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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O SEGUNDO HOMEM / Yvonne Whittal
O SEGUNDO HOMEM / Yvonne Whittal

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O SEGUNDO HOMEM

 

A voz do conferencista soava monótona no salão de convenções do Hotel Caribbean e Anna Lindsay não conseguia prestar a mínima atenção ao que ele dizia. Aliás, só estava ali porque Morris Porter tinha pedido e, felizmente, aquele era o terceiro e último dia que precisava fazer isso. Olhou distraidamente para os lados: parecia mentira que há seis meses vivia uma outra fase de sua vida. Lembrou-se da insistência dos pais para que deixasse Johanesburgo e aceitasse aquele emprego de recepcionista e contadora do hotel administrado por Morris Porter e a esposa, Sheila. O casal era amigo de sua família há muitos anos e procurava alguém de confiança para traba­lhar com eles.

Anna logo sentiu a diferença entre o escritório de contabilidade em que trabalhava e o Caribbean, que ficava muito bem localizado em Durban, uma das cidades costeiras mais conhecidas da África do Sul. Mas fugir da vida monótona que levava não foi a única razão para Anna deixar todas as coisas de que gostava e sua casa, onde viveu até os vinte e cinco anos.

Somente ela sabia o que realmente a tinha feito tomar uma decisão drástica. Era algo de que preferia não se lembrar. Felizmente o trabalho a mantinha suficientemente ocupada para não ter tempo para pensar. Aliás, não tinha tido tempo ainda nem para fazer um balanço de sua própria vida e das mudanças por que passou desde a chegada a Durban. Não sabia nem mesmo dizer em que tipo de mulher estava se transformando...

Neste momento, seus pensamentos foram interrompidos por um movimento do conferencista que se virou para o quadro negro. Anna se sentiu um pouco culpada por não prestar atenção e procurou se concentrar no que ele dizia. Mas seu esforço durou apenas alguns minutos. Novamente se viu com o pensamento longe, desta vez tentan­do descobrir o porquê daquela sensação incómoda de estar sendo observada. Tentou não olhar para os lados. Afinal, já devia ter se acostumado com os olhares dos homens. Principalmente ali, onde era a única mulher presente. Por mais que se esforçasse, porém, a sensação continuava.

Um frio percorreu-lhe a espinha e uma força, uma estranha força, pareceu chamá-la. Virou então levemente a cabeça e bateu com os olhos mais azuis que já havia visto em sua vida. E resolveu enfrentá-los.

Olhou para seu dono friamente, com seu modo altivo e distante, certa de que iria embaraçá-lo. Mas ele não pareceu se incomodar nem um pouco. Ao contrário, continuou olhando-a da mesma forma. Elegante, seguro de si, com o seu rosto intensamente bronzeado, foi ele quem acabou fazendo Anna desviar o olhar.

Não era a primeira vez, nos últimos seis meses, que ela se encon­trava frente a frente com Scott Beresford. Aliás, considerando-se que ele era dono do Caribbean, e de uma cadeia de hotéis ao longo da costa de Natal, nada mais normal do que vê-lo de vez em quando. Só não conseguia entender por que ele estava assistindo a uma confe­rência tão sem importância como aquela. Talvez tenha vindo só dar uma olhada, pensou. E, confirmando seu pensamento, olhou nova­mente na direçào dele e viu que não estava mais ali.

Lembrou-se da primeira vez que viu Scott. Ele logo chamou sua atenção, o que não era de se estranhar, já que era muito alto e excepcionalmente bonito. Cabelos castanhos e lisos, ombros largos, quadris estreitos. Scott fazia um tipo muito atraente.

Mas para Anna isso nada significava. Na verdade, homem nenhum conseguia chamar sua atenção o suficiente para fazer seu coração bater mais depressa. Não depois de Andrew Tait. Ele, somente ele, tinha conseguido deixá-la cega durante anos. Lembrou-se do tempo em que o adorou desesperadamente sem imaginar que, em dias, ele a trocaria por outra. Ainda hoje seu coração doía com a lembrança. Nem parecia que seis meses haviam passado. Era como se fosse ontem! Sabia que nunca mais conseguiria amar: os homens para ela estavam mortos, todos mortos... Sentia-se condenada à solidão e à amargura para toda a vida.

Ainda deprimida com seus pensamentos, Anna escolheu uma mesa para almoçar. A conferência só continuaria dali a uma hora. Tinha tempo suficiente para fazer uma refeição e se distrair um pouco.

— Posso sentar?

Ela levantou os olhos e não acreditou no que viu. Dentro de um perfeito e elegante terno de verão, Scott Beresford estava na sua frente! E puxando uma cadeira para se sentar diante dela, como se isso fosse muito normal! Irritada com a segurança dele, Anna não conseguiu deixar de comentar friamente.

— Há outras mesas.

— Ah, sim, eu enxergo muito bem. Mas nenhuma delas tem uma mulher tão bonita sentada. E eu adoro mulheres bonitas. Ajudam a digestão... — O sorriso era cordial, mas impertinente.

— Tem problemas de digestão? Um bom remédio pode resolver... — ela falou, irónica.

— Ora, para que gastar dinheiro se posso obter o mesmo efeito... de graça? — ele respondeu simplesmente, fingindo não ver o ódio dela. E fez seu pedido ao garçom, voltando a olhá-la com evidente admiração.

— Sou Scott Beresford — ele continuou, como se precisasse se apresentar. — E você é Anna Lindsay, não é?

— Parece que está bem informado.

— Sempre me informo sobre as pessoas que me interessam.

— É? Pois acho que não há nada em mim que possa interessá-lo. — Ela não conseguia esconder a irritação. Não sabia por que, mas Scott a deixava nervosa.

— Está enganada. Você é uma mulher muito atraente. Veja só como os homens a olham!

— Não precisa me dizer isso! — Anna sabia que estava sendo pretensiosa, mas achou que era uma boa forma de acabar com a segurança dele. — Acontece que todos têm sido mais discretos do que você e nunca me olharam com tanta insistência — ela adotou um tom de voz suficientemente frio para cortar o assunto.

— Pareço insistente? — ele falou, desconhecendo a raiva dela, o que só conseguiu irritá-la ainda mais.

— Sabe muito bem que sim. — Agora ela já tinha adotado aquele tom agressivo que sempre conseguia afastar os homens de seu caminho.

Mas só que nada parecia afetar Scott Beresford. No mínimo, ele pensa que vou cair em seus braços só porque é bonito e meu patrão, Anna concluiu com raiva.

— Acho que você não acredita que eu a acho atraente, — ele comentou com uma voz que, ela teve de admitir, era profundamente agradável e insinuante.

Já se preparava para dar uma resposta cortante quando serviram o almoço. Fizeram a refeição em silêncio, mas Anna sentiu que estava sendo observada o tempo todo. Só quando o café chegou, ele voltou a falar:

— Você parecia não estar prestando nenhuma atenção à conferência hoje cedo.

— Achei o tema elementar e o tratamento muito repetitivo.

— Mas em alguns pontos foi interessante — ele rebateu, oferecen­do-lhe uma elegante cigarreira que ela afastou com um gesto. Em seguida, pegou um cigarro de seu próprio maço e acendeu-o antes que ele tivesse tempo de fazê-lo.

— Para mim o conferencista nada disse de novo.

— Bem, vejo que estou diante de uma profunda conhecedora do assunto...

Era difícil perceber se ele estava francamente admirado ou duvi­dando da inteligência dela.

— Trabalhei vários anos em uma firma de contabilidade em Johannesburg — ela respondeu calmamente e desviou os olhos, pois acabava de ver, aliviada, Morris Porter entrando no restaurante. Este pareceu bastante surpreso quando se dirigiu à mesa.

— Já conhecia Anna, sr. Beresford?

— Encontrei-a esta manhã durante a conferência.

— Não pensei que fosse almoçar por aqui hoje...

— Realmente, Morris, eu não pretendia. — Scott sorriu e olhou bem firme para Anna. — Mas quando a srta. Lindsay me convidou, não pude recusar!

Pela primeira vez em sua vida, Anna ficou sem ter o que falar. Francamente, que descaramento! Como ele podia mentir daquele jeito? Os olhos dela brilhavam de ódio!

Morris olhava-a curiosamente, mas como ela nada dissesse, resolveu mudar de assunto:

— Como foi a conferência?

— Nada de novo... — ela respondeu quase que repreendendo-o por tê-la obrigado a ir.

— Eu imagino que para você sim — ele admitiu, não sem deixar de comentar com Scott. — Sabe, sr. Beresford, não imagina como Anna consegue manter em dia a contabilidade do Caribbean.

Anna gostava de elogios, mas desta vez sentiu-se embaraçada. Era o olhar insistente de Scott que a deixava assim...

— Elogios não pagam minhas contas, Morris — ela disse, sabendo que não estava sendo nada gentil com o amigo, mas sentindo que tocaria Scott.

Surpreso, Morris deu-lhe um tapinha nos ombros:

— Ora, ora! Bem, eu já devia saber que as mulheres mostram as garras quando menos se espera! Com licença — ele se afastou sorrindo e piscando o olho para Anna.

Ela gostava de Morris e também sorriu ao ver seu corpo alto e ligeiramente curvado se afastando. Não se deu conta de que sorria pela primeira vez junto de Scott e nem imaginou o quanto aquele sorriso revelava sobre sua sensibilidade. Mas durou só uns segundos. Sua expressão gelou assim que sentiu novamente o olhar de Scott fixo em seu rosto.

— Não tinha o menor direito de dizer a Morris que eu o convidei para almoçar. Foi uma mentira e sabe muito bem disso.

— Faz alguma diferença? — ele perguntou impaciente, demons­trando pouco caso pelo assunto. — E, por falar nisso, quer jantar comigo esta noite?

Anna realmente não esperava pelo convite. Era a segunda vez, em minutos, que ele a deixava desconcertada. Mas logo se recompôs, respondendo no tom de voz mais frio que conseguiu arranjar.

— Você sabe que moro e trabalho aqui no Caribbean. Se ficar por aqui, fatalmente nos veremos no jantar.

— E você sabe muito bem que eu a convidei para jantarmos a sós e em outro lugar. — Ele fez um gesto impaciente com a mão, que ela notou ser longa e bonita, além de muito masculina. Mas desviou o olhar, decidida a não notar mais nada nele e recusar o convite.

— Eu mal o conheço, sr. Beresford...

— Meu nome é Scott e eu a estou convidando para jantar comigo, srta. Lindsay. Não para deitar comigo.

Anna respirou fundo.

— Você é sempre assim, claro e direto?

— Só quando a outra pessoa não percebe com que tipo de gente está lidando. Afinal, quer ou não quer jantar comigo esta noite?

Ela teve vontade de dizer logo que não, mas alguma coisa dentro dela fez mudar sua atitude, inesperadamente.

— Aceito, obrigada — ouviu-se dizendo, para seu próprio desgosto. Mas ficou satisfeita quando viu ele erguer as sobrancelhas com ar de surpresa. Agora marquei ponto para mim, pensou, antes de comentar inocentemente: — Mas você parece tão espantado!

— Não esperava que aceitasse tão depressa.

— Desapontei você? — Ela sorriu ao ver que o tinha deixado embaraçado,

— Pelo contrário. Gosto de mulheres que decidem logo o que querem.

Eles deixaram o restaurante e foi ele quem confirmou: — Espero você na entrada do hotel, às seis e meia.

Anna concordou e voltou para a conferência. Não conseguiu prestar atenção em nada. Só pensava se devia mesmo ter aceito o convite tão depressa. Scott era o homem mais desconcertante que já havia conhe­cido e algo nele a perturbava profundamente. Ao mesmo tempo que a irritava, despertava também sua curiosidade. Pensando bem, ele era um completo estranho. Só sabia que era dono do Caribbean e que o tinha visto em algumas ocasiões quando se reunira com Morris para tratar de negócios. Por que se sentia desafiada por ele? Agora já estava arrependida de ter aceito o convite. Ele fez um jogo e eu caí direitinho!, pensou, aborrecida.

 

Quando terminou a conferência, no fim da tarde, Anna ainda estava praguejando contra si mesma por ter se deixado envolver por Scott Beresford. Mas se mudasse de ideia, agora, ele só iria ganhar mais vantagem! Seu convite tinha sido um desafio. Ela o aceitou!

Agora, teria de jantar com ele naquela noite, só para provar a si mesma que podia manter a cabeça fria e se divertir na companhia de outro homem que não fosse...! Não! Ela procurou controlar seus pensamentos! Não queria pensar em Andrew, e nem nas horas maravi­lhosas que havia passado com ele antes que sua irmã terminasse a universidade, voltasse para casa e o fascinasse completa-mente. Estava tudo acabado, ela confirmou a si mesma, apertando o botão do eleva­dor e procurando pensar somente na roupa que usaria naquela noite.

 

Logo depois das seis, ouviu uma batida na porta do quarto. Sheila Porter, com seus cabelos grisalhos, entrou calmamente fechando a porta atrás de si.

— Vai sair, Srta.? — ela perguntou olhando com aprovação para o vestido de noite bordado, enquanto Anna se maquilava.

— Vou — confirmou, passando batom e olhando o efeito no espelho. — Vou jantar com Scott Beresford.

Sheila ficou uns segundos em silêncio. Depois falou:

— Claro que sabe quem é Scott, mas devo avisá-la de que ele tem um jeito especial com as mulheres. E eu não quero que você se magoe novamente, Anna.

Ela olhou para Sheila pelo espelho e a preocupação da amiga a comoveu.

— Obrigada peio aviso, Sheila — disse sinceramente. — Sei que o sr. Beresford é atraente e muito gentil. Mas não sou nenhuma tola. Estou indo jantar com ele só para sair um pouco... só isso.

— Ainda bem.

— Ainda bem? — ela repetiu, confusa.

— É, realmente não estou muito feliz com a sua escolha, mas é bom que saia em vez de continuar fechada no quarto todas as noites. — Sheila sorriu. — Já era hora...

— Humm... acho que sim — Anna respondeu distraída, dando mais uma olhada no espelho e arrumando o cabelo castanho-escuro.

Desde que chegara em Durban, ela não tinha mais cortado os cabelos, o que permitia que os prendesse durante o dia e também os usasse soltos, na altura dos ombros, como estava agora. Esse penteado suavizava os seus traços ainda mais, contrastando lindamente com os olhos verdes que, no entanto, continuavam frios e distantes, escon­dendo a sua mágoa, uma ferida que parecia não ter cura.

— Morris e eu pensávamos que você nunca esqueceria Andrew — Sheila comentou alegre, mas logo percebeu seu erro ao ver que Anna se levantava nervosa e a olhava friamente.

— Eu nunca vou esquecer Andrew. O fato dele estar casado com minha irmã não muda em nada o que sinto — falou rispidamente.

— Desculpe, Anna.

— Não se desculpe, Sheila. — Anna acalmou-se e tocou o braço daquela mulher que estava sendo sua segunda mãe naqueles últimos meses. — Se alguém tem que pedir desculpas, sou eu. Não tinha direito algum de agredi-la por causa das minhas frustrações.

— Entendo, querida. E não quero mais perturbar você. — Sheila sorriu. Sua gentileza fez Anna se sentir mais envergonhada ainda.

— Que tal meu vestido? — ela perguntou, depois de um curto silêncio.

— Lindo! — Sheila suspirou dando um passo para trás, a fim de observá-la melhor. O modelo realçava a pele e corpo perfeitos de Anna . — Mas você está sempre maravilhosa, querida, não importa o que vista

Anna sorriu, enquanto abraçava a outra.

— Eu não estava querendo elogios, mas de qualquer modo, muito obrigada.

— Bem, vou descer, senão Morris pensará que fugi — Sheila comentou, saindo, mas logo depois voltou a abrir a porta e sorriu para Anna. — Divirta-se, querida!

Anna ficou apreensiva. Não sabia se ia se divertir naquela noite com Scott Beresford. Mas dizia a si própria que, pelo menos, estava tentando começar vida nova. Não queria ficar sentada, chorando para sempre... não era do seu temperamento... No fundo, porém, sabia que a dor da perda sempre estaria lá, machucando sua vida, não importava o que ela fizesse.

 

Pontualmente, Scott Beresford estava lá, esperando por ela na entrada do hotel. Tinha de admitir que ele parecia mais bonito e atraente do que nunca, num terno perfeito para a ocasião. Assim que a viu, ele sorriu e seus olhos azuis a examinaram cuidadosamente. Depois pegou seu braço e levou-a pela noite fria até o estacionamento, onde havia deixado o Mercedes.

— Pensei que eu fosse ter que esperar muito — ele comentou, dando a partida no carro. — É a primeira vez que vejo uma mulher chegar pontualmente a um encontro.

— Sou pontual em tudo. Acho que é um vício do meu trabalho.

— Pelo que vejo, você foi uma ótima aquisição profissional para o Caribbean.

Anna ficou em dúvida, sem saber se ele estava brincando ou elogiando-a de fato. A expressão dele nunca revelava nada sobre seus pensamentos!

Scott dirigiu o tempo todo em silêncio. Pegou a estrada costeira, pois escolheu um restaurante bem afastado da cidade. Somente depois de estarem sentados à mesa, tomando seus drinques, foi que Scott puxou assunto com ela. Ele era inteligente, não havia dúvida, e sabia tomar qualquer conversa agradável. Enquanto jantavam, trocaram muitas opiniões.

Falaram sobre a conferência no hotel e ele ouviu com muita atenção as opiniões dela. Depois do café, pediu licores. Anna não sabia dizer se foram os licores ou o vinho que haviam tomado durante o jantar. A verdade é que ela estava se sentindo mais leve e muito à vontade, à luz das velas, quando falou:

— Parece que já “discursei” bastante sobre as minhas ideias e teorias esta noite. Que tal agora me contar alguma coisa sobre você?

— O que gostaria de saber? — ele perguntou, sorrindo.

— Qualquer coisa, o que você quiser me contar — ela disse, procurando se fixar nos botões da camisa dele e não naqueles olhos penetrantes.

— Minha casa é em Amazibu Bay, na costa sul, e fica pratica­mente na praia.

— Amazibu Bay — ela repetiu lentamente. — Que nome estranho para uma cidade.

— Ê uma palavra africana e, na verdade, quer dizer lírio, baía do lírio — ele explicou calmamente. — Há muitos lírios do brejo ao longo dos rios e quando os rios transbordam as flores são levadas para a praia. Daí o nome: Amazibu Bay.

— Baía do Lírio — ela brincou. — Parece muito romântico.

— Sim, eu também sempre achei.

— Você é casado? — ela resolveu dar vazão à sua curiosidade.

— Viúvo — ele sorriu e olhou suavemente os ombros dela. E de repente, mesmo sem querer, ela sentiu que aqueles olhos faziam seu sangue correr mais depressa. — Você é linda, Anna.

— Obrigada — ela falou friamente, endireitando-se e procurando escapar do magnetismo dele. — Mora sozinho em sua casa em Amazibu Bay? — mudou depressa de assunto.

— Minha tia mora comigo e, aliás, me aguenta admiravelmente... principalmente levando-se em conta a vida irregular que tenho — ele respondeu sorrindo e, curvando-se sobre a mesa pequena, voltou à carga. — Sabia que quando a luz bate em seus cabelos eles parecem pegar fogo?

O tom quente e acariciante da voz dele fez com que ela estremecesse, mas procurou se manter distante.

— Estávamos falando sobre a sua casa.

— Você é muito mais interessante do que a minha casa — ele insistiu com os olhos brilhando, brincalhões e perturbadores. — Como conseguiu permanecer solteira até agora? Deve estar com... vinte e um?

— Vinte e cinco — ela corrigiu, levantando a cabeça com orgulho.

— Deve ter havido muitos homens querendo casar com você... ou será que os espantava com sua atitude distante?

— Eu não sei — ela disse friamente, achando que ele estava tocando em um assunto que não lhe dizia respeito.

— Deve ter havido alguém especial — Scott continuou, sem se perturbar com as tentativas de Anna em cortar a conversa.

— Isso não é da sua conta! — ela explodiu.

— Eu já devia ter previsto que o seu temperamento combinava com seus cabelos fogosos — ele riu baixinho. E, como que para ajudá-lo, um conjunto musical começou a tocar suavemente. Vários casais saíram para a pista. Ele estendeu a mão para Anna, convidando: — Vamos dançar?

Ela não estava com a menor vontade de dançar, mas não havia como escapar. Scott a segurou com firmeza, mantendo-a bem junto de si e fazendo com que ela sentisse os nervos vibrando pelo contato daquela masculinidade.

— Se não se importa — ela conseguiu empurrá-lo, com os olhos bri!ban!es de irritação. — Eu gosto de respirar enquanto danço!

Ele afrouxou o braço, dando mais liberdade a ela, mas seu sorriso fez o coração de Anna disparar descontroladamente.

— Você é muito fria, Anna. Fria e distante. Mas acho que goslo de você assim mesmo.

— O que quer dizer com isso? — ela perguntou.

— Eu sempre gostei de desafios — ele explicou, com uma arrogân­cia que a fez sentir um arrepio. — E você é um desafio ao qual acho difícil resistir.

Anna olhou-o, tentando entender o significado daquilo tudo. E pela primeira vez notou que havia algo de familiar nele. Era o maxilar, duro, expressando absoluta resolução. Lembrava Andrew na última vez em que o viu. Foi quando ele lhe disse, de forma clara e definida, que queria casar com sua irmã.

— Acho que não estou sendo justo com você, Anna — Andrew havia comentando então, com firmeza. — Mas, com ou sem a sua aprovação, Debbie e eu vamos nos casar.

Ela não pôde fazer nada. Com o coração em pedaços, esperanças mortas, enfrentou a realidade: sua irmã Debbie, muito mais jovem que ela, havia se transformado numa moça linda, alegre, cheia de vida, e conquistado o coração de Andrew em pouco tempo. Uma coisa que ela não tinha conseguido em cinco anos! E isso era o mais terrível de aceitar...

A música parou e Scott continuou com o braço em torno da cintura dela, acompanhando-a até a mesa.

— Tenho a sensação de que você não estava dançando comigo — ele acusou quando sentaram e Anna sorriu.

— Fica ofendido quando percebe que alguém está com você só fisicamente e não mentalmente? — perguntou sorrindo com pouco caso, embora surpresa pela capacidade de percepção dele.

— Nem um pouco — ele respondeu calmamente, acendendo um cigarro. — Você tem todo o direito de manter a intimidade dos seus pensamentos. Mesmo porque eu também tenho pensamentos que não quero dividir com ninguém.

A resposta dele não a surpreendeu. É claro que, tendo sido casado, provavelmente teria momentos e lembranças, como ela, que provoca­riam dor ou amargura. De repente, sentiu uma vontade inexplicável de saber mais sobre Scott, mas se conteve. Resolveu respeitar a intimi­dade dele assim como ele respeitava a dela.

Já era mais de meia-noite quando os dois chegaram ao Caribbean e o porleiro os cumprimentou. Anna e Scott entraram e ele apertou o botão do elevator, sem dizer nada. Era um silêncio bom e, apesar do cansaço, Anna sentia-se bem. Além do mais, inexplicavelmente ela agora não estava tensa ao lado de Scott.

O elevador parou no terceiro andar.

— Vou embora amanhã bem antes do café. Mas nós nos veremos qualquer dia destes — ele disse, quando ela saiu para o corredor.

— Acho que não. — Ela não queria encontrá-lo de novo.

— Amazibu Bay não é do outro lado do mundo, você sabe disso. — Ele riu e seus dentes contrastaram com a pele bronzeada. — Fica a pouco mais de uma hora de Durban.

— Não desperdice sua gasolina — Anna insistiu. Estava sendo proposital-mente distante e isso a tornava ainda mais atraente para Scott, embora ela não percebesse.

— Para ver você de novo, gasto meu dinheiro sem pensar.

Não. Ela não queria continuar com aquilo. Tinha concordado em jantar com ele naquela noite, mas não iria encorajá-lo a ir adiante. Por isso, procurou falar do modo mais frio e formal que conseguiu:

— Foi muita gentileza sua me convidar para jantar esta noite, Scott. Muito obrigada mesmo. Mas, por favor, não me procure de novo, a não ser para tratar de assuntos referentes ao hotel.

— Eu vou procurá-la, sim — ele falou decidido. E, então, inesperadamente, tomou-a nos braços e beijou-a intensamente, fazendo o corpo dela vibrar de emoção.

— Boa noite, Anna — ele disse suavemente, com um sorriso indeci­frável nos lábios, enquanto soltava-lhe o corpo. E momentos depois o elevador o levou embora.

Só quando ela fechou a porta do quarto e acendeu as luzes foi que saiu do estado de encantamento em que havia mergulhado. Logo se olhou no espelho, procurando ver se alguma coisa estava diferente nela. Andrew a tinha beijado muitas vezes, mas nunca como Scott. Oh, como ela desejou que Andrew a beijasse daquele jeito... pelo menos uma vez... pensou, sentindo um desejo incontrolável. Talvez, se fechasse os olhos e revivesse aqueles momentos nos braços de Scott, poderia fingir que ele era Andrew. Foi o que tentou, mas, para seu desespero, os traços de Andrew foram substituídos pelos de Scott e era também de Scott o beijo que sentiu queimando em sua boca.

— O que adianta isso! — ela disse a si mesma. — Estou me comportando como uma criança e me desesperando por nada!

Foi com alívio que, na manhã seguinte, Anna voltou à rotina do trabalho. Passou o tempo todo tentando esquecer o encontro com Scott Beresford. O beijo dele parecia ainda queimar seus lábios e ela sentiu que estava entrando num processo perigoso. Por isso, afastou-o de seus pensamentos com toda a força disponível e se concentrou nas contas do hotel.

À tarde, já se sentia mais relaxada e a noite anterior parecia mais distante, como um sonho. Sentou-se com Morris e Sheila para o chá e conversavam animadamente quando um buque de lírios chegou para Anna, interrompendo sua paz. Foi com as mãos trêmulas que abriu o pequeno envelope e leu o cartão. A letra era firme e a frase direta:

“Quero ver você logo, Scott.”

Anna guardou o cartão e olhou os lírios, lindos. Não sabia dizer se tinha ficado contente ou triste. Era a primeira vez que alguém lhe mandava flores e talvez por isso estava tão perturbada. Era uma experiência agradável, mas ela não queria se deixar envolver pelo encantamento que Scott tentava jogar sobre ela.

— Posso saber o nome do admirador? — Morris interrompeu o tumulto de sensações de Anna e foi com esforço que ela se controlou para esconder os sentimentos e responder simplesmente:

— Scott Beresford.

— Humm... — Morris comentou, sorrindo. — Você sabe, Anna, que ele é viúvo...

— Sim... ele me contou. Conheceu sua esposa?

— Não. Só sei que morreu há dois anos. Por quê? — Morris fez a pergunta baixinho.

— Simples curiosidade...

— é tão romântico receber flores — Sheila suspirou olhando para Morris. — Querida, estamos casados há vinte e seis anos — ele resmungou, saindo em direção à cozinha...

— Homens! — desabafou Sheila. — Eles acham que romantismo é só para antes do casamento...

— Pois eu acho que é bom não ser romântica nunca, nem antes, nem depois. O negócio é ter sempre a cabeça fria e fazer o que é melhor para a gente — Anna comentou com amargura, olhando tristemente para os lírios. — O que faço com estas flores, Sheila? — Ela pegou o buque nas mãos.

— Se não está interessada mesmo, deixe que eu cuido delas. — Sheila saiu e Anna sentiu-se aliviada por ver-se longe dos lírios.

Mas enganou-se. Pouco depois, Sheila surgiu com um vaso onde as flores estavam artisticamente arrumadas, colocando-o bem próximo de Anna. Era como trabalhar com Scott ao lado. E, infelizmente, isso a deixava desnorteada. Queria afastar aquele homem de sua lembrança, de seus pensamentos. Definitivamente, não queria saber de Beresford!

 

Uma semana depois, Anna já tinha quase conseguido esquecer Scott Beresford. Ele não telefonou nem a procurou ao hotel. Morris e Sheila também pareciam evitar tocar no nome dele quando ela es­tava por perío. Por isso mesmo, ficou espantadíssima quando recebeu um enorme buque de crisântemos com um bilhete naquele estilo sim­ples e díreto que já conhecia: “Esteja pronta às seis e meia. Jantare­mos fora. Scott”.

Ah, era assim? Uma ordem, não um convite? Anna sentiu o san­gue ferver de raiva. Rasgou o cartão em pedacinhos e jogou-o no lixo. Teria jogado as flores também se Sheila não aparecesse naquele mo­mento e parasse para admirá-las.

— Scott outra vez? — ela logo adivinhou.

— Sim. E quer jantar comigo hoje à noite!

— Humm... — foi o comentário de Sheila, que Anna não soube interpretar.

— Este homem ê infernal! — desabafou.

— A maioria é, querida — Sheila brincou, olhando surpresa quan­do Anna colocou as flores em seus braços. — Quer que as coloque num vaso para você?

— Sim, por favor, Sheila — ela disse, agitada. — Mas coloque-as em um lugar que eu não veja. Por exemplo, no banheiro... ou na cozinha. Não, acho que o melhor mesmo é jogá-las no lixo!

— Meu Deus, uns crisântemos tão lindos! — Sheila murmurou em tom de reprovação, — Eu vou colocá-los longe de você, mas jamais na cozinha ou no lixo!

Anna olhou Sheila saindo com o buque e começou a sentir vergo­nha de si mesma. Se Scott tinha-se dado ao trabalho de mandar flo­res, pelo menos devia ficar tocada pela gentileza dele, ao invés de querer jogar o presente fora, pensou. Na verdade, era o convite para sair que a aborrecia. Não, ela procurou se corrigir. O que a deixava furiosa mesmo era a “ordem” que ele havia dado para que jantassem juntos. Se pensava que estava louca para aceitar qualquer sugestão que ele fizesse, tinha se enganado! E resolveu: não, ela não estaria pronta esperando por Scott Beresford às seis e meia da tarde!

Minutos depois, quando Sheila cruzou o hall com o lindo vaso de crisântemos, Anna não se conteve:

— Acho que mudei de opinião — disse, fazendo Sheila parar. — Coloque-as ali, bem na entrada, por favor.

Se Sheila estranhou, não demonstrou nem um pouquinho. Apenas colocou as flores sobre um móvel, parando para admirá-las.

— Achei que ia mudar de ideia — ela disse calmamente e Anna respirou fundo, enquanto observava a amiga entrando no escritório de Morris.

Sentindo-se uma completa idiota, Anna puxou os livros e tentou se concentrar no que estava fazendo. Como podia de repente ter ficado tão confusa? Scott a deixava sempre assim, indecisa, insegura, admitiu.

 

Às cinco da tarde, com a cabeça fervendo, ela ainda não tinha re­solvido se ia ou não sair com ele. Mas quando chegou ao quarto, a única coisa em que pensou foi na escolha do vestido que colocaria para o jantar. Ficou furiosa consigo mesma. E mais furiosa ainda quando, meia hora depois, de banho tomado, se viu dentro de um conjunto maravilhoso, em dúvida sobre se usaria pérolas ou o pingente de diamantes que havia ganho do pai quando fez vinte e um anos. E, pior que tudo isso, ela se perguntava se Scott gostaria do modo como estava vestida!

— Está bem, admita! — disse a si mesma, quando sentou diante da penteadeira para se maquilar. — Você quer jantar com ele esta noite. Mas será pela última vez. Inclusive, è uma boa oportunidade para deixar isso bem claro a ele.

Sentindo-se melhor com a decisão, começou a arrumar os cabelos.

O tempo passou tão depressa que Anna ficou surpresa quando o te­lefone tocou. Era a telefonista, avisando que Scott estava lá embaixo esperando. Pegou um agasalho, fechou o quarto e sentiu seu coração bater estranhamente. Estou nervosa, pensou, tentando não se preocu­par mais.

Assim que saiu do elevador, Scott se aproximou. Olhou-a lentamen­te, com ar de admiração, dando-lhe a sensação que a tocava.

— Você é mais bonita ainda do que eu me lembrava.

— Nossa, parece que não me vê há meses... — ela comentou, tentando parecer natural. Mas a verdade é que seus sentidos a estavam tornando terrivelmente sensível à presença e ao magnetismo de Scott. — E não pense que elogios marcam pontos comigo — completou, re­tomando seu autocontrole.

— É que a semana passada pareceu demorar um ano — ele disse, segurando o braço dela e fazendo-a sentir uma estranha emoção por todo o corpo. Viu que ele sorria ironicamente ao comentar: — E, pelio que vejo, você continua agressiva...

— O que você esperava? — ela perguntou, indignada. — Man­dou-me flores com uma “ordem” para que jantássemos juntos, sem nem ao menos se informar se eu queria ou não.

— É simples: você não precisava aceitar — ele lembrou, brinca­lhão, enquanto entravam no Mercedes.

— Não — toda a raiva de Anna veio à tona. — Mas eu vim exatamente para dizer que será a última vez que sairemos juntos. E estou falando sério!

— Vamos ver. — Ele sorriu com tanta segurança que ela apertou as mãos, com medo de não se controlar e acabar sendo grosseira.

A noite não tinha começado bem e nada indicava que iria melho­rar. Seguiram em silêncio até o mesmo restaurante em que estiveram da outra vez. Durante o jantar a conversa foi fria e formal. Quando não, ele atacava, ela reagia, numa verdadeira guerra de palavras e ner­vos. Sempre que podia, Anna deixava muito claro que não queria mais vê-lo e que não estava nem um pouco interessada nele. Depois do que havia acontecido cora Andrew, ela realmente não queria outro homem em sua vida. E muito menos um Scott Beresford. Ele era terrivelmen­te atraente, precisava admitir, mas não tinha intenção de ser feita de boba novamente, por homem algum.

Perdida em seus pensamentos, Anna não percebeu que Scott a observava com interesse. Quando bateu os olhos nos dele, pareceu despertar. Afastou o prato levemente, perdendo toda a vontade de comer.

— Vinho? — ele ofereceu sorrindo.

— Não, obrigada — ela recusou friamente, procurando manter o auto-controle.

— Pode refrescar suas ideias e ajudá-la a relaxar — ele insistiu, enchendo o cálice, apesar da recusa dela.

— Não estou com as ideias quentes. Sinto-me totalmente tranqui­la, obrigada.

Scott encheu seu próprio copo em silêncio, depois olhou diretamente para ela.

— Você está tentando me dar um chute, como dizem por aí. Mas, no momento em que a conheci, soube que teria que lutar pelo que queria.

Os nervos de Anna estavam terrivelmente descontrolados, mas a curiosidade foi maior.

— E o que você quer, posso saber?

— Você.

Ela sentiu um arrepio e arregalou os olhos.

— Você é realmente muito objetivo. Nem sei o que dizer!

— Não diga nada — ele levantou o cálice. — Tome o seu vinho. Vai ajudá-la a se recuperar do choque.

— Arrogante! — Ela não disse o que estava realmente pensando, pois queria se controlar. Sua vontade era levantar e sair correndo!

— Sabe que fica linda quando está zangada? — ele falou calma­mente. — Tome o vinho.

Ela levou o cálice aos lábios e tomou tudo de um gole só, engas­gando um pouco. Scott ficou olhando, como que à espera que ela re­laxasse. Quando sentiu que se acalmava, pegou suas mãos.

— Vamos dançar? — perguntou suavemente, assim que a música começou a tocar.

— Não, obrigada — ela tirou as mãos de perto dele. Ele sorriu.

— Mas da última vez dançamos juntos e foi tão bom...

— Isso foi da última vez... agora é diferente — ela respondeu, teimosa.

— Do que você tem medo, Anna?

Ela levantou a cabeça com ar de desafio, seus olhos verdes brilhan­do ao encontrar os dele.

— Não tenho medo de nada e não quero dançar com você!

— Confesse, você tem medo que o seu gelo derreta quando eu a segurar nos meus braços — ele sorriu cinicamente.

— Você está acreditando demais no seu poder, Scott Beresford — ela disse com desprezo.

— Talvez — concordou, levantando-se. — Dance comigo e prove que estou errado. — Ele estendeu a mão.

Anna o encarou por um momento, indecisa, depois aceitou o desa­fio. Deixou que a guiasse para a pista. A princípio, ele colocou o bra­ço levemente ao redor da cintura dela, mas à medida que a dança prosseguia, puxou-a para mais perto, até que seus lábios tocassem a orelha de Anna. Ela tinha certeza de que era proposital, pois os lá­bios dele acariciavam suavemente sua pele.

— Não me aperte tanto — protestou, lutando contra a sensação de enfraquecimento que a dominava.

— Gosto do seu perfume — ele murmurou em tom profundo, fazendo os nervos dela estremecerem. — É como respirar o ar puro da montanha.

— Scott, por favor — ela pediu, empurrando-o um pouco e ten­tando escapar da respiração quente que sentia em seu rosto.

— Como você é bonita, Anna — ele continuou, apertando-a bem junto de si. — Relaxe! — Ele levantou a cabeça e seus olhares se encontraram. Mais uma vez o olhar dela era desafiador. — Você quer provar que estou errado, não é?

Contra sua própria vontade, ela relaxou e chegou até a conclusão de que estava se divertindo. Scott dançava bem e faziam um excelente par. Tinha que admitir também que gostava daquele braço forte ro­deando seu corpo, dos lábios dele tocando sua pele... Morria de vontade de esquecer seus problemas e pousar a cabeça no ombro dele até a noite acabar!

Ela não saberia dizer quanto tempo dançaram juntos, mas sentiu-se estranhamente desapontada quando a música terminou. Ele a soltou e disse:

— Vamos?

Ela fez que sim e voltaram em silêncio para a mesa. Pegaram as coisas e seguiram para o estacionamento no mais completo silêncio. Um silêncio que durou até chegarem ao Caribbean.

Anna já ia abrir a porta quando Scott segurou-lhe o pulso com firmeza. Seu corpo todo tremeu ao contato dele, o que a trouxe de volta à realidade.

— Não vá ainda — ele disse suavemente, respirando próximo à testa de Anna. Imediatamente ela sentiu uma estranha raiva apoderar-se dela.

— É tarde, Scott.

— Está esquecendo que não nos veremos por uns dias?

— Está perdendo o seu tempo, Scoit — falou friamente, tentando se libertar das mãos dele. Na verdade, queria fugir daquele homem.

— Isso nunca será uma perda de tempo — ele disse, seus braços trazendo-a mais para perto dele.

— Deve haver outras mulheres que... — ela começos a falar, mas seus lábios foram calados pelos de Scott. Lutou contra si mesma para não se deixar levar pelo calor que vinha dele e, sabendo que esta seria a melhor forma de puni-lo, manteve-se passiva. Lutou desesperadamente para seus lábios não responderem aos dele, mas nada podia fazer contra o seu coração que batia mais rápido e a emoção que tomava conta de seu corpo. Quando sentiu-se capaz de dizer alguma coisa, foi agressiva:

— Precisava me beijar dessa forma?

— Beijar uma mulher é sempre a melhor forma de fazê-la calar a boca — ele respondeu sorrindo.

— Não quero vê-lo nunca mais, Scott Beresford — ela exclamou, tentando soltar-se dos braços dele inutilmente.

— Você vai me ver de novo. E logo — ele afirmou. Para seu próprio espanto, Anna sentiu uma onda de felicidade invadi-Ia, ao mesmo tempo em que a razão lhe pedia para manter distância daquele homem que tanto confundia seus sentimentos.

— Será que não entende que não quero, não desejo estar com você? — mentiu, num momento de desespero.

Scott não falou nada e ela já estava pensando que o tinha final­mente convencido, quando ele largou-a bruscamente e disse:

— Venha, eu a levarei até a porta do seu quarto.

Ela ficou furiosa com a maneira autoritária dele resolver tudo, mas deixou que pegasse em sua mão para conduzi-la através do cor­redor escuro até o quarto.

— Adeus, Scott — ela disse na porta, decidida.

Ele olhou-a por uns momentos e enlaçou seu corpo com visível desejo.

— Não é um adeus, Anna, eu volto e vou deixar algo que sempre a fará se lembrar de mim. — Então, beijou-a como nunca, e depois foi embora sem dizer nada.

Uma eternidade pareceu passar até que ela conseguiu entrar no quarto e cair em si. Estava envergonhada por deixá-lo sempre apo­derar-se dela assim, despertando em seu corpo sensações que não po­dia esconder nem dele nem de si mesma. No entanto, sabia que ele não a havia derrotado. Sentia-se totalmente capaz de separar sua razão de suas emoções. E só tinha uma palavra para resumir a onda de sensações que Scott provocava nela: desejo. Sim, que outro nome poderia dar para o que sentia quando ele a beijava e abraçava? Que nome poderia ter tudo o que aquele homem fazia ela experimentar pela primeira vez na vida?

Anna afundou a cabeça no travesseiro e suspirou, lembrando como estava longe de Andrew e da segurança que ele inspirava nela. Era um amor calmo e tranquilo aquele que sentia e que sempre pensou ser correspondido. Mas estava enganada. Bastou uma jovem alegre e cheia de vida aparecer para seu sonho acabar!

Havia momentos, como agora, em que desejava magoar Andrew como ele a tinha magoado. Mas era apenas para se vingar, ela sabia. Por isso mesmo era melhor não confundir mais as coisas e evitar Scott Beresford, de uma vez por todas. Antes que fosse tarde de­mais ...

 

O calor ao longo da costa de Durban atraía turistas de todo o país durante as férias de julho. O Caribbean estava lotado e Anna não encontrava um momento de folga. Só à noite, quando ficava livre, tinha tempo para pensar. E, sem querer, era sempre Scott que vinha à sua cabeça. Tentava fugir daquela lembrança, mas insisten­temente os momentos que passaram juntos pareciam sempre presentes.

No fim do mês, o movimento de turistas diminuiu muito. As famí­lias deixaram o hotel, fazendo o silêncio e a calma voltarem. No entanto, para Anna, isso significava apenas que teria de passar uma porção de horas fazendo contas e cuidando do balanço do Caribbean, enquanto atendia os mais diferentes pedidos dos hóspedes que ainda ficaram.

Certa manhã, estava discutindo com Morris a respeito de uma conta quando o telefone tocou.

— Caribbean Hotel, bom dia — ela atendeu.

— Só podia ser você, Anna. — O tom brincalhão da voz do outro lado soou claramente em seus ouvidos. — Não conheço mais ninguém que tenha uma voz tão suave.

—Scott!... Ela suspirou impaciente, reconhecendo-o imediata­mente. Fazia quase três semanas que não o via. — O que quer?

— Nossa, isso é jeito de falar com alguém que está ligando gen­tilmente para você? — ele indagou, irritado.

— Não pedi que telefonasse para mim — ela respondeu pronta­mente, detestando-se por sentir que o seu coração tinha disparado.

— Teve saudades de mim?

— Não.

— Mas pensou em mim à noite, tenho certeza.

— Não pensei — ela mentiu, ignorando a lembrança das diversas vezes em que ficou acordada pensando nele.

— é difícil acreditar nisso depois do beijo que me deu na última vez...

— Tenho trabalho a fazer — ela interrompeu friamente, sem que­rer pensar na confusão dos seus sentimentos.

— Eu também. Portanto, vamos direto ao que interessa — ele disse bruscamente. — Você está de folga neste fim de semana.

— O quê?

Ele riu baixinho e explicou:

— Eu já falei com Morris e ele vai lhe dar folga das cinco horas de sexta-feira até domingo.

— Verdade?

— É sim. Portanto, faça as malas e esteja pronta às cinco, que eu vou buscá-la.

Ela respirou fundo, procurando controlar a onda de ódio que a dominava.

— E posso perguntar aonde vamos?

— Vai passar o fim de semana em Amazibu Bay, comigo — ele informou num tom arrogante.

— Se acha...

— Anna, no momento, não estou achando nada, apenas agindo — ele interrompeu. — Esteja pronta às cinco e meia... senão...

— Esta me ameaçando? — ela perguntou, apertando com força o telefone, até sentir que machucava seus dedos.

— Eu nunca sonharia em fazer isso, meu amor — ele disse cal­mamente, mas com um tom irónico.

— Eu não sou... seu amor! — ela o interrompeu, zangada.

— Mas vai ser — ele insistiu, e a única coisa que ouviu como resposta foi Anna batendo o telefone.

Quem, diabos, ele pensava que era, achando que podia planejar a vida dela e lhe dar ordens? Anna estava furiosa! Scott havia desa­parecido por três semanas e quando voltava só telefonava calma­mente, para dizer que já sabia qual o horário de folga dela, que tinha feito os planos para o fim de semana, tudo programado por ele. Bem, ele que esquecesse tudo aquilo!

O telefone tocou novamente, momentos depois, e ela alendeu. Ou­viu a voz de Scott antes que pudesse dizer qualquer coisa.

— Acho que a linha caiu, porque você jamais seria capaz de desligar o telefone com alguém falando — ele comentou irónico, para desespero dela.

— Você nunca aceita um não?

— Ainda não lhe perguntei nada — ele argumentou. Irritada e confusa, ela disse:

— Perguntar o quê? De que está falando?

— Ainda não perguntei se quer casar comigo. Portanto, ainda não precisa dizer não — ele explicou calmamente e ela respirou fundo.

— Acho que você deve estar louco!

Ele deu uma risada baixa e suave, mas ela ouviu.

— Não seria divertido ficarmos loucos juntos? — Contagiada com o bom humor dele, ela acabou rindo também.

— Gostaria de estar aí, agora — Scott disse e ela parou de rir imediatamente.

— Por quê?

— E a primeira vez que a ouço rindo e gostaria de vê-la assim.

Ela sentiu que ele estava falando sério e ficou em silêncio, pen­sando. Sim, era a primeira vez que ria há vários meses, mas até então não tivera nenhum motivo para rir.

— Scott, eu realmente tenho trabalho a fazer. — Suspirou, olhando o montão de livros que atulhavam sua mesa.

— Está bem — ele concordou. — Vejo você na sexta, então?

— Vou pensar no assunto.

— Sim! — ele insistiu e Anna sorriu ao desligar.

Scott Beresford era impossível! Era difícil resistir a ele. De qual­quer forma ia ter uma conversa com Morris, por ter concordado tão prontamente com a sugestão sobre sua folga.

A oportunidade surgiu quando Morris entrou para perguntar, no fim da manhã, como ela estava indo com a contabilidade.

— Acho que Scott telefonou para você — ela começou, esperando ver a reação dele.

— Sim e eu disse que você tinha folga no fim de semana — ele respondeu sorridente. — Acho que deve sair e se divertir porque trabalhou muito nas últimas semanas.

— Mas você podia ter-me perguntado antes se eu queria — ela respondeu, ligeiramente irritada.

— Pensei que ficaria contente em poder sair daqui alguns dias.

— Mas não com Scott Beresford — ela protestou.

Morris a olhou profundamente.

— Como pode se recusar a sair com o homem que paga o seu salário? E, além do mais, pensei que gostasse dele... — disse sor­rindo.

— Eu... — ela ia negar, mas, para seu próprio espanto, viu que não conseguia admitir que não gostava de Scott. Ele era arrogante e autoritário, mas, até o momento, havia se divertido bastante em sua companhia. Procurou se controlar e enfrentar o olhar de Morris. — Você não tinha nenhum direito de dizer que eu ia gostar de sair com ele, Morris.

— Mas não fiz isso — ele negou instantaneamente. — Eu só disse que você teria folga no fim de semana. O resto é com você. — Ele sentou-se na ponta da mesa e a olhou profundamente durante um momento. — Será que recusou o convite dele?

Anna o olhou, pouco à vontade.

— Na verdade, eu aceitei.

— Então, por que está criando tanta confusão? — Morris indagou, fazendo um gesto irritado.

— Fui mais ou menos forçada a aceitar — ela explicou, impa­ciente.

— Hummra... ele é um homem em quem confio plenamente. De caráter forte e determinado. — Morris sorriu maliciosamente. — é o tipo de homem que a maior parte das mulheres precisa — com­pletou brincando.

Depois que Morris deixou o escritório, Anna ficou pensando que era normal ele concordar com o comportamento de Scott. Quando queria, Morris também era autoritário e orgulhoso. Além de muito determinado quando pretendia algo. Ele sempre conseguia o que queria.

 

Na sexta-feira à tarde, Anna ainda estava no quarto acabando de se arrumar quando ouviu alguém bater na porta. Pensando que fosse Sheila, gritou:

— Entre.

— O Conde Drácula às suas ordens — Scott anunciou fazendo uma reverência e pegando-a totalmente de surpresa.

— Você é um idiota — ela retrucou, procurando esconder uma risada. Ele se endireitou e se aproximou com uma expressão dife­rente.

— Você está certa — disse. — Realmente me tornei um idiota por sua causa.

A presença dele, ali no seu quarto, era muito perturbadora. Ela percebeu que seus sentidos despertavam, que estava terrivelmente cons­ciente daquele corpo másculo, vestido em roupas perfeitamente ele­gantes. Esperava que tendo ficado longe dele por três semanas, ele não a perturbasse tanto. Mas o magnetismo dele sobre ela só au­mentava!

— Gostaria que você não me falasse isso — ela disse zangada, virando-se para pegar a jaqueta que tinha deixado sobre a cama.

— Você fica embaraçada? — ele brincou e ela virou-se para en­cará-lo.

— Estou falando sério, Scott.

— Eu também — ele disse baixinho, olhando-a durante vários se­gundos, antes de fazer um gesto para pegar a mala sobre a cama. — É isso que vai levar?

— Sim. — Ela pegou a jaqueta e ele, a mala.

— Então vamos.

Caminharam em silêncio até o elevador e só quando pegaram a estrada costeira para Amazibu Bay, Anna conseguiu falar.

— Sua tia não vai achar estranho eu ir à sua casa?

— Tia Dorrie? — ele perguntou. — Nem um pouco. Ela já sabe muito sobre você e morre de vontade de conhecê-ia.

— Costuma convidar mulheres para passarem o fim de semana em sua casa? — ela perguntou, imaginando como a tia dele aceitaria aquilo.

— Só se tiverem cabelos castanhos e olhos verdes — ele brincou.

— Fale sério!

— Não vai acreditar se eu disser que é a primeira mulher que levo a minha casa para conhecer minha tia... desde que minha esposa morreu...

Ela o olhou durante um longo tempo, mas já estava escuro e não conseguiu ver a expressão do seu rosto. Entretanto, pelo tom de voz, ele parecia estar sendo completamente sincero.

— Acredito — ela falou, depois de um momento de surpresa.

Então, ele largou a direção e segurou-lhe a mão. A pressão dos seus dedos provocou um estranho arrepio no corpo de Anna.

 

Para seu desapontamento, ela viu pouco de Amazibu Bay, pois chegaram à noite... Mas a casa dele, localizada bem perto da praia, era grande e imponente, com colunas de mármore e um enorme terra­ço. Scott a conduziu ao hall, onde ela notou os bonitos candelabros de cristal. Depois baixou os olhos e deu com a tia dele, uma mulher magra e de cabelos grisalhos, se aproximando. O cabelo dela era curto e perfeitamente arrumado, tinha o rosto cheio e um sorriso de boas-vindas quente e sincero.

— Tia Dorrie, quero que conheça Anna Lindsay — Scott apre­sentou, tocando no braço de Anna. — Anna, está é a minha tia Dorothy MacPherson.

Anna viu que a mulher lhe estendia a mão.

— Minha querida, já ouvi falar tanto em você, mas agora sei por que Scott não muda de assunto ultimamente.

— Viu que tenho razões para isso, não, tia Dorrie?

— Claro, agora que a conheço — Dorothy MacPherson respondeu numa voz suave, largando a mão de Anna e dando um passo para trás para admirá-la.

— Assim vou ficar vermelha, encabulada — Anna disse sem jeito.

— Deve nos achar rudes, Anna. Estamos falando sobre você como se não estivesse aqui. — A mulher sorriu com ar de desculpas, segu­rando o braço de Anna. — Venha, vou mostrar o seu quarto, antes de servirem o jantar.

Scott estendeu a maleta de Anna e pediu:

— Não demore muito.

— Vá até a sala de visitas e sirva-se de um drinque. Ficará ocupado até que eu volte — a tia falou com firmeza e conduziu Anna pela escada carpetada, enquanto ela observava a decoração em azul e branco.

— Espero que goste do quarto — Dorothy MacPherson comentou, indicando uma porta. — Ali é o banheiro.

Anna sorriu, colocando a maleta ao pé da cama.

— é um quarto lindo, espero que não tenha tido trabalho, com a minha vinda.

— Claro que não, querida — a tia de Scott respondeu. — Scott dificilmente convida amigos para virem aqui. É uma pena, mas a casa geralmente fica vazia.

Anna se sentiu tentada a fazer perguntas sobre o casamento de Scott, mas preferiu evitar aquele assunto.

— Não se sente muito isolada aqui?

— Sim, ainda mais que Scott está sempre viajando a negócios — a tia contou. — Mas espero que as coisas mudem logo.

Quando Anna a olhou espantada, ela mudou de assunto depressa.

— é melhor descermos para não deixarmos Scott esperando.

 

— Finalmente! — Scott murmurou, quando as duas apareceram na sala espaçosa e decorada em estilo moderno. As cadeiras eram creme, as cortinas verdes e havia algumas estátuas de mármore em estilo grego. — Um drinque, Anna? Tia Dorrie?

— Não no momento, Scott — a tia disse. — Eu ainda tenho algu­mas coisas a fazer. — Então, ela pediu licença e saiu. E Anna, de repente, se viu sozinha com Scott, que, depois de servir uma dose de licor, sentou-se ao lado dela no sofá. Brindaram e quando ela levou o cálice aos lábios, viu que ele a observava. Sentiu-se embaraçada e desviou os olhos.

— Acho que esteve muito ocupada nestas últimas semanas, não? — ele perguntou casualmente e ela respirou fundo, sentindo que o momento de tensão linha passado.

— Sim, estive ocupada, mas agora o trabalho acalmou. Passei as últimas semanas mergulhada em pilhas e pilhas de papéis.

— Gosta do seu trabalho? — ele quis saber.

— Se não gostasse, não teria ficado nem um mês — ela garantiu friamente.

— Então, estou contente que tenha ficado. Senão não a teria co­nhecido.

Ela o olhou profundamente e ele retribuiu o olhar,

— Talvez fosse melhor se não tivéssemos nos encontrado nunca.

Scott pareceu espantado, mas ela tomou o licor calmamente e colocou o cálice na mesinha ao lado do sofá, antes de olhá-lo.

— Sentiu falta de mim, nestas últimas semanas? — ele perguntou.

— Devia ter sentido? — ela quis saber, passando a ponta do dedo sobre o braço do sofá.

— Admita que pensou algumas vezes em mim,

A voz dele era profunda e muito persuasiva. Ela sentiu que o licor tinha lhe dado coragem para responder.

— Sim, de vez em quando.

— Ótimo. Então, finalmente estamos chegando a aigum lugar. — Ele suspirou, colocando o cálice vazio na mesinha.

— E devemos chegar a algum lugar? — Anna perguntou em tom de brincadeira.

— Claro que sim. — Scott insistiu firmemente, se aproximando mais. — Conte-me uma coisa: quando pensava em mim, lembrava dos meus beijos?

Ela sentiu que engasgava, mas agora estava com raiva de si mesma e não dele. Sim, claro que lembrava claramente dos beijos. Tão cla­ramente que tinha a terrível sensação de ficar excitada só em pensar naqueles momentos! Mas não iria admitir isso.

— Scott, se está tentando me fazer odiá-lo, encontrou o caminho certo — ela disse finalmente, no tom mais frio e distante que con­seguiu.

— Eu prefiro o seu ódio do que a sua indiferença, meu amor.

— Não sou... — ela não falou o resto da frase. Estava horro­rizada em ter de admitir que não era indiferente àquele homem sen­tado ao seu lado, nem à força dos músculos dele que tocavam os seus.

— Sim? — ele perguntou com um tom de brincadeira e um brilho malicioso nos olhos, enquanto observava o movimento dos seios dela, subindo e descendo com a respiração ofegante.

— Nada — ela respondeu irritada.

— Você ia dizer que não é indiferente, ou que não é meu amor. — Ele riu e ela sentiu um longo arrepio subindo pelo seu corpo. — O problema é: qual das duas coisas?

Evitando o olhar dele, ela respondeu:

— Ia dizer que não estou interessada nas suas preferências.

— “Ela é terrível e suas palavras ferem” — ele disse brincando, num tom dramático.

— Não vai adiantar nada citar Shakespeare — ela argumentou ner­vosa, tentando escapar do olhar dele. Mas ele a segurou pelo queixo, com força, fazendo com que o encarasse.

— Você não é apenas linda, mas muito inteligente.

— Estudei Shakespeare na escola.

— E por acaso interpretou a Megera Domada, nas peças?

— Não, apenas ajudei na produção do cenário.

— Que pena — ele suspirou. — Você teria dado uma ótima Megera!

— Vou ignorar este comentário — eta falou de repente, empur­rando a mão dele. Mas seu gesto foi interrompido quando Dorothy MacPherson entrou na sala.

— O jantar está servido, meninos. — Ela sorriu e Scott e Anna procuraram dar a impressão de que nada tinha perturbado a atmos­fera tranqiiila da casa, desde a chegada deles.

 

Anna sentiu-se mais calma durante o jantar. O carinho e a amizade de Dorothy MacPherson a tranquilizava, diminuindo a tensão que havia entre ela e Scott. De repente, se viu conversando naturalmente, como se fosse uma velha amiga da família.

Lembrou das vezes em que Andrew tinha jantado na casa dos seus pais em Johannesburg. Eles gostaram dele assim que o conheceram e Andrew logo se tornou parte da família. Um lugar que, aliás, sempre ocuparia, pensou com mágoa.

— Você já passeou pela praia, ao luar? — Scott interrompeu suas lembranças e a trouxe de volta para a realidade.

— Não — respondeu, aparentando calma.

— Então, coloque um casaco e eu lhe mostrarei uma das coisas mais bonitas do mundo. — Ele pegou no seu braço, ajudando-a a levantar-se.

 

— Não fiquem fora até tarde! — a tia avisou, quando Anna desceu com um casaquinho. — Aqui sempre esfria muito à noite.

— Não se preocupe, tia Dorrie. — Scott sorriu divertido, colo­cando o braço na cintura de Anna, num gesto familiar. E depois, puxando-a para mais perto, completou: — Eu a manterei quentinha!

— Scott! — a tia exclamou com um olhar de reprovação, mas sorria ao encarar Anna, que estava rígida ao lado dele. — Não ligue para o que ele diz, Anna.

— Estou começando a achar que devia ter recusado o seu convite, Scott — Anna comentou, sentindo-se pouco à vontade com o braço dele em torno do seu corpo.

— Prometo me comportar. — Ele sorriu, segurou a mão dela e caminharam para a porta. — Vamos!

Saíram para uma larga avenida de palmeiras, que dava para o portão por onde haviam entrado à tarde. O ar estava fresco e perfu­mado e ao longe dava para se avistar o mar. O céu estava limpo, sem nuvens e as estrelas brilhavam intensamente. Scott segurou o braço de Anna ao subirem para a praia e, apesar da areia ser firme, ela ficou contente por ter trocado os sapatos altos por um par de sandá­lias bem confortáveis.

— Há semanas que eu não a vejo e a quero um pouquinho só para mim. — Scott interrompeu o silêncio e Anna deu um sorriso para ele, enquanto caminhavam para perto da água e olhavam as ondas se quebrarem junto aos seus pés.

— Pensei que quisesse me mostrar alguma coisa na praia, à noite.

— Olhe para lá — ele disse de repente, segurando-a pelos ombros e virando-a de frente para o mar, que brilhava sob o luar. — Você poderia imaginar um cenário mais romântico? Ela ficou tensa no mesmo instante.

— Não estou procurando nada romântico.

— Não me desaponte, Anna. — Ele brincou, enquanto continua­vam caminhando. — Toda mulher gosta de romance e você não é diferente das outras.

Ela sentiu a aproximação do perigo.

— Scott, não sei o que está pensando, mas já avisei que está perdendo o seu tempo.

— Não vai me dizer que há outra pessoa — ele comentou rispidamente, conduzindo-a para um banco de madeira, na praia.

— Houve outra pessoa... no passado — ela admitiu relutante, sentindo que os traços de Andrew Tait voltavam à sua lembrança.

— Há quanto tempo? — Scott insistiu.

— Sete meses.

— O que aconteceu?

— Não quero aborrecer você com minha história — ela procurou fugir da pergunta.

— Eu quero saber — Scott insistiu mais uma vez.

Detestando tocar naquele assunto que lhe causava tanto sofrimento ela pensou desesperada num modo de escapar. Mas o olhar penetrante de Scott lhe dizia que não ia conseguir e, finalmente, decidiu dar uma explicarão rápida.

— Eu estava apaixonada... por alguém. Durante cinco anos tive­mos o tipo de relacionamento que... parecia dar em casamento. Ele cursava a universidade e eu esperava que quando terminasse...

— Parece um pouco tolo, não? Desperdiçando sua vida assim? — Scott perguntou.

— Acho que sim, mas eu o amava e estava preparada para esperar para sempre, se fosse preciso — ela explicou num tom de desafio.

— Você o amava tanto assim?

Ele parecia não acreditar e Anna o olhou de uni modo penetrante.

— Sim, eu o amava tanto assim.

— E como acabou?

Ela desviou os olhos para o mar, respirando fundo.

— Minha irmã, Debbie, cresceu e ele resolveu que preferia ficar com da. Casaram há três meses.

— Então, você perdeu todos os seus anos de espera... — ele comentou baixinho.

Aquelas palavras feriram fundo o coração dela.

— Sim, foram anos perdidos.

— Está planejando passar o resto da vida se lamentando por ter perdido alguém que não a quis?

— Lamentando?

— Sim, lamentando, sofrendo — ele repetiu. — O tempo não pára Ana, nem para alguém tão linda quanto você. E há outros homens que podem fazê-la feliz, até mais feliz do que pensou que iria ser.

— Você, por exemplo?

— Por que não?

— É uma proposta, Scott? — ela perguntou, tensa.

— Deve admitir que o cenário é muito apropriado. — Ele riu, mas seu riso parecia perigoso e ela resolveu mudar logo de assunto.

— Você não me falou nada sobre si mesmo.

— Porque não há muito a falar — ele explicou, ainda com um tom rude na voz. — Casei com Trudie há quatro anos. Ela morreu há dois, num acidente de automóvel.

Lamentando ter levado a conversa para aquele lado, Anna murmurou em tom de desculpas:

— Sinto muito.

Ele lhe acariciou os cabelos sobre os ombros.

— Se eu não estivesse livre agora, não poderia pedir que casasse comigo.

— Não pode estar falando sério, Scott.

— Muito sério.

— Mas você mal me conhece — ela protestou, sentindo que tremia quando os dedos quentes dele roçavam o seu pescoço.

— Nós já nos conhecemos há quase cinco semanas.

— Durante as quais só nos vimos três vezes — e!a lembrou.

— Você não está contando as ocasiões em que nos vimos rapida­mente, no Caribbean.

— Scott, está me fazendo uma proposta maluca — ela argumentou, tentando se afastar. Mas a mão dele continuava em seu ombro, segu­rando-a com firmeza.

— Diga que pelo menos vai pensar no assunto — ele insistiu, aproximando-se mais, com sua respiração quente.

— Não vai adiantar nada insistir. — Ela decidiu, convencida de que ninguém poderia tomar o lugar de Andrew em seu coração.

Mas Scott também estava decidido.

— Anna, não estou pedindo que case comigo imediatamente, embo­ra eu deseje isso. Só quero dizer que pretendo fazer tudo o que estiver ao meu alcance para que diga sim.

— Ficará desapontado.

— Acho que não. — A voz dele estava vibrante e baixa, parecendo uma carícia. Ela sentiu que seu coração disparava e um desejo enorme a invadia. — Você será minha, Anna. E brevemente.

Ela não viu mais a lua nem as estrelas, que foram substituídas pelo rosto dele se aproximando. E nada era mais forte do que aquele abraço cheio de ternura. O beijo exigia a sua resposta e ela achou que devia resistir, mas logo descobriu que não conseguia. Finalmente, se rendeu à tempestade de emoções que a dominou.

— Scott, isso é loucura — Anna comentou.

— Mas é uma loucura maravilhosa — ele concordou, seus lábios descendo suavemente sobre o pescoço dela.

Anna sentia seu coração batendo furiosamente contra os lábios quentes dele e murmurou:

— Devemos voltar para casa.

— Ainda não.

— Scott...

— Você fala demais — ele a interrompeu, rouco, apertando-a nos braços com mais força e procurando-lhe os lábios novamente.

Aquela boca sensual e as mãos acariciantes só fizeram crescer o desejo dela. De repente, Anna se viu também acariciando os cabelos dele e seu pescoço. Sentia-se feliz e leve com a força das suas emoções. E quando finalmente se separaram, de repente, ela teve medo da intensidade dos seus sentimentos. Sentimentos que nem imaginara possuir até aquele instante!

— Eu sempre suspeitei que por baixo da sua aparência fria havia uma alma apaixonada. Agora tenho certeza disso. — Scott riu baixi­nho. O brilho do sorriso dele trouxe Anna de volta à realidade com uma rapidez incrível. Ficou zangada ao ver que ele se divertia com a fraqueza dela.

— Solte-me — gritou furiosa e fugiu dos braços dele, levantando-se. Sua atitude o pegou desprevenido, mas ele pareceu não se perturbar, e levantou-se também em silêncio. Apenas o som das ondas ao longe perturbava a paz ali.

— É tarde demais, amor. Descobri o seu segredo — ele murmurou suavemente.

— Você é insuportável! — Ela respirou fundo, sentindo uma agita­ção estranha.

— E você está linda, aí de pé, parecendo tão fria e distante ao luar. — Ele brincou, sem conseguir acabar com a zanga dela.

— Vou tomar o primeiro trem para Durban, amanhã de manhã — ela disse rispidamente.

— Pense no que vai perder, se resolver mesmo ir — Scott comentou.

— Não vou perder nada.

— Vai perder os meus beijos.

Anna encolheu-se como se tivesse levado um soco e fechou os punhos. Ele era realmente um animal insensível! Sentiu vergonha do modo como havia respondido às suas carícias.

— Sua arrogância me espanta — ela procurou dizer no tom mais frio que conseguiu.

— A verdade é sempre confundida com arrogância — Scott logo respondeu e ela se afastou zangada, pretendendo voltar pelo mesmo caminho por onde tinham vindo. Mas ele a segurou pelo braço, puxando-a com força para si.

— Onde pensa que vai?

— Para casa, antes que perca completamente a paciência disse, tentando libertar o braço.

— Não vai a parte alguma... ainda — ele a contradisse, ríspido. Apertou o braço dela com mais força e os olhos de Anna ficaram cheios de lágrimas de frustração.

— Está me machucando!

— Pare de lutar contra mim — ele insistiu calmamente, afrouxando a mão, mas sem libertar Anna. — Vamos aproveitar o tempo que temos juntos e nos conhecer melhor, em vez de ficarmos nos agredindo deste jeito.

— Está sugerindo uma trégua?

— Estou. — Ele a soltou e lhe estendeu a mão direita. — Não vai me dar um aperto amigo?

A raiva dela passou tão depressa quanto tinha surgido. Anna suspi­rou e colocou a mão na dele.

— Realmente, você é o homem mais impossível que já conheci, mas... está bem, vamos fazer uma trégua.

— Vai mesmo voltar para Durban, amanhã de manhã? — ele perguntou suavemente, levando a mão dela aos lábios e surpreenden­do-a ao beijar cada dedo.

— Não — ela engoliu um nó na garganta.

— Ótimo, garota.

Caminharam juntos para casa. Ele com o braço no ombro dela e Anna imaginando se a proposta de casamento teria sido séria. Era horrível admitir, mas... havia algo nele que a atraía muito... embora ele conseguisse irritá-la tantas vezes...

— Há quanto tempo sua tia mora com você? — ela perguntou finalmente, ao passarem peio portão.

— Desde que o marido dela morreu, há cinco anos.

— Ela é irmã do seu pai?

— De minha mãe.

— E seus pais...?

— Morreram há alguns anos. Meu pai teve trombose e minha mãe perdeu a vontade de viver.

— Sinto muito.

Scott nada comentou, mas apertou-a levemente contra si, enquanto subiam a escada da casa. A tia havia feito café e estava esperando para conversarem mais um pouquinho, antes de ir dormir. Anna achou ótimo; não tinha a menor intenção de ficar a sós com Scott.

— Foi um longo dia — ela disse, levantando-se, e Scott a acom­panhou até o quarto. Mas, quando ia entrar, sentiu as mãos dele em seus ombros.

— Falei sério quando pedi que casasse comigo — ele garantiu, como se soubesse que ela não tinha acreditado. Anna baixou os olhos, sem aguentar o olhar profundo dele.

— Estou começando a perceber.

— E...?

Ela se sentiu como um animal sendo conduzido para uma armadilha. Sua tensão interna era insuportável.

— Deve me dar tempo para pensar no assunto.

— Quanto tempo você precisa?

— Não me apresse, Scott — pediu, procurando desesperada um modo de fugir da situação.

— Duas semanas — ele resolveu.

— Muito bem — Anna suspirou, conformada. — Duas semanas, Scott.

Ele sorriu cinicamente, observando a expressão de alivio dela.

— Não vou ficar longe de você nestas duas semanas, se é isso que está imaginando.

— Não imaginei que ficaria — respondeu, agora mais calma. Era difícil interpretar o sorriso dele. Ele apenas baixou a cabeça e a beijou novamente. Foi um beijo que mais parecia uma punição. Mas ainda assim teve o poder de enfraquecê-la novamente. E quando ele a largou, Anna estava tonta, com o coração batendo descom­passado.

— Durma bem, meu amor — Scott murmurou num tom divertido. No momento seguinte, ela estava sozinha, com seus pensamentos confusos.

Então Scott estava mesmo falando sério quando a pediu em casamento? E era também com seriedade que ela deveria pensar no assunto? Sabia que a imagem de Andrew ainda estava muito viva em seu coração. Como poderia aceitar a proposta de casamento de outra pessoa?

— Oh, Deus — Anna gemeu, afundando a cabeça nas mãos, ao sentar-se na cama. — Por que Andrew não me amou como eu o amei?... Se tivesse me amado, nada disso estaria acontecendo!

Por força do hábito, acordou cedo na manhã seguinte. Abriu as janeias e olhou o jardim imenso, cheio de palmeiras e grama. Lá embaixo, Dorothy MacPherson, vestida de branco, dava um passeio. Anna desceu e foi se encontrar com ela.

— Esta é a melhor hora do dia. — A sra. MacPherson sorriu. — Tudo parece fresco e limpo ao sol da manhã.

— Eu não pensei que o jardim fosse tão lindo — Anna comentou sorrindo, enquanto caminhava ao lado da mulher. — Você mesma faz a jardinagem ou tem alguém que a ajude?

— Com um jardim deste tamanho, não podemos ficar sem jardi­neiro. Mas eu gosto de lidar com as plantas dos vasos.

— Isto aqui é um paraíso — Anna suspirou, observando a mansão branca com pilares de mármore. O som do mar ao longe e o ruído das palmeiras balançando ao vento fazia com que ela se sentisse num oásis. Os muros altos e brancos preservavam a intimidade dos mora­dores, mostrando que Scott, muitas vezes, não gostava da proximidade de vizinhos.

Scott! Ela quase tinha esquecido dele. Virou-se para a mulher ao seu lado e perguntou:

— Scott ainda está dormindo?

— Meu Deus, claro que não! — A tia dele riu. — Scott sempre acorda muito cedo. Provavelmente, está no escritório analisando seus trabalhos, pois não imaginou que você também levantaria cedo. — Ela olhou o relógio. — Aliás, é hora de tomarmos café. Gostaria de ir até o escritório e chamar Scott?

Anna concordou porque essa era uma chance de ver um pouco mais da casa. Seguiu as instruções da sra. MacPherson e passou por um corredor. Mas sentiu seu coração disparar quando parou diante da porta do escritório.

Bateu e ouviu a voz de Scott.

— Entre.

Anua respirou fundo e entrou.

Assim que a viu, ele ergueu as sobrancelhas, com ar admirado, colocou de lado o trabalho e levantou.

— Que surpresa agradável. — Sorriu, olhando-a com visível apro­vação. — Pensei que ainda estivesse dormindo.

— Estive passeando no seu lindo jardim, com sua tia — explicou, tentando controlar as batidas do coração. — E ela pediu que eu viesse chamá-lo para o café.

— Foi uma ótima ideia — Scott concordou suavemente, se aproxi­mando. — Agora, posso lhe dar bom-dia sem ninguém observando.

Anna sentiu que perdia o fôlego e virou-se para fugir dali, mas Scott a alcançou e a abraçou com força. Seus beijos selvagens provo­cavam vibrações nos nervos dela, fazendo-a sentir-se mais mulher diante da masculinidade dele. Não pensou em resistir mais quando ele começou a acariciar suas costas, beijando-a apaixonadamente. Estava vermelha é trêmula quando ele finalmente afastou a cabeça. Começou então a empurrá-lo numa fraca tentativa de colocar alguma distância entre ambos.

— Não acha um pouco cedo para este tipo de demonstração? —perguntou, olhando-o zangada.

— Nunca é cedo — ele a contradisse, com um olhar brincalhão. — Você é tão linda, que não consigo resistir, minha princesa de gelo!

— Gostaria que me soltasse, assim poderíamos tomar o café. A sua tia está esperando — falou, procurando manter a voz fria e se odiando por eslar tão trêmula.

Scott afrouxou o abraço e Anna escapou. Abriu a porta antes que ele a impedisse e saiu, sabendo que ele a seguia, com o olhar brinca­lhão e um sorriso nos lábios.

Ela se sentiria muito mais segura quando encontrassem a tia, Anna pensou e caminhou depressa pelos corredores. Scott era perigosamente atraente, principalmente naquele suéter preto e justo. Sentia que seu corpo estava particularmente sensível ao dele no momento. Scott era um homem com um magnetismo difícil de resistir.

 

Na mesa do café, Scott anunciou sua intenção de sair com Anna o dia inteiro. Ela sentiu um arrepio de medo, mas logo viu que não tinha motivo para isso. Ele levou-a para conhecer Amazibu Bay, mostrou suas ruas cheias de árvores, as lojinhas antiquadas e os novos shopping centers. Um teatro, cinemas, restaurantes e clubes também faziam parte do roteiro. Além disso, havia um lindo playground na praia, onde se reuniam crianças e velhos.

Almoçaram num restaurante ao ar livre e depois foram passear ao longo das margens do rio, admirando os lírios que cresciam nas águas.

— Amazibu Bay depende muito do turismo — Scott explicou. — Não é uma cidade grande, como você viu, e fora da estação turística é bem mais calma.

— Morris e Sheila me disseram que de dezembro a fevereiro é a época mais movimentada. — Ela levantou os olhos, curiosa. — Fica muito diferente de agora?

— Sem duvida. — Ele sentou-se à sombra de uma árvore sobre a grama e puxou-a para o seu lado. — Amazibu Bay fica cheia de turistas durante o verão. É por isso que eu fecho a casa e passo algu­mas semanas na Cidade do Cabo. A tia Dorrie geralmente passa o Natal com a filha, e voltamos logo depois do Ano-Novo.

Anna brincou com uma folha de grama.

— Você tem uma secretária para cuidar de sua correspondência particular?

— Não no momento. Geralmente, tenho problemas para encontrar alguém. Por enquanto, quando preciso, peço emprestada a secretária de um dos hotéis — ele contou, recostando-se e admirando o céu sem nuvens.

— Quais são as exigências para o cargo? — Anna perguntou com interesse.

— Preciso de alguém que me ajude com a burocracia... a conta­bilidade... datilografia... etc.

— Compreendo — ela murmurou, pensando se conhecia alguma pessoa que pudesse recomendar.

— Mas se você casar comigo, poderá me ajudar, e aí náo precisarei de mais ninguém — Scott disse, brincalhão e ela deixou cair a folha de grama porque sua mão começou a tremer.

— Será que está procurando fazer economias, Scott Beresford? — perguntou num tom acusador.

— Você teria o benefício, é claro, de possuir um marido como eu... — ele disse, preguiçoso.

— Faz uma ótima ideia sobre si mesmo, não? — Ela tentava mostrar desprezo, mas seu coração já tinha disparado. Então, ele se aproximou e acariciou um cacho dos seus cabelos.

— Um marido assim pode ser uma recompensa muito maior do que qualquer salário, qualquer cheque, qualquer dinheiro... — Scoit insistiu, com o ombro tocando o dela e fazendo com que estremecesse.

Os olhos de Anna brilharam de raiva, mas ela não conseguiu contro­lar o riso. Perguntou:

— Esta é uma opinião totalmente pessoal, não?

— Naturalmente.

Olhou para ele e o brilho diabólico que viu naqueles olhos avisou-a de que a situação estava ficando perigosa. Mas antes que ela pudesse escapar, Scott a abraçou e puxou-a com firmeza para si, deitando-a na grama, ao seu lado.

— Scott, por favor! — ela pediu, empurrando o peito dele e sentindo as batidas fortes do seu coração. Mas ele não prestou atenção e soltou o corpo sensualmente sobre o dela, procurando seus lábios. Não havia dúvidas quanto às intenções dele e ela lutou, em pânico, para afastá-lo.

— Alguém pode nos ver — disse, desesperada.

— Eu não me importo. — Ele riu e ela sentiu aquele hálito quente contra o rosto. Então, o mundo pareceu explodir, quando seus lábios se encontraram.

Anna sabia muito bem que não adiantava lutar contra suas emoções. Scott tinha a capacidade de fazer vir à tona toda a sensualidade que guardava dentro de si. E ela se entregou àqueles beijos até que conseguiu retomar seu controle e desviar os lábios dos dele.

— Chega... por favor! — pediu, trêmula. Não estava reconhe­cendo a própria voz e levantou os olhos. E o olhar que ele viu já não era frio nem distante, mas sim úmído e brilhante.

Scott sacudiu levemente a cabeça, sorrindo ironicamente, e a soltou. Ela levantou-se.

— Não chega, não... —ele disse. — Mas, no momento, está bem, concordo com você.

As mãos dele em sua cintura pareciam, queimar e durante um terrível segundo ela teve vontade de se virar e abraçá-lo. Mas depois se controlou e voltaram ao Mercedes.

 

Naquela noite, numa discoteca local, Scoit a levou para a pista de dança e comentou:

— Não consigo tomá-la nos braços sem ficar maluco.

Anna não conseguiu disfarçar o sorriso, mas estava tranquila. A estas alturas não havia motivo para não se divertir na companhia dele. Por isso, chegou à conclusão de que precisava ser menos agressiva com Scott. Afinal, aquele homem a tinha pedido em casamento e ela prometeu pensar no assunto. Já não era mais criança. Estava com vinte e cinco anos. Já havia perdido muito tempo na vida...

Se Scott percebeu sua mudança de atitude, não falou nada. Mas quando lhe deu o beijo de boa-noite, parecia quase triunfante ao vê-la se entregar ao seu abraço. Era a primeira vez que ela se rendia de verdade e ele a sufocou com carícias, beijando-a de tal forma que muito tempo antes de conseguir dormir, naquela noite, os lábios dela ainda queimavam com a lembrança dos lábios de Scott.

 

Quando ele a levou de volta para Durban, na noite seguinte, depois do jantar, Anna sentiu que o fim de semana havia voado.Tinha sido delicioso se afastar da cidade aqueles dias e o domingo que passaram, passeando no jardim e pela praia, foi inesquecível.

Havia momentos em que ficavam em silêncio, mas só que em vez de sentir hostilidade, ela se sentia tranquila ao lado dele. Parecia um sonho as horas que sentaram nas espreguiçadeiras, observando o céu sem nuvens, saboreando as novas sensações que transmitiam de um para o outro.

Os pensamentos de Anna foram interrompidos quando Scott parou o carro no estacionamento do Caribbean. Ela ia abrir a porta, mas ele segurou sua mão.

— Vai pensar seriamente na minha proposta?

— Prometo que pensarei, mas...

— Nada de mas — Scott interrompeu. — Quero uma resposta dentro de duas semanas e tem que ser sim.

Ele deu a volta para abrir a porta para ela. Quando Anna saiu, tomou-a nos braços e a beijou apaixonadamente. E mais uma vez Anna entregou-se às carícias daquelas mãos e daqueles lábios.

Quando se afastou, Anna sentiu que estava com as pernas trêmulas. Evitou olhá-lo, enquanto ele a acompanhava até o seu quarto. Na porta já se sentia controlada o suficiente para dizer formalmente:

— Foi um fim de semana delicioso, Scott. Agradeço a você e também a sua tia por terem me convidado.

Ele levou a mão dela aos lábios, mas continuou a olhá-la nos olhos intensamente, com a calma de sempre. Era impossível ficar fria e distante diante de Scott. Eie derrubava suas defesas com a maior facilidade. O relacionamento entre eles havia atingido um ponto que ela não esperava. E então ele novamente colocou as mãos nos seus ombros e, com um sentimento de posse, puxou-a para mais perto, mergulhando-a num beijo cheio de um desejo que se tornava cada vez mais dominador.

Anna sentiu uma excitação que a deixou ao mesmo tempo envergo­nhada e ansiosa pelas carícias dele. O sorriso de pouco caso, no canto dos lábios de Scott, já não a perturbava mais. Ela abriu a boca sob a dele, e deixou que as mãos de Scott a acariciassem, introduzindo fogo em suas veias.

— Boa noite, meu amor — ele disse finalmente, soltando-a. Anna encostou-se, fraca, contra a porta e o viu se afastar, com os passos firmes que já conhecia tão bem.

Durante algum tempo admirou aqueles ombros largos e sentiu uma vontade louca de chamar Scott de volta. Mas ele entrou no elevador e ela abriu a porta do quarto, entrando com a bagagem. O encanta­mento dele já não existia ali e ela chegou à conclusão de que não deveria sucumbir novamente às emoções que Scott lhe provocava.

Foi o que decidiu. Mas uma vozinha interior lhe dizia exatamente o contrário. E a única coisa que ela podia fazer era aproveitar esta chance que a vida lhe estava oferecendo para vingar seu coração ferido.

 

Durante as duas semanas seguintes, Anua não esqueceu o pedido de Scott. Nem poderia: ele lhe mandou muitas flores e presentes caros, fazendo-a até se sentir embaraçada. Não havia uma tarde em que ele não aparecesse no Caribbean para levá-la a algum lugar. Anna até se acostumou com a troca de olhares entre Morris e Sheila e odiou não ser capaz de contar tudo a eles.

Apesar de seus protestos interiores, porém, ela começou a esperar ansiosa todo fim de tarde, para ver Scott. E ficava logo deprimida e nervosa quando ele demorava um pouco mais para chegar. A ten­tação de lhe telefonar, nestas ocasiões, era terrível, mas só de pensar em ouvir aquele riso de pouco caso, conseguia se controlar. O que não evitava, é claro, que pensasse no que ele estaria fazendo e se estaria também pensando nela. Era uma situação de enlouquecer, mas Anna percebia que já não era capaz de se dominar.

Uma tarde, Sheila convidou-a para tomar chá com ela em sua suíte particular. E acabou tocando no nome de Scott.

— Você tem saído bastante com Scott Beresford — Sheila comen­tou, suavemente. — Espero que não o esteja levando a sério.

Anna olhou para as mãos cruzadas, com força, no colo e explicou:

— Scott quer se casar comigo.

Um silêncio terrível tomou conta do ambiente até que Sheila voitou a falar:

— Então, parece que me enganei a respeito dele. Nunca imaginei que fosse se casar outra vez. — Ela parou e olhou para Anna com ar de curiosidade. — E você aceitou?

— Eu disse que ia pensar e ele espera uma resposta até o fim da próxima semana.

— Mas você já resolveu alguma coisa?

Anna deu de ombros e levantou, um pouco nervosa.

— Ainda não decidi nada...

— Você o ama?

— Eu amei Andrew... e de que adiantou? — respondeu, olhando

Sheila de um modo penetrante.

— E o que sente por Scott Beresford? — Sheila perguntou bai­xinho, fazendo Anna desviar os olhos para a janela de onde se avistava a praia.

— Não sei o que sinto — ela admitiu, depois de um longo silên­cio. — Não nego que o acho atraente e gosto da companhia dele, mas...

— Você não o ama — Sheila terminou e os olhos verdes de Anna ficaram mais escuros, com as lembranças tristes que o amor lhe trazia.

— Acho que nunca mais vou amar ninguém do jeito que amei An­drew. O que tenho a oferecer é menos do que dei a ele. Mas pode ser que Scott se sinta satisfeito com isso.

— Ele sabe sobre Andrew?

— Sim.

— E ainda assim quer casar com você?

— Sim.

— Então não precisa se preocupar, não é? — Sheila observou calmamente.

— Eu sei... mas... — Anna suspirou e voltou à sua poltrona. — E se eu concordar em casar... e o casamento não der certo?

— Qualquer casamento corre este risco — Sheila disse num tom confidencial. — Mas a decisão é só sua.

— Eu sei — Anna respondeu distraída.

— Devo lembrá-la de uma coisa, querida — Sheila disse com fir­meza. — Você não é tão jovem assim. Aos vinte e cinco anos não é mais fácil encontrar o homem certo.

O comentário de Sheila continuou martelando a cabeça de Anna durante o resto da semana. O homem certo, Sheila havia dito. Será que Scott era o homem certo?

 

Anna ainda não tinha certeza de nada quando ele a pegou no Ca­ribbean sexta-feira para passar o fim de semana em Amazibu Bay.

Durante aqueles dois dias, ele esperava uma resposta. Sabendo que não tinha nenhuma, ela estava se sentindo cada vez mais tensa e ner­vosa. Não tocaram no assunto, mas quando se olhavam, Anna sabia o que ele estava pensando e ficava tentando encontrar um jeito para fugir da pergunta.

Depois do jantar, sabia que o assunto não poderia ser evitado e Scott a levou para o escritório, fechando a porta. Era aquele o momento que ela mais temia. A expressão dele era resoluta quando se aproximou de uma mesa e abriu a gaveta.

— Eu tenho algo aqui, para você — disse, trazendo uma caixinha de veludo nas mãos. Abriu-a e Anna sentiu sua garganta secar. Ali, na sua frente, estava um grande solitário de diamante.

A pedra brilhava como se estivesse viva e ela se detestou por lembrar o quanto desejara que Andrew colocasse um anel daqueles em seu dedo. Mas ele havia preferido Debbie.

— É um anel de noivado — Anna falou, sentindo-se uma estúpida e lutando contra a onda de sofrimento que ameava sufocá-la.

— Claro. E o que mais podia ser? — Scott perguntou com um sorriso irônico, movimentando a caixinha de um lado para o outro, de modo que a pedra refletisse a luz do lustre.

Anna sentiu-se hipnotizada pelo anel e levantou os olhos para Scott, revelando seus sentimentos contraditórios, seu medo.

— Eu não disse que aceitava casar com você.

— Mas eu sei que vai me dar a resposta que estou esperando. — Aquela afirmação presunçosa fez com que ela voltasse depressa à realidade, respondendo com raiva:

— Como sempre, você parece muito seguro.

— Estou mesmo.

— O casamento é uma coisa séria — ela respondeu friamente, mas, dentro de si, estava dominada pelo desespero.

— Sei tudo sobre casamento — Scott disse com um sorriso. — Dê-me sua mão.

Num gesto infantil, ela escondeu a mão atrás das costas, mas Scott pegou a esquerda e momentos depois o anel brilhava em seu dedo.

— Scott, eu não sou o tipo de esposa certa para você — ela murmurou rouca, sentindo um nó na garganta.

Ele beijou o anel e sorriu para ela, com um ar tolerante.

— Você é perfeita.

— Você não me conhece bem.

— Temos o resto das nossas vidas para nos conhecermos.

Anna quis evitar o abraço por um momento, mas quando ele esten­deu as mãos, ela se aproximou do corpo dele. Era impossível pensar em qualquer coisa quando os lábios de Scott tocavam os seus, beijavam seu pescoço, e ela só conseguia sentir aquele arrepio de prazer.

Por que devo casar com ele? A voz indignada da sua consciência perguntava. Está certo, você gosta dele e sente atração por ele, ela mesma respondia. Mas isso não significa que tenha que aceitar o pedido.

Nada impedia, entretanto, que também aceitasse, concluiu, meio relutante.

— Scott... — começou nervosa, mas sua voz falhou.

— Sim, meu amor?

Ela respirou fundo, como se tivesse ganhado coragem, e disse:

— Aceito casar com você.

— Eu lhe disse que aceitaria, não disse? — ele deu uma risada baixa e gutural e ela se odiou por, mais uma vez, estar sendo alvo do humor dele.

— Você é um animal arrogante e egoísta — acusou, mas sua voz não demonstrava o ódio nem a reprovação que sentira há poucos momentos.

— Sim, meu amor — ele murmurou solenemente fazendo com que ela se arrepiasse com seus beijos suaves.

— Acho que o odeio — Anna confessou num tom diferente, carre­gado das emoções que ele havia despertado nela. E então, pela primeira vez, puxou o rosto dele para o seu, até seus lábios se encon­trarem. Uma paixão inexplicável a surpreendeu por um segundo, antes que ele a apertasse com força num abraço quase doloroso.

— Quanto tempo vai querer que eu espere até poder dizer que é minha? — ele perguntou lentamente, dando a ela uma chance de respirar fundo e acalmar o desejo que havia despertado tão facilmente.

— Um mês.

— Tudo isso? — ele trovejou, incrédulo. Ela se afastou e foi até a janela, olhando as estrelas.

— Preciso dar um mês de aviso prévio no Caribbean e... gostaria de casar aqui em Amazibu Bay, se for possível — falou sem se virar, procurando não pensar na ideia de casar em Johannesburg, tendo como testemunhas Andrew e Debbie.

— Quer um casamento pomposo?

Ela sacudiu a cabeça, sentindo um nó na garganta, e olhou as estrelas que brilhavam ao longe.

— Prefiro um casamento discreto, mas gostaria de uma cerimonia religiosa...

— Parece razoável — ele concordou num tom amigável que a surpreendeu e aproximou-se, fazendo com que ela virasse e o en­carasse.

— É um lindo anel, Scott, e serviu perfeitamente — disse nervosa, evitando pensar e lutando contra as lágrimas ridículas que ameaçavam engasgá-la. — Como conseguiu isso?

— Acho que foi uma inspiração — ele disse, acariciando seu rosto, mas ela fugiu daquele olhar.

— Vamos comunicar à sua tia o nosso noivado?

— A tia Dorrie pode esperar mais um pouquinho — ele respondeu e passaram vários momentos juntos antes de deixarem o escritório.

Anna sentiu o rosto pegando fogo e os olhos febris quando foi com Scott ao encontro de Dorothy MacPherson na sala, para lhe dar a notícia, Sentia-se estranhamente alegre e leve, depois dos momentos de paixão vividos com Scott.

— Nem sei dizer como estou contente — a tia exclamou feliz, abraçando e beijando os dois. — Acho que esta ocasião precisa ser comemorada com champanha, Scott!

— Já tenho uma garrafa esperando, no gelo. — Ele sorriu mali­cioso e desapareceu, deixando as duas sozinhas durante alguns mi­nutos.

— Ele devia estar muito certo de que você aceitaria — a tia disse. Seus olhos azuis profundos brilhavam de felicidade e puxou Anna para o seu lado, no sofá. — Devo admitir que senti medo dele nunca mais casar.

— Medo?

— Sim. Ele ficou muito amargurado com a morte de Trudie — a sra. MacPherson disse confidencialmente, mas ao ouvir os passos de Scott, não falou mais nada.

— Onde estão os cálices, tia Dorrie? — Scott perguntou, colo­cando o balde de gelo na mesa e tirando a garrafa.

A tia saiu e voltou logo com três cálices que também já pareciam reservados para a ocasião.

— Aqui estão, meu querido.

Anna sentou ao lado de Scott, no sofá, com um cálice na mão. De repente, ficou preocupada, confusa com a rapidez dos acontecimentos. Ela mal podia acreditar que tinha concordado era casar com ele.

— À nossa saúde, Anna — Scott brindou, encostando seu cálice no dela. Depois tomaram o champanha, enquanto a tia os observava, comovida.

— Quando será o casamento? — perguntou ela e Anna ficou tensa à simples menção da cerimónia que seria tão decisiva em sua vida.

— Ela pretende esperar ainda um mês — Scott explicou e seu tom de voz fez o coração de Anna disparar, ao mesmo tempo em que sentia a mão dele acariciando-lhe o pescoço.

Dorothy MacPherson sorriu, compreensiva.

— Um mês não é nenhuma eternidade, você sabe.

— No momento, me parece — Scott resmungou olhando Anna com ar de acusação.

— Bem, já tomei champanha e agora vou deixar vocês dois dis­cutindo seus planos — a tia disse, colocando o cálice numa bandeja e se afastando.

— Não vá ainda, sra. MacPherson — Anna protestou, depressa, com medo de ficar a sós de novo com Scott. Mas a outra sorriu e se afastou, dizendo:

— É muita gentileza sua, querida, mas eu já fui jovem e sei que vocês dois querem ficar sozinhos.

Ela não podia estar mais enganada, Anna pensou desesperada, enquanto Dorothy se afastava. De repente, estava novamente a sós com Scott, sentindo-se pouco à vontade com o silêncio que pesava entre eles.

— Mais champanha? — ele perguntou depois de alguns momentos, pegando o cálice que ela segurava com os dedos trêmulos. Anna sacudiu a cabeça, tensa com a proximidade dele.

— Não, obrigada.

Scott virou-se e colocou o braço sobre o encosto do sofá, por trás dos ombros dela. Não a tocou, mas seu olhar desceu sobre ela como uma carícia, fazendo a pele dela se arrepiar e deixando-a fraca.

— Você é linda — ele disse finalmente, num tom sensual. — E é extremamente difícil manter minhas mãos longe de você.

— Scott... — ela começou procurando reprimi-lo, mas sentiu um nó na garganta e o coração disparando em resposta ao comentário dele.

— Eu não seria humano se não a quisesse. — Ele brincou, inclinando-se e colocando a outra mão no braço do sofa, de modo a prendê-la ali.

— Por favor... — Anna conseguiu dizer, sentindo seu rosto corar com as palavras dele.

— Eu nunca a vi vermelha desse jeito. — Ele brincou, olhando-a de um modo perigoso. — Está embaraçada em saber que quero desesperadamente possuí-la?

Anna sentiu que sufocava ao imaginar entregando-se fisicamente a Scott. Sentiu que o calor do rosto se espalhou por todo seu corpo.

— Scott, por favor, pare com isso! — ela pediu, mas para seu desespero, sua voz saiu trêmula de medo.

— Se eu parar de falar, vou começar a beijá-la — ele disse sor­rindo. — O que você prefere?

— Não está sendo justo — ela comentou. O cheiro da pele dele causava um efeito devastador em seus sentidos, fazendo com que desejasse irremediavelmente seus beijos.

— Estou me comportando como um animal?

— Um bruto — ela corrigiu suavemente.

— Um animal bruto, arrogante e egoísta — Scott riu baixinho, os lábios indo de encontro aos dela. Anna procurou resistir valen­temente a ele, mas novamente foi atraída pelo seu abraço.

— Você é impossível — ela riu, momentos antes que seus lábios se abandonassem num beijo longo e profundo e que a deixou sem fô­lego, corada e ofegante, quando pousou o rosto no ombro dele.

— Não vai mudar de ideia sobre o casamento, não é? — ele per­guntou em seu ouvido.

— Sinto que se mudar de ideia você nunca mais me dará um momento de paz.

— Eu iria caçá-la dia e noite. — Ele a abraçou com força. — Até que concordasse em casar comigo, nem que fosse apenas por de­sespero.

— Acredito que sim, mas... — Ela hesitou mordendo os lábios. — Espero que não se arrependa...

— Eu nunca me arrependeria em tê-la como esposa — ele disse, encantado, acariciando os cabelos dela que ganhavam brilhos doura­dos à luz do candelabro.

Anna não conseguia pensar enquanto estava nos braços de Scott, e deixou que ele a acariciasse até que suas emoções atingissem alturas que nunca havia imaginado. Depois, no quarto, entrou debaixo dos lençóis e ficou observando o luar, pensando seriamente no que tinha feito. Tocando o anel que Scott lhe deu, ela concluiu que, apesar de ter concordado em casar com ele, ainda estava apaixonada por Andrew. Não podia negar que Scott a atraía fisicamente, mas era como uma mariposa perto da luz. Ele lhe despertava emoções que a faziam sentir-se envergonhada, com desejo de se entregar. Mas, será que só o desejo físico era suficiente para mantê-los unidos para o resto da vida?

Ela suspirou baixinho na escuridão e imaginou se estaria agindo bem aceitando aquele casamento. Não tinha ilusões sobre o que Scott sentia por ela. Concluiu que, para ele, também tudo se resumia à atraçâo física. Ele a achava desejável e isso bastava. Talvez também achasse que poderia contar com a ajuda dela nos negócios. Mas, era só.

O amor não ia entrar naquele casamento. Ela até se sentia bem com isso, pois não se achava capaz de amar ninguém além de Andrew. Aquele tinha sido um amor que quase a destruíra. E, agora, olhando bem no fundo, dentro de si mesma, ela sabia que morria de vontade de se vingar de Andrew pela dor que ele lhe causara. Scott, sem saber, estava se tornando a arma daquela vingança.

 

Morris não ficou surpreso quando ela lhe contou sobre o noivado. Ele e Sheila já esperavam aquilo. A mulher foi mais reservada em seus comentários, mas os dois se mostraram muito contentes. Os pais de Anna também tinham de ser avisados e na noite de domingo ela telefonou para eles. Não foi fácil explicar que ia casar com um ho­mem que não conheciam. Mas conseguiu, e procurou demonstrar que se sentia feliz.

Superados os primeiros problemas, o resto do mês passou depressa. Sheila foi com Anna escolher o vestido de noiva e o enxoval para a semana que ela e Scott passariam nos hotéis dele, na costa norte, em lua-de-mel.

Os pais dela vieram de carro para Amazibu Bay, uma semana antes do casamento, e Scott preparou tudo para hospedá-los em sua casa. Assim, teriam a oportunidade de conhecer melhor o futuro genro. O comportamento de Scott era sempre impecável e Charles e Elizabeth Lindsay logo mostraram sua satisfação com a escolha de Anna. Os nomes de Andrew e Debbie nunca foram mencionados, mas Anna sentia que estavam no pensamento dos pais tanto quanto nos dela.

 

Dois dias antes do casamento, Anna também foi para a casa de Scott ficar com os pais e, na mesma tarde em que chegou, a mãe foi encontrá-la no quarto, andando nervosamente de um lado para o outro. Elízabeth Lindsay continuava magra e elegante apesar da idade e seus cabelos casfanhos já tinham alguns fios brancos. Pareceu preo­cupada ao observar a filha durante um momento.

— Anna, querida — ela disse finalmente, se aproximando da moça que parecia muito com ela. — Você não está casando com Scott só para esquecer Andrew, está? Você o ama, não ama?

— Gosto muito dele — Anna falou, tentando se esquivar, mas a mãe não se sentiu satisfeita.

— Quero saber se o ama — insistiu, ficando séria.

— Amar alguém, mamãe, é uma experiência muito dolorosa, que eu não quero repetir — ela falou calmamente, virando-se para a janela que dava para o jardim. Ao mesmo tempo evitava o olhar indagador da mãe. — Gosto de Scott e acho que nosso casamento pode dar certo.

— Seu pai e eu gostamos muito dele.

— Fico contente com isso. — Anna suspirou, sorrindo e voltando a olhar para a mãe. Percebia o motivo da preocupação de!a e resolveu mudar de assunto.

— Como vão Andrew e Debbie?

— Acho que estão bem e felizes — a mãe disse, mas seu olhar agora estava infeliz.

— Acha? — Anna insistiu, suspeitando de algo errado.

— Bem, eu não os tenho visto muito, agora que moram sozinhos. Portanto, acho que estão felizes — Elizabeth Lindsay respondeu num tom defensivo. — Mandaram lembranças e lhe desejam muitas felici­dades.

— Tenho certeza que sim — Anna respondeu num tom cínico, tirando os grampos dos cabelos.

— Estou estranhando você, filha — a mãe repreendeu-a gentil­mente e Anna parou com a escova, encarando o olhar calmo dela pelo espelho.

— Desculpe, algumas vezes ainda sofro, mas já aprendi a viver com isso, naturalmente.

— Será diferente, depois que você casar com Scott. Vai ver — a mãe respondeu confiante. Mas Anna não tinha tanta certeza se estaria livre da dor e da saudade de Andrew. Ia casar com Scott, mas tinha certeza de que a lembrança de Andrew sempre a perseguiria.

— Onde estão todos? — ela perguntou, procurando afastar aqueles pensamentos dolorosos.

— No terraço, nos esperando, e se conheço bem o seu pai, ele deve estar aborrecendo o pobre Scott com suas aventuras da época ern que esteve no mar. — A mãe riu enquanto saíam do quarto e iam se encontrar com os outros. — Esta casa é realmente muito linda, Anna. Vai morar aqui?

— Acho que sim — ela respondeu, procurando disfarçar seu ner­vosismo. — Mas é tão grande que posso até me perder.

— Vai ficar contente em ter todo este espaço quando começar a sua família, minha querida — a mãe garantiu e Anna imediatamente ficou tensa.

Ter filhos era algo que não fazia parte dos seus planos para o futuro. Mas era inevitável que Scott quisesse uma família. Ela enru­besceu diante daquela ideia, mas procurou esquecer o assunto ao ver Scott no terraço, sentado confortavelmente numa poltrona e ou­vindo com atenção o que o seu pai dizia.

Ao se aproximarem, Scott levantou-se educadamente e serviu um drinque, indicando a Anna que se sentasse na poltrona ao seu lado. Ela estava incrivelmente tensa, enquanto ouvia a mãe conversar com Dorothy MacPherson, como se fossem velhas amigas. Scott e o pai discutiam sobre petróleo, muito animados, e Anna ficou lembrando como Scott havia entrado em sua vida.

De repente, a mão dele segurou calmamente a sua. Era um gesto involuntário, mas a pressão dos dedos dele lhe transmitiu força, e, no momento, aquilo lhe pareceu reconfortante.

A noite, Joshua Gray, o advogado de Scott, apareceu trazendo pa­péis que, mais tarde, no escritório, Anna leu. Era um contrato de casamento que tinha sido redigido de acordo com as instruções de Scott. Ele queria lhe dar vinte e cinco por cento dos seus negócios. Era um gesto magnânimo, mas ela não podia aceitar.

— Podemos conversar a sós um momento, Scott? — pediu. O advogado se retirou discretamente.

— Há alguma coisa no contrato que não a deixou satisfeita, Anna? — Scott perguntou, no momento em que a porta se fechou.

— Está sendo muito generoso, Scott — ela explicou sem hesitar. — Mas não posso aceitar.

— Por quê?

— Vai parecer que estou casando com você por dinheiro.

— Que ridículo!

A expressão dele era de raiva reprimida, mas ela continuou.

— Estou falando sério, Scott. Não vou aceitar.

— E se eu quiser ser generoso? Posso me dar a este luxo,,.

— Não há dúvida, mas...

— No fundo, você é uma mulher de negócios, meu amor, e por isso estou fazendo isso — ele insistiu, virando-se para a porta, seguro de si. — Vou mandar Joshua entrar e acabaremos logo com isso.

— Não! — ela atirou o contrato sobre a mesa e levantou, agitada. — Não vou aceitar, Scott. Agradeço muito, mas...

— Anna! — ele interrompeu rispidamente, agarrando-a pela cin­tura, mas ela o empurrou. — O casamento é uma sociedade, não é?

— Concordo, mas...

— Dando a você participação nos meus negócios, estou lhe dando algo a que se dedicar, assim como uma boa dose de independência. Isso é assim tão terrível?

Ela entendia o raciocínio, mas se sentia terrivelmente culpada ao pensar em aceitar tanto dele e lhe dar tão pouco em troca. Entre­tanto, tinha certeza de que os motivos dele para aquele casamento eram tão egoístas quanto os seus...

— Scott...

Ele a beijou demoradamente e ela sentiu aquela fraqueza que a dominava sempre. Apesar de estar com os lábios firmemente fechados, eles se abriram em resposta aos dele.

— Eu quero assim — ele disse, próximo aos lábios dela, acari­ciando-lhe os braços e tocando-a com seus músculos rígidos.

— Parece que você sempre consegue tudo o que quer — ela mur­murou num tom de leve censura.

— Nem sempre, meu amor — ele corrigiu, olhando-a profunda­mente. — Mas o importante agora é que você será minha esposa e minha sócia nos negócios.

Apesar dos seus esforços, ela não conseguiu se livrar da sensação de culpa e se afastou, nervosa, do braço dele.

— Espero que não se arrependa de sua decisão.

— Tenho certeza de que não me arrependerei — ele respondeu, abrindo a porta para o advogado.

O contrato foi assinado, e agora só precisavam esperar a cerimônia de casamento que seria na igreja local.

 

Ao contrário do que Anna esperava, estava calma no dia fatal. Dorothy MacPherson e a mãe de Anna pareciam mais nervosas e Charles não conseguia nem dar o nó na gravata. Agora, só quando estava sentada ao lado do pai, no carro, a caminho da igreja, Anna sentiu-se estremecer. Ia encontrar Scott no altar! Podia não amá-lo como amava Andrew. Mas ele certa­mente lhe despertava emoções muito fortes. Talvez, com o tempo, ela conseguisse preencher aquele terrível vazio que tinha no coração.

Anna parecia incrivelmente calma, enquanto o casamento se reali­zava. Só estavam presentes os pais dela, a tia de Scott e alguns poucos amigos. A cerimónia foi curta e depois eles partiram em lua-de-mel para o norte. Só então Anna pareceu cair na realidade. Agora já era esposa de Scott, tinha uma linda aliança de ouro no dedo, junto com o solitário de noivado.

Estremeceu por um momento. Scott segurou sua mão e ela se acalmou. Era a primeira vez que se sentia calma, desde que partiram de Amazibu Bay.

 

Da suíte particular de Scott, num hotel a vários quilômetros ao norte de Durban, Anna olhou a floresta costeira. Sentiu-se tranquila e descansada pela primeira vez, depois dos dias de correria que tinham antecedido o casamento. Mas, logo após o jantar, começou a ficar incrivelmente tensa e Scott gentilmente avisou que ia dar uma volta nos jardins, para que ela ficasse sozinha para se trocar para a noite.

Anna tomou banho e vestiu a camisola de rendas que Sheila havia ajudado a escolher para a lua-de-mel. Assim vestida, foi para a cama, onde queria ser encontrada quando ele voltasse. Pouco depois, Scott tirou o paletó e a gravata, atirando-os numa poltrona. Em seguida, desabotoou a camisa, mostrando seus músculos bronzeados e firmes, e se aproximou dela.

— Você está muito linda, hoje, sra. Beresford — ele comentou com um ar misterioso, enquanto a olhava. — Sou um homem muito feliz por ter uma esposa tão bonita e desejável.

— Preferia que não me dissesse estas coisas — ela pediu, sem saber por quê.

— Mas é a verdade — ele insistiu. — Você é bonita, desejável e... é minha.

Scott sorriu, brincalhão, e foi para o banheiro, fechando a porta. Agora, era tarde demais para ela mudar de ideia. Sentiu um vazio no peito e uma tensão incrível, enquanto o ouvia tomando banho. Será que o casamento deles ia dar certo? Será que podia passar o resto da vida com Scott, sabendo que amava outro?

Por um momento, Anna fechou os olhos, procurando não pensar. Já tinha tomado sua decisão e agora não adiantava encher a cabeça com dúvidas. Andrew pertencia ao passado e ela precisava fazer com que ele continuasse lá.

— Está cansada?

Ela estremeceu violentamente e sentou-se na cama assustada ao ouvir a voz de Scott. Ele estava ali, ao seu lado, com um robe marrom de seda, o cabelo brilhante e molhado do chuveiro.

— Sim, um pouquinho — admitiu, com um desejo desesperado de fugir daquele olhar que mostrava o quanto ele a queria fisicamente.

— Foi um dia longo e sei que não tive a chance de beijá-la como queria.

— Que boa memória a sua — ela respondeu, tentando ser brinca­lhona para esconder o nervosismo. Mas sentia o coração disparar, enquanto ele se deitava ao seu lado.

— Foi um erro que pretendo corrigir logo — ele disse suavemente e baixou a cabeça começando a beijá-la.

Depois de alguns segundos de tensão, ela começou a corresponder aos beijos, mas ele logo desviou os lábios para seu pescoço e ombros, empurrando levemente para o lado a camisola. Então, novamente ela sentiu medo.

— Scott....

Os lábios dele agora tinham descido para os seios.

— Sim, amor?

— Nada... não tem importância — ela murmurou, sentindo-se sufocada com os beijos quentes, as carícias que deixavam seu corpo trêmulo e descontrolado.

Como que percebendo a timidez dela, ele estendeu o braço e apagou a luz. Depois, ela ouviu o ruído dele tirar o robe e entrar sob os lençóis, ao seu lado. Sentiu o calor do corpo dele contra o seu, despertando uma onda de sensações que não conhecia. Sentiu que ele tremia de desejo, mas dominando-se continuava a acariciá-la sem pressa, até que ela não sentisse mais medo nem vontade de se afastar.

Anna dormiu nos braços de Scott naquela noite, com a cabeça descansando em seu ombro. Não precisava nunca mais ficar com medo, percebeu momentos antes de dormir. Scott tinha sido muito paciente e delicado, um amante extremamente sensível. Ela seria eternamente grata a ele por isso.

 

A lua-de-mel, que anteriormente ela tanto temera, se transformou num período do qual sempre lembraria com ternura e alegria. Os dois passaram a semana em longos passeios, tomando banho de sol na praia e viajando de carro pelos arredores, num vale muito pitoresco. Anna descobriu que o tom brincalhão do marido ou sua atitude cínica era apenas um disfarce de um temperamento sensível e humano. Foi com tristeza que eles fizeram as malas para voltar a Amazibu Bay.

Dorothy MacPherson estava lá para dar as boas-vindas e Scott levou toda a bagagem para o quarto principal, que tinha sido redecorado. Anna achou-o muito confortável. Antes do casamento soube que a primeira esposa de Scott preferia a suíte do lado oeste da casa. Os quartos principais não tinham sido ocupados desde a morte dos pais de Scott e ela ficou estranhamente aliviada com isso.

— Está com pena da lua-de-mel ter terminado? — Scott perguntou se aproximando, enquanto ela desfazia as malas. Abraçou-a pelas costas e beijou seu pescoço.

— Sim e não. — Ela suspirou, encostando-se no corpo dele, deli­ciando-se com suas carícias. — Foi maravilhoso enquanto durou, mas temos de voltar à realidade.

— Parece que tenho uma esposa com muito bom senso. —Ele brincou, fazendo com que ela se virasse e o olhasse.

Anna relaxou naquele abraço, sentindo as carícias dos lábios e das mãos dele, até ser forçada a empurrá-lo.

— No momento, não estou tendo bom senso, me parece — ela murmurou, trêmula, com o coração disparando diante da paixão que via no olhar dele. — As malas precisam ser desfeitas e a sua tia está nos esperando para o chá.

— As malas e o chá podem esperar — ele murmurou rouco, tomando-a nos braços e levando-a para a cama, enfeitada com um cupido entalhado.

 

Quando Anna, finalmente, pôde continuar desfazendo as malas, estava sorridente, com um brilho de alegria no olhar. Scott, depois de um banho rápido, trocou de roupa, e antes de ir se encontrar com a tia, parou perto da porta, e olhou longamente as curvas de Anna que eram reveladas pelo robe de seda.

— Ainda bem que ninguém mais pode ver você assim.

— Por quê? — ela perguntou num tom inocente.

— Porque poderiam perceber que está com cara de mulher que fez amor há pouco tempo.

O comentário dele fez com que ela enrubescesse, mas sustentou o olhar enquanto se aproximava dele.

— E faz diferença que isso seja tão óbvio?

— Não para mim. — Ele brincou, passando a mão na curva dos quadris dela e puxando-a com força para si. — Uma aparência fria e intocável atrai mais atenções do que o brilho no rosto de uma mulher que casou há uma semana.

— Você está tentando me deixar encabulada — ela acusou, com um olhar de reprovação.

— Só porque ainda é uma novidade ver você corar como uma colegial — ele explicou de um modo imperturbável, beijando-a rapi­damente antes de sair do quarto.

 

A lua-de-mel tinha acabado mesmo e Anna descobriu que precisava atuar como secretária de Scott em meio período, assim como ajudar a tia dele nas responsabilidades da casa. Dorothy ficou contente em ter alguém com quem dividir tudo.

— Minhas pernas não aguentam mais — Dorrie reclamou certa manhã, afundando numa poltrona do terraço, enquanto servia o chá. — Nem sei dizer o alívio que sinto em poder contar com sua ajuda, Anna. Trudie nunca... — ela hesitou, olhando com ar culpado sobre os ombros, enquanto Anna colocava o chá na mesinha ao lado da poltrona. — Acho que não devia estar falando sobre isso, mas precisa saber que o único interesse de Trudie era gastar o dinheiro de Scott o mais rapidamente possível e foi assim que os problemas começaram.

— Que problemas? — Anna perguntou curiosa, com vontade de saber mais sobre a primeira esposa de Scott.

Depois de ver que estavam sozinhas, Dorothy MacPherson puxou a poltrona para mais perto de Anna.

— O casamento foi um erro desde o começo. Scott percebeu isso logo em seguida. Tenho certeza disso, mas ele não é do tipo de homem que foge das responsabilidades e estava resolvido a fazer tudo dar certo. Trudie queria uma vida social movimentada, mas Amazibu Bay não tinha muito a oferecer e ela logo começou a se sentir ente­diada. Scott procurou fazer com que se interessasse por outras coisas, mas Trudie afastou esta ideia e houve muita discussão. Finalmente, ela fugiu com George Warren, um homem que conheceu na casa de amigos, e logo depois morreu num acidente, perto daqui. — A tia Dorrie se serviu de mais chá. — Ela teria arrasado Scott mentalmente e financeiramente se desse tempo.

Anna sentiu pena de Scott, mas percebeu uma certa semelhança entre sua irmã e a insatisfeita Trudie. Procurou afastar aqueles pensa­mentos e conversou com Dorothy sobre outros assuntos.

 

Menos de uma semana depois, Anna e Scott receberam a visita inesperada de Dennis e Joan Mulder. Dennis era o gerente de um dos hotéis de Scott, em Johannesburg, e a expressão de Scott mostrava que ele não estava nada satisfeito com a visita. Apesar disso, procurou tratar o casal gentilmente.

Anna simpatizou com Dennis imediatamente. Ele era loiro, e com olhos cinzentos muito vivos, que a fizeram se sentir logo à vontade.

Já sua esposa manteve um silêncio de pedra, apesar dos esforços de Anna para começar uma conversa. Joan, de cabelos castanho-escuros e um ar sofisticado, deixou bem claro que não estava nada à vontade naquela casa. Anna demorou um pouco para perceber que sua hostilidade era dirigida a Scott. Aquilo a surpreendeu e deixou confusa, mas só depois que os dois homens pediram licença, foram para o escritório, e Joan Mulder resolveu falar, Anna começou a descobrir o motivo do estranho com­portamento da mulher.

— Trudie, a primeira esposa de Scott, e eu éramos muito amigas — ela anunciou numa voz rouca, com os olhos escuros avaliando Anna cuidadosamente.

— Mesmo?

O olhar da mulher ficou ainda mais escuro.

— Claro que o casamento não deu certo por culpa de Scott.

— Verdade?

— Sim, os ciúmes e a possessividade dele a forçaram a procurar outro homem.

Anna não gostou do modo como ela se referia a Scott.

— Não é nenhum crime sentir ciúmes nem ser possessivo.

— Pode ser, mas são coisas que destroem um casamento — Joan insistiu, apertando o cálice com tanta força que Anna esperava ver os estilhaços a qualquer momento. — A única preocupação de Scott era com os negócios e ele nunca se importou que Trudie estivesse infeliz.

— Há sempre dois lados em todas as histórias, sra... bem... Joan — Anna corrigiu depressa, encarando os olhos cor de âmbar da outra. — Talvez houvesse outras incompatibilidades.

— Havia muito mais do que isso — Joan insistiu, olhando cinica­mente para Anna que estava usando seu vestido bege, um presente de Scott durante a lua-de-mel. — Aposto que Scott não perdeu tempo em fazer com que você se interessasse pelos hotéis dele.

Joan estava sendo agressiva e Anna procurou controlar as palavras de raiva que tinha vontade de dizer. Mas sua voz saiu trêmula com o esforço.

— Na verdade, Scott não insistiu para que eu fizesse nada em particular. Se eu me envolver nos negócios dele, será por minha livre e espontânea vontade e porque gosto dos negócios.

— Cuidado para não agarrar mais do que pode engolir, como dizem por aí — Joan comentou, sarcástica.

Anna observou-a por um momento, em silêncio, desejando colocar aquela mulher em seu lugar. Mas resolveu não fazer nada por causa de Scott.

— Você não ajuda o seu marido de vez em quando? — indagou, aborrecida. — Deve achar a vida extremamente aborrecida se não se interessar por nada.

— Nunca — a mulher comentou rigidamente, tomando o resto do drinque e colocando com força o copo na mesinha ao lado da cadeira. — Dennis e eu saímos muito. Ele joga boliche e eu jogo tênis. Nós dois sempre jogamos bridge com outro casal. — Ela olhou curiosa para Anna. — Você joga bridge?

— Não.

Pela primeira vez Anna viu Joan sorrir naquela tarde.

— Trudie era uma excelente jogadora de bridge, assim como George.

— Que ótimo — Anna respondeu friamente, percebendo intuitiva­mente que Joan Mulder tinha encorajado o relacionamento da ex-esposa de Scott e seu amante.

— Eu não sei o que Trudie viu em Scott. Ele é arrogante e autori­tário e realmente muito aborrecido, apesar de ser atraente.

Anna olhou para Joan durante um momento, imaginando se tinha ouvido bem, mas de repente, sentiu uma intensa vontade de rir. Era óbvio que havia algo por trás do comentário de Joan. Scott podia ser arrogante e autoritário, mas aborrecido, nunca!

— Acho que nunca o achei aborrecido — ela comentou calma­mente, lembrando da vitalidade de Scott, da virilidade máscula que despertara tanto seus sentidos desde que haviam se encontrado, até que finalmente se entregasse a ele.

Joan sorriu, irônica.

— O problema com você é que ainda está muiio apaixonada por ele, para notar suas falhas.

Muito apaixonada por ele! Aquelas palavras ficaram rodopiando na cabeça de Anna e ela não sabia o que Joan ia dizer se lhe contasse que tinha casado com Scott amando outra pessoa. Aquele pensamento a fez sorrir, mas disse baixinho: — Talvez você esteja certa.

A conversa terminou quando os homens voltaram e Anna olhou Dennis mais de perto. Fazendo comparações entre Dennis e Scott, viu que ele tinha um jeito mais vulgar e comum e não pôde deixar de pensar até que ponto Joan estava é com inveja do seu casamento com Scott.

— O que os Mulder queriam na noite passada? — A tia de Scott perguntou, quando foi tomar chá com Anna no terraço, na tarde seguinte.

— Acho que vieram só por curiosidade — Anna falou secamente, enquanto se servia de um biscoito e sorria maliciosamente para a mulher. — Percebi que você sumiu no momento em que eles chegaram.

Dorothy MacPherson fez um gesto de desânimo, que não era comum dela.

— Eu não aguento aquela mulher e tenho certeza que ela também não me suporta.

Anna ficou séria.

— Acho que ela também não gosta de mim, porque casei com Scott.

— Não se preocupe com isso, querida, mas fique longe daquela mulher — a tia Dorrie avisou. — Ela é venenosa.

Anna ficou observando o jardim, lembrando da conversa com Joan Muider na noite anterior. Um vinco surgiu entre suas sobrancelhas.

— Conte-me, tia Dorrie — ela pediu com cuidado. — O que Joan Mulder tem contra Scott?

— Como assim?

— A hostilidade dela contra ele é tão evidente, que quase se pode tocá-la — Anna explicou. — E por causa de Trudie ou há outra razão?

Dorothy MacPherson desviou os olhos.

— Eu não sei.

— Você pode me dizer, tia Dome — Anna insistiu, percebendo o receio da mulher em discutir o assunto. — Vou descobrir mais cedo ou mais tarde, mas preferia que fosse por você.

Tia Dorrie hesitou, serviu-se de mais chá e mexeu com força a colherinha.

— Sei que não devia estar lhe dizendo isso, Scott jamais me per­doará, mas... — Ela olhou para trás, mas Scott tinha saído a negó­cios e os criados não estavam por perto. Então baixou a voz: — Joan Mulder foi tola o suficiente para tentar conquistar Scott antes dele casar. Claro que ele ficou interessado, mas quando Trudie apare­ceu... Acho que ela nunca o perdoou por causa disso.

— Oh! — Anna respirou fundo procurando conter o riso, mas não estava conseguindo falar. — Oh, céus, eu não devia rir de algo tão sério, porque, na realidade, é até patético, mas... — Ela parou e depois encarou a tia Dorrie. — Sabia que havia alguma coisa, mas nunca imaginei que era porque Scott tinha recusado as atenções dela.

— Os homens, geralmente, preferem fazer as conquistas. Mas, se quer mesmo saber, Joan Mulder é capaz de ter seus casos sem o marido saber, do mesmo modo como é capaz de espalhar seu veneno — a tia Dorrie comentou, séria. — Sei que ela encorajou o relacio­namento entre Trudie e George Warren.

— Fale-me sobre Trudie. Como ela era?

— Era ciumenta e extremamente possessiva antes de George War­ren entrar em cena — a tia Dorrie reclamou aborrecida, contradizendo tudo o que Joan Mulder tinha dito. — Scott não podia nem olhar para os lados, porque acabava sempre numa briga terrível. Ele é do tipo de homem que atrai as mulheres e é inegável que tem um charme que o torna irresistível. Mas nunca foi infiel a Trudie enquanto esteve casado com ela.

Uma pergunta surgiu na mente de Anna e ela achou importante saber a resposta:

— Houve muitas mulheres na vida dele, durante os últimos dois anos, depois da morte de Trudie?

— Muitas, mas Scott estava resolvido a não casar novamente e parecia se sentir seguro disso não acontecer enquanto tivesse muitas mulheres. — A tia sorriu, maliciosa. — Ele mudou de ideia muito depressa, depois de encontrar você, Anna. Desde que estão casados, vejo que ele está muito feliz. Você deve saber disso.

— Scott é uma pessoa difícil de se conhecer — Anna respondeu cuidadosamente. — Acho que ninguém consegue se aproximar dele o suficiente para saber exatamente o que sente ou pensa.

A tia Dorrie não contradisse aquilo e olhou curiosa para Atina.

— Ele lhe falou sobre o primeiro casamento?

— Só uma vez, rapidamente.

— E você não fez perguntas?

— Não. — Anna sacudiu a cabeça, como se quisesse afastar aquilo. — É realmente algo que já acabou, pelo que sei. Mas, depois do que Joan Mulder falou ontem à noite, fiquei curiosa em saber mais.

— O que ela disse?

— Oh, nada importante. — Anna sorriu, segura. — Ela estava mais interessada em arrasar Scott e me impressionar com o fato de ser grande amiga de Trudie.

Alguns minutos de silêncio se seguiram. Até que um mainá cantou num flamboyant, fazendo os outros pássaros voarem em busca de abrigo.

— Não leve a sério o que Joan Mulder lhe disse — tia Dorrie falou. — Scott trabalhou muito no passado. Ele tem suas falhas, como todos nós, mas certamente tem seus ideais e princípios nos quais se apoia.

Anna tinha certeza que não ia deixar os comentários de Joan Mulder perturbá-la. E continuou sua vida, calma e tranquila.

 

Os negócios de Scott o afastaram de casa durante algum tempo, mas Anna não falou nada. Ela tinha muitas coisas a fazer, cuidava do jardim e gostava de ficar a sós para pensar.

O passado agora já não lhe parecia tão doloroso, ela descobriu. Já conseguia lembrar de Andrew e perdoar a irmã por ter-lhe tomado o homem que amou.

O homem que amou! Anna respirou fundo. Será que o casamento com Scott tinha feito aquilo com ela? Será que tinha conseguido acabar com seu amor por Andrew Tait? Será que o havia colocado definitivamente no passado? Será que ele permaneceria lá para sem­pre?, ela se perguntou com um certo cinismo, tentando imaginar o que sentiria se fosse forçada a encontrar Andrew novamente. Será que ainda sentiria algum amor por ele?

Procurou esquecer o assunto e foi dar uma volta na praia. Scott só devia voltar no fim da noite. Ainda faltava algum tempo para o jantar e não havia motivo para ela ficar em casa. Tirou a echarpe dos cabelos e sentiu a brisa suave Ihs acariciando o pescoço.

Sem querer, ela caminhou até o banco onde havia se sentado com Scott, na primeira vez em que ele havia falado sobre casamento.

— Você vai ser minha, Anna. E muito breve — lembrou dele dizendo, enquanto olhava para o mar.

Ela, inicialmente, tinha rejeitado a ideia de casar com ele, por motivos emocionais, achando que o casamento não ia dar certo. Afi­nal, Scott nunca tinha dito que a amava e quanto a ela... estava certa que não possuía amor para dar a ele! Sentia-se estranhamente atraída por ele, mas o odiava de vez em quando, principalmente quando sorria com pouco caso, diante da retribuição apaixonada que ela dava às suas carícias... Não, ela já amara uma vez antes e não queria repetir a experiência!

Suspirou irritada e levantou-se impaciente, quando algo lhe chamou a atenção. Scott estava andando pela praia, se aproximando dela, com uma toalha nos ombros e usando um calção azul que acentuava ainda mais os músculos das pernas.

Anna sentiu que seus joelhos enfraqueciam, ao ver aquele corpo bronzeado e viril. Seu coração disparou quando ele deixou cair a toa­lha na areia e parou para observá-la, com as mãos nos quadris. O olhar dele parecia acariciá-la sob o delicado vestido de verão, demo­rando bastante na região dos seios. Ela sentiu como se o tecido fosse transparente e ele visse suas curvas.

— Você está ficando cada vez mais bonita — ele disse, colocando as mãos nos ombros dela e acariciando-a suavemente.

Ela tremeu com aquele toque, mas forçou-se a continuar indiferente, enquanto o olhava.

— Os elogios nunca me impressionaram.

— Talvez este impressione — ele falou de repente, e ela não teve poder de resistir quando ele a puxou para um abraço que quase a sufocou. O calor apaixonado daqueles lábios fez com que ela perdesse ainda mais o controle que procurava ter sobre as emoções.

— Scott, por favor... — pediu, quase sem fôlego, procurando se soltar. — Não aqui, na praia, onde todos podem nos ver.

Ele desviou os braços, mas continuou a olhar nos olhos dela.

— Dois dias longe de você parecem dois anos.

— Só o esperávamos à noite — ela disse num tom acusador, fa­zendo um esforço para recuperar o controle.

— Eu consegui escapar mais cedo. — Ele sorriu cinicamente. — Está desapontada?

— Não... é que não o esperava tão cedo, só isso...

— Sentiu a minha falta?

Ela o olhou friamente e brincou:

— Claro que sim. A vida estava muito mais calma, sem você por aqui.

Viu sinais de perigo no brilho dos olhos dele, mas não estava preparada para o que aconteceu em seguida. Num movimento rápido, ele a tomou nos braços, erguendo-a e colocando-a sobre os ombros, como se ela fosse um saco de batatas.

— Então estava tudo mais calmo sem mim? — ele perguntou, ca­minhando em direção ao mar.

Anna tinha levado um susto e estava espantada demais para rea­gir, mas logo começou a bater nas costas dele, embora de nada adiantasse.

— Scott! — ela gritava, rouca. — O que está pensando em fazer?

— Vou jogar você no mar.

— Não! Não, não! — ela pedia, desesperada, mas ele parecia surdo e começou a caminhar pelas águas. Ela ouviu o ruído das ondas.

— Você vai estragar o meu vestido, Scott. Por favor...!

A água gelada atingiu seu corpo com força, fazendo com que lutasse para respirar, momentos antes de afundar nas ondas. O braço de Scott a segurava com força pela cintura e ela começou a achar que não ia voltar à tona nunca mais. Mas, de repente, ele a levantou acima das águas.

Ela o abraçou com força, procurando respirar e sentindo dor nos pulmões sem saber se ria ou chorava. Procurou se refugiar no ódio.

— Seu idiota! Seu imbecil! Olhe o que você fez!

— Talvez um outro mergulho esfrie a sua raiva — ele riu e ela afundou na água uma segunda vez. Depois ele a retirou e beijou, tão longamente que ela sentiu que sua alma estava prestes a sair pela boca.

— Está se sentindo melhor, sua gata selvagem?

Ignorando o comentário, ela lutou para se libertar dos braços dele e afastou os cabelos dos olhos. Riu, mas ainda sentia raiva, quando o encarou.

— Você me deixou deste jeito.

— Está linda, com estes cabelos molhados e este vestido... hum... — ele sorriu olhando o tecido do vestido grudado ao corpo, revelando todas as curvas. — Devia ficar um pouco na água, em vez de sair correndo para se trocar.

Anna enrubesceu ao se olhar, mas para seu próprio espanto, sentiu que tinha vontade de concordar com a sugestão dele. A situação era muito engraçada e ela já não se importava com mais nada, pois a praia estava deserta. Se as pessoas quisessem pensar que era louca por nadar vestida, que pensassem...

 

— O que aconteceu com você, Anna? — Dorothy MacPherson perguntou, espantada com a aparência de Anna, quando ela chegou em casa com Scott, uma hora depois.

— Eu... caí no mar — ela explicou, sorrindo para Scott que também ria.

— Hum... — Tia Dorrie sorriu maliciosamente. — Sou capaz de apostar que você foi empurrada.

— Atrase o jantar meia hora, tia Dorrie, por favor — Scott disse rindo e puxando Anna para a escada. — Anna e eu vamos demorar mais um pouquinho para nos tornarmos apresentáveis. Ela parece um rato afogado.

 

— Pareço um rato afogado por culpa sua — Anna acusou, quando chegaram ao quarto. — Você me atirou no mar.

Ela foi silenciada pelos lábios de Scott, enquanto sentia a rigidez das coxas dele contra as suas e o peito másculo contra suas mãos. Seu corpo curvou-se contra o dele e os lábios se encontraram apaixo­nadamente, ela trêmula, mas concordando com aquela proximidade. Anna não ofereceu nenhuma resistência quando ele lhe tirou o vestido úmido. Suas emoções só queriam explodir quando o corpo dele se encostou no seu. Scott lhe segurou os seios, e gemeu suavemente, sentindo um desejo tão forte que as veias pareciam ter fogo em vez de sangue. O encantamento foi quebrado, entretanto, quando Scott levantou a cabeça, e disse calmamente:

— Vou viajar alguns dias, novamente, a partir de amanhã.

Saindo das profundezas de suas emoções com dificuldade, ela ficou espantada com a facilidade dele em se controlar. E murmurou, ain­da tonta:

— Não! Outra vez...

— Então, sentiu saudades de mim, afinal. — Ele brincou cruel­mente e ela se soltou, puxando um robe e se enrolando nele.

— Onde você vai desta vez? — perguntou, incapaz de continuar a olhá-lo enquanto procurava se controlar.

— Para o sul... até Port Shepstone.

— Já percebeu que ultimamente tem passado mais tempo fora do que dentro de casa?

— Lamento, Anna — ele disse em tom de desculpas, procurando se aproximar por trás, mas ela virou-se para encará-lo. — É um dos problemas do meu trabalho.

Ele parecia estranhameníe infantil, com os cabelos caídos na testa. Para seu próprio desânimo, ela se viu dizendo:

— Leve-me com você, Scott.

— Eu prefiro que fique aqui, com a tia Dorrie.

— Por quê? — ela tentou engolir seu desapontamento. — Por que não posso ir com você?

— Os negócios e o prazer não se misturam, meu amor. E você pode se distrair muito por aqui. — Ele brincou, acariciando um cacho de cabelos dela. — Sabe que mesmo com os cabelos caídos no rosto, e parecendo um rato molhado, você está linda e muito desejável?

— Você é um animai! — ela acusou, correndo para o banheiro. Ela não tinha ideia do que a havia feito querer ir com ele, mas certamente não iria impor sua presença se ele não a desejava, foi o que decidiu.

Scott partiu depois do café, na manhã seguinte. Dois dias depois, Anna recebeu um telegrama da mãe: o pai estava no hospital, com trombose, e Elizabeth lhe pedia que fosse até Johannesburg. Como não esperava Scott tão cedo, resolveu ir mesmo sem falar com ele. Assim, Anna preparou-se para viajar, jogando algumas coisas numa maleta.

— Lamento deixá-la sozinha, tia Dorrie — ela se desculpou na hora das despedidas.

— Eu compreendo, minha querida — a muiher respondeu, bei­jando-a no rosto. — Sua família precisa de você neste momento. Eu explicarei tudo a Scott quando ele chegar.

Anna concordou e momentos depois estava no avião. Agora era tarde para se arrepender. Não podia fazer mais nada, dadas as circuns­tâncias. Se tivesse o apoio de Scott seria muito melhor, mas ia conse­guir resolver seus problemas sem ele, disse a si mesma, com firmeza.

 

O vôo para Johannesburg foi rápido, mas longo o suficiente para Anna perceber que a doença do pai ia precipitar o seu encontro com Andrew e Debbie. Estava odiando pensar naquilo, mas era inevitável e desejou fervorosamente conseguir sair-se bem da situação.

Pegou a maleta quando o avião pousou no aeroporto Jan Smuts e tomou um táxi para Sandton. O longo trajeto lhe deu tempo para se acalmar e já estava mais controlada quando desceu diante da casa dos pais.

Percebeu que nada tinha mudado, ao parar no portão e olhar a ve­lha casa. Tudo parecia igual, até mesmo as plantas e flores do jardim.

Anna sorriu. Já não se sentia tão preocupada. Pegou a maleta e ca­minhou pela alameda até a porta.

A mãe estava pálida quando respondeu à campainha, mas bem con­trolada. Anna percebeu que Elizabeth sofria muito.

— Minha querida! Estou tão contente que tenha vindo — ela dis­se com calma, abraçando a filha. — Onde está Scott?

Anna fechou a porta, deixando a maleta no hall, e foi com a mãe para a sala, enquanto explicava.

— Scott não estava em casa esta manhã, quando o seu telegrama chegou. Reservei uma passagem logo, pois ele ia demorar para voltar. Mas, conte-me o que houve... Como está papai?

— Como pode-se esperar, — Elizabeth Lindsay tentou sorrir, cal­mamente, mas suas mãos tremiam. — A única informação que tive no hospital foi de que o médico estava mais otimista, depois de re­ceber os resultados do eletrocardiograma.

— Papai está consciente?

— Sim, graças a Deus, mas parece ligado a um monte de apare­lhos. — Ela baixou os olhos e segurou a mão de Anna com força. — É bom tê-la aqui, querida. Fisicamente você se parece comigo, mas é sensível como o seu pai.

— Você ficou sozinha o dia inteiro? — Anna perguntou cuidadosa, ignorando o comentário da mãe.

— Debbie passou a manhã comigo, mas Andrew veio buscá-la de­pois do almoço. — Anna... o que vamos fazer?

— Vamos jantar, primeiro — Anna respondeu logo, trocando de propósito o significado das palavras da mãe. — Eu não comi nada desde a manhã e estou com fome.

— Oh, céus! — a mãe exclamou. — O jantar já está pronto há muito tempo, mas eu estava esperando Debbie, Andrew e... —O som de um carro parando lá fora a interrompeu. — Devem ser eles — a mãe disse e Anna levantou-se nervosa. — Vá recebê-los, querida.

Anna sentiu que não podia escapar e resolveu se controlar com fir­meza, mas estava trêmula por dentro.

— Eu abro a porta para eles, mamãe.

Tinha se preparado para aquele encontro com o homem que lhe causara tantos sofrimentos e, ao entrar no hall, deu de cara com a irmã. Debbie estava ali, loura e linda, muito elegante e demonstrando surpresa.

— Anna! — ela exclamou sorrindo, um pouco hesitante antes de entrar. — Quando você chegou?

— Há poucos minutos — ela respondeu, percebendo depois que Debbie estava tão nervosa quanto ela. Procurou afastar o antagonis­mo para com a irmã mais nova e a beijou levemente no rosto. — Vo­cê está linda, Debbie.

— Você também, Anna. — A irmã sorriu e Anna percebeu alívio nos olhos dela. — Onde está mamãe?

— Na sala — ela disse e Debbie se afastou. Então, Anna viu An­drew entrando. Seu coração deu um pulo quando os olhares dos dois se encontraram. Mas depois, por alguma razão inexplicável, não acon­teceu mais nada.

Anna tinha se preparado para uma dor que a havia acompanhado durante meses, mas descobriu que podia encará-lo sem sentir nada. Confusa e espantada com sua própria reação diante do homem que amara tão desesperadamentc, ela se forçou a continuar calma até ter tempo para analisar a situação com tranquilidade. E sua voz soou muito tranquila mesmo, quando disse:

— Alô, Andrew.

— Anna... — O olhar dele parecia avaliá-la no elegante vestido de verão verde, que havia escolhido para a viagem. Mas o sorriso dele já não causava o efeito devastador de antes. — Que bom ver você novamente.

Ele continuou nos degraus, olhando-a de um modo esquisito, até que ela disse repentinamente:

— Vai entrar ou pretende passar o resto da tarde nos degraus? — Andrew entrou, mas parou ao lado dela, ao fechar a porta.

— Você está mais bonita do que eu me lembrava, Anna.

Ela o olhou durante um momento, analisando os cabelos cor de areia caindo na testa, os olhos castanhos que antigamente tinham o poder de disparar seu coração. Naquele momento, se sentia completamente distante dele.

— Obrigada — disse friamente e foi se encontrar com a mãe.

 

A conversa não fluiu fácil durante o jantar e o assunto era Char­les Lindsay. Havia uma tensão terrível no ambiente, que para Anna piorava mais quando percebia Andrew observando-a demoradamente. Na verdade o comportamento dele a estava irritando.

O que está acontecendo comigo?, perguntou a si mesma, quando sentou ao lado da mãe no carro de Andrew, a caminho do hospital. Será que estou reagindo assim devido à surpresa, ou meus sentimentos morreram? Ou será que há outro motivo?

Não havia tempo para analisar tudo, pois tinham chegado ao hos­pital. Momentos depois entravam na enfermaria onde estava o seu pai. A enfermeira murmurou alguma coisa sobre o número de vi­sitas, mas Anna avisou que ficariam pouco tempo, pois não queriam cansá-lo.

Anna levou um susto quando viu o pai. Ele, sempre tão ativo e bem disposto, estava agora deitado, pálido e cansado. Mas sorriu vendo todos juntos e segurou a mão da esposa que lhe contava sobre as boas notícias que o médico havia dado, dizendo que poderia voltar para casa dentro de duas semanas.

A enfermeira apareceu poucos minutos depois e mandou que saís­sem. Mas Charles segurou a mão de Anna e pediu que ela ficasse um pouco mais.

— Nós esperamos você no corredor, minha querida — a mãe dis­se, beijando levemente o marido na testa e seguindo Debbie e Andrew.

— Anna...

— Não se canse, papai — ela disse, vendo que a enfermeira a olhava com ar de reprovação.

— Faça de tudo para que sua mãe não se preocupe muito — Charles pediu. — Posso contar com você?

— Sabe que sim. — Ela sorriu, acariciando-lhe os cabelos.

— Sua mãe fica em pânico por qualquer coisa — ele disse depres­sa, pedindo à enfermeira que não os interrompesse. — Eu estou bem, portanto, não deixe que ela fique nervosa.

— Farei o que for possível.

— Você é uma boa menina — Charles disse baixinho.

— Agora, precisa descansar — Anna falou. — Nós voltaremos amanhã.

Ele concordou e Anna ínclinou-se para beijá-lo na testa, antes de sair. Encontrou a mãe no corredor e viu que estava muito preocupa­da. Ficou aborrecida por Andrew e Debbie a terem deixado sozinha.

— O que o seu pai queria lhe dizer? — Elizabeth perguntou.

— Papai estava preocupado com você, mamãe, mas eu garanti a ele que ia se acalmar.

— Oh! — Os olhos verdes dela estavam cheios de lágrimas. — Eu pensei por um momento que ele ia lhe dizer algo que não queria que eu soubesse.

— Não seja tola, mamãe — Anna falou gentilmente, mas com fir­meza, dando o braço a Elizabeth, conduziu-a para o elevador. — Não precisa se preocupar com nada, com nada mesmo...

— Sim, naturalmente — a mãe murmurou, procurando sorrir. — Ele vai ficar bom. Foi o que o médico disse, não é?

Ao lado de Anna, Elizabeth pareceu ficar mais tranquila e quando se encontraram com Debbie e Andrew, no estacionamento, ela falou calmamente sobre os planos de tirar Charles do hospital e fazerem juntos uma viagem de férias.

Debbie e Andrew tomaram chá com elas antes de voltarem para seu apartamento. Anna achou que Debbie parecia apressada para ir embora e Andrew finalmente se despediu, apesar de não demonstrar nenhuma vontade de deixar a casa.

— Estou preocupada com aqueles dois — Elizabeth confessou, quando elas ficaram a sós.

— Por quê? — Anna perguntou cautelosa, enquanto se servia de chá.

— Eu não sei. Tenho uma sensação desagradável de que o casa­mento deles não está bem. Conheço Debbie para perceber os sinais. Ultimamente, ela parece muito distraída e preocupada. — Olhou pro­fundamente para Anna. — Você deve ter percebido a mudança em Andrew, não?

Anna ia dizer que de fato ele parecia diferente desde o casamento com Debbie, mas como não tinha certeza disso, resolveu se calar.

— Não deixe que a sua imaginação voe, mamãe. Provavelmente eles estão atravessando uma fase difícil...

— Espero que esteja certa. Anna — a mãe suspirou.

— Sei que estou — ela garantiu, guardando para si suas dúvidas.

— Anna... eu não queria mencionar isso... — A mãe hesitou e Anna ficou tensa sem saber o que viria em seguida. — Você já es­queceu o caso com Andrew, não é?

Durante um momento, Anna lutou sem saber como falar sobre o assunto, mas precisava conversar com alguém. Precisava ordenar seus pensamentos para tentar, ela mesma, entender o que havia aconteci­do consigo. Quando seu olhar encontrou o da mãe, não resistiu mais.

— Eu o amei muito, mamãe — ela admitiu, colocando a xícara de lado e levantando para facilitar as coisas. — Passei muitos meses tentando me esquecer dele. Casei com Scott ainda tendo a certeza de que amava Andrew. E quando o encontrei agora... — Ela parou, fa­zendo um gesto desesperado. — Depois do choque inicial... não havia mais nada!

Elizabeth Lindsay inclinou-se para a frente e observou a filha de perto.

— Quer dizer que não o ama mais?

— Mamãe, estou começando a achar que nunca o amei. — Anna suspirou nervosa e cruzando as mãos. Depois olhou para a xícara co­mo se analisasse os últimos acontecimentos.

— Hoje, ao olhar Andrew, eu não sabia o que via nele que me atraía tanto. Foi como olhar um velho filme e descobrir que as partes interessantes já não têm graça nenhuma. É muito estranho e fiquei assustada ao descobrir como um amor tão forte quanto o que senti, podia terminar em nada.

— Você já pensou que, na verdade, pode não ter sido mesmo amor? Que estava só querendo se apaixonar por alguém? — a mãe sugeriu gentilmente.

Anna franziu as sobrancelhas...

— Quer dizer que perdi todos aqueles anos da minha vida, aman­do um homem só porque queria me apaixonar por alguém?

— É uma possibilidade...

— É uma possibilidade inacreditável... — Anna respondeu afas­tando zangada aquela idéia.

— E Scott? — a mãe perguntou.

— O que tem Scott?

— Como a descoberta de que não ama mais Andrew afetou o que sente por Scott? — Elizabeth perguntou.

Anna olhou para a mãe, durante um longo tempo, depois disse pausadamente:

— Eu não sei...

A campainha do telefone interrompeu o silêncio das duas e Anna olhou aterrorizada para a mãe, que disse: — Quem pode ser, a esta hora da noite?

— Eu atendo, mamãe. — Anna reagiu depressa, temendo pelo que poderia ouvir do outro lado da linha.

Tentando se controlar, ela atendeu, mas foi a voz profunda de Scott que falou:

— Desculpe por telefonar a esta hora e assustar a sua mãe, mas acabei de chegar em casa — ele explicou. — Como está o seu pai?

— Cansado e fraco, mas o médico acha que poderá voltar para casa dentro de duas semanas — ela respondeu, hesitando um momen­to, antes de dizer: — Scott, se você não se importar, eu gostaria de ficar aqui até que ele saia do hospital.

— Claro que não me importo. Eu irei até Johannesburg assim que puder.

Ela pensou em quanto tempo ele tinha ficado longe de casa e per­guntou, distante:

— Tem certeza de que terá tempo?

Depois de um longo momento de silêncio, ele disse:

— Noto alguma ironia no seu comentário.

— Desculpe — ela disse, sentindo remorso imediatamente. — Tal­vez eu esteja um pouco cansada.

— Então, não vou mais tomar o seu tempo — ele concluiu, rápi­do — Dê lembranças minhas à sua mãe... e ao seu pai, quando vê-lo de novo.

— Scott... — ela começou depressa, tentando consertar as coisas, pois sentiu que ele tinha se irritado. Mas não encontrou nada para dizer.

— Sim? — ele indagou.

— Nada — ela suspirou. — Cuide-se e... obrigada pelo tele­fonema.

Cuide-se. De onde, diabos, tinha tirado aquelas palavras? E quem era ela para dizer aquilo?, pensou confusa ouvindo Scott rir.

— Boa noite, meu amor, e sonhe comigo esta noite — ele disse num tom profundo e acariciante e desligou antes que ela pudesse responder.

Anna colocou o telefone no gancho e ficou surpresa ao descobrir que tremia. Com a voz de Scott ainda ressoando em seus ouvidos ela viu a imagem dele em sua mente e de repente compreendeu tudo.

— Anna?

— Scott mandou lembranças. — Logo deu o recado e olhou para a mãe, mas se deu conta de que estava falando depois de alguns mo­mentos, — Ele virá assim que puder.

Elizabeth Lindsay olhou para a filha curiosamente e murmurou al­go sobre trancar a casa. Anna seguiu as instruções automaticamente e fechou tudo antes de subir. Só quando ficou sozinha no quarto, ela conseguiu finalmente colocar ordem em seus pensamentos.

Amava Scott de um modo como nunca tinha amado antes. Era di­fícil entender exatamente o que havia sentido por Andrew, mas certa­mente era algo que nem chegava aos pés do que sentia pelo marido!

— O amor é a chave mestra que abre o coração de um homem — ela disse a si mesma, lembrando de ter lido aquela frase em algum lugar. Só agora entendia o seu significado maravilhoso. Andrew havia tocado uma parte do seu coração, mas Scott tinha conseguido a chave para abri-lo completamente e tomar posse de tudo, sem que ela per­cebesse.

Oh! Como tinha sido tola, disse a si mesma, furiosa! Devia saber desde o começo que havia mais sentimentos em relação a Scott do que uma simples atração física. Mas ela estava acreditando que jamais se apaixonaria por alguém!

Tinha de dizer a Scott! Precisava dizer a ele o que sentia. Mas, como? Quando Scott a pediu em casamento, ele não exigiu que o amasse. E nem durante as semanas seguintes havia dado qualquer sinal de que a amava. Talvez, o fracasso do primeiro casamento o tivesse deixado com medo de amar alguém. Ou será que era incapaz de amar?

Durante algum tempo, Anna lutou com seus próprios pensamentos, depois tomou banho e foi deitar. Mas a cada minuto que passava só se sentia mais confusa.

— Oh, Scott, venha logo — ela falou para a escuridão- — Venha logo. Só assim eu poderei descobrir o que você sente por mim!

 

Para alívio de todos, Charles Lindsay melhorou rapidamente nos dias seguintes. Anna levou a mãe duas vezes por dia até o hospital e poucas vezes encontrou Andrew, o que achou ótimo. Debbie apareceu de vez em quando, mas não tiveram muito tempo para conversar e Anna a evitou o máximo possível.

Scott telefonou todos os dias, para perguntar sobre o pai dela, mas as conversas eram curtas e sempre parecia faltar alguma coisa. Ele não falou mais em ir a Johannesburg e ela achou difícil perguntar por quê.

A mãe de Anna estava dormindo no quarto quando o telefone to­cou depois das cinco na sexta-feira à tarde. Anna havia deixado Deb­bie na cozinha, cuidando do jantar, e correu para atender.

Não era Scott, como ela esperava, e sim Andrew. Ela engoliu seu desapontamento com dificuldade.

— Anna, Debbie está aí?

— Sim, eu vou...

— Não, espere! — Andrew interrompeu. — Eu disse a ela que ia trabalhar até tarde — continuou explicando e pareceu hesitar, antes de dizer. — Anna, preciso ver você a sós.

— Está louco? — ela perguntou baixinho.

— É importante — Andrew insistiu. — Preciso ver você esta noite.

— Onde você está? — ela perguntou hesitante.

— No escritório. Acha que pode escapar depois e jantarmos juntos? — Anna ficou curiosa, mas sua consciência não permitia concordar com aquele encontro. Disse, apressada:

— É melhor não...

— Por favor, Anna — ele pediu, nervoso. — É muito importante. — Se Andrew dizia que era tão importante, podia ser algo relaciona­do a Debbie, ela concluiu e disse:

— Muito bem... então, onde devo encontrá-lo?

Andrew deu o nome do restaurante que tinham frequentado duran­te anos e Anna concordou em encontrá-lo lá, dentro de uma hora. Desligando, chamou um táxi e voltou à cozinha para falar com a irmã.

— Acha que pode levar mamãe ao hospital, esta noite?

— Sim, claro — Debbie respondeu, parecendo um pouco surpresa — Você vai sair?

— Vou encontrar uma amiga e posso chegar um pouco tarde — Anna explicou, sentindo-se culpada por mentir à irmã. — Você não se importa, não é?

— Nem um pouco — Debbie respondeu, distraída. — Quer que eu separe o seu jantar?

— Não. Vou jantar fora — Anna hesitou, na porta. — Se eu não encontrar mamãe, explique tudo a ela.

Debbie fez que sim e Anna subiu para trocar de roupa. Queria sair logo, antes de mudar de ideia.

Quando entrou no restaurante e viu Andrew se aproximando, se arrependeu completamente de ter vindo. Mas agora era tarde demais, ela percebeu, nervosa.

— Anna! — Ele sorriu, segurando-a pelo braço e levando-a para um canto onde haviam estado muitas vezes. Se a escolha dele era in­tencional ou não, ela não se importava. — Estou contente que tenha vindo — Andrew disse sorrindo, estendendo a mão para segurar a dela.

Anna o olhou e achou-o mais magro. Depois puxou sua mão da de­le, aborrecida.

— Não estou gostando deste encontro clandestino, Andrew — dis­se rispidamente,

— Nem eu. Mas não encontrei outro modo de ver você a sós — ele explicou, parecendo muito ansioso. — Não contou nada à sua mãe sobre isso, não é?

— Não vi mamãe antes de sair de casa — ela respondeu. — Só falei com Debbie e não foi nada bom mentir a ela.

A conversa foi interrompida pelo garçom que anotou os pedidos. O jantar foi servido e Andrew ainda não havia contado o motivo de tê-la chamado para aqude encontro.

— Está bem, Andrew — Anna disse calmamente, depois do café. — Já jantamos e jã conversamos sobre todas as futilidades possíveis. Não acha que agora é hora de me dizer o motivo tão importante pelo qual me chamou aqui?

Andrew a olhou com um calor que deixou Anna pouco à vontade, mas ela não deu importância.

— Ver você novamente me fez perceber o quanto eu me enganei. Devia ter casado com você, Anna.

Ela ficou muito chocada com a afirmação dele.

— Não considero isso um elogio — disse, depois que se recuperou. — Você fez a sua escolha e agora não dá mais para mudar.

Andrew baixou o olhar, com ar de culpa.

— Eu tratei você muito mal e não a culpo por ter me esquecido depressa.

Anna o olhou durante alguns segundos, enquanto tentava descobrir o que havia nele que a fizera pensar que o amava. Tinha de admitir que era atraente, mas sua personalidade era fraca, não tinha capacidade de tomar decisões. Não pôde evitar de compará-lo com Scott, tão determinado e decidido a ter as coisas do modo que queria. Scott não era uma pessoa frágil. Quando tomava uma decisão, continuava firme nela.

— O que aconteceu entre nós já faz parte do passado — ela disse calmamente. — Você casou com Debbie e eu casei com Scott. Agora, tente remediar a situação, mas por favor, não abandone Debbie.

— E quanto a nós, Anna? — ele perguntou depressa.

— Esqueça, Andrew, e diga-me porque acha que cometeu um erro ao casar com Debbie.

— É um pouco complicado.

— Agora já estou aqui e quero ouvir o que tem a me dizer — ela insistiu. — Vocês dois estavam muito apaixonados quando resolveram casar, não é verdade?

— Sim — ele admitiu. — Mas Debbie mudou.

— Debbie mudou?

— Oh, sim, acho que eu também mudei.

— Pode explicar melhor? — Anna perguntou, sentindo que estava quase perdendo a paciência com Andrew.

— Debbie mudou. Não é mais a criatura viva e adorável, mas uma mulher entediada e aborrecida — ele explicou, ficando um pouco vermelho quando seu olhar encontrou o de Anna. — Eu tentei con­versar com ela, mas não adiantou. Não conseguiu me explicar o mo­tivo de seu comportamento, mas para mim ficou muito claro que cometi um erro ao casar com ela.

Um problema de natureza tão pessoal não devia ser discutido ali, Anna decidiu. Obviamente Andrew esperava que ela desse algum con­selho, mas ela só falou baixinho:

— Lamento, mas não posso ajudá-lo. Sugiro que vocês dois te­nham uma longa conversa para resolver o problema antes que seja tarde demais.

— Eu me sinto terrivelmente culpado pelo modo como tratei você — ele disse inesperadamente.

— Culpado? — ela indagou, surpresa. — Por que, diabos, deveria se sentir culpado?

— Sei que você me amava e ficou muito magoada quando decidi casar com Debbie.

— É, realmente, pensei que amasse você, Andrew — ela corrigiu, encarando-o e vendo que ele estava incrédulo.

— O que quer dizer? — perguntou, enrubescendo levemente.

— Exatamente o que eu disse — ela falou um tanto ríspida. — Pensei que o amasse naquela época e fiquei arrasada ao saber que ia casar com Debbie. Mas agora sei que teria sido um desastre se nós tivéssemos casado.

Por um momento Andrew pareceu petrificado, passando a mão nos cabelos.

— Então, os seus sentimentos por mim mudaram?

Ela sorriu cinicamente.

— Estava esperando que eu ainda me sentisse do mesmo jeito?

— Não, mas... — Ele fez um gesto vago. — Pensei que ainda se importasse um pouco, pelo menos.

— E de que serviria isso?

— Eu não sei — ele admitiu pensativo, depois olhou-a demorada­mente, detendo-se nos cabelos que caíam sobre os ombros. Sorriu sensualmente. — Só sei que você está muito bonita, Anna.

Involuntariamente, ela ficou tensa. — O meu marido também pensa assim.

— Eu devia ter casado com você.

— Teve vários anos para se decidir, Andrew, pare de se atormen­tar. Não pense que ainda gosta de mim, porque não gosta. Dê tempo a Debbie até que o meu pai volte para casa, depois discuta seus pro­blemas com ela. A solução só pode ser encontrada por vocês dois. Eu nem sonho em me meter.

Andrew estava se comportando como um garoto teimoso. Anna olhou o relógio e achou que era tarde.

— É melhor você me levar para casa, agora, antes que mamãe e Debbie voltem do hospital e nos vejam juntos.

Andrew levantou-se impaciente e acompanhou-a até o carro. Ne­nhum dos dois interrompeu o silêncio durante o percurso até Sandton. Anna estava com muita saudade de Scott e de repente só queria estar nos braços dele. Quando se aproximaram de casa, ela voltou a pensar na discussão que tinha tido com Andrew.

— Seja honesto comigo, Andrew — insistiu, quando ele estacio­nou perto do portão. — Você ama Debbie, são é?

— Sim, amo, mas no momento... — ele faiou. Depois virou-se para encará-la, mas seu rosto estava no escuro e Anna não viu sua expressão. — Eu disse algumas coisas ridículas esta noite, peço des­culpas, mas, por favor, Anna, será que poderia ter uma conversa com Debbie?

Anna recusou imediatamente.

— Debbie e eu não conversamos muito, Andrew. E duvido que ela aceite a minha interferência.

— Foi só uma sugestão — ele murmurou e ela procurou olhá-lo na escuridão do carro, sentindo que o rapaz estava desesperado.

— Se houver oportunidade, eu tentarei, Andrew. Mas não prometo nada — respondeu depressa, quando ele agarrou sua mão, nervoso.

— Eu ficaria muito agradecido, Anna.

— É melhor eu entrar — ela se soltou depressa, abrindo a porta. — Obrigada pelo jantar e pense bem antes de fazer qualquer coisa.

— Devo lhe agradecer por ter vindo quando precisei de você, Anna — ele respondeu, mais animado.

— Boa noite, Andrew — ela disse, apressada, saindo do carro e andando para o portão.

Anna caminhou apressada e viu que as luzes da sala estavam ace­sas. Então, de repente, algo se moveu nas sombras, ao seu lado, e ela ficou imóvel de medo. Teve vontade de gritar, mas o grito não saía e pareceu demorar uma eternidade até reconhecer o homem que vinha em sua direção.

— Scott! — ela gritou alegremente, agarrando-o às cegas. Mas os braços dele continuaram rígidos, caídos ao lado do corpo. Foi então que ela percebeu a expressão séria dele.

Sentiu um aperto no estômago, percebendo que na escuridão do ponto onde ele havia ficado, tinha visto ela no carro conversando com Andrew. Aquilo foi como um choque e ela ficou sem saber o que dizer.

 

Não foi preciso muito para Anna perceber que Scott a tinha visto de perto e ouvido bem sua conversa com Andrew. Já imaginava até o que Scott estaria pensando no momento, enquanto procurava algo para dizer e quebrar o silêncio entre ambos.

— Por que não me avisou que chegaria esta noite? — ela falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça, mas achou que devia ter ficado de boca fechada, quando viu o olhar cínico dele.

— Então teria tido tempo de marcar outra hora com os seus casos? — Scott sugeriu num tom gelado.

— Não seja bobo, Scott.

— Soube, por intermédio de Debbie, que o marido dela ia trabalhar até tarde e que você havia saído com uma amiga — ele continuou no mesmo tom frio que a deixou arrepiada. — Parece que ela estava enganada.

— Scott... eu posso explicar.

— Claro que pode — ele interrompeu. — Mas não sei se quero ouvir.

— Não é...

— Eu sempre a achei honesta e íntegra, Anna, mas vejo que estava enganado e não me sinto nada feliz com esta descoberta — ele anunciou friamente. E foi como um punhal entrando no coração dela.

— Scott, por favor, ouça-me!

— Acho que você vai dizer que finalmente Andrew descobriu o erro que cometeu... e não esqueça de contar que estava apenas ten­tando consolá-lo e ajudá-lo.

Scott estava bem perto da verdade... mas uma verdade incom­pleta... Ela o encarou sem fala, durante um momento, depois disse baixinho:

— Não foi bem assim, Scott,

— Quer dizer que foi bem diferente?

— Não! — ela gritou desesperada, mas depois percebeu que não podia continuar com aquela conversa no jardim e apontou a casa. — Vamos entrar.

Scott a seguiu em silêncio e quando virou-se para ele, na sala, seu coração bateu mais depressa, apesar da frieza que viu nos olhos dele. Ela sabia que queria abraçá-lo e contar todo o amor que descobriu sentir por ele e chorar com o rosto apoiado em seu peito. Mas a atitude dele não a encorajava.

— Scott... — ela começou num tom engasgado, querendo-o desespera-damente. — Scott, Andrew não significa mais nada para mim.

— Mesmo? — ele indagou cinicamente. — Vai me dizer que des­cobriu que está apaixonada por mim?

Anna sentiu o sangue subir ao rosto e engoliu em seco, para dis­farçar sua dificuldade em falar. Confessar seu amor por ele, naquele momento, só serviria para expô-la ao ridículo e ela não ia aguentar isso. Não enquanto seu amor era ainda algo novo e precioso...

— Scott... — ela murmurou, estendendo as mãos num gesto de quem implora. Mas deixou as mãos caírem, desanimada, quando ele virou-se para acender um cigarro.

— Não tente me fazer de tolo, Anna — Scott disse apressado, de costas para ela. — Quando a encontrei, você estava sofrendo com o amor recusado por Andrew Tait e eu sei que ainda o amava quando casou comigo. Não tente piorar a situação, disfarçando a verdade com mentiras.

— Não tenho intenção de mentir para você. Eu... — Ela parou. De repente, ficou com raiva e não conseguiu mais aguentar aquilo. Agarrou-o pelo braço e fez com que ele se virasse. — Scott Beresford, você é o homem mais teimoso que conheço! E não sei porque eu...

Ela parou no meio da frase, ao ouvir um carro parando na estrada. Percebeu que ainda estava agarrada ao braço de Scott, respirando fundo para se acalmar.

— Por favor, Scott... — ela pediu baixinho. — Para manter as aparências... não diga nada, está bem?

— Se me pede que mantenha silêncio sobre o seu... caso — ele acentuou a palavra caso num tom desagradável. — Pode confiar que não falarei nada.

Anna o olhou zangada, mas não havia nada a fazer e procurou se controlar antes que a mãe e Debbie entrassem.

Scott se comportou como sempre, de um modo impecável, e apesar de ninguém perceber, ele excluiu Anna da conversa. Ela, finalmente, desistiu de parecer natural e foi para a cozinha fazer um chá. Quando ouviu a voz de Scott e o riso de Debbie, que combinavam perfeita­mente, não pôde evitar um aperto no coração. Ciúmes! Era como um gelo queimando suas veias. Sentiu-se ridícula, mas disse a si mesma que não ia tolerar Scott se comportar de modo tão natural com a mãe e a irmã, enquanto a tratava tão friamente.

— Deve ter ficado feliz ao encontrar Scott esperando você, Anna — a mãe comentou sem suspeitar de nada, quando ela trouxe o chá.

— Sim... foi uma surpresa — ela respondeu, olhando para Scott, mas ele pareceu interessado apenas em acender o cigarro. — Como está papai, esta noite? — perguntou mudando de assunto rapidamente.

— Está bem e parece impaciente para voltar para casa, mas o médico pretende mante-lo no hospital mais uma semana.

Debbie levantou ao ouvir um carro parando lá fora.

— Deve ser Andrew. Não quero deixá-lo esperando. — Scott levantou em seguida e segurou a mão dela.

— Encantado em conhecer você, Debbie.

— Eu também tive muito prazer em conhecê-lo. — Debbie sorriu docemente, olhando deslumbrada para ele. Depois virou-se e beijou a mãe. — Boa noite, mamãe.

Anna se despediu da irmã e viu que Scott insistia em acompa­nhá-la até o portão. Percebeu que a mãe a olhava de um modo curioso, mas procurou disfarçar, recolhendo as xícaras e indo para a cozinha. Momentos depois, Scott voltava e ela o ouviu conversando com a mãe na sala. Preferiu demorar bastante lavando as xícaras e ganhando tempo para se controlar melhor. Tinha de resolver o problema com Scott antes de irem para a cama, decidiu com firmeza. Se deixasse para depois, ia criar uma barreira desnecessária e seria intolerável, principalmente agora que sabia que o amava.

Sua oportunidade apareceu quando Scott saiu do chuveiro e cami­nhou para a cama. Ela sentou-se, sentindo o coração disparar e, imediatamente, lembrou da noite de núpcias. Ele tinha se aproximado usando aquele mesmo robe marrom e ela havia ficado excitada e com medo da masculinidade dele.

— Scott... — ela começou, hesitante, quando ele sentou na beira da cama e virou-se para olhá-la. — Será que podemos conversar um pouquinho?

— Acho que não temos nada a discutir, Anna — ele avisou rispidamente. — Vou tentar entender o que você sentiu, tendo visto Andrew novamente. Mas não pretendo tocar mais neste assunto.

Scoti estava convencido de que ela ainda amava Andrew! No deses­pero de lhe contar a verdade, Anna inclinou-se para ele e tocou-lhe o braço.

— Gostaria que me deixasse explicar. — Ele empurrou a mão dela, aborrecido.

— Este assunto está encerrado, Anna. Não quero mais falar sobre isso.

Ela sentiu uma terrível dor no coração, ao vê-lo tirar o robe e deitar na cama. Scott virou-se e apagou a luz. Anna continuou de olhos abertos, olhando a escuridão, com um peso no peito e uma desesperada sensação de perda.

Mais do que nunca desejava que ele a tomasse nos braços. Mas tinha dado tudo errado. Agora ela só podia virar as costas e procurar dormir. Lembrou do momento em que o telefone tocou e Andrew a chamou para o encontro. Se tivesse recusado, a noite seria dife­rente, pensou, sentindo as lágrimas descerem pelo rosto.

Anna dormiu mal, naquela noite, desesperada por ter Scott tão perto e fão longe dela. Seu coração pesava no peito, quando ela acordou na manhã seguinte. Ele já estava pronto para tomar o café. Apressada, ela pegou uma calça e uma blusa e vestiu-se, esperando que Scott estivesse mais calmo e compreensivo. Mas a única coisa que ele disse foi que precisava cuidar dos negócios e em seguida ao café, saiu de casa sem sequer olhar para ela.

Anna não disse nada, mas passou toda a manhã pensando no que tinha acontecido. Quando Scott voltou, antes do almoço, ela decidiu que iria com ele para casa, na tarde de sábado.

— Que diabos pensa que está fazendo? — ele perguntou, quando a encontrou no quarto, arrumando as malas.

— Resolvi voltar para casa com você no sábado — ela respondeu decidida, sem tirar os olhos da mala. — Acho que não teremos difi­culdades em encontrar lugar no mesmo vôo.

— Você não vai fazer nada disso! — ele respondeu e se aproximou dela, tirando tudo o que havia na mala. — Vai ficar aqui, como planejou, até que seu pai volte do hospital.

— Mas Scott...

— Vai ficar!

A voz dele soou fria como gelo e Anna sentiu que estava mais autoritário do que nunca.

— Se é isso o que você quer, terei mesmo de ficar — ela con­cordou nervosa, encolhendo sob o olhar firme de Scott.

— É o que quero — ele falou decidido e, momentos depois, ela estava sozinha, sentindo-se como uma criança que tivesse sido seve­ramente punida.

 

A situação entre os dois tinha se tornado quase insuportável na tarde daquele sábado. Anna ficou surpresa com sua própria capaci­dade de disfarçar a tensão e aparentar que estava tudo bem entre eles, na presença da família.

Mais tarde, no hospital, seus nervos tiveram que passar por um grande teste. Encontraram Andrew e Debbie e o rosto de Scott parecia uma máscara ao ser apresentado a Andrew. Mas Anna fez a apre­sentação sem gaguejar um minuto. Era uma situação terrível e teria dado tudo para evitá-la. No entanto, Andrew era seu cunhado e um encontro entre Scott e ele era inevitável; aconteceria mais tarde ou mais cedo.

Fugiu do olhar observador de Andrew e voltou sua atenção ao pai. A visita durou uma hora e depois se preparou para sair.

Ela estava com as mãos firmes, mas ao descer para o estaciona­mento sentiu as pernas um pouco fracas. Apoiou-se no carro por um instante, enquanto Andrew e Debbie entravam. Depois, recusou o convite deles para uma visita e seguiu em direção ao carro do pai.

Ao entrar em casa, com a mãe e o marido, fechou os olhos por um instante, controlando a vontade de chorar. Scott havia preparado tudo para voltar a Durban no próximo vôo e Anna o acompanhou até o quarto, quando ele subiu para pegar as coisas.

— Levo você até o aeroporto — ela ofereceu nervosa, vendo-o fechar a mala.

— Eu pego um táxi — Scott respondeu, sem desviar a atenção do que fazia.

— Não seja tão auto-suficiente, Scott — ela argumentou. — Eu já não vou para casa com você. Não custa nada deixar que o leve até o aeroporto.

Scott endireitou-se, com uma expressão cínica no rosto. — Está tentando fazer as pazes comigo?

Anna odiou a observação e tentou se controlar para não dar uma resposta que piorasse ainda mais as coisas. Mas, quando olhou o rosto dele, com aquela expressão segura e cínica, perdeu totalmente o autocontrole e, numa atitude desconhecida para si mesma, levantou a mão em direção ao rosto de Scott para lhe dar um tapa. Só que Scott foi mais rápido: pegou a mão dela pelo pulso e segurou-a com tanta força, que ela gemeu de dor.

— Nunca mais faça isso — ele avisou num tom perigosamente calmo. — Pode se surpreender com o resultado.

Anna não entendia por que tinha chegado ao ponto de tomar uma atitude daquelas. Não era de seu feitio e dava toda razão por Scoft estar com raiva dela.

— Desculpe — murmurou a custo, lutando contra o nervosismo e sentindo-se completamente perdida no momento que se seguiu.

— Se vai me levar ao aeroporto, é melhor irmos logo — ele anun­ciou friamente e ela custou a sentir sua voz voltai ao normal.

— Vou pegar as chaves do carro — falou, saindo depressa antes que ele mudasse de ideia.

Anna esperou no carro enquanto Scott se despedia de sua mãe. E assim que ele sentou ao seu lado, ela sentiu que uma barreira intrans­ponível havia se erguido entre eles, acabando com suas esperanças de quebrar aquele clima tenso no caminho até o aeroporto.

— Avise-me quando vai voltar, para que eu possa fazer meus planos — ele comentou irônico, enquanto aguardavam a partida do avião.

— Scott, por favor, não fique imaginando coisas a partir do nada.

— Não pense que não vou dar importância ao que aconteceu — ele disse baixinho.

— Não quero que deixe de dar importância a nada — ela argu­mentou. — Só quero que me dê a chance de explicar direito o que houve. Eu não...

Uma voz de mulher, no alto-falante do aeroporto, fazia a chamada para o vôo de Scott. Ele levantou-se, — Está na hora.

Ela também se levantou respirando fundo, enquanto o encarava. Não ia conseguir dizer mais nada e a atitude dele era fria e distante. Sentiu que seria capaz de fazer qualquer coisa para mantê-lo ao seu lado.

— Não vai me beijar antes de partir? — ela pediu audaciosa­mente, resolvida a não recuar, apesar de tudo.

Ele levantou a sobrancelha, com um ar cínico, e disse impaciente: — Sim, se você faz questão...

O beijo foi frio e impessoal, mas quando ele estava prestes a se afastar, ela o agarrou desesperada.

— Scott, por favor... — pediu com os lábios trêmulos e lágrimas nos olhos. Ele a afastou para o lado e passou direto por ela.

— Adeus, Anna.

Ela ficou olhando, enquanto ele se afastava. Qualquer coisa seria melhor do que aquela separação.

“Adeus, Anna!” Ao lembrar daquelas palavras seu corpo tremeu des-controladamente e mal conseguiu voltar para o carro. Se Scott tivesse concordado em ouvi-la, ela ia se sentir amedrontada e confusa, mas teria alguma esperança em que se agarrar. No entanto, o que tinha agora? Nada.

“Adeus, Anna”. As palavras ficaram ecoando em sua cabeça, enquanto voltava a Sandton. Foi por milagre que chegou sã e salva em casa. Fez o trajeto mergulhada no desespero e não gostava nem de lembrar dos pensamentos que tinham passado por sua cabeça.

 

A semana que se seguiu parecia se arrastar. Anna tinha prometido ficar com a mãe, enquanto o pai permanecesse no hospital, mas teria preferido voltar para Amazibu Bay com Scott. Ele telefonava regu­larmente para saber notícias de Charles, mas isso não a fez sentir-se mais confiante. Estava cada vez mais ansiosa para voltar para casa. Tinha que tentar novamente acabar com aquela barreira que havia surgido entre os dois.

No sábado seguinte. Charles Lindsay saiu do hospital e em casa foi instalado num quarto, no térreo, que sua mulher havia preparado.

Anna procurou não pensar em seus próprios problemas e estava concentrada nas preocupações com o pai quando viu-se a sós com Debbie.

— Anna... — Debbie começou, sentindo que o silêncio pesava entre ambas. — Quanto a você e Scott...

— O que é que tem Scott e eu?

— Estão felizes, não? — a irmã perguntou, baixando os olhos.

— E não devíamos estar? — Anna respondeu, ressabiada.

— Não seja evasiva, Anna... por favor! Eu preciso saber — Debbie insistiu calorosamente. — Não percebe que não estaria me metendo em sua vida particular se não fosse importante?

Anna não precisava de mais nada para perceber que aquela con­versa estava ligada à de Andrew.

— Se me explicar porque é tão importante saber se estou feliz com Scott, talvez eu comece a compreender.

Debbie apertou as mãos até as juntas ficarem brancas.

— Anna, não posso mais viver com esta sensação de culpa. Devo ter dado a impressão de que sou totalmente insensível, mas a culpa está me destruindo!

— Culpa, Debbie?

— Sim. — Debbie sorriu nervosa. — Nós... Andrew e eu... a magoamos muito, não é?

— Na época fiquei muito magoada, mas agora não precisa se sentir culpada. Debbie... pensei que eu e Andrew seríamos felizes juntos, mas agora sei que nunca o amei.

— Então ama Scott?

Anna achou difícil explicar tudo o que estava acontecendo a Debbie, mas se a felicidade da irmã dependia daquilo, ela resolveu:

— Sim... muito.

— Oh, Anna. — Debbie suspirou. — Nem imagina que alívio eu sinto ao ouvi-la dizer isso.

— Este sentimento de culpa de que você falou, Debbie... — Anna começou, sentindo-se mais próxima do que nunca da irmã. — Acha que ele alterou o seu relacionamento com Andrew?

— Sim, e estou com medo disso — Debbie admitiu, mordendo os lábios. — Eu o amo, Anna. Amo mesmo. Já tentei de todas as formas ser a esposa que ele queria, mas cada vez que me toca...

— Sente um terrível remorso... — Anna terminou.

— Sim. E isso chegou a um ponto que... penso já ter acabado com todo o amor que ele sentia por mim.

— Isso não é possível — Anna garantiu gentilmente.

— E o que vou fazer? — a irmã perguntou num tom desesperado. — Mamãe sempre disse que você é uma pessoa sensível e eu acho que estou precisando de um conselho!

Anna não sabia o que dizer. Só pensava nos problemas terríveis que a esperavam em Amazibu Bay.

— De agora em diante pode esquecer suas culpas. E se for preciso tomar a iniciativa para aproximar-se novamente de Andrew, não se detenha.

— Acha realmente que vai dar certo?

— Tenho certeza que sim.

Ouviram passos no corredor e Debbie abriu a porta. Era Andrew e ela sorriu, puxando-o para o quintal, dizendo que queria falar com ele a sós.

Anna começou a fazer um chá, e arrumar a mesa na sala.

Quando Debbie e Andrew voltaram para dentro, ela não conseguia deixar de se comover: os dois estavam de mãos dadas, parecendo um casal de namorados apaixonados.

Depois de conversar com os pais naquela tarde, Anna marcou seu vôo de volta a Durban e ligou para a tia Dorrie, a fim de avisar da sua chegada.

— Dou o seu recado a Scott, assim que ele chegar para o lanche. Estou muito feliz que esteja voltando para casa.

A voz de Dorothy MacPherson estava esquisita, Anna pensou des­confiada. Depois procurou raciocinar. Não, é só a minha imaginação, disse a si mesma, enquanto arrumava as malas.

 

Quando o avião desceu em Durban, ela estava impaciente. Scott a esperava no aeroporto, mas a recebeu de modo indiferente e distante. Não era possível! Será que ele ainda estava zangado por tê-la visto em companhia de Andrew por alguns momentos?

No carro, Anna procurou se explicar.

— Scott, ainda está zangado comigo? — perguntou calmamente, olhando o perfil dete.

— Nunca estive zangado com você, Anna.

— Não. Você estava furioso — ela sorriu divertida. — Furioso porque me viu com Andrew, mas...

— Chega! — ele interrompeu rudemente, agarrando a direção com força — eu já lhe disse que este assunto está encerrado.

— Nunca pensei que você fosse tão pouco razoável — ela falou olhando para fora, mas ignorando a beleza da paisagem tropical. — Sempre o considerei mais inteligente e compreensivo.

— Tenho assuntos importantes para tratar no momento, Anna — ele disse friamente. — E realmente não posso me incomodar com banalidades desse tipo.

— Banalidades! — ela desabafou incrédula, virando-se para olhá-lo. — Sabe o que está dizendo?

— Sim. — Ele sorriu cinicamente. — E gosto de cuidar primeiro das minhas prioridades. No momento, os negócios vêm em primeiro lugar.

— Estou começando a pensar que os negócios sempre vêm em primeiro lugar para você.

— Está certa — ele disse, ríspido. Anna respirou fundo.

— E onde eu entro no seu programa?

Ele a olhou rapidamente, depois desviou os olhos.

— Você é minha esposa. Naturalmente tem um papel importante nos meus negócios.

— Tenho? — ela perguntou num tom cínico.

— Está esquecendo que tem vinte e cinco por cento?

— Nunca pedi que me desse isso — ela lembrou. — Oh, Scott, nada disso é necessário. Nós só estamos nos destruindo...

— Acho que sabemos exatamente o que estamos fazendo — ele comentou friamente e Anna sentiu um arrepio na espinha.

— O que quer dizer?

— O que você quiser pensar... — ele falou ríspido e Anna ficou em silêncio até chegarem em casa. Scott conseguia parecer tão dis­tante, como se cada um estivesse em uma extremidade do mundo.

Tia Dorrie os esperava com um drinque gelado, mas Scott recusou o seu e saiu logo em seguida.

— Não sei o que está acontecendo com o meu sobrinho — Dorothy comentou. — Ele esteve impossível na última semana. — Ela indicou uma cadeira a Anna e lhe ofereceu suco de laranja.

— Aconteceu alguma coisa para que ele ficasse assim? — Anna quis saber.

— Sim, aconteceu uma coisa... — a tia respondeu imediatamente. — Joan Mulder voltou.

Em outra época, aquela notícia não teria causado nenhum efeito sobre Anna, mas naquele momento tudo era diferente. Um arrepio desagradável percorreu seu corpo.

— Quando ela chegou? — Anna perguntou, procurando disfarçar sua apreensão.

— Poucos dias depois que você partiu para Johannesburg. E se quer saber... ela veio para caçar Scott.

Seria possível que a volta de Joan tivesse algo a ver com o estranho comportamento de Scott? Será que a irritação por ter visto Anna com Andrew era apenas uma cobertura para disfarçar algum envolvimento com Joan? Tinha que admitir aquela possibilidade, pensou, infeliz.

— Você a viu? — Anna perguntou.

— Não. Mas aqui é uma cidade pequena e as novidades se espa­lham depressa.

— O marido veio com ela?

— Não. E isso é o que me preocupa: há um boato de que estão se divorciando.

— Acha que Scott esteve com ela? — Anna perguntou cautelosa, procurando ignorar as batidas do seu coração.

— Eu não sei — Dorrie respondeu, pensativa. — Ele não falou nada e estava num estado de espírito que não dava nem para a gente chegar perto.

— Eu não sei... — Anna murmurou, olhando o jardim.

— O que, querida?

— Eu não sei se ela espera conquistar Scott agora.

— Não seja tola, Anna — tia Dorrie avisou. — Além do mais, é tarde demais para isso, não acha?

— Sim — Anna respondeu distraída. Mas, seria mesmo tarde demais? E se ele deixasse bem claro que, afinal, preferia Joan?

— Está achando que a volta dela tem algo a ver com o compor­tamento de Scott, ultimamente? — tia Dorrie interrompeu os pensa­mentos de Anna.

— Não sei — respondeu, evasiva. — Certamente ele deve saber que Joan está aqui. Tenho certeza de que ela não perderia tempo.

— Oh, céus! — Dorothy suspirou pesadamente, pegando os copos vazios. — Espero que ela tenha o bom senso de não estragar tudo de novo!

Provavelmente estamos exagerando, Anna pensou, procurando se manter calma. Mas não custava se preparar para o futuro.

 

Scott voltou para o jantar, naquela noite, mas em vez de ir se encontrar com Anna no terraço, como sempre fazia, seguiu direto para o banho. Ela teve vontade de ir atrás dele, mas preferiu se controlar.

Durante o jantar, tia Dorrie tentou manter uma conversa agradável, mas era visível a barreira entre Scott e Anna. Ele não dirigiu a palavra a ela nenhuma vez durante a refeição e só no final avisou.

— O baile anual da prefeitura será sábado. Nossa presença é esperada.

Sem falar mais nada, saiu da sala. Anna não teve oportunidade de recusar ou aceitar, pois logo ouviu a porta do escritório sendo fechada.

— O que ele quis dizer com “nossa presença é esperada”? — ela perguntou a tia Dorrie.

— O baile anual da prefeitura é sempre no Tom-Tom e ele é o dono do hotel, portanto, esperam que compareça.

Anna não sabia se queria ir a qualquer lugar, agora que as coisas entre eles estavam tão tensas. Mas também não tinha vontade de discutir sobre o assunto. E seria esquisito se Scott comparecesse ao baile sozinho.

Naquela noite, tia Dorrie foi dormir cedo e Anna subiu logo em seguida. Depois de um banho quente, se deitou, mas não conseguiu dormir. Estava nervosa e impaciente quando ouviu os passos de Scott no corredor. Seu coração disparou, parecendo querer saltar do peito.

Mas ele não entrou e ela ouviu que se deitava no sofá do quarto de vestir.

Seu primeiro instinto foi procurá-lo, mostrar a ele agora, do único modo que sabia, que o amava. Mas o medo de ser rejeitada a manteve rígida na cama, com lágrimas descendo pelo rosto. Tentou raciocinar sobre o assunto, mas não conseguia e o tempo todo só pensava que tinha destruído sua única chance de felicidade.

Anna estremeceu sob as cobertas, apesar de estar com calor. Co­nhecia bem aquele tipo de angústia. Foi ao banheiro e procurou o vidro de pílulas para dormir, que tinha escondido no fundo de uma gaveta. Pela primeira vez, em meses, precisava de algo para escapar da dura realidade da sua vida. Era a muleta dos covardes, ela sabia disso. Lembrou-se de Sheila dizendo-lhe aquilo, certa vez, quando tinha entrado inesperadamente em seu banheiro e a pegara engolindo uma pílula. Depois, havia conseguido passar sem o remédio. Mas agora estava voltando a ser covarde, pensou, enquanto engolia uma cápsula e voltava para a cama.

Seus pensamentos rodopiavam antes que o remédio fizesse efeito. E uma coisa estava bem clara: se Scott tivesse dado a oportunidade dela explicar a situação que havia presenciado com Andrew, ia ver que era uma coisa totalmente inocente e sem importância. Na verdade, o que queria, mais do que nunca, era lhe dizer o quanto o amava.

Murmurando involuntariamente o nome dele, Anna mergulhou num sono agitado para só acordar bem depois do horário do café.

 

Dois dias mais tarde, Anna atendeu a porta e deu com um rosto familiar: era Joan. O cabelo da mulher tinha sido puxado para trás, num penteado chique e sofisticado.

— Você ainda está aqui, então?

— Sim — Anna respondeu, num tom educado.

— Que espertinha. — A outra sorriu docemente, fazendo com que Anna imediatamente ficasse em guarda. — Posso entrar?

— Por favor — Anna murmurou e a mulher, vestida em um ele­gante modelo amarelo-escuro, passou por ela, envolvida numa nuvem de perfume caro. Parecia completamente à vontade ali sentada numa poltrona confortável e sorrindo cinicamente para Anna.

— Está mudada. Mas na minha opinião gostava mais de você do jeito que era antes.

Anna ignorou o comentário e sentou-se diante de Joan, resolvida a enfrentar aquela mulher.

— Posso saber o motivo de sua visita?

— Esperava ver Scott — Joan respondeu sem hesitar, com um olhar de desafio. — Ele está em casa?

— Lamento, mas no momento, não está.

— Quando vai chegar?

— Só à noite — Anna hesitou por um momento, espantada com a audácia de Joan, e curiosa por saber qual o motivo de querer ver Scott. — Posso ajudar em alguma coisa?

— Acho que não. — Joan sorriu docemente. — O que quero dis­cutir com Scott é bastante pessoal.

Anna procurou não dar nenhuma resposta mal-educada e perguntou em seguida:

— Scott sabe que está em Amazibu Bay?

— Sim, naturalmente — ela sorriu satisfeita. — Ele não lhe disse? — Anna se controlou com dificuldade, explicando:

— Estive em Johannesburg nas últimas semanas e nós ainda não tivemos tempo de conversar muito, depois da minha volta.

Joan ofereceu um cigarro a Anna, mas ela recusou e aproveitou o momento em que a outra acendia o seu, para observá-la melhor. Sua pele era impecável, mas levemente embaçada. Apesar de ter traços muito bonitos, eles eram duros e pouco atraentes.

— Acho que você deve saber que estou me divorciando, já que aqui os boatos se espalham num instante.

— Sim, ouvi dizer... — Anna respondeu, cansada. Joan tragou fundo e soltou a fumaça fechando os olhos.

— O meu casamento com Dennis foi um erro e vou lhe dizer por­que: quero Scott de volta.

Aquela afirmação chocou Anna, mas ela conseguiu se manter im­perturbável.

— Você não acha que está sendo pretensiosa?

— Não. — Joan sorriu com uma suavidade que a enfureceu. —Aliás, eu sempre jogo às claras e achei melhor ]he dizer logo a verda­de. Assim, não haverá mal-entendidos entre nós, não concorda?

Sua voz afetada estava irritando Anna, que resolveu tratá-la com igual franqueza.

— Acho que está esquecendo que Scott está casado comigo, Joan E não pretendo entregá-lo a você, como está pensando.

— Scott me amou e sei que vai me amar novamente. Você não pode fazer nada para evitar isso. E nem pode recusar a liberdade dele se ele a quiser — Joan a informou num tom gelado. — Ele só me dei­xou porque casou com Trudie. Agora que eu já abandonei Dennis, tenho certeza que tudo será como antes.

A afirmação de Joan fez soar um alarme em Anna. Era como se uma faca tivesse atravessado o seu coração. Ali estava a mulher que tinha se tornado sua pior adversária, principalmente agora, que o seu relacionamento com Scott estava cheio de problemas. Tudo seria mais fácil se não houvesse ocorrido o incidente em Johannesburg.

— Eu não teria tanta confiança de que os planos dariam certo, Joan — ela avisou.

A mulher apagou o cigarro e jogou a cigarreira na bolsa. — Acha que porque Scott lhe deu vinte e cinco por cento dos negócios, você poderá segurá-lo? Está enganada.

— Não sei como descobriu que tenho parte dos negócios de Scott e nem me importo com isso — Anna disse friamente, mal conseguindo disfarçar sua surpresa e aborrecimento. — Mas posso prender Scott por razões mais pessoais e completamente fora de sua compreensão.

Como ela podia explicar a alguém como Joan a alegria que sentia quando estava com Scott? Física e intelectualmente eles se completa­vam de um modo que Joan jamais entenderia.

— Você não está grávida, está? — Joan indagou num tom cor­tante e durante alguns momentos Anna a olhou confusa, sem saber se tinha realmente entendido o que ela disse.

— E isso seria estranho? — perguntou afinal, com calma. — Nós estamos casados, não estamos?

Anna percebeu que conseguiu atingir Joan em cheio. Mas logo viu que ela não entregaria os pontos.

— Estou certa de que Scott não deixaria que nada deste tipo mudasse o que ele sente por mim.

— Tem certeza? — Anna a desafiou, sorrindo.

Joan ficou visivelmente nervosa com a segurança de Anna e se levantou, acusando-a.

— Então, acha que é muito esperta, não?

Anna levantou-se também, percebendo que tinha a vantagem de ser alguns centímetros mais alta do que a mulher. Começou a falar calmamente.

— Não me considero esperta, Joan. Sou uma pessoa inteligente e sensível. Mas não aceito uma ameaça à minha felicidade pessoal, principalmente se é feita por uma pessoa insensível como você.

— Você não devia falar assim comigo... — Joan exclamou, ameaçadora.

— Como pode pensar que me intimidando vou lhe entregar Scott de bandeja? — Anna respondeu tensa, sem fazer nenhum esforço para controlar sua raiva. — Você já o teve, mas ele a deixou por causa de outra mulher. Agora, Scott está casado comigo e garanto que não vou deixá-lo escapar tão facilmente como pensa.

— Vamos ver! — Joan gritou. A falta de controle lhe dava uma aparência muito desagradável, seu rosto bonito estava distorcido pela fúria. — Considere-se avisada, Anna! Agora, mais do que nunca, estou decidida a fazer tudo o que puder para tê-lo de volta.

A porta da frente bateu alguns segundos depois e Anna ficou na janela observando Joan ir embora, Ela pretendia criar problemas. Isso era bem óbvio. Mas será que ia conseguir? Será que estava mes­mo tão segura de si como quis parecer?

— Tenho que dizer que você se saiu muito bem.

Anna virou-se surpresa e viu Dorothy MacPherson entrando na sala pela porta do terraço.

— Você ouviu?

— Sim, eu estava entrando quando percebi que tinha companhia. Não pude evitar de ouvir a conversa. — Tia Dorrie sorriu, encabulada. — Foi uma vergonha fazer isso, não é? — ela perguntou, cheirando as rosas de verão que havia colhido recentemente.

— Não acho — Anna garantiu sorrindo, sentindo diminuir sua tensão.

— Parece que Joan acha que pode dominá-la como domina todo mundo. E pensou que fosse intimidá-la. — Tia Dorrie riu e seus olhos brilharam mais. — Ela ficou fora de si ao saber que você está grávida. Por um momento, pensei que fosse desmaiar.

— Se lembrar bem do que falei com ela, tia Dorrie, eu não disse que estava grávida — Anna corrigiu, com um leve sentimento de culpa. — Ela apenas tirou conclusões erradas e eu preferi não cor­rigi-la.

Tia Dorrie imediatamente ficou séria.

— Quer dizer que não vai ter um bebé?

— Não, não vou — Anna admitiu, enrubescendo. — Joan me declarou guerra e neste tipo de batalha pode se usar qualquer arma. Só lamento que a minha não seja autêntica.

— Ah, que decepção! Já era tempo desta casa ficar cheia de risinhos de crianças. Mas claro que você tem razão. — Tia Dorrie puxou Anna para o sofá e sentou ao lado dela. — Joan não hesitaria em usar todos os métodos disponíveis e você tinha de se defender de algum modo. Adorei o modo como a atacou. Acho que foi a primeira vez na vida que ela saiu perdendo uma batalha.

— Estou com vergonha de mim mesma — Anna disse tristemente.

— Não seja boba. — Dorrie a consolou. — O que você disse é verdade e se Scott estivesse aqui...

— Ele provavelmente agiria de outro modo. Na verdade... — Anna hesitou olhando para as mãos cruzadas no colo. — Nada disso teria acontecido se ele estivesse aqui... e bem que eu queria isso...

— Bobagem! — a tia Dorrie respondeu. — Não percebe que agora você tem a vantagem de saber exatamente o que ela pretende?

— Eu não sei... — Anna murmurou incerta, pois achava difícil alguém prever o que Joan Mulder faria. Também não sabia que tipo de relação ela mantinha com Scott. Sim... era impossível prever o que aconteceria...

— Scott jamais permitiria que alguém interferisse no seu casa­mento — tia Dorrie comentou, como se lesse os pensamentos de Anna.

— Espero que esteja certa — ela suspirou, enrubescendo.

 

Depois do encontro com Joan naquela manhã, Anna ficou preo­cupada o resto do dia. Tentou trabalhar no jardim, mas finalmente o sol fez com que entrasse. Tentou descansar depois do almoço, mas a única coisa que conseguiu foi ficar andando de um lado para o outro no quarto. Lutando contra os seus pensamentos, abriu as corti­nas e ficou olhando lá fora. A praia estava quase deserta e muito convidativa. Então ela resolveu colocar o biquini e calçar uma sandá­lia. Não saiu sem deixar um recado para tia Dorrie.

Quando Anna chegou à praia, o mar estava delicioso. Esquecendo os constantes avisos de Scott, ela se atreveu a nadar a alguma distância. Depois, ficou boiando, balançando de um lado para o outro e relaxando pela primeira vez. Não achou que tinha passado muito tempo, mas quando abriu os olhos, viu que o mar havia mudado. Alarmada, respirou fundo e percebeu que tinha sido levada por uma corrente e estava bem longe da praia.

Disse a si mesma para não entrar em pânico e começou a nadar em direção à praia. Mas, apesar de nadar bem, viu que não estava fazendo nenhum progresso.

A corrente era muito forte e as forças dela diminuíam. Anna não se atreveu a parar nem por um momento, mas sabia que não adiantava continuar nadando contra a corrente. O sal de suas lágrimas se mistu­rou com o sal da água do mar e ela engoliu um soluço, enquanto fazia esforços desesperados para chegar à praia.

Finalmente o cansaço a dominou e ela afundou várias vezes, como se o seu corpo tivesse um peso. Continuou lutando desesperadamenle para voltar à tona, mas respirar já era algo doloroso. Sentiu uma pressão no ouvido e percebeu que nada mais podia fazer.

Nesse momento, alguma coisa tocou em sua coxa, e ela, assustada, logo pensou em tubarão. O pânico pareceu lhe dar novas forças e ela tentou se afastar dali. Mas, de repente, sentiu-se levantada sobre as águas e pela primeira vez conseguiu respirar fundo. Com os pulmões cheios de ar novamente, iniciou sua luta para sobreviver.

— Pare com isso! — Uma voz familiar gritou e ela sentiu que o mar já não era tão ameaçador. Ao seu lado, viu, então, Scott. Ele tinha chegado sem que percebesse e agora a ajudava a vencer os poucos metros que a separavam da praia.

— Sua maluca! — Scott a acusou, quando finalmente atingiram a segurança da areia. — Estava tentando se afogar?

— Não — Anna tossiu, sentindo seus joelhos fracos e os cabelos pesando molhados sobre os olhos. — Eu não pensei nas correntes do mar, só isso...

Ele a agarrou pelo braço e sacudiu-a como se fosse uma boneca de pano. Anna mordeu os lábios num esforço para não gritar de dor.

— Você foi muito bem avisada sobre as correntes e sabia que não devia ir longe. Não imagina como tia Dorrie ficou preocupada quando não a viu de volia no horário em que marcou no bilhete. Ainda bem que eu cheguei a tempo de salvá-la. Se não, pense bem o que teria acontecido...

— Bem... desculpe... não grite comigo... e, por favor, solte-me — ela gemeu. — Não sou do tipo suicida e você sabe muito bem disso. Pare de me machucar, senão vou começar a achar que seria melhor ter morrido.

Scott estava furioso, mas ao mesmo tempo seu rosto revelava uma profunda preocupação. Ele a puxou para o seu peito durante um momento. Ela até pensou que fosse beijá-la, mas de repente, ele a empurrou com violência e depois arrastou-a até onde ela havia deixado uma toalha e as sandálias.

Ajudou-a a se cobrir, mas sem nenhum toque de gentileza. Depois agarrou-a pelo braço e a levou assim até a casa, como se fosse uma criança. As pernas de Anna tremiam violentamente quando subiram as escadas do terraço, mas a mão dele em seu braço era todo o apoio que precisava.

— Sugiro que não conte nada a tia Dorrie — ele instruiu friamente quando a largou na entrada. — E no futuro nade com mais cuidado.

Anna o olhou nervosa. O corpo bronzeado contrastava com o calção azul dele. Lembrou, com uma terrível saudade, da tarde em que ele a havia pego no colo, jogado-a sokre os ombros e a levado para o mar. A lembrança daqueles momentos felizes passou depressa pela sua memória e ela só não chorou porque tinha de subir para o quarto. Mas ao fechar a porta atrás de si, deu vazão às lágrimas.

Tinha sido uma experiência terrível e ela jamais se sentira tão perto da morte. Agora, tremia só em pensar o que podia ter acontecido se Scott não chegasse no momento exato.

Mais tarde, durante o jantar, ela teve a estranha sensação de que Scott a observava atentamente. Mas, quando o olhava, ele parecia só ter o prato de comida à sua frente. Terminada a refeição, ele pediu licença para sair da mesa e só então seus olhares se cruzaram. Por um breve momento, Anna pensou ver emoção no rosto dele. Mas ele deixou a sala friamente e se trancou no escritório o resto da noite.

Tia Dorrie foi para o quarto logo depois e Anna ficou na sala, andando nervosamente de um lado para o outro. O incidente do mar a tinha feito esquecer temporariamente a conversa com Joan Mulder, mas agora imaginava se a mulher ia cumprir as ameaças que tinha feito.

Não precisou de muito tempo para descobrir. O telefone tocou e ela atendeu, reconhecendo a voz afetada de Joan.

— Quero falar com Scott, por favor — Joan exigiu imediatamente. Anna ainda estava pensando em recusar, quando ouviu a voz de Scott do outro lado da linha.

— Obrigado, Anna. Eu atendo na extensão.

— Scott! — Joan falou roucamente, com uma estranha sensuali­dade na voz. — Que maravilhoso ter encontrado você em casa!

Anna desligou imediatamente, como se o telefone machucasse suas mãos. Sentiu que seu corpo todo tremia.

Não seria capaz de escutar, mas daria tudo para saber o que estavam falando. Desistindo de dormir cedo, ela continuou andando de um lado para o outro. Claro que Scott ia lhe contar o que havia conversado com Joan, quando saísse do escritório. Ou não? Afinal, o que ela tinha a ver com as conversas particulares dele, agora que aquela estranha barreira havia se erguido entre ambos?

De repente, seus pensamentos foram interrompidos pelo ruído do telefone sendo desligado. Scott saiu e ao vê-lo ela teve certeza de que ele não ia lhe explicar nada. Realmenle, ele se limitou a avisar:

— Vou sair um pouquinho, Anna, e não sei a que horas volto — falou, enquanto pegava as chaves no bolso do paletó.

Ela ficou ali parada, sem dizer nada, vendo-o se afastar. Momentos depois ouviu o carro saindo da garagem. O fato dele sair imediatatamente para se encontrar com Joan, só mostrava que ainda se importava com ela.

Era difícil acreditar no que estava acontecendo! Será que Scott ainda sentia alguma coisa por aquela mulher? Ou apenas queria provo­car-lhe ciúmes?

Ela logo afastou aquela hipótese. O ciúme é um sentimento que sempre acompanha o amor. E Scott nunca a havia amado. Ou, pelo menos, nunca tinha dito que a amava. Se não fosse assim, ela também poderia ter falado sobre o seu amor, e acabado com as suspeitas dele a respeito de Andrew.

Anna sentiu a cabeça latejar dolorosamente. Não ia adiantar nada ficar na sala, esperando. Scott não conversaria com ela quando chegasse. Na atual situação, ele nem lhe dava oportunidade para fazer perguntas.

Tomou algumas pílulas para dormir e disse baixinho, enquanto entrava na cama:

— Oh, Deus, me ajude! O que vou fazer, se ele me pedir o divórcio?

 

Durante os dias seguintes ela não viu Scott e dois dias antes da data do baile da prefeitura, ele partiu deixando um aviso de que chegaria a tempo para a festa. Ao perguntar a tia Dome onde Scott tinha ido, soube que estava em Durban a negócios.

Será que era verdade? Teriam os negócios de Durban apresentado problemas de última hora? Ou será que a viagem dele tinha algo a ver com Joan? Anna acreditava muito nesta última hipótese.

Na noite do baile, enquanto vestia o vestido decotado de chiffon bege, Anna estava triste e preocupada. Ia começar o verão e com ele chegariam os turistas de todas as partes do país. Isso faria com que Scoff ficasse ainda mais tempo afastado de casa. Como então ela conseguiria destruir a barreira que havia surgido entre eles?

 

Anna tremia enquanto dava os últimos retoques no vestido do baile. Estava disposta a tentar, de todas as formas, uma aproximação com Scott esta noite. Olhou-se no espelho e observou, satisfeita, que as esmeraldas do colar que ele lhe deu logo depois do casamento com­binavam perfeitamente com a cor dos seus olhos.

Bem, agora, era hora de descer. Ele já devia estar no hall, espe­rando-a. Seu coração disparou ao vê-lo de costas perto da janela e foi com uma expressão de desejo que ela olhou aqueles ombros lar­gos. O smoking dele era perfeito e muito elegante. E seu cabelo bri­lhava, ainda úmido do banho.

Ele vírou-se como que sentindo a presença dela. Anna mal se atre­via a respirar para não quebrar o encanto que pareceu surgir entre eles por alguns momentos.

Scott estava segurando um drinque e Anna achou que o copo havia tremido um pouco na mão dele enquanto se aproximava.

— Você está muito bonita esta noite, Anna — ele comentou com uma indiferença que não combinava com seu olhar.

— Seus elogios, Scott, se tornaram algo raro ultimamente — ela respondeu com um sorriso cínico. — Obrigada.

— Houve época em que você me acusava de exagerar — ele lem­brou friamente.

— Talvez eu esteja precisando confiar um pouquinho mais em mim.

— Anda sem confiança em si mesma? — ele perguntou incrédulo. — Eu sempre achei que você tivesse isso de sobra.

Ele jamais diria que tinha notado o tremor dela, Anna pensou com vontade de rir.

— Acho que há um momento na vida de todos em que um pouco mais de confiança faz muita diferença.

— E você precisa de mais confiança esta noite? — ele indagou, curioso e olhando profundamente para o decote dela.

— Sim, preciso — ela admitiu, evitando estremecer sob a intensi­dade daquele olhar.

— Por quê?

— Eu mesma gostaria de saber o motivo — ela respondeu baixi­nho. Depois, analisou porque estaria tão nervosa. Era difícil estar per­to dele sem ficar excitada. Olhou para o relógio da parede e perguntou:

— Vamos?

— Sim — ele concordou depressa, ajudando-a a sair.

O grande salão de baile do Tom-Tom era usado exclusivamente para íestas e foi decorado especialmente para aquela ocasião. As por­tas grandes davam para um enorme terraço e o conjunto já tinha co­meçado a tocar quando os convidados chegaram.

Para sua grande decepção, Anna descobriu que tinha que sentar perto do prefeito e da esposa, na mesa principal. Mas logo seu nervo­sismo inicial desapareceu, pois o casal Collins era muito gentil e simpático.

Por educação, Scott teve de dançar primeiro com a sra. Collins, enquanto Anna dançava com o prefeito. Depois, ela se viu nos braços do marido. E o hálito quente dele roçando em seu rosto deixou-a completamente perturbada.

— Você está linda, Anna — ele falou em seu tom de voz profun­do e ela estremeceu de prazer. — Tão linda que pode virar a cabeça de qualquer homem.

— Estou virando a sua, Scott? — ela perguntou, provocante.

— Preciso responder? — ele resmungou, revelando, enquanto dan­çavam, que ela tinha conseguido excitá-lo.

— Não. Não precisa — ela disse, colocando a cabeça no ombro de Scott e se entregando à sensação mágica de estar nos braços dele.

Por momentos ela sentiu que tudo era como antes e deixou-se fi­car como se no mundo só existissem eles dois. Quando a música fi­nalmente terminou, Scott a levou até a mesa.

Anna sentiu quando ele a beijou suavemente no rosto. Será que aquele beijo tinha sido intencional, ela pensou, concluindo, feliz, que sim.

Mas, de repente, todas as suas esperanças de ter uma noite mara­vilhosa foram por água abaixo: Joan Mulder os esperava na mesa. Vestindo um estonteante vestido preto, que mais revelava o corpo do que escondia, ela parecia felicíssima, Anna sentiu-se envergonhada com tanto exibicionismo.

— Querido, desculpe o atraso. Mas tive aquela terrível dor de ca­beça. — Joan agarrou o braço de Scott, como se tivesse vindo ao bai­le apenas por convite dele. — Lembra que ficava sentado ao lado da minha cama, colocando gelo em minha testa até a dor passar?

A referência ao passado foi evidente demais, mas Scott pareceu não se importar.

— Sim, lembro que fiz isso uma vez — disse calmamente, sorrindo.

— Eu gostaria que tivesse feito isso hoje, querido — ela conti­nuou sorrindo para Scott, depois levantou a mão e o acariciou no ros­to com um ar de posse que fez Anna odiá-la. E, continuando a igno­rar a presença de Anna, ela convidou Scott. — Vamos dançar?

Ela esperava que ele recusasse, mas Scott concordou e, sem olhar para Anna, acompanhou Joan até a pista.

A noite pareceu se transformar num pesadeio, quando os dois vol­taram e Joan puxou uma cadeira para se sentar ao lado de Scott. Du­rante todo o tempo Joan conversou com ele e Scott dançou quase que exclusivamente com ela. Anna dançou com várias pessoas, mas só ti­nha olhos para observar o quanto Scott e Joan dançavam juntos.

Como ele se atreve a fazer isso comigo? Ela pensava furiosa. Sen­tia-se humilhada ao perceber que as pessoas comentavam quando passava. Não podia culpá-los. Na verdade eles tinham todos os moti­vos para fazer isso. Os culpados eram eles, Scott e Joan Será que ele não via o que estava acontecendo? Será que não percebia como sor­ria e flertava abertamente com Joan atraindo a atenção de todos no baile? E que estava submetendo a própria esposa à pior das humi­lhações?

Anna cruzava e descruzava as mãos, enquanto observava Scott. A noite que ela havia planejado tinha se transformado num terrível fra­casso. Agora, os planos dela pareciam completamente ridículos. O marido estava passando a maior parte da noite com Joan, seeurando-a com força e deixando que ela se aproximasse dele em público de um modo escandaloso. Era degradante... terrível... humilhante!

O prefeito Collins e a esposa voltaram para a mesa e Anna procurou controlar as lágrimas. Não ia chorar em público, disse a si mes­ma, tentando ficar firme e arranjando um sorriso falso para manter-se acima dos acontecimentos.

Mas era impossível conversar normalmente e o casal ao seu lado devia ter percebido que algo errado estava acontecendo entre ela e o marido, embora nada comentassem. Era um casal simpático, mas, por mais que se esforçasse, Anna não conseguia prestar atenção ao que eles diziam.

A música ainda não havia terminado, mas Joan apareceu na mesa, pegou suas coisas, e sem dizer nenhuma palavra ao prefeito e à espo­sa, caminhou para a saída. Já era quase meia-noite, Anna pensou dis­traída, e uma onda de cinismo a dominou. Será que Joan estava dei­xando o baile, como uma verdadeira Cinderela, depois de conquistar publicamente Scott?

— Vamos dançar? — uma voz profunda perguntou ao seu lado e ela levantou os olhos vendo Scott sorrir. Sentiu que tremia de raiva, uma raiva que a cegava quase completamente.

Como ele se atreve a me convidar para dançar, depois de ter abra­çado Joan a noite inteira? Como ele tinha se atrevido a humilhá-la e agora aparecia como se nada houvesse acontecido? As perguntas mar­telavam na sua cabeça.

Tensa de ódio, ela disse numa vozinha que nem parecia a sua.

— Acho que prefiro ir para casa, se você não se importa.

Scott parou de sorrir e sua expressão anunciava uma tempestade. Mas não disse nada, enquanto ela pegava o xale e a bolsa. Os dois se despediram do prefeito Collins e da esposa e saíram sob o olhar obser­vador das pessoas.

O ambiente no carro estava tenso e nenhum dos dois falou até che­garem em casa. Scott não parecia disposto a conversar.

Anna estava perdida em mil pensamentos, tentando entender onde o marido pretendia chegar com aquilo tudo. Se Scott tivesse um pou­co de consciência...

Na porta do quarto, eles se separaram em silêncio. Anna demorou para se preparar para dormir. Nunca em sua vida tinha ficado tão furiosa!

Ou será que estava com ciúmes?, uma vozinha dizia dentro dela. Largou a escova e se olhou no espelho.

— Sim, estou com ciúmes — admitiu a si mesma. — Ciúmes de alguém que não gosta de mim, alguém que não posso ter. Eu quero o amor dele e sem ele não quero mais nada.

Ela ouviu uma batida na porta e ficou rígida quando Scott entrou, de mansinho. Ele tinha tomado banho e vestia um robe branco que contrastava com seu corpo bronzeado. Mas, ela percebeu que, no momento. não estava mais atraída pelo seu físico. Só conseguia se sentir distante à medida que ele se aproximava.

A única coisa que vinha à sua cabeça eram os momentos em que ele dançou com Joan, dançou muito próximo... com o corpo sen­sualmente contra o dela.

— Anna... — Scott começou, estendendo a mão, mas ela se afas­tou imediatamente.

— Não me toque! — disse entre os dentes, procurando lutar contra a dor das recordações do baile.

— O que é isso? — ele perguntou — você não impediu que eu a locasse, enquanto dançávamos esta noite. O que a fez mudar de ideia?

Como ele tinha a audácia de falar aquilo? A fúria dela explodiu como um furacão.

— Isso mesmo! — ela cuspiu as palavras. — Você dançou comigo ama vez e naquele momento achei que era possível quebrar a barrei­ra que havia entre nós. Mas depois Joan chegou e durante o resto da noite você só dançou e flertou com ela, de um modo ultrajante!

— Não concordo com este comentário — disse ele, sombrio.

— E eu não concordo com o modo com que você me tratou esta noite — ela falou, empertigada. — Você me humilhou de todos os modos, agarrando Joan como se eu não estivesse lá.

— Acho que não faltaram convites de pessoas querendo dançar com você — ele respondeu.

— O que esperava que eu fizesse? Ficasse sentada como uma boa menina, recusando todos que me tirassem para dançar na esperança de que você o fizesse?

— Não seja ridícula, Anna!

— Então, estou sendo ridícula? — ela quase gritou. — Depois do modo como Joan apareceu aqui sem ser convidada, dizendo que estava resolvida a terminar com o nosso casamento, você não acha que vou levar tudo isso na esportiva, não é?

— Pois acho que você lidou maravilhosamente com a situação — ele disse, sorrindo.

Anna respirou fundo. A tia devia ter contado a Scott o que acon­teceu entre ela e Joan. Mas isso só servia para deixá-la com mais raiva ainda.

— O que acha que as pessoas pensaram quando viram vocês dois dançando esta noite? — ela perguntou zangada. — E qual sua opinião sobre o escândalo que deu, me ignorando para dançar com sua ex-namorada?

— Não quero discutir com você, Anna — Scott falou, cansado. — Vou para Lesotho amanhã a negócios e só volto no domingo.

— Que ótimo — ela disse, irónica. — Vai levar Joan?

— Tenha juízo, Anna — ele pediu com uma calma que a enfu­receu. — Estou indo apenas comprar um hotel, como já disse, e não tenho tempo para ouvir as bobagens que você inventou nessa cabeça.

— Aliás, é bom eu saber: para o que você tem tempo? — Anna perguntou com firmeza. — Não pára em casa, quase não o vi nesta última semana, e só fala comigo quando é absolutamente necessário. Sou forçada a passar noites e mais noites naquela imensa cama, sozinha — ela terminou, com a voz trêmula.

— Anna, não fale assim — ele pediu de repente, estendendo os braços num gesto de convite. Mas ela se afastou nervosa.

— Deixe-me! — pediu, rouca. — Não suporto que me toque!

— Não pode estar falando sério.

— Estou! — ela insistiu, com o corpo tão trêmulo, que teve de se apoiar ao armário. — Estou cansada de passar por boba e não quero ser humilhada de novo. Deixe-me sozinha!

Scott parecia dominado por uma terrível emoção e ela não con­seguia olhá-lo.

— Eu não pretendia humilhá-la nem fazer você passar por boba, Anna.

— Suas intenções, no momento, não me interessam — respondeu friamente, procurando se controlar. — No momento, só quero ficar sozinha e em paz.

O siíêncio do quarto estava carregado de emoções contraditórias. Entre eles parecia haver um abismo que ninguém podia atravessar.

— Bem, se é isso que você quer, então não posso fazer nada — ele disse baixinho.

— É o que quero — ela respondeu, num tom indiferente.

O comentário dela pareceu ficar suspenso no ar, depois caiu como uma guilhotina quando ele fechou a porta.

— O que eu fiz? — ela perguntou baixinho a si mesma, depois que Scott estava longe. — O que eu fiz?

Não adiantava se lamentar. Seu ciúme e ódio tinham estragado tudo. Agora, teria de sofrer a humilhação de ver Scott deixá-la. Só Deus sabia que ela o tinha encorajado a fazer justamente o que mais temia.

Tentou recapitular os acontecimentos e encontrar uma explicação para o comportamento dele no baile, mas não conseguiu. Como podia esperar uma reconciliação, quando havia passado a noite dançando com Joan?

Anna deitou, sentindo o calor dos braços de Scott ainda ao redor do seu corpo, como no momento em que tinham dançado no começo da noite.

“Você está linda, Anna. É capaz de virar a cabeça de qualquer homem”. Será que aquele era o ponto-chave? Será que tinha virado a cabeça dele... mas não conseguiu chegar ao seu coração?

Será que ele ainda ama Joan?, ela também se perguntou, cheia de medo.

Não. Não pode ser. Anna concluiu no escuro. Virou o rosto e afundou-o no travesseiro, querendo impedir o fluxo dos seus pensa­mentos. Mas eles insistiam em vir, como ondas, sufocando-a.

Se Scott não pretendeu magoá-la, como disse, por que tinha dan­çado a noite inteira com Joan? Será que era o seu jeito de comunicar que pretendia terminar com o casamento?

Um peso terrível desabou sobre ela, ao fechar os olhos. Se Scott amasse Joan, tudo estaria perdido. Ia acontecer exatamente como a outra havia planejado.

— Adeus, Anna.

E!a sentou na cama, espantada ao ouvir a voz de Scott. Mas ele não estava ali. Podia jurar que ele havia dito aquilo. Porém devia ser apenas coisa da sua imaginação.

Será que haveria outro “adeus, Anna”? Primeiro tinha sido Andrew. Agora era Scott.

Ouviu o som das ondas pela janela aberta e lembrou do seu mer­gulho no mar. Era melhor morrer do que viver sem Scott.

Anna engasgou com um soluço ao tentar controlar as lágrimas que começaram a descer pelo seu rosto. Ficou deitada até dormir exausta, com as mãos apertadas contra o travesseiro.

 

Ela acordou com olheiras, mostrando que tinha dormido mal. E, quando desceu, não conseguiu tomar o café.

— Você não está comendo nada — tia Dorrie falou, quando viu-a empurrar o prato.

— Não estou com fome — explicou, largando o garfo e a faca. Tia Dorrie não comentou nada, mas observou suas mãos trêmulas.

— Vi Scott saindo esta manhã.

— Ele vai passar o fim de semana em Lesotho, a negócios.

— Oh, céus — a tia parou de comer. — Isso significa que você ficará sozinha aqui, pois vou visitar uns amigos em Port Shepstone, como já tinha combinado.

— Não faz mal.

— Pode vir comigo, naturalmente — ela convidou depressa. — Os Fergusons vão adorar conhecê-la.

— Prefiro ficar aqui — Anna falou com firmeza. — Tenho muitas coisas a fazer e não me importo em ficar sozinha.

— Tem certeza, Anna? Eu só preciso telefonar aos Fergusons e tudo estará acertado.

— Não, não faça isso, tia Dorrie. Por favor, não mude seus planos por minha causa.

Dorothy MacPherson terminou o café e olhou profundamente para Anna.

— Oual é o problema, querida? Parece que não dormiu bem. Esta se sentindo mal?

— Não, não tenho nada — ela mentiu, desviando os olhos.

— É alguma coisa com Scott?

— Não — Anna repetiu.

Tia Dorrie ficou séria e continuou olhando para Anna.

— Se não há nada errado, se não é nada com Scott, então me diga por que está chorando.

Anna levou a mão ao rosto e, desanimada, viu as lágrimas es­caparem.

— É tolice minha — ela riu, trêmula, e soluçou em seguida. Le­vantou-se depressa e foi para a janeia, olhando o céu.

Vai chover, pensou, tentando manter os pensamentos fixos em alguma coisa. Mas tia Dorrie não estava disposta a mudar de assunto.

— Não sou nenhuma tola, querida. Parece que as coisas entre você e Scott não vão bem. Não pense que sou uma velha metida, mas, querida, algumas vezes é melhor desabafar com alguém.

Anna hesitou. Nunca tinha sido fácil, para ela, confiar em alguém. Mas não podia negar que sentia necessidade de desabafar. Virou-se para a mulher e disse, hesitante:

— Não quero atormentá-la com os meus problemas, tia Dorrie.

— Que bobagem, menina. — A velha sorriu. — Conte-me o que está havendo.

— Tudo começou quando Scott foi me ver em Johannesburg du­rante a doença de papai...

Anna explicou tudo o que tinha acontecido naquela ocasião.

— Eu sei o que Scott deve ter pensado — falou, nervosa. — Mas ele se recusa a ouvir qualquer explicação e desde aquela noite minha vida virou um pesadelo.

— Isso foi tudo? — tia Dorrie perguntou gentilmente e Anna ficou em silêncio.

— Não — por fim, ela sacudiu a cabeça, infeliz. — Você ouviu a conversa com Joan, mas não sabe que eta telefonou para Scott uma noite destas. Conversaram durante algum tempo, depois ele saiu ao seu encontro.

— Tem certeza?

— Ele não disse onde ia, mas saiu logo depois de falar com ela e... — ela hesitou, baixando os olhos. — Depois houve o baile do prefeito.

— Joan foi lá? — tia Dorrie perguntou.

— Sim... e nunca me senti tão humilhada em toda minha vida — Anna falou, contando tudo o que havia se passado.

— Ela tentou causar problemas?

— Não sei o que queria. Mas o modo como Scott se comportou foi o que me magoou mais. Ele deu motivos para comentários e ti­vemos uma violenta briga quando chegamos em casa.

— E esta briga é que está aborrecendo tanto você? — a mulher perguntou gentilmente.

— Não só... — Anna mordeu os lábios trêmulos. — O problema é que pensei muito no que Joan disse, tia Dorrie, e acho que está certa. Scott ainda gosta dela.

— Impossível! — a tia comentou, sacudindo a cabeça com força. — Isso já acabou há muito tempo. Ela tentou tudo o que pôde, quando Trudie morreu, mas não conseguiu nada.

Anna ficou em silêncio, durante algum tempo,

— O amor não é algo que acabe depressa, tia Dorrie. É algo difícil de entender. Quando se ama alguém... e Scott já amou Joan...

— Ela pensa que sim — a tia Dorrie continuou teimando. — Mas ele nunca amou nem Joan nem ninguém do modo como ama você.

Ela piscou ao ouvir aquilo e sentiu as lágrimas voltarem aos olhos.

— Scott nunca disse que me amava.

— Mas ele ama.

— Não diria isso se o visse com Joan, na noite passada — Anna falou desconsolada, não querendo alimentar falsas esperanças.

— Talvez ele quisesse apenas deixá-la com ciúmes — tia Dorrie sugeriu.

— Não — Anna suspirou, sentindo que sua cabeça doía. — Uma dança bastaria para ter me deixado com ciúmes. Mas acho que várias eram alguma coisa além disso.

— Scott lhe deu alguma explicação?

— Não dei chance para isso — Anna confessou. — Eu estava tão furiosa que arrasei com ele e disse algumas coisas das quais me arrependo agora.

Tia Dorrie ficou preocupada e pensativa.

— Eu realmente não sei o que dizer, Anna. Mas, tenho certeza que está enganada a respeito dele e de Joan.

— Espero que sim... mas... — ela sentiu um nó na garganta e ficou andando de um lado para o outro. Não conseguia ver nada, apenas as gotas de chuva batendo contra a janela.

— Acho que vou viajar um pouco. Talvez alguns dias longe me façam bem. Scott terá tempo de decidir o que quer, sem minha presença para complicar tudo... — Decidiu afinal, embora sentisse a maior dor no coração ante a idéia de ficar sem ver o marido.

— Quer dizer que vai entregá-lo a Joan sem lutar? — tia Dorríe perguntou, incrédula.

— Se é a ela que ele quer... se isso vai fazê-lo feliz, não vou ficar no caminho atrapalhando.

— Você o ama tanto assim? — tia Dorrie perguntou suavemente, depois de uma pausa.

— Sim — Anna respondeu com os lábios trêmulos.

— Você é uma garota admirável, Anna — tia Dorrie comentou, abraçando-a. — Não são muitas as mulheres que se afastariam, dei­xando o marido livre para ser feliz com outra.

— De que adianta tentar prender Scott, se o coração dele está com Joan? — Anna indagou, desesperada. — Eu não aguentaria viver com ele sabendo que ama outra pessoa.

— Anna, não vá — tia Dorrie aconselhou. — Pense bem no que está fazendo. Talvez se arrependa pelo resto da sua vida.

— Mas eu ficar não vai adiantar, tia Dorrie — Anna se lamentou, afundando o rosto nas mãos, na esperança de esconder as lágrimas.

— Pode parecer que não, agora, mas algumas coisas precisam de tempo para serem resolvidas. — A mulher disse, dando um tapinha no ombro de Anna. — Não desista, minha querida. Sei que deve haver uma explicação razoável para tudo o que está acontecendo.

— Ai, eu não sei mais o que pensar! Estou tão confusa!

— Prometa que vai esperar até que Scott volte de viagem — tia Dorrie pediu.

— Prometo — Anna murmurou depois de um momento, tirando as mãos do rosto e voltando a olhar pela janela.

— Por que não muda de ideia e vem comigo? — tia Dorrie insistiu.

— Não — ela sacudiu a cabeça, respirando fundo. — Vá e tenha um bom fim de semana, tia Dorrie. E... obrigada por me ouvir.

— Eu só queria poder ajudar — ela disse tristemente.

— Já ajudou muito, conversando comigo — Anna garantiu, bei­jando a mulher. — Não se atrase para sua viagem.

— Até logo, querida, e cuide-se — tia Dorrie falou e subiu para pegar as malas.

Momentos depois, Anna via o pequeno carro dela saindo pela ala­meda. Sentiu-se terrivelmente só, mas tinha que aguentar. Pegou as cartas que haviam chegado pelo correio da manhã e começou a olhá-las.

De repente, uma delas chamou sua atenção. No envelope, a letra familiar de Andrew saltava diante dos seus olhos. Ela abriu depressa.

“Querida Anna”, ele tinha escrito, “nunca tive a oportunidade de lhe agradecer antes, por isso resolvi escrever esta carta. Quero agra­decer por você ter ajudado Debbie e a mim. Nós tivemos uma longa discussão e contei a ela sobre o nosso encontro. Achei que era me­lhor assim. Debbie compreendeu e saber que você está tão feliz junto ao seu marido mudou muito as coisas entre nós. Agora vimos que fomos tolos, deixando que o sentimento de culpa estragasse nossas vidas. Devíamos ter conversado antes, em vez de ficarmos escon­dendo um do outro o que sentíamos. Mas você, querida e sensível Anna, fez com que superássemos este problema e encontrássemos uma solução para nossa crise. Não sei se existe uma forma de agradecer o que fez por nós, mas espero que tenha tudo o que merece, no futuro. Lembranças, Andrew.”

Anna guardou a carta pensando no que Andrew havia escrito. Sim, ela ajudara o casal, mas agora não conseguia encontrar meios de se ajudar.

Será que não estaria cometendo um erro ficando naquela casa, como havia prometido a tia Dorrie? Talvez fosse melhor ir logo embora, em vez de tentar se agarrar a Scott, que não a queria mais. Não sabia o que fazer!

O tempo chuvoso obrigou-a a permanecer em casa. Pegou uma revista, ligou o rádio e ouviu música, até se sentir mais calma. Depois de uma hora começou o noticiário.

Ela levantou-se apressada para desligar o rádio, quando ouviu: “Ainda está desaparecido o avião em que viajava o sr. Scott Beresford, famoso hoteleiro que ia para Lesotho. O contato com o rádio foi completamente perdido, devido às péssimas condições climáticas, quando o aparelho se aproximava de Drakensberg. Os oficiais do ae­roporto já alertaram a região. Os outros passageiros que acompanha­vam o sr. Beresford neste vôo eram o seu advogado, sr. Joshua Gray e seu contador, sr...”

Anna desligou o rádio num movimento brusco, sem saber o que estava fazendo. Sentia tanto medo, que seu coração parecia pequeno e gelado. O sangue também estava frio nas veias e os joelhos mal suportavam o peso do corpo. Afundou numa cadeira ali perto. Tudo nela parecia ter parado, a não ser a pulsação forle e dolorosa em suas têmporas. O avião de Scott estava desaparecido, só Deus saberia se ele ainda continuava vivo.

Ela gemeu angustiada, com o rosto pálido e o corpo trêmulo. E se não o visse nunca mais? Se algum acoisa acontecesse com Scott, ela jamais se perdoaria. Ela o havia mandado embora, tinha-o afas­tado de si, na noite anterior...

— Controle-se Anna — disse a si mesma. — O noticiário não falou que ele está morto. Não há motivos para se apavorar. Prova­velmente o avião aterrissou em outro lugar...

O nervosismo melhorou, mas o medo continuava e achando que ficaria louca se não fizesse alguma coisa, ela ligou para o aeroporto de Durban. As autoridades de lá informaram que não havia novidades, mas que telefonariam assim que soubessem de alguma coisa.

Ela caminhou de um lado para o outro na sala, durante muito tempo, lembrando todos os seus momentos com Scott. Teve de aten­der os inúmeros telefonemas de pessoas conhecidas, e também das que não conhecia, mas que estavam ligadas a Scott por negócios. Para todos a resposta era a mesma: aguardar.

Desesperada e sem saber mais o que fazer, Anna atirou-se no sofá e rezou:

— Oh, Deus, faça com que ele volte para mim. Por favor, Scott, volte para mim.

— Adeus, Anna — ele havia dito e agora aquelas palavras ecoa­vam sem parar nos ouvidos dela.

Anna procurou descansar, mas não conseguiu. Durante algumas ho­ras permaneceu quieta, mas de repente, teve a sensação de que alguém estava entrando na casa. Os passos se aproximavam. Ela levantou a cabeça:

— Scott! — o nome dele escapou dos seus lábios sem querer, no momento em que o viu entrando na sala. Com lágrimas nos olhos, sorrindo e gritando nervosa o seu nome, ela correu e agarrou-se com força a ele, sem se importar com o que ele pensaria.

— Você está vivo! Oh, graças a Deus, você está vivo!

— Claro que estou vivo. Por que não estaria...?

— Mas, o avião... — e ela contou o que havia ouvido no no­ticiário.

— Nada aconteceu comigo. Eu me atrasei e pedi aos outros dois que fossem para Lesotho sem mim. Eles tinham total condição de resolverem tudo sozinhos. Meu Deus, preciso saber o que aconteceu com eles...

— Oh, Scott, fiquei quase louca, pensando...

— Bem, acalme-se agora. Estou aqui. Vou telefonar para o aero­porto.

Momentos depois, ele voltava com a notícia de que o avião tinha aterrissado em uma fazenda próxima a Lesotho. Assim que consertas­sem o rádio, voltariam a Durban, pois todos estavam passando bem.

Depois de dar a notícia a Anna, Scott começou a telefonar para a tia e para os vários amigos que tinham ligado para ele.

Após ele ter completado a lista de ligações, Anna ofereceu:

— Quer um drinque? Um café, um chá?

— Mais tarde. Agora, quero conversar com você! — disse com ar grave.

Anna se sentiu tonta e amedrontada, um nó lhe subiu à garganta. Na verdade, não queria...

— Acho que não quero discutir...

— Eu a amo, Anna — Scott falou de repente.

Ela sentiu que seu coração ia explodir. Estava sem fala e não acreditava no que tinha ouvido. Engoliu em seco, nervosa:

— Você... não está dizendo isso agora...

— Está enganada, querida — ele disse. — Já devia ter lhe dito isso desde o começo, mas resolvi esperar até você se livrar do que sentia por Andrew Tait.

— Mas eu não amo Andrew — ela pôde dizer, afinal. — No mo­mento em que o vi de novo, percebi que não o amava, que nunca o amei de verdade.

— Por que me ama? — Scott perguntou sorrindo com ternura.

— Acho que já deixei isso bem claro, não? — ela respondeu, sor­rindo também.

— Anna, Anna — ele murmurou com a voz rouca. — No momen­to em que eu soube da volta de Joan percebi que tinha de lhe dizer o que sentia por você. Precisava saber, caso ela aparecesse e provo­casse dúvidas. Por isso fui para Johannesburg.

Ela começou a se sentir inundada de felicidade e confessou, quase sem fôlego:

— E eu esperei que você fosse a Johannesburg, depois de desco­brir que não sentia nada por Andrew. Queria lhe dizer o quanto o amava, queria que compreendesse que...

— Vi você chegando em casa com Andrew e meu ciúme terrível estragou tudo. — Scott a puxou para si e procurou seus lábios, mas ela evitou o beijo. — O que é, meu amor?

— Se você me ama, por que me humilhou tanto naquela festa? — ela quis saber, lembrando o sofrimento daquela noite.

— Eu já lhe disse. Não tive a intenção de humilhá-la. Quando Joan decidiu que queria me caçar, minha primeira reação foi de repulsa, depois, quando vi sua expressão, resolvi me vingar, pagando na mesma moeda.

— Queria que eu ficasse com ciúmes?

— Sim. È consegui, não é?

— Eu tive vontade de matar você. Fiquei tão furiosa!

— Meu plano deu resultado inesperado, devo admitir. Depois eu não conseguia me livrar de Joan. E sempre que queria dançar com você, já estava dançando com outro. No fim, não aguentei mais .o comportamento de Joan e lhe disse umas coisas que ela não gostou de ouvir.

— Então, foi por isso que ela saiu tão apressada? — Anna mur­murou...

— Anna...

Ela sentiu o apelo da voz dele e foi atraída para os seus braços no mesmo momento. Depois perguntou:

— Você foi ver Joan, naquela noite, não?

— Sim — ele admitiu, mas continuou abraçado a ela, no sofá. — Joan me escreveu algumas semanas antes, avisando que estava com problemas no casamento e pedindo ajuda. Eu ignorei a carta e ela fez tentativas repetidas de entrar em contato comigo depois que che­gou. Quando telefonou, naquela noite, eu não podia evitá-la mais. Se me recusasse a atender, só iria prolongar a situação. Mas ela não quis dizer nada e me pediu para conversarmos pessoalmente. A prin­cípio recusei, depois concordei. Joan me contou uma porção de his­tórias ... mentiras... sobre sua infelicidade com Dennis... disse que ele estava sendo infiel. Mais tarde, eu telefonei a Dennis e ele me contou que já não aguentava os gastos de Joan e até tinha avisado nas lojas para que não lhe dessem mais crédito. Ela veio para cá achando que eu engoliria sua história...

— Pobre Joan... — Anna suspirou, sentindo uma piedade sincera por aquela mulher.

— Esqueça Joan — Scott ordenou, levando a mão dela aos lábios. — Ela já deve estar de volta para a companhia do marido que a ama, apesar de tudo. Prefiro conversar sobre nós.

— Depois daquela noite, eu estava certa de que você a amava.

— Eu nunca a amei, Anna. Ela me procurava muito depois que Trudie morreu — ele disse, diante do olhar espantado de Anna.

— Você nunca a amou?

— Senti atração por ela, antes de conhecer Trudie. E depois que Trudie morreu ela estava... bem... disponível...

— Oh, querido, eu sofri tanto pensando... e depois, quando achei que seu avião podia ter caído... você podia estar ferido...

— Foi o mesmo que senti, quando a vi sendo engolida peío mar.

— Pelo menos, quando o vi são e salvo, eu não o sacudi nem gritei com você.

— Na hora em que a salvei do mar, ou eu a sacudia e gritava, ou a cobria de beijos.

— Eu teria preferido os beijos — Anna confessou.

— E só agora me avisa isso?

— Nunca é tarde — ela murmurou, levantando os lábios para ele. Estremeceu quando ele a beijou e apertou-a com mais força.

— E agora, meu amor? — ele indagou, com os lábios contra os dela.

— Eu o amo e sempre vou amá-lo — ela falou. — Não vamos nos separar nunca mais. Nenhum mal-entendido ficará entre nós...

— Anna — ele gemeu seu nome, beijando-lhe o pescoço. — Quero acreditar no que me diz, mas e Andrew?

— Oh, Scott, que bom ter tocado no assunto! Quero que fique tudo esclarecido entre nós. Leia esta carta que Andrew me mandou falando sobre o encontro que tivemos em Johannesburg.

Lentamente Scott leu tudo, depois sorriu para ela, compreendendo afinal.

— Então, ele só queria um conselho.

— Sim — Anna admitiu, respondendo intensamente ao olhar dele. — Só um conselho.

— Quero acreditar — ele começou devagar. — Mas tenho certeza de que seus sentimentos por Andrew...

— Não — ela pediu. — Não se torture desnecessariamente. O amor que senti por ele foi uma ilusão. A realidade é que sempre amei você...

— E seu amor vai durar para sempre?

— Sim, Scott. Para sempre. Nós dois fomos idiotas — ela murmu­rou sonhadoramente. — E só perdemos tempo com estes mal-entendidos.

— Dois idiotas malucos — ele admitiu, desabotoando a blusa dela e beijando a pele delicada dos seus seios.

— Acho que ainda teremos nossas discussões — ela disse, perce­bendo que seus sentidos respondiam a ele de um modo delirante.

— Sem dúvida.

— Mas não teremos mais dúvidas quanto ao amor um do outro, por favor...

— Não teremos mais dúvidas — Scott repetiu, beijando-a com tanta ternura que ela sentiu sua felicidade aumentar intensamente.

— Eu a amo, Anna.

— E eu o amo — ela murmurou, quando seus lábios se encontra­ram. Apesar de lá fora estar chovendo, ela sentia o sol brilhar dentro de si. O dono de seu coração acabava de lhe dar de presente o coração dele.

 

                                                                                Yvonne Whittal  

 

                      

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