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Series & Trilogias Literarias
Quarenta anos atrás, havia um vilarejo chamado Hamley, de um condado e lá habitava o Senhor Wilkins, um advogado de posição considerável.
A vila tinha cerca de quatro mil habitantes, e o Senhor Wilkins era o principal advogado da vila, e seria pouco, visto que ele transacionou todos os negócios jurídicos da aristocracia por vinte milhas ao redor.
Seu avô estabelecera estas conexões, seu pai consolidara, as fortalecendo por sua conduta sábia, assim como por sua habilidade profissional. Com isso, obteve para si a posição de amigo confidencial de muitas famílias de nobreza da região.
O Senhor Wilkins estava entre essas famílias de uma maneira que nenhum outro advogado jamais estivera antes. Jantou em suas mesas, mas sozinho, não acompanhado de sua esposa, que seja observado. Cavalgou até os encontros ocasionais, nas caçadas, e se apresentava diante desses nobres, como se fosse por acidente, embora ele estivesse a postos como um escudeiro.
Ele frequentemente era persuadido depois, em uma breve conversa sobre o seu trabalho, compromissos profissionais, escritório, e ele se inclinava, afirmando estar com o tempo em seu limite e precisava ir.
Porém, ele conhecia o seu lugar ocupado naqueles dias no aristocrático condado, e ninguém ousava chamá-lo de bajulador, porque ele era muito respeitado para ser tratado desta maneira.
Ele dava os conselhos mais desagradáveis, se necessário fosse, aconselharia a um homem extravagante para que reduzisse seus gastos, recomendaria uma redução do orgulhoso quinhão familiar ou abrindo o caminho para um ou dois casamentos felizes em alguns casos, que era a conduta provável para manter os rendimentos das famílias, quarenta anos atrás.
Ele cuidava dos problemas relacionados aos aluguéis injustamente utilizados. Com sabedoria e bom senso abrandado e oportuno, ele mais de uma vez ganhou seu ponto de vista, fazendo com que locatário e inquilino fizessem as pazes.
Ele tinha um filho chamado Edward.
Este menino era a alegria e o orgulho do coração de seu pai. Porém, o rapaz não era ambicioso, e custou uma dura luta para o Senhor Wilkins reconhecer que a sua profissão, que era muito lucrativa, trazendo uma boa renda para a família, passaria para as mãos de um estranho, e não para seu filho sem ambições que não desejava estudar e se tornar um advogado.
O Senhor Wilkins desejava que o rapaz mudasse de ideia e assim ficou determinado. Este pensamento ocorreu enquanto Edward estava estudando em Eton.
O rapaz tinha, talvez, a maior mesada de dinheiro em seus bolsos que qualquer rapaz em sua escola. Ele desejava ir ao colégio londrino com seus companheiros, os filhos dos escudeiros e os patrões de seu pai.
Foi uma humilhação severa quando ele descobriu que seu destino mudara, e que ele tinha que voltar para Hamley, sendo instruindo pelo seu pai e depois assumiria a posição de bajulador hereditário, o cargo que ele sabia que seu pai tanto se orgulhava, entretanto, em seu caso, ele devia bajular os rapazes que tanto o infernizavam na escola, os mesmos que o espancavam sem que seu pai soubesse.
Seu pai tentou compensá-lo pela decepção em ficar na vila com cada indulgência que o dinheiro podia comprar.
Os cavalos de Edward eram ainda mais belos que os de seu pai, seus gostos literários eram mantidos e promovidos e com a permissão de seu pai para ampliar a biblioteca, usando um quarto da extensa casa do Senhor Wilkins, no subúrbio de Hamley.
Após seu ano de estudo jurídico em Londres, seu pai o mandou para fazer a grande viagem e com carta-branca quanto às despesas. Isso era julgado pelos pacotes que foram enviados para a sua casa, de várias partes do continente.
Finalmente ele voltou para casa, se estabelecendo como sócio de seu pai em Hamley.
Ele era um filho que qualquer pai se orgulhara, e logo abaixo, o velho Senhor Wilkins se orgulhava de seu belo e cavalheiro rapaz.
Edward não ficou lisonjeado com o curso de indulgência pelo qual passara, pelo menos, se isso lhe causara uma mágoa, os efeitos estavam escondidos da vista de qualquer um.
Ele não tinha vícios vulgares, porque era refinado demais para a sociedade em que fora jogado, mesmo supondo que a sociedade onde estava, consistisse no mais alto nível de pessoas, assim como o seu pai.
Edward era culto e um artista sem pretensões mesquinhas, e seu coração estava no lugar certo, como seu pai costumava observar.
Nada excederia a consideração que ele sempre mostrava ao seu pai, já que a sua mãe estava morta há muito tempo.
Não sei se foi a ambição crescente de Edward ou os desejos de seu orgulhoso pai que o levaram a participar das reuniões em Hamley. Eu conjeturaria a última, pois, Edward tinha muito bom gosto para querer se intrometer em qualquer sociedade.
Na opinião de todo o condado, nenhuma sociedade tinha mais razões para considerar-se seleta que aquela que se reunia a cada lua cheia, na sala de reunião de Hamley, uma excrescência construída na pousada principal da cidade pela assinatura conjunta de todas as famílias do condado.
Nesses locais escolhidos e misteriosos, nenhuma pessoa da cidade podia entrar, nenhum profissional podia pôr o pé nele e nenhum oficial de infantaria via o interior daquele salão.
Ele estivera em muitas reuniões esplêndidas no exterior, porém, ainda assim, o pequeno e velho salão de baile anexo ao George Inn, em sua cidade natal, era para ele um lugar mais grandioso que os salões magníficos que ele visitara em Paris ou Roma.
Ele riu de si por este sentimento irracional de admiração.
Edward jantara na casa de um dos aristocratas de menor pompa, por suas obrigações consideráveis ao seu pai. Este aristocrata era o pai de oito filhas desbocadas, e Edward não conseguiu se opor ao Senhor Wilkins, porque seu pai queria o apresentar nas salas de reunião de Hamley.
No entanto, muitos escudeiros admiraram a introdução do filho do advogado Wilkins no recinto sagrado, e, talvez, houvesse muito mais aflição que prazer nesta reunião para o jovem, como se fosse um incidente, tarde da noite.
O tenente do condado geralmente vinha com uma grande alegria às reuniões de Hamley. Ele frequentava uma vez por temporada, e naquela noite ele era esperado, e com ele, uma duquesa famosa e suas filhas.
Todavia o tempo passou e eles não apareceram.
Finalmente houve sussurros e cochichos no meio da festa. Durante alguns minutos a dança foi interrompida, o conde levou a duquesa a um sofá, alguns de seus conhecidos subiram para falar com eles.
Seguiu-se uma dança campestre, na qual nenhum dos tenentes se juntou, depois houve um pedido aos dançarinos, uma mensagem para a orquestra e a banda tocou uma valsa.
As filhas da duquesa se animaram, e mais algumas moças pareciam prontas para seguir o estado de espírito delas, entretanto, infelizmente, faltavam cavalheiros familiarizados com a dança à moda antiga.
Um dos homens convidou para dançar o jovem Wilkins, que acabara de voltar do continente. Edward era um lindo dançarino e sabia como ninguém a valsa.
Para sua próxima parceira, o homem pensou em uma das damas da duquesa, a adorável Sophy, porque ele queria que ela tivesse um bom parceiro, qualquer que fosse sua linhagem, e implorou que o Senhor Wilkins dançasse com ela.
Depois desta noite, todas as senhoritas em Hamley queriam a sua parceria na valsa. Ele não era impopular com as mulheres, mas os pesados escudeiros e herdeiros, que o espancaram em Eton, o chamavam de arrivista.
Capítulo 2
Não foi uma situação satisfatória.
O Senhor Wilkins dera ao seu filho uma educação e gostos além de sua posição. Ele não podia deixar seu filho se unir nem por lucro, nem por prazer com o médico ou o cervejeiro de Hamley, o vigário era velho e surdo, o coadjutor um jovem ríspido, meio assustado com o som de sua própria voz.
Quanto ao matrimônio, a ideia de seu casamento não estava mais presente na mente de Edward do que na de seu pai. Ele dificilmente conseguia levar qualquer uma das jovens damas de Hamley para a elegante mansão, tão cheia de requintes de uma pessoa educada, que se tornara tão inapropriada para uma garota ignorante e sem bons modos.
No entanto, Edward estava plenamente consciente, se não fosse seu querido pai, que todas as moças que se alegraram o suficiente com ele como companheiro nas reuniões de Hamley, não havia nenhuma delas, que consideraria afronta uma oferta de casamento de um advogado, filho e neto de um advogado.
O jovem talvez tivesse algumas aflições discretas durante estes anos, que ainda contavam sobre seu caráter.
Ele tinha uma disposição demasiada doce para mostrar ressentimento, como muitos homens teriam feito. Mas, mesmo assim, ele tinha um prazer secreto no poder que o dinheiro de seu pai lhe dava.
Edward comprava um cavalo caro após cinco minutos de conversa sobre o preço, sobre o qual um herdeiro carente de uma das orgulhosas famílias do condado negara por três semanas. Seus cães eram dos melhores canis da Inglaterra, não importava qual preço, suas armas eram as mais novas e das melhores fabricadas. Todas essas coisas eram despesas que gerava a inveja dos escudeiros e seus filhos ao redor.
Eles não se preocupavam muito com os tesouros de arte, que segundo as descrições, estavam sendo acumulados na casa do Senhor Wilkins, mas, eles cobiçavam os cavalos e cães de caça que ele possuía, e o jovem sabia que eles se regozijavam com isso.
Ele estava desesperadamente apaixonado pela Senhorita Lamotte, então, ele ficou encantado quando ela consentiu em ser sua esposa.
Seu pai ficou encantado em seu deleite e, além disso, ficou maravilhado em lembrar que a mãe da Senhorita Lamotte era a irmã caçula do Senhor Frank Holster, e que, embora seu casamento fora renegado por sua família, porque ele estava abaixo dela na hierarquia, ainda assim, ninguém podia apagar seu nome da lista dos barões, onde Lettice, filha caçula do Senhor Mark Holster, nascida em 1772, casada com H. Lamotte, 1799, que morreu em 1810, foi devidamente crônica.
Ela deixara dois filhos, um menino e uma menina, dos quais seu tio, o Senhor Frank, assumiu a tutela, pois, seu pai vivo era pior que morto, porque era um sujeito fora-da-lei, cujo nome nunca fora mencionado.
Mark Lamotte estava no exército, Lettice tinha uma posição dependente na família de seu tio e não se tornou intencionalmente mais dependente que o necessário pelas circunstâncias, contudo, ainda condicionada o suficiente para agradecer os sentimentos de uma garota sensível, cuja suscetibilidade natural a lentidão era redobrada pela constante lembrança da desgraça de seu pai.
Como o Senhor Wilkins bem sabia, o Senhor Frank estava com sentimento de alívio misturado com preocupação, quando ele ouviu que o casamento proporcionaria a sua sobrinha, sem um tostão, um lar confortável, para não dizer luxuoso, e um jovem marido, bonito e realizado, de caráter imaculado.
Ele disse uma ou duas coisas amargas e insolentes ao Senhor Wilkins, mesmo quando ele estava dando seu consentimento para o casamento, porque esse era seu temperamento, algo orgulhoso e perverso. Por outro lado, ele estava realmente satisfeito com o noivado, embora ocasionalmente, se virasse contra sua sobrinha e a golpeasse com um insulto dissimulado, quanto a sua falta de nascença e a posição inferior que ela ocupava, esquecendo aparentemente, que seu cunhado, o pai de Lettice seria levado a qualquer momento à barra da justiça se ele tentasse reentrar em seu país natal.
Edward ficou aborrecido com tudo isso e Lettice se ressentiu também. Ela amava muito seu marido e estava orgulhosa dele, pois, tinha discernimento o suficiente para ver como ele era superior, em todos os sentidos, aos seus primos, os jovens Holsters, que pegavam os cavalos de Edward emprestados, bebiam seus vinhos e, mesmo assim, adquiriram o hábito do pai, em zombar de sua profissão.
Lettice desejava que Edward se contentasse com uma vida puramente caseira e encontrasse seu momento de descanso com ela, em sua luxuosa biblioteca ou na adorável sala de desenho, tão cheia de estátuas cintilantes brancas e grandes retratos pendurados pelas paredes.
Entretanto, talvez isto fosse demais para se esperar de qualquer homem, especialmente de alguém que se sentia apto de muitas maneiras, a brilhar na sociedade, e que era sociável por natureza.
Se manter na sociedade, naquele condado e naquela época, significava convívio e boas conexões, consequentemente, geraria bons ganhos.
Edward não se importava com o vinho, no entanto, era obrigado a beber, por isso, recebeu um singelo apelido de juiz do vinho.
Seu pai morrera, velho e feliz, com um coração contente, deixando a Terra sem assuntos pendentes, com seus vizinhos mais pobres que o amavam e os ricos, que o respeitavam, seu filho e sua nora, os mais afetuosos e dedicados que o homem já teve e sua consciência saudável em paz com seu Deus.
Lettice vivia para seu marido e suas filhas. Edward diariamente exigia cada vez mais o estímulo da sociedade. Sua esposa se perguntava como ele não se importaria, ao aceitar convites para jantar com pessoas que o tratavam como:
“Wilkins, o advogado, muito bom companheiro!”
Ela se perguntava porque ele gostava dessas pessoas que não tinham o poder para apreciar o gosto, os talentos, a natureza artística impulsiva que ela tanto apreciava em seu marido.
Ela esqueceu que, ao aceitar tais convites, Edward era ocasionalmente colocado em contato com pessoas, não apenas de alto nível convencional, mas intelectual, e após certa quantidade de vinho dissipada, deixava cair seu senso posição, se tornando um falador brilhante, um homem a ser escutado e admirado, até mesmo por estadistas londrinos errantes, ou qualquer grande autor que pudesse se encontrar com visitantes em uma casa de campo.
O que ela não podia prever do fundo de seu coração, é que ela devia advertir seu marido sobre evitar as tentações de extravagâncias pecaminosas em que ele aceitou.
Ele começara a gastar mais que devia, não em coisas intelectuais, embora isso fosse errado, mas em coisas puramente voluptuosas.
Seus vinhos em sua mesa, eram tais como em nenhuma outra mesa, de nenhum escudeiro comandasse.
Seus petiscos, pequenos em número, de raros sabores e delicados em qualidade, eram enviados à mesa, por um criado italiano, e eram colocados na mesa, para que os convidados de Londres notasse com admiração.
Ele exigia que Lettice vestisse os tecidos mais ricos, as rendas mais delicadas, e as joias, disse ele, estavam além de suas possibilidades, porém, ele olhava com humildade orgulhosa para os diamantes das senhoras mais velhas e para o ouro das mais jovens.
Porém, ele conseguiu gastar tanto na renda de sua esposa quanto teria comprado muitas joias de qualidade inferior.
Lettice tentou ser tudo que ele pedia. As pessoas diziam que seu pai não fora nada além de um aventureiro francês e ela carregava traços de sua natureza em sua graça, delicadeza, e em sua maneira fascinante e elegante de fazer todas as coisas. Ela foi feita para a sociedade, e mesmo assim, ela a odiava.
Um dia, ela saiu de tudo isso para sempre.
Ela sentia-se bem no café da manhã, quando Edward partiu para seu escritório em Hamley, mas ao meio-dia, ele foi chamado por mensageiros apressados e trêmulos.
Quando ele chegou em casa, sem fôlego e sem compreender, ela estava na cama.
Um olhar, de seus adoráveis olhos negros, mostrou que ela o reconheceu com o anseio apaixonado que fora uma das características de seu amor ao longo da vida.
Não havia nenhuma palavra passada entre eles, porque ele não podia falar, assim como ela não podia dizer.
Ele se ajoelhou ao lado dela. Ela estava morrendo...
Trouxeram-lhe sua filha mais velha, Ellinor, em total desespero. Ele não pensou no efeito daquela cena sobre a pobre menina.
A criança não tinha ideia da morte e seu pai, ajoelhado e sem lágrimas, era um mero objeto de surpresa ou interesse para a menina, porque seu desespero era direcionado para a mãe, deitada quieta e branca, não virando a cabeça para sorrir para sua querida filha.
— Mamma! Mamma! — gritou a criança, em terror sem forma.
Contudo, a mãe não se mexeu e o pai escondeu seu rosto ainda mais fundo na roupa de cama, para abafar um grito como se uma faca afiada perfurasse seu coração.
A criança correu para a cama. Sem se deixar levar pelo frio mortal ou pela imobilidade lapidosa. Ela beijou e acariciou os cabelos brilhantes da mãe, murmurando doces palavras de amor, como as que passaram entre a mãe e a criança, muitas vezes quando não havia testemunhas, e, ao mesmo tempo, parecia estar tão fora de si, em uma agonia de amor e terror, que Edward se levantou, e suavemente a tomou em seus braços, mas a criança se aborreceu, deitando-se de costas, tão exausta estava ela pela terrível emoção que ele forçara em seu coração infantil.
Ele a levou para a biblioteca, e lá, ele pensou em noites felizes que nunca mais voltariam, entre ele e sua esposa. O tomar café e depois sair pela porta de vidro rumo ao ar livre, caminhando pelos arbustos, sentindo o vento do campo, e que agora não seria pisado por aqueles queridos pés.
O que passou entre pai e filha neste momento, ninguém podia dizer.
Tarde da noite, a ceia de Ellinor foi oferecida, e a criada que a trouxe viu a criança deitada como um morto nos braços de seu pai, e antes de sair da sala viu seu mestre alimentando a menina de seis anos com cuidado tão terno como se ela fosse um bebê de seis meses.
Capítulo 3
A partir daquele momento, o laço entre pai e filha cresceu muito forte e terno.
Ellinor, é verdade, dividiu seu afeto entre sua irmãzinha e seu pai, mas ele, cuidando pouco dos bebês, tinha apenas uma consideração teórica por sua filha mais nova, enquanto a mais velha absorvia todo o seu amor.
Todos os dias que ele jantava em casa, Ellinor era colocada em sua frente, enquanto ele comia seu jantar tardio. Ela sentava na cadeira que era de sua mãe durante a refeição, embora ela jantara seu mingau algum tempo antes.
Ellinor tentava agradar o pai, com maneiras pensativas e modos de falar, como se tentasse agir até atingir a dignidade como companheira de seu pai, e, às vezes, a cabecinha adormecia no meio de um discurso sábio.
“Antiquada!”
As criadas a chamavam e profetizavam que ela não viveria muito tempo em consequência de sua maneira antiga de viver. Mas ao invés do cumprimento desta profecia, a bebezinha gorda, sua irmãzinha teve um ataque e morreu em um dia!
A dor de Ellinor foi algo alarmante perante sua maneira quieta de agir. Ela esperou até ser deixada, como ela pensava, sozinha à noite, e depois soluçou e chorou seu grito apaixonado de:
“Bebezinha, minha irmãzinha! Volte para mim, volte!”
Até que todos temiam pela saúde da frágil menina, cujos afetos infantis tinham que suportar dois choques assim.
Seu pai deixou de lado todos os compromissos para cuidar de sua preciosa filha em sua dor.
Nenhuma mãe teria feito mais que ele, nenhuma cuidadora mais terna, faria a metade que o Senhor Wilkins fez por Ellinor.
Se não fosse por ele, ela acabaria morrendo em seu pesar. Assim, ela superou, porém, lentamente, deixando-se amar por algum tempo, como se instintivamente temesse que todos que ela amava encontrassem um fim súbito na morte.
Seu amor, que se amedrontou em um pequeno espaço, finalmente explodiu em suas margens e transbordou sobre seu pai.
Foi uma rica recompensa para ele por todos os seus cuidados com ela. Ele se deleitou, talvez de maneira egoísta, em todas as muitas e bonitas maneiras que ela encontrou perpetuamente para convencê-lo, se é que ele precisasse de convicção, de que ele era a pessoa mais importante em sua vida.
Os criados falavam que cerca de meia hora antes dele chegar em casa, à noite, a Senhorita Ellinor pegava a sua boneca e embalava tesouro inanimado para dormir.
Assim, ela sentava e escutava com uma intensidade de atenção os seus passos.
Uma vez, a criada expressara que mesmo à distância, Ellinor ouvia a aproximação de seu pai, dizendo que o escutara enquanto a criada não podia ouvir um som, e Ellinor respondia:
— Claro que você não pode, ele não é seu pai!
Quando ele ia ao trabalho pela manhã, após beijá-la, Ellinor corria para uma janela da qual podia observá-lo subir a estrada, até uma sebe, e, reaparecendo através de um espaço aberto, depois, novamente fora de vista, até que ele alcançava uma grande e velha faia, onde por mais um instante, ela o via pela última vez, se afastava com um suspiro, às vezes, tranquilizando seus medos não ditos, dizendo suavemente para si:
— Ele voltará, à noite!
O Senhor Wilkins gostava de sentir sua filha dependente dele em todas as suas necessidades e desejos. Ele tinha um pouco de inveja de qualquer um que sugerisse uma conversa ou lhe desse um presente, cujas primeiras ações não vinham dele ou através dele.
Finalmente foi necessário que Ellinor tivesse mais instruções do que sua boa e velha criada poderia dar.
Seu pai não se preocupou em assumir o cargo de professor, porque ele julgava desnecessário um exercício de educadores, e o que, possivelmente, o tornaria menos idolatrado por sua filhinha. Assim, ele encarregou a Senhora Holster de escolher uma entre suas muitas protegidas para ser governanta de sua filha.
A Senhora Holster, que mantinha uma espécie de escritório de registro dos trabalhadores do condado, estava muito feliz em ser empregada nesta função, contudo, quando ela perguntou um pouco mais sobre como seria a pessoa necessária, tudo o que ela podia extrair do Senhor Wilkins era:
— Você sabe a educação que uma senhora deve ter e, tenho certeza. Escolherá uma governanta para Ellinor, melhor que eu. Apenas, por favor! Escolha alguém que não queira se casar comigo e que deixe Ellinor continuar fazendo meu chá, porque ela gosta muito dessa função. Minha filha é tão boa que não precisa melhorar, apenas precisa ser ensinada sobre o que uma dama deve saber.
A Senhorita Monro foi selecionada, uma mulher simples, inteligente e quieta, de quarenta anos. Ela e o Senhor Wilkins se esforçaram ao máximo para evitar um ao outro, agindo de maneiras distintas em relação a Ellinor.
A Senhorita Monro sofrera muito em sua vida para não valorizar o privilégio e a indulgência de suas noites sozinhas em seu confortável quarto, seus chás calmos e aconchegantes, seu livro ou escrita de cartas, para pensar em se casar com o pai de Ellinor.
De comum acordo, ela não interferiu Ellinor em suas ocupações durante a noite, quando a menina não tinha seu pai como companheiro, e estas ocasiões se tornaram cada vez mais frequentes com o passar dos anos.
A Senhorita Monro tentava iluminar a sombra profunda da morte súbita que visitara sua casa para tomar sua mãe e irmãzinha.
Como já disse antes, ele sempre foi um homem popular nos jantares. Sua quantidade de inteligência e seus meios de realização eram raros e se era necessário mais vinho que antes para levar sua conversa ao ponto desejado de alcance e brilho, o vinho não era um artigo poupado ou ressentido nas mesas de jantar do condado.
Ocasionalmente, seus negócios o levavam para Londres. Apressadas como estas viagens eram, ele jamais voltou sem um mimo, um presente para tornar a casa agradável para sua pequena filha, como ele mesmo expressou.
Ele também gostava da arte e literatura. Ele comprava qualquer coisa que admirasse. Ao voltar, ele era seguido até Hamley por um ou dois pacotes, cuja chegada e abertura logo começaram a formar a época mais agradável na vida feliz de Ellinor.
A única pessoa de sua posição com quem o Senhor Wilkins manteve relações em Hamley foi o novo clérigo, um bacharel, quase da sua idade, um homem erudito e colega de faculdade, cuja primeira afirmação sobre a atenção do Senhor Wilkins foi que ele estava viajando na época da universidade e, consequentemente, estava no continente há cerca dos mesmos dois anos que o Senhor Wilkins estivera lá, e, embora eles não se encontrassem, ainda assim, tinham muitas lembranças comuns para falar durante este período, que fora o mais brilhante e esperançoso tempo da vida do Senhor Wilkins.
O Senhor Ness tinha um aluno ocasional porque nunca precisou obter alunos, mas não recusou as súplicas, às vezes, feitas para ele, que preparasse um jovem para a faculdade, permitindo que o referido jovem residisse e lesse com ele.
Os homens de Ness receberam honras bastante altas, pois, o tutor demasiado indolente, tinha orgulho de fazer bem o trabalho que fora dado para ele.
Quando Ellinor tinha cerca de catorze anos, o jovem Senhor Corbet veio a ser aluno do Senhor Ness.
O Senhor Ness sempre chamava os jovens para ler e os convidava para ir à sua casa. Sua hospitalidade no decorrer do tempo perdera seu caráter inteligente e elegante, todavia, era sempre generosa e muitas vezes profusa. Além disso, estava em seu caráter gostar mais da companhia alegre e irrefletida dos jovens que da companhia dos mais velhos, contudo, com o mesmo requinte e educação em ambos.
O Senhor Corbet era um jovem de uma boa família, de um condado distante. Se o seu caráter não fosse tão sério e resoluto, seus anos só lhe dariam o direito de ser chamado de rapaz, pois, ele tinha apenas dezoito anos na época em que veio ler com o Senhor Ness. Entretanto, muitos homens de vinte e cinco anos não refletiam suas inteligências tão profundamente como este jovem Senhor Corbet refletira.
Ele considerara e quase amadurecera seu plano de vida, determinando quais objetos ele mais desejava realizar no futuro obscuro, que para muitos, com sua idade, é apenas uma névoa sem forma, e resolvera certos cursos de ação estáveis, pelos quais tais estes objetos tinham mais probabilidade de serem assegurados.
Devido aos seus vínculos familiares e interesses mútuos, ele seguiria uma carreira jurídica, e isso correspondia com seus gostos e talentos.
Tudo, porém, que seu pai esperava para ele, era que ele pudesse ter uma renda suficiente para que um cavalheiro vivesse tranquilamente.
O velho Senhor Corbet dificilmente seria chamado de ambicioso, ou, se fosse, sua ambição se limitava aos pontos de vista do filho mais velho. Mas, Ralph pretendia ser um advogado distinto, não tanto pela visão, que suponho dançar diante da imaginação de todo jovem advogado, entretanto, pelo grande exercício intelectual, e consequente poder sobre a humanidade, que os advogados podem sempre possuir, se assim desejarem.
Um assento no Parlamento e a condição de estadista e o grande espaço para uma mente poderosa e ativa, eram os objetos que Ralph Corbet colocou diante de si.
Ter altas honras na faculdade foi o primeiro passo a ser dado, e para conseguir isso, Ralph tinha, não persuadido, porque a persuasão era um instrumento fraco que ele desprezava, no entanto, conversou seriamente com seu pai sobre consentir em pagar a grande quantia que o Senhor Ness esperava do aluno.
O velho escudeiro de boa índole se pressionava para não entregar dinheiro facilmente nas mãos do filho, mas para não ouvir sua conversa, em vez de tirar a soneca depois do almoço, ele cederia qualquer coisa.
Isto não satisfez Ralph. Seu pai seria convencido da conveniência do passo, assim como sua fraca vontade de ceder.
O escuteiro ouviu sabiamente e suspirou, afirmando da extravagância de Edward e das despesas de suas meninas, e mesmo sonolento, disse:
— Isso é bem verdade! — olhou para a porta, e se perguntou quando seu filho terminaria sua conversa e fosse escrever a desejada carta ao Senhor Ness, que afirmava que ele aceitava os termos.
O Senhor Ness jamais teve um aluno tão regular, e que ele pudesse tratar mais como um igual intelectual.
O Senhor Corbet, como Ralph, eram respeitados em Hamley. Ralph era resoluto em seu cultivo de caráter, mesmo excedendo o que seu tutor lhe exigia. Ele sempre desejava mais informação nas horas não dedicadas ao estudo com o Senhor Ness, que gostava de dar informações, porém, acima de tudo, dos argumentos árduos sobre todas as questões metafísicas e éticas nas quais o Senhor Corbet se deleitava em envolvê-lo.
Eles viviam em igualdade, tendo assim muito em comum. Eram essencialmente diferentes, embora houvesse tantos pontos de semelhança.
O Senhor Ness não era um homem adapto à sociedade, enquanto a ideia de real imoralidade de conduta das pessoas era incompatível com a indulgência, enquanto o Senhor Corbet era profundo, radicalmente mundano, ainda que para a realização de seu objeto pudesse negar todos os prazeres descuidados naturais à sua idade.
O tutor e aluno se permitiam um relaxamento frequente, o da companhia do Senhor Wilkins. O Senhor Ness ia até o escritório depois de seis horas de leitura cansativa, deixando o Senhor Corbet ainda debruçado sobre a mesa, para ver quais eram os compromissos do Senhor Wilkins.
Se ele não tinha nada melhor para fazer naquela noite, ou lhe pediam para jantar no presbitério, ele, em sua maneira descuidada e hospitaleira, convidava os outros dois para jantar com ele.
Ellinor formava a quarta pessoa à mesa, até onde os assentos permitiam, embora seu jantar fosse ingerido cedo com a Senhorita Monro.
Ela era uma moça, e seu pai não parecia entender que ela estava passando da infância. No entanto, em estatura, ela era como uma criança, contudo, em intelecto, força de caráter e afeto, ela era uma mulher.
Talvez houvesse muito da simplicidade de uma criança sobre ela, um pouco da garota não desenvolvida também, variando de dia para dia, como um céu de abril, descuidada quanto ao modo como seu próprio caráter estava se formando.
Assim, os dois jovens sentavam-se com os mais velhos, e ambos apreciavam a companhia na qual foram prematuramente lançados.
O Senhor Corbet falou tanto quanto qualquer um dos outros dois senhores, opondo-se e disputando de qualquer lado, como se descobrisse o quanto ele insistiria contra as opiniões recebidas.
Ellinor sentava em silêncio, seus olhos escuros piscando por vezes com veemente interesse, às vezes, com indignação se o Senhor Corbet, aventurava-se a atacar seu pai.
Ele viu como este curso a estimulava e preferiu segui-la em consequência, porque isso o divertia.
Outra maneira pela qual Ellinor e o Senhor Corbet estavam juntos ocasionalmente era esta:
O Senhor Ness e o Senhor Wilkins compartilhavam o mesmo jornal, e era dever de Ellinor levar o jornal regularmente da casa de seu pai para o presbitério.
O pai dela gostava de se debruçar sobre o jornal, e quando o Senhor Corbet foi morar com o Senhor Ness não se preocupava muito com a hora em que o jornal era entregue, mas o jovem se interessou muito por todos os eventos em relação à Ellinor, e especialmente em tudo o que era dito sobre ela.
Ele ficava impaciente se o jornal não aparecesse, e partia em busca dele, às vezes, encontrando a penitente Ellinor, sem fôlego, na longa estrada que a levava da casa do Senhor Wilkins até o presbitério.
No início, ele recebia como resposta o ansioso:
— Oh! Sinto muito, Senhor Corbet! Papai acabou demorando em sua leitura!
Depois de um tempo, ele teve a graça de dizer para ela que isso não significava muito, e, de vez em quando, ele voltava com ela para dar-lhe alguns conselhos sobre seu jardim ou plantas, pois, sua mãe e irmãs eram jardineiras de primeira linha, e ele mesmo era, como expressou:
“Um médico para uma planta doente!”
Durante o trajeto, sua voz, passo e a cor em um tom maior, não fazia seu coração bater menos rápido.
Ela aprendeu a confiar no Senhor Corbet para conselhos, com um pouco de simpatia ocasional e atenção condescendente.
Ele também lhe deu mais conselhos para encontrar falhas em seu caráter e, curiosamente, ela lhe agradeceu por isso, pois, era realmente humilde e desejava melhorar.
Ele gostava do sentimento de superioridade que isso implicava e exercia. Eles eram bons amigos naquele momento. Nada mais.
Durante este tempo, falei apenas da vida do Senhor Wilkins, tal como ele estava em relação à sua filha.
Porém, há muito mais a ser dito a esse respeito.
Após a morte de sua esposa, ele se retirou da sociedade por um ou dois anos, de uma maneira que é comum com os viúvos.
Foi durante esta sua aposentadoria da sociedade que ele despertou o coração de sua filhinha de modo a influenciar toda a sua vida futura.
Quando ele começou a sair novamente, era percebido por qualquer um que se importava em notar o quanto ele estava mudado.
Não que ele entrara em qualquer conduta imoral, mas que voltara para seu tempo prazeroso, o que tanto o velho Senhor Wilkins e Lettice rejeitavam. Porque o desejo de sua esposa era que ele permanecesse tranquilamente no lar com suas filhas e ela, e que seu caminho fosse apenas da casa para o escritório, superintendendo seus negócios.
Sua indulgência na caça e em todos os esportes de campo, que até então era apenas ocasionais, se tornaram habituais, até onde as estações permitiam.
Ele passou a frequentar um pântano para suas caçadas, na Escócia, convencendo de que o ar era bom para a saúde de Ellinor. No entanto, no ano seguinte, juntou-se a um estranho comparativo, e neste pântano não havia nenhuma casa para a qual estivesse apto a trazer uma criança e seus acompanhantes.
Ele se convenceu de que através de viagens frequentes, ele compensaria suas ausências de Hamley. Mas as viagens custavam dinheiro, e ele estava muitas vezes longe de seu escritório quando era necessário cuidar de seus afazeres, que eram realmente importantes.
Falou-se de um novo advogado que se estabeleceu em Hamley, que foi apoiado por uma ou duas famílias mais influentes do condado, que encontraram Wilkins não tão atento como seu pai.
O Senhor Frank Holster mandou chamar seu parente e lhe falou sobre o assunto, em termos bastante articulados sobre a loucura da vida que Wilkins levava.
Tolo era certamente, e como tal, o Senhor Wilkins estava reconhecendo secretamente seus exageros, mas quando o Senhor Frank, açoitando sua conduta, começou a falar da presunção de seu ouvinte em se juntar à caçada, na apologia do modo de vida e diversões da gentileza desembarcada, Edward se enfureceu.
Ele sabia o quanto o Senhor Frank estava mergulhado em pensamentos que comparava seus gastos a soma que seu pai lhe dera.
Ele disse algumas verdades para o Senhor Frank que este último nunca perdoou, e doravante não houve relações entre o escritório Holster e o escritório Ford, nome que Edward Wilkins batizara a casa de seu pai em seu primeiro retorno do continente.
A conversa teve duas consequências além da imediata da briga.
O Senhor Wilkins fez um anúncio para um funcionário responsável e confidencial que conduziria os negócios sob sua superintendência, e ele também escreveu para a Universidade com o intuito de perguntar se ele não pertencia à família com o mesmo nome, no País de Gales, aqueles que desde então, reassumiram seu antigo nome de “De Winton”.
Ambas as candidaturas foram favoravelmente respondidas.
Um escriturário hábil, experiente e de meia-idade foi recomendado a ele por uma das principais firmas de advocacia de Londres, e imediatamente se comprometeu a vir para Hamley, com todo o seu currículo, que era bastante elevado.
O Senhor Wilkins disse que pagaria qualquer dinheiro para aliviar sua constante responsabilidade que um negócio como o dele envolvia. Algumas pessoas observaram que ele não pareceu sentir a responsabilidade até então, como testemunha de suas ausências e viagens à Escócia e seus vários compromissos sociais, o que seria muito diferente, disseram eles, nos dias de seu pai.
A Universidade tinha esperanças de afiliá-lo à família do País de Gales, mas seria necessário tempo e dinheiro para fazer as investigações necessárias e fundamentar a reivindicação. Porque, em muitos lugares não havia ninguém para contestar o direito de um homem, quando este afirmava pertencer a tal família e assumir seus brasões.
Todos estavam no topo da genealogia e da heráldica, e consideravam o arquivamento de um nome com estirpe, um pecado muito pior que qualquer um dos mencionados nos Mandamentos.
Havia entre eles, aqueles que duvidariam e disputariam até mesmo a decisão do Colégio dos Arautos, mas se o Colégio fosse ao seu favor, o Senhor Wilkins ficaria satisfeito, e de acordo com isso, ele escreveu em resposta à carta deles para dizer, que, é claro, ele estava ciente que tais investigações exigiam uma soma considerável de dinheiro, mesmo assim, ele desejava que elas fossem feitas, e, rapidamente.
Antes do final do ano, ele foi para Londres para mandar construir uma nova carruagem. Seria para Ellinor sair nos dias de chuva, articulou ele, contudo, como ir em uma carruagem fechada sempre a deixava nervosa, ela não a usou, mas ele sim, principalmente para ir até os jantares, com o brasão de “De Winton Wilkins” bem embelezado no painel e no arnês. Até então, ele sempre andava em uma humilde carruagem que pertencia ao seu pai.
Por tudo isso, os escudeiros e seus patrões, só riam dele e não o tratavam com um pouco mais de respeito.
O Senhor Dunster era um homem quieto e respeitável, não se podia chamá-lo de cavalheiro, e ainda assim, ninguém podia dizer que ele não era. Ele não tinha uma expressão muito variada em seu rosto, todavia, ele sustentava uma permanente consideração atenciosa do assunto em questão, seja qual fosse, que se encaixasse na profissão de medicina quanto na de direito. Era um olhar bastante correto para qualquer um dos dois lados.
Ocasionalmente, um clarão brilhante de inteligência súbita iluminava seus olhos profundos, mas se extinguia rapidamente como por alguma repressão interna e a expressão habitualmente reflexiva e subjugada voltava ao rosto.
Assim que começou seu trabalho, ele organizou os papéis, e em seguida, os negócios, onde era necessário certa agilidade em uma ordem mais metódica, semelhante às ações antes da morte do velho Senhor Wilkins.
Pontual, ele olhou em sua surpresa desagradável quando os escriturários subordinados surgiram em sua frente, atrasados, meia hora. Seu olhar foi mais eficaz que as palavras de muitos homens. Daí em diante, os subordinados estavam dentro de cinco minutos da hora marcada para abrir o escritório, apesar disso, ele estava sempre lá antes deles.
O próprio Senhor Wilkins se familiarizou com a ordem e pontualidade de seu novo escriturário.
A sobrancelha levantada e a contração dos lábios do Senhor Dunster em alguma confusão lamentável nos negócios do escritório, irritou o Senhor Wilkins muito mais que qualquer expressão aberta de opinião teria feito. Uma secreta e respeitosa antipatia cresceu em seu peito contra o Senhor Dunster. Ele o estimava como trabalhador, o valorizava em seus feitos, porém, não podia suportá-lo.
Ano após ano, o Senhor Wilkins se tornara mais sob a influência de seus sentimentos, e menos sob o comando de sua razão.
Ele prezava mais do que reprimia sua repugnância nervosa aos duros tons medidos da voz do Senhor Dunster, este último falava com um sotaque provinciano que repreendeu o ouvido sensível de seu empregador.
O Senhor Wilkins ficou irritado com um casaco verde que seu novo funcionário trouxera consigo, e assistiu ao aumento de sua vergonha com uma espécie de distração tola. Wilkins descobriu que, por alguma perversidade de gosto, o Senhor Dunster sempre tinha seus casacos, os de domingo e os de dia de trabalho, feitos desta cor detestável, e este conhecimento não diminuía sua irritação secreta.
O pior de tudo talvez fosse que o Senhor Dunster era realmente inestimável em muitos aspectos, “um tesouro perfeito”, como o Senhor Wilkins costumava chamá-lo ao falar dele depois do jantar, mas, por tudo isso, ele veio a odiar seu tesouro perfeito, pois, aos poucos, sentiu que Dunster se tornara tão indispensável para o negócio que seu chefe não prescindiria dele.
Os clientes recolheram as palavras do Senhor Wilkins, e falaram do Senhor Dunster como sendo inestimável para seu mestre, um tesouro realmente, e que sem ele, os negócios afundariam.
Eles foram bem atendidos pelo Senhor Dunster, da mesma maneira que velho Senhor Wilkins, em seus dias mais floridos, assistia seus clientes, com uma cabeça tão clara, envolto em incontestável conhecimento da lei, um sujeito firme e íntegro, sempre em seu posto.
A voz ríspida, o sotaque arrastado, o casaco verde, não eram nada para eles, muito menos notados, porque, de fato, os hábitos caros de Wilkins, o dinheiro que ele pagava por seu vinho e seus cavalos, o absurdo de reclamar parentesco com os galeses, e fabricar sua carruagem para dirigir por estradas ruins e ser derrubada em pedaços sobre as rudes pedras redondas do pavimento, tinham um efeito nocivo em seus clientes.
Estas observações não se aproximaram de Ellinor para perturbar sua vida.
Para ela, seu querido pai foi o primeiro dos seres humanos. Ele era tão doce, bom, gentil e encantador em suas conversas, repletas de realizações e informações.
Ela amava a Senhorita Monro e os criados, especialmente Dixon, o cocheiro. Ele fora o companheiro de brincadeira de seu pai quando menino, e, com todo o respeito e admiração por seu mestre, a liberdade de relacionamento que então fora estabelecida entre eles nunca fora completamente perdida.
Dixon era um velho companheiro de idade e era tão harmonioso em seus modos com seu mestre quanto o Senhor Dunster era discordante. Por isso, ele era o grande favorito e podia dizer muitas coisas que seriam tomadas como impertinentes pelo outro criado.
Ele era o grande confidente de Ellinor sobre muitos de seus pensamentos, coisas das quais ela não ousava falar ao Senhor Corbet, que, depois de seu pai e Dixon, era seu próximo melhor amigo.
Esta intimidade com Dixon desagradou ao Senhor Corbet. Ele insinuou, uma ou duas vezes, que não era agradável Ellinor falar tão próxima com um criado, um de classe completamente diferente, como Dixon.
Ellinor não aceitava facilmente suas ideias, e não as entendia, assim, o Senhor Corbet teve que dizer finalmente seu significado claramente.
Pela primeira vez, ele a viu zangada, entretanto, ela era muito jovem para expressar seus sentimentos, ela só podia dizer começos quebrados de frases, tais como:
— Que pena! Posso dizer que Dixon é tão leal, verdadeiro e bondoso como qualquer nobre. Gosto muito mais dele que de você, Senhor Corbet! Vou falar para ele sobre o que pensa!
Ela irrompeu em lágrimas e correu, e não desejou adeus ao Senhor Corbet, embora soubesse que não o veria novamente por muito tempo, pois, ele estava voltando no dia seguinte para a casa de seu pai, de onde ele iria para Cambridge.
Ele ficou aborrecido com este resultado do bom conselho que ele se julgava obrigado a dar a uma menina sem mãe, que não tinha ninguém para instruí-la sobre os problemas da vida. Assim, ele deixou Hamley tão arrependido quanto descontente.
Quando Ellinor descobriu no dia seguinte que ele realmente fora embora sem ir ao escritório Ford novamente para ver se ela não estava penitente por suas palavras furiosas, sem dizer ou ouvir uma palavra de despedida, ela se calou em seu quarto, e chorou mais amargamente que nunca, porque a raiva contra ela estava misturada com seu pesar pela perda do amigo.
Felizmente, seu pai estava jantando fora, porque se estivesse ao seu lado, perguntaria qual era o problema com sua amada filha, e ela teria que explicar o que não podia ser explicado.
Como estava, ela se sentou de costas para a luz durante o chá, e depois, quando a Senhorita Monro se instalou para estudar a língua espanhola, Ellinor foi ao jardim, o que significava que ela queria um choro sem ninguém por perto, para lamentar que o Senhor Corbet partiu sem dizer adeus, mas a noite de agosto estava quieta e calma. Ela colocou sua dor apaixonada em vergonha, abafando-a para descansar na serena hora do dia e a luz suave do céu crepuscular.
Havia um pedaço de chão ao redor do jardim de flores, um pedaço de grama, do qual brotou um grupo de velhas árvores da floresta. Suas raízes eram pesadas acima do solo e as folhas caíam no outono tão profusamente que o gramado ficava nu na primavera, mas, para compensar isso, nunca houve tal lugar para gotas de neve.
As raízes destas velhas árvores eram o lugar favorito de Ellinor. O espaço entre estas duas árvores era a cozinha de sua boneca, a sala desenho também, e assim por diante. Aquele lugar era seu mais precioso recanto.
O Senhor Corbet desprezava o jeito que Ellinor ainda brincava com suas bonecas, por isso ela não o levava para lá, mas Dixon se deleitava com elas, e planejava as mobílias da casinha de boneca entre as duas árvores com a ânsia de um menino de seis anos e não um homem de quarenta.
Ellinor foi a este lugar, naquela noite, e havia uma nova coleção de ornamentos para a sala de estar da “Senhorita Boneca”, feita de pinheiros, da maneira mais bonita e engenhosa. Ela sabia ser obra de Dixon e saiu correndo em busca dele para agradecê-lo.
— Qual é o problema da minha linda? — perguntou Dixon, assim que a afável emoção de agradecer surgiu nos olhos de Ellinor e ele olhou para o rosto manchado de lágrimas dela.
— Oh! Não importa! — afirmou ela.
Dixon ficou em silêncio por um ou dois minutos, enquanto ela tentava desviar a atenção dele com sua tagarelice apressada.
— Há algum problema que eu possa consertar? — perguntou ele, em um minuto ou dois.
— Oh! Não! Realmente não é nada, nada mesmo! — exclamou ela. — É que o Senhor Corbet foi embora sem se despedir de mim, só isso! — e ela chorou novamente.
— Que falta de boas maneiras este rapaz tem! — reclamou Dixon, de forma decisiva.
— A culpa foi minha! — respondeu Ellinor, suplicando contra a condenação.
Dixon olhou para ela de baixo de suas sobrancelhas esfarrapadas e arbustivas.
— Ele tinha me dado um sermão e dito que eu não fazia o que suas irmãs faziam, como se eu estivesse querendo ser outra pessoa.
— Foi a Senhorita que não quis se despedir. Está não foi a educação que recebeu, querida!
— Dixon! Não gosto que me deem sermões!
— Acho que você não recebe muito sermões de seu pai, não é mesmo? Porém, de fato, minha linda! Ouso dizer que o Senhor Corbet estava no direito, pois, veja! O mestre está ocupado, e a Senhorita Monro é tão ríspida, e sua pobre mãe está morta. Você não tem ninguém para lhe ensinar como as moças jovens devem se comportar, e por todos os motivos, o Senhor Corbet vem de uma boa família. Ouvi dizer que seu pai tinha a melhor coudelaria de toda Shropshire. Ela não poupou dinheiro na educação de seus filhos, assim as jovens senhoras, suas irmãs, foram ensinadas da melhore maneira, talvez seja bom para a minha linda pequena ouvir como elas se comportam.
— Caro velho amigo Dixon... Você não sabe nada sobre o sermão, e não posso lhe dizer! Só me atrevo a dizer que o Senhor Corbet pode estar um pouco certo, embora eu tenha certeza de que ele estava muito errado!
— Você não vai continuar com esta raiva! O mestre não vai gostar, e isso o deixará inquieto, e ele já está cheio de problemas!
— Papai está com problemas? Oh! Dixon! O que você quer dizer? — exclamou Ellinor, com seu rosto tomando toda a intensidade da expressão nervosa em um minuto.
— Não! Não sei nada! — garantiu Dixon, evasivamente. — Só sei que esse tal Dunster o deixa nervoso, e acho que este homem enfurece o mestre tristemente com seus modos de se movimentar.
— Odeio o Senhor Dunster! — bufou Ellinor, com veemência. — Não direi uma palavra a ele na próxima vez que jantar com papai!
— Querida! Fará o que o papai mais gosta. — apaziguou Dixon.
Com isso o par de amigos se separou.
Capítulo 4
No verão seguinte, o Senhor Corbet veio novamente ler com o Senhor Ness. Ele não mostrou nenhuma alteração em seu caráter de amadurecimento precoce, que dificilmente progrediu durante os últimos doze meses, mesmo com suas aquisições intelectuais.
Portanto, foi espantoso para ele ver a alteração em Ellinor Wilkins. Ela disparara de uma garota um tanto insignificante para uma jovem alta com uma promessa de grande beleza em seu rosto, que há um ano só era notável pela delicadeza dos olhos. Sua tez estava clara, embora incolor, que há doze meses ele a chamaria de suave, com as bochechas delicadas e lisas como mármore, seus dentes pares e brancos, com raros sorrisos que chamavam uma linda covinha.
Ela cumprimentou seu antigo amigo com uma timidez séria, pois, ela se lembrou bem como foi o último encontro, e pensou que ele dificilmente a perdoaria, e muito menos, esquecido o seu correr exaltado para longe dele. Entretanto, a verdade é que, após as primeiras horas de desagrado ofendido, ele deixou de pensar nisso.
Ela, pobre criança, querendo provar seu arrependimento, tentara arduamente reformar seus modos, a fim de mostrar-lhe que, embora não desistisse de seu querido velho amigo Dixon ao pedido dele ou de qualquer um, ela se esforçaria para entender as suas razões de maneira plausível.
A consequência foi que, de repente, ela surgiu diante dele como uma jovem elegante e digna, em vez da garotinha rude que ele se lembrava.
Abaixo de suas maneiras um tanto formais, ela se escondeu no velho espírito selvagem, como ele podia ver depois de um pouco mais de observação. Assim, ele começou a querer chamar este olhar para fora, e se esforçar, lembrando dos velhos tempos e de todas as brincadeiras ingênuas, para saborear suas maneiras e discursos subjugados com um pouco da originalidade anterior.
Nisso, ele conseguiu.
Ninguém, nem o Senhor Wilkins, nem a Senhorita Monro, ou o Senhor Ness, perceberam o que este jovem casal era, e eles não sabiam também, e antes que o verão terminasse, eles estavam desesperadamente apaixonados um pelo outro, ou talvez deva dizer, Ellinor estava desesperadamente apaixonada por ele e ele apenas apaixonado como por qualquer uma, contudo, nele o intelecto era superior aos afetos ou às paixões.
As causas da cegueira das pessoas ao seu redor, eram estas:
O Senhor Wilkins ainda considerava Ellinor como uma menininha, ou como ouso afirmar, seu animal de estimação, sua querida, nada mais.
A Senhorita Monro estava ansiosa por perceber somente os estudos da menina.
O Senhor Ness estava profundamente envolvido em uma nova edição de Horace, que ele ia escrever com notas.
Acredito que Dixon fora mais aguçado, e Ellinor manteve o Senhor Corbet e Dixon separados por razões óbvias, porque cada um deles era seu querido amigo, mas ela sabia que o Senhor Corbet não gostava de Dixon, e ela suspeitava que o sentimento era recíproco.
A única mudança de circunstâncias entre o ano em questão e o anterior, consistiu neste desenvolvimento de apego entre os jovens. Caso contrário, tudo continuaria aparentemente como de costume.
Com Ellinor, o curso do dia foi algo assim:
Levantar cedo, ficar no jardim até a hora do café da manhã, quando ela fazia chá para seu pai e a Senhorita Monro na sala de jantar, sempre tomando o cuidado em colocar um pequeno ramo de flores recém-colhidas no prato de seu pai.
Após o café da manhã, quando a conversa era sobre assuntos gerais e indiferentes, o Senhor Wilkins se retirava para o pequeno estudo tão frequentemente mencionado. Ele entrara em uma passagem que corria entre a sala de jantar e a cozinha, na mão esquerda da casa. Correspondendo à sala de jantar, do outro lado estava a sala de visitas, com sua janela lateral servindo de porta para um conservatório, que novamente se abria para a biblioteca.
O velho Senhor Wilkins acrescentara uma projeção semicircular à biblioteca, que fora iluminada por uma cúpula acima, e mostrou as compras italianas de escultura para sua filha.
A biblioteca era, de longe, a sala mais marcante e agradável da casa, e a consequência disso foi que a sala de desenho era raramente utilizada, e tinha o aspecto de desconforto frio comum aos quartos raramente ocupados.
O escritório do Senhor Wilkins, do outro lado da casa, foi também uma extensão posterior, construída há apenas alguns anos, e projetada a partir da regularidade da parede externa. Uma pequena passagem de pedra levou a ela, pequena, estreita e escura, da qual nenhuma outra porta se abria.
A sala de estudo era um hexágono, com uma janela lateral, uma lareira e os quatro lados restantes ocupados com portas, uma já fora mencionada, outra estava ao pé das escadas estreitas e sinuosas, que levavam ao quarto do Senhor Wilkins sobre a sala de jantar, que se abria para a vista dos arbustos, à direita do jardim de flores.
O jardim levava ao caminho para o estábulo, e depois tomava um atalho para a estrada que seguia até Hamley, onde o escritório oficial do Senhor Wilkins estava. Era por este caminho que ele sempre ia e voltava todos os dias.
Ele usava a sala, principalmente para fumar, embora sempre falasse que era um lugar conveniente para manter comunicações confidenciais com os clientes que não gostavam de discutir seus negócios na possível audiência de todos os funcionários de seu escritório no centro da vila.
Pela porta externa, ele também podia passar para os estábulos, e ver que o cuidado adequado era tomado com seus cavalos favoritos e valiosos.
Nesta sala, Ellinor o seguia de manhã, ajudando-o a vestir seu casaco grande, colocar suas luvas, falando uma infinidade de palavras de alegre carinho e então, agarrada ao seu braço, ela o acompanhava em suas visitas ao estábulo, indo até os cavalos mais tímidos, acariciando e alimentando-os com pão, enquanto seu pai conversava com Dixon.
Quando ele finalmente partia, ela voltava para a sala de aula da Senhorita Monro, e tentava estudar o máximo que podia. Mas ela não tinha onde aplicar seus estudos, porque seu pai não se importava com isso. O Senhor Wilkins, o homem amante da facilidade e do prazer, não queria se tornar o pedagogo, como ele seria considerado, se alguma vez tivesse questionado Ellinor com um propósito realmente firme de verificar seu progresso intelectual.
Era suficiente para ele que sua inteligência e sua variedade de leituras a tornassem uma companheira agradável para suas horas de relaxamento, nada mais.
Às doze horas, Ellinor guardava seus livros com alegria, beijava a Senhorita Monro, perguntando-lhe se ela podia caminhar um pouco, e ficava grata quando a mulher aceitava caminhar no jardim, uma decisão não muito comum, pois, a Senhorita Monro odiava se cansar, odiava sujeira, odiava barulho e chuva também, tudo isso eram males, cujas chances de um encontro com estes elementos não estavam muito distantes das caminhadas pelo campo.
Ellinor dançava no jardim, brincava entre suas flores e raízes das árvores. Quando podia, chamava Dixon para o jardim para saber sobre os cavalos e cães, pois, uma das poucas regras rígidas de seu pai, era que Ellinor não entrasse no estábulo, a menos que ele estivesse com ela, assim, a conversa com Dixon eram sempre mantidas no jardim, longe dos olhos de seu pai.
A Senhorita Monro sentava-se ao sol, perto dos canteiros de flores alegres, sobre os quais, a sala de jantar e as janelas de estudo olhavam.
Quando o relógio tocava o meio-dia, Ellinor e a Senhorita Monro almoçavam. Era permitida uma hora para a digestão da Senhorita Monro, que Ellinor novamente passava fora das portas, depois as aulas recomeçavam e duravam até às cinco.
Naquela hora, elas se preparavam para o chá às cinco e meia. Depois do chá, Ellinor tentava preparar as tarefas para o dia seguinte, apesar disso, ela seguia atenta à chegada de seu pai, e no momento em que ouvia seus passos, ela largava seu livro e voava para fora da sala para recebê-lo e beijá-lo.
Às sete, era sua hora de jantar, ele nunca jantava sozinho, de fato, porque muitas vezes jantava em casa quatro dias em sete, e quando não tinha nenhum compromisso para levá-lo para fora, gostava de ter alguém para lhe fazer companhia.
O Senhor Ness muitas vezes era a sua companhia, o Senhor Corbet com ele também, se ele estava em Hamley.
Às vezes, relutantemente, e quando ele imaginava que não podia evitar a atenção sem ofender, o Senhor Wilkins perguntava ao Senhor Dunster, se ele aceitava jantar com ele.
Com todos os outros visitantes, o Senhor Wilkins ficava sentado por muito tempo, e mais tempo com o Senhor Ness, porque eles se interessavam pela conversa um do outro, porque o vinho era bom e o anfitrião detestava poupá-lo.
O Senhor Corbet costumava deixar seu tutor e o Senhor Wilkins e passeava na biblioteca. Ali estavam Ellinor e a Senhorita Monro, cada uma ocupada com seus bordados.
Ele trazia um banquinho para o lado de Ellinor, a questionava, provocava e a interessava. A decência da Senhorita Monro era inteiramente descansada na consideração de que o Senhor Wilkins nutria sobre permitir que um jovem se tornasse íntimo de sua filha, que, afinal de contas, não passava de uma criança.
O Senhor Corbet tinha caído no hábito de caminhar até o Ford para pegar o jornal todos os dias, perto das doze horas, e ficar no jardim por mais uma hora, não exatamente com Ellinor ou a Senhorita Monro, mas certamente muito mais à disposição de uma que da outra.
A Senhorita Monro costumava pensar que ele estava feliz em ficar e jantar mais cedo, porém, ela nunca fez o convite, e ele não ficaria sem a sanção expressa dela.
Ele contou a Ellinor tudo sobre sua mãe, irmãs e maneiras de viver, falando delas e de seu pai, com a certeza que ela em breve os conheceria mais intimamente, que deve-se deixar claro, e ela não questionou ou duvidou desta visão das coisas, ela simplesmente concordou.
Ele ficou pensativo sobre se deveria falar com ela, e assim garantir a promessa dela de ser sua noiva ou não, antes dele voltar para Cambridge. O rapaz não gostava da formalidade de um pedido ao Senhor Wilkins, que seria o caminho adequado a ser seguido para uma garota de sua idade, porque ela tinha apenas dezesseis anos.
Não que fosse antecipado qualquer dificuldade da parte do Senhor Wilkins, porque a aprovação da intimidade que, em suas respectivas idades, era bastante certa, se tornou tão evidente quanto seria por ações sem palavras.
No entanto, teria que existir referência ao seu próprio pai, que não tinha noção do caso, e o rapaz estava certo de que seu pai trataria como uma fantasia de menino, como se aos vinte e um, Ralph não fosse um homem, tão claro e deliberativo em conhecer sua própria mente, tão resoluto em decidir sobre o curso do esforço que o levaria à independência e fama, se tal fosse alcançado por um intelecto claro e uma vontade forte.
Não! Para o Senhor Wilkins ele esperaria por mais um ou dois anos.
Mas será que ele diria para Ellinor sua intenção de casar com ela e seu amor?
Novamente ele se inclinava para o curso mais prudente do silêncio. Ele não tinha medo de nenhuma mudança em suas inclinações, porque delas, ele tinha certeza, porém, ele a encarou desta maneira:
Se ele fizesse uma declaração para ela, Ellinor seria obrigada a dizer ao seu pai. Ele não a desrespeitaria ou desgostaria dela se ela não o fizesse. A declaração levaria a todas as conversas, discussões e referências ao seu pai, o que fazia com que seu apelo direto ao Senhor Wilkins parecesse um passo prematuro para ele.
Enquanto ele estava seguro do amor de Ellinor, ele sabia ainda melhor que ela, o quão pleno e inteiramente aquele coração de menina inocente era seu. Ele estava orgulhoso demais para temer a inconstância dela por um instante.
Ele pensara:
“Meus primos ficarão com inveja da mulher que escolhi para mim. Porque sei que o povo do campo, me agarra porque meu pai é de sua linhagem, e não por mim, e ele negligenciará Ellinor, e só aceitará, porque o velho Wilkins é nobre. Estou acima dos preconceitos antiquados deles e ficarei muito feliz quando chegar a hora de fazer de Ellinor minha esposa. Afinal de contas, a filha de um advogado próspero pode não ser considerada um par inapropriado para mim, o filho jovem como sou. Ellinor será uma mulher gloriosa daqui a três ou quatro anos, exatamente o estilo que meu pai admira. Serei paciente, esperarei meu tempo e observarei minhas oportunidades. Tudo virá bem.”
Assim, ele despediu-se de Ellinor, de uma maneira muito relutante e afetuosa, embora suas palavras pudessem ser ditas em qualquer mercado de Hamley para saudar estranhos, e fossem pouco diferentes do que ele falava à Senhorita Monro.
O Senhor Wilkins esperava uma revelação do amor que suspeitava no jovem, e quando isso não aconteceu, ele se preparou para perguntar à Ellinor. Entretanto, ela não tinha nada a lhe dizer, como ele muito bem percebeu pela maneira aberta e sem embaraço da jovem, quando foram deixados juntos depois do jantar.
Ele recusara um convite e se livrou do Senhor Ness para ter a conversa com sua menina sem mãe, e não havia nada de que pudesse ter certeza.
Ele estava meio inclinado a ficar bravo, mas viu que, embora triste, ela estava tão em paz, que ele, sempre otimista, começou a pensar que o jovem tinha sabiamente desistido de desabrochar seus sentimentos prematuramente.
Os dois anos seguintes passaram da mesma maneira, se um espectador descuidado teria pensado assim.
Ouço as pessoas dizerem que se você olhar para um regimento avançando com passo firme sobre uma planície em um dia de batalha, você dificilmente dirá que eles não estão apenas marchando em um ponto do terreno, a menos que você compare sua posição com algum outro objeto pelo qual marque seu progresso, assim mesmo é a repetição do movimento que se fez presente durante estes dois anos.
Os tristes acontecimentos da vida futura deste pai e sua filha dificilmente foram percebidos em seu avanço constante, no entanto, sobre a monotonia e uniformidade plana de seus dias, a dor desceu sobre eles, como um homem armado.
Muito antes do Senhor Wilkins reconhecer sua forma, ele estava se aproximando dele à distância, como, de fato, está se aproximando de todos nós neste exato momento. Você, o leitor, eu, a escritora, temos cada um nosso grande pesar sobre nós, que pode ainda estar além do ponto mais escuro de nosso horizonte, porém, na quietude da noite, nossos corações se encolhem ao som de seus próximos passos.
Bem, é para aqueles que caem nas mãos do Senhor e não nas mãos dos homens, mas o pior de tudo é para aquele que tem a partir de agora, a mistura do remorso com o cálice que lhe é estendido por sua desgraça.
O Senhor Wilkins se acalmava e tinha prazer cada vez mais a cada ano de sua vida, contudo, a qualidade de sua facilidade e prazer melhorava, porque isso raramente acontece com pessoas autoindulgentes.
Ele se importava menos com qualquer livro que esticasse suas faculdades, preferia os de gravuras para lhe poupar tempo. Ele passeava extravagantemente em seus cavalos, pensando somente em comer e beber.
Não havia vício aberto em tudo isso, de modo que qualquer tentação terrível ao crime descesse sobre ele. As pessoas que o conheciam, o observavam a distância.
A maioria de seus associados tinha seus deveres para cumprir, e cumpriram com coração e vontade, nas horas em que ele não estava em sua companhia.
Sim!
Os chamo de deveres, embora alguns deles pudessem ser impostos e puramente sociais, eram compromissos que assumira, seja tacitamente ou com palavras, e que se cumpriria.
O Senhor Hetherington, o Mestre dos Cães de Caça, que estava a pé, para ir até o canil e ver que os homens faziam seu trabalho bem e minuciosamente.
O austero Senhor Lionel Playfair, que era o magistrado severo, o senhorio ponderado e consciente, que fazia seu trabalho de acordo com suas luzes.
Havia poucos atrasados entre aqueles com os quais o Senhor Wilkins se associou na mesa de jantar.
O Senhor Ness, embora como clérigo, não era tão ativo quanto gostaria, e se divertiu com seus alunos e sua nova edição de um dos clássicos.
Somente o Senhor Wilkins, insatisfeito com sua posição, negligenciou o cumprimento de suas obrigações. Ele imitava os prazeres, e ansiava pelo lazer extravagante daqueles que o cercavam, lazer que ele imaginava que seria muito mais valioso nas mãos de um homem como ele, cheio de gostos e realizações intelectuais que de meros homens sem cultura.
No entanto, diariamente, o Senhor Wilkins afundava-se do intelecto para o homem sensualmente autoindulgente. Ele deitou-se tarde na cama e odiava o Senhor Dunster por seu olhar significativo no relógio, quando anunciou ao seu mestre que tal cliente estava esperando há mais de uma hora para a sua consulta.
— Por que você mesmo não o faz, Dunster? Tenho certeza que você fará tão bem quanto eu! — respondeu o Senhor Wilkins, às vezes, com o objetivo de dizer algo agradável ao homem de quem ele não gostava e temia.
O Senhor Dunster sempre respondia em um tom manso:
— Oh! Senhor! Eles não gostariam de conversar sobre seus assuntos com um subordinado.
Cada vez que ele dizia isto ou algum discurso semelhante, a ideia vinha na cabeça do Senhor Wilkins, de como seria agradável para ele convidar Dunster para uma parceria, e assim, jogar toda a responsabilidade do trabalho sobre os ombros de seu escrivão.
Clientes desafortunados podiam confiar em um novo sócio, embora não o fizessem com o escrivão.
As grandes objeções a este curso foram, antes de tudo, a forte antipatia do Senhor Wilkins para com o Senhor Dunster, sua repugnância por sua companhia, seu modo de se vestir, sua voz, seus modos de agir, tudo isso irritou seu empregador, até que seu estado de sentimentos em relação ao Dunster fosse chamado de ódio. Em seguida, o Senhor Wilkins estava plenamente consciente do fato de que todas as ações e palavras do Senhor Dunster eram cuidadosa e pensativamente pré-determinadas para promover o grande desejo não dito de sua vida, o de se tornar um sócio, onde agora ele era apenas um servo.
O Senhor Wilkins teve um encanto malicioso em atormentar o Senhor Dunster com discursos como o que acabei de mencionar, que sempre pareceu uma abertura para o fim desejado, mas ainda assim, por muito tempo, não o levou mais longe.
No entanto, esse fim estava se tornando cada vez mais certo e, finalmente, foi alcançado.
O Senhor Dunster sempre suspeitou que o empurrão final era dado por alguma circunstância externa ou ameaça de desistência de negócios que seu empregador recebera de seus clientes, mas disso ele não podia ter certeza. Tudo o que ele sabia era que o Senhor Dunster não tinha certeza.
Wilkins propôs-lhe a parceria de uma forma tão pouco graciosa quanto possível, uma falta de consciência que, afinal de contas, teve tão pouco efeito sobre o verdadeiro assunto em questão, que o Senhor Dunster pôde passar por cima dela com um escárnio particular, aproveitando todo o benefício tangível que agora estava em seu poder para aceitar.
O apego do Senhor Corbet à Ellinor fora formalmente revelado a ela, pouco antes deste tempo. Ele deixara a faculdade e estava bajulando a lei, também sentindo o sucesso de seu poder.
Ellinor deveria “sair” nas próximas reuniões de Hamley, pelo desejo de seu pai, e Corbet começou a ter ciúmes dos possíveis admiradores que sua aparência marcante e conversa delicada atrairia, e achou que era um bom momento para tornar o pedido de casamento certo através de palavras e promessas.
Ele não precisava se alarmar para dar este passo, se fosse capaz de entender o coração de Ellinor tão plenamente quanto ele fez com sua aparência e conversa.
Ellinor não se importava com as palavras e promessas formais. Ela se considerava totalmente comprometida a casar com ele e com ninguém mais, antes mesmo dele ter feito a pergunta final, como depois. Ela ficou bastante surpresa com a necessidade dessas palavras decisivas:
— Ellinor, querida! Você quer casar comigo?
Sua resposta foi dada, com um corar profundo que devo registrar, e em um murmúrio suave:
— Sim! Oh! Sim! Esperei por este pedido!
— Posso falar com seu pai? Posso, querida?
— Ele sabe! Tenho certeza que ele sabe e gosta muito de você! Oh! Como estou feliz!
— Ainda preciso falar com ele, antes de ir. Quando posso vê-lo, minha Ellinor? Devo voltar para a cidade às quatro horas.
— Ouvi sua voz no estábulo pouco antes de você chegar! Deixe-me ir e saber se ele já foi para o escritório.
Ele estava fumando calmamente um charuto em seu escritório, sentado em uma cadeira confortável perto da janela aberta, olhando sem pressa para o jornal. Ele odiava cada vez mais ir ao escritório desde que Dunster se tornara um sócio, porque aquele sujeito se deu a tais ares de investigação e repreensão.
Ele se levantou, tirou o charuto de sua boca e colocou uma cadeira para o Senhor Corbet, sabendo bem porque ele tinha assim prefaciado formalmente sua entrada na sala com um:
— Posso ter alguns minutos de conversa com você, Senhor Wilkins?
— Certamente, meu caro amigo! Sente-se! Você quer um charuto?
— Não! Não fumo!
O Senhor Corbet desprezou todas as indulgências e colocou um pouco de severidade em sua recusa, porém, de forma não intencional, apesar que estivesse grato por não ser como os outros homens, ele não era, de forma alguma, a pessoa a se incomodar desnecessariamente com as peculiaridades dos outros.
— Quero falar sobre Ellinor. Ela diz que acha que você deve estar ciente de nosso apego mútuo.
— Bem... — começou o Senhor Wilkins.
Ele retomara seu charuto, em parte para esconder sua agitação com o que sabia estar por vir, e falou:
— Creio que tive minhas suspeitas. Não faz muito tempo desde que eu era jovem também. — ele suspirou sobre a lembrança de Lettice e de sua juventude fresca e esperançosa.
— Como o senhor tem conhecimento e nunca manifestou nenhuma desaprovação. Não recuse seu consentimento para o pedido que agora lhe peço, ao nosso casamento.
O Senhor Wilkins não falou por pouco tempo, porque um toque, um pensamento e uma palavra a mais o levaria às lágrimas, por fim, ele teve dificuldade em dar o consentimento que o separaria de sua única filha.
De repente, ele se levantou e colocou sua mão na do rapaz ansioso, já que seu silêncio deixara o Senhor Corbet inquieto em um tom de perplexidade.
O Senhor Wilkins continuou:
— Sim! Deus abençoe vocês! Tem meu consentimento. Agora vá embora! Volte para ela, pois, não posso suportar isto por muito mais tempo.
O Senhor Corbet voltou para Ellinor.
O Senhor Wilkins sentou e enterrou sua cabeça em suas mãos, depois foi para o estábulo e mandou selar seu cavalo para um bom galope nos campos.
O Senhor Dunster esperou por ele, em vão, no escritório, onde um velho e obstinado cavalheiro do interior, de uma parte distante do condado ignorava a existência de Dunster como sócio, e exigia, com insistência, a presença do Senhor Wilkins em sua consulta.
Capítulo 5
Alguns dias depois, o pai de Ellinor pensou que a mesma comunicação adicional ocorreria entre ele e o noivo de sua filha, a respeito da aprovação da família deste último para o noivado do jovem, e assim, ele escreveu uma carta muito cavalheiresca, dizendo que, naturalmente, ele confiava que Ralph informara seu pai sobre seu noivado, e que o Senhor Corbet era bem conhecido pela sua reputação, ocupando boa posição social em Shropshire, mas que, como ele não fingiu estar na mesma posição, o Senhor Corbet talvez não ouvira falar de seu nome, embora em seu condado fosse bem conhecido por gerações em ser o principal advogado da região. Afirmando que sua esposa fora um membro da antiga família de Holsters, e que ele era descendente de um ramo mais jovem galês, de Wintons ou Wilkins, e que Ellinor, como sua única filha, naturalmente herdaria todos os seus bens, entretanto, é claro, seria feito algum acordo sobre isso, cuja natureza seria decidida mais próximo ao momento do casamento.
Era uma carta muito simples e bem adaptada ao propósito a que o Senhor Wilkins sabia que seria aplicada, em ser encaminhada ao pai do jovem.
Não se pensava que fosse um noivado desproporcional no ponto de partida, ao ponto de causar grande oposição, mas, infelizmente, o Capitão Corbet, herdeiro e filho mais velho, acabara de noivar com Senhora Mary Brabant, a filha de um dos mais orgulhosos condes do condado, que sempre se ressentiu da aparição do Senhor Wilkins nas reuniões como um insulto ao condado, e ignorou sua presença em cada mesa de jantar onde se encontravam.
A Senhora Mary estava visitando os Corbets justamente no momento em que a carta de Ralph, anexada com a do Senhor Wilkins, chegou em suas mãos paternas, e ela apenas repetiu as opiniões de seu pai, quando a Senhora Corbet e suas filhas naturalmente a questionaram sobre quem eram esses Wilkinses, porque elas se lembravam do nome nas cartas de Ralph anteriormente, o pai era algum amigo do Senhor Ness, o clérigo com quem Ralph estudava, eles acreditavam que Ralph costumava jantar com esses Wilkinses algumas vezes, acompanhado do Senhor Ness.
A Senhora Mary não viu mal em repetir as palavras de seu pai, retocada, é verdade, por alguma antipatia que ela sentia pela aliança íntima proposta, o que faria de sua cunhada à filha de um:
“Advogado de alto nível, que alegava ligação com os De Wintons!”
A Senhora Corbet e suas filhas se colocaram violentamente contra o casamento de Ralph. Elas não chamariam isto de um noivado e argumentaram, insistiram e suplicaram, até que, o escudeiro, ansioso pela paz a qualquer preço, e sempre mais sob o domínio da situação, mesmo que elas tivessem a sabedoria de Salomão ou a prudência e a sagacidade de seu filho Ralph, aceitou as súplicas.
Ele, irritado, escreveu uma carta, dizendo que, como Ralph tinha idade, é claro que ele tinha o direito de escolher seu futuro, portanto, tudo o que seu pai podia dizer era que o noivado não seria de forma alguma o que ele ou a mãe de Ralph esperavam, que era uma degradação para a família se aliar aos Wilkins. Que era claro que Ralph devia fazer o que ele desejava, no entanto, se ele se casasse com esta menina, não devia esperar que ela fosse recebida pelos Corbets como uma filha.
O escudeiro ficou bastante satisfeito com sua carta e a levou para mostrá-la a sua esposa, mas ela não achou que fosse suficientemente forte, e acrescentou um pequeno prólogo:
“Querido RALPH... Embora, como segundo filho, você tenha direito à herança após minha morte, ainda posso fazer muito para que a propriedade não tenha valor. Até agora, a consideração por você impede que eu tome medidas quanto à venda de madeira e das ovelhas, que aumentariam materialmente as porções de suas irmãs. Esta medida tomarei infalivelmente, se eu o achar perseverante em manter este compromisso tolo. A desaprovação de seu pai é motivo suficiente para que eu possa agir neste caso.”
Ralph ficou aborrecido com o recebimento destas cartas, embora apenas sorriu enquanto as colocava em sua mesa.
“Querido velho pai! Quanto à minha mãe, ela tem suas escolhas. Visto que lhe dei uma ideia do que será a fortuna de Ellinor, e a deixe, se ela escolher, cortar sua madeira, uma ameaça que ela tem mantido sobre mim desde que aprendi a andar a cavalo, e que soube ser ilegal nestes dez anos passados. Ela voltará com o mesmo assunto e a mesma chantagem. Sei melhor do que eles como Reginald tem se saído com os seus objetivos, e quanto àquela vulgar dama Mary, nascida de alto gabarito, mas que não pode ser comparada a minha Ellinor. Esperarei o tempo certo para que tudo isso se resolva.”
Ele não achou necessário responder imediatamente as cartas, nem sequer aludiu ao conteúdo delas para Ellinor.
O Senhor Wilkins, que ficara muito satisfeito com sua carta ao jovem, e pensara que ela seria igualmente agradável para todos, não suspeitava de nenhuma desaprovação, mesmo que uma sanção distinta por parte dos amigos do Senhor Ralph Corbet ao seu noivado não lhe fora comunicada.
Quanto a Ellinor, ela tremia de alegria.
Um verão assim para o florescimento das flores e o amadurecimento dos frutos não era conhecido há anos. Para ela, era como se a natureza amorosa e abundante quisesse encher o copo da alegria até transbordar, e como se tudo que fosse animado e inanimado, simpatizasse com sua felicidade.
Seu pai estava bem e aparentemente satisfeito. A Senhorita Monro estava muito gentil, mas Dixon estava apático.
O Senhor Dunster a visitava, com o pretexto de negócios, procurando seu pai, e perturbando todo o seu lazer com seus pergaminhos amarelados, e parecendo alterar a corrente suave de sua vida diária sempre que sua amada o via.
Ellinor fez sua aparição nas reuniões de Hamley, contudo, com menos brilho que seu pai ou seu noivo esperavam.
Sua beleza e graça natural eram admiradas por aqueles que podiam discriminar, mas para o maior número, havia o que eles chamavam de falta de estilo, porque a vontade de elegância certamente não existia. Mesmo com sua figura perfeita, ela se movia timidamente.
Talvez não fosse um bom lugar para uma apreciação correta da Senhorita Wilkins, porque algumas das antigas viúvas achavam que era presunção a sua presença ali, entretanto, uma senhora da época, que se lembrava da briga de seu marido com o Senhor Wilkins, que olhava para o lado sempre que Ellinor se aproximava, ressentia-se desta opinião.
— A Senhorita Wilkins é descendente da família do Senhor Frank, uma das mais antigas do condado.
A objeção seria feita há anos ao pai, mas como ele fora recebido, ela não sabia, porque a Senhorita Wilkins seria aludida como estando fora de seu lugar.
O maior prazer de Ellinor, à noite, foi ouvir seu pai dizer, depois de tudo terminar, que eles estavam voltando para casa:
— Bem... Achei minha Nelly a garota mais bonita ali, e conheço algumas pessoas que diriam o mesmo se pudessem falar.
— Obrigada, papai! — falou Ellinor, apertando a mão de seu pai.
Ela pensou que ele aludia ao Ralph, que estava ausente, como sendo a pessoa que concordara com ele, se ele tivesse a oportunidade de vê-la, mas não, ele raramente pensava nos ausentes, mas ficara bastante lisonjeado ao ver o Senhor Hildebrand pegar seu copo com o aparente propósito de ver Ellinor.
— Suas pérolas, também, eram bonitas como qualquer outra na sala, criança! Todavia, devemos reajustar. Amanhã as envio para Hancock!
— Papai, por favor! Prefiro mantê-las como estão e como a mamãe as usava!
Ele foi tocado em um minuto.
— Muito bem, querida. Deus te abençoe por pensar nisso.
Mas ele lhe encomendou um conjunto de safiras, em vez de mandar polir as pérolas, para a próxima reunião.
Estas joias não foram suficientes para intoxicar Ellinor com sucesso, e fazer a pobre garota se apaixonar pela alegria.
Grandes festas vinham das diferentes casas de campo da vizinhança e seus convites se emendavam um atrás do outro.
Quando esgotavam os recursos, geralmente tinham algumas danças de sobra para amigos da mesma posição com os quais eram mais íntimos.
Ellinor foi com seu pai, e se juntou a uma velha viúva, brincando com cartas, que outrora usara os serviços do Senhor Wilkins. Pediu desculpas aos seus conhecidos por sua fraca condescendência para com a ideia do Senhor Wilkins em querer introduzir sua filha na sociedade acima de sua esfera natural.
Foi sobre esta senhora, após proferir um discurso como o que acabei de mencionar, que a Senhora Holster falou com a estirpe da mãe de Ellinor. Contudo, embora a velha viúva ficasse um pouco desconcertada com a resposta da mulher, ela não estava mais atenta a Ellinor em consequência.
Ela permitiu que o Senhor Wilkins trouxesse a sua filha e colocasse no sofá carmesim ao lado dela, falou com ela ocasionalmente no intervalo que transcorreu antes que as cartas fossem postas, convidou a menina para acompanhá-la a esse divertimento sóbrio e no declínio de Ellinor, que preferiu ficar com seu pai, a viúva a deixou um sorriso doce em seu semblante gordo, com uma aprovação em algum lugar dentro de seu rosto imponente, assegurando-lhe que ela fizera tudo o que se esperava dela para aquela boa filha de Wilkins.
Ellinor ficou ao lado de seu pai, assistindo às danças, e agradecida pela oportunidade ocasional de dançar. Enquanto ela estava sentada, o Senhor Wilkins fizera o passeio pela sala, deixando de lado o pequeno fato de sua filha estar presente e precisava de companhia.
Alguns vieram porque gostavam do Senhor Wilkins, e perguntaram a Ellinor o porquê dela não dançar.
Porém, considerando sua verdadeira beleza e o cuidado que seu pai sempre teve com sua aparência, ela não despertava nenhuma admiração. Às vezes, ela se sentia mortificada quando tinha que sentar ou ficar quieta durante a primeira parte da noite.
Se não fosse pelos desejos de seu pai, ela ficaria em casa. Sem escolha, ela falava com a velha viúva irresponsável, e com seu pai, quando ficava ao lado dele.
De fato, ela tinha tanta felicidade no curso diário desta parte de sua vida que, ao olhar para trás depois, não podia imaginar nada mais brilhante do que fora estas noites.
O prazer de receber as cartas de seu noivo, a felicidade ansiosa de responder essas cartas, sempre um pouco temerosa para que ela não expressasse seu amor de maneira diferente de uma donzela, o amor e a satisfação do pai nela, a prosperidade encantadora e tranquila da família naquela época, e, olhando para trás, era como um sonho.
Ocasionalmente, o Senhor Corbet descia para vê-la.
Ele sempre dormia nessas ocasiões na casa do Senhor Ness, mas ele estava em Ford a maior parte do dia, entre duas noites em que ele se permitia em suas visitas.
Estas pequenas espreitadelas não eram frequentes.
Ele estava trabalhando duro na lei, bajulando com unhas e dentes todos os homens importantes que conhecia, organizando sua vida para promover a sua ambição, sentindo o prazer de superar e dominar seus companheiros, aqueles que começaram na corrida ao mesmo tempo.
Ele leu as cartas de Ellinor uma e outra vez, e nada mais além de livros de lei. Ele percebeu o amor reprimido e escondido em expressões subjugadas em suas comunicações, com um prazer divertido na tentativa de dissimulação.
Ele ficou contente por suas esperanças não serem mais alegres, e por Ellinor não ser muito admirada, embora, um pouco indignado com a falta de gosto por parte dos cavalheiros do condado. No entanto, se outros admiradores tivessem se destacado, ele teria que tomar algumas medidas mais eficazes para fazer valer seus direitos de noivo, pois, ele fez com que Ellinor expressasse ao seu pai o desejo de que seu noivado não fosse muito falado até mais perto do momento em que seria prudente que ele se casasse com ela.
Ele pensou que o conhecimento disto, o único passo imprudentemente e precipitado que pretendia dar em sua vida e iria contra seu caráter por sabedoria, se tornaria conhecido enquanto ele ainda era apenas um estudante.
O Senhor Wilkins se perguntava um pouco, mas acedeu, como sempre fez, a qualquer um dos pedidos de Ellinor.
O Senhor Ness era um confidente, é claro, e alguns dos contatos de Senhora Mary ouviram falar dele, e o esqueceram novamente muito cedo, e, não demorou muito para ninguém mais falar ou se interessar em Ellinor para se preocupar em apurar o fato.
Durante todo esse tempo, o Senhor Ralph Corbet manteve uma atitude muito discretamente decidida em relação à sua família.
Ele estava noivo da Senhorita Wilkins, e tudo o que ele podia dizer era que lamentava que eles desaprovassem isso. E, antes da hora de seu casamento chegar, ele confiou que sua família teria uma visão mais razoável das coisas, e estaria disposta a recebê-la como sua esposa, com base no respeito e afeto.
Estas foram as palavras que ele repetiu em diferentes formas, em resposta às cartas zangadas de seu pai.
Em longo tempo, sua determinação invariável abriu caminho com seu pai, os trovões paternais foram subjugados a um distante estrondo no céu, e logo foi aberto o inquérito sobre quanta fortuna a Senhorita Wilkins teria e quais eram as eventuais probabilidades.
Agora este era um ponto que o próprio Senhor Ralph Corbet desejava ser informado. Ele não pensara muito sobre isso ao fazer o noivado, porque ele era muito jovem ou muito apaixonado para isso.
Entretanto, uma filha única de um advogado rico, teria algo considerável e uma mesada para que o jovem casal pudesse começar a cuidar da casa em uma parte moderadamente boa da cidade. Isso seria uma vantagem para ele em sua profissão.
Assim, ele respondeu ao seu pai, sugerindo com toda a determinação, que fosse enviada uma carta contendo certas modificações do inquérito que foram colocadas, a grosso modo, na última carta do Senhor Corbet, a fim de que ele pudesse verificar com Senhor Wilkins quais eram as perspectivas de Ellinor como sendo consideradas fortuna.
A carta desejada chegou, mas não da forma que ele pudesse transmiti-la ao Senhor Wilkins, ele preferiu fazer citações, e mesmo estas citações foram um pouco alteradas e vestidas com cordialidade antes que ele as enviasse.
A essência de sua carta ao Senhor Wilkins era esta:
Ele declarou estar em condições de oferecer a Ellinor um lar, que ele previa um progresso constante em sua profissão e, consequentemente, em sua renda, mas que surgiriam contingências, como seu pai sugeriu, que o privariam de ganhar o sustento, talvez, quando isso fosse mais necessário do que no início. Era verdade que após a morte de sua mãe, uma pequena propriedade em Shropshire seria do segundo filho, e, é claro que Ellinor receberia o benefício desta propriedade, garantida a ela legalmente como Senhora Corbet.
Wilkins pensou sobre o melhor assunto para ser discutido, mas que no momento, o pai de Corbet estava ansioso, como podia ser visto na carta e o Senhor Wilkins asseguraria a contingência, dando a Ellinor um dote e gentilmente insinuou qual seria a quantia do mesmo.
Quando o Senhor Wilkins recebeu esta carta, ele se assustou devido ao sonho de um dia feliz.
Ele gostava muito de Ralph Corbet o suficiente para dar seu consentimento ao compromisso, e, às vezes, até ele ficava feliz em pensar que o futuro de Ellinor estava assegurado, e que ela teria um protetor e amigos depois que ele morresse. Não obstante, ele não queria que eles assumissem suas responsabilidades tão cedo.
Ele não contemplara com clareza o casamento dela como um evento provável antes de sua morte, e não entendia como sua vida continuaria sem ela, ou, na verdade, o motivo dela e Ralph Corbet não continuarem exatamente como estavam no momento.
Ele veio para o café da manhã com a carta na mão.
Pelos rubores de Ellinor, enquanto ela olhava para a caligrafia, ele sabia que ela recebera alguma carta de seu noivo pelo mesmo correio, com belas palavras para compensar a dor que a perspectiva de deixá-lo certamente lhe causaria. Ele estava certo que ela estava ciente do conteúdo da carta, e ele a colocou em seu bolso e tentou esquecê-la.
Ele fez isso não apenas por sua relutância em completar qualquer arranjo que pudesse facilitar o casamento de Ellinor, mas havia um incômodo adicional relacionado com o caso.
Seus assuntos financeiros já estavam há algum tempo em um estado decadente, ele vivia além de sua renda, até mesmo considerando que, como sempre fez, no ponto mais alto em que ele já tocou.
Ele não mantinha suas contas regulares, porque ele pensava que não precisava pagar suas contas frequentemente. Ele tinha uma renda estável, proveniente de sua profissão, bem como uma boa soma de dinheiro deixada por seu pai, e assim, vivendo em uma vila no interior onde as provisões eram baratas, suas despesas para a pequena família, apenas uma filha e dois criados, não equivaleria a nada em contraste com a renda das fontes acima mencionadas.
Entretanto, cavalos, o escolher vinhos e frutas raras, o hábito de comprar qualquer livro ou retrato independentemente do preço, fugiam com dinheiro, mesmo que houvesse apenas um filho para sustentar.
Há um ou dois anos, o Senhor Wilkins havia se assustado com um sistema de restrição exagerada, que durou cerca de seis semanas, pelo súbito estouro de uma soma especulativa na qual ele investira uma parte das economias de seu pai. Mas assim que as mudanças em seus hábitos, necessárias por suas novas economias, se tornaram incômodas, ele se confortou pela recaída em sua antiga extravagância de viver, lembrando-se de que Ellinor estava noiva do filho de um homem de grande propriedade, e que, embora Ralph fosse apenas o segundo filho, ainda assim, a propriedade de sua mãe iria até ele, como o Senhor Ness já mencionara na primeira audiência sobre seu noivado.
O Senhor Wilkins não duvidava que ele facilmente daria para Ellinor uma mesada adequada, ou pagar um dote necessário, mas isso envolveria um exame do estado real de seus assuntos, e isso envolvia problemas futuros. Ele não tinha ideia de quanto aborrecimento surgiria desta investigação.
Até que fosse feita, ele decidiu que não falaria com Ellinor sobre o assunto da carta do seu noivo. Assim, durante os dias seguintes o conteúdo da carta fora mantida em suspense.
Ellinor via pouco de seu pai e durante os curtos momentos em que ela estava ao seu lado, foi conscientizada de que ele estava nervosamente ansioso em manter uma conversa engajada em assuntos gerais, e não sobre o que ela tinha no coração.
Como já disse, o Senhor Corbet escrevera pelo mesmo correio em que ele enviou a carta ao pai dela, contando-lhe seu conteúdo e implorando, com doces palavras que os amantes sabem usar, que insistisse para que seu pai assentisse ao seu pedido, que estava ansioso e solitário em Londres, já que sua presença amada não estava lá.
Ele não se preocupava com dinheiro, exceto como meio de apressar seu casamento, e se houvesse alguma renda e por mais distante que fosse o tempo necessário para se casarem, ele seria paciente.
Ele não queria superfluidade de riqueza, seus hábitos eram simples, como ela bem sabia, e o dinheiro suficiente seria deles no tempo certo, tanto pela sua parte de contingências, quanto pela certeza de que ele finalmente possuía recursos futuros.
Ellinor adiou a resposta até que seu pai falasse com ela sobre o assunto. Mas como ela percebeu que ele evitou a conversa, o coração da jovem falhou.
Ela começou a se culpar por querer deixá-lo, a se censurar por ser cúmplice de qualquer passo que o evitasse ficar sozinho com ela e parecia angustiada, cheia de cuidados com seu pai.
Era a luta habitual entre pai e noivo pela posse de seu amor, em vez da natural e graciosa resignação do pai ao curso prescrito das coisas, e, como sempre, era a pobre menina que suportava o sofrimento sem culpa realmente, embora ela apontasse ser a causa do distúrbio na ordem anterior.
Ellinor não tinha ninguém com quem falar confidencialmente, a não ser seu pai e seu noivo, e quando eles estavam em questão, ela não podia falar abertamente com nenhum dos dois. Por isso, ela se irritou com a carta sem resposta do Senhor Corbet e com o silêncio de seu pai, ficando pálida e desanimada.
Uma ou duas vezes, ela olhou para cima, e chamou a atenção de seu pai, olhando para ela com ansiedade melancólica, mas no instante em que ela viu isso, ele se levantou, por assim dizer, e começou a falar com alegria sobre os pequenos tópicos do dia.
O Senhor Corbet ficou impaciente por não ouvir nem do Senhor Wilkins, nem de Ellinor, e escreveu urgentemente ao primeiro, dando-lhe a conhecer uma nova proposta sugerida por seu pai. Uma quantia seria paga pelo Senhor Wilkins para o casamento ser realizado.
“À Wilkins a ser aplicada, sob a administração de fideicomissários, à melhoria da fazenda Bromley, de cujos lucros ou de outras fontes, nas mãos do Senhor Corbet mais velho, deverá ser paga uma pesada taxa de juros sobre este adiantamento, que garantirá uma renda ao jovem casal imediatamente, e aumentará consideravelmente o valor da fazenda sobre a qual a liquidação de Ellinor seria feita.”
As condições oferecidas para a entrega de dinheiro eram tão vantajosas, que o Senhor Wilkins foi fortemente tentado a aceitá-las imediatamente.
Ele vira a bochecha pálida e a falta de apetite de Ellinor naquela manhã e isso fez ele pensar em uma maneira de acertar o acordo.
No escritório, o Senhor Wilkins fez alguns cálculos grosseiros sobre um pedaço de papel, e descobriu poder pagar a quantia necessária. Escreveu uma carta concordando com a proposta, e antes de selá-la chamou Ellinor para uma conversa. Pediu que ela lesse o que ele escrevera e lhe dissesse o que ela pensava sobre o assunto.
Ele viu a cor entrar no rosto branco dela, seus lábios tremerem e mesmo antes que a carta terminasse, ela estava em seus braços, beijando-o e agradecendo com carícias coradas ao invés de palavras.
— Bem... — suspirou ele, sorrindo. — Isso servirá! Acredito que você me tomou por um pai de coração duro, como o pai de uma heroína em um livro. Esta semana, você pareceu tão triste como Ofélia. Não se pode decidir em um dia sobre quantias de dinheiro como esta, filha... E, você deixaria seu velho pai ter tempo para considerar tais coisas.
— Oh! Papai! Eu só estava com medo que você estivesse com raiva.
— Bem, se eu estivesse um pouco perplexo, ver você com um ar tão doente e choroso não era a maneira de me trazer de volta. O velho Corbet, devo dizer, está tentando fazer um bom negócio para seu filho. É bom para mim que não sou um homem extravagante.
— Papai, não queremos isto tudo!
— Sim, sim! Está tudo bem! Você deve entrar na família deles como uma menina com bom dote, se você não é como uma Senhora Mary. Venha! Não incomode mais sua cabecinha com isso. Dê-me mais um beijo e depois iremos olhar os cavalos. Daremos uma volta, para uma distração. Mereço um descanso, não é, Nelly?
Algumas pessoas do campo trabalhavam à beira da estrada, enquanto o pai e a filha passavam e paravam para admirar seus brilhantes olhares felizes. Se falava da beleza hereditária da família Wilkins, pois, o velho, o pai do Senhor Wilkins, tinha uma bela aparência em suas calças e polainas e o habitual casaco.
Outro diziam ser fácil para os ricos serem bonitos, porque eles tinham sempre muito para comer e podiam cavalgar quando estavam cansados de caminhar, e não cuidavam para que o dia seguinte os impedisse de dormir à noite. E, em triste aquiescência contrastada, os homens continuaram com suas sebes em silêncio.
Se os pobres soubessem os problemas e as tentações dos ricos, se esses homens previssem o escurecimento da sorte sobre o pai que incluía a filha em sua nuvem, se o Senhor Wilkins tivesse sequer imaginado um futuro... Bem, havia verdade no velho ditado pagão:
“Que nenhum homem seja invejado até sua morte.”
Ellinor não tinha muitos passeios com seu pai e estava feliz pelo momento. Naquela tarde, eles pararam no cume, sentindo a brisa e olhado para um casarão em ruínas, não tão distante. Eles discutiram se eles o visitariam naquele dia, e decidiram que estava muito distante para qualquer coisa que não fosse uma inspeção apressada, e que algum dia, em breve, fariam do velho lugar o objeto principal de uma excursão.
No entanto, chegou um momento chuvoso, quando não era possível fazer passeios, e, se foi a influência do tempo ou algum outro cuidado ou problema que o oprimiu, não posso dizer. O Senhor Wilkins parecia perder todo o desejo de exercício ativo, e buscava um estímulo para seu espírito nas rodadas de vinho.
Porém, deste fato, Ellinor estava inocentemente inconsciente.
Ele parecia enfadonho e cansado, sentava por muito tempo, afogando-se e bebendo depois do jantar. Se os criados não gostassem tanto dele por sua generosidade e bondade anteriores, eles reclamariam, e com razão, por sua irritabilidade, pois, todas as coisas pareciam incomodá-lo.
— Você dele pedir para que o mestre cavalgue com você, senhorita! — falou Dixon, um dia, quando ele estava colocando Ellinor no cavalo dela. — Ele não está com bom aspecto, está lendo demais no escritório.
Quando Ellinor o convocou para o passeio, ele respondeu apressadamente que estava tudo muito bem, e que era algo que mulheres sem ocupação gostavam de fazer, porque os homens tinham algo mais para fazer não tinham tempo para passeios, e então, ao vê-la com um ar de tristeza e perplexidade, suavizou seu ditado abrupto, acrescentando que Dunster estava fazendo um alarido sobre a não comparência de seu sócio, e, ao mesmo tempo, fazendo bons acordos de maneira ofensiva, de modo que ele achou melhor ir regularmente ao escritório, a fim de mostrar-lhe quem era o sócio sênior e chefe do negócio, de qualquer forma.
Ellinor suspirou um pouco sobre sua decepção com a preocupação de seu pai, depois esqueceu seu arrependimento com raiva do Senhor Dunster, que sempre era um espinho nas mãos de seu pai, e que ganhara, ultimamente, algum poder e autoridade sobre ele, cujo exercício, Ellinor não pôde deixar de pensar. A conduta de Dunster era muito superior ao seu pai e isso a desagradava.
Houve uma sensação de algo errado em Ford durante muitas semanas.
O Senhor Wilkins não era como antes, seus modos alegres e seus discursos geniais descuidados foram perdidos, mesmo nos dias em que ele não estava irritado, e evidentemente inquieto consigo mesmo e com tudo sobre ele.
A primavera estava chegando tarde, a chuva fria, o vento e o sono fizeram de qualquer exercício ao ar livre um problema e desconforto, ao invés de um evento natural brilhante no decorrer do dia.
Todo o som de esperanças de inverno, reuniões e encontros com jantares joviais, morreram, e os prazeres do verão ainda não eram pensados.
Ellinor ainda tinha no seu coração uma fonte secreta e perene de sol, e sempre que pensava em Ralph, ela não sentia muita opressão do presente, indistintamente sombrio.
Ele a amava, e ... Oh! Como ela o amava! E, talvez no próximo outono eles se casariam, mas isso dependia do sucesso em sua profissão.
Afinal, se não fosse este outono, seria o próximo. Com as cartas que ela recebia semanalmente e as visitas ocasionais dele em Hamley para pagar o Senhor Ness, Ellinor sentia como se o atraso do tempo não fosse tão ruim assim.
Capítulo 6
Na Páscoa, justamente quando os céus e a terra estavam parecendo mais sombrios, pois, a Páscoa caiu muito cedo naquele ano, o Senhor Corbet voltou.
O Senhor Wilkins estava muito ocupado para vê-lo. Eles se encontravam menos que de costume, embora não menos amigáveis. No entanto, para Ellinor, a visita foi de uma felicidade imensa.
Até então, ela sempre teve um pouco de medo misturado com seu amor pelo Senhor Corbet, mas seus modos eram suaves, suas opiniões menos decididas e abruptas, e o tratamento com ela mostrava tanta ternura, que a jovem garota se animava.
Uma ou duas de suas conversas era sobre a sua futura vida de casada em Londres. Ela percebeu que seu noivo não esquecera sua ambição perante seu amor.
Ele tentou inoculá-la com algo de seu desejo de sucesso na vida, mas foi tudo em vão.
Ela se aninhou a ele, e lhe disse que não se importava em ser a esposa de um homem importante na sociedade e que seguiria seus desejos.
Nos dois últimos dias de sua estadia, o tempo mudou.
O calor repentino irrompeu, como acontece por algumas horas, mesmo em nossa primavera fria inglesa.
Os arbustos e árvores marrom-acinzentados começaram o progresso visível para a tenra sombra verde que é a precursora das folhas que irrompem. O céu era de um azul sem nuvens.
O Senhor Wilkins viria para casa bem cedo do escritório para sair com sua filha e seu noivo, mas, após esperar algum tempo por ele, Ellinor desistiu do que planejara.
Nada serviria a Ellinor, então, a não ser que ela tivesse que levar uma mesa e tomar chá no jardim, no lado ensolarado da árvore, entre as raízes das quais ela costumava brincar quando criança.
A Senhorita Monro objetou um pouco este capricho de Ellinor, dizendo ser muito cedo para refeições fora de casa, mas o Senhor Corbet anulou todas as objeções e a ajudou em seus preparativos.
Ela sempre cumpriu as horas da refeição como quando infância, embora sentasse regularmente com seu pai em seu jantar tardio, e esta refeição ao ar livre seria uma nova realidade para ela e para a Senhorita Monro.
Havia um lugar arranjado para seu pai, e ela o agarrou quando ele vinha do estábulo pelo caminho dos arbustos até seu escritório, e com alegria, fez dele um prisioneiro, acusando-o de desapontá-los e atraindo-o para sua cadeira à beira da mesa.
Contudo, ele ficou em silêncio e quase triste, sua presença amorteceu a todos. Eles mal podiam dizer o motivo, pois, não se opunha a nada, embora parecesse não gostar de nada e forçava um sorriso para as saladas ocasionais de Ellinor.
Estas se tornaram cada vez mais raras à medida que ela percebia a depressão de seu pai. Ela o observava ansiosamente.
Ele o percebeu e raciocinou tremendo daquela estranha maneira irresponsável que é popularmente explicada pela expressão de que alguém está passando sobre a terra que um dia formará sua sepultura.
— Ellinor! Este não é um dia para chá fora da porta. Nunca me senti tão frio em minha vida! Não posso deixar de tremer onde estou sentado. Devo deixar este lugar, minha querida! Apesar de todo o seu bom chá.
— Oh! Papai! Lamento muito. Veja como os raios quentes do sol estão cheios neste gramado. Pensei que era um lugar bom!
Ele se levantou e persistiu em deixar a mesa, mesmo que evidentemente lamentasse estragar a pequena reunião. Ele andou na caminhada de cascalho, Ellinor se aproximou, conversando, tentando animá-lo:
— Você está mais quente agora, papai? — perguntou Ellinor.
— Oh! Sim! Muito bem! É só aquele lugar que parece tão frio e úmido.
Na manhã seguinte, o Senhor Corbet os deixou.
O tempo fora de época também passou, e todas as coisas voltaram ao seu aspecto cinzento e sombrio, mas Ellinor estava muito feliz para sentir isso, sabendo que o amor ausente existia somente para ela, e deste conhecimento inconscientemente confiando no sol atrás das nuvens.
Eu disse que poucos na vizinhança próxima de Hamley, ao lado da casa e do Senhor Ness, sabiam do noivado de Ellinor.
Em um dos raros jantares que ela acompanhara seu pai, ela fora na casa da senhora idosa que a acompanhava nas reuniões, e assim, ela foi levada para jantar com um jovem clérigo hospedado no bairro.
Ele acabara de ganhar uma pequena fortuna em seu condado, e sentiu como se este fosse um grande passo em sua vida. Ele era bom, inocente e de aparência bastante infantil.
Ellinor estava feliz e à vontade, e conversou com esse Senhor Livingstone sobre muitos pontos de interesse que eles achavam ter em comum, como música de igreja e a dificuldade que tinham em fazer as pessoas cantarem em partes. Falaram sobre a Catedral de Salisbury, que ambos viram, e os estilos de arquitetura de igrejas, obras de Ruskin, escolas paroquiais, nas quais o Senhor Livingstone ficou um pouco chocado ao descobrir que Ellinor não se interessou muito.
Quando o cavalheiro chegou da sala de jantar, Ellinor percebeu que seu pai tomara mais vinho que o habitual.
De fato, isto se tornara um hábito dele nos últimos tempos, mas como ele sempre tentava ir tranquilamente para seu quarto quando tal era o caso, sua filha não percebera isso antes, e a percepção disso a deixou com vergonha.
Ela pensava que todos estariam conscientes da maneira e modo de falar alterado de seu pai, após uma pausa de silêncio doentio, durante a qual ela não podia dizer uma palavra. A jovem falou com o Senhor Livingstone sobre escolas paroquiais, e qualquer coisa, com vigor redobrado e aparente interesse, para afugentar aquele problema.
O efeito de seu comportamento foi muito maior que ela pretendia. Ela impediu o Senhor Livingstone, é verdade, de observar seu pai, mas ela também despertou a atenção dele.
Ele a achara muito bonita e agradável durante o jantar, entretanto, depois a considerava encantadora e irresistível. Ele sonhou com ela a noite toda, e acordou na manhã seguinte para um cálculo de quão longe sua renda lhe permitiria equipar seu belo novo presbitério com aquela bênção de esposa.
Durante um ou dois dias ele fez pequenas somas, e suspirou pensando em Ellinor, em seu rosto, ouvindo com admirável interesse os sermões dele. Ele pensou nela andando pela paróquia, em sua doce voz, instruindo as aulas em suas escolas, e ele, em sua imaginação, a presença de Ellinor se levantou diante dele.
A consequência foi que ele escreveu uma oferta, que encontrou uma composição muito mais perplexa que um sermão, uma verdadeira expressão sincera de amor, continuando, sobre todos os obstáculos, uma explicação de suas perspectivas atuais e esperanças futuras, e terminando com a informação de que, na manhã seguinte, ele gostaria de saber se era permitido falar com o Senhor Wilkins sobre o assunto da carta.
Ela foi entregue a Ellinor à noite, enquanto ela estava sentada com a Senhorita Monro na biblioteca.
O Senhor Wilkins estava jantando fora, ela mal sabia onde, como era um jantar repentino, do qual ele mandara notícias do escritório, um jantar de cavalheiros, ela supunha, pois, de Hamley ele não voltaria para casa tão cedo.
Ellinor olhou para a carta quando ela lhe foi trazida, como algumas pessoas fazem quando não conseguem reconhecer a caligrafia, e precisam olhar para a assinatura para saber de quem se tratava.
Ela não podia adivinhar quem a escrevera por qualquer sinal externo. No momento em que viu o nome Herbert Livingstone, o significado da carta saltou sobre ela e a jovem coloriu a face.
A jovem guardou a carta não lida por alguns minutos, e depois arranjou uma desculpa para sair da sala e ir para seu quarto.
Quando segura em seu quarto, ela leu as palavras ávidas do jovem, com um senso de repreensão. Como ela, noiva de um homem, se comportara com outro, se isso foi o resultado de uma única conversa à noite?
Ela se sentiu muito miserável. Se afundou com um coração pesado para continuar lendo Dante, e ruminar as palavras no dicionário em italiano.
Quando desceu, percebeu que a Senhorita Monro estava se esforçando com seu italiano mais diligente e sedosamente que de costume. Ela planejou falar com seu pai assim que ele voltasse, e ele dissera que não se atrasaria, e assim, ela imploraria que desfizesse o mal que ela fizera ao Senhor Livingstone na manhã seguinte, explicando-lhe francamente o verdadeiro estado de coisas.
Porém, ela queria ler sua carta novamente, e pensar sobre aquilo em paz, e assim, a uma hora adiantada, ela desejou boa noite à Senhorita Monro, subiu para o quarto acima da sala de visitas, sentou-se em frente à janela com vista para o jardim de flores e o caminho de arbustos até o estábulo, pelo qual seu pai certamente retornaria.
Ela leu bem sua carta, e tentou se lembrar de todos os seus discursos e conduta naquela noite miserável, como ela pensava então, sem saber o que era a verdadeira miséria.
Sua cabeça doeu e ela apagou a vela. Ficou olhando para o jardim iluminado pela lua, observando quando a silhueta de seu pai surgiria. Ela abriu a janela para esfriar a testa e permitir que ela o chamasse suavemente quando ele surgisse.
Atravessando a porta do estábulo para o mato, ela viu em um momento, o Senhor Wilkins se movendo pelos arbustos, mas não sozinho, o Senhor Dunster estava com ele. Os dois estavam conversando em tons bastante animados, e entraram na parte que levava até o escritório do Senhor Wilkins pela porta externa.
“Eles jantaram juntos em algum lugar. Provavelmente na casa do Senhor Hanbury, na cervejaria Hamley”, pensou Ellinor. “Por que ele veio com papai?”
Duas ou três vezes antes, o Senhor Dunster chamou o Senhor Wilkins à noite, como Ellinor sabia, mas ela não estava bem ciente do motivo de tais visitas tardias e nunca reunira os dois fatos, como causa e consequência, que em tais ocasiões, seu pai estivera ausente do escritório o dia todo, e que havia negócios necessários para ele, cuja urgência era o motivo das visitas do Senhor Dunster.
O Senhor Wilkins sempre parecia aborrecido com sua vinda nessa hora tardia, e falava disso, ressentindo-se da intromissão em seu descanso, e Ellinor, sem consideração, adotou o modo de falar e pensar de seu pai sobre o assunto, ficando bastante zangada quando o sócio desagradável entrava em sua casa, à noite.
Esta noite foi, de todas as noites, o pior momento, assim pensou Ellinor, para uma conversa com seu pai!
Entretanto, não havia dúvidas em sua mente sobre o que ela tinha que fazer. Tão tarde, o visitante indesejado não ficaria ali por muito tempo e assim, ela desceria com a intenção de pedir ajuda para seu pai sobre o Senhor Livingstone, e que o dispensasse tão gentilmente na manhã seguinte.
Ela se sentou novamente em frente à janela, imaginando sonhos de sua felicidade futura e continuava se perdendo em tais pensamentos, ficando com medo de esquecer o motivo que segurava ainda acordada.
Logo sentiu frio e levantou-se para ir buscar um xale, no qual se abraçou. O frio estava crescendo com o passar das horas, a luz da lua estava chegando cada vez mais cheia ao jardim e a escuridão da sombra estava mais concentrada e forte.
Certamente o Senhor Dunster não iria embora pelo caminho escuro do arbusto tão silencioso.
Ela ouviu um inchaço das vozes, que surgiam pela janela do escritório de seu pai. Vozes furiosas que aumentavam sua raiva, pois, ela sabia que seu pai estava irritado.
Houve um movimento repentino, a partir das cadeiras empurradas apressadamente para o lado, e depois um misterioso barulho inexplicável, um leve movimento a partir das cadeiras de novo, e por fim, uma profunda quietude.
Ellinor encostou sua cabeça contra o lado da janela para ouvir com mais atenção, pois, algum instinto misterioso a deixou intrigada.
Sem som e barulho.
Só ouviu o que ouvimos em tais momentos de escuta intencional, o bater dos pulsos de seu coração e, em seguida, o rodopio de sangue através de sua cabeça.
Quanto tempo isso durou? Ela nunca soube.
Quando ouviu os passos apressados de seu pai no quarto dele, ao lado do dela, ela correu para lá na esperança de falar com ele, para perguntar o que estava acontecendo, e se ela podia falar sobre a carta do Senhor Livingstone, mas ela percebeu que ele descera novamente ao seu escritório, e, quase ao mesmo momento ela ouviu a pequena porta que dava acesso ao jardim se abrir, alguém sair, e então, houve passos apressados ao longo do caminho dos arbustos.
Ela pensou, é claro, que era o Senhor Dunster deixando a casa. Ela pegou a carta do Senhor Livingstone, passou pelo quarto de seu pai até a escadaria, pensando que se ela passasse pelo caminho mais regular, ela correria o risco de perturbar a Senhorita Monro, e talvez de ser interrogada pela manhã.
Mesmo ao passar pela escadaria, ela andou suavemente por medo de ser ouvida.
Quando ela entrou na sala, a luz das velas a deslumbrou por um instante, saindo da escuridão.
Elas se acenderam de forma selvagem na corrente de ar que entrava pela porta aberta, na qual o ar exterior era acolhido.
Por um momento não parecia haver ninguém na sala, e então, ela viu, com estranho horror, as pernas de alguém deitado no tapete atrás da mesa.
Como se fosse obrigada, mesmo enquanto encolhia de fazer isso, ela foi em volta para ver quem era aquele deitado ali, imóvel.
Era o Senhor Dunster, sua cabeça apoiada nas almofadas da cadeira, seus olhos abertos, olhando fixamente para o vazio. Havia um cheiro forte de conhaque e cheiro de chifre queimado na sala, um odor tão poderoso que não podia ser neutralizado pela corrente de ar noturno que soprava através das duas portas abertas.
Ellinor não saberia se foi a razão ou o instinto, que a fez agir como agiu durante aquela noite horrível.
Ao pensar nisso depois, com o tremor de evitar a memória assombrosa que a ofuscaria durante muitos anos de sua vida, ela acreditou que o cheiro poderoso do conhaque derramado a intoxicava absolutamente. Porém, algo lhe deu coragem, não a própria.
Primeiro, ela levantou seu olhar fascinado para o morto, e foi até a porta da escada, pela qual ela entrara no escritório, e a fechou suavemente. Voltou a olhar para trás, pegou a garrafa de conhaque, ajoelhou-se e tentou despejar um pouco na boca do Senhor Dunster, mas isto ela descobriu que não podia fazer.
Então, ela molhou seu lenço e umedeceu os lábios, tudo sem nenhum propósito, pois, o homem foi morto pelo corte em sua cabeça. Claro que todos os cuidados e esforços de Ellinor não produziram nenhum efeito, por certo, seu pai os experimentara antes para trazer de volta o precioso sopro da vida do homem.
A pobre menina não podia suportar o olhar daqueles olhos abertos, então, suave e ternamente, tentou fechá-los, embora inconsciente de que, ao fazer isso, ela estava entregando os ofícios piedosos de alguma mão amada para um homem morto.
Ela estava sentada ao lado do corpo no chão, quando ouviu os passos apressados, porém, cautelosos, através do arbusto, e mesmo que ela estivesse sem medo, podia ser o rasto de ladrões e assassinos.
O horror da hora a elevou acima do medo habitual, embora ela não tenha passado pelo processo usual de raciocínio, por isso, se sentiu segura de que os pés que vinham tão suave e rapidamente eram os mesmos que ela ouvira sair da sala, da mesma maneira, apenas um quarto de hora antes.
Seu pai entrou, com alguém atrás dele, e ao ver sua filha em atitude imóvel ao lado do homem morto, quase gritou:
— Meu Deus, Ellinor! O que a trouxe até aqui? — declarou quase ferozmente.
Ela respondeu:
— Não sei. Ele está morto?
— Silêncio! Silêncio, criança!
Ela ergueu os olhos para o rosto solene, piedoso e assustado por trás de seu pai, era a face de Dixon.
— Ele está morto? — perguntou-lhe ela.
O homem deu um passo à frente, empurrando respeitosamente seu mestre para um dos lados, enquanto o fazia. Ele se abaixou sobre o cadáver, olhou, escutou e, após pegar uma vela fora da mesa, acenou para o Senhor Wilkins para fechar a porta, e o homem obedeceu, olhando com uma intensidade afã, sem esperança.
A chama estava firme, mesmo ajustada perto da boca e da narina. A cabeça foi erguida por um dos braços de Dixon, enquanto ele segurava a vela na outra mão.
Ellinor imaginou haver algum tremor da parte de Dixon, e agarrou seu pulso com força para lhe dar a estabilidade necessária sem movimento.
Tudo em vão.
A cabeça foi novamente colocada sobre as almofadas, o criado levantou-se e ficou ao lado de seu mestre, olhou tristemente para o morto, que, vivo, nenhum deles gostava ou se importava, e Ellinor sentou-se, quieta e sem lágrimas, aflita.
— Como foi, pai? — perguntou ela tristemente.
Ele teria a deixado na ignorância de todos os fatos, entretanto, tão questionado pelos lábios de sua filha, com seus olhos assustados na presença da morte, ele não podia escolher. Ele falaria a verdade, e assim, ele falou em palavras convulsivas e em cada frase, um esforço:
— Ele me provocou! Ele era insolente, além de minha paciência. Não podia suportar isso. O golpeei, não sei dizer como foi. Ele deve ter batido com a cabeça ao cair. Oh! Meu Deus! Uma hora antes eu estava inocente do sangue deste homem. — ele cobriu seu rosto com as mãos.
Ellinor pegou a vela novamente, ajoelhando-se atrás da cabeça do Senhor Dunster e tentou a experiência fútil de analisar se ele respirava com a vela posta em seu nariz mais uma vez.
— Um médico não ajudaria? — perguntou ela a Dixon, com uma voz desesperada.
— Não! — disse ele, balançando a cabeça, e olhando com um olhar de lado para seu mestre, que parecia encolher-se da sugestão de sua filha. — Os médicos não podem fazer nada. Tudo o que um médico faria, presumo, seria abrir uma veia, e fazer a sangria. Talvez a minha agulha, a que uso nos cavalos. Posso tentar. — ele se agarrou aos bolsos enquanto falava, e, por acaso, a agulha, uma lanceta de cavalo, estava em algum lugar em seu bolso.
Ele a analisou, suavizou e a experimentou em seu dedo. Ellinor tentou desnudar o braço do morto, mas ficou nauseada enquanto o fazia.
Seu pai começou a ajudar e fez o que era necessário, com mãos trêmulas e apressadas.
Se eles tivessem se preocupado com o resultado desta ação, teriam medo das consequências da operação nas mãos de Dixon, porque veia ou artéria, significava pouco para ele.
Nenhum sangue vivo jorrava, apenas um pouco de umidade aquosa seguia do corte da agulha.
Eles o colocaram de volta em seu estranho e triste sofá de morte. Dixon falou a seguir:
— Mestre! — murmurou.
Dixon conhecia o Senhor Wilkins desde seus dias brilhantes da infância, e quase foi levado de volta para isso, pelo senso de carga e proteção que a presença dele e os sentidos aguçados lhe deram sobre seu mestre na noite sombria.
— Mestre, devemos fazer o que é necessário!
Ninguém falou. O que seria feito?
— Alguém o viu? — Dixon perguntou, depois de um tempo.
Ellinor olhou para cima para ouvir a resposta de seu pai, em uma esperança que lhe vinha à mente de que tudo seria escondido de alguma maneira, mas ela não sabia como, nem pensava em nenhuma consequência, exceto, salvar seu pai do pavor vago, dos problemas e das punições que ela sabia que o esperariam, se tudo fosse conhecido.
O Senhor Wilkins não parecia ouvir, na verdade, ele não ouviu nada além do eco não falado de suas últimas palavras, que lhe atravessaram o coração:
— Há uma hora, eu estava inocente do sangue deste homem! Apenas uma hora atrás!
Dixon levantou-se e derramou meio copo de conhaque que estava em cima da mesa.
— Mestre! Beba isto! — colocando nos lábios de seu mestre. — Não se preocupe! — falou para Ellinor. — Não lhe fará mal, apenas devolverá os sentidos do pobre cavalheiro que estão assustados. Precisaremos de toda a nossa perspicácia. Agora, senhor! Por favor! Responda minha pergunta. Alguém viu o Senhor Dunster vir aqui?
— Não sei! — assegurou o Senhor Wilkins, recuperando seu discurso. — Tudo parece estar em uma névoa. Ele se ofereceu para caminhar comigo para casa, eu não o queria. Fui quase indelicado com ele. Eu não queria falar de negócios! Tomei muito vinho e algumas coisas no escritório não estavam em ordem, e ele encontrara estes problemas. Se alguém ouviu nossa conversa, eles devem saber que eu não queria que ele viesse comigo. Oh! Por que ele viria? Ele estava tão obstinado! Ele veio e aqui foi a sua morte!
— Bem, senhor! O que está feito não pode ser desfeito, e tenho certeza de que qualquer um de nós o traria de volta à vida se pudesse, mesmo cortando nossas mãos, embora ele fosse um sujeito cruel enquanto respirava. O que estou pensando é o seguinte... Talvez, se alguém o encontrá-lo aqui, o senhor terá dificuldades. Você não acha, senhorita? — ele olhou para Ellinor. — Já que ele não tem nenhum parente, nem amigo, podemos simplesmente enterrá-lo antes da manhã, em algum lugar? Ainda temos quatro horas de escuridão. Eu gostaria que pudéssemos colocá-lo no pátio da igreja, mas não podemos! Na minha opinião, quanto mais cedo começarmos a cavar um lugar para ele se deitar, melhor será para todos no final. Posso aparar um pedaço de grama, e se o mestre pegar uma pá, e eu outra, o deitaremos suavemente, o cobriremos, e ninguém saberá!
Não houve resposta de nenhum dos dois por um minuto ou mais. Então, o Senhor Wilkins articulou:
— Se meu pai soubesse o que minha vida se transformou? Porque eles me julgarão como um criminoso, e você, Ellinor? Pobre filha! Dixon, você está certo! Devemos escondê-lo ou devo cortar minha garganta, pois, nunca viveria com esta culpa. Um minuto de paixão e minha vida explodiu!
— Venha, senhor! — afirmou Dixon. — Não há tempo a perder.
Eles saíram em busca de ferramentas. Ellinor os seguiu, tremendo, mas implorando que ela pudesse estar com eles, e não tivesse que permanecer no escritório com o cadáver.
Ela não queria entrar em seu quarto, porque estava apavorada, e correu para carregar cestas pesadas de grama e barro, e de esticar ao máximo suas forças, buscando tudo o que era desejado, com passos suaves e rápidos.
Uma vez, ao passar perto da porta do escritório, aberta para o jardim, ela pensou ouvir um sussurro, e um rastro de esperança se deparou com ela. Será que ele estaria revivendo?
Ela entrou e um momento foi o suficiente para desanimá-la. Fora apenas um ruído noturno entre as árvores, porque, de esperança e vida, não havia nenhuma.
Eles cavaram o buraco profundamente, trabalhando com energia feroz para saciar o pensamento e o remorso. Uma ou duas vezes seu pai pediu conhaque, que Ellinor, tranquilizada pelo efeito aparentemente apropriado da primeira dose, lhe trouxe sem uma palavra, e também, uma vez, por sugestão de seu pai, trouxe comida para Dixon, que ela encontrara na sala de jantar sem perturbar o silêncio da casa.
Quando tudo estava pronto para a recepção do corpo em sua cova sem bênção, Ellinor foi até seu quarto, porque ela fizera tudo o que podia para ajudá-los, o resto seria feito por eles, sozinhos.
Ela sentiu dever ajudar, porém, tanto seus nervos quanto sua força corporal, estavam cedendo, mesmo assim, ela tentou.
Ellinor desceu e seguiu até seu pai, enquanto ele se sentava cansado à cabeceira da cova, Dixon estava entrando na casa para carregar o cadáver, seu pai a empurrou para longe silenciosamente, mas com determinação.
— Não, Nelly! Você nunca mais deve me beijar. Sou um assassino!
— Vou sim, meu querido papai! — disse ela, atirando seus braços apaixonadamente ao pescoço dele, e cobrindo seu rosto com beijos. — Te amo! Não me importa o que você é, se você foi vinte vezes assassino, o que você não é! Tenho certeza de que foi apenas um acidente.
— Vá para casa, minha filha! Entre e tente descansar um pouco. Terminaremos o mais rápido possível. A lua está se curvando, logo será dia. Que bênção não haver quartos deste lado da casa. Vá, Nelly!
Ela foi, esforçando-se para se mover sem ruído. Seus olhos estavam desviados, para não olhar Dixon carregando o corpo. Ela estremeceu olhando o lugar da morte apressada e não permitida por Deus.
Uma vez em seu quarto, ela fechou a porta, depois foi para a janela, como se algum fascínio a impelisse a assistir todos os procedimentos até o final. Mas seus olhos doloridos dificilmente penetrariam através da escuridão espessa que, na época do ano em que estou falando, precede tão de perto o amanhecer.
Ela discernira as copas das árvores contra o céu, e percebera uma pequena distância do caule da qual o túmulo foi feito, no mesmo pedaço de relva sobre o qual ela e Ralph tomara seu alegre chá, e onde seu pai, como ela agora se lembrava, tremera, o corpo estava agora deitado no mesmo chão sobre o qual seu assento fora colocado. Ela o sinal do destino fatal e ameaçador que surgia para ele?
Os ruídos da noite se moviam suave e silenciosamente em tudo o que faziam, entretanto, cada som tinha uma interpretação significativa e terrível para os ouvidos de Ellinor.
Antes que terminassem, os pássaros começaram a canalizar seu revoar até o amanhecer. Então, as portas se fecharam e tudo estava profundamente parado.
Ellinor se jogou, na cama, ainda vestida, grata pela intensa dor física cansada que tirava algo da angústia da linguagem de pensamento que, de vez em quando, ela imaginava levar à insanidade.
O frio matinal a fez arrastar-se instintivamente entre os cobertores, e, uma vez lá, ela caiu em um sono pesado.
Capítulo 7
Ellinor foi desperta por uma batida à sua porta. Era sua criada.
Ela acordou, pois, adormecera com um plano definido em sua mente, apenas um, pois, todos os pensamentos e cuidados que não tinham relação com o terrível evento eram como se nunca existissem. Tudo o que ela pretendia era proteger seu pai de suspeitas. Para fazer isso, ela teve que controlar seu coração, mente e corpo, devendo ser governado para este fim.
Assim, ela disse a Mason, a criada:
— Deixe-me dormir mais meia hora, e diga a Senhorita Monro para não esperar por mim no café da manhã, mas em meia hora traga-me uma xícara de chá forte, pois, tenho uma dor de cabeça terrível.
Mason foi embora.
Ellinor se levantou, rapidamente se despiu, e voltou para a cama, de modo que quando sua empregada voltou com seu café da manhã, não houve nenhuma aparência de que a noite fora passada de maneira incomum.
— Você parece doente, senhorita! — analisou Mason. — Tenho certeza que é melhor você não se levantar ainda!
Ellinor ansiava por perguntar se seu pai já acordara, mas esta pergunta, tão natural em qualquer outro momento, pareceu-lhe desconfiada sob as circunstâncias, que ela não pôde trazer seus lábios para enquadrá-la.
De qualquer forma, ela se levantaria e lutaria para fazer o dia como todos os outros.
Ela se levantou, confessando que não se sentia bem, no entanto, tentando fazer com que isso se tornasse mais leve, e quando ela pensou em qualquer coisa que não fosse o acontecimento da noite anterior, ela conseguiu dizer uma frase trivial ou duas. Ela não sabia o que fazer, já que a vida até então fora simples e conduzida sem nenhuma consciência de efeito.
Antes de se vestir, uma mensagem surgiu para dizer que o Senhor Livingstone estava na sala de visitas.
“O Senhor Livingstone!”
Ele pertencia à vida antiga de ontem! As ondas da noite varreram sua marca nas areias de sua memória, e foi somente por um forte esforço que ela pôde se lembrar quem ele era e o que ele queria. Ela perguntou para Mason o que ele ansiava.
— Ele pediu primeiro para ver seu pai. Mas o mestre ainda não chegou a tocar a água dele, então, James disse que ele não estava de pé ainda. Então, o homem pensou um pouco e pediu para falar com você. Ele particularmente quer ver o senhor ou você. James pediu-lhe que esperasse na sala de visitas, e ele o avisaria.
“Devo ir.” pensou Ellinor. “Vou mandá-lo embora!”
Ela desceu precipitadamente, com um humor duro e pouco generoso para com um homem, cujo afeto era imaculado, que nasceu em uma noite, de nenhuma maneira esperada e não como um pedaço de excitação tola e infantil.
Ela não pensou em sua própria aparência, e se vestira sem olhar para o espelho. Seu único objetivo era mandar seu pretendente o mais rápido possível para fora de sua casa. Todos os sentimentos de timidez, constrangimento ou modéstia de donzela, foram extintos e superados.
Ele estava de pé, junto à lareira quando ela entrou. Ele deu um passo ou dois para encontrá-la, e então parou, petrificado, por assim dizer, à vista de seu rosto branco e sério.
— Senhorita Wilkins! Temo que esteja doente! Perdão por vir tão cedo, mas tenho motivos... Preciso deixar Hamley em meia hora, e pensei em falar tudo que é necessário.
Ela afundou na cadeira mais próxima, como se fosse dominada por suas palavras, mas, de fato, foi pela opressão de seus próprios pensamentos. Ela mal estava consciente da presença do homem.
Ele chegou um ou dois passos mais perto, como se desejasse tomá-la em seus braços para confortá-la e protegê-la, mas ela se endureceu e se levantou, e, por um esforço, caminhou em direção à lareira e ali ficou, como se esperasse o que ele diria a seguir. Mas ele ficou impressionado com o aspecto, que quase esqueceu seus desejos de aliviá-la da dor física, como ele acreditava, sob a qual ela estava sofrendo.
Era ela quem tinha que começar o assunto.
— Recebi sua carta ontem, Senhor Livingstone. Estava ansiosa para vê-lo hoje, a fim de impedi-lo de falar com meu pai. Não digo nada sobre o afeto que você pode sentir por mim, porque você só me viu uma vez. Tudo o que direi é que, quanto mais cedo esquecermos isto que chamo de loucura, melhor.
Ela tomou os ares de uma mulher consideravelmente mais velha e mais experiente que ele. Ele a achava altiva, ela, apenas miserável.
— Você está enganada! — exclamou silenciosamente e com mais dignidade que sua conduta anterior. — Não vou permitir que você caracterize como loucura o que seria presunçoso em minha parte. Não deveria me expressar tão cedo, mas é verdadeiro e sincero. Isso, posso responder de forma muito solene. É possível, embora não seja uma coisa usual, que um homem se sinta tão fortemente atraído pelos encantos e qualidades de uma mulher, mesmo à primeira vista, a ponto de sentir-se seguro de que ela, e somente ela, é dona de sua felicidade. Minha insensatez consiste, lá está você com razão, em sonhar que você devolveria meus sentimentos no menor grau. Tenho muita vergonha de mim agora. Não posso dizer-lhe o quanto lamento, quando vejo como você se obrigou a vir falar comigo, estando tão doente.
Ela cambaleou para uma cadeira, pois, mesmo com todo o desejo de sua rápida saída, ela foi obrigada a sentar-se. Sua mão estava sobre o sino.
— Não! Não faça! — disse ele. — Espere um minuto.
Seus olhos, inclinados sobre ela com um olhar de profunda ansiedade, a tocaram naquele momento, e ela estava a ponto de derramar lágrimas, contudo, se examinou e levantou novamente.
— Irei. É a coisa mais gentil que posso fazer por você neste momento. Posso escrever para você para saber como está? Posso me aventurar a escrever e insistir no que tenho a dizer de maneira mais coerente?
— Não! — falou ela. — Não escreva! Dei minha resposta. Não somos nada, e não podemos ser nada um para o outro. Estou noiva, me casarei em breve. Eu teria lhe dito antes. Obrigada, mas vá agora!
O rosto do pobre homem caiu e ficou quase tão branco quanto ela, por um instante. Após um momento de reflexão, ele tomou a mão dela na dele e disse:
— Que Deus a abençoe e ao seu noivo também, seja ele quem for! Se você quer um amigo, posso ser um bom amigo, e tentar provar que minhas palavras de consideração eram verdadeiras, em um sentido melhor e mais elevado das que usei no início. — e beijando sua mão inerte, ele partiu e ela foi deixada sentada sozinha.
Mas a solidão não era o que ela podia suportar. Ela subiu rapidamente e tomou uma forte dose de sal-volátil, mesmo enquanto ouvia a Senhorita Monro chamando por ela.
— Minha querida, quem era aquele cavalheiro que esteve com você na sala de visitas?
Então, sem ouvir a resposta de Ellinor, ela prosseguiu:
— A Senhora Jackson esteve aqui... — a Senhora Jackson hospedava o Senhor Dunster. — Querendo saber se poderíamos dizer a ela onde o Senhor Dunster estava, pois, ele não voltou para casa ontem à noite. Você estava na sala de visitas com quem? — ela lembrou da fala curta de Ellinor respondendo o nome da visita. — Ah! O tal Senhor Livingstone, que teria vindo em melhor hora para se despedir. Dunster não jantara aqui? Seu pai não se levantou para responder. Então, falei à Senhora Jackson que perguntaria ao Senhor Wilkins, mas que eu não via nenhuma utilidade nisso, porque o Senhor Dunster não estava nesta casa ontem, à noite. No entanto, nada a satisfaria, a não ser que alguém fosse e acordasse seu pai e perguntasse se ele sabia onde o Senhor Dunster estava.
— O que fez papai? — perguntou Ellinor, com sua garganta seca e rouca, pensando na indagação que parecia ser esperada dela.
— Como o Senhor Wilkins saberia? Como eu disse à Senhora Jackson... O Senhor Wilkins não sabia onde o Senhor Dunster passava seu tempo quando não estava no escritório, visto que eles não se moviam no mesmo grau de vida, e a Senhora Jackson pediu desculpas, mas disse que ontem, ele jantaram com o Senhor Hodgson, e de alguma forma, ela colocava em sua cabeça que o Senhor Dunster possivelmente se perdeu em seu caminho ao vir pela cá e teria escorregado no canal. Ela pensou que devia perguntar ao Senhor Wilkins se ele deixou Dunster com o Senhor Hodgson e se seu pai voltara para casa sozinho. Perguntei-lhe por que ela não me contara todos esses detalhes antes, pois, eu teria perguntado ao seu pai sobre quando ele viu o Senhor Dunster pela última vez, e subi para perguntar a segunda vez, mas ele não gostou nada, porque estava ocupado se vestindo, e tive que gritar minhas perguntas pela porta, sem ele se importar.
— O que ele disse?
— Oh! Ele afirmou que caminhara parte do caminho com o Senhor Dunster, e depois atravessou o curto caminho através dos campos, foi isso que pude compreendê-lo através da porta. Ele parecia muito aborrecido ao saber que o Senhor Dunster não estava em casa, mas ele falou para dizer à Senhora Jackson que ele iria ao escritório, assim que tomasse seu café da manhã, o qual ele ordenou que fosse enviado para seu quarto, e ele não tinha dúvidas de que tudo daria certo. Que era melhor que ela fosse para casa imediatamente. Como eu lhe disse, ela talvez encontraria o Senhor Dunster lá quando assim chegasse.
Ellinor pegara o jornal que estava sobre a mesa, para esconder seu rosto em primeira instância, mas serviu a um segundo propósito, pois, ela olhou languidamente sobre as colunas dos anúncios.
— Oh! As orquídeas do Coronel Macdonald serão vendidas em um leilão. Todo o estoque de plantas de estufa do Hartwell. Devo enviar James ao Hartwell para participar da venda. Deve durar três dias.
— Será que ele pode ser poupado do trabalho por tanto tempo?
— Oh! Sim! É melhor ele ficar na pequena pousada de lá, para estar no local. Três dias... — e enquanto ela falava, correu para o jardineiro, que estava varrendo a grama recém-cortada na frente da casa.
Ela lhe deu instruções precipitadas e ilimitadas, apenas parecendo intencional, caso alguém estivesse observando com desconfiança as suas palavras e ações, e assim, ela o apressou para ir à aldeia distante, onde o leilão seria realizado.
Quando ele estava fora do seu alcance de vista, ela respirara mais livremente. Agora, ninguém, além dos três estavam cientes da terrível noite e aquele pedaço de chão, com marcas no gramado sob as árvores ao redor do jardim de flores, não seria pisado pelo jardineiro até que a grama florescesse novamente e escondesse os vestígios do crime.
A Senhorita Monro andaria naquele lugar, com um livro na mão, porém, ela não notaria nada. Três dias naquele clima úmido, quente e crescente, faria a grama verde brotar, como se fosse como vinte e quatro horas antes.
Quando tudo isso foi feito e dito, parecia que a força e o espírito de Ellinor afundavam de uma vez. Sua voz tornou-se fraca, seu aspecto enfraqueceu, e ainda que ela falasse à Senhorita Monro que não havia problema, era impossível para qualquer um que a amasse, não perceber que ela estava longe de estar bem.
A gentil governanta colocou sua aluna no sofá, cobriu os pés com calor, escureceu a sala e depois se escondeu na ponta dos pés, imaginando que Ellinor iria dormir.
Seus olhos estavam fechados, mas ela os abriu em menos de cinco minutos após a Senhorita Monro deixar a sala, e caminhou para cima e para baixo em toda a agonia agitada do corpo, que surge de uma mente sobrecarregada.
Logo a Senhorita Monro reapareceu, trazendo consigo uma dose de remédio calmante de sua própria confecção.
Do que era feito o remédio? Ellinor não quis saber. Ela o bebeu sem nenhum sinal de resistência habitual aos pedidos da Senhorita Monro, e esta última pegou um livro e mostrou um propósito de permanecer com sua paciente. Ellinor foi obrigada a ficar quieta e logo adormeceu.
Ela acordou no final da tarde. Seu pai estava ao seu lado, ouvindo o relato da Senhorita Monro sobre sua indisposição. Ela só teve um vislumbre de seu semblante estranhamente alterado e escondeu a cabeça dela nas almofadas para camuflar sua memória, e não dele.
Em um instante, ela conjecturara a interpretação que ele provavelmente fizera de sua ação de encolher. Ela se voltou para ele, e jogado seus braços ao redor de seu pescoço, beijou seu rosto frio e passivo.
Então, ela caiu para trás e seus olhos tristes não se encontraram, porque temiam o olhar de recolhimento que deve estar no olhar um do outro.
— Pronto, minha querida! — articulou a Senhorita Monro. — Agora você deve ficar quieta até que eu lhe traga um pequeno caldo. Você está melhor agora, não está?
— Você não precisa ir buscar o caldo, Senhorita Monro. — afirmou o Senhor Wilkins, tocando o sino. — Fletcher certamente pode trazê-lo. — ele temia ficar sozinho com sua filha, nem ela o temia menos.
Ela ouviu a estranha alteração na voz de seu pai, séria e rouca, como se fosse um esforço para falar. Os sinais físicos de seu sofrimento a cortaram o coração, e ainda assim, ela se perguntava como era possível que ambos estivessem vivos, ou, se estavam vivos, como não estavam dobrando suas vestes e chorando em voz alta.
O Senhor Wilkins parecia perder o poder da ação e da fala, é verdade.
Ele desejava sair do quarto, porque sua ansiedade em relação à filha estava aliviada, e mal sabia como se preparar para isso. Ele foi obrigado a pensar sobre o mais ínfimo detalhe, para que, por um esforço de raciocínio, ele pudesse entender como deveria falar ou agir se tivesse ficado livre da angústia em seu sangue.
Ellinor entendeu tudo por intuição. Daí em diante, a compreensão não falada dos movimentos ocultos um do outro tornou a presença mútua, uma ansiedade pesada para cada um.
A Senhorita Monro foi um alívio, eles estavam contentes por ser uma terceira pessoa, inconsciente do segredo que os constrangia.
— Sobre o Senhor Dunster, Senhor Wilkins? Ele já voltou para casa? — a Senhorita Monro indagou.
Um momento de pausa, no qual o Senhor Wilkins tirou as palavras de sua garganta rouca:
— Não sei. Estive cavalgando. Estava conversando sobre negócios com o Senhor Estcourt. Tenha a gentileza de enviar a pergunta à Senhora Jackson.
Ellinor ficou triste com as palavras. Ela fora, durante toda a sua vida, uma verdadeira garota de fala simples. Ela se manteve bem acima do engano. No entanto, ali veio a necessidade do engano, uma armadilha espalhada ao seu redor.
Ela não havia se revoltado tanto com o ato que trouxe a morte não premeditada, como com estas palavras de seu pai naquele momento.
Na noite anterior, em sua febre louca de afetos, ela imaginara que, esconder o corpo era tudo o que seria necessário, ela não ansiara pelo longo e cansado curso de pequenas mentiras a serem feitas e ditas, envolvidas naquela ação equivocada.
No entanto, as palavras de seu pai lhe revoltavam a alma, e a aparência dele derretia o seu coração.
Ellinor teve uma visão do homem morto em sua frente, depois olhou para seu pai que tinha antes uma bochecha lívida, de coloração saudável, conquistada por anos de exercícios calorosos ao ar livre, mas agora, foi toda para o peso da idade. Seu cabelo, parecia mais grisalho depois da última noite de miséria.
Ele se inclinou, e parecia ausente, onde antes ele era tão firme. Precisava de toda a piedade que tal observação suscitava para saciar o desprezo apaixonado de Ellinor pelo curso em que ela e seu pai estavam embarcando, quando ela o ouviu repetir suas palavras para a criada que veio com seu caldo.
— Fletcher! Vá até à Senhora Jackson e pergunte se o Senhor Dunster já voltou para casa. Quero falar com ele.
“Falar com ele!”
O homem morto, que estava deitado no jardim do homem que agora pedia sua presença.
Ellinor fechou os olhos e se deitou em desespero. Ela desejava morrer, para estar fora do horrível emaranhado de acontecimentos que estava por vir.
Dois minutos depois, ela estava consciente que seu pai e a Senhorita Monro andavam suavemente para fora do quarto, porque eles pensaram que ela dormira.
Ela saltou da cama e se ajoelhou.
— Oh! Deus! — ela rezou. — Tu sabes! Ajude-me! Não há outra ajuda além de Ti!
Suponho que ela desmaiou e ficou assim durante uma hora ou mais, depois, a Senhorita Monro ao entrar, encontrou-a deitada ao lado da cama.
Ela foi levada para a cama e delirava.
Para evitar que seus delírios o prejudicassem, seu pai chamou médicos habilidosos, que a cuidaram.
As pessoas diziam como era difícil para o Senhor Wilkins, ficar sem o miserável Dunster, porque o homem podia cuidar do escritório enquanto o pobre pai cuidava de sua única filha doente. E, para dizer a verdade, ele mesmo parecia mais doente e assustado que sua filha em sua terrível aflição.
Ele tinha um olhar assombrado, diziam, como se não soubesse, após tal experiência, de que lado apareceriam as terríveis provas e os fantasmas do pavor imprevisível.
Tanto ricos quanto pobres, cidade e campo, simpatizavam com sua dor. Os ricos se preocupavam em não pressionar suas reivindicações em tal momento, e só se perguntavam, em sua conversa superficial após o jantar, como um sujeito tão bom como Wilkins fora enganado por um homem como Dunster.
Até mesmo Senhor Frank Holster e sua dama, esqueceram sua velha rixa, e perguntaram sobre Ellinor, e enviaram algumas frutas para sua casa.
O Senhor Corbet se comportou como um noivo ansioso faria. Ele escrevia diariamente à Senhorita Monro para pedir os boletins mais minuciosos e tentava conversar com médicos para saber que maneira ajudar e assim ser útil. Ele descia assim que havia a mínima dica de permissão para que Ellinor pudesse vê-lo. Ele a abraçou com palavras ternas e carícias.
E, uma noite antes disso, quando todas as janelas e portas estavam abertas para acolher o mínimo fôlego que agitava o ar quente de julho, uma criada na ponta dos pés de veludo caminhara até a porta aberta de Ellinor, e acenara para a Senhorita Monro.
— Um cavalheiro quer ver você. — foram todas as palavras que a empregada ousou dizer tão perto do quarto.
Suavemente, a Senhorita Monro desceu as escadas para a sala de visitas, e lá ela viu o Senhor Livingstone. Mas ela não o conhecia, porque nunca o vira antes.
— Senhora! Perdão pela visita a esta hora! Viajei o dia todo. Ouvi dizer que ela estava morrendo. Posso apenas dar mais uma olhada nela? Não vou falar, mal vou respirar. Só me deixe vê-la mais uma vez.
— Peço desculpas, senhor! Não sei quem o senhor é, e o motivo para que você se refira à senhorita Wilkins, por ela. Ela está muito doente, mas esperamos que não morra. Ela está dormindo agora, em consequência de um remédio soporífico, e estamos realmente começando a ter esperança...
Contudo, ali mesmo a mão da Senhorita Monro foi tomada e, para sua infinita surpresa, foi beijada antes que ela pudesse se lembrar como tal comportamento era impróprio.
— Deus a abençoe, senhora, por dizer isso. Se ela dorme, pode me deixar vê-la? Isso não pode fazer mal, pois, pisarei como se estivesse sobre cascas de ovos, e ficarei tão longe, apenas o suficiente para olhar em seu rosto doce. Por favor, senhora! Deixe-me vê-la apenas uma vez. Não vou pedir mais!
Ele pediu mais, após falar seu desejo. Ele caminhou atrás da Senhorita Monro, que olhou absolutamente para ele com censura que ele permanecesse em silêncio, e ela fez uma pausa do lado de fora da porta do quarto do Senhor Wilkins.
— Este é o quarto de seu pai. Ele não dormiu por seis noites. Não faça barulho!
Na quietude profunda do quarto abafado, um raio claro de luz de vela se atirou contra a porta. O observador, respirando suavemente, sentou-se ao lado da cama, onde a cabeça escura de Ellinor estava imóvel no travesseiro branco, com seu rosto branco.
Talvez você ouvisse um alfinete cair, pelo enorme silêncio que se fazia.
Depois de um tempo, ele se moveu para se retirar. A Senhorita Monro o seguiu com passos ainda mais pesados, porque foram levados com muito cuidado, descendo as escadas, de volta para a sala de visitas.
Ao lado da vela, na corrente de ar, ela viu que havia a marca brilhante de lágrimas molhadas em sua bochecha, e ela sentiu, como disse depois:
— Desculpe!
No entanto, ela o exortou a ir, pois, sabia que ela seria procurada lá em cima.
Ele pegou a mão dela e a apertou com força.
— Obrigado! Ela parecia tão mudada. Oh! Ela parecia estar morta. Você pode anotar meu endereço? “Herbert Livingstone, Presbitério de Langham, Yorkshire”. Você me promete escrever. Posso fazer qualquer coisa por ela! Me avise, se precisar! Agora me resta rezar. Oh! Minha querida! Minha querida! Não tenho o direito de estar com ela.
— Vá embora, bom homem! — declarou a Senhorita Monro, ainda mais urgente para apressá-lo para fora, porque ela tinha medo de que sua emoção o dominasse demais, e o fizesse barulhento em suas manifestações. — Sim, vou escrever. Vou escrever, não tema! — e ela trancou a porta atrás dele e ficou grata.
Dois minutos depois houve um toque baixo, ela destrancou a porta, e lá estava ele, pálido ao luar.
— Por favor, não lhe diga que vim perguntar sobre ela, porque ela pode não gostar.
— Fique tranquilo, pobre criatura! É provável que ela não se importe com a sua presença. Ela nunca mencionou seu nome para o Senhor Corbet durante todo o tempo.
— Senhor Corbet? Ele é seu noivo? — questionou Livingstone, abaixo de sua respiração, virou-se e foi embora.
Ellinor se recuperou. Ela sabia estar se recuperando, quando dia após dia, sentia voltar a força e o apetite involuntário.
Seu corpo parecia mais forte que sua vontade, já que isso a induziria a rastejar para dentro de sua cova e fechar os olhos para sempre, deixando este mundo, tão cheio de problemas.
Ela ficava na maioria do tempo deitada, de olhos fechados, muito quieta, mas ela pensava com a intensidade de quem busca a paz perdida e não consegue encontrá-la.
Ellinor começou a ver que nos impulsos daquele louco pesadelo de horror, eles se fortaleceram uns aos outros e ousaram ser francos e abertos, confessando uma grande falha de seu pai e que um desastre maior estava por vir, o que seria seu rumo futuro, triste e doloroso. Ele devia pagar pelo erro. Ela não podia desfazer o que foi feito e revelar o erro e a vergonha de um pai.
Somente ela, voltando-se de novo para Deus, nos solenes e silenciosos relógios da noite, fez um pacto, que em sua conduta, ela agiria com lealdade e verdade.
Quanto ao futuro e todas as terríveis chances envolvidas nele, ela o deixaria em Suas mãos, se, de fato, e ali vinha o Tentador, Ele velaria por alguém, cuja vida no futuro seria baseada em uma mentira.
Sua única súplica, oferecida foi:
“A mentira foi dita! Mas, não foi por minha causa. A piedade filial pode ser superada pelos direitos da justiça e da verdade, a ponto de exigir de mim que eu revele a culpa de meu pai.”
A punição severa de seu pai começava.
Ele sabia porque ela sofria, o que fazia sua jovem força oscilar e tremer, e que sua vida parecesse prestes a ser saciada na morte.
No entanto, ele não podia suportar sua tristeza e seus cuidados da maneira natural. Ele era obrigado a pensar como cada palavra e ação seria interpretada, e imaginava que as pessoas o observavam com olhos desconfiados, quando nada estava mais longe de seus pensamentos.
Se o Senhor Wilkins fosse ao mercado de Hamley, e se declarasse culpado pelo assassinato do Senhor Dunster, se ele tivesse detalhado todas as circunstâncias, o povo exclamaria:
“Pobre homem! Ele está louco depois que percebeu a confiança do homem em quem confiava, e não é de se admirar, que o ladrão fugiu para a América!”
Por muitas circunstâncias, que não paro para detalhar aqui, esta suposição da ida para a América, como sabemos, era infundada.
O Senhor Wilkins, que era conhecido por todas as pessoas em Hamley, desde sua bela juventude através de sua virilidade, sendo objeto de simpatia e respeito por todos aqueles que o viam, ao passar. Mas estava agora velho, cansado e abatido antes de seu tempo, e todos pensaram que tudo era através da má conduta de um, nascido em Londres, que era agora apontado como ladrão e pouco amável estranho à mente popular desta pequena cidade do interior.
Os próprios criados do Senhor Wilkins gostavam dele. Porque mesmo temperamental, ele era generoso, ou melhor, descuidado e pródigo com seu dinheiro.
Depois que foi enganado e empobrecido pela delinquência de seu companheiro, não era de se admirar que ele bebesse muito e profundamente, nas noites solitárias que passava em casa.
Não era que ele estivesse sem convites. Todos se apresentavam para testemunhar seu respeito por ele, pedindo-lhe que fosse às suas casas. Ele provavelmente nunca foi tão universalmente popular desde a morte de seu pai. Mas, como ele disse, ele não queria seus alegres jantares enquanto sua filha estava tão doente, porque ele não tinha espírito para isso.
Mas se alguém tivesse se preocupado em observar sua conduta em casa, e tirar conclusões a partir dela, notaria que, ansioso como ele estava com Ellinor, ele evitou procurar sua presença, agora que sua consciência e memória estavam restauradas.
Nem ela pediu ou desejou por sua presença, porque isso era para cada um, era um fardo para o outro.
Oh! Triste e lamentável noite de maio, ofuscando os próximos meses de verão com tristeza e remorso amargo!
Capítulo 8
A juventude ainda prevaleceu sobre todos.
Ellinor ficou bem, como eu disse, depois de quase morrer. E a tarde chegou quando ela saiu de seu quarto.
A Senhorita Monro fez de bom grado um pequeno banquete para Ellinor, mas ela implorou que fosse levada para a sala de estudo ou qualquer lugar, que não olhasse para o lado da casa, em frente ao jardim de flores, que fora o motivo de sua doença. Porque ela não queria sentir a pressão horrível deitada sobre aquelas janelas, através das quais o sol da manhã corria sobre seu leito como o anjo acusador, trazendo todas as coisas escondidas à luz.
Quando Ellinor estava melhor, ela pediu que fosse mantida longe do jardim.
Um dia, ela quase gritou, enquanto ia para a porta da frente, e viu Dixon pronto para cumprimentar, ao invés de Fletcher, o criado que normalmente estava a postos.
Ela verificou todas as demonstrações de sentimento, embora fosse a primeira vez que ela o via desde que eles e mais um trabalharam seus corações em afazeres corporais assombrosos e árduos naquela noite infeliz.
Ele parecia tão austero e doente! Tão logo ela o viu, ela pediu que ele parasse, forçando-se a falar com ele.
— Dixon, você parece muito mal. — afirmou ela, tremendo enquanto falava.
— Realmente! — começou ele. — Não pensamos muito nisso, na época, não é verdade, Senhorita Nelly? Será a morte para nós, estou pensando. Envelheço um pouco a cada dia. Todos os meus cinquenta anos anteriores foram apenas como uma manhã de brincadeira de criança para aquela noite. Creio que, para meu mestre também. Eu suportaria qualquer trabalho para esquecer a dor que estou sentindo em meu peito cansado, como se isso fosse veneno que está me matando. Creio que é como se fosse ainda pior, Senhorita Nelly, é sim.
O pobre homem enxugou algumas lágrimas com as costas de sua mão. Ellinor soluçou como uma criança, mesmo quando ela estendeu sua mão branca e fina ao seu alcance. Pois, assim que ele viu a emoção dela, ele ficou penitente pelo que falara.
— Não fique assim, criança! — era tudo o que ele conseguia dizer.
— Dixon! — suspirou ela longamente. — Você não deve se importar com isso. Você precisa tentar não se importar com isso. Vejo que ele não gosta de ser lembrado disso também. Ele tenta não ficar sozinho comigo. Meu pobre e velho Dixon, creio que papai deixou de me amar.
Ela soluçou como se seu coração se partisse, e era a vez de Dixon ser consolador.
— Ah! Querida, minha bênção! Ele te ama acima de tudo. Contudo, ele não pode suportar a visão de nós, porque ele. Você tem em nós um conforto nos piores momentos. Não se preocupe com o que eu disse há um minuto. Sou um velho tolo. Pedi para que Fletcher saísse um pouco. O jardineiro está começando a se perguntar porque você quer que cuide do jardim, se estamos em maio. Pensei em dar uma palavrinha com você, para que possamos limpar ao redor do jardim de flores, só para dizer que deixamos e ele possa receber um pouco de louvor pelo trabalho. Você só terá que olhar para os canteiros, minha linda, e isso deve ser feito rapidamente. Então, venha!
Ele começou a puxar resolutamente na direção do jardim de flores. Ellinor mordeu os lábios para esconder o grito de repugnância que se elevava. Quando Dixon parou para destrancar a porta, ele disse:
— Não fique aflita. Deus abençoa seu coração corajoso, você vai suportar isso pelo bem de seu pai, e eu também, embora eu sinta isso um pouco mais, porque o conheço desde a infância. Bem! Agora você vê os canteiros, e pode dizer que parecem muito bonitas, e tudo foi feito como você desejava.
Assim, o bom homem conversou, não sem o propósito de dar a Ellinor tempo para se recuperar, e em parte também, para afogar seus cuidados, que pesavam mais sobre seu coração do que ele aceitaria. Mas ele se achava recompensado pelos agradecimentos de Ellinor e pela pressão calorosa de sua mão dura quando ela saiu pela porta da frente, e se despediu.
A pausa para seus dias de monotonia cansativa foram as cartas que ela recebia constantemente do Senhor Corbet, que estava estupefato e indignado com o desaparecimento do Senhor Dunster, ou melhor, com a fuga para a América.
Ela estava ficando mais forte, ele podia expressar curiosidade com respeito aos detalhes, nunca duvidando, mas que ela estava perfeitamente familiarizada com muita coisa que ele queria saber, embora ele tivesse demasiada delicadeza para questioná-la sobre o ponto que era mais importante aos seus olhos, ou seja, até que ponto Senhor Dunster afetou o ambiente de Ford, porque ele sabia que os rumores em Hamley chegaram em Londres, sobre que o Senhor Dunster roubara bens fiduciários em grande parte, e o Senhor Wilkins, naturalmente, seria responsável pelas perdas.
Foi um trabalho duro para Ralph Corbet não procurasse informações da veracidade dos fatos pelo próprio Senhor Wilkins. Entretanto, ele se conteve, sabendo que em agosto ele seria capaz de fazer estas investigações pessoalmente.
Antes do final das longas férias, ele esperava casar-se com Ellinor. Esse era o momento que planejara quando se encontraram no início da primavera, antes de sua doença e todo esse infortúnio acontecer.
Agora, como ele escreveu ao seu pai, nada podia ser arranjado definitivamente até que ele tivesse feito sua visita a Hamley e visto o estado de coisas.
Assim, em um sábado de agosto, ele veio ao Ford, desta vez, como visitante da casa de Ellinor, ao invés de ir ao seu antigo quarto no Senhor Ness.
A casa ainda estava dormindo no calor do sol da tarde, enquanto o Senhor Corbet subia a entrada.
As cortinas das janelas estavam para baixo, a porta da frente aberta, grandes bancadas de rosas e gerânios ficavam à sombra da casa, mas através de todo o silêncio, sua aproximação parecia não excitar nenhuma comoção.
Ele achou estranho que não ninguém fora o cumprimentar, e que Ellinor não saísse correndo para encontrá-lo, e ao contrário, ela permitiu que Fletcher viesse pegar sua bagagem, e o conduzisse à biblioteca como qualquer visitante comum.
Ele se endureceu em um momento de indignação espantosa, que desapareceu em um instante quando, na porta sendo aberta, ele viu Ellinor de pé, se segurando junto à mesa, procurando por sua aparência amigável, com uma ansiedade quase ofegante.
Ele não pensou em nada além de sua fraqueza evidente, sua aparência alterada, para a qual nenhuma razão de sua doença o preparara. Pois, ela estava branca e seus olhos escuros pareciam anormalmente aumentados, enquanto as cavernas em que eles estavam inseridos eram estranhamente profundas.
Seus cabelos também foram cortados, ela não costumava usar boné, porém, com alguma ideia tênue de se fazer parecer melhor em seus olhos, ela colocara um naquele dia, e o efeito foi que ela parecia ter quarenta anos, mas um instante depois que ele entrou, seu rosto pálido foi inundado de carmesim e seus olhos estavam cheios de lágrimas.
Ela teve muito trabalho para não se apavorar, mas instintivamente ela sabia o quanto ele odiaria uma cena dramática, e ela se controlou a tempo.
— Oh! — murmurou ela. — Estou tão feliz em vê-lo. É um conforto e um prazer tão infinito para o meu pobre coração.
Assim ela continuou, esfriando palavras sobre ele, e acariciando seus cabelos com seus dedos finos, enquanto ele tentava evitar seus olhos, para que ela não percebesse que ele estava assustado com a sua aparência.
Mas quando ela desceu, vestida para o jantar, este sentimento de sua mudança diminuiu. Seu cabelo castanho curto já tinha um pequeno aceno, e estava ornamentado por uma renda preta. Ela usava um grande xale com a mesma renda, que fora de sua mãe, sobre um vestido de musselina de cor delicada, seu rosto estava levemente ruborizado e tinha as tonalidades de uma rosa-selvagem, com seus lábios pálidos e trêmulos com movimentos involuntários.
Os noivos ficaram de mãos dadas, junto à janela. Ele estava ciente de um pequeno tremor convulsivo a cada barulho, mesmo quando ela parecia olhar com prazer tranquilo para a longa e suave encosta do gramado, estendendo-se até o pequeno riacho que saltava alegremente sobre as pedras em seu alegre curso para a vila de Hamley.
Ele sentiu um estremecimento mais forte do que nunca, mesmo enquanto seu ouvido, menos delicado que o dela, não conseguia distinguir nenhum som peculiar.
Cerca de dois minutos após o Senhor Wilkins entrar na sala. Ele se aproximou do Senhor Corbet com uma calorosa recepção pouco real.
Ele falou com o jovem, tomando pouca ou nenhuma nota de Ellinor, que triste, sentou-se no sofá com a Senhorita Monro, pois, neste dia, jantariam juntos.
Ralph Corbet pensou que o Senhor Wilkins estava envelhecido, e não é de se admirar, depois de toda sua ansiedade de vários tipos, como o sumiço do Senhor Dunster, a doença de Ellinor.
Ele falaria mais com ela durante o jantar que se seguiu, mas o Senhor Wilkins absorveu toda sua atenção, conversando e questionando sobre assuntos que deixaram as senhoras fora da conversa quase perpetuamente.
O Senhor Corbet reconheceu o belo tato de seu anfitrião, mesmo enquanto sua persistência em falar o irritava. Ele tinha certeza de que o Senhor Wilkins estava ansioso para poupar sua filha de qualquer esforço além daquele a que, de fato, ela parecia assustadoramente forçada, que era de sentar-se à cabeceira da mesa.
Quanto mais o pai dela falava, porque o Senhor Corbet era um bom observador, mais silenciosa e deprimida Ellinor aparentava.
Por vezes, ele explicava a razão inversa de alegria, ao perceber a rapidez com que o Senhor Wilkins tinha seu copo reabastecido. E ali, mais uma vez, o Senhor Corbet tirou suas conclusões.
De maneira silenciosa, sem uma palavra ou um sinal de seu mestre, Fletcher lhe deu mais vinho, que foi drenado de uma só vez.
“Seis copos antes da sobremesa.” pensou o Senhor Corbet. “Mau hábito! Não admira que Ellinor pareça triste!”
Quando eles foram deixados sozinhos, o Senhor Wilkins falou palavras vazias, sem o menor efeito sobre a clareza e o brilho de sua conversa.
Ele falava bem e com raciocínio, e neste poder, o Senhor Corbet reconhecia uma tentação à qual ele temia que seu futuro sogro sucumbisse.
Depois de algum tempo de escuta e admiração, o Senhor Corbet tomou consciência da crescente confusão de ideias do Senhor Wilkins, de uma alegria pouco natural e com repentina aversão da admiração à repugnância, ele se levantou para ir à biblioteca, onde Ellinor e a Senhorita Monro estavam sentadas.
O Senhor Wilkins o acompanhou, rindo e falando um pouco alto.
Ellinor estava ciente do estado de seu pai?
Disso, o Senhor Corbet não tinha certeza.
Ela olhou para cima com olhos tristes quando eles entraram na sala, mas sem nenhuma aparente sensação de surpresa, aborrecimento ou vergonha.
Quando seu olhar encontrou o de seu pai, o Senhor Corbet notou que este último parecia estar sóbrio, mesmo quase bêbado. Sentou-se perto da janela aberta e não falou, mas suspirou fortemente.
A Senhorita Monro pegou um livro, a fim de deixar os jovens sozinhos, e depois de uma conversa um pouco murmurada, Ellinor aceitou dar um passeio pelos prados à beira do rio com seu noivo.
Eles caminharam no lindo crepúsculo do verão, descansando em banco de sebe gramada, olhando para as grandes barcas, com suas velas carmesins, flutuando preguiçosamente rio abaixo, fazendo ondulações na superfície da opala vítrea da água.
Eles não falaram muito. Ellinor parecia pouco inclinada para o esforço e seu noivo pensava no comportamento do Senhor Wilkins, com alguma surpresa e repulsa do hábito tão evidentemente crescendo sobre ele.
Eles voltaram para casa, parecendo sérios e cansados, no entanto, não conseguiam explicar seu cansaço pela curta duração de sua caminhada, e a Senhorita Monro, continuava se perguntando como Ellinor parecia tão pálida.
Para escapar desta observação, Ellinor foi cedo para a cama.
O Senhor Wilkins se foi, ninguém sabia para onde e Ralph e a Senhorita Monro ficaram por meia hora conversando.
Ele pensou que poderia facilmente explicar a languidez de Ellinor, se, de fato, ela percebesse tanto quanto ele, o estado de seu pai, quando eles entraram na biblioteca, depois do jantar.
Havia muitos detalhes que ele estava ansioso para ouvir de uma pessoa relativamente indiferente, e assim que pôde, passou da conversa sobre a saúde de Ellinor, para as perguntas sobre o caso do desaparecimento do Senhor Dunster.
Ao lado de sua ansiedade sobre Ellinor, a Senhorita Monro dilatou o mistério ligado ao Senhor Dunster, pois, essa era a palavra que ela empregava sem hesitação, já que ela lhe dava o relato do evento universalmente recebido e acreditado pelo povo de Hamley.
Ela explicou que o Senhor Dunster nunca fora apreciado por ninguém, e que todos lembravam que ele nunca olhara diretamente na cara deles, como se escondesse algo que não queria transparecer, que ele sacara uma grande soma, quantidade exata desconhecida, do banco do condado, no dia anterior à sua saída de Hamley, sem dúvida em preparação para sua fuga, como alguém contara que depois o Senhor Dunster não fora visto por mais ninguém.
Ela também afirmou que o Senhor Wilkins vira um homem semelhante ao Senhor Dunster, à espreita, nas docas de Liverpool, cerca de dois dias após deixar seus alojamentos, mas que esse alguém, estando com pressa, não se preocupou em parar e falar com ele, e como os assuntos no escritório foram descobertos em um estado tão triste e decadente, que não era de se admirar que o Senhor Dunster fugira, deixando o pobre e querido Senhor Wilkins sem ajuda.
O dinheiro desapareceu e ninguém sabia como ou para onde.
— Ele não tem amigos que possam explicar seus procedimentos e prestar contas do dinheiro desaparecido, de alguma forma? — perguntou o Senhor Corbet.
— Não, nenhum! O Senhor Wilkins escreveu para todos os lugares, à direita e à esquerda, creio. Sei que ele tinha uma carta do parente mais próximo do Senhor Dunster, um comerciante da cidade, um primo, acho eu, e este homem não podia dar nenhuma informação, de nenhuma maneira. Ele sabia que há cerca de dez anos o Senhor Dunster tinha um grande sonho de ir para a América.
— Dez anos é muito tempo. — ponderou o Senhor Corbet, meio sorridente, e virando o rosto, continuou. — Será que ele deixou Hamley endividado?
— Não! Nunca ouvi falar disso. — garantiu a Senhorita Monro, de má vontade.
Ela considerava isso como deslealdade aos Wilkinses, a quem o Senhor Dunster ferira, quando se afirmava nas entrelinhas que ele não recebia pelo seu trabalho.
— É uma história estranha. — disse o Senhor Corbet, refletindo.
— De modo algum! — respondeu ela, rapidamente. — Tenho certeza, se o senhor tivesse visto o homem, com um ou dois fios de cabelo penteados sobre sua calvície, como se ele tivesse vergonha disso, e seus olhos que nunca olhariam para você, e sua maneira de comer com sua faca quando ele pensava que não era observado. E mais um punhado de coisas desagradáveis. Você não acharia estranho.
O Senhor Corbet sorriu.
— Só quis dizer que ele parecia não ter hábitos extravagantes ou viciosos, que explicassem o desvio do dinheiro que está faltando, mas, para ter certeza, o dinheiro em si, é uma tentação, entretanto, ele, sendo um sócio, estava de uma maneira justa de fazê-lo sem risco para si. O Senhor Wilkins tomou alguma medida para que ele fosse preso nos Estados Unidos? Ele facilmente fazeria isso.
— Oh! Meu caro Senhor Ralph, você não conhece o nosso bom Senhor Wilkins? Ele suportaria a perda, tenho certeza, e todos esses problemas que isso lhe trouxe, do que se vingar do Senhor Dunster.
— Que bobagem! É simples justiça! Justiça para si e para os outros. Para ver que a vilania será tão punida a ponto de impedir que outros entrem em tais golpes. Mas tenho poucas dúvidas de que o Senhor Wilkins tenha dado os passos certos. Ele não é o homem certo para sentar-se calmamente sob tal perda.
— Não, de fato! Ele mandou publicitar no Times e nos jornais do condado, e ofereceu uma recompensa de vinte libras por informações a seu respeito.
— Vinte libras é muito pouco!
— Falei isso! Falei para Ellinor que eu daria vinte libras para que ele fosse preso, e ela, pobre querida, caiu em desgraça, e disse que daria tudo que tinha, inclusive, sua vida. Ela estava tão aflita, que chorou. Prometi-lhe que nunca mais falaria sobre o assunto.
— Pobre criança! Pobre criança! Ela quer mudar de vida. Seus nervos foram tristemente abalados por sua doença.
O dia seguinte era domingo. Ellinor iria à igreja pela primeira vez desde sua doença. Seu pai decidira por ela, porque ela não queria ir por vontade própria. Ela dificilmente reconheceria o porquê da recusa, mas lhe parecia que as palavras e a presença de Deus tinham que procurá-la e encontrá-la para punir seu ato.
Ela foi cedo, apoiando-se no braço de seu noivo, e tentando esquecer o passado naquele presente sofrido. Eles caminharam lentamente entre as fileiras de milho dourado ondulante e maduro para a colheita.
O Senhor Corbet colheu flores azuis e escarlate, e fez para ela um ramo um pouco rústico. Ela pegou e sorriu levemente.
A Igreja Hamley fora colegiada em dias anteriores e, em consequência, era muito maior e mais grandiosa que a maioria das igrejas de vila.
Ford ficava ao longe, pequena e quadrada. Ellinor estava endurecendo seu coração para não ouvir o que perturbaria a ferida que estava sendo esfolada, quando ela viu o rosto de Dixon se aproximando.
Ele parecia abatido, triste e ansioso em grau miserável, mas ele estava cansando os olhos e ouvidos, coração e alma, ao ouvir as palavras solenes lidas do púlpito, como se só nelas ele pudesse encontrar ajuda em seu sofrimento. Ellinor se sentiu repreendida e humilhada.
Ela estava em um estado de espírito tumultuado quando eles deixaram a igreja. Ela desejava cumprir seu dever, mas não conseguia determinar o que era.
Quem a ajudaria com sabedoria e conselhos? Com certeza, para aquele que ela confiava a sua vida futura. O caso seria declarado de uma forma impessoal. Ninguém, nem mesmo seu marido, saberia o que aconteceu naquela noite miserável.
A própria Ellinor era tão despojada, que tinha pouca ideia de quão rápida e facilmente algumas pessoas conseguem penetrar nos motivos e combinar sentenças desarticuladas.
Ela começou a falar com Ralph na lentidão do caminho de volta para casa através dos prados tranquilos:
— Suponha, meu querido Ralph, que uma garota estava noiva, prestes a se casar...
— Posso muito facilmente supor que, está garota é você? — perguntou ele, preenchendo sua pausa.
— Oh! Não me refiro a mim. — respondeu ela, corando as bochechas. — Estou apenas pensando no que aconteceria, e suponha que esta garota soubesse algo muito terrível de alguém muito próximo, um irmão, por assim dizer. Tal fato traria vergonha para toda a família se fosse conhecido, embora, de fato, não fosse tão errado quanto parecia. Nessa angústia, ela pensou em romper seu noivado por medo de envolver seu noivo na desgraça de sua família.
— Certamente não posso opinar, sem que me diga a razão dessa terrível ação.
— Ah! Mas suponha que ela não podia falar. Ela não tinha a liberdade de expor tal coisa.
— Não posso responder sobre casos assim, apenas na suposição. Devo ter os fatos, se houver, mais claramente diante de mim, antes dar uma opinião. Em quem você está pensando, Ellinor? — indagou ele, de forma bastante abrupta.
— Oh! Ninguém. — respondeu ela com franqueza. — Por que eu estaria pensando em alguém? Muitas vezes tento planejar o que devo fazer, se tal e, tal coisa aconteceu, assim como você se lembra que eu costumava perguntar se teria presença de espírito em caso de problemas.
— Afinal de contas, você é a moça que está noiva, e tem o irmão imaginário que está em desgraça?
— Suponha que sim. — falou ela, um pouco aborrecida.
Ele estava em silêncio, avaliando as palavras dela.
— Não há nada errado... — suspirou ela, timidamente. — Há?
— Acho melhor você me dizer o que está em sua mente. — respondeu ele, gentilmente. — Aconteceu algo que sugeriu estas perguntas? Você está se colocando no lugar de alguém sobre quem você ouviu falar ultimamente? Sei que você costumava fazer isso antigamente, quando era uma menina.
— Não! Foi uma pergunta muito tola da minha parte, e eu não deveria dizer nada sobre isso. Veja! Não é o Senhor Ness nos ultrapassando?
O clérigo se juntou a eles na ampla caminhada que corria pela margem do rio, e a conversa se tornou comum. Foi um alívio para Ellinor, que não chegara ao fim de suas indagações, mas que fora longe demais na pergunta que ela fizera.
Ralph se impressionou mais pelos modos dela que por suas palavras. Ele estava certo de que algo estava escondido e tinha uma ideia de que estava ligado ao desaparecimento de Dunster. Mas ele estava contente pelo Senhor Ness se juntar a eles, dando-lhe um pouco de lazer para considerar.
Suas reflexões chegaram ao final, no dia seguinte, segunda-feira, ele foi para a vila e questionou tudo o que podia sobre o caráter e o modo de agir do Senhor Dunster, e com ainda mais habilidade, ele extraiu a opinião popular sobre a natureza embaraçada dos casos do Senhor Wilkins, a vergonha que era geralmente atribuída ao desaparecimento do Senhor Dunster com uma soma grande, pertencente ao escritório em sua posse.
O Senhor Corbet pensava o contrário, ele havia se acostumado a buscar os motivos mais básicos para a conduta dos homens e a chamar de sabedoria o resultado dessas pesquisas.
Ele imaginava que Dunster fora bem pago pelo Senhor Wilkins por seu desaparecimento, o que era uma maneira fácil de contabilizar o desarranjo das contas e a perda de dinheiro que surgiu da extravagância de hábitos e da crescente intemperança do Senhor Wilkins.
Na segunda-feira, à tarde, ele disse a Ellinor:
— O Senhor Ness nos interrompeu ontem quando estávamos em uma conversa muito interessante. Você se lembra, meu amor?
Ellinor avermelhou e manteve a cabeça ainda mais inclinada sobre um esboço que estava fazendo.
— Sim, me lembro. — ela respondeu triste.
— Tenho pensado sobre isso. Ainda acho que ela deveria dizer ao noivo a tal desgraça que pairava sobre ela, quero dizer, sobre a família com a qual ele iria se conectar. Naturalmente, o único efeito seria que ele ficasse ainda mais ao lado dela por sua franqueza.
— Oh! Ralph! Talvez fosse algo que ela não contaria, porque o silêncio era uma questão de honra.
— Sinto muito! A menos que eu soubesse mais, não posso fingir julgar.
Isto foi dito com mais frieza, e teve o efeito desejado.
Ellinor largou seu pincel e cobriu seu rosto com a mão. Depois de uma pausa, ela se virou para ele e disse:
— Não me pergunte mais sobre o assunto. Sei que você está tão seguro quanto possível que isso se trata de mim. Sou uma menina, você é meu noivo, e uma possível vergonha de... Se algo... Oh! Tão horrível. — ela pensou por um segundo. — Esqueça!
Embora isto não fosse mais que ele esperava, apesar de Ralph pensar que estava ciente que algo terrível existia naquela família, ainda assim, quando foi reconhecido em palavras, seu coração se contraiu, e por um momento ele esqueceu a intenção, o rosto triste e belo, rastejando perto dele para ler sua expressão de forma correta.
Depois disso, sua presença de espírito veio em auxílio.
Ele a tomou em seus braços e a beijou, murmurando palavras carinhosas de simpatia e promessas de fé, até mesmo de maior amor que antes, já que havia maior necessidade desse amor.
De alguma forma, ele ficou contente quando a campainha tocou, e ele pôde refletir sobre o que ouvira, pois, tudo fora um grande choque para ele, embora ele imaginasse que as investigações de sua manhã o prepararam para isso.
Capítulo 9
Ralph Corbet achou muito difícil conter sua curiosidade durante os dias seguintes. Era miserável ter o segredo não dito de Ellinor cortando sua mente como um fantasma.
Ele havia dado a ela sua palavra de que não faria mais perguntas. Na verdade, ele pensou que faria o esboço dos acontecimentos passados, ainda assim, havia muito a conjeturar para que sua mente não estivesse sempre ocupada com o assunto.
Ele se sentiu inclinado a sondar o Senhor Wilkins em sua conversa após o jantar, na qual seu anfitrião era franco o suficiente sobre muitos assuntos.
Porém, uma vez tocando no nome de Dunster, o Senhor Wilkins afundava em uma espécie de depressão suspeita de espíritos, falando pouco e com evidente cautela, e, de vez em quando, lançando olhares furtivos no rosto de seu interlocutor.
Ellinor era resolutamente impenetrável a qualquer tentativa dele em trazer aquela conversa de volta ao assunto que cada vez mais absorvia a mente de Ralph Corbet.
Ela cumprira seu dever de alertá-lo, como ela entendia ter feito, e recebera garantias que estava muito feliz em acreditar carinhosamente com toda a terna fé de seu coração, que o amor de Ralph ainda seria dela, e que ele estava avisado de alguma maneira sobre o terrível dia que surgiria no futuro.
Ela fechou os olhos para o que estaria reservado para ela, e, afinal, as chances eram imensuráveis ao seu favor, e ela se inclinou com todas as suas forças para aproveitar o presente.
Dia após dia, os espíritos do Senhor Corbet estremeciam. Ele estava uniforme no teor de sua fala, não muito alegre e sempre evitando qualquer assunto que pudesse chamar a atenção de um sentimento profundo, seja por ele ou por qualquer outra pessoa. Poucas pessoas estavam cientes de suas mudanças de humor.
Ellinor as sentia, embora não as reconhecesse, isso a colocava muito cara a cara com o grande terror de sua vida.
Uma manhã, ele anunciou que o casamento de seu irmão se aproximava. O casamento foi apressado devido à algum evento iminente na família do duque, e a carta que ele recebera naquele dia era para oferecer sua presença no Castelo de Stokely, e, também para desejar que ele estivesse em casa em uma hora não muito distante, a fim de examinar os documentos legais necessários, e dar seu consentimento para alguns deles.
Ele deu muitas razões para que a partida não negligenciada fosse absolutamente necessária, mas ninguém duvidou disso. Ele não precisava alegar tais desculpas reiteradas.
A verdade é que, desde a fala de Ellinor, ele estava comedido e desconfortável em Ford. Ele não podia calcular corretamente o curso desejável para seus interesses, enquanto seu amor por ela estava sendo constantemente renovado por sua doce presença.
Longe dela, ele podia julgar mais sabiamente. Tampouco alegava razões falsas para sua partida, mas a sensação de alívio para si era tão grande, que ele tinha medo de que fosse percebido pelos outros.
O Senhor Wilkins também começara a sentir a contenção da presença vigilante de Ralph.
Ellinor não era forte o suficiente para casar, nem o dinheiro prometido. E, ter um companheiro amanhecendo em sua casa, passeando pelo jardim de flores, espreitando por toda parte e tendo uma espécie de direito de fazer todas as perguntas inesperadas, era tudo, menos agradável.
Foi apenas Ellinor que se agarrou à sua presença, como se alguma sombra do que aconteceria antes de se encontrarem novamente caísse em seu espírito.
Assim que ele deixou a casa, ela correu até uma janela do quarto de hóspedes para assistir ao último vislumbre da carruagem dele que o levava para a vila.
Então, ela beijou a parte da vidraça sobre a qual a figura, balançando um braço fora da janela da carruagem, aparecera por último, e desceu lentamente para juntar todas as coisas que ele tocara por último, a caneta que ele consertara, a flor com a qual ele brincara, e para trancá-la no pequeno baú pitoresco que guardara seus tesouros desde que ela era uma criança.
A Senhorita Monro foi, talvez, muito sábia ao propor a tradução de uma parte difícil de Dante para a distração de Ellinor.
A menina foi mansamente, se bem que com relutância, à tarefa que lhe fora definida por sua boa governanta, e através de sua mente, se tornou amparada pelo esforço.
A família de Ralph não foi muito lenta em descobrir que algo não correra muito bem com ele em Ford.
Eles conheciam seus modos e sua aparência com intuição familiar, e tinham certeza até então. Entretanto, nem mesmo as artimanhas mais habilidosas de sua mãe, nem a persuasão de sua irmã favorita conseguiu obter uma palavra ou uma dica, e quando seu pai, o escudeiro, que ouvira as opiniões da parte feminina da família, começou, em sua maneira honesta, uma conversa depois do jantar, a esperar que Ralph estivesse pensando melhor sobre casar com a filha do advogado de Hamley.
Corbet não conseguiu explicar seus sentimentos confusos. E quando o fazendeiro, com muita perplexidade, colocou-o nos termos simples que seu filho pensava em romper seu compromisso com a Senhorita Wilkins, Ralph perguntou-lhe friamente se estava ciente que, nesse caso, ele perderia o título de homem de honra, e teria uma ação movida contra ele por quebra de promessa?
No entanto, ele pensava nessa possibilidade futura.
Em pouco tempo, a família Corbet mudou-se para o Castelo de Stokely para o casamento.
É claro, Ralph associou-se em igualdade de condições com os magnatas do condado, que eram os patrões do pai de Ellinor, e falou dele sempre como “Wilkins”, assim como falavam do mordomo como “Simmons”, esquecendo de usar a palavra “Senhor”.
Ali, entre uma classe de homens muito acima das fofocas locais, portanto, desconhecedores de seu noivado, ele ouviu a opinião popular de seu futuro sogro, uma opinião não totalmente respeitosa, embora misturada com uma boa dose de gosto pessoal.
“Pobre Wilkins.” como o chamavam.
“Era tristemente extravagante para um homem em sua posição, ter direito de gastar tanto dinheiro, e ele agia como se fosse um homem de fortuna independente.”
Seus hábitos de vida foram criticados, e a piedade, não isenta de culpa, foi conferida a ele, pelas perdas sofridas com o desaparecimento e desfalque de seu falecido escriturário.
O que se esperaria se um homem não optasse por cuidar de seus próprios negócios?
O casamento passou.
Um ministro de gabinete o honrou com sua presença e, sendo uma relação distante com grandes homens de poder, permaneceu por alguns dias após a grande ocasião.
Durante este tempo, ele se tornou bastante íntimo de Ralph Corbet, porque muitos de seus gostos eram comuns.
Ralph se interessou muito pela forma de resolver questões políticas, pelo equilíbrio e estado dos partidos, e tinha a apreciação certa das qualidades exatas em que o ministro se dedicava.
Em troca, este último estava em busca de jovens promissores, que, seja por sua capacidade de fazer discursos ou de escrever artigos, fariam avançar os pontos de vista de seu partido.
Reconhecendo os poderes que ele mais valorizava em Ralph, o homem não poupou esforços para vinculá-lo ao seu grupo político. Quando se separaram, foi com o pleno entendimento de que iriam se juntar em Londres em uma parceria.
O feriado que Ralph se permitiu, passou rapidamente, mas, antes de voltar para seus aposentos e seu trabalho duro, ele prometera passar mais alguns dias com Ellinor, e lhe convinha ir direto da casa do duque para Ford.
Ele deixou o castelo logo após o café da manhã, o luxuoso e elegante dejejum, servido por criados que realizaram seu trabalho com a precisão e perfeição de máquinas.
Ele chegou em Ford antes que o criado terminasse a parte mais suja de seu trabalho da manhã, e foi à porta de vidro, com seu casaco de algodão listrado.
Ellinor ainda não estava forte o suficiente para se levantar, sair e colher flores para os quartos, de modo que as que sobravam do dia anterior, estavam bastante desbotadas, em resumo, o contraste de toda a completude e requintado frescor do arranjo atingiu forçosamente as percepções de Ralph, que eram mais críticas do que agradáveis, e, como seu afeto era sempre subjugado ao seu intelecto, o lindo rosto e a graciosa figura de Ellinor voando para vê-lo não obteve sua total aprovação, pois, seus cabelos estavam vestidos de uma maneira antiquada, sua cintura era muito longa ou muito curta, suas mangas muito cheias ou muito apertadas para o padrão de moda ao qual seu olho estava acostumado, enquanto examinava as damas no Castelo de Stokely.
Mas, como ele sempre se esforçou para colocar de lado toda a elegância superficial em sua perseguição pelo poder, não lhe foi possível encolher-se de ver e enfrentar a incompletude dos meios moderados dela. E assim, o casamento por meios moderados estava gradualmente se tornando desagradável para ele.
Suas relações possíveis com o Senhor Bolton, o ministro, antes mencionado, afastaram seu desejo pelo matrimônio precoce.
Na casa do Senhor Bolton, ele conheceu a sociedade polida e intelectual, e toda aquela suavidade em ministrar os mais baixos desejos de comer e beber que parece prover que a coisa certa deve estar sempre no lugar certo e no momento certo, de modo que a sua falta nunca impeça, por um instante, a festa da sagacidade ou da razão, enquanto, se ele foi às casas de seus amigos, homens do mesmo colégio e de pé como ele, que foram seduzidos a casamentos precoces, ele estava desconfortavelmente ciente de inúmeras privações.
Além disso, a ideia da possível desgraça que cairia sobre a família com a qual ele pensava aliar-se, o assombrava com a tenacidade e também com o exagero de um pesadelo.
Seria uma perda grande o tal casamento, porque ele trabalhara demais em sua busca de conhecimentos disponíveis e lucros, e que ele estava aprendendo a apreciar jantares requintados.
O Natal era, naturalmente, para ser dedicado à sua família, era uma necessidade inevitável, como ele disse para Ellinor, enquanto, realmente ele começava a encontrar na ausência de sua noiva algum alívio.
No entanto, as disputas e loucuras de sua casa, abençoadas até mesmo pela presença da Senhora Mary, o fizeram olhar para a Páscoa em Ford com algo do velho prazer.
Ellinor, com o fino tato que o amor dá, julgara seu aborrecimento por várias pequenas incongruências na época de sua segunda visita no outono anterior, e trabalhara para tornar tudo tão perfeito quanto ela podia, antes de seu retorno.
Ela tinha muito o que lutar contra isso.
Pela primeira vez em sua vida, havia uma grande falta de dinheiro. Ela mal conseguia pagar o salário dos criados, e a conta das sementes da primavera era um peso na sua consciência, pois, os hábitos metódicos da Senhorita Monro ensinaram a sua aluna grande exatidão quanto as questões de dinheiro.
Então, o temperamento de seu pai se tornara muito incerto.
Ele evitava ficar sozinho com ela sempre que podia, e a consciência disso e do terrível segredo mútuo sendo a causa desse distanciamento, eram as razões pelas quais Ellinor não recuperou sua bela floração jovem após sua doença.
Eles abanavam a cabeça e diziam:
— Ah! Pobre Senhorita Wilkins! Que bela criatura ela era antes daquela doença!
Contudo, juventude é juventude de qualquer maneira, e se afirmara em uma certa elasticidade do corpo e do espírito, e, às vezes, Ellinor esquecia aquela noite temerosa por algumas horas.
Mesmo quando o olho desviado de seu pai lhe trazia tudo de novo a mente, ela aprendera a formar desculpas e paliativos para a sua dor, e a considerar a morte do Senhor Dunster apenas como a consequência de um infeliz acidente.
Ela tentou tirar totalmente de sua mente a lembrança miserável, e continuar pensando apenas no presente, em como organizá-lo de modo a causar menos irritação ao seu pai.
Ela falaria com ele com tanto prazer sobre o único assunto que ofuscou todas as suas relações, e imaginava que falando, ela seria capaz de banir o fantasma, ou reduzir seu terror.
Mas seu pai estava evidentemente determinado a mostrar que não queria falar sobre o assunto, e tudo o que ela podia fazer era seguir a pista dele, nas raras ocasiões em que elas caíam nas antigas memórias.
Até agora, para ela, ele não havia dado lugar à raiva, mas antes dela, muitas vezes, ele falava de uma maneira que tanto a afligia quanto a aterrorizava.
Às vezes, seu olhar no meio de sua paixão se prendia ao rosto dela com pobres afetos e consternação, então ele parava, e fazia tal esforço para se controlar que, às vezes, terminava em lágrimas.
Ellinor não entendia que estas duas fases se deviam ao seu crescente hábito de beber mais que deveria.
Ela as estabeleceu como os efeitos diretos de uma consciência pesadamente sobrecarregada, e se esforçou cada vez mais para ajudá-lo. Não era de se admirar que ela parecesse melancólica, cansada e velha.
A Senhorita Monro era seu grande conforto, que estava inconsciente de qualquer coisa abaixo da superfície. Ela fez com que sua simpatia fosse muito valiosa para Ellinor, e ela jamais daria à Senhorita Monro aquele poder de ver no coração as marcas que estavam profundamente apegadas a alguém em tristeza.
Havia uma forte ligação entre Ellinor e Dixon, embora eles quase não trocassem palavras, exceto nos assuntos mais comuns, mas seu silêncio era baseado em sentimentos diferentes daqueles que separavam Ellinor de seu pai.
Ellinor e Dixon não podiam falar livremente, porque seus corações estavam cheios de piedade pelo homem que ambos amavam e se esforçavam tanto para respeitar.
Este era o estado da casa para a qual Ralph Corbet desceu na Páscoa.
Ele voltara de Londres, calculando suas forças, e condensando o poder delas tanto quanto podia, apenas visitando onde ele provavelmente iria encontrar homens que o ajudariam em sua carreira futura.
Ele fora convidado a passar o feriado de Páscoa em uma casa de campo que estaria cheia destes homens importantes, e ele recusou para manter sua palavra para Ellinor, e voltar à Ford.
Apesar disso, ele não podia deixar de se olhar como um mártir ao dever, e talvez, esta visão de seus méritos o tenha irritado sob a visão de seu futuro sogro.
Ele se viu nitidamente arrependido de sofrer para se engajar tão cedo na vida, e tendo se tornado consciente da tentação e não a ter repelido de imediato, isso gradualmente obteve o domínio sobre ele.
O que se ganhava ao manter seu noivado com Ellinor?
Ele teria uma esposa delicada para cuidar, e até mais do que as despesas adicionais comuns da vida de casado. Ele teria um sogro cujo caráter, no máximo, só fora uma respeitabilidade local e provincial, que era agora diariamente perdida por hábitos fúteis e vulgarizadores, um homem, também, que estava estranhamente mudando de uma genialidade alegre para uma surdez mal-humorada.
Além disso, ele duvidava se, na evidente mudança na prosperidade da família, a fortuna a ser paga por ocasião de seu casamento com Ellinor estaria próxima. Primeiro e ao redor de tudo, pairava a sombra de alguma desgraça não revelada, que poderia vir à tona a qualquer momento e envolvê-lo nela.
Ele pensou que determinara a natureza dessa possível vergonha, e não tinha dúvidas de que o desaparecimento de Dunster para a América ou outro lugar, fora um plano combinado com o Senhor Wilkins.
Embora o Senhor Ralph Corbet fosse capaz de suspeitar deste crime mediano, era peculiarmente desagradável para o advogado perspicaz, que previa que tal conduta, mancharia todos aqueles cujos nomes fossem mencionados, mesmo por acaso, em conexão com ele.
Ele costumava deitar-se miseravelmente em sua cama sem dormir, revirando estas coisas em sua cabeça, e atormentado por todos esses pensamentos. Ele lamentava amargamente os eventos passados que o ligavam a Ellinor, desde o dia em que veio a ler com o Senhor Ness até o presente.
Mas quando ele descia pela manhã, e via o clarão desbotado de Ellinor em beleza momentânea, na entrada da sala de jantar, e quando ela se aproximava corada com a única flor recém-colhida, que era seu costume, ele se sentia que seu eu fosse mais forte que a tentação, e que seria um homem honesto e um noivo honrado, mesmo contra seu desejo.
À medida que o dia foi passando, a tentação de desistir foi ganhando força.
O Senhor Wilkins desceu, e enquanto estava em cena, Ellinor parecia sempre absorvida pelo pai, que aparentemente não se importava o suficiente com todas as atenções dela.
Depois houve uma reclamação da comida, que não se adaptava ao paladar doentio de um homem que bebera muito na noite anterior, e possivelmente, estas reclamações foram estendidas aos criados, e sua incompletude ou incapacidade foi assim trazida de forma proeminente aos olhos de Ralph, que teria preferido comer uma crosta seca em silêncio mas que pudesse ter uma conversa intelectual de alguma alta ordem, a ter as maiores delicadezas, mas grosseiramente discutida conversa com seu sogro.
Quando terminaram, Ellinor parecia ter trinta anos, e seu espírito já não estava mais animado.
Ralph contraia sua mente para os pequenos interesses dela, porque ela pouco falava com ele, e ele estava cansado de professar um amor que ele estava deixando de sentir.
Os livros que ela vinha lendo eram clássicos antigos, cujo lugar na literatura já não admitia mais uma discussão aguçada. Os pobres de quem ela cuidava estavam todos muito bem, se eles pudessem ser trazidos para ilustrar uma teoria, ouvi-los sobre eles, poderia ter alguma utilidade, mas, era simplesmente cansativo ouvir dia após dia o reumatismo de “Betty Palmer” e os ataques do bebê da “Senhora Kay”.
Não havia política de conversa com ela, porque ela era tão calada que sempre concordava com tudo o que ele dizia.
Ele até tentou no almoço se aproximar da Senhorita Monro e entrar em sua monótona conversa.
Depois veio a caminhada, geralmente até a vila para buscar o Senhor Wilkins em seu escritório, e uma ou duas vezes ficou bastante evidente como ele vinha empregando suas horas.
Um dia em particular, sua caminhada estava tão instável e seu discurso tão espesso, que Ralph só podia se perguntar como foi que Ellinor não percebeu a causa.
Nesta mesma tarde, por má sorte, o Duque de Hinton e um cavalheiro que Ralph encontrara na vila, na cavalgada com o Senhor Bolton, o reconheceu, e viu Ralph apoiar um homem bêbado com um interesse amigável, tão tranquilo, que mostrou a todos os transeuntes que eles eram amigos.
O Senhor Corbet irritou-se e fumegou para dentro de casa depois deste infeliz acontecimento. Ele estava com um temperamento completamente perverso antes de chegarem a Ford, mas ele tinha muito comando para que isto não fosse muito aparente.
Ele caminhou nos arbustos, deixando Ellinor levar seu pai para o sossego de seu quarto, lá ele se deitaria e sacudiria sua dor de cabeça.
Ralph caminhou, ruminando seu humor sombrio sobre o que seria feito, e como ele poderia melhor se livrar da relação miserável em que se colocara, dando lugar ao impulso.
Quase antes de tomar consciência, uma mãozinha tocou seu braço dobrado, e os doces olhos tristes de Ellinor olharam para dentro dos seus.
— Pousei papai para descansar uma hora antes do jantar. — assegurou ela. — Sua cabeça parece doer terrivelmente.
Ralph ficou calado e insensível, tentando se atrever a ser desagradável, mas achando difícil diante de uma confiança tão doce.
— Você se lembra de nossa conversa no outono passado, Ellinor? — ele começou longamente.
Sua cabeça afundou. Eles estavam perto de um assento no jardim, e ela se sentou calmamente, sem falar.
— Sobre alguma desgraça que você imaginava pairar sobre você?
Nenhuma resposta Ellinor deu.
— Será que ainda paira sobre você?
— Sim! — sussurrou ela, com um suspiro pesado.
— Seu pai sabe disso, é claro?
— Sim! — novamente, no mesmo tom, e depois silêncio.
— Acho que está lhe fazendo mal. — prosseguiu Ralph, decididamente.
— Receio que sim. — disse ela, em um tom baixo.
— Gostaria que você me dissesse o que é. — falou ele, um pouco impaciente. — Talvez eu possa ajudá-la sobre isso.
— Não! — respondeu Ellinor. — Sento muito para dizer-lhe o que disse, não queria ajuda, tudo isso é passado. Mas eu queria saber se você pensava que uma pessoa sem sorte podia casar com alguém, e este alguém ignorasse o que aconteceria, o que espero e confio que nunca acontecerá.
— Se não sei o que você está aludindo desta maneira misteriosa, você deve falar, não vê, amor? Estou na posição do homem ignorante com quem acho que você falou que não podia sentir bem em se casar. Por que você não me diz o que é?
Ele não pôde evitar a irritação em seus tons e em sua maneira de falar. Ela se inclinou um pouco para a frente e olhou-o com a cara cheia, como se percebesse a verdade no coração dele.
Então, ela disse, tão silenciosamente como jamais falara em sua vida:
— Você deseja romper nosso noivado?
Ele ficou vermelho e indignado em um momento.
— Que bobagem! Só porque faço uma pergunta e uma observação! Acho que sua doença a tornou insensata, Ellinor! Certamente, nada do que eu disse merece tal interpretação. Pelo contrário, não mostrei a sinceridade e a profundidade de meu afeto a você, agarrando-me a você através de tudo?
Ele ia dizer “através da cansativa oposição de minha família”, e parou por pouco, pois, sabia que o fato da oposição de sua mãe só o tornara mais determinado a mudar seu destino, e mesmo agora ele não pretendia deixar sair, o que ele escondia até então, que seus amigos lamentavam seu compromisso imprudente.
Ellinor sentou silenciosamente, olhando para os prados, mas não vendo nada. Então, ela colocou sua mão na dele.
— Confio muito em você, Ralph. Eu estava errada em duvidar. Temo ter me tornado extravagante e tola.
Ele pensou nas palavras certas, pois, ela adivinhara com precisão o pensamento sombrio que ofuscara sua mente quando ela olhara atentamente para ele. Ele a acariciou e a tranquilizou com palavras carinhosas, tão incoerentes quanto as palavras dos amantes geralmente são.
Eles voltaram e quando chegaram à casa, Ellinor o deixou, e correu para ver como estava seu pai. Quando Ralph entrou em seu quarto, ele estava irritado consigo mesmo, tanto pelo que havia dito quanto pelo que deixara de dizer.
Seu olhar não era satisfatório.
Nem ele, nem o Senhor Wilkins estavam de bom humor na hora do jantar, e, em tais casos, é preciso pouco para condensar e transformar os ânimos em uma direção particular.
Enquanto Ellinor e a Senhorita Monro permaneciam na sala de jantar, uma espécie de paz de humor fora mantida, com as senhoras conversando incessantemente sobre os insignificantes fatos de suas rotinas, em uma consciência instintiva de que se elas não conversassem, algo seria dito por um dos cavalheiros que seria desagradável para o outro.
Assim que Ralph fechou a porta atrás deles, o Senhor Wilkins foi até o aparador e pegou uma garrafa que não aparecera antes.
— Toma um pouco de conhaque? — perguntou ele, com uma suposição de descuido, enquanto derramava a bebida em um copo. — É uma coisa boa para a dor de cabeça, e este mau tempo me deu uma dor de cabeça o dia todo.
— Sinto muito por isso. — lamentou Ralph. — Pois, eu queria falar com você sobre negócios, sobre meu casamento, na verdade.
— Bem! Fale, estou tão lúcido quanto qualquer homem, se é isso que você quer dizer.
Ralph se curvou, um pouco desdenhosamente.
— O que eu queria dizer era, que estou ansioso para ter tudo preparado para meu casamento em agosto. Ellinor está tão melhor agora, de fato, tão forte, que acho que ela está muito bem para se mudar para uma vida londrina.
O Senhor Wilkins olhou para ele de forma um tanto vazia, mas não falou imediatamente.
— É claro que posso ter as escrituras elaboradas como por acordo anterior, o senhor adianta uma certa parte da fortuna de Ellinor para os propósitos que nela se destinam, concordamos no ano passado, o senhor se lembra?
Um pensamento passou pelo cérebro confuso do Senhor Wilkins de que ele acharia impossível conseguir os milhares necessários sem recorrer aos emprestadores de dinheiro, que já estavam cobrando-lhe juros de usura pelos avanços que fizera ultimamente, e ele, insensatamente, tentou obter uma diminuição na soma que havia proposto inicialmente para dar a Ellinor.
“Insensatamente”, porque ele leria melhor o caráter de Ralph do que supor que ele consentiria facilmente em qualquer diminuição sem que uma boa e suficiente razão fosse dada, ou sem alguma promessa de compensar vantagens no futuro pelo sacrifício presente que lhe foi pedido.
Talvez o Senhor Wilkins, embotado como estava pela bebida, pensou que alegaria uma razão boa e suficiente, pois, disse ele:
— Você não deve ser tão sério comigo, Ralph. Essa promessa foi feita antes, antes que eu soubesse exatamente o estado dos meus assuntos financeiros!
— Antes do desaparecimento de Dunster, de fato? — indagou o Senhor Corbet, fixando seus olhos firmes e penetrantes no semblante do Senhor Wilkins.
— Sim! Exatamente! Antes do desaparecimento de Dunster. — murmurou o Senhor Wilkins, vermelho e confuso, não terminando sua frase.
— A propósito... — começou Ralph, pois, com descuido, ele pensou que extrairia algo da natureza real da desgraça iminente do sogro, e para saber mais sobre este perigo para se proteger contra ele. — A propósito, você já ouviu algo sobre Dunster desde que ele partiu para a América?
Ele se assustou além de seu poder de autocontrole com a mudança instantânea no Senhor Wilkins após a sua pergunta, pois o Senhor Wilkins ficou branco, tremendo e tentando dizer algo, incapaz de formar uma frase sensata.
— Bom Deus! Senhor, qual é o problema? — protestou Ralph, alarmado com estes sinais de sofrimento físico.
O Senhor Wilkins sentou-se, e repeliu sua aproximação, porém sem falar.
— Não é nada! Apenas esta dor de cabeça que, às vezes, me atormenta. Não olhe para mim dessa maneira. É muito desagradável encontrar os olhos de outro homem perpetuamente fixos em você.
— Peço perdão. — lastimou Ralph, friamente, com sua simpatia de curta duração, assim repelida, que cedeu lugar à sua curiosidade.
No entanto, ele esperou um ou dois minutos sem ousar renovar a conversa no ponto em que eles pararam, esperando que o desconforto corporal ou mental de seu companheiro terminasse.
Enquanto ele hesitava em recomeçar o assunto, o Senhor Wilkins puxou a garrafa de conhaque para si e voltou a encher seu copo, o bebendo como se fora água.
Ele tentou olhar o Senhor Corbet com a cara cheia, com um olhar o mais perturbador possível, mas muito diferente do olhar atento e observador que tentava lê-lo através dele.
— Do que estávamos falando? — questionou Ralph, longamente, com o ar mais natural, como se ele estivesse realmente esquecido de algum assunto de interesse meio discutido.
— Do que você... — rosnou o Senhor Wilkins, com uma voz grosseira.
— Senhor! — exclamou Ralph, começando com verdadeira paixão por ser tão abordado por “Wilkins, o advogado”.
— Sim. — continuou este último. — Vou administrar meus assuntos, e não permitirei nenhuma intromissão e nenhum questionamento. Eu disse isso uma vez antes, que não me importava, e agora o digo novamente. E se você vier aqui e fizer perguntas impertinentes, e olhar para mim como tem feito nesta meia hora passada, é melhor que você se ponha para fora desta casa!
Ralph virou-se para pegar à sua palavra, e ir imediatamente, então, ele deu outra chance a Ellinor, como ele falou em seus pensamentos, mas não foi em espírito de conciliação que ele disse:
— O senhor não sabe o que está dizendo. Se assim quer, devo sair de sua casa imediatamente, para nunca mais voltar.
— Você acha, não acha? Vá! — ordenou o Senhor Wilkins, tentando se levantar, e parecer digno e sóbrio. — Digo, senhor, que se você se aventurar novamente a falar e olhar assim, tocarei o sino e farei meus criados mostrarem a porta para você! Então, agora você está avisado, meu caro amigo!
Ele se sentou, com uma risada tola de triunfo. Em outro minuto, o braço dele foi tomado com firmeza, mas gentilmente por Ralph.
— Escute, Senhor Wilkins. — falou ele, em voz baixa e rouca. — Você nunca terá que me dizer duas vezes o que disse agora. Doravante, somos como estranhos um para o outro. Quanto a Ellinor... — seus tons suavizaram um pouco, e ele suspirou. — Acho que não seremos felizes. Acredito que nosso compromisso foi formado quando éramos muito jovens para conhecer nossas mentes, mas eu cumpriria meu dever e palavra, mas o senhor cortou a conexão entre nós por sua insolência nesta noite. Eu? Ser expulso de sua casa por seus criados? Como ousa? Eu, um Corbet de Westley, que não se submeteria a tais ameaças de um colega do reino, não receberei ordens de um bêbado! — ele estava fora da sala, quase fora de casa, antes de falar as últimas palavras.
O Senhor Wilkins sentou-se imóvel, primeiro ferozmente zangado, depois, estupefato, e, por último, consternado com a sobriedade.
— Corbet, Corbet! Ralph! — ele chamou em vão, depois levantou-se e foi até a porta.
Ele a abriu, olhou para a frente da casa totalmente iluminada pelo luar, tudo estava tão quieto que ele podia ouvir as vozes silenciosas das mulheres na sala de visitas.
Ele se sentou mais uma vez na sala de jantar, e tentou perceber exatamente o que se passara, mas ele não podia acreditar que o Senhor Corbet chegara a qualquer resolução duradoura ou final para romper seu noivado, e ele pensou que o rapaz voltaria para a casa.
Depois de muito tempo, Ellinor entrou, pálida, apressada e ansiosa.
— Papai! O que isto significa? — indagou ela, colocando uma carta aberta em sua mão.
Ele pegou seus óculos, e sua mão tremeu de modo que mal conseguia ler.
A carta era do Presbitério para Ellinor, apenas três linhas enviadas pelo criado do Senhor Ness, que viera buscar as coisas do Senhor Corbet. Ele escrevera três linhas com alguma consideração por Ellinor, mesmo quando ele estava em seu primeiro fluxo de raiva contra seu pai, e confessou o alívio de sua liberdade, assim trazida pelo ato de outro, e não de seu próprio desejo, o que em parte, salvou sua consciência. A carta correu assim:
“Querida ELLINOR.
Passaram palavras entre seu pai e eu que me obrigaram a sair de sua casa, e temo nunca mais voltar. Escreverei mais sobre o ocorrido amanhã. Não chore muito, pois, não sou e nunca fui, suficientemente bom para você. Deus te abençoe, minha querida Nelly, embora te chame assim pela última vez. R. C.”
— Papai, o que é isso? — Ellinor chorou, apertando as mãos, enquanto seu pai se sentava em silêncio, olhando vagamente para o fogo, após terminar a nota.
— Não sei! — garantiu ele, olhando para ela com piedade. — Tudo dá errado comigo. Creio ser melhor para você!
— Oh! Papai! — disse ela, ajoelhada diante ele, com o rosto dela escondido no peito dele.
Ele colocou um braço languidamente em volta dela.
— Eu costumava ler sobre Orestes e as Fúrias em Eton quando eu era menino, e pensava que era tudo uma ficção pagã. Pobre menina sem mãe! Vai ficar sozinha! — afirmou ele, colocando sua outra mão na cabeça dela, com o gesto carinhoso que ele estava acostumado a usar quando ela era uma criança pequena. — Você o amava, Nelly? — sussurrou ele. — Pois de alguma forma, ele não pareceu suficientemente bom para você. Ele tem a impressão de que algo deu errado neste relacionamento, e foi muito inquisitivo, posso dizer, que ele me questionou de uma forma implacável.
— Oh! Papai, foi obra minha, receio bem. Eu disse algo há muito tempo sobre uma possível desgraça.
Ele a empurrou, levantou-se e a observou com os olhos dilatados, com medo e ferocidade. Ele não percebeu que seu movimento brusco quase a jogou prostrada no chão.
— Você, Ellinor! Você, Ellinor!
— Oh! Querido pai, escute! — implorou ela, rastejando até os joelhos dele, e apertando-os com as mãos. — Eu disse isso, como se fosse um caso possível de outra pessoa, no último agosto, mas ele imediatamente entendeu que se tratava de nós, e me perguntou se já não era por minha causa a vergonha... Oh! Esqueci as palavras que usamos, e o que eu disse...
— Deus me ajude! Sou um homem perdido, traído por minha filha!
Ellinor soltou os joelhos e cobriu o rosto dela, com seu pai apunhalando seu pobre coração.
Em cerca de um minuto, seu pai voltou a falar.
— Ellinor, você deve me perdoar, minha filha! Falo muitas vezes sem pensar! — ele se abaixou e sentou-se, pegando-a e alisando o cabelo dela em sua testa quente. — Lembre-se, criança! Sou muito miserável e tenha piedade de mim.
Naquele instante, ela percebera que ele estava bêbado:
— Bebendo, papai? — questionou Ellinor, levantando a cabeça e olhando para ele com triste surpresa.
— Bebo agora para tentar esquecer. — disse ele, corado e confuso.
— Oh! Como estamos infelizes! — gritou Ellinor, derramando suas lágrimas. — Como estamos infelizes! Parece que se Deus esquecera de nos confortar!
— Quieta! Quieta! — afirmou ele. — Sua mãe disse uma vez, que você cresceria religiosa. Você deve ser religiosa, criança! Porque ela rezava por isso com tanta frequência. Pobre Lettice! Como estou feliz por minha esposa estar morta e não esteja aqui para presenciar minha desgraça! — ele começou a chorar como uma criança.
Ellinor o consolou com beijos em vez de palavras. Ele a afastou, e depois de um tempo pronunciou com força:
— O que ele sabe? Tenho que me certificar disso. O quanto você lhe disse, Ellinor?
— Nada, de fato, papai!
— Conte-me de novo, as palavras exatas!
— Contarei o melhor que puder, contudo, foi em agosto passado. Eu só disse sobre se era correto uma mulher casar, sabendo que a desgraça pairava sobre ela, e mantendo seu noivo na ignorância.
— Isso era tudo, tem certeza?
— Sim. Ele imediatamente aplicou o caso a mim.
— Ele nunca quis saber qual a ameaça de desgraça?
— Sim, ele queria saber.
— Você disse a ele?
— Não! Nem uma palavra! Ele se referiu novamente ao assunto hoje, nos arbustos, mas não lhe falei mais nada. Você acredita em mim, papai?
Ele não falou e tomou a carta novamente, a lendo com o máximo de cuidado e atenção que pôde recolher em seu estado de espírito agitado.
— Nelly. — disse ele, em extensão. — Ele diz a verdade, ele não é suficientemente bom para ti. Ele encolhe-se do pensamento da desgraça. Tu deves ficar sozinha e suportar os pecados de teu pai.
Ele tremeu tanto ao dizer isto, que Ellinor teve que colocar qualquer sofrimento seu de um lado, e tentar limitar seus pensamentos à necessidade de levar seu pai imediatamente para a cama.
Ela sentou-se ao lado dele até que o velho pai conseguisse dormir, e assim que ele adormeceu, ela foi para seu quarto, para esquecer e descansar, se pudesse encontrar aquelas bênçãos inestimáveis.
Capítulo 10
O Senhor Corbet era tão conhecido na vila que ele não teve dificuldade, ao chegar lá, após sua saída de Ford, em ter um quarto de hóspedes pronto para ele, mesmo tarde da noite como estava, e na ausência do dono do albergue, que tirara suas curtas férias com o propósito de pescar, já que terminara a Quaresma e a Páscoa.
Ralph mandou buscar suas roupas, e pelo mesmo mensageiro, ele despachou o pequeno bilhete para Ellinor. Mas havia a carta que ele prometera ser escrita, e seria uma loucura retroceder, pois, ele havia dado quase tanta dor para si quanto para Ellinor até aquele momento, e a separação final era a melhor coisa para ser feita.
Além disso, depois dos discursos do Senhor Wilkins naquela noite, ele reconheceu que, ofensivo como fora, não havia como voltar.
Sua carta correu como se segue:
“ELLINOR, minha querida. Creio que meu julgamento consentiu com um passo que está me causando grande dor, maior do que você prontamente acredita. Estou convencido de que a separação é melhor para nós, uma vez que as circunstâncias ocorreram desde que formamos nosso compromisso e embora eu desconheça sua natureza exata, posso ver que elas pesam muito sobre você, e afetaram materialmente o comportamento de seu pai. Acho que depois dessa noite, posso dizer que ele alterou completamente seus sentimentos em relação a mim. Quais são estas circunstâncias que desconheço, mais do que sei por sua confissão, que podem levar a alguma desgraça futura? Agora, a culpa pode ser minha, pode estar em meu temperamento ansioso, acima de todas as coisas terrenas, para obter e possuir uma alta reputação. Só posso dizer que é assim, e deixar que você me culpe por minha fraqueza, tanto quanto quiser. Mas qualquer coisa que entrasse entre mim e este objeto seria, de minha propriedade, mal tolerado por mim. O próprio pavor de tal obstáculo intervindo me paralisaria. Fico irritado em saber que eu não lhe prometeria uma vida feliz e pacífica. Eu seria perpetuamente assombrado pela ideia do que aconteceria no caminho da descoberta e da vergonha. Estou mais convencido disto a partir de minha observação do caráter alterado de seu pai, uma alteração que remonta ao tempo em que conjecturamos que os assuntos secretos a que você aludiu. Em resumo, é para seu bem, minha cara Ellinor, ainda mais do que por meu próprio bem, que me sinto obrigado a afixar um significado final às palavras que seu pai me dirigiu ontem à noite, quando desejava que eu deixasse sua casa para sempre. Deus te abençoe, minha Ellinor, pela última vez, minha Ellinor! Tente esquecer assim que puder o infeliz laço que a prendeu por um tempo a um tão inadequado, creio que devo dizer, tão indigno de você, como RALPH CORBET.”
Ellinor estava fazendo o café da manhã quando esta carta lhe foi entregue. De acordo com o costume dos criados das respectivas famílias da vila, o homem perguntou se havia alguma resposta. Era apenas costume. Ellinor foi até a janela para ler sua carta, o homem esperava respeitosamente por sua resposta. Ela foi até a mesa e escreveu:
“Está tudo bem. Eu teria pensado em tudo isso em agosto passado. Não creio que você me esquecerá facilmente, mas suplico-lhe que nunca, em nenhum momento futuro, se culpe. Espero que você seja feliz e bem-sucedido. Suponho que nunca mais devo escrever para você, mas sempre rezarei por você. Papai lamentou muito ontem à noite, por falar raivosamente com você. Você deve perdoá-lo, há uma grande necessidade de perdão neste momento. ELLINOR.”
Ela não parava de pensar após escrever, apenas para prolongar o último prazer de escrever para ele. Ela selou a carta e a deu ao homem. Depois se sentou e esperou pela Senhorita Monro, que fora para a cama na noite anterior, sem esperar o retorno de Ellinor da sala de jantar.
— Estou atrasada, minha querida! — disse a Senhorita Monro, ao descer. — Tenho uma dor de cabeça miserável, e eu sabia que você tinha uma companhia agradável. — então, olhando em volta, ela percebeu a ausência de Ralph.
— O Senhor Corbet ainda não desceu? — exclamou ela.
Ellinor teve que contar a ela o esboço dos fatos, que se tornariam público em breve, sobre que o Senhor Corbet e ela romperam o noivado, e que o Senhor Corbet tinha se aproximado do presbitério, e que ela não esperava que ele voltasse à Ford.
O espanto da Senhorita Monro não foi limitado. Ela continuou a rever todas as circunstâncias que ela notara durante a última visita, e que ela não conseguia conciliar com a noção de que os dois, aparentemente tão apegados um ao outro, apenas algumas horas antes, estavam agora para sempre separados.
Ellinor adoeceu sob a aflição, o que ainda assim parecia uma tortura de um sonho, que ela julgava despertar em breve e ter um alívio. Ela sentia como se não pudesse mais ouvir, no entanto, havia mais para ouvir.
Seu pai, como se viu, estava muito doente, e assim estivera a noite toda. Ele evidentemente teve algum ataque ao cérebro, seja ele apopléctico ou paralítico, cabendo aos médicos a decisão.
Com a pressa e a ansiedade deste dia de desgraça que sucedeu à miséria, ela quase esqueceu de se perguntar se Ralph ainda estava em Hamley, e foi na visita noturna do médico que ela soube que ele fora visto pelo Doutor Moore, quando ele estava tomando seu lugar no trem para Londres.
O Doutor Moore aludiu seu nome como a um pensamento que iria animar e confortar a frágil garota durante o seu turno noturno ao lado da cama de seu pai, mas a Senhorita Monro saiu depois do médico, para avisá-lo sobre o assunto do rompimento do noivado, chorando amargamente sobre a posição abandonada de sua querida, enquanto ela falava. Chorando como Ellinor nunca fora capaz de chorar, embora o tempo todo, no orgulho, ela se esforçava para convencer o médico de que era inteiramente obra de Ellinor, e a coisa mais sábia e melhor que ela teria feito, já que ele não era suficientemente bom para ela, apenas um pobre advogado, lutando por um meio de vida.
Como muitas outras pessoas de bom coração, ela caiu no erro de rebaixar o caráter moral daqueles que são exaltados. Porque o Doutor Moore conhecia Ellinor muito bem para acreditar em tudo o que a Senhorita Monro falava. Ela nunca agiria por motivos interessados, e era ainda provável que se agarrasse a um homem simples sem fortuna.
Não! Houve uma briga entre eles, e isso não teria acontecido em um momento mais triste, assim pensou o médico.
Antes das rosas de junho estarem em plena floração, o Senhor Wilkins estava morto.
Ele deixara sua filha à guarda do Senhor Ness por algum testamento criado anos atrás, mas o Senhor Ness apanhara uma febre reumática em suas pescarias de Páscoa, e não pôde ser transferido de sua casa para cuidar de Ellinor.
Desde seu último ataque, a mente do Senhor Wilkins fora muito afetada, e muitas vezes, ele falava de forma estranha e selvagem, porém, ele tinha intervalos raros de silêncio e plena posse de seus sentidos.
Em uma dessas ocasiões, ele escreveu uma carta que foi incapaz de terminar. A criada encontrou o bilhete debaixo de seu travesseiro, após sua morte, e levou para Ellinor.
Através de seus olhos cegos de lágrimas, ela leu as palavras fracas e vacilantes:
“Estou muito doente. Às vezes, penso que nunca vou melhorar, por isso quero pedir perdão pelo que falei na noite anterior ao meu adoecimento. Temo que minha raiva tenha causado dores entre você e Ellinor, acho que você perdoará um moribundo. Se você voltar e deixar tudo como era antes, farei qualquer pedido de desculpas que você possa requerer. Se eu morrer, ela estará sozinha, sem amigos, e tenho olhado para você para cuidar dela desde que você...”
Então veio uma escrita ilegível e incoerente, terminando com:
“Do meu leito de morte, eu o conjuro e peço perdão de joelhos por qualquer coisa...”
A força falhara, o papel e o lápis foram colocados de lado para serem retomados em algum momento em que o cérebro estivesse mais claro e a mão firme.
Ellinor beijou a carta, dobrou-a reverentemente e a colocou entre seus tesouros sagrados, que era um pequeno baú com a semiacabada costura de sua mãe, e um pouco de cabelo dourado de sua irmãzinha.
O Senhor Johnson, que fora um dos curadores do acordo matrimonial da Senhora Wilkins, um respeitável solicitador na cidade do condado e o Senhor Ness, foram nomeados executores de seu testamento e guardiões de Ellinor.
O próprio testamento fora feito vários anos antes, quando ele se imaginou possuidor de uma bela fortuna, a maior parte da qual ele legou a sua única filha.
Pelo casamento de sua mãe, Ford foi mantido em confiança para Ellinor e os curadores foram o Senhor Frank Holster e Johnson.
Havia legados para seus executores, uma pequena anuidade.
A Senhorita Monro, com a expressão de esperança, se alegrou porque continuaria a viver com Ellinor, enquanto esta última permanecesse solteira.
Todos os seus servos foram lembrados, especialmente Dixon.
O que restou da bela fortuna que o pobre homem um dia possuiu?
Os executores perguntaram em vão, porque não havia nada. Dificilmente conseguiam perceber o que fora feito dela, em uma confusão dos relatos, tanto pessoais quanto oficiais.
O Senhor Johnson, por sua compaixão pela órfã, olhou para o testamento com repugnância.
O Senhor Ness se despertou de sua abstração erudita para o trabalho no exame de livros, pergaminhos e papéis, para o bem de Ellinor.
O Senhor Frank Holster professou-se apenas como um curador de Ford e dos assuntos do escritório.
Enquanto isso, Ellinor continuou vivendo em Ford, bastante inconsciente do estado dos assuntos de seu pai, mas afundou-se em uma profunda melancolia, que afetou sua aparência e o tom sua voz, de modo a angustiar excessivamente a Senhorita Monro.
Não era que a boa senhora não reconhecesse bem a grande causa para o desgosto desesperado da jovem com seu pai morto. O que ela não podia suportar eram os sinais dessas tristezas debruçadas sobre Ellinor.
Seu amor pela pobre menina foi infinitamente angustiado ao ver o desperdício diário, a constante depressão pesada dos espíritos, e ela ficou impaciente com a contínua dor de Ellinor.
Se a Senhorita Monro pudesse ter feito algo para aliviar Ellinor de seu infortúnio, ela assim o faria.
Chegou o momento em que a Senhorita Monro pôde agir.
Quando toda a esperança de Ellinor em ter algo além da casa e dos terrenos de Ford se foi, quando foi provado que todos os legados do Senhor Wilkins não seriam pagos, quando chegou a hora de perguntar até que ponto os belos quadros e outros objetos de arte da casa não eram legalmente propriedade de credores insatisfeitos, o estado dos assuntos de seu pai foi comunicado a Ellinor de forma tão delicada quanto o Senhor Ness sabia.
Ela estava inclinada sobre seu trabalho, e deixou de costurar para ouvi-lo, encostando a cabeça no braço que repousava sobre a mesa. Ela não falou quando ele terminou sua declaração, e ficou em silêncio por muitos minutos depois, e ele continuou a falar por muita agitação e embaraço.
— Foi tudo obra do malandro Dunster, não tenho dúvida. — exclamou ele, tentando explicar toda a perda da fortuna do Senhor Wilkins.
Para surpresa dele, ela levantou seu rosto branco e pedregoso, e disse lenta e vagarosamente, com calma solene:
— Senhor Ness, você não deve permitir que o Senhor Dunster seja culpado por isto!
— Minha cara Ellinor, não pode haver dúvidas sobre isso. Seu pai sempre se referiu às perdas que sofreu ao desaparecimento de Dunster.
Ellinor cobriu seu rosto com as mãos.
— Deus perdoe a todos! — disse ela, e recaiu no velho e insuportável silêncio.
O Senhor Ness se comprometera a discutir com ela seus planos, e foi obrigado a continuar.
— Agora, minha querida criança. A conheço desde pequena, você sabe, devemos tentar não ceder ao sentimento. — ele mesmo estava sufocado e ela estava quieta. — Pense no que deve ser feito. Você terá o aluguel desta casa, e temos uma oferta muito boa para ela. Um inquilino pagará um aluguel de sete anos e um ganho de cento e vinte libras por ano.
— Nunca vou deixar esta casa! — garantiu ela, levantando-se de repente, e como se o desafiasse.
— Não deixará Ford? Por quê? Não entendo... Ellinor, o aluguel desta casa é tudo que você terá para viver!
— Não posso sair desta casa. Oh! Senhor Ness, não posso sair desta casa!
— Minha querida filha, acalme-se! Sei como estas coisas dificilmente vem sobre você, e eu gostaria de nunca ter visto Corbet, com todo o meu coração! — isto foi quase para si, mas ela ouviu, pois, tremeu por completo. — Deixe esta casa! Você deve comer, e o aluguel desta casa deve pagar por sua comida. Você deve se vestir, e não há nada além do aluguel para vesti-la. Terei prazer em tê-la no presbitério, o tempo que quiser, mas, na verdade, as negociações com o Senhor Osbaldistone, o senhor que se oferece para ficar com a casa, estão quase concluídas!
— A casa é minha! — esbravejou Ellinor, ferozmente.
— Não, minha querida. É mantida em confiança para você, pelo Senhor Frank Holster e o Senhor Johnson, você deve receber todo o dinheiro e benefícios que daí advêm. — ele falou gentilmente. — Você se lembra que não tem idade, e o Senhor Johnson e eu temos todo o poder?
Ellinor sentou-se, indefesa.
— Deixe-me! — determinou ela, longamente. — Você é muito gentil, porém, não sabe tudo. Não suporto mais falar agora. — acrescentou ela, fracamente.
O Senhor Ness inclinou-se sobre ela e beijou sua testa, e se retirou sem mais uma palavra.
Ele foi conversar com a Senhorita Monro.
— É realmente muito triste ver como ela não cede. Digo, como ela está negligenciando todos os seus deveres, e isso não faz bem nenhum.
— Ela teve que suportar um sofrimento ainda maior hoje. — falou a Senhorita Monro.
— Da parte do Senhor Johnson e de mim, temos um dever muito doloroso a cumprir tanto para com você e o resto dos criados quanto para com ela. O Senhor Wilkins morreu insolvente. Lamento dizer que não há esperança de que você venha a receber alguma de sua anuidade.
A Senhorita Monro parecia muito branca. Muitas visões felizes se desvaneceram naquele momento. Ela se levantou e disse:
— Tenho apenas quarenta anos, ainda tenho quinze anos de trabalho em mim, graças a Deus! Insolvente! Quer dizer que ele não deixou dinheiro?
— Nem um centavo! Os credores ficarão gratos se forem pagos com os retratos que ainda vagam pela casa.
— Ellinor?
— Ellinor terá o aluguel desta casa, que é dela por direito do registro de sua mãe, para continuar a viver.
— Quanto será isso?
— Cento e vinte libras.
Os lábios da Senhorita Monro entraram em uma forma preparada para assoviar. O Senhor Ness continuou:
— Ela não está disposta a sair desta casa, pobre menina. É apenas natural seus hábitos agora. Contudo, ela não tem escolha. Escolhemos o melhor para ela agora.
— Onde está o Senhor Corbet? — perguntou a Senhorita Monro.
— Não sei. Após romper seu noivado, ele me escreveu uma longa carta explicativa, como ele a chamou, e culposa, como a chamei. Escrevi de volta, dizendo lamentar a ruptura de uma relação que sempre foi muito agradável para mim, mas que ele estava ciente que, com minha intimidade com a família no Ford, seria ao mesmo tempo, embaraçoso e desagradável para todas as partes, se ele e eu permanecêssemos em amizade. Quem está passando pela janela? Ellinor, cavalgando?
A Senhorita Monro foi até a janela.
— Sim! Estou grata por vê-la novamente a cavalo. A aconselhei a fazer uma cavalgada.
— Pobre Dixon! Ele também vai sofrer, seu legado não pode ser pago mais que os outros. Está velho demais para o trabalho.
Assim que o Senhor Ness partiu, a Senhorita Monro foi até sua mesa e escreveu uma longa carta para alguns amigos que ela tinha em Chester, onde ela passara alguns anos felizes de sua vida.
Seus pensamentos voltaram para esse tempo, mesmo enquanto o Senhor Ness falava, porque era lá que seu pai vivia, e foi após sua morte que seus cuidados em busca de uma subsistência começaram.
As lembranças dos anos de paz ali passados, foram mais fortes que a lembrança das semanas de tristeza e cuidado, e, enquanto o casamento de Ellinor parecia um evento provável, ela fizera muitos planos de retornar ao seu lugar de origem e voltar a dar suas aulas, e ela estava feliz que os amigos a quem ela agora escrevia, prometeram a ela sua ajuda.
Eles continuaram sem falar muito.
Ellinor estava silenciosamente planejando a vida de Dixon, e ele, não se importando em olhar para o futuro, estava trazendo à tona seu desejo de trinta anos atrás, quando ele começara pela primeira vez os seus serviços para o velho Senhor Wilkins como um pai estável, e a bela Molly, a escultora, era seu deleite diário.
A linda Molly estava enterrada no cemitério de Hamley, e poucos que viviam não sabiam onde estava o túmulo, exceto Dixon.
Capítulo 11
Em poucos dias a Senhora Monro obteve uma resposta muito satisfatória à sua carta de indagações sobre ser uma governanta e professora, e que era certo o emprego em Chester.
O pedido parecia chegar na hora certa.
Lá, os homens casados, com famílias jovens, acolheriam a ideia de tal instrução que a Senhorita Monro ofereceria para seus filhos, e quase puderam responder por seus sucessores no cargo. Este foi um grande passo.
A Senhora Monro, filha de um preceptor da catedral de Chester, tinha uma secreta relutância em ser contratada como professora por qualquer comerciante rico de lá, mas ser recebida nas famílias destes homens, era como ir para casa.
Além disso, havia uma vaga para que ela se hospedasse, e foi oferecida à Senhora Monro a um aluguel nominal.
Ellinor afundara mais uma vez em seu velho estado passivo e deprimido. O Senhor Ness e a Senhora Monro, modestos e indecisos como ambos eram, tiveram que consertar e arranjar tudo para ela.
Seu interesse parecia estar no velho criado Dixon, e seu grande prazer em vê-lo falando sobre os velhos tempos. Assim, o Senhor Ness e a Senhora Monro falavam sobre ela, sabendo pouco do sofrimento amargo.
Em vão, Ellinor tentou planejar como elas levariam Dixon para Chester.
Se ele fosse uma mulher, seria um passo viável, entretanto, eles manteriam apenas um criado, e Dixon, capaz e versátil como ele era, não aceitaria ficar preso em um apartamento na cidade.
Tudo isso foi o que passou pela mente de Ellinor, ainda a questão que Dixon sentia o amor pelo seu lugar de origem, com todas as suas associações e lembranças.
Ele não foi colocado à prova, apenas lhe foi dito que devia partir, e vendo o extremo pesar de Ellinor pela ideia de sua separação, ele se propôs a confortá-la por todos os meios ao seu alcance, lembrando-a, com terna escolha de palavras, como era necessário que ele permanecesse no local, a serviço do Senhor Osbaldistone, a fim de frustrar, por qualquer pequena influência que ele pudesse ter, todo projeto de alteração no jardim para assim, esconder o terrível segredo.
Ele persistiu neste ponto de vista, apesar de Ellinor repetir com ansiedade perturbadora, o cuidado que o Senhor Johnson tomara ao redigir o contrato de arrendamento, para evitar que qualquer mudança ou alteração, fosse feita na atual disposição da casa ou do terreno.
As pessoas ficaram bastante admiradas com a ânsia que a Senhorita Wilkins mostrava em vender todos os móveis de Ford.
Até a Senhorita Monro ficou um pouco escandalizada com essa falta de sentimento, embora ela não tenha dito nada sobre isso, que justificasse o passo, dizendo a cada um, o quanto Ellinor estava agindo sabiamente, pois, as mesas e cadeiras bonitas ficariam muito deslocadas e se manteriam em pequenos e estranhos quartos de sua futura casa em Chester.
Ninguém sabia quão forte era o instinto de autopreservação, que pode ser assim chamado, nem o que levou Ellinor a sacudir, a qualquer custo da dor atual, a incubação de uma terrível lembrança.
Ela queria entrar em uma morada sem traços do passado, em um lugar livre e desconhecido. Ela sentia como se fosse sua única chance de sanidade.
Às vezes, ela pensava que seus sentidos não se aguentariam até o momento em que estes arranjos terminassem. No entanto, ela não falava a ninguém sobre seus sentimentos, pobre criança. Com quem ela falaria sobre o assunto senão a Dixon?
Nem ela os definiu para si. Tudo o que ela sabia era que estava quase enlouquecendo, e se o fizesse, ela temia que pudesse trair o segredo da culpa de seu pai.
Durante este tempo, ela não chorou ou variou de seu comportamento monótono e passivo. Fforam lágrimas abençoadas de alívio que ela derramou quando a Senhorita Monro, que chorando amargamente, lhe disse para colocar a cabeça fora da janela da carruagem, pois, na próxima curva da estrada, elas pegariam o último vislumbre da igreja de Hamley.
No final de uma noite de outubro, Ellinor teve sua primeira visão de Chester, aonde passaria o resto de sua vida.
A Senhorita Monro andara para trás e para frente, entre Hamley e Chester mais de uma vez, enquanto Ellinor permanecia no presbitério.
— Olhe! A carruagem deve nos levar! Aquele telhado alto, com os tufos de pedras nas paredes próximas, é do Cônego Wilson, cujas quatro meninas vou ensinar a ler. Escutai! O grande relógio da catedral. Que orgulho eu tinha de seu grande ruído quando eu era criança! Pensava que todos os outros relógios das igrejas da cidade soavam tão estridentes e pobres se comparados a ele, o que eu considerava meu especialmente. Há torres que tocam o céu e os olmos. Será que eles são os mesmos que costumavam estar lá quando eu era menina? Sim, você pode sorrir, Ellinor, mas agora entendo essas linhas cinzas que você costumava dizer de forma tão bonita.
“Sinto as ventanias que de vós soprais.
Uma felicidade momentânea.”
— Agora, querida, você deve sair. Caminhe pela trilha, ela leva à nossa porta da frente, nossos quartos ficam nos fundos, que são os ambientes mais agradáveis, porque as janelas olham de perto a catedral, a caminhada da limeira e a reitoria do presbitério.
Era uma mera casa, a cozinha sendo sabiamente colocada perto da porta da frente, uma porta de vidro se abria para um pequeno jardim, que tinha novamente uma entrada. Lá em cima, havia um quarto para a frente, que a Senhorita Monro tomara para si, porque, como ela disse, ela tinha velhas associações com os fundos de cada casa no alto da rua, enquanto Ellinor tomou o agradável quarto acima da minúscula sala de visitas, ambas olhando para a vasta e solene catedral e para a pacífica e digna cidade.
A Catedral de Chester era normanda, com uma torre baixa e maciça, um grande e majestoso templo e um coro cheio de tumbas históricas imponentes.
A cidade inteira era um lugar tranquilo e decoroso, que os eternos cantos e hinos de louvor pareciam soar longe e largo sobre os telhados das casas.
Ellinor logo se tornou uma frequentadora regular em todos os serviços da manhã e da noite na igreja. O senso de adoração acalmou seu coração cansado e, para ser pontual nas horas da catedral, ela despertou e se esforçou, quando provavelmente nada mais seria suficiente para este fim.
A Senhorita Monro trabalhou com os velhos amigos, e descendentes de seus velhos amigos.
Os cônegos, cujos filhos ela ensinou, a invocaram com suas esposas e conversaram sobre os antigos reitores, dos quais ela tinha um conhecimento pessoal quanto tradicional.
A cada passo, a própria Ellinor conquistou seu caminho, não por palavras ou atos, mas por sua doce aparência e mansidão, pois, marcaram sua presença regular no serviço da catedral, e quando ouviram falar de suas constantes visitas à escola paroquial, e de ser vista, às vezes, carregando uma pequena bacia coberta para as cabanas dos pobres, começaram a tentar, com palavras mais urgentes, acompanhá-la em suas frequentes bebedeiras de chá em suas casas.
O velho reitor, aquele cavalheiro cortês e bom cristão, se tornara logo grande amigo de Ellinor.
Ele assistia às janelas de sua grande biblioteca até vê-la emergir do jardim, e depois abria a porta. Ele se juntava a ela, que suavemente ajustava seu ritmo ao dele.
O momento de sua partida de Chester tornou-se um grande vazio em sua vida, embora ela nunca aceitaria ou permitiria que a Senhorita Monro aceitasse seus repetidos convites para ir visitá-lo.
De fato, tendo provado uma vez mais a paz comparativa na catedral, parecia que Ellinor estava com medo de se aventurar fora daquele recinto calmo.
Todos os convites do Senhor Ness para visitá-lo em seu presbitério em Hamley foram recusados, embora ele fora recebido na casa da Senhorita Monro, por ocasião de sua visita anual, com todos os meios ao seu alcance.
Ele dormiu em uma das casas vagas, com seus dois amigos, que faziam uma celebração anual, ao melhor de seus meios, em sua honra, convidando os clérigos da catedral que estavam por perto.
Seus amigos sabiam bem que nenhum presente era tão aceitável quanto aqueles enviados enquanto o Senhor Ness estava com eles, e do reitor, que lhes enviava um cesto de frutas e flores do parque Oxton, até o coadjutor, que trabalhava na mesma escola que Ellinor, e que era um grande pescador e apanhava trutas esplêndidas.
Todos fizeram o possível para ajudá-los a dar as boas-vindas ao único visitante que tiveram. O único visitante que elos já tiveram, até onde a aristocracia do Estado sabia.
Havia, no entanto, um que vinha com a frequência que seu mestre podia lhe dar umas férias suficientemente longas para empreender uma viagem a um lugar tão distante, porém, poucos sabiam que ele era um convidado da Senhorita Monro, embora sua recepção lá não fosse menos calorosa que a do Senhor Ness, este era Dixon.
Sempre que ele vinha, eles estavam juntos a maior parte do dia. Ellinor o levava para cá e para lá para ver todas as coisas que achava que o interessaria ou agradaria, mas eles falavam muito pouco um com o outro durante o tempo que estavam juntos.
A Senhorita Monro tinha muito mais a dizer para ele. Ela o interrogava à direita e à esquerda sempre que Ellinor estava fora da sala. Ela soube que a casa em Ford estava esplendidamente mobiliada e que não havia dinheiro poupado no jardim, que a Senhorita Hanbury, a mais velha, estava muito bem-casada, que Brown conseguira o sucesso de Jones na loja de retrosaria.
Então, ela hesitou um pouco antes de fazer sua próxima pergunta:
— Suponho que o Senhor Corbet não vem ao presbitério agora?
— Não, ele não visita o lugar. Não penso que o Senhor Ness gostaria que ele viesse, contudo, eles escrevem cartas um para o outro, por vezes. O Senhor Corbet está buscando sua peruca no alto do parlamento, assim devo dizer.
— Um advogado, você quer dizer. — disse a Senhorita Monro.
— Sim! Ele é algo mais que isso, embora eu não consiga me lembrar corretamente qual o nome.
Ellinor teria dito aos dois qual o nome. Elas tinham o Times emprestado no segundo dia após a publicação, por um de seus amigos. Ellinor sempre observava com olhos sempre voltados, mãos trêmulas e um coração palpitante para os relatórios dos vários tribunais.
Neles, ela encontrou, a princípio, o nome que procurava, o nome sobre o qual se debruçava, como se cada carta fosse um estudo.
O Senhor Losh e o Senhor Duncombe eram os advogados da autora do processo, o Senhor Smythe e o Senhor Corbet eram os advogados do réu.
Em um ano ou dois, esse nome apareceu com mais frequência e, em geral, teve a precedência do outro e em ocasiões especiais, seus discursos foram relatados em toda a sua extensão, como se suas palavras fossem contabilizadas com peso, e, de repente, ela viu que ele fora nomeado conselheiro da Rainha.
Isso foi tudo que ela ouviu ou viu sobre ele. Seu nome, outrora familiar, não passou pelos lábios dela, exceto em sussurros apressados para Dixon, quando ele veio para ficar com elas em suas férias ocasionais.
Ellinor não tinha ideia quando se separou do Senhor Corbet, sobre o tamanho dessa distância entre eles. Para ela, era como se ainda estivesse noiva dele.
Foi tão difícil, a princípio, quebrar o hábito da constante alusão mental a ele, e, durante muitos anos, ela continuou pensando que certamente alguma sorte os uniria novamente, e toda essa doença do coração e melancolia de afastamento um do outro pareceria apenas como um sonho horrível que faleceria à luz da manhã.
O reitor era um homem velho, mas havia um cônego que era mais velho ainda, cuja morte era esperada por muitos, especulada por alguns e, a qualquer momento, por pelo menos por dez anos.
O cônego Holdsworth era velho demais para mostrar bondade ativa para qualquer um, a vida do bom reitor era cheia de atos atenciosos e benevolentes.
Ellinor olhou para a reitoria vazia com olhos lacrimosos, que era a última coisa à noite que ela avistava e a primeira da manhã.
O reitor estava morto.
Um clérigo de um condado distante foi nomeado, e todos foram agitados para saber e ouvir cada particular ligado a ele.
Felizmente, ele chegou ao fim do mandato de uma das famílias nobres do parlamento, assim, todos os seus futuros associados entenderam com certeza tolerável que ele tinha quarenta e dois anos, era casado e tinha oito filhas e um filho.
A reitoria, antes tão quieta e sedada, uma morada do único homem velho, estava agora preenchida com barulho e alegria.
As grades de ferro estavam sendo colocadas diante de três janelas, evidentemente para ser o berçário de tantas crianças felizes.
No verão, as janelas e portas estavam abertas, o som dos carpinteiros ocupados era perpetuamente ouvido, e, de vagão em vagão, começaram a chegar cargas de móveis e carruagens de pessoas.
Nem a Senhorita Monro, nem Ellinor se sentiram suficientemente importantes para chamar os recém-chegados, mas elas estavam tão bem familiarizados com os procedimentos da família como se tivessem relações diárias.
Elas sabiam que a Senhorita Beauchamp, a mais velha, tinha dezessete anos, uma jovem muito bonita, que gostava muito de dançar, falava muito em suas conversas, mas não muito se sua mãe estava por perto, e não abria os lábios se o reitor estivesse na sala. Sua irmã seguinte era maravilhosamente inteligente, e tinha aulas particulares de grego e matemática de seu pai. Assim por diante, até o menino na escola preparatória e a menina nos braços de sua mãe.
Além disso, a Senhorita Monro, de qualquer forma, faria o exame sobre o número de criados na reitoria, sua divisão de trabalho e as horas de suas refeições.
Uma jovem muito bonita, de aparência altiva, fez sua aparição na reitoria. Diziam que ela era sobrinha dele, a filha órfã de seu irmão, o General Beauchamp. A jovem veio para Chester para residir durante o tempo necessário antes de seu casamento, que seria realizado na catedral por seu tio, o novo dignitário.
Os Beauchamp ainda não haviam caído em hábitos de intimidade com nenhum de seus novos conhecidos, muito pouco se sabia das circunstâncias deste casamento que se aproximava, além das particularidades dadas acima.
Ellinor e a Senhorita Monro sentaram-se na janela da sala de visitas, um pouco sombreada pelas cortinas de musselina, observando os atarefados preparativos para o casamento que se realizaria no dia seguinte.
Durante toda a manhã, cestas de frutas e flores, caixas e criados atarefados.
À tarde, a azáfama se dissipou, o andaime estava levantado, os materiais para a festa do dia seguinte fora de vista.
Era para se concluir que a noiva eleita estava cuidando da embalagem de seu enxoval, com a alegre multidão de primas, e que as criadas estavam organizando o jantar do dia ou o café da manhã do dia seguinte.
A Senhorita Monro discutia cada detalhe e probabilidade como se ela fosse uma atriz principal, em vez de apenas uma espectadora distante e descuidada do evento que estava por vir.
Ellinor estava cansada, e não havia nada de interessante acontecendo. Ela voltara para sua costura, quando se assustou com a exclamação da Senhorita Memo:
— Olhe! Ali estão dois cavalheiros chegando ao longo da caminhada da limeira! Deve ser o noivo e seu amigo.
Por muita simpatia e alguma curiosidade, Ellinor se inclinou para frente, e viu, apenas emergindo da sombra das árvores sobre o pavimento iluminado pelo sol, o Senhor Corbet e outro cavalheiro, o primeiro mudou, abatido, envelhecido, embora ainda com o mesmo fino rosto intelectual, apoiando-se no braço do homem mais jovem e alto, falando avidamente.
O outro cavalheiro era sem dúvida o noivo, falou Ellinor a si, e ainda assim, seu coração profético não acreditou em suas palavras, mesmo antes que a beleza brilhante que estava na reitoria olhasse para fora da grande janela da sala de desenho, corasse, sorrisse e beijasse sua mão, em um gesto respondido pelo Senhor Corbet com muita pressão, enquanto o outro homem só tirava seu chapéu, quase como se a visse pela primeira vez.
Os olhos gananciosos de Elinor o observavam até que ele ficasse escondido da vista do reitor, desatando as frases incoerentes da Senhorita Monro, suplicando, pedindo desculpas e confortando sua querida.
Ela virou lentamente seus olhos dolorosos sobre o rosto da Senhorita Monro, moveu seus lábios sem que um som fosse ouvido e desmaiou.
Durante vinte e quatro horas Ellinor ardeu em febre, contudo, resolveu estar presente no casamento. O número de convidados era quase infinito, sendo assim, ela ficaria invisível, despercebida na multidão, mas o que quer que acontecesse, ela iria, e nem as lágrimas, nem as orações da Senhorita Monro mudariam seu desejo.
Ela não deu nenhuma razão para esta determinação, na verdade, porque ela não tinha nenhuma para dar, portanto, não havia como discutir a questão.
Ela era inflexível ao pedido, e ninguém tinha nenhuma autoridade sobre ela, exceto, talvez, o distante Senhor Ness.
A Senhorita Monro tinha todos os pressentimentos sobre as possíveis cenas que aconteceriam. Porém, tudo prosseguia silenciosamente.
Ninguém adivinhou que a figura abafada e velada, sentada na sombra atrás de um dos grandes pilares, era a de alguém que um dia esperava estar no altar com o mesmo noivo, que agora lançava um olhar terno para a linda noiva, com seu véu branco e parecido com o de uma fada, contrastando com o preto de Ellinor, envolto como o de qualquer freira.
O nome do Senhor Corbet já era conhecido como o de um grande advogado. As pessoas discutiam seus discursos e seu caráter de longe, e os bem informados em fofocas, falavam dele como certo que lhe seria oferecido um cargo de juiz na próxima vaga.
Embora sério, de meia-idade e um tanto cinzento, dividiu a atenção e o comentário com sua adorável noiva e seu lindo cortejo de damas de honra, as primas da noiva.
A Senhorita Monro não precisava temer por Ellinor. Ela viu e ouviu todas as coisas como em um sonho nebuloso. Era algo que ela precisava passar, antes que pudesse acordar para uma realidade de brilho na qual sua juventude, e as esperanças, seriam restauradas. Os anos cansados de sonhar e de tristeza, seriam revelados como nada mais que um pesadelo de uma noite infeliz.
Ela se sentou imóvel, com a Senhorita Monro ao seu lado, observando-a tão atentamente quanto um guardião observa um louco, e com o mesmo propósito, para evitar qualquer explosão, mesmo por força corporal, se tal restrição for necessária.
Quando tudo terminou, e os personagens principais da cerimônia se apresentaram na sacristia para assinar seus nomes, com o enxame de pessoas da cidade saindo tão rapidamente quanto suas noções das restrições do edifício sagrado permitiam, ouvindo os grandes acordes da “Marcha de Casamento” se agarrando ao órgão, e os sinos altos tocavam por cima, Elinor colocou sua mão na da Senhorita Monro.
— Leve-me para casa. — implorou ela suavemente.
A Senhorita Monro levou-a para casa, como se a garota fosse uma mulher cega e triste.
Capítulo 12
Algumas pessoas flutuavam imperceptivelmente de sua juventude para a meia-idade, e daí, passam a uma vida em declínio com o movimento suave dos anos felizes.
Há outros que, desciam vertiginosamente rápidos de agonia de sua juventude em um grande salto para a velhice com outro choque repentino, e daí, para o vasto oceano calmo onde não há marcas da costa para contar o tempo.
Este último, parecia ser o caso de Ellinor.
Sua juventude partira em uma única noite, há quinze anos, e agora ela parecia se tornar uma mulher idosa, muito imóvel e sem esperança no olhar e no movimento, mas tão doce e gentil na fala e no sorriso, como sempre fora em seus dias mais felizes.
Todos os jovens, quando a conheceram, a amavam muito, embora no início pudessem chamá-la de monótona e com olhos pesados, e quanto às crianças e aos idosos, sua pronta simpatia vigilante em suas alegrias e tristezas, foi uma passagem infalível para seus corações.
Após o primeiro grande choque do casamento do Senhor Corbet terminar, ela parecia passar para uma paz maior do que ela conhecia há anos, porque a última tênue esperança de felicidade desaparecera, ou melhor dizendo, da felicidade brilhante que ela planejara para si em sua juventude precoce.
Inconscientemente, ela estava sendo desmamada de qualquer forma de egoísmo, e sua vida se tornou, se possível, mais inocente, pura e santa.
Um dos cônegos costumava rir dela por sua constante frequência aos serviços da igreja, e por sua devoção às boas obras, a chamando de irmã reverente.
A Senhorita Monro ficou um pouco irritada com esta brincadeira clerical tênue, e Ellinor sorriu calmamente. A Senhorita Monro desaprovou os modos sérios de Ellinor e seu estilo de vestir sóbrio e severo.
— Você pode ser tão boa quanto quiser, minha querida, e ainda assim, ir vestida com alguma cor bonita, ao invés daqueles pretos e cinzas perpétuos. Eu não haveria necessidade de dizer perpetuamente às pessoas que você é ainda jovem. Porque eles não acreditam em mim, embora eu diga isso a eles até que eu esteja sem fôlego. Se você só usasse uma touca em forma decente, em vez de usar sempre as que estavam na moda quando você tinha dezessete anos.
O velho cônego morreu, e alguém seria nomeado em seu lugar. Estas preferências e nomeações clericais eram os interesses mais importantes dos habitantes, e a discussão das probabilidades surgia invariavelmente, se algum dos dois se reunisse, na rua, na casa ou na própria catedral.
Depois de um longo tempo, foi resolvido e anunciado pelos poderes superiores, um enérgico e trabalhador clérigo de uma parte distante da diocese. Livingstone era seu nome.
A Senhorita Monro disse que o nome lhe era de alguma forma familiar, e, gradualmente, ela se lembrou do jovem coadjutor que veio perguntar sobre Ellinor, naquela terrível doença que ela tivera em Hamley, no ano de 1829.
Ellinor nada sabia sobre essa visita, não mais que a Senhorita Monro sabia o que passara entre os dois, antes daquela noite ansiosa.
Ellinor apenas pensou que seria o mesmo Senhor Livingstone, e preferia que não fosse, porque ela não sentia que pudesse suportar as frequentes, embora não íntimas, relações que teriam, se ela frequentasse a igreja. Porque aquele terror, ela se esforçava para enterrar fora de suas vistas.
A Senhorita Monro, ao contrário, estava ocupada tecendo um romance para sua aluna. Ela pensou no interesse apaixonado do homem há quinze anos, e acreditava que ocasionalmente os homens podiam ser constantes. Ela esperava que se o Senhor Livingstone fosse o novo cônego e pudesse provar a rara paixão que existia.
Ele veio e foi a mesma coisa.
Ele parecia um pouco mais gordo, mais velho, mas ainda tinha o andar e o aspecto de um homem jovem. Seu rosto liso não estava praticamente alinhado com um sinal de cuidado, os olhos azuis pareciam tão gentis e pacíficos, que a Senhorita Monro mal podia imaginar que eles eram os mesmos que ela avistara encher-se rapidamente de lágrimas. O olhar suave e calmo de todo o homem precisava do enobrecimento de sua devoção evidente para ser elevado a inocência sagrada que alguns dos romanistas chamam de rosto sacerdotal.
Sua alma inteira estava em seu trabalho, e ele parecia tão pouco propício a dar um passo adiante no caráter de um herói do romance ou de um amante fiel como se imaginaria.
Ainda assim, a Senhorita Monro não desanimou, ela se lembrou do sentimento caloroso e apaixonado que uma vez havia visto romper de suas lágrimas, e ela acreditava que o que havia acontecido uma vez, ocorreria novamente.
Naturalmente, enquanto todos os olhos eram dirigidos ao novo cônego, ele tinha que aprender quem eram os possuidores desses olhos, um a um, e foi provavelmente algum tempo antes que a ideia lhe surgisse à mente que a Senhorita Wilkins, a senhora de preto, com o rosto triste e pálido, tão constante no atendimento, tão frequente na escola, era a mesma Senhorita Wilkins que a brilhante visão de sua juventude avistara.
O cônego Livingstone deixou a sala da escola e após estar por cerca de uma hora em sua casa, saiu para chamar a Senhora Randall, a pessoa que sabia mais sobre os assuntos de seus vizinhos do que qualquer outra em Chester.
No dia seguinte, ele mesmo chamou a Senhorita Wilkins.
Ela ficaria muito feliz se ele continuasse em sua ignorância, porque era tão doloroso estar na companhia de uma pessoa que, mesmo à distância, lhe trazia uma lembrança tão viva da miséria do passado.
Quando lhe foi contada a chamada dele, enquanto ela estava sentada na sua costura na sala de jantar, ela teve que se enervar para o encontro, antes de subir para a sala de visitas, onde ele estava sendo entretido pela Senhorita Monro com calorosas demonstrações de boas-vindas.
Um pouco de contração da testa e compressão dos lábios, uma palidez aumentada da parte de Ellinor, era tudo o que a Senhorita Monro podia ver nela, apesar que ela colocasse seus óculos com previdência e intenção de observar.
Ela se voltou para o cônego, sua cor certamente se aprofundou à medida que ele foi avançando com a mão estendida para encontrar Ellinor.
Mas sobre a ligeira base daquele rubor, a Senhorita Monro construiu muitos castelos, e quando eles desapareceram, um após outro, ela reconheceu que eram apenas visões sem fundamento.
Ela costumava depositar a decepção de suas esperanças na calma invariável de Ellinor, que seria tomada pela frieza de disposição, e na sua recusa constante de permitir que a Senhorita Monro convidasse o cônego Livingstone para os chás que elas tinham o hábito de dar ocasionalmente.
Ele perseverou em suas chamadas, e cerca de uma vez a cada quinze dias, ele vinha. Ele sentava-se uma hora ou mais, olhando dissimuladamente para seu relógio, como se a Senhorita Monro observasse astutamente para si.
Às vezes, Ellinor estava presente, em outras, ela não surgia na frente dele, e, neste último caso, a Senhorita Monro achava que podia detectar um olhar melancólico para a porta, toda vez que se ouvia um barulho do lado de fora da sala.
Ele sempre evitava qualquer referência aos dias anteriores em Hamley, e isso, a Senhorita Monro temia que fosse um mau sinal.
Depois desta longa uniformidade de anos sem que nenhum evento tocasse de perto a vida de Ellinor, com a única grande exceção do casamento do Senhor Corbet, algo aconteceu, que a afetou muito.
O Senhor Ness morreu, dormindo em seu presbitério.
O Senhor Brown fora nomeado executor por seu falecido amigo, e escreveu para dizer a Ellinor que depois de alguns legados terem sido pagos, ela teria um interesse vitalício no restante da pequena propriedade que o Senhor Ness deixara, e que seria necessário que ela, como legatária residente, viesse até Hamley, assim que fosse conveniente, para decidir sobre certos cursos de ação com relação aos móveis, livros e outras coisas.
Ellinor encolheu-se desta viagem, que seu amor e seu dever para com seu amigo morto tornou necessário.
Ela mal saíra de Chester desde que lá chegou, há dezesseis ou dezessete anos, e era tímida sobre o próprio modo de viajar, e ela não desejava voltar para Hamley.
Ellinor não falou muito sobre seus sentimentos, mas a Senhorita Monro sempre pôde ler seu silêncio, e o interpretou em palavras bastante forçadas naquela tarde, quando o cônego Livingstone conversou com ela.
Ela gostava de falar sobre Ellinor para ele, e suspeitava que ele gostava de ouvir. Ela estava irritada desta vez com o conforto que ele lhe dava.
Não havia maior perigo em viajar de trem que em carruagens, era necessário um pouco de cuidado com certas coisas, só isso, e o número médio de mortes por acidentes ferroviários não era maior que o número médio quando as pessoas viajavam de carruagem, se você considerasse o número maior de viajantes nos trens.
Sim! Retornar às cenas desertas da juventude foi muito doloroso...
A Senhorita Monro estava impaciente com toda sua calma e racionalidade. Mais tarde, ela ficou mais em paz, quando recebeu um bilhete amável da Senhora Forbes, uma grande amiga dela e da mãe da família que ela agora estava ensinando, dizendo que o cônego Livingstone falara que Ellinor tinha que fazer uma viagem muito dolorosa e que a Senhorita Monro devia ir com ela.
Forbes tinha certeza de que a companhia da Senhorita Monro seria um grande conforto para ambos, e que ela ficaria perfeitamente sem a sua professora por cerca de quinze dias, pois, isso cairia admiravelmente bem. Jeanie estava melhorando e o médico aconselhara o ar do mar naquela primavera, assim, um mês de férias lhes convinha agora, melhor que mais tarde.
“Será que a Senhora Forbes, aceitou o pedido porque vinha de um homem bom e atencioso, e não de um homem apaixonado?”
Questionou a Senhora Monro, mas ela não pôde responder a sua própria pergunta, e ficou grata pelo ato, sem dar conta dos motivos.
Uma carruagem encontrou o trem em uma estação a cerca de dez milhas de Hamley, e Dixon estava na pousada onde a carruagem parou.
O velho estava quase em lágrimas ao ver Ellinor novamente em um lugar familiar.
Ele vestira suas roupas de domingo para honrá-las, e, para esconder sua agitação, ele manteve seus olhos sobre sua bagagem.
Ele as levou ao presbitério, embora ele tenha quebrado em fadiga uma ou duas vezes no caminho, e fazendo comentários sobre as alterações das casas, dos lugares e das árvores, a fim de dar tempo suficiente para se recuperar, pois, não havia ninguém para esperar por elas e dar-lhes as boas-vindas ao presbitério, que seria sua casa temporária.
Os respeitosos servos, em profundo luto, tinham tudo preparado e entregaram para Ellinor uma nota do Senhor Brown, dizendo que ele se absteve de perturbá-las naquele dia após sua longa jornada, mas que a chamaria no dia seguinte, e contaria sobre os preparativos que ele pensara em fazer, sempre sujeito à aprovação da Senhorita Wilkins.
Estas eram simples maneiras legais a serem observadas. A seleção de livros, os móveis e o resto, seriam vendidos em leilão tão rapidamente quanto conveniente, pois, o sucessor do leilão ajudaria nos reparos e alterações no antigo presbitério.
Durante alguns dias, Ellinor se empregou em negócios na casa, nunca saindo, a não ser para a igreja.
A Senhorita Monro, ao contrário, passeava por toda parte, notando todas as alterações no local e nas pessoas, que na sua opinião, não tiveram melhorias.
Ellinor tinha muitas pessoas a sua volta, seus inquilinos, o Senhor e Senhora Osbaldistone, entre outros, no entanto, ela se recusou a ver todos, pois, já tinha bastante problema em suas mãos.
Dezesseis anos faz uma grande diferença em qualquer pessoa.
Os velhos conhecidos de seu pai em seus melhores dias estavam quase todos mortos, havia um ou dois remanescentes, e estes Ellinor recebera, e um ou dois mais velhos e enfermos, confinados às suas casas, ela planejava visitar antes de deixar Hamley.
Todas as noites, quando Dixon acabava seu trabalho na casa do Senhor Osbaldistone, ele se dirigia ao presbitério, ostensivamente para ajudá-la na mudança ou embalagem de livros, mas realmente porque estes dois estavam ligados por vínculo que nunca se falava.
Foi entendido entre eles que antes de Ellinor partir, ela voltaria ao velho lugar, Ford.
Não para entrar na casa, embora o Senhor e a Senhora Osbaldistone implorassem que ela lhe os visitasse quando eles e sua família estivessem presentes, e para ver de novo os jardins e terrenos, uma visita solene e miserável, que, devido à própria infelicidade envolvida, parecia para Ellinor um dever imperativo.
Dixon e ela conversaram enquanto ela se sentava fazendo anotações na velha biblioteca, as janelas do porão estavam abertas para o jardim e as flores-de-maio traziam os aromas do arbusto de folhas novas, logo abaixo.
Além da sebe do jardim, os prados gramíneos se inclinavam para o rio. O presbitério era tão elevado que, sentado na janela, podia-se ver além da sebe, homens ocupados no prado.
Ellinor, fazendo uma pausa em seu trabalho, perguntou para Dixon o que eles estavam fazendo.
— Eles são o povo que está fazendo a nova ferrovia. Nada satisfaria o povo Hamley, a não ser ter uma ferrovia só para si. As carruagens não são mais suficientes.
Ele falou com um tom de ofensa pessoal natural para um homem que passara toda sua vida entre cavalos, e considerava os motores ferroviários como desprezíveis rivais, conquistando apenas por estratagemas.
Ellinor passou a um assunto cuja consideração ela havia repetidamente instado a Dixon, e o incitou que devia se mudar para Chester.
Ele estava envelhecendo, ela o faria feliz e confortável em seus anos de declínio, se ele apenas ficasse sob seus cuidados.
A adição que o legado do Senhor Ness fez à sua renda lhe permitiria não só fazer isso, mas também aliviar a Senhorita Monro de sua ocupação de professora, o que, na sua idade, estava se tornando um fardo. Todavia, quando ela propôs a remoção para Dixon, ele balançou a cabeça.
— Não é que eu não lhe agradeça, mas estou velho demais para trocar minhas roupas por coisas da moda da cidade.
— Ficará em casa, Dixon! — afirmou Ellinor.
— Filha! Nasci em Hamley e é em Hamley que vou morrer.
Ao exortá-la um pouco mais, veio à tona que ele tinha uma forte sensação de que se não assistisse ao local onde o morto estava enterrado, a triste noite terrível seria descoberta, e que este pavor havia muitas vezes envenenado o prazer de sua visita a Chester.
— Não sei bem como é, pois, às vezes, penso que se não fosse por você, menina, eu ficaria feliz em deixar tudo claro antes de ir, e ainda assim, por vezes sonho, ou entra na minha cabeça enquanto fico acordado, que alguém está lá, cavando, ou que, os ouço cortando a árvore, e então, me levanto e olho para fora da janela do sótão, e lá estão eles, tirando o corpo e me culpando. Durmo no mesmo quarto desde quando cheguei, ainda um menino, no estábulo e virei um criado de seu avô e de seu pai depois. Por pior que seja essa visão que tenho. É aqui que desejo ficar. Às vezes, me levanto cinco ou seis vezes, à noite, para ter certeza de que não há ninguém cavando ao lado da árvore.
Ellinor tremeu um pouco e ele se conteve no alívio que estava recebendo ao transmitir seus desejos supersticiosos.
— Você vê, menina! Eu não descansaria uma noite se não sentisse como se guardasse o segredo na mão, e o segurasse apertado dia e noite, para abrir minha mão a qualquer minuto e ver como estava lá. Não! Minha Senhorita a visitarei ocasionalmente, e se Deus quiser me deitaria para sempre em breve. Você virá e me seguirá até a minha sepultura quando chegar a minha hora.
— Não fale assim, por favor, Dixon! — respondeu ela.
— Não! Será uma misericórdia quando me deitar e dormir em paz, embora, às vezes, eu tema que a paz não venha até mim, nem mesmo lá. — ele estava saindo da sala, e falava mais consigo que com ela.
Ela estava olhando para uma carta que acabara de chegar e exigia uma resposta imediata. Era do Senhor Brown.
Suas cartas eram de ocorrência diária, mas esta era uma carta aberta, cuja escrita lhe era estranhamente familiar, não precisava da assinatura. Era Ralph Corbet.
Por alguns instantes, ela não conseguiu ler as palavras.
Eles expressavam um pedido bastante simples, e foram endereçados ao leiloeiro sobre a valiosa biblioteca do falecido Senhor Ness, e cujo nome fora anunciado em conexão com a venda, no Ateneu, e outros papéis similares.
A ele, o Senhor Corbet escreveu, dizendo que não estaria presente quando os livros fossem vendidos, mas que desejava comprar, a qualquer preço decidido, uma certa edição rara de Virgílio, encadernada em pergaminho, e com notas em italiano. O livro foi totalmente descrito. Embora Ellinor não fosse estudiosa do latim, ela conhecia bem o livro desde os tempos antigos, e o colocaria imediatamente em sua mão.
O leiloeiro enviara o pedido ao seu empregador, o Senhor Brown. Esse senhor pediu a Ellinor o consentimento dela.
Ela viu que avenda pretendida era tudo o que o Senhor Corbet sabia, e que ele não podia saber a quem pertenciam os livros.
Ela escolheu o livro, embrulhou-o e amarrou-o com as mãos trêmulas. Seu grande amor, agora casado, seria a pessoa que desataria o nó daquele pacote.
Era estranhamente familiar ao seu amor, depois de tantos anos, ser levada a ter assim tanto contato com ele. Ela escreveu uma pequena nota ao Senhor Brown, na qual pediu que ele dissesse, como se fosse dele, e sem nenhuma menção ao seu nome, que fosse entregue para o Senhor Corbet, como uma lembrança de seu antigo amigo e tutor. Então, ela tocou o sino, entregou a carta e a encomenda ao servo.
Novamente sozinha, com a carta aberta do Senhor Corbet sobre a mesa. Ela a pegou e olhou deslumbrada ao ver o carmesim no papel branco.
Sua vida recuou, quando ela era uma menina novamente.
Finalmente ela se despertou, mas em vez de destruir a carta, porque já faz muitos anos que todas as cartas de amor dele foram devolvidas ao escritor, ela destravou seu pequeno baú e colocou esta carta cuidadosamente no fundo, entre as folhas de rosas mortas, que embalsamavam a carta de seu pai, encontrada após sua morte debaixo de seu travesseiro, o pequeno cacho dourado de cabelos da irmã e a costura semiacabada de sua mãe.
O baú era um presente de seu pai há muito tempo, e desde então, fora levado com ela para todos os lugares.
De fato, suas mudanças de lugar foram poucas, porém, se ela fosse para o outro lado do mundo, a visão daquele pequeno baú de couro ao acordar de seu primeiro sono, teria lhe dado um senso de casa.
Ela trancou o baú novamente.
Um ou dois dias depois, ela deixou Hamley. Antes de ir, se obrigou a percorrer os jardins e o terreno de Ford. Ela havia feito a Senhora Osbaldistone entender que seria doloroso para ela reentrar na casa, mas o Senhor Osbaldistone a acompanhou em sua caminhada.
— Você vê como obedecemos literalmente à cláusula do contrato de arrendamento que nos amarra de qualquer alteração no jardim. — disse ele, sorrindo. — Vivemos em um emaranhado de floresta. Devo confessar que eu teria cortado um pouco os galhos em vez de esperar que eles caiam de velhos. De fato, seu velho amigo Dixon tem ciúmes de cada ramo que o jardineiro corta. Nunca me encontrei com um companheiro tão fiel. Um servo bom o suficiente, também à sua maneira, mas um pouco antiquado demais para minha esposa e minhas filhas, que se queixam dele por ser rude de vez em quando.
— Você está pensando em demiti-lo? — indagou Ellinor.
— Oh! Não, ele e eu somos amigos. Acredito que a própria Senhora Osbaldistone jamais consentiria que ele nos deixasse. Entretanto, algumas senhoras gostam de um pouco mais de subserviência do que nosso amigo Dixon pode se vangloriar.
Ellinor não deu nenhuma resposta. Eles estavam entrando no jardim das flores, que escondiam a memória sinistra.
Ela não falou, e sentiu como se, com todo seu esforço, não pudesse se mover, como em um pesadelo, e seu terror chegou ao seu auge quando ela encarou a árvore. Sem perceber, o Senhor Osbaldistone ainda falava:
— Agora é uma recompensa por nossa obediência aos seus desejos, Senhorita Wilkins! A linha férrea projetada passará pelo campo, ficaríamos perpetuamente perturbados com a visão dos trens, de fato. O som seria muito mais distinto do que agora, através dos ramos entrelaçados. Então, você não vai entrar, Senhorita Wilkins? A Senhora Osbaldistone desejou que eu dissesse como ela está feliz. Ah! — ele olhou para ela, que observava o vazio. — Posso entender tais sentimentos, com certeza, atrás da árvore é o caminho mais curto para a cidade, que nós, os mais velhos, passamos sempre pelo estábulo, mas para os jovens, talvez não seja tão desejável. Ah! Dixon... — continuou ele. — Na vigília da Senhorita Ellinor de que tanto ouvimos falar! Este velho! — continuou ele para Ellinor. — Nunca está satisfeito com o assento de nossas jovens senhoras, sempre comparando sua maneira de cavalgar com a de uma certa mocinha...
— Não posso evitar, senhor, elas têm um estilo de mão bem diferente, e se sentam desajeitadas. — Dixon se aproximou, rindo.
— Silêncio, Dixon! — pediu ela. — Suponho que posso ter permissão para pedir a companhia de Dixon por uma hora ou mais, temos algo a fazer juntos antes de partir.
Com o consentimento dado, os dois se afastaram, como por marcação prévia para o pátio da igreja Hamley, onde ele indicaria o local exato onde desejava ser enterrado.
Caminhando sobre a grama, contudo, evitando passar por cima de qualquer sepultura de grande espessura, ele foi para um lugar, um pequeno espaço de terreno desocupado, onde Molly, a bela escultora, estava deitada:
Sagrada à memória de
MARY GREAVES.
Nascida em 1797.
Morreu em 1818.
“A morte nos separou, mas vamos nos encontrar novamente.”
— Coloquei esta pedra sobre ela com minhas primeiras economias. — suspirou ele, olhando para o chão e puxando sua faca para limpar as ervas daninhas. — Será um conforto pensar que você me verá deitado aqui.
Ellinor agarrou avidamente o único prazer que seu dinheiro lhe permitiu dar ao velho, e prometeu-lhe que tomaria conta e compraria o direito ao pedaço de chão em particular.
Esta foi evidentemente uma gratificação que Dixon tinha frequentemente ansiado e ele continuava dizendo:
— Muito obrigado, Senhorita Ellinor! Posso dizer que estou verdadeiramente agradecido.
Quando ele as viu fora no dia seguinte, suas últimas palavras foram:
— Não posso dizer com exatidão o quanto estou feliz!
Foi muito mais fácil dar à Senhorita Monro algum conforto adicional, ela estava tão alegre como sempre, ainda trabalhando em suas línguas em qualquer tempo livre, mas confessando que estava cansada do ensinamento perpétuo no qual sua vida fora passada durante os últimos trinta anos.
Ellinor pôde libertá-la disso, que aceitou a bondade de sua antiga aluna com tanta gratidão quanto aquela com a qual uma mãe recebe um favor de uma criança.
— Se Ellinor fosse casada com o cônego Livingstone, eu seria mais feliz do que jamais fui desde que meu pai morreu. — ela costumava dizer a si na solidão de sua cama, pois, falar em voz alta se tornara seu costume nos primeiros anos de sua vida isolada como governanta.
Apesar de estar feliz que as coisas não estavam em suas mãos, a Senhorita Monro tentou tomar as coisas a seu cargo, fazendo tudo o que podia para persuadir Ellinor a permitir que ela convidasse o cônego para seus chás. A parte mais provocante foi que ela estava certa de que ele aceitaria, se fosse convidado, mas ela não obteve licença para fazê-lo.
Claro que nenhum homem continuaria seu amor sem incentivo, como ela confiou a si em um tom de voz clara. Muitas pessoas foram levadas a supor que o cônego estava prestando atenção à Senhorita Forbes, a filha mais velha da família à qual a delicada Jeanie pertencia.
Os Forbeses eram as mais íntimas de todas as famílias de Chester que a Senhorita Monro e Ellinor conheciam.
A Senhora Forbes era uma viúva de bons meios, com uma grande família de filhas bonitas e delicadas. Ela mesma pertencia a uma das grandes casas nobres, apesar disso, se casara na Escócia, assim, após a morte de seu marido, era a coisa mais natural do mundo que ela se estabelecesse em Chester, e uma após outra, suas filhas se tornaram alunas da Senhorita Monro.
A própria Senhora Forbes se sentiu fortemente atraída por Ellinor, mas foi muito antes que ela pudesse conquistar a tímida reserva pela qual a Senhorita Wilkins foi protegida.
Foi a Senhorita Monro, que era incapaz de ciúmes, que perseverou em elogiá-las umas às outras, e em reuni-las. Assim, Ellinor era tão íntima e familiar na casa da Senhora Forbes como jamais seria em qualquer família que não fosse a sua.
A Senhora Forbes era considerada um pouco fantasiosa quanto à doença, porém, não era de se admirar, pois, ela perdera muitas irmãs pela doença. Ninguém ficou tão alarmado quanto ela, quando, no outono que sucedeu à morte do Senhor Ness, ela viu a crescente delicadeza na aparência de Ellinor e sua falta de ar.
Daquele tempo em diante, ela se preocupou com Ellinor, levando respiradores e precauções. Ellinor submeteu-se aos desejos e cuidados de sua amiga, e permaneceu em casa durante todo o mês de novembro.
A ansiedade da Senhorita Monro tomou outro rumo.
O apetite e os ânimos de Ellinor falharam, não foi de modo algum uma consequência não natural de tantas semanas de confinamento na casa.
Um plano foi iniciado em uma manhã de dezembro, que encontrou a aprovação de todos, menos de Ellinor, que estava, no entanto, muito lânguida para fazer resistência.
A Senhora Forbes e suas filhas estavam indo para Roma por três ou quatro meses, a fim de evitar os prováveis ventos orientais da primavera. Por que a Senhora Wilkins não iria com elas?
Elas insistiram, e a Senhorita Monro insistiu também, embora com uma pequena tristeza em seu coração pela ideia de uma longa separação.
Ellinor foi levada pela opinião unânime de outros, inclusive do médico, que decidiu que tal passo era altamente desejável, se não absolutamente necessário.
Ela tinha interesse vitalício na propriedade de seu pai, quanto na que lhe foi legada pelo Senhor Ness.
Até então, ela não se incomodara com isso, pois, supunha que no curso natural dos acontecimentos, ela sobreviveria para cuidar da Senhorita Monro e Dixon, ambos os quais ela considerava dependentes dela.
Tudo o que ela tinha que legar aos dois era a pequena economia, que seria suficiente para ambos os propósitos, especialmente considerando que a Senhorita Monro desistira de seus ensinamentos, e que, tanto ela quanto Dixon estavam envelhecendo.
Antes de Ellinor deixar a Inglaterra, ela fizera todos os arranjos para a contingência de sua morte no exterior, caso ocorresse. Ela escrevera e enviara uma longa carta para Dixon, e a carta mais curta ficou a cargo do cônego Livingstone, ela não ousou insinuar a possibilidade de sua morte à Senhorita Monro.
Ao saírem da estação do trem, eles passaram pela carruagem de um cavalheiro.
Ellinor viu uma senhora brilhante e bonita, uma criada e um bebê. O cavalheiro estava sentado ao lado delas, cujo rosto ela jamais esqueceria.
Era o Senhor Corbet levando sua esposa e filho para a ferrovia. Eles estavam indo para uma visita de Natal à reitoria de Chester. Ele se inclinou para trás, não notando os transeuntes, provavelmente absorvido na consideração de algum caso de lei.
Tais eram os vislumbres casuais que Ellinor tinha de um, cuja vida ela se achava ligada.
Quem se sentiu tão orgulhosa como a Senhorita Monro quando chegou uma carta estrangeira?
Sua correspondente não era particularmente gráfica em suas descrições, nem havia aventuras a serem descritas, nem o hábito da mente de Ellinor era tal que a deixasse clara e definida em suas impressões sobre o que via, e sua reserva natural a impedia de ser fluente em comunicá-las, até mesmo à Senhorita Monro.
No entanto, aquela senhora teria o prazer de ler em voz alta estas cartas para o reitor e os cônegos reunidos, e não ficaria surpresa se eles a convidasse para esse fim.
Para o seu círculo de senhoras desavisadas, e louvavelmente desejosas de informações, todas as reminiscências históricas de Ellinor e detalhes bastante formais eram realmente interessantes.
Naqueles dias não havia nenhuma ferrovia entre Lyon e Marselha, portanto, seu progresso era lento, e a passagem de cartas de ida e volta, quando chegaram a Roma, era longa e incerta.
Mas tudo parecia estar indo bem.
Ellinor falava que estava melhor saúde e perguntava se o cônego estava bem.
A curiosidade sobre essa carta foi o tormento da Senhorita Monro. Por que eles não escreviam um ao outro?
Um pouco mais tarde, ela o ouviu falar da possibilidade de ir para Roma, assim que seu período de residência terminasse, a tempo do Carnaval.
Enquanto isso, a mudança de cenário trouxe o requintado refrescamento de toda a mudança de pensamento.
Ellinor não fora capaz de esquecer tão completamente sua vida, passada por muitos anos, todavia, foi como uma renovação de sua juventude, cortada tão subitamente pela tesoura do destino.
Desde aquela noite, ela teve que se despertar para uma compreensão da grande causa que ela tinha por muito medo e pesada dor.
Quando acordou em seu pequeno quarto, viu as coisas estranhas e bonitas ao seu redor, e sua mente explodiu em agradáveis maravilhas e conjecturas, felizes lembranças do dia anterior e agradáveis antecipações do dia que estava por vir.
Latente em Ellinor estava o temperamento artístico de seu pai, tudo novo e estranho era um quadro e um deleite:
Uma fonte romana, uma senhora andando com seu manto drapeado sobre o ombro, uma garota indo ao mercado e carregando seu jarro de volta da fonte, e, cada pessoa que se apresentava a ela, dava um choque delicioso, como se fosse algo estranhamente familiar de Pinelli, mas invisível por seus olhos mortais antes disso.
Ela esqueceu seu desânimo e a má saúde desapareceu como por magia. As senhoras Forbes se viram amplamente recompensadas pela visão de sua saúde emendada, por seu deleite aguçado de tudo e pelas expressões ingênuas de seu prazer.
Assim, chegou o mês de março, a Quaresma foi tardia naquele ano.
Os grandes vasos de violetas e camélias estavam à venda na esquina do Condotti, e os foliões não tiveram dificuldade em adquirir flores muito mais raras para as beldades do Corso.
As embaixadas tinham suas varandas, os adidos da Embaixada Russa jogavam seus presentes adoráveis em cada menina bonita que passava lentamente em sua carruagem, e segurando sua máscara como proteção para seu rosto contra os chuveiros de confetes de pó, que, de outra forma, seriam suficientes para cegá-la.
A Senhorita Forbes tinha sua varanda alugada, porque ela era uma inglesa rica e respeitável.
As garotas tinham uma grande cesta cheia de flores que atiravam para seus amigos na multidão lá embaixo, pois, era o último dia do Carnaval, e assim que o anoitecer chegasse, as cestas seriam acendidas, para serem extintas tão rapidamente quanto possível, por todos os meios ao alcance de todos.
A multidão lá embaixo estava em seu mais selvagem campo.
Máscaras coloridas, cavalheiros estrangeiros e o povo da cidade, carruagens de condução lenta, chuveiros de flores, a maioria deles desbotados para a época, todos gritando naquele campo feroz de excitação que tão cedo se transformaria em fúria.
As meninas Forbes deram lugar na janela para sua mãe e Ellinor, que estavam olhando meio aterrorizadas para o movimento louco de cores abaixo, quando um rosto familiar olhou para cima, sorrindo um reconhecimento, e:
“Como posso chegar até você?” foi perguntado em inglês, pela conhecida voz do cônego Livingstone.
Elas o viram desaparecer sob a varanda em que estavam de pé, e algum tempo antes que ele aparecesse no quarto delas. Quando o fez, ele estava quase dominado por saudações, tão contentes estavam de ver um rosto conhecido.
— Quando você veio? Onde você está? Que pena que você não tenha vindo mais cedo! Há tanto tempo que não ouvimos nada, conte-nos tudo! Faz três semanas que não recebemos nenhuma carta, esses barcos têm sido tão irregulares devido ao tempo. Como estão todos, a Senhorita Monro em particular? — perguntou Ellinor.
Ele, sorrindo silenciosamente, respondeu as suas perguntas com lentidão. Ele chegara na noite anterior, e estava caçando seu paradeiro o dia todo, porém, ninguém podia lhe dar nenhuma informação distinta no meio daquele o barulho e confusão do lugar, especialmente porque ele tinha seu único criado inglês com ele, e o cônego não era forte em seu italiano.
Ele deixara Chester há cerca de uma semana, e tinha cartas para todos, mas não se atreveu a trazê-las através da multidão, por medo de ter seu bolso arrancado.
A Senhorita Monro estava muito bem, entretanto, muito desconfortável por não ter notícias de Ellinor.
A irregularidade dos barcos era rotina em ambos os lados, pois, seus amigos ingleses estavam cheios de aflição por não terem notícias de Roma. Então, ela sabia de alguns abusos do correio romano, e suspeitas do descuido italiano com as postagem de cartas em inglês.
Todas essas respostas foram satisfatórias o suficiente, mas a Senhora Forbes percebeu um mal-estar latente à maneira do cônego Livingstone, e imaginou uma ou duas vezes, que ele hesitava em responder às perguntas de Ellinor.
Não havia certeza na escuridão crescente, que impedia que os semblantes fossem vistos, nem nas constantes interrupções e gritos que aconteciam na rua, como lenços de mão, bafejos de vento presos, de falas que não se sabia de onde.
— Você voltará para casa conosco? — questionou a Senhora Forbes. — Só posso oferecer-lhe carne fria com chá, nosso cozinheiro saiu.
— Obrigado. Aceito!
Quando todos chegaram ao seu apartamento, o cônego Livingstone fora buscar as cartas que lhe foram confiadas. A Senhora Forbes foi confirmada em sua suposição de que ele tinha algo particular e não muito agradável para dizer para Ellinor, por maneira bastante grave de olhar.
Ele rompeu, de fato, em sua conversa com a Senhora Forbes para ir ao encontro de Ellinor, e para levá-la à janela mais distante, antes de entregar suas cartas.
— Pelo que você disse na varanda ali, temo que não tenha recebido suas cartas de casa regularmente...
— Não! — respondeu ela, assustada e tremendo, ela mal sabia porquê.
— A Senhorita Monro não tem mais notícias suas. Quero falar sobre seu homem de negócios, esqueço seu nome.
— Meu homem de negócios? Algo deu errado, Senhor Livingstone? Diga-me, eu quero saber. Eu esperava apenas que me dissesse. — ela se sentou, branca como cinzas.
— Cara Senhorita Wilkins, temo que seja doloroso o suficiente. Todos os seus amigos estão muito bem, mas um velho servo...
— Bem! — lamentou ela, vendo sua hesitação, e inclinando-se para frente, agarrando-se a seu braço.
— É acusado de homicídio involuntário ou de assassinato. Oh! Senhora Forbes, venha aqui!
Ellinor desmaiara, caindo para a frente no braço que segurava. Quando ela despertou, estava deitada na cama, tomando chá em colheres.
— Tenho que me levantar. — gemeu ela. — Preciso ir para casa.
— Você deve ficar quieta! — exclamou a Senhora Forbes, com firmeza.
— Você não sabe! Devo ir para casa! — repetiu ela, e tentou sentar, mas caiu para trás, desamparada.
Então, ela não falou, mas deitou-se e pensou.
— Você vai me trazer um pouco de carne. — sussurrou Ellinor. — E um pouco de vinho?
Eles lhe trouxeram carne e vinho, ela comeu, embora estivesse engasgada.
— Agora, por favor, traga-me minhas cartas e me deixe em paz, e depois disso, eu gostaria de falar com o cônego Livingstone. Não o deixe ir, por favor! Não demorarei meia hora, creio. Deixe-me apenas ficar sozinha. — finalizou ela.
Havia um tom febril apressado que deixava a Senhora Forbes muito ansiosa, mas ela julgou ser melhor atender os pedidos.
As cartas foram trazidas e as luzes arranjadas para que ela pudesse lê-las deitada em sua cama, e a deixaram sozinha. Então, ela se levantou e ficou de pé, tonta o suficiente, com os braços colados no topo da cabeça, os olhos dilatados, olhando como se estivesse admirando um grande horror.
Depois de alguns minutos, ela se sentou e começou a ler. Algumas cartas estavam evidentemente faltando. Outras foram enviadas por uma oportunidade que fora adiada na viagem, e ainda não chegaram a Roma, porque foram despachadas pelo correio, entretanto, o clima severo, a neve incomum naqueles dias, antes que a ferrovia fosse feita entre Lyon e Marselha, colocando um fim aos planos de muitos viajantes, e isso tornara extremamente incerta a transmissão do correio.
Uma era do Senhor Johnson, outra do Senhor Brown, e mais uma da Senhorita Monro, é claro que a última mencionada foi a primeira lida.
Ela falou sobre o choque da descoberta do corpo de Dunster, encontrado no corte da nova linha ferroviária de Hamley até a estação ferroviária mais próxima, o corpo, tão apressadamente enterrado há muito tempo, em suas roupas, pelo qual foi reconhecido, um reconhecimento confirmado por uma ou duas coisas mais pessoais e indestrutíveis, como seu relógio e selo com suas iniciais. Falava do choque para todos, dos Osbaldistones em particular, com a descoberta de uma lanceta de cavalo, tendo o nome de Abraham Dixon gravado no cabo.
Neste ponto, Ellinor gritou de maneira aguda.
— Oh! Dixon! Dixon! Enquanto sofria sozinho, eu estava longe, me divertindo.
Eles a ouviram chorar, e vieram até a porta, mas a porta estava trancada por dentro.
— Por favor, vão embora! — pediu ela. — Por favor, vão embora! Vou ficar quieta e só, por favor!
Ela não suportaria ler mais a carta da Senhorita Monro, ela abriu a do Senhor Johnson, a data era quinze dias antes da Senhorita Monro. Ele também expressou sua admiração por não ter notícias dela, em resposta a sua carta de 9 de janeiro, e acrescentou, que achava que os administradores dela julgaram corretamente a bela soma que a companhia ferroviária oferecera pelo terreno, quando o agrimensor deles decidiu pela alteração da linha.
Ela se desesperou, era o destino que a perseguia. Então, ela pegou a carta novamente e tentou ler, mas tudo que chegou ao seu entendimento foi que o Senhor Johnson enviara sua presente carta à Senhorita Monro, pensando que ela saberia alguma maneira mais segura que o correio.
A do Senhor Brown era apenas uma carta como ele a enviava de vez em quando, uma correspondência que surgiu do respeito mútuo pelo amigo morto, o Senhor Ness.
Ela também fora enviada à Senhorita Monro para ser enviada mais rapidamente.
Ellinor estava a ponto de colocá-la de lado inteiramente, quando o nome de Corbet chamou sua atenção:
“Talvez você se interesse em saber que o antigo aluno de nosso amigo falecido, que estava tão ansioso para obter o fólio Virgílio com as notas italianas, é nomeado o novo juiz na sala do Senhor Jenkin. Pelo menos, concluo que o Senhor Ralph Corbet, é o mesmo que o recebeu o livro.”
— Sim! — assentiu Ellinor, amargamente.
Ela pensou por alguns momentos nos velhos tempos, e pareceu-lhe que o seu cérebro se fixava para pensar nelas.
Ela pegou e terminou a carta da Senhorita Monro. Aquela excelente amiga tinha feito tudo o que ela pensava que Ellinor desejara sem demora. Ela havia escrito ao Senhor Johnson e o encarregara de fazer tudo o que pudesse para defender Dixon e de não poupar despesas.
Ela estava pensando em ir à prisão na cidade do condado, para ver o velho. Ellinor pôde perceber que todos esses esforços e propósitos da Senhorita Monro estavam baseados no amor por sua aluna, e no desejo de deixar sua mente tranquila, em vez de qualquer ideia de que Dixon pudesse ser inocente.
Ellinor pousou as cartas, foi até a porta, depois voltou para trás e as colocou em sua mala com as mãos trêmulas, em seguida, ela entrou na sala de visitas, assemelhando-se mais com um fantasma que com uma mulher viva.
— Posso falar com você por um minuto a sós? — sua voz imóvel e desafinada transformou as palavras em um comando.
O cônego Livingstone levantou-se e a seguiu até a pequena sala de jantar.
— Você vai me dizer tudo o que sabe? Tudo o que ouviu?
— A Senhorita Monro foi minha informante, pelo menos no início, foi no Times na véspera da minha partida. A Senhorita Monro diz que isso aconteceu em um momento de raiva se o velho criado fosse realmente culpado, que ele era um homem firme e bom como ela sempre soube, e parecia ter um forte sentimento contra o Senhor Dunster, porque este sempre dava ao seu pai muitos problemas desnecessários, de fato, ela insinua que o desaparecimento dele, na época era suposto ser a causa de uma considerável perda de propriedade para o Senhor Wilkins.
— Não! — negou Ellinor avidamente, sentindo que alguma justiça devia ser feita ao homem morto, e então, ela parou de dizer, com medo de falar qualquer coisa que traísse seu pleno conhecimento. — Quero dizer isto. — ela continuou. — O Senhor Dunster era um homem muito desagradável. Papai e nenhum de nós gostava dele, mas ele era bastante honesto, por favor, lembre-se disso.
O cônego se curvou articulando algumas palavras de consentimento. Ele esperou que ela falasse novamente.
— A Senhorita Monro diz que visitará Dixon na cadeia.
— Oh! Senhor Livingstone, não posso suportar isso!
Ele ficou em silêncio, olhando-a com pena, enquanto ela torcia as mãos no esforço de recuperar a maneira silenciosa que ela lidava para manter durante a conversa. Ela olhou para ele com uma pobre tentativa de um sorriso apologético:
— É tão terrível pensar naquele bom velho na prisão!
— Você não acredita que ele seja culpado, certo? — disse o cônego Livingstone, com alguma surpresa. — Tenho medo, porque há poucas dúvidas de que ele matou o homem, confio em algum momento de irritação, sem malícia premeditada.
Ellinor balançou a cabeça.
— Quando chegarei à Inglaterra? — perguntou ela. — Devo ir imediatamente!
— Temo que não haja barco para Marselha até quinta-feira, depois de amanhã.
— Devo ir mais cedo. — falou Ellinor, começando. — Por favor, me ajude. Ele pode ser julgado antes que eu possa chegar lá!
— Receio que seja esse o caso. Seja qual for a pressa que se tenha. O julgamento estava para acontecer no Hellingford Assizes, e essa cidade está em primeiro lugar na lista do Circuito Midland. Hoje é dia 27 de fevereiro, o julgamento começa no dia 7 de março.
— Irei amanhã de manhã cedo para o Civita, pode haver um barco lá que eles não conheçam aqui. De qualquer forma, estarei a caminho. Se ele morrer, também vou morrer. Oh! Não sei o que estou dizendo, estou tão triste! Seria uma grande gentileza se você fosse comigo. Sei que a Senhora Forbes é boa, e que me perdoará. Irei me despedir de todos, antes de ir, mas devo pensar agora.
Por um momento, ele ficou olhando para ela como se desejasse confortá-la com mais palavras. Ele pensou melhor, porém, silenciosamente saiu da sala.
Por muito tempo Ellinor ficou quieta, de vez em quando retomando a carta da Senhorita Monro, e relendo os poucos e terríveis detalhes. Então, ela pensou que possivelmente o cônego traria uma cópia do Times, contendo o exame de Dixon diante dos magistrados, e ela abriu a porta e chamou um criado que passava ali.
Ela estava certa em sua conjectura, que Livingstone tinha o papel em seu bolso durante sua conversa com ela, mas ele achou as provas tão conclusivas, que a leitura das mesmas só aumentaria a condenação da culpa de Dixon, à qual ele acreditava que ela aceitaria mais cedo ou mais tarde.
Ele lera o relatório com a Senhora Forbes e suas filhas, após seu retorno do quarto de Ellinor, e elas estavam participando em suas opiniões sobre o assunto, quando o pedido de Ellinor para o Times foi trazido.
Elas tinham relutantemente concordado, dizendo que não havia uma sombra de dúvida sobre o fato de Dixon ter matado o Senhor Dunster, mas estavam esperando que pudesse haver algumas circunstâncias atenuantes, das quais Ellinor provavelmente se lembrava, e que ela estava desejosa de se pronunciar no julgamento que se aproximava.
Capítulo 13
Ellinor, após ler o relatório do exame de Dixon no jornal, banhou os olhos e a testa em água fria, e tentou manter seu pobre coração batendo, para que ela pudesse ser clara o suficiente em pesar as provas.
Cada linha era condenatória. Uma ou duas testemunhas falaram da antipatia de Dixon por Dunster, uma antipatia que Ellinor sabia que fora entretida pelo velho servo, devido a uma espécie de lealdade ao seu amo, bem como por desgosto pessoal.
A agulha foi provada, sem sombra de dúvida, como sendo de Dixon, e um homem que era um rapaz que trabalhava para o Senhor Wilkins, jurou que no dia em que o Senhor Dunster sumiu, e quando toda a cidade estava se perguntando o que fora feito dele, um certo potro do Senhor Dunster, Wilkins precisara sangrar, e que ele fora enviado por Dixon ao ferrador para pedir uma lanceta de cavalos, um recado que ele comentara na época, pois, sabia que Dixon tinha uma agulha própria e não precisava de uma emprestada.
O Senhor Osbaldistone foi examinado. Ele continuou interrompendo-se perpetuamente para expressar sua surpresa ao saber que um homem tão firme e bondoso como Dixon seria culpado de um crime tão hediondo, e estava suficientemente disposto a testemunhar o excelente caráter que ele suportara durante todos os muitos anos em que esteve ao seu lado. Ele estava bastante convencido com as evidências previamente dadas da culpa do prisioneiro no assunto, e reforçou o caso contra ele materialmente, ao declarar a circunstância da obstinada relutância do velho homem na interferência pelo cultivo com aquele pedaço de chão em particular.
Aqui Ellinor estremeceu.
Oh! Se ela estivesse na Inglaterra quando os topógrafos da ferrovia entre Ashcombe e Hamley alteraram sua linha, ela imploraria, forçado seus administradores a não venderem aquele pedaço de chão por qualquer quantia de dinheiro.
Ela subornaria os agrimensores também. Ela não sabia o que fazer, e era tarde demais, ela não deixaria sua mente vaguear pelo que podia ser, ela se forçaria novamente a atender as colunas dos jornais.
Pouco mais havia. Perguntaram ao prisioneiro se ele diria algo para esclarecer e provar sua inocência, e advertiram-no devidamente para não dizer nada que incriminasse a si mesmo.
A pobre pessoa do velho foi descrita, e sua evidente emoção.
“O prisioneiro foi observado se agarrando ao silêncio, sua cor mudou tanto nesta parte da evidência que foi oferecido um copo de água, que ele recusou. Ele é um homem de uma estrutura fortemente construída, bastante moroso e sombrio.”
— Meu pobre Dixon! — lastimou Ellinor, abraçando o jornal por um instante, quase chorando, contudo, ela resolvera não derramar lágrimas até que terminasse tudo.
Havia apenas algumas linhas a mais:
“Em certa ocasião, o prisioneiro parecia alegar algo em sua defesa, mas mudou de ideia. Em resposta ao Senhor Gordon, o juiz, apenas disse:
Assim, Dixon agora se apresenta para julgamento por assassinato, em Hellingford Assizes, que começa no dia 7 de março, perante o Barão Rushton e o Senhor Juiz Corbet.”
“Senhor Juiz Corbet!”
As palavras passaram por Ellinor como se ela fosse apunhalada com uma faca, e por um movimento irreprimível, ela se levantou rígida.
O jovem, seu noivo na juventude e o velho servo que naquela época estava perpetuamente com ela. Os dois que tantas vezes se encontraram em relações nada familiares e amistosas, agora se enfrentariam como juiz e acusado!
Ela não podia dizer o quanto o Senhor Corbet havia conjecturado a partir da revelação parcial que ela fizera sobre a vergonha iminente que pairava sobre ela.
Ela queria se lembrar das palavras exatas que usara naquela memorável conversa, mas só lembrou de fatos, não de palavras.
Afinal de contas, o Juiz Corbet talvez fosse outro e não Ralph. Havia uma chance em cem contra a identidade dos dois.
Enquanto ela pesava as probabilidades em sua mente atordoada, ela ouvia passos suaves fora de sua porta trancada, e vozes baixas sussurrando.
Era a hora de dormir das pessoas felizes com o coração à vontade. Alguns dos passos passaram levianamente, mas houve um gentil na porta de Ellinor.
Ela pressionou suas duas mãos quentes com força contra suas lágrimas por um instante antes de ir abrir a porta. Lá estava a Senhora Forbes com sua bela camisola, segurando uma vela acesa em sua mão.
— Posso entrar, minha querida? — perguntou ela.
Os lábios rígidos e secos de Ellinor se recusaram a pronunciar as palavras de consentimento que não lhe saíram prontamente do coração.
— Estou muito triste com a notícia que o cônego trouxe. Posso compreender bem o choque para você. Acabamos de dizer que deve ser ruim para você quanto seria para nós, se nosso velho Donald fosse um assassino oculto por estes anos que ele viveu conosco. Eu realmente teria suspeitado de Donald tão cedo quanto aquele velho respeitável de cabelos brancos que costumava te visitar em Chester.
Ellinor sentiu que devia dizer algo.
— Ele precisa de ajuda! Não há nenhum amigo perto dele, mesmo o Senhor Osbaldistone dando provas que ele é inocente. Oh! Querido, querido! Por que eu vim a Roma?
— Agora, minha querida! Você não deve se deixar levar por uma visão exagerada do caso. Por mais triste e chocante que seja o fato em ser enganada, é o que acontece a muitos de nós, embora não tão terrível, e, quanto a sua vinda para Roma...
A Senhora Forbes quase sorriu, tão ansiosa estava para banir a ideia da mente sensível de Ellinor, porém, ela a interrompeu abruptamente:
— Senhora Forbes! O cônego disse para você que eu partirei amanhã? Devo ir para a Inglaterra o mais rápido possível para fazer o que puder por Dixon.
— Sim! Ele nos falou que você estava pensando nisso, e este foi o motivo que me fez forçá-lo a pernoitar aqui. Creio, meu amor, que você está enganada ao sentir-se como se fosse chamada a fazer mais do que o cônego me disse que a Senhorita Monro já fez em seu nome. Ela engajou o melhor conselho jurídico, e não poupou despesas para dar ao homem suspeito todas as chances. O que você faria mais, mesmo que estivesse no local? É possível que o julgamento seja realizado antes de você chegue em casa. Então, o que você faria? Ele será absolvido ou condenado. Se o primeiro ocorrer, encontrará simpatia pública ao seu favor, porque o povo é sempre a favor dos injustamente acusados. Se ele se revelar culpado, minha cara Ellinor, será melhor para você ter todo o amolecimento que a distância pode dar a um término tão terrível para a vida de um homem pobre que você respeitou por tanto tempo.
Ellinor falou novamente com uma espécie de determinação irritada, muito estranha à sua docilidade suave de sempre:
— Por favor! Deixe-me julgar por mim apenas desta vez. Não sou ingrata. Deus sabe que não quero irritar alguém que foi tão gentil comigo como você foi, querida Senhora Forbes, mas devo ir, e cada palavra sua para me dissuadir, só me deixa mais convencida. Vou para a Civita amanhã. Estarei assim tanto a caminho. Não posso descansar aqui.
A Senhora Forbes olhou para ela em grave silêncio. Ellinor não conseguia suportar aquele olhar fixo.
No entanto, sua fixação só surgiu da perplexidade da Senhora Forbes quanto à melhor forma de ajudar Ellinor, se para impedi-la por mais conselhos, dos quais a primeira dose provara ser tão inútil, e que apenas acelerava a sua partida.
Ellinor quebrou suas ponderações:
— Você sempre foi tão gentil e boa para mim, continue a ser tão gentil! Deixe-me em paz agora, querida Senhora Forbes, pois, não suporto falar sobre isso, e me ajude amanhã, e você não sabe como vou rezar a Deus para abençoá-la!
Tal apelo foi irresistível. A Senhora Forbes a beijou com muita ternura e foi se reunir novamente com suas filhas, que estavam agrupadas no quarto de sua mãe esperando sua vinda.
— Bem, mamãe, como ela está? O que ela diz?
— Ela está muito transtornada, coitada! Ela tem uma impressão tão forte que é seu dever voltar à Inglaterra e fazer tudo o que puder pelo velho miserável, que temo que não devemos nos opor a ela. Tenho medo de que ela realmente deva ir na quinta-feira.
Apesar da Senhora Forbes ter assegurado os serviços de uma criada na viagem, o Senhor Livingstone insistiu em acompanhar Ellinor à Inglaterra.
Ela preferia viajar sozinha com sua criada, e não sentia a necessidade dos serviços que ele oferecia, no entanto, ela estava totalmente desinteressada e desfeita. Todo seu interesse estava centrado no pensamento de Dixon e seu próximo julgamento e envolta em perplexidade quanto ao modo como ela cumpriria seu dever.
Eles embarcaram tarde naquela noite na atrasada Santa Lúcia, e Ellinor foi imediatamente para o ancoradouro.
Ela não estava enjoada do mar, isso teria diminuído seus sofrimentos mentais, o que a atormentou durante toda a noite.
Com um beliche alto, ela não incomodou os outros ocupantes da cabine até aparecer a luz do dia.
Então, ela desceu, se vestiu e foi para o convés. O navio estava apenas passando pela costa rochosa de Elba, e o céu foi inundado por uma luz rosada, que fez as sombras na ilha do mais requintado roxo.
O mar ainda pesava com a tempestade da noite anterior, mas o movimento só aumentava a beleza das cintilações e da espuma branca que ondulavam e se enrolavam sobre as águas azuis. O ar estava delicioso, após a proximidade da cabine, e Ellinor só se perguntava o motivo das pessoas não estarem no convés para apreciá-lo.
Uma ou duas pessoas se levantaram, vez após vez, e começaram a andar no convés.
O Senhor Livingstone surgiu, mas ele parecia criar uma regra de não se aproximar de Ellinor, exceto quando ele seria de alguma utilidade.
Após algumas palavras de saudação matinal, ele também começou a andar para frente e para trás, enquanto Ellinor sentava-se calmamente observando a bela ilha recuando rapidamente de sua vista. Uma bela visão que nunca mais seria vista por seus olhos mortais.
De repente, houve um choque e um estancamento em toda a embarcação, seu progresso foi interrompido e uma vibração e balanço foi sentida em todos os lugares.
O convés estava cheio de explosões de vapor, que obscureciam tudo. Pessoas assustadas corriam para fora de suas cabines estranhamente despidas, os passageiros do bote, um conjunto variado e pitoresco de pessoas, em muitas variedades de trajes alegres, se refugiaram no convés, falando alto em todas as variedades de patoá francês e italiano.
Ellinor se ergueu em silêncio, maravilhando-se com o desânimo.
Será que a Santa Lúcia estava descendo nas grandes profundezas, e Dixon estaria sem ajuda em seu perigo?
O Senhor Livingstone estava ao seu lado em um momento. Ela mal podia vê-lo para o vapor, nem ouvi-lo pelo rugido do vapor em fuga.
— Não se assuste desnecessariamente. — repetiu ele, um pouco mais alto. — Ocorreu algum acidente com os motores. Irei e farei uma investigação imediata. Voltarei para você assim que puder. Confie em mim!
Ele voltou para onde ela estava sentada tremendo.
— Uma parte do motor está quebrada, pelo descuido destes engenheiros napolitanos, eles dizem que devemos fazer o retorno ao porto mais próximo à Civita, de fato.
— Elba não está a muitos quilômetros de distância? — disse Ellinor. — Se este vapor estivesse apenas distante, você ainda o veria.
— Se estivéssemos desembarcados lá, ficaríamos na ilha por muitos dias, nenhum vapor toca lá, mas se voltarmos à Civita, chegaremos a tempo de tomar um barco de domingo.
— Oh! Pobre Dixon! — lamentou Ellinor. — Hoje é o segundo dia, domingo será o quarto, o julgamento começará no sétimo dia, que miseravelmente infeliz sou!
— Acalme-se! — disse ele. — Estas coisas sempre parecem tão duplamente infelizes quando nos impedem de servir aos outros! Talvez, chegaremos em Marselha na segunda-feira à noite, em Lyon por diligência, temo que apenas na quinta-feira, antes de chegarmos a Paris na quinta-feira, no oitavo dia, suponho.
Ele acrescentou isto de má vontade, pois, viu que Ellinor tinha ciúmes da segurança que ela manteve até então, quanto às suas razões para acreditar na inocência de Dixon, mas ele não pôde deixar de pensar que ela, uma mulher gentil e tímida, não acostumada a ações cruéis, exigiria assistência que ele seria grato em lhe dar, especialmente porque este acidente impróprio aumentaria a pressão do tempo.
Ela cedeu a todas as suas orientações, concordou com seus planos, mas não lhe deu nenhuma confiança. Ele teve que se submeter a essa exclusão de simpatia nas causas exatas de sua ansiedade.
Mais uma vez na sala sombria, com o teto pintado, o chão sujo e as inúmeras portas e janelas chocalhadas! Ellinor foi submissa e paciente no comportamento, mas tão desesperada em seu coração.
O tempo cansativo terminara, novamente eles navegaram por Elba e chegaram em Marselha.
Ellinor começou a sentir que o Senhor Livingstone era de grande ajuda, como mensageiro, como ele mesmo havia se autointitulado.
Capítulo 14
— Onde agora? — perguntou o cônego, ao se aproximarem da estação da Ponte de Londres.
— Para o oeste. — garantiu ela. — Hellingford está nessa linha, estou vendo. Por favor, agora devemos nos separar.
— Não posso ir com você para Hellingford? De qualquer forma, você me permitirá ir com você até a estação ferroviária e comprar o bilhete do trem?
Eles foram para a estação e souberam que nenhum trem partiria para Hellingford nas próximas duas horas. Não havia nada para eles a não ser irem para o hotel e esperar.
Ellinor chamou a empregada e a dispensou.
Um refresco que o cônego pedira foi dado e a mesa foi limpa. Ele começou a andar de um lado para o outro no quarto, seus braços dobrados e olhos arremessados.
De vez em quando, ele olhava para o relógio na lareira e quando isso mostrou que teriam apenas um quarto de hora até a hora marcada para a partida do trem, ele se aproximou de Ellinor, que se sentou encostando a cabeça na mão dela, e esta, descansando sobre a mesa.
— Senhorita Wilkins! — ele começou, e havia algo peculiar em seu tom que assustou Ellinor. — Tenho certeza que desejo muito ajudá-la neste seu triste problema...
— Entendo! — disse Ellinor, agradecida, estendendo sua mão como uma lembrança.
Ele pegou-a e segurou-a. Ela continuou, um pouco mais apressadamente que antes:
— Você sabe desejo que vá imediatamente ver a Senhorita Monro, e dizer tudo o que sabe, e que escreverei assim que puder.
— O farei. — continuou ele, ainda segurando a mão dela.
— Amável amigo, você ouvirá tudo o que eu puder dizer, isto é, tudo o que tenho a liberdade de dizer.
— Um amigo! Sim, sou um amigo e não vou pedir nenhuma outra reivindicação agora. Talvez...
Ellinor não afetaria a sua compreensão equivocada. Sua maneira esperançosa ainda mais que suas palavras.
— Entenda! — ponderou ela, avidamente. — Somos amigos. Acho que sempre seremos amigos, embora eu lhe conte um pouco do meu um triste segredo. Que Deus me ajude! Sou tão culpada quanto o pobre Dixon, se, de fato, ele é culpado. Ele é inocente, de fato, ele é!
— Se ele não é mais culpado que você, tenho certeza que é inocente! Deixe-me ser mais que seu amigo, Ellinor! Deixe-me saber tudo e vou ajudar em tudo puder, com o direito de um esposo para a sua esposa.
— Não! Não! — ponderou ela, assustada, tanto com o que revelara, quanto com sua maneira ávida, calorosa e suplicante. — Não podemos ser marido e mulher! Você não conhece a vergonha que paira sobre mim.
— Se isso é tudo! — suspirou ele. — Assumo meu risco, se isso é tudo! Se você apenas temer que me encolha de compartilhar qualquer perigo ao qual você possa estar exposta. Lembre-se que estou disposto.
— Não é perigo! É vergonha! — murmurou ela.
— Bem! Que seja! Talvez, se eu soubesse tudo, te protegeria disso.
— Não! Não fale mais sobre isso! Se o fizer, devo dizer não para todas as suas tentativas.
Ela não percebeu o encorajamento implícito nestas palavras, mas ele percebeu, e elas foram suficientes para torná-lo paciente.
O tempo acabou, e ele só pôde prestar-lhe seus últimos serviços como mensageiro, e nenhum outro senão as palavras necessárias no início passaram entre eles.
Ele se afastou da estação com um coração alegre, enquanto ela, sentada sozinha e quieta, finalmente se aproximou do lugar onde tanto ansiava. Sentia-se cada vez mais triste e pesada.
Naqueles dias não havia telégrafo elétrico, em cada estação Ellinor colocou sua cabeça para fora, e perguntou se o julgamento por assassinato em Hellingford estava encerrado.
Alguns carregadores lhe disseram uma coisa, outros, com pressa, falaram coisas desconexas. Ela sentiu que não podia confiar neles.
— Me leve até a casa do Senhor Johnson, na rua alta. Rápido, rápido! Darei algumas moedas se você andar rápido. — ela falou para o cocheiro.
Sua resistência e paciência, eram quase que quebradas, no entanto, na estação de Hellingford, onde sem dúvida teriam lhe dito a verdade, ela não se atreveu a fazer a pergunta.
Já passava das oito horas da noite. Em muitas casas da pequena cidade do interior havia luzes e sons incomuns.
Os habitantes mostravam sua hospitalidade a tais estranhos trazidos pelos cocheiros.
Os juízes deixaram a cidade naquela tarde, para encerrar o circuito de processos na pequena lista de uma cidade do condado vizinho.
O Senhor Johnson estava entretendo um jantar de advogados quando foi convocado da sobremesa pelo anúncio de uma:
“Senhora que queria falar com ele imediatamente e de forma particular.”
Ele entrou em seu escritório sem o melhor dos temperamentos. Lá, ele encontrou sua cliente, a Senhorita Wilkins, branca e sinistra, de pé junto à lareira, com seus olhos fixos na porta.
— É você, Senhorita Wilkins? Estou muito contente!
— Dixon!
Era tudo o que ela podia dizer e o Senhor Johnson balançou a cabeça.
— Ah! Isso é um assunto triste, e temo que tenha encurtado sua visita à Roma.
— Ele está?
— Sim! Temo que não haja dúvida de sua culpa. Em todo caso, o júri o considerou culpado, e ...
— E? — ela repetiu rapidamente.
— Ele está condenado à morte!
— Quando?
— No sábado!
— Quem o julgou?
— Juiz Corbet, e, para um novo juiz, devo dizer que nunca conheci ninguém que tivesse superado tão bem suas falas. Foi realmente o máximo que pude suportar ao ouvi-lo condenar o prisioneiro à morte. Dixon era sem dúvida culpado, e ele era tão teimoso quanto podia ser, um velho amuado que não deixava ninguém ajudá-lo. Tenho certeza de que fiz o melhor que pude por ele, conforme o desejo da Senhorita Monro e para o seu bem. Mas ele não me fornecia nenhum detalhe, não nos ajudava com nenhuma prova. Tive o trabalho árduo para impedi-lo de confessar tudo diante de testemunhas, que seriam obrigadas a repeti-lo como prova contra ele. De fato, nunca pensei que ele se declararia inocente. Penso que foi apenas com o desejo de se justificar aos olhos de alguns velhos conhecidos de Hamley. Meu Deus! Senhorita Wilkins! O que está acontecendo? Você não está desmaiando!
Ele tocou o sino até que a corda permaneceu em suas mãos.
— Aqui, Esther! Jerry! Quem quer que seja, venha rápido! A Senhorita Wilkins desmaiou! Água! Vinho! Diga à Senhora Johnson para vir aqui!
A Senhora Johnson, uma mulher amável e maternal, que fora excluída do jantar dos cavalheiros, e que dedicara seu tempo para supervisionar o jantar que seu marido pedira, veio em resposta ao chamado de ajuda e encontrou Ellinor deitada de costas, branca e sem os sentidos, em sua cadeira.
— Bessy! Senhorita Wilkins desmaiou, ela teve uma longa jornada, e está em uma confusão sobre Dixon, o velho companheiro que foi condenado a ser enforcado por aquele assassinato. Não posso ficar aqui, tenho que voltar para ser o anfitrião daqueles homens. Leve-a para cama! O quarto azul está vazio desde que Horner saiu. Ela deve ficar aqui, e a verei pela manhã. Cuide dela, e mantenha sua mente o mais calma possível, pois, ela não pode fazer nada de bom se continuar nervosa.
Sabendo que ele deixou Ellinor em boas mãos e com muita ajuda sobre ela, ele voltou para seus amigos.
Ellinor retomou os sentidos depois de um tempo.
— Foi muito insensato da minha parte, mas não pude evitar. — lamentou ela, pedindo desculpas.
— Com certeza não, querida. Aqui! Beba isto, é um dos melhores vinhos do Porto do Senhor Johnson! Ou você prefere um pouco de sopa? Temos tudo o que você possa imaginar para o jantar, e você só tem que falar o que quer. Então, você deve ir para a cama e descansar! Meu caro Senhor Johnson diz que você deve dormir, e há um quarto bem arejado, pois, o Senhor Horner foi embora nessa manhã.
— Devo ver o Senhor Johnson novamente, por favor!
— De fato, você não deve. Você não deve preocupar sua pobre cabeça com os negócios agora. Johnson só falaria com você sobre negócios. Não! Vá para a cama, durma bem, e, então você se levantará bastante brilhante e forte, e apta para falar de negócios.
— Não consigo dormir. Não consigo descansar até que tenha feito mais uma ou duas perguntas ao Senhor Johnson, de fato, não consigo. — suplicou Ellinor.
A Senhora Johnson sabia que as ordens de seu marido em tais ocasiões eram peremptórias, e que ela receberia uma repreensão conjugal se, depois do que ele falara, ela se aventurasse a chama-lo novamente.
Ellinor, no entanto, parecia tão suplicante e melancólica que dificilmente encontraria em seu coração a recusa. Um pensamento brilhante a tocou.
— Aqui está o lápis e o papel, minha querida. Você pode escrever suas perguntas? Ele apenas anotará as respostas sobre o mesmo pedaço de papel. A enviarei por Jerry. Ele tem amigos para jantar com ele, está vendo?
Ellinor cedeu. Ela se sentou, descansando a cabeça cansada na mão, e se perguntando quais seriam as perguntas que chegariam tão prontamente à língua dela. Ela queria falar com ele, mas sem escolha, ela só escreveu isto:
“Quão cedo posso vê-lo amanhã de manhã? Você tomará todas as medidas necessárias para que eu vá a Dixon o mais rápido possível?”
As respostas foram:
“Oito horas! Sim!”
— Suponho que ele saiba melhor. — disse Ellinor, suspirando, enquanto lia a última palavra. — Parece perversa minha atitude de ir para a cama, e Dixon tão perto, dormindo na prisão.
Quando ela se levantou e ficou de pé, sentiu a tontura anterior voltar, e isso a reconciliou com a busca de descanso antes de entrar nas tarefas que estavam se tornando mais claras diante dela, agora que ela sabia tudo e estava no local de ação.
A Senhora Johnson trouxe o leite em vez do chá que ela pedira, e talvez fora devido a isso que ela dormiu tão profundamente.
Capítulo 15
Quando Ellinor acordou, a luz clara do amanhecer estava totalmente acesa na sala. Ela não conseguia se lembrar onde estava, porque durante tantas manhãs, ela acordara em lugares estranhos, então, ela demorou vários minutos antes que pudesse perceber o paradeiro geográfico das cortinas azuis, o retrato do tenente do condado na parede e todos os móveis de mogno pesados e bonitos que enchiam o quarto.
Assim que lhe veio à mente a memória, ela começou a se levantar, não foi para a cama novamente, embora ela tenha visto pelo relógio na mesa de vestir que ainda não eram seis horas.
Ela se vestiu com a delicada completude tão habitual para ela, que se tornou um hábito inconsciente, e então, o instinto foi irreprimível. Ela colocou seu gorro e xale, desceu, passando pela criada de joelhos, limpando a porta ao ar livre, e assim ela encontrou seu caminho pela rua até o Castelo de Hellingford, o prédio onde os tribunais eram mantidos e a prisão na qual Dixon estava condenado a morrer.
Ela sabia que não conseguia vê-lo, e ainda sim, precisava insistir.
Ellinor foi até o alojamento do porteiro e perguntou à menina que estava varrendo o lugar, se ela poderia ver Abraham Dixon.
A criança olhou para ela e correu para a casa, trazendo para fora seu pai, um grande homem corpulento, que ainda não havia vestido nem casaco, nem colete e que, consequentemente, sentiu o ar da manhã como se estivesse mordiscando. Para ele, Ellinor repetiu sua pergunta.
— O que vai ser enforcado no sábado à noite? Eu não posso ajudar! Você pode ir à casa do governador e tentar, no entanto, se me dá licença, você terá sua caminhada para suas dores. Os condenados, nas celas, nunca são vistos por ninguém sem a ordem do xerife. Você pode ir até à casa do governador e ser bem-vinda, mas ele só lhe dirá o mesmo.
Ellinor acreditava plenamente no homem, e mesmo assim ela foi até a casa indicada, como se ainda esperasse que em seu caso, pudesse haver alguma exceção à regra, da qual ela agora se lembrava de ouvir falar antes, em dias em que um possível desejo de ver um prisioneiro condenado era tratado por ela como um desejo absurdo quando seu pai falava dos problemas nos julgamentos. Porque antigamente, sem o peso da culpa era algo tão distantes de seu círculo de circunstâncias quanto os habitantes da lua.
Claro que ela encontrou a mesma resposta, um pouco mais abruptamente dada, como se todo homem fosse obrigado a conhecer uma regulamentação tão óbvia.
Ela voltou ao porteiro, agora completamente vestido. Ele lamentou a decepção dela, mas não pôde deixar de dizer, com um leve tom de exultação:
— Bem! Veja que eu estava certo, senhora!
Ela andou o mais próximo possível do castelo, olhando para as poucas janelas com grades altas, se perguntando em que parte do prédio Dixon estava confinado.
Então, ela entrou no adro adjacente da igreja, e sentada sobre uma lápide, ela olhou ociosamente para a vista espalhada abaixo dela, uma vista que era a mais bela do lugar, para ser mostrada aos estranhos pelos habitantes de Hellingford.
Ellinor só viu a escuridão daquela noite fatal, o trabalho apressado, as luzes olhando de um lado para o outro, a respiração dura daqueles que estavam no trabalho, as poucas palavras roucas murmuradas e o balançar dos galhos.
O relógio da igreja acima dela acertou oito, e os trabalhadores distantes pararam seu trabalho por um tempo. Tal era o velho costume do lugar.
Ellinor levantou-se e voltou para a casa do Senhor Johnson.
A sala parecia próxima e confinada, na qual ela aguardava sua conversa com o Senhor Johnson, que enviara um pedido de desculpas por dormir demais, e finalmente fez sua aparição em um estado meio acordado, em consequência de sua hospitalidade tardia da noite anterior.
— Sinto muito por dar para vocês tantos problemas ontem à noite. — disse Ellinor, pedindo desculpas. — Eu estava muito cansada e chocada com as notícias que ouvi.
— Sem problemas, querida! Não estamos tristes.
— Dixon não deve morrer, Senhor Johnson?
— Bem! Não sei! — afirmou o Senhor Johnson, em algo do tom de voz que ele usaria para acalmar uma criança. — O juiz Corbet disse algo sobre a possibilidade de um indulto. O júri não o recomendou à misericórdia. Veja! Sua aparência foi muito contra ele. Todas as provas eram tão fortes e nenhuma defesa, por assim dizer, pois, ele não fornecia nenhuma informação na qual pudéssemos basear a defesa. O juiz me deu alguma esperança, embora haja outros que pensam diferente.
— Digo-lhe, Senhor Johnson, ele não deve morrer, e não morrerá. A quem devo ir?
— Você tem provas adicionais? — com um olhar repentino e agudo de inquérito profissional.
— Não importa! — respondeu Ellinor. — Peço perdão... Apenas me diga em cujas mãos o poder da vida e da morte de Dixon está?
— Para a casa do secretário, chamado Senhor Phillip Homes, e você não pode ter acesso a ele em um recado como este. É o juiz que julgou o caso que deve pedir um adiamento, o Juiz Corbet.
— Juiz Corbet?
— Sim! Ele estava bastante inclinado a ter uma visão misericordiosa de todo o caso. Ele será a pessoa que você poderá ver. Suponho que você não gosta de me dar sua confiança, então eu arranjaria e redigiria o que terá que ser dito.
— Não! O que tenho a dizer deve ser falado ao juiz, a ninguém mais. Receio ter respondido a você impacientemente há pouco. Você deve me perdoar, e se você soubesse tudo, tenho certeza que o faria.
— Não diga mais nada, minha querida senhora. Vamos supor que você tenha alguma evidência não apresentada no julgamento. Bem, você deve falar com o juiz, já que não escolhe transmiti-las a ninguém e colocá-las diante dele. Sem dúvida, ele a comparará com suas notas do julgamento, e verá até que ponto concorda com elas. É claro que você deve estar preparada com alguma prova, pois, o juiz Corbet terá que testar suas provas.
— Parece estranho pensar nele como o juiz. — murmurou Ellinor, quase para si.
— Ele é apenas um jovem juiz. Você o conhecia em Hamley, suponho. Lembro-me de sua leitura lá com o Senhor Ness.
— Sim! Vamos esquecer o passado. Diga-me, quando posso ver Dixon? Já estive no castelo, mas eles disseram que eu precisava da ordem do xerife.
— Eu desejava que a Senhora Johnson lhe dissesse isso ontem à noite. O velho Ormerod estava jantando aqui, ele é escrivão dos magistrados, e lhe falei de seu desejo. Ele disse que veria o Senhor Henry Croper, e que teria a ordem aqui antes das dez.
Foi muito difícil para Ellinor cumprir seu dever como convidada, e permitir se interessar e conversar sobre assuntos locais por sua anfitriã.
Ela sentiu como se tivesse falado brevemente e de forma abrupta com o Senhor Johnson em sua conversa anterior, e que ela tentaria emendá-la, assim, ela ouviu os detalhes sobre a restauração da igreja, e a dificuldade de conseguir um bom mestre de música para as três pequenas senhoritas Johnson, com toda a sua gentil criação e paciência de sempre, embora ninguém possa dizer como seu coração e imaginação estavam cheios de pensamentos sobre o velho Dixon.
O Senhor Johnson foi chamado para fora da sala para ver o Senhor Ormerod e receber dele a ordem de admissão.
Ellinor apertou as mãos enquanto ouvia com aparente compostura o elogio sem fim da Senhora Johnson ao Hullah. Mas quando o Senhor Johnson voltou, ela não pôde deixar de interromper seu elogio, e dizer...
— Posso ir agora?
— A ordem estava lá, você poderia ir, e o Senhor Johnson a acompanhará, para ver que você não encontrará nenhuma dificuldade ou obstáculo.
O homem a levou através de cortes de muros altos, ao longo de corredores de pedra, e através de muitas portas trancadas, antes de chegarem às celas dos condenados.
— Tive três vezes aqui. — garantiu ele, abrindo a porta final. — Depois que o Juiz Morton esteve aqui. Sempre o chamávamos de “Juiz Enforcado”. Mas faz cinco anos desde que ele morreu. Vim uma vez visitar uma mulher por envenenar seu marido. Mary Jones era seu nome.
A passagem de pedra a partir da qual as celas se abriram era leve, nua e escrupulosamente limpa. Sobre cada porta, havia uma pequena janela gradeada, e uma janela externa com a mesma descrição foi colocada no alto da cela.
O velho Abraham Dixon estava sentado ao lado de sua cama, sem fazer nada. Sua cabeça estava dobrada, sua estrutura afundada, e ele parecia não se importar em dar a volta e ver quem entrava.
Ellinor tentou manter seus soluços enquanto o homem chegava até ele, e colocava sua mão sobre seu ombro, e o sacudia levemente, então, disse ele:
— Aqui está uma amiga que veio vê-lo, Dixon. — então, voltando-se para Ellinor, ele acrescentou. — Há alguns como que atordoados, enquanto outros estão tão inquietos como um animal selvagem em uma jaula, após serem sentenciados.
Ele se retirou para a passagem, deixando a porta aberta, para que ele pudesse ver tudo o que passava, se ele escolhesse olhar, e ostensivamente mantendo os olhos afastados, assoviava para si, para que ele não pudesse ouvir o que eles diziam um ao outro.
Dixon olhou para Ellinor, depois deixou seus olhos caírem novamente, e o tremor crescente foi o único sinal que ele deu de que a reconhecia.
Ela se sentou ao lado dele e pegou sua grande mão. Ela queria superar sua inclinação para soluçar histericamente antes de falar. Ela acariciou os dedos murchos e ossudos, sobre os quais suas lágrimas escaldantes continuavam caindo.
— Não faça isso! — pediu ele, longamente, em voz oca. — Vou assumir isso, é melhor a ser feito, senhorita.
— Não, Dixon, não é o melhor. — Não será! Você sabe que não pode ser.
— Estou bastante cansado de viver. É uma grande tensão e trabalho para mim. Acho que estaria melhor deitado com Deus do que com os homens. Morrerei com a culpa de meu amigo, quase irmão. Ah! Vou ver minha Molly Greaves. Querida! A verei novamente, creio, venha no próximo sábado da semana!
— Dixon... — disse Ellinor. — Você sabe quem fez isto.
— Culpado de assassinato. — lamentou ele. — Foi assim que me chamaram. Assassino, mas sou inocente!
— Vou a Londres esta tarde, vou ver o juiz, e contar-lhe tudo.
— Não se rebaixe, senhorita. Ele te deixou ao abandono, assim que a dor e a vergonha se aproximaram de você.
Ele olhou para ela pela primeira vez, mas ela continuou como se não percebesse aqueles olhos melancólicos e cansados.
— Irei até ele. Sei quem é e estou resolvida. Afinal, ele pode ser melhor que um estranho, para uma ajuda real, e não me lembrarei de mais nada, bom amigo fiel.
— Corbet não parece mais que um velho magoado em sua peruca cinza. Mal o teria conhecido. Não sei se ele me deu atenção. Suponho que foi por um sinal de velho conhecido que ele disse que me recomendaria à misericórdia. Eu prefiro a morte a receber a misericórdia. Falam lá fora que a misericórdia significa a Austrália. Seria como me matar lentamente.
Ele começou a tremer novamente, esta ideia de transporte, de seu mistério, era mais aterrorizante para ele que a morte. Ele continuava dizendo claramente:
— Senhorita, você não vai deixar que eles me enviem para a Austrália. Eu não suportarei isso.
— Não, não! — reclamou ela. — Você sairá desta prisão e voltará para casa comigo para Chester, prometo-lhe que o fará. Prometo a você! Ainda não sei bem como, apenas confie em minha promessa. Não se preocupe com a Austrália. Se você for lá, também irei. Tenho tanta certeza de que você não irá. E você sabe que se você fez algo contra a lei ao esconder o trabalho daquela noite fatal, eu também fiz, e se você for punido, eu também serei punida. Tenho certeza de que será solto, tão certo quanto qualquer coisa pode ser.
Ela quase disse estas últimas palavras para si. Eles se sentaram de mãos dadas, por mais alguns minutos em silêncio.
— Pensei que você viria até mim. Eu sabia que você estava muito longe, no estrangeiro. Eu rezava para Deus. Para meu querido Senhor Deus! Eu costumava dizer para que ele me deixasse vê-la novamente. Eu dizia ao capelão quando começava a rezar pelo arrependimento, depois de terminar de rezar para que eu pudesse vê-la mais uma vez, pois, parecia ser preciso todas as minhas forças para dizer essas palavras como as nomeei. Pensei como Deus sabia o que estava em meu coração melhor do que eu podia dizer. Ninguém podia saber o quanto eu queria ver você.
Novamente eles afundaram no silêncio. Ellinor sentiu como se estivesse ausente e ativa na busca de sua libertação, mas ela também percebeu como sua presença era preciosa para ele, e não gostou de deixá-lo um momento antes do tempo permitido.
Sua voz mudara para uma fraca e enfraquecida, e entre os momentos de sua conversa, ele parecia recair em um estado de sonho, e através disso, ele segurou a mão dela com força, como se tivesse medo de que ela o deixasse.
Assim, a hora transcorreu, sem mais palavras do que as acima mencionadas. De tempos em tempos as lágrimas de Ellinor caíam sobre seu colo, ela não conseguia contê-las, apesar de saber a razão dela chorar naquele momento.
O tempo permitido para a conversa terminara. Ellinor não disse uma palavra, mas levantou-se, inclinou-se e beijou a testa do velho, dizendo:
— Voltarei amanhã. Deus te guarde e te conforte!
Quase sem uma palavra articulada dele em resposta, ele se levantou, e ficou em suas pernas trêmulas, enquanto ela se despedia, colocando sua mão na cabeça dele e com a velha marca habitual de respeito, ela seguiu seu caminho, saiu rapidamente da prisão, voltou com o Senhor Johnson para sua casa, pouco paciente ou forte o suficiente em sua pressa para explicar-lhe completamente tudo o que ela pretendia fazer.
Ela só lhe fez algumas perguntas absolutamente necessárias, e o informou de sua intenção de ir até Londres para ver o Juiz Corbet.
Pouco antes do vagão ferroviário no qual ela estava sentada começar a viagem, ela se inclinou para frente e estendeu sua mão mais uma vez para o Senhor Johnson.
— Amanhã, agradecerei por tudo. — suspirou ela. — Agora não posso.
Foi na mesma hora em que ela chegara em Hellingford na noite anterior, que ela chegou à estação Great Western naquela noite, às oito horas.
No caminho, ela se lembrara e arranjara muitas coisas, e uma pergunta importante que ela omitira do Senhor Johnson, mas isso foi facilmente remediado.
Ela não perguntara onde encontraria o Juiz Corbet, se o tivesse feito, o Senhor Johnson provavelmente daria para ela o seu endereço profissional. Ela precisou pedir o endereço no hotel. Após descobri o paradeiro do juiz, ela falou:
— Posso mandar um mensageiro para ele? — questionou ela, apressando-se, cansada e abatida como ela estava. — É só para perguntar se o Juiz Corbet está em casa esta noite. Se ele estiver, devo ir vê-lo.
O rapaz do hotel ficou um pouco surpreso, e foi de bom grado autorizar o inquérito.
O homem voltou com a resposta enquanto ela ainda estava andando pela sala inquieta e nervosa para o encontro.
— O mensageiro esteve na casa do juiz, senhora. Saíram ele e sua esposa para jantar.
“Senhora Corbet!”
É claro que Ellinor sabia que ele era casado. Ela não estivera presente no casamento na Catedral de Chester?
No entanto, de alguma forma, estes acontecimentos recentes a levaram de tal forma aos velhos tempos, que a associação íntima dos nomes, “o Juiz e Senhora Corbet”, parecia despertá-la de algum sonho.
— Oh! Muito bem! — falou ela, como se esses pensamentos não passassem rapidamente por sua mente. — Amanhã, na primeira hora do dia, estarei lá.
Ela foi para a cama, entretanto, mal conseguiu dormir.
Durante toda a noite, ela teve as cenas daqueles velhos tempos, os dias felizes de sua juventude, a única noite terrível que encurtou toda a felicidade presente diante dela.
Ela quase imaginava ouvir os sons longos e silenciosos dos passos de seu pai, a maneira dele respirar, o barulho de seu jornal enquanto ele o virava apressadamente, vindo através do lapso de anos, e o silêncio da noite.
Os tesouros dos mortos que o baú continha, o pedaço de costura delicada, o cacho dourado da irmãzinha, e a carta semiacabada ao Senhor Corbet, estavam todos lá.
Ela os tirou, e olhou para cada um separadamente, mas mirou para a carta de seu pai de forma longa e melancólica.
Ela se questionou, pois, estava prestes a colocar a carta de seu pai de volta em seu receptáculo. Ela leu as últimas palavras novamente, mais uma vez:
“De meu leito de morte, peço perdão de joelhos por qualquer coisa.”
— Sei o que devo fazer, meu pai! — pensou ela. — Não preciso tirá-la, muito provavelmente não haverá necessidade, depois do que eu falar. Tudo está tão alterado, tão mudado entre nós, como se nunca existira, que acho que não terei vergonha de mostrá-lo, por minha parte. Enquanto, se ele vê a humildade de você, papai querido, pode fazê-lo pensar mais gentilmente em alguém que o amou uma vez.
Ela levou a carta com ela quando foi até a casa do juiz.
Cada nervo em seu corpo estava em um estado de tensão tão alta que ela gritaria de pavor.
Ela saiu apressadamente, antes que alguém estivesse pronto ou disposto a responder a uma convocação tão inoportuna, pagou ao cocheiro o dobro que ele receberia, e ficou ali, tremendo e humilde.
Capítulo 16
— O Juiz Corbet está em casa? Posso vê-lo? — perguntou ela ao criado de libré, que respondeu longamente à porta.
Ele a olhou curiosamente, e um pouco familiarmente, antes de responder:
— Ora! Sim! Ele está em casa a esta hora do dia, mas se ele a verá, é uma coisa bem diferente.
— Você teria a bondade de perguntar? É um assunto muito particular.
— Você pode me dar um cartão? Se não o tiver, diga seu nome!
— Digo. O juiz já está de pé?
— Oh! Sim! Ele está em seu vestiário nesta meia hora. Minha dama está descendo. É hora do café da manhã. Você não pode adiar e voltar um pouco mais tarde? — indagou ele, voltando-se mais uma vez para Ellinor.
— Não! Por favor! Deixe-me entrar. Vou esperar. Estou certa de que o Juiz Corbet me verá, se você lhe falar que estou aqui. Senhorita Wilkins. Ele saberá o nome.
— Bem! Você vai esperar aqui até ele tomar o dejejum. — disse o homem, deixando-a entrar no salão, e apontando para o banco.
Ele a levou, e analisou o vestido dela. Ela parecia governanta, ou no máximo, filha de um comerciante, e, além disso, ele estava de olho em todos os preparativos. Ellinor entrou e sentou-se.
— Você lhe dirá que estou aqui?
— Oh! Sim! Acalme-se! Mandarei notícias, embora não acredite que ele virá até você antes de terminar o café.
Ele falou a uma criada, que correu para cima, e, batendo à porta do juiz, disse que uma senhorita Jenkins queria falar com ele.
— Quem? — perguntou o juiz de dentro.
— A Senhorita Jenkins. Ela disse que você saberia o nome, senhor.
— Não sei de quem se trata. Diga-lhe para esperar.
Então, Ellinor esperou, e descendo as escadas, com lenta dignidade deliberada, veio a bela Senhora Corbet, em suas sedas agitadas e saiotes amplos, carregando seu belo menino, e seguida por sua majestosa criada.
Ela ficou irritada por ver alguém ocupando o tempo de seu marido quando ele estava em casa, e supostamente estava desfrutando do lazer doméstico, e sua natureza imperiosa e irrefletida não a levou a nenhuma civilidade para com a gentil criatura sentada, cansada e triste de coração, em sua casa.
Pelo contrário, ela olhou para ela enquanto descia lentamente, até que Ellinor encolheu seu olhar dos seus grandes olhos negros.
Então ela, seu bebê e sua criada, desapareceram na grande sala de jantar, na qual todos os preparativos para o café da manhã foram levados.
A próxima pessoa a descer seria o juiz. Ellinor, instintivamente, pousou o véu. Ela ouviu seu rápido passo decidido, que já o conhecia de seu passado feliz.
Ele deu um de seus olhares aguçados e sagazes para a pessoa sentada no salão que esperava para falar com ele, e seu olho reconheceu imediatamente a senhora, apesar do vestido usado em viagem.
— Entre na sala! — discorreu ele, abrindo a porta de seu escritório, que ficava no começo da casa, a sala de jantar era atrás dessa porta, que se comunicavam através de portas dobráveis.
O astuto advogado se colocou de costas para a janela, era a posição natural do dono da casa, mas isso também lhe deu a vantagem de ver o rosto de Ellinor em plena luz.
Ellinor levantou o véu.
O semblante do juíz Corbet mudou mais que o dela, porque ela fora preparada para a entrevista, ele não.
Ele geralmente tinha o comando completo da expressão em seu rosto.
— Ellinor! Senhorita Wilkins! É você?
Ele foi em frente, estendendo sua mão com uma cordial saudação, sob a qual o embaraço, se ele sentiu algum, foi cuidadosamente escondido. Ela não podia falar tudo ao mesmo tempo, da maneira que desejava.
— A criada me garantiu que a Senhorita que me esperava se chamava Jenkins! Peço desculpas. Como Henry pôde colocá-la no corredor? Você deve entrar e tomar um café conosco. A Senhora Corbet ficará encantada, tenho certeza.
Seu senso do embaraço do encontro com a mulher que um dia seria sua esposa, e da provável introdução dela com a sua atual esposa de fato cresceu sobre ele, e o fez falar um pouco apressadamente.
As palavras seguintes de Ellinor foram um alívio maravilhoso, e sua maneira suave de falar era como o toque de um bálsamo refrescante.
— Obrigada, mas você deve me desculpar. Venho estritamente a negócios, senão nunca pensaria em chamá-lo a uma hora dessas. É sobre o pobre Dixon.
— Ah! Pensei o mesmo! — disse o juiz, entregando-lhe uma cadeira.
Ele tentou compor sua mente para os negócios, mas apesar de sua força de caráter e esforços, a lembrança dos velhos tempos voltavam ao som de sua voz.
Ele se perguntava se ele estava tão mudado na aparência quanto ela lhe pareceu estar naquele primeiro olhar de reconhecimento, que ele preferiu evitar encontrar os olhos dela.
— Eu sabia o quanto você sentiria isso. Alguém em Hellingford me falou que você estava no exterior, em Roma, suponho. Você não deve se afligir desnecessariamente, a sentença certamente será comutada para o transporte, ou algo equivalente. Eu estava conversando com o Ministro sobre isso ontem, à noite. O lapso de tempo e o bom caráter subsequente impossibilitam qualquer ideia de pena severa.
Enquanto Corbet falava isto, ele tinha outros pensamentos no fundo de sua mente, alguma curiosidade, um pouco de arrependimento, um toque de remorso, de maravilha no encontro que estava por vir entre a Senhora Corbet e Ellinor, mas ele falou claramente sobre o assunto em questão, e nenhum sinal externo de distração apareceu.
Ellinor respondeu:
— Vim para dizer para você, o que suponho que possa ser dito a qualquer juiz, na plena confiança em seu segredo, que Abraham Dixon não era o assassino. — ela parou curto e se engasgou um pouco.
O juiz olhou para ela com muita nitidez.
— Você sabe quem era?
— Sim! — ela respondeu, com uma voz baixa e firme, olhando-o de frente, com os olhos tristes e solenes.
A verdade lhe passou pela mente. Ele sombreou seu rosto, e não falou por um minuto ou dois. Então, ele disse, sem olhar para cima, um pouco rouco:
— Esta era a vergonha de que você me falou há muito tempo?
Ela assentiu.
Ambos se sentaram quietos por algum tempo. Através do silêncio, uma voz nítida e clara foi ouvida falando através das dobradiças das portas.
— Leve o café para baixo, e diga ao cozinheiro para mantê-lo quente para o juiz. É tão cansativo essas visitas de negócios, como se o juiz não tivesse suas horas adequadas para estar nos aposentos.
Ele se levantou apressadamente e foi para a sala de jantar, mas teve audivelmente alguma dificuldade em conter a irritação de sua esposa.
Quando ele voltou, Ellinor lamentou:
— Temo que não vim em boa hora.
— Oh! É tudo um disparate de minha esposa. — resmungou ele, em um tom de aborrecimento. — Você fez muito bem. — ele se sentou onde já estivera antes, e novamente cobriu a metade do rosto com a mão.
— Dixon soube disso. Creio que devo colocar o fato claramente para você, seu pai era o culpado? Ele assassinou Dunster?
— Sim! Se você chama isso de assassinato. Foi feito por um golpe, no calor da paixão de uma briga sem propósito. Ninguém pode dizer como Dunster sempre irritou o papai. — lastimou Ellinor, de uma maneira pesada, e então ela suspirou.
— Como você sabe disso? — havia uma espécie de relutância terna na voz do juiz, pois, ele precisava fazer todas essas perguntas.
Ellinor decidira de antemão, que algumas perguntas seriam respondidas, mas ela falou como uma sonâmbula.
— Entrei no quarto do papai logo após ele dar o golpe no Senhor Dunster.
— Qual era a parte de Dixon nisso? Ele sabia muito sobre isso. E a lanceta de cavalo que foi encontrada com o nome dele?
— Papai foi acordar Dixon, que trouxe sua agulha, suponho que para tentar sangrá-lo. Já expliquei o suficiente, certo? Parece que estou confusa. Mas vou responder a qualquer pergunta para provar que Dixon está inocente.
O juiz anotara tudo. Ele se sentou imóvel sem responder a ela.
Então, ele escreveu rapidamente, referindo-se ao seu trabalho anterior, de tempos em tempos.
Em cerca de cinco minutos ele leu os fatos que Ellinor declarara, e as arranjou, de uma forma legal e conectada.
Ele apenas lhe fez uma ou duas perguntas triviais enquanto escrevia. Em seguida, ele leu para ela o papel e pediu-lhe que a assinasse.
— Isto nunca se tornará público? — disse ela.
— Não! Cuidarei para que ninguém além do Ministro, veja isso.
— Obrigada! EU desejava que isso não chegasse neste ponto.
— Não há muitos homens como Dixon. — falou o juiz, quase para si, pois, ele manteve o segredo.
— Não! — afirmou Ellinor. — Nunca conheci ninguém tão fiel.
No mesmo momento, a reflexão sobre uma pessoa menos fiel que estas palavras pareciam implicar, atingiu os dois, e cada um olhou instintivamente para o outro.
— Ellinor! — exclamou o juiz, após um momento de pausa. — Somos amigos, espero...
— Sim! Amigos. — garantiu ela, silenciosa e tristemente.
Ele se sentiu um pouco decepcionado com a resposta dela e, ele mal podia dizer o motivo. Para cobrir qualquer sinal de seu sentimento, ele continuou a falar.
— Onde você está morando agora?
— Em Chester.
— Você vem às vezes aqui, não é mesmo? Avise-nos sempre, quando você vier, e Senhora Corbet a chamará. De fato, gostaria que você a conhecesse hoje.
— Obrigada! Vou para Hellingford imediatamente, pelo menos, assim que você puder conseguir o perdão para Dixon.
Ele quase sorriu para a ignorância dela.
— O perdão deve ser enviado ao xerife, que detém o mandado para sua execução. É claro, você pode ter todas as garantias de que ele será enviado o mais rápido possível. É o mesmo que se ele o tivesse agora.
— Muito obrigada!
Ellinor levantando-se.
— Quer tomar um café?
— Não, obrigada! Não quero ver a sua esposa. Você é muito gentil e estou muito contente em ver você mais uma vez. Há apenas mais uma coisa... — disse ela, colorindo um pouco e hesitando. — Esta carta para você foi encontrada debaixo do travesseiro de papai após sua morte, algumas partes se referem as coisas passadas, porém, eu ficaria feliz se você pudesse pensar o mais gentilmente sobre meu pobre papai e o perdoar.
Ele o pegou e leu, não sem emoção. Então, ele o colocou em sua mesa, e articulou:
— Pobre homem! Ele sofrera muito pelo trabalho daquela noite. E você, Ellinor, você também sofreu.
Sim, ela sofrera, e aquele que falava fora um dos instrumentos do seu sofrimento, embora esquecesse disso.
Ela balançou um pouco a cabeça para responder. Então, ela olhou para ele, ambos estavam de pé, e ela disse:
— Acho que agora vou ser feliz. Eu sempre soube que a verdade surgiria. Mais uma vez, adeus e obrigada! Posso pegar esta carta, suponho...
Ela lançou invejosos olhos amorosos ao bilhete de seu pai, deitado sem consideração sobre a mesa.
— Oh! Certamente! — respondeu ele, pegando a mão dela, a segurando, enquanto olhava em seu rosto.
Ele pensara que mudara quando a viu pela primeira vez, mas agora era quase a mesma coisa que antigamente.
Os olhos doces e tímidos, a covinha indicada na bochecha e algo de febre amorosa traziam uma luz cor-de-rosa tênue para suas bochechas geralmente incolores.
Embora ele fosse casado, ele não tinha certeza se ela não tinha mais encantos para ele ainda na sua tristeza e na sua falta de jeito do que a bela e imponente esposa na sala ao lado, cujo aspecto não fora do mais agradável quando ele a deixou alguns minutos antes.
Ele suspirou um pouco pesaroso enquanto Ellinor se afastava. Ele obteve a posição pela qual lutara e se sacrificara, mas agora não podia deixar de desejar que a criatura abatida, deitada sobre o santuário de sua ambição, estivesse viva novamente.
Ele sentou para o dejejum, pegou o jornal, mas ele não viu uma palavra da folha escrita.
Sua esposa, por sua vez, continuou suas queixas sobre o visitante inoportuno, cujo nome ele não deu na forma corrigida, pois, ele não queria que ela identificasse o chamado daquela manhã com um possível futuro conhecido.
Quando Ellinor chegou à casa do Senhor Johnson em Hellingford naquela tarde, ela descobriu que a Senhorita Monro estava lá, e que ela fora com muita dificuldade impedida pelo Senhor Johnson de segui-la até Londres.
A Senhorita Monro acariciou e ronronou através de suas lágrimas sobre sua querida, antes que ela falasse inteligentemente o suficiente para dizer-lhe que o cônego Livingstone viera para vê-la imediatamente em seu retorno a Chester, e sugerira sua viagem a Hellingford, a fim de que ela pudesse dar o conforto que pudesse para Ellinor.
A princípio, ela não deixou escapar que ele a acompanhara até Hellingford, ela tinha um pouco de medo do desagrado de Ellinor por ele estar lá, porque Ellinor sempre se opôs tanto a qualquer avanço em direção à intimidade com ele, que a Senhorita Monro não quis falar. Contudo, Ellinor estava diferente.
— Como você está branca, Nelly! — avaliou a Senhorita Monro. — Você tem viajado muito, minha filha.
— Minha cabeça dói! — reclamou Ellinor, cansada. — Devo ir ao castelo, e dizer ao meu pobre Dixon que ele está repreendido, estou tão cansada! Você vai pedir ao Senhor Johnson que me peça para sair para vê-lo? Ele saberá tudo sobre isso.
Ela se jogou na cama do quarto de hóspedes, a cama com as cortinas azuis pesadas. Depois de uma demonstração não atendida, a Senhorita Monro foi fazer o que ela pedira.
Já era tarde, e o Senhor Johnson disse que seria impossível para ele obter a permissão do xerife naquela noite.
— Além disso... — começou ele, educadamente. — Mal se sabe se a Senhorita Wilkins pode não dar falsas esperanças ao velho, se ela não está animada para ter falsas esperanças, pode ser uma cruel bondade deixá-la vê-lo, sem mais certeza legal sobre qual será sua sentença, ou indulto. Até amanhã de manhã, se eu tiver entendido bem sua história, que estava um pouco confusa...
— Ela está tão terrivelmente cansada, pobre criatura. — falou a Senhorita Monro, que nunca pôde suportar a sombra de uma suspeita de que Ellinor não era a mais sábia.
O Senhor Johnson continuou, com um arco depreciativo:
— Bem, então, é realmente o único curso aberto para ela, além de persuadi-la a descansar nesta noite. Até amanhã de manhã terei obtido a licença do xerife, e ele provavelmente, ouvirá falar de Londres.
— Obrigada! Acredito que será o melhor.
— É o único curso. — assegurou ele.
Quando a Senhorita Monro voltou ao quarto, Ellinor estava em um sono febril pesado, tão febril e desconfortável que após a hesitação de um ou dois momentos, a Senhorita Monro não teve nenhum escrúpulo em acordá-la.
Ela não parecia compreender a resposta ao seu pedido, e parecia nem se lembrar que fizera qualquer pedido.
A viagem à Inglaterra, a miséria e as surpresas, foram demais para ela.
A manhã de amanhã chegou, trazendo o perdão formal para Abraham Dixon. A ordem do xerife foi dada.
Durante dias, não semanas, ela pautou entre a vida e a morte, pela Senhorita Monro, enquanto a boa Senhora Johnson estava sempre disposta a ajudar.
Em uma noite de verão, no início de junho, ela acordou em memória, a Senhorita Monro ouviu a voz suave, enquanto mantinha seu relógio ao lado da cama.
— Onde está Dixon? — perguntou ela.
— Na casa do Senhor Livingstone, em Bromham.
Este era o nome da paróquia do condado do Senhor Livingstone.
— Por quê?
— Achamos melhor levá-lo para o ar do campo e cenas frescas de uma vez.
— Como ele está?
— Muito melhor. Fique forte, e ele virá para vê-la.
— Você tem certeza de que tudo está bem? — indagou Ellinor.
— Claro, minha querida. Tudo está muito bem.
Ellinor foi dormir de novo por muita fraqueza e cansaço.
A partir daquele momento, ela se recuperou com muita firmeza. Com o grande desejo de voltar para Chester o mais rápido possível. As associações de tristeza, ansiedade e doença vindoura, ligadas com Hellingford, fizeram com que ela desejasse estar novamente na reclusão solene, tranquila e ensolarada de Chester.
O Senhor Livingstone veio para ajudar a Senhorita Monro a administrar a viagem, mas ele não se intrometeu nos assuntos de Ellinor, assim como não fizera ao voltar para casa.
Na manhã seguinte ao seu retorno, a Senhorita Monro perguntou:
— Você se sente forte o suficiente para ver Dixon?
— Ele está aqui?
— Ele está na casa do Livingstone. Ele mandou chamá-lo de Bromham, para que ele pudesse estar pronto para que você o visse quando quisesse.
— Por favor, deixe-o vir! — implorou Ellinor, ruborizando e tremendo.
Ela foi até a porta para se encontrar com o velho que cambaleava, e o conduziu até a cadeira que fora colocada e arranjada, ela se ajoelhou diante dele, que colocou suas mãos na cabeça dela.
— Perdoe-me toda a vergonha e miséria, Dixon. Diga que me perdoe, e me dê sua bênção. E que nunca se fale uma palavra do terrível passado entre nós.
— Perdoar? Isso não cabe a mim, como nunca fez mal a ninguém.
— Diga que você faz, isso vai aliviar meu coração.
— Te perdoo! — disse Dixon.
Então ele se levantou com esforço e, levantando-se acima dela, abençoou-a solenemente.
Depois disso, ele se sentou, ela ao seu lado, olhando para ele.
Não se falou mais sobre o assunto.
No dia seguinte, o Senhor Livingstone fez seu chamado formal.
Ellinor teria negado, com a Senhorita Monro na sala, mas aquela digna senhora sabia melhor.
Eles continuaram, forçando a conversa sobre assuntos indiferentes.
Finalmente ele não podia mais falar sobre tudo, mas sobre aquilo que mais tinha no coração.
— Senhorita Wilkins! — ele tinha se levantado, e estava ao lado da lareira, aparentemente examinando os ornamentos sobre ela. — Senhorita Wilkins! Há alguma chance de você me dar uma resposta favorável agora, você sabe o que quero dizer, sobre o que conversamos no Hotel, naquele dia?
Ellinor pendurou sua cabeça.
— Você sabe que eu já estive noiva antes?
— Sim! Sei! Com o Senhor Corbet, que agora é o juiz, você não pode supor que isso faria qualquer diferença. A amo, desde que nos conhecemos, há dezoito anos. Senhorita Wilkins, Ellinor, tire-me do suspense.
— Aceito! — disse ela, estendendo sua mão branca e fina para ele pegar e beijar, quase com lágrimas de gratidão, mas ela parecia assustada com sua impetuosidade, e tentou verificá-lo. — Espere! Você não ouviu todo. Meu pobre pai, em um ataque de raiva, irritado além de seu rumo, golpeou o Senhor Dunster. Dixon e eu sabíamos disso, logo depois que o golpe foi dado. Ajudamos a escondê-lo, guardamos o segredo. Meu pobre pai morreu de tristeza e remorso, você agora sabe tudo, você ainda pode me amar? Penso que sou cúmplice de uma coisa tão terrível!
— Pobre Ellinor! — falou ele, agora tomando-a em seus braços como um abrigo. — Como eu gostaria de saber de tudo isso anos atrás! Eu ficaria entre você e tanta coisa!
Aqueles que passam pela aldeia de Bromham, e fazem uma pausa para olhar sobre o corredor de louros entre o jardim da reitoria e a estrada, podem muitas vezes ver, nos dias de verão, um homem velho, sentado em uma cadeira de vime, sobre o gramado.
Ele se inclina sobre seu bastão, e raramente levanta sua cabeça dobrada, seus olhos estão no mesmo nível das duas pequenas fadas que vêm até ele em todas as suas pequenas alegrias e tristezas, e que aprenderam a apertar seu nome quase tão logo fizeram o de seu pai e sua mãe.
A Senhorita Monro também não está ausente com frequência, e embora ela prefira manter a velha casa para os aposentos de inverno, ela geralmente faz seu caminho até a residência do Senhor Livingstone todas as noites.
Elizabeth Gaskell
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