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Series & Trilogias Literarias
Uma noiva hesitante: possui-la será um perigo…
Lady Tanon Risande deve casar por ordem do Rei com um príncipe Galês feroz. Mas a teimosa Tanon tem outros planos, e em nenhum deles está se submeter ao príncipe Gareth Ap Owain, um homem pelo qual todas as mulheres da corte suspiram. E, quando o rude guerreiro pousa seus olhos penetrantes nela, Tanon começa a perguntar-se como será deitar-se com um bárbaro.
Dama do desejo.
Gareth está disposto a mostrar a sua esposa deliciosa e inexperiente que ela está a salvo de sua selvageria no campo de batalha... mas não na cama. Para isso, empregará seus métodos mais persuasivos e sedutores a fim de atraí-la para seus braços — e está ansioso para testar todos eles. Mas, embora Gareth seja um príncipe, não pode oferecer a Tanon a elegância a qual está acostumada, nem está certo de que ela esteja a salvo nas terras inóspitas de sua pátria. O que pode garantir é que em seus braços ela conhecerá um amor que jamais pensou que pudesse existir...
Prólogo
Winchester, Inglaterra, 1072
Lady Tanon Risande tentou gritar, mas somente emitiu um gemido imperceptível, quando uma pedra bateu em seu ombro. Seus olhos verdes, arregalados pelo susto, combinavam com a folhagem da árvore onde se escondeu. Como o ramo balançava, agitou os braços para conseguir segurar-se, mas caiu pesadamente no chão.
Ao se levantar, escutou a risada de Roger de Courtenay, e olhou para ele com fúria; um olhar como o que seu pai lançou ao cozinheiro quando quase quebrou um dente com uma pedrinha que apareceu dentro do pão. Tanon tentou respirar fundo e fechar os olhos, mas, em vez disso, tremeu o lábio inferior e seus olhos encheram-se de lágrimas.
Roger ria ainda mais. De fato, ria tanto que ficou sem respiração. Dobrando-se ao meio, segurando sua barriga com uma mão e tapando a boca com a outra. Era frustrante que fizesse isso em público. Quase todos os meninos do castelo de Winchester estavam presentes. Tanon seria capaz de perdoar Hilary e Janie Pendleton por rirem dela; eram pequenas e não se davam conta da sua falta de educação. Henry e Thomas Drake faziam caretas, enquanto Roger continuava jogando pedras. Mas, os outros meninos nada disseram. Era melhor que fossem jogadas em Tanon e não eles. Todos temiam Roger. Tanon, também. Mas essa não era a razão pelo qual não jogava uma pedra nele. Ela não queria que ele contasse a seu pai, o conde de Blackburn, porque este contaria ao rei. E Tanon não queria que Guillermo se zangasse com ela. Não que o temesse. Ao contrário, gostava quase tanto de Guillermo como o seu próprio pai. Ele fazia as caretas mais engraçadas, gestos de irritação fingidos que fazia sorrir Elsbeth, a serva de sua mãe.
Apenas não se simpatizava com Roger. E não estava disposta a acompanhá-lo em suas travessuras cruéis, tais como colocar formigas no leite de cabra ou untar as garras da gata Chloe com seiva, mas tinha a audácia de dizer sem rodeios que era um desordeiro.
Incentivados por Roger, os outros zombavam dela, chamando-a de Tanon, a Magricela, e grunhiam como animais quando a encontravam, porque sua melhor amiga era Petúnia, a porca. O que a reconfortava era nenhum que deles a batia. Além de tudo, Tanon era filha de lorde Brand, o Apaixonado. E quando tratava de protegê-la, seu pai podia ser até pior que Roger.
— Tanon, a Magricela caiu da árvore como uma franga raquítica! — gritou Roger, eufórico.
Quando viu que a menina apertava seus pequenos punhos, aproximou-se ameaçadoramente. Seus cabelos loiros caíam sobre as bochechas cobertas de sardas.
— Se contar ao seu pai, matarei à sua porca e comerei no jantar.
Tanon começou a chorar. Duas lágrimas transpassaram seus longos cílios escuros e Roger voltou a dobrar-se de rir.
— Tanon, banguela! — gritou, dando passinhos de dança na grama.
Fechou a boca e passou a língua no espaço que deixava o dente que faltava. Procurou entre a grama até que o achou, e saiu correndo para que não a vissem chorar.
— Ei, aonde vai com tanta pressa, pequena? — perguntou Guillermo. Enquanto Tanon enxugava as lágrimas, ele se agachou para ver sua expressão e seu rosto escureceu — Vai me contar quem fez você chorar?
Sacudiu a cabeça, em sinal de negativa, notou que ele observava os outros meninos, a certa distância. Imediatamente, ergueu-a em seus braços. A menina estava certa de
que Guillermo era mais alto que a árvore da qual tinha caído, mas ele não a deixaria cair, e aconchegou-se contra seu peito vigoroso, com a sensação de estar salva de qualquer mal. Além de tudo, ele era o rei.
— Sabia que está faltando um dente seu? — assinalou, acariciando seus cabelos negros cacheados. Como resposta, a pequena escondeu o rosto contra o pescoço do rei e começou a chorar.
Seu pai gostou menos ainda de seu aspecto. Tanon não queria, mas teria que mentir. Não tinha outra escolha. Estava certa de que Deus a perdoaria, porque disso dependia a vida de Petúnia.
— Estou dizendo, caí da árvore, papai. — insistiu, respondendo ao persistente interrogatório, no salão de Guillermo.
— E ninguém teve nada haver com sua queda, Tanon? — Lorde Brand Risande caminhava inquieto diante de sua filha.
Embora sua expressão fosse extremamente afetuosa, Tanon rezava para que não percebesse que não estava dizendo a verdade. Sacudiu a cabeça em silêncio, achando que ele teria algum método secreto, próprio de um pai, para detectar mentiras se sua voz tremesse.
— Guillermo me disse que viu Roger de Courtenay e os meninos Drake. Eles não tiveram nada com o fato de te faltar um dente e ter caído da árvore?
Para se animar, Tanon tentou conservar em mente os grandes olhos pardos e o corpinho rechonchudo de Petúnia. Nunca deixaria em perigo alguém que amava; mesmo que esse alguém fosse um animal, não uma pessoa. Entretanto, não podia olhar ao seu pai enquanto falava.
— Não, papai. Não tiveram nada a ver com isso.
Brand olhou para Guillermo, instalado comodamente em uma grande poltrona junto à lareira. Sabia que sua filhinha era bastante desastrada para ter caído da árvore, mas,
ao vê-la se remexer em sua cadeira, percebeu que estava escondendo algo. A quem estava protegendo? Como resposta, Guillermo encolheu os ombros em sua colossal amplitude.
— Você é a mais velha, filha. Deve lembrar que tem que dar sempre o exemplo aos seus irmãos e dizer somente a verdade. Eu gostaria de saber se alguém está te incomodando. O rei Guillermo convidou-a para ir a sua casa neste verão para que se distraísse e tivesse oportunidade de fazer novos amigos.
— Já tenho uma amiga, papai — assegurou sorridente, revelando o buraco do dente que faltava. — Minha amiga é Petúnia.
— Petúnia é uma porca — recordou seu pai com doçura. Guillermo não pôde deixar de sorrir.
A menina preferiu ignorar a pobre opinião de seu pai sobre sua melhor amiga. Ela amava Petúnia e estava certa que o animal a amava da mesma maneira.
— Sua mãe está muito aflita com sua queda — acrescentou, fazendo-a sentir-se culpada de novo. — Podia ter quebrado o pescoço e foi muita sorte ter perdido somente um dente. Agora, me diga o que realmente aconteceu.
Tanon viu como seu pai cruzou os braços, disposto a aguardar uma resposta de sua parte. Remexeu-se na cadeira e olhou para Guillermo, que lhe deu uma piscada.
— Papai?
— Sim.
— Alguma vez teve um melhor amigo?
— Guillermo é meu melhor amigo.
A menina brindou o rei com seu melhor sorriso, porque se alegrava de que seu pai o amasse quase tanto quanto ela.
— Não faria todo o possível para evitar que pessoas más o machucassem?
Seu pai assentiu com a cabeça e aproximou-se da cadeira dela, ficando de joelhos.
— Essas pessoas más falaram que vão fazer mal à Petúnia?
— Não. — respondeu Tanon. Era incrível que seu pai fosse tão perspicaz! Como podia saber que ela estava falando de Petúnia? O lamentável era que agora sua doce e amada Petúnia acabaria na mesa do jantar de Roger de Courtenay. Enormes lágrimas se acumularam em seus olhos e seu lábio inferior começou a tremer. Olhou para Guillermo, porque precisava ver um rosto agradável para conter o pranto; do contrário, seu pai perderia as estribeiras e daria uma surra em Roger de Courtenay.
— Seu pai faria qualquer coisa para me manter salvo de qualquer perigo, pequena — Disse Guillermo, levantando-se. Foi tudo o que fez; mas assim pôs fim às perguntas. — De fato, considero digno e nobre recorrer a uma mentirinha para proteger alguém, ou algo, que gosto — inclinou-se e beijou a cabeça de Tanon. — Sim, realmente, é muito nobre. Não acha Brand?
— Claro que sim — Tanon suspirou aliviada ao ver o sorriso de seu pai. — Procure sua mãe para pentear seu cabelo. E lembre-se, filha: nada de subir em árvores!
Ela assentiu, e saiu correndo.
— Mentiu para proteger uma porca. — observou Brand; servindo dois copos de cerveja, entregou uma para Guillermo, antes de sentar-se.
— Sim. É estranho encontrar semelhante valentia e devoção em alguém tão jovem, Brand. Brynna fez um bom trabalho.
— É um homem casado, Guillermo. Quando deixará de sofrer por minha mulher?
— Nunca. — replicou o rei. Acabou sua bebida e soltou um suspiro de resignação.
— Trata-se de Galês? — perguntou Brand. Conhecia a preocupação que fazia com que seu velho amigo perambulasse de um lado para outro do salão.
— Sim. Os Galeses são arruaceiros. Droga, são selvagens verdadeiros!
— Assim ouvi dizer.
— Entendo por que o rei de Mércia, Offa, insistiu em mantê-los fora da Inglaterra, há séculos atrás. Os príncipes Galeses lutam uns contra os outros com a mesma ferocidade com que brigam contra nós. Por sorte, todas essas lutas internas os enfraqueceram. Meus lordes os rechaçaram com êxito na fronteira, mas a resistência contra nossa ocupação continua. As principais baixas são em Herefordshire.
— Sei. Hugh perdeu toda sua guarnição no ano passado.
— Sim — Guillermo observou as chamas que queimavam na lareira. — Brand, recentemente conheci um príncipe galês, descendente do rei Rhodri e filho de Tewdwr Mawr, que reinou há muitos anos em Deheubarth, ao sul. Muitos rivais ignoraram os direitos do príncipe galês sobre essas terras, mas sei que algum dia controlará todo o sul de Galês. Nunca vi alguém capaz de lutar como ele. Move-se com a velocidade do vento.
— Está pensando em ajudá-lo a obter essas terras, Guillermo?
O rei encolheu os ombros.
— Possivelmente. É um homem inteligente. Penso que se conseguisse consolidar-se no trono de Deheubarth, poderíamos garantir a paz entre nossos povos. Os caminhos da região central estão virtualmente assegurados. Pode-se dizer que nossos homens já triunfaram ali.
Brand assentiu, enquanto escutava. Sabia que Guillermo tinha mais algo para dizer.
— Convidei-o para vir a Winchester para conhecer você. Chegará acompanhado por seus sobrinhos, dentro de uns dois dias.
— Para me conhecer? Por quê?
A preocupação que percebeu no olhar do rei apagou o sorriso de Brand.
— Por que, Guillermo? — repetiu, com seriedade.
— Meu amigo, prometi Tanon para seu sobrinho Cedric.
Brand levantou-se com um salto, primeiro incrédulo e, depois, com indignação.
— Sacrificaria minha filha para obter a fidelidade de alguns selvagens?
Guillermo afastou o olhar. Não era o momento de pensar o que Tanon e seus pais representavam para ele. Era o momento de pensar como rei e tomar decisões favoráveis ao interesse da Inglaterra.
— Não. Obteria a lealdade de uma família para pôr fim a uma resistência que pode durar cem anos ou mais, com perda de vidas que nem você nem eu estamos em condições de estimar. Os lordes da fronteira governam os territórios que defendem por meu decreto. O que acontece ali está quase totalmente fora do meu controle; preciso obter a paz.
— Colocando minha filha como garantia?
— É minha afilhada — recordou em tom sombrio. — Perdoe-me — o rei apoiou sua mão no ombro de Brand, ao passar por ele. — Estou rodeado de inimigos.
Tanon estava curiosa sobre o que sua ama Rebecca contava, sobre a chegada do "selvagem galês" a Winchester. Não tinha ideia de quem poderia ser, mas compreendeu que era alguém muito importante, quando ouviu seu pai dizer a sua mãe que Guillermo tinha prometido lhe dar algo extremamente "valioso". Deveria ser algo muito especial, na verdade, pois lady Brynnafar Risande havia chorado durante horas.
Tanon queria parecer radiante no dia em que chegasse o selvagem galês. Até permitiu que Rebecca e Alysia penteassem seus cabelos cacheados, sem a menor queixa. Que exemplo daria se como amiga do rei, se apresentasse diante de seus convidados suja como se tivesse saído da lama? Claro, para Tanon não parecia ter nada de errado em brincar na lama, embora depois tivesse que banhar-se. Era divertido brincar na lama com Petúnia.
Também gostaria que seu pai permitisse montar os cavalos, especialmente a égua branca de seu tio Dante. Ayla era tão bonita, com suas crinas brancas e seu olhar furioso; todos a temiam, exceto ela, que tinha esperança de montá-la um dia.
— Está encantadora está manhã. — saudou o rei, quando entrou no salão, junto com seus pais, detendo-se em frente ao trono.
— Obrigado, Guillermo — dedicou-lhe um sorriso desdentado e aproximou-se, sussurrando. — Poderia dizer o mesmo para mamãe? Passou a manhã chorando. Penso que deve ser por estar engordando mais que Clara, a vaca. Espero que desta vez, por fim, tenha uma menina; estou farta de tantos irmãos varões.
Tanon ouviu a risada sufocada de um homem junto ao rei, notou a presença de um grupo de jovens que a estavam observando. Deviam ser os convidados de Guillermo; embora não tivesse imaginado que fossem tantos. Deus, permitisse que sua mãe nunca tivesse tantos meninos!
Eram tão estranhos! Onde já se viu homens com tranças? Suas túnicas eram presas por cordas, em vez de cintos, e até o menor deles usava uma adaga na cintura. Chamou a atenção seu aspecto selvagem. Ela sorriu para demonstrar suas boas maneiras. Um dos rapazes mais altos a olhou mal-humorado, e ela decidiu que desse não gostava: tinha olhos malvados, como Roger. O menor tinha bonitos olhos azuis.
Tanon fez uma reverência ao menor dos hóspedes:
— Bem-vindo.
— Cyfarchion. — respondeu o menino.
A menina não pôde reprimir a risada, nem deixar de enrugar o nariz:
— O que quis dizer?
— Falou em cymraeg, em galês — explicou o homem de mais idade, com uma risada. Seu sorriso era agradável, como o do menino. — Significa "saudações". Meus sobrinhos não conhecem todas as palavras de sua língua.
Tanon esperava que, quando falassem, suas vozes soassem musicais como a daquele homem.
— Lady Risande. — anunciou formalmente o rei. Tanon endireitou-se, sabia que se a apresentassem com seu título, esperava que suas maneiras estivessem à altura das circunstâncias.
— Este é o príncipe Rhys ap Tewdwr e seus sobrinhos.
Mencionou oito nomes, mas Tanon só guardou dois. Cedric, era o que tinha a expressão malvada, e Gareth, o mais jovem.
— Todos eles são príncipes? — perguntou Tanon, contemplando os irmãos com curiosidade.
— Não tenho filhos próprios. Quando for o rei de Deheubarth — o príncipe Rhys se inclinou para ela com uma piscada e ela riu ao escutar a pronúncia desta última palavra. — Farei com que todos os meus sobrinhos se tornem príncipes.
O pequeno Gareth se atreveu a esticar o dedo para tocar a covinha que se formava nas bochechas de Tanon quando ria. Cedric disse algo em voz baixa. Ela não entendeu suas palavras, mas compreendeu que era uma grosseria pela forma como apertou o maxilar e o olhar de desgosto que lançou a Gareth, sobre seu ombro.
Resolveu deixar de sorrir para Cedric, por sua conduta impertinente, e mostrou-se mais amigável com Gareth. Esperava que ele voltasse a falar, porque as palavras desconhecidas de sua língua faziam com que tivesse vontade de rir, como se alguém estivesse fazendo cócegas.
Dois dias depois das apresentações, Tanon não tinha certeza se queria ser amiga de Gareth. Dava a impressão de ser tão mal educado quanto seu irmão. E quando tentava conversar com ele, tratava-a como se não existisse. Guillermo pedia que se mostrasse mais atenciosa com Cedric, mas ele se negava a empregar as palavras inglesas que conhecia, e ela não compreendia o que estava dizendo. Além disso, Guillermo havia
dito que Cedric tinha dezessete anos; era improvável que quisesse brincar com ela, assim Tanon não se preocupou em ser amável com ele.
— Você é muito calado, não é? — perguntou para Gareth certo dia, quando o alcançou a caminho dos estábulos.
Ele nem sequer a olhou e apressou o passo. Tanon apertou os punhos.
— Acredito que é mudo e muito distraído.
Nesse momento percebeu a suavidade dos cabelos do menino, que os usava trançados. Dois cachos de cabelos soltos caíam sobre os ombros. Ele deu a volta para olhá-la; mas nada disse. Pela expressão de seu rosto parecia ter mais de dez anos. Estava pensativo, com seus olhos azuis fixos nela.
— Meus irmãos falam... — Começou a dizer; mas parou, sacudindo a cabeça. — Meus irmãos dizem que você é “gelyn”: minha inimiga.
A menina tentou aparentar serenidade, não podia acreditar naquelas palavras.
— Sua inimiga? Mas por quê? O que fiz?
Parecia que o menino ia dizer mais algo, mas virou-se e partiu.
Os dias seguintes transcorreram da mesma maneira. Embora Tanon não fizesse nenhuma tentativa de voltar a falar com Gareth, começou a segui-lo por toda parte. Via-o montar pelos territórios de Guillermo, em companhia de seu tio e seus irmãos que se divertiam golpeando-o, ou pelo menos tentando lhe dar uns bons golpes, dos quais geralmente escapava. Até montado sobre um corcel tão grande como o de seu pai, Gareth evitava que o acertassem, inclinava-se para frente ou se arqueava para trás no cavalo. No salão principal, Tanon o espiava enquanto ele comia. Achou graça ao vê-lo colocar um dedo no bolo que tinha sido preparado pelo cozinheiro Charlie, para certificar-se de seu conteúdo antes de colocá-lo na boca.
Por fim, Gareth dirigiu-lhe a palavra ao final da primeira semana de sua estádia em Winchester. Era uma bela tarde de verão em que estava desfrutando da companhia de
Petúnia. Pôs-se a correr, no campo coberto de margaridas atrás do celeiro, e cantava uma canção que tinha escutado dos homens no salão, depois de terem quase tomado todo o vinho de Guillermo. A letra não era apropriada para ser repetida por uma garotinha; mas ela não sabia o que significava e não se importava, já que estava concentrada em colher flores.
Não escutou que Roger e os Drake estavam por perto, espiando até que, de repente, suas vozes ásperas acabaram com a paz de seu sonho.
— Tanon, magricela... Oinc, oinc, oinc! — foi à primeira coisa que escutou, seguida de fortes gargalhadas.
Logo foi outra voz:
— Talvez dorme com os porcos. Com certeza grunhe como se fosse um deles.
Os três rapazes a rodearam e Roger começou a perseguir Petúnia. Tanon gritou que parasse, mas ele só grunhiu e voltou a rir. Por sorte, Petúnia era muito veloz para que ele pudesse caçá-la, embora quase tenha conseguido chutá-la. A menina gritou e levantou o punho na frente do rosto de Roger.
— Deixa-a em paz agora, Roger de Courtenay, ou eu...
— Vai fazer o que? — desafiou-a, com os olhos cheios de raiva, enquanto parava de perseguir Petúnia e se aproximava dela. — Vejamos o que pode fazer.
Ergueu a mão para castigá-la e Tanon fechou os olhos com força, preparando-se para receber o golpe. Os meninos Drake tiveram a precaução de vigiar para que o incidente não fosse observado, mas foi.
Tanon abriu os olhos para ver como Gareth se atirava sobre Roger, fazendo-o girar para enfrentá-lo, e o empurrou com tal força que Roger caiu, batendo fortemente seu traseiro.
— Gwna mo chyffwrdd"i! — gritou o galês, com uma expressão feroz em seu rosto.
— O que?! — Roger estava tremendo, já não ria.
— Bod cerddedig — rugiu seu defensor audaz, indicando aos outros que era melhor que fugissem.
Tanon sentiu vontade de bater palmas, mesmo antes que seus atacantes tivessem tempo para sair correndo. Deu um salto adiante, tropeçando em sua saia, mas imediatamente endireitou-se.
— Conseguiu! Fez com que Roger de Courtenay fugisse!
Nunca havia se sentido tão feliz em toda sua vida. Teria se jogado diretamente nos braços de Gareth, se este já não estivesse se afastando.
— Espere, por favor — rogou, quase incapaz de se controlar. — Salvou, Petúnia.
Não sabia se tinha entendido suas palavras, apenas sorriu. Ele ficou olhando-a em silêncio e, em seguida, fez o que ela esperou todo esse tempo: devolveu-lhe o sorriso.
Quase não se separaram depois daquele sucesso. Em poucos dias, enviaram Roger, a Normandia. Sem um líder e atemorizados por seu valente defensor, os outros meninos deixaram de incomodá-la. Passou o resto do verão brincando com Gareth.
Por desgraça, quando pareceu que Gareth era ainda mais digno de seu afeto que Petúnia, o verão chegou ao fim e ela teve que retornar para casa.
Capítulo 1
Doze anos depois...
Ele chegou ao castelo de Winchester no começo de uma tempestade. Tanon devia saber que com sua chegada ocorreria uma mudança importante na vida de certa pessoa. Ao entrar no corredor, acompanhado por seus seguidores, uma ventania revolveu sua cabeleira dourada. Vestido com uma túnica sem mangas de couro, bordada em azul, tinha o aspecto de um feroz guerreiro celta. Usava braceletes e um colar de ouro. Seus olhos de safira resplandeciam uma ferocidade primitiva.
Viu a figura de Tanon, descendo as escadas, com um olhar dominante que lembrava a doçura de uma suave carícia, enquanto seus lábios se curvavam em um sensual sorriso.
Tanon tropeçou nos dois últimos degraus e ele, imediatamente, segurou-a pela cintura com suas grandes e poderosas mãos. — Não tenha medo, milady. Está segura.
Sua voz era profunda e densa como o veludo. Detectou o breve desconcerto de Tanon, enquanto se esforçava por sustentar seu olhar, até que o coração dela começou a pulsar mais fortemente.
— Foi muito amável. — murmurou, alisando uma ruga inexistente em seu vestido, antes de afastar-se.
Deteve-se diante da entrada do grande salão do castelo de Winchester, e decidiu deixar de pensar no estranho. Não era educado que uma dama andasse atrás dos homens como se fosse uma gatinha manhosa, sobretudo se esses homens fossem pagãos. Respirou fundo e ensaiou um sorriso antes de entrar no salão.
O castelo do rei Guillermo era tão familiar como seu próprio lar, em Avarloch. Mas o lugar importante que ocupava na mesa do rei obrigava-a a respeitar o protocolo. Distribuía sorrisos aos aldeiões que pareciam estátuas de madeira e se mostrava cortês com as damas e os cavalheiros, mesmo que não se simpatizasse com eles. Tinha o
cuidado de não envergonhar sua família ou decepcionar Guillermo, respeitando os costumes; afinal, já não era uma garotinha.
Olhou ao redor, admirando as tapeçarias que adornavam as paredes à luz da lareira. As risadas enchiam o ambiente, e os cavalheiros erguiam suas taças, desejando saúde e prosperidade uns aos outros. As damas riam de maneira sugestiva, ou lançavam advertências às crianças que corriam entre as mesas, como moscas em um banquete. Um trovador cantava uma canção triste de amor não correspondido, sentado junto ao fogo, enquanto calculava o valor das moedas que foram tilintando à medida que enchia o chapéu aos seus pés.
Tanon tirou dos olhos um fio solitário de seu cabelo, antes de endireitar-se. Devia reunir forças para enfrentar está noite. Entre os convidados que chegaram à Winchester para participar do torneio de verão estava lorde Roger de Courtenay, conde de Blackburn, com quem estava comprometida.
Não tinha sido sua decisão, é claro. Era filha de um nobre, e se isso não garantia um matrimônio com outro nobre, o fato de ser a protegida do rei da Inglaterra o faria.
Roger já não era o demônio que a incomodava quando tinha seis anos. Dizia-se que o tempo em que esteve sob a tutela de Robert, filho do rei, tinha sido um castigo por tê-la maltratado, mas como se Tanon nunca tinha contado o acontecido à Guillermo, duvidava que esse fosse o motivo.
Estava muito diferente, ou pelo menos este era o comentário na corte. O tempo passado na Normandia tinha permitido exercitar suas habilidades, e tinha ganhado o respeito de outros nobres. E, mesmo assim Tanon não gostava dele. Estava disposta a casar com ele, se exigissem, sentia-se incomoda em ter que suportar horas de fastidiosos cuidados nas mãos de duas donzelas, para arrumar o penteado, ajeitar seus cachos rebeldes e provar trajes mais finos, para estar apresentável diante de um homem que preferia dedicar-se às damas mais voluptuosas que houvesse na corte. Não à preocupava que Roger não prestasse atenção nela; e, em troca odiava suportar os tediosos preparativos inutilmente.
Na verdade, considerava-se mais afortunada que a grande maioria das filhas de nobres, obrigadas a casar com homens que tinham o triplo de suas idades, ou o que seria pior: com Cedric, o príncipe de Galês. Dissimulou seu alívio, quando seu pai informou que seu compromisso com Cedric estava cancelado. Decidiram expulsá-lo, após o atentado contra à vida de seu tio. Lembrava seus ameaçadores olhos, que em sua infância não tinha conseguido decifrar. Na época não sabia do ressentimento que os gauleses alimentavam contra os normandos, que impediam o acesso à Inglaterra.
Não voltou há rever Gareth, seu defensor, desde aquele verão em Winchester, mas se lembrava dele durante os invernos e a cada nova primavera. Como ele nunca apareceu, deixou de lado seus devaneios infantis. No ano anterior, quando escutou que Gareth tinha morrido no norte de Galês, limitou-se a fazer uma prece pelo destino de sua alma.
Tanon avistou no final do salão, sua mãe conversando com seu tio, Dante. À pouca distância, lorde Brand, aproximava dois dedos da boca e depois os erguia, fazendo gestos à sua mulher. Aproximou-se, imediatamente, como se não suportasse ficar longe dela por uns instantes. Rodeou-a com um braço, depois de trocar algumas palavras com seu irmão, em um gesto protetor.
A jovem viu seus pais e sentiu seu coração pesar, diante do amor que declaravam e que demonstravam com cada olhar, contato ou sorriso. Sua mãe nunca precisou suportar horas de preparativos, penteando-se e vestindo-se para que seu pai ficasse deslumbrado com sua beleza. Isso era o que sonhava, quando chegasse o momento de casar: amor, amizade, paixão e ternura. Mas abandonou essa ilusão quando soube de seu compromisso com Roger, e conformou-se em suportar um casamento, sem amor.
Observou o lugar que ocupava o rei Guillermo e sorriu. Sentia por ele, quase o mesmo amor que por seu próprio pai. Sabia que Guillermo tinha levado em conta seus melhores interesses quando fez o acerto para que se casasse com Roger. A família de lorde Blackburn tinha grandes riquezas, e terras na Inglaterra e na Normandia. O rei queria assegurar seu bem-estar e sua segurança e não podia culpá-lo por isso.
Pobre Guillermo. Parecia esgotado; mas era de se esperar, em vista das constantes ameaças de invasão por parte dos dinamarqueses e às aventuras dos galeses na fronteira. Tinha recebido informações sobre à situação política Galesa, já que imaginava que viver lá.
Depois de anos de ataques por parte dos Galeses na fronteira que os separava da Inglaterra, Guillermo tinha nomeado alguns de seus vassalos nobres para que vigiassem os passos dos selvagens, nas terras da fronteira, dando plenos poderes para subjugassem os selvagens da melhor maneira possível. Alguns destes nobres tinham deslocado à fronteira para o interior de Galês, e ocuparam grande parte do oeste e sul, provocando indignação na população. Surgiram numerosos rebeldes Galeses, entre os quais se destacava um em particular chamado Wyfyrn, que tinha causado grandes perdas aos lordes que seguiam seus passos. Wyfyrn tinha massacrado quatro dos principais normandos nobres e à totalidade de suas guarnições.
Tanon sentia calafrios ao pensar nestes sanguinários bárbaros, e agradeceu aos santos que seu rei tivesse preservado à paz na Inglaterra. O bem amado Guillermo se reconciliou com Hereward. Precisava de amigos que ficassem do seu lado. Passava muito tempo na Normandia, onde não contava com a presença de Brand, que se ocupava de vários assuntos ou da administração de suas próprias terras, na Inglaterra.
Tanon percebeu que seu prometido ria às gargalhadas com lady Eleanor Fitzdrummond, uma beldade cujo busto gigantesco se igualava com sua imensa arrogância. Não se simpatizava com ela, e tampouco gostava dos homens que se sentiam atraídos por ela.
— Algum amigo? — Escutou dizer atrás dela.
Tanon suspirou, sem fixar-se em quem estava falando:
— Meu prometido.
— Idiota.
Voltou-se, indignada pelo insulto.
— O que disse?
Um sorriso intrigante, insinuou-se na boca de seu interlocutor:
— Referia-me à ele, não você.
— Oh — Seus pensamentos voaram e deixaram Roger no esquecimento.
Céus, era o homem pelo qual havia se deslumbrado nas escadas. Por azar, o efeito que tinha sobre ela ainda era o mesmo. Conteve o fôlego ao olhar aqueles olhos cativantes. Seu leve sorriso era tão cálido que se sentiu obrigada em retribuir.
Não usava barba, apenas uma penugem dourada que adornava seu lábio inferior. Uma sombra escura sobre a mandíbula sugeria um quê de arrogância. Sua longa cabeleira caía sobre os ombros, refletindo os tons do sol: seus cachos testemunhavam seu caráter decidido e sua virilidade. Parecia estar vendo alguém que pertencia a outro mundo. Alguém que tinha o atrativo selvagem de um esplêndido cavalo indomável. Supôs que seria escocês e tratou de dissimular a emoção que lhe causava. Possivelmente tinha chegado com algum dos diversos clãs que estariam sendo representados no torneio. Não tinha falado o suficiente para que pudesse identificar seu sotaque, mas não precisava escutá-lo para saber que era estrangeiro.
— Veio participar da competição?
Sabia que devia despedir-se e ir para junto de seu pai, mas sentiu curiosidade ao detectar a perspicácia em seu olhar.
— Sim — Respondeu, lançando um olhar em direção à Roger, antes de voltar a olhá-la. — Ou, pelo menos, acredito. Não estava ciente de seu compromisso, lady Risande.
— Ninguém parece estar — replicou Tanon, com um breve olhar em direção ao seu prometido. — Meu compromisso com lorde de Courtenay foi acertado há alguns meses e será anunciado oficialmente está noite.
— Lorde de Courtenay foi o que disse? — agora o estranho olhava para Guillermo e seu rosto tornou-se sombrio.
— Algo errado?
— Não, mas sente algo por ele?
Tanon teria sorrido se tivesse tido um pingo de alegria dentro de si. Em troca, sacudiu a cabeça.
— Não. — disse sinceramente.
O estranho pareceu aliviado ao escutar e a expressão de seu rosto se suavizou. A jovem o olhou de soslaio, parecia que o conhecia de algum lugar, mas não se recordava de onde.
— Leva vantagem, milorde. Sabe quem sou!
— Sim. — seu modo de olhá-la também parecia conhecido; mas quando colocou seu dedo suavemente em sua bochecha, Tanon afastou-se, e sentiu que seu coração começava a palpitar loucamente. Não. Era impossível que fosse dele. Foi atingida por uma súbita tristeza: Gareth estava morto.
— Um amigo em comum deu-me uma descrição detalhada de você, há alguns anos. Assegurou-me que seus olhos verdes eram mais belos que as colinas de Cymru — Enquanto falava, levou a mão de Tanon até sua boca, acrescentando. — E, disse que seu nariz enruga quando sorri.
Girou a pequena mão com suavidade e a fez sentir a pressão de seus lábios sobre o pulso, enquanto a acariciava com seu olhar.
— Permita-me escoltá-la até onde está seu pai. — ofereceu, e tomou seu braço levemente.
Como se faltasse o ar, Tanon demorou um instante para recuperar-se e acalmar o ritmo de seu coração. Tinha aprendido a controlar suas emoções, em especial na corte. Mas notou que se ruborizava e que tinha a boca seca. Seu prometido estava sentado à poucos metros e talvez não fosse bem visto que outro homem a escoltasse pelo braço. Fez um gesto para retirá-lo.
— Agradeço seu gentil oferecimento, milorde, mas...
— Venha — Ofereceu, serenando-a com seu olhar de cumplicidade e a calidez de sua mão, que envolvia a dela. — A mesa de seu pai está a pouca distância. Permita-me conversar um pouco com você.
Embora seu aspecto fosse temível, Tanon não podia negar que suas maneiras eram muito refinadas. Atendeu seu pedido, com o primeiro sorriso autêntico que tinha esboçado desde sua chegada à Winchester.
— Vai dizer seu nome? — Voltou a perguntar. — Ou devo chamá-lo de "estranho" durante o resto da noite?
— Se prometer passar o resto da noite comigo, sim, direi meu nome.
Adorou sua audácia e a segurança que demonstrava em seu caminhar. Ele não tinha pressa de pôr fim a esse encontro; ela, apesar de sua educação, tampouco.
— Temo que não possa negociar, milorde.
— É uma pena. — quando enrugou o cenho, seu rosto pareceu até mais atraente. — Deveria ceder diante de você.
Olhou atrás dele e fez um gesto a um membro da pequena comitiva que o acompanhava. O homem, de aspecto excepcionalmente rude, apoiou um mastro e fez com que se desdobrasse uma bandeira. Brand e Dante ficaram de pé com um salto.
— O que isto significa? — rugiu Guillermo, por sobre o ruído dos bancos que se deslocavam sobre o piso, à medida que os homens e Roger, ficavam de pé, prontos para a luta.
Tanon viu o estandarte e reconheceu a insígnia do dragão cor rubi. Galês! Ao dar com o olhar aterrador do estranho, deu um passo para trás; Por Deus! O que estavam fazendo os Galeses em Winchester? Viu quando lhe aprisionavam pela mão. Seu pai a afastou e se colocou diante dela.
De seu lugar privilegiado, as costas de seu pai, Tanon via as adagas que o galês usava escondidas em suas botas e no grosso cinto que rodeava sua estreita cintura. Sua postura era ereta e rígida como uma flecha, as pernas musculosas estavam envoltas em calças de couro marrom, cujo modelo apertado revelava a masculinidade do estrangeiro. Seu corpo revelava a tensão de uma grande energia contida. A ferocidade de seu aspecto fazia jus à fama de seus compatriotas.
O homem que levava a bandeira se adiantou, pigarreando antecipadamente:
— Sua Alteza, lorde Gareth de Deheubarth, príncipe regente de Ystrad Fowi.
Tanon achou que o mundo havia desabado. Gareth? Não, não podia tratar-se do garotinho que a tinha resgatado corajosamente das maldades de Roger, há tanto tempo. Não tinha morrido lutando no norte de Galês? Agarrou-se à mão de seu pai para tranquilizar-se.
— Sua Majestade — disse o príncipe dirigindo-se ao rei. — Perdoe meu tio, por não avisar da minha presença.
— Gareth? — arriscou o rei, como se não acreditasse no que estava vendo. — Haviam me dito que tinha morrido em combate há mais de um ano. Não vou negar que esteja surpreso.
— Na verdade, meu tio também ficou surpreso quando me viu novamente — acrescentou com voz calma, apesar de estar rodeado por centenas de homens dispostos a matá-lo quando fizesse o mínimo gesto para aproximar-se do rei. — Um dos meus homens traiu-me e estive preso nos territórios do príncipe Dafydd, no norte, durante um ano. Devo minha vida à sua filha.
Tanon olhava para ele, incrédula. Podia ser aquele o mesmo garoto bochechudo que chegou a ser seu melhor amigo naquele verão? Sim, era ele. Com o passar dos anos, seus cabelos sedosos escureceram um pouco, e seu rosto já não era suave, mas sim vigoroso e esculpido com perfeição. Ao mesmo tempo, seus olhos cheios de vida continuavam azuis, como ela recordava. Por que não disse quem era desde o
princípio? Em seguida observou seus acompanhantes, aquele pequeno grupo de homens que tinham entrado no castelo com ele e que agora estavam parados junto à entrada do salão. Todos estavam armados e cada um era mais aterrorrizador que o outro.
— Como conseguiu atravessar a fronteira com seus homens?
— Com um primoroso planejamento, milorde — Ao ver que Guillermo erguia uma sobrancelha, em sinal de interrogação, Gareth acrescentou o que o rei queria escutar. — Sem derramamento de sangue, de nenhuma das partes.
O rei sentia-se enfadado, pois sabia que não existia um galês com vida que não estivesse sedento por sangue normando. Tinha estabelecido alianças com Rhys ap Tewdwr antes que aquele príncipe tivesse sido coroado rei de Deheubarth, mas à aliança para assegurar a paz nunca foi devidamente formalizada.
— Seu tio deveria ter enviado uma mensagem anunciando que estava à caminho. Poderia ter oferecido um salvo-conduto para transitar pela Inglaterra. De qualquer maneira, alegra-me que esteja com vida, Gareth.
Guillermo dirigiu-lhe um leve sorriso, antes que seus olhos cinzentos caíssem sobre as figuras de Tanon e seu pai.
— Brand, lembra-se do sobrinho do rei Rhys?
Gareth dirigiu um ligeiro gesto de reconhecimento ao senhor de Avarloch, enquanto observava com atenção como este se apoderava da mão de sua filha.
— Milorde, alegra-me encontrá-lo bem de saúde. Passaram-se muitos anos desde a última vez que nos vimos.
— Sim. — A mão de Brand apertou ainda mais a de sua filha.
— Sua família cresceu. — Gareth sorriu diante dos cinco pequenos rostos que o contemplavam, boquiabertos, da mesa do nobre cavalheiro. Voltando-se para Tanon,
acrescentou: — Mas você não mudou. Está tão formosa quanto recordava, embora parecesse encantador que lhe faltasse um dente.
O fulgor de seu sorriso fez com que a jovem recordasse daquele menino, e seu coração começou a palpitar com força. Tinha sonhado com ele durante todo o inverno de seu sexto ano de vida. Em seus sonhos tinham compartilhado as mesmas brincadeiras daquele verão, quando narrava histórias de jovens damas e cavalheiros que as resgatavam de malvados dragões chamados Roger. Agora, seu prometido estava agitado pelo excesso de bebida, com os olhos fixos no galês.
— Diga-me, Gareth — A voz possante de Guillermo trouxe-a de novo à realidade. — O que o traz a Winchester? Seu tio está bem? E sua família?
— Na verdade, estão todos bem. Seu filho, Gruffyd, fez três anos na primavera passada. A paternidade convenceu meu tio sobre a importância de que haja paz em Cymru.
— Ah, boas notícias; muito boas notícias! — Guillermo ergueu sua taça para brindar pela paz a qual Gareth se referia.
— Alegro-me que Sua Majestade compartilhe do desejo de que haja paz.
— É obvio. Perdemos muitos homens, dos dois lados.
— Meu povo prefere não ser subjugado pelo seu. — Acrescentou o jovem, em tom apaziguador. Mas Roger se adiantou e Guillermo indicou, com gestos, que se sentasse.
— Não penso em conquistar Galês, Gareth.
— Entretanto, seus nobres ergueram castelos ao longo da fronteira.
— Para proteger a Inglaterra dos ataques dos Galeses. — interrompeu Guillermo, sem agressividade. Não tinha nada contra quem tivesse a coragem suficiente para falar frente à frente.
— Eles avançam dentro de Cymru, mês a mês, reclamando as terras que nos pertencem, sem que Sua Majestade os desautorize.
Por fim, o olhar de Guillermo endureceu.
— E o que faz seu tio para deter homens como Wyfyrn, que massacram vassalos ingleses ao longo da fronteira até o norte?
— O Dragão Serpente nos evita — explicou Gareth. — Mas por que meu tio deveria perseguir um homem que defende sua terra dos invasores que queimam nossas aldeias e submetem nossas mulheres?
O rei se inclinou como se estivesse a ponto de saltar em resposta às acusações.
— Está dizendo que as pessoas que Wyfyrn assassinou cometeram tais atrocidades?
— Sim, sua Majestade — respondeu Gareth, sem alterar-se.
Guillermo olhou para Brand:
— Não sabia.
— Com todo respeito — acrescentou o jovem com uma ligeira inclinação. — Você não sabia por que depois de ter concedido aos seus nobres liberdade para atuar segundo seus critérios, desinteressou-se por completo de nossa sorte.
— Está enganado, Gareth. Viajei para Galês faz menos de três anos para conversar com seu tio e encontrar a melhor maneira de implementar à paz duradoura entre nossos povos.
— Então, milorde, rogo que façamos isso, novamente, agora mesmo. É pela paz que vim por direito reclamar o que me pertence.
Não piscou, nem manifestou nenhum tipo de incerteza, quando Guillermo o fulminou com um olhar intimidador. De onde Brand estava sentado, ouviu-se um golpe de punho sobre a mesa:
— Está louco se pensa que... — Começou Brynna, a dizer.
— Milady — a voz de Gareth era calma e tranquilizadora, mas tão resoluta que Tanon estremeceu. — Não vim brigar, nem discutir — e dirigindo-se ao rei, acrescentou: — Vim simplesmente selar o compromisso de doze anos atrás, para perpetuar a paz entre nossos povos. Temo que a paz esteja escapando de nossas mãos. Já existe fome em algumas regiões; vim para que encontremos uma solução para estes problemas de uma vez por todas.
O rei estava impressionado, não só pela seriedade do jovem príncipe e de sua preocupação por salvar seu povo das penúrias da guerra, mas por sua coragem em atrever-se a dizer estás coisas frente ao rei da Inglaterra.
— Você estava com o rei Guillermo quando encontrou com meu tio. — Afirmou Gareth, dirigindo-se a Brand. — Estiveram de acordo que está seria a única maneira de acabar com os derramamentos de sangue. Peço que agora, não volte atrás.
Falava com tanta autoridade que Tanon duvidava que houvesse alguém que fosse capaz de não seguir suas ordens.
— Não o fará — Respondeu Guillermo, com total segurança, mas não sem pesar. — O rei Rhys e eu desejamos a paz. Se soubesse que estava vivo, teria selado o acordo antes.
Gareth inclinou-se:
— Viajarei para a fortaleza de meu tio em Llandeilo, dentro de algumas semanas. Farei chegar suas palavras ao rei, no Sul. Ele se ocupará de transmitir suas boas intenções ao povo.
— Faça isso — Guillermo se inclinou e seus olhos se entrecerraram, em sinal de ameaça. — Mas saiba que se chegar a sofrer algum dano, custará sua cabeça e ao diabo com a paz!
Gareth sorriu:
— Compreendo perfeitamente o que ela vale para você.
— Droga. Já está comprometida!
— Acabo de saber. — Olhou sobre seu ombro em direção a Roger, que estava furioso, e depois ensaiou um sorriso torto, ao encontrar-se com o olhar de Tanon. — Parece que cheguei à tempo.
Capítulo 2
Tanon estava sentada em uma poltrona esculpida, na sala particular do rei, em atitude de recolhimento. Escutava sua mãe, que chorava em silêncio, mas absteve-se em olhar para ela, temerosa de não poder controlar suas próprias lágrimas. Seu pai caminhava de um lado para outro atrás de sua cadeira. Quase podia escutar como trincavam seus dentes, pela angústia e frustração que ocasionaram as palavras do rei.
— Ma Petit, compreende que isto é necessário, não é?
— É claro. — Respondeu a jovem tranquilamente, mantendo os olhos abaixados, atrás das pestanas escuras.
— Não há juramento mais importante que o que se faça pela paz.
Tanon assentiu sem palavras. Negava-se a confessar o quanto a tinha atormentado seu compromisso com Cedric e mais tarde com Roger. Não havia lugar para o amor? Seu pai correu para junto de sua mãe, quando Brynna tentou sufocar um soluço. Tanon os observava. Tinha aceitado — duas vezes! — um casamento sem amor.
Tinha recorrido toda sua força espiritual para resignar-se em não viver nunca a experiência de ser amada por um homem, como seu pai amava sua mãe.
— Na realidade, nada mudou — recordou Guillermo. — Este acordo foi feito há muitos anos.
Tanon observou Gareth, recostado sobre o marco de uma janela, com os braços cruzados sobre o peito. Tinha sido seu amigo, tempos atrás. Interessou-se por seu bem-estar. E ela passou anos desejando que seu prometido fosse ele, e não seu irmão.
Mas o tempo, a morte e a destruição tinham separado seus povos. Não sabia que tipo de pessoa era agora, nem conhecia os territórios selvagens de onde vinha.
— Tínhamos pensado que, depois que Cedric fosse enviado para o exílio, Tanon não precisaria sair da Inglaterra. Galês é um lugar muito distante, Guillermo. — disse Brynna, secando as lágrimas.
A jovem apertou as pálpebras com força. Por Deus! Onde diabo ficava o tal Ystrad Towi? Sem dúvida em Deheubarth, ou no fim do mundo, dava no mesmo. Se deveria casar-se por algum motivo que não fosse amor, Roger teria sido a melhor opção. Seu castelo de Blackburn estava a uma pequena jornada de Avarloch.
— O que acontecerá com Roger? — perguntou a moça ao rei.
— O que há com ele? — interpôs-se Gareth. Tanon desviou o olhar para ele. E em seguida desejou não tê-lo feito. O menino que recordava já não existia. Em seu lugar, havia um homem de olhar firme, a quem devia prestar atenção. Respondeu desafiante:
— Lorde de Courtenay se sentirá ofendido se nosso compromisso for rompido a poucas semanas de ser formalizado. Talvez seja mais prudente esperar.
— Algo me diz que a esquecerá brevemente.
— Como se atreve a dizer algo assim! Ofende-me, milorde.
Não pareceu arrepender-se; de fato, olhou-a com crescente rigor.
— Perdoe-me — disse, em tom zombador. — Pensei que estaria aliviada em livrar-se dele.
— Em troca de ter que viver em Galês? — a moça bufou, para reafirmar seu desgosto.
Um calafrio de temor a percorreu ao vê-lo aproximar-se para encará-la, com a firmeza de um guerreiro.
— Como pode menosprezar uma terra que jamais viu?
— Não preciso ver para saber que se trata de um país assolado pela guerra. — replicou com voz serena e isenta de provocação. Não queria insultá-lo, mas não ia intimidar-se porque seus olhos lançavam labaredas de indignação. — Sei que é um território dividido entre diversos reis, um dos quais tinha um sobrinho que teve que ser exilado, porque não era confiável.
Brand aproximou-se dela com a intenção de interpor-se entre os jovens, mas o galês tinha algo mais para dizer.
— Tanon — acrescentou com ternura. — fala como se fosse minha inimiga.
— Gareth! — interpôs Guillermo, indicando que não desejava ouvir mais nada, mas o jovem já tinha retornado para a janela.
— Tem razão — interveio Tanon. — Farei o que me ordenar.
O que lhe ordenar. Diabos! Gareth não sabia com exatidão a resposta que esperava, mas certamente não era essa. Compreendia que sua inesperada aparição em Winchester surpreendeu e alarmou o rei e aos Risande. Até estava disposto a reconhecer que Tanon tinha direito em mostrar-se relutante a ideia de casar-se com ele. Mas a maneira com a qual acabava de expressar, era como se a estivessem obrigando a unir seu destino com o de um demônio saído de seus piores pesadelos, era algo que o feria profundamente. Tinha sido um tolo ao pensar que estaria alegre em voltar a vê-lo. Por que teria que estar? Porque tinham compartilhado um verão na infância? Sequer o tinha reconhecido. Possivelmente sequer o recordava. Mas ele sim a recordava perfeitamente. A garotinha que se manteve afastada dos outros, que o tinha enfeitiçado com sua inocência, direta e inquisitiva, sem preocupar-se com o que pensassem os outros. Pensava nela com frequência, imaginando se teria se convertido em uma beldade vivaz e independente. Em troca, ao voltar, encontrou-se com uma dama mimada, refinada e obediente. Só Deus sabe o que lhe terão ensinado a respeito de seu povo! Provavelmente estava assustada ante sua presença e, entretanto, tinha aceitado casar-se com ele, sem a menor queixa, ou protesto. E por que diabo perguntava por Courtenay se tinham estado comprometidos por tão pouco tempo e —
segundo suas palavras — não lhe interessava? Por Deus! Também tinha aceito esse destino sem queixar-se.
Em seus olhos mais verdes que as folhas na primavera, não ficavam quase nenhum vestígio desse abandono impulsivo que lhe tinha parecido irresistível. Mas seu rosto não tinha mudado, sua beleza ainda lhe tirava o fôlego. Recordava como o tinha contemplado fascinada quando beijou sua mão, como se fosse a primeira vez que um homem fizesse algo semelhante. Gareth desejava cobrir esses lábios corados com os seus, mas se absteve.
—E o que faremos agora com de Courtenay? — refletiu Guillermo, em voz alta, arrancando Gareth de sua fantasia sobre os lábios de Tanon. — Minha afilhada tem razão. Pode ofender-se e propor um duelo por sua mão.
—Então permita que duelem. — sugeriu Brand, olhando à Gareth com frieza. — Quero ter a oportunidade de comprovar que o vencedor possui as destrezas necessárias para proteger minha filha.
O príncipe aceitou o desafio com uma respeitosa inclinação.
—O torneio começa amanhã. Demonstrarei minhas habilidades frente à de Courtenay. Se ganhar, sua filha retornará ao Cymru comigo, como minha esposa, e lhe asseguro que velarei por sua segurança, do mesmo modo que protejo meu povo. Se perder, desejarei-lhe — ironizou, com um leve sorriso. — que seja feliz com seu marido carinhoso e lhe direi adeus.
Guillermo observou com cuidado ao príncipe galês. Tinha ouvido grandes feitios sobre sua destreza com a luta, mas de Courtenay também dirigia bem a espada. Finalmente, anunciou:
— Autorizarei-o. Agora, pode retirar-se. Dirija-se ao meu alojamento para hospedar a seus homens, enquanto permanecem aqui.
Tanon levantou-se e puxou o pulso de Gareth, depois fez uma reverência para retirar-se.
— Acreditava que era indispensável para garantir a paz em suas terras. Por que arriscaria pôr a vida de seu povo em perigo, se for derrotado no torneio e retornar sem mim?
Gareth perdeu-se nas profundidades desses olhos esverdeados, que faziam fraquejar seu ânimo. Oh, Deus; seu peito agonizava, como se tivesse recebido uma punhalada!
—Não arriscarei nada, milady — sussurrou. — Não perderei.
Tanon o viu partir. Nele tudo era sensualidade e virilidade. Estremecia-se só de pensar que deveria viver em Galês, mas também seu coração se acelerava ante a idéia. O sorriso audaz de Gareth a perturbava, sentia todo o tipo de emoções, por ter sido criada sob as regras restritas da corte, que nunca pode experimentar. Seus olhos a inquietavam tanto que faziam com que quisesse fugir para refugiar-se nos braços do indiferente Roger de Courtenay, reivindicando o destino que foi riscado. Entretanto, no mais profundo de seu coração sentia curiosidade por saber que seu heróico defensor de infância seria capaz de demonstrar que se converteu em um homem tão perigoso quanto parecia.
— Tanon — a voz do rei a trouxe novamente ao âmbito familiar. — Não pediria isto à você, se não fosse essencial para a vida de tantas pessoas.
A jovem assentiu. Desde menina, tinham aprendido a obedecer ao seu rei. Sempre tinha sido protegida com cuidado e delicadeza, queria agradá-lo, em particular tratando-se de uma causa tão primitiva. Dissimulou o turbilhão de emoções que se agitava em seu interior e respondeu ao tenro olhar de Guillermo dizendo:
—Não vou decepcioná-lo.
Uma hora depois, Brand retornou sozinho ao gabinete do rei e o encontrou tal como tinha deixado, sentado em sua cadeira frente à chaminé acessa. Lorde Risande saudou o acompanhante do rei com um gesto antes de cruzar a habitação, e servir-se com
uma taça. Embora tivessem acontecido quatorze anos atrás desde que Hereward havia encabeçado uma poderosa revolta contra os normandos no Peter-borough, à Brand seguia parecendo que o corpulento saxão o tivesse deixado de um lado da sua espada e o convertido não só no fiel servidor do rei, e sim em um de seus melhores amigos e emissários mais confiáveis.
—Temo que sua mulher nunca me perdoará. — disse Guillermo, com os olhos fixos na taça, que sustentava entre seus dedos grossos. Esvaziou seu conteúdo de um gole e arremessou a taça às chamas crepitantes.
—Sinto muito, amigo.
Lorde Risande fechou os olhos por um instante. O rei não devia lamentar o acordo necessário para assegurar a paz em suas terras. Brand tinha participação nesta decisão , supunha-se, que colocaria fim à luta entre normandos e Galeses. À pedido de Guillermo, tinha permitido que fosse sua filha mais velha, fosse viver entre os inimigos do reino, como símbolo de paz entre os povos. Brand fez chiar seus dentes, lamentando essa decisão pela milésima vez. Muitas filhas eram cedidas em troca de terras, ouro ou em símbolo da paz. Sua própria esposa tinha sido obrigada a casar-se com ele para pôr fim às hostilidades entre saxões e normandos. Mas agora se tratava de sua filha, a afilhada de Guillermo, e Brand alegrava-se de que o rei, seu melhor amigo, compartilhasse de sua angústia.
— Brynna compreende dos sacrifícios necessários para manter a paz. Tanon também chegará a entendê-lo. O que sabemos do príncipe Gareth? Recordo ao Cedric; mas, a verdade é que nunca reparei em seu irmão mais novo.
—Sabemos o bastante. Recorda que Hereward passou todo um inverno em companhia do rei Rhys e Gareth, faz uns anos.
— Diga-nos, então.
Hereward acomodou-se em seu assento, e comentou:
— O príncipe Gareth governa uma parte do setor norte de Ystrad Towi, como regente do filho do rei Rhys.
— Já sei — apontou Brand, com um suspiro de resignação. —Ocorreu à notícia de que o tinham matado em uma luta. Hereward, me fale dele, deste homem que será o marido de minha filha. É uma pessoa de bom caráter? Trata bem a sua gente?
—Isso observei durante minha estadia, parece moderado e compassivo. Quando rebelou se contra os normandos, fez o para proteger seu povo. Sua gente o respeita e reconhece que sua palavra tem força de lei. Ganhou estima ao rechaçar em três oportunidades um regimento do exército de lorde Fitzgerald, quando os normandos tentaram avançar para o oeste. Como líder, tem uma perspicácia e um encanto que lhe permitiram ganhar a lealdade de alguns dos súditos do rei Gruffydd, no Gwynedd; embora não hesitará em fatiar a cabeça de qualquer um, que tente prejudicar aos seus. Vi-o fazê-lo.
Um brilho apareceu nos olhos verdes de Hereward, e Brand recordou que esse saxão de voz pausada tinha empalado as cabeças de cinqüenta normandos no castelo de seu pai.
—Os vinte seguidores que o acompanham fazem parte de seu Teulu, ou sua guarda pessoal, um grupo de elite — prosseguiu. — Quatro deles são seus amigos mais fiéis, que juraram defendê-lo com suas vidas, embora não lhe faça falta esse tipo de amparo. É um guerreiro que confia plenamente em sua própria habilidade. Sua destreza com a espada é tanta que se diz que vem de nascimento.
Brand passou a mão no queixo, angustiado ante a necessidade de aceitar o inevitável: estava obrigado à que sua filha fosse cedida aos Galeses.
—Cuidará bem dela. — assegurou Hereward, como se adivinhasse o pensamento de Brand.
Agradavam-lhe os Risande. Tinha-os respeitado durante os anos que o perseguiam, atribuindo erroneamente a morte de sua irmã. Tampouco guardava ressentimos
contra o senhor de Avarloch, embora a mulher Hereward amava estava apaixonada por outro. Duvidava, inclusive, que Brand se precaveu do interesse de Rebecca, a ama de Tanon, pois só tinha olhos para sua mulher e família.
— O príncipe Gareth não é nenhum bárbaro. É inteligente e sempre trata dos assuntos diplomaticamente, antes de recorrer à força. O certo é que Tanon estará muito melhor com ele do que se estivesse com seu irmão.
— Isso é algo que não posso saber. Preferia acompanhá-la em sua viagem à Galês. Quero estar seguro de que será recebida como é devido em seu novo lar.
— Não será possível — interveio Guillermo, profundamente afetado pela atitude de combate de Brand. Devia evitar qualquer tipo de conflito. — Você é o comandante principal de minhas forças, meu amigo. Na Escócia, Galês e França, todos sabem quem é. Tão logo ponha um pé em Galês, vão supor que trata-se de um ato de guerra. Nem sua vida, ou nosso acordo de paz terão valor algum. Deve conceder à Gareth e seu tio o tempo necessário para convencer seu povo a respeito de nossa sinceridade. Logo então poderá visitá-la. Enquanto isso, seu marido se ocupará de sua segurança.
— O príncipe nem sequer a conhece! — rugiu Brand, com voz de trovão. — Até agora não têm feito nada mais do que me convencer que sua primeira preocupação é seu povo. Quem protegerá à Tanon, se o povo se revoltar contra ela?
— Eu protegerei-a.
Lorde Risande, virou-se para olhar fixamente para Hereward.
— Viajarei com ela e defenderei sua vida com minha espada e com a minha própria vida.
Em realidade, Brand não confiava mais nele do que em Gareth. Era o homem cujos seguidores tinham assassinado à sua irmã. Precisariam passar muitos anos até que Brand se convencesse de que Hereward não houvesse tomado parte no assunto. Mas isso não significava que confiasse nele o suficiente para deixá-lo velar pela segurança de sua filha.
O saxão ficou de pé e apoiou sua mão corpulenta sobre o ombro de Brand.
— Não permitirei que lhe aconteça nada de mal. Juro!
Brand apertou os dentes e saiu do gabinete sem dizer uma palavra.
Capítulo 3
Gareth seguiu para o alojamento passando por um extenso corredor em penumbras. Tinha demorado certo tempo para averiguar quem diabos era Hubert e como localizá-lo. Mas considerando que um terço daqueles bastardos normandos devia levar este nome, sentiu-se satisfeito face à demora. Incomodava lhe que só falasse em francês. Tentou manter à calma, enquanto dizia a quantidade de habitações que necessitava para seus homens, ao que Hubert respondia com diversas palavras ininteligíveis. Finalmente, precisou arrastar o homem até uma porta e lhe dar um murro enquanto gritava:
— Habitações para nós! Agora!
Logo então Hubert movimentou-se.
Inferno, estava cansado! Tinha viajado com seus homens à cavalo, durante uma quinzena, e dormiam no chão. Seu maior desejo era dormir em uma cama suave e macia. Possivelmente devido ao seu cansaço mostrou-se aturdido em frente à Lorde Brand Risande. Seja qual for à razão, agora compreendia por que seu tio havia advertido que procedesse com cautela no que diz respeito à filha do conde.
Não havia guerreiro no Cymru que não tivesse ouvido falar de lorde Brand Risande. Era o melhor e mais temível comandante do rei Guillermo, mas Gareth não tinha ideia de que o senhor de Avarloch seria tão perigoso fora do campo de batalha. Gareth foi intensamente preparado, sob as restritas ordens do rei Rhys, desde a infância. Cresceu na luta contra príncipes impiedosos e normandos armados com espadas, tochas e lanças. Mas ninguém o tinha ameaçado despedaçá-lo com um sorriso nos lábios. Gareth teve que ser extremamente paciente para convencê-lo que nada lhe
interessava tanto como assegurar a felicidade e a segurança de Tanon. Por mais que repetisse, o homem não deixava de grunhir! Madoc, seu comandante, quis desafiar ao conde normando, mas Gareth não permitiu. Em nada o beneficiaria que o pai de sua prometida morresse, ou que perdesse seu melhor amigo, dois dias antes de suas bodas.
Suas bodas! Por Deus! Amanhã desafiaria de Courtenay para ganhar a mão de uma normanda, para garantir a seu povo melhores possibilidades de vida. Por certo que Cymru continuaria padecendo os sofrimentos da guerra, ameaçada por outros príncipes hostis que reinavam em Gwynedd e Powys, mas essa era uma questão diferente.
Que diabos ele sabia sobre casamento? Era um guerreiro e não tinha tempo para preocupar-se com cuidados de como tratar uma mulher. Tinha a obrigação de supervisionar aldeias, treinar aos homens com armas e cuidar das pessoas, cuja segurança era sua responsabilidade. Era mais do que suficiente para mantê-lo ocupado, sem ter que preocupar-se com a comodidade de uma mulher.
Mesmo que essa mulher fosse lady Tanon Risande.
O curioso era que não tinha pensado em nenhuma dessas coisas desde que ela tinha sorrido. Pensava somente em incitar sua covinha e em seus cabelos cacheados que caíam sobre a testa. Sua voz suave e atrevida. Sua beleza era tão delicada como recordava desde que a tinha visto pela primeira vez. Era de uma rara beleza. Como ela, ele tampouco entendia por que deviam ser inimigos. Até então, não sabia o significado da palavra; apenas teve uma briga com seus irmãos. Naquele momento, quis dizer que tudo ficaria bem entre eles.
Mas, tinham se passado muitos anos. Doze primaveras, desde quando enfrentou a primeira vez um inimigo no campo de batalha, sua infância ficou para trás. Desde aquele momento, nunca tinha parado de lutar.
Hubert parou em frente uma porta de carvalho e ficou olhando-a:
— Talvez este esteja vazio.
—Está? — perguntou Gareth, apontando a porta.
Hubert assentiu com veemência e, logo depois retorno por onde tinha vindo.
Assim que abriu a porta, a primeira coisa que Gareth notou foi o intenso perfume de lavanda. Examinou o local; viu um biombo entre uma enorme cama, coberta por um dossel, e um armário de madeira polida, um pouco menor. Via-se uma delicada silhueta feminina movendo-se atrás.
— Rebecca? — ela perguntou. Gareth sorriu ao reconhecer a voz melodiosa de Tanon. Sabia que devia sair antes que ela o visse e, após seus gritos o castelo inteiro estaria em seu auxílio. Deveria sair, sim; mas não o faria. Apoiado contra o sustento do dossel, cruzou os braços.
— Ouviu a terrível noticia? Vou casar-me com um galês.
A moça pronunciou a palavra de uma forma que parecia que estava se referindo a um selvagem. O sorriso de Gareth se transformou em uma expressão de desgosto. Pensou que poderia derrubar o biombo, para comprovar o tipo de selvagem que poderia ser; mas tinha o firme propósito de mostrar que o que tinha ouvido falar dele e de seu povo, não era verdade. Será que os selvagens sacrificavam sua liberdade para ligar-se pra sempre com seus inimigos, a favor da paz?
—Já me despi — anunciou Tanon e, como prova jogou um par de meias de malha. — O vestido pesava tanto, que não o aguentava mais.
Gareth estremeceu e sentiu um calafrio poderoso como um raio, da espinha até a virilha.
— Estarei pronta em seguida. Se não estiver muito cansada, necessito que escove meu cabelo. Acredito havê-lo emaranhado, ao retirar todos os grampos e fivelas que Lorette e Eloïse, colocaram para sustentar o penteado.
Em seguida, saiu detrás do biombo.
— Na verdade, prefiro usá-lo solto. Eu... — Abriu os olhos tanto ou mais que a boca. Atônita, advertiu sua masculinidade insolente. Recuou e inadvertidamente derrubou o biombo. — O que... o que está fazendo no meu quarto?
— Seu quarto? Não esqueça de agradecer Hubert por seu engano — levou tempo necessário para apreciar cada detalhe do contorno delicioso que deixava transluzir suas roupas finas. — Estava tentando me convencer de que estaria cometendo o maior engano da minha vida ao casar com você.
— Casar-se comigo? Por Deus... nunca... —Tanon mordeu o lábio inferior, para não dizer algo que impróprio de uma dama. Puxou o lençol para cobrir-se. — Retire-se, por favor.
Ele a olhou e disse:
— Em um momento.
Sua ousadia a perturbava.
— Vagabundo — agarrou-se ao lençol, e deu outro passo para trás, quando ele fez um sinal de aproximação.
—Se fosse um vagabundo, — sua voz profunda ecoou com o esforço para controlar seu desejo enquanto aproximavasse, seus olhos ardiam sob as sobrancelhas escuras. — você já estaria de costas nessa cama, milady.
Usou a palavras costas com doce ironia. Tanon pensou em correr para a porta. Mas, para isso, devia passar primeiro ao seu lado. O problema era que parecia ocupar todos os espaços. À medida que se aproximava não tirava somente espaço, e o fôlego também. Seus olhos ardiam como labaredas azuis que a consumiam. Nenhum homem tinha se aproximado com tal descaramento.
— Se você se aproximar mais, vou esbofeteá-lo. — Ela advertiu.
Seu sorriso se suavizou, como se a ameaça parecesse adorável. Quando se aproximou o suficiente para sentir a respiração agitada de Tanon, acariciou seu rosto com as costas das mãos e retirou delicadamente os cachos de cabelo de cima de seu ombro.
—Não vai valer a pena. — foi apenas o que disse.
Ela deveria gritar, chutá-lo ou empurrá-lo para fora. Qualquer coisa menos ficar olhando-o com a boca aberta. Temia que tentasse usar a força para dominá-la. Mas a ternura de seu toque, fez seus joelhos vacilarem. Sua proximidade e um hálito sugestivo de aromas do bosque e de couro causaram-lhe uma sensação acolhedora. Recordava esse perfume até muito depois de havê-lo esquecido. E agora, sentia a impressão de que acordava de um longo sonho. Todos seus nervos e sentidos estavam conscientes de sua presença viril. Toda a vida esteve cercada de homens, mas nenhum jamais a deixou ciente de sua feminilidade. Queria parar de olhá-lo, mas algo em seu interior insistia em examiná-lo cuidadosamente. Era o homem mais rude, bonito e sensual que tinha visto em sua vida e seu olhar ousado a excitava mais.
— Retire-se já — disse de novo, para convencer-se de que não tinha enlouquecido completamente — Não deveria estar aqui. É indecente.
Gareth afastou-se e pegou um vestido em uma cadeira ao lado da cama. E alcançou-a dizendo:
—Indecente? Minhas intenções foram tão claras? Pensei que tivesse demonstrado um incrível autocontrole.
A armadilha sexual pode ser vislumbrada em sua voz, e fez com que ela se corresse para colocar seu vestido.
— Tornou-se primitivo depois que atingiu a fase adulta — Relutantemente, ficou a admirar seus ombros largos. — Se minha mãe encontrá-lo aqui, vai matá-lo.
Um sorriso indulgente, adornava sua boca carnuda.
— Sua preocupação por meu bem-estar, comove-me.
Estava prestes a responder que não se importava nem um pouco com seu bem estar, quando a porta se abriu. Entre todos os homens mais temíveis no mundo, nenhum tinha um temperamento comparável com de sua mãe ou sua tia Gianelle. Mas ambas as mulheres estavam chocadas demais para reagir.
— Katherine, vá procurar o seu pai — disse por fim Brynna, a uma menina pequena que revoava em torno de suas saias. — Ande depressa! — acrescentou sem tirar os olhos de cima do homem rústico que se encontrava no centro do quarto. — Está exatamente dez respirações atrasado para explicar o que está fazendo no quarto da minha filha.
Lady Brynnafar parecia uma rainha vestida com seu vestido de seda de ouro, os braços finos dobrados sob o tórax, vítima de turbulência incomum. Seu rosto tinha adquirido o mesmo tom de seu cabelo vermelho majestoso trançado.
— Não sabia que era seu quarto quando entrei.
A outra mulher cruzou o quarto na frente dele para aproximar-se de Tanon. Usava uma coroa de flores nos cabelos, que destacavam sua beleza singular. Compensava sua falta de altura com sua coragem, porque ao passar por ele, deu um golpe no braço de Gareth, murmurando frases venenosas em francês. Gareth nunca tinha sido golpeado por uma mulher, assim não sabia se ria ou ficava bravo. Virou-se para ver o olhar de descrença da mãe de Tanon, que correu como um gigante enfurecido com olhos prata.
Lorde Dante Risande! O homem era puro músculo. Esperava que o que tinha ouvido falar fosse verdade: que primeiro fazia perguntas e, depois julgava.
— O que está fazendo no quarto da minha sobrinha?
Gareth soltou um suspiro de certo alívio.
— Este é o quarto que Hubert, o camareiro do rei indicou-me.
As sobrancelhas negras de Dante franziram sob seus olhos, dando-lhe um aspecto ainda mais ameaçador. Procurar briga com os nobres favoritos do rei não era do interesse de seu povo.
— Um camareiro do rei, chamado Rupert trouxe-o para este quarto?
— Rupert ?— repetiu Gareth, rindo. — Isso explica por que Hupert me trouxe aqui.
— Quem é Hubert?— exigiu Brynna, que desconfiava do príncipe estrangeiro.
— Certamente não tenho idéia — respondeu o galês, de bom modo — Pedi um quarto, e ele me trouxe para este.
Dante olhava em silêncio para avaliar a explicação. Seu olhar de aço não era menos sinistro que o gélido sorriso de seu irmão. De repente ele sorriu, compreendendo o que tinha acontecido.
— Intimidou um hóspede de Guillermo até o ponto que ele se sentiu obrigado a servir de anfitrião. Deve ser um guerreiro bastante perturbador, quando não está sendo esbofeteado por mulheres. Venha — disse o conde, colocando seus braços sobre o ombro de Gareth. — É melhor sair deste quarto, antes que meu irmão descubra. Ele não é, tão discreto como eu.
— Assim ouvi falar. — admitiu Gareth.
— Sim?— perguntou Dante, escoltando-o fora do quarto. — Diga-me, que mais ouvi falar sobre mim?
Capítulo 4
Tanon espantou uma abelha e ajustou o lenço azul sob os cabelos. Fez esforço para manter-se simpática com a mulher que a acompanhava, cujo incessante falatório era mais irritante do que o zumbido da abelha. A verdade é que gostava de Hilary Pendleton, mas não lhe agradava, falar apenas do príncipe estrangeiro que tinha vindo de visita!
— Contam que seu compatriota, Wyfyrn, entrou à força no castelo de lorde Hamilton, na fronteira, matando o poderoso governante em sua cama — Hilary sacudiu sua trança escura para tira-la do ombro, e enlaçou seu braço com o de Tanon. — Dizem que o tal Wyfyrn usa um capacete em forma de dragão. Escutei quando Phillip, o jardineiro, contava ao garçom do rei que Wyfyrn e seus homens liquidaram por completo a guarnição de lorde Hamilton. Cada vez que Hamilton enviava uma missiva ao rei Guillermo, solicitando reforços, os mensageiros eram interceptados e mortos antes de chegarem ao seu destino. E o mesmo aconteceu com os guardas dos mensageiros. Após isso, o próprio lorde tentou sair de Galês, mas Wyfyrn o impediu, e quase não existia homens para defender o castelo, esperou até a noite e matou-o na cama.
Que história horrível!
—Certamente, são pessoas civilizadas — Hilary parecia agitada. — Entretanto, seu príncipe tem um sorriso bastante encantador, considerando que é alguém que vem de um país tão primitivo. Seu comandante, Madoc, é absolutamente aterrador.
Tanon ficou boquiaberta, vendo o sorriso iludido que se desenhava no rosto da amiga.
—Acaso está falando sobre a mão direita do príncipe, um homem chamado por “cachorro louco”? — acreditou que precisava de um pouco de ar.
—Não, sou boba. Está querendo me assustar. Mas agora que mencionou, sua aparência não seria estranho se tivesse as presas ensanguentadas.
Tanon suspirou. Do que serviria ficar com raiva de Hilary, quando todo o castelo estava comentando sobre o famoso príncipe e sua comitiva bagunceira? Surpreendeu com a rapidez com que tinha se espalhado sobre a razão de sua visita. Não tinha saído de seu quarto pela manhã, enquanto espalhavam diversas versões nos corredores.
— Mas, ela já está comprometida com lorde Blackburn.
— Ouvi dizer que o príncipe exigiu sua mão, ameaçando declarar guerra.
— Ao contrário: dizem que o príncipe valoriza a paz acima de tudo.
Tanon também valorizava a paz, mas não gostava que tivesse sido utilizada como um objeto de garantia.
Naquela noite tentou convencer-se de que era melhor casar-se com Gareth do que com o Roger. Sacrificar-se por uma causa nobre era muito digno. Mas isso tinha sido antes da própria besta invadir seu quarto, fingindo ser Rebecca. Ah, e o modo que a despiu com o olhar! Pelo amor de Deus: apenas sua presença a deixava sem fôlego. Como se tivesse direito de deleitar seus olhos por seu corpo. Quando se atreveu tocá-la, ela por muito pouco não gemeu. Não aprovava como havia de repente reingressado em sua vida e despertado suas fantasias infantis. Pelo menos, não tinha tentado beijá-la. Ao pensar nisso, mordeu o lábio inferior. Seria tão pouco atrativa que nem sequer um galês queria lhe roubar um beijo? Depois de ver a maneira em que examinou seu corpo, por que não tentou beijá-la? Talvez não gostou do que viu. Em todo caso, era um alívio que não tivesse gostado, porque não tinha o menor desejo de beijá-lo. Isso, nunca.
Determinada em impedir que perdesse os últimos vestígios de bom humor, Tanon fixou sua atenção nas bandeiras coloridas instaladas nos magníficos muros que rodeavam o castelo de Winchester. Nobres e cavalheiros continuavam a chegar de lugares muito distantes para prestar homenagem ao rei e participar dos torneios
programados ao longo da semana. Senhoras vestidas com luxuosas vestimentas passeavam pelo pátio, tentadas por risadas de crianças travessas. As crianças riam alto, vendo os bonecos que se apresentavam no alto dos montes de feno. Era hora de festejar a paz, que seu conquistador trouxe para a Inglaterra.
—Venha —Hilary puxou o braço de Tanon. — Seu príncipe e seus homens estiveram praticando toda a manhã. Provocaram considerável burburinho com suas habilidades.
Ao princípio, não percebeu que a estava arrastando para o centro. Quando viu as palestras, os tacos cravados no chão, negou-se a se aproximar mais.
—Não. Não desejo saber que está próximo o fim dos meus dias. Já sabe que se derrotar ao lorde de Courtenay, serei dele.
Hilary estreitou seus olhos castanhos e olhou zangada para Tanon.
—Poderia ser muito pior, Tanon. Lembra-se do velho lorde Edwin de Valance, que pediu sua mão no verão passado? Agradeça à Deus por seu pai não ter concedido.
—Não se preocupe. Prefiro casar com o Lorde de Blackburn, antes de ter que ir viver no país de Galês.
—Por Deus! Realmente não vai querer casar-se com aquele patife. A única coisa da qual se interessa é com seu dote.
Tanon olhou sobre seu ombro. Lá estava Roger, muito tranquilo, totalmente recuperado de estado lastimável do dia anterior, de braços dados com lady Fitzdrummond, como se nada no mundo importasse.
— Não parece estar muito aflito com a possibilidade de perder-te. —murmurou Hilary.
E por que devia estar? Sempre a tinha odiado. Mas, mesmo assim, e seu orgulho varonil? Estaria disposto a entrega-la ao príncipe sem lutar? Sua amiga tinha razão: qualquer um seria melhor que esse verme escandaloso.
— Tive outras ofertas, sabia? —replicou Tanon, apressada por seu orgulho.
— Mas nenhum como ele.
Eles detiveram-se ao longo do muro circular. Os cavalheiros, e também algumas damas, atiravam moedas no interior do círculo, abanando aos combatentes. Outros saíam furiosos, vociferando insultos e balançando a cabeça em descrença.
Nenhum como ele, maldição. Hilary tinha razão. Prendeu a respiração ao distinguir seu futuro marido no interior do recinto. E não teve dúvidas: o príncipe Gareth esmagaria lorde Blackburn como um verme na primeira oportunidade que tivesse, e ela terminaria morando em Galês. Mas, mesmo depois que suas esperanças de permanecer perto de sua família desapareceram, seu corpo estremeceu com a visão de Gareth.
Com uma adaga em cada mão, movia-se com sinuosa agilidade de um gato enorme. Um reflexo de suor fazia ressaltar a musculatura bronzeada de seus braços nus. Finas tiras de couro, de diversas cores, adornavam seus bíceps. Suas pernas estavam tensas flexionadas: saltou e, com um único golpe, desarmou seu rival, cuja espada caiu. Com o impulso firme, ficou na sola dos pés descalços. Parecia terrivelmente selvagem. A força de seus olhos de safira acelerou a pulsação de Tanon quando seus olhares se cruzaram. Quando ele sorriu, inesperadamente, uma onda de calor percorreu a coluna vertebral da moça e aninhou em seu ventre.
— Olhe para isso —disse Hilary com dissimulação. Tanon afastou sua visão de Gareth e se focou em um homem que a observava a luta com profundos olhos negros, escondidos sob um olhar severo, e com os cabelos escuros ondulados na testa.
—Esse é Madoc, daqui não se vê mas ostenta uma pequena cicatriz abaixo do queixo.
Hilary deixou escapar um suspiro ofegante, quando seu olhar encontrou os olhos tenebrosos de Madoc. Ela sorriu, mas ele olhou para Tanon e depois se virou para observar seu senhor.
—Não é o homem mais perigoso que já tenha visto?
Madoc tinha decididamente um aspecto intimidativo, mas Gareth era uma fera letal no campo de batalha. Antes de voltar a olhá-lo outra vez, preferiu afastar-se do muro. Tropeçou na bainha de vestido e soltou uma maldição ao endireitar-se.
Gareth a excitava e intimidava e, por Deus, ela não queria viver submetida ao medo. Era uma Risande, no final das contas. Sua mãe jamais fugiria como ela. Seu pai se envergonharia soubesse que o coração de Tanon pulsava enlouquecidamente que parecia saltar para fora do peito, mesmo quando Gareth não estava presente. E isso, era justamente o que a assustava. Não o efeito que tinha sobre ela, mas o fato de afetá-la daquela forma. Como era possível que com um único olhar fizesse tremer seu corpo inteiro?
A paixão não era desconhecida para ela. Seus pais muitas vezes se beijaram na presença das crianças. Olhares sensuais, sussurros e olhares que terminavam na privacidade do dormitório, tinham ensinado que a paixão não só aceitável, mas também apelativa.
Mas com quem? Com Cedric? Com Roger? Ela não queria que os homens estimulassem seus sentidos. Qual seria a utilidade? Para que tivesse ilusões sobre algo que nunca obteria? Sem dúvida, achava Gareth atraente. Mas não incentivaria esperança em respeito à ele.
Caminhando sozinha, dirigiu-se para as barracas ao longo da parede ocidental. Por que diabos ele estava de volta? Ela estava perfeitamente feliz em seu pequeno mundo. Nunca pensou no que significaria estar casada com Gareth. Roger parecia um cachorro farejando o chão, em todas as direções em que o vento soprava. Preferia não imaginar como seria em sua cama. A última vez que tinha visto Cedric, era apenas uma criança, mas sabia que não seria feliz ao lado dele. Em troca, o príncipe inspirava sua curiosidade, atemorizava sua sensibilidade inata e, ao mesmo tempo, intrigava-a. Tinham-lhe explicado o que estava acontecendo nas estradas galesas. Haviam homens e mulheres dispostos a lutar contra seus inimigos até a morte. Mas, algumas vezes, quando homens de seu pai tomavam umas taças de cervejas à mais e falavam sobre as
pessoas que viviam no país de Galês, em um território chamado de Terras Selvagens onde governavam os príncipes. Dizia-se que os nativos andavam seminus; Tanon pode observar ao ver a túnica de Gareth desprovida de mangas. Dançavam em volta de grandes fogueiras, onde uma música tentaria aos anjos a cometer os piores pecados. Prostraram-se diante dos falsos deuses e veneravam antigas relíquias pagãs. Celebravam festas cujos nomes o padre Anveley proibia de serem mencionadas na corte.
Tanon afogou-lhe as bochechas, avermelhadas ao pensar em Gareth correndo nu atrás de uma virgem em uma floresta primitiva. Essa virgem seria ela. Quando começou a transpirar, resolveu deixar de pensar nele completamente, pelo menos até estarem diante do altar pronunciado os votos. Sua frente se nublou com uma preocupação. Casaria-se perante um sacerdote, pintado para ir à guerra e levando uma lança com uma cabeça transpassada?
— Céus, Tanon, está se preocupando demais e sem motivo — disse para si mesmo, antes de sorrir para o vendedor — Por favor, um pedaço de bolo.
O vendedor entregou-lhe um pedaço de bolo de maçã, estava quente; enquanto ela remexia na bolsa que tinha pendurado da cintura.
Uma mão grande e áspera, agarrou sua mão e deu uma grande mordida no bolo:
—Diabo como está bom!
Tanon olhou ao homem, do qual não poderia separar de seus pensamentos. Como era possível que se estivesse tão fresco e cheio de vida, tendo praticado incessantemente durante toda a manhã?
— Permite-me, vossa alteza? —ele perguntou em tom de brincadeira e deu outra mordida
— Ainda não paguei pelo bolo e quase não sobrou nada.
Gareth entregou um par de moedas ao vendedor, pedindo mais duas porções. Enquanto esperava, ocupou-se chupando os dedos pegajosos de Tanon, com os restos do doce e encostou-se barraca. Com os punhos sob seus quadris, Tanon observava como desaparecia o que restava do bolo.
— Tem maneiras muito ruins — assegurou, enquanto ele chupava seus próprios dedos com impertinência.
— Devo manter minhas forças, se pretendo exercer a força nessa região.
Cruzou os tornozelos e manteve-se divertido olhando-a, com deleite, dos pés a cabeça.
— Prefiro não incomodá-lo. Não será bem visto — respondeu enquanto ele pegava pedaços do bolo.
— Então, não fuja de mim.
Floresta. Nu. Virgem. Tanon mordeu com força seu lábio interior.
— Não estava fugindo —disse, por fim, com um gesto de arrogância. — Apenas tinha fome.
— Permita-me, portanto, satisfazer seu desejo. — O tom sugestivo de sua voz acabou alterando-a completamente.
Ofereceu-lhe um pedaço de bolo, com uma reverência assombrosa, especialmente diante do sorriso insolente. Tinha certeza de que Gareth tinha para oferecer algo mais que uma doce fatia de bolo. Incapaz de controlar seu olhar, seus olhos caíram sobre os lábios de Gareth. Aqueles lábios carnudos a intoxicavam. Tinha certeza de que mesmo uma freira seria tentada por essa boca.
Aceitou o bolo, mas não provou; estava disposta para provar que era perfeitamente capaz de controlar qualquer desejo, embora que ele tivesse intenção de agradar todos. Ele mordeu com força seu pedaço. Tanon observava sorrateiramente seu rosto, e olhou para longe quando percebeu que ele estava olhando novamente seus lábios.
—Não teria estar se preparando para a competição?
—Não. Já estou pronto.
Olhou seus pés descalços. Mais uma vez encolheu o estômago. Havia algo verdadeiramente selvagem na maneira em que caminhava descalço. Como se seu lugar fosse à floresta, e não um castelo. Viu sua tia conversando com Hereward em canto do jardim e caminhou na direção deles, querendo fugir de Gareth e do efeito que ele lhe provocava.
— Não há nada em Cymru tão saboroso que adoce a língua desta maneira.
Uma onda de calor invadiu Tanon, inesperadamente, ao ouvir aquela voz tão próxima de seu ouvido. Tropeçou, e Gareth segurou-a pela cintura. Por um instante permaneceu, com as coxas pressionadas contra os quadris dela, que fechou os olhos, obrigando-se a respirar, enquanto tentava se livrar das mãos masculinas.
— Solte-me — murmurou.
Que desavergonhado tinha sido ao falar e em tocá-la dessa maneira! Atrever-se-ia a beijá-la, aqui, na frente de todos? Realmente acreditava que ela pudesse agradar sua língua? Céus! Como o faria?
— Sou uma dama, não...
Respondendo com cavalheirismo ao pedido de Tanon, o jovem afastou-se, com um gemido, e foi comer o bolo. Tinha o rosto ardendo, enquanto se afastava rapidamente dele. Em que diabos, estava pensando quando quis beijá-lo?
— É uma pena que você não saiba cozinhar. — Gareth disse, alcançando-a de novo e olhando ao redor, entre a multidão, sob o esplendor do sol.
— Quem disse que não? — levantou as sobrancelhas, ao notar que a observava.
Voltou a sorrir, fazendo com que o coração da moça desse outro salto.
— Como é filha de um nobre, acreditei ...
— Está enganado, senhor. Passo muitas horas na cozinha com minha mãe e nossa cozinheira. Sou capaz de preparar refeições excelentes que dariam água a boca.
Um leve gesto de seus lábios foi o suficiente para que tivesse as bochechas coradas novamente.
— É bom saber, Tanon.
Escutá-lo dizer seu nome com tanta naturalidade a surpreendeu. Tratava-se de uma liberdade que ele tomou e que não correspondia, a menos que se conhecessem muito bem. Prosseguiu caminhando ao lado dela, com as mãos nas costas.
— O que mais sabe fazer bem?
— Costurar.
Deu uma mordida de sua fatia do bolo, alegrando-se de poder falar de suas habilidades domésticas. Era uma maneira de ignorar o calor que produzia sua proximidade física de Gareth.
— Sei ler.
— Sério? — voltou a olhá-la com interesse renovado.
Senti vontade de sorrir. Em vez disso, disse:
— Também sei tocar alaúde.
Gareth parou para encará-la:
— Talvez gostasse de tocar algo para mim um dia.
— Possivelmente. — retrucou presunçosamente.
A sensualidade aprofundava ainda mais seus olhos azuis, enquanto olhava fixamente para sua boca.
— Tem muitas habilidades, Tanon — Com a ponta de seu dedo, esfregou o canto do lábio inferior da jovem. — Não existe algo que eu poderia ensinar-lhe?
O contato fez com que corresse fogo por seu sangue. Seus olhos se arregalaram de espanto, mas foi incapaz de ter um pensamento coerente. Gareth deu lhe um sorriso sugestivo e mostrou-lhe migalhas que tinha recolhido de seus lábios, antes colocá-los em sua própria boca.
— Desculpe-me, um prazer tão doce deixa meus pensamentos transtornados.
Desculpá-lo? Desculpar por ter feito com que se sentisse como uma prostituta? Olhou ao seu redor, como se estivesse nua no meio do pátio. Deu um passo atrás, colocando distância entre eles, à medida que renascia a lembrança do verão que tinham compartilhado há tanto tempo. Basta. Ele tinha voltado apenas para estabilizar a paz. Nada mais; não foi o que disse o rei claramente? E lhe parecia bom. Veio para ocupar o ligar de Cedric, casariam para manter uma aliança pacífica, mas não compartilhariam qualquer interesse pessoal. Havia se preparado ao longo de todos esses anos.
— É muito corajoso, milorde — disse ao mesmo tempo e que ajeitava o cabelo à altura da nuca. — Toma liberdade demais, ao tocar-me com tanta familiaridade.
— Sou seu noivo. — ele lembrou; divertia-se a indignação no rosto da menina, e não podia deixar de sorrir.
Os olhos de Gareth seguiam o traçado do rosto de Tanon. O calor que surgiu em seu interior fez com que se sentisse impotente, vulnerável. Cruzou os braços, para proteger-se dele.
—Isso não é verdade. Pelo menos, até que...
— Beijaram-na alguma vez?
Ficou chocada, e obrigou-se à não olhar seus lábios.
— Como se atreve, em me fazer perguntas desse tipo?
— Porque desejo saber a resposta.
Estava irritada com sua arrogância. Estava em uma encruzilhada. Devia submeter-se à humilhação de admitir que nenhuma vez ninguém quis beijá-la?
— Não é meu costume beijar todos meus pretendentes. — respondeu com altivez; não era totalmente mentira.
— Sempre foi uma dama perfeita, não é, Tanon? — seu sorriso era tão terno, que amoleceu suas pernas. — Exceto quando subia em árvores.
De repente, ela sentiu saudades das vezes em que riam juntos, quando a opinião dos outros para eles era indiferente. Mas, por ser filha de um nobre, devia ter algumas responsabilidades difíceis. Pigarreou e levantou o queixo. Nunca envergonharia sua família, conduzindo-se de uma maneira menos decorosa do que tinha sido ensinada. Os tempos em que subiam em árvores e brincava com os porcos tinham acabado há muito tempo.
— Um cavalheiro civilizado não esperaria qualquer outra coisa de uma dama que vá compartilhar de sua vida. — expressou com dignidade, procurando evitar novos tropeços, e se afastou.
Enquanto via o suave rebolado de seus quadris, Gareth refletiu sobre o desafio que viria pela frente. Ela provavelmente tinha razão. Acaso um homem civilizado teria cedido ao impulso de tomá-la em seus braços e dominá-la com beijos, com uma paixão tão escandalosa que seria comentado por todo o castelo de Winchester? No entanto, debaixo de todos esses tecidos e refinamento, ainda deveria existir a menina impulsiva e despreocupada que se lembrava. E estava decidido a encontrá-la.
Capítulo 5
O campo onde seria disputado o torneio de Winchester ocupava quatro hectares e estavam divididos em setores para os tiros, arqueiros e esgrima.
Junto a sua família estava um camarote instalado no perímetro frontal do campo, Tanon podia ver todos os acrobatas, malabaristas, dançarinos e os guerreiros. Dúzias de cavalheiros estavam ocupados com preparativos para o combate, acompanhados por seus escudeiros, que tinham pressa em arrumar suas lanças e espadas, coletes de lã e as cotas de malha, indispensáveis para a proteção do corpo. Reinavam a emoção e os transbordamentos de energia contagiando os espectadores. A jovem Risande sentia o coração disparado. O murmúrio de tantas vozes era ensurdecedor. Ao redor, viam-se os estandes cheios, centenas de rostos expectantes, que compartilhavam risos e gritos de aprovação ou desprezo, para o cavalheiro que passasse, montando seu cavalo de guerra.
Involuntariamente, olhou em volta para procurar Gareth, mas em vez disso, viu Roger. Estava cercado por um grupo de cavalheiros que lustrava suas espadas reluzentes sob o sol. Tanon ficou deslumbrada pelo esplendor. Estremeceu ao imaginar o fio de uma dessas folhas perfurando as carnes de Gareth. Tinha-o visto praticar e disse que confiava em suas forças e não cairia derrotado. Acreditou nele, sem dúvidas; mas, agora vendo Roger com sua armadura colocada, uma espada tão larga como uma perna em sua mão, não estava tão segura, ele já não era uma criança. Tinha passado muitos anos aprendendo a usar sua espada com o filho de Guillermo.
Por Deus! Não queria casar-se com o Roger. Não importava se a viagem a Normandia tinha melhorado ou não seu espírito. Não importava sua posição, maneiras ou suas terras. A idéia de passar o resto de sua vida à seu lado, revirava seu estômago. E muito mais, depois que Gareth retornou.
Os guerreiros Galeses chegaram, sua ansiedade aumentou. O coração batia mais rápido, à medida que o primeiro cavaleiro se aproximava de onde ela estava, montado em um enorme corcel coberto com uma manta vermelha e dourada. Deveria ser Gareth, pois não havia em todo o campo outro combatente tão arrogante para não usar os coletes de lã debaixo de sua cota de malha e sua túnica cor escarlate. Rebecca havia contado que os Galeses não estavam acostumados a combaterem montados nos cavalos, mas se tranquilizou ao lembrar que seu amigo montava bem desde os dez anos. Ergueu, sua cabeça ligeiramente para o sol. Atirava as rédeas com arrogância. Fascinada pela graça e a confiança que transmitia, Tanon não soube evitar que esses eletrizantes olhos azuis se cravaram diretamente em sua pessoa. Gareth ganharia, e depois disso iria reclamá-la. Não tinha a menor duvida.
Lambeu os lábios com a língua; tinham secado pela emoção, e se forçou a afastar à vista. Para ela, a forma como seu corpo respondia ao estímulo dele era algo novo. A sensualidade de seu sorriso, e ela insistia em comportar-se com temeridade. A calidez de seu olhar despertava desejos que ela acreditava estarem adormecidos.
—Querida, está com febre — era sua mãe, que tocava sua bochecha sob o véu — Está doente?
— Não. — respondeu, com um sorriso sincero.
— Sei que deve ser difícil tudo isto para você — disse sua mãe, com voz serena. — Também fui obrigada à casar com um homem quem não conhecia.
Tanon suspirou, pelo menos ela conhecia um pouco de Gareth.
— Mas chegou a amá-lo, e ele a ti.
—Olhe, querida — Brynna sentia a tristeza presente no fundo da voz da filha. — Hereward garantiu que o príncipe Gareth e seu povo não são um bando de selvagens como dizem os lordes da fronteira. Sabemos que desejava se casar com lorde de Courtenay. Também somos contra esse matrimônio. Seu pai deseja protege-la com um exército, e os de Courtenay estão em condições de provê-lo — Contemplou Gareth no
campo, pronto para a luta — Diz-se que ele jamais foi derrotado. Mas se hoje não provar que é capaz de te proteger, seu pai irá até Guillermo e vai ouvir sua vontade, se for o caso. Reze para que o príncipe não seja derrotado, nunca seria feliz com lorde de Courtenay. Com o galês, vai ter essa oportunidade. Percebi como ele olhava para ti há pouco e acredite, sei o que transmite esse tipo de olhares. No entanto, não me pareceu bem que tenha ido ao seu quarto ontem à noite, no lugar onde seu avô, Deus o tenha em sua glória, encontrou seu pai na noite antes do nosso casamento.
Tano mordeu o lábio inferior e seu rosto estava encoberto com uma dúvida:
— Papai te beijou quando foi ao seu quarto?
Brynna sorriu, lembrando-se:
— Sim, beijou-me.
Pela forma de ruborizar-se, Tanon convenceu-se que tinha feito muito mais que isso.
— Gareth não me beijou. —comentou despreocupadamente.
— É claro que não. Não queria ter os lábios cortados —Brynna apertou a mão de sua filha — Haverá tempos difíceis para os dois e não estarei ao seu lado para ajuda-la, filha. Deve aceitar seu destino, é muito parecida com seu pai. Será uma aventura para você, aproveite para desfrutá-la.
— Estarei bem, mamãe — acariciou a mão dela e a tranquilizou com um sorriso; não desejava perturbá-la. — Sentirei saudades, isso é tudo.
Os mensageiros anunciaram o início das festividades com trombetas. Mais acrobatas, malabaristas e mímicos atuavam sobre os limites do campo. Tanon deixou-se levar pela excitação do ambiente, e seu estado de animo, aliviou. Sorriu ao ouvir o bardo, Randalf, cantar uma canção sobre uma dama ruiva, cuja risada era como o bater de asas de uma borboleta junto ao coração. Sua pele, branca como o alabastro e os olhos verdes como a grama, tentavam roubar um beijo, antes que chegasse sua morte. Por desgraça, o coração da bela dama pertencia a um vilão, sem coração, que tinha
cabelos negros como a sua alma. Tanon divertiu-se, quando seu pai quis saber como era o coração negro do vilão. Em vez disso, seu tio estava rindo em seu assento, onde estava deitado preguiçosamente com as botas sobre o parapeito, quando o bardo cantou outra canção, fazendo referência para sua esposa.
Pouco depois, começou o desfile de cavaleiros. Uma fileira de cavalos majestosos com mantas coloridas movia-se lentamente pelo perímetro da arena. Os participantes se deslocavam em grupos, rodeados por sua gente; na frente, o capitão levava o estandarte.
Tanon distinguiu Gareth, sob um corcel desenfreado, enquanto os cavalos esplêndidos de seus homens o seguiam de maneira rítmica. Foi anunciado o nome do lorde de Courtenay ao som de fortes gritos. Tanon bocejou enquanto ele dava uma volta no campo, montado em seu cavalo de batalha.
Minutos depois, Gareth aproximou-se do palco real e soalho, fez-lhe uma verdadeira reverência à Tanon.
Logo depois de que o restante dos participantes foram anunciados, o mensageiro fez soar a trombeta e os escudeiros foram dedicados a tarefas específicas. O torneiro começava. Dois dos homens de Roger, derrubaram seus oponentes; embora Madoc quase empalou sua lança sem ponta.
Finalmente, Gareth e Roger se enfrentariam, ambos da mesma estatura, mas Tanon observou que faltava atrevimento nos movimentos do normando, devido ao excesso de lã que protegia sua armadura. O vigor do outro estava em sua musculatura.
Quando a lança do príncipe danificou a de seu rival, ganhou uma vantagem de dois pontos. Os cavaleiros voltaram a tomar posição, munidos de lanças novas, e foram a galope rumo a uma nova colisão. A multidão ficou de pé à medida que os opositores se aproximavam. No meio do silêncio, retumbavam os cascos dos dois corcéis, prestes a colidir. No instante antes do impacto, Gareth se curvou e com um movimento rápido, acomodou a lança em sua mão enluvada. A arma atingiu o escudo de madeira, que se fez em mil pedaços, e Roger de Courtenay foi jogado da sela.
Tanon soltou o fôlego quando a multidão começou a lançar sonoros elogios. O próprio Guillermo fez um gesto de aprovação na direção de Gareth, quando passou na frente de seu camarote.
Tanon não conseguia tirar os olhos de seus músculos. Seria um pagão, mas nunca tinha visto um pagão como esse. A moça sentiu calafrios só de pensar nele. Viu-o desmontar. Quando tirou a túnica e a cota de malha, houve um súbito silêncio no meio da multidão.
Lorde Blackburn tinha um sorriso zombador: seu rival acabava de cometer uma grande tolice. Ela pensava a mesma coisa. Não era algo comum nas lutas. Embora não tratasse de fazer sangrar o adversário, ganhavam pontos quando a espada de competidor tocava a cota de malha do rival. Sem a proteção de sua armadura, Gareth estaria exposto para que Roger o ferisse com cada ponto que conseguisse.
A trombeta soou novamente e a multidão rugiu. Tanon fechou os olhos com força. Aventurou-se a espiar entre os dedos, apenas quando ouviu seu pai manifestar o seu espanto.
Gareth não sangrava, nem um pouco, não tinha uma contusão simples, movia-se como o vento, golpeando seu adversário antes que este tivesse tempo para avistá-lo, e retrocedia em seguida. Neutralizava cada golpe com uma naturalidade que contrastava com os outros movimentos vistosos. Cada vez que Roger lançava a espada para a esquerda, saltava para a direita. Isto se repetiu tantas vezes que o público, em grande maioria de normandos acabou aplaudindo e aclamando ao galês. Tanon observava estupefata. Seu sangue se avivava com a energia e habilidade de Gareth, algo inexplicável em seu interior dizia que esse homem seria capaz de defendê-la de qualquer perigo. Com dez movimentos, tinha aplicado ao corpo de Roger pelo menos sete golpes que no campo de batalha significaria a morte.
Mas o combate, não terminaria tão cedo. Um dos cavaleiros normando, sir Albert Fitz Simmons, ofendeu-se por causa da iminente derrota de seu senhor e desafiou o galês
para enfrenta-lo... atreveu-se. Com um único movimento, Gareth golpeou o capacete de Roger com sua espada e apontou na direção de FitzSimmons.
— Quantos pontos? — Gareth gritou.
— Oito — respondeu o novo oponente com um sorriso. Primeiro dois cavaleiros o seguiram à frente, e logo depois mais três. À direita de Gareth, tinham dois, um empunhando um machado e o outro uma espada, Madoc, que apenas observava do lado da arena, desembainhou duas espadas. Deu um passo à frente, com as espadas sobre cada um de seus ombros, mas o príncipe fez gestos para que se retirasse.
Tanon apertou a mão de sua mãe:
— Está louco? Recusa ajuda!
—Não — respondeu seu tio em voz baixa. — O que acontece é que sente-se totalmente seguro.
Dentro da arena, os braceletes de Gareth refletiam a luz do sol, enquanto descarregava a espada sobre sua cabeça. Agora em sua posição, convidou FitzSimmons a lutar, fazendo um leve gesto com sua espada.
Os nervos de Tanon estiveram a ponto de explodir no momento em que FitzSimmons se preparou para lançar seu primeiro golpe. Era um homem de textura formidável e ela quase podia sentir em seu próprio braço a reverberação dos aços que colidiam bruscamente. Gareth girou em torno, de modo que sua espada descrevesse um amplo círculo. Simulou que golpearia à direita e, no ato, mudou de lado:, ganhando seu primeiro ponto quando golpeou o ombro de seu rival. Um segundo combatente saltou à arena. O príncipe abaixou-se e desferiu um golpe que fez saltar faíscas de sua cota de malha. Foi ao encontro de seu próximo rival com a arrogância própria de um rei, seu longo cabelo dourado sobre seus ombros e seus olhos azuis faiscantes, atentos a cada movimento.
A respiração do Tanon acelerou, a destreza sensual de Gareth a incitava cada vez mais. Já não preocupava quantas feridas pudesse sofrer, não podia deixar de admirar os seus
músculos em ação. Era um homem de verdade. Tornava-se mais agressivo e fatal para cada adversário que se apresentava.
— Este gosta de sangue e o desfruta, irmão. — escutou seu tio dizer.
— Sim —concordou seu pai, com olhar fixo no guerreiro galês. — Luta contra os inimigos de seu país, com a aprovação do rei. E, merda, o faz muito bem.
A multidão foi à loucura nas arquibancadas. Mas Tanon não ouvia nada, porque Gareth, com pé na terra, lançava lhe um olhar sorridente.
Era sorte que não tivesse se colocado de pé, porque sentiu que todo seu corpo amolecia. Por todos os diabos, como era possível que mantivesse esse sorriso até nas circunstâncias mais inesperadas.
Houve um momento em que torceu sua boca em uma careta imprecisa, e Tanon deixou de importar-se que estaria longe de sua família. Queria tocá-lo, tinha desejos de sentir seu coração batendo fortemente contra seu peito. Queria percorrer seus braços musculosos e suados com seus dedos, para sentir a sua força. Bastava olhar para ela e despertava imagens que a envergonhavam. Sua mãe apertou e sua mão e disse:
— Ali vem ele
Gareth apenas se deteve para limpar a sua espada. Parecia determinado. Quando esteve ao seu lado, virou-se diretamente para seu pai:
— Milorde — disse, um pouco agitado pelo esforço recente. — Peço a vossa benção —Estendeu a mão e buscou o braço de Tanon, convidando-a a ficar de pé. —Vim para reivindicar sua filha.
Capítulo 6
Gareth não era apenas arrogante, só um bárbaro se atreveria a «reivindicar» sua recompensa dessa forma. Acaso ela era um prêmio à disposição do capricho dos homens? Sua conduta era típica de um chefe de guerra de tempos menos civilizados. Tanon quase temeu que seria levada sobre seus ombros à força.
Agora, suas camareiras se ocupavam de vesti-la. Sua amada Rebecca penteava seus longos cabelos e fazia uma trança grosa. Não queria sobrecarregar a mãe com suas preocupações, mas enlouqueceria se não encontrasse alguém para conversar.
—Rebecca — disse com voz calma. — Desejo conversar com você sobre o inexplicável poder que o príncipe Gareth exerce sobre meu pensamento.
—Não, Eloïse — a mulher parou de trançar e virou-se para uma das moças que estava desdobrando o vestido sobre a cama. — O azul escuro não. Milady vai vestir este noite, o âmbar.
— Amanhã — continuou Tanon. — serei sua esposa. Faz-me sentir como se fizesse algo errado, totalmente inapropriado para uma dama.
Rebecca sorriu e olhou pra ela com ternura.
— O príncipe está despertando seus impulsos femininos, como mulher.
Tanon corou tão intensamente, que chegou perto de perder a consciência.
— Bem e o que aconteceria se não quisesse... isto é, se não fosse possível despertar meus impulsos? Ele faz meu coração queimar. E suponhamos que não pudesse… — não conseguia encontrava as palavras apropriadas. Inferno, não tinha pensando que compartilharia a cama com Roger. Com ele, cumpriria com seu dever de esposa, na
esperança que a deixasse em paz o restante do tempo. Mas com Gareth se inquietava. — Sequer me beijaram!
— Seu corpo vai saber o que fazer — garantiu Rebecca. — Se tiver mãos delicadas, seu corpo vai reagir. Simplesmente, deixe que ele se encarregue de tudo.
— E se não for gentil?
— Nesse caso, seu pai o enviará imediatamente para o túmulo.
— Meu pai não estará presente, deixou-me simplesmente a mercê de…
— Cuidado com a língua, moçinha — observou ela, levantando seu dedo. — Sabe tão bem quanto eu, que seu pai estaria ao seu lado, se fosse permitido.
Tanon desviou o olhar e suspirou. Rebecca, tinha sido a criada de sua mãe desde que Brynna era praticamente uma criança. Ajudou em todos seus partos, e amava à ela e seus irmãos como se fossem seus próprios filhos. Tanon a amava incondicionalmente, e sabia que ela era sua favorita. E também conhecia o motivo: Tanon era muito parecida com seu pai e estava segura de que sua ama nutria um amor secreto e proibido por Brand Risande. Em Avarloch, todos percebiam, embora Rebecca acreditasse que soubesse esconder seus sentimentos. A mulher corava toda vez que olhava para lorde Risande. A jovem não se preocupava pois sabia que o coração de seu pai pertencia exclusivamente a sua mãe. O que a preocupava era o sofrimento de sua ama, por causa de seu amor não correspondido. A mulher tinha servido aos Risande durante os últimos vinte anos. Nunca se casou, e era uma pena, sendo uma mulher tão formosa e capaz de brindar ao amor. Seus cabelos dourados ainda não tinham envelhecidos e o azul de seus olhos se mantinha cristalino. Mas seu olhar parecia ausente; seu corpo entorpecido. Teria sido melhor que casasse com um homem quem não amasse, que ter sacrificado seu coração por um, que jamais corresponderia seu amor.
A moça segurou a mão de sua ama e a sustentou contra seu coração:
— Não quero deixá-la sozinha.
Rebecca sorriu com ternura.
— Não estarei sozinha, minha querida. Estarei... — suas palavras ficaram presas no estreito abraço.
— Venha comigo para o país de Galês, rogo-lhe isso. Mamãe tem à Elsbeth e eu não suportaria ficar sem você.
Afastar-se dos Risande destroçaria o coração de Rebecca, mas não podia ignorar o pedido de Tanon. A jovem nunca se afastou dos cuidados de seu pai. Como poderiam enviá-la para Galês com Hereward, como única companhia? O que ele sabia dos cuidados necessários de uma dama? Nunca esteve casado, nem tido filhas. O que faria esse guerreiro, se Tanon precisasse de uma pessoa para escovar seus cabelos, ou se tivesse desejos de falar de mulher para mulher, pobre moça estava prestes à ser enviada para terras que os antepassados de Rebecca chamavam de "Terras Selvagens"; e ela em troca, preocupava-se com sua ama.
— Claro que irei contigo, se seu marido permitir. Embora não tenha nenhum motivo para lamentar. O príncipe estará totalmente apaixonado por ti, logo que conheça a generosidade do seu coração. Parece-te muito com seu pai.
Tanon esboçou um sorriso: sabia que quanto antes conseguisse colocar distância entre Rebecca e seu pai, seria melhor.
Gareth secou o torso e colocou um par de calças de couro negro. Estava sozinho, possivelmente pela última vez em sua vida. Perguntava-se se os outros homens ficavam igualmente nervosos na véspera de seu casamento, custava resignar-se a estar com uma só mulher, mas tinha certeza de duas coisas: privaria-se de bom gosto de todas essas mulheres, se com isso conquistasse a paz com os normandos e, em segundo lugar, sua futura esposa era muito mais atraente e encantadora que todas as outras juntas. Quando seus olhos verdes recebiam o impacto direto do sol surgiam alguns pontos azuis no centro. A forma em que se via, o contorno de seu rosto, a
delicadeza com que movia os braços, sua respiração lenta, cativou-no de tal maneira que lhe tirou o sono; nesse sentido, nada tinha mudado desde a primeira vez que a viu.
Na realidade, não poderia nunca esquecê-la, porque em Cymru sempre se falava dela. Muitas vezes tinha ouvido seu tio falar da normanda que uniria os dois países. Cedric devia desposá-la para selar a união, e Gareth odiava seu irmão, por esse motivo, no entanto, quando seu tio à ofereceu, esteve a ponto de recusá-la; tinha desenvolvido uma forte aversão a esse povo que perseguia seu povo, e não queria nada com eles. Até que voltou a vê-la.
Mesmo que afirmasse ser outra pessoa, ele a conhecia. A menina alegre e feliz parecia ter se transformado em uma dama de maneiras refinadas, mas havia algo nela decididamente provocativo. Toda vez que sorria, seus lábios carnudos se abriam, e sua respiração se agitava. Um forte desejo ardia debaixo dessa couraça, frágil de inocência e maneiras impecáveis. Ele se propunha remover essa couraça para revelar a mulher que havia por baixo.
Gareth compreendia o quanto custaria para ela deixar sua família, e prometeu fazer todo o necessário para que sua futura esposa se adaptasse sem problemas. Não seria difícil. O que era difícil imaginar, era como poderia ser controlar quando estivessem juntos em privado. Desejava tocá-la e derrubar todas as barreiras que havia construído ao seu redor. Morria de vontade de beijá-la, sentir sua respiração, apoderar-se dela como um animal selvagem. Mas ela casaria com um príncipe, não com um animal, faria qualquer coisa para provar.
Tanon parecia não notar, quão bela era. Tinha tido suficiente experiência com as mulheres para notar, se conheciam o poder que exerciam sobre os homens. Sua noiva não tinha usado de seu charme ou de sua covinha para enrolá-lo, e isso o seduzia ainda mais. Após ter conhecido seu pai, entendeu que a razão pela que a filha não tinha sido cortejada, nem nunca beijado nenhum homem, não faltava homens desejosos em provar seus lábios carnudos, e sim com o medo que lorde Risande inspirava a todos os
cavaleiros de Avarloch e Winchester. Gareth estava contente, por ser o primeiro. O primeiro em...
Escutou-se uma batida na porta.
— Entre — disse.
Três homens entraram, seguidos por Madoc, que fechou a porta com o calcanhar da bota.
— Por que diabos deveríamos tomar banho antes de comer? — protestou um deles, arranhando o queixo quadrado, adornado com uma barba castanha — Acabei de tomar banho, há duas semanas.
— É certo, Alwyn, e feder como um porco que esteve derrubando na lama, todo esse tempo — rugiu Madoc, e jogou-se de corpo inteiro na cama de Gareth. — Tomás, arranje-me uma maçã!
Tomás, era alto e desajeitado, com cabelos castanhos ondulados, que estavam amarrados na nuca, percorreu o quarto em busca de um prato de frutas.
— Aqui não há maçãs.
—Vá procurar — Madoc fechou os olhos, e ajeitou a cabeça no travesseiro. — Talvez encontrem algumas na cozinha.
— Não acredito que irei até a cozinha só para procurar uma maçã para você.
— Muito bem. Então, irei eu mesmo. — Deu uns tapinhas no ombro de seu irmão, antecipando com um olhar tenebroso o que aconteceria se não atendesse seu pedido.
— Irei, procurar a maldita maçã, cretino — disse Tomás alterado, sabia que sempre ia ceder ante as ameaças de seu irmão. Madoc nunca tinha levantado à mão, mas tinha um jeito de olhar que bastava para muitos inimigos preferissem fugir ao invés de confrontá-lo. — Possivelmente, esteja com medo de andar pelo castelo sozinho. — resmungou ao sair do quarto, tentando curar um pouco de orgulho ferido.
— Encontrei com Bleddyn perambulando no porão. — anunciou Madoc.
— Ah, é? — Gareth respondeu distraído, sentado na beira do baú, enquanto amarrava suas botas — Por um acaso estava perdido?
— Sim, foi o que disse. Sujeito desagradável.
— Você não gosta de ninguém.
— Ele, era servidor de Cedric.
Gareth simplesmente encolheu os ombros:
— O mesmo que você.
— Sempre servi você, com total lealdade. — assegurou Madoc, surpreso com a ofensa.
— Sim, é verdade. Confio em seu critério. Não deixe de vigiar à Bleddyn.
— Devemos tratar o assunto do banho. Não usarei o sabão deles — disse Alwyn. — Diriam que cheiro a normando.
— Vai cheirar à flores, se for necessário — replicou Gareth. — Tem que aprender a se adaptar a qualquer situação para estar em condições de controlá-la.
Esse foi o conselho que recebeu de seu tio uma vez, salvou-lhe a vida em mais de uma ocasião. Havia sido preparado para conseguir a vitória em combate, mas preferia o bom senso da força. Dessa forma, menos pessoas morreram.
—Está noite compartilharemos o pão com os Risande. Não lhes ocorra dar um empurrão no ombro de alguém, como fizeram na noite passada. Nada de provocações. Lembrem-se o porquê de estarmos aqui.
— Para procurar à moça.
— Para assegurar a paz para o nosso povo — corrigiu Gareth, pacientemente. — Embora devamos comer, beber e sorrir com os normandos, nós o faremos.
— Ou dormir com eles. — grunhiu Alwyn irritado.
— Alwyn — a voz de Gareth assumiu autoridade. — compartilho de seus sentimentos, mas lady Risande será minha esposa. Deverá honrá-la e respeitá-la, como eu. Entendido?
— Está bem. Mas não se esqueça o que ela é.
— É uma dos nossos, e a tratará com gentileza.
Quando Alwyn assentiu, continuou em um tom menos grave:
— Sequer pensem em matar alguém — Olhou diretamente para Madoc. — Entendido? Sei que custa bastante controlar-se.
— Ainda não se casou e já está amaciado.
Gareth riu e passou por ele, ao sair do quarto:
— Encontre-me em batalha e verá o quanto estou amaciado.
Enquanto descia as escadas, pensou novamente em Tanon. Devia elaborar a melhor estratégia para se dar bem com ela. Esse casamento tinha um propósito definido, e ele se ocuparia de concretizá-lo. Devia ter o trabalho de demonstrar que não era um bárbaro selvagem; tirar primeiro seu medo, sua inocência e, finalmente as suas roupas. E fazer amor de todas as maneiras imagináveis.
Rebecca tinha ido aos aposentos de lady Brynna, e Tanon começou a descer as escadas, sozinha, quando viu Gareth conversando com Eleanor Fitzdrummond. Por um instante, deteve-se para observar. Então o príncipe se interessava por seios voluptuosos como Roger. Tanon, não se importava se ele fosse beijar Eleanor ali mesmo, diante dela. Talvez fosse certo que o Galês se casasse com lady Fitzdrummond ao invés dela.
Deu outro passo, com a intenção de seguir adiante, quando Gareth sorriu em resposta a algo que disse a prostituta. Oh, não era um sorriso educado. Diabos, o quanto a desgostava que estivesse com Eleonor! Como era possível que não se importasse com seus sentimentos, ao flertar com a mesma mulher que tentou tirar seu ex-noivo? E por
que devia se importar? Decidiu que iria ignorar, e passou junto aos dois com um olhar venenoso.
—Seu noivo vai escoltá-la até o salão. — anunciou uma voz saída das sombras.
Tanon teria dado um passo à frente para prosseguir seu caminho. De perto, Madoc parecia realmente cruel.
—Por Deus, se parece com um ogro! —repreendeu-o amigavelmente.
Tanon não cumprimentou seu noivo, quando se aproximou. Eleanor tinha ido embora, mas o episódio deixou sua marca.
—Madoc, pode se retirar — Gareth esperou que seu primeiro comandante tivesse ingressado no salão. Só então se dirigiu a ela. — Você deveria parar de me evitar.
O tom de sua voz combinava a suavidade da seda com a dureza do ferro. A jovem fez o possível para evitar que essa voz e esses olhos reluzentes no salão iluminado por tochas a afetassem. Estava chateada consigo mesma porque se importava com o que Gareth fazia com Eleanor.
No caso de Roger, não tinha se chateado, mas era uma lástima que o campeão de sua infância se convertesse em uma canalha.
—Surpreende-me que tenha notado. — disse ela, com dissimulada indiferença.
Um sorriso suavizou o rosto de Gareth, logo fez um gesto de fingida irritação:
— Acho que posso ser manuseado facilmente como de Courtenay, Tanon? Considero um insulto.
— Perdoe-me por ser tão insensível como você.
— A oferta de lady Fitzdrummond de compartilhar minha cama foi rechaçada. Pensa que iria me desfazer do ouro, e me conformar com o barro?
Tanon se arrepiou. Então, Eleanor ofereceu-se para dormir com ele. Claro, não seria uma... Ouro!
—Sim, você é ouro para mim — assentiu, compreendendo a evidente confusão de Tanon.
Ela tinha suas dúvidas, mas acreditou nele por um momento enquanto estava lutando, não era um inimigo armado, mas o efeito que lhe produzia. Oh, que bobagem; já estava convencida de que o príncipe a beijaria, quando na verdade só tinha em mente um pedaço de bolo, não voltaria a mostrar-se tão crédula novamente.
— Estou resignada a me casar. Não tem necessidade de... — Ele se aproximou em um grande passo. Seu aroma de madeira e couro a envolveram e pôde ver o intenso ardor de seu olhar, sob as longas pestanas. — fingir que você... — não pôde terminar a frase, pois sentiu sua mão em seu rosto. Os olhos de Tanon se abriram ainda mais. — O que pensa que está fazendo?
Quase ficou sem ar, ao ver que estava se inclinando para aproximar sua boca da dela. Não havia dúvidas que agora, iria beijá-la. Talvez devesse ter se afastado antes de sentir o toque de seus lábios, mas seu sorriso era muito cativante e lhe resultava quase familiar. Não teve tempo para que se recuperasse e o empurrasse por tentar beijá-la ali mesmo, no corredor. Por outro lado, acariciou seu rosto com tanta ternura e um persistente desejo que arrancou um leve gemido.
Gareth se afastou, lentamente, desfrutando do feitiço dos olhos fechados e a boca entreaberta de Tanon. Por Deus, enfrentaria uma tarefa imensamente mais difícil do que acreditava.
Capítulo 7
Tanon estava sentada à mesa de seu pai, e observava Gareth sentado com Hereward, junto à lareira.
Sua boca seguia fazendo cócegas depois do beijo. Santo Deus, finalmente foi beijada! Faltou pouco para que levasse seus dedos nos lábios, lembrando o quão maravilhoso tinha sido. Maravilhoso e assustador; porque destruía suas defesas e a deixava débil e ofegante.
Eleonor Fitzdrummond teve a audácia de passar várias vezes por Gareth, mas ele não deu a menor atenção a essa prostituta. Seria verdade que tinha rejeitado a oferta de Eleanor? Ao pensá-lo, Tanon o encontrou ainda mais sedutor. Seria uma tragédia que se apaixonasse por um homem que só se preocupava com ela por uma promessa de paz para seu povo.
Desejava que ele não fosse tão sensual. Cada vez, observava algo nele que nunca tinha observado antes, por exemplo, a maneira de acariciar sua taça com a mão enquanto escutava Hereward, ou a forma que seu colete de lã negra moldava as arestas de seu peito. Tentava desviar o olhar, mas sucumbiu à tentação e surpreendeu a si mesma olhando-o extasiada. Estava prestes a desviar o olhar, quando Gareth encontrou seu olhar e piscou.
— Quem é o homem que está dando voltas em torno do príncipe - perguntou Dante ao seu irmão — Sua técnica para a batalha parece pouco convencional, mas fiquei impressionado.
— É o primeiro comandante de Gareth. Seu nome é Madoc Ap... — Brand se esforçou para articular seu nome, mas, em vista de sua dificuldade, desistiu — Droga. Que
língua estranha, não posso pronunciar. Uma palavra tão simples como «saudações» se diz “cyfarchion”.
—Tente falar sem prender a língua. Seja qual for sem nome, já lhe lançou três... — Dante posou seu olhar incandescente sobre Madoc. — Não, quatro olhares assassinos, irmão.
— Deve sentir-se ofendido por algo que seu senhor disse ontem à noite.
Tanon virou-se para o pai:
— O que disse?
— Dei-lhe alguns conselhos, como seu futuro sogro, a respeito da melhor maneira de garantir a segurança da minha filha — respondeu, com um sorriso doce.
Dante riu, imaginando o tipo de conselhos que teria dado seu irmão à Gareth. Virou-se para sua esposa, revelando sua famosa covinha.
— Brand faz inimigos em qualquer lugar que passe. Não se alegra por ter se casado com seu irmão encantador?
— Acho que teria preferido o mais bonito. Não é, minha bela dama — Brand deu um sorriso tão cativante que uma das empregadas, ao vê-lo, deixou cair um cogumelo na taça de Tanon.
— Aprendi a me conformar com o que tenho, meu senhor. — suspirou Gianelle.
Dante riu e pulou sobre ela. Ela riu e bateu-lhe com o guardanapo. Tanon os observava e sorriu melancolicamente ao filho mais velho, Robert, e às filhas, Katherine e Cassandra. Estava feliz que sua mãe ainda estivesse acima em suas habitações cuidando das pequenas gêmeas, Ellie e Anne, pois acreditava que seria incapaz de suportar as manifestações de afeto entre seus pais essa noite.
—Boa noite, cavaleiros — Gareth interrompeu seus pensamentos, enquanto Hereward se aproximava de outra cadeira em frente à Rebecca e outras damas acrescentou, com voz de seda e a vista nos olhos de Tanon.
Seu olhar refletia a audácia incomum, tendo em conta que estavam sentados ao redor da mesa. Entretanto, já se tinha permitido uma liberdade com ela no salão. Pertencia à ele, e ele queria que todos soubessem. No entanto, a moça seguia olhando seu pai, para certificar-se de que seu noivo não seria golpeado por sua espada.
—Gareth, bem-vindo à nossa mesa —saudou Brand com uma cordialidade forçada, e apresentou a todos os presentes — Espero que saiba desculpar a ausência de minha esposa. Ainda se encontra, ocupada com nossas filhas pequenas. Comeram muitas tortas de mel.
— Lady Risande é quem cuida delas? — perguntou Gareth, sinceramente surpreso, tomando lugar próximo à Tanon.
— Claro que sim. Isso o surpreende?
— Pensava que as mulheres da nobreza normanda não se ocupavam com seus filhos.
— Pois está terrivelmente, errado. — se interpôs Tanon, ofendida. Virando-se para ela, Gareth por fim acabou falando:
—Desculpa que tenha julgado mal a pessoas que não conheço muito bem.
Ela tornou-se consciente da ironia e reconheceu que tinha tirado vantagem. Sentiu-se derretendo, quando ele ofereceu um sorriso de reconciliação.
Dante afastou com o pé a cadeira desocupada que tinha à frente.
— Sente-se — convidou o homem que estava ao lado do príncipe. Seu sorriso amigável se transformou em uma expressão de suficiência.
— Não — respondeu Madoc, com ironia desafiadora. — prefiro ficar de pé.
— Entendo —os olhos de Dante resplandeceram sobre a borda de sua taça, quando a aproximou de seus lábios. — De perto, parece maior.
A seu lado, Gianelle cobriu a boca para não deixar o riso escapar.
— É, igual a esposas pequenas. — retrucou o galês, com uma ligeira inclinação para ela.
O conde riu e levantou sua taça na direção de Madoc.
— Ah! Finalmente encontro alguém capaz de me responder, que não seja minha bela esposa. Sente-se e compartilhemos uma taça e, talvez, logo possamos ver se sua espada é tão afiada como a sua sagacidade.
— Madoc, junte-se a nós — ordenou Gareth. — Aqui não preciso de sua proteção.
— Ouso dizer que não precisa de proteção em qualquer lugar. A habilidade apresentada está manhã, foi incrível —disse Dante, com um sorriso, ante o reconhecimento de Gareth. — Aprendeu a lutar assim combatendo contra os normandos?
— De jeito nenhum. Aprendi brigando com meus irmãos. Tinha quatro anos, era o menor de todos, quando meu pai morreu e nossa mãe nos mandou para nosso tio, em Deheubarth. Imediatamente nos submeteram ao treinamento no campo, e estava cansado de ser esmurrado por meus irmãos. Meu tio, por piedade, me ensinou a evitar os golpes, através da dança.
— Da dança? —perguntou Brand surpreso.
Tanon tratou de espantar as imagens do jovem dançando nu, sob a lua cheia.
—De fato. A dança serve para que possa manter o equilíbrio. O equilíbrio e a velocidade são a essência de nosso treinamento. Eu me encarreguei de ensinar a cada um dos meus aldeãos.
— Odeio dançar. — resmungou Oliver, o mais novo dos irmãos de Tanon.
— Isso porque as danças normandas são cerimoniosas e solenes. Nós dançamos para festejar.
— O que festejam?
— Vitórias, boas colheitas, o nascimento de uma criança.
Guillermo, outro irmão de Tanon, bufou com desprezo:
— Se dançássemos cada vez que nascesse uma criança, não iríamos parar nunca.
Gareth riu com tanto gosto, que o próprio Brand não pôde evitar sorrir, quando o príncipe olhou para os seus seis filhos ao redor da mesa e depois diretamente para ele.
— Seis crianças indicam um bom começo, lorde Risande.
Tanon olhou-o horrorizada. Deus, que houvesse dito em brincadeira. Ela esteve presente no nascimento de quatro de seus seis irmãos e certamente não desejava passar por mais de meia dúzia de casos similares.
— E esperamos outro. — disse Brand com orgulho.
— Minha mãe teve doze filhos — relatou Gareth, nunca tinha imaginado que podia manter uma conversa agradável com um guerreiro normando. — Minhas quatro irmãs morreram ao nascer e todos meus irmãos, salvo Cedric, foram mortos em batalhas ao longo dos anos.
Tanon estremeceu de compaixão, recordando o grupo de rapazes que tinha visitado Winchester faziam tantos anos. Quase todos mortos. Perguntou-se se teriam caído nas mãos dos normandos.
— A melhor razão para não ter filhos nunca. — murmurou.
—Que ridículo! — repreendeu-a Rebecca. — Terá muitos filhos.
Tanon deu-lhe um chute por debaixo da mesa; mas imediatamente encontrou a maneira de obter que sua amiga a acompanhasse, sem que seu prometido se opusesse.
— Se planejar dar à luz a muitas crianças, é imperativo que ao meu lado esteja minha ama, para me ajudar quando chegarem ao mundo. Não concorda Gareth?
— Há dezenas de mulheres da minha aldeia que sabem ajudar em partos.
A jovem se enfureceu. Tinha-lhe negado ter sua mãe ao lado e agora também lhe negou a companhia de sua amiga mais querida.
— Se insistir que devo dar a luz a seus bebês, Rebecca deve estar comigo durante os partos. Caso contrário, negarei-me a tê-los.
Gareth olhou de esguelha à Brand, que lhe deu um sorriso. Provavelmente não era apropriado advertir a jovem que sua recusa poderia levá-lo a aplicar métodos interessantes para conceber uma criança.
Sabia que Tanon era uma mulher de caráter, e lhe parecia muito bem. Faria falta, no país de Galês. Mas a faísca de obstinação que aparecia em seus olhos quando o desafiava era algo muito diferente. Não estava acostumada a ter algo negado. Sua gente o obedecia para preservar a vida, e ela devia fazer o mesmo. Em breve teriam tempo para discutir o assunto.
—Muito bem. Sua acompanhante virá conosco. — A voz do Gareth cobria Tanon como uma manta de plumas, mas seus cílios grossos escondiam a frieza em seus olhos.
—Obrigado — ela sussurrou; compreendeu que está disputa poderia ter se tornado uma grande batalha. Sorriu para expressar seu apreço, e ajudou assim a suavizar o olhar de Gareth. Ela não podia ler os pensamentos que tentava esconder atrás de sua expressão impassível. Ele a queria. Mas não gostava de ser questionado. Segundo Brynna, nenhum homem gostava. E, depois de tudo, Gareth era um príncipe e, de fato, bastante arrogante. Pensaria no assunto com calma, mais tarde. No momento, a coisa
mais importante por exemplo, era evitar derreter-se em cima da mesa, se seguisse a olhando dessa maneira.
Ele pegou sua mão.
—Tanon — disse, aproximando-se e desconcertando-a com seu perfume e sua voz calma. — quase não te vi sorrir. Quero vê-la sorrir mais frequentemente.
Claro que era muito arrogante, mas, mesmo assim, a jovem sentiu a boca seca e seu coração acelerado. Inclinou levemente a cabeça, e olhou para ele de lado, premiando-o com um sorriso, que provocou um suspiro no príncipe.
Como era agradável ter semelhante efeito em um homem!
Capítulo 8
Tanon sentou-se na cama. O dia de seu casamento tinha chegado. O dia em que seu marido a separaria de sua família, de Avarloch, e a levaria a uma terra tão indômita como a si mesmo. Mas se simpatiza com Gareth. Sempre gostou dele e quando voltou trouxe consigo algo que Tanon tinha perdido todos esses anos: seus sonhos, e havia despertado novas emoções escondidas. Gareth conseguiu reascender toda sua paixão adormecida podia adverti-lo com a rapidez com que conseguia irritá-la. A perspectiva de viver em Galês a atemorizava; mas o medo a fortalecia. Escutou uma batida na porta.
— Entre. — disse Tanon, jogando os ombros para trás, para acalmar-se. Ao ver sua tia Gianelle com suas duas filhas pequenas, sorriu e abriu os braços para acolhê-las. Katherine e Cassandra pularam na cama e começaram a falar em uníssono e ininterrompidamente.
—Tia Brynna tem náuseas outra vez. — informou Katherine, pondo cara de doente, para ilustrar melhor sua versão.
— Vai se tornar uma princesa? — perguntou Casey, a menor das meninas, de apenas seis anos, enquanto pulava para o colo de Tanon, com seus cachos dourados esparramados sobre os ombros. Katherine começou a puxar sua roupa.
— Voltará? — seus olhos grandes e solenes aguardavam a resposta.
Tanon teve problemas para responder. Não seria fácil voltar para à Inglaterra, desde o país de Galês; embora não fosse inteiramente impossível, tendo em conta que Gareth tinha atravessado a fronteira sem provocar nenhum derramamento de sangue. Simplesmente, teria que encontrar maneiras de convencer o marido que a levasse para visitar sua família, pelo menos uma vez por ano.
Quais foram às palavras de sua mãe quando foi anunciado seu compromisso com Cedric? Que uma mulher inteligente nunca deve tentar dominar seu marido. A doçura no tratamento e a ingenuidade fariam com que Deus lhe desses excelentes resultados para convencer o marido, em qualquer sentido.
Ela sorriu, beijou-a cabeça de sua prima na cabeça e disse:
— Claro que sim. Visitarei-os o mais rápido possível. Agora vão para o salão, preciso falar com sua mãe.
Gianelle manteve a vista sobre suas filhas enquanto saíam do quarto.
— Procurem a seu pai, queridinhas. Katherine, leve sua a irmã pela mão, quando descerem as escadas — acrescentou, antes de virar-se para Tanon — Parece preocupada. Há algo errado?
— Sim. Posso fazer uma pergunta sobre os homens e o casamento. É muito importante!
— Entendo que seu noivo tenha um aspecto primitivo, mas isso não é, em si, uma coisa ruim.
Tanon corou quando viu sua tia ruborizar-se.
—Não falava disso! O que quero saber é... meu Deus, tia Gia! Como pode dizer que não é errado se seu marido for um selvagem e você uma mulher delicada? Não, não, não me responda nada. Apenas me diga o que são “ardis femininos”.
Os olhos imensos de topázio de Gianelle estreitaram.
— Ardis?
— Mamãe disse algo sobre a astúcia feminina. Mas, se fosse questão de inteligência, os homens também a teriam.
— Bem, é claro. Dante tem cérebro, e seu pai também é inteligente, já que teve o bom senso de casar-se com sua mãe. Suspeito que até Guillermo deve ter um pouco de inteligência, debaixo de aparência rude.
Tanon fechou os olhos, tranquilizando-se pelas palavras de sua tia, e se atreveu em perguntar como Dante tinha conseguido conquistar seu coração. Gianelle não tinha uma boa opinião dos homens, com exceção de seu marido, mas a verdade é que antes tinha sido uma escrava, vítima de toda classe de abusos nas mãos de seus senhores.
A mulher suspirou, pensando no homem que lhe tinha dado a liberdade, e muito mais.
— Seu tio se mostrou gentil, justo e extremamente paciente.
— Mas não era um mulherengo incorrigível?
— Oh, sim — concordou complacentemente.— Mas isso foi antes de me conhecer. Não houve mulher na Inglaterra e na Normandia que estivessem seguras perto dele. — Sua voz se suavizou. — Me fez rir e me deu coisas com as quais tinha sonhado a minha vida inteira. Como podia não me apaixonar por um homem que me deu o mar de presente?
— Impossível. — concordou Tanon, com um suspiro nostálgico, absorvida pela maneira em que sua tia foi resgatada das cadeias de servidão pelo amor de um homem apaixonado e decidido.
De repente, Eloïse entrou no quarto, surpreendendo as duas.
—Desculpe a demora, milady — rogou, fazendo uma reverência; porém logo que se incorporou, deixando de lado toda cordialidade. — Nota-se que ainda temos muitos preparativos antes do casamento e há pouco tempo para terminar — cruzou o quarto, em direção à cadeira de espaldar alto onde estava estendido o vestido de noiva de Tanon, cor verde esmeralda.
— Não entendo porque tanta pressa. — observou Tanon.
— Está amassado. Tenho que... — a criada abriu a porta de um puxão e cambaleou para trás, desfazendo-se em sucessivas reverências. — Vossa Majestade!
Os anos foram bons para Guillermo, o Conquistador. Apesar de sua avançada idade, ainda conservava um aspecto belo e assustador. Sobre todo aquele dia, vestindo com todas suas insígnias e distinções para o casamento. Levava seu cabelo, totalmente grisalho desde a morte de sua mulher, Matilda, estava a pouco mais de um ano, usando uma fita negra, à altura dos ombros. Uma magra diadema de ouro dava conta de sua dignidade real, com um espetacular casaco escarlate, com bordados de ouro e prata, no pescoço, punhos e bainha. Seus profundos olhos cinza seguiam sendo capazes de submeter sua vontade ao seu inimigo mais amargo. Mas seus olhos caíram sobre Tanon, cheio de tristeza.
— Deixe-nos —ordenou baixinho à Eloïse. Entrou no quarto com a mão levantada para o Gianelle, para avisar que não fosse embora. — Como está, minha preciosa?
— Tenho a sensação de que todos estão esperando impaciente que eu vá embora. Não sei —acrescentou, vendo que o rei estava prestes a protestar. — mas tudo aconteceu muito rápido.
— Sim — disse, desanimado.— Deve partir amanhã. Gareth deve retornar ao Galês, o mais rápido possível. É muito importante que ambos estejam lá.
Quando seus olhares se encontraram, ele não pôde evitar um sorriso. Tinha pegado ela em seus braços poucas horas após seu nascimento e a tinha amado desde aquele momento.
— Sei que já sabe algo sobre seu novo lar, mas desejo que fique ciente de alguns detalhes que lhe permitirá entender melhor como são as coisas em Galês. O lugar foi assolado pela guerra. Os nativos, brigam contra nós na fronteira e entre eles, nos territórios selvagens do interior. Não quero assustá-la, Tanon. Mas deve estar preparada.
— Não me assusta. — disse.
O rei a olhava com evidente orgulho, não sabia se o fazia recordar mais seu pai ou a sua mãe.
— O país não é governado por só um rei, mas sim vários; os reis são inimigos, mas são os príncipes que fazem a guerra, com o desejo de expandir seus domínios. Dafydd of Gwynedd, filho do rei Gruffydd, do norte, é quem acreditávamos que havia matado ao Gareth. Você é o objeto de paz de um rei normando, não de um rei galês. Compreende, minha querida? No país de Galês, haverá guerras, embora você não tenha o que temer. Garanto que a região que pertence à Gareth está em paz. Não tive a oportunidade de falar com você sobre isso — adicionou Guillermo, desviando novamente o olhar. — Quero que saiba...
—Não — Tanon pulou da cama e ajoelhou-se diante ele. — Tudo o que está tentando me dizer, li em seus olhos. Sei o quão difícil foi para ti tomar certas decisões, vi-o rezando na igreja. É sábio e misericordioso, perdoaste inclusive Hereward por seus anos de rebeldia. Tem sido amigo de meus pais e meu tutor mais zeloso. Não admito que me dê explicações. Absolutamente, não é necessário. —Tomou sua mão forte, e a passou em seu rosto. — Estarei bem — prometeu, para aliviar suas preocupações.
Os dedos de Guillermo, cobertos de cicatrizes, marcas de batalhas, envolveram seu rosto e, quando ela olhou para cima, a doçura de seu sorriso a comoveu até lágrimas.
— Sabia que sua mãe teria filhos maravilhosos. Não estava errado.
— Raramente erra.
—Peça-me o que quiser, Tanon Risande, tentarei, desde que esteja dentro do meu alcance.
Um sorriso travesso apareceu em seu rosto:
— Diga-me o que são os artifícios femininos.
O rei ficou olhando-a por um momento, não sabendo se tinha ouvido corretamente. Depois piscou e olhou para Gianelle, com a esperança de que ela respondesse. Como não o fez, enrugou o cenho e pigarreou:
— São... são...
—Sim?
Procurou novamente o rosto cândido de Tanon e voltou a pigarrear.
— É o mistério da mulher. Sim, é isso que é.
— Mistério? — agora Gianelle estava confusa — Por favor, explique-se.
— Uma mulher tem muitas armas contra um homem.
— Armas?
— Sim, Tanon. Armas — repetiu o rei, olhando para a porta, com a esperança de que Brynna chegasse. — Para começar, o modo em que move... é... os quadris. Também, essa forma incitante de piscar.
— O que quer dizer? —insistiu Tanon, querendo que essa imagem fosse esclarecesse.
Guillermo olhou para ela diretamente e piscou. A moça deu uma gargalhada.
— Quer dizer que as mulheres têm estratégias para persuadir os homens.
— Para submetê-los a sua vontade? — Tanon estava surpresa.
— Isso é o mesmo que enganar —protestou Gianelle— Um marido merece que ter uma paixão honesta. —Balançou a cabeça, apontando com o queixo em direção do rei. — Agora vê o que quis dizer a respeito de sua inteligência.
— O que tem que dizer a respeito disso? —protestou Guillermo e olhou furiosamente à esposa de Dante.
— Tia Gia acredita que os homens podem ter um cérebro sob a aparente rudeza.
— Não reaja como uma criança — riu Gianelle, vendo-o pôr cara de ofendido, e antes de estreitar os olhos. — Sabe que o adoro, meu senhor.
O casamento de Tanon ocorreu tão de repente que não houve tempo para armadilhas, truques, ou qualquer coisa. Suspeitou que o sacerdote pôde ter apressado a cerimônia com medo da ira de Roger, que passou resmungando. Ou talvez por causa do grande desafio que Madoc desafiava. A brevidade da cerimônia também pode ser devido ao olhar furioso que o rei dirigiu a ambos. Brynna chorava. Um dos homens de Gareth cantarolava, e o tamborilar da bota de seu pai sobre o piso da igreja advertia que estava pronto para arrancar sua filha das mãos do noivo e matar quem tentasse detê-lo
Curiosamente, Gareth se manteve impassível durante a cerimônia, Até se virou para Tanon, em uma ocasião, e piscou. Sua serenidade a tranquilizava. Mas o efeito sedativo durou apenas até que o sacerdote concluiu a bênção e chegou o momento em que o marido devia beijá-la.
Sorriu e se inclinou para ela. Cobriu-a com seu olhar sensual, enquanto acariciava seu lábio inferior com o polegar. Tanon estava em êxtase. À medida que suas bocas se moldavam em um requintado beijo, ela se sentiu desfalecer, como se ossos derretessem. Segurou-se em seus ombros, para não cair e, também, porque não queria que se detivesse nunca.
Ele se afastou um pouco e passou a língua por seus lábios, para desfrutar-se com seu sabor.
— Graças a Deus, finalmente terminou — declarou Alwyn, cuja voz ressonou dentro da igreja. — Agora, é hora de beber!
Sem tirar os olhos e as mãos de Tanon, Gareth à fez virar para ficar de frente ao público. Alguns aplaudiram, outros protestaram. Todos os Galeses se ajoelharam, para homenagear e honrar à nova princesa.
Capítulo 9
Todos convidados se reuniram no salão principal, onde aguardava uma celebração espetacular. Havia cantores, harpistas, acrobatas e palhaços. Foram descobertos barris dos melhores vinhos, cervejas, whisky do rei Guillermo, para a ocasião. As mesas estavam deslumbrantes, com toalhas de linho e taças de prata e cristais. O aroma de cordeiro assado despertava o apetite.
O rei conduziu os noivos e os pais de Tanon até um dossel decorado com inúmeros arranjos florais.
Logo se fez silêncio, e começaram a tocar poesia galesa. Tanon custava acreditar que o jovem poeta era o irmão de Madoc. Com seus cachos dourados caindo sobre os olhos, mais parecia um anjo do que um guerreiro. A jovem ouvia seus versos sobre o amor e fidelidade, com os olhos fixos no marido. Sobre o amor, não tinha ilusões, mas teria uma amante se ela não o agradasse? Preferia que isso não acontecesse. Que não beijasse outra mulher como a havia beijado. Meu Deus, e como o fazia bem! Questionou-se se todos os homens sabiam beijar assim. Provavelmente não. E ele parecia satisfeito, mesmo que ela tenha permanecido imóvel em seus braços. Sorriu, sem dar-se conta, ao olhar para seu perfil. Além disso, ele tinha boas maneiras.
— Maldição! — rosnou Gareth, de repente, olhando zangado para a multidão.
— Gareth —sussurrou Tanon. — Gostaria que se controlasse.
— O idiota está a ponto de provocar outra guerra — disse, levantando-se, sem cerimônias, e abandonando seu lugar.
Ela observou como se aproximou a passos largos de Alwyn, o mais forte dos quatro soldados. Naquele momento, Hereward, estava sujeitando o maciço galês.
— O grande bastardo chamou Dante de «efeminado» — protestou Alwyn, olhando furioso sobre o ombro de Hereward. — Vou quebrar seu pescoço e usar sua cabeça como copo!
— Amigo — Gareth não levantou a voz, mas sua frieza silenciou os crescentes murmúrios dos convidados. — vá tomar um pouco de ar fresco.
Alwyn não protestou. Libertou-se de um tranco das mãos de Hereward que o segurava como se tivesse garras. Em seguida, o príncipe deu um sorriso não muito amigável ao cavalheiro normando que tinha ofendido a Cian, insinuando que se tentasse novamente receberia um castigo. Quando se virou para retornar ao palco, se viu de frente à Roger.
Tanon notou que seu pai parecia disposto a intervir, mas à mão de Guillermo sobre seu ombro o impediu. Mas ninguém deteve Madoc, que estava encostado na parede, a poucos passos. Avançou com o olhar fixo em Roger.
— Segue sendo um cretino arrogante — espetou lorde Blackburn, dirigindo-se à Gareth, enquanto vacilava sobre seus pés. — Não mudou nada.
O príncipe observou a taça vazia na mão de seu ofensor e suspirou em desapontamento.
— Deveria tomar cuidado com a bebida. Pode ser a causa de sua morte.
De Courtenay estava bêbado demais para entender o significado da advertência.
— Deveria tê-lo matado há doze anos! Roubou-me! — rugiu, fazendo com que Dante e Brand se aproximassem.
— A verdade é que você a roubou de mim — disse Gareth, calmamente. — Não houve maneira para que soubesse, por isso perdoarei a sua vida.
Roger riu, mas imediatamente seu rosto se transformou em uma máscara enfurecida.
— Seu dote era para ser meu. Deixou-me em situação ridícula durante o torneio.
— É um tolo, de Courtenay, soube quando te vi pela primeira vez. Perdeu porque sua habilidade para luta é tão lamentável como seu gosto pelas mulheres. Deseja outra coisa agora ferir ainda mais seu orgulho? Madoc, faça o favor de tirar do meu caminho este bêbado. Não quero manchar as mãos com seu sangue na noite do meu casamento.
Tanon suspirou pesadamente, surpreendida porque Madoc deu um empurrão no conde, fazendo-o cair sobre uma das mesas. Com o caminho limpo, Gareth retornou ao palco, sem se preocupar em averiguar onde Roger tinha caído.
—Dirigiu bem a situação — reconheceu Guillermo. — de Courtenay mereceu, depois de péssimo comportamento da outra noite.
— Com todo o respeito, sua Majestade — Gareth falava com um risinho de descrença. — Acaso estava bêbado quando prometeu à de Courtenay a mão de Tanon? Disse como havia tratado à menina e seu animal aquele dia e, no entanto, autorizou o compromisso.
Guillermo o olhou, por um momento, em meio a um silêncio mortal. Logo se inclinou para frente, sorrindo para Tanon. Gareth estava entre ambos.
— Querida, por que não acompanha sua mãe, que está conversando com Dante e sua graciosa mulher?
Tanon percebeu que estava mandando-a para longe para lidar com seu marido. Ela não queria obedecer, porque ele tinha falado isso para defendê-la. Olhou-o confusa, antes de recuar.
— Gareth — começou o rei, em voz baixa. — se voltar a falar assim comigo, fatiarei sua cabeça e a exibirei na entrada do castelo. Está entendido?
— Sim — respondeu, sustentando o olhar.
O desafio que podia perceber em seus olhos surpreendeu à Guillermo e lhe fez sorrir. Não gostaria que Tanon se casasse com um covarde.
—Não preciso explicar minhas decisões a você ou a qualquer pessoa, mas depois de ver o comportamento de Courtenay hoje, considero válida sua pergunta. Seu pai brigou comigo em Hastings. Ele era meu amigo. Por isso tive piedade de seu filho naquele momento. A verdade é que Roger era uma criança terrível. Enviei-o para a Normandia para que aplicasse suas energias em coisas mais úteis. Em seu regresso, parecia ter mudado a ponto de ser um candidato aceitável para Tanon. Também tinha herdado muitas terras quando morreu seu pai. Entende, agora?
— Sim — Gareth respirou aliviado, por ter chegado em Winchester em tempo de salvá-la de Roger, mais uma vez. Procurou-a com o olhar por todo o salão.
— Bem — Guillermo à viu sentada à mesa de Dante. — Junte-se a ela.
Quando o príncipe retirou-se, o rei virou para Brand e disse:
— Gosto dele.
— Por isso ameaçou cortar a sua cabeça?
— Tive que fazê-lo. É um homem perigoso e ganhei seu respeito. Seria imprudente e arriscado da minha parte não conservá-lo.
Tanon sorriu ao ver que Gareth se aproximava. Não só a tinha resgatado de lorde Blackburn naquele dia, mas soube mantê-la segura durante os doze anos seguintes, ao contar para Guillermo a história de Roger e Petúnia. Seu rosto se iluminou. Esperava que o rei não tivesse se irritado com ele. Sentia-se confusa e tonta, talvez por causa de Gareth e o estranho efeito que lhe produzia. Pela primeira vez em muitos anos, tinha a sensação de ter perdido o controle de suas emoções.
O que mais desejava era que voltasse a beijá-la. Particularmente gostava do toque de suavidade de seu rosto e a maneira em que esse corpo anguloso pressionado contra o dela. A jovem o contemplava pausadamente: primeiro os pés, logo as pernas, depois
os quadris... Fechou os olhos com força, ao sentir seus ossos amolecerem. Tinha sido cercada de homens toda a vida, e nenhum haviam despertado nela pensamentos pecaminosos. Agora, estava casada, esperava-se que cumprisse seus deveres conjugais com dignidade. Oh, Deus! Como faria? Estava tão atordoada que mal lembrava seu nome e ainda estavam usando todas as suas roupas! E então o que aconteceria? E se fosse selvagem na cama como era em combate? Olhou para longe, não queria que ninguém percebesse o rubor de suas bochechas.
Gareth já estava chegando. Olhava-a como se a estivesse tocando. Parecia inalar seu aroma. Sua espessa cabeleira dourada se desdobrava, ao caminhar, como a juba de um leão que avançava para sua presa.
— Venha — pediu, segurando a mão dela, para que se incorporasse — Desejo ficar sozinho com você.
Tanon abriu os grandes olhos:
— Não sei o que fazer — murmurou, enquanto se afastavam da mesa.
— Que tal isso?
— À medida que... — deixou-se cair contra seu peito. Seus braços a rodearam. A moça olhou para cima e sussurrou — mais tarde.
Gareth a olhou com uma ternura comovente, que se sentiu tentada de em pendurar-se em seu pescoço e beijá-lo ali mesmo, na frente de todos, no meio do grande salão.
— Não se preocupe com isso. — sua voz era tão cálida quanto seus lábios.
— Oh, sim, me preocupa! —respondeu, separando-se. — Devo conversar com minha mãe. Não estava se sentindo bem esta manhã e não quis incomodá-la com minhas perguntas. — Falava de maneira rápida, apertando o tecido de seu vestido em um punho. — Está grávida, e não terei chance de ver o menino quando nascer. Não poderíamos visitá-la? Minha prima disse, pela manhã, que...
— Não.
— Não? Por quê?
— É muito arriscado cruzar a fronteira.
— Podemos pedir um salvo-conduto para Guillermo.
—Não vamos pensar em retornar agora.
À Tanon tremeram os lábios e as lágrimas escorriam pelo seu rosto.
—Demônios — o escutou amaldiçoar. Passou os dedos pelo cabelo, intrigado. Tinha um aspecto tão indefeso e inerme, se não fosse pela tristeza que a embargava, estaria rindo, ao ver aquele guerreiro temido aflito. — Está bem — sabendo que mais tarde se arrependeria. — Encontrarei uma maneira. Mas pare de chorar. Tanon assoou o nariz e o olhou esperançosa.
— Está falando sério?
— Sim, acabo de dizê-lo.
Ela estava em êxtase de alegria. Com um salto, aferrou-se a seu pescoço e feliz, compreendeu que acabava de descobrir a mais eficaz das artes femininas: as lágrimas.
—Está pronta para ir à cama agora?
Sua voz era baixa e adormecedora perto do ouvido. Seu corpo enrijeceu. Tomou-a pela cintura e a apertou fortemente contra meus músculos contraídos. Tanon dificilmente notou. De repente, sentiu-se invadida por um cansaço tão grande que sequer foi capaz de sorrir. Bocejou:
— Sim, tenho tanto sono!
O sorriso dele se desvaneceu e deu lugar a uma careta de desgosto.
— Sono? Tanon, por um acaso esteve bebendo whisky?
— Só um pouquinho — respondeu, apoiando sua cabeça sobre o peito de Gareth e fechando os olhos. — Sim, um copo. Ao princípio não gostei, mas depois me pareceu que era adocicado.
—Está bêbada.
—Não. As damas não se embebedam.
—Demônios! — preparou-se para falar, quando percebeu que ela se deixava cair em seus braços.
—Oh, Gareth! Precisar parar de amaldiçoar. — Ela agarrou-se ao seu pescoço, enquanto se dirigia para as escadas. — Boa noite, mamãe — ela conseguiu dizer, antes de sair do salão.
Capítulo 10
— Como você é forte —ronronou Tanon, aninhada em seu peito, enquanto Gareth levava-a para cima.
Ele queria demonstrar que estava zangado, mas não conseguia ela era tão sedutora, com aquele sorriso encantador.
—Na realidade, você que não é pesada —murmurou, convencido de que nunca se sentira tão débil. Recordou a primeira vez que Tanon sorriu para ele, com aquela adorável lacuna entre os lábios, pelo dente perdido. Demônios, ainda era capaz de tê-lo completamente rendido, sem necessidade de esforço.
Levou-a para o quarto e colocou-a em sua cama. Ela abriu os olhos verdes brilhantes. Ao compreender onde estava, fez um esforço para levantar-se, mas sofreu um enjoo e empalideceu.
— Sente-se. — ordenou Gareth. Sobre a mesa tinham posto um verdadeiro banquete nupcial. O príncipe ignorou a comida e umedeceu um lenço na jarra de água para refrescar o rosto de sua esposa. — Assim sentira-se melhor — assegurou, permanecendo a seu lado, enquanto observava sua reação.
— Mas, eu...
— Não se preocupe. — disse ele.
Logo Tanon se tranquilizou, com a doçura de sua maneira, e logo adormeceu, com um suspiro lânguido de seus lábios.
Maldito whisky. Gareth retirou o lenço que cobria sua cabeça. Sem dúvida, um acessório odioso, que só servia para esconder os formosos cabelos das mulheres! Um cacho de cabelo escorregou para a bochecha e ele o afastou com a mão. Ficou olhando
a curva graciosa de seu maxilar e o fino desenho de seus lábios. Teve que cerrar os dentes, pela excitação crescente. Diabos! Tinha planejado tudo para aquela noite. Tinha previsto cobri-la com beijos, lentamente, centímetro por centímetro, até que estivesse relaxada em seus braços e parasse de se preocupar com o que deveria fazer na cama.
Tanon abriu os olhos de repente, olhou para ele e sorriu.
— Gareth, lembra-se das histórias maravilhosas que me contava sobre o país de Galês?
— Claro — respondeu, alegrando-se de compartilhar com ela essas lembranças.
— Eram verdadeiras? Ouvi coisas terríveis.
Olhava-o como se estivesse disposta a acreditar em qualquer coisa que dissesse.
— Sim, eram verdadeiras.
Então ele retirou as fivelas de seu cabelo e ficou observando seus cabelos cacheados soltos sobre seus ombros. Era assim como se lembrava dela.
— Está aborrecido comigo.
— De jeito nenhum — repôs, estudando seu rosto com arrebatamento.
— Mas está franzindo a testa.
— Porque está me deixando louco e isso me preocupa.
—Ah, é? — disse.
Estava totalmente a mercê de sua voz e na maneira em que o envolvia com o olhar.
— Sim — seu sorriso iluminou ainda mais os seus sentidos. — Não faço outra coisa que não seja pensar em te beijar o tempo.
— Admito — suas bochechas estavam cobertas por um intenso rubor. — eu também estive pensando em te beijar.
Ele elevou uma sobrancelha:
— Seriamente? — Ela assentiu, e insinuou um sorriso para Gareth acompanho o ardor de seu olhar. — Veem — disse, e aproximou brandamente sua boca como um amante hábil.
Seu beijo fez caricias que o fez conter o fôlego. Apesar do ardor que sentia, não se atirou sobre ela, em troca, acariciou cada canto de sua boca e fez o impossível para despertar sua paixão, até que a jovem suspirou profundamente. A autenticidade da reação de Tanon avivou mais Gareth, que a abraçou com uma força irresistível. Uma vez que a boca da jovem se moldou à sua, ele a penetrou com sua língua, entre gemidos de prazer.
Tanon sucumbiu entre seus braços, enquanto a língua do Gareth continuava sobre a dela, ofegante. Ele enchia sua sensibilidade com um desejo selvagem e o gosto pelo perigo e o descontrole. Puxou os cabelos da jovem para inclinar sua cabeça e expor seu pescoço, que ele percorreu com os lábios. Quando parou para tomar fôlego com a boca entreaberta denotava um estado incomum de excitação. O ardor de seu olhar acelerou o coração da moça.
— Não precisa ter medo — ordenou, sem perceber que sua voz para ela era irresistível.
O príncipe a despiu primeiro com o olhar, depois com os seus dedos ágeis afrouxou o laço que sujeitava o vestido e deixou seus seios descobertos. Tanon respirou profundidade, superou a vergonha por sentir medo. Resultava-lhe lamentável e vergonhoso por desfrutar dos prazeres carnais. Mas ao perceber que ambos compartilhavam a mesma paixão, parou de pensar por completo. Quando sentiu que os dedos viris percorriam a delicada turgidez de seus seios, correspondeu-lhe arqueando as costas e fechando os olhos.
Com a cabeça curvada, Gareth beijou onde tinha acabado de acariciá-la e recostou-se com um gemido abandonando de prazer.
Ele afastou a cabeça de seu busto.
—Tanon! — Ao não receber resposta, sacudiu-a suavemente. — Diabos Tanon, acorde!
Nada.
— Maldição! — Olhou chocado a figura inerte da jovem. Nunca lhe ocorreu nada parecido. Jamais alguma mulher adormeceu em seus braços enquanto estava prestes a fazer amor, e muito menos enquanto a estava beijando.
Gareth a olhava em êxtase. Céu como a desejava! Mas, nestas circunstâncias, o que significaria tentar algo? Não faria amor com uma mulher dormindo, mesmo que fosse em sua noite de núpcias. Sequer se atrevia a despi-la, embora seu traje parecesse exageradamente recatado. Por que os normandos sentiam a necessidade de se vestir como se estivessem sempre no inverno?
Fez um esforço por afastar-se de sua bela adormecida e se deixou cair na cadeira ao lado da lareira. Perguntasse com o que demônios tinha ocorrido para tomá-la como esposa. Precisava de paz em seu lar; para resolver as responsabilidades reais. Se tivesse agido com o mínimo de prudência, teria recusado à mulher destinada a seu irmão exilado, e retornado à fortaleza em Daffyd, para acabar com o que tinha deixado inacabado no ano anterior: acabar com o desgraçado e averiguar quem tinha sido o traidor que o tinha entregue ao príncipe do norte. E, em vez de fazer o certo, estava feliz contemplando sua esposa bêbada. Pensou em retornar à festa, no salão principal, mas percebeu que Madoc e seus homens nunca o deixariam esquecer que tinha passado sua noite de núpcias com eles e não com sua bela esposa.
Certamente, sua beleza era arrebatadora. Seu coração se acalmou ao recordar sua cândida confissão de ignorância quanto aos prazeres do corpo. Possivelmente por isso tenha bebido tanto: estava apavorada. Mas que diabos! Quando ele a tocou, não tinha reagido com temor. Gareth mudou de posição, desconfortável com a ereção crescente. O sabor da pele de Tanon permanecia impresso em seus lábios. A pequena inocente se tornou mulher. Tinha sido franca e honesta, como se não conhecesse outra maneira de se comportar. Bom, depois de tudo, não tinha mudado tanto, sorriu.
—Que Deus me ajude! Tem-me enfeitiçado como aos dez anos.
Sem mais que um sorriso, conseguiu que permitisse levar sua ama. Algumas lágrimas bastaram para arrancar a promessa de que a levaria para ver seus pais e familiares. Como o faria? Por que o faria? Qual a necessidade que tinha para voltar lá? Já tinha resolvido às urgências de seu povo. Não tinha nenhum motivo para voltar a pôr um pé na Inglaterra. Tinha assuntos mais importantes para atender, como ver seu tio e cuidar de seu povo.
Tirou as botas e foi até sua cama, despindo-se, ao passar. Tinha tudo planejado cuidadosamente. Livrá-la-ia de seu medo, de sua inocência... mas de modo algum iria comprometer seus sentimentos com ela, ao ponto de tornar-se fraco. A paz: essa era sua causa. Tudo isto o tinha feito para consolidar a paz. Deitou-se de costas com as mãos sob a cabeça. Essa noite a deixaria dormir. No entanto, amanhã à noite, iria possui-la.
De manhã, ao despertar, Gareth afastou os cabelos de Tanon, que estavam em sua boca. Demorou um instante para perceber que o peso que o oprimia era o do corpo de sua esposa. Ela dormia tranquilamente em cima dele, como se fosse o mais macio travesseiro. Ele tentou retirar seu braço, completamente paralisado, depois de sofrer toda a noite. Flexionou os dedos para recuperar o movimento.
— Tanon.
Tentou concentrar-se, mas ao ouvir seu gemido, quase perdeu o controle novamente. Cobriu seu tentador traseiro com a palma de sua mão, enquanto apertava os dentes. Quanto poderia um homem resistir ao sentir o ardente corpo de sua mulher junto a ele?
— Tanon, acorde.
Ela mal se moveu, Gareth fechou os olhos, tentado em derruba-la de costas e possui-la.
— Hum! — queixou-se ela, segurando a cabeça dolorida. — Sinto como se um cavalo tivesse passado por cima de mim.
Gareth continuava amaldiçoando o whisky.
— Merece isso, por ter bebido.
Com isso mostrou que não era tão brando como seu travesseiro.
— Gareth, por favor, fale baixo.
— Saia de cima.
— Não posso.
—Tanon, juro pelo meu gado que, se voltar a mexer dessa maneira, vou rasgar suas roupas e farei contigo o que deveria ter feito ontem à noite.
Seus olhos se abriram rapidamente e ela se moveu, apesar das marteladas que sentia na cabeça. Então, sua mão fez contato com o peito nu de Gareth, e gritou, retirando-a imediatamente, como se estivesse queimando.
— Oh, Deus, está nu! — Ao vê-lo por trás, a dor de cabeça de Tanon quase sumiu. Vestido somente com braceletes e um fino colar de ouro, via-se sua musculatura como uma obra de perfeição escultural, dos ombros aos tornozelos.
— Sempre durmo nu —retrucou, sem virar-se. Pegou uma taça de frutas da pequena mesa do banquete. Colocou uma ameixa na boca e se dispôs a retornar para a cama.
Os olhos da moça se arregalaram mais, mas em seguida fechou-os com força.
— Sou seu marido, Tanon. Abra os olhos e coma alguma coisa.
Por que devia lembrar-lhe! Por que a seduziu dessa maneira com o tom de sua voz? Além disso era necessário ser assim tão... grande?
Ela pegou o lençol de um puxão e cobriu os olhos, justo antes de perceber como se afundava o colchão. Espiou entre as pálpebras e viu que seu marido estava sentado ao lado dela; mas, pelo menos, havia coberto o torso com o lençol. Embora seu rosto fosse tão letal como seu corpo sedutor.
— Saia, para que possa me vestir.
— Coma.
— Vista-se. Não posso...
— Não.
— Por Deus! — seus olhos lançavam faíscas. — É um selvagem.
— Não o suficiente para deixar os lençóis manchados de sangue —disse, com um olhar gélido — Não me provoque.
Ao ver que seu vestido tinha sido solto, Tanon olhou-o acusadoramente. Os olhos de Gareth se concentraram no decote de sua jovem esposa.
— E o que significa esse sorrisinho? —exigiu ela, apoiando uma mão em seu quadril.
Percorreu-a com o olhar, com um olhar tão lascivo que a fez sentir-se uma prostituta.
— Sou uma dama, caso tenha se esquecido. — Fez gesto para ajustar a roupa, ante a evidência de que ele preferiria tira-la.
—Sei muito bem.
O rubor de suas bochechas contrastava com o verde seus olhos. Gareth ficou contemplando-a, deslumbrado por sua beleza.
— O que fiz? — disse Tanon, baixando a voz.
— Deixou-me louco.
— Sério? —perguntou, estupefata.
— Sim, e está fazendo isso novamente.
Gostava a forma como Gareth examinava sua boca; do mesmo modo que a tinha olhado ontem. Ele se inclinou para frente, aproximando seus lábios dos de Tanon.
Houve uma batida na porta. Ela pulou da cama, para ajustar suas roupas. Sua cabeça limpou tão logo viu esse homem com o torso musculoso ainda nu sentado sobre na cama, com um lençol ao redor dos quadris. Viu em seus olhos um indício fugaz de frustração.
— Um momento, por favor — exclamou, tentando freneticamente de unir as pregas de seu vestido, enquanto Gareth se limitava a envolver seu torso no lençol, mais uma vez, recostando-se tranquilamente sobre os travesseiros. Nem por um instante deixou de observar a figura graciosa de sua esposa que, ao abrir a porta, deu passo para um grupo de mulheres.
—Ah, bem. Vejo que estão acordados. — Rebecca lançou um olhar crítico sobre o penteado de sua senhora. Sorriu para Gareth, por cortesia, mas rapidamente desviou o olhar. Eloïse e Lorette não sabiam como atuar frente ao guerreiro semi-desnudo.
Tanon estremeceu até a planta dos pés: seu marido jazia como um deus dourado, com sua cabeleira cor mel derramando-se sobre seus ombros perfeitamente moldados, e com um olhar que refletia sua realeza.
— Bem — Rebecca pigarreou e tomou a mão de Tanon. — Sabe, já esta ficando tarde. Devemos nos preparar para a viagem. Venha, vamos para seu quarto...
— Este é seu quarto — explicou Gareth, da cama.
— É claro, milorde. —Rebecca virou para ele, mas evitou olhá-lo diretamente.
— E ela pode se vestir sozinha, não é Tanon?
—Não. Minhas vestimentas são muito numerosas e difíceis de colocar, demoraria horas para vestir. — disse depois de pensar um momento.
Gareth suspirou:
—Pois bem. Retirem-se. Quando estiver vestido, podem retornar para ajudar minha esposa.
As criadas abriram a porta de um puxão e saíram, seguidas por Tanon.
— Você fica aqui. —ressonou a voz de Gareth, com autoridade.
A jovem virou-se para enfrenta-lo:
— Mas, eu... — A crueldade de seu olhar a fez calar. — Feche a porta! — gritou a Rebecca, que estava esperando no corredor.
—É um espetáculo que devera se acostumar, minha esposa. — disse, deixando cair o lençol, enquanto se encaminhava para pegar sua roupa.
— Impossível. — declarou, incapaz de afastar o olhar da musculatura que a cativava.
Gareth lhe sorriu, enquanto colocava uma calça de couro. Rodeou as tiras que se ajustavam em seu abdômen, antes de averiguar.
— Sua cabeça ainda está doendo? —perguntou, colocando outra túnica sem mangas.
— Estou melhor — reconheceu, mas tinha impressão de que sua voz seguia um tanto apagada. Fez um esforço para parar de olhá-lo e se ocupou de registrar todo o resto que havia no quarto. — Não me agrada que me dê ordens. É descortês de sua parte, quase brutal.
Ele se deteve ao seu lado no caminho até a porta. Ao aproximar sua boca do ouvido de Tanon, percebeu que a jovem estremeceu.
— Fico feliz em saber que por haver me visto nu tenha aliviado seus pesares — murmurou — Tentarei melhorar minhas maneiras. — prometeu, antes de abrir a porta.
Rebecca deu-lhe um olhar minucioso e pareceu conformar-se. Embora essa túnica sem mangas, ainda parecesse muito ousada.
— Vamos ajudá-la. No salão está a espera pão-doces recém-assados e uma taça de hidromel quente, milorde.
— Não penso em me retirar. — anunciou com um sorriso, ante a descrença da ama.
— Não estará dizendo que... — seu olhar se encheu de assombro, quando Gareth puxou uma cadeira disposto a observar como vestiam sua bela esposa.
— Pensa em ficar aí? —Tanon não superava seu espanto.
— Por que não? Acaso não é minha mulher? Seu pai abandona o quarto quando sua mãe se veste?
— Bem... não... mas... — estava cada vez mais nervosa, enquanto ele permanecia imóvel. — Pois, eu não o farei.
O príncipe a olhou desafiante. Acabava de prometer que se esforçaria para melhorar suas maneiras. E que diabos tinha que criticar suas maneiras? Exalou um suspiro prolongado. Não queria faltar com a sua promessa. Franziu a testa, ao pensar na classe de homem em que estava se tornando. Se não conseguia fazer valer sua autoridade, iria se transformar em um idiota. Estava determinado com isso, mas devia pensar em uma forma mais adequada para alcança-lo.
—Todas as mulheres normandas se recusam a cada exigência de seus maridos? — começou, sabendo perfeitamente o que fazer para chegar ao bom termo. — resulta muito fastidioso e um claro sinal de desrespeito.
Por um momento, seus olhares combateram. Por fim, Tanon recolheu o lençol do piso e o entregou a Rebecca.
— Como preferir. Mas se não concordar, não me diga isso.
Gareth quase caiu na gargalhada, mas ela falou completamente a sério. Seria possível realmente que não percebesse o efeito que tinha em sua presença, com os cabelos despenteados sobre os ombros? Se estivessem a sós, teria explicado como recorreu a todas suas forças para não arrancar sua roupa de um único puxão. Teria dito ali mesmo, se Lorette não tivesse desdobrado o lençol, justo nesse momento, para ocultá-la, enquanto as outras duas começavam a despi-la.
Capítulo 11
Tanon supôs que, vestindo-se na frente do marido, passaria por uma experiência humilhante; porém, resultou em um dos momentos mais gratificantes de sua vida.
Ele a observava confortavelmente sentado, com os cotovelos apoiados nas coxas. Seus perturbadores olhos azuis estavam fixos sobre os ombros de Tanon, enquanto observava as roupas caírem em seus pés e, depois, a camisa. A moça cobriu o seio nu com o cobertor e se virou para ver o homem que insistia em observá-la: Gareth se deleitava com o corpo de sua esposa e a seduzia com seu intenso olhar sem mesmo tocá-la. As donzelas refrescavam seu corpo com o mesmo tecido úmido que ele tinha usado na noite anterior. Quando Eloïse lhe colocou uma camisa limpa, Gareth finalmente falou.
—Vire-se —sua voz profunda e ardente fazia Tanon delirar. Com um movimento do seu dedo, indicou a Rebecca que tirasse o lençol. Seus olhos percorreram a jovem como o mesmo efeito de um incêndio. Dissimulados sob a efêmera musselina cor de creme, os mamilos de Tanon foram à primeira parte de seu corpo que reagiu. Gareth os envolveu brevemente com seu olhar e instantes depois encontrou seus olhos; tranquilizou-a com uma cúmplice piscada. Desejava que ela sentisse-se relaxada em sua presença, e Tanon sorriu agradecida.
Com a capacidade observá-lo atentamente, captou o prazer e a excitação que lhe causava. Os impulsos do desejo, que estava acostumada quando ele estava por perto, invadiram-na novamente. Sabia que era bonita seus pais sempre o diziam, mas nunca deu muita importância. Os homens a olhavam, mas não com muita insistência. Em Avarloch, apenas os guardas falavam com ela. A maioria das filhas dos nobres já estavam casadas e com um filho em cada braço. Mas os únicos homens que se interessaram por Tanon eram uns velhos decrépitos, quase cegos, com exceção de
Roger, que tinha deixado claro na noite passada, que seu interesse era apenas em obter seu dote. Mas não era o que esperava, não estava em seus planos entregar seu coração a um homem que não a amasse.
Entretanto, Gareth não tirava os olhos dela. Nos lugares de reunião, no gramado, no salão, até mesmo no campo de honra, sempre a espreitava com esse olhar. A partir do momento que tinha passado pelos portões de Winchester, conseguiu fazê-la se sentir bonita. Sua mãe tinha razão, não tinha tentado beijá-la naquela noite em seu quarto, com medo que seu pai o atravessasse com a espada. Mas, agora, era evidente que desejava beijá-la.
Gareth sustentou seu olhar o tempo todo, até que Lorette terminou de arrumar- lhe o suntuoso vestido bordô com bordados dourados. O vestido se ajustava em sua cintura, destacando a estreiteza de sua cintura e o arredondamento dos quadris. Quando uma das donzelas quis prender seus cabelos, ele se interpôs:
— Prefiro que os deixe soltos.
Tanon ergueu as sobrancelhas, em sinal de interrogação, mas em seguida recordou ter feito um comentário a respeito sobre aquela noite quando Hubert, por engano, tinha-o conduzido para seu quarto. Estava surpresa que recordasse e não se importasse se ela em determinadas ocasiões, não estivesse elegante.
— Deixe-os de lado, Lorette —pediu, em voz baixa— assim não os terei sobre o rosto.
Lorette percorreu os cabelos de Tanon com seus dedos e colocou em sua cabeça uma touca de bordas douradas. Gareth encolhia o peito apenas em olhá-la. A deusa despreocupada e sensual da noite anterior se transformou em uma princesa deslumbrante.
— Só falta colocar as meias e os sapatos, milorde. — disse Rebecca, com um sorriso, percebendo seu olhar de aprovação.
— Não precisa. Já podem se retirar. —ordenou, sem tirar os olhos de sua esposa.
— Mas... — começou Rebecca. Ele não a ouvia. Caminhava para Tanon, como se tivesse enfeitiçado. A ama saiu com pressa seguida por Eloïse e Lorette, e fechou a porta suavemente.
— As meias vão me fazer falta, se fizer frio. — assegurou a jovem, um pouco transtornada pelo calor incandescente do olhar que a seguia em todos os momentos.
—Não faz frio. Mas se quiser usá-las, eu as colocarei em você.
Tanon sorriu nervosamente, sabia que ele falava seriamente.
— Não seja tolo, Gareth. — Sem prestar atenção às suas palavras, tomou as meias e se ajoelhou diante dela. — Que absurdo! Os maridos não vestem suas mulheres.
Ele recolheu a barra de seu vestido, para deixar sua perna livre, enquanto ele segurava o tornozelo da jovem.
Tanon mordia o lábio inferior, enquanto Gareth deslizava suavemente a peça do vestuário até sua panturrilha. Seus dedos enfeitiçados se moviam com habilidade por sua pele, despertando os seus sentidos.
— Vai vestir-se na minha frente todos os dias, a partir de agora.
Acariciou lhe a parte interna de sua coxa, então mais lentamente e de forma provocadora, a curvatura atrás do joelho. Assegurou a meia no alto de uma perna, depois realizou o mesmo procedimento com a outra. Quando terminou Tanon respirava com dificuldade. Gareth ficou diante dela, impressionando-a com sua estatura, e antes que o coração de Tanon se apaziguasse, envolveu sua cintura com um braço e a estreitou contra seu corpo. A jovem não conseguia respirar, ao sentir a pressão de sua virilidade exaltada.
—Nunca mais pense que me desagrada. Gosto de muito de você, Tanon. Sempre gostei.
Disse isto olhando-a fixamente, antes de aproximar sua boca da dela.
— Só Deus sabe o quanto te desejo!
Gareth se esforçou para não amaldiçoar quando viu a carruagem que aguardava no pátio do castelo, preparada para partir. O veículo, já era por si pequeno e oferecia dificuldade adicional em ir sobrecarregado com quatro baús sobre o teto e um quinto baú estava sendo içado sob a atenta supervisão de lorde Brand. Um pouco distante, Tanon se despedia de seus familiares e amigos, entre beijos, abraços e muitas lágrimas.
— O que diabos isto significa? — Gareth se aproximou e deu uma olhada ao panorama terrível.
A seu lado, Madoc comentou tranquilamente mastigando uma fibra de feno:
— Alguns pertences de sua mulher.
—Alguns? —os olhos de Gareth arregalaram-se em incredulidade.— Crê que haverá mais?
— Sim, mas felizmente estão em Avarloch.
— Com essa carga, levaremos uma semana há mais para chegar em casa. — disse Alwyn, que tinha se aproximado pelas costas de Madoc.
Gareth lançou um olhar gélido à Tanon, e depois se dirigiu à lorde Risande. Quando esteve prestes a perguntar se tinha perdido o julgamento, o conde de Avarloch olhou para o príncipe para fazer a mesma pergunta.
— Na noite passada alimentou a esperança de minha filha de poder vir visitar sua mãe. Este casamento foi arranjado com o propósito rápido de pôr fim à luta entre ambos os lados, mas não impede que os senhores da fronteira se oponham quando retornarem à Inglaterra. — Quando Gareth quis responder, Brand o interrompeu fazendo por seus olhos azuis da cor da meia-noite. — Pelo que sei, não tem nenhum acordo com o rei Guillermo para assegurar a livre circulação do retorno, de modo que se tivesse a intenção de passar com ela clandestinamente entre seus homens armados, desde já
desaconselharia — adicionou em tom ameaçador. — Pergunto-me se agiu com sabedoria ao fazer essa promessa.
— Pois, não. Não acredito. Arrependi-me de ter cedido a suas suplicas, quando fiz a promessa. Mas sua filha estava chorando e era impossível recusar.
A severidade do rosto de Brand se desvaneceu:
— Já vejo. Fico feliz e saber que se importa com seus sentimentos.
— Mais do que me preocupada com sua segurança — disse um pouco irritado, enquanto; observava que carregavam o último baú. — Se você já viajou alguma vez à fronteira, sabe o quanto perigoso que é. Mesmo tendo um salvo conduto real, existem regiões pelas quais é necessário passar com a maior rapidez possível. Qual seria a velocidade desta carruagem, com semelhante peso?
Brand lançou um olhar sombrio à Gareth e apertou os dentes ao escutar o rangido da carruagem, sob o peso adicional do quinto baú.
—Tirem três dos baús. — ordenou aos carregadores.
Tanon se aproximou apressadamente dos homens:
— O que está acontecendo? — quis saber, com uma mão contra seu peito, no momento que deixavam no chão outra parte de sua bagagem.
— Estamos aliviando o peso —respondeu Gareth. — É perigoso...
— O que diz? — perguntou incrédula. — Aí estão minhas roupas, meu alaúde e meus pergaminhos! Como escreverei a minha mãe?
— Tanon, não podemos...
— E as coisas de Rebecca?
— Muito bem. Um baú para você e outro para ela. Têm tempo até o meio-dia para reorganizar seus pertences.
— Mas há presentes nesses baús. Como farei para que caibam em um só? Por favor, me permita que leve pelo menos...
— Tanon — advertiu seu marido. — Até o meio-dia.
Uma hora depois, os dois baús foram carregados sobre a carruagem e os homens de Gareth selaram suas montarias. Depois de se despedir pela última vez de seus pais, Tanon enxugou as lágrimas e passou por seu marido e sua escolta, sem olhá-los ou dizer uma única palavra.
— Não está acostumada a ser contrariada. — disse Hereward, observando a rigidez de suas costas.
— Pois como está acostumado a ser? Quando visitou Cymru me contou que seu nariz se franzia ao rir. Mas não mencionou que raramente ria. — disse Gareth.
O saxão ponderou, antes de responder. Conhecia Tanon há anos. Os Risande passavam muito tempo em companhia do rei e, quando Hereward fez as pazes com Guillermo, chegou a conhecer bem às famílias de Brand e Dante. Quando visitou o país de Galês, há alguns anos, a pedido do rei Guillermo, surpreendeu-se de que o jovem príncipe Gareth tinha sido mais interessado em saber sobre a respeito da filha de Brand que seu irmão mais velho, Cedric, que não exibiu a mínima curiosidade.
— É melancólica, mas nunca deixa de lado sua amabilidade.
—Melancólica! —repetiu Gareth, olhando seu perfil através da janela da carruagem. De repente compreendeu que os unia uma particularidade. Por que não? Ela tinha sido prometida ao patife de seu irmão, que não soube esconder seu ódio pelos normandos, nem sequer tratando-se de uma menina inocente. Logo, entre todos os canalhas desprezíveis, Roger de Courtenay. E agora deveria viver em um país estranho e hostil, que acreditava estar seguro, em companhia de um homem que só tinha visto durante uns meses, aos seis anos. Gareth não pode deixar de sentir piedade dela e uma profunda admiração. Se ele estivesse nessa situação, provavelmente tentaria escapar da carruagem. Mas ela permanecia sentada, impassível e decidida. Era doloroso vê-la
dessa maneira, tão diferente da garotinha que se lembrava. Estava prestes a abordá-la quando Brand se aproximou dele.
— Me avise e estarei próximo da fronteira para escoltá-los pessoalmente.
Gareth sorriu, compreendendo a dor do guerreiro que estava a ponto de perder sua filha:
— Vou me lembrar, milorde.
Brand se fixou em Hereward, mas o gigantesco saxão só tinha olhos para uma das mulheres do cortejo que se aproximava nesse momento. Lady Brynnafar Risande segurou o braço de seu marido. Sua velha amiga e ama de seus filhos passou na frente de Hereward, com indiferença, e se deteve diante de Brand.
— Milorde — começou, com uma leve inclinação, antes de olhar em seus olhos. — Tive a honra de servir a você e sua família por muitos anos. Tenha certeza de que continuarei da mesma maneira à serviço de sua filha.
Brand prodigalizou um abraço, compartilhado com sua esposa.
— Sentiremos saudades, Rebecca.
— E eu de vocês.
Hereward se afastou em direção ao seu cavalo.
Quando estiveram finalmente preparados para partir, o rei entregou o pergaminho à Gareth, juntamente com umas palmadas nas costas, para recordar que esperavam que cuidasse bem de Tanon. Em seguida, abriu de um puxão a porta da carruagem e abraçou a sua afilhada com tanto fervor que ela não conseguia respirar.
— Satisfaça seu rei: encontra a felicidade junto ao seu marido, pequena.
A jovem abraçou-o, mas conteve as lágrimas. Prometeu fazer as coisas da melhor maneira possível. Viu sua mãe, por sobre o ombro do rei. Acenou com o braço e
adotou a corajosa expressão que pôde, enquanto se afastava de sua família para sempre.
Capítulo 12
Viajaram para o norte, até que escureceu, e passaram a noite em uma cavidade baixa, rodeada por florestas densas.
Tanon custou em se adaptar às circunstâncias. As vezes que tinha viajado com sua família, tinham passado a noite em pousadas, com camas, cercados por muros e protegidos de insetos. Apesar de tudo sabia que não tinha nada a temer. Hereward estava com ela. E Gareth permanecia perto, embora algumas vezes tenha falado em particular com Madoc. No entanto, dormir na floresta era novo para ela e duvidava de que chegasse a pegar no sono à noite, com tantos ruídos desconhecidos em torno deles.
Com ajuda Rebecca, elas desempacotaram a comida que Brynna tinha preparado para a viagem, enquanto Hereward acendia uma pequena fogueira, para aquecê-los do frio noturno. Tomás e Alwyn exploraram os arredores, enquanto o restante dos homens escolhera o local para montar suas redes.
—É muito cauteloso —assinalou Tanon para Cian, quando tirou uma adaga, escondida no interior de sua bota, e começou a cortar o queijo em fatias. Ficou vendo um cacho de cabelo que caía delicadamente sobre sua testa. — Certamente, não parece um guerreiro.
Levantou a vista e com um sorriso começou a dizer:
— Já matei mais de setenta norman... — repensou tardiamente, ao dar conta de com quem estava falando e voltou ao trabalho.
— Espero que não tenha sido com essa adaga — disse ela, rapidamente, para dissimular seu horror.
— Não tive intenção de ofendê-la. Só luto quando não há outra escolha.
— Quantos anos tem, Cian?
—Tenho dezesseis. Ao dizê-lo, levantou-se, revelando o orgulho do guerreiro que havia nele. Pela primeira vez, Tanon notou sua semelhança com Madoc. E olhou para onde estava seu irmão, perto do bosque. Os olhos enegrecidos do comandante repousavam sobre ela, duros e altivos, por um breve momento. Algo que não lhe agradava e decidiu que diria à Gareth mais tarde.
— Tenho a sensação de que há centenas de olhos nos espiando — Rebecca tremeu e fechou bem os olhos, ao ouvir o pio de uma coruja no topo.
— Está noite estou de guarda. Não tem nada a temer — assegurou Hereward. Parecia tão convincente que Rebecca se animou em abrir os olhos.
—Quem irá acompanha-lo?
— Acompanhar? —repetiu surpreso, arqueando as sobrancelhas ferrugentas. Ele não necessitava da ajuda de ninguém para cumprir suas obrigações. — Mulher, fere meu orgulho.
— Os cavalheiros honrados não se gabam de orgulho. — respondeu Rebecca, com altivez.
— Pois, sim o fazem, quando sabem lutar como eu — resmungou, com toda a arrogância própria de um rei celta. Com sua cabeleira ruiva e sua capa de pele de lobo sobre os ombros largos, Hereward sem dúvida parecia um rei. — Agora, estamos fora dos muros do castelo, senhora. Seus lindos olhos azuis podem começar a enxergar coisas pouco distintas.
Rebecca tentou minimizar suas palavras e começou a retirar a comida da cesta.
— É muito bonito, Rebecca. — sussurrou Tanon, enquanto entregava os guardanapos bordados que tinha recebido de sua mãe.
—Cale-se. O saxão não me interessa.
—Você também é saxã. Notei que dificilmente tira os olhos de cima de você.
Tanon ignorou o comentário que proferiu sua ama e ordenou a Cian que colocasse uma porção em cada guardanapo.
— Se tiver que comermos no chão, pelo menos será agradável.
De joelhos, a seu lado, Cian viu resplandecer os cabelos de Tanon à luz da fogueira e disse:
—Sim, é agradável.
Sua voz era profunda e um pouco perturbada. Quando Tanon virou para olhar ao menino, à luz do fogo estava reverberando seus olhos verdes, semelhantes ao pó de estrelas. Cian suspirou e tropeçou quando Gareth lhe deu um poderoso empurrão. Madoc riu.
—Não quero parecer presunçosa, Madoc, já que mal o conheço — disse ela, com um olhar de irritação. — mas não parece amável regozijar-se porque seu irmão foi humilhado?
Ele levantou lentamente os olhos e nada disse. Tanon não podia dizer com certeza se seus olhos eram mais negros ou a ameaça deles.
— Não fui criado para ser cortês.
— Oh, desculpe-me, por favor! Nesse caso não devo julgá-lo, né? No entanto— prosseguiu Tanon, com cuidado, porque temia um pouco. — poderia considerar a possibilidade de desculpar-se com Cian.
— Tanon. — foi Gareth quem interrompeu, justo quando ela convidou outro para se sentar.
— E qual é seu nome, senhor? —inquiriu ela, com um sorriso amigável, que fazia ressaltar sua covinha. Se deveria viver com essas pessoas, pelo menos teria que conhecê-los.
— Bleddyn — respondeu o interpelado, olhando para Gareth.
— Pode sentar-se aqui —apontou ela, um lugar perto de Madoc. — E por favor, sirva-se outra porção de carne. É muito bonito, mas está muito magro.
— Tanon! — desta vez, a advertência de Gareth a fez dar um pulo.
— O que acontece? — olhou-o surpreendida e irritada.
— Que diabos pensa que está fazendo com os meus homens?
— Estou demonstrando cortesia —replicou, endireitando-se e limpando uma partícula de poeira de sua saia.— E você poderia fazer o mesmo. Assusta-me com seus gritos.
—Farei o que melhor convenha —sentenciou ele, com os dentes cerrados. — E você vai deixar de transformar meus homens em pavões reais normandos, de maneiras refinadas. Jamais, sob qualquer circunstância, volte a falar para um homem que é bonito.
O que era isso, que pensava «pavões reais normandos»? Não ia discutir com ele na presença de outros. Mas sim, logo que estivessem a sós, não deixaria de salientar a estupidez de seu comportamento. Por enquanto, se conformaria em prestar atenção à comida. Assim pegou mais um pouco e levou à comida em sua boca. E Gareth, satisfeito de que tudo tivesse voltado ao normal, também se dedicou à comida.
Tanon mastigava com os olhos perdidos na floresta, como se um passarinho estivesse dialogando com ela. Ele não sabia se ria ou torceria seu lindo pescoço. Nunca antes tinha suportado tanta beligerância. Sempre que regressavam vivos da luta, à frente de seus homens. Ninguém se atrevia a ignorá-lo. Concluiu que seria melhor evitar uma discussão a cada passo. Além disso, se divertia em observar como ela se esforçava para manter o controle.
— De fato, o silêncio faz bem.
Tanon se virou para olhá-lo. Ficou de pé, indignada. Tratava de se acalmar, mordendo a sua língua, mas resultava cada vez mais difícil, desde que ele havia voltado à sua vida. Não devia se importar com o que ele pensava dela; mas, maldição, não podia evitá-lo. Suas palavras feriam, e Tanon estava perdendo a paciência.
— Não estou surpresa que seus homens careçam de maneiras, tendo por chefe um indivíduo tão arrogante e mesquinho... — o resto de seu discurso insultante se diluiu, quando Gareth se incorporou junto dela. Seus olhos de cobalto a atravessavam, desafiantes. — Está bem — declarou, com perfeito domínio de si mesma. — se o que quer é o silêncio... — fez-lhe notar seu cenho franzido e se retirou.
Gareth saiu atrás dela, sem titubear.
— Não fugirá de mim — disse, segurando-a pelo pulso e obrigando-a a virar-se para ele.
— Deixe-me ir — disse com firmeza.
Por Deus, como queria beijá-la!
—Não permitirei que minha mulher me insulte na frente dos meus homens.
— Nem eu, aceitarei de meu marido.
Gareth estava atordoado. Por um momento pensou que uma esposa tão enérgica seria um verdadeiro demônio. No momento, parecia-o, com seus cachos debaixo de sua touca e os olhos verdes jogando faíscas. Resultava-lhe tão desejável, que o desejo insistia em coloca-lo a prova.
— Deve me obedecer, caso contrário não poderei...
Ela fingiu um bocejo.
— Falta muito, ainda? Tenho sono e tudo que diz vai me fazer sentir mais sono ainda.
Ela ouviu-o resmungar algo em galês, mas se afastou quando Alwyn e Tomás surgiram de entre as árvores.
O primeiro desmontou de um salto, dizendo:
— Gareth! Há um pequeno grupo de homens a menos de duas léguas. São cimry.
— Tem certeza? Como fizeram para atravessar a fronteira?
— Não sei. Tomás e eu fomos capazes de nos aproximar, sem sermos detectados. Querem atacar Winchester.
— Não!—Tanon lhe segurou o braço. — Gareth, faça algo!
— São estúpidos.
— Ouviu? —ela virou-se para dar um puxão em sua túnica. — Devemos advertir o rei. Minha família está lá.
— Sua família não está em perigo. Esses idiotas vão morrer assim que dispararem a primeira flecha contra o castelo. — virou-se em busca do Madoc, do outro lado da fogueira. — Quem diabos pode ter dado ordem de atacar, sabendo que existem milhares de homens para o torneio?
— Gareth —disse Tomás com olhos sombrios. — levam nossa bandeira. Sabem que não têm a menor chance de triunfar. O plano consiste em atacar, fazendo o rei Guillermo acreditar que estão sob suas ordens.
O rosto do príncipe escureceu.
— Quantos são? —perguntou.
— Pelo menos, uns cinquenta. Hereward se incorporou e se aproximou do príncipe.
— O rei sabe que não é tolo. Nunca acreditará que você deu a ordem.
— Possivelmente, mas não estou disposto a correr o risco. Há alguém que não quer a paz com os normandos, e quer me converter em seu bode expiatório. — Depois fez um gesto para Madoc. —Tire-os do nosso caminho.
— Sim, antes do amanhecer — assentiu Madoc. Gareth concordou e se dirigiu à Bleddyn.
— Vai cavalgar diretamente até Winchester e informará ao rei que há um complô para nos enfrentar. Diga o que sabemos e que é necessário que ponhamos fim à situação.
—Quem será o responsável por este complô? —perguntou Hereward. — Devemos descobrir e informar ao rei.
—Não sei. O príncipe Dafydd, possivelmente, ou qualquer um de seus irmãos, no norte; ou, o príncipe Rhydderch de Powis, Cadwr de Glywysing, ou meu próprio irmão —percorreu a escuridão da floresta com o olhar. — Saberemos em breve.
Tanon não pôde dormir. Passou a maior parte da noite com Rebecca, enquanto seu marido estava reunido com seus homens e Hereward, planejando o ataque. O vento revolvia os cabelos de Gareth, e a luz do fogo fazia ressaltar o poder de sua mandíbula e a firmeza de seus lábios. Percebeu que quando seus olhares se encontraram, a expressão do príncipe suavizou um pouco.
A moça mordeu o lábio inferior, ao pensar que dentro de poucas horas, seu marido devia lutar contra homens dispostos a morrer, a fim de matá-lo. Estremeceu de medo e pressionou os joelhos contra o peito. Talvez o matassem naquela noite. Só de pensá-lo era desolador. Tinha tentando ignorá-lo, mas ele tinha essa forma particular de olhá-la que brindava uma inexplicável sensação de familiaridade e segurança. Na verdade, tinha sido o único em preocupar-se em defende-lá de Roger. Nem mesmo Guillermo, ou seu próprio pai tinham feito.
Tanon não desejava que tivesse que lutar ou morrer; mas, como evitá-lo? Sua mãe sempre rezava quando seu pai saía para lutar. Agora, ela era a mulher de um príncipe
galês e devia rezar por ele, erguendo as mãos entrelaçadas até sua boca e fechando os olhos.
— Querido Pai —começou a dizer, em voz alta— rogo-te que proteja meu marido das intrigas maliciosas e as pontas das espadas implacável dos inimigos. Sei que já pedi esta noite que o castigasse severamente, mas mudei de ideia. Não desejo que sofra sob quaisquer circunstâncias. Amém.
Quando abriu os olhos, viu-se olhando as pernas de Gareth, embainhadas em calças de couro. Não tinha ouvido aproximar-se. Ajoelhou-se, de maneira que seus olhares se encontrassem diretamente.
— Está com fome?
Ela negou com a cabeça e começou a virar, para escapar de seus olhos febris. O que menos precisava era apaixonar-se por ele, sabendo que poderia estar morto pela manhã. Ele acariciou seu rosto, para recuperar sua atenção.
—Não se preocupe comigo, Tanon. Retornarei para o seu lado, sem um arranhão.
— É certo que é arrogante — o repreendeu. — e também bastante torpe. Saiba que estive considerando a possibilidade de te esbofetear. Nunca bati em ninguém e deveria cumprir penitência por fazê-lo — Seus olhos se estreitaram. — Tem igrejas em Galês, certo?
— Certamente que sim. Mas eu mereceria, de modo que não haveria nenhuma razão para que fizesse penitência — O tenro sorriso se endureceu. — Tanon, não estou acostumado a...
Como? O que estava prestes a dizer? Que não estava acostumado em desculpar-se, ou resolver os assuntos próprios das mulheres? Nem a sentir-se agitado, ou ciúmes, porque ela considerou olhar para outro homem? Diabos: ele era um príncipe e também o mais temível guerreiro Cymru. Era impróprio ele rebaixar-se a alguém. Não, nem mesmo quando seu tio Dafydd o tinha atirado no calabouço sem comida por uma semana inteira, conduziu-se de maneira tão lamentável. Ele comandava mais de
quatrocentos homens em Deheubarth, e nenhum se atrevia a falar com ele como tinha feito àquela mulher.
Tampouco tinha alguém que rezasse por ele.
—Não está acostumado a que? — Tanon perguntou, com curiosidade.
Gareth acariciou seu queixo, enquanto a olhava. Como era possível que apenas em olhá-la sentia-se tão fraco e vulnerável, que até mesmo o ar lhe faltava? Mesmo que questionasse tudo o que dizia, estava desesperado por tocá-la.
— A me desculpar.
— Oh! —repôs, com um sorriso; e disse dando-lhe uns tapinhas na mão —Não se preocupe, te ajudarei a se acostumar.
— Não duvido. — admitiu, recuperando o bom humor, ante a cândida doçura das palavras de sua esposa.
— Além disso, tem coisas mais importantes para ocupar sua atenção essa noite.
— Claro.
Por exemplo, como fazer para manter suas mãos e sua boca longe dela.
Quando ele dobrou os joelhos para sentar-se junto dela, Tanon, surpreendida, esteve a ponto de se afastar. Ele tomou-a pela cintura, estirando as pernas de cada lado. A moça lhe permitiu estreitá-la contra seu peito, sem oferecer resistência. Gareth tirou sua touca e inalou a fragrância de lavanda que emanava de seu cabelo. Sentia sua respiração e se deleitava com a certeza de ser seu marido e guardião, dentro poucas horas, a sua vida iria retomar o curso normal, ao que tinha se preparado a vida inteira: lutar, matar, triunfar. Amanhã confirmaria entre seus homens se havia algum que o tivesse traído novamente. Mas, por essa noite, só queria abraçar à mulher que havia desposado para garantir a paz. A mulher que o fazia esquecer a guerra.
Capítulo 13
Duas horas mais tarde, Tanon acordou sobressaltada. Ainda não tinha clareado, mas Gareth e os outros, menos um de seus homens, tinham partido. Ela sentou-se, com o coração disparado.
— Já foram?
Encostado no tronco de uma árvore, não muito longe de onde ela tinha dormido, Cian estava sentado no chão, com suas longas pernas estendidas para frente, e balançando a cabeça.
— Tenho a ordem de protegê-la à senhora e sua donzela com minha vida.
Tanon olhou a seu redor. Sua voz tinha despertado Rebecca; mas, além do brilho suave do fogo, não via nada.
— Não se preocupe, milady — tranquilizou Cian, ao ouvir que se queixava. — Meu irmão, Madoc, ensinou-me a lutar — Quando ela fez gesto de levantar-se, o jovem levantou uma mão— Devo reiterar que não se afaste muito.
—Mas está muito escuro. Como consegue ver? —ela aproximou-se dele, oprimindo-as mãos até que doessem. — Não era previsto que partissem antes do amanhecer.
E por que Gareth não se despediu dela? Depois fez outra prece, pedindo a Deus que protegesse seu marido e seus homens.
— Existem motivos para suspeitar de um de nós — explicou Cian, que parecia impaciente quando ela entrou na frente dele. — Sendo assim, o traidor não teria
voltado à Winchester, mas sim teria contatado aos seus, para alertá-los a respeito de nossa emboscada iminente.
— Bleddyn? —Tanon disse, calmamente.
Cian assentiu.
— Ao tomá-los por surpresa, teremos mais chances de sucesso sobre um inimigo diversas vezes maior.
Um traidor. Alguém que já tinha traído Gareth antes. Estes homens sabiam que ele tinha deixado Winchester. Se tivessem atacado o castelo enquanto o príncipe ainda estava lá, seu plano para envolvê-lo fracassaria. O próprio Gareth os aniquilaria. Alguém deve ter informado que eles já tinham ido embora.
Tanon respirou inquieta:
— Então, o que devemos fazer agora?
— Esperar, Gareth e outros já saíram há quase uma hora. Logo o sol nascerá. Certamente, não vão demorar. Por que não se deita mais um pouco?
Santo Deus! Falava de matar cinquenta homens como se fosse apenas um inconveniente circunstancial. Ela não se acostumaria nunca com um estilo de vida tão bárbaro. Deu um passo em direção ao colchão, quando ouviu o ranger de um ramo. Olhou para o chão. Algo estranho acontecia: o ruído não vinha de debaixo de seu sapato. Imediatamente, Cian esteve de pé, segurando o braço dela.
— Vão para o outro lado, já! —Rebecca já estava a meio caminho, quando Cian desembainhou sua espada. Tanon ainda não tinha chegado até ela, quando escutou a voz de outro homem, vangloriando-se com arrogância.
— Cian, na verdade Wyfyrn acreditava que nos surpreenderia com seu ataque?
Tanon viu Bleddyn, de pé na frente de Cian, com um machado na mão e um sorriso perverso no rosto. Foi tudo que viu, antes que uma mão enorme tampasse sua boca e
a arrastasse até a escuridão do bosque. Ela deu uma mordida feroz em sua mão e ouviu alguém amaldiçoando, mas o homem não a soltou. Com a outra mão voltou a segurar sua boca.
—Tanon, sou eu Hereward, maldita seja — o gigantesco saxão sussurrou em seu ouvido. — Não volte a me morder.
Hereward? Levou um momento para reconhecê-lo. Logo então, notou que havia mais pessoas movendo-se ao redor e o aço resplandecia, sob um raio de luar que atravessava o dossel. Um barulho e então o impacto surdo de um corpo que caía. O assobio de uma lâmina da espada, seguido por um gemido sufocado; ou o rangido de um osso que se quebrava. Uma batalha estava se desenvolvendo na escuridão e ela estava no centro.
Com olhos arregalados pelo terror, Tanon se agarrou ao braço de Hereward.
— Esse canalha bastardo... Gareth é Wyfyrn — sussurrou o saxão, em um tom mais parecido com um rugido — Estava certo, Bleddyn nos entregou à seus homens.
Ela seguiu o olhar de seu protetor, através dos grossos troncos, em direção do acampamento iluminado. Bleddyn observava as árvores, incapaz de explicar o desaparecimento de duas mulheres que estavam no local há alguns segundos. O rosto de Tanon mostrou similar confusão quando conseguiu ver um vulto que se aproximava em silenciosamente, sobre os pés descalços, e parou logo atrás de Bleddyn. Ele usava um capacete dourado e tinha a imagem de um dragão gravada; encaixa-se perfeitamente em seu rosto, deixando à vista seu lábio carnudo superior e um par de olhos penetrantes escuros.
— Bleddyn, sabia exatamente quando e onde você e seus homens acabariam seus dias. —rugiu o guerreiro com sua voz abrasadora.
O outro empalideceu e virou. Enfrentou o olhar impassível de Wyfyrn, enquanto este cruzava sua barriga com a espada. Bleddyn caiu de joelhos e, logo, em seguida estava
deitado a seus pés. O olhar do renomado dragão caiu sobre Tanon, que o olhava paralisada pelo horror.
De repente, a floresta estava cheia de figuras que se enfrentavam com espadas, em meio de um turbilhão. Wyfyrn afastou-se, evitando um golpe que poderia ter cortado sua cabeça. Madoc caiu do ramo de uma árvore e caiu agachado ao lado de Tanon. Levou um instante para derrubar pelas costas o homem que tinha golpeado à Wyfyrn.
Aterrorizada, ela se refugiou, estreitando-se contra o peito musculoso de Hereward e fechando com força os olhos. Eles já estavam se distanciando.
—Aqui estará segura. —No entanto, quando ele soltou Rebecca, Tanon continuou presa ao seu braço salvador. — Preciso ir — indicou, apontando para os que lutavam. — Você fique aqui. Não saia daqui, espere que eu retorne.
A moça sacudiu a cabeça, mas Hereward passou por ela, indo em direção à clareira. Olhando em ambos os lados, sua cabeleira vermelha agitou-se como um rasto de sangue entre os ombros.
—Ah, que noite para uma luta! —exclamou, respirando profundamente, pouco antes de se aproximar de um homem à sua direita. O poderoso saxão deu um soco e eles ouviram o ranger de ossos. Depois, levantou sua espada ao alto, antes de baixa-la liquidando seu adversário.
Tanon só queria fugir, mas estava muito assustada para se mexer. Sentiu que Rebecca puxava sua saia.
— Abaixe-se, para que não nos vejam! — ordenou dando-lhe um puxão mais forte.
Atordoada, deixou-se cair de joelhos. Foi criada entre guerreiros. Tinha visto os homens de seu pai cultivarem suas destrezas em Avarloch, durante anos. Alguns tinham sofrido ferimentos significativos, por causa da fúria desdobrada durante os exercícios. Mas isto era verdadeiro e horripilante. Sentiu o cheiro dos corpos destroçados a seu redor. Queria voltar para casa.
Com o canto do olho, conseguiu ver algo se movendo na borda da floresta. Alguém que saía de entre as árvores para entrar na luta. Virou-se novamente, para o outro lado da floresta; Tanon viu os cabelos encaracolados e brilhantes de Cian. O jovem guerreiro lutava de costas à floresta, sem perceber o perigo que o espreitava.
Tanon observou que Gareth lutava contra dois adversários, muito distante de Cian para poder ajudá-lo. O mais próximo era Madoc, embora não houvesse tempo para que ela rodeasse o perímetro de árvores para avisar que menino estava em perigo. Engasgou na garganta e derrotou o pânico. Sem pensar no que estava fazendo, ficou de pé e pulou.
—Cian! Cuidado, atrás de você! — gritou. Ele virou e esfaqueou o homem que estava prestes à atravessá-lo com sua espada.
Tanon não teve tempo de soltar um suspiro de alívio, quando outro homem a jogou no chão. Tentou gritar, mas uma mão forte apertava seu pescoço, deixando-a sem ar. Na outra mão levava uma adaga, que estava prestes em enfiar sobre sua cabeça. Outra mão ensanguentada apareceu no alto e tirou-a de cima a seu atacante.
Era Madoc quem tinha submetido seu atacante. Seus olhos gélidos não auguravam misericórdia. Desembainhou uma segunda espada e cruzou ambas sobre o pescoço de seu oponente. Tendo em vista a execução iminente, Tanon correu para afastar-se o máximo possível daquela cena horrível. Virou o rosto no último instante. Não queria ver o que tinha acontecido, escapou engatinhando, para se esconder na mata.
Com as forças mais equilibradas, depois da eliminação da metade dos bandidos, que estavam esperando na escuridão, a batalha chego ao fim, logo que o sol começou a lançar seus raios sobre a floresta.
A partir de onde estava, atrás de um carvalho gigantesco, observou como Gareth tirava o capacete e se dirigia diretamente para ela. Um mancha de sangue aparecia na frente de sua túnica, para sorte e alívio de Tanon, não era dele.
— Está ferido?
Passou-lhe a mão por seu rosto; por sua expressão de dor, Tanon pensou que estava errada e que em realidade estava gravemente ferido.
— Não, estou bem — disse ele, embora estivesse tremendo. Tocou a mancha de sangue em seu peito. — E você?
Ele segurou seus dedos, antes que chegassem a tocá-lo, e os aproximou dos lábios:
— Não.
Enquanto observava como Gareth beijava seus dedos, Hereward atravessou apressadamente o emaranhado de árvores e deixou escapar um veemente suspiro ao ver que ela estava ilesa. Depois, virou-se para Rebecca, para limpar uma lágrima que escorria em sua bochecha.
— Hereward — disse Gareth, olhando os corpos espalhados ao seu redor. — Leve Rebecca, enquanto os homens limpam o campo — Abandonou por um instante Tanon, para falar com Madoc. — Deixem os corpos no interior da floresta e deixe que os homens descansem antes de partirmos. Cian, me dê uma túnica limpa.
O menino correu a cumprir a ordem e depois de ter entregue à túnica para Gareth, o mais jovem de seus guerreiros parou em frente à jovem, com um sorriso comovedor.
— Obrigado. — foi tudo o que disse, antes de voltar para o acampamento.
Tanon sentia os olhos de Gareth sobre ela, mas não quis olhá-lo, para evitar que seu semblante revelasse a crueldade de seus sentimentos. O medo de ter estado no centro da batalha ainda enfraquecia suas pernas. E o alívio de que nada tivesse acontecido com Gareth, ou Cian, aumentava sua perplexidade. Entretanto, havia algo que impedia de jogar-se diretamente nos braços de seu marido: agora sabia quem era Wyfyrn.
Tanon permitiu que Gareth a conduzisse para a floresta, longe das vítimas da emboscada. O sol atravessava as taças e comidas espalhadas.
Ele parou para deixar de lado sua túnica ensanguentada.
— Foi muito corajoso o que fez por Cian, mas faltou pouco para que me matasse de susto.
Ela notou como a luz resplandecia sobre seus cabelos e sua vibrante musculatura.
— A verdade é que não me senti nada corajosa, nesse momento. — admitiu. Tampouco se sentia corajosa agora sozinha com ele.
— Para quem não conhece o medo, não existe coragem.
— Como soube que viriam até o acampamento?
— Percebi que se Bleddyn os avisassem, não ficariam esperando. Tomariam a iniciativa e tentariam nos surpreender antes de partirmos, para não nos dar tempo. Ao cumprir nossa emboscada, fomos capazes de vencê-los. Você e Rebecca seriam surpreendidas enquanto dormiam, e Hereward devia deixa-las seguras.
Tanon ouviu a explicação um pouco atordoada. Um calafrio percorreu suas costas. Os bandidos matariam ela, Rebecca e Cian, se Gareth não tivesse se prevenido. Mas sabia que Wyfyrn tinha fama de guerreiro ardiloso.
— Você é o pior inimigo do meu povo.
Ele se sentou na grama molhada pelo orvalho.
— Inimigo daqueles que unicamente queriam machucar quem amo.
Tanon o julgou com severidade:
— Mas mentiu para meu pai e Guillermo.
Por Deus! O que faria o rei se soubesse que a tinha feito se casar com o Wyfyrn?
— Tive que fazê-lo. Minha morte acabaria com a guerra entre nossos povos.
— Seriamente, ama o seu povo —Tanon experimentou profunda inveja ao dizê-lo. — Faria qualquer coisa por eles.
— Sim, é verdade.
— Até mesmo se casaria com uma normanda!
Ele observou a expressão divertida de sua esposa. Que motivo ela tinha para reprimir o riso? Por um acaso pensava que ele não estava feliz por ter se casado com ela?
— No começo, tive minhas dúvidas, mas... —A jovem sorriu friamente, concentrando sua atenção em uma pedra. — Mesmo que insista em me provocar todo o tempo, mantenho meu bom humor.
— Eu provoco você? — retrucou Tanon. — Nem preciso me esforçar para que que seja desagradável. É o que faltava!
Gareth cobriu a boca com a sua, enquanto seus braços agarravam-a apaixonadamente. Tanon estava entregue. A boca do homem a devorava, até lhe tirar o fôlego e os últimos vestígios de resistência. Só parou para lhe sorrir docemente; em seguida abandonou a ideia de combater o ódio por seu marido. Não tinha sentido tentar negá-lo. Gostava muitíssimo de Gareth, e desejava que o sentimento se tornasse mútuo.
Ele mudou de posição. O fogo em seus olhos era comparável ao vigor de seu corpo; apoiou seus quadris sobre seu corpo.
— É muito difícil tratá-la com delicadeza.
Seus lábios acariciavam seu pescoço. Ela fechou os olhos e passou as mãos na parte inferior de suas costas, diminuindo instintivamente o espaço entre seu corpo e o de Gareth que a desejava mais naquele momento.
A sua esquerda, ouviu um ruído, como se fossem de pegadas, ou um bater de asas. Um agudo chiado atravessou o ar; Tanon gritou assustada. Gareth rolou para o lado e levantou-se de um salto, revelando um par de adagas que carregava no cinto. Então, encontrou-se um corvo, que o olhava do chão. A jovem levantou-se. Não pôde evitar a risada, vendo como seu marido a defendia de um pássaro.
— Meu herói! —zombou.
Gareth embainhou novamente suas armas e a olhou com gesto torcido.
— É muito falante, para ser uma dama.
—E você, muito lento, para ser um guerreiro — com o qual só conseguiu avivar mais seu olhar de fogo. Droga, era tinha pouca refinação, e era o melhor para ela!— Esse corvo podia tê-lo atacado dez vezes, antes que percebesse.
Ele deu de ombros e lhe deu um sorriso, que acendeu o sangue de Tanon.
— Estava ocupado pensando em uma parte sua que queria saborear agora.
Os mamilos de Tanon endureceram imediatamente. Em vez de ruborizar-se, sentiu que seus lábios assumiam um sorriso incomum. Tinha sido criada pra que fosse uma dama, mas ele despertava nela uma fera selvagem. Gareth a estudou com o olhar, fazendo com que seus peitos endurecidos, estivessem tensos contra o tecido de seu vestido. Ele voltou a sentir-se excitado e descobriu que ela abria os olhos, espantada, ao ver seu desmesurado tamanho.
Gareth contemplou sua evidente excitação e olhou para sua esposa:
— Realmente, necessita de alguém para protegê-la do que farei agora.
A ideia de que chegasse a fazer algo agora, provocava-lhe risada. Cobriu a boca divertindo-se.
— Acredita que estou brincando? — a sua surpresa e ofensa, que Tanon não conseguiu controlar o riso. — Deus! Estou condenado — murmurou, antes de sorrir novamente.
Ela tinha o vestido sujo e galhos entre o cabelo, mas parecia mais formosa que no dia anterior, e que todos os dias anteriores. Sua gargalhada lembrou uma época inocente em que ele também vivia despreocupado; antes de ter-se transformado em um príncipe e líder de seu povo, com a responsabilidade de prover o necessário para sobreviver, recorrendo às armas. O tempo de seu maior desejo, desde a infância: a paz.
Capítulo 14
—Quero minha própria guerra —disse Cedric para si mesmo, o filho de Owain e sobrinho do rei Rhys, com o olhar posto além da paliçada que rodeava as torres gêmeas da fortaleza do príncipe Dafydd ap Gruffydd. Seus olhos escuros caíram sobre as ladeiras levantadas cobertas com árvores, que se perdiam ao longe. Respirou profundamente o ar fresco, impregnado com o cheiro de pinheiros; ainda em grande parte do norte não tinha sido manchada pela invasão dos normandos. Esses territórios continuavam em seu estado selvagem e primitivo, tão rebeldes como seus sonhos. Sua mandíbula, sombreada por uma barba castanha disse. — Presume-se mudar para cá quando a guerra terminar e ocupar esse lugar, logo após a expulsão de seu atual ocupante.
— Rhydderch do Powis e aquele idiota do príncipe Amren de Gwent não fazem absolutamente nada para impedir o avanço gradual dos normandos para o interior de Cymru. Sei que alguns dos homens de lorde Benevere tomaram algumas mulheres de Cymry como esposas. Os inimigos estão infiltrando dentro de nossas vidas e nosso espaço, como uma doença.
— Seu irmão segue o mesmo exemplo, tendo-se casado com uma normanda. — disse o príncipe Dafydd.
— Sim. E depois de todos os danos que sofremos em suas mãos — Cedric ficou em silencio. — Tinham atacado Ystrad Towi e deixado ruínas em Llandovery, antes que meu tio os entregasse para Gareth. Mataram nosso povo e, em troca, meu irmão os premeia casando-se com deles.
— Esquece o que nos contou seu homem, Bleddyn? Gareth é Wyfyrn. Se o que diz é verdade, então, seu irmão matou muitos normandos.
— O herói popular que se esconde atrás de uma máscara — sorriu sem alegria. — Ele teme os normandos. Desde a primeira vez que fizemos contato com o rei, não tem feito mais que pregar a paz. Os vastos exércitos do rei Guillermo o intimidaram. Por isso Wyfyrn se mantém oculto. Só matou alguns, porque tinham violado uma camponesa ou queimado algumas cabanas. Não corre por suas veias a paixão pela guerra, que é o orgulho dos cymry.
Debaixo de sua barba preta, a mandíbula de Dafydd se contraiu e seus lábios se apertavam.
— Covarde ou não, tira a vida de suas vítimas como um fantasma diabólico. Não devemos subestimar um homem que foi capaz de manter cativo ao lorde Hamilton de Chepstow em suas próprias terras, dentro de seu próprio castelo, depois de ter dizimado totalmente suas tropas.
—Claro que não, Dafydd. Por isso mesmo estamos tomando cuidado para não atacar diretamente a aldeia de Gareth: nosso plano é matar ele e a meu tio. Enquanto o rei Guillermo não nos antecipa.
— Pensa que o rei normando será convencido de que o ataque a Winchester era ideia de seu irmão?
— Certamente que sim. Meus homens carregam sua bandeira. Na verdade, nem sequer importa que tenha dado a ordem. Em qualquer caso, obrigarei os normandos a ir á batalha e então Cymru estará livre para sempre.
— Bleddyn é confiável?
— Faz três anos que está ao meu serviço.
— E o outro?
Cedric fez uma careta sinistra:
— Deseja à morte de Gareth, como todos nós. E vai nos entregá-lo diretamente. Meu irmão traiu seu povo casando-se com uma normanda. É um pecado que sequer seus amigos mais íntimos possam perdoá-lo.
Gareth e seus homens acamparam aos arredores de Hertfordshire, dois dias depois. Tanon estava sentada ao lado de Rebecca, enquanto todos comiam reunidos ao redor do fogo. Escutou com atenção como Hereward interrogava Gareth questionando sua verdadeira identidade.
— A natureza dos cymry os obriga a resistir a uma invasão de seu território — disse calmamente; mas seus olhos brilhavam a luz das velas, com firme convicção — Quando os normandos tentavam arrancar as terras sob meu comando, protego-os com minha espada e meu exército. São aqueles que vivem perto da fronteira não têm quem os defenda. Em grande maioria, trata-se de camponeses que foram abandonados por seus príncipes. Alguns normandos os tratam gentilmente. Outros, não. Não posso ficar sentado, sem fazer nada, enquanto as crianças são escravizadas, mulheres abusadas e os anciões assassinados, porque se recusaram em jurar lealdade a seus novos mestres.
Tanon tinha os olhos fixos em seu marido, enquanto falava. Embora suas palavras fossem horripilantes para seus ouvidos, reconfortavam seu coração. O herói de sua infância tornou-se o defensor do seu povo.
— Por que luta com o nome de Wyfyrn?
— Se os normandos soubessem quem sou, meus aldeãos sofreriam as consequências.
— Mas, se lutassem abertamente, como um príncipe...
Madoc jogou um pedaço de pão no fogo e se dirigiu para Hereward:
— Você também foi um rebelde que se elevou contra quem tinha usurpado suas terras. Não lutou abertamente, mas sim de maneira clandestina, durante anos. Como pode julgar Gareth por fazer o mesmo?
— Não o julgo. Compreendo perfeitamente. Mas, se ele se elevasse, invocando sua condição de príncipe, talvez outros príncipes se juntassem a ele.
— Diga-me, Hereward, quando tive que lutar com lorde Fitzgerald porque tentou tomar a cidade de Ystrad Towi, quais foram os que se alinharam comigo? —Gareth não esperou por uma resposta, pois todos a conheciam — Se somos desunidos, como podemos enfrentar a um exército tão grande da Normandia? Não desejo lançar Cymru uma guerra que não poderíamos vencer.
— Entretanto, mata nobres normandos em suas camas. —insistiu Hereward.
— Aplico a justiça, aqueles que a merecem.
— Na verdade, só matou a três... — Cian fechou os olhos e moveu os lábios, fazendo a recontagem. — não, quatro lordes da fronteira, verdade, Gareth?
—E para completar suas tropas, caso tenha esquecido — lembrou o saxão, de forma sucinta.
— Sim. E o terror se espalhou entre os outros, tornando-se necessário que houvesse mais derramamento de sangue.
— O que aconteceria se descobrissem sua identidade secreta? —perguntou Hereward, demonstrando, pelo tom preocupado de sua voz, seu interesse na segurança do príncipe galês. Tinha estado com ele durante um ano inteiro no Galês e chegou a estimar o menor dos sobrinhos do rei Rhys.
Alwyn tomou sua cerveja em um gole, enxugou a palma de sua mão sobre sua boca e levantou a vista para Tanon:
— Os normandos nunca saberão quem é Wyfyrn, a menos que alguém conte para seu rei.
Tanon observou o musculoso guerreiro, o que certamente não gostava. Agora compreendia qual era a razão. Mas os normandos não eram lordes cruéis. Seu pai, o tio e o próprio Guillermo tratavam bem os seus súditos.
— Sou leal ao meu rei, Alwyn — esclareceu Tanon. — mas jamais trairia meu marido.
— O rei Guillermo deixou as leis do Galês por conta dos galeses e são os normandos que governam —Hereward percorreu à vista os presentes, detendo-se primeiro em Alwyn e depois Gareth. — Caso contrário, já teria enviado tropas para capturar Wyfyrn. Não é um tirano desumano, como vocês imaginam. Perdoou-me, e eu matei mais normandos que todos vocês juntos.
Tanon se envolveu em seus próprios braços e estremeceu. Já tinha ouvido o suficiente sobre a matança de normandos. Não queria pensar na morte, guerra e traições. Viu o desmatamento no escuro, rezando para que não houvesse pessoas à espreita na floresta. Gareth a observava, através do fogo que os separava, e piscou os olhos. Talvez tenha sido a confiança que demonstrava, ou a ternura de seu olhar que acabava por tranquilizá-la. Ela respondeu com outro sorriso.
Ele se levantou e deu a volta, passando pelo corpulento Alwyn, para segurar a sua mão; conduziu-a sem qualquer tipo de resistência ao seu leito, onde acabou por instalar-se a seu lado. Estreitou-a entre seus braços, bem próxima de seu corpo.
—Não tem nada para temer. — disse, notando que ela estava tremendo.
Tanon queria dizer que não tinha medo, mas era mentira sua defesa se debilitavam cada vez que ele a olhava, tocava, sorria, e não sabia o que fazer sem elas.
Alguém os observava do outro extremo sobre o fogo, olhos sombrios que refletiam a escuridão da noite. A seu lado, Alwyn seguia de perto o curso do olhar de Madoc, até que ele piscou.
— Está preso à ela — se queixou Alwyn, enquanto mordia um pedaço de maçã. — Nos garantiu que isso nunca aconteceria. O que pode ter em comum com uma normanda?
— Cale a boca. — resmungou Madoc.
— Admito que é bonita, mas há muitas mulheres bonitas em Llandovery. Assegurou a todos, inclusive aos aldeãos, que esse casamento era destinado apenas a selar a paz.
— Assim é. E agora se cale.
—Mas, olhe, toda emaranhada em seus braços. Agarrada à ele...
O cotovelo de Madoc golpeou contra o nariz do outro com um ressonante rangido.
— Não fale sobre ela, como se se tratasse das malditas prostitutas que leva a sua cama, Alwyn. Advirto-lhe isso uma última vez.
Sustentando o nariz, que já nem sangrava depois de ter sido quebrada tantas vezes, olhava Madoc estupefato.
— Nem sequer mencione o que está pensando, traidor — a voz do Madoc era mortífera. — Ela é sua esposa. Arriscou sua vida por meu irmão, e por isso, estou obrigado a defendê-la com minha vida.
Incorporou-se, chamando Cian. Quando se aproximou, colocou o braço sobre seu ombro e o acompanhou até seu leito.
Tanon foi primeira em acordar pela manhã. Tentou afastar-se de Gareth, sem despertá-lo. Mas seu rosto dormido acalmou seu coração, que bonito era! Quanto mais o olhava, mais queria que despertasse. Desejava ver aqueles incríveis olhos azuis fixos nela, lhe transmitindo força e confiança. Tanon suspirou. Era inútil e extenuante lutar contra o efeito que tinha sobre ela. Mas devia lembrar que tinha retornado para patrocinar a paz. Não por ela. Devia sentir-se afortunada de que se agradassem e não devia permitir-se albergar ilusões. Caso contrário, terminaria como Rebecca.
Alisou-se a saia e olhou em volta. Sua ama ainda dormia, envolta em seu leito. Tanon franziu a testa, segura de que não tinha visto Hereward acomodar seu colchão tão próximo do dela na noite anterior. Encolheu-se de ombros e foi até o fogo quase extinto. Pegou um pedaço de pau, removeu as brasas, que saltaram em todas as direções.
— Necessita de mais folhas.
Ao escutar a voz de Madoc, quase sobre à direita de sua cabeça. Sem olhá-la, ele se agachou e jogou um monte de folhas e ramos sobre o fogo.
— Assustou-me —disse Tanon, recuperando a compostura.
—Deveria estar acostumada, a esta altura.
—O que quer dizer?
—Está me evitando desde à noite da emboscada. — disparou, para testar sua teoria.
Tanon pestanejou, mas resistiu o impulso de evitar os profundos olhos negros de Madoc. Seu rosto era tão feroz como o de um guerreiro sanguinário. Tentou esquecer a fúria implacável que se lia nele pouco antes de fatiar de uma facada a cabeça do homem que a estava agredindo. Mas cada vez que o olhava, não podia tirar da cabeça a imagem de um insensível e cruel guerreiro.
—Serei seu fiel servo por ter salvo Cian — Ela assentiu, mas foi incapaz de sustentar seu olhar. — Acaso me teme?
Riu suavemente, acossada por seu orgulho para voltar a olhá-lo:
— Não, certamente.
— Pois, eu diria que sim. Nunca deixe que o medo a impeça de fazer o que for necessário. Mesmo como uma garotinha levantou-se e frente a um tirano.
— Como diz?
— Me refiro à Roger de Courtenay e sua porca, Lily. — explicou.
— O nome dela era Petúnia. — Tanon corrigiu-o, intrigada.
—É certo, Petúnia — um sorriso se desenhou em sua boca. — Gareth e eu já éramos amigos, a primeira vez que viajou à Winchester. Ao voltar, contou-me sobre o dia que vocês se conheceram.
— Isso não aconteceu no primeiro dia. — disse ela, um pouco surpreendida. Parecia maravilhoso que Gareth contasse a seu melhor amigo esse episódio.
Madoc encolheu os ombros e olhou de novo o fogo — Foi para ele.
Aliás, foi o dia em que se tornaram amigos. O dia que finalmente reconheceu como tinha perdido em realidade seu dente. Apesar das limitações que o idioma dificultava a comunicação, tiveram muitos motivos para rirem juntos. Logo agora percebeu o quanto sentia saudades daqueles dias.
— Costumava desejar que fosse meu irmão — Tanon riu de si mesma. — meus irmãos eram muito pequenos para brincar com eles. Desejava que ficasse a viver... — ao refletir sobre o que estava dizendo, ela corou.
—Então, está seduzindo minha esposa? — Gareth se aproximou tão sigilosamente que ela não percebeu, até que ele esteve ao seu lado. Tanon sentiu borboletas no estômago quando viu seu sorriso. O simples fato de que se encontrasse ao seu lado afetava seus nervos. Que diabos! Devia estar horrível, toda despenteada por ter dormido no chão, com o vestido posto, noite após noite. Entretanto, ele a contemplava encantado, como se tivesse acabado de sair de seu quarto, logo depois de uma longa preparação. Sentiu que algo atravessava seu coração.
Tomás se juntou a eles, coçando a barba escura que cobria seu queixo. Fez uma careta desagradável para Madoc, do lado oposto da fogueira.
— Madoc não seria capaz de seduzir ninguém, nem mesmo uma velha grotesca, enrugada e meio cega, que não tivesse tido um homem perto durante vinte anos.
Gareth riu e Tanon lhe deu um empurrão nas costelas.
— Acho que Madoc pode ser bastante agradável, quando não...
— Está ocupado cortando a cabeça de alguém. — sugeriu Alwyn.
— Prefiro pensar em outra coisa — respondeu Tanon. Logo, desinteressou-se por completo do tema e tratou de dar atenção para Madoc com seu melhor sorriso. — Até me atreveria a dizer que é uma pessoa muito atenciosa.
— Não ousaria dizer algo assim, se fosse você. — Tomás zombou.
— Bobagem.
— Milady — Madoc parecia aborrecido. — ele tem razão. Não volte a dizer algo tão desagradável de mim.
Tanon se surpreendeu e, logo, em seguida viu como Gareth começava a rir outra vez. Os outros seguiram o exemplo. Ela sacudiu a cabeça, percebendo as coisas que teria que acostumar-se, vivendo entre os galeses.
—Hoje, eu dirijo a carruagem e pensei que talvez quisesse compartilhar a boleia comigo. — ofereceu Hereward a Rebecca.
— Certamente que não. Poderia cair e quebrar uma perna. Acaso perdeu o juízo?
Ele reagiu com um movimento convulsivo de seus lábios, sob sua barba bem aparada; mas manteve o bom ânimo, deixando soltar uma risada:
—Sim. Acredito que sim.
Vendo que ele afastava sem mais palavras, Tanon suspirou e balançou a cabeça.
— É preciso maltratá-lo tanto? Sempre se mostrou muito gentil com você, mas você não perde nenhuma chance para lhe dar uma repreensão.
—Prefiro não discutir este assunto. — respondeu a ama secamente, enquanto trançava os cabelos da jovem que chegavam até a metade das costas.
—Por que ele te dessagra tanto?
— Quem diz que me desagrada? Só não tenho nenhum interesse nele.
— Devido a meu pai?
Tanon se arrependeu assim que essas palavras deixaram sua boca. Mas Por Deus! Como era possível que a mulher continuasse amando um homem que jamais lhe corresponderia?
— Não sei ao que se refere. —Rebecca foi muito clara e soltou a trança antes de havê-la terminado.
Ela poderia seguir negando tudo até o dia em que estivesse morrendo, sozinha, em seu leito. Mas Tanon cresceu vendo como Rebecca contemplava a seu pai, com sorrisos, esses que se foram apagando com o passar dos anos e que quase não existia na memória. Como era possível que tivesse permanecido ao seu lado durante tanto tempo, sacrificando sua felicidade, sem nenhum motivo?
—Rebecca, se não existir impedimentos, acompanhe-o. Seriamente: o que poderia estar errado?
A mulher suspirou, vendo Hereward subir à boleia.
—Não vejo por que. —resmungou, encaminhando-se para a carruagem.
Tanon a contemplou com um sorriso indulgente. Depois dirigiu seu olhar para Gareth. Inclusive observando-o manipular seus arreios, ela tinha desejos de arrancar suas roupas com um puxão.
Não poderia suportar amá-lo, se não fosse correspondida. Mas possivelmente, com o tempo, ele se apaixonaria. Não se parecia em nada com Roger. Sabia bem, desde aquela noite em que Gareth a olhou pela primeira vez, quando apareceu no castelo de Winchester. Ele se virou, seus olhos se encontraram; os dele, maravilhosamente quentes e incitantes. Tanon afastou os cachos de cabelo do rosto, enquanto os olhos dele seguiam de perto seus movimentos. Gareth fez um gesto com o dedo para que se aproximasse. Quando ela deu o primeiro passo, tropeçou e caiu de corpo inteiro. Ao ouvir a gargalhada de seu marido, ela levantou a cabeça e o olhou consternada.
—Diabos! Temos que fazer algo sobre isso — Com um sorriso zombador, pegou seu braço para ajudá-la a levantar-se. Tanon se liberou de um puxão. — Não está machucada?
—Absolutamente. — disse cortante e agressiva, enquanto arrumava o penteado.
— Ótimo, porque hoje quero que me acompanhe a cavalo.
— Preferia que me amarasse a roda da carruagem — E ainda tinha a audácia de tirar sarro dele! Tanon não sabia ser amável ou ser devia golpeá-lo como merecia. — Por todos os santos, por que tem que ser o homem mais rude de todo o país de Galês?
— Cymru — a corrigiu, muito divertido frente à indignação de Tanon — Quando aprender caminhar sem tropeçar, vou ensiná-la o cymraeg.
Ela só conseguiu abrir a boca para responder, mas fechou-a sem dizer uma só palavra, antes de retirar-se completamente ofendida. Chegou até a carruagem, ao mesmo tempo em que Gareth chegava a seu cavalo; montou de um salto, voltando-o para ela. Tanon deu um puxão à porta, sem poder acreditar no que estava vendo: ele apareceu de repente, e inclinando-se na sela, tomou-a pela cintura e colocou-a em seu colo. Perfurou-o com o olhar, dizendo:
—Que façanha impressionante! Qual será a próxima: tirar todas as suas roupas, para enfrentar um animal selvagem e matá-lo com a mão?
Gareth a olhou assombrado.
— Cristo! Que língua diabólica! E eu que pensava que fosse uma dama.
— Acaso pensa? Ou simplesmente deixa que ressonem os grunhidos em sua cabeça oca?
—Mulher, não me provoque.
—Nem você a mim. — apontou o rosto para o caminho e jogou os cabelos para um lado.
— Não volte a levantar sua voz novamente.
— Você tampouco —replicou, sentindo que todo o corpo de Gareth se tensiova à sua volta. Esperou que dissesse algo mais, mas como não o fez, virou-se, dizendo. — E agora?
— Agora o que?
—Não vai ordenar que te peça desculpas?
— Pelo contrário. Penso que a melhor maneira de evitar a tentação de te jogar do cavalo é deixar de falar com você.
O insulto a feriu, e Tanon o encarou com a fúria de seus olhos verdes:
—Não precisa fazer ameaças. Eu mesma me esforçarei para não voltar a falar com você.
— Faria isso por mim?
Tanon se contorcia em seu colo:
— Faria, exceto que prometesse se comportar com um cavalheiro. — respondeu, tomando distância. Ele fez uma tentativa de reanimá-la. A jovem tentou se livrar de sua mão, apoiada sobre seu ventre, que de repente tinha gerado um contato possessivo.
— Não conseguirá me transformar em um pavão, Tanon.
Quando Gareth colocou o polegar sob seus seios, ela estremeceu.
— O que há de errado com os pavões? —desafiou-o. — Se gabam para conquistar as suas fêmeas, orgulhosos de sua magnífica plumagem, para que todos possam admirar.
Ele procurou por entre seu cabelo grosso, até que encontrou seu ouvido.
—Quer ficar entre minhas pernas? — seu oferecimento, descarnado e melodioso, afetou-a como um pontada sob o ventre.
Tentou resistir, sem sucesso. Seu corpo, tensionado, endurecia-se cada vez mais. Conforme os dias passavam, dormindo a seu lado, ia enlouquecendo. Ao princípio, tinha-o considerado um selvagem, mas ele nunca tentou recorrer à violência. Nem sequer havia tornado a beijá-la novamente. Simplesmente, torturava-a sem piedade, oferecendo todos os tipos de cuidados e conservando as formas, como um perfeito cavalheiro. Sempre que não tivesse a idéia de jogá-la sobre o lombo de seu cavalo.
Esteve prestes a responder, mas não pôde. Por alguma razão horrível, imaginou-o nu, rodeado por dezenas de mulheres ansiosas, que sabiam perfeitamente o que fazer com aquele homem. O pensamento fazia que chiassem os dentes e suas mãos se fechassem em punhos.
— Todas essas mulheres com que esteve, alguma vez lhe interessaram verdadeiramente?
Prometeu a si mesma que não voltaria a falar com ele novamente no restante do dia, embora tivesse desejos de beijá-lo, se chegava a responder afirmativamente.
— Que mulheres?
Ela suspirou longamente:
— Todas essas mulheres que se esforçam por você.
— Não tinha notado nada antes.
—Oh, por Deus, Gareth! — sorriu com desconfiança. — Sabe que é um homem extremamente viril. Todo mundo sabe que Eleanor Fitzdrummond não demorou mais que um dia para oferecer-se.
— Tanon, se não te conhecesse, diria que está caindo no feitiço de um selvagem.
— Não seja ridículo — seu olhar se concentrou nos lábios de Gareth e ela lambeu os próprios, para não esquecer respirar. — Já demonstrou que não é.
— Ah, é? De maneira que já não teme fazer amor comigo?
— Nunca tive medo. Apenas tinha dúvidas a respeito de...
Mudou ligeiramente de posição, e ele ajeitou-a para trás entre suas coxas. Ela arregalou os olhos, ao sentir seu membro ereto.
— Dizia?
— Eu dizia... acho que... — engoliu as próprias palavras. Ali residia o problema. Não tinha um só pensamento na cabeça. Ele avivava o fogo e depois a deixava ardendo. Seduzia-a e a transtornava. A fazia querer fazer coisas que alguma vez tinha feito. — Vai doer muito? — tal era sua curiosidade, que já não importava o que pensasse a respeito de sua pergunta.
— Não, se for feito corretamente.
Seu sorriso sensual a convenceu de que não só sabia como se deviam fazer as coisas, mas sim sabia as fazer muito bem.
—Beijara-me enquanto o faz? —perguntou ansiosamente, tendo sua boca a poucos centímetros da dela.
—Sim. Estarei beijando antes, durante e depois, e em lugares que nunca sonhou que alguma vez a beijariam.
Abaixou a cabeça e acariciou seus lábios com sua brincalhona boca. Afastou-se apenas, para que ela percebesse o desejo em seu olhar. Tanon conteve a respiração, enquanto uma deliciosa tensão se apoderou em sua virilha. Equivocou-se. O selvagem estava presente, mas controlado. Tinha apresentado sua fúria passional com cuidado, enquanto observava como a vestiam, colocando as meias ele mesmo e, cada noite, abrigando-a entre seus braços quando dormia.
—Só durante o combate aparece a besta?
A crua e ardente sexualidade de seu olhar penetrante; sua voz rouca e descontrolada a deixava indefesa.
—Tome cuidado com o que pede, senhora; poderá aparecer.
—Maldição! — exclamou Alwyn, quando surpreendeu seu mestre a ponto de beijar sua esposa. Virou-se para anunciar aos quem o seguiam. — Ia beijá-la. O que disse a vocês, seus grandes idiotas? Logo haverá um monte de pirralhos cymry-normandos esparramados pelo Galês.
Tanon sentiu novamente sua impotência para resistir ante seu marido, quando este jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada.
Capítulo 15
Dois dias depois, chegaram à fronteira galesa. Tanon se agarrou à moldura da janela de sua carruagem, passando por sucessão de vilas ante o olhar temeroso e desconfiado de seus habitantes. À distância, pode ver um grandioso castelo, construído sobre a montanha, rodeado por uma pequena aldeia. Atravessaram Offa's Dyke e prosseguiram sua marcha mais duas léguas, antes de serem interceptados por um grupo de guardas normandos a cavalo, que levavam um estandarte desconhecido, com o emblema de um falcão de quatro asas desdobradas.
—Quelles sont você casos au pays Galles? — perguntou um dos guardas com a mão sobre o punho. Outros doze homens cercaram Gareth e sua comitiva.
—Fale a língua anglo-saxã como ordenou seu rei —disse Hereward, da boleia.
O cavalheiro inquiriu:
—Quem se atreve a falar?
—Hereward, amigo do rei Guillermo, quem, por sua vez, fala no idioma dos povos por ele conquistados.
Um rastro de murmúrios percorreu entre os cavalheiros ao escutar o nome de Hereward. Muitos ainda o viam com desconfiança, pelos anos que esteve afastado do rei; embora ninguém atreveu-se a enfrentá-lo. Não porque Guillermo o tivesse perdoado, mas sim porque nenhum deles desejava ver um gigante de dois metros de altura, capaz de trituras o mais valente.
—Muito bem. Sou sir Philip Bonvalet, comandante do primeiro regimento de lorde Richard D'Avre. Perguntarei mais uma vez, em seu próprio idioma: que assuntos o trazem para Galês?
— Tenho que atender minhas galinhas — respondeu Gareth, com um sorriso amigável, depois de obter que a atenção de sir Bonvalet se fixasse nele. — Há uma quinzena que ninguém lhes deu o que comer e estamos preocupados.
— Galeses! — recuou Bonvalet, enquanto sacava a espada.
— Calma, senhores —disse Gareth, mostrando em alto a missiva real. — Não têm nada que temer de minha parte.
—Como conseguiu entrar na Inglaterra?
— Do mesmo modo que outros cinquenta galeses. Aparentemente, vocês não sabem cumprir com suas obrigações como soldados.
Madoc lançou uma gargalhada, que provocou a ira de Bonvalet:
— Parece achar isso engraçado, seu patife?
— De fato. —Madoc parecia relaxado sobre seu cavalo, mas o perfurava com seu olhar. — Mas também estava pensando quão rápido poderia te mandar de retorno a Normandia com uma única patada no traseiro.
Bonvalet ficou surpresa com a audácia de Madoc e não atinou a decliná-la. Imediatamente, desenhou-se uma careta cruel em seus lábios e o desafiou com sua mão enluvada.
—Normando — gritou Gareth, com autoridade, fazendo com todos se voltassem para ele. — Leia primeiro a missiva, antes que permita a meu companheiro cumprir com sua palavra.
— Não estou interessado em missivas — exclamou o cavalheiro, com verdadeiro menosprezo. Logo apontou para a carruagem, acrescentando. — Talvez ela consiga me persuadir para que deixa-los viver, se me rogar o suficiente.
A sinistra curvatura dos lábios de Gareth referendou o fogo mortífero de seu olhar:
—Se chegar com vida até a porta da carruagem, pode obtê-la como recompensa.
No interior da carruagem, Tanon apertou com força a mão de Rebecca. Não se preocupava em cair nas garras do normando. Seu marido era um guerreiro hábil, e sabia que o venceria; do contrário não o desafiaria. Mas já estava farta de presenciar batalhas sangrentas. A carruagem cambaleou quando Hereward saltou do piso da boleia, disposto a tudo. Encaminhou-se diretamente para o normando, pegou-o pelo pescoço e ergueu-o no ar, tirando-o da sela para o chão.
—A dama é a filha de lorde Brand Risande — Dito isto, sacudiu-o até que afrouxaram os dentes, enquanto lançava um olhar ameaçador para o restante de seus homens. — Refiro-me ao conde de Avarloch, caso algum de vocês não saiba. Advirto-lhes, única vez, que se alguém apenas olhá-la, eu mesmo o esfolarei vivo.
Do interior da carruagem, Rebecca se localizou para uma melhor visão do guerreiro saxão brutal.
Hereward pegou o pergaminho de Gareth e o colocou diante de Bonvalet.
— Se sabe ler, é melhor que comece agora.
Enquanto o cavalheiro abria a missiva com mãos trêmulas, Hereward o soltou e amaldiçoou baixo a todos os normandos. Gareth suspirou impaciente enquanto esperava que Bonvalet terminasse de ler à missiva. Se não chegava logo em casa e fizesse amor com Tanon, começaria cortando cabeças nesse momento.
Por fim, o guarda olhou para cima e perguntou:
—O conde de Avarloch deu sua filha em casamento para um galês?
— A Sua Alteza, o príncipe Gareth Ystrad Towi — anunciou Cian tão orgulhoso que Tanon não pôde deixar de sorrir. — e sobrinho do rei Rhys de Deheubarth.
— Sua Majestade deseja que a paz reine — explicou Hereward aos guardas, olhando a cada um por vez. — Algum de vocês está disposto a questioná-lo? — Ao não receber resposta, deu um forte tranco em Bonvalet .— Seguiremos caminho ou terão que chamar um sacerdote, para que faça uma prece sobre seus cadáveres?
Bonvalet deu um salto e gritou:
— Liberem-nos, por ordem do rei Guillermo.
Os cavalheiros obedeceram. Quando o príncipe passou por Bonvalet, o normando olhou-o com desconfiança.
—Não esquecerei seu rosto, galês.
Gareth assentiu com um sorriso forçado, olhando-o com desprezo.
—Nem eu o seu, por ter pretendido que minha esposa te suplicasse.
As Terras Selvagens não se pareciam em nada com o que Tanon tinha imaginado. Na verdade, nunca tinha visto um lugar tão bonito. Gareth havia dito a verdade. Os gramados se estendiam diante de seus olhos, desdobrando todo seu colorido e o aroma da grama. As encostas arborizadas chegavam até a borda do rio Wye. À medida que avançavam, a paisagem se tornasse mais selvagem e bela, em meio de montanhas rochosas. À distância, os gramados se estendiam entre os vales, onde as ovelhas e vacas pastavam.
Chegaram à casa de Gareth dois dias depois. Sua aldeia, visivelmente maior que várias da Inglaterra, erguia-se entre vales e encostas selvagens atravessados por rios. Para proteger seu povo tinham construído uma sarjeta ao redor do muro, perfeitamente
alinhada com paliçadas cobertas de carvalhos. Dentro, havia uma ponte onde se encontravam dezenas de guardas, cuja única responsabilidade era vigiar a segurança dos moradores. Não havia um castelo ou fortaleza no território, mais construções numerosas próximas entre si. Algumas não eram moradias, mas oficinas que pertenciam aos ferreiros, seleiros, tecelões e oleiros. Todos estavam ocupados com suas tarefas cotidianas, mas interromperam seu trabalho para acompanhar aos homens de Gareth até uma grande taverna, no centro da aldeia. Crianças vestidas com túnicas de linho estavam juntas à carruagem, saudando-os aos gritos. A seu lado, corriam cães e até os porcos, em um turbilhão de latidos e uivos. O encanto da música de harpas, liras, gaitas de fole e tambores se mesclava com a fragrância do ar.
Tanon se sentiu maravilhada. Havia mulheres em todos os lugares, vestidas com saias de linho bordadas, algumas coloridas, ou cobertas com aventais manchados com as refeições que estavam preparando, que interrompiam suas tarefas para vê-los passar. Não se via sorrisos em seus rostos, mas tampouco havia sinais de descontentamento. Só curiosidade. Os homens eram diferentes. Levavam túnicas de couro sobre as calças de couro de cabrito. Olharam-na com desfaçatez quando desceu da carruagem. Alguns sorriam, como lobos em frente de uma ovelha rebelde, pronta para ser devorada. Outros lançavam olhares de ódio e cuspiam ao chão.
Tanon olhou em volta. Gareth estava conversando com um homem, longe suficientemente para não ouvir seu chamado. Hereward começou a desatar os baús. Era evidente que não tinha conseguido agradar Rebecca, porque está se afastou rapidamente e deixou Tanon sozinha.
— Vem?
Tanon nunca pensou que se sentiria tão aliviada por ver Madoc.
— Sim, muito obrigado.
— Diolch — a corrigiu, e saiu. Como ela permanecia impávida, virou-se e fez um gesto com a mão para que o seguisse. Deixou-a junto à Gareth, sem lhe dirigir a palavra, e continuou seu caminho para a taverna.
Tanon deu um passo, com intenção de segui-lo; sem saber o que fazer ou aonde ir; mas Gareth agarrou seu pulso.
— O que quer? Deixou-me sozinha na carruagem — o acusou olhando-o friamente, sem prestar a menor atenção à multidão que se reunia a seu redor e os observava em silêncio absoluto. — Como podia saber...?
Suas palavras se desvaneceram ao ver que todos estavam olhando para ele, e se aproximou instintivamente de Gareth.
— Está cheia de rugas — assinalou uma menina, por isso recebeu um golpe no ombro para que ficasse quieta.
Tanon corou e tocou seu rosto com o dedo: enrugada? Se tinha apenas dezoito anos! Viu uma jovem entre a multidão, que tinha tranças cor de visom, olhos grandes e uma barriga tão grande quanto sua mãe quando esperava às gêmeas, Anne e Ellie. A mulher riu, apontando para a roupa de Tanon. Entendeu que se referia a seu vestido, amassado pela viagem. Tratou de alisá-lo com as mãos, mas compreendeu que seria inútil tentar. Demoraria pelo menos uma semana para eliminar as rugas.
— Ela é lady Tanon — proclamou Gareth, cuja voz grave ecoou em seus ouvidos. — Como sabem, é normanda...
—Normanda e saxã — esclareceu Tanon, com um sorriso. Ao não perceber nenhuma reação, escondeu-se atrás de seu marido. Ele virou-se, com um suspiro cansado.
— Não voltará a me interromper, entendido? — Ela assentiu, e Gareth concentrou novamente sua atenção nas pessoas. — Como todos vocês.
— Foi muito desconsiderado de minha parte, me perdoe.
Gareth fechou os olhos e aguardou um instante. Quando ela fez silêncio, prosseguiu:
— Como todos vocês falam a língua dos saxões, se dirijam a minha esposa nesse idioma, até que ela aprenda o cymraeg. Devem demonstrar bondade, respeito e ajuda-
la, se ela pedir. — Passou sua mão por trás e colocou Tanon ante à vista de todos. — Quero fazê-la feliz e agradeceria se meu povo também o fizesse.
Ela contemplou o perfil de Gareth e sentiu seus joelhos afrouxarem ao escutar essa declaração pública. Havia dito que queria fazê-la feliz o que significavam essas palavras? Sua cabeça estava girando. Não esperava que ele dissesse isso, mas não podia negar que tinha gostado.
As mulheres cochichavam entre si. Os homens ficaram nervosos e inquietos e, de repente, sorriram-lhe amavelmente. Hereward, Cian e Tomás, que rodeava com seu braço à bonita mulher grávida, também sorriram.
—Teve que tomá-la à força? — perguntou alguém. —Teve que lutar por ela com algum normando, milorde? — gritou outro.
Gareth assentiu com a cabeça, com um sorriso triunfante, para que as pessoas ouvissem o que estavam esperando.
— De fato. Lutei com seu prometido no torneio organizado pelo rei e o venci.
— Ao prometido e a oito de seus homens, também. — adicionou Cian de um grito.
Ao finalizar o coro de gritos e aplausos, a multidão dispersou Gareth colocou seu braço ao redor da cintura de Tanon e cutucou lhe, dizendo:
— Venha, vamos para casa.
Quando ela chamou Rebecca para acompanha-la, ele ficou um pouco desconcertado. Pensou que devia informar que sua ama não viveria com eles, mas decidiu que seria mais conveniente dar um tempo antes de dizer-lhe. Primeiro tinha que conhecer seu novo lar.
Gareth se virou e acenou por cima do ombro em direção à Hereward e outros dois homens, para que o seguissem com a bagagem. Rebecca observou como o imenso saxão conseguia elevar o baú maior sobre suas costas. Os outros dois levaram o
restante entre eles.
— Qual é a sua casa? —perguntou Tanon, depois de alguns minutos, quando as pernas começaram a doer, tentando manter o ritmo das pernas de Gareth. Tinham deixado atrás a aldeia e cruzavam um amplo pasto aberto, com algumas casas entre grandes culturas de cevada, trigo e uma diversidade de legumes.
Gareth apontou uma casa, um pouco maior que as outras. Estava rodeada por um muro baixo, que a separava dos campos semeados. As paredes eram brancas; o teto de palha e a chaminé, de pedra. Havia janelas que se abriam sobre o lado leste e uma porta pequena de madeira, com uma maçaneta de bronze no meio. Uma fileira de árvores se movia com o rugido do vento, do outro lado.
— Mora aqui? —Tanon não percebeu que parou, até que observou que Gareth também o tinha feito. Estava-a olhando com certo ar de aborrecimento, que desfigurava seu rosto.
— Sei que não é o que está acostumada, mas devia fazer ideia.
—É... — pelo amor de Deus, era muito pequena! Nem sequer tinha um segundo andar. Ela engoliu em seco e tentou sorrir. Não queria ferir seus sentimentos. —... é muito acolhedora. — Piscou na direção da Rebecca. — Não acha?
— Sim — suspirou solenemente a ama. — Isso mesmo: acolhedora.
Gareth ficou contemplando seu lar com a cabeça inclinada, como se estivesse tentando vê-la de outro ângulo.
— Faltam-lhe alguns detalhes, isso é tudo — prosseguiu Tanon. — Simplesmente esperava que fosse maior. Afinal, você é um príncipe.
— Uma fortaleza me afastaria do meu povo. Prefiro viver como eles.
Tanon mordeu o lábio. Isso significava que não haveria vassalos, faxineiras ou cozinheiros.
— É muito generoso de sua parte — comentou, enquanto se apressava para alcançá-lo. Notou que Gareth não estava de bom humor. Devia ter-se casado com Roger, seria a senhora de um imponente castelo, com todas as comodidades... e teria sido tão infeliz que, a essa altura já teria sido lançada do topo das ameias. Suspirou baixinho. O lar de Gareth não era uma fortaleza, mas era ali onde comia e dormia, e retornava das lutas contra seus inimigos. Imaginava-o perambulando por seu interior, sentado perto do fogo ou cortando madeira para alimentá-lo. Teve a agradável sensação de estar em um lugar quente. Se adicionasse algumas cortinas vistosas e algumas flores ao redor do muro, sem dúvida sua casa seria mais agradável.
— Eu gostei — disse, desta vez com um sorriso convincente fazendo com que seu marido ficasse contemplando-a surpreso.
Gareth perguntou-se se ela teria batido a cabeça no interior da carruagem. Estava habituada ao luxo. Em Avarloch, os quartos eram maiores que toda essa casa. Sua expressão de desgosto desvaneceu ante a bondade de sua esposa. Então, empurrou a porta e entrou primeiro, para permitir que Hereward e seus ajudantes descarregassem a bagagem.
Enquanto isso, as mulheres permaneceram na porta bisbilhotando o interior, mesmo com pouca luz. Gareth se despediu deles e acenderam algumas velas. Quando pôde ver o interior da casa, Tanon queria sobrar às velas o quanto antes.
— Temo que a casa tenha sido muito negligenciada em minha ausência — explicou Gareth, enquanto a jovem se armava de coragem para entrar. — Assim que a limpem, não estará tão ruim.
O aroma era nauseabundo. Os pisos estavam embolorados; nas janelas, as cortinas não faziam falta já estavam cobertas com peles, a isso se devia à escuridão. Havia uma única cama contra a parede, com um colchão de palha que estava cheio de buracos. Na parede oposta, havia um armário de carvalho esculpido, que chegava quase à altura do teto. De um lado, pendiam adagas, espadas e machados de diversos tamanhos. Um braseiro dificultava a transição pela casa, onde Gareth se pôs a
inspecionar à chaminé. Além de uma mesa e uma única cadeira, não havia nada mais dentro da casa.
Tanon mordeu os lábios novamente. Isto exigia mais esforço do que acreditava ser capaz.
Hereward esforçou-se para reprimir um sorriso. A moça lhe dava pena. Este lugar era tão distinto de Avarloch, como ele mesmo o era de... Brand Risande. Então, olhou para Rebecca, que rapidamente, virou a cabeça e fez-se lhe apagar o sorriso.
— Só há uma cama — observou Rebecca, que ainda não tinha ultrapassado a porta transpassado a soleira. — e não há paredes para separar os cômodos.
Gareth lançou um juramento ao sair de debaixo da chaminé.
— Você não dormirá aqui. Já procurarei um lugar para acomodá-la. Não muito longe de sua senhora, não tema. —Ao passar junto de Hereward, perguntou: — Vem?
— Gareth — Tanon o tinha seguido. — necessito-a para...
Ele parou de frente para ela e, de repente, os pensamentos da moça se confundiram. Um halo de luz o rodeava, fazendo-o resplandecer; parecia um deus lendário e invencível. Sob suas espessas pestanas, os olhos de Gareth a incitavam para que continuasse falando.
—... para que me ajude a despir-se. —Recordou com um sorriso a sensação íntima que seus dedos produziram em suas pernas, enquanto colocava suas meias. Estremeceu-se de emoção — Também necessito para pentear meus cabelos de manhã.
Gareth deixou seu olhar vagar pelos longos cabelos que caíam sobre os ombros de Tanon.
— Seu cabelo é perfeito assim.
Ela o envolveu entre seus dedos e sorriu.
— Mas estão sujos agora. Agora devo parecer...
— Linda.
Ela suspirou maravilhada. Seria possível que a encontrasse um momento para que se dedicasse por um instante para enfeitar-se?
— Tanon — acabou com a distância que os separava, tomando-a pela cintura. — Fiz o impossível para não arrancar este condenado vestido de você e possui-la de uma vez. Mas não consigo estar sozinho com você, muito em breve, temo que irei me tornar o selvagem que tanto teme.
Suas palavras a excitaram com loucura. Esteve a ponto de retê-lo para ver se estava falando sério.
— Vá — disse com a voz descontrolada.
Gareth escoltou Rebecca. Hereward arrastou sua bagagem até a casa de Tomás e Adara, a mulher grávida que Tanon tinha visto na aldeia.
A sós na casa, avaliou o ambiente empoeirado e coberto de mofo. Deitou-se na cama, com medo, ao sentir o rangido do colchão. Seu olhar estava focado na porta, com a esperança de que Gareth voltasse trazendo algo belo para atenuar o efeito deprimente do lugar. Como faria para sobreviver ali? Poderia pedir misericórdia e chorar até que se enternecesse e a levasse de volte para casa... Afinal, recorrer às lagrimas já tinha dado resultado antes. Mordeu-se o lábio, pensando em escrever aos pais para que fossem até por ela. Mas em seguida deu uma forte palmada no colchão. Que diabos! Não seria fraca. Além disso, não queria voltar para casa. Percebendo isso, sobressaltou-se, quase tanto como ao reconhecer que tampouco queria se afastar de Gareth. Também recordava ter prometido à Guillermo que tentaria encontrar a felicidade em seu novo destino.
— Não me darei por vencida.
Apertou os dentes enxergar uma vassoura apoiada na parede. Devia tornar-se uma boa esposa, e já era hora de começar. Estava prestes a empunhar a vassoura, quando a porta se abriu e entrou Cian, seguido por Alwyn.
— O que achou de sua casa? — Cian sorriu ao perguntar.
Tanon devolveu com outro sorriso, olhando para o chão coberto de pó:
—Muito bonita — mentiu; não tinha coragem para desalentá-lo.
Alwyn não fez nenhum esforço por dissimular a graça que situação tornava.
— Sabe usar isso? — apontou a vassoura e riu, incrédulo.
— É claro que sim.
— Ficaria feliz em ajudá-la com a limpeza —declarou o mais jovem de maneira cavalheiresca.
O olhar de Tanon suavizou.
—Não. Consigo me virar perfeitamente, obrigado.
Para demonstrá-lo, puxou de uma vassourada a poeira que se desintegraram no chão, envolvendo Alwyn em uma nuvem de poeira.
— Oh, Deus! — cobriu a boca com a mão, vendo como tossia, agitando as mãos na frente de seu rosto.
Cian sorriu, olhando para outro lado, enquanto o corpulento guerreiro saía da casa reclamando.
— Tem certeza de que não necessita de ajuda?
Tanon assentiu com a cabeça. Cian retirou-se.
A jovem sorriu para a porta e voltou a passar a vassoura sobre o chão, mais brandamente dessa vez, como se de repente tivesse aprendido a lidar com isso com habilidade. Que tolo, era Alwyn ao pensar que ela nunca tinha varrido o chão! Deteve o olhar ao seu redor. Por outra parte, o fato é que nunca tinha limpado um lugar tão sujo como esse. Gareth era tão desleixado como arrogante. Por que, então, ela não conseguia parar de sorrir?
Capítulo 16
Ao anoitecer, Gareth voltou para casa. Inferno, não tinha pensando em deixar Tanon sozinha todo o dia, mas deveria ter advertido que seu povo tinha muitas coisas a dizer logo depois de sua longa ausência. Tinha retornado à Llandovery, depois de ser preso no calabouço de Dafydd, e logo havia partido para reclamar sua prometida normanda.
Naquele dia falou sobre a morte de Bleddyn e o complô planejado por seus compatriotas para criar inimizade com o rei Guillermo. Conseguiu fazer as pazes com os normandos, mas os príncipes do norte eram uma questão diferente. Aparentemente a única maneira de estabelecer a paz entre eles era através da força. Quanto antes se reunisse com seu tio, assim as batalhas iriam acabar logo.
Entretanto, naquela noite seu povo não queria falar de guerras. Desejavam festejar seu retorno. Estava prestes a recusar o convite, pois tinha planejado passar a noite a sós com Tanon. Mas não podia recusar. Necessitavam de uma mudança de rotina. Necessitavam de um festejo.
Sorriu e acenou de longe, com o braço erguido, a um grupo de mulheres que se aproximavam do prado, com cobertores e cestos cheios de comida. Então abriu a pouca. Gareth sempre soube que teria a vida austera de um guerreiro, e esperava que sua esposa a compartilhasse. Não havia pensando nisso. Mas quando, entrou em casa, viu o chão polido, sentiu que o invadia uma sensação de orgulho que quase caiu de joelhos.
Aproximou-se da cama. Agachado ao lado, ficou contemplando sua esposa dormir, a jovem delicada dotada da coragem de um guerreiro. As fivelas se desprenderam e os cachos caíam soltos sobre o contorno de sua mandíbula. Ele os afastou e oprimiu em seu peito, uma sensação que experimentava cada vez que a olhava. Tinha suportado dormir sobre um fino colchão no chão da floresta, durante uma semana, sem reclamar.
Tinham-na atacado e tinha visto homens morrer a poucos metros de distância sem pedir que a devolvesse à segurança dos braços do pai. Encontrou uma casa imunda e tinha limpado. Passou-lhe o dedo pelo queixo para remover uma mancha. Viu que suas mãos estavam avermelhadas e inchadas de tanto esfregar. Levou-as aos lábios e beijou cada um de seus dedos. Tanon talvez devia estar em um trono enfeitiçando com sua beleza aos homens desventurados, mas ao príncipe não lhe importava parecer egoísta: ele queria tê-la ali, com ele. Cada vez que a via sorrir, sentia seu coração ser arrastado para um tempo em que para ele não existiam as exigências ou as misérias da guerra. Conformaria-se a protegendo, fazendo-a rir e fazendo amor.
De repente, suas pálpebras se abriram. Gareth manteve o dedo sobre o arco perfeito de sua testa. Ela sorriu, com prazo de encontrá-lo com ela.
— Senti saudades.
Ao se mexer, sentiu uma dor aguda. Ele retirou um pedaço duro de palha que estava estalando em suas costas.
— Também senti saudades — disse Gareth, inclinando-se para beijar suas pálpebras.
— Verdade?
— Sim — sussurrou. — Tenho medo de pensar em você com tanta frequência — Beijou seu sorriso, depois seu queixo e passou os lábios em torno de seu pescoço. — Perdoe-me por deixa-la o dia todo sozinha. É que todos me necessitavam.
Tanon percorreu com seus dedos nos cabelos dele e atraiu seu rosto em sua direção.
— Entendo essa necessidade, meu marido —murmurou. E era verdade. Tinha-a enfeitiçado desde o primeiro momento em que se encontraram no grande salão. Seus beijos e suas mãos provocadoras despertavam seus desejos mais selvagens. Desejos que não estava segura de entendê-los bem, mas estava impaciente por experimentar. Cada um de seus nervos se estremecia, cada músculo se contraía sob o feitiço de sua proximidade.
A princípio, havia desconfiado de seu aspecto rústico e temia que fosse possui-la violentamente, tão logo fizessem os votos nupciais. Mas os beijos de Gareth acenderam seu desejo. Seu poder de autocontrole despertou a curiosidade de averiguar o que faria quando não se contivesse mais. Não queria esperar mais.
Ele tomou seu lábio inferior entre os dentes e o lambeu para saboreá-lo. Quando caiu sobre seu corpo, um tremor sacudiu as profundezas de seu ser. Capturou sua boca com a língua ardente. À medida que a urgência de sua paixão aumentava, as mãos de Tanon estavam fora de controle: começou pela curvatura dos ombros, em seguida as costas e quadris. Ele pressionou seu membro ereto, duro como aço, contra a cavidade úmida e cálida da mulher.
—Espera — Tanon manteve a distância com as palmas das mãos.
Gareth gemeu e levantou a cabeça de seu pescoço virginal; os olhos dele transbordavam desejo e sua boca estava pronta para queimar a pele de Tanon. Ao vê-lo tão ofegante, quase lhe causou um espasmo. Fez um esforço para acalmar-se.
— Deveria tomar banho primeiro — disse, exalando o fôlego contido.
Seu sorriso, gradual e sedutor, transtornava-a, enquanto ele negava com a cabeça.
— Perderia tempo. Vamos transpirar muito.
O tom grave de sua voz endureceu seus mamilos. Tudo que ela queria arrancar sua roupa e oferecer-se a seu marido, da forma em que ele preferisse tomá-la.
De repente, a porta se abriu e apareceram Cian e Tomás, que primeiro deram uma olhada ao redor e lentamente viraram as cabeças ao mesmo tempo para a cama.
Tanon empurrou seu marido com um impulso firme e sentou-se. Suas bochechas coradas empalideceram de repente. Abaixou a vista, envergonhada, para evitar os olhares cumplices dos dois intrusos. Uma única mecha de seu cabelo caía desordenadamente em sua testa. Gareth incorporou-se lentamente. Seu olhar severo e o maxilar apertado, fizeram os dois retroceder.
— Não voltem a entrar na minha casa sem bater à porta antes.
Não teve necessidade de levantar a voz; a ameaça era clara.
— Nossas desculpas, Gareth — Tomás fazia o possível para tirar os olhos de Tanon.
Em vez disso, Cian não podia evitá-lo, encantado por sua beleza, típica das heroínas das lendas cantadas por menestréis, capazes de conquistar grandes homens que sequer as tinham visto. Em seguida, seus olhos caíram sobre Gareth. Grandes homens como ele, é obvio, pensou enquanto pigarreava.
— O povo aguarda seu senhor, que lhe trouxe a paz. Embora, sem querer ofendê-lo, milorde, diria que o sacrifício não foi muito grande.
Tomás deu um empurrão em seu amigo mais novo. Foram as mãos de Gareth que evitou que caísse diretamente no colo de Tanon.
—Adara gostaria que aceitasse isto — Tomás deu-lhe um pedaço de tecido dobrado. — Acredito que é um vestido. Diz que a esposa do mestre não deve usar roupa amassada. E sua donzela, Rebecca, encontra-se bem.
Tanon recebeu o presente com um sorriso de agradecimento que fez Recuar suspirar.
— Muito bem, nos deixem sozinhos, agora — disse Gareth, empurrando-os para a porta. — Sairemos em seguida.
Quando os homens saíram, Tanon abriu o pacote e se levantou da cama.
— Oh, Gareth! — disse, exibindo um vestido amarelo de lã macia. O colocou sobre o corpo. Era de corte simples, com um decote profundo, e mangas curtas e largas. O tecido era rodeado por um cinto de couro vermelho, macio como um casulo de algodão, e caía em amplas dobras até seus tornozelos. Um xale vermelho completava o traje.
Gareth ficou absorto com a expressão de admiração que apareceu na face de Tanon, incapaz de resistir o impulso de tomá-la em seus braços:
— Desejo-te com loucura, mas meu povo nos espera lá fora.
Ela olhou-o, intrigada:
— Espera-nos para quê?
— Para comemorarmos. É o costume. Venha, prepararam comida e haverà música. Desfrutemos da noite. Mais tarde teremos tempo para estarmos sozinhos.
Tanon desejou que não fosse muito mais tarde. Não podia acreditar que tinha se convertido em uma desavergonhada. Se Cian e Tomás não tivessem chegado naquele momento, com certeza teria arrancado suas roupas. Acariciou-se a bochecha corada, afastou-se e disse:
— Vou colocar o vestido de Adara.
— Então é melhor que espera lá fora enquanto se veste — disse, sabendo que se permanecesse ali, vendo-a despir-se, jamais chegariam à celebração. Foi até a porta e de lá, lançou lhe um olhar intenso, cheio de desejo. — Perguntou sobre meu autocontrole. É aqui onde ele termina.
E fechou a porta atrás de si.
Por todos os céus! Gareth sabia como excitá-la. A primeira vez que o viu, perguntou-se quão selvagem ele realmente seria. Essa noite o descobriria. Estava ansiosa para estar em seus braços.
O vestido ficava solto e descobriu horrorizada que não levava abaixo anáguas, ou camisa. Considerou a possibilidade de ficar com o outro, mas estava muito sujo e ainda não tinha desempacotado seus outros vestidos. Não, usaria esse. Além disso, a felpa era suficientemente grossa para mantê-la salvo dos olhares indiscretos, apesar de seus mamilos eretos seguiam pressionando contra o tecido. Ajustou o cinto largo ao redor de sua cintura fina e colocou o xale ao redor dos ombros, com seus cabelos esparramados, por cima.
Estava pronta, e tão feliz de não ter que suportar três criadas arrumando-a, durante mais de uma hora, para que estivesse apresentável! Com isso se acostumaria facilmente.
Com um sorriso nos lábios, saiu da casa, para ingressar em um paraíso reluzente. Centenas de tochas iluminavam a grama, como se fossem estrelas sobre um fundo de veludo. A música enchia a atmosfera noturna. Os aromas irresistíveis de coelho assado e pão fresco despertaram seu apetite. Passou ao lado de Gareth, que estava esperando na porta, e viu às pessoas reunidas, rindo e bebendo, entre inúmeras fogueiras; todos voltaram os olhos para ela à medida que se aproximava.
Não eram os únicos, Gareth tampouco conseguia tirar os olhos dela. Quando ela o olhou, ele mal conseguiu sorrir; estava encantado. Talvez, ela tenha sido criada como uma dama nobre, mas a partir desta noite pertencia à Cymru, com suas terras selvagens e em entardecerem mágicos.
— Percebe o quão formosa está, Tanon?
— Ultimamente, sim, meu marido.
Ele tomou sua mão. Deu-lhe alguns beijos intermitentes, que lhe tiraram o fôlego, até que disse;
— Venha, querem conhecer você.
Caminhou com ela através do prado, parando em frente de vários grupos, para fazer as apresentações.
Conheceu Cadwyn, uma mulher roliça e alegre, que lhe ofereceu um pouco de seda azul. Seu marido Llwyd, o ferreiro, foi o seguinte em saudá-la, e lhe deu de presente um pequeno e mortífero punhal, rogando, tão baixo, para nunca tivesse a necessidade de utilizá-la. Ioan e Deirdre, trouxeram-lhe três coelhos recém-caçados e prometeram que ensinariam a preparar o caws pobi, um prato tradicional que levava pão torrado e queijo derretido.
Recebeu muitos presentes, mantimentos, tecidos de linho de várias cores, missangas e utensílios para a cozinha. Tanon aceitou cada presente com sincera gratidão. Sua afabilidade conquistou os corações; inclusive algumas mulheres, que ao princípio sorriam com reticência, lhe deram um caloroso abraço, enquanto a jovem caminhava de braço dados com Gareth. Cian colaborava alegremente, dois passos atrás, carregando todos os presentes que coubessem em seus braços. O restante foi levado por Alwyn e Hereward, diretamente para a casa de Gareth.
— Ganhou o coração do meu povo, com seu encanto e simplicidade —sussurrou satisfeito, embora não estivesse surpreso. Aparentemente também ganhou o afeto de seus homens rapidamente pois se encarregaram de cada detalhe. Cada fonte estava decorada com um ramo de urze.
Tanon se sentou, abraçou Rebecca como se vissem há uma semana, e agradeceu Adara pelo vestido, com um beijo na bochecha.
—Oh, Cian! —exclamou, ao notar como ele tinha arrumado as fontes. — algum dia fará feliz uma moça de muita sorte.
Gareth sacudia a cabeça, ao comprovar quão fraco era esse guerreiro que suspirava como um jovenzinho apaixonado.
—Madoc ajudou a colher as urzes antes que vocês chegassem. — explicou Cian, como uma desculpa.
Gareth arqueou uma sobrancelha e olhou surpreso para seu melhor amigo.
—Está bem. Sua esposa deverá ser um pouco mais audaz que a tua —assegurou Tanon, ao mesmo tempo em que tirava as sandálias, ao ver todos descalços. — Já havia dito que Madoc era doce.
—Sim, tão doce como o leite de cabra azeda — sentenciou Tomás, enquanto servia-a um xarope feito com cerveja, mel e especiarias.
— Chama-se bragawd — assinalou Gareth, sentando ao seu lado. Quando Tanon tentou pronunciá-lo, sorriu. — Não beba muito. — acrescentou, com uma piscada.
—Diga-me — começou Tanon, aproximando-a taça para desfrutar de seu delicioso aroma. — é costume em Galês andar descalço?
—Durante muitos anos, a maior parte das pessoas não podia pagar pelo couro — explicou — Foram descalços por necessidade. Logo, optamos por caminhar descalços porque ajuda a manter um melhor equilíbrio. Agora, você é uma de nós — prosseguiu, com um significativo sorriso. — Nós não dizemos que somos Galeses, mas sim cymry.
— Cymry — repetiu a jovem, enrugando o nariz, ao vê-lo sacudindo com a cabeça. — Me ensine mais palavras suas.
Gareth elevou à vista, notou que Madoc se aproximava.
— Noswaith dda, Madoc.
—Noswaith dda — respondeu seu primeiro comandante, com uma ligeira inclinação de sua cabeça — e a você, milady.
— Estão dizendo «boa noite»— esclareceu Cian, inclinando-se para ela. — Poderia ensiná-la o cymraeg, enquanto Gareth visita o rei.
Tanon virou-se para seu marido e puxou seu manto, enquanto ele conversava com Madoc: — Acaso vai?
— Sim, devo encontrar meu tio em Llandeilo.
— Quando?
— Em alguns dias. Estará muito bem protegida — prometeu — Terá ao seu lado Ioan e Hereward. — Ele se aproximou um pouco mais e sussurrou em seu ouvido, posando os lábios sobre sua testa. — Vai sentir saudades?
— Sim — admitiu ela.
Gareth adorava ouvir como pronunciava as palavras, tão eficaz e tão forte, com tanta delicadeza. Afastou-se um pouco, para olhar em seus olhos.
— Vou tratar para que minha estadia seja breve.
— Permita-me propor um brinde — solicitou Madoc, reclamando sua atenção. Quando Gareth acessou, ergueu sua taça — Escutem todos — sua voz poderosa se fez ouvir a distância. — Hoje à noite estamos reunidos para agradecer por muitas razões. Nosso príncipe retornou!
Ouviram-se prolongados vivas, mas Madoc levantou a mão, pedindo silêncio.
— Trouxe consigo a promessa do rei normando. Seu nome é paz, beleza e coragem. — Olhou brevemente Tanon antes de prosseguir. — Que a paz encontre seu lugar entre nós e saibamos valorizar. Por Cymru!
— Por Cymru! — disseram todos em uníssono.
—Suas palavras me comoveram — disse Alwyn, fingindo um soluço e fazendo gestos de enxugar lágrimas.
Com um sorriso maroto, Madoc ameaçou jogar a taça sobre a cabeça do amigo. Ignorou os insultos de Alwyn e se sentou ao lado de Gareth.
—Minhas mais sinceras desculpas por fazê-lo chorar.
— Desculpas. Essa é uma palavra que nenhuma mulher te ouviu falar, seu descarado! — disse Alwyn, passando-a mão pelo rosto.
— Tem razão — reconheceu Madoc, sorrindo maliciosamente. — Jamais me desculpei com sua irmã.
Todos os insultos e ameaças proferidas por Alwyn foram enterradas pelo som de harpas, alaúdes e tambores.
Todos compartilharam a saborosa torta de cordeiro. O humor de Alwyn melhorou, depois de servir-se três vezes. Quando um pequeno grupo de aldeãos começou a
dançar no meio da campina, uniu-se à eles imediatamente.
Adara via Hereward comer através do fogo.
— Realmente é um guerreiro saxão? —perguntou, quando seus olhares se cruzaram.
Ele assentiu e continuou ocupando-se com sua comida.
— Meu pai conhecia um homem que afirmava ter conhecido os saxões. Segundo ele, dançam quase tão bem como os cymry.
A seu lado, Tomás bufou, incrédulo. Hereward olhou-o desafiadoramente:
— O que isso tem de tão engraçado?
— Nada. Exceto que os saxões são muito frouxos —Tomás absteve-se quando viu que Hereward se ofuscava — Não tive intenção de ofender — se apressou a esclarecer.
— Mas o fez.
— Nosso povo é tão antigo como o seu —apontou Rebecca, com gentileza. — E a dança existe desde o inicio dos tempos.
Hereward sorriu, orgulhoso dela.
—Não sabia que você também era saxã — comentou Adara, tomando-lhe a mão. — Ensine-nos como vocês dançam vocês. Nunca vi outra dança além da nossa.
—Oh, não posso! —Rebecca corou, sacudindo a cabeça. — Faz vinte anos que não danço.
— Hereward parece bastante desajeitado — disse Madoc com ar provocador. — Será mais fácil dançar com ele, Rebecca.
Seus olhares se encontraram, mas Hereward suspeitou que ela poderia recusar e desviou o olhar.
Hereward, intimidava e tinha uma reputação tão perturbadora como a do rei Guillermo, mas com ela sempre tinha sido muito gentil. Era um homem de poucas
palavras, mal tinham conversado durante a viagem. Mas não tinha dado atenção, afinal não teriam muito em comum. Mas tinha chamado sua atenção seu físico anguloso, e o efeito da mutação que produzia o sol em seu cabelo avermelhado. Sua expressão era sempre severa; muito diferente da beleza de Brand. Entretanto, Hereward possuía um intenso atrativo varonil, que a perturbava cada vez que o olhava. Ela sempre se mostrou hostil e até mesmo rude. Mas como poderia demonstrar algum interesse por ele, quando seu coração pertencia a outro homem?
—Muito bem — aceitou, enquanto ficava de pé e alisava sua saia — Hereward? — fez sinal para que a seguisse; ele a olhava desconcertado pelo convite.
— Ande, Hereward, dance com ela. — encorajou Gareth.
— Por que não? — o corpulento guerreiro sorriu amavelmente ao levantar-se e a escoltou até o centro da campina.
Aquela noite era a primeira vez que Tanon viu uma roda de baile. No total, eram doze rodas que se espalhavam ao redor da grande clareira. O círculo interior, cercado de tochas montadas em pontos cravados no chão, ficava iluminado sob o céu noturno. A música era ouvida em todo seu esplendor, quando Hereward e Rebecca se juntaram a outros dançarinos.
Ele tinha o porte próprio de um rei, com as costas retas, uma mão para trás e a outra sujeitando sua companheira. Comparado com os outros, a dança dos saxões parecia lenta, mas não menos graciosa. Tanon os observava com o coração aliviado, Rebecca sorria como nunca antes tinha sorrido para Brand.
— Não vai dançar essa noite, milorde?
Tanon olhou para a mulher que rondava em torno de seu marido. Tinha-a conhecido à tarde. Chamava-se Isolde, a filha de Padrig, o carpinteiro. Sua trança avermelhada chegava à cintura e os olhos azuis se tornaram mais intensos quando sorriu para Gareth.
— Talvez, mais tarde, Isolde.
— Mas estamos no dia da festa —insistiu ela, com expressão melancólica — estive praticando, tenho certeza de que posso fazer o melhor que você — o desafiou. —Já mostrei à Ioan que danço melhor que ele.
— Mas Ioan não é Gareth. — burlou Cian.
— Talvez — demarcou Isolde, simulando um suspiro de decepção. — O príncipe Gareth deixou Wyfyrn no calabouço de Dafydd.
Seus olhos brilharam vitoriosos quando Gareth disse, estendendo o braço:
— Depois de você.
—O príncipe Gareth vai dançar! — anunciou Cian, abrindo espaço. Em torno deles, Tanon escutou como os homens apostavam ovelhas e gansos a quem ousasse duvidar da destreza de Wyfyrn. A atmosfera estava carregada de expectativas enquanto Gareth e Isolde se aproximavam da roda de dança, precedidos pela proclamação de Cian.
— Está franzindo a testa — assinalou Madoc para Tanon, que não tirava os olhos de Isolde.
— É muito bela.
— E então?
—«E então?»— a moça desafiou o temível guerreiro — Meu marido vai dançar com ela. Ouvi maravilhas dos bailes que vocês praticam, Madoc.
Seu olhar se suavizou, ao ver como Tanon estava chateada.
—Seu marido dançará, mas não com ela. Para isso, teria que derrotá-lo, e garanto que isso seria impossível.
Olhou-o sem compreender; mas, em vez de esclarecer as coisas, Madoc se adiantou e foi até onde estavam reunidos outros espectadores e fez um gesto com o dedo, para que se aproximasse para ver.
Os dançarinos, incluídos Hereward e Rebecca, fizeram-lhes lugar no círculo, quando Gareth e Isolde entraram. Houve um silêncio durante a noite, enquanto os músicos aguardavam instruções do príncipe.
Gareth jogou a cabeça para trás, para prender os cabelos.
—Algo com ritmo — ordenou aos músicos.
Isolde concordou e levou as mãos para trás.
Os tambores ressoavam em seus ouvidos, ao mesmo tempo em que o coração de Tanon. O alaúde e a viola fizeram sua entrada, e Isolde pulou, dando chutes no ar.
— Ela acredita que poderá tocá-lo com os pés — alguém comentou, atrás de Tanon. Outros riram. Madoc aproximou-se ainda mais, para que pudesse escutar sua voz acima do som da música.
— Isolde tem os pés leves e um bom equilíbrio. Claramente esteve praticando. —Quando Madoc viu a ira refletida nos olhos de Tanon, riu baixinho — Ninguém é tão veloz quanto ele. Mas se Isolde estiver próxima em acertar Wyfyrn, imagine o que aconteceria se um homem mais lento quisesse atacá-lo, olhe milady —sussurrou — Imagina que leva nas mãos um machado ou lança. Nesta altura, já teria morrido ou pelo menos ferido seu atacante. Todos aqui aprenderam a defender-se dançando, para garantir que esta aldeia não voltasse a cair nas mãos de inimigo nenhum.
Com um pouco mais de compreensão, sem desfrutar a vista, Tanon enrolou um cacho de cabelo entre os dedos.
Isolde avançou na direção dele, mantendo o ritmo da música, enquanto pulava e dava voltas, levantando à saia. Parecia que ambos estavam em um combate simulado. A elegância de seus movimentos coincidia perfeitamente com os ataques e desviando-se dos golpes. Os movimentos de Gareth eram puramente defensivos, parecia impedir os ataques com uma facilidade incrível. Ele encoraja-a para pulasse e desse chute mais fortes. Estendia-lhe os braços, tentando-a para que entrasse em contato com seu corpo, enquanto seus pés moviam-se com tal rapidez que Tanon não podia acreditar
que estivessem no chão. Isolde sustentava sua saia sobre os joelhos. Gareth riu e sacudiu a cabeça, quando observou que seus passos se tornavam mais complexos. Tanon pensou que se tentava imitá-lo, certamente terminaria com o travesseiro no chão. Gareth curvava as costas graciosamente, dobrando os joelhos, quando Isolde lançava golpes.
Fascinada pela mobilidade do espetáculo, a jovem lembrou o torneio em que Gareth derrotou oito seguidores de Roger, sem perder um único ponto. Veloz como uma raposa, evitava cada um dos golpes, adequando suas acrobacias ao ritmo da música. Observando-o absorta, sua esposa sorriu quando ele saltou para trás para evitar um chute na virilha. Ele desafiou Isolde com um sorriso zombador, passando a seu lado tão rápido como o vento, antes que o pé dela voltasse a tocar o chão novamente. Seus cabelos sobre seus ombros balançam ao compasso de seus pés como se fossem de ouro derretido, traçando seu rosto selvagem.
— Logo irá derrotá-la — aventurou Tomás, com o aprovação da multidão.
— Deixem sua esposa fazer uma tentativa!
Tanon ficou séria e deu uma olhada para comprovar quem teria feito à sugestão absurda. Um incentivou, e logo todos se uniram com aclamações e aplausos. Ela sacudiu a cabeça e procurou refúgio perto de Madoc.
— Não sei dançar assim — replicou, com o rosto entristecido.
— Não dançará, se antes conseguir tocá-lo — lembrou gentilmente Madoc empurrando-a com suavidade, para que se decidisse.
Tanon estava parada na borda do círculo, de onde observava o homem que tanto a seduzia. Gareth respirava com dificuldade, com o cabelo despenteado e um sorriso deslumbrante. Aproximou-se dela, transbordando energia e com um olhar tão feroz que a fez tremer. O guerreiro que a tinha despertado de seu sonho estava tão próximo que podia sentir seu peito arfante e seu aroma embriagador. Ela engoliu em seco, perturbada, não suportaria tê-lo tão perto, tão irresistivelmente sedutor.
Ele estendeu-lhe a mão; mas quando foi tocá-la, retirou-a abruptamente, com um sorriso traiçoeiro. Tanon parecia ter os pés cravados no chão; não reagiu, enquanto estava se virando, ele sussurrou em seu ouvido:
— Me toque uma vez e serei seu.
Ela estremeceu, ao sentir seu fôlego quente queimando em sua nuca. Apareceu novamente diante dela, e sentiu todo o ardor em seu corpo. Mas não se atreveu a tocá-lo. O sorriso de Gareth tornou-se mais amplo e sensual; com os olhos cada vez mais ousados.
Tanon lembrou que ele lutava sempre na defensiva. Era impossível alcançá-lo e tentar era o maior erro que poderia cometer. Devia provocá-lo para que viesse buscá-la. Sabia como ganhar, mas sentia pavor em tentá-lo. Mesmo assim, não estava disposta a persegui-lo em círculos, ou permanecer de pé como uma árvore, sendo o motivo de riso da multidão.
Recuou, escondendo a sua satisfação ao vê-lo avançar, em resposta à provocação. Seria difícil girar de repente os calcanhares? Tanon tentou, seus movimentos nem podiam ser comparados com a velocidade de Isolde, mas estava satisfeita pelo que tinha feito. Gareth se aproximava com cautela.
Tanon deu vários passos para trás e encorajou-o a rir. De repente, tropeçou e caiu sentada. Gareth avançou rapidamente, tentando esconder sua risada, para ajudá-la. Ninguém se atreveu a rir alto; mas Tanon, agradecida, segurou-se em seu pescoço e disse:
— Ganhei.
Inclinado sobre ela, Gareth levantou as sobrancelhas e declarou rindo:
— Que mulherzinha trapaceira, é essa com a qual me casei!
Ajudou-a levantar-se, rapidamente, com um sorriso tão sedutor, que esteve prestes à beijá-lo ali mesmo, diante de toda a aldeia.
— Wyfyrn foi derrotado — declarou alguém, em voz alta.
Olhando as pessoas ao seu redor, Tanon viu Madoc levantar sua taça, olhando primeiro para Gareth e depois à ela. Trocaram sorrisos e, de repente já não era tão perigoso como antes.
—Dança com ele agora! — gritou Adara.
—Não — Tanon inclinou seu rosto para Gareth. — Quero ir pra casa.
O príncipe esteve a ponto de pegá-la no colo, para chegar antes, mas achava que ela, com seus modos corteses, certamente protestaria. De modo que tomou sua mão, para afastar-se da multidão. No entanto, logo que estiveram fora da vista dos outros, tomou-a em seus braços.
— Está impaciente — ela caçoou com uma risadinha.
— Diabos, não tem ideia do quanto.
Chutou a porta para abri-la e fechou-a com um golpe. Começou a beijá-la antes que seus pés tocassem o chão. Ela agarrou-se em seu pescoço, com o coração acelerado de excitação, embora temerosa. Tinha os nervos abalados e um fogo vital a consumia por dentro. A urgência dos beijos e as mãos de Gareth afrouxavam seu cinto, tirando-lhe o fôlego. Ele percorria o interior de sua boca subjugando-a com sua língua. O cinto caiu no chão. Suas mãos poderosas mãos acariciavam sua cintura e ambos os seios. Os mamilos de Tanon endureceram-se e ele apertou-os suavemente entre os polegares e o dedo indicador. Mordendo seu lábio, Gareth pressionou seu corpo contra o dela, para que sentisse sua descomunal ereção.
Seu tamanho a assustou, mas instintivamente abriu as pernas. Esfregou seu quadril contra o dele e afundou os dedos em seus cabelos. Desejou tocá-lo desse modo desde o dia em que o viu lutar no torneio. Ansiava por sentir seu coração batendo forte contra sua pele. Já não podia suportar mais: precisava tocar em seu corpo escultural. Livrou-se dos últimos vestígios de donzela recatada e começou a desatar-lhe á túnica. Rasgou-a rapidamente, gemendo junto de sua boca.
Só então notou que ele já tinha levantado seu vestido, porque sentiu suas mãos ásperas acariciando suas nadegas e movendo-a de cima para baixo, contra o seu corpo.
Quando retirou por completo o vestido, Gareth interrompeu seus beijos para contemplá-la. Era tão irresistível nua, coberta apenas por seus cabelos!
O desejo ardente que brilhava nos olhos de Gareth fez com que os mamilos de Tanon endurecessem imediatamente. Seus lábios se separaram, apenas alguns segundos antes de fechar-se sobre um de seus seios. Revolveu sua língua sobre o broto doce e, em seguida lambeu-fortemente. A jovem deixou sua cabeça cair para trás, puxando-o pelos cabelos e atraindo-o para si. Sentiu-se ousado. Febril. A língua ardente de Gareth fazia-a gemer de prazer. Instintivamente, colocou a mão sobre o membro de seu marido.
Gareth, finalmente perdeu o controle e empurrou-a contra a parede. Inclinou-se com seu olhar profundo.
— Se quiser ser tratada com suavidade, Tanon — sussurrou, com o rosto colado ao dela. — tratarei-te como uma flor de urze.
— Não — ofegou, excitada além de qualquer resistência.
A expressão de Gareth, extasiado com o desejo, convenceu-a de que sua escolha foi correta. Queria que Tanon entregasse seu corpo virginal pouco a pouco. Mas o inesperado ardor de seus beijos o descontrolava.
Ele inclinou-se sobre o seu pescoço, percorrendo-o com a língua, Tanon gemeu sob a luxúria de seus lábios. Passou-lhe a língua sobre seu mamilo ereto e, em seguida, dobrando os joelhos diante dela, abaixou-se para beijá-la em sua parte mais ardente. Ela sentiu a aspereza de seu queixo eriçado e o calor de sua respiração escaldante.
Gareth abriu mais suas pernas e afundou sua língua, enquanto um estremecimento percorria todo seu corpo. Ela quis afastar-se, mas ele segurou fortemente as mãos em sua cintura, mantendo-a imóvel, e saboreando-a de maneira mais íntima. Permaneceu no cume, cuja crista aparecia tentadoramente. A selvagem mestria de sua língua,
dentes e lábios, fizeram que ela levantasse a pélvis para entregar-se mais. Quando colocou um pé sobre seu ombro, ele levantou-se, sustentando sua coxa com uma mão. Com a outra, soltou a calça.
— Talvez isso machuque... um pouco — ele sussurrou com doçura. Umedeceu dois dedos com a língua e penetrou-os em entre suas pernas, persistindo com suas carícias, até que começou a pulsar, desesperadamente, sob sua mão. Cobriu sua boca com beijos, para apagar os suspiros de ansiedade que ela deixava escapar, à medida que ia penetrando-a e acabava com os últimos resquícios de sua inocência.
—Não — exclamou Tanon, quando sentiu que era atravessava por um espasmo doloroso e o prazer se esgotava de repente com a intensidade de um raio.
—Sim — disse Gareth com um tom gutural, prisioneiro do êxtase — Não entende que agora é minha? Goze pra mim.
Levou apenas poucas carícias mais para que a paixão a transbordasse. Um espasmo fez que seus músculos oprimissem a íntima rigidez de Gareth. Ela lançou um grito quando, com um último impulso, seus pés se separaram desde o chão, e ambos alcançaram o auge do prazer, ao mesmo tempo.
Exausto, Gareth tomou-a nos braços e levou-a até o arroio. Lavou a prova de sua virgindade perdida com a maior delicadeza, enquanto prometia, entre beijos carinhosos, que não voltaria a incomodá-la essa noite.
— É uma besta primitiva — respondeu ela, aconchegando-se contra seu peito, enquanto ele a carregava nos braços até a casa.
— E você é uma prostituta feroz — retrucou ele.
Tanon adivinhou o sorriso brincalhão por trás de suas palavras.
— Sou, não é certo? — brincou, feliz, enquanto ele a depositava na cama e desabava a seu lado com um suspiro de satisfação.
Quando Tanon descansou sua cabeça na curva do seu ombro, Gareth a rodeou com seu braço e atraiu-a para si.
— Gareth.
— Sim?
— Estou muito feliz que estejamos casados.
Ela fechou os olhos, esperando, rogando, por uma resposta.
— Também estou, Tanon —sussurrou.
Um sorriso radiante iluminou seu rosto, enquanto ela se encolhia contra o corpo de seu amado, disposta, finalmente, a entregar-lhe seu coração para o homem que saberia apreciá-lo: seu herói.
Capítulo 17
Cedric observava a celebração do topo de uma colina arborizada, sozinho e longe da vista dos guardas na ponte; a casa estava iluminada pelas fogueiras. Seu pensamento estava focado na mulher que acabava de entrar na casa com seu irmão. A normanda. A moça que deveria ser dele. O penhor de paz que ele havia rechaçado.
Tinha tomado à decisão de não lhe tirar a vida imediatamente. Apesar de se tratar de seu pior inimigo, era muito bonita e desejável para prescindir o prazer de seu corpo. Levaria tempo para vingar o sangue de seu povo, saboreando sua pele. Mas sem demorar muito. Ele queria a guerra. Se tomasse Deheubarth e anulasse o tratado de paz, os normandos viriam à Cymru; se a matasse, viriam mais rápido.
Alguém se moveu entre as árvores, à sua direita. Cedric falou nessa direção:
— Não tinha ideia de que a mulher de meu irmão fosse tão bonita.
A figura colocou-se ao seu lado, seguindo o seu olhar, em direção aos aldeãos.
— É uma cadela normanda, nada mais.
Cedric dirigiu seu gélido sorriso para seu acompanhante clandestino.
— Não gosta de semelhante beleza, Madoc?
— A beleza seduz todos os homens, Cedric. Mas nem todos sucumbem. Por que não me disse que Bleddyn era um dos nossos?
— Porque precisava que alguém se certificasse que é um traidor. Ele é o mais fiel dos vassalos.
—Era — corrigiu Madoc.
—Ah! — suspirou, pesaroso — Supus que não teria conseguido chegar à Winchester, quando vi que Gareth ainda está vivo. De todas as maneiras, não importa — disse, sem tirar a vista da casa. — Ele casou-se com nossa inimiga e leva-a para a cama, traindo nosso povo e suas famílias. Não lhe importa quantos cymry morreram nas mãos dos normandos. É um traidor, igual meu tio. Liberarei Cymru dos normandos, começando pela moça.
Madoc olhava o povo reunido, mais abaixo, sem vacilar. As chamas das fogueiras refletiam a fúria de seus olhos mortíferos.
—Onde está o príncipe Dafydd? — perguntou calmamente.
— Próximo — respondeu Cedric, voltando sua atenção para as festividades.
— Será melhor não pensar em enganar eles, Cedric.
— Dafydd está tão ansioso para enfrentar os normandos, quanto eu — o tranquilizou — Os príncipes do norte já não são nossos inimigos. Pelo menos, até que eu me converta o rei de Cymru. — Piscou para Madoc, assim como Gareth fazia. — Seu exército nos espera diante do castelo de meu tio, em Llandeilo. Estarão prontos quando for necessário.
— Tem certeza de que Dafydd e seus homens estão bem armados? O rei Rhys tem um exército de mais de quinhentos homens. Lembre-se que não podemos usar flechas, porque as pessoas vão suspeitar que houve jogo sujo. Precisa contar com o apoio popular, para...
—Os homens de Dafydd são bons lutadores — interrompeu Cedric, olhando-o — Mas não haverá luta. Não haverá guerra em Llandeilo, se o que me diz é correto.
— É. Conhece a afinidade que seu tio e Gareth têm pela música. Tudo sairá de acordo com o plano.
— Devemos coordenar bem os tempos. Ninguém sabe que voltei. Está seguro de que meu irmão não suspeita de você? — Madoc sorriu, como única resposta. — Testemunhará que Gareth assassinou seu tio, seu sobrinho e a sobrinha — Cedric repassou seu plano com frieza e precisão. — Eu terei retornado do exílio, para ocupar meu lugar, como único herdeiro do trono. Logo que seja rei, cancelarei todos os tratados de paz com a Inglaterra, e assim que se inteirem que tomei à filha de Risande por mulher, sua raiva os levará a declarar guerra. Derrotaremos os homens do Conquistador e vamos matar cada um dos lordes da fronteira, daqui, até Chester. — Madoc assentiu em silêncio — Diga-me — Cedric examinava a multidão. — Por que Hereward está aqui?
— Não nos disse, mas suponho que foi enviado pelo rei normando para proteger à filha de Risande.
— Entendo — Cedric viu o guerreiro ruivo dirigir-se a uma mulher de cabelos muito loiros. — Outro que traiu seu povo.
— Tenho que ir agora. Devem estar me procurando — disse Madoc, caminhando em direção ao prado.
— Espere — Cedric segurou- com uma mão sobre seu ombro, embora soubesse que Madoc não gostava que ninguém o tocasse. — Jure que nunca me trairá, como está traindo -o agora.
Madoc virou-se bruscamente.
— Se matá-lo, jurarei lealdade à você sobre o trono em Llandeilo.
Cedric sorriu na escuridão.
Gareth pensou ter ouvido a voz de Tanon e despertou.
—De verdade, Guillermo, fiz muita bagunça. Mas, pensando bem, realmente foi por causa de Gareth.
Por um acaso estava sonhando? Por que, se não, estaria ela falando com o rei dos normandos? Certamente, alguém teria dito se o rei Guillermo tivesse chegado à Cymru.
— Não sei o que devo fazer — sua doce voz revelava ansiedade, e Gareth sentiu-se obrigado de ir em seu auxílio. — Tenho medo que Gareth me mate por isso.
Matá-la? Por Deus! Como podia considerá-lo capaz de fazer uma coisa dessas? Sentou-se e esperou um momento até que desapareceram os efeitos confusos da sonolência, para deixar sua cama. Devia reconfortar sua esposa, para que soubesse que nunca seria capaz de machucá-la.
—Tanon, não importa o que fez, quero que saiba...
Usando o vestido que ganhou da esposa de Tomás, Tanon estava sentada na poltrona, segurando em seu colo um porco preto. Ambos estavam cobertos por uma espessa camada de fuligem. Uma camada fina cobria por completo as paredes da casa.
— Que diabos aconteceu aqui? E com quem demônios está falando?
Ao escutar sua voz, Tanon assustou-se e o olhou com seus olhos verdes cheios de angústia, que contrastava com seu rosto escurecido.
— Estava tentando limpar a chaminé. Como podia adivinhar que nunca tinha feito, desde que foi construída?
Gareth olhou a seu redor. Estavam sozinhos. Fixou a vista no animal.
— E isso aí, de onde diabos saiu?
— Encontrei-o está manhã no vale e me seguiu até aqui.
— E você está chamando-o de Guillermo? — perguntou, incrédulo.
— Sim — tossiu — E quase morri sufocada, com tanta fuligem. —Ela aspirou e em seguida espirrou, soltando o porco por um instante. Este correndo para os pés de Gareth. — Queria poder acender a chaminé. Teria sido acolhedor; mas agora está tudo uma bagunça. —Uma lágrima percorreu sua bochecha, riscando um trajeto rosado até seu queixo, em meio da fuligem em seu rosto. — Tive medo de que acordasse, porque sabia que se zangaria.
— É claro, inclusive, temia que pudesse chegar a matá-la.
— Sim —assentiu, e brotaram mais lágrimas.
Gareth entendeu que tinha chegado ao limite. Quis dizer que não havia nenhuma razão para que chorasse. Mas que diabos? Ainda pensava que era um monstro que seria capaz de lhe fazer mal?
—Venha — disse, tomando-a em seus braços. — Vamos sair para tomar um pouco de ar.
Tanon sentiu tanto alívio de que não a odiasse por ter arruinado sua casa, que inclinou-se para beijar seu pescoço e deixou uma nítida marca de fuligem em sua pele.
— Obrigado por não ter perdido a paciência —murmurou, enquanto ele a carregava nos braços para o exterior. — Sabe? Quando se propõe à isso, é uma pessoa tão doce e amável...
Naquele momento, ele soltou-a.
Tanon agitou os braços com desespero, antes afundar-se na água fria. Primeiro, Gareth pensou em juntar-se à ela; mas mudou de ideia, virou-se e voltou a casa.
— Como pôde... Gareth?! — escutou seus gritos furiosos, enquanto procurava um tecido apropriado para secá-la. — Gareth! —uivou, como se fosse um porco guinchando junto de seus calcanhares.
Voltou, levando o tecido em uma mão e o sabão na outra.
— Pare de gritar, mulher — jogou-lhe o sabão. — Considere-se afortunada de que não a tenha pendurado pelos pés do teto. Nós, os selvagens, adoramos submeter aos outros uma morte lenta.
Ela olhava-o enfurecida, com os cabelos molhados sobre seu rosto.
— Poderia ter me afogado, é a pessoa em desconsideração — as palavras não eram suficientes para insultar esse um metro e oitenta de insolência nua masculina, que morria de rir às suas custas.
— O lugar onde está tem cerca de dois metros de profundidade. Mas está dando motivos para reconsiderar a questão das vigas no teto.
Tanon ficou boquiaberta e, em seguida, molhou Gareth por completo. Ele não podia acreditar que tivesse tamanha audácia. Quando fez de novo, respondeu com um olhar severo para o sorriso malicioso de sua esposa.
— Estou avisando, mulher. Não volte a...
Fez-o pela terceira vez, rindo. Depois decidiu afastar-se, enquanto ele a perseguia. Deveria ter imaginado que seu marido seria tão veloz na água como em terra. Quando suas mãos aprisionaram-na pela cintura, ela riu alto.
Quando a atraiu para si, sentiu que o coração derreter entre as costelas. Seus olhos brilhavam de felicidade, que começava a ter os ossos como o sol do verão. Gareth limpou o rosto de Tanon, removendo o cabelo molhado; respirava agitado ao ver que ela fechava os olhos quando a tocava. Tinha beijado outras mulheres; mas toda vez que beijava ela, diabos! Cada vez que a olhava, arrebatava-lhe uma parte do seu coração.
Banhou-a com tanta delicadeza como a tinha beijado. Quando tirou o vestido, começou a ensaboar seus seios e o ventre com suas mãos ásperas. A respiração de Tanon era irregular, sua pele queimava pela proximidade dos corpos. Gareth deslizou a
mão para atrás de sua cintura, para acariciar suas nádegas. Completamente descontrolado, estreitou-a contra sua virilidade latente antecipando o que desejava fazer com ela.
— Na água? — ela sussurrou, curiosa e excitada.
Ele respondeu com um gemido, enquanto penetrava-a lentamente, sabendo que estaria dolorida. Ela segurou em seus ombros e, à medida que a dor diminuía, flutuava em seus braços, com as pernas em volta de sua cintura, a ponto de perder a razão. Ele a penetrava pausadamente, dando e recebendo prazer de forma gradual, com largas e potentes incursões. Seu corpo ardia na água. Puxou seus cabelos e jogou a cabeça para trás, até que suas bocas estiveram a um hálito de distância.
— É perfeita — murmurou antes de selar seus lábios com um beijo profundo, tão sensual como a oscilação de seus quadris. Logo suas investidas se precipitaram; Tanon arqueou as costas, sentido prazer. Afirmando as mãos sobre os quadris dela, empurrou-a para cima, e a atraiu para si, deslocando-a ao longo de sua plenitude inflamada. Endireitou-se para ouvir seus gemidos, que previa o resultado do desenlace para os dois.
Mais tarde, Gareth encontrou uma camisa para ela e colocou um par de calças de pele de cabra. Retornou à beira do riacho e sentaram-se à sombra de um antigo carvalho.
— Quando era pequena, sonhava que você iria voltar.
Gareth a estreitou entre seus braços e beijou sua testa com ternura.
— Eu pensava, contudo, que minha vida tinha tomado um rumo diferente da sua.
— Como foi seu caminho?
— Igual ao seu: cheio de responsabilidades.
Tanon se liberou de seu abraço e olhou pensativa para as nuvens. Inclinando-se sobre um de seus cotovelos, Gareth viu a sua expressão de preocupação e perguntou:
— Em que está pensando?
— Em meus pais — realmente, não mentia. Sentia muito falta deles, mas pensava na felicidade que os unia. Desejava que seu casamento fosse igualmente bem sucedido. Gareth a fazia sentir-se cheia de vida, animada, fazia-a rir. Já não tinha medo, ao seu lado sentia-se segura como quando eram crianças.
Nenhum dos dois notou a presença de Madoc, até que sua voz quebrou o silêncio reconfortante.
— Que diabos aconteceu na casa? — perguntou, evitando cuidadosamente colocar os olhos sobre os contornos suaves da figura feminina.
Gareth virou-se para seu amigo e sentou-se:
— Nada. Tanon estava limpando.
Ela tentava se defender, mas estava muito ocupada, procurando desesperadamente um pedaço de pano para cobrir-se. Ao incorporar-se, atirou à seu marido um olhar penetrante.
— Bati na porta —justificou-se Madoc, afastando a vista da panturrilha de Tanon. — Está tarde e você disse que queria trabalhar no campo hoje.
— Sim, irei em breve. Peça para que Cadwyn e Deirdre venham ajudar a limpar a casa, depois...
— Eu fiz aquela bagunça — lembrou Tanon — Eu devo limpar. — Concedeu à Madoc um sorriso de cortesia — Não dê ouvidos ao que Gareth, disse. Eu mesma cuidarei disso.
— Não dê ouvidos à Gareth? — repetiu o príncipe, erguendo as sobrancelhas com incredulidade — Ouvi bem o que disse?
— Sim.
A mandíbula de Gareth, afirmou-se:
— Aqui, todo mundo...
— Não vou permitir que essas mulheres pensem que sou incapaz de levantar um dedo...
— Tanon, pare de falar.
— De jeito nenhum, não deixarei de falar — seus olhos verdes atiravam labaredas.
Gareth encarou-a, furioso.
— Madoc, pode retirar-se — ordenou, sem tirar os olhos de sua esposa.
—Madoc, não se atreva a trazer Cadwyn e Deirdre para esta casa — advertiu Tanon, com os dentes cerrados. Estava cansada da ignorância de seu marido! Quem pensava que era para ordenar que se calasse? Como poderia interessar-se por esse selvagem? E agora, ainda, atrevia-se a olhá-la como se quisesse estrangulá-la.
—Madoc — grunhiu Gareth.
— Estou indo — seu primeiro comandante entrou na casa, sem dizer outra palavra.
Quando ficaram a sós, ele levantou-se e olhou sua esposa como se nunca antes a tivesse conhecido. A diabinha tinha se liberado.
— Seu pai permite que discuta com ele desse jeito?
— É obvio que não — respondeu imediatamente — Mas ele não é nenhum bruto.
Gareth contemplou a árvore que crescia detrás dela e pensou em bater sua cabeça contra o tronco. Seria mais satisfatório do que discutir com essa mulher tão teimosa.
— Tanon, ouça. Não quero discutir com você.
— Não discuti. Possivelmente, se não tivesse tanto interesse em dizer o que devo fazer, eu...
— Silêncio! —gritou, apertando as mandíbulas e tentando acalmar o seu temperamento. — Quieta, enquanto estou falando.
Ela abriu a boca para responder; mas o olhar gélido de Gareth a fez refletir. Em troca, apertou os lábios.
—Aqui sou o mestre. Meu povo, meus homens, aceitam o que digo. E você vai fazer o mesmo.
— Não sou um de seus homens — respondeu, indignada.
— Já sei. Se fosse, já estaria na arena comigo, recebendo algumas chicotadas no traseiro.
— É um maldito filho de...!
— Tanon! — não podia acreditar no que estava escutando.
— Guillermo sabe nadar?
— O quê? —perguntou Gareth, confuso
— Quero saber se o porco sabe nadar, vossa majestade pomposa.
— Como diabos, posso saber?
— Deveria averiguar! — gritou-lhe — Porque quando eu vê-lo atravessar a nado esse riacho, logo então o obedecerei.
Virou-se e partiu furiosa para a casa. Gareth pensou em alcançá-la, mas decidiu que seria insensato tentar. Em vez disso, dirigiu-se indignado a casa, olhando com ódio para o porco.
Capítulo 18
Gareth passou as costas de sua mão em sua testa e levantou o rosto para o sol vespertino. Estava trabalhando na terra, arando e semeando grão e sementes de vários tipo em suas pradarias. Cian, Alwyn, Madoc e Hereward plantavam legumes com pá e enxada. Quase não tinha visto sua esposa nesse tempo, exceto quando ela abriu a porta para receber Cadwyn e Deirdre, depois dispensá-las imediatamente.
Ainda irritado, Gareth permanecia exposto a sua tarefa, empurrando o arado com o peso de seu corpo. Olhava de tempos em tempos para a casa, irritado ao pensar que ainda estaria ocupada com a limpeza. Pelo menos havia aceitado que Rebecca a ajudasse. Entretanto, não conseguia entender por que sua esposa se recusou a receber ajuda de seu povo. Todos aqui se ajudavam. O fato de viver juntos, os fazia invencíveis. Seu povo trabalhava duro, conjuntamente, e os treinava ainda com mais empenho. Com cada lucro, consolidavam sua força de vontade, orgulho, tenacidade e determinação de defender não apenas o que cada um tinha, mas o que pertencia à comunidade. E era Gareth quem dava o exemplo. Ele era o líder. Ganhou o respeito de outros ficando à frente dos que combatiam para defender seu povo contra o inimigo. O povo confiava que ele se ocuparia de velar por eles, para fazer justiça e conseguir com que sobrevivessem. Tanon não deu oportunidade de lhe explicar tudo isso. Tinha-o feito, irritar-se. Maldição, enfurecia-o mais que qualquer ser vivo. Devia aprender a confiar nele. Se alguma vez sua aldeia fosse atacada novamente, ela teria que obedecer, mesmo que apenas para sobreviver. A possibilidade de perdê-la o aterrorizava. Por Deus, estaria disposto a aniquilar todos do norte, se algo de ruim acontecesse.
Tentou afastar esses pensamentos sombrios de sua mente e enviou Cian até a casa para pegar algo para comerem, que não estivesse estragado pela fuligem. Depois de um momento, Tanon aproximou-se com duas bandejas. A seu lado ia o idiota de cabelos dourados, muito entusiasmado, carregando mais três bandejas.
— Sua adorável esposa teve a gentileza de preparar uma refeição saborosa — disse Cian.
— O pão estava embrulhado e foi fácil limpar e cortar as frutas — anunciou Tanon, com certa formalidade. Entregou uma bandeja para Gareth, sem lhe falar, e depois entregou a Cian a última, com um sorriso gentil, antes de voltar para casa.
O príncipe a observava com um misto de orgulho ferido e ternura. Hereward cutucou Madoc, para que observasse o seu senhor.
— Eles discutiram — explicou, antes de continuar comendo.
—Ah, isso explica por que o poderoso Wyfyrn parece à beira de cair de joelhos derrotado pela ira de uma mulher — Hereward, riu.
Gareth olhou-o de lado, com um sorriso malicioso:
— Olhe para trás, saxão. Anuncia-se sua própria derrota.
Hereward olhou para a casa e viu Rebecca aproximar-se. Suas bochechas avermelharam quase tanto como sua barba. Endireitou-se, olhando para outro lado, ao escutar que Madoc e Cian burlavam.
— Lembre-se — disse Alwyn dirigindo-se à Gareth, enchendo a boca com um pedaço de pera. — Sua mulher é normanda. Não esqueceste, ou sim?
— Agora é cymry — respondeu Gareth, sem mais.
— Sempre foi — assinalou Hereward — Os celtas foram expulsos da Inglaterra pelos saxões. A maioria buscou refugio aqui em Galês. Tanon teve uma avó celta, conforme
entendi. Em suas veias corre sangue de seu povo, junto com os saxões e os normandos.
— Seja o que for — comentou Madoc, levantando sua vista da bandeja — é destemida, apesar de sua delicada aparência.
— Sim — o saxão concordou, bem como Cian e Tomás — É uma boa combinação. Lembro-me de um episódio, quando ainda ela era criança. Eu tinha viajado com o rei para visitar em Avarloch os Risande, pelo nascimento de seu filho, Oliver. Dante Risande e sua mulher também estavam lá. Tanon queria montar a égua de seu tio: um magnífico animal de raça árabe, tão rebelde como o próprio mar. Seu pai se recusou a permitir isso. Essa foi à única vez que lhe desobedeceu. Entrou às escondidas no celeiro e montou o animal. É claro, acabou no chão, pois ninguém podia montá-lo, exceto o conde de Gray Cliff. Tanon quebrou o braço e jurou a seu pai que jamais se aproximaria da égua. E cumpriu sua promessa, embora lhe custou, porque toda vez que seus olhos posavam sobre o magnífico animal, resplandeciam até mais. — Hereward se dirigiu à Gareth, que permanecia pensativo com a vista fixa na casa — Não é tão frágil quanto pensa. Só que ainda não teve chance de lhe provar isso
—Hereward — chamou Rebecca. Ele virou-se devagarzinho e ficou surpreso ao ver um par de olhos tão claros como a água que estava lhe observando. — Há dito belas palavras sobre minha menina. Seriamente, nunca pensei que fosse capaz de te expressar tão apropriadamente.
A julgar pela severidade de seu rosto, Rebecca imaginou, por um instante, o aspecto aterrador que teria ante seus inimigos normandos, durante o combate.
— Se me permitir isso, senhora, estou disposto a surpreendê-la ainda mais.
Ela arqueou as sobrancelhas interrogativamente, o resplendor de seu rosto a fez parecer-se ainda mais jovem, eliminando por um instante o rastro de tantos anos de resignação e solidão.
— Está bem. Permitirei-o.
Hereward passou sua bandeja para Alwyn, descarregando-a contra seu peito, dobrou cavalheirescamente seu braço e o ofereceu à bela mulher à sua frente. Quando ela tomou sua mão, um sorriso generoso se espalhou através das feições harmoniosas de seu galã, e ambos se retiraram.
— Oh, quase me esqueci — Rebecca, virou-se — Tanon, pediu para que Cian leve para ela três sacos de plumas.
— Plumas? — Gareth impediu que o jovem corresse para atender o estranho pedido — Pra que precisa de plumas?
Rebecca sorriu misteriosamente, e antes de afastar-se, respondeu:
— Pediu-me para que não contasse.
— Outro que caiu nas redes de uma normanda — murmurou Alwyn, vendo-os partir.
— É saxã, como ele — demarcou Madoc, enquanto lançava à Gareth um olhar que dizia: «Alwyn deve ser o mais bobo mais ignorante em torno de Cymru».
Gareth prestou pouca atenção. Hereward estava errado em uma coisa:
Tanon tinha provado sua coragem, sim, uma e outra vez. Primeiro, por ter concordado em passar à vida junto de Roger de Courtenay e, depois ao aceitá-lo. Sabia que sua mulher havia sofrido nas últimas semanas e como isso lhe resultaria difícil, até antes de sair de Winchester. Mas ela não desistiu e estava esforçando-se para adaptar-se.
— Demônios! Vou ver já.
Deixou sua bandeja no chão e caminhou em direção a casa.
Tanon sorriu, ao ver que Hereward e Rebecca se afastavam do grupo. Rogava que o capitalista saxão conseguisse fazê-la esquecer de seu pai e soubesse aproveitar a oportunidade que brindava para encontrar o amor de sua vida.
Depois, olhou para onde estava Gareth. Ainda estava furiosa com ele, mas seguia presa ao seu feitiço. Tinha caído sob o feitiço de um belo príncipe e não havia nada que
pudesse fazer a respeito. Tampouco queria que seu sonho se desvanecesse, bastava para que a dominasse com um pedido de desculpas. Ela sentiu-se tentada a romper o silêncio, quando lhe entregou sua comida, mas também esteve prestes a jogar a bandeja em sua cabeça, quando ele sequer lhe dirigiu a palavra. Também ficou chateada porque ele não resistir à tentação de espiar pela janela, toda vez que passava perto. Era evidente que não estava aflito com a discussão. Talvez, sequer pensasse nela, enquanto trabalhava e alternava com seus amigos. Então suspirou. Por que tinha que admirar seu maravilhoso corpo escultural sob o sol? E agora... estava vindo para casa!
Procurou ao seu redor algo para fazer, devia estar ocupada quando ele entrasse. Já tinha desempacotado seu baú e guardado seus vestidos no armário. A casa estava impecável. Não havia nenhum rastro da fuligem nas paredes. Depois, olhou os três sacos empilhadas em um canto, cuidadosamente amarrados pelos aldeãos que os enviaram no dia anterior.
A porta se abriu: a jovem estava agachada, tentando desamarrar um saco grande com um cinto de palha.
— Ah, é você — disse, sem lhe dar mais atenção.
Gareth permaneceu na porta, sua silhueta se desenhava pelo contraste com o sol. Entrou na habitação e viu com agrado os dois guardanapos, em forma de mariposa, dispostos sobre a mesa.
— Devo fazer mais cadeiras.
— Sim, e mais prateleiras —acrescentou Tanon, enquanto puxava a corda, xingando baixinho — E talvez também um banco, com almofadas, para colocar na frente da casa.
— O que você quiser — sussurrou, com voz áspera, enquanto se aproximava.
— O que quero agora é abrir este saco.
— Tanon, me perdoe por ter sido um...— os olhos de Gareth estavam fixos na cama. O colchão estava vazio: era apenas um pedaço pobre de tecido descosturado e oco. Em um primeiro momento, sentiu que tinham tirado uma parte de sua própria pessoa — O que tem feito à cama?
— A palha estava velha e machucava — soprou — Vou encher o colchão com plumas. — Finalmente, fez um corte com o punhal que Llwyd havia lhe dado e uma nuvem de farinha se elevou. Apontou-lhe a arma, enquanto enrugava o nariz — E quero que saiba que estou cansada de seu tratamento desrespeitoso, Gareth.
Ele observou como apertava o punhal em sua mão, arremessando a farinha, que estava chegando em seu rosto. Quando limpou o nariz, esteve a ponto de cortar o pescoço. Gareth se moveu com a velocidade de um relâmpago. Enquanto segurando o pulso com uma mão, com a outra afrouxou seus dedos, o mais brandamente possível, para lhe tirar a arma.
— Pelo amor de Deus, mulher, que susto me deste! — disse, e beijou os nós de seus dedos.
Ela o olhou, entristecida:
—Gareth, não quis te atacar. Posso ter perdido a paciência; mas não está em mim...
Ele riu baixinho, sufocando suas palavras com beijos. Afastou-se um pouco, para olhá-la melhor e acariciou seu rosto com doçura.
— Senti saudades o dia todo. Por Deus, fazia doze anos que sentia saudades!
Tanon piscou surpresa. Não só tinha despertado suas fantasias infantis sobre o amor, mas sim as estava tornando realidade. Que importância tinha que gritasse de vez em quando e desculpava assim? É certo, o homem era um pouco arrogante, mas sabia beijar melhor que... Bem, não tinha ninguém para comparar, mas tinha certeza de que os beijos de nenhum homem poderiam ter um sabor tão doce quanto o seu. Quando a tocava, fazia-a perder todas as suas inibições: estava disposta a assumir todos os riscos associados com o amor, sem importar as consequências. Tanon se rendeu ante o fogo
que Gareth tinha aceso em seu interior; tinha aprendido a excitar seu marido selvagem, que a possuía descontroladamente em qualquer lugar... como agora, ofegando sobre a mesa.
Capítulo 19
Os dias seguintes foram os mais felizes na vida de Tanon, até o momento. Trabalhou ao mesmo tempo em que Deirdre e Isolde, enlameando-se até o pescoço, enquanto plantava alhos e outros legumes, sob o calor reconfortante do sol. Soube que os invasores normandos tinham destruído a aldeia em uma ocasião. Não ficou nada, exceto cinzas e crianças mortas pela fome que assolava. Nessa época, Ystrad Towi pertencia ao príncipe Cedric, mas este havia abandonado os moradores, deixando-os à própria sorte para que combatessem lutassem contra os inimigos e as enfermidades. Quando foi exilado, a região tornou-se parte das terras que herdaria o príncipe Gareth. Desde o dia em que chegou, dedicou-se a ajudá-los a reconstruir a sua aldeia, inclusive a melhorá-la. Compartilhou suas dificuldades e desfrutou as recompensas oferecidas por seus esforços. Lutou por eles e pelos cymry que viviam na fronteira, exigindo justiça em nome de Wyfyrn e lutando contra os normandos cruéis que pretendiam submetê-los.
Depois de conhecer as façanhas de seu marido, Tanon viu a forma como treinava Cian e à Gruffyn, filho de Llwyd, no uso da espada. A música dos tamboriles e alaúdes marcavam o ritmo. Os jovens lutadores aparentavam a mesma idade, mas se diferenciavam por sua habilidade. Embora Gruffyn fosse veloz, Cian tinha aperfeiçoado as destrezas de velocidade e equilíbrio.
Gareth não tirava os olhos de cima deles, observava cada movimento, cada obstrução e cada ataque. Ao vê-lo tão focado em suas responsabilidades, Tanon quis saber se o peso de suas responsabilidades para manter a comunidade viva e próspera, o desanimaria, mas em seguida se corrigiu: pelo contrario, era o compromisso com seu povo o que o mantinha vivo. Rogou para que Guillermo nunca descobrisse sua identidade secreta. Seu povo o necessitava. Galês o necessitava. E ela também.
Deus, como deveria odiar os normandos por haver arrebatado terras e causado sofrimentos ao seu povo! Mas ele tinha deixado esse odio de lado, para casar-se com o inimigo. Tanon compreendeu o tipo de sacrifício que tinha representado para Gareth havê-la tomado por esposa. Alguma vez chegaria a amá-la ou só a fazia tão feliz para preservar a paz de seu povo? Quando ele se virou e a surpreendeu contemplando-o, o sorriso lhe deu a convicção de que ela significava mais em sua vida que um mero tratado de paz.
Tanon sentiu uma forte necessidade de estar perto dele e levantou-se para aproximar-se, justo no momento em que Cian acertava Gruffyn com a espada, derrubando-o. Gareth deu um passo à frente, enquanto Cian, ajudava seu oponente. Com um par de tapinhas nas costas, Gareth enviou Gruffyn com Madoc e passou a ocupar o centro da arena, desarmado, com as mãos cuidadosamente entrelaçadas atrás de seu corpo.
Madoc fez uma advertência ao seu irmão mais novo, por cima da música vivaz:
— Cian, esteja atento com a espada e não se distraia.
— Sim — adicionou Tomás — e não o permita aproximar-se muito.
Tanon parou junto dos homens e ocupou um lugar entre eles. Notou que os músculos inocentes de Cian se endureciam, enquanto se preparava para medir-se com Gareth, que sorriu. Os pés do príncipe tocaram o chão, ao compasso do ritmo imperante. Suas pernas o levaram dois passos à esquerda e um à direita. Cian o imitava, mas mantendo-se a uma distância segura. Ergueu sua espada, pronto para desferir um golpe, mas, no último instante, modificou o percurso da arma e lhe aplicou uma facada do lado direito.
Gareth virou e, em um movimento, surgiu atrás de seu oponente e o surpreendeu-o arrancando a espada de sua mão, por cima de seu ombro. Quando Alwyn lançou uma gargalhada, Tomás o empurrou violentamente. Madoc apenas sacudiu a cabeça, testemunhando a derrota rápida de seu irmão.
Voltaram a ensaiar os mesmos movimentos por quatro vezes, até que o moço compreendeu de que lado surgiria o rival a suas costas, e como conseguia aparecer lá.
Uma vez que Cian se retirou do círculo, Gareth procurou em volta por Tanon. Seus olhos estavam brilhantes, após o esforço do combate simulado.
Fez um gesto, com um sorriso retorcido nos lábios, para indicar que se aproximasse. Ela riu, um pouco relutante em aceitar o seu desafio, mas, por insistência dos outros espectadores, aceitou. Ao entrar na arena, o senso comum lhe dizia que nunca seria capaz de aprender essas manobras complicadas como as que os outros praticavam. Ela esperava que Gareth desse um passo para atrás, quando dirigiu um golpe em sua mandíbula. Em vez disso, ele segurou seus dedos e a atraiu para si.
— Começaremos aos poucos — advertiu, em voz baixa e divertida. — Observe meus pés.
Ela olhou para baixo e tentou se afastar:
— Pisarei-te. Deixa que tire as...
Mal Gareth começou a movê-la, soube que seus pés não corriam nenhum perigo. Deslocava-se com graça e agilidade. Ele colocou a mão dela sobre seu peito, para que sentisse os batimentos do seu coração ao som dos tamboriles. Tanon se deixou levar, enquanto dançavam juntos no círculo. Tornou-se mais difícil ao acelerar o ritmo, lhe indicando quais eram as variações possíveis, até que seu pé ficou preso intencionalmente com o dela, para que tropeçasse e caísse em seus braços. Tanon sentia um prazer intenso ao dançar com Gareth, e compreendeu por que todas as mulheres estavam dispostas a competir para fazê-lo.
Ele começou nesse dia e nos seguintes, a ensiná-la, pouco a pouco, a melhor maneira de manter o equilíbrio. À noite, aplicava o que tinha aprendido... na cama.
Capítulo 20
Perto do final do fim de tarde seguinte, Adara sujeitou os lençóis gritando de dor durante a quinta hora de trabalho de parto, enquanto Tanon lhe refrescava a testa e assegurava que tudo sairia bem. Logo o bebê nasceria.
— Sim, é teimoso — Rebecca, de pé, ao outro lado da cama, esfregava o ventre da mãe com um unguento. Sua voz era tão suave quanto seus dedos. — Os primeiros sempre são.
Adara fechou os olhos com força, cerrando firmemente os dentes e soltou uma série de maldições em galês, que fez ruborizar Dawyn e Isolde.
— Fique tranquila — Tanon a serenava, segurado sua mão. — Falta pouco. Ânimo, a dor é normal.
— Não pode ser! Algo deve estar errado!
— Não. Adara, olhe para mim. Minha mãe passou por isso sete vezes e, em poucos meses, vai passar novamente.
— E cada vez sofreu as mesmas dores — adicionou Rebecca, caminhando para procurar mais lençóis.
— Cortarei o pescoço de Tomás, se imagina que vou passar por isso outra vez — Adara apertou fortemente a mão de Tanon, que a intumesceu.
— Bem, está pronto —Rebecca falou calmamente, depois de ter olhado entre as pernas de Adara.
Tanon fechou os olhos. Esta fase gostava até menos que a das contrações. A mulher tinha que ser forte de corpo, mente e espírito, enquanto dava a luz. Sua mãe possuía uma força grande e, mesmo assim, tinha dado fortes gritos quando as gêmeas nasceram.
— Cadwyn — Rebecca controlava a situação com calma. — esquenta o envoltório junto ao calor da chaminé. Isolde, o banho está preparado?
— Sim, está tudo pronto.
—Tanon, segure suas mãos agora. Faça com que se incorpore.
— Mas deveria estar deitada — Cadwyn se adiantou, com visível preocupação.
— De jeito nenhum — Rebecca se colocou entre as coxas de Adara e começou a pressionar sobre ambos os lados de seu ventre. — Lady Brynna teve seus filhos estando sentada. É a posição mais natural.
Dez minutos mais tarde, tinha nascido o filho de Adara: um menino pequeno rosado e gritando. Rebecca cortou o cordão umbilical e Tanon limpou a boca e o nariz do bebê. Envolveu-o em um lençol de linho quente e entregou-o à mãe. Cadwyn chorou enquanto Isolde preparava mãe e filho para o banho. Adara mal conseguia tirar as lagrimas do rosto, alegre e banhada em lágrimas, de seu pequeno.
— Não foi tão terrível, afinal de contas — opinou a ama, enquanto trocava os lençóis.
—Foi espantoso, como de costume — disse Tanon, antes de sair para procurar Tomás.
— E então? —perguntou ele, que esperava impaciente perto da porta; por seu aspecto, poderia acreditar que estava prestes a desmaiar.
— Tem um filho — disse sorrindo.
— E Adara?
— Está viva e muito bem.
Tomás tomou-a pelos ombros e deu um beijo em sua bochecha. Em seguida, correu para o interior da casa.
Ao levantar a vista, Tanon se encontrou com seu marido, que estava encostado na parede, levantava-se e foi caminhando para sua direção. O sol poente resplandecia sobre sua silhueta contra a luz, destacando sua elegante túnica verde. Fivelas pratas sujeitavam o objeto, do pescoço até seus quadris estreitos. As mangas compridas cobriam os músculos de seus braços. Suas pernas estavam envoltas em ligeiras calças de pelica. Botas sem salto, também de couro de cabra, ajustavam-se a suas panturrilhas.
Quando chegou a seu lado, não falou: segurou-a pelo ombro, para abraçá-la.
— Como você está?
— Estou bem — ela aspirou seu perfume e envolveu sua cintura. — Não é a primeira vez que faço este tipo de tarefa.
— Posso imaginar — Contemplava-a com ternura e seus cabelos, com reflexos cor de mel, voando ao redor da brisa noturna. — Tenho a impressão de que não dará nem um só grito, quando nosso bebê nascer.
Tanon teve vontade de dizer que ela nunca desejaria sofrer como Adara naquele dia, mas se absteve, pensando que poderia parecer uma covardia de sua parte. A força e segurança que transmitia o abraço de seu marido e seu olhar penetrante persuasivo a contiveram. Além disso, a ideia de conceber um filho com ele se converteu de repente em uma ilusão apreciada.
O retorno de Tomás intensificou seu desejo. Trouxe consigo seu filho agasalhado, estreitando-o contra seu peito, visivelmente emocionado.
— Gareth, aqui está meu filho, Deiniol.
Tanon viu como elevava o pequeno em braços, afastando com um dedo a manta, para ver seu rosto. Nesse momento, revelou-se sua profunda emoção.
—Um menino — murmurou, após um longo suspiro, esboçando um sorriso incomum, que comoveu à Tanon — foi abençoado está noite, Tomás.
Ele amaria o filho que tivessem. Podia adverti-lo na doçura de seus olhos azuis. Oh, Deus, se a amasse exatamente do mesmo modo que ela!
Cian e Madoc cumprimentaram entusiasmados enquanto se aproximavam; na planície estava organizando outra festa para celebrar o nascimento do pequeno, Gareth virou-se para cumprimentá-los e, por um breve instante, Tanon imaginou que a criatura que tinha em seus braços era seu filho; o príncipe nunca tinha sido tão irresistível. Cian enxugou as lágrimas, enquanto Madoc lhe atirava um golpe na nuca. Entretanto, o guerreiro, habitualmente estoico, sorriu para o bebê e prometeu que lhe ensinaria a lutar.
— Pode fazer o anúncio, Gareth? —perguntou Tomás — Vou participar da celebração mais tarde, agora desejo ficar com Adara.
Ele assentiu e entrelaçou seus dedos com os de Tanon. Cian e Madoc iriam se encontrar com ele mais tarde. A jovem apoiou a cabeça no ombro do marido, enquanto observava ingressar na casa os três irmãos.
— Uma menina seria uma bênção também?
— Claro que sim. Em especial se parecer-se com a mãe.
— Então, possivelmente — sussurrou perto de sua boca. — te dê um menino e uma menina.
Os olhos de Gareth resplandeceram sob suas sobrancelhas douradas e seu sorriso insinuante fez com que Tanon se derretesse. — Bem, vamos começar a trabalhar.
Não retornaram para casa até o amanhecer. Quando Gareth ordenou a suspensão da música, para anunciar o nascimento de Deiniol, todos quiseram saber sobre o novo membro desta grande família e aprender mais detalhes sobre o parto. Tanon resumiu dizendo que tudo tinha corrido bem e Adara tinha sido maravilhosa; os ali presentes responderam com gritos e aplausos. Sentaram-se para comer cordeiro e beberam bragawd recém destilada. Todos estavam de bom humor e a música era alegre e festiva. Tanon se surpreendeu ao ver que Hereward ria e até mesmo o ranzinza do Alwyn. Mesmo assim, quando Rebecca se juntou a eles, a jovem se sentiu aliviada de que estivesse com o enorme saxão. Ao vê-los desfrutar de uma bandeja de frutas e queijos, entre risadas, reconheceu com prazer que nunca tinha sido tão feliz.
Logo Ioan a convidou a dançar. Tanon se desculpou discretamente. Mas depois de outro par de taças de bragawd, desprezou suas inibições e aceitou, para mostrar o que Gareth lhe tinha ensinado.
Podia sentir como seu marido a observava ao brilho das tochas. As risadas de ambos se intercalavam, mesmo quando não estavam juntos. Quando por fim decidiu interceptá-la no centro da arena, entre a gritaria dos dançarinos, tomou-a nos braços e deixou a apelação em suspense.
Madoc saiu da casa de Tomás acompanhado por Cian, e ambos se dirigiram para o campo aberto, onde a festa estava acontecendo. Parou para observar sua própria casa ao pé da colina. Normalmente, o fato de que a porta de sua casa estivesse entreaberta não teria chamado sua atenção. Seu irmão mais novo frequentemente esquecia fechá-la. Mas, ao ver uma sombra cruzar à luz da casa, ficou alerta.
—Cian, vá na frente; já te alcançarei.
Quando o interrogou com o olhar, apenas o incentivou a seguir seu caminho.
— Vá em frente, rapaz não demorarei.
Quando Cian desapareceu de sua vista, Madoc saiu como um redemoinho em direção à sua casa. Parou na soleira para recuperar o fôlego.
— Que diabos está fazendo aqui?
Cedric estava sentado em uma pequena cadeira perto da lareira, sorrindo.
— Devemos tratar um assunto.
— Não podia esperar? Alguém poderia ter visto você, meu irmão, por exemplo.
— Ninguém me viu. Acha que apenas Gareth aprendeu a conduzir-se com astúcia e habilidade, com nosso tio? Além disso — disse, com certa indiferença — todos estão no campo. Foi fácil entrar na aldeia sem ser detectado. Quanto a Cian, teria fugido pela porta dos fundos caso tivesse vindo aqui. A verdade, Madoc, ofende-me.
— Um erro, Cedric, um único erro, e tudo estaria acabado. Agora, me diga, o que é tão urgente para que tenha se mostrado disposto a arriscar tudo, para vir me ver?
— Muito bem. Deverá matar ao saxão.
—O que diz? —Madoc ficou olhando-o sem compreender.
—O saxão. À Hereward. Faça isso quando Gareth partir para Llandeilo.
— Eu estarei com Gareth, acompanhando-o.
— Pois, não. Houve uma pequena mudança de planos. Não viajará com meu irmão, e sim comigo. E levará com você, a sua esposa normanda.
—De jeito nenhum — replicou apertando os dentes— Não haverá nenhuma mudança de planos. Ela vai permanecer aqui, até que você tenha sido coroado rei. Só então virá para reclamá-la.
Cedric sacudiu a cabeça, ignorando os motivos de Madoc.
— Quero que me leve ela depois da partida de Gareth. Virá conosco para Llandeilo.
— Por quê? Com qual finalidade?
—Ele a ama. Estive observando. Não tira os olhos dela. — Fixou o olhar no fogo, que ainda queimava na lareira. — Meu tio concordou com as ideias de Gareth. Tolo. Pior para ele. Meu irmão ficou com tudo o que era meu. — Sua voz ameaçadora se escutava pausadamente, constate. — Quero que saiba claramente que reclamarei tudo que me tirou. Vai saber, quando ver que tenho sua mulher em meus braços.
Madoc olhou para a porta e, logo, precipitou-se para Cedric.
— Pense, homem! Seu irmão não é estúpido. Suspeitará que algo acontece, se não o acompanhar. Não devemos mudar os planos. Esmagara-nos, se conseguir descobrir. Eu irei com Gareth e vou encontrá-lo em Llandeilo. Voltaremos depois, pela moça.
— Não —Cedric agarrou-o, e Madoc compreendeu que não devia contradizê-lo. — Convença o de que está muito doente para acompanhá-lo. Machuque-se com sua espada, faça qualquer coisa que imagine, mas certifique-se de que compreenda que não pode viajar. Ele não vai se opor, porque dirá que ficara junto de Hereward para proteger melhor sua esposa durante a sua ausência. — Como Madoc permanecia em silêncio, Cedric ergueu as sobrancelhas intrigado. — Não se afeiçoou por ela, certo?
— Já disse: é uma normanda.
— Pois bem. Então, verei ambos dentro de três dias.
Madoc finalmente concordou, com um aceno imperceptível.
Antes de entrar no campo iluminado por tochas, Madoc se deteve. Foi fácil localizar Gareth e Tanon no meio da multidão, pois irradiavam algo especial; ao redor deles se criava uma atmosfera de felicidade que todos podiam perceber. Cedric estava no certo: Gareth a amava. Era evidente, ao ver como a contemplava, como se fosse absorver sua alma com a beleza de seu rosto. Os sentimentos de Tanon não eram menos evidentes; pois não importava com quem estivesse falando, seu olhar sempre repousava sobre seu marido, com uma expressão de surpresa, alívio e satisfação. Como se não estivesse convencida da felicidade que vivia.
Madoc entrou com passo firme no setor dos festejos e se dirigiu para eles.
— Sentimos saudades, irmão — comentou Gareth, interrompendo a conversa com Hereward. — Está tudo bem?
— Sim. Permite-me dançar com sua mulher?
— Claro.
— Não tinha ideia de que você dançava, Madoc. — brincou ela quando estiveram prontos, cara a cara.
Ele apenas assentiu com o olhar antes de tomar as mãos dela com firmeza.
— O rei Rhys ensinou-nos a nos movermos no compasso das melodias. Gareth e eu aprendemos juntos, quando éramos crianças. Defenda-se e ataque. Primeiro a defesa — ele se movia primeiro para um lado e depois para o outro, tão rápido que fazia Tanon rir. Quase lhe deu uma rasteira e sustentou-a entre seus braços quando ela tropeçou para trás — Lembre-se disso, Tanon — advertiu perfurando-a com seus olhos escuros. — ninguém é tão formidável, quanto seu marido, salvo eu. Jamais permitirei que alguém prejudique ou destrua o que mais valorizo.
— O que aconteceu? Por que esta falando desse jeito? — perguntou, examinando-o. Estava-lhe escondendo algo. Afastou-o, empurrando seu peito com a palma das suas mãos.
Ele se conteve e não tentou voltar a sujeitá-la.
— Lembre-se, nada demais.
Ela não compreendia e não gostava de sua frequente mudança de humor. Parecia-se com aquele homem perigoso que tinha visto em Winchester, antes de conhecê-lo melhor. Deu um passo para afastar-se e bateu contra algo rígido. Ao girar, se viu diante de seu marido, que olhava à Madoc por cima de sua cabeça.
— Tanon, fique com Rebecca e Hereward, enquanto converso com nosso amigo.
A jovem não protestou, para agradável surpresa de Gareth. Seus olhos brilhavam sob suas espessas sobrancelhas, quando se dirigiu à Madoc:
— Venha vamos conversar.
Capítulo 21
Durante os dois dias seguintes, Gareth não sorriu. Ela notou que seu humor escureceu desde aquele momento em que falou com Madoc, durante a celebração. Quando lhe perguntava sobre isso, ele respondia que tudo estava bem. Mas enfureceu-se com Alwyn e Tomás quando trouxeram a madeira de tamanho errado para as novas cadeiras que estão construindo; quase não reparou nas cortinas da habitação, que combinavam com a toalha que ela tinha bordado; disse que Guillermo era um porco imundo: referia-se ao animal, não ao rei, mas de todas as maneiras ofendeu Tanon com suas palavras. Passava o dia todo martelando e, ao anoitecer faziam amor com uma apaixonada violência, sobre o colchão cheio de plumas, e não a deixava até o inicio da manhã.
O terceiro dia, Tanon estava sozinha na cama quando acordou. Ao escutar que alguém cortava lenha fora da casa, foi até à porta. Colocou um vestido e saiu. Fazia afresco no início do outono, mas o peito de seu marido estava coberto de suor, enquanto seu poderoso braço partia no meio um pedaço de madeira. No primeiro momento, ele não levantou a vista, e ela aproveitou para deliciar os olhos com o espetáculo da superfície firme de seu ventre e o desdobramento dos músculos de seus braços enquanto se preparava para cortar outro pedaço de madeira. Seus longos cabelos dourados balançavam quando deixava cair o machado. Quando começou a amá-lo tão desesperadamente? Santo Deus, isso a assustava. À princípio, tinha vindo ao Galês quase contra sua vontade; mas agora não saberia viver sem ele.
Algo não estava bem. Ela podia sentir nas profundezas de sua alma. Onde Cian estava? Ainda não tinha retornado da missão misteriosa para a qual tinha partido há dois dias. O que tinha acontecido entre Gareth e Madoc, para que seu marido se tornasse tão insuportável nesses últimos dias? Teria algo haver com ela? Ou com os
normandos? Tanon tinha certeza de que Guillermo nunca desonraria sua palavra atacando aos galeses, depois de haver prometido a paz.
— Gareth?
Deixou o machado cair com força. Olhou para cima e ela percebeu os sinais de perturbação em seu rosto, habitualmente forte e decidido. Tinha a boca tensa sobre os dentes apertados. Ela se preocupou ao ver a angústia que se lia em sua expressão.
—O que é te aflige? Vai partir para se reunir com seu rei hoje e seu humor sombrio me assusta. Aconteceu algo com meu povo?
— Não, não aconteceu nada com os normandos — tentava evitar seu olhar — É meu povo que ameaça a paz. Meu tio escutou um rumor de que o príncipe Dafydd planeja atacar Llandeilo.
Tanon respirou fundo. O temor de perdê-lo a queimava por dentro.
— Será necessário lutar?
— Se for preciso, ganharei. Não se preocupe.
Não podia estar separada dele nem um instante mais, mas Gareth a conteve, erguendo a mão.
— Se tocá-la — disse com olhos cheios de desejo. — não seria capaz de ir.
— Se não me tocar, não te deixarei partir.
Deixando escapar um longo suspiro, Gareth inclinou a cabeça para contempla-la de uma perspectiva diferente. Talvez, uma perspectiva que não oprimisse tanto o coração.
— Tanon, você trouxe paz e alegria à minha vida, onde sempre só houve sangue e violência. E, em troca, tenho-te exposto no altar dos sacrifícios, como oferenda aos lobos.
Ela sorriu meigamente e se aproximou um pouco mais desses braços tão fortes, que brindavam uma sensação de absoluta segurança.
— Por que diz que me sacrificaste? — perguntou serena, enquanto seu sorriso se ampliava. — Ouso dizer que tornou em realidade todos meus sonhos.
Uma expressão de angústia assolou o rosto de Gareth.
— Acaso sonhou viver em uma casa tão precária? Você deveria viver em uma fortaleza, a salvo e segura.
— Seus braços são minha fortaleza. Tudo o que desejei está aqui, com você.
Gareth deixou o machado de lado e com dois passos se aproximou de sua bela esposa. Sujeitou-a firmemente e olhou em seus olhos.
— Quero me perder dentro de você — Gareth terminou suas palavras com um gemido e labaredas percorreram o corpo de Tanon que se apertava cada vez mais contra seu peito nu. — Não pense em nada, exceto na sensação de nossos corpos entrelaçados. — murmurou e, passando um braço por debaixo de suas pernas, levou-a nos braços para dentro da casa.
Despiram-se com urgência, como se fosse a última vez que iam estar juntos. Gareth estendeu o corpo de sua mulher por baixo dele, com um grunhido sensual, penetrou-a.
Quando ambos estiveram exaustos, estreitou-a em um abraço, lhe dizendo:
— Perdoe-me, meu amor.
Sua voz era um sussurro, quase inaudível. Agarrou-se ao corpo de sua amada com os olhos fechados, como se ela fosse mais importante para ele que o povo que tinha jurado proteger.
Duas horas depois, os temíveis guerreiros de Gareth tinham selado seus cavalos e estavam preparados para partir. De pé, junto à Rebecca e Adara, nos arredores da taverna, Tanon observava o marido dar instruções à Ioan e Hereward. Gareth vestia uma túnica escarlate, igual a seus homens que pertenciam à guarda pessoal do rei.
Tomás beijou sua esposa e seu bebê antes de montar.
—Tome cuidado e fique alerta enquanto eu estiver for. — advertiu antes de subir ao cavalo e unir-se aos outros.
De repente, Tanon compreendeu quais seriam os perigos e sentiu um calafrio que impregnava até seus ossos: a aldeia estaria à mercê dos seus inimigos, assim que seus guerreiros se ausentassem. A qualquer momento, poderiam se atacados por seus inimigos mortais. Quando Gareth finalmente fez gestos para que se aproximasse, foi refugiar-se em seus braços.
— Voltarei logo — sussurrou em seu ouvido, e o calor de seu fôlego despertou todos os seus sentidos. O príncipe se desprendeu de seus braços e, segurando o rosto de Tanon com ambas as mãos, anunciou — Madoc está doente e não me acompanhará — anunciou com o olhar sombrio. — Confio nele para cuidar de ti.
— Hereward também estará aqui — lembrou — Não tenho medo. Farei tudo o que eles ordenem e aguardarei, rezando todas as noites até que você volte sã e salvo.
Gareth a olhou e decidiu não acrescentar mais nada. Em vez disso, aproximou-se com lábios ansiosos e ofegantes.
— Deus, como gostaria de estar na cama com você agora. Sendo um simples camponês, sem outra responsabilidade, a não ser a de agradá-la.
—É um príncipe que me agrada muito —respondeu, beijando-o novamente — Que Deus te proteja, meu marido! — Afastou-o com os braços, para não ceder à angústia que insistia em mantê-lo agarrado ao seu corpo.
Antes de subir ao cavalo, Gareth olhou ao redor, a todos os rostos que convergiam sobre ele.
— Se algum estranho se apresentar a aldeia, mate-o sem titubear. Não recebam nenhum hóspede e mantenham-se atentos dia e noite. Não esqueçam de levar suas adagas e lembrem o que aprenderam sobre luta. —Montou de um salto e fixou seus olhos de safira em Tanon. — Tudo vai ficar bem.
Um mau pressentimento a sobressaltou ao vê-los partir. Virou-se, observou à multidão e exclamou:
— Alguém viu Cian.
— Vai voltar para Winchester quando Gareth retornar? — perguntou Tanon para Hereward depois de ter pegado uma bandeja de comida. Olhou brevemente à Rebecca, que cortava os caules dos lírios que tinha arrancado naquele dia pela correnteza.
— Isso depende — respondeu ele, molhando o pão em seu guisado.
— Depende? Do que?
Ele deu de ombros e sorriu olhando para Rebecca. Tanon observou sua ama, que simulava não interessada neste diálogo.
— Depende dos lírios, acaso? —perguntou, inocentemente, com uma pitada de humor.
— Oh, já basta! — Rebecca lhe deu um golpe com uma flor — Termina com o plano que preparou para nos ver juntos. Hereward já pediu que me case com ele.
Faltou pouco para chegar perto dela para abraça-la.
— Não sabe que alegria me...
— Ainda não respondi.
— Por que não? — Alguém bateu à porta — Entre —disse Tanon e cumprimentou o recém-chegado — bom dia, Madoc. Parece muito melhor. Já se recuperou de sua enfermidade?
— Sim, obrigado; e o devo à mistura de mel e camomila que me aconselhou. — Seu olhar se cruzou com o de Hereward. — Deixe a mesa por um instante e me acompanhe ao celeiro. Gostaria de te mostrar algo.
— Claro. Algo está te incomodando?
— Esperemos que não. — Madoc sorriu e saíram juntos.
— Ele é quem me preocupa —comentou Tanon — Teve uma briga com Gareth e ambos ficaram irritados e mal-humorados.
—Talvez seu marido percebeu o quanto interessa a seu amigo — sugeriu Rebecca.
— Madoc? Isso é um absurdo. Esse homem não se interessa por ninguém.
— Ele esconde seus sentimentos, por lealdade e afeto por Gareth.
Tanon ficou olhando-a, sem dizer uma palavra: Rebecca adivinhava seus pensamentos. Soltou um longo suspiro e começou a falar sobre o que achava era seu segredo mais bem guardado.
— Eu descia as escadas pouco depois que seu pai chegou em Avarloch. Ele sorriu. Foi tudo o que fez. Mas foi suficiente para que cativasse meu coração desde então.
— Deve ter sido difícil para você. Mas agora tem a oportunidade de que seu amor seja retribuído. Acredito que faz tempo que Hereward te ama.
— Sim, coitado!
— Suponho que veio pra cá, para esquecê-la.
— Não tinha ideia de que viria contigo. — Rebecca tomou as mãos da jovem. — Temia que me odiasse, se soubesse dos meus sentimentos em relação a seu pai.
— Faz anos que sei — disse; não havia necessidade de acrescentar que qualquer um que tivesse presenciado a maneira em que ela olhava seu pai teria notado — Jamais odiaria você. Agora, me diga — seus olhos verdes brilhavam com malícia. — como são os beijos de Hereward? Deixam-lhe com a sensação de que seus joelhos não vão aguentar?
Rebecca corou e riu como uma menina.
— Só me beijou uma vez; e não foi ruim.
A porta se abriu, e Madoc entrou.
— Onde está Hereward? —Tanon procurou com o olhar atrás dele — Está tudo bem?
—Sim. Havia uma rachadura na porta do celeiro, mas acontece que o cavalo de Llwyd fugiu da cavalariça e quebrou a porta. Nada grave — assegurou, com toda tranquilidade, enquanto se aproximava de Tanon — Hereward foi até a taverna, para avisar Padrig que deve reparar a porta danificada.
Tanon sorriu timidamente. Realmente estava interessado nela? Esperava que não. Não era feio, com aquele cabelo encaracolado sobre os olhos denegridos. Seu corpo de guerreiro transluzia sob sua túnica e suas calças, também negros. Ela deveria encontra-lhe uma esposa que o fizesse feliz. Não desejava que o caso da Rebecca se repetisse.
— Há um pasto onde cresce amarílides, entre o perfume dos jasmins. — disse Madoc, com uma leve e respeitosa inclinação.
— Vi-o. —Tanon esteve tentada a dar um passo para trás quando ele se aproximou. — Vamos lá quando sairmos.
— Sim. Permita-me acompanha-la até lá. — deteve-se, recolhendo um dos lírios que enfeitavam a mesa. — Estes já estão secando.
—Tenho muito para fazer aqui. Talvez, quando Gareth voltar.
— Milady — tomou repentinamente sua mão. — não sou a besta cruel que conheceu no acampamento, não deve ter medo de mim.
— Não tenho medo de você. É só que... — não pôde terminar a frase ao advertir seu olhar profundo.
— Gareth me confiou sua segurança. Nunca o decepcionaria.
Tanon mordeu o lábio. Havia algo em sua postura distendida, tão diferente de seu comportamento usual de combate, que a convenceu de que falava com sinceridade. Seu marido lhe havia dito que Madoc era de total confiança. Além disso, se realmente se interessava por ela, esse seria o momento ideal para esclarecer o assunto.
— Está bem — concordou, permitindo que a guiasse — Mas não devemos nos demorar. Prometi que visitaria Adara hoje.
Tanon surpreendeu-se em encontrar dois cavalos selados esperando do lado de fora da casa. Evidentemente, Madoc confiava que ela não recusaria. A jovem esteve prestes a iniciar a conversação ali mesmo, quando ele a deslumbrou com um sorriso incitante.
— Há um caminho do outro lado do riacho que nos permitirá encurtar a distância. Tomei cuidado para não esmagar o trigo semeado por Gareth ao trazer os cavalos aqui. Não há razão para que se zangue.
Montou seu cavalo e segurou as rédeas do outro para que ela pudesse montar. Nesse momento, ouviram o alaúde, harpa e os tamboriles: começava o treinamento da tarde.
Capítulo 22
Rebecca foi até a taverna para dar uma olhada. Franziu a testa e seu olhar escureceu: não gostava daqueles lugares. Poucos fregueses estavam sentados em mesas de madeira cheias de halos brancos, sinal das taças úmidas que foram apoiadas ali por muitos anos. O doce aroma de bragawdy, cerveja lhe penetrava os pulmões e revolvia o estômago. Esperava não encontrar Hereward bebendo ou bêbado a está hora. Brand jamais bebia após o jantar... obrigou-se a interromper seus pensamentos. Seria possível parar de pensar nele algum dia? Tinha-o amado por mais de duas décadas. Não seria fácil acostumar-se a pensar em outro.
Reavaliou de novo os homens. Hereward não estava, o que era um alívio, embora desejasse encontrá-lo. Seu coração tinha sido mantido em cativeiro por anos, mas o guerreiro saxão estava destroçando essas ataduras. Tendo passado os últimos dias em sua companhia, descobriu que ele era um homem orgulhoso e um guerreiro arrogante, alguém que lembrava sua língua e sua herança. A simples menção de seu nome era capaz de atemorizar uma dúzia de cavalheiros, com seus capitães, mas a Rebecca tão apenas causava risos. Ele a fazia pensar, fazia-a sentir-se melhor.
— Bom dia, Padrig — saudou, ao chegar à oficina de carpintaria. — Estou procurando Hereward. Ele está aí?
— Hereward? — pareceu confundido — Não, não o vi, milady.
Rebecca se deteve e, de qualquer maneira, olhou para dentro da oficina.
— Desculpe-me. Madoc disse-me para vir vê-lo.
Padrig encolheu os ombros antes de levantar uma tábua de pinheiro que necessitava para o trabalho.
— Possivelmente esteja com lady Tanon.
A mulher sacudiu a cabeça.
— Lady Tanon acaba de partir com Madoc para colher flores.
— Para colher o quê? —olhou-o com descrença.
— Não importa. Se ver Hereward, diga-lhe que o estou procurando.
Afastou-se da carpintaria, sem esperar por uma resposta, e caminhou em direção ao celeiro. Queria falar com Ioan, que estava prestes a entrar, mas o modo desconfiado como ele a olhou antes de entrar chamou sua atenção. Diminuiu o passo e empurrou uma das portas para ver o que havia no interior. Ela chamou-o, mas ninguém respondeu, apenas o relincho de um cavalo, nenhum som delatava a presença de mais alguém.
— Ioan? — chamou, baixinho, ao entrar. Deixou a porta entreaberta para que entrasse um pouco de sol — Ioan? —repetiu, mais alto.
No final do celeiro, na última cavalariça, viu aparecer à cabeça do homem.
— Espere um momento, Rebecca —disse, levantando a mão para impedir que se aproximasse.
Um punho enorme, que só podia pertencer ao seu gigantesco saxão, caiu com a força de uma marreta. Ela ficou atônita, observando o fluxo de sangue do nariz de Ioan, segundos antes que ele desaparecesse de sua vista e caísse. Apressou-se para abrir a porta da cavalariça.
— Hereward!
Balbuciando uma maldição, o guerreiro levantou-se. O sangue de Ioan tinha manchado sua túnica embora ele também estivesse ferido, a julgar pelo filete de sangue em seu rosto.
— O que aconteceu? — a mulher tirou um lenço do bolso e limpou o ferimento. — Ioan fez isso com você?
— Não. Foi Madoc.
Seus olhos, que estavam acostumados a olhá-la tão docemente, ardiam de raiva. Rebecca caiu sentada, como se tivesse sido empurrada.
— Madoc? — ficou pálida, na penumbra do celeiro — Madoc fez isso? Não é possível. Por quê? Por que atacaria você?
— Mulher, foi ele — grunhiu — Me trouxe até aqui e me bateu com algo. Não sei se queria me matar. Mas quero que você e Tanon fiquem dentro de casa, com a porta trancada, até que tenha averiguado o que está acontecendo.
— Hereward — o temor que revelava a voz de Rebecca fez com que ele se virasse — ele... —A donzela não podia falar; se falasse em voz alta, seu pior pesadelo se tornaria realidade: nunca mais voltaria a ver sua menina. —Madoc levou-a.
—Acredito que nos perdemos — Tanon olhou a seu redor. Tinham estado cavalgando por mais de uma hora sem encontrar nenhum prado florido.
— Não estamos perdidos. Logo chegaremos.
— Não achei que fosse tão longe. Vai escurecer antes que retornemos. Seria conveniente que voltássemos outro dia.
Madoc permaneceu em silêncio. Seus olhos se moviam lentamente, com cautela, enquanto inspecionava as árvores, como se procurasse algo entre elas.
— Madoc?
— Silêncio, Tanon!
Ela ficou alerta. Uma dor aguda revolveu suas vísceras. Será que Madoc tinha percebido algum perigo? Que Deus, estivesse com Gareth e os outros. E Hereward. Não deveria ter saído sem ele. A floresta a apavorava. Qualquer um poderia estar postado atrás de uma árvore. Ou dentro de um tronco oco. Esteve a ponto de exigir que voltassem, quando escutou que cavaleiros se aproximavam. Virou seu cavalo e um grito congelou sua garganta. Uma dúzia de homens cavalgava para onde ela estava, com um aspecto ainda mais feroz que Gareth e sua família na primeira vez que os tinha visto no grande salão.
— Madoc, devemos fugir. —Sem esperar por uma resposta, esporeou seu cavalo, mas ele tomou as rédeas e a impediu — O que...?
— Mantenha-se em silêncio! — sussurrou bruscamente.
Seu coração batia tão forte que acreditou desfalecer. Puxando suas rédeas, tentando liberá-las do punho de Madoc, ouvindo que os cavalos se aproximavam mais.
— Vão nos esmagar! Não pode enfrentar à todos! —gritou alarmada. Ele não reagia.
A jovem observou, em pânico, como o cavaleiro que liderava o contingente tinha parado justamente diante dela. Algo nele lhe resultou estranhamente familiar quando observou seus olhos azuis. Seu sorriso zombador lhe produziu um calafrio mortal nas costas. Tinha alguma semelhança com Gareth. Era um pouco maior e levava seu cabelo abundante preso na nuca. Deu uma volta ao redor dela e de Madoc, enquanto seus seguidores esperavam.
— Por Deus! Como está bela! — disse, por fim, sujeitando seu cavalo, enquanto cortava a distância. Tomou a mão que segurava as rédeas e a beijou. Então, Tanon
observou que lhe faltava um dedo. Olhou para Madoc, aterrorizada, mas este desviou o olhar.
— Sou o príncipe Cedric ab Owain — apresentou-se o cavaleiro — Seu verdadeiro marido.
Tanon retirou a mão de um puxão. O irmão de Gareth! Seu sorriso frio e inexpressivo seguia sendo o mesmo. O que fazia o príncipe banido em Galês? Teria retornado por ela?
— Meu verdadeiro marido é Gareth, e aqui seu primeiro comandante — replicou fazendo o máximo esforço para lidar com o olhar penetrante. — Advirto-o que nos deixe em paz ou este guerreiro poderoso deverá matá-los, você e seu povo.
Cedric deu uma gargalhada.
— Este homem, você diz? —deu uma volta com o cavalo e acrescentou. — Foi ele quem a entregou.
Os olhos de Tanon apontaram para Madoc. Nunca acreditaria em uma mentira tão espantosa, se ele não tivesse olhado para cima naquele momento, olhando para frente.
— Não — murmurou com muita dificuldade. — não entendo.
— A paz — começou a dizer Cedric, em tom zombador, enquanto ela olhava Madoc confusa. — é um ideal que vai custar à vida do meu irmão. Não há lugar em Cymru para covardes como ele.
Ela escutava, confusa. O príncipe malvado estava mentindo.
— Madoc, como pôde fazer isto? — Sua voz e suas mãos tremiam. Era impossível. Madoc não trairia Gareth.
— Ele está ajudando a recuperar Cymru das mãos de seu povo — Cedric se aproximou em um trote, e segurou-lhe o queixo entre os dedos para obrigá-la a olhá-lo. — e você vai fazer o mesmo.
Sorria com arrogância. Chamou por sobre o ombro, um homem de aspecto brutal, com o cabelo tão negro como os de Tanon e uma barba espessa do mesmo tom.
— Dafydd, acompanha à dama. Preciso resolver alguns assuntos com Madoc.
— Você o traiu — Tanon o fulminou com o olhar quando passou ao seu lado. — É um bastardo.
Ele não respondeu, nem olhou para ela.
Capítulo 23
Cavalgaram em direção sudeste, ao longo do sinuoso rio Tywi, sobre o território ondulante de Deheubarth. Depois de conversar com Cedric, Madoc se apostou novamente ao lado de Tanon. Ela preferia não olhá-lo, mas seu cavalo andava ao lado dela. Duas vezes o olhou com ódio, quando seus joelhos se roçaram. Começou a traçar a melhor maneira de empreender à sua fuga; entretanto, era ciente de que, embora conseguisse escapar dos homens, não saberia qual direção seguir. Seus pensamentos estavam concentrados no primeiro comandante de seu marido.
Tinha sido um trapaceiro, crápula. Ninguém poderia imaginar que seria capaz de trair Gareth. Sempre estava ao seu lado, protegendo-o: durante o torneio, durante os preparativos de seu frustrado noivado com Roger, durante o ataque sofrido no acampamento. Como era possível que tivesse traído seu amigo de infância?
Gareth era inteligente. Como não percebeu que estava tramando algo? Ele era Wyfyrn, o misterioso guerreiro que conseguiu derrotar os lordes normandos da fronteira. O coração de Tanon batia furiosamente em seu peito. Como ele soube sobre o plano do príncipe Dafydd contra o rei? Talvez, Madoc tivesse dito. Era por isso que Gareth estava tão furioso antes de sair da aldeia? Não. O coração de Tanon não aceitava o que seu cérebro estava revelando. Se Madoc não tivesse traído Gareth, isso queria dizer que Gareth estava ciente de que ela tinha sido raptada; inclusive, era possível que ele mesmo tivesse planejado. Riu de si mesma, enquanto lutava com a sensação amarga que enchia o estômago. Ele não poderia saber. Gareth não arriscaria a vida dela. No acampamento tinha descoberto que os homens de Bleddyn atacariam, mas tinha permanecido ao seu lado todo o tempo. E apenas a conhecia. Não, Tanon confiava nele com todo seu coração.
Quando a lua apareceu entre as nuvens dispersas, banhando a terra em uma névoa prateada, decidiram acampar durante a noite sob um arvoredo de Fresno. Madoc permaneceu perto de Tanon, enquanto os homens de Cedric cuidavam de suas redes e improvisaram uma pequena fogueira. Agachado, Madoc ofereceu-lhe um pedaço de pão amanhecido e um copo de água. Ela recusou a ambos.
— Coma.
— Vá se danar.
— Madoc, lhe dê uma bofetada que faça voar os seus dentes — ordenou Dafydd quando passou caminho à fogueira. — Essa cadela descarada deveria ser um pouco disciplinada.
Tanon o olhou furiosamente. Temia-o, mas nunca pode aturar os valentões, e agora seu temperamento venceu ao medo.
— Acaso você disciplinou sua filha depois que ajudou Gareth a fugir do calabouço do seu castelo?
— Cadela mentirosa!
Equilibrou-se sobre ela, com sua mão grande em alto, pronto para batê-la, mas Madoc foi mais rápido. Segurou a panturrilha do príncipe com seu braço e lhe deu um empurrão para que se desequilibrasse. Quando esteve de joelhos, submeteu-o de costas no chão. Os olhos de Madoc destilavam um desejo assassino, enquanto sujeitava Dafydd com a ponta da adaga à altura do pescoço.
— Se tocá-la, cortarei suas mãos: um dedo após o outro.
— Madoc, saia de cima do príncipe — disse Cedric, sem alterar-se, enquanto se aproximava. — Dafydd, lembre-se que essa puta é minha.
— Você está louco — disse Tanon. Quando ele se agachou, para ficar à mesma altura, olhou em seus olhos. — quando meu pai e o rei Guillermo descobrirem...
—.. trarão a guerra até Cymru. Já sei — o olhar de Cedric era tão intimidante que ela queria evaporar-se. — Madoc, acaso meu irmão tolera a impertinência dessa mulher?
— Está assustada, Cedric. Não quis...
— Porque eu não as tolerarei. Empreste-me sua adaga.
— Já disse que está assustada.
—E eu disse para que me passe sua adaga.
—Não o farei.
Cedric o contemplou, enquanto um sorriso sinistro se estendia por seu rosto:
— Não conhecia suas virtudes de valentia. Por quê? Gosta dela? Recitou-lhe poesias ou pulou essas etapas para se deitar diretamente com ela?
Madoc apertou os maxilares e olhou para Tanon. Ela o evitou.
— Não toquei nela, e você tampouco o fará. Se tocar nela, deverá se enfrentar sozinho com Gareth. Juro que não te ajudarei, e se for capaz de matar ao rei, com Gareth não poderá sem a minha ajuda. Pois enquanto passava seus anos no poder tão ocupado com suas miseráveis rixas contra os nortistas e aproveitando de cada mulher que se entregava à você por medo, seu irmão estava se preparando para enfrentar nossos verdadeiros inimigos, aperfeiçoando suas destrezas dia e noite. Move-se com mesma rapidez que você mal poderia manter seus olhos sem piscar e golpeia com a precisão de uma víbora venenosa. Cedric, sem mim morrerá antes que possa colocar suas calças.
—Então gosta dela. A uma normanda. Estaria disposto a me enfrentar para defender o meu inimigo? Então Gareth ensinou seus métodos, né?
Madoc estava fora de si. Tinha as mandíbulas tão apertadas que a cicatriz de sua bochecha latejava visivelmente.
— Pode me perguntar novamente isso quando estiver carregando sua cabeça para exibi-la na muralha. Mas quando ele estiver morto, quero à moça para mim — Escutou como Tanon respirava assustada, mas não se virou para ela. — Apanharei Gareth e o sustentarei para que corte sua garganta, mas só se me concedê-la, quando ele estiver morto.
Cedric riu, como se Madoc fosse completamente louco.
— E eu devo suspender minha guerra só porque você se apaixonou por uma normanda?
— Não. Terá sua guerra quando quebrar a trégua. Terá seu trono quando tiver assassinado ao regente e aos herdeiros do rei. Para isso, não precisa dela. Se recusar em me conceder isso deve lutar sozinho contra Gareth e será derrotado.
Cedric o seguia olhando com desconfiança que merecia qualquer um capaz de apaixonar-se por uma normanda, mas não tinha alternativa. Por enquanto Madoc era necessário.
— Ainda é o bastardo mais arrogante que já conheci, Madoc ap Bleiddian. — Deu-lhe uma palmada no ombro e, ao afastar-se, acrescentou. — Se me ajudar a liquidá-lo, ela será sua.
— Bom — resmungou Madoc em voz baixa. Virou-se para olhar Tanon. Um raio de luar iluminava seu rosto.
— Fala com muita facilmente de matá-lo. Vou odiá-lo enquanto tiver um fôlego de vida.
— Que assim seja — repôs Madoc, evitando seu olhar de desprezo. — Entretanto, tenho a intenção de mantê-la viva.
Tanon abriu os olhos um pouco antes do nascer do sol. Apoiou-se nos cotovelos e olhou em volta. O fogo não tinha se apagado e os homens dormiam. Supôs que Cedric tinha deixado Madoc a cargo de sua vigilância, enquanto ela fingia dormir. Não tinha a menor ideia de onde estava. Tinha muito medo, mas sabia que deveria encontrar uma maneira de retornar à aldeia para avisar Hereward. Conteve o fôlego e afastou-se de Madoc.
Sua mão agarrou seu pulso, quase sem lhe dar tempo de mover-se. Tanon sentiu seu coração sair pela boca. Droga, quanto o odiava!
— Preciso ir a...
— Eu a acompanharei.
Seus grandes olhos verdes se rebelaram:
— De jeito nenhum.
— Então, deverá aguentar.
— Está bem — concordou com um olhar fulminante. — Mas olhe para o outro lado.
Ele concordou e acompanhou-a até a floresta, mantendo-se afastado, enquanto ela se agachou atrás de arbusto denso de groselheira. Tanon o espiava. No momento em que ele olhou em direção para onde estavam acampados, ela se afastou mais um metro, antes de recolher sua saia e entrar às pressas na floresta.
Em seguida sentiu a mão de Madoc ao redor de sua cintura. Mas ela estava preparada: empunhando a adaga que tinha amarrada na coxa, cruzou-lhe o rosto de um talho. Tal foi à surpresa de Madoc que caiu de repente. O corte era profundo e abrangia desde à orelha até quase o queixo. Retirou a mão, boquiaberto, vendo seus dedos ensanguentados.
— A partir de agora levará a marca de sua traição para sempre. Assim ninguém poderá esquecer.
Ela começou a retroceder, enquanto apontava, tremente, com a adaga. Sentia que as lágrimas escorrendo pelo rosto, mas não se animava a enxugar. Ele era muito rápido e lhe arrebataria a adaga em um piscar de olhos.
— Não se aproxime! — seus dentes batiam e seu coração batia apavorado, velozmente. Deu mais um passo para trás, olhando para ambos os lados. Sentiu-se derrotada. Jamais poderia escapar correndo. Por mais que Deus a ajudasse, não poderia mantê-lo afastado. Mas tinha que tentar. — Vou adverti-lo, Madoc. Não conseguirá ir muito longe. Não importa o que faça comigo, meu pai vai encontrá-lo.
— Tanon, me dê à adaga.
Ao dizer, ele avançou em sua direção com os braços estendidos. Ela lhe deu outra punhalada, mas errou.
— Madoc — era a voz de Cedric, que ecoou por entre as árvores. De repente, apareceu na clareira — Que diabos está acontecendo aqui?
—Ela está assustada, Cedric. Já controlei isso — repôs, sem afastar os olhos, que pareciam duas brasas ardentes. Com um movimento rápido, atirou-se sobre a jovem, que ficou imobilizada pelo pânico. Antes que pudesse reagir, ele a colocou em suas costas, sustentando-a pela cintura, e a forçou a abrir os dedos que seguravam a arma.
— Não!— gritou a jovem. Debateu-se inutilmente contra seu punho, que a sujeitava com rigidez, inclinando-se com toda sua força contra o peito de seu agressor — Madoc, não — soluçou, ao comprovar sua impotência. — Como pôde fazer algo assim? Como pôde trair Gareth?
— Está sangrando — Cedric o olhou com a mesma surpresa que sentiu Madoc quando descobriu que ela o tinha ferido. — Apenas Gareth o feriu com a borda de uma espada.
— Me pegou desprevenido. Não sabia que tinha uma adaga. — explicou, irritado.
— Não, o enfeitiçou — o atraiu para si, grunhindo em seu ouvido. — Como pensa lutar com Gareth, se não pode sequer fazê-lo com sua esposa?
Madoc o afastou para longe com um rugido ameaçador.
— Cuide da sua parte do plano. Eu sei o que devo fazer, e o farei.
A jovem não falou novamente durante todo o dia. Quando ele cavalgava ao seu lado, Tanon preferia fazê-lo perto dos homens de Dafydd. Pelo menos, eles odiavam Gareth abertamente, com honestidade.
Quando finalmente decidiram acampar durante a noite, Madoc se instalou ao lado de Tanon. Ambos permaneceram em silêncio, com o olhar nas estrelas, até que ela decidiu falar:
— A ferida está perto do pescoço. Dói?
— Não.
— Que pena! — suspirou — Da próxima vez, apontarei mais baixo.
«Inferno —pensou Madoc — Gareth é realmente um sujeito de sorte!».
Capítulo 24
Escondido em um bosque de carvalhos gigantes, Hereward viu soldados armados que se dirigiam à Llandeilo. Tanon estava no meio, rodeada por todos eles. Vendo que estava sozinho entre dúzias de homens armados, amaldiçoou as limitações de seu armamento. Não teria problemas em liquidar Cedric e Dafydd com as flechas, mas seria impossível fazê-lo sem revelar sua posição. Talvez pudesse matar a outros cinco ou seis homens, talvez até dez, se não estivesse tão cansado, pela falta de sono durante os dias em que tinha viajando. Ficou olhando para Madoc. O comandante tentaria detê-lo? Hereward rangeu os dentes. Mataria o bastardo se o fizesse. E em seguida, mataria também à Gareth e enviaria sua cabeça para Brand.
Aparentemente, a jovem estava ilesa. Hereward recitou uma oração de agradecimento por ela e também para Rebecca, que tinha reavivado Ioan quando derrubou um balde de água fria em sua cabeça. Não tinha sido difícil: foram suficientes apenas algumas chicotadas para que Ioan falasse. Suas palavras congelaram o sangue do saxão.
A tensão de seu arco aumentou, à medida que se preparava para disparar a primeira flecha. Algo terrivelmente duro o golpeou de lado e lhe fez perder o equilíbrio. Ao mesmo tempo, sua flecha foi retida no momento em que a ia disparar. Um pouco atordoado, Hereward reconheceu Alwyn e Gareth ao seu lado.
— Você, seu bastardo! — levantou-se e lhe descarregou um soco.
Gareth se agachou e deu um passo para trás, evitando facilmente o golpe mortífero.
— Basta, Hereward — disse, erguendo as mãos para contê-lo, enquanto segurava a flecha que tinha arrebatado. — Escute o que vou dizer.
— Não. — o gigantesco saxão o atacou novamente, e Gareth saiu de um lado. Só Alwyn era o suficientemente corpulento para contê-lo, mas Hereward o jogou de lado como se fosse uma pena.
— O que é que pretende dizer, cretino? Que colocou Tanon em perigo para evitar uma guerra? Sei de tudo. Ioan me contou isso antes que lhe desse uma segunda surra. Foi hábil de sua parte enviar Madoc junto com seu irmão logo que descobriu que Cedric havia retornado à Galês.
Gareth se mantinha alerta, enquanto Hereward estava dando voltas ao seu redor.
— Era a única maneira de descobrir o que Cedric e Dafydd se propunham. A filha de Dafydd me contou que seu pai havia se encontrado com Cedric. Tinha uma única oportunidade para me inteirar. Nada mais que uma, para conhecer seus planos. Se não seguir adiante com este plano, não poderei saber quando será o próximo ataque contra o rei.
— E se Madoc realmente o enganasse?
— Não. Não o fará. — Quando Hereward se dispôs a desembainhar sua espada, Gareth implorou. — Por favor, não me obrigue a brigar contigo, meu amigo.
O saxão avançou, levantando sua impressionante espada sobre a cabeça e deixando-a cair com todas suas forças. Gareth esperou e, no último momento, saltou para o lado evitando o golpe formidável. A espada fez saltar pedaços de terra. Gareth virou-se, e com um chute, separou a espada do punho de Hereward.
— O rei Guillermo não deseja que haja guerra, e eu tampouco — Gareth falou rapidamente, com a esperança de que o outro estivesse disposto em ouvir. — Se os restante dos príncipes se unirem à Cedric e Dafydd, a guerra não se poderá ser evitada.
— Não pensou em apenas que matar Cedric e impedir o ataque contra o rei, tudo estaria resolvido?
— Sim, muitas vezes — Gareth deu um passo ousado em direção de seu agitado interlocutor. — Ouça, pelo amor de Deus. Meu irmão não está sozinho. O rei Rhys necessita de provas contra Dafydd para provar que ele é um traidor. Caso contrário, elevariam-se contra ele os príncipes de Gwynedd e Powis, junto com o rei Gruffydd. Devemos dar provas do plano ao meu tio.
— Não havia necessidade de envolvê-la.
— Não desejava fazê-lo — insistiu Gareth, com voz sibilante e emocionada. — mas não tive outra escolha. Cedric acredita que não sei nada. É necessário que continue pensando assim. Não vai acontecer nada com Tanon, meu amigo. Cedric não lhe fará mal enquanto eu estiver vivo. E minha morte não faz parte do plano.
Hereward teria zombado da arrogância de Gareth se o jovem príncipe não tivesse sido tão convincente.
— O que impediria de matá-la e deixar seu corpo aos pés do trono do rei Rhys?
— Eu impediria.
— Mas você está aqui, a cem metros de distância. Não poderia deter uma adaga de tão longe, seu tolo!
— Cedric quer o trono. Para tê-lo, deve matar ao rei, seus filhos e a mim. Deseja isso mais do que sua guerra. Mas sabe que não pode me vencer sem ter Madoc do seu lado. Ele sabe, Hereward. Não vai correr o risco de perder a lealdade de meu amigo. — Ao notar que Hereward duvidava, continuou. — Lhe dei ordem para matar meu irmão se tentar algo contra Tanon. Matarei à todos eles, se for necessário. Mas estou disposto em deter Cedric de uma vez por todas, faz muitos meses, e só mudar meus planos se ela sofrer algum dano — Gareth o olhava com severidade e determinação. — Não deve tentar deter o que Madoc e eu começamos. Temos que provar que o príncipe Dafydd traiu o meu tio. Devemos impedir que matem ao rei e a sua família. Se meu irmão obtiver o que se propõe, terá aos exércitos do norte de sua parte e destruirá primeiro os lordes normandos da fronteira. Mas se começar a guerra contra
Guillermo, essa não terá lugar na Inglaterra. Os normandos virão aqui e meu povo morrerá. Não posso permitir que isso aconteça.
— Então arrisca a vida dela para beneficiar o seu povo? — a voz do Hereward revelava sua resignação, ante a evidência, e seu profundo desgosto.
— Não quis envolvê-la, mas agora já está, Hereward. Não posso desviar do meu plano. Desejo para ela um futuro sem derramamento de sangue e sem remorso, fome ou a morte.
Hereward soube que teria que matá-lo para resgatar Tanon. Baixou a cabeça e murmurou um juramento. Na verdade, ele não queria matar Gareth. Simpatizava-se com o bastardo. Também entendia perfeitamente os horrores da guerra. Os normandos tinham assassinado seu irmão, um simples agricultor, logo que pôs os pés na Inglaterra, e desencadearam uma luta que tinha durado mais de dez anos. A irmã mais nova de Risande também tinha sido morta pelos saxões. Enquanto os reis estavam lutando, muitos inocentes morreram. E a batalha parecia inevitável, a menos que Gareth pudesse deter Cedric e Dafydd. Ele era o célebre Wyfyrn, um guerreiro que jamais tinha sido derrotado. Se havia alguém capaz de deter um exército destinado a assassinar o rei, esse era Gareth. Era necessário a astúcia da serpente para derrotar um chacal.
— Muito bem — Hereward tirou o pó das calças e recolheu sua espada. — Não me oponho, maldição, porque acredito que o que diz faz sentido. Não é em vão tem fama de ardiloso. Mas farei uma pergunta antes de me expor para que lorde Risande ponha minha cabeça a mercê do carrasco por permitir tudo isto. Ela sabe que Madoc não esta te enganando?
— Não — respondeu, com os olhos tristes. — Não sabe nada. É menos perigoso assim.
—Sim, então assim acredito — Hereward acariciou sua barba. Seu cenho franzido assinalava uma última preocupação. — Ioan me disse que tentarão matar ao rei quando você e seu tio estiverem reunidos. Como é possível isso, se você está aqui?
—Disse que era apenas uma pergunta.
— Não me caracterizo por ser tão detalhista. Tenho curiosidade de saber por que está aqui escondido no bosque, enquanto o rei lhe aguarda para que lhe oferecer sua proteção.
Sem uma palavra, Gareth olhou em direção de Tanon, cuja figura se diminuía à distância.
— Já vejo — suspirou Hereward — Então, estava errado. Ela chegou a significar mais para você do que a paz que espera há muito tempo. Vamos, então. — O saxão empurrou Gareth para onde aguardavam os cavalos, sem que sua barba escondesse o sorriso discreto que aparecia. — Vamos vigiá-los e, chegado o momento, vou ajuda-lo a cortar todas as cabeças que deseje. E que Deus tenha misericórdia de nós, se seu pai se inteire alguma vez de tudo isso.
Capítulo 25
Algumas nuvens escureciam o céu em cima da colina onde estavam reunidos Tanon, Cedric e seus soldados, à luz da lua, entre sombras que se deslocavam.
— Logo dominarei todo Deheubarth e, logo, derrotarei os normandos e cruzarei Offa's Dyke.
Tanon olhou ao homem que falava ao seu lado. Cedric contemplava a fortaleza que se elevava ao longe, sob a incandescência das tochas. Seus olhos sinistros resplandeciam, como se o mal brotasse de seu interior. Um sorriso maligno se insinuou em seus lábios.
—Pensa matar ao rei Guillermo e apoderar-se da Inglaterra, verdade? Esquece que o rei conta com seus cavalheiros e com seus próprios filhos. Rufus é famoso pela violência que trata os inimigos.
— Mulher, também sei ser pouco amável, como brevemente poderá descobrir.
Ela se esforçava por lhe confessar que já sabia o repulsivo, ingrato, descarado e bárbaro que era, mas duvidava que Madoc impedisse que a golpeasse de novo, e se conteve. Preferiu olhar para longe daquele presunçoso, concentrando-se na fortaleza, à distância. A impressionante estrutura se elevava a uns dez metros acima da planície, tinha uma torre de madeira no lado direito da paliçada que rodeava uma ampla praça, protegida por uma muralha de madeira e blocos de pedra. As pranchas eram afiadas nas pontas, para que parecessem lanças ao longo de todo seu perímetro exterior, e outro muro alto de madeira ao redor do pátio, do lado de dentro.
— Como vai enganar os guardas do rei?
— Quando estiverem despreparados — o sorriso do Cedric demostrava toda sua arrogância. — Não vão sequer perceber que vamos entrar pelos muros até que seja
tarde demais. Entraremos disfarçados de músicos amanhã e sem sacar uma arma. Meu tio tem certa fraqueza pela música. Se os deuses estiverem ao meu lado, vão nos conduzir diretamente ao rei e seu regente; vamos matar à ambos e a todos que nos interponham no caminho; logo, sairemos do mesmo jeito que entramos, sem que ninguém perceba. Os guerreiros que matarmos serão lembrados como heróis que perderam a vida pelo rei, o defendendo de seu assassino.
— E quem será esse assassino?
—Gareth, é obvio.
Os lábios de Tanon se afinaram: entendeu que Cedric tinha contado muito para deixá-la com vida. Ele devia saber que ela jamais permitiria que Gareth carregasse a culpa de ter matado ao rei Rhys. Provavelmente, Tanon não sairia dos muros da fortaleza, uma vez que tivesse entrado nela. Cedric queria desatar a guerra contra os normandos: se matasse á ela, seria inevitável. Evidentemente, Cedric era um idiota, se acreditava que tinha a menor possibilidade de acertar apenas um golpe em Gareth. Mas ele tinha Madoc de seu lado, e o príncipe Dafydd. Possivelmente todos os príncipes Galeses se moviam com a mesma rapidez e agilidade de seu marido.
Se Gareth soubesse sobre esse plano diabólico, estaria preparado e seria difícil matá-lo. Por certo, se soubesse, também saberia que Madoc a tinha entregue para Cedric para que a matasse. Não, repetiu pela centésima vez: Gareth não permitiria que ela morresse. Caso contrário, jamais a teria deixado à mercê de seus inimigos durante uma semana. Ou sim?
— Não pode matá-lo — disse Tanon, categoricamente. — E, mesmo se conseguisse, o rei Guillermo nunca acreditará que Gareth assassinou seu tio.
— Não me importo com o que Guillermo pense. Preciso de apoio dos cymry. Quando descobrirem que seu amado príncipe assassinou seu rei, vão me receber de braços abertos.
— Está louco.
— Vamos, está ficando tarde — Madoc apareceu ao lado dela e segurou seu cotovelo. — Vou acompanhá-la até seu leito.
Cedric riu, quando partiram. Depois se aproximou de Dafydd, que compartilhava sua bebida com dois de seus homens.
— Quando Madoc testemunhar perante o povo que foi Gareth quem matou ao rei, mate-no. Ele não vai me impedir de levar por um só dia essa puta à cama.
Quando estiveram fora do alcance dos ouvidos de Cedric, Madoc diminuiu o passo e disse:
— Esteve extraordinariamente calada durante as últimas horas.
— Estive ocupada rogando por sua morte.
Na escuridão, Tanon não pôde ver o sorriso que apareceu no rosto de Madoc.
— Logo, tudo estará acabado. — prometeu ele, sereno.
Ela não respondeu, mas retirou seu braço bruscamente quando estiveram ao lado de seu leito. Deitou-se e fechou os olhos para que ele soubesse que não tinha nenhum desejo de continuar conversando.
Lembrou-se de seus pais, enquanto ouvia que Madoc se preparava para passar a noite ao seu lado. Sentia saudades deles desesperadamente. Desejava contar a sua mãe o quão feliz tinha chegado a sentir-se nesse país primitivo, de colinas cor esmeralda. Como seria triste quando recebessem a notícia de sua morte! Os olhos de sua mãe brilhavam em sua mente. Brynna Risande não ficaria meditando sobre a morte. Faria algo para salvar seu marido. Quase acreditou ouvir a voz poderosa de seu pai, que dizia o que deveria fazer. Ela era filha de um guerreiro poderoso a quem todos temiam e respeitavam.
Ele a tinha preservado dentro de um casulo, em Avarloch, a salvo dos perigos, os homens e suas guerras. Mas a paixão de Brand corria por suas veias. Como poderia permitir que um repulsivo e desprezível príncipe exilado a obrigasse a testemunhas a
morte do homem que amava, sem que ela fizesse algo para evitá-lo? Não. Tinha o sangue dos Risande e dos Dumont, e tinha um marido a quem devia proteger.
Esperou até que os roncos de Madoc estivessem muito profundos. Ao longe, retumbou um trovão anunciando a tempestade. Incerta, observou o traidor dormido. Considerou a possibilidade de bater em sua cabeça com uma pedra grande, mas não tinha a força necessária para levantar uma do tamanho adequado, e teria que jogar várias para esmagar sua cabeça. E por mais que odiasse o traidor, não seria capaz de matar a golpes um homem que estivesse dormido.
Um dos guardas de Dafydd vigiava, mas fazia muito tempo que tinha deixado de observá-la. Estava sentado de costas, do outro lado da fogueira, pensando, talvez, no plano macabro contra o rei Rhys, supôs Tanon indignada.
Enquanto se aproximava da borda do arvoredo, pegou uma pedra, se por um acaso Madoc acordasse. Não o golpearia enquanto estivesse dormido: mas se estivesse acordado, iria partir seu crânio antes de permitir que a apanhasse novamente. Rogou fervorosamente que permanecesse dormido. Sem fazer o menor ruído, arrastou-se até o impenetrável matagal de árvores. Sob o amparo da escuridão, ficou de pé e correu para fora.
Capítulo 26
O ar ficou úmido e penetrante à medida que a tempestade se aproximava. A escuridão e o silêncio minaram a fortaleza de ânimo de Tanon. Não deveria ter abandonado o acampamento. Mas, ali, só tinha a morte a própria garantida, a de Gareth, dos aldeãos e, provavelmente, também a de sua família. Se o plano de Cedric fosse bem sucedido, seu pai teria que lutar. Ela não podia desistir. Devia seguir adiante, até onde estava o rei, para avisar que o filho mais velho de Owain estava de volta. Caminhou através do labirinto de árvores, caindo por duas vezes de joelhos e raspando a bochecha contra a casca de um tronco de árvore. Os arranhões não a intimidavam; mas parou uma vez, ao escutar o uivo de um lobo, para distinguir de onde ele vinha.
O medo tirava seu fôlego; entretanto, devia continuar. Correu para o oeste, em direção às luzes da fortaleza, que brilhavam à distância.
Lembrou-se do abraço apaixonado que seu marido lhe tinha dado ao despedir-se, para não sentir-se tão só na escuridão do bosque. Tinha permitido que seus antigos medos a fizessem duvidar dele, mas Gareth a queria. Tinha quase certeza disso. Tinha cativado seu coração, sem recorrer a uma só artimanha feminina. Seu príncipe reunia todas as qualidades com as quais Tanon sempre sonhou. E lhe tinha dado tudo o que seu coração desejava.
Tinha que salvá-lo.
As nuvens se fecharam sobre sua cabeça e começaram a cair gotas pesadas. A jovem se rendeu ante a fúria da natureza. Afastou os cachos empapados para ver melhor. Mantinha a imagem de Gareth vívida em sua mente, seus olhos azuis que a enchiam de alegria e também a enfureciam. Tinha que salvar seu amado.
Um raio de luz atravessou a escuridão. O rosto de Gareth apareceu diante dela, segundos antes de colidir com ele. A jovem sufocou um grito, que ficou preso em sua garganta ao cair envolta de seus braços.
— Silêncio, Tanon. Não tenha medo. — sussurrou; sua voz cheia de remorso, acariciava seu ouvido.
Ela sequer perguntou o que fazia nesse lugar. Tateou seu rosto molhado com os dedos e se pendurou em seu pescoço, para convencer-se de que realmente estava ali. Estava a salvo. Todos estavam salvos.
— Gareth —virou-se, explorando a escuridão por cima de seu ombro — Madoc, ele... — não suportava a ideia de ter que lhe contar como seu amigo o havia traído. Em vez disso, acrescentou. —Cedric e Dafydd planejam...
— Eu sei — tirou o cabelo molhado de seu rosto. — Venha, devemos sair desse bosque.
Ela seguia ouvindo sua voz, mas só ouviu as primeiras palavras. Gareth sabia. Ele ... sabia.
— Gareth — Tanon reconheceu a voz de Alwyn em meio da escuridão. — Não podemos levá-la. Venha agora, Madoc sabe o que tem que fazer: não deixará que nada de ruim aconteça.
Tanon deu outro passo para trás, ao comprovar a importância que tinha ela para Gareth e para o país de Galês. Piscou rapidamente para esconder suas lágrimas. Agora sabia por que havia se casado ela. Que burra tinha sido! Que tola, por pensar que alguma vez chegaria a significar mais para ele que um objeto de paz. Mesmo assim, doía admitir isso.
Não protestou quando a levou, apesar dos resmungos de Alwyn, em direção à fortaleza. Permaneceu em silêncio, inclusive quando chegaram e ele a pegou no colo para carregá-la para o quarto que ficava no piso superior. Tentou se convencer de que,
na verdade, não a tinha entregue. Mas a forma em que a olhava, beijava-a, tocava-a, acaso não era verdade? Tinha-a enganado facilmente.
Bem, depois de tudo, ele era Wyfyrn. A víbora ardilosa cuja fama se espalhou por toda a Inglaterra, capaz de derrubar qualquer fortaleza, incluindo Winchester, e de vencer aos homens de seu pai. O dragão que lançava fogo por sua boca, consumindo tudo em caminho estava completamente seduzido: com o corpo , mente e coração. Teve o dom de acariciar essa parte dela que já tinha sido esquecida! A garotinha que ignorava as regras de etiqueta, enquanto brincava no chiqueiro com Petúnia. A mulher que queria amar.
Ela permaneceu imóvel e em silêncio, enquanto ele lhe beijava a testa, bochechas, entre murmúrios agradecendo que nem tudo estivesse perdido. Aparentemente, ainda servia para levar adiante seu plano. Quando saiu, impulsionado por Alwyn e Tomás, pois tinha muito a fazer antes do amanhecer, pelo menos não a deixou sozinha.
Ao encontrar-se com Hereward, Tanon pensou que já não suportaria tantas traições. Desviou o olhar e chorou.
Capítulo 27
Tanon amanheceu encostada na cadeira, com os cachos de cabelos revoltos cobertos de grama. Hereward sentiu pena por ela. O que ele poderia lhe dizer que seu coração não tivesse adivinhado, depois de todas as revelações que haviam abalado sua alma? Entendia muito bem por que ela havia chorado à noite toda. Seu marido e seus amigos coordenaram um perigoso plano para derrotar seu inimigo, mesmo à custa de arriscar a vida dela. Compreendia seu sofrimento. Ele era um desses amigos.
Uma batida na porta fez Hereward levantar-se. Olhou para a jovem de novo, antes de dar lugar a um dos guardas do rei.
— Que ninguém entre — advertiu ao sair. Mais tarde explicaria tudo para Tanon. Agora, sem delongas tinha outras obrigações à cumprir.
Atravessou corredores revestidos com tapeçarias em direção ao salão principal. Reinava um silêncio sinistro. Os vassalos que tinham terminado suas tarefas no dia anterior tinham sido enviados para suas casas. Os guardas foram orientados de abandonar seus postos e esconder-se para que ninguém os visse, a menos que sua intervenção fosse necessária.
A partir do segundo andar, Hereward viu Gareth sentado ante uma mesa comprida, montada sobre cavaletes, conversando com o rei do sul de Galês. O saxão grunhiu. Não aprovava a maneira em que os Galeses dirigiam seus assuntos. Era um absurdo que um rei arriscasse aparecer tão vulnerável. Se ele fosse Cedric ou Dafydd, a ausência dos guardas despertaria suas suspeitas. Mas Alwyn tinha assegurado que Rhys com frequência dava audiência para seus vassalos em privado. Era um rei amado no Sul; mas os que viriam hoje eram do Norte.
Vendo o salão de acima, Hereward observou que havia dois corredores com cortinados que se agitavam ao vento, atrás dos quais se escondiam os homens de Gareth,
esperando por ordens. Seriam suficientemente numerosos para deter Cedric e Dafydd? O saxão desembainhou sua espada e enfiou-se nas sombras. Não tinham outra alternativa.
O tempo transcorria, enquanto Gareth e Rhys conversavam. Falavam sobre os filhos de Rhys, Nest e Gruffydd, que estavam fora de perigo em um esconderijo afastado. Falaram de Tanon e da paz com os normandos, sem que se notasse a menor inquietação no tom de suas vozes.
O ranger da porta de entrada à fortaleza revelou a presença de Baddon, o chefe dos servidores de Rhys. As palhas secas partiam-se sob seus pés enquanto se dirigia aos dois homens que estavam sentados à mesa.
— Um grupo itinerante de poetas e menestréis solicita audiência, sua majestade.
— Quantos são?
— Vinte.
— Faça-os entrar.
Hereward flexionou os dedos ao redor do cabo de sua espada e se preparou para lutar.
Gareth viu aos menestréis entrando em fila. A prudência aconselhou-o a inspirar profundamente e parar de pensar em Tanon. Quando a tinha deixado em seu quarto no andar de cima, tinha atribuído seu tremor por ter passado muito tempo ao ar livre. Estava molhada e sentia frio e, provavelmente, muito medo. Mas o vazio em seus olhos, assustou-o; era como se Tanon tivesse erguido um muro entre eles. Não havia dito uma só palavra. Sequer tinha olhado para ele.
Tinha que se esforçar para não ceder ao impulso de correr escada acima para lhe falar e confortá-la. Para garantir que de agora em diante, estaria segura. Isso, na verdade, sempre tinha estado. Diabos! Desejava tanto abraçá-la!
Respirou fundo. Devia concentrar-se no plano. Seus olhos imediatamente identificaram os três homens que usavam capuzes para ocultar seus rostos: Cedric,
Madoc e Dafydd. Eram os únicos que poderiam identificar. Marcando sua respectiva posição, Gareth ficou de pé e caminhou ao redor da mesa.
— Senhores — estreitou os olhos, enquanto um sorriso sinistro aparecia em seu rosto. — A audiência que pediram ao rei foi concedida. Precisam praticar um pouco antes de começar a apresentação?
O poeta mais distante localizado à direita levou uma mão trêmula até o capuz que escondia seu rosto. Cedric se surpreendeu ao ver como seu coração acelerou. Pensou que seria fácil matar a seu irmão sem ter que lidar com o exército do rei. Mas agora, diante dele, com Rhys à sua direita, como se fosse o príncipe e Gareth, o rei, teve um momento de incerteza. Quando viu o brilho audaz nos olhos de seu irmão, procurou a porta de saída com o olhar.
Não, não poderia fraquejar agora. Era o momento da verdade para Cymru. A paz é adquirida mediante a guerra. Cymru necessitava um verdadeiro conquistador que consolidasse o reino.
Decidido à entrar em ação, Cedric tirou o capuz e disse:
— Como vai, irmão.
Queria que a cadela normanda não tivesse fugido. Que satisfação teria em ver Gareth sofrendo enquanto cravava uma adaga na garganta de sua esposa! Isso não importava; para ele seria suficiente ver a surpresa ao vê-lo diante dele. Esperava que ficasse atônito, mas o semblante de Gareth apenas escureceu. Decepção. Remorsos. Cedric olhou para o rei Rhys.
— Seu reinado chegou ao fim. O novo rei de Cymru não vai se humilhar ante ninguém.
— Quer dizer o novo rei do Sul, certo? —Gareth franziu o cenho e olhou para Dafydd.
— Aliou-se com o inimigo — Cedric se apressou em falar, antes que Dafydd avaliasse as palavras de Gareth. — Homens que agora governam toda nossa fronteira. Um
privilégio que desfrutam por ter massacrado nosso povo. Acha que os normandos vão abandonar seus planos de nos vencer, enquanto nos facilitamos tanto às coisas?
— Não, não o farão — respondeu solenemente — Cymru permanece dividida por seus próprios chefes. Um guerreiro tão hábil como o rei Guillermo avisou há muito tempo. Se é como diz, impossível estar em paz com eles, como explica que eles ainda não tenham nos atacado?
—Eu irei até eles. Não precisamos esperar como se fôssemos ovelhas esperando no matadouro.
— Por que anseia tão urgentemente manchar Cymru com o sangue de nosso povo?
— Devemos ser agressivos, tomar a iniciativa para derrotá-los. Podemos fazê-lo.
—Não — Gareth sacudiu sua cabeça, os olhos brilhando. — Não podemos. As guerras internas nos debilitaram muito. Os exércitos do rei Guillermo são tão vastos como o mar que separa os tronos da Inglaterra e Normandia. Apenas um terço de seus membros foi suficiente para assumir o reino dos celtas, na Sicília. Eles combatem a cavalo, Cedric. Constroem muralhas de pedra, impenetráveis para nossas armas. Poderemos seguir resistindo seu avanço, até que cada homem do Cymru tenha morrido defendendo sua terra e deixado suas mulheres e filhos à mercê dos invasores. Ou podemos usar outros métodos de resistência e aproveitar a paz para ensinar nosso povo como evitar nos tornarmos seus súditos.
— Você os ensina a render-se antes que a luta tenha começado, Gareth. — Cedric cuspiu, aproximando-se de seu irmão acompanhado por um de seus homens. — Traiu cada vida perdida na guerra para impedir o avanço dos normandos ao casar-se com uma deles
— Uma aliança para beneficiar aqueles que ainda estão vivos, para que possam desfrutar de uma vida melhor, sem derrotas ou sofrimentos.
— A paz ao preço da dignidade de nosso povo é equivalente à covardia. — sentenciou Cedric.
— A paz não tem preço!
— Hoje tem! Você é um usurpador, Gareth, um impostor. Não pode ser o chefe do Cymru, porque tem medo. Sempre teve. Enquanto luta, esta sempre fugindo. Mas hoje não escapará. — Deu uma indicação ao Madoc para que retirasse seu capuz e segurasse Gareth. — O restante dos meus homens está atrás da porta. Ninguém entrará, ou sairá, até que terminemos este assunto. O exército de Dafydd tem a fortaleza cercada.
Sem olhá-lo, Gareth elevou um dedo para que Madoc parasse.
—Seus homens já estão mortos. Príncipe Dafydd — se dirigiu diretamente ao terceiro encapuzado — deve saber que seus homens estão prestes a sofrer o mesmo destino, seu exército está rodeado pelo do rei neste momento — disse com altivez — mas perdoaremos a vida a todos, se você desistir agora mesmo.
Dafydd tirou o capuz e amaldiçoou Gareth até os limites do inferno. Cedric sentiu que o chão se desabava aos seus pés. Impossível! Seu tio não tinha tido tempo para preparar suas tropas. Gareth estava mentindo. Ele e o rei deveriam ter tido conhecimento de seu plano há muito tempo. Não, era impossível. Seu irmão não podia ser tão inteligente. Como? Como poderia saber? Então fixou-se em Madoc, com o olhar sombrio.
Maldição, por Cristo!
— Madoc — ordenou, com esperança de estar errado. — mostre a esse covarde o que veio fazer.
Sem alterar-se, Madoc puxou uma arma e esfaqueou a um soldado na barriga, vendo Cedric presunçosamente.
— Traidor! — Cedric torceu a boca com fúria. De repente, viu como os restantes dos homens de Gareth surgiam de entre os cortinados. A sorte tinha sido lançada contra ele. Sorriu com amargura: seu plano tinha falhado.
— Irmão — começou, tentando ganhar tempo necessário para ter alguma ideia de como sair com vida dessa situação. — não é preciso derramarmos sangue. Nunca gostou de fazê-lo. Sempre preferiu aproveitar de sua inteligência, tal como demonstrou aqui hoje. Vamos nos sentar à mesa para discutir as nossas diferenças em relação aos interesses dos cymry de maneira civilizada.
Nesse momento, o rei Rhys deu a volta ao redor de Gareth e falou com Cedric. O robusto guerreiro que tinha sido em sua juventude, há algum tempo não existia mais. Mas os olhos do rei mantia sua expressão vigorosa, que refletia a coragem de mil guerreiros.
— Cedric, planejou o assassinato de meus filhos. Você não é civilizado, tampouco você, príncipe do Norte — seu olhar desumano se dirigiu para Dafydd. — Será levado ao seu pai, o rei Gruffydd, e julgado por traição.
A boca de Dafydd se contraiu involuntariamente no instante em que atacou o rei. Foi o tempo necessário para que Gareth entrasse em ação. Com uma adaga em cada mão, girou como um furacão, cortando com um único movimento dois dedos de Dafydd.
O príncipe nortista ficou estupefato, vendo suas mãos mutiladas sangrando e soltou um uivo desesperado que ecoou contra as paredes.
Uma sombra monstruosa e horripilante desceu pelas escadas, segurando uma descomunal espada nas duas mãos. Hereward, jogou-a como se fosse uma lança, para o centro da sala onde caiu com um estrondo metálico aos pés de Dafydd. Por um breve instante, ninguém se moveu, enquanto Hereward exibia, orgulhoso, o punho de sua espada diante dos olhos de Dafydd. Cedric aproveitou o momento para recuperar a iniciativa e afundar sua adaga no corpo do homem que se encontrava ao seu lado: Madoc caiu, sangrando, quando seu agressor extraiu a faca do ferimento.
Em seguida, dois soldados estiveram sobre o príncipe exilado, que pôde resistir o suficiente para ouvir as maldições de Gareth, quando Madoc caiu em seus braços.
— Tanon... ela... — Madoc pressionou a ferida, de lado.
— Está aqui, amigo. Segura, lá em cima — fez o possível para consolá-lo, enquanto se desenvolvia uma verdadeira batalha no pequeno recinto — Fez o certo.
Os olhos de Cedric se dirigiram para o patamar, pouco antes que descarregasse seu punho sobre o rosto do inimigo que se aproximava. Correu para as escadas fugindo da luta. Tinha que encontrá-la. Sabia o que deveria fazer e nada o deteria. A esperança não estava totalmente perdida. Ainda estava em tempo para desfazer o tratado de paz. Os normandos atacariam, desatando uma guerra absoluta. Só tinha que matá-la.
Subiu até o segundo patamar sem olhar atrás. Abriu todas as portas, com sucessivos pontapés, revendo cada um dos quartos com o rosto contorcido de medo e uma resolução inalterável.
Gareth degolou um capanga disfarçado de trovador. Nem sequer esperou que sua vítima caísse para levantar a vista e averiguar como ia a luta. Ao não visualizar Cedric, empalideceu e olhou para o patamar. Subiu as escadas em duas etapas, em corrida furiosa, segurando o punho de ambas as adagas. Parou na entrada do quarto de Tanon, para não pisar no corpo do guarda, que jazia morto. Quando entrou, viu sua esposa aprisionada pelo braço do homem que sustentava uma faca ensanguentada à altura de sua garganta.
— Cedric, não, lhe imploro — pediu isso; deixou as adagas caírem e levantou as mãos.
— A única maneira de deter os normandos é matando-os — pressionou os lábios contra a bochecha da jovem — Sua morte servirá para um grande propósito.
Com um movimento quase imperceptível, Gareth correu. Não se deteve para calcular o tempo que o outro demoraria para cortar o pescoço de sua esposa. Agiu por instinto. Arrebatou a adaga de seu irmão e cravou em seu pescoço, a poucos centímetros do rosto de Tanon.
Quando ela sentiu que o sangue escorria em seu queixo, olhou para o marido, perplexa, antes de perder a consciência.
Capítulo 28
Tanon despertou horas mais tarde, em uma cama um pouco maior que a sua, embora está fosse mais macia, pois o colchão estava cheio com plumas de ganso, em vez de palha. Sentou-se e deu uma olhada. Quando viu Hereward sentado a pouca distância, suspeitou que a morte de Cedric poderia ter sido um sonho. Talvez tudo isso tenha sido um pesadelo. Tocou em sua bochecha.
— Gareth limpou você.
— Quero ir pra casa — anunciou, sem olhar nos olhos dele.
Ele a olhou com ternura.
— Quer dizer em Avarloch? — perguntou, sabendo perfeitamente queria dizer. Quando ela assentiu, prosseguiu — Seu lar é ao lado de Gareth.
—Não. Absolutamente — Tanon lhe atirou um olhar gélido. — do mesmo modo que o seu já não está na Inglaterra.
Recostado na cadeira, Hereward cruzou os braços sobre o peito e enfrentou seu olhar acusador.
— Se isso for o que Guillermo ordenar, estarei em dívida com ele eternamente, pois não esperava menos que que a lâmina da sua espada.
— Por que, Hereward? Como pôde permitir?
— Pela mesma razão que ele permitiu. Pela paz. Você não sabe o que é viver no meio da guerra. Por isso Gareth deseja que tudo seja igual, não quer que passe por esse horror.
— Não fez isso para me favorecer — respondeu brandamente, massageando-as têmporas. — Fez isso por seu povo. Assim como se casou comigo para beneficiá-los. Sim, Hereward, sei que sua causa é nobre, mas o que tem de honorável em quebrar o coração de alguém?
— Já aconteceu muitas vezes. Mas meu amor por ela sempre me levou a perdoá-la — comentou e sorriu levemente.
As lágrimas escorriam pelo rosto de Tanon ao ouvir que existia um amor tão grande. E estava contente por Rebecca, que finalmente o encontrou. Ela também chegou a pensar que havia encontrado. Poderia perdoar Gareth por tê-la colocado em perigo, mas nunca que tivesse traído o que ela ansiou por toda a vida. Tinha-a deixado indefesa, privando-a de suas defesas e com seu coração a mercê de sua sedução. Mas o evasivo Wyfyrn não se envolvia. Ela estava destinada a sofrer o mesmo que Rebecca tinha sofrido durante vinte anos. Um soluço precedeu suas palavras:
—Nunca me acostumarei com este maldito estilo de vida, Hereward.
Gareth se separou da soleira da porta, submetido à incerteza de seu coração. Seu corpo inteiro rogava para que se aproximasse dizer o quanto a amava e que nunca amaria alguém do mesmo modo. Queria pedir-lhe para que não o abandonasse, que seu único propósito era fazê-la feliz.
Mas ela nunca se habituaria a esse maldito estilo de vida.
Diabos, ela tinha razão, era uma vida maldita! Cymru era um país em guerra há séculos. Sua vida sempre seria cheia de dificuldades ali. Tudo o que ele foi capaz de oferecer, desde que a separou da proteção de seu pai, foi o perigo. Ela merecia muito mais, e estava disposto, até mesmo a sacrificar a paz que Tanon deu à seu espírito.
Entrou no quarto pigarreando. Tinha o pressentimento de que seria mais difícil lidar com seus olhos, do que com o mais temível dos inimigos no campo de batalha.
— Gareth —Alwyn se precipitou para dentro do quarto, com Madoc pendurado do ombro, enquanto Tomás tratava de limpar suas feridas — o rei enviou cartas para o rei
Gruffydd. Dafydd será devolvido a seu pai com vida, embora nunca mais levante uma espada.
— Evitou-se a guerra —Tomás sorriu e aplaudiu com força a seu irmão, que lhe respondeu com um olhar assassino.
—Como você está? —perguntou Gareth ao seu melhor amigo.
Madoc parecia ignorar o seu estado:
— É apenas uma ferida superficial. Sobreviverei.
Tanon observou a chegada de Cian. Suspirou, aliviada, ao ver o jovem poeta. Sua missão tinha sido proteger ao rei. O plano tinha sido executado com supremo cuidado.
Sentia o olhar de Gareth, enfeitiçando-a. Lutava para não retribuir, porque sabia que se o fizesse, correria imediatamente para refugiar-se em seus braços. Em vez disso, concentrou sua atenção sobre o rei Rhys, que fazia sua entrada.
De perto, as rugas de sua pele notadas eram mais profundas e lhe davam um ar maior de autoridade. Era igual ao seu amado rei Guillermo, o rei Rhys tampouco precisava usar a coroa dourada, sobre seu cabelo grisalho, ou o manto escarlate, ao redor dos ombros, para mostrar sua soberania.
Ela fez uma reverência.
— Lady Tanon, tenho entendido que sua mãe é uma mulher de grande beleza — gostava de sua voz profunda. — Pelo visto, você foi abençoada com a formosura dela.
Tanon olhou para ele, imperturbável. Ele não era mais que outra serpente. Recordou como Eva foi expulsa do Éden por ter sido seduzida por uma víbora. Evidentemente, o rei Rhys não tinha ensinado Gareth somente à dançar.
— A beleza de minha mãe não tem comparação, sua majestade.
— Agora entendo por que meu sobrinho me desobedeceu e permaneceu junto de você nas últimas noites. Não sofreu nenhum dano, certo?
Tanon olhou a seu marido de soslaio . «ele ficou ao seu lado?»
— Tio — a voz de Gareth a fez conter o fôlego. A fria determinação de suas palavras contradizia seu olhar angustiado. — imploro que permita a minha esposa retornar à sua família. Pretendo ir para o norte, para liquidar o resto de seus inimigos. Se viver, retornarei para reivindicá-la em alguns anos.
Tanon o olhou como se acabasse de lhe perfurar o peito com sua espada. Não devia surpreender-se de que a enviasse para longe. Já não era útil, o melhor seria livrar-se dela quanto antes. Tivesse preferido manter a calma. Não desejava viver com ele um só dia sem que a amasse. Havia dito à Hereward que queria voltar para casa. No entanto, ao saber que seu marido estava disposto a livrar-se dela sem mais, sentiu que os joelhos amolecerem. Não queria que a visse chorar, mas não estava preparada para tamanha dor, e as lágrimas começaram a brotar.
— E o acordo de paz? — escutou-se a voz do rei.
— Continuarei sendo seu marido. Nossa aliança com os normandos vai se manter em pé enquanto ela estiver viva. Desejo-lhe uma longa vida na Inglaterra.
O acordo de paz. Para ele, não tinha mais valor do que um rolo de pergaminho e a tinta do escriba. Tanon queria gritar, quando o príncipe lhe virou as costas, saindo do quarto e de sua vida, sem sequer uma palavra de despedida.
Rapidamente, fizeram-se os preparativos para sua partida. Poderia ir nessa mesma noite, escoltada por Hereward e uma centena de homens do rei. Na fronteira, o saxão solicitaria uma escolta normanda para completar o trajeto. Ela voltaria para casa, tal como desejava. Quinze dias atrás, teria enlouquecido de alegria. Agora, queria que a
terra a engolisse, para chorar até ficar sem fôlego. Isso, ou pisando nos calcanhares de seu marido para lhe dizer que ele era um infeliz sem coração.
Mas, como sempre, não se deixou vencer pelas circunstâncias, embora tivesse o coração partido, escolheu a segunda opção.
Capítulo 29
Cian o seguia de perto, Gareth se dirigiu para o portão da fortaleza e deixou o pátio, como se os demônios o perseguissem. Ali, seus homens e os de Rhys se ocupavam de fiscalizar o exército cativo de Dafydd. Seus olhos encontraram-se com o príncipe, um homem com o dobro de sua, ansioso por desencadear a guerra. O sangue de Gareth fervia só de olhá-lo. Embora soubesse que teve que renunciar ao prazer de degolar o maldito, tinha perdido o último resquício de autocontrole quando pediu para que Rhys enviasse Tanon de volta para a Inglaterra. Se o príncipe Dafydd queria tanto a guerra, Gareth estava disposto a agradá-lo. Aproximou-se dele em dois passos e o prendeu com força pelo pescoço; seus olhos brilhavam como os raios de fogo, abaixo de seu cenho ameaçador.
— Pelo amor de Deus! — Cian desembainhou sua espada e se colocou de costas a seu senhor, para defendê-lo se por um acaso os homens de Dafydd o atacavam pelas costas.
Gareth arrastou o príncipe por alguns metros.
— É sangue o que quer? — rosnou em sua cara, oprimindo seu pescoço e lhe tirando o ar.
— Me mate — desafiou Dafydd, a beira da asfixia — e meu pai trará a guerra.
Gareth o encarou com o sorriso diabólico, que, meses antes, havia congelado o sangue dos nobres da fronteira que imploravam por suas vidas.
— Veio para matar o rei Rhys. Provamos. Agora, seu pai não pode declarar a guerra. É somente através da misericórdia de meu tio que ainda vive. Apesar de ter me
assegurado que não representa nenhuma ameaça para nós, a ideia de que continua com vida mais um dia sobre a superfície da terra, parece-me ofensiva.
— Preciso falar com você.
A voz de Tanon suavizou um pouco o olhar ultrajante de Gareth. Piscou e virou a cabeça na direção dela. Seu coração vibrou com aquela visão. Por todos os Santos! Como poderia viver sem ela? Sem poder contemplar aqueles olhos verdes incríveis, tão claros e brilhantes, que traziam a lembrança da inocência, em um mundo dominado pela traição, ganância e sangue.
— Conceda um minuto de seu tempo — solicitou indignada e deu um olhar recriminatório para Dafydd, que estava preso em um punho.
— Agora? — perguntou Gareth.
— Sim — cruzou os braços e apontou para cima, para o lado da luz. — Quero dizer algumas coisas antes de ir.
Gareth abriu a mão e Dafydd caiu no chão, com o peso de um saco cheio de trigo.
— Estou ouvindo. — logo que se sentiu livre, Dafydd tentou escapar; mas Gareth lhe deu um chute que fez o príncipe do norte cair sentado — Se voltar a se mexer, eu o mato.
Tanon observava o aspecto temível de seu marido. Parecia estar prestes a atacar. Mesmo agora, depois de comprovar o quão insensível era, seu aspecto era terrivelmente sedutor.
— Acho que Cedric estava certo sobre você — prosseguiu. Não importava que a fizesse sentir tão viva. Tudo era uma mentira. — é um covarde.
Cian fez um ruído, à sua direita, como se tivesse enfiado o punhal nas costas de alguém. Alwyn olhou para ela com desaprovação. Gareth se manteve firme. Sua expressão obrigou Tanon a levar as mãos ao seu pescoço e retroceder um passo,
apavorada. Parecia estar prestes a protestar algo que ela preferia não escutar, então falou antes:
— Tem medo de ser tocado. De ser pego. Passou a vida praticando os movimentos de evasão. Agora o hábito o domina. — acusou com segurança e determinação.
— Ah, sim? — perguntou-lhe, sem alterar-se.
— Sim. Por isso pode mentir com tanta facilidade.
Um comprido cacho de cabelo negro obstruiu o olhar de escárnio de Tanon. Envolveu o cacho com o dedo mindinho e o afastou pra longe de seu rosto. Movia-se com tanta delicadeza e feminilidade que Gareth sentiu um desejo incontrolável de tomá-la em seus braços.
— Não permitia que nada de ruim acontecesse com você, Tanon. Para sua segurança, era melhor que não soubesse nada do plano.
Ela franziu o cenho. Não estava falando por que a tinha colocado em perigo. Mas, já que o mencionou...
— Como saberia se estava segura ou não, Gareth? Você me deixou sozinha.
— Não. Nunca te deixei. Vigiei-te dia e noite. Se meu irmão houvesse tocado em único fio de seu cabelo, Madoc o mataria mediatamente. Outros estavam perto o suficiente para se encarregarem de Dafydd e seus homens.
—Esteve lá o tempo todo, maldito bastardo! — exclamou Dafydd, que ouvia a conversa. Deu um empurrão em Gareth com sua mão enfaixada, coberta de sangue. Gareth virou-se lentamente com uma expressão assassina — Poderia ter nos matado em qualquer momento — jogou a cabeça para trás e começou a rir — É mais estúpido do que eu acreditava.
—Se tivéssemos matado, sem ter as provas de seu plano para assassinar o rei Rhys, teríamos provocado uma guerra — protestou Cian.
— Mas — a voz de Tanon atraiu novamente a atenção de Gareth. — acaba de dizer que se Cedric tivesse tentado algo contra mim, Madoc o teria matado. Você e seus homens teriam capturado Dafydd. Poderia ser morto...
— Sim — afirmou Gareth; enfim Tanon entendia.
— Estava disposto a arriscar perder uma guerra por minha causa? — perguntou com ternura e com os olhos úmidos. Quando ele assentiu, ela se aproximou dele. — Mas por quê?
Gareth estava surpreso de que lhe fizesse semelhante pergunta. Sorriu-lhe calorosamente:
— Porque vale infinitamente mais do que a paz para mim, Tanon. Preferiria passar todos os dias de minha vida lutando na guerra com você ao meu lado, que apenas um de paz, sem você. Mas não posso lhe pedir isso.
— Por que não? — Como se atrevia a lhe confessar seu amor e logo recusar que o compartilhasse com ele?
Ele olhou ao seu redor, os anfitriões que enchiam o pátio.
— Cymru não é o lugar onde deve viver. Merece uma vida melhor.
Tanon ficou atônita. Sempre tinha feito o que os outros consideravam melhor para ela. Cada vez que aceitava um pedido de Guillermo, ou de seus pais, o fazia pelo amor que lhe davam, pela preocupação que sentiam por seu bem-estar. Mas ninguém a tinha feito tão feliz como Gareth. Voltou à Winchester, como um verdadeiro herói, para impedir que se casasse com Roger e enfrentasse uma vida sem sentido.
— É exatamente onde devo morar, Gareth — disse com firme convicção — Para quem não conhece, Cymru parece frágil, mas tem sido amada e defendida por pessoas notáveis. Por homens dedicados e com senso de dever. Nunca caem perante as adversidades, nem eu tampouco.
Ela começou a se afastar, mas Gareth pegou em seu braço para segurá-la.
— Aonde acha que vai?
— Para casa — Tanon contemplou a maravilhosa emoção do rosto de seu marido, a imagem do amor que desejou por toda sua vida. — Tenho que planejar o casamento de Rebecca com Adara, antes que Hereward mude de ideia.
Gareth sorriu e a atraiu para si, para enfim lhe dar o beijo que esperou durante toda a semana.
Capítulo 30
Lady Andrea Risande abriu a boca e emitiu um gemido que ecoou pelos corredores de Avarloch. Segurando-a em seus braços, o rei Guillermo sorriu ao ver o pequeno rosto de bochechas rosadas e boca avermelhada.
— Um dia de vida e já faz tanto escândalo como sua mãe. — Levantou a vista para olhar ao homem que estava ao seu lado. — tem sido abençoado, meu amigo.
Brand pegou a sua filhinha dos braços do rei e lhe beijou a mecha avermelhada que adornava seu rosto.
— Digo com meu coração, Guillermo. Outra filha que estará por perto vendo o final dos meus dias. Estou pensando seriamente em colocar Ellie e Anne em um convento. — Fez um gesto para Lisbeth, que estava esperando na porta de seu gabinete, para levar à menina. — Diga a Brynna que estarei com ela em um instante.
— E peça para Lady Tanon vir até aqui — acrescentou Guillermo, virando-se para a janela — Faz uma hora que chegou e ainda não veio me cumprimentar.
Brand virou-se para dar uma olhada ao rei, que observava pela janela os homens que se exercitavam.
— Com o que se preocupa?
— Droga. Sou tão transparente? —Guillermo balançou a cabeça com desdém fingido. — somos amigos há muito tempo, maldição.
— Muito — concordou Brand, que sorriu quando Guillermo o olhou excessivamente furioso.
Um momento depois, o semblante do rei suavizou.
— Sabe que tenho mais afinidade com você do que com meus próprios filhos.
— Sim, sei.
— Lamento ser obrigado a interrogar a sua filha.
Brand virou-se ele e em seu rosto não existia mais um sorriso e sim preocupação.
— A respeito do que?
— Recebi uma carta de Chester. Lorde Geoffrey Fitzpatrick governa esse setor da fronteira.
— E o que isso tem a ver com Tanon?
— Relata que o príncipe Dafydd espalhou todos os rumores de que foi Wyfyrn que cortou seus dedos.
Brand afastou-se da janela. Não tinha certeza realmente se queria ouvir o que Guillermo estava prestes a dizer. Entretanto, não pôde deixar de perguntar:
— E, então? O que isso tem a ver com a minha filha?
—Bem — Guillermo lhe dirigiu um olhar triste. Droga, odiava ter de discutir este assunto com Brand, mas devia averiguar a verdade. — Lembra-se do conflito que Hereward nos descreveu a alguns meses, realizada em Llandeilo, quando Cedric voltou para...?
— Matar o rei Rhys. Sim, lembro.
— Hereward contou que Gareth matou Cedric e mutilou Dafydd.
Brand empalideceu no mesmo instante em que sua filha entrava no gabinete.
— Por favor, me perdoe, Guillermo. Estava com mamãe.
Tanon fez uma reverência, sem deter-se, e foi diretamente para os braços do rei, dispostos a recebê-la. Ou, melhor, tentou fazer uma reverência, incapaz de curvar-se muito devido à proeminência de seu ventre.
O rei quase não a reconheceu. Estava com os cabelos cacheados soltos sobre os ombros. Tinha as bochechas ligeiramente bronzeadas pelo sol. Mas era a aparência saudável o que chamou sua atenção, tampouco a segurança e firmeza de seus movimentos. Seu sorriso refletia uma confiança em si mesma que Guillermo não tinha conhecido jamais. Algo em sua maneira de inclinar a cabeça revelava essa força interior que sempre esteve escondida atrás de sua expressão amável.
Aceitou a mão que lhe tinha estendido o rei e ficou em pontas de pé, descalça como estava, para lhe dar um beijo no queixo.
— Mamãe insiste em levantar-se da cama. Sei que foi um parto fácil, mas onde se viu que uma mulher se levante imediatamente após dar a luz?
Enquanto falava, Guillermo olhava-a atônito, perdido por esse amor paternal que sentia há muito tempo.
— Como se sente, minha querida?
—Oh, maravilhosamente! — respondeu com um sorriso alegre, que fez aparecer sua covinha — Quase não senti nenhum desconforto.
— Ficará até o nascimento da criança?
— Sim, mas tenho receio de que Madoc consiga matar um dos cavaleiros de meu pai antes disso —acrescentou, com um sorriso de cumplicidade, dirigida a seu pai. — Estou brincando. Vocês devem saber que o temível Madoc é tão doce como um cordeiro recém-nascido.
Brand olhou pela janela, no exato momento em que Madoc atirou um de seus guardas por cima de seu ombro.
— Sim, um tenro cordeiro.
— Sente-se, pequena — Guillermo assinalou a cadeira mais próxima. — Há algo que quero lhe perguntar.
Ela o olhou com curiosidade, enquanto sentava-se no assento que ele lhe oferecia. Guillermo ia e vinha com as mãos nas costas. A moça procurou com o olhar perplexo a seu pai, cuja expressão gentil há fez sentir-se como tivesse voltado há ter seis anos.
— Tanon.
Seus olhos voltaram para Guillermo. O rei se deteve e retrucou:
—Diga-me. Você sabe quem é Wyfyrn?
Ela endireitou seus ombros. Tinha previsto que algum dia, eles iriam lhe fazer está pergunta, preocupou-se porque não sabia muito bem o que deveria responder. Mas já não era uma menina. Não mentiria para proteger o que amava. O defenderia de qualquer desafio.
—Sim, eu sei. É um homem que jurou defender seu povo. Como você.
Guillermo olhou para ela, desconfiado. Ela não hesitou, mas sim respondeu ao seu olhar poderoso com a força de uma Risande. O rei sorriu.
— Não me envolvo com o que acontece na fronteira — Guillermo lembrou — Estabeleci um acordo de paz com Rhys, mas o governo desses territórios é de responsabilidade dos lordes. Minha pergunta se deve unicamente ao desejo de satisfazer a minha curiosidade.
Alguém bateu à porta. Brand respondeu para que entrasse. Quando Tanon viu que o recém-chegado era seu marido, levantou-se e foi para perto dele.
— Guillermo, me disse uma vez que a nobreza de caráter consiste em estar disposto a defender à quem ame.
— Sim, isso mesmo.
— Bem, te imploro para que permita ao guerreiro de Cymru proteger seu território e que deixemos este assunto de uma vez.
O rei ficou olhando para o casal durante um tempo que pareceu uma eternidade para Tanon. Olhou para Brand e assentiu.
— Muito bem. Podem se retirar.
Com um suspiro de alívio, Tanon lhe sorriu com o maior carinho e, em seguida pegou a mão de seu marido.
— Gareth — disse Guillermo antes que se retiraram — o príncipe Dafydd tem a língua solta. Devia tê-lo matado, em vez de se conformar em cortar seus dedos.
— Eu sei —concordou Gareth — Minha misericórdia foi desperdiçada para favorecer um idiota. — Sorriu com afeto genuíno para o astuto rei dos normandos — Da próxima vez, juro-lhe que não terei misericórdia.
Guillermo os viu sair e se virou para Brand.
— Mesmo que seja Wyfyrn, agrada-me esse galês. Possivelmente pareça bem ao rei Rhys chegarmos a um acordo de futuro casamento entre a pequena Andrea e seu jovem filho, o príncipe Gruffydd.
— Antes, o mataria — disse Brand com um sorriso angelical.
A gargalhada franca e desinibida de Guillermo foi ouvido no salão, mais à frente do gabinete, onde Cian e Madoc aguardavam, enquanto Gareth beijava o ventre de sua esposa.
‘’A respiração do dragão foi sentida
sobre o coração imaculado da donzela,
o dom precioso da paz que ele conhecia para vencer,
cujo amor venceu a besta.’’
Madoc virou-se para seu irmão mais novo e jogou seu braço por cima do ombro.
— Não está nada mal — disse, levando Cian ao salão principal.
— Muito obrigado, me inspiro com facilidade — confessou com um sorriso — Amo aos dois.
Madoc olhou por cima de seu ombro e assentiu.
— Sim, irmão. Eu também.
Paula Quinn
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