitir que Brodick a penetrasse mais ainda profundamente. Quanto mais agressivo era ele, mais desinibida se voltava ela, até que o único que importou foi achar alívio às suas ardentes sensações. Murmurando seu nome entre soluços uma e outra vez, se agarrou a ele quando os primeiros espasmos a sacudiram, prendendo—o com força no interior de seu corpo.
Aterrada ante a magnitude de seu orgasmo, Gillian tentou detê—lo, mas ele não a deixou parar. Com cada investida, Brodick realimentava os fogos da paixão. Gillian uivou seu nome enquanto a cobriam ondas de puro êxtase, e só quando Brodick teve certeza que ela tinha alcançado sua total satisfação, deu rédea solta à sua. Com um violento estremecimento, entrou profundamente nela, e derramou sua semente no seu corpo.
Durante vários minutos, não se movimentou. O único som era o de seus suspiros enquanto tentavam recuperar o ritmo normal de sua respiração. Gillian estava rendida pelo ocorrido. Continuou abraçada a ele, enquanto tentava acalmar seu acelerado coração.
Brodick quis beijá—la e falar de todo o prazer que ela tinha proporcionado a ele, mas não pôde reunir a energia necessária para se mexer. A ouviu sussurrar: “Bom Deus Todo—poderoso”, e se pôs a rir, mas continuou sem poder se mover, de modo que a beijou o lóbulo da orelha e permaneceu onde estava.
—Sabia que você seria boa, mas, demônios, Gillian, não sabia que você ia me matar.
—Então, te fiz feliz?
Ele voltou a rir, e finalmente levantou a cabeça e a olhou. Os olhos de Gillian ainda estavam nublados pela paixão e parecia extenuada, mas Brodick de repente pensou que não seria má ideia voltar a fazer amor.
—Sim, você me fez muito feliz.
—Não sabia... quando você... e depois, eu... não sabia que podíamos fazer... o que fizemos. —Não sabia.
Brodick tomou o rosto dela entre as mãos, e a beijou lentamente. Ao mudar ligeiramente de posição, os pêlos de seu peito fez cócegas nos seios de Gillian, o que lhe arrancou um suspiro. Voltou a beijá—la, se pôs a seu lado e a pegou em seus braços.
O acometeu uma grande sensação de posse. Não soube como tinha feito para cativá—la, ou porque ela o amava, mas o certo é que agora ela o amava. Era sua esposa, e ele a protegeria e cuidaria até o fim de seus dias.
Gillian o acariciou no peito enquanto se aconchegava contra ele e fechava os olhos. Estava ficando adormecida, quando um súbito pensamento a arrancou do sono.
—Brodick, que vou dizer amanhã ao pai Laggan?
Com detalhes muito gráficos, utilizando todas as palavras lascivas que conhecia, Brodick descreveu o que acabavam de fazer, e depois simplesmente sugeriu que as repetisse ante o sacerdote.
Gillian respondeu que não pensava fazer tal coisa, e após ruminar o assunto durante vários minutos, decidiu que não ia dizer nada.
—Não quero que o pai retire a nossa bênção —disse, preocupada, em voz baixa.
Bocejando, Brodick respondeu:
—Não fará.
—Diga—lhe.
—Muito bem —concordou—. Agora, diga—me você.
—Que diga o que? —sussurrou ela.
—Que você me ama. Quero voltar a escutar essas palavras.
—Te amo.
Gillian dormiu esperando que ele dissesse que também a amava.

 

 

 

 

Capítulo 24

Amar Brodick era esgotante. Essa noite, Gillian não dormiu muito, não tinha o costume de compartilhar a cama com um homem, e além disso um homem tão grande, que ocupava quase todo o espaço. Cada vez que tentava se virar, trombava contra ele. Finalmente, dormiu esmagada sob uma de suas pesados coxas.
Brodick não estava acostumado a dormir em uma cama, de maneira que também lhe custou. Era muito suave, e preferia muito mais dormir ao ar livre, com a estimulante brisa refrescando seu corpo e tudo o firmamento estrelado para contemplar até dormir, mas não pensava em abandonar sua esposa na sua noite de núpcias, de modo que ficou onde estava e cochilou intermitentemente toda a noite. De madrugada, voltou a fazer amor. Tentou atuar com delicadeza porque sabia que estaria dolorida depois da primeira vez, e Gillian estava muito sonolenta para resistir, mas depois se deixou apanhar pela magia de seu contato e de suas carícias até o ponto de não se preocupar se doía ou não.
Ela estava profundamente adormecida de cansaço quando Brodick abandonou a cama. Chegava tarde a seu encontro com Ramsey no campo de exercícios já que fazia um tempo que tinha amanhecido, e depois de beijar Gillian na testa, a tampou com o tartán, e abandonou a cabana sem fazer ruído.
A sessão de treinamento foi bem, apesar de que estava de muito bom humor. Realmente, não queria fazer dano a ninguém. Os maiores estragos correram por conta de Ramsey, que não demorou em impressionar devidamente aos Macpherson. Acidentalmente, Brodick quebrou o nariz de um dos soldados com a cotovelo, mas o colocou em seu lugar antes que este pudesse levantar—se do chão, dizendo que ficaria como novo assim que deixasse de sangrar. Não era exatamente uma desculpa, mas aproximava perigosamente, e Brodick começou a se preocupar que o casamento o tivesse abrandado.
Naturalmente, Ramsey se deu conta de seu bom humor. Se divertiu muito o irritando por ter aparecido tarde e por bocejar a todo momento, enquanto Brodick considerava seriamente a possibilidade de lhe quebrar alguns dentes.
Ao começar a sessão de treinamento, Proster, o líder do outro grupo, se negou a utilizar armas contra seu laird.
Queria ser honrado, mas era uma bobagem porque mesmo que fosse muito superior aos restantes soldados Macpherson em habilidade e em técnica, de nenhum jeito podia se comparar a Ramsey. Depois que o laird o fez cair de joelhos algumas vezes, a arrogância de Proster começou a cair. Todos os demais soldados tomaram suas espadas, pensando que daria a eles certa vantagem, mas Proster continuou negando—se teimosamente.
Realmente não tinha importância. Brodick e Ramsey os desarmaram rapidamente, depois se lançaram à tarefa de ensinar—lhes a sair vivos do campo de batalha. Era uma lição de humildade, e quando ambos lairds se afastaram do campo, o chão que deixaram para trás estava coberto de corpos doloridos.
Os dois amigos foram até o lago para lavar o sangue que os tinha salpicado. Ao retornar, cruzaram com Bridgid. A jovem cumprimentou Ramsey com um seco movimento de cabeça, sorriu a Brodick, desejou bom dia, e seguiu seu caminho com a cabeça erguida.
—Que foi isso? —perguntou Brodick—. Parece irritada com você.
Ramsey riu.
—É um mal—entendido. Está furiosa comigo, mas como sou seu laird, deve mostrar—me respeito. Suponho que isto a deve estar matando. Você viu o fogo que ardia nos seus olhos? Essa mulher é diferente da maioria, sabe? Esse sorriso pode fazer um homem...
—Que? —o urgiu Brodick.
—Não tem importância.
—Você a deseja, não é verdade?
Ramsey não tinha necessidade de vigiar suas palavras frente a seu amigo, de modo que foi totalmente sincero.
—Claro que a desejo. Diabos, é uma mulher muito linda, e a maioria dos homens daqui quer deitar—se com ela. Que Deus ajude o homem com o qual termine se casando, no entanto, já que te asseguro que tem muito caráter.
—Você vai me contar o que aconteceu?
Suspirando, Ramsey relatou o sucedido.
—Pus Bridgid em apuros. A viúva Marion queria vir aquecer minha cama —explicou—. Bridgid deve tê—la visto ir para meu quarto, e foi atrás dela. Por Deus, Brodick, nunca vi semelhante caráter em nenhuma mulher. Bridgid pode competir com você nisso —acrescentou—. A pobre Marion queria ser discreta, e havia tido muito trabalho para garantir que ninguém soubesse que ia compartilhar minha cama. E então Bridgid entrou em meu quarto, e armou um grande barulho, deu uma grande bronca. Marion já tinha se despido e estava me esperando na cama, o que escandalizou Bridgid até o indizível, e a pôs furiosa. Supôs que eu tinha sido... enganado. Você pode deixar de rir para que possa terminar de te contar isto?
—Sinto —disse Brodick, mesmo que não soou muito contrito—. E depois?
—Bridgid arrastou Marion para fora da cama, isso é o que aconteceu. Quando eu cheguei, Marion descia correndo a escada, gritando a plenos pulmões, e praticamente despida. Por sorte, o salão estava deserto, e o pai Laggan já tinha ido dormir.
—E então?
—Dormi só.
Brodick voltou a rir.
—Não me surpreende que hoje você esteja de tão mau humor.
—Efetivamente —concordou Ramsey—. Bridgid parecia crer que eu deveria ter—lhe agradecido por ter me salvo de Marion.
—Mas não fez.
—Diabos, não, não fiz.
—Você explicou que tinha convidado Marion para compartilhar sua cama?
—Sim, mas foi um erro. Jamais vou entender às mulheres —disse, em tom sombrio—. Te asseguro que Bridgid pareceu... ferida. Eu tinha feito dano, e...
—Que?
Ramsey sacudiu a cabeça.
—Bridgid é inocente e ingênua.
—Mas assim mesmo você a quer em sua cama, verdade?
—Eu não levo virgens a minha cama. Jamais desonraria dessa maneira a Bridgid.
—Então case—se com ela.
—Não é tão simples, Brodick.
—Todavia te pressionam para que você se case com uma MacPhcrson?
—Meggan Macpherson —especificou Ramsey—. E ainda estou considerando. Resolveria um montão de problemas, e tenho que cumprir com meu dever como laird. Quero as terras e os bens deles, e também quero paz.
Parece que a única maneira de conseguir isso é unindo os clãs por meio de um casamento.
—Como é essa mulher?
—Admirável —respondeu Ramsey — Deseja o melhor para seu clã. É forte e perseverante —acrescentou—. Mas não tem o que tem Bridgid.
—Que?
—Seu fogo.
—Quando você tomará a decisão?
—Em breve —respondeu—. Basta de falar de mim —acrescentou, mudando a conversa para temas que lhe pareciam mais importantes—. Gillian te disse os nomes dos ingleses?
—Não.
—E por que demônios não o fez?
—Esqueci de perguntar —reconheceu Brodick envergonhado.
Ramsey ficou olhando—o com incredulidade, e depois resmungou:
—Como você pôde esquecer? —exclamou.
—Estive ocupado.
—Fazendo que? —perguntou Ramsey antes de advertir a tola pergunta. Nesse momento pareceu tão ingênuo como Bridgid.
Brodick o olhou.
—Que diabos você acha que fazia?
—O que não fazia eu —replicou Ramsey comicamente afligido.
Continuaram caminhando em silêncio, cada um imerso nos seus próprios pensamentos. Brodick sempre tinha sido capaz de dizer a seu amigo tudo o que passava pela sua cabeça, mas nesse momento sentiu que duvidava ao solicitar seu conselho.
—O casamento muda o homem, não é verdade?
—Essa pergunta você deveria fazer a Ian, não a mim. Nunca fui casado.
—Mas nestas questões você é mais astuto que eu, e Ian não está aqui.
—Questões do coração?
—Sim.
—Mal está casado há um dia —assinalou Ramsey—. O que é que te preocupa?
—Não estou preocupado.
—Sim, você está. Conte—me.
—Acabo de me dar conta...
—De que? —o urgiu Ramsey, exasperado.
—Estou... alegre, maldição.
Ramsey se pôs a rir. Brodick não apreciou a reação de seu amigo.
—Olha, esqueça o que disse. Não estou acostumado a falar destas.....
—Jamais fala do que você sente ou pensa. Não deveria ter rido. Agora, Conte—me.
—Acabo de contar —grunhiu Brodick—. E digo a sério, me sinto alegre, que Deus se apiede de mim.
—Isso não é habitual —reconheceu Ramsey.
—É a isso que me refiro. Estou casado a menos de um dia, e o casamento já me mudou. Gillian me confunde. Sabia que a queria, mas o que não sabia era que ia me sentir tão possessivo.
—Você atuava possessivamente com ela desde antes do casamento.
—Sim, bem, mas agora é pior.
—É sua esposa. Provavelmente se trate de uma inclinação natural.
—Não, é mais que isso. Quero levá—la para casa e...
Ramsey o interrompeu.
—Não pode fazer isso, ainda não. Ela tem que me ajudar a encontrar o canalha que tentou matar meu irmão.
—Sei que é preciso que permaneça aqui, mas assim mesmo quero levá—la para casa, e te juro que se pudesse, a guardaria sob sete chaves —reconheceu, sacudindo a cabeça ante suas tolas ideias.
—Desse modo estaria a salvo.
—Sim, e também porque não gosto que outros homens...
—A olhem? É uma linda mulher.
—Não sou ciumento.
—Claro que você é!
—Ela me transtornou.
—Você parece um homem apaixonado por sua esposa.
—Os homens apaixonados são homens fracos.
—Só se já fossem antes de se apaixonar —afirmou Ramsey—. Ian ama sua esposa dele. Você o considera fraco?
—Não, sem dúvida que não.
—Pois, isso confirma que o amor não faz com que um homem seja menos do que já é.
—O faz vulnerável.
—Talvez isso sim —concedeu Ramsey.
—E se tem a mente constantemente ocupada com sua esposa, se torna fraco. Não é mesmo?
Ramsey sorriu.
—Eu te direi o que é. Você ama, Brodick, e isso te assusta como o demônio.
—Deveria ter te quebrado o nariz.
—Primeiro consegue esses nomes; depois você pode tentar. Você tem certeza que Gillian te dirá?
—Certamente fará. É minha esposa, e fará qualquer coisa que lhe diga que faça.
—Eu não usaria essas precisas palavras ao falar com ela. As esposas não gostam que seus maridos lhes digam o que devem fazer.
—Conheço Gillian —afirmou Brodick—. Não se negará a fazê—lo. Ao entardecer terei os nomes desses ingleses.

 

 

 

 

 

 

Capítulo 25

Ninguém foi mais surpreendido que o próprio Brodick quando seu doce e submissa mulherzinha se negou a dizer os nomes dos ingleses.
Estupefato ante sua negativa, não teve a menor ideia do que devia fazer então. Gillian permanecia sentada à mesa com as mãos cruzadas sobre a saia, tão tranquila como se pode estar quando se acha no centro de uma tempestade.
—Que quer dizer com “não”?
—Você esqueceu de me beijar ao entrar. Acho que você deveria fazer.
—Que?
—Você esqueceu de me beijar.
—Pelo amor de...!
Brodick a levantou no ar, e depositei um rotundo beijo sobre sua boca, e voltou a sentá—la onde estava.
—Você vai me dizer quem são esses canalhas ingleses.
—Sim —concordou ela, para depois especificar sua resposta— No final.
—E isso significa?
Ela se negou a responder. Pegou sua escova, e começou a passá—la pelo cabelo. Demônios, estava linda essa noite, pensou Brodick. Levava um camisão celeste que parecia flutuar a seu redor e marcava suavemente suas curvas.
Essa mulher era praticamente irresistível. Ele deu um olhar à cama e depois a olhou, antes de advertir aonde se dirigiam seus pensamentos.
Era tarde, já tinha passado o crepúsculo, e ainda não tinha conseguido que Gillian lhe desse os nomes, mesmo que para dizer a verdade, não a tinha visto desde o amanhecer, e tinha estado muito ocupado até esse instante para pensar nisso. Nesse momento, mesmo assim, estava decidido a obter o que buscava antes que fossem para a cama.
—Uma esposa deve fazer tudo o que seu marido lhe ordene —lhe disse. A exigência não pareceu agradar muito a Gillian.
—Esta esposa, não.
—Maldição, Gillian, não seja obstinada comigo.
—Um marido não deve maldizer na presença de sua esposa.
—Este marido, sim — espetou ele.
Ela também não gostou disso. Jogando a escova sobre a mesa, se pôs de pé e deu uma volta para evitá—lo ao dirigir—se à cama. Ao chegar nela, tirou as pantufas e se sentou.
Como sempre, Ramsey estava certo. A algumas esposas não gostava de receber ordens de seus maridos, e evidentemente Gillian pertencia a essa categoria. Pôde ver as lágrimas que brilhavam nos seus olhos, e soube que tinha ferido seus sentimentos. O casamento era mais difícil do que tinha imaginado.
—Não faça isso.
—Fazer o que?
—Chorar.
—Nem me ocorreria —se apressou a replicar ela. Se pôs de pé, retirou as mantas, e se deitou.
Brodick apagou as velas, e ia extinguir o fogo da lareira, quando ela pediu que ele acrescentasse outro lenho.
—Faz calor aqui —protestou ele.
—Eu tenho frio.
—Eu te manterei aquecida.
Quando Brodick se sentou na cama para tirar as botas, Gillian se virou para a parede.
—Você lamenta ter se casado comigo? — perguntou em um sussurro.
A pergunta o pegou desprevenido. Era evidente que Gillian se sentia insegura, e Brodick sabia que o responsável era ele, porque tinha se comportado como um urso desde o primeiro momento que tinham se reunido.
—É muito cedo para dizer — ele respondeu com expressão indecifrável.
Gillian não apreciou seu sentido do humor.
—Você está arrependido? —insistiu.
Ele pôs a mão sobre o quadril dela, e a obrigou a se virar para ele.
—Lamento que você seja tão obstinada, mas me alegro de ter me casado com você.
—Não parece alegre.
—Você me desafiou.
—E não está acostumado que ninguém te desafie, verdade?
Brodick deu de ombros.
—A verdade é que não.
—Brodick, quando estivermos com outras pessoas jamais discutirei com você, mas quando estivermos a sós, te direi exatamente o que me passa pela cabeça.
Ele refletiu sobre o que ela disse durante um instante, e depois assentiu.
—Aconteceu algo esta noite que te incomodou? Esta manhã, quando saí, você parecia feliz.
—Quando você saiu, estava dormindo.
—Certo, mas você tinha um sorriso de felicidade no rosto — brincou ele — Sem dúvida, você estava sonhando comigo.
—Para dizer verdade, tive um dia ruim.
—Conte—me tudo — a encorajou ele.
—De verdade quer escutar minhas queixas? —perguntou ela, surpreendida.
Seu gesto de assentimento foi todo o incentivo que precisava. Gillian se sentou na cama, e se dispôs a relatar seu dia.
—Primeiro, Ramsey me obrigou a ficar sentada toda a manhã no salão para olhar rosto após rosto, todos os membros de seu clã que foram entrando. Então, quando viu que não era nenhum, o homem que o havia traído, me arrastou por toda a comarca para ver mais rostos. Estava muito ocupado para falar com Christen em meu nome —acrescentou—. E Brisbane tinha retornado para informar que minha irmã não tinha mudado de opinião. Não vou continuar tendo pacienc1a Brodick. Vou dar a Ramsey tempo até amanhã ao meio—dia para que dê a ordem que Christen se apresente e se não o fizer, tomarei o assunto em minhas mãos.
Inspirou com força.
—Finalmente —continuou dizendo—, me encontrei com Bridgid no lago, mas até lá já era quase hora de jantar, e quando nos encontramos, as notícias que me trazia eram desalentadoras.
—Quais eram essas notícias?
—Ela pediu a um amigo que seguisse Brisbane, para descobrir onde vivia Christen, mas esse amigo voltou aqui. Bridgid acha que se esqueceu.
Brodick se pôs de pé, e se espreguiçou. Gillian observou como se esticavam os músculos de seus ombros, e ficou surpreendida ante a ostensiva força de seu corpo. Então, Brodick tirou o cinto e o resto da roupa, e Gillian perdeu imediatamente o fio de seus pensamentos. Seu marido era tão incrivelmente formoso!
—De modo que você pensou que se soubesse onde vivia Christen, simplesmente você iria vê—la?
Brodick aguardou todo um minuto que ela respondesse, e então repetiu a pergunta.
—Sim —murmurou ela, nervosa—. Foi isso que pensei.
—Christen é uma Macpherson, e agora é parte do clã Sinclair.
—Sei disso.
—Ramsey é seu laird, e não deveria interferir. Deixe que ele se ocupe disto. Prometeu que em breve a obrigaria a ver você.
Ele deitou de barriga para baixo na cama, e o peso de seu corpo esteve a ponto de derrubá—la no chão.
Mesmo que não gostasse de reconhecer, estava extenuado.
—Ramsey me prometeu que hoje falaria com ela, mas não o fez.
Brodick soltou um audível bocejo.
—É um homem ocupado, Gillian —disse.
—Sei que é. Sempre há gente o assediando com seus problemas, e as mulheres daqui não o deixam em paz. Inventam todo tipo de queixas tolas só para poder falar com ele. Deve distraí—lo muito. No entanto, me prometeu, Brodick e tem até amanhã ao meio—dia para falar com Christen.
Brodick não queria que deixasse de falar, porque o encantava o som de sua voz.
—E o que mais aconteceu hoje?
—Me escondi do pai Laggan —confessou Gillian. Brodick se pôs a rir, e ela se viu obrigada a esperar até que se calasse—. Você teve oportunidade de falar com ele?
—Sim —respondeu ele—. Tinha uma ressaca de mil demônios.
—Ramsey o embebedou a propósito, verdade?
—Laggan ia a caminho da bebedeira, mas Ramsey colaborou.
—Isso é pecado —decidiu Gillian—. Por que fez?
—Porque é meu amigo, e sabia que de uma forma ou outra, eu ia te levar à minha cama.
Gillian pôs as mãos sobre os ombros dele e sentiu como estava tenso, e começou a fazer—lhe uma massagem. Ele grunhiu de prazer, de modo que Gillian recolheu a saia, se sentou sobre a cama e usou ambas as mãos para relaxar a tensão dos ombros dele.
—Demônios, que bom é isto.
Ela também começava a sentir—se relaxada, e compreendeu que se devia ao fato que tinha compartilhado com Brodick os fatos do dia.
—E você, o que fez hoje?
—Fui em casa.
—Mas você disse que suas terras estão muito longe daqui.
—Cavalguei a tudo galope —disse ele— Mas cheguei depois do anoitecer.
—E o que você fez em sua casa?
—Resolvi alguns problemas.
Gillian lembrou algo mais que queria compartilhar com Brodick.
—Você sabe o que me disse hoje Bridgid?
—Que te disse?
—Que uma mulher tinha tentado entrar no quarto de Ramsey... ou pelo menos, isso é o que pensou Bridgid. De maneira que a seguiu, e a pecadora já tinha tirado as roupas e já estava por... já sabe.
—Não, diga—me você — disse ele, sorrindo.
—Seduzir a Ramsey, sem dúvida. Bridgid a jogou dali, e fez toda uma cena. Agora está furiosa com seu laird porque ele confessou francamente que quem havia convidado à mulher a compartilhar sua cama era ele. Se vai ter um desfile de mulheres todas as noites em seu quarto, Bridgid decidiu ir.
—E aonde irá?
—Falamos do assunto enquanto nos dirigíamos à capela. Queríamos acender uma vela pelo pai de Gideon, e outra pela alma de Ramsey. Bridgid está convencida que vai a caminho do purgatório.
O calor dos coxas de Gillian apoiadas contra as suas costas estava interferindo com sua capacidade para concentrar—se.
—Por que você tinha que acender uma vela pelo pai de Gideon? Não o conhece.
—Porque o pobre homem piorou. Bridgid ouviu Faudron contando a Ramsey quando explicava por que Gideon demorava. Faudron e Anthony compartilharão as obrigações do comandante enquanto durar sua ausência.
—Você tem um bom coração, moça.
—Você não acenderia uma vela por mim se estivesse morrendo?
—Não diga essas coisas. Eu não permitiria que você morresse —afirmou ele com veemência.
Gillian se reclinei e lhe deu um beijo no ombro.
—Eu disse a Bridgid que poderia vir viver com os Buchanan. Tentou dissimular sua reação ante minha proposta, mas foi evidente que estava horrorizada. Não é estranho?
—Para ela significaria uma adaptação muito difícil. Ramsey trata os membros de seu clã como crianças. Eu não.
—Minha adaptação não será difícil.
—Sim, será.
—Não, porque você estará ali. Não me importa onde viva ou como viva enquanto você estiver a meu lado.
Brodick se emocionou ante sua fé e seu amor.
—Agora que estou casado, farei algumas mudanças —assinalou.
—Tais como?
—Provavelmente você deseja ter um lar.
—Mas você não tem um lar?
—Não.
—Onde você dorme? —perguntou ela, tentando não soar escandalizada.
—Ao ar livre. Prefiro a uma cama suave.
—Mas, que faz quando chove?
Gillian formulei a pergunta com voz tensa, e Brodick advertiu que era difícil para ela se manter serena. Já suas mãos não massageavam mais os ombros, só os acariciava.
—Me molho.
Gillian começou a rogar ao céu que não estivesse falando a sério.
—E os restantes membros do clã? Também dormem à intempérie?
—Alguns sim, mas os homens casados vivem com suas esposas em cabanas como esta.
—E por que seu laird não o faz?
—Porque não preciso.
—Agora sim. Eu não quero dormir à intempérie.
—Você dormirá comigo.
—Sim, mas quero uma casa.
—Como a de Ramsey?
—Não —respondeu ela—. Não tem por que ser tão grande. Uma cabana como esta estaria muito bem.
Gillian deixou de esfregar—lhe os ombros, e com a ponta do dedo seguiu o trajeto de uma cicatriz com forma de meia lua que tinha debaixo do ombro direito.
—Como você fez isto?
—Não me lembro. Foi há muito tempo.
—Deve ter doído —comentou ela. Beijou o dentado cinzento, advertiu que seus músculos se esticavam, e o voltou a beijar. Depois se deitou estirada sobre ele, e apoiou a cabeça sobre seu ombro.
Brodick soltou um grunhido.
—Gillian, você está me matando.
— Sou e muito pesada para você?
—Não me refiro a isso. Se não deixa de se mexer, vou fazer amor com você, e sei que você está dolorida.
O calor que propagava seu corpo conseguiu inflamá—la.
—Não tão dolorida —sussurrou—. E ontem à noite não se preocupou tanto que estivesse dolorida.
—Então você se lembra? Achei que você estava dormindo.
Gillian soube que estava brincando.
—Sim, dormi todo o tempo. Deve ter sido um sonho que me fez gritar.
—Sim, você gritou —assentiu ele, sorrindo ao lembrar—. Te deixei ardente, não foi?
—Como poderia saber? Estava dormindo.
Começou a acariciar os braços, cativada pela sensação que produzia seu corpo.
—Você é tão firme —murmurou.
Tinha muita mais razão do que supunha. Brodick estava rápido para recebê—la, tenso de desejo, mas se sentiu adulado pela sua audácia e sua curiosidade.
— Brodick?
— Sim?
—Poderíamos... se não estiver muito cansado e não tiver que se movimentar... poderia...?
—Se eu poderia o que? —perguntou ele.
Finalmente Gillian reuniu a coragem necessário para pronunciar as palavras necessárias.
—Poderia fazer amor comigo?
—Mas não terei que me mexer?
—Não —insistiu ela.
Brodick se pôs a rir.
—Assim não, me mexer é absolutamente necessário.
As mãos de Gillian deslizaram pelos fortes músculos de suas costas enquanto ele mudava lentamente de posição. Queria beijá—lo por todas as partes.
—Gillian... —começou a dizer Brodick roucamente.
—Sshh —sussurrou ela—. Neste momento estou fazendo amor com você. Você disse que podia fazê—lo.
—Posso fazer uma sugestão?
—Sim, o que?1
—Sairá melhor se você me permitir me virar.
Se pôs de costas, a abraçou e a beijou avidamente enquanto a ajudava a desatar o laço de seu camisão, e via como se ruborizava quando se o passou acima dos ombros e o jogou a um lado.
—Você é tão linda! — disse em voz baixa, e voltou a beijá—la.
Toda graça cessou ao acender—se a paixão. Tremendo nos seus braços, Gillian se tornou mais exigente. Ele a penetrou rápida e profundamente, e o prazer foi tão intenso, que Brodick fechou os olhos.
—Gillian, que bom é te sentir! —gemeu.
E então começou a movimentar—se dentro dela, lenta, premeditadamente, até que Gillian se retorceu, já fora de controle. As estremecedoras sensações o impulsionaram a seguir em frente, e quando a sentiu tensa ao redor de sua virilidade e a ouviu gritar seu nome, alcançou sua culminação profundamente dentro dela.
Esgotado, desabou e ficou quieto vários minutos, até que o coração deixou de martelar desaforadamente dentro de seu peito e pôde voltar a respirar normalmente.
—Me deixou extenuado —sussurrou roucamente enquanto rodava a um lado e a abraçava contra ele. Gillian apoiou as costas contra seu peito, e o doce traseiro contra sua virilha. A fragrância do sexo impregnava seus corpos, e o único som no quarto era o do ocasional crepitar de algum lenho e algum suspiro de Gillian.
—Não tinha ideia que ia gostar tanto disso.
—Eu sim —disse ele— Soube desde a primeira vez que te beijei. Pude sentir a paixão que bulia em você. Sabia que você ia ser ardente, e tinha razão.
—Porque te amo —disse ela—. Não acho que pudesse ser tão... livre.., com outro homem.
—E não vai saber nunca — disse Brodick—. Nenhum outro homem vai te tocar.
Antes que se irritasse, Gillian procurou acalmá—lo.
—Não me interessa nenhum outro homem. Só quero você. Te amo, agora e para sempre.
Suas veementes palavras Conseguiram satisfazê—lo. Tomando a mão, a beijou no punho.
—Isto ainda segue te incomodando? — perguntou ao ver as cicatrizes que enrugavam a pele.
—Não —respondeu ela, e tentou afastar a mão—. Mas é horrível.
Ele a beijou na orelha.
—Nada em você é horrível.
E então começou a beijar cada uma das marcas de seu braço, e quando chegou ao cotovelo, Gillian já estremecia.
No preciso instante em que ela começava a ficar felizmente adormecida, ele lhe fez uma pergunta.
—Você confia em mim?
—Você sabe que sim.
—Então diga—me os nomes dos ingleses.
Instantaneamente, Gillian despertou totalmente. Virando—se nos seus braços, o olhou nos olhos.
—Primeiro quero que você prometa algo.
Gillian se sentou, se envolveu com as mantas, e se apoiou contra a parede.
—Você sabe que devo retornar à Inglaterra. Você sabia antes de se casar comigo, não é mesmo?
Brodick se deu conta para onde se dirigia, e franziu o cenho.
—Isso mesmo—assentiu—. Sabia que você queria retornar à Inglaterra.
—Te direi os nomes depois de que você prometa que lan, Ramsey e você não se vingarão até que eu não tenha conseguido meu objetivo e meu tio Morgan esteja a salvo. Você é um homem de palavra, Brodick. Prometa—me.
—Gillian, não posso permitir que você retorne. Você poderia estar entrando em uma armadilha mortal, e eu não posso...
—Não pode me impedir.
—Claro que posso —Sua voz se ouviu enérgica e irritada. Se sentou na cama, e a pegou bruscamente nos seus braços.
—Tenho que ir.
—Não.
—Brodick, Morgan é agora também tio seu, e você tem a obrigação de velar por ele, Não é mesmo?
—Eu o encontrarei para você, Gillian, e me farei com que não sofra nenhum dano.
Ela sacudiu a cabeça.
—Não saberia onde buscar. Tenho que voltar, e terminar com isto.
Brodick tentou raciocinar com ela.
—Você disse que o canalha exigia seu retorno com a caixa do rei e sua irmã. Você vai voltar com as mãos vazias. — Como você espera resgatar seu tio?
—O barão está muito mais interessado em conseguir a caixa que em nenhuma outra coisa. Vou tentar convencê—lo que minha irmã morreu.
—Mas você não tem a caixa, não é mesmo? E não sabe onde demônios está.
—Rogo para que minha irmã se lembre —disse ela em voz baixa.
—E se não se lembrar?
—Não sei! —gritou, exasperada—. Tenho que retornar. A vida do meu tio está em perigo. —Por que você se empenha em não compreender?
—Não posso permitir que você se exponha a semelhante perigo. Se ocorresse algo... Se quebrou a voz e não pôde continuar, nem sequer podia pensar em que Gillian fosse machucada sem estremecer—. Não gostaria nada —atinou a sussurrar.
—Prometa—me, Brodich.
—Não.
—Seja razoável —pediu ela.
—Estou sendo. Você, não.
—Você sabia... antes de se casar comigo... você sabia o que tinha que fazer.
—Gillian, as coisas mudaram.
Ela provou outra estratégia.
—Você poderia me proteger. Você poderia se assegurar que estivesse a salvo, não acha? —ele não respondeu— Se Ramsey, lan e você viessem comigo, eu estaria bem protegida e segura. Depois que conseguisse descobrir onde está meu tio, vocês poderiam tomar represálias.., mas era antes.
—De modo que seu plano era colocar—se na guarida do diabo só? Você está louca se acha...
—Você poderia fazer com que fosse seguro.
Ela não ia ceder, e ele precisava dos nomes.
—Muito bem —concedeu finalmente, mas antes que ela se entusiasmasse com sua promessa, fez algumas exigências — Se sua irmã tiver a caixa, ou saber onde está, e desse modo você encontrar algo com que negociar, e fazer exatamente o que eu te disser quando chegarmos ali, então te deixarei ir conosco.
—E vocês esperarão até que meu tio esteja a salvo antes de tomar represálias?
—Sim. Te dou minha palavra.
Gillian se sentiu tão satisfeita que o beijou.
—Obrigada.
—Por Deus te juro, Gillian, que se algo te acontecesse, não poderia continuar vivendo.
—Você me protegerá.
Já começava a lamentar sua promessa. Como ia poder, por todos os santos, permitir que ela olhasse sequer aos canalhas?
Ela apoiou a cabeça no seu ombro.
—São três —começou a dizer em voz muito baixa, e sentiu que ele se punha tenso—Todos são barões e amigos íntimos do rei Juan. Quando eram crianças, suas travessuras o divertiam. O barão Alford de Lockmiere é o mais poderoso dos três. É conselheiro do rei. Meu tio Morgan me contou que foi um dos que apresentaram Arianna ao rei, e por essa razão, Juan sempre vai protegê—lo. Você terá que ser muito astuto e cuidadoso, Brodick. O rei não se importará em absoluto com suas razões se você causar algum dano a Alford.
—Este Alford é o que matou seu pai e depois reclamou suas propriedades?
—Sim —respondeu ela—. O chamam Alford o Vermelho pela cor de seu pêlo, e pelo seu caráter. É o que fechou trato com o traidor das Highlands, mas recebeu ajuda dos outros dois. Hugh de Barlowe e Edwin o Careca sempre estão a serviço de Alford.
—Onde se encontra agora Alford?
—Me esperando em Dunhanshire.
—Você acha que seu tio também está ali?
—Não sei.
—Você vai ter de considerar seriamente a possibilidade que Alford já tenha matado seu tio.
—Não —negou ela—. Oh, sei que Alford o faria se pudesse, sem sofrer nem um segundo de remorsos, e o ouvi vangloriar—se com orgulho de não ter mantido nunca sua palavra, mas tem que conservar vivo meu tio se espera minha colaboração. Alford sabe que não conseguirá a caixa a menos que possa me devolver meu tio vivo.., e são... primeiro.
—E depois vai matar os dois.
—Não deixará que isso aconteça.
—Não, não permitirei —afirmou ele—. É um jogo perigoso este que você está brincando, Gillian, e te prometi que você poderia ir conosco se você tiver algo com que negociar.
—Me levará com você —disse ela—. Com ou sem a caixa. Brodick não concordou nem discordou. Durante a hora seguinte a obrigou a descrever em detalhe tanto as propriedades do tio Morgan como a de Dunhanshire, e uma vez que ficou satisfeito, a interrogou sobre do número de soldados às ordens de Alford.
Já era mais de meia—noite quando finalmente a deixou descansar. Gillian dormiu apoiada sobre ele, segura e protegida entre seus braços.
Brodick permaneceu desperto outra hora mais enquanto organizava seus planos, e quando por último dormiu, sonhou com matar o homem que tinha ousado tocá—la.
Sim, sonhou com vingança.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 26

Gillian estava cansada e aborrecida de esperar que sua irmã entrasse em razão. Também estava zangada com Ramsey, porque até o momento não tinha cumprido com sua promessa de falar com Christen em seu nome, e mesmo que o tivesse ameaçado com que lhe daria tempo somente até o meio—dia antes de tomar a questão nas suas mãos, o meio—dia tinha chegado e passado, e Ramsey tinha seguido à toa. Um dos criados lhe disse que havia abandonado a casa essa manhã cedo, junto de Brodick e um pequeno grupo de soldados. O criado não sabia aonde tinham ido, nem quando iam retornar.
Finalmente, Gillian decidiu ir em busca de Brisbane e solicitar sua ajuda. Com esse propósito, se levantava da mesa no preciso instante em que Bridgid entrava correndo no salão, levando dois arcos e flechas. Se deteve para sorrir a um dos soldados de Ramsey, que montava guarda perto da entrada, e seguiu caminho até chegar onde se encontrava Gillian.
—Vamos nadar no lago? —propôs em alta voz.
—Não quero...
—Sim, quer — murmurou Bridgid—. Siga—me —acrescentou praticamente em um sussurro, fazendo um gesto quase imperceptível em direção ao guarda.
—Eu adoraria ir nadar! —respondeu Gillian quase gritando.
Os olhos de Bridgid relampejaram de pura malícia.
—Trouxe arcos e flechas para ambas —disse—. Se somos rápidas, esta noite teremos guisado de coelho para o jantar.
Gillian se colocou a aljava com as flechas acima do ombro, e pegou o arco, enquanto seguia Bridgid rumo à despensa pela porta traseira. Em questão de minutos se encontravam fora, e se dispuseram a atravessar o pátio.
Logo chegaram na proteção das árvores, Bridgid, na sua excitação, a pegou pela mão.
—Sei onde vive Christen. Anthony não tinha esquecido, depois de tudo. Ontem ao amanhecer seguiu a Brisbane, tal como tinha prometido, mas imprevistamente o ordenaram que substituísse um dos guardas da fronteira, e não retornou aqui até a noite. Até lá já era tarde, certamente. Me pediu desculpa —acrescentou—. É um homem muito gentil.
—Sim, é —concordou Gillian—. Agora você me levará à casa de Christen?
—Sem dúvida que sim, mas espere um pouco, Gillian. Se você correr, pode chamar a atenção. Anthony escondeu dois cavalos perto do lago para nós, e se tivemos sorte, em breve estaremos a caminho. Não podemos dizer a ninguém aonde vamos. Anthony me fez prometer, e não podemos deixar que ninguém saiba que nos ajudou.
—Eu não direi nada — assegurou sua amiga—. Não gostaria que se metesse em problemas por realizar tão boa ação.
—Duvido que alguém repare especialmente em nós. É a oportunidade perfeita. Brodick e Ramsey foram a solucionar alguns assuntos na fronteira ocidental.
—Você acha que Ramsey se incomodará porque não esperou que ele falasse com Christen?
—É provável —reconheceu Bridgid—. Mas se sim, dirá a Brodick, não a você. Jamais deixaria que você o visse zangado.
—Estou preocupada com você—disse Gillian—. Não quero que você tenha problemas pela minha culpa.
—Pois então tenhamos pressa para retornar antes que alguém perceba que saímos —disse Bridgid— Além disso, eu em seu lugar me preocuparia mais pelo mau humor de seu marido. Brodick é conhecido pelo seu mau humor.
—Não se irritará comigo. Disse a ele que ia tomar o assunto em minhas mãos se Ramsey não cumpria com seu promessa. E não o fez —insistiu com veemência.
—Seguramente ia fazer —disse Bridgid, saindo em defesa de seu laird—. Ramsey é um homem de palavra.
—Eu não sei o que faria sem sua ajuda. Pensei inclusive em chamar em todas as portas até que alguém me dissesse onde estava Christen.
Bridgid levantou um galho para que Gillian pudesse passar.
—Jamais a teria encontrado —disse—. É raro, realmente. Sua irmã vive em uma zona muito afastada. Nunca fui tão ao norte, mas Anthony assegura que faz parte do território Macpherson.
—Te disse quanto tempo levará para chegar até ali?
—Sim. Deveríamos chegar ali no meia da tarde.
Finalmente encontraram os cavalos que Anthony tinha escondido para elas.
—O cinzento é para você —decidiu Bridgid, enquanto tomava a égua castanha e a montava.
Gillian jogou um olhar aos formosos cavalos e as belas selas de montar, e sacudiu a cabeça com incredulidade.
—Os pegou da cavalariça de Ramsey?
—Ramsey não vai perceber.
—Mas são uns cavalos magníficos! Se algo...
—Quer deixar de se preocupar?
Gillian estava muito perto de reunir—se finalmente com sua irmã para mudar de ideia precisamente nesse momento.
—Só pensa nisto: em muito pouco tempo, você estará reunida com sua querida irmã.
De repente, Gillian se sentiu inundada pela excitação. Deslizando o arco acima do ombro, saltou sobre a sela e tentou colocar—se cômoda. Não foi tarefa fácil. Formada por uma fina capa de madeira coberta com largas e grossas bandas de couro, a sela era rígida e inflexível, mesmo que suave contra sua pele. Como era feita para sustentar um homem, ela e Bridgid montaram ao estilo amazona. Depois que acomodou as saias sobre os joelhos, pegou as rédeas e seguiu a sua amiga ao longo da suave subida, rumo ao vale.
Ambas avistaram Proster no alto quando atravessavam o prado, e Gillian pensou que as observava, mas Bridgid assegurou que não as tinha visto.
Era um formoso dia para cavalgar. O céu estava limpo, o sol, brilhante e cálido, e por todas partes se cheirava o aroma do verão. Atravessaram uma clareira coberta de flores douradas, e em poucos minutos, subiram por uma colina. Ao chegara no alto, Gillian se virou para olhar para atrás. A vista era tão incrivelmente bela que pensou que essa terra parecia o paraíso.
Continuaram em frente a todo galope, e desceram por uma estreita trilha, seguindo seu serpenteante percurso até que chegaram em uma densa mata. Quanto mais alta se tornava, mais nervosa se punha Bridgid. Não deixou de olhar para atrás, para assegurar—se que ninguém as seguia.
Também Gillian começou a preocupar—se. Se perguntou por que razão Christen e seu marido tinham escolhido viver tão isolados do resto dos Macpherson. Ela não encontrava lógica por essa decisão, todo o mundo sabia que era mais seguro estar juntos para proteger—se contra possíveis agressões de clãs hostis ou vagabundos. Não, não tinha nada de lógico.
Bridgid pensava o mesmo.
—Não gosto disso —sussurrou, como se temesse que pudessem ouvi—la. Largando as rédeas, deteve seu cavalo e esperou que Gillian a alcançasse—.Não gosto nada disso —repetiu.
—Devemos de ter errado o caminho —sugeriu Gillian.
—Não acho —disse sua amiga—. Memorizei as instruções de Anthony, e tenho certeza que este é o caminho que me indicou. Foi muito preciso, mas eu devo...
—Algo está errado —afirmou Gillian—. Este não pode ser o caminho. Bridgid, se deu conta de como está tudo muito silencioso? Parece como se inclusive os pássaros tivessem abandonado a floresta.
—Está muito silencioso. Isto me dá medo. Acho que é melhor nós voltarmos.
—Também penso assim —se apressou a concordar Gillian—. Cavalgamos a maior parte da tarde, e já deveríamos ter encontrado a cabana de Christen.
—Se tivermos pressa, podemos estar em casa ao entardecer. Você está decepcionada? Sei o quanto você queria ver sua irmã.
—Está bem. Só o que quero é sair daqui. Sinto como se o arvoredo se fechasse sobre nós.
Seus instintos as impulsionavam a ter pressa, e ambas estiveram de acordo em que tinham atuado precipitadamente ao entrar em uma mata tão fechada mal armadas e sem escolta.
Como o atalho era muito estreito e escarpado, se viram obrigadas a retroceder seus cavalos até um lugar mais amplo para que pudessem dar a volta. Depois, Gillian pegou a frente. Acabavam de sair da parte mais densa da floresta e se dispunham a cruzar o vale quando ouviram um grito. Gillian se virou para onde provinha o som, e viu um soldado que descia a ladeira a todo galope, indo diretamente para elas. Tampando o sol dos olhos com a mão, reconheceu o tartán Macpherson, mas não viu o rosto do homem.
Bridgid aproximou seu cavalo ao dela e também olhou.
—É Proster! Deve ter nos seguido —gritou.
—Por todos os céus, que está fazendo? —perguntou Gillian, enquanto olhava o soldado Macpherson levantar o arco e buscar uma flecha, com o olhar cravado nas árvores que estavam atrás delas.
A emboscada as pegou completamente desprevenidas. Gillian ouviu um som sibilante atrás dela e se virou, no exato instante em que uma flecha atravessava o ar frente a seu rosto.
Então mais flechas voaram a seu redor. O cavalo de Gillian se lançou a galope, mantendo—se ao lado da égua de Bridgid, enquanto subiam pela elevada margem do riacho. Com a sensação que ambas juntas ofereciam um alvo fácil, Gillian afastou seu cavalo para longe de sua amiga, ao mesmo tempo em que gritava que se aproximasse da mata.
Durante um fugaz instante, pensou que ia conseguir chegar até a proteção do arvoredo. Se agachou sobre o lombo do cavalo, levantou os joelhos e desceu a cabeça até esmagá—la contra as crinas para não oferecer um alvo tão fácil. E foi então que a flecha a atingiu.
A força e a velocidade que tinha a arma era tão impressionante, que atravessou sua pele, os músculos e se cravou na sela. A dor foi instantânea. Deixou escapar um grito afogado, e instintivamente tentou arrancar essa ardente agonia, mas tão logo tocou na flecha, sua perna sofreu um pancada de dor, e então viu que ela tinha ficado presa na sela.
De repente a invadiu a ira, e já se virava para ver seus atacantes, quando o grito de Bridgid perfurou o ar.
Gillian se virou, e viu como o cavalo de Bridgid cambaleava e caía, jogando—a ao chão. E tão repentinamente como tinha começado, cessou o grito, e Bridgid ficou absolutamente imóvel.
—Não —gritou Gillian, enquanto esporeava seu cavalo para correr para junto de sua amiga.
As flechas de Bridgid ficaram esparramadas pelo chão, e só então Gillian lembrou que não se encontrava totalmente indefesa. Pegou uma de suas flechas e levantou o arco. Do interior do arvoredo saiu um homem, que correu para interceptá—la, mas Proster galopou para ela da direção oposta, indicando—lhe aos gritos que se afastasse enquanto tirava uma flecha de sua aljava e apontava. No segundo seguinte, se ouviu um grito dilacerador, e o homem caiu ao chão, com uma flecha cravada no ventre. Continuou gemendo, retorcendo—se como uma víbora sobre a terra. Finalmente, deixou de se mexer e os gritos se transformaram em um agônico estertor.
O outro atacante se dirigiu então para Gillian. Proster preparou uma nova flecha. Por um milésimo de segundo pareceu titubear, como se reconhecesse o homem, mas igualmente disparou a flecha. Seu inimigo se agachou, se apertando contra seu cavalo, e a flecha de Proster errou por milímetros. Frenético, Proster buscou outra flecha, enquanto os estrondosos cascos do outro cavalo se aproximavam dele. Jogou o arco no chão, e se preparou para desembainhar a espada.
Enquanto o atacante encurtava as distâncias, tinha a atenção posta em Proster, e Gillian aproveitou a oportunidade. Levantou o arco, rogou para ter boa pontaria e disparou a flecha. Sua pontaria foi certeira. A flecha atingiu o homem em meio à testa, e o jogou para trás de seu cavalo. Morreu no ato.
Gillian já arquejava de terror, e depois começou a sufocar. Jogou o arco no chão e rompeu em soluços. Que Deus se apiedasse de sua alma, acabava de matar um homem, e inclusive tinha suplicado sua ajuda.
Sabia que não tinha tido alternativa. Era sua vida ou a dele, mas a verdade não conseguiu aliviar seu sofrimento.
Inspirou profundamente e se obrigou a acalmar. Não era momento para histeria, pensou enquanto secava as lágrimas do rosto. Bridgid estava ferida e precisava de sua ajuda.
Proster chegou primeiro ao lado de sua amiga. Pegou Bridgid nos seus braços, mas a cabeça dela caiu flácida para trás, e ela continuou sem se mexer. De sua testa emanava sangue.
— Caiu de cabeça? —exclamou Gillian, apesar de ouvir o gemido de Bridgid.
—Sim —respondeu Proster—. Bateu a cabeça contra uma pedra e perdeu os sentidos.
Bridgid voltou a gemer, e lentamente abriu os olhos. Gillian sentiu um alívio tal que se pôs a chorar.
—Graças a Deus! —sussurrou—. Você está bem, Bridgid? Não quebrou nada?
Aturdida, Bridgid demorou uns instantes em dar—se conta do que Gillian perguntava.
—Acho que estou bem —sussurrou, enquanto tocava a testa com a mão. Fazendo um trejeito de dor, deixou cair a mão sobre o colo e então pôde ver que estava coberta de sangue. Se virou nos braços do soldado e o olhou.
—Proster, você acaba de nos salvar, não é?—disse.
Ele sorriu
—Assim parece.
—Você nos seguiu.
—Sim—reconheceu—. As vi atravessar o prado, e me perguntei aonde vocês iriam. Então vocês deram a volta para o norte, o que me confundiu mais ainda. Fiquei esperando que vocês voltassem, e ao ver que não faziam, decidi ir atrás de vocês.
—Graças a Deus que você veio —disse Gillian—. Quem eram esses homens? Você reconheceu os que nos atacaram?
—Sim —respondeu Proster em tom sombrio—. Um era Durston, e o outro era Faudron. Ambos eram Sinclair.
— Faudron? —exclamou Bridgid—. Mas se é um dos comandantes de nosso laird!
—Pois já não é —disse ele frontalmente—. Lady Gillian acaba de matá—lo.
—Eram mais que esses dois? —perguntou Bridgid, e antes que ele pudesse responder, acrescentou— Poderiam retornar...
—Eram só esses dois.
—Você tem certeza? —insistiu Bridgid—. Se há mais...
—Não há mais —afirmou Proster. Olhando a Gillian, acrescentou— Era uma emboscada, e você era seu alvo, lady Buchanan.
—Como você sabe? —perguntou Bridgid.
—Todas as flechas foram dirigidas a ela — explicou Proster pacientemente—. Seu objetivo era te matar, milady —E se Bridgid tivesse visto o rosto deles, a teriam matado também. Tenho certeza que não pensaram que fossem necessitar de mais de dois homens para matar uma só mulher. Também contavam com o fator surpresa.
—Mas por que iam querer matá—la? —perguntou Bridgid.
—Você sabe por que, milady? — perguntou por sua vez Proster.
Gillian não vacilou em responder.
—Sim, mas não posso falar sem a autorização de Ramsey e de Brodick.
—É culpa minha —disse então Bridgid—. E assim direi a meu laird. Não deveria ter...
Gillian a interrompeu.
—Não, a culpa é minha por tentar cuidar sozinha de todo este assunto. Bridgid, Proster e vocês poderiam ter sido mortos. — A sua quebrou, e inspirou profundamente para acalmar—se. Queria chorar, já que a dor na coxa era dilacerante, e começava a sentir náuseas.
Proster ajudou Bridgid a se colocar de pé, voltou a montar em seu cavalo e se dispunha a ir em busca a égua de Bridgid.
—Preciso de ajuda —sussurrou Gillian.
—Já passou o perigo — disse Bridgid— Não tenha medo.
Gillian sacudiu a cabeça. Nesse instante, Proster viu a flecha que sobressaía da sela de montar, e sem pensar duas vezes, se agachou para tirá—la de uma só vez.
Gillian soltou um grito.
—Não a toque!
Então Bridgid e ele notaram o sangue que escorria pela perna.
Bridgid ficou horrorizada.
—Meu Deus, deve doer muito!
—Não é tão terrível se não me movimentar, mas preciso de ajuda para tirá—la.
Proster saltou do cavalo e correu a seu lado e levantou delicadamente a saia.
—Não consigo ver a ponta —disse—. Está cravada muito profundamente. Atravessou limpamente o couro e a madeira. Milady, isto vai doer —acrescentou, enquanto tentava tomar a flecha deslizando os dedos entre o suporte e a coxa de Gillian.
Suas mãos voltaram escorregadias pelo sangue que logo após as cobriu, e em duas ocasiões a flecha lhe escapei dentre os dedos. À terceira oportunidade, Gillian gritou, e Proster abandonou a tentativa. Não podia continuar fazendo—a padecer semelhante tortura.
—Não posso tirá—la sem ajuda.
—Eu posso ajudar —se ofereceu Bridgid. Se aproximou e pegou a Gillian pela mão para proporcionar consolo e ânimo.
Proster fez um gesto negativo.
—Isto requer mais força do que você tem. Eu não sei muito bem o que é preciso fazer.
—Não é tão mau como poderia ser —disse Bridgid, em uma tentativa de alegrar Gillian—. A flecha não tocou o osso. Parece que atravessou a pele.
—Mas está firmemente incrustada —assinalou Proster.
—Talvez se tirássemos a sela.... —sugeriu Bridgid.
—Santo Deus, não! —exclamou Gillian.
—Tirar a sela só faria a flecha entrar mais—afirmou Proster.
—Eu fico aqui —anunciou Gillian—. Bridgid e você irão pedir ajuda. Busquem Brodick. Ele saberá o que fazer.
—Não penso em deixar você só aqui.
—Por favor, Proster.
—Eu também não te deixarei só —disse Bridgid.
—Então, fique comigo, e Proster poderá ir buscar ajuda.
—Eu não as deixarei. —A voz de Proster era firme, e Gillian se deu conta que era inútil discutir com ele. Evidentemente, o soldado sentia que ficar com ela era uma questão de honra.
—E o que vamos fazer? —perguntou Bridgid.
—Se formos devagar e tranquilos, e se eu manter a perna quieta, poderíamos tentar retornar.
—Veremos como se sente —decidiu Proster—. Vou buscar sua égua, Bridgid. Você acha que poderá cavalgar? Você tomou um bom golpe.
—Estou bem —afirmou ela.
Ambas observaram como Proster descia a cavalo a colina. Bridgid aguardou que estivesse longe antes de falar.
—Eu menti —sussurrou—. Minha cabeça dói e palpita. E vai ficar pior quando meu laird souber o que fiz.
—Não fez nada de errado —afirmou Gillian—. O que nos trouxe aqui foi Anthony. Se é preciso culpar alguém, é ele.
—Não pode pensar que ele tenha algo a ver com isto. É uma das pessoas nas quais Ramsey mais confia.., o segundo em categoria atrás de Gideon...
—E Faudron era o terceiro, verdade?
—Sim, mas...
—Traiu Ramsey —sustentou Gillian— E agora está morto.
—Sim, mas Anthony...
—Como você pode pensar que não tem nada a ver? Bridgid, foi uma emboscada. Estavam
nos esperando, Anthony foi o que preparou a armadilha.
—Mas, por que? —gritou Bridgid. Surpreendida, sua mente se rebelava contra a verdade—. Meu Deus, isto é muito para mim. Minha cabeça está dando voltas.
Imediatamente Gillian lamentou ter perdido os estribos.
—Por que não vai até o riacho, e molha a cabeça com água fria? Se sentirá melhor.
Bridgid assentiu e começou a descer a colina. De improviso, parou e se virou.
—Você confia em Proster, verdade? —perguntou.
—Sim, confio, mas me parece que só você deveria contar a Ramsey o sucedido, e mais ninguém.
—Jamais matei a ninguém até agora, mas te juro que quando voltar a ver o Anthony, vou matá—lo.
Enquanto sua amiga seguia a caminho do riacho, Gillian sustentou a perna imóvel contra o suporte, e lentamente manobrou seu cavalo pela ladeira para poder ver mais de perto os homens caídos. Tinha visto antes a Faudron, mas não lembrava ter conhecido ninguém chamado Durston. Ante a vista do sangue, teve um calafrio, e após uma rápido e necessária olhada, soube que Durston não era o homem que tinha visto em Dunhanshire.
Quando Bridgid a chamou, se virou e retornou ao alto da colina. Descobriu que se apertasse a coxa com força e a segurasse para baixo, evitava que a ferida continuasse deslocando com o passo do cavalo, e a dor era mais tolerável.
Proster tinha recolhido o arco e as flechas de Bridgid, e estava ajudando—a a montar.
—Tem certeza que poder cavalgar, Bridgid? —perguntou o soldado.
—Sim.
Proster subiu em seu próprio cavalo e levantou os olhos para o sol para calcular o ângulo de descida.
—Espero que não tenhamos que ir longe demais até que nos encontrem —disse.
—Você acha que já estão nos procurando? —perguntou Bridgid.
—Espero que sim.
Os três se puseram em marcha a passo de tartaruga. Gillian precisava parar continuamente por causa da dor.
Finalmente, conseguiu reunir a coragem necessária para olhar a ferida, e se sentiu aliviada ao comprovar que não era tão terrível como tinha imaginado. A flecha tinha atravessado o lado externo da coxa e havia passado através da carne, tal como tinha dito Bridgid. Ao confirmar que a ferida não era tão séria, a dor já não parecia tão intensa. Até que tentou tirar a flecha. Esteve a ponto de desmaiar pela dor que a percorreu.
—Você acha que já estarão nos procurando? —perguntou Bridgid.
—Há muito tempo que saímos —disse Gillian—. Certamente alguém estará atrás de nós.
—Ker e Alan me viram partir —disse Proster—. Eu disse que ia seguir vocês.
Bridgid deu um pulo em sua sela, e se virou para Gillian.
—E vão dizer a seu comandante! —sussurrou——. Se disserem a Anthon e ele enviar mais homens...
Gillian tentou não cair no pânico.
—Não —afirmou—. Não sabe que seus homens são traidores. Ao ver que Gillian e Bridgid não iam atrás dele, Proster deu a volta. Imaginou que Gillian precisava descansar alguns minutos.
Da floresta a bruma começava a se formar. Os densos redemoinhos de neblina podiam ser inofensivos ao tato, mas eram letais para cavalgar através deles, porque os impediriam de ver uns aos outros.
—Temos que chegar na planície antes que anoiteça —disse Proster.
—Não percam as esperanças. Ker e Alan dirão a Ramsey e tenho certeza que Brodick já as está procurando, lady Buchanan.
—Mas se ele...
Proster sorriu.
—Milady, vocês é a esposa de Buchanan. Tenho certeza que Brodick e seus guardas estão vasculhando todas as colinas à sua procura. Não se desesperem. Seu marido virá por você.
—Ninguém vai nos encontrar no meio desta neblina —disse Gillian, sentindo—se desventurada e desmoralizada.
—Anthony também não poderá nos encontrar —disse Bridgid.
Ignorante que Anthony as tinha enviado diretamente a uma emboscada, Proster entendeu logo o comentário de Bridgid.
—Ker e Man poderiam dizer a Anthony que saí atrás de vós, mas não acho que o façam.
—Por que não? —perguntou Bridgid—. Na ausência de Gideon, ele é seu comandante.
—Não importa —disse Proster— Não o respeitam, nem confiam nele. Deixou bem claro que não avalia nenhum dos soldados Macpherson, e humilhou Ker e Alan, como ao resto de nós, em incontáveis oportunidades. Não, não dirão.
—Mas quando se deem conta que não estamos, Anthony terá que enviar grupos em nossa busca, não é assim?
—Sim, mas duvido muito que as envie tão ao norte. Enviará soldados para buscar em zonas mais povoadas. Quem sabe que vocês tomaram esta rota? Você se perderam?
—Não —respondeu Gillian.
—Sim —disse Bridgid ao mesmo tempo.
—Saímos para cavalgar e perdemos a noção do tempo —mentiu Gillian—. E nós.., não, não é verdade, Proster.
—Pensamos que minha irmã vivia nesta zona, mas estávamos equivocadas.
Proster viu as lágrimas nos olhos de Gillian, e correu a seu lado.
—Não percam as esperanças. Ker e Alan dirão a Ramsey, e tenho certeza que Brodick já as está procurando, Lady Buchanan.
—Mas se ele......
—Milady, você é a esposa de Buchanan. Tenho certeza que Brodick e seus guardas estão vasculhando as colinas a sua procura. Nãose desespere. Seu marido virá atrás de você.

 

 

 

 


Capítulo 27

Gideon foi quem lhes deu a má notícia. Ramsey e Brodick acabavam de retornar à casa quando o comandante Sinclair atravessou correndo o pátio de armas para interceptá—los.
Uma só olhar a sua pavorosa expressão bastou para indicar aos dois lairds que o problema era sério.
—Que aconteceu? —perguntou Brodick.
Gideon explicou, entre suspiros:
—Lady Buchanan e Bridgid KirkConnel desapareceram. As buscamos por todas partes, e não as encontramos.
—O que demônios você se refere com “desapareceram”? —rugiu Brodick.
—Quanto faz que vocês sentiram falta delas? —perguntou Ramsey.
Gideon sacudiu a cabeça.
—Não tenho certeza. Quando retornei da casa de meu pai, Anthony já tinha saído com um grupo de soldados em sua procura. Estava a ponto de reunir—me com eles.
—Não podem ter ido muito longe — disse Ramsey a Brodick—. Já quase anoiteceu. Teremos que ter pressa se queremos encontrá—las antes que escureça. Que caminho pegou Anthony?
—Para o sul —respondeu Gideon—. Laird, assumo total responsabilidade por isto. Se tivesse estado aqui, em lugar de...
—O precisavam em sua casa —o cortou Ramsey—. Ninguém as viu partir? —perguntou a seguir. Sacudiu a cabeça com incredulidade— Como é possível que tenham podido sair sem que ninguém as visse?
Gideon não tinha nenhuma resposta que oferecer. Brodick montou em seu cavalo.
—Estamos perdendo tempo —murmurou—. Eu buscarei pelo oeste. Gideon, reúne alguns soldados e vá ao leste, e Ramsey, você procura no norte.
—Não há nenhuma razão para buscar pelo norte —disse Ramsey—. Se saíram sozinhas, não podem ter entrado nessa mata tão densa. Bridgid sabe bem.
Dois jovens e assustados soldados Macpherson aguardavam, montados em seus cavalos, perto do fundo do vale.
Observaram Gideon dirigir um grupo de soldados colina abaixo, e depois dirigir—se para o leste.
—Diga a laird Buchanan —sussurrou Alan.
Ker negou com a cabeça.
—Diga você. Não quero que quebre meu nariz de novo. Eu direi a Ramsey.
Brodick e Robert, o Moreno, encabeçavam o grupo, seguidos por Dylan, Liam e Aaron. Acabavam de cruzar a planície coberta de erva, quando ouviram um grito. Dylan se virou quando viu um dos soldados Macpherson que ia atrás deles, mas os demais seguiram em frente.
O sardento rosto de Alan estava vermelho, mais pelo medo que pelo esforço, quando resmungou as importantes novidades.
—Proster... seguiu as damas, e foram para o norte.
Dylan lançou um assobio, e em questão de segundos Brodick e os demais rodearam ao rapaz.
—Proster seguiu a minha esposa?
O penetrante olhar do laird aterrou de tal maneira o rapaz, que mal pôde balbuciar as palavras de resposta.
—Viu que sua esposa e Bridgid KirkConnell cavalgavam para o norte.
—Iam soldados com elas? —perguntou Aaron.
—Não, iam sós, e por isso as seguiu Proster. Disse que ia trazê—las de volta... que não era seguro...
—Então por que demônios não as trouxe de volta? —perguntou Liam.
—Não sei —murmurou Alan— Algo deve tê—los atrasado.
—Ker e eu íamos atrás deles quando chegou Gideon, e atrás dele Ramsey e você.
—Se não está dizendo a verdade, juro que te esfolarei vivo —o ameaçou Robert, o Moreno.
—Ponho Deus por testemunha que digo a verdade. Juro sobre a tumba da minha mãe. Meu amigo... Ker... foi dizer a Ramsey que fosse para o norte.
— Irá conosco —ordenou Brodick. Esporeando seu cavalo até obrigá—lo a galopar, correu para a floresta. Não deixou de repetir a si mesmo que não devia deixar—se dominar pelo pânico, mas não serviu de nada. Em que pensava ela ao sair para cavalgar entrando na mata fechada sem proteção? Um rapaz para proteger duas mulheres?
Efetivamente, algo devia ter acontecido, ou Proster já as teria trazido de volta.
Pela primeira vez na sua vida, Brodick se pôs a rezar. “Santo Deus, que ela se encontre bem. Eu preciso dela.

Capítulo 28

Gillian tinha chegado ao limite de suas forças. Simplesmente, não podia continuar, e de todas as maneiras, era muito perigoso. A noite se aproximava rapidamente e o nevoeiro se punha cada vez mais espesso. Tinham parado ao lado de um riacho, e estava a ponto de dizer a Proster que com sua ajuda ou sem ela ia tirar a flecha, quando escutou um forte retumbar na distância. Em poucos segundos, a terra começou a tremer.
Proster tirou seu espada, enquanto Bridgid buscava freneticamente seu arco e suas flechas. Gillian tirou a adaga de seu cinto, e se aproximou de Bridgid.
—Preparem—se! —gritou Proster, fazendo um trejeito ante o tremor que ouviu na sua própria voz.
—Talvez sejam Ker e Alan —aventurei Bridgid.
—Muitos cavalos —disse Proster, enquanto colocava o cavalo diante das mulheres.
Segundos mais tarde, Brodick emergiu da neblina. Ao ver os três, puxou as rédeas e freou. Só a visão de sua esposa, aparentemente sã e salva, o encheu de um alívio tal que ao desmontar sentiu que se dobravam os joelhos. Seus soldados foram atrás dele. Eles também desmontaram e foram diretamente para Proster. O rapaz tremia pela violência que parecia estar saudando com a espada que mantinha disposta. Mas não retrocedeu nem se pôs a correr. Aterrado como estava, se manteve firme, disposto a arriscar sua vida pelas mulheres.
—Baixe a espada, rapaz — ordenou Dylan.
Brodick correu para sua esposa.
—Gillian, você está bem?
Esperava uma imediata afirmação, e então ia passar um bom sermão. Será que essa mulher não compreendia o quanto significava para ele? Como se atrevia a expor—se a um risco semelhante? Por Deus que exigiria que ela suplicasse seu perdão por tê—lo submetido a essa tortura. E passaria muitos dias antes que a perdoasse.
Gillian se sentia tão cheia de júbilo e de alívio que Brodick a tivesse encontrado que não se importou que estivesse furioso.
—Não, não estou bem, Brodick, mas estou tão feliz de ver você!
Proster, com as mãos ainda tremendo, depois de três tentativas conseguiu por fim embainhar a espada. Acabava de passar a perna sobre o lombo de seu cavalo, e se dispunha a montar, quando Brodick se aproximou de sua esposa. O soldado se lançou para o laird.
—Não a toque! —gritou.
Brodick reagiu com incrível presteza. Os pés de Proster não tinham conseguido a tocar o chão, quando foi jogado para atrás com tanta força que aterrissou de costas sobre a erva.
—Que diabos aconteceu? —perguntou Brodick enquanto se voltava para sua esposa.
Dylan agarrou o enlouquecido soldado pelo pescoço e o levantou no ar. Depois começou a sacudi—lo.
—Você se atreve a dar ordens a meu laird? —rugiu.
—Está presa à sela! —gritou Proster—. Uma flecha...
Mal pronunciou estas palavras, Dylan o soltou. Brodick já tinha notado a flecha e tinha ido até o flanco direito do cavalo para vê—la melhor.
Gillian apoiou a mão sobre o rosto dele.
—Estou tão feliz de ver você! — murmurou.
—E também eu estou feliz de te ver —lhe disse ele—. Agora deixa—me ver que você fez — ordenou com um grunhido.
Gillian se pôs rígida.
—Eu não fiz nada! —gritou—. Só tentar escapar. Se não tivesse sido por Proster, Bridgid e eu estaríamos mortas.
De repente, os três começaram a falar ao mesmo tempo, enquanto cada um tentava explicar o ocorrido.
—Eram Sinclair —anunciou Proster.
—Não tentavam matar a mim. —Disse Bridgid—. Queriam matar Gillian.
—Teriam matado também a você —afirmou Gillian.
—Proster matou um deles —disse então Bridgid a Brodick.
—Eram Durston e Faudron —os informou Proster.
Ao ouvir o nome de um dos comandantes que Ramsey mais apreciava, Brodick ficou parado.
— Faudron tentou te matar?
—Sim —respondeu Bridgid em lugar de Gillian—. Durston e ele estavam nos esperando.
—Foi uma emboscada —disse Gillian.
—Eu matei Durston —anunciou Proster com orgulho.
—E Faudron? Conseguiu escapar?
—Não —respondeu Proster— Sua esposa o matou.
Os olhos de Brodick voaram para Gillian.
—Tive que fazê—lo —sussurrou ela.
—Uma só flecha, laird, que o atravessou a testa. Seu pontaria foi certeira.
Brodick estava tentando colocar a mão embaixo da coxa de Gillian para poder segurar devidamente a flecha, mas ao vê—la dar um pulo, a tirou.
—Proster tentou tirá—la, mas não pôde — disse ela.
O soldado começou a afastar—se do comandante, mas Dylan voltou a segurá—lo pelo pescoço.
—Dylan, por favor, solte—o! —exclamou Gillian, exasperada.
Brodick pegou a adaga de Gillian, levantou o tartán dela e rasgou as anáguas de ponta a ponta. Os soldados se amontoaram ao redor de seu laird para ver que fazia, e Gillian, procurando manter uma mínima aparência de modéstia e decoro, se apressou a cobrir a perna com o tartán.
—Não é momento para timidez — disse Brodick.
Ela sabia que estava preocupado.
—Não está tão mal como parece.
—Não tente me enganar — replicou ele.
—Talvez ela preferiria estar dormindo para passar por isto, laird —sugeriu Robert.
—Vamos esperar até que durma? —perguntou Bridgid. Tinha aberto caminho entre os homens para poder segurar a mão de Gillian.
Gillian era mais astuta que sua amiga. Também estava indignada pela sugestão de Robert.
—Ninguém vai me bater até me deixar tonta. Fui clara?
—Mas, milady... —começou a dizer Robert.
Ela o deteve com frieza.
—Não posso crer que você sugeriu algo assim.
—Um leve golpezinho seria suficiente —sustentou Aaron—. Não sentiria nada.
—Nós não gostamos de vê—la sofrer, milady —disse Liam com voz áspera.
—Pois então fechem os olhos! —exclamou Gillian.
Brodick finalmente notou a presença de Bridgid, apertada contra ele. Olhava Gillian com os olhos coalhados de lágrimas. Indicou que ela retrocedesse para que ele pudesse fazer o que era preciso fazer, mas Bridgid não se movimentou, e Aaron teve que pegá—la e tirar do meio.
—Que você vai fazer? —perguntou Robert às suas costas.
Em resposta, Brodick tirou a espada.
—Dylan, segure a flecha firme. Liam, tome as rédeas.
Dylan se aproximou, agarrou a flecha com ambas as mãos e apertou contra a coxa de Gillian para evitar que se movimentasse.
Aaron afastou Bridgid de perto, enquanto Robert ia para o outro lado do cavalo e indicava a Gillian que se apoiasse contra ele.
—Ainda pensa me bater, Robert? — perguntou ela com suspeita.
—Não, milady, jamais lhe bateria sem sua permissão.
Decidiu confiar nele, e apoiou as mãos sobre os ombros, enquanto lentamente se recostava contra seu corpo.
— Brodick?
—Não fale.
E então fechou os olhos e aguardou. Ouviu o assobio da espada ao descer pelo ar, sentiu um leve puxão quando a lâmina cortou a flecha e tudo tinha terminado. Quando voltou a abrir os olhos viu que a flecha tinha sido cortada limpamente a milímetros acima das mãos de Dylan.
Sabia que o que viria a seguir e quanto a assustava. Brodick deslizou as mãos embaixo de seus joelhos.
—Apoia as mãos sobre meus ombros — ordenou.
—Espere.
—Que foi?
—Não quero voltar à casa de Annie Drummond, você escutou? Não quero voltar lá nunca mais.
Ele a agarrou com mais força.
—Achei que você gostava da casa da Annie.
Bridgid retorcia as mãos com desespero. A duras penas podia olhar sua amiga padecendo tal dor.
—Se sentirá melhor se gritar — disse—. Eu o faria.
Brodick olhou sua esposa nos olhos e viu as lágrimas.
—Não emitirá nenhum só —afirmou.
Conseguiu provocar a reação que buscava. Instantaneamente Gillian se pôs furiosa.
—Deve ser eu a dizer isso —gritou—. Se você me ordena ser valente, e se sou, isso perde a importância. —Eu...
Não emitiu um só som, salvo sua ruidosa respiração quando Brodick a levantou e a flecha deslizou através de sua perna. Ela jogou os braços ao pescoço dele e o abraçou com força, e quando caíram as lágrimas, afundou o rosto no pescoço de seu marido.
Brodick não pôde decidir qual dos dois tremia mais. Sem dizer uma só palavra, a levantou nos braços e a levou ao riacho. Bridgid tentou ir atrás deles, pensando que talvez poderia ajudar com a ferida, mas Dylan a impediu e indicou que esperasse até que voltassem.
—Já terminou tudo —sussurrou Brodick, e sua voz estava rouca pelo alívio que sentia. A sustentou apertada contra ele, e parecia ser incapaz de soltá—la. Ia demorar para superar o medo de perdê—la. A beijou na testa e rogou que deixasse de chorar.
Gillian secou as lágrimas com a borda do tartán.
—Você morre de vontade de gritar comigo, não é verdade?
—Demônios, sim —reconheceu ele—. Mas sou um homem considerado, de modo que esperarei até que você tenha se recuperado.
Gillian não achou nem uma palavra.
—É muito amável de sua parte
—Pelo amor de Deus, em que você estava pensando, partindo sem...? Por Deus, Gillian, poderiam ter te matado.
Brodick ia recuperando pouco a pouco a compostura, e continuou repreendendo enquanto jogava água fria sobre a perna para remover todo rastro de sangue e sujeira. Parou só o necessário para reconhecer, entre grunhidos, que a ferida não era nem remotamente tão perigosa como tinha imaginado no início, mas de imediato voltou a gritar, enquanto rasgava a saia dela em tiras com as quais enfaixou a coxa dela para que deixasse de sangrar. Quando terminou, a perna de Gillian já não doía tanto, mas o que continuou doendo foi seu orgulho ferido.
Ele não a permitiu caminhar, e ela não permitiu que ele a levasse nos braços nem levá—la a nenhuma parte até que não tivesse dito tudo o que tinha na cabeça. Não pensava permitir que ele continuasse repreendendo—a diante de seus homens.
Embalando Gillian em seus braços, Brodick continuou repreendendo.
—Quando chegarmos em casa, juro que colocarei dois guardas diante de você, e outros dois atrás. Não vai ter outra oportunidade de me assustar novamente como fez desta vez.
Gillian pôs a mão sobre o rosto dele, uma simples carícia que teve a virtude de acalmá—lo como por encantamento. Então arruinou tudo ao tentar explicar suas ações, conseguindo irritá—lo sem pretender.
—Eu não pensou que ia ser atacada quando saía da propriedade. —Mas você saiu da imóvel, não foi? E sem um guarda que te protegesse. Como você pôde sair das terras de Sinclair sem...?
—Não sabia que ia sair do território de Ramsey.
Brodick fechou os olhos, e repetiu pela centésima vez que Gillian estava bem. Só a ideia de perdê—la o assustava como mil demônios, e ao mesmo tempo o enfurecia. Como se tinha introduzido nesta situação que o tornava tão vulnerável?
—Gritar comigo não vai resolver nada.
—Vai sim —exclamou ele— Me faz sentir condenadamente melhor.
Ela não se atreveu a sorrir, temendo que ele se ofendesse mais ainda. Queria tranquilizá—lo, não avivar sua ira.
—Você poderia se mostrar um pouco mais razoável, por favor?
—Estou me mostrando razoável. Ainda não se deu conta? Demorou, mas por Deus que finalmente consegui.
—Se me tenho dado conta de que?
—Os problemas te seguem como uma sombra, Gillian. Você está predisposta a receber feridas. Te juro que se uma árvore decidir cair neste instante, encontrará sua cabeça para aterrissar em cima.
—Oh, por todos os céus —murmurou ela—. Devo reconhecer que tive uma sequencia de má sorte, mas...
Ele não a deixou continuar.
—Uma sequência de má sorte? Desde que te conheço, você recebeu golpes, punhaladas e agora, flechadas. Se isto continuar assim, em mais um mês você estará morta, e se isso for assim, vou me irritar como mil demônios.
—Me bateram, sim, mas isso foi antes de te conhecer —argumentou ela, convencida de falar com grande lógica— E Alec não me apunhalou. Me cortou no braço, mas só porque estava muito assustado. Foi só questão de má sorte que não se curasse bem. Quanto à flecha—continuou dizendo—, só atravessou a pele. Você viu a ferida, não estava tão má.
—Poderia ter te atravessado o coração.
—Mas não foi assim.
Ela exigiu que a descesse, e quando assim o fez, caminhou para uma árvore para que Brodick pudesse ver que estava tão bem como sempre. Depois se apoiou contra o tronco para deixar descansar seu peso sobre a perna sã, já que a outra pulsava ardentemente. Sorriu forçado.
—Você vê? Estou muito bem — disse.
Brodick deu meia volta, e ficou com o olhar perdido na noite, matutando. Permaneceu em silêncio durante vários minutos.
—Há muito tempo tomei a decisão que nenhuma mulher ia voltar a me transtornar. Não deixarei que isso aconteça.
—Que você está dizendo?
Brodick explodiu.
—Quando nos casamos, você e eu selamos um acordo, e você vai cumprir com a parte que te corresponde.
—Que acordo? —perguntou Gillian em voz baixa.
—Você casou comigo para conseguir proteção.
—Eu me casei com você porque te amo. Agora diga—me, Brodick, Por que você se casou comigo? Que você obtém você deste acordo?
Brodick não respondeu, mas Gillian não pensava em dar—se por vencida.
—Você casou comigo porque me amava? —insistiu Gillian, contendo a respiração enquanto aguardava sua resposta.
—O amor debilita o homem, e eu não sou fraco.
Suas duras palavras lhe destroçaram o coração. Desceu a cabeça para que ele não pudesse ver quanto a havia machucado.
—Você disse que queria proteger minha reputação. Lembro dessa conversa, mas inclusive então sabia que essa não era a verdadeira razão que você se casasse comigo. Eu pensei... esperei, de todos modos... que eu te importava. Sabia que você estava agradecido porque tinha ajudado o Alec, já que você é seu orientador, mas seguramente você não se casou comigo por gratidão. Um simples “obrigada” teria sido suficiente.
—Tinha uma responsabilidade com você, Gillian, e isso é tudo o que é preciso dizer sobre minhas razões.
—Eu importo para você, Brodick. Sei que é assim.
Ele se afastou dela. Estava se comportando como um animal encurralado. Nunca antes tinha esquivado nem evitado nenhum tema. Não, tinha se conduzido com franqueza e com honestidade, mas nesse instante estava sendo deliberadamente evasivo. Isso conseguiu preocupar infinitamente a Gillian. A atemorizava aquilo que Brodick estava escondendo.
Por que era tão difícil admitir o que guardava em seu coração?
—Volto a perguntar: por que você se casou comigo?
Ele se negou a responder.
—Ramsey está aqui —disse então—. Te levarei de volta, e então você começará pelo princípio, e nos contará todo o sucedido hoje.
—Posso caminhar — assegurou ela—. Vá na frente. Estarei ali em poucos minutos.
—Vem comigo agora — disse ele, e antes que pudesse discutir, a levantou nos seus braços e a levou de volta a clareira.
Um dos soldados tinha acendido um fogo no meio do plano coberto de erva, e todos os soldados Buchanan se achavam sentados em círculo ao redor das chama. Proster, Ker e Alan permaneciam de pé, juntos, perto de Ramsey e seus homens, enquanto Proster dava a seu laird um relatório dos fatos. Bridgid estava frente a seu laird, e após uma rápida olhada, Gillian soube que sua amiga estava suportando a ira de Ramsey.
Brodick acomodou Gillian sobre o tartán que Dylan tinha desdobrado sobre o chão, mas ela não ficou ali.
Assim que ele se virou e se afastou dela, se pôs de pé e foi até onde estava Bridgid.
—Ramsey, não culpe Bridgid pelo sucedido. Não é responsável.
Sua voz era enganosamente suave, mas Gillian sabia que interiormente fervia de fúria.
—Não, sem dúvida que não foi obrigada.
—Só eu sou a responsável dos meus atos —afirmou Bridgid.
—Se há alguém responsável do que sucedeu hoje, é você, Ramsey. Sim, você. —acrescentou Gillian quando ele a olhou com incredulidade—. Se tivesse cumprido a promessa que me fez, este incidente poderia ter sido evitado. —Se vê que significava tão pouco para você que já esqueceu.
Ramsey olhou a Brodick, obviamente solicitando sua ajuda.
—Sua esposa acha que o responsável sou eu.
—Está enganada.
Cruzando os braços em atitude desafiante, Gillian se virou, combativa, para Brodick.
—Te adverti que daria a Ramsey tempo até o meio—dia de hoje para fazer o que tinha me prometido, e ordenasse a minha irmã que me recebesse, mas não o fez, de modo que tomei o assunto em minhas mãos. Bridgid foi suficientemente amável para me ajudar a conseguir.
Ramsey fervia de ira.
—Eu não tenho tido tempo de falar com sua irmã, e sua impaciência esteve a ponto de te matar.
Bridgid tentou desviar um pouco da fúria de seu laird.
—Tudo foi para bem —afirmou, e quando Ramsey e Brodick cravaram os olhos nela como se tivesse perdido o juízo, se apressou a explicar— Jamais saberiam que Faudron e Durston queriam matar a Gillian, e talvez agora vocês possam saber por que.
—Lamento que você esteja zangado conosco —disse então Gillian—. E devo reconhecer que assumimos um risco desnecessário, mas em nossa defesa devo dizer que nenhuma das duas sabia que saíamos de seu território.
—Laird, posso falar livremente? —perguntou Bridgid.
—E o que diabos você tem feito até agora? —perguntou ele.
—Vocês é meu laird e o respeito disse ela sacudindo a cabeça , e por essa razão não vou perder as estribeiras. Agradeceria que me tratassem com a mesma consideração, já que sou um dos membros mais leais de seu clã.
— Bridgid, vou considerar que o golpe na cabeça te aturdiu, e por isso você se atreve a falar—me dessa maneira.
—Por favor, não se irrite com ela —rogou Gillian . É tudo culpa minha. É tal como te disse, Ramsey, fui impaciente.
__E fui eu que teve a ideia de seguir Brisbane —disse Bridgid.
—Não, não foi você —replicou Gillian . Você disse que te sugeriu isso o Anthony.
O bramido de Ramsey pôs fim à discussão.
—E o que tem que ver Anthon com tudo isso —Gillian se deu conta que Bridgid não tinha contado tudo a seu laird.
—Anthony disse a Bridgid que ele seguiria a Brisbane.
—E?— a urgiu ele ao ver que vacilava.
—Me disse que o seguiria. — disse Bridgid—. Me deu instruções precisas. e as memorizei para que não nos perdêssemos.
—Nos enviou a uma armadilha.
Ramsey tremia de fúria.
—Vou matar ao filho da puta com minhas próprias mãos.
—Não, não fará. —afirmou Brodick—. Tentou matar minha esposa. Eu vou matar. Tenho direito.
—Demônios que sim —murmurou Ramsey—. Por Deus, que vai sofrer antes de exalar o último suspiro.

 

 

 

 

 

 

Capítulo 29

Era tarde, passada a meia—noite, e tanto Bridgid como Gillian estavam tão extenuadas depois do seu longo dia e seus padecimentos, que a duras penas conseguiam manter os olhos abertos. Se sentaram, ombro a ombro, apoiadas contra o tronco de uma árvore, estirando as pernas frente a si, tentando ouvir tudo o que diziam seus respectivos lairds.
Todos os demais tinham ido dormir, o chão estava coberto por um labirinto de tartáns utilizados como mantas. Ramsey e Brodick estavam sentados frente ao fogo, com as cabeças inclinadas, mantendo uma reservada conversa em voz baixa. Ramsey atiçava continuamente os rescaldos com um longo pau retorcido, como se buscasse algum objeto perdido entre eles, e Brodick tinha a vista perdida em algum ponto situado nas trevas e assentia ocasionalmente ao que Ramsey estava dizendo.
Gillian movimentou ligeiramente a cabeça e contemplou o escultural perfil de Brodick. Pôde ver a tensão de seus ombros, e mesmo que nesse momento se encontrava imóvel, teve a sensação que estava a ponto de saltar.
Bridgid deu uma cotovelada em Gillian.
—Ramsey pensa que cometeu uma terrível injustiça com os Macpherson ao supor que um deles havia sido o responsável de raptar a Alec Maitland. Te parece lógico?
—Sim —respondeu Gillian—. Te explicarei mais tarde. Agora, escute—os.
—Estou escutando — respondeu Bridgid em voz baixa, e voltou a dirigir—se a Gillian—. Disse que quando retornou à sua propriedade e reclamou o título de laird, cometeu um erro de julgamento ao permitir que a velha guarda seguisse atuando. Atuou com bondade, e foi um erro.
Gillian continuou escutando, e após um momento Bridgid lhe deu outra cotovelada.
—Ramsey diz que não vai continuar postergando a decisão. Vai a... oh, Meu Deus.
A expressão do rosto de Bridgid mostrava às claras o desolada que se sentia.
—Vai se casar com Meggan Macpherson —terminou por dizer, com voz quebrada.
—Oh, Bridgid, é ele, verdade? Ele é o homem que você ama.
Bridgid deixou correu uma lágrima pelo rosto.
—É verdade. O amo, e o tenho amado há muito tempo.
Gillian a pegou pela mão.
—Sinto tanto!
—Os homens são estúpidos —afirmou Bridgid, enquanto secava uma lágrima.
—Sim, são —concordou Gillian—. Que diz Brodick?
—Está tentando convencer a Ramsey que não o faça. Acaba de aconselhar que pense com calma antes de assumir semelhante compromisso.
—Não pratica o que diz —sussurrou Gillian—. E está muito zangado comigo.
—Deve estar —replicou Bridgid—. Disse a Ramsey que o casamento é um sacrifício —Um instante depois, acrescentou — O que diz agora não faz sentido.
—Que é?
—Ramsey disse que no caso de Brodick o sacrifício valia a pena porque conseguiu obter os nomes dos ingleses. Você sabe do que está falando?
Gillian se sentiu subitamente indignada.
—Sim, eu sei. Acha que Ramsey está sugerindo que Brodick se casou comigo só para conhecer os nomes dos ingleses?
—Que ingleses?
—Te explicarei mais tarde —prometeu Gillian—. Diga—me, é isso o que diz?
Percebendo com estava agitada sua amiga, Bridgid se apressou a responder.
—Sim, isso é o que disse Ramsey, e seu marido assentiu.
Gillian fechou os olhos.
—Não quero continuar escutando.
—Que passa? —perguntou Bridgid em um sussurro—. Você pode me dizer. Sou sua melhor amiga, não é mesmo?
—Você é minha única amiga —a corrigiu Gillian—. Me nego a crer.
—Crer no que?
—Que Brodick se casou comigo só para conseguir os nomes dos ingleses. Não, não vou crer. Ninguém se casaria por essa razão. É pecado.
Bridgid refletiu no que Gillian acabava de dizer.
—Estes ingleses ofenderam algum de nossos lairds? —disse depois.
—Ofender? Oh, Bridgid, o que fizeram foi muito pior.
—Então te direi o seguinte: não se introduz um pau no olho de um urso um pau e esperar sair imune. Receberão seu merecido. Os homens deste lugar nunca esquecem uma ofensa, e são capazes de chegar em lugares ilimitados para conseguir o que querem.
—Ainda me recuso a aceitar que Brodick se casou comigo só para saber esses nomes. Não, não vou crer. O casamento é um sacramento sagrado, e ele não faria... não, não faria isso. Neste momento fala assim porque está zangado. Isso é tudo.
—Te perguntou esses nomes antes que vocês se casassem?
—Sim.
—E você não disse?
—Não, não o fiz. —Frustrada, acrescentou— E inclusive depois que casamos, o fiz prometer que não tomaria represálias até que eu não tivesse cumprido minha missão. Então sim eu diz os nomes. Me deu sua palavra de honra, e confio em que a manterá. Sei que eu tenho valor para ele. Só que é muito obstinado como para reconhecer. Me disse que se sentia responsável de mim.
—Sem dúvida que você importa.
—Talvez o que Brodick queira seja convencer a Ramsey que não se case com Meggan Macpherson.
—Não, não acho. Ramsey parecia ter tomado uma decisão. Está pondo os interesses do clã acima dos seus, e assim deve ser, porque é o laird. Fará o que considera correto. No entanto, não acho que possa suportar vê—lo com ela. Eu já tinha tomado a decisão de ir, e agora me dou conta que deverei fazer isso em breve.
—E aonde você irá?
Bridgid fechou os olhos.
—Não sei. Não posso ficar nos quartos da servidão. À nova ama não vai gostar.
—Talvez sua mãe te permita voltar para casa.
—Não. Deixou muito claro que não me quer por perto. Ninguém me quer —acrescentou, consciente que soava lastimosa, mas sentindo—se muito desventurada para que isso a preocupasse.
Secando uma lágrima, sussurrou.
— A queda me deixou chorona.
Gillian fingiu crer nessa bobagem. A razão que Bridgid estivesse destroçada, era Ramsey. Mudou de posição para aliviar sua coxa dolorida, e fechou os olhos. Dormiu pensando que Bridgid tinha razão: os homens eram estúpidos.

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 30

Os primeiros raios de sol assomavam pelo horizonte quando Brodick sacudiu Gillian para despertá—la. Ela tinha dormido nos seus braços, mesmo que não se lembrasse em que momento da noite tinha ido até ali, e estava tão profundamente adormecida que não queria colaborar. Se aconchegou sob o cobertor.
—Ainda não —grunhiu e voltou a adormecer.
Também Bridgid tinha sido levada um tartán estendido perto do fogo. Outro tartán a cobria, e quando Ramsey se agachou a seu lado, e viu quão tranquilamente dormia, lamentou ter de despertá—la. “É realmente adorável”, pensou, percebendo pela primeira vez de suas compridas pestanas e de sua pele limpa e firme. Tinha os lábios rosados e carnudos, e sem pensar no que estava fazendo, acariciou levemente o lábio superior com o polegar.
Bridgid afastou a mão como se fosse um inseto, e murmurou algo entre sonhos que Ramsey não pôde decifrar, mesmo que tinha certeza de ter ouvido a palavra “estúpido”.
—Abra os olhos, Bridgid. É hora de ir.
Bridgid não se alegrou de despertar.
—Deixe—me em paz —murmurou.
Brodick permaneceu de pé ao lado de Gillian, perguntando—se por que demônios não o obedecia, e voltou a ordenar que se levantasse.
—Talvez devêssemos jogá—las no riacho —insinuou Ramsey—. Isso as despertará.
Bridgid levou a sério a ameaça, e se sentou. Sobressaltada ao encontrar Ramsey tão perto dela, se retirou para atrás, apoiando—se nos cotovelos, para colocar um pouco de distância entre os dois.
Sabia que tinha diante de si uma visão. Com o cabelo caído sobre os olhos, piscou algumas vezes, contemplando—o e perguntando—se como era possível que se visse tão... perfeito... a tão ímpia hora da manhã.
Brodick obrigou Gillian a se colocar de pé, e não a soltou até se certificar que estava em condições de caminhar. A perna ardia a cada movimento mas aguentou em silêncio, consciente que se proferisse uma só queixa, teria que ouvir outra bronca sobre seu temerário comportamento.
—Ainda está zangado comigo, Brodich?
—Sim.
—Bom —disse então—, porque eu estou furiosa com você.
Com a cabeça muito erguida e atitude altiva, deu um passo em direção ao riacho, mas sua perna não resistiu. Se Brodick não a tivesse sustentado, teria caído de bruços.
—Não pode caminhar, não é mesmo?
—Certamente posso —replicou ela, com voz tão azeda como a dele quando tinha feito a pergunta— Agora, se me desculpa, vou me lavar.
Brodick a observou afastar—se mancando até que teve certeza que não teria que voltar a levantá—la. Ramsey tinha dado a Bridgid um suave empurrão para que andasse, e Brodick desceu a guarda quando viu que estava ali para ajudar Gillian.
As mulheres tomaram seu tempo. Gillian mudou a bandagem, fazendo um trejeito de desagrado ao ver o aspecto que oferecia sua coxa. Mesmo assim, a ferida estava cicatrizando. A caminhada tinha tirado a rigidez, e quando voltaram ao acampamento, ambas estavam de muito melhor ânimo, e Gillian já não mancava tanto.
Partiram em seguida para a casa de Ramsey. Gillian insistiu em montar seu próprio cavalo, e de má vontade, Brodick concordou. Em pouco tempo chegaram na planície, e desceram a ladeira norte. Para o oeste, a boa distância dali, se achavam os penhascos que Brodick e ela tinham descido no dia em que se casaram, e Gillian lembrou a despreocupada e jocosa alegria que tinha sentido. Parecia ter passado uma eternidade desde então.
Sua mente continuou divagando enquanto atravessavam a pradaria e se aproximavam à entrada da propriedade de Ramsey. Cavalgavam perto da muralha, quando Gillian levantou o olhar. De repente, apareceu um soldado na passarela situada na parte superior. Gillian sentiu que ficava sem força, e seu coração começou a bater descontroladamente. Puxando as rédeas, deteve ao cavalo.
—Brodick! — gritou.
O homem, ao vê—la, retrocedeu e desapareceu de sua vista.
Brodick e Ramsey se viraram de imediato.
—Que ocorre? – perguntou Brodick
— Você viu o homem que estava lá em cima, na passarela? O viu, Ramsey?
Quem respondeu foi Brodick.
—Sim. Era Gideon. Provavelmente esteja indo para a entrada para receber Ramsey. Você o conheceu no dia em que chegamos, não lembra?
Gillian negou energicamente com a cabeça.
—Não, Brodick, não o conheci.
—Sim, você conheceu —insistiu Ramsey.
—Não, não conheci! —gritou—. Mas o vi antes. É o homem que te traiu.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 31

O grito de batalha de Ramsey perfurou o ar, alertando às sentinelas da entrada para que chamassem os homens a tornar as armas. Em questão de minutos, toda possível via de escape ficou selada como um túmulo. Os soldados correram às passarelas, com as flechas colocadas nos arcos, enquanto mais dos homens de Ramsey montavam de um salto sobre seus cavalos e galopavam para o vale para rodear o perímetro da propriedade. Ninguém poderia entrar, nem ninguém poderia sair.
Todos os homens em condições de brigar chegaram correndo para apoiar seu laird, e pela primeira vez desde que os Macpherson se uniram aos Sinclair, não houve preconceito nem rivalidade. Unidos, se alinharam de cinco em fundo, em um amplo círculo ao redor do pátio de armas, aguardando e observando, com um único objetivo: proteger Ramsey.
Gideon também aguardava no centro do pátio de armas junto de outros onze traidores, todos Sinclair, e todos leais ao homem que achavam que devia ser seu Laird. Gideon estava ansioso e confiado. Finalmente tinha chegado o momento que tinha esperado, e em breve se transformaria em laird dos Sinclair, por isso o dominava a urgência de matar Ramsey. Achava que uma vez que Ramsey tivesse morrido, o clã juraria a ele lealdade.
Brodick ordenou a Liam e a Aaron que levassem às mulheres à cabana, mas Gillian contradisse essa ordem de seu laird dando uma ordem própria.
—Você ficará aqui e você protegerá seu laird.
Brodick a ouviu, e com um gesto assinalou sua conformidade. Gillian indicou a Bridgid que a seguisse, e se dirigiu a cabana. Queria dizer a Brodick que tivesse cuidado e não se expusesse a riscos tolos. Mas ele tinha a mente posta na batalha que se aproximava, e não quis distraí—lo. Em lugar disso, rogou a Deus que protegesse Brodick e Ramsey. Quando se virou para Bridgid, a viu fazer o sinal da cruz, e soube que tinha feito o mesmo que ela.
Ramsey e Brodick desmontaram de um salto antes que seus cavalos se detivessem, e desembainhando suas espadas, encurtaram as distâncias.
Proster tentou seguir seu laird, mas Dylan o pôs de lado.
—Não ganhou o direito de proteger as costas de seu laird.
—Então quem o fará? —perguntou o soldado.
—Os Buchanan, naturalmente. Observe e aprende, rapaz.
Liam apoiou a mão no ombro dele.
—Você protegeu muito bem a nossa ama —lhe disse—. E estamos agradecidos por isso, mas até que não esteja devidamente treinado, para nosso laird você será um estorvo, ao obrigá—lo a proteger você. Paciência, rapaz. Faça o que te ordena meu comandante. Observa, e aprende. Gideon, com grande audácia, deu um passo ao frente para enfrentar Ramsey
—Te desafio, Ramsey, pelo direito de dirigir aos Sinclair! —gritou.
Ramsey se pôs a rir, com um áspero som que retumbou no súbito silêncio.
—Já me desafiou antes uma vez, filho de cadela. Poderia ter te matado então.
—Você ousou vir aqui para roubar o que me pertencia. A mim! —gritou—. Eu deveria ter sido o laird, não você. Eu mereço.
—Você merece? —rugiu Ramsey—. Você acha que merece? Você sequestra mulheres e crianças para conseguir o que quer, e você acha que isso te faz digno do cargo de laird? Somente um covarde poderia fazer um pacto com os demônios ingleses para raptar meu irmão e matá—lo. Quando por erro vocês apanharam Alec Maitland, você achou que poderia corrigir o erro retornando à Inglaterra, e ordenado a morte de um menino de cinco anos. Não, não merece o cargo. Você é um covarde e um traidor, canalha.
—Fiz o que era preciso fazer para conseguir a lealdade de todos os Sinclair. Michael e você morrerão, ambos. Sou forte, Ramsey, não fraco como você, que permitiu que Bridgid KirkConnell me rejeitasse —gritou—. E deu ouvidos aos choramingos de dois velhos, permitindo que sujassem nossas terras com a escória dos Macpherson. Como ousa supor que são iguais a nós? Quando eu for laird, vou limpar minhas terras dessa praga.
Fazendo sinais com o dedo, Ramsey incitou Gideon a atacar.
—Vem e mate—me ! —zombou—. Demonstre—nos sua força!
Uivando, Gideon levantou a espada e se lançou ao ataque. Seus seguidores avançaram ao mesmo tempo, planejando ultrapassar o laird com seu número, mas Brodick e Dylan se anteciparam com suas velozes espadas, que derrubaram dois dos inimigos antes que pudessem elevar as suas. Um curtido soldado Sinclair, ladeado por dois Macpherson, se uniram então à luta, com a intenção de igualar as probabilidades.
Brodick não tirou em nenhum momento os olhos de cima de Anthony, e avançou com letal intenção para sua presa. Ao ver a expressão de seus olhos, Anthony tentou correr, mas Dylan cortou a retirada. Brodick não demorou em apanhar o soldado e matá—lo com uma rápida pontada na garganta. Anthony morreu de pé, para depois cair no chão. Como amostra final de desprezo, Brodick cuspiu sobre seu cadáver, antes de voltar para observar Ramsey.
Um agudo chiado brotou da garganta de Gideon quando a espada de Ramsey o atravessou do ombro até a cintura, praticamente cortando—o em dois. O comandante caiu sobre seus joelhos, com uma atônita expressão de incredulidade no rosto. Enquanto exalava seu último suspiro, Ramsey o chutou nas costas, e levantou a espada com ambas mãos.
—Você perdeu —murmurou.
E com todas suas forças, cravou a espada no negro coração de Gideon.
Ramsey permaneceu de pé junto de seu inimigo caído enquanto lutava para controlar sua ira. O campo de batalha ficou em silêncio, o único som que podia ouvir—se era o de sua ruidosa respiração. O cheiro do sangue impregnou o ar e inundou suas fossas nasais. O acometeu um único tremor, como um cachorro que se sacode para tirar a água que o
empapa, e depois se endireitou e arrancou sua espada do corpo de Gideon.
—Alguém mais deseja me desafiar? —rugiu.
—Não! —respondeu um homem do profundo da multidão—. Nossa lealdade é para você, laird.
Dentre os soldados surgiu uma onda de vivas, mas Ramsey emprestei pouca atenção. A seu redor, o chão estava coberto com cadáveres, e a terra e a erva enegrecidas pelo sangue derramado.
Se virou para os três soldados que tinham se aproximado para lutar junto a ele.
—Arrastem seus cadáveres fora das muralhas, e deixem que apodreçam — ordenou.
Advertiu então que ele, da mesma forma que Brodick, tinha os braços e as pernas cobertos de sangue.
—Quero me lavar e tirar seu fedor do meu corpo.
Sem olhar para atrás, Brodick foi com seu amigo para o lago.
Quando estiveram longe dos demais, Ramsey se virou para ele.
—Nós vamos à Inglaterra amanhã —anunciou.
Brodick assentiu.
—A primeira hora.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 32

Prosper relatou a Gillian e a Bridgid o ocorrido. No seu entusiasmo, se espraiou em detalhes mórbidos e horríveis enquanto descrevia a luta, golpe a golpe, com todos seus sangrentos pormenores, e lhes contou muito mais do que nenhuma delas desejava ou precisava saber. Quando terminou, o rosto de Bridgid estava de cor cinzento, e Gillian se sentia descomposta.
—Você tem certeza que Ramsey e Brodick estão ilesos? —perguntou Gillian.
—Nenhum dos dois sofreu nem sequer um arranhão —respondeu Proster—. Ambos ficaram cobertos de sangue, mas não deles, e foram ao lago para se lavar. Ramsey vai deixar que os cadáveres dos traidores apodreçam.
—Não quero ouvir uma só palavra mais —declarou Bridgid. Despediu o soldado, abrindo a porta para que saísse—. Gillian, vou buscar algum unguento para que você ponha na perna e acelere a cura.
—Talvez seja melhor que vocês esperem — aconselhou Proster— Ou que tomem o caminho de trás. No pátio de armas o chão está coberto de sangue derramado, e não acho que ainda tenham retirado os cadáveres.
—Então vou à casa da minha mãe buscar unguento. Proster, hoje morreram vários homens, e não deveria estar sorrindo.
—Mas não eram homens bons —protestou ele—. Mereciam morrer.
Continuaram discutindo, enquanto Proster fechava a porta atrás deles.
Gillian se sentou para esperar Brodick. Pensou que em qualquer momento abriria a porta. Mais uma hora depois, continuava esperando. Meia hora depois, mandou buscá—lo, e um dos Macpherson disse que seu marido tinha saído com Ramsey. Diziam que ambos os lairds tinham ido ver Ian Maitland para contar as novidades.
Tentou esperar desperta a seu marido, mas como a noite anterior havia dormido pouco, então não pôde manter os olhos abertos. Terminou por ficar profundamente adormecida.
Brodick a despertou na metade da noite, quando a tomou nos seus braços e fez amor. Suas mãos eram exigentes e impulsivas. E Gillian sentiu nele desespero, uma violência mal contida, mas não tentou opor—se nem repeli—lo. Não, o acariciou e tentou apaziguar à besta que espreitava em seu interior. Sua união foi selvagem e frenética, e quando ele se derramou dentro dela, sentiu que se desfazia em seus braços.
Ela disse que o amava, e Brodick avaliou suas palavras, porque bem sabia que esse amor ia ser submetido à uma dura prova nos dias vindouros. À noite seguinte, Gillian podia chegar a odiá—lo.
Brisbane e Otis chamaram à sua porta pela manhã cedo. Gillian já estava vestida, e acabava de terminar seu café da manhã.
—Nos ordenou que a levássemos à casa de sua irmã —anunciou Brisbane.
—Finalmente concordou em me ver? —perguntou ela enquanto saíam da cabana.
Otis sacudiu a cabeça.
—Ele ordenou que a veja.
Gillian tentou ocultar a decepção que a embargou ao informar—se que novamente sua irmã tinha se negado a vê—la. Foram até as cavalariças, onde os aguardavam seus cavalos rápidos e encilhados. Brisbane tomou a frente, e Gillian e Otis não pronunciaram palavra até chegar em uma casa perto da fronteira que antes separava os MacPherson dos Sinclair.
Gillian se sentiu subitamente nervosa e assustada. Christen já a tinha rejeitado, e por mais doloroso e humilhante que fosse sua ação, Gillian a tinha aceitado, mas se sua irmã não soubesse onde estava o tesouro do rei, ou não se lembrava nada de todo o ocorrido, então tudo estava perdido, e o tio Morgan, condenado.
—Por favor, Senhor, faça—a lembrar —suplicou com um fio de voz enquanto desmontava e caminhava para a cabana indicada por Brisbane.
—A aguardaremos aqui —disse Brisbane.
—Não é preciso que vocês esperem. Conheço o caminho de volta.
Então se abriu a porta, e saiu à luz do sol uma mulher que Gillian jamais teria reconhecido como sua irmã. Seu marido, um homem alto e macilento, saiu atrás dela. Se ergueu, protetor, sobre sua esposa, em uma atitude toda hostil.
Christen passava a Gillian mais de uma cabeça. Seu cabelo também era muito mais escuro. Liese tinha dito que Christen tinha cachos dourados, mas não se lembrava. Não aconteceu o mais novo indício de reconhecimento, e mesmo que Gillian soubesse que essa mulher era sua irmã, para ela era uma estranha.
Mostrava um avançado estado de gravidez. Ninguém tinha se incomodado em mencionar a Gillian.
Se Christen não tivesse mostrado tão distante, Gillian a teria abraçado, dizendo o feliz que se sentia por voltar a vê—la. Se olharam durante um longo momento antes que Gillian rompesse o incômodo silêncio.
—Você é Christen?
—Sim —respondeu a mulher—. Melhor dizer, era. Meus pais mudaram meu nome. Agora me chamo Kate.
Um inesperado ataque de fúria tomou Gillian de surpresa, e falou antes de poder pensar duas vezes.
—Seus pais estão mortos e enterrados na Inglaterra.
—Não me lembro deles.
Gillian inclinou a cabeça e olhou a sua irmã aos olhos.
—Eu acho que sim, você se lembra de nosso pai.
—Que quer de mim? —perguntou a mulher, em um tom desafiante.
Gillian sentiu desejos de se por a chorar.
—Você é minha irmã. Queria voltar a te ver.
—Mas quer algo mais que isso verdade?
Quem formulou a pergunta foi seu marido. Christen, lembrando suas boas maneiras, o apresentou. Se chamava Manus.
Gillian mentiu ao dizer que sentia gosto em conhecê—lo. Então respondeu a sua pergunta.
—Sim, quero algo mais.
Christen se pôs rígida.
—Não posso retornar à Inglaterra, e não o farei. Minha vida é aqui, Gillian.
—É isso o que teme? Que te obrigue a voltar para casa comigo? Oh, Christen, jamais te pediria isso!
A sinceridade de sua voz deve ter atravessado a dura couraça de Christen. Fazendo um gesto a seu marido, sussurrou algo ao seu ouvido. Manus concordou de má vontade, e após cumprimentar com uma inclinação, Entrou e tirou da cabana duas cadeiras. Christen se sentou em uma delas, e com um gesto indicou a Gillian que fizesse o mesmo na outra. Manus retornou para dentro, e de repente se encontraram sós, duas irmãs que eram duas estranhas.
—Você é feliz? — perguntou Gillian, tentando fazer Christen se sentir cômoda, incitando—a a falar sobre seu vida com os Macpherson.
—Sim, sou muito feliz —respondeu esta—. Manus e eu nos casamos há cinco anos, e em breve teremos nosso primeiro filho.
Gillian decidiu ir aos fatos antes que sua irmã desse por finalizada a reunião. Em duas ocasiões já havia olhado para a porta.
—Só quero falar com você —explicou Gillian.
—Como você me encontrou?
—Um dos Sinclair descobriu quem você era e disse ao barão Alford. Você Lembra?
Christen assentiu.
—No passado enviou homens para me buscar e levar—me à força à Inglaterra. O mesmo fez o rei. Como me encontrou este soldado?
—Não sei —reconheceu Gillian.
—Me soa estranho falar disto. Meus pais me impulsionavam a esquecer.
—Eu preciso que você se lembre.
—Por que?
—A vida de nosso tio Morgan está em perigo. Você lembra dele?
—Não.
—Christen, te juro que quando retorne à Inglaterra, vou convencer o barão e o rei que você está morta. Te dou minha palavra. Já não continuarão te procurando.
Christen abriu muito os olhos.
—E como você fará para que acreditem em você?
—Encontrarei uma maneira — assegurou Gillian—. Mas agora preciso que você tente lembrar a noite em que morreu nosso pai.
—Que te faz pensar que poderia lembrar o acontecido? Era muito pequena.
—Você tinha mais três anos que eu —assinalou Gillian—. E eu lembro o terror que senti.
—Não quero falar dessa noite. Passei anos tentando esquecê—la.
Gillian tentou todos os recursos que ocorrera para convencer a sua irmã que a ajudasse. Rogou e suplicou, mas em vão, Christen continuou negando—se. Quando Manus saiu da cabana, e anunciou que sua esposa precisava descansar e que já era hora que Gillian se fosse, Christen pareceu aliviada, como se tivesse conseguido um adiamento de uma execução que despedaçou o coração de Gillian.
Afligida pela decepção, se pôs de pé e caminhou lentamente para o atalho. As lágrimas sulcavam seu rosto, enquanto pensava no seu tio. Que tola tinha sido ao pensar que podia salvá—lo!
Subitamente enfurecida com a atitude de sua irmã, deu meia volta.
—Christen —gritou—, quando você se tornou tão covarde? Você cobriria de vergonha a nosso pai, e graças a Deus que não está vivo para ver em que você se transformou.
O desdém de Gillian atravessou a Christen como uma faca e rompeu a chorar.
—Espere! Não vá! —gritou, e soltando—se da mão de seu marido, correu para Gillian—. Por favor, perdoe—me —disse entre soluços.
E de repente ali estava sua irmã e não uma desconhecida, e se abraçaram, chorando por tudo o que haviam perdido.
—Jamais te esqueci —sussurrou Christen—. Jamais esqueci a minha pequena irmã. Você me perdoa? —perguntou Christen enquanto secava os olhos com o dorso da mão— Durante todos estes anos vivi com a culpa, sabia que não tinha sido culpa minha, mas não podia...
—Você não tem por que se sentir culpada —afirmou Gillian—. Nada do ocorrido foi responsabilidade sua.
—Mas eu escapei, e te apanharam.
—Oh, Christen, não pode se culpar por isso. Mal era uma menina. Não podia ter mudado nada do que aconteceu.
—Lembro dessa noite como se tivesse sido ontem. Deus sabe que tentei esquecer. Lembro de nosso pai dando—me um beijo de despedida. Cheirava a couro e a sabão. Suas mãos eram ásperas e calosas, mas lembro o quanto gostava que me acariciasse com elas.
—Eu não tenho muitas lembranças de nosso pai.
—É engraçado. Não lembro da cor de seus olhos, ou de seu cabelo, mas sim lembro seu aroma e seu contato.
—Você lembra de Liese?
—Sim, claro —murmurou Christen, sorrindo.
—Ela manteve viva sua lembrança. Me contou que os soldados te chamavam a menina dourada.
Christen se pôs a rir.
—Com efeito. Então meu cabelo era dourado. Se escureceu ao longo dos anos.
—Christen, diga—me o que aconteceu essa noite.
—Os soldados iam nos tirar dali porque não era seguro. Um dos inimigos de nosso pai havia atacado o castelo.
—O barão Alford e suas tropas —contou Gillian.
—Não lembro de ter sentido medo. Papai me deu um presente, e você o incomodou porque não deu um para você.
—A caixa coberta de pedras preciosas —sussurrou Gillian—. Te deu o tesouro do rei. Os soldados contaram a Liese que eles deviam te manter a salvo até que terminasse a batalha, e papai pudesse ir te buscar. Você a escondeu, Christen?
—Não —respondeu sua irmã—. E não sei o que aconteceu com ela.
A desilusão de Gillian foi demais.
—Eu... havia... esperado...
Um repentino sopro de vento varreu as folhas secas a seus pés. Era um dia cálido e ensolarado, mas Quisten começou a esfregar os braços como se assim pudesse aquecer o calafrio que produziam as lembranças.
—Eu sinto —murmurou—. Mas não sei onde está o tesouro.
Gillian não disse nada durante um longo momento, porque lutava para não ser presa do pânico e do desespero. E agora o que ia fazer para salvar seu tio? Sem a caixa, ou sua irmã, estava perdida.
—Essa noite morreu nosso pai, não é mesmo?
—Sim —disse Gillian em voz baixa.
—Você estava ali?
Gillian teve que se obrigar a concentrar no que perguntava sua irmã.
—Sim, estava ali, mas minhas lembranças dessa noite são muito confusas.
—Papai envolveu a caixa em um manto.
—Quem estava no quarto conosco?
—Quatro soldados, e nosso pai —respondeu Christen—. Tom e Lawrence tinham que ir comigo, mas não lembro os nomes dos que iam com você.
—Liese me disse seus nomes. Eram Willian e Spencer, e morreram tentando me proteger. Rezo pelas suas almas todas as noites.
—Eu não sei o que aconteceu a Lawrence ou a Tom. Me puseram aos cuidado de uns parentes de Tom, e me disseram que papai iria me buscar. Tanto ele como Lawrence me deixaram ali, e só posso supor que retornaram para onde estava nosso pai. Jamais os voltei a ver.
—Você tinha a caixa em seu poder então?
—Não, não a tinha.
—Então que foi feito dela? —se perguntou Gillian, retorcendo as mãos com frustração. Inspirou profundamente e se obrigou a acalmar.—Diga—me exatamente o que aconteceu depois que papai te deu o tesouro —disse.
—O deixei cair —respondeu Christen—. Tinha muito medo de tê—lo quebrado e que me ralhassem por isso, mas o marido de Liese a recolheu. Papai a envolveu, e me entregou. Depois, se foi.
— Hector estava ali?
—Sim. Estava ali, mas só alguns minutos. Deve ter morrer essa noite na batalha.
Gillian negou com a cabeça.
—Não, não morreu, mas ficou louco. Me assustava —continuou dizendo—. Ao longo dos anos escutei muitas histórias sobre ele. Vivia como um animal em um canto das velhas cavalariças, e sempre levava um velho saco cheio de lixo. Liese me contou que o que o fez enlouquecer foi a covardia, e não derramou uma só lágrima quando soube que tinha morrido.
—E Liese? Que foi dela?
—Viveu comigo e com o tio Morgan, e acho que foi feliz. Morreu enquanto dormia —acrescentou— sem ter estado doente muito tempo, Não sofreu. Conhecia a passagem secreta entre nossos quartos, mas jamais disse nada a respeito.
—Não revelamos a passagem secreta na noite do ataque Estávamos no quarto de nosso pai, não é assim?
—Sim, e os soldados acenderam tochas para nos tirar dali. Caímos pelos degraus, que eram muito empinados. Tive pesadelos durante anos, e até agora mesmo não posso olhar do alto porque sinto vertigem.
—Mas não caímos pelos degraus: nos empurraram. Me lembro claramente — disse Christen, com a voz trêmula pela emoção—. Você estava atrás de mim, tentando pegar a caixa. Me virei para pedir que você ficasse quieta, e então o vi. Saiu dentre as sombras, e se jogou sobre nós. Acho que então deve ter se apoderado da caixa. Os soldados perderam o equilíbrio, e caíram pela escada. Ouvi uns terríveis gritos, e bati a cabeça contra as pedras. Quando despertei, me encontrava nos braços de Lawrence, montados no seu cavalo , e muito longe de nossa propriedade.
Os pesadelos de Gillian retornaram a ela com uma nova claridade e compreensão.
—Em meus sonhos sempre havia monstros que saíam do muro e nos perseguiam. Eu também devo tê—lo visto.
—Nunca vi seu rosto —disse Christen—. Mas qualquer um que fosse, levou o tesouro.
—Então ainda deve estar ali.., em alguma parte... a menos que quem o pegou tenha escapado antes que o Barão selasse o castelo. Oh Deus, não sei o que fazer!
—Fique aqui — sugeriu Christen—. Não retorne à Inglaterra. Você está casada com um laird, sua vida é aqui.
—Christen, você daria a costas à família que você aprendeu a amar?
—Não, sem dúvida que não.
—O tio Morgan depende de mim.
—Ele ia querer que você fosse feliz.
—Ele me criou! —exclamou Gillian—. E foi carinhoso, bom e generoso comigo. Morreria por ele. Devo retornar.
—Tomara pudesse te ajudar mas não sei como. Talvez se me esforçar pensando nisso, possa me lembrar de algo dessa noite que esqueci. Vou tentar —prometeu Christen.
Continuaram sentadas, conversando e lembrando o passado, até que Gillian viu como cansada estava seu irmã. A beijou na bochecha, e prometeu voltar a visitá—la.
—Se puder retornar da Inglaterra eu gostaria que nos conhecêssemos melhor. Não vou pedir mais nada, Christen. Te prometo, porque agora que te encontrei, não quero voltar a te perder.
Christen se pôs lentamente de pé. Não pôde olhar nos olhos de Gillian ao dizer o que sentia por ter voltado a encontrá—la.
—Te lembro de menina, mas agora sinto que somos duas estranhas com pouco em comum. Não quero ferir seus sentimentos, mas devo ser completamente honesta com você. Desenterrar o passado só acarreta lembranças dolorosas, e quando te olho, volto ao mesmo tempo em que tentei desesperadamente esquecer. Talvez algum dia mude de ideia. Por agora, mesmo assim, acho que o melhor será seguir caminhos separados. Te prometo no entanto que se lembrar algo que possa ser de ajuda em sua busca, te farei saber.
Gillian ficou desolada, e inclinou a cabeça para que Christen não pudesse ver quão ferida se sentia.
—Como quiser —murmurou.
Sem mais uma palavra, deu meia volta, e andou lentamente pelo atalho. Não olhou para trás.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 33

Queria desesperadamente que Brodick a rodeasse com seus braços e a apertasse contra seu peito. O casamento a tinha mudado, pensou, porque antes de conhecer Brodick e apaixonar—se por ele, sempre tinha sentido que tinha que resolver seus problemas sozinha. Agora que tinha um marido, queria compartilhar com ele todas suas preocupações e todas as penas de seu coração. Até esse momento não a tinha preocupado saber por que ele não tinha dito ainda que a amava. Dentro do mais profundo de seu coração sabia que a amava, e certamente não achava que tivesse assumido um compromisso para toda a vida por nenhuma outra razão. Nenhum homem chegaria a tais extremos só para se vingar de seu inimigo, e Brodick não se teria casado com ela só para conseguir os nomes dos ingleses.
Simplesmente, Ramsey tinha tirado uma conclusão errônea, e Brodick, reticente a expressar seus verdadeiros sentimentos, não tinha se incomodado em corrigi—lo.
Brodick era obstinado até o indizível, e tão cheio de defeitos que teria custado mais de uma hora fazer a lista de todos eles. Ainda assim, o amava, e nesse momento precisava desesperadamente seu consolo e seus largos ombros para chorar sobre eles, enquanto contava o que pesava em seu coração. Como podia ser sua irmã tão fria e insensível? Ela tinha deixado bem em claro que não desejava ver Gillian nunca mais. Tinha sonhado com essa reunião durante toda sua vida, e nem uma só vez tinha pensado que Christen pudesse repeli—la.
Gillian se sentiu envergonhada e inferior, e não pôde compreender por que. Sabia que não tinha feito nada errado, mas não pôde evitar sentir—se como se tivesse feito.
Comovida pelo seu encontro, com o único pensamento de reunir—se com seu marido e contar o que tinha acontecido, acomodou o cavalo no estábulo, e apesar da dor que sentia na perna, correu todo o caminho até o castelo de Ramsey, com a esperança de encontrar Brodick lá.
Proster foi quem saiu a seu encontro, e lhe deu as novidades.
—Seu marido partiu, milady — explicou—. Todos se foram.
—Todos? Quem?
—Os lairds —respondeu ele—. lan Maitland, e meu laird, Ramsey, e laird Buchanan.
— Ian estava aqui?
—Sim, chegou esta manhã, logo depois do amanhecer.
—Aonde foi meu marido?
—Foi com Ian e Ramsey.
—Sim—assentiu ela, tentando controlar sua exasperação—. Mas exatamente aonde foram?
Proster pareceu surpreender—se que não soubesse.
—Até a cúpula, se reunir com seus soldados. Seguramente você sabe que faz vários dias que os chamou às armas.
—Não, não sabia —reconheceu ela.
—Os lairds convocaram seus guerreiros, e neste momento devem estar todos reunidos.
—Na cúpula.
—Isso mesmo—assentiu ele com um gesto.
—E aonde é essa cúpula?
—Ao sul, a uma boa distância a cavalo.
—Então não retornarão até muito tarde, verdade?
—Tarde? Milady, não retornarão antes de bastante tempo.
Gillian continuava sem entender. Proster, ao ver seu desconcerto, se apressou a explicar.
—Vão à Inglaterra, e seguramente você conhece seu propósito.
—Sei que planejam ir à Inglaterra, mas você está errado se acha que vão agora. Se você me desculpa, voltarei à cabana esperar o retorno de meu marido.
—Terá que esperar muito tempo, então —disse Proster — Não vai retornar, e amanhã você também deverá partir.
—Partir? Para onde?
—Para casa —respondeu Proster—. Escutei que seu marido dava ordens que assim vocês fizessem. Vários soldados Buchanan se apresentarão pela manhã para te escoltar até seu novo lar. Graeme e Lochlan estarão a cargo de sua segurança até então.
Gillian sentiu que a cabeça lhe dava voltas, e que tinha o estômago feito um nó.
—E quem são Graeme e Lochlan?
—Graeme é um Macpherson —disse o jovem soldado orgulhosamente—. E Lochlan é um Sinclair. Têm as mesmas obrigações e hierarquia. Agora são iguais, como declarou nosso laird, e também disse que podemos conservar o nome de nosso clã e viver todos em harmonia como um só.
—Entendo —sussurrou Gillian.
—Se sente mal, milady? Você ficou pálida. Gillian ignorou a pergunta.
—Não é possível que você tenha ouvido bem, Proster — disse—. Quando forem à Inglaterra, me levarão com eles. Me prometeu... não faltaria com a sua palavra comigo. —Você sabe... Todos eles sabem que se os ingleses os verem, meu tio morrerá. Não, você tem que estar errado. Brodick virá me buscar.
Sua agitação alarmou o soldado, que não soube o que fazer. Pensou em mentir e dizer que, efetivamente, tinha se enganado, mas sabia que Gillian teria que aceitar a verdade, de modo que se preparou para sua reação e rogou para que não desmaiasse diante dele
—Ponho Deus por testemunha que ouvi perfeitamente bem. Todos sabem.., menos você... —murmurou—. Eles vão à Inglaterra, e a você levarão às terras de Buchanan.
Seu marido estava preocupado por sua ferida, e queria que vocês tivessem um dia de descanso antes de cavalgar tanta distância. Foi muito considerado de sua parte, não acha?
Gillian não respondeu. Virando—se, começou a afastar—se, mas se deteve bruscamente.
—Obrigada, Proster, por me explicar.
—Milady, se ainda não acredita, fale com Graeme e com Lochlan. Eles confirmarão o que acabo de dizer.
—Não é preciso que fale com eles. Acredito em você. Agora, se você me desculpa, eu gostaria de voltar à cabana.
—Com sua permissão, irei com você —se ofereceu ele—. Não têm bom aspecto — acrescentou— Dói a perna?
—Não, não é isso —respondeu Gillian com voz inexpressiva.
Não disse uma só palavra mais até que chegaram na cabana. Proster acabava de despedir—se com uma inclinação, e se virava para ir, quando o chamou.
—Você sabe onde vivem Annie e Kevin Drummond?
—Todos conhecemos os Drummond. Quando alguém se machuca, vai a sua casa em procura de ajuda. Se não morrer no caminho, Annie o cura. Pelo menos, a maioria das vezes. Por que me pergunta?
—Só curiosidade —mentiu ela—. Dentro de um momento, gostaria de voltar à casa da minha irmã. Você poderia me acompanhar, por favor?
Orgulhoso que a mulher de Buchanan o escolhesse para que a escoltasse, Proster endireitou os ombros.
—Me agradaria muito de cavalgar junto de você, mas, não acaba de retornar da casa de sua irmã?
—Sim, mas esqueci de dar a ela os presentes que trouxe da Inglaterra, e ela está ansiosa para vê—los. Quando estiver pronta para partir, te procurarei.
—Como você quiser —disse ele.
Gillian fechou suavemente a porta, foi até a cama, se sentou e escondendo o rosto entre as mãos, se pôs a chorar.

 

 

 

 

Capítulo 34

Se movimentou com uma pressa surgida do desespero. Arrancando o tartán Buchanan do corpo, o jogou sobre a cama, e buscou suas roupas inglesas. Já tinha preparado uma pequena sacola com os elementos indispensáveis que necessitaria durante a viagem.
Bridgid a interrompeu. Gillian a ouviu chamando—a, abriu a porta tão só uma fenda, e disse à sua amiga que não se encontrava bem. Tentou então voltar a fechar as portas, mas Bridgid a impediu. A abriu de um empurrão, e entrou na cabana.
—Se você está doente, te ajudarei. Porque você está vestida com essas roupas? Seu marido não vai gostar. Você deveria usar as cores Buchanan.
Dando as costas a sua amiga, Gillian jogou sua escova dentro da sacola e depois a fechou. Ao voltar, Bridgid viu seu rosto e soube que algo estava terrivelmente errado.
—Que foi? Diga—me e te ajudarei em tudo o que puder.
—Vou embora.
—Sim, já soube, mas amanhã. Até então não chegarão aqui os soldados de seu marido. Isso é o que te irrita? Você não quer ir a seu novo lar? —perguntou, tentando entender.
—Vou embora para minha casa, na Inglaterra.
—Que? Não pode falar a sério...
—E jamais voltarei a usar o tartán Buchanan! Jamais! —exclamou—. Brodick me traiu, e nunca, nunca o perdoarei. —A verdade da situação a afligi, e se sentou na cama antes que suas pernas se afrouxassem—. Me deu sua palavra que lan, Ramsey e ele esperariam...
Bridgid se sentou a seu lado.
—E foram todos à Inglaterra.
—Sim. Proster me disse esta manhã tinham partido. Brodick tinha prometido que me levaria com ele. O fiz dar—me sua palavra antes de dizer os nomes dos barões que ajudaram Gideon a raptar o Alec Maitland.
—Por que razão sequestraram o filho do laird?
—Não tinham intenções de raptar ele. Achavam ter raptado o irmão de Ramsey.
A cabeça de Bridgid bulia de dúvidas.
—Começa pelo princípio e diga—me o que aconteceu. Talvez então me ocorra como te ajudar.
—Não pode me ajudar —disse Gillian em voz baixa—. Oh, Deus, eu não sei o que farei agora para proteger meu tio! —Estou tão assustada, e eu... —Sua voz se quebrou em um soluço.
Bridgid lhe afagou o braço, e pediu que se explicasse.
E dessa maneira Gillian contou tudo, começando durante a noite em que seu pai foi assassinado. Quando terminou, se deu conta do desespero que era sua situação.
—Se não voltar à Inglaterra com a caixa ou com sua irmã, como você pensa salvar seu tio?
—Agora não importa. Assim que os lairds ataquem, Alford ordenará que o matem.
—Que te faz pensar que seu tio ainda está vivo? Você disse que o barão Alford nunca mantém sua palavra.
—Alford sabe que não lhe darei o tesouro até que veja meu tio são e salvo.
Na sua agitação, Bridgid começou a vaguear pela cabana.
—Mas você não tem a caixa.
—Já sei que não tenho —se lamentou Gillian—. Tinha a esperança que minha irmã soubesse onde estava...
—Mas não sabe —disse Bridgid—. Volte a me dizer quem estava no quarto com seu pai a noite em que deu a Christen o tesouro.
—Já te disse que havia outros quatro soldados com meu pai —explicou Gillian mais uma vez—. E Hector, o administrador, mas esteve ali só um instante. Christen me disse que deu uma mensagem a meu pai, e depois se foi.
Bridgid ruminou o quebra—cabeças em silêncio e sacudiu a cabeça.
—Os soldados que te protegiam foram assassinados? —perguntou.
—Sim.
—Você está absolutamente certa? Você os viu morrer?
—Se vi, não me lembrança. Era muito pequena —lembrou a sua amiga—. Mas Liese me disse que morreram protegendo—me. Ela tinha certeza.
—Mas sua irmã não está tão certa do que aconteceu com os soldados que a levaram ao norte. Será que retornaram às terras de seu pai. É verdade?
—Sim, mas...
Bridgid a interrompeu antes que pudesse terminar.
—E então, algum deles não pode ter tomado o tesouro?
—Não —respondeu Gillian—. Eram homens leais e honrados, e meu pai confiava neles sem reservas.
—Talvez não merecessem sua confiança —insinuou Bridgid—. Tem que ter sido um deles, ou o administrador, mas você disse que havia estado no quarto só um instante.
—Oh, não pôde ter sido Hector. Estava louco.
—Estava louco?
—Sim —respondeu com impaciência. Se pôs de pé, e foi para a porta.
—Aonde você vai?
—Eu pedi a Proster que me acompanhasse à casa da minha irmã, e vou buscá—lo.
—Mas você acaba de dizer que Christen não deseja voltar a te ver.
—Sim, é verdade, mas...
— E então para que você retorna?
Com um suspiro, Gillian respondeu.
—Não vou na verdade à casa da minha irmã. Proster sabe onde vivem os Drummond, e uma vez que nos tenhamos posto em caminho, vou insistir em que me leve a casa de Annie.
—Mas, Por que?
—Porque Kevin e Annie conhecem o caminho até as terras de Len, e dali conheço o caminho de volta para casa.
Bridgid ficou atônita.
—Meu Deus, realmente você vai à Inglaterra! Me disse, mas não acreditei.
—Sim, volto —Quando Bridgid correu para ela, a abraçou em despedida—. Quero que você saiba o muito que significa sua amizade para mim. Vou sentir sua falta.
—Mas voltarei a te ver?
—Não. Não penso em retornar.
—E Brodick? Você o ama.
—Mas ele não me ama. Me usou, Bridgid, para conseguir o que buscava. Significo tão pouco para ele que não pôde...
Era muito doloroso falar do tema. Se afastou de sua amiga.
—Devo colocar—me em caminho —disse.
—Espere — pediu Bridgid quando Gillian tomou o trinco—. Eu irei buscar Proster, enquanto você muda de roupa.
—Não vou voltar a por as cores Buchanan nunca mas.
—Seja razoável. Todos se darão conta que você está tramando algo se sair com essas roupas. Você tem que trocar.
Gillian advertiu que sua amiga tinha razão: saberiam.
—Não pensei... estava tão zangada, e eu... Sim, mudarei de roupa enquanto você procura o Proster.
—Posso demorar um momento em encontrá—lo, mas espere—me aqui. Prometa—me que esperará aqui dentro.
—Esperarei. Lembre —a advertiu—. Proster acha que vou ver Christen.
—Eu sei —disse Bridgid ao abrir a porta. Se deteve no pórtico, e se virou para fechar as portas. Ainda pensando no desaparecimento do tesouro, pensava em milhares de possibilidades— . Posso fazer mais uma pergunta?
—De que se trata?
—Você disse que Hector estava louco. Você estava exagerando porque era um pouco raro, ou você dizia a sério? Estava realmente louco?
—Oh, sim —respondeu Gillian—. Agora, por favor, tenha pressa, Bridgid. Devo partir o mais rápido possível.
—Só me perguntava...
—O que foi?
—Porque razão seu pai poria um louco a cargo da arrecadação das rendas? Isso não tem nenhum sentido.
—Ele não era louco então. Liese me contou que o que o fez enlouquecer foi a covardia. Depois do que aconteceu no castelo, nunca voltou a ser o mesmo. Sei que Hector era mal—humorado, cruel e terrivelmente ambicioso. Agora, por favor, vá e procure o Proster.
Bridgid por último fechou a porta. Gillian tirou o traje e se dispunha a colocar o tartán quando, de repente, ficou imóvel e deixou escapar um grito sufocado.
—Meu Deus, mas certamente!
Bridgid esteve ausente muito momento, e quando retornou à cabana, Gillian estava frenética de preocupação.
—Por que você demorou tanto? —perguntou tão logo entrou.
—Primeiro tive que fazer algumas coisas —respondeu Bridgid—. Proster está aqui, e não está só. Ker e Alan irão com ele. Se comportam como se fossem escoltar uma princesa. Os você deveria ter ouvido. Se sentem honrados que você tenha escolhido um Macpherson.
—São muito jovens, isso é o que são —protestou Gillian.
—Tenho pensado em seus planos —disse então Bridgid—. Não acho que você deva ir até casa dos Drummond, porque isso te afasta do seu caminho. Tome uma rota direta até as terras de Len. Tenho certeza que Proster conhece o caminho.
— E como você pode ter certeza?
—Todos os soldados conhecem as fronteiras do território, e por onde podem passar, e por onde não. Suas vidas dependem desse conhecimento.
—Mas eu não sei como vou fazer para convencê—los a me levar até ali. Pensava em dizer que precisava que me tratasse a perna.
—Pois então diremos precisamente isso — a aconselhou Bridgid—. Mas quando estivermos a caminho dali, diremos a Proster que devemos ir até as terras de Len.
—Diremos? Devemos? Bridgid, não pode insinuar...
—Vou à Inglaterra com você. Já preparei minhas coisas, e as envolvi em um tartán, para que os soldados não suspeitem. Está atado atrás da sela da minha égua. Isso foi o que me fez demorar.
A voz de Bridgid era serena, mas tinha os punhos apertados e um brilho decidido nos olhos. Quando Gillian começou a sacudir a cabeça, Bridgid se apressou a convencê—la que a decisão já estava tomada, e nada que sua amiga pudesse dizer conseguiria fazer que ela mudasse de ideia.
—Aqui não há nada para mim, e não vou ficar para ver Ramsey se casar com Meggan. Me doeria muito. Não, não posso ficar. Não vou. Pelo amor de Deus, nem minha própria mãe me quer ter por perto, e essa é a pura verdade. Eu não sei a que outro lugar poderia ir. Por favor, Gillian, deixe—me ir com você. Sempre senti curiosidade em conhecer a Inglaterra, e você contou que seu tio Morgan tem sangue das Highlands nas veias. Tenho certeza que me aceitará junto dele, durante um tempo.., basta que decida o que fazer.
—Não posso te levar comigo. Poderiam te machucar, e eu não poderia te proteger.
—O barão?
—Sim respondeu — Não sabe como é ele. É um monstro.
—E como você pensa em se proteger? Te ordenaram que você retornasse com o tesouro ou com sua irmã, mas você volta sem nenhuma das duas coisas. Se alguém deve ter medo, essa é você.
—Não tenho alternativa —disse Gillian—. Tenho que voltar para casa, e você tem que ficar aqui.
—Te imploro, Gillian. Aceito o perigo, e assumo toda a responsabilidade por qualquer coisa que possa me acontecer. Por favor, ouça. Tenho um plano.
— Não poderia ficar em paz com minha consciência se você ficasse ferida.
—Então deixe—me ir com você até as terras de Len. Posso ajudar a persuadir o Proster. Sei que posso.
—E depois você voltará com eles?
—Sim —prometeu Bridgid, e imediatamente a percorreu uma onda de culpa por mentir a sua querida amiga.
Tinha um plano confiável e estava decidida, e com ou sem a permissão ou aprovação de Gillian, ia ajudá—la.
—Nós... isto é, você poderia se encontrar com Brodick e os outros
—Não, não acho que aconteça. O mais provável é que vão primeiro à casa de meu tio Morgan, que fica no noroeste da Inglaterra, em uma zona certamente distante, e eu me dirijo ao leste, a Dunhanshire.
— Onde fica a propriedade do barão Alford?
—Ao sul da casa de meu tio. Se Deus quiser, quando eles chegarem em Dunhatishire, o resgate já terá sido pago, e tudo terá terminado.
—Que é que terá terminado?
Gillian sacudiu a cabeça. Não pensava explicar. Bridgid sentiu que um calafrio a percorria até a medula.
—Então vamos?
Ficando firme, Gillian assentiu, enquanto saía pela porta da cabana, murmurando.
—Que Deus nos acompanhe.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 35

Era uma desesperada corrida contra o tempo. Gillian sabia que devia chegar em Dunhanshire bem antes do festival de outono, mas seu temor consistia em que Brodick, Ian e Ramsey chegassem antes dela. Por mais zangada que estivesse com seu marido por tê—la frustrado, por mais decidida que estivesse em não retornar nunca mais às Highlands, seguia aterrada por sua segurança. Brodick tinha destroçado seu coração, mas não podia deixar de amá—lo. Se ele e seus amigos tentassem tomar a fortaleza de Alford, explodiria uma guerra, e todos eles morreriam.
Tinha certeza que o barão Alford teria dividido suas tropas e teria soldados postos nas suas terras e nas de seu tio Morgan. Sempre tinha se orgulhado que tinha mais de oitocentos homens a seu serviço, e mesmo que Gillian duvidasse que algum deles fosse realmente leal ao barão ou se sentisse obrigado para com ele, sabia que todos tinham medo dele. Alford controlava suas tropas com atitude despótica, utilizando a tortura como método exemplar para os homens que ousavam desafiá—lo.
A Gillian se lhe congelava o sangue ao lembrar os sádicos castigos de Alford, e só no que podia pensar era em achar uma maneira de proteger o homem que amava.
Se encontrava a um dia de viagem de Dunhanshire quando se viu obrigada a parar. A fadiga tinha cobrado seu preço, e Gillian se sentia enjoada pela falta de sono e alimento.
Proster, Ker, Alan e Bridgid seguiam a seu lado. Gillian tinha tentado em repetidas oportunidades fazer que voltassem para casa, mas nenhum deles fez caso. Bridgid não deixou de repetir que ela tinha um plano, mas se negou a dizer a Gillian em que consistia, e mesmo que Gillian insistisse e suplicasse que retornasse, Bridgid resistiu teimosamente.
Os jovens soldados eram igualmente enlouquecedores. Proster explicou uma e outra vez que como ela não pensava em retornar às terras de Sinclair com ele, seus amigos e ele estavam decididos a permanecer a seu lado e fazer tudo o que pudessem para protegê—la.
Escurecia quando Bridgid sugeriu que parassem para passar a noite. Gillian avistou um teto de palha na distância, e insistiu em obter a permissão dos proprietários para atravessar as terras da fazenda antes de descansar.
Ignorando os veementes protestos de Proster, desmontou ao chegar na porta da cabana.
Na pequena casa vivia uma família de cinco pessoas. O pai, um idoso com a pele tão curtida pela intempérie que seu rosto parecia o leito seco de um rio, no início não confiava deles, porque tinha visto que os homens das Highlands sempre levavam nas mãos à espada, mas logo Gillian se apresentou e pediu formalmente permissão para passar a noite em suas terras, relaxou sua atitude.
O velho cumprimentou Gillian com uma profunda reverência.
—Me chamo Randall, e a mulher que se esconde atrás de mim é Sarah. A terra não é minha, mas isso vocês já sabem, não é mesmo? Sem embargo vocês solicitam minha permissão. Trabalho a terra para meu senhor, o Barão Hardington, e sei que ele não se importará que vocês descansem sobre sua erva. Conheci seu pai milady. Era um grande homem, e me sinto honrado de poder ser de utilidade. Você e seus amigos são bem—vindos a compartilhar nosso jantar. Entrem, e se aqueçam ao lado do fogo, enquanto meus rapazes se ocupam de seus cavalos.
Mesmo que fosse pouco o que tinham para compartilhar, os granjeiros insistiram em que Gillian, Bridgid e os soldados jantassem com eles. Durante a comida, Bridgid se mostrou muito calada. Se sentou ao lado de Gillian, ambas apertadas entre dois dos grandes filhos de Randall.
—Podemos fazer algo mais por vos? —perguntou Randal.
Gillian levou à parte o homem, e falou em voz baixa.
—Preciso de algo que me ajudaria imensamente, mas devo me assegurar que você me dê sua palavra que a manterá, aconteça o que acontecer. Nossas vidas estão em jogo Randall, de modo que se você acha que não pode cumprir esta missão, você deve ser honesto e me dizer agora. Não tenho intenção de te ofender, mas a importância....
—Claro que posso fazê—lo, e o farei —prometeu Randal!—. Diga—me o que precisa, e poderei decidir.
—Você deverá transmitir uma mensagem em meu nome — sussurrou. Você dirá estas exatas palavras: “lady Gillian achou o tesouro de Arianna”.
Randall repetiu duas vezes a mensagem, e depois assentiu.
—Agora diga—me a quem devo dar a mensagem, milady.
Achegando—se mais ainda, Gillian sussurrou o nome ao ouvido. Randall sentiu que lhe afrouxaram os joelhos.
—Você está. . . certa?
—Sim, tenho certeza.
O velho se resignou.
—Mas são perigosos, milady... todos eles.
—O que estou te pedindo requer coragem. Você levará minha mensagem?
Randall assentiu lentamente.
—Partirei ao amanhecer.
Quando já saiam, Sarah lhes deu as mantas de seu próprio leito.
—Esfria muito durante a noite — explicou—. Quando vocês forem, amanhã de manhã, deixem—nas no campo, e Randall irá apanhá—las.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capítulo 36

Dunhanshire estava cheio de soldados. Era uma escura noite sem lua, mas o castelo estava iluminado como o palácio do rei, com montões de tochas que lançavam seu resplendor de cobre desde os parapeitos e as passarelas. Na distância, as chamas pareciam olhos de demônios, observando—os fixamente.
Os cinco se apinharam um junto ao outro, bem ocultos na densa mata situada atrás da pradaria, em absoluto silêncio, enquanto escutavam o metálico chiado da ponte levadiça ao descer para permitir a entrada de um novo grupo de soldados montados em seus corcéis.
—Estão entrando nas entranhas do inferno —sussurrou Ker—. Posso sentir a presença do demônio.
—Por que há tantos soldados? perguntou Proster—. O barão deve estar preparando—se para a guerra. — Juro ter contado cem homens desde que estamos observando.
—Devem ter sabido que vinham nossos soldados —insinuou Alan.
Gillian negou com a cabeça.
—Não. Alford sempre se rodeia de uma legião de soldados que o protegem. Quer estar totalmente seguro que ninguém poderá deslizar furtivamente e atacá—lo de surpresa.
—Ele teme à morte, verdade? —comentou Bridgid—. Sabe que arderá no inferno pelos seus pecados.
—É um homem velho?
—Não —respondeu Gillian—. Quando eu era pequena pensava que o era, mas era um homem muito jovem. Como consequência de sua amizade com o rei Juan, Alford conseguiu muito poder, e o principal objetivo de sua vida foi conseguir mais.
—Dunhanshire era um lugar alegre —acrescentou—. Mas Alford e sua cobiça mudaram tudo. Matou meu pai, e despedaçou minha família.
—Se Deus quiser, nossos soldados descerão amanhã da colina, e atacarão —disse Proster.
—E eu rogo a Deus que se mantenham afastados até que isto tenha terminado —replicou Gillian.
—Você acha que seu tio está em Dunhanshire? —perguntou Bridgid.
—Não sei —respondeu ela—. Mas amanhã averiguarei. Esta noite descansaremos aqui. —Desatou a correia que segurava sua manta ao lombo do cavalo, e a desdobrou debaixo de um enorme carvalho. Bridgid foi atrás dela, e se sentou a seu lado.
—Até aqui chegamos juntas —anunciou Gillian—. O resto tenho que ir só.
—Você sabe que Proster não vai deixar que você entre só em Dunhanshire.
—Você tem que me ajudar a fazê—lo compreender —sussurrou Gillian—. Estarei a salvo sempre que Alford acreditar que tenho o que ele quer, mas se Proster vier comigo, te asseguro que o utilizará contra mim. Deve ficar aqui, com você, com Ker e com Alan.
Proster fincou um joelho em terra frente a Gillian.
—Temos falado —anunciou, assinalando com um gesto a seus amigos—. E decidimos que você deveria esperar aqui até que chegue seu marido. Então sim você poderá entrar.
—Já temos decidido, milady —interveio Ker.
—Esperarei até o meio—dia —concedeu Gillian—. O barão não se levanta até então, mas não esperarei mais que isso.
—Ou você espera seu marido, ou irei com você — disse Proster.
—Deixaremos esta discussão para amanhã. Agora devemos descansar. —Fechou os olhos para desalentar Proster a continuar discutindo.
Bridgid dormiu quase de imediato, mas Gillian cochilou intermitentemente durante toda a noite. Os soldados dormiram a seus pés, segurando suas espadas.
Nenhum deles a ouviu sair.
Assim que começou a atravessar a pradaria, se viu rodeada pelos soldados de Alford, que a escoltaram ao castelo.
Depois foi levada até o grande salão, e a ordenaram espera até que chegasse o primeiro comandante de Alford.
Uma jovem criada que, evidentemente, não sabia que o barão não gostaria que ela servisse Gillian, trouxe uma bandeja com comida e a deixou sobre a mesa. Dois soldados montaram guarda na porta, controlando cada um dos movimentos de Gillian. Durante um longo momento, andou em frente ao fogo, e quando começou a sentir—se cansada, se sentou à mesa, obrigando—se a comer alguns bocados da carne fria e do pão que havia na bandeja. Gillian não tinha muito apetite, mas sabia que devia se alimentar e se fortalecer para o confronto que a aguardava.
Finalmente, apareceu o comandante. Era um enorme homem de aspecto bestial, com uma ampla e avultada testa, e pequenos olhos escuros tão opacos e inexpressivos como pedras.
—O barão Alford não gosta de ser incomodado enquanto dorme. Seus companheiros, o barão Edwin e o barão Hugh, e ele ficaram acordados até altas horas da noite.
—Não tenho nada que dizer a Alford até que veja meu tio Morgan. Está aqui?
—Não — respondeu ele secamente—. Mas você tem sorte. A semana passada o barão ordenou a seus soldados que o trouxessem de suas terras.
—Então meu tio o permitiu ficar na sua própria casa? —perguntou Gillian.
—Desde que você se foi, seu tio foi trasladado duas vezes.
—Por que demoram tanto os soldados em trazê—lo aqui? Se partiram a semana passada...
—Também foram enviados à casa do barão Alford, buscar sua capa favorita. Chegarão a qualquer momento.
Gillian foi levada para cima, e fechada no mesmo quarto do qual tinha escapado com Alec semanas atrás.
Com uma risadinha zombadora, o soldado a informou que a passagem tinha sido bloqueada.
A espera se prolongou até as últimas horas da tarde. Gillian passou a maioria do tempo rezando, preocupada pela sorte de Brodick e dos outros. Por favor, Senhor, suplicou, cuide deles e os mantenha afastados deste lugar até que tenha terminado e Alford já não possa fazer mal a eles.
O bruto abriu a porta, e disse que o barão esperava para vê—la.
—Já chegou o resto de sua família — anunciou.
Quis perguntar se seu tio estava bem, mas sabia que não lhe diria mais nada, de modo que desceu correndo a escada para vê—lo com seus próprios olhos.
Edwin estava esperando. Gillian não o olhou duas vezes quando passou frente a ele, rumo ao salão. Alford e Hugh estavam sentados à mesa, um junto do outro. Evidentemente, a noite anterior tinham bebido em excesso, já que Hugh tinha a pele acinzentada e suas mãos tremiam ao pegar a taça. O líquido derramou sobre a borda da mesa quando
bebeu o vinho avidamente, como alguém que morre de sede.
Alford esfregou a cabeça, para acalmar seu pulsante enxaqueca.
—Onde está meu tio? —perguntou Gillian.
—Em breve estará aqui — respondeu ele—. Diga—me, Gillian: Você fracassou ou teve sucesso em sua busca?
—Não te direi nada até ver meu tio Morgan.
—Então sua irmã talvez me diga. Faça ela entrar, Edwin — ordenou, após fazer um trejeito de dor e voltar a levar a mão à cabeça.
Como Alford a olhava tão fixamente, Gillian tentou dissimular sua surpresa e sua confusão. Fazer entrar seu irmã? Em nome de Deus, de que estava falando?
—Ah, aí esta —cantarolou Alford.
Gillian deu meia volta, e quase cai de costas ao ver Bridgid no salão. Santo Deus, que estava fazendo? Os soldados deviam tê—la achado no seu esconderijo, supôs Gillian, e se fosse isso mesmo, que tinha acontecido com Proster, Ker e Alan?
Inspirou profundamente, à borda do pânico. Bridgid sorriu, e depois perguntou, em voz suficientemente alta para ser ouvida.
—Qual destes porcos é Alford?
Alford se inclinou para ela, apoiando as mãos sobre a mesa para segurar—se.
—Cuida sua língua — gritou—, ou farei com que a cortem!
Bridgid não pareceu impressionar—se pela ameaça.
—Você morrerá na tentativa — replicou.
Gillian agarrou a mão dela para indicar que se calasse. Instigar à besta na sua própria toca era perigoso e estúpido.
—Onde está meu tio, Alford?
Com um gesto da mão, ele desprezou a pergunta. Hugh apanhou sua atenção com um comentário.
—Não me enganou a mudança de Christen. Ainda tem o cabelo loiro.
Edwin se reuniu com seu amigo na mesa, e levantou os dedos para avisar aos serventes que trouxessem vinho e comida.
—Não parecem irmãs —comentou.
Alford contemplou às duas mulheres.
—Também não pareciam irmãs quando eram pequenas. Christen foi sempre a mais bonita, e Gillian era um ratinho.
—Já não é nenhum ratinho —disse Hugh, rindo entre dentes. Pondo a mão debaixo da mesa, começou a se esfregar, e declarou— A quero para mim, Alford.
Alford ignorou a petição.
—Com que clã você viveu? — perguntou.
—Com os Macpherson —respondeu Bridgid.
—E que nome te puseram esses selvagens, ou será que você conservou o nome de Christen?
O coração de Gillian começou a bater com força, porque não pôde lembrar se tinha dito a Bridgid o nome que os Macpherson tinham posto em Christen.
—Me chamam Kate —respondeu Bridgid—. Mas prefiro Christen.
—Tem o mesmo caráter que Gillian —comentou Hugh—. São irmãs, sem dúvida.
—Sim —concedeu Alford com voz cansada, mas seu olhar furtivo indicou que não estava completamente convencido. Impaciente se pôs de pé e rodeou a mesa—. Você tem o meu tesouro, Christen? —Seus pequenos olhos foram e vieram entre as duas mulheres, enquanto esperava a resposta.
Era tão vil que punha seus cabelos de pé. Bridgid o enfrentou com audácia e assumiu seu olhar mais desafiante.
—Achei que o tesouro pertencia a seu rei.
—A meu rei?
Bridgid corrigiu rapidamente seu erro, forçando um gesto de indiferença.
—Agora sou uma Macpherson, vivi muitos anos nas Highlands, e jurei lealdade ao rei da Escócia. —Não considero que a Inglaterra seja minha pátria.
—E seu tio Morgan? Você se considera leal a ele?
—Não me lembro dele —disse Bridgid—. Só estou ajudando a minha irmã.
Alford a observou com olhos penetrantes.
—Quero fazer com que o rei recupere sua caixa —declarou— Você está com ela?
Edwin se aproximou para reunir—se com seu amigo, coçando a tripla papada.
—Seguramente a revistaram antes de trazê—la aqui —assinalou.
—Pois a reviste outra vez —disse Hugh com um risinho—. Leve—a a um dos quartos e faça uma revisão exaustiva, Edwin. Comece pelo pescoço, e segue para baixo.
Gillian decidiu intervir antes que a situação escapasse totalmente do controle.
—Minha irmã não tem a caixa, e não sabe onde está.
Alford bateu na mão de Edwin que já estirava para Bridgid.
—Você pode tê—la mais tarde — lhe prometeu. Aproximando—se furtivamente para Gillian, perguntou—: Você tem o tesouro?
—Não.
—Você pode levar Christen para cima, Edwin. Faça com ela o que você quiser. Hugh, gostaria de ir com eles?
Soltando uma gargalhada, Hugh apressou o conteúdo de sua taça e ao colocar—se de pé empurrou o banco em que estava sentado.
—Acho que irei com eles —anunciou.
Alford estava observando atenciosamente Gillian enquanto fazia essa sugestão. A jovem não mostrou nenhuma reação, mas quando Edwin quis tomar Bridgid, se movimentou com uma impressionante velocidade e o empurrou.
Irritado pela sua intervenção, Edwin a esbofeteou em pleno rosto. A força do golpe bastou para fazê—la cair contra Bridgid, quem a sustentou para que não caísse de cara no chão.
—Se você volta a tocá—la, te matarei! —gritou Bridgid.
Alford levantou a mão para indicar a Edwin que devia esperar.
—Por favor, vá e sente—se — ordenou Gillian a Bridgid.
Queria evitar que a machucassem, e Bridgid não devia demonstrar mais sua temeridade. Se afastou de Edwin e foi até uma cadeira apoiada contra a parede mais distante. Batia o coração com força pelo medo e a vergonha, porque se dava conta que nesse momento era para Gillian mais um estorvo que uma ajuda. Muito tarde compreendeu ao que tinha se referido sua amiga quando disse a Proster que, se fosse com ela, o barão o usaria para obter o que queria.
—Isto é entre você e eu, Alford —disse Gillian—. Começou neste mesmo salão, e aqui terminará. Sei onde está escondido o tesouro, e te mostrarei tão logo meu tio Morgan e minha irmã possam sair sãos e salvos daqui. Te sugiro que traga meu tio o mais rápido possível, já que não te direi mais nada até que veja com meus próprios olhos que está bem. —Nos entendemos?
—Tem se dado conta, Edwin, que não pede um salvo—conduto para ela?
Seu amigo assentiu, e aceitando que não ia poder levar Bridgid para cima nesse momento, voltou a reunir—se com Hugh na mesa.
—E por que não o fez? —perguntou, tomando a jarra de vinho.
—Porque sabe que jamais a deixarei ir. —Se aproximou ainda mais de Gillian, e disse— Você e eu levamos anos brincando nosso jogo, e algum dos dois deve perder. Te juro que há de chegar o dia em que dobrarei esse seu espírito e você aprenda a tremer de medo em minha presença.
Um forte grito interrompeu sua ameaça, e o bruto entrou correndo no salão, com outro soldado pisando seus calcanhares.
—Não deveria interromper—nos, Horace — grunhiu o barão ao bruto.
—Temos uma boa razão —exclamou este—. Você irá querer saber disso, milord. —Virando—se para o soldado, ordenou: — Diga, Arthur.
O soldado, que tinha o rosto picado de varíola, tragou de maneira audível.
—Acabávamos de retornar... —resmungou—. Fomos até as terras do barão Morgan Chapman para trazê—lo até aqui, milord, como você ordenou, mas quando...
Alford o interrompeu.
—Disse que antes vocês fossem à minha casa.
—Sim, milord, mas nos pareceu que ganharíamos tempo se...
—Mas vocês trouxeram minha capa favorita?
A pergunta pareceu ser muito difícil de responder. Horace deu um empurrão ao soldado.
—Responda ao barão —ordenou.
Arthur sacudiu nervosamente a cabeça.
—Não... não, não nos ocorreu ir buscar sua capa.
—Onde está Morgan? —perguntou então Alford—. Faça—o entrar.
—Não posso, milord. Não posso. Vocês não entendem o que aconteceu. Fomos até sua propriedade, e estava.., vazia. Não havia ninguém. Todos tinham partido.
—Que você está balbuciando? Quem se foi?
—Os soldados —gemeu Arthur, aterrorizado porque sabia que quando o barão recebia más notícias, costumava matar o mensageiro. Retrocedendo para colocar um pouco de distância entre ambos, prosseguiu dizendo: — A casa de Morgan estava vazia, e seus soldados tinham desaparecido.
—Que quer dizer com “desaparecido”?
Ao escutar a letal fúria que embargava ao barão, Arthur pareceu acovardar—se.
—Digo a verdade. Os homens tinham desaparecido. A propriedade estava completamente vazia, milord, e não havia sinais de ataque ou de luta. Nenhuma cadeira tombada, nenhum tamborete quebrado, e também não pudemos encontrar flechas nem sangue por nenhuma parte. Parecia como se tivessem decidido ir, e o houvessem feito sem mais.
— Onde está meu tio Morgan? —perguntou Gillian.
—Silêncio! —gritou Alford—. Que te contaram os serventes? — perguntou a Arthur.
—Não havia nenhum servente, milord. O lugar estava deserto, asseguro. Supusemos então que os soldados deviam ter ido à sua propriedade, levando—se consigo à servidão, e que vocês tinham ordenado fazer.
—Nunca dei semelhante ordem —murmurou Alford, com fúria mal controlada—. E pagarão com suas vidas por ter abandonado seus postos, até o último deles.
Horace pigarreou.
—Ainda há mais notícias, milord —disse.
Alford cruzou os olhos, tentando enfocar a Arthur.
—E bem? —o urgiu ao ver que o soldado estremecia da cabeça aos pés.
—Cavalgamos a todo galope até seu castelo, milord, mas quando chegamos lá, a ponte levadiça estava abaixado... e tudo estava igual. Ali não havia nenhum soldado.
—Que você diz? —gritou Alford.
—Sua casa estava deserta.
— E os serventes?
—Também tinham desaparecido.
Alford se pôs rígido.
—Meus próprios homens se atrevem a desertar? Aonde podem ter ido? Aonde? —rugiu— Vou averiguar quem é o responsável por isto... —Se deteve bruscamente, e deixou de vociferar. Girou a cabeça, e olhou fixamente a Gillian—. Que você sabe de tudo isto?
—Só sei o que acabo de escutar.
Alford não acreditou. Buscou a adaga na sua cintura, não a encontrou, viu que estava sobre a mesa, e foi a buscá—la.
Depois, muito lenta e deliberadamente, voltou ao lado de Gillian e sustentou a afiada folha frente a seu rosto.
—Vou cortar sua garganta, cadela, se não disser a verdade. Onde estão meus soldados?
Pressionou a ponta da faca contra o pescoço dela, com uma perversa expressão de prazer nos olhos enquanto feria sua pele. Se aproximou mais ainda e depois ficou imóvel, descendo lentamente o olhar para a faca que Gillian tinha apoiada contra seu ventre.
—Quer averiguar qual faca é mais veloz? Sussurrou ela. Alford retrocedeu de um salto.
—Pegue—a! — gritou a Horace.
Bridgid correu para Gillian, mas Horace a viu vir e a jogou de lado com um empurrão. Pegou Gillian por um braço, e tentou tirar a arma dela. Ela conseguiu cortá—lo duas vezes na palma da mão antes que ele pudesse recuperar a faca.
—Eu sei o que aconteceu a seus soldados —gritou Bridgid.
—Afaste—se, Horace — ordenou Alford.
Trêmulo, Alford se serviu de um gole, depois se virou e se apoiou contra a borda da mesa.
—Diga—me então o que ocorreu.
—Estão mortos —respondeu Bridgid—. Todos. Será que você achou que podia sequestrar o filho de um poderoso laird, sem sofrer as consequências? —Juntando as mãos, riu—. Você é o próximo. Você, e seus amigos.
Edwin fez um gesto de zombaria.
—Não chegarão até o coração da Inglaterra. Não se atreveriam.
—Sim —concordou Hugh—. Se foram os homens das Highlands, já devem fazer o papel de retorno nas suas casas. —Certamente, terminaram...
—Oh, mas se acabam de começar —exclamou Gillian—. Eles não se interessam por ouro, nem os tesouros. Eles querem a vocês três, e não se deterão até os verem mortos.
—Mente! —gritou Horace—. Os homens das Highlands são selvagens, e nossos soldados são infinitamente superiores.
Gillian se pôs a rir.
—Te rogo então que diga onde estão.
—Quantos soldados você colocou ao longo do perímetro? —perguntou Hugh.
—Seja qual for o número, você deveria dobrar a guarda. Nenhuma precaução é excessiva —interveio Edwin.
Alford deu de ombros antes suas preocupações.
—Se isso o compraz, vou dobrar o número de guardas. Cuide disso, Horace — ordenou—. Ninguém pode entrar neste castelo. O tornei inexpugnável. Tenho aqui perto de duzentos homens, todos selecionados e todos leais. — Somem esse número aos soldados que os escoltaram até aqui, e somos uma força invencível.
—Comigo vinham quarenta soldados —disse Hugh.
—E comigo, vinte e dois —informou Edwin.
—Vocês veem? Não temos nada que temer.
O comandante acabava de abandonar o salão, quando retornou correndo.
—Milord.., se aproxima uma companhia.
—De quem se trata?
—Meu Deus, são os selvagens! —gritou Edwin.
—Não, Barão, não são os selvagens. É o rei, com todo um contingente de soldados. A sentinela identificou seu estandarte, milord, e foi abaixado a ponte levadiça.
Alford estava aturdido.
—Juan está aqui? O rei da Inglaterra às portas da minha casa?
—Sim, Barão.
—Quantos soldados você calcula que vêm com ele?
—A sentinela informou de sessenta ou setenta homens. Alford soltou um bufo.
—Então minhas tropas superam às suas —comentou. Hugh se pôs a rir.
—Você sempre tentando superá—lo, não é mesmo?
—Sempre que posso —admitiu Alford—. É o rei, no entanto, e isso me coloca em desvantagem. Mas faço o que posso.
—Certamente, podemos descer a guarda —disse Edwin. Alford deu um par de palmadas e ordenou aos serventes que preparassem um banquete para honrar seu hóspede. Hugh e Edwin correram para cima para trocar—se as túnicas, e Alford aguardou que abandonassem o salão para pegar Gillian pelo braço.
—Agora, escute—me — disse em um sussurro—. Você guardará silêncio sobre o tesouro, entendeu? Não dirá ao rei que você sabe onde está escondida a caixa de Arianna. Te juro que se você me desafiar nisto, matarei seu tio.
—Te entendi.
A afastou de um empurrão.
—Vá, e sente—se em um canto. Espero que o rei não preste nenhuma atenção em você.
Bridgid a seguiu, e se sentou a seu lado.
—Compliquei tudo, não?
—Não — respondeu Gillian—. Não se preocupe. Em breve terminará tudo isto.
—Você tem medo?
—Sim.
As mulheres se calaram quando Hugh e Edwin entraram correndo no salão. Hugh estirava a túnica sobre o ventre enquanto se reunia com Alford, e Edwin tentava tirar uma mancha que tinha visto na sua manga.
Os serventes se movimentavam pelo salão, preparando—o para tão nobre hóspede. Acrescentaram lenha ao fogo, a mesa foi limpa, e depois de cobri—la com uma fina toalha linho, colocaram velas em candelabros de prata.
Hugh e Edwin permaneceram de pé junto de Alford, discutindo as razões que podiam ter levado ao rei até Dunhanshire.
—Talvez soube que seus soldados abandonaram seus postos em sua propriedade e na do barão Morgan — especulou Edwin.
—Não abandonaram seus postos —replicou Hugh—. Fugiram ante a batalha, e deveriam morrer pela sua covardia.
—O rei não pode ter sido informado ainda dessas notícias —assinalou Alford.
—Se não sabe as notícias, por que está aqui? — perguntou Edwin.
—Acho que sei o que quer —disse Alford—. Se fala de uma nova incursão à França, e provavelmente vai te pressionar para que vá com ele.
Bridgid deu uma cotovelada em Gillian.
—Você viu a reação de Alford quando soube que seus soldados tinham desaparecido? —Achei que ia explodir uma veia na testa.
—Bridgid, quando entrar o rei, não minta. Se pergunta seu nome, diga a verdade.
—Mas então Alford saberá que não sou sua irmã.
—Não pode mentir ao rei da Inglaterra.
Bridgid deixou de discutir e concordou em fazer o que Gillian pedia.
—Juan escolheu um mau momento para visitar seu amigo, Por que você acha que o rei está aqui?
—Eu sei por que —respondeu Gillian—. Eu o mandei chamar.

 


Capítulo 37

Finalmente tinha chegado o momento de ajustar as contas. Juan, monarca do reino, não entrou caminhado ao salão: entrou exibindo—se. Pelo menos vinte soldados, todos ataviados com novas e brilhantes vestes, marcharam atrás dele em fila do dois, para depois desdobrar—se em círculo, formando uma espécie de botão de flor com ele no centro. Rapidamente se postaram ao longo dos outros soldados fortemente armados, que tinham um único propósito: assegurar—se que seu rei estivesse a salvo.
Gillian e Bridgid cumprimentaram com uma formal reverência apoiando um joelho em terra e inclinado as cabeças, sem voltar a levantar—se até que o rei lhes outorgou sua permissão para fazê—lo.
Bridgid o espiou pelo canto do olho. Curiosa, quis dar uma boa olhada no homem que a tinham ensinado a identificar com o demônio, e se surpreendeu ao comprovar que não tinha chifres na cabeça. Juan tinha um aspecto francamente vulgar, com seus escuros e encaracolados cabelos que precisavam de um bom corte, e uma espessa e cacheada barba castanha salpicada de mechas cinzentas. Também seu tamanho era diminuto, e imaginou que não chegaria sequer aos ombros de Ramsey, Brodick ou Ian.
Os três barões realizaram uma reverência ante o rei, e depois que Juan deu sua permissão para se levantarem e, Alford falou em um tom que parecia um gorjeio.
—Que maravilhosa surpresa, alteza! —disse.
—Sim, com efeito —replicou Juan—. Em que problemas você se meteu agora, Alford? —disse, arrastando as palavras, nas quais mesmo assim podia detectar uma certa zombaria.
—Nenhum problema — assegurou Alford—. A que devo o prazer de sua companhia, alteza?
—Eu não vim ver você —disse Juan, impaciente, enquanto dava as costas a Alford e atravessava o salão a grandes pernadas.
Gillian e Bridgid se encontraram de repente contemplando um par de brilhantes botas.
—Fiquem de pé —ordenou Juan.
As damas fizeram o que ordenava. Bridgid olhou o rei diretamente nos olhos, mas então advertiu que Gillian mantinha a cabeça baixa, e se apressou a imitá—la.
—Qual de vocês, belas damas, é Gillian?
—Eu sou lady Gillian, alteza —respondeu Gillian.
Alford se aproximou correndo.
—Posso perguntar, alteza, que assuntos você têm que tratar com minha pupila?
—Sua pupila, Alford? Será que alguma vez te outorguei sua guarda?
Gillian levantou lentamente o olhar, e o rei ficou tão deslumbrado pela intensidade de seus olhos verdes e seus excelentes feições, que deixou escapar um suspiro afogado.
—É magnífica. Por que ninguém a levou à corte? —disse, pensando em voz alta.
—Não achei que você quisesse ter à filha de um assassino em sua corte —disse Alford—. Como bem sabe, acho firmemente que o pai de Gillian estava envolvido no complô para matar Arianna e roubar o tesouro, e tive a sensação de que cada vez que você visse Gillian se lembraria da tragédia. Por essa razão não a levei à corte, alteza. Não achei que você quisesse suportar tanta dor.
Juan entrecerrou os olhos.
—Sim, sem dúvida. Você foi um amigo muito considerado, Alford.
O barão inclinou a cabeça.
—Gillian —assinalou—, viveu no norte da Inglaterra com seu tio Morgan... com o barão Chapman. E acaba de retornar a Dunhanshire. A enviarei para cima para que você não tenha que continuar vendo—a.
—Não fará nada disso. Vá, e sente—se com Hugh e Edwin, enquanto converso em particular com estas duas damas.
Alford não discutiu. Dirigiu a Gillian um olhar ameaçador antes de ir reunir—se com seus amigos. Muito agitado para permanecer sentado, ficou de pé junto de Hugh e de Edwin, tentando escutar a conversa do rei.
Juan ignorou os barões, e voltou a falar com Gillian.
—Onde está? —perguntou com impaciência e antes que ela pudesse responder acrescentou—: Você tem o tesouro de Arianna?
—Não, alteza, mas acho saber onde está escondido.
—Você acha? —repetiu ele, quase gritando—. Você tem certeza? Se fiz esta viagem por um capricho posso te garantir que me irritarei muito.
Seu rosto ia ficando cada vez mais vermelho, e Gillian se apressou a explicar, antes que o rei perdesse completamente os estribos e explodisse em um de seus famosos ataques de ira.
—Eu ainda não tive a oportunidade de constatar com meus próprios olhos, mas tenho certeza que está aqui... em Dunhanshire. A pouca distância daqui.
Sua explicação conseguiu tranquilizá—lo.
—Se esse tesouro pode ser recuperado, você se dá conta que será uma prova incontestável que seu pai esteve envolvido no assassinato de Arianna?
Gillian sabia que não devia discutir com o rei, mas não pôde evitar defender seu pai.
—Me disseram... e eu acho... que meu pai era um homem honrado, e um homem honrado não mata mulheres inocentes.
—Eu também achava que seu pai era um súdito leal e um bom homem —disse Juan—, até que me traiu.
—Não posso crer que o tenha traído —murmurou Gillian—. Minha mãe acabava de morrer, e meu pai guardava luto por ela em casa... aqui, alteza, em Dunhanshire.
—Sei que não estava na corte quando morreu Arianna, mas Alford está convencido que estava confabulado com outro. Sim, o homem que matou Arianna passou o tesouro a seu pai. Se está aqui, isso prova que a teoria de Alford é correta.
—Eu não sei que dizer para convencer—vos que meu pai era inocente.
—Muito em breve poderemos demonstrar que era um traidor. Se você tivesse guardado silêncio sobre o paradeiro da caixa, nunca teria sabido com absoluta certeza que seu pai tinha me traído. Por que, então, você enviou uma mensagem para mim?
—Alford prendeu meu tio Morgan e me disse que o mataria se eu não fosse às Highlands e encontrasse minha irmã. Alford achava que ela tinha a caixa, e me ordenou trazê—la de volta à Inglaterra, junto com a caixa.
Juan deu um olhar de esguelha a Bridgid, mas continuou sem dirigir—se a ela enquanto defendia as ações de seu Barão.
—O empenho de Alford para me ajudar na busca do tesouro de Arianna não tem diminuído com os anos, e não posso culpá—lo por ter chegado a tais extremos. Além disso, aparentemente o fim pode justificar os meios. —Sorrindo como um pai que estivesse explicando as travessuras de seu filho, acrescentou— Mas tem seus defeitos, e um deles é a
cobiça. Tenho certeza que queria que você trouxesse o tesouro para poder me entregar e assim cobrar a recompensa. Eu faria o mesmo, e aparentemente, você também.
—Alteza, não quero nenhuma recompensa, deveras que não.
—E então o que quer?
—Meu tio Morgan é um de seus mais leais barões, e peço sua proteção para ele.
—Isso é tudo o que quer?
—Sim, alteza.
A atitude do rei mudou com a velocidade de um raio. E de repente se transformou em encantador e solícito. Mesmo que Gillian tinha ouvido falar de suas súbitas mudanças de humor, foi surpreendida com a guarda baixa.
—Acabo de falar longamente com Morgan —disse o rei.
A voz de Gillian tremeu.
—Está bem, alteza? —perguntou.
—Está velho e cansado, e lança acusações ultrajantes, mas está bem. Em breve você o verá.
As lágrimas nublaram a visão de Gillian.
—Obrigada, alteza —sussurrou—. Sei que você está ansioso para ver se o tesouro está aqui, mas se me permite, eu pediria...
—Sim, minha querida menina?
—Se estou enganada em imaginar que a caixa se encontra aqui, por favor não descarregue seu desagrado sobre meu tio Morgan. Ele não tem nada a ver com isto. Eu sou a única responsável.
—E portanto deveria derramar minha ira sobre você.
—Sim, alteza.
Juan soltou um suspiro.
—Esperei perto de quinze anos para recuperar o tesouro, e sinto que esta expectativa aumenta minha alegria e minha tristeza. Não quero ter pressa —explicou—. A possível desilusão me será muito dolorosa. Quanto a Morgan — continuou dizendo—, te asseguro que mesmo que o tesouro não esteja aqui, seu tio terá toda minha proteção, tal como você também terá. Você acha que sou um bicho—papão? Não vou te fazer responsável pelos crimes de seu pai.
Mesmo que Gillian soubesse que nesse momento era sincero, sabia também com que rapidez mudava de ideia. Não se atreveu a ter fé em sua promessa.
—Você é muito bondoso, alteza —disse.
—Em certas circunstâncias, posso sê—lo —conveio ele com arrogância—. Agora, responda uma pergunta.
—Sim, alteza?
—Você é casada com o gigante bárbaro de longos cabelos loiros chamado laird Buchanan?
Gillian sentiu que cambaleava.
—Sou sua esposa, alteza —balbuciou—. Está aqui... o viu?
—Sim, o vi —respondeu o rei—. E aliás, está aqui, junto de outros dois lairds e todo um exército. Os homens das Highlands estão rodeando Dunhanshire.
O arquejo afogado de Bridgid atraiu a atenção do rei.
—Te ignorei muito tempo, querida minha. Desculpa meus maus modos, e diga—me, quem você é?
—É minha amiga mais querida —disse Gillian—. Seu nome é Bridgid KirkConnell.
Bridgid sorriu ao monarca, e num instante ele correspondeu a seu sorriso.
—Ah, você é a dama que o laird Sinclair veio buscar.
—Pertenço a seu clã, alteza —disse ela em voz baixa, nervosa ao receber toda a atenção do rei—. E sou uma de seus seguidores mais leais, mas ele não faria toda esta viagem só por mim.
O rei se pôs a rir.
—A julgar pela forma em que me rugiu, acho que você está enganada. Devo admitir que os homens das Highlands são impressionantes, e intimidantes. Quando os vi, pensei em retornar a Londres para buscar mais tropas, e por certo que minha guarda insistiu em que o fizesse mesmo. Mas então os três lairds se separaram de seus homens, e cavalgaram a todo galope para me alcançar. Parece que acabavam de se informar que vocês estavam aqui, e estavam... muito agitados. Ordenei que aguardassem fora das muralhas, e devo dizer que me incomodei muito que laird Maitland ousasse discutir minhas ordens. Quando disse que você tinha me enviado uma mensagem, e que não permitiria que você sofresse nenhum dano, todos aceitaram de má vontade. Por que você fez esta longa viagem, Bridgid?
A aludida olhou a Gillian, esperando que ela oferecesse uma explicação.
—O barão Alford acha que Bridgid é minha irmã.
—Mas não é —disse o rei.
—Não, alteza, não é.
—Mentimos ao barão Alford —confessou Bridgid—. Mas Gillian me disse que não devia mentir a você, alteza.
O rei pareceu achar graciosa a honestidade de Bridgid.
—E tinha razão —disse antes de voltar outra vez para Gillian—. E o que aconteceu com sua irmã?
Gillian abaixou a cabeça.
—A perdemos para sempre, alteza.
Juan assentiu, aceitando suas palavras como um fato. Alford interrompeu a conversa ao oferecer refrescos ao rei.
—Jantarei com vocês quando retornar.
—Retornar, alteza?
—Sim —respondeu Juan—. Lady Gillian vai me mostrar o lugar onde acha que está escondido o tesouro de Arianna. Não saberemos com toda certeza se está lá até que não o vejamos com nossos próprios olhos.
Alford deu um passo para seu comandante, e com um gesto indicou que se aproximasse.
Juan sorriu a Gillian.
—Vamos, então? —disse, enquanto oferecia graciosamente seu braço.
A mão de Gillian tremeu quando a apoiou sobre o braço do rei. Advertindo seu incomodo, Juan cobriu a mão dela com a sua, lhe deu uma palmada afetuosa, e ordenou que deixasse de sentir medo dele.
—Você é uma súdita leal, não é mesmo?
—Sim, alteza, sou.
—Então, tal como disse antes, não tem nada que temer de mim. Você sabe, Gillian, que você lembra a ela?
—A sua Arianna, alteza?
O rosto do rei se escureceu, ao invadi—lo a melancolia.
—Sim, a minha Arianna, e mesmo que seus olhos não são da mesma cor que os dela, são igualmente belos. Eu a amava, como jamais amei a nenhuma outra mulher. Ela era... a perfeição. A miúdo me pergunto como teria sido minha vida se ela tivesse vivido. Ela conseguiu tirar tudo de bom que havia em mim, e quando estava com ela, queria ser... diferente. —Parecia um jovem envolvido nas vicissitudes de seu primeiro amor.
De repente, o rei se afastou dela e se virou para Alford, porque acabava de dar—se conta que seu amigo se achava envolvido em uma discussão com um de seus soldados. Juan se enfureceu, repreendendo ao barão pela sua grosseria e lembrando—lhe que quando ele se encontrava em um quarto, segundo a lei inglesa, ele, e só ele, devia ser o centro de atenção.
Humilhado pela reprimenda, Alford agachou a cabeça enquanto oferecia a Juan suas desculpas.
—Que você discutia com seu soldado? —perguntou Juan—. Deve tratar—se de algo muito importante para que você seja tão impertinente.
—Horace é um de seus mais leais soldados, e estava dizendo a ele que pediria a vossa alteza que concedessem, a ele e a outros três dignos homens, a honra de escoltar a vos e lady Gillian.
Com um encolhimento de ombros quase imperceptível, Juan lhes outorgou sua permissão.
—Não nos ausentaremos por muito tempo —disse, e depois ordenou a seus soldados — —Vocês, fiquem aqui. Que ninguém abandone este salão até que eu retorne. Bridgid, querida minha, você poderia, por favor, aguardar aqui?
—Sim, alteza —respondeu ela.
Alford voltou a reclamar a atenção do rei.
—Posso acompanhar vossa alteza e a lady Gillian?
—Sente—se — ordenou Juan.
Alford, sem prestar atenção à ameaça implícita no tom do rei, se atreveu a solicitar pela segunda vez.
Irritado com seu barão, Juan decidiu fazê—lo sofrer.
—Não, não pode vir conosco —repetiu outra vez mais—. E Enquanto Gillian e eu estejamos dando nosso passeio, te sugiro que tanto você como Hugh e Edwin se mantenham afastados das janelas abertas.
Alford pareceu confundido ante essa sugestão e Juan a explicou, rindo entre dentes.
—Acho que esqueci de mencionar que Dunhanshire está rodeado pelos soldados das Híghlands? Ah, pela sua expressão posso ver que, efetivamente, esqueci. Que distração da minha parte!
—Os selvagens estão aqui? —Os olhos de Alford saíram das órbitas, enquanto tragava com dificuldade, tentando superar a surpresa.
—Acabo de dizer que sim —replicou Juan—. Você sabe por que vieram, não é mesmo?
Alford fingiu ignorância.
—Não, alteza. Eu não sei por que vieram. Como poderia saber?
Juan sorriu levemente, desfrutando da insipidez de seu amigo. Estava irritado com Alford por ter sido tão descarado na sua presença, e também pela sua malévola atitude para o barão Morgan. O rei contava nesse momento com poucos lordes leais, e mesmo que Morgan não fosse um dos barões favoritos, era bem visto entre todos os demais, e sua opinião a favor das políticas de Juan poderia ajudá—lo no futuro. O empenho de Alford para encontrar o tesouro de Arianna tinha colocado Juan no centro de uma controvérsia, e pensava fazer seu amigo sofrer mais um pouco antes de perdoá—lo.
Em rigor de verdade, sempre o perdoaria, pela simples razão que tinha sido Alford quem trouxe Arianna à sua vida. Independentemente da gravidade de suas anteriores faltas, Juan nunca esqueceria esse maravilhoso presente.
Pensando em assustá—lo um pouco, se ofereceu a explicar a presença dos soldados das Highlands.
—Gostaria que te dissesse por que percorreram toda esta distância?
—Sim, se desejar... —respondeu Alford em voz baixa.
—Querem te matar. Deixe—me lembrar suas palavras exatas; ah, sim, já me lembro. O mais alto... seu nome é Maitland. Me disse que vai arrancar seu coração com suas próprias mãos, e depois o introduzirá na sua boca. Não é engraçado? E é suficientemente grande para poder fazê—lo — acrescentou, rindo baixo.
O rei não esperava resposta, de modo que continuou falando.
—Os três lairds estavam discutindo diante de mim, imagine, sobre qual dos três tinha o direito de te matar.
Alford forçou um sorriso.
—Sim, é engraçado.
—Também formularam ameaças contra você, Edwin e contra você, Hugh. O laird Buchanan enfiou na cabeça que um de você bateu em lady Gillian. Acha ter o direito de cortar as mãos do culpado. Oh, também mencionei que ia cortar seus pés, Alford, ou já mencionei essa ameaça?
Alford sacudiu a cabeça.
—Você deveria tê—los matado por ameaçar seus amigos! —gritou—. Não somos leais a vossa alteza? Não passamos juntos por muitas coisas, e sempre permaneci a seu lado contra seus inimigos, incluindo ao Papa. Mate—os! —exigiu com um grito.
—Não! —gritou Gillian.
Juan deu suaves palmadas no braço dela.
—Você vê como pôs a nossa querida dama? Vamos, Gillian. Esta discussão pode esperar até que retornemos, mas posso te assegurar que não tenho intenção de matar os lairds. —Bem sei que depois teria a todos os homens das Highlands me acossando em minha porta, e já tenho bastante caos em meu reino por enquanto. Não preciso de mais.
As portas se abriram de par em par, e saíram ao exterior. Gillian desceu os olhos para ver onde pisava, e quando voltou a levantá—los, se deteve bruscamente, soltando um suspiro sufocado.
Ali, de pé no centro do pátio de armas, se encontravam lan, Ramsey e Brodick. Iam armados, com as espadas embainhadas.
Os olhos de Brodick pareciam arder de fúria, e a olhava, aparentemente incapaz de aguardar o momento de colocar as mãos em cima dela. Ela não pôde afastar os olhos dos seus, Juan os tinha ordenado esperar fora dos muros, e portanto, não soube que fazer ante a aparição dos lairds. Como tinham entrado? Com mais curiosidade que irritação, olhou a Gillian.
—Você se comprometeu com este laird por sua vontade própria? — perguntou.
—Pela minha própria vontade me casei com ele, alteza —respondeu ela—. E o amo muito.
—Então é verdade o que dizem. O amor é cego.
Sem saber se o rei brincava e esperava que risse da piada, ou se falava a sério e esperava seu assentimento, optou por permanecer em silêncio.
Ao olhar para Brodick, este mudou de posição, separando as pernas, o que fez com que ocupasse o dobro de espaço. De imediato, lan e Ramsey fizeram o mesmo.
A mensagem era clara: não iam permitir que Gillian passasse, e ela sabia que se o rei e ela tentassem rodeá—los, eles cortariam a passagem.
O resto dos soldados do rei permaneciam expectantes na retaguarda, com as mãos apoiadas sobre os punhos de suas espadas, observando e esperando a ordem de Juan.
Os lairds pareciam insensíveis à ameaça dos soldados, e Gillian se sentiu desesperada por seu segurança.
—Retirem—se —ordenou Juan.
—Alteza, pode meu marido acompanhar—nos em nosso passeio? —perguntou Gillian em voz baixa—. Não o vejo há muito tempo, e me faria muito feliz contar com sua companhia.
—Oh, sim? —disse Juan, mais uma vez sorridente—. Ele não parece tão feliz de voltar a te ver, Gillian. Nenhum deles parece —acrescentou—. Na verdade, a expressão de seu laird é a de um marido que gostaria de dar uns açoites em sua esposa.
—Oh não, ele jamais faria tal coisa! — assegurou ela—. Por mais zangado que possa estar, não pensaria em me fazer mal. São homens de honra, todos eles.
Juan se deteve diretamente frente a Brodick e jogou a cabeça para atrás para poder olhar ao gigante nos olhos.
—Sua esposa quer que nos acompanhe em nosso passeio —disse.
Brodick não respondeu nem uma palavra mas deu um passo atrás para que Gillian e Juan pudessem passar. A mão de Gillian roçou a sua, uma carícia intencionada que ela não pôde resistir.
Gillian sabia que, nesse momento, Brodick se achava diretamente atrás dela, e se sentiu presa de emoções em conflito. Queria se atirar nos braços dele e dizer o quanto lamentava tê—lo colocado em semelhante perigo, mas também desejava gritar com ele por ter mentido e colocado a vingança acima de sua própria segurança.
Ansiosa por protegê—lo elevou a Deus uma prece. O rei soltou o braço dela , e atravessaram juntos o desolado pátio de armas. Gilliam viu que Horace selecionava três homens, e seu desassossego aumentou. Desejou que Juan não tivesse aceitado à solicitação de Alford.
Os soldados de Alford marcharam atrás do rei. Brodick permaneceu atrás dela, oferecendo suas costas, vulnerável a qualquer ataque, e o pânico que a dominou se fez quase intolerável.
Pelo rabo de olho viu que outro grupo dos homens de Alford subia a escada e entrava no castelo. Juan a distraiu.
—Aonde você me leva? — perguntou
—Vamos às velhas cavalariças, alteza. Estão diretamente atrás do novo edifício que construiu Alford depois de tomar o controle de Dunhanshire.
—Por que seus homens não se limitaram a jogar abaixo o velho edifício quando levantaram o novo?
—Por superstição.
—Explique—me a que você se refere, e enquanto o faz, diga—me como você descobriu onde estava escondido o tesouro.
Gillian começou durante a noite em que seu pai foi assassinado, e terminou seu relato quando chegavam ao destrambelhado estábulo.
A uma ordem do rei, um dos soldados correu para buscar uma tocha. Enquanto o esperavam, Juan continuou falando com Gillian.
—Ainda não me explicou a que você se referia quando falava de superstição — disse.
—Depois que Hector perdeu a razão, os soldados começaram a temê—lo, e minha criada me contou que, cada vez que ele passava frente a eles, se punham de joelhos e faziam o sinal da cruz. Ela os viu fazer isso inumeráveis vezes —acrescentou—. Os soldados temiam que Hector tivesse o poder de fazê—los tão loucos como ele. Liese também me contou que achavam que Hector estava possuído pelo diabo em pessoa, e por esse motivo não queriam tocá—lo, nem tocar nada que lhe pertencesse. Hector perambulava pela propriedade durante o dia, e dormia em um canto do estábulo pelas noites.
—Você pinta meus soldados como idiotas supersticiosos, mas se você está certa, seu temor conservou a bom resguardo o tesouro de Arianna durante todos estes anos.
O soldado voltou com a tocha acesa, e Juan indicou por sinais que passasse diante. Gillian se sentiu de repente tão cheia de apreensão que não pôde obrigar a suas pernas a movimentar—se. “Santo Deus, faz com que o tesouro esteja aqui.”
Sentiu a mão de Brodick sobre seu ombro, e se apoiou contra ele. Assim permaneceu mais alguns segundos, mas era toda a ajuda que precisava, e enquadrando os ombros, seguiu ao rei ao interior do estábulo.
Pôde ver os nós que se formavam em tecidos de pó bailando nos raios de sol que se filtravam pelos buracos do teto. Essa luz não teria sido suficiente sem o auxílio da tocha. A atmosfera era rançosa como a morte, e cheirava a mofo e a fechado. A cada passo que davam, se fazia mais densa e intolerável.
O rei se deteve ao chegar na metade do corredor, e indicou que avançasse diante dele.
—Está no canto —disse Gillian, enquanto passava frente a ele. Manteve a atenção fixa no chão, que estava coberto de lascas de madeira podre e de lixo.
Quando deixou para trás a última cavalariça, se voltou lentamente para olhar a parede do canto, e lançou um grito. Ali estava o bolsa de Hector, ainda pendurado de um gancho na parede.
—Olhamos para ver se a caixa está dentro? —murmurou Juan.
Se antecipou, com Gillian a seu lado, e retirou o imundo saco do gancho, e pondo de lado os resíduos com a ponta da bota, se ajoelhou sobre o chão.
—Está aí o tesouro, alteza? —perguntou Horace.
O rei não respondeu.
—Você vê como me tremem as mãos? —perguntou em um sussurro, enquanto virava a bolsa, deixando cair o conteúdo sobre o chão.
Uma velha dobradiça oxidada foi que caiu primeiro, e depois várias pedras de diferentes tamanhos. Depois se dispersou uma grande quantidade de lixo, e uma caçarola de madeira se partiu em duas ao bater contra o chão. O rei soltou um grito. Um sujo pedaço de lona, envolvido como uma bola, caiu ante ele. Ao desembrulhar o trapo, viu que se tratava de uma túnica de homem, e quando o último revestimento foi desfeito, as pedras preciosas que cobriam a magnífica caixa cintilaram ante seus olhos.
As lágrimas inundaram os olhos de Juan, e se viu acumulado de lembranças de sua doce Arianna. Por um instante imerso no passado, com a cabeça baixa, voltou a chorar mais uma vez a sua amada.
—Alteza, está aí o tesouro? —voltou a gritar Horace.
O rei estava muito aflito pela emoção para notar o tom impertinente e insolente do soldado.
Brodick sim o tinha advertido, e estava se virando para dar as costas à sua esposa e ao rei, quando Horace fez um sinal com a mão aos soldados. Seus três seguidores se apressaram a formar um círculo frente a Brodick.
O único que se interpunha entre eles e o rei era o laird das Highlands, e tolos como eram, achavam realmente que a vantagem estava de seu lado.
Brodick compreendeu exatamente em que consistia seu plano.
—Seu rei está desarmado —lhes disse, em voz muito baixa, tingida pelo ódio.
Juan, ainda de joelhos, levantou a vista enquanto os soldados tiravam suas espadas. Abriu os olhos com incredulidade, e por um breve instante achou que o que o ameaçava era Brodick. Então viu que as mãos de Brodick ainda estavam nas suas costas, e sua espada seguia na sua bainha. Onde, pois, estava a ameaça que obrigava os soldados a desencapar suas armas?
Esquecendo por enquanto o tesouro, Juan se pôs de pé.
—Qual é o perigo? —perguntou.
Os soldados permaneceram em silêncio.
—Gillian, diga a seu rei que seus soldados têm intenção de matá—lo —disse Brodick.
O líder dos soldados sorriu.
—E seremos honrados por nossa ação. Sim, vamos a te matar, Juan, e também mataremos o laird e a sua esposa. —Fazendo um gesto para Brodick, acrescentou—. E culparemos a você, naturalmente.
Juan lançou mão de sua espada, e então se lembrou que estava desarmado.
—Um grito da minha parte, e meus soldados virão correndo.
Horace riu desdenhosamente.
—Vocês estarão morto antes que cheguem aqui.
Brodick sacudiu a cabeça.
—Não posso permitir que vocês matem a seu rei, porque isso afligiria a minha esposa, e maldito seja se os deixarei chegar perto dela. Deixei bem claras quais são minhas intenções?
Se jogaram sobre ele todos à uma, e seu erro de julgamento proporcionou a Brodick uma vantagem adicional. Na sua pressa por apanhá—lo, tropeçaram uns contra outros.
Se moveu com a velocidade de um animal selvagem, os homens que queriam matá—lo só puderam ver o prateado brilho de sua espada, e ouvir seu som sibilante quando o guerreiro a fez descer sobre eles. Sua ponta atravessou dois dos soldados, enquanto com um pontapé quebrava o braço de outro, lançando—o ao chão. Depois, virando para trás, bloqueou o ataque do último, ao qual deu uma cotovelada que lhe fraturou a mandíbula.
Gillian tomou ao rei pelo braço e tentou separá—lo da zona de perigo, mas Juan, em um arranque de coragem, não quis retroceder. A empurrou atrás dele, e a protegeu com seu próprio corpo.
Antes que Gillian encontrasse força para soltar um bom grito dois dos soldados jaziam mortos aos pés de Brodick, e os dois restantes se retorciam de dor. Brodick nem sequer arquejava. Limpou o fio de seu espada sobre um dos mortos, para limpá—la do sangue inglês, voltou a embainhá—la na sua capa, e se virou. Não pôde esconder sua surpresa ao ver o rei protegendo a sua esposa.
Juan estava estupefato. Contemplou aos traidores, e depois a Brodick.
—Quatro contra um —murmurou roucamente. Muito impressionante, laird.
Brodick deu de ombros.
—Ainda não viu nada realmente impressionante. Se ouviu o rangido de uma chispa, proveniente de uma tocha caída, quando o rei se ajoelhou para tomar delicadamente a caixa entre suas mãos. Com grande cautela, pressionou os molas ocultas, e a caixa se abriu. Durante um longo momento, ficou em silêncio, contemplando o que havia no seu interior.
E então um som gutural brotou do mais profundo de seu garganta, um som que foi crescendo até converter—se em um monstruoso e torturado grito que ressoou nas velhas paredes que os rodeavam.
E o grito de angústia pelo que tinha perdido se transformou em uma vociferante fúria.
O som paralisou Gillian, e de repente tudo foi muito para ela, a dor da alma, a traição, o engano, o medo. Não pôde bloquear nem os uivos nem as lembranças. E mentalmente se encontrou de repente no alto desses escorregadios degraus do escuro passadiço. O dragão começava a sair da parede, movimentando sua comprida língua, enquanto Christen e ela eram jogada ao negro abismo. Voltava a ser uma aterrorizada menina, abandonada e completamente só. Pôde ouvir os angustiantes gritos ressoando a seu redor, e voltou a ver seu pai levantando os olhos para ela, uns olhos cheios de pena e de cansaço. Não podia salvá—la. Se aproximou mais...
E subitamente, ali estava Brodick, frente a ela, chamando—a.
—Gillian, olhe—me.
A ternura de sua voz e a carícia de sua mão contra seu rosto, conseguiram matar o terror, e com um soluço, caiu em seus braços.
—Quero ir para casa —chorou Gillian.
—Em breve —prometeu ele—. Agora, se ponha atrás de mim, e fique aí.
A áspera ordem a sacudiu, e se apressou a fazer o que ordenasse, já que podia ouvir o estrondo dos soldados que se aproximavam. A fumaça do fogo incipiente deve tê—los alertados. A suas costas começaram a crescer as chamas, e soube que logo que os homens do rei entrassem e vissem os soldados mortos, atacariam a Brodick.
Virando—se para o rei, Gillian o viu secar as lágrimas do rosto, enquanto fechava a caixa. Envolveu o tesouro com a túnica, voltou a colocá—lo na mochila, e se pôs de pé, cambaleante.
Também ele deve ter ouvido a chegada dos soldados, porque se colocou ao lado de Brodick. Quando os homens entraram no estábulo, levantou a mão.
—Estes homens são seus, ou de Alford? —perguntou Brodick.
—Meus —respondeu o rei.
Sua voz se ouvia mortalmente calma.
—Venha comigo —ordenou a Brodick, e saiu do estábulo.
Brodick arrastou Gillian atrás dele, mas quando chegaram ao pátio de armas, se deteve e lançou um agudo assobio.
Dylan e Robert cavalgaram até eles.
—Tire—a daqui— ordenou a Dylan—. Robert, espere Bridgid, e leve—a com você.
Gillian não teve tempo de discutir. Dylan se agachou, a levantou do chão e lançou seu cavalo a galope.
—Deixem entrar os homens das Highlands! — gritou Juan a seus soldados, e depois, com um gesto, indicou a lan e a Ramsey que entrassem atrás dele e de Brodick.
Alford não tinha permanecido ocioso durante a espera. Tinha usado o tempo para reunir mais soldados, e podiam ver uma dúzia pelo menos postados perto do armário embutido. Brodick e Ian permaneceram atrás do rei, mas Ramsey viu de imediato a Bridgid, sentada em um canto, e correu para ela. Tomando—a pela mão, a obrigou a colocar—se de pé, e sem dizer nem uma só palavra, a levou consigo.
Bridgid tinha medo de falar com ele. Jamais tinha visto Ramsey tão furioso, e isso lhe dava tanto medo como o que lhe tinha dado os barões ingleses. Ramsey também não disse nada a Robert, mas por gestos indico que levasse a Bridgid para fora, e depois, agachando a cabeça, entrou no castelo.
O rei estava falando em alta voz com Ian Maitland quando Ramsey se reuniu com eles. Não sabia de que falava Juan, até que o ouviu perguntar a Ian se tinham raptado seu filho. Ian assentiu com um brusco movimento da cabeça, e então o rei estendendo a mão, pediu sua espada.
—Me pode emprestar?
De má vontade, Ian lhe deu sua espada. Juan se virou, e levando a espada em uma mão, pendurou o bolsa na outra, enquanto se aproximava lentamente à mesa onde aguardava Alford.
O barão começou a colocar—se de pé, mas Juan o ordenou sentar—se.
—Este foi um dia cheio de decepções —assinalou, com voz tão fria como uma noite invernal.
—Portanto não encontrou tesouro? —perguntou Alford, com um sorriso bailando nos seus olhos. Ao ver que Juan não respondia, supôs que estava certo—. Têm que estar aqui dentro com os homens das Highlands, alteza?
Juan se deu conta do assustados que estavam Hugh e Edwm. Continuaram dando olhadas furtivas aos lairds, mostrando às claras a apreensão que os dominava. O rei olhava a Ian Maitland, mas o laird não o estava olhando.
Não, seus olhos pareciam resplandecer de ódio, e seu olhar, da mesma forma que a de laird Buchanan, estavam cravados na sua presa.
—Eles te assustam, Alford? —perguntou Juan, assinalando com um movimento de cabeça aos lairds.
Conseguiam, sim, colocá—lo nervoso, mas se sentia a salvo, pensando que não podiam fazer—lhe nenhum dano. Se algum deles tentasse pegar a espada, seus homens e a guarda do rei os derrubariam.
—Não, não me assustam, mas são... bárbaros.
—Não se mostre tão pouco hospitaleiro —o repreendeu Juan.
Tomando a bolsa com uma mão, e a espada de Ian com a outra, Juan começou a rodear lentamente a mesa.
—O dia de hoje fez renascer toda a dor —disse, e virando—se para os lairds, lhes ofereceu uma explicação— Só amei uma única mulher em minha vida, e seu nome era Arianna. Meu querido amigo, Alford, a trouxe até mim, e me apaixonei imediatamente por ela. Acho que ela também me amava —acrescentou—. E eu poderia ter achado uma forma de me casar com ela.
Deixou de vaguear e deixou cair a bolsa sobre a mesa, frente a Alford.
—Abra—a —lhe ordenou.
Alford a virou e observou seu conteúdo esparramado sobre a mesa. A caixa rodou fora da túnica que a envolvia.
Juan contou o que havia dentro.
—Minha adaga está no fundo. A enviei a Arianna, com um escudeiro, para que com ela cortasse uma mecha de seu dourado cabelo. Você lembra, Alford?
Antes que o barão pudesse responder, Juan continuou.
—Em cima da adaga, há uma mecha de seu cabelo. Diga—me, Alford, o que há em cima da mecha?
—Não... não sei —balbuciou Alford.
Juan começou a vaguear lentamente ao redor da mesa.
—Não? Em cima está sua faca!
—Alguém... roubou minha adaga... o pai de Gillian deve ter...
A voz de Juan estalou como uma chicotada.
—O pai de Gillian não estava na corte, mas você sim, Alford. Você a matou.
—Não, eu não...
Juan deu um murro sobre a mesa.
—Se quer viver, diga—me a verdade.
—Se quero viver...
—Não te matarei, sempre e quando você disser a verdade —prometeu Juan—. Quero saber exatamente o que aconteceu, mas antes você deverá se confessar ante mim. Você a matou, não foi?
—Ela ia te trair —balbuciou Alford—. Não quis escutar meu... conselho... e estava decidida a interferir entre você e seus conselheiros. Só tentei proteger meu rei. O poder tinha subido à cabeça dela, porque sabia... sim, sabia, que podia te controlar.
—Quero saber exatamente o que aconteceu —exigiu o rei com a voz trêmula pela fúria.
—Fui até seu quarto para tentar raciocinar com ela, e zombou de mim, alteza. Sim, o fez. Seu escudeiro trouxe a caixa, e a pôs sobre a mesa. Estava aberta, e sua adaga estava dentro. O escudeiro não me viu, e depois que havia partido, Arianna pegou sua adaga e cortou uma mecha de seu cabelo. Pôs a mecha e a adaga novamente dentro da caixa...
—E você continuou tentando raciocinar com ela?
—Sim, mas não quis me escutar. Jurou que nada se interporia no seu caminho. Me atacou, e tive que me defender.
—E por isso você cortou a garganta dela?
—Foi um acidente. Devo admitir que senti pânico. Seu escudeiro bateu na porta, e sem pensar, joguei minha adaga na caixa, e a fechei. Ia contar. Sim, sim, ia contar —gritou Alford.
—E como você tinha a chave do quarto, não foi difícil escapar, não é mesmo? Você fechou a porta, e levou a caixa do quarto dela. Foi assim, Alford?
—Sim.
—E depois você me consolou quando encontrei seu cadáver... tão bom amigo como você é.
—Ia te confessar, mas você estava tão afligido que decidi esperar.
—Não, o que você decidiu foi culpar o barão de Dunhanshire.
—Sim —reconheceu Alford, tentando soar contrito—. O pai de Gillian tinha vindo a meu castelo para falar sobre uns territórios que compartilhávamos. Viu a caixa quando entrou no salão sem ser anunciado. Mas fingiu não tê—la visto, e mal lhe dei as costas, a roubou. Ia guardar para ele —terminou dizendo.
—Não, você não acha isso —murmurou Juan—. Você sabia que ele me devolveria, não é mesmo, Alford? De modo que você sitiou Dunhanshire, e o matou para silenciá—lo.
—Tive que matar Arianna —repetiu Alford—. O teria destruído.
—A mim? —gritou o rei.
Não pôde continuar com o jogo por mais tempo. Se ergueu atrás de Alford, e levantou a espada de Ian— Vá Para o diabo! —uivou, enquanto lhe cravava a espada na costas. O barão arqueou, depois se pôs rígido e caiu lentamente no chão. Juan deu um passo atrás, com o peito agitado pela ira. O quarto ficou imerso em um silêncio sepulcral, Juan pegou a caixa, e foi para a porta.
—Seu filho foi vingado —declarou a lan Maitland enquanto indicava a seus soldados que o seguissem.
Hugh tinha se escondido, morto de medo, atrás dos soldados.
—Meu rei —chamou— Edwin e eu não tivemos nada a ver com a traição de Alford!
Juan decidiu ignorá—lo. Se dirigiu para a porta e passou frente aos três lairds.
—São todos seus —lhes disse.
A porta se fechou, quando Ian, Ramsey e Brodick começavam lentamente a avançar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capítulo 38

Ramsey e Brodick não eram homens de deixar—se envergonhar ou intimidar facilmente, mas quando o barão Morgan Chapman terminou de dizer o que pensava deles e de passar um bom sermão, os lairds ficaram claramente mortificados.
E foram suficientemente homens para reconhecer. Mesmo que ambos desejassem discutir com o áspero idoso, não se atreveram a fazê—lo porque tinham lhes ensinado a respeitar os mais velhos, mas Morgan estava fazendo tudo muito difícil ao lançar selvagens acusações a eles.
Pareceu que demorava uma eternidade em chegar até o núcleo do problema. Ficou de pé frente aos lairds, com os braços cruzados, comportando—se como um pai castigando a seus rapazes. Era condenadamente humilhante, mas Ramsey e Brodick suportaram a pé firme.

—Vivi uma vida pacífica, mas nos últimos dois dias tive que escutar suficientes choramingos e queixas de duas muito zangadas e jovens damas para que me durem o resto da minha vida. Vocês tiveram o descaramento de jogá—las nos meus braços e depois enviá—las para casa comigo, e lhes asseguro que quando chegamos aqui minhas orelhas ardiam. Mas será que terminou ali?
Ramsey cometeu o erro de se aventurar a dizer que não, e sacudiu a cabeça, ganhando com isso uma reprimenda e uma blasfêmia de parte do mal—humorado barão.
— Não! —vociferou— As doces moças mal tinham começado. Pensei em ir para a cama, mas sabia que me seguiriam até lá —Fazendo a Brodick um gesto de assentimento, declarou— Você despedaçou o coração de Gillian, e não quer voltar a te ver nunca mais.
—Pois então que ela mantenha os olhos fechados, porque asseguro que ela voltará para casa comigo.
—Vocês se casaram precipitadamente..
—Sabia o que queria, e tomei.
—Você tomou? Estamos falando da minha sobrinha, ou não?
—Sim, senhor, falamos dela.
—Ela garante que você deu sua palavra de honra, e depois a quebrou.
—Sim.
—Acha que você a usou.
—O fiz.
—Diabos, homem, pelo menos você poderia me explicar por que.
—Você sabe por que —replicou Brodick—. Não podia permitir que enfrentasse semelhante perigo. Se alguém deve estar zangado, este sou eu, já que me seguiu imprudentemente .
Morgan passou os dedos pelos brancos cabelos.
—Não acha que você a ame, e insiste em voltar a viver aqui, comigo,.
Antes que Brodick pudesse responder, o barão dirigiu seu mau humor para Ramsey.
—Bridgid também decidiu que quer ficar comigo. Insiste em que gosta dos ingleses, que Deus se apiede de mim.
—Vai voltar para casa comigo —anunciou Ramsey.
—Por que?
Ramsey ficou surpreendido pela pergunta.
—Porque é uma Sinclair.
—Essa não é razão suficiente. Diz que não deixa de tentar casá—la para se livrar dela. Também diz que sua mãe a expulsou de casa. É verdade?
Ramsey soltou um suspiro.
—Sim, é verdade.
—E será que não está fazendo o mesmo?
—Não, não é o mesmo —insistiu Ramsey—. Bridgid me disse que está apaixonada, mas se nega a dizer—me por quem.
Completamente exasperado, Morgan sacudiu a cabeça.
—Te disse que era um homem estúpido?
—Para dizer verdade, sim.
O barão deixou cair a cabeça, e contemplou Ramsey através de suas espessas sobrancelhas durante longo momento. Depois, suspirou.
—Será que você nasceu ontem, filho? Por quem você acha que está apaixonada, pelo nome de Deus? Pensa um pouco, e tenho certeza que descobrirá.
Não foi tanto o que disse o barão, mas a maneira em que disse que finalmente o fez compreender. A mente de Ramsey se iluminou, e com a compreensão chegou um lento e feliz sorriso.
Morgan fez um gesto de alívio.
—De modo que finalmente se deu conta, não é? E já era hora, se me pergunta —murmurou—. Se me vejo obrigado a suportar outra detalhada descrição de seus encantos, te juro que não poderei continuar retendo a comida no estômago. Você vai se esquecer dessa bobagem de se casar com uma moça chamada Meggan para manter a paz entre os dois clãs?
—Ela falou de Meggan? —perguntou Ramsey, sem deixar de sorrir.
—Filho, não acho que haja nada que não tenha me contado sobre você. Você deixou, então, de ser estúpido e já recuperou o sentido?
Ramsey não se deu por ofendido.
—Parece que sim —assentiu.
—É uma verdadeira dama — advertiu Morgan.
—Sim, senhor, é.
O barão se endireitou.
—Agora, vejamos. Quero que os dois me escutem atenciosamente, porque direi minhas condições.
—Suas condições, senhor? —perguntou Brodick. Deu uma cotovelada em Ramsey para que deixasse de sorrir como um idiota e prestasse atenção—. Você poderia ajudar um pouco — disse em voz baixa.
—Sim, minhas condições —repetiu Morgan—. Vocês acham que quero ficar com duas mulheres doentes de amor?
—Então deixe—nos levá—las —raciocinou Brodick.
A sugestão lhe valeu outro olhar furioso.
—Pelos seus olhos, posso ver que você ama Gillian; talvez convenha que você diga isso a ela, filho meu, porque colocou na cabeça que você não se importa com ela.
—É minha esposa. Sem dúvida que me importa.
O barão soltou um bufo.
—Tem muito caráter.
—Se tem!
—E é obstinada. Eu não sei de quem herdou esse defeito, mas é.
—Sim, senhor.
—Não poderá dobrar sua vontade.
—Não quero fazer isso, senhor.
—Bem, porque se alguém vai dobrar algo, essa será ela. Não preciso dizer a você que a trate bem, porque conhecendo minha Gillian, ela se assegurará que assim seja. É uma mulher forte, mas tem doces sentimentos.
—Senhor, você mencionou condições — lembrou Ramsey
—Sim, com efeito —assentiu o idoso— Amo minha sobrinha —declarou— E me afeiçoei também a Bridgid. Não quero que pense que eu também a expulsei da minha casa. Na verdade, sim... —acrescentou apressadamente — Mas não quero que pense isso. Em meu ponto de vista...
—Sim? —perguntou Ramsey ao vê—lo titubear.
—Vocês têm que... animá—las... a partir. Não quero que as ameacem —acrescentou —Vocês destroçaram o coração de ambas; agora, reparem.
Depois que dar—lhes essa dura ordem, Morgan abandonou o salão para ir pessoalmente em busca das damas.
Ramsey e Brodick andavam pelo salão, esperando
—O barão me lembra alguém, mas não consigo me lembrar a quem —comentou Ramsey.
—Te juro que nem meu próprio pai me falou como acaba de fazer o tio de Gillian.
—Seu pai morreu antes que você tivesse idade suficiente para conhecê—ló.
—Foi muito humilhante, maldito seja. Aliás, não é o que eu esperava. Pela forma em que Gillian falava dele, eu imaginava encontrar—me com um cavalheiro delicado e de bons modos. Ela acha que ele é... bondoso. Será que está cega? Em nome de Deus, como pode amar a um velho caprichoso?
Ramsey levantou a cabeça, e de repente explodiu em gargalhadas, fazendo—o perder o fio de seus pensamentos
—É igual a você.
—Quem?
—Morgan... me lembra você. Meu Deus, Gillian se casou com um homem idêntico a seu tio. Observe ao barão, e você poderá se ver nele dentro de vinte anos.
—Você está sugerindo que vou me converter em um velho beligerante e mal—humorado?
—Diabos, já é beligerante e mal—humorado. Não é surpreendente que gostasse de você —afirmou.
—Não estou de humor para briga.
Ramsey desabou sobre uma cadeira, rindo, mas em seguida voltou a ficar sério.
—Não posso crer que Gillian pense que vai ficar aqui.
—Esperava que minha esposa me recebesse de braços abertos, e nem sequer desceu. Se tenho que arrastá—la até em casa, o farei —disse Brodick.
—Você desejava me ver, laird?
Ante o som da voz de Bridgid, Ramsey e Brodick se viraram.
—Onde está minha esposa? —perguntou Brodick.
—Em cima —respondeu Bridgid—. Descerá em uns instantes.
—Nos deixaria um momento a sós? — pediu Ramsey a Brodick—. Eu pedi a Brodick, não a você, Bridgid. — Volte aqui.
Com um suspiro, Bridgid se virou e se dirigiu para Ramsey, enquanto Brodick abandonava a sala.
Ramsey se apoiou contra a mesa, cruzou os braços sobre o peito e sorriu. Ela não devolveu o sorriso. Inclinou a cabeça, para não distrair—se com as adoráveis covinhas de Ramsey.
Bridgid se conduzia com timidez, e Ramsey se perguntou o que estaria pensando, já que sabia que Bridgid não tinha um só osso tímido em todo seu formoso corpo.
—O barão Morgan me disse que você desejava me ver.
—Isso mesmo—respondeu ele—. Tenho algo importante que te dizer, mas antes, quero que você me diga como fez.
—Como fiz o que, laird?
—Bridgid, olhe—me.
—Sim, laird? —disse, à defensiva. Levantou os olhos, e sentiu que seu coração se acelerava, e começou a notar o familiar estremecimento no estômago. Se alguma vez chegasse a beijá—la, provavelmente desmaiaria, pensou, e essa ridícula imagem conseguiu serená—la por um momento.
—Disse algo engraçado? —perguntou Ramsey.
—Sim... quero dizer, não, sem dúvida que não.
—E então por que você sorri?
Ela levantou os ombros.
—Você quer que deixe de sorrir?
—Pelo amor de Deus, Bridgid, preste atenção.
—Estou prestando atenção.
—Quero saber como você fez para percorrer todo o caminho até a Inglaterra sem que te detivessem nem te matassem.
Bridgid refleti um momento sobre a pergunta antes de responder.
—Utilizei truques e enganos.
—Quero uma boa explicação.
—Muito bem —concordou ela—. Enganei Proster para que achasse que Gillian precisava ver Annie Drummond, e quando já tínhamos empreendido a marcha, disse a verdade. Espero que não o culpe, nem a Ker ou a Alan. — Gillian e eu nos negamos a voltar.
—E como eles são tão jovens, não sabiam que podiam arrastá—las de volta para casa, por mais que vocês discutissem com eles.
—Não deveriam ser castigados.
—Não tenho intenção de castigá—los. Eles ficaram com vocês, e fizeram tudo o que puderam para as proteger, e por isso serão recompensados. Vocês não fizeram fácil sua tarefa.
—Espero que também não culpe a Gillian — implorou. —Gillian não deixou de tentar que voltássemos para casa, mas não a ouvimos.
—Por que fugiu dos soldados e foi até o interior de Dunhanshire?
—Pensei que poderia ajudá—la simulando ser sua irmã, mas tal como foi tudo, me transformei em um estorvo. — Laird, posso perguntar algo?
—De que se trata?
—Que ocorreu com todos os soldados e os serventes de Alford? Os serventes do tio Morgan voltaram para cá, mas, e os outros?
—Imagino que a estas horas estarão de volta, esperando servir o novo barão. Nós não matamos inocentes.
—E os soldados?
—Eles não eram inocentes.
Ramsey não deu mais detalhes, e Bridgid considerou que não precisava conhecer mais pormenores.
—Vocês irão em breve para casa? —perguntou então.
—Sim.
Bridgid assentiu.
—Bom viagem, então. —E com essas palavras, se dispôs a ir embora.
—Ainda não terminamos.
—Que mais você quer de mim?
—Mais? Ainda não te pedi nada... ou sim?
Ela negou com a cabeça.
—Aproxime—se, Bridgid.
—Estou bem aqui.
—Aproxime—se — ordenou ele, e na sua voz havia certa dureza.
Bridgid não ia ter saudades do seu autoritarismo, decidiu enquanto avançava. Se deteve diretamente frente a ele.
—Está satisfatório?
—Mais perto —ordenou Ramsey.
Bridgid se colocou entre suas pernas estiradas.
—Assim te parece suficientemente perto?
—Por enquanto, sim.
Era evidente que Ramsey estava desfrutando de seu incomodo, e ela estava completamente confusa.
Ramsey parecia estar brincando com ela, e isso carecia de sentido. Não era possível que soubesse da agonia que padecia ela ao estar tão perto dele e não poder tocá—lo. Era desesperante. Senhor, como desejava não amá—lo com essa intensidade.
Só a ideia de vê—lo partir lhe dava vontade de se pôr a chorar, mas jurou que morreria antes de permitir que ele visse uma só lágrima sua.
—O tio Morgan me disse que você queria me dizer algo. De que se trata?
—O tio Morgan? E desde quando vocês são parentes?
Bridgid levantou a queixo, desafiante.
—Me afeiçoei muito a ele. Ramsey pôs os olhos em branco.
—Não vai ficar aqui. Isso é o que queria te dizer.
—Já decidi ficar.
—Pois então, mude sua decisão. Você vai voltar para casa comigo.
De repente Bridgid sentiu que se punha tão furiosa com ele por ser tão estúpido e obstinado, que explodiu.
—Não, não vou retornar. Eu ficarei aqui. O tio Morgan disse que podia ficar. Eu gosto da Inglaterra. Sim, a sério. Você e seus soldados mentiram descaradamente. Fizeste com que a só ideia da Inglaterra soasse como o purgatório, mas descobri a verdade. O país é tão belo como o nosso, e as pessoas são iguais a nós. Devo reconhecer que me é um pouco difícil entendê—los, pela forma em que falam, mas já estou me acostumando. Você sabe quantos ingleses ajudaram a Gillian e a mim ao longo de nossa viagem? Centenas —exagerou—. Famílias que não tinham praticamente nada para compartilhar, insistiram em que aceitássemos seus poucos alimentos e mantas. Inclusive nos ofereceram suas próprias camas. Nos atenderam, e éramos para eles perfeitas desconhecidas. —Todas essas histórias eram patranhas. — Eu gosto deste país, e gosto do tio de Gillian. É doce e bondoso.
A última parte de seu discurso fez rir a Ramsey.
—Morgan te parece doce e bondoso?
—Sim —insistiu— E ele também gosta de mim.
—Mas você é uma Sinclair.
—Ali não há nada para mim.
—E o homem que você disse que amava?
Ela retrocedeu um passo, mas Ramsey a tomou pelo braço e voltou a trazê—la para ele. Bridgid tentou olhar a qualquer outra parte e não a ele, para poder se concentrar.
—Já não o amo —declarou.
—A que demônios você se refere com isso que já não o ama? São tão superficiais seus sentimentos, Bridgid?
—Não —replicou ela—. O amei durante muito tempo, desde que era menina, mas agora me dou conta que é totalmente inadequado.
Ramsey não gostou isso.
—Que é, exatamente, “inadequado” para você?
—Tudo —exclamou ela—. É obstinado e arrogante, e muito estúpido. Sim, é. Também é um mulherengo, e o homem com o qual me casar deverá ser fiel. Não vou continuar perdendo tempo com ele. Além disso, ele pode conseguir qualquer mulher que lhe agrade. Se jogam a seus pés —acrescentou, afirmando—. E me ignora totalmente.
—Ah, Bridgid, ele a admira muito.
—Esse homem nem sequer se interessa se existo.
Ramsey sorriu.
—Certamente o interessa.
—O que está fazendo?
Ela tentou se soltar de suas mãos, mas Ramsey agarrou a mão dela e começou a atraí—la lentamente para ele.
—O que quis fazer há muito tempo.
Bridgid não pôde se mexer, nem pensar. Se achava perdida dentro dos escuros olhos de Ramsey, quando ele começou a descer a cabeça até a dela.
—Você vai me afogar, verdade? —sussurrou.
Ramsey ria quando a beijou. Deus, Bridgid tinha os lábios mais suaves e doces do mundo, e Ramsey sentiu um incrível regozijo e paz ao tê—la nos seus braços. Sua boca se abriu sobre a dela, com gesto absolutamente possessivo.
Sua língua deslizou indolentemente até encontrar a dela, e tomou o tempo que quis para desfrutar de seu sabor, achando que estava absolutamente controlado, até que ela começou a corresponder a seus beijos.
Conseguiu sacudi—lo até o mais profundo de si. Ramsey jamais tinha experimentado algo semelhante. Sua arrogância e seu controle se esfumaram como por encantamento, e se encontrou tremendo de desejo. Tudo foi tão vertiginoso que teve dificuldades para conservar a força. Sua boca cobriu a dela uma e outra vez, inflamado de paixão. Queria ter cada vez mais dela, mas nada era suficiente.
Ela tinha as mesmas dificuldades para recuperar o domínio de si. Cambaleou ao separar—se dele.
—Por que você me beijou?
—Porque queria te beijar —respondeu ele, em um tom suave como o veludo.
—Você estava... era... um beijo de despedida? Você estava me dizendo adeus?
Ele riu.
—Não —respondeu—. Você volta para casa comigo.
—Eu vou ficar aqui. Vou me casar com um inglês.
—Maldita seja se fará! —rugiu ele, que ficou mais surpreendido que ela ante esse súbito estalo de fúria.
Nenhuma mulher tinha sido capaz de provocar nele uma reação semelhante, mas só a ideia de sua Bridgid com qualquer outro homem o tirou do sério.
—Você é uma Sinclair, e você pertence a nosso clã.
—Porque você quer que volte?
Pela primeira vez na sua vida, Ramsey se sentiu totalmente vulnerável. Era um sentimento endemoniadamente penoso.
—Quer a verdade, Bridgid?
—Sim.
Ambos se olharam fixamente nos olhos, enquanto Ramsey reunia a coragem suficiente para expressar—lhe o que sentia seu coração.
—Você transformou a terra de Sinclair em um lugar alegre. Não posso imaginar a vida sem você.
Bridgid sacudiu a cabeça.
—Não, só queria me casar com alguém... Ramsey se ergueu e deu um passo para ela.
—Há um novo pretendente para sua mão.
— Por isso você me beijou? Para poder me levar para casa e me casar com um homem que não amo? Quem é? — perguntou, emocionalmente esgotada, indiferente já às lágrimas que corriam livremente pelo seu rosto.
Ele se aproximou mais ainda.
—Não se atreva a me beijar outra vez! —exclamou ela—. Não posso pensar quando você... Não faça —balbuciou— E quanto ao oferecimento, não aceito
—Não pode recusar até saber de quem se trata.
—Muito bem. Diga—me seu nome, e depois recusarei. Primeiro, no entanto, você o elogiará, verdade? É o que sempre faz para conseguir que eu aceite —terminou dizendo, e inclusive ela pôde advertir a dor presente na sua voz.
—Não, não vou elogiá—lo. É cheio de defeitos.
Bridgid cessou suas tentativas de escapar.
Ramsey assentiu lentamente.
—Tenho entendido por fonte autorizada que é estúpido, arrogante e obstinado, ou pelo menos era até que se deu conta do tolo que tinha sido.
—Mas isso é o que eu disse de... você.
—Te amo, Bridgid. Quer casar comigo?

Brodick não sabia que diabos ia fazer. Se sentia como se tivesse as mãos atadas porque Morgan era mais velho e portanto não podia provocá—lo ordenando a Gillian que retornasse com ele porque era seu marido, nem podia, aliás, destroçar a casa procurando—a. No fundo de sua frustração espreitava a sombria possibilidade de que Gillian jamais o perdoasse por ter faltado com sua palavra, mas a vida sem ela a seu lado seria intolerável.
Ramsey poderia tê—lo ajudado a convencer o barão; depois de tudo, o diplomata era ele; mas estava muito ocupado cortejando Bridgid para pensar em outra coisa. Tinha levado mais de uma hora para convencê—la que era sincero e estava decidido a se casar com ela, e depois que ela finalmente aceitou sua proposta, tinham partido para as terras de Sinclair. Ian também não estava à mão para ajudá—lo porque estava ansioso para retornar junto de sua esposa.
E isso deixava Btodick só para tratar com o mal—humorado Barão.
Morgan se divertiu muito ao ver que Brodick nem sequer provava seu jantar. Quando finalmente tinha decidido ajudar o pobre homem doente de amor, Morgan avistou Gillian descendo as escadas.
Brodick dava a costas à portas e Morgan sabia que não tinha visto sua esposa.
—Filho, você tinha que ter sabido o obstinada que era Gillian antes de casar com ela. —Qualquer que passe mais de cinco minutos com essa mulher pode imaginar.
—Sabia que era obstinada —assentiu Brodick—. Mas não considerei um defeito.
—Acho que você deveria deixá—la aqui, e voltar para sua casa. Você estará melhor.
Brodick ficou assombrado pela imprevista sugestão.
—Sem ela não tenho nenhum lar onde retornar —murmurou—. Como pensou que possa ir sem ela?
—Eu o faria —replicou Morgan alegremente— Diga—me, Por que você quebrou a palavra que tinha dado?
—Já te expliquei —exclamou Brodick.
—Pois explique outra vez —replicou Morgan.
—Porque só a ideia que estivesse em perigo me era inaceitável. Não posso perdê—la.
—Então não volte a mentir para mim.
O som da voz de Gillian conseguiu que seu coração parecesse explodir de alegria. Suspirou, sereno, já que seu mundo de repente voltava a adquirir sentido. E então se virou.
—Não volte a me submeter nunca mais a este tormento.
—Você me feriu.
—Eu sei.
—Isso é tudo o que você tem a dizer? Que você sabe o que me feriu? Então eu fico aqui. Vá para casa ,Brodick.
—Bem —respondeu ele. Cumprimentando com uma inclinação o barão Morgan, saiu do salão. Ela aguardou até que as portas se fecharam atrás dele, e rompeu em soluços.
—Me deixou! —gritou, correndo para seu tio.
—Você mandou que se fosse — lembrou ele.
—Vai embora sem mim!
—Mas se você disse que se fosse! —assinalou Morgan—. Escutei com toda claridade.
—Mas ele nunca faz nada do que lhe digo. Tio, como vou viver sem ele?
Morgan a afagou torpemente as costas, tentando consolá—la.
—Você ficará bem.
—O amo tanto!
—Mas ele mentiu para você, lembra?
—Só tentava ser nobre. Queria me proteger.
—Então por que você não o perdoa?
—Ia perdoá—lo —soluçou ela—. Não quero viver sem ele. Como pôde me deixar?
—Você está me causando uma forte enxaqueca, moça. Sente—se e fique calma —sugeriu enquanto aproximava uma cadeira e a obrigava a sentar—se — Deixa que olhe pela janela para ver se já foi.
—Não posso crer que vá sem mim —sussurrou ela.
Morgan pôs os olhos em branco, e rogou pedindo paciência. Será que sua sobrinha era cega? Não podia ver o quanto a amava seu marido? Ele era muito velho e suscetível para tratar de uma mulher quase histérica, e pensou que as questões do coração deviam ficar para os jovens. Eram mais resistentes.
Observou Brodick remover de seu cavalo a sela, e jogá—la a um de seus homens. Todos seus soldados haviam desmontado e se dispunham a passar a noite no pátio de armas. Quando Brodick voltou a dirigir—se para o castelo, Morgan decidiu ir para cima. Já tinha tido suficiente agitação por esse dia, e Gillian e seu marido precisavam de espaço.
—Retornarei em seguida —mentiu— Fique aqui e me espere. —se apressou a acrescentar, para que ela não pensasse em segui—lo como costumava fazer, tornando—o louco com seus lamentos até conseguia fazê—lo ceder a tudo o que pedia. Sorriu ao advertir que Gillian era mais teimosa e voluntariosa que ele mesmo.
Parou na entrada.
—Você sabe que te quero, menina, não sabe?
—Sim, eu sei. Eu também te quero, tio Morgan. — Se dispôs a subir a escada, mas se deteve quando ouviu que a porta se abria às suas costas. Não teve que se virar para saber quem estava ali.
—Trate bem dela —Não era uma petição, mas uma ordem.
—Sim, senhor, eu farei.
—Não a merece.
—Sei que não a mereço, mas de todas as formas ficarei com ela.
—Você sabe, filho, você me lembra a alguém, mas não lembro a quem.—Sacudiu a cabeça, perplexo, e depois sugeriu — Melhor será que você entre antes que Gillian inunde o salão com suas lágrimas. Se alguém pode fazer isso, é ela.
Ante o som do riso de seu tio, Gillian levantou o olhar, e viu Brodick de pé na entrada, contemplando—a. Se pôs de pé e foi para ele.
—Você voltou.
—Nunca fui.
Como atraídos por um ímã, se aproximaram um do outro.
—Você estava zangado comigo. Pude ver em seus olhos.
—Sim, estava. Não sabia se podia te manter a salvo, e isso me assustava como o demônio.
Estava suficientemente perto dela para tomá—la nos seus braços, mas não se animou a tocá—la porque sabia que uma vez que começasse a beijá—la, não poderia parar, e precisava reparar o dano que tinha feito. Nesse momento parecia fácil dizer tudo o que sentia seu coração, e não podia compreender por que tinha sido tão tolo. O amor não debilitava o homem; o fortalecia, o fazia invencível quando tinha a seu lado uma mulher como Gillian.
—Achei que você ia para casa.
—Como posso ir para casa sem você? Te busquei a vida inteira. Jamais poderia te deixar. Minha casa está onde você estiver — suas mãos tremiam ao acariciar suavemente o rosto dela — Não entende? Te amo, e quero despertar a seu lado todas as manhãs do resto da minha vida. Se isso implica que tenha que viver na Inglaterra para poder estar com você, pois isso é o que farei.
Lágrimas de felicidade transbordaram os olhos de Gillian. Estava afligida pelos profundos sentimentos de Brodick para com ela, e pela doce e romântica maneira em que os tinha expressado.
Sabia que para ele era difícil. Sob sua amuada aparência, escondia seus verdadeiros sentimentos. Se deu conta então que o conhecia melhor que ele mesmo. Já não importava que tivesse se coberto de frio suor, ou que nesse momento estivesse descomposto: tinha dado o que ela precisava. Sim, tinha pronunciado as palavras, e já não podia retratar.
—Diga outra vez —sussurrou ela.
Apertando os dentes, Brodick fez o que ela pedia.
—Viverei na Inglaterra.
—Que? —perguntou Gillian piscando.
—Ah, amor meu, não me obrigue a dizer isso novamente. Se te faz feliz, viveremos aqui.
Ela sabia que dizia a sério, e ficou comovida pelo sacrifício que este querido e adorável homem estava disposto a fazer por ela. Senhor, precisava beijá—lo, mas decidiu que antes acabaria com seu sofrimento.
—Te fará feliz viver na Inglaterra?
Seu pobre, aturdido marido estava ficando cada vez mais cinzento.
—Se estiver com você, serei feliz.
Gillian começou a rir.
—Então estou a ponto de te fazer delirar de felicidade. Não quero viver na Inglaterra. ——Quero viver com os Buchanan. Leve—me para casa.

 

 

                                                                  Julie Garwood

 

 

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