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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O SUBSTITUTO / Guy de Maupassant
O SUBSTITUTO / Guy de Maupassant

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

O SUBSTITUTO

 

  • Mme Bonderoi?
  • Sim, Mme Bonderoi.
  • Não é possível.
  • Posso garantir-lhe.
  • Mme Bonderoi, a velha dama das coifas de renda, a devota, a santa, a respeitável Mme Bonderoi de cabelinhos revoltos e falsos que parecem colados em volta do crânio.
  • Ela mesma.
  • Você está doido?
  • Juro-lho.
  • Conte-me lá isso com todos os pormenores!
  • Então, ouça. No tempo do Sr. Bonderoi, o antigo notário, Mme Bonderoi utilizava-se, ao que se diz, dos escreventes, para seu serviço particular. É uma dessas respeitáveis burguesas de vícios secretos e princípios inflexíveis, como há muitas. Gostava dos moços bonitos. Que há nisso de estranho? Não gostamos nós, também, de moças bonitas?Depois envelheceu, e é hoje essa pequenina e respeitável senhora que você conhece, toda dengosa, quizilenta, má.Como você sabe, o meu amigo Jean d’Anglemare é capitão de dragões, aquartelado no faubourg de La Rivette.
  • Chegando outro dia de manha ao quartel, soube que dois homens de sua companhia se tinham propinado uma formidável surra. A honra militar tem leis severas. Houve duelo. Depois, os soldados reconciliaram-se; e, interrogados por seu oficial, contaram-lhe o motivo da questão. Tinham-se batido por Mme Bonderoi.
  • Eis aqui a inverossímil aventura ocorrida na última quinta-feira.
  • Morto o velho Bonderoi, a viúva começou a viver dos seus rendimentos, pacata e irreprochável. Freqüentava assiduamente a igreja, falava desdenhosamente do próximo e não dava pasto às más línguas.
  • Oh!
  • É o que lhe digo, me amigo, por Mme Bonderoi.“Vou contar-lhe tudo, meu capitão. Há cerca de dezoito meses, passeando pela avenida, entre as seis e sete horas da tarde, abordou-me uma paisana.Respondi-lhe sinceramente: “Pois não, Madame! Às suas ordens.”
  • Então ela acrescentou: “Procure-me amanhã, ao meio-dia. Sou Mme Bonderoi, Rua de La Tranchés, 6.
  • “Disse-me, como quem me pergunta o caminho: “Militar, quer ganhar honradamente dez francos por semana?”
  • Mas demos a palavra ao cavalariano Saballe:
  • Não faltarei, madame; esteja descansada.
  • Depois, deixou-me com um ar de muito satisfeita, acrescentando: “Agradeço-lhe muito, militar.”
  • O agradecido sou eu, Madame.Ao meio-dia, chamei à sua porta.“Despachemo-nos, disse, porque pode entrar a empregada.Então, ela se pôs a rir e redargüiu: “Não te faças de sonso, grande finório!”Sentou-se pertinho de mim, e disse-me: “Se repetes uma palavra de tudo isto, vais dar com os ossos numa prisão. Jura que serás mudo.”“Aceitas?”Fez-me então, compreender abertamente por meio de outras manifestações. Quando vi do que se tratava, pus o capacete em cima duma cadeira e demonstrei-lhe que um dragão não pode recuar nunca, meu capitão.Mas a gente não pode ser muito exigente no ofício, porque a grana anda muito escassa. E depois, temos que sustentar a família. Eu dizia comigo: “São cem soldos para o papai.”Mas eu disse-lhe: “Tratos são tratos, madame. Um cálice custa dois soldos, e dois, quatro.”E, pensando nisto, não tirava os olhos dessa placa dourada. Ela contemplou-me, corou, interpretou mal minha expressão e perguntou-me:Respondi-lhe:Deu-mas e retirou-se.Na última semana senti-me um tanto indisposto e baixei à enfermaria. Na terça-feira, não houve meio de sair, e eu me remoía os fígados por aqueles dez francos, a que já estava habituado.Então, mandei chamar o Paumelle, que é da minha terra, e disse-lhe a coisa: “Cinco para ti e cinco para mim, está feito?”O senhor compreende, meu capitão, um dragão de capacete parece-se com outro dragão.“Quem é você? Que quer daqui? Não o conheço!Olhou-o de alto a baixo, fez-lhe jurar o segredo, e aceitou-o depois, como é natural, visto que o Paumelle também é bem parecido.Eu, então, disse-lhe:“Levantou-me a mão, capitão, dizendo-me que um frete desses valia mais do que o dobro.O capitão d’Anglemare ria a bandeiras despregadas, quando me contava a história. Mas fez-me também jurar o segredo a que se havia comprometido com os dois soldados. Espero, pois, que você não me traia; prometa-me guardar isso para você?
  • Cada qual tem a sua opinião, não é verdade? Ninguém o obrigou a aceitar. E preguei-lhe um soco no nariz. O meu capitão já sabe o resto.”
  • “Não são processos muito delicados para um dragão; estás desonrando o uniforme.”
  • Mas quando aquele sabido voltou, meu capitão, não me quis dar os cinco francos. Se fossem para mim, não teria dito nada, mas eram para o meu pai, e quando me tocam nisso não admito brincadeiras.
  • Então Paumelle lhe explicou. Disse-lhe que eu estava adoentado e que o havia mandado para me substituir.
  • Mas, de pronto, descobriu a transformação, e perguntou com ar colérico:
  • Concordou e partiu. Tinha-lhe dado todas as indicações. Chamou; veio ela abrir; mandou-o entrar; não lhe olhou para a cabeça, e não reparou logo que não era o mesmo.
  • E pensei: “Se não vai lá ninguém, estou frito; pegará, com certeza, num artilheiro.” E a idéia revoltava-me.
  • Há ano e meio que isso dura, meu capitão. Vejo-a todas as terças-feiras, à noite, quando meu capitão tem a bondade de me dar licença. Prefere de noite, porque a empregada já está deitada.
  • “Não é precisamente isso, madame, mas se não lhe faz grande diferença, gostaria de ter duas peças de cinco.”
  • “Achas pouco?”
  • Compreendeu bem o meu raciocínio e meteu-me na mão um pequeno napoleão de dez francos. Não gosto muito dessa moeda. Corre para o fundo do bolso e, quando as calças estão mal cosidas, vai parar às botas, ou não se encontra mais.
  • Feito o frete, meu capitão, preparei-me para me retirar. Queria que eu ficasse um pouco mais.
  • Verdade seja dita, o caso não me sorria muito, porque a paisana não estava, digamos, na primeira juventude.
  • Respondi: aceito tudo o que a senhora quiser. Não estou aqui para outra coisa.”
  • Jurei-lhe o que queria. Mas ainda não compreendia nada. Suava em bica. Tirei o capacete e, de dentro, o lenço. Ela pegou no lenço e secou-me os cabelos das fontes. Nessa altura, pregou-me um beijo e disse-me ao ouvido:
  • Palavra de honra, meu capitão, que não compreendi nada.
  • Respondi-lhe: “Despachar-me? Com muito gosto, mas que devo fazer?”
  • Ela mesma veio abrir, em pessoa. Tinha um molho de fitas pequeninas, na cabeça.
  • Não descansei, de impaciência, até o dia seguinte.
  • Não tenha receio. Mas que solução teve o caso?
  • É muito simples. Há mil como esse! A velha Bonderoi conserva os seus dois dragões, marcando dia certo para cada um. Assim todo o mundo está contente.
  • Formidável! Extraordinária essa história!
  • E aos velhos pais não falta o pão na mesa. A moral está satisfeita.

 

                                                                                Guy de Maupassant  

 

                      

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