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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O SOL EM ESPLENDOR / Jean Plaidy
O SOL EM ESPLENDOR / Jean Plaidy

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Jacquetta estava na torre mais alta da Mansão Grafton, aguardando a chegada da filha. Ela arrumara pessoalmente a alcova de Elizabeth, providenciando para que o cómodo ficasse o mais confortável possível. A pobre Elizabeth estaria carente de conforto, viúva pesarosa que era, com duas crianças pequenas para criar e um futuro incerto pela frente.

Aqueles eram realmente tempos incertos. A maldita guerra não chegava a uma conclusão. Num dia, a vitória era de York; no seguinte, de Lancaster.

Malditas sejam as guerras, que afastam os maridos das mulheres de sangue quente e, não satisfeitas, matam os esposos de suas filhas, pensou Jacquetta.

Ao menos seu amado Richard estava seguro e conseguira mandar notícias, depois de ter rugido com o rei para algum lugar ao norte, pois a mensagem fora enviada de Newcastle. Eles eram perdedores de novo e, aparentemente, algo importante acontecera desta vez: Eduardo de York proclamara-se rei e o povo o apoiara. Jacquetta precisava admitir que Eduardo era um moço encantador, embora os Rivers fossem lancasterianos arraigados. "Rei em cada um de seus centímetros", era o que diziam sobre Eduardo; e ele media quase 1,90m, o que somava muitos centímetros. Era soldado magnífico, amante ardoroso e o maior contraste possível ao pobre Henrique, que fora tão santo que desejara tornar-se monge e, em mais de uma ocasião, mergulhara na loucura.

 

 

 

 

Talvez estejamos do lado errado, pensou Jacquetta.

O coração de Jacquetta começou a bater mais rápido quando divisou um grupo de cavaleiros ao longe. Sua filha poderia estar entre eles. Ela desceria imediatamente para recebê-la, para assegurar-lhe que era bem-vinda, que Grafton era o seu lar e que permaneceria assim enquanto ela quisesse.

A visão da filha encheu Jacquetta de orgulho. Elizabeth estava bela como sempre - a flor mais deslumbrante de uma família de pessoas bonitas. Jacquetta tinha motivo para orgulhar-se dos descendentes que dera a Richard - sete filhos e sete filhas. Elizabeth, a mais velha, fizera uma entrada muito discreta no mundo. Como o casamento de Elizabeth e Richard fora desaprovado por pessoas importantes, tudo relacionado à união fora conduzido com o máximo de segredo.

Elizabeth desmontara. Estava muito calma, conforme previra a mãe. Poucas coisas perturbavam Elizabeth, que era assim desde a mais tenra idade. Na ausência de Jacquetta ou Richard, ela sempre cuidara dos irmãos; era natural, sendo a mais velha. Porém, por mais travessas que tenham sido as crianças, Elizabeth jamais perdera a paciência com elas.

- Minha querida! - exclamou Jacquetta, entre lágrimas, enquanto abraçava a filha. - Esta é uma ocasião triste.

Elizabeth retribuiu o abraço da mãe com afeto contido.

- Sabíamos que a senhora nos ofereceria refúgio - disse Elizabeth.

Elizabeth chamou as crianças. Thomas e Richard Grey eram meninos bonitos, com cerca de dez e oito anos de idade. Eram velhos o bastante para entender que a morte do pai fora um evento trágico e de grave consequência para eles.

Jacquetta beijou os netos com fervor, dizendo que eles eram pequenas ovelhas das quais teria imenso prazer em cuidar.

- Entre, querida - convidou Jacquetta, dando o braço à filha. - Deve estar cansada. O seu quarto está pronto, e os meninos ficarão no cómodo ao lado. Sejam bem-vindos a Grafton, meus amores. O seu lar, querida Elizabeth, como sempre foi e sempre será, enquanto eu estiver aqui.

- Agradeço do fundo de meu coração, querida senhora-disse Elizabeth. - Pois estamos numa situação realmente lamentável.

Entraram juntos na mansão.

- Foi uma viagem longa até Northamptonshire - prosseguiu Elizabeth.

- Tudo bem, querida. Agora vocês estão aqui.

Os meninos foram levados a quartos que a avó mandara preparar para eles. Jacquetta acompanhou Elizabeth até o seu.

- Eis o seu quarto, criança. Exatamente como era. Você será feliz novamente. Prometo.

- A senhora leu os sinais?

Jacquetta hesitou. Muita gente pensava que ela era uma bruxa. Isso de certo modo era verdade. Em várias ocasiões Jacquetta previra o futuro, mas seu coração não tinha certeza se ela simplesmente quisera que algo acontecesse e garantira isso através de suas próprias ações. Diziam que Melusina, a ninfa da água do Reno, fora ancestral de Jacquetta. Era uma dessas lendas adoráveis que ficavam ligadas a algumas famílias. Seres sobrenaturais entravam na história da família seduzindo um de seus membros e infundiam algumas de suas qualidades para o bem ou para o mal, que passavam a se manifestar através das gerações. A Casa de Luxemburgo tinha Melusina. A serpente, que era tida como parente de Melusina, tornara-se um dos emblemas nos brasões dos príncipes Luxemburgo. Como Jacquetta vinha da família regente Luxemburgo e tinha direito ao emblema, logo despertara a suspeita de que era uma feiticeira. Jacquetta considerava essa crença uma coisa curiosa e, muitas vezes, útil. Embora não encorajasse realmente a crença, não fazia nada para negá-la.

- Há muita sorte a sua espera - garantiu para Elizabeth.

- Minha filha, a sua sorte está baixa, mas isso mudará. Há uma grande chance de que em breve poderá olhar para trás e pensar nessas mazelas como apenas um degrau para coisas grandiosas. É como um bosque escuro que você precisa atravessar antes de alcançar os pastos da prosperidade.

- Oh, querida dama, isso é o que deseja para mim ou é uma profecia?

- Elizabeth, eu não diria isso a mais ninguém além de você, mas às vezes não sei a diferença.

Elizabeth puxou o capuz para trás, exibindo todo o esplendor de sua beleza, que às vezes emudecia até mesmo sua mãe. Essa foi uma dessas ocasiões. Acontecia sempre que Jacquetta deixava de ver a filha durante algum tempo. Elizabeth sabia disso; a forma como jogara o capuz para trás fora um tanto dramática.

Libertados, os belíssimos cabelos dourados cascatearam sobre seus ombros e caíram até a altura dos joelhos. Os fios brilhavam onde a luz incidia. Os cabelos dourados suavizavam as feições perfeitamente clássicas de Elizabeth, que pareceriam um pouco frias sem eles. Os dentes eram alvos e perfeitos; os olhos de um azul-acinzentado, emoldurados por cílios longos e dourados; o nariz era reto, nem longo nem curto, mas perfeito. Jacquetta sempre pensava que Elizabeth herdara os melhores traços da mãe e do pai; e eram duas pessoas de beleza excepcional.

Elizabeth, entretanto, herdara muito pouco do calor da mãe. Mas era uma moça inteligente. Jacquetta sempre tivera certeza de que Elizabeth sabia cuidar de si mesma. Por causa disso, tê-la de volta em casa neste momento de necessidade, era um triunfo tão grande.

- As propriedades foram confiscadas - disse Elizabeth. Não temos nada. Querida mãe, preciso sair desse bosque escuro o mais rápido que puder.

- Você sairá. Prometo. Vivemos tempos estranhos.

- Warwick levou Eduardo de York ao trono. Pelo que dizem, o rapaz continuará rei. Henrique não tem fibra para guerrear.

- Mas a rainha tem - lembrou Jacquetta à filha. - E o pequeno príncipe.

- Margaret lutará até a morte - disse Elizabeth. - Mas Margaret é uma tola.

- Graças a Deus a dama não a ouviu dizer isso.

- Ela me ameaçaria com todos os tipos de punições horrendas, e então, quando eu a lembrasse de nossa amizade e serviço para a sua causa, iria abraçar-me, perdoar-me, e dizer que sempre sentiu afeto por mim. Assim é Margaret.

- Deve conhecê-la bem. Você foi sua aia, e esse é o melhor trabalho para conhecer as rainhas na intimidade.

- Mãe, estamos do lado perdedor. Quanto mais cedo aceitarmos isso, melhor.

- Querida, as famílias nobres não podem trocar de lado porque o seu está perdendo.

- Todos dizem que Eduardo chegou para ficar. Warwick fará tudo para esse fim. E a senhora sabe que Warwick faz e desfaz reis.

- Eduardo tem a aparência de um rei, que é exatamente o que falta ao pobre Henrique. Mas os reis não são escolhidos por sua aparência.

- A aparência decerto exerce algum efeito - argumentou Elizabeth. - E enquanto os yorkistas reinarem, não reaverei minhas propriedades, meus filhos não terão nada e permanecerei uma viúva.

- Minha querida, você tem a maior de todas as riquezas.

- E que riqueza é essa?

- Você mesma. A sua beleza... nunca vi uma criatura mais adorável. Como pode se desesperar possuindo tamanho dom? Ela se aproximou da filha e lhe falou num tom suave e misterioso:

- Mudanças virão. A sua sorte será revertida Espere, Elizabeth. Seja paciente. Confie em sua mãe. Confie na velha serpente do Reno.

Elizabeth fitou a mãe com esperança nos olhos.

Ao menos consegui animá-la, pensou Jacquetta,

Jacquetta deixou a filha sozinha para se refrescar e descansar e foi para o seu próprio quarto.

Era bom ter Elizabeth e os meninos com ela. O problema com as crianças era que sempre iam embora - os meninos eram chamados para causas nobres e as meninas às casas de seus maridos. A vida era triste, e a causa dessa tristeza eram as convenções absurdas. As dinastias deviam permanecer juntas. Jacquetta sempre se rebelara contra fazer o que era esperado dela. Acreditava que uma mulher de espírito devia julgar por si mesma.

Jacquetta fora forçada ao casamento quando tinha dezesseis anos. Um casamento grandioso e muito desejado por sua família. Ela lembrou de quando seu tio Louis de Luxemburgo, bispo de Therouanne, chegou esfregando as mãos e disse:

- Sobrinha, a sorte lhe sorri. Consegui um casamento maravilhoso para você.

O noivado foi envolto em certa atmosfera de segredo porque o grão-duque de Borgonha teria objetado. Todos estavam com medo de ofender o grão-duque de Borgonha, até mesmo o homem importante que fora convencido a desposar Jacquetta. E o motivo não era apenas que Borgonha não quisesse que os ingleses influenciassem Luxemburgo, mas o fato de que o noivo enviuvara recentemente, sendo sua falecida esposa nenhuma outra senão a irmã do grão-duque.

Uma situação intrigante que fascinou Jacquetta. Seu futuro marido era o poderoso duque de Bedford, o homem mais importante da França na época porque era o regente, e estava nessa posição desde a morte de seu irmão Henrique V, que conquistara a França e se casara com a filha do rei francês. Não era de admirar que a família de Jacquetta estivesse ansiosa pela união. Ela própria não era contrária ao casamento, exceto pelo fato de que estava sendo forçada a isso, e sempre gostara de seguir a sua própria mente. Mas tudo mudou quando o viu. Ele estava na casa dos quarenta e parecia um homem muito velho.

Apesar da decepção da jovem, o casamento aconteceu. Ele era gentil e considerava Jacquetta bonita e encantadora. Jacquetta não o via muito porque ele estava sempre cuidando de assuntos importantes, entre eles, a pacificação do poderoso Borgonha.

O casamento não durou muito. O pobre homem morreu exaurido por seus problemas e profundamente deprimido, porque achava que os ingleses estavam perdendo o controle sobre a França.

E Jacquetta se viu livre. Tinha dezessete anos quando conheceu o homem mais bonito da Inglaterra. Ela não era a única que achava isso, porque ouvira outras mulheres chamá-lo assim. Seu nome era Richard Woodville de Mote Maidstone, até a morte de seu irmão mais velho, quando ele herdou Grafton em Nothamptonshire.

Richard fora um servo fiel do falecido marido de Jacquetta, tendo sido sagrado cavaleiro por Henrique VI em Leicester, cerca de dez anos antes que ela o conhecesse. Obviamente, mesmo com seu título de cavaleiro, Richard era apenas um humilde gentilhomem do campo, e ela a filha do conde St Pol, da casa regente de Luxemburgo. Jacquetta sabia que anunciar seu desejo de casar com Richard Woodville suscitaria protestos da parte de sua família. Protestos? Mais que isso. A união seria proibida e ela forçada a casar com alguém de posição alta e provavelmente nenhum atratívo físico. O fato era que depois de conhecer Richard Woodville, Jacquetta não iria querer nenhum outro homem. Assim, com aquilo que seu tio chamou de uma desavergonhada falta de consideração por seu próprio título, ela se casou em segredo com o homem mais bonito da Inglaterra e consumou o casamento com tamanha verve que antes que seu irmão furioso e seu tio soubessem do casório, ela estava enceinte com Elizabeth, o que impossibilitaria qualquer tentativa de anulação do casamento.

Jacquetta iniciou uma vida extremamente feliz e teve quatorze filhos, um atrás do outro. Hoje, ela não parecia ser um dia mais velha do que ao casar com seu belo Richard. Sabia que os rumores diziam que ela era uma feiticeira, porque ninguém senão uma feiticeira podia continuar parecendo tão jovem, bela e cheia de energia depois de parir tantos filhos.

Mas Jacquetta podia. Ela conhecia pós, misturas e loções que ajudavam-na a manter a cor dos cabelos. Dominava essas artes e se isso fosse feitiçaria, então era uma feiticeira. Mas gostava de sua vida, exceto quando marido e filhos foram arrancados de sua casa para lutar naquelas malditas guerras das rosas. Mas ela sabia que não podia haver reuniões gloriosas sem despedidas amargas. A vida era cheia de compensações.

Secretamente estava feliz por Eduardo parecer firme no trono. Ele podia ser o inimigo, mas sua aceitação como rei acabaria com as guerras, e o que ela mais queria era ter a família a seu lado e a salvo o mais cedo possível.

- Sinto orgulho dos meus Woodvilles, de cada um deles costumava dizer.

Em seguida, parabenizava-se uma vez mais por sua sabedoria ao desdenhar as convenções e seguir a trilha do romance. Uma lei não escrita rezava que quando uma mulher casava por questões de família, na vez seguinte - se houvesse - ela poderia fazer a sua própria escolha. E foi exatamente o que fez. Pobre Richard, ele ficou desnorteado, um pouco assustado, mas não era páreo para a determinada duquesa de Bedford.

É claro que Richard tinha razão em temer problemas. O irmão de Jacquetta, o conde de St Pol, e seu tio, Louis de Luxemburgo e bispo de Therouanne, fizeram recriminações amargas e declararam que não queriam mais vê-la. Ela deu de ombros para eles. Podia suportar a separação, declarou. Eles naturalmente não foram os únicos a ficar zangados. A união também irritou a casa real inglesa; afinal, ao casar com o duque de Bedford, Jacquetta passara a pertencer a ela.

Henrique, porém, foi condescendente e exigiu apenas uma fiança de mil libras. Não foi fácil juntar o dinheiro, porque Richard era apenas um cavaleiro pobre. Mas eles conseguiram e logo foram perdoados. Como Richard manteve-se fiel à Casa de Lancaster, foi condecorado por seus serviços e era agora lorde Rivers, nome que haviam escolhido inspirados na velha família de Redvers. O casal vivera anos felizes, enegrecidos apenas pela separação e pelo medo de que alguma coisa acontecesse a ele naquelas guerras estúpidas. Assim como muitas mulheres, Jacquetta não ligava muito para qual seria o lado vitorioso, desde que pusesse um fim àquela matança sem sentido.

Ninguém estava a salvo-mas quando haviam estado ? A qualquer momento um homem poderia ofender alguém numa posição elevada, que encontraria algum pretexto para mandar cortar-lhe a cabeça. A vida boa estava no campo, longe da corte e dos casos perigosos, e era lá que Jacquetta gostava de ficar com sua família.

E agora aqui estava Elizabeth de volta para casa, cheia de problemas: a bela Elizabeth com longos cabelos dourados e rosto que lembrava uma estátua grega. Alta, esbelta, com uma silhueta que não fora prejudicada por duas gravidezes.

Tinha certeza de que sua linda filha acharia uma saída para os problemas. De todos os seus filhos, Elizabeth era a que sabia cuidar melhor de si mesma.

Durante os meses seguintes, Elizabeth teve tempo de sobra para pensar sobre sua sorte. Parecia pior porque esperara um futuro muito diferente. Tendo sempre sido excepcionalmente bonita, acostumara-se a colher os benefícios de sua perfeição física. Percebia que era admirada ainda no berço; e embora soubesse que seu pai não era um dos nobres poderosos da Inglaterra, esperara um bom casamento.

Talvez tivesse sido mais sábia se houvesse aceitado o pedido de casamento de sir Hugh Johnes. Ele era, isso era verdade, um indivíduo sem grande importância, mas estava sob a proteção do conde de Warwick, e podia ter ascendido. Mas ela declinara do pedido e apenas agora, depois de sofrer tamanha calamidade, perguntava-se se não deveria ter-se casado com ele.

Elizabeth sempre sentira que algum destino especial a aguardava. Sua mãe insinuara isso mais de uma vez. Não tinha certeza se Jacquetta podia realmente ver o futuro, mas, como a maioria das pessoas, gostava de acreditar nos bons augúrios e duvidava apenas dos maus.

Ter nascido de uma união proibida era por si só dramático. Claro que eles haviam sido pobres e que ela tivera de compartilhar suas poucas posses com muitos irmãos e irmãs. Jacquetta dominara a família porque o marido estava sempre longe e, quando presente, vivia sob o feitiço da esposa excitante. A bondosa e vívida Jacquetta, em torno de quem havia uma aura de mistério por causa da serpente de Melusina, formara vínculos familiares fortes e Elizabeth, apesar de sua natureza calculista, pertencia à família e jamais esqueceria que era uma Woodville.

Os Woodvilles ficam juntos, dissera Jacquetta. A boa sorte de um de nós é a boa sorte de todos, e assim será se problemas surgirem. Esse era o código da família, e nenhum deles jamais o esqueceria.

Ela lembrou com excitação o dia em que partira para Windsor, para se tornar aia da rainha.

Margaret de Anjou gostara dela, embora não pudesse haver duas mulheres mais diferentes. Margaret era impulsiva, movida por um sentimento vingativo contra os seus inimigos e uma fidelidade feroz aos seus amigos. Elizabeth era fria, e raramente agia por impulso; estava sempre procurando obter alguma vantagem, tendo nascido sem os meios para comprar um marido rico e poderoso. Mas casamentos raramente eram planejados por jovens enamorados; eles não eram resultado de paixão e devoção. Oh, não, eram resultado de terras, posses e títulos. E uma mulher feia, se fosse rica, tinha muito mais chances de conseguir um bom partido do que a mulher mais linda do mundo.

Porém, se o pai de Elizabeth era um cavaleiro humilde que conseguira suas posses por serviço a uma causa que agora não era mais bem-vista, sua mãe, ainda que desonrada, pertencia à regente Casa de Luxemburgo. Elizabeth decidira que não desperdiçaria suas chances.

A convivência com Elizabeth fez Margaret gostar cada vez mais dela. Elizabeth sabia como agradar a rainha, e isso significava ouvir impropérios sobre o duque de York, murmurar simpaticamente, admirar o príncipe de Gales como o bebé mais perfeito que já nascera, e demonstrar interesse

nos vestidos de Margaret, o que não era difícil - Elizabeth gostava de esplendor.

"Nós somos muito parecidas, ao menos em um aspecto", pensou Margaret. "Ambas tivemos infâncias pobres, mas ela se tornou rainha."

Um grande triunfo. Ainda assim, Margaret perdera sua coroa... ou não a perdera. Margaret jamais concordaria com isso. Mas ela estava exilada e o jovem e divino Eduardo, que contava com a simpatia do povo, estava no trono. Para ficar, pelo que diziam.

E isso levou seus pensamentos de volta ao tema recorrente. Estamos do lado errado.

Se ao menos seu pai tivesse defendido a rosa branca em vez da vermelha! Ele deveria ter adivinhado que Henrique não prevaleceria sobre York. York tivera tudo a seu favor. Era vigoroso, enquanto Henrique era letárgico no que dizia respeito à guerra; Henrique queria ler seus livros, ouvir música, planejar edifícios e orar. Oh, aquelas orações! Elas se alongavam interminavelmente. Por sorte, Margaret tinha pouca paciência para orações. York era um regente. Ele declarara que tinha mais direito ao trono e alguns concordaram. A usurpação do avô de Henrique era sempre aventada, e o fato de York descender de dois ramos da árvore real era a mais pura verdade. York tinha mais direito ao trono; ele era mais adequado a ser rei. Além disso, tinha o conde de Warwick a seu lado. Desde o começo, era óbvio que York seria o vitorioso. Um homem inteligente teria feito planos para mudar de lado quando necessário, mas seu pai não pensara nisso; e seu marido também não.

Ela suspirou. Sim, talvez tivesse sido mais sensato aceitar o pedido de casamento de Hugh Johnes.

Pensava frequentemente em Hugh, embora não nutrisse sentimentos profundos por ele; assim como seus sentimentos por John Grey também não haviam sido muito fortes. Achava que uma mulher devia manter a cabeça no lugar em relação a esses assuntos. Jacquetta, sua mãe, fora muito diferente. Abrira mão de título e poder para se unir a Richard Woodville, e jamais lamentara isso. Mas Jacquetta era diferente das outras mulheres. Ela pertencera à real Casa de Luxemburgo; contraíra um excelente matrimónio - tornando-se duquesa de Bedford, e, portanto, integrante da família real - antes de se casar com Richard Woodville por amor. Jacquetta tivera uma vida maravilhosa, ela sempre dizia isso. Sim, ela pode ter tido. Mas e quanto aos seus filhos pobres?

Margaret dissera quando Elizabeth chegara para ser sua aia:

- Ah, como é linda! Não terei dificuldade em conseguir-lhe marido.

Todos na corte comentavam que Margaret era uma grande alcoviteira. Sempre que podia, a rainha se afastava dos assuntos de Estado para arrumar partidos para as suas damas de honra.

Nada agradava mais a Margaret do que unir pessoas; fazêlas casar, assistir ao nascimento de seus filhos e dar-lhes presentes. Uma característica estranha nessa rainhazinha ambiciosa.

Pouco tempo depois, Hugh conheceu Elizabeth e, mal pousou os olhos nela, decidiu desposá-la. Elizabeth percebeu o que se passava na mente de Hugh e não ficou muito empolgada. Hugh era conhecido como um cavaleiro corajoso; distinguira-se em seu serviço para o grande conde de Warwick, mas não tinha fortuna.

Isto aconteceu durante um dos períodos de loucura de Henrique, quando o duque de York - o pai do atual rei - era protetor do reino e havia paz - embora inquieta - entre as casas de York e Lancaster.

A rainha, ocupada em cuidar do marido, não notou o que estava acontecendo com a sua dama de honra. Assim, Elizabeth foi pedida em casamento pela primeira vez. Porém, quem pediu sua mão não foi o próprio Hugh. Ele era tímido demais e deve ter percebido que Elizabeth era muito cheia de si, porque providenciou para que outros lhe pedissem a mão em seu nome. E para isso recorreu aos dois homens mais importantes no reino naquela época: o próprio duque de York e um que provavelmente era ainda maior: Warwick, o criador de reis.

Margaret lembrou das cartas que esses dois homens lhe enviaram, e ficou admirada com sua amizade por Hugh, e por terem dedicado seu tempo precioso a fazer o pedido por ele.

"Sir Hugh confidenciou-me nutrir grande amor e afeição por sua pessoa.(...) Ficarei imensamente satisfeito se o meu intermédio influenciar a senhorita a aceitar o pedido sincero de tão nobre cavaleiro.(...) Prometo-lhe que sir Hugh brindar-lhe-á com a felicidade e segurança que a senhorita merece..."

Uma coisa na carta a irritou. Warwick estava dizendo que aprovava seu casamento com esse cavaleiro pobre por acreditar que ele era digno dela, e oferecia seu apoio de forma condescendente e autoritária. Assim era o grande Warwick, amigo do duque de York, a quem Margaret considerava o seu maior inimigo.

Em sua carta, o duque de York apelara de forma menos pomposa para que Elizabeth aceitasse o pedido de Hugh Johnes, e insinuou, com mais tato do que Warwick, que ficaria feliz com a união.

Hugh certamente confiava que Elizabeth consideraria os intermédios desses homens irresistíveis. Ele não conhecia Elizabeth.

Quando Elizabeth contou à mãe sobre o pedido, Jacquetta riu.

- Gosto que o homem faça a sua própria corte - foi seu comentário.

E eu também, pensou Elizabeth.

Margaret ficou feliz quando soube que Elizabeth recusara a união.

- O protegido de Warwick! - gritara. - E o duque de York! Como odeio aqueles dois. Eles são responsáveis por todos os nossos problemas... a doença do rei... tudo... Eles querem afanar a nossa coroa. Mas nunca conseguirão. E você recusou o homem que eles queriam lhe empurrar. bom! Isso é muito bom. Minha bela Elizabeth, encontrarei melhor partido para você.

E então entrou em cena aquele fiel lancasteriano.

- John Grey é um bom homem - garantiu a rainha. - Ele nos serviu bem. O rei gosta dele. Eu mesma sempre gostei dele, e ele é o herdeiro de Ferrers de Groby. Saiba, minha criança, que ele possui uma bela propriedade em Bradgate e descende da nobreza normanda.

- Não tenho pressa em casar, senhora - disse Elizabeth.

- Claro que você não tem, mas é inteligente o bastante para ver uma boa chance quando ela se apresenta, não é? Acredito que na vida não é sábio perder boas oportunidades esperando por melhores, que talvez jamais apareçam.

Assim, Margaret posicionou-se a favor da união, e a rainha costumava ficar impaciente com aqueles que não satisfaziam as suas vontades.

Elizabeth contou o caso à mãe e Jacquetta concordou que seria bom para Elizabeth casar-se com John Grey. Era jovem, bonito e estava encantado com a beleza de Elizabeth.

Assim, ela casou-se com John Grey e viveu vários anos em Bradgate. com o tempo, passou a amar o lugar, que ficava a cerca de três quilómetros do castelo Groby e a apenas seis do castelo Leicester. Os dois meninos nasceram e, como Elizabeth adquirira gosto pela vida bucólica, o casamento acabou se revelando muito feliz. Ela costumava cavalgar no campo, desfrutando dos lagos cheios de peixes e dos jardins bem cuidados. Era empolgante cavalgar pela ponte sobre o fosso do castelo, olhar para as duas torres e ameias com suas quinas e modilhões e dizer a si mesma: Este lugar maravilhoso nos pertence... No devido tempo, será do meu filho, e o castelo de Groby também.

Na época, Elizabeth achava que havia escolhido bem seu marido.

Tudo transcorreu maravilhosamente até o começo dos conflitos. Foram travadas as batalhas de Northampton e Wakefields, onde o duque de York encontrou a morte e a seguir teve a cabeça, adornada por uma coroa de papel, fincada sobre as muralhas da cidade de York. Margaret ficara jubilosa! Pobre Margaret, ela já devia ter aprendido que era uma daquelas mulheres de quem o destino adorava caçoar. Seus triunfos tinham vida curta e suas derrotas muitas vezes eram causadas por ela própria.

com suas táticas brilhantes, o conde de Warwick virou a mesa depois da derrota de York em St Albans, que foi uma batalha triste para Elizabeth. Foi em St Albans

que John Grey morreu e a vida de Elizabeth mudou. A esposa com dois meninos cujo futuro parecera tão seguro - ou tão seguro quanto qualquer coisa poderia ser naquele mundo em mudança -, tornara-se viúva.

Mesmo assim ela seria rica e capaz de cuidar de seus filhos. Que grande idiota era Margaret! Os lancasterianos haviam vencido a batalha de St Albans para ela, e foi o arguto estrategista Warwick quem transformou isso em vitória para York, simplesmente tomando Londres e estabelecendo Eduardo de York como rei. Os londrinos sempre haviam sido yorkistas. Eles se interessavam apenas por comércio, e o governo bom e estável oferecido por Eduardo de York - com o criador de reis nos bastidores - era exatamente o que eles queriam. Estavam fartos do louco Henrique e odiavam Margaret, que era rude, estrangeira e jamais se esforçara para entendê-los.

E assim Margaret e Henrique tornaram-se fugitivos e Eduardo de York, rei. E como John Grey lutara pelos lancasterianos, suas propriedades foram confiscadas e a viúva forçada a retornar à casa dos pais com dois meninos para criar sozinha.

E assim os meses se passaram e o povo não perdia o entusiasmo pelo novo rei. Eles gostavam de Eduardo, que tinha um charme do qual Henrique carecia. Era mais alto

que todos à sua volta, como deveria ser um rei. Era mais bonito que qualquer um de seus cortesãos; para onde quer que fosse, as mulheres sorriam para ele. Eduardo tinha uma legião de amantes e, embora vários casamentos houvessem sido arranjados para ele, permanecia solteiro. Algumas pessoas desaprovavam seu estilo de vida, mas a maioria se divertia com as histórias de suas aventuras amorosas. Dizia-se que um sorriso de Eduardo podia derreter até o coração mais gélido.

Eduardo costumava viajar através do país e era bem-vindo onde quer que fosse. A Inglaterra vivia um período pacífico e próspêro.

Henrique estava em algum lugar ao norte - no exílio ou escondido, e Margaret, dizia-se, tinha ido à França pedir ajuda.

Que fique por lá, dizia o povo. Que deixe Eduardo reger a nação.

Agora o rei visitaria Northamptonshire.

- Ele gosta muito de caçadas - comentou Jacquetta. Provavelmente caçará na floresta de Whittlebury.

- Fica aqui bem perto - disse Elizabeth. - Infelizmente, não virá visitar-nos aqui em Grafton. Estamos em desgraça.

- A nossa casa não será uma das honradas pelo rei, mas... Elizabeth fitou a mãe e pôde ver uma ideia se formando em

sua mente. Jacquetta estava tocando a serpente no broche, como costumava fazer ao pensar.

- Mas...? - perguntou Elizabeth, delicadamente.

- Acho, minha querida, que você deve tentar ver o rei.

- Ele jamais me receberia. A viúva de um lancasteriano, e um que serviu à rosa vermelha, como fez John. Pense em quantas rosas brancas John deve ter colhido antes da hora.

- Eu sei, eu sei... mas esses são ferimentos que cicatrizam com o tempo. Ademais, dizem que o rei sabe ser piedoso, principalmente com as mulheres bonitas.

- Está propondo que eu lhe dê favor em troca de favor...

- Não estou sugerindo isso! Mas alguma coisa me diz que você deve tentar ver Eduardo de York.

- Como? Acha que permitiriam que eu me aproximasse dele e me apresentasse?

- com toda certeza, não. Acho que você deve conhecê-lo por acidente. - Jacquetta riu. - Um acidente muitíssimo bem planejado.

- Minha doce mãe, qual é o seu plano?

- Podemos precisar de vários planos. Deveríamos tentar a floresta primeiro. Você deve encontrá-lo lá... por acidente, é claro. E então poderia pedir-lhe para devolver suas posses... para o bemestar de seus filhos, é claro.

Elizabeth prestou atenção às palavras da mãe. Começava a ficar empolgada.

O rei cavalgava à frente do cortejo. Seu melhor amigo, William, lorde Hastings, estava a seu lado. Hastings era cerca de doze anos mais velho que Eduardo, mas havia forte ligação entre os dois. Na verdade, Eduardo costumava pensar que era mais íntimo de Hastings do que de qualquer outro homem. Eduardo admirava Warwick desde a infância. Na verdade, considerava-o uma espécie de Deus, maior que qualquer homem, maior até mesmo que o próprio pai de Eduardo. Fora Warwick quem lhe ensinara quase tudo que sabia, e se não fossem as táticas inteligentes de Warwick, ele não seria rei hoje. Ele jamais esqueceria isso. Mas Warwick, embora fosse apenas dois ou três anos mais velho que Hastings, parecia pertencer a outra geração.

Os interesses de William eram semelhantes aos de Eduardo, e atualmente a principal inclinação do jovem rei envolvia mulheres. Hastings caçava-as ao lado de seu rei.

Os dois costumavam disfarçar-se de mercadores e procurar aventuras nas ruas de Londres. Não era fácil para Eduardo disfarçar-se; sendo mais alto que a maioria das pessoas, e extraordinariamente bonito, muitas vezes era reconhecido. Os olhos das mulheres reluziam ao vê-lo, e mesmo o coração da mais virtuosa esposa de mercador batia um pouco mais depressa. Eduardo tinha uma qualidade acima do charme e da beleza: desde que se tornara rei, uma aura de realeza formara-se ao seu redor. E como ele se sentia à vontade entre o povo, essa aura somava-se aos seus outros atrativos. Podia misturarse aos mais humildes e fazer com que se sentissem importantes. Hastings costumava dizer que esse era o verdadeiro segredo de seu charme, ainda mais pela vitalidade esplendorosa e a promessa dos prazeres que poderiam ser proporcionados por seu corpo.

O próprio Hastings não era desprovido de encantos. Menos obviamente belo que Eduardo, Hastings também era bonito. Razoavelmente alto e com um ar nobre, Hastings também tinha seu séquito de admiradoras. O problema era que, como Hastings costumava dizer a Eduardo, todos somos estrelas pálidas quando comparados ao sol.

- As estrelas são igualmente brilhantes em suas esferas comentou Eduardo.

- É? Você por acaso vê estrelas à luz do dia? - retorquiu Hastings.

Hastíngs era inteligente, bem-humorado, um bom comandante e, o melhor de tudo, um amigo fiel. Hastings costumava alertar Eduardo sobre sua facilidade em confiar nas pessoas, mas o rei não lhe dava ouvidos. Ele era tranquilo e jovial. Ou assim fora antes de se tornar rei. Era um pouco menos agora. Hastings achava que a mudança acontecera quando Eduardo vira a cabeça de seu pai com uma coroa de papel sobre as muralhas de York. Talvez isso tivesse sido ainda mais traumático porque ao lado de seu pai estava Edmund, duque de Rudand, seu irmão mais novo. O menino que crescera junto com ele e a quem tanto amara. Eduardo certamente não era o mesmo desde que testemunhara aquele espetáculo horrendo.

Naquele momento, Eduardo provavelmente compreendera que o mundo não existia apenas para o seu prazer. Havia crueldade nele, e crueldade devia ser paga com crueldade. Antes de testemunhar aquela visão horrível, costumava perdoar seus inimigos com facilidade e esquecer todos os pensamentos vingativos.

Talvez tivesse ficado um pouco mais sério, mais inclinado a reinar de fato, porque as pessoas tinham razão quando diziam que Eduardo usava a coroa, mas o verdadeiro regente era Warwick.

Assim, Hastings, o amigo íntimo do rei, foi o primeiro a perceber essa seriedade recém-adquirida. Não era uma coisa ruim, pensou. Eduardo procurava agir segundo sua própria cabeça, tentando se desembaraçar dos fios que Warwick usava para controlá-lo. Hastings não sabia ao certo até que ponto Eduardo conseguiria se libertar. Mas Eduardo ainda era jovem, 22 anos de idade e ainda acreditava que o prazer sexual era o principal objetivo da vida.

Enquanto cavalgavam até Northamptonshire, conversaram sobre conquistas recentes, como frequentemente faziam.

- Você terá de aprender a se conter um pouco depois de casar - lembrou-lhe Hastings.

- Um pouco, talvez - retorquiu Eduardo.

- Você deve se casar em breve.

- A voz de um homem casado. Ele é capturado e passa o resto da vida querendo o mesmo destino para nós, solteiros.

- Katharine me entende - disse Hastings, sem embaraço.

. Ela sabe que preciso de um pouco de liberdade, sendo o amigo

do peito de nosso rei.

- Ao que parece, a minha reputação não fica muito acima do chão.

- As pessoas comentam suas aventuras noturnas.

- Mas não sou contrário a flertar um pouco durante o dia.

- Dizem que você vale por cinco homens no campo de batalha e por dez na alcova.

- Quem diz isso?

- As esposas dos mercadores de Londres, acho.

- Ora, William, você me elogia, mas não fica muito atrás.

- Não há ninguém na Inglaterra que possa rivalizar com seu rei.

- E Warwick? Ele expressou sua opinião?

- Warwick? Por que ele me diria alguma coisa?

- Talvez à sua irmã.

- Não acredito que ele conversaria sobre esse tipo de coisa com Katharine.

- Como eles são uma família unida e você é o seu cunhado, achei que Warwick poderia ter dito alguma coisa a respeito das indiscrições do rei.

- Ele não as condena. Acho que ele as aplaude, de certo modo. É estranho como certas indiscrições estimulam a admiração das pessoas... mas apenas quando realizadas por alguém detentor de beleza e encanto.

- Ele nunca me sugeriu que eu deveria tentar me comportar. Claro que não, pensou Hastings. Isso é muito cómodo para

Warwick. Deixe o rei se divertir enquanto Warwick reina. Será que Warwick notara a mudança que se processara no rei desde o triste dia em que Eduardo fora levado a York e vira a cabeça decepada de seu pai usando aquela ridícula coroa de papel?

Se um dia Eduardo decidisse seguir por uma estrada que não estivesse no mapa traçado por Warwick, o que aconteceria? Qual deles prevaleceria? Mas não, isso não iria acontecer. Eduardo era muito jovial, muito apegado à luxúria. E ele não esqueceria que fora Warwick quem o fizera rei. Eduardo continuaria querendo apenas brincar de rei enquanto Warwick reinasse. Ou será que não?

O rei adorava caçadas, e as duras jornadas através do reino eram sempre recompensadas por dias dedicados à caça. Sempre que chegava a uma floresta, o grupo parava para praticar o esporte, e se o lugar fosse particularmente propício à caça, permaneciam ali por alguns dias.

Assim foi na floresta de Whittlebury, nas proximidades da Mansão Grafton. Todos na mansão estavam cientes da proximidade do grupo do rei. Se os Rivers tivessem sido yorkistas, provavelmente teriam sido honrados com a presença do rei. Como lorde Rivers fora sempre um ferrenho lancasteriano, a visita certamente não aconteceria. De certo modo isso era bom, como Jacquetta lembrara:

- Para entretermos o rei, ficaríamos pobres durante cinco anos. Nosso modo de vida não se equipara ao dele, asseguro-lhe.

Mas havia segredos nos olhos de Jacquetta, sua filha podia perceber. Jacquetta sabia que alguma coisa iria acontecer. Elizabeth deduzia isso pelo olhar distante da mãe. Elizabeth nunca soube ao certo se a mãe realmente previa o futuro ou se sonhava com uma possibilidade, e então usava de toda sua engenhosidade para fazê-la acontecer.

- Pegue os meninos e vá para a floresta - disse à filha. Tem lá um carvalho... o maior da área. É exatamente onde o Parque Pury termina e o Grafton começa. Fique sentada lá com os garotos e aguarde.

- Por que devo fazer isso?

- Ouvi dizer que a comitiva real caçará por ali hoje. Jacquetta tinha meios de descobrir essas coisas. Ela contava com a ajuda de seus criados. com toda certeza, descobrira sobre os paradeiros da comitiva real através da comunicação entre os seus servos e seus colegas em outras casas nobres.

- Talvez encontre alguém a quem pedir ajuda para a sua causa - disse Jacquetta. - Você não fez mal a ninguém. Foi o seu marido quem lutou pelos lancasterianos. Ele está morto. Você está pronta para aceitar o novo rei. Não deve ser difícil fazer alguém entender isso.

Elizabeth olhou para a mãe. Jacquetta sempre fora ousada, e às vezes seus planos davam certo. Haja vista a forma como se casara com o homem de sua própria escolha, a despeito da oposição de poderosos.

Jacquetta caminhou até o guarda-roupa e tirou alguns vestidos.

-- O azul é o mais bonito. É também muito simples. Acho que lhe cai tão bem quanto qualquer outra de suas roupas. Cria um contraste entre a sua perfeição e a simplicidade do vestido. O seu cabelo deve ficar solto... sem laços para prendê-lo... nada... nenhum ornamento, além deste cinto de prata para frisar o quanto a sua cintura é fina. O grupo iniciará a caça às dez em ponto. Eles terão de passar pelo carvalho para caçar na floresta. Se você esperar ali...

Jacquetta não mencionou o rei, mas Elizabeth sabia que sua mãe estava pensando nele.

Então ela deveria agir como uma suplicante, algo contra o que sua natureza orgulhosa se rebelava. Mas estava cansada de ser pobre, de não ver nenhuma saída senão o casamento com alguém que pudesse prover-lhe algum conforto e ajudar seus filhos a fazer bons casamentos. Era uma perspectiva funesta.

Ao menos, se conseguisse recuperar as propriedades confiscadas do marido, estaria livre. Então poderia escolher um marido se quisesse casar-se novamente e fazer com que seus meninos tivessem o futuro que mereciam.

Mas por que os yorkistas recompensariam aqueles que haviam lutado contra eles? Não era essa uma causa sem esperança? Jacquetta não pensava assim e estava com aquele estranho brilho profético nos olhos.

Era verdade que Elizabeth poucas vezes estivera tão bonita quanto naquele dia. A excitação do projeto pusera um pouco de cor em suas faces, e agora ela parecia uma estátua que acabara de ganhar vida. Esse toque de animação aumentou seus encantos, e até mesmo Jacquetta, que estava mais do que preparada para eles, novamente ficou estarrecida com a beleza da filha.

- Se fizer bem a sua parte, ninguém será capaz de resistir a você - disse.

Era uma caminhada curta até o carvalho. Os meninos estavam fazendo perguntas. Por que estavam indo até lá? Era algum jogo?

- Se tivermos sorte, veremos caçadores passarem por ali. Aquilo agradou os garotos. Ambos estavam ansiosos em ver

os caçadores.

Ela chegou ao carvalho. Era uma árvore belíssima, um pouco afastada das outras. Tinha um ar majestoso, um ar de grandeza, como se tivesse se isolado ali e proibido que as outras árvores se aproximassem.

A manhã avançou lentamente. Os meninos já estavam impacientes quando ouviram o latido dos cães e o tropel dos cavalos.

com o coração batendo apressado, Elizabeth saiu da sombra do carvalho. Ela os viu emergir das árvores. Vinham em sua direção.

Ela segurou as mãos dos filhos e esperou de pé.

Eduardo estava um pouco à frente dos outros. Viu-a parada diante do carvalho, o sol reluzindo nos cabelos dourados e o cinto de prata ornamentando a cintura fina.

Ela parecia uma deusa em seu vestido azul simples. Eduardo disse a si mesmo que jamais vira mulher tão bonita.

Ele parou o cavalo bruscamente.

- Deus misericordioso! O que faz aqui, dama? Elizabeth se ajoelhou. Seus belos cabelos caíram para a frente e

roçaram o chão. Ela sussurrou para os filhos se ajoelharem também.

- Dama, imploro que se levante. Vejo que me conhece. Ela ergueu para ele os lindos olhos azuis-acinzentados e disse:

- Majestade, quem não o conhece? O senhor se distingue entre todos os homens. Eduardo riu. .- Não me disse o que está fazendo aqui.

- Sou lady Grey - disse Elizabeth. - Estes são meus filhos. Meu marido morreu em St Albans.

- Grey... - disse o rei, notando os cabelos dourados de Elizabeth roçando contra sua pele alva e delicada. - Seria o genro dos Rivers?

- Exatamente, majestade.

- E você é a filha de Rivers? Ela baixou a cabeça.

- Ele deve ter muito orgulho de uma filha tão bonita. Um homem orgulhoso... mas desencaminhado. Lady Grey, o que a senhora quer de mim?

- Meu rei, vim pedir que as propriedades de meu marido me sejam devolvidas.

- Tem uma opinião estranha a meu respeito, lady Grey, se acredita que irei devolver as propriedades daqueles que escolheram ser meus inimigos.

- Eu nunca fui sua inimiga - disse com um leve tom de paixão. - Nem esses meninos inocentes.

A comitiva chegara e estava aguardando nas imediações, observando o desenrolar dos acontecimentos. Muitos cavaleiros trocaram sorrisos. A mulher era uma beldade, e todos conheciam as inclinações de Eduardo. Ela fora muito astuta, encontrando uma forma de chamar a atenção do rei. E parecia encantadora, parada ali no meio da floresta, de mãos dadas aos meninos.

- É muito triste quando viúvas e órfãos precisam pagar pelos pecados de seus maridos e pais.

- Majestade, se houver algo que o senhor possa... Eduardo inclinou-se à frente e tocou o cabelo de Elizabeth. Ele

permitiu que uma mecha permanecesse um pouco sobre sua mão.

- Posso considerar o caso. Não gosto de ver lindas damas em dificuldades.

Ele foi embora. Ela ficou parada ali, debaixo do carvalho, observando-o se afastar. Então caminhou lentamente de volta à mansão.

Jacquetta estava à espera.

- Bem, bem? - perguntou, ansiosa.

- Vi o rei. Jacquetta bateu palmas.

- E o que ele disse?

- Foi gentil.

- Ele irá devolver as propriedades?

- Ele fez uma espécie de promessa. Mas aposto que esquecerá dela em uma hora.

- Meu coração me diz que essa história ainda não acabou

- sentenciou Jacquetta.

Era o fim da tarde quando um cavaleiro chegou aos estábulos da Mansão Grafton.

Ele saltou de seu cavalo e pediu a um serviçal pasmado que cuidasse dele. E caminhou a passos largos até a casa.

Parou no meio do saguão e sua voz ecoou no teto.

- Não há ninguém em casa? Jacquetta apareceu.

- Um viajante? - perguntou. - Está procurando abrigo, milorde?

- A resposta a ambas as perguntas é "sim, cara dama". Jacquetta desceu.

- Somos humildes, mas nunca recusamos abrigo a viajantes.

- Eu sabia que me ofereceriam uma boa hospitalidade.

- O senhor gostaria de uma cama para esta noite? perguntou Jacquetta.

- Não há nada de que eu gostasse mais.

- Então o senhor a terá. Jantaremos daqui a pouco.

- Minha dama, a senhora me encanta com tanta bondade. Diga-me, seu marido está em casa? A senhora tem família?

- Meu marido está longe de casa e minha filha está comigo. Uma viúva que perdeu seus bens porque o marido lutou no lado errado da batalha de St Albans.

- Uma história triste.

- Triste, de fato. É lamentável que tenha sido punida por um ato contra o qual não teve escolha.

- Ela é uma yorkista de coração?

- Milorde, o senhor já viu o rei? Basta olhar para ele para saber que é o homem que a Inglaterra precisa.

Elizabeth aparecera nas escadas. Ainda estava usando o vestido azul, mas agora tinha os cabelos presos por laços também azuis. O viajante olhou para ela.

- Já conheço sua filha, minha dama - disse Eduardo com um sorriso nos lábios.

Elizabeth desceu a escada e, parando diante do homem que não tirava os olhos dela, ajoelhou-se.

- Elizabeth... - começou Jacquetta.

- Senhora, não sabe que está diante do rei? Jacquetta, que sabia disso o tempo inteiro, fingiu embaraço, o que fez tão bem que poderia ter convencido a própria Elizabeth.

- Por favor, dama, levante-se, para que eu possa olhar para o seu rosto, que, pela minha fé, jamais vi mais belo - disse Eduardo.

- Não tenho palavras para descrever como me sinto honrada pela sua visita-disse Elizabeth.-Honrada e cheia de esperança, pois acho que sua vinda significa que ouviu meu apelo.

- Sinto-me inclinado a atender a qualquer pedido feito pela senhora.

- O senhor é galante.

- Majestade, está sozinho? - perguntou Jacquetta.

- Sim, dama.

- Eu estava me perguntando como poderíamos alimentar uma comitiva Tenho certeza de que é raro o senhor andar sozinho.

- Meus amigos não estão longe. De vez em quando fujo de suas atenções. Eles sabem que não vale a pena tentar me deter.

Jacquetta pediu licença para se retirar. Precisava dar ordens aos criados. Talvez Elizabeth pudesse conversar com o rei enquanto os serviçais arrumavam um quarto para ele. Nada muito luxuoso; ele devia vê-los exatamente como eram - empobrecidos pela guerra.

- Eles também não aprovariam se me vissem no lado errado

- acrescentou Eduardo com um sorriso.

- Vossa majestade não está do lado errado - disse Jacquetta. E deixou-o com Elizabeth.

- Quer se sentar, majestade? - perguntou Elizabeth. Minha mãe não demorará.

Elizabeth o conduziu até um grupo de cadeiras próximas à janela. Sentaram-se lado a lado.

Quando Eduardo segurou a mão de Elizabeth e a beijou, ela a recolheu de uma forma levemente arrogante. Elizabeth estava se perguntando se aquele era um plano inteligente, afinal de contas. Ela poderia recuperar suas posses, mas o rei iria querer alguma coisa em troca. E ela sabia o que ele geralmente queria das mulheres bonitas.

- Aposto que a caçada foi um sucesso - disse ela.

- Não sei se foi. Meus pensamentos estavam todos num encontro debaixo de um carvalho. Quando a vi parada ali, disse a mim mesmo que jamais tive uma visão mais bela em toda a minha vida.

- Tenho certeza de que vossa majestade viu muitas imagens que o atraíram. Se podemos acreditar nos...

- Nos rumores a meu respeito. Nunca acredite em rumores, querida dama. Eles sempre são mentiras.

- Eles não têm algum fundamento na verdade?

- Sim, mas não devemos nos precaver contra os exageros?

- Sempre. Prefiro a verdade nua e crua.

- Somos dois. Eu disse a mais pura verdade sobre a sua beleza.

- O senhor disse que consideraria o meu caso.

- É um crime que uma pessoa tão bonita seja pobre.

- Pode mudar isso apenas com sua assinatura, majestade.

- Posso, e estou inclinado a fazê-lo. Creio que podemos encontrar uma solução para esse assunto. Precisamos conversar sobre isso, conhecer melhor um ao outro. Foi por causa disso que vim visitá-la.

- Foi um ato encantador. Eduardo se aproximou mais.

- Espero que possamos ser ainda mais encantadores um com o outro.

Oh, não, pensou Elizabeth. Isto está indo depressa demais. Certamente não estava nos planos de minha mãe. Não serei mais uma na legião de mulheres que lhe prestam favores por uma semana, mesmo se significar a devolução de meus bens. Ele precisa ser lembrado que minha mãe pertence à nobre Casa de Luxemburgo, ainda que meu pai não seja importante... e ainda por cima um lancasteriano.

Ela ficou aliviada ao ver a mãe retornando ao saguão.

- Contei a todos sobre o visitante ilustre que temos aqui. Vossa majestade terá de perdoar a falta de jeito dos serviçais... todos estão emocionados com sua presença. Não esperávamos isto... nem em nossos sonhos mais delirantes. O senhor precisa entender que nossa casa é humilde.

- Não há problema - disse Eduardo, olhos fixos em Elizabeth. - Isso apenas aumentará meu prazer.

- Permita-nos conduzi-lo ao seu quarto.

- Eu ficaria deliciado-disse Eduardo.-Talvez lady Grey...

- Nós duas vamos levá-lo - frisou Jacquetta. Naquele momento, assim como em várias outras ocasiões, Elizabeth percebeu uma certa dignidade real na mãe. Afinal de contas, ela era uma princesa de Luxemburgo.

Quando as duas ficaram sozinhas, Elizabeth indagou à mãe: - A senhora previu isso? Jacquetta estava pensativa.

- Vi como uma possibilidade. - Ela estudou o rosto da filha. - Você é tão bonita que não havia como não impressionálo. O rei devolverá suas propriedades.

- Ele insinuou que espera que eu me torne sua amante. Não farei isso.

Jacquetta fitou a filha, um brilho de malícia nos olhos.

- A sua recusa poderá aumentar o ardor dele. Acha que ele já recebeu esse tipo de recusa alguma vez?

- Fará bem ao rei descobrir que existe alguém que pode dizer não aos seus avanços.

- Ele não é lindo? Que belo exemplar de homem! Eu o reconheci no momento em que pisou no saguão. Talvez eu o estivesse esperando. Mas a sua aparência e modos são tais que ele se distingue aonde quer que vá. Ele jamais poderia ocultar sua identidade.

- Ele é tudo que você disse. Mas também um libertino. Ele se diverte com as mulheres dos mercadores. Terá de aprender que não sou uma esposa de mercador.

- Não creio que você terá muita dificuldade em ensinar-lhe isso.

- Quero reaver as minhas propriedades. A senhora acha que conseguirei?

- Em seu lugar, eu pediria isso imediatamente. Então, quando o rei fizer o pedido dele, você poderá agir de forma inocente e virtuosa. Pode fazer isso bem. Afinal, embora não seja inocente, você é virtuosa, querida Elizabeth. Não creio que seus pensamentos tenham algum dia se desviado de John Grey enquanto ele vivia.

- Nunca fui profundamente atraída por aquilo que parece dominar a vida do rei. Asseguro que sua beleza e artimanhas não irão me tentar.

- Isso é bom. Manterá a sua mente limpa e clara para raciocinar.

- Mãe, preciso da senhora ao meu lado.

- Sempre estou ao seu lado, e ao lado de todos de nossa família. Você sabe disso. Se conseguirmos reaver as suas propriedades, nada irá me agradar mais.

- Fico feliz que esteja aqui. Sinto-me segura com a senhora por perto. Acho que ele tentará me seduzir esta noite. É uma pena que tenha aceitado dormir aqui.

- Acho que ele planeja fazer a investida. É uma situação estranha. O rei deveria estar viajando com um grupo de amigos. É perigoso para ele ficar sozinho assim. Como sabe que não há um assassino lancasteriano espreitando nas sombras desta residência lancasteriana? Pelo visto, ele mergulha sem a menor prudência em aventuras perigosas. É difícil não admirá-lo. Elizabeth, você precisará de seus poderes de determinação para resistir a ele.

- Se acha isso é porque não me conhece. Posso resistir a ele perfeitamente. Posso assegurar-lhe que não tenho o menor desejo de me tornar sua amante.

Jacquetta estava novamente com aquela expressão sonhadora nos olhos.

- Veremos - disse Jacquetta.

As damas e seu convidado cearam. Eduardo sentou-se ao lado de Jacquetta, com Elizabeth ao seu outro lado. Era evidente que estava gostando daquilo. Quando os músicos tocaram, ele aplaudiu e pediu mais.

O rei pousou a mão na coxa de Elizabeth. com tato, ela se afastou. Ele sorriu diante da relutância da dama. Em seus incontáveis casos amorosos, Eduardo vivera esse tipo de situação uma ou duas vezes, mas nunca demorara muito, e ele acabara concluindo que, para algumas mulheres, isso fazia parte do jogo de sedução. Ele não tinha nada contra brincar assim durante algum tempo, mas aquela situação já estava se prolongando demais. O rei estava cada vez mais impaciente em seu desejo por essa linda viúva.

Durante a ceia, Eduardo prometeu que as propriedades de Elizabeth seriam devolvidas.

Ela ficou grata e disse que, assim que acabassem de cear, subiriam ao quarto da mãe e lá ela lhe daria os documentos necessários, que seriam testemunhados por dois criados, assim como por sua mãe.

Sim, sim, ele concordou. Mas por que não podiam assinar os documentos no quarto de Elizabeth? Não seria mais apropriado?

- Minha mãe prefere que seja feito em seu quarto. É maior que o meu.

Mesmo assim, ele queria ver o quarto de Elizabeth. Ela poderia mostrar-lhe?

Alguma coisa nos olhos de Eduardo disse a Elizabeth que não seria sensato recusar-lhe esse capricho antes que os documentos fossem assinados.

Assim, enquanto se dirigiam ao quarto da mãe, ela mostrou o seu, que ficava bem perto. Eduardo olhou para dentro do cómodo e disse que o achava particularmente interessante. Ele gostou de se imaginar dormindo naquela cama.

Os documentos foram assinados e o rei foi conduzido à sua câmara.

Logo depois, Elizabeth foi ao quarto da mãe.

- Ele virá logo. Será difícil livrar-me dele. Ele pode ser até capaz de me estuprar. Ele pode fazer isso e depois apelar para seus direitos reais.

- Não acredito. Ele deve se orgulhar de jamais ter recorrido a tais métodos para conseguir uma mulher. Ele diz a si mesmo que elas se jogam em seus braços de livre e espontânea vontade.

- Mesmo quando elas demonstraram que não estão interessadas?

- Ele não aceitará isso como uma relutância verdadeira.

- Ele me perguntou onde fica o meu quarto. Entrará lá a qualquer momento. É melhor eu passar esta noite com a senhora.

Jacquetta assentiu.

- Mas, minha filha, ele também sabe onde fica o meu quarto. Foi por causa disso que mandei que preparassem um cómodo na ala leste da casa.

Elizabeth riu da mãe.

- A senhora pensa em tudo. Acho que é mesmo uma espécie de feiticeira.

- Se sou, filha, alegre-se com isso, porque cada poder que possuo será usado a serviço da minha família, que me é mais importante do que a própria vida. Mas não devemos perder tempo. Tenho a sensação de que ele não perderá. É melhor irmos logo para o outro quarto.

Embora não tenha demonstrado o menor sinal de frustração, Eduardo certamente estava decepcionado. Ele não viu Elizabeth pela manhã. Jacquetta disse-lhe que Elizabeth estava cuidando de um dos meninos, que pegara uma febre durante a noite.

- O senhor sabe como são as mães - murmurou.

Era uma explicação débil para Elizabeth não haver estado em seu quarto na noite anterior. Mas ele sabia muito bem o motivo. Ela realmente falara sério quando insinuara que suas atenções não seriam bem-vindas. Ela era realmente uma mulher virtuosa. Mas fora inteligente o bastante para fazer com que as propriedades do marido lhe fossem devolvidas. Contudo, devia ser mais cautelosa; o rei poderia revogar essa ordem, se quisesse.

Ele se despediu friamente de Jacquetta e lhe agradeceu por sua hospitalidade. Ela subiu para a torre mais alta, e algumas horas depois viu a comitiva real ir embora.

Elizabeth juntou-se à mãe.

- Então ele foi embora. Acha que ele não honrará a promessa de devolver as propriedades de John?

- Acho que não.

- Ele estava muito zangado?

- É difícil dizer. Estava desapontado. Mas foi extremamente cortês e me agradeceu fervorosamente.

- Então, se recuperei minhas posses, este foi um bom dia de trabalho.

- É provável que essa história ainda não tenha chegado ao fim - sentenciou Jacquetta.

- Sinceramente, é o que espero. Devo reclamar Bradgate e Groby sem demora. Talvez seja melhor eu partir imediatamente.

- Se eu fosse você, esperaria um pouco. Seria desagradável se o rei revogasse a ordem. E se ele aparecer por lá e a encontrar desprotegida? Aqui você está sob os cuidados da sua mãe.

- E a senhora acha que ele a considera uma protetora feroz?

- Acho que ele me tem um pouco em consideração.

- E então, o que faço?

- Espere um pouco. Veja o que acontece. Este pode ser o fim e talvez nunca mais ouçamos falar do rei. Nesse caso, você terá recuperado suas propriedades, o que era o nosso objetivo.

- Mal posso esperar para retornar a Bradgate.

- Em seu tempo.

No fundo, Jacquetta tinha certeza de que o rei não deixaria o assunto morrer ali. Elizabeth era dotada de uma beleza extraordinária, e homens que conquistam com facilidade sempre ficam intrigados quando não conseguem.

Tinha razão. Alguns dias depois, o rei tornou a aparecer em Grafton.

Jacquetta viu sua chegada e foi correndo chamar Elizabeth.

- Ele está determinado - disse Jacquetta.

- E eu também - respondeu Elizabeth.

- Você vai achar isso difícil.

- Não vou me tornar sua amante. Prometo isso à senhora, minha mãe.

Jacquetta deu de ombros e desceu para receber o rei. Ele a beijou carinhosamente em cada face. Ele a achava atraente. Embora não fosse uma jovem, decerto possuía muito charme e vitalidade. Além disso, Elizabeth parecia ter herdado alguns de seus traços.

- Majestade, quanta alegria! - bradou Jacquetta. - O senhor mais uma vez vem honrar nossa casa.

- Para dizer a verdade, minha dama, eu não queria vir, mas não pude resistir - disse, com tristeza na voz. -Lady Grey está em casa?

- Ela está se preparando para viajar para Bradgate.

- Então cheguei a tempo. Leve-me até ela.

- vou lhe dizer que vossa majestade está aqui.

Jacquetta fez uma mesura e deixou o rei aguardando impacientemente no saguão. Elizabeth estava em seu quarto, penteando os cabelos, uma mão segurando-os acima da cabeça; ela iria prendê-los com um cordão de pérolas. Seu vestido era de seda azul e branca. Ela parecia pertencer à realeza.

- Ele está pedindo para vê-la.

- vou vê-lo - respondeu Elizabeth.

- Tome cuidado, filha.

- Pode confiar em mim, mãe.

- Sim, eu sei que posso. Mas não esqueça, filha: o jogo que você está fazendo pode ser perigoso.

- Deixarei claro que não tenho a menor intenção de ser sua amante. Então talvez ele vá embora.

Quando Elizabeth desceu ao saguão, o rei correu até ela. Pegou sua mão e beijou-a com fervor.

- Então vossa majestade voltou para caçar aqui - disse, friamente. - Acredito que os cervos de Whittlebury devem ser os melhores de toda a Inglaterra.

Eduardo riu alto e tentou puxá-la para si, mas, com um gesto imperioso, Elizabeth fê-lo desistir.

- Não sei se os cervos de Whittlebury são bons ou não, mas sei de uma coisa: a dama mais bela deste país reside aqui em Grafton.

Ela inclinou a cabeça, novamente com um gesto real.

- Os seus amigos estão próximos?

- Não vamos falar sobre eles. Vim vê-la. Quero falar sobre nós... Elizabeth.

- O que poderia ser dito do rei e sua humilde súdita?

- Sou o rei, isso é verdade, mas humilde súdita... não você, Elizabeth! Você é bela e sabe que alguém tão bonita não pode ser uma súdita humilde. Minha querida dama, desde que a vi sob a copa do carvalho, não penso em outra coisa a não ser em você. Quero envolvê-la com os meus braços e lhe contar sobre a devoção que me inspirou. Quero que fiquemos juntos. Estou profundamente apaixonado por você.

- Majestade, não entendo como possa ser isso, considerando que me conhece tão pouco.

- Eu a conheço bem o bastante para entender meus sentimentos. Venha, deixe-me mostrar-lhe. Esta noite descansaremos na casa de seus pais, e amanhã partiremos juntos. Você se juntará a mim. Terá sua própria residência, é claro. Peça o que quiser e será seu.

Ela arregalou os olhos e fitou o rei com expressão estarrecida.

- Majestade, não entendo o que está dizendo!

- Ainda não fui claro? Ainda não lhe disse de cem formas diferentes que a amo?

- Então sinto muito. Porque nada pode acontecer, tendo em vista a diferença entre as nossas posições. O senhor precisa ir embora, majestade.

- Decerto não irei! Não serei enganado como na última vez em que estive aqui.

- Enganado?-Elizabeth deu um passo para trás e arregalou ainda mais os olhos. - Em que sentido o senhor foi enganado?

- Fui até seu quarto. Você não estava lá. Eu não a vi de novo.

- Acho que vossa majestade está equivocado a meu respeito.

- Não. Você é a mulher mais bonita e desejável que já conheci. Nesse sentido, não há equívoco algum.

- Até mesmo aqui no campo ouvimos rumores sobre pessoas proeminentes, como o rei-disse Elizabeth, friamente.-Conheço os seus hábitos. Vossa majestade possui um interesse profundo pelo meu sexo. Mas permita-me assegurar-lhe que não somos todas iguais. Algumas de nós possuem respeito pela moralidade, e sou uma delas. Não me envolvo em ligações passageiras.

- Pelo sangue de Deus, o nosso relacionamento não seria passageiro! Eu juro que nunca na minha vida fui tão tocado por alguém.

- Essa costuma ser a impressão nos primeiros encontros, e se o senhor sente uma atração intensa por mim, a causa não pode ser amor, pois não me conhece. Se me conhecesse, majestade, jamais esperaria que eu me tornasse sua amante depois de um primeiro encontro.

Eduardo viu um lampejo de esperança. Fora apressado demais. Muito bem, ele estava preparado para aguardar um pouco - mas apenas um pouco - por um prémio tão fabuloso.

Elizabeth percebeu o que estava se passando na mente do rei.

- Vossa majestade deve ir embora imediatamente - apressou-se em dizer. - Persiga as suas ligações passageiras, se quiser. Fui uma esposa virtuosa para o nobre lorde Grey de Groby. Não está em minha natureza tornar-me a amante de qualquer homem.

Se levadas a sério, aquelas eram palavras terríveis. Eduardo as ouvira antes. Ele não queria recordar daquela ocasião em que fora culpado de certa indiscrição que era melhor ser esquecida. Ele raramente pensava em Eleanor Butler ultimamente. Ela entrara num convento... aquele assunto estava acabado.

Agora ele era todo impaciência para se tornar amante dessa mulher.

- Ademais, sou vários anos mais velha que o senhor-prosseguiu lady Grey.

- Isso é impossível.

- Sim, sou cinco anos mais velha que o senhor. Sou mãe de dois meninos.

- Não considero esses detalhes empecilhos para a minha devoção por você.

- Vossa majestade não entende? Minha mãe pertence à Casa de Luxemburgo. Ela criou seus filhos ensinando-os a respeitar sua honra e virtude. Meu pai é um barão, mas ele não nasceu com título. Minha mãe casou-se com ele por amor, mas casou-se, majestade. Eu imploro, tire-me de sua cabeça. Devido às minhas raízes e convicções, não sirvo para o senhor. Jamais serei sua amante e qualquer outro tipo de relacionamento é impossível entre nós.

- Não aceitarei isso! - gritou o rei.

- Temo que o senhor deva. Lembrarei do senhor com gratidão. O senhor devolveu minhas propriedades, e lhe sou profundamente grata por isso. Minha gratidão, majestade, é tudo que posso lhe dar. E agora, se me der licença, preciso me retirar.

Ele segurou a mão de Elizabeth, mas ela se desvencilhou dele gentilmente.

- Adeus, majestade. Esta é a única opção.

Depois que Elizabeth saiu, Eduardo ficou sentado, olhando para longe. Pensamentos loucos passaram por sua cabeça. Poderia sequestrá-la, forçá-la... Alguns de seus conhecidos fizeram coisas assim. Ele, jamais. Costumava escarnecer deles, dizendo: "Amigos, nunca precisei forçar uma mulher."

E Elizabeth Grey não era uma mulher como as outras. Era fria, distante. Não reagia aos seus avanços da mesma forma que a maioria das mulheres, mas ao mesmo tempo gostava dele. Eduardo tinha certeza disso. Havia um tom de ternura em sua voz quando falava sobre o marido falecido. Evidentemente gostara muito dele. Era boa mãe, ao que parecia. Eduardo sentira isso ao vê-los juntos diante do carvalho. Na verdade, os meninos haviam acrescentado um pouco ao charme da imagem que ficou gravada em sua mente. Uma imagem que jamais esqueceria.

Era enlouquecedor que ela tivesse essas noções ridículas de moralidade - embora ele as admirasse, de certa forma. Ela não era o tipo de mulher que se apaixonava com facilidade, isso estava bem claro. Elizabeth parecera uma rainha ao recuar um passo, empertigar o corpo e encará-lo em posição de desafio.

Eduardo precisava ir embora e esquecer aquela mulher.

Mas era muito difícil fazer isso. Foi a primeira vez na vida que uma mulher recusou entregar-se a ele. Bem... na verdade não a primeira. Antes dela, houvera Eleanor Butler. De certo modo, Elizabeth fazia-o lembrar-se dela. Fora por causa disso que ele recordara o caso Butler pela primeira vez em vários anos.

Jacquetta entrou no saguão.

- Vossa majestade está sozinho. O que aconteceu com minha filha? Ela não pode tê-lo deixado assim...

- Ela fez isso, e também me magoou profundamente. Jacquetta pareceu alarmada.

- Não foi sua intenção, garanto - disse.

- Não, ela o fez intencionalmente.

Eduardo olhou para Jacquetta. Ela também era uma beldade, com olhos espertos e cálidos, compreensivos das necessidades humanas. Tinha uma aura de cordialidade, a quantidade exata de respeito por um rei com a implicação de que também pertencia à realeza. Ela podia sentir-se completamente à vontade com ele, assim como ele podia sentir-se completamente à vontade com ela.

- Ah, o senhor deve ter-lhe feito sugestões.

- A senhora adivinhou.

- Não precisei dos poderes da feitiçaria para isso.

Ele a fitou. Ele ouvira rumores de que lady Rivers, que fora duquesa de Bedford, era uma espécie de feiticeira. Seria verdade? Muitas pessoas eram acusadas disso sem que houvesse o menor fundamento.

-- Minha dama, a senhora detém tais poderes?

- Não, claro que não. Sou apenas uma mulher sábia... ou pelo menos acho que sou.

- Concordo inteiramente com isso. Então a senhora sabe que a sua filha recusou-me e me deixou profundamente desolado.

- Majestade, não deve se desesperar.

Ele olhou para ela, esperançoso. Ela disse rápido:

- Minha filha Elizabeth jamais seria amante de um homem. Eu sei disso. O senhor deve ir embora e jamais deixar que suas caçadas o aproximem dela novamente. Há muitas outras florestas nas quais pode exercitar seus talentos.

Ele olhou para Jacquetta, gostando mais dela a cada momento, e riu.

- Oh, eu não desisto tão fácil.

- Nem Elizabeth. - Ela se aproximou de Eduardo, para falar com ele mais confidencialmente. - Ela foi a criança mais determinada que pus no mundo. Sabia que tive sete meninas e sete meninos? Somos boas parideiras. Ah, que maravilha é ter uma família. Mas isso causa suas tristezas. Mas ter filhos, conhecer bem cada um deles, é uma dádiva dos céus, como o senhor descobrirá um dia, quando se casar e se acomodar.

- Eu quero a sua filha.

Ela suspirou.

- Sei disso. Ela é linda... incomparavelmente linda. Mas talvez, como sua mãe, eu a veja através de olhos amáveis. Eu lhe digo, ela jamais cederá. Em nome de sua paz de espírito, desista dela. Persegui-la não lhe trará nada além de frustrações e desapontamentos. O senhor é belo, é real, e há poucas mulheres que resistiriam aos seus encantos. Mas Elizabeth é uma delas. Meu caro senhor, eu o vejo como a um filho. O senhor veio até aqui e honrou minha casa com sua presença. Eu quero poder me sentir ainda mais honrada. Nós fomos lancasterianos... porém não seremos mais. Não descansarei até meu marido e cada um de meus filhos rasgar a rosa vermelha de seu casaco e de seu coração. De agora em diante os Rivers servem ao senhor, majestade. Todos defenderemos a sua causa. Seremos fiéis ao senhor, porque nesses poucos dias em que o conheço, vi um homem que é de fato um rei, e o único em todo o reino que eu aceitaria como meu regente. Meu marido está longe no momento. Quando ele retornar, eu lhe pedirei que se apresente ao senhor. O senhor poderá recebê-lo? Ele é um homem que lhe será fiel se o senhor esquecer que um dia ele serviu a Henrique de Lancaster. Ele acreditava que Henrique era o verdadeiro rei. Vossa majestade compreende isso?

- Compreendo, claro. Ele foi fiel ao que achava certo. Respeito isso nos homens. Fidelidade é o que procuro naqueles que me rodeiam.

- Depois que eu tiver falado com meu marido, depois que tiver falado com ele sobre o que o senhor fez por nós, ele entenderá. A Inglaterra precisa de um rei forte, e o senhor é esse rei. Prometo que os Rivers irão lhe servir bem.

Eduardo beijou a mão de Jacquetta. Ela era uma mulher incomum. Sentia grande afeto por Jacquetta, em parte por seus próprios méritos e em parte por ser a mãe de Elizabeth. E ela era sua amiga. Em algum lugar em sua mente estava o pensamento de que ela o ajudaria, se pudesse.

Ela estava implantando esse pensamento, tentando atraí-lo para a família, visualizando uma perspectiva gloriosa para Elizabeth sem lhe dar nenhuma pista de qual era... na verdade, ela mal admitia para si mesma, porque parecia uma coisa impossível.

- Nós iremos servi-lo - prometeu Jacquetta. - Elizabeth será sua súdita fiel, porém nada mais que isso.

- Minha dama, acredito que a senhora é minha amiga. Acredito que fará sua a minha causa.

- A causa do rei será minha - respondeu solene. - Abençoado seja, meu jovem senhor. Eu lhe desejo tudo de bom.

Eduardo cavalgou para longe de Grafton, sentindo-se um pouco desconsolado. Estava começando a acreditar que Elizabeth estava falando sério. Ela era uma mulher virtuosa. Ele não a teria fora do casamento.

Casamento! Mas ele era o rei. Isso era impossível.

Eduardo ficou tão calado nos dias que se seguiram à visita a Grafton que seu amigo Hastings começou a ficar preocupado.

Ele perguntou como o rei se saíra com a bela viúva.

Eduardo balançou a cabeça.

- Ela foi decepcionante? - perguntou Hastings. - Achei que seria. Ela me pareceu frígida assim que a vi. Malditas sejam as mulheres frígidas!

Eduardo não gostou de ouvi-lo falar mal de Elizabeth, como se ela fosse apenas mais uma de suas amantes passageiras.

- Ela é a mulher mais linda que já vi.

- Tenho certeza de que é - disse Hastings. - Mas, pessoalmente, não me sinto atraído por estátuas.

- De nada adiantaria, se você se sentisse - comentou Eduardo.

- Está me dizendo que a relação não se consumou?

- Lady Grey é uma viúva virtuosa.

- Malditas sejam as mulheres virtuosas... especialmente as viúvas!

- Prefiro não conversar a respeito de Elizabeth com você, Hastings.

Deus todo-poderoso, pensou Hastings, o que acontecera com Eduardo? A dama o recusara. Devia ser a primeira vez que isso acontecia. Bem, isso não o feriu, mas o afetou consideravelmente.

Depois disso, Hastings não mencionou mais a visita à Mansão Grafton.

Em Westminster, o conde de Warwick aguardava impaciente. Eduardo sempre sentia-se ligeiramente humilde na presença de Warwick, que era conhecido como o criador de reis. Todos sabiam, e o rei seria o primeiro a admitir, que se não fosse a decisão de Warwick em marchar até Londres depois da derrota dos yorkistas na segunda batalha de St Albans, Eduardo não seria rei hoje. Warwick não deixaria ninguém esquecer isso. Nem Eduardo queria que as pessoas esquecessem. Ele dava graças a Deus pelos seus amigos, e Warwick fora seu herói desde a infância. Desde seus primeiros dias em Rouen, onde ele e seu irmão Edmund haviam nascido, Eduardo sabia que estava destinado à grandeza. Sua mãe Cecily Neville deixara isso bem claro; e o pai de Warwick era irmão dela, de modo que havia uma ligação de parentesco entre ele e o grande conde. Assim, Warwick sempre fizera parte de sua juventude. Warwick era quatorze anos mais velho que Eduardo e parecera quase um Deus para o menino.

Se Eduardo tinha o berço para ser rei, Warwick dispunha de uma imagem ainda mais poderosa. Reis eram gloriosos, mas dependiam de criadores de reis e Warwick sem dúvida enquadrava-se na segunda categoria.

Warwick falava com autoridade. Desde a primeira batalha de St Albans, que vencera através de estratégia, tornara-se muito respeitado por todo o país. Quando foi nomeado capitão de Calais, e guardou esse porto importante para a Inglaterra e os yorkistas, conquistou o coração dos ingleses por suas ações contra a França. Ele roubara mercadorias francesas, assumindo o papel de pirata-bucaneiro com tamanha verve que foi aceito como um grande herói, um daqueles de que a Inglaterra estava precisando tanto, depois das perdas desastrosas na França.

O conde jamais fora um dos amigos do peito de Eduardo, como Hastings e outros. O relacionamento entre eles era extremamente sério. Warwick não desaprovava as aventuras de Eduardo. Elas mantinham o rapaz ocupado enquanto Warwick reinava. Isso lhe servira bem enquanto Eduardo era adolescente, mas agora ele estava com 23 anos e Warwick tinha planos.

Eduardo abraçou o primo ao encontrá-lo, numa manifestação evidente de afeição.

- Você parece feliz consigo mesmo, Richard - disse ele.

- O que tem feito? Venha, me conte. Sei que está ansioso por fazer isso.

- Como você notou, estou muito contente com as negociações na corte francesa. Precisamos ter paz com a França e você, Eduardo, precisa casar. O povo espera por isso. Eles o amam. Você parece um rei. Eles sorriem ao ouvir as histórias de seus casos com mulheres. Esperam que um jovem rei tenha aventuras amorosas. Mas não tantas, e querem um casamento. Os súditos querem isso. O país quer isso... e esse é um bom motivo. O que me diz?

- Bem, a ideia não me repugna.

Warwick olhou para o rei com afeto. Ele o fizera rei e iria mantelo no trono. Eduardo era um jovem muito calmo. Ele era a marionete perfeita; e enquanto esta situação perdurasse, Warwick poderia reinar sem impedimentos. Era o que ele sempre quisera. Não lhe agradava usar uma coroa pesada; era muito mais agradável reger por trás do trono, ser o criador de reis em vez do rei. E a natureza tranquila e afável de Eduardo tornava-o a ferramenta perfeita.

- Então vamos conversar sobre negócios. Já percebeu que você é um dos solteiros mais cobiçados do mundo? Não é apenas o rei da Inglaterra, mas o mundo inteiro sabe que além de usar a coroa você é um encanto de pessoa.

- Está me bajulando, Richard.

- Longe de mim fazer isso. Mas vamos encarar os fatos. Estabeleci relações excelentes com Luís. Posso lhe assegurar que ele me trata como se eu fosse um rei.

- O que você é, de certo modo, Richard - disse Eduardo.

Warwick fitou o primo. Haveria algo por trás desse comentário? Estaria Eduardo amadurecendo, ressentindo-se de ver outra pessoa usar o poder que era seu por direito? Não, o rosto de Eduardo estampava seu sorriso afável. Estava apenas lembrando a Warwick que o poder era dele e implicando que considerava correto e apropriado que Warwick o exercesse.

- Decidi contra Isabella de Castela. O irmão dela está ansioso pela união. Ele é impotente, o pobre coitado. Como não terá filhos, Isabella será a herdeira de Castela.

- Mas você decidiu contra ela.

- Acho que temos uma proposta melhor, Eduardo. Meus olhos estão na França.

- Ah, sim. Você estabeleceu relações excelentes com Luís.

- Precisamos fazer a paz com a França. A melhor maneira de fazer a paz é através de alianças, você sabe bem disso. Então eu coloquei Isabella de lado e passei a me concentrar na França. Luís sugere a irmã de sua esposa, Bona de Savóia. Ela é uma mulher bonita, uma mulher capaz de deliciá-lo, Eduardo. Luís e eu concordamos que não podemos esquecer que você precisa de uma esposa atraente. Você é muito experiente nesse sentido e queremos que seja feliz.

- É muita consideração da sua parte - disse Eduardo.

- Ela é uma moça muito bonita. Vocês serão felizes. E precisam ter um herdeiro logo. O povo sempre fica inquieto quando não vê seu próximo rei crescer e se preparar para ocupar o lugar de seu pai popular.

Eduardo mal estava ouvindo. Pensava em Elizabeth. Como seria maravilhoso se ela fosse uma princesa de Savóia, da França, ou de Castela! Se fosse assim, ele estaria muito ansioso por se casar, pois sabia que precisava se casar. Que precisava produzir um herdeiro.

Se ao menos pudesse ser com Elizabeth!

- Não vejo motivo para não completarmos esses arranjos com Luís imediatamente - estava dizendo Warwick.

Mas Eduardo quase não o ouviu. Seus pensamentos estavam distantes, na Mansão Grafton.

Um dos criados apareceu na câmara de Eduardo para dizer-lhe que um homem estava pedindo uma audiência.

- E quem é?

- É um lancasteriano, majestade. Um traidor que lutou por Henrique de Lancaster.

- Por que ele veio aqui?

- Ele diz que tem alguma coisa importante a lhe dizer.

- Pergunte o nome dele.

O criado desapareceu, para retornar quase em seguida.

- E lorde Rivers, majestade.

- Quero vê-lo imediatamente - disse Eduardo.

- Mandarei os soldados ficarem de prontidão! - replicou o criado.

- Não acho que precisaremos usar força bruta.

O criado fez uma mesura, mas não se moveu. Estava determinado a chamar os soldados, apesar do desejo do rei. Ele não colocaria Eduardo em perigo desnecessário.

Ele hesitou.

- Pedi que mandasse lorde Rivers entrar imediatamente recordou-o Eduardo.

- Majestade, me perdoe, mas não deveria haver guardas nesta câmara?

- Não. Acho que lorde Rivers não veio me fazer nenhum mal. Logo depois, lorde Rivers foi trazido. Sem dúvida, era um

homem bonito. Eduardo descobrira algumas coisas sobre a família desde o encontro debaixo da copa do carvalho. Então esse era o homem por quem a encantadora Jacquetta desafiara convenções e a quem dera quatorze filhos, e entre eles a maravilhosa Elizabeth.

- E então, milorde, queria falar comigo? - disse Eduardo.

- Vim propor-lhe meus serviços.

- Palavras estranhas para alguém que apoiou a causa de meus inimigos durante tantos anos.

- Os tempos mudaram, majestade. Eu apoiava Henrique porque ele era o rei consagrado. Eu não mudo de lado levianamente. Mas Henrique é pouco mais que um imbecil. Ele está longe, escondido em algum lugar ao norte, mas se retornasse jamais conseguiria reger a Inglaterra da forma como ela precisa. E agora temos um rei que tem mais direito ao trono do que Henrique. Tudo o que desejo agora é trabalhar para manter essa condição feliz.

- O que o fez mudar de ideia? - perguntou Eduardo. Conte-me. Estou interessado em saber.

- Estive em casa, a Mansão Grafton, e conversei com minha esposa. O senhor sabe que ela foi duquesa de Bedford antes do nosso casamento. Ela é esperta e entende dos assuntos do reino. Ela me disse que teve a grande honra de hospedá-lo brevemente e que ficou convencida de que o senhor é o nosso lorde e monarca por direito. Ela insistiu que mudássemos nossa aliança o mais cedo possível.

Eduardo estava sorrindo.

- Tive a boa sorte de caçar perto da sua casa e conheci sua esposa, sua filha e os dois meninos. A sua filha concordou com a mãe de que vocês deveriam deixar de apoiar Lancaster e passar para o lado de York?

- Minha filha não deu qualquer opinião, majestade. Discuti esse assunto apenas com minha esposa.

- Entendo. Bem, Rivers, tome uma bebida comigo. Brindaremos à sua futura aliança. Estou sempre pronto a oferecer minha amizade a quem a merece.

- Vossa majestade me honra.

- Respeito a sua coragem de ter vindo aqui. Gostei de sua esposa... e de sua filha.

Vinho foi trazido. Enquanto bebia, Eduardo pensou em Elizabeth. Não conseguia esquecer seu rosto. Ao deixar a Mansão Grafton pela primeira vez, acreditara que cavalgaria para longe, arranjaria alguma outra mulher e esqueceria a esnobe Elizabeth num estalar de dedos. Mas não foi isso que aconteceu. Elizabeth negaralhe seu corpo, mas o seu desejo por ela não dava sinais de que iria diminuir. Na verdade, parecia aumentar a cada momento.

Eduardo gostou de conversar com lorde Rivers. Dava-lhe um certo conforto estar com alguém próximo a Elizabeth. Lorde Rivers ficou pasmo com o interesse do rei pela sua família. Jacquetta não mencionara nada sobre a paixão de Eduardo por Elizabeth para não alarmar o marido. Ele não teria o menor desejo de que a filha se tornasse uma das amantes do rei. Esses casos amorosos duravam muito pouco tempo, e a reputação de Eduardo com as mulheres era tamanha que nenhuma mulher que valorizasse seu bom nome iria se envolver com ele. Ela imediatamente seria colocada no mesmo saco que a legião de esposas de mercadores que havia sucumbido aos encantos do rei, satisfazendo-o temporariamente até que encontrasse uma nova amante.

Jacquetta contara ao marido que o rei estivera durante algum tempo em Grafton, e que ela achava que sua adesão a Lancaster era um erro. Eduardo obviamente chegara ao trono para ficar e Henrique era inadequado como rei. Ela acreditava que, pelo bem da família, eles deveriam abandonar uma causa que estava morta e oferecer seus serviços ao rei coroado e regente. Ela acabara convencendo-o, como sempre acontecia.

Mas ele não esperara essa recepção calorosa, e ficou realmente estarrecido quando Eduardo quis saber tanto sobre os detalhes íntimos de sua família.

Eduardo perguntou até mesmo sobre seu casamento com Jacquetta.

- Um ato ousado - julgou Eduardo. - Tenho certeza de que a família de Jacquetta estava planejando que ela se casasse com alguém muito importante.

- E eles estavam, mas, como todos na nossa família sabem muito bem, depois que Jacquetta decide uma coisa, não há mortal que seja capaz de fazê-la voltar atrás. Jacquetta é uma mulher maravilhosa, meu rei.

- Percebi isso no pouco tempo em que nos conhecemos. E vocês são felizes em seu casamento?

- Não me arrependi em nenhum momento. Somos uma família grande, com filhos muito bonitos.

- Conheci sua filha mais velha. Sua beleza é notável - disse o rei com uma emoção que Rivers não notou.

- Anthony, John, Lionel e Eduardo são os meus filhos que sobreviveram. As moças são Elizabeth, a quem o senhor conheceu, Margaret, Anne, Jacquetta, Mary, Catherine...

- É bom ter uma bela esposa e filhos saudáveis.

- Majestade, tenho sido um homem muito feliz. Fui abençoado quando Jacquetta entrou em minha vida. Nós nos arriscamos muito quando nos casamos, mas nunca parei de agradecer a Deus por isso.

- A ousadia frequentemente rende bons frutos. Pelo menos foi isso que a experiência me ensinou. Estou satisfeito por tê-lo do nosso lado, lorde Rivers. Espero vê-lo com mais frequência. Gostei da sua casa em Grafton. Quando estiver caçando por aquelas bandas, visitarei sua família.

- Majestade, seria uma grande honra.

Ao se despedir do rei, lorde Rivers estava completamente pasmo. Ele esperara que lhe fosse pedido para provar sua lealdade antes de receber tamanho favor. Ouvira dizer que Eduardo era um homem justo e simpático, sem uma única gota de rancor em seu sangue. Mas essa recepção havia sido realmente surpreendente.

A amizade do rei com lorde Rivers foi notada, e não sem um pouco de animosidade. Ele parecia ter mais apreço por esse homem que lutara contra ele em várias batalhas do que tinha por seus amigos.

- Que intimidade é essa com Rivers? - perguntou Warwick. -Eu jamais imaginaria que ele fosse qualificado para obter tanta atenção sua.

- Ele é um camarada agradável - respondeu Eduardo. Gosto de sua companhia.

- E da companhia de seu filho, ao que parece.

- Lorde Scales.

- É assim que ele chama a si mesmo agora?

- Ele é lorde Scales, Richard. Ele desposou a viúva de sir Henry Bourchier e obteve o título de Scales através dela.

- Você parece ter feito amizade rápida com eles. Nunca respeitei muito os Woodvilles.

Não? - disse Eduardo, friamente.

- Não. Não faz muito tempo que ridicularizamos Rivers e seu filho Anthony. Foi o Dynham, lembra dele?

- Ouvi falar algo sobre esse caso. Foi muito comentado, acho. -. Eles eram o inimigo. Estavam posicionados em Sandwich

preparando uma esquadra para Somerset para me expulsar de Calais. Dynham chegou a Sandwich e pegou os dois em suas camas. Ele os trouxe à minha presença... exatamente como estavam.

- Talvez não tivesse sido tão fácil surpreendê-los se eles não estivessem em suas camas. Não é preciso muita coragem para render um homem adormecido e desprotegido.

Warwick não estava acostumado àquela austeridade no tom de voz do rei.

- Quando eles chegaram a Paris, fiz questão de lhes dizer o quanto os desprezava. Traidores de berço inferior, foi assim que os chamei. O pai de Rivers foi apenas

um criado... Henrique V sagrou-o cavaleiro no campo de batalha, acho. Eu lhes disse que eles se achavam bons demais, e os aconselhei a tomarem cuidado com a forma

como se comportavam na presença de seus superiores.

- Muitos conseguem suas honras através de casamentos arranjados, ou algum outro capricho da sorte. Talvez não devêssemos sondar a forma como as pessoas ascendem. Bastaria sabermos que tiveram a sabedoria ou a bravura para consegui-lo.

Esse foi um ataque direto contra Warwick, que conquistara suas vastas propriedades e seu título de conde de Warwick através do casamento com Anne Beauchamp, herdeira dos Warwick. Mas Warwick não percebeu isso. Sua maior preocupação era alertar Eduardo de que ele não deveria demonstrar apreço excessivo pelos Woodvilles, e dera esse aviso da mesma forma velada que usara em todas as ocasiões em que o rei não se comportara da forma adequada.

Warwick está ficando insuportável, pensou Eduardo. Na verdade, ele me trata mais como uma criança do que como o rei.

- Ficará feliz em saber que as negociações com Luís estão aquecendo - disse Warwick. - Ele está deliciado com a perspectiva de uni-lo a Bona de Savóia. Em breve poderemos fazer a proclamação.

Mas Eduardo não estava ouvindo as palavras de Warwick.

Era impossível resistir. Ele precisava retornar a Grafton. Eduardo não conseguia desfrutar nenhum prazer com outras mulheres. Fizera diversas tentativas. Todas fracassadas.

Eduardo decidiu caçar na Floresta Whittlebury. Descobrira que os gamos de lá eram tão bons quanto os de qualquer outra parte da Inglaterra. Hastings comentou que não lembrava de nada especial naqueles gamos. Na verdade, achava que seus esforços tinham sido até menos compensadores que de costume.

Eduardo lançou um olhar mordaz ao amigo. Não gostou nem um pouco do que Hastings dissera.

Deus nos ajude, pensou Hastings. Ele está levando aquela viúva realmente a sério.

Geralmente Eduardo gostava de rir e era capaz de achar graça até de si mesmo. Mas agora, definitivamente, não estava com o menor bom humor.

Cautela!, aconselhou Hastings a si próprio.

Assim que chegaram à floresta, Eduardo separou-se do grupo e Hastings não era um idiota para segui-lo.

Ele pode ir sozinho a Grafton, visitar a sua dama relutante, disse Hastings consigo mesmo.

Eduardo ficou frustrado e deprimido ao descobrir que Elizabeth não estava mais em Grafton. A dama partira para Bradgate. Lorde Rivers também se ausentara. Mas Jacquetta estava em casa. Ela o recebeu com grande carinho e se declarou muito honrada.

- Elizabeth estava jubilosa ao partir para Bradgate contou. - Ela e o marido moraram lá, o senhor sabe. Os dois meninos nasceram naquela casa. Ela diz que jamais poderá ser grata o bastante ao senhor por ter-lhe devolvido as propriedades.

- Ela não parece tão grata assim.

- Oh, o senhor se refere ao fato de que ela não quer ser sua amante. Isso é quase impossível para uma dama de sua criação. O senhor não está pensando nela nesse aspecto, está?

- Jamais deixo de pensar dela.

- O senhor deve. É a única saída. Ouso dizer que ela deverá casar-se novamente no devido tempo. Ela casará por amor, acredito. Ela não tem mais nenhum outro motivo para casar, depois que o senhor foi tão bondoso com ela.

- Realmente acha que ela tem alguma estima por mim?

- Alguma estima! Majestade, ela tem muito carinho pelo senhor. Admitiu-me que nunca viu um homem tão bonito, tão majestoso. Disse que só há uma coisa que não pode admirar no senhor.

- E que coisa é essa?

- Ela considera imorais as insinuações que o senhor lhe fez. O senhor a magoou um pouco.

- Eu a magoei! Eu preferiria perder a coroa a magoá-la!

- Não fale em perder a sua coroa. Isso dá azar. Falemos sensatamente, como pessoas como nós podem fazer. A verdade é que vossa majestade é o rei. Quando se casar, terá de ser com uma princesa. Deverá desposar aquela que o senhor conde Warwick escolher, porque será para o bem do país.

- Por que o senhor conde Warwick escolheria uma noiva para mim?

- Porque o senhor conde Warwick toma todas as decisões para o bem do país, não é verdade? E ele consideraria o casamento do rei um assunto da mais alta importância para o país. Um assunto sobre o qual apenas ele poderia decidir.

Eduardo estava olhando fixamente à frente. Não escapou a Jacquetta o leve franzido em sua boca. Ela pousou uma das mãos em seu joelho e então a retirou com uma desculpa.

- Perdoe-me. Esqueci meu lugar. É que passei a gostar tanto do senhor... Estou começando a vê-lo como um filho...

Ela se virou e então se levantou. Havia um leve tom rosado

em seu rosto.

- Vossa majestade precisa me desculpar... - disse. - Estou entorpecida por toda a honra que o senhor tem nos concedido. Eu...

- Por favor, sente-se. A sua afeição me comove. Não se desculpe por ela.

Ela sorriu para ele.

- Então serei franca. O senhor não deve tentar ver Elizabeth de novo. Ela é a minha filha e o senhor sabe que pertenço à real Casa de Luxemburgo. Eu a criei ensinando-a a nutrir um grande respeito por si mesma. Casei com um homem de posição inferior, como dizem. Não sou mais considerada uma integrante da realeza. E essa é a verdade pura e simples. Elizabeth jamais será sua amante e o senhor não pode torná-la sua esposa... que seria a única forma possível de se unirem. É um fato cruel, meu caro lorde. Ouça a uma velha que o senhor mesmo já chamou de sábia. Vá embora. Case com a mulher que Warwick lhe arranjará e procure ser feliz. Sei que terá muita dificuldade em esquecer Elizabeth. Mas não é possível qualquer relacionamento entre vocês. Elizabeth só poderia se entregar ao senhor depois do casamento, e isso é impossível, devido à sua posição. Pronto, eu já disse e agora estou arrependida. Falei com clareza excessiva. Esqueci com quem estava falando. Por favor, me perdoe. com sua licença, devo retirar-me agora. E agora, majestade, vá juntarse aos seus amigos. Será melhor, para todos nós, se o senhor nunca mais retornar a esta casa...

Dito isso, Jacquetta se levantou, ajoelhou-se diante do rei e beijou-lhe a mão.

Então ela o deixou sozinho.

Jacquetta subiu até a sua alcova e, de lá, observou-o cavalgar para longe.

Será possível?, perguntou-se. Não, Warwick jamais deixaria. Mas, se a união acontecesse, que grande sorte sua linda filha Elizabeth traria para os Woodvilles!

O CASAMENTO SECRETO

Havia um ar de empolgação reprimida no lar da duquesa de York. O rei estava vindo. Ele prometera à família que passaria algum tempo com eles, e era o tipo de pessoa que sempre cumpria suas promessas. Cecily, a duquesa, agora mãe do rei, era considerada a mulher mais orgulhosa da Inglaterra. Naturalmente, ela seria mais feliz se o marido estivesse vivo e coroado. Mas o fato de Eduardo ter conquistado a coroa era a segunda melhor opção, é claro. A maior ambição de Cecily fora ser rainha, e quando ela pensava no quanto chegara perto disso, sentia-se profundamente deprimida.

Mas estava feliz com sua nova condição. Jamais esqueceria de que havia sangue real em suas veias, pois sua mãe fora Joan Beaufort, filha de John de Gaunt e Catherine Swynford. Sendo descendente de dois ramos da família real, seu marido tivera todo o direito ao trono e fora uma tragédia quando morrera em Wakefíeld. Ela mal conseguia pensar no dia em que soubera que haviam fincado sua cabeça sobre as muralhas de York, adornada com uma coroa de papel. Ah, agora era diferente; e seu filho, seu belo Eduardo, era o rei.

O belo Eduardo sempre fora o seu favorito. Quando criança, fora um menino grande, e agora, tendo atingido sua altura plena, avultava-se sobre todos ao seu redor.

Não puxara ao pai, que fora moreno e de estatura mais baixa. Eduardo era a reencarnação dos Plantagenetas dourados. Era maravilhoso contemplar que ele puxara aos seus ancestrais, os filhos de Eduardo III, Lionel e John de Gaunt. Eduardo era o Plantageneta perfeito. Era um rei popular. Ele parecia um rei; e embora contasse com bons conselheiros como seu sobrinho, o conde de Warwick, também era sábio e competente.

Tinha orgulho do filho. As coisas só estariam melhores se Richard não tivesse sido tão tolo em correr risco desnecessário em Wakefíeld. Ele não teria feito isso se ela tivesse estado lá. Mas ele perdera a batalha e a vida, privara-a do título de rainha. Mas seu filho glorioso conquistara essa honra e ela agora vivia como uma rainha, ainda que não tivesse recebido o título. Todos a tratavam com o máximo de respeito. As mulheres precisavam ajoelharse para ela; elas deviam comportar-se como se estivessem diante de uma verdadeira rainha.

Ela sabia que, às suas costas, chamavam-na Cecily, a Orgulhosa. Que a chamassem. Ela era orgulhosa. Orgulhosa de si mesma e de sua família. E, acima de tudo, orgulhosa de seu belo filho, o rei.

Tinha três de seus filhos com ela em Londres no momento. Era raro que todos estivessem juntos. Havia Margaret, que tinha dezoito anos. Precisariam encontrar um esposo para ela em breve, mas isso não seria difícil, sendo ela irmã do rei. George, de quinze anos, também estava com ela. George era o filho menos estimado de Cecily. Era inclinado a ser rude, egoísta e um tanto arrogante, mas Cecily precisava admitir que ele tinha seu quinhão da beleza dos plantagenetas. George era louro e alto, embora não tanto quanto Eduardo. Depois de Eduardo, seu filho favorito era o jovem Richard. Ele era mais calado que seus irmãos, um menino sério que gostava de aprender. Era baixo e moreno, tendo herdado a aparência do pai. Mas carecia daquela formosura que era uma característica de Eduardo e George; carecia dos modos impulsivos dos dois. Era sério, pensativo e sempre fora considerado o mais inteligente. Sempre hesitava antes de responder qualquer coisa, como se quisesse analisar todos os pontos de vista antes de falar.

De vez em quando ela ficava um pouco preocupada com Richard. Ele tinha uma constituição delicada, e agora que estava crescendo - fizera doze anos - ela notara que o rapaz tinha um ombro um pouco mais alto que o outro; era um defeito quase impossível de notar, talvez apenas visível aos olhos de uma mãe. Ela conversara com Warwick sobre isso, porque temia que, em Middleham, obrigassem Richard a realizar exercícios um pouco puxados demais para ele.

Como todos os meninos de casas nobres, Richard fora mandado para outra casa nobre para ser criado, e Eduardo considerara que o castelo de Middleham, que pertencia a Warwick, fosse o lugar certo para Richard. Não era de espantar que Eduardo pensasse assim, afinal, fora Warwick quem o fizera rei. Assim, o rapaz foi mandado para Middleham, para ser criado no lar de Warwick. O próprio Warwick sempre estava em algum outro lugar, mas ele estipulava as regras de conduta para os meninos nobres que chegavam ao seu castelo. Cecily estava satisfeita que a condessa de Warwick estivesse lá. Ela era uma dama gentil. Era estranho pensar que Warwick recebera sua riqueza e títulos através dela. Richard gostava muito da condessa, assim como das duas filhas de Warwick: Isabel e Anne. Assim, talvez ela não devesse se preocupar demais com a saúde de Richard. Quando mencionou isso a Eduardo, ele riu dela.

- Richard precisa crescer como um homem, cara dama disse Eduardo. - E posso assegurar-lhe de que não há ninguém mais qualificado a despertar o que há de melhor no rapaz do que o meu primo Warwick.

Mesmo a simples menção do nome de Warwick por Eduardo era envolta num tom reverente. Cecily gostava de saber que seu filho estimava e respeitava Warwick. Ela dava graças aos céus por Eduardo estar sob sua orientação, pois o jovem rei era apegado demais aos prazeres carnais. Sua contínua perseguição a mulheres era adequada enquanto ele fosse jovem, mas quando se casasse teria de desistir das amantes ou conduzir suas aventuras com maior discrição.

Talvez Cecily devesse conversar com ele a respeito. Ele ficaria um pouco impaciente, mas jamais deixaria de ouvir a mãe. Ele era bem-educado demais para fazer isso.

Margaret, George e Richard estavam esperando a chegada do rei com grande excitação. Richard estava pensando: assim que ouvir os cavalos, descerei para saudá-lo. Ficarei parado e aguardarei até ele me notar.

- Não sei por que você idolatra tanto o nosso irmão - disse George, com desdém.

- Nosso irmão é o rei - replicou Richard, dignamente.

George deu de ombros. Era apenas um acidente de nascimento. Se ele tivesse sido o mais velho, seria o rei. Seria aquele a quem todos sairiam para ovacionar e todas as mulheres receberiam em suas camas. A vida é terrivelmente injusta, pensou George. Todo aquele poder poderia facilmente ter sido seu.

Margaret também admirava Eduardo. Achava que ele era muito simpático e gostava da forma como fazia todos se sentirem ligeiramente mais importantes do que eram. Na sua opinião, talvez fosse esse o segredo de seu charme.

Em breve Eduardo encontraria um marido para ela. Era inevitável, agora que ele era rei. Suas duas irmãs mais velhas, Anne e Elizabeth, já estavam casadas; Anne com Henry Holland, duque de Exeter, e Elizabeth com John de Ia Polé, duque de Suffolk. Sim, certamente ela seria a próxima a se casar, e agora, que Eduardo era rei - suas irmãs haviam se casado antes desse evento feliz -, o seu partido deveria ser excelente.

Mas o que todos estavam discutindo agora era o casamento do rei. Sua mãe contara-lhe que a noiva provavelmente seria Bona de Savóia, irmã do rei da França. Esse seria, evidentemente, um grande casamento, e logo em seguida haveria a coroação da nova rainha.

Era bem improvável que agora houvesse tempo para se considerar o casamento da irmã do rei. Assim, Margaret ainda teria de esperar um pouco pelo seu momento.

E logo Eduardo estaria com eles. Margaret sorriu, pensando em como sua mãe agiria com o rei. Margaret tinha certeza de que sua mãe não se ajoelharia diante dele, como todos eles tinham de fazer.

Mamãezinha querida, tão ambiciosa em seus planos para todos eles... e para si própria!

Finalmente, o rei chegou. Richard desceu correndo para juntar-se à comitiva. Se ele fosse rápido o bastante, evitaria a mãe, que certamente insistiria em algum tipo de cerimónia.

Iria vê-lo novamente, esse irmão maravilhoso que dominara a sua vida! Fora doloroso ser enviado para Middleham, onde ficava tão distante de seu irmão, e só sabia o que ele fazia através de outras pessoas. Ele estaria muito infeliz em Middleham se não fosse pela condessa e suas filhas, particularmente Anne. Havia uma amizade especial entre eles. Eram muito parecidos - ambos um pouco tímidos, incapazes de se misturar com as pessoas e se expressar facilmente. Mas quando estavam juntos, era diferente. Richard dava graças aos céus por Anne, e ela também devia ser muito grata por sua companhia.

Richard tivera uma infância de incertezas. Nascera exatamente na época em que estourou a guerra civil entre as casas de York e Lancaster. Ouvira falar sobre as rosas vermelhas e brancas e sabia que as rosas brancas eram usadas pelas pessoas boas, e as vermelhas pelas más.

Richard lembrava vividamente do terror de Ludlow quando seu pai tivera de fugir porque os lancasterianos estavam nos portões do castelo. Lembrava de sua mãe orgulhosa envolvendoo fortemente com um braço, e a George com o outro, enquanto os soldados invadiam o castelo. Havia morte no ar, e ainda que jovem, ele percebeu isso. Mas sua mãe era orgulhosa e nobre, e, depois disso, passou a ser considerada invencível. Quando os guardas invadiram a sala, encontraram-na parada, segurando com firmeza os filhos. Ela falou com os guardas no seu tom imperioso e eles hesitaram. Richard notou que havia sangue em suas espadas... e também nos gibões dos homens. Mas eles não feriram Cecily e seus dois filhos. Em vez disso, levaram-nos e colocaramnos aos cuidados de sua tia, a duquesa de Buckingham, que estranhamente não estava do mesmo lado que eles.

Em seguida houve a batalha de Northampton e eles foram libertados. Foram levados a Londres e abrigados na casa de John Paston. Devem ter ficado lá por menos de seis meses, mas Richard lembrava vividamente do terrível dia negro em que receberam a notícia de que uma batalha havia sido travada em Wakefield e que seu pai fora morto durante ela.

A dor de Cecily fora terrível. Ela jurou vingança contra seus inimigos. Não contaram a Richard que a cabeça de seu pai fora fincada nas muralhas de York com uma coroa de papel por cima, mas ele ouviu os criados comentarem isso em sussurros.

Mas sua mãe recuperou-se um pouco depois da segunda batalha de St Albans, que estranhamente foi vencida pelos lancasterianos maus, mas Warwick - o grande conde que decidira como ele deveria ser criado em Middleham - marchou até Londres, tomou a cidade e proclamou Eduardo rei.

Então a sorte da família mudou completamente. Richard jamais esqueceria a coroação. Ele tinha apenas nove anos e seu irmão sagrou-o duque de Gloucester. George foi sagrado duque de Clarence na mesma ocasião.

- Agora vocês são duques - dissera a mãe. - Isso significa que têm grandes responsabilidades para consigo mesmos, para com a família e, acima de tudo, para com o seu irmão. Jamais esqueçam que o seu irmão é o rei, e que precisam servi-lo com suas próprias vidas, se necessário.

Richard quisera dizer que ele defenderia Eduardo com a própria vida mesmo se não fosse duque, mas ficou calado. Era bom ter cuidado sobre o que se dizia à dama Cecily.

E então, para o Castelo Middleham, para aprender como ser um grande guerreiro, para estar pronto para defender a coroa. Para passar longas horas carregando armas que eram pesadas demais para ele e faziam seus ombros doer, e então arrastar-se até o castelo e deitar-se na cama para descansar, procurando garantir que ninguém - exceto Anne - soubesse que ele precisava de descanso.

Agora o rei chegara. Como ele era magnífico - ainda mais alto do que Richard se lembrava. Sua mãe chegou primeiro. Ela estava prestes a se ajoelhar - embora exigisse respeito para com ela, prontificava-se a prestar deferência a outros quando considerava apropriado. Mas Eduardo não permitiria. Ele a segurou nos braços e beijou-a em ambas as faces.

- Milorde... milorde... - murmurou ela em protesto. Mas todos os que viram a cena o admiraram por seus modos simples.

Cecily estava com a tez ligeiramente corada pelo prazer de vê-lo. Ele parecia mais bonito a cada vez que ela o via depois de uma ausência. Como ela sentia orgulho dele! Todos sentiam.

- Margaret, irmã...

Ele a abraçou. Em seguida seus olhos voltaram-se para os irmãos. Richard notou, com um arrepio de alegria, que os olhos de Eduardo pousaram nele.

- Richard... George...

Os olhos de Richard estavam cheios de devoção, o que não escapou a Eduardo. Os de George estavam um pouco cerrados.

Eduardo percebeu que havia um brilho de inveja neles. Preciso ficar de olho em George, pensou Eduardo.

- Richard... como está, menino? - Ele pousou a mão em seu ombro. Richard sentiu-se mal com isso. Teria ele notado? Ficava mais evidente quando ele estava sem o seu manto.

- Está crescendo - disse Eduardo. - Deus, vocês são quase homens feitos!

E enquanto entrava no palácio, Eduardo manteve a mão no ombro de Richard.

Cecily estava ansiosa para conversar a sós com o filho. Ela queria saber até onde haviam chegado as negociações para o casamento. Precisava saber de tudo antecipadamente. Ela queria tomar a frente dos preparativos da cerimónia.

Notou a presença dos amigos levianos de Eduardo, Hastings entre eles. Ela viu mais um. Tinha uma vaga ideia de que aquele era lorde Rivers, o homem que Eduardo estava transformando em um de seus amigos mais íntimos, segundo ouvira. Dispunha de amigos em toda parte, que lhe mandavam notícias de Eduardo. A amizade com Rivers e seu filho Scales era muito estranha. Fazia bem pouco tempo eles estavam lutando contra a Casa de York. Eles haviam sido lancasterianos ferrenhos. Desse jeito, ele vai acabar fazendo amizade com Margaret de Anjou, pensou Cecily.

Era um tipo de amizade muito arriscada, considerando que Henrique de Lancaster, o homem que algumas pessoas acreditavam ser o verdadeiro rei, estava escondido em algum lugar ao norte. Como Eduardo podia saber se Rivers e seu filho não eram traidores?

Teria de conversar com ele a respeito disso.

Ela aproveitou a primeira oportunidade. Foi até a alcova de Eduardo e, imperiosamente, dispensou todos que estavam lá.

- Eduardo, precisamos conversar a sós.

- É claro que precisamos - disse Eduardo, que não estava com a menor vontade de ouvir suas perguntas, mas que nem em sonho ousaria dizer-lhe isso.

Estou um pouco preocupada.

Ora, mãe, quando a senhora não esteve?

Os tempos não são tão tranquilos que possamos nos dar

ao luxo de fechar os olhos para o perigo.

- Como sempre, suas palavras são sábias.

- E quanto a esses homens... Rivers e Scales?

- Bons homens, os dois.

- Bons homens, que lutaram pela rosa vermelha! Eduardo pousou as mãos nos ombros da mãe e sorriu para

ela. Sua altura dava-lhe a vantagem necessária quando ele precisava conversar com sua mãe de vontade férrea.

- Eles são bons homens, minha dama. Gosto deles. Confio neles.

- E por que deveria confiar? Quanto tempo faz desde que eles foram nossos inimigos?

- Eles apoiaram Henrique porque haviam jurado fazê-lo. Henrique foi nomeado e coroado rei. Agora sabem que Henrique é inadequado como governante e puseram-se ao meu serviço.

- Eu não confio neles.

- Você não precisa - disse Eduardo com dignidade. - Já basta que eu confie.

Esse era um novo Eduardo, sorrindo afetuosamente enquanto falava, mas com firmeza na voz.

Cecily decidiu abandonar o assunto e abordar o do casamento.

- Warwick está com ótimas relações com o rei da França, pelo que ouvi dizer.

- Warwick contou-lhe isso?

- Meu querido Eduardo, Warwick não conversa comigo. Mas ouço falar essas coisas. Sei que os arranjos para o casamento estão bem avançados.

- Casamento? Que casamento? Ela fitou-o, estarrecida.

- Qual casamento seria tão importante, senão o seu?

- Oh, o meu... - disse Eduardo tentando ser vago.

- A irmã do rei da França. Achei uma ótima escolha. Soube que Bona de Savóia é uma mulher muito bonita.

- Ouvi falar - disse Eduardo.

- Depois do casamento você precisará ser mais discreto. Ninguém espera que seja fiel... mas terá de deixar de ser francamente adúltero.

Eduardo permaneceu em silêncio. Cecily não notou que Eduardo franziu a testa.

- As pessoas acham graça nas suas aventuras - avaliou Cecily. - Gostam de pensar em você como o libertino encantador. "Nossas mulheres não estão seguras quando o rei está por perto", dizem os mercadores. E então eles riem, contentes, suponho, de que você ache que vale a pena seduzir as mulheres deles. Mas isso terá de mudar.

- Mudará. - Então, subitamente, ele disse: - Minha dama, tenho toda a capacidade de escolher eu mesmo a minha noiva. Por que Warwick deve decidir por mim?

- Warwick está negociando, como ele sabe tão bem fazer. Podemos ter certeza de que chegará ao melhor acordo possível com Luís.

- Não me casarei com Bona de Savóia - disse Eduardo.

- O quê! Depois de ter chegado tão longe? Há mais alguém que Warwick considere capaz de trazer mais benefícios ao país?

- Eu mesmo já escolhi minha noiva, e casarei com ela, se isso me apetecer.

- Você precisa me contar - disse Cecily.

- Por que não? - replicou Eduardo. - Ela é lady Grey, filha de lorde Rivers.

Cecily ficou sem palavras. Eduardo prosseguiu:

- Ela é uma viúva com dois filhos. É um pouco mais velha do que eu. Eu a amo imensamente. É a única mulher com quem eu me casaria, e pretendo fazer isso sem demora.

- Eduardo, você gosta de piadas!

- Sim - concordou. - Mas isto não é piada. É a realidade. vou casar com Elizabeth Woodville.

- A filha de Rivers? Uma mulher sem título!

- A mãe dela pertence à nobre Casa de Luxemburgo.

- Que se casou com um inferior! O pai dela é filho de um camareiro do rei Henrique V

- Você pesquisou isso. Por quê?

- Pesquisei por causa da sua amizade com Rivers, coisa de que não gostei nem compreendo. Mas agora estou entendendo tudo. É claro que está brincando. Você conheceu essa mulher e está atraído por ela. Talvez ela seja agradável de olhar.

- Ela é a mulher mais bonita que já vi.

- Todas são... por uma ou duas noites. Já o vi muitas vezes encantado por feições femininas. Essa é apenas mais uma. Uma viúva com duas crianças!

- Por Deus, Dama Abençoada, sou solteiro e também tenho alguns filhos. Por que não vê isso como um bom sinal? Significa que nenhum de nós é estéril.

- É uma piada - insistiu Cecily.

Eduardo ficou um pouco nervoso. Ele não planejara contar à mãe, mas o fizera espontaneamente. Talvez porque havia chegado a uma decisão. Mas quem sabia que atitude Cecily tomaria? Ele deveria ter contido suas palavras.

Eduardo não respondeu e viu o alívio no rosto da mãe.

Ela deu um tapinha carinhoso no braço do filho.

- Você adora provocar a sua mãe!

Foram recebidas notícias sobre Warwick, ao norte. Os lancasterianos não estavam enfraquecidos lá, e enquanto York não aprisionasse Henrique, eles continuariam crescendo em número.

Warwick estava com lorde Montague e este achou que Eduardo deveria juntar-se a eles.

Assim, Eduardo despediu-se de sua família e partiu para lá. com orgulho no coração, Cecily observou-o afastar-se. Ela parara de pensar naquela conversa estranha. Essa tal Elizabeth Woodville deveria ser sua mais recente inatnorata. Não tardaria muito a surgir outra. O estranho fora aquela conversa sobre casamento! Mas ela suspeitava que isso era porque dissera algo sobre Warwick estar escolhendo uma esposa para ele. Nenhum homem gostava disso, e foi o que motivou aquele comentário ridículo de Eduardo.

Não fora nada mais que isso. A posição de Eduardo era instável demais para que assumisse riscos dessa natureza.

- Lá vai ele - disse Cecily aos filhos. - Não sentem orgulho de ser irmãos dele?

Richard declarou com fervor que sentia, mas George ficou calado. Ele queria estar no lugar de Eduardo.

- Jamais houve um homem mais adequado para ser rei disse Cecily e Richard concordou calorosamente.

Eduardo saiu de Londres. Ele havia chegado a uma conclusão. Ele iria fazê-lo. Ele não podia mais esperar por Elizabeth e se o casamento era o único caminho até ela, então iria se casar.

Ele enviou um mensageiro para Grafton com as notícias de que ele queria encontrar-se com lady Rivers em caráter especial. Queria que ela providenciasse tudo. Ela entenderia.

Assim que recebeu a mensagem, Jacquetta foi falar com Elizabeth, que felizmente estava em Grafton - teria demorado muito mandar chamá-la em Bradgate.

- Ele vai casar com você - disse Jacquetta à filha.

- Não posso acreditar.

- Estou lhe dizendo que ele vai. Ele me mandou uma mensagem, ordenando que eu fizesse os preparativos.

- Terá de ser um casamento legal.

- E acha que não irei me certificar disso? Jamais sonhei com tamanho triunfo. Torci por ele, claro, mas era difícil acreditar que realmente aconteceria.

- A senhora não acha que pode ser algum truque?

- Claro que não - garantiu Jacquetta. - Não sei se devo contar ao seu pai.

Não, ele ficaria alarmado.

Sim, ele veria todos os tipos de problemas. Quanto a nós, mandaremos celebrar o casamento e pensaremos nas dificuldades

depois.

- Eles jamais irão me aceitar... homens como Warwick...

- Minha querida Elizabeth, você terá o rei sob o seu comando.

- Por quanto tempo? - perguntou Elizabeth, cínica.

- Enquanto vocês viverem... se você agir sabiamente.

- Outras mulheres aparecerão.

- Claro que sim. O nosso garanhão não pode ser fiel a só uma égua. Só uma tola acreditaria nisso. Deixe-o ter suas mulheres, Elizabeth. Entenda a sua necessidade por elas, contanto que você o comande e não deixe que as outras o façam. Pense no que isso significará para a família.

- Temo que haja algum problema.

- Garanto-lhe que não haverá nenhum. A cerimónia acontecerá e então você irá para a cama com ele. Engravide assim que puder.

- Isso é algo sobre o que não tenho o menor controle.

- Você lhe dará muitos filhos. A Inglaterra precisa que o rei tenha um menino. E quando você lhe der um, o povo irá perdoá-la... ainda que alguns dos lordes não.

- Também há Warwick. O que ele fará?

- Pelo que vejo, o poder de Warwick está minguando. O casamento mostrará isso aos outros, assim como ao próprio Warwick.

- E a senhora acha que eles desistirão do seu poder?

- Não haverá alternativa. Criaremos novos lordes para apoiar o rei. Serão eles que deterão o poder.

- Novos lordes?

- Os Woodvilles, minha querida filha. Temos uma família grande. O casamento será muito bom, não apenas para você, mas para todos nós.

- Só acreditarei depois que acontecer.

- Acontecerá muito em breve. Agora preciso garantir que estaremos preparadas quando acontecer.

Era o fim de abril. Nunca as árvores haviam florescido com maior riqueza. Os castanheiros-da-índia, as carpas, os amieiros e as bétulas estavam cobertos pelas cores da primavera. Os pássaros pareciam ter enlouquecido de alegria, como se soubessem que aquele era um tempo para o júbilo.

Assim pensou Eduardo ao deixar sua companhia em Stony Stratford e cavalgar para Grafton. Para Grafton, onde Jacquetta estaria à sua espera!

- Tudo está pronto? - perguntou Eduardo.

- Meu caro lorde, não esquecemos nada.

- Onde está Elizabeth? - inquiriu.

- À sua espera.

- Leve-me até ela.

Lá estava ela, num manto azul, muito parecido com aquele que ela usara no Parque Whittlebury, os cabelos longos caídos sobre os ombros.

Eduardo tomou-a nos braços.

- Meu amor - disse. - Finalmente. Foi longa a espera por este dia.

- Meu querido marido - replicou Elizabeth. - Eu também ansiava por este dia.

- Passemos logo à cerimónia - urgiu Eduardo. - Não podemos esperar mais.

Jacquetta estava bem preparada. Ela conduziu os dois até uma câmara onde um padre aguardava. Também estavam presentes duas aias de Jacquetta e um rapaz que cantaria com o padre.

A cerimónia foi executada e, ali na Mansão Grafton, Elizabeth Woodville tornou-se a esposa de Eduardo IV

Assim que a cerimónia acabou, Jacquetta conduziu o casal até a câmara nupcial que ela preparara.

Praguejando porque precisava deixar Grafton, Eduardo cavalgou de volta a Stony Stratford.

Hastings ficou atónito ao vê-lo tão absorto em pensamentos.

- Vossa majestade fez uma boa caçada. Estou vendo.

- Sim, Hastings, sim - disse Eduardo brevemente e retornou à câmara.

Ele estava casado. Elizabeth era dele. Haveria consequências, mas ele não se importava. Valera a pena. Aquele era o único meio para conseguir uma mulher virtuosa como Elizabeth. Ela era maravilhosa; era linda; e ele não ligava para o que pensariam Warwick ou qualquer um deles. Ele dissera que iria se casar onde e com quem quisesse.

No dia seguinte, disse casualmente a Hastings:

- Antes de avançarmos, devo mandar uma mensagem para Rivers e lhe dizer que gostaria de ficar algum tempo em Grafton para caçar em Whittlebury.

- Um lugar agradável - replicou Hastings.

Então lady Elizabeth acabou cedendo, pensou Hastings. Só pode ter sido isso. Como muitas, ela ficou relutante no começo. Elas acham que isso acrescenta mais sabor à caçada.

E então eles foram a Grafton.

Lá, lorde Rivers saudou-o e Hastings percebeu uma candura especial na forma como sua esposa cumprimentou o rei.

Elizabeth não apareceu. Acredito que a dama virtuosa não está em casa, pensou Hastings. Nesse caso, Eduardo provavelmente gosta mesmo de caçar aqui. Ele parece ter uma certa intimidade com lady Jacquetta, mas ela é um pouco madura demais para interessá-lo.

Tão discreta foi Jacquetta que ninguém adivinhou que, quando eles se retiraram, ela conduziu o rei à alcova da filha.

- Rezo para que ela engravide antes que a tempestade chegue - disse Jacquetta ao marido. - O povo ficará mais clemente com a perspectiva de um herdeiro.

Seu marido, menos aventureiro que a esposa, estava muito nervoso com o que ela fizera sem consultá-lo.

Mas Jacquetta balançou a cabeça.

- Você verá o bem que isso fará à família - prometeu.

E assim Eduardo passou quatro dias em Grafton, onde, todas as noites, era conduzido à alcova de Elizabeth.

Foi com grande relutância que ele saiu de Grafton. Era necessário. Warwick aguardava-o ao norte.

Ele não contaria a ninguém - nem mesmo a Hastings. Por enquanto, o casamento teria de permanecer secreto. E embora a união não pudesse permanecer sigilosa por muito tempo, ele deveria escolher o momento certo para anunciá-la.

Nesse ínterim, ele poderia pensar em Elizabeth, desejar Elizabeth, e aproveitar cada oportunidade de estar com ela.

Ele estava profundamente apaixonado, como nunca estivera antes. Não se arrependia de nada.

A VINGANÇA DA RAINHA

Eduardo fez uma pausa em Leicester, onde recebeu notícias das batalhas no norte.

- Precisaremos reunir mais homens-argumentou Eduardo. -Permaneceremos aqui um pouco até termos um exército maior. Acho que dentro de uma semana estaremos preparados.

Hastings sentiu vontade de rir. O Castelo Groby não ficava muito longe - a cerca de uma hora a cavalo. O Castelo Groby fazia parte daquela propriedade que Eduardo havia, tão nobremente, restituído à viúva de seu antigo inimigo lorde Grey.

Hastings sorriu por dentro. Então a dama de gelo havia cedido. Ela derretera diante do calor da paixão do rei. Ele não ficou surpreso. Já vira aquilo acontecer antes. Decidiu ajudar seu amigo no que pudesse em sua aventura.

Assim, descansaram em Leicester enquanto Eduardo desfrutava uma lua-de-mel clandestina, cavalgando diariamente até Groby, e permanecendo lá até a manhã do dia seguinte.

Aquilo era encantador, pensou Hastings, mas realmente a dama não precisava ser tão recatada.

Warwick, é claro, estava ficando impaciente. Logo tiveram de partir, para profunda tristeza de Eduardo, cuja paixão parecia crescer em vez de minguar. Uma situação muito incomum, pensou Hastings. A dama deveria ser realmente encantadora. Talvez, quando Eduardo se cansasse dela - o que inevitavelmente aconteceria - ele, Hastings, pudesse conhecê-la melhor.

Pobre Eduardo, ele estava de fato deprimido, e era impossível animá-lo. Hastings percebeu que todas as referências a lady Grey eram recebidas com frieza, o que indicava que o rei estava, sem dúvida, envolvido emocionalmente.

Quando a comitiva chegou a York, Montague vencera as batalhas de Hedgley Moor e Hexham, e ele e Warwick haviam sufocado outros pequenos levantes na área.

Eduardo congratulou Montague e sagrou-o conde de Northumberland. Suas vitórias haviam sido espetaculares. Ele derrotara completamente Somerset em Hedgley Moor e, em Hexham, enfrentara um exército que lutara com o próprio rei Henrique. A vitória parecia ter esmagado a causa lancasteriana. Muitos de seus líderes foram mortos. Infelizmente, o próprio Henrique conseguira escapar.

- Precisamos encontrar Henrique - disse Warwick. Enquanto ele estiver à solta haverá homens dispostos a se unir à sua causa, e isso significa perigo. Não estarei feliz até que o tenhamos agarrado.

- Ele está fraco demais para lutar - disse Eduardo.

- Sim, mas encontrará outros para lutar por ele. Não me agrada que esteja livre... ainda que fugitivo. Além disso, há o príncipe, seu filho.

- Um menino!

- Meninos crescem. Anunciaremos grandes recompensas para quem nos entregar Henrique. Imagino o que Margaret anda tramando. Descansarei melhor quando você tiver um herdeiro, o que nos leva de volta à questão do casamento. Ele precisa ser realizado o mais breve possível.

Eduardo assentiu. O momento para a revelação ainda não chegara.

Eles foram para o sul. Warwick estava profundamente envolvido com os preparativos para o casamento com a França. Aparentemente, ele não pensava em outra coisa. Eduardo teria de contar-lhe tudo em breve, de modo que Warwick não viajasse para a França e assinasse contratos.

No momento, a moeda corrente era motivo de preocupação na corte. Havia uma escassez de ouro e prata no país, e os nobfes chegaram a um acordo de que era preciso cunhar novas moedas. Hastings, que era mestre da Casa da Moeda, explicou a Eduardo a necessidade das mudanças. Eduardo apoiou as medidas com entusiasmo. Porém, para que a medida fosse um sucesso, seria preciso criar novas casas de cunho. Assim, novas casas de cunho em Norwich, Coventry e Bristol somaramse às antigas em Londres, Canterbury e York.

Os cidadãos não gostaram quando tiveram de se acostumar aos novos valores dos nobles, royals, angels e groats, mas compreenderam a necessidade das mudanças. E Eduardo descobriu que o assunto fez, durante algum tempo, as pessoas pararem de pensar no casamento com a nobre francesa.

Mas a revelação não poderia ser postergada por muito mais tempo, e o momento chegou durante uma reunião de conselho convocada por Warwick em Reading. O propósito principal de Warwick era acertar os detalhes finais antes que os embaixadores partissem para a França, a fim de acertar os últimos detalhes para o casamento do rei.

Eduardo estava pronto. Eu sou o rei, pensou. E farei com que se lembrem disso - todos eles e, em particular, Warwick.

Warwick falou demoradamente, como de costume. Todos concordaram que chegara a hora do rei se casar. O país precisava de um herdeiro e o rei certamente concordaria que era seu dever provê-lo.

Extremamente simpático, Eduardo disse que concordava inteiramente com eles. Não havia nada que ele quisesse mais do que dar ao país um herdeiro, tanto que ele já escolhera sua noiva.

Eduardo percebeu a tensão na sala. Warwick fitava-o, intrigado.

- Irei me casar com Elizabeth Woodville, filha de lorde Rivers, e com nenhuma outra.

Fez-se um silêncio profundo. Finalmente, um dos conselheiros falou:

- Ela é uma dama bonita e virtuosa, mas não é adequada para ser rainha da Inglaterra.

- Não é adequada? - gritou Eduardo. - Por que não? Foi ela que escolhi para ser minha rainha.

- Ela não é filha de um duque ou de um conde.

- Sua mãe foi duquesa de Bedford. Ela pertence à nobre Casa de Luxemburgo.

- A duquesa de Bedford casou-se com um humilde plebeu, majestade.

- Já está feito! - bradou Eduardo. - Não há nada que vocês possam dizer para que eu volte atrás em minha decisão, porque já me casei com a dama.

Todos na câmara do conselho ficaram tão atónitos que ninguém ousou dizer uma palavra.

O rei retirou-se sem olhar para o conde de Warwick, que permaneceu sentado, os olhos fixos no nada.

Então o rei havia se casado! Primeiro a corte, e em seguida o país, foram abalados pela notícia.

Como ela conseguira? Ela havia enfeitiçado o rei. Histórias circularam. Ele tentara seduzi-la; ela ameaçara matar-se com uma adaga se ele tentasse aproximar-se dela; ele fora induzido a se casar. Como um libertino consumado teria sido induzido ao matrimónio? Só havia uma resposta possível. Bruxaria. Jacquetta, fady Rivers - a duquesa de Bedf ord-era conhecida como uma feiticeira. Correram boatos de que Jacquetta pusera uma poção no vinho de Eduardo quando ele visitara Grafton, Diziam que o rei fora conduzido, sonâmbulo, à cerimónia de casamento que transformara a humilde Elizabeth Woodville em rainha.

Sim, essa era a teoria favorita. O rei fora conquistado através de feitiçaria.

Entre os cidadãos havia uma tendência a tomar partido do rei. Eles não gostavam de estrangeiros. Deus sabia que o casamento do último rei trouxera-lhe a megera de Anjou. Eles não queriam ninguém mais como ela.

- É uma união por amor - diziam os cidadãos de Londres.

- Deus abençoe o belo rosto de Elizabeth. Se ele estava apaixonado por ela, por que os nobres queriam estragar sua felicidade forçando-o a se casar com uma francesa? Deus abençoe o rei e Deus abençoe a rainha se for ela quem ele deseja!

Mas, a despeito do que fosse dito, todos só falavam do casamento do rei.

Richard voltou a Middleham. Ele gostava do ar fresco do norte. Além disso, era bom rever a condessa e seus primos de segundo grau.

Francis Lovell, filho de lorde Lovell, que também fora criado em Middleham, estava lá. Ele e Francis eram grandes amigos. Em Middleham, Eduardo sentia uma atmosfera de afeto que não encontrava em sua própria casa.

Sempre havia muito o que conversar quando ele retornava depois de se ausentar por muito tempo. Ele, Francis e Anne costumavam cavalgar até os brejos de Yorkshire e, às vezes, deitavam-se no gramado enquanto os cavalos bebiam no riacho, e conversavam sobre o que fariam no futuro. Às vezes Isabel estava com eles, mas ela era delicada e se cansava com facilidade. Anne também cansavase logo, mas gostava tanto de ficar com os meninos que tentava esquecer sua fraqueza. Richard costumava pensar no quanto era estranho que um homem forte como o conde de Warwick tivesse apenas duas filhas fracas, e nenhum filho para sustentar o seu nome.

Como fora diferente em sua família. Claro que alguns deles haviam morrido. Entre os meninos, Henry Wdliam, John e Thomas tinham perecido. Entre as meninas, todas haviam sobrevivido, menos Ursula, que fora a última e nascera cerca de cinco ou seis anos antes da morte do pai deles.

Além disso, haviam perdido Edmund no campo de batalha. Richard jamais esqueceria o dia em que a família recebeu a notícia da morte de seu irmão, porque fora ao mesmo tempo que a de seu pai, e a cabeça de Edmund fora fincada sobre as muralhas de York ao lado da cabeça do duque.

Eduardo dissera que eles precisavam esquecer de tudo aquilo. Haviam restado três rapazes: Eduardo, George e Richard.

- Precisamos ficar sempre juntos - dissera Eduardo. - Se estivermos juntos, ninguém poderá nos ferir.

- Ninguém jamais iria desafiá-lo, irmão-replicara Richard. Eduardo gostou disso. Ele era magnífico em todos os aspectos.

Era bom e majestoso, mas ainda assim sempre tinha tempo de pensar em seus irmãos e irmãs.

Richard contou a Anne que enquanto Eduardo reinasse, eles não precisariam ter medo de nada.

Anne replicara que enquanto seu pai e Eduardo permanecessem juntos, ninguém poderia derrubá-los.

Francis Lovell comentou que alguns haviam tentado fazer isso, e que já houvera muitas batalhas.

- Isso é verdade - concordou Richard, que odiava divergir da verdade apenas para defender uma opinião. Mas o seu irmão vencera no final e era a última batalha que contava. - A última batalha foi vencida em Hexham. O pobre Henrique está vagando de um lugar para outro, com medo de ser capturado. No fim, eles irão pegá-lo, e então...

Olharam para Richard, querendo saber o que aconteceria quando Henrique fosse capturado.

- Meu irmão saberá o que fazer - disse Richard.

Seu irmão sempre sabia o que fazer. Em sua coroação, ele estivera majestoso, mas nem um pouco arrogante. Sempre brindando seu irmão com um sorriso de aprovação quando seus olhares se cruzavam. Parecendo um pouco ansioso ao tocar o ombro do menino, imaginando se sua armadura era pesada demais para ele, perguntando como ele estava se saindo em Middleham.

Richard lembrou como, depois da segunda batalha de St Albans, ele e George haviam sido mandados para Utrecht pela sua mãe. Esse fora um dos momentos mais infelizes de sua vida, porque sabia que Eduardo devia estar em dificuldades para mandá-los para longe. Mas fora uma estada curta - eles partiram em fevereiro e, assim que foi proclamado rei, Eduardo mandou buscá-los.

Que felicidade revê-lo! Ele estava ainda mais majestoso que antes... um rei de fato. George costumava comentar que quando Richard dizia o nome de Eduardo-como sempre, acompanhado da expressão "meu irmão" -, parecia estar falando de Deus.

Eduardo era um Deus. O Deus de Richard.

Richard jamais esqueceria o dia em que ele e George foram mandados para a casa de John Paston, quando sua mãe foi juntarse ao seu pai em Hereford. Fora triste despedir-se de sua mãe e ir para uma casa estranha; mas Eduardo estava em Londres e todos os dias ele passara na casa Paston para ver seus irmãos mais novos.

George dissera:

- Sim, ele vem nos ver sempre, mas e daí? Nós somos seus irmãos, não somos?

- Mas é maravilhoso que ele tenha tempo para nos ver... que consiga criar esse tempo - disse Richard.

George deu de ombros. Richard leu os pensamentos nos olhos de George. Ele estava com ciúmes. Ele sempre falava da perversidade do destino que trazia as pessoas ao mundo na hora errada. George achava que se tivesse sido o primogénito ele teria sido um rei tão maravilhoso e adequado quanto Eduardo.

- Que bobagem!

Eles estavam deitados na grama juntos - ele, Anne e Francis Lovell. Os três observavam o amplo firmamento, contra o qual seus cavalos estavam parados. Aquilo era felicidade. Essas eram as pessoas que ele amava. Se Eduardo aparecesse cavalgando sobre a grama agora, Richard estouraria de felicidade. Francis e ele compreendiam um ao outro; ele contara a Francis sobre a grandeza de Eduardo e Francis, sendo um bom amigo, aceitava o que ele dizia. O pai de Anne, o grande conde de Warwick, era o aliado mais importante de Eduardo. Era uma sensação maravilhosa estar entre amigos.

- Dickon está tão orgulhoso do seu novo emblema! - disse Anne. - Você não pára de tocá-lo, Dickon - acrescentou.

- É realmente muito bonito - comentou Richard.

- Leia-o para nós - disse Anne, porque sabia que ele gostaria de fazer isso.

Richard leu-o em voz alta e clara:

- Loyaulté me lie. Anne bateu palmas.

- É a coisa mais honrada num homem. Lealdade para com aquilo em que ele acredita.

- Quer dizer "Lealdade ao rei" - disse Richard com um pouco de cor em suas faces geralmente pálidas. - Lealdade ao meu irmão Eduardo. Minha lealdade a ele jamais

morrerá.

- Você sente tanto orgulho de ser irmão do rei - disse ela, sorrindo para ele.

Richard assentiu e Anne pensou: suponho que eu deva sentir orgulho de ser filha do criador de reis. Mas ninguém mencionava o criador de reis para Richard. Ele não gostava da sugestão de que seu irmão divino devesse algo a alguém-mesmo ao pai de Anne.

Mas Anne sabia que a amizade entre o pai dela e o irmão dele agradava muito a Richard.

Francis olhou para as nuvens, que começavam a ficar avermelhadas, e disse que achava que era hora de voltarem a Middleham.

Quando chegaram ao castelo, perceberam sinais de atividade. Havia visitas importantes. O coração de Richard saltou com esperança. Talvez fosse Eduardo!

Não era Eduardo, e sim o duque.

Ele estava com um humor estranho, e visivelmente incomodado com alguma coisa. O humor do grande homem devia ter afetado todo o castelo, pois todos pareciam infelizes.

Richard tentou decidir se deveria perguntar o que estava errado. Quase o fez, mas a condessa lançou-lhe um olhar de advertência, e ele ficou calado.

Mas ele disse:

- Senhor conde, tem visto o meu irmão?

- Na verdade, tenho - foi a resposta, e soou como um rosnado.

O duque estava claramente proibindo Richard de dizer mais qualquer coisa.

A condessa estava ansiosa em descobrir o que acontecera, e quando o conde lhe disse, ela mal pôde acreditar.

- É verdade-disse ele. - Teremos uma coroação. Richard deve se preparar parar partir imediatamente para Londres.

- Elizabeth Woodville! Não posso crer!

- Tal como nenhum de nós, até que ficou claro que era verdade. Chegamos a pensar que ele estava brincando.

- Mas ele teve tantas amantes... por que casar com essa?

- Segundo os relatos, o casamento foi uma condição para a rendição de Elizabeth, e ele estava tão encantado que aceitou. Começo a me perguntar se coloquei o homem certo no trono.

 condessa sabia que o marido estava mais tenso do que deixava transparecer. Ele governara o rei por tanto tempo que foi uma surpresa amarga quando o rei se voltou contra ele e deixou claro que no futuro ele cuidaria de sua própria vida.

- É um desastre - disse Warwick. - Os Woodvilles... a mãe ambiciosa dessa mulher... Você verá o que vai acontecer. Teremos Woodvilles por toda parte, e eles são uma grande família.

- O rei se cansará logo dela. Ele sempre se cansa.

- Essa é a nossa esperança. Então teríamos de planejar um divórcio e um novo casamento que traga benefícios ao país.

- Richard, o que você irá fazer?

Warwick olhou para a esposa. Não estava acostumado a discutir assuntos da nação com ela. Ele a amava muito. Tinha sido a melhor das esposas possíveis. Era-lhe muito grato; como uma das maiores herdeiras do país, ela lhe dera o título de Warwick e a vasta fortuna que o ajudara a ascender à atual posição.

- Eu não sei. Depende muito do que acontecerá daqui em diante.

Essa era a verdade.

Ele mandou chamar Richard.

- Prepare-se para viajar para Londres - disse ao rapaz. Um incidente perturbador aconteceu. O seu irmão...

Richard sentiu-se tonto. Apoiou-se na mesa a sua frente. Alguma coisa acontecera com Eduardo e, a julgar pela expressão no rosto de Warwick, alguma coisa muito ruim.

- O meu irmão... - murmurou, pois Warwick hesitara.

- Foi algo tão grave que mal consigo reunir forças para falar a respeito. O seu irmão se casou... sem consultar o Conselho... sem consultar a mim!

- Casou com... Bona de Savóia?

- Deus, não. Quem dera! Ele se casou com uma mulher de berço inferior. Uma aliança muito inadequada. Sua esposa é lady Grey, Elizabeth Woodville, filha de lorde Rivers.

- Mas pensei que haveria um casamento com a França.

- Todos pensávamos. Assim deveria ter sido. Mas o seu irmão tomou essa atitude insensata.

- O que acontecerá?

- É uma incógnita. Por ora, temos esse casamento. Foi uma união legítima, que não pode ser contestada. Portanto, agora temos uma rainha... rainha Elizabeth Woodville.

Warwick conseguiu forçar um tom de indignação em sua voz.

- Tenho certeza de que meu irmão...

- Há uma coisa da qual você pode ter certeza. Ele cometeu um grande erro e não sabemos quais serão as consequências. E agora precisamos comparecer à coroação de Elizabeth, Deus nos ajude. Deus ajude a nação. Deus ajude o rei. Essa extravagância desafia a compreensão.

Richard ficou zangado. Naquele instante, odiou Warwick. Empertigou o corpo até o máximo de sua altura, que não era tão impressionante assim e, segurando o emblema em seu casaco, disse:

- Tenho certeza de que o meu irmão sabe o que faz.

Richard ficou desanimado ao chegar ao Castelo de Baynard, onde encontrou a mãe, que, logo descobriu, estava colérica.

George, que já se encontrava no Castelo, disse a Richard que ela estava assim desde que recebera a notícia do casamento de Eduardo.

- Ela disse que jamais assumirá posição inferior a essa malnascida Elizabeth, ainda se ela for a rainha.

O duque de Clarence estava se divertindo com aquilo. Richard sempre soubera que ele gostava de ver o infortúnio dos outros.

- E por que ela deveria? - insistiu George. - Ela tem sangue real. E essa mulher... ela é ninguém. Não consigo entender o que acometeu Eduardo.

- Ele não teria se casado com ela se não tivesse um bom motivo.

Isso fez George rir.

- Ele teve seus motivos, com toda certeza. Ela deve ter algo muito especial para tentá-lo. - Levantou os olhos, como se estivesse intrigado. - O que será?

Richard odiava qualquer referência à vida sexual de Eduardo. Ela não combinava com as qualidades nobres com as quais fora abençoado.

- Tenho certeza de que Eduardo agiu sabiamente - disse Richard, com firmeza. - Descobriremos quais foram os seus motivos no devido tempo.

- Você é um menino bobo, Richard. E incapaz de analisar qualquer assunto em perspectiva. O que todas as famílias nobres dirão? O que o rei da França dirá? E o que Warwick dirá?

- Ele servirá ao rei, como devem fazer todos os bons homens.

- Eu só sei de uma coisa. O lacaio mais fiel de Eduardo é seu irmão Richard. Um dia você vai abrir os olhos e ver que o seu deus é apenas humano.

Richard ficou calado. Havia momentos em que ele odiava George profundamente. Ele próprio ficara abalado pelas notícias, mas decidira que, se Eduardo queria esse casamento, ele seria a favor.

Deu as costas a George e olhou para o Tamisa, que corria logo abaixo das muralhas do castelo. Levantou os olhos da água para as paredes cinzentas da Torre, e rezou fervorosamente para que tudo corresse bem com Eduardo. Então, um ressentimento o acometeu, um ressentimento contra George - que parecia deliciado com as perspectivas de problemas -, contra sua mãe - que declarara arrogantemente que não veria a rainha de berço inferior -, e contra Warwick, que ousava pensar que era mais sábio que o rei!

Enquanto isso, Eduardo caminhava nas nuvens. Sentia um grande alívio por finalmente ter revelado o segredo. Se tivesse uma chance de voltar atrás, faria tudo exatamente da mesma forma. Era difícil definir o que havia em Elizabeth que o encantava tanto. com toda certeza, não era ardorosa; era distante, fria, até. Às vezes, imaginava que era o desafio constante o que tanto o atraía em Elizabeth. Estava sempre tentando, em vão, despertar alguma emoção nela. E, é claro, ela era incomparavelmente bela - de um estranho modo, sua beleza divergia imensamente da beleza de todas as mulheres que o atraíram no passado. Suas feições perfeitas lembravam, como Hastings dissera uma vez, as de uma estátua; e ele nunca tinha certeza do que estava acontecendo por trás daqueles lindos olhos azul-acinzentados. com os cabelos longos e brilhantes caindo sobre o corpo alvo e firme, Elizabeth excitava-o de uma forma que nenhuma mulher o excitara antes, e ele dizia a si mesmo:

- Maldito seja Luís! Maldito seja Warwick! Nenhum deles ficará entre mim e minha bela Elizabeth.

Para sua surpresa, Warwick decidira não oferecer nenhuma reprimenda ou sermão sobre os danos que Eduardo causara. Essa fora uma atitude muito sensata. Eduardo estava preparado para dizer a Warwick que o rei não estava mais sob o seu comando. Warwick permaneceu em silêncio e, quando apresentado a Elizabeth, mostrou todo o respeito que Eduardo, ou mesmo Elizabeth, poderiam ter pedido.

Warwick dera um tempo para a raiva esfriar; ela não estava mais em ponto de ebulição e, portanto, perigosa. A raiva permanecia presente - profunda e forte, como antes - mas sob controle. Ele podia entender agora o que acontecera e se culpava por não tê-lo previsto. Eduardo estava prestes a escapar de suas mãos, e esse casamento era o primeiro sinal. Quando ameaça romper-se, uma rédea precisa ser trocada imediatamente, do contrário se romperá na primeira tentativa do cocheiro em controlar a besta.

Por ora, ele deveria mostrar a Eduardo que aceitava Elizabeth como rainha e que faria tudo ao seu alcance para reparar os danos causados às relações com a França. Tentaria não demonstrar como se ressentia amargamente por ter sido ridicularizado diante dos olhos do rei da França, pois esse casamento clandestino provara que ele, Warwick, não tinha mais nenhum controle sobre o rei.

- Eu o fiz. Eu o coloquei no trono. Ele não seria nada sem mim - desabafava com a condessa.

Para Eduardo, ele sorria afavelmente e discutia os preparativos para a coroação da rainha.

Primeiro, Eduardo queria apresentá-la aos nobres da terra, e faria isso na Abadia Reading.

- É totalmente adequado que o duque de Clarence a conduza - disse Eduardo. - Como herdeiro presuntivo do trono, é seu dever fazer isso.

Eduardo sorria com complacência. Ele tinha certeza de que logo haveria um herdeiro para empurrar Clarence para trás. Tanto ele quanto Elizabeth haviam provado - como ele dissera à mãe - que eles não eram estéreis.

Warwick conteve a vontade de sorrir. Ele podia imaginar os sentimentos de Clarence. O rapaz era ambicioso. Tinha desejado que Eduardo jamais se casasse e, dessa forma, sua maior ambição pudesse se realizar um dia.

Não você, pensou Warwick. Eu preferiria Richard... um menino bom e sério, leal ao irmão. Eu poderia moldá-lo. Mas Clarence não... ele é fútil demais. Possui em excesso aquele charme superficial que só aparece nos inúteis. Clarence não seria um bom rei. Mas não duvido que aquela mulher e Eduardo terão uma legião de filhos, pois Eduardo certamente se encarregará disso com um entusiasmo fervoroso.

Assim, Clarence iria conduzir Elizabeth. Sua mãe ficara furiosa, mas ele teria de fazê-lo. Precisava obedecer ao rei acima da sua mãe. Era uma situação engraçada. Eles não tolerarão isso, pensou Clarence. Warwick está fervendo de raiva. E alguns dos outros, também. Eles já estão furiosos com todos os Woodvilles.

E aqui estava a rainha. Não havia como negar sua beleza. Ela era esplêndida. Elizabeth era o tipo de mulher que tinha um ar naturalmente régio. Era bem mais alta que a maioria das mulheres e, portanto, posava muito bem ao lado de Eduardo. Os cabelos gloriosos caíam-lhe sobre os ombros e desciam até a altura dos joelhos. Na cabeça usava uma coroa de gemas cujas pontas tinham sido lapidadas na forma da flor-de-lis. Mantinha a cabeça erguida, mas suas pálpebras pesadas estavam baixadas sobre os olhos, que não fitavam ninguém. Seu vestido era azul, a cor que lhe caía melhor do que todas as outras, e fora decorado com tiras de brocados dourados. As mangas eram apertadas e o corpete, bem justo. A saia tinha a boca rematada com pele de arminho. Os sapatos eram bem pontudos, e ela caminhava graciosamente, mas com intensa determinação, na direção dos nobres que aguardavam para homenageá-la.

Os olhos de todos estavam em Warwick. Ele se ajoelhou diante da rainha, tomou sua mão e a beijou.

Clarence ficou desapontado. Estava torcendo por problemas.

Warwick não poderia ter-se comportado mais gentilmente se a noiva tivesse sido de sua escolha. Julgando por sua atitude, ninguém adivinharia o ressentimento que ardia dentro dele.

Apenas um ano depois do casamento secreto, Elizabeth foi coroada na Abadia de Westminster.

Era Domingo de Pentecostes. Até aquela manhã, Elizabeth estivera hospedada no Palácio de Eltham. Eduardo estava com a corte no Palácio da Torre, aguardando a chegada da rainha. Quando ela chegou a Londres, o prefeito e os líderes da cidade, todos em seus uniformes coloridos, encontraram-na em Shooters Hill para tomar parte do cortejo que a conduziu através de Southwark até a Torre.

Eduardo estava orgulhoso de Elizabeth. Também se deliciava com o fato de que Warwick superara o primeiro choque e a aceitara como rainha. Se em algum momento lhe ocorreu que Warwick talvez não estivesse tão reconciliado quanto parecia estar, Eduardo rejeitou o pensamento. Ele odiava problemas e durante toda a sua vida os ignorara até o último minuto, quando era preciso enfrentálos. Então Eduardo os enfrentava com a indiferença que lhe era característica. Ele acreditava que podia superar todas as dificuldades com seu charme e graça... e frequentemente conseguia.

Elizabeth foi transportada da Torre até a abadia em sua liteira, e os londrinos saíram para admirar sua beleza e ver o rei a quem admiravam tanto. Os plebeus acharam o casamento muito romântico, e era exatamente o que haviam esperado para o seu belo rei.

Eduardo estava deliciado porque o conde de St Pol, o irmão de Jacquetta, aceitara o convite de comparecer à coroação; isso concedia uma certa posição à noiva, e recordava a todos que embora Elizabeth fosse filha de um cavaleiro humilde, sua mãe pertencia à nobre Casa de Luxemburgo. Quanto ao conde, que jurara jamais ver novamente a irmã, estava completamente reconciliado; ao se tornar rainha da Inglaterra, sua sobrinha expiou completamente o pecado de sua mãe de ter-se casado com um homem de posição inferior.

E depois da coroação realizou-se um banquete grandioso no Westminster Hall, onde o rei sentou-se ao lado de sua rainha e demonstrou, por seu comportamento, imensa satisfação com os procedimentos.

Jacquetta olhou para a filha com o coração pleno de satisfação. Quem teria acreditado que ela um dia levaria Elizabeth até aquele momento?

Era maravilhoso. Sua filha já estava trazendo boa sorte para a família. Ela e Elizabeth haviam conversado longamente sobre os grandes casamentos que poderiam arranjar para os membros da família. Ali, perto do rei, estava outra filha de Jacquetta, Catherine, agora a duquesa de Buckingham, elevada através de seu casamento com o duque para uma das famílias mais ricas e importantes da Inglaterra. O mesmo aguardava os outros filhos de Jacquetta.

Num futuro muito próximo, os Woodvilles seriam a principal família do país, superando até mesmo os Nevilles.

Talvez a mulher mais feliz do país naquele dia, exceto a noiva, tenha sido a mãe dela. Contudo, o caso da mãe do noivo foi muito diferente.

A mãe do noivo recusara-se a comparecer à cerimónia. Cecily, a Orgulhosa - que, ao viver em Fotheringay na época em que seu marido fora Protetor da Terra, possuíra o status de uma rainha, com uma sala de audiência para receber nobres, onde exigia que todos se dirigissem a ela obedecendo a um protocolo real - precisava agora assistir a filha malnascida de um filho de criado adquirir precedência sobre ela!

Não, Cecily, a Orgulhosa, não aceitaria Elizabeth Woodville como rainha.

Quanto a Eduardo, estava andando nas nuvens. Continuava apaixonado por Elizabeth. A bem da verdade, o rei já cometia pequenas infidelidades, mas isso não parecia importar. Elizabeth jamais fazia perguntas sobre esses casos. Eduardo perguntava-se se Elizabeth ouvira os rumores de que ele fora muito indiscreto com uma certa dama da corte. Seu caso durara apenas uma semana, antes que ele estivesse novamente sequioso pelos braços frios e distantes de Elizabeth.

Como Eduardo não queria que seu relacionamento com a rainha fosse prejudicado de qualquer forma, o adultério causara-lhe algum sentimento de culpa. Mas se ela sabia, e ele achava que sabia, porque poucas coisas escapavam àqueles olhos gélidos, ela não deu qualquer sinal. Quando murmurava algumas desculpas sobre suas ausências, ela respondia que ele não lhe devia explicações.

- Sei muito bem que você sempre terá assuntos que o afastarão do meu lado. Jamais esqueço que você é o rei.

Ele a amava mais do que nunca. Ela não o reprimia! Simplesmente era compreensiva à sua forma fria e calma.

A mãe de Elizabeth estava sempre com ela. Ele gostava de Jacquetta. Sempre houvera uma amizade especial entre eles, já que fora tão prestativa na época do casamento. As pessoas diziam que fora a bruxaria de Jacquetta que o deixara tão determinado a se casar com Elizabeth. Ele não se importava. Se todas as bruxas fossem como Jacquetta, então ele poderia permitir sua presença no reino.

Haviam recebido boas notícias. O rei Henrique fora capturado no norte. Ele estivera escondido há algum tempo, vivendo com medo de ser capturado, descansando em monastérios, segundo Eduardo ouvira. Uma vida que Henrique deveria ter achado muito adequada. Warwick viu Henrique quando chegou a Londres, trazido por seus captores; estava montado a cavalo, os pés amarrados debaixo do animal. Foi conduzido até a Torre e entregue a seu carcereiro.

Eduardo ficou felicíssimo, não apenas porque Henrique estava aprisionado, mas porque as ações de Warwick mostravam que ainda era o mesmo aliado firme e poderoso do rei yorkista.

Todos ficariam aliviados, é claro, se Henrique morresse, mas não poderiam apressar sua morte, pois assim criariam um mártir. com todo seu fervor religioso, Henrique era o material perfeito para um mártir. No norte, algumas pessoas acreditavam que ele era realmente um santo. Além disso, mesmo se morresse, restaria seu filho.

- Deixemos a situação como está - dissera Warwick e acrescentara, olhando fixamente para Eduardo: - No fim, os acontecimentos acabam levando àquilo que é certo.

A mente de Warwick funcionava sem parar. Ele retornara ao seu papel de conselheiro real. Ele fingira aceitar a rainha. Mas, na verdade, odiava a rainha. Não porque, ao casar com ela Eduardo humilhara-o de uma forma que um nobre orgulhoso jamais aceitaria, mas porque ele previa que a família Woodville ficaria mais importante a cada ano. Atualmente, a família principal era a Neville - e fora ele, Warwick, o responsável por isso. E por que não seria? Quem pusera o rei no trono? O criador de reis não podia fazer um pouco por sua própria família?

E ele não toleraria que os Nevilles fossem eclipsados pelos Woodvilles, aqueles novos-ricos.

Elizabeth e aquela sua mãe diabólica estavam conspirando para aumentar a riqueza e o poder de sua família segundo o método mais antigo e eficaz: o casamento com as melhores famílias. E o estavam fazendo muito bem.

Anthony já estava casado com a filha de lorde Scales e tinha esse título. Anne Woodville tornara-se lady Essex, tendo se casado com o conde; Catherine casara-se com o duque de Buckingham; Mary era a esposa do conde de Pembroke; Eleanor estava casada com lorde Grey de Ruthin, conde de Kent, e a mais jovem, Martha, era a esposa de sir John Bromley.

Warwick tremia de raiva ao pensar no que Elizabeth conseguira até ali. Essas eram as irmãs da rainha, já exercendo uma influência Woodville nas maiores e mais poderosas famílias do país.

Isso é algo que não tolerarei, pensou. É uma ameaça aos Nevilles. Nós somos a família líder. Eu eduquei e criei o rei. Não serei suplantado por essas novas-ricas. Elas não só ameaçam arruinar o país, como a mim próprio.

Além disso, a rainha tinha irmãos.

Nesse momento, Elizabeth planejava o futuro de seus irmãos. Ela estava deliciada com os casamentos das irmãs. Sua mãe tinha razão. Aquele encontro debaixo da copa do grande carvalho fora inspirado. A partir dali, todas as bênçãos começaram a fluir.

Agora ela pensava no seu irmão John, que estava com dezenove anos. Queria o melhor para ele. As meninas haviam-se casado bem, mas os meninos eram ainda mais importantes.

Quando Jacquetta sugeriu uma noiva para o rapaz, Elizabeth mal pôde crer no que ouvia, pois a noiva sugerida foi a duquesa viúva de Norfolk. Ela era uma das mulheres mais ricas do país, isso era verdade, mas estava com quase oitenta anos. Contudo, Jacquetta não podia estar falando mais sério.

Quando Elizabeth levou o assunto a Eduardo, ele desatou a rir. Achou que era uma piada. Mas Elizabeth não costumava brincar com assuntos sagrados.

- Estou falando sério. John cuidará das propriedades da velha duquesa.

- Oh, ele cuidará delas, não duvido - replicou Eduardo.

- Eduardo, meu irmão deve se casar. Por favor, atenda ao meu pedido. Eu quero que aconteça.

Eduardo pousou as mãos nos ombros de Elizabeth e beijoulhe as pálpebras. Ele ainda não descobrira o que significava de fato o poder extraordinário que ela exercia sobre ele. Talvez a amasse. Era estranho, porque ele desfrutara muitas vezes do amor. Eduardo pensou que talvez tivesse ficado enfeitiçado quando por fim descobriu o amor autêntico. Em todo caso, estava profundamente grato por ter-se casado com ela. E se ela queria a velha dama de Norfolk para o seu irmão, seu desejo seria atendido.

No começo, todos pensaram que era uma piada. Só poderia ser uma piada: um menino de dezenove anos e uma mulher de quase oitenta. A duquesa ficou irritada, mas era velha e cansada demais para dar muita importância ao caso. Duvidava que aquele homem jovem e bonito sentisse qualquer coisa por ela. Em todo caso, era uma ordem real e a duquesa não tinha alternativa senão submeter-se a ela.

Foi a piada do dia. As pessoas falavam sobre o caso nas ruas e nos estabelecimentos comerciais.

Alguns disseram que aquele era um casamento demoníaco. Uma mulher tão velha... um rapaz tão novo. Era por causa do dinheiro, das propriedades, do título. Geralmente essa era a causa de todos os casamentos nobres, mas nunca os motivos haviam sido tão gritantes.

Jacquetta não podia conter sua alegria.

- Você sabe como controlar o rei - disse à filha. - Tome cuidado para não perder seu lugar no coração dele. Seja condescendente com suas traições, jamais reclame ou faça críticas. Aceite tudo e ele não lhe negará nada.

Assim, o casamento do jovem John Woodville com a duquesa anciã foi celebrado. Warwick disse:

- Este foi o último insulto. Eu não posso aceitar essa mulher e sua família insuportável. Eles estão transformando o trono em alvo de piadas. Eu fiz um rei e posso desfazer um.

O rei estava bem-humorado quando Thomas Fitzgerald, conde de Desmond, retornou da Irlanda para reportar os acontecimentos lá.

Ele gostava de Desmond. Um rapaz bonito e encantador. Sendo irlandês, era um bom homem para governar essa ilha. Warwick o escolhera e estava satisfeito com ele. Desmond e Warwick mantinham um excelente relacionamento.

Alguns anos antes, quando George, duque de Clarence, fora feito lorde-tenente da Irlanda - um título para o irmão do rei porque Clarence não contava com a idade nem a habilidade para resolver as questões dessa ilha problemática - Desmond fora nomeado o delegado, o que significava que, para todos os efeitos, era ele quem estava no comando.

Warwick vira-o quando voltou à Inglaterra, e lhe confidenciara seu horror com o casamento do rei.

- Essa mulher malnascida não apenas está no trono, como está enriquecendo tanto sua família que, se não tomarmos providências, em breve seremos governados por Woodvilles.

- Quais providências? - perguntou Desmond com certo alarme.

- Algumas - disse Warwick, misteriosamente. - Eduardo não está tão firme no trono quanto parece pensar. Não esqueça que Henrique, o rei consagrado, está aprisionado na Torre, enquanto do outro lado do rio se encontra uma rainha muito ousada e ambiciosa, com um filho a quem chama de príncipe de Gales e alega ser herdeiro real ao trono. Não concorda que um rei que reina sob essas circunstâncias não deveria ser descuidado... particularmente em seus negócios com aqueles que o puseram na posição em que está?

- Ele deveria se livrar da dama e de seus parentes incómodos.

- É o que penso - disse Warwick. - E quando penso na humilhação que fui forçado a passar para colocar uma coroa na cabeça daquela mulher, fico tão furioso que seria capaz de fazerlhe mal, se não contivesse minha ira.

- Compreendo seus sentimentos - disse Desmond. Soube que quando o rei estava secretamente casado, ele permitiu que você prosseguisse as negociações com a França.

- Isso é verdade - confirmou Warwick. - O reino não pode mais permitir esses casamentos desastrosos. No momento o povo está se divertindo com essa união diabólica entre John Woodville e a velha duquesa de Norfolk. Mas na verdade isso não é motivo para risos.

Desmond ficou preocupado ao ver Warwick tão transtornado. E o que lhe pareceu mais perturbador foi ver que havia uma discordância entre ele e o rei.

Desmond era devotado a Warwick, a quem admirava mais que a qualquer outro homem vivo. Ele estava a par do papel do conde nos assuntos do reino, mas ao mesmo tempo gostava muito do rei. Essa era uma situação muito delicada, e ele temia que o futuro lhes reservasse graves problemas.

Quando Desmond se apresentou a Eduardo, o rei estava afável. Conversaram sobre problemas da Irlanda e Eduardo congratulou-o pelo que ele fizera.

- Você deve caçar um pouco enquanto está em casa-disse ele. - Como é a caça na Irlanda?

Muito boa, respondeu Desmond. Mas ele adoraria caçar com orei.

Quando estavam cavalgando através da floresta, viram-se isolados do resto do grupo. Os dois conversaram bastante. Eduardo era tão amigável que Desmond às vezes esquecia que ele era o rei da Inglaterra.

Eduardo mencionou Warwick e perguntou o que Desmond achou sobre ele quando o viu.

- Estava como sempre - respondeu Desmond. - Cheio de vitalidade... Inteligente como sempre.

- Tenho a impressão de que ele não gosta da rainha. Esse era um terreno perigoso. Desmond percebeu que não

estava preparado para percorrê-lo.

Ele ficou calado. Não podia dizer que Warwick não mencionara isso para ele, porém deixara seus sentimentos bem claros. Ele hesitou. Então o rei perguntou:

- E o que acha da rainha, Desmond?

- Eu a considero detentora de uma beleza notável.

- Bem, todos pensamos isso. O que mais?

- Ela é evidentemente virtuosa. É surpreendente como uma viúva com dois filhos possa parecer tão... virginal.

O rei achou graça.

- Acho que fui muito sábio ao escolher minha esposa. O que você acha, Desmond?

Era difícil responder. Dar a resposta que o rei queria soaria falso; Desmond sabia que não era um bom mentiroso. Eduardo notou a pausa e soltou uma gargalhada.

- Ora, Desmond, pode ser franco comigo. Sei que você não seria o único a pensar que cometi um erro ao escolher a minha rainha É isso que pensa, Desmond?

- Majestade, eu não posso negar isso. Teria sido mais sábio escolher uma noiva que pudesse lhe dar uma aliança. E isso a rainha, por mais bela e virtuosa que seja, não pode lhe dar.

- Bem, está feito agora, Desmond. É irrevogável.

- Não, majestade, não é. O senhor poderia se divorciar dela e se casar com uma mulher mais aceitável aos olhos de muitos de seus súditos.

Eduardo gargalhou.

- Não tenho a menor intenção de fazer isso, Desmond.

- Tenho certeza de que não tem, majestade. Mas o senhor perguntou o que eu pensava e eu lhe disse o que estava na minha mente.

- Meu caro amigo, é claro que respeito a sua franqueza. O rei estava tranquilo ao retornar ao palácio. Fora um bom dia de caçada. Ele seguiu direto até a rainha, que o recebeu, como sempre, com aquele prazer calmo que ele considerava tão confortador.

- A caçada foi boa, majestade?

- Foi. Cacei com Desmond. Ele é um bom amigo.

- Ele tem trabalhado bem na Inglaterra, pelo que soube.

- Muito bem. Como Warwick disse, foi bom ter um irlandês lá. Eles entendem seus próprios assuntos bem melhor que os outros, e os irlandeses precisam de um pouco de compreensão, acredite em mim.

- Então você gosta desse homem.

- Ele é um amigo honesto. Gosto de um homem que diz o que pensa.

Eduardo começou a rir.

- Alguma coisa o diverte.

- Sim. Você também achará engraçado, Elizabeth. Eu lhe perguntei o que ele pensava a seu respeito.

- Oh?

As pálpebras da rainha fecharam-se sobre os olhos, negando a Eduardo a expressão neles.

- Ele a considera bela e virtuosa. Como pode ver, ele aprecia a sua beleza.

- Isso é bom.

- Não tão bom. Sabe o que ele me disse? Disse que eu deveria me divorciar de você e me casar com alguém que pudesse trazer benefícios ao país.

Eduardo gargalhou alto.

Ela hesitou um pouco antes de rir junto com ele. Ele estava ao lado de Elizabeth e a envolveu com seus braços.

- Desnecessário dizer que não tenho a menor intenção de acatar seu conselho.

- Fico feliz em ouvir, majestade.

Ela falou num tom cândido, mas havia uma fúria gélida em seu coração. Eduardo estava achando graça da sugestão, mas a simples ideia era perigosa. E homens que plantavam ideias desse tipo na mente de seu marido representavam uma ameaça a Elizabeth.

Enquanto Eduardo a abraçava, Elizabeth estava pensando em Desmond.

Não esquecerei o senhor, milorde, pensou ela.

A rainha estava grávida e o rei radiante de alegria.

- Me dê um filho e riremos na cara dos nossos críticos! - rogou o rei.

Eduardo lhe contou o que dissera à mãe quando tentara lhe contar sobre o casamento.

Elizabeth rira com ele e não mostrou surpresa ou emoção quando ele mencionou seus próprios filhos. Ela sabia a respeito deles, claro. Eles eram filhos de uma certa Elizabeth Lucy: Grace e Catherine. Eduardo gostava muito das meninas. Ele as visitava de vez em quando e cuidava de seu bem-estar. Não havia dúvida de que Eduardo tinha outros filhos ilegítimos, mas como ele gostava realmente da mãe dessas duas meninas, nutria um afeto maior por elas.

Elizabeth discutira o assunto com Jacquetta. Haviam concluído que, quando tivesse seus próprios filhos, Elizabeth chamaria as filhas de Lucy para serem babás reais. Seria um gesto que encantaria o rei e iria torná-lo ainda mais íntimo de sua amorosa e tolerante Elizabeth. Mas ela não faria isso por enquanto, claro. Seria um erro contratar como criadas as filhas de outra mulher do rei, enquanto ela mesma ainda não lhe dera descendência.

Mas agora o grande dia se aproximava. A nação inteira estava deleitada. Eduardo era muito popular. Mesmo sua esposa era apreciada, afinal, depois de Margaret de Anjou, qualquer rainha era uma mudança bem-vinda. Ademais, Elizabeth era inglesa, e se não era bem-nascida, pelo menos possuía grande beleza e tanta - se não mais - dignidade quanto uma rainha deveria ter. Jacquetta ficava constantemente ao lado da filha, e todos tinham certeza de que a criança seria um menino.

O rei até mesmo falava coisas como "Quando meu filho nascer", e os médicos haviam opinado que o bebé seria do sexo masculino.

Havia um certo Dr. Domynyk que afirmava possuir poderes proféticos. Ele podia dizer o sexo de uma criança no ventre da mãe, e assegurou ao rei que a rainha carregava um príncipe.

Assim, não restava a menor dúvida, e os preparativos para a chegada de um príncipe foram iniciados.

Chegou a hora. Calma como sempre, Elizabeth retirou-se para seus aposentos. O rei estava agonizando de impaciência.

Parir não era uma experiência nova para Elizabeth. Ela estava tranquila, mas exultante - a criança que daria à luz seria nobre, talvez um rei.

Elizabeth suportou as dores com coragem surpreendente e foi recompensada com o que pareceu um parto fácil.

Todos ficaram empolgados ao ouvir um choro de bebé. O Dr. Domynyk não conseguiu se conter. Estava determinado a ser o primeiro a dar ao rei a boa notícia de que tivera um filho e lembrar-lhe de sua profecia.

Impacientemente, bateu na porta, que foi aberta por uma das aias da rainha.

- Eu lhe imploro... eu lhe rogo... - arfou o Dr. Domynyk.

- Diga-me depressa, é menino ou menina? A mulher fitou-o com olhos semicerrados.

- O senhor não precisa saber o que a rainha tem aqui dentro; apenas que há um idiota parado aí fora.

Então fechou a porta na cara do médico.

Ele não pôde acreditar. Uma menina! Isso era impossível! Ele havia profetizado...

As estrelas haviam mentido para ele. Os sinais haviam-no enganado. E estava terrivelmente humilhado.

Ao saber que seu bebé era menina, Eduardo ficou desapontado, mas não por muito tempo. Seguiu imediatamente até o quarto de Elizabeth, e quando a viu tão calma e bela, apesar da provação, com seus belos cabelos longos amarrados em duas tranças luxuriantes sobre os ombros, ajoelhou-se diante da cama e beijou suas mãos.

- Não fique triste, amor. Ainda teremos meninos.

Embora tenha sido uma decepção para Elizabeth, o nascimento da criança também foi um triunfo - ele demonstrou o poder da influência exercida por aquela deusa de gelo sobre Eduardo, visto que, poucas horas depois, o rei era todo amores por sua filha.

- Eu não trocaria esta menina por todos os meninos neste reino de Deus - declarou.

As palavras de um pai orgulhoso! Eduardo sempre gostara de crianças.

A duquesa de York surpreendeu a todos ao chegar ao palácio de Westminster. Cecily, a Orgulhosa, mantivera-se afastada desde o casamento, para demonstrar sua desaprovação e sua recusa em assumir posição inferior àquela Woodville caça-dotes, como chamava a rainha.

Fazia um ano e nove meses desde o casamento clandestino, e a duquesa considerou que já permanecera nas sombras por tempo suficiente.

Eles poderiam demonstrar sua contrição dando seu nome à criança, e ela mesma seria a madrinha da Pequena Cecily.

Eduardo ficou feliz em ver a mãe. Abraçou-a calorosamente. Ele não havia gostado da forma como a mãe reagira ao casamento, mas se ela estava disposta a começar a agir racionalmente, ele estava disposto a esquecer o passado.

- Uma criança bela e saudável, querida dama - disse Eduardo. - Estamos maravilhados com ela.

- Um menino teria agradado ao povo - comentou Cecily.

- Querida mãe, fico feliz de saber que a senhora se preocupa com a alegria do povo.

Ele estava sorrindo por dentro. Ele sempre soubera que Cecily preocupava-se apenas com sua própria alegria. Cecily ignorou o comentário.

- Um herdeiro. É disso que você precisa. Todos os reis precisam de herdeiros. Isso acalma o povo.

- Bem, eu tenho uma herdeira. Uma linda menininha.

- O povo não quer ser governado por mulheres. Eduardo riu de novo.

- Mas eles sempre foram! Sem saber!

- Creio que esse não é o presente caso com nosso rei e rainha, é? - disse Cecily.

- Não, mãe. Elizabeth não interfere com os assuntos do reino. Na verdade, cada vez mais me sinto mais feliz com o meu casamento. Se a senhora apenas se desse a chance de conhecê-la...

- Eu gostaria de ver a menina.

- Bem, vamos ao berçário.

- Eu gostaria de ver... apenas a menina. Você pode mandar trazê-la para mim.

Eduardo deu de ombros. Ele não queria um confronto entre as duas mulheres na câmara de descanso. Elizabeth permaneceria calma, ele sabia. Mas também sabia que sua mãe consideraria isso como truculência ou antagonismo contra ela. Elizabeth e Cecily eram completamente diferentes. Cecily era explosiva como um vulcão, sempre

ameaçando cuspir fogo. Elizabeth era calma como a mais pacífica das ravinas... onde uma pessoa poderia deitar e esquecer as irritações, desfrutando da mais absoluta paz.

Assim, a duquesa foi até o berçário, sentou-se numa cadeira parecida com um trono e mandou chamar a chefe das aias. Ela gesticulou para que a mulher se ajoelhasse

à sua frente e lhe disse que desejava ver o bebé.

A mulher se levantou, fez uma mesura e se retirou. Dali a pouco retornou com a criança.

Até as feições carrancudas de Cecily se suavizaram quando tomou o bebé em seus braços. Uma criança realmente saudável, que parecia muito com Eduardo, pensou. Ela comentou isso.

Ela é uma Plantageneta - disse. - Não há um traço sequer dos Woodvilles nela, graças a Deus.

Se ela tiver metade da beleza da mãe, será uma beldade

- disse Eduardo.

Cecily ficou em siiêncio. Que conversa boba de amante!, pensou. Ele ainda não superou isso? Agora que a mulher gerou uma criança será ainda mais difícil livrar-se dela. Ainda assim, era impossível prever, e Eduardo sempre fora volúvel em seus relacionamentos com mulheres.

Eu ficaria feliz se a menina fosse batizada com o meu nome - disse Cecily.

Eduardo meneou a cabeça. Naquele mesmo dia ele dissera a Elizabeth que achava que a criança deveria receber o nome da mãe, e Elizabeth sorrira e dissera que pensara a mesma coisa.

Ele não disse nada agora. Ele sempre evitava problemas. Não havia motivo em criar cenas que podiam ser dispensáveis.

A duquesa disse que consentiria em ser madrinha de sua neta e Eduardo replicou que isso concederia imenso prazer a ele e a Elizabeth.

Mais tarde, ele se sentou ao lado da cama de Elizabeth. O bebé estava dormindo em seu berço.

- Então a sua mãe veio - disse Elizabeth. - Ela não quis me ver?

Oh, ela achou que você poderia estar um pouco cansada.

Elizabeth abriu um leve sorriso. Nunca questione uma coisa se não houver algo a ganhar com isso. A mãe de Eduardo o perturbava, e, como Jacquetta dissera uma vez, sua principal tarefa era mante-lo tranquilo... sempre.

- Ela sugeriu que ficaria feliz se o bebé fosse batizado como Cecily.

Havia ocasiões em que era necessário um pouco de firmeza.

- Mas nós decidimos por Elizabeth, não decidimos? Você queria Elizabeth.

- Não há nome que me agradasse mais, porém...

- Então, se esse é o seu desejo, vou insistir. A criança deve se chamar Elizabeth.

Ele beijou as pálpebras que conferiam tanta distinção ao rosto da esposa. Elizabeth costumava fechá-las de vez em quando por temer que seus olhos traíssem aqueles pensamentos mais profundos, aqueles que ela queria manter ocultos para o mundo.

Agora ela queria que Eduardo visse o triunfo. A duquesa de York precisava aprender que não poderia insultar a rainha e então apresentar-se condescendentemente fazendo exigências.

Imagine, Cecily! O nome da duquesa que deixara tão claro que desaprovava o casamento.

Claro que não. O bebé chamar-se-ia Elizabeth. Como a mãe.

A princesa Elizabeth foi batizada com muita pompa e cerimónia. Todos estavam felizes pelo rei ter finalmente uma filha legítima. Um filho teria sido motivo para festas bem maiores, mas não havia problema - todos tinham certeza de que um filho chegaria em seu devido tempo.

Particularmente confortador foi saber que as madrinhas do bebé eram as mães do rei e da rainha. Todos ficaram sabendo que Jacquetta tinha um nascimento tão elevado quanto o de Cecily Neville, e que a mãe da rainha merecia os mesmos tratamentos reais que a do rei.

Mas o grande alívio foi ter o conde de Warwick como padrinho. Isso deveria significar, dizia-se, que ele já aprovava completamente o casamento. Teria havido inquietação se as pessoas tivessem acesso aos pensamentos íntimos do conde de Warwick. Planos formavam-se em sua cabeça; e ele considerou a ocasião perfeita para desviar as suspeitas. Ainda não estava preparado para agir, mas ele não ficaria com os braços cruzados vendo os Woodvilles tomarem o governo do país, o que estavam começando a fazer, com tantos deles posicionados nas famílias mais importantes da Inglaterra.

O batismo foi realizado por George Neville, arcebispo de York. Warwick espalhara seus homens por todo o país, o que os Woodvilles estavam agora tentando fazer. Era enlouquecedor para Warwick contemplar que estava perdendo em seu próprio jogo.

Alguns dias depois do batismo, foi realizada uma missa. Esta seria uma ocasião grandiosa, porque o povo precisava compreender a importância de Elizabeth, a rainha. Os comentários sobre ela ser malnascida e inadequada a seu novo papel precisavam ser suprimidos para sempre.

A rainha estava linda. Sua palidez caía-lhe muito bem. Ela estava vestida majestosamente e, como de costume, usava os cabelos magníficos flutuando sobre os ombros enquanto caminhava sob um toldo ricamente ornamentado. Houve uma grande procissão desde o Palácio de Westminster até a abadia, com padres, damas, nobres, trombeteiros e outros músicos. Jacquetta caminhava imediatamente atrás de sua filha, os olhos dançando com memórias e antecipações das glórias maiores ainda por vir. Jacquetta costumava dizer ao marido que eles haviam acertado em tudo que fizeram. Eles tinham se amado precipitadamente, se casado ainda mais precipitadamente e gerado a melhor família que já foi dada a um homem e uma mulher.

- E isso porque fomos ousados - insistia. - Pegamos o que queríamos. Escolhemos um ao outro sem pensar em riqueza ou poder, e agora os ricos e os poderosos comem em nossas mãos.

Jacquetta fora a responsável pelo casamento da filha-ou pelo menos era no que acreditava. Ela havia sido sua instigadora. Oh, como estava feliz naquele dia. Sua filha, rainha! Todos os filhos em posições elevadas! Abençoado seja o dia em que ela concebeu a ideia de mandar Elizabeth para a floresta de Whittlebury para conhecer o rei... por acidente.

Quando a cerimónia terminou, voltaram ao palácio para o banquete. Havia uma cadeira ornada a ouro para Elizabeth.

Como ela parecia poderosa! Quão régia! As damas, sua mãe entre elas, ajoelharam-se diante de Elizabeth enquanto ela comia com moderação, jamais olhando ou falando com aqueles que se ajoelhavam humildemente à sua frente.

A despeito da falta do tão esperado menino, a gravidez de Elizabeth fora um triunfo. E, alguns meses depois, ela estava grávida de novo.

Era agosto quando Elizabeth deu à luz seu segundo filho. Para sua decepção - e do rei - foi mais uma menina. Mas Eduardo estava tão apaixonado por Elizabeth quanto no primeiro dia em que a viu. Sua beleza fria era refrescante depois da paixão ardente de seus outros encontros. Esses continuavam, embora não com a mesma frequência de seus dias de solteiro. Ele não precisava arrumar desculpas ou inventar mentiras para Elizabeth. Ela nunca perguntava sobre seus casos extraconjugais. Eles não eram importantes. Ela era a rainha.

Enquanto Eduardo não perdesse o apetite por ela, ninguém poderia substituí-la. Essa era a única coisa que ela temia, e parecia muito improvável. Eduardo era polígamo. Nenhuma mulher iria satisfazê-lo por completo. Eduardo não poderia escolher uma esposa mais adequada para ele e, à medida que os anos passavam, ele ficava mais e mais devotado a Elizabeth.

Ele rapidamente se recuperou de sua decepção inicial com a segunda menininha. O menino viria, tinha certeza. Ambos eram férteis e era normal que tivessem uma ou duas filhas antes de ganhar seu menino. Mas o menino viria, com toda certeza. Elizabeth já tinha dois para provar isso.

Elizabeth já estava pensando em Thomas, o mais velho dos dois filhos de John Grey. Para ele, Elizabeth queria Anne, a herdeira do duque de Exeter. Warwick já escolhera a garota para um de seus sobrinhos, mas Elizabeth vencera o jogo. Warwick estava irritado com isso, mas ainda não demostrava o que se passava em sua mente.

O novo bebé foi mandado para o palácio de Shene para ficar no berçário com sua irmã Elizabeth, mais velha apenas dezesseis meses. A rainha estava determinada a dar às meninas um lar digno de princesas herdeiras do trono. Portanto, o berçário era luxuoso e conduzido por Margaret, lady Bernes, a governanta que Jacquetta nomeara.

Ainda viriam mais crianças, e a mais importante de todas seria um menino. Elizabeth estava tão confiante quanto o rei de que, no devido momento, eles teriam um filho.

Elizabeth nunca esquecia velhas mágoas; e como raramente agia com pressa, estava sempre preparada para esperar o momento mais adequado à vingança.

Ela jamais esquecera de um comentário que lhe fora repetido pelo próprio rei. Antes do nascimento da princesa Elizabeth, lorde Desmond sugerira ao rei que se divorciasse dela e arrumasse um casamento mais apropriado. Eduardo rira da ideia, mas isso não fizera Elizabeth perdoar Desmond. Ele plantara uma semente ruim na mente do rei, e quem podia dizer se ela não estava brotando? Se um dia o rei chegasse até mesmo a considerar seguir essa sugestão, e se isso chegasse ao conhecimento dos inimigos, Elizabeth e sua mãe estariam em maus lençóis.

Portanto, Elizabeth ficou interessada ao ouvir uma crítica ao governo de lorde Desmond na Irlanda. A crítica foi tecida por John Tiptoft, conde de Worcester. Worcester comentou que o governo de Desmond aparentava estar sendo bem-sucedido porque ele favorecia os irlandeses. Era natural que os irlandeses gostassem dele. E é claro que eles gostavam. Ele era um irlandês, e Worcester acreditava que ninguém poderia ser tão amigo dos irlandeses sem ser um traidor aos ingleses.

Worcester sempre apoiara o rei. Ele possuía um laço familiar com Richard; sua esposa era neta de Cecily, duquesa de York. Elizabeth gostava do caráter de Worcester. Era um homem que sabia calcular muito antes de agir. Na verdade, tinha uma reputação de infligir crueldade desnecessária aos inimigos que caíam diante de seu poder.

Ele fora delegado na Irlanda, e, portanto, sabia do que estava falando. Depois fora mandado para se encontrar com o papa numa missão para o rei e ficara algum tempo na Itália. A permanência na Itália surtira um grande efeito sobre ele. Diziam que ele fora tão embebido da cultura desse país que agora era tão italiano quanto francês.

Claro que a lealdade de Worcester a Eduardo o favorecia, e como ele criticara Desmond, o rei estava considerando mandálo novamente para a Irlanda.

Ao saber disso, a rainha resolveu cultivar Worcester. Ela o convidou a um dos banquetes que gostava tanto de promover. Durante a festa, a rainha manteve Worcester a seu lado. Mas queria ter uma conversa particular com ele, e quando a oportunidade surgiu, não perdeu tempo e foi direto ao assunto que era de suma importância para ela.

- Fiquei feliz ao saber que irá para a Irlanda-disse a rainha a Worcester. - Sei que há muita coisa que precisa ser reformada lá. O rei gosta muito de Desmond, mas nunca confiei nele.

Worcester adorou ouvir seu rival na Irlanda ser denegrido. E qualquer fracasso que pudesse ser associado a Desmond realçaria seus próprios sucessos. Ele abriu bem os ouvidos para a conduta de Desmond e acrescentou ele mesmo alguns comentários.

- Homens assim são perigosos para o rei - disse Elizabeth.

- Eles não devem continuar vivendo.

Worcester estava interessado. Por algum motivo, a rainha queria eliminar Desmond, e isso certamente se adequava ao propósito de Worcester em tirar seu rival do caminho.

- Quando estiver na Irlanda, investigarei se Desmond está envolvido em algum ato de traição - prometeu.

- E se ele estiver...

- Minha dama, se eu descobrir traição, precisarei extirpála. Só existe um preço que deve ser cobrado a um traidor: sua vida.

A rainha assentiu.

- Temo pelo rei. Ele é muito tolerante, muito cego aos perigos que o cercam. Ele não gosta que falem mal das pessoas por quem nutre alguma consideração.

- Mesmo se ele receber relatos de infâmia...

- Mesmo assim.

- Bem, minha dama, veremos. Partirei em breve para a Irlanda. A senhora tem o meu juramento de que o meu primeiro dever será desmascarar os traidores.

- Aguardarei notícias suas, milorde.

- Não ficarei surpreso se tiver notícias para a senhora muito em breve. Minha dama, a senhora é alerta para os perigos, e posso dizer, sem nenhuma deslealdade para com o rei, que concordo que ele tem uma tendência a confiar demais nas pessoas. Isso confere aos seus inimigos a chance de que precisam. Estou sendo muito ousado em minhas palavras.

- Milorde, não se pode ser ousado com as palavras quando o assunto é a segurança do rei.

- Desmond é amigo pessoal de Warwick e, suspeito, lorde Warwick não é um amigo tão bom quanto o rei acredita ser.

- Também tenho meus olhos abertos para Warwick.

- É bom saber que o rei tem alguém para cuidar de seus interesses.

- Pode ficar tranquilo; estou sempre atenta. E espero receber notícias suas em breve.

Worcester cumpriu a palavra. Não tardou muito, a corte recebeu notícias de uma ação numa corte de justiça em Drogheda, na Irlanda.

Um mercador acusava Desmond de extorquir dinheiro e víveres e, pior ainda, de estar mancomunado com os nativos numa conspiração contra a Inglaterra.

- Nunca confiei em Desmond - sentenciou Elizabeth. Eduardo riu.

- Querida, ele sempre foi um bom amigo. Sabe como são esses irlandeses. Eles procuram problemas e, quando não encontram, inventam.

- Acha mesmo isso?

Os olhos de Elizabeth estavam voltados para baixo; novamente fingiam timidez. Eduardo não podia perceber que ela discordava dele ou que nutrisse qualquer mágoa contra Desmond. Se percebesse, deduziria que a causa fora aquele comentário desafortunado e como ela e Jacquetta haviam decidido - mostrar ressentimento sugeriria medo. Eduardo não podia achar, nem por um momento, que Elizabeth duvidava de sua satisfação com o casamento.

Cuidado onde pisa, aconselhara Jacquetta. E o temperamento de Elizabeth a equipava bem para isso.

A rainha não falou mais nada sobre Desmond para Eduardo, mas enviou agradecimentos calorosos a Worcester e aguardou pelo passo seguinte.

Não demorou muito até que ele viesse. Desmond fora julgado segundo as acusações levantadas contra ele em Drogheda, e o tribunal declarara-o culpado. Assim, fora sentenciado à morte. Tudo que precisavam era da sanção do rei à execução.

Eduardo estava num dilema. Warwick ensinara-o que ele não precisava de escrúpulos ao lidar com traidores. Eles deviam ser destruídos impiedosamente. Afinal, seu grito de guerra sempre havia sido: "Procurem os líderes. Deixem em paz os soldados comuns." Eram os líderes que causavam problemas. Eram os líderes que deviam ser temidos. E agora Desmond. Ele não podia acreditar, mas segundo o relatório de Worcester, Desmond tentara atiçar os irlandeses contra o governo inglês, o que significava um ataque direto ao rei.

Mas Desmond sempre fora seu amigo. Ele gostava de Desmond. Teria sido ele amigável demais com os irlandeses? Ora, ele era irlandês! Mas conspirara com eles? Mesmo se Desmond o tivesse feito, Eduardo consideraria difícil colocar seu sinete no mandado de morte.

Era típico de Eduardo ter engavetado o assunto. Ele colocou a ordem fora de sua vista e se esqueceu dela. Eles não poderiam executar Desmond sem o seu sinete, e se ele não fizesse nada, talvez o assunto esfriasse. Então talvez pudesse reabrir o inquérito e julgar o assunto pessoalmente. Na pior das hipóteses, o rei confiscaria as propriedades de Desmond e entregaria a Worcester o governo da Irlanda.

Era possível que Desmond fosse um traidor. Os homens traíam em nome do dinheiro. Mas era difícil imaginar Desmond fazendo isso. Em todo caso, ele podia esquecer o assunto. A Irlanda ficava muito longe.

Elizabeth não falou nada a respeito de Desmond. Mas ela sabia onde estava o mandado de morte. Ela também sabia que tudo que ele precisava era o selo do rei.

Eduardo tinha outros assuntos com os quais se ocupar: estava profundamente chocado ao saber que Warwick sugerira ao duque de Clarence que ele se casasse com sua filha mais velha, Isabel.

Este foi um dos assuntos que ele discutiu com Elizabeth.

- O que você acha que Warwick pretende com isso? perguntou Eduardo.

- Acho que lorde Warwick é um homem ambicioso - disse Elizabeth.

- Isso, minha querida, não é novidade. Nunca conheci um homem mais ambicioso. Por que não fui consultado? O que isso significa?

- Que Warwick acredita que é tão sábio e poderoso que não precisa consultar o rei.

- Por Deus, não deve haver casamento. Quero Clarence para fortalecer a aliança com Borgonha. Quero que essa união entre minha irmã Margaret e o herdeiro de Borgonha se realize, e acho que Clarence poderia se casar com Mary, a filha do conde.

- Claro que ela é apenas uma criança.

- Clarence não é velho. Ele pode esperar, ouso dizer. Mas Clarence e Isabel Neville... jamais! Em primeiro lugar, eles são primos em segundo grau. Precisam de autorização do papa. Providenciarei para que não consigam.

Eduardo estava tão irritado que esqueceu por completo o caso de lorde Desmond. Mas Elizabeth não esquecera. Ela prometera a si mesma vingança pelo comentário que ele tecera, e não ficaria satisfeita até que ele tivesse a cabeça separada do corpo.

Certa manhã, a rainha acordou cedo. O rei estava ao seu lado, dormindo. Ela olhou para ele criticamente. Eduardo perdera um pouco daquela beleza extraordinária que possuía quando o conhecera. Estava com rugas finas em torno dos olhos e vinha demonstrando tendência à corpulência. Ela deu de ombros. Ainda era um homem bonito, mas sua aparência não importava. O que importava era que o rei mantivesse sua coroa e ela o controle sobre ele.

A rainha se levantou da cama. Numa mesinha estavam os ornamentos do rei. Ele os deixara lá na noite anterior, antes de se despir para dormir.

Ela caminhou até a mesinha e achou imediatamente o que procurava: o selo real.

Os documentos do rei estavam numa câmara adjacente. A rainha encontrou entre eles aquele que estava procurando.

Tudo foi feito em questão de minutos.

Ela selara o mandado de morte.

Escondeu-o numa gaveta e voltou para a cama.

O rei ainda dormia. Ela permaneceu ali, observando-o. Ela se aproximou mais dele, abraçou-o e puxou-o para si.

Eduardo não tinha a menor noção de que ela se levantara da cama.

A rainha estava grávida novamente.

Ninguém duvidava de sua fertilidade. Desta vez, disse o rei, será um menino.

Chegaram notícias de que lorde Desmond fora executado. Mais do que isso, Worcester mandara matar também seus dois filhos pequenos. Isso chocara muita gente porque os meninos ainda estavam na escola, e era difícil imaginar como poderiam ser implicados na traição do pai. Comentava-se que um dos meninos estava com o pescoço dolorido e, pateticamente, pedira ao carrasco que tomasse cuidado ao cortar sua cabeça. Esta história foi repetida e as pessoas começavam a odiar o conde de Worcester e a dizer que ele aprendera sua crueldade na Itália. Era melhor que tivesse ficado por lá e que jamais tivesse trazido seus métodos malignos para a Inglaterra, diziam.

Eduardo ficou muito perturbado com a execução de Desmond, especialmente porque ouvira o que acontecera aos meninos.

- Worcester é cruel demais - disse a Elizabeth.

Ela não concordou nem discordou; apenas manteve os olhos voltados para baixo.

- Eu não coloquei minha assinatura no mandado de morte - disse o rei.

- Ele está morto agora - foi tudo que a rainha respondeu. E ele o mereceu, ela estava pensando. Como ousara aconselhar o rei de que seria bom para o país se ele se livrasse de sua rainha?

Ele pagara o preço justo por aquele comentário. O preço que deveriam pagar todos que tentassem atingir Elizabeth Woodville.

O rei esqueceu o assunto. Não importava o que fizesse, não traria Desmond de volta. Pelo menos não fora forçado a tomar uma decisão.

No final do ano Elizabeth deu à luz outra criança. Mais uma vez foi uma menina e eles a batizaram Cecily.

Três meninas: uma atrás da outra. Era constrangedor, pois a cada vez todos torciam para que fosse um menino. Mas o rei amava suas filhas e, para surpresa geral, continuava devotado à esposa. Talvez estivesse começando a procurar outras mulheres, mas sempre retornava para a rainha e não parecia lamentar seu casamento. E Elizabeth, fria, distante, mais régia do que qualquer mulher de berço real, continuava mantendo o rei sob seu controle.

EM SANTUÁRIO

Warwick estava ficando impaciente. Ele já tolerara o bastante. Ele vira os Woodvilles ascenderem de sua posição humilde para se tornarem a família mais poderosa da Inglaterra. O rei insultara-o casando-se com essa viúva caçadora de dotes enquanto ele, Warwick, negociava com o rei da França uma união entre Eduardo e uma dama da família real francesa.

Nada poderia ter sido mais bem calculado para feri-lo. Ainda assim, com controle sobre-humano, Warwick enterrara seus ressentimentos. Ele reconhecera a rainha; ele não repreendera o rei.

Mas o que ele não toleraria mais era o poder dos Woodvilles.

Quase imediatamente depois do casamento, Warwick sondara os irmãos do rei. Richard era um jovem idealista e Warwick rapidamente percebeu que não havia como demovê-lo de sua lealdade ao irmão. Era diferente com Clarence. Este era volúvel, invejoso e ambicioso. Não seria difícil fazê-lo mudar sua aliança. Por outro lado, seria um aliado sem valor, pronto para trocar de lado conforme a direção para onde o vento soprasse. Mas fazer Eduardo ser traído pelo próprio irmão - ainda que essa traição fosse apenas momentânea - teria seu valor.

Warwick tentara Clarence oferecendo-lhe casamento com sua filha mais velha. Suas duas filhas, mesmo dividindo entre elas a vasta fortuna dos Warwicks, seriam as mais ricas do reino.

Clarence pensou no que significaria o casamento com Isabel e gostou do que viu. Além disso, ele gostava de Isabel. Nenhuma das duas filhas de Warwick era fisicamente forte como seu pai gostaria, mas ambas eram atraentes. Anne e Richard de Gloucester eram amigos íntimos; e George e Isabel sempre haviam gostado um do outro. As meninas eram noivas dignas dos dois duques, e antes do casamento com a Woodville, Eduardo teria concordado com o conde. Agora estava tentando impedir que Isabel e George se casassem. Mas eles iriam se casar. Warwick já havia jurado isso a si mesmo.

Ademais, o rei queria casamento entre sua irmã Margaret e Charles, conde de Charolais, o filho mais velho e herdeiro do duque de Borgonha. Isto, obviamente, era a última coisa que Luís, rei da França, queria. Luís não desejava uma aliança firme entre a Inglaterra e Borgonha. Luís fora amigo de Warwick, e se Warwick agisse contra Eduardo, seria a Luís a quem poderia recorrer por ajuda.

Ele não deixara Eduardo saber que estava fazendo tudo a seu alcance para impedir o casamento com a família de Borgonha. Na verdade, ele parara de trocar confidências com Eduardo, e embora continuasse demonstrando amizade, aquilo não passava de uma fachada. A amizade de Warwick e Eduardo acabara há muito. Ele jamais o perdoaria por sua ingratidão, e estava determinado a fazer Eduardo arrepender-se amargamente um dia. Ele veria o grande erro que cometera ao opor-se a Warwick, humilhálo e permitir que a família Woodville superasse a família Neville em poder. Eduardo precisava aprender que Warwick ainda exercia poder na Inglaterra.

Nesse ínterim, o grão-duque de Borgonha morrera e Charles de Charolais tornara-se o duque. Eduardo declarara que não havia qualquer motivo para que o casamento fosse postergado, e o conde de Warwick deveria conduzir sua irmã na primeira parte de sua jornada à França.

Ainda procurando não desagradar o rei, Warwick concordou. Em junho, partiu para Flanders. Houve uma cerimónia na Catedral de St. Paul e Margaret montou o mesmo cavalo que Warwick cavalgara através da cidade de Londres.

O povo estava feliz, acreditando que isso era um sinal de que Warwick e o rei eram os mesmos bons amigos de sempre. Eles não sabiam que, mesmo enquanto cavalgava até a costa com Margaret, Warwick estava com a cabeça fervilhando com planos para tomar a coroa de Eduardo.

Margaret despediu-se de Warwick em Margate e cruzou o mar até Sluys, onde foi recebida pela duquesa viúva de Borgonha e um esplêndido cortejo.

O duque conheceu-a e eles se casaram num lugar chamado Damme. Depois da cerimónia as celebrações foram tão grandiosas que os convidados declararam que só poderiam ser comparadas com as festas da corte do rei Arthur. A noiva e o noivo pareceram felizes um com o outro, e o único incidente a empanar a festa foi quando o casal quase morreu queimado em sua cama nupcial no castelo nas proximidades de Bruges.

Felizmente, eles escaparam a tempo. Mais tarde, comprovouse que o fogo fora ateado por um louco.

Eduardo declarou que o casamento fora um trabalho bem-feito, tendo fortalecido a aliança entre as casas de York e Borgonha.

Warwick não ficou feliz com nada disso, mas sabia que tinha a amizade de um homem que era tão poderoso quanto o duque de Borgonha: o próprio rei da França. O casamento irritara Luís, e ele já estava favorecendo Margaret de Anjou, que estava exilada na França. Ele seria um aliado útil para o seu velho amigo, o conde de Warwick.

Ideias fervilhavam na cabeça de Warwick. O momento para agir estava próximo.

O rei estava em Westminster e Warwick instalara-se no seu castelo de Míddleham, onde recebeu a companhia de seu irmão George Neville, arcebispo de York, e do duque de Clarence, que estava pronto, assim que a autorização do papa fosse emitida, para desposar Isabel.

Warwick finalmente resignara-se em ter perdido Eduardo. Talvez ele jamais o tivesse possuído, porque Eduardo não era um fantoche. Era um homem de mente forte que sabia reger e que acabaria governando a seu próprio modo. Ele mostrara sua verdadeira face ao se casar sem autorização, deixando claro que não admitiria ser conduzido por ninguém. Eduardo era um regente. Ele não teria um mestre. Warwick fora enganado pelo seu desejo em evitar conflitos - exceto no campo de batalha - e sempre adotar uma saída conciliadora, o que, Warwick precisava admitir, muitas vezes era a atitude mais sábia. Eduardo era calmo e simpático por natureza; essas características haviam eclipsado o homem forte por trás delas.

Bem, Warwick aceitaria isso. Ele não queria um rei fraco no trono da Inglaterra. O que pretendia derrubar era o poder ascendente dos Woodvilles em locais estrategicamente escolhidos do reino.

Warwick faria isso e ao mesmo tempo mostraria a Eduardo que, embora ele fosse forte, o criador de reis era mais.

De Middleham, ele estava sondando o norte. O norte da Inglaterra sempre fora favorável a Lancaster, o que significava ser contra York. Warwick acreditava que se ele levantasse armas contra o rei, seria no norte que encontraria apoio.

Seu poderoso irmão George estava a seu favor. Ele nutria uma mágoa profunda contra Eduardo, por ter oferecido seu apoio a Thomas Bourchier, o arcebispo de Canterbury, para elevá-lo ao posto de cardeal - uma honra que George há muito cobiçava. E quando Bourchier foi eleito para o Colégio de Cardeais, Eduardo cutucara a ferida escrevendo pessoalmente a George para relatar-lhe isso, de uma forma que sugeria que o rei estava mandando os Nevilles às favas.

Isso fora a gota d água. Warwick estava furioso.

- Eu o fiz - costumava recordar às pessoas. - Se não fosse por mim, ele jamais teria chegado ao trono. E quando o coloquei lá, coroado, consagrado, o que acontece? Ele casa com aquela mulher e os Woodvilles começam a se espalhar por toda parte. Isso precisa ser detido.

Bem, agora ele iria deter isso.

De Middleham ele enviou mensageiros para a corte da França. Queria saber até que ponto o rei iria apoiá-lo se ele levantasse armas contra Eduardo.

Luís, que ficara alarmado com a união de Eduardo e Borgonha através do casamento de Margaret de York com o duque, adoraria ver Eduardo derrotado, e Warwick acreditava que podia confiar nele. Warwick tinha o duque de Clarence a seu lado. Warwick prometera a esse rapaz ambicioso que, se Eduardo fosse deposto, Clarence subiria ao trono. Clarence acreditou em Warwick, porque o criador de reis queria casá-lo com sua filha Isabel. Para Warwick, era uma perspectiva magnífica ter uma filha rainha da Inglaterra.

Mas o conde estava determinado a atacar apenas se tivesse certeza absoluta da vitória. Ele foi a Calais para vistoriar suas defesas e enquanto esteve lá, alguns de seus aliados, que estavam ficando impacientes, iniciaram levantes.

Os líderes dos levantes consideraram que o nome Robin implicaria que eles eram homens do povo, sendo Robin um nome derivado do lendário Robin Hood. O primeiro desses levantes foi comandado por um homem que se autodenominava Robin de Holderness, Foi prematuro e desorganizado, e John Neville, a quem o rei fizera conde de Northumberland, não teve dificuldade em sufocá-lo. Era estranho que um Neville ficasse ao lado de Eduardo, mas Warwick fora incapaz de incutir neste o bom senso de antagonizar Eduardo. Robin de Holderness declarou que liderara a revolta para reparar as injustiças contra o povo, mas não mencionou qualquer insatisfação com o rei. Contudo, fez insinuações sobre a generosidade de Eduardo para com os vorazes parentes da rainha.

Robin de Holderness foi decapitado e aquela rebeliãozinha acabou. O levante de Robin de Redesdale foi de natureza mais séria. Suspeitava-se que Robin de Redesdale era sir John Conyers, um parente de Warwick, e esse fato atribuía à insurreição um significado mais sinistro.

Robin de Redesdale opunha-se aos impostos pesados, à separação de jovens de suas famílias para prestar serviço militar fora de suas áreas, e às atitudes abusivas dos nobres da região. Também ouviu-se protestos contra os Woodvilles. Os nomes de lorde Rivers e da duquesa Jacquetta foram mencionados junto com todos aqueles que se haviam tornado importantes demais desde o casamento do rei, devido às suas alianças com famílias importantes.

Eduardo não deu muita importância aos relatos sobre esses problemas.

- Não é nada com que não possamos lidar - disse ele.

Mas, depois de algum tempo, os boatos sobre o que Warwick estava tramando e os relatos contínuos de levantes começaram a alarmar até mesmo a ele.

Robin de Redesdale continuava à solta. Ele não era um amador como fora Robin de Holderness, o que indicava que Warwick poderia ter um dedo nisso. O rei decidiu que se Warwick estava de fato por trás do levante, ele deveria reunir seu exército sem demora e averiguar pessoalmente o que acontecia no norte.

Warwick estava em Calais, acompanhando os acontecimentos. Sua maior insistência era de que não deveriam avançar enquanto não estivessem prontos. Havia insatisfação no norte, isso era verdade. Mas quanto apoio aqueles que sempre haviam sido lancasterianos dariam a Warwick, um dos grandes arquitetos do sucesso dos yorkistas, o homem que apenas agora estava dando as costas para o rei que ele mesmo criara?

Enquanto isso, o rei marchava para o norte, mas não com muita pressa, parando para fazer uma peregrinação aos cemitérios St Edmunds e Walsingham. Eduardo estava acompanhado por seu irmão Richard, a quem sempre gostara de ter por perto, agora que Clarence desertara. Ele gostava da lealdade patente de Richard. Estava muito perturbado com o comportamento do duque de Clarence - não que o temesse, pois sempre o considerara incompetente e estúpido, mas porque ele era seu irmão, e a infidelidade de um irmão parecia-lhe algo muito triste. Além de Richard, Eduardo tinha a seu lado lorde Rivers e lorde Scales, o pai e o irmão de Elizabeth, cuja amizade ele inicialmente cultivara para agradar Elizabeth, mas a quem agora já considerava dentre seus melhores amigos. Os Rivers não discutiam, não procuravam manipulá-lo, como Warwick fizera; eles faziam o que Eduardo mandava, e se fossem generosamente recompensados por isso, estavam em seu pleno direito.

Elizabeth também estava com Eduardo, assim como as três menininhas. Elas precisariam descansar em algum lugar, pois não era adequado que uma criança tão pequena quanto Cecily viajasse com um exército. Mas ele gostava de ter Elizabeth por perto, e por isso a trouxera. E como ele não insistira que as crianças fossem deixadas em Londres, elas também haviam vindo.

Ele estava no Cemitério St Edmunds quando mensageiros chegaram de Kent. Traziam notícias ruins de Calais. O duque de Clarence, irmão do rei, casara-se com a filha de Warwick, Isabel.

Eduardo ficou estarrecido. Ele expressara sua desaprovação ao casamento; na verdade, ele o proibira. Era impossível acreditar que Warwick - e pior ainda, o seu próprio irmão - o havia desafiado abertamente. Devia haver alguma explicação. Isso não podia ser verdade. Ele se recusava a acreditar que Warwick guardasse tanta mágoa dele e que o houvesse desafiado deliberadamente.

Warwick fora seu grande amigo, seu herói, seu mentor. George era o seu irmão. Não podia se posicionar contra ele. Isso devia ser algum erro ridículo.

Elizabeth quis dizer que não havia qualquer erro. Chegara a hora de Eduardo admitir quais eram os seus inimigos. Mas ela não disse nada.

Chegaram mais notícias. O exército rebelde era maior do que fora reportado inicialmente, e agora estava claro que isso era mais do que apenas uma pequena rebelião.

Ele olhou para Elizabeth e pensou nas crianças.

- Quero que você parta imediatamente. Retorne para Londres. Se haverá problemas, este não é o seu lugar.

Ela não protestou. Ficaria feliz com o fim do desconforto da viagem. Iria para Grafton e Jacquetta poderia retornar com ela para Londres.

Elizabeth estava feliz pela presença da mãe, mas Jacquetta se mostrava inquieta. Sentia que eventos poderosos avultavam no horizonte, e poderiam ser mau presságio.

- Não confio em Warwick - disse Jacquetta. - Ele era poderoso demais antes do seu casamento...

- A vida mudou para ele depois disso - comentou Elizabeth com um sorriso.

- Um homem como Warwick não admite ser passado para trás.

- Se as forças que o passaram para trás são fortes demais, não há nada que ele possa fazer.

Jacquetta ficou em silêncio. Às vezes Elizabeth era um pouco complacente demais. Contudo, estava feliz em ter sua filha a salvo dos exércitos. E também as crianças. Cecily, que ainda não tinha um ano de idade, ainda era pequena demais para ser carregada país afora.

Warwick desembarcou na Inglaterra e foi recebido em Londres calorosamente. Havia problemas no norte, e dizia-se que o rei pedira a Warwick e seu irmão George que fossem ajudá-lo.

Warwick respondera prontamente. Tudo estava bem. Warwick e o rei eram amigos.

Estava claro, disse Jacquetta à filha, que muitos acreditavam que havia uma rivalidade entre o rei e o conde. O povo de Londres estava alarmado. Isso significava guerra civil.

- Guerra civil! Nunca. Warwick não ousaria.

- Começo a achar que ousaria, sim - disse Jacquetta. Acho que Warwick está disposto a arriscar muito.

Os dias foram tensos. Passavam cada instante à espera de notícias, que chegavam com uma concisão frustrante, e não era fácil encaixar os eventos para ver o quadro claramente.

Aparentemente, Warwick mentira ao dizer que estava indo em auxílio do rei. Não, ele estava indo se juntar aos rebeldes.

WiHiam Herbert, conde de Pembroke, e Humphrey Stafford, conde de Devon, marchavam para Banbury. Eles contavam com uma força poderosa de Gales e da região oeste, que eram defensoras fiéis do rei. Não tardariam a derrotar os rebeldes.

Jacquetta e Elizabeth esperaram notícias da batalha, agora certas de que os rebeldes seriam esmagados e a paz, restaurada.

Mas não foi o que aconteceu. O exército de Warwick juntarase aos rebeldes e, em Edgecot, os homens leais ao rei foram derrotados. Pembroke e seu irmão foram feitos prisioneiros e, de acordo com a regra de destruição dos líderes, decapitados em Nothampton no dia seguinte.

- Warwick foi muito longe desta vez - disse a rainha, que agora começava a ficar alarmada. Ela se virou para a mãe. O que vai acontecer? - inquiriu. - Onde tudo isto acabará?

Mas desta vez o futuro não se revelaria para Jacquetta.

A situação estava ainda pior do que Jacquetta e Elizabeth percebiam em Londres. Quando as notícias da derrota de Pembroke em Edgecot alcançaram o pequeno exército de Eduardo, os homens começaram a abandoná-lo e ele foi deixado com um grupo muito pequeno de seguidores. Para seu imenso pesar, Eduardo percebeu que cometera um erro vital. Ele demorara demais. Ele recusara acreditar no óbvio. Teimosamente, recusara aceitar a perfídia de seu irmão e o furioso desejo de vingança do criador de reis.

Não havia nada que ele pudesse fazer além de esperar na cidadezinha de Olney. Richard estava com ele. Hastings também.

- Bem, estamos à mercê de nossos inimigos.

- Não por muito tempo - disse Richard. - Devemos confiar em nós mesmos.

- Precisamos mais de argúcia do que de bravura, irmão. Precisamos enfrentar o que surgir em nosso caminho com habilidade. Não acredito que Warwick ou George queiram me ferir.

- George sempre quis tomar seu lugar - disse Richard.

- George não duraria um dia como rei.

- com Warwick manipulando-o?

- George jamais teria o bom senso de permitir que Warwick fizesse isso. Richard, talvez você deva buscar abrigo.

- O quê! - gritou Richard.-Deixá-lo aqui? Não. Irei para onde você for. Se você ficar, também ficarei.

- Sinto muita felicidade em ouvir isso, Richard. Você sempre foi o melhor irmão que um homem pode ter.

- Você sempre foi isso para mim.

- Este não é momento para sentimentos. Não duvido que em breve Clarence venha falar comigo. Será que Warwick virá junto?

- Eu o matarei se vier. Eduardo riu.

- Você não terá uma chance e, se tivesse, eu não permitiria. Apesar de tudo, gosto do velho soldado. Ele foi um bom amigo... um dia.

- E se tornou um inimigo ruim.

- Não, Richard, um inimigo excelente.

- Não sei como você consegue rir com tudo isto acontecendo.

- Às vezes acho que essa qualidade minha... ou talvez defeito... foi o motivo para eu ter chegado ao topo. - Ele encostou sua testa na do irmão. - E eu devo ficar aqui, Richard.

No castelo de Baynard, um mensageiro chegou ao jardim. Lentamente, desmontou e caminhou até o castelo. Ele temia o momento em que precisaria encarar a rainha e sua mãe. Todo mensageiro queria ser o portador de boas notícias. Os mensageiros frequentemente eram parabenizados quando entregavam boas notícias, apesar de não terem feito nada para gerá-las, e desprezados quando anunciavam coisas ruins. Era ilógico, mas compreensível.

Agora este mensageiro sabia que o que tinha a dizer não poderia ser mais trágico.

Assim que Jacquetta ouviu que um mensageiro chegara, mandou chamar Elizabeth e as duas foram recebê-lo.

O mensageiro fez uma mesura para as duas e hesitou.

- Vamos, quais são as notícias? - inquiriu a rainha, imperiosa.

- Minha dama... minhas damas... eu...

- Fale! - gritou Elizabeth, peremptoriamente. Jacquetta pousou uma mão no braço de Elizabeth.

- O homem hesita porque teme que o que dirá nos deixará desconsoladas - explicou gentilmente. - Por favor, nos diga. Esforce-se. Sabemos como odeia ser o portador de más notícias.

- Minhas damas, perdoem-me... mas lorde Rivers... Jacquetta colocou a mão no coração. Ela não falou. Manteve os olhos fixos no rosto do mensageiro.

Ele fitou-a, como se rogando para que ela pedisse que não continuasse.

- Ele está morto - disse Jacquetta, numa voz inexpressiva.

- Ele foi capturado com seu filho sir John quando voltavam para Londres depois da derrota em Edgecot.

- Como... - começou Jacquetta.

- Foram decapitados em Kenilworth, minha dama. Jacquetta colocou as mãos sobre o rosto. Elizabeth sentouse e permaneceu olhando fixamente à frente.

Foi Elizabeth quem falou primeiro.

- Quem ordenou esse... assassinato?

- O conde de Warwick, minha dama. Elizabeth meneou a cabeça.

- Desça até a cozinha e coma alguma coisa - disse ela. Depois que o mensageiro havia descido, Jacquetta baixou as

mãos e olhou para a filha. Elizabeth pensou que jamais vira uma expressão tão desolada no rosto de qualquer pessoa.

Jacquetta não disse uma palavra. Estava pensando no dia em que conhecera seu marido, em sua beleza e em seu charme, características que haviam fascinado uma mulher ambiciosa como ela, fazendo-a esquecer todos os seus outros desejos. O casamento fora um idílio. Lorde Rivers fora tudo que sonhara num homem. E agora estava morto. Ela pensou naquela cabeça a que tanto amara, sendo colocada sobre um bloco e cortada cruelmente de seu corpo. E John também. Seu amado filho! Apesar da paixão que nutria por seu marido, Jacquetta não amava menos os filhos. Os Woodvilles eram um clã, o triunfo de um era o triunfo de todos, como ficara claro no casamento de sua irmã. A rainha da Inglaterra procurava favorecer a sua família sempre que podia. O querido John, que fora assassinado ao lado do pai, recentemente casarase com a velha duquesa viúva de Norfolk, tornando-se um dos homens mais ricos do país. Mas tudo fora em vão. Todo aquele dinheiro, todas aquelas vastas posses que seriam suas depois da morte da velha dama, nada significavam para ele agora.

As tristezas de um eram as tristezas de todos, assim como os triunfos, e Jacquetta sabia que Elizabeth, imóvel e calada, perfeitamente contida, estava lutando contra uma emoção tão amarga quanto ela própria.

Foi Elizabeth quem falou primeiro:

- Maldito seja Warwick. Não descansarei até que a sua cabeça seja separada do resto do corpo. Ele receberá uma resposta por isto. Sempre que o vir, verei meu amado pai e meu irmão, e lembrarei do que fez a eles.

George Neville, arcebispo de York, chegara a Olney, nas proximidades de Coventry, e apresentara-se ao rei.

Ele foi muito respeitoso. Viera, disse, em nome de seu irmão, o conde de Warwick, e queria conduzir o rei até ele. com o conde estava o duque de Clarence, outro aliado fiel do rei. Estavam preocupados com sua segurança e tinham vindo para protegê-lo.

Eduardo riu.

- Não faz muito tempo, estavam lutando contra mim.

- O senhor se engana, majestade-argumentou o arcebispo. - A maior preocupação de meu irmão é com a sua segurança. Ele disse ao povo de Londres que estava vindo em seu auxílio. O seu irmão, o duque de Clarence, veio com o mesmo propósito.

Richard, que estava com o rei, disse:

- Vocês são traidores, todos vocês. Eduardo pousou uma mão em seu braço.

- Entendo que você esteja determinado a fazer de mim um prisioneiro.

Richard deu um passo na direção do arcebispo, e mais uma vez Eduardo o conteve.

- O que quer de mim?

- Que o senhor me acompanhe até o seu irmão. Eduardo sabia que ele estava em seu poder. Ele fora tolo, e a tolice podia ser desastrosa. Ele demorara a agir; recusara ver o perigo quando estava bem diante de seu nariz. Bem, agora Eduardo precisava pagar por sua insensatez. Era um revés temporário, tinha certeza. Warwick não era um grande general. Eduardo tinha pouco respeito por seu desempenho no campo de batalha. Era como estrategista que Warwick se destacava. Ele tinha a capacidade de transformar derrota em vitória empregando alguma ação que era totalmente inesperada pelo outro lado. Eduardo pretendia imitar a estratégia de Warwick. Assim, decidiu ir com o arcebispo. Ele fingiria acreditar na fidelidade do duque, embora sua traição fosse evidente.

- Irei com você - disse o rei. - Verei Warwick. O arcebispo curvou a cabeça.

- Então vamos partir sem demora.

Ele se virou para Richard e Hastings, que ladeavam o rei.

Richard era um rapaz de cerca de dezessete anos e parecia mais jovem devido à sua estatura delicada. Warwick dissera "Deixe Richard ir". Quanto a Hastings, ele era cunhado de Warwick. O conde sempre pensara que com um pouco de persuasão conseguiria atrair Hastings para o seu lado. Isso seria possível se Hastings visse que a causa de Eduardo não tinha esperanças. Assim, George Neville tinha instruções para dispensar Richard e Hastings. Deixá-los ir embora, encontrar seu caminho até onde quisessem ir. Era apenas Eduardo que ele queria.

com imensa tristeza, Richard despediu-se do irmão e partiu com Hastings, enquanto Eduardo permitia-se ser conduzido a Coventry, onde Warwick o aguardava.

Naturalmente, Warwick estava triunfante.

- Estamos vivendo uma situação lamentável-disse Warwick.

- Você sabe, Eduardo, que não lhe quero mal.

- Não - replicou Eduardo tranquilamente. - Você quer apenas fazer-me seu prisioneiro.

- Jamais deveríamos permitir que um conflito nos separasse.

- Não fui eu quem iniciou o conflito, Richard.

- Oh, foram outros, garanto-lhe. A alegre família Woodville. Você sabe o que acontece com os reis que honram seus favoritos em detrimento do reino.

- O reino sofreu?

- O reino sofreu porque o poder foi colocado nas mãos de pessoas incapazes de lidar com ele... pessoas que se preocupam apenas com ganhos materiais.

- Que é o caso de muitos de nós, Richard.

- Alguns de nós amam nosso país e o serviriam sem pedir recompensas.

- Mostre-me um homem assim e eu o farei meu chanceler.

- Não está em posição de fazer ou desfazer qualquer coisa, milorde.

- É verdade. Sou seu prisioneiro. O que fará comigo? Cortará a minha cabeça, como fez com meu sogro?

Fico magoado em saber que seja capaz de pensar numa coisa dessas. Sou seu amigo. Eu o coloquei no trono e você me rejeitou em favor de uns plebeus mesquinhos.

Você me levantou e tem o direito de me derrubar, é isso que quer dizer?

Warwick fitou-o sem responder nada.

Ele é uma potência, pensou Eduardo. Eu não poderia ter governado naquelas primeiras semanas sem ele. É uma pena que essa rixa entre eles tivesse surgido, mas teria sido assim com ou sem Elizabeth. Eduardo não demonstrou medo. Se quisesse, Warwick podia levá-lo até o cepo e cortar-lhe a cabeça como fizera com lorde Rivers e seu filho. Mas ele permanecia sentado ali, sorrindo agradavelmente, desfrutando de sua vitória.

E se à mesa virasse, o que aconteceria? Qual seria o destino de Warwick?

Ele seria perdoado, com toda certeza. Eduardo não gostava de lidar com a morte. Só fazia isso em situações urgentes.

- Partiremos para o meu castelo de Warwick - disse o conde.

Uma hora depois, o rei cavalgava ao lado do conde. Eduardo era prisioneiro de Warwick.

Havia um sorriso triunfal na boca de Warwick. Ele mostrara a Eduardo que o rei não poderia permanecer rei sem a ajuda do criador de reis.

Durante algum tempo pareceu que Warwick era o regente da Inglaterra. Ele considerou o que aconteceu quando os reis anteriores haviam sido depostos. Nos casos de Eduardo II e Ricardo II, o Parlamento fora criado, e a queda do rei fora declarada solenemente. Ele não tinha certeza do que deveria fazer. A ação ideal seria colocar Eduardo novamente como uma marionete do regime de Warwick. Eduardo era o homem para a posição de rei - desde que Warwick reinasse. Os Woodvilles estavam sendo despojados de seu poder. Isso era um começo.

Mas Warwick cometera um erro de cálculo em algum lugar. A História não necessariamente se repetia. Eduardo II e Ricardo II haviam sido reis impopulares. Eduardo IV era tudo, menos isso. Embora seu favorecimento dos Woodvilles fosse semelhante à atitude daqueles dois reis com seus favoritos, Eduardo possuía a masculinidade, a aparência e o charme que pareciam essenciais a um rei.

Assim, os eventos não transcorreram no padrão que Warwick esperara.

- Onde está o rei? - perguntava o povo.

- O rei é um prisioneiro - era a resposta.

Portanto, decidiu o povo, não há mais lei no país. Distúrbios explodiram em Londres e em algumas das principais cidades. O país ficou de pernas para o ar.

Warwick transferiu o rei para Middleham. Revoltas eclodiam no norte. Os lancasterianos começaram um levante. A situação era caótica. Warwick esperara que os eventos seguissem um padrão e eles seguiam outro completamente diferente.

Eduardo, tendo sabido o que acontecera, declarou que não tinha nada contra a Casa de Neville. Ele sabia que seu ex-amigo e mentor Warwick amava profundamente o país, e como esse também era o caso de Eduardo, seus objetivos eram os mesmos. Quando essa questão infeliz acabasse, os Nevilles não perderiam nada. Sua posição seria mantida.

Eduardo foi levado para York, onde adentrou como era devido a um rei, e estabeleceu residência no castelo Pontefract.

Assim que o povo viu o rei e Warwick juntos como amigos, homens começaram a se unir ao exército real para derrubar a revolta lancasteriana. Eles não queriam outra guerra civil no país. Esperavam que a Guerra das Rosas tivesse terminado quando Eduardo sentou no trono.

Warwick agora via que Eduardo podia convocar o povo para o seu exército, coisa que ele não podia. Eduardo tinha os corações do povo. Era Eduardo quem o povo queria. E Warwick aprendeu que era o povo quem decidia no final quem deveria ser o seu rei.

Os londrinos clamavam por Eduardo. Agora Warwick não tinha opção. Eduardo precisava ser libertado para ir a Londres, e assim mostrar ao povo que não era prisioneiro, e que Warwick fora honesto ao dizer que seu objetivo era ficar ao lado do rei e trazê-lo de volta em segurança.

com grande alegria, o rei se reuniu à rainha. Warwick permaneceu no norte com Clarence. Ele aprendera uma lição. Assim como ele transformara derrota em vitória em St Albans, Eduardo o fizera em Edgecot.

Bem, não fora Eduardo seu pupilo?

Haverá outro momento, prometeu Warwick a si mesmo. E então ele seria mais sábio.

Não aconteceria daquela forma novamente.

Eduardo estava no comando de Londres, mas Warwick se encontrava no norte, junto com Clarence. Era uma situação perigosa.

O país estava dividido e não havia por que esperar que a paz durasse muito. Warwick aprendera que não podia chamar o povo para o seu lado. Ele podia ser o criador de reis, mas não era rei. Eduardo também compreendeu que precisava fazer a paz com Warwick se quisesse devolver a paz à Inglaterra. No momento a situação era inquietante, e o povo estava pronto a se rebelar diante da mais leve provocação. Havia notícias de distúrbios em vários lugares. Além disso, Warwick tinha Clarence do seu lado, e Clarence podia ser um requerente ao trono.

Eduardo compreendia a dor de Jacquetta pela perda do marido. Sabia como ela e Elizabeth deviam odiar Warwick, mas Elizabeth nunca mencionava o conde para ele.

Era agradável escapar para a paz de sua companhia. Elizabeth estava provendo-lhe exatamente com o que ele queria, e fazia isso sem se intrometer: ela não exigia isso ou aquilo outro. Sabia que Elizabeth ficara feliz quando ele retirara honras da facção de Warwick e as devolvera aos Woodvilles. Anthony, um irmão de Elizabeth, era um de seus aliados mais chegados agora. Ele se tornara lorde Rivers, assumindo o título do pai falecido.

Eduardo mandou convites a Warwick e Clarence para comparecerem ao Concílio em Westminster. No começo eles ficaram cautelosos, exigindo muitas garantias de salvo-conduto.

Finalmente, foram concedidas e eles chegaram a Londres, onde Eduardo os recebeu afetuosamente.

Não havia discórdia entre eles, assegurou-lhes Eduardo.

- Vamos esquecer as mágoas e viver como antes.

No castelo de Warwick, as filhas do conde estavam sentadas juntas, conversando calmamente. De vez em quando Anne olhava para a irmã Isabel, grávida. Sua barriga estava muito grande, e ela parecia adoentada. Anne preocupava-se com a irmã. E também a condessa, sua mãe. Isabel nunca fora forte - nem Anne, a propósito. A saúde das meninas sempre fora uma causa constante de ansiedade para os pais.

- Estou muito agradecida a Deus porque Isabel terá seu filho aqui em Warwick e estarei aqui para cuidar dela - disse a condessa a Anne. - Cuidaremos dela juntas, Anne.

Anne assentiu.

- Mas ela ficará feliz quando o bebé nascer.

- Sim, e o duque também. Torcemos por um menino. O seu pai ficou muito desapontado por não ter tido um filho.

Anne envolveu com os braços os ombros da mãe.

- Sinto muito, cara dama, por termos nascido meninas. A condessa riu.

- Minha querida criança, eu não trocaria nenhuma de vocês por um menino. Mas sempre quis ter podido dar a seu pai o filho que ele queria. Você sabe, jamais poderei.

Anne sabia que após o seu nascimento difícil seu pai recebera a notícia de que a condessa não poderia ter mais filhos. Podia imaginar que golpe terrível tinha sido para um homem ambicioso como seu pai. Mas estava conformado. Quando ficava com elas, era quase tão feliz quanto um dia fora o tempo inteiro. Ele era um aventureiro, um líder por natureza, um regente de homens. O rei devia-lhe a coroa. Ele fizera Eduardo, assim como desfizera Henrique.

Como Anne dissera a Isabel:

- Inquieta-me ser filha de um pai como ele. É como se ele esperasse coisas grandiosas de nós.

- Tudo que será esperado de nós - replicara Isabel - é que casemos quando nos for ordenado. E quando nos casarmos produziremos filhos...

- Filhas também, quem sabe - acrescentara Anne, - Pois filhas têm suas utilidades.

E decerto tinham, pois logo depois disso Isabel casara-se com o duque de Clarence.

Ela ficara um pouco assustada no começo, mas George Plantageneta e Isabel tinham começado a gostar cada vez mais um do outro. Era fácil para ele gostar de Isabel. Ela era bonita, gentil e possuía uma vasta fortuna, ou iria possuir, quando seu pai morresse - uma fortuna que seria dividida com Anne.

Anne lembrou dos dias - que agora pareciam tão distantes

- em que ela e Richard haviam cavalgado juntos através da floresta ou brincado com jogos de adivinhação na sala de aula. Onde Richard está agora?, perguntava-se Anne frequentemente. Havia uma atmosfera de inquietude no país, devido ao conflito entre o rei e seu pai. O tempo todo eles fingiam um para o outro, e para o povo, que estavam reconciliados. Mas não estavam, é claro. Ela ouvira muitos boatos sobre o casamento do rei, e sabia o quanto seu pai o desaprovara. Seu pai odiava os Woodvilles e queria vingar-se deles por tomarem todos os postos importantes e se casarem com todas as pessoas ricas, dessa forma tornandose mais importantes do que ele.

Era uma situação assustadora, pois Clarence era marido de Isabel e estava contra o próprio irmão. Clarence sussurrara a Isabel que um dia ela seria rainha; portanto, havia um plano de colocá-lo no trono no lugar do irmão.

Anne se assustou de repente com o som de galope de cavalos. Isabel olhou para ela por sobre o seu bordado.

- Visitantes? - perguntou, tensa. Ultimamente elas sempre ficavam tensas quando visitantes chegavam ao castelo, porque jamais podiam ter certeza das notícias que trariam.

Anne levantou-se e caminhou até a janela, onde pôde ver um grupo à distância. Viu também que o porta-estandarte carregava o brasão do urso e do cajado esfarrapado.

- É alguém da parte de nosso pai - disse ela. Isabel murmurou:

- Meu Deus, espero que não sejam más notícias... Anne ficou em silêncio. Então disse:

- É o nosso pai! E, irmã, o seu marido está com ele. vou chamar nossa mãe imediatamente.

Anne saiu correndo da sala enquanto Isabel se levantava e caminhava até a janela. Os cavaleiros agora adentravam o pátio. Isabel viu seu jovem esposo. Ele desmontara e um cavalariço fora recebê-lo. Ouviu a voz do seu pai gritando ordens.

A condessa já estava no pátio com Anne. Warwick abraçou primeiro a esposa e em seguida a filha.

Anne viu pela expressão no rosto do pai que alguma coisa estava errada.

- Vamos entrar - disse ele. - Tenho muito o que contar e o tempo é pouco.

Palavras de mau agouro, pensou Anne. Alguma coisa grave acabara de acontecer. Como desejava que não estivessem nessa situação! Parecia tão errado que houvesse uma disputa entre seu pai e o rei. Eles sempre haviam sido tão bons amigos! E o esposo de Isabel era o irmão do rei, o que tornava a situação ainda mais absurda.

Mas agora alguma coisa importante acontecera. Anne notou que sua mãe estava tremendo um pouco, e não era apenas pela empolgação da chegada repentina do marido.

O conde não perdeu tempo em explicações, porque precisariam partir o quanto antes. Estava sendo perseguido por seus inimigos e, se fosse capturado, seria o seu fim, o fim de todos eles. Precisavam alcançar a costa imediatamente e então navegar para a França, onde seu bom amigo, o rei, iria conceder-lhes abrigo temporário e os meios para retornar à Inglaterra.

- Você não pode estar falando sério! - gritou a condessa. Sabe que falta menos de um mês para o bebé de Isabel nascer?

- Minha cara dama, sei bem disso. Sei também que mesmo assim é perigoso permanecermos aqui. Os homens do rei estão marchando para me capturar. Meus planos deram errado. Estarei à mercê do rei e isso será o meu fim. Ele só ficará satisfeito com a minha cabeça.

- vou subir para preparar Isabel - disse Anne. - Ela terá de ser carregada numa liteira.

- Deus nos ajude! - clamou a condessa.

- Não podemos mais perder tempo - disse o conde. E começou a dar ordens.

Enquanto os mensageiros de Warwick seguiam para a costa de Devon e Dorset com ordens para que os navios se preparassem, o grupo partiu. Anne e sua mãe estavam profundamente preocupadas com a condição de Isabel; temiam que a viagem fosse fatigante e perigosa.

Warwick e sua família embarcaram em segurança num dos navios que ele conseguira requisitar. O grupo navegou até Southampton, onde ele mantinha vários de seus navios mais sólidos. Infelizmente para Warwick, lorde Rivers, que era mais enérgico e arguto que o pai, interceptou-os. Uma batalha se seguiu.

Anne permaneceu sentada com sua irmã numa das cabines e tentou entretê-la com conversas sobre o bebé que chegaria, mas os sons de tiros de canhão estilhaçavam a paz. Anne temia imensamente o que estaria acontecendo aos navios do pai. Depois do que pareceu uma batalha interminável, o conde havia perdido vários navios, mas aquele em que estava sua família conseguiu escapar. Assim, juntamente com algumas das outras naus remanescentes, o navio singrou para alto-mar.

Quando se aproximavam de Calais, Warwick enviou uma mensagem para seu amigo e aliado lorde Wenloch, para saber como eles seriam recebidos no porto. A resposta foi que a recepção seria hostil. O duque de Borgonha, de um lado, e os yorlcistas, do outro, aguardavam sua chegada e estavam prontos para capturá-lo. O ideal, portanto, seria que aportasse numa cidade francesa e se entregasse à hospitalidade do rei da França.

Warwick, que em mais de uma ocasião provara ser um mestre do mar, evitou Calais. Ele sempre ficava em sua melhor forma quando enfrentava situações desesperançadas, e já estava fazendo planos-planos que a princípio pareciam loucos e impossíveis. Mas o conde sempre achara os planos ousados os mais estimulantes.

Enquanto isso Isabel era motivo de muita preocupação; suas dores de parto começaram e ficou claro que seu filho nasceria em alto-mar.

- Precisamos chegar ao porto o quanto antes! - gritou a condessa.

Warwick estava preocupado com a filha, mas sabia que não seria possível aportar. Se tentassem chegar em terra, seriam aprisionados. Anne estava frenética.

- Precisamos de tanta coisa! Não temos ervas, remédios anestésicos, uma parteira...

- Precisamos fazer o melhor possível com o que temos disse o conde.

Uma tempestade começou. O vento soprava forte, balançando o barco violentamente. No meio da tempestade, o bebé de Isabel nasceu.

Foi um milagre que Isabel tivesse sobrevivido, mas o bebé estava morto. Isabel ficou delirando na cama enquanto Anne e a condessa preparavam o pequeno cadáver para o funeral. O bebé era um menino, e Anne não pôde deixar de refletir que, se tivesse sobrevivido, ele poderia vir a ser o rei da Inglaterra.

Houve uma pequena e triste cerimónia. O corpo da criança, lacrado dentro de um lençol, foi baixado ao mar. Anne refletiu que ao menos Isabel fora poupada de assistir ao funeral.

Depois, Anne e sua mãe retornaram a Isabel. Ela merecia sua preocupação prioritária agora. Anne sabia que a mãe estava tentando expulsar da mente imagens de Isabel sendo embrulhada num lençol diante dela e jogada ao mar.

Então, perdi meu neto - disse Warwick. – Precisamos olhar para a frente. Haverá outros.

Os olhos de Warwick estavam em Anne e agora havia neles uma nova especulação que a jovem não notou, de tão absorta na tragédia da irmã. Caso tivesse notado, teria ficado muito preocupada.

Isabel começou a melhorar e o tempo ficou bem mais calmo. Ainda estavam no mar. Warwick tornara-se um pirata. Ele capturara vários navios de Borgonha e seus homens eram lembrados dos grandes dias em que Warwick fizera seu nome como capitão de Calais e conquistara fama de invencível.

A autoconfiança de Warwick podia ter caído um pouco, apenas um pouco, mas retornara com força total. Ele planejava reaver tudo que perdera. Poderia fazê-lo com a ajuda de um rei e esse rei era o rei da França. Era o destino de Warwick trabalhar através de reis, pois não tinha os títulos necessários para se impor como regente. Era o manipulador. Ele planejava as ordens que supostamente eram dadas por outra pessoa.

Warwick gerou ideias grandiosas enquanto navegava até a foz do Sena e chegava ao porto de Harfleur.

A saúde de Isabel melhorara. Ao avistar terra, Anne e sua mãe exultaram. Aquela viagem de pesadelo chegara ao fim.

O grupo foi bem recebido na França. O rei Eduardo era inimigo de Luís, e Luís era amigo de Warwick. O rei da França agradecera a Warwick por sua demonstração de afeto e declarara que seus inimigos comuns eram Eduardo e Borgonha. Portanto, havia esperança para o conde na França. Seu bom amigo Luís estava disposto a recebê-lo e ouvir seus planos.

Foi no castelo de Ambroise que Anne descobriu o quanto estava envolvida profundamente naqueles planos.

Chegaram ao castelo numa bela tarde de maio. A construção era uma visão belíssima, com seus imensos contrafortes e torres cilíndricas, encimadas por pontas cónicas.

O rei expressou grande interesse nas jovens e, particularmente em Anne, que teve a impressão de que era o assunto da conversa entre seu pai e o rei. Anne imaginou que talvez estivessem planejando algum casamento para ela, o que geralmente acontecia quando as moças jovens eram motivo de conversas.

Anne tinha quinze anos e, portanto, estava disponível para matrimónio. Essa perspectiva causava-lhe certa apreensão.

Naqueles dias, que agora pareciam tão distantes no tempo, ela e Richard haviam adorado estar juntos. Eles conversavam sobre muitas coisas. Ambos adoravam livros e eram mais sérios que Isabel e George. Nunca haviam conversado sobre matrimónio, mas Anne ouvira em uma ou duas ocasiões comentários dos criados, segundo os quais os dois formavam um belo casal e que se gostavam muito. Como seria bonito, disseram, se dois jovens que passaram o começo de suas vidas na companhia um do outro pudessem unir-se mais intimamente na vida adulta.

Ela entendera as insinuações dos criados e em algum lugar no fundo de sua mente pensara que chegaria o dia em que ela se casaria com Richard.

Mas agora Richard estava muito longe e as circunstâncias haviam mudado por completo. Os dois estavam agora em lados opostos e ela temia que jamais se vissem de novo. Presumia que Richard devia odiar Warwick, seu pai; Richard sempre vira seu irmão Eduardo como o ser mais maravilhoso do mundo, e certamente odiaria qualquer inimigo de Eduardo. Oh, era tão difícil compreender, tão deprimente e alarmante considerar que poderia haver alguma perspectiva de casamento para ela que não incluísse seu amigo de infância!

Logo depois disso, o pai de Anne partiu, deixando-a em Ambroise junto com a mãe e a irmã.

Anne tinha a impressão de que estavam ali há muito tempo. Talvez porque os dias haviam adquirido uma calma profunda depois da partida do rei e do conde. E essa mudança radical de atmosfera apenas fazia Anne lembrar que, se nada daquilo tivesse acontecido, já sua mãe e sua irmã estariam em Warwick ou em casa. Além disso, Isabel ainda estava de resguardo, quase sempre pálida e lânguida.

Certa vez Isabel disse a Anne:

- Somos apenas filhas, e o propósito de uma filha é contrair um casamento que seja vantajoso para a família.

- Você não ama George? Isabel ficou pensativa.

- Sim, amo George de certa forma... Mas você sabe por que ele se casou comigo. Foi para insultar o irmão e porque foi o preço que nosso pai cobrou para ajudá-lo a conquistar o trono. Isso é tudo que George deseja, você sabe disso. Ele sempre quis ser rei.

Anne sabia que era verdade.

- Isabel, nós somos muito ricas, ou pelo menos seremos quando nosso pai morrer - disse Anne. - Nós duas temos uma grande fortuna para dar aos nossos maridos. Talvez fosse melhor se tivéssemos nascido filhas de um homem pobre.

- Então não faríamos parte desta batalha pelo trono, certo?

- concordou Isabel.

- Pobre Isabel!

- Se meu bebé tivesse sobrevivido, eu poderia achar que vale a pena.

- Aposto que você terá outros filhos. É para isso que estamos aqui, não é? Para termos bebés... especialmente meninos... e para dar riqueza a nossos maridos.

- Querida Anne, está ficando cínica. Sempre achei que você nasceu para Richard.

- Sim, eu também achava.

- E vocês teriam um ao outro, se não fosse por este conflito. Nosso pai casou-me com um dos irmãos do rei, mas é claro que o rei não queria o casamento.

- Ele sempre teve de fazer tudo que nosso pai queria.

- Mas agora...

- Mas agora ele virou as costas para nosso pai e favoreceu os Woodvilles. Queria saber como será o fim disto tudo.

Elas não falaram mais durante um longo tempo. Ambas estavam pensando no futuro.

Mensageiros entravam e saíam do castelo; o conde mantinha sua condessa informada dos assuntos nos quais precisaria de sua ajuda. Foi por causa disso que ele a incumbiu de dar as notícias a Ânne.

O conde amava suas filhas. Esperava que elas o obedecessem, e que fizessem tudo ao seu alcance para favorecer os interesses da Casa de Warwick, mas queria facilitar as coisas para elas o máximo possível.

Ele não queria que sua doce filha Anne recebesse subitamente uma notícia à qual precisaria de um pouco mais de tempo para se adaptar. Assim, pediu à condessa que lhe passasse uma noção do que o futuro lhe reservava.

A condessa leu a carta do marido várias vezes, para se certificar de que lera corretamente. Ficou estarrecida com o que estava escrito. Mas por fim entendeu o raciocínio por trás das ações de Warwick e concluiu que era exatamente o que esperava que ele fizesse. Se ele não pudesse impor sua vontade de uma forma, imporia de outra. Ela já devia estar acostumada com surpresas desse tipo.

Pobre Anne, pensou. O que achará disto? Richard tinha razão em querer prepará-la.

A condessa mandou que chamassem sua filha.

Anne entrou apreensiva, certa de que seria vítima de alguma união necessária aos planos de seu pai. Portanto, estava um pouco preparada.

A condessa beijou ternamente a filha e a mandou sentar.

- Você sabe que seu pai está viajando há algum tempo. Ele e o rei estiveram em Angers, onde visitaram a rainha.

- A rainha. Eu pensei...

- Não, não, minha filha, não a rainha da França. A rainha da Inglaterra.

- Pensei que a rainha Elizabeth estivesse na Inglaterra.

A condessa percebeu que sua filha mostrava-se deliberadamente obtusa para ganhar tempo. Decidiu ir direto ao assunto.

Não, minha querida, estou me referindo à rainha Margaret, que há muito está exilada aqui na França.

- Meu pai... visitando Margaret de Anjou! Ela o recebeu?

- No começo estava relutante. Mas você conhece seu pai. Ele é o homem mais persistente do mundo. Conseguiu fechar um acordo com ela. Você irá se casar com o filho da rainha, o príncipe de Gales.

Anne fitou a mãe, estarrecida.

- Sim - continuou a condessa -, sei que é difícil de acreditar, mas é verdade. Seu pai está determinado a destronar Eduardo e colocar Henrique de volta. Minha filha, percebe o que isto significa? Se ele conseguir, e o seu pai sempre consegue, você será rainha da Inglaterra... quando Henrique morrer e seu filho subir ao trono.

- Vejo que meu pai está determinado a tornar suas duas filhas candidatas ao trono.

Entreolharam-se com um pouco de tristeza. Ambas estavam acostumadas a promover a grandeza de Richard Neville. Ele fora filho do conde de Salisbury, mas não tivera grandes perspectivas, até casar com a filha do conde de Warwick e através dela adquirir o grande título de Warwick e as riquezas que o acompanhavam. A condessa servira bem ao marido. Agora era a vez de Anne.

- Seu pai não gostaria que você se apressasse... Ele quer lhe dar tempo... de se acostumar com a ideia do casamento.

- Acostumada ou não, deverei me casar com esse príncipe.

- Minha filha, seu pai já decidiu. O rei da França concorda que é uma excelente união. Eles finalmente persuadiram Margaret de Anjou de que é a única forma de recolocá-la no trono.

- Nunca achei que ela concordaria em ser aliada do meu pai. Eles foram grandes inimigos.

- Ela vê isso como um caminho de volta ao trono. Oh, Anne, minha querida filha, se isso der certo, se pudermos ir para casa... se pudermos ser felizes novamente...

- Felizes? A senhora acha que seremos felizes? Primeiro meu pai precisa guerrear. Acha que Eduardo ficará de braços cruzados enquanto ele coloca Henrique no trono?

Será que Richard...

- O seu pai faz e desfaz reis. Eduardo jamais estaria no trono se não fosse por ele. Ele colocará Henrique de volta, você verá.

- Mas Henrique é pouco mais do que um imbecil.

- Ele é o rei consagrado.

- Eduardo também.

- Mas o seu pai decidiu que Eduardo precisa cair.

- E Eduardo decidirá que irá ficar.

- Não entendemos nada sobre esses assuntos, minha filha. Você deve se preparar para se casar com o príncipe de Gales.

- com um homem que é meu inimigo, ou pelo menos assim fui criada para acreditar. O filho de um rei louco e de uma mãe que é...

- Calma, criança. Não deve dizer essas coisas. Eles são nossos amigos agora.

- Será que um dia teremos permissão de escolher nossos amigos?

- Esse será um casamento maravilhoso para você. Um príncipe! A maioria das jovens estaria flutuando de alegria. Seu pai planeja que um dia você se torne rainha da Inglaterra.

- Isso foi prometido a Isabel.

- O seu pai não confia mais no duque de Clarence. Além disso, Henrique é o rei verdadeiro e seu filho é naturalmente o herdeiro. Seu pai acha que o povo irá recebê-lo de braços abertos e que será o fim de Eduardo.

- Eduardo tem muitos amigos.

Ela voltou a pensar em Richard; sua fervente adoração pelo seu irmão, sua lealdade intensa e calorosa.

Oh, Richard, nosso destino agora é ficarmos em lados opostos.

- Seu pai acha que Henrique sempre contou com o carinho do povo.

Eduardo também.

- Você está falando de assuntos sobre os quais sabe muito pouco. A sua tarefa é se tornar encantadora para que o príncipe fique feliz em desposá-la. Agora você deve ir. Deve começar a se preparar imediatamente. Partiremos para Angers dentro de poucos dias.

Ela olhou tristemente para a filha.

Pobre criança, pensou. Ela está confusa. Ela sempre pensou que um dia casaria com Richard de Gloucester, e nós também. Mas o destino de uma mulher flutua ao sabor dos ventos da guerra.

Anne ajoelhou-se diante da mulher cujo rosto revelava traços de grande beleza, agora devastada por dor, ódio, frustração... emoções sentidas tão intensamente que lhe haviam deixado marcas.

Margaret de Anjou era uma mulher muito infeliz. Fora para a Inglaterra com sonhos de grandeza e controlara o marido de vontade fraca, a quem amara de certa forma. Depois, sofrera a dor amarga do exílio, indo de um lugar para outro, dependendo de estranhos até mesmo para poder viver, o que, para uma mulher de sua natureza, talvez fosse a maior de todas as provações.

Agora seu grande inimigo e, conforme ela acreditava, o maior responsável por seu sofrimento, viera oferecer-lhe um ramo de oliveira. Como ela se esforçara para aceitá-lo! Tivera vontade de mandá-lo para o inferno. Na verdade, Margaret submetera Warwick a um pouco de humilhação antes de recebê-lo. Warwick era um homem ambicioso e estava preparado para se ajoelhar e se humilhar para alcançar seus objetivos, se necessário. E ele fez isso, porque ao menos Margaret também tivera de engolir seu orgulho e admitir que sua única esperança residia nele e no que poderia fazer por ela.

Margaret fizera-o jurar pela cruz na Catedral de Angers que Henrique VI era o único rei da Inglaterra e que o levaria de volta ao trono. Henrique seria uma figura de proa; todos sabiam que estava senil demais para reinar. O príncipe seria o regente E ela sabia quem seria o poder por trás do regente. Isso era inevitável. Por que outro motivo Warwick lutaria por Margaret?

E não era apenas isso. A filha dele iria se casar com o príncipe. Então Anne Neville seria rainha da Inglaterra.

Era um preço alto. Mas se o plano desse certo a recompensa seria grande. Retornar à Inglaterra, ser rainha de novo. Para consegui-lo, valeria a pena pagar qualquer preço.

A filha de Warwick, sua nora! Era irónico; era cómico. Mas, como dissera peremptoriamente, o casamento só aconteceria depois que Warwick tivesse recuperado o trono para Henrique.

Contudo, haveria uma cerimónia de noivado, é claro. Mas ela daria seu próprio filho a essa moça - embora ele fosse merecedor da princesa mais bem-nascida - em troca da ajuda de Warwick para recuperar o trono.

Então aqui estava a menina.

Pálida, bonita, encantadora ao seu próprio modo. E tão jovem! Jovem como Margaret ao ir para a Inglaterra. Quanta esperança ela levara em seu coração. Sendo filha de um homem pobre com o título um tanto vazio de rei, ela agradecera a Deus pela sua sorte. O destino desta garota era semelhante, só que haviam sido o poder e as riquezas de seu pai que a conduziram a este estágio.

- Levante, querida-disse Margaret. - Aproxime-se de mim.

Ela olhou para o rosto pálido e oval, para os olhos sombreados por apreensão, e o coração de Margaret de Anjou, que se alternava entre a dureza da pedra e a maciez da manteiga, começou a derreter.

- Não há motivo para ter medo. Você ficará comigo até podermos voltar para a Inglaterra. Você será a noiva do rapaz mais encantador do mundo.

Ela puxou a menina para a frente e beijou-a na face. Ela podia odiar o pai - ainda que ele fosse seu aliado agora -, mas não podia odiar esta menina pálida e trémula.

Houve um encontro formal entre Anne e seu futuro marido. Edward era bonito, magro, com cerca de dezoito anos. Ele olhou com curiosidade para Anne e, tomando-lhe a mão, beijou-a, conforme era sua obrigação.

Edward não tinha um grande desejo de se casar, mas sabia que esse casamento era necessário. Sua noiva seria essa jovem porque o pai dela era o grande criador de reis, que podia colocar homens no trono e depois tomar o trono deles. Edward fora educado para odiar Warwick. Sua mãe sempre dizia que fora Warwick quem transformara Eduardo em rei. Mas o maior motivo para o ódio de Margaret era que, depois que ela vencera a segunda batalha de St Albans, Warwick marchara para Londres e reclamara o trono para Eduardo.

Isso era passado, e agora uma perspectiva brilhante abria-se para eles. Para tornar isso uma possibilidade, certas condições desagradáveis haviam sido exigidas. Uma era a amizade com Warwick; outra era o casamento do príncipe com sua filha.

Mas ao se encontrarem ele ficou agradavelmente surpreso. Ela parecia tão gentil, tão disposta a agradar. Era alva e possuía uma aparência delicada, mas ele não se importou com isso. Embora ele fosse bonito, seus traços eram um tanto efeminados. Edward sabia que isso preocupara sua mãe, que queria torná-lo um grande soldado. Por esse motivo, quando ele era bem pequeno, a mãe exigira sua presença durante uma execução sanguinária. Na verdade, Margaret mandara que o menino proferisse o veredicto para os dois homens que ela considerara traidores. Edward lembrava vividamente de ter dito aquilo que era esperado dele:

- Cortem as suas cabeças.

E a execução fora realizada diante do menino, que então descobriu que as cabeças não eram apenas separadas dos corpos. Havia também sangue.... sangue demais.

Ainda assim, ele assistiu ao procedimento do início ao fim, e sua mãe dissera estar orgulhosa. Ele precisava fazer essas coisas porque seu rosto bonito seria adequado tanto para uma menina quanto para um menino, e ele precisava demonstrar que tinha no espírito a masculinidade que faltava nas feições.

E agora aqui estava Anne Neville - uma garota calma e tímida. Eduardo ficou feliz com isso. Esperara que a filha de Warwick fosse uma dama de vontade férrea... alguém parecida com sua mãe.

- Então eles irão nos casar - disse a ela.

Edward falou de um jeito amistoso e Anne percebeu que ele estava tão apreensivo quanto ela. Uma intimidade nasceu imediatamente entre eles. Anne abriu um sorriso que iluminou o seu rosto, apagando o medo em suas feições.

Ela é muito bonita, pensou o príncipe. Talvez não seja uma ideia tão ruim, afinal de contas... embora seja filha de Warwick.

Ela pensou: Ele parece gentil, então talvez não seja tão ruim... embora ele não seja Richard.

No fim de julho o noivado foi celebrado na Catedral de Angers. O casamento seria realizado, conforme Margaret de Anjou declarara, quando seu marido Henrique estivesse em segurança no trono.

Ainda assim, a cerimónia foi luxuosa e, embora não fosse ainda uma esposa, Anne considerou o jovem príncipe como seu marido.

A condessa estava deliciada por Margaret ter adquirido grande afeição por sua filha, e ela mesma estava descobrindo que agir amistosamente com a rainha era bem mais fácil do que previra.

Warwick partira para a Inglaterra a fim de colocar seu plano em ação. Todos estavam aguardando ansiosamente o resultado. Como o plano fora de Warwick e ele era o responsável por implementá-lo, todos acreditavam que seria bem-sucedido, por mais incrível que fosse o projeto.

Enquanto isso, o rei da França estava determinado a demonstrar sua amizade pelos ingleses. Isso, é claro, se devia ao fato de que o duque de Borgonha era aliado de Eduardo, e a amizade entre esses dois fortalecera-se desde o casamento da irmã de Eduardo, Margaret, com o duque.

Eles não planejavam permanecer em Angers; depois da partida de Warwick, foram para Paris. Luís enviara uma guarda de honra oara escoltá-los e Margaret entrou em Paris como uma rainha. com ela estavam seu filho, Anne, e a condessa de Warwick. Há anos Margaret não se sentia tão feliz.

Tudo que ela queria agora era ouvir que o plano de Warwick dera certo e que ela e o príncipe voltariam à Inglaterra para assumir as posições que lhes eram devidas.

As ruas de Paris tinham sido decoradas por ordem do rei e os ingleses foram hospedados no Palácio de St Pol. Ali desfrutaram de grande luxo, que foi ainda mais apreciado por causa dos percalços que todos haviam sofrido recentemente.

O tempo passava devagar. A cada dia a rainha, o príncipe e os ingleses ficavam mais ansiosos por notícias.

Afinal, elas chegaram.

O rei Henrique fora libertado da Torre e era novamente o regente. Mais uma vez, Warwick triunfara.

Margaret ficou frenética de alegria. O príncipe estava exultante.

- Agora voltaremos à Inglaterra para reclamar o que é nosso! - declarou.

Anne estava se perguntando o que acontecera a Eduardo... e principalmente a Richard.

Eduardo estava no norte quando recebeu as notícias da chegada de Warwick e não pôde acreditar. Warwick unira forças com Margaret de Anjou! Anne Neville estava noiva do príncipe! Ele estava estarrecido. Sempre recusara acreditar que Warwick pudesse realmente se tornar seu inimigo.

Estava preocupado com Elizabeth e as crianças, que se achavam em Londres. Para piorar ainda mais a situação, Elizabeth estava em gravidez avançada. Cecily tinha apenas um ano de idade e mesmo a menina mais velha, a outra Elizabeth, contava somente cinco anos. Warwick provavelmente tinha o sudeste com ele; ele sempre fora popular nessa região.

Eduardo estava feliz em saber que podia confiar em Montague para defender o norte. John Neville, lorde Montague, era o único Neville que não apoiara seu irmão e permanecera fiel a Eduardo Isso fora realmente muito útil, porque Montague era um dos capitães mais poderosos da Inglaterra. Era uma fonte de grande irritação para Warwick que um membro de sua família não o apoiasse. Mas Montague jurara aliança à causa yorkista no começo e não quebraria sua palavra agora só porque seu irmão o fizera.

Pelo menos isso foi antes de Eduardo ter devolvido ao conde de Northumberland as suas propriedades, que Montague cobiçara. Por suas campanhas de sucesso ele fora recompensado com o título de marquês de Montague, mas de que valia um título se ele não tinha riquezas?

Eduardo havia esquecido disso e não percebeu que cometera outro de seus erros de julgamento. Montague lutara por ele e permanecera ao seu lado contra o próprio irmão, e tudo que ganhara fora um título vazio. Agora Warwick aportara na Inglaterra.

Eduardo ficou completamente chocado quando recebeu as notícias de que Montague reunira seus homens para exigir Henrique e agora marchava para juntar-se a Warwick. Eduardo tinha sido abandonado e corria um perigo terrível.

Ele jantava com seu irmão Richard, Hastings e Rivers quando um mensageiro chegou a todo galope, vindo do acampamento de Montague.

- Majestade! - gritou o mensageiro. - Lorde Montague se voltou contra vossa majestade. Já está marchando para cá. Não há um momento a perder. Ele está clamando pelo rei Henrique e Warwick e seu exército o apoiam. Está vindo para capturá-lo e fazê-lo prisioneiro para o conde de Warwick.

Então Warwick marchava do sul e Montague, o traidor que repentinamente decidira mudar de lado, vinha do norte. Se permanecesse aqui Eduardo seria capturado num movimento de pinça entre os dois.

Richard olhava para ele, aguardando suas ordens. O rapaz faria qualquer coisa que Eduardo lhe pedisse.

há uma coisa que podemos fazer - disse Eduardo. Temos de escapar. Cada segundo é precioso. Reúna os homens. Precisamos alcançar a costa. Iremos até a minha irmã de Borgonha. Mas primeiro... para o mar.

Richard estava se perguntando se não seria melhor se eles permanecessem e lutassem.

- Um punhado de nós contra um exército! - gritou Eduardo. - Não deve haver mais de oitocentos de nós. Não, irmão, toda a coragem do mundo... e sei que você a tem... de nada adiantaria. Nós fugiremos... por enquanto. Mas isso será apenas um espaço para respirar. Voltaremos. E então Warwick pagará caro.

Eles tiveram sorte. Alcançaram Lynn em segurança. Logo depois estavam a caminho da Holanda.

Elizabeth estava se preparando para o nascimento de seu quarto filho de Eduardo. Tinha certeza de que esta seria a vez do menino há tanto aguardado. Ela devia ser grata por conseguir parir filhos com tanta facilidade, e com um intervalo de tempo tão pequeno entre um e outro. Isso era uma grande vantagem para uma rainha.

Ela decidira que a Torre seria um bom lugar para o nascimento, e mandou preparar aposentos lá. Era um quarto luxuoso, decorado com damasco vermelho e linho britânico da melhor qualidade - um quarto digno do filho de um rei.

A Sra. Cobbe, a parteira que a ajudara antes e com cuja habilidade sabia poder contar, já estava com ela. Ainda faltavam algumas semanas para o parto, mas nunca se podia ter certeza de nada com bebés. Jacquetta concordara que todas as precauções deveriam ser tomadas. Eduardo estava no norte e Elizabeth esperava poder mandar-lhe notícias felizes em breve.

Havia alguma coisa estranha acontecendo nas ruas. Ela estava sentindo isso desde o começo do dia. Olhara pela janela e vira muitas pessoas reunindo-se em multidões do outro lado do rio. O povo estava ficando agitado.

Tentou adivinhar o que estaria acontecendo. Será que Eduardo estava retornando inesperadamente? Ele sempre gostava de estar por perto quando seus filhos nasciam.

Elizabeth gozava de uma felicidade serena. Depois de quase seis anos de casamento, ainda mantinha Eduardo sob controle. Ele era o mesmo marido devotado e amável de sempre. Era verdade que tinha amantes, mas como essas mulheres davam à rainha um pouco de descanso daquele homem insaciável, ela apreciava mais do que lamentava os casos do rei. Elizabeth podia dizer que Eduardo encontrara nela a esposa ideal. Ela jamais o censurava; aceitava inteiramente sua necessidade por amantes; concordava com ele e apenas interferia nos assuntos que eram de máxima importância para ela e que não iriam afetá-lo muito. Se ele sabia que Elizabeth interferira nos casamentos de sua família e no caso de lorde Desmond, não dissera nada. Ela lhe permitia suas aventuras amorosas, e isso significava muito para ele. É claro que Eduardo teria interrompido essas aventuras se Elizabeth tivesse protestado, mas ele era acima de tudo um homem que gostava de viver em paz, e ela colaborava para essa paz.

Além disso, ela lhe dera filhos... meninas, até agora, mas os meninos ainda chegariam.

E a julgar pela forma de sua barriga, este bebé era um menino. Ao menos era o que lhe dizia a Sra. Cobbe, que certamente não devia estar enganando-a apenas para agradá-la durante algum tempo; não era de seu feitio.

A mãe de Elizabeth entrou no aposento e imediatamente ficou claro que Jacquetta estava perturbada.

- Correm muitos boatos nas ruas.

- O que está acontecendo agora?

- Há rumores de que Warwick aportou.

- Warwick? Ele foi escorraçado do país.

- O que não o impede de voltar. Dizem que aportou e que trouxe um exército.

- Impossível.

- Não, temo que não seja. Escondi as notícias de você durante os últimos dias por causa de suas condições. Não queria e ficasse preocupada. Mas a situação está séria. Sabe o que dizem? Warwick aliou-se a Margaret de Anjou e seu propósito é recolocar Henrique no trono.

- O quê? - gritou Elizabeth, o rosto começando a perder sua cor delicada.

- Minha querida, ele está a caminho de Londres. Estão à sua espera.

- Warwick... vindo para cá! Então o que será de nós...?

- Acho que não estamos em segurança aqui.

- Eles não ousariam nos ferir... Eduardo chegará em breve.

- Minha querida filha, confio em você para manter a calma. As notícias são ainda piores do que lhe contei. Eduardo fugiu do país. Montague desertou e Eduardo fugiu de Lynn de barco, juntamente com Richard, Hastings e Anthony. Foram para algum lugar no continente.

- Não posso acreditar. Nós estávamos tão... seguros.

- A vida muda. Mas o que vamos fazer? Se você ficar aqui será prisioneira de Warwick.

- E quando penso no que ele fez com meu pai e com John... eu poderia matá-lo!

- Eu também - disse Jacquetta, baixinho. - Mas precisamos pensar em nós agora. É uma questão de segurança, não de vingança... pelo menos ainda não. Eduardo voltará, tenho certeza. Mas, enquanto isso não acontece, precisamos pensar no que devemos fazer.

A rainha olhou à volta, examinando o quarto que ela preparara com tanto cuidado. Havia até uma cama nova com colchão de penas - a mais luxuosa que ela já vira-e agora precisava deixar tudo isso e ir... para onde?

- Talvez devamos sair de Londres - sugeriu Elizabeth.

- Nas suas condições! E com as menininhas? Não, tenho uma ideia melhor. Iremos para Westminster... para o santuário. Warwick não ousará tocar-nos lá.

Elizabeth ficou em silêncio durante algum tempo. Sua mãe tinha razão. Elas precisavam colocar a maior distância possível entre elas e Warwick... e depressa.

- Então... para o santuário. Mande chamar a Sra. Cobbe Diga-lhe que precisamos partir.

A Sra. Cobbe, que nunca estava muito longe, veio correndo com um olhar tenso no rosto, porque achara que a rainha começara a sentir as dores.

Ficou aliviada ao ver que ainda faltavam algumas semanas. Porém, quando soube dos planos de fuga, ficou muito perturbada.

- A rainha não está em condições... - começou a Sra. Cobbe.

- A rainha não está em condições de se tornar prisioneira de Warwick, Sra. Cobbe. Precisamos ir. Não há como evitar. Mas não vamos para longe. Devemos ir para o santuário em Westminster.

- Então precisamos ir com cuidado - argumentou a Sra. Cobbe. - Não quero que esse bebé nasça prematuramente. Vai ser um menino, tenho certeza.

A Sra. Cobbe reuniu tudo que achou que elas conseguiriam carregar. E assim, ela, Elizabeth, Jacquetta, as três menininhas e lady Scrope, que também as acompanharia, desceram da torre e foram até a barca que as esperava na margem do rio.

A Sra. Cobbe colocou a pequena Cecily na barca; lady Scrope ajudou Elizabeth e Mary, enquanto Jacquetta dava atenção à filha.

A barca começou a subir o rio até Westminster.

- Rezo para que cheguemos a tempo - disse lady Scrope. Alcançaram a abadia, uma fortaleza alta e quadrada entre a

igreja de Santa Margaret e o cemitério. Saltaram da barca e se apressaram até a porta oeste da abadia.

A abadia parecia fria e desconfortável. Cecily começou a choramingar.

- Rápido, minha preciosa - murmurou a Sra. Cobbe.

- Quero voltar - disse a pequena Elizabeth numa voz trémula. - Não gosto daqui.

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- Não gosto daqui - acrescentou Mary, que repetia tudo que Elizabeth falava.

- Calma, crianças - disse lady Scrope. - Estamos todas muito felizes em estar aqui. É um lugar bom e seguro, e isso é o que importa.

Não acho que seja um lugar bom - disse Elizabeth. – É frio. Quero ir embora.

- Silêncio, meninas - advertiu Jacquetta. - Vocês vão fazer exatamente o que mandarmos, e daqui a pouco estarão todas dormindo.

Elas tinham certo medo de Jacquetta e não disseram mais nada.

Mas todos os adultos podiam entender a repulsa das crianças. O santuário não fora feito para o conforto de ninguém.

Havia dois andares na Torre. No andar superior ficava a igreja. O térreo fora transformado numa moradia para fugitivos. O lugar era considerado solo sagrado e ninguém ousaria tocá-los enquanto estivessem lá. Era escuro e frio, e a única luz entrava através das janelas estreitas e arqueadas, as únicas aberturas naquelas grossas paredes de pedra.

A Sra. Cobbe olhou em torno. Ela perguntou se poderia retornar à Torre e trazer mais algumas coisas que seriam necessárias. Conseguira trazer alguns artigos, mas iriam precisar de mais.

Elizabeth relutou em deixá-la ir, mas a Sra. Cobbe não deu ouvidos às suas objeções.

- Quem machucaria uma pobre parteira? - perguntou.

- Warwick machucaria... se soubesse que você está cuidando de mim.

- Confie em mim, minha dama. Temo que as suas dores comecem mais cedo, depois de toda essa tensão. Volto logo.

E realmente a Sra. Cobbe voltou logo. Elizabeth ficou imensamente grata porque a boa mulher trouxe vários artigos sem os quais sua estadia no santuário seria ainda mais desconfortável... e possivelmente perigosa. Além disso, trouxe comida; no caminho, encontrara o bom açougueiro que supria a Torre, um cert William Gould, de quem era muito amiga. O açougueiro disselhe que o exército de Warwick estava nas cercanias

de Londres e que elas haviam escapado da Torre bem a tempo. Prevendo que elas iriam sentir fome no santuário, ele lhes mandara uru pouco de carne de boi e de carneiro, e algumas de suas excelentes tortas de porco.

- Ele é um homem bom, minha dama-disse a Sra. Cobbe.

- Ele me prometeu que, enquanto estivermos aqui, cuidará para que não passemos fome.

- E você é uma boa criatura, Sra. Cobbe - disse a rainha.

- Não sei o que faríamos sem você - acrescentou Jacquetta. Elas experimentaram um pouco da excelente torta de carne

de porco e, para sua surpresa, descobriram que podiam comer, ainda que estivessem com os nervos tremendamente abalados. Elizabeth não parava de pensar no que teria acontecido a Eduardo e se iria revê-lo um dia. Jacquetta estava calada. Ela odiava Warwick. Havia em seu coração um medo muito especial. Warwick acusara-a de feitiçaria. Logo depois da morte de seu querido marido e de seu amado filho, Warwick mostrara ao rei um boneco e dissera que Jacquetta o fizera para enfeitiçá-lo.

Warwick argumentara que Eduardo fora induzido a se casar com Elizabeth através da feitiçaria praticada por Jacquetta. Dissera também que aquele boneco fora feito para o rei, e que Jacquetta estava conspirando contra a sua vida.

Eduardo rira de Warwick. Aquilo era ridículo. Por que ela conspiraria contra a sua vida se vinham dele todas as bênçãos que a família Woodville desfrutava?

Esse evento demonstrou o quanto Warwick odiava Jacquetta. O quanto ele odiava toda a sua família! Na verdade, essa guerra entre Warwick e Eduardo fora causada pelos Woodvilles. O rei tirara dos Nevilles todos os seus privilégios e os entregara aos Woodvilles. Portanto, Warwick odiava a todos eles - Jacquetta, seus filhos e Elizabeth... Elizabeth acima de todos os outros... - e às crianças.

Como elas haviam sido sensatas em correr para o santuário! Warwick não ousaria tocá-las ali. Mesmo assim, iriam se sentir

muito vulneráveis abrigadas em Westminster, enquanto Warwick tomava Londres.

Precisamos permanecer aqui, pensou. Elizabeth precisa ter seu filho. Warwick não ousará nos tocar aqui.

Logo ficou claro que haviam chegado bem a tempo. Warwick alcançou Londres, onde foi bem recebido. A Sra. Cobbe, tendo feito outra visita ao açougueiro Gould, trouxe notícias de que o tei Henrique fora tirado de sua prisão na Torre.

- Disseram que ele estava num estado lastimável - contou. - Não parecia nem um pouco um rei. Disseram que estava sujo e assustado, tentando entender o que significava aquilo e murmurando orações e coisas assim. O conde mandou-o ser lavado, alimentado e vestido com tecido púrpura e arminho. E, minhas damas, colocaram-no na câmara real. Dizem que está usando o quarto que estava preparado para o nosso pequeno bebé!

Elizabeth fechou os olhos. Sentiu uma raiva imensa ao lembrar do carinho com que preparara aquele quarto... as cortinas de damasco, a cama de colchão de penas... para ser ocupado por Henrique de Lancaster! Aquilo era ultrajante.

- Gould disse que haverá uma procissão até a Catedral de St Paul. Ele será o novo rei, minha dama. É o que dizem. Não tema. O rei Eduardo não ficará longe por muito tempo.

Jacquetta estava com os lábios premidos, procurando ver bons presságios, e se recusando a aceitar os ruins. Mas o futuro parecia sombrio, com Eduardo no exílio e Warwick de volta ao comando, tendo posto um novo rei no trono.

Mas durante algum tempo elas tiveram um motivo para esquecer o que estava acontecendo lá fora: o bebé de Elizabeth estava prestes a nascer. Apesar de tudo que acontecera, o parto foi relativamente fácil. Para a alegria de Elizabeth e sua mãe, o bebé era saudável... e era um menino!

Era irónico que este evento, há tanto aguardado, acontecesse com Elizabeth refugiada e Eduardo exilado da Inglaterra.

- Nós o chamaremos de Eduardo - anunciou Elizabeth.

Mais tarde ela pensaria naqueles dias como os mais estranhos de sua vida. Jacquetta talvez tenha sido a que mais sofreu. Já adentrava a velhice e não estava acostumada ao desconforto. Elizabeth era mais apta a suportar os infortúnios. Sua natureza calma era um grande trunfo naquelas circunstâncias, e estava firmemente convencida de que Eduardo retornaria em breve. Ele voltaria para a Inglaterra, derrotaria o traidor Warwick e colocaria o imbecil rei Henrique de volta na cela à qual pertencia.

As crianças logo ficaram acostumadas à vida no santuário. Mary mal conseguia lembrar de qualquer outra coisa. Quanto a Cecily, nem sequer percebeu que o ambiente à sua volta havia mudado. A pequena Elizabeth de vez em quando perguntava quando iriam para casa, mas com o tempo até ela começou a aceitar o santuário como lar.

Elizabeth, a rainha, declarou que jamais esqueceria dos serviços prestados pela Sra. Cobbe e pelo açougueiro. Segundo ela, uma salvara seu filho, e o outro salvara a todos eles da inanição.

Warwick não demorou a demonstrar que não estava preocupado com eles. O criador de reis se tornaria muito impopular se atacasse uma mulher e seus filhinhos. Ele considerou que Elizabeth não tinha qualquer importância agora que Eduardo estava no exílio.

Ele podia seguir em frente com seus planos, o que significava que iria governar a Inglaterra através de Henrique. No devido tempo, Margaret viria para a Inglaterra com o seu filho, o príncipe de Gales, e Anne. No devido tempo, a filha de Warwick seria rainha da Inglaterra. Uma conquista notável para um criador de reis.

Portanto, por que se importar com Elizabeth Woodville? Ela que ficasse refugiada com sua prole. Ela não era motivo para preocupação.

Os mensageiros chegavam ao santuário com facilidade. Elizabeth ficou consideravelmente aliviada ao ouvir que Eduardo alcançara Bruges e estava sob a proteção de sua irmã Margaret, duquesa de Borgonha. Ela agora acreditava que em breve Eduardo voltaria para sua rainha.

Eram notícias animadoras.

Warwick não fez qualquer objeção ao pequeno príncipe ser batizado na abadia. A cerimónia foi destituída de qualquer pompa, e Elizabeth a comparou com as de suas meninas. Como era estranho que fosse assim o batismo de seu filho tão esperado!

Mas as palavras de Eduardo a acompanhavam. Aquela situação não demoraria por muito tempo. Jacquetta asseguroulhe que os sinais diziam que Eduardo iria voltar.

O Natal chegou e se foi. O pequeno príncipe que nascera em 1 de novembro continuou crescendo. Elas improvisaram uma festa natalina e, devido à bondade do açougueiro, puderam fazêlo com comida. O inverno estava inclemente, mas a Sra. Cobbe e lady Scrope conseguiram algumas roupas quentes para ajudálos a suportar o frio.

- Deus mandará a primavera rapidamente este ano - assegurou Jacquetta. Seus olhos estavam brilhando com uma luz estranhamente profética. - com a primavera virá a saída desta triste situação. Tenho certeza disso.

Elizabeth acreditou em sua mãe. E a crença a ajudou a suportar o sofrimento.

Margaret de Borgonha recebeu os irmãos em sua corte em Bruges. Estava feliz por poder ajudá-los, mas profundamente perturbada com a causa da visita. Margaret já deixara sua marca na corte de Borgonha. Ela herdara a personalidade forte da mãe, e fisicamente parecia cada vez mais com Cecily, a Orgulhosa. Mas Margaret possuía a afabilidade da qual a sua mãe carecia, característica que já a tornara amada e respeitada na corte de seu esposo.

Charles, o duque, estava contente com sua esposa. Margaret era uma boa madrasta para o filho e a filha do primeiro casamento do duque. Era também devotada à própria família e se colocou completamente à disposição do irmão nesse momento de necessidade. Era uma felicidade que Borgonha fosse aliado de Eduardo e que as relações entre Luís da França e o duque estivessem antagónicas. Luís, obviamente, era amigo de Warwick e o ajudara a retornar à Inglaterra. Assim, era natural que Borgonha ajudasse Eduardo; e como a duquesa de Borgonha era irmã de Eduardo, isso tornava tudo ainda mais fácil.

Estranhamente, o que perturbava a duquesa quase tanto quanto a queda de Eduardo - embora todos insistissem que aquela era uma condição temporária - era a deserção de Clarence. Para ela, era intolerável que um membro da família se proclamasse inimigo de outro.

Secretamente, a duquesa decidiu tentar persuadir George a pôr fim àquele absurdo. Ela sempre gostara de George - muito mais do que de Richard. Ela sabia que Richard era digno, bondoso, estudioso e devotado a Eduardo. Também que George era glutão, beberrão - particularmente beberrão - e egoísta. Era vaidoso, porque possuía um certo charme; era bonito, embora todos fossem feios em comparação com Eduardo; e, embora não fosse brilhante, era inteligente e habilidoso. Mas como explicar por que se gosta mais de uma pessoa que de outra? George sempre fora seu favorito.

Ele precisava compreender a desonra de haver passado para o lado de Warwick e ter-se voltado contra o próprio irmão.

Eduardo estava maravilhado com o esplendor da corte em Bruges. Sempre soubera que Borgonha não só era o homem mais poderoso da França, como também o mais rico, mas este palácio superava de longe suas cortes em Westminster e Windsor, e Eduardo sempre fora considerado um pouco extravagante em seu amor por decorações e mobílias caras.

Mas não era momento para esse tipo de comparação. Seu principal objetivo era conseguir ajuda para poder navegar de volta à Inglaterra e derrotar Warwick. E quando fizesse isso iria... o quê?

A idéia de decapitar Warwick não despertava qualquer entusiasmo em Eduardo. Ele recordava muitas coisas boas de Warwick. Como o adorara naqueles velhos tempos! E lembrar disso tornava a situação em que se encontrava ainda mais dolorosa. Um dos piores aspectos de ter sido expulso de seu reino era o fato de que Warwick fora o responsável.

Embora Margaret estivesse devotada fervorosamente à causa do irmão, seu marido relutava em apoiar Eduardo abertamente.

- Luís está esperando uma chance para me atacar - argumentou. - E se ele e os lancasterianos juntarem forças contra mim, ficarei numa posição difícil. Luís está tratando Margaret e seu filho como convidados de honra... como amigos! Preciso tomar cuidado.

O duque de Borgonha estava disposto a ajudar Eduardo em segredo. Mas não o faria às claras. Isso era frustrante, porque o apoio franco do duque ajudaria Eduardo a abrir várias portas.

Contudo, Eduardo estava otimista. A cada semana recebia mais ofertas de ajuda. Os mercadores sempre reconheceram as qualidades superiores de Eduardo como regente, e estavam dispostos a ajudá-lo. Assim, ele começou a receber dinheiro das cidades da Liga Hanseática. À medida que os meses passavam, considerava cada vez mais próximo o dia em que aportaria na Inglaterra com um exército capaz de derrotar seus inimigos.

Durante esses meses Eduardo tornou-se amigo de um inglês que estava trabalhando na corte sob o mecenato de sua irmã. Era um certo William Caxton, que começara sua carreira como negociante de fazendas para um rico mercador chamado Large, que fora prefeito de Londres. Após a morte do prefeito, Caxton fora para Bruges e se tornara associado dos aventureiros mercantes. Ele se tornou um homem de negócios bem-sucedido e ajudou a promover o comércio entre a Inglaterra e os Países Baixos. Mas ao envelhecer - devia estar com cerca de cinquenta anos na época em que Eduardo chegou à corte de sua irmã - Caxton adquiriu uma paixão pela literatura. Quando Margaret sugeriu que se juntasse à sua corte como escritor, Caxton aceitou o convite de bom grado.

Eduardo conversou com ele sobre os aventureiros mercantes com quem tivera algum contato, porém estava mais interessado em seu trabalho literário, particularmente num livro que estava traduzindo, chamado Lê Recueil dês histoires de Troye.

Eles conversaram sobre o quanto essa obra interessava a muitas pessoas, e que era uma pena que tão poucos pudessem lê-la. Havia apenas um exemplar, e levava muito tempo para que outro fosse preparado.

Caxton falou sobre um processo inventado em Colónia, chamado impressão. Ele vira o funcionamento de uma prensa e ficara muito interessado. Eduardo concordou que seria muito interessante possuir esse equipamento. Depois que retomasse o trono, tentaria levá-lo para a Inglaterra. Caxton disse que, depois que terminasse a tradução, pretendia voltar a Colónia e trazer uma prensa para Bruges.

- Quando tivermos uma situação mais feliz na Inglaterra, espero receber a sua visita em nossa corte.

Caxton disse que seria uma honra. Ele já vivia no exterior há muito tempo e, embora estivesse feliz na corte da duquesa, sentia saudade de sua terra natal.

As semanas passaram voando. Eduardo trabalhou infatigavelmente, reunindo armas e homens antes de atravessar o Canal. Quando março chegou, Eduardo acumulara uma força de cerca de vinte mil homens, e com Richard de Gloucester e o conde Rivers, zarpou de Flushing. O clima conspirou contra eles e demoraram dez dias para alcançar Cromer. Alguns de seus homens foram a terra firme testar a opinião do povo nessas áreas; descobriram que as pessoas estavam solidamente sob o controle de Warwick. Eduardo navegou para o norte e finalmente aportou em Ravenspur.

Não foi tão fácil quanto Eduardo previra. Não havia nada no mundo que o povo temesse mais que uma guerra civil. Eles gostavam de Eduardo, mas o rei tinha sido escorraçado do país. Sabiam que Henrique era um fraco, mas Warwick estava por trás do trono e tinha aquela aura de grandeza que o povo respeitava.

Mas quando chegou a York, Eduardo encontrou muitas pessoas dispostas a seguir sua bandeira. Assim, iniciou marcha rumo ao sul. Estava nas cercanias de Banbury quando soube que Clarence se encontrava ali perto. Logo depois, Clarence enviou um mensageiro a Eduardo dizendo que queria falar com ele.

Eduardo ficou feliz porque havia um tom conciliatório na mensagem e ele acreditava que seu irmão já estivesse lamentando seus atos contra ele.

Eduardo estava intrigado. Seria realmente possível que George estivesse procurando por uma reconciliação? Era bom demais para ser verdade. Se fosse, iria perdoá-lo de todo coração. Porém jamais confiaria de novo em George. Ao pensar nisso, Eduardo percebeu que jamais confiara realmente no duque de Clarence. Mas se ele e o irmão fizessem as pazes, se Clarence trouxesse seus homens para lutarem do seu lado, seria um tremendo golpe contra Warwick.

Sim, é claro que ele receberia Clarence. Que ele viesse sem demora.

Externamente, foi um encontro emocionado. Clarence olhou para Eduardo com o rosto cheio de vergonha e teria se ajoelhado, mas Eduardo pousou uma mão sobre seu ombro e disse:

- Então, George, quer ficar de bem comigo?

- Tenho estado muito triste - disse Clarence. - Foi tudo tão estranho. Eu estava sob a influência de Warwick. Quero escapar dessa influência agora.

- Nós dois estivemos sob a influência daquele homem... uma influência tão forte que você se voltou contra o próprio irmão e se casou com a filha dele.

- Lamento tudo o que fiz... exceto o meu casamento com Isabel. Ela é uma boa criatura e a amo profundamente.

Eduardo assentiu, pensando: Ela é uma grande herdeira e você também ama profundamente suas terras e a fortuna.

Clarence prosseguiu:

- Não quero mais permanecer ao lado de Warwick. Quero voltar para onde pertenço. Nossa irmã Margaret enviou-me

uma carta comovente. Sofri muito.

- A sua deserção também me fez sofrer muito - recordou-o Eduardo.

- E pode me perdoar?

- Sim.

- Por Deus, juntos combateremos aquele traidor Warwick. Colocaremos sua cabeça onde eles colocaram a de nosso pai.

- Não foi Warwick quem colocou a cabeça de nosso pai, com uma coroa de papel, nas muralhas de York. Foram os nossos inimigos... Nossos inimigos mútuos. Mas, sim, nós derrotaremos Warwick. - vou trazê-lo até você acorrentado.

- O seu sogro, um homem que já foi nosso amigo! Se tivermos a sorte de capturá-lo, quero que ele seja tratado com respeito. Jamais esquecerei o que me ensinou, como mostroume como lutar e conquistar uma coroa. As vezes penso que sinto mais falta de sua amizade do que de minha coroa. Sempre o tratei com honra. Ele teve motivos para fazer o que fez, você sabe. Warwick nunca faz nada sem motivo. Ele é meu inimigo, sim, mas é um inimigo a quem respeito.

Que grande idiota, pensou Clarence. Eduardo podia ser severo, mas quando seus afetos estavam envolvidos, tinha um coração de manteiga. Ele se casara com Elizabeth Woodville; estava preparado para perdoar tanto o homem que roubara sua coroa quanto seu irmão, que o traíra. Não era de espantar que tivesse perdido o trono! Ele poderia perdê-lo novamente e, sem Henrique por perto, havia outro que poderia ostentar a coroa: George, duque de Clarence.

Assim, houve uma reconciliação entre os irmãos. A deserção de Clarence do lado de Warwick e seu retorno a Eduardo surtiu um efeito positivo. Eduardo marchou sem empecilhos até Londres.

Warwick estava em Coventry quando foi informado sobre a deserção de Clarence. Outras decepções o aguardavam: Luís assinara um pacto com o duque de Borgonha e estava fazendo as pazes com o inimigo de Warwick. Ele desprezava Clarence. Nunca confiara nele, mas sua maior esperança estivera depositada no rei francês. Margaret de Anjou deixara a França, e estava prestes a aportar na Inglaterra com o príncipe de Gales, Anne e a condessa de Warwick. Ele, Warwick, precisava se preparar para alguma atitude. Enquanto isso, Eduardo chegou a Londres. Seu ânimo cresceu ao ver as paredes de pedra cinza da Torre e disse a si mesmo que Elizabeth não estava longe.

Primeiro, foi à Catedral de St Paul para agradecer por sua volta. Em seguida precisava ver Henrique, que estava ali perto, no palácio do bispo de Londres. Warwick ordenara que ele deveria ser levado até lá e colocado a cargo do arcebispo Neville, e que Neville deveria conduzi-lo pelas ruas, numa tentativa de despertar o entusiasmo do povo por Henrique.

Mas isso seria difícil, porque o povo não tinha muito afeto por aquela criatura patética. Não havia nada régio em sua figura. E quando o arcebispo pensou que Eduardo estava chegando

- tão belo e dotado daquele charme especial que cativara o povo em sua juventude e que ainda estava presente - concluiu que a coisa mais sensata a fazer seria levar Henrique de volta ao palácio.

Quando Eduardo chegou, Henrique foi levado até sua presença. Henrique piscou para ele e disse:

- Primo, você é bem-vindo, Minha vida ficará segura em suas mãos.

- Não lhe farei nenhum mal - assegurou Eduardo.-Pode voltar para as suas preces e livros.

- Obrigado, obrigado. É isso o que eu sempre quis.

- E agora, para o santuário - disse Eduardo. Elizabeth estava lá, com seus lindos cabelos caídos sobre os

ombros, da forma como Eduardo mais gostava deles. Olharam um para o outro durante alguns segundos antes de se entregarem a um abraço fervoroso.

Foi um momento emocional e mesmo Elizabeth sentiu lágrimas nos olhos. Ele havia voltado, como ela sempre tivera certeza de que aconteceria.

- Você foi muito corajosa, minha rainha - murmurou Eduardo.

- Estou muito feliz por você estar de volta. Tudo já parece pertencer ao passado. Nada do que aconteceu importa, se ficar comigo para sempre.

- Enquanto Deus me permitir, ficarei.

- Eduardo, passamos todos esses meses aqui no santuário. Não teríamos sobrevivido se não fosse por nossos bons amigos.

- Serão recompensados. Tudo ficará bem agora. Eu serei vitorioso..

Jacquetta aproximou-se de Eduardo e eles se abraçaram calorosamente. Ele jamais acreditara nas histórias de que ela era uma bruxa e que o capturara para sua filha através de feitiços. Ele gostava muito de Jacquetta e sabia que ela deveria ter ajudado e confortado imensamente Elizabeth durante sua ausência forçada.

- Você ainda não viu o seu filho - disse Elizabeth, entre lágrimas.

- Meu filho... o menino que eu sempre quis! Traga-o para mim. Quero vê-lo.

- Ele se chama Eduardo... como você.

- Um bom nome.

Maravilhado, fitou o menino. Seu amado filho - um menino perfeitamente saudável que encantaria o coração de qualquer pai, quanto mais o de um rei que precisa deixar sucessores.

Tomou a criança nos braços e beijou ternamente sua testa. O bebé abriu os olhos, fitou o pai solenemente por um momento e fechou-os de novo, enquanto as menininhas começavam a rodear Eduardo. Ele entregou o bebé a Elizabeth e abraçou as filhas, todas juntas, como se uma não merecesse mais carinho que a outra.

Você vai ficar com a gente? - perguntou Elizabeth. Quando voltaremos para casa?

- Aqui é a nossa casa - disse Mary.

Não, minha querida - replicou Eduardo. - Você vai

voltar para o seu lar. Não ficará mais aqui. Vai ter uma grande surpresa quando for levada de volta para a sua casa de verdade.

As menininhas estudaram-no com olhos arregalados. Estavam felizes. Ele estava de volta - seu pai bonito e sorridente, e se Mary mal podia reconhecê-lo e Cecily não se lembrava nem um pouco dele, todas sabiam que a melhor coisa que podia lhes acontecer era o seu retorno.

Eduardo disse que deveriam seguir imediatamente para o castelo de Baynard. As mulheres e as crianças deveriam ficar lá até que Eduardo tivesse colocado tudo em ordem no país.

Assim, foram para Baynard, cavalgando ao longo do rio enquanto os plebeus ovacionavam Eduardo, sua linda rainha e as adoráveis crianças. A própria Elizabeth carregava o bebé. Ela ficou sentada na liteira com a criança nos braços, seus cabelos longos e dourados desenhando uma auréola em torno de suas feições perfeitas. O povo aclamou Eduardo, o príncipe bebé, as menininhas, e sim, até Elizabeth, embora fosse por causa de sua família ambiciosa que o conde de Warwick tivesse se voltado contra o rei.

Mas, tudo bem; ela era muito bonita e dera ao rei todas aquelas crianças lindas. E ele claramente a amava, ainda que não fosse o mais fiel dos maridos.

Os plebeus comemoravam o retorno de Eduardo, o homem forte, o rei que eles preferiam ao pobre Henrique. Eles torciam para que Eduardo e o conde de Warwick acertassem logo as suas diferenças.

No castelo de Baynard, a duquesa de York estava em casa. Quando viu seu filho, Cecily derramou lágrimas de alegria e se jogou sobre ele, beijando seu rosto e mãos. Naquele momento, quase não foi possível reconhecer Cecily, a Orgulhosa.

- Meu filho querido! - chamou-o, esquecendo do protocolo que sempre insistira em manter. - Seja bem-vindo, seja bemvindo mil vezes! Este é o dia mais feliz da minha vida. Você está aqui conosco... e o povo quer você...

Eduardo deixou Cecily falar. Então beijou-a ternamente e disse:

- Elizabeth e as crianças precisam ficar aqui. vou deixálas aos seus cuidados.

Durante alguns segundos as duas mulheres entreolharam-se. Cecily, a Orgulhosa, que nunca aprovara o casamento do filho com aquela plebeia, e Elizabeth Woodville, que sabia que a mãe de Eduardo teria feito tudo ao seu alcance para impedir a união.

Os olhos da duquesa abrandaram. Elizabeth Woodville era uma mulher de beleza extraordinária e Cecily não podia deixar de se sentir enternecida ao vê-la parada ao lado de seu belo Eduardo. com toda certeza, Eduardo não poderia ter encontrado um par mais à sua altura em toda a Inglaterra.

E Elizabeth cumprira seu dever. Eduardo ainda a queria como mulher depois de todos esses anos, de modo que devia haver alguma coisa de especial nela. E ela gerara, aquelas crianças lindas... e agora um príncipe de Gales...

A duquesa deu alguns passos à frente. Não esperava que uma rainha se ajoelhasse para ela, mas estendeu sua mão e Elizabeth a segurou.

- Seja bem-vinda ao castelo de Baynard, minha querida disse Cecily. - Fico feliz em tê-los aqui... você e meus netos.

Eduardo envolveu a mãe e a rainha num abraço, apertandoas com força.

- Graças a Deus que você voltou - disse a duquesa.

- Sim, voltei. Mas ainda tenho muito trabalho a fazer. Não devo ficar aqui agora. Mas pelo menos sei que vocês estão juntas. Cuidem uma da outra, minhas adoradas.

Eduardo permaneceu no castelo de Baynard durante um dia e uma noite. Então, levando Henrique com ele, cavalgou para Barnet.

SOL A PINO

O ROMANCE DE RICHARD

E então Warwick estava morto. Morto em batalha e contra o homem a quem ensinara a comandar exércitos. Eduardo estava triste.

Ele deveria estar comemorando, é claro. Warwick era seu inimigo. Não, ele jamais poderia vê-lo dessa forma. Haviam lutado um contra o outro, mas jamais deveria ter sido assim. Ele devia ter conversado comigo, pensou Richard. Teríamos chegado a um acordo.

Warwick obrigara-o a escolher entre ele e Elizabeth, e Eduardo preferira o casamento. Warwick nunca mais foi o mesmo depois disso. Uma chaga fora aberta e continuava a supurar, embora Warwick fingisse que ela estava curada. Warwick queria ser supremo. Ele era supremo, de certo modo. Aprendera muito numa vida dedicada à obtenção de poder. Poder era tudo que Warwick quisera. Não uma coroa, que era a ambição de tantos homens. Mas poder. Ele queria ser aquele que criava e destruía reis. E havia sido porque fora exatamente isso que fizera com Eduardo.

Mas agora acabou, meu antigo amigo e recente inimigo. Agora acabou.

Era ridículo que Eduardo estivesse se sentindo assim. Ele devia estar comemorando. Não podia contar a ninguém como estava se sentindo... nem mesmo a Elizabeth. Decerto não a Elizabeth. Ela pensaria que ele era um fraco, um idiota. Ele não era fraco. Ninguém poderia ser mais forte quando a ocasião exigia, mas Warwick... Warwick fora seu amigo, seu ideal, seu deus. Eduardo não conseguia parar de lembrar os primeiros dias, quando era um menininho. Ele ouvia Warwick; ele tentava ser como Warwick. Ele pertencia a Warwick. Fora por causa disso que Warwick o tornara rei.

Mas os meninos crescem. Eles encontram seus próprios objetivos. Os meninos mudam, Warwick. Você odiava os Woodvilles. Mas os Woodvilles são a família de Elizabeth, Warwick. É natural que Elizabeth quisesse ajudá-los. Você os viu tornar-se cada vez mais poderosos que os Nevilles... e então se voltou contra mim, que fui também o responsável pela ascensão dos Nevilles.

E agora chegara o fim. Você está morto, meu caro amigo e inimigo.

Eduardo foi ver o corpo de Warwick. Foi uma experiência angustiante. O orgulhoso e invencível Warwick era agora um cadáver. Somos todos vulneráveis. Chega um momento em nossas vidas em que a morte nos chama, e os reis, e até mesmo os criadores de reis, precisam atender ao seu chamado.

O corpo de Warwick ficaria em exibição durante algum tempo, para que não houvesse rumores de que ainda vivia. Eduardo era capaz de lidar com os inimigos que ainda lhe restavam, mas as lendas, e, em particular, as lendas vivas, sempre são mais difíceis de serem derrotadas.

Ele parecia tão vulnerável sem sua bela armadura. Soldados haviam-na roubado. Os guardas de Eduardo haviam visto os ladrões em fuga enquanto cavalgavam até Warwick, para tentar salvar-lhe a vida. Eduardo teria feito tudo ao seu alcance para Salvá-lo. Depois, ele teria perdoado, assim como perdoara Clarence. E talvez tivessem se tornado amigos de novo.

Mas eles tinham chegado tarde demais. Warwick já estava morto, e não havia nada que pudesse ser feito além de levar o cadáver até a Catedral de St Paul e deixá-lo lá por dois dias, para que todos pudessem certificar-se de que estava morto.

- Que ele seja sepultado com toda a honra e respeito, junto com seus pais e seu irmão Thomas na Abadia de Bisham ordenou Eduardo.

Assim, todos sabiam que o grande criador de reis morrera em combate mortal com o homem a quem ele fizera rei.

Era a passagem de uma era.

E então ele estava de volta a Londres com Elizabeth e sua família. Havia sido um retorno triunfal. Eduardo trouxera Henrique com ele e o instalara na Torre Wakefield. Pobre Henrique, parecera feliz em retornar ao seu confinamento. Eduardo sentira-se um pouco culpado quando o pobre Henrique expressara sua confiança nele. Henrique era um fardo, mas livrar-se dele tornálo-ia uma ameaça ainda maior. Além disso, ainda havia o jovem príncipe Edward. Se Henrique morresse, seus seguidores iriam transferir sua lealdade para o príncipe. Enquanto os dois vivessem, Eduardo precisaria estar sempre de olhos bem abertos.

Mas, no momento, ele era vitorioso. Warwick estava morto e embora não estivesse feliz com o fato, não podia negar que lhe era favorável.

Ele saboreou aqueles poucos dias no Castelo de Baynard ao lado de Elizabeth. Ficou feliz em voltar a conviver com a frieza da esposa, e o impulso irresistível de tentar derretê-la talvez fosse o que mantinha tão viva sua paixão por ela. Ele podia andar com outras mulheres, mas sempre voltava para Elizabeth. Ela era única. Além disso, era a mãe das crianças reais. Às vezes tinha pensamentos inquietantes sobre Eleanor Butler e aquela cerimónia pela qual havia passado. Mas Eleanor estava morta agora e tudo aquilo ficara no passado. Mas Eduardo descobrira que Eleanor ainda estava viva durante a época do casamento secreto em Grafton. E se aquela primeira cerimónia era válida na época, em que posição isso colocava Elizabeth e seus filhos?

Mas isso já fora esquecido há muito tempo. E se alguém começasse a sondar esse assunto, que uma maldição caísse sobre essa pessoa.

Eduardo tentou esquecer isso e saborear aqueles poucos dias de repouso. Era agradável estar imerso naquela tranquila atmosfera familiar, ainda que fosse apenas temporária. Elizabeth enchera rapidamente o berçário com pessoas que ela considerava essenciais para o príncipe. A viúva Avice Wells era a babá do príncipe. Elizabeth Darcy

era a governanta do berçário do pequeno príncipe. Isso não era o suficiente, e Elizabeth persuadiu Eduardo de que seu pequeno filho precisava de um camarista de corte.

Eduardo achou graça.

- Na idade dele, querida? Por que um bebé precisaria de um camarista?

- Para carregá-lo nas cerimónias. As pessoas precisam conhecer o seu príncipe. E elas precisam perceber imediatamente a sua importância.

Assim, Eduardo indicara Thomas Vaughan, um dos servos em que mais confiava, para cuidar do príncipe em tempo integral.

O jovem Eduardo dormia tranquilamente no berço, alheio ao tumulto que acontecia ao seu redor.

De repente, a atmosfera doméstica foi abalada por notícias preocupantes. Eduardo estava esperando por aquilo, e agora que acontecera, era imperativo agir.

Margaret de Anjou e seu filho Edward, que se autoproclamava príncipe de Gales, haviam aportado em Weymouth.

Anne estava esperando na pequena casa religiosa perto de Tewkesbury, ciente de que as tropas de Eduardo de York enfrentavam os defensores do rei Henrique. Anne sabia que seu pai fora morto em Barnet e no íntimo sabia que, sem ele, havia poucas esperanças de vitória.

A coisa que Anne mais desejava era um fim para aquela guerra. Eles a haviam unido ao príncipe. E ela acreditava que eles podiam viver em algum tipo de harmonia juntos. Não sendo autoritária, como Margaret, Anne não tentaria impor sua vontade a ninguém. Frequentemente pensava em Richard de Gloucester e no golpe do destino que os colocara em lados diferentes de um conflito. Acontecesse o que acontecesse, Richard ficaria ao lado de seu irmão. E ela, obviamente, ficaria do lado de seu pai.

Ainda assim, eu não me importo nem um pouco com as suas guerras, pensou Anne.

O caso de Margaret era muito diferente. Um relacionamento agradável desabrochara entre as duas, o que era estranho. As duas mulheres eram muito diferentes-Anne tão dócil, Margaret tão feroz. Pobre Margaret! Fora um golpe terrível saber que Warwick estava morto. Ela ficava assustadora quando furiosa, amaldiçoando tudo e todos à sua frente.

E agora ela partira com as tropas para lutar contra Eduardo, e o príncipe Edward, o noivo de Anne, estava com ela. A própria Anne estava desnorteada. Desejar-lhes sucesso seria querer a derrota de Richard, e seu coração não lhe permitia isso. Ela não sabia pelo que orar. O que desejar. Sentia-se perdida e confusa.

Neste momento a batalha aproximava-se do clímax. A qualquer momento ela saberia o resultado.

Anne subiu ao terraço da casa e olhou para a estrada. Ficou sentada ali durante um longo tempo... esperando.

Então os viu chegar... um grupo sujo e trôpego... e cavalgando com eles vinha Margaret. Anne sentiu imediatamente que mais uma tragédia havia acontecido.

Margaret estava profundamente abalada. Este era o fim. Era doloroso ver um uma mulher orgulhosa que fora roubada de tudo menos de seu sofrimento.

Seu filho estava morto... assassinado em batalha, e ela jamais seria a mesma novamente. Margaret perdera muito de seu fogo e se tornara uma velha.

Anne tentou confortá-la, mas não havia conforto para Margaret.

- Toda aquela juventude... toda aquela beleza... sumida.... sumida... - lamentou. - Eles o mataram. Eles podiam ter-me deixado o meu filho. Estamos perdidas. Não há mais nada a ser feito. Meu marido está aprisionado na Torre... e eles mataram o meu filho. Toda a minha esperança residia nele.... perdi meu lindo menino e você, minha filha, perdeu seu marido.

Anne não sabia o que fazer. Tentou acalmar Margaret. Levou-a para uma sala silenciosa e conseguiu convencê-la a deitar. A pobre Margaret ficou deitada ali por algum tempo, fitando o teto.

Mas não podia permanecer passiva por muito empo. Ela se levantou. Começou a rogar pragas contra todos, mas principalmente contra o homem a quem chamava de Usurpador.

- Eduardo, que se diz rei... ele matou meu lindo filho! Que sua alma queime no inferno!

Margaret devia pensar melhor antes de dar vazão à sua raiva; havia pessoas que levavam relatos de suas pragas até Eduardo. Ele costumava ser condescendente com seus inimigos, mas as maldições de Margaret deixaram-no perturbado. A morte do príncipe gerara novos problemas que estavam ocupando seus pensamentos. Henrique estivera a salvo enquanto o príncipe Edward vivia; não teria valido a pena eliminar Henrique enquanto ele tivesse um filho para ocupar seu lugar. Mas agora não havia mais nenhum herdeiro da Casa de Lancaster. Entre o rei e sua segurança havia apenas um débil mental enclausurado na Torre.

Da mesma forma, Margaret precisava ser silenciada. Felizmente, o povo sempre a odiara. Sem filho e marido, Margaret não representaria qualquer perigo.

Enquanto considerava esses assuntos, Eduardo recebeu notícias de que uma insurreição fora deflagrada no norte. Ele começou a marchar para o norte, mas só chegou até Coventry. parou ao receber notícias de que Falconbridge, o Bastardo, chegara à Inglaterra e estava marchando para Londres. Esse homem era um filho ilegítimo de William Neville, barão de Falconbridge, a quem Warwick fizera capitão de sua marinha. O dever de Falconbridge fora interceptar todas as naus que Eduardo mandava para a França. Este era um acontecimento muito mais grave do que qualquer levante no norte. Eduardo imediatamente deu meia-volta e começou a marchar para o sul.

Falconbridge atravessara Kent recrutando homens para segui-lo e lutar pelo rei Henrique. Ele alcançara Aldgate e, diante da recusa dos londrinos em segui-lo, ateou fogo na periferia leste da cidade. Ao ouvir os relatos sobre esses acontecimentos, Elizabeth ficou aterrorizada. Seu irmão, o conde Rivers aconselhou-a a não ir para o santuário desta vez, mas a ficar na Torre, que era bem fortificada; ele tinha certeza de que Eduardo retornaria em breve para apaziguar essa pequena revolta.

Conde Rivers tinha razão. Quando o Bastardo percebeu que o exército poderoso e vitorioso de Eduardo marchava contra ele e que a batalha de Tewkesbury decidira que a causa da Rosa Vermelha estava perdida, concluiu que sua única chance era fugir.

O Bastardo reuniu seus seguidores e escaparam o mais rápido que puderam. O próprio Bastardo alcançou Southampton, onde foi capturado, levado para Middleham e ali decapitado.

Foi o fim da resistência. Eduardo agora podia gabar-se da vitória. Restava apenas Margaret, a quem pretendia capturar, e o pobre e enlouquecido Henrique, que estava na Torre.

Margaret e Anne foram levadas a Londres, onde o rei planejava fazer uma entrada triunfal. Eduardo não esquecera as maldições que Margaret rogara contra ele e queria que todos compreendessem que ela finalmente estava derrotada. Ele instruiu que Margaret e Anne Neville deveriam estar no cortejo, a bordo da mesma carruagem, e que deveria ficar evidente que eram prisioneiras. Em vez da entrada triunfal em Londres, como sem dúvida Margaret imaginara, ela deveria atravessar a cidade sob intensa humilhação. Deveria ouvir as vaias do povo contra ela.

Eduardo foi aplaudido febrilmente pelo povo de Londres. Este cortejo, esta entrada triunfal, significava que a guerra estava acabada. Este homem grande e bonito era seu rei, e era o rei que eles queriam porque poderia devolver ao país sua paz e prosperidade.

E também havia os cativos - a arrogante Margaret, que trouxera problemas desde o momento em que pisara no país pela primeira vez, como noiva de Henrique, e sua pobre e pálida Anne Neville, filha herdeira do grande conde de Warwick, que sonhara torná-la rainha da Inglaterra.

O povo vaiou Margaret e não demonstrou grande simpatia por Anne. Eles tinham uma linda rainha. Era verdade que ela concedera favores excessivos à família; mas também passara por dias difíceis no santuário, e durante sua estada lá dera à luz um importantíssimo herdeiro. Além disso, ela era lindíssima. Nenhum país jamais tivera um rei e uma rainha tão belos.

E, assim, tudo estava bem. A paz chegara. Eduardo derrotara o seu inimigo. Seria esse o final da Guerra das Rosas?

Eles acreditavam que sim, e estavam tão cansados de guerras que se sentiam imensamente gratos pelo homem que lhes trouxera a paz.

De volta ao Palácio da Torre. Era preciso descansar depois da procissão. Margaret e Anne foram levadas a apartamentos separados enquanto o rei e sua companhia foram ao salão de jantar para o banquete que lhes fora preparado.

Richard estava a um lado do rei, Elizabeth ao outro. Eduardo sentia um afeto profundo pelo irmão, que nunca mostrara nada além de lealdade por ele. Era maravilhoso ter alguém em quem pudesse confiar.

Mas Richard estava triste. A visão de Anne sentada ao lado de Margaret na carruagem tocara-o profundamente. Pobre pequena Anne, que não fizera nada além do que lhe haviam mandado fazer. Ele não podia esquecê-la e nem refrear recordações vívidas dos dias de infância.

O jovem Edward está morto - disse o rei. - Agora só resta Henrique.

E ele é quase um retardado - murmurou Hastings.

Mas ainda é um símbolo - lembrou Eduardo. – Os revoltosos do norte agiram em seu nome. Jamais haverá paz completa enquanto esse nome puder ser usado por traidores como motivo para revoltas.

Um silêncio profundo recaiu sobre a mesa, um silêncio que durou alguns minutos. Eduardo estava olhando para o longe, pensativo.

Naquela noite, Henrique VI foi assassinado na Torre Wakefield.

E então Henrique estava morto. É claro que houve rumores de que ele não podia ter morrido num momento mais conveniente. Segundo os boatos, ele fora assassinado enquanto dormia em seu estrado. Seu corpo foi exposto na Catedral de St Paul com o rosto à mostra, para que todos pudessem vê-lo. Depois foi mantido durante algum tempo no mosteiro dos dominicanos e, em seguida, levado de barcaça até a Abadia de Chertsey para ser enterrado na capela local.

O povo dizia que Henrique possivelmente fora morto sob as ordens do rei. Contudo, sua morte significara um fim para os conflitos. Se a paz só podia ser alcançada através de alguns atos de crueldade, então esses atos eram completamente justificáveis.

Algumas semanas depois, já não falavam mais sobre Henrique. A guerra estava acabada. Eduardo voltara para ficar.

Mas Richard não conseguia parar de pensar em Anne sentada na carruagem ao lado da terrível Margaret de Anjou - que não era mais tão terrível. A morte do filho derrotara seu espírito vingativo e deixara-a sem energia para fazer qualquer coisa além de pranteá-lo.

Ele não sabia se Anne se considerava esposa do príncipe Edward, mas apesar do que ela pensasse, ele estava morto agora. Anne estava livre. Livre para quê? Para permanecer prisioneira de Eduardo na Torre? Livre para se casar, caso pudesse conseguir um marido que a quisesse?

Richard foi até Eduardo. Vinha tomando coragem para falar com o rei desde que vira Anne na procissão.

Eduardo sempre ficava feliz em ver seu irmão. Quando Richard entrou em sua câmara particular, ele o estudou pensativamente. Richard não possuía nada da figura garbosa

que Eduardo tinha consciência de possuir. Richard era de estatura média - talvez um pouco abaixo da média - e tinha feições sérias e honestas. Eduardo abriu um sorriso caloroso e perguntou qual era o problema que atormentava Richard e o deixava tão sisudo.

- Quero falar com você há algum tempo, Eduardo. É um assunto que não me sai da cabeça.

- Qual?

- É Anne... Anne Neville.

- Ah! - exprimiu Eduardo. - Você tem um fraco por aquela jovem. Sempre soube disso.

- Não consigo suportar a ideia de que ela esteja aqui... como prisioneira na Torre.

- Pobre garota! Ela não tem culpa de ser filha de Warwick.

- Quero casar-me com ela, Eduardo.

- Sim, achei que você queria. Bem, o que está esperando? Um grande sorriso se abriu no rosto de Richard, colorindo

repentinamente suas feições sombrias.

- Meu caro Dickon, por que não faz o que o seu coração manda? - perguntou Eduardo. -Você quis a minha bênção e a tem, meu bom irmão! Nesse aspecto, você deve seguir meu bom exemplo e se casar com quem quiser.

- Pretendo fazê-lo - disse Richard.

- bom para você. Gosto de um homem que sabe o que quer. Mas como esse homem é você, preferiu perguntar-me antes. Eu mando: vá em frente. Nosso irmão ficou com a filha mais velha de Warwick e você com a mais nova. Elas são as maiores herdeiras do reino. Warwick era um homem riquíssimo! Ele tinha um grande talento para colecionar riquezas. Sei que lamentava não ter tido um filho, principalmente por causa das grandes riquezas que acumulou. Bem, a sua Anne é uma mulher rica, co-herdeira da fortuna de Warwick com sua irmã Isabel.

Eduardo fitou intensamente o irmão. Então disse, bem devagar:

- George pode causar problemas.

- George? Por que ele faria isso?

- Meu caro Dickon, você conhece George. Ele se casou com Isabel por dinheiro. Ele acredita que agora que Anne está na Torre e foi noiva... segundo alguns, esposa... do filho de Henrique, ela é nossa inimiga, e deve perder o direito aos seus bens. Nesse caso, Isabel ficará duas vezes mais rica, com uma porção inteira em vez de uma metade.

- Não, nem ele pensaria assim.

- Talvez não. Mesmo assim, caro irmão, vá em frente e tenha boa sorte em sua corte.

A tarde do dia seguinte já estava quase no fim quando Richard foi ao aposento de Anne, na Torre. Passara o dia inteiro pensando no que dizer. Anne passara por uma provação terrível e ele tinha certeza de que ela estaria abalada. Ele desconhecia os sentimentos que ela nutrira pelo príncipe Edward. Ouvira boatos de que Anne tornarase muito íntima de Margaret de Anjou. Talvez ela tivesse presenciado a dor profunda daquela dama... e talvez tivesse compartilhado dessa dor. Não queria apressá-la. Talvez seus sentimentos tivessem mudado desde a época em que eram crianças. Anne não estava com muito mais de quinze anos. Ele queria ser o mais delicado possível com ela. Agiria sem pressa, recordando-a dos dias felizes que haviam passado em Middleham, e tentando reavivar os sentimentos de um pelo outro. Estava ansioso por vê-la, mas aguardara até sentir-se completamente preparado. Tinha o pressentimento de que seu primeiro encontro seria muito importante para ambos.

Richard sabia onde ficava o aposento de Anne. Ela e Margaret haviam recebido acomodações muito confortáveis. Eduardo jamais fora vingativo; Margaret causara-lhe muitos-problemas, mas ele atribuía à natureza das coisas tudo que ela fizera.

Richard chegou ao aposento de Anne. Ficou surpreso em encontrá-lo vazio.

Ele chamou um dos guardas.

- Onde está lady Anne?

- Senhor duque, ela foi levada esta manhã-foi a resposta.

- Levada! Mas quem tinha o direito de fazer isso?

- Foi o duque de Clarence, senhor. Ele disse que iria levála para ficar com a irmã. Disse que daqui em diante assumiria a responsabilidade por lady Anne.

Richard ficou estarrecido. Por que George decidira repentinamente levar Anne?

Então iria à residência de seu irmão em Londres e a encontraria lá.

No caminho para a casa dos Clarences, um pensamento ocorreu a Richard. Teria seu irmão adivinhado o que ele estava planejando? Como descobrira? Por que tinha conhecimento do quanto ele gostava de Anne? Por que Anne agora estava livre? Teria um de seus espiões escutado a conversa entre ele e Eduardo? Era possível. George tinha espiões em toda parte. Vivia dramaticamente e criava drama onde ele não existia. Ele estava planejando alguma coisa. Por que se mostrava subitamente interessado em assumir a responsabilidade por Anne?

Richard iria descobrir.

Ele chegou na casa do irmão, onde foi recebido com muito respeito pelos criados. Richard disse que soubera que lady Anne estava ali e que queria ser conduzido a ela.

Se ele fizesse a gentileza de esperar um momento, os criados veriam o que podia ser feito.

Não foi Anne quem se apresentou a ele; foi George.

George chegou apressado. Trazia um sorriso afável no rosto, novamente um pouco inchado devido ao seu fraco por comida e bebida - Ainda era bonito, mas apenas uma sombra pálida de Eduardo.

Richard, querido irmão! Que satisfação recebê-lo em minha casa.

Richard sempre foi direto.

- Você parece bem, George. Na verdade, vim ver Anne.

- Ah - disse George, parecendo sério.

- O que está errado? Ela está aqui ou não?

- S-sim, ela está aqui. Está sob os cuidados da irmã.

- Por quê?

- Ora, meu caro, não acha natural que minha esposa se prontifique a cuidar da saúde de sua irmã? Você sabe como Isabel e Anne são boas amigas.

- Há algum problema com sua saúde? Ela está doente?

- Temo que sim. Ela sofreu muito. Perdeu o pai, e logo depois o príncipe... Foi demais para a pobre garota.

- Quero falar com ela.

- Temo que não possa fazer isso. Ela não está em condições de receber visitas.

- Visitas! Eu não sou um visitante comum! Anne pode querer me ver. Por favor, diga-lhe que estou aqui e que vim com o firme propósito de falar com ela.

De repente, o rosto de George ficou inamistoso.

- Não, irmão. Você não pode vê-la.

- Exijo vê-la.

- De nada adianta exigir qualquer coisa de mim, milorde de Gloucester. Esta é a minha casa. Anne está sob a minha guarda. Cabe a mim decidir a quem ela receberá.

- Por que está fazendo isso?

- Sou cunhado dela... seu parente mais próximo por parte de Isabel. Isabel e eu tomaremos conta de Anne. Ela está em minhas mãos. Você veio aqui pedi-la em casamento, não veio?

George sempre fora incapaz de controlar sua raiva. Estava furioso agora. Ele pretendera agir com sutileza e se livrar de Richard sem alvoroço. Mas então Richard

apareceu à sua frente, mostrando o quanto era forte apesar de seus modos calmos o que deixou George fulo. Ele fora informado de que Richard pretendia casar-se com Anne e presumira que o motivo de seu irmão era o mesmo que o dele quando se casara com Isabel; a vasta fortuna de Warwick.

- Sim - confirmou Richard. - Pretendo desposar Anne, se ela concordar.

- Pretende desposar sua fortuna, certo? É isso que você quer. Morder uma fatia da fortuna dos Warwick.

- Eu só penso em Anne...

- Irmão, como você é nobre! Eu o conheço bem. Calmo. Sério, sempre leal a Eduardo. Bem, você finalmente foi recompensado por tudo isso. Agora você acha que pode procurar aquela garota pobre e desolada e dizer que quer se casar com ela... não por sua fortuna, oh, não, mas por que vocês sempre foram bons amigos em Middleham. Mas você não abrirá mão dos bens de Warwick, abrirá? Meu caro irmão, Anne esteve ao lado dos inimigos de nosso irmão, o rei. Ela merece perder sua riqueza por causa disso.

- Você lutou ao lado dos inimigos do rei, George. Por acaso suas riquezas foram confiscadas? E Anne nunca lutou. Ela fez apenas o que foi obrigada. Você sabe disso. Eduardo sabe disso. Eu quero vê-la. Agora.

George deu um passo à frente e encarou o irmão.

- Você não pode vê-la. Ela está doente demais para receber visitas. Apenas Isabel está com ela.

- Está mentindo, George.

- É meu irmão e não quero discutir com você, mas se tentar invadir a minha casa, darei ordem aos meus guardas para detê-lo.

- Não vim aqui para uma luta.

- Então vá embora, irmão, antes que provoque uma.

George estava com o rosto vermelho, os olhos injetados de sangue. Richard conhecia o irmão. Perdia o controle quando ficava zangado. Ele seria capaz de fazer qualquer coisa.

A última coisa que Richard queria era uma luta com seu irmão. Considerando o presente humor de George, uma luta poderia resultar na morte de um deles. Richard girou nos calcanhares e se afastou.

Exporia a situação a Eduardo e exigiria ver Anne. Tinha certeza de que Eduardo ficaria ao seu lado. Eduardo era devotado a ele e sempre desconfiara de George. Sabia qual seria o veredicto de Eduardo e até mesmo George teria de pensar bastante antes de contrariar os desejos do rei.

Eduardo ouviu pensativamente o que havia acontecido.

-- É evidente o que isso significa-disse Eduardo. - George quer a fortuna inteira de Warwick. Mantendo Anne sob seu controle, pretende obter toda essa riqueza através de Isabel. Onde está George, estão problemas. Às vezes me pergunto onde isso irá nos levar. Como ele ousa dizer que Anne lutou contra mim? Ele está completamente fora de si. Não podemos esquecer que ele procurou Warwick e levantou armas contra mim. Não sei por que sou tão condescendente com ele. Acho que é porque ele é meu irmão. Quando jovem, ele se revelou muito inteligente e sagaz, e suas pequenas maldades eram divertidas. Mas não são mais. Direi a George que ele não deve fazer nada para impedi-lo de ver Anne.

- Temo que ele a esteja mantendo prisioneira. Se eu pudesse falar com ela...

- Você deve. Direi a George que Anne deve recebê-lo em sua casa. Assim, vocês poderão conversar e fazer seus planos.

Richard agradeceu ao irmão e Eduardo imediatamente enviou um mensageiro para George, que autorizara Richard a ver lady Anne; se ele, George, impedisse, teria de responder ao rei.

Depois de conceder a George tempo para receber a ordem do rei, Richard cavalgou até a casa de Clarence. Seu irmão o aguardava.

George parecia complacente. Por um momento, Richard achou que ele decidira aceitar a decisão de Eduardo.

- Vim ver lady Anne - disse Richard. - Peço que me conduza imediatamente até seu quarto.

- Infelizmente, você chegou tarde - disse George, mãos unidas, olhando piamente para o teto. - Lady Anne não está mais aqui.

- Não está mais aqui? Ela estava aqui...

- Estava, mas não está mais.

- Então onde ela está?

- Ouvi de meu irmão que eu não detenho mais a guarda da dama. Portanto, seu paradeiro não me diz mais respeito.

- Está mentindo.

- Juro que não. Ela não está mais nesta casa.

- Não acredito.

- Pode vasculhar o lugar, se quiser. Pode interrogar meus criados. Você precisa ver com os próprios olhos, não é? Na verdade, quero que veja. Não quero que espalhe histórias de que estou mantendo a dama escondida aqui.

- vou revistar sua casa.

- À vontade. Pode pedir ajuda a qualquer pessoa na casa. Richard correu até a escadaria. Encontrou Isabel num dos

corredores e se perguntou se ela ouvira a altercação entre ele e George.

- Isabel - disse Richard, segurando a mão da cunhada e a beijando. Isabel parecia assustada. Ele sempre gostara de Isabel, mas, naturalmente, não nutria por ela sentimentos tão profundos quanto por Anne. - Onde está a sua irmã? - perguntou Richard.

- Não sei, Richard. Ela desapareceu. Fui até o quarto dela para conversarmos e ela tinha sumido.

- Sumido! Mas para onde?

- Não faço a menor ideia. É como se ela tivesse saído às pressas. Acho que fugiu.

- Mas para onde poderia ter fugido?

Talvez para a nossa mãe.

A sua mãe está em Beaulieu, não está?

Sim- Em santuário, sob as ordens do rei.

Richard assentiu. Era uma situação lamentável, mas a condessa era a viúva de Warwick, o homem que mobilizara um exército contra o rei. Todas as terras da condessa haviam sido confiscadas. O responsável por isso provavelmente fora George, que naturalmente queria que toda a herança de Warwick ficasse para Isabel.

- Isabel, você pode me assegurar de que ela não está escondida em algum lugar desta casa?

- Eu a procurei e não consegui encontrá-la. Richard, o que acha que aconteceu com ela?

- Você acha que ela fugiu de George?

- Ele não lhe prestou qualquer descortesia.

- George tentou mante-la prisioneira aqui. Quando vim visitá-la ele não me permitiu vê-la. Ela soube disso?

Isabel meneou a cabeça.

- Só se George lhe disse. EM não fiquei sabendo que você esteve aqui.

- Eduardo ordenou que eu não fosse impedido de vê-la.

- Mas ela não está mais aqui, Richard.

- Acho que George a mandou para longe - disse Richard, lábios premidos.

- Não sei. Ele não me diz nada. Richard, Anne ficaria tão feliz se soubesse que você quis vê-la! Ela fala de você o tempo todo. Parece achar que você a abandonou depois que tudo aquilo aconteceu.

- Meu Deus, Isabel, não foi culpa de Anne! Espero que ela não ache que penso isso. Mas irei encontrá-la. Juro que vou. Agora vou revistar esta casa... cada quarto... cada reentrância... tudo. Compreenda, Isabel, preciso me convencer de que ela não está aqui.

- Entendo, Richard. Pode procurar. Mas acho que não irá encontrá-la. Eu mesma já a procurei por toda

parte. Estou tão preocupada quanto você sobre o que aconteceu com minha irmã.

Isabel estava certa. Ele vasculhou a casa inteira, mas não encontrou nenhum vestígio de Anne.

Richard visitou a condessa em Beaulieu. Encontrou uma mulher muito triste. Ela estava ansiosa para rever as filhas. No momento seu maior sofrimento era estar separada delas.

Richard decidiu que falaria com Eduardo sobre a manutenção da condessa em santuário naquele lugar. A causa, obviamente, era a obsessão de George pelos bens de Warwick. Enquanto estivesse ali, a condessa não poderia requerer nada. Eduardo sabia que George queria os bens de Warwick. Às vezes Richard pensava que Eduardo temia George. Não era exatamente medo. Havia muito pouco que Eduardo temesse. Mas Eduardo sempre lutara pela paz e o que mais odiava no mundo eram brigas em família. Embora desconfiasse profundamente de George, não queria irritá-lo. Assim, Eduardo dera as costas para a situação da condessa, que estava sob uma forma de cativeiro.

Pobre mulher, que crime ela cometera além de ser herdeira de uma imensa fortuna? Warwick casara-se com ela por sua riqueza e assim se tornara o grande conde e proprietário. E, por causa desses bens, Isabel fora entregue em casamento a George. Agora Anne estava sofrendo por causa dessa mesma riqueza.

A condessa ficou em pânico ao saber que Anne estava desaparecida.

- Ela não esteve aqui - declarou. - Como eu gostaria que tivesse estado!

- Irei encontrá-la - prometeu Richard. A condessa segurou a mão dele.

- Quando encontrar minha filha, por favor, me avise.

- A senhora será a primeira a saber, prometo.

Richard teria de procurar em toda parte. Ele seguiria cada pista, por mais improvável que pudesse ser.

Ele fez perguntas em cada casa nobre, começando por aquelas às quais havia mais chance de que tivesse ido.

Anne estava ali? Ela pedira refúgio a eles? Mas a procura de Richard foi em vão.

Anne também estava desnorteada. Não conseguia entender por que seu cunhado fizera aquilo com ela. Ela sempre tivera medo dele, e nunca entendera como Isabel podia amá-lo. Estranhamente, ele amava Isabel. Era gentil com ela e sempre parecia diferente em sua companhia. Claro que eles se conheciam desde a infância e eram muito amigos, mas não tão amigos quanto ela e Richard. Richard significara muito para ela em Middleham.

Ela queria tanto encontrar-se com Richard! Seria maravilhoso conversar com ele, explicar como estava magoada por ter sido forçada a passar para o lado dos inimigos. Mas não teria necessidade de se explicar. Richard compreenderia. E agora ela temia que jamais fosse revê-lo por causa dessa coisa terrível que lhe acontecera.

George aparecera em seu quarto, junto com duas pessoas que ela jamais tinha visto antes, um homem e uma mulher.

- Anne, você está em perigo - disse George. - Esses meus amigos cuidarão de você. Você precisa acompanhá-los imediatamente. Não leve nada consigo... não há tempo para isso. Eles lhe darão tudo que precisar.

- Mas preciso saber para onde estou indo... e por quê! gritou.

- É porque você está correndo grave perigo. Não temos tempo para desperdiçar agora. Precisa partir imediatamente.

- Onde está Isabel?

- Ela sabe que você precisa partir o mais rápido possível. Poderão conversar depois.

A mulher aproximou-se de Anne e a vestiu com um capuz. A mulher segurou seu braço e Anne notou que ela era muito forte.

- Podemos sair agora - disse George. - Venham. George conduziu o grupo através de uma parte da casa que ele raramente usava, descendo uma escada espiral curta até o pátio, onde havia uma carruagem à sua espera. Ela foi obrigada a entrar na carruagem. O homem fez os cavalos andarem. Tudo acontecera tão rápido que apenas quando estavam percorrendo as ruas escuras Anne começou a sentir medo de verdade.

- Quero saber para onde estou sendo levada. A mulher encostou um dedo nos lábios.

- Precisamos manter a calma, certo? - disse a mulher, falando, pensou Anne, no tom de voz que se usa com retardados.

Anne olhou pela janela. E se ela fugisse? Para onde iria? Para o rei, para se atirar aos seus cuidados? Mas ele iria mandá-la de volta para George. Isabel aceitaria ajudá-la, mas era esposa de George... Restava sua mãe. Será que conseguiria chegar até Beaulieu?

A mulher segurou-a pelo braço e a conduziu até uma casa. Elas subiram uma escadaria escura. Então Anne se viu sozinha num quarto com a mulher.

- Agora tire essas roupas caras-ordenou a mulher. - Não precisará delas aqui.

- Onde estou? Eu não entendo.

- Não se preocupe. - A mesma voz tranquilizante. - Não precisa se preocupar. Ficará a salvo aqui.

- A salvo... do quê?

- Daqueles que querem feri-la.

- Quem?

- Agora tire esse lindo vestido. Você não será uma grande dama aqui.

- Por favor, me deixe em paz. Deixe-me ir para a casa de minha mãe.

- Não, você vai ficar aqui. Vamos cuidar de você.

Seu vestido foi removido. Ela foi deixada apenas com sua anágua.

- Linho da melhor qualidade - disse a mulher. - completamente inadequado agora.

Tudo foi removido e a mulher despiu seu próprio vestido rasgado.

Anne olhou para o vestido com repulsa.

O que é isto? O que está fazendo?

Minha querida, você está confusa. Pensa que é lady Anne,

certo? Eu a encontrei vagando nas ruas e fiquei com pena. vou mantê-la aqui nas minhas cozinhas. Você terá de trabalhar para pagar a comida.

- Cozinha! Você está louca!

- Não, minha querida, você é que está afligida por esse mal. Tem ideias estranhas. Ouviu falar sobre lady Anne Neville e esteve sonhando que era ela. Você pensa que é essa dama. Mas por que ela estaria usando um vestido como esse seu?

- Mas você acabou de me forçar a tirar as roupas e vestir este.

- Foi tudo um sonho. Parte da ilusão. Não se preocupe. Cuidaremos de você aqui. Deve se sentir grata. Nós a tiramos das ruas por pura pena.

- Pare! - gritou Anne. - Que besteiras são essas que está falando? Devolva minhas roupas e me deixe sair daqui!

- As suas roupas... minha querida criança... aquelas eram as roupas que você vestia quando a encontrei, vagando pelas ruas e fingindo ser uma grande dama... Mas vou reconhecer uma coisa, você finge bem.

Anne virou-se para a porta, mas foi detida por braços fortes.

- Cuidado, criança, não quero machucá-la. Não me provoque.

- Quero sair daqui. Isto é um absurdo. Me deixe ir. Me deixe ir.

A mulher esbofeteou Anne, que cambaleou para trás e fitou a mulher, horrorizada.

- Viu? - disse a mulher. - É isso que acontece quando não se comporta. Não há absurdo nenhum. Quero ser gentil com você, precisa me deixar ser gentil. Olhe para você, toda pele e ossos, fraca como um gatinho. Nunca trabalhou duro na vida. Mas não tem problema. Apenas fique quieta e tudo correrá bem. Mas se me desafiar de novo... se arrependerá. Agora venha comigo.

Era um pesadelo. Ela devia estar sonhando. Quem era essa mulher que tirara suas roupas e a vestira com farrapos? Por qi estava dizendo coisas loucas?

Ela foi conduzida a outro quarto. Logo depois, apareceu uma mulher gorda, com o vestido manchado de graxa.

- Esta é a moça de que lhe falei - disse a mulher que levara Anne até aquele lugar. - Está sofrendo daquilo que chamam de alucinações. Pensa que é uma grande dama.

Dama Anne alguma coisa. Ela sabe fingir bem. Ela sabe falar e se comportar como uma dama. Deve ter trabalhado numa casa grande algum dia. Bem, a cabecinha da pobre está confusa. Ela poderia arranjar problemas de verdade caminhando pelas ruas, dizendo que era todo tipo de pessoa.

Anne caminhou até a gorda e segurou-lhe o braço.

- Eu sou Anne Neville. Leve-me de volta para minha família... para minha irmã... para meu irmão. Será regiamente recompensada.

- Vê? - disse a mulher. - Ela imita direitinho. É por causa disso que ela é um pouco perigosa. Leve-a até a cozinha. Não a faça trabalhar demais... mas só no começo. Tenha um pouco de dó dela. Ela vai querer lhe dizer como fazer as coisas. Mantenha-a na cozinha. Ela pode tentar sair. Não a deixe. Confio em você para cuidar dela.

A gorda assentiu.

- Ficarei de olho nela. Já vi malucos antes. Eles pensam que são todo tipo de gente. Cuidarei dela.

- Obrigada, cozinheira - disse a mulher.

O pesadelo continuou. Ela foi levada até a cozinha. Ali havia panelas e pratos por toda parte. Um fogão enorme estava aceso.

- Sente-se e vigie as panelas - ordenou a mulher que fora chamada de Cozinheira. - Vamos. Pare de sonhar. Agora você precisa trabalhar para comer... mesmo se for uma grande dama em seus sonhos.

Anne não conseguia entender por que fora forçada a entrar nesse pesadelo.

Bicharet entregou-se de corpo e alma à busca. Não podia imaginar para onde Anne fora levada. Procurou Isabel novamente e conversou com ela na ausência de George. Mas ela não ofereceu nenhuma pista. Achava que Anne fugira e que procuraria sua mãe. Afinal, aonde mais iria? E se ela não estava lá, então ele não tinha a menor ideia de onde estaria.

- Acredito que George deve estar envolvido nisto - disse Richard.

- Ele sempre disse que cuidaria dela e que ficaríamos juntas.

- Nós conhecemos George. Ele ama você, mas quer todas as riquezas do seu pai.

Isabel ficou em silencio.

- Portanto, acredito que meu irmão a escondeu em algum lugar. Onde, Isabel?

- Não sei.

- Isabel - ele segurou-lhe as mãos e apertou com força.

- Se você soubesse, iria me dizer, não iria?

Isabel tornou a ficar em silêncio.

- Eu imploro, Isabel, pelo bem de Anne... pelo meu bem. Eu amo Anne. Sempre amei. Quando éramos crianças eu pensava que quando crescêssemos iríamos casar. Conversamos sobre isso uma vez. Você sabe como gosto dela. Você me diria se soubesse alguma coisa, Isabel?

- Sim, claro que lhe diria. Mas simplesmente não sei onde ela está. George fala muito pouco e juro por minha alma que não sei onde a minha irmã está.

Pobre Isabel. Dividida entre o marido e a irmã. Mas ele agora estava convencido de que ela não sabia de nada. ,

De algum modo, Richard passou a ter certeza de que Anne estava em Londres. A grande cidade seria o melhor lugar para escondê-la. Ela não poderia procurar nenhum dos amigos de Clarence porque logo vazariam notícias sobre onde estava.

Além de seus amigos nobres, Clarence tinha um exército de lacaios. Pessoas que espionavam e trabalhavam para ele. Richard conhecia bem o irmão. Ele era um daqueles homens que Se cercava de drama. Ele nascera intrigante. Onde não havia intriga, ele a criava. Estava sempre trabalhando em algum projeto torpe. Eduardo tinha razão em não confiar nele. Afinal, George sempre ficara de olho no trono. Ele nutria um grande rancor do destino que não o fizera o primogénito. Richard sabia que precisava ficar de olho em George, não apenas pelo seu próprio bem, mas pelo de Eduardo. Eduardo estava bem ciente da natureza pérfida de George, é claro, mas sendo Eduardo, fingira ignorála para preservar a paz e demonstrar amizade entre eles.

Então, se Anne não estava escondida numa das casas de nobres, estaria numa das casas de plebeus

Decidiu procurar em cada uma delas. Ele também empregaria espiões, com a missão de descobrir quem estava na folha de pagamento de seu irmão, em qualquer escala. Se necessário, empregaria uma guarda armada para revistar as casas. Sabia que Eduardo aprovaria o que estava fazendo, pois entendia seus sentimentos por Anne. Ele nutrira sentimentos igualmente fortes por Elizabeth. Assim sendo, Richard podia tomar qualquer atitude, contanto que não envolvesse o rei. Eduardo preferiria manterse afastado das disputas entre os irmãos. Mas Richard sabia que Eduardo o apoiaria contra George.

Decidiu pedir ajuda a uma mulher que conhecera muito bem e por quem ainda nutria grande afeto. Katherine dera-lhe dois filhos durante seu relacionamento - um menino, John, e uma menina, Katherine. Richard visitava-os de vez em quando e procurava garantir que as crianças tivessem tudo do bom e do melhor. Nunca houvera uma grande paixão entre eles, e Katherine tornara-se uma amiga verdadeira e grata.

Katherine vivia modestamente na cidade de Londres e talvez tivesse conhecimento e acesso a lugares aos quais Richard não poderia chegar. Como nunca houvera qualquer possibilidade de casamento entre Katherine e o duque de Gloucester, ele falara frequentemente com ela sobre Anne e lhe explicara que um dia provavelmente se casaria com ela.

Assim, Richard levou seu problema até Katherine. Ele sabia que Katherine faria tudo ao seu alcance para descobrir se Anne estava realmente em Londres.

Era uma esperança vã. Eram grandes as chances de que Anne tivesse sido retirada da cidade; mas Richard estava determinado a se certificar de que ela não se encontrava em Londres antes de abandonar a busca nessa cidade.

Foi Katherine quem descobriu os boatos entre os criados.

Havia uma jovem estranha e louca trabalhando numa das casas. Uma jovem que acreditava ser uma grande dama.

Segundo a história, era uma mendiga que fora encontrada vagando nas ruas e acolhida por uma senhora magnânima. A garota trabalhava na cozinha e era praticamente inútil. Era de admirar que sua patroa ainda não a tivesse jogado na rua. A moça era completamente doida. Ela até mesmo chegara a dizer que era a filha do duque de Warwick.

Richard mal conseguiu se conter.

- Descubra onde fica essa casa - disse. - Avise-me assim que souber e irei até lá.

Cada dia parecia mesclar-se ao seguinte. Anne continuava confusa. Às vezes se perguntava se havia imaginado outra vida, se era realmente a mendiga louca que acreditava ser uma grande dama. Mas essas vezes eram raras. Ela lembrava de tantas coisas... Middleham, Richard, Isabel, sua mãe e o marido de Isabel, George, que a tratava com carinho e que, ainda assim, a atemorizava.

Não, ela precisava agarrar-se à sanidade. Precisava concentrar atenção em si mesma. Precisava fazer essas tarefas de cozinha, para as quais não tinha a menor aptidão e com as quais jamais tivera de se preocupar antes de vir para cá. Precisava ser paciente e calma, e esperar até que alguma possibilidade de fuga se apresentasse.

Era uma manhã absolutamente comum. Ela se levantou da pilha de trapos no chão que era a sua cama no quarto que compartilhava com mais seis mulheres, acordando para um novo dia.

Ouviu as provocações usuais das outras empregadas. Nunc concordava quando diziam que ela era louca, e embora não insistisse ser lady Anne, jamais negava isso. Elas riam de seus modos delicados, de suas maneiras de falar e comer. Algumas das empregadas até inclinavam-se a pensar que deveria haver algum fundo de verdade em sua história. Contudo, qualquer sugestão nesse sentido devia ser reportada à governanta, o que significava uma ameaça de que iriam para o olho da rua por falar besteiras.

- Não aguentaremos duas loucas numa só cozinha - disse certa vez a cozinheira, muito ameaçadora.

Anne não sabia há quanto tempo suportava aquela vida miserável. Ela perdera a conta dos dias. Parecia ficar sentada durante horas vigiando a panela-a tarefa que geralmente lhe era designada.

- É tudo que ela sabe fazer - dizia a cozinheira.

E assim, aquela manhã estava sendo como qualquer outra, até uma confusão começar do lado de fora. Anne ouviu uma voz que lhe pareceu familiar, que parecia a de... mas não podia ser. Estava sonhando. Ela já fantasiara antes ouvir aquela voz.

- Exijo examinar a cozinha. Para trás.

Então a porta foi aberta. Anne se levantou, tirou seus cabelos sujos e quebradiços da frente do rosto e fitou o visitante. Então gritou, num tom agudo:

- Richard!

Ele atravessou a cozinha. Não podia acreditar que aquela criatura suja fosse Anne. Mas era a sua voz.

- Anne! Anne! Finalmente a encontrei?

Anne correu até Richard e se jogou sobre ele. Richard abraçou-a com força, o vestido sujo de Anne manchando suas vestes impecavelmente limpas.

- Anne... Anne... deixe-me olhar para você. Eu a procurei tanto! Mas nunca imaginei encontrá-la nessas condições! Vamos sair deste lugar o mais rápido possível.

A mulher que a levara para aquele lugar e tirara suas roupas entrou na cozinha.

O que está acontecendo aqui? - inquiriu.

A cozinheira e as empregadas observavam a cena, estarrecidas. Jamais tinham visto nada assim em suas vidas - e jamais veriam novamente. O homem rico e de aparência nobre viera buscar a empregadinha louca. Súbito, ocorreu-lhes que ela estivera falando a verdade o tempo inteiro.

- Essa é a mulher que me trouxe para cá - acusou Anne. Ela está com as minhas roupas.

- Traga as roupas de lady Anne.

- Senhor duque... eu tenho ordens.

- Eu sei. De meu irmão, o duque de Clarence. Não posso culpá-la, embora mereça ser enforcada pelo que fez. Não importa. Traga-nos as roupas e dê-nos água para que a dama possa se limpar:

- Senhor duque... Eu não posso...

- Obedeça-me sem demora ou mandarei prendê-la. Obedeça-me. Imediatamente.

Ainda murmurando que agira sob ordens, a mulher retirouse depressa.

Richard segurou as mãos de Anne com firmeza.

- Anne, pare .de tremer - disse Richard. - Está segura agora. Ninguém irá machucá-la de novo.

- Tem sido um pesadelo, Richard. Não entendi nada. Elas pensavam que eu era louca. Também comecei a pensar assim.

A mulher retornou com as roupas e água quente. Anne foi retirada da cozinha para outra parte da casa. As roupas e a água quente foram colocadas num quartinho. Anne entrou e Richard lhe disse:

- Esperarei aqui fora. Não me moverei até que você saia. Quando emergiu com seus lindos cabelos ainda pendendo

sobre o rosto, mas limpos, e usando suas próprias roupas, Anne parecia mais consigo mesma, embora Richard estivesse chocado com sua aparência frágil.

- Vamos sair desta casa maldita - instou Richard.

Saíram juntos. Ele a ajudou a montar em seu cavalo e montou atrás dela.

- Anne, vou levá-la para um santuário. Você ficará lá até que possamos nos casar. Antes precisaremos de uma dispensa. Mas não tema. Finalmente a encontrei, não há nada a temer agora. Bem, isso se você... se você quiser casar comigo.

Anne encostou a cabeça no peito de Richard.

- Estou com medo de acordar e me ver novamente naquela casa. Richard, sonhei tanto com o momento em que você apareceria desta forma... Não estou sonhando agora, estou? Eu não suportaria se estivesse. Seria ainda mais difícil suportar tudo aquilo.

- Não, você está completamente acordada, Anne. Isso quer dizer que aceita o meu pedido.

- De todo o meu coração.

- Então o futuro é nosso.

Anne permaneceu no santuário de St Martin, aliviada por ter acordado de seu pesadelo. Ainda assim, todas as manhãs receava abrir os olhos e ver que estava naquele quarto escuro, com as criadas deitadas em suas esteiras no chão. Às vezes sentia o cheiro nauseante de comida gordurosa; Anne imaginou que ele ficara impregnado em seu corpo até perceber que era apenas imaginação.

Ela estava livre agora. Richard a libertara. Ele a visitou no santuário e disse que assim que conseguisse o consentimento do rei para o seu casamento e a necessária dispensa do papa - pois eram primos - eles se casariam.

Anne aguardava ansiosamente por esse dia. Se nesse ínterim ela conseguisse expulsar da mente as lembranças e os sonhos maus, ficaria feliz, mas sabia que levaria algum tempo para se purificar dos odores daquela cozinha odiosa, onde os ratos proliferavam e as baratas corriam pelo assoalho; onde ela era escarnecida como a louca que pensava ser uma dama.

Eduardo foi solidário, conforme Richard sabia que seria, mas ao mesmo tempo não fez nada para punir o duque de Clarence.

George provara ser um patife e um criminoso. Submetera Anne à mais profunda degradação. Era tão ímpio que já lutara contra o próprio irmão, mas Eduardo enganava a si mesmo convencendose de que ele poderia ser domado. Eduardo detestava ver brigas em família - ainda que elas acontecessem. Porém, apesar de não estar ansioso por irritar George, sua simpatia estava com Richard.

Ele demonstrou isso concedendo ao irmão caçula as propriedades do norte que haviam sido de Warwick, assim como as terras que ele confiscara de rebeldes como o conde de Oxford. Clarence reagiu. Ele insistiu que era o guardião de Anne, e como tal devia dar seu consentimento para que ela se casasse.

A resposta de Eduardo foi de que os dois irmãos deveriam levar o caso ao Conselho. Ele achou que os relatos calmos de Richard venceriam as arengas furiosas de Clarence.

Contudo, de nada adiantou. Embora Richard tenha exposto seu caso com calma e precisão, George foi bem eloquente e declarou que Isabel, a irmã de Anne, era a única que poderia cuidar da jovem. O Conselho, não querendo ofender nem Clarence nem Gloucester, suspendeu o julgamento. À querela não estava agora mais próxima de uma conclusão do que estivera antes do Conselho se reunir.

O Natal chegou. Richard passou-o na corte enquanto Anne permaneceu em santuário.

Foi uma festa triste para Richard. E para Eduardo também. Ele odiava ver a inimizade entre seus irmãos. Ao considerar o caso e pensar o que faria em seguida, sentiu um arrepio ao lembrar da deserção de Clarence.

Eduardo amara seus irmãos-os dois. Richard fora um rapaz muito sério. E como Eduardo poderia não ter como favorito aquele que admirava imensamente o irmão mais velho e bonito? Richard fazia Eduardo sentir-se um deus, e gostava disso. Mas George fora um moço inteligente e divertido. Sempre belo, garboso e animado.

Irmãos jamais deveriam brigar entre si, mas o que poderia fazer para solucionar essa diferença entre eles? Richard estava determinado a se casar com Anne; Clarence estava determinado a impedir. Ele tinha certeza de que Richard amava Anne, mas George, é claro, tinha uma paixão igualmente intensa pelos bens de Anne.

Eduardo discutiu o assunto com Richard.

- George devia ser punido - disse Richard. - Considere o que ele fez com Anne. Você não tem noção do quanto ela sofreu. Colocar uma garota que foi criada com tanto carinho em condições como aquelas... é criminoso. Por que ele não pode ser levado a julgamento por isso?

- Ouça, Richard. Ele é nosso irmão. Como tal, detém poder. Não posso permitir conflitos neste país. Ele já se juntou a Warwick uma vez. Eu acompanho todos os seus passos com atenção porque nunca sei o que poderá fazer. Mas não quero enfurecê-lo. Ajude-me a colocar panos quentes neste assunto. Se concordar em dividir os bens de Warwick e dar a George a parte do leão, ele talvez se contente. Tenho planos de colocar você no norte. Sei que o seu coração está lá. Você deixaria a corte e se estabeleceria naquela região. É o único homem em quem eu confiaria para manter o norte fiel a mim. Você ficaria com o castelo de Middleham, que poderia tornar sua residência principal, e as propriedades de Warwick no norte. Você e Anne poderiam se casar assim que receberem a dispensa papal. Tenho certeza de que posso fazer George concordar com isso. O que me diz?

Richard não hesitou. Ir para o norte, para Middleham, o berço de sua juventude. Ter o norte ao seu comando. Casar-se com Anne. Manter o norte fiel a Eduardo... Sim, ele concordaria com isso.

- Então, só me resta mostrar a George que isso é um bom negócio para ele.

George considerou a proposta sem demonstrar interesse demasiado.

Secretamente, considerou que saíra lucrando no trato. Richard ficaria com o Castelo de Middleham. Que ficasse. Ele não tinha o menor desejo por aquele lugar lá no norte. George queria estar na corte, onde tudo acontecia. Richard ficaria com as propriedades de Warwick em Yorkshire. Muito bem. Mas ele abriria mão da mansão de Warwick para George, que ficaria com os ducados de Oarwick e Salisbury.

George ficara realmente com a maior parte dos bens de Warwick, mas Richard não se importou. Ele estava ansioso por tirar Anne do santuário, casar-se com ela e se estabelecer em Middleham.

- Agora, tudo que você precisa fazer é esperar pela dispensa papal - disse Eduardo, que deu uma piscadela. Ele sabia que Richard estava pensando em agir sem a permissão. Por que não? A dispensa chegaria, mais cedo ou mais tarde. Não havia qualquer motivo para que ela não chegasse.

Eduardo tinha razão. Richard foi ao santuário, onde Anne o aguardava. Ele segurou suas mãos.

- Nossos problemas terminaram. Chegamos a um acordo... meus irmãos e eu. George não fará nada contra o nosso casamento. Ele ficou com a maior parte da herança que caberia a você e à sua irmã, mas acho que já possuímos riqueza suficiente um no outro.

- Eu não ligo para terras - disse Anne.

- Achei que não. Desejo que Clarence seja feliz com elas. E agora só estamos dependendo do papa. Mas vou lhe dizer uma coisa, Anne. Não pretendo esperar mais por Sua Santidade. Precisamos de cerimónias? Precisamos de um casamento grandioso? Acredito que você concordará comigo de que não precisamos.

- Concordo inteiramente.

- Bem, amanhã iremos nos casar. E logo depois partiremos para Middleham. Isso a deixa feliz?

- Muito.

- Mesmo assim, você me parece melancólica.

- Estava pensando em Isabel... que tem a saúde tão fraca... e em minha mãe. Penso nela com frequência. Ela deve estar muito solitária.

Richard assentiu.

Ele disse que voltaria para pegá-la no dia seguinte, quando se casariam discretamente.

E assim foi. Em seguida, cuidaram dos preparativos para a partida.

Eduardo achou aquilo divertido.

- Então não aguentou esperar Sua Santidade, hein?

- Só há uma pessoa a cujo comando eu sempre obedeci. Eduardo olhou para ele afetuosamente.

- Sei disso e lhe sou muito grato. Richard, façamos um juramento entre irmãos, prometendo que sempre será assim.

- Não há necessidade de juramentos - garantiu Richard.

- Você conhece meu juramento. Servirei ao meu rei enquanto houver vida em meu corpo.

Eduardo abraçou o irmão.

- Daqui em diante nos veremos muito pouco. Você ficará no norte, mas sabe que meus pensamentos estarão contigo. Também sabe que dormirei mais tranquilo sabendo que você controla o norte. Essa região sempre me causou dores de cabeça. Mas a partir de agora não ficarei mais preocupado. A pessoa em quem mais confio no mundo guardará o norte para mim.

- com a minha vida - disse Richard. - Majestade, tenho um pedido a fazer antes de partir.

- Antes que peça, prometo que, se estiver ao meu alcance, atenderei ao seu pedido.

- É sobre a condessa de Warwick. Ela está sozinha em Beaulieu. Anne sente muita pena dela. Peço permissão para tirála de seu santuário em Beaulieu para que ela possa morar conosco em Middleham.

- Como é típico de você fazer um pedido como esse. Eu o concedo com grande prazer. Deus o abençoe, irmão. Eu lhe desejo toda a felicidade que merece. E há uma coisa que gostaria de pedir. De vez em quando quero que deixe Middleham e venha me ver. Mandarei buscá-lo e sei que você não ousará desobedecer aos comandos do seu rei.

Mais uma vez, eles se abraçaram.

No dia seguinte, Anne e Richard partiram para Middleham. Sentiam-se felizes. Estavam apaixonados. Eram jovens. Richard estava com vinte anos incompletos, Anne, com dezesseis. Tinham as vidas inteiras pela frente.

Assim, chegaram a Middleham. Era primavera e a região estava no auge de sua beleza. Anne sentiu uma emoção profunda ao ver o castelo, em toda sua eminência. O fosso que o cercava estava cheio de água. Essa água descia da fonte que ela e Isabel costumavam visitar a cavalo quando crianças.

Aqui ela poderia esquecer a cozinha imunda, o fedor de gordura, o medo terrível de que, afinal de contas, as empregadas estivessem certas e ela fosse realmente louca.

E ela também tinha Richard. Era esse o destino com o qual ambos haviam sonhado naqueles primeiros anos. Estavam juntos agora, exatamente como naquela época. O pai poderoso de Anne estava morto e sua mãe estava vindo morar com eles-o rei prometera isso, embora o duque de Clarence estivesse colocando empecilhos.

Mas estaria com eles em breve.

Durante aquele primeiro ano Richard precisou ir para o sul a fim de integrar o Parlamento. Não demorou muito. Retornou antes do Natal, que celebraram segundo as antigas tradições no grande salão do castelo.

A essa altura Anne já descobrira que estava grávida. Assim, eles viveram um Natal de intensa alegria, superada apenas no ano seguinte, quando seu filho nasceu.

Richard quis chamá-lo Eduardo, como o irmão a quem tanto admirava, e Anne concordou entusiasticamente.

Algum tempo depois, a condessa de Warwick chegou a Middleham e Anne sentiu que não faltava mais nada para completar sua felicidade.

Era como se estivessem sendo regiamente recompensados por todo o sofrimento pelo qual haviam passado.

HASTINGS EM PERIGO

A rainha acompanhara a controvérsia em relação a Anne Neville com certo divertimento cínico. Ela podia entender o ponto de vista de Clarence. Era natural que ele quisesse ficar com toda a herança de Warwick, e a maneira como ocultara Anne fora, para dizer o mínimo, engenhosa. Elizabeth e Jacquetta haviam rido muito com isso.

Jacquetta vinha ajudando muito Elizabeth desde sua última gravidez, que fora levemente menos bem-sucedida que o usual. A criança, uma menininha, era menos robusta que seus irmãos e irmãs. Preocupada com a criança, Elizabeth pedira a ajuda de Jacquetta, que viera correndo. As duas passaram a cuidar juntas da saúde da menininha que fora batizada Margaret.

A criança parecia estar ficando mais forte, mas Elizabeth notou com apreensão que Jacquetta parecia cansada e parecia ter perdido um pouco daquela energia que sempre fora uma de suas características principais. Quando perguntou sobre a saúde de sua mãe, Jacquetta disse-lhe que não se preocupasse e comentou que a última gravidez de Elizabeth a deixara excessivamente zelosa. Mas Elizabeth continuou levemente preocupada. Às vezes pensava se os rumores sobre os poderes especiais de Jacquetta seriam verdadeiros. Seria sua mãe uma bruxa? Não, isso era absurdo. Ela teria comunicação com poderes sobrenaturais? Não. Era apenas uma mulher sábia que, sendo muito devotada à família, planejara o tempo inteiro como promover sua ascensão.

Havia um assunto que Elizabeth queria discutir com a mãe, e era sobre a capitania de Calais. Warwick ocupara esse posto. Na verdade, foram suas empreitadas ousadas como capitão de Calais que impulsionaram sua carreira brilhante; mas agora ele estava morto e esse posto importante e lucrativo precisava ser ocupado.

Jacquetta ouviu atentamente enquanto Elizabeth explicava seu plano. Ela queria o posto para seu irmão Anthony, que se tornara conde Rivers depois da morte de seu pai.

- Anthony irá se sair bem lá. Quero insinuar ao rei... Jacquetta balançou a cabeça.

- Tome cuidado - aconselhou.

- Cuidado? O que quer dizer?

Jacquetta hesitou por um momento antes de esclarecer:

- Bem, minha filha, acho que o rei está muito envolvido com a esposa de um mercador.

- Ele está constantemente envolvido com as esposas dos mercadores.

- Mas desta vez acho que o envolvimento é pouco mais profundo que o usual.

- Sempre achei que a melhor forma de lidar com as aventuras de Eduardo era ignorá-las.

- Sabe Deus quantas amantes ele tem - disse Jacquetta.

- Então que Deus guarde essa informação para Ele mesmo. Não quero saber. Mãe, consegui manter meu controle sobre o rei jamais recriminando-o, jamais recusando-lhe carinho quando ele retorna para mim, sendo uma esposa compreensiva e mãe de seus filhos. É por causa disso que ele continua apaixonado, apesar de todas as amantes que ele tem.

- Ouvi dizer que ela é uma mulher de beleza extraordinária e que Hastings tinha aspirações para ela, mas Eduardo conquistou-a primeiro.

- Bem, ele não pode se casar com ela.

- Não? Nem mesmo se ela disser "não posso ser sua amante e sou inadequada a ser sua rainha"?

- Só que ele já tem uma.

- Elizabeth, encare este assunto com mais seriedade. Bem, talvez você esteja certa.

- Quem é a mulher?

- Seu nome é Jane Shore. Dizem que possui grande beleza física, é bem-humorada e bastante diferente da maioria das esposas dos mercadores. Ela deixou seu marido ourives e se acomodou na casa que o rei encontrou para ela.

- Que ele se divirta com essa mulher. Isso irá deixá-lo com o bom humor que preciso para quando pedir Calais para Anthony.

- Soube que Hastings a descobriu, gabou-se dela e então o rei a viu.

- Gostaria que Eduardo não fosse tão amigo de Hastings.

- Hastings é um grande conquistador, eclipsado apenas pelo rei.

- Eu sei. E gostaria de remover Hastings. Farei isso, um dia. Mas o menor sussurro contra ele e o rei tampa as orelhas. Você sabe que jamais imponho meus sentimentos a Eduardo... pelo menos de forma que ele perceba... Portanto, é difícil dizer-lhe o que penso de Hastings.

- Hastings tem sido um bom amigo para Eduardo. Ouso dizer que Eduardo nunca foi tão amigo de ninguém. Ele é mais íntimo de Hastings do que talvez de seu irmão Richard, mas de uma forma diferente. Richard é um assecla leal. Hastings é seu companheiro de leviandades.

- com toda certeza. Aposto que não haveria tantas aventuras com mulheres de mercadores se não fosse por Hastíngs. Hastings demonstra ser um grande sucesso entre as mulheres e Eduardo considera isso um desafio. Como eu gostaria de acabar com essa amizade!

- Não preciso lhe dizer que você deve ser cuidadosa. Afinal, você sempre é - disse Jacquetta.

- Sempre - repetiu Elizabeth. - Mas quando tomo uma decisão, geralmente chego até onde quero. Desmond achou que era muito inteligente... mas veja o que aconteceu com ele. Selei seu mandado de morte enquanto Eduardo dormia. Ele deve ter adivinhado que fiz isso, mas mesmo assim não disse nada, e ele gostava imensamente de Desmond... Mãe, está se sentindo bem?

Jacquetta estava recostada em sua cadeira, rosto cadavericamente branco, lábios azuis.

Horrorizada, Elizabeth se levantou e gritou por suas aias.

Elas levaram Jacquetta para a sua cama. Elizabeth mandou chamar os médicos.

Sua mãe estava muito doente e já fazia algum tempo, disseram à rainha. A forma como falaram alarmou Elizabeth. Jacquetta parecia muito frágil agora; estava deitada na cama e não fingia mais que aquilo fosse apenas um leve mal-estar. Ela segurou a mão da filha e fitou-a com uma expressão quase arrependida. Ela estava pensando: Talvez eu devesse ter-lhe contado. Teria sido melhor alertá-la do que dar-lhe este choque súbito.

Mas, sabendo que essa notícia deixaria sua filha muito infeliz, decidira não transtorná-la com o conhecimento de uma tragédia iminente. Jacquetta vivera em função de Elizabeth, assim como vivera em função de todos os seus filhos, e seu maior temor agora era que Elizabeth ficasse desprotegida sem ela.

Restava-lhe pouco tempo, temia. Pelo menos ela vira sua filha a salvo no trono; vira seus outros filhos casando-se bem e assumindo postos importantes. Os Woodvilles haviam roubado dos Nevilles a posição de família mais influente da Inglaterra. Ela não devia ter deixado Elizabeth preocupada com essa tal Jane Shore. Elizabeth sabia como lidar com o rei.

Assim, Jacquetta pôde dizer: Senhor, permita que esta tua serva parta em paz.

Minha casa está em ordem, pensou Jacquetta. Alguns dias depois, morreu pacificamente na cama.

Elizabeth ficou arrasada. Sendo muito devotada à família, amava intensamente a mãe. Considerava Jacquetta uma mulher sábia e reconhecia que ela fora a fundadora de suas fortunas.

E agora... estava morta.

Elizabeth continuou abalada durante muito tempo. Ela podia ser fria para com o mundo, mas era devotada à família e sempre fora particularmente íntima de sua mãe. Porém, só agora percebia o quanto Jacquetta significara para ela. Eduardo entendia a dor da esposa. Também gostara muito de Jacquetta, mas era característico de sua parte evitar a tristeza. Preferia esquecer um ente querido do que sentir dor por sua ausência.

A cada semana, Elizabeth via menos o marido. Talvez ele estivesse completamente enfeitiçado por essa nova amante. Isso poderia ser um bom ou mau sinal, ela não tinha certeza. Às vezes era melhor para um rei ter uma amante do que muitas. Por outro lado, se ficasse devotado demais a uma amante, o amor que nutria por sua esposa não minguaria um pouco?

Elizabeth tinha absoluta certeza de que isso seria impossível. Mas sabia que uma ameaça como essa esposa de ourives deveria ser tratada com mais cautela do que as outras amantes do rei.

Eduardo estava amoroso como de costume quando apareceu para dar-lhe boas notícias. Louis de Bruges, lorde de Gruthuyse, o nobre que abrigara Eduardo quando ele fora obrigado a fugir para o continente, e que com isso provara ser um bom amigo, estava de visita à Inglaterra. Eduardo queria entretê-lo com todo o esplendor que a corte podia oferecer.

Elizabeth dedicou-se de corpo e alma aos preparativos. O trabalho ajudou-a a esquecer a perda da mãe e a saúde da pequena Margaret, cada vez menos satisfatória. Além disso, essas atividades manteriam o rei a seu lado.

Quando chegou a Calais, de Gruthuyse foi recebido por lorde Howard, que era o capitão substituto. Permaneceu em Calais durante quase quatorze dias, durante os quais foi brindado com cada demonstração possível de honra e respeito. No devido tempo, chegou a Windsor, onde o rei aguardava para saudá-lo. Eduardo o conduziu até os aposentos da rainha, assegurando-o da impaciência de Elizabeth por agradecer pessoalmente por sua bondade para com Eduardo durante sua ausência forçada da Inglaterra. Era nessas horas que um homem descobria seus verdadeiros amigos, comentou Eduardo.

Preparada para a chegada desse convidado de honra, Elizabeth estava muito bonita, com uma tiara de jóias na cabeça e seus cachos dourados pendendo sobre os ombros. Ficou satisfeita ao ver os olhos de Eduardo faiscarem e disse a si mesma que não precisava temer nenhuma esposa de mercador. Enquanto esperava, estivera brincando com um jogo com suas aias e sua filha mais velha. Como todas as crianças do rei, Elizabeth, que contava com seis anos, era muito bonita. Ninguém poderia duvidar do orgulho de Eduardo por sua esposa e filha quando as apresentou ao lorde de Bruges.

Em seguida, divertiram-se com danças e jogos. O rei tirou a pequena Elizabeth para dançar, o que foi muito aplaudido por todos.

Na manhã seguinte, de Gruthuyse precisava conhecer o príncipe de Gales. O pequeno Eduardo chegou no colo de Thomas Vaughan, seu camarista. E quando de Gruthuyse congratulou o rei por sua família encantadora, Eduardo presenteou-o com uma taça de ouro ornada com pérolas. E a tampa da taça era encimada por uma safira enorme. Não foram poupados gastos no entretenimento do convidado, que durou vários dias. Durante uma caçada no Parque Windsor, o rei insistiu para que o convidado de honra cavalgasse seu cavalo favorito; e quando de Gruthuyse estava montado no animal, foi informado que ele lhe pertencia. Não satisfeito em brindar seu amigo com tantos presentes valiosos, Eduardo também deu-lhe uma besta, guardada num estojo de veludo bordado com brasão e os emblemas do rei.

De Gruthuyse admirou particularmente o emblema da roseen-soleil, que combinava com a Rosa Branca de York cercada pelo sol reluzente. Como Hastings fizera, de Gruthuyse comparou o rei àquele sol.

- Vossa Majestade é o sol do seu povo - disse. - Deu-lhe paz e prosperidade. O povo refestela-se sob vosso calor.

Eduardo aceitou graciosamente o elogio; no fundo, era exatamente isso que pensava.

Ali, em Windsor, de Gruthuyse foi hospedado nas acomodações particulares que eram conhecidas como câmaras do prazer. As paredes eram cobertas por cortinas de seda e tapetes revestiam todo o assoalho. Os aposentos consistiam em três cómodos. O melhor era o inferior; nesse, uma cama fora preparada para de Gruthuyse. O cómodo era ornamentado com lençóis feitos em Rennes, fustão da melhor qualidade e uma colcha de tecido dourado, franjada com arminho. O sobrecéu era do mesmo tecido dourado da colcha, e as cortinas de tafetá branco. A segunda câmara possuía outra cama aconchegante. A terceira câmara continha duas banheiras, cada qual coberta por um tecido branco em forma de tenda.

A comitiva inteira escoltou o visitante a esses cómodos. Ali, deixaram-no com lorde Hastings, que pernoitaria com ele para cuidar de seu conforto em nome do rei. Hastings era bem conhecido de Gruthuyse e tinha tantos motivos quanto o rei para ser-lhe grato. Afinal, Hastings desfrutara da hospitalidade em Bruges enquanto compartilhara o exílio do rei.

Banharam-se juntos. Durante o banho foram servidos com gengibirra, vinho condimentado e petiscos de carne.

Mais ou menos uma semana depois, a comitiva estava em Londres, onde de Gruthuyse seria investido no ducado de Winchester. O rei era uma figura magnífica com a coroa e o manto oficiais, e a cerimónia foi conduzida com grande pompa. O duque de Clarence fora designado como caudatário para o convidado. Finda a cerimónia, o rei conduziu o novo conde de volta a Westminster, onde a rainha aguardava para saudá-lo. Elizabeth estava belíssima num robe esplêndido, usando a coroa sobre os cabelos dourados. Raras vezes Elizabeth sentira-se tão confiante. Lamentava apenas que Jacquetta não estivesse ali para vê-la.

Outra tragédia aguardava Elizabeth. Dezembro chegara e a saúde da pequena Margaret piorava a cada dia. No 11º dia do mês, quando a criança contava apenas oito meses de idade, morreu.

Eles a enterraram na Capela do Confessor, na Abadia. Assim, foram duas mortes num só ano. Elizabeth sentiu profundamente a perda da criança, mas serviu de consolo saber que mais uma vez estava grávida.

Eduardo lamentou tanto quanto Elizabeth, mas, como ela, estava deliciado em saber que em breve seriam brindados com outro bebé. Embora satisfeito com os filhos que tinha, ansiava por outro menino. O pequeno Eduardo era um amor de criança, mas os reis gostam de saber que têm mais um filho, caso alguma coisa aconteça com o primeiro.

De vez em quando, Elizabeth pensava em Jane Shore. Não sabia por que pensava tanto numa das mulheres de Eduardo. O motivo, aparentemente, era que sua mãe demonstrara preocupação sobre essa mulher numa das últimas conversas que tiveram.

Claro que não mencionaria a mulher a Eduardo. Contudo, encontrou um momento que considerou oportuno para mencionar a Capitania de Calais; recentemente, ouvira um comentário de que o rei não podia protelar mais a designação de um sucessor para Warwick.

Elizabeh sabia por que Eduardo postergara tanto fazer isso. Pensar no posto o fazia lembrar de Warwick. Por mais estranho que pudesse parecer, apesar de toda a tramóia orquestrada pelo conde, Eduardo ainda pensava nele com carinho. Muitos consideravam isso insólito, mas Elizabeth compreendia perfeitamente. Sabia da devoção de Eduardo à família. Isso já se comprovara com a fraqueza - ela não podia dar outro nome a essa característica - demonstrada ao perdoar George, que apenas aguardava uma chance para traí-lo de novo. Ela compreendia a força dos laços familiares-ninguém podia entender melhor-mas os Woodvilles trabalhavam uns em função dos outros, enquanto o irmão de Eduardo e alguns de seus outros parentes tinham olhos apenas para aquilo que poderia trazer-lhes grandes recompensas.

- Você precisará designar um capitão em breve - recordou-o.

Ele ficou calado. Seus pensamentos pareciam estar em outra parte. Estariam com a esposa do ourives?

- Anthony o serviu bem. Ele o ama profundamente. Estive pensando se você não poderia...

Eduardo sorria benignamente para ela. Ele vai concordar, pensou Elizabeth.

As palavras de Eduardo foram inquietantes:

- Eu já prometi a Capitania.

Ela fitou o marido, estarrecida. Se a tivesse dado a Anthony ela teria sido informada imediatamente. Ela o vira pela última vez naquele mesmo dia.

- Eu quis recompensar Hastings - explicou o rei. Hastings sempre foi um bom amigo... e queria muito esse posto.

Hastings! Um inimigo de Elizabeth! Ela sentiu muita dificuldade para sufocar a raiva.

Evitou olhar para o rei naquele momento, porque temia perder o controle. Não queria sucumbir ao ímpeto de esbofetear seu rosto bonito e sorridente.

Ela recordou o aviso de Jacquetta. Talvez ela devesse ser duplamente cuidadosa a partir de agora.

Elizabeth conversou sobre a indicação de Hastings à Capitania de Calais com seu irmão Anthony. Ele era cerca de um ano mais novo do que ela, e talvez a pessoa mais competente da família. Casara-se bem e, através de sua esposa, obtivera o título de barão Scales. Sendo o filho mais velho, tornara-se lorde Rivers e subira muito desde que sua irmã tornara-se rainha da Inglaterra. Apesar de estar muito bem posicionado agora, Anthony sempre estava de olhos abertos para melhorar seu status. O rei gostava de Anthony. Ele herdara uma porção generosa da beleza dos Woodvilles e se destacava nas justas, nas quais era considerado um campeão.

Elizabeth sabia que Anthony tinha seu coração em Calais e presumia que a indicação de Hastings para o posto devia ter sido uma grande decepção para ele.

- Claro que Hastings é tão leviano quanto o próprio rei disse Anthony, sabendo que era seguro falar isso para a sua irmã. Elizabeth jamais tentara negar as infidelidades flagrantes de Eduardo dentro do círculo familiar, e Jacquetta sempre a elogiara pela forma como tratava essa situação.

- Nunca na História houve uma rainha tão complacente costumava dizer Jacquetta. - Como você é sábia, minha filha. A sua atitude para com os adultérios do rei é o que a torna irresistível para ele.

Ela tinha razão. Eduardo jamais teria tolerado uma esposa ciumenta.

Ele sempre parecera disposto a recompensá-la por isso atendendo a seus pedidos, desde que não interferissem com suas intenções. A indicação de Hastings a Calais fora resolvida antes de Elizabeth insinuar a quem gostaria que fosse entregue a Capitania.

- Não há nenhuma forma de diminuir o apreço de Eduardo por Hastings? - indagou Elizabeth.

- Eles sempre foram bons amigos. Eles já vagavam pelas ruas de Londres à noite em busca de amantes muito antes de você entrar em cena, irmã.

- São farinha do mesmo saco - proferiu Elizabeth, com veemência.

Anthony estava alarmado por ver a irmã tão tensa. Temia que Elizabeth traísse seus sentimentos ao rei. Os Woodvilles deviam sua prosperidade ao bom relacionamento de Elizabeth com Eduardo. Isso não poderia mudar. Mas não havia necessidade de lembrar isso a ela, que já o sabia tão bem quanto qualquer um deles.

- Portanto, não conseguiremos fazer Hastings cair em desgraça reclamando de sua conduta imoral - disse Anthony.

- Está dizendo que devemos procurar alguma outra forma? O desejo de derrubar Hastings transparecia nos olhos de Elizabeth. Mais uma vez, Anthony sentiu um arrepio. Ele pousou a mão no braço da irmã.

- Tem de haver um jeito.

- Qual?

- Ele tem uma casa cheia de empregados. Muita gente trabalha para ele...

- E daí?

- Algum desses empregados pode estar um pouco insatisfeito... ou com um pouco de inveja de outro... um empregado que julgue que não vem sendo tratado com justiça.

- E se nós o encontrarmos?

- Ele poderia descobrir alguma coisa contra Hastings... alguma conspiração contra o rei.

- Eduardo jamais acreditaria em nada que fosse dito contra Hastings.

- Talvez seja possível recordar-lhe que um dia ele acreditou que Warwick jamais iria traí-lo.

- Primeiro você precisa descobrir alguma coisa contra Hastings.

- Descobrirei - prometeu Anthony.

Elizabeth assentiu. E uma vez que estivesse provado que Hastings era um traidor, seria fácil sugerir que a Capitania fosse entregue a alguém em quem ele pudesse confiar. E em quem o rei confiaria mais do que em seu cunhado?

Hastings não podia acreditar. Corriam boatos sobre ele. O que ele fizera? Não conseguia achar uma resposta à pergunta. Quem era o seu inimigo? Talvez o marido de uma das mulheres a quem seduzira? Mas qual? Havia uma grande coleção de maridos traídos de onde escolher.

Era uma sensação estranha.

Clarence estava olhando para ele com uma expressão matreira, quase convidativa. O que ele queria dizer? Hastings sempre suspeitara que Clarence gostaria de recorrer à sua ajuda para tentar destruir seu irmão. Hastings não queria nada com isso. Era amigo de Eduardo. Sempre fora amigo de Eduardo e queria permanecer assim.

Às vezes ele ria dessa sombra que começava a crescer. Era ridículo. Quem deflagrara esses rumores?

Hastings suspeitava da rainha. Elizabeth não gostava dele porque costumava compartilhar das aventuras noturnas do rei. Ele supunha que fosse natural que uma mulher não gostasse do companheiro de aventuras amorosas do marido. Eles costumavam sair juntos com algum tipo de disfarce, geralmente vestidos de mercadores. Eduardo tinha um prazer infantil de manter sua identidade em segredo e então, subitamente, revelála. Era difícil para ele permanecer incógnito. Para início de conversa, era muito alto. Além disso, era extraordinariamente bonito. Mesmo se estivesse ficando um pouco gordo demais com bolsas começando a se formar embaixo de seus olhos magníficos, ainda era bonito. Era possível reconhecê-lo em roupas de mercador como se ele usasse um de seus emblemas favoritos-a rose-en-soleil-bordada no manto. Hastings certa vez comentara o quanto aquele emblema em particular era-lhe apropriado.

- Você é como o sol em esplendor, Eduardo - dissera. Você despontou em meio à escuridão do país do louco Henrique, colocou a coroa e ofuscou a todos nós. E aqui está você, alto como o céu... em todo o seu esplendor.

Eduardo rira e dissera que Hastings era um poeta romântico. Mas ele gostara de ouvir aquilo. Depois disso, Hastings notou que ele passou a usar o emblema - uma combinação do sol resplandecente com a rosa de York - mais do que qualquer outro.

E como Eduardo poderia acreditar que ele, William, lorde Hastings, não fosse mais o amigo confiável que ele sempre tivera?

Às vezes imaginava que a rainha sussurrava-lhe coisas enquanto ele dormia. Que veneno ela vertera no ouvido de Eduardo sobre seu amigo fiel? Dizia-se que a rainha jamais interferia nos assuntos do reino, jamais aconselhava o rei ou questionava suas decisões. Mas havia formas indiretas de fazer isso, é claro.

Hastings notara que ultimamente Eduardo vinha-o tratando com frieza, como se o estivesse avaliando, suspeitando dele. Isso lhe causou grande apreensão. Eduardo deixara de ser aquele jovem dourado que saía para as ruas de Londres com seu bom amigo, em busca de aventura. Eduardo ainda procurava aventuras; seu apetite era voraz como sempre; mas ele estava diferente. Warwick o enganara. Warwick fingira ser seu amigo para que Eduardo não soubesse que ele estava planejando um levante. E então Eduardo fora forçado ao exílio.

Ele jamais se recuperara disso. Quem se recuperaria? Ele mudara de um jovem despreocupado e crédulo para um homem empedernido e... desconfiado. Clarence também o traíra. Mas a traição de Warwick deixara-lhe uma marca que ele carregaria para sempre.

Ele estava preparado para suspeitar de seu melhor amigo.

Warwick, e agora... Hastings!, provavelmente Eduardo dissera a si mesmo.

Assim, quando Eduardo passou a olhar para ele como se o estivesse avaliando, Hastings tremera. Fazia algum tempo Hastings vinha reparando que Eduardo estava escolhendo outros companheiros. Agora Hastings jamais ficava a sós com o rei. Sempre parecia haver algum membro da família Woodville com ele - ou o irmão da rainha, ou o jovem Thomas Grey, filho mais velho do primeiro casamento de Margaret. O que haviam dito a Eduardo? Quais eram os inimigos de Hastings?

Ele não precisava procurar longe. Sabia que eram os Woodvilles. A própria rainha. Eles não gostavam de nenhum dos prediletos do rei. Então, ocorreu-lhe subitamente que os Woodvilles deviam ter ficado furiosos quando Hastings fora indicado à Capitania de Calais. O cargo era um dos mais importantes que podia ser designado a um homem. Por esse posto comercial passavam muitas mercadorias: couro, lã, lata e chumbo que, antes de serem exportados para a Borgonha, eram classificados e taxados. Isso significava prosperidade para o país e também para o homem ao controle de todas essas transações: o capitão. Sim, a causa deveria ter sido a Capitania de Calais. Quando começou a pensar nisso, Hastings percebeu que Eduardo começara a tratá-lo de modo diferente depois da indicação.

Passava todo o tempo preocupado e aflito. Caminhava pelas ruas de Londres perguntando-se o que deveria fazer. Caminhava ao longo do rio e olhava para a Torre sombria, pensando em quantos homens haviam entrado nela para jamais sair de novo... exceto para o cadafalso. Seria esse o destino que preparavam para ele?

A cada dia que acordava, Hastings sentia uma nuvem pesada avultando-se sobre ele. Não conseguia desfrutar de comida, vinho ou mesmo mulheres. Percebia agora que estava sozinho num mundo hostil.

Pensou muito em Eduardo. Sua amizade vinha de muitos anos. Eduardo sempre fora tão inteligente, bonachão e espirituoso; o companheiro perfeito para alguém que fora criado no mesmo molde mas que - Hastings era o primeiro a admitir carecia de sua aura de esplendor.

- Sou como a lua, refletindo a glória do sol - disse certa vez a Eduardo.

Eduardo rira de Hastings e comentara que ele não ganharia nada adulando-o desse jeito.

- São os atos, William - dissera o rei. - São os atos que me impressionam.

O tom fora de brincadeira, mas ele falara sério. E agora? De que atos o acusavam?

Hastings decidiu que não conseguiria suportar essa situação por mais tempo. Resolveu ver o rei - presumindo que, em nome de sua longa amizade, seria recebido - e perguntar o que estava acontecendo. Por que Eduardo o estava tratando com tanta frieza? O que fora dito a seu respeito?

Eduardo sempre fora afável e acessível. Por que mudaria agora? Mas ele mudara.

A traição de Warwick o mudara. Eduardo jamais seria novamente aquele rapaz tranquilo

e espirituoso. O sol podia ser tão ferozmente perigoso quanto benevolente.

Mas não podia ficar nessa incerteza e decidiu ir falar com Eduardo. Hastings foi até os aposentos particulares do rei e, graças à velha amizade, foi recebido. Ficou feliz ao ver que Eduardo estava sozinho. O rei fitou-o com surpresa e perguntou:

- O que você quer, Hastings?

- Uma palavra com você... a sós.

O rei hesitou e, por um momento, uma desolação terrível se abateu sobre Hastings. Ele achou que estava perdido. Seria condenado - sob provas falsas, é claro, mas quantos homens haviam morrido assim? Tinha certeza de que não seria o primeiro.

Hastings deu um passo à frente e, num impulso, ajoelhou-se diante do rei. Levantou os olhos agonizantes para o rosto de Eduardo.

- Preciso falar com você a sós. Não posso aguentar mais esta situação.

A expressão de Eduardo mudou. Ele soltou uma gargalhada.

- Levante, William! Você fica ridículo nessa posição. Hastings levantou-se e se viu rindo com o rei, embora sua

risada estivesse um pouco histérica.

- Bem, o que você quer me dizer?

- Quero saber o que aconteceu entre nós. Se estou sendo acusado de alguma coisa... peço encarecidamente que me diga o que é!

Eduardo hesitou. Este era William, seu velho amigo. Não podia acreditar que fosse capaz de tramar contra ele. Ao menos merecia uma oportunidade de se explicar.

- Majestade... meu amigo... Eduardo! - gritou Hastings. - Então eu não me enganei. Há alguma coisa...

Eduardo disse:

- Você esteve conspirando contra mim, Hastings.

- Nunca! - garantiu Hastings.

- Achei muito difícil acreditar nisso - começou Eduardo. Hastings iniciou um discurso apaixonado:

- Majestade, meu rei, eu sempre o servi bem, não é verdade? Sempre fiquei a seu lado... sempre... no fracasso e no sucesso. Estivemos exilados juntos... aventuramo-nos juntos em camas e campos de batalha. Eduardo, você não pode acreditar seriamente que eu seria capaz de tecer qualquer plano contra você.

- Devo lhe dizer que tive dificuldade em acreditar... durante muito tempo... me recusei a acreditar.

- Diga-me do que sou acusado!

- Você sabe que tenho inimigos. Meu próprio irmão... Você é amigo de Clarence, creio.

- Majestade, estou em bons termos com seu irmão, assim como você está... porque ele é seu irmão. E por nenhum outro motivo. Por favor, me diga quem apresentou essas acusações contra mim.

- Uma pessoa que trabalhou para você no passado, mas que não é mais seu empregado.

- Criados insatisfeitos, majestade?

- Exatamente, mas...

Eduardo fitou Hastings através de olhos semicerrados. Ele viu tudo claramente. Ele sabia quem levantara as acusações contra Hastings. Foram lorde Rivers e a rainha. E por causa de Calais. Ele riu por dentro, tentando lembrar o que Elizabeth dissera sobre Hastings... nada definido, é claro. Ela era inteligente demais. Mas, com a ajuda de Rivers, conseguira plantar em sua mente sementes de desconfiança a respeito de seu melhor amigo.

Estava lembrando agora de todas as aventuras às quais os dois se haviam lançado juntos. As noites alegres, os momentos de heroísmo no campo de batalha. E subitamente compreendeu que a suspeita contra seu velho amigo era falsa. O pobre Hastings fora submetido a uma angústia profunda durante as últimas semanas.

Elizabeth não dissera uma palavra contra Hastings, mas sutilmente, sempre que seu nome era mencionado, ela comentara as traições de Warwick e Clarence. Elizabeth sabia que isso lembraria a Eduardo o quanto ele ficara chocado em descobrir que essas duas pessoas, nas quais tanto confiara, haviam sido capazes de atraiçoá-lo.

Era inteligente, a sua Elizabeth. E como ela lhe era adequada, sempre serena, misteriosa, fascinante. Mas Elizabeth sabia que jamais devia tentar persuadi-lo ou influenciar suas decisões... abertamente. Mas ela podia agir de forma secreta. Às vezes, Eduardo pensava em Desmond. Lembrava que seus comentários sobre um divórcio haviam sido recebidos em completo silêncio por Elizabeth. Mas e se esses comentários houvessem magoado a rainha? E se Elizabeth tivesse engendrado a execução de Desmond?

Eduardo não queria pensar muito naquele incidente. Era desagradável. Assim como era desagradável imaginar-se traído por Hastings. Hastings, um traidor! Nunca. Eduardo permitira que o persuadissem. Mas isso jamais aconteceria de novo. Todos - Elizabeth, Rivers, cada Woodville em seu meio - precisavam aprender que era o rei que tomava as decisões, que era o rei que dizia: "Isto será ou não será."

Que tentem persuadi-lo, se quiserem; mas não obterão qualquer sucesso.

- William, eu o conheço bem - disse Eduardo. - Você sempre foi um bom amigo. Ainda é? Apenas me diga isso.

- Majestade, juro por tudo que me é mais sagrado que jamais me desviei de minha lealdade para com meu rei-garantiu Hastings. - Os boatos que sugeriram isso são caluniosos, pérfidos... e não têm qualquer base na realidade.

O rei olhou para o seu amigo e disse:

- Acredito em você, William. Esqueçamos dessa artimanha. Continuemos como sempre fomos e roguemos ao Senhor que jamais mudemos.

Hastings caiu de joelhos e beijou a mão do rei. Eduardo desatou a rir.

- Levante, seu bobalhão! Já não lhe disse que você fica ridículo aí embaixo?

E assim o caso chegou ao fim. Hastings era novamente o companheiro inseparável do rei. Riam juntos à mesa. Cavalgavam juntos. E Elizabeth percebeu que sua tentativa em afastar o rei de seu melhor amigo fracassara miseravelmente.

A AVENTURA FRANCESA

Elizabeth estava furiosa. Seu plano para destruir Hastings falhara. Na verdade, o rei estava mais afável do que nunca com seu amigo, e parecia decidido a compensar Hastings por haver suspeitado dele.

Hastings recuperou-se com rapidez e estava novamente tranquilo e folgazão. Agora, ele e Eduardo quase nunca deixavam a companhia um do outro. Ela descobrira também que a paixão de Eduardo por Jane Shore não minguara. Muito pelo contrário. Parecia que ela e Eduardo estavam iniciando um relacionamento permanente. Ela se perguntou o que sua mãe teria achado. Talvez devesse pedir às mulheres da corte que acompanhassem todos os passos de lady Shore. Se descobrisse, como Eduardo reagiria a isso? Teria de agir com cautela. Em todo caso, Elizabeth agora estava ligeiramente abalada com a natureza perene do caso.

Desejou profundamente que Jacquetta ainda estivesse viva, para que as duas pudessem discutir a situação.

Mas agora Elizabeth estava se preparando para sua gravidez, e decidiu que o nascimento da criança deveria ser em Shrewsbury. Eduardo aguardava ansiosamente esse dia. Ela sabia o quanto ele desejava um outro menino. Eles tinham três lindas menininhas, Elizabeth, Mary e Cecily, e o pequeno Eduardo. Mas se Elizabeth lhe desse outro menino, Eduardo ficaria tão deliciado com sua rainha que certamente esqueceria essa Jane Shore... ao menos durante algum tempo.

A morte da pequena Margaret abalara Eduardo. Ele odiava que qualquer pessoa mencionasse o bebé. Isso era característico dele. Gostava de pensar apenas em coisas agradáveis. Ela novamenteragradeceu a Jacquetta por ter-lhe ensinado a sabedoria em entender o que iria agradá-lo e o que iria deprimi-lo. Assim, ela podia garantir que nada prejudicasse as horas que passavam juntos.

Elizabeth deu à luz seu bebé sem muito desconforto. Para sua imensa alegria, era um menino! Além disso, era um bebé saudável; ela estivera um pouco apreensiva, lembrando do que acontecera a Margaret.

Eduardo visitou-a em seu leito, ajoelhou-se e beijou suas mãos. Ele foi cortês, amável e terno. Ela especulou há quanto tempo ele estava com sua amante, Shore.

- Que nome quer dar ao menino? - perguntou Elizabeth.

- Richard - respondeu prontamente. - Em honra a meu irmão, que sempre foi um grande amigo. Ele apreciará a honra.

- Ele deu o seu nome a seu filho, Eduardo. Nada mais justo do que dar o nome de Richard ao seu.

Assim, o menino se tornou Richard e Elizabeth prometeu a si mesma que cuidaria dele pessoalmente por um ano ou mais.

Elizabeth amava seus filhos profundamente e não esquecia os dois que tivera antes de seu casamento com Eduardo. Embora não pudesse ter feito por eles tanto quanto teria gostado, estava determinada a dividir com eles sua boa sorte. Uma grande propriedade já lhes fora provida e Thomas estava se saindo bem. Ele era um dos favoritos do rei e frequentemente juntava-se a Eduardo e Hastings em suas aventuras.

Thomas tinha apenas cerca de dez anos a menos que o rei, e à medida que crescia, tornava-se um grande companheiro dele. Thomas mostrava as mesmas tendências que ela temia. Ela não tinha qualquer dúvida de que seu filho - segundo ouvira -, como Hastings, lançara olhos lascivos sobre a desejável esposa do ourives.

Elizabeth ficara imensamente triste ao deixar que seu pequeno filho Eduardo fosse levado para o Castelo de Ludlow e colocado sob os cuidados de seu camarista, Thomas Vaughan. O menino era tão jovem - tinha só três anos - mas ela providenciara para que membros de sua família fossem indicados para postos importantes naquela casa. Seu mestre, entretanto, era seu irmão Anthony, porque, embora fossem fortes os laços que uniam Elizabeth à família, o que a unia a Anthony era ainda mais.

Elizabeth queria que seu pequeno filho Eduardo fosse criado como um bom Woodville. E se Eduardo sabia disso, não levantou qualquer objeção.

Foi nessa época que o rei começou a pensar em ajustar velhas contas com a França. A Inglaterra desfrutara de alguns anos de prosperidade, mas com um pouco de estímulo do duque de Borgonha, Eduardo era de opinião que uma invasão da França, desde que vitoriosa, inspiraria no povo um entusiasmo maior por ele. As pessoas gostavam de reis belicosos. Eduardo Pernas Longas. Eduardo in e Henrique V haviam travado guerras satisfatórias. Ele não via razão para que o mesmo não pudesse se aplicar a Eduardo

 

Para organizar um exército, ele precisava de dinheiro. E esse dinheiro deveria vir do povo - de cada homem e mulher na terra. Impostos nunca eram populares e haviam sido as sementes da queda para muitos de seus predecessores. Mas Eduardo acreditava que seria diferente com ele.

Em primeiro lugar, ele foi criado nos moldes dos grandes conquistadores. Nasceu para cavalgar pelas ruas – aclamado como um herói retornando de suas conquistas. A situação na França causara a Eduardo muita humilhação. Ele sofria muito em comparação com reis como Henrique V, e o povo queria que ele trouxesse de volta a glória para a Inglaterra.

Mas dinheiro! Onde achar dinheiro? Talvez ele pudesse coletálo pessoalmente. Tinha certeza de que as pessoas prefeririam lhe dar dinheiro de livre e espontânea vontade do que através de um aumento em impostos decretado pelo Parlamento. Ele talvez devesse fazer uma peregrinação através do país explicando ao povo para que precisava do dinheiro. Será que eles não o dariam de boa vontade?

Ele mandou que Richard viesse do norte. O reencontro dos dois irmãos foi extremamente afetuoso. Richard nutria por Eduardo a mesma admiração de sempre por seu esplêndido irmão. E Eduardo deixou claro que estava muito agradecido pela competência com que Richard vinha mantendo a ordem no norte. Pela primeira vez em seu reinado, Eduardo não precisava preocuparse com o que acontecia naquela região.

Richard falou sobre sua vida agradável em Middleham, sobre seu filho maravilhoso, Eduardo. A única coisa a ameaçar sua felicidade era a preocupação com a saúde de Anne. Como sua irmã Isabel, Anne sofria de uma fraqueza nos pulmões que em certos dias dificultava-lhe a respiração. Anne era tratada pelos melhores doutores da Inglaterra. Como eles disseram que o ar fresco do norte fazia-lhe bem, Richard estava mais otimista agora.

Eduardo levou-o para ver o novo bebé Richard.

- Batizado em sua honra, irmão - disse Eduardo. Richard admirou o bebé e, como visitara o jovem príncipe de Gales em Ludlow em seu caminho até Londres, assegurou à rainha que seu filho gozava da melhor saúde possível.

Mas o humor de Richard se nublou quando Eduardo contoulhe seus planos para uma guerra.

- Pense nos impostos que terá de aumentar se quiser custear um exército que faça frente à França.

- Já pensei nisso e em como arrecadar o dinheiro. Borgonha estará ao nosso lado. Daremos a Luís o que ele merece. É bem possível que consigamos reaver o território que perdemos nos últimos anos.

- Tem certeza de que Borgonha não pretende induzi-lo a travar as batalhas dele?

- Se é o que ele quer, ficará desapontado-garantiu Eduardo.

- Venha, Richard, prepare-se. Muito em breve veremos Luís suplicando pela paz.

- Primeiro você precisa organizar um exército.

- É o que pretendo. E um exército que fará Luís tremer só de vê-lo. com sorte, chegaremos a algum acordo... um acordo que nos seja vantajoso... sem lutar muito. As batalhas nem sempre são vencidas pelos melhores guerreiros, Richard. Às vezes a estratégia é mais importante que a força. Warwick ensinou-me isso...

Eduardo calou-se ao pensar em Warwick. Não um grande soldado, mas, como estrategista, um génio... um homem capaz de transformar uma derrota no campo de batalha numa vitória diplomática.

Eduardo lembrava constantemente das coisas que Warwick lhe ensinara, e com as lembranças sempre vinha um pouco de tristeza. Precisava deixar de pensar em Warwick, o traidor, e recordar de Warwick, o professor, e em todas as regras valiosas que ele ensinara a seu pupilo.

Richard nada disse. Conhecia a tendência dos pensamentos de Eduardo.

Eduardo falara sério sobre coletar o dinheiro pessoalmente. Não tardou e estava viajando pelo país. Em todas as cidades e vilarejos, as pessoas aglomeravam-se para ouvi-lo falar e admirar sua beleza.

Um rei do qual podemos nos orgulhar, diziam. O povo decorou as praças com bandeiras, sendo a mais proeminente o emblema da rosa branca no coração do sol resplandecente. A rosa branca no coração do sol de York. Mas o próprio rei era mais esplêndido que qualquer emblema.

Eles o adoraram. Adoraram a beleza, os modos afáveis, os sorrisos, a disposição em trocar piadas e gargalhar onde quer que estivesse, as roupas magníficas, todas escolhidas com excelente gosto. Sim, concordavam, esse é um rei do qual podemos nos vangloriar.

E se ele queria dinheiro para fazer o rei de França se ajoelhar diante da Inglaterra, então teria o dinheiro. E se era preciso dar esse dinheiro a alguém, Eduardo era a pessoa certa.

Ele visitou as casas. Sem delongas, mas com imenso charme, ele pedia dinheiro... e conseguia.

Houve um caso sobre o qual as pessoas falariam durante anos, porque exemplificava bem as coisas que haviam acontecido durante aquela viagem pelo país.

Pediu-se a uma viúva de certas posses vinte libras, que ela deu graciosamente. Ela era convidativa e, para expressar sua gratidão, o rei a beijou. A viúva ficou tão eufórica que lhe deu mais vinte libras. A primeira doação era para a guerra; a segunda, para o homem mais bonito da Inglaterra.

Poucos homens poderiam ter viajado pelo país pedindo dinheiro e conseguido um resultado triunfal. Mas Eduardo conseguiu, e emergiu ainda mais popular do que antes. As pessoas consideravam que valia a pena doar o dinheiro para em troca receber um sorriso e uma palavra amável daquele rei - e no caso da viúva formosa, um beijo.

Finalmente, Eduardo estava pronto para atravessar o Canal à frente de um exército considerável. Contava com 1.500 cavaleiros armados, quinze mil arqueiros montados e incontáveis soldados de infantaria. Além deste exército, ele equipara outro menor para ir até a Bretanha para ajudar o duque, a quem os franceses ameaçavam atacar. Eduardo tinha um motivo para querer uma aliança com o duque da Bretanha, pois Jasper Tudor e seu sobrinho Henry lá estavam abrigados. Jasper fora um dos principais lancasterianos, e embora Jasper recebesse pouco apoio se retornasse à Inglaterra agora, Eduardo gostava de saber onde esses Tudors estavam. Se permanecesse em bons termos com o duque da Bretanha, Eduardo poderia pedir a extradição dos dois Tudors a qualquer momento, Eduardo estava ciente de que todos esses homens haviam se juntado a seu exército porque desejavam trazer para casa alguns espólios de guerra. Queriam saquear os franceses. Eduardo, entretanto, tinha outras ideias. Lutar contra os franceses seria embarcar em outra guerra como aquela que levara cem anos para chegar ao fim, favorecendo alternadamente um lado e o outro durante todos esses anos, e custando sangue e dinheiro. Uma guerra que chegara ao fim com a quase total retirada dos ingleses da França.

Não, Eduardo queria uma coisa, mas não era uma guerra. Queria alguma aliança, alguma recompensa monetária por não iniciar uma guerra... um suborno, como alguns certamente chamariam. Mas isso fazia parte do jogo da guerra.

Assim, enquanto esses homens o seguiam porque queriam lutar, Eduardo os liderava porque não queria. Era quase como se Warwick estivesse sobre o seu ombro. Ele gostaria

de discutir essa questão com Richard, mas aquela era uma tática que Richard não aprovaria. Rivers...? Bem, Rivers concordava com qualquer coisa que ele fizesse, o que quase sempre era confortador, embora houvesse momentos em que o rei queria uma opinião honesta.

Assim que aportou na França, Eduardo escreveu uma carta formal para Luís. Ele devia entregar a coroa da França a Eduardo ou enfrentar uma guerra terrível.

Depois de escrever a carta, convocou um de seus homens de mais confiança.

- O que preciso lhe dizer é importante demais para ser colocado sob forma escrita. Você deve jurar segredo sobre isso. Jure agora.

O homem jurou que sob hipótese alguma revelaria o segredo que Eduardo estava para confiar-lhe.

- Levará esta carta para o rei da França. Depois que ele a tiver lido, peça para conversar com Luís a sós. Então você lhe dirá que eu não tenho a menor vontade de invadir a França, mas que ameacei fazer isso para satisfazer meu povo e o duque de Borgonha. Se o rei da França quiser propor algum acordo que seja vantajoso para o rei da Inglaterra, o seu mestre irá considerá-lo graciosamente. Ficou claro?

- Como cristal, majestade.

- Você também deve dizer que não estarei preparado para ouvir qualquer proposta antes que meu exército inteiro esteja em solo francês. Acrescente que ele é tão grande que esse processo demandará pelo menos três semanas.

- Compreendo, majestade.

- Diga ao rei que ele terá esse tempo para decidir o que poderá oferecer-me para evitar uma guerra longa e destrutiva em solo francês.

O mensageiro do rei fez uma mesura e saiu em sua missão.

A suspeita de Eduardo de que o duque de Borgonha queria que os ingleses travassem suas batalhas contra a França confirmou-se. O duque foi encontrar Eduardo não como o chefe de um exército mas acompanhado de nada mais que uma guarda pessoal. No primeiro encontro, explicou, com certo constrangimento, que precisava partir imediatamente para defender Luxemburgo.

Nesse ínterim, Luís seguira o exemplo de Eduardo e enviara ao acampamento inglês um arauto que era era mais do que aparentava. Esse homem disse a Eduardo, numa entrevista particular, que Luís estava preparado para considerar as sugestões que lhe haviam sido feitas e sugeriu um encontro em Picquigny.

Eduardo conclamou um concílio de seus comandantes. Estes incluíam seus irmãos Clarence e Gloucester, os duques de Norfolk e Suffolk, seu enteado Thomas, Rivers, Hastings e alguns outros. Eduardo expôs-lhes a proposta. O duque de Borgonha fora para Luxemburgo e, portanto, desertara-os; o rei da França estava disposto a fazer um acordo de paz. Eduardo argumentou que eles poderiam lucrar muito com essa invasão sem precisar travar a menor batalha.

Richard se manifestou.

- O povo fez-lhe donativos para conseguir uma vitória na França. Os soldados juntaram-se sob a sua bandeira na esperança de colher espólios de guerra. O povo quer ouvir suas vitórias. Não lutar, Eduardo, significará que você recebeu o dinheiro do povo sob falsos pretextos.

Eduardo lançou um olhar zombeteiro para o irmão.

- Meu caro irmão, há horas em que você é escrupuloso demais. As guerras não trouxeram qualquer bem ao nosso país. Perdemos todas as guerras que vencemos. Agora estamos diante de uma oportunidade de obter algo muito substancial do rei da França sem derramamento de sangue ou perda de equipamento.

- Entendo seu ponto de vista - disse Richard. - Mas o que o povo dirá? Eles não receberão aquilo pelo que pagaram seus impostos... Chame-os de donativos, se quiser, mas ainda são impostos.

- Eu lhes digo que a Inglaterra ganhará muito com o acordo. Vocês ficarão surpresos com o que o rei da França estará disposto a pagar pela paz.

- Pagar a quem? - perguntou Richard. - Aos soldados que vieram pelos espólios? Ao povo que pagou por uma guerra?

Eduardo pousou a mão no ombro do irmão.

- Richard, há outros entre nós que entendem meu propósito. Eles irão me seguir.

- Você levaria seus planos a cabo mesmo se eles não o seguissem - comentou Richard, dando de ombros.

- Verá que tenho razão - disse Eduardo.

Em seguida Eduardo discutiu os termos que apresentaria a Luís. Em primeiro lugar, haveria um pacto de sete anos. Deveria ser instaurado comércio livre entre os dois países. Luís pagaria a Eduardo 75 mil coroas de ouro imediatamente e cinquenta mil anuais. O delfim deveria se casar com Elizabeth, a filha mais velha de Eduardo.

Esses termos pareciam muito duros, mas, para assombro dos ingleses, Luís aceitou. Foi tão mais fácil do que Eduardo previra que ele concluiu que o acordo fora um triunfo de estratégia. Ele reunira um exército que aparentava ser invencível; ele fora até a França e assustara tanto Luís que os dois haviam chegado a um acordo imediatamente.

Quando Charles de Borgonha chegou a todo galope ao acampamento de Eduardo, exigiu saber por que o rei da Inglaterra fizera aquele acordo com o inimigo.

- O rei da França não é mais o meu inimigo - pronunciou Eduardo. - Minha filha irá se casar com o filho dele.

- E vossa majestade acha que Luís permitirá isso? - disse Borgonha, em tom de galhofa.

- Estamos chegando a um acordo de cavalheiros nesse assunto... e em outros.

Borgonha estava furioso.

- Então você chega com seus exércitos como um conquistador e lambe as botas do rei da França!

Eduardo manteve seu imperturbável bom humor.

- Claro que não. Partirei daqui tão triunfal quanto cheguei. Só que mais rico e com meus exércitos intactos para garantir que a paz esteja conosco.

Borgonha se retirou, furioso. Eduardo não conseguiu reprimir sua satisfação em ver o poderoso duque ser enganado.

Em seguida houve o encontro com Luís. Os dois reis faziam um contraste impressionante. Eduardo estava esplêndido, usando um manto de tecido dourado franjado com seda vermelha. Como cumprimento ao rei francês, usava um chapéu de veludo preto cravejado de jóias na forma de flores-de-lis. Luís estava vestido sobriamente e parecia tão desleixado diante do rei da Inglaterra que Hastings murmurou que ele parecia um impostor.

Chegou-se a um acordo sobre os termos e o rei da França mostrou-se extremamente afável, não apenas para com Eduardo, mas para com todos aqueles com quem, achava ele, seria importante manter-se em paz.

Houve uma ausência notável e isso perturbou Eduardo. Richard, duque de Gloucester declarara que não concordava com o tratado e que, assim sendo, não estaria presente na ocasião. Luís decidiu que devia conversar com Gloucester e ver se não seria possível oferecer-lhe alguma coisa que lhe fosse irresistível.

Ele estava alerta para aqueles que eram conta a paz, embora a maioria não ousasse se posicionar abertamente-como Gloucester fizera. Havia Louis de Bretaylle, um dos principais capitães do rei da Inglaterra, que, conforme fora reportado a Luís, comentara que o tratado era uma desgraça para seu país. Era importante ter o apoio de homens assim. Dessa forma, Luís encontrara-o pessoalmente e oferecera-lhe um posto elevado na França, o que de Bretaylle recusou prontamente. Contudo, quando Luís apareceu com um presente de mil coroas, isso se revelou tão irresistível que de Bretaylle aceitou. Sempre era muito difícil recusar dinheiro. E tudo que Luís pedira em troca era que o capitão trabalhasse em nome da manutenção da paz entre os dois países.

Mas a principal preocupação de Luís era o duque de Gloucester. Richard podia ser um poder na terra e demonstrara sua desaprovação mais abertamente do que qualquer outro. Luís convidou-o para jantar - não um grande banquete, mas uma refeição íntima, na qual conversaram como bons amigos e chegaram a algum entendimento sobre as ações um do outro.

Richard não pudera recusar um convite tão especial quanto esse, mas compareceu determinado a não ser subornado, como fora seu irmão.

Luís observou atentamente o rapaz. Um jovem forte, pensou. E, obviamente, um jovem de princípios, sempre leal ao irmão, mesmo quando não aprovava o que Eduardo fazia. Eduardo tinha sorte por haver inspirado tamanha devoção.

Luís perguntou a Richard sobre sua vida em Middleham, sobre sua esposa e seu filho, e finalmente comentou a respeito do encontro. Luís estava felicíssimo por ficar em bons termos com o rei da Inglaterra, e também por terem acertado suas diferenças sem perda de vidas. A guerra trazia dor para milhares de pessoas, e quando podia ser evitada isso era motivo de comemoração. Ele acreditava que era dever de todos fazer tudo a seu alcance para manter a paz entre os dois países.

Richard concordou que a paz era desejável... a paz honrada, frisou.

- Tem toda razão - disse Luís. - O seu irmão é astuto. Ele sabe como fechar um bom negócio. Mas quero mostrar-lhe alguns dos melhores cavalos em meus estábulos. Atrevo-me a pensar que eles são os melhores do mundo. E o que você acha deste prato? É um dos melhores encontrados na França. Milorde, peço que aceite um presente... pratos como este e alguns dos meus melhores cavalos.

Richard não empregou a fineza de seu irmão. Ele foi direto ao ponto.

- Se isso é um suborno para fazer-me adotar seu modo de pensar, para que eu declare que acho que meu irmão teve razão...

- Milorde, o que está pensando a meu respeito? Esses são presentes para um convidado de honra. Eu não peço nada em troca por presentes.

O protocolo exigia que Richard aceitasse o prato e os cavalos. Quando lhe eram oferecidos dessa forma ele não tinha qualquer alternativa, mas deixou claro que não aprovava o tratado e jamais iria dizer que aprovava.

Preciso ficar de olho nesse moço, pensou Luís. Homens de altos princípios eram perigosos.

Richard saiu melancólico. Jamais cavalgaria os cavalos ou usaria aqueles pratos. Fazer isso o deixaria triste, não por Luís, mas por seu irmão.

Richard jamais esquecia os dias de sua infância. Lembrava claramente de como ficava feliz ao receber aquelas breves visitas de Eduardo. Seu irmão o cativava com sua aparência, seu sorriso e o afeto evidente que nutria pelos irmãos. Aqueles haviam sido dias marcantes na vida de Richard.

E quando ele, juntamente com George e Margaret, estivera refugiado em Londres, na casa dos Paston, Eduardo visitava-os uma vez por dia. Ele aparecia para vê-los e lembrá-los de que, embora a sorte da Casa de York estivesse temporariamente em declínio, dias melhores chegariam em breve, e então eles veriam novamente seus pais.

Naquela época Richard vivia totalmente sob o feitiço de Eduardo. E esse feitiço era tão forte que Richard ainda não escapara dele; e jamais escaparia. Porém, recentemente algumas nuvens haviam aparecido para obscurecer o esplendor do sol. O herói tinha falhas. Ele era forte como sempre - talvez mais forte devido às falhas. Mas Richard estava levemente desiludido. Não que seu amor pelo irmão tivesse mudado. Sua lealdade permaneceria inabalável até a sua morte. Ficaria sempre ao lado de Eduardo, a despeito do que ele fizesse. Mas este último caso abrira- lhe os olhos. Richard recusara assinar o tratado, mas Eduardo não tentara forçá-lo. Era típico de Eduardo demonstrar respeito pelas opiniões do irmão.

Quando Richard estava pronto a partir para o norte, Eduardo deixou claro que aquela diferença de opinião não mudara em nada o seu relacionamento. Eduardo explicou a Richard que eles haviam saído da expedição mais ricos e sem derramar uma gota de sangue. Haviam assustado tanto o rei da França que ele assinara um acordo que era muito vantajoso para os ingleses. Eduardo estava consideravelmente mais rico por causa daquele acordo. E muitos de seus amigos também.

- Você sabe que Hastings receberá uma pensão da França de duas mil coroas por ano?

- Porque ele é seu amigo íntimo. Porque espera-se que ele trabalhe para a França.

- Assim como eu, caro irmão. Bem, isso não faz nenhum mal. Será bom para o país. Dinheiro francês entrando na Inglaterra sem que uma gota de sangue tenha sido derramada em troca.

- Você e seus amigos realmente lucraram - disse Richard.

Mas os homens estão insatisfeitos. Eles voltaram de mãos vazias.

- com os membros intatos. Ora, vamos, Richard, quando você tiver minha idade verá que a diplomacia e o bom senso geram mais benefícios que os gritos de guerra.

Richard não estava convencido de que aquele tratado fora um acordo honrado, e não diria isso.

Eduardo olhou firmemente para o irmão e disse:

- Uma diferença de opinião não muda os sentimentos entre dois bons amigos, espero.

- .Nada poderia desafiar minha lealdade por você.

- É o que penso - disse Eduardo. - Confio em você, Richard. Você sempre foi um bom amigo. Preciso de sua amizade e não posso confiar em George. Ele me preocupa, Richard.

- O que ele está tramando agora?

- Não sei o que é. Mas sei que ele está tramando algo. Gostaria de poder confiar nele tanto quanto confio em você.

- Você jamais será capaz disso.

- Não. Mas você e eu ficaremos juntos, certo, Richard? Jamais esqueça que somos irmãos... aconteça o que acontecer.

Richard ficou feliz em saber que o elo entre eles estava forte como sempre. Embora estivessem mutuamente desapontados, embora não tivessem agido em uníssono, podiam confiar na lealdade - de um para com o outro.

Eduardo demonstrou que a atitude de Richard não lhe deixara mágoas concedendo-lhe novas terras. Richard retornou a Middleham satisfeito em se afastar das futilidades e perfídias da corte. Reunido à esposa e filho, as apreensões seriam sopradas pelo ar fresco do norte.

Richard estivera certo ao dizer que os homens voltariam descontentes porque não haviam pilhado nada. Crescia a revolta entre os soldados que tinham pensado que voltariam ricos. Eles não teriam se importado com uma cicatriz ou duas, disseram. Eles se juntaram ao exército para lutar, e o que acontecera? Tinham ido à França e voltado... de bolsos vazios.

As pessoas que haviam doado um bom dinheiro para que a Inglaterra colecionasse vitórias também estavam desapontadas. O rei atravessara o país tirando dinheiro de seus bolsos, pedindo graciosamente por donativos, e o que acontecera? Ele apenas tinha ido à França e voltado!

Soldados desapontados vagavam pelo interior. Como não haviam pilhado aldeias francesas, pilhariam aldeias inglesas. As estradas ficaram inseguras.

A reação de Eduardo foi imediata. Ele enviou juizes para todas as regiões do país. Ele próprio fez uma peregrinação de norte a sul. Qualquer um que fosse flagrado roubando, estuprando ou matando seria enforcado sumariamente. Não haveria piedade para com os infratores. Eduardo estava determinado a restaurar a lei e a ordem no país.

Sua ação surtiu resultados imediatos. A explosão de violência morreu tão rapidamente quanto surgira.

Nas praças, Eduardo explicou ao povo o que acontecera. Ele levara um exército para a França e, sim, eles, em sua generosidade, haviam possibilitado isso através de suas doações.

- Meus amigos e súditos leais-disse o rei. - Humilhamos a França. O que vocês acham que teria acontecido se tivéssemos travado grandes batalhas? E até mesmo vencido? Que bem isso lhes teria trazido? Vocês não podem viver de glórias. A conquista é grande e boa quando não há outra forma de obter o melhor para uma nação. Mas levei meus exércitos para a França e esse país pagou-me regiamente para que eu desistisse de fazer guerra. Eu desisti. Devolvi seus homens a vocês... seus maridos... seus irmãos... eles estão com vocês de novo. Eu voltei com a bolsa cheia e isso significa que com esse dinheiro poderei fortalecer meu país. Todas as coisas boas que acontecerão daqui por diante não custarão nada a vocês, amigos. O rei da França está pagando os impostos que vocês deviam pagar. Não valeu a pena doar dinheiro por isso? Graças a sua benevolência, meu povo, vocês desfrutarão de muitas vantagens que poderei lhes dar. Daqui devemos seguir para... a grandeza!

Eles ouviram. Eles o amavam. Como poderiam não amá-lo? Ele era tão bonito! Muitos diziam que jamais um homem tão belo caminhara na Terra. Era inteligente; era sagaz; era o rei que eles queriam. O sol reluzia sobre a Inglaterra em todo o seu esplendor. O povo amava seu rei.

UM BARRIL DE VINHO MALMSEY

Isabel, duquesa de Clarence, sentia-se muito doente. Ela temia o parto que agora era iminente. Ela jamais esqueceria da primeira vez em que dera à luz. Aquela primeira vez no mar com seu pai, sua mãe e Arme. Seu pai fora forçado a fugir da Inglaterra com a família e embora ela estivesse grávida de oito meses e, portanto, sem a mínima condição de viajar, fora obrigada.

Toda a angústia e dor que ela sofrera apenas para gerar um bebé natimorto permanecia com ela desde então, e embora tivesse agora duas crianças saudáveis, Margaret e Eduardo-que nascera dois anos depois -, Isabel ainda tinha medo.

Como ela gostaria que Anne ou sua mãe estivessem com ela. Mas elas estavam em Middleham. A condessa estava envelhecida e Anne não gozava de excelente saúde.

Não, ela tentaria não se preocupar. Tentaria lutar contra a fraqueza horrível que tomara conta de seu corpo. Tentaria esquecer os desconfortes de sua condição e lembrar a si mesma de que eles eram normais.

Tinha uma parteira muito boa que lhe fora mandada pela rainha. A mulher não era jovem, mas parecia muito experiente. A rainha fora muito gentil. Isabel supunha que ela agira por sugestão de Eduardo, sempre disposto a demonstrar que não guardava rancor de George por ter-se juntado ao pai de Isabel e lutado contra ele.

A mulher que Elizabeth mandara era Ankarette Twynhoe e estava a serviço da rainha há algum tempo. Isabel recebeu de bom grado não apenas a mulher como a bondade da rainha em mandá-la.

Isabel suspirou. Lembrava constantemente dos dias em Middleham em que ela, Anne, Richard e George cavalgavam e brincavam, sem pensar no futuro. Ou talvez George pensasse. Ele estava sempre querendo ser o vencedor em tudo: o cavaleiro mais veloz, o arqueiro mais habilidoso... George sempre fora assim. Ele gostava de mostrar sua superioridade sobre os outros, o que fazia com grande facilidade, sendo mais velho e definitivamente mais alto e bonito que Richard. George era gabola, sempre exagerando seus sucessos, ignorando seus fracassos. Era muito diferente de Richard. Porém, as pessoas gostavam mais de George, que era sempre a pessoa mais bonita em qualquer grupo, exceto quando seu irmão mais velho estava por perto; Eduardo eclipsava qualquer um. Isabel, que passara a conhecer George muito bem depois que haviam se casado, descobrira que ele odiava o irmão. Não Richard... ele não tinha nada para odiar em Richard, sobre quem se considerava superior em todos os aspectos... mas Eduardo. Isabel vira seus olhos mudarem de cor ao ouvir o nome do irmão mais velho. Vira-o cerrar os punhos e retesar os músculos nesses momentos. Ela sabia que esse ódio crescia a cada dia. Sabia porque, às vezes, na privacidade de seus aposentos, ele desabafava, libertando toda a sua fúria.

George jamais perdoaria o destino por ter trazido Eduardo ao mundo primeiro. Não fosse por isso, George teria sido rei; e o que George queria mais do que tudo no mundo era ser rei. Fora esse o motivo que o fizera passar para o lado do pai de Isabel, voltando-se contra o próprio irmão. Warwick prometera-lhe que ele seria rei um dia, mas Isabel presumia que seu pai jamais deixaria isso acontecer. Ela ficara desconsolada quando seu pai se voltara contra o rei. Ela sabia que Warwick era chamado de criador de reis e que esse título não era vazio. Porém, na opinião de Isabel, o maior erro de seu pai fora ter-se voltado contra Eduardo.

Pobre George! Estranhamente, ela o amava, e o que talvez fosse ainda mais estranho, ele a amava. A fraqueza de Isabel talvez lhe fosse atraente, mas ele sempre fora gentil com ela, e ela sempre ouvira seus planos grandiosos. Ela encorajava esses planos. Isabel queria saber o que se passava na mente do marido. Às vezes ela lhe falava sobre os planos mais desvairados, e todos eram tingidos de ódio por seu irmão, e o objetivo de todos os planos conduziam a apenas uma coisa: a coroação de George - não mais duque de Clarence, mas rei da Inglaterra - na Abadia.

Ela frequentemente se perguntava qual seria o resultado daqueles planos, mas nos últimos dias começara a duvidar se os veria frutificar.

Alguma coisa estava errada. As mulheres às vezes pressentiam isso quando temiam uma gravidez. A tosse de Isabel estava pior e ela sentia dor no peito. Ela e Anne sempre haviam se resfriado com facilidade. No Castelo de Middleham, sua mãe costumava colocá-las na cama ao menor sinal de tosse, com os peitos untados com unguentos quentes. Mas sua mãe estava agora com Anne lá no norte. Isabel estava em Gloucestershire que era um de seus condados favoritos. George gostava de Gloucestershire, e, portanto, ela também.

Isabel chamou por Ankarette, que atendeu logo em seguida.

- Está se sentindo mal, minha dama?

- É o meu peito. Sinto dor aqui. Mas não é nada. Já senti antes... muitas vezes.

- Senhora, acho que talvez deva se deitar. Permite que eu chame suas aias?

Isabel assentiu.

- Acho que a senhora deve ir para a nova enfermaria na Abadia Tewkesbury. A senhora será bem tratada lá.

- Sim, acredito que essas enfermarias monásticas sejam realmente muito boas.

- Minha bela dama, a rainha nutre grande fé nelas, como a senhora bem sabe.

- Sim, sei - disse Isabel. - Talvez eu vá.

- Posso fazer os preparativos? - indagou Ankarette.

O ambiente na enfermaria na Abadia Tewkesbury era muito agradável. Ankarette ficou a seu lado. Isabel expressara seu desejo de que a aia da rainha cuidasse dela até o nascimento da criança, e Elizabeth dissera que Ankarette permaneceria com Isabel enquanto fosse necessário.

George foi visitá-la em Tewkesbury. Ficou alarmado ao vê-la. Ela parecia muito pálida. Estava prestes a parir uma criança e, embora nunca tivesse sido forte, certamente parecia muito doente. Gostava muito de Isabel, não apenas porque através dela adquirira vastas propriedades, mas porque ela o acalmava. Isabel ouvia sobre seus sonhos e os prémios dourados que ele ganharia no fim. Ela sempre parecera acreditar nele e George precisava de uma plateia assim. Ele não podia dizer a mais ninguém as coisas que dizia a Isabel. Suas palavras recendiam a traição, mas com a esposa ele podia falar à vontade. Ela jamais iria entregá-lo; estava sempre do seu lado. Ele precisava de Isabel.

Estando muito preocupado, George tendia a culpar qualquer um por seu estado.

- Quem é aquela mulher que está sempre cuidando de você?

- inquiriu.

- Está falando de Ankarette? A rainha mandou-a para ficar comigo. Ela é uma enfermeira muito boa e já cuidou da rainha durante algum tempo.

- Não entendo por que os Woodvilles quiseram nos mandar uma aia - grunhiu George.

- Foi apenas da parte da rainha... uma gentileza de mulher para mulher. Ela sabe que não ando bem. Disse que Ankarette é uma das melhores enfermeiras da região.

Ela insistiu para que eu ficasse com ela.

George assentiu e começou a perguntar sobre sua saúde. Ele não estava satisfeito com o lugar. Era frio, e um monastério não era o lugar ideal para um parto de tamanha importância.

George não podia pensar em seus filhos sem vê-los como herdeiros do trono.

- vou levá-la de volta ao Castelo de Warwick - disse George. - Lá poderemos cuidar de você como merece.

Isabel sorriu. Ela não dava muita importância ao lugar onde estava.

Era novembro quando chegaram ao Castelo Warwick. O nascimento do bebé fora previsto para dali a algumas semanas e tudo estava pronto para o parto. Entretanto, com o passar das semanas a tosse de Isabel piorou e Ankarette e as outras aias ficaram muito preocupadas.

Três dias antes do Natal a criança nasceu. Logo ficou claro que não apenas o bebé tinha pouca chance de sobrevivência como também Isabel corria grave perigo.

Ela morreu do parto. Foi um Natal triste no Castelo Warwick. Em seu berço o bebé jazia pequeno e trémulo, recusando alimentar-se, passando o tempo inteiro imóvel e silencioso.

No primeiro dia de janeiro a criança juntou-se à mãe.

George chegou ao Castelo Warwick e recebeu as tristes notícias.

Isabel morta! Ele ficou desolado. Viera ansioso para contarlhe seus novos planos e ver o bebé. Mortos, os dois!

Ávida era cruel com ele. Negara-lhe uma coroa e agora tomara sua esposa e filho.

Ele derramou lágrimas genuínas. Sentiria falta de Isabel. Jamais haveria outra pessoa a quem ele pudesse amar tanto quanto a amara.

Olhos semicerrados, fitou as aias no quarto de Isabel. Ele estava furioso porque elas estavam vivas e sua esposa morta.

George voltou para a corte, que fervilhava com as notícias da morte do duque de Borgonha. A irmã de George, Margaret, era agora viúva. O filho do duque morrera antes dele, mas o duque deixara uma filha, Mary, que era a herdeira dos incalculáveis bens dos Borgonhas, decerto a herdeira mais rica da França, ou até mesmo de toda a Europa.

Uma situação interessante.

Ninguém poderia substituir Isabel em seu coração, mas um homem na posição de George devia permanecer sempre casado, e sempre devia se casar de uma forma que fosse vantajosa não apenas para ele, mas também para o seu país.

Isabel mal esfriara na cova; talvez fosse cedo demais para pensar numa nova esposa, mas assuntos de tamanha importância não podiam esperar. A herdeira dos Borgonhas precisava ser arrebatada o quanto antes. Disso ele tinha certeza absoluta.

Mencionou a possibilidade a Eduardo.

- Seria vantajoso para a Inglaterra trazer as propriedades de Borgonha para mãos inglesas - argumentou.

Eduardo ficou pensativo. A última coisa a que daria consentimento seria para uma união entre seu irmão e Mary de Borgonha. Sabia que o duque de Borgonha vira-se como pertencente à linhagem de sucessão ao trono inglês... embora seu argumento fosse fraco. Sua mãe, Isabel de Portugal, era neta de John de Gaunt. Essa ligação de parentesco, por mais ténue que fosse, poderia fortalecer a ligação de Clarence. com toda certeza, não deveria haver uma união entre Clarence e Borgonha.

Eduardo conversou sobre isso com Hastings.

- Minha irmã Margaret, a duquesa de Borgonha, sempre favoreceu George. Deus sabe por quê. Mas ele era um menino bonito quando ela o conheceu, e você sabe que todo mundo sempre tem um favorito em sua família. Ela pode tentar influenciar Mary a desposá-lo.

- Você não vai permitir isso, vai? - disse Hastings.

- Por Deus, não. Eu adoraria tirá-lo do país... mas não para Borgonha. Você pode imaginar os planos que ele começaria a formular.

- Posso mesmo - disse Hastings.

Enquanto o rei estava pensando na recusa que daria a Clarence, Elízabeth mencionou o assunto.

- Uma união entre a Inglaterra e Borgonha seria vantajosa para nós - disse, muito calma.

- Isso depende muito do noivo, minha querida.

- Exatamente o que acho. Você já...?

- Se eu já o selecionei? É muito difícil para mim fazer isso. Acredito que Mary seja uma dama muito decidida. Ela provavelmente vai querer participar da escolha.

- Ela se casará com quem for melhor para ela, tenho certeza. Mas sua irmã Margaret poderá influenciá-la de alguma forma. Acho que elas são amigas muito íntimas.

Elizabeth hesitou antes de olhar fixamente para o rei. Ele estava com um leve sorriso no rosto. Ele sabia o que viria em seguida. Ah, cara Elizabeth, cheia de planos para aumentar o poder de sua família. Quem teria em mente agora? Ele podia adivinhar. Anthony. Pois recentemente, como George, Anthony perdera a esposa e estava disponível. Decerto Elizabeth queria para ele esse prémio valioso.

Eduardo tinha de admirá-la. Que esperança poderia ter o conde Rivers de se casar com a herdeira de Borgonha? Contudo, como a própria Elizabeth casara-se com o rei da Inglaterra, ela acreditava que tudo era possível.

Eduardo pegou uma das mechas de cabelo dourado que pendiam sobre o ombro da esposa e, sentindo-a entre os dedos, disse a Elizabeth:

- Parece-me que minha rainha tem um marido em mente para essa jovem.

- Eu não ousaria sugerir...

- Então sussurre para tnim, meu amor.

- Bem, Eduardo, acho que seria muito vantajoso para o país se Anthony se casasse com essa moça.

- Anthony! Elizabeth, você sabe que meu irmão George também quer se casar com essa jovem?

- Você não permitirá.

- Claro que não. Jamais.

- E que tal Anthony?

Ele estava sorrindo para ela. Não respondeu. Até que ponto ia a ambição dela para com sua família? Ela realmente acreditava que a maior herdeira do momento iria se casar com um mero conde, um que herdara seu título devido ao relacionamento de sua irmã com o rei?

Ainda assim, Elizabeth era encantadora. Por que não conceder sua permissão? Ela não resultaria em nada, mesmo. A sugestão seria motivo de risos em Borgonha e talvez isso ensinasse Elizabeth a não nutrir ambições elevadas para sua família. O caso dela fora muito diferente. Ela merecera seu lugar devido à sua beleza extraordinária e sua determinação em jamais irritar seu marido ou criticar seus atos.

- Bem, deixe Anthony tentar - disse o rei. - Isso não dará em nada, asseguro-lhe. Mas tentar não machuca.

Pronto. Ele não era capaz de recusar nada a ela. Iria agradála, como sempre. Que outra pessoa fizesse a parte desagradável, que, obviamente, era inevitável.

com Clarence foi diferente. Quando ele procurou o rei e pediu permissão para encaminhar seu pedido à herdeira dos Borgonhas, recebeu uma recusa seca.

Como Eduardo esperara, o pedido de Anthony foi recebido com sarcasmo. Mas quando George percebeu que Rivers recebera a permissão que lhe fora negada, foi tomado por uma fúria intensa.

Ele já suportara muita coisa. O rei e a rainha eram agora seus piores inimigos, e iria tratá-los como tais.

Furioso, retornou ao Castelo Warwick. Sentia uma saudade profunda da esposa, a quem amara tanto.

Ele estava solitário. Ele podia estar contemplando outro casamento se tudo tivesse corrido bem com seus planos de se casar com a herdeira dos Borgonhas. Isso não compensaria a dor da perda de Isabel, mas ajudaria a tirar sua mente daquele estado miserável.

Eduardo recusara-lhe esse consolo. E o que era pior: dera seu consentimento a Anthony Neville. Lorde Rivers! Aquele novorico! Onde estaria agora se sua irmã não tivesse atraído o rei e negado entregar-se a ele até ser feita sua rainha?

Malditos Woodvilles! E aquela raposa, a rainha, tentara fingir ser amiga de Isabel enviando a aia... Ankarette de Tal. Malditos, malditos, malditos Woodvilles. E a pior de todas era a rainha, a responsável por sua ascensão. Eduardo fora um idiota em se casar com uma plebeia. Os plebeus ficam vorazes quando têm a chance de agarrar títulos e terras.

Rangeu os dentes de raiva e desejou com todas as forças de seu ser organizar um exército para destruir Eduardo.

Como ousava a rainha mandar uma mulher servir Isabel! E por que fizera isso? Por quê?

Imagens relampejavam em sua mente inflamada. Aquela mulher.... enviada pela rainha! A troco de quê? Por que a rainha mandaria uma aia para servir sua esposa?

Havia alguma coisa por trás dessa história. Quanto mais pensava nisso, mais empolgado ficava. A empolgação fez-lhe bem. Afastou de sua mente a decepção pela perda de Mary de Borgonha.

A mulher viera... mandada pela rainha... e Isabel morrera. Ele não confiava na rainha; portanto, não confiava em nenhuma de suas aias.

Ele mandou chamar um de seus lacaios. Disse ao homem:

- Traga-me a aia Ankarette. Quero falar com ela.

- Milorde, a aia deixou o castelo. Partiu depois da morte da duquesa. Disse que viera servi-la e, agora que a criança estava morta, nada mais a prendia aqui.

Oh, ela disse isso? Compreendo. Sim. Compreendo muito bem. Ela retornou para sua ama, a rainha?

- Acho que não, senhor duque. Ela tem uma casa em Cayford.

- E onde fica Cayford?

- Em Somerset, acho.

- Ah, então conseguirei encontrá-la.

George dispensou o lacaio. O plano já estava todo delineado em sua mente. Convocou oitenta de seus guardas e mandou-os seguir a todo galope até um lugar chamado Cayford, em Somerset. Eles deveriam encontrar a casa de Ankarette Twynhoe. Deveriam prender essa mulher e trazê-la imediatamente até o Castelo Warwick, onde ele os aguardaria.

O capitão da guarda pareceu um pouco confuso. Era bem sabido que, a não ser o rei, ninguém detinha poderes para decretar a prisão de qualquer pessoa. Embora Clarence fosse irmão do rei, não era a mesma coisa.

- Por que está hesitando? - inquiriu Clarence.

- Vamos prender essa mulher... em nome de...

- Vocês vão prender essa mulher. Não foi o que mandei fazer? Essa é a minha ordem!

Quando Clarence estava inflamado desse jeito, a atitude mais sensata era obedecê-lo; assim, o capitão comentou que partiria imediatamente para Somerset.

Quando os soldados chegaram, Ankarette estava em casa com sua filha e genro, que a estavam visitando. Não a viam desde que ela começara a cuidar da duquesa de Clarence. Estavam sentados pacificamente à mesa de jantar quando a guarda de Clarence chegou.

O capitão entrou na sala de jantar e Ankarette se levantou, estarrecida.

- A senhora está presa - disseram a ela. O genro de Ankarette se levantara com ela.

- O que significa isso? - inquiriu o genro. - Que direito vocês têm de invadir a nossa casa e...

- Recebemos ordens de levá-la ao Castelo Warwick.

- Por que motivo? - gritou Ankarette. - Acabo de deixar esse castelo.

- A senhora é acusada de envenenar a duquesa de Clarence e seu bebé.

- Isso é loucura! - protestou Ankarette.

- Loucura ou não, a senhora deve vir comigo e responder à acusação.

O genro de Ankarette pousou a mão no braço da sogra.

- A senhora não deve ir. Eles não têm o direito de prendêla. Apenas o rei pode prender uma pessoa desse jeito... e esses homens não estão sob as ordens do rei.

- Estamos sob as ordens do duque de Clarence-respondeu o capitão.

Ankarette disse:

- Irei pacificamente. Aviso que espero ouvir uma explicação muito boa para essa violação de minha casa.

- E a terá - prometeu o capitão da guarda.

- Vamos com a senhora, mamãe-disse a filha de Ankarette. Assim, os três foram levados ao Castelo Warwick. Clarence

esperava-os impacientemente. Atiçara sua própria fúria convencendo-se de que Isabel e seu bebé haviam sido assassinados por ordem da rainha. Este não era apenas um caso contra Ankarette Twynhoe, mas contra Elizabeth Woodville. George estivera pensando muito no assunto. Esse seria o primeiro passo em sua jornada para o trono. Ele iria expor os Woodvilles como os assassinos invejosos que eram, e o povo veria como o rei fora estúpido ao conceder tanto poder a essa maldita família. George bebera muito de seu vinho malmsey preferido enquanto esperava a chegada dos guardas; estava agora intoxicado não apenas pelo vinho, mas por sonhos dos grandes triunfos que despontavam no horizonte.

Primeiro ele teria de lidar com essa mulher-a aia da rainha, ou, como pensava nela, a assassina a soldo dos Woodvilles.

Ele estava em pé diante dos portões do castelo quando o grupo chegou.

Eles traziam a mulher, notou com prazer. Ela parecia truculenta, muito segura de si. E quem eram aqueles que estavam com ela? Ele exigiu saber.

A filha e o genro. Mas ele não quisera vê-los. Haviam vindo sem ser convidados. O homem foi subserviente, como deveria ser na presença do duque de Clarence.

- Minha sogra não é mais jovem, milorde. Nós nos preocupamos quando ela precisa viajar sozinha.

Ciarence riu.

- Ela não é tão velha que não possa cumprir as ordens de seus amos. Levem a mulher para o castelo e mandem os outros embora.

- Milorde... - começou a filha.

- Levem essa mulher! - gritou Clarence. - Tirem-na imediatamente de meu castelo! Quero levar à justiça apenas Ankarette Twynhoe. Claro que se essas pessoas quiserem arranjar problemas, serão presas sem demora.

Ankarette estava começando a ficar desesperada. Ela conhecia o temperamento de Clarence. Era impossível viver durante algum tempo em sua morada e não descobrir algo a respeito dele. O que ele estava dizendo? Do que a acusava?

Ela se virou para a filha.

- Vão imediatamente. Ele está muito mal-humorado. Ficarei bem. Não fiz nada de errado.

- Parem de sussurrar! - bradou Clarence. - Levem a mulher para o castelo.

Ankarette virou-se para lançar um sorriso à filha, para consolá-la. A jovem, após hesitar um instante, partiu com o marido. Eles teriam de se preocupar agora em como chegar à cidade mais próxima e ver se conseguiam encontrar um abrigo por uma noite.

Os guardas conduziram Ankarette até o saguão do castelo.

Clarence sentara-se a uma mesa. Instruiu um dos guardas a trazer a mulher. Parecia muito zangado quando disse a Ankarette:

- Você será julgada amanhã.

- Julgada, milorde? Pelo quê?

- A sua pose de inocente é inútil, assassina. Sei o que você fez... e a mando de quem.

- Milorde, eu imploro: diga-me o que o senhor acha que fiz.

- Você sabe. Matou minha esposa, conforme a sua ama a instruiu.

- Matei? A duquesa? Milorde, como pode pensar isso a meu respeito?

- Sei que você fez - disse Clarence. - A rainha mandou que fizesse. Você é aia dela, não é?

- Eu servi à rainha.

- com muita eficácia, pelo que vejo.

- O senhor duque está equivocado. A rainha não queria nada mais do que o bem para a duquesa, e enviou-me para ajudá-la. Eu amava minha dama.

- Eu enxergo através de mentiras, madame. Pensa que pode me enganar?

- Milorde... Isso é monstruoso... isso é...

- Tirem essa mulher da minha frente.

Ankarette estava deitada num estrado num dos quartos pequenos do castelo. Aquilo parecia um pesadelo. O que podia significar? A pobre duquesa estivera fraca demais antes do parto. Ela nunca fora uma mulher forte. Os doutores achavam que seu estado era o pior possível e temiam que ela não sobrevivesse ao parto. E agora Ankarette era acusada de assassiná-la! Absurdo!

O duque de Clarence parecia fora de si. Parecia obcecado em provar que ela era culpada. Por quê? Por que a escolhera? Que mal ela fizera?

Ankarette agitou-se em seu estrado. Dormir seria impossível. Um lampejo de entendimento começava a alumiar sua mente. Não era a ela que Clarence estava atacando... era a rainha.

Agora tudo fazia sentido. O duque estava intoxicado pelo vinho. Isso acontecia com frequência. Pela manhã ele teria se recobrado e percebido o quanto aquela acusação era ridícula.

Ankarette sentiu um alívio imenso ao ver o nascer do sol. Os guardas foram buscá-la. Eles não perderam tempo;

conduziram-na diretamente até o tribunal.

Os procedimentos foram rápidos. O duque de Clarence acusava Ankarette Twynhoe de assassinato. Ela aparentemente estava a serviço da duquesa, quando, na verdade, pretendia causar sua morte. A duquesa adoecera a partir do momento em que Ankarette entrara em sua casa e, como todos sabiam, ela morrera. Sua morte fora causada por veneno, veneno administrado por Ankarette Twynhoe.

Essa era a acusação de Clarence. Ele ordenou que o júri a considerasse culpada. E assim foi feito.

- Esta mulher merece uma morte horrível, mas seremos misericordiosos - disse Clarence. - Deixaremos que ela morra por enforcamento.

Ankarette protestou sua inocência. Ainda estava transtornada com essa acusação. Dois dias antes estivera em sua própria casa, recebendo a filha e o genro, e agora estava face a face com a morte.

Não havia motivo para perder tempo, disse Clarence. Que o enforcamento fosse realizado imediatamente. Todos os preparativos já haviam sido tomados. Eles sairiam do saguão e seguiriam direto para o cadafalso.

Levaram Ankarette para fora. Ela ficou parada durante alguns momentos, olhando para o céu azul de abril. Ouviu o canto de um tentilhão e compreendeu que jamais ouviria aquele som de novo.

Um dos jurados que a haviam condenado parou perto de Ankarette e olhou para ela.

- Perdoe-me - disse o jurado.

A mulher fez uma mesura com a cabeça; ficou impressionada em perceber como o olhar angustiado daquele homem podia tocar-lhe num momento como aquele.

Ele prosseguiu:

- Você é inocente. Isto é pura maldade. Não devia ter feito o que fiz. Desprezo a mim mesmo. Mas tive medo do poder do duque de Clarence. Ele queria este veredicto e tivemos de proferi-lo.

- Eu entendo - disse ela. Um homem estava ao seu lado.

- Eles a estão esperando - disse o homem. E a conduziu ao carrasco.

Era impossível para Eduardo não ouvir o que acontecera à Ankarette Twynhoe, antiga aia de Elizabeth.

Ele não tocou no assunto com Elizabeth, embora soubesse que aquilo devia ter sido um golpe para sua esposa. Afinal, fora ela própria quem recomendara Ankarette à duquesa de Clarence. Mas Eduardo discutiu o assunto com Hastings.

- O que você achou do último feito do meu irmão? perguntou ao amigo.

- Ele extrapolou seus poderes ao prender aquela mulher e enforcá-la imediatamente depois do julgamento.

- E nós sabemos que o julgamento não foi realizado de fato. Os jurados estão dizendo que eles acreditavam que a mulher era inocente, mas foram forçados a considerá-la culpada. Meu irmão os forçou.

- Clarence causará problemas, Eduardo.

- Ele sempre causa problemas. Mas este é um abuso desavergonhado de direitos. Matar essa mulher sem nenhum motivo a não ser... a não ser o quê, William? Que motivo ele poderia ter para esse ato sórdido e estúpido?

- Desacreditar a rainha, e talvez você. Eduardo assentiu.

- Até onde ele irá? - perguntou Eduardo.

- Até onde você permitir que vá.

- Ele é meu irmão. Já o perdoei vezes sem conta. Mas, William, chegou um momento em que não posso suportar mais isso. Começo a pensar que ele seria capaz de conspirar contra a minha vida.

- Só agora começa a suspeitar disso, majestade? Não esqueça que ele passou para o lado de Warwick e lutou contra você. Ele fez isso porque acreditava que, se você caísse, ele teria uma chance de usar a coroa. Se tiver oportunidade, Clarence fará isso de novo.

- E esse é o irmão que sempre protegi! Eu o perdoei um semnúmero de vezes! E ele sempre tenta me apunhalar pelas costas de novo!

- Pelo menos você finalmente está vendo isso.

- Eu sempre soube, mas não queria ver. Você sabe como eu sou. Sempre procuro ver o melhor de cada pessoa.

- Mesmo quando essa pessoa se revela sua inimiga? Eu o conheço bem, Eduardo. Você duvidou de mim uma vez... de mim, que sempre fui seu amigo fiel. Acho que deve ficar atento para tudo que o duque de Clarence fizer. Tenho um pressentimento de que devemos ser bem cuidadosos daqui em diante.

Eduardo assentiu. Hastings estava coberto de razão.

Clarence raramente vinha à corte. Queria dar a impressão de que, como sua esposa e seu bebé tinham sido envenenados a mando dos Woodvilles, eles poderiam voltar sua atenção para ele.

Adquiriu o hábito de jamais comer na corte. Para justificar isso, dava desculpas complicadas que passavam precisamente a mensagem "temo ser envenenado".

Eduardo estava perdendo a paciência com ele. Além disso, as pessoas comentavam sobre o fim de Ankarette. Sobre o fato de ela ter sido executada muito apressadamente e de vários membros do júri se declararem profundamente arrependidos da sentença que proferiram. Ela certamente não era culpada. Haviam condenado a mulher por temer o duque de Clarence.

Rivers estava de olhos abertos para Clarence. Eduardo podia entender isso. Quem poderia prever que planos malignos estariam se formando na cabeça de Clarence? O caso de Ankarette Twynhoe era uma indicação de até que ponto ele poderia chegar para atingir seus inimigos. Clarence era um louco, pensou Eduardo, mas os loucos podem causar muitos problemas. Eduardo jamais teria certeza do que se passava pela cabeça de Clarence e que direção suas tramóias tomariam. Mas de uma coisa ele sabia: Clarence sempre quisera o trono e se sentia injustiçado por Eduardo ser o mais velho. Não importava para que lado Eduardo olhasse: Clarence sempre parecia uma ameaça.

Ele devia ter tomado alguma medida quanto ao caso de Ankarette. Claro que a mulher era inocente e que sua condenação fora forçada por Clarence. Se ele podia se comportar dessa forma, deflagrando sua vingança contra uma mulher inocente apenas para provar que a rainha era realmente a parte culpada, poderia fazer qualquer coisa que jquisesse. Elizabeth falara pouco sobre o assunto, mas Eduardo sabia que ela ficara profundamente abalada com a morte de Ankarette, o que era perfeitamente compreensível.

Através de uma de suas amantes, Hastings descobriu que certos videntes e astrólogos estavam realizando mapas astrais do rei e do príncipe de Gales, para tentar descobrir

quanto tempo eles tinham de vida. Hastings considerou apropriado reportar isso a Eduardo. Afinal, os videntes só fazem esse tipo de trabalho a pedido de alguém com interesse na morte de determinada pessoa.

Hastings investigou e concluiu que os mapas astrais tinham sido traçados por um certo Dr. John Stacey, da faculdade de Merton, em Oxford. Hastings sugeriu ao rei estudar o assunto e averiguar por que esse homem estava fazendo esses horóscopos e quem os encomendara.

Havia uma lei que proibia a realização de horóscopos de membros da família real sem permissão do rei. Assim, o Dr. John Stacey foi preso e conduzido à Torre.

O rei ordenou que Stacey fosse interrogado. E caso se recusasse a denunciar seus clientes, deveria ser induzido a isso da maneira menos delicada possível. Eduardo esperou o resultado torcendo, do fundo de seu coração, para que nada fosse provado contra seu irmão.

Entretanto, o interrogatório trouxe à luz uma informação interessante. Stacey fizera os mapas astrais a pedido de um certo Thomas Burdett, e Thomas Burdett pertencia ao quadro de empregados da casa de Clarence.

Agora o rei tinha certeza absoluta daquilo que suspeitava há algum tempo, mas que rezara para não ser verdade. Clarence estava aguardando ansiosamente sua morte. E Eduardo conhecia o irmão bem o bastante para saber que se sua morte não acontecesse logo, Clarence ficaria tão impaciente que tentaria ajudar a natureza.

Eduardo viu-se num dilema. Ele precisava mostrar a Clarence aonde suas tramóias descuidadas iriam levá-lo. Fizera vista grossa para o caso de Ankarette Twynhoe, mas agora tinha certeza de que agira errado. Eduardo queria imensamente que Clarence fosse como Richard, que se comportasse como um irmão. Irmãos ajudam-se mutuamente. Irmãos não ameaçam uns aos outros, como Clarence fazia com frequência.

Elizabeth estava tensa. Eduardo voltara da França com a pensão de Luís e, o que a agradava mais do que tudo, a promessa do delfim para sua filha mais velha. Providenciar casamentos grandiosos para sua família sempre lhe dera prazer, e suas ambições para a filha de um rei não conheciam limites. Ela anunciara que no futuro a jovem Elizabeth seria conhecida como Madame La Dauphine. Mas a morte de Ankarette Twynhoe deixara a rainha muito abalada. Não apenas porque ela conhecera e gostara da mulher, mas devido ao que isso significava. Clarence era inimigo da rainha e, devido à sua posição, um inimigo mortal. Ela sabia que ele era louco, mas um louco poderoso. E homens assim sempre encontravam quem estivesse disposto a segui-los.

Chegou a seus ouvidos a notícia de que circulavam boatos estranhos, que ela sabia terem sido deflagrados por Clarence e aqueles que o serviam. Um dos rumores que mais a perturbaram foi a história de que Eduardo era um bastardo. Era, segundo esse relato, filho de um arqueiro de grande altura e beleza excepcional que seduzira a duquesa de York durante uma das muitas ausências do rei. A história era ridícula, claro. Qualquer um que tivesse conhecido Cecily, a Orgulhosa, veria o quanto era ridículo acusá-la de tomar um arqueiro como amante. Ademais, se algum membro da família tinha as feições dos Plantagenetas, era Eduardo. Ele guardava muitas semelhanças com Eduardo Pernas Longas, só que era consideravelmente mais bonito. Não, essa era uma história ridícula, que a maioria das pessoas veria como a invenção invejosa de um irmão ambicioso. Um irmão tão ansioso em colocar as mãos na coroa que seria capaz de engendrar as histórias mais desvairadas. Ainda assim, era uma história perigosa, e um indício de que Clarence estava agindo.

Era contra os princípios de Elizabeth conversar sobre assuntos de Estado com seu marido. Suas persuasões sempre haviam sido extremamente sutis, mas ela agora estava realmente assustada. Ocorreu-lhe que se alguma coisa acontecesse a Eduardo, seu filhinho ficaria numa situação extremamente perigosa.

Clarence precisava ser removido.

O rei percebeu que Elizabeth estava deprimida e perguntou o que a afligia. Ela desabafou, dizendo que estava sendo torturada por suas ansiedades. Temia por seus filhos e, em particular, pelo príncipe de Gales.

- É Clarence - disse Elizabeth. - Eduardo, ele é seu inimigo. Você sabe que é ele que está dizendo que você não é filho do seu pai. Isso significa que você não tem direito ao trono.

- Ninguém dá ouvidos aos devaneios de Clarence.

- Um júri deu e isso custou a vida de uma mulher inocente. Eduardo ficou em silêncio. Elizabeth segurou a mão do esposo e levantou os olhos amedrontados até o rosto dele.

- Temo por nosso pequeno Eduardo. Ele é tão pequeno!

- Nenhum mal acontecerá a Eduardo nem a nenhuma de nossas crianças. Eu prometo. O país está comigo, Elizabeth. A Inglaterra está ao lado de seu rei, como sempre esteve. A bem da verdade, Clarence tem seus seguidores, mas eles não são nada em comparação com aqueles que me apoiam.

- Eu sei... eu sei. Mas ele é perigoso, Eduardo. Temo pelas crianças... e por você, Eduardo. Temo por todos nós.

Eduardo ficou pensativo. Depois de alguns instantes, disse:

- Algo precisa ser feito. Algo será feito.

A primeira providência de Eduardo foi mandar a julgamento o Dr. John Stacey e Thomas Burdett e Thomas Blake, um capelão de Oxford. Eles foram considerados culpados de prática de artes mágicas para propósitos sinistros e condenados a ser enforcados em Tyburn. Como era usual nesses casos, a sentença foi executada imediatamente. Entretanto, o bispo de Norwich intercedeu por Blake. Segundo o bispo, Blake estava envolvido apenas devido à sua associação com Stacey, e não fora provado que ele estivera ciente do que acontecia.

Blake foi perdoado. Os outros dois, protestando sua inocência até o último minuto, foram enforcados. O acontecido deixou claro o fato de que Burdett era membro da casa de Clarence e que o rei quisera ensinar uma lição a seu irmão. Eduardo suspeitava que Clarence era o responsável pelos boatos que circulavam a seu respeito. Clarence estava enganado se pensava que depois de ter sido perdoado uma vez seria de novo. Empederniam-se a cada dia os sentimentos de Eduardo para com o seu irmão.

Depois do julgamento, Eduardo foi a Windsor. Clarence permaneceu em Londres e se aproveitou da ausência de Eduardo para procurar um advogado, um certo Dr. John Goddard, para abrir caminho até uma reunião de conselho em Westminster, onde leria as declarações de inocência feitas por Stacey e Burdett antes de suas mortes.

Esse foi um ato louco e imprudente; John Goddard era o franciscano que em 1470 - quando Warwick e Clarence haviam tentado derrubar Eduardo do trono - declarara que Henrique VI era o verdadeiro rei da Inglaterra.

Depois que os protestos foram lidos diante de um conselho atónito, Clarence começou a reunir homens para apoiá-lo. Ele declarou não apenas que o rei era um bastardo como também um praticante de magia negra que estava planejando envenenar a ele, seu irmão, porque sabia demais. Ele foi a Cambridgeshire e discursou na praça que o rei não detinha direito ao trono e que, se o povo se insurgisse, poderiam colocar o verdadeiro rei no lugar do impostor.

Os plebeus ouviram tudo isso boquiabertos. Por que deveriam se levantar contra um rei que levara a Inglaterra a um estado de prosperidade que o país não desfrutava há tempos? Era empolgante ouvir Clarence; alguns arruaceiros juntaram-se a ele, mas mesmo estes não ficaram a seu lado por muito tempo.

Entrementes, Eduardo recebeu em Windsor notícias do que estava acontecendo. Retornou a Londres e convocou o Parlamento. O propósito: acusar seu irmão por alta traição.

O rei falou com eloquência e tristeza. Todos recordariam que Eduardo era notoriamente generoso para com seus inimigos, mesmo os culpados de traições hediondas. Ele jamais fora recompensado por sua clemência. Agora, uma traição muito mais maliciosa e antinatural conspirava contra ele.

- A mão de meu próprio irmão se levantou contra mim. Ele, acima de todos os outros, me deve amor e lealdade. Eu o recompensei generosamente com riquezas e posses, mas mesmo assim ele trama para destruir a mim e minha família. Clarence ordenou que seus servos, espalhados por todo o país, dissessem ao povo que Burdett fora executado injustamente. Declarou que sou um bastardo. Alega reter em seu poder um acordo feito no ano 1470 que expressa que se Henrique VI morresse sem herdeiros ele deveria ser o próximo na linhagem de sucessão. Milordes, vêem o dilema no qual me encontro? Muitas vezes perdoei o duque, meu irmão. E ele, a cada vez, desmereceu minha amizade. Fui obrigado a considerar a segurança do reino e julguei que meu irmão representa uma ameaça contra a Inglaterra. Portanto, peço que o condenem por alta traição, que o privem de todos os bens e propriedades que lhe foram concedidos pela coroa.

Nenhum dos parlamentares se posicionou contra as acusações do rei. Clarence foi preso. Vociferou uma proposta de resolver a questão em duelo homem a homem, no que foi ignorado pelo rei. Ninguém se apresentou para defendê-lo ou declarar qualquer desacordo com o pedido do rei.

O duque de Buckingham, sendo intendente da Inglaterra, pronunciou a sentença de morte e Clarence foi aprisionado na Torre.

Agora que Clarence estava trancafiado, Eduardo sentia uma dificuldade imensa em concluir a questão. Clarence fora sentenciado à morte e, sem dúvida alguma, era culpado. Ainda assim, ele era seu irmão. Clarence guardava muitas lembranças daquele menino brilhante. Ele fora belíssimo na juventude, antes de se render à bebida, que prejudicou severamente sua aparência. Também fora detentor de um certo charme. Era um menino impetuoso e desbocado. Dizia o que lhe viesse à cabeça sem considerar as consequências. Eduardo amara aquele menino. Sempre reconhecera as qualidades nobres de Richard, mas era George quem detinha o charme e o poder de atrair as pessoas, qualidades que o próprio Eduardo possuía em maior grau. Claro que ele sempre gostara mais de Richard - devido principalmente à admiração que lhe depositava - e rapidamente descobrira que seu irmão caçula era leal e merecedor de confiança. Mas isso não significava que não amasse George. Eduardo sempre fora devotado à família. Então, como poderia dar a ordem para a execução de seu irmão? Contudo, se não o fizesse, Eduardo estaria colocando o país em risco. Nada de errado poderia acontecer enquanto Eduardo estivesse vivo, mas e se ele morresse? Quem sabia o que o futuro reservava? Ele tinha um filho jovem, menor de idade... o que aconteceria ao pequeno Eduardo se Clarence reclamasse o trono sob a alegação de que Eduardo fora um bastardo? Não, Clarence precisava morrer. Eduardo precisava reunir coragem. Esquecer que ele era seu irmão, lembrar apenas que ele era um traidor.

Mas ele continuava postergando a ordem.

Elizabeth estava visivelmente feliz por Clarence ter sido considerado culpado. Aquilo tirara um grande peso de sua cabeça.

Agora podia concentrar seus pensamentos no contrato de casamento de seu segundo filho, Richard, duque de York, a ser feito por Eduardo. Richard tinha cinco anos - jovem para ser prometido em casamento, mas a noiva tinha apenas um ano a mais. Ela era Anne Mowbray, uma das meninas mais ricas do reino. E era por causa disso que iria se casar com o duque de York.

Elizabeth ficava animada nessas ocasiões. Ficara muito feliz com o casamento de sua filha mais velha, Madame Ia Dauphine - como Elizabeth insistia que chamassem a menina, pois afinal estava destinada ao trono da França. Seu filho mais velho com Eduardo seria rei, e o querido pequeno Richard iria adquirir um punhado de títulos e posses através de seu rico casamento.

Clarence não era mais problema. Elizabeth se perguntou quanto tempo Eduardo levaria para dar a ordem final. Era tolice esperar. E se Clarence escapasse da Torre? Influenciar Eduardo sutilmente era um processo longo e delicado. Á solução mais rápida seria abordar o assunto às claras, mas ela evitava sugerir qualquer coisa diretamente ao rei; recorria a isso apenas nos casos de extrema necessidade, como quando chamara a atenção do rei para a periculosidade de Clarence.

Mas primeiro o casamento; depois disso convenceria o rei a executar Clarence.

A menininha estava agora no Palácio de Westminster, nos aposentos da rainha, e seria conduzida ao altar da capela de St Stephen por lorde Rivers. Elizabeth sempre procurava conceder a seus parentes uma participação importante nesses eventos.

A bela capela estava decorada com ornatos azuis separados por flores-de-lis douradas. O rei e a rainha ladeavam seus filhos

- todos belos e louros como a mãe; a julgar pelos pais, teria sido surpreendente se eles não fossem bonitos.

Elizabeth segurou a mão de seu filhinho e o conduziu ao altar. A menina foi conduzida por lorde Rivers e o próprio rei entregou-a em casamento ao filho. Richard de Gloucester estava presente; quando saíram da capela, coube-lhe distribuir moedas de ouro pela multidão.

As crianças pareceram um pouco tensas com toda aquela cerimónia em função delas. Ficaram de mãos dadas conforme os adultos haviam mandado, mas entreolhavam-se com certa hostilidade. Richard não queria uma noiva e não gostava da ideia de que lhe forçassem uma; Anne, que era cerca de um ano mais velha do que ele, via o garoto como um bebé e, se ela tinha de ter um noivo, teria preferido seu irmão mais velho, que não apenas era mais maduro mas também príncipe de Gales.

Contudo, as últimas coisas levadas em consideração foram os sentimentos da noiva e do noivo, e finda a cerimónia, começaram os festejos. Os dias seguintes seriam dedicados a torneios; já estavam chegando a Londres cavaleiros de todas as partes do país, e até do exterior.

Elizabeth ficou muito contente em ver membros de sua família competirem com distinção. Anthony já era um campeão, mas Dorset, seu filho mais velho do primeiro casamento, tornava-se rapidamente conhecido como um cavaleiro hábil e um homem de futuro na corte.

Ele era libertino, sem dúvida, mas também o eram o rei e seu melhor amigo, Hastings. Na verdade, os três costumavam sair juntos, o que, aos olhos de Elizabeth, era sempre desagradável. Parecia-lhe errado que um homem e seu enteado se lançassem juntos à caça de mulheres, e ela ficara levemente alarmada ao ouvir que Dorset tinha olhos lascivos para a amante de Eduardo, a mulher do ourives. Isso poderia causar problemas. Talvez ela devesse conversar com Dorset a respeito.

Mas ela agora podia colocar suas preocupações de lado; as cerimónias gloriosas estavam prestes a começar. No final, haveria um grande momento, quando a pequena Anne Mowbray, a nova duquesa de York, entregaria os prémios. Elizabeth mandara Madame Ia Dauphine sentar-se ao lado de Anne e ajudá-la, pois a noiva era muito jovem.

Foi uma ocasião grandiosa, mas durante o tempo inteiro o rei pensou em seu irmão.

Clarence estava na Torre Bowyer! Ele fora sentenciado à morte. Eduardo não conseguia lembrar de qualquer outro momento de sua vida em que se sentira tão perturbado e indeciso.

Livre, Clarence era uma ameaça. Mesmo assim, como poderia ordenar que seu irmão fosse morto? Ele sabia que se desse tal ordem, seria assombrado por ela até o último de seus dias.

Ele, que sempre apreciara uma vida pacífica, agora precisava enfrentar esse problema terrível. Não podia matar seu próprio irmão; mas não executá-lo colocaria sua vida em risco. Ele temia o perigo? Não, para si mesmo, não! Guerreara para chegar até o trono. Era forte; lutara até mesmo contra Warwick e triunfara. Podia lidar com Clarence. Mas ele sabia que não ficaria aqui para sempre, e isso o aterrorizava. E se ele morresse enquanto seu filho ainda fosse criança? Quem cuidaria dele?

Como o pequeno Eduardo poderia enfrentar Clarence?

Em nome da segurança do príncipe, Clarence precisava morrer. Elizabeth queria isso. Mas Elizabeth era inteligente, astuta. Tinha seus próprios motivos para querer Clarence fora do caminho. Ele era o inimigo confesso dos Woodvilles, e os Woodvilles eram sagrados para a rainha.

Se ao menos Clarence se arrependesse! Eduardo conversara sobre o assunto com Richard, que estava no sul para o casamento de seu filho com Mowbray. Richard disse a Eduardo que ele não podia matar Clarence.

- Ele é nosso irmão. Você jamais se perdoaria.

- Qual é a alternativa, Richard?

- Você pode colocá-lo em xeque.

- Posso? Se ele organizasse um exército contra mim, eu poderia derrotá-lo. O problema são esses rumores. Ele agora está dizendo que sou um bastardo. O que você pensa disso? Que insulto para a nossa mãe? Só por isso ele já merece perder a cabeça!

- Ele merece-concordou Richard.-Mas não pode matálo, Eduardo. Se o fizer, você vai estragar a sua vida.

- Não se eu puder me convencer de que não há alternativa.

Richard dissera:

- Vá até a Torre, Eduardo. Converse com ele. Tente fazer com que veja a razão.

- Você iria?

- Ele não me daria ouvidos. Ele nunca me perdoou por me casar com Anne. Não. Mas você talvez consiga instilar medo nele. Acho que essa é a única forma de fazer com que ele aja racionalmente.

- Irei vê-lo - disse Eduardo. - vou tentar fazer com que ele veja a razão. Farei com que entenda as consequências, se ele não começar a agir racionalmente.

- É a melhor forma - disse Richard.

Eduardo foi até a Torre Bowyer. Dois empregados estavam entrando com um barril de vinho malmsey.

Ele parou os homens e perguntou para onde levavam o barril.

- Para o duque de Clarence, majestade - responderam.

- Parece que ele vai dar uma festa. Há bastante aqui para um homem beber por um ano.

- Majestade, não o duque de Clarence. Ele é muito ciumento com seu vinho.

- Meu irmão não muda-comentou o rei e entrou na Torre. Clarence olhou melancólico para Eduardo.

- Então meu irmão rei resolveu visitar o pobre prisioneiro.

- George, vim ter uma conversa séria com você.

- Estou profundamente honrado.

- Ouça, você corre o risco de perder a vida.

- Já sei que você me condenou à morte.

- Não eu. O Parlamento.

- Sob o seu comando. Você tem medo de mim, Eduardo. É por isso que me quer ver fora do caminho.

- Se eu tivesse medo de você, poderia tê-lo colocado fora do meu caminho, como você diz, há muito tempo. Não hesito em dizer que muitas pessoas em cuja opinião confio teriam feito exatamente isso.

- Eu sei. Você tem seus comparsas. Você tem o clã Woodville, que você criou, irmão. Fez deles a maior família da Inglaterra, e só porque queria a viúva.

- Peço que não fale assim da rainha.

- Claro que não. Como eu falaria assim de Elizabeth, a santa? Elizabeth, a ardilosa? Se bruxas existem, ela é uma.

- Não vim aqui ouvir asneiras, George. Vim lhe dar uma última chance. Pare com essa bobagem. Seja meu bom irmão, como fomos quando éramos jovens. É tudo que peço. Faça isso e será libertado. Mas eu lhe aviso, George. Se eu o perdoar, ao saber de seu primeiro ato de traição, por menor que seja, mandarei que seja executada a sentença de morte imediatamente, sem outro julgamento.

- Ó irmão magnânimo, amado por seu povo. O homem mais belo do reino... ou do mundo, segundo dizem alguns. Um pouquinho maltratado pelo tempo agora. Muitas noites de amor, muitos casos com as damas da cidade. Teve algum ataque de febre recentemente, Eduardo? É assim que chamamos isso, não é? Você devia tomar cuidado com algumas mulheres da cidade, irmão. Preste atenção e verá que a cada novo caso você fica menos esplêndido.

- Cale-se - ordenou Eduardo. - Posso ver que está aquém de qualquer redenção.

- Mas do que tenho de me redimir? Sendo o filho legítimo de meu pai?

- Isso é imperdoável... uma calúnia contra nossa mãe.

- Você conhece nossa mãe, Eduardo. Uma mulher de personalidade forte. Acha que ela sempre foi fiel ao nosso pai? Ele quase nunca estava em casa. Eu não ficaria surpreso se descobrisse que nenhum de seus filhos foi semeado nela pelo duque de York.

- Você sabe mentir, George. Merece tudo que lhe aconteceu.

- E você, irmão? Não merece? A coroa devia ser minha... minha.... Mas você, bastardo como é, tomou-a de mim.

- Você está completamente louco - disse Eduardo. -Vejo agora como desperdicei meu tempo conversando com você. Fique aqui então... pague por todos os seus pecados. Não tentarei mais ajudá-lo.

George fechou os olhos. Sentia-se um pouco entorpecido. Ele tinha acabado com o último barril de malmsey antes de pedir um novo. Devia restar mais vinho no barril do que ele previra. Estava um pouco bêbado agora. Bebedor contumaz como era, podia tomar uma boa quantidade de vinho sem sentir nenhum efeito, mas aparentemente havia tomado mais do que o normal e o efeito entorpecera seus sentidos.

Eduardo estava lhe oferecendo liberdade se ele jurasse que seria um bom irmão no futuro. Se estivesse completamente sóbrio, talvez tivesse aceitado a oferta. Não que tivesse se sentido obrigado a manter seu lado do acordo. George não possuía um senso de honra. Mas ele estaria livre, e poderia levar seu plano a cabo.

Havia uma coisa que ele descobrira... apenas algumas horas antes de sua prisão, e estivera pensando nessa coisa durante todo o tempo de encarceramento. Tinha sido o maior golpe de sorte de sua vida.

Ele ficava se perguntando quando seria o melhor momento e lugar para usar essa informação.

Agora, naquele estado inebriado, vendo Eduardo parado à sua frente, grande e forte com todas as vantagens que ele sempre tivera, não podia mais guardar aquela informação valiosa para si mesmo. Ele queria ver como Eduardo receberia a notícia.

Ele se levantou, trôpego.

- Você... - apontou para Eduardo. - Você, Eduardo, não tem direito ao trono... Bastardo.

- Cale-se! Se repetir isso, eu o matarei com minhas próprias mãos.

- Ouça o que digo! - gritou Clarence. - O seu filho, a quem você chama de príncipe de Gales, não tem direito ao trono. E por que não? Eu vou lhe dizer. É porque

Elizabeth Woodville é sua amante... não sua esposa... não a rainha... Ela é outra qualquer, como Jane Shore e o resto do seu bando feliz de mulheres. A rainha é só uma delas... Os seus filhos são bastardos... O príncipe de Gales é um bastardinho. O duque de York...

Eduardo avançou contra seu irmão e o segurou pelos ombros.

Clarence riu.

- Bata em mim! Mate-me, se quiser. Você é muito forte, não é? O grande rei... o poderoso rei... e quando o povo descobrir que o seu casamento com a Woodville não foi um casamento de verdade?

- Foi um casamento de verdade. Você está proferindo palavras de traição, George. Por Deus...

- Sim - disse ele. - Lembra do nome de Eleanor Butler... a menina de Shrewsbury...? Lembra desse casamento? Ela estava viva quando você passou por uma forma de casamento com a Woodville... portanto, isso faz da rainha Elizabeth apenas mais uma das suas mulheres e dos pequenos príncipes... ah sim, e da orgulhosa Madame Ia Dauphine... bastardos! Bastardos, todos eles!

Se ele estivesse menos bêbado, Clarence teria percebido o quanto Eduardo ficou pálido.

- Eduardo, estive com o bispo Stillington - prosseguiu Clarence. -Um pouco antes de você me prender. Era muito tarde para agir. Mas sou inteligente... Mantive a informação guardada aqui... - Ele deu um tapinha no peito. - Eu sei tudo sobre isso. Bastardos... como você teve um contrato prévio com Eleanor Butler e ela estava viva em seu convento quando você teve aquele casamento fajuto com a Woodville.

Eduardo empurrou o irmão para seu catre. Ficou feliz por George estar bêbado; não queria que ele visse como seu irmão rei estava trémulo agora.

Ele se virou e caminhou até a porta. Não notou os guardas do lado de fora. Ele saiu da Torre Bowyer, montou seu cavalo e cavalgou ao longo do rio.

Sua mente voltou anos no passado. Ele podia ver Eleanor agora. Ela fora tão bonita... muito parecida com Elizabeth, e tão orgulhosa quanto ela. A filha do velho conde de Shrewsbury. Haviam-se conhecido e ele a desejara tão desesperadamente quanto depois desejara Elizabeth. Houve incontáveis mulheres em sua vida, mas de vez em quando aparecia uma que era completamente irresistível, e ele era capaz de pagar qualquer preço por ela. Fora assim com Eleanor; fora assim com Elizabeth.

Depois daquilo, Eleanor fora para um convento. Ele achou que jamais teria qualquer outra notícia dela... e ele se casara com Elizabeth.

Não lhe restava mais qualquer incerteza. Ele agora sabia o que devia fazer. George, duque de Clarence, havia assinado sua própria sentença de morte.

Ele precisava ser morto, mas o rei não queria uma execução pública. Deveria morrer na prisão, de uma forma que parecesse acidental. O duque bebia tanto... principalmente agora que ele estava preso na Torre. Não seria difícil que algum acidente lhe acontecesse.

Na manhã seguinte, Clarence foi encontrado morto. Estava dentro do barril de malmsey que lhe fora entregue no dia anterior.

A notícia de espalhou. O duque de Clarence afogara-se num barril de malmsey.

Naquele mesmo dia, outra prisão foi efetuada; agora era o bispo Stillington que estava na Torre.

Clarence mal havia morrido e Eduardo estava se remoendo de remorso. Ele não podia bloquear as lembranças daqueles primeiros dias, em que ele caminhava pelos aposentos das crianças e seus irmãos o olhavam como se fosse o perfeito exemplo de masculinidade. Ele fora devotado aos dois; visitara-os quando estavam em Londres, sempre

dedicando algum tempo para sentar-se com eles e responder às suas perguntas; ele amara sua família, e fora ele quem dera a ordem para a morte de George.

Elizabeth sabia que o marido estava sofrendo; Jane Shore também sabia. Elizabeth observava-o discretamente; ela tinha seus próprios motivos para querer Clarence

fora do caminho e, embora quase não falasse a respeito, seu alívio era evidente por ele não poder mais atormentá-la.

Jane era diferente. A companhia de Jane acalmava Eduardo. Ultimamente ela era o seu maior conforto. Quem teria acreditado que ele encontraria uma mulher como essa entre os mercadores da cidade? Jane era diferente de todas as outras. Possuía uma beleza incomparável, aliada a uma natureza terna. As pessoas deviam ficar impressionadas com o fato de ele ser fiel a Jane há tanto tempo... bem, não exatamente fiel, pois havia uma miríade de outras mulheres em sua vida; o que ele queria dizer era que os anos passavam e Jane continuava exercendo um fascínio sobre ele. A verdade era que amava Jane. Ele amava Elizabeth de uma forma. Ela era uma rainha de quem ele podia sentir orgulho a despeito de ser, como os nobres insistiam em lembrar, malnascida. Elizabeth tinha um tipo de beleza e Jane outro completamente diferente.

Elizabeth era o norte frio e sereno; Jane era o sul quente e vibrante. Elizabeth era distante, misteriosa; Jane, carinhosa e impulsiva. Jane jamais escondia seus pensamentos; não tinha motivos secretos, nem altas ambições. Esse dificilmente era o caso de Elizabeth.

Eduardo era um homem que precisava de muitas mulheres e ninguém poderia dizer que já não tivera seu quinhão. Ele precisava de Elizabeth... fria, calma, mãe de seus filhos; e precisava de uma Jane calorosa e amável; e era a Jane que recorreria em momentos como esse.

Jane soube imediatamente o que o atormentava. Ela não era estúpida e se interessava pelos assuntos do reino, pois afinal eles influenciavam sua vida. Soubera o que o julgamento de George significara para Eduardo e como ele tivera de se esforçar para dar a ordem de execução.

Jane agitou os cabelos de Eduardo; estava agindo maternalmente porque era disso que ele precisava. Instintivamente, ela sabia que Eduardo precisava ouvir que fora generoso e que tentara tudo para ajudar George. O que era a mais pura verdade.

- Quantos em seu lugar já teriam eliminado George há muito tempo? - inquiriu Jane, não pela primeira vez.

Jane assegurou-lhe que poucos teriam sido tão condescendentes. Ele perdoara Clarence repetidas vezes. Não havia seu irmão manhoso se juntado a Warwick e lutado contra ele? Eduardo perdoara-o na época, o que fora magnânimo.

Jane garantiu-lhe que ele fizera apenas o que era necessário para sua própria segurança e a de seu país.

Sim, era realmente relaxante estar com Jane. Tinha sorte em ter descoberto uma mulher como essa. Outros haviam tentado conquistá-la, Eduardo sabia. Entre os quais, seu enteado Dorset. Às vezes Eduardo pensava sobre eles. Dorset era muito bonito... e jovem. Ele era um rapaz cínico e inclinado à violência. Eduardo torcia para que Jane jamais cedesse a ele.

Hastings também tinha olhos para ela. Hastings era tão libertino quanto Eduardo. Haviam sido companheiros em muitas aventuras noturnas e ainda as perseguiam com o mesmo apetite... ou quase. Sim, Hastings certamente tinha um fraco por Jane. Estranhamente, achava que os sentimentos de Hastings eram parecidos com os seus. Ambos percebiam que havia uma coisa especial em Jane.

Pobre Hastings! Ele tivera de desistir de Jane. Eduardo deixara claro que não tinha a menor intenção de dividir sua amante.

Assim, ele se sentia melhor depois de passar algum tempo com ela.

Mas é claro que depois o tormento sempre voltava.

As semanas estavam passando. As pessoas não falavam mais com tanta frequência da morte do duque de Clarence e se perguntavam se ele caíra naquele barril de maltnsey ou fora empurrado.

com o tempo, até eventos como esse eram esquecidos.

Eduardo parou de pensar em seu irmão todas as manhãs quando acordava. Agora era só ocasionalmente que sentia um arrepio repentino e recordava ter condenado seu próprio irmão à morte. Clarence merecera, Eduardo lembrava a si mesmo. Ele tivera de morrer. Era Clarence ou um desastre. O país não estaria seguro enquanto Clarence vivesse.

Só havia uma outra coisa que o perturbava. Ele havia aprisionado Robert Stillington na Torre e tentara esquecer dele. Mas isso não era possível, claro. Ele precisava fazer alguma coisa sobre aquele homem.

E agora fazia três meses desde que ele fora aprisionado.

Eduardo decidiu que não poderia permitir que continuasse lá indefinidamente. Isso suscitaria perguntas. Stillington não era uma pessoa insignificante.

Foi num dia deslumbrante de junho que Eduardo cavalgou até a Torre e, entrando sem cerimónia, ordenou que fosse conduzido até a cela do bispo Stillington.

Quando chegou, o bispo levantou-se apressado; a esperança reluziu em seus olhos enquanto fazia uma mesura.

Robert Stillington era um homem ambicioso. Escolhera a Igreja não porque tivesse aptidão para o sacerdócio, mas porque poderia ascender através dele. Ele se revelara um homem capaz e isso lhe valera muitos benefícios. Era agora o bispo de Bath e Wells. Sendo um yorkista arraigado, durante algum tempo fora lorde chanceler, mas os lancasterianos haviam-no deposto do cargo ao voltar em 1470. Eduardo devolvera-lhe o cargo, mas Stillington pedira demissão alguns anos depois. Ainda assim, ele e Eduardo haviam trabalhado juntos em diversas ocasiões. Eduardo preocupava-se com os Tudors porque eles haviam alcançado a proeminência na causa lancasteriana, e ele particularmente suspeitava que Jasper tecera planos subversivos para a Bretanha. Jasper estava envelhecendo, mas tinha a seu lado o sobrinho Henry Tudor, e a forma como cuidara, educara e treinara o garoto, sugeria que tinha planos para ele.

Eduardo pensara em Henry Tudor. Sua mãe havia sido Margaret Beaufort, descendente de John de Gaunt e, obviamente, os Tudors diziam ter sangue real devido a essa conexão com a rainha de Henrique V Era um relacionamento misterioso. Alguns tinham certeza de que houvera um casamento; outros diziam que não. Mas em qualquer caso, era uma reivindicação muito fraca. Ainda assim, os Tudors eram uma dinastia poderosa, e Eduardo decidira que se sentiria mais tranquilo se Jasper e seu sobrinho Henry estivessem sob seus cuidados. Ele enviara Stillington para negociar com o duque de Bretanha para tirá-los daquele país e trazê-los para a Inglaterra. Porém, quando o velho Jasper descobrira o que estava acontecendo, escapara com seu precioso sobrinho. Todo aquele esforço fora em vão. Contudo, não fora culpa de Stillington.

Agora os dois olhavam um para o outro; Eduardo estudou o bispo intensamente.

- Então, bispo, o senhor passou a primavera aqui dentro.

- Exatamente, majestade.

- Foi merecido.

O bispo baixou a cabeça e não disse nada.

- O senhor proferiu palavras mal escolhidas para a pessoa menos indicada possível para ouvi-las.

- É verdade, meu rei.

- Meu irmão agora está morto.

Um arrepio quase imperceptível transpareceu no rosto de Stillington. Por Deus, pensou Eduardo, ele acha que eu vim matá-lo!

- Sou um homem piedoso, bispo - Eduardo apressou-se em dizer. - Concorda com isso?

- Majestade, ninguém foi mais piedoso para com o duque do que o senhor.

- Então, como ajo gentilmente com todos, como entendo suas falhas e às vezes as perdoo, há quem pense que provocar-me é divertido; afinal, eu nunca puno ninguém.

- Nunca pensei assim, majestade.

- E mesmo assim... mesmo assim...

Os olhos de Eduardo haviam começado a arder. Ele raramente ficava zangado, mas quando ficava, podia ser feroz. Stillington sabia disso e estremeceu.

O bispo se ajoelhou.

- Majestade, rogo seu perdão. Juro que nada mais passará pelos meus lábios novamente.

O rei ficou pensativo. Baixou os olhos para a cabeça do bispo e pensou naquela ocasião... não tanto tempo atrás. Ele podia ver a todos naquela salinha: Eleanor, tão desejável na época. Um prémio merecedor de todo aquele sacrifício. Virtuosa, bela... o tipo de mulher pela qual um homem precisa cometer sacrifícios. E ele não fora um rei naquela época. O bispo aconselhara-o dos riscos, este mesmo bispo. Um idiota pomposo, pensara Eduardo. O que os bispos sabem do amor?

E assim dera-se a cerimónia... aquela cerimónia fatídica que se fosse trazida à luz causaria danos muito graves. Seu casamento com Elizabeth não valera como casamento! Seu filho, o pequeno Eduardo, era um bastardo e isso valia para todos os seus filhos. Não, isso precisava ser impedido a qualquer custo. Clarence pagara com a vida. O segredo jamais ficaria seguro com Clarence. Ao relatar a Eduardo o que descobrira, Clarence assinara sua sentença de morte.

E agora o bispo... Mas o bispo não era Clarence. O bispo era um homem de bom senso. Ele dera com a língua nos dentes. Esse fora um erro fatal. Ele sabia disso agora. Três meses amargos haviam lhe ensinado a lição.

O bispo não cometeria esse erro novamente.

- Levante-se - ordenou Eduardo.

O bispo se levantou e Eduardo o fitou, impassível.

- Você agiu como um tolo, bispo. Concorda comigo?

- Concordo completamente, meu rei.

- Você e eu já fomos amigos.

- Majestade, acredito que ainda somos.

- Mas ainda assim tentou me prejudicar?

- Majestade, o que fiz foi sem pensar... eu sussurrei... eu falei. eu poderia cortar minha língua agora.

- E se tivesse a chance novamente ficaria em silêncio? Não falaria sobre esse assunto?

- Majestade, juro que não.

Seguiu-se um silêncio que, para o bispo, pareceu durar muito tempo.

Finalmente, o rei disse:

- Acredito em você, Stillington. Pagará uma fiança e será libertado.

Eduardo deu um passo na direção do bispo e, pousando a mão em seu ombro, baixou os olhos para fitá-lo

de sua grande altura.

- Meu amigo, como você sabe que tocar naquele assunto de novo lhe fará tanto mal, jamais fará isso. É por causa disso que vou libertá-lo... sob uma fiança, que não será pequena. Acredito, bispo, que você será tão útil para mim como foi antes desse incidente infeliz. Jamais esqueça que um mestre menos piedoso teria tirado a sua vida.

- Vossa majestade é um homem bom e como todos os grandes homens, conhece a piedade.

- Isso é verdade. Agora preciso me despedir de você, bispo. Prepara-se para partir. vou dar a ordem.

Dito isso, Eduardo deixou-o.

Ao sair para o ar fresco, Eduardo ainda estava sorrindo. Pusera um fim naquele assunto. Stillington não lhe causaria mais problemas. Agora ele podia esquecer aquele assunto de uma vez por todas.

Se ao menos pudesse banir George de geus pensamentos, Eduardo poderia ser um homem feliz.

MORTE EM WESTMINSTER

Aqueles eram bons tempos. Eduardo podia parabenizar-se. Quando subiu ao trono, o país estava num estado de desordem. Ele levara a Inglaterra à prosperidade. Eduardo era forte; ao mesmo tempo, era surpreendentemente afável. Sua beleza extraordinária sempre o destacava. Ultimamente, perdera a glória dourada da juventude. Engordara, mas sua grande altura ajudava a disfarçar isso e, sob certo aspecto, seu corpanzil tornavao mais impressionante do que nunca. Ele exercia respeito sobre seus súditos, que sempre o amavam apesar dos impostos que cobrava.

Ele parecia um rei; comportava-se como um rei; e era isso que as pessoas queriam.

Não havia dúvida de que o país recobrara seu amor-próprio através dele. Ele tinha uma bela esposa. Era verdade que o povo não gostava dela por causa de sua arrogância e do fato de ser "malnascida"; mas todos admitiam que era muito bonita e que cumprira seu dever gerando uma bela família.

Eles tinham agora sete crianças vivas. George nascera nos últimos dois anos. Um belo rei, uma linda rainha e um grupo de crianças que incluía Eduardo, o príncipe de Gales e sucessor do rei - sucessão essa que o povo torcia para que ainda demorasse muito e só acontecesse quando o jovem Eduardo fosse um homem maduro -, o pequeno Richard, duque de York, que recentemente casara-se com Anne Mowbray, e agora o pequeno George, com apenas um ano de idade. Uma escolha infeliz de nome, talvez, pois recordava o outro George que morrera tão misteriosamente na Torre Bowyer. Mas as famílias reais sempre favoreciam determinados nomes, e George era um deles.

À medida que os meses passavam e a sombra de Clarence se dissipava, a felicidade de Eduardo aumentava. Ele tinha um grande desejo que ainda não fora satisfeito, que era ver sua filha mais velha tornar-se Dauphine da França. Esse seria o casamento ideal. A paz nasceria entre os dois países, e com uma inglesa princesa da França, todos teriam de admitir que o rei fora sábio quando preferira findar as disputas através de alianças em vez de com guerras destrutivas. Mas Luís estava prevaricando e sempre havia alguma razão para que ele não pudesse mandar buscar a princesa. Agora estava dizendo que precisava chegar a alguma solução em seu desacordo com Borgonha antes que os planos para o casamento pudessem prosseguir.

Eduardo aguardou tranquilo. Ele era mais independente que qualquer outro rei inglês fora em muito tempo. Devia isso ao que considerava sua diplomacia habilidosa na França. Que outro rei teria sido tão sagaz a ponto de levar um exército poderoso para a França e voltar com uma pensão e nenhum derramamento de sangue? Aquelas cinquenta mil coroas eram uma prova de sua sagacidade. Elas haviam comprado sua independência; elas haviam mantido sua receita em ordem, possibilitado-lhe não impor impostos muito pesados a seu povo. Assim, ele pudera se desvencilhar das teias que os barões gostavam de tecer em torno dos reis. Geralmente os barões tinham muito poder porque os reis pediam-lhes muito dinheiro; mas isso não acontecia no reinado de Eduardo.

Ele sempre fora uma espécie de mercador. Talvez fosse por causa disso que gostava tanto de se misturar com eles. Ele se interessava não apenas por suas esposas, mas também por seus negócios. Aprendera muito sobre a exportação de lã bruta e sua transformação em tecido, e procurara tornar o tecido inglês o melhor do mundo. E havia sido bem-sucedido nessa empreitada.

Eduardo estava no auge de seu poder. Ele era o sol glorioso que a casa de York mostrava em sua bandeira. Uma das maiores razões para que Eduardo fosse tão amado por seus súditos era que se interessava genuinamente pelo povo. Ele amava profundamente o seu povo. Podia falar com eles com facilidade; podia mover-se entre eles vestido como mercador para que não percebessem sua identidade. Sabia conversar com os plebeus sobre as dificuldades dos negócios e quando descobriam que haviam tido uma conversa com o rei, passavam a ser-lhe fiéis para sempre.

Eduardo tinha o raro poder de fazer o povo identificar-se com ele. E como ao mesmo tempo era tão esplêndido, tão magnificamente dedicado aos eventos de Estado, e tão belo - mesmo agora quando estava corpulento e mostrando as marcas de uma existência leviana -, podia manter esse dom até o dia em que morresse.

Eduardo podia olhar para os últimos dez anos desde que fora restituído ao trono e dizer:

- Trabalhei bem. Dei ao meu povo o que ele queria.

Mas ele não se poupava. Continuava a desfrutar de amantes, boa comida, vinhos finos e roupas esplêndidas. Vivia como um rei; e as pessoas queriam que vivesse assim.

A rainha estava feliz com o estado das coisas. Que o rei tinha suas amantes ela sabia há tempos. Ele retornara aos seus antigos modos promíscuos logo depois de seu casamento. Sua sábia mãe dissera-lhe que aquilo era algo que ela devia aceitar, e Elizabeth aceitara. Não era na alcova que encontrava os prazeres de seu casamento. Elizabeth gostava de ver suas súditas ajoelharem-se ao se dirigirem a ela; gostava que todos lembrassem, a cada momento do dia, que ela era a rainha. Sua alegria fora ver sua família ascender até se tornar a mais importante da Inglaterra. Todos os postos importantes - ou quase todos - eram agora detidos por Woodvilles. Contavam-se muitas piadas a respeito disso na corte. Diziam que agora os Rivers - os rios - estavam transbordando. Que contassem piadas! Quem se importava com o que diziam? Seus irmãos haviam se tornado ricos e poderosos, e os lordes e as damas invejosos que perderam seu espaço podiam olhar para eles e trincar os dentes, se isso lhes servia de consolo.

Como o rei, a coisa que Elizabeth mais queria agora era ver o casamento de sua filha mais velha com o delfim. Madame Ia Dauphine seria um dia rainha da França. Ela própria rainha da Inglaterra, sua filha rainha da França-o que mais Elizabeth podia querer?

A morte de Clarence trouxera-lhes a paz.

Eles também deviam algo a Richard, o irmão de Eduardo. Richard mantinha a ordem no norte com eficiência constante. Eduardo costumava comentar o quanto se sentia aliviado por ter alguém digno de confiança lá em cima. Quando ele pensava em Clarence-o que ainda fazia com frequência -, também pensava em Richard. Era o contraste entre os dois que trazia Richard à sua mente. Eduardo costumava dizer com seus botões: Como a minha vida teria sido diferente se eu tivesse sido abençoado com outro irmão como Richard!

Eduardo percebera que, desde a morte de Clarence, Richard vinha à corte muito raramente. Ele sempre arranjava desculpas para permanecer no norte. Seria por causa da morte de George? Eduardo sabia que era. O que um homem com o código de honra rígido de Richard teria achado da eliminação de um irmão? Era difícil dizer. Richard tinha todas as características necessárias para um regente, e decerto compreendia que a morte de um homem era um preço pequeno para impedir o derramamento do sangue de centenas. Sim, Richard certamente compreendia.

Mas não gostava disso. A execução de Clarence deixara-o chocado. Eduardo não podia esquecer que, devido à sua proximidade em idade, Richard fora criado muito mais chegado a George do que ele, Eduardo.

Eduardo precisava esquecer Clarence.

Assim, Richard estava lá no norte, mantendo a fronteira segura, sempre de olho nos escoceses. Tinha alguns bons homens a seu lado. Não era majestoso como seu irmão, mas tinha um dom para manter a fidelidade de seus aliados-e que aliados... homens como Francis Lovell, o amigo que ele conhecia desde que os dois eram meninos, lorde Scrope e Richard Ratcliffe.

Além disso, Richard também estava mais feliz lá em cima. Richard sempre estava mais feliz no norte rústico, como Eduardo costumava dizer-lhe de brincadeira. Ele preferia os modos rústicos dos nortistas aos modos pomposos dos sulistas. Um era honesto, dizia Richard; o outro, longe disso. Eduardo ria dele. Eduardo podia adaptar sua personalidade para se adequar a qualquer tipo de homem. Isso era algo que Richard jamais poderia fazer.

Eduardo realmente conduzira a Inglaterra a um bom momento, porque, embora tivesse se interessado pelo comércio, não negligenciara as artes. Sua corte estava cada vez mais luxuosa. Eduardo adquirira algumas das obras de arte mais belas na Europa; só a sua prataria valia uma fortuna; possuía conjuntos de tapeçarias que narravam histórias do passado - Nabucodonosor, Alexandre o Grande e personagens bíblicos; era um cliente constante das ourivesarias de Londres, que mostravam todas as suas melhores peças primeiro ao rei.

Ele começara a construir um nova capela em Windsor, que estava chamando de Capela de St George, e que, segundo seus planos, deveria exceder - ou, pelo menos igualar-o esplendor dos edifícios de Cambridge, construídos por seu antecessor. Ele reunira alguns dos melhores livros do mundo e estava construindo uma biblioteca magnífica. Tinha monges em Bruges trabalhando em manuscritos, porque ele amava a arte flamenga. Trouxera William Caxton para a Inglaterra. Ele conhecera Caxton durante a estada forçada na corte de sua irmã, a duquesa de Borgonha, e expressara grande interesse pela arte da impressão. Na época do exílio de Eduardo, Caxton estivera trabalhando numa tradução de Recueil dês histoires de Troyes, e como houvera uma demanda grande por exemplares, ele aprendera a arte da impressão, através da qual poderia produzir em quantidade maior. Alguns anos antes, Eduardo o persuadira a vir para a Inglaterra, onde imprimiu The Dictes and Sayings of Philosophers. Depois disso ele imprimira outros livros e Eduardo dissera-lhe que ele sempre seria bem-vindo na corte.

Assim, o rei tinha razões de sobra para ser feliz. Aqueles eram bons anos. O sol estava alto no céu; o rei em todo seu esplendor reinava sobre um país bem-aventurado e próspero.

A rainha estava grávida novamente. Elizabeth paria com facilidade e, apesar de suas gestações contínuas, continuava bela como sempre. Ela parecia possuir algum poder especial para permanecer jovem. Não era de admirar que as pessoas dissessem que ela era uma bruxa.

Naquela primavera, como se para compensar as inúmeras bênçãos que haviam agraciado o país, chegaram a Londres relatos de que a peste disseminara-se em vários portos. As pessoas jamais esqueciam a terrível Peste Negra que varrera a Europa, ainda que isso tivesse acontecido mais de cem anos antes. Desde então ocorriam pequenos surtos, e todos tremiam à simples menção de que o flagelo maldito ameaçava retornar.

Eduardo e Elizabeth haviam partido para Windsor, onde o rei estava concentrado no trabalho em sua capela. Mas uma atmosfera melancólica pairava na corte. Até mesmo Eduardo sentia-se afetado por ela. Ele também pensava na Peste Negra e temia que tudo que construíra desde sua volta ruísse, caso essa doença se espalhasse como fizera no século anterior.

Mas tal não aconteceu. Em primeiro lugar, durante aquela época terrível eles haviam aprendido que a peste viera do exteriorassim, a primeira medida a ser tomada era fechar os portos. Qualquer inconveniência que isso causasse era trivial se comparada a ter uma epidemia devastando o país.

Eduardo apressou-se em isolar áreas infectadas e logo a peste começou a declinar.

O pequeno príncipe George começou a enfraquecer. Aparentemente não havia motivo para isso. Sua mãe dispensou-lhe todos os cuidados, receando que ele estivesse sofrendo de alguma forma nova da peste. Os médicos cuidaram do menino noite e dia, mas não conseguiram salvá-lo.

Foi um dia muito triste aquele em que o pequeno príncipe morreu. Elizabeth ficou profundamente deprimida. Por mais fria e calculista que fosse a rainha, ela amava os filhos e não podia suportar a perda de um deles.

Eduardo fez de tudo para confortá-la. Lembrou-a de que eles tinham seis crianças saudáveis e em breve teriam mais. Deus abençoara a bela Elizabeth, que era fecunda como as melhores terras de seu rei.

Elizabeth buscou conforto nos preparativos para o nascimento de seu próximo bebé.

Foi uma menina, a quem chamaram Catherine.

O rei declarou estar maravilhado com a filha. Segundo as enfermeiras, ela tinha um bom par de pulmões, e isso sempre era o melhor sinal.

Apesar da breve visita da peste e da morte do pequeno George, os bons tempos pareciam ter chegado para ficar.

A irmã do rei, Margaret, duquesa viúva de Borgonha, anunciou que iria visitar o irmão. Eduardo estava felicíssimo, não apenas porque amava muito sua família e adoraria rever a irmã, mas porque acreditava que ela podia ter alguma proposta a apresentarlhe. Margaret era astuta, e a situação na França estava complicada.

A Inglaterra era aliada de Borgonha-havia sido por esse motivo que Margaret casara-se com o duque - mas desde o tratado de Eduardo com Luís, quando ele recebera sua pensão e sua filha noivara com o delfim, processara-se uma mudança sutil.

Margaret fora de valor inestimável para Eduardo enquanto ele estivera no exílio. Ela lhe fora importante como irmã e muito mais. Havia sido Margaret quem mantivera firme a aliança entre Borgonha e a Inglaterra enquanto o duque estava vivo. Mas depois que o duque morrera e deixara Margaret sem filhos, a filha do duque, Mary, tornara-se a duquesa de Borgonha e a herdeira mais rica da Europa. Nessa época Clarence tentara conseguir sua mão em casamento e Margaret - que dentre todos os membros da casa de York era aquela que mais prezava sua família - fizera tudo a seu alcance para possibilitar essa união. Á rainha tentara garantir a mão de Mary para seu irmão conde Rivers, mas, obviamente, isso não fora levado a sério. Uma das razões por que Clarence odiara tanto seu irmão era porque Eduardo parecera apoiar a proposta de Rivers enquanto se recusara a ajudar a de Clarence. Isto pareceu a Clarence o ápice da deslealdade familiar, embora ele pudesse ter deduzido que Eduardo apenas fingira ajudar Rivers para satisfazer a rainha; afinal, Eduardo sabia que a ideia de uma união entre a herdeira dos Borgonhas e Rivers seria ridicularizada.

Quanto a Mary de Borgonha, ela declinara ambas as propostas de casamento dos ingleses. Tempos depois, casara-se com Maximiliano, filho do duque da Áustria e imperador do Sacro Império Romano.

Eduardo estava determinado a entreter sua irmã luxuosamente. Nunca esquecera do que Margaret fizera por ele durante o seu exílio. Assim, preparou uma série de entretenimentos para sua diversão. Ele enviou a esquadra até Calais para escoltá-la à Inglaterra, e ela logo descobriu que essa esquadra estava sob o comando de um parente da rainha, sir Edward Woodville. Ele estava vestido esplendidamente em veludo púrpura e azul para a ocasião. Um Woodville, claro!, pensou Margaret. Eduardo comportara-se como se enfeitiçado por essa mulher; agora, todo o clã Woodville parecia mante-lo sob rédeas. Seu irmão George contara-lhe sobre isso, deplorando esse comportamento como indigno para um rei.

- Os Woodvilles antecedem os Yorks na preferência do rei, minha irmã - dissera George.

E aparentemente era verdade; Eduardo realmente ousara sugerir Rivers para sua enteada. Ele não devia estar falando sério, claro, mas ainda assim fizera a sugestão... para agradar sua rainha, com toda certeza.

Bem, ela logo veria com os próprios olhos, e pelo menos a recepção fora gratificante.

Ela foi escoltada a Londres e hospedada em Cold Harbour, uma casa perto da Torre e tão próxima do rio que a água batia em suas paredes. A família estava lá para recebê-la. Richard viera de Middleham, embora sua esposa não o acompanhasse. Pobre Anne Neville; era uma criaturinha adoentada, mas, ainda assim, Richard parecia feliz com ela. Houve outra ausência dolorosa: seu irmão Clarence.

Eduardo estava um pouco nervoso. Margaret expressara muita tristeza e preocupação com a morte de George. Por mais estranho que pudesse parecer, George sempre fora o parente favorito de Margaret. Ela sempre o apoiara. Embora tivesse deplorado sua atitude em passar para o lado de Warwick contra Eduardo, Margaret fizera tudo ao seu alcance para reunir os irmãos. Achava antinatural que irmão lutasse contra irmão, e o fato desses irmãos pertencerem à Casa de York era completamente inaceitável. Eduardo acreditava que fora graças aos apelos contínuos de Margaret que Clarence voltara para ele.

E agora Clarence estava morto... condenado à morte pelo próprio irmão! Eduardo temia que isso causasse uma rixa entre ele e Margaret; afinal, ela jamais entenderia seus motivos.

Margaret dispensava muito afeto à sua família. Dava-lhe imenso prazer estar com seus familiares.

Ela parabenizou Eduardo pelo que ele fizera pela Inglaterra. Ele levantara o país do estado problemático em que vivera durante o reinado do pobre e fraco Henrique. Aquilo era um triunfo para a Casa de York.

Ela obviamente queria falar a sós com Eduardo, mas demorou muito até que isso fosse possível. Ela mencionou Clarence imediatamente.

- Foi um golpe amargo quando soube - disse ela. - Não consegui acreditar.

- George foi o mais desencaminhado dos homens - replicou Eduardo.-Foi uma tragédia... uma tragédia inevitável, temo.

Margaret conseguia entender aquilo. Podia aceitar que George quisesse a coroa e, ainda que o amasse intensamente, até ela precisava concordar que ele jamais teria governado o país com a mesma competência que Eduardo. Mas era difícil esquecer o irmãozinho que ela sempre considerara encantador.

De nada valia conversar sobre George. Ele chegara a um fim indigno e nada poderia trazê-lo de volta. Ele fora imprudente, tolo e perigoso, e por causa disso tivera de morrer.

Havia mais uma coisa que conseguia entender. Era um novo Eduardo, esse de pé a sua frente. Ele endurecera um pouco. Era natural, com a vida que levava, com tantas responsabilidades sobre os ombros. Não que estivesse abatido. Ainda possuía os mesmos modos calmos, o mesmo charme. Estava gordo, claro, embora sua altura disfarçasse um pouco o peso excessivo. Mas isso podia não fazer-lhe bem. Ela soubera que, embora trabalhasse com afinco para seu país todos os dias, Eduardo entregava-se aos seus prazeres à noite, e que possuía incontáveis amantes para satisfazer seu apetite sexual voraz. Além disso, como seu corpo evidenciava, Eduardo era um glutão.

Era um connoisseur de vinhos e podia identificar os melhores com um único gole.

Era maior que a vida, esse seu irmão. Mas talvez fosse assim que os homens imaginassem um rei.

Primeiro ela conversou com Eduardo sobre as necessidades de seu país no setor de exportação. Ela queria licença para exportar gado e ovelhas para Flanders, e queria exportar lã com isenção de impostos. Eduardo gostava desse tipo de conversa; ele sabia exatamente do que estava falando. Era um mercador tão bom quanto qualquer um de seus súditos. E por causa de Clarence - porque quis acalmar Margaret e apagar aquele brilho reprovador em seus olhos que surgia sempre que Clarence era mencionado - Eduardo concedeu as licenças.

Mas esse não era o principal propósito de sua visita. O que ela queria realmente era ajuda contra o rei da França.

- Eduardo, você sabe que Luís tem uma única ambição. Ele quer Borgonha de volta para a coroa da França.

- É uma ambição compreensível, Margaret. Sempre pareceu uma aberração que Borgonha e França guerreassem entre si.

- Borgonha não irá se submeter à França. Há muita inimizade entre nós.

Eduardo assentiu. Ele estava pensando: Como posso ajudála? Como posso me posicionar contra Luís agora? Eu recebo sua pensão. Além disso, a pequena Elizabeth está prometida ao delfim.

Por outro lado, Eduardo tinha interesse em manter Borgonha e França com as mãos na garganta um do outro. Essa controvérsia entre eles fora valiosa para os ingleses quando estavam tentando conquistar a França, o que teriam conseguido se uma simples plebeia francesa não tivesse liderado os franceses na vitória mais miraculosa de que se tem notícia.

Isso fora há muito tempo. O quadro mudara. Eduardo não tinha qualquer desejo em combater a França. Gostava das coisas como estavam. Ele recebia uma pensão de Luís... o que poderia ser melhor? Enquanto Luís estivesse pagando esse dinheiro e mantivesse Eduardo sem dívidas, ele estaria satisfeito. Ou estaria quando sua filha fosse a Dauphine da França.

- Você não pode confiar em Luís - insistiu Margaret.

- Aprendi a não confiar em ninguém - disse Eduardo com um sorriso amargo.

Ele estava pensando em como poderia recusar o pedido da irmã sem dizer realmente o que pretendia fazer. Ele decerto não ajudaria Borgonha a lutar suas guerras. Estava em paz com o rei da França e era bem pago por essa paz. Ele deixaria a situação assim. Claro que não seria fácil dizer isso a Margaret. Ela o ajudara antes e esperava contar com sua ajuda quando necessário. Eduardo teria de falar furtivamente sobre o assunto, sem dizer que não iria ajudar... mas o tempo inteiro tencionando não fazê-lo.

- Então, Eduardo, o que me diz?

- Minha cara, esse é um assunto que preciso discutir com meus ministros.

- Sinto que é você quem toma as decisões.

- Numa questão como esta... - Ele sorriu para ela. Entenda, minha querida, a Inglaterra conhece a paz há algum tempo. O povo aprendeu a valorizar a paz...

- Então você não ajudará a Borgonha.

- Minha querida, preciso pensar mais nesse assunto. Entenda, eu tenho um acordo com Luís. Minha pequena Elizabeth está prometida ao delfim.

- E você pensa que Luís honrará suas promessas?

- Até aqui é o que tem feito.

- Entendo - disse Margaret. - Você está cometendo um erro, Eduardo. Verá o que acontece quando se confia no rei da França.

Eduardo encolheu os ombros e sorriu para ela.

Margaret não nutria nenhuma esperança. Ela conhecia seu irmão. Eduardo sempre queria agradar, motivo pelo qual não lhe dissera não diretamente. Eduardo gostava demais de sua boa vida; gostava da pensão que recebia; gostava de ver o comércio inglês crescer, seu país prosperar. Ele poderia ter-lhe falado tudo isso, mas, sendo Eduardo, não fora capaz de negar-lhe diretamente. Ainda assim, ninguém poderia ser mais firme do que Eduardo depois que tomava uma decisão; Margaret não seria enganada por seus sorrisos e palavras cândidas.

Margaret concluiu que sua jornada fora em vão.

Ela repetiu:

- Você está cometendo um erro grave ao confiar em Luís.

Mais tarde, Eduardo lembraria das palavras da irmã.

Num dia nublado de novembro, a rainha deu à luz uma filha. Ela foi batizada como Bridget na capela de Eltham, numa cerimónia tão esplêndida quanto qualquer outra realizada para seus irmãos e irmãs. Quinhentas tochas foram carregadas por cavaleiros, e muitos dos nobres da terra compareceram à cerimónia. O conde de Lincoln carregou o sal, lorde Maltravers ficou ao lado da condessa de Richmond, que segurou o bebé usando sobre o seio esquerdo um esplêndido broche de ouro em comemoração ao acontecimento. O marquês de Dorset, filho mais velho da rainha por seu primeiro casamento, ajudou a condessa de Richmond com o bebé; e a mãe do rei, a velha duquesa de York, e sua filha mais velha, Elizabeth, foram as duas madrinhas da criança.

A cerimónia começou e as tochas foram acesas. O pequeno duque de York e sua esposa, Anne Mowbray, acompanhados por lorde Hastings, foram as testemunhas. Depois que o bebé foi carregado até o altar, os convidados apresentaram seu presentes, todos caríssimos. Durante a procissão até o palácio real, os presentes foram carregados pelos cavaleiros e lordes à frente da princesinha.

No palácio, a rainha - um pouco lânguida, mas tão bela quanto sempre - aguardava o rei para receber os participantes da cerimónia.

O bebé foi levado ao berçário e a companhia circulou o rei e a rainha. A beleza e a boa saúde do bebé foram comentadas incansavelmente. O rei assistiu a tudo isso sentado em seu trono. Ele estava um pouco pensativo naquele dia. Talvez fosse o nascimento de outra criança, logo depois da morte do pequeno George, que o deixava assim. Ele tinha uma premonição de que aquele seria o último filho que ele e Elizabeth teriam. Estavam com oito agora - todos belos, crianças dignas de orgulho. Seu filho piais velho seria rei quando ele morresse; sua filha mais velha, Elizabeth, seria rainha da França. Ele tinha do que se orgulhar.

Como em toda reunião desse tipo, havia uma presença maciça de Woodvilles. Elizabeth sempre procurava garantir isso, mas, em todo caso, eles agora detinham todas as posições principais no país. Ele fora fraco nesse ponto... deixando que Elizabeth o controlasse. Mas gostava dos Woodvilles; eles eram bonitos e encantadores; bajulavam-no abertamente, e Eduardo, claro, adorava ser bajulado. Dorset, seu enteado, era um garanhão que ousava flertar até mesmo com Jane Shore, mas Eduardo apreciava a companhia de Dorset. Hastings estava presente - o velho e querido William, bom enfiei amigo desde os dias de sua juventude. Que aventureiros eles haviam sido naquela época, competindo um com o outro, comemorando juntos todas as conquistas.

De repente, Eduardo ficou um pouco preocupado. Hastings jamais disfarçara o fato de que deplorava a ascensão dos Woodvilles. Elizabeth odiava Hastings. Richard, que não estava presente hoje, não gostava dos Woodvilles e jamais aceitara de fato Elizabeth. Richard era polido e fazia tudo que se esperava dele, mas por baixo da cortesia havia suspeita e desconfiança. E Elizabeth e sua família também não morriam de amores pela maioria das casas principais da Inglaterra. Não era para menos: os Woodvilles ainda eram chamados de novos-ricos.

Pela primeira vez, Eduardo pensou em morte... em sua própria morte. Ele se perguntou o que teria colocado esse tipo de pensamento em sua cabeça. Seria o nascimento de uma nova criança? Ver o pequeno Richard com sua esposa Anne Mowbray-dois bebés e pensar em Eduardo em Ludlow, cercado por uma corte composta inteira de Woodvilles? Seria ele capaz de seguir seus passos? Ainda não. Ainda faltavam muitos anos para que isso acontecesse. O jovem Eduardo não era tão forte quanto seus pais gostariam. Tinha alguma deficiência que afetava seus ossos, impedindo que algum dia alcançasse a mesma altura do pai. Eduardo sabia como sua grande altura o ajudava a impressionar as pessoas.

Mas por que pensar nessas coisas num dia como aquele?

Ali estava Elizabeth, parecendo não muito mais velha do que naquele dia em que ele a vira na floresta, embora muito mais régia, claro, mais acostumada às homenagens prestadas à realeza. Eles poderiam ter ainda outros meninos. Mais meninos saudáveis para suceder os jovens Eduardo e Richard.

Então seus olhos pousaram na condessa de Richmond. Margaret Beaufort era uma mulher bonita, talvez um ano mais jovem que ele. Era casada agora com SÍT Henry Stafford, mas ainda chamava a si própria de condessa de Richmond - título que adquirira através de seu casamento com Edmund Tudor.

Os Tudors sempre irritaram Eduardo. Eles haviam sido bons guerreiros, mas sempre adversários da Casa de York. Naturalmente, eles se consideravam os herdeiros legítimos da rainha Katherine e meio-irmãos de Henrique VI. Eles provavelmente eram. Era possível que tivesse havido um casamento entre a rainha Katherine e Owen Tudor. Então, é claro, a própria Margaret Beaufort era filha e herdeira de John Beaufort, filho mais velho de John de Gaunt e Catherine Swynford.

Eduardo questionou sua sensatez ao permitir que Margaret entrasse na corte. Ela sempre fora quieta e nunca mostrara qualquer desejo de fazer qualquer coisa além de servir seu soberano. Mas tinha um filho, nascido de seu primeiro casamento com Edmund Tudor. No momento ele estava refugiado, juntamente com seu tio Jasper.

Por algum motivo, não era muito confortador pensar nos Tudors em liberdade. com toda certeza, eles não ousavam considerar nem por um segundo que detinham qualquer direito ao trono! Não, isso seria um absurdo. Mas havia alguma coisa neles... uma determinação de propósito... algum tipo de aura. Owen possuíra essa qualidade, e a mantivera até o momento de sua execução na praça de Hereford. Ele fizera uma saída galante.

Eduardo lembrou como uma mulher enxugara o rosto e penteara os cabelos de sua pobre cabeça decepada.

Um pensamento insidioso despontou em sua mente. Cuidado com os Tudors.

E então esse pensamento se foi, substituído por uma deliciosa sensação de bem-estar.

A vida era boa. Tudo corria bem na Inglaterra. O rei da França não ousava fazer nada além de enviar sua pensão anual e, muito em breve, mandaria chamar a filha mais velha do rei para desposar o delfim e futuro rei da França.

Esses eram os pensamentos apropriados para uma ocasião como aquela. No nascimento de uma filha ele deveria pensar nas perspectivas gloriosas que o futuro apresentava.

Dois anos pacíficos se passaram. O rei ficou um pouco mais gordo, as bolsas debaixo de seus olhos tornaram-se um pouco mais definidas e sua pele adquiriu uma coloração ligeiramente mais escura; sua energia estava infatigável, como sempre. Ele ainda ocupava-se com as questões de Estado e comércio com uma habilidade surpreendente e, ao mesmo tempo, passava as noites em exuberante luxúria.

Suas aventuras sexuais talvez tivessem diminuído um pouco em quantidade. O rei tinha três amantes agora. Elas eram as mais belas, inteligentes e pias, conforme ele declarava, rindo; e se sentia claramente satisfeito com todas elas. Não que tivesse desistido dos encontros eventuais, mas ele não saía mais disfarçado como nos tempos de juventude. Hastings e Dorset ainda eram seus companheiros; e cada um deles tinha uma reputação quase tão má quanto a sua.

Mas o povo continuava a amá-lo. Eles não queriam um monge. Já haviam tido um rei assim e ele se chamara Henrique VI. Eduardo segurava as rédeas do reino com mãos firmes. Estava conduzindo a Inglaterra num ritmo estável rumo à prosperidade, e todos compreendiam agora que seus métodos eram muito melhores que os dos outros reis. Eles haviam sido grandes conquistadores, mas o que acontecia com a conquista depois que o conquistador morria? Alguns outros reis haviam perdido suas batalhas, caso de João, Eduardo II e Henrique VI. O que acontecera com as vitórias de seus predecessores quando eles estavam no poder? Elas haviam sido perdidas, gastas; era como se nunca houvessem existido. Mas o comércio de lã podia prosperar; um monarca que conseguira fazer o rei da França apoiar seu país, e dessa forma aliviar seu povo de impostos exorbitantes, era um grande regente.

Haviam ocorrido dois incidentes tristes. O primeiro foi a morte da pequena Anne Mowbray. Richard, duque de York, tornara-se um viúvo de oito anos. A menininha não chegara aos dez anos e estava na casa da rainha em Greenwich quando morreu. Elizabeth ficara muito triste com a morte da menina; ela amava a pequena e sempre achara encantador vê-la junto com Richard. A criança foi sepultada na Abadia de Westminster. Contudo, era uma felicidade que as posses que legara ao jovem marido fossem permanecer com os Woodvilles, porque ela morrera antes de Richard e eles obviamente não tinham filhos.

Assim, a despeito da morte da criança, o pequeno duque de York lucrara muito com seu casamento. Era isso que Elizabeth mais gostava de ver: as posses mais cobiçadas do reino caindo nas mãos de sua família.

A família real sofreu outro golpe quando a princesa Mary morreu depois de uma doença breve. Mary estava com quase dezesseis anos e seus pais planejavam para ela um casamento com o jovem Cristiano, o rei da Dinamarca, quando a moça desenvolveu uma doença que a deixou mais fraca a cada dia.

A rainha foi tomada por imensa dor. Sua filha Margaret morrera cerca de dez anos antes; ela estivera com eles apenas durante oito meses, e isso já fora difícil de suportar, mas perder uma filha que estava com eles há quase dezesseis anos e que fora saudável até agora, era um golpe bem mais duro.

Eles a enterraram em Windsor e o príncipe de Gales compareceu à cerimónia como pranteador principal. Elizabeth sentia-se um pouco confortada ao pensar em suas outras filhas, principalmente na mais velha, Elizabeth, que agora era conhecida na família como Madame Ia Dauphine.

Mas desde a morte de Clarence havia paz nos círculos da corte pelo menos externamente; embora existisse um ressentimento entre as famílias nobres e os Woodvilles, isso raramente se mostrava ao rei. Era o que Eduardo queria. Ele jamais perdera o desejo de virar o rosto para qualquer coisa desagradável, como se, ignorada, essa coisa deixasse de existir.

Richard era uma grande bênção. Eduardo jamais deixaria de ser grato por ter tirado de seus ombros seus problemas do norte, passando-os para alguém tão habilidoso quanto seu irmão.

A Escócia fora um espinho no pé de cada rei inglês. A paz reinava durante algum tempo e então estourava a guerra. Era assim que acontecia há séculos e sempre aconteceria, a não ser que alguma solução pudesse ser encontrada e os dois povos finalmente conseguissem viver pacificamente lado a lado. Alguns anos antes, Eduardo concordara com um casamento entre sua filha Cecily e o duque de Rothesay, filho de Jaime III; e ele vinha pagando prestações anuais do dote desde então, fato que agradava aos escoceses. Além disso, como Elizabeth estivera muito ansiosa por encontrar uma princesa real para seu irmão que enviuvara, uma união foi arranjada entre a irmã de Jaime, princesa Margaret, e o conde Rivers.

Ainda assim, os problemas persistiam: ataques através da fronteira, pilhagem de cidades inglesas, estupro de mulheres e fuga com saques. Nem mesmo Richard podia estar em toda parte ao mesmo tempo.

Durante a última visita de Richard à corte, ele e Eduardo haviam conversado longamente sobre o irmão mais novo de Jaime, o duque de Albany.

- Como outros irmãos mais novos, ele está ansioso para tomar o trono - disse Eduardo, tristemente. Olhou com afeto para Richard. - Há pouca lealdade no mundo.

Richard olhou fixamente para o irmão.

- Você sempre poderá confiar em mim-disse com firmeza.

- Sei disso - garantiu Eduardo, esticando a mão e segurando a do irmão. -Nunca esquecerei disso. Foi sempre o maior conforto para mim e sempre será... até o fim de meus dias.

- Por favor, não fale desse fim. Você é o rei que a Inglaterra precisa, Eduardo, este país não pode passar sem você. Portanto, rogo que não fale sobre nos deixar.

- Ultimamente esse pensamento surge de vez em quando em minha cabeça.

- Então o afugente. Eduardo riu.

- Você conhece bem a minha natureza. Sim, eu afugento esse pensamento, Richard, porque ele me alarma.

- Não é preciso alarme. Você goza de boa saúde.

- Sim, sempre fui saudável. De vez em quando sou afligido por algum distúrbio. Isso é natural, suponho. Preciso viver até que Eduardo tenha idade para governar.

Richard parecia inquieto.

- Torçamos que ele venha a ser um sucessor digno de seu pai.

- Você fala com dúvida.

- Seria difícil para qualquer um equiparar-se a você, Eduardo, e o príncipe estará... cercado por seus parentes da parte da mãe...

Eduardo soltou uma gargalhada.

- Meu querido irmão, você nunca gostou de meu casamento, não é verdade? Você é muito leal para se opor a mim, claro, mas você e Elizabeth nunca foram os melhores amigos, encaremos os fatos.

- Ela é muito bonita e deu a você e ao país alguns herdeiros lindos. Ela também soube estabelecer sua família muito bem... bem até demais.

- Às vezes acho que é por causa de Elizabeth e sua família que você permanece tanto tempo no norte.

- Tenho deveres lá.

- Você me lembra da Escócia, e esse é um lugar que prefiro não lembrar. Mas você é feliz lá no norte.

- Fui criado lá. Middleham foi minha casa durante muito tempo- Anne a ama. É a casa dela também. Lá vivemos afastados das cerimónias da vida da corte, como uma modesta família nobre.

.- De certo modo, Richard, você é o rei do norte.

- Eu o guardo para você.

- E faz isso muito bem. É um ótimo administrador. Quero que me prometa uma coisa, Richard. Se eu me for antes do jovem Eduardo estar em idade para governar, você ficará junto com ele... ficará ao lado dele, irá governar para o pequeno Eduardo até que ele tenha alcançado a idade certa.

- Tem a minha palavra.

- Então temos um acordo. Podemos dar por encerrado este assunto sinistro e iniciar outro quase igualmente assustador: Escócia. O que acha do caso do duque de Albany?

Richard ponderou um pouco antes de responder.

- Albany é fraco; podemos controlá-lo. Se o ajudarmos a subir ao trono escocês, poderemos exigir todos os tipos de concessões. Por exemplo, podemos insistir para que rompa seus tratados com a França. A Escócia sempre esteve preparada para nos apunhalar pelas costas se cruzássemos com nossos exércitos para o Continente. Mas agora há essa questão dos casamentos propostos.

- Já houve casamentos entre dois países, mas isso não nos brindou com qualquer paz permanente. Elaborei uma lista de exigências que faremos se ajudarmos Albany a subir ao trono. Podemos realizar um encontro em algum lugar... sugiro Fotheringay. Iremos juntos ao encontro de Albany para descobrir o que podemos tirar dele. Ele deve estar preparado para atender a todas as nossas exigências. Então nós o colocaremos no lugar de James e ele será o nosso fantoche. Sempre é bom termos um regente que se mova quando puxamos as cordas.

- Se funcionar, isso pode ser muito vantajoso para a Inglaterra - avaliou Richard. - Significará organizar um exército e marchar através da fronteira.

- Isso, irmão, deixo a seu encargo. Mas primeiro precisamos colocar Albany em nosso bolso.

Os irmãos passaram vários dias juntos, discutindo como li. dar com a situação. Durante os últimos dias de março, mensageiros chegaram do outro lado do mar com notícias inquietantes.

Margaret, irmã de Eduardo, duquesa de Borgonha, escreveu para o seu irmão dizendo-lhe que sua enteada Mary, a herdeira dos Borgonhas, morrera enquanto cavalgava. Seu cavalo a derrubara ao chão e ela morrera logo depois.

Isso era uma grande tragédia. Mary era inteligente e fora criada pelo pai com um profundo senso de responsabilidade. É verdade que era casada com Maximiliano, o filho do imperador, e que eles tinham dois filhos pequenos, uma menina e um menino; mas Borgonha fora a herança de Mary, e Margaret temia qual seria a reação do rei da França.

Margaret escreveu a Eduardo: "Você sabe que Luís sempre quis tomar Borgonha de volta para a França. Agora fará tudo ao seu alcance para consegui-lo. Maximiliano está disposto a lutar, mas não dispõe de recursos financeiros. Eduardo, você precisa ajudar."

Eduardo olhou fixamente para a frente. Ele podia ver sua existência confortável desmanchar no ar. Ajudar Borgonha contra o rei da França! E quanto à sua pensão? Ele não estava com a menor vontade de lutar por Borgonha. Ele já tinha preocupações suficientes com a Escócia.

Como ele poderia ajudar Borgonha? Se fizesse isso, perderia cinquenta mil coroas por ano! E quanto ao casamento de sua filha e o delfim? Isso era-lhe quase tão importante quanto a pensão.

Ele escreveu para a irmã. Transmitiu-lhe seus pêsames pela perda da enteada, a quem, ele sabia, Margaret amara muito. Mas ele não ofereceu ajuda para Borgonha.

Chegaram mais mensageiros.

Luís agora estava exigindo que Borgonha retornasse à proteção da coroa da França. Se isso acontecesse, as rotas comerciais seriam afetadas.

Eduardo estava num dilema, mas não ousava brigar com o rei da França. Desde que prometera pagar a pensão, Luís a vinha pagando, e isso fazia toda a diferença. Não, essa situação não poderia mudar. Por nenhum motivo do mundo!

Eduardo agiu como sempre fazia nessas circunstâncias. Deu as costas para o que era desagradável - ou, como vinha mais ao caso.... alarmante.

Eduardo precisava pensar na Escócia.

Depois do encontro com Albany em Fotheringay, Richard retornou para o norte. Não muito depois disso, o ataque começou. Richard era um comandante astuto; em pouco tempo Berwick estava sob seu cerco. No sul, Eduardo expressou grande satisfação com a campanha escocesa e providenciou mensageiros especiais para levar-lhe as notícias - ele queria saborear o prazer de recebelas. Tinha grande fé em seu irmão e os sucessos obtidos por Richard ajudavam-no a não pensar nos acontecimentos na França.

Durante todo o outono, Eduardo deleitou-se com as notícias. Richard estava triunfal. Ele deixara tropas em Berwick continuando o cerco e marchou para Edimburgo. James estava à sua mercê. Os escoceses estavam prontos para assinar um acordo de paz e até prometeram que se Eduardo não quisesse que sua filha Cecily se casasse com o herdeiro da Escócia, eles reembolsariam as prestações do dote que já haviam sido pagas.

Chegaram mais mensagens de Borgonha. Maximiliano lutava valorosamente, mas precisava de ajuda. Eduardo precisava correr em seu auxílio.

Eduardo fechou os olhos para essas notícias, preferindo ler os relatos da Escócia.

A esta altura Richard estava percebendo que não poderia manter suas fileiras abastecidas com armas e alimentos por muito mais tempo. Assim, decidiu que a única ação sensata seria retornar. Ele ensinara uma lição aos escoceses; não haveria mais ataques através da fronteira, pelo menos durante algum tempo. Mas os escoceses batiam o pé num ponto: não aceitariam Albany como seu rei.

Richard recuou para Berwick, onde o cerco ainda estava em progresso. Percebendo que Eduardo não queria continuar a pagar um exército grande, ele dispensou muitos dos homens, permanecendo apenas com uma força poderosa o bastante para tomar Berwick, o que fez prontamente.

Eduardo estava deliciado com a campanha.

Ele enviou um mensageiro especial para Richard.

"Quero que você venha até a corte", disse Eduardo. "Quero dizerlhe pessoalmente o quanto aprecio o que você fez. Quero homenageálo. Quero que todos os homens o homenageiem... meu irmão amado e fidedigno."

Haveria festa em Westminster. Era tempo de comemoração. As conquistas do grande herói deveriam ser festejadas.

Richard fizera mais do que subjugar os escoceses; ele permitira a Eduardo pensar naquelas vitórias no norte enquanto deveria estar atormentado pelas notícias que continuavam chegando de Borgonha.

Eduardo disse a Elizabeth que o Natal seria comemorado em Westminster; ele queria que aquela fosse uma festa inesquecível.

Os preparativos estavam em progresso. Haveria banquetes, bailes e um auto seria executado no grande salão. O convidado de honra seria seu irmão Richard. O rei queria que todos vissem o quanto ele prezava o irmão.

Elizabeth ficava um pouco desanimada sempre que o nome de Richard era mencionado. Sentia-se tentada a sussurrar uma palavra de crítica a seu respeito no ouvido do rei. Mas ela sabia muito bem como isso seria recebido.

Elizabeth disse ao seu irmão Anthony:

- Fico feliz por Richard gostar tanto de sua vida no norte. Isso o mantém longe daqui a maior parte do tempo. Quanto a Anne, é uma pobre criatura. Ela sempre me parece estar se esvaindo... e dizem que o menino também não é muito forte.

- com toda certeza iremos vê-los no Natal-disse Anthony. Anthony andava muito desapontado. Sua proposta de casamento para a princesa escocesa parecia estar sendo tratada com o mesmo desdém que fora dispensado no passado à sua proposta para a duquesa de Borgonha.

Pobre Anthony, pensou Elizabeth. Ele precisava de uma esposa. A rainha poderia conseguir facilmente uma herdeira para ele, mas ela queria uma dama que pertencesse à realeza, como Margaret da Escócia ou Mary de Borgonha.

Pobre Mary, ela não mais vivia. E seu marido, Maximiliano, também não estava muito feliz. Elizabeth sabia que eles sempre enviavam a Eduardo pedidos frenéticos por ajuda. Ela se perguntou o que teria acontecido a Anthony se ele tivesse desposado Mary. Estaria na mesma posição em que Maximiliano se encontrava agora?

Elizabeth deu de ombros. Ela sempre podia esquecer suas decepções e procurar por novos campos de conquista.

Mensageiros chegaram com mais notícias de Borgonha.

O rei recebeu as mensagens, mas não as abriu imediatamente. Não queria ouvir notícias perturbadoras.

Eduardo conversou com Elizabeth sobre o Natal e, enquanto falava, corria os dedos pelos invólucros. Eduardo supunha que precisava ver o que eles continham. Quem sabe, pensou, não são boas notícias?

Boas notícias de Borgonha! Que boas notícias ele poderia receber daquele lugar? Que Maximiliano conseguira miraculosamente as armas e o dinheiro de que tanto necessitava? Onde os teria conseguido? Elizabeth observava o esposo. Ela sabia que Eduardo estava postergando ler as mensagens. Ela fingiu não notar isso e continuou conversando sobre uma nova dança que as meninas estavam aprendendo.

- Elizabeth quer que você dance com ela-disse a Eduardo.

- Claro... eu irei. Ela é uma doce menina, mais bonita a cada dia.

- E Madame Ia Dauphine também está ficando belíssima. Eduardo não podia delongar mais. Abriu os selos dos envelopes. As cartas eram de Margaret.

As palavras dançaram diante de seus olhos. Ele não estava enxergando corretamente. Não era possível. Maxímiliano havia se rendido. Ele não tinha mais forças e iria assinar um tratado de paz com o rei da França. Neste tratado, Luís concordava que o delfim deveria se casar com a filha de Maximiliano e, em troca, as províncias de Borgonha e Artois deveriam retornar para a França.

Uma névoa vermelha serpenteou diante dos olhos de Eduardo; seu coração batia com a força de um martelo.

O delfim para Margaret de Borgonha! Mas o delfim era para Elizabeth. Ele podia ouvir a voz de sua esposa repetindo "Madame Ia Dauphine... Madame Ia Dauphine..." Não. Seu lábios formaram a palavra. Não podia ser. O delfim era para Elizabeth, Madame Ia Dauphine. Sua Elizabeth. Sua filha. Não poderia haver outra Madame Ia Dauphine. Luís fizera isso... arrogantemente, insolentemente, sem sequer avisá-lo! Luís sabia o quanto Eduardo desejava que essa união se realizasse. Sabia o que significava para ele. Talvez ele soubesse que, desde que os dois reis haviam fechado o acordo, a jovem Elizabeth era conhecida como Madame Ia Dauphine. Talvez Luís estivesse rindo dele. Talvez estivesse se congratulando pela forma como chutara o rei da Inglaterra como se fosse um joão-ninguém!

E quanto à pensão? Que necessidade Luís tinha de pagar a pensão, agora que não temia mais a Borgonha? Que necessidade tinha em fingir que essa amizade fabricada existia? Se ao menos Eduardo tivesse agido de outra forma! Ele deveria ter previsto isso. Deveria ter feito tudo em seu poder para impedir que Luís derrotasse Maximiliano.

Nesse estágio importantíssimo de sua carreira, Eduardo cometera um enorme erro. Fora complacente demais. Ele deveria ter visto o desastre chegando. Ele se recusara a ver o desastre. Fingira que não estava lá. E agora... o desastre caíra sobre ele. Tinha perdido o casamento. Perdera a pensão. A prestação atual estava atrasada. Não era de admirar que, pela primeira vez, Luís postergara o pagamento. Ele devia ter previsto isso. E agora estava numa situação em que não podia mais fingir que não enxergava a catástrofe.

Ele havia fracassado... miseravelmente. Ele se sentia mal, arrependido, envergonhado. A velha aranha rira melhor por último.

O mais enlouquecedor era que Eduardo poderia ter impedido.

- Eduardo... Eduardo....-A voz de Elizabeth parecia estar vindo de muito longe. - Eduardo... Eduardo.

Névoas vermelhas dançaram diante de seus olhos. E então trevas envolveram o rei.

O rei tivera um pequeno ataque causado pelo choque, mas seu corpo forte e sua imensa força de vontade haviam-no ajudado a superar os efeitos, e ele proclamou que as celebrações de Natal deveriam prosseguir conforme o planejado.

Na verdade, as comemorações seriam ainda mais luxuosas. Eduardo queria que a corte dissesse que este Natal fora o mais magnífico de seu reinado.

Elizabeth ficara terrivelmente abalada ao ver o rei inconsciente. A princípio, temera que estivesse morto e pusera-se a calcular o que aquilo significava para ela e sua família. Isso seria uma calamidade de proporções sem precedentes. Como os parentes de Elizabeth estavam posicionados estrategicamente em todos os cargos de poder do país, eram como planetas circulando em torno do sol, extraindo sua energia desse magnífico corpo celeste. E se esse astro fosse removido, o que aconteceria?

Havia seu filho, o jovem Eduardo, com apenas doze anos de idade; um menor incapacitado de governar. Era verdade que o menino estaria cercado por seus parentes por parte de mãe, que governariam em seu lugar. Mas Elizabeth sabia que havia muitas pessoas no país que se revoltariam contra isso. E Eduardo não estaria ali para pacificá-los.

Ela também ficaria um pouco triste pelo próprio Eduardo. Eles haviam tido um casamento feliz, e Elizabeth orgulhava-se de ter mantido seu lugar... uma tarefa nada fácil para uma mulher em sua posição e, devido à leviandade do rei, uma tarefa que muitos haviam considerado praticamente impossível. Mas, ao continuar dando à luz filhos do rei, Elizabeth provara ao mundo que Eduardo ainda estava interessado em sua esposa.

Ao considerar a possibilidade de perder Eduardo, Elizabeth divisou um futuro sombrio no qual qualquer coisa poderia acontecer.

Assim, ao ver Eduardo imóvel e silencioso - o rosto corado escurecendo até ficar quase roxo, os membros parando depois de se debaterem por alguns instantes -, Elizabeth foi tomada por um desespero profundo.

Ela gritara pelos criados, que vieram correndo em auxílio do rei. Conseguiram colocá-lo em sua cama, tarefa nada fácil, considerando o peso do monarca. E em seguida saíram correndo para buscar os médicos.

Quando eles chegaram, Eduardo já recobrara a consciência. À medida que os dias passaram, ficou claro que iria se recuperar. Embora a crise assustasse Eduardo e os médicos houvessem recomendado descanso absoluto pelo menos por uma semana, ele parecia disposto a agir como se nada tivesse acontecido.

Assim, os preparativos para o Natal prosseguiram. O rei estava muito interessado nos festejos. Richard e sua família compareceriam e Eduardo estaria cercado por seus próprios filhos - todas as cinco meninas e os dois meninos. Juntos, participariam de eventos especiais.

Eduardo quis ver os novos veludos dos quais ouvira falar e decidiu selecionar pessoalmente aqueles que seriam usados em suas novas vestes. Gostou muito de um tecido trançado em fios dourados e azuis. Ele usaria uma beca comprida feita desse tecido, e um novo manto de veludo púrpura franjado com arminho.

Eduardo iludia a si mesmo. Fingia interesse pelas roupas. Na verdade, seus pensamentos estavam em outro lugar. Eduardo, que sabia ter estado perto da morte, não conseguia mais deixar de considerar o futuro.

Seu herdeiro estava com doze anos. Eduardo sempre acreditara que o menino alcançaria uma idade madura antes de ascender ao trono. O pequeno Eduardo ainda não estava preparado para se tornar rei. Ele não tinha o menor treinamento para isso. Ele fora mantido em Ludlow, vivendo segundo um conjunto rígido de regras, governado unicamente por seus parentes Woodville. Não deveria ter permitido que a rainha exercesse tamanha influência sobre o menino. Por que permitira isso? Porque Elizabeth sempre fora muito compreensiva quanto à vida que ele levava. Elizabeth nunca reclamara de suas numerosas amantes, nunca o censurara, e sempre o recebera graciosamente quando ele buscava seus favores sexuais. Essas eram qualidades raras numa mulher. Eduardo pagara por essas qualidades deixando-a honrar sua família e colocar seus parentes em postos elevados. Assim, os Woodvilles cercavam o futuro rei da Inglaterra. Quando o menino ascendesse ao trono seus melhores amigos seriam os parentes da parte materna. Elizabeth garantira isso.

Eduardo sempre pusera esses pensamentos de lado, dizendo a si mesmo que no futuro ele assumiria a educação do menino. Quando o garoto fizesse quatorze anos, Eduardo passaria a guiá-lo, moldálo, ensiná-lo sobre todos os subterfúgios que precisavam ser empregados pelos reis. Há tempo de sobra, sempre dissera a si mesmo.

E então, subitamente, ocorreu-lhe que podia não haver mais tempo algum.

Neste Natal ele dançaria como nunca havia dançado; iria beber e se divertir. Mas faria isso por um motivo - mostrar ao povo que não estava doente, como diziam os rumores. Era verdade que tivera algum tipo de ataque, mas não fora nada de mais. Estava forte como sempre. Eles precisavam continuar acreditando nisso.

Ele precisava continuar acreditando nisso.

Eduardo estava feliz porque Richard tinha vindo para o Natal. A visão de seu irmão fez-lhe bem. Ele pretendia contar a Richard coisas que não podia contar a mais ninguém. A pobre Anne parecia frágil e Eduardo se perguntou se o norte rústico era o lugar certo para ela. Ele sempre achara estranho que Warwick - aquele homem forte e corajoso-houvesse sido capaz de produzir apenas duas filhas adoentadas.

Orgulhoso, Richard apresentou ao irmão o seu filho - outro Eduardo. Um menino agradável, com as mesmas feições inteligentes e constituição delicada de seu pai. Richard, de fato, era muito diferente do rei.

Mas como Eduardo ficou feliz em vê-lo!

Eduardo ficou emocionado quando o filho mais velho apareceu à sua frente. Ele parecia tão jovem - muito pequeno para a idade, o que era surpreendente. Na idade de seu filho, Eduardo impressionara a todos os adultos com sua estatura. O jovem Eduardo jamais teria a mesma altura do rei. Os doutores murmuravam alguma coisa sobre seus ossos, que não cresciam tão depressa quanto deveriam. Achavam que isso era causado por alguma coisa.... não sabiam o quê. Richard era quase tão alto quanto o irmão. Richard parecia mais saudável. Os irmãos ficaram felizes por estar juntos. Talvez tivesse sido melhor criá-los juntos, em vez de colocar Eduardo naquele estabelecimento em Ludlow.

Eduardo estava atormentado desde que compreendera que poderia ter morrido subitamente, deixando o país com sérios problemas.

Ele precisava viver mais alguns anos. Seu filho precisava alcançar a maturidade antes de se tornar rei.

As festividades prosseguiram e ninguém conseguiu perceber que o rei se sentia perturbado. Parecia ter esquecido a perfídia do rei da França, a perda da pensão para si mesmo e da coroa da França para sua filha. Ele parecia magnífico. Sua tez estava um pouco mais pálida, mas aparentava gozar de boa saúde. Suas roupas novas eram maravilhosas. As mangas de seu robe eram franjadas com as peles mais caras.

As pessoas diziam que o rei raras vezes parecera mais bonito. Lá estava ele, cercado por cinco belas filhas, dois meninos bonitos e uma rainha que era tida como uma das mulheres mais esplendorosas do país.

Eduardo dançou com a filha mais velha; os dois pareciam ter esquecido que ela acabara de perder um dos títulos mais importantes da Europa.

Todos ficaram completamente encantados com o auto de Natal executado para sua diversão; o rei aplaudiu fervorosamente e recompensou os atores com uma generosidade com a qual nenhum deles jamais sonhara.

Foi um Natal muito feliz. Foi apenas a Richard que Eduardo falou sobre suas preocupações.

Quando teve certeza de que ninguém podia ouvi-los, Eduardo disse ao irmão:

- Richard, estou profundamente perturbado.

Richard ficou surpreso. Afinal, Eduardo estivera se comportando com jovialidade extraordinária.

- Acho que fracassei, Richard.

- Fracassou? - Richard estava estarrecido. - Como assim? Você é o melhor rei que tivemos desde Eduardo III.

- Tive meus momentos, mas temo a situação em que este país se encontra agora. Enquanto eu viver, tudo ficará bem. Mas, Richard, será que viverei por muito tempo?

- O que está acontecendo? Você parece tão bem.

- Há bem pouco tempo estive perto da morte.

- Mas está completamente recuperado agora.

- Pareço saudável, mas abusei muito de meu corpo. Uma vida desregrada demais. Muita excitação com as damas. Comida e vinho em excesso... Você viu como engordei, irmão.

- Você poderia levar uma vida mais abstêmia.

- Não nasci para ser monge.

- Não precisa ser um monge. Poderia comer menos, beber menos e ser fiel a sua esposa.

- Ah, o meu bom e velho irmão Richard! Você jamais entenderá homens como eu.

- Você perdeu a pensão de Luís e ele está entregando o filho em casamento a outro país. Você já teve reveses piores. Lembra de quando precisou fugir do país? Se a memória não me falha não ficou muito preocupado na época.

- Eu era jovem... não tinha tanto peso sobre meus ombros

- Ainda viverá muito. Superou aquele ataque e isso mostra o quanto você é forte.

- É provável, mas quero estar preparado. vou usar o tempo que me resta para resolver meus problemas. Estou arrependido de muita coisa.

- Você arrependido! Você, que tirou o país da anarquia! Hoje na Inglaterra impera uma ordem jamais vista! Você trouxe prosperidade ao nosso comércio. Coagiu o rei da França a lhe pagar uma pensão sem derramar uma única gota de sangue. Esqueça que Luís não irá pagar mais as prestações. Ele pagou durante algum tempo e foi mais do que poderíamos esperar. Você conta com a boa vontade do povo. Eles o amam e o admiram. Você tem uma família de crianças lindas e parece ter permanecido satisfeito com a rainha.

- Ah! Percebo um tom de sarcasmo na sua voz quando fala da rainha. Você jamais gostou dela, Richard.

Richard ficou calado.

- É hora de sermos francos um com o outro-disse Eduardo.

- Ela era malnascida demais para você.

- Bobagem. Quem era Warwick antes de se casar e ganhar suas terras e título? Mesmo assim, você considerou Anne uma esposa digna.

- Eu não tinha o poder de conceder posses aos seus parentes e fazer com que ocupassem cada posição importante do país.

- Ah, os Woodvilles! Você os odeia, Richard... e não é o único.

- Eles são quase todos pessoas arrogantes e insuportáveis. Mas esse é um comportamento natural para alguém que subiu rápido e sem fazer qualquer esforço.

- Gosto deles, Richard. São boa companhia. Pessoas bonitas. Gosto de tê-los à minha volta.

- E gosta de agradar a rainha. - Todos devemos tentar agradar nossas esposas, irmão.

Mas agora vejo que eles são a causa da sua inquietude.

Eduardo calou-se. Richard prosseguiu:

- Eles criaram o príncipe. Eles incutiram no menino a ideia de que os Woodvilles são as pessoas mais importantes do país.

- Se eu morrer, poder haver problemas entre a família da rainha e vários nobres.

Foi a vez de Richard ficar calado. Eduardo segurou seu braço e olhou para ele seriamente.

- Irmão, quero que me prometa uma coisa. Você estará lá. Cuidará dos meus filhos, fará com que cheguem em segurança ao trono.

- Você vai viver por muito tempo. O pequeno Eduardo está com doze anos. Ora, faltam apenas seis anos para que esteja em idade de governar.

- Ele precisará de ajuda. Quero ter certeza de que você estará lá para ajudá-lo.

- Estarei lá-prometeu Richard.-Mas tire esses pensamentos da cabeça. Traz má sorte falar em morte. Tenho certeza, irmão, de que você só conhecerá a morte daqui a muitos, muitos anos.

- Você me conforta, Richard. Como sempre me confortou.

- Eu o servi fielmente durante todos os dias da minha vida.

- Eu sei. É isso que me dá forças.

- Mas paremos com essa conversa sobre morte. Quero falar com você sobre a Escócia.

Depois do Natal a corte foi para Windsor, mas estava de volta a Westminster no final de fevereiro.

Eduardo não fizera nada para mudar a casa do príncipe de Gales. Ele sabia que seria difícil explicar a Elizabeth. A casa ainda era presidida por Anthony Woodville, que estava constantemente com seu pequeno sobrinho. Anthony, desiludido de seu casamento com a irmã do rei escocês, casara-se com uma herdeira que Elizabeth encontrara para ele. Essa era Mary Fitz-Lewis, cuja mãe era filha de Edmund Beaufort, segundo duque de Somerset. Portanto, ele tinha agora não apenas dinheiro, como também uma boa família. Contudo, a despeito de seu casamento, ele continuava vivendo em Ludlow com o príncipe. Elizabeth não permitiria que ele saísse de lá. Se Eduardo havia tido um ataque, então

ela estava mais determinada do que nunca a fazer com que o novo rei fosse criado pelos Woodvilles.

Isso teria de mudar, supunha Eduardo. Ele tomaria providências no devido tempo.

No Parlamento, que foi convocado em janeiro, votou-se dinheiro e alimentos para um exército que deveria ir até a Escócia. O rei colocou Richard no comando do Exército Ocidental, de modo que ele agora era realmente o lorde do norte.

Fevereiro e março foram meses muito frios. No final de março, Eduardo viajou para pescar com alguns amigos. Às margens do rio soprava um vento cortante. Os pescadores decidiram dar o esporte por encerrado naquele dia e retornar para uma lareira quente.

No dia seguinte o rei estava doente. Sentia dores nas costelas que o impossibilitavam de ficar deitado confortavelmente.

Os médicos o atenderam e se declararam alarmados com as condições do rei. Segundo os médicos, o rei vivera tão indulgentemente que gastara todas as suas energias. Eduardo não tinha mais forças para lutar contra um resfriado violento, que atacara seus pulmões.

Abril chegou com um clima mais ameno, mas o rei continuou acamado; suas condições não melhoraram. Estava morrendo e o ataque que sofrera pouco antes do Natal fora um aviso.

O tempo estava lhe escapando por entre os dedos, e havia muita coisa que deixara por fazer. Ele estava deixando um filho. Uma simples criança, vulnerável numa situação que Eduardo, com seu descuido, permitira acontecer.

O país seria dividido por facções em luta. Muitos odiavam os bodvilles. Enquanto estivesse vivo Eduardo poderia manter a paz, mas o que aconteceria quando ele se fosse?

O que ele devia fazer? O que podia fazer?

Richard estava bem longe, lá no norte. Ele queria a presença de Richard, mas não mandou buscá-lo. Estava seguindo sua velha prática de dar as costas para o que era desagradável. Ele não estava morrendo, disse a si mesmo. Iria sobreviver a esta doença como sobrevivera a outras

Não admitiria que estava enfrentando a morte.

Ele tinha apenas quarenta anos. Essa não era uma idade tão avançada, e ele sempre gozara de saúde. Até o seu ataque ninguém pensara em Eduardo e em morte no mesmo momento. Ele iria melhorar.

Mas no íntimo Eduardo sabia que a Morte estava próxima. E que ele devia se apressar em corrigir os problemas do país. O conflito, que parecia inevitável, devia ser evitado.

Eduardo mandou chamar os nobres que, em sua visão, poderiam guerrear entre si. Os principais eram Dorset, seu enteado, e Hastings, seu melhor amigo.

Dorset ficou a um lado de sua cama, Hastings ao outro, e com eles estavam os homens que os apoiavam. Entreolharam-se friamente por sobre a cama, e Eduardo pôde sentir a hostilidade que nutriam uns pelos outros.

- Meus amigos, peço que esqueçam suas diferenças e trabalhem juntos pelo bem de meu filho - disse o rei. - Ele e seu irmão são apenas crianças. Pelo amor que vocês nutrem por mim e pelo amor que nutro por vocês, e pelo amor que o Senhor nosso Deus nutre por todos nós, imploro que amem uns aos outros.

Ele não podia sentar-se, e a visão daquele homem grande e forte caído sobre os travesseiros levou todos os presentes às lágrimas.

Ele implorou a Hastings e Dorset que apertassem as mãos e prometessem que lembrariam dos últimos desejos do rei.

Hastings estava muito emocionado. Eram tantas as lembranças que compartilhava com o rei! E ver Eduardo deitado ali enquanto sua vida se esvaía lentamente encheu-o com unia emoção triste - não apenas pelos bons e velhos tempos, mas pelo futuro. Ele entendia perfeitamente os temores de Eduardo pelo futuro de seu filho.

O menino precisaria ser protegido... contra os Woodvilles.

O rei prosseguiu, respirando dolorosamente e encontrando uma dificuldade terrível em falar:

- Lembrem-se de que eles são muito jovens, esses meninos. Houve muitas desavenças entre vocês, e quase sempre por motivos pequenos.

Ele fechou os olhos. Era jovem demais para morrer. Não ainda, com 41 anos de idade e tendo reinado durante 22 deles.

Mas este era o fim. Não havia nada mais que pudesse fazer.

Assim, no dia de 9 abril do ano 1483 o grande Eduardo morreu. A notícia se espalhou pela cidade de Londres e por todo o país, disseminando pasmo e tristeza entre o povo.

Eles haviam adorado Eduardo-o grande rei dourado, o roseen-soleil, o sol em esplendor. E agora esse sol havia se posto.

O que acontecerá agora?, perguntavam-se.

Durante doze horas ele permaneceu deitado, nu da cintura para cima, para que os membros do Conselho pudessem ver que estava realmente morto. Em seguida, foi levado à capela de St Stephen, onde uma missa foi celebrada a cada manhã durante uma semana. Depois disso foi levado a Windsor e ali enterrado na capela de St George, na tumba que preparara para si mesmo.

O país estava estarrecido. O rei estivera com eles durante tanto tempo. Eles adoravam Eduardo. Confiavam em Eduardo. Ele estivera entre eles durante tanto tempo... seu brilhante, esplêndido, magnífico rei.

E o que aconteceria agora?

Teriam de esperar para ver.

O CAIR DA NOITE

O REI E O PROTETOR

Quando o pequeno Eduardo, de treze anos, acordou naquela manhã, nada sugeria que aquele seria um dia diferente dos outros. O tempo se arrastava em Ludlow. O menino

agora considerava o castelo grande e cinzento como seu lar, e quando saía para cavalgar em companhia de criados e, muito frequentemente, de seu tio, lorde Rivers, sempre ficava deliciado em rever as torres quadradas e as ameias guardadas pelo fosso largo e profundo. Ele adorava o calabouço Norman e a torre grande e quadrada sendo escalada pela hera. No grande salão Moralities realizavam-se autos de Natal, e quando sua mãe vinha em visita, grandes bailes eram organizados. Ele adorava cavalgar até a cidade, que ficava sobre um platô que dava para colinas e vales de beleza considerável. Como seu tio Rivers costumava dizer, seria difícil encontrar um lugar mais bonito em toda a Inglaterra.

A pessoa mais importante de sua vida era lorde Rivers, tio Anthony, que gostava tanto de ficar com ele e explicar-lhe tudo. Sempre era muito agradável estar com tio Rivers. Eles caçavam juntos e jogavam xadrez. Recentemente, quando seu tio se casara de novo - porque era viúvo - Eduardo sentiu muito medo de perdê-lo.

- Não - dissera o tio Anthony. - Nada me impediria de estar com você, meu pequeno príncipe. Você é a coisa mais importante para mim.

Assim, embora o tio Rivers tivesse se ausentado durante algum tempo, voltou logo. E agora era como se ele não tivesse partido nunca. Sua esposa vinha visitá-lo de vez em quando, mas ela queria agradar seu marido, e isso significava agradar o príncipe.

Se Anthony era sua companhia favorita e, talvez, a pessoa mais importante de sua vida, a mãe possuía um lugar muito especial.

Ela era tão bonita! O jovem Eduardo nunca vira ninguém como ela. E ela sempre o tratava com carinho. Ao chegar, sua mãe parecia muito fria, como uma rainha de gelo; ele gostava de vê-la ser saudada cerimoniosamente pelos criados e súditos porque, afinal de contas, era a rainha. Então a rainha olhava para ele e seu rosto mudava; parecia a neve derretendo com a chegada da primavera. O rosto da rainha ganhava cor. Ela esticava os braços e o jovem Eduardo corria até eles; nesse momento pensava que nutria por ela um amor maior do que poderia ter por qualquer pessoa, mesmo tio Anthony, embora admitisse que precisava mais do tio. Sua mãe era como uma deusa belíssima-alguém que não pertencia exatamente a este mundo.

Havia também seu meio-irmão, Richard Grey, outro de seus amigos íntimos, que era supervisor de sua residência. Seu tio Lionel era o tutor religioso, embora não o visse com frequência; Lionel tinha muitos outros deveres como reitor da Universidade de Oxford, assim como chanceler de Salisbury e reitor de Exeter.

Como alguém podia ser tantas coisas ao mesmo tempo? perguntara Eduardo a Anthony, que respondera que era possível ter tantas atividades e ao mesmo tempo cuidar de seu jovem sobrinho.

- Afinal de contas, ele é um Woodville - dissera Eduardo. Anthony concordara. Ele ensinara ao menino que havia alguma coisa muito especial nos Woodvilles. Eles podiam fazer coisas que estavam além do alcance dos mortais comuns. O rei reconhecera isso. Fora por esse motivo que se casara com uma Woodville, dando assim a Eduardo sua mãe incomparável. E também fora por isso que colocara tantos Woodvilles para cuidar de seu filho. Era desejo do rei que o príncipe se beneficiasse das virtudes da família Woodville.

Sim, Eduardo vivia cercado por muitos membros na família de sua mãe. Seus irmãos Eduardo e Richard eram seus conselheiros e até mesmo lorde Lyle, seu mestre de equitação, era cunhado de sua mãe por parte do primeiro casamento. Seu camarista, contudo, não era um Woodville. Era o velho sir Thomas Vaughan, que estava com Eduardo desde que ele era um bebé. Ele parecia ser o único membro de sua morada que não era um Woodville.

Bem, Eduardo achava isso ótimo. Adorava ouvir histórias sobre as perfeições de seus ancestrais maternais. Sabia muito pouco sobre o lado da família de seu pai, embora Anthony tenha dito que agora que estava entrando na adolescência, provavelmente passaria para a guarda de seu pai na corte.

- Eu não quero isso - dissera Eduardo. - Gosto de viver aqui, com todos vocês. Somos felizes juntos.

- Sinto um prazer imenso em ouvi-lo - replicara seu tio.

- Sempre me esforcei por isso.

Havia também suas irmãs, as princesas, e seu irmão Richard. Ele gostava de Richard e das irmãs, mas não os via com muita frequência. Ele precisava ficar isolado deles em sua própria morada. Ele sabia o motivo. Anthony explicara. Era porque ele era o membro mais importante da família; o herdeiro do trono.

O jovem Eduardo mal conhecia os tios por parte de pai. Anthony contara-lhe alguma coisa sobre eles. Contara sobre seu maligno tio o duque de Clarence, que se insurgira contra o rei e tivera uma morte violenta - afogado num barril de malntsey. Eduardo mal conseguia imaginar como era isso. Clarence se embebedara com o vinho, tropeçara e caíra no barril. Esse fora o seu fim. Fora uma Coisa Boa.

Havia certos eventos que eram Coisas Boas e essas eram as coisas que os Woodvilles haviam desejado ou causado. E havia as Coisas Ruins, causadas pelos inimigos dos Woodvilles.

Outro de seus parentes era o tio Richard. O jovem Eduardo não sabia o que pensar dele. Era frio e severo, tinha um filho que também se chamava Eduardo, e uma esposa que era conhecida como Pobre Anne. Não havia nada muito atraente no severo Richard ou na Pobre Anne. E embora seu tio Anthony não tivesse dito nada muito revelador sobre Richard, Eduardo sentia que o tio não gostava muito dele. Portanto, Eduardo provavelmente também não gostaria de Richard.

Assim, ele acordou naquele dia sem nenhuma premonição da grande mudança que estava para se abater sobre ele. Sabia do ataque que seu pai tivera. Notara que Anthony andava um pouco perturbado e perguntara o motivo. Assim, seu tio lhe dissera que o rei estava doente.

Fora difícil imaginar isso. Parecia impossível que aquele homem grande e esplêndido sofresse dos males que afligiam os mortais comuns.

Não era impossível, dissera Anthony, testa franzida. Homens como seu pai, que tinham vivido... Anthony procurara uma palavra e encontrara "luxuriosamente", muitas vezes sofriam o que as pessoas chamavam de ataques. Viviam tão plenamente que, em meia existência, gastavam a energia que muitos usavam numa vida inteira. O jovem Eduardo entendera?

O jovem Eduardo entendera.

- Então ele gastou toda a sua energia?

- Oh, não... não. É apenas um aviso do que poderia acontecer.

O rei se recuperara. No Natal o jovem Eduardo o vira. Seu pai parecia mais corpulento e grandioso do que nunca. Conversara com o rei, e ele lhe disse para obedecer às regras de sua residência e crescer rapidamente. O rei frisara que os herdeiros ao trono precisavam aprender mais depressa que as outras pessoas.

Ele se esforçava ao máximo, explicara o jovem Eduardo. E ele tentaria crescer logo.

O rei disse ao jovem Eduardo, afagando o cabelo do menino:

- Bem, meu filho, você não pode fazer mais do que isso, pode?

O rei dançara com a irmã de Eduardo, Elizabeth. Todos haviam aplaudido e o jovem Eduardo esquecera tudo sobre o ataque que o rei sofrera. Tio Anthony também parecera ter esquecido; ele não tocara mais no assunto.

Era hora de levantar. O tutor religioso e o camarista de Eduardo entraram. Ele precisava vestir-se imediatamente e ir com eles até sua capela, onde assistiria à missa. Seu pai impusera regras rígidas à sua morada; uma delas era que ele não devia assistir à missa em seu quarto, a não ser que houvesse um bom motivo que seria, pensava Eduardo, se eu estivesse morrendo.

Depois da missa havia o desjejum e as lições antes do almoço. Sob ordens de seu pai, essa deveria ser uma ocasião bastante cerimoniosa; as pessoas que levavam seus pratos à mesa eram escolhidas especialmente, e deveriam estar usando suas vestes oficiais. Ninguém tinha permissão de sentar-se à mesa com ele, a não ser que seu tio concedesse sua aprovação de que essa pessoa era merecedora. Depois do almoço haveria mais lições, seguidas por exercícios, durante os quais deveria aprender esgrima e equitação. Por fim, era a hora de jantar e ir para a cama. E assim, animado pelas conversas inteligentes com seus parentes Woodville, cercado por seus afetos e, frequentemente, por suas bajulações, os dias transcorriam de modo agradável. Ao passar de cada dia, o menino ficava mais encantado com o charme, graça e sabedoria profunda dos Woodvilles.

Uma semana antes, seu meio-irmão, Richard Grey, fora a Londres. Eduardo reparara que as pessoas estavam cochichando muito. Ele perguntou a Anthony o que estava acontecendo, e ele lhe dissera que não era nada de mais. As pessoas sempre estavam sussurrando umas para as outras e fazendo tempestades em copos d água.

Mas tio Anthony estava um pouco diferente, talvez até um pouco mais carinhoso com ele.

O jovem Eduardo esqueceu isso. Havia muito a fazer durante o dia. Ele se perguntou se o seu irmão Richard era um cavaleiro tão bom quanto ele. Perguntaria a lorde Lyle se ele sabia.

Quando retornou dos estábulos, viu seu tio Anthony aproximando-se apressado. Anthony estava acompanhado por lorde Lyle e fez uma coisa estranha. Ele se ajoelhou e beijou a mão de Eduardo.

Atónito, o jovem Eduardo ficou um pouco preocupado; embora sempre tivesse sido carinhoso com ele, o tio jamais demonstrara tanto respeito.

- Tio... - começou o jovem Eduardo. Mas tio Anthony gritou:

- Longa vida ao rei!

- Meu pai... - balbuciou Eduardo.

Seu tio se levantou, envolveu-o com os braços e apertou forte.

- Eduardo, meu querido sobrinho, meu rei, seu pai está morto.

- Meu pai... morto!

- Sim, querido sobrinho, majestade. Ele esteve doente durante a última semana e agora se foi. Foi um golpe terrível para todos nós... para o país. Mas graças a Deus temos um novo rei, que sei que irá governar o país sabiamente.

- Está dizendo... eu?

- Você é o nosso regente legítimo, rei Eduardo V Sabíamos que esse dia chegaria, mas não pensávamos que seria tão cedo.

Eduardo estava estarrecido. Rei! Um menino de treze anos que até este dia vivera calmamente no Castelo Ludlow! Tudo seria diferente dali para a frente. Ele estava entendendo isso não gradualmente, mas num só golpe. E seu pai estava morto... aquele homem grande e esplêndido! Era difícil acreditar. E sua mãe, e quanto à sua mãe?

Anthony colocou um braço sobre seus ombros.

- Você não tem nada a temer - disse ele. - Estarei a seu lado.

- Você me dirá o que fazer?

- Direi, é claro, meu pequeno rei.

- Então tudo ficará bem.

Seu tio segurou sua mão e a beijou.

- Agora precisamos nos preparar para partir imediatamente. Vamos a Westminster, onde você será coroado.

A rainha estava profundamente perturbada. Percebia o risco da situação e a necessidade de agir prontamente.

Teria sido impossível não notar a imensa antipatia dedicada a sua família. O rei sempre estivera presente para protegê-los e, de certa maneira, conter suas ambições mais extravagantes. Agora que Eduardo não estava mais presente, ela sabia que os inimigos dos Woodvilles iriam se levantar contra eles. Graças a Deus ela tivera o bom senso de colocar seus parentes em postos elevados. Nenhuma outra família era tão rica ou influente. Assim, os Woodvilles poderiam permanecer firmes até a coroação do jovem Eduardo, quando passariam a reger a Inglaterra... e reger absolutamente, porque o pequeno Eduardo seria uma marionete bem mais manipulável do que o pai.

Eduardo fora muito indulgente, mas conseguira manter as ambições de Elizabeth em xeque. Elizabeth sempre precisara agir com muita cautela para não ouvir um basta de Eduardo, caso fosse longe demais. Agora, se agisse com inteligência, não haveria nada para contê-la.

Elizabeth era muito íntima de seu filho, o marquês de Dorset. Ele estava agora no começo da casa dos trinta. Dorset fora um dos grandes favoritos do rei - em parte porque fora seu companheiro de libertinagens. Talvez seu maior companheiro. Não, esse posto pertencera a Hastings mas, em todo caso, Thomas fora um concorrente quase à altura.

Enquanto esposa, Elizabeth considerava aquilo deplorável. Enquanto mulher ambiciosa, com um filho através do qual planejava governar, considerava vantajoso.

Mandou chamar Dorset. Ele veio rápido, ciente da urgência da situação.

- O que precisamos fazer é trazer o Conselho para o nosso lado - disse ela. -Antevejo problemas da parte de Hastings. É uma pena que não tenhamos conseguido excluí-lo; acho que ele era ligado demais ao rei. Temos a família muito bem representada. Devemos ficar de olho em Stanley. Acho que ele passará para qualquer lado que lhe ofereça a maior vantagem. Esse lado deverá ser o nosso.

- E quanto a Gloucester?

- Ele está lá no norte. Na fronteira escocesa. Bem, bem longe. Precisamos esperar o rei ser coroado antes de avisá-lo sobre o que aconteceu.

- É sensato fazer isso? Eduardo nomeou Gloucester protetor real.

- O rei já tinha seus protetores, e uma vez que um rei seja consagrado e coroado, ele é aceito como rei.

- Gloucester me amedronta.

- Cuidarei de Gloucester - sentenciou a rainha. - Nosso primeiro ato deverá ser coroar o rei. Convocaremos uma reunião do Conselho em nome do novo rei. Seremos corteses e agiremos como se o rei estivesse vivo. Então levantaremos a questão da coroação do rei como se fosse um assunto trivial.

Dorset tinha certeza de que sua mãe iria conseguir. Afinal de contas, ela sempre conseguira tudo que havia tentado; e certamente apenas a mais inteligente das mulheres teria conseguido manter um homem como Eduardo sob controle durante tanto tempo.

O Conselho foi convocado. Tudo transcorreu exatamente como planejado até que se levantou a questão da coroação do rei.

- Creio que o dia quatro seria adequado - colocou Dorset. Isso suscitou protestos. Era cedo demais. O duque de Gloucester não chegaria a Westminster a tempo. Eles não podiam esquecer que Gloucester estava defendendo a fronteira escocesa. O marquês disse:

- Sendo assim, milordes, precisamos proceder sem a presença do duque de Gloucester.

Hastings estava em pé.

- Parece-me que os termos do rei foram esquecidos.

- O rei desejava que o seu filho fosse coroado prontamente - afirmou Elizabeth.

- Quem irá escoltá-lo até Londres?

- Isso cabe ao rei decidir - replicou Elizabeth.

- Vossa majestade está se referindo a lorde Rivers? perguntou Hastings, que fez uma pausa e então prosseguiu, acaloradamente: - O rei deve vir para Londres com uma escolta moderada. Ela não deve constar de mais de dois mil homens.

Hastings claramente não desejava que o jovem rei marchasse de Ludlow para Londres com um exército. Muito bem, pensou Elizabeth, que seja de seu jeito. Qualquer coisa para trazer o rei para Londres e coroá-lo. Afinal, quando estivesse coroado, o jovem Eduardo não precisaria de um protetor e, portanto, as instruções do rei para que seu irmão Gloucester assumisse esse papel não deveriam ser consideradas.

Assim que a reunião do Conselho se dissolveu, Dorset mandou sua mensagem para Rivers. O rei devia vir para Londres imediatamente. Deveria chegar até, no máximo, o dia 1º de maio.

Hastings já mandara um mensageiro para Richard no norte, dizendo-lhe o que estava acontecendo em Londres e urgindo-o para vir com o maior número de homens que pudesse

reunir. Talvez eles fossem precisar.

O mensageiro seguiu a todo galope até o Castelo Middlehatu Desmontou ofegante e ordenou aos criados que o levassem imediatamente a seu amo, o duque.

Por um golpe de sorte, Richard estava em casa. Ele retornara fazia pouco mais de uma semana da fronteira e seus pensamentos estavam completamente ocupados pelo conflito com os escoceses.

Seu filho Eduardo não era forte. Ele sabia que Anne sempre estava preocupada com o filho. Ele herdara a constituição da mãe e às vezes Richard se perguntava se não deveriam procurar um lugar de clima mais benigno. Havia no castelo outro menino de quem Richard cuidava com interesse. O menino era muitos anos mais velho que Eduardo e não sabia que também era filho de Richard. Seu nome era Richard e fora educado pelo mestre-escola que seu pai trouxera com esse propósito para o castelo. Richard gostaria de reconhecê-lo como filho, e prometera a si mesmo que faria isso um dia. Ele se sentia um pouco embaraçado com a situação. Era muito diferente de seu irmão e raramente se envolvia sexualmente com mulheres. Estranhamente, um raro caso dessa natureza produzira duas crianças. Catherine vivia com a mãe em Londres, mas Richard fora trazido para Middleham pelo pai. Um dia contarei a ele, pensava Richard.

Richard gostaria imensamente que ele e Anne pudessem ter outro filho. A aparência delicada de seu filho legítimo era uma fonte de preocupação quase tão grande quanto a saúde da própria Anne. Ela ficara maravilhada ao vê-lo. O que Anne mais desejava no mundo era que aquelas malditas guerras terminassem para que todos pudessem ficar juntos na intimidade aconchegante de Middleham.

Richard havia decidido que desfrutaria de mais alguns dias de intimidade familiar quando o mensageiro chegou.

Ele recebeu o homem imediatamente e ficou estarrecido com a notícia.

- Meu irmão... morto!

- Sinto muito trazer-lhe esta notícia, milorde. Ele saiu para pescar e foi acometido por um resfriado. E não se recuperou.

Um resfriado... Eduardo morto por um resfriado!

Ele havia estado doente antes, milorde.

Oh sim, ele havia estado doente. Richard lembrou de sua conversa. Richard quase podia acreditar que Eduardo havia previsto a própria morte. Eduardo falara sobre isso e extraíra de Richard uma promessa de cuidar do jovem Eduardo, ser seu protetor até a época em que o menino estivesse em idade para governar.

- Quando aconteceu? - indagou Richard.

- Em nove de abril, milorde.

- Mas isso foi há uma semana.

Pensamentos passaram rapidamente pela cabeça de Richard. O que poderia acontecer em uma semana? Uma semana já se passara e quando ele chegasse a Ludlow...

- Por que não veio antes? A rainha não mandou ninguém?

- A rainha não mandou ninguém, milorde. Lorde Rivers também não. Vim a mando de lorde Hastings, que me enviou assim que soube que o rei estava morto.

Richard estava silencioso e pálido. Via tudo claramente: Elizabeth Woodville e seu irmão haviam escondido a informação. Não queriam que ele soubesse até que o rei estivesse coroado. Os Woodvilles estavam esperando para assumir o comando. Deviam estar planejando agora governar o país.

Richard agradeceu ao cavaleiro e convidou-o a comer em sua cozinha. Em seguida, foi ter com Anne.

- Meu irmão está morto.

Anne colocou as mãos no coração e ficou pálida. Richard prosseguiu:

- E a rainha não me avisou. Rivers também não. Não estou gostando disto.

- Por que esconderam a informação de você?

- Querem manter o rei sob seus cuidados. Devo partir para Ludlow imediatamente.

- Richard... deve mesmo?

- com toda certeza. Eduardo deixou seu filho sob meus cuidados. Conversamos sobre isso na última vez em que nos encontramos. Foi quase como se ele soubesse o que iria acontecer. Eu lhe fiz uma promessa... Além disso, posso ver que o reino precisará ser protegido dos Woodvilles. Agora devo ir. Não posso perder tempo. Preciso me preparar para partir.

Antes de Richard partir, outro mensageiro de Hastings chegou. A rainha convocara uma reunião do Conselho na qual decidirase que o rei deveria ser coroado em 4 de maio. Hastings tivera muita dificuldade em convencê-los de que a escolta do rei não deveria exceder dois mil homens. Quando viesse, Richard deveria estar preparado para enfrentar uma companhia desse número.

Richard sabia o que Hastings queria dizer. Os Woodvilles estavam determinados a governar. Eles iriam coroar o rei e declarar que não havia necessidade de Richard satisfazer os desejos do irmão de atuar como guardião do jovem rei. Richard podia ver que sua presença era necessitada com urgência e ele precisava ir desafiar os Woodvilles. Richard aceitaria o conselho de Hastings e iria bem armado.

Richard estava perto de Nottingham. Richard decidira que como o rei teria uma escolta de dois mil homens, ele faria o mesmo. Não queria qualquer sugestão de que estava indo para um conflito. Queria apenas que o povo soubesse que seu irmão o havia nomeado guardião de seu sobrinho e que, se Eduardo tivesse de ser escoltado a Londres por alguém, esse alguém seria Richard.

Em Nottingham, Richard recebeu um mensageiro de lorde Rivers. Ele trouxe saudações cordiais ao duque de Gloucester e condolências por sua grande perda. Lorde Rivers sabia da afeição que o rei sempre nutrira pelo irmão e, portanto, estava profundamente ciente do que a morte de Eduardo significava para Richard. Ele deixara Ludlow com o rei e planejava alcançar Nottingham em 29 de abril. Era bem possível que o duque fosse estar lá ao mesmo tempo. Se Richard chegasse primeiro poderia esperar a chegada do duque de Gloucester, se isso fosse de seu agrado.

Richard mandou de volta uma mensagem de que adoraria encontrar-se com Rivers e o rei em Northampton.

Richard recebeu mais uma mensagem de Hastings. Ele implorou a Gloucester que se apressasse em interceptar o rei. Os Woodvilles estavam no comando. Eles vigiavam cada passo de Hastings porque ele os lembrara de que o falecido rei nomeara Richard como protetor. Hastings acreditava que os Woodvilles tentariam eliminá-lo. Implorou a Richard que fosse a todo galope.

Richard ponderou sobre a situação. Percebeu que, sozinho, poderia evitar a guerra civil. Haveria muitos homens ao lado de Hastings. Buckingham era um deles. Buckingham odiava Elizabeth Woodville desde criança, quando fora forçado a se casar com a irmã dela. A rainha persuadira o Conselho a concordar com a data da coroação, o que significava que muitos deviam achar que os Woodvilles haviam conquistado tanto poder que seria difícil oporse a essa família. Mas Richard prometeu a si mesmo que sufocaria o poder deles. Ele alertara Eduardo repetidas vezes para não conceder-lhes poder demais. Bem, agora que Eduardo não estava aqui, alguém devia fazer alguma coisa a respeito.

Ele aguardava ansiosamente seu encontro com Rivers.

Foi numa tarde ensolarada de 29 de abril que Richard e seu cortejo chegaram a Northampton. Não havia qualquer sinal de Rivers e da cavalgada do rei.

Trouxeram-lhe a informação de que o rei já havia passado pela cidade e seguido para Stony Stratford.

Isso era perturbador, porque indicava que Rivers não tinha qualquer intenção de se encontrar com Richard. Assim, ele decidiu que passaria a noite na cidade, para dar descanso a seus homens e cavalos.

Logo chegaram boas notícias. Outro mensageiro chegou e este veio do duque de Buckingham, que estava nas proximidades, e a caminho de se juntar a Richard.

Richard ordenou que seus homens deveriam se abrigar onde encontrassem lugar, enquanto ele próprio ficaria numa estalagem. Ali passaria a noite junto com alguns de seus companheiros mais leais.

Mal haviam chegado à estalagem quando o cavaleiro apareceu, trotando no jardim.

- Pode ser Buckingham - disse Richard.

Para sua surpresa, não era. Era Anthony, lorde Rivers. Anthony aproximou-se de Richard e fez uma mesura.

- Milorde protetor-disse ele -, vim a todo galope recebêlo e explicar-lhe por que não pude cumprir meu compromisso com o senhor. Como nos pareceu que este lugar não proviria acomodações suficientes para os seus acompanhantes e os do rei, concordamos que ele seguiria para Stony Stratford e que eu iria retornar para cá e explicar a situação.

Uma boa desculpa, pensou Richard. Mas ele não acreditava que fosse verdade. Os Woodvilles queriam levar o rei até Westminster e coroá-lo para que ele não precisasse de um protetor.

Richard fingiu aceitar a explicação e convidou Rivers para jantar. Anthony declarou que ficaria honrado. Enquanto conversavam, o duque de Buckingham chegou.

Richard recebeu-o com uma demonstração de agrado. Rivers fingiu o mesmo, mas estava nervoso. Buckingham era um inimigo dos Woodvilles, mesmo tendo se casado com uma dama da família - mas talvez fosse precisamente por isso que ele os odiasse.

Ao retornar para a estalagem na qual passaria a noite, Rivers estava inquieto.

Richard não demonstrou seus verdadeiros sentimentos. Não era fácil saber se ele havia sido enganado pela explicação de que não havia espaço na cidade. Entretanto, o jovem rei estava em Stony Stratford e como isso ficava 22 quilómetros mais perto de Londres, a estratégia de Rivers parecia ter sido sábia.

Foi um jantar amigável. Os três - Gloucester, Buckingham e Rivers - pareceram concordar em todos os assuntos. Gloucester talvez estivesse um pouco calado, mas esse era seu jeito. Rivers teria ficado surpreso se ele estivesse diferente. Henry Stafford, duque de Buckingham, mostrou-se um companheiro agradável, o que abrandou as suspeitas de Rivers. Além disso, Buckingham nunca se mostrara muito interessado em assuntos do reino. Rivers o considerava um diletante, um amante da luxúria, e um tanto preguiçoso. Até agora, a despeito de seu título, ele preferira viver no campo, longe dos assuntos da corte. Casara-se com Catherine Woodville, irmã da rainha, quando ainda era muito jovem, e tendo sido forçado a um casamento que não desejava, sempre nutrira profundo ressentimento pelos Woodvilles. Rivers sabia que ele não via sua família com bons olhos, mas considerava-o indiferente demais aos assuntos de Estado para pensar em agir contra eles. Portanto, esse encontro deveria ter sido acidental, conforme Buckingham insinuara.

Eles conversaram animadamente e Rivers retornou para a estalagem - que ficava a uma pequena distancia daquela na qual Gloucester e Buckingham passariam a noite -, prometendo a si mesmo que na manhã seguinte acordaria bem antes que eles se levantassem.

Após a saída de Rivers, Buckingham foi com Gloucester ao seu quarto. Entreolharam-se muito seriamente durante alguns momentos e Gloucester disse:

- E então, o que acha?

- Ele fará com que o rei chegue a Londres antes de você disse Buckingham.

- Não, ele não fará - replicou Richard.

- Milorde, o rei está em Stony Stratford. Tenho certeza de que Rivers planeja que ele siga viagem antes que consigamos alcançá-lo.

- Isso não acontecerá.

- Ele mandará mensagens para Stony Stratford, não tenho dúvida.

- Impedi que todos os mensageiros deixassem a cidade, Buckingham sorriu.

- Assim o rei ficará em Stony Stratford até que eu chegue para conduzi-lo a Londres - prosseguiu Gloucester.

Buckingham assentiu.

- O senhor é sábio, lorde protetor. Vim juntar-me ao senhor... oferecer meus préstimos. Os Woodvilles estão no comando... no momento. Eles planejam governar o país.

- Sei bem disso. Eles me esconderam a notícia da morte de meu irmão, embora soubessem que ele havia me nomeado protetor do reino e guardião real.

- Eles estão determinados a coroar o menino e então ele estará cercado por Woodvilles, que governarão em seu lugar. Isso não pode acontecer.

- Não deixaremos que aconteça - disse Richard.

Ele estava olhando para Buckingham com um ar misterioso. Buckingham era inclemente em sua opinião sobre os Woodvilles. Ele era um aliado considerável, representando uma das famílias mais nobres da Inglaterra. Richard confiava em sua habilidade de agir de uma forma que seu irmão teria aprovado, mas quanto mais amigos eles tivessem, melhor. Hastings já demonstrara ser um aliado; e agora Buckingham também.

A confiança de Richard estava crescendo. Não que ele precisasse de apoio. Sempre fizera o que achava certo sem pensar demais nos custos.

Ele disse a Buckingham:

- Faz-se necessária uma ação firme. Uma ação firme e imediata.

- Milorde protetor saberá que ação deve tomar - disse Buckingham.

Anthony retornara a seu quarto num humor que beirava a tranquilidade. Gloucester fora agradável... o que era inesperado. Enquanto o rei estava vivo, Richard nunca demonstrara qualquer consideração pelos Woodvilles. Anthony sabia que Richard sempre deixara claro para o irmão que considerara um erro o casamento do rei com Woodville. Quanto a Buckingham, ele o tratara como um Cunhado devia tratar outro... só que essa fora a primeira vez.

Rivers sorriu enquanto se acomodava em sua cama. Claro que sses dois entendiam que ele, Rivers, era agora uma pessoa muito mais importante. O rei era-lhe devotado. Qualquer um que desejasse obter favores no novo reinado deveria primeiro considerar lorde Rivers. E a rainha também, porque Rivers ensinara Eduardo a reverenciá-la. Ele tinha certeza de que o futuro reservava bons momentos para todo o clã Woodville.

Dormiu com facilidade porque, incentivado pela companhia afável, bebera mais do que de costume. Porém, antes de se retirar deixara instruções para que o acordassem um pouco antes do amanhecer. Ele devia deixá-los e partir para Stony Stratford, onde o jovem Eduardo estava à espera. E então... para Londres, para a coroação.

Quando acordou, o dia começava a clarear. Levantou-se assustado. Àquela altura já deviam tê-lo acordado. Ouviu um murmúrio ao longe e, com a súbita percepção de que tudo não estava como devia, correu até a janela e olhou para fora. A estalagem parecia cercada por soldados.

Jogando um manto sobre o corpo, foi até a porta. Foi confrontado por um guarda.

- O que significa isto? - gritou.

- O senhor está preso, meu lorde.

- Quê? Isto é um absurdo. Preso. Por que motivo? Quem me prendeu?

Ele viu o emblema do Urso no uniforme dos soldados e soube a resposta antes do homem responder:

- Sob as ordens do lorde protetor.

Rivers retornou para o quarto. Que idiota eu fui!, pensou. Como fui tão estúpido? Devia ter permanecido em Stony Stratford. A esta hora eu devia estar a caminho de Londres com o rei.

Vestiu-se apressado, decidido a conversar com o duque de Gloucester. Mandou chamar seu serviçal de maior confiança.

Mandou-o ir à estalagem onde estava o duque e dizer-lhe qUe lorde Rivers desejava conversar com ele.

- E mande uma mensagem para o meu sobrinho, lorde Richard Grey, que está com o rei. Instrua-o a partir imediatamente para Londres com o rei.

- Isto não é possível, senhor. Ninguém tem permissão de sair da cidade. Os soldados do lorde protetor estão a postos em todas as estradas.

- Então é tarde demais - admitiu Anthony. - Preciso falar com o duque.

- Irei imediatamente, milorde. Perguntarei ao duque se ele pode recebê-lo.

Num estado de grande mortificação e ansiedade extrema, Rivers aguardou. Dali a pouco, seu mensageiro retornou e lhe disse que iria conduzi-lo ao duque de Gloucester.

Richard fitou-o, sardónico.

- Não foi uma desculpa muito inteligente - disse o duque.

- Não ter espaço para todos vocês na cidade! Podia ter pensado em algo melhor que isso, Rivers.

- Lorde Gloucester, eu... Richard levantou uma mão.

- Não quero parlamentar com você. Sei muito bem o que tencionava fazer... você e a rainha. Vocês fizeram pouco caso dos últimos desejos de meu irmão. Tentaram manter-me alheio a sua morte até que tivessem coroado o rei e se estabelecido como regentes da nação. O que não pode acontecer, lorde Rivers.

- Asseguro-lhe, duque, que o povo deseja que o rei seja coroado.

- com toda certeza o povo deseja que seu rei por direito seja coroado, mas no devido tempo, e não de uma maneira que faça o país ser governado por sua família mais odiada. O rei será coroado, eu lhe asseguro. Mas não será em quatro de maio, como vocês planejaram.

- Milorde protetor, o próprio rei pode querer...

- Não tenho dúvida de que o rei irá querer qualquer coisa que seu tio deseje que ele queira. O rei é jovem. Talvez não esteja ciente daS ambições de seu tio egoísta. Não, suas artimanhas terminam aqui. Se há uma coisa que o povo não quer é ser governado pelos oodvilles. Eles terão seu rei, e um conselho adequado para apoiá-lo.

- Um conselho dirigido pelo duque de Gloucester, é claro.

- Dirigido pelo homem que o falecido rei escolheu para essa posição.

- Vim em paz.

- Então como explica as armas em sua bagagem?

- Uma precaução natural.

- Precaução contra aqueles que desejam justiça para o rei e para o reino?

- Pergunte ao rei quem ele deseja que o oriente.

- O rei foi bem adestrado pelos parentes de sua mãe. Todos sabem disso. O rei é uma criança. Crianças não podem governar. Chega de conversa. Concedi-lhe esta audiência mas agora ela está terminada.

Chamou os guardas e ordenou:

- Levem lorde Rivers. Ele está preso. Deve ser mantido em Sheriff Hutton até que seu caso possa ser julgado.

Protestando, Rivers foi retirado pelos guardas.

com Buckingham ao seu lado e os soldados às suas costas, Richard cavalgou até Stony Stratford.

O jovem rei, lorde Richard Grey e seu velho camarista, sir Thomas Vaughan, esperavam ansiosamente pela chegada de lorde Rivers, que dissera que viria logo no começo da manhã e que todos deveriam estar preparados para partir para Londres sem demora.

Lorde Richard Grey chegara no dia anterior com mensagens da rainha para seu filho. Ela estava ansiosa para vê-lo. O pequeno Eduardo era seu rei agora e a rainha sabia que ele entenderia o quanto se tornara importante. Ela perdera seu querido esposo e precisava agora que o pequeno Eduardo a protegesse.

Eduardo ficara emocionado. A ideia de proteger sua linda mãe, que sempre parecera tão capaz de cuidar de si mesma, prometia ser uma grande missão. Uma missão à qual ele não via a hora de se empenhar. Tio Anthony lhe diria o que ele precisava fazer. Sua mãe também lhe diria, assim como lorde Grey. com tantos à sua volta para ajudá-lo, Eduardo não precisava ter medo.

Lorde Richard Grey estava um pouco ansioso porque seu tio ainda não havia chegado. Ele insistira muito para que o grupo partisse tão logo o dia clareasse. Lorde Rivers dissera que sairia de Northampton no comecinho da manhã. Mas onde ele estava?

Grey instruiu a todos que se preparassem para partir assim que lorde Rivers chegasse. Lorde Rivers decerto estaria apressado, e iria desejar que o grupo iniciasse sua jornada imediatamente.

Lorde Grey estava num dilema. A rainha queria que seu filho partisse para Londres, onde, dali a alguns dias, seria realizada a coroação. Ele decidiu que partiriam sem lorde Rivers. O grupo já deixara a estalagem, e o rei já montara em seu cavalo com Richard Grey a seu lado, quando se ouviu um tropel de cavalos ao longe.

- Ele chegou! - gritou lorde Grey. - Graças a Deus. E tenho certeza de que desejará que partamos sem demora.

Ordens foram gritadas. Ninguém deveria sair da cidade. Então viram chegar o tio paterno do rei, em vez de seu tio materno, e todos se curvaram diante dele em sinal de respeito.

- Onde está lorde Rivers? - inquiriu o rei, um pouco amedrontado.

- Tenho notícias para vossa majestade acerca de lorde Rivers

- disse Richard. - É melhor conversarmos na estalagem, onde poderemos falar à vontade.

Intrigado, o rei desmontou de seu cavalo. Lorde Richard Grey e sir Thomas Vaughan entraram com ele na estalagem. Gloucester e Buckingham os acompanharam.

Richard ordenou que ele e o rei fossem levados a um aposento. Depois que haviam entrado, e que a porta estava fechada, ele se ajoelhou diante de Eduardo e beijou sua mão.

A maior calamidade que poderia recair sobre nós e sobre esta nação aconteceu - disse Richard. - Seu pai, meu irmão, está morto agora. E vossa majestade é agora o verdadeiro e legítimo rei da Inglaterra.

Eduardo assentiu. Havia lágrimas em seus olhos. Estava assustado. Seu tio Gloucester sempre exercia esse efeito sobre ele. Eduardo queria saber onde seu tio Anthony estava e por que não viera conforme prometera.

Gloucester prosseguiu:

- Muitos acham que o seu pai estaria vivo hoje se não tivesse cedido a uma vida de excessos. Havia certos homens à sua volta, entre eles o seu meio-irmão, o marquês de Dorset, que o encorajavam nesses excessos. Meu propósito, como seu guardião, nomeado como tal pelo seu pai, é salvaguardá-lo dessas influências malignas.

Lorde Richard Grey exclamou:

- Milorde... eu protesto. Eu e meu tio jamais quisemos qualquer coisa que não o bem-estar do rei.

com um gesto, Gloucester instruiu-o a se afastar.

- Certos homens tramaram privar-me do cargo que meu irmão me outorgou em suas últimas palavras. Esses homens planejavam eliminar-me. com esses motivos, não tive alternativa senão prender lorde Rivers.

- Você prendeu lorde Rivers!- gritou o rei. - Mas ele nunca fez mal a ninguém. Ele é meu amigo muito querido... meu melhor amigo.

- Majestade, eles o mantiveram em ignorância. Há um conluio para destruir-me e governar através de vossa majestade. Essa trama foi engendrada pelo marquês de Dorset, lorde Rivers e este homem, lorde Richard Grey.

- Eles são a minha família... meus irmãos e meu tio.

- E é exatamente por causa disso que engendraram esses esquemas mirabolantes.

- Não acreditarei numa só palavra sua a respeito deles. Eu os amo profundamente. Eles sempre foram os meus melhores amigos.

Gloucester disse:

- Meu querido sobrinho, há anos gozo da confiança de seu pai. Ninguém foi mais próximo dele nos assuntos do reino. Acompanhei de perto tudo que ele fez desde que subiu ao trono. Trabalhamos juntos. Algumas semanas antes de sua morte, meu irmão me chamou para uma conversa séria. Ele me disse que queria que eu assumisse as rédeas do governo até que você estivesse em idade para fazer isso sozinho. Eduardo, ele confiava em mim acima de qualquer outra pessoa.

- Ele me confiou a lorde Rivers - replicou Eduardo rapidamente.

- É verdade que o seu tio foi a escolha da rainha, mas seu pai ultimamente estava preocupado com a forma como a sua família está dominando o reino. Ele pretendia fazer mudanças.

Eduardo quis gritar para o tio: "Eu não acredito nisso. Eu amo todos eles. Eles me amam. Meu meio-irmão Richard e meu tio Anthony são meus melhores amigos. Quanto a você, Gloucester, não o conheço. Não gosto de você. E quero o meu tio Anthony de volta".

Mas havia alguma coisa rude e ameaçadora em seu tio Richard de Gloucester. Eduardo sentia medo dele. Ele parecia o tipo de pessoa que raramente ria. Tio Anthony

ria muito, embora fosse um homem muito religioso. De vez em quando, como penitência, usava uma camisa de crina de cavalo por baixo das roupas. Isso era um sinal de santidade, não era? Mas tio Anthony era uma pessoa divertida. E seu meio-irmão também. Ele queria ordenar a seu tio Gloucester que lhe devolvesse lorde Rivers, mas não sabia como fazer isso.

Gloucester disse gentilmente:

- Majestade, o seu pai deixou instruções para que eu, seu irmão, a pessoa mais próxima a ele, fosse o protetor do reino e de sua pessoa. Vossa majestade dará seu consentimento para que os últimos desejos de seu pai sejam cumpridos?

Eduardo olhou em torno. Ele queria protestar. Olhou para lorde Richard Grey, mas seu meio-irmão sabia que não havia nada que pudesse ser feito contra Gloucester, porque era verdade que o rei o nomeara seu protetor.

- S-sim... - balbuciou o rei. - Concordo que as ordens de meu pai devem ser obedecidas.

- Então, meu rei, devemos retornar a Northampton - disse Gloucester.

-- Para Northampton! Mas a minha mãe está esperando por nós em Londres.

- Primeiro preciso ter certeza de que a cidade está segura para vossa majestade.

- Mas a minha mãe...

- A sua mãe não pode protegê-lo da mesma forma que eu. Retornaremos sem demora para Northampton. Tenho certeza de que em breve meus amigos em Londres mandarão notícias sobre o que está acontecendo lá. Assim que for seguro retornaremos e vossa majestade será coroado rei da Inglaterra. Deixaremos este lugar em uma hora.

Richard saiu da estalagem, montou em seu cavalo e falou para os soldados:

- A sua tarefa está terminada. O rei está seguro em minhas mãos, conforme era o desejo de seu pai. Assim que tiver certeza de que Londres está segura para o rei, irei acompanhá-lo até a capital. Creio, amigos, que a coroação de nosso rei ainda demorará um pouco. Portanto, não precisamos agora de seus bons serviços. Dispersem e retornem para os seus lares. Serão informados quando sua ajuda for necessária.

Houve alguma hesitação. Os guardas murmuraram um pouco e então viraram-se e procederam como foram instruídos. Gloucester retornou à estalagem.

- Onde estão lorde Richard Grey e Thomas Vaughan?

- Estão com o rei, majestade.

- Assim que eles o deixarem, prendam-nos. Mande-os com Rivers para Sheriff Hutton.

JANE SHORE

A rainha e seu filho, o marquês de Dorset, aguardavam ansiosamente a chegada do jovem rei com seu tio Rivers.

Ela não podia entender a demora. Sabia que Anthony estava em Stony Stratford. Esse era o último lugar do qual os mensageiros tinham vindo.

- Se precisamos nos preparar para o coroação no dia quatro, temos pouco tempo - declarou a rainha.

- Não tema. Nós conseguiremos.

Elizabeth olhou com uma pontada de ansiedade e muito afeto para aquele belo homem, seu filho mais velho. Ele era parecido com o pai, que fora um homem extremamente bonito. Ela decerto tinha talento para atrair homens belos, pensou. Eduardo certamente fora incomparável e régio, mas seu primeiro marido também fora um homem extremamente bonito, e Thomas puxara ele. Thomas, obviamente, não era o mais responsável dos homens. Era impulsivo e-ela precisava reconhecer-um pouco arrogante e fútil. Seu padrasto estragara-o levando-o para suas farras. Agora Thomas era conhecido como um dos maiores mulherengos do reino.

No começo ela ficara incomodada quando ele e Eduardo saíam para farrear juntos, mas depois acabou por achar que aquilo não era tão ruim assim. Era muito melhor que o rei passasse seu tempo com Thomas em vez de com Hastings. Thomas e Hastings não gostavam um do outro, e ela ouvira dizer que, agora que o rei estava morto, ambos competiam por Jane Shore.

Que atração essa mulher parecia exercer! O rei fora-lhe devotado até seus últimos dias. Ela devia possuir grandes atributos físicos. Mas ela devia ter algo mais do que apenas isso para manter Eduardo por tanto tempo. Hastings realmente estava apaixonado por ela... ou pelo menos era isso que diziam os rumores. Mas ela não queria nada com Hastings. Os mesmos rumores diziam que ela sucumbira a Dorset depois da morte de Eduardo.

Pobre Jane! Embora Thomas fosse seu filho muito querido, Elizabeth sentia pena dessa mulher por confiar demais nele. Thomas era um mulherengo diferente de Eduardo e Hastings. Eduardo fora um romântico, e Hastings provavelmente também era. Mas não havia uma gota de romantismo em Thomas. Ele sabia exatamente o que queria: saciar seus apetites sexuais, que eram tão vorazes quanto os do falecido rei - ou quase tão vorazes, porque certamente ninguém podia se comparar a Eduardo nesse aspecto.

A rainha tentava deliberadamente não pensar no que estava acontecendo em Stony Stratford. Temia que alguma coisa ruim tivesse ocorrido. Ela instruíra os mensageiros a vir continuamente, tamanha sua ansiedade por estar preparada quando seu filho chegasse.

Agora já fazia horas que ela não recebia nenhum mensageiro. Anthony já devia estar próximo de Londres.

Enfim, chegou um mensageiro. Alguma coisa estava definitivãmente errada. A rainha ordenou que ele fosse trazido à sua presença sem demora. O mensageiro estava ofegante e relatou com dificuldade as notícias.

Ela não podia acreditar. Gloucester tinha o rei em seu poder! Estava em Northampton com ele! Anthony e Richard Grey estavam presos!

- Deus tenha piedade de nós!-gritou. - Mas que desastre! Ela olhou para Dorset. Ele não sabia enfrentar crises com dignidade.

- Gloucester nos derrotou! - gritou Dorset. - Mil pragas sobre Gloucester. Maldito seja!

- Mas o que faremos? - inquiriu Elizabeth. - Ele prendeu o seu irmão e o seu tio. O que você acha que acontecerá conosco quando ele chegar a Londres?

- Precisamos fugir! - gritou Dorset. - Mas para onde podemos ir?

Elizabeth estava preparada. Isso havia acontecido antes. Ela disse:

- Precisamos ir para o santuário.

A rainha olhou em torno para suas ricas posses, que amava tanto. Deixá-las... ir para o santuário. Quanto tempo permaneceria lá? Ainda assim, precisava fazer isso. Como ela poderia saber o que Gloucester faria quando trouxesse o rei para Londres?

- Precisamos nos preparar para partir imediatamente. Levarei todas as crianças comigo. Ele não poderá nos causar dano no santuário. Já vivi lá, na época em que o rei estava exilado. Mas desta vez levarei comigo... alguns de meus pertences. Não irei de mãos vazias, como antes.

- Então nos permita que comecemos a coletar o que a senhora quer levar. Não temos tempo a perder.

Elizabeth chamou desesperadamente por seus servos. Começou a instruí-los sobre o que devia ser empacotado. Outros deviam ir preparar as crianças. Ela agradeceu a Deus pelo jovem Richard estar com eles. Ele e as cinco meninas precisavam ser preparados imediatamente para partir. E assim que estivessem encaixotados, seus bens preciosos deveriam ser enviados para o santuário.

Enquanto isso, Hastings recebeu a notícia de que o rei estava nas mãos de Gloucester. A cidade estava repleta de nobres de todas as partes do país que tinham vindo para a coroação do rei e ocorreu a Hastings que eles deviam informar Thomas Rotherham, arcebispo de York, que era também chanceler e que por sorte estava em Londres naquele momento, de que tudo estava bem.

O velho arcebispo de sessenta anos foi despertado de seu sono pelas notícias.

As palavras de Hastings, que pretendiam confortá-lo, não foram bem-sucedidas.

"Tudo ficará bem." Era assim que terminava a mensagem de Hastings.

O velho ponderou sobre aquilo. Ele apoiava a rainha e não estava gostando daquela história.

- Tudo ficará bem - murmurou. - Mas jamais ficará tão bem quanto antes.

Não, era um grande desastre que Eduardo tivesse morrido jovem, antes que tivessem se preparado para sua perda, e deixando aquele menino inocente para assumir as responsabilidades da coroa. Ele se vestiu rapidamente. Enquanto se vestia, compreendia cada vez mais as consequências daqueles acontecimentos. A família da rainha era poderosa demais para cruzar os braços e deixar que Gloucester tomasse o que havia sido dos Woodvilles.

Ele precisava avisar a rainha imediatamente. Partiu para o Palácio de Westminster. Lá, deparou com uma cena extraordinária. A rainha estava desesperada, com uma expressão vazia no rosto. Todos os seus servos estavam enchendo baús, arrancando tapeçarias das paredes e enfiando ornamentos valiosos em caixas.

- Minha dama, não se desespere - disse o chanceler. Recebi uma mensagem de lorde Hastings. Tudo estará bem.

- Hastings! - gritou a rainha, furiosa. - Se um dia tive um inimigo, foi esse homem. Ele está determinado a destruir a mim e minha família. O que ele diz que é bom, é ruim para mim.

O chanceler ficou horrorizado.

- Minha dama, minha dama! O que devemos fazer?

- Você ficará comigo, milorde? Precisarei de alguns amigos.

- Minha dama, pode confiar em mim para defender sua causa. Ele pegou o Grande Sinete e o colocou nas mãos da rainha. Elizabeth pegou-o graciosamente e mandou que o arcebispo retornasse ao seu palácio. Ela e sua família não tardariam a partir para o santuário.

Os bens que ela levaria acabaram de ser empacotados. Mandou chamar as crianças e elas vieram, estarrecidas. Elas nunca haviam conhecido dias tão incertos. Suas vidas haviam sido protegidas por seu pai indulgente e todo-poderoso. Havia a adorável Elizabeth, que agora, com dezesseis anos, deveria ser dauphine da França, não fosse a traição de Luís. Traição cujo choque decerto fora uma das causas da morte prematura de Eduardo. Cecily, com quatorze anos. Anne, com oito, Catherine, com quatro e a pequena Bridget, com três. Vendo-os juntos, a rainha pensou na pobre Mary e na grande tristeza que sua morte lhes causara. Elizabeth e Eduardo frequentemente se congratulavam por terlhes restado sete filhos, o que era um bom número. A rainha abraçou a todos ternamente. Manteria o pequeno Richard sob a sua asa. Ele, sendo o menino, era o mais precioso. Estava com dez anos agora e sempre perguntava por seu irmão e pedia para vê-lo. Elizabeth várias vezes considerara mandá-lo para Ludlow, mas não fora capaz de resistir à tentação de mante-lo com ela.

Agora estava feliz por isso.

- Meus queridos filhos, uma coisa horrível aconteceu. O seu malvado tio Gloucester tomou o rei de meu lorde Rivers e agora o tem em seu poder. Tenho medo do que ele fará quando chegar a Londres. Por essa razão ficaremos em santuário até que saibamos o que está acontecendo.

Vamos levar todas essas coisas conosco?-indagou Richard.

Sim, meu filho. Não as deixaremos para o seu tio.

- Ele vai matar o Richard?

- Não, não. Ninguém matará ninguém. Ele não ousaria. Mas ele quer reinar através de Eduardo e não vamos deixar que isso aconteça.

- Nós vamos lutar contra ele...

- Somos poderosos o bastante para detê-lo.

- Os Woodvilles serão capazes de fazer isso-disse Elizabeth.

- São a família mais poderosa do país.

- Tem toda razão, minha filha - concordou a rainha. Lembrem-se, meus queridos, vocês também são Woodvilles. Agora Elizabeth e você, Cecily, tomem conta dos pequeninos. Nós partiremos imediatamente. Quanto mais cedo estivermos em santuário, mas aliviada ficarei.

Eles subiram na barcaça e logo chegaram ao santuário ao lado da abadia.

- Já estive aqui antes - disse a jovem Elizabeth.

- Sim - murmurou a rainha. - E nunca achei que precisaríamos passar de novo por isto.

- Bem, estamos juntos - recordou-a Elizabeth.

- Nem todos nós - discordou o pequeno Richard. Eduardo não está.

- Muito em breve teremos o rei conosco - disse a rainha com firmeza.

Esperando em Northampton, Gloucester recebeu a mensagem de Hastings.

Era evidente que os Woodvilles haviam compreendido que estavam derrotados. A rainha fugira com os filhos para o santuário. Rotherham, aquele velho idiota, perdera a cabeça e dera o Grande Sinete para a rainha, embora tivesse ficado tentado a reavê-lo logo depois de cometer essa estupidez. Contudo, ele decidira fazer isso tarde demais; a rainha já partira. Quando se soube o que Rotherham fizera, ele fora naturalmente afastado de seu cargo.

Agora era um momento adequado para Gloucester levar o rei para Londres.

Portanto, tudo estava correndo segundo os planos. Gloucester podia ter certeza de que se Eduardo olhasse para baixo lá do céu aprovaria o que seu irmão fizera. Ele decidira que não seria sensato aprisionar Rivers, Grey e Vaughan no mesmo lugar. Seria muito mais seguro confiná-los separadamente. Richard deveria ir para Sheriff Hutton conforme planejado originariamente. Richard Grey ficaria em Middleham e Vaughan em Pontefract.

Ele agora estava preparado para marchar até Londres. O rei estava um pouco triste. Ele demonstrava claramente que não gostava de seu tio Gloucester. Além disso, estava profundamente magoado por ter sido afastado do tio a quem tanto estimava.

Gloucester tentou falar com o menino sobre o seu pai e o quanto eles haviam sido bons irmãos. Gloucester lembrou ao jovem rei de seu lema Loyaulté me lie, o qual ele sempre seguira. E o falecido rei Eduardo sempre soubera que podia ter certeza de que seu irmão seguiria esse lema. Gloucester sugeriu que ele agora iria transferir essa lealdade para o novo rei.

- Ora, Eduardo, você é filho de seu pai, meu próprio sobrinho. A quem mais eu poderia dedicar minha lealdade a não ser a você?

Eduardo ouviu educadamente, mas sua boca estava ligeiramente franzida. Ele disse:

- Talvez você possa trazer meu tio Rivers de volta, pois não sei de que crime ele pode ser acusado.

- Ele terá um julgamento justo, e então você entenderá.

- Não preciso de um julgamento para saber que ele é inocente de qualquer acusação - asseverou o rei.

- Você é leal àqueles que acredita que são seus amigos e isso é admirável - foi tudo que Gloucester disse.

Gloucester estava ansioso em mostrar ao rei que não queria tomar nada dele. Tudo que desejava era colocá-lo no trono e ajudálo a governar com sapiência.

No dia 4 de maio - o dia escolhido pelos Woodvilles para a coroação - Eduardo V cavalgou pelas ruas de Londres.

Vestia veludo azul, que lhe caía muito bem, e seus cabelos batendo à altura de seus ombros tornavam-no uma bela visão. Os plebeus o aclamaram, embora já tivessem tido muitos reis menores de idade, e soubessem que nenhum bem podia vir deles. O que a Inglaterra realmente precisava era de um rei forte... um homem como o que o pai desse menino havia sido.

Ao lado do rei cavalgava o duque de Gloucester. Ele estava sobriamente vestido em negro, em contraste absoluto com as vestes coloridas do rei. E do outro lado do rei estava Buckingham, vestido de preto, como Gloucester.

Solenemente, eles cavalgaram. As pessoas aplaudiam tão freneticamente que, no santuário em Westminster, Elizabeth e seus filhos puderam ouvi-las. Elizabeth ficou exultante com a aclamação de seu filho. Não iria demorar muito, prometeu a si mesma e à família. Em breve sairiam daquele lugar e ficariam ao lado do rei.

As pessoas olhavam para o duque de Gloucester, pálido, sério e sombrio. Seu irmão confiara muito nele.

Nós temos um rei jovem, pensavam eles; mas também temos um protetor sábio. Em sua sabedoria, Eduardo providenciara isso.

Chegaram ao santuário notícias do que acontecia lá fora. Elizabeth ficou desolada. O povo aceitara Richard; eles o viam como um governante sábio, um homem que permanecera leal ao irmão e que desfrutara de sua confiança. Ele era sério e provara ser um administrador sagaz enquanto mantinha o norte da Inglaterra sob as ordens de Eduardo. Eles amavam seu reizinho. Ele era bonito e jovem, e a juventude sempre era agradável, contanto que guiada por pessoas mais amadurecidas.

O país concordava unanimemente que Richard de Gloucester deveria ser o lorde protetor e defensor do reino.

Ele era contra os Woodvilles, mas o país também o era. Eles haviam testemunhado a rainha avara colocar seus parentes em todas as casas mais importantes do reino. Bem, isso terminar agora. O protetor agira prontamente e com bom senso ao prender Rivers e Richard Grey, e ao fazer Dorset compreender que o único lugar onde ele estaria a salvo seria no santuário.

Dorset estava inquieto. Não suportava o confinamento no santuário. Como ele poderia levar o tipo de vida que considerava essencial? Ele sentia falta de Jane. Ria sardonicamente quando lembrava de que ela era sua amante. Ele a conquistara logo depois da morte do rei. Agora ela era sua, como sempre deveria ter sido. Há muito ele tinha os olhos em Jane e, por si, não teria esperado pela morte do rei. Fora ela quem insistira nisso. Jane era diferente das outras mulheres que Dorset conhecera. Eduardo sempre dissera que ela era diferente e ele tinha toda razão. Ela não era uma vagabunda. Era sensual e amorosa por natureza. Nascera para isso, conforme Eduardo definira; mas mesmo assim podia-se comprar seus favores. Não era fácil dar a Jane alguma coisa, dissera o rei. No começo, Dorset não fora tão crédulo. Ele a considerava apenas extraordinariamente astuta, assim como sua própria irmã, a seu modo. Mas Elizabeth era incomparável.

Seu caso com Jane concedia-lhe muita satisfação por diversos motivos. Em primeiro lugar, ela era bela e desejável. Em segundo lugar - e isto dava-lhe prazer especial-Hastings a queria desde a época em que o rei a descobrira. Na verdade, Dorset não tinha certeza se Hastings não a descobrira primeiro. Eduardo entrara em cena e tirara o pobre William do caminho. William obviamente não quisera enfurecer o rei, e Jane provavelmente seria a única amante cuja perda despertaria a cólera de Eduardo. Se ela fosse qualquer outra mulher, Eduardo não se importaria em entrar numa espécie de torneio com o amigo.

Mas não com Jane. Havia alguma coisa especial acerca de Jane. Hastings estava batendo a cabeça na parede porque fora a ele, Dorset, que Jane se entregara depois da morte do rei.

Querida e frágil Jane. Ela o considerava irresistível, embora não fosse tola. Jane conhecia as falhas de Dorset. Sabia que ele era cínico, lascivo e egoísta. Ela não tinha fé em sua fidelidade, Dorset carecia da gentileza do falecido rei; aquela ânsia de Eduardo em jamais magoar os sentimentos das pessoas não fazia parte de sua natureza. Dorset não ligava para os outros; ligava apenas para sua capacidade em suprir suas carências. Jane sabia disso, o que duplicava o triunfo por tê-la conquistado. A verdade era que ele possuía uma atração física extraordinária. Muitas mulheres, odiando-o pelo que ele era, consideravam-no irresistível. O fato de Jane-que desfrutara do afeto do rei e o retribuíra incondicionalmente durante todos os anos que haviam passado juntos - ter-se entregado a Dorset era um grande triunfo... especialmente quando Hastings estava disposto a conceder-lhe a mesma devoção que ela desfrutara durante tanto tempo com Eduardo.

Estar confinado no santuário era insuportável. Ainda assim, o que aconteceria se ele se arriscasse a sair? Ele seria aprisionado imediatamente. Gloucester decerto o considerava um dos líderes da família Woodville.

Em que situação desgraçada ele caíra tão repentinamente! E tudo porque o rei morrera e seu irmão estava determinado a governar o país.

- Maldito seja Gloucester!-gritou. Mas de que adiantavam palavras? Ele precisava encontrar uma forma de sair daquela situação insuportável.

Ele só podia ver uma forma de fazer isso, e era escapar.

Começou a planejar. Seria fácil sair sorrateiramente do santuário em meio às trevas da noite. Mas para onde iria? Havia muitas casas de má reputação na cidade e ele era conhecido em todas. A questão era: até que ponto podia confiar nessas pessoas? Quando era livre, filho da rainha, companheiro do rei, rico, influente, vivia cercado de amigos. Seria diferente agora. Ou não seria? Ele era o tipo de homem que as pessoas temiam ofender, afinal as marés da guerra e da política mudavam rapidamente e todos conheciam sua natureza vingativa.

Ele conhecia uma casa cuja dona gostava particularmente dele. Ele tinha muita confiança em seu poder de encantar. Será que deveria sondá-la primeiro? Não, isso não seria sensato. E se uma mensagem fosse interceptada? E se em vez dos braços amorosos da dama ele encontrasse os homens de Gloucester à sua espera? Ficaria numa situação muito pior do que a que se encontrava agora.

Não obstante, precisava tentar. Sairia sorrateiramente. Iria até a taverna e pediria para ficar escondido até que conseguisse fugir para o norte. Isso não seria difícil. Demoraria algum tempo até que sua ausência fosse constatada. Sua mãe providenciaria isso.

Elizabeth ouviu atentamente os planos do filho. Ela não gostava daquele confinamento tanto quanto Dorset e concordou que ele certamente conseguiria arregimentar homens para o seu lado. Afinal de contas, não era ela a mãe do rei? E se Anthony pudesse ser libertado - e Richard Grey com ele - eles começariam imediatamente a levantar o país contra Gloucester.

Sim, ele devia ir.

Assim, numa noite escura, Dorset deixou o santuário. Caminhou pelas ruas estreitas que conhecia tão bem, vestido num manto para ocultar completamente sua identidade.

Chegou à casa e bateu na porta. Deixaram-no entrar. Ele pediu para ver a dona da casa.

Ela veio até ele. Quando Dorset baixou o capuz, revelando seu tosto, ela expressou sua alegria. A velha magia não o abandonara. Ela estava tão encantada por ele quanto sempre fora, e estava visivelmente lisonjeada por ele tê-la procurado.

- Preciso permanecer aqui durante uma ou duas noites... talvez uma semana. Você pode me esconder?

Claro que ela podia, e seria um prazer.

Ele a beijou calorosamente nos lábios, ao seu jeito inimitável. Nem o velho Eduardo teria feito melhor.

A reação da mulher foi calorosa. Ele soube que poderia confiar nela.

Jane Shore estava inquieta. A vida mudara drasticamente para ela nas últimas semanas, o que a deixara desnorteada. Ela sentia profundamente a morte do rei. Eles haviam desfrutado um relacionamento muito satisfatório. Ela jamais duvidara de que ele gostava dela, e seu caso demorara tanto que alguns podiam tê-lo definido como um hábito. Mas se havia sido um hábito, fora um hábito muito satisfatório e confortador.

Jane fora fiel ao rei, embora Dorset ficasse muitas vezes tentado a traí-lo. Ela não podia explicar a si mesma a fascinação imensa que sentia por Dorset. Era como se ele tivesse jogado um feitiço sobre ela. Quando Dorset estava próximo ela se sentia tão atraída que precisava entregar-se a ele, mesmo sabendo que havia uma força maligna por trás dessa atração.

Quando o rei estava vivo ele não ousara ser tão persistente. Ele a seguia com os olhos, e neles havia um desejo ardente que a fascinava. Enquanto o rei vivia, Jane resistira a essa atração com todas as forças. Agora que ele estava morto, a questão era diferente.

Dorset a exigira e tornara-a sua escrava, Jane sentia a um só tempo repulsa e fascínio por esse homem. Quando ele não estava presente ela podia dizer a si mesma que devia livrar-se dele. Mas bastava Dorset aparecer para que perdesse a cabeça.

Jane não era naturalmente uma mulher leviana. Não tinha a menor vontade de ser passada de um homem para outro. Ela precisava de uma existência acomodada e respeitável, e com o rei conseguira desfrutar disso.

Ela amara Eduardo. Quem não podia tê-lo amado? Como tantas outras mulheres, ela o considerara o homem mais bonito do mundo. Ademais, ele emanava charme e gentileza; era poderoso, romântico, um rei em cada centímetro, um amante perfeito. Ele era tudo com que Jane havia sonhado.

Ela costumava lembrar dos primeiros dias, e como tudo começara. Levara uma vida muito simples na casa em Cheapside onde nascera. Sua mãe morreu e deixou sua filha única aos cuidados do pai, que foi muito afetuoso a seu próprio modo. Thomas Wainstead sempre queria tudo do melhor para sua filha e até mesmo conseguiu-lhe um marido digno, o ourives Williani Shore.

Talvez tudo tivesse corrido bem se Jane não fosse dotada de uma beleza extraordinária. Tal beleza atraiu a atenção de um dos cavaleiros da corte, que tentou seviciá-la. Esse homem fora lorde Hastings, e desse dia em diante ela passara a temê-lo. Hastings era bonito... mas uma sombra pálida de Eduardo, assim como seria qualquer outro homem.

Era rico. Tinha os meios para subornar servos e montar o palco para a sevícia; e isso teria acontecido se uma das criadas-a quem subornara para drogar sua ama - não tivesse se arrependido subitamente e alertado Jane.

Desde o começo o casamento com o ourives revelou-se um erro terrível. Jane queria ser uma boa esposa, mas era naturalmente exuberante, calorosa e romântica; e o ourives, vários anos mais velho do que ela, decerto não era um herói romântico.

Ele era um homem muito respeitado, e fora por esse motivo que seu pai o escolhera. Ele servia à corte e vivia confortavelmente. Também era profundamente religioso, o que Jane considerava intolerável.

E então - foi depois que o rei retornou do exílio e isso acontecera há cerca de treze anos - ele aparecera na loja do ourives com a desculpa de ver os ornamentos. Na verdade, queria conhecer aquela Jane de quem Hastings falara. Vestido como mercador, encheu a loja com sua presença magnífica e assim que viu Jane seus olhos reluziram. Jane percebeu isso e compreendeu.

Daí foi um passo curto para que se tornasse amante do rei. Ela nunca lamentara isso, embora sempre sentisse pena de William Shore, que a seu modo fora-lhe muito devotado. Naqueles primeiros dias ela se preocupara com seu pai, com a forma com que ele aceitara as notícias, porque sem dúvida ela se tornara infame.

Nos primeiros dias ela se perguntara várias vezes o que lhe aconteceria quando o rei se cansasse dela. Jane não cobiçara homenagens; ela gostava de agradar o rei, e embora soubesse que partilhava essa honra com muitas outras, não se preocupava com isso. Ela o amava. Se ela podia agradá-lo, esse era o seu nrazer. Essa atitude altruísta, somada à sua beleza extraordinária, que nunca deixara de impressionar o rei, e às suas palavras sábias, sempre usadas para confortar o rei, garantiram que Jane permanecesse uma fonte de deleite para Eduardo durante todos os anos de sua ligação.

Durante treze anos eles foram amantes. Jane fazia parte de sua vida, e uma parte que ele jamais quis mudar.

Jane detinha uma posição na corte e o rei insistira em dar-lhe uma bela casa cheia de tesouros. Ele dissera que não queria visitála em qualquer pardieiro. E assim, ela vivera com algum luxo, embora jamais tivesse pedido.

Até mesmo a rainha fora gentil com Jane. Elizabeth mandara chamá-la e conversara com ela gentilmente. Jane sabia que a rainha estava ciente da vida que seu marido levava. Elizabeth talvez deplorasse isso, mas preferia que Eduardo tivesse uma amante como Jane, uma mulher boa e desprovida de ambições, e que decerto não era uma vagabunda, do que uma fieira de amantes que tentavam usurpar o poder da rainha.

Elas haviam gostado uma da outra. Embora fossem muito diferentes - Elizabeth sequiosa por tomar tudo em que pudesse pôr a mão, e Jane desprovida de qualquer ganância - tinham uma grande qualidade em comum: cada uma delas sabia como lidar com o rei.

Ambas controlavam-no admiravelmente e eram as únicas duas mulheres que haviam conseguido manter seu afeto. Respeitavam uma à outra e, sempre que estava na corte, Jane podia ter certeza de que seria tratada respeitosamente pela rainha. Talvez Elizabeth agisse assim para não enfurecer o rei, ou talvez por nutrir um grande respeito por ela, Jane não tinha certeza. Mas admirava a rainha e a considerava uma mulher inteligente. E a rainha, claramente, tinha a mesma opinião que Jane.

E agora aquele mundo agradável ruíra. O rei morrera de repente e Jane perdera seu protetor gentil. Nunca em sua vida se sentira tão sozinha.

Então Dorset aparecera.

Ela não queria outro amante tão cedo, queria prantear aquele que perdera - o incomparável Eduardo, a quem amara tão profunda e duradouramente.

Mas Dorset não poderia esperar. Ela já sabia, sem sombra de dúvida, que não era capaz de resistir a ele. Ele era um amante impulsivo e impaciente. Ele desejava Jane há muito tempo e fora obrigado a desistir dela em benefício de seu rei e padrasto.

Como Dorset era diferente de Eduardo! Ele jamais perdia tempo com preliminares românticas. Simplesmente queria e tomava. Era arrogante ao extremo e queria deixar claro que era o seu mestre. Sempre que a deixava, ela prometia que aquela seria a última vez, mas quando ele voltava conseguia dominá-la como sempre.

E agora ele fugira para o santuário. O que aconteceria em seguida? Ela odiava pensar na rainha orgulhosa e em seus lindos filhos naquele lugar frio. Ela conhecia todos eles, e amava particularmente o pequeno Richard, duque de York. Ela lembrava bem de seu casamento com Anne Mowbray. Ele tinha sido um noivinho encantador e enviuvara cedo demais, fato que não o perturbara, porque não chegara a compreender totalmente o que acontecera.

Quanto ao novo rei, raramente o vira. O menino sempre fora mantido em Ludlow. E agora ele estava na Torre de Londres aguardando sua coroação, e era o motivo do conflito entre seu tio Gloucester e a rainha e sua família.

Jane estremeceu. Ela sempre se mantivera afastada dos assuntos de Estado. Talvez fosse por esse motivo que Eduardo sentia-se tão descontraído a seu lado.

Já fazia alguns dias desde que vira Dorset. Ela não estava infeliz com isso. Ele a assustava e ela sempre se desprezava por ser vítima de seus próprios sentidos. Assim, sentia certo alívio em estar longe dele. Como fora diferente com Eduardo! Ela sempre contava os dias que faltavam para aquelas sessões íntimas com o mais encantador dos amantes!

Seus servos se aproximaram e disseram que havia um homem lá fora com uma mensagem para ela.

Ela sentiu o coração bater incertamente. Uma mensagem? De quem? E, de algum modo, ela sabia que era de Dorset.

Mandou entrar o homem; recebeu o papel dobrado. Sim, Dorset. Ele escapara do santuário. Estava numa casa não muito distante de Chepe. Ela conhecia a casa. Era uma daquelas frequentadas pelos homens da corte e tinha fama de reunir prostitutas de alta classe.

Elas estavam sendo boas para ele lá. Dorset queria que ela o procurasse imediatamente. Era importante.

Ela amassou o papel. Não queria ir. Dorset precisava entender que ela não era como as mulheres que ele encontrava naquela casa. Mas ele corria grave perigo. Se transpirasse que ele fugira do santuário, a caçada começaria. O protetor não ficaria satisfeito até que o encontrasse e o levasse a julgamento.

No momento, o irmão da rainha, lorde Rivers, e seu filho, Richard Grey, eram prisioneiros do protetor. Não havia dúvida de qual seria o destino de Dorset se fosse capturado.

Ela pensou durante algum tempo e então decidiu que precisava ao menos vê-lo.

Jane disse ao mensageiro:

- Irei à noite.

O mensageiro partiu satisfeito.

Ela caminhou ligeira ao longo do rio através de Chepe. Finalmente chegou ao endereço que Dorset lhe mandara. Foi reconhecida imediatamente pela dona da casa, que a conduziu através de várias passagens até uma sala nos fundos da casa E ali estava Dorset.

Ele caminhou até ela e a abraçou, ávido. Ela tentou desembaraçar-se dele, mas ao mesmo tempo sentia sua resistência esvair-se.

- Jane... minha Jane... - gritou Dorset, exultante eu sabia que você não falharia comigo.

- Você disse que precisava me ver. O que vai fazer?

- Mais tarde lhe conto. Temos tempo. Temos uma noite inteira pela frente.

- Eu preciso ir.

- Ir? Sozinha nas ruas a esta hora? Vamos, confesse, Jane. Quando concordou em vir à noite sabia que não sairia antes do amanhecer.

- Não vou ficar.

Ele riu; ela sabia que riria.

Durante a noite Jane descobriu por que ele realmente a chamara. Claro que ele se deliciou com seu corpo, mas havia muitas mulheres lindas no local e qualquer uma delas teria adorado entreter o poderoso marquês de Dorset, embora ele estivesse incógnito. A crença geral era de que o rei seria coroado em breve e então o protetor retornaria para o norte; a rainha e sua família emergiriam para a proeminência outra vez e seriam naturalmente aqueles que controlariam o rei.

- Devo sair daqui em breve-revelou Dorset. - A situação para mim aqui é perigosa.

- Fico feliz que tenha compreendido.

- Jane, será muito triste ficar longe de você, mas preciso sair do país... para formar um exército e retornar e mostrar ao irmãozinho de Eduardo que tomar o poder não é tão fácil quanto ele pensa.

- Duvido que ele ache fácil - disse Jane. - Eduardo conversou muito com ele. Ele o prezava imensamente. Costumava dizer que confiava nele mais do que em qualquer outra pessoa...

- Sim, exatamente como ele confiava em Warwick quando o poderoso conde criador de reis estava pensando em descria-lo e recriar Henrique.

- Espere mais um pouco - aconselhou Jane. - Veja o que acontecerá. Retorne ao santuário, onde estará seguro.

- Querida Jane, você é a amante perfeita, mas não deve se meter em assuntos dos quais nada entende. vou lhe dar instruções e você desempenhará um papel importante, eu lhe prometo.

- Como assim, instruções?

- Quero que faça uma coisa para mim. Você fará, não é mesmo?

- Se eu puder, claro. Mas o que é?

- Jane, escute. Precisamos trazer homens para o nosso lado. Homens influentes. Homens como Buckingham... mas não sei o suficiente sobre ele. Há outro homem que conheço muito bem e que é importante para nós. Você pode me ajudar nisso, Jane. Você pode persuadi-lo. Ele certamente lhe dará ouvidos.

- Quem é esse homem?

- Hastings.

- Hastings! Sabe o que sinto por Hastings.

- Ora, vamos, Jane. Você ainda guarda aquela mágoa? O que ele lhe fez além de olhar para você com desejo? Sei que ele chegou a tentar raptá-la e toma-la à força. Não seja tão dura com ele, Jane. Todos nós já participamos desse tipo de aventura.

- Eu nunca esqueci daquilo.

- Mas você o perdoou. Ele sempre demonstrou que ficaria satisfeito com um pouco de atenção da sua parte.

- Você acha que eu poderia convencê-lo a mudar de lado?

- Sim, Jane, acho... de forma inteligente, sutil... Tenho certeza de que você pode persuadi-lo com sua conversa divertida.

- Você pede o impossível.

Ele a segurou pelos ombros e a balançou delicadamente.

- Faça isso por mim. Quero retornar ao poder. Não quero passar o resto da minha vida escondido no santuário com medo dos guardas de Gloucester. Vamos, Jane, faça isso por mim. Seja a minha querida e adorável Jane. Seria um desafio. Você tem medo de não conseguir?

- Não considerei fazer o que você me pede.

- Seria uma vingança contra ele. Ele a tratou com falta de respeito quando tentou raptá-la... e teria abusado de você se a sua criada não sentisse remorso no último minuto. Tenha a sua vingança, Jane, e trabalhe para mim ao mesmo tempo. Ajude-me a sair desta situação lastimável na qual me encontro. Pense em minha mãe, nossa rainha orgulhosa. Pense nas princesas e no pequeno duque de York. Eles são forçados a viver no santuário, com medo de emergir. Temendo por suas vidas. Jane, por favor, me ajude... ajude a rainha, que sempre foi sua amiga. Você amava o pequeno duque, não é mesmo? Pense que você era uma favorita dele. O rei uma vez me disse que você considerava Richard como um dos seus próprios filhos. E a pequena Catherine e a pequena Bridget... pense neles.

- Sinto muito pelo que aconteceu com a rainha, mas não devo me intrometer.

- Então não ajudará seus amigos?

- Ajudaria, se pudesse. Mas Eduardo nomeou o duque de Gloucester como protetor do reino e do pequeno rei.

- Ele não ordenou que Gloucester mandasse a rainha para o santuário.

- A rainha foi para o santuário por livre e espontânea vontade.

- Porque meu irmão e meu tio haviam sido presos. Presos por que motivo? Por levar o rei à sua coroação.

Jane pensou durante alguns instantes. Finalmente, disse:

- Lorde Hastings era o melhor amigo do rei.

- E você deve lembrar disso.

- Ele jamais gostou da rainha.

- Oh, isso se devia a alguma disputa tola sobre a Capitania de Calais, que foi para Hastings, quando minha mãe achava que deveria ter sido para o meu tio.

Jane continuou em silêncio.

Dorset puxou-a para si e começou a fazer amor violento com ela.

- Prometa-me, Jane. Jure que irá me ajudar. Divirta-se com Hastings...

- O que você sugere é... é...

Ele a calou com seus beijos. Estava rindo.

- Você fará, Jane - disse ele. - Você fará isso por mim.

Jane sentia-se meio envergonhada, meio excitada. Estava feliz por escapar de Dorset. Quando estava com Dorset ele era irresistível, mas ela desejava fervorosamente que pudesse lutar contra a paixão violenta que ele inspirava nela. Ela queria amor. Ela tivera amor de sobra de Eduardo. Não havia ninguém capaz de substituí-lo, mas ele estava morto agora e não adiantava remoer o passado.

Desde que deixara Dorset estava pensando muito a respeito de Hastings.

Ela sempre dissera a si própria que não gostava dele. Ela jamais esquecera aquela experiência quando estivera prestes a tomar a cerveja que sua criada lhe trouxera. Ainda lembrava do olhar assustado nos olhos da jovem e sua confissão. Muitas vezes se perguntara o que teria acontecido se tivesse bebido a cerveja e adormecido, permitindo que Hastings entrasse na casa e a sequestrasse.

O próprio Hastings frequentemente parecera envergonhado e até mesmo lhe dissera o quanto se arrependia daquele ato. Ela fizera pouco caso de suas desculpas. Dissera a si mesma que aquilo pertencia ao passado; não era de qualquer importância agora porque ele jamais tentaria nada daquele tipo com ela novamente. O rei rira daquilo.

- Perdoe o pobre e velho Hastings - dissera o rei. - Ele é um bom amigo. Confio nele e isso significa muita coisa. Temo que qualquer um de nós teria feito o mesmo que Hastings se a ideia nos tivesse ocorrido.

Ela protestara e fizera Eduardo ver que homens que se achavam no direito de tratar as mulheres daquela forma não valiam nada. O rei concordara com ela e dissera:

- Mas o problema é que você é tão bonita, Jane! Uma tentação para todos nós. E eu não tomei você daquele seu ourives virtuoso?

Ela poderia sondar Hastings. Ultimamente Hastings olhava para ela com uma ternura que mudara um pouco seus sentimentos em relação a ele.

Na vez seguinte em que o viu, Hastings estava a caminho de Westminster para conversar com o protetor. Ela sabia que eles estavam discutindo quando seria a coroação do rei. Dorset disseralhe que o protetor iria postergar a coroação o máximo possível; uma vez que o rei estivesse coroado, ele deixaria de ser importante.

Ela sorriu para Hastings. Ele hesitou. Ela supôs que nunca fizera aquilo antes tão espontaneamente.

Ele parou e fez uma mesura.

- Saudações, minha dama Shore - disse Hastings. - É um belo dia.

- Realmente é - respondeu Jane.

Ele ainda estava parado, olhando-a com aquela admiração óbvia.

- Você fica mais bonita a cada vez que a vejo.

- Você é gracioso.

- Jane...

Ela viu a esperança brilhar nos olhos dele. Fora mais fácil do que imaginara.

Jantaram juntos. Hastings comentou com tristeza a morte do rei.

- Um golpe lamentável para nós dois, Jane. Nada será o mesmo para nós novamente. Você sente saudade dele, não sente?

- Muita - confirmou.

- Ele foi um grande homem... um grande rei. Possuía todas as qualidades de um monarca. Ter morrido daquela forma... tão subitamente...

- Ele vivia muito intensamente - avaliou Jane. Eu lhe disse isso muitas vezes.

- Ele não podia evitar. Nasceu para viver assim. Você sabe, Jane, eu era doze anos mais velho que ele. Pense nisso, tive doze anos a mais de vida.

- Milorde, espero que lhe reste muito mais de doze.

- Agora você está sendo graciosa comigo. Isso me deixa muito feliz.

Naquela noite Jane Shore tornou-se amante de Hastings.

Foi menos doloroso do que ela havia previsto. Hastings era gentil, terno e a amava. Isso era óbvio. Ele lhe disse durante aquela primeira noite juntos o quanto se arrependera amargamente daquela primeira tentativa. Ele sempre achara que se a tivesse cortejado da forma que ela merecia, talvez tivesse sido bemsucedido antes que Eduardo a tivesse descoberto.

- Jane, tenho um pressentimento de que você seria fiel àquele a quem amasse.

- Sempre fui fiel a Eduardo.

- Sei disso. Ele sabia disso. Ele amava você e, embora fosse incapaz de retribuir ao seu amor com a mesma fidelidade, ele me disse muitas vezes que você preencheu a vida dele com muita alegria. E quanto a Dorset, Jane?

Ela estremeceu.

- Ele está escondido. E não quero vê-lo de novo.

- Dorset não é um homem bom, Jane.

- Sei bem disso. Estou feliz por me ver livre dele. Hastings pareceu muito satisfeito em ouvir isso.

MORTE NA TORRE VERDE

E, assim, Jane Shore era amante de Hastings. Não se falava de outra coisa na cidade. Jane era popular entre os cidadãos. Hastings também.

Gloucester recebera as notícias com desgosto. Sempre deplorava o modo de viver de Eduardo e, em mais de uma ocasião, dissera ao irmão que aquela não era uma forma para um rei viver. Eduardo rira dele, chamara-o de monge, e dissera que Richard não podia esperar que qualquer um fosse como ele. Hastings era farinha do mesmo saco. Isso era algo que Gloucester nunca apreciara nele. Ele tinha motivos para ser grato a Hastings por tê-lo informado do que estava acontecendo em Londres. De fato, Hastings fora o primeiro a contar-lhe sobre a morte de Eduardo. Mas agora que Buckingham havia se juntado a ele e provado ser extremamente devotado, Richard estava se afastando de Hastings.

Os principais conselheiros de seu irmão haviam sido lorde Hastings; Thomas Rotherham, arcebispo de York e lorde chanceler; John Morton, bispo de Ely; e lorde Stanley. Rotherham revelara-se um fraco ao dar o Grande Sinete para a rainha quando Elizabeth estava encaixotando seus tesouros a fim de levá-los para o santuário. Ele não era o tipo de homem que Gloucester queria por perto. Morton era um bom homem, mas fora um lancasteriano ferrenho e se tornara ministro de Eduardo quando já era certo que não havia mais esperanças para que Henrique fosse restaurado no trono. Ele estava naquela posição por um acaso, e Gloucester não respeitava homens que subiam na vida assim. Stanley não tinha uma reputação muito boa em termos de lealdade e já estava predisposto a dançar conforme a música. Gloucester tinha outra razão para não confiar demais nele. Recentemente ele se casara com Margaret Beaufort, aquela mulher de vontade férrea, que descendia de John de Gaunt e também era mãe de Henrique Tudor. Esse ascendente de parentesco deveras questionável recentemente começara a insinuar que tinha direito de apelo ao trono, sendo neto da rainha Katherine, viúva de Henrique V através de uma ligação amorosa - embora os Tudors chamassem isso de casamento - com Owen Tudor. Realeza em ambos os lados, disse Tudor, contando Katherine da França como sua avó e John de Gaunt através de sua mãe.

Esses haviam sido os homens de Eduardo. Às vezes, durante uma mudança de regência, acontecia uma limpeza total. Ele não queria nenhum desses homens... com exceção talvez de Hastings. Buckingham era seu braço direito. Buckingham era leal e o segundo em posto na Inglaterra depois dele próprio. Em seguida, numa escala mais humilde, vinham Richard Ratcliffe, Francis Lovell, William Catesby... homens que há muitos anos eram comprovadamente amigos leais de Richard.

Ele precisaria de amigos leais. Sua posição era perigosa. Se ele fosse derrotado pelos Woodvilles eles não teriam qualquer pudor em destruí-lo. Richard estava lutando não apenas pelo que acreditava ser seu direito. Ele também estava lutando por sua vida.

Seria bom ver Anne, que estava vindo para o sul, para a coroação, que fora marcada para 24 de junho.

Encontrou-a nas cercanias de Londres. No instante em que a viu, Richard ficou arrasado por sua aparência frágil. Ela sempre lhe parecia mais delicada depois que eles ficavam afastados por algum tempo. Ele esperara que Anne trouxesse seu filho, embora soubesse que a saúde do menininho poderia impedir isso.

Anne sorriu ao segurar sua mão. Havia tristeza nesse sorriso; ela notara o quanto ele estava ansioso por ver o filho e a decepção em seu rosto ao perceber que sua esposa não trouxera a criança.

- Seja bem-vinda a Londres, minha querida.

- Não pude trazer Eduardo. Não ousei fazer isso. Sua tosse piorou. Achei que a jornada seria penosa demais para ele.

Richard assentiu.

- Ele superará a fraqueza à medida que crescer - disse, fingindo segurança, mas acrescentou: - Se Deus quiser.

- Sim, ele vai superar. Ele estava melhor na primavera.

Anne sorriu e tentou parecer empolgada, mas tudo que realmente sentia era exaustão. Ultimamente, estar com Richard vinha sendo uma espécie de provação. Ela precisava fingir continuamente que sua saúde estava melhorando-e não era fácil, porque estava muito longe da verdade.

À medida que cavalgavam lado a lado até a cidade, ele lhe contou que o rei estava no palácio da Torre e que a coroação transcorreria no dia 24 de junho. Como estavam no dia 5, não tinham muito tempo.

Havia muito o que contar a Anne, mas ele não queria sobrecarregá-la com os eventos nem alarmá-la. Ele podia ver o quanto sua esposa ficara tensa ao saber que a rainha estava em santuário.

Ele a levou a Crosby Place, sua residência em Londres. Assim que chegaram, insistiu para que ela descansasse. Ele se sentou ao seu lado na cama e conversou com ela, explicando como os Woodvilles haviam tentado assumir controle do rei, que suas ambições precisavam ser cortadas pela raiz e que, por esse motivo, ele tivera de aprisionar lorde Rivers e lorde Richard Grey. O rei não ficou muito feliz.

- Entenda, Anne, eles o criaram para ser um Woodville. Meu irmão era condescendente demais. Ele permitiu que a rainha cercasse o menino com seus parentes. Ensinaram a ele que os Woodvilles são maravilhosos, sábios e bons.

- Isso significa que ele não gosta de você? Richard assentiu, entristecido.

- Mas eu mudarei isso. Ele aprenderá com o tempo.

- Queria tanto que este conflito não estivesse acontecendo... -disse Anne. - E queria que você pudesse voltar para Middleham.

- Teremos de esperar um pouco até que eu possa fazer isso. Meu irmão deixou-me com esta incumbência e preciso cumpri-la.

Para acalmar Anne, Richard começou a falar sobre Middleham. Perguntou sobre os progressos de seu filho com as lições. O menino era inteligente e suas conquistas académicas eram um assunto mais feliz do que sua saúde.

Anne finalmente dormiu. Enquanto Richard estava saindo da alcova de Anne, foi abordado por um de seus criados. O criado disse-lhe que Robert Stillington, bispo de Bath e Wells, estava lá embaixo e pedia para conversar urgentemente com ele.

Richard ordenou que o bispo fosse levado a sua presença. Mandou que ele se sentasse e contasse a natureza dessas notícias tão importantes.

Stillington dobrou as mãos e pareceu pensativo. Depois de chegar clamando urgência, parecia relutante em explicar a causa de sua visita.

Richard sabia que ele era um daqueles homens ambiciosos que procuram subir na vida através da Igreja. Havia muitos deles na Inglaterra. Ele fora um yorkista ferrenho e, em 1467, tornara-se lorde chanceler, cargo do qual fora privado por ocasião da restauração da Casa de Lancaster. Mas o cargo fora-lhe devolvido quando Eduardo retornara. Ele se afastara do cargo depois de alguns anos, e na época em que Eduardo estava atormentado pelas alegações bombásticas de Henrique Tudor, Stillington fora mandado para a Bretanha com a missão de persuadir o duque a se render a Eduardo.

Ele fracassara. Mais tarde, na época da morte de Clarence ele fora aprisionado na Torre. O motivo de sua prisão fora um tanto secreto; Richard ignorava-o completamente.

Eduardo dissera-lhe que preferia não falar sobre o assunto. Em todo caso, Stillington fora libertado depois de algum tempo.

E agora aqui estava Stillington com essa notícia urgente, a qual prefaciou explicando que ela era apenas para os ouvidos do duque de Gloucester; ele mesmo não sabia que uso poderia ser feito daquela informação.

Impaciente, Richard urgiu-o a explicar.

Stillington afinal pôs tudo para fora:

- Milorde protetor, o falecido rei não era casado realmente com Elizabeth Woodville.

Richard fitou-o, estarrecido. Stillington prosseguiu:

- Milorde, isso é a mais pura verdade. Conheço bem a história. Eu mesmo estava a serviço do rei quando ele deu seus votos a outra dama. Ela foi para um convento, isso é verdade, mas ainda estava viva quando o rei passou por uma forma de casamento com Elizabeth Woodville.

- Milorde bispo, compreende o que está dizendo?

- Compreendo, milorde. Eu já ponderei muito sobre esse assunto. Houve apenas uma outra ocasião em que o mencionei... e contei àquele a quem considerei que o assunto mais interessava: o duque de Clarence.

- Você contou isso ao meu irmão! - Richard fitou o bispo, horrorizado. - Quando? - inquiriu Richard. - Quando?

- Pouco antes de sua morte.

Estava ficando claro agora, os eventos se encaixavam. Stillington na Torre. Clarence afogado num barril de vinho malmsey. Clarence precisava morrer, sendo possuidor de um conhecimento tão perigoso.

Claro que aquilo interessava a Clarence. Aquilo significava que ele, e não o filho de Eduardo, era o herdeiro do trono!

E Clarence morrera. Eduardo providenciara isso. Ao mesmo tempo ele aprisionara Stillington na Torre.

Mas por que Eduardo o libertara? Não era típico de Eduardo? Ele sempre via o lado melhor das pessoas. Ele queria ficar em bons termos com todo mundo. Richard podia imaginar seu irmão, o rei Eduardo, dizendo a Stillington:

- Dê-me sua palavra de que não contará isso a. mais ninguém e pagará uma fiança por uma traição trivial.

E Stillington dera sua palavra a Eduardo, a qual mantivera até este momento. Mas ele, obviamente, fora liberado dessa promessa. Richard estava falando lentamente:

- Você disse que meu irmão se casou... antes de passar por uma forma de casamento com a rainha.

- Digo isso enfaticamente, milorde protetor, porque presidi o casamento.

- Meu irmão tinha muitas amantes.

- A rainha era uma delas.

- Sem dúvida ele se casou movido por alguma paixão fugaz...

- Não, não. A dama foi lady Eleanor Butler, filha do conde de Shrewsbury. Ela era viúva quando o rei a conheceu.

- Aparentemente meu irmão tinha um fraco por viúvas e esposas-murmurou Richard.-Prossiga. A filha do velho Talbot.

- Seu marido fora Thomas Butler, herdeiro de lorde Sudeley. Ela era alguns anos mais velha que o rei.

- Ele gostava de mulheres mais velhas - disse Richard, jocoso.

- Ele passou por esta forma de casamento com ela. Ela era sua esposa quando ele passou por uma forma de casamento com Elizabeth Woodville. Lady Eleanor foi para

um convento e descobri que ela morreu em 1568.

- Então ela morreu depois que Eduardo passou pela forma de casamento com Elizabeth Woodville.

- Precisamente. Milorde protetor, entende o que isso significa?

- Significa que Elizabeth Woodville era amante do rei e que o príncipe que agora vive no Palácio da Torre é um bastardo.

- Significa exatamente isso.

- Milorde bispo, o senhor me chocou profundamente. Imploro que não conte isto a mais ninguém... a absolutamente ninguém, entende?

- Permanecerei em silencio, milorde protetor, até que tenha a sua permissão de dizer a verdade.

- Aprecio que tenha me procurado.

- Achei que isso era uma coisa que o senhor precisava saber.

- Isso será mantido em segredo. Preciso ponderar sobre o assunto. Preciso decidir se essa informação deve ser usada ou não.

- Compreendo, e lhe dou a minha palavra.

- Obrigado, bispo. Fez bem em me contar.

Ao sair, o bispo deixou Richard parado, olhando para a frente, visualizando as opções que lhe haviam sido oferecidas.

Jane Shore não se sentia tão feliz desde os tempos em que o rei estava vivo. Foi uma revelação perceber que realmente começava a gostar do homem que pretendera enganar e por quem, durante anos, acalentara um ressentimento profundo. Mas Hastings era muito diferente daquele jovem rude que tentara raptá-la. com o passar dos anos, Jane tornara-se uma obsessão para ele, enquanto a observava com o rei e descobria suas qualidades. Agora Hastings descobria que toda aquela gentileza, inteligência gentil e beleza extraordinária lhe pertenciam.

Os amigos de Hastings riam. Hastings se acomodou, diziam.

Sua esposa, Katherine Neville, filha do conde de Salisbury, há muito era indiferente aos seus casos extraconjugais. O casal tivera três filhos e uma filha, e portanto o casamento podia ser considerado um sucesso, sob certo ângulo. Não tentavam interferir no estilo de vida um do outro, o que começara porque Hastings fora mais íntimo do rei do que qualquer outra pessoa na Terra, Eduardo Chegara até mesmo a dizer que eles deveriam ser enterrados lado a lado quando morressem; bons amigos como haviam sido em vida - a despeito de uma ocasião em que os Woodvilles haviam tentado semear discórdia entre os dois, o que rapidamente se revelou inútil - não deviam ser separados na morte.

Jane conversou muito com Hastings a respeito da rainha. Ela estava com muita pena de Elizabeth. Hastings acreditava que sua consciência a atormentava. Ela errara ao tomar o marido da rainha? Hastings ria disso. Eduardo tivera amantes inumeráveis e o fato de Jane ter sido sua favorita jamais magoara a rainha.

O rei estava no Palácio da Torre e ninguém que ele quisesse ver era impedido de visitá-lo... exceto a mãe, o irmão e as irmãs, que estavam em santuário. Ninguém os impedia, mas era incerto o que aconteceria caso emergissem.

O menino ficava deliciado em ver Hastings, porque sabia que ele fora o melhor amigo de seu pai. Ele sabia que sua mãe não gostava de Hastings, mas tinha uma vaga ideia de que isso era porque os dois costumavam sair muito para beber e cortejar mulheres. Era compreensível que sua mãe não gostasse dele. Mas, ao mesmo tempo, Eduardo não conseguia evitar gostar de Hastings.

Hastings tinha um charme parecido com o do falecido rei. Era bonito, tinha boa conversa e sabia fazer um rei jovem e inseguro sentir-se absolutamente confortável. Ele era muito diferente de seu tio Gloucester, sempre muito sério e que o oprimia com sua presença. A dama Jane Shore também o visitava. Ninguém a impedia e ele sempre gostara de Jane. Ela era sempre alegre e, ao mesmo tempo, parecia entender que o menino ficava meio irritadiço quando suas gengivas sangravam e seus dentes doíam.

Jane costumava dizer:

- Eu sei por que nosso rei está de cara amarrada... são as gengivinhas e os dentinhos!

Jane entendia que ele não queria sentir-se triste o tempo inteiro, mas que não conseguia evitar; e isso o fazia sentir-se muito melhor.

- Quero ver minha mãe - disse o pequeno Eduardo. . Quero que ela venha aqui. Por que ela precisa se esconder?

- Eu posso visitá-la no santuário e dizer-lhe que você gostaria de vê-la.

- Pode fazer isso, Jane?

- Mas é claro. Nada me impede de visitá-la.

- Eu sou o rei. Sou eu quem deveria dizer quem vai para onde.

- Espere um pouco. Você será.

- Qualquer um pensaria que meu tio Richard é o rei. Queria que o meu irmão Richard viesse aqui. Nós poderíamos brincar juntos e eu não me sentiria tão solitário.

Jane prometeu ao menino:

- Irei ao santuário e direi isso a eles.

Mais tarde, ela conversou com Hastings sobre a tristeza do reizinho.

- Pobre criança, pois é isso que é, trancada na Torre com toda aquela cerimónia! Acho que não gosta muito de ser rei. Preferia estar com a família. Sei que você não gosta dos Woodvilles, William, mas eles são devotados uns aos outros.

Hastings estava pensativo. Ele não gostava dos Woodvilles. Eles sempre haviam sido seus inimigos, especialmente desde que Eduardo concedera-lhe a Capitania de Calais. Se pudessem, os Woodvilles teriam-no destruído. Hastings apoiara Gloucester porque o irmão do rei era um adversário ferrenho dos Woodvilles. Hastings pensara que se tornaria o braço direito de Gloucester como fora o de Eduardo. Mas Buckingham chegara... Buckingham que não fizera nada antes disso. E agora ele estava firmemente ao lado do protetor, ficando todos os demais relegados a segundo plano.

A cada dia Hastings sentia mais simpatia pelo lado dos Woodvilles. Talvez Jane tivesse algo a ver com isso. Ela gostava dos Woodvilles; tinha aquela noção ridícula de que devia algo à rainha por ter tomado seu marido. Os Woodvilles eram poderosos, embora Rivers e Richard Grey estivessem na prisão, Dorset no exílio e a rainha e sua família em santuário.

Então Hastings começou a se aperceber - com uma pequena ajuda de Jane - que se ao tomar o lado de Gloucester contra os Woodvilles, ele promovera Gloucester, poderia relegar Gloucester a um papel secundário se apoiasse os Woodvilles. Em suas visitas ao jovem rei vira claramente de quem o menino gostava. O rei queria estar com sua família; ele confiava em sua família; ele fora criado pelos Woodvilles para acreditar em sua grandeza e bondade, e aprendera bem suas lições. Qualquer um que quisesse ser amigo do rei teria de ser amigo dos Woodvilles.

E foi este último pensamento que fez Hastings tomar sua decisão. Ele retiraria seu apoio a Gloucester, que estava favorecendo Buckingham a um ponto tal que não havia mais espaço para ninguém entre seus conselheiros. O mais revoltante era que, se não fosse por Hastings, o rei teria sido coroado antes mesmo que Gloucester tivesse sido informado da morte de seu irmão.

Muito bem, Hastings passaria para o lado dos Woodvilles. Ele passaria a apoiá-los, e a primeira coisa que faria seria comunicar sua decisão à rainha.

- Se eu for ao santuário, isso será notado imediatamente disse Hastings. - Gloucester seria informado e eu estaria preso num piscar de olhos.

- Prometi ao rei que iria visitar sua mãe - disse Jane. Por que não posso levar-lhe uma mensagem sua?

Assim, tudo foi providenciado. Jane passaria a visitar o santuário com frequência.

Elizabeth ficou deliciada em vê-la e receber notícias do rei. E ser informada de que Hastings transferira seu apoio de Gloucester para ela e sua família, encheu seu coração de esperança.

William Catesby estava falando honestamente com o duque de Gloucester. Richard gostava de Catesby; havia no homem uma sinceridade que ele notara desde o começo; ele era bem versado em leis e podia oferecer conselhos úteis nesse assunto. Eram homens como Catesby e Ratcliffe que Richard gostava de ter à sua volta.

Ele estava inseguro a respeito de Hastings. Richard recebera com certo espanto a notícia de que Hastings tomara Jane Shore como sua amante. Embora jamais tivesse aprovado o estilo de vida de seu irmão - e considerado esse lado de sua natureza como uma falha de seu ídolo -, Richard acabara por aceitá-lo. Mas ele jamais poderia aprovar o mesmo tipo de comportamento em Hastings. Richard vivera uma vida comparativamente virtuosa; tivera uma amante e dois filhos ilegítimos, mas isso fora antes de seu casamento com Anne, e desde então ele fora o mais fiel dos maridos.

Ele sabia que precisava fazer concessões. Mas Hastings fora promíscuo e, apesar disso, prosperara. Hastings havia, como sempre dissera à rainha, conduzido o falecido rei a aventuras sexuais extravagantes. E agora ele estava com Jane Shore, que já passara pelas mãos de Dorset. Isso enojava Richard.

Por esses motivos, Richard deixara de favorecer Hastings. Ele não queria realmente esse homem em seu conselho. Porém, gostava dele pessoalmente. Hastings era um homem que sabia ser encantador; era influente, mas precisava ser tratado com cuidado.

E agora aqui estava Catesby com uma história perturbadora.

Catesby trabalhara intimamente com Hastings. Este fora uma espécie de padrinho dele, ajudando-o em sua carreira. Hastings ajudara-o a subir consideravelmente nos condados de Northampton e Leicestershire, e o recomendara a Richard.

Richard gostara de Catesby imediatamente e lhe dera uma posição em seu conselho. Portanto, era perturbador que Catesby estivesse falando aquelas coisas sobre Hastings.

Hastings confiava em Catesby. Hastings era um pouco parecido com o saudoso rei, no sentido de que aceitava o que lhe era agradável e rejeitava o que o incomodava.

Hastings não devia confiar tanto nas pessoas.

Catesby estava dizendo que não podia acreditar que aquilo fosse realmente verdade, mas temia que fosse. Hastings estava mantendo comunicação com a rainha.

- Como ele faz isso? - indagou Richard.

- Através de Jane Shore. Ela visita a rainha no santuário. Já a vi fazer isso. Paguei algumas pessoas no santuário para ouvir as conversas entre a rainha e Shore.

- E Hastings?

- Milorde protetor, ele está preparado para traí-lo, para passar para o lado dos Woodvilles, tirar a rainha do santuário e incitar o povo para o lado do rei. O rei acredita que sua mãe e seu tio são incapazes de cometer qualquer ato maléfico.

- Sei muito bem - comentou Richard. - Ele já deixou isso bem claro.

- Hastings insinuou para mim o que se passa em sua mente - disse Catesby. - Ele confia em mim. Ele me vê como um de seus aliados. Milorde protetor, devo fidelidade ao senhor... não a Hastings. Assim, decidi realizar a dolorosa tarefa de contarlhe o que se passa na mente de Hastings e o que descobri a seu respeito.

- Isso é um choque terrível para mim - disse Richard. Confiei em Hastings. Ele era o melhor amigo de meu irmão.

- O senhor não deve mais confiar nele.

- Asseguro-lhe que não confiarei, e quando tiver aferido que realmente há uma trama contra mim, saberei como agir.

- Então cumpri meu dever - disse Catesby.

- Eu lhe agradeço. Preciso considerar a questão. Enquanto não tomo nenhuma atitude, vigie Hastings para mim. Informeme se averiguar mais alguma coisa. Descubra tudo que puder sobre seus planos.

Castesby jurou que descobriria.

Depois que ele saiu, Buckingham foi chamado. Richard contou-lhe o que Catesby lhe revelara. Buckingham ouviu atentamente.

- Hastings sempre foi um idiota. - Só existe uma maneira de lidar com traidores, mesmo quando são idiotas.

- É o que acho - disse Richard. - Mas ainda há mais coisas para descobrirmos. Buckingham, há mais uma coisa de grande importância que preciso lhe contar. Stillington procurou-me com uma revelação muito estranha. Ele disse que meu irmão não era casado realmente com Elizabeth Woodville.

- Será que isso é verdade?

- Segundo Stillington, é. Ele casou meu irmão com lady Eleanor Butler.

- Por Deus! A filha do velho Shrewsbury. Eleanor era minha sobrinha... filha de minha irmã. Ela teria sido muito mais adequada ao posto de rainha da Inglaterra do que aquela Woodville.

- Sim, você tem razão. Eleanor Butler foi para um convento e morreu lá, mas vários anos depois do "casamento" de meu irmão com Elizabeth Woodville.

- Então, Richard, o senhor é o rei da Inglaterra.

- É o que parece.... se Stillington diz a verdade.

- E por que ele não diria?

- Este é um assunto delicado. Precisa ser provado.

- Por Deus, nós o provaremos. E quando o provarmos... Mas são excelentes notícias! Teremos um rei maduro, um rei que saiba governar. Não haverá regente... não haverá protetorado... nem menino-rei. É uma resposta dos céus.

- Não tão rápido. Primeiro, precisamos provar isso. Há muito a ser feito. O que mais temo é colocar este país em guerra civil. Já tivemos nosso quinhão disso. Não queremos mais guerras.

- Mas o senhor precisa ser proclamado rei.

- Ainda não. Vamos esperar. Vamos testar os sentimentos do povo.

- O povo aclamará seu rei verdadeiro.

- Primeiro precisamos ter certeza de que eles estão prontos para isso.

Richard olhou para a frente. Ele revelara o segredo. Um segredo que, sem dúvida, geraria consequências importantíssimas.

Era uma descoberta devastadora. Homens como Buckingham costumavam agir imprudentemente. A opinião de Buckingham era de que Richard deveria imediatamente requerer o trono. Era o que Buckingham faria se estivesse na posição de Richard. A bem da verdade, o próprio Buckingham acreditava possuir o direito de sucessão ao trono - um direito fraco, era verdade, mas às vezes ele gostava de lembrar a todos de que estava ciente desse direito.

Richard estava num dilema. Queria estar no comando porque sabia que era capaz de governar. Provara isso impondo ordem ao norte. Ele queria manter o país próspero e em paz, e a última coisa que desejava era uma guerra civil.

O jovem rei o detestava um pouco mais a cada dia. Um dos motivos para tanto ódio era que ele estava mantendo aprisionados lorde Rivers e Richard Grey, e o fato de que sua mãe estava em santuário. O jovem Eduardo culpava Gloucester por isto, o que era lógico; mas o rei não compreendia que sua mãe e seus parentes maternais arruinariam o país se obtivessem poder absoluto. Lorde Rivers era realmente um homem encantador; ele se tornara campeão nas justas, ele tinha a bela aparência dos Woodvilles; ele era quase um santo, mas era tão ambicioso quanto o restante da família e queria governar o rei. Isso era tudo o que os Woodvilles queriam. E Richard também, a propósito. A diferença era que Eduardo IV nomeara seu irmão como protetor e guardião do rei. Eduardo IV sabia - como Richard sabia - que Richard sozinho era capaz de governar o país ao mesmo estilo sábio e vigoroso do saudoso rei.

Mas o novo rei detestava o tio. A única forma que Richard teria para ganhar seu afeto seria libertando os Woodvilles, e para isso teria de se tornar um deles. Eles eram muitos, e haviam angariado tanto poder e riquezas durante o reinado de Eduardo que iriam absorvê-lo. Ele se tornaria uma figura menor. Na verdade seria um seguidor dos Woodvilles. Isso também significaria que teria de sacrificar seus amigosi Buckingham, Northumberland, Catesby, Ratcliffe... Isso era impensável. Ele... um Plantageneta, tornar-se um lacaio dos Woodvilles!

A alternativa a tudo isso seria tomar o poder para si. Parecialhe que tinha todo o direito de fazer isso. Em primeiro lugar, fora nomeado por seu irmão como protetor do reino e do jovem rei. E agora Stillington fizera aquela revelação. Se era verdade que seu irmão não fora casado legalmente com Elizabeth Woodville, ele, Richard de Gloucester, era o verdadeiro rei da Inglaterra.

Ele poderia tomar o poder com a consciência tranquila. Se o povo o aceitasse como rei, poderia impedir a guerra civil. Poderia reinar em paz, como seu irmão havia feito. Era seu dever tomar a coroa. E também começava a ser seu desejo.

Mas precisava agir com cuidado. Raras vezes em sua vida Richard agira imprudentemente. Gostava de avaliar uma situação, decidir como agir, e em seguida considerar as consequências-o lado bom e o lado mau, pois invariavelmente todas as questões tinham os dois lados.

Este casamento com Eleanor Butler precisaria ser provado. Suas consequências seriam tão avassaladoras que não poderia se apressar em tomar uma decisão. Ele precisava de tempo para pensar nisso.

Nesse ínterim, havia outros assuntos urgentes a serem tratados. Hastings, por exemplo. Hastings detinha grande poder. Richard acreditara que ele era leal. Hastings avisara-o da morte do rei e da necessidade de ir preparado até Londres. Isso concedera-lhe muita vantagem. Sem esse aviso ele não teria sabido da morte do irmão até depois da coroação de Eduardo e então teria sido tarde demais. Ele devia alguma coisa a Hastings.

Ainda assim, Hastings o traíra. Ele mereceria morrer, e deveria, porque era o elo entre o rei e os Woodvilles. Se a sua conspiração prosseguisse, ela significaria o fim de Richard. Eles não teriam qualquer pudor em decapitá-lo, sabia disso. Eles o odiavam e o temiam; e o rei daria prontamente seu consentimento.

Aquilo exigia ação imediata. Ele mandou chamar Richard Ratcliffe, um homem em quem ele confiava. Ratcliffe fora administrador da morada do rei Eduardo e sua gerência eficaz chamara a atenção de Richard. Ele viera de Lancashire e Richard conhecia sua família no norte. Era um homem em quem podia confiar.

- Quero que você vá a todo galope até York. Leve esta carta e a entregue nas mãos do prefeito. Quero que ele reúna homens e venha para o sul apoiar-me. E que faça isso a toda velocidade.

Ele escrevera que precisava de homens e armas para ajudálo contra a rainha e seus aliados por sangue e afinidade que, ele tinha certeza, pretendiam destruir a ele e a seu primo, o duque de Buckingham, por representarem o antigo sangue real do reino.

Richard disse a Ratcliffe:

- Esta mensagem é de máxima importância. Qualquer atraso pode custar a minha vida. Deixe isso bem claro para os meus bons amigos no norte.

- Farei isto. Partirei imediatamente. Richard Ratcliffe pegou a carta e saiu.

Mas Richard de Gloucester sabia que não podia dar-se ao luxo de aguardar ajuda do norte.

Era sexta-feira, 13 de junho, dois dias depois que Ratcliffe partira para o norte. O protetor convocara o conselho para uma reunião na Torre. Não havia nada estranho nisso; as reuniões eram frequentes naquela época, e a Torre costumava ser o local escolhido.

Entre aqueles que compareceram estavam o arcebispo Rotherham, Morton bispo de Ely, lorde Stanley e lorde Hastings.

Richard sabia exatamente o que precisava fazer.

Aquilo seria extremamentte desagradável, mas precisava ser feito. Era isso ou sua própria cabeça e o desastre para a Inglaterra. Assim, ele não deveria fugir ao seu dever. Seu irmão não fugira ao dever quando chegara ao mesmo ponto. Clarence assinara sua sentença de morte quando ameaçara Eduardo com o conhecimento da ilegitimidade de seus filhos.

Eduardo fora forte, assim como Richard precisava ser.

Era uma manhã belíssima. O sol reluzia nas águas do Tamisa enquanto a barcaça de Richard o levava até a Torre. Ele correu os olhos ao longo do rio e então se virou a fim de olhar para a Torre O rei restava lá... no palácio. Ele devia permanecer no palácio até que o protetor tivesse decidido a melhor forma de agir.

Ele encontrou o bispo Morton ao entrar na câmara do Conselho. Richard foi afável, mas seu coração nutria uma desconfiança profunda pelo bispo. Um lancasteriano arraigado que mudara de lado e servira a Eduardo de York quando esta passara a ser a atitude mais vantajosa. Richard jamais gostaria de homens assim; teria mais respeito pelo bispo se ele tivesse se recusado a servir Eduardo e tivesse ido para o exílio. Mas não aquele bispo ambicioso. Ele estava muito confortável em seu palácio em Ely Place, onde possuía o mais maravilhoso dos jardins.

Richard disse ao bispo:

- Ouvi dizer que seus morangos estão particularmente deliciosos este ano.

- É verdade. O clima foi perfeito para eles.

- Espero ter uma oportunidade de prová-los.

- Será uma honra. Mandarei buscá-los em Crosby Place. Tenho certeza de que lady Anne irá apreciá-los.

- Muito obrigado, bispo.

Stanley, Rotherham e Hastings haviam chegado. Todos pareciam calmos. Estava claro que não tinham a menor noção do que estava prestes a acontecer.

Richard escondeu o asco que sentiu ao ver Hastings. Ele devia ter vindo direto dos braços de Jane Shore. Parecia animado, mais jovem do que antes. Estava claramente apreciando a companhia da amante favorita do rei morto.

O encontro do conselho procedeu como de costume.

Depois de algum tempo, Richard disse aos conselheiros:

- Milordes, terão de continuar sem a minha presença durante algum tempo. Tenho um outro compromisso ao qual preciso comparecer. Estarei de volta com vocês num piscar de olhos.

Esse foi o primeiro indício naquela manhã de que alguma coisa estranha estava acontecendo. Era muito incomum que Richard saísse daquele jeito, subitamente. Era quase como se estivesse se preparando para alguma provação e quisesse rezar antes de realizá-la.

Hastings estava pensando que embora Richard parecesse calmo, ele parecia um pouco mais tenso que de costume. Por exemplo, Richard não olhara na direção de Hastings desde que ele chegara. Em compensação, parecera bem natural ao conversar sobre os morangos de Morton. Acho que estou imaginando coisas, pensou Hastings. Era por causa de Jane. Ela estava preocupada porque estava se envolvendo muito profundamente na conspiração com a rainha.

Richard retornou. Ele parecia completamente diferente do homem que saíra da Câmara do Conselho. Sua tez estava pálida; havia um brilho de determinação amarga em seus olhos.

Ele falou calma mas firmemente:

- Milordes, vocês sabem muito bem quem o meu irmão escolheu como guardião de seu filho, não sabem?

- Claro. Foi o senhor... o irmão dele.

- Isso é verdade. Mas há traidores que me privariam de meus direitos... traidores que me destruiriam. Que punição merecem aqueles culpados de traição?

Ninguém disse nada. Todos estavam estarrecidos, tendo sido surpreendidos de guarda baixa.

- Respondam-me. Lorde Hastings, o que o senhor acha?

- Bem, qualquer um que cometa esse tipo de crime deve ser punido.

- Qualquer um, lorde Hastings, qualquer um mesmo? vou lhes dizer quem planejou trair-me. vou citar os nomes desses traidores. Eles tramaram contra mim... A rainha é uma delas... e Jane Shore, a amante de meu irmão, é outra. Essas duas trabalharam em conluio... contra mim.

Hastings estremeceu ao ouvir o nome de Jane. Ele compreendeu o que acontecera. Compreendeu que as visitas de Jane ao santuário haviam sido notadas. Gloucester sabia...

Tudo aquilo aconteceu tão rápido que Hastings não pôde pensar com clareza. Só conseguiu fitar os olhos ferozes do protetor reluzindo em seu rosto pálido.

- Agora, se essas mulheres conspiraram contra mim, então são traidoras... Que destino deve ser reservado aos traidores?

Fez-se silêncio na mesa. Os olhos de todos estavam fixos em Gloucester. Ele se virou para Hastings.

- O senhor está silencioso. Diga-nos que destino deve ser reservado a essas... traidoras.

Hastings forçou-se a falar.

- Se elas cometeram esses atos e se isso puder ser provado... - começou.

Richard virou-se para ele.

- Você me responde com os seus "se" e "e". Eu lhe digo uma coisa, elas fizeram isso. E você esteve mancomunado com elas nesse ato de traição!

Richard golpeou a mesa com tamanha violência que todos os presentes recuaram em suas cadeiras.

- Eu vou colocar o bem em seu corpo, milorde Hastings. Fez-se um momento de silêncio. Durante meio segundo Richard

hesitou. Olhou para Hastings. Ele gostara desse homem que tinha sido o melhor amigo de Eduardo. Sua companhia dera muito prazer a Eduardo. Mas isso tornava o remédio ainda mais necessário. Hastings sabia que Eduardo o nomeara protetor do rei; e mesmo assim predispusera-se a trair não apenas Richard, mas também Eduardo.

Ele não poderia permitir-se o luxo da clemência; precisava ser forte. Tudo dependia de como agisse naquele momento.

Ele olhou com firmeza para Hastings.

- Juro que não jantarei antes que sua cabeça esteja separada do corpo. Você é um traidor, Hastings, e a recompensa dos traidores deve ser a morte.

Ele deu um tapa na mesa. Era o sinal que os guardas aguardavam. Os guardas entraram gritando:

- Traição!

Richard olhou para os guardas e os rostos lívidos dos homens reunidos à mesa.

- Prendam esses homens - gritou Richard, indicando Rotherham, Morton e Stanley. - Levem-nos daqui. Mas não lorde Hastings. Não... não lorde Hastings. Você, traidor, morrerá agora.

Era o sinal. Os guardas dominaram os quatro homens. Rotherham e Morton foram levados para câmaras na Torre. Stanley foi para sua casa sob guarda; mas Hastings foi conduzido imediatamente à Torre Verde. Um padre foi encontrado para que ele pudesse se confessar.

Hastings, ainda atordoado, permaneceu em pé na Torre Verde. Tudo fora tão repentino... Naquela manhã ele se despedira de Jane - agora sua amada amante carinhosa, exatamente como ele sempre sonhara-dizendo-lhe que a veria novamente em breve.

Ultimamente ele andava muito feliz. Estava envolvido numa conspiração, era verdade, mas isso acrescentava certo tempero à vida. Fora imprudente; fora tolo. Ele jamais gostara dos Woodvilles. Agora percebia como fora estúpido em querer passar para o lado deles. Gloucester era um homem forte. Eduardo sabia disso quando o nomeara protetor.

E agora, esta era a recompensa para sua estupidez. Era o fim.

Não havia um cepo de execução, mas os carpinteiros que trabalhavam na Torre encontraram uma peça de madeira que atenderia a esse propósito.

Uma brisa fresca e adocicada acariciou o rosto de Hastings enquanto ele deitava a cabeça no bloco improvisado e morria.

Os gritos de traição haviam sido ouvidos na cidade. Os jovens saíam para as ruas brandindo qualquer arma que podiam encontrar, enquanto os mercadores preparavam-se para proteger suas lojas e o prefeito convocava reforços. Se havia traição no ar, as batalhas não tardariam. Londres precisava se proteger.

Richard imediatamente mandou um arauto para as ruas. O arauto galopou soando sua trombeta e pedindo ao povo que ouvisse o que ele tinha a lhes dizer. Não havia motivo para alarme. Acontecera apenas que uma conspiração fora descoberta, tendo os responsáveis recebido as punições justas. Lorde Hastings tramara destruir o protetor e o duque de Buckingham, e por isso fora decapitado. Todos sabiam que Hastings desencaminhara o falecido rei, seduzindo-o a viver lascivamente. Também era sabido que Hastings atualmente era amante de Jane Shore, a concubina do falecido rei, uma prostituta e uma bruxa. Hastings estivera com Jane Shore na noite anterior e essa mulher fora apontada como um dos envolvidos na conspiração.

- Larguem as armas, bons cidadãos - gritou o arauto.

- O lorde protetor evitou o perigo mediante uma ação imediata.

Os londrinos ficaram aliviados em fazer isso. Problema era algo que eles não queriam. Mas a turba permaneceu nas ruas especulando o que aconteceria em seguida. Era uma situação inquietante. Um rei menor de idade era sempre uma fonte de problemas. A rainha se encontrava em santuário e os Woodvilles estavam em declínio. Isso era bom. Os londrinos nunca apreciaram a voraz família Woodville. Felizmente o país estava nas mãos do lorde protetor, que provara ser um bom governante no norte.

Alguns homens disseram:

- Não seria mau se o lorde protetor tomasse a coroa.

- Não esqueçam do reizinho-replicaram algumas mulheres.

- Reizinhos causam problemas - foi a resposta.

Mas todos estavam deliciados em saber que não haveria luta

nas ruas.

Richard convocou imediatamente uma reunião do Conselho para explicar o motivo para sua ação imediata. Era sempre perigoso executar homens sem julgamento.

Não houve um só entre eles que não tenha concordado com a necessidade de uma ação imediata. Muitos sabiam que Hastings se desviara de sua lealdade para com Richard. Eles também tinham ciência de sua associação com Jane Shore e era um fato que a esposa do ourives visitava o rei e a rainha. Tudo era muito plausível. Gloucester fizera o que qualquer homem forte teria feito em seu lugar.

Richard apressou-se em mostrar que não guardava qualquer rancor pessoal por Hastings. O falecido rei pedira que Hastings fosse sepultado a seu lado. Assim, Richard ordenou que o corpo fosse levado para Windsor e enterrado ao lado de Eduardo na capela de St George que Eduardo começara a erigir e que ainda estava incompleta. Quanto à viúva de Hastings, Katherine, não deveria ser privada de seus bens e Richard iria colocá-la sob sua proteção.

Jane Shore, disse Richard, era de pouca importância desprovida de seus protetores. Era uma meretriz e como tal deveria pagar penitência e ser privada de suas posses. Ele a entregaria à Igreja, que decidiria qual seria a penitência. E depois que tivesse cumprido a penitência, seria esquecida. Richard não tomaria qualquer ação contra ela. Jane Shore fora amada por seu irmão e ele não esqueceria disso. A penitência e a perda dos bens que Eduardo e outros lhe haviam conferido seria punição suficiente.

E agora os assuntos mais sérios.

Elizabeth Woodville precisava ser persuadida a sair do santuário. Se o fizesse poderia residir com o rei, e ele e o duque de York ficariam juntos conforme ambos desejavam. O mesmo valia para as filhas do rei.

Entretanto, se a rainha se recusasse a deixar o santuário - e ela não poderia ser forçada a isso - o duque de York seria tirado dela.

O Conselho concordou que a escolha deveria ser imposta à rainha.

Muitos rumores corriam não apenas por Londres, mas pelo país inteiro.

Primeiro houve o espetáculo de Jane Shore caminhando pelas ruas com os pés descalços e vestida num robe de mendiga, segurando uma vela acesa.

Aquela era a maior das degradações. A intenção de Richard fora humilhá-la e ele realmente conseguira.

Jane estava profundamente transtornada. Culpava a si mesma pela morte de Hastings. Ela o induzira a conspirar com a rainha. Não fosse por ela, Hastings estaria vivo hoje.

Ela podia ver as pessoas enquanto caminhava. Elas reuniam-se à sua volta, olhos cheios de curiosidade, com malícia e com prazer! As pessoas já a haviam invejado quando era a amante querida do rei. Muitas vezes a haviam aclamado. Jane sempre tentara usar sua posição para fazer algo pelas pessoas, que a amavam por isso. Mas em ocasiões como aquela não eram os gratos que saíam às ruas; eram os maliciosos, os invejosos, aqueles que se consideravam virtuosos.

- Meretriz! - gritavam.

Bem, talvez ela fosse mesmo. Uma prostituta não era melhor só por ser a prostituta do rei.

Não. Ela amara o rei; ela amara Hastings. O ourives... não, ela nunca amara o ourives, mas fora forçada àquele casamento por seu pai. O relacionamento com Dorset não fora bom. Ela se envergonhava de ter se envolvido com ele. Mas onde estaria Dorset agora? Escondido em algum lugar, tramando contra o protetor.

O protetor a desprezava. Jane achava que ele sempre a desprezara. Ela sabia que ele nunca aprovara o afeto do rei por ela. O protetor era frio, distante mas justo. Ele poderia tê-la sentenciado à morte em vez de entregá-la ao bispo de Londres.

Jane tinha certeza de que Richard fora piedoso por saber do afeto que seu irmão nutrira por ela.

Este horror passaria.

Seus pés sangravam porque os paralelepípedos eram pontiagudos. Ela estava ciente dos olhos que a acompanhavam. Entrou na catedral com sua vela; e então saiu mais uma vez para se confessar em Pauls Cross.

Olhos observavam-na. Todos maravilhavam-se com aquela mulher que subira tanto e afundara mais ainda.

Jane estava desolada. Eduardo, morto. Hastings, morto.

O que restava para ela?

"MINHA VIDA ME FOI EMPRESTADA"

Fazia três dias desde a morte de Hastings. O Conselho decidira que uma proposta deveria ser encaminhada à rainha. com uma guarda armada eles viajaram pelo rio até Westminster.

Foi decidido que o arcebispo de Canterbury, Thomas Bourchier, deveria liderar a delegação até a rainha e que lorde Howard iria acompanhá-lo.

Richard e Buckingham esperariam seu retorno no palácio.

Elizabeth estava triste ao recebê-los. Ouvira falar da execução de Hastings e que Jane Shore fora colocada em penitência; também soubera que Jane fora despojada de todos os seus bens mundanos.

Aquele era um revés terrível. Elizabeth depositara grandes esperanças na aliança com Hastings. Eles haviam sido grandes inimigos e o fato de que Hastings procurara uma reconciliação fora particularmente agradável para a rainha.

Elizabeth sempre apreciara intriga, e desde o momento em que ela e sua mãe haviam decidido conquistar o rei e conseguido, ela acreditara possuir um talento especial para isso.

Elizabeth sempre esperava ansiosamente as visitas de Jane Shore e agora, obviamente, alguém as traíra. Ela se perguntou qual era o propósito dessa delegação. Deveria ser de grande importância, dada a presença do arcebispo.

Ele a saudou com respeito. E por que não deveria? Ela era a mãe do rei. Como sentia saudades do filho! E como fora confortante quando Jane trouxera-lhe mensagens dele.

O arcebispo foi direto ao assunto.

- Majestade, é desejo do protetor vê-la sair do santuário. Não há razão para medo. O duque de Gloucester deu sua palavra de que vossa majestade será tratada como a mãe do rei.

Elizabeth levantou a cabeça e seus olhos brilharam.

- E quanto ao meu irmão, lorde Rivers? Richard de Gloucester o aprisionou. Por que razão?

- Vossa majestade deve saber que seu irmão, lorde Rivers, e seu filho, lorde Richard Grey, tentaram tomar o rei do protetor. Eles esconderam do protetor a notícia da morte do rei. É por esse motivo que agora são seus cativos.

- Como eu serei, se sair do santuário.

- Isso não acontecerá, majestade. Vossa majestade não cometeu essas ofensas.

- Não confio no duque de Gloucester.

- Ele se orgulha de manter sua palavra. Ele prometeu ao falecido rei que protegeria seu filho e é isso que está determinado a fazer.

- Sou a mãe do rei. Cabe a mim guardá-lo. Bourchier fez uma mesura com a cabeça e recomeçou:

- O protetor oferece a vossa majestade uma alternativa. Saia do santuário ou entregue o duque de York a mim.

- Entregá-lo ao senhor! Por quê? Ele é uma criança. Ele deve ficar com sua mãe.

- Seu irmão está pedindo por ele. Ele quer tê-lo a seu lado em seus aposentos na Torre.

- Não deixarei que o levem.

- Vossa majestade não tem alternativa. Ou sai do santuário com seu filho e suas filhas... e o protetor promete que se fizerem isso serão tratados com o respeito devido à sua posição... ou vossa majestade entrega o duque de York a meus cuidados.

Elizabeth ficou em silêncio. Não queria perder o filho. Por outro lado, ela ousaria emergir do santuário? Sua grande esperança residia em levantar uma insurreição contra o protetor, o que considerara possível através de Hastings.

Ela precisava permanecer no santuário.

E se deixasse o duque ir? Ele estaria com o seu irmão. Pobre criança, ele odiaria deixar sua mãe e suas irmãs, mas ficaria com o irmão... e seria bom para Eduardo ter o irmãozinho por perto.

Elizabeth deveria deixar o santuário para que todos eles ficassem juntos de novo? Os seus instintos maternais diziam-lhe que deveria fazê-lo. Conhecia Gloucester bem o bastante para saber que ele não seria cruel com a rainha, a não ser que ela tramasse deliberadamente contra ele. A bem da verdade, ele fora condescendente com Jane Shore após suspeitar que ela tramara contra ele. Jane realmente trouxera mensagens de Hastings; outras pessoas teriam exigido sua cabeça por isso. Penitência e confisco de bens haviam bastado para Gloucester.

Não, ele não seria rígido com ela. Ele lembraria da afeição que seu irmão nutrira por ela e, por esse motivo, seria gentil.

Ela devia deixar o santuário.

Não... não... esse seria o fim da esperança. Ela estaria mais segura aqui.

Ela deixaria que Richard fosse.

Foi uma decisão fatídica. Nos anos seguintes ela pensou muito a respeito, e se perguntou o que teria acontecido aos seus filhos se tivesse deixado o santuário naquela época e mantido toda a família perto de si.

Elizabeth mandou chamar Richard. Ele veio correndo. Era um menininho encantador, mais saudável do que seu irmão mais velho, e mais animado também. O pobre Eduardo estava sempre cansado, sofrendo daquela doença estranha dos ossos que, diziam os doutores, o impediam de crescer normalmente. Pobre reizinho, jamais seria como o pai. Era diferente com Richard. Ele era um menino saudável, normal.

- Richard, meu pequenino! - saudou Elizabeth, envolvendo-o com os braços. - Você vai ver seu irmão Eduardo.

- Oh, majestade, quando iremos? Agora?

- Nós não vamos. Eu e suas irmãs ficaremos aqui. Apenas você irá.

- Eduardo está voltando para nós?

- Não. Você está partindo para ficar com Eduardo.

- E a senhora? Quando sairá daqui?

- Isso, querido, não posso dizer. Dependerá do seu tio.

- Eu não gosto do meu tio.

- Meu bem, nenhum de nós gosta dele. Mas, durante algum tempo, teremos de fazer tudo que ele mandar.

Elizabeth puxou o filho mais para perto e sussurrou em seu

ouvido:

- Nem sempre será assim, Agora, você precisa ir com o arcebispo. Ele irá levá-lo até Eduardo e vocês poderão brincar de arco e flecha juntos.

Richard sorriu.

- Eu posso atirar mais longe que Eduardo!

- Bem, você precisa lembrar que ele não é tão saudável quanto você. Sempre lembrará disso, não lembrará?

- Sim, majestade. Mas a senhora irá para lá em breve, não irá? E Elizabeth... e Cecily...

- Assim que puder, estarei com vocês. Você não acha que gosto de estar separada dos meus menininhos, acha?

- Não, querida mãe, não acho. E você odeia...

- Querido... não diante desses cavalheiros.

O menino envolveu o pescoço da mãe com seus pequenos braços e sussurrou:

- Mamãe, eu também não gosto muito deles.

- Este é o arcebispo de Canterbury, meu amor. E lorde Howard. Eles vão cuidar de você. - Ela levantou seus olhos para o arcebispo.-O senhor cuidará bem dele? Quero a sua promessa.

- A senhora a tem, majestade. Colocarei minha vida a serviço da segurança do príncipe.

- Então leve-o e não esqueça sua promessa. Adeus, pequeno príncipe. Despeça-se de suas irmãs. Você ficará com o seu irmão. E estarei aqui, pensando em vocês dois com todo meu carinho. Diga isso a seu irmão, está bem?

- Sim, majestade, direi.

- E não se esqueça disso também.

O menino se jogou nos braços da mãe.

- Eu não quero deixar a senhora, mamãe. Quero ficar com a senhora. Não quero ficar com Eduardo, mesmo...

Ela abraçou o filho com força e olhou para o arcebispo, que balançou a cabeça.

-Vossa majestade poderia ir com ele - lembrou o arcebispo.

De novo o dilema. Ela precisava ficar. Não ousava sair. Como ela poderia ter certeza do que lhe aconteceria? Se Elizabeth queria um dia reaver seu filho mais velho, precisava ficar no santuário e abrir mão de seu filho mais novo.

- Meu bebé, você deve ir. Precisa ser corajoso, meu amor. Estaremos juntos de novo em breve. Eduardo está solitário e sente saudades de você.

- Sim, mamãe.

Ela o beijou ternamente e mandou chamar suas filhas, que se despediram do menino.

Então o arcebispo segurou a mão do menino e saiu com ele do santuário.

Naquele dia o pequeno Richard entrou na Torre para ficar com o irmão.

Em sua prisão em Sheriff Hutton, lorde Rivers ouvia ocasionalmente notícias do que estava acontecendo no país. Que o protetor estava no comando era óbvio. Fora um golpe de mestre prendêlo em Northampton; isso concedera a Gloucester domínio total sobre o rei.

Mesmo assim, os Woodvilles haviam chegado muito perto do sucesso. Depois que o rei tivesse sido coroado, ninguém teria podido requisitar responsabilidade sobre ele, por mais jovem que fosse, e Eduardo estava bem treinado para insistir que seus parentes Woodville continuassem à sua volta. Isso teria sido o fim do protetor. Assim, Gloucester teria de se juntar aos Woodvilles, e se tornar um membro inferior da facção, ou retornar para o norte. Não, teria sido perigoso demais deixá-lo fazer isso. Gloucester tinha o norte a seu lado. De lá, Gloucester provavelmente tentaria alguma coisa, porque ele - como um bom Plantageneta - jamais aceitaria um papel subsidiário com os Woodvilles.

Sim, eles teriam precisado eliminar Gloucester. Ele era um mestre na arte da estratégia e da justiça. Eduardo tinha-o mais em conta do que qualquer outra pessoa. Elizabeth sabia disso, o que sempre a preocupara. Mas Elizabeth também sabia que ninguém conseguiria mudar a opinião do rei e que, se tentasse fazer isso, Eduardo se voltaria contra ela.

Gloucester realmente tinha todos os dons necessários a um bom governante. Rivers tinha de reconhecer. Mas como os Woodvilles queriam ter a Inglaterra em suas mãos!

E ele, Rivers, era o chefe da família. Ele teria sido o principal conselheiro do rei.

Gloucester sabia e era por causa disso que o destino de Rivers era inevitável.

Se dependesse de sua vontade, Gloucester decerto o teria executado prontamente, como fizera com Hastings. Mas não teria sido sensato. Agindo assim, Gloucester poderia ter voltado o país contra ele. Gloucester preferira proceder com cautela. Ele prendera Rivers e Grey para afastá-los do rei; postergara a coroação e se estabelecera como protetor. E como a última coisa que o povo queria era um conflito sangrento, pois só Deus sabia o quanto os ingleses tinham sofrido com aquelas Guerras das Rosas, Gloucester fora aceito. Os cidadãos viam nele um governante bom e estável, e era isso que desejavam.

Assim, agora havia apenas um destino lógico à espera de Rivers. A única questão era quando esse destino chegaria. Ao saber que Northumberland chegara a Sheriff Hutton, Rivers calculou que seu destino estava próximo.

O julgamento foi curto. Ele foi acusado de traição e condenado. Não teria sido tão fácil para eles considerá-lo culpado se uma grande quantidade de armas não tivesse sido encontrada em sua bagagem. Isso indicava claramente que estava pronto para uma batalha.

Ele passou sua última noite fazendo seu testamento, orando e escrevendo poesia.

"Minha vida me foi emprestada e agora está próxima a hora em que terei de devolvê-la. Seja bem-vindo, Destino..."

Ele escreveu e encontrou algum prazer em meditar e escrever como o Destino o tratou e o conduziu ao estado em que se encontrava agora.

Disseram-lhe que seria levado a Pontefract, onde Richard Grey era mantido prisioneiro. Thomas Vaughan também seria levado de Middleham para lá, e assim todos poderiam perder suas cabeças no mesmo lugar e no mesmo dia.

Lorde Rivers pediu para ser enterrado ao lado de seu sobrinho, lorde Richard Grey.

O pedido foi concedido. No dia 24 de junho lorde Rivers, lorde Richard Grey e sir Thomas Vaughan foram decapitados em Pontefract.

REI RICARDO III

Buckingham estava ficando impaciente. Homem volátil, impulsivo, sempre em busca de emoções fortes, Buckingham gostava que os eventos transcorressem com rapidez, e, quando pareciam se arrastar, ele sempre procurava uma forma de apressá-los.

Richard contou-lhe sobre a revelação de Stillington. Buckingham sugeriu que Richard deveria levar esse conhecimento a público e tomar a coroa.

Esse era um passo importante, sobre o qual Richard meditava há algum tempo. Contudo, ainda hesitava. Em primeiro lugar, parecia desleal para com seu irmão declarar os filhos dele ilegítimos. Isso teria enfurecido Eduardo. Por outro lado, o rei sabia da verdade. Assim que Clarence fora informado por Stillington, Eduardo eliminara seu irmão e aprisionara o clérigo na Torre.

Eduardo V não tinha direito ao trono... e isso era a mais pura verdade.

No momento, o maior problema do país era que havia facções rivais conspirando uma contra a outra, e isso se devia à menoridade do rei. Entretanto, se fosse provado que o verdadeiro rei era um homem maduro, um homem com capacidade de governar, que dádiva isso seria para a Inglaterra!

Buckingham tinha razão. Ele devia contar a verdade ao povo e em seguida proclamar-se Ricardo III.

Isso salvaria o país de uma possível guerra civil... e os ingleses já estavam cansados de lutar entre si.

Richard debateu o assunto com Buckingham. Ele ponderou profundamente sobre a questão. A atitude mais correta seria contar a verdade ao povo. Isso seria melhor para o país.

Mas como o segredo deveria ser revelado?

- Podemos mandar o lorde prefeito de Londres fazer uma declaração em Paul s Cross - sugeriu Buckingham. - Os londrinos confiam em seu prefeito; sir Edmund Shaa é o homem ideal para esse posto.

- Meu irmão sabia bem disso e tinha-o em alta estima.

- Tinha, de fato. Shaa é um ourives próspero. O senhor sabe como o seu irmão gostava de homens como ele. Afinal, ele não conheceu Jane numa ourivesaria? Shaa é um membro da Associação dos Ourives e novo prefeito. Vamos procurá-lo e dizer-lhe o que precisamos que ele faça.

- Sim - disse Richard. - Mande chamá-lo.

Sir Edmund Shaa se dirigiu ao Castelo de Baynard. O protetor se mudara de Crosby Place para lá na época em que o jovem Eduardo passara a viver na Torre.

Shaa ouviu com atenção. Ele conhecera o falecido rei na época de sua obsessão com Eleanor Butler e achou perfeitamente natural que um casamento tivesse acontecido. Sim, ele acreditava que Richard era o verdadeiro rei e concordava que seria muito bom para o país se todos aceitassem isso.

- Há mais um fator-disse sir Edmund Shaa. - Ouvi dizer que seus irmãos, o rei Eduardo e George, duque de Clarence, não eram filhos do duque de York. Aparentemente, a própria duquesa de York declarou isso quando ficou furiosa com o casamento do rei com Elizabeth Woodville. Ela revelou que tivera um amante enquanto o duque estava longe em suas muitas campanhas, e que Eduardo e George foram o resultado desse caso.

Richard balançou a cabeça, mas Buckingham estava empolgado.

- Isso fortalece o caso - argumentou sir Edmund.-Tanto o falecido rei quanto seu filho são bastardos! Meu lorde protetor, precisamos pensar no país. Queremos um bom caso. Precisamos pôr fim a este conflito. Se ele prosseguir, podemos nos ver envolvidos numa guerra civil.

- Isso precisa sem impedido a todo custo - disse Richard.

- A Inglaterra é mais importante do que qualquer coisa. Um menino rei é o maior perigo que pode nos ameaçar.

Buckingham assentiu para sir Edmund. Isso foi um fator decisivo para que o protetor desse seu consentimento. Sim, sir Edmund poderia oferecer todos os detalhes ao povo em PauPs Cross.

Buckingham ficou exultante. O plano funcionaria. Dentro de alguns dias Richard seria proclamado rei da Inglaterra.

- Não desejo que isso aconteça sem o consentimento do povo - disse Richard.

- Meu lorde protetor, eles implorarão ao senhor que tome a coroa.

De St Pauls Cross o lorde prefeito falou ao povo. Ele tinha notícias sérias. Uma grande descoberta fora realizada. O pequeno rei que ainda não fora coroado como Eduardo V não era, afinal de contas, o verdadeiro rei. O rei Eduardo IV já estava casado quando consumou uma forma de matrimónio com Elizabeth Woodville.

Isto fora provado. A esposa verdadeira do rei não era outra senão lady Eleanor Butler, filha do conde de Shrewsbury: uma dama de posição mais elevada que a da rainha Elizabeth Woodviile na época de seu casamento falso. Claro que todos sabiam como os Woodvilles havia ascendido desde aquela época, mas deviam sua prosperidade a uma cerimónia inválida e que jamais deveria ter sido realizada. A verdade era que o menino a quem eles chamavam rei Eduardo V era um bastardo e portanto jamais deveria ter sido chamado de rei.

Havia apenas um rei verdadeiro na Inglaterra. Eles o conheciam bem. Ele prestara bons serviços no norte e contivera os escoceses. Ele servira ao seu país e seu irmão com lealdade absoluta. E ele era o legítimo rei da Inglaterra.

Havia uma outra questão. O próprio Eduardo fora um bastardo. Á duquesa de York tivera amantes ocasionais durante as ausências frequentes de seu marido. Tanto Eduardo, o falecido rei, quando George, duque de Clarence, haviam sido bastardos. A própria duquesa ameaçara revelar isso na época em que o falecido Eduardo IV passara por uma forma de matrimónio com Elizabeth Woodviile, tão chocada ficara em ver uma mulher malnascida casar com seu filho. Contudo, não o fizera para não expor sua própria desonra. Mas agora que o rei - e ninguém duvidava que Eduardo fora um grande rei estava morto, eles não precisavam se desesperar. O passado pertencia ao passado. Eles tinham um novo rei, um que provara sua capacidade de servi-los bem.

Eles tinham o rei Ricardo III.

A multidão diante de PauPs Cross ficou silenciosa. Essa era a revelação mais estarrecedora que já tinham ouvido, e se o porta-voz fosse qualquer outro que não seu

lorde prefeito, eles considerariam aquelas as palavras de um louco.

O rei já era casado antes de desposar Elizabeth Woodviile! O reizinho era um bastardo. E aquelas coisas difamantes que o prefeito dissera sobre a duquesa de York!

Eles queriam se afastar para conversar. Aquilo era estarrecedor. Eles não podiam acreditar.

Sir Edmund Shaa observou-os afastar-se, sussurrando entre si.

No castelo de Baynard, Buckingham e Richard discutiam as reações dos cidadãos.

- O que seu silêncio significa? - perguntou Richard.

- Que eles ficaram chocados, o que é compreensível. Embora tenhamos ouvido alguns rumores, eles não os ouviram. E terão pouco tempo para se acostumar com a ideia.

- Não gosto disso - reconheceu Richard. - Esse pronunciamento não deveria ter sido feito. Não gostei de difamar minha mãe. Declararei que isso é uma mentira.

- O mais importante é o contrato prévio do rei. O senhor acredita nisso, tenho certeza.

- Acredito.

- Stíllington deve ser chamado em público para apresentar provas.

- Não há provas. Apenas a palavra de Stíllington.

- Que motivo ele teria para mentir?

- Ele pode achar que isso lhe concederá vantagens no novo reinado.

- Ele jamais ousaria mentir num assunto como esse. Precisamos agir depressa. Na terça-feira levarei alguns de meus homens com lordes e cavaleiros para o Guildhall. Lá farei uma declaração. O povo encherá o saguão e estará reunido no lado de fora. Lá exporei os fatos novamente.

- Proíbo-o de mencionar minha mãe.

- Não haverá necessidade. Tudo que importa é que o povo aceite que o menino é um bastardo e que o senhor é o rei por direito.

Buckingham foi ao Guildhall como disse que iria. Lá ele falou com toda sua eloquência sobre a situação criada a partir da revelação do bispo Stíllington, e quando abordou o direito de Richard ao trono, gritou:

- Vocês aceitarão Richard de Gloucester como Ricardo III da Inglaterra?

Fez-se um silêncio profundo na multidão que, conforme Buckingham previra, enchia o Guildhall e se espalhava para as ruas lá fora.

Então alguns dos homens de Buckingham gritaram dos fundos do salão:

- Longa vida ao rei Ricardo!

Buckingham pareceu satisfeito.

No dia seguinte, o Parlamento se reuniu. Os fatos foram apresentados; o casamento foi discutido, assim como a ilegitimidade de Eduardo V e de Eduardo IV e do duque de Clarence. Buckingham recordou a seus pares que Eduardo nascera em Rouen e Clarence em Dublin. Richard era um inglês legítimo porque vira a luz do dia no castelo Fotheringay, em Northamptonshire. Eles concordariam que uma delegação deveria ser enviada ao castelo de Baynard para pedir a Richard que aceitasse a coroa?

Eles concordaram. No dia seguinte, Buckingham liderou a delegação até o castelo, onde Richard, com uma demonstração de relutância, concordou aceitar a coroa. O reinado de Eduardo V estava acabado. Começava o reinado de Ricardo III.

Anne chegara a Londres com seu filho Eduardo. Estava preocupada porque tinha certeza de que Eduardo não se sentia saudável o bastante para viajar. Contudo, numa ocasião como aquela ela deveria estar presente, e também seu filho, porque agora ela era rainha... rainha da Inglaterra. Na viagem de volta de Middleham sua apreensão aumentara. Ela se acostumara à vida calma em Middleham; ela desejara, naturalmente, que Richard pudesse estar com eles, mas desde a morte de Eduardo ela mal o via. Fora com certo choque que Anne recebera a notícia de que a coroa fora oferecida a Richard e por que motivo.

Anne pensava frequentemente na rainha Elizabeth Woodville e imaginava sua ira contra aquela virada do destino. E aqui estava ela, no lugar de Elizabeth. Anne se perguntou o que aqueles que haviam partido imaginariam se pudessem olhar para trás e ver o que acontecera. Ela podia imaginar o deleite de seu pai. Sua filha, rainha!

Querido pai, que fora bom para sua família quando tivera tempo para ela, mas cobiçara os prémios reluzentes da vida e acabara encontrando a morte. O que eram todos aqueles prémios agora? Mas Ânne sorriu ao pensar que o criador de reis teria exultado em ver sua filha como rainha. Ele teria considerado que tudo aquilo pelo que passara valera a pena. Ela gostaria de também poder achar isso. Na verdade, a perspectiva apenas a deixava cheia de incertezas.

Anne sabia que Richard também estava preocupado. Ele seria um rei digno; tinha o dom de governar bem. Mas ela sabia o quanto Richard devia estar transtornado por ter conquistado o poder através da desonra do irmão e de seu jovem sobrinho.

Richard levou-a para Londres numa barcaça. Tão logo encontrara seu marido, Anne notara novas rugas de preocupação em seu semblante. Ele estava feliz em ver Anne e seu filho, mas a aparência dos dois apenas aumentou sua ansiedade.

Ela instruíra as aias que a maquiavam a dar um pouco mais de cor a seu rosto porque não queria alarmar Richard com sua palidez. Contudo, não havia nada que pudesse fazer para disfarçar a aparência do menino.

- Então você é o rei agora - disse Anne. - Você era um mero duque quando nos encontramos pela última vez.

- Tudo aconteceu rápido demais, Anne. Não quero falar sobre isso agora.

O povo os aplaudiu enquanto eles navegavam rio acima até o Castelo de Baynard. Richard explicou que tinham pouco tempo. A coroação estava marcada para 6 de julho.

- Tão cedo? - lamentou Anne.

- Coroações jamais devem ser postergadas - respondeu Richard.

Ele conversou com o filho e pelo menos ficou feliz com a inteligência do menino. Isso ajudava a compensar sua saúde frágil.

Richard aproveitou a primeira oportunidade de estar sozinho com Anne para conversar com ela. Era evidente o quanto ela estava estarrecida pela mudança abrupta dos eventos.

- Você ouviu a história. O jovem Eduardo era um bastardo devido ao casamento anterior do meu irmão.

- O país inteiro não fala de outra coisa.

- Qualquer um que tenha bom senso deseja um país estável e isso não pode acontecer com um rei jovem demais para governar. É certo que apareçam rivais... pessoas diferentes ansiosas por colocar o rei sob seu controle. Se Eduardo tivesse idade para governar, eu teria escondido o fato de que era um bastardo em honra a meu irmão.

- Sim, Richard, tenho certeza disso.

- Não é que eu não deseje a coroa... o problema são os deveres árduos de um soberano. O poder é sedutor, mas traz grandes fardos, Anne. Éramos felizes em Middleham, não éramos?

- Muito. Mas tanta felicidade não pode durar para sempre.

- E você está preocupada com o menino?

- Sua saúde não é boa.

- Nós o faremos príncipe de Gales.

- Não acho que isso ajudará a melhorar sua saúde.

- Anne, ele precisa melhorar.

- Eu queria que pudéssemos ter mais filhos. Acho que não sou uma esposa muito boa para você, Richard. Você deveria ter escolhido uma mulher mais fecunda, saudável... alguém como Elizabeth Woodville.

- Deus me livre. Eu odeio aquela mulher tanto quanto ela me odeia. Sempre achei que Eduardo havia se rebaixado ao casar... ou passar por uma forma de matrimónio com ela. Foi aí que começaram todos os nossos problemas. Os Woodvilles... os malditos Woodvilles... eles colocaram o seu pai contra o meu irmão.

Anne pousou uma mão no braço do esposo.

- Richard, isso tudo é passado agora. Não choremos sobre leite derramado.

- Você tem razão. Mas deixe-me dizer uma coisa, Anne. Os lordes imploraram que eu aceitasse a coroa. Hesitei, mas vi que era o meu dever. Porém, se o povo tivesse se manifestado contra mim eu teria recusado.

- Claro que o povo não se manifestaria contra você. Eles o querem, Richard. Eles querem o que você pode lhes dar... um país estável e próspero... o tipo de país que eles tinham quando Eduardo governava. Eles não podem ter isso sem você. Se não fosse você, os Woodvilles estariam governando o país agora. Todos conhecem sua ganância. Eles não tinham nada, mas enriqueceram desde que Eduardo fez de Elizabeth sua rainha. É a você que eles querem, Richard. Estão determinados a tê-lo como rei. E, não esqueça, devido ao contrato anterior de Eduardo, você é o rei por direito.

- Sei disso, Anne, Foi por esse motivo que aceitei a coroa.

- Então, vamos pensar na coroação, porque temos pouco tempo.

No dia anterior ao marcado para a cerimónia de coroação, o povo se aglomerou ao longo da cabeceira do rio para ver o rei com sua rainha e seu filho passarem de barcaça em seu trajeto até o Palácio da Torre.

Assim que tinham sido declarados ilegítimos, Eduardo V e seu irmão Richard, duque de York, foram retirados dos aposentos reais e transferidos para a Torre do Jardim. Obviamente, eles não compareceriam à coroação de seu tio.

Ali, nas cercanias da Torre, o filho de Richard e Anne foi formalmente sagrado príncipe de Gales, e no dia seguinte seria a coroação.

Eles haviam tido pouco tempo, mas fora possível fazer uso dos grandes preparativos para a coroação de Eduardo V Uma coroação e suas festividades não precisavam ser mudadas porque o rei a ser coroado não era o mesmo para quem toda a pompa fora criada originalmente.

O duque de Buckingham carregou a cauda do manto de Richard; o duque de York portou a coroa à sua frente. Em seguida veio Anne, acompanhada pelo conde de Huntingdon, segurando o cetro oficial da rainha, e o visconde Lisle segurando o cetro da pomba. A honra de carregar a coroa da rainha coube ao conde de Wiltshire.

Anne, vestida esplendidamente, vergada pelo peso de suas jóias, estava cansada antes mesmo do começo da cerimónia. Caminhando debaixo de um sobrecéu franjado com sinos de ouro, que repicavam à medida que eles se moviam, Anne torcia para não demonstrar o quanto desejava que aquilo acabasse logo. Mas tinha apenas começado. Primeiro seria realizada a sagração e depois a coroação.

- Deus salve o rei! Deus salve a rainha!

Os brados soavam claramente. Richard se concentrou para ouvir alguma voz ressentida. Mas não escutou nenhuma.

Ao final da coroação jantaram no Westminster Hall. Anne e Richard ficaram sentados num pequeno palco de frente para os convidados às suas mesas, enquanto o próprio prefeito servia o rei e a rainha com vinho, como um sinal do desejo da capital em prestar homenagem a eles.

Quando o campeão da Inglaterra cavalgou pelo saguão e desafiou a combate qualquer um que não concordasse que Richard era o rei por direito, Anne percebeu a tensão do marido. E quando nenhuma voz se levantou contra ele, Anne o viu recostar-se de novo em sua cadeira com um alívio imenso. Anne torceu que aquilo tivesse aplacado seus temores para sempre. O povo o escolhera. O povo o queria. Ele era o rei por direito; e ele devia parar de pensar naqueles meninos na Torre do Jardim. Sua reclamação ao trono era nula e vazia. O rei por direito afinal fora coroado.

A noite caiu e tochas foram trazidas. Um a um, os nobres e suas damas caminharam até o rei e a rainha para prestar suas homenagens.

E quando a cerimónia terminou eles puderam se retirar para seus aposentos e fazer os preparativos para partir. Iriam para Windsor quando as festividades terminassem.

Richard já estava planejando uma turnê pelo país. Eles iriam para o norte. Ele não tinha o menor temor de como seria sua recepção lá. O norte era o seu lar. Ele o servira bem. No norte Richard era apoiado por todos, até o último homem.

BUCKINGHAM

O duque de Buckingham estava descontente. A excitação da qual gostava tanto diminuíra consideravelmente. Ricardo era rei e fora aceito por um povo dócil. Secretamente, Buckingham torcera por problemas. Ele amava problemas. Considerava a vida tediosa sem eles.

Além disso, Ricardo o enfurecera. Fora por causa das propriedades dos de Bohun. Elas tinham revertido para a coroa por ocasião do casamento de Mary de Bohun e Henrique IV Agora que Buckingham era supremo oficial da Inglaterra, que era o antigo posto hereditário dos de Bohun, ele acreditava que tinha direito às propriedades.

Em vez de concordar entusiasticamente com isso, Ricardo o ignorara. Isso deixara Buckingham furioso. Ele se via como um Warwick, um criador de reis. Quem sugerira que Ricardo deveria requerer o trono? Quem fizera a proclamação em PauPs Cross? De quem haviam sido os homens que gritaram por ele no Guildhall? A resposta a todas essas perguntas era uma só: Buckingham. E Ricardo, agora que alcançara o seu objetivo, mostrava-se ingrato e o recordava de que ele era o rei. Ricardo não devia esquecer seus velhos amigos. Tomado por um impulso, Buckingham deixou a corte e decidiu passar algum tempo em seu Castelo Brecknock na fronteira de Gales, o qual ganhara junto com seu posto de supremo oficial da Inglaterra. Ele estava interessado em ter uma conversa com um convidado muitíssimo interessante... bem, não exatamente um convidado. Na verdade, um prisioneiro.

Estava pensando em John Morton, o bispo de Ely que fora aprisionado ao mesmo tempo que Hastings durante aquele encontro fatídico na Torre. Juntamente com Rotherham, Morton ficara preso durante algum tempo na Torre. Nutrindo interesse por esse homem - porque ambos tinham em comum um amor pela intriga - Buckingham perguntara a Ricardo se ele poderia tomar conta de Morton. O bispo não poderia permanecer prisioneiro na Torre o tempo todo; sua posição como clérigo exigia que lhe fosse prestado um certo respeito. Assim, Ricardo concordou que Morton ficasse em seu castelo de Brecknock como uma espécie de prisioneiro de honra.

Buckingham fez isso e ficou em bons termos com o bispo. Gostava de conversar com ele. Morton era um homem inteligente, perspicaz e desonesto, e como tal interessava a Buckingham.

Que no fundo de seu coração ele era lancasteriano, o duque sabia. Também sabia que não era avesso a mudar de lado quando os interesses exigiam, mas ficava satisfeito em favorecer o lado que ele realmente apoiava enquanto tentava viver amigavelmente com seus inimigos.

Apesar disso ele fora um dos principais conselheiros do último rei; ajudara a arranjar o tratado de Picquigny, que trouxera tanta fortuna à Inglaterra à custa dos franceses; negociara o resgate que o rei da França pagara por Margaret de Anjou. Eduardo o tinha em alta conta. Claro que Eduardo tinha o hábito de ver apenas o melhor de cada pessoa até que sua perfídia aparecesse. Morton estivera entre os homens mais importantes da Inglaterra até a reunião na Torre.

Que sua cabeça estava cheia de planos, Buckingham não tinha a menor dúvida e, como isso vinha de encontro a seu humor presente, ele estava ansioso por se encontrar com o bispo de Brecknock.

Assim que chegou, foi visitar o bispo e o saudou calorosamente, perguntando-lhe se lhe faltava alguma coisa para seu conforto.

- O prisioneiro não tem nada do que reclamar.

- Não pense em si mesmo como um prisioneiro, bispo.

- Lorde duque, o senhor é gentil. Mas o que mais posso ser?

- Um amigo, espero.

- Duvido que um amigo de Ricardo de Gloucester seria um amigo meu.

Buckingham pediu vinho e beberam juntos. O vinho lhes caiu bem. Buckingham orgulhava-se de seu vinho.

O bispo observava Buckingham atentamente. Sabia que alguma coisa acontecera entre ele e Ricardo, que haviam sido tão íntimos. Buckingham fora o braço direito dele. Mas e agora, o que ele era? Morton sentiu uma grande alegria. Ele definiu Buckingham para si mesmo: fraco, traiçoeiro, amigo hoje e inimigo amanhã. Ele ficou surpreso por Ricardo ter depositado tanta fé nele.

Morton não estava ocioso desde sua captura. Estivera fazendo planos. Ele queria arranjar problemas para Ricardo de Gloucester e achava que sabia como fazer isso. Ele não quisera realmente apoiar os Woodvilles, embora tenha precisado simular isso. O que não fora difícil; ele era muito bom em fingir. Ele tinha seus olhos em alguém do outro lado do mar, uma pessoa que poderia se dizer pertencente à Casa de Lancaster. Morton gostaria de ver a rosa vermelha triunfar finalmente sobre a branca. Uma grande empolgação o dominou enquanto imaginava como poderia usar essa rixa que claramente surgira entre Buckingham e Gloucester. Gloucester era um homem forte; não seria fácil atingi-lo. Mas Buckingham era fraco e fútil. Buckingham era excitável e impulsivo demais, e não era capaz de ver muito à frente. Ele era o pato perfeito. Buckingham virara-se para o bispo.

- Fui um bom amigo de Gloucester-gabou-se Buckingham.

- Fui eu que o coloquei no trono.

- Isso é verdade-concordou Morton. Lisonja, era isso que o duque queria. Era fácil dar-lhe isso. Morton prosseguiu. Porém me parece que, no fim das contas, não lhe foi vantajoso ter esse rei acima de nós.

- Eu o fiz subir... e posso derrubá-lo.

- Ele provou seu direito legítimo ao trono.

- Sim, quando declarou que os filhos de seu irmão são bastardos.

Os dois homens se estudaram. Eles queriam colocar Eduardo V de volta ao trono?

Morton sabia que esse não era o objetivo do ambicioso duque. E nem o dele.

Assim que percebera que Ricardo sabia de sua infidelidade, Morton começara a tramar. E estava em contato com uma dama de vastos recursos que era muito inteligente e que tinha uma ideia na cabeça desde a morte de Eduardo, quando ficara claro que haveria uma quantidade considerável de conflitos enquanto um menino estivesse no trono.

A mulher era Margaret Beaufort, condessa de Richmond, cujo terceiro marido era lorde Stanley. Mas o primeiro casamento de Margaret fora com Edmund Tudor e o resultado desse casamento tinha sido seu filho, Henry Tudor. Era nesse filho que as esperanças de Margaret estavam depositadas.

O plano ambicioso de Margaret era fazê-lo rei da Inglaterra. Ele era merecedor, insistia ela. Seu avô fora Owen, que desposara Katherine, viúva de Henrique V Sua mãe fora Margaret Beaufort, filha do primeiro duque de Somerset, John Beaufort, que fora filho de outro John Beaufort, ele próprio filho de John de Gaunt e Catherine Swynford. Margaret insistia que seu filho Henry Tudor possuía sangue real por ambos os lados. Havia dúvidas de legitimidade em ambos os lados, mas Margaret estava disposta a ignorálas. Os Beauforts haviam sido legitimados por Henrique IV; e ela insistira que Katherine de Valois casara-se com Owen Tudor.

Aos olhos de Margaret, Henry Tudor tinha direito ao trono.

Morton estava interessado na ideia. Se Henry Tudor se tornasse rei, ele traria de volta a Casa de Lancaster. Seria o triunfo da rosa vermelha sobre a branca... e possivelmente a vitória final.

Ricardo estragou tudo.

Morton mantinha contato com Margaret Beaufort. Ela não estava ociosa. Estava sondando possíveis recrutas para sua causa. Fora por causa disso que ela entrara em contato com Morton. Ela havia sido casada com lorde Stanley, que parecera disposto a mudar de lado no momento mais adequado. Ele sempre ficara atento para uma boa oportunidade e fora inteligente o bastante para ter estabelecido uma amizade com Ricardo... até, obviamente, aquela fatídica reunião de Conselho na Torre, quando fora aprisionado. Mas, tendo sido capaz de conferir um relato plausível de suas atividades, foi libertado em breve e agora estava de volta ao Conselho.

Bem, ele era marido de Margaret e, presumivelmente, ela devia saber que podia confiar nele quando o momento chegasse. Nesse ínterim, era útil fazê-lo parecer amigo de Richard.

Este era o plano com o qual Morton esperava seduzir Buckingham, mas ele podia ver que o nobre duque tinha ideias próprias.

Ele teria de agir cuidadosamente, mas não previa que o emotivo duque fosse causar-lhe muitos problemas. Seu apoio seria extremamente conveniente. O país inteiro ficaria boquiaberto se Buckingham, que se esforçara tanto para colocar Ricardo no trono, se voltasse abertamente contra ele.

Morton prosseguiu:

- Tenho a impressão de que o senhor lamenta um pouco o rumo dos eventos.

- Começo a achar que o país agiu com certa pressa ao oferecer a coroa a Ricardo.

O país! Morton se divertiu secretamente com isso. Não fora o próprio Buckingham quem oferecera a coroa a Ricardo? Não fosse por aquela reunião no Guildhall e o aplauso dos homens de Buckingham, aplauso evidentemente conferido sob ordens, Ricardo não teria recebido a coroa.

- É apenas quando chega ao poder que um homem deixa o seu eu verdadeiro emergir.

- Isso é verdade. Mas o senhor teve uma iluminação... bem... naquele dia na Torre.

- Eu tive. Quando Hastings, que era amigo de Ricardo, perdeu sua cabeça... sem julgamento.

- Aquilo foi lamentável. E Rivers... e Grey.

- Ele é um tirano.

- Eu concordo.

- Milorde, alguma coisa pode ser feita quanto a isso? Os olhos de Buckingham brilharam.

- Há outros com direito igual ao trono. Buckingham estava se referindo a si próprio. Já estava cobiçando a coroa.

"Isso precisa ser tratado com cuidado", pensou Morton.

Ele queria a ajuda de Buckingham para promover Henry Tudor, mas como poderia conseguir isso quando o presunçoso duque via a si mesmo como um competidor pelo trono?

- O senhor está ciente de minha herança real? - perguntou o duque.

- Estou.

- As crianças Woodville estão desqualificadas por serem bastardas. Se Ricardo perdesse o trono... então...

Ele estava sorrindo; Morton sorriu também.

Apesar de se odiar por isso, Morton fingiu ficar empolgado e permitiu uma nova mas sutil deferência aparecer em seus modos quando olhava e conversava com o duque.

Claro que isso levaria algum tempo. Ele dançaria conforme a música de Buckingham. Mas quando julgasse o momento adequado, iria mostrar-lhe o quanto era impossível para o duqne alcançar a coroa.

Eles tiveram muitas conversas. Sutilmente o bispo plantou as sementes da dúvida na mente de Buckingham.

- Se não houvesse verdade nessa história sobre Eleanor Butler, Ricardo seria exposto como um usurpador-disse o bispo.

- Então o povo aclamaria o pequeno Eduardo como seu rei.

- Eles não aceitariam nenhum outro - frisou o bispo. Os dois se entreolharam intensamente. Em silêncio, decidiram que deveriam apoiar a ilegitimidade dos filhos do falecido rei; do contrário haveria muitos outros candidatos com mais direito do que aquele que eles queriam ver no trono. Eu próprio, pensou Buckingham. Henry Tudor, pensou Morton.

- Há Stillington - lembrou o bispo. - Ele insiste com a história. Deve ser verdadeira. Stillington não teria mentido sobre isso. Ele se colocou em grande perigo ao fazê-lo. Ademais, é um homem da Igreja.

Esse comentário divertiu Buckingham, mas ele escondeu seu cinismo porque queria permanecer em bons termos com o bispo.

- Não há dúvida de que Eduardo passou por aquele casamento com Eleanor Butler.

Eles conversaram sobre as possibilidades, mas sob todos os ângulos com que analisaram a questão, parecia-lhes que Ricardo era o verdadeiro rei e que a única forma de depô-lo seria matando-o.

Debateram durante dias. Buckingham não conseguia desenredar-se de seu companheiro fascinante. Morton tinha grandes ideias, não restava dúvida. Morton trabalhou nos sentimentos de Buckingham com tanta eficácia que, ao fim de uma semana, o ódio que o duque nutria por Richard aumentara tanto que destrui-lo se tornou uma obsessão ainda maior do que se apoderar da coroa.

- Precisamos de um exército para nos opormos a ele Adisse Morton, malicioso.

- Eu poderia reunir homens.

- Suficientes? Buckingham reconsiderou.

- Henry Tudor está operando na Bretanha. Ele poderia ajudar muito. Ele teria os galeses a seu lado.

Buckingham ficou calado. Henry Tudor era um requerente ao trono.

- É uma pena que o senhor seja casado - disse o bispo.

- Sim. Casado com uma Woodville... forçado a isso quando era uma criança. Nunca perdoei os Woodvilles por isso.

- Sim, precisamos ter cuidado com eles. Não queremos os Woodvilles de volta ao poder. Eu ia dizer que se o senhor não fosse casado e pudesse se casar com a filha do falecido rei... isso agradaria a um grande número de pessoas. Ainda há alguns que sentem saudade dos velhos tempos e embora ele tenha parido apenas bastardos, o povo ainda admira o rei Eduardo IV

- O senhor quer dizer que se eu não fosse casado e contraísse matrimónio com Elizabeth de York isso apaziguaria os yorkistas?

- Quis dizer exatamente isso.

Houve silêncio e depois de alguns momentos, falando lenta e cuidadosamente, Morton disse:

- Henry Tudor planeja casar-se com Elizabeth de York. Buckingham ficou pensativo.

Depois de algum tempo a ideia começou a tomar forma. Era verdade que seu direito ao trono era ténue. Ele mesmo não conseguia imaginar-se sendo aceito. Mas esse Henry Tudor... se ele se casasse com Elizabeth de York... uniria as casas de York e Lancaster. Isso era algo que o povo aplaudiria. O povo veria num casamento como esse um fim verdadeiro para as Guerras das Rosas. Embora não houvesse batalhas há muitos anos, as facções rivais ainda existiam. Sempre haveria lancasterianos preparados para enfrentar yorkistas até que as casas estivessem unidas.

Buckingham começou a depositar muita esperança nesse plano. Isso arruinaria Ricardo, e era isso que ele queria.

Ele queria Ricardo deposto e morto; e ele começou a ver que a melhor esperança de conseguir isso seria apoiando os Tudors.

Logo os seus sonhos em usar a coroa foram esquecidos. Aquela fora uma estratégia diplomática soberba da parte de Morton. Ele se sentia grato por ter sido preso, porque isso o trouxera a Brecknock. Este era o começo de seu poder. Ele colocaria Henry Tudor no trono e conquistaria sua gratidão eterna.

A ambição o levara à Igreja, não a religião. A Igreja oferecia oportunidades a um homem com muita habilidade e poucos parentes influentes.

E agora uma grande oportunidade lhe fora apresentada. Ele providenciou um encontro entre Buckingham e Margaret Beaufort, que ficou deliciada em ter Buckingham ao seu lado. Aquilo representava um grande avanço; a ajuda de Buckingham poderia ser decisiva. Ela lhe disse que seu filho estava escondido, aguardando o momento certo. Ele estava levando uma existência muito precária no continente. Francis, duque de Bretanha, fora seu amigo durante muito tempo, mas Francis agora estava senil e ansioso para estar em bons termos com Ricardo III.

- Francis teria entregue meu filho quando Ricardo enviou seus homens para pegá-lo, mas o bom bispo Morton avisou-o a tempo. Henry escapou com seu tio Jasper, que é seu companheiro constante há muitos anos. Ele o criou. Jamais poderíamos ter sobrevivido sem Jasper. Mas o meu filho Henry retornará. Ele irá governar esta terra, prometo. Isso não tardará...

- Amém-disse Buckingham, agora um dos defensores mais ferrenhos de Henry Tudor.

- Nós temos bons amigos - disse Margaret. - E o bispo Morton é um dos principais. Ele nos trouxe o senhor. E agora que o senhor duque está ao nosso lado, vejo a vitória bem próxima.

Isso deixou Buckingham lisonjeado e animado. Ele queria entrar em ação. Não queria deixar nada para depois. Houve outras conversas com Morton. Certo dia, Buckingham disse:

- Depois que tiver derrotado Ricardo de Gloucester em batalha Henry Tudor irá se casar com Elizabeth de York. Acha que será adequado para um rei da Inglaterra casar-se com uma bastarda proclamada?

- Não - disse Morton. - Não será.

- Nesse caso, se Elizabeth não é uma bastarda, então seus irmãos também não são.

- O que você fala é verdade - avaliou.

Morton hesitou, perguntando-se se deveria contar ao duque o plano que estivera se formando em sua mente há algum tempo.

- Henry Tudor só poderá se casar com Elizabeth de York se aqueles que não aceitaram a história de Stillington a considerarem legítima e, portanto, herdeira do trono.

- Como ela poderia ser a herdeira se os seus dois irmãos estão vivos?

Houve outra pausa. Então Morton disse lentamente:

- Ela só poderá ser a herdeira se seus dois irmãos estiverem mortos.

- Mortos! O mais velho, rei Eduardo V é um pouco fraco, pelo que soube. Contudo, mesmo se ele morrer haverá seu irmão, o duque de York.

- Quando Henry conquistar o trono eles terão de ser removidos...

- Removidos!

- Não há necessidade de pensarmos nos detalhes. O momento para essa atitude ainda não chegou. As Casas de York e Lancaster precisam ser unidas pelo casamento de Henry Tudor com Elizabeth de York. Elizabeth precisa ser vista como a verdadeira herdeira de York e Henry de Lancaster. Claro que se os príncipes estiverem vivos... eles serão os herdeiros. Primeiro Eduardo, e se ele não tiver filhos... e sabemos que é jovem demais para isso... Richard, duque de York. Apenas se eles forem removidos e pudermos provar a legitimidade de Elizabeth, ela poderá ser a herdeira ao trono. Henry, de um lado, por Lancaster; Elizabeth, do outro, por York. Seria a união perfeita.

- Mas os príncipes estão vivos...

- Milorde, às vezes é necessário tomar certas atitudes...

- Está dizendo que se Henry Tudor aportar aqui e derrotar Ricardo, matá-lo em batalha, será o momento para essa atitude.

- Milorde me entende.

- Eu entendo. Entendo que se o rei Henry Tudor não pode se casar com uma bastarda, então Elizabeth deve ser considerada legítima. Entendo que ela só pode ser herdeira ao trono se os seus irmãos estiverem mortos.

- Então você me entendeu completamente.

- Mas as crianças... os dois meninos na Torre!

- O momento ainda não chegou. Não devemos pensar nisso agora. Basta termos certeza de que tomaremos as providências necessárias quando o momento chegar.

- O que o povo dirá de um rei que assassina crianças?

- Ele não dirá nada porque não saberá de nada. Lorde Buckingham, estou falando de coisas que talvez jamais venham a acontecer. Mas o senhor sabe, tão bem quanto eu, que às vezes é necessário tomar atitudes que nos parecem repugnantes. Mas se elas forem realizadas pelo bem do maior número de pessoas, essas atitudes decerto são aceitáveis aos olhos de Deus. O que este país precisa é da união de York e Lancaster. Isso representará um fim ao conflito que de outra forma jamais cessará realmente. A união de York e Lancaster pode ser efetuada pelo matrimónio de Henry Tudor e Elizabeth de York.

- com isso eu concordo, mas...

- O senhor se preocupa com as crianças. É um assunto menor. Talvez jamais acontecerá. Por certo não acontecerá até Henry Tudor aportar nesta ilha e se proclamar rei e Elizabeth de York sua rainha. Graças a Deus ela está em santuário, e nenhum marido foi determinado para ela. Nenhum marido deve ser determinado para ela até Henry Tudor chegar.

Buckingham estava pensativo. O bispo não disse mais nada naquele dia.

Dias depois, o bispo disse ao duque que se os príncipes fossem removidos, a culpa deveria ser atribuída a seu tio Ricardo.

- E qual seria o motivo de Ricardo?-perguntou Buckingham.

- Ele os teme.

- Por que temeria? O povo aceitou que eles são bastardos. Portanto eles não têm qualquer direito ao trono e Ricardo é o verdadeiro herdeiro.

- Isso é verdade. Mas precisamos garantir o reinado pacífico do novo rei. E isso só acontecerá se o povo não culpá-lo por remover os príncipes.

- Mas o senhor disse que eles devem ser... removidos!

- Eles representarão uma ameaça para Henry porque, ao se casar com sua irmã, ele deverá aceitar sua legitimidade.

- Exatamente, e eles não representam nenhuma ameaça para Ricardo, que os considera ilegítimos.

- O povo esquece. Há formas de lidar com esses assuntos. Se você disser ao povo alguma coisa de forma constante e vigorosa, o povo acreditará. Proponho começar agora. Estou mandando alguns dos meus servos para espalhar rumores nas lojas, ruas e tavernas... não apenas aqui, mas por todo o país, e particularmente em Londres. vou mandar que espalhem o rumor de que os príncipes foram assassinados na Torre.

- As pessoas podem vê-los brincando com seus arcos e flechas nos pátios da Torre do Jardim.

- Eu sei. Mas nem todos irão vê-los, e aqueles que não os virem irão acreditar. Rumores podem ser muito prejudiciais, mas bem manejados podem ser extremamente úteis.

- Não gosto disso - disse Buckingham. Morton ficou preocupado. Teria ido longe demais?

- Não é nada. Os meninos estão seguros. É apenas uma teoria que tenho em mente. Talvez as pessoas não objetem contra a ilegitimidade de Elizabeth. Talvez o casamento entre Henry Tudor e Elizabeth de York jamais aconteça. Eu estava apenas pensando em todas as possibilidades. A primeira coisa concreta é depor Ricardo. Vamos concentrar nossas energias nisso.

- Isso é algo que me animo muito a fazer. Acho que chegou o momento de agirmos.

Quando soube que Buckingham estava liderando uma insurreição contra ele, Ricardo ficou profundamente chocado.

Buckingham, que fora seu amigo, seu supremo oficial, e o seu braço direito nos momentos mais difíceis. Ele não podia acreditar.

Imediatamente ordenou que um exército fosse montado e recebesse instruções de encontrá-lo em Leicester. Ele estava calado e calmo, ocultando o quanto se achava profundamente magoado. Ele disse que Buckingham era a criatura mais desprezível viva e todos sabiam que se o duque caísse nas mãos do rei seria o seu fim. Ele foi declarado um rebelde e uma recompensa anunciada por sua cabeça.

Ricardo foi apoiado por seus bons amigos John Howard, duque de Norfolk, Francis, visconde de Lovell, sir Richard Ratcliffe e William Catesby... todos homens em quem ele podia confiar. Mas ele pensara que podia confiar em Buckingham. Não, Buckingham subira rápido demais. Fora um erro de julgamento de sua parte ter confiado tanto nele. Stanley também representava perigo. Ele não confiava em Stanley. Afinal de contas, ele era marido de Margaret Beaufort, mãe do Tudor. Ricardo estava atento para todos os passos de Stanley; não queria dar-lhe qualquer oportunidade de traí-lo.

Houve levantes em Kent, Surrey e Ânglia Ocidental. Eles foram reprimidos rapidamente e Ricardo marchou para Leicester.

Buckingham estava em dificuldades. Ele se movera para o leste com uma força composta principalmente de tropas do País de Gales, mas quando chegou a Herefordshire encontrou os rios Wye e Severn inundados e intransponíveis. A alternativa lógica seria tentar recuar, mas estava fora de questão, porque as tropas inimigas se achavam em seus calcanhares. Ele foi forçado a esperar e os homens ficaram inquietos. A expedição fora muitíssimo mal planejada. Soldados de Buckingham começaram a desertar e o duque viu que não lhe restava alternativa senão escapar.

Havia uma grande recompensa por sua cabeça. Se ele caísse nas mãos de Ricardo, o rei não teria piedade. Portanto, Buckingham precisava fugir.

Talvez ele pudesse atravessar o Canal e se juntar a Henry Tudor. Então eles poderiam tramar juntos e retornar em triunfo.

Um de seus colaboradores, Ralph Bannister, que tinha uma casa perto da cidade de Wem, o acolheu. Buckingham permaneceu alguns dias em sua mansão de Lacon Park.

Todos estavam falando sobre o conflito e a recompensa pela cabeça do duque de Buckingham. Era uma quantia vultosa, porque Ricardo estava ansioso por colocar as mãos no traidor.

Durante um dia ou mais, Bannister resistiu à tentação, mas depois de algum tempo ela se tornou grande demais para ele. Ele aconselhou Buckingham a sair de sua casa e mostrou-lhe uma cabana onde ele poderia ficar durante algum tempo até ter uma oportunidade de escapar. Mas Buckingham mal havia chegado à cabana quando foi preso e levado a Salisbury pelo xerife de Shropshire.

Ele pediu para ver o rei. Queria conversar com ele. Confessou que fora um traidor estúpido. Ele traíra o rei, que fora seu amigo. Mas se pudesse ver o rei, se pudesse conversar com ele, se pudesse explicar...

Não adiantou. Ele mal podia esperar ver Ricardo naquelas circunstâncias, porque nunca um homem traíra tão descaradamente.

Era 2 de novembro, um domingo sombrio, quando Buckingham foi levado para a praça do mercado e deitou sua cabeça no cepo.

RUMORES

A insurreição estava terminada. Henry Tudor não aportara. Das quinze naus que o duque de Bretanha lhe dera, todas, menos duas, haviam sido destruídas por uma tempestade. Ele se aproximara da costa com aquelas duas, mas ao ver os soldados em terra considerara mais sensato retornar e tentar numa outra oportunidade.

Ricardo estava triunfante agora, mas chegara a ficar assustado.

Outro assunto o perturbou profundamente; corriam rumores de que ele mandara matar os príncipes na Torre. Para que propósito suas mortes lhe serviriam? Os meninos não lhe representavam qualquer ameaça. Ele era o verdadeiro rei. Os filhos bastardos de seu irmão não ameaçavam sua posição.

Só poderiam ameaçá-lo se fossem filhos legítimos de seu irmão. E se eles fossem legítimos, jamais lhe teria ocorrido tomar o trono.

Richard teria permanecido como protetor do reino e guardião do pequeno rei até que ele tivesse idade para governar.

Eram boatos perturbadores. Significaria que havia um complô para matar os meninos e deixar a culpa à sua porta? Era um plano exequível, cuja lógica tornou-se clara para ele quando soube do juramento de Henry Tudor na catedral de Rennes. Tudor prometera casar-se com Elizabeth de York e dessa forma unir as casas de York e Lancaster.

Ele pensou muito no assunto. Quanto mais pensava, mais certo lhe parecia que algum mal estava planejado para os príncipes. No momento estavam na Torre do Jardim e seu bom amigo sir Robert Brackenbury era o seu guardião.

Richard decidiu aconselhá-lo a guardar bem os príncipes e convocou seu mestre-escudeiro, sir James Tyrell. Ricardo mandouo levar uma carta para o guardião na Torre e preparar-se para partir imediatamente.

Em seguida Ricardo escreveu uma carta na qual pediu a sir Robert para guardar bem os príncipes. Ele temia pela segurança dos meninos. Ele considerou que seria uma boa ideia removê-los de suas acomodações atuais e colocá-los num lugar secreto até que fosse seguro para eles emergir.

Ele explicaria seus temores a sir Robert em algum momento em que os dois estivessem juntos. Por enquanto sabia que ele era seu amigo fiel e confiava nele.

O resto do ano não foi tranquilo. Ricardo sabia agora que o bispo de Ely era um de seus maiores inimigos e se arrependia amargamente de tê-lo posto aos cuidados de Buckingham. Durante o caos, Morton escapara para Flanders e agora provavelmente juntara-se a Henry Tudor.

Era difícil governar como Ricardo gostaria com tanta coisa importunando-o. Como Eduardo tivera sorte em ter o povo a seu lado! Depois da deserção de Buckingham, Ricardo pensou que jamais poderia confiar em mais ninguém novamente.

Queria que todos esquecessem suas mágoas, que tentassem trabalhar com ele por um estado próspero. Lamentava que Elizabeth Woodville permanecesse em santuário. Ricardo queria que ela saísse... ela e suas filhas.

Ricardo mandou-lhe uma mensagem assegurando-lhe que se saísse nenhum mal lhe aconteceria.

Elizabeth estava cautelosa. Ela não esquecera que seu irmão Anthony e seu filho Richard Grey haviam sido decapitados por ordens de Ricardo. Ele respondera que eles haviam merecido seu destino e ainda teriam sua cabeça se os eventos tivessem transcorrido de outra forma. Não valia de nada remoer o passado. Ela tinha cinco filhas; devia pensar em seu futuro.

Ele não a lembrou de que ela tinha um filho, o marquês de Dorset, que agora estava no continente com Henry Tudor.

Uma carta escrita por Ricardo de próprio punho foi-lhe entregue no santuário.

O rei escreveu:

"Eu juro que se as filhas de Elizabeth Grey, anteriormente autodenominada rainha da Inglaterra, saírem de santuário e vierem a mim serão colocadas sob minha orientação e proteção. Providenciei para que não tenham de temer por sua segurança e conforto. Como as tenho como parentes, sendo indubitavelmente filhas de meu irmão, providenciarei casamentos dignos para elas..."

Ricardo também ofereceu pagar uma pensão anual para a própria Elizabeth.

Elizabeth considerou a oferta. Ele dificilmente iria desonrála. E ela estava preocupada com suas filhas.

Num dia lúgubre de março, Elizabeth emergiu do santuário e anunciou que aceitaria a oferta e se colocaria à mercê do rei.

Durante o mês Ricardo partiu de Londres paraNorthampton. Agora parecia certo que Henry Tudor faria outro ataque com a chegada de um clima melhor. Ricardo precisava preparar-se. Até que Henry Tudor estivesse morto não haveria paz para ele. Henry Tudor queria o trono e faria de tudo para conquistá-lo. Ademais, havia muitos dispostos a ajudá-lo nessa empreitada. Ricardo estava cercado por pessoas de quem o bom senso forçava-o a desconfiar.

Norfolk, Lovell, Ratcliffe, Catesby, Brackenbury... nesses Ricardo acreditava poder confiar sua vida. Mas havia outros que o enchiam de dúvidas. A conduta de Buckingham e de Hastings deixara-o desconfiado de todos.

Ele ansiava pela paz. Era um administrador nato. Queria encorajar o comércio, como Eduardo fizera. Esse decerto era o caminho para a prosperidade. Um país desperdiçava sua substância na guerra.

Havia outras ansiedades. A saúde de Anne piorava. Ela estava se cansando com facilidade. Ricardo também estava preocupado com seu filho. Anne mandara-o de volta a Middleham porque considerava o lugar mais favorável à saúde do menino. Contudo, seus pensamentos foram com o menino, e embora ela tenha se esforçado em acompanhar Ricardo, sorrir para as pessoas e fingir felicidade, o rei estava ciente de que isso lhe custava muito esforço e a cansava imensamente.

Eles estavam na metade de abril quando o mensageiro chegou do norte. Foi levado imediatamente até o rei. Ricardo percebeu logo que as notícias eram ruins.

- Não tema - disse ao mensageiro. - Conte-me depressa.

- Majestade, é o príncipe.

- Ele está doente...

O mensageiro fitou o rei em silêncio.

Ricardo deu-lhe as costas para esconder sua emoção.

- Ele está morto - disse devagar. - Meu filho está morto.

- Majestade, eu temo... é verdade.

- Irei contar à rainha - disse o rei.

Ricardo dispensou o mensageiro, que ficou feliz em se retirar rapidamente.

Anne tentou conter sua desolação. Era impossível. Depois de algum tempo ela desistiu de fingir que estava bem. Deixou-se cair de joelhos e cobriu o rosto com as mãos.

Ricardo tentou confortá-la, mas não havia conforto. O menino delicado a quem haviam amado ainda mais ternamente devido à sua preocupação constante por ele, havia partido.

Ele sofrera da mesma doença que afligira ambas as filhas de Warwick, e significava que nunca houvera para nenhum deles qualquer esperança de uma vida longa.

Eles o haviam amado... seu príncipe de Gales, seu herdeiro ao trono da Inglaterra... e agora ele morrera.

E olhando para Anne, tão desolada em sua dor, Ricardo perguntou-se quanto tempo levaria para que ele estivesse de luto também por sua esposa.

O futuro era negro. Os escoceses estavam causando problemas na fronteira, agora que Ricardo não estava mais por perto para mante-los em xeque. O rei da França estava demonstrando amizade para com Henry Tudor. Ricardo sabia que devia colocar suas mãos naquele homem. Se ele ao menos pudesse capturá-lo e trazê-lo para a Inglaterra, livrar-se dele, então poderia sonhar com a paz. Ele mandou homens para a Bretanha com a missão de capturar Henry Tudor, mas Morton tinha espiões na Inglaterra. Entre eles estava Rotherham, que pôde informar Morton do que estava sendo planejado. Morton avisou Henry Tudor a tempo e ele escapou para a França. Morton era um inimigo perigoso. Ricardo sabia disso agora e se amaldiçoou por não tê-lo destruído quando estava em suas mãos. Agora que escapara, ele era muito mais perigoso do que Hastings havia sido.

Na verdade, ele era ainda mais perigoso do que Ricardo imaginava. Ele soubera das instruções de Ricardo para Brackenbury e pensava que se tudo corresse de acordo com os planos esse ato seria de considerável utilidade para ele.

Morton depositara as esperanças para seu futuro na vitória de Henry Tudor. Promover o casamento entre Elizabeth de York e Henry Tudor seria extremamente favorável a seus planos. E para que esse casamento pudesse ser eficaz, os pequenos príncipes teriam de ser eliminados. Então eles tinham sido escondidos a pedido de Ricardo. Bem, isso poderia ser útil. Conferiria credibilidade à história de que eles já estavam mortos. Ele lamentava que Elizabeth Woodville tivesse saído de santuário com suas filhas. Isso era lamentável por dois motivos. Primeiro, se ela acreditasse que Ricardo havia assassinado os príncipes, seus filhinhos dos quais se orgulhava tanto - afinal, certamente era mãe devotada -. Elizabeth jamais teria colocado suas filhas nas mãos de Ricardo. Outro temor - e provavelmente ainda maior - era que Ricardo encontrasse maridos para as meninas. Então o casamento entre Elizabeth e Henry Tudor não poderia ser realizado. Será que o povo aceitaria Henry Tudor se ele não unisse as casas de York e Lancaster ?

Precisamos agir depressa, pensou Morton. Mas como eles poderiam agir depressa? Eles precisavam estar absolutamente seguros do sucesso quando agissem.

Aquele ano triste estava chegando ao fim. Henry Tudor não fez nenhuma tentativa para invadir a Inglaterra. Evidentemente não estava preparado.

Ricardo via-se cercado por traidores. Certa manhã, descobriu-se na porta da catedral de St Paul um verso que só poderia ser interpretado como um ato de traição.

Era uma crítica ao rei que dizia:

"O Gato, o Rato, e Lovell, nosso cão, para o porco regem nossa nação."

O Gato, cat em inglês, era Catesby, o Rato era Ratcliffe e Lovell - um nome frequentemente usado para cães - era Francis Lovell, todos amigos fiéis do rei. E o porco fora retirado do emblema do javali em seu cetro.

O autor do verso foi identificado como William Colynbourne, funcionário do castelo da duquesa de York. Ricardo ficou profundamente magoado não apenas pela crítica a seu governo como também por esse homem ter sido um dos servos de sua família. Colynbourne cometera um pecado maior do que escrever uma rima de pé-quebrado insidiosa. Descobriu-se que ele enviara mensagens para Henry Tudor acerca do estado das defesas da Inglaterra.

Foi condenado à morte por traição e sofreu cruelmente em Tower Hill.

Ricardo não podia fechar os olhos para uma necessidade urgente: a importância de gerar um herdeiro. A saúde de Eduardo sempre fora cercada de ansiedade e ele e Anne desejavam outro filho. Mas Anne era tão frágil que Ricardo decidira que não deviam tentar ter outra criança; enquanto o jovem príncipe estivesse vivo poderiam depositar suas esperanças nele. Mas agora isso pertencia ao passado. Além disso, a saúde de Anne deteriorara-se rapidamente desde a morte de Eduardo. Era evidente que a rainha fora destituída de um de seus motivos mais fortes para viver, e agora estava tão doente que não conseguia mais disfarçar seu estado.

Ricardo convocou os médicos.

Eles poderiam fazer alguma coisa? Certamente poderiam ajudar a rainha com sua perícia.

Eles balançaram suas cabeças.

- É uma doença pulmonar, majestade. A rainha não pode se recuperar. Ela só pode ficar progressivamente pior.

Os médicos estavam inquietos. O rei percebeu que havia mais alguma coisa que eles queriam lhe dizer. Eles hesitaram, cada um deles aguardando que o outro tomasse a iniciativa de falar.

Por fim, um deles disse:

- Majestade, a doença da rainha nesse estágio é contagiosa. Vossa majestade não deve mais compartilhar uma câmara com ela.

As implicações disso eram óbvias. Ele e Anne não deveriam ter outra criança.

Ele explicou isso gentilmente a Anne. Ela compreendeu.

- Não me resta muito tempo, querido - disse Anne. Fique comigo durante essas poucas semanas. Então, quando eu me for, tente casar-se novamente... case com uma mulher jovem e saudável que possa dar-lhe filhos.

Ele balançou a cabeça.

- Não há mais ninguém no mundo que eu poderia amar como a amo. Eu sei que não lhe disse isso com frequência, sei que não demonstrei. É o meu jeito.

- Eu sei... E eu não queria que fosse nem um pouco diferente. Você sempre foi bom para mim... e sempre foi o homem que eu quis. Lembra de nossa juventude em Middleham?

- Nunca esqueci aqueles dias. É por causa disso que sempre amei Middleham. Queria que pudéssemos estar lá agora... juntos... com nosso filho...

- O tempo passa, querido. Tivemos alguns momentos muito ruins... Jamais esquecerei os dias que passei naquela cozinha quente e fedorenta... Às vezes recordo de tudo

aqui... Em sonhos... e agradeço a Deus por ter terminado. Mas devemos olhar para o futuro. Quando eu tiver partido... quero que você seja feliz.

- Eu não poderia ser.

- Será. Vai conseguir. Você será um grande rei... ainda maior do que o seu irmão. Quero que seja feliz. Se você for feliz, tudo pelo que passamos terá valido a pena.

- Você vai melhorar - disse ele com firmeza. - E quando melhorar teremos filhos... filhos e filhas.

- Sim - disse ela para confortá-lo. - Oh, sim.

E ela tentou fingir que acreditava que aquilo era possível.

O Natal chegou. As festas foram realizadas em Westminster. Para manter a promessa de cuidar das filhas de seu irmão, Ricardo chamou-as para as celebrações. Providenciara para que as jovens usassem vestidos adequados a sua posição e Elizabeth de York estava trajada tão magnificamente quanto a rainha.

Ela parecia bonita e sua permanência em santuário não lhe causara danos. Estava cintilante, alegre e evidentemente deliciada por finalmente estar livre.

A jovem Elizabeth demonstrou apreço pelo rei, que foi muito gracioso para com ela. Estava muito bonita com seus longos cabelos louros cascateando sobre os ombros - um contraste forte com a rainha que, embora tivesse se esforçado bravamente, parecia estar desaparecendo.

Os espiões de Morton na corte notaram a deferência de Elizabeth para com o rei e que ele lhe prestava as devidas honras. Enviaram essa notícia a Morton, que ficou horrorizado com a perspectiva de Elizabeth estar na corte e claramente gostando disso, assim como os relatos do carinho que o rei demonstrava pela sobrinha e sua disposição em agradá-lo.

Qualquer casamento de Elizabeth de York que não fosse com Henry Tudor impossibilitaria os planos de torná-lo rei. Elizabeth não deveria se casar... até que Henry Tudor fosse requerê-la para matrimónio.

Morton não estava gostando nem um pouco daqueles comentários sobre a forma gentil como o rei tratava Elizabeth. Sua missão era conquistar o trono para Henry Tudor e ele, conspirador arguto que era, sabia que manter Ricardo como um governante antipático era tão importante quanto vencê-lo em batalhas. A situação ao menos conferia uma chance de difamar Ricardo ainda mais.

Por que não espalhar insinuações de que ele estava pensando em desposar sua sobrinha? Era verdade que ele era casado com Anne, mas bastaria uma pequena dose de veneno para libertá-lo.

Anne morreria em breve, segundo relatos. Ela estava mais fraca a cada dia. Assim, a história poderia soar plausível.

Ricardo não podia entender por que as pessoas o odiavam tanto, por que elas continuavam espalhando esses boatos malignos.

Catesby e Ratcliffe diziam que era porque Henry Tudor tinha homens trabalhando para ele secretamente e a difamação era uma das armas que usavam contra ele.

Ricardo sentia-se sufocado pelos eventos. Ele precisava preparar-se para a vinda de Henry Tudor e a cada dia via Anne ficar mais fraca.

No dia 16 de março Ricardo foi chamado ao leito da esposa. Sentou-se a seu lado segurando sua mão enquanto as trevas invadiam a alcova.

Do lado de fora os cidadãos estavam de pé nas ruas olhando o céu; a face do sol estava sendo obscurecida lentamente.

Foi o maior eclipse solar que o povo da Inglaterra já tinha visto; os cidadãos concluíram que aquilo devia ter alguma relação com o falecimento da rainha.

Anne nem soube do eclipse. Sabia apenas que Ricardo estava com ela, segurando-lhe a mão, e que ela estava sendo arrastada lentamente para longe dele.

- Ricardo... - tentou dizer seu nome. Ele se curvou sobre ela.

- Descanse, minha querida. É melhor assim.

- Logo eu irei descansar - murmurou. - Logo eu verei o nosso filho... Ricardo, eu estarei com você... sempre...

Suas faces estavam úmidas. Ele estava surpreso. Fazia muito tempo desde que vertera uma lágrima.

Uma desolação profunda se abateu sobre ele.

Ela havia partido... esta companheira de sua juventude, esta fiel esposa; a mulher a quem ele amara ainda mais profundamente do que amara seu irmão.

Jamais haveria outra pessoa. Ele não mudara. A lealdade ainda o prendia.

Os rumores estavam no auge. O rei ia desposar sua sobrinha.

Elizabeth de York estava disposta a aceitar o pedido e Elizabeth Woodville via com bons olhos o matrimónio. Aquilo acertaria diferenças. Os Woodvilles não poderiam se levantar contra um rei que era esposo de uma de suas filhas.

Casar com a sobrinha! Aquilo era incesto.

Era típico dele, diziam. Ele era completamente desprovido de escrúpulos.

Ricardo sabia que ele devia pensar em se casar.

Rotherham comentara que um rei sem herdeiro era uma fonte de problemas. Ele devia se casar. As pessoas diziam que sua sobrinha era uma mulher forte e saudável.

- Ela é mesmo - replicou Ricardo. - E não duvido que ela dará à luz crianças fortes quando a hora chegar.

Rotherham reportou a Morton que o rei estava pensando em casar com sua sobrinha.

Sir William Catesby e sir Richard Ratcliffe aproveitaram a primeira oportunidade que surgiu para falar com o rei.

Ele não devia se casar com Elizabeth de York. Eles estavam muito ansiosos em evitar a influência dos Woodvilles porque temiam por sua segurança caso essa família rastejasse de volta ao poder. Eles haviam passado para o lado de Ricardo e se colocado frontalmente contra os Woodvilles. Mas isso não era tudo. Eles serviam Ricardo com fidelidade e temiam que um casamento com sua sobrinha ferisse ainda mais a sua reputação. Eles não tinham qualquer dúvida de que o papa poderia conceder uma dispensa, mas um casamento incestuoso seria errado. Se Ricardo estava interessado numa noiva, devia procurá-la em outra parte.

- Meus queridos amigos, vocês não precisavam vir me alertar

- disse Ricardo. - Não tenho qualquer intento de desposar minha sobrinha. Esse é apenas mais um daqueles rumores diabólicos a meu respeito que começaram a circular subitamente.

Catesby e Ratcliffe ficaram aliviados. Ricardo sorriu para eles.

- Claro que vocês não acreditaram que eu me casaria com a minha sobrinha! Eu lhes digo uma coisa: não estou com qualquer vontade de me casar agora. Ainda estou de luto por minha rainha e tenho outros assuntos mais prementes. A primavera se aproxima. Tenho certeza de que os Tudors farão outra tentativa este ano.

- Isto é verdade - avaliou Catesby. - Mesmo assim, acho que devemos procurar a fonte desses rumores.

Ricardo suspirou.

- Meus bons amigos, concordo com vocês. É o inimigo insidioso que pode nos causar mais danos do que aquele que nos ataca em batalha. Estou ansioso pelo dia em que me verei cara a cara com Tudor no campo de batalha. Rogo a Deus que a tarefa de abatê-lo me caiba.

- Enquanto isso, majestade, precisamos pôr um fim nesses rumores.

- Mandarei Elizabeth para longe da corte - disse Ricardo.

- Em vista dos rumores, não é apropriado que ela fique aqui, agora que a rainha não está mais conosco.

- Para onde ela deve ser mandada, majestade?

- Por que não para Sheriff Hutton? Lá, ela estará longe da corte. Ela pode ser acompanhada por uma ou mais de suas irmãs. Deixarei a decisão a cargo delas. Meus sobrinhos por parte de Clarence estão lá. Warwick e Lincoln. Ela fará companhia a eles, e eles farão companhia a ela.

Sim, para Sheriff Hutton.

Catesby e Ratcliffe ficaram satisfeitos. Torceram que isso sufocasse os rumores sobre Ricardo e Elizabeth.

O CAMPO DE BOSWORTH

Agosto chegou e Ricardo soube que do outro lado do Canal os planos estavam chegando a um clímax. Parecia certo que Henry Tudor tentaria aportar.

Ricardo estava preparado. Ele estava se sentindo filosófico. Logo chegaria a hora do teste decisivo, e isso significaria a vitória ou a morte para ele.

Ele vislumbrava o futuro com certa indiferença. Ele perdera a esposa e o filho. Não lhe restava nada mais por que lutar além de sua coroa.

Se derrotasse Henry Tudor ele planejaria uma nova vida. Tentaria esquecer a tristeza de outrora. Tentaria ser um bom rei como seu irmão havia sido. Mas isso não poderia acontecer até que tivesse livrado o país daquela ameaça de guerra.

As guerras haviam lançado uma sombra escura sobre sua vida. Essas incessantes Guerras das Rosas. Pensara que elas haviam acabado... todos haviam pensado isso quando Eduardo emergira magnificamente dos horrores da guerra e tomara a coroa. Se Eduardo tivesse vivido... Se tivesse deixado como herdeiro um filho um pouco mais velho...

Mas isso não havia acontecido e agora estava diante de uma decisão delicada. Ele se lançaria à batalha e emergiria dela como rei da Inglaterra ou como morto.

Ao final de julho, lorde Stanley o procurara para pedir permissão para se retirar para as suas propriedades. Ele desconfiava de Stanley. Stanley era um oportunista. O homem era um génio no que dizia respeito a se desembaraçar das situações difíceis. Homens como ele haviam nascido para sobreviver. Como o salgueiro, eles se curvavam ao vento sem jamais quebrarem. Richard nutria pouco respeito por Stanley, mas ainda assim precisava de sua ajuda.

Ele fora aprisionado na época da execução de Hastings, mas depois de um curto período de tempo, fora libertado, a tempo de portar a maça na coroação de Ricardo.

Ele havia se casado com Margaret Beaufort, a mãe de Henry Tudor, mas continuava a servir Ricardo.

Ricardo não confiava em Stanley, mas ele era importante demais para ser ignorado. Além disso, o rei achava que tê-lo por perto era melhor do que expulsá-lo para que fosse diretamente para as fileiras do inimigo.

Era inegável que a esposa de Stanley havia desempenhado um papel na insurreição de Buckingham. Quando Buckingham foi decapitado, Stanley declarou que, em sua opinião, o duque mereceu o castigo. Ricardo sabia que essa opinião seria bem diferente se a vitória tivesse sorrido para Buckingham.

Durante todo esse tempo, Stanley prometeu conter a sua esposa. Jurou que ela seria mantida quieta no campo.

Agora ele queria viajar até as suas propriedades, que requeriam urgentemente sua atenção.

Ratcliffe e Catesby lembraram ao rei que Stanley poderia se voltar contra eles. Aconselharam colocar Stanley sob vigilância; afinal, ele era casado com a mãe de Henry Tudor.

- Eu sei - disse Richard. - Se ele quer nos trair é melhor que o faça agora do que no campo de batalha.

Assim, Ricardo permitiu que Stanley partisse, mas lhe ordenou deixar seu filho para responder por sua conduta leal.

Stanley não tinha outra opção a não ser concordar com isso.

E assim, no dia 7 de agosto, Henry Tudor aportou em Milford Haven.

Ricardo estava em Nottingham quando recebeu notícias de que Henry Tudor estava próximo de Shrewsbury.

Enviou homens de sua confiança: Norfolk, Catesby, Brackenbury, Ratcliffe.

Stanley não tinha retornado mas enviara uma desculpa: estava sofrendo da doença do suor. Seu filho, lorde Strange, tentara escapar; ao ser capturado, acabou confessando que ele e seu tio sir William Stanley haviam mantido comunicação com os invasores.

Os Stanleys iriam traí-lo, pensou Richard. Exatamente como ele havia temido.

Não havia tempo a perder. Eles precisavam marchar agora. Em 21 de agosto os dois exércitos chegaram a Bosworth Field.

Ricardo teve uma noite sem sono. Sentia-se fatalista. O dia seguinte traria a vitória? Não estava muito confiante, nem animado. A tristeza pesava sobre seus ombros. Mas esse seria um momento decisivo. Se o destino mostrasse que Ricardo deveria continuar governando, ele seria um grande rei. Aprenderia com os sucessos e os erros de seu irmão e se dedicaria totalmente a seu país.

Eles estavam lá... seus bons amigos. Brackenbury-seu rosto honesto reluzindo com lealdade - Catesby, Ratcliffe, Norfolk... os homens em que ele podia confiar.

E os Stanleys... onde estavam?

Ele montou em seu grande cavalo branco. Ninguém deixaria de reconhecer Ricardo. Aquele era realmente o cavalo de um rei. E sobre seu capacete usava uma coroa de ouro.

- Este dia decidirá o nosso destino - declarou. - Meus amigos e súditos leais: lembrem-se de que a vitória poderá ser nossa se entrarmos nessa batalha com o coração puro e determinados. Até o fim do dia eu serei um rei ou um cadáver, eu lhes prometo.

As trompas estavam soando. Chegou o momento, e Ricardo cavalgou à frente de seu exército.

A batalha foi travada. O sol estava quente, e os lancasterianos tinham a vantagem de tê-lo às suas costas. Os Stanleys aguardaram. Decidiriam de que lado estavam quando o momento certo chegasse. Enquanto isso, não tinham qualquer intenção de lutar por Ricardo.

Eram homens de Henry Tudor e haviam trabalhado para o seu sucesso. Estavam atentos... esperando o melhor momento para deixar as fileiras de Ricardo.

O momento chegou. Os Stanleys cavalgavam gritando:

- Um Tudor! Um Tudor!

Ricardo ouviu-os e esboçou um sorriso amargo.

Catesby rogou a Ricardo que ele fugisse. Ricardo riu disso. Cavalgava contra o inimigo, brandindo seu machado.

Viu Ratcliffe cair... e, em seguida, Brackenbury.

"Meus bons amigos...", pensou Ricardo. "Vocês me deram suas vidas... em nome da verdade... da justiça... da lealdade."

Maldito seja o traidor Tudor!

- Traição! - gritou para os Stanleys, que cavalgavam rumo às fileiras de Tudor.

Precisava encontrar Henry Tudor. Ele seria sua presa especial. Iria derrotá-lo em combate homem a homem. Afinal, aquela guerra era para decidir o destino dos dois. Plantageneta contra Tudor. Se Ricardo não triunfasse, aquele não seria apenas o fim de um rei. Será o fim de uma linhagem. Os Plantagenetas, que reinaram supremos durante gerações, dariam lugar à nova Casa de Tudor... composta por bastardos com um direito ínfimo ao trono. E o reinado dos orgulhosos Plantagenetas, que governavam a terra desde os dias gloriosos de Henrique II, estaria acabado. Aquilo não podia acontecer. Cabia a Ricardo impedir.

- Deus me ajude! - gritou Ricardo. - Preciso encontrar Henry Tudor! A luta é entre mim e ele!

Apesar de sua baixa estatura, Ricardo era uma figura impressionante, o sol reluzindo na coroa dourada, galopando rumo ao inimigo em seu cavalo branco.

Os amigos gritaram por ele, mas Ricardo não lhes deu ouvidos.

- Preciso encontrar Henry Tudor! - bradou.

com seu pequeno bando de seguidores, cavalgou direto para o meio da cavalaria inimiga.

Agora ele a viu: a bandeira galesa empunhada por William Brandon, o porta-estandarte de Henry Tudor. Aquele a seu lado devia ser o Tudor. Bem protegido, cercado por seus homens, afastado do calor da batalha... exatamente como Ricardo previu que Tudor estaria.

- Vim matá-lo, Tudor - murmurou. - Terá que ser um de nós.

Era tolice, e ele sabia disso. Os inimigos eram em grande número, mas ele estava lá. O homem ao lado do porta-estandarte era mesmo Henry Tudor... Ricardo atacou William Brandon, e o homem caiu.

Ele avistou Ratcliffe, que tentava protegê-lo. Seu cavalo caiu mas ele se levantou imediatamente.

- Majestade... majestade...-rogou mais uma vez Rattcliffe. Mas Ricardo não lhe deu ouvidos. Estava olhando para Henry

Tudor. Aproximou-se o bastante para abater seu porta-estandarte. Ricardo ia matar Henry Tudor.

Avançou brandindo seu machado de batalha.

- Traição! - gritou. - Venha, Henry Tudor... Saia e lute!

Os homens de Tudor avançaram em bando contra Ricardo. Ratcliffe estava morto agora. Ricardo lutou com bravura, coroa na cabeça. Estava determinado a abrir caminho

até o Tudor. Se ia morrer, ao menos levaria o bastardo junto.

Os golpes vinham velozes... e de todas as direções. Então Ricardo afundou na escuridão. Caiu ao solo, e a coroa rolou de sua cabeça.

Era o fim. A batalha estava terminada. Era a vitória para Henry Tudor. Os amigos leais de Ricardo, Norfolk, Ratcliffe e Brackenbury estavam mortos. Catesby foi capturado e enforcado. Lowell escapou para viver durante o novo reinado.

Foi lorde Stanley - a cuja traição Henry Tudor devia sua vitória - que achou a coroa de ouro numa moita e a colocou na cabeça de Henry Tudor.

Assim terminou a batalha de Bosworth, a última na Guerra das Rosas. Assim terminou o reinado dos Plantagenetas. A Inglaterra tinha, nos Tudors, uma nova família real.

 

 

                                                                                                    Jean Plaidy

 

 

 

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