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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O SUSSURRO MAIS SOMBRIO
O SUSSURRO MAIS SOMBRIO

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Ele é o Guardião de Dúvida e todo seu mundo será sacudido.

Vinculado ao demônio da Dúvida, Sabin destrói involuntariamente ao mais confidente dos amantes.

Então, o guerreiro imortal passa o tempo lutando no campo de batalha em vez de no dormitório, sendo a vitória sua única preocupação até que conhece a tímida Gwendolyn. Uma prova de sua ruiva beleza, e anseia mais.

Gwen, ela mesma uma imortal, sempre pensou que se apaixonaria por um humano amável que não despertaria seu lado mais escuro. Mas quando Sabin a libera da prisão, combatendo a seus inimigos para reclamar a caixa de Pandora, resulta não ser nada em comparação com a batalha que Sabin e Gwen empreenderão contra o amor...

 

 

 

 

   Sabin, o Guardião do demônio da Dúvida, permanecia de pé nas catacumbas de uma antiga pirâmide, ofegando, suando, suas mãos banhadas no sangue de seu inimigo, seu corpo rasgado e machucado, enquanto contemplava o açougue a seu redor. Açougue que ele tinha ajudado a criar.

     As tochas piscaram com tons laranja e dourado, entrelaçando-se com as sombras ao longo das paredes de pedra. Estas estavam agora salpicadas de um vermelho vívido, gotejante… compacto. O arenoso chão era como uma massa espessa, molhada e pintada de negro. Até meia hora tinha sido da cor marrom do mel, grãos brilhantes e dispersos quando tinha andado por ali. Agora os corpos manchavam cada polegada quadrada do pequeno corredor, o aroma da fatalidade se elevando deles.

     Nove de seus inimigos tinham sobrevivido ao ataque. Os tinha despojado de suas armas, empurrado a um canto e amarrando com cordas. A maioria tremia de medo. Uns poucos tinham endireitado os ombros, os narizes levantados no ar, o ódio em seus olhos, se negando a voltar atrás inclusive em seu fracasso. Condenadamente admirável.

     Uma lástima que essa valentia tivesse que ser sufocada.

     Os valentes não cuspiam seus segredos e Sabin os queria.

     Ele era um guerreiro que fazia o que tinha que fazer, quando tinha que fazer, sem importar o que se requeresse dele. Matar, torturar, seduzir. Tampouco vacilou em pedir a seus homens que fizessem o mesmo. Com os Caçadores, mortais que tinham decidido que ele e seus companheiros Senhores do Submundo eram bom material para o mundo do mal, a vitória era a única coisa que lhes importava. Mas só ganhando a guerra poderiam seus amigos conhecer finalmente a paz. Paz que mereciam. Paz que desejava para eles.

     Goles, erráticos ofegos de ar, enchiam os ouvidos de Sabin. Os seus, os de seus amigos, seus inimigos. Tinham lutado com cada gota de força que possuíam cada um deles. Tinha sido uma batalha do bem contra o mal e o mal tinha ganhado. Ou, melhor dizendo, o que estes Caçadores consideravam o mal. Ele e seus “irmãos por circunstâncias” pensavam de outra maneira.

     Sim, fazia muito tempo tinham aberto a caixa de Pandora, liberando os demônios do interior. Mas eles tinham sido castigados eternamente, cada guerreiro amaldiçoado pelos deuses a hospedar a um daqueles vis demônios em seu interior. Sim, tinham sido uma vez escravos de suas novas, demoníacas metades, destrutivos e violentos, assassinos sem consciência. Mas agora tinham o controle, os humanos eram tudo o que importava. Em sua maior parte.

     Algumas vezes os demônios brigavam… ganhavam… destruíam.

     Contudo. Merecemos viver, pensou.

     Como todos outros, eles sofriam se feriam seus amigos, liam livros, viam filmes, faziam doações à caridade. Se apaixonavam. Os Caçadores, entretanto, nunca os veriam dessa maneira. Estavam convencidos de que o mundo seria um melhor lugar sem os Senhores. Uma Utopia, serena e perfeita. Eles acreditavam que cada pecado sem exceção poderia ser posto aos pés de um demônio. Talvez porque eles fossem idiotas como a merda. Talvez porque odiavam suas vidas e procuravam simplesmente a alguém a quem culpar. De uma ou outra maneira, lhes matar tinha se convertido na missão mais importante da vida de Sabin. Sua Utopia era uma vida sem eles.

     Esse era o motivo pelo qual ele e os outros tinham abandonado as comodidades de seu lar em Budapeste para passar as três últimas semanas procurando em cada bendita pirâmide no Egito os antigos artefatos que conduziriam à recuperação da caixa de Pandora, a mesma coisa que os Caçadores planejavam usar para destruí-los. 

     Finalmente, ele e seus amigos tinham acertado.

     —Amun. — disse, se dirigindo ao soldado mais afastado, em um escuro canto. Como de costume, o homem se mesclava perfeitamente com as sombras. Sabin fez gestos para os cativos com um firme movimento da cabeça— Já sabe o que fazer.

     Amun, o Guardião de Segredos, assentiu com a cabeça antes de avançar a passadas. Silencioso, sempre silencioso, como se temesse que os terríveis segredos que tinha vislumbrado durante séculos se derramariam sobre ele se ousasse pronunciar uma só palavra.

     Vendo o enorme guerreiro que deslizava através de seus irmãos igual a uma faca através da seda, os restantes dos Caçadores deram, todos, um passo atrás. Inclusive os valentes. Sábio por sua parte.

     Amun era alto, de músculos definidos, com um amplo passo que de algum jeito era tão decidido como elegante. O atuar sem motivação deveria tê-lo feito parecer normal, igual a outros soldados. A combinação lhe permitia exsudar a classe da selvageria tranqüila encontrada geralmente em predadores acostumados a trazer suas presas para casa entre as mandíbulas.               

     Ele alcançou os Caçadores e se deteve, examinando o grupo reunido. Então se moveu se adiantando e agarrando a um que estava no centro pela garganta, o levantando de modo que ficasse à altura de seus olhos. As pernas do humano se agitaram, suas mãos se agarrando aos pulsos de Amun, enquanto sua pele empalidecia.

     —Deixe-o ir, asqueroso demônio. — gritou um dos Caçadores, preso pela cintura a seus camaradas— Já matou a incontáveis inocentes, já arruinou muitas vidas!

     Amun não se moveu. Todos o eram.

     —É um bom homem. — gritou outro— Não merece morrer. Especialmente às mãos de tal demônio!

     Gideon, o Guardião de Mentira, de cabelo azul e olhos perfilados, esteva em um instante ao lado de Amun, mantendo aos protestantes a raia.

     —Toque nele outra vez e o tirarei do inferno aos beijos. —tirou um par de facas serrilhadas, ainda ensangüentadas de seu mais recente choque. 

     Beijar equivalia a golpear no mundo ao reverso de Gideon. Ou era matar? Sabin tinha perdido o rastro ao código de Mentira.

     Passou um momento de confuso silêncio, os Caçadores tentavam entender o que Gideon queria dizer exatamente. Antes que pudessem se decidir, o refém de Amun gemeu, murchando completamente, e Amun o deixou cair ao chão em um monte inútil.      

     Amun permaneceu no lugar durante um longo tempo. Ninguém o tocou. Nem sequer os Caçadores. Eles estavam muito preocupados em reanimar a seu companheiro caído. Não sabiam que era muito tarde, que seu cérebro tinha sido limpo, sendo Amun o novo proprietário de todos os seus segredos mais profundos. Possivelmente inclusive de suas lembranças. O guerreiro nunca tinha dito a Sabin como funcionava isso e Sabin nunca tinha perguntado.

     Amun se voltou lentamente, seu corpo rígido. Seu fixo olhar escuro se encontrou com o de Sabin durante um triste e atormentado momento no qual não podia mascarar a dor de ter uma nova voz no interior de sua cabeça. Então piscou, escondendo sua dor como tinha feito mil vezes antes e se afastou a passadas para a parede mais afastada enquanto Sabin o olhava decidido.

      Não me sentirei culpado. Terei que fazê-lo.

     A parede se via como qualquer outra, com ensangüentadas pedras empilhadas uma sobre a outra, se elevando de maneira inclinada, mas Amun colocou uma mão sobre a sétima pedra por baixo, separando os dedos, então pôs sua outra mão por cima, fechando os dedos. Movendo-se em sincronia, fez um giro de pulso para a esquerda, outro à direita.

     As pedras giraram com ele.

     Sabin observou o procedimento com temor. Nunca deixava de lhe assombrar, o que Amun podia descobrir no tempo de uns poucos segundos.

     Uma vez que as pedras se colocaram em suas novas posições, se formou uma greta em cada uma delas, se bifurcando para baixo, se alinhando com uma linha de espaço que Sabin não tinha advertido antes. Uma seção da parede se retirou para trás… retrocedendo, e finalmente começou a avançar um pouco para cada lado. Quando terminou tinha uma abertura, o bastante ampla para um exército de enormes bestas como ele mesmo.

     Quando isto continuou se alargando, o ar frio açoitou através das catacumbas, fazendo que as tochas flamejassem e chispassem.

     Rápido, disse ele às pedras. Tinha se movido alguma vez algo com tal atormentadora lentidão?

     —Algum Caçador esperando do outro lado? —perguntou, tirando seu Sig Sauer de sua cintura e comprovando o carregador. Saíram três balas. Afundou a mão no bolso por mais e o recarregou. O silenciador feito por encomenda permaneceu em seu lugar.

     Amun assentiu com a cabeça e elevou sete dedos antes de montar guarda na greta alargada.

     Sete Caçadores contra dez senhores. Ele não podia contar com Amun, embora soubesse que o guerreiro o tentaria e lutaria, porque o homem logo se veria obrigado a lutar com as novas vozes em sua cabeça. Contudo. Pobres Caçadores. Não tinham nenhuma oportunidade.

     —Sabem que estamos aqui?

     Uma sacudida dessa escura cabeça.

     Então não tinha câmaras observando cada um de seus movimentos. Excelente.

     —Sete Caçadores é um jogo de crianças. —disse Lucien, o Guardião da Morte, confirmando-o quando se apostou contra a parede afastada. Estava pálido, seus olhos de distinta cor brilhavam com… febre?— Continuem sem mim. Me reclamam. Logo terei mais almas que escoltar, de todos os modos. E então terei que transladar a nossos prisioneiros às masmorras de Buda.

     Graças ao demônio da Morte, Lucien podia se mover de uma localização a outra com apenas um pensamento e freqüentemente era obrigado a acompanhar aos mortos em sua transição. Isso não queria dizer que fosse imune à destruição. Sabin franziu o cenho o olhando. O estudando. As cicatrizes em seu rosto eram mais pronunciadas, o nariz estava fora de seu lugar. Tinha uma ferida de bala em seu ombro, uma em seu estômago e pela mancha que via se estendia sob a camiseta na parte de trás, seu rim.

     —Está bem, homem?

     Lucien sorriu ironicamente.

     —Viverei. Amanhã, entretanto, lamentarei provavelmente não tê-lo feito. Uns quantos órgãos estão triturados.

     Ouch. Estando ali, terá que se recuperar disso.

     —Ao menos não tem que regenerar um membro.

     Pela comissura do olho, viu Amun fazendo gestos com as mãos.

     —Não só não há câmaras instaladas, como estarão em uma câmera com paredes tiradas o som —interpretou Sabin— É uma antiga prisão e os mestres não queriam que ninguém ouvisse a seus escravos gritarem. Os Caçadores ignoram por completo nossa presença, o qual fará mais fácil emboscá-los.

     —Não me necessita para uma simples emboscada. Ficarei atrás com Lucien. — disse Reyes, deslizando sobre seu traseiro e apertando as costas contra uma pedra para sustentar a si mesmo.

     Reyes tinha sido emparelhado com o demônio da Dor. A agonia física lhe proporcionava prazer e estar ferido realmente o reforçava. Enquanto lutava. Quando a luta acabava, entretanto, se debilitava como qualquer um. Agora mesmo, estava tão espancado como o resto deles, com uma bochecha tão machucada que incomodava sua linha de visão.

     —Além disso, alguém tem que vigiar aos prisioneiros.

     Sete contra oito, então. Pobres Caçadores. Realmente, Sabin suspeitava que Reyes quisesse ficar atrás para proteger o corpo de Lucien dos inimigos. Lucien podia levá-lo com ele ao mundo dos espíritos quando estava o bastante forte, o que não era agora.

     —Suas mulheres vão me dar o inferno. — resmungou Sabin.

     Os dois tinham se apaixonado recentemente e ambas, Anya e Danika, tinham pedido uma só coisa a Sabin antes que os guerreiros fossem ao Egito: traz meu homem de volta são e salvo.

     Quando os meninos chegassem a casa nessas penosas condições, Danika sacudiria a cabeça para Sabin com desilusão enquanto se precipitava a acalmar Reyes e Sabin se sentiria igual à lama de suas botas. Anya dispararia exatamente como Lucien tinha sido disparado, então consolaria a Lucien e Sabin sentiria dor. Montes e montes de dor.

     Suspirando, Sabin observou ao resto dos guerreiros, tentando decidir quem estava bem para ir e quem tinha que ficar atrás. Maddox, Guardião de Violência, era o lutador mais feroz que tinha conhecido alguma vez. Agora mesmo, o guerreiro estava tão empapado em sangue como Sabin e ofegava em busca de ar, mas já tinha se movido ao lado de Amun, preparado para a ação. Sua mulher não ia estar mais feliz com Sabin que as outras.

     Uma leve mudança e apareceu a adorável Cameo. Ela era a guardiã de Miséria, como também era a única mulher soldado entre eles. O que lhe faltava em estatura o compensava em ferocidade. Além disso, tudo o que ela tinha que fazer era começar a falar, com todas as pesars do mundo em sua voz e os humanos se suicidariam sem ela ter que mover um só dedo. Alguém lhe tinha talhado o pescoço, deixando três sulcos profundos. Não parecia que isso a atrasasse quando acabou de limpar seu facão e se uniu a Amun e Maddox.

     Outra mudança. Paris era o guardião de Promiscuidade e alguma vez tinha sido o mais jovial entre eles. Agora parecia duro, mais agitado com cada dia que passava, embora Sabin não pudesse compreender o que tinha causado a mudança. Independentemente da razão, surgiu de frente aos Caçadores, resfolegando e resmungando e tão preparado para brigar que vibrava com brutal energia. E embora tivesse dois contundentes buracos na perna direita, Sabin não acreditava que o guerreiro pedisse descanso em nenhum momento.

     A seu lado estava Aeron, Ira. Só recentemente os deuses o tinham liberado de uma maldição de sede de sangue onde ninguém ao seu redor tinha estado a salvo. Ele tinha vivido para ferir, para matar. Em momentos como este, ainda o fazia. Hoje tinha lutado como se toda aquela luxúria ainda o consumisse, cortando e despedaçando a qualquer um dentro de seu alcance. Isso estava bem, exceto…

     Como de mal seria a sede de sangue quando a próxima luta terminasse? Sabin temia que teriam que convocar Legião, a diminuta demônio faminta de sangue que adorava a Aeron como a um Deus e que era a única capaz de o acalmar durante seus humores mais escuros. Infelizmente, ela estava atualmente lhes fazendo o trabalho de vigiar o inferno. Sabin gostava de se manter em dia sobre o que acontecia no Submundo. O conhecimento era poder e a gente nunca sabia quando seria capaz de usá-lo.

     Aeron mandou repentinamente um murro na têmpora de um Caçador, enviando o humano ao chão em um inconsciente monte.

     Sabin piscou ante ele.

     —E isso foi por?

     —Estava a ponto de atacar.

     Duvidava-o, mas justo nesse momento, Paris cortou qualquer corda invisível que estivesse lhe mantendo no lugar e desceu em picado através do resto do grupo, golpeando metodicamente aos Caçadores até que cada um deles esteve no chão.

     —Isso deveria mantê-los tão acalmados como Amun no momento. — respondeu enigmaticamente.

     Suspirando, Sabin transladou novamente sua atenção. Ali estava Strider, Fracasso. O homem não podia perder em nada sem suportar uma dor debilitante, assim se assegurava de ganhar. Sempre. O qual era provavelmente pelo que estava tirando uma bala do flanco se preparando para a batalha vindoura. Bem. Sabin sempre podia contar com ele.

     Kane, o Guardião de Desastre, caminhava frente a ele, fazendo um movimento esquivo quando uma ducha de calhaus caiu do teto, como plumas de pó se pulverizando em cada direção. Vários guerreiros tossiram.

     —Uh, Kane. —disse Sabin— Por que você não fica também aqui? Pode ajudar Reyes a vigiar os prisioneiros.

     Uma fraca desculpa e todos sabiam.

     Houve uma pausa, o único som que se ouvia era o deslizar da pedra contra a areia quando a porta começou a se abrir lentamente. Então Kane assentiu brevemente. Odiava ser excluído e Sabin sabia, mas sua presença algumas vezes causava mais problemas que soluções. E como sempre, Sabin colocava a vitória por cima dos sentimentos de seus amigos. Mas alguém tinha que atuar com lógica e sangue-frio ou sempre perderiam.

     Com Kane fora, isso fazia que a próxima batalha fosse sete contra sete. Inclusive assim, pobres Caçadores. Não teriam uma oportunidade.

     —Alguém quer ficar atrás?

     Um coro de “Não” circulou pela câmara, a impaciência gotejando dos diferentes timbres. Uma impaciência que Sabin compartilhava.

     Até que encontrassem a Caixa de Pandora, essas escaramuças eram uma necessidade. Mas não podia se encontrar sem aqueles malditos artefatos divinos para mostrar o caminho. E como uma das quatro relíquias se supunha que estava ali no Egito, esta particular escaramuça era inclusive mais importante. Ele nunca permitiria aos Caçadores reclamar um só artefato, já que aquela caixa podia destruir a Sabin e tudo o que lhe era querido, tirando os demônios de seus corpos e deixando somente cascas vazias sem vida.

     Apesar da confiança em que chegaria esse dia, sabia que teria que trabalhar para obter a vitória. O líder dos Caçadores era o inimigo jurado de Sabin, Galen, um imortal possuído por um demônio disfarçado, aqueles “protetores de todo o bom e correto” eram os privilegiados de informar aos humanos do que não teriam que ser informados. A melhor maneira de distrair aos Senhores… o melhor modo de capturá-los a melhor maneira de destruí-los.

     Finalmente a pedra deixou de deslizar e Amun deu uma olhada ao interior. Moveu uma mão para indicar que era seguro entrar. Ninguém deu um passo adiante. Os homens de Sabin e Lucien apenas tinham se reunido para lutar juntos, tendo estado separados durante mais de mil anos. Não tinham aprendido ainda a melhor forma de atuar.

     —Vamos fazer isso já ou vamos ficar aqui e esperar até que nos encontrem? —Se queixou Aeron— Eu estou preparado.

     —Se olhe, todo entusiasmo e merda. — disse Gideon com um sorriso satisfeito— Não estou impressionado.

     Era hora de se encarregar, refletiu Sabin. Ele considerou a melhor estratégia. Aqueles últimos séculos não tinha se preocupado de outra coisa que dos Caçadores, se precipitando à batalha com um só pensamento: matar. Mas o número de inimigos estava crescendo, não minguando e, para ser honesto, sua determinação e ódio cresciam também. Era hora de tomar um novo rumo de batalha, de catalogar seus recursos e debilidades antes de carregar para frente.

     —Irei eu primeiro já que sou o que está menos ferido. — curvou o dedo sob o gatilho de sua arma antes de embainhá-la a contra gosto.

     —Quero que se unam, um dos homens que esteja menos ferido com um dos mais feridos. Trabalharem juntos, os mais feridos atuando como retaguarda enquanto os mais sãos vão para o objetivo. Deixem tantos vivos como possam. —ordenou — Sei que não querem fazê-lo e sei que vai contra cada instinto que possuem. Mas não me preocupa. Já morreram muitos. Uma vez que descubramos o líder e aprendamos seu segredos, já não nos serão úteis e poderão fazer o que queiram com eles.

     O trio que bloqueava seu caminhou se afastou, lhe permitindo entrar no corredor sem demora, então cada um deles o seguiu, seus passos oferecendo apenas um leve sussurro. As lanternas iluminaram as paredes cobertas de hieróglifos. Sabin permitiu que seu olhar pousasse naqueles hieróglifos durante só um segundo, mas isso foi suficiente para gravar as imagens a fogo em sua mente.  Estes mostravam um prisioneiro atrás do outro sendo acompanhados a uma cruel execução, corações arrancados enquanto ainda pulsavam no interior de seus peitos.

     Aromas humanos cobriam o envelhecido e poeirento ar: colônia, suor, um sortido de mantimentos. Quanto tempo os Caçadores tinham estado aqui? O que estavam fazendo aqui? Já tinham encontrado o artefato?

     As perguntas patinaram através de sua mente e seu demônio as dividiu. Como Dúvida, não podia o ajudar.

     “Claramente sabem algo que você não. Possivelmente seja suficiente para te derrubar. Seus amigos poderiam muito bem dar seus últimos fôlegos esta noite”.

     Dúvida não podia mentir, não sem causar que Sabin sentisse sua frieza. Este só podia usar o escárnio e a hipótese para derrubar a suas vítimas. Nunca tinha entendido por que um demônio do inferno não podia utilizar o engano, o melhor que podia supor era que o demônio levava sua própria maldição, mas fazia tempo que o tinha aceitado. Não é que fosse permitir cair esta noite.

     Continua com isso e passarei na próxima semana preso em meu dormitório, lendo de modo que não possa pensar muito.

     “Mas eu preciso me alimentar”, gemeu em resposta. A preocupação que lhe causava era seu maior alimento.

     Logo.

     Depressa.

     Sabin elevou a mão se detendo e os guerreiros atrás dele se detiveram também. Tinha uma câmara mais à frente, as portas já estavam abertas. O som de vozes e passos ecoando, possivelmente até o zumbido de uma perfuratriz.

     Os Caçadores estavam efetivamente distraídos e rogando por uma emboscada. Eu somente sou o homem que vai dar.

     “O é, realmente?” Começou o demônio, desprezando a ameaça de Sabin. “A última vez que comprovei…”

     Se esqueça de mim. Eu o provi de comida como prometi.

     Houve uma alegre exclamação no interior de sua cabeça e então Duvida foi semeando isto nas mentes dos Caçadores no interior da pirâmide, sussurrando toda espécie de pensamentos destrutivos. “Tudo para nada… o que acontece se estiver equivocado… não é o bastante forte… poderia morrer logo…”

     A conversação se estendeu. Alguém possivelmente inclusive tinha gemido.

     Sabin levantou um dedo, então outro. Quando levantou o terceiro, ele e os guerreiros saltaram à ação, ressoando o eco de um grito de guerra.

    

   Gwendolyn “a tímida” se encolheu contra a parede mais afastada de sua cela de vidro no momento em que a horda de muito altos, muito musculosos e muito sangrentos guerreiros carregou irrompendo na câmara que ela tinha tanto amado como odiado durante mais de um ano. Amado, por que ao estar dentro da cela teria querido dizer que sair dela, seria uma possibilidade de liberdade. Odiado, por todos os feitos dolorosos que tinham ocorrido ali. Feitos que ela tinha testemunhado e temido.

     Os mesmos homens que tinham realizado aqueles feitos gritaram assustados, deixando cair seus pratos de Petri, agulhas, frascos e vários instrumentos. O vidro se rompeu. Selvagens rugidos retumbaram, os intrusos se adiantaram com perita ameaça, seus braços lhes golpeando, suas pernas lançando chutes. Um após o outro seus objetivos foram caindo. Não teria que se perguntar quem ganharia esta briga.

     Gwen tremeu, insegura do que aconteceria a ela e às outras quando as coisas se acalmassem. Os guerreiros eram claramente desumanos, igual a ela, igual a todas as mulheres encerradas nas celas ao redor dela. Eles eram muito duros, muito fortes, muito para ser mortais. O que eram exatamente, entretanto, não sabia. Por que estavam aqui? O que queriam?

     Ela tinha conhecido tantas pesarlidades neste ano passado, que não se atrevia a esperar que viessem em uma missão de resgate. Deixariam a ela e às outras ali para apodrecer? Ou tentariam usá-las como o tinham feito esses desprezíveis humanos?

     —Matem eles! —gritou uma das capturadas aos novos guerreiros, o som de sua dura e zangada voz fez com que Gwen rodeasse o torso com seus próprios braços.

     —Se assegure que sofram como nós sofremos.

     O vidro que tinha mantido às mulheres separadas do mundo exterior era grosso, impenetrável pelo punho ou inclusive as balas, mas cada angustia dentro da câmara e as celas era uma rajada nos ouvidos de Gwen.

     Ela sabia como bloquear o ruído, alguma das coisas que suas irmãs lhe tinham ensinado a fazer desde menina, mas queria ouvir desesperadamente a derrota de seus captores. Seus grunhidos de dor eram como arrulhos a meia-noite para ela. Calmantes e doces.

     Mas fortes como obviamente eram os guerreiros, nunca, nenhuma só vez, atiraram um golpe mortal. De estranha maneira, simplesmente feriam sua presa, golpeando-os até a inconsciência antes de se concentrar no seguinte oponente. E depois do que pareceram muitos segundos breves, os quais provavelmente teriam sido minutos, só ficou um humano em pé. O pior de todos.

     Um dos guerreiros se adiantou, se aproximando a ele. Embora todos os recém chegados possuíssem habilidades letais, este tinha brigado com mais sujeira, indo à virilha, à garganta.

     Ele levantou o braço como se fosse dar o golpe de misericórdia, mas então fixou seu olhar com os olhos muito abertos em Gwen e se deteve. Lentamente baixou o braço.

     Ela conteve a respiração. O cabelo castanho empapado com o sangue lhe pegava à cabeça. Seus olhos eram da cor do brandi, profundos e escuros, e também tintos de carmesim.

     Impossível.

     Certamente tinha imaginado esse selvagem brilho. Seu rosto, tão esquisitamente formado que só podia ter sido esculpido em granito, prometia a destruição em cada linha e oco, embora houvesse algo quase… juvenil nele. Uma contradição alarmante.

     Sua camiseta tinha sido feita farrapos, fazendo visíveis os fortes músculos beijados pelo sol. Oh, o sol. Como sentia saudades, desejava-o. Uma tatuagem de uma mariposa violeta se abrigava ao redor de seus quadris e baixava além da cintura de suas calças. As pontas dessas asas eram agudas, lhe dando uma aparência feminina e masculina ao mesmo tempo. Por que uma mariposa? Se perguntou ela. Parecia estranho que um forte e vicioso guerreiro tivesse se decantado por isso. Qualquer que fosse a razão, a marca de algum jeito a tranqüilizava.

     —Nos ajude. — disse ela, rogando que o imortal pudesse ouvi-la através a prova de som, como ela podia. Mas se ele a ouviu, não deu sinais disso— Nos Libere.

     Ainda não houve reação.

     “E se a deixam aqui? Ou pior, e se estiverem aqui pela mesma razão que os humanos?”

     Os pensamentos encheram repentinamente sua cabeça e ela franziu o cenho, possivelmente inclusive empalideceu. Os temores não estavam desconjurados. Ela tinha se perguntado exatamente as mesmas coisas não fazia muito tempo. Mas tinha algo diferente… estranho. Esses pensamentos não eram dela, não falavam com sua voz interior… “Como… o que…?”

     Os agudos dentes brancos se afundaram no lábio inferior do homem enquanto se agarrava as têmporas, claramente enfurecido.

     E sim…

     —Para! —grunhiu ele.

     O pensamento que estava se formando no interior de sua cabeça se deteve repentinamente. Ela piscou confusa. O guerreiro sacudiu a cabeça, intensificando seu cenho.

     Distraído como o estava claramente o imortal, seu atormentador humano decidiu atuar, cortando a distância que ficava entre eles.

     Gwen se endireitou, vociferando.

     —Cuidado!

     Com a atenção fixa em Gwen, o guerreiro com cara de granito estendeu um braço e agarrou ao humano pelo pescoço, o afogando e detendo ao mesmo tempo. O homem —Chris era seu nome —se agitou. Era jovem, possivelmente de uns vinte e cinco, mas, contudo era o líder dos guardas e cientistas que tinha ali. Também era o homem ao que desprezava mais que a seu cativeiro.

     Tudo o que faço, faço-o por um bem maior, era o que estava acostumado a dizer antes de violentar a uma das outras mulheres diante dela. Ele poderia tê-las inseminado artificialmente, mas tinha preferido a humilhação da forçada cópula. Lamento que não fosse você, tinha acrescentado freqüentemente. Cada uma destas mulheres é sua substituta.

     Apesar de seus desejos, nunca a tinha tocado. Estava muito assustado dela. Todos estavam. Sabiam o que era; tinham-na visto em ação no dia em que vieram por ela. Envia a um monte de gente e uma garota ganharia uma reputação, supôs ela. Embora, mais que eliminá-la, entretanto, a tinham conservado, experimentando com diferentes drogas no sistema de ventilação com a esperança de nocauteá-la o tempo suficiente para utilizá-la. Ainda não o tinham conseguido, mas tampouco tinham se rendido.

     —Sabin, não. — disse uma formosa mulher de cabelo negro, acariciando os uma vez avermelhados olhos do guerreiro por cima do ombro.

     Sua voz estava tão carregada de pesar, que Gwen se encolheu.

     —Como nos disse , possivelmente o necessitemos.

     Sabin. Um nome forte, parecido a uma arma. Estável.

     Os dois seriam amantes?

     Finalmente aquele consumidor olhar a deixou e ela foi capaz de respirar. Sabin deixou Chris ir e o bastardo caiu ao chão, inconsciente. Ela sabia que ainda vivia porque podia ouvir o apressado sangue em suas veias, o rangido do ar enchendo seus pulmões.

     —Quem são essas mulheres? —perguntou um guerreiro loiro.

     Tinha brilhantes olhos azuis e um adorável rosto que prometia compaixão e segurança, mas não foi com ele que repentinamente Gwen imaginou se aconchegando e dormindo pacificamente a seu lado. Profundamente. A salvo. Por fim.

     Todos esses meses, tinha temido dormir, sabendo que Chris adoraria tomá-la inconsciente. Então ela tinha dormitado a curtos intervalos, sem nunca baixar a guarda. Algumas vezes tinha se refreado de se entregar simplesmente ao diabólico homem em troca da perspectiva de fechar os olhos e se afundar em um escuro esquecimento.

     Uma montanha, de cabelo negro e olhos violetas, se adiantou dando uma olhada às celas que rodeavam a de Gwen.

     —Queridos deuses. Aquela está grávida.

     —Essa também.

     Este interlocutor tinha o cabelo multicolorido, pele clara e olhos azuis tão brilhantes como os de seu amigo loiro, embora os deste estivessem rodeados de uma escura sombra.

     —Que tipo de bastardos mantém fêmeas grávidas nestas condições? Isto é baixo, inclusive para os Caçadores.

     As mulheres em questão estavam esmurrando o vidro, suplicando por ajuda, por liberdade.

     —Alguém ouve o que estão dizendo? —perguntou a montanha.

     —Eu. —respondeu Gwen automaticamente.

     Sabin se voltou para ela. Esse olhar marrom que já não estava tinto de vermelho estava fixo uma vez mais nela, provando-a, investigando-a…persuadindo-a.

     Um calafrio dançou ao longo de sua coluna. Ele poderia ouvi-la? Seus olhos se ampliaram quando ele se aproximou a passadas de sua cela, embainhando uma faca em sua cintura. Ela inalou profundamente, saboreando cada matiz. Tão aumentados como estavam seus sentidos, captou a mais tênue mescla de suor, limão e hortelã. Ela a inalou profundamente, saboreando seus matizes. Durante muito tempo, não tinha cheirado a nada exceto ao Chris e sua insuportável colônia, suas potentes drogas e o medo das outras mulheres.

     —Pode nos ouvir?

     O timbre de Sabin era tão áspero como seus traços e deveria ter rajado seus nervos como papel de lixa, mas por algum motivo, a acalmava como uma carícia.

     Tentativamente, ela assentiu.

     —Elas podem nos ouvir? —indicou às outras prisioneiras.

     Ela sacudiu a cabeça.

     —Pode você me ouvir?

     Ele também negou com a cabeça.

     —Estou lendo seus lábios.

     OH, isso queria dizer que ele estava—tinha estado — observando-a intensamente, inclusive quando tinha girado a cabeça. O conhecimento não era agradável.

     —Como abrimos o vidro? —perguntou ele.

     Seus lábios se apertaram em uma dura linha e ela se permitiu dar um olhar aos predadores altamente armados e cobertos de sangue atrás dele. Deveria dizer? E se eles planejavam violentar a suas companheiras prisioneiras, como os outros  tinham feito? Justo como ela tinha temido?

     Sua dura expressão se suavizou.

     —Não vamos te fazer mal. Te dou minha palavra. Só queremos ajudar.

     Ela não compreendia por que sabia que era melhor confiar nele, mas se empurrou sobre suas instáveis pernas de todos os modos e se apegou ao vidro. Fechando a distância sobre este, se deu conta de que Sabin se elevava sobre ela e seus olhos não eram marrons como tinha suposto. Mas sim, estavam rodeados com âmbar, café, castanho e bronze, uma sinfonia de cores. Felizmente, o brilho avermelhado se tinha ido. O teria imaginado aquela vez?

     —Mulher? —disse ele.

     Se ele abrisse a cela como prometia… se ela pudesse reunir a coragem e não se congelar no lugar como era habitual nela… escapar seria finalmente possível. A esperança que tinha se negado anteriormente cobrou vida, incontrolável e decidida, suavizada só pelo pensamento de que possivelmente ela destruíra cruel e brutalmente a aqueles possíveis salvadores sem que lhe importasse.

     Não se preocupe. A menos que eles tentem te fazer mal, sua besta permanecerá encerrada.

     Um movimento equivocado deles, entretanto…

     Confronta o risco, pensou ela, dizendo:

     —Pedras.

     Ele franziu o cenho.

     —Ossos[1]?

     Tragando o nó em sua garganta, ela levantou uma de suas unhas — uma garra em comparação a dos humanos — e gravou a palavra PEDRAS no vidro. Cada letra se mantinha só o bastante para que ela a acabasse antes que clareasse. Maldito vidro. Freqüentemente tinha se perguntado como os humanos o tinham adquirido.

     Uma pausa. Franzindo o cenho, sua atenção permaneceu fixa sobre a unha muito comprida. Estava se perguntando que tipo de criatura era?

     —Pedras? —perguntou Sabin, seu olhar encontrando uma vez mais o dela.

     Ela assentiu.

     Ele girou em um círculo, observando a câmara inteira. Embora o olhar durasse só uns poucos segundos, Gwen suspeitou que ele tinha catalogado cada polegada do lugar e poderia encontrar a maneira de sair na escuridão.

     Os guerreiros se alinharam atrás dele, todos olhando-a espectadores. Mesclados com a espera, entretanto, estava a curiosidade, suspeita e ódio — por ela?— e inclusive luxúria. Retrocedeu, um, dois passos. Tinha chegado a odiar a luxúria em qualquer forma. Suas pernas tremeram tão violentamente que seus músculos teriam se derrubado.

     Se acalme. Não pode entrar em pânico. Coisas más acontecem quando está aterrada.

     Como combatia alguém o desejo dos outros?

     Não tinha nada que ela pudesse fazer para se cobrir mais do que já estava. Uma vez feita prisioneira, seu jeans e camiseta tinham sido substituídos com um Top e uma curta saia branca que seus captores lhe tinham dado—mais acessível dessa forma. Bastardos. Um dos suspensórios do Top tinha se quebrado faz meses e a saia agora estava aberta. Ela tinha tido que atá-la sob o braço para manter seu seio coberto.

     —Se afaste. — Sabin grunhiu de repente.

     Gwen girou sem pensar, o comprido cabelo vermelho caindo aos lados. O fôlego entrando e saindo de sua boca, o suor gotejando de sua sobrancelha. Por que queria que se afastasse? Para submetê-la melhor?

     Houve outra dessas enormes pausas.

     —Não ia por você, mulher. — desta vez a voz de Sabin foi suave, gentil.

     —Ah, vamos. —disse alguém. Ela reconheceu o rico e irreverente tom do homem com o cabelo loiro e olhos azuis— Não estará falando a sério sobre…

     —Está assustando-a.

     Gwen deu uma olhada por cima de seu ombro.

     —Mas ela… — começou novamente o das muitas tatuagens.

     Uma vez mais Sabin interveio.

     —Quer respostas ou não? Disse que se afastem!

     Uns quantos grunhidos, o arrastar de pés.

     —Mulher.

     Ela se voltou lentamente. Todos os guerreiros tinham girado como tinha Sabin ordenado, lhes dando as costas.

     Sabin colocou uma palma contra o vidro. Esta era enorme, sem cicatrizes e estável, mas manchada com sangue.

     —Que pedras?

     Ela apontou um grupo em uma caixa ao lado dele. Eram pequenas, do tamanho de um punho e cada uma tinha uma maneira diferente de morrer pintada na frente. As mais chamativas: uma decapitação, um membro amputado, uma punhalada e tocar fogo ao corpo de um homem amarrado em uma árvore.

     —Bom, isso está bem. O que faço com elas?

     Agora ofegando pela necessidade de ser livre—perto, tão perto—ela gesticulou para ele colocar uma pedra em um buraco, igual a uma chave em uma fechadura.

     —Importa aonde vai cada pedra?

     Ela assentiu, então apontou cada pedra em particular e que cela abria. Tinha chegado a aprender a utilização dessas pedras, quando isto significou que se veria forçada a presenciar outra violação.

     Suspirando, começou a arranhar a palavra CHAVE no vidro quando Sabin enterrou o punho na caixa das pedras, extraindo a casca. Deveria ter sido necessária a força de dez humanos para fazer tal coisa mas ele o tinha feito sem esforço.

     Vários cortes se bifurcaram de seus nódulos a seu pulso. Lágrimas carmesim apareceram, mas as apagou como se não significassem nada. Nesse meio tempo, as feridas já estavam em processo de cura, voltando a unir a malha rasgada. OH, sim. Ele estava longe de ser um mortal. Não era um elfo, porque suas orelhas eram perfeitamente arredondadas. Não era um vampiro, porque não possuía presas. Um tritão, então? Sua voz era o bastante rica, o bastante deliciosa, sim, mas possivelmente muito dura.

     —Agarrem uma pedra. — chamou ele, sem nunca afastar seu enfoque sobre ela.

     Instantaneamente, os guerreiros giraram sobre seus calcanhares. Gwen manteve o olhar sobre Sabin, temendo que o olhar dos outros disparasse seu medo.

     Está sob controle, está fazendo bem.

     Ela não podia—não devia— se alterar. Ela já levava muitas desculpas.

     Por que não podia ser igual a suas irmãs? Por que não podia ser valente, forte e abraçar o que ela era? Se fosse necessário, cortariam um membro para escapar—e o teriam feito faz muito tempo. Elas teriam atravessado o vidro de um murro, depois o peito de Chris, e comeriam seu coração em frente a ele enquanto riam.

     Experimentou uma pontada de nostalgia. Se Tyson, seu antigo noivo, tinha falado a eles de seu seqüestro—o que provavelmente não teria feito, assustado como estava de suas irmãs —a teriam procurado e não teriam parado até encontrá-la. Apesar de sua debilidade, elas a queriam e desejavam o melhor para ela. Mas estariam muito desgostadas quando descobrissem que a tinham capturado. Que tinha falhado a si mesma, a toda sua raça. Inclusive quando menina, tinha fugido dos conflitos, assim era como tinha ganhado o degradante “Gwendolyn a Tímida”.

     Suas palmas suavam, se deu conta, e as limpou sobre suas coxas.

 

     Sabin dirigiu a seus homens, lhes dizendo que pedra pertencia a cada buraco. Ele se equivocou em algumas convocações mas não se preocupou. Descobririam-no. A dela a tinha corretamente e quando um homem, um punk de cabelo azul, tentou agarrar a pedra apropriada, os fortes e bronzeados dedos de Sabin se fecharam sobre seu pulso, o detendo. O de cabelo azul olhou a Sabin nos olhos, que negou com a cabeça.

     —Minha. —disse ele.

     O punk sorriu.

     —Odeia o que vemos, não?

     Sabin só franziu o cenho ante ele.

     Gwen piscou confusa. Sabin odiava olhá-la?

     Uma por uma as mulheres foram liberadas, algumas chorando, outras tentando fugir rapidamente da câmara. Os homens não as deixaram ir longe, as agarrando e surpreendendo Gwen por sua gentileza, inclusive quando as mulheres lutavam violentamente. De fato, o mais bonito dos homens do grupo, o do cabelo de cores, se aproximou das mulheres uma por uma, sussurrando brandamente, “Dorme para mim, doçura”.

     Assombrosamente, elas obedeciam, se derrubando nos protetores braços dos guerreiros.

     Sabin ficou de cócoras e sopesou a pedra de Gwen, a única que mostrava ao homem queimado vivo. Quando se levantou, lançou-a ao ar, agarrando-a facilmente.

     —Não fuja, de acordo? Estou caído e não quero te perseguir, mas o farei se me obriga. E temo que a machucarei acidentalmente.

     Faremos ambos, pensou ela.

     —Não… a libere —balbuciou de repente Chris.

     Quanto tempo tinha estado acordado? Ele levantou a cabeça e cuspiu a sujeira da boca. As contusões já tinham se formado sob seus olhos.

     —Perigosa. Mortal.

     —Isso Cameo. „Ÿ foi tudo o que Sabin disse.

     A mulher guerreiro sabia o que ele queria e foi pelo humano, o agarrando pela parte de trás da camiseta e levantando-o facilmente o pôs em pé. Com sua mão livre, colocou uma adaga contra sua carótida. Muito fraco ou muito assustado, ele não lutou.

     Gwen esperou que fosse o medo o que o sustentasse ainda. Esperava com cada fibra de seu ser que fosse. Ela inclusive ficou olhando a ponta da faca, desejando introduzi-la na garganta do bastardo, perfurando pele e osso e lhe causando uma inesquecível agonia.

     Sim, pensou ela, encantada. Sim, sim, sim. Faça-o. Por favor, faça-o. O corte, faça-o sofrer.

     —O que quer que faça com ele? — Cameo perguntou a Sabin.

     —Mantenha ele aí. Vivo.

     A desilusão causou que os ombros de Gwen viessem abaixo. Mas com a desilusão veio uma assustadora revelação. Suas emoções estavam sob controle e, contudo, estava muito perto de liberar sua besta interior de todos os modos. Todos aqueles pensamentos de dor e sofrimento não eram deles. Não podiam sê-lo. Perigosa, tinha dito Chris. Mortal. Ele tinha razão.

     Tem que manter o controle.

     —Embora, sinta-se livre para lhe ferir um pouco. — acrescentou Sabin, seus olhos se entrecerrando sobre Gwen. Estava… Zangado? Com ela? Mas por que? O que tinha feito?

     —Não libere à garota. — repetiu Chris. Um tremor percorreu todo seu corpo. Ele retrocedeu, mas Cameo, obviamente mais forte do que parecia, o puxou de volta a seu lugar— Por favor, não o faça.

     —Possivelmente deveria deixar à ruiva na cela. — disse a diminuta mulher guerreiro— Ao menos por agora. Só por precauçao.

     Sabin levantou a pedra, se detendo brevemente antes de inseri-la no buraco ao lado da cela de Gwen.

             —Ele é um Caçador. Um mentiroso. E acredito que lhe tem feito dano, mas não quer que ela seja capaz de nos dizer.

     Gwen piscou ante ele com surpresa e temor. Ele não estava zangado com ela, se não com Chris —um Caçador?—por isso possivelmente lhe tivesse feito. Realmente tinha querido dizer o que disse. Não ia machucá-la. Queria liberá-la. Salvá-la.

     —Isso é verdade? —Perguntou-lhe Sabin— Te fez mal?

     Com as bochechas ardendo de mortificação, ela assentiu. Emocionalmente, ele a tinha destruído.

     Sabin passou a língua sobre os dentes.

     —Pagará por isso. Tem minha palavra.

     Lentamente a vergonha se desvaneceu. Sua mãe, quem tinha se largado fazia dois anos, teria querido vê-la morta antes que fraca, mas este homem — este estranho — pensava vingá-la.

     Chris tragou nervosamente.

     —Me escute. Por favor. Sei que é nosso inimigo e não mentirei nem pretenderei que você não é o meu. O é. O odeio com cada fibra de meu ser. Mas se a deixa ir, matará a todos. Juro.

     —Vai tentar nos matar, ruiva? —perguntou-lhe Sabin, inclusive mais amavelmente que antes.

     Acostumada a ser chamada “cadela” ou “puta” pelos homens dali, Gwen sentiu o doce apelido penetrar em sua mente com a potência do aroma de uma rosa tocada por uma calorosa brisa. Em seus poucos minutos juntos, esse homem tinha conseguido obsequiá-la com cada coisa que tinha sonhado desde que tinha estado encerrada: um cavalheiro de brilhante armadura, decidido a massacrar aos seus dragões. Claro, ela tinha pensado uma vez que o brilhante cavalheiro seria Tyson ou inclusive o pai que nunca tinha conhecido, mas, contudo, não todos os dias um sonho se fazia realidade.

     —Ruiva?

     Gwen prestou atenção. O que lhe tinha perguntado? OH, sim. Se ela o tentaria e mataria a ele e a seus amigos. Lambeu os lábios e negou com a cabeça. Se sua besta tomava o controle, não só o tentaria. Teria êxito.

     Eu tenho o controle. Em sua maior parte. Eles estarão bem.

     —Isso é o que eu pensava. — com um giro de pulso, Sabin soltou a pedra em seu lugar.

     Seu coração retumbou no peito, quase lhe rompendo as costelas. Gradualmente o vidro se elevou… e se elevou… logo… logo… E então não houve nada exceto ar entre ela e Sabin.

     A essência de limão e hortelã se fez mais forte. A frieza a que tinha se acostumado deu espaço a um lençol de calor que parecia rodeá-la.

     Ela sorriu lentamente. Livre. Realmente estava livre.

     Sabin ofegou.

     —Meus deuses. É incrível.

    Ela encontrou a si mesma caminhando para ele, estendendo a mão, desesperada pelo contato, que lhe tinha sido negado todos esses meses. Um simples toque, isso era tudo o que necessitava. E então partiria, iria para casa. Por fim.

     Para casa.

     —Puta. —gritou Chris, desfazendo-se do agarre de Cameo— Mantenha-se afastada de mim. Mantenham-na longe de mim. É um monstro!

     Seus pés se detiveram de mútuo acordo e seu olhar derivou ao desgraçado humano responsável por todas as atrocidades, toda a angústia, que tinha padecido durante o ano passado. Por não mencionar o que tinha feito a suas companheiras de cela. Suas unhas se alargaram como lâminas afiadas. Diminutas e etéreas asas se estenderam desde suas costas, rasgando o tecido, batendo as asas freneticamente. O sangue lhe fervendo nas veias, percorrendo rapidamente cada parte dela, mais e mais rápido e sua visão trocou a infravermelhos, se desvanecendo as cores quando o calor corporal foi seu único enfoque.

     Nesse instante, ela se deu conta que nunca tinha tido nenhum tipo de controle sobre a besta. Seu lado escuro. Esta tinha aguardado dentro dela desde o começo, tranqüila, enquanto esperava a oportunidade para golpear…

     Só Chris, só Chris, por favor deuses, só Chris. O cântico soou por sua mente, esperando penetrar a luxúria de sangue de sua vingativa besta. Só Chris, deixa aos outros em paz, ataca só ao Chris.

     Mas no mais profundo, ela sabia que não haveria quem detivesse o número de vítimas.

 

   Desde o primeiro momento em que Sabin viu a preciosa ruiva na cela de vidro, tinha sido incapaz de lhe tirar a vista de cima. Incapaz de respirar, de pensar. De cabelos longos com voluptuosos cachos, loiro entremeado com grossas mechas de rubi. Suas sobrancelhas eram de um castanho mais escuro, mas igualmente delicioso. O nariz era pequeno com a pontinha arredondada e arrebitada, suas bochechas eram de querubim. Mas seus olhos… eram um banquete sensual, âmbar com gretas de um cinza brilhante. Hipnóticos. Suas pestanas negras ao redor formavam um marco pecaminoso.

     Abajures halogênios penduravam de ganchos nas paredes e a banhavam em luz brilhante. Enquanto isso teria destacado os defeitos em outra, embora de fato punham à vista a sujeira que a cobria, lhe brindavam um saudável resplendor. Era pequena, com seios também pequenos e arredondados, quadris estreitos e pernas o suficientemente largas para se enredar em sua cintura e segurá-lo durante as mais turbulentas cavalgadas.

     Não pense nisso. Você sabe melhor que ninguém. Sim, sabia. Sua última amante, Dala, tinha se suicidado e ele tinha jurado não voltar a se envolver jamais. Mas sua atração pela ruiva tinha sido instantânea. Também atraiu a seu demônio, embora Dúvida a quisesse por outros motivos. Este tinha sentido sua confusão e tinha feito alvo nela, quis entrar em sua mente, se aproveitando de seus medos mais profundos e explorando-os.

     Mas ela não era humana, ambos o descobriram em seguida, por isso Dúvida tinha sido incapaz de ouvir seus pensamentos, a menos que ela os expressasse. Isso não queria dizer que estava a salvo de suas maldades. Oh, não. Dúvida sabia como avaliar uma situação e esparramar seu veneno de acordo com ela. Mais ainda, o demônio encontrava prazer nas provocações e trabalharia mais arduamente para avaliar as respostas da moça e arruinar qualquer esperança que pudesse ter.

     O que era ela? Ele tinha se encontrado com muitos imortais em seus milhares de anos, ainda assim não podia localizá-la. Certamente parecia humana. Delicada, frágil. Vulnerável. Entretanto, esses olhos ambar-prateados a delatavam. E as garras. Podia as imaginar se afundando em suas costas...

     Por que os Caçadores a tinham seqüestrado? Temia a resposta. Três das seis mulheres recentemente liberadas estavam obviamente grávidas, o que trazia para a mente só uma idéia: a cria de Caçadores. Caçadores imortais, ao caso, pois reconhecia a duas sereias com cicatrizes ao longo da coluna de seus pescoços, onde suas cordas vocais tinham sido claramente extraídas; uma vampira de pele pálida, cujas presas foram arrancadas; gorgona[2] cujo cabelo serpentino tinha sido barbeado e uma filha de Cupido, que tinha sido cegada. Sabin supunha que para evitar que apanhasse a algum de seus inimigos em um feitiço de amor.

     Quão cruéis tinham sido os Caçadores com estas belas criaturas. O que tinham feito à ruiva, a mais formosa de todas? Embora vestisse um diminuto Top e uma minissaia, não alcançava a ver nenhuma cicatriz ou golpes que indicassem maus tratos. Embora isso não significasse nada. A maioria dos imortais saravam rapidamente.

     A quero. Uma fadiga profunda emanava dela, entretanto quando lhe sorriu em agradecimento por tê-la liberado… ele podia ter morrido pela pura glória de seu rosto.

     "Eu também a quero", assinalou Dúvida.

     "Não pode tê-la". O que significava que ele tampouco. "Recorda a Dala? Tão forte e confiada que era, ainda assim arrumou para destruí-la".

     Uma gargalhada alegre.

     "Sei. Não foi divertido?"

     Apertou as mãos em punhos a seus flancos. Maldito demônio. No final, todos se derrubavam ante as intensas dúvidas que sua outra, mais escura metade constantemente lhes dirigia: Não é o suficientemente bonito. Não é o suficientemente inteligente. Como alguém poderia te amar?

     —Sabin. — chamou a voz fria de Aeron— Estamos preparados

     Estendendo a mão, indicou à moça que se adiantasse, com um movimento de seus dedos.

     —Venha.

     Mas sua ruiva retrocedeu contra a parede, com o corpo tremendo pelo temor renovado. Ele tinha esperado que saísse fugindo, desobedecendo suas advertências. Não tinha esperado este…terror.

     —Já te disse. — lhe recordou gentilmente— Não vamos te fazer mal.

     Ela abriu a boca, mas nenhum som saiu. E enquanto a olhava, o dourado de seus olhos se aprofundou, se obscureceu, o negro transbordando sobre o branco.

     —Que diabos é…

     Em um momento estava em frente a ele, no seguinte não, desapareceu como se nunca tivesse estado ali. Girou, procurando-a com a vista. Não a viu. Mas o único Caçador que ainda estava em pé, de repente soltou um grito agônico, um grito que se deteve abruptamente enquanto seu corpo caía, paralisado no piso arenoso, com sangue derramando a seu redor.

     —A garota. — disse Sabin, pegando uma faca, determinado a protegê-la de qualquer que fosse a força que acabava de assassinar ao Caçador que tinha planejado interrogar. Mas seguia sem vê-la. Se pudesse desaparecer com só o pensamento, como Lucien, estaria a salvo. Fora de seu alcance para sempre, mas a salvo. Podia? Tinha-o feito?

     —Atrás de você. — disse Cameo, e por uma vez soou mais horrorizada que miserável.

     —Meus deuses. —suspirou Paris— Não a vi se mover, e entretanto…

     —Ela não… ela… Como pôde… — Maddox esfregou o rosto com uma mão, não acreditando no que tinha visto.

     Uma vez mais Sabin girou. E ali estava ela, outra vez dentro da cela, sentada, com os joelhos contra o peito, a boca jorrando sangue, uma… traquéia? ...segura entre suas mãos. Tinha arrancado, ou mordido? A garganta do homem.

     Seus olhos voltaram para a cor normal, dourado com estrias cinzas, mas estavam completamente vazios de emoção e tão distantes, que suspeitava que o trauma do que acabava de fazer tinha adormecido sua mente. Seu rosto também estava vazio de expressão. Neste momento, sua pele estava tão pálida que se podiam ver as veias azuis por debaixo. E estava tremendo, se balançando para a frente e para trás e murmurando incoerências em voz baixa. Que…diabos?

     O Caçador a tinha chamado monstro. Ele não tinha acreditado. Antes.

     Sabin entrou na cela, inseguro de como proceder, mas sabendo que não podia deixá-la como estava nem voltar a encerrá-la. Um: não tinha atacado a seus amigos. Dois: rápida como era, poderia escapar antes que a porta se fechasse e lhe provocar sérios danos por ter quebrado sua promessa.

     —Sabin, amigo. — disse Gideon com seriedade— Possivelmente não quereria voltar a entrar ali. Por uma vez, um Caçador estava mentindo.

     Por uma vez. Prova dizer uma vez mais.

     —Sabe com o que estamos lutando aqui?

     —Não. Sim. Ela não é uma Harpia[3], o feto de Lúcifer, que não passa um ano em liberdade rondando pela terra. Não lutei com elas antes e não sei que podem matar um exército de imortais em apenas uns segundos.

     Como Gideon não podia dizer uma simples não é, sem desejar ao momento estar morto, pois todo seu corpo acabava envolto em agonia e infestado de sofrimento, Sabin sabia que tudo o que tinha dito era mentira. Por conseguinte, o guerreiro tinha se encontrado com uma Harpia antes, e evidentemente não se referia à palavra em seu sentido depreciativo, e essas Harpias eram prole de Lúcifer e podiam destruir até a um bruto como ele em um pestanejar.

     —Quando? —perguntou.

     Gideon entendeu a que se referia.

     —Recorda quando não estive encarcerado?

     Oh. Gideon, em uma ocasião, tinha suportado três meses de tortura nas mãos dos Caçadores.

     —Uma não destruiu meio acampamento antes que um só alarme soasse. Não se largou, pela razão que fosse, e os Caçadores restantes não passaram os dias seguintes amaldiçoando a toda sua raça.

     —Um momento. Uma Harpia? Não acredito. Não se vê horrorosa. —Esse comentário saiu de Strider, o rei de declarar o óbvio— Como pode ser uma Harpia?

     —Sabe tão bem como nós que os mitos humanos, algumas vezes, são distorcidos. Só porque a maioria das lendas dizem, que as Harpias são horrendas, não quer dizer que o sejam. Agora, todos fora. —Sabin começou a jogar suas armas ao chão atrás dele— Eu me encarregarei dela.

     Muitos protestos se levantaram.

     —Estarei bem. —isso esperava.

     "Talvez não…"

     "Oh, fecha a maldita boca".

     —Ela…

     —Vem conosco. — disse, interrompendo Maddox. Não podia deixá-la para trás, era uma arma muito valiosa, uma arma que podia ser usada em seu contrário, ou usada por ele. Sim, pensou abrindo mais os olhos. Sim.

     —Diabos, não. —disse Maddox— Não quero uma Harpia perto de Ashlyn.

     —Viu o que fez…

     Agora Maddox o interrompeu.

     —Sim, vi e exatamente por isso não a quero perto de minha humana grávida. A Harpia fica.

     Outra razão para evitar o amor. Abranda até ao guerreiro mais implacável.

     —Ela deve odiar a esses homens tanto como nós. Pode ajudar a nossa causa.

     Maddox era inamovível.

     —Não.

     —Será minha responsabilidade e me assegurarei que mantenha suas garras e dentes embainhados. — Isso esperava, de novo.

     —Se a quiser, é sua. — disse Strider, sempre de seu lado. Bom homem— Maddox vai estar de acordo porque você nunca pressionou Ashlyn para que fosse à cidade e escutasse conversações que os Caçadores teriam podido ter, sem importar quanto o tivesse desejado.

     Maddox entrecerrou os olhos e projetou a mandíbula.

     —Teremos que prende-la.

     —Não. Eu me encarregarei dela. — Sabin não gostava da idéia de que alguém mais a tocasse. De maneira nenhuma. Dizia a si mesmo que certamente era porque tinha sido torturada, usada da forma mais espantosa e poderia reagir negativamente a qualquer que o tentasse, mas…

     Reconhecia a desculpa pelo que era. Ela o atraía e um homem atraído não podia se desfazer do sentimento de posse. Inclusive quando dito homem tinha renunciado às mulheres.

     Cameo se aproximou de seu lado, com a atenção centrada na garota.

     —Deixa que Paris se ocupe. Ele pode usar suas habilidades com a mais cruel das mulheres e deixá-la de melhor humor. Você, não tem isso e evidentemente necessitamos a esta em um perpétuo bom humor.

     Paris, quem pode seduzir a qualquer mulher, em qualquer momento, imortais e humanas por igual? Paris, quem necessita sexo para sobreviver? Sabin apertou os dentes, uma imagem do casal cruzou pela sua mente. Corpos nus enredados, os dedos do guerreiro segurando a juba selvagem da Harpia, o êxtase dando cor a seu rosto.

     Seria melhor para a garota dessa maneira. Provavelmente seria melhor para todos, como Cameo tinha dito. A Harpia estaria mais inclinada a ajudá-los a derrotar aos Caçadores se lutava pelo o bando de seu amante, e Sabin estava empenhado em obter sua ajuda. É obvio, Paris não podia se deitar com ela mais de uma vez, terminaria enganando-a porque necessitava sexo de diferentes recipientes para sobreviver, e isso certamente a zangaria. Então poderia decidir ajudar aos Caçadores.

     Uma má idéia por qualquer lado que a olhasse, decidiu, e não só porque ele queria que fosse assim.

     —Só… me dê cinco minutos com ela. Se me matar, Paris pode tentá-lo. —Seu tom cortante falhou em provocar a risada de alguém.

     —Ao menos deixa que a ponha para dormir, como às outras. — voltou a insistir Cameo.

     Sabin negou com a cabeça.

     —Se acorda antes, se assustaria e poderia atacar. Tenho que chegar a ela primeiro. Agora saiam. Me deixem trabalhar.

     Uma pausa. Ruídos de pés ao caminhar, mais pesados do que o normal, pois os guerreiros carregavam às outras mulheres para fora, e então ficou sozinho com a ruiva. Ou loiro avermelhado, não estava seguro como se chamava essa cor. Seguia aconchegada, seguia murmurando, seguia sustentando essa maldita traquéia.

     "É uma garotinha má, não é?" Disse o demônio, arrojando as palavras diretas à mente da Harpia. "E você sabe o que acontece com as meninas más, não?"

     "Deixa-a em paz. Por favor", rogou ao demônio. "Ela eliminou a nosso inimigo, evitando que procurassem, e encontrassem, a caixa".

     Ao ouvir a palavra caixa, Dúvida gritou. O demônio tinha passado mil anos dentro da escuridão e o caos da caixa de Pandora e não queria retornar. Faria algo para evitar tal destino.

     Sabin já não poderia existir sem dúvida. Era uma parte permanente nele e por mais que algumas vezes o incomodasse, preferiria perder um pulmão que ao demônio. Ao primeiro o podia regenerar.

     Após uns minutos de silêncio, adicionou.

     "Por favor".

     "Oh, de acordo".

     Satisfeito com isto, Sabin entrou de tudo na cela. Se agachou, localizando-se ao nível dos olhos da moça.

     —Sinto muito, sinto. — repetia ela, como se sentisse sua presença. Entretanto, não o olhou no rosto, só continuou olhando fixo para frente, sem ver— O matei?

     —Não, não. Estou bem. —Pobre moça, não sabia o que tinha feito ou o que dizia— Fez uma boa obra. Acabou com um homem muito mau.

     —Má. Sim, sou muito, muito má. —Seus braços se apertaram ao redor de seus joelhos.

     —Não, ele era mau. —Lentamente se inclinou para a frente— Deixa que a ajude, sim? —Seus dedos tomaram brandamente os dela, abrindo-os. O resto sanguinolento se soltou de seu apertão e ele o apanhou com a mão livre, o jogando por cima do ombro, longe dela— Agora, não é melhor assim?

     Felizmente, a ação não lhe provocou outro ataque de ira. Simplesmente soltou um profundo suspiro.

     —Qual é seu nome? —perguntou.

     —Como?

     Ainda se movendo lentamente, afastou uma mecha de cabelo do rosto e o enganchou atrás da orelha dela. Ela se aproximou de sua mão, inclusive apoiou a bochecha em sua palma. Ele permitiu a carícia, saboreando a suavidade de sua pele, enquanto que em seu interior sabia que caminhava sobre uma linha muito fina frente ao perigo. Fomentar esta atração, desejar mais dela, era a condenar à miséria mais profunda, como tinha acontecido a Dala. Mas não se afastou, nem sequer quando o pegou pelo pulso e guiou sua mão através da seda de seus cabelos, claramente desejando ser mimada. Lhe acariciou a cabeça. Ela virtualmente ronronou.

     Sabin não podia recordar quando tinha sido tão… terno com uma mulher, nem sequer com Dala. Por mais que se preocupasse com ela, a vitória sempre foi mais importante que seu bem-estar. Mas nestes momentos, algo a respeito da moça o atraía. Estava tão perdida e sozinha, sentimentos que ele conhecia bem. Queria abraçá-la.

     Vê? Já está desejando mais. Franzindo o cenho, obrigou a seus braços a cair ao lado.

     Um suave grito de desespero escapou dela e manter a pouca distância que tinha entre os dois se voltou mais difícil. Como pôde, esta criatura tão necessitada, ter assassinado tão grosseiramente ao humano? Não parecia possível e não o teria acreditado se só lhe tivessem contado a história. Teria que tê-lo visto. Não é que houvesse muito que ver, dada a rapidez com a qual se movia.

     Possivelmente, igual a ele e seus amigos, também era cativa de uma força escura em seu interior. Possivelmente isso fazia impossível impedir que tratasse a seu corpo como uma marionete. Assim que esses pensamentos vieram à sua mente, soube que tinha adivinhado corretamente. A forma em que seus olhos trocaram a cor… o horror que refletiu ao se dar conta do que tinha feito…

     Quando Maddox caía dentro de um dos ataques de violência de seu demônio, ocorriam-lhe as mesmas mudanças.

     Não podia evitar ser o que era e o mais provável é que odiasse a si mesmo por isso, a pequena encantada.

     —Qual é seu nome, ruiva?

     Ela franziu os lábios, imitando o movimento dos de Sabin.

     —Nome?

     —Sim. Nome. Como lhe chamam.

     —Como me chamam. —Pestanejou. A aspereza afogada em sua voz estava se desvanecendo, deixando lugar a uma crescente percepção— Como me…, OH. Gwendolyn. Gwen. Sim, esse é meu nome.

     Gwendolyn. Gwen.

     —Um nome encantador, para uma garota encantadora.

     Vestígios de cor retornaram a seu rosto e voltando a pestanejar, desta vez dirigiu a atenção para ele, o brindando um sorriso vacilante, que falava de boas-vindas, alívio e esperança.

     —Você é Sabin.

     Exatamente quão sensitivos eram seus ouvidos?

     —Sim.

     —Não me fez mal. Nem sequer quando… —Tinha assombro em sua voz, assombro tingido de arrependimento.

     —Não, não te fiz mal. — Nem o farei, quis adicionar, mas não estava seguro de que fosse a não é. Em sua resolvida busca para derrotar aos Caçadores, tinha perdido a um bom homem, um grande amigo. Tinha sarado de incontáveis feridas quase fatais e enterrado a várias amantes destroçadas. Se fosse necessário, sacrificaria a esta pequena ave de igual forma pela causa, já seja que o quisesse ou não.

     "A menos que te abrande", declarou Dúvida de improviso.

     "Não me abrandarei". Era uma promessa, pois se recusava a acreditar de outra maneira, e uma afirmação de algo que já sabia: não era um homem honorável. A usaria.

     O Olhar de Gwen passou sobre ele e seu sorriso se desvaneceu.

     —Onde estão seus homens? Estavam justo aí. Não os… eu… eu os…?

     —Não, não lhes fez mal. Só estão fora desta câmara, juro.

     Seus ombros tremeram ao deixar escapar um suspiro de alívio.

     —Obrigada. —Parecia estar falando consigo mesma— Eu… Oh, céus.

     Sabin notou que acabava de visualizar ao Caçador que tinha assassinado. Voltou a empalidecer.

     —…Lhe falta… todo esse sangue… como pude…?

     Inclinando-se, de propósito, para um lado, Sabin lhe bloqueou a vista e ocupou toda sua linha de visão.

     —Tem sede? Fome?

     Aqueles olhos fora do comum giraram para ele, agora iluminados pelo interesse.

     —Tem comida? Comida de não é?

     Cada músculo em seu corpo se esticou frente à amostra de interesse. Tinha inclusive um deixe de euforia nela. Podia estar jogando com ele, fingindo estar emocionada pela oferta para fazê-lo baixar a guarda e facilitar o escapamento. Tem que ser como seu demônio e duvidar de tudo e de todos?

     —Tenho barras energéticas. —disse— Não estou seguro que possam se classificar como comida, mas a manterão forte. —Não é que necessitasse algo mais de força.

     Suas pestanas se fecharam e suspirou sonhadoramente.

     —Barras energéticas soam divinas. Não comi por quase um ano, mas o imaginei. Uma e outra vez. Chocolates e bolos, sorvetes e pasta de amendoim.

     Um ano inteiro sem um bocado?

     —Não lhe davam nada?

     Aquelas pestanas escuras se levantaram. Não assentiu nem respondeu afirmativamente, mas não precisava fazê-lo. O não é estava ali, em sua, agora, séria expressão.

     Assim que terminasse de interrogar aos Caçadores, cada um dos que tinha encontrado aqui nas catacumbas ia morrer. Nas suas mãos. Tomaria seu tempo com os assassinatos, além disso, desfrutando de cada talho, cada gota de sangue derramado. A garota era uma Harpia, um feto de Lúcifer, como tinha dito Gideon, mas inclusive ela não merecia a tortura lacerante da inanição.

     —Como sobreviveu? Sei que é imortal, mas inclusive os imortais necessitam sustento para permanecer fortes.

     —Punham algo no sistema de ventilação, um químico especial para nos manter com vida e dóceis.

     —Não funcionaram de todo com você, deduzo.

     —Não. —Sua pequena língua rosada passou sobre seus lábios, faminta— Disse barras energéticas?

     —Teremos que sair desta câmara para consegui-las. Pode fazê-lo? — Ou melhor dizendo queria? Duvidava que pudesse forçá-la a fazer algo que ela não quisesse, sem terminar cortado e quebrado, possivelmente morto. Se perguntava como os Caçadores a tinham apanhado. Como a tinham trazido aqui e sobrevivido para contar a história.

     Uma pequena vacilação. Logo:

     —Sim, posso.

     Uma vez mais se movendo lentamente, Sabin a pegou pelo braço e a ajudou a ficar em pé. Ela cambaleou.

     Não, compreendeu, ela se aconchegou contra ele, procurando um contato mais próximo com seu corpo. Ele ficou rígido, preparado para se afastar (mantê-la a distância, tinha que mantê-la a distância) quando ela suspirou, seu fôlego penetrando através dos rasgões em sua camisa até seu peito. Agora seus olhos se fechavam em êxtase. Inclusive rodeou com um braço sua cintura, urgindo-a a aproximar-se mais.

     Ela, totalmente confiada, deixou descansar a cabeça no oco de seu pescoço.

     —Também sonhei com isto. —suspirou— Tão quente. Tão forte.

     Tragando o nó que tinha na garganta, Sabin sentiu a Dúvida rondar pelos corredores de sua mente, sacudindo as barras, desesperado por escapar, por destruir a confiança que Gwen sentia com ele.

     "Muita fé", disse o demônio, como se fosse alguma espécie de enfermidade.

     A quantidade justa, se Sabin fosse honesto consigo mesmo. Gostava que uma mulher o estivesse olhando como se fosse um príncipe de luz, em vez de um rei de escuridão, alguém de quem ela deveria fugir gritando. Gostava que lhe tivesse permitido aliviar seu sofrimento.

     Uma tolice da parte de Gwen, tinha que admitir. Sabin não era herói de ninguém. Era seu pior inimigo.

     "Me deixe falar com ela!" reclamava o demônio, como uma criança ao que lhe tinha negado seu doce favorito.

     "Silêncio". Fazer com que Gwen duvidasse dele, poderia bem provocar a selvagem Harpia, pondo a seus homens em perigo. Isso, Sabin não permitiria. Era muito importante para eles, muito necessária. Era necessária, como tinha assegurado com antecedência, pôr distância. Deixou cair os braços e se afastou.

     —Nada de me tocar. —As palavras foram um grasnido, mais severas do que tinha sido sua intenção e ela empalideceu— Agora vamos. Saiamos daqui.

 

   A mulher ia matá-lo, e não porque fosse mais forte ou feroz que ele.

     Embora se pensasse nisso, sim o era. Ele nunca tinha arrancado a garganta de um homem com os dentes e que Gwen o tivesse feito o deixava muito impressionado. Fazia que os Senhores do Submundo se vissem como malvaviscos[4].

     Tinham passado dois dias completos desde que Sabin e sua equipe a resgataram da pirâmide. A única vez que a viu contente foi ante sua primeira olhada do sol. Após, não tinha voltado a relaxar. Ou a comer. As barrinhas que tanto tinha querido, apenas as olhou, com profunda saudade, antes de sacudir a cabeça e dar a volta. Nem sequer tinha tomado um banho na ducha portátil que Lucien lhe proporcionou.

     Não confiava neles, não queria se arriscar a ser envenenada nem a vulnerabilidade da inconsciência ou a nudez, e tudo isso era compreensível. Mas maldita seja, estava a ponto de explodir pela necessidade de forçá-la a fazer essas coisas. Por seu próprio bem. Sem a merda que estiveram lhe subministrando na cela, devia estar sentindo cada mordida da fome. Devia estar exausta e suja como se encontrava, dos últimos dois dias somados aos de seu confinamento, coisa estranha, pois todas as outras mulheres tinham se asseado, era impossível que estivesse cômoda. Forçá-la, entretanto, não era uma opção. Gostava de sua traquéia onde estava.

     O único que tinha aceitado dele era roupa. Sua roupa. Uma camiseta de camuflagem e calças de tarefas militares. Ficavam grandes, embora ela tivesse arregaçado as mangas, cintura e as pernas, mas nunca uma mulher luziu mais formosa. Com essa juba selvagem de cachos loiros avermelhados… lábios de “me leve a cama”, era a perfeição total. E saber que o material que vestia era dele…

     Preciso terminar com este celibato auto-imposto. Rápido.

     Assim que retornasse a Budapeste, o faria. Encontraria uma mulher predisposta, que quisesse somente passar um bom momento e, bom, lhe dar um bom momento. Ninguém sairia ferido porque não ficaria o tempo suficiente. Mas então assim, sua cabeça clarearia e saberia como tratar com Gwen.

     Outra coisa que lhe incomodava era a forma em que tinha plantado a si mesmo em uma esquina, de onde o observava sem importar quem entrasse na loja. A ele. Como se agora ele fosse sua maior ameaça. Tinha-a tentado bruscamente esse dia na caverna, sim, lhe dizendo que não o tocasse, mas também tinha se assegurado de que se mantivesse em pé durante a viagem através do deserto até levantar o acampamento. Tinha ficado com ela, a tinha protegido enquanto os outros guerreiros voltavam para a pirâmide para procurar algo que teriam passado por cima na primeira incursão. Realmente merecia essas olhadas fulminantes?

     "Talvez…"

     "Se cale, Duvida! Não necessito suas opiniões".

     "Não sabe por que o preocupa o que ela pense. Alguma vez foi bom para as mulheres, não? É gracioso que agora precise te recordar o que aconteceu a Dala".

     Agachado no arenoso chão, Sabin fechou de um golpe a tampa de sua maleta de armas, travou-o e dirigiu sua atenção à bolsa de comida que Paris tinha trazido.

     "Dala, Dala, Dala", entoava o demônio.

     —Como já disse, pode fechar o bico, pedaço de lixo. Já tive tudo o que podia suportar de você.

     Gwen, ainda sentada na esquina mais afastada, saltou como se ele tivesse gritado.

     —Mas se não disse nada.

     Tinha vivido entre os mortais por um longo tempo e tinha treinado a si mesmo para conversar com seu demônio só em sua mente. Que tenha esquecido todo esse treinamento agora, em presença desta assustadiça, embora mortífera, mulher era… mortificante.

     —Não falava com você. — murmurou.

     Mais pálida do que o usual, Gwen rodeou a cintura com os braços.

     —Então com quem fala? Estamos sozinhos.

     Não respondeu. Não podia. Não sem mentir. Já que a incapacidade de Dúvida para mentir tinha se estendido a Sabin faz muito tempo, tinha que se ater à não é, ou se evadir, ou passaria dormindo nos próximos dias.

     Felizmente, Gwen não quis pressionar o assunto.

     —Quero ir para casa. — disse brandamente.

     —Sei.

     Ontem, Paris tinha interrogado a todas as mulheres liberadas a respeito de seu confinamento. Em efeito, tinham sido seqüestradas, violadas,  deixadas grávidas e lhes tinham dito que seus bebês lhes seriam arrebatados e treinados para ser defensores contra o mal. Depois, Lucien tinha transportado a todas, menos a Gwen quem não tinha dito nada a Paris, com suas famílias quem com sorte poderiam esconde-las dos Caçadores, em paz e tranqüilidade, coisas que não tiveram durante seu cativeiro.

     De todos os lugares, Gwen tinha pedido para ser levada a uma deserta extensão de gelo no Alaska. Lucien se dispunha a pegá-la pela mão, apesar de sua falta de cooperação, e Sabin se interpôs entre eles.

     —Como já disse na caverna, ela fica comigo. — sentenciou.

     Gwen ficou com a boca aberta.

     —Não! Quero ir.

     —Sinto muito. Isso não vai passar. —Tinha recusado a voltar a olhá-la, temeroso de claudicar e deixá-la ir, apesar que com sua força, velocidade e ferocidade pudessem ganhar esta guerra, salvando a seus amigos com isso.

     Pelos deuses, tinha sonhado com um final, um final vitorioso, durante muitos anos para contá-los; não podia pôr as necessidades e desejos de Gwen à frente dessa vitória.

     Desejava muito ter, ao Galen, a pessoa que mais odiava no mundo, derrotado e encarcerado.

     Galen, o Senhor uma vez esquecido, foi quem convenceu aos guerreiros de roubar e abrir a caixa de Pandora. Foi também quem planejou em segredo matar a todos e capturar, depois, aos demônios que tinham liberado, se convertendo assim em herói ante os olhos dos deuses. Mas as coisas não funcionaram como o bastardo tinha planejado e ele também tinha sido condenado a hospedar um demônio, Esperança, igual aos outros guerreiros.

     Se tão só as coisas tivessem terminado ali. Mas como castigo agregado, todos eles tinham sido expulsos do céu. Galen, ainda determinado a destruir aos homens que o tinham chamado amigo, tinha reunido prontamente um exército de mortais encolerizados, os Caçadores, e foi assim como esta interminável disputa sangrenta estalou. Uma luta que com o passar dos anos só se intensificava. Se Gwen pudesse ajudá-los, embora fosse da forma mais mínima, era muito valiosa para liberá-la. Ela, entretanto, pensava diferente.

     —Por favor. —tinha rogado— Por favor.

     —A levarei a casa algum dia, mas não agora. — lhe disse— Pode ser de ajuda para nós, para nossa causa.

     —Não quero ser de ajuda para nenhuma causa. Só quero ir para casa.

     —Sinto muito. Como disse antes, isso não vai passar por algum tempo.

     —Bastardo. — tinha murmurado. Depois se congelou, como se não tivesse querido dizê-lo em voz alta e agora pensasse que ele se equilibraria e a golpearia. Quando não o fez, se acalmou um pouco— Assim, troquei um captor por outro, é isso? Prometeu que não me faria mal. — Suave, tão suave. Inclusive tristemente resignada, e isso o… machucou— Só me deixe ir. Por favor.

     Obviamente, a moça estava assustada. Dele, de seus amigos. De si mesma e suas habilidades letais. De outra forma, teria tentado de escapar dele ou negociar sua liberação. Mas nunca o tentou. Temia o que eles pudessem lhe fazer se a apanhavam? Ou temia o que ela pudesse fazer a eles?

     Ou, como Dúvida gostava de sussurrar na escuridão, tinha planos mais sinistros? Ela era um Chamariz, uma armadilha muito convincente urdida pelos Caçadores? Uma armadilha para acabar com ele?

     Impossível, se dizia com freqüência. Tal acanhamento não pode ser fingido. O tremor, o recusar inclusive a comer. O que significava que seus temores, quaisquer que fossem, eram reais. E quanto mais tempo passasse com ele, mais cresceriam esses temores e dúvidas. Se converteriam em todo seu mundo, em tudo o que pensasse. Duvidaria de cada palavra que saísse de sua boca, de cada palavra dita por ele. Questionaria cada ação.

     Suspirou. Agora e aqui, tinha outros que estavam questionando suas ações e não por causa de seu demônio. Ante o rogo de Gwen, a expressão de Lucien tinha se comovido, coisa estranha, pois Lucien era muito cuidadoso de ocultar sempre suas emoções. Depois de ordenar a Paris que a vigiasse, transladou Sabin à casa que tinham alugado no Cairo, onde poderiam falar afastados dos outros. Afastados de Gwen.

     Tinha seguido uma discussão de dez minutos. E devido a que se transportar sempre o adoecia, causando que seu estomago se revolvesse, não tinha estado em ótimas condições.

     —É perigosa. —começou Lucien.

     —É muito forte.

     —É uma assassina.

     —Olá, nós também o somos. A única diferença é que ela é melhor que nós.

     Lucien franziu o cenho.

     —Como sabe? Só a viu matar a um homem.

     —Entretanto, não a permitirá entrar em casa por esse assassinato, apesar de que foi a nosso inimigo a quem assassinou. Olhe, os Caçadores conhecem nossos rostos. Sempre estão nos procurando. Mas os únicos que conhecem a ela estão agora mortos ou encerrados. Será nosso cavalo de Troya. Nossa própria versão de Chamariz. Eles a receberão e ela os matará.

     —Ou a nós. — murmurou Lucien, mas Sabin pôde ver que estava considerando o assunto— É somente que se vê tão… temerosa.

     —Sei.

     —Ao seu lado, isso só piorará.

     —De novo, sei. —grunhiu.

     —Então, como pode pensar em usá-la como soldado?

     —Me acredite, sopesei os prós e os contra. Temerosa ou não, com o espírito dobrado por mim ou não, tem uma habilidade inata para a destruição. Podemos usá-la em nosso próprio benefício.

     —Sabin…

     —Vem conosco e isso é tudo. É minha. —Não tinha querido reclamá-la, não dessa maneira. Não necessitava outra responsabilidade. Em especial uma formosa, apreensiva mulher que nunca teria esperanças de possuir. Mas era a única maneira. Lucien, Maddox e Reyes tinham trazido mulheres à casa, por conseguinte não poderiam negar a entrada à sua.

     Não deveria fazer isso com ela, teria que tê-la deixado partir, pelo bem de ambos. Mas como já tinha recordado a si mesmo, tinha posto esta guerra com os Caçadores por cima de tudo, inclusive seu melhor amigo, Baden, guardião de Desconfiança. Agora estava morto, se tinha ido para sempre. Não podia fazer uma exceção com Gwen. Ela vinha a Budapeste, gostasse ou não.

     Embora primeiro fosse alimentá-la.

     Se agachando a um metro em frente a ela, ficando seus olhos ao mesmo nível, Sabin começou a desembrulhar twinkies[5] e a abrir lunchables[6]. Acrescentou uma caixinha de suco. Deuses como sentia saudades da comida caseira de Ashlyn e a cozinha gourmet que Anya “tomava emprestado” dos restaurantes cinco estrelas de Budapeste.

     —Esteve alguma vez em um avião? —perguntou-lhe.

     —O que te importa? —Levantou o queixo, fogo amarelo ardendo em seus olhos. Mas esse olhar ardente não ia dirigido a ele. A não ser à comida que estava desdobrando em um prato descartável junto a ele.

     Uma demonstração de caráter. Gostava. Preferia, definitivamente, antes que a estóica aceitação que tinha mostrado com antecedência.

     —Não me importa. Simplesmente tratava de me assegurar que não iria a… — Merda. Como podia dizê-lo sem lhe recordar o que tinha feito com o Caçador?

     —Te atacar presa do medo? —Terminou por ele, com as bochechas ardendo de vergonha— Ao contrário de você, eu não minto. Sobe em um avião que não vá dirigido ao Alaska e terá uma boa possibilidade de conhecer meu… lado mais escuro. —As últimas palavras soaram afogadas.

     Os olhos de Sabin se entrecerraram perigosamente, sua mente ficou apanhada no começo do discurso. Recolhendo os pratos plásticos esparramados em frente a ele, os jogou dentro da bolsa de lixo.

     —O que quer dizer com “ao contrário de você”? Nunca te menti. — Que ainda estivesse consciente o provava.

     —Disse que não me faria mal.

     Um músculo começou a saltar em sua mandíbula.

     —E não o tenho feito. Nem o faço.

     —Me manter aqui é me fazer mal. Disse que me liberaria.

     —A liberei. Da pirâmide. —Deu de ombros, envergonhado— E enquanto esteja sem feridas físicas, a considerarei sem dano. —Ele deixou escapar um suspiro caído — É tão mal estar ao meu lado?

     Os lábios de Gwen se apertaram em uma linha fina.

     Auch.

     —Não tem importância. Terá que se acostumar a mim. Nós dois passaremos muito tempo juntos.

     —Mas por que? Disse que poderia ser de utilidade, não o esqueci. O que não entendo é, o que acredita que posso fazer.

     Por que não lhe contar tudo? Pensou. Poderia incliná-la mais para ele e sua causa. Ou poderia assustá-la ainda mais e conseguir que finalmente escapasse. Seria capaz de detê-la?

     Mas não saber que pensavam fazer com ela devia ser uma tortura e já tinha sofrido o suficiente.

     —Vou te proporcionar qualquer informação que deseje, — lhe disse— se comer.

     —Não. Não posso.

     Sabin levantou o prato e o moveu ao redor. Ela seguiu cada movimento como hipnotizada. Seguro de ter captado sua atenção, levantou um dos Twinkies e o mordeu pela metade.

     —Não posso. — disse outra vez, embora soasse exatamente como se via, hipnotizada.

     Sabin tragou, e logo lambeu todo o remanescente de creme.

     —Vê. Ainda com vida. Sem veneno.

     Vacilante, como se já não pudesse se conter mais, Gwen estendeu a mão. Sabin lhe entregou a sobremesa e ela imediatamente a levou contra o peito. Passaram vários minutos em silêncio e sem que fizesse nada exceto olhá-lo atentamente.

     —Então, esta comida é em pagamento por te escutar? —perguntou.

     —Não. —Não lhe permitiria pensar que o suborno era aceitável— Só quero que esteja saudável.

     —Oh. — disse, claramente decepcionada.

     Por que decepcionada?

     Dúvida virtualmente dançava pela urgência de escapar da mente de Sabin para Gwen. Um pouco mais e perderia sua sujeição. Uma sugestão equivocada do demônio, entretanto, e sabia que Gwen atiraria o pequeno bocado ao chão.

     "Coma, projetava. Por favor coma". Não era o sanduíche mais nutritivo, mas a estas alturas estaria contente se ela comesse uma pilha de areia.

     Gwen finalmente levantou a massa dourada e, tentativamente, mordiscou a borda. Suas pestanas largas e escuras se fecharam e um pequeno sorriso apareceu. Êxtase absoluto irradiou dela, do tipo que geralmente chega depois de um orgasmo.

     O corpo de Sabin reagiu instantaneamente, cada músculo se esticando. Seu pulso cobrou velocidade, suas palmas ansiavam tocar. Meus deuses, é preciosa. Muito possivelmente a coisa mais deliciosa que jamais tenha contemplado, toda prazer carnal e gozo excitante.

     O resto esteve dentro de sua boca um segundo mais tarde, suas bochechas se inchando pela quantidade. Enquanto mastigava, estendeu a mão, ordenando silenciosamente que lhe desse outro. Ele o fez sem vacilar.

     —Deveria tomar a metade? —perguntou antes de entregá-lo.

     O negro começou a agitar-se em seus olhos, arrasando com o dourado.

     Melhor não. Sabin levantou as mãos, palmas para fora, e ela procedeu a empurrar a segunda massa doce dentro de sua boca. O negro se evaporou, retornando o dourado. Migalhas caíam da comissura de seus lábios.

     —Tem sede? —alcançou-lhe a caixinha de suco.

     De novo, Gwen estendeu as mãos, movendo os dedos para apressá-lo.

     Em segundos, até a última gota de suco desapareceu.

     —Mais devagar ou adoecerá.

     Assim sem mais, o negro retornou a sua íris. Ao menos não se estendeu para o branco dos olhos, como momentos antes de assassinar ao Caçador. Sabin empurrou o prato para ela, que arrasou com o resto da comida.

     Quando terminou, voltou a se recostar contra a tenda, esse sorriso satisfeito aparecendo novamente. Rosados quentes pintavam suas bochechas. E ante os próprios olhos de Sabin, seu corpo começou a se encher. Seus seios transbordaram. Sua cintura e quadris formaram curvas perfeitas, pecaminosas. Seu membro, ainda duro e dolorido, se retorceu em resposta.

     Detenha. Agora. Sua ereção muito provavelmente a aterrorizaria, assim permaneceu ali agachado, com os joelhos apertados e as costas encurvadas.

     "E se gostasse? Se te pedisse que se aproximasse e a beijasse? Que a tocasse?"

     "Fecha o bico".

     Mas Gwen empalideceu. Seu sorriso se desvaneceu e franziu o cenho.

     —O que ocorre? —perguntou-lhe.

     Sem responder, atirou da parte inferior da tenda, se inclinou para fora e vomitou, devolvendo até a última migalha e gota que tinha ingerido. Suspirando, Sabin ficou em pé e procurou um trapo. Depois de molhá-lo com a água de uma garrafa, pô-lo entre os dedos. Gwen voltou a meter-se dentro da loja e limpou a boca com mãos trêmulas.

     —Deveria adivinhá-lo. — resmungou, retornando a sua posição anterior. Braços rodeando seus joelhos, as sustentando contra seu peito.

     Deveria saber que lhe passaria por comer tão rápido? Pois claro. Porque ele o advertiu.

     Clareando a garganta, Sabin decidiu que a alimentaria de novo uma vez que seu estômago tivesse se situado. No momento podiam esquecer a conversação. Depois de tudo, ela tinha completado com sua parte do trato. Tinha comido.

     —Perguntou-me o que necessitava que fizesse. Bom, necessito que me ajude a encontrar e acabar com os homens responsáveis por seu… tratamento. —Vá com cuidado. Não provoque a seu lado escuro com lembranças dolorosas. Mas não tinha como evadir as outras, nos contaram o que tinha acontecido. As drogas para a fertilidade, as violações. Como, faz tempo, houveram outras mulheres encerradas nessas jaulas. Mulheres que foram violadas também, seus bebês lhes foram arrebatados. Algumas parecem acreditar que isto esteve ocorrendo durante anos.

     As costas de Gwen estavam pressionadas contra a parede da tenda cor areia, entretanto tratava de retroceder mais, como se precisasse escapar dessas palavras e as imagens que evocavam.

     O mesmo Sabin tinha sentido horror ouvindo as histórias. Ele podia ser metade demônio, mas nunca tinha feito algo tão terrível como o que sofreram as mulheres na caverna.

     —Esses homens são vis. —disse— Precisamos destruí-los.

     —Sim. —Baixando um de seus braços, Gwen começou a desenhar pequenos círculos no chão junto a seu quadril— Mas eu… não fui —as palavras foram ditas tão brandamente, que ele teve que se esforçar para ouvi-las.

     —Não foi, o que? Violada?

     Mordendo o lábio inferior, um hábito nervoso? Sacudiu a cabeça.

     —Tinha muito medo de abrir minha jaula, assim me deixou em paz. Fisicamente ao menos. Ele… tomava às outras em frente a mim. — tinha culpabilidade em seu tom.

     Sabin só pôde sentir alívio. A idéia desta criatura, tão parecida com uma fada, sendo segura contra o chão com as pernas abertas enquanto gritava e pedia piedade, piedade que nunca lhe seria concedida… Apertando as mãos em suas coxas, sentiu suas garras alargando-se e cortar através de suas calças militares.

     Quando retornasse a Budapeste os Caçadores em seu calabouço sofreriam incontáveis torturas, se disse pela milésima vez. Tinha torturado a homens com antecedência, considerava-o uma parte indispensável da guerra, mas desta vez o desfrutaria.

     —Por que te conservar, então, se tinha medo de você?

     —Porque não tinha abandonado a esperança de que as drogas corretas me voltariam dócil.

     O sangue começou a gotejar, quando suas garras encontraram pele. Estava seguro que Gwen tinha vivido com o terror de que isso mesmo passasse finalmente.

     —Pode vingar às outras mulheres. Eu posso te ajudar.

     Levantando suas pestanas deixou esquecida a areia com que jogava e essas órbitas cor âmbar atravessaram então todo o caminhou até sua alma.

     —Você também pode. Nos vingar, quero dizer. É óbvio que esses homens lhe fizeram algo. Veio até aqui para lutar com eles, não é certo?

     —Assim é, também me fizeram algo e aos meus, e sim, vim até aqui para lutar com eles. Isso não significa que possa destruí-los eu sozinho. —Se não,  a estas alturas já o teria feito.

     —O que lhe fizeram?

     —Mataram a meu melhor amigo. E têm a esperança de matar a todos os outros que considero queridos, tudo porque acreditam nas mentiras de seu líder. Tentei aniquilá-los durante séculos. —admitiu. O fato de que os Caçadores continuassem prosperando era como uma adaga cravada em seu flanco— Mas Mato a um e cinco mais ocupam seu lugar.

     Quando ela nem pestanejou ao ouvir a palavra séculos, se deu conta que sabia que ele, também, era imortal. Mas sabia o que era?

     "Não há forma de que o tenha adivinhado. Como a maioria das mulheres em sua vida, desprezaria o que é. Como não fazê-lo? Olha-a agora. Tão doce, tão gentil. Nenhuma evidência de ódio. Ainda. O último saiu em tom melodioso".

     Dúvida. Sua constante companhia. A cruz de sua existência.

     —Como sei que não é um deles? —exigiu— Como sei que isto não é simplesmente outra maneira de tentar ganhar minha cooperação? O ajudo a derrotar o seu inimigo e você me violenta. Fico grávida e me rouba à criatura.

     Dúvidas. Cortesia de seu demônio?

     —Te vi brigar com esses homens. Os feriu, diz odiá-los, mas não os matou. Deixou-os com vida. Essa não é a ação de um guerreiro que busca aniquilar ao seu inimigo. — adicionou Gwen firmemente, antes que ele pudesse pensar sequer numa resposta ao anterior.

     Enquanto ela falava, uma idéia ocorreu a Sabin. Uma forma de provar suas palavras.

     —Se tivéssemos matado a todos estaria convencida de nosso ódio para eles?

     Mais mordidas, nesse luxurioso lábio inferior. Seus dentes eram brancos e retos, embora fossem um pouquinho mais afiados que os humanos. Beijá-la provavelmente lhe tiraria sangue, mas parte dele suspeitava que cada gota valeria a pesar.

     —Eu… talvez.

     Talvez era melhor que nada.

     —Lucien. — chamou sem retirar sua atenção dela.

     Com os olhos aumentados ela tentou de retroceder ainda mais.

     —O que está fazendo? Não…?

     Lucien entrou, altivo, através das lapelas frontais e lançou olhadas espectadores para ambos.

     —Sim?

     —Me traga um prisioneiro de Budapeste. Não importa qual.

     As sobrancelhas de Lucien se franziram com curiosidade, mas não respondeu. Simplesmente desapareceu.

     —Não posso te ajudar Sabin. — disse Gwen com uma voz agônica. Implorando que compreendesse — Só não posso. Não há razão para que faça o que seja que pensa fazer. Não devia te ter gritado como o fiz. De acordo? Admito. Não devia te insultar com minhas dúvidas. Mas é que não posso lutar com ninguém. Congelo quando estou assustada. E então tudo se obscurece. Logo, quando acordo, todos ao meu redor estão mortos. — tragou saliva e fechou os olhos apertados durante vários segundos— Uma vez que começo a matar, não posso parar. Essa não é a espécie de soldado em que pode confiar.

     —Não me matou. — lhe recordou— Não matou a meus amigos.

     —Honestamente, não sei como pude me conter. Isso nunca passou antes. Não saberia como fazer isso de novo. —Empalideceu.

     Lucien tinha reaparecido com um Caçador, que tentava escapar, a seu lado.

     Procurando em suas costas, Sabin tirou uma adaga e ficou de pé.

     Quando Gwen viu o brilho prateado ficou sem ar.

     —O que está fazendo?

     —Este homem foi um de seus torturadores? —perguntou Sabin à agora trêmula mulher.

     Em silêncio, seu olhar aterrado foi de um homem a outro. Sabia com claridade o que seguia, mas isto não era no calor da batalha. Seria simples e direto assassinato.

     O Caçador chutou e golpeou Lucien. Quando isso falhou para tentar ganhar a liberdade começou a soluçar.

     —Deixe-me ir, deixe-me ir, deixe-me ir. Por favor. Só fiz o que me ordenaram. Não tinha intenção de ferir as mulheres. Tudo foi pelo bem maior.

     —Fecha a boca. — disse Sabin. Desta vez seria ele quem não mostraria piedade— Tampouco tinha intenção de salvá-las, não é?

     —Deixarei de tentar lhes matar. Juro-o!

     —Gwendolyn. — a voz de Sabin era dura, inflexível, um rugido comparado com o rogo do Caçador — Uma resposta. Por favor. Foi este homem um de seus torturadores?

     Ela assentiu uma só vez.

     Sem mediar palavras ou advertências, Sabin cortou a garganta do Caçador.

    

   Sabin tinha assassinado a um homem em frente dela.

    Tinham passado várias horas após e tinham, inclusive, trocado de locações, mas a imagem sangrenta desse humano caindo sobre seus joelhos, logo sobre sua cara, gorgolejando silencioso, tão silencioso, se recusou a deixar sua mente.

     Gwen sabia que esse tipo de ferocidade se agitava dentro de Sabin, o mesmo tipo de ferocidade que tinha levado ela ao assassinato. Sabia que ele era duro, cruel e intocável pelas emoções mais suaves. Seus olhos o tinham revelado. Escuridão e frio, totalmente calculista. No momento que a tinha deixado sair de sua cela nesses dois dias atrás, tinha começado a notar a maneira em que ele inspecionava a cena a seu redor e decidiu a quem e o que podia usar para sua conveniência. Todo o resto era descartado.

     Deveria ter sido descartada. Em troca. Agora ele queria sua ajuda.

     Mas não podia esquecer que a tinha afastado em um primeiro encontro. OH, isso a tinha envergonhado. Um simples roçar da ponta de seus calosos dedos e tinha se pegado ao lado de um homem que não queria ter nada a ver com ela. Mas tinha sido tão quente, sua pele tinha zumbido com energia, e tinha estado sem contato por tanto tempo que não tinha sido capaz de ajudar a si mesma.

     Nada de tocar, tinha dito, e o via capaz de matá-la se ousasse a alcançá-lo de novo.

     Seu cruel tratamento lhe tinha recordado que seus resgatadores eram estranhos para ela, que suas intenções podiam ser tão mais infames que as de seus captores. Portanto, manteve sua distância, usando os passados dois dias para estudá-los e escutar dissimuladamente suas conversações mais privadas. Os bloqueios mentais de seus ouvidos estavam de novo em seu lugar, os níveis de ruído a um nível suportável, permitindo escutar aos homens que não queriam ser escutados sem fazer caretas e se delatar.

     Uma dessas conversações, que tinha tido lugar essa mesma manhã, se reproduzia constantemente através de sua mente.

     —Estivemos aqui perto de um mês sem nenhum sinal de um artefato. Quantas pirâmides temos que revistar, antes que o encontremos? Pensei que tínhamos tirado o prêmio maior com a última pirâmide, já que os Caçadores estavam ali, mas…

     De novo os homens tinham feito referência a um Caçador. Era a maneira em que chamavam Chris. Por que?

     —Já sei, já sei. Todo esse trabalho; e não estamos perto de encontrar a caixa.

     Artefato? Caixa?

     —Deveríamos fazer as malas?

     —Deveríamos. Até que nosso Olho nos dê outra pista, estamos sem direção.

     Estranha frase. Seu olho podia lhes oferecer pistas? A que? E ao olho de quem estavam se referindo? Talvez ao do chamado Lucien; tinha notado que tinha um olho azul e outro marrom.

     —Felizmente Galen tampouco encontrou nada. Bem, não mais que uma estaca no coração. Isso é o que eu gostaria de lhe ajudar a encontrar.

     Quem era Galen? Importava? Esses guerreiros eram… raros. A metade deles falavam como se tivessem saído da revista Medieval Teme. A outra metade podia ter sido membro de uma turma guia de ruas. Se queriam entre si, ao menos, isso estava claro. Estavam atentos às necessidades de cada um, já seja brincando e rindo juntos ou protegendo ferozmente suas costas mutuamente.

     Os três homens e a mulher guerreira, Cameo, tinham entrado às escondidas na tenda de Sabin, enquanto estava fora falando com Lucien. Cada um deles lhe tinha entregado a mesma mensagem: Machuca ao guerreiro e sofrerá. Não esperaram sua resposta, mas sim partiram. Ao som da voz da mulher… Gwen estremeceu. Tinha sofrido tão somente escutando-a.

     Todo o tempo que tinha passado sozinha dentro da tenda, podia ter escapado. Provavelmente deveria tê-lo tentado. Mas milha atrás de milha de deserto, sol deslumbrante e quem sabe o que outra coisa tinha ao redor, e o medo a manteve no lugar.

     Embora crescesse nas montanhas nevadas do Alaska, podia ter se encarregado da areia e o sol. Esperava. Era o desconhecido o que a intimidava. Se tropeçasse com uma tribo selvagem? Ou com uma manada de animais famintos? Ou com outro grupo de perigosos homens?

     Além disso, se mover por sua conta para seguir a seu então noivo Tyson a outro estado, tinha sido o catalisador para terminar sendo um hóspede não desejado dessa jaula de vidro. Entretanto. Se os guerreiros lhe teriam feito dano, teria se arriscado a isso. De novo, esperava. Mas não a tinham tocado, de nenhuma forma. E estava feliz por isso. Realmente. O fato de que Sabin tivesse mantido sua palavra, nada de tocar, era como um presente dos céus. Realmente.

     —Está bem? —O guerreiro chamado Strider desabou no luxuoso assento de couro contiguo ao dela.

     Estavam dentro de um jato privado, alto no céu, e tinha uma pequena turbulência.

     Surpreendentemente, isso não a perturbou.

     Gwen conteve uma risada amarga. Uma sombra podia fazer com que se escondesse, estremecer até os ossos, cair da instabilidade do céu a fazia bocejar. Talvez porque ela mesma pudesse voar, um pouco, embora não tinha posto sempre em prática sua habilidade. Talvez porque depois de tudo o que tinha passado nesse último ano, cair parecia um jogo de crianças.

     —Está pálida. — adicionou quando ela permaneceu em silêncio. Tirou um prato de Red Hots[7] de seu bolso, encheu a boca e logo ofereceu alguns a ela. Ela cheirou a canela e a boca lhe fez água — Precisa comer.

     Ao menos não se encolheu de medo ante ele. O que tinha com esses homens e suas necessidades para que não lhes atirasse sua comida lixo em sua cara?

     —Não, obrigado. Estou bem. —Ainda não tinha se reposto dos Twinkies.

     OH, não se arrependia de tê-los comido. O sabor açucarado… a saciedade de seu estômago… tinha sido o céu. Durante esses poucos segundos, de todas as formas. Mas sabia que era melhor que comer a comida que lhe era dada livremente. Amaldiçoada pelos deuses, como todas as Harpias, só podia comer mantimentos que tivesse roubado ou ganho. Era uma pesar pelos crimes que tinham cometido seu ancestrais e era completamente injusta, mas não tinha nada que pudesse fazer a respeito.

     Bom, podia morrer de fome.

     Estava muito assustada das conseqüências de roubar a esses homens, assim como também, estava muito assustada do que a fariam fazer para ganhar esses preciosos bocados.

     —Está segura? —Perguntou, logo levou alguns caramelos mais à boca— São pequenos, mas trazem um recheio do demônio.

     De todos os homens, ele tinha sido o mais gentil com ela. O mais preocupado por seu cuidado. Esses brilhantes olhos azuis nunca a tinham olhado com desdém. Ou fúria, como era, às vezes, o caso de Sabin.

     Sabin. Sua mente sempre voltava para ele.

     Seu olhar o buscou. Ele se reclinou no sofá em diagonal a ela, seus olhos se fecharam, bicudas pestanas projetavam sombras sobre as curvas de suas angulosas bochechas. Vestia roupa de combate, uma corrente de prata e um bracelete de couro para homem. Estava bastante segura de que gostaria das distinções de “homem”. Seus traços estavam relaxados no sono. Como podia alguém se ver cruel e juvenil ao mesmo tempo?

     Era um mistério que queria resolver. Talvez quando o fizesse, deixaria de buscá-lo. Não tinham passado nem cinco minutos e já estava se perguntando onde estava, o que estava fazendo. Essa manhã ele tinha estado empacotando suas coisas, se preparando para essa viagem e ela tinha imaginado suas unhas se afundando em suas costas, seus dentes penetrando em seu pescoço. Não para machucá-lo, a não ser para o prazer dela!

     Tinha tido alguns amantes ao longo dos anos, mas esse tipo de pensamentos nunca os tinha tido. Era uma criatura gentil, maldição, inclusive na cama. Era ele, sua atitude de Não-me-importa-nada-salvo-ganhar-minha-guerra o que estava causando essa… escuridão dentro dela. Tinha que sê-lo.

     Devia estar desgostada com o que ele tinha feito, fatiando o pescoço do humano como o fez. No mínimo, deveria ter gritado que parasse, protestado, mas parte dela, essa parte escura, o monstro do que não podia escapar, sabia o que tinha estado a ponto de passar e tinha estado contente. Tinha querido que o humano morresse. Inclusive agora, tinha uma faísca de gratidão dentro de seu peito. Por Sabin. Pela forma maravilhosamente cruel em que tinha dispensado justiça.

     Essa era a única razão pela qual tinha subido gostosamente nesse avião. Um avião dirigido não para o Alaska e sim para Budapeste. Isso, e a respeitosa distância que os guerreiros tinham mantido com ela. Oh, e os Twinkies. Não é como se pudesse se entregar a sua doce tentação de novo.

     Entretanto. Talvez devesse. Talvez devesse tirar suas calcinhas de adulta e roubar um, se arriscando ao castigo. Suas habilidades estavam destreinadas, mas agora que estava fora da cela, suas pontadas de fome eram muito fortes, seu corpo estava ficando mais fraco. Além disso, se os guerreiros a ferissem por isso, finalmente, a incentivaria a entrar em ação. Indo para casa.

     Não a tinham amaldiçoado a ficar acordada para sempre ou algo parecido, mas dormir em frente a alguém era contra o código de conduta das Harpias. E por uma boa razão! Dormir a deixava vulnerável, aberta ao ataque. Ou, digamos, a abdução. Suas irmãs não viviam sob muitas regras, mas nunca se desviaram dessa. Ela tampouco o faria. Outra vez não. Já as tinha envergonhado o suficiente.

     Mas sem comida e sem dormir, sua saúde continuaria declinando. Logo a Harpia tomaria o controle, determinada a obrigá-la por seu bem-estar.

     A Harpia. Enquanto eram uma e a mesma, considerava-as entidades separadas. À Harpia gostava de matar; a ela não. A Harpia preferia a escuridão; ela preferia a luz. A Harpia desfrutava do caos; ela desfrutava da tranqüilidade. Não podia deixá-la sair.

     Gwen olhou ao redor do avião, procurando esses Twinkies. Seus olhos, de qualquer forma, se detiveram em Amun. Ele era o mais escuro dos guerreiros, e alguém ao que nunca tinha ouvido dizer nenhuma palavra. Se encurvou no assento mais afastado do dela, as mãos sobre as têmporas, gemendo como se estivesse sob uma grande dor. Paris, o de cabelo castanho e negro, o sedutor, como tinha começado a pensar nele, com seus olhos azuis e sua pele pálida, estava ao seu lado olhando pensativamente pela janela.

     Em diagonal a eles estava Aeron, que estava coberto da cabeça aos pés de tatuagens. Ele, também, estava silencioso, estóico. Os três podiam ter sido porta-vozes da miséria. E pensava o que tinha acontecido de mal. O que estava mal com esses homens? Se perguntava. E sabiam onde estariam esses Twinkies?

     —Gwendolyn?

     A voz de Strider a tirou de seus pensamentos com um sobressalto.

     —Sim?

     —Está perdida de novo.

     —Oh, sinto muito. —Tinha perguntado algo a ela?

     O avião teve outra turbulência. Uma mecha de cabelo cor areia caiu sobre a testa de Strider, e ele o afastou a um lado. Outra brisa com aroma de canela seguiu o movimento. Seu estomago grunhiu.

     —Sei que não comerá, —disse— mas, está sedenta? Você gostaria de beber algo?

     Sim. Por favor, sim. Sua boca se fez água ainda mais, mas disse:

     —Não, obrigada.

     —Ao menos aceita uma garrafa de água. Está fechada, assim não deveria se preocupar que tenhamos posto algo dentro. —Agarrou uma resplandecente e gelada garrafa da geladeira junto a ele e a passou na frente de sua cara.

     Tinha estado ali todo o tempo?

     Por dentro, ela chorou. Se via tão bem…

     —Talvez depois. —As palavras saíram com um grasnido.

     Ele deu de ombros como se não lhe importasse, mas tinha decepção em seus olhos.

     —Você quem perde isso.

     Certamente tinha algo perto que ela pudesse roubar. De novo, registrou o avião. Seu olhar se fixou na garrafa de água, com sabor de cereja, que estava pela metade junto a Sabin. Lambeu os lábios. Não, seria a perdida de Sabin. Logo que Strider a deixasse, iria atrás dela e ao demônio com as conseqüências.

     Talvez. Não, deveria. Mas ele agora estava aqui e também, devia obter algumas respostas dele. Assim mesmo podia utilizar esse intervalo de tempo para ganhar confiança.

     —Por que estamos voando? —perguntou— Vi o que se chama Lucien desaparecer com a outra mulher. Poderíamos ter chegado a Budapeste em segundos.

     —Alguns de nós não dirigimos o traslado muito bem.

     Seus olhos apontaram para Sabin.

     —Então, alguns são bebês? — As palavras saíram antes que as pudesse deter.

     Era algo que teria dito a suas irmãs, as únicas pessoas no mundo com as quais podia ser ela mesma sem medo de recriminação. Bianka, Taliyah e Kaia a entendiam, a amavam e fariam tudo para protegê-la.

     Mais que ofender a Strider, entretanto, o divertiu. Soltou uma gargalhada.

     —Algo assim, embora Sabin, Reyes e Paris, preferem pensar que pescam algum vírus cada vez que são transladados a algum lugar.

     As gêmeas, Bianka e Kaia, eram da mesma maneira. Preferiam acreditar que tinham pego alguma enfermidade que enfrentar a uma limitação. Taliyah, fria como o gelo e o dobro de dura, simplesmente não reagia ante nada.

     Lentamente a alegria de Strider se apagou e estudou Gwen atentamente da cabeça aos pés.

     —Sabe, é diferente do que esperava.

     Se mantenha firme. Não retroceda.

     —O que quer dizer?

     —Bem… espera o que te diga a ofenderá?

     E causar que estalasse violentamente, era o que estava realmente perguntando. Parecia que ele também estava assustado de sua parte escura, como ela.

     —Não. —Talvez.

     Seu intenso olhar fixo sondou o mais profundo, ao mesmo tempo que pesava na legitimidade de sua afirmação. Devia ter visto a determinação em seus traços já que assentiu.

     —Acredito que já o disse antes, mas pelo pouco que sei, as Harpias são criaturas espantosas com rostos deformados, com bicos e a metade inferior de um pássaro. São rancorosas e desumanas. Você… você não é nenhuma dessas coisas.

     Tinha esquecido tão facilmente o que tinha feito ao Chris?

     Jogou uma olhada a Sabin, que não tinha se movido. Sua respiração era profunda, inclusive, seu aroma de limão e hortelã flutuava pelo ar para ela. Não tinha recordado ao Strider que nem todas as lendas eram completamente verdadeiras?

     —Temos uma má reputação, isso é tudo.

     —Não, é mais que isso.

     Para ela, sim. Não era como se o pudesse contar. Suas irmãs, afortunadas como eram, tinham pais diferentes. O de Taliyah era uma serpente, o das gêmeas um fênix. O seu, por outro lado, era um anjo, um fato do qual tinha sido proibida de falar. Jamais. Os anjos eram muito puros, muito bons para que sua classe os respeitasse e Gwen tinha muitas debilidades. Como sempre, os pensamentos sobre seu pai lhe encolhiam o coração.

     Enquanto as Harpias eram principalmente uma sociedade matriarcal, aos pais permitiam-se ver seus filhos, se eles quisessem. Os dois pais de suas irmãs tinham escolhido ser parte da vida de suas filhas. Gwen não tinha tido essa oportunidade. Sua mãe o tinha proibido. Tinha lhe dado, simplesmente, um retrato dele, para lhe advertir no que se converteria, muito moralmente superior inclusive para roubar sua própria comida, incapaz de mentir, preocupada mais por outros que por ela, se não fosse cuidadosa. E depois que Tabitha lavou as mãos com respeito a Gwen, tachando-a como uma causa perdida, o pai de Gwen não tinha tentado contatá-la. Sabia ele, sequer, que ela existia? Uma corrente de desejo a percorreu.

     Toda sua vida tinha tido sonhos de seu pai brigando contra tudo e todos para alcançá-la, apanhando-a em seus braços e voando com ela longe. Sonhos de seu amor e devoção. Sonhos de viver nos céus com ele, protegida para sempre da maldade do mundo e de seu próprio lado escuro.

     Suspirou. Só tinha um nome que se nomeava quando se falava de sua linhagem e era Lúcifer. Ele era forte, ardiloso, vingativo, violento, em resumo, um pobre inimigo a ter. As pessoas estavam menos inclinadas a se meter com ela, com qualquer delas, se pensavam que o príncipe da escuridão os perseguiria.

     E, para ser honestos, reclamá-lo como família não era tecnicamente uma mentira. Lúcifer era seu bisavô. O avô de sua mãe. Gwen não o tinha conhecido nunca, seus anos sobre a terra tinham terminado muito antes que nascesse e esperava que seus caminhos nunca se cruzassem. Inclusive pensar nisso a fazia estremecer.

     Considerando prudentemente suas seguintes palavras, tomou um profundo fôlego, cheirando o aroma de Strider a fumaça de madeira e a toda essa deliciosa canela. Tristemente, inclusive a isso fazia falta à essência excitante de Sabin.

     —Os humanos põem uma conotação negativa a tudo o que não entendem. —disse— Em suas mentes, o bem sempre vence o mal, então tudo o que seja mais forte que eles é o mal. E o mal, é obvio, é feio.

     —Certamente.

     Tinha uma riqueza de entendimento em seu tom. Supunha, que agora era tão bom momento como qualquer outro para determinar o que era que ele entendia.

     —Sei que são imortais, como eu, —começou— mas não tenho descoberto o que são exatamente.

     Se moveu incomodamente, olhando a seus amigos em busca de apoio. Todos os que estavam escutando, rapidamente apartaram o olhar. Strider suspirou, um eco do que tinha soltado antes.

     —Uma vez fomos soldados para os deuses.

     Uma vez, mas já não.

     —Mas o que…?

     —Que idade tem? —perguntou cortando o que ela ia dizer.

     Gwen queria protestar sobre a abrupta mudança de tema. Em vez disso, grande covarde, sopesou os prós e os contra de admitir a verdade, se fazendo as três perguntas que cada mãe Harpia ensinava a suas filhas: Era essa uma informação que podia ser usada em seu contrário? Mantê-la em segredo lhe daria alguma vantagem? Serviria alguma mentira igualmente bem, se é que não melhor?

     Nenhum dano, decidiu. Tampouco nenhuma vantagem, mas não se importou.

     —Vinte e sete.

     Seu cenho se franziu e piscou.

     —Cento e vinte e sete anos correto?

     Se estivesse falando de Taliyah, sim.

     —Não. Só vinte e sete sem rodeios e ordinários anos.

     —Não se refere a anos humanos ou sim?

     —Não. Me refiro a anos caninos. — disse secamente, depois apertou os lábios. Onde estava o filtro que usava geralmente em seus lábios? A Strider parecia não lhe importar, entretanto. Ao contrário, parecia estupefato. Sabin teria tido a mesma reação se estivesse acordado?— O que é difícil de acreditar com respeito a minha idade? —A pergunta ecoou entre eles, um pensamento lhe ocorreu e o expressou— Me vejo velha?

     —Não, não. É obvio que não. Mas é imortal. Poderosa.

     E as imortais poderosas não podiam ser jovens? Espera. Pensava que era poderosa? O prazer floresceu dentro de seu peito. No passado, essa palavra tinha sido só usada para descrever as suas irmãs.

     —Sim, mas só tenho vinte e sete.

     Ele se estendeu; para fazer o que, Gwen não sabia e não lhe importava, e se tornou atrás em seu assento. Enquanto ansiava o toque de Sabin desde o começo, por que, por que, por que? E se tinha imaginado a ela fazendo essas malvadas coisas com ele essa manhã, o pensamento de outro lhe pondo as mãos em cima não tinha atração para ela.

     O braço de Strider caiu de novo a seu lado.

     Ela relaxou seus olhos outra vez procurando Sabin. Agora, tinha o rosto vermelho e a mandíbula apertada. Pesadelos? Estavam todos os homens que tinha matado clamando dentro de sua cabeça, atormentando-o? Possivelmente, era uma bênção que não se permitisse dormir. Tinha experimentado esse tipo de pesadelos ela mesma e tinha odiado a cada segundo deles.

     —São todas as Harpias tão jovens como você? —perguntou Strider, reclamando sua atenção.

     Era informação que podia usar em seu contrário? Guardá-la em segredo lhe daria alguma vantagem? Serviria uma mentira igualmente bem, se não melhor?

     —Não. — respondeu. Minha três irmãs são um pouco mais velhas. Mais formosas e fortes, também. —Amava-as muito para estar ciumenta. Muito— Não teriam sido capturadas. Ninguém pode obrigá-las a fazer algo que não queiram. Nada as assusta.

     Está bem, já era hora de fechar o bico. Quanto mais falava, mais de seus enganos e limitações saíam à luz. Estaria melhor se esses homens assumissem que ela tinha colhões.

     Mas por que não posso ser mais como minhas irmãs? Por que estou sempre me afastando do perigo enquanto elas correm para ele?

     Se alguma delas tivesse se sentido atraída por Sabin, teriam visto sua distância como um desafio e o teriam seduzido.

     Espera. Detenha. Isso era uma loucura. Não se sentia atraída por Sabin. Era atraente, sim, e inclusive tinha se imaginado fazendo amor com ele. Mas isso era o resultado de um sentido de gratidão. A tinha libertado e assassinado a um de seus inimigos. E sim, estava desconcertada por ele. Era todo violento e duro, entretanto não a tinha machucado nem uma vez. Mas admitir uma atração ao guerreiro imortal? Nunca.

     Quando Gwen começasse a ter encontros de novo, escolheria a um cortês e considerado humano que não despertasse seu lado escuro de nenhuma forma. Um cortês e considerado humano que preferisse encontros honestos, em vez de jogar às escapadas. Um cortês e considerado humano que a fizesse se sentir estimada e aceita, apesar de suas faltas. Alguém que a fizesse se sentir normal.

     Isso é o que sempre tinha querido.

    

   A atenção de Sabin estava concentrada em Gwen. Tinha sido assim desde que abordaram o avião. Bom, está bem. Desde o momento em que a conheceu. Tinha pensado que ela se negaria a relaxar já que ele a intimidava, assim tinha fingido que estava dormido. Devia ter estado certo porque ela tinha baixado a guarda e tinha se aberto. A Strider.

     Um fato que o irritava como o inferno.

     Não se atreveu a “despertar”, entretanto. Nem sequer quando tinha escutado Strider tentando tocá-la, Sabin queria dirigir seu punho ao nariz de seu amigo, estrelando a cartilagem na malha cerebral.

     A moça, isso era o que ela era, uma moça, só vinte e sete, malditos anos, que o fazia se sentir como o maldito Pai do Tempo. Se considerava um fracasso em todas as formas em comparação com suas irmãs. Mais formosas? Pouco provável. Mais fortes? Estremeceu. Não teriam sido capturadas? Qualquer podia ter sido tomado despreparado. Incluído ele. Nada as assustava? Todos tinham um profundo e escuro medo. De novo, inclusive ele. Temia o fracasso tanto como Gideon temia às aranhas.

     Temerosa como era Gwen e tão sacudida como tinha estado esse dia na caverna, sabia que ela tinha tido dúvidas de sua própria força e de suas selvagens habilidades, mas não tinha idéia de quão profundas eram. O modo em que se tinha comparado com suas irmãs provava que tinha dúvidas. A moça era um enigma para eles. E estar ao seu redor só o piorava.

     Todas as suas anteriores amantes tinham sido seguras e mulheres com auto confiança. Idade de trinta e cinco para cima, maldição. As tinha escolhido por essa mesma razão, sua segurança. Mas mudaram rapidamente, seu demônio cravou as afiadas garras de incerteza através delas, cortando profundamente. Algumas, como Dala, tinham inclusive cometido suicídio, incapaz de enfrentar o constante escrutínio sobre sua aparência, sobre seu julgamento, sobre as pessoas ao redor delas. Depois de Dala, tinha renunciado às fêmeas e às relações de uma vez por todas.

     Então tinha visto Gwen. Desejou-a. Oh, sim a desejou. Podia, possivelmente, se permitir uma noite com ela e ser capaz de justificá-lo de algum jeito, pensou. Mas duvidava que uma noite fosse suficiente. Não com ela. Tinham muitas maneiras de tomá-la, muitas coisas que gostaria de fazer com esse pequeno e curvilíneo corpo.

     Sua exuberante beleza acendia seu sangue cada vez que a olhava, sua boca enchia de água e lhe doía o corpo. Sua insegurança despertava tanto seus instintos protetores como as ânsias destrutivas de seu demônio. Sua essência de luz de sol, que enterrava clandestinamente a imundície que inclusive limpava, continuamente flutuava no ar, chamando-o mais perto… ainda mais perto…

     Se render era destruí-la. Não o esqueça.

     “Possivelmente seja bom, possivelmente a deixe em paz”.

     Ah, que doce e enrolado. Sabin mordeu a língua e extraiu sangue. O demônio queria que duvidasse de sua maliciosa tentativa. Caí uma vez. Não voltarei a fazê-lo.

     —Faz isso freqüentemente. — disse Strider a Gwendolyn, tirando Sabin de suas contemplações.

     —O que? —Sua voz soava sem ar, áspera.

     No princípio, Sabin tinha pensado que sua fadiga era a responsável por esse timbre. Mas não, essa rouquidão era toda ela. E puro sexo.

     —Olhar para Sabin. Está interessada nele?

     Ela ofegou, obviamente indignada.

     —É obvio que não!

     Sabin tentou de não franzir o cenho. Uma pequena hesitação teria sido agradável.

     Strider riu entre dentes.

     —Acredito que o está. E sabe o que? O conheci por milhares de anos, conheço seus trapos sujos.

     —E? —balbuciou ela.

     —Então. Não me importaria revelá-los. Quero dizer, estaria atuando como amigo de ambos, se mudasse sua idéia sobre ele.

     “Seu amigo está te arruinando”, disse Dúvida, “possivelmente a quer para ele. Confiar nele depois disto não seria inteligente”.

     Sabin experimentou um momento de inquietação antes de sacudir esse sentimento fora.

     A adverte por seu próprio bem. Por meu próprio bem. Tal como afirmou. Agora se cale.

     —Não quero ter nada a ver com ele, asseguro isso.

     —Então não se importará se a deixo sem dizer o que sei. —Através de seus olhos entrecerrados, Sabin observou Strider se levantar sobre seus pés.

     Gwen o agarrou pulso e voltou a sentá-lo de um puxão.

     —Espera.

     Sabin teve que apertar o encosto de seu assento para evitar saltar e separá-los.

     —Me conte. — disse, e liberou o guerreiro de própria vontade.

     Lentamente, Strider se acomodou de novo em sua cadeira. Estava sorrindo. Inclusive com a limitada linha de visão que Sabin tinha, podia ver o cintilante brilho dos dentes de Strider. De repente ele também queria rir. Gwen tinha curiosidade sobre ele.

     “Provavelmente queira aprender a melhor maneira de te matar”.

     Se cale, maldição!

     —Alguma coisa em particular que queira saber? —perguntou Strider.

     —Por que é tão… distante? —Ela ainda o estava observando, seu olhar fixo o queimava, sondando profundamente— Quero dizer, é assim com todas ou sou a garota afortunada?

     —Não se preocupe. Não é você. É assim com todas as fêmeas. Tem que sê-lo. Verá, seu demônio é…

     —Demônio? —Gwen ofegou. Suas costas ficaram rígidas e direita e a cor de seu rosto se foi— Acaba de dizer demônio?

     —OH, uh… disse isso? —Strider voltou a jogar um olhar ao redor indefesamente— Não, não. Acredito que disse marinheiro.

     —Não, disse demônios. Demônios. Demônios e Caçadores e essa tatuagem de mariposa. Deveria tê-lo adivinhado no momento em que vi essa tatuagem, mas parecem tão agradável. Quero dizer, não me machucaram, e milhares de pessoas têm tatuagens de mariposas. —Ela, também, jogou uma olhada ao redor do avião, estudando aos guerreiros através de novos e selvagens olhos. Um segundo depois estava sobre seus pés, saltando longe de Strider e retrocedendo para o banheiro. Estendeu seus braços como se essa débil ação pudesse manter todos a raia. — Eu… Agora o entendo. Vocês são os Senhores, não? Guerreiros imortais que os deuses exilaram à terra. Minhas… minhas irmãs me contaram histórias sobre suas maldades e conquistas.

     —Gwen. —disse Strider— Se acalme. Por favor.

     —Mataram a Pandora. Uma mulher inocente. Queimaram a Antiga a Grécia até os alicerces, enchendo as ruas de sangue e gritos. Torturaram homens, arrancaram seus membros quando ainda estavam vivos.

     A expressão de Strider se endureceu.

     —Aqueles homens o mereciam. Tinham matado a nosso amigo. Tentaram matar a nós.

     —Se ela gritar, passarão coisas maravilhosas. — disse Gideon, imponente, indo para o lado de Strider— Não o tente e deixa-a sem sentido e não ajudarei está bem?

     —Espera. Antes que façamos algo pela força e talvez percamos nossas gargantas, tentemos outra coisa. Paris! —Gritou Strider, seu olhar fixo em Gwen— O necessitamos.

     Um decidido Paris se aproximou ao mesmo tempo em que Sabin tinha renunciado fingir que estava dormido e saltou sobre seus pés.

     —Gwen. — disse, esperando enrolá-la e assim acalmá-la antes que Paris pusesse em funcionamento seus ardis. Mas ela estava tendo problemas para respirar, a histeria cobria suas feições— Falemos sobre…

     —Demônios… todos ao meu redor. —Abriu sua boca e gritou.

     E gritou e gritou e gritou.

    

   Demônios. Senhores do Submundo. Uma vez amados soldados dos deuses, agora insultadas pragas da terra. Cada homem albergava um demônio no interior de seu corpo, um demônio tão vil que até o inferno era incapaz de contê-lo. Demônios como Enfermidade, Morte, Miséria, Dor e Violência.

     E estou apanhada dentro de uma nave aérea com eles, pensou Gwen, sua histeria alcançava novas alturas.

     O avião, por outro lado, estava se sacudindo e se inclinando, perdendo altitude a uma velocidade alarmante. Isso não deteve os Senhores. Estavam se aproximando ao redor dela, rodeando-a, imobilizando-a. Seu coração golpeava fortemente em seu peito, causando que o sangue subisse subitamente através de suas veias e zumbisse em seus ouvidos. Se tão só esse zumbido amortecesse o chiado selvagem da Harpia… Não tinha tal sorte. Tinha uma tumultuosa sinfonia dentro de sua cabeça, chiando, campaneando[8], levando sua saúde mental, deixando-a cair… cair… em um negro vazio onde só a morte e a destruição reinavam.

     Brutal e poderosos como esses guerreiros eram, devia ter suspeitado que estavam possuídos por demônios. Os olhos vermelhos, a primeira vez que viu Sabin… a irregular mariposa tatuada em suas costelas…

     Sou tão estúpida.

     Embora Gwen tivesse estado observando a esses homens nos dias passados, devia ter estado muito cansada, muito faminta, muito aliviada por sua liberação para notar a tatuagem nos outros, em onde estavam. Isso, ou tinha estado enredada com o atraente Sabin. Atualmente, agora que tinha pensado nisso, os guerreiros tinham estado sempre totalmente vestidos em sua presença, como se compadecessem-se do que ela tinha atravessado e não teriam querido assustá-la mostrando muita pele. Mas agora sabia a verdade. Tinham estado, simplesmente, escondendo suas marcas.

     Que demônio possuía ao Sabin? Se perguntou. Que demônio tinha observado, fascinando-a com cada palavra e ação? Que demônio se tinha imaginado beijando e tocando, arranhando e retorcendo-se contra?

     Como podiam suas irmãs adorar a esses príncipes da maldade? Bem, a idéia deles, de qualquer forma. Para seu conhecimento, nunca tinham se conhecido. Quem teria sobrevivido de tê-lo feito? Eram homens sem misericórdia ou remorso, capazes de qualquer ato escuro, e estavam comprometidos em uma guerra sem final que se estendia do passado ao presente, de mar a mar, de morte a morte.

     Cada vez que lhe tinham contado sobre eles, seu medo aos predadores furtivos na noite e amigos se escondendo à luz do sol tinha se multiplicado. Ali foi quando tinha começado a temer ao predador dentro dela, para isso lhe tinham contado essas histórias. Pelo qual podia emular aos guerreiros. Inclusive, assim como Gwen tinha sentido horror ao pensamento, a Harpia tinha absorvido cada palavra, pronta para provar-se.

     Devo escapar. Não posso ficar aqui por mais tempo. Nada bom pode sair disso. Ou me matam logo ou minha Harpia brigará duramente para ser como eles. Ela teria estado melhor longe nas mãos de seu desprezível inimigo.

     —Tem que deixar de gritar, Gwen.

     A áspera e familiar voz penetrou a caótica lama que alagava sua mente, mas ainda persistiam os chiados.

     —Cala-a, Sabin. Meus malditos ouvidos estão sangrando.

     —Não está ajudando, idiota. Gwendolyn, deve se acalmar ou nos fará mal. Quer nos machucar, carinho? Quer nos matar depois de que a salvamos e demos refúgio? Nós podemos abrigar demônios, mas não somos malvados. Acredito que lhe provamos isso. Não tratamos a você e às outras melhor que seus captores? A toquei com aborrecimento? A obriguei? Não.

     O que tinha dito era verdade. Mas podia confiar em um demônio? Amavam mentir. Também as Harpias, irrompeu a voz da razão. Parte dela queria confiar neles; a outra parte queria saltar do avião. O avião, ainda se sacudindo e caindo em picado.

     Está bem, é hora de pensar logicamente. Tinha estado com eles durante dois dias. Estava viva e bem, sem nem sequer um arranhão. Se seguisse em pânico, a Harpia se livraria de seu agarre, controlando-a, faminta por fazer estragos. Tiraria, mais que nada, ao piloto, possivelmente inclusive a ela, do inevitável choque. Quão parva seria, tendo sobrevivido ao cativeiro e aos Senhores para terminar matando ela mesma?

     A lógica ganhou.

     Assim como a calma abriu caminho para sua mente dando cotoveladas, seus agudos gritos cessaram. Todos ficaram congelados. Dentro e fora respirou, ou tentou de fazê-lo, sua garganta se sentia inflamada, bloqueada, agora ouvindo o desesperado alarme provindo da cabine. Antes que pudesse ter outro ataque de pânico, o avião se estabilizou e tudo se tranqüilizou.

     —Isso, boa garota. Agora, retrocedam, meninos. Tenho-a.

     Sabin não soava seguro, só com determinação.

     A luz cintilou em sua consciência, e as cores logo seguiram o mesmo caminho, a vida real se pintou a seu redor. Bendito inferno. Sua visão tinha ficado infravermelha, e nem sequer tinha notado. A Harpia tinha estado perto, tão malditamente perto, de ficar em liberdade. Era um milagre que não o tivesse feito.

     Gwen ainda estava parada na parte posterior do avião, os grupos de cadeiras de pescoço vermelho a rodeavam. Só Sabin ficou em frente a ela. Os outros tinham ido, mas não lhe tinham dado as costas. Assustados? Ou estavam protegendo a seu líder?

     O olhar de chocolate de Sabin apontava para ela, mais fera do que tinha sido dentro das catacumbas, suas punhaladas atiravam a homens que ela sabia que eram Caçadores. Tinha as mãos levantadas, vazias, com as palmas para cima.

     —Necessito que se acalme um pouco mais.

     Seriamente? Pensou secamente.

     Talvez o fizesse, se pudesse inalar suficiente ar através de seu nariz ou boca, mas ainda não podia arrumar isso pois o enjôo estava avançado, o negro voltava outra vez furtivamente em sua linha de visão.

     —O que posso fazer por você, Gwen? —Houve um arrastar de pisadas ao cortar a distância entre eles. Seu calor filtrou nela.

     —Ar. —Finalmente, tinha sido capaz de passar o nó de sua garganta.

     As mãos de Sabin pousaram sobre seus ombros, empurrando gentilmente. Suas pernas estavam muito fracas para oferecer qualquer tipo de resistência, assim se derrubou direto em uma daquelas cadeiras.

     —Necessito ar.

     Sem vacilação, Sabin se deixou cair sobre seus joelhos. Inseriu seu grande corpo entre suas pernas e cavou sua cara com suas mãos, forçando-a a se centrar nele. Intensos olhos marrons se voltaram o novo centro de seu mundo, uma tocha em uma tormenta turbulenta.

     —Toma o meu. —Seu caloso polegar acariciou sua bochecha, raspando ligeiramente— Sim?

     Tomar seu… o que? Se perguntou, de todas formas não lhe importava.

     Seu peito! Se estreitando, apertando osso e músculo juntos. Uma aguda dor a rasgou através de suas costelas e golpeou em seu coração, causando que o órgão salteasse um batimento do coração.

     —Está ficando azul, carinho. Vou pôr minha boca sobre a tua, te dando meu fôlego. Está bem?

     “E se era um truque? E se…?”

     Se cale!

     Inclusive em seu ofuscamento, sabia que o horripilante e fantasmagórico sussurro não era o seu. Felizmente, fez caso a sua ordem e se calou. Agora, se só seus pulmões se abrissem.

     —Eu… eu…

     —Necessita-me. Me deixe fazê-lo. — Se ele temia sua resposta, não deu nenhum indício.

     Uma de suas mãos se deslizou à base de seu pescoço e a puxou para a frente, ao tempo que se inclinava para ela. Seus lábios pressionaram, um enredo caloroso. Sua quente língua apartou seus dentes, e depois o caloroso ar mentolado se deslizou descendo por sua garganta, tranqüilizando.

     Seus braços o envolveram por sua própria vontade, mantendo-o cativo, enlaçando-os juntos, peito com peito, dureza contra suavidade. Seu pendente estava frio, inclusive através de sua camiseta e a fez ofegar. Ela, glutonamente, tomou seu fôlego.

     —Mais.

     Ele não vacilou. Soprou dentro de sua boca, outra calorosa e calmante brisa se moveu através dela. Pouco a pouco, o enjôo se desvaneceu; sua cabeça clareou, a escuridão outra vez deixava espaço para a luz. O frenético baile de seu coração diminuiu a uma gentil valsa.

     Encheu-a uma necessidade de beijá-lo, beijá-lo de verdade e aprender seu sabor. Suas origens, esquecidas. Seu passado, sem conseqüências. Sua audiência, desaparecida como se nunca tivessem estado pressente. Só existiam eles dois. Só o agora e sem se preocupar. A tinha acalmado, salvo, amansado; e agora, ali em seus braços a vida real se escapulia, a fantasia que tinha tido sobre ele, sobre eles, se reproduzia através de sua mente. Corpos envoltos entre eles, se retorcendo. A pele escorregadia pelo suor. Mãos vagando. Bocas procurando.

     Enredou seus dedos na sedosidade de seu cabelo e tentativamente, roçou sua língua com a dele. Limão. Tinha gosto de doces limões e de um rastro de cereja. Um gemido escapou dela, a realidade era muito mais excitante do que podia ter sonhado. Tão embriagador… tão… sublime. Puro e bom e tudo o que uma garota podia querer de um amante. Então, inclinou a cabeça e o fez de novo, penetrando mais profundo, silenciosamente exigindo mais.

     —Sabin. — sussurrou, querendo elogiá-lo. Talvez lhe agradecer. Ninguém a tinha feito se sentir tão protegida, querida, segura, necessitada, tão necessitada. Não com algo tão simples como um beijo. Um beijo que não deixava lugar ao medo. Possivelmente poderia se deixar ir, inclusive ser ela mesma, e não se preocupar de seu lado escuro…de machucá-lo— Me dê mais.

     Em lugar de obedecer, se afastou sacudindo a cabeça e de um puxão apartou seus braços dele até que já não houve nenhuma conexão física entre eles. Me toque de novo! Queria gritar. Seu corpo necessitava a ele, necessitava seu contato.

     —Sabin. —repetiu, estudando-o.

     Ele estava ofegando, tremendo, seu rosto pálido, mas não de paixão. O fogo não dançava em seus olhos, a determinação sim.

     Não tinha devolvido seu beijo, se deu conta. Seu desejo, ofuscado, se desvaneceu, tal como o enjôo tinha feito há um momento, deixando as duras realidades que bobamente tinha esquecido. As vozes soavam a seu redor.

     —… Não tinha visto vir isso.

     —Deveria tê-lo feito.

     —Não o beijo, idiota. A calma. Seus olhos trocaram e suas garras emergiram. Estava preparada para atacar. Quero dizer, olá. Sou o único que recorda o que aconteceu ao Caçador que se meteu com ela?

     —Talvez Sabin seja um portal ao céu como Danika. — disse alguém secamente— Talvez a Harpia viu uns quantos anjos enquanto recebia o boca a boca.

     A risada dos homens abundava.

     As bochechas de Gwen arderam. A metade do que disseram escapou a seu entendimento. A outra metade a mortificou. Tinha beijado a um homem, um demônio, que claramente não queria nada a ver com ela… e o tinha feito em frente a testemunhas.

     —Ignora-os. — disse Sabin, sua voz tão gutural raspou seus tímpanos— Se concentre em mim.

     Seus olhares se chocaram, marrom contra dourado. Ela se moveu para trás em sua cadeira tão rápido como pôde, pondo tanta distância entre eles como fosse possível.

     —Ainda me tem medo? —perguntou, sua cabeça inclinando-se para um lado.

     Ela levantou seu queixo.

     —Não. —Sim.

     Estava assustada do que a fez sentir, assustada do que ele fosse, voltaria a deixar de lhe importar. Assustada de que nunca a ansiasse como ela ansiava a ele. Assustada de que o espetacular homem protetor em frente a ela não fosse nada mais que uma miragem, essa maldade esperava justo debaixo da superfície, preparado para devorá-la inteira.

     Que covarde que é.

     Como infernos podia tê-lo beijado dessa maneira?

     Uma de suas sobrancelhas se arqueou.

     —Não tinha mentido, não?

     —Alguma vez minto, recorda? —Ironicamente, isso era mentira.

     —Bem. Agora, escuta atentamente, porque não quero ter esta discussão de novo. Tenho um demônio dentro de meu corpo, sim. —Apertou o encosto tão tensamente que seus nódulos estavam brancos—. Está ali porque séculos atrás estupidamente ajudei a abrir a caixa de Pandora, soltando os espíritos em seu interior. Como castigo, os deuses me amaldiçoaram, e a todos os guerreiros que viu neste avião a levar um dentro deles. No princípio, não pude controlar ao meu demônio e fiz… coisas más, como disse. Mas isso foi a milhares de anos atrás, e agora tenho o controle. Todos temos. Como te contei nessa cela, não tem nada a temer de nós. Me entendeu, ruiva?

     Ruiva. Antes, durante seu ataque de pânico, a tinha chamado de outra forma. Algo como… doce? Não. Tyson estava acostumado a chamá-la doce. Querida? Não. Mais perto. Carinho? Sim! Sim, era isso. Piscou com surpresa. Com deleite. Esse duro guerreiro que podia cortar a garganta de um homem sem vacilação tinha se referido a ela como a um precioso tesouro.

     Então, por que não lhe tinha devolvido o beijo?

     —Alcançamos nosso destino, moços. — disse uma voz não familiar salpicada de alivio pelo intercomunicador. O piloto, se figurou, e experimentou uma onda de culpa pelo problema que tinha causado— Se preparem para a descida.

     Sabin ficou no lugar, uma rocha indômita entre suas pernas.

     —Acredita em mim, Gwen? Vai continuar com boa vontade a viagem a nosso lar?

     —Nunca tive boa vontade.

     —Mas nunca tentou escapar.

     —Deveria ter enfrentado a um país estranho por mim mesma, sem provisões?

     Ele franziu o cenho.

     —Vi por mim mesmo quão habilidosa é. E lhe oferecemos provisões uma e outra vez. Pela razão que fosse, parte de você quer estar conosco ou não estaria aqui. Você sabe, e eu sei.

     Logicamente, não o podia negar. Mas… por que? Por que uma parte dela quereria ficar? Antes ou agora?

     Sabe a resposta a isso, embora tenha tentado de negá-lo. Ele. Sabin. Não se sente atraída para ele? Certo!

     Estudou-o, notando as magras linhas repuxadas que se estendiam desde seus olhos, até as sombras bicudas produzidas por suas pestanas, o músculo se crispando em sua mandíbula. O forte tamborilar de seu pulso, agora tão forte em seus ouvidos. Talvez se sentisse tão atraído para ela como ela se sentia, mas estivesse combatendo-o. O pensamento a agradou.

     Tinha a uma mulher esperando por ele em Budapeste? Uma esposa?

     As mãos de Gwen se fecharam em punho, suas unhas se cravaram profundamente, cortando. Já não estava agradada.

     Isso não importa. Não deveria querê-lo.

     —Gwen. O fará?

     A maneira em que disse seu nome foi uma bofetada e uma carícia ao mesmo tempo, sacudindo-a e fazendo-a tiritar. Gostava que procurasse sua cooperação, embora suspeitasse que a submeteria e a forçaria a sua vontade se negava-se.

     —Talvez devesse ter fugido.

     —Para onde? A uma vida de arrependimentos? Uma vida desejando ter atuado contra os que a machucaram? Estou te oferecendo a oportunidade de matar os Caçadores. E como sabe, matá-los não é o único benefício. — disse.

     —O que quer dizer?

     —Posso te ajudar a controlar a besta da forma em que controlo à minha. Posso te ajudar a canalizá-la por uma boa causa. Não quer estar no controle?

     Toda sua vida tinha querido tão somente três coisas: conhecer seu pai, ganhar o respeito de sua família e aprender a controlar à Harpia. Se Sabin podia cumprir essa promessa, poderia, finalmente, depois de todos esses anos, alcançar pelo menos uma dessas três coisas. Ele, provavelmente, estivesse se excedendo e destinado a falhar, mas era uma tentação que não podia resistir.

     —Irei com você. —disse— Te ajudarei o melhor que possa.

     O alívio apareceu nele ao fechar seus olhos e sorrir.

     —Obrigado.

     Esse sorriso relaxou os duros contornos de seu rosto, fazendo-o parecer outra vez juvenil. Ao mesmo tempo em que se embebeu dele, o avião se sacudiu abruptamente. Sabin foi empurrado para trás; ela foi propulsada para a frente. Para seu deleite e consternação, a distância entre eles nunca se alargou.

     —Com uma condição. — acrescentou ela quando se estabeleceram.

     Seu alívio se endureceu em algo cruel.

     —O que?

     —Tem que convidar a minhas irmãs. —Talvez não imediatamente.

     Estava envergonhada por suas circunstâncias e não queria que suas irmãs a vissem dessa forma, que soubessem o que tinha lhe passado. Mas sentia saudades até a loucura, e sabia que sua nostalgia por seu lar logo pesaria mais que sua vergonha.

     —Convidar a suas irmãs? Quer dizer que quer que tenha que dirigir a mais como você?

     —Deveria ter sido felicidade o que há em seu tom, não desgosto. —disse ofendida— Minhas irmãs castraram homens por menos.

     Sabin apertou a ponte do nariz.

     —Claro. As convide. Os deuses nos salvem.

    

   Paris se sentou com os ombros caídos no assento traseiro do Escalade, Strider atrás do volante e sem lhe importar os limites de velocidade. Não se podia dizer onde Paris estava sentado, embora o sol brilhasse sobre o centro de Budapeste. As janelas estavam pintadas tão densamente que o interior estava totalmente às escuras. Anya a amante de Lucien e a deusa menor da Anarquia, tinha roubado o veículo, com outro combinando e um Bentley para ela (só os deuses sabiam de onde), justo antes de abandonar o Egito.

     —Não têm que me agradecer. —tinha dito ela sorrindo beatificamente— Suas expressões horrorizadas são o melhor presente. Os carros são de um gângster, é o que digo a mim mesma. O confrontemos. Necessitavam seriamente um transporte e estas rodas servem para o trabalho.

     Infelizmente, Paris tinha que compartilhar o carro com Amun, que sentia a cabeça a ponto de explodir, Aeron, que não parava de franzir o cenho, (o tipo necessitava a sua pequena amiga demônio, Legião, com ele), assim como Sabin e sua Harpia.

     Sabin não podia manter os olhos longe da perigosa mulher, e não é que tivesse perdido sua dureza desde que a tinha beijado no avião. Completamente seguro. Ela era incrivelmente encantadora, com seus olhos dourados, muito parecidos com um diamante, em sua pureza, lábios tão vermelhos como provavelmente tinha sido a maçã de Eva e um corpo que definia a palavra tentação. E aquele cabelo loiro avermelhado era um milagre por si só. Mas era uma Harpia que tinha sido encontrada em campo inimigo e, portanto, não podia confiar nela por nenhuma razão.

     Talvez teriam abusado dela como com os outros prisioneiros. Talvez desprezasse aos Caçadores como o fazia ele. Talvez…

     Mas talvez não fosse o suficientemente boa para merecer sua confiança. Não mais. Poderia ser uma isca, uma bonita armadilha que os Caçadores tinham posto e os Senhores tinham dado as boas-vindas com os braços abertos.

     Paris não queria que Sabin terminasse como ele: ansiando a um inimigo com cada fibra de seu ser, mas incapaz de tê-la.

     Um minuto, uma hora, um mês, um ano antes, não sabia, o tempo não importava, tinha sido emboscado pelos Caçadores e o tinham encerrado. Ele estava possuído pelo demônio da Promiscuidade, assim necessitava sexo para sobreviver. Sexo cada dia, ao menos uma vez, mas nunca com a mesma mulher. Naquela cela, preso a uma maca com correias, seus olhos percorriam a estadia enquanto se sentia cada vez mais fraco. Não queriam matá-lo antes de encontrar a caixa de Pandora, com a morte de seu corpo, o demônio seria liberado, lhe permitindo vagar pela terra, enlouquecido e sem freio. Os caçadores utilizaram a Sienna em seu plano, com suas elegantes mãos e uma sensualidade sem explorar.

     Ela o tinha seduzido, o fazendo recuperar as forças. E pela primeira vez desde sua posse, Paris desejava com toda sua força à mesma mulher pela segunda vez. Naquele momento soube que lhe pertencia. Soube que ela era sua razão para respirar. A razão pela que tinha se esquivado à morte em todos esses milhares de anos. Mas sua própria gente tinha disparado nela quando ela fugiu com Paris.

     Tinha morrido em seus braços.

     Agora Paris estava forçado a ir à cama de uma nova mulher cada dia e se não podia encontrar a uma mulher, tinha que encontrar a um homem, embora nunca houvesse se sentido atraído por seu próprio sexo. Merda era merda para o demônio da Promiscuidade. Um fato que a muito tempo o tinha submerso sob uma espiral de vergonha.

     Ainda agora, não importava quem fosse seu companheiro de cama, tinha que imaginar a cara de Sienna para que não fosse tão difícil. Imaginar sua cara para terminar o trabalho, porque cada célula de seu corpo sabia que a pessoa debaixo dele não era a indicada. Aroma incorreto, curvas incorretas, voz incorreta, textura incorreta. Tudo era incorreto.

     Hoje seria o mesmo. Amanhã também. E no seguinte dia e no seguinte. Por toda a eternidade. Não tinha nenhum final à vista para ele. Exceto a morte, mas não merecia a morte ainda. Não enquanto Sienna não fosse vingada. Alguma vez o seria?

     Nunca a amou. Isto é uma loucura.

     Palavras sábias. De seu demônio? Dele mesmo? Não sabia. Já não podia distinguir uma voz da outra. Eram o mesmo, duas metades de um todo. E ambos estavam no limite, preparados para se quebrar em qualquer momento.

     Até então…

     Paris acariciou a bolsa de ambrósia seca e soltou um suspiro de alívio. Ainda estava ali. Agora carregava com a potente substância a qualquer parte onde fosse. No caso de necessidade. Algo que cada vez era mais freqüente.

     Só quando mesclava a ambrósia com o vinho fazia o que se supunha faria o álcool para intumescê-lo. Embora fosse um momento. Cada dia, parecia que tinha que acrescentar mais para afastar o zumbido.

     Só tinha que pedir a seu amigo que roubasse mais. Só os deuses sabiam que merecia umas horas de paz, uma oportunidade para se perder. Depois se refrescaria, forte, preparado para lutar com o inimigo.

     Não pense nisso agora. Logo alcançaria a fortaleza, e tinha um trabalho a fazer. Isso era o primeiro; tinha que sê-lo. Forçou a seus olhos a se concentrar em seu entorno, sua mente estava em branco. Se tinham ido os palácios multicoloridos, a gente que caminhava de um lado a outro das ruas. Em seu lugar tinha colinas densamente mastreadas, abandonadas e esquecidas.

     O SUV fez cair as rochas de uma das ladeiras ao subir uma daquelas colinas, esquivando árvores e pequenas presentes que tinha nele e os outros foram deixando a qualquer Caçador que fosse o bastante estúpido para ir atrás deles. Outra vez.

     Faz aproximadamente um mês, os Caçadores tinham entrado e arruinado como o inferno, a casa em que tinham vivido durante séculos, forçando aos Guerreiros a encontrar um esconderijo antes de sair para outra viagem, a outra batalha. Tinham sido necessários móveis novos. Novas aplicações. Isso não gostava. Ultimamente tinham havido muitas mudanças em sua vida, mulheres que viviam na residência, a volta de velhos inimigos, o estalo da guerra, não poderia suportar muito mais.

     Sua vista alcançou a fortaleza, uma monstruosa sombria torre de pedra. A hera subia pelas paredes dentadas, mesclando a casa com o chão e fazendo quase impossível diferenciar entre os dois. A porta de ferro era a única coisa a parte que rodeava a estrutura. Outro acrescentado.

     A repentina impaciência saturou o ar fresco. Corpos tensos, ar contido. Tão perto…

     Torin, que os observava do interior da fortaleza pelos monitores e censores, abriu aquela porta. Eles serpentearam para o alto, ao arco da porta principal, Aeron apertou com tanta força o encosto que se rompeu.

     —Um tanto excitante, não é? —Perguntou Strider, olhando pelo espelho retrovisor.

     Aeron não respondeu. Existia uma boa possibilidade de que não tivesse escutado a pergunta. As tatuagens de sua cara registravam determinação e cólera. Não a expressão indulgente que punha ao ver legião.

     Quando o veículo se deteve, todo o grupo saiu. Fulminou com seu olhar à luz do sol açoitava seu corpo, fazendo-o suar sob a camiseta e jeans. Deuses, até estavam quentes como o inferno?

     Logo que emergiu do carro, a pequena Harpia deu um passo a um lado, seus delicados braços rodeando a si mesma, olhos grandes, a cara pálida. Sabin observou cada movimento, inclusive não tinha afastado o olhar quando agarrou uma bolsa e a outra caiu a seus pés.

     Como podia algo tão vicioso como uma Harpia ser tão tímida? Simplesmente não era possível; não encaixava. Ela parecia duas peças de dois quebra-cabeças diferentes e agora Paris pensava que deveriam ter enfaixado os olhos dela durante o caminho à fortaleza.

     Pensando retrospectivamente, sempre poderiam lhe cortar a língua para impedir que falasse, supôs ele. Talvez lhe cortar as mãos para a impedir de escrever ou assinar.

     —Quem é?

     Antes de Sienna, ele teria sido o primeiro a lutar por uma fêmea. Coisa que não faria agora, na realidade queria ferí-la, deveria se sentir culpado. Em troca, estava zangado por não ter feito um melhor trabalho protegendo a seus amigos dela. Todas as ameaças possíveis tinham que ser eliminadas. Ao longo dos anos, outros guerreiros tinham tentado convencê-lo disso mas ele sempre se opunha. Agora, entendia-o.

     Era muito tarde para fazer algo com ela, embora Sabin não o permitisse. O tipo estava apanhado. Inclusive antes que as diferenças separassem o grupo de Lucien do de Sabin, Paris não recordava ter visto Sabin tentado com uma mulher. Que não era necessariamente algo bom. Se o acanhamento da moça não fosse uma atuação, então Sabin a destruiria, junto com parte de sua auto-estima.

     Maddox surgiu do segundo Escalade, uma linha escura na periferia de Paris. O guardião de Violência não se incomodou em agarrar sua bolsa, seu passos se encaminharam rapidamente para o pórtico. As portas se abriram de repente e uma fêmea grávida voou para fora, rindo e gritando. Ashlyn saltou a seus braços, flutuando como o ouro, a balançou ao redor. E seus lábios se encontraram em um acalorado beijo segundos depois.

     Era incrível imaginar ao selvagem Maddox como pai, inclusive se o bebê nascesse metade demônio como os Senhores.

     Depois saiu Danika, que parou na entrada explorando à multidão para encontrar Reyes. Descobriu ao encantado loiro e gritou. Como se aquele grito fosse uma chamada de acoplamento de alguma espécie, Reyes aplaudiu sua adaga e foi para ela.

     Possuído pelo demônio de Dor, Reyes não podia sentir prazer sem sofrimento físico. Antes de Danika, o guerreiro tinha tido que se cortar as vinte e quatro horas, sete dias por semana para poder funcionar bem. Durante sua estadia no Cairo, não teve que se machucar nenhuma só vez. O fato de estar longe de Danika tinha sido suficiente dor, tinha dito uma vez. Agora que tinham se reunido, teria que se cortar outra vez, mas Paris não pensou que isso lhes importaria.

     Com um grunhido, Reyes a tomou nos braços e os dois desapareceram dentro da fortaleza, Danika ria bobamente, o que mostrava quão unidos estavam.

     Paris sentiu uma dor repentina no peito, e rezou para que partisse. Ele sabia que não partiria. Não antes de ter sua ambrósia. Cada vez que estava ao redor dos casais obviamente apaixonados, a dor brotava e ficava, como uma parasita que sugava sua vida diretamente, até que bebesse e se inundasse no estupor.

     Não tinha nenhum sinal de Lucien, que tinha cintilado para a casa porque não era dos que agüentasse a longa viajem. Ele e Anya provavelmente tinham se encerrado em seu quarto. Um pequeno favor, ao menos.

     Notou que a Harpia estava olhando atentamente aos casais tal e como ele o fazia. Estava fascinada ou queria usar essa informação contra eles?

     Não tinha mais fêmeas na residência, graças aos deuses. Ninguém que Paris pudesse seduzir e eventualmente machucar quando o arruinasse com alguém mais. Gilly, a amiga de Danika, vivia em um apartamento na cidade. A garota tinha querido seu próprio espaço. E eles tinham pretendido dá-lo sem lhe dizer que sua casa estava protegida com os sistemas de vigilância de Torin. A avó, a mãe e a irmã de Danika tinham partido também, de volta aos Estados Unidos.

     —Vamos. —disse Sabin para a Harpia. Quando ela não obedeceu, lhe fez gestos para que fosse ao seu lado.

     —Aquelas mulheres… —Sussurrou ela.

     —São felizes. — tinha confiança em cada sílaba— Estavam impacientes por se reunir com seus homens, se não a teriam saudado pessoalmente.

     —Elas sabem…? —Outra vez teve problemas para terminar a oração.

     —Oh, sim. Elas sabem que seus homens estão possuídos por demônios. Agora vamos. —Agitou seus dedos.

     Ela vacilou.

     —Onde me levará?

     Sabin beliscou a ponte do nariz com a mão livre. Parecia que o fazia muito ultimamente.

      —Entra ou não, mas não vou esperar que tome uma decisão. —Com passo mal-humorado, deu uma portada.

     Algum outro a teria levantado e atirado sobre o ombro, pensou Paris. Ele permitiu que escolhesse. Inteligente de sua parte.

     A Harpia jogou uma olhada a esquerda e a direita, Paris estava preparado para uma perseguição. Não porque pensasse agarrá-la se ela começasse a dar chutes como tinha feito no interior da caverna. Mas estava preparado para lutar contra ela se fosse necessário.

     Outro alarme saltou em sua mente. Ela poderia escapar, aqui e agora. Inclusive antes, quando abordaram o avião. Diabos, poderia ter escapado enquanto acamparam no deserto. Por que não o fez? A não ser que fosse uma isca como tinha suspeitado, e estivesse ali para aprender tudo sobre eles.

     Embora o tivesse negado, Sienna tinha sido a isca. Tinha-o beijado inclusive quando o tinha envenenado, e ela era simplesmente uma humana. Que tipo de dano poderia fazer esta Harpia?

     Deixa que Sabin se preocupe agora. Já tem bastante merda em seu prato.

     Finalmente, ela decidiu seguir Sabin e se dirigir ao interior, com passos inseguros.

     —Os prisioneiros precisam ser interrogados. —Paris não o disse a ninguém em particular.

     Cameo jogou seu cabelo negro para trás e se agachou para agarrar sua mala. Ninguém tentou ajudá-la. Tartavam-na como um a mais porque ela preferia assim. Ao menos, isso é o que ele sempre se dizia. Nunca tinha tentado tratá-la como algo mais porque não queria dormir com ela. Possivelmente ela gostaria de ser mimada em alguma ocasião.

     —Talvez amanhã. —Disse ela, quase lhe fazendo sangrar os tímpanos com sua trágica voz— Preciso descansar. —Sem outra palavra mais, graças aos deuses, ela entrou.

     Tão bem como Paris conhecia as mulheres, sabia sem lugar a dúvidas que mentia. Tinha um brilho em seus olhos e um rubor em suas bochechas. Tinha um olhar ansioso, não cansada. Com quem planejava se encontrar?

     Ela tinha estado muito pega a Torin ultimamente e… Paris piscou. Não, certamente não. Torin não podia tocar a outro ser sem infectá-lo com a peste, assim como faria esta com cada pessoa que se encontrasse, causando uma praga por toda a terra. Nem sequer um imortal estava a salvo do dano. Aquele imortal não morreria, mas se voltaria como Torin, incapaz de conhecer as carícias de outro sem as severas conseqüências que isso significaria.

     Não lhe importava que se trouxessem realmente entre mãos. Tinha trabalho a fazer.

     —Alguém? —Disse Paris aos restantes.

     Necessitava algo como essa merda agora. Quanto antes terminasse de conseguir a informação dos Caçadores, mais cedo poderia se trancar em seu quarto e esquecer que estava vivo.

     Strider assobiou baixo, pretendendo não ouvi-lo enquanto se encaminhava para a porta de entrada.

     Que diabos? Ninguém apreciava a violência melhor que Strider.

     —Strider homem. Sei que me ouviu. Me ajude com o interrogatório, sim?               

     —OH, vamos! Ao menos espera até manhã. Não acredito que vão a nenhuma parte. Preciso me recuperar um pouco. Como Cameo, amanhã cedo estarei preparado e fresco. Juro pelos Deuses.

     Paris suspiro.

     —Está bem. Vá. —Cameo e Strider eram casal então?— O que diz, Amun?

     Amun assentiu, mas o movimento o desequilibrou e com um gemido se derrubou no centro do pórtico.

     Um segundo mais tarde, Strider estava ao seu lado envolvendo um braço ao redor de sua cintura.

     —O tio Stridey está aqui, não se preocupe. — Levantou o estóico guerreiro. O teria levado nas costas se tivesse sido necessário, mas com Strider como muleta Amun foi capaz de pôr um pé diante do outro, só tropeçava de vez em quando.

     —O ajudarei com os Caçadores. — disse Aeron, se aproximando de Paris. A oferta o surpreendeu como o inferno, verdade seja dita.

     —O que acontecerá a Legião? Talvez ela sinta sua falta.

     Aeron sacudiu a cabeça. Levava o cabelo raspado ao zero e sua calva brilhava à luz do sol. — Se estivesse aqui, já estaria agora mesmo sobre meus ombros.

     —Sinto muito. —Ninguém sabia melhor que Paris como se sentia ao sentir falta de uma fêmea. Embora admitisse que tinha se surpreendido ao descobrir que o pequeno demônio robusto era uma fêmea.

     —É o melhor. — uma mão robusta esfregou a cansada cara de Aeron— Algo… esteve me observando. Uma presença. Poderosa. Começou uma semana antes que fôssemos ao Cairo.

     O estomago de Paris se encolheu com temor.

     —Primeiro, tem um repugnante hábito de guardar para si esse tipo de informação. Deveria ter nos dito algo na primeira vez que o notou, tal como deveria nos haver dito o que aconteceu aos Titãs quando voltou de sua entrevista divina faz uns meses. Quem quer que tenha estado te observando poderia ter alertado aos Caçadores sobre nossa viagem. Poderíamos ter...

     —Tem razão e o sinto. Mas não acredito que seja trabalho dos Caçadores.

     —Por que? —Exigiu Paris, pouco disposto a deixá-lo passar.

     —Sei como é a sensação daqueles olhos odiosos me julgando e isto não se parece com isso. Este é… curioso.

     Paris relaxou um pouco.

     —Talvez seja um deus.

     —Não acredito. Legião não teme aos deuses, mas teme a esta maldita coisa quem quer que seja. Esse foi um dos motivos pelo que aceitou tão docilmente isso de ir ao inferno por Sabin. Ela me disse que voltaria quando a presença tivesse ido.

     Tinha um tom de preocupação em sua voz. Estava preocupado, Paris não o entendia. Legião poderia ser um demônio diminuto com inclinação por diademas, que tinham descoberto não faz muito, quando ela tinha roubado uma de Anya e tinha desfilado orgulhosamente ao redor da fortaleza com ela, mas podia cuidar de si mesma.

     Paris girou em redondo.

     —Sua sombra está aqui? Agora? —Como se necessitassem outro inimigo— Possivelmente posso seduzir a quem quer que seja, embora esteja longe de você. E matá-lo. Que não conte o que já tenha aprendido.

     A cabeça de Aeron deu uma sacudida.

     —Francamente não acredito que queira nos fazer mal.

     Fez uma pausa, e devagar soltou o fôlego.

     —Muito bem, então. Tentaremos mais tarde. Somente me avise se voltar. Agora mesmo temos que nos encarregar dos cabeças de merda da masmorra.

     —Parece mais humano a cada dia que passa, sabia? —Aeron tinha dito isso antes, mas só uma vez, não o dizia com desaprovação. Com um assobio desembainhou o facão que levava a suas costas. —Talvez os Caçadores farão resistência

     —Só se tivermos sorte.

     

   Torin, o guardião de Enfermidade, estava sentado em seu escritório com a cara para a porta de seu dormitório, ou melhor, para os monitores que o uniam com o mundo exterior. Observou quando o SUV chegou à entrada e imediatamente tinha se endurecido. Tinha visto os guerreiros surgir e com a palma da mão tinha tido que se acomodar para aliviar a repentina dor. Os via entrar na fortaleza um a um. Em qualquer momento…

     Cameo deslizou silenciosamente dentro de sua sala e fechou a porta brandamente. Puxou a fechadura e depois de vários tic tacs do relógio, se manteve as suas costas. Seu comprido cabelo negro caía até sua cintura e se frisava nas pontas.

     Uma vez lhe tinha permitido enredar seus cabelos sobre seus dedos enluvados, sempre cuidadoso para não tocar sua pele. Esse tinha sido seu primeiro contato verdadeiro com uma mulher em centenas de anos. Ele quase tinha se deslocado, com só sentir aqueles fios sedosos. Mas esse pequeno toque era tudo o que lhe tinha permitido, tudo o que poderia lhe permitir alguma vez e tudo ao que ele poderia se arriscar.

     Em realidade, estava surpreso de que teriam arriscado tanto. Com suas luvas, estava seguro. A possibilidade de infectá-la era nula. Mas brincos contra pele, seda contra calor, fêmea contra homem? Aquela quantidade de coragem e confiança por parte dela e desespero e insensatez por parte dele. O cabelo não era pele, mas se ele o deslizava? E se ela se deixava cair contra ele? Por alguma razão, nenhum tinha sido capaz de enfrentar as conseqüências.

     A última vez que tinha tocado a uma mulher, desapareceu um povo inteiro. A Praga Negra, tinham-no chamado. Isso era o que ele levava dentro, formando redemoinhos em suas veias, rindo em sua mente. Durante anos, Torin tinha esfregado sua pele até tirar o sangre negra. Apesar de tudo, tentar limpar-se do vírus era impossível.

     Durante séculos, tinha aprendido a suprimir o constante sentimento de estar sujo, corrompido, escondendo-o com risadas e humor sardônico, mas nunca pôde suprimir o desejo de ter companheirismo. Cameo, ao menos o entendia, sabia com o que ele tratava, o que podia e não podia fazer e não pediu mais.

     Seu desejo era que ela pedisse mais, e se odiava por isso.

     Ela girou devagar. Seus lábios estavam vermelhos e molhados, como se os tivesse estado mordendo e suas bochechas avermelhadas como uma rosa poeirenta. Seu peito subia e descia com rapidez, suas calças eram curtas. Seu próprio fôlego lhe queimava a garganta.

     —Devemos nos afastar. —disse ela com um tênue sussurro.

     Ele permaneceu sentado, arqueando as sobrancelhas como se lhe trouxesse sem cuidado.

     —Está desarmada?

     —Sim.

     —Bem. Tire sua roupa.

     Desde que tinha acariciado seu cabelo, fazia poucos meses, tinham ficado os melhores amigos. Com benefícios. Se dar prazer a eles mesmos a distância se observando, se beneficiando com o mesmo. Isso complicava tudo como o inferno. O aqui e agora… o futuro. Algum dia ela quereria um amante real que pudesse tocá-la, lhe fazer amor, estar com ela, beijá-la e prová-la e sentir seu calor ao redor dela e Torin teria que se afastar e não matar ao bastardo.

     Até então…

     Ela não tinha obedecido.

     —Talvez não tenha sido claro. —disse ele— Quero que você tire a roupa.

     Depois, o castigaria por lhe dar ordens. Conhecia-a bem, e sabia que ela lutava para demonstrar que era tão poderosa como seus colegas masculinos. Agora, necessitava dele. Podia cheirar a doçura de sua excitação. Não seria capaz de resistir mais tempo. 

     Seus dedos, se enroscaram na prega de sua camiseta e a puxou para cima por sua cabeça. Um sutien negro de renda. Seu favorito.

     —Isso, é uma boa menina. — elogiou ele.

     Seus olhos se estreitaram, vendo a ereção esticar suas calças.

     —Te disse que o queria nu quando estivesse aqui. Não foi um bom menino.

     Sua dramática voz, não o estremeceu como sempre acontecia com os outros. Interiormente ou na aparência. Essa voz era uma parte do que ela era, um guerreiro, um formoso desastre… um pesadelo não intencional. Para ele, era uma emotiva melodia, que fazia eco em sua própria alma.

     Torin se levantou com toda sua altura, seus músculos marcados, os ossos tensos.

     —Quando fui bom?

     Suas pupilas se dilataram totalmente, seus mamilos se endureceram. Gostava quando a desafiava. Talvez porque sabia que o valor do prêmio aumentava mais quanto mais duramente tinha que trabalhar por ele.

     Ele somente desejava ter a fortuna de ganhar uma batalha, uma vez, só uma vez. No final ela sempre ganhava. Ele tinha pouca experiência com as mulheres, era muito desesperado. Mas sempre dava um bom espetáculo.

     —Me despirei quando estiver nua. — lhe disse com voz rouca— Nem um momento antes. —suas palavras soaram graves, certamente porque estavam nubladas pelo desejo.

     —Já veremos… —agitando seu cabelo negro passeou pelo quarto. Elevou o pé a uma cadeira, enquanto o devorava com o olhar. Nunca tinha sido tão atraente desatar os sapatos. Ele se afastou a um lado com uma leve inclinação, quando lhe lançou a primeira bota. A segunda o golpeou no peito. A ameaça estava em seu olhar por ter evitado o impacto, assim com a segunda não tinha opção.

     Ziiip. Baixou as calças. Ela deu um passo para tirá-las completamente.

     Calcinhas negras que combinavam com seu sutien. Perfeição. Armas, por toda parte. Encantador.

     Seus seios eram pequenos e ele sabia que seus mamilos pareciam casulos de rosa. Tinha uma curva sobre seu quadril. O que daria para lambê-la aí… Mas sua fascinação mais ardente era o desenho da brilhante mariposa que se enredava em seus quadris.

     Observando só um lado dela, ou de frente, era quase impossível dizer que trêmulo desenho incandescente era. Só quando lhe dava as costas podia ver a forma. OH, como ansiava passar sua língua sobre cada bico e oco.

     Ele tinha uma tatuagem combinando sobre seu estomago, embora fosse ônix estava emoldurado em carmesim. Na realidade, todos os guerreiros tinham uma tatuagem de mariposa, mas a marca do demônio nunca estava no mesmo lugar. E não é porque ele queria ter suas mãos, lábios e corpo nas marcas de outra pessoa.

     Quando Cameo terminou de tirar as armas, um pequeno monte descansava a seu lado. Ela arqueou uma sobrancelha.

     —Sua vez. —Tinha certo tremor em suas palavras, como se fosse a mais afetada pelo que estava a ponto de passar e quisesse que ele soubesse.

     Ele se acomodou egoísticamente.

     —Não está nu.

     —Poderia estar.

     Deveria terminar com isso, enviá-la ao outro lado, fazer algo, porque ambos sabiam que isso era o mais longe que poderiam chegar e que nunca seria bastante para nenhum dos dois, mas… se despiu.

     Cameo ofegou como sempre o fazia neste ponto, seu olhar fixo em sua aumentada ereção.

     —Me diga tudo o que quer me fazer. —ordenou ela, cavando seus peitos— Não me oculte nada.

     Ele obedeceu e seus dedos atuavam como o faria ele, se movendo sobre seu corpo. Só quando ela gozou duas vezes tocou a si mesmo, seus dedos atuando como os dela. Mas nenhuma só vez esqueceu que isto era tudo o que alguma vez poderia ter, e que nunca seria dela.

    

     —Quero um quarto próprio.

     —Não.

     —E é assim? Sem nenhuma vacilação?

     —Assim é. Ficará aqui. —o seguinte que pensou não o disse, mas não tinha que fazê-lo. Seu significado estava claro—. Não vivi muito tempo em Budapeste, e não fiquei muito neste quarto, mas é meu. —Como você. De novo, não o disse, mas estava aí.

     Gwen se sentou na borda da opulenta cama desconhecida, em um espantoso dormitório masculino desconhecido, em uma enorme fortaleza desconhecida, com um muito familiar e fascinante homem ao que beijou um pouco e queria beijá-lo outra vez, mas não podia porque ele não queria nada com ela. E realmente, não era ela a que queria o beijo, se não a Harpia. Ao menos, isso era o que dizia a si mesma. A Harpia gostava do demônio de Sabin, escuro e perigoso, certamente encaixariam bem.

     Gwen gostava de bordejar o aborrecimento.

     Observou como Sabin desfazia sua bolsa completamente distraído, seus movimentos eram tão tensos como o tinha sido sua voz. Sua distância era o melhor, se disse ela. Vantagem para a Harpia, certamente. Se embriagar dos beijos de Sabin e enfurecê-lo outra vez não seria inteligente. Ele era muito intenso, muito mistério para sua paz mental. Mas maldito, era tão atraente — o ato de desempacotar, apertado, justo como ele era, virtualmente era uma paquera. A forma em que seus músculos se moviam…

     Deixa de olhá-lo. Você não gostaria de começar uma relação com ele. Quem disse alguma coisa sobre começar uma relação? Tão assustada como estava por seu lado escuro, Gwen sempre era do tipo de garotas “entra—toma—o—que—queira—e—escapa”. Seu compromisso de seis meses com Tyson tinha sido anormal.

     O que tinha feito Tyson agora? Estava com alguém mais? Teria se casado? E como se sentiria se fosse ele? Alguma vez pensou nela? Alguma vez terá imaginado de onde era ou por que tinha sido seqüestrada? Provavelmente deveria chamá-lo.

     Mantendo-a ao alcance da mão.

     —Por que tenho que compartilhar seu quarto? —perguntou a Sabin.

     —É mais seguro assim.

     Seguro para quem? Para ela? Ou seus amigos? Esse pensamento a deprimiu. OH, estava bem que os homens a temessem. Assim a deixariam em paz. Mas que os demônios a achassem muito letal para compartilhar uns momentos juntos? Era algo ridículo.

     —Já prometi ficar em Budapeste. Não vou fugir.

     —Não importa.

     Suas pestanas se fundiam ao estreitar o olhar sobre ele. Suas curtas respostas eram incômodas.

     —Tem noiva como outros? Uma esposa? —cadela, não pôde evitar o pensamento — Estou segura que terá algo  que dizer sobre esta situação.

     —Não tenho. E embora a tivesse não importaria.

     Ela ficou boqueaberta, estava segura que tinha ouvido mal.

     —Não importaria? Por que? Suas namoradas não são dignas de sua bondade ou consideração?

     Seus nódulos estavam apertados ao redor de uma bolsa de veludo com… estrelas? As juntas ressoaram sinistramente quando a agarrou e a trancou em uma caixa com chave. Uma segunda bolsa de veludo foi ancorada em sua cintura.

      —Nunca enganei a uma amante. Sou sempre fiel. Mas a guerra vem antes que os sentimentos de qualquer um. Sempre.

     Wow. A batalha antes do amor. Sem dúvida, era o homem menos romântico que alguma vez tinha encontrado. Inclusive mais que seu bisavô, que tinha matado a sua bisavó rindo enquanto a queimava depois de que tivesse dado a luz a sua avó Gwen. A cabeça de Gwen se inclinou a um lado para estudar mais Sabin atentamente.

     —Enganaria a sua namorada se isto o ajudasse a ganhar a guerra?

     Depois de sua mala, ele levantou um par de botas de combate.

     —O que importa isso?

     —Tenho curiosidade.

     —Então, sim.

     Ela piscou surpreendida. Um, não tinha parecido arrependido. Dois, não tinha vacilado.

     —Sim, poderia fazê-lo?

     —Sim, poderia. Se enganar significa obter a vitória, certamente enganaria.

     Duplo Wow. Sua honestidade… a deprimia. Ele era um demônio, mas de algum modo esperava, desejava?—mais dele. De maneira nenhuma seria capaz de ter uma aventura com um homem que pudesse enganá-la. Sabin não planejava ter uma aventura.

     Gwen queria ser a única e nada mais. Sempre. Compartilhar nunca tinha sido fácil para ela; isso estava contra cada um de seus instintos e dos de sua raça. Era por isso que tinha passado por cima de seus medos e tinha aceitado uma relação com Tyson.

     Até onde sabia, lhe tinha sido fiel. O sexo esteve bem, porque enquanto ela se convencia que poderia dirigir uma relação, sabia que se perder no prazer seria desastroso. Ele a tinha amado, e ela pensou que o amava. Agora, graças a todos esses meses separados, compreendia que só amava o que tinha representado: normalidade. Eles eram muito parecidos. Ele trabalhava para a Fazenda e era odiado por seus colegas. Ela era uma Harpia que desprezava a confrontação e era compadecida por sua raça. A semelhança, não era suficiente razão para ficarem juntos. Não para sempre.

     Gwen tinha um sentimento que deveria deixar ir — algo ao menos — com Sabin. Ele não tinha retrocedido ante a Harpia na caverna ou no avião. E forte como era, poderia tomar mais que um humano. Embora tivesse ambas as coisas, valentia e imortalidade, duvidava que ele pudesse tomar o que lhe oferecia. Ninguém podia.

     De todos os modos ela se perguntava como seria na cama. Sem domesticar, supunha ela. Ele baixaria e o faria de maneira suja e insistiria o mesmo de sua amante. Tudo o que poderia tirar dela?

     —Então não tem esposa, mas está solteiro? —perguntou ela, as palavras ressoaram. Não podia imaginar a ninguém o bastante louco para sair com ele. Sim, era bonito. Sim, seus beijos fariam que uma mulher tocasse o céu. Mas o prazer momentâneo com ele somente causaria que lhe rompessem o coração. Certamente ela não era a única em compreender isso.

     —A que vêm estas perguntas?

     —São somente para preencher o silêncio. — uma mentira. Ultimamente estava cheia de mentiras. Ela tinha sido — e estava apesar de tudo mais curiosa que ele, este guerreiro que a tinha salvado.

     —Não há nada mau com o silêncio. — se queixou ele, sua cabeça quase estava dentro de sua bolsa.

     —Está solteiro ou não?

     —Eu gostava quando me tinha medo, depois de tudo. — resmungou ele.

     Ela compreendeu, que estava menos tímida ao seu redor. Ver o amor que tinham seus amigos por suas mulheres a encorajou de algum jeito. No momento, ao menos.

     —E bem? Solteiro?

     Dando um suspiro, se rendeu.

     —Sim, estou solteiro.

     —Não posso acreditar. — resmungou ela. Sua última noiva possivelmente tinha chutado seu traseiro.

     —Bem, isso não significa que vamos dormir juntos. Terá que encontrar outro lugar para dormir porque eu fico com a cama.  —Valentes palavras. Ela somente esperava que isso não fosse uma fanfarronada.

     —Não se preocupe. Ficarei com o chão. — Ele lançou várias camisas enrugadas na cesta da roupa suja ao lado do armário. Um guerreiro demoníaco fazendo a barrela[9], isso não se via todos os dias.

     —Que tal se não confio em você para a deixar ali? —ele riu, e era um som cruel.

     —Me dá igual. Não o abandonarei em toda a noite.

     Não estava conforme. Ele não tinha jurado se afastar dela e tampouco tinha dito nada de querer estar com ela sexualmente.

     E se o fizesse?

     E ela o desejava?

     Ela estudou seu perfil, seu olhar viajava pela longitude de seu nariz. Era um pouco mais comprido que a média. Suas maçãs do rosto eram agudas e sua mandíbula era quadrada. Em geral, seu aspecto era muito áspero, sem o toque juvenil que se imaginava às vezes.

     Seus olhos, pesados, embora suas pestanas fossem quase femininas. Não o tinha notado antes, mas suas pestanas eram tão espessas que seus olhos pareciam delineados com fuligem.

     Envolvendo os braços ao seu redor, seu olhar se centrou naquele intrigante rosto e se enfocou em seu corpo. Todos aqueles músculos… outra vez se encontrava fascinada por eles. As veias palpitaram em seus bíceps ao levantar o set de barbeado. Seu bracelete de couro e elos de metal abraçavam a grossura de seu pulso. Suas largas pernas percorreram por completo a distância ao banheiro. Com a esperança de que ele saísse em camisa e conseguisse outra olhada daqueles músculos. Talvez olhar aquela tatuagem de mariposa que se estirava ao longo de suas costelas e desaparecia na cintura de suas calças.

     —Agora é meu turno de fazer perguntas. — disse ele na entrada do banheiro. Apoiou um ombro contra o marco— Por que não fugiu? Ou ao menos, o tentou. Sei que disse que não queria enfrentar ao desconhecido fora daquele deserto. Isso, compreendo, de certo modo. Mas então descobriu nosso pequeno segredo dos demônios e de todos os modos ficou. Inclusive disse que me ajudaria.

     Boa pergunta. Ela tinha considerado se pôr a correr para os bosques quando o avião aterrissou, depois outra vez quando o SUV tinha se detido. Então aquelas fêmeas humanas tinham deslocado da fortaleza, se lançando a seus homens como loucas, profundamente apaixonadas e ela tinha feito uma pausa. Os demônios guerreiros tinham sido gentis com elas, preocupados. Completamente reverentes, como se eles fossem o prêmio.

     Isso, mais que nada, fazia reconsiderar sua percepção dos demônios.

      Estes homens eram completamente o oposto ao que ela tinha esperado, honoráveis a sua maneira e quase amáveis. Pareciam querer protegê-la. Melhor, não a olharam com decepção, desejando que ela fosse mais forte, mais valente, mais violenta.

     Era o anjo nela, sua mãe nem sempre entendia, Gwen rechaçava machucar a um inocente. Faria melhor se dormisse com ele. Suas irmãs sairiam em sua defesa, amando-a com tanta ferocidade como o faziam, mas ela sabia que elas a consideravam fraca. A verdade sempre brilhava em seus olhos.

     Se seu pai a conhecesse, estaria orgulhoso dela, pensou na defensiva. Certamente ele teria aplaudido tal benevolência.

     —E bem? —incitou Sabin.

     —Poderia te responder da mesma maneira em que você respondeu — disse ela, levantando seu queixo— Sou forte. Posso me defender. Por que não fugi de você? Porque não. Isso é o porquê. — Ali. Toma um pouco de seu próprio remédio.

     Sabin controlou sua língua com os dentes.

     —Não me faz graça.

     —Bem, a mim tampouco! —isso é tudo, aí estava.

     —Carinho, me fale.

     A maneira em que disse o elogio… como uma carícia, uma fantasia e uma maldição tudo enrolado em um bombom de chocolate. Roubado, é obvio.

     —Sinto-me segura com você. — admitiu finalmente. Não sabia por que tinha optado pela verdade.

     —Certo. —se mofou, surpreendendo-a— Isso é ridículo. Você não me conhece, mas se realmente for tão tola, porque queria seu próprio quarto? Por que me faz perguntas como estas?    

     O calor queimou suas bochechas. Ela era uma tola.

     —Por que parecia que me pedia que ficasse quando estou aqui por tua petição? Quer que chore ou algo?

     Simplesmente, sacudiu a cabeça.

     —Ao menos pode fingir ser agradável? Consistentemente?

     —Não.

     De novo não houve vacilação. Isso começava a incomodá-la realmente.

     —Muito bem. Mas me diga por que é agradável um minuto e cruel no seguinte.

     Um músculo se contraiu em sua mandíbula, como se apertasse muito forte os dentes.

     —Não sou bom para você. Só o fato de confiar em mim só te trará sofrimento.

     E ele não queria machucá-la?

     —Por que diz isso?

     Não houve resposta.

     —É por seu demônio? —Insistiu ela — Qual é o demônio que leva?

     —Não importa. —grunhiu ele.

     Sem resposta, outra vez. Nenhuma de suas respostas tinham sentido de todos os modos. Exceto, possivelmente, que lhe estivesse mentindo e realmente quisesse machucá-la porque era um demônio e isso era o que faziam os demônios. Poderia ser realmente mau. Mas, ele queria realmente a seus amigos. Era muito óbvio cada vez que os olhava.

     —Me diga outra vez, o que pensa que posso fazer por você. — disse ela, lhe recordando que realmente sim queria algo dela e que não tinha que ajudá-lo se não queria— Me diga por que quer me manter perto.

     Pela primeira vez pareceu feliz de responder.

     —Para matar a meus inimigos, os Caçadores.

     Uma risada borbulhou nela.

     —E honestamente acredita que posso fazer algo assim? Deliberadamente. — acrescentou rapidamente, não precisava lhe recordar que o que tinha feito na cova tinha sido involuntário.

     Seu escuro olhar posou sobre ela, perfurando-a como o fio de uma espada.

     —Nas condições adequadas, penso que pode fazer algo parecido.

     Condições adequadas. Aka temendo por sua vida, Aka incômodo como o inferno. Ele também o faria. Colocando-a em perigo ou desafiando-a ao ponto que se perdesse totalmente. Algo para ganhar sua guerra.

     —O que acontece com o treinamento para meu controle?

     —Disse que tentaria. Não, que teria êxito.    

   Nunca tinha tido uma melhor razão para tentar escapar dele. Era muito mais perigoso do que tinha pensado. Mas não podia partir agora, quando acabava de compreender que tinha uma parte nela que queria ajudá-lo. Não para matar, ela não queria ser parte dessa guerra, mas não gostava que houvesse homens como Chris por aí, talvez se alimentando de outras fêmeas imortais. Se pudesse jogar um pequeno papel e detê-los, não era essa sua obrigação? Fazer algo?

     —Não teme por sua vida? —perguntou ela— Se ceder ante a Harpia, não poderia viver o suficiente para desfrutar da morte dos Caçadores. Inclusive um imortal pode ser assassinado nas condições corretas.

     —É um risco que estou disposto a correr. Como já disse, eles mataram a meu melhor amigo Baden, o guardião de Desconfiança. Era um grande homem, indigno da morte que lhe deram.

             —Que tipo de morte é essa? —depois do que eles tinham feito aos cativos, podia imaginar.

     —Enviaram a uma fêmea para seduzi-lo e em meio do ato o emboscaram e lhe cortaram a cabeça. Mas se quiser uma razão mais recente, os Caçadores culpam a meus irmãos e a mim de cada enfermidade contraída, por cada morte de algum ser amado, cada mentira pronunciada, cada ato violento cometido. Eles torturaram humanos dos que eu fui o suficientemente estúpido para me preocupar e eles fariam tudo para me enterrar. Tudo. Destruindo a quem é ou o que seja, enquanto me chamam demônio.

     —OH. — era tudo o que ela pôde dizer.

     —Sim. OH. Ainda pensa que não pode me ajudar?

 

     Sabin estava completamente enfeitiçado pela encantadora moça em frente a ele. Todo aquele cabelo loiro avermelhado caía sobre seus braços e se derramava em seu colo. Aqueles olhos dourados com trêmulos pontos prateados que brilhavam intensamente. Aquela cor rosada que se pulverizava em suas bochechas redondas.

     Mais que seu aspecto, gostava desse espírito recém descoberto. Apesar de suas queixas de antes. A maldita força era atraente. Sobretudo a força que não chegava com natureza. Embora fosse tímida por natureza, temia a ele, a essa casa, inclusive até sua própria sombra, se sentava calmamente em sua cama, questionando-o, com a cabeça em alto, se negando a se acovardar. Realmente era uma criatura notável.

     “Se não for a atriz mais grandiosa do mundo”. Disse Dúvida.

     Sabin grunhiu. Gwen não era uma atriz. Ela tinha sido encarcerada e torturada pelos Caçadores; Não os ajudava. Está me irritando com suas suspeitas.

     “Talvez esteja te mantendo com vida e a seus amigos também. Melhor estar em guarda que morto. Depois de tudo, Danika veio aqui como isca, de fato, alimentava aos Caçadores com informação.”

     Sabin tragou.

     “Me deixe a Harpia! A quebrarei e conseguirei a verdade.”

     Imaginou como eram agora Reyes e Danika. Felizes, apaixonados. Prova de que algo mal poderia se converter em algo bom. Tinha passado rapidamente. O fez. Mas para ele…

     Lançou um olhar em Gwen, sabendo, além de toda dúvida, que não estava destinado a ter um conto de fadas como Reyes. Ver um homem que cortava a si mesmo e uma mulher que o suportava. Ele perder toda auto-estima, não poderia. Gwen estava muito perto desse ponto.

     Que mais informação tinha a moça? Ou melhor, a mulher. Ela era mais velha que Ashlyn e Danika depois de tudo.

     Tinha curiosidade por ela, cada pequeno detalhe de sua vida. Família, amigos, amantes. E ela sentia curiosidade também por ele, um descobrimento que gostava mais do que deveria ser. Na realidade mais do que deveria. Ele tinha querido responder a todas as suas perguntas, lhe dizer tudo, mas conhecia os perigos disso. Sua auto dirigida irritação tinha saído muito mais rápido que de costume. Mais rápido, mas não menos consciente.

     Simplesmente estando aí, sentia o desejo o esquentar de dentro para fora. Ele queria aquele cabelo enredado em seus dedos, que o corpo viçoso tremesse sob ele, sobre ele, escutando seus gritos de prazer.

     Para se deter, cruzou os braços sobre o peito, mas sua camisa se tencionou. Maldição. Se ela o desejasse do mesmo modo que ele a desejava, iriam estar com sérios problemas. Muitos e muito agradáveis, mas graves problemas.

     Outra vez seu demônio começava a puxar s rédeas, desesperado por tomá-la, invadir sua mente e enchê-la com dúvidas. De fato, os sussurros já tinham começado: Não é o bastante bom, nem o bastante bonito, nem o bastante forte. Requereu cada gota de sua força mantê-lo dentro de sua própria cabeça. Se alcançassem a dela…

     Ele sabia combater ao demônio e anular suas dúvidas; mas ela não. Ela se quebraria, tal e como queria o demônio.

     Por que não podia acalmar suas torturas como Ashlyn acalmava as de Maddox? Por que não podia encantar seu lado escuro como Anya fazia com Lucien? Por que não podia conter as ânsias da maldade como Danika fazia com Reyes? Em troca, Gwen despertava à besta dentro dele como uma febre.

 

     —Realmente sinto sua perda, mas francamente não sei se posso te ajudar do modo que você quer. —lhe disse ela, e tinha genuína dor em sua voz.

     —Obrigado.  —que… doce. Ele franziu o cenho. Ela precisava proteger melhor seu coração e suas emoções. Machucá-la não poderia ser bom. Ele fez uma pausa. Agora pensava como um namorado. Falando nisso…— Tem noivo?

     —Tive. Antes.

     Antes do cativeiro, adivinhou ele. Como tinha levado essa relação? O pobre homem tinha cuidado com cada palavra e ação para não despertar a sua besta?

     —Você se surpreendeu? —Tinha um rastro de tristeza em sua voz.

     —Sim, me surpreendi.

     Ok, isso… o provocou.

     —A enganou? É por isso que pergunta todas essas tolices?

     —Tolices? —a rosada ponta de sua língua golpeava com ira seus lábios e para o cúmulo a imaginava em outra parte. Sobre ele. A meio caminho sob seu corpo— Não, não me enganou. Ele era honesto.

     Por alguma razão, o provocou em algum ponto a comparação.

     —Sou honesto. Você disse antes, não menti sobre o que farei ou o que não farei. Não posso.

     Com uma de suas sobrancelhas arqueadas.

     —O que quer dizer, com que não pode?

     —Não vá para lá. —ele se fechou em banda. Gwen precisava proteger mais seu coração, mas ele tinha que cuidar melhor de suas palavras.

     —Me dizendo a verdade sobre sua boa vontade de não enganar não o faz melhor pessoa que a meu humano. Sob nenhuma circunstância Tyson teria se afastado. Ele me amava.

     Seu humano? Seu humano!

     —Seu nome é Tyson? Odeio ter que lhe dizer isso, mas saía com alguém com marca de frango. E não estaria tão segura sobre seu sentido de honra. Poderia apostar que te cravava a adaga nas costas assim que você dava a volta. E se a amava tanto, por que não tentou te buscar? —Sabin amaldiçoou por dentro e apertou os lábios para mantê-los juntos. Essas terríveis palavras não tinham sido dele, se não de seu demônio. Já que tinha ao muito bastardo apanhado dentro de sua cabeça, sem lhe permitir sair, tinha decidido escapar por outro caminho.

     Gwen empalideceu.

     —E. — ele provavelmente tentou.

     A culpa e a vergonha escureceram qualquer persistente e incômoda insinuação. Apesar de todo seu alarde, ela ainda era frágil. Mas realmente, isso demonstrava suas suspeitas. Umas quantas e miseráveis dúvidas e ela estava a ponto de se derrubar. Tinha que se afastar dela.

     Embora, poderia? Ele a contemplou. Já lhe tinha pedido que dormisse em seu quarto. Com ele. Sozinhos. Estúpido! Mas esse era o único modo de a proteger dos outros, dela mesma. E bobamente, gostava do pensamento de tê-la perto. Desfrutava disso. Mais que sua beleza, era seu engenho, quando não estivesse assustada e em silêncio, como se fosse, curiosamente um caramelo.

     Ele se perguntava se todas as Harpias eram tão tentadoras como Gwen. O averiguaria, já que tinha prometido trazer suas irmãs aqui. Uma promessa que não tinha querido fazer. No princípio. Mais Harpias significavam mais perigo. Mais incômodos. Mas então se deu conta de que mais Harpias também queriam dizer mais arma contra os Caçadores. De algum modo, de algum jeito, ele convenceria a suas irmãs de ajudá-los a destruir aos homens que tinham feito mal a sua querida irmã.

     “Se elas a amassem”, disse-lhe Dúvida. “A buscaram quando a raptaram?”

     Maldição. Ele não tinha pensado nisso. Gwen tinha estado durante anos no interior daquela cela. Elas não a tinham encontrado, não a tinham salvado. Nem sequer o bastardo do Tyson.

     Suas mãos se colocaram a seus lados. Se suas irmãs não queriam ajudá-la, bem. Ele tinha Gwen. Sabia do que ela era capaz de fazer.

     —Olhe, sinto o que disse. — se obrigou a soltar uma desculpa e voltar para a porta— Quer o quarto para você, bem. Posso te dar umas horas. Não se atreva a deixá-lo. Mandarei que subam a comida.

     Ela gemeu obviamente de prazer, desejava, mas lhe disse:

     —Não se incomode em fazer subir nada. Não comerei.

     Ele se deteve, se mantendo de costas para ela. Quanto mais a olhava, mais rápido se suavizava com ela.

     —Vai comer Gwen. Me entende? Não quero que pense que sou como seus captores, te matando de fome deliberadamente.

     —Não penso isso. — lhe disse obstinada— Somente não comerei. E vai me deixar aqui, onde os demônios possam me encontrar? Aonde vai?

     —Sou um demônio. — disse ele, ignorando sua outra pergunta. Isso lhe dava bem.

     —Sei. — sua voz apenas audível, era vacilante.

     Seu estômago se encolheu. Ela sabia, mas não lhe importava? Umas palavras difíceis de dizer.

     —Estarei perto se me necessitar. Só me chame. Na realidade, tenho uma idéia melhor. Enviarei Anya para te fazer companhia. Ela e Lucien tiveram horas… para estar juntos. Ela te manterá a salvo. —utilizaria qualquer truque com Gwen se fosse necessário para que comesse. Se tinha alguém que a podia convencer de fazer algo que não queria fazer, essa era Anya— Fique aqui.

     Só quando fechou a porta atrás dele, trancando Gwen no interior decidido a não se arriscar se algum de seu amigos se dispunham a explorar e se topar com ela, espiando ou procurando um telefone para chamar os Caçadores. Ela não trabalha para eles, maldição!— foi quando se deu conta de que juntaria a uma Harpia e à deusa da Anarquia.

     Fantástico.

     Teria sorte se sua cabeça seguisse no lugar pela manhã.

  

   Sabin espreitou através da fortaleza, gemidos de dor aumentavam dos calabouços e ecoavam nas paredes. Alguém estava interrogando aos prisioneiros. Ele deveria estar ali, ajudando, mas tinha que falar primeiro com Anya.

     Sim, se dava conta de que estava colocando a uma mulher antes que ao dever, mas isto era uma coisa pequena, assegurar a comodidade de Gwen, e não devia lhe levar muito tempo. Nunca mais, entretanto, se assegurou a si mesmo. Da próxima vez que houvesse alguém a quem torturar, ele estaria na primeira linha, Gwen poderia ir ao inferno.

     Ainda. Estranhamente, o fato de deixar Gwen o fazia se sentir... mal. Uma parte dele, uma grande parte—de—merda, uma muito grande — pensava que devia estar com ela, aliviando seus temores, lhe assegurando que tudo estaria bem.

     Não podia assegurar a uma mulher outra coisa que miséria, pensou sombriamente. Especialmente a uma mulher para a qual estava desesperado por voltar a beijar.

     Esse beijo no avião quase tinha acabado com ele. Nunca nada tinha sido mais doce ou tinha tido o potencial para ser tão incrivelmente explosivo. Mas se permitir participar teria significado afrouxar seu domínio de ferro sobre Dúvida, e se o tivesse feito, o demônio teria derramado sangue mentalmente; e haveria um resultado do que não cabia dúvida. Ela já tinha estado em um estado de fragilidade, assustada por quem e o que era ele. Outro beijo seria o epítome da estupidez.

     E por que tinha piorado as coisas poluindo suas lembranças com os de seu ex? Quão rasteiro era, dizendo a ela que não tinha maneira que o homem no que tinha acreditado lhe tivesse sido fiel, sem importar o que seu demônio o tivesse levado a dizer? Pior ainda, a cada momento que passava, a determinação de Dúvida por destruir a pouca confiança de Gwen tinha se fortalecido. Possivelmente porque Sabin a tinha convertido no fruto proibido, mandando constantemente ao demônio que se mantivesse afastado dela.

     Não tinha ajuda para isto, entretanto. Se deixasse de reter o demônio, a já instável auto-estima de Gwen se desvaneceria. Sua confiança seria eliminada. E ele não podia deixar que ocorresse. Tinha que proteger sua arma. Certamente essa era a única razão pela qual ele se preocupava com o estado de ânimo dela.

     Só tinha que averiguar a melhor maneira de utilizá-la. Talvez devesse convencê-la de que se unisse aos Caçadores e que os destroçasse de dentro. Isso certamente tinha possibilidades.

     Os Caçadores tinham tentado esta estratégia durante milhares de anos, Baden tinha sido seu maior êxito. Tinha chegado a hora de que ele usasse sua própria astúcia em seu contrário.

     Embora, seria capaz de convencer Gwen de fazê-lo?

     A questão o incomodou enquanto se movia pela fortaleza. As vidraças emitiam prismas cheios de cores pelo corredor e iluminava o pó que dançava no ar.

     Sabin não tinha vivido aqui muito tempo, mas inclusive ele podia dizer que as novas residentes femininas tinham insuflado vida ao lugar. Sua decoração, de algum jeito, tinha conseguido expulsar a escuridão que tinha visto na primeira vez que tinha estado ali. Ashlyn tinha escolhido os móveis. Sabin não sabia muito a respeito desse tipo de coisas, mas suspeitava que as peças eram caras, já que recordavam aos anos que tinha passado na Inglaterra Vitoriana.

     Já não tinha mais peças vermelhas para ocultar as salpicaduras de sangue que Reyes tinha derramado quando se via forçado a cortar a si mesmo. Agora tinha um salão cinzento, uma cadeira de veludo rosado, um carrossel de cavalos, e uma escrivaninha de nogueira e mármore. Inclusive tinha um quarto de bebês ao lado do quarto de Maddox e Ashlyn.

     Anya tinha subministrado os... extras. A máquina de chicletes que tinha em uma das esquinas da sala, a barra de stripper que teve que esquivar e o jogo de Pacman ao lado das escadas.

     Danika tinha pintado os retratos das paredes. Alguns eram de anjos, voando pelo céu, alguns eram de demônios rondando pelo inferno, mas cada um representava uma visão que ela, como o Olho que Tudo Vê, tinha tido uma vez. Através dessas pinturas, eles estavam aprendendo mais dos espíritos que levavam dentro, assim como dos deuses que agora os controlavam.

     É obvio, intercaladas entre as visões do céu e do inferno estavam mais dos “extras” de Anya. E estes eram retratos de homens nus. Para consternação de todos, tinha conseguido salvá-los da explosão de uma bomba dos Caçadores. Sabin tinha tentado baixar um uma vez. No dia seguinte, tinha encontrado um retrato dele nu em seu lugar. Como a deusa o tinha pintado com tanta rapidez e precisão — Nunca saberia. Nunca tinha voltado a tirar outra de suas pinturas.

     Sabin dobrou a esquina e passou ao lado da porta aberta da sala de entretenimento, com a intenção de pegar o segundo lance de escadas que o levaria ao dormitório de Lucien e Anya. Pela extremidade do olho viu alguém alta e magra e retrocedeu. Se deteve na entrada, fixou sua atenção em Anya. Vestida com um traje de couro ultracurto, com botas bicudas, era tão perfeita como podia ser uma mulher. Não tinha nem um só defeito nela. À exceção de seu retorcido senso de humor.

     Nesse momento estava jogando o Guitar Fire com seu amigo William. Sua cabeça se movia ao ritmo errático da música, com brincos de cabelo dançando a seu redor. William era imortal e fazia tempo que tinha sido expulso dos céus como tinham sido os Senhores. Enquanto que eles quase tinham destruído o mundo com suas maldades, ele só tinha seduzido à mulher equivocada. Ou duas. Ou três mil. Não muito diferente de Paris, que se acossava com qualquer mulher que passasse na sua frente, casada ou não. Inclusive com a Rainha dos Deuses. O Rei Zeus os tinha encontrado juntos e, como William gostava de dizer, “perdeu os papéis”.

     Agora sua sorte estava ligada a um livro, o livro que Anya tinha roubado dele e do qual gostava de arrancar um punhado de páginas de cada vez. Um livro que supostamente predisse uma maldição, que envolvia uma mulher, que mandaria sobre ele.

     Fiel a seu estilo, enquanto esmurrava os tambores, o guerreiro estava olhando o traseiro de Anya como se fosse um doce e ele tivesse uma veia gulosa que tivesse sido reprimida durante muito tempo.

     —Poderia fazer isto todo o dia. —disse ele, movendo as sobrancelhas.

     — Presta atenção às notas. —Advertiu-lhe Anya— As está perdendo e estão se arrastando para baixo.

     Houve uma pausa, e então ambos se sorriram.

     —Não o elogie, Gilly! Não fez o melhor possível. Só uma garota com q..., não importa. Justo acabo de lhe dizer quão horrível é! —Anya girou, os dedos nunca deixaram de se mover rápido sobre o violão.

     Gilly estava aqui? Sabin olhou a seu redor, mas não viu nenhum sinal dela. Então se deu conta dos fone de ouvidoes que Anya e William levavam e caiu em si que estavam jogando on-line com Gilly.

     Sabin inclinou seu ombro contra o marco da porta, cruzando os braços sobre o peito e esperando impacientemente até o final da canção.

     —Onde está Lucien?

     Nem William nem Anya deram a volta ou ofegaram ou atuaram como se estivessem surpreendidos por sua presença de alguma forma.

     —Está escoltando almas. —disse Anya, atirando o violão ao sofá— Sim! Golpeei um noventa e cinco por cento, Gilly, você um noventa e oito e o pobre William só um cinqüenta e seis. —Houve uma pausa— O que te disse? Não elogie ao homem que criticava nossa ternura. Sim, você também. Até a próxima, garota. —tirou o fone de ouvido e o deixou ao lado do violão. Logo levantou o pacote de cheese tots[10] da mesa do café e começou a comê-los lentamente, fechando os olhos em êxtase.

     A boca de Sabin fez água. Os cheese tots eram seus favoritos. De algum jeito, ela sabia que viria aqui, para procurá-la; e tinha decidido torturá-lo, tomar o cabelo.

     —Me dê uma dentada. —disse ele.

     —Busca uns para você. —respondeu ela.

     William atirou os paus ao ar, os apanhou, e logo os pôs em cima da bateria.

     —Não importa quantas notas tenha feito de menos, ainda consigo fazer uma formosa música.

     —Certo! Ganhei de você completamente. —Anya acabou com o resto dos tots, com seu olhar divertido sobre Sabin. Se atirou ao sofá com as pernas pendurando na borda— Pois, Sabie, estive  procurando você. Lucien diz que temos uma Harpia na casa! —Aplaudiu com entusiasmo— Adoro às Harpias. São tão maravilhosamente travessas.

     Não lhe indicou que tinha estado jogando e não buscando-o.

     —Maravilhosamente travessas? Não as viu rasgar a garganta de um caçador.

     —Não, não o fiz. —Seus lábios se reduziram a familiar careta— Sinto falta da diversão além de ser a canguru de Willy.

     William pôs os olhos em branco.

     —Muito obrigado, Annie. Fiquei aqui, te fazendo companhia, te ajudando a proteger às mulheres, e deseja que tivesse estado fora de combate. Deuses, certo, que facada me deu. Inclusive me arrancou algo.

     Anya se aproximou e acariciou sua cabeça.

     —Tome um momento, procura em você mesmo. Enquanto isso, mami vai falar com papai dúvida.

     A boca de William arqueou uma esquina.

     —Isso me faz o papai?

     —Só se quer morrer. — disse Sabin.

     Com a risada em pleno auge, William caminhou para a televisão de tela plana de sessenta e três polegadas e se deixou cair na poltrona de veludo em frente a ela. Três segundos mais tarde, um banquete de carne apareceu em pleno apogeu, com abundantes gemidos. Uma vez, Paris tinha amado esses filmes. Mas nas semanas anteriores à excursão ao Egito, só William as tinha estado vendo.

     —Me conte tudo a respeito dessa Harpia. —Disse Anya, se inclinando para Sabin, seu rosto iluminado com interesse—  Morro por sabê-lo.

    

     —A Harpia tem nome. —Isso era... irritação em sua voz? Certamente não. O que lhe importava se todo mundo se referia a ela como Harpia? É como ele se referia a ela— É Gwendolyn. Ou Gwen.

     —Gwendolyn, Gwendolyn, Gwen. —Anya se tocou o queixo com uma unha larga e afiada— Sinto muito. Não me soa bem.

     —Olhos dourados, cabelo vermelho. Bom, cabelo loiro.

     Seus brilhantes olhos azuis de repente fulguravam.

      —Isto é interessante.

     —O que? A cor de seu cabelo? —Já sabia! Ele queria abrir caminho com seus dedos, agarrá-lo aos punhados, estendê-lo sobre o travesseiro, sobre suas coxas.

     —Não, que o chamasse loiro. — O tinido de uma risada brotou dela — O pequeno Sabin teve uma flechada?

     Ele apertou os dentes com irritação enquanto um calor alagava suas bochechas. Um rubor? Um fodido rubor?

     —Aww. Que bonito! Olhe quem se apaixonou enquanto procurava em todas essas pirâmides. Que mais sabe dela?

     —Tem três irmãs, mas não conheço seus nomes. —as palavras foram rudes, cheias de violenta advertência. Ele não estava apaixonado.

     —Bom, o descobrirei. —disse ela com um tom tão claramente exasperado com o que ele não já tinha feito.

     —De fato, estava esperando que já soubesse. Preciso estar com ela. Protegê-la. — Uma parte dele queria suplicar. Mantê-la a salvo. Espera. Uma parte dele queria suplicar? Sério?— Mas William está aqui. William não se aproximará dela.

     O couro se esfregou contra o jeans quando William girou na cadeira. Seus olhos virtualmente brilhavam com intriga.

     —Por que não posso estar perto dela? Acredito que é bonita.

     Sabin o ignorou. Era isso ou matá-lo. E matá-lo alteraria Anya. E incomodar Anya era o equivalente a colocar a cabeça em uma guilhotina.

     Em momentos como esse, Sabin sentiu desejos da aborrecida rotina da batalha e do treinamento que tinham compreendido sua vida antes que se reunissem com os outros Senhores. Então só tinham sido cinco companheiros e não tinha mulheres zangadas. — Cameo estava mais que incômoda, mas ela não contava— ou suas quentes amiguinhas para tratar com eles— Também olhe a ver se pode conseguir que coma. Esteve comigo vários dias e só comeu uns poucos Twinkies, mas os vomitou imediatamente depois.

     —Em primeiro lugar, nunca disse que ia cuidar de sua mulher. E em segundo lugar, é obvio que não vai comer. É uma Harpia. — o tom de Anya sugeriu que era um imbecil. Possivelmente fosse.

     —Do que está falando?

     —Elas somente comem o que roubam ou ganham. Não posso acreditar nisso! Se lhe oferecer comida, ela tem que rechaçá-lo. Do contrário... rufo de tambores... vomitará.

     Ele fez um gesto de rechaço com a mão.

     —Isso é ridículo.

     —Não. Essa é sua forma de vida.

     Mas isso... certamente não era... infernos. Quem ia dizer que algo era impossível? Durante anos Reyes tinha tido que apunhalar Maddox no estômago a meia-noite e Lucien tinha que acompanhar a alma do guerreiro morto ao inferno, só para retornar na manhã seguinte a um corpo são e a fazer tudo de novo na noite seguinte.

     —Ajuda-a a roubar algo, então. Por favor. Não é o pequeno roubo seu forte? —Mais tarde se asseguraria que os mantimentos que estavam jogados em seu quarto fossem fáceis de “roubar”.

     De repente, um agudo grito de dor rasgou as paredes, um som que acalmava a alma de Sabin. O interrogatório do caçador tinha alcançado um novo nível. Eu deveria estar ali, ajudando. Em troca, ficou parado no lugar, inquisitivo, desesperado pelas respostas.

     —Que mais devo saber sobre ela?

     Pensativa, Anya se levantou, se aproximou da mesa de bilhar e tirou uma das bolas do bolso. Lançou-a ao ar, apanhou-a e a lançou de novo.

     —Vamos ver, vamos ver. As Harpias podem se mover tão rápido que o olho humano,neste caso, seria olho imortal,  não seria capaz de registrar nem um só movimento. Gostam de torturar e castigar.

     De ambos, ele tinha sido testemunha de primeira página. A velocidade com a que tinha matado ao caçador... a brutal forma em que o tinha atacado... que dizia tudo sobre a tortura e o castigo. Entretanto, cada vez que Sabin mencionava o de atacar aos outros caçadores responsáveis por seu tratamento, ela empalidecia, tremendo de medo.

     —Como qualquer outra raça, as Harpias podem ter dons especiais. Algumas podem predizer quando uma pessoa em concreto vai morrer. Outras podem tirar a alma de um corpo e levar à outra vida. Por desgraça, não muitas podem fazer isso. — Isso faria o trabalho de meu queridinho muito mais fácil. Algumas podem viajar.

     Gwen possuía alguma habilidade especial?

     Cada vez que aprendia algo dela ou de suas origens, outras milhares de perguntas se apresentavam.

     —Mas não se preocupe por sua mulher. —Acrescentou Anya como se estivesse lendo seu pensamento— Esse tipo de poderes, não se desenvolvem até muito tarde em sua vida. Ao menos até que tenha umas poucas centenas de anos, ou se tratavam de um poucos milhares? Não me lembro, provavelmente ela ainda não se aproveitou que suas capacidades.

     O que lhe convinha saber.

     —São malvadas? Pode se confiar nelas?

     —Malvadas? Depende de como você o defina. De confiança? —Lentamente, sorriu, como se estivesse desfrutando de suas palavras— Nem sequer um pouco.

     Isso não era bom para seu principal objetivo. Mas, maldita seja, não podia imaginar a doce e inocente, Gwen jogando com ele.

     —Pelo que Lucien te disse, acredita que Gwen possa estar trabalhando com os caçadores? —Não tinha a intenção de perguntar isso, não verdadeiramente, não se acreditava capaz de fazê-lo. A única razão desse pensamento era que em sua mente estava Dúvida. Dúvida, para quem a confiança e a segurança eram vis maldições.

     —Não, — disse Anya— quero dizer, se encontrava encerrada. Nenhuma Harpia viva estaria disposta a ser enjaulada. Ser capturado é ser ridicularizado, encontram-no indigno.

     Como a tratariam suas irmãs quando chegassem, então? Não lhes permitiria castigá-la. E uma merda. A tinha deixado encerrada em seu dormitório. Um amplo dormitório, mas uma prisão, no fim da conta. O via agora como tinha visto os caçadores? Seu estômago se revolveu.

     — Ficará com ela, por favor?

     —Odeio ter que lhe dizer isso doce garanhão, mas se ela não quer estar aqui, nem sequer eu posso mantê-la aqui, ninguém pode.

     Outro grito humano atravessou a sala, seguida imediatamente por uma risada imortal.

     —Por favor, —repetiu— está assustada e necessita uma amiga.

     —Assustada. —Anya riu. Mas a expressão dele não vacilou, de modo que a risada dela começou a se desvanecer. — Está brincando comigo, não é?  As Harpias nunca têm medo.

     —Quando demonstrei ter senso de humor?

     Tão desdenhosa dos mistérios como era, Anya sacudiu a cabeça.

     —Ali estarei. De acordo. Cuidarei dela, mas só porque sinto curiosidade. Te direi algo, uma Harpia assustada é algo impossível.

     Ela logo aprenderia o engano disso.

     —Obrigado. Devo-te uma.

     —Sim, o faz. —Anya sorriu docemente. Muito docemente— OH, e se me pergunta a respeito de você, contarei tudo o que sei. Todos os detalhes. E quero dizer todos.

     Um temor instantâneo se cravou nele. Gwen já desconfiava dele. Se ela soubesse a metade das coisas que tinha feito no passado, nunca o ajudaria, nunca confiaria nele, nunca mais o olharia com essa mescla intoxicante de desejo e de incerteza.

     —Feito. —disse Sabin obscuramente— Mas você necessita desesperadamente uma surra.

     —Outra? Lucian me deu uma esta manhã.

     Nesse momento Sabin admitiu para si mesmo que nunca tiraria vantagem verbalmente de Anya. Nem tampouco poderia intimidá-la. Não tinha razão sequer para tentá-lo.

     —Só... seja amável com ela. E se tiver um pingo de piedade nesse teu corpo perfeito, não lhe diga que sou o Guardião de Dúvida. Ela já tem medo de mim.

     Suspirando, girou e se dirigiu à masmorra dando passadas.

    

     —Onde estão? —demandou Paris. Um gemido de dor foi sua única resposta.

     Tinham estado o que tinham parecido dias, mas sem resultados reais. O demônio de Aeron, Ira, estava mandando todo tipo de imagens à cabeça do que queria fazer a esse homem por seus pecados. Logo Aeron não seria capaz de se deter. Se isso acontecesse, não conseguiria respostas. Estava disposto a parar, se reagrupar e voltar a tentar amanhã, permitindo ao resto dos caçadores ficar — eles já tinham matado acidentalmente a dois — imaginando o que logo lhes fariam. Às vezes, o desconhecido resultava mais intimidante que a realidade. Às vezes.

     Paris, entretanto, não o via dessa maneira. O homem estava possuído. Por algo mais que seu demônio. Fazia coisas a esses humanos que inclusive Aeron, um guerreiro frio como era, não teria tido estômago. Mas então, Aeron não era o homem que estava acostumado a ser.

     Fazia uns meses que os deuses lhe tinham ordenado matar Danika Ford e a sua família, e ele tinha lutado diligentemente contra a sede de sangue que posteriormente o consumia. Lutou contra as imagens dessas doces mortes que invadiram sua cabeça, sua mão lhes cortando as gargantas, seus olhos vendo verter o sangue delas, seus ouvidos registrando seu último e gorgolejante fôlego. Deuses, tinha desejado essas coisas mais que nada no mundo.

     Quando o desejo por fim o tinha abandonado — embora ainda não sabia por que o tinha feito— tinha sentido medo de tomar outra vida, qualquer vida, por medo a se transformar de novo na besta que tinha sido. Depois, os outros guerreiros e ele tinham viajado ao Egito e tinham tido uma luta encarniçada. Tinha sido incapaz de deter sua mão, o desejo que tinha temido o tinha alcançado outra vez, o guiando.

     Felizmente, tinha se acalmado sem fazer mal a seus amigos. Mas o que teria ocorrido se não o tivesse feito? Não teria sido capaz de viver consigo mesmo. Só Legião era capaz de acalmá-lo completamente, e atualmente estava sem sua companhia.

     Suas mãos se apertaram em punhos. Quem quer que seja, que o estivesse observando devia parar antes que Legião pudesse retornar. De algum jeito. Tristemente, aqueles invisíveis e penetrantes olhos não estavam sobre ele agora. Estava coberto de sangue e no bolso tinha um trapo alcochoado, um trapo no que guardava os dedos dos caçadores mortos. Vê-lo poderia impulsionar a esse voyeur bem longe.

     No princípio tinha pensado que era Anya fazendo alguma de suas travessuras. Tinha feito algo similar a Lucien. Legião não temia a Anya, entretanto. O que a convertia provavelmente na única residente da fortaleza além de Lucien que podia fazer essa asseveração.

     —Uma última oportunidade para responder a minha pergunta. —Disse Paris tranqüilamente, apertando a adaga contra as pálidas bochechas do caçador— Onde estão as crianças?

     Greg, sua atual vítima, gemeu, um fluxo de saliva brotou de entre seus lábios.

     Tinham isolado aos caçadores, um em cada cela. Dessa maneira, os gritos provocavam os outros a ficarem loucos, lhes fazendo se perguntarem exatamente o que tinham feito a seus irmãos. Os aromas de urina, suor e sangue que já saturavam o ar, eram outra vantagem acrescentada.

     —Não sei. —Soluçou Greg— Eles não me disseram isso. Juro por Deus que não me disseram isso.

     Um som de ranger de dobradiças, o ressoar de passos. Logo Sabin vagou pela cela, com determinação em seus traços. Agora as coisas seriam realmente sangrentas. Ninguém estava mais determinado que Sabin. Com um demônio como Dúvida, provavelmente fosse esta determinação o que o mantinha cordato.

     —O que você averiguou? —perguntou o guerreiro. Tirou uma bolsa aveludada da parte de atrás da cintura e com cuidado a colocou sobre a mesa, lentamente desenredando o material para revelar o agudo brilho de diferentes metais.

     Greg soluçou.

     —A única nova informação é que nosso velho amigo Galen. — Aeron disse o nome com um tom de mofa— É ajudado por alguém a quem chama... não vai acreditar nisto. Desconfiança.

     Sabin congelou em seu lugar. As palavras, obviamente, estavam jogando com sua mente.

     —Impossível. Encontramos a cabeça de Baden, embora não seu corpo.

     —Sim. — Nenhum imortal poderia ter sobrevivido a isto. Uma cabeça não era algo do que poderiam regenerar. Outras partes do corpo sim, mas isto não. — Também sabemos que agora seu demônio vaga pela terra, enlouquecido pela perda de seu anfitrião. Não há nenhum modo de que pudesse ser encontrado sem a caixa de Pandora.

     —Me ofende que essas palavras tenham sido lançadas. Castigou ao caçador por mentir, certamente.

     —É obvio. —disse Paris com um sorriso satisfeito— Teve que comer sua própria língua.

     —Deveríamos pôr a este na jaula. —sugeriu Aeron. A Jaula da Compulsão. Um antigo e poderoso artefato — e um que supostamente poderia ajudá-los em sua busca da caixa. Qualquer pessoa que se colocasse dentro dela, tinha que fazer o que os guerreiros mandassem, sem exceção. Bom, quase sem exceção. Quando Aeron tinha sido consumido pela sede de sangue, tinha rogado a alguém do céu que o colocassem dentro e lhe ordenassem se afastar das mulheres Ford.

     Entretanto, Cronos tinha se apresentado ante ele e lhe disse, pensa que criaria algo tão poderoso como esta jaula e permitiria que fosse utilizada contra mim? Algo que eu ponha em movimento não pode ser detido. Inclusive com a jaula. Essa é a única razão pela qual estive de acordo em deixá-la aqui. Agora. Basta disto. Agora é o momento de atuar.

     Aeron tinha piscado e tinha se encontrado dentro do quarto de Reyes, com uma faca na mão, e o pescoço de Danika maravilhosamente perto...

     — Não. —Disse Sabin— O lembramos.

      Não mostrariam a jaula aos caçadores, nem sequer aos condenados por nenhuma razão, de modo que os caçadores nunca vissem o que podia fazer. Só por precaução.

     —Averiguou algo mais? — perguntou Sabin trocando de tema.

     Mas Aeron viu o brilho no olhar do guerreiro. Devido a que a jaula tinha sido mencionada em companhia mista, este caçador ia morrer depois de suas sessões. — Só uma confirmação do que as mulheres cativas nos disseram. Foram violadas, emprenhadas e seus bebês destinados a serem usados um dia para lutar contra nós. Já há meninos meio imortais por aí como caçadores, mas Greg não quer salvar os dedos de suas mãos e seus pés, e não me diz onde.

     Os soluços se converteram em silêncio, o caçador tinha tanto medo que sua garganta estava fechada. Em qualquer momento, desmaiaria.

     Paris o agarrou pelo pescoço e colocou sua cabeça entre as pernas, a corda que o segurava se apertou em seus pulsos. — Respira, maldito seja. Ou juro pelos Deuses que o manterei lúcido de outra maneira.

     —Pelo menos ainda tem sua voz. — disse Sabin secamente. Manteve a folha curvada para a luz e passou a ponta. O sangue apareceu instantaneamente em seu dedo— A diferença de seu amigo da cela da esquerda.

     —Muito mal. — disse Paris, mas não soou arrependido. Tinha um brilho quase maníaco em seus olhos azuis.

     —Como se supõe que vai responder a nossas perguntas, se não puder falar?

     —Dança interpretativa. — foi a irônica resposta.

     Sabin soprou.

     —Podia ter utilizado seus poderes. —sua faculdade de sedução trabalhava inclusive em homens.

     —Podia, mas não o fiz. —Paris franziu o cenho— E não vou fazer agora, assim não pergunte. Odeio muito a estes filhos da puta para ser encantador, inclusive se for para conseguir informação. Sigo em dívida com eles pelo tempo que passei como seu prisioneiro.

     Sabin olhou para Aeron, um tácito por que não o tinha detido flutuou entre eles. Aeron deu de ombros. Não tinha nem idéia de como fazer frente ao feroz e violento soldado em que Paris tinha se convertido. Era assim como os outros tinham se sentido por ele

     —Assim agora estamos determinados a averiguar a localização dessas crianças? —Perguntou Sabin. Isso é tudo?

     —Sim. —Replicou Aeron— Um dos caçadores admitiu que oscilavam entre as idades que compreendiam entre a infância e a adolescência. E sim, estiveram violando a imortais durante esse tempo. Eram capazes de fazê-lo sem ser apanhados por sua localização. Essa caverna no Egito tinha sido uma vez um templo para os Deuses. Está protegida, não se sabe por quem nem como se omite esse amparo.

     —Se supõe que as crianças são mais fortes e rápidas que qualquer caçador que tenha chegado antes. Ah, se fixa nisto. A maioria das chocadeiras, são assim como as chamaram esses filhos de puta..., são as imortais que Ashlyn encontrou.

     Ashlyn tinha a capacidade única de estar em um lugar e escutar todas as conversações que ali tinham tido lugar. Antes de chegar a Budapeste, ela tinha trabalhado para — infernos, dedicado sua vida para — o Instituto Mundial da Parapsicologia, uma agência que tinha utilizado suas habilidades paranormais para encontrar imortais. Para “investigá-los”, disseram-lhe.

     —Não podemos dizê-lo. — Adicionou Aeron— Ficaria devastada. —Saber que sem se dar conta tinha estado trabalhando para os caçadores tinha sido bastante mau; se descobria que suas habilidades tinham estado sendo usadas para ajudar aos caçadores a criar uma nova geração poderia ser muito para a amável mulher grávida.

     —Diremos a Maddox e deixaremos que lhe filtre a notícia.

     —Por favor, deixem-me ir. —Suplicou Greg em tom desesperado— Levarei uma mensagem aos outros. Qualquer mensagem que queiram. Uma advertência, inclusive. Me deixem em paz.

     Sabin levantou o frasco com um líquido de aspecto sujo dessa bolsa de veludo.

     —Agora, por que deveria te deixar dar uma advertência quando posso fazê-lo eu mesmo? —abriu a tampa com o polegar e verteu o conteúdo sobre sua lâmina. Houve um vaio e um chiado.

     Greg tentou de deslizar-se de sua cadeira para trás, mas estava preso em seu lugar.

     —Que....o que é isso?

     —Um tipo especial de ácido que eu gosto de mesclar por mim mesmo. Vai comer seu sangue, o queimará de dentro para fora. As veias, os músculos, os ossos, não importa. O único que não se pode comer é este metal porque veio diretamente dos céus. Assim, vai nos dizer o que queremos saber? Ou vou colocar a lâmina na parte inferior de seu pé e deixar que o trabalho seja a minha maneira?

     As lágrimas rodavam sobre o rosto do homem trêmulo, aterrissavam na camisa e se mesclavam com o sangue que já o cobria ali.

     —Estão dentro de um centro de treinamento. Todos o chamam Hunter High. É uma filial de Instituto Mundial da Parapsicologia. Um internato no que as crianças se mantêm separadas de suas mães na medida do possível. Ali os ensinam a brigar, a rastrear. Os ensinam a os odiar pelos milhões de assassinatos que cometeram com suas enfermidades e mentiras. Os milhões que se suicidaram pela miséria que estendem.

     Excelente. Agora soava como os caçadores que Aeron detestava.

     —E onde se encontra localizada a instalação? — perguntou Sabin rotundamente.  

     —Não sei. Sinceramente, não sei. Tem que me acreditar.

     —Sinto muito, mas não. —Sabin se aproximou lentamente dele— Assim vamos ver se posso te ajudar a refrescar a memória. De acordo?

    

   Como se ainda fosse mais possível, um angustiante grito dilacerador, ricocheteou nas paredes do dormitório de Sabin, Gwen ia machucar a alguém! Isto parecia que ia durar para sempre. Não ajudava que a fadiga a golpeasse completamente com duros punhos, fazendo que lhe pesassem as pálpebras, confundindo seu cérebro, fazendo que isto parecesse um pesadelo sem fim. Mas estava decidida a ter os olhos e os ouvidos bem abertos, apenas se por acaso algum dos Senhores decidisse entrar furtivamente e machucá-la.

     Como estavam machucando ao homem que pedia atualmente misericórdia. Além de qualquer dúvida, ela sabia que estavam torturando aos Caçadores. Quer dizer, onde tinha ido Sabin. Por isso a tinha abandonado tão rapidamente. Seu “trabalho” era a coisa mais importante de sua vida.

     Conheço-o tão bem, não é? Não.

     Mas ela sabia que ele desprezava aos Caçadores, sabia que ansiava sua destruição tanto como ela ansiava a normalidade e que faria tudo, qualquer coisa para assegurá-lo.

     Entendia seu desejo. Tinham lhe tirado algo, algo amado. Em realidade mais que algo amado. Também tinham arrebatado algo dela. Muitas coisas. Seu orgulho, a vida normal que acabava de começar a se construir. Os odiou tanto como Sabin o fazia. Possivelmente mais.

     Tinham visto Chris violar a essas mulheres com luxúria em seus olhos, desejando que chegasse seu turno. Não o tinham detido, nem sequer tinham protestado por suas desprezíveis ações. Por isso, apesar dos gritos que a estavam voltando louca, parar Sabin não estava em sua lista de coisas a fazer. Esses Caçadores mereciam o que tinham. Entretanto, cada um desses gritos a recordava que Sabin a queria para tirar deliberadamente a vida.

     Poderia?

     Só o pensamento fez que a bílis corresse por sua garganta e o medo alagasse seu sangue, convertendo suas células em ácido e abrasando suas veias. Durante anos, ela tinha matado. OH, vá, se matou.

     Com nove anos, tinha matado a seu professor particular por lhe dar um F. Aos dezesseis, um homem a tinha seguido a um edifício, a tinha metido de um puxão em um quarto vazio e tinha fechado a porta. Durou trinta segundos contra a Harpia. Aos vinte e cinco, tinha se transladado desde o Alaska a Georgia, seguindo Tyson, que foi o que provocou que sua mãe cortasse todos os vínculos, e por fim começou na universidade, algo que tinha querido fazer há anos. Ela não tinha podido dirigir a esse briguento em público, tinham dito suas irmãs. E tinham razão. Um professor casado tentou beijá-la, isso foi tudo, o atacou como se tivesse tentado lhe fatiar a garganta. Sua terceira semana da universidade tinha sido a última.

     Suas irmãs lhe disseram que a Harpia não seria tão volátil se Gwen deixasse de lutar contra o que era, mas não as acreditou. Eram um grupo sanguinário, lutando constantemente, com uma recontagem de vítimas que a deixava aniquilada. As amava, e apesar de invejar sua confiança e sua força, não queria ser como elas. A maioria dos dias.

     Outro grito doloroso.

     Para se distrair, explorou o dormitório, abriu a arca das armas com uma gazua[11] e meteu no bolso algumas das estrelas que Sabin tinha escondido ali, só bocejou três vezes, uma melhoria. Uma garota não esquece algumas habilidades, e B e E eram algo que sua família levava muito a sério. Deveria tê-lo feito antes. Abriu também a porta com a gazua, e saiu às escondidas para o corredor, somente para retroceder ao dormitório no momento que ouviu passos.

     Por que sou tão covarde?

     Outro grito, este se debilitando em um gorjeio.

     Tremendo, bocejando outra vez, relaxou sobre o colchão, forçando a sua confusa mente a considerar o que estava ao seu redor em vez do que ouvia. O dormitório foi uma surpresa. Forte e masculino como era Sabin, ela esperava escassos móveis, negros e marrons, nada pessoal. E na superfície, isso é o que ela viu.

     Mas sob o edredom marrom escuro tinha vibrantes lençóis azuis e um colchão de qualidade de pluma. No armário, tinha uma seleção de divertidas camisetas. Piratas do Caribe. Hello Kitty. Uma que dizia Bem-vindo ao espetáculo de armas, com flechas assinalando os seus bíceps. Atrás de um véu de exuberantes plantas tinha uma sala de estar que ele tinha arrumado com um chão almofadado que olhava para cima a um mural de teto com castelos nas nuvens.

     Gostou de seus lados contraditórios. Como os aspectos ásperos embora infantis de seu rosto.

     —Olá, olá, olá. — chamou uma mulher. A porta que ela acaba de fechar foi aberta e uma alta e magnífica mulher deu um passeio dentro, uma bandeja de comida se balançava em suas mãos. Julgando pelo aroma que saía do prato, ali tinha um sanduíche de presunto, um punhado de Baked Lays, um tigela de uvas e um copo de Gwen cheirou suco de arándano[12].

     Sua boca encheu de água. Possivelmente foi sua intensa fome ou possivelmente sua falta do sono, mas o intruso não era nem sequer um apitinho em seu radar.

     —Que… o que tem aí?

     —Não preste nenhuma atenção à comida. —disse a estranha, colocando a bandeja no aparador— É para Sabin. O idiota me enganou para que lhe fizesse a comida. Me disseram que não podia tocar nada. Sinto muito.

     —Uh, não há problema.— Era difícil dizê-lo, sentia a língua tão torcida— Quem é?

     Não podia afastar o olhar dessa bandeja.

     —Sou Anya, deusa da anarquia.

     Não tinha razão para duvidar da declaração. A energia de outro mundo que irradiava a mulher, virtualmente chispava no ar. Mas, que fazia uma deusa com os demônios?

     —Eu. . .

     —OH, tolices. Me desculpe. Ouço Lucien, meu homem, tão maravilhoso, me chamando. Não vá, de acordo? Voltarei em um momento.

     Gwen não tinha ouvido nada absolutamente, do contrário teria protestado. No momento em que a porta se fechou atrás da deusa, ela já estava no aparador, levando o sanduíche de Sabin à boca, o fazendo baixar com o suco, lambendo os miolos de uma mão e com as uvas na outra. Devorou-as como se não tivesse provado nada que tivesse um gosto tão bom.

     Possivelmente não o tivesse feito.

     Era como ter um arco íris na boca. Uma mescla de sabores, textura e temperaturas. Seu ambicioso estômago aceitou cada bocado e pediu mais da comida roubada.

     Anya mal tinha estado fora um minuto, possivelmente dois, mas quando voltou a entrar no quarto, a comida tinha se esfumado e Gwen estava sentada na cama, limpando a cara com o dorso da mão e tragando o último bocado.

     —E agora onde estávamos? —Sem sequer olhar à bandeja, Anya caminhou para a cama e se colocou ao lado de Gwen— OH, sim.  Esta fazendo que se sentisse cômoda.

     —Sabin me disse que a enviaria, mas pensei que tinha mudado de idéia. Eu, uh, não necessito um protetor. Honestamente — não olhe a bandeja, por favor —não vou tentar escapar.

     —Por favor. —A formosa deusa agitou uma mão tirando a importância do assunto— Como já disse, sou a deusa da Anarquia. Ninguém me catalogaria como tal. Além disso, ninguém me envia onde não quero ir. Simplesmente estou aborrecida e sou curiosa. Agora uma pergunta que tem que ser respondida, ao menos em minha mente. É incrivelmente bonita. Olhe este cabelo. — ela rastelou alguns dos fios entre seus dedos— Não é de se admirar que Sabin a escolhesse como sua mulher.

     As pálpebra de Gwen tremeram, até se fechar sua cabeça se inclinando para o tato da deusa. A Harpia estava tranqüila, acalmada, primeiro pela comida e agora pela companhia. Tudo o que necessitava agora era sair da fortaleza, durante algumas horas e agarrar alguns Zs.

     —Ele não me escolheu como sua mulher.

     Mas algo em seu interior se sentia agradado com esse pensamento, se deu conta. Seus mamilos tinham se endurecido, e o calor tinha florescido entre suas pernas, se pulverizando como um fio de pólvora.

     —É obvio que é dele. —O braço de Anya desapareceu— Você está ficando em seu dormitório.

     Suas pálpebras se abriram de repente e mal refreou um gemido. Por que ninguém queria continuar tocando-a?

     —Estou aqui à força.

     Anya riu como se ela acabasse de fazer uma brincadeira.

     —Muito boa!

     —Sério. Pedi meu próprio quarto, mas ele não me deu isso.

     —Como se alguém pudesse obrigar a uma Harpia a ficar em algum lugar no que não queira ficar.

     Isso era verdade no caso de suas irmãs. No dela? Nem tanto. Pelo menos nesta ocasião não tinha havido nenhum desdém no tom de Anya quando tinha dito a palavra Harpia. Como muitas das criaturas “mitológicas” e de “lenda” as Harpias as considerava por debaixo deles, simples assassinos e ladrões.

     —Me acredite, não sou para nada como o resto de minha família.

     —Ouch. —Tinha havido tanta repugnância em sua voz para arrancar a pele do corpo de alguém— Você não gosta de suas origens ou de si mesma?

     O olhar de Gwen baixou a suas mãos, que se retorciam em seu colo. Era esta informação que pudesse ser usada em seu contrário? Mantê-la em segredo lhe concederia algum tipo de vantagem? Uma mentira serviria da mesma maneira, ou a não ser melhor?

     —Qualquer. —respondeu ela finalmente, decidindo que era seguro dizer a verdade. Ela faltou ao credo de suas irmãs, e aqui estava, com uma fêmea que a escutava, parecendo lhe importar. Neste ponto, se Anya se preocupava ou não já não importava, a verdade. A sensação era agradável. Demônios, falar era agradável. Tinham passado doze meses desde que qualquer pessoa a tivesse escutado.

     Suspirando, Anya se deixou cair para trás contra o colchão.

     —Mas as de sua classe são, uma das melhores coisas. Ninguém se mete com vocês e vive para contar. Inclusive os deuses se mijam nas calças quando vocês se aproximam.

     —Sim, mas fazer amigos é impossível porque ninguém quer se aproximar de nós. Pior ainda, ser você mesma em uma relação de casal é impossível porque no final talvez acabe comendo a seu noivo.

     Gwen se deixou cair ao lado da deusa, roçando seus ombros. Não podia evitá-lo; se aproximou inclusive mais.

     —E isso é algo mau? Quando eu era menina, fui completamente repudiada por meus iguais os quais me consideravam uma puta, alguns inclusive se negavam a estar no mesmo quarto que eu, como se corrompesse alguma de suas preciosas vidas. Teria gostado de ser uma Harpia para poder provar isso. Então ninguém teria se metido comigo. Garantido.

     —Foi repudiada?

     Esta fêmea formosa, aprazível e completamente adorável?

     —Sim. Encarcerada, e depois também desterrada aqui na terra.

     Anya rodou de lado, colocando as mãos sob a bochecha e olhando fixamente por cima de Gwen.

     —Assim, qual é seu clã?

     Essa era informação que pudesse ser utilizada contra ela? Mantê-la em segredo poderia…OH, se cale.

     —O Skyhawks.

     Anya piscou, as largas pestanas negras jogaram momentaneamente umas sombras sobre suas bochechas.

     —Espera, é uma Skyhawk? Como Taliyah, Bianka e Kaia?

     Agora Gwen rodou de lado, olhando fixamente à deusa com simultâneas pontadas de esperança e medo.

     —Conhece minhas irmãs?

     —Infernos, sim. Passamos bons momentos juntas antes, em, oh, uns dezesseis séculos, acredito eu. Em todos meus séculos, só chamei de amigos a um punhado de gente e essas garotas alcançaram o topo da lista. Embora, perdemos o contato faz algumas centenas de anos. Um de meus mascotes humanos morreu, e bom, não me tomei bem. Cortei o contato com quase todos. —O olhar azul de Anya se fixou nela sopesando, calibrando— Você deve ser uma nova adição.

     Ela estava comparando Gwen com suas formosas, elegantes e assombrosamente fortes irmãs?

     —Sim. Mal tenho vinte e sete anos mortais.

     Anya se incorporou, estalando a língua contra o paladar de sua boca.

     —Então, é apenas um bebê. Mas, com essa enorme brecha de idade entre suas irmãs e você, sua mãe não tinha passado da idade para lutar com outro piralho?

     —Ao que parece não. —Gwen se ergueu, uma faísca da irritação que acendia em seu peito. Ela não era um bebê, maldito se o fosse. Covarde, sim, mas uma covarde cheia, adulta. Estes imortais nunca a considerariam de outra maneira, isso estava claro. Inclusive Sabin tinha que considerá-la uma menina. Uma menina muito jovem inclusive para beijar.

     —As garotas sabem que está aqui? —perguntou Anya.

     —Ainda não.

     —Deve chamá-las. Podemos fazer uma festa. —disse ela.

     Ela tinha pensado nisso, mas quanto mais pensava, se deu conta de que seu medo de admitir que o que tinha lhe acontecido era justificado. Isto ia ser realmente humilhante. Iam lhe dar um sermão, castigá-la por preocupar a seus mais velhos e inclusive encerrá-la para sempre em seu lar, onde poderiam vigiá-la e protegê-la. Nunca admitiriam que este último fosse apenas outro tipo de jaula.

     Isso era exatamente o por que tinha escapado para a Georgia. Se tinha dito que tinha partido para estar com Tyson, que estava de férias em Anchorage quando se conheceram. Mas estes últimos meses, sozinha em sua cela, não tinha tido nada que fazer exceto pensar e ela tinha se dado conta do que tinha querido. Liberdade.

     Por uma vez, poderia tirar suas calcinhas de adulta e agir por si mesma. Sim, tinha fracassado. Mas ao menos o tinha tentado.

     O pensamento de fazer a chamada fez que a culpabilidade nadasse através dela. Suas irmãs provavelmente estariam preocupadas com sua falta de comunicação, sem saber se tinha passado algo ou não. Não importava quão humilhante fosse ser, tinha que ficar logo em contato com elas.

     —Disse que tinha perdido o contato com elas. —não pôde evitar dizer— Mas, tem notícias delas? Sabe como estão indo? O que estão fazendo?

     —Não o tive nem o tenho. Sinto muito. Mas as conhecendo, estarão metidas em confusões.

     Compartilharam uma risada. Gwen podia recordar com facilidade o tempo em que Bianka e Kaia tinham pintado uma amarelinha no pátio traseiro. Mais que lançar pedras, lançavam os carros. Taliyah tinha jogado matérias primas.

     —As boas notícias são, que aprovarão sua escolha de noivo. Sabin é o tipo de peralta que gostariam, não há duvida nisso. Travessuras incluídas.

     Travessuras? Que travessuras? E Sabin não era seu noivo. Boa coisa que não o fosse; porque ela tinha deixado a suas irmãs por Tyson, assim que matar a seu novo noivo seria provavelmente só o princípio.

     —Minha hipótese é que estariam jantando seu fígado apenas cinco minutos depois de conhecê-lo.

     Outra razão para suspender sua chamada de telefone, apesar de sua culpabilidade. Sabin não estava entre os cinco favoritos no momento, mas não o queria morto.

     —É aceitável. Lhe crescerá um novo. Além disso, não está dando bastante crédito a meu moço. Quando se trata de lutar, luta mais sujo, que qualquer pessoa a que conheça. Incluindo a mim, e eu apunhalei a meu BFF no estômago apenas por me divertir!

     Nota. Anya possivelmente não fosse tão boa e agradável como tinha suposto.

     —O vi lutar. Sei que é feroz.

     —Está se perguntando por ele?— Anya a estudou com atenção. Sim. Não. Possivelmente— Bem, não faça. Depois de tudo, é meio demônio.

     —Que demônio o possui? —perguntou ela, incapaz de ocultar sua impaciência de saber. Mas Anya continuou como se ela não tivesse falado.

     —Deixe que te dê um pouco de informação. Verá, Sabin foi açoitado pelos Caçadores. – os homens que a mantiveram cativa, durante milhares de anos. Culpam aos senhores por todos os males do mundo, enfermidade, morte, nomeia qualquer deles e não parará até apagar a cada um deles. Seres humanos assassinos que — seu olhar se voltou ardiloso — violam aos imortais.

     Gwen teve que afastar o olhar.

     —Agora há uma caça para encontrar os quatro artefatos que pertenceram uma vez ao rei Cronos, o cabeça de merda, porque é a maneira de encontrar a Caixa de Pandora, a única coisa que garante que matará aos senhores. Extraindo diretamente a seus demônios deles.

     Chegados a esse ponto, a preocupação tinha se filtrado em seu tom.

     —Isso soa como algo bom.

     Que não daria ela para que lhe extraíssem a Harpia. Mas não era outra entidade, embora freqüentemente gostasse de fingir que fosse. Estava nela. A parte mais profunda dela.

     —OH, não. Nada bom. Matará seus corpos. Esses demônios são como outro coração. Sem ele, não podem funcionar.

     —OH.

     —Não sei o que te dizer. Os trios são divertidos. Eu deveria sabê-lo. — O sorriso de Anya era sonhador— O próprio Cronos ordenou a meu homem que me matasse, mas Lucien não pôde fazê-lo. Se apaixonou por mim em lugar disso. E oh, adoro a maneira em que me ama.

     Ninguém, nem sequer Tyson, fazia Gwen sorrir dessa maneira. O que significava que ela nunca o tinha amado ou a tinha amado dessa maneira. E embora já tivesse chegado a essa conclusão na prisão, o vívido aviso a picou.

     —Agora, já basta de ficar deitada como vagabundas preguiçosas. —disse Anya— Vamos, te darei um passeio pela fortaleza. Inclusive te contarei tudo o que sei sobre Sabin.

     Sabin. Seu coração saltou um batimento, apenas a menção de seu nome era capaz de lhe afetar. Como era possível? Ele era tudo o que Tyson não era: feroz, dominante, vingativo, apaixonado. Ele era tudo o que ela nunca tinha querido.

     —Mas…Sabin me disse que ficasse aqui.

     —Oh, por favor, Gwen. Posso te chamar Gwen? É uma Harpia, e as Harpias não aceitam ordens de ninguém, especialmente não de demônios mandões.

     Ela mordeu o lábio e jogou uma olhada à porta. Já saiu furtivamente uma vez. O que tem uma segunda?

     —Um passeio soa maravilhoso. Se pode garantir que os Senhores me deixarão em paz.

     —Posso, assim vamos. —Anya saltou a seus pés, arrastando Gwen atrás dela— Te darei dez minutos para que tome banho e então…

     —OH, não preciso tomar banho.

     Ou ao menos, não o faria. Não nesta casa.

     —Está segura? Está… asquerosa.

     Sim, e queria ficar dessa maneira. Durante seu cativeiro, ela tinha se assegurado de se manchar com o pó da terra arenosa a cada poucos dias. Se não, todos teriam visto sua verdadeira cor e a textura que tinha sua pele. Tanto como lhe causava curiosidade descobrir a reação de Sabin a isso, não queria enfrentar aos efeitos secundários. E sempre tinha efeitos secundários.

     —Estou segura. 

     Se estivesse em seu lar, na Georgia ou no Alaska, poderia tomar banho e utilizar sua maquiagem para se cobrir. Como não era assim, não podia. A sujeira teria que lhe servir no momento.

     —Bem, então. Felizmente para você não sou o monstro da limpeza.

     Anya enlaçou seus braços e começaram um lento passeio.

     Durante meia hora vagaram pela fortaleza, vamos, abaixo, a enorme cozinha aberta — Gwen tinha tentado imaginar aos senhores na biblioteca ou aqui cozinhando — um escritório, um jardim coberto de brilhantes flores multicoloridas e os dormitórios particulares que não lhe pertenciam. Nada era sagrado para a deusa. Em dois deles, tinham encontrado que tinha gente dormindo, braços e pernas entrelaçadas. As bochechas de Gwen tinham ardido até que as portas se fecharam, bloqueando aquela nudez. Mas Anya não revelou nem um só segredo de Sabin. No momento em que chegaram à sala de “recreio”, a sala de áudio-visual como a chamou a deusa, estava pronta para perguntar e analisar. Em lugar disso, se obrigou a se concentrar e olhar a seu redor, tentando aprender mais sobre Sabin e seus amigos através de suas posses. Tinha uma enorme tela plana de TV, controles de vídeos, uma mesa de bilhar, uma geladeira, uma máquina do Karaôke, inclusive um aro de basquete. As pipocas estavam amontoadas em desordem pelo chão, tingindo o ar com sua gordurosa qualidade.

     —Isto é assombroso. —disse ela, abrindo os braços e girando. Os homens não deviam ser todo o dia os guerreiros da noite que tinha pensado que eram— Certo, olá, senhoras. Acredito que este lugar não é a única coisa que é assombrosa.

     A profunda voz encheu a espaçosa habitação enquanto se girava na poltrona reclinável diante da televisão. Então um magnífico homem de cabelo escuro e olhos azuis a olhou, examinando cada uma de suas curvas. Gwen se aterrou, se estendendo automaticamente por cada uma das estrelas que tinha oculto em seu bolso.

     —Gwen apresento William. Ele é um imortal, mas não está possuído por nenhum demônio. A menos que conte seu apego ao sexo como seu próprio demônio pessoal. William, o apresento à mulher que vai pôr Sabin de joelhos.

     Os sensuais lábios de William se curvaram com deleite.

     —Não me importaria ser posto de joelhos. Se mudar de idéia sobre estar com o guerreiro…

     —Não. —disse ela precipitadamente, embora o tivesse negado antes com Anya. Animar a um admirador podia levar aos problemas. Problemas de sangue, de vida ou morte.

     —Cuidaria excelentemente de você, juro.

     —Por um dia. Possivelmente um dia e meio. —Replicou Anya com tom seco.

     —É um céu… um indivíduo do tipo “as use e as deixe”. E embora não seja um senhor, tem uma maldição pendurando sobre sua cabeça. Tenho o livro que o prova.

     William grunhiu baixo em sua garganta.

     —Anya! Precisa compartilhar meus segredos com todo mundo? —Ele aplanou as palmas nos braços de seu assento— Bem. Se você pode soltar tudo, eu também posso. Anya foi a razão de que o Titanic se afundasse. Estava jogando boliches com os icebergs.

     Carrancuda, Anya posou as mãos nos quadris.

     —William tem uma escultura de bronze de seu pênis e o pendurou na chaminé.

     Algo em suas palavras, estimulou o homem, acendendo-o.

     —Anya visitou as Ilhas Virgens faz alguns anos e depois disso, todos os nativos começaram a chamá-las As Ilhas.

     —William tem uma tatuagem de seu rosto em suas costas. Diz que é porque não quer privar às pessoas que estejam atrás dele de sua beleza.

     —Anya…

     —Esperem! —disse Gwen rindo. Seu fácil brincar tinha afastado seu nervosismo— Já entendi. Ambos se desgostam.  Agora já sei bastante sobre os dois. Alguém me dirá algo sobre Sabin. Você disse que o faria, Anya.

     —O fez? —William prestou imediatamente toda sua atenção, seus olhos azuis lançando brilhos— Me permita que a ajude. Sabin apunhalou uma vez ao Aeron, o guerreiro tatuado com o corte a zero, nas costas. Não de brincadeira, se não para matá-lo.

     —Fez? —perguntou ela. William parecia ultrajado por esse feito. Gwen pensou que possivelmente ela também deveria estar, mas Sabin era o tipo de homem que lutava sujo — tal e como Anya tinha comentado — e isso, bom, a impressionava. Suas irmãs eram assim; às vezes, apesar de seu instintivo medo à violência, secretamente tinha desejado ser como elas, onde não importava nada mais que a vitória.

     —Me cha-te-ou. — disse Anya. Esfregou as mãos, como se lhe agradasse essa volta.

     —Espera. Me diga porque Sabin o apunhalou. —disse Gwen.

     —Está interessada então na história de William? Muito bem. Suspirou Anya — A acabarei por ele. A guerra entre Senhores e Caçadores acabava de fazer erupção. Na antiga Grécia, em caso de que necessite uma cronologia, eram fantásticos guerreiros. De todas as formas, os caçadores, sendo humanos, estavam perdendo assim começaram a utilizar mulheres como isca para apanhar e matar aos Senhores. Mataram ao melhor amigo de Sabin, Bad.

     Os dedos de Gwen se agitaram sobre sua garganta.

     —Ele me contou isso. —Devia ter estado mais devastado pela perda do que tinha se precavido.

     —O fez? —Anya arqueou uma de suas sobrancelhas— Uau. Em general é tão hermético. Mas por que parece próxima às lágrimas? Nem sequer conhecia esse homem.

     —Caiu algo em meu olho. —pigarreou ela.

     Anya franziu os lábios, dizendo.

     —Claro. O que você diga. Mas voltando para minha história. Sabin e os outros guerreiros foram pelos caçadores responsáveis e os destruíram. Depois, Sabin quis seguir com a farra da matança. Os outros não o fizeram. Espera, isso não é verdade. A metade estava de acordo com Sabin, a outra metade desejava a paz. Aeron não deixava de insistir sobre deixar as coisas como estavam, começar uma nova vida longe da guerra com os caçadores, bla, bla, bla. Assim Sabin, em seu pesar e fúria, afundou sua adaga nas costas do homem.

     —Aeron tomou represálias? —Gwen imaginou ao guerreiro em sua mente. Alto, musculoso e profundamente tatuado, como William tinha dito. O cabelo raspado a zero, seus olhos violetas duros e melancólicos. Parecia frio, mas reservado. Quase modesto. Contudo, ela tinha visto a maneira em que atacou viciosamente a esses caçadores. Quem ganharia uma briga entre eles dois?

     —Não. —disse Anya— E isso irritou Sabin inclusive mais. Então foi pela garganta de Aeron.

     Era tão mau que se sentisse aliviada? Não gostava do pensamento de que Sabin fosse machucado. Ou assaltado.

     —Ainda quer ser sua fêmea? —interveio William, soando quase esperançado— Minha oferta ainda é válida. Posso fazer que todos seus travessos sonhos se façam realidade.

     Se ela fosse de Sabin, coisa que não era, sim, ainda quereria estar com ele. William era atraente, não a intimidava como os outros, mas tampouco a tentava de maneira nenhuma. Ela desejava a visão do duro e às vezes juvenil Sabin. Seus ouvidos desejavam o som de sua profunda voz. Suas mãos picavam por tocar essa pele beijada pelo sol. Moça tola. Ele não teria podido ser mais claro sobre o desejo de mantê-la a distância.

     Embora, O que faria se ele mudasse de idéia? Ele era tudo o que ela temia e não tinha quem o controlasse

     —OH, e só para que saiba…—Acrescentou William, fazendo uma careta travessa— Ele está possuído pelo Demônio da Dúvida. Assim que se encontra insegura, ele é a razão. Eu, entretanto, a farei se sentir especial e amada. Acariciada.

     —Não, não o fará. —clamou repentinamente a mesma voz que ela tinha estado morrendo por escutar— Não verá outra manhã.

    

   Sabin sabia que parecia um monstro. O sangue o cobria como uma segunda pele, seus olhos brilhavam grosseiramente, com ferocidade — sempre o faziam depois de que ocorressem coisas como esta — e cheirava realmente mal. Queria tomar banho antes de se aproximar de Gwen, para não assustá-la ainda  mais. Primeiro, entretanto, tinha que ir comprovar Amun.  O homem tinha deixado de se retorcer, mas não tinha parado de gemer, ainda estava preso à cama e agarrando a cabeça. Devia ter roubado mais segredos do que o normal. Segredos mais escuros. Normalmente já teria se recuperado.

     Sabin se sentiu culpado por ter que pedir a seu amigo que enchesse sua cabeça com mais caos, com mais vozes. Acalmou a si mesmo só com o conhecimento de que Amun sabia o que estava fazendo e queria derrotar aos Caçadores tanto como Sabin.

     Quando saiu, decidiu jogar uma olhada em Gwen e ver como estava. Anya teria lhe dado de comer? A teria assustado? Teria aprendido mais dela? As perguntas tinham se metido no interior de sua cabeça e se recusavam a ir-se, eclipsando de algum modo o desejo de tirar a força mais informação dos prisioneiros.

     Exceto Gwen não estava em seu quarto

     Furioso, se lançou em sua busca. Pensando em Paris, — quem tinha deixado na masmorra pouco depois que Sabin tivesse aparecido, e que tinha usado sua distração para seu benefício seduzindo-a —  irrompeu a passadas no dormitório do guerreiro, com a violência surgindo dentro dele. Tinha reclamado Gwen como dele. Dele. Ninguém mais a tocaria. Não porque ele estivesse ciumento ou fosse possessivo com respeito a ela, claro, mas sim porque já tinha afirmado a si mesmo que planejava usá-la como uma arma. Não fora que algum dos guerreiros a irritasse.  Sim, essa era a única razão pela que sua visão tinha ficado vermelho vivo e seus punhos se tinham fechado, suas unhas se alargavam até se converter em garras, e seus músculos se preparavam para o enfrentamento.

     Paris não estava na cama com ela em todo caso, o que tinha salvado sua vida. Tinha estado sozinho, se embriagando até a inconsciência, quase exclusivamente com ambrósia — a droga favorita dos deuses.

     Sabin ainda estava em shock pela visão. Paris era o alegre, o otimista, o pormenorizado.

     Que diabos tinha passado com ele?

     O abuso da celestial substância era algo com o que teria que lutar, já que um guerreiro intoxicado era um guerreiro descuidado.  De novo, Sabin teve a intenção de atuar, de colocar algo de sentido na cabeça do guerreiro, e logo falar com Lucien sobre isso.

     Então, ouviu risadas e vozes femininas e seguiu o som, incapaz de fazer outra coisa, sua curiosidade era muito grande. Sim, curiosidade — não desespero por ver finalmente o adorável rosto de Gwen iluminado com diversão em lugar de estar  sombrio pelo medo e a inquietação.

     Agora, se deteve na entrada do quarto de entretenimento, lançando olhadas entre ela e William,  fervendo de fúria, com o demônio grunhindo em sua cabeça.  Dúvida podia ansiar a destruição de Gwen, mas queria ser o único, o escolhido para fazê-lo. Queria ser o único homem ao seu redor.  Qualquer outro era um intruso e merecia ser castigado.

     “Me deixe ter ao guerreiro,”  grunhiu o demônio. “Ele se arrependerá de seus atos. Rogará por misericórdia.”

     Logo. Sabin só tinha matado a um homem violenta e cruelmente, e deveria ter aborrecido a idéia de somar outro assassinato a sua lista, cada vez maior. Além disso, Gwen não estava pronta para presenciar outra violenta disputa.

     Atrás tinha ficado sua diversão — O que a tinha feito rir? — e em seu lugar tinha mais daquele odiado temor. Estava dirigido a Sabin? Ou a William, quem justo tinha insinuado descaradamente ao que pertencia Sabin? E pensar que começava a gostar do bastardo mulherengo, tinha admirado seu descarado engenho. Agora, nem tanto.

     —Sabin, cara. —disse o bastardo em questão, se levantando de um salto com um sorriso irreverente— Justo estávamos falando de você.  Embora não posso dizer que estou feliz de te ver.

     —Não, e muito em breve não estará dizendo nada absolutamente. Gwen retorna a meu quarto.

     Anya saltou em frente ao homem, atuando como seu escudo.

     —Agora, Sabin. Ele não tinha más intenções.  Está no limite da estupidez. Já sabe.

     Em lugar de empurrá-la atrás dele como era honorável, William ofereceu a Sabin um presunçoso olhar de tenta me agarrar agora por trás da deusa.

      —Sim o fiz com algo de má intenção. Ela é bonita e passou um tempo para mim. Como várias horas.

     —Vá Gwen. Agora. —Sem afastar seu estreito olhar do guerreiro, Sabin retirou a lâmina embainhada na parte traseira de sua cintura e limpou o sangue restante nas calças— Não importa atrás de quem se esconda. Viu seu último amanhecer.

Gwen ofegou saindo do estado de paralisia que a confrontação lhe tinha provocado. Quando Sabin seguiu adiante, ela inclusive estendeu um braço para detê-lo. Ele permitiu a ação, a sensação de seu braço contra o estômago era de alguma forma mais erótica que a boca de outras mulheres em seu membro.

     —Por favor, sussurrou ela— Não o faça.

     A indecisão o dominou repentinamente. Gwen não se ia.  Muita determinação emanava dela. Quão forte devia se sentir esta tímida criatura para se manter firme dessa maneira? Mas esperava proteger William? O desejo de Sabin de castigar ao guerreiro se intensificou exponencialmente.

     —Se pensar nisso, — disse William no mesmo tom divertido,  com as mãos nos ombros de Anya para irritá-lo— não fiz nada mau. Ela não é tua. Não realmente.

     Os orifícios nasais de Sabin se dilataram, seus músculos se agitavam em seu frenesi por atacar finalmente.  De algum modo conseguiu se manter em seu lugar. Talvez porque Gwen tremia contra ele, com os dedos estendidos sobre seu peito, quente e insistente.

     —Há alguma razão pela qual tenha dito isso? — Encontrou a si mesmo exigindo.

     —Estive ao redor de suficientes mulheres para saber quando uma foi reclamada. Não é que isso tenha me detido alguma vez de as perseguir, admitiu. Mas Gwen é presa fácil, cara. Para mim ou para qualquer outro.

     Gwen agitou as mãos em frente a sua cara.

     —Não passou nada. —disse a Sabin de maneira suplicante— Não sei por que está alterado. Você e eu nem sequer somos…Nós não somos…

     —Você é minha. — disse ele, com seu olhar ainda sobre William. — Minha para te proteger. —A marcaria, decidiu, poria uma marca sobre ela para que William e os outros entendessem além de toda dúvida que ela estava agora e para sempre fora de seus limites. — Minha para te reclamar. — Não significaria nada. Ele não o permitiria. Mas tinha que fazer — Vamos. —Entrelaçou seus dedos e se voltou, puxando-a para trás dele.

      William riu. Menos mal que Gwen não protestou. Se o tivesse feito, teria tido que colocá-la sobre o ombro e a levar ao estilo bombeiro—depois de ir de novo por William e lhe afrouxar a golpes alguns dentes.

     —Idiota. — ouviu Anya grunhir. Se escutou um ruído sonoro, como se tivesse golpeado sua palma aberta contra a parte traseira da gorda cabeça de William— Quer que o joguem daqui a patadas? Do lado de quem acredita que Lucien ficará se a coisa for entre você e Sabin, huh?

     —Bom, de sua parte. —disse o guerreiro— E você se porá na minha parte.

     —Certo, mau exemplo. Não se esqueça que eu agarrei seu precioso livro. Cada vez que atue assim, vou arrancar outra página!

     Grunhiu baixo.

     —Um dia  vou a…

     Suas vozes se desvaneceram, deixando só o eco da respiração superficial de Gwen e de fortes pisadas.

     — Para onde vamos? —Perguntou ela nervosamente.

     —Ao meu quarto. Onde para começar, deveria ter ficado.

     —Não sou uma prisioneira, sou uma hóspede.— disse ela.

     Ele subiu as escadas, diminuindo o passo para que ela pudesse segui-lo. Pelo caminho se encontraram com Reyes e Danika, Maddox e Ashlyn, quem se dirigiam à cozinha. Ambos os casais tentaram de se deter e falar com ele, as  mulheres sorridentes querendo ser apresentadas a Gwen, mas seguiu adiante sem uma palavra.

     — Por que está zangado? —Os dedos de Gwen se apertaram ao redor dos seus — por que não posso falar com eles? Não entendo o que está passando.

     Estava orgulhoso dela. Reconhecia o perigo que ele representava agora, mas não tentou escapar e não parecia que corresse perigo de perder o controle sobre sua Harpia.    

      —Não estou zangado. Estou furioso.

     —Normalmente ameaça matar aos homens que não o irritem?

     Ignorou a pergunta, com uma das próprias saltando a sua mente e se recusando a ir-se.

     —Ele a tocou? —As palavras eram desumanas, com um tom incisivo. Se afastar da briga iminente tinha sido aceitável porque tinha pensado que William tinha usado simplesmente palavras para tratar de ganhar o afeto de Gwen. Qualquer outra coisa, e daria a volta como tinha querido antes, para triturar ao bastardo, até transforma-lo em hambúrgueres e alimentar com eles aos animais selvagens que vagavam pelas colinas.

     —Não, não o fez. Suas unhas estão me fazendo mal.

     Instantaneamente Sabin relaxou seu agarre, fazendo que suas unhas se retraíssem de novo a seu lugar. Dobraram uma esquina, e ele incrementou o ritmo. A urgência o invadia, tão forte e potente como um rio transbordado.

     — A assustou? —Desta vez, a pergunta foi simplesmente brusca.

     —Outra vez, não. E se o tivesse feito, Eu…eu teria podido dirigi-lo.

     Os lábios dele se moveram ligeiramente em seu primeiro indício de humor essa tarde. Como se, quando ela era Gwen e a Harpia dormia, era a criatura mais dócil com a que já tinha se encontrado. Isso resultava atraente algumas vezes. A vida dele era morte e desonra, crueldade e poder, entretanto ela representava tudo o que era bondade e serenidade.

     — E como o teria feito? —Não perguntava para zombar dela, a não ser para forçá-la a admitir que necessitava de um guardião: Ele. Aqui, nesta casa, e inclusive no mundo exterior, o necessitava. O dia em que ela aprendesse a controlar a sua Harpia,é obvio isso mudaria. E ele se alegrava por isso. Sim. Se alegrava.

     Um pequeno ofego de irritação lhe escapou e tentou de arrancar sua mão da dele. Ele a agarrou mais forte, estranhamente resistente a finalizar o contato físico.

     —Não sou um desastre total, sabe?

     —A mim não importaria que fosse tão forte como foi uma vez Pandora. É atraente, e a alguns dos homens aqui gostam de acreditar que são irresistíveis. Não quero que trate com eles. Nunca.

     — Você me encontra...atraente?

     Ela não tinha ouvido a advertência em sua voz? A de ficar-se longe dos guerreiros, do contrário...?

     —Não importa. — murmurou ela, a vacilação dele claramente a envergonhava— Falemos de algo mais. Como de sua casa. Sim, perfeito. Sua casa é adorável. —Ela estava ofegando agora, pois a larga caminhada era provavelmente mais exercício do que ela tinha tido em todo seu ano de confinamento.

     Ele olhou ao redor de maneira superficial. O chão de pedra estava limpo e tinha nervuras douradas—como os olhos dela. As pranchas do final eram de madeira de cerejeira — de um vermelho brilhante como seu cabelo. As paredes eram lisas, com incrustações em mármore multicolorida e absolutamente perfeitas — como sua pele, inclusive suja como estava agora.

     Quando tinha começado a comparar tudo com ela?

     Quando chegaram ao patamar da segunda escada, a porta de seu quarto entrou em sua linha de visão  e exalou um suspiro de alívio. Já quase estavam ali… Como reagiria ela ante o que ele estava a ponto de fazer? Se converteria na Harpia?      

     Teria que andar com cuidado. Ao mesmo tempo, ele não poderia — não devia — retroceder.

     “Que tal se te faz mal?” Se encontrou repentinamente murmurando o demônio em sua cabeça. “Que tal se ele…?”

     —Se cale de uma maldita vez. — grunhiu, e Dúvida riu jubiloso ante o dano que já tinha causado.

     Gwen se esticou.

     —Tem que amaldiçoar assim?

     —Sim. —A puxou, agora relutante, através da porta, fechando-a e assegurando-a atrás dele. Eles se encararam. Ela estava pálida, tremendo de novo — Além disso, não estava falando com você.

     —Já sei. Tivemos antes esta conversação. Estava falando com seu demônio. A Dúvida.

     Era uma afirmação, não uma pergunta. Ele massageou a parte de trás de seu pescoço, desejando em lugar disso, que seus dedos estivessem envoltos ao redor do pescoço da deusa da Anarquia.

     —Anya te disse isso.

     Não gostava que Gwen soubesse, ele teria gostado que ela tivesse tido tempo de se acostumar a ele primeiro. 

     Sacudiu sua formosa cabeça.

     —Foi William. Assim que o demônio quer que eu… duvide de você? —Ela fazia girar as pontas de seu cabelo. Outro gesto de nervosismo?

     —Quer que duvide de tudo. De cada escolha que faça, cada fôlego que respire. De todos ao seu redor. Não pode evitá-lo. Da indecisão e a confusão de outros é de onde obtém sua força. Faz um momento, podia ouvi-lo disparando seus dardos venenosos em sua mente, tentando te fazer acreditar que eu te faria mal. É por isso que senti a necessidade de amaldiçoar.

     Os olhos dela se alargaram, com aquelas nervuras douradas se expandindo e eclipsando a cor ambarina.

     —Então isso é o que estive escutando. Me perguntava de onde vinham os pensamentos.

     Ele franziu o cenho enquanto processava as palavras.

     —É capaz de distinguir sua voz da tua?    

     —Sim.

     Aqueles que o conheciam freqüentemente reconheciam ao demônio simplesmente por sua escolha de palavras ao falar. Mas para que um perfeito estranho separasse sua voz da de seu demônio… Como podia ela saber a diferença entre ambas?

     —Não muitos podem fazer isso. — disse ele.

     Ela abriu muito os olhos.

     —Wow. Eu realmente tenho uma habilidade que a maioria não tem. E uma impressionante, além disso, seu demônio é ardiloso.

      —Insidioso. — concordou ele, surpreso de que ela não tivesse se desvanecido, gritado ou exigido ser liberada de seu desprezível agarre. Ela inclusive parecia orgulhosa de si mesma. —Ele sente a debilidade e ataca.

     Sua expressão se voltou pensativa. Logo, deprimida. Depois zangada. Tinha descoberto o significado oculto de suas palavras: ela era débil e o demônio sabia. Ele a preferia orgulhosa.

     O olhar dele se deteve sobre a bandeja que descansava em sua penteadeira. Uma bandeja vazia.  Sorriu abertamente. Anya tinha conseguido que ela comesse, graças aos deuses. Não era surpreendente que tivesse mais cor, suas bochechas docemente cheias. O que outra coisa era diferente nela? Refletiu, estudando-a. Em sua cintura tinha vários volumes pequenos—mas estes, ele estava seguro, não eram o resultado de sua recente comida.

     Um rápido escaneio do quarto revelou que a mala de suas armas estava três polegadas à direita de sua posição normal. Ela devia ter desarmado a fechadura e furtado o conteúdo. A pequena ladra, pensou ele,  olhando-a de novo.

     Ela se retorceu sob o escrutínio, se ruborizando.

     — O que?

     —Só estava pensando. — deixarei que as conserve, decidiu ele. Com a esperança de que a fizessem se sentir mais segura. E quanto mais a salvo se sentisse ela, era menos provável que ele tivesse que se enfrentar com a Harpia.

     —Me põe nervosa. —admitiu ela. Esfregou as palmas contra a parte dianteira de suas coxas.

     —Então vamos acelerar as coisas e acalmar seus temores. —Deuses, ela era adorável— Tire sua roupa.

     A boca dela se abriu em um ofego afogado.

     — Desculpa?

     —Já me ouviu. Se dispa.

     Com um passo, dois, ela se afastou dele, sustentando suas mãos em alto e para fora.    

     —Não, simplesmente não. Infernos, não. —Seus joelhos golpearam a parte traseira da cama e caiu sobre o colchão, se abrindo para ele para seu horror — Eu caí! Foi um acidente não um convite — ela se afastou rapidamente, saltando sobre seus pés.

     —Sei. O inferno não a delatou. Mas não importa. Vamos te dar uma ducha. —Ela precisava se assear e ele precisava marcá-la. Poderiam matar dois pássaros de um tiro.

     —Sinta-se livre de fazê-lo. —tremeu sua voz— Só.

     —Juntos. E esse não é um convite, é um fato. —Levou as mãos a suas costas e tirou a camisa pela cabeça. Seu colar favorito, um presente de Baden, se balançou contra seu peito ao tempo que o objeto caía a seus pés.

     — Ponha isso de novo! —disse ela, com o olhar preso em sua tatuagem de mariposa. —Não quero te ver. — suas pupilas se dilataram, desmentindo suas palavras.

     Bem. Ela estava intrigada, mas não aterrada. Ele tirou uma bota, logo a outra. Estas caíram ressoando com golpes secos. Tirou as calças e as baixou até seus tornozelos.

     —Isto vai ocorrer queira ou não, Gwendolyn.

     Ela sacudiu violentamente a cabeça, com os cachos cor morango voando. Ainda seu olhar permanecia sobre ele. Agora entre suas pernas. Sua respiração se fez mais rápida, áspera.

     —Disse que não queria me fazer mal.

     —E não quero. Não há nada ameaçador em uma ducha. É… limpeza.

     — Certo!

     Ele deu um passo saindo dos objetos, agora total e completamente nu. E sim, tinha uma ereção. Queria que se fosse, se só isso a fazia relaxar, mas a estúpida coisa se recusava a obedecer, permanecendo larga, dura e grossa.

     Ela passou a língua pelos lábios, uma reação contundente, como um letreiro de néon que dizia: Eu Quero Algo disso. Sua camiseta emprestada ficava folgada, mas ele podia ver que seus mamilos estavam duros. Outra confirmação. 

     Depois da forma em que o tinha beijado no avião, tinha suspeitado que o desejava. Agora sabia com certeza. Ela o desejava. E estava feliz por isso. Era estúpido, estava mau, e só poderia ferir a ambos no final, mas simplesmente não podia evitá-lo.

     —Não vou transar com você. —disse ele sendo rude de propósito. Algo para tirá-la do concurso de imobilidade que estava tendo com o pequeno Sab.

     Funcionou. Âmbar e marrom se encontraram em um quente choque

— Por-por que não vai haver sexo? E o que vai fazer comigo?

—Te beijar. Te tocar. Te dar prazer com a boca — e um orgasmo que te fará gritar até o teto. Não haveria maneira de que William pudesse questionar sua reclamação sobre a garota depois disso. A falta de penetração, bom… O controle de Sabin podia se perder e seu demônio teria rédea solta se ele permitia a si mesmo uma experiência muito prazenteira. Assim faria o que podia: uns poucos mimos para ele, muitas carícias para ela.

     “Está seguro que tem o necessário para agradar a alguém como ela? Bonita como é, provavelmente teve montes de homens. Eles provavelmente têm feito coisas com as que você só sonhou”.

     Apertou a mandíbula. Tão velho como era, não tinha uma enorme experiência com mulheres. Enquanto vivia nos céus, tinha estado muito ocupado defendendo aos deuses para procurar seu próprio prazer. Quando chegou pela primeira vez à terra, tinha sido muito malvado, muito enlouquecido para querer outra coisa a parte da destruição. E uma vez que ganhou certa medida de controle sobre a maldade dentro dele, tinha aprendido rapidamente quão mau era ele para o sexo oposto.

     Umas quantas vezes, pensou, tinha considerado que estava apaixonado e tinha açoitado às mulheres sem nenhuma vergonha. Solteira, casada, não tinha importado. Supôs que ele e William tinham isso em comum. Se ele as desejava, tinha ido atrás delas porque o mero fato de as desejar tinha sido algo muito raro.

     Dala era o mais recente—e devastador—exemplo de seu destrutivo impacto. Ela tinha estado casada com um Caçador, a mão direita de Galen. Ela tinha vindo a Sabin com informação, com o conhecimento da localização do lugar onde seu marido e os homens deste guardavam as armas, e do que estavam planejando. Tinha visto a hipocrisia do código dos Caçadores, disse ela, e queria que a guerra terminasse. No princípio, Sabin tinha pensado que ela queria atuar como isca. Para guiar a ele e a seus homens para uma armadilha. Mas ela não o tinha feito. Tudo o que tinha dito a eles tinha sido preciso.

     Logo se converteram em amantes. Tinha querido que deixasse a seu marido, mas ela tinha se recusado porque teria sido incapaz de ajudar Sabin. Ele odiava admitir, mas parte dele tinha estado contente com a decisão. Não tinha perdido a seu espião. Mas cada vez que ela o tinha visitado, cada vez que ele a tinha levado a cama, ela tinha partido com um pouco menos de brilho. Muito cedo, tinha se tornado pegajosa, necessitada e desesperada por uma palavra amável. Tinha tentado, deuses como tinha tentado ele de lhe devolver a confiança, lhe dizendo quão formosa, valente e inteligente era. Ela tinha, é obvio, duvidado dele, assim no final o esforço não tinha importado.

     Ela o tinha chamado depois de cortar as próprias veias.

     Não tinha chegado a tempo. Não, Stefano o tinha derrotado ali e impedido que Sabin a visse uma última vez. Nem sequer tinha sido capaz de assistir a seu funeral, não querendo que os caçadores o vissem.

     Onze anos tinham passado desde sua morte, mas a culpa estava tão fresca e clara como se tivesse acontecido ontem. Deveria tê-la deixado em paz. Se o tivesse feito, Stefano poderia ter caído da perseguição e das batalhas e teria se retirado.  Em lugar disso,  impulsionado agora pela vingança tanto como pelo fanatismo, o Caçador estava tão ferozmente determinado a ganhar como o estava Sabin.

     Sabin não tinha estado com ninguém mais após, evitando a companhia feminina por completo. Até Gwen. Entretanto, ela poderia dirigi-lo? Embora fosse um pouco?

     —E be-bem? —Gaguejou ela— O que vai fazer?

     Ele obrigou a sair as dúvidas do demônio em sua mente.

     —Vou  te limpar.

     De novo ela sacudiu a cabeça

     —Não quero que me limpe. Juro. Não quero.

    

   Gwen não podia acreditar. Sabin, o homem que tinha beijado, com o que tinha fantasiado, que desejava, no que tinha acreditado lhe vendo como um protetor, um bandido. O homem que não queria desejar, mas que desejava de todas formas,  a tinha despido apesar de seus gritos de protesto e selvagens chutes, e lhe tinha metido o traseiro na ducha antes de entrar atrás. Ainda havendo se incomodado, maldição, ainda o estava, não tinha se convertido na Harpia.

     No princípio estava emocionada. Logo nervosa. Logo excitada. Cada emoção tinha durado só poucos minutos, mas cada uma tinha sacudido seu mundo. Por que não o tinha ferido? Por que Sabin ainda não tinha feito um movimento ameaçador? Por que a Harpia amava o contato físico tanto como Gwen, tomando-o onde e como pudesse obtê-lo?

     Agora o vapor envolvia a ambos, tão denso como as nuvens. A água quente caía em cascatas pelos planos e curvas de seu corpo. Nunca tinha sentido nada tão surpreendente, exceto pelo homem nu atrás dela que a segurava ali, mantendo-a dentro. Nunca se envolveria com um demônio, sem importar o sexy que fosse. Ou sim o faria? Sua vida não necessitava mais raridades. Não é?

     Por que não podia tomar uma decisão? O demônio dele nem sequer a estava incomodando, assim não tinha desculpa.

     Gwen envolveu os braços ao redor do torso, sem se incomodar em cobrir os peitos ou o pequeno triângulo de pêlo entre as pernas. Para que incomodar-se? Sabin era mais forte, poderia lhe apartar as mãos em um instante se assim o quisesse. Uma parte dela queria que a visse, que a desejasse. Ainda assim…

     —Se dá conta que poderia ter remorso do dia depois em forma de pele e órgãos feitos migalhas? —perguntou.

     Ele posou as mãos saponáceas em seus ombros, quentes e úmidos, massageando.

     —Sente-se como se fosse seda. Duvido que me arrependa de nada. — a voz era rouca, cálida… embriagadora.

     Mmm, mais. Seus músculos se afrouxaram, a cabeça caiu para trás, apoiando-se contra o oco de seu pescoço.

     Para. Fique tensa! Luta contra seu encanto.

     Tentou, realmente o fez, mas o corpo se recusava a obedecer a sua mente. O que ele fazia simplesmente se sentia malditamente bem.

     Me perguntou se a acho atraente. Ou feia.

     Muito bem. Finalmente, se esticou. Ali estava aquela voz cativante, destrutiva. O demônio, Dúvida. Tão diferente ao tenor de sua própria voz interior. Apertou dolorosamente a mandíbula, e a Harpia grasnou ante a intrusão não bem-vinda.

     —Ainda assim, pode deter seu amigo? É incômodo.

     —Que espírito. Eu gosto. E o demônio dificilmente é meu amigo? Percorreu com os polegares a clavícula. Se agachou, com a boca à altura do ouvido, a respiração uma suave carícia. —Não quero trocar de tema, mas já te disse que a encontro absolutamente adorável?

     Gwen tragou, insegura de como responder. Uma parte dela o queria incitar, e outra o queria afastar antes de esquecer exatamente por que tinha que resistir. Ele representava tudo o que ela odiava a respeito de sua própria vida. Escuridão, violência, caos. Mais que isso, planejava usá-la para ferir seu inimigo. Não tinha nada que superasse esse ódio pelos Caçadores, nem sequer o amor de uma mulher.

     —Vamos nos pôr a isso, de acordo?

     Sabin a soltou, e ela teve que apertar os lábios para deter um gemido. Logo, aqueles dedos sensuais se enredaram em seu cabelo, massageando o xampu, estendendo o aroma de limão. Seus olhos se fecharam em êxtase. Não lhe surpreendia que ele cheirasse sempre tão comestível.

     —Se converte na Harpia quando a assustam. O que passa quando se excita, ou chega ao clímax?

     Uma pergunta direta e pessoal. Mas tinha escolhido o momento perfeito para perguntar, não se importou em responder ao encontrarem ambos nus.

     —A-algumas vezes trata de se fazer notar. Tento ser cuidadosa e pará-la.

     —Não tente detê-la comigo — antes que pudesse responder, trocou de tema outra vez­— William te contou sobre meu demônio —moveu os quadris, lhe acariciando a coluna com sua ereção. Acidental? — Anya te contou algo sobre meu passado?

     Um tremor transpassou Gwen.

     —Quer dizer, se me contou que apunhalou a seu amigo pelas costas? Não. Essa parte a omitiu.

     As unhas se cravaram profundamente em seu couro cabeludo, fazendo-a ofegar. Imediatamente a liberou com um sentido murmúrio.

     Maldita seja. Sua língua sarcástica seguia saindo sigilosamente nas piores situações. Logo alguém ia se ofender, provavelmente Sabin, e trataria de cortar, na realidade, suprimir essa parte de sua natureza não devia ser difícil. Tinha estado fazendo isso toda sua vida. Entretanto, pela primeira vez tinha uma faísca de ressentimento em seu peito. Se não tivesse sido uma covarde chorona, não teria temido as reações das pessoas, não teria temido sua própria reação, e teria podido ser simplesmente ela mesma.

     Ela mesma. Sabia sequer quem era já essa pessoa?

     —Coloca a cabeça sob a água—disse Sabin repentinamente de maneira brusca.

     Não lhe deu tempo a lhe obedecer, agarrou-lhe a parte de trás do pescoço e a inundou sob o jorro quente. Gotas saponáceas caíram em sua boca e cuspiu.

     —Fecha os olhos ou lhe…

     —Ai, ai, ai! —fechou as pálpebras com força.

     —…arderão—terminou, rindo.

     Esfregou os olhos, turvada apesar de si mesma pela atitude masculina despreocupada frente a tudo isto. Tinha estado muito ciumento de William, ao menos, essa era a única emoção que tinha algum sentido. E seu olhar a tinha queimado como se a despisse, prometendo um prazer incomparável. Então, por que não lhe entendia?

     Com movimentos curtos e eficientes a ensaboou do pescoço aos dedos dos pés. As mãos se deslizaram sobre o peito, endurecendo os mamilos sem se deter. Logo manusearam entre as pernas. Apesar de seu toque distante, conseguia deixá-la trêmula e dolorida, sem fôlego e necessitada.

     —Posso me lavar sozinha.—murmurou.

     —Teve a oportunidade de fazê-lo ontem, e anteontem. Diabos, teve a ocasião esta manhã e não a aproveitou. —trocou de posição e sua ereção a roçou de novo— Por que?

     Seu sangue se esquentava enquanto apertava os lábios. Não tinha razão para lhe dizer o que queria saber. Deduziria a resposta por si mesmo em qualquer instante. E, para ser honesta, estava quase emocionada por presenciar sua reação. Ele já tinha admitido que a achava adorável. O que pensaria sem a capa de sujeira? Faria por fim algum movimento interessante?

     Quando terminou de lavá-la e secá-la, se deteve. Parecia como se a respiração lhe tivesse ficado apanhada na garganta, e ela sentiu um calor se filtrar em seu interior, se estendendo, se intensificando. Ali estava a reação dele. Tinha se dado conta.

     —Sua pele…

     —Tentei te advertir.

     —Bom, deveria ter tentado com mais esforço. — a fez girar ao redor de si mesma, olhando-a atentamente de forma rápida, logo mais pausadamente.

     O observando se deu conta de quão equivocada tinha estado. Não tinha nenhuma indiferença nele. Tinha os olhos brilhantes, quentes como fogo, os lábios jogados para trás sobre os dentes, magras linhas de tensão lhe emoldurando a boca.

     —Sua pele…—repetiu.

     Não necessitava um espelho para saber que sem a sujeira, resplandecia. Tinha um brilho translúcido nela que a fazia parecer opala recém polida.

     Devagar, como se estivesse em transe, Sabin se aproximou. Com a ponta dos dedos riscou a linha da mandíbula, descendo pelo pescoço, ficando-se entre os seios. Ela não retrocedeu. Não, deu um passo para frente. Mais perto. Incapaz de se deter. Pôs-lhe um arrepio, e todos os pensamentos sobre resistir desapareceram.

     —Suave, quente e luminosa.— ele sussurrou com reverência— Por que se esconde? —Apertou os dentes e a reverência deu lugar à raiva ante seus olhos— Os homens não podem manter as mãos afastadas de você, não é assim?

     Formou-lhe um nó na garganta, evitando lhe responder. Sacudiu a cabeça. O que faria ou diria Sabin a seguir? Trocava de humor mais facilmente que qualquer um que tivesse conhecido antes. —Me toque.

     Mas ele não tinha terminado com as perguntas.

     —Suas irmãs têm a pele assim?

     —Sim.

     —Todas são Harpias?

     —Sim.— esperava que já tivesse terminado.

     —Chamou-as?

     Não. Não o tinha feito.

     —Ainda não.

     —O fará no instante no que saiamos desta ducha. Quero-as aqui, nesta fortaleza dentro de uma semana.

     O olhou boquiaberta, indignada até o profundo de seu coração. Estava nua, com a pele em sua forma mais atraente, e queria falar de suas irmãs? As conhecer? Por que ele…? A resposta encaixou à perfeição e a indignação se desvaneceu. É obvio que as queria ali. Provavelmente pensava que poderiam lhe ajudar em sua guerra. Ou talvez queira um harém de Harpias.

     Algo poderoso e escuro floresceu no peito de Gwen. Algo venenoso que fez que suas unhas se alargassem, que a Harpia chiasse, e que seus dentes se afiassem. O vermelho salpicava sua visão.

     —Está zangada. —piscou confuso— Por que?

     —Não estou zangada. O matarei se tentar as levar à cama.

     —Está me agarrando tão forte que a palma de minha mão está sangrando.

     Uma parte dela reconheceu que não soava sobressaltado, ou com medo. O resto ainda estava muito furioso para admirar sua coragem sob o ataque.

     —Quer se deitar com minhas irmãs? —grunhiu. Grunhiu? Ela, Gwendolyn a Tímida?

     Ele pôs os olhos em branco.

     —Não, quero que meus amigos se deitem com elas.

     Ela piscou justo como ele o tinha feito, sem… entender. Oh, Oh. Toda sua fúria desapareceu tão rapidamente como sua indignação, deixando a mais doce sensação de prazer. Se seus amigos se mantinham ocupados com suas irmãs, deixariam Gwen em paz. Sabin era tão possessivo com ela?

     —Estava ciumenta? —perguntou-lhe, pensando que essa perspectiva o intrigava.

     —Não. É obvio que não. — não era uma informação que ele necessitasse, poderia ser usada em seu contrário. Neste caso, uma mentira lhe serviria imensamente melhor que a verdade— Estava… pensando em Tyson, desejando estar com ele.

     Os olhos de Sabin se estreitaram, mas através do grosso escudo das pestanas podia ver a íris marrom bordejada de vermelho.

     —Não pensará nele. Entende? Eu proíbo.

     —Eu… está bem. — não sabia que outra coisa responder. Sabin nunca tinha parecido tão capaz de assassinar. Mas, por que não estava assustada?

     De qualquer maneira sua débil resposta parecia ter acalmado a ele.

     —Já decidi te marcar.

     Tinha determinação no tom. Uma determinação tão dura e fria, que duvidava que uma navalha pudesse cortar através dela.

     —Mas isto...

     O olhar dele varreu seu corpo.

     —Pelos deuses, a marcaria todos os dias se tivesse que fazê-lo. Sempre pensará só em mim.

     —A que se refere me marcando? Marcar como com um corte — Castigar? — Nesse momento não teve nenhum problema em retroceder. O que tinha querido dizer com cada dia? Quanto esperava que suportasse?

     Ele estirou a mão, fechando os dedos ao redor de seu pulso, arrastando-a até as costas dela.

     —Vou afundar os dentes nessa bonita pele, com suavidade, mas o suficiente para deixar rastro.

     Uma vez mais seu medo se desvaneceu, deixando só brancas e quentes linhas de extrema felicidade. Tinha passado tanto tempo. Tanto tempo desde que um homem a tinha sustentado, fazendo-a se sentir querida e especial, o suficientemente quente para se esfregar contra ele.

     —Quer que o faça? —perguntou-lhe brandamente.

     Queria? Demônios, sim. Podia não saber já quem era ela mesma, mas sabia que seu corpo estava faminto por este macho. Embora, poderia permiti-lo?

     Tempo para refletir logicamente. Sabin era forte, imortal, e assegurava que poderia dirigir algo que ela fizesse. Ela era o suficientemente forte para desfrutar e manter distância. Isso esperava. A “marca” manteria aos outros guerreiros longe dela. E era agradável alimentar a Harpia com o que queria de vez em quando. Assim ela, como compensação, se comportaria.

     Fim da lógica.

     Mas antes que pudesse lhe responder as fossas nasais de Sabin se dilataram, como se já pudesse cheirar seu desejo.

     —Se algum outro a tocar, morrerá.

     Estava disposto a ferir seus amigos por ela? Senhor, só o pensamento a fazia se derreter.

     Devagar, atirou dela para a frente sem se deter, até que seus mamilos lhe roçaram a solidez do peito. Ele gemeu.

     —Seu demônio…

     —Será mantido a raia, assim não há problema. Agora, escolhe.

     Não tinha que pensar nisso muito mais.

     —Sim. — disse sem fôlego. Tragando saliva se elevou, enlaçando os braços ao redor de seu pescoço, pressionando o corpo úmido contra o seu— Tampouco tem que se preocupar, serei cuidadosa com você.

     —Por favor, não o seja.

     Se adiantou tomando, com os lábios, posse de sua boca. Não era o suave e unilateral beijo do avião. Este era apaixonado, cru, a língua dele participando, se afundando profundo e forte, exigindo uma resposta. Ela a deu, incapaz de fazer outra coisa, com uma mão enredada na seda negra de seu cabelo, a outra se agarrando a suas costas, provavelmente deixando suas próprias marcas.

     Não perca a cabeça por completo. A advertência cruzou por sua mente.

     Desfruta, mas se mantenha centrada. A Harpia ronronava, feliz com o que estava acontecendo, querendo mais, mais, mais. Mas Gwen manteve a respiração compassada, imobilizando seu corpo para aceitar o toque de Sabin, para só desfrutar. Esses ronronos se converteram em grunhidos.

     Mais, mais, mais.

     Sabin lhe agarrou o queixo e inclinou a cabeça, forçando sua boca a se abrir inclusive mais, se negando a lhe permitir se retirar embora fosse um pouco. Embora ela gemesse, não tirou a língua. Não se suavizou, o beijo continuou sem interrupção até que ela ficou sem fôlego, tremendo, arqueada para ele, gemendo, grunhindo de novo, pronta para suplicar mais forte, como a Harpia gostava.

     Pela segunda vez, ou terceira? Tentou de se distanciar dele, acalmando seu corpo para evitar cair mais profundamente em seu feitiço.

     —OH, não o fará. Fica comigo.

     —Não, eu…

     —Só sente. Não pense. Isso, depois.

     Lentamente a apoiou contra a parede de azulejos, o frio da superfície a fez dar um grito afogado. Ele afogou o som, pondo sua boca de novo sobre a dela, tomando tudo o que tinha e exigindo mais. Depois deles, a ducha seguia aberta, a água golpeando contra a porcelana.

     Com uma mão uniu os pulsos dela, os segurando por cima da cabeça. Com a outra lhe agarrou um seio, fazendo girar o mamilo entre seus dedos. O estômago dela tremeu, os joelhos se debilitaram. Teria caído, mas ele introduziu a coxa entre suas pernas, sustentando-a alto. Salvo que seu centro se esfregava contra a pele áspera do joelho, debilitando-a ainda mais.

     —Você gosta?

     Balançava para frente e para trás a coxa, contra sua perna, pequenos gemidos afogados escapavam de seus lábios.

     —Sim.

     Já não tinha razão para mentir. Não podia esconder a reação de seu corpo. Os dedos dele desceram, baixando, girando ao redor do umbigo.

     Mais, mais, mais! Os gritos da Harpia se mesclaram com os seus, até que houve uma só voz dentro de sua cabeça.

     —Agora vou te morder.

     Não lhe deu tempo de aceitar ou negar, afundou os dentes no sensível nervo da base do pescoço. Ao mesmo tempo, tirou a perna de entre as suas e a substituiu com a mão. Dois dedos se introduziram dentro dela, profundo, tão maravilhosamente profundo.

     —Sabin!

     —Deuses, carinho. Está quente. Apertada.

     —Eu vou a… não posso… não deveria… — já estava tão perto. Só com dois dedos se afundando e se movendo dentro dela.

     —Deixe ir. Não permitirei que nada mau passe. Juro.

     O que aconteceria a ela…? Que tal se a Harpia…? Maldição! Seus pensamentos estavam fragmentados, a mente concentrada só no prazer que esses dedos davam ao trabalhar nela.

     —Goze para mim.

     Seu polegar repassou o clitóris e não houve mais luta. Chegou ao clímax gritando, se esfregando contra ele, lhe devolvendo depois a dentada até que provou seu sangue.

     Ao tempo que experimentava os espasmos, ele liberou as mãos para lhe agarrar os quadris, as forçando a se adiantar, as pressionando contra sua ereção. Sem penetração, só fricção, mas maldição era bom. Ela afundou as unhas em suas costas, apertando com força, cortando.

     Ele assobiou entre dentes, repetiu o movimento de fricção e assobiou de novo. Ela amava esse som, precisava escutá-lo de novo. E outra vez. Logo estava se movendo por si mesma, lhe encontrando na metade do caminho, se jogando contra ele com toda sua força, com os dentes afiados de novo em sua carne, gotas de sangue banhando sua língua.

     —Essa é a maneira. — elogiou ele — Simplesmente assim. Se sente tão bem, tão condenadamente bem. — estava balbuciando, lhe recordando onde estava e com quem estava— Não ia deixar que as coisas chegassem a este ponto. Não para mim. Mas vou gozar.

     Logo a beijou de novo, introduzindo a língua enquanto a semente quente saía a fervuras sobre seu estômago, o corpo tremendo. Ela estalou outra vez com o pensamento do prazer dele. Agarraram um ao outro, ofegando, gemendo.

     Finalmente paralisou em cima dele, surpreendida de que tivesse perdido o controle. Surpreendida porque não tinham tido sexo, e ainda assim a pequena ducha tinha sacudido seu mundo. Estava assombrada de que a Harpia não houvesse se tornado maliciosa. Surpreendida porque a Harpia só tinha querido mais. Mais de tudo aquilo. Assombrava-lhe que, inclusive depois de ter tido dois orgasmos, também seguisse querendo mais.

    

   Sabin levou Gwen para a larga cama em seu quarto e a aconchegou contra ele. Nenhum deles disse uma palavra enquanto olhavam como o céu da noite dava espaço ao amanhecer através da única janela do quarto. Ficaram ali, nus e entrelaçados, cada tensão esquecida e perdidos em seus próprios pensamentos.

     —O que aconteceu com o de dormir no chão? — perguntou-lhe Gwen finalmente, rompendo o silêncio.

     —Em realidade, nunca dormi. Tecnicamente, não faltei a minha palavra.

     —Certo.

     Depois disso, o silêncio os envolveu, de novo. Mas, novamente, nenhum dormiu.

     Ele esperava que ela se deixasse ir facilmente; tinha marcas sob seus olhos, mais proeminentes que nunca, e a tinha visto bocejar mais cedo. Mas de novo o surpreendeu. Ela tentou se afundar no esquecimento uma ou duas vezes, mas realmente nunca caiu.

     Sabia porque ele não podia relaxar: seu demônio estava louco dentro de sua mente, mais desesperado que nunca por alcançá-la, por machucá-la. Por fazê-la duvidar de tudo o que tinha ocorrido entre eles. Justo como tinha feito com as outras antes dela. Mulheres que o tinham deixado ou tinham se suicidado.

     Deveria ir antes que passe algo parecido. No momento em que o pensou, a negação rugiu através dele, afiada e cortante como se tivesse dentes, e todas as razões pelas devia mantê-la estalaram em sua cabeça. Uma, Paris podia vir buscá-la, tropeçar com ela e então seduzi-la. Promiscuidade não podia evitar isso. Dois, um Caçador podia escapar da masmorra, agarrá-la e fugir.

     Todas excelentes desculpas. Mas não eram os motivos pelos quais terminou se acomodando mais profundamente no emplumado colchão. Gwen se sentia muito suave e cálida contra ele, cheirava tão deliciosamente, como limões, seus favoritos, e seguia dando pequenos e sensuais suspiros que desejava tragar.

     Já a desejava de novo. Queria tudo dela desta vez. Queria penetrar dentro e fora dela, se movendo brandamente, longo duro e selvagem, um ritmo sem fim que os amarraria juntos. Nenhuma mulher o tinha incitado tão completamente, parecendo tão sublime e acomodada a seu corpo tão perfeitamente. E nenhuma tinha se obstinado a ele com tal abandono, mordido, bebido sangue e ofegado por mais.

     Inclusive, embora ele não tivesse faltado ao trato, os dois encontraram a liberação. Tinha suspeitado que uma vez não seria suficiente e tinha estado certo.

     Ouvir seus gritos em seus ouvidos tinha sido mais doce que bombear dentro de outra mulher. E essa pele… era como uma droga para seus olhos. Um olhar e tinha que jogar outro e outro. Olhar para outro lado era doloroso, o desejo de olhar de novo era um impulso constante.

     Ela provavelmente o odeie agora e provavelmente não queira ter nada a ver com você. Não me surpreenderia se pensasse em seu noivo humano enquanto a beijava e por isso foi tão apaixonada. Não te disse que ele estava em seus pensamentos? Claramente, o humano é tudo o que ela quer para sua vida. Você não o é.

     O braço de Sabin se esticou ao redor de Gwen, apertando, e ela expulsou um doloroso sopro de ar. Instantaneamente, ele forçou o seu agarre a se soltar e situou um bloqueio em sua mente para calar a seu demônio. Não tinha pensado em seu ex-noivo, fazendo ênfase no ex; estava seguro disso, e nem sequer Duvida ou as anteriores palavras de Gwen o convenceriam do contrário. Tinha sido o nome de Sabin o que tinha pronunciado. Dúvida estava mal-humorado, isso era tudo, estalando de ira para ele, desesperado por um objetivo. Ao menos, como ele, Gwen podia distinguir ao demônio de suas próprias inseguranças.

     —Podemos deixar de fingir relaxar como felizes amantes, agora? —perguntou Gwen de repente, outra vez cortando através do silêncio.

     Ele suspirou, desalojando alguns fios de seu cabelo e causando que eles dançassem sobre seu peito, fazendo cócegas na pele. Se só fossem felizes amantes. Sem demônio, sem Harpia, sem guerra, só duas pessoas desfrutando de seu tempo juntos.

     Sabin piscou, era um pensamento totalmente alheio a ele. Nunca, em todos estes milhares de anos, tinha desejado ser algo mais do que era. Um guerreiro imortal. Poderoso, extraordinário, eterno. Sim, tinha cometido um engano ajudando aos outros Senhores a roubar e a abrir a caixa de Pandora. E sim, tinha sido jogado de um chute dos céus e sofrido constantemente pelo demônio dentro dele. Mas era um sofrimento que tinha aceitado e merecido. Um sofrimento que de boa vontade tinha tolerado porque o fazia mais forte do que tinha sido alguma vez servindo ao Zeus. Então, por que desejar o contrário agora?

     —Sim, podemos deixar de fingir. Podemos, inclusive, falar. E por falar, é óbvio, me refiro a que eu farei as perguntas e você as responderá. Comecemos agora certo? Quase nunca dorme, por que?

     —Intrometido mandão.  —murmurou— Para sua informação, não preciso dormir.

     Em um movimento fluido, que devia ter estado esperando realizar durante horas, girou sobre suas costas de modo que só seus ombros se tocavam. Ele tinha notado que ultimamente ela queria todo o contato que pudesse obter. O que tinha trocado?

     Não importava, supunha. Depois de Dala, tinha se prometido que sempre se manteria a distância das fêmeas pelas quais se encontrasse atraído. Durante onze anos, o tinha feito. Agora Gwen o estava ajudando com isso. Tinha uma definitiva faísca de irritação em seu peito ante o pensamento de que ela fosse a que o pusesse de novo no caminho.

     —Se negou a comer embora tivesse fome. Se negou a se banhar, embora estivesse suja. Nem por um momento acreditou que seu corpo, seu delicioso corpo, não precisasse descansar.

     Está dizendo isso porque parece a morte andante? Por que parece cansada, esgotada e gasta?

     Sabin escutou o pensamento degradante que o tinha deixado e se arrastava para Gwen, incapaz de detê-lo.

     Um momento depois, ficou tensa.

     —Seu demônio é um bastardo.

     —Sim. E você é melhor se calar, podre pedaço de merda. Já foi advertido. Recorda a caixa?

     Houve uma pesada pausa, logo um irritado grunhido de aceitação.

     —Bem? —ofegou— O sou?

     Parecer-se à morte andante? Dificilmente.

     —É a mulher mais encantadora que alguma vez contemplei.

     Era não, é. E não lhe incomodou sequer que tivesse soado como Lucien quando o guerreiro soltava tolices sem sentido para Anya. Tolices ante as quais Sabin sempre tinha posto os olhos em branco.

     —Não acredito. — Gwen girou para ele, olhando-o com atenção e pondo sua mão sob sua bochecha— Não tem que dizer que sou formosa.

     —Sim, porque sou um cavalheiro. — disse secamente. Ele também girou para encontrar seu olhar fixo. Esses exóticos cachos emolduravam seu rosto e seus delicados ombros, sua deslumbrante pele apanhava sua cor vermelha e o fazia parecer deliciosamente ruborizada— Acredita que se pode dizer que sou sempre educado, que alguma vez quero machucar os sentimentos de alguém e jogo doces mentiras porque eu gosto que as pessoas a meu redor sejam dóceis? Oh, e se acidentalmente insulto a alguém, porque alguma vez o faria de propósito, me negaria completamente a tomar o que quero deles pela força?

     Seus exuberantes lábios se curvaram em um meio sorriso, lábios que tinha beijado, chupado e mordiscado, e seus olhos giraram hipnoticamente. Olhos nos quais quase tinha se afogado. Vendo esse sorriso, Sabin experimentou um instantâneo e não querido endurecimento, imensamente agradecido pelo lençol que cobria suas partes baixas. E ele era supostamente o perigoso nesta relação, meditou desesperadamente.

     —Talvez não se preocupe pelos sentimentos de outras pessoas, mas sim quer minha ajuda. Está tentando me adoçar como a uma torrada.

     —Todas vocês concordaram combater contra os Caçadores, a adoce ou não. — disse, se esforçando por conseguir um tom de confiança. Um que não sentia, mas no qual tinha que acreditar. Não podia aceitar menos— Preciso te recordar que já prometeu ajudar?

     Cansado de permanecer dormitado, Dúvida atacou subitamente. Ela quase desmaia ao ver o sangue. Te ajudar a combater? Não acredito!

     —Acreditará. —reiterou para o demônio, para ele mesmo.

     —Não me importa te ajudar com os aspectos administrativos de sua campanha. Como investigar na Internet e levar a papelada. Se levar registro de suas, uh, habilidades, eu poderia estar a cargo disso. Poderia inclusive investigar sobre os artefatos que estão procurando. Isso é o que fazia antes de ter sido seqüestrada.  Trabalhava em um escritório tomando notas, checando dados, esse tipo de coisas. E era malditamente boa nisso.

     Nunca tinha escutado mais orgulho no tom de alguém. Mas estava orgulhosa de seu trabalho ou de sua habilidade para se encaixar no mundo normal?

     —E você gostava desse trabalho?

     —É obvio.

     —Não a aborrecia?

     A verdadeira pergunta era como a Harpia dirigia a monotonia. Sabin considerava o lado escuro de Gwen bastante parecido ao dele, uma força impulsora, uma maldição, uma enfermidade, mas uma parte que ansiava excitação e perigo. Um lado dela que se crispava se fosse ignorada durante muito tempo.

     —Bom, talvez um pouco. — admitiu, enrolando um fio de seu cabelo ao redor de um dedo.

     Ele quase riu. Apostaria seu dinheiro no fato de que tinha se aborrecido até a loucura.

     —Pagarei por sua ajuda. — lhe disse, recordando as palavras de Anya a respeito de que as Harpias precisam roubar ou ganhar sua comida. Ele a queria no campo, brigando, mas não lhe importaria usá-la para investigar, também. Ao menos no princípio— Diga o que quer e é teu.

     Vários minutos passaram em silêncio antes que ela respondesse.

     —Estou em branco. Devo pensar nisso.

     —Não há nada que queira?

     —Não.

     Sabendo o urgentemente que ele ansiava a vitória, poderia ter pedido o que fosse, a lua e inclusive as estrelas. Entretanto não pôde pensar em uma só coisa. Estranho. Teria jogado uma soma astronômica e negociado a partir daí. Se perguntava que tipo de coisas tinham valor entre sua gente. Dinheiro? Jóias?

     —O que fazem suas irmãs para viver?

     Seus lábios se pressionaram em uma linha fina.

     O que era isto? Ela não queria contar ou não gostava do que faziam?

     —Prostitutas? —supôs, não só para que se zangasse, mas também para provar o longe que poderia empurrá-la antes que a Harpia começasse a demandar sua cabeça em uma fonte.

     Ela ofegou, o esbofeteou e logo puxou sua mão para trás rapidamente como se não pudesse acreditar que tivesse feito tal coisa. Assustada de que ele tomasse represálias por essa débil ação? Moça tola.

     —Merecia ser golpeado, assim não me desculparei. Não são prostitutas.

     —Assassinas?

     Nenhum ofego. Nenhuma bofetada. Um simples estreitamento de seus olhos. As pestanas se fundiram juntas. Bingo.

     —São mercenárias.

     Não era uma pergunta. Que surpresa tão afortunada.

     —Sim. — disse com os dentes apertados— O são.

     Sabin queria rir. Se uma só Harpia podia destruir um exército completo o que poderiam fazer quatro? Ele podia pagar por seus serviços. Tinha o dinheiro, sem importar o preço.

     —Vejo a maquinaria girando em sua cabeça. — sua mão livre cavou o travesseiro amortecendo sua própria cabeça— Mas deve saber que me amam e não aceitarão um trabalho se lhes pedir que o rechacem.

     Agora os olhos dele se estreitaram, sondando. Ela tinha uma expressão inocente, embora mudasse abruptamente com espirais de fúria.

     —É uma ameaça, carinho?

     —Toma-o como quer. Não as quero combatendo com esses desprezíveis Caçadores por nenhuma razão.

     —Por que? Como você disse são desprezíveis. Maus. Eles teriam encontrado a forma de te drogar até o torpor, te violar e roubado seu bebê se eu não a tivesse salvado. Deveria estar rogando a suas irmãs que os matassem.

     —Já os torturou pelo que me fizeram e às outras. — as palavras chiaram dela.

     —E isso é suficiente para você? Quando alguém me machuca quero ser eu o que machuque a eles. Quero me assegurar de que está sendo bem feito. Não sentiu nenhuma satisfação quando separou a garganta de…?

     —Sim, está bem. Sim. Mas permitir que alguém mais o faça deve ser suficiente. De outra maneira, passarei minha vida caçando-os, matando-os e nunca realmente vivendo.

     As janelas de seu nariz se acampanavam, seu peito se elevava. Com cada inalação, o lençol se deslizava e revelava a parte superior de um mamilo rosado. Teve que se forçar a olhar para o outro lado para não terminar a conversação.

     Estava dizendo que sua vida estava vazia? Bom, não o estava. Estava cheia, maldita fosse.

     —Melhor viver uma vida caçando e matando que enterrar a si mesmo no medo.

     Ela levantou sua palma como se quisesse golpeá-lo uma vez mais. Estava tremendo, a ira silenciosa que tinha irradiado antes, agora era uma fúria quente e vermelha. Ele, finalmente, a tinha empurrado o suficientemente longe. A Harpia estava ali, em seus olhos.

     —O faça. — pediu.

      Seria bom para ela. Mostrar-lhe que poderia se descontrolar e que ele não se quebraria. Isso esperava.

     Lentamente sua mão foi baixando, seus tremores cessaram. Com uma profunda respiração, seus olhos voltaram para a normalidade.

     —Você gostaria, não é certo? Quer que seja como você? Bom, não vai passar. Ninguém sobreviveria se o fizesse. Ninguém. Nem sequer minhas irmãs.

     Ele captou o significado escondido e arqueou uma sobrancelha.

     —Brigou com elas e as machucou não?

     Um resistente assentimento.

     —Era tão somente uma menina e elas estavam simplesmente brincando comigo, zombando de mim como fazem as irmãs. Estalei e as feri muito.

     —Acreditei que tinha dito que elas eram mais fortes que você.

     —São. Podem controlar a quem mata, inclusive quando são totalmente a Harpia. Essa é a verdadeira força.

     Ele refletiu sobre isso durante um momento, passando uma mão para a frente e para trás por seu cabelo.

     —Com certeza poderia me encarregar de sua Harpia. Quero dizer, como suas irmãs, sou imortal e me curo rápido.

     Sim, recordava o que tinha feito ao Caçador e sim, tinha presente o velozmente que tinha se movido. Mas por que tinha se excluído antes, inclusive por um momento? Ele tinha força bruta, milhares de anos de experiência e determinação igualada por uns poucos. Enquanto não lhe cortasse a cabeça, se recuperaria.

     —É um idiota.

     Não se deu conta do que tinha dito até uns minutos depois porque se congelou ao tempo que as palavras ecoavam nas paredes.

     —Nada do que diga me provocará o suficiente para que te faça mal. — lhe disse, alternando entre a ternura e a exasperação.

     Gradualmente, ela relaxou, mas a tensão entre eles permaneceu.

     —Se arrepende do que aconteceu na ducha? —perguntou-lhe, em parte para mudar a direção da conversação e em parte, bem, porque sua curiosidade exigia ser satisfeita. Ela acabava de deixar claro que não gostava do que ele era ou o que fazia.

     —Sim. — replicou, suas bochechas ardiam.

     Não tinha nenhuma vacilação por parte dela, e isso o irritava seriamente.

     —Por que? Você gostou de cada parte disso.

     Ou não?

     Suas mãos se curvaram em punhos, os ossos de repente estalaram. Esse maldito Duvida. Mas temia que por uma vez essa insegurança fosse dela, não o demônio pulverizando seu veneno.

     Seu olhar se escorreu longe dele.

     —Esteve bem, suponho.

     Apertou sua mandíbula. Esteve bem. Supunha-o. Ela malditamente o supunha. Pelos deuses, lhe daria outra demonstração. A beijaria, cada polegada de seu corpo desta vez, da maneira em que ele queria. Dançaria sua língua entre suas pernas, a morderia, a penetraria com seus dedos, a faria rogar por seu membro e depois, só depois, o daria. A viraria sobre seu estomago, a agarraria por seus quadris e…

     Faria amor com ela, se seguisse por esse caminho. Engano, engano, engano. Embora valesse a pena, pensou depois. Não haveria nada que o detivesse e ela amaria cada minuto disso. Bombearia dentro dela, verteria sua semente, profundo, quente e…

     Outra vez a escutaria lhe dizendo que esteve bem. Que o supunha. Duvida riu e, nesse momento, o demônio realmente a respeitou.

     —Esteve mais que bem, mas não cercaremos essa discussão até mais tarde. — Sabin saltou da cama, sem vergonha, enquanto o lençol descia, deixando-o nu ante seu olhar.

     Repentinamente tímida, ela tampou os olhos com a mão. Mas, se não estava equivocado, olhava às escondidas através de seus dedos. Podia sentir o calor desses olhos, o ardente desejo.

     Caminhou para o armário. Depois de se armar como era seu costume — se quinze adagas atadas a seus tornozelos, pulsos, cintura e costas era ser cuidadoso, então lhe dêem o prêmio Muito Cuidadoso — se meteu em um par de jeans e em uma camiseta que dizia “Te Verei na Vida Após a Morte”.

     Agarrou uma calça de moletom e uma camiseta lisa branca e os lançou para Gwen.

     —Levante e se vista.

     —Por que?

     Se sentou, com seu cabelo se derrubando ao seu redor e juntou a roupa.

     —Vai chamar a suas irmãs. É hora de acabar com isto. Anya me contou um pouco sobre sua cultura e está assustada de que elas a julguem e façam mal por se permitir ser capturada, não o esteja. Não as deixarei. —Não deu tempo a que ela respondesse— Quando tiver terminado com a chamada, vamos lá embaixo para comer. E comerá Gwen. Essa é uma ordem.

     Não aceitaria nada dessa tolice de que ela só comia o que roubava. Ele deveria ter considerado deixar coisas atiradas a seu redor, assim ela se sentiria como se os estivesse roubando, mas não estava de humor para apaziguá-la agora.

     —Depois disso, —continuou— preciso reunir a todos os homens para uma reunião e que lhes conte o que descobrimos dos Caçadores. Você participará dela também, porque agora é parte disto.

     Seu queixo se levantou teimosamente.

     —Não sou um de seus homens para que me dê ordens.

     —Se fosse um de meus homens, estaria envergonhado de meus pensamentos neste momento. — seu olhar desceu, se detendo em seus seios, seu estômago… entre suas pernas. Girou sobre seus calcanhares antes que pudesse fazer aquilo que realmente queria e caminhasse até ela, a cobrisse e a penetrasse— Agora, se apresse.

     Houve uma larga pausa, sons de materiais se movendo rapidamente, um rebote da cama e um suspiro.

     —Bem. Estou pronta. — soava resignada.

     Uma vez mais Sabin a enfrentou e deixou de respirar. Como antes, a roupa se avultava nela. Agora que estava limpa, de qualquer forma, o algodão branco fazia com que sua pele brilhasse como uma pérola. Sua boca fez água por prová-la, uma simples lambida bastaria. Teria que bastar, pensou, e se viu caminhando para ela, estendendo sua mão.

     Que infernos está fazendo? Desperta, idiota!

     Se deteve abruptamente, chiando os dentes. Tomou um momento encontrar a razão e recordar o que tinha querido que ela fizesse. Quando o fez, cruzou o quarto para sua cômoda e recolheu seu celular. Tinha uma chamada perdida e uma mensagem de texto. Desdobrou o menu. A chamada tinha vindo de Kane. O texto… de Kane, também. O guerreiro estava passando o dia no povoado, mas disse que se fosse necessário viria rapidamente a casa. Era um milagre que Kane tivesse sido capaz de usar seu telefone, duas vezes seguidas, sem fritá-lo como o inferno.

     Depois que Sabin clareasse a tela, atirou o telefone a Gwen. A ela escapou.

     —Começa a discar. — lhe disse.

    

   Gwen levantou o telefone com uma mão trêmula, as lágrimas lhe queimavam os olhos. Durante o ano inteiro de seu cativeiro tinha querido fazer isto, tinha necessitado escutar a voz de suas irmãs. Mas ainda estava envergonhada sobre o que lhe tinha passado e ainda não queria que elas soubessem.

     —Aqui ainda é de amanhã, então no Alaska é de noite—disse— Talvez devesse esperar.

     Sabin não lhe mostrou misericórdia.

     —Disca.

     —Mas…

     —Não entendo sua inapetência. As ama. Quê-las aqui, inclusive o fez como uma condição para ficar comigo.

     —Sei. — deslizou seu dedo sobre os brilhantes números do pequeno aparelho negro.

     Sua culpa estava retornando. Culpa por fazer que suas amadas irmãs esperassem notícias dela ou, se não sabiam que ela tinha sido raptada, um simples contato por parte dela.

     —A culparão pelo que aconteceu? Quererão te castigar? Disse a você que não as deixarei.

     —Não. Talvez.

     O que ela sim sabia era que elas exigiriam a Sabin que as deixasse unir-se a sua guerra, tal e como ele queria. Elas quereriam o traseiro dos Caçadores servido em uma fonte, servido cru e fresco. Mas se acabassem feridas por sua causa… se odiaria para sempre e durante outra eternidade.

     —Chama. —disse Sabin.

     Supera isso, pensou. Com um suspiro, discou o número de Bianka. Das três, Bianka era a mais bondosa. E por bondosa, Gwen queria dizer que Bianka atiraria um copo de água à pessoa a qual acabava de por fogo.

     Três timbres depois, sua irmã respondeu.

     —Não tenho nem idéia de quem está chamando desde número, mas é melhor que se mova rápido ou…

     —Olá, Bianka. —seu estômago se espremeu dolorosamente, a voz inesquecívelmente familiar e tão amada que as lágrimas que tinham queimado seus olhos, finalmente, se derramaram rapidamente sobre suas bochechas— Sou eu.

     Houve uma pausa, uma inalação de respiração.

     —Gwennie? Gwennie é você?

     Bruscamente passou sobre suas bochechas o reverso de seu pulso, muito consciente de que o olhar quente de Sabin estava sobre ela, virtualmente a comendo. O que estava pensando? Sendo um guerreiro como era, que era demonstração de debilidade; mais debilidade, provavelmente o desgostou. E isso era uma coisa boa. De verdade. Tinham se beijado e tocado na ducha e ela tinha estado preparada para ir mais longe, tomar mais, tomar tudo e dar tudo, apesar do tipo de homem que ele era e das coisas que lhe tinha dito, as coisas que fundamentalmente lhe teria feito.

     —Ouça, está ainda aí? Gwennie? Está bem? O que acontece?

     —Sim, sou eu. A primeira e a única. — finalmente replicou.

     —Meus deuses, garota. Sabe quanto tempo passou?

     Doze meses, oito dias, dezessete minutos e trinta e nove segundos.

     —Tenho uma suspeita. Então, como está?

     —Melhor agora que te escutei, mas enfurecida como o inferno. Vai ter que pagar uma muito grande quando Taliyah a encontre. Faz tempo chamamos a seu telefone, já sabe, para dizer olá e te ameaçar esbofeteando imperfeitamente se não voltasse para casa. Nenhuma resposta. Assim chamamos o Tyson. Ele nos disse que tinha se mudado e que não sabia como se comunicar com você. Procuramos e procuramos, ao redor de todo o maldito mundo, mas não houve notícia. Finalmente, pagamos ao Tyson com uma visita pessoal e nos contou que foi levada contra sua vontade.

     —O torturaram? —ela não estava zangada com ele e não o queria ferido. Simplesmente tinha estado protegendo a si mesmo, algo que ela entendia.

     —Bem… talvez um pouco. Não foi nossa culpa, entretanto. Ele nos fez perder um tempo precioso.

     Ela gemeu e logo imaginou Bianka, com o cabelo negro recolhido ao redor de sua cabeça, brilhantes olhos âmbar e lábios vermelhos levantados em um malvado sorriso e não pôde evitar sorrir— Está vivo, entretanto. Não é?

     —Por favor, garota. Como se fôssemos nos rebaixar matando a essa fraca pequena merda. Nunca soube o que foi que viu nele.

     —Bem. Porque ele não sabia onde me encontrava. Não realmente.

     —Quem a levou, de toda forma? O que fez para castigá-los? Huh, huh. Estão mortos, não é? Me diga, que estão mortos, bebê.

     —Eu, uh, chegarei a isso. — era verdade— Em algum outro momento. — outra vez, verdade— Escuta. —adicionou antes que Bianka pudesse sondá-la muito profundamente— Atualmente estou em Budapeste, mas quero lhes ver, garotas. Sinto falta de vocês. — ao final sua voz se quebrou.

     —Então, venha para casa. — Bianka nunca tinha suplicado por nada, que Gwen soubesse, mas soava prepara para rogar nesse momento— A queremos em casa. Não saber onde estava quase nos destrói. Mamãe se mudou faz meses porque não deixávamos de incomodá-la por você, assim não deve se preocupar pelo nada simpático recebimento.

     Por isso as tinha deixado esperando mais do que o necessário… a culpa se levantou de novo, mais forte que antes, e Gwen se derrubou justo em uma espiral de vergonha. Fiz-lhe isto a minha forte e orgulhosa irmã.

     —Não me importa mamãe. — e não o fazia. Não realmente. Nunca tinham estado unidas— Mas vocês são as que terão que vir a mim. Eu estou com, uh, os Senhores do Submundo, e eles querem lhes conhecer. Já sabe, são os meninos que…

     —Demônios-possuídos? —Bianka gritou com excitação, logo se tornou sombria— O que está fazendo com eles? São o que a seqüestraram? —seu tom soou a assassinato.

     —Não. Não. Eles são meninos bons.

     —Meninos bons? —riu— Bem, sejam o que for, não são dos que usualmente você gosta. A menos que, sua personalidade sofresse uma imensa reviravolta no meio ano passado?

     Não realmente.

     —Só… virão?

     Não houve vacilação alguma.

     —Estamos de caminho, bebê.

    

   A cozinha se via como se tivesse sido bombardeada. Os guerreiros famintos eram selvagens, pensou Sabin. Antes de descer, tinha mandado uma mensagem de texto a todos eles, deuses, amava a tecnologia; inclusive tinha trazido o tecno fóbico Maddox para o século vinte e um; chamando uma reunião para discutir o que os Caçadores lhe tinham contado sobre Desconfiança e o internato para as crianças metade-humanas, metade-imortais, assim como também da iminente chegada das irmãs de Gwen.

     As irmãs. As lágrimas tinham enchido os olhos de Gwen no momento que uma das Harpias tinha respondido o telefone, tornando o ouro brilhante em lingotes derretidos. Alívio, esperança e tristeza tinham passado por seu rosto, e Sabin tinha tido que brigar contra o impulso de ir a ela, envolvê-la em seus braços, lhe oferecendo qualquer conforto que pudesse dar. Todo instinto guerreiro que possuía tinha sido necessário para se manter no lugar.

     Esperava que o que subtraísse do dia fosse mais fácil. Com um golpe de seu pulso, fechou a porta da geladeira. O ar quente instantaneamente o cobriu. Observou Gwen que estava olhando fixamente a bancada de mármore. Ou possivelmente à pia de aço inoxidável, talvez se perguntando por que um lar tão antigo tinha sido modernizado em alguns lugares e deixado que outros se deteriorassem.

     Ele tinha tido o mesmo pensamento quando tinha chegado a Budapeste uns meses atrás. Fazia algumas melhoras desde que tinha se mudado, e planejado ter a inteira monstruosidade renovada para o final do ano. Era gracioso. Tinha viajado por todo mundo, tido uma base de operações em vários lugares, mas esta fortaleza rapidamente tinha se convertido em seu lar.

     —Vazio. —anunciou ele.

     O olhar dela se chocou com o dele e passou um momento até que ela se pôde centrar. Quando o fez, passou uma mão por seu ainda úmido cabelo como se estivesse envergonhada.

     —Estarei bem sem comida.

     —Não. —Não tinha forma de que lhe permitisse estar sem ela. Durante um ano, tinha agüentado os horrores do morrer de fome. Não o faria nem um só dia mais enquanto estivesse sob seu cuidado. Todas as suas necessidades eram agora suas para às satisfazer. Porque ele desejava sua ajuda e cooperação.

     Ele estava com melhor humor do que antes, assim supôs que podia apaziguá-la com mercadorias “roubadas”, depois de tudo.

     —Iremos ao povoado—adicionou. Paris, cujo trabalho era fazer as compras, estava provavelmente ainda fora de seu julgamento— Depois de te cobrir da cabeça aos pés. —De maneira nenhuma queria às pessoas olhando essa pele de pedra-preciosa.

     —A maquiagem se encarregará de meu rosto. — disse ela, adivinhando suas intenções— E de todas as formas, Anya te trouxe uma bandeja… uh, o que quero dizer é que comi mais cedo.

     Assim que essa era a maneira em que Anya fazia com que ela comesse. Afirmando que a comida era para ele, se assegurava que a roubasse para comer. Por uma vez, Sabin aplaudiu os enganos da deusa.

     —Uma refeição não a satisfará para sempre. Além disso, podemos comprar um pouco de roupa que fique bem enquanto estamos fora.

     O prazer tomou sua expressão e essa surpreendente pele pareceu cintilar com todas as cores do arco íris. Seu membro se endureceu dolorosamente, seu sangue se esquentou perigosamente e imagens de seu corpo nu, molhado e resplandecente, se refletiram em sua mente. Repentinamente podia saborear sua decadência na boca, ouvir seus gemidos em seus ouvidos.

     —Roupa? —disse— De meu tamanho?

     Sua felicidade foi demais para Dúvida, que decidiu atacar, usando a distração de Sabin para sua vantagem e se liberando de seu controle. “Roupa nova não melhorará sua situação. Inclusive a farão piorar. Como se supõe que as pagará? Com seu corpo? Ou talvez suas irmãs sejam as que paguem. Que tal se Sabin as deseja? Ele não te penetrou, embora estivesse preparado. O que acontece se levar a suas irmãs a sua cama em seu lugar?”

     Usualmente o demônio era mais circunspeto, um suspiro gentil, uma calada hipótese, cada uma desenhada para destruir a confiança do ouvinte. Agora estava usando o que tinha passado entre eles na ducha para acender o ciúme na psique feminina. Gwen não tinha que lhe agradar ou inclusive desejar mais dele para que funcionasse. Ninguém desfrutava do pensamento de seu suposto amante na cama com alguém mais. Sabin estava mais que preparado para tirar os olhos a qualquer um que admirasse Gwen.

     Sabia que isto passaria. Sabia que Dúvida continuaria indo atrás dela.

     —Gwen. — disse, sua mandíbula se apertou— Esses pensamentos… Sinto muito—. “Vou machucar você por isso, seu, maldito doente”— Não deverá nada pelas roupas. Ninguém o fará.

     Suas pupilas se dilataram, o negro consumindo o dourado… branco… Logo seria a Harpia. Sem saber que outra coisa fazer, cavou-lhe a nuca e a lançou contra seu corpo. Tinha funcionado no avião. Talvez…

     Sua mão serpenteou ao redor de sua cintura, ajustando-a ao seu, sempre, duro membro.

     —Sente isso? É por você. Por ninguém mais. Não posso deter minha reação para você, anseio só a você. —fuçou um lado de seu pescoço— É estúpido, não podermos estar juntos, mas não posso fazer que isso tenha importância. Só desejo a você. —O diria mil vezes se fosse necessário. Só desejaria que as palavras fossem mentira.

     Nada. Nenhuma resposta.

     Pressionou um suave beijo sobre seus lábios, persistente, saboreando. Inclusive casto como foi o beijo, o endureceu. Só senti-la… conhecendo a pele escondida debaixo de suas avultadas roupas, os pequenos mamilos rosados que gostavam de ser lambidos.

     Ela sugou um fôlego… seu fôlego. Sempre tão delicadamente, se arqueou sob seu toque, e seus braços se fecharam ao redor dele, sustentando-o forte, o arrastando mais perto. Assim não mais, suas pupilas começaram a se esgotar. Sua respiração se voltou menos cortante, seus músculos menos tensos.

     Suas palavras não a tinham alcançado; seu toque sim. A Harpia devia se acalmar quando lhe davam contato físico. Deveria recordá-lo.

     Mas junto com o descobrimento veio uma fúria tão quente que seus órgãos se ficaram com ampolhas. Um ano, todo um ano, sem contato deve ter sido o inferno para esta garota que odiava tanto seu lado escuro. A Harpia deve ter gritado dentro de sua cabeça, uma constante e odiada companheira.

     Tinha outro vínculo entre eles. Embora Sabin não odiasse a seu demônio. Não todo o tempo. Ele certamente desfrutava da tortura que ele podia trazer para os Caçadores. Agora mesmo, se fosse honesto (e devia sê-lo), o ódio não podia ser negado. O bastardo se negava a deixar Gwen em paz, provocando-a quando ela merecia paz.

     —Melhor? —perguntou ele.

     Um estremecido fôlego escapou dela. Abruptamente o soltou, suas bochechas ardendo.

     —Isso depende. Pôs uma focinheira em seu amigo?

     —Estou trabalhando nisso. E como disse, o demônio não é meu amigo.

     —Então já estou melhor, sim.

     Tinha havido ressentimento em seu tom.

     —Segura? —Deslocou o polegar pela linha do começo de seu cabelo.

     —Segura. Já pode me soltar.

     Não queria fazê-lo; ele queria sustentá-la para sempre. E isso é exatamente pelo que a soltou, se afastando. Ele já a tinha marcado. Todo o resto eram medidas excessivas. Desnecessárias e perigosas para sua última meta.

     Dúvida choramingou decepcionado, se afastando à parte posterior de sua mente para decidir seu próximo ponto de ataque.

    

  Depois de se aplicar uma camada de maquiagem para cobrir sua pele, maquiagem que Sabin tomou emprestado de uma das fêmeas residentes, Gwen e Sabin deixaram a fortaleza. Ele a tocava constantemente. Um roçar de seu braço aqui. Uma carícia com os dedos lá. Ela nunca iria querer que parasse. Sabia a magia que ele podia fazer, depois de tudo.

     Ela estremeceu. A estimulação e as lembranças eram quase, quase, suficiente para a distrair da beleza de Budapeste. Tinha casas estilo castelo, edifícios modernos, árvores verdes, calçadas empedradas e pássaros comendo miolos delas. Tinha um lúgubre rio, uma ponte de ferro-coberto e uma capela que rasgava o céu com suas pontas. Tinha colunas, estátuas e luzes multicoloridas.

     Sabin quase conseguiu distraí-la também da gente do povoado. Eles o observavam com temor, afastando-se de seu caminho, mas igualmente tentando se conectar com ele, qualquer parte dele.

     Alguns inclusive ofegaram: “Anjo”, quando ele passava.

     Fizeram compras durante horas, e nem uma vez ele pareceu irritado com sua necessidade de provar tudo, de atrair cada peça de material para seu pescoço e girar em frente aos espelhos de corpo inteiro. Freqüentemente o encontrava sorrindo.

     Depois de se decidir por vários pares de jeans, um punhado de camisetas de grande colorido e umas, cintilantes, sandálias rosas, assim como também por seu próprio quite de maquiagem, se encaminharam para o restaurante. Mas a quem importava comer de novo? Ela estava usando roupas! Um ajustado jeans e uma amorosa camiseta rosa.

     Nunca tinha sido mais feliz com como se via agora. Logo depois de um ano com esse pequeno Top branco e essa saia, se sentia formosa e cômoda e, bem, normal. Humana. Ao deixar o armazém com suas compras, Sabin a olhou como se fosse seu canudo de sorvete favorito.

     É obvio então, os sussurros começaram.

     “Está segura de que te vê bem? Me pergunto se você cheira mal ou é seu hálito. Com quantas mulheres esteve Sabin? Quantas foram mais formosas, mais inteligentes e mais valentes que você?”

     O bom humor de Gwen se desvaneceu, o nervosismo tomou seu lugar. Os sussurros continuaram e logo até as plumas da Harpia se agitaram. Se ocorresse o desastre, o caos invadiria este precioso povoado e Sabin resultaria ferido. Tanto como Sabin a irritava, Gwen não queria que uma só gota de seu sangue se derramasse.

     Agora mesmo estava carregando a comida na parte de trás do carro, seus músculos se esticavam com cada movimento. Pães, carnes, frutas e vegetais em abundância. Os aromas eram divinos. Várias vezes na loja a tentação tinha provado ser tão magnífica, sua boca se fez água e ela tinha roubado. Mas suas habilidades estavam seriamente oxidadas, já que Sabin a tinha descoberto cada vez. Entretanto, ele não tinha protestado. Não, a tinha animado com um sorriso ou uma piscada, como se estivesse orgulhoso dela. Isso a tinha emocionado, ainda o fazia.

     Gwen apoiou um quadril contra os faróis traseiros.

     —Seu demônio está muito perto de me arruinar todo o dia.

     —Sei. Sinto muito. Para que conste, está surpreendente, seu fôlego é fresco, não estive com tantas e não houve nenhuma mais formosa e mais inteligente que você.

     Não mencionou mais valente notou ela.

     —Me distraia. Me conte mais a respeito desses artefatos que está procurando.

     Ele se deteve, deixando uma bolsa suspensa no meio do ar. A luz do sol caía em forma de cascata ao seu redor, o cabelo escuro cintilante, se elevando com a brisa. Seus olhos se estreitaram nela, algo que estes faziam continuamente, meditou.

     —Isso não é algo que possa discutir aqui fora.

     Era uma desculpa para mantê-la na escuridão?

     Ou era seu demônio transmitindo a ela, e não deveria duvidar dele porque sim?

     Argh!

     —Pode me dizer isso. Agora estou trabalhando para você. —Não o fazia? Não tinham decidido que ela faria as tarefas administrativas? Ela não tinha dito seu preço, isso tinha sido porque a primeira coisa que lhe tinha ocorrido foi pensão completa em sua fortaleza. Como para… sempre. Quão tolo era isso?— Estou te ajudando a encontrá-los.

     —E vou falar sobre eles. Mais tarde.

     Está bem, talvez fosse o demônio quem o transmitia.

     Sabin voltou para as bolsas, a delicadeza tinha se ido as lançá-las dentro com um giro rápido de seu pulso. Ela deu um pulo quando sentiu se quebrar os ovos.

     —Por certo, nunca chegamos a um acordo com respeito a seus deveres.

     Gwen sustentou o cotovelo por cima da cabeça, descansando a cabeça na mão, as unhas cravando-se no couro cabeludo.

     —Não acredita que seja capaz de realizar trabalho administrativo ou só não me respeita o suficiente para me deixar provar por mim mesma desse modo?

     —Espera. Acaba de atirar fora a palavra “respeito” em uma discussão sobre trabalho administrativo? —Sua mandíbula trabalhava de esquerda a direita, estalando— O que passa com as mulheres? Se relacionam sexualmente e de repente tudo o que faz significa que lhe falta respeito.

     —Isso não é verdade. —Ele tinha que ir ali, não? Tão somente falando disso, já sentia as cálidas gotas de água sobre a pele, sentia suas mãos acariciando-a, seus dentes mordendo-a. “Ele não é o tipo de homem que quer para você”. Era triste que precisasse recordá-lo. E provavelmente o necessitaria de novo. E de novo— Primeiro, estive me oferecendo para ajudar e você afirmou que queria que o fizesse, mas nunca me disse como deveria começar a fazê-lo. Segundo, a ducha não tem nada que ver com nada. De fato, pactuemos que nunca voltaremos a discutir sobre o que aconteceu ali.

     Ele girou para ela, as bolsas completamente esquecidas agora.

     —Por que?

     —Porque não quero combater fisicamente a seu inimigo.

     —Não, não porque não acredita que não a respeito ou porque te quero fazendo trabalho administrativo, a não ser por que não quer falar da ducha?

     Suas bochechas arderam, ela olhou fixamente para outro lado.

     —Porque sim.

     —Por que? —insistiu ele.

     Porque quererei mais.

     —Mesclar negócios com prazer é mais perigoso que nós. — disse ela secamente.

     Um músculo tremeu sob seu olho e a olhou fixamente, medindo-a, estava segura, esperando que voltasse atrás. Não o fez, e isso a surpreendeu. Se deu conta que não estava assustada dele. Nem sequer um pouco.

     —Entra no carro. — ordenou.

     —Sabin.

     —Ao carro.

     Malditos os homens tirânicos!

     Quando estiveram sentados no interior, ele ligou o motor mas não saiu à estrada. Cobriu os olhos com os óculos de sol, posou-lhe uma mão na coxa e a olhou.

     —Agora que estamos sozinhos, não me importa te contar sobre os artefatos. Mas no momento em que saiba, significará que estará presa comigo. Não irá com suas irmãs, não se aventurará fora da fortaleza sozinha. Entendido?

     Espera. O que?

     —De quanto tempo estamos falando?

     —Até que sejam encontrados.

     O que poderiam ser uns quantos dias. Ou toda a eternidade. O que desejava ela secretamente, mas não porque não tivesse alternativa.

     —Não estou de acordo com nenhuma dessas coisas. Já estive prisioneira por mais de um ano e não tenho desejo de viver outra vez dessa maneira. Tenho uma vida a que voltar sabe. —Bom, mais ou menos. Não era como se o tivesse tentado. Ou querido— Há coisas que fazer, gente que ver.

     Ele deu de ombros.

     —Então não obterá nada de mim. —Com isso, manobrou o veículo saindo para a estrada. Conduziu devagar, se incorporando cuidadosamente ao tráfico. Sua precaução parecia… estranha. Contra sua personalidade de viver-ao-limite. Isto era para benefício dela? Para mantê-la segura? O pensamento era um pouco doce.

     Não se atreva a se suavizar com ele!

     —Você gosta de ficar na fortaleza. Admita. —disse ele.

     Podia essa informação ser utilizada em seu contrário? Sim. Mantê-la em segredo lhe daria algum tipo de vantagem? Sim. Serviria uma mentira igualmente bem, a não ser melhor? Sim. Mas quando abriu a boca, escapou-lhe a verdade.

     —Bem. Admito-o. Estive sozinha e assustada durante um ano. Seus amigos e você chegaram repentinamente e já não estive sozinha. Ainda estava assustada, mas ninguém me fez mal ou me ameaçou e esse sentimento de segurança é tão magnífico que não posso me convencer a ir.

     —Poderia ter obtido o mesmo sentimento com suas irmãs. —Seu tom tinha se suavizado; seus dedos lhe massageavam a perna— Não é?

     —Verdade. —Mais ou menos— Suponho que poderia ter mentido sobre o que ocorreu, assim não haveria tensão, mas elas sempre foram capazes de ver através de mim. Posso mentir a qualquer um, salvo a elas. —E a Sabin, conforme parecia— Vocês, meninos, são como umas férias fora da vida. Só que você quer que trabalhe em minhas férias. E isso está bem, —se apressou ela em dizer— enquanto seja trabalho de escritório.

     Ele suspirou, alto e longamente, o som ecoando através do veículo.

     —Escuta, porque só oferecerei esta informação uma vez. Há quatro artefatos. A Jaula de Coação, a Vara de Partir, a Capa de Invisibilidade e o Olho que tudo vê. De alguma forma, quando os quatro estão juntos, indicam o caminho para a caixa de Pandora. Temos dois. A Jaula e o Olho.

     —O que são exatamente? Nunca escutei sobre eles.

     —Quem quer que esteja encerrado dentro da jaula está obrigado a fazer algo que lhe seja ordenado. Qualquer coisa e nada é muito sagrado, enquanto não faça mal a Cronos. Desde que ele a fez construir de alguma forma se assegurou de que não se pudesse usar em seu contrário.

     Wow. Gwen admirava a qualquer que tivesse esse nível de poder. Ela nem sequer podia controlar seu lado escuro.

     —Não estamos seguros do que faz a Vara. A Capa é bastante auto-explicatória e o Olho nos mostra o que está ocorrendo no céu. E no inferno. —Ele descansou a cabeça na parte posterior de seu assento, os olhos até estavam na estrada— Danika é o Olho.

     Está bem, duplo wow. A pequena loira que se via tão normal podia ver as maravilhas do céu e os horrores do inferno? Pobrezinha. Gwen sabia o que era ser diferente, ser… mais. Talvez pudessem ser amigas, poderiam intercambiar alguns relatos e se queixar de seus problemas. Quão genial poderia ser? Nunca antes tinha tido isso.

     —Então, como encontraram a Jaula e o Olho?

     —Seguimos as pistas que Zeus tinha deixado para poder ser ele mesmo quem pudesse algum dia reclamá-los.

     Como uma busca do tesouro. Estupendo.

     —Pôde ver a Jaula? —Ela não pôde distinguir a excitação que mostrou sua voz. Suas irmãs eram mercenárias pagas, freqüentemente a tinham deixado em sua casa, sozinha, enquanto andavam pelo mundo caçando por sua conta. Ela sempre tinha querido ir. Ou, pelo menos, desfrutar das botas de suas vitórias com elas. Mas sempre tinham passado o objeto a seu novo dono antes de voltar para casa, assim nunca tinha obtido seu desejo.

     A atenção de Sabin mudou para ela brevemente, e ela pôde sentir o calor de seu olhar.

     —Não há necessidade. — disse ele severamente.

     —Mas…

     —Não.

     —Que mal poderia fazer?

     —Muitíssimo, na realidade.

     —Bem. —Uma vez mais, a deixava de fora. Tentou esconder sua desilusão— O que vai fazer com a caixa de Pandora uma vez que a encontre?

     Seus dedos empalideceram ao redor do volante.

     —Quebrá-la em pedaços.

     A resposta de um guerreiro. Estava contente.

     —Anya mencionou que esta poderia extrair o demônio em seu interior, te matando e encerrando-o.

     —Sim.

     —O que acontece se o matam sem a caixa? O demônio também morre?

     —Muitas perguntas. — disse ele.

     —Sinto muito. —Ela riscou um círculo sobre seu joelho— Sempre fui muito curiosa para meu próprio bem. —Essa curiosidade tinha quase causado que a matassem umas quantas vezes. Uma vez, quando era menina, tinha explorado a montanha de sua família e tinha tropeçado com um calmo e sereno rio. Se tivesse submergido, teria sido capaz de ver os peixes nadando através dele? Se perguntou. E se assim tivesse sido, quantos haveria, de que cores seriam e teria sido capaz de apanhar algum?

     No momento em que mergulhou, a água gelada tinha esgotado completamente suas forças. Não tinha importado que não houvesse corrente. Não tinha tido a força para manter a flutuação. A Harpia tinha se encarregado, mas a água tinha congelado suas asas , impedindo que pudesse sair voando.

     Kaia tinha ouvido seus gritos de pânico e a tinha salvado, e ela tinha recebido as críticas de toda uma vida. Mas isso não a tinha detido de se perguntar a respeito desses tolos peixes.

     —…me escutando? —disse Sabin, sua voz cortando seus pensamentos.

     —Não, sinto muito.

     Seus lábios se crisparam. O amava quando fazia isso. Fazia ao homem mais-largo-que-a-vista parecer, bom, humano.

     —O que estou te contando é informação privilegiada, Gwen. Entende, não?

     OH, sim. Entendia. Podia ser usado contra ele, dar-se aos Caçadores para machucá-lo.

     —Salvou-me. Não vou te trair, Sabin. Mas se pensar que sou capaz disso, por que inclusive me quer em sua equipe? —O fato de que não acreditasse a feria mais do que acreditaria possível. Possivelmente não podia evitá-lo. Possivelmente seu demônio o impedia que confiasse em alguém. Ela piscou ante isso. Tinha sentido, e não feria tanto.

     —Eu sim confio em você. Mas poderia ser capturada e torturada por essa informação. É forte e rápida e não acredito que chegue a isso, mas se foram capazes de chegar a você antes, então…

     Cada gota de umidade se secou em sua boca.

     —Eu… uh… —Tortura?

     —Isso não quer dizer que permitisse que acontecesse.

     Lentamente ela se acalmou. É obvio que não deixaria que acontecesse. Ela tampouco. Era uma covarde, mas também era violenta quando o necessitava, e tinha aprendido bem a lição de evasão.

     —Ainda quero essa informação.

     —Bem, porque te estava provando e passou. Isto não se pode usar em meu contrário já que os Caçadores já sabem. Se sou assassinado e a caixa não está ao redor, o demônio ficaria livre.

     Seus olhos se abriram de par em par.

     —Isso é pelo qual queriam o capturar mais que te matar.

     —Como sabe?

     —Diferentes tropas sempre estavam indo e vindo das catacumbas, mas cada vez que um regimento saía para combater, não sabia quem nesse momento, se recordavam mutuamente de não matar, só ferir e…

     —Merda. — cuspiu repentinamente, cortando-a — Estamos sendo seguidos. Maldição. Golpeou com um punho no volante— Me deixei distrair ou os teria descoberto antes de agora.

     Ignorando a acusação em sua voz e a nova quebra de onda de dor que veio com ela, Gwen girou em seu assento, olhando atentamente fora do vidro obscurecido. Muito seguro que tinha três carros seguindo-os à volta da esquina. Todos tinham vidros polarizados, assim não podia ver dentro para contar o número de homens que vinham por eles.

     —Caçadores?

     —Absolutamente, merda! —grunhiu Sabin de novo, e essa foi a única advertência que teve antes que um quarto carro aparecesse em frente a eles. Estrondo. Rangidos. Metal chocando contra metal.

     Ela foi jogada para a frente, evitando se ferir graças ao cinto de segurança e o airbag.

     —Está bem? —perguntou Sabin.

     —Sim. — conseguiu dizer. Seu coração estava golpeando incontrolavelmente, seu sangue era como gelo em suas veias.

     Sabin já estava procurando as adagas, presas ao seu corpo, as pontas de prata cintilando sob a luz do sol.

     —Se tranque aqui dentro. —disse. Deixou cair duas adagas no tabuleiro entre eles— A não ser que queira brigar? — Não lhe deu tempo para responder, saltou do carro, fechando de uma portada atrás dele.

     A bílis subiu pela garganta de Gwen ao fechar-se a porta. Bílis mesclada com vergonha e medo. Como podia se sentar aqui, permitindo que ele brigasse (escaneou os grupos emergentes de homens dos agora detidos carros) contra quatorze homens por sua conta? Querido Senhor.

     Quatorze!

     Ela não poderia.

     Estalo. Zumbido.

     Sou uma Harpia. Posso brigar. Posso ajudá-lo.

     Suas irmãs não teriam vacilado. Elas teriam estado sobre os carros, rasgando os tetos em farrapos antes que as rodas tivessem parado de girar. Posso fazê-lo. Com uma mão trêmula, levantou as armas. Eram mais pesadas do que pareciam, suas mangas eram como a lava em sua muito-fria pele.

     Só desta vez. Brigaria somente desta vez. Mas isso seria tudo. Depois disso, faria trabalhos administrativos em tempo integral. Outro estalo. Outro zumbido. Logo um alto estrondo! Ela respirou audivelmente. Sim, posso fazê-lo. Talvez.

     Onde infernos estava a Harpia? Sua visão era normal, não infravermelha e não tinha a necessidade de sangue dentro de sua boca.

     A preguiçosa cadela estava provavelmente enfastiada de comida e contato, inclusive dormindo. Se Gwen não tivesse passado tanto tempo suprimindo o lado escuro de sua natureza, poderia ter sabido como convocá-la. Agora, parecia, que ia por sua conta.

     Estalo. Grito.

     Não posso ficar aqui para sempre. Engolindo em seco, tremendo, saiu do carro. Uma horrível visão a recebeu instantaneamente. Sabin, encerrado em uma dança letal, braços feridos, facas cortando, sangue pulverizado. Caçadores, disparando o enchendo de buracos. Terei que lhe conceder mérito, ele nunca baixou o ritmo.

     —Estúpido, saindo sozinho, demônio —disse um dos estranhos— Nos devolva a nossa mulher e iremos.

     Gwen deveria ter sabido que os Caçadores tomariam represálias pelo que aconteceu nessas catacumbas.

     Sabin bufou.

     —Suas mulheres se foram.

     —Não a ruiva. A vimos com você. Essa puta certamente se aproxima rápido.

     —Volta a chamá-la assim. Se atreva. —Tinha tanta fúria em sua voz, que Gwen estava surpreendida que os Caçadores não caíssem mortos ali mesmo.

     —Ela é uma puta e você é um bastardo. Vou te encher de chumbo, te reanimar e passar o resto de minha vida te fazendo pagar pelo que fez no Egito.

     —Você assassinou a nossos amigos, seu filho de puta. — prorrompeu alguém mais.

     Sabin não disse outra palavra. Só continuou golpeando para frente, os olhos se acendendo de um vermelho brilhante, um brilho de afiados e rugosos ossos repentinamente se fizeram visível sob sua pele. Os corpos caíam a seu redor, mas por quanto tempo podia seguir? Ali tinha… oito mais. Oito ainda lhe disparando. Não para matá-lo, a não ser para incapacitá-lo, indo atrás de seus joelhos e seus braços.

     Gwen quase podia ouvir seu demônio soltando perigosas e pequenas inseguranças em seus ouvidos: “Não pode realmente vencê-lo, sabe não? Há uma boa oportunidade de que sua esposa tenha que identificar seu corpo esta noite”.

     Bloqueando o som, puxando cada grama de coragem que possuía, ela avançou pouco a pouco para frente. Distrairia aos Caçadores, permitindo a Sabin atacar repentinamente. Sim, sim. Bom plano. Está bem. Seria melhor distraí-los assim Sabin poderia se equilibrar e realizar sua magia? Sem resultar morto ou foder no processo, considerava ela.

     Chegou-lhe a resposta, e quase vomita. “Não, não, não. Não há outra saída”, disse uma parte dela:

     “Isto é estúpido e suicida”, replicou sua outra parte. Não importava. Ia fazer algo, atuar corajosamente pela primeira vez em sua vida, e se sentia… bem. Realmente bem, certamente. Ainda estava assustada, ainda tremia, mas não ia parar. Desta vez não. Sabin a tinha salvado dos Caçadores, assim que lhe devia uma. Mais que isso, então quando olhou com atenção ao homem em parte responsável por seu confinamento de um ano, sentiu o direito misturado com a ansia de ferir.

     Sabin tinha tido razão. Se sentiria bem ao destruir o seu inimigo, de perto e pessoalmente. O único problema: ela não era um soldado treinado como suas irmãs. Sabia o que fazer, mas podia realmente ter êxito?

     Devo tentá-lo. O que de pior poderia passar? Bem, poderia morrer. Gwen tomou fôlego, endireitou e moveu seus braços no ar, adagas resplandeceram na luz solar.

     —Me querem? Venham me apanhar.

     O baile da morte cessou. Cada olhar girou em sua direção, e ela lançou uma faca. Se elevou através do ar como se a intenção fosse causar um dano maior, logo aterrissou no chão ineficazmente. Maldição!

     Ela se agachou, mas um dos Caçadores lançou um disparo antes que estivesse totalmente coberta, seu amigo gritando: “Não a mate” e empurrado suas armas para mudar a direção de seu objetivo. Mas era muito tarde. A bala se alojou em seu ombro e uma aguda dor a rasgou, atirando-a para trás.

     Jazeu ali durante um momento, totalmente aturdida, ofegando, seu braço ardendo. Se deu conta, que ser disparada não era tão mau como imaginava. Sim, doía como a merda, mas a dor era manejável. Especialmente quando sua visão começou a cintilar dentro e fora, o céu azul e as nuvens brancas ali durante uns poucos segundos, desaparecidos nos seguintes. Escutou o som de passos na distância, carros se desviando. Esperançosamente, tinha distraído aos Caçadores o suficiente para dar a Sabin sua vitória.

     —Mantenham-se para trás, —gritou alguém— eu irei pela garota.

     Sabin rugiu, um som infernal que fizeram com que os ouvidos dela explodissem. Logo uma bala ricocheteou fora do aro do pneu e seguiu seu caminhou penetrando no peito dela. Outra aguda dor a perfurou atravessando-a. Está bem, essa dor não foi tão manejável. Todo seu corpo estava tremendo, seus músculos se agarrotaram em duros nós. Mas o que mais a incomodava era que o cálido sangue estava empapando sua preciosa camiseta nova. Uma camiseta que ela tinha escolhido. Uma camiseta que tinha estado tão orgulhosa e feliz de usar. Uma camiseta que Sabin tinha olhado atentamente com luxúria em seus olhos.

     Está arruinada. Minha formosa camiseta nova está arruinada. Frente a isso, até a Harpia se agitou com fúria, despertando finalmente.

     Entretanto, era muito tarde. As forças de Gwen estavam se drenando, junto com sua parte vital. Sua visão era completamente negra, não mais espionagens de cor. O sono a puxava, atraindo-a, acalmando-a, mas brigava contra isso. Não posso dormir. Aqui não, agora não. Tinha muitas pessoas ao seu redor. Ela seria mais vulnerável que nunca. Uma desgraça para sua família. De novo um objetivo.

     —Gwen! —chamou Sabin. Na distância, tinha um doentio rasgo, como se os membros fossem arrancados de um corpo, seguido de um detestável ruído surdo— Gwen me fale.

     —Estou… bem. —A escuridão finalmente a tragou inteira, e nesta ocasião não houve luta.

    

   A reunião com Sabin devia estar a ponto de começar em qualquer momento, embora Aeron ainda não tivesse visto nenhum sinal de Paris. Nenhum o tinha feito, e os diferentes casais de pombinhos tinham ido parando com freqüência desde seus quartos em diferentes pontos da casa.

     Ele tinha estado preocupado pelo guerreiro toda a noite. Nunca tinha visto o homem, normalmente otimista, tão sombrio. Não estava bem. Não podia consentir isso. Essa era a razão pela qual Aeron estava agora de pé diante da porta do quarto de Paris chamando insistentemente.

     Não houve resposta. Nem sequer o som do eco de suas pegadas.

     Levantou o punho para chamar de novo, desta vez, mais alto e mais forte.

     –Meu Aeron, meu doce Aeron.

     Ao escutar essa familiar e infantil voz, a esperança o alagou e girou. Ali estava ela. Seu bebê. Legião. Só a conhecia desde há pouco tempo, mas já tinha se convertido em sua parte favorita de si mesmo, tinha se filtrado dentro de seu coração com aquela indisputável lealdade para ele. Era a filha que em segredo sempre tinha querido.

     Quando seu olhar se chocou com a enorme cintura, a pele verde escamosa sem cabelo, olhos vermelhos, garras e língua bífida, da pequena demônio todas suas preocupações sobre Paris se desvaneceram, momentaneamente esquecidas.

     –Se largue daqui. – disse bruscamente.

     Esse era todo o recebimento que ela necessitava. Sorrindo amplamente – deixando descoberto todos esses afiados dentes– saltou sobre ele, aterrissando sobre seus ombros e se agarrando fortemente a seu pescoço. Ela o abraçou muito forte, lhe cortando o ar, mas não se importou. Seu abraço era uma versão do de uma jibóia.

     –Sssssenti ssaudadesss. –arrulhou ela– Muito.

     Ele estendeu a mão e a arranhou atrás das orelhas da forma em que ela gostava. Em seguida começou a ronronar.

     –Onde esteve?

     Gostava de tê-la perto, saber que estava a salvo.

     –Inferno. Você sssssabesss. Mim te disse.

     Sim, tinha-o sabido, mas tinha esperado que tivesse mudado de opinião e tivesse ido a outro lugar. O inferno era um lugar que ela desprezava, mas era um território ao que Sabin a tinha convencido que retornasse para “ajudar” Aeron com um trabalho de reconhecimento, ou isso é o que o guerreiro disse. Bastardo. Seus irmãos tinham sentido o bem nela e tinham tentado feri-la, zombando dela como se tivesse uma maldita alma e não um lugar entre eles.

     –Alguém a feriu? –demandou.

     –Tentaram. Mim correu.

     –Bem.

     Teria encontrado a forma de entrar nessa caverna em chamas se tivessem feito o menor arranhão em seu corpo.

     Ela se deslizou para cima, apoiando os cotovelos nos ombros dele e a bochecha contra a sua. Seu toque era quente, como uma marca, mas não a afastou. Tampouco se alterou quando ela percorreu com a ponta de uma de suas presas envenenadas a barba da mandíbula. Por alguma razão, Legião o adorava. Preferiria morrer antes de lhe fazer mal e ele preferiria morrer antes de ferir seus sentimentos.

     A única vez que ela tinha se zangado com ele foi quando ele foi aos subúrbios da cidade para ver os cidadãos. Uma mania dela. Suas debilidades e sua fragilidade o desgostavam e o hipnotizavam. Pareciam alheios ao fato de que estavam destinados a morrer, alguns nesse mesmo dia, e ele queria realmente compreender seus processos mentais.

     Legião tinha assumido que ele tinha ido procurar uma companheira de cama e tinha perdido os papéis. “Pertence para Mim. Mim!” tinha gritado. Só depois de que lhe assegurasse que jamais se ofereceria a criaturas tão fracas, tinha se acalmado.

     –Seus olhos ido. – o alívio gotejava no tom dela.

     Seus olhos – seu observador. E sim, seus “olhos” se tinham ido. Mas, por quanto tempo? Esse indolente olhar fixo pousava nele aleatoriamente, nunca ao mesmo tempo, de noite ou de dia. A última vez que os tinha sentido tinha sido quando tinha estado se despindo na ducha. Antes que se tivesse tirado a cueca, tinha se encontrado só.

     –Não se preocupe, vou averiguar quem ou o que é – de algum jeito, de alguma forma–  E o vou deter –por qualquer meio que seja necessário.

     –OH, OH, tenho descoberto algo para você. – Legião aplaudiu felizmente mas logo ficou a fazer panelas– É uma garota. Um anjo – se calou estremecendo.

     Ele piscou, seguro de ter ouvido mal.

     –O que significa um anjo?

     –Do... –outro silêncio– Céu  – outro estremecimento.

     Por que um anjo do céu o olhava? E sobretudo uma mulher? Na aparência, ele tinha que ser tudo o que esse ser encontraria deplorável. Tatuado, cheio de piercings... bruto.

     –Como sabe isso?

     –Todo mundo fala disso no inferno. Essssssss por isso pelo que voltei, para assssssim poder te advertir. Ellesssss dizem que esse anjo está em problemas por seguir aos Senhores do Submundo. Dizem que essssstá a ponto de cair.

     –Mas por que? –E o que ocorria quando os anjos caíam?

     –Não sei. Mas ela está em um grande problema. Em um grande, grande problema.

     –Têm que estar equivocados.

     Podia entender que um deus ou uma deusa os vigiasse em todo momento. Queriam os artefatos; queriam a caixa. Cronos, o rei dos Titãs, queria usar aos guerreiros em benefício próprio, ordenando-os matar a seus inimigos ou fazê-los sofrer.

     Como Aeron bem sabia.

     –A odeio. – cuspiu Legião.

     Se sua sombra era realmente um anjo, isso explicava por que Legião não podia permanecer em sua presença. Os Anjos, tinha aprendido com Danika, eram assassinos de demônios. Não estavam controlados pelos deuses, mas sim por um único ser que ninguém tinha visto. Só... sentido.  

     –Talvez ela esteja aqui para me matar. — refletiu.

     Ah, agora tinha sentido, considerando o que era. Mas por que a ele de entre todos os senhores possuídos pelos demônios? Por que agora? Os outros guerreiros e ele tinham estado caminhando sobre a terra durante milhares de anos. Os anjos sempre os tinham deixado sozinhos.

     –Não, não, não! Mim, matá-la! —foi a fervente réplica.

     –Não quero que a desafie, doçura. — Aeron deu tapinhas na parte superior da cabeça de Legião— Pensarei em algo. Tem minha palavra. E estou agradecido pela informação.

     Não aceitaria uma sentença de morte facilmente; tinha a Legião para o proteger. Tampouco permitiria que arrebatassem os artefatos de seus amigos, se é que era isso o que o anjo queria. Muitas vidas estavam em jogo.

     O que deveria fazer era falar com Danika e averiguar tudo o que pudesse sobre sua nova sombra. E como destruí-la.

     Gradualmente, Legião relaxou contra ele. Agradava-lhe saber que ele a acalmava da mesma maneira em que ela acalmava a ele.

     –O que faz aqui, de todas as formas? Mim quer jogar safada, safada.

     –Não posso. Ainda não. Tenho que ajudar Paris.

     –OH, OH. — aplaudiu entusiasmada uma vez mais, as largas unhas estalaram juntas— Vamossss jogar com ele.

     –Não. — odiava lhe negar algo, mas gostava de seus amigos vivos. E quando Legião jogava, a morte em geral estava presente—Necessito dele.

     Passou um momento em silêncio. Depois suspirou.

     —Bem. Mim está aborrecida de ser só para você.

     Aeron ainda estava rindo quando se voltou para a porta. Quando Paris se negou a responder a sua seguinte chamada, girou a maçaneta. A fechadura se manteve sólida.

     –Fique aí, doçura. Vou arrebentá-la.

     –Não, não. Mim, abrir.

     Legião se deslizou para baixo por seu peito, a metade inferior do corpo dela ainda estava enroscada no pescoço dele enquanto estirava uma de suas garras para desativar o cilindro. Click. As dobradiças chiaram, a madeira deslizou até se abrir. Lançou uma risada tola.

     –Essa é minha garota.

     Enquanto ela se gabava, ele entrou no quarto. Uma vez, isto tinha sido um baluarte sensual. Bonecas infláveis, brinquedos sexuais e lençóis de seda tinham abundado. Agora, as bonecas tinham buracos, e não dos bons. Todos os brinquedos estavam empilhados no lixo e a cama tinha sido despojada de toda comodidade.

     Procurando rapidamente, encontrou Paris no banheiro, inclinado sobre a bacia do banheiro e gemendo.

     Seu cabelo, uma formosa mescla de negro e castanho dourado, estava preso em um nó na base do pescoço. Sua pele, normalmente pálida, agora estava cinzenta, suas veias brilhantes e grossas. Tinha escuras meias luas sob os olhos, sua íris de um azul apagado.

     Aeron se agachou a seu lado e viu as garrafas e as bolsinhas que sujavam o chão de ônix.

     Ambrósia e álcool humano, muito de cada.

     –Paris?

     —Cala-se. — seus gemidos aumentaram de velocidade e Paris ficou sobre seus calcanhares e esvaziou o resto do conteúdo de seu estômago na bacia.

     Quando terminou, Aeron disse:

     –Posso fazer algo por você?

     – Sim. —mal era audível— Me Deixar.

     –Vigia seu tom, você...

     Aeron fez gestos a Legião para que se calasse e, surpreendentemente, o fez. Inclusive desceu dele e posou em uma esquina do banheiro com os braços cruzados no peito e o lábio inferior tremendo. A intensa e repentina culpa quase fez com que fosse para ela. Mas primeiro tinha que cuidar de Paris.

     –Faz quanto que não tem sexo? —Aeron perguntou a seu amigo.    

     Outro gemido.

     –Dois ou três dias. — Paris limpou a boca com o dorso do pulso.

     Isso queria dizer que Paris não tinha estado com uma mulher desde antes que retornassem. Mas Aeron sabia que Lucien tinha levado o guerreiro à cidade todas as noites que tinham passado no deserto só por essa razão. Tinha tido problemas o guerreiro para encontrar a uma companheira bem disposta?

     –Me deixe te levar a cidade. Pode...

     –Não. Só quero a Sienna. Minha mulher. Minha.

     Né, agora o que? Pelo que Aeron sabia, Paris estava sempre só, abrindo caminho entre a população feminina com uma e às vezes com duas ou três ao mesmo tempo.

     Provavelmente só estava falando a ambrósia, decidiu Aeron. De todos os modos, isto não faria mal ao humor do homem.

     —Me diga onde está e lhe trarei isso.

     Paris soltou uma risada amarga.

     –Não pode. Está morta. Os Caçadores a mataram.

     OK, isso era um pouco específico para se tratar da ambrósia. Mas Aeron nunca tinha conhecido a esta Sienna, nem sequer tinha ouvido falar dela.

     —Cronos ia me devolvê-la, mas eu escolhi a você em seu lugar. Sabia que odiava a sede de sangue. Sabia que Reyes morreria sem a loira. Assim que a abandonei. Nunca voltarei a vê-la outra vez.

     De repente, todas as peças encaixaram em seu lugar. A razão do recente comportamento de Paris, a razão pela qual a sede de sangue de Aeron o tinha abandonado tão de repente. Paris devia ter encontrado à garota na Grécia enquanto procurava no Templo de Todos os Deuses a caixa. Queridos deuses. Tinha abandonado a sua amante por ele.

     Aeron não tinha mulher própria, nunca a tinha querido, mas tinha visto a forma com que Maddox estava com Ashlyn, Lucien com Anya e Reyes com Danika. Morreriam um pelo outro. No caso de Ashlyn, ela o tinha feito. Cada um constantemente pensando no outro, ansiando ao outro e se voltando loucos quando estavam sozinhos.

     Assombrado, os joelhos de Aeron cederam e deu contra os frios azulejos. A enormidade das ações de Paris se colocou como um peso enorme sobre seus ombros.

     —Por que fez uma coisa assim?

     – Quero-te.

     – Paris...

     – Não. — o guerreiro ficou sobre suas instáveis pernas e cambaleou.

     Aeron ficou instantaneamente de pé, passou um braço pela cintura de seu amigo e o manteve em pé. Quando tentou dar um passo, guiando Paris à cama, o guerreiro gemeu e agarrou o estômago. Assim Aeron voltou a o levantar, o sustentando firmemente contra seu peito.

     Em lugar de levá-lo a cama, Aeron o pôs na banheira. Logo o quente vapor da água o cobriu inteiro, lavando a presença da enfermidade. Depois, Paris se livrou de sua roupa, Aeron lhe entregou um trapo e sabão e esperou até que se limpou dos pés à cabeça. Enquanto fazia tudo isso, Paris sempre olhava mais à frente, passando o banheiro, como se, mentalmente, estivesse em um lugar totalmente diferente.

     –Me dói que tenha feito isto a si mesmo. — disse Aeron brandamente— E por mim. Não mereço isso.

     –Me recuperarei. — mas Aeron não pensava que nenhum dos dois acreditasse.    

     Depois de fechar a água, entregou a seu amigo a toalha. Deveria ter secado Paris, mas não acreditava que o grande orgulho do homem o agradecesse.

     –Só vai. — disse Paris, enquanto se arrastava fora da cabine.

     –Não até que chegue à cama ou eu mesmo o levarei. — disse Aeron.

     Paris fez um grunhido baixo com a garganta, mas ficou sem comentários. Cambaleou até a cama e se deixou cair sobre o colchão, ricocheteando uma vez. Aeron o seguiu todo o momento e logo olhou para baixo, para ele, sem saber o que fazer a seguir. Paris nunca lhe tinha parecido mais frágil e perdido, e vê-lo assim lhe trouxe lágrimas aos olhos. Depois de tudo, devia a vida a este homem. Não só pelo que Paris lhe tinha dado, mas também por sua amizade, por lutar ao seu lado, por ser ferido por balas ou por arma branca em seu lugar, por escutá-lo se queixar da vida, por isso e outras coisas, quando tinham se feito guerreiros para os deuses e quando ele tinha querido, bom, mais.

     Não podia deixá-lo assim. O que significava que teria que ir à cidade por sua conta e encontrar uma mulher para Paris.   

     Se inclinou para baixo, alisou-lhe uma mecha de cabelo da testa do guerreiro.

     –Vou fazer com que se sinta melhor. Farei.

     –Me consiga outra bolsinha dessa ambrósia. — foi a frágil réplica que fez— Isso é tudo o que necessito.

     –OH, OH. — disse Legião felizmente, de repente tinha desaparecido seu mau humor. Correu pela habitação e saltou sobre a cama—. Eu sssssei onde consssseguir alguma!

     Paris se queixou outra vez quando o colchão se sacudiu.

     —Rápido!

     Aeron franziu o cenho ante Legião e o sorriso dela desapareceu. Com a cabeça pendurando, subiu de novo a seus ombros.

     —Que passsssa agora?

     –Não o anime. Não o queremos mais doente. O queremo melhor.

     –Sssssssinto.

     Arranhou-a por trás das orelhas.

     —Voltarei. — disse a Paris, e abandonou o quarto, fechando a porta atrás dele. Felizmente, todos estavam na sala de entretenimento à espera que começasse a reunião. Se não o tinha feito ainda. Chegou a seu quarto sem tropeçar com ninguém e ali abraçou a Legião fortemente antes de lhe pedir que fosse ao salão desgrenhado que Maddox tinha construído para ela.

     –Fique aqui. —disse, se aproximando de seu armário.

     Em questão de segundos, esteve carregado de facas. Quis agarrar uma arma, só no caso de necessitar, mas não queria que a humana, qualquer que ele escolhesse, tivesse acesso a ela enquanto ele estava preocupado pelo vôo.

     –Mas, mas... Mim acaba de chegar. Senti sua falta.

     –Sei, e também senti falta de você. Mas a gente do povo já me tem medo. Acredito que haveria distúrbios se nos vissem os dois. — e era certo, nunca se tinha tido a mesma reverência ao Aeron por seu rosto tatuado que ao resto dos guerreiros— Preciso encontrar uma mulher para Paris e trazê-la voando aqui.

     –Mas você podesssss nos trazer às duas. Mim e ela.

     –Não. Sinto muito.

     –Não! —estampou um de seus pés no chão fortemente, com os olhos vermelhos brilhantes— Não quero a uma mulher só com você.

     Sabia que não eram ciúmes em sentido romântico, a não ser ciúmes como os de uma criança cujo pai voltou a casar.

     —Já falamos a respeito disto, Legião. Eu não gosto das mulheres humanas.

     Quando se entregasse a uma mulher, seria a uma forte imortal, uma que fosse dura, resistente e que não se ferisse facilmente.

     Como podiam Paris e outros se meterem na cama com humanos, sabendo que estavam condenados pela enfermidade, a estupidez, a negligência ou a crueldade, ou outro tipo de coisa? Não sabia. Iam morrer. Sempre o faziam. Inclusive Ashlyn e Danika, a quem os deuses tinham prometido a imortalidade, tinham debilidades.

     –Não demorarei muito. —lhe disse— Tenho a intenção de agarrar à primeira mulher que encontre. Alguém que não seja atraente absolutamente para mim.

     Ela riscou com uma garra o tecido de veludo verde esmeralda.

     –Prometessss?

     –Prometo. —assegurou.

     Isto a acalmou um pouco.

     —OK. Mim sssse fica. Mim... —seus finos lábios se curvaram em uma careta.

     Um instante depois Aeron sentiu um par de invisíveis olhos indolentes nele. Quentes, curiosos, insistentes.

     Legião tremeu, empalidecendo a escalas, com o medo lhe cortando os rasgos.

     —Não, não!

     —Parte.— ordenou, e ela o fez sem vacilar, desaparecendo com apenas um pensamento.

     Lentamente girou procurando qualquer indício do... anjo?

     Não tinha nada, nem um trêmulo contorno, nem aromas divinos. Tudo estava como tinha estado sempre. Apertou a mandíbula. Queria tanto amaldiçoar à criatura, desafiá-la para que saísse e enfrentasse a ele. Mas não o fez. Não tinha tempo. Mais tarde, pensava...

     Tirou a camisa e a atirou ao chão, olhando para baixo, a seu tatuado peito. Batalhas, cenas, rostos. Não queria esquecer nunca as coisas que tinha feito. As pessoas a que tinha visto se massacrar. Pelo contrário, temia se converter no mesmo mal que sempre tinha estado combatendo. Se converteria em seu demônio, a Ira.

     Não tinha tempo para esses sombrios pensamentos. Com uma só ordem mental, suas asas se expandiram das ocultas frestas que tinha nas costas, negras, como tecidos de aranha, enganosamente frágeis na aparência, mas incrivelmente fortes. Nesse momento lhe pareceu escutar um suspiro feminino. Então, mãos quentes lhe acariciaram as asas, aprendendo cada curva, cada oco. Só com isso, seu membro se endureceu, um traidor a sua resolução.

     Infernos. Não. Desejo por um assassino de demônios? Não nesta vida.

     —Não me toque. —grunhiu.

     As mãos fantasmas se afastaram.

     Se só a criatura o obedecesse em tudo.

     –Se faz mal a meus amigos ou pensa em me roubar, te destroçarei, peça a peça. Será melhor que parta e não volte nunca.

     Não houve resposta. Mas esse olhar vermelho vivo se manteve. Chiando os dentes, se aproximou da porta dupla que dava a seu balcão com vistas a cidade.

     No exterior, o ar quente o envolveu, cheio de fragrantes aromas da natureza. As árvores se elevavam em torno da fortaleza, se estendendo até o céu. Na distância, podia ver os telhados vermelhos das lojas da cidade e a catedral. As suaves e cálidas mãos não voltaram a pousar nele, e estava agradecido por isso. Não estava decepcionado, se assegurou.

     Decidido, saltou do balcão. Caiu para baixo, muito abaixo. Agitou as asas uma vez e se levantou.  Outra vez, e se elevou mais alto. Ficou em ângulo para a esquerda, girando ao norte. Nesse momento a frente da fortaleza ficou à vista e viu Sabin saltando da caminhonete com uma inconsciente Gwendolyn cheia de sangue entre seus braços. Aeron quis parar para ajudar, mas agitou as asas mais rápido, mais forte. Paris estava em primeiro. Agora e sempre. Paris seria o primeiro.   

    

   Sabin pretendia conservar ao menos a um Caçador para interrogar, com talvez um pouquinho de tortura. Logo dispararam em Gwen e o desejo se fez fumaça. A segunda bala tinha sido acidental, mas a ira se apoderou dele, uma fúria que não tinha experimentado jamais. Então os massacrou como gado, um por um, abrindo suas gargantas sob a escorregadia pressão de sua faca. Não lhe tinha parecido suficiente nesse momento, nem agora tampouco.

     De caminho à fortaleza tinha telefonado a Lucien, que transportou a Maddox e Strider até a cena para fazer uma limpeza, voltando depois para recolher Gideon e Cameo que procuraria a qualquer Caçador que pudesse estar rondando pelos arredores. Tristemente, não acharam rastros de nenhum. Isso não significava que não havia, só que estavam bem escondidos.

     Ele queria massacrar outra dúzia ou mais.

     Gwen tinha recuperado a consciência só um punhado de vezes nos últimos dois dias. Ao encontrá-la tão incoerente, uma e outra vez se debatia: Levá-la ao hospital na cidade, ou tê-la aqui com ele? No final, sempre escolhia mantê-la em seu dormitório. Não era humana. Os doutores poderiam lhe fazer mais mal que bem.

     Mas por que não se recuperava mais rápido? Era imortal, uma Harpia. Anya conhecia a raça e jurava que eles saravam tão rápido como os Senhores. Mas embora tivesse extraído as balas, as feridas em Gwen seguiam abertas, em carne viva.

     Depois de estar revoando sobre ela esta manhã, Danika e Ashlyn lhe tinham sugerido que a colocasse na Jaula da Coação e ordenasse a ela que se recuperasse. Finalmente, esperançado, o tinha feito. Mas ela só piorou. Não se supunha que a jaula funcionasse assim e isso o fez se dar conta que embora soubessem para que servia o artefato, em realidade ainda ficava muito por aprender.

     Sabin tentou invocar a Cronos, mas evidentemente o rei deus o estava ignorando. Malditos deuses. Só apareciam quando necessitavam algo. Nestes momentos Sabin rogava que as irmãs de Gwen aparecessem. Elas saberiam o que fazer, se primeiro não provocavassem um açougue com os habitantes da fortaleza. O número que ela tinha discado no outro dia ficou registrado em seu telefone, assim que ele o tinha discou também, para solicitar ajuda, para dizer às garotas que se apressassem. Mas a mulher que respondeu quase estalou em chamas quando descobriu que não era Gwen quem chamava. E quando Sabin foi incapaz de pô-la ao telefone, as ameaças a sua dignidade começaram.

     Não era um bom augúrio do que se viria.

     —Posso te trazer algo?

     A pergunta proveio da porta e Sabin saltou pela surpresa. Normalmente, uma aranha não se aproximaria sem que ele soubesse. Ultimamente qualquer um ou algo podia. Malditos Caçadores. Tinham estado à espreita no povoado, lhe observando, esperando que cometesse um engano para poder lhe arrebatar Gwen. E ele não tinha se informado.

     —Sabin?

     —Sim. —Jazia na cama, com Gwen encaixada a seu lado, que ao menos, tinha deixado de gemer de dor. Era minha responsabilidade e lhe falhei. Pior ainda, tinha lhe prometido que os Caçadores não voltariam a machucá-la. Tinha prometido? Se não foi assim, deveria fazê-lo. A culpa o estava carcomendo.

     "Esperava algo menos?"

     Dúvida tinha dirigido toda sua maldade para ele de um tempo a esta parte, sem lhe dar um momento de descanso.

     —Sabin.

     Com as mãos em punhos, olhou para Kane, que estava parado na entrada. Cabelos escuros, olhos amendoados. Levava uma mancha branca em sua maçã do rosto esquerdo. Certamente gesso. Os tetos adoravam se derrubar sobre o guardião do Desastre.

     —Está bem?

     —Não. —Deveria estar planejando seus próximos movimentos contra o inimigo. Deveria estar com seus homens, se preparando para a batalha. Deveria estar nas ruas, de caçada. Em troca, mal podia se obrigar a deixar o quarto. Se não tinha os olhos postos em Gwen, se não estava olhando seu peito subir e baixar, sua mente se fundia, incapaz de enfrentar Duvida com a lógica.

     Que diabos andava mal com ele? Era só uma garota. Uma garota que ele queria utilizar. Uma garota que muito provavelmente morreria lutando contra seu inimigo, uma garota a que tinha pedido que lutasse contra seu inimigo. Uma garota que não podia ter. A que conhecia há pouco tempo.

     Estar com ela agora, cuidando-a, não era pô-la por cima de sua missão, dizia a si mesmo. Depois que a treinasse seria uma arma assassina. Não haveria forma de detê-la. Por isso estava aqui, sem poder se afastar, desesperado para que se recuperasse.

     —Como se encontra? —perguntou uma voz feminina de repente.

     Pestanejou enquanto tratava de se concentrar, de novo. Diabos mas sua mente vagava muito nos últimos dias. Ashlyn e Danika tinham retornado, já perdeu a conta das vezes que o visitaram, e agora estavam de pé junto a Kane.

     —Se mantém estável. —por que não estava melhorando, maldita seja?— Como resultou a reunião? —Devido ao ataque tinha sido postergada até esta manhã.

     Kane deu de ombros, e a ação deve ter zangado ao abajur de vanto mais afastado porque a lâmpada faiscou. Logo explodiu. As mulheres gritaram e saíram do caminho. Acostumado a tais coisas, Kane seguiu como se nada tivesse passado.

     —Todos estamos de acordo. Não há maneira que Baden possa estar com vida. Todos sustentamos sua cabeça em nossas mãos antes de queimá-la. Ou alguém se faz passar por ele, ou esparramaram o rumor para nos distrair de nosso objetivo.

     O último tinha mais sentido. Muito típico dos Caçadores. Por não ser tão fortes como os guerreiros, sua melhor arma era o engano.

     Danika se aproximou até Gwen e retirou o cabelo do rosto da bela adormecida. Ashlyn se uniu a ela e apertou uma de suas mãos, provavelmente tentando de lhe emprestar algo de sua força a esse pequeno e frágil corpo. Tal preocupação o comovia. Elas não a conheciam, não realmente, ainda assim lhes importava. Porque lhe importava.

     —Galen é consciente de que sabemos que ele lidera aos Caçadores. —disse a Kane— Por que não voltou a atacar?

     —Deve estar tramando algo, provavelmente. Reunindo suas forças. Esparramando mentiras a respeito de Baden para nos confundir, definitivamente.

     —Bem, vou matá-lo.

     —Talvez antes do que imagina. O vi ontem à noite em meus sonhos. — disse Danika sem levantar a vista— Estava com uma mulher. A cena era tão vívida que a pintei ao despertar esta manhã. Quer vê-la?

     Pobre Danika. Enfrentava a horripilantes visões quase todas as noites. Demônios torturando almas, deuses batalhando com outros deuses, seres queridos morrendo. Uma humana tão delicada como era, os horrores de que era testemunha deviam aterrá-la, entretanto as suportava com um sorriso porque ajudavam à causa de seu homem.

     O que faria Gwen se tivesse tais visões? Se encontrou, se perguntando. Tremeria como aquele dia na pirâmide? Ou atacaria, com os dentes nus, como a Harpia que tinha nascido para ser?

     —Sabin? —Perguntou Kane— Sua distração está acabando com nossos egos.

     —Sinto muito. Sim, por favor. Quero vê-las.

     Danika ia ficar de pé, mas Kane a deteve.

     —Fique. Eu a trago. —Desapareceu pelo corredor, para retornar uns minutos depois sustentando um tecido que tinha a longitude de seu braço. Ao estendê-lo, a luz se refletiu nas cores escuras.

     Parecia ser uma espécie de cova, as rochas irregulares salpicadas de vermelho e fuligem. Alguns ossos estavam esparramados pelo chão coberto de ramos e sujeira. Humanos, o mais provável. E ali, na esquina mais afastada, estava Galen, com suas asas emplumadas desdobradas. Sua cabeça pálida enfrentava ao espectador e sustentava um… Sabin teve que se esforçar para ver. Um pedaço de papel?

     Tinha uma mulher a seu lado, embora só um visse seu perfil. Era alta, magra, com cabelos negros. Sangue caía da comissura de seus lábios. Ela também examinava o papel.

     —Nunca antes a tinha visto.

     —Nenhum de nós. —disse Kane— Embora haja algo estranhamente familiar a respeito dela, não acredita?

     Sabin estudou o quadro mais de perto. Nenhum de seus traços lhe era familiar, não. Mas a forma em que franzia o cenho… a dobra na esquina de seu olho… talvez.

     —Desejaria ter tido uma melhor vista dela. — expressou Danika.

     —Que tenha visto algo sequer é um milagre. — lhe assegurou Ashlyn.

     Kane assentiu.

     —Torin escaneará seu rosto no computador, aplicará algo de sua magia nelas para formar uma composição completa e tratará de averiguar quem é. Se for imortal, com segurança não estará em nenhuma base de dados humana, mas vale a pena tentá-lo.

     —Por que estão no quadro? —perguntou Sabin, tirando a mulher de sua mente e se concentrando no que o rodeava.

     —Não estamos seguros, mas o estamos investigando também. —Kane apoiou a pintura sobre a ponta de suas botas. — Encontrar Galen se converteu na Prioridade número Um. —Se conseguimos matá-lo, acreditam que podemos pôr fim aos Caçadores de uma vez por todas. Sem seu guia a respeito de todo o imortal, virão abaixo.

     Gwen se moveu junto a ele, lhe esfregando a coxa com o joelho.

     Ele se congelou, sem se atrever sequer a respirar. Queria-a acordada, mas não queria que sentisse dor. Entretanto, passaram vários minutos e ela continuou como estava.

     "Com certeza vai morrer".

     "Te apodreça".

     "Você tem a culpa, não eu".

     Isso não podia refutar.

     —E a nossa busca da caixa? —perguntou a Kane— O que há a respeito das instalações de treinamento ou internato ou o que seja que fosse para as crianças mestiças? Além disso, quero retornar ao Templo dos Inomináveis, para revistá-lo de novo. —O templo estava em Roma e fazia pouco tinha sido emerso do mar, um processo que começou quando os Titãs derrocaram aos gregos e tomaram o controle dos céus. Graças a Anya, sabia que tinham a intenção de usar os templos como lugares de adoração, uma forma de retornar o mundo ao que foi uma vez: o pátio de jogos dos deuses.

     —Essas são as prioridades dois, três e quatro. —respondeu Kane— Embora conhecendo Torin, está realizando várias buscas em diferentes computadores. Uns dias mais e estaremos de volta em ação.

     Gwen já estaria recuperada então?

     —Alguma novidade sobre o terceiro artefato? —Às vezes não tinha suficientes horas no dia para fazer tudo o que se precisava fazer. Brigar com os Caçadores, procurar relíquias antigas dos deuses, continuar com vida. Sarar a uma mulher diminuta.

     —Ainda não. Maddox e Gideon levarão Ashlyn até o povoado e ela tratará de escutar.

     Com sorte, os Caçadores que vieram atrás de Gwen teriam falado a respeito de seus planos. Como por exemplo, aonde pensavam levá-la. Ele voaria o lugar, só por questão de princípios.

     —Me mantenha a par de qualquer progresso.

     Kane voltou a assentir.

     —Considera-o feito.

     —Sabin.

     Era uma áspera, áspera súplica, e provinha de Gwen. Ele girou a cabeça para ela justo quando seus olhos piscavam, tentando de enfocar a vista.

     O coração de Sabin se acelerou, sua pele se sentia tirante, seu sangue quente.

     —Está despertando. — anunciava Danika, emocionada.

     —Talvez devessemos… — Kane apertou os lábios enquanto a metade inferior da pintura caía para o chão. Carrancudo, recolheu a peça solta— Sinto muito, Danika.

     —Não se preocupe. —Levantando-se de um salto, cortou a distância entre eles e com suavidade tomou as peças de mãos de Kane— Podemos unir com fita.

     Ashlyn foi junto a eles, esfregando o ventre em crescimento durante o caminho.

     —Vamos. Demos a estes dois um pouco de privacidade.

     E com isso partiram, fechando a porta atrás deles.

     —Sabin? —um pouco mais forte esta vez.

     —Aqui estou. — deslizando seus dedos acima e abaixo pelo braço de Gwen, ofereceu-lhe todo o conforto que podia. Seu alívio era evidente— Como se sente?

     —Dolorida. Fraca. —Esfregou os olhos para afastar o sono deles e estudou a si mesma de uma olhada. Uma camiseta negra a cobria pelo que suspirou aliviada— Quanto tempo estive inconsciente?

     —Uns quantos dias.

     Gwen passou uma mão sobre seu rosto caído, ainda muito pálido para seu gosto.

     —O que? De verdade?

     Sua surpresa foi genuína.

     —Quanto tempo leva normalmente se recuperar?

     —Não sei. —Fraca como estava, não era capaz de sustentar seu braço, o qual caiu para um lado— Nunca antes estive ferida. Diabos, não posso acreditar, que tenha ficado adormecida.

     Sua declaração o deixou perplexo.

     —Isso é impossível. O de “nunca antes estive ferida”. —Todos, incluindo imortais, se raspavam os joelhos, golpeavam a cabeça, ou rompiam algum osso em algum ponto de suas vidas.

     —Com irmãs como as minhas, me protegendo em todo momento, não o é.

     Assim que suas irmãs fizeram um melhor trabalho, mantendo a salvo, que ele. Isso doía.

     "Esperava algo diferente?"

     "Odeio-te o dia de hoje, sabia não?" Elas deixaram que a capturassem, recordou a si mesmo. Ele a tinha resgatado.

     —Acreditei ter dito que ficasse no carro. — encontrou a si mesmo grunhindo.

     Olhos âmbar se detiveram nele, um pouco empanados pela dor, mas em sua maioria debruados em aborrecimento.

     —Me disse que ficasse no carro ou que o ajudasse. Escolhi te ajudar. —Com cada palavra, sua voz se voltava mais fraca. Seus olhos piscavam de novo, preparados a para fechar para outro longo descanso.

     A raiva de Sabin se esfumou.

     —Fica desperta por mim. Por favor.

     Seus olhos se abriram pela metade e seus lábios formaram um sorriso caído.

     —Eu gosto quando roga.

     Não proporcionava nada bom que de repente estivesse ansioso de rogar uns quantos beijos.

     —Necessita algo que te ajude a permanecer acordada? —Graças a Anya, Danika e Ashlyn tinha tudo o que um paciente pudesse desejar na mesinha de noite— Água? Calmantes para a dor? Comida?

     Gwen lambeu os lábios e seu estomago ressoou.

     —Sim, eu… não. —Tinha desejo em cada palavra— Nada. Não necessito nada.

     Suas malditas regras, se deu conta. Embora ele não estivesse com fome, tomou um sanduiche de peru e mordeu um de seus cantos. Levantou o copo de água até seus lábios e bebeu.

     —Isto é meu, mas o resto é para você. — lhe disse, apontando um recipiente que continha uvas.

     —Já disse. Não tenho fome.

     Nem um momento sua atenção se desviou da comida nas mãos de Sabin.

     —Bem então. Comeremos mais tarde. —Pôs o sanduíche e o copo de volta na bandeja e pegou seu celular, como se não pudesse esperar mais para mandar uma mensagem de texto importante— Será só um momento.

     Se afastou rodando da fraqueza de seu corpo e se sentou, ficando a teclar: T, me chame quando houver nova info.

     A resposta foi quase instantânea: Dah.

     Quando voltou a se recostar, o sanduíche tinha desaparecido e o copo estava vazio. Nunca a viu se mover. Fingiu não notar a comida que faltava enquanto colocava o telefone no bolso.

     —Seguro que não necessita nada?

     Ela tragou ruidosamente e ele quase riu.

     —Necessito um banho. E uma ducha.

     —Nada de duchas. Não sem mim. Está tão fraca que cairia. —Sabin a levantou nos braços. Esperava que ela protestasse, mas em troca afundou a cabeça no oco de seu pescoço. Tão confiada. Maldito se não gostava.

     —Não tomarei banho então. Passam coisas quando tomamos banho juntos.

     Como se ele necessitasse que o recordassem.

     —Saberei me controlar. —disse.

     —Mas e seu demônio? Não tenho a fortaleza para enfrentá-lo. Só… me dê dez minutos. —disse quando Sabin a pôs sobre o chão. Seus cabelos estavam enredados ao redor de sua cabeça— Venha me resgatar só se ouvir ossos golpeando a porcelana —adicionou enquanto agarrava a pia para se equilibrar.

     Sabin sentiu que seus lábios se retorciam, mais que aliviado de que Gwen estivesse o suficientemente forte para brincar com ele.

     —Farei.

     Nove minutos mais tarde, saiu com o rosto úmido e fragrância a limões emanando dela. Sabin sentia água na boca por prová-la mais completa e profundamente que a última vez. Tinha escovado o cabelo e agora caía sobre suas costas.

     —Se sente melhor?

     O olhar de Gwen permaneceu fixo no chão e suas bochechas brilhavam com cor.

     —Muito melhor. Obrigada. —Tentou caminhar, mas seus joelhos cederam.

     Sabin a tinha segura contra seu peito antes que pudesse cair ao chão. Uma vez mais ela recebeu com gosto seus cuidados. E ele também.

     —Me deram uma lição, não é. — disse Gwen, gemendo quando seu ombro ferido tocou os lençóis.

     —Sim. —Sabin ficou parado junto à cama, com os braços cruzados sobre o peito— Mas podemos remediá-lo. Eu a treinarei. — Já seja que volte ou não a lutar algum dia, necessitava as habilidades para proteger a si mesma.

     Já seja que volte a lutar ou não… acaso é questionável agora? Acreditei que queria que lutasse, sem importar o que. Não podia culpar a Duvida pela indecisão. Era toda dela.

     —De acordo. —disse surpreendendo-o. Suas pestanas se fechavam novamente— Te deixarei me treinar, porque tinha razão. Eu gosto da idéia de machucar Caçadores.

     Não era a resposta que esperava dela.

     —Poderia mudar de opinião antes que termine com você. A machucarei, embora não intencionalmente, a farei sangrar e a dobrarei. —Mas ela sairia mais forte graças a isso, assim não o poria fácil.

     Está tentando fazê-la mudar de idéia?

     Não, só queria que estivesse preparada. Ele não estava condicionado, como os outros guerreiros, para ver as mulheres soldados como fracas, frágeis e com necessidade de amparo. Tampouco as consentia e nunca o faria. Possivelmente por isso Cameo tinha escolhido ir com ele, quando se separou do grupo de Lucien. Inclusive tratava às mulheres Caçadoras como aos homens. Tinha torturado a umas quantas? Seguro. E não se arrependia. Voltaria a fazer mais se fosse necessário.

     Com Gwen entretanto, estava um pouco incômodo. Ela não era outra mulher soldado qualquer e não era seu inimigo.

     Não obteve resposta.

     —Gwen?

     Um suspiro baixo. Tinha voltado a dormir. Sabin acomodou o cobertor e se deitou junto a ela, resignado já à tarefa familiar de esperar que ela despertasse.

    

     —Se mova, embora seja um centímetro e cortarei sua maldita cabeça.

     Sabin despertou imediatamente. Um aço frio lhe pressionava a jugular, uma gota de sangue escorregava por seu pescoço. Seu quarto estava escuro, as cortinas cobriam as janelas. Respirou profundamente e captou um aroma… Mulher. A intrusa cheirava a gelo e céus ventosos. Longos cabelos faziam cócegas em seu peito nu.

     —Por que minha irmã está em sua cama? E por que está dormindo… e ferida? Não me diga que está bem ou o farei comer sua própria língua.

     As outras Harpias tinham chegado.

     Ao que parecia tinham passado através da segurança de última geração de Torin sem nenhum problema, pois nenhum dos alarmes estava soando. Mais provas de que necessitava destas mulheres em sua equipe, assumindo que ainda tinha uma equipe.

     —Meus homens ainda respiram?

     —Por agora. —O fio pressionou mais profundo— E bem? Estou esperando e não sou a mais paciente das criaturas.

     Sabin permaneceu completamente imóvel, nem sequer tentou tomar a arma sob seu travesseiro. "um pouco de ajuda aqui", disse a Dúvida.

     "Acreditei que me odiava".

     "Só faça seu trabalho".

     Podia jurar que ouviu o demônio suspirar dentro de sua cabeça.

     "Está segura de que quer machucar a este homem?" perguntou Dúvida à Harpia. "O que acontece se for o amante de Gwen? Poderia te odiar para sempre".

     A mão tremeu sobre o pescoço de Sabin, apenas afrouxando a pressão.

     Bom menino. Era em momentos como este, os que o faziam apreciar a beleza de sua maldição.

     —Ela está aqui porque assim o quer. E está ferida porque meu inimigo veio atrás de nós.

     —E você não a protegeu?

     —Olhe quem o diz. —Apertou os dentes— Não. Não o fiz. Mas aprendo de meus enganos e nunca voltará a ocorrer.

     —Disso pode estar seguro. Deu-lhe sangue?

     —Não.

     Um grunhido injuriado ressoou.

     —Com razão está adormecida com você no quarto! Faz quanto que foi ferida?

     —Três dias.

     Uma exclamação indignada.

     —Necessita sangue, idiota. De outra forma nunca se reporá.

     —Como sabe? Ela me disse que nunca tinha sido ferida.

     —OH, sim que o esteve, ela simplesmente não recorda. Nos asseguramos disso. E só para que saiba, vai pagar por cada arranhão em seu corpo. Ah, e se me inteiro que está mentindo, que foi você quem a machucou…

     —Eu, pessoalmente, não a machuquei. —Ainda. A idéia o golpeou como nenhuma outra coisa poderia fazê-lo.

     A Harpia o olhou dos pés a cabeça.

     —Olhe, posso estar impressionada pelas histórias que ouvi sobre você, mas isso não significa que seja tão estúpida para confiar em você.

     —Fala com Gwen então.

     —Farei. Em um minuto. Assim, me diga. Qual demônio é você?

     Sabin debateu a sabedoria de responder ou não. Se dizesse a verdade, ela saberia como proteger a si mesma de Dúvida.

     —Estou esperando. —A ponta da faca pressionou em sua carótida.

     Que diabos. Decidiu. Se fosse obrigado a desatar seu demônio, ela não teria nenhuma oportunidade, embora soubesse quem era. Ninguém a tinha. Nem sequer ele.

     —Estou possuído por Dúvida.

     —OH. —Tinha decepção em seu tom?— Tinha esperança de que fosse Sexo, ou como é que o chamem. As histórias de suas conquistas são minhas favoritas.

     Sim, era decepcionante.

     —Os apresentarei. —Talvez uma boa foda com Paris melhorasse a atitude da mulher. Embora nesse caso, talvez uma boa foda com a mulher melhorasse a atitude de Paris.

     —Não se incomode. Não estarei aqui o suficiente para deixar alguma lembrança. Gwen. —No momento seguinte, o corpo de Gwen estava sendo sacudido junto a ele.

     A maldita irmã a estava sacudindo, grunhiu Sabin, agarrando ao pulso da Harpia.

     —Alto. Fará-lhe mais mal.

     Abruptamente a faca se afastou, a Harpia liberou de um puxão seu pulso e a luz se acendeu. Os olhos de Sabin lacrimejaram e pestanejou. A Harpia estava uma vez mais sobre seu pescoço, mas ele nem tinha tido tempo de se mover.

     Quando clareou sua visão, observou-a. Era encantadora, com a pele tão luminosa como a de Gwen. Mas por alguma razão, não o deixava pasmo, não o afligia a necessidade de se deitar com ela. Tinha o cabelo vermelho brilhante, não com nervuras loiras como Gwen. Embora ambas tivessem os mesmos olhos âmbar-cinza e a mesma boca sensual. Entretanto, onde Gwen esbanjava inocência, esta mulher vibrava com séculos de sabedoria e poder.

     —Escuta. — começou, só para ser silenciado pela faca que cortava através de sua pele.

     —Não. Escuta você. Meu nome é Kaia. Se alegre que eu seja quem leva a faca, em lugar de Bianka ou Taliyah. Você telefonou a Bianka, se negou a deixá-la falar com Gwennie, e agora ela quer te golpear, com seus próprios membros. Taliyah quer alimentar nossas serpentes com você, pedaço a pedaço. Eu, estou disposta a te dar a oportunidade de se explicar. O que pensava fazer com ela?

     Sabin podia falar. Lhe dizer o que queria saber, mas não o faria. Não assim. Se as irmãs de Gwen iam ficar pelos arredores, apesar da fúria de Kaia ele acreditava que sim o fariam, e se elas iam brigar com ele, tinha que reafirmar a si mesmo como líder.

     Sem que um músculo sequer a alertasse de seus planos, Sabin atraiu Kaia sobre ele. A faca se afundou mais profundo, tocando um tendão, mas isso não o deteve. Rodou sobre ela, os afastando de Gwen, e a esmagou contra a cama com o peso de seus músculos.

     Em lugar de lutar contra ele, ela riu, o som tilintante foi doce para seus ouvidos.

     —Espetacular movimento. Com razão está em sua cama. Embora deva dizer que me decepciona um pouquinho que não tenha ido por minha cabeça. Esperava mais de um Senhor do Submundo.

     Os movimentos do colchão devem ter finalmente despertado Gwen, porque ofegou brandamente.

     —Kaia? —disse com voz rouca.

     Kaia redirigiu sua tensão, com um belo sorriso brincando em seus lábios.

     —Olá, bebê. Tempo sem te ver. Sei que me acredita zangada com você, agora mesmo, por te haver encontrado adormecida, mas se equivoca. Sei quem é o verdadeiro culpado. De fato, seu homem e eu justo estávamos arrumando alguns detalhes a respeito de sua estadia aqui. Como está?

     —Está debaixo dele. Está debaixo de Sabin. —As negras pupilas de Gwen começaram a derramar-se sobre o dourado… o branco… Suas unhas estavam se alongando, mais afiadas. Seus dentes brilhavam ameaçadores na luz.

     Kaia ficou com a boca aberta.

     —Ela está… de verdade está…

     —Sim. Voltando-se Harpia. —Merda. Sabin empurrou Kaia fora da cama com todas suas forças. Ela aterrissou no chão com um estrondo, mas não lhe importou. No instante em que seus braços estiveram livres, atraiu Gwen para o calor de seu corpo, com uma mão começou a lhe percorrer brandamente o pescoço e o rosto, enquanto a outra acariciava os suaves contornos de seu abdômen, onde a camiseta tinha se levantado.

     Aquelas garras se aferraram a seus ombros, afundando-se até o osso, mas ele não reagiu à dor. Ela podia ter feito algo pior, muito pior.

     —Só estávamos falando. Não ia machucá-la. Subi sobre ela para tirar a faca do meu pescoço, nada mais. Ela está aqui para te ajudar, quer o melhor para você.

     —Você a quer? —perguntou Gwen com voz áspera.

     Um bastardo como era, se sentiu agradado com seu ciúmes.

     —Não, não a quero. E ela tampouco me quer. Juro. Você sabe que só quero a você.

     Com a extremidade do olho viu que Kaia tinha se posto de pé e agora os estava olhando encantada.

     Gradualmente, as unhas de Gwen se retiraram, deixando cortes profundos e sangrentos. Seu olhar clareou. E durante todo o tempo, Dúvida permaneceu, estranhamente, calado. Completamente silencioso, como se tivesse se escondido no mais profundo da mente de Sabin.

     —Uau. — disse finalmente Kaia e tinha algo em seu tom— Impressionante. Acalmou a fúria de uma Harpia. Sabe o que isso significa, não é?

     Nem sequer lhe dirigiu um olhar. Sua atenção estava em Gwen e deslizando uma mão por sua perna, acomodou o joelho para tê-la sobre o quadril, embalando as partes inferiores de seus corpos juntos.

     —Não, não sei.

     —É o consorte de minha irmã. Felicitações.

    

   Gwen nunca tinha estado tão nervosa em toda sua vida. Nem quando estava em sua cela. Nem quando enfrentou aos Caçadores junto a Sabin.

     Depois de observá-lo acalmar a Harpia, Kaia tinha chamado Bianka e Taliyah com um agudo assobio. Aparentemente, as irmãs tinham estado no corredor, se assegurando de que ninguém se aproximasse enquanto Kaia resgatava Gwen. Então as três se entrincheiraram no quarto para ter um pequeno “bate-papo” com ele.

     —Ninguém mais sabe que estamos aqui, — tinha dito Bianka— assim seremos apenas nós cinco.

     Gwen tivesse protestado ante o bate-papo que se iniciava e o isolamento, este tipo de cenário sempre terminava em derramamento de sangue com as Skyhawks, mas várias coisas a detiveram. Um: Sabin a segurava com força, mantendo-a pega ao seu lado. Por que? Pensava que correria com suas irmãs e lhes exigiria que acabassem com ele? Dois: estava tão fraca como um gatinho recém-nascido, apenas capaz de manter os olhos abertos. Além disso, seu ombro e peito ardiam dolorosamente. Se Sabin a tivesse soltado, teria caído contra a cabeceira. E três: tinha intenção de ser valente uma vez mais e atuar como escudo ante Sabin, se suas irmãs, que estavam enfurecidas pela forma em que as tinham tentado e pareciam ter esquecido, muito convenientemente, que uma vez admiraram aos Senhores, vinham por ele…

     Por que lhe importava, não sabia. Faz apenas uns minutos tinha estado abraçando Kaia, não é? A lembrança era imprecisa, como se tivesse visto o casal em uma tela e não na vida real. Real ou não, entretanto, tinha lhe irritado muitíssimo. Sabin pertencia a Gwen. Por agora, ao menos. E não porque tinham tomado banho juntos e lhe tinha dado o melhor orgasmo de sua vida. Mas sim porque, bem, não sabia. Só era assim.

     —Antes de começar a falar, nos ocupemos de nossa pequenina. — Kaia caminhou para ela, cortando o pulso no caminho e o dirigindo para a boca de Gwen— Bebe.

     Ela tinha bebido de suas irmãs durante sua infância, “para estar protegida de qualquer ferida que possa ter”, sempre lhe diziam. Elas mesmas bebiam de qualquer noivo que teriam nesse momento para ir a uma batalha ou algum tipo de trabalho. Assim não era uma ordem fora do comum. Depois de tudo, os vampiros não eram a única raça que necessitava sangue, embora as Harpias só necessitassem para sarar ou melhorar lesões. Mas mal colocou seus lábios sobre a ferida que sangrava Sabin a puxou pelo pescoço e a girou para ele.

     —Ouça! —grunhiu Kaia.

     Seu pescoço tinha um corte profundo e comprido, o qual reabriu com uma passada de sua unha afiada.

     —Se Gwen precisa beber sangue, beberá de mim.

     Não deu tempo a ninguém para protestar, aproximou-a de um puxão, lhe sustentando a cabeça completamente imóvel para evitar que se afastasse. Como se fosse fazê-lo. Gwen, agora mesmo, podia cheirar a doçura de seu aroma. Limões e sangue. Encheu-lhe o nariz, se filtrou em seus pulmões e se pulverizou por todo seu ser, deixando passar um formigamento quente.

     Incapaz de deter a si mesma, enchendo a boca de água, riscou ao longo da ferida com a língua. Êxtase. Uma sobremesa frutífera. Fechando os olhos e se acomodando contra seu corpo, se abraçou a ele para mantê-lo cativo, lhe encerrando as pernas com seus joelhos. Seu lado angélico sabia que isto estava mau, que não deveria fazê-lo e certamente não deveria gostar, mas seu lado Harpia cantava feliz, desesperada por mais, pois nada tinha melhor sabor que isto. Tinha sabor de céu e inferno, a perfeito e perverso, e a segura perdição.

     E assim continuou bebendo, levando o líquido excitante a sua boca e descendo por sua garganta. Com cada gole retornava um pouco mais de sua força. A dor de suas feridas começou a minguar, a malha voltando a religar-se. Como tinha podido viver sem isto? Felizmente, o sangue não devia ser roubado para desfrutá-lo. Era com fins medicinais, não alimentícios. Devia ter pensado antes em beber de Sabin.

     Durante todo o processo, Sabin se manteve quieto. Entre suas pernas, entretanto, podia sentir a dura longitude de sua ereção. Seus dedos tinham se instalado em seus quadris e a estavam apertando fortemente, mantendo-a imóvel.

     Gwen podia ouvi-lo respirar agitadamente em sua orelha, podia ouvir alguns de seus pensamentos: Sim, sim, mais, não se detenha, tão bom, devo… cama… logo… minha. Ou talvez fossem seus próprios pensamentos.

     —Não o sangre, irmãzinha. — advertiu Bianka, atravessando a bruma em que a envolveu seu novo vício— Temos umas quantas perguntas para ele, primeiro.

     Unhas se afundaram em seu couro cabeludo e sua cabeça foi arrancada do pescoço de Sabin. Gwen gritou, gotas de sangue jorravam de entre seus lábios abertos.

     Um grunhido baixo ressoou na garganta de Sabin, fulminando com o olhar a Bianka enquanto apertava seu agarre nos quadris de Gwen.

     —Toque-a dessa maneira uma vez mais e estará dizendo adeus a suas mãos.

     Sorrindo, Bianka retorceu uma mecha de seu cabelo negro ao redor de um dedo.

     —Esse é o Senhor do Submundo do que tanto ouvi. Quase posso acreditar que o fará, demônio. Venha, tenta-o.

     —Nunca faço uma ameaça que não tenho a intenção de cumprir. — disse, girando Gwen e apertando-a a seu flanco novamente.

     Gwen quase ficou a gemer. Suas irmãs nunca, nunca, rechaçavam uma provocação.

     —Estou tão contente de que estejam aqui. — disse, com a esperança de distraí-los.

     —O garoto não está cuidando bem de você? —Kaia passeou pelo quarto, levantando os objetos, abrindo as gavetas das penteadeiras— Oh, genial. Cuecas negras, são minhas favoritas. — inclusive chegou a se agachar em frente ao baú de armas de Sabin, rompeu a fechadura com um giro de seu pulso e levantou a tampa— Humm, olhem o que encontrei.

     —Está me cuidando bem. — disse Gwen, saindo estranhamente em sua defesa.

     Ele a tinha liberado de seu cativeiro, protegido e planejava lhe ensinar como se defender. O assunto com os Caçadores foi tudo culpa dela. Deveria ter ficado no carro. Embora não pudesse se arrepender de ter saído para ajudar. Ele estava vivo. A salvo.

     Está sendo sincera com suas irmãs? Porque posso pensar em várias ocasiões em que Sabin…

     —Sinto muito. — resmungou Sabin.

     Menos mal que tinha calado ao estúpido demônio, porque a Harpia tinha começado a chiar imediatamente em que sua voz lhe invadiu a cabeça.

     Bianka se uniu a Kaia no baú e começaram com oohhs e aahhs ao ver cada pistola e faca. As armas eram sua kriptonita. Taliyah se aproximou ao lado da cama, olhando-a fixamente, com a expressão ilegível, sem emoções. Ninguém era mais formosa que Taliyah. Possuía cabelos brancos, pele branca e olhos do azul mais pálido. Era como uma rainha de gelo, e várias pessoas, de fato, tinham lhe acusado de ter gelo em suas veias. É obvio, não tinham vivido muito depois disso.

     —Conheço sua situação com os Caçadores. — começou dizendo a Sabin— Ouvi histórias de sua ferocidade e o admirei por isso. Inclusive tinha esperanças de te conhecer. Mas agora só quero te matar por ter metido a minha irmã nesta confusão. Ela não é uma lutadora.

     —Pode sê-lo. — vários segundos passaram, mas Sabin não adicionou nada mais. Não tentou se defender das acusações.

     Deixaria assim? Deixaria que pensassem que tinha se metido com ela e a colocado em perigo sem razão alguma antes que dizer a verdade, que ela tinha sido uma estúpida, que tinha sido apanhada e enjaulada? Que ele a tinha salvado. Se lhes dizia a verdade, garantiria sua participação nesta guerra. Uma guerra que ele punha acima de tudo em sua vida, inclusive do amor. Por que o faria? Por ela?

     De repente, lagrimas ardiam em seus olhos, ameaçando se derramar. Bom, podia fazer algo por ele.

     —De fato, os Caçadores me meteram nisto. — admitiu, retorcendo os lençóis.

     —Gwen. — Sabin advertiu.

     —Elas precisam saber tudo.

     Pelo bem de Sabin e o seu próprio. Se armando de coragem, relatou a suas irmãs tudo sobre seu confinamento, sem deixar nenhum detalhe de lado. Enquanto falava, as lágrimas caíam livremente. Foram só uns minutos, mas foram os mais humilhantes de sua vida. Sabin, como suas irmãs, admirava a força. A ferocidade. E aqui estava ela, demonstrando sua debilidade às únicas pessoas que lhe importavam.

     Ele a surpreendeu, ao secar meigamente as gotas salgadas que caíam por suas bochechas com a ponta do polegar. Isso a fez chorar mais.

     Quando acabou, o silêncio enchia o quarto. A tensão se sentia no ar, o tempo tinha se detido e podiam ouvi-lo ranger.

     Taliyah foi a primeira a falar.

     —Como a apanharam?

     A frieza de sua voz enviou um calafrio através de Gwen.

     —Tyson esqueceu seu celular uma manhã, ao sair para o trabalho e eu sabia que o necessitaria. Mas ele estava muito longe, na rua, para que pudesse alcançá-lo na velocidade humana assim… — tragou saliva. Um engano estúpido, do que tinha se arrependido cada dia após— Usei minhas asas e cheguei antes que ele chegasse a seu escritório. Caçadores me viram quando me detive, pensaram que apareci magicamente, embora não soube então. Suponho que me seguiram até em casa, esperaram até a noite quando Tyson e eu… — tragou mais saliva — dormimos.

     —Dormia na cama com Tyson? —disseram as três ao uníssono.

     —O que têm vocês, as Harpias, contra dormir? —Sabin ficou rígido junto a ela— Não é que pense que estão equivocadas em se sentir enojadas pela imagem de alguém na cama com o homem frango. É esse bastardo do Tyson que necessita que o matem. Não a protegeu.

     —Tampouco o fez você. — contradisse Taliyah, de pronto.

     —Estou viva graças a Sabin. — Gwen deu de presente um sorriso trêmulo— E Tyson não é um mau tipo. Tentou me ajudar antes que desmaiasse. —embora tivesse estado zangado com ela.

     Quando retornou do trabalho essa noite não queria falar do ocorrido. Ela o tinha assustado ao chegar antes que ele, e já tinha começado a notar outras coisas, mais estranhas, a respeito dela.

     Tinha oculto seu lado escuro o melhor possível, mas em algumas ocasiões, emergia apesar de tudo e ele chegava em casa e encontrava buracos nas paredes, lençóis rasgados e pratos partidos. Uma vez, durante uma briga tola a respeito da quem escolhia o DVD que veriam, ela chegou a golpeá-lo contra a parede, causando que o gesso caísse sobre ele. O arrumaram, passaram uma borracha, mas esse foi o princípio do fim.

     —Enfim, —continuou— me encontrei envolta, incapaz de me mover, mal podia respirar, enquanto os Caçadores me levavam de avião ao Egito. Me trancaram e doze meses depois Sabin e os outros Senhores me liberaram e trouxeram aqui.

     —Matou aos homens responsáveis por sua tortura, é obvio. — Taliyah perguntou a Sabin.

     Ele assentiu.

     —Gwen matou a um. Eu alguns outros.

     Os olhos azuis pálidos de Taliyah se acenderam com fúria.

     —Por que não a todos? E bom trabalho Gwen. — adicionou com um assentimento de aprovação.

     Antes de poder admitir que foi um acidente, Sabin falou.

     —Os sobreviventes estão retidos em meu calabouço e são torturados para lhes extrair informação.

     Os ombros de Taliyah relaxaram um pouco.

     —Então está bem. —girou sua atenção para Gwen novamente— Comeu?

     A nomeada lançou um olhar de relance a Sabin. Muito claramente recordava lhe roubando o sanduíche e o metendo na boca.

     —Sim.

     Por sorte, ele não reagiu. Com Tyson, fazia passar a comida roubada de restaurantes próximos como sua própria. Ele nunca tinha se informado. A teria repreendido. Faria Sabin? Não acreditava. Este tinha sorrido na loja, quando a viu agarrar algumas coisas.

     —Pronta para ir a casa? —Kaia saltou a um lado da cama, ricocheteando sobre o colchão— Porque eu estou mais que pronta para fazer voar este antro. Sei que você gosta de seu demônio, assim pode levá-lo se quiser. Não importa se ele quiser ou não. A colocaremos em algum lugar a salvo e voltaremos pelos Caçadores. Pagarão pelo que lhe fizeram. Não se preocupe.

     —Eu… pois…

     Queria ir para casa? Escondida, segura, onde outros se encarregariam de seus assuntos? Não tinha ido a Georgia, em parte, para escapar disso? E embora gostasse de estar com Sabin, sabia que ele seria infeliz apanhado no Alaska, sem ninguém com quem lutar. Com o tempo a odiaria.

     Então, se queria ir para casa teria que fazê-lo sozinha. A idéia deixou um oco doloroso em seu peito. O que Sabin e ela tinham feito na ducha… o queria de novo. Acreditava que não haveria mais disso. Pensava que era muito perigoso. Mas frente à possibilidade de seguir sem isso, sem ele, de nunca saber como se sentiria ao ser possuída por ele total e completamente, nenhuma das razões para permanecer afastados pareciam importar.

     —Ela não vai a nenhum lugar. —disse Sabin.

     Deus, amo aos homens dominantes. Às vezes.

     —Certo. Fico.

     Gwen olhou a suas irmãs, lhes rogando silenciosamente, com o olhar, que compreendessem e que o aceitassem. Estas a observaram durante um longo momento, tão silenciosas como ela.

     Bianka foi primeira a falar.

     —De acordo. Mas, onde podemos guardar nosso equipamento? —perguntou com um suspiro.

     Gwen sabia que suas irmãs quereriam ficar, como ela, e isso a alegrou e preocupou ao mesmo tempo. Sabin, ao menos, nem pestanejou.

     —Há um quarto desocupado junto a este, se importariam de compartilhá-lo?

     Sabin estava lhes dando um quarto próprio, depois de negar a ela esse privilégio?

     —Não, não nos incomoda compartilhar. — disse Taliyah— Mas me diga, quais são seus planos para os Caçadores?

     —Matá-los. A todos. Nunca teremos paz enquanto eles estejam com vida.

     Ela assentiu.

     —Pois, se considere com sorte, conseguiu três soldados novos.

     —Quatro. — se apressou a dizer Gwen, antes de poder deter a si mesma.

     Se deu conta, imediatamente, que o dizia a sério. De verdade queria deter os Caçadores. Queria proteger a suas irmãs e a Sabin deles. E, por uma vez, queria provar a si mesma que tinha coragem.

     Uma vez mais todas as olhadas se centraram nela. A de Sabin com irritação, não sabia por que. Ele queria que ela fosse um soldado, não é? Bianka e Kaia, olhavam-na com indulgência. E Taliyah com determinação.

     —Bem, não fiquem aqui parados. — Kaia falou, levantando e deixando cair seus braços aos lados com exasperação— Se levantem. Temos uma guerra a ganhar.

     Sabin passou uma mão por seu rosto, repentinamente gasto.

     —Bem-vindas ao meu exército, garotas.

    

   Era o consorte de Gwen, suas irmãs o tinham dito. Sabin tomou essa expressão de suas irmãs como que lhe pertencia. Ele mesmo não estava seguro de acreditar, mas maldito fosse se não gostava da idéia. Ainda assim, não podia conservá-la, não sem destruí-la. Ao menos, não como estavam as coisas.

     Gwen passou o resto do dia e a noite na cama, embora em nenhum momento tivesse adormecido. Decidido a descobrir por que, deixou-a sozinha na manhã seguinte e foi em busca de Anya.

     Encontrou-a no salão de jogos, terminando outro jogo com Gilly. Ao lhe contar a chegada das novas hóspedes, ela aplaudiu feliz.

     —Lucien me disse que enviou uma mensagem de texto sobre umas convidadas, mas não tinha nem idéia de que se tratasse de mais Harpias!

     —Agora já sabe. Estão no ginásio. Então, qual é o problema que têm as Harpias dormindo?

     Anya lhe riu na cara.

     —Averigua por você mesmo. —disse enquanto caminhava para a porta— Tenho que atender a uma reunião com as Skyhawk.

     Seguiu-a até o ginásio, curioso sobre como resultaria o encontro.

     O trio, que já se sentia como em casa, viu a deusa, deixaram de se atirar e apanhar pesos como se fossem pedras pequenas, e correram a ela com os braços abertos.

     —Anya! Se foi, sem nos dizer palavra, perua!

     —Onde esteve?

     —O que faz aqui?

     As três dispararam suas perguntas de uma vez, mas não desconcertaram a Anya.

     —Sinto muito amiguinhas. Estive por todo mundo. Já sabem, vendo as paisagens, causando problemas e me apaixonando pela própria Morte. Estou aqui porque esta é minha casa. Vocês gostam como deixei o lugar?

     Assim continuaram, se abraçando, falando e rindo. Sabin tentou de interquebrar um par de vezes, mas foi firmemente ignorado. Ao final, se deu por vencido e as deixou sozinhas, pretendendo procurar Anya mais tarde e lhe perguntar uma vez mais sobre a forma de dormir das Harpias. Perguntar às irmãs era impensável. As Harpias, tinha aprendido, viviam segundo seu próprio conjunto de regras e não queria menosprezar Gwen inadvertidamente devido a sua ignorância.

     Gwen.

     Cada minuto com ela era perigoso. A noite anterior tinha sido a pior. Tinha ficado ao seu lado, cheirando sua feminilidade, ouvindo o algodão escorregar por sua pele, mas tinha mantido distância entre eles, permanecendo em lados opostos da cama. Ele a teria tomado, era fraco no que se referia a ela, seu corpo delicioso e pele saborosa, mas cada vez que tentava se aproximar Duvida começava a derramar seu veneno.

     Terminará morta se a conserva? Quererá mais do que pode dar, e depois o deixará quando não puder se dar.

     Outra vez, odiava ao demônio.

     Só ao redor das irmãs o maldito se calava e Sabin não sabia por que. Mas o averiguaria. Estava decidido. Porque se de alguma forma podia obter que Duvida calasse a maldita boca quando estava com Gwen, poderia tê-la. Possivelmente para sempre.

     Depois de passar a ver os prisioneiros, que ainda estavam muito fracos para suportar outra sessão de tortura, foi à cozinha para preparar algo de comer para Gwen. A comida tinha desaparecido. Falando de déjà vu. Não ficava nada, nem sequer um pacote de batatas fritas. As Harpias tinham estado aqui, supôs.

     Suspirando, se dirigiu ao seu quarto. Gwen não estava na cama. Franzindo o cenho, começou a procurá-la. A encontrou no terraço, com Anya e suas irmãs, as quais estavam jogando a “Quem pode saltar do teto e quebrar a menor quantidade de ossos”.

     —Saiu a menos de uma hora. —disse a Gwen— Não se atreva a saltar.

     —Só estou olhando. —assegurou com um sorriso.

     Um sorriso que lhe fez doer o peito.

     Um pequeno número de guerreiros, estavam lá embaixo, no chão, também olhando. Suas expressões eram de resignação, mesclada com assombro. Estavam bebendo dessa pele das Harpias como se fosse vinho.

     —Acabem com isto. — disse Sabin, antes que uma das Harpias pudesse voltar a saltar— Temos treinamento a fazer.

     Estiveram de acordo a contra gosto, mas aceitaram e logo quase todos os ocupantes da fortaleza estiveram no exterior, gemidos e grunhidos enchiam o ar, o aroma de sangue e suor afastavam aos animais dos arredores.

     Sabin ficou a um lado, somente observando os acontecimentos. Torin acabava de lhe enviar uma mensagem e se dirigia abaixo.

     Finalmente o guerreiro chegou. Mantendo uma boa distância entre eles, Torin se deteve ao seu lado.

     —Todos estiveram tão ocupados, que chamar para outra reunião não serviria de nada, assim estive tentando falar com cada um por separado.

     —Encontrou algo?

     —OH, sim. — meneou suas sobrancelhas negras, que eram um assombroso contraste com seu cabelo branco— Encontrei um artigo em um jornal sensacionalista, sobre uma escola para crianças dotadas em Chicago. Crianças que podem levantar automóveis, fazer com que a pessoa faça o que eles queiram simplesmente falando e que podem se mover mais rápido que o olho humano. E isto escuta. Tudo foi negado pelo “Instituto Mundial da Parapsicología”.

     Os olhos de Sabin aumentaram.

     —A escola dos Caçadores. Tal e como nossos prisioneiros nos disseram.

     —Sim. Não pode ser uma coincidência, não é?

     —Precisamos investigar esse complexo.

     —Estou de acordo. Por isso fiz acertos para partir em dois dias. Devem ir alguns de vocês, mas outros teriam que ficar e procurar às pessoas que aparecem nos manuscritos. Só preciso saber quem fará o que.

     Tinha estado preparado para dizer que ele iria, mataria Caçadores, resgataria as crianças e possivelmente finalmente tiraria Galen de seu esconderijo, quando o resto do discurso de Torin penetrou sua mente.

     —Espera. Manuscritos?

     Uma suave brisa penetrou entre eles, agitando o cabelo de Torin, que afastou as mechas de seu rosto com uma mão enluvada.

     —Cronus acaba de me fazer uma visita.

     O estômago de Sabin se apertou.

     —Tentei invocá-lo, mas ele me ignorou.

     —Tem sorte.

     —O que te disse?

     —Já conhece o conto. “Faz como te ordeno ou torturarei a todos os que ama”. —disse Torin em um tom superior e arrogante.

     A imitação era perfeita.

     —Sim, mas o que te ordenou que fizesse? Disse para encontrar essa gente?

     —Já chegarei a essa parte. Sabe que quer Galen morto tanto como nós, não é? Desde que Danika predisse que ele seria quem o mataria. Bem, os manuscritos que me entregou proporcionam uma lista de nomes. Nomes de outros imortais possuidores de demônios. Não acreditará a quantidade de nomes que aparece. Entretanto, há linhas em branco, como se vários nomes tivessem sido apagados. Estranho, né? Acredita que isso significa que de algum jeito morreram?

     —Talvez. — só recentemente, através de Danika, ele e os outros guerreiros tinham sabido que não eram os únicos imortais possuidores de demônios pelos arredores. Ao que parecia, tinha mais demônios na caixa de Pandora que guerreiros em necessidade de castigo e foi assim como os espíritos restantes foram localizados dentro de prisioneiros do Tártaro. Prisioneiros que agora se achavam fugitivos.

     —Enfim, Cronus pensa que podemos encontrar a nossos congêneres e usá-los para conter Galen de uma vez por todas. Podem nos ajudar a encerrá-lo, e a evitar que cause problemas.

     Sabin sacudiu a cabeça.

     —Eram prisioneiros, o que significa que nem os deuses os podiam controlar. Não podemos confiar neles o suficiente para usá-los. Além disso, por muito que queiramos Galen morto, todos nós sabemos quão perigoso seria deixar seu demônio solto no mundo. O que deteria  a esses estranhos de fazer justamente isso?

     —Compreendo o ponto. E sim, somos o suficientemente piedosos para permitir que conserve sua cabeça por agora, mas Galen pode não nos devolver o favor. Estes homens são exatamente o tipo de criaturas que gostaria para seu exército, o que significa que ainda precisamos encontrá-los antes que ele.

     Sabin, além disso, sabia que precisavam ter Cronus feliz. Coisas más passavam quando o rei deus não se saía com a sua.

     —Também temos que encontrar os artefatos que faltam e estes parecem serem, um pouquinho mais importantes no momento.

     —Não poderemos encontrá-los se nos vemos ultrapassados por crianças imortais decididos a nos destruir. —assinalou Torin— Assim primeiro e mais importante, temos que encontrar essa escola e neutralizar a ameaça. Fica ou vai?

     —Eu… —o olhar de Sabin se cravou em Gwen, que caiu em seu traseiro tentando se esquivar da estocada fraca, de propósito, estava seguro, e mal dirigida da espada de sua irmã. Suas mãos se fecharam em punhos. Machuque-a e morre, projetava mentalmente a Harpia, embora soubesse que a mulher estava contendo a totalidade de sua força. Mais que nada, sabia que era um hipócrita por sequer pensar isso, quando ele mesmo tinha jurado não se fazer de fácil para Gwen.

     Se fosse a Chicago, teria que deixar Gwen atrás. Ela não estava pronta para lutar ainda. Poderia levar a suas irmãs com ele, as usando para recolher a crianças com maior segurança. Crianças que mais que seguro brigariam com ele e com os outros Senhores, pois tinham sido criados, provavelmente, para odiá-los. Ou podia deixar às Harpias para que a cuidassem. Nenhuma das opções o satisfazia. Não gostava da idéia de Gwen sozinha. Bom, não só, mas sem ele.

     E não gostava da idéia de assustar a essas crianças sem necessidade.

     Clang. Click.

     O golpe de metal contra metal o tirou de suas reflexões. Gideon e Taliyah estavam combatendo, suas expressões sérias, escuras. Até agora estavam empatados. Strider e Bianca se atiravam murros uns aos outros e Bianka ria. No princípio Strider resistia o enfrentamento, contudo, se reprimia, contendo seus golpes embora perder o encontro significasse um par de dias de cama, se retorcendo de dor e chamando uma mamãe que nunca teve. Até que Bianka lhe rompeu o nariz e lhe deu um chute que lhe subiu as bolas à garganta. Então a briga começou a sério.

     Amun saiu da cama, por fim; estava sentado a um lado, tirando brilho de uma tocha e olhando… a alguém. Sabin não estava seguro a quem. Ainda. Mas suspeitava que a uma das Harpias.

     —A quem tem até agora? —perguntou a Torin.

     —É o primeiro que perguntou.

     —Eu irei. — disse antes de poder se convencer do contrário. A guerra estava em primeiro— Me consiga outros cinco. Eu tratarei de nos conseguir uma Harpia.

     Isso deixaria a duas irmãs aqui, para proteger Gwen enquanto concedia uma pequena vantagem para ele.

     Torin assentiu e partiu.

     Com a decisão tomada, Sabin entrou em campo.

     —A tratam como a um bebê. — disse bruscamente a Kaia.

     Não era exatamente a forma correta de entrar pelo lado bom da mulher, mas não se importava. O bem-estar futuro de Gwen era muito importante para andar com delicadezas. Só estava contente de não ter que agradecer a Harpia por sua gentileza.

     A Harpia ruiva girou, lhe jogando uma adaga ao coração.

     —Infernos que não! Já a atirei seis vezes

     Sim, e todas essas seis vezes ele tinha querido atirar com ela. Franzindo o cenho, apanhou o punho da adaga antes que fizesse contato.

     —Relaxa o cotovelo justo antes de lançar o golpe. Não lhe ensina a técnica adequadamente, nem lhe permite aprender seus pontos fortes e contragolpes. Diabos, está lhe mostrando que brigar sujo e ganhar a todo custo é equivocado. Só… vá e encontra a outro com quem jogar. —lhe disse— Eu me encarregarei da lição de Gwen. Já fez mal o suficiente. E se se atreve a interferir, se arrependerá. Não importa o que veja, com que não esteja de acordo ou que você não goste, se manterá a um lado. Isto é por seu próprio bem.

     Kaia ficou com a boca aberta, sem poder acreditar que alguém lhe tivesse falado dessa maneira. No momento estava caminhando para ele, com olhar homicida, unhas expostas e dentes afiados brilhando à luz do sol.

     —Vou quebrar seu pescoço como se fosse um pequeno ramo, demônio. 

     —Estou esperando. — respondeu Sabin, movendo seus dedos em uma saudação zombadora.

     Um grunhido ensurdecedor saiu, repentinamente, da doce e pequena Gwen.

     Ambos, ele e Kaia, ficaram gelados. Inclusive Taliyah e Bianka detiveram seus combates para olhar como Gwen se agachava, a vista fixa em sua irmã ruiva. O branco de seus olhos tinha se tornado completamente negro.

     —Está me ameaçando? —Soltou Kaia— Acredito que está a ponto de me atacar. O que lhe tenho feito?

     —Ameaçou a seu homem. —respondeu Taliyah friamente— Deveria ter pensado antes. Espero que te arranque a coluna com suas garras.

     Seu homem. Só as palavras o deixavam duro como uma rocha e era condenadamente vergonhoso. Não podia permitir que machucasse a sua irmã. Nunca perdoaria a si mesmo. Caminhou até ela, cada passo lento e cauteloso.

     —Gwen, se acalmará agora. Entendido?

     Lhe lançou uma dentada forte e quase lhe apanhou o queixo. Só seus reflexos velozes o salvaram de uma severa mordida.

     —Gwendolyn. Isso não foi muito amável. Você gostaria que eu lhe fizesse isso?

     —Sim.

     Certo, agora estava mais duro que uma rocha.

     —Bem, mas não ficará nada para morder se não se acalma.

     De alguma forma, isso chegou até ela. Lambeu os lábios, seus olhos voltaram para a normalidade e endireitou seu corpo. Um tremor a percorreu e se balançou sobre seus pés. Ele não a tocou, ainda não. Não quereria se deter e tinha muita gente observando.

     Gwen soltou uma respiração profunda pelo nariz.

     —Sinto muito.—disse com a voz quebrada, lhe recordando o incidente na pirâmide— Sinto muito, não foi minha intenção… não devia… Machuquei a alguém? —olhos chorosos o olharam, o dourado era como o sol, embora o cinza parecesse nuvens de tormenta.

     —Não.

     —Retornarei… retornarei a nosso quarto. Eu…

     —Você ficará aqui e lutará comigo.

     —O que? —com o rosto horrorizado, retrocedeu cambaleando— Do que está falando? Acreditei que queria que me acalmasse.

     —Assim é. Por agora. — agarrando sua camisa, tirou-a pela cabeça e soltou o material a seus pés. Automaticamente, o olhar de Gwen baixou a suas costelas onde as pontas de sua tatuagem se estendiam— Lutaremos. Não tem permição de ferir ninguém, salvo a mim.

     —Preferiria admirar sua tatuagem. —disse com voz rouca— Não tive oportunidade de percorrê-lo na ducha e estive sonhando fazer isso.

     Deus santo. Falando do último em sedução. Em vez de se equilibrar sobre ela, como queria, se obrigou a lançar um chute que golpeou seus tornozelos e a mandou voando ao chão.

     —Primeira lição. Uma distração pode te matar.

     O ar escapou de seus pulmões e o olhou do chão com incredulidade. Inclusive com… sentimento de traição?

     Deuses. De verdade tinha feito isso? Endurece seu coração, imbecil. Trata-a como a Cameo. Como suas irmãs. Como a qualquer outra mulher.

     O odiará. Ela lhe…

     Nenhuma palavra mais.

     Mas…

     Silêncio!

     —Me deu uma rasteira. — o acusou.

     —Sim.

     E faria coisas muito, muito piores antes que terminassem. Tinha que ser assim. Não podia lhe demonstrar nenhuma piedade. De outra forma, nunca aprenderia. Nunca estaria segura.

     Felizmente, suas irmãs mantiveram distâncias e não tentaram detê-lo.

     —De pé. —estendeu uma mão e ela tomou. Mas ele não a ajudou a se levantar. De um puxão a golpeou contra ele, lhe sacudindo o cérebro e lhe apanhando os braços aos flancos. Segunda lição. Um oponente nunca a ajudará. Pode fingir que sim, mas nunca, nunca acredite.

     —De acordo. Agora me solte. — ela lutou e ele a soltou, deixando-a cair ao chão. Imediatamente ficou de pé de um salto, lançando fogo pelos olhos— Vai me matar!

     —Que dramática. Se faça mais forte. Não é humana. Tudo o que te dou, pode dirigir. Em seu interior sabe.

     —Pois já o veremos. — grunhiu Gwen.

     Durante a hora seguinte, Sabin lhe deu uma surra. Em combate mão à mão ou com adagas. Em seu favor, teria que destacar que nunca se queixou nem rogou que se detivesse. Sim gemeu várias vezes, gritou uma e em duas oportunidades acreditou que ficaria a chorar. Seu peito se comprimia dolorosamente com tudo isto e se encontrou, ele também, contendo-se, não usando toda sua força.

     Como Kaia fazia.

     Um fracote. Isso era. Uma desgraça para si mesmo e seus homens. Estava preparado para se render, algo que não tinha feito nunca antes. Algo pelo que zombariam dele, o resto de sua interminável vida.

     Todos os Senhores, as Harpias, William, Anya e Danika estavam agora olhando avidamente. Alguns lhes atiravam pipocas. Outros faziam apostas sobre quem ganharia. William estava tentando conquistar às irmãs de Gwen, não literalmente. Gwen estava tremendo, todos seus golpes eram tentativos. Não duraria nem cinco minutos em uma batalha real.

     —Nem sequer está perto de me ferir. —ladrou— Vamos. Me dê um pouco de trabalho. Posso te atacar por todos os lados e você aceita. Permite. Virtualmente me dá as boas-vindas.

     —Fecha a boca! —O suor gotejava por seu rosto e a camiseta estava grudada ao seu peito. — Não dou as boas-vindas. O odeio.

     Todos que alguma vez treinou, tinham lhe dito aquilo em uma ocasião ou outra, mas esta era a primeira vez que tinha sentido as palavras em sua alma, queimando dolorosamente.

     —Então por que não se rende? Por que faz isto? Para que está aprendendo a brigar? —demandou, fazendo-a tropeçar facilmente uma vez mais. Queria que dissesse, em voz alta, as razões pelas quais se esforçava tanto. Talvez a motivariam. — Pode terminar machucada. Por mim. Pelos Caçadores.

     Ela caiu, mas rapidamente se levantou de um salto, cuspindo terra. Corte e feridas a marcavam da cabeça aos pés. Seus jeans pareciam tiras por suas múltiplas quedas.

     —Os Caçadores merecem a morte. —permaneceu no lugar, ofegando— Além disso, já fui ferida. E sobrevivi. Sarei.

     Graças a seu sangue. Era a coisa mais sensual que jamais fez, dar sua essência a uma mulher. Queria lhe dar mais, até a última gota. A ânsia crescia com cada hora que passava.

     Sabin esfregou o rosto com uma mão, limpando a imundície.

     —Isto não está funcionando. — Gwen não poderia resistir muito mais e não estava seguro de poder maltratá-la mais— Precisamos provar algo novo.

     —Quão único não tentamos é desatar a minha Harpia. Então lamentaria tudo o que me tem feito. Está desesperada por te pôr as mãos em cima. — tinha entusiasmo em sua voz.

     Os olhos de Sabin aumentaram. É obvio.

     —Tem razão. Se pensa enfrentar aos Caçadores, — o qual já não estava seguro se o permitiria,alto, de onde saiu essa idéia? — terá que aprender a convocar a sua Harpia com rapidez. Isso significa que tem que chamá-la agora e treinar com ela.

     Cada ápice de cor no encantador rosto de Gwen desapareceu. Sacudiu a cabeça.

     —Estava te provocando, tentando te assustar. Não dizia a sério.

     —Possivelmente queira reformular, demônio. —disse Bianka das laterais, jogando seu cabelo negro para trás, sobre um ombro— Ela ainda não aprendeu a controlar a sua Harpia. Faça-a se zangar e poderia chegar a comer, inclusive a você.

     Sabin girou a cabeça, ficando de perfil para Gwen. Parte dele esperava que ela o atacasse, para provar que o tinha estado escutando e que tiraria sangue no primeiro momento em que seu oponente se distraísse. Mas não o fez. Era muito bondosa, supôs.

     —E você? Aprendeu a controlá-la?

     Os lábios da Harpia se curvaram em um sorriso.

     —Sim. Só levou vinte anos, mas a mim agrada essa minha parte, enquanto Gwen nunca gostou.

     Grandioso. Se deu conta, nesse momento, que não poderia deixar Gwen para viajar a Chicago, nem sequer com suas irmãs como amparo. Se perdesse, acidentalmente, o controle de sua Harpia poderia ferir os guerreiros que ficassem ali. Ele parecia ser o único capaz de acalmá-la. Poderia levá-la com ele e deixá-la em algum lugar enquanto se encaminhava a uma batalha? Sozinha? Desprotegida?

     Merda. Teria que ficar aqui, com ela.

     Surpreendentemente, a decisão lhe trouxe alívio em vez de chateação.

     —Como aprendeu finalmente? —perguntou a Bianka.

     —Com prática. E arrependimentos. — este último foi dito com um toque de tristeza. Provavelmente tinha matado a alguém que importava a ela, justo o que Gwen temia fazer.

     Se concentrou apenas em Gwen.

     —Pois bem, teremos que te pôr em um programa acelerado. Assim, deixa sair a Harpia. Ela e eu vamos jogar.

     —Não. — voltando a sacudir violentamente a cabeça, começou a retroceder com as palmas estendidas para mantê-lo a distância— De nenhuma maldita maneira.

     Muito bem. Sabin levantou a mandíbula. Isto é por seu próprio bem. Faça-o. Tem que fazê-lo.

     Uma inspiração profunda e então: Dúvida, é toda tua.

     Feliz por poder trabalhar finalmente sem restrições, o demônio se abateu sobre ela em um instante.

     Sabin tinha a sua irmã debaixo dele, na cama. Ontem. Ela é tão bonita, tão forte. Me pergunto, se não desejou que nunca tivesse despertado. Se desejou, não ter te dado nunca seu sangue para te fortalecer. Me pergunto, se não está imaginando Kaia na cama com ele, inclusive agora, todo esse cabelo esparramado sobre suas coxas enquanto ela o chupa até deixá-lo esgotado. Talvez seja por isso que te pressionou tanto, para que se afaste dele deixando o campo livre para sua irmã. Ou possivelmente espera que esteja tão dolorida que não protestará se decide tentá-lo outra vez com ela. Esta noite. Toda a noite.

     Em um instante Gwen estava em frente a ele, no seguinte o tinha agarrado, voando através do ar, com o bosque zumbindo ao passar, impreciso. Depois de uma eternidade, suas costas golpearam contra o tronco de uma árvore e respirar se converteu em um sonho impossível.

     Seus dentes estavam ao descoberto e com suas garras lhe destroçava as calças. Sabin pegou Gwen pelos ombros, sem saber muito bem se a empurrava ou a atraia mais perto. Parecia uma Harpia, total e completamente, seus olhos eram uma perfeita noite negra, seu cabelo afastado para trás de seu rosto selvagem.

     —Gwen. Devemos voltar para o campo de treinamento.

     —Não se mova. —disse com a voz aguda, afundando logo os dentes profundamente em seu pescoço e então ele já não pôde se mover nem para salvar a vida— Você é meu. Meu!

    

   A mente do Gwen era um torvelinho de atividade. A maior parte era turbulenta e escura. Na noite anterior tinha tentado ignorar oa atração de Sabin porque parecia não desejá-la. Tinha dormido junto a ela, seu aroma de limão e hortelã em seu nariz, seu calor viajava para ela, sua áspera respiração soando em seus ouvidos, seu corpo se adaptava ao seu, em cada movimento,  a pele desesperada por um toque, um simples toque, seu coração correndo, mas ele não tinha realizado nem um movimento. Ignorá-lo já não era uma opção.

     Estava ficando obsessiva com ele. Queria aprender mais sobre ele. Queria passar cada minuto com ele. Queria possuí-lo.

     O possuirá, chiou uma voz em sua mente.

     A Harpia. A que agora movia seus fios, urgindo-a a fazer todas as coisas sujas com as quais sempre tinha fantasiado. E que Sabin não fosse o que sempre tinha querido para ela. E o que a trairía em um instante se isso significasse ganhar sua guerra. Não tinha nada de mal desfrutar com ele aqui e agora. Com ele. Se ele tinha pensado em tomar a suas irmãs…

     Sabia que o demônio da Dúvida lhe tinha sussurrado essas coisas. Tinha reconhecido seu envenenado murmurar, mas tinha sido incapaz de deter a corrente de violência que tinha se propagado através dela. Sabin e Kaia, infernos, não. Ninguém o tocava, inclusive suas pessoas queridas. Podia ser irracional por parte dela, mas não se importava.

     Várias vezes, afirmou desejar só a Gwen. Bem, o ia provar malditamente bem.

     Tinha-o prendido a uma árvore, e não tinha nada que pudesse fazer para escapar. Era dela. Dela, dela, seu para fazer o que lhe agradasse. E agora mesmo, o queria nu. Já lhe tinha tirado a camiseta no campo, assim que tudo o que ficava eram suas calças. Trabalhou com os botões, logo o zíper. Em segundos, a calça jeans não era mais que farrapos na cálida brisa.

     Não usava roupa de baixo.

     —Acredito que me roubaram a cueca. — disse timidamente, seguindo seu olhar.

     Sua ereção brotou livre, longa, grossa, orgulhosa e ela ofegou de prazer. Seus testículos eram pesados e estavam levantados e tensos. A luz do sol se derramava sobre ele, transformando o bronze de sua pele em um delicioso dourado. Hoje a tinha estado pressionando e ela o tinha tomado sem muita queixa. No fundo, sabia que necessitava seu tipo de treinamento. Nunca mais queria ser disparada como um peru de Natal. Além disso, parte dela realmente queria derrotar aos homens que abusaram dela. Por outra parte, queria impressionar Sabin. Ele valorizava a força.

     —Meu. — disse ela, envolvendo seus dedos ao redor de seu membro.

     Não reconhecia sua própria voz. Era mais aguda, mais áspera. Uma gota de umidade banhou sua mão.

     Ele arqueou seus quadris para frente, forçando sua mão a se deslizar até a base de sua haste.

     —Sim. —gritou ele.

     Seu agarre se esticou. Sua visão estava um pouco distorcida, de impreciso a infravermelho, assim podia ver o calor pulsando dele.

     —Diga a seu demônio que mantenha sua boca fechada ou lhe disparo.

     —Esteve tranqüilo desde que me atacou violentamente.

     Bem. Também devia ter assustado aos animais e insetos do bosque, já que não tinha nem um chiado ou ruído de caminhar para ser ouvido. Ela e Sabin estavam completamente sozinhos, perto de dezesseis metros de onde tinham estado treinando.

     —Tire minha roupa. Agora.

     Desacostumado a seguir ordens, reagiu lentamente à sua. Soltou-o para fazê-lo ela mesma.

     —Ponha sua mão onde estava.

     No momento em que o fez, estava puxando sua roupa, fazendo o que fosse necessário para tirá-las sem interquebrar a conexão entre eles. Finalmente esteve nua, seus cálidos corpos estavam se tocando, ele estava gemendo.

     —Formosa. —Pousou as mãos em suas costas— Asas?

     —Algum problema?—O quente ar a acariciou, endurecendo seus mamilos, avivando o úmido desejo entre suas pernas.

     Um desejo constante. Um que não a tinha deixado desde aquela vez na ducha.

     —Me deixe ver. —Girou-a. Por um momento, não tinha nada, nenhuma reação, nenhum comentário; nem sequer respirou. Logo pôs um suave beijo em uma das pequenas e trêmulas protuberâncias— São assombrosas.

     Nenhum homem tinha visto alguma vez suas asas. As tinha mantido escondidas até de Tyson, nunca as deixando aparecer das estreitas aberturas de suas costas. Elas a tinham afastado, provando quão diferente era. Mas sob o olhar atento de Sabin, se sentia… orgulhosa. Tremendo, girou sobre seu calcanhar, voltando para sua primeira posição.

     —Comecemos.

     —Está segura que quer fazer isto, Gwendolyn? —Sua voz era rouca e grossa, quase drogada.

     —Não posso me deter. —Nada a deteria, realmente, nem sequer um protesto dele.

     Ia tê-lo, conhecer seu sabor, sentí-lo dentro dela, hoje, agora, já, nesse momento. Parte dela sabia que não era ela mesma nesse momento, mas à outra parte não importava. Uma vez, Sabin tinha pensado em marcá-la para manter seus amigos longe dela. Agora ela ia marcá-lo.

     —Segura que o quer você e não só sua Harpia?

     Não a faria se sentir culpada a respeito disso.

     —Deixa de falar. Vou te ter. Não me importa o que diga.

     —Muito bem. —Seu mundo deu voltas, e logo, uma casca afiada cortava suas costas. Sabin correu seus tornozelos, afastando suas pernas. Rapidamente inseriu uma coxa, pondo seu clitóris justo em cima de seu joelho— Haverá conseqüências. Espero que saiba.

            —Por que está falando? —Sua ereção estava tão grossa, que não tinha sido capaz de fechar seus dedos ao seu redor e facilmente perdeu seu agarre. Isso a zangou, e grunhiu— Me devolva isso.

     —Não.

     —Agora!

     —Logo. — prometeu, mordendo seu lóbulo da orelha.

     Para distraí-la, esse homem diabólico? Não importava, estava funcionando.

     Ao gritar pela deliciosa sensação, ele desceu, reclamando sua boca com a sua. Sua língua se afundou profundamente, tomando, dando, demandando, procurando, rogando, enrolando, marcando cada polegada dela. O sabor de hortelã a golpeou primeiro, logo limões, depois os sabores se converteram em parte dela, seu fôlego no dela.

     Seus dedos se enredando em seu cabelo e atraindo-o mais perto. Seus dentes chocaram, ele trocou de ângulo, afundando-se mais profundamente. Seu busto se esfregou contra seu peito, uma fricção tão excitante que suas pernas tremeram. E logo suas pernas não a estavam sustentando mais em pé, ele o fazia. Sustentava-a completamente sobre os joelhos dele, deslizando-se acima e abaixo, atrás e adiante, golpes de sensação subindo rapidamente através dela.

     —Esse é um agarre apertado. — disse roucamente.

     Tomou todo pingo de humanidade dentro dela, mas se afrouxou. A decepção a encheu, e a Harpia protestou, demandando que fizesse o que gostasse.

     Sabin lhe franziu o cenho.

     —O que está fazendo? É um agarre apertado, mas o quero mais apertado. Não vai me quebrar, Gwen. —Espalmou e apertou seu traseiro, incitando-a, agachou sua cabeça e sugou fortemente um de seus mamilos.

     Ela gritou, seu ventre se estremeceu, suas mãos foram de volta ao seu cabelo e puxou fortemente. Suas palavras… maldição, foram tão formosas como uma carícia, a liberando de uma maneira que nunca teria imaginado.

     —Amo o forte que é.

     —Eu digo o mesmo. Quero tudo o que tenha para dar. —A puxou por seus tornozelos, e ela caiu ao chão.

     Sabin a seguiu para baixo, sem diminuir a velocidade na busca de seu centro. Quando o alcançou, separou suas pernas tanto como essas podiam e só a olhou.

     —Toca. —ordenou ela.

     —Tão linda. Tão rosada e molhada. —Suas pálpebras tinham caído na metade, lambeu seus lábios como se pudesse imaginar seu sabor. Esses olhos escuros estavam luminosos— Teve um homem?

     Nenhuma razão para mentir.

     —Sabe que o tive.

     Um músculo vibrou em sua mandíbula.

     —Esse maldito Tyson a tentou apropriadamente?

     —Sim. —Entretanto, como podia ter feito algo, tão dóceis como tinham sido mutuamente?

     Mas aqui mesmo, agora mesmo, não queria docilidade. Como Sabin tinha dito, não podia rompê-lo. Algo que desse, ele podia tomar… ele o queria. Embora ainda não tivesse entrado nela, seu prazer se elevou a um novo nível.

     —Acredito que o vou matar. —murmurou, rodando seus mamilos entre seus dedos— Ainda pensa nele?

     —Não. —E não queria falar sobre ele, tampouco— Teve uma mulher?

     —Não muitas, considerando o velho que sou. Mas possivelmente mais das que um humano jamais terá.

     Ao menos era honesto sobre isso.

     —Acredito que as vou matar.

     Tristemente, esse não era um alarde vazio. Gwen tinha sempre se aborrecido com a violência, tinha sempre fugido de uma briga, mas agora mesmo felizmente poderia ter afundado uma adaga no coração de cada mulher que tinha provado a esse homem. Pertencia-lhe.

     —Não há necessidade. — disse Sabin, fantasmas apareceram em seus olhos.

     Logo se inundou nela, lambendo seu centro, fazendo-a gemer, sua expressão estava alagada pelo prazer.

     As costas dela se arquearam, seu olhar se disparou direto aos céus. Doce fogo, isso se sentia bem. Procurou atrás de dele e se aferrou à base de uma árvore, sabendo instintivamente que precisava se sustentar para o passeio de sua vida.

     —Mais? —perguntou ele roucamente.

     —Mais!

     Uma e outra vez a lambeu, e logo seus dedos se uniram ao jogo, separando-a, se afundando profundamente. Nem precisava lhe perguntar se gostava, a estava chupando como se fosse um caramelo e ela estava se arqueando em uma sensual curva.

     —Está bem. —a elogiou— Essa é a forma. Tenho meu membro em minha mão, não posso evitá-lo, imaginando que é sua mão, enquanto tenho o céu em minha boca.

     Seus gritos ecoaram através do bosque, cada um mais rouco que os outros. Quase ali… tão perto…

     —Sabin, por favor. —Seus dentes roçaram seus clitóris, e isso era tudo o que faltava.

     Chegou ao clímax, a pele se esticou, os músculos saltaram de júbilo, ossos agarrotando-se juntos.

     Ele bebeu até que sugou cada gota.

     Quando ela ofegou, Sabin a volteou e a fez se sustentar sobre suas mãos e joelhos. Tentou-a com ponta de sua haste, passando-o ao longo de suas dobras, mas ainda não entrando.

     —Quero te ver.

     —Não quero machucar suas asas.

     Homem doce.

     —Me deixe te provar. — disse, e ele gemeu.

     Queria lamber sua tatuagem, também. Atraía-lhe, era um afrodisíaco por si só, ainda não tinha tido a oportunidade de a estudar da forma que ansiava.

     —Se me provar, não vou poder fazer amor com você. Realmente quero fazer amor com você. Mas a decisão é sua. —Pressionou seu peito em suas costas, seu rosto só a uma polegada do dela.

     Sua haste em sua boca ou entre suas pernas. Difícil decisão, literalmente. Ao final, entretanto, tinha optado sobre o que tinha passado fantasiando a noite anterior. Tinha que saber como era ser sua mulher. Completamente. Do contrário, o lamentaria pelo resto de sua vida. Quão larga ou curta fosse. Ter sido disparada e se dar conta que, em efeito, querer ajudar a derrubar a esses Caçadores tinha ensinado uma coisa: o tempo não era uma garantia, inclusive para os imortais.

     —Da próxima vez, então. —Gesticulou, puxando para baixo sua mão cheia com o cabelo dele e unindo sua boca a dela.

     Sua língua se afundando profundamente de novo, e dessa vez tinha o gosto dela.

     Ele se posicionou em sua entrada, mas antes de se deslizar ao seu lar, ficou rígido. Amaldiçoou.

     —Não tenho um preservativo.

     —As Harpias só são férteis uma vez ao ano, e esta não é essa ocasião. —Outra razão pela qual Chris tinha querido retê-la por tanto tempo— Dentro. Agora.

     No instante seguinte, a haste de Sabin estava enterrada totalmente. O beijo se deteve ao lançar outro grito de prazer. Tombou-a, encheu-a, tocou cada parte dela, e foi ainda melhor do que ela tinha sonhado.

     Mordeu o lóbulo de sua orelha.

     Ainda gesticulando, enterrou suas unhas em seu ombro, sentiu o cálido sangue gotejar e ele vaiou em um fôlego. Hmm, o aroma doce dele vagou até ela e sua boca se fez água.

     —Quero… necessito…

     —Tudo que queira é seu. —Uma e outra vez bombeava dentro dela, para frente e para trás, rápido, duro, seu testículo golpeando-a.

     —Quero… tudo. Cada coisa. —Com a sensação dele, se voltou louca, perdida, não era mais Gwen ou a Harpia a não ser uma extensão de Sabin— Quero seu sangue. —acrescentou.

     Só o seu. O pensamento de alguém mais a deixou vazia, insatisfeita.

     Sabin se separou dela completamente.

     Um gemido escapou dela.

     —Sabin…

     Ele estava deitado no chão e um segundo depois, acomodando-a sobre ele, profundo dentro dela, bombeando, escorregando, se deslizando brandamente. Um dos joelhos dela se cravou em um ramo e se cortou, mas inclusive isso pareceu relaxá-la em um estado de absoluta sensação. Prazer, dor, não importava. Cada uma se alimentava da outra e a arrastava mais e mais longe em um mar negro de prazer.

     —Bebe. —ordenou, agarrando sua cabeça e forçando sua boca para seu pescoço.

     Seus dentes já tinham se afiado. Sem vacilação, o mordeu. Ele rugiu, alto e duradouro, e ela sugou o quente líquido profundo através de sua garganta, sua língua dançando sobre sua pele. Como uma droga, se estendeu através dela, a calidez se convertendo em fervor, abrasando, queimando suas veias. Logo estava tremendo, se retorcendo contra ele.

     —Mais. —disse ela. Queria tudo o que ele tivesse, cada gota. Tinha que o ter. O mataria, se deu conta, se forçando a levantar-se. Seu membro se deslizou inclusive mais profundo, e ela estremeceu— Quase bebi muito.

     —De maneira nenhuma.

     —Poderia…

     —Não o farei. Agora me dê mais. Tudo, como você disse.

     Acima e abaixo o cavalgou, as pontas de seus dedos se agarrando tão tensamente que quase rasgaram sua pele. O medo de machucá-lo se desvaneceu, deixando só um consumido sentido de necessidade.

     —Essa é a forma. Tão bom… tão realmente bom… — Estava ofegando, se oprimindo contra ela, seu polegar acariciando seus clitóris— Não quero que… termine.

     Tampouco ela. Nada a tinha consumido dessa forma. Nada tinha tomado controle de sua mente e corpo tão ferventemente, até o ponto de que nada mais importava. Suas irmãs podiam encontrá-los, podiam estar buscando-os inclusive agora. Rápido como se moviam, já podiam estar ali. Não podia se deter. Necessitava mais.

     Sua cabeça caiu para trás, a terminação de seu cabelo roçava seu peito. Elevando suas mãos, cavou e amassou seus seios, aplicando uma pequena pressão para arqueá-la para trás. Ela obedeceu, segurando-se a suas coxas.

     —Dê a volta. —ordenou ele roucamente— Quero seu sangue.

     Possivelmente vacilou muito. O que queria exatamente? Tinha ouvido corretamente? Ele bateu em seus joelhos, levantando-a e girando-a. Seu membro permaneceu dentro dela. Quando ela estava olhando para a outra direção, contrária a ele, os dedos dele se curvaram ao redor de seu pescoço e a puxaram para baixo. Suas costas contra seu peito. Seus dentes estavam em seu pescoço, e ela estava tremendo, gritando ante a felicidade.

     Não a sugou por muito tempo, só o suficiente para experimentar seu próprio orgasmo, os quadris martelavam para cima e dentro dela, posou uma mão sobre seu estômago para apertá-la contra ele. Nada se comparava. Nada era tão selvagem, tão necessário, tão liberador. Ela e a Harpia se elevaram para os céus, perdidas no prazer de outro clímax.

     Uma eternidade passou antes que paralizasse, total e completamente esgotada, incapaz de respirar. Seu peito estava muito comprimido. As inalações de Sabin eram agitadas, também, seu agarre nela era fraco agora.

     A Harpia estava tranqüila, tinha quase possivelmente se desacordado. Gwen não se baixou rodando dele, inclusive embora quisesse desmaiar também. Tinha estado combatendo contra o sono por tanto tempo, um sono reparador não poluído pela dor ou feridas, mas agora estava se aproximando sigilosamente, determinado a consumi-la.

     Ficou como estava, sua cabeça amortecida pelo pescoço de Sabin, seus braços se envolvendo ao redor dela, até dentro dela. As estrelas piscavam em frente a seus olhos, ou talvez fosse o sol dançando entre as nuvens.

     O que tinham recém feito… as coisas que tinham feito…

     —Não o violei, ou sim? —ela perguntou-lhe brandamente.

     Suas bochechas arderam. Sem a sombra da luxúria, admitiu que tinha estado ciumenta, o tinha atacado, e tinha decidido ter sexo com ele quisesse ele ou não.

     Ele riu.

     —Está brincando?

     —Bem, foi algo mais ou menos forçado. —Suas pestanas estavam tão pesadas que piscou, fechadas, abertas, fechadas, e logo se recusaram a se abrir de novo, como se estivessem pegas entre si.

     Se, suas irmãs a encontrassem adormecida se voltariam loucas. Estariam decepcionadas com ela, e teriam razão. Não tinha aprendido nada a partir de sua captura?

     —Em realidade, esteve perfeita.

     Palavras para fazê-la se derreter. Em troca, ficou rígida, ainda brigando com todas suas forças para permanecer acordada um pouco mais. Cada vez que ela e Sabin relaxavam juntos, sem zanga entre eles, Dúvida usualmente atacava.

     —O que está mau? —perguntou, repentinamente preocupado.

     —Estava esperando que Dúvida me julgasse e me demolisse. —Foram suas palavras verdadeiramente tão desanimadas como pareceram a ela?— Você diz algo agradável, e ele aparece golpeando a minha porta para assinalar por que está equivocado.

     Sabin pressionou um suave beijo na lateral de seu pescoço.

     —Ele está assustado de sua Harpia, acredito. Ela sai e ele se esconde. —Diversão e admiração apareceram em seu tom no final, como se tivesse alcançado algum tipo de decisão com essas palavras. Mas qual?

     —Alguém temeroso de mim. —Sorriu lentamente— Eu gosto de como isso soa.

     —A mim também. —Acariciou entre seus seios, seu dedo indicador roçando um mamilo— As Harpias têm algumas debilidades das quais devo saber?

     Sim, mas as admitir era ir, em busca de castigo. Suas irmãs a afastariam como tinha feito sua mãe; teriam que fazê-lo. Era uma regra que não podia ser quebrada. A letargia fragmentou seus pensamentos antes que pudesse resolver as coisas. Bocejou e se posicionou mais aconchegada contra ele, se desvanecendo… ainda lutando…

     —Gwen?

     Uma suave súplica penetrou através de sua mente, e se agarrou a ela como se fosse um preservador da vida.

     —Sim?

     —Te perdi aí por um momento. Estava me comentado sobre a maior debilidade da Harpia.

     Estava?

     —Por que quer saber?

     —Quero me assegurar que está protegida, assim ninguém possa usá-lo em seu contrário.

     Boa idéia. Não posso acreditar que esteja realmente considerando isto.

     Mas esse era Sabin, o homem que a tinha recém beijado e tocado por todos os lados. O homem que a queria forte, invencível. E não gostava que tivesse tal debilidade, tampouco. Tinha sido assim como os Caçadores a tinham dominado, embora nunca tivessem se dado conta do que tinham feito. Era o que a alagava de preocupação cada vez que suas irmãs decidiam vender seus serviços.

     —Pode me dizer isso. —disse— Não o usarei para te ferir. Juro.

     Uma vez ele admitiu que renunciaria a sua honra, se isso significasse ganhar uma batalha. Renunciaria a sua promessa? Suspirou, se afundando mais sob o negrume.

     Permanece acordada. Deve se manter desperta.

     Isso se reduzia a uma decisão: acreditar nele ou não. Queria desesperadamente que ela o ajudasse a destruir a seu inimigo. De maneira nenhuma arriscaria isso, traindo-a.

     —Nossas asas. As quebre, as corte, as ate, e estamos indefesas. Assim é como os Caçadores me capturaram. Não sabiam, mas me envolveram em uma manta para me seqüestrar, paralisaram minhas asas, me debilitando assim.

     Apertou-a forte. Em consolo?

     —Talvez possamos desenhar algo para as proteger, algo que ainda lhes permitisse se mover livremente. Mas também vai ter que treinar com elas atadas. É a única maneira de que…

     Sua voz se desvaneceu completamente, a escuridão mais espessa que nunca. Senhor, fez tantas, tantas coisas más na última hora. Tinha lhe dado seu corpo e tinha se aconchegado como se fosse um cômodo sofá. Regra da Harpia: sempre se vá depois.

     Se adormecesse, Sabin teria que carregá-la através do bosque, cruzar com suas irmãs, que a veriam desmaiada e vulnerável, tal como tinha temido.

     Sou um fracasso em todos os sentidos.

     —Não… as deixe… me ver. — conseguiu dizer antes de se afundar no esquecimento.

 

   Não deixe que vejam… o que? Se perguntava Sabin enquanto tomava a adormecida Gwen entre seus braços. Um som parecido a um gemido saiu de seus lábios, suave e curiosamente erótico. Apertou seu abraço, se sentindo estranhamente protetor.

     Não deixar que os Senhores vissem seu corpo nu? Feito. Preferiria morrer antes de permitir que outro homem jogue uma olhada a sua beleza.

     Não deixar que suas irmãs a vejam assim? De novo, feito. Fariam perguntas que não estava preparado para responder. Mais que isso, pareciam reagir de forma negativa ante a idéia do Gwen descansando. Por que? Era algo que ainda não tinha sentido para ele.

     Outro gemido, este mais baixo, calado. O estômago de Sabin se apertou pelo desejo, porque era um som que ela tinha feito enquanto sustentava sua ereção. O sol a acariciou, ressaltando o brilho de sua pele, seus mamilos rosados. Suas mãos estavam recolhidas sobre seu abdômen, seu corpo lasso, a cabeça descansava confidencialmente na base do pescoço de Sabin. Cachos de um loiro avermelhado se esparramavam sobre seu braço, seu estômago e sentia como se estivesse envolto em seda.

     Deveria vesti-la? Não, pensou um momento depois. Não queria movê-la e despertá-la acidentalmente. Ela ao fim estava descansando. Verdadeiramente descansando. E tudo o que teve que fazer foi lhe dar prazer até deixá-la sem sentido, pensou friamente. Então sorriu. Se tivesse que fazê-lo, lhe daria prazer até deixá-la sem sentidos todas as noites. Uma garota precisava descansar, depois de tudo. E ,ora, ora ele estava acostumado a fazer sacrifícios.

     Nem sequer considerou se vestir ele mesmo. Teria que tê-la posto no chão e se cobrir não era razão suficiente para arriscar que um raminho a cravasse ou lhe subisse algum inseto.

     Incapaz de resistir beijou a testa dela e ficou em marcha. Se mantendo entre as sombras se dirigiu de retorno à fortaleza, sempre cuidadoso das câmaras, poços e cabos armadilha que ele e os outros guerreiros tinham disposto para manter aos Caçadores fora.

     O que acabava de passar entre Gwen e ele… Nunca tinha experimentado nada igual com antecedência. Nem sequer Dala, a quem tinha amado.

     E, a diferença de Dala, Gwen poderia ser o suficientemente forte para se arrumar com seu demônio a longo prazo. Tinha sido uma revelação surpreendente e bem-vinda.

     “De verdade acredita que pode ficar com ela? Quanto tempo o amará, se é que resulta o suficientemente estúpida para te amar? Poderia traí-la. E sempre está à carreira para outra batalha. Pior, planeja levar a suas irmãs com você. O que acontecerá se são assassinadas? Gwen te culpará e com razão”.

     As dúvidas não flutuaram para ele. Gritaram, fazendo pulsar suas têmporas e golpeando seu crânio. A acuidade da dor o fez se encolher. Agora que Gwen estava adormecida, sua Harpia sob controle, o demônio de Sabin saiu de seu esconderijo, incômodo e desesperado por se alimentar.

     Que melhor alimento que os medos secretos que Sabin acabava de se dar conta que abrigava? E agora que tinham saído pela força à superfície de sua mente, não tinha forma de bloqueá-los; quase o tragaram por completo.

     Queria que Gwen o amasse?

     Ter esses olhos âmbar olhando-o brandamente, hoje, amanhã, sempre… ter esse corpo sedutor em sua cama cada noite… ouvir essa risada borbulhante… cuidá-la… ajudá-la a descobrir a força de sua verdadeira natureza…

     Sim, queria que ela o amasse. Ela podia dirigir a seu demônio em um combate mental, como acabava de descobrir. Diabos, tinha dobrado à besta com um susto.

     Se deu conta que uma parte dele a tinha amado desde o primeiro momento em que a viu. Quando esteve cativa, indefesa, todos seus instintos tinham clamado que a salvasse. Logo, enquanto ela lutava para manter a sua Harpia sob um rígido controle e para seguir as regras de sua gente, tinha se descoberto fascinado por ela. Mas nunca a tinha entendido realmente, tinha acreditado que ela era, erroneamente, fraca. Agora a via pelo que era na realidade: mais forte que suas irmãs, mais forte que ele.

     A maior parte de sua vida, tinha reprimido uma besta quase incontrolável. Sabin tinha problemas enjaulando ao seu demônio durante mais de um dia. Ela tinha deixado a sua família atrás de um sonho próprio. Não tinha fugido dele, nem sequer quando descobriu suas origens, apesar de que estava aterrada.

     OH, sim. Tinha mais coragem nesta pequena mulher do que ninguém imaginava. Nem sequer Gwen. Agora, por culpa dele, queria atacar aos Caçadores. Queria ficar em perigo, todos e cada dia.

     Se chegassem a ferí-la, ela sararia. Isso, ele sabia. Racionalmente ao menos. A idéia de Gwen ferida, ensangüentada, quebrada, entretanto, quase o fazia rugir, enquanto penetrava por uma das entradas traseiras da fortaleza. Sou um maldito idiota!

     Ninguém o contradisse.

     Franzindo o cenho, abriu caminho por uma passagem secreta, uma passagem que Torin monitorava.

     Olhando fixamente para cima, a uma das câmaras escondidas, sacudiu a cabeça, uma ordem para silenciar a seu amigo. Entretanto, nunca diminuiu o passo. Quando alcançou sua habitação pôs uma barricada atrás da porta. Gwen o amava? Se sentia atraída por ele, do contrário não teria se entregado. E tão apaixonadamente, se formos ao caso, lhe brindando o melhor orgasmo de sua longa, longa vida. Confiava nele, senão, não teria admitido sua maior debilidade. Mas, amor?

     Se ela o amava, poderia esse amor resistir as provas que certamente enfrentariam? Seja sim ou não, se deu conta que não a deixaria ir. Agora Gwen lhe pertencia e pertencia a ela. Tinha lhe advertido que haveria conseqüências se, se entregasse a ele.

     Queria saber tudo dela. Queria ocupar- se de todas as suas necessidades. Mimá-la. Matar a todo aquele que a machucasse, inclusive suas irmãs.

     Em uma ocasião lhe tinha dito que poderia, e o faria dormir com uma mulher além da que amava se isso significasse ajudar a sua causa. Que tolo tinha sido. Que ingênuo. A idéia de se deitar com outra mulher o deixava frio. Doente, inclusive. Ninguém se sentiria, soaria ou teria o sabor de sua Gwen. O pior de tudo é que isso a machucaria e ele seria incapaz de machucá-la. E a idéia de Gwen se deitando com outro homem… tocando-o, beijando-o, desfrutando com ele, só para ganhar uma batalha, deixava Sabin com uma fúria homicida.

     “Que tal se ela quiser a outro homem? Se deseja a outro? Se ansiar…?”

     “Uma palavra mais e juro pelos deuses que acharei a caixa de Pandora e tirarei sua alma fora, pelas Pelotas”.

     “Morreria”. Tinha um tremor na palavra.

     “Você sofreria. E ambos sabemos que chatearia a mim mesmo com tal de destruir a meu inimigo”.

     “Quem cuidaria de sua preciosa Gwen?”

     “Suas irmãs. Vou buscá-las? O deixo falar com elas?”

     Silêncio. Doce silêncio.

     Brandamente, pousou Gwen sobre a cama e acomodou as mantas ao seu redor. Um forte golpe ressoou na porta e fez cara feia. Ela não se moveu, não gemeu ou atuou como se estivesse de algum jeito a par da interrupção. Isso salvou a vida do intruso.

     Três largos passos e estava frente à porta, removendo a barricada a abriu de um puxão.

     Kaia tentou de entrar pela força.

     —Onde está? Mais te vale não a tenha machucado senhor “golpeia a Gwen por diversão”.

     —Não foi por diversão. Foi para fortalecê-la e sabe. Deveria me agradecer isso, pois falhou em cumprir seu dever. Agora saia.

     Lhe lançou um olhar desafiante.

     —Não irei até que a veja.

     —Estamos ocupados.

     Olhos dourados, tão inquietantemente, parecidos com os de Gwen, percorreram seu corpo nu.

     —Posso vê-lo. Mas ainda quero falar com ela.

     Não deixe que vejam, tinha lhe suplicado Gwen.

     —Está nua. —Certo— E eu gostaria de voltar junto a ela. —De novo certo— Sua conversação pode esperar.

     Um sorriso largo se estendeu pelo rosto formoso da Harpia e seus ombros caíram, aliviados. Graças aos deuses o sexo não estava contra essas malditas regras da Harpia.

     Gwen e ele iam ter um longo bate-papo assim que ela despertasse e lhe ia esboçar exatamente o que estava permitido e o que não. E então, as regras com as quais ele não estava de acordo seriam abolidas.

     —Mamãe estará tão orgulhosa! A pequena Gwennie apanhou a um demônio maldito.

     —Se perca. —lhe deu uma portada na cara. Logo fez uma careta e girou. Felizmente Gwen seguiu sem se mover.

     No transcurso do dia, guerreiros, mulheres e Harpias por igual devem ter golpeado a sua porta. Ele não conseguia relaxar porque não podia tirar as palavras de Gwen da cabeça. Não deixe a quem, que veja o que? Maldição. As irmãs já a tinham visto dormindo com ele, a noite em que chegaram, assim agora não estava seguro qual era o grande problema. Não tinham tentado castigá-la nem nada. Gwen estava envergonhada de suas marcas no pescoço? Talvez não devesse tê-la mordido.

     Os primeiros visitantes foram Maddox e uma sorridente Ashlyn, segurando um prato de sanduíches.

     —Depois de uma sessão de treinamento tão intensa, pensei que Gwen e você poderiam estar famintos.

     Maddox não tinha estado sorridente, mas tampouco tinha insistido em que Gwen abandonasse a casa.

     —Obrigado. —Sabin pegou o prato e fechou a porta. Tinha vestido um roupão, para dar a aparência de uma maratona sexual. Kaia pareceu feliz a respeito disso, pelo que certamente não era algo vergonhoso para as Harpias, tentando manter de uma vez sua dignidade.

     A seguir apareceram Anya e Lucien.

     —Gwen e você, não quererão ver um filme de apunhalamento conosco, enquanto fingimos ler esses poeirentos manuscritos, mas deixando na realidade, a outros fazer todo o trabalho? —Perguntou-lhe Anya meneando as sobrancelhas— Será divertido.

     —Não, obrigado. —De novo, fechou a porta.

     Um pouco mais tarde apareceu Bianka.

     —Preciso falar com minha irmã.

     —Segue ocupada. —Dormindo. Fechou-lhe a porta na cara carrancuda.

     Por fim, as visitas diminuíram. Então Sabin enviou uma mensagem a Torin para lhe fazer saber que ficava enquanto os outros viajavam a Chicago.

     Já imaginava, foi a resposta. Por isso busquei uma substituição para você. Gideon se ocupará da missão.

     Seu alívio foi quase evidente. Deixar Gwen assim não era sequer uma opção.

     “Se algum dos homens resulta ferido, culpará a você mesmo”, disse Dúvida.

     Sabin não tentou negá-lo. Com razão.

     “O que acontecerá se começa a guardar rancor por Gwen?”

     Agora pôs os olhos em branco.

     “Não acontecerá”.

     “Como sabe?” Mal-humorado. Chorão.

     “Ela não tem a culpa de nada. Eu sim. Se chegar a sentir rancor, será para mim mesmo”.

     Na verdade, como poderia sentir rancor por esta mulher tão bondosa? Se ela tivesse sabido da viagem, ele suspeitava que tivesse querido ir também.

     Sabin observou o entardecer, viu a lua aparecer e o sol amanhecer, incapaz de descansar ou relaxar. Por que Gwen não despertava? Ninguém precisa de tanto descanso. Necessitava sangue novamente? Ele tinha pensado que tinha tido suficiente no calor do ato amoroso.

     Se recostou para trás na cadeira de madeira, que arrastou até o lado da cama. As tiras de madeira se cravavam em suas costas, mas não lhe importava. Mantinham-no alerta, com a mente ativa.

     Se olhe. Se converteu em tudo o que sempre desprezou, pensou. Fraco, por uma mulher. Preocupado, por uma mulher. Vulnerável a um ataque, por uma mulher.

     —Sabin. — um suspiro afogado o chamou.

     Sabin endireitou na cadeira com um sobressalto, os pés ressoando no chão de um golpe. Seu coração saltou um batimento do coração, seus pulmões quase paralisaram. Por fim!

     Os olhos de Gwen tentaram se abrir, mas suas pestanas estavam pegas e teve que as esfregar. Então seus olhares se encontraram e a ele esqueceu de respirar. Tinha se perguntado como reagiria Gwen ao despertar em sua cama; deveria ter se perguntado como reagiria ele. Teria se preparado para esse momento. Estava tremendo, seu sangue se esquentando ante a sensual vista dela, recém saída da cama e disposta.

     Franziu o cenho, sua atenção abrangendo todo o quarto.

     —Como cheguei aqui? Espera. Me diga isso quando retornar. —Tirou as pernas por um lado da cama e tentou ficar de pé com estupidez.

     Sabin já estava parado e tomando-a em seus braços.

     —Posso caminhar. —protestou.

     —Sei. —Depositou-a no banheiro, voltou para o quarto e fechou a porta atrás dele, lhe permitindo uma módica privacidade.

     “E se cai e se machuca?”

     “Se cale. Não me afetará neste momento”.

     Um ofego horrorizado atravessou a madeira e Sabin riu. Devia acabar de se dar conta que estava nua. Sustentá-la assim o tinha deixado como um louco. Estava duro como um tubo de aço, sua fragrância feminina lhe enchia o nariz.

     Quando ouviu que a ducha se abria, pegou roupa limpa e se dirigiu ao quarto junto ao seu. A porta estava aberta, assim entrou sem mais preâmbulos. As três Harpias estavam sentadas formando um círculo no chão, com uma pilha de comida no centro. Riam a respeito de algo, até que o viram.

     Os olhos de Kaia começaram a se voltar negros e o demônio de Sabin retrocedeu rapidamente.

     —Nossa comida. — grasnou e ele fez uma careta. Que curioso. Não lhe incomodava quando Gwen soava igual. Ao contrário, só queria agradá-la— Nós a roubamos. É nossa.

     —Se acalme. —Bianka a golpeou no braço, embora seu olhar nunca abandonasse Sabin— Era hora de que aparecesse. Onde está Gwennie?

     —Tomando banho. Preciso usar o seu. —Não esperou por sua permissão, mas sim se dirigiu ao banheiro e pegou uma toalha.

     —Depois de horas e horas de sexo ininterrupto, não podem compartilhar uma ducha? —perguntou uma delas. Em ocasiões, quando não podia ver as gêmeas, era difícil distinguir quem estava falando.

     —Possivelmente comecem outra maratona se tentam compartilhá-la. — brincou outra.

     As três riram maliciosamente.

     —Deixou-te em coma? Esteve se escondendo todo este tempo, para evitar que passe vergonha? —Taliyah foi quem falou nesta oportunidade; reconhecia o tom frio, que nunca falhava em deixá-lo estremecido.

     Ela sabia a verdade, Sabin se deu conta. Se perguntou uma vez mais, se dormir dessa maneira ia contra o protocolo Harpia.

     —E o que, se foi assim? —se encontrou dizendo.

     Bianka e Kaia riram como periquitos.

     —Bravo irmãzinha. — disse uma delas.

     Sabin fechou a porta de um chute e saltou à ducha, se movendo rapidamente, temeroso de que as mulheres se tornassem sobre Gwen e a interrogassem antes dele. Mas quando saiu elas estavam exatamente como as tinha deixado, comendo e rindo.

     Taliyah, era a única que não sorria, assentiu em sua direção. Em agradecimento?

     Tomou uma pequena separação pela cozinha, alguém tinha ido às compras, graças aos deuses, e levou uma bolsa de batatas fritas, um brownie, uma barra de cereais, uma maçã e uma garrafa de água. Bem carregado, entrou em seu quarto, fechou a porta com um chute para trás e encontrou Gwen sentada na beira da cama. Vestia calças curtas e uma camiseta azul brilhante, ambos os objetos tinham sido escolhidos por ela mesma na cidade no outro dia, seu cabelo molhado gotejava de um coque na parte superior de sua cabeça.

     Dúvida espiou do rincão mais sombrio na mente de Sabin, mas decidiu não se arriscar a incorrer na ira da Harpia e voltou a se esconder.

     Forçando sua expressão a permanecer neutra, se sentou na cadeira que tinha ocupado por muito tempo já, balançando a bandeja sobre seu estômago.

     —Temos que falar. — disse ela, olhando a comida com puro desejo— A respeito do que passou no bosque…

     Antes que pudesse continuar por esse caminho, lhe disse quanto tempo esteve adormecida, como a tinha vigiado, que ninguém tinha visto seu pescoço, ninguém sabia o que em realidade estava fazendo e como todos assumiram que tinham estado fazendo-o como animais.

     —Há um deus. — disse Gwen, suspirando aliviada.

     Ou deuses. Mas não tinha importância. Qualquer outra mulher teria estado horrorizada, pensou, lutando por não sorrir. Mais prova ainda de que ela era a única mulher para ele.

     —Agora, vai responder algumas perguntas para mim.

     Ela tragou saliva, seus olhos luminosos na luz do sol que penetrava por uma abertura nas cortinas escuras e pesadas.

     —De acordo.

     —Por que só pode comer comida roubada?

     Seus olhos se entrecerraram.

     —Se supõe que não posso falar disso.

     —Acredito que estamos, além disso.

     —Suponho que sim. —disse a contra gosto— Por que quer sabê-lo?

     —Para poder entender. —Abrindo um brownie, o mordeu por um extremo— Me confiou seu corpo. Confiou em mim para te cuidar enquanto dormia. Inclusive me confiou suas debilidades. Agora me confie seus segredos.

     Acima e abaixo o peito de Gwen se movia com respirações superficiais e roucas. Seu estômago grunhiu e ela o esfregou sem desviar a vista dele. Ou melhor dizendo, da comida.

     —Eu… eu…Está bem. Sim. —Lambeu os lábios— Me pagará?

     —Te pagar? Quanto e por que?

     —Só diga que sim! —foi um grunhido.

     —Sim?

      Lambeu os lábios de novo e as palavras saíram dela, alvoroçadas.

     —Os deuses desprezam às Harpias e nos consideram abominações pois somos o feto de um príncipe da escuridão. Faz muito tempo esperaram poder nos levar a ruína de uma forma que não se refletisse insuficientemente neles. De uma forma que parecesse como se nós mesmas nos tivéssemos destruído. Assim nos amaldiçoaram em segredo, declarando que nunca mais poderíamos desfrutar de uma refeição dada livremente ou uma que tivéssemos preparado nós mesmas. Adoecemos terrivelmente se fizermos caso omisso à maldição; alguns inclusive morrem. Só nos leva uma vez aprender a lição. Como viu por você mesmo no acampamento no Egito.

     - De toda forma, os primeiros de minha raça aprenderam por ensaio e engano que ainda podiam comer, mas só o que tinham roubado ou o que lhes era dado em pagamento. Os deuses não tiveram êxito em nos destruir, só fizeram nossas vidas muito difíceis. Assim me pague. Te dei as respostas que procurava, agora me deve isso.

     Sua demanda de pagamento de repente teve sentido. E Anya não tinha mencionado algo sobre comer o que ganhavam? Deuses, tinha que ficar esperto e escutar melhor.

     —Pelo segredo. —Lançou-lhe o brownie e ela o apanhou com um movimento muito rápido do pulso. A sobremesa foi consumida um segundo depois. Esta era outra mais das similitudes que compartilhavam, refletiu. Suas vidas, ambas, tinham sido afetadas por uma maldição.

     —Deveria me dizer que podia te pagar com comida. —a repreendeu— Poderia tê-la alimentado todo este tempo.

     —Não o conhecia o suficiente para compartilhar os fundamentos de minha raça. E como minhas irmãs dizem, conhecimento é poder. Não necessita mais poder sobre mim.

     Ele freqüentemente dizia o mesmo, embora pensasse que sim, necessitava mais poder sobre ela.

     —Mas, e agora o faz? —perguntou com suavidade, bobamente agradado com ela— Me conhecer, quero dizer

     Suas bochechas arderam com cor vermelha brilhante.

     —Bem, agora o conheço melhor.

     Era suficiente. Sabin pendurou a bolsa de batatas entre dois dedos.

     —Me diga quem não queria que a visse, o que não queria que vissem.

     —Minhas irmãs. Não quero que me vejam dormindo.

     Então essa era a razão.

     —Espera. Me diga como dormia com uma galinha e logo terá estas.

     —Sabin. Batatas fritas!

     —Sua resposta não foi satisfatória.

     —Nunca dormi com uma gal… Oh, se refere ao Tyson. Por muito tempo não o fiz. Não dormi, quero dizer. Essa conta? Ganhei as batatas? —Estendeu a mão, movendo os dedos ansiosamente.

     Ele as segurou com força.

     —Quanto tempo esteve com ele?

     —Seis meses.

     Seis meses. Apertou os dentes, não gostava da idéia dela com ninguém durante todo esse tempo.

     —Permaneceu acordada todo esse tempo?

     —Não. No princípio, o fiz acreditar que tinha insônia. Ficava acordada toda a noite. Mas quando o cansaço chegava a ser muito, chamava o trabalho, informava que estava doente e dormia nas árvores. Esse é o único lugar onde se supõe que durmamos, já que é quase impossível que nos vejam ou nos alcancem. Mas conforme passavam os meses pensei, por que não descansar com este homem em quem confio? Assim comecei a dormir na cama com ele. E antes que o pergunte, não dormir com outras pessoas ao redor não é uma ordem ou uma maldição dos deuses, a não ser uma medida de segurança que cada Harpia aprende do nascimento.

     Sabin não recordava às irmãs saindo pelas noites para se dirigir ao bosque, mas tão silenciosamente como se moviam, muito bem puderam fazê-lo.

     —Por que?

     Ela soltou um fôlego frustrado.

     —Nossas asas podem ser atadas enquanto dormimos, como o prova meu tempo em cativeiro. Agora me dê as batatas fritas.

     Sabin lhe lançou a bolsa.

     O plástico foi rasgado e batatinhas pintadas de laranja se esparramaram. Gwen meteu uma na boca, fechou os olhos e gemeu. Ele teve que tragar um gemido próprio.

     —Quer ganhar a maçã?

     A ponta de sua língua saiu, passando sobre seus lábios.

     —Sim. Por favor.

     —Me diga o que pensa de mim. A respeito do que fizemos no bosque. E não minta. Só pagarei pela verdade.

     Ela vacilou.

     Por que não queria que ele soubesse? O que não queria que o fizesse? Um minuto passou em silêncio e ele temeu que ela se contentaria, simplesmente, com a comida que já tinha. Então ela o surpreendeu.

     —Eu gosto. Mais do que deveria. Você me atrai e quero estar com você. Quando não estamos juntos, estou pensando em você. É estúpido. Sou estúpida. Mas eu adoro a maneira como que me sinto quando estou com você. Quando seu demônio está calado, não me sinto envergonhada nem esquecida ou assustada. Me sinto digna, desejada e protegida.

     Sabin lhe atirou a maçã e ela a apanhou, evitando olhá-lo.

     —Sinto o mesmo por você. —Admitiu, bruscamente.

     —De verdade? —seus olhos saltaram para ele, brilhantes de esperança.

     —De verdade.

     Lentamente, sorriu. Mas o sorriso logo se desvaneceu e seus ombros caíram. Mordeu a maçã, mastigou-a e a engoliu.

     —Me diga no que está pensando. —disse Sabin.

     —Não sei se poderemos fazer que istp funcione. Uma vez disse que poderia trair uma mulher que amava se isso significava ganhar uma batalha. Não é que acredite que me ama. Eu somente, bom, se você fosse estar com outra, eu a mataria. E logo a você. —Ali, no final, houve aço em sua voz. Aço afiado como uma navalha.

     —Não o farei. Não o faria. Não acredito que possa. —Esfregou o rosto com uma mão— É o único em que posso pensar. Duvido que possa fingir sequer com outra mulher.

     —Mas, quanto tempo durará isso? —perguntou Gwen brandamente, fazendo rodar a maçã em sua palma. Para sempre suspeitava ele, com a culpa o consumindo. Já tinha dedicado mais tempo a ela do que deveria. Não tinha estudado os nomes no manuscrito de Cronos ou feito nada para encontrar os dois artefatos que subtraíam. Nem sequer tinha procurado Galen.

     Por tantos anos tinha posto a guerra com os Caçadores sobre todo o resto, e tinha exigido o mesmo de seus homens. As distrações não eram toleradas. Eles lhe tinham dado tudo o que lhes pediu e mais. Como podia ele, como seu líder, se dar agora por inteiro a Gwen?

     Assim, em lugar de responder, ficou de pé.

     —Descuidei meus deveres para cuidar de você e agora tenho muito que fazer. — disse. E com isso a deixou. Se, pretendia conservá-la, tinha um monte de merda que compreender primeiro.

    

     E eu queria ser soldado? Se perguntou Gwen pela milésima vez depois de outra exaustiva sessão. Estava ofegando, suada e machucada ao se deixar cair sobre a cama de Sabin.

     Nos últimos dias, Sabin tinha divido seu tempo entre suas obrigações, quaisquer que fossem, e seu treinamento. Ela tinha passado as últimas horas conseguindo que lhe tirassem a merda a golpes. Outra vez. Não lhe tinha dado trégua, sem mostrar nenhuma misericórdia. Emprestava!

     —É mais forte não? —Disse-lhe ele, como se pudesse ler seus pensamentos.

     —Sim. —E o era.

     —Não me desculparei. Agora sabe que pode suportar um golpe.

     —E que posso atirar os meus. —Zombou ela, recordando como tinha enviado ao musculoso guerreiro voando para as árvores, ofegando por respirar, fazia só uma hora. Ela também sabia quando evitar e quando atacar.

     —Só deve aprender como convocar com maior rapidez a sua Harpia. Acontecerão boas coisas quando o conseguir. —Ele se sentou na beira da cama, cavou uma mão ao redor da base de seu pescoço e a puxou para dele— Agora bebe.

     Ao afundar os dentes em sua artéria, suas bochechas arderam ante à lembrança da maneira em que ela o tinha tomado no bosque. Logo suas pestanas caíram se fechando e simplesmente desfrutou do sabor deste homem.

     Ele a elevou sobre seu colo sem quebrar o contato, e ela imediatamente separou as pernas, lhe dando as boas-vindas contra seu corpo. Ele esfregou sua ereção entre seus sucos. Ela gemeu ante a felicidade, a excitação. Mas quando enredou os dedos em seu cabelo, apartando seus dentes para lambê-lo e beliscá-lo, ele baixou suas costas sobre o colchão, se colocou de pé sobre suas trêmulas pernas e se dirigiu a passadas para a porta.

     —Hora do segundo assalto. —disse— Te verei lá fora.

     Ele desapareceu à volta da esquina.

     —Está começando a me zangar. —declarou ela.

     Não houve resposta.

     Ela quase chiou de frustração. Já lhe tinha feito isso antes, em duas ocasiões. Tinha treinado com  ela, a tinha trazido para seu quarto para lhe curar as feridas com esse delicioso sangue, pondo-a quente e pronta, e logo a tinha abandonado por seus “deveres” ou para mais treinamento. Por que? Desde seu pequeno bate-papo, não tinha voltado a fazer amor.  Outra vez. Por que?

     Eles tinham declarado seus sentimentos um pelo outro. Ou não? Ela sabia que o desejava, de qualquer forma que o pudesse ter, pelo tempo que o pudesse ter. Não servia de nada negá-lo por mais tempo. Se não duravam, ao menos o teria tentado. E é obvio, seria culpa dela e ela se liberaria de qualquer remorso.

     O pensamento de lhe culpar por qualquer futura rixa fazia com que sua frustração desaparecesse; ela sorriu. O pensamento de um futuro com ele a tinha deixado suspirando sonhadoramente se aconchegando contra o travesseiro. Ele era o tipo de homem que toda Harpia ansiava. Poderoso, um pouco selvagem, e muito malvado. Podia matar a um inimigo sem remorsos. Não tinha medo do trabalho duro. Podia ser desumano, sem misericórdia, entretanto, tinha sido terno com ela.

     A única pergunta era: Poria Gwen acima de sua guerra?

     Espera. Duas perguntas: Queria que o fizesse?

     Com outro suspiro, se levantou e se dirigiu de novo para fora. O sol esquentava no alto quando saiu para procurar Sabin. No momento em que o viu, experimentou uma onda de orgulho. Meu. Estava agachado sobre duas adagas, as afiando até deixar as lâminas bicudas.

     Não há razão para praticar com falsas, tinha lhe dito. Amanhã, planejavam trabalhar com armas. Uma luz dourada acariciou seu peito nu, se afundando em seu bronzeado. O suor gotejava sobre seus músculos, fazendo-os cintilar, e sua boca se fez água. As perfurações de suas feridas na parte posterior de seu pescoço já estavam sarando; teria gostado que perdurassem para sempre, sua marca nele.

     Eu tinha tido toda essa força sobre mim, em meu interior.

     E a queria de novo. Logo. As noites eram o mais difícil de tudo. Ele não entrava no quarto até perto da manhã, não fazia falta seu demônio para que se perguntasse onde tinha estado, o que tinha estado fazendo, e então se arrastava a seu lado, embora se negasse a tocá-la. Ela sentia seu calor, ouvia suas suaves inalações, e o desejava completamente. Então, ficava adormecida antes que pudesse fazer nada a respeito.

     Esta noite, se ele continuasse resistindo tomaria as rédeas em suas próprias mãos. Literalmente. Ele já tinha se enredado com sua Harpia uma vez e tinha sobrevivido; muito bem podia fazê-lo de novo.

     —Maldição. — disse Ashlyn, a esposa do guardião de Violência. Era surpreendente escutar amaldiçoar a gentil mulher— Outra vez não!

     Como sempre, Ashlyn e Danika estavam sentadas fora da área para animá-la. Também gostavam de vaiar quando Sabin a derrubava. Embora não tinha passado muito tempo com elas, já as adorava. Eram abertas e honestas, bondosas e inteligentes, e de algum jeito, apesar de tudo, conseguiram gerar uma relação pessoal com os Senhores do Submundo. Gwen planejava descobrir a absoluta verdade delas, assim como tinham  obtido a grande proeza, mas inclusive não tinha tido tempo.

     Atualmente, estavam um pouco distraídas, jogando algum tipo de jogo com Anya, Bianka e Kaia, a quem sempre gostava de observar as sessões de treinamento. Ashlyn e Danika deram a suas irmãs as boas-vindas com os braços abertos, afirmando que a fortaleza necessitava mais estrogênio para equilibrar a testosterona.

     —Toca-me lançar. —disse Bianka com um zombador grunhido— Assim pode se afastar de meu dado ou conseguir que lhe tirem os dedos. Você escolhe.

     Maddox estava dentro, ou teria desafiado a sua irmã, Gwen sabia. Jogo ou não, não gostava que ninguém ameaçasse a sua mulher.

     O guerreiro chamado Kane se afastou a um lado, observando às mulheres com um meio sorriso em sua cara, seus olhos avelã brilhavam. Ele estava fora no descampado, sem se reclinar contra uma árvore, nem resguardado pelos ramos.  Entretanto, cada vez que Gwen o olhava, um ramo se desprendia do longínquo carvalho negro se equilibrando direto a ele, lhe esbofeteando o rosto.

     Ele e alguns dos outros tinham ficado aparentemente atrás para ler os pergaminhos que Cronos, o rei dos deuses, os tinha dado. Esse era um dos deveres de Sabin? Enquanto o resto dos homens tinham ido a Chicago em uma missão para “chutar o traseiro dos Caçadores”. Era raro que sentisse saudades.

     —…te concentrando? —Um duro peso lhe golpeou o estômago, empurrando-a sobre o traseiro.

     Sabin estava sobre ela um segundo depois, olhando-a furiosamente, as adagas, justo por cima de seus ombros. — Falamos a respeito de que deixe divagar a mente.

     Como seus pulmões estavam no processo de se recuperar, tomou um momento replicar.

     —Ainda não… tínhamos começado.

     “Realmente acredita que é… o suficientemente forte para isto?”

     A voz de Dúvida se arrastou através de sua cabeça, mas o demônio tinha parecido resistente, assustado de se dar a conhecer. Realmente tinha medo dela, como tinha dito Sabin. Um sentido de poder acompanhou o conhecimento.

     —Sinto usar o demônio contra você, mas também quero te treinar contra ele. E acredita que um Caçador vai te pedir permissão para começar e logo esperar até que concorde?

     Bom ponto. Talvez fosse hora de que ela anotasse algo por si mesma.

     —Primeiro, seu demônio é agora como um pequeno gatinho doméstico. Segundo… — Como seus braços estavam livres, fechou as mãos em punhos e o golpeou nas têmporas. Ele grunhiu de surpresa, agarrando-se a cabeça ao cair para trás. Ela não perdeu tempo. O golpeou com tanta força no peito que lhe rangeram as costelas.

     A Harpia riu. Mais!

     Por uma vez, escutar essa voz não a aterrorizou, e ela piscou surpresa. Estava ela… poderia ela estar… aceitando a seu lado escuro?

     —Vamos, Gwennie!

     —Golpeia-o enquanto está no chão! —Gritou Bianka.

     Ele até apertava as adagas enquanto piscava, tentando clarear sua visão. Gwen saltou ficando em pé, as asas liberando-se em suas costas. Felizmente eram tão pequenas, que não lhe rasgaram a camiseta. Se movendo mais rápida do que qualquer poderia possivelmente ver, correu atrás dele e envolveu seus dedos ao redor de seus pulsos.

     Não tinha tempo para que ele resistisse.

     Antes que se desse conta de onde estava ela e o que estava fazendo, ela tinha as afiadas pontas de suas facas descansando sobre seus ombros. Uma gota de sangue se formou ao redor de cada uma.

     Passou um momento em um estupefato silêncio.

     —Está bem. Me chutou o traseiro oficialmente. —Alguns homens, teriam se sentido humilhados por isso, mas tinha orgulho no tom de Sabin.

     O regozijo explorou através dela. Já estava, mais rápida que uma piscada, tinha-o feito. Realmente o tinha feito. Tinha ganhado uma briga, sem importar seu oponente, era algo que nunca tinha pensado fazer, algo que tinha considerado uma impossibilidade. Entretanto tinha derrotado a um fenomenal Senhor do Submundo, um dos guerreiros mais capazes neste mundo e em qualquer outro. Os deuses tremiam ante a mera menção de seus nomes.

     Bem, se não o faziam, deveriam fazê-lo.

     —Da próxima vez que combatamos, entretanto, quero que deixe a sua Harpia completamente livre. — disse ele.

     Ela assentiu reticente. Deixar a Harpia sair para fazer amor era uma coisa; na batalha era outra completamente diferente.

     —Só pensa no que, logo, estará fazendo aos Caçadores. —Disse Kaia com admiração— Pequena, nunca vi movimentos como os teus.

     —Mãe estaria orgulhosa. —Taliyah se aproximou a passadas até seu lado e lhe aplaudiu as costas. — Se soubéssemos onde está, inclusive poderia te dar as boas-vindas de volta a seu rebanho.

     Gwen poderia ter dançado. Ela sempre tinha sido a anormalidade, o elo fraco, o engano. Com uma doce vitória, finalmente se sentia como se fosse um deles. Como se fosse valiosa.

     Em silêncio, Sabin levantou as mãos e lhe arrancou as adagas de suas agora trêmulas mãos. Que pensamentos estavam rondando pela mente dele?

     —Bom trabalho. —Ashlyn esfregou o arredondado ventre— Estou verdadeiramente impressionada.

     Sorrindo, Danika aplaudiu.

     —Sabin deveria estar envergonhado. Foi derrubado em menos de um minuto.

     —E por uma garota. —Mas o entusiasmo de Kaia se desvaneceu rapidamente— Bem, agora que o treinamento se acabou, tenho uma pergunta. Quando vamos ver um pouco de ação? —Ela levou as mãos aos quadris— Estão aborrecidos. Estivemos aborrecidas. E nos levamos bem, esperando. 

     —Sim. Os Caçadores feriram minha irmãzinha agora têm que pagá-lo. —disse Bianka.

     —Logo. —lhes disse Sabin— Eu juro.

     Isso assustou um pouco a Gwen. Entretanto, não o suficiente para mudar o curso que tinha estabelecido para ela mesma. A sós.

     Ninguém protestou quando Sabin acompanhou Gwen à parte de trás de uma zona particular, onde já tinha escondido uma geladeira. Ele se moveu para que ela se sentasse dentro do círculo de sombra.

     —Necessita mais sangue?

     —Não. —Realmente, no que estava pensando? Era educado, mas mais distante que nunca. Claramente o “tempo sós” não requeria nudez e uma cama. Que decepcionante— Estou bem. Inclusive, operando com força completa. —Para prová-lo, também ficou de pé.

     —Bem. Embora queira dar isso quero ver como se recupera das feridas menores sem ela.

     —Não tenho feridas, menores ou de nenhum outro tipo.

     —Seriamente. —Seu agudo olhar caiu sobre seu braço.

     Ela olhou para baixo e viu os sulcos de sangue em seu antebraço.

     —OH. —Wow. Que a tenham disparado deve tê-la endurecido para a dor de outras feridas.

     —Me avise quando desaparecerem.

     Sempre o treinador. Gostava disso nele. Tudo era uma lição que tinha por objetivo fortalecê-la, prepará-la para o que fosse ocorrer. Realmente mostrava o muito que se preocupava, e não o fazia por ninguém. Em realidade, só o fazia por ela.

     Agora que o pensava, ele só atuava com violência quando alguém a ameaçava. Kaia e Bianka tinham insultado verbalmente e atacado fisicamente ao seus amigos em várias ocasiões, e ele tinha sorrido, inclusive tinha se unido a zombaria. Mas no momento em que suas irmãs tinham dirigido suas brincadeiras para ela, o humor de Sabin se obscureceu. Tampouco vacilou jamais em apartar, as empurrar, na realidade. Para ele, homens e mulheres eram iguais em todas as maneiras e mereciam o mesmo tratamento, algo mais que admirava por ele.

     —Se sente. — urgiu de novo. —Preciso falar com você.

     —Bem.

     Quando ela obedeceu, ele levantou uma gelada, gotejante garrafa de água.

     —Se quer ganhar terá que me contar o que acontece com uma Harpia quando toma a um consorte. Me diga por quanto tempo ela tem ao consorte, e o que se espera dele.

     Estava ele… poderia estar… pensando em postular-se para o posto? Seus olhos estavam totalmente abertos, enquanto ele se deixava cair a uns passos em frente a ela e se estirou.

     —Bem?

     —Os consortes são para sempre, — grasnou ela— e são raros. Uma Harpia é um espírito livre, mas alguma ou outra vez, alguém encontra um macho que… a deleite. Essa é a melhor palavra que posso pensar para descrever a obsessão. O aroma e o toque dele se convertem em drogas para ela. Sua voz alivia sua fúria como nada mais é capaz de fazê-lo, quase como se acariciasse suas plumas. Sobre o que se espera dele, não sei. Nunca conheci uma Harpia com consorte.

     Ele arqueou uma sobrancelha.

     —Alguma vez teve um? Me refiro a um consorte. E se, se atreve a dizer que o galinha…

     —Não, nenhum consorte. —Tyson não tinha deleitado a sua Harpia, isso era seguro. Ela estirou os dedos para a água— Ganhei isso.

     A garrafa passou sulcando o ar um segundo depois. O frio líquido salpicou seus braços quando a apanhou. Em segundos, tinha drenado o conteúdo.

     —As Harpias têm que obedecer a seus consortes?

     A risada borbulhou nela.

     —Não. Pensa realmente que uma Harpia obedeceria a alguém?

     Ele deu de ombros, e ela vislumbrou resolução e decepção em seu escuro olhar.

     —Por que quer sabê-lo? —perguntou ela.

     —Suas irmãs parecem pensar… — Um músculo pulsou em sua mandíbula. — Não importa.

     —O que?

     O olhar dele se voltou penetrante.

     —Seguro que quer sabê-lo?

     —Sim.

     —Elas pensam que sou seu consorte.

     Seu queixo caiu contra seu esterno, a boca aberta formando um amplo: “Oh”.

     —O que? — Repetiu ela, soando tola inclusive para seus próprios ouvidos— Por que pensariam isso?

     E por que não tinham falado com ela sobre isso, em vez de com ele?

     —Eu a acalmo. Você me deseja. —Ele estava quase à defensiva.

     Mas se ele… se ele… santo inferno. Ele sim a acalmava. Desde o começo, ele a tinha acalmado. E ela o ansiava, seu sangue, sua presença, seu corpo. Tinha sido tal fracasso em todo o resto concernente ao mundo das Harpias que sempre imaginou que um verdadeiro consorte não estava em suas cartas. Estava?

     Quando Sabin não estava com ela, o buscava. Quando ele estava com ela, queria estar aconchegada sobre ele, desfrutando-o. Tinha compartilhado seus segredos com ele e não o lamentava.

     Anya lhe tinha contado que Sabin lhe pertencia, mas Gwen não tinha acreditado na deusa naquele tempo. Naquele tempo. Agora… santo inferno, pensou de novo, aturdida.

     Era por isso que Sabin tinha estado tão distante com ela? Não queria ser seu consorte? Seu estômago se retorceu dolorosamente.

     —Entretanto, eu não… eu não sei se te amo. — disse ela, tentando de lhe dar uma saída.

     Algo escuro cobriu seus olhos. Algo duro e quente.

     —Não tem que me amar. — A palavra “até” se sustentou entre eles, sem ser dita mas ali de todas formas.

     Ele a amava? Era quase muito para esperá-lo. Porque, se ele a amava, teria voltado a tocá-la. Não?

     —Falemos da guerra. — se encontrou dizendo, em vez de perguntar o que realmente queria saber: Por que não me tem feito o amor?— Não será tão incomodo.

     Ele suspirou.

     —Façamos então a sua maneira. Não fui a Chicago com os outros, mas estive anotando os nomes dos pergaminhos que listam a outros imortais possuídos por demônios dali fora, buscando-os nos livros que Lucien colecionou através dos anos e tentando aprender deles.

     Ele tinha ficado por ela. Sabia, e não podia deter o deleite que se estendeu por ela. Talvez, não odiasse o pensamento de ser seu consorte, depois de tudo.

     —Encontrou algo?

     —Reconheci muitos desses nomes de meus dias nos céus. A maioria dos prisioneiros no Tártaro haviam sido enviados ali por mim e pelos outros Senhores, assim não seremos suas pessoas favoritas. Possivelmente fosse melhor se só os caçarmos e os matamos, assim não ajudassem ao Galen. Além disso, de novo, ele também ajudou a encerrá-los então, quando era um dos nossos, assim que talvez seja discutível. —Ele se deteve, voltou a suspirar. —Olhe, trouxe a tona a questão do consorte porque queria falar com você de algo.

     Decepção e desejo se bateram a duelo pela supremacia. O desejo ganhou. Ela se endireitou, seus ouvidos se aguçando. Este era claramente um tema importante para ele.

     —Você escutou.

     Com movimentos rígidos, ele escavou na geladeira e tirou outra água.

     —Pagamento?— perguntou ela com uma risada— Já estive de acordo em te ajudar. Não precisa me pagar.

     Em silêncio, ele abriu a tampa e esvaziou o conteúdo.

     Sua risada se desvaneceu, o silêncio limitou com a tensão.

     —O que está passando?

     Ele se reclinou contra uma árvore, olhando a todos os lados salvo a ela.

     —Quando chegar o momento da batalha, e o fará, antes ou depois, quero que fique aqui, separada da ação.

     Sim. Claro. Ela riu de novo, voltando seu humor.

     —Que gracioso.

     —Estou falando a sério. Tenho a suas irmãs. Não a necessito.

     Mas… não podia querer dizer isso. Ou sim? Este impulsivo guerreiro usaria a qualquer um contra os Caçadores, não se contentaria com três Harpias quando podia ter quatro. Não é?

     —Eu nunca brincaria sobre algo assim. — acrescentou ele.

     Não, não o faria. Nesse momento se sentiu como se mil adagas de Sabin estivessem apunhalando seu peito, cada uma delas apontando para seu coração. Muitas delas tiveram o êxito de perfurar o órgão, por isso dava ferroadas e queimava.

     —Mas disse que me necessitava. Fez tudo o que estava em seu poder para obter minha ajuda. Estive treinando. Melhorei.

     Ele esfregou uma mão por seu rosto, parecendo exausto de repente.

     —Sim, em efeito. Melhorou.

     —Mas?

     —Maldita seja! —Grunhiu repentinamente, o punho golpeando o chão— Não estou preparado para que entre em serviço ativo.

     —Não entendo. O que está passando? O que o fez mudar de opinião desta maneira? —Tinha sido algo importante, sabia.

     —Eu só… maldita seja. —repetiu ele— O que seja que está passando em Chicago certamente enfurecerá aos Caçadores. Olhe o que aconteceu no Egito. Eles virão aqui. Tentarão tomar represálias. Não serei capaz de me concentrar com você a meu lado. Certo? Me preocuparei. Estarei distraído. E minha distração porá a meus homens em perigo.

     Gwen não soube onde encontrou a força, mas ficou em pé. Seus olhos se estreitaram. Ele se preocuparia. A mulher nela adorava esse pensamento. Muito. O florescido guerreiro, que agora queria ser a Harpia, o odiava, consumindo a alegria. Já não seria jamais uma covarde.

     —Então, pode ir se treinando para não se preocupar, porque vou unir-me a você. É meu direito.

     Ele também ficou em pé, as janelas de seu nariz se dilataram, suas mãos fechadas em punhos.

     —E é meu direito como seu amante, consorte, me desfazer de seus inimigos por você.

     —Nunca disse que fosse meu consorte. Assim me escute. Esperei toda minha vida por ser algo. Para provar a mim mesma. Não me tirará isso. Não o deixarei!

     —Não, não o fará. —se interpôs de repente Taliyah. Ela permanecia em pé a um lado. Kaia e Bianka junto a ela. Cada uma irradiava fúria— Ninguém detém uma Harpia. Ninguém.

     —Grande engano, Dúvida, — disse-lhe Kaia— Muito mal, realmente estavamos começando a gostar de você.

     —Sabia que escutar dissimuladamente era o mais inteligente. —disse Bianka entre dentes— Você será maravilhosamente malicioso, mas ainda é um homem e nós somos mais conscientes para confiar em qualquer macho. Olhe o que passou a última vez que Gwen foi por aquele caminho.

     Talyah passou a língua por seus direitos e brancos dentes.

     —Gwen te deu finalmente o que queria, e decidiu que já não a necessita. Típico.

     —Gwen. —disse Kaia— Venha. Deixamos a fortaleza. Nos encarregaremos dos Caçadores por nossos próprios meios.

     —Não. —disse Sabin— Não farão nada disso.

     Pelo que pareceu uma eternidade, Gwen simplesmente ficou olhando fixamente, silenciosamente lhe rogando que dissesse a suas irmãs que estavam equivocadas. As dúvidas a consumiam, dúvidas que eram todas delas. Estava fazendo isso para protegê-la, porque se preocupava? Ou simplesmente não tinha fé em suas habilidades, inclusive depois de todo seu duro trabalho? Ou estava planejando fazer algo que a entristeceria, algo com uma mulher Caçadora, e ele não queria que ela fosse testemunha disso?

     Ou era seu demônio que estava dominando sua mente? Se assim fosse, devia haver uma forma de combatê-lo.

     —Sabin. —disse ela, esperançada— Falemos disso…

     —Quero que fique dentro destas paredes. —disse ele sinceramente— Todo o tempo.

     —Vai me deixar aqui, mas utilizará a minhas irmãs, não?

     —A duas delas. Uma ficará com você.

     As mulheres em questão riram.

     —Sim, claro. —disseram elas ao uníssono.

     Gwen elevou seu queixo, iradamente por cima dele.

     —Elas não o ajudarão sem mim. Ainda pensa em me deixar?

     —Sim. —Não vacilou.

     Como podia fazê-lo? Como, quando ele tinha trabalhado tão duro para ganhar a ela e a suas irmãs para sua causa? A bílis se elevou em sua garganta, queimando como ácido.

     —Quer ganhar sua guerra? Por fim? Porque poderia. Conosco, muito bem poderia fazê-lo.

     Silêncio. Um silêncio que a fez sentir como se fosse obrigada a tomar a decepção, o arrependimento e a tristeza, uma cheia e rançosa colherada de uma vez.

     —Gwen. —disse Taliyah, com determinação— Venha.

     Traída em sua própria alma, Gwen girou se afastando de Sabin e seguiu a suas irmãs.

 

   Chicago estava fria e fazia um pouco de vento. Contudo, o sol era como um olho deslumbrante, seguindo cada movimento de Gideon. Mas ele gostava dos altos edifícios e a proximidade da água; um lhe dava a sensação de estar em uma grande cidade e o outro em uma praia. O melhor de dois mundos.

     Ele e os outros guerreiros tinham estado aqui durante vários dias, entretanto, tinham encontrado logo, agora as instalações que tinham vindo procurar. De alguma forma o tinham passado uma e outra vez. Possivelmente porque faltavam os números, ou possivelmente porque os vinte ou mais edifícios de tijolos vermelhos ao redor eram cópias exatas uns dos outros. Estreito mais alto, ao menos quatorze andares, duas janelas quadradas em cada andar.

     Apesar do fato de que estava bem escondido, não deveriam ter passado uma e outra vez como tinham feito. O fazia se perguntar se estaria passando algo, algo mais que seus “possivelmente”. Algo como magia.

     Um feitiço protetor, talvez? Ele tinha conhecido a umas quantas bruxas através dos anos e sabia que eram uma raça poderosa. Embora por que alguém escolheria trabalhar com os Caçadores estava além dele.

     Finalmente, os tinha ocorrido a brilhante idéia de deixar Lucien ali fora só, em sua forma de espírito, esperando que os Caçadores passassem junto a ele. Portanto, outra demora e os Caçadores nem sempre eram fáceis de detectar, suas roupas eram normais, suas armas estavam ocultas, assim Lucien tinha seguido a muitos humanos. Seus esforços finalmente valeram a pena e Lucien detectou a um provável candidato se aventurando no interior de um edifício que nenhum deles tinha notado, ou se o tinham feito, não o recordavam. Lucien tinha marcado o edifício com uma pequena mancha de seu próprio sangue, algo que Anya podia rastrear com os olhos fechados.

     Agora todos estavam estabelecidos cruzando a rua, escondidos dentro de um lugar em construção e observando atentamente através de grossas vigas de madeira enquanto os operários trabalhavam atrás deles. Algumas pessoas tinham possuído a coragem de lhes pedir que se retirassem. Um aroma de rosas, os desiguais olhos girando em sugestão hipnótica de Lucien e todos tinham esquecido que estavam aqui. Gideon poderia gritar, e eles nem sequer piscariam.

     Gideon queria um poder como esse. Ou possivelmente uma súper fúria como a de Maddox, que podia rasgar o mundo em farrapos porque estava irritado. Possivelmente a habilidade de ler as mentes das pessoas como Amun. Ou de desfrutar de cada corte, facada e ferida que lhe infligia como Reyes. Ou mesmo, trepar como um macaco como Paris. Ou voar como Aeron. Ou ganhar tudo como Strider. Ou, podia nomear cada coisa que invejava dos Senhores do Submundo. Inclusive Cameo, a epítome de Miséria. Ela podia esvaziar uma habitação tão só falando. Podia pôr a homens adultos de joelhos, soluçando como bebês.

     O que podia fazer Gideon? Podia mentir, isso era. E realmente odiava. Isso não era uma mentira. Não podia dizer a uma mulher que ela era formosa salvo se fosse feia. Não podia dizer a seus amigos que os queria. Tinha que lhes dizer que os odiava. Não podia dizer aos Caçadores que eram bolsas de merda. Tinha que lhes dizer que eram pasteizinhos. Falar de um pesadelo, o qual é obvio tinha que chamá-lo um sonho feito realidade.

     Entretanto, tendo passado todas, não podia se arrepender do fato de que ele era um guerreiro possuído por um demônio. Levava-o como uma placa de orgulho. Teria gostado de atuar como se lhe desgostasse, o qual teria dado algo em comum com os outros, salvo com Sabin e Strider, mas nunca tinha mentido a si mesmo.

     Às vezes ele pensava que era o único guerreiro que tinha dado as boas-vindas a sua maldição. Não tinha nada de mal tendo um demônio dentro de você. Nada mal desfrutando dele, agradecendo não estar só, não era como se seu demônio falasse alguma vez como os outros falavam com outros. Não, o seu era mais como… uma presença na parte posterior de sua mente. Não tinha nada mal estando feliz de ser mais poderoso. Mas maldita seja, teria matado aos deuses porque o emparelhassem com Fúria ou Pesadelo? Bem, Pesadelo teria sido fenomenalmente surpreendente. Ter a habilidade de converter os pesadelos dos Caçadores em realidade seria o mais doce tipo de céu.

     Repentinamente, uma dor de desejo o percorreu e piscou surpreso. Desejo? Do que? A habilidade? Ou do demônio em si mesmo?

     Gideon afastou a estranha sensação a um lado. Nem sequer sabia se Pesadelo tinha estado sequer dentro da caixa, se doeu de novo.

     —Estivemos observando o lugar durante mais de uma hora, nosso homem já partiu com as mãos vazias e não houve nenhum outro movimento. Acredito que o abandonaram. —Disse Anya, e tinha um raro rastro de confusão em seu tom— Mas estou percebendo caos. Um arrepiante monte de caos. — O caos era a mais forte fonte de seu poder, assim se alguém o reconhecia, seria esta formosa deusa.

     —Não poderiam possivelmente ser bruxas e seus feitiços. —disse Gideon.

     Anya ofegou.

     —Bruxas. É obvio. Por que não pensei nisso? Tive um ou dois encontros com elas através dos anos. Falando de abusadores do poder. — grunhiu ela. — Me pergunto como se sentirão quando eu abuse do meu e use seus negros corações como nosso novo centro de mesa.

     —Talvez eu devesse aparecer lá dentro. —disse Lucien. Ele seria invisível para aqueles ao seu redor e podia comprovar as coisas sem medo de ser detectado.

     —Não. Falamos disto. — disse Anya com decisão. Ela sacudiu a cabeça. Gideon parou a sua direita, e sentiu o sedoso meneio de seu cabelo— Algo raro passa com este edifício e não quero seu espírito nele. E agora que talvez haja bruxas envolvidas… infernos, não.

     Gideon adorava às mulheres, e sentia sua pele quente ante o roçar de seu cabelo. A última vez que tinha estado com uma mulher tinha sido apenas umas horas depois de que houvesse voltado do Egito. As mulheres de Budapeste sabiam, a algum nível, que ele e os outros Senhores eram diferentes. Eles eram considerados “anjos”. Não tinha tido que falar só encurvar seu dedo, e esta tinha vindo correndo. Mas ela não era suficiente para acalmar a dor dentro dele. Nunca eram suficientes.

     —Assim que ficaremos aqui parados sem fazer nada. — disse ele. O que significava, façamos uma armadilha, preparem as armas, e bem, seus amigos sabiam. Estavam bem familiarizados com o Falar de Gideon. Tinham que está-lo.

     Se ele inclusive tentasse pronunciar uma verdade, qualquer tipo de verdade, uma aguda dor queimava através dele. Uma dor muito pior do que uma pessoa deveria alguma vez ter que suportar. Como facas inundadas em ácido, cobertos com sal e rematado com veneno, cravados depois em seu intestino e arrastando todo o caminho desde seu cérebro até seus pés uma e outra vez.

     —Faz um tempo não sobrevivemos a uma bomba. — acrescentou ele, porque sim, o tinham feito. Só tinham passados uns meses da explosão em questão e ainda recordava o choque e a dor dela. Mas a suportaria voluntariamente de novo. Tinha passado muito tempo desde que tinha afundado sua adaga ou disparado uma série a seu inimigo. A seca rajada o fazia se crispar— Então estamos condenadamente seguros de que não podemos sobreviver a nenhuma mais que nos joguem. Nem sequer a feitiços.

     Gideon era prova de que os Senhores podiam não só sobreviver a um punhado de merda, mas também sair sorrindo. Uma vez, os Caçadores tinham conseguido capturá-lo e encerrá-lo. Literalmente. Melhor que ele tivesse torrado no inferno que tolerar os sarcasmos, espetadas, provas e surras que o levaram a beira da morte, só para ser reanimado de modo que pudesse ser torturado de novo.

     Sabin o tinha encontrado e o tinha salvado, na realidade carregando Gideon sobre seus ombros porque Gideon tinha sido incapaz de caminhar. Tinham cortado seus pés para vê-los se regenerar. Possivelmente por isso Gideon queria tanto ao guerreiro. Faria tudo por ele. Mataria alguns Caçadores só por ele. Que Sabin não estivesse aqui, quando o chefe vivia para este tipo de merda…

     Era culpa da Harpia, estava seguro. Sabin nunca tinha estado obssecado com uma mulher, se trancando com ela, ignorando seus deveres. Gideon estava contente de que seu amigo tivesse encontrado a alguém, mas inseguro do que significava para sua guerra.

     —Tenho uma idéia. —disse Strider. Strider sempre tinha idéias. Como a vitória era necessária para sua contínua boa saúde, freqüentemente planejava e organizava estratégias durante horas, dias, semanas antes de partir para a batalha— Ashlyn encontrou aos imortais para os Caçadores. Infernos, ela provavelmente encontrou às bruxas para eles. Assim que a teremos procurando uma para nós. Nossa bruxa poderia desfazer o feitiço que seja que jogou sua bruxa, se é que em realidade estamos enfrentando a um feitiço, e boom, vitória.

     —Neste momento o tempo não é nosso aliado. Temos que tirar estas crianças fora das mãos de nosso inimigo. Temos que voltar para a busca da caixa. —disse Lucien.

     —Mas, bebê. —disse Anya, preocupação em sua voz.

     —Estarei bem, amor. Ganhei seu coração, posso fazer tudo. —Lucien a beijou, persistente apesar da urgência em seu tom, antes de desaparecer completamente. Os operários humanos continuavam trabalhando ao redor deles, obviamente. Se podiam ver e ouvir os guerreiros, não davam nenhuma indicação disso.

     Anya suspirou, sonhadoramente.

     —Deuses, esse homem acelera meu motor.

     Reyes riu entre dentes.

     Strider pôs os olhos em branco.

     Amun permaneceu tão estóico como sempre.

     Não, não estóico, pensou Gideon. A não ser bordejado por algo escuro. Linhas de tensão se estendiam dos olhos escuros do homem e se estabeleciam na boca. Seus ombros estavam rígidos, assim como seus músculos estavam duros. A última viagem na mente desse Caçador na pirâmide devia tê-lo deixado mal.

     Se houvesse algo que Gideon pudesse fazer por ele, faria. Gideon gostava do silencioso gigante. Ninguém era mais bondoso, ninguém se preocupava mais. Enquanto Gideon tinha se recuperado de seus pésbotomia[13], tinha sido Amun que lhe trazia comida, se assegurava que suas bandagens estivessem limpas e inclusive o levava fora para tomar ar fresco.

     Sem saber que mais fazer, trocou de lugar com Strider de modo que ficou parado ao lado de Amun, e aplaudiu ao grande homem nas costas. Amun não o olhou, mas seus lábios se curvaram em um pequeno sorriso.

     —Rápido, antes que alguém me distraia —disse Anya— Estou aborrecida.

     Todos gemeram. Uma Anya aborrecida era uma Anya problemática. Mas Gideon sabia a verdade. Ainda ouvia a preocupação em sua voz. Não gostava de estar separada de Lucien.

     —Realmente não podemos jogar o “Como Vou Matar Aos Caçadores”. — sugeriu ele.

     —Os apunhalarei. —disse Reyes instantaneamente, o brilho em seus escuros, ferozes olhos.

     —Dispararei neles. —Strider replicou— No meio das pernas.

     —Quebrarei seus pescoços. —Anya disse, esfregando as mãos— Logo os farei me observar cortar seus intestinos. —Também o faria. Qualquer um que ameaçasse a Lucien terminava em sua “Lista de Quem se Deve Torturar”. — Não precisa nos dizer que os beijaria, Gideon. Já sabemos.

     Se ouviu uma sinfonia de risadas.

     Isso por tentar ser amável com Anya. Ele lhes mostrou o dedo do meio em um gesto obsceno.

     —Sei o que podemos fazer. —disse Reyes. Normalmente tinha uma adaga em cada mão e estava se cortando ao mesmo tempo em que falava. Hoje não. Não enquanto estava separado de Danika. Isso era uma dor em si mesmo, dizia ele freqüentemente— Façamos apostas em como Sabin está indo com a Harpia.

     —O homem tem bolas, isso é seguro. — disse Strider— Gwen é preciosa, mas alguém que pode te arrancar a garganta… — Ele estremeceu.

     —Hey! —Anya os nivelou com o cenho franzido— Isso não foi culpa de Gwen. Não é que pense que há algo de mal em realizar uma extração de garganta de um Caçador. De todas as maneiras, pelo que escutei, estava assustada. Não assusta a uma Harpia e vive para alardear disso. Essa é uma das primeiras coisas que lhe ensinam na escola de deidades. Toda a raça é violenta por natureza. Quero dizer, já conheceram as irmãs de Gwen, não?

     Esta vez, todos estremeceram.

     —Sabin é um bastardo com sorte. —disse Gideon.

     O olhar de Anya se entrecerrou nele, mas sua expressão foi repentinamente de atordoamento, como se visse através dele. Um zumbido de poder se arrastou dela, o envolvendo, apertando. Quando seu olhar clareou, enfocando, floresceu um sorriso.

     —Melhor que o observe. —disse ela— Ou vai estar destinado a amar a uma fêmea muito pior que uma Harpia. Os deuses se divertem dessa maneira.

     O calor abandonou suas bochechas, e fechou suas mãos em punhos.

     —Sabe algo? —Ela era uma deusa e potencialmente inteirada de informação da qual eles não.

     —Talvez. — disse ela com um delicado encolhimento de ombros.

     —Não se atreva a me dizer isso. — Ele adorava às mulheres, seriamente. Mas ficar permanentemente com uma, quando isso alguma vez o tinha satisfeito verdadeiramente? Infernos, não. Violenta como era sua vida, necessitava algo extremo para empurrá-lo ao limite. Quando seus companheiros lhe perguntaram como contentá-lo, tinha dito o contrário. Quanto pior seria se estivesse preso a uma só mulher? Nunca teria sexo da maneira que verdadeiramente ansiava, nem sequer acidentalmente.

     —Lhe diria isso se soubesse.

     Estava mentindo. Sabia que o fazia. Mentir era uma paixão para ela. Como Lucien a suportava? Hey! Espera um segundo, pensou aborrecido.

     Repentinamente Lucien se materializou, seu rosto marcado confuso quando todos se apinharam ao seu redor.

     —O lugar está mobiliado, mas abandonado. Não há papelada, mas sim vi roupa pulverizada. Tamanhos que só as crianças podem usar. Devem ter partido com pressa.

     Franzindo o cenho, Strider esfregou a têmpora.

     —O que significa que chegamos muito tarde, que fizemos a viagem para nada.

     —Entretanto há estranhas marcas nas paredes. —acrescentou o guerreiro marcado—  Não as pude decifrar. Quero trasportá-los de um em um se por acaso a área exterior ainda está sendo monitorada, não seremos detectados. Certamente, algum de nós tenha visto antes as marcas e saiba o que significam.

     Não levou muito tempo. Em cinco minutos estavam dentro do edifício. Gideon cambaleava pelo enjôo, ser teletransportado era uma droga, Strider estava rindo. Reyes estava pálido e agarrava o próprio estomago, Anya estava dançando ao redor da sala vazia, e Amun estava olhando à distância.

     —Por aqui. — disse Lucien.

     Avançaram por estreitos corredores, seus amortecidos passos ecoando. Gideon deslizou um dedo pela parede; estava pintada de um doentio cinza. Essa tinha sido a cor de sua cela durante seu cativeiro. O único mobiliário que lhe tinham dado tinha sido uma cama e ataduras para os pulsos e tornozelos.

     Más lembranças. Não gostava de se aventurar nesse caminho cerebral a menos que estivesse no meio de uma briga. O ajudava a canalizar sua fúria. Olhou ao redor. Tinha múltiplos quartos. Bem, eram mais como barracos, com quinze camas por quarto. Também tinha o que pareciam ser salas-de-aula.

     À esquerda, à direita, direita, esquerda e entraram em um ginásio, todos permaneceram em guarda. Tinha uma parede a qual estava coberta de espelhos com uma barra em frente destes. Para… balé? Se perguntou. É obvio, pensou logo. Os assassinos podiam ser mais efetivos quando eram mais flexíveis.

     Três das paredes eram cinzas como a hall. Mas a última estava pintada em uma multidão de cores. Gideon não podia distinguir um só desenho, só afiadas e bicudas linhas e amplos arcos. Eram um desastre.

     —Encantador. —murmurou.

     —Também é um feitiço, como esperávamos. —replicou Anya.

     Os corpos se aproximaram ao seu redor. Dedos que riscavam rapidamente, olhos seguindo, procurando por padrões.

     —Vi isto antes. —disse Reyes obscuramente— Nos livros que utilizei para saber mais sobre Anya.

     Quando Anya tinha vindo a eles no principio, ninguém tinha sabido se tinha a intenção de lhes fazer mal. Não é que fosse tampouco culpa dela. A mulher tinha sido nomeada ao longo de todas as épocas pelo desastre que causou.

     —OH, Dorzinho. Seu interesse ainda me adula, mas a sério, supera seu amor. Estou comprometida. Agora, no que se refere ao feitiço. Definitivamente, usam a antiga linguagem. —disse ela— Embora acrescentaram seus próprios sinais e está me custando decifrar certas palavras. Essa significa escuro, essa significa poder, e essa… indefeso, acredito.

     —Agora não quero ir. —disse Gideon, o calor se estendendo por suas costas. O perigo estava perto.

     Reyes suspirou.

     —Sua mentira está me tirando do prumo.

     —Me importa. Sim. —disse Gideon secamente— Me fere realmente o coração. E só para que saiba, eu posso agüentar sem mentir tanto como você sem se cortar.

     Outro suspiro. Então,

     —Sinto muito. —disse Reyes— Não deveria ter me metido. Minta tudo o que queira.

     —Não o farei.

     Strider soltou uma gargalhada e o aplaudiu no ombro.

     Gideon sabia que estava irritante. O estava. Mas não podia evitá-lo.

     De repente, Anya, que tinha estado murmurando em voz baixa, lendo, ofegou.

     —Oh! Meus deuses. —Um passo, dois, ela retrocedeu se afastando da parede. Estava tremendo, e em todas as semanas que Gideon a tinha conhecido, todas as batalhas que tinham brigado juntos, nunca tinha visto esta valente mulher tremer—  Nos teletransporte, Lucien. Agora. A todos, se for possível.

     Lucien não vacilou, não perdeu tempo perguntando por que. Caminhou para ela e envolveu seus braços ao seu redor, claramente tentando transportá-la primeiro, porque soubesse ela ou não, ele não podia transportar mais do que podia tocar. Mas era muito tarde. Escuras, sombras de metal caíram sobre as duas janelas da habitação, afogando todo rastro de luz.

     Abaixo no vestíbulo, podia ouvir as mesmas sombras se fechando sobre as outras janelas.

     Gideon girou ao redor, aplaudindo suas adagas. Queria atacar, mas estava tão escuro que não podia ver sequer suas mãos em frente a seu rosto, muito menos seus amigos. Ele não queria cortar à pessoa equivocada.

     —Lucien. —gritou Anya.

     —Estou aqui bebê, mas não posso me teletransportar. Parece que já não posso obrigar a meu corpo a se desmaterializar. —Lucien nunca tinha soado tão lúgubre— É como se houvesse alguma espécie de escudo magnético encerrando meu espírito em meu corpo.

     —Isso é. —disse Anya— Magia. Ativei o resto quando li o feitiço em voz alta.

     Houve uma ominosa pausa quando todos digeriram isso, a compreensão borbulhando na garganta de Gideon, virtualmente o estrangulando.

     —O que querem dizer os desenhos? — Strider perguntou finalmente.

     —A maioria deles são o feitiço, nos encerrando na escuridão, nossos poderes desaparecidos, nossos corpos indefesos. A última linha, entretanto, é uma mensagem para todos vocês. Diz, “Bem-vindos ao inferno, Senhores do Submundo. Estarão aqui até que morram”.

    

   A primeira mulher que Aeron tinha encontrado para Paris, já tinha dormido previamente com ela. Não era que Paris o tivesse sabido olhando-a. A falta de resposta de seu corpo o tinha revelado. Assim que a tinha enviado de volta ao povoado. Desde que tinha acolhido a seu demônio, Paris tinha se endurecido duas vezes em uma só oportunidade pela mesma mulher. E isso foi pela mulher que tinha morrido e que não podia ser renascida. Por minha causa.

     A segunda mulher que Aeron tinha encontrado para seu amigo tampouco tinha funcionado. Pela mesma razão. A terceira tinha sido uma turista, nova no povo, e felizmente nunca tinha cruzado no caminho do guerreiro. Aeron a tinha seqüestrado do quarto do hotel enquanto ela dormia de modo que seu rosto tatuado e suas desumanas asas não a assustassem. Ela despertou junto a Paris e quando tinha vislumbrado seu lindo rosto, tinha subido a bordo para o sexo de sua vida.

     Hoje, Aeron estava levando pelo ar seu amigo ao povoado. Se acabou, o de levar fêmeas de um lado a outro. Era uma perda de tempo. Desta maneira, Paris podia escolher a quem quisesse e Aeron podia rápida e eficientemente procurar a sua. Os dois poderiam se divertir no apartamento de Gilly, o lugar era o mais seguro que Aeron conhecia, desde que Torin tinha todo o edifício monitorado como uma prisão de máxima segurança para manter a jovem amiga de Danika segura. Aeron não tinha gostado que ela tivesse se mudado fora da fortaleza, ela era muito frágil, muito assustadiça, mas os guerreiros a tinham assustado e não tinham tido tempo de acalmá-la. Aeron a teria levado a cafeteria cruzando a rua, se lhe tivesse deixado, e teria ficado em sua companhia enquanto esperavam.

     Um plano perfeito. Bem, tão perfeito como se podia idealizar.

     Se só Paris e as Harpias tivessem se dado bem. Mas Promiscuidade tinha jogado um olhar às formosas mulheres e as considerou “muito esforço”. Aeron supunha que conhecia o sentimento. Ele mesmo não tinha desfrutado de uma mulher em mais de cem anos, e não desfrutaria de outra em cem anos mais. Se o fazia alguma vez. Como lhe tinha dito a sua doce Legião, elas eram simplesmente muito fracas, muito fáceis de destruir, enquanto ele viveria provavelmente para sempre.

     Não estava seguro de que pudesse sobreviver tendo que observar a outra pessoa amada morrer.

     Falando de pessoas amadas, Legião tinha voltado para o inferno? Estava em perigo? Ela não era feliz a menos que estivesse com Aeron e ele não estava completo a menos que ela estivesse encarapitada sobre seus ombros.

     A chamada anjo, não o tinha visitado em dias. Com sorte, teria partido para sempre e Legião voltaria.

     Se inclinou para a esquerda, girando correntemente. Rosas e púrpuras raiavam o céu, em um perfeito pôr-do-sol. O vento açoitava seu couro cabeludo, seu cabelo era muito curto para se agitar. O de Paris, entretanto, golpeava continuamente suas bochechas. O guerreiro se sustentava contra seu peito, os braços ao redor de suas costas, debaixo de suas asas.

     Ele se mantinha baixo e nas sombras, fora da vista.

     —Não quero fazê-lo. —disse Paris sinceramente.

     —Está mau. Necessita isso.

     —O que é agora? Minha alcoviteira?

     —Sim, tenho que sê-lo. Olhe, encontrou a uma mulher com quem podia ir à cama mais de uma vez. Certamente poderá encontrar outra. Só temos que procurá-la.

     —Maldito seja! Isso é como dizer a um homem ao qual cortaram os braços que lhe costurará os de outro. Não vai ser o mesmo. Não serão da mesma cor, do mesmo tamanho. Nada será tão perfeito como o outro.

     —Então rogarei a Cronos pelo retorno de Sienna. Disse que sua alma está nos céus, não?

     —Sim. —foi a resposta direta— Te dirá que não. Disse que tinha uma oportunidade e se não escolhia a ela, se asseguraria que ela nunca voltasse para a terra. Provavelmente já a tenha matado. Outra vez.

     —Posso entrar furtivamente nos céus. Posso procurá-la.

     Houve uma longa pausa, como se Paris estivesse considerando suas palavras.

     —Poderia ser capturado, encerrado. Então meu sacrifício seria em vão. Só… se esqueça da Sienna.

     O problema era que Aeron não podia esquecê-la até que Paris o fizesse. Teria que sopesá-lo, decidir como proceder. Tudo o que sabia era que queria a seu amigo de volta. O sorridente e despreocupado guerreiro que tinha um sorriso para todos.

     —A cidade está cheia esta noite. — disse, esperando trazê-los para um tópico mais seguro.

     —Sim.

     —Me perguntou o que estará acontecendo. — justo nesse momento, ao falar, experimentou uma pontada de temor. A última vez que tinha havido tanta multidão, os Caçadores os tinham invadido. Estudou as pessoas abaixo mais atentamente, procurando o característico sinal dos Caçadores. Uma tatuagem do infinito. Mas estas pessoas levavam relógios, mangas largas, e não podia ver seus pulsos. Além disso, embora soubesse que os Caçadores estavam orgulhosos de suas marcas, também sabia que podiam ter começado a escondê-los, se marcando em lugares discretos. Tivesse sido o mais inteligente.

     —Sinto, mas precisamos voltar para a fortaleza.

     —Bem.

     Aeron estava fortemente armado, e não lhe importava brigar por sua conta, mas tinha a Paris com ele. Paris, que ainda estava ido por todas essas maciças quantidades de ambrósia e seria mais um impedimento que uma ajuda.

     —Espera. Detenha! —Paris tinha se esticado contra ele, e seu tom tinha sido de incredulidade, esperança, salpicado de maravilha.

     —O que?

     —Acredito que vi… acredito… Sienna. — disse seu nome como se fosse uma prece.

     —Como isso é possível? —Aeron esquadrinhou o chão. Tinha tantos rostos e estava se movendo tão rápido, que não podia distinguir realmente um do outro. Mas se Paris tinha visto a Sienna, se ela estava de algum jeito, outra vez viva, então os Caçadores estavam definitivamente aqui— Onde?

     —Atrás. Volta para trás. Estava se dirigindo ao sul. —Tinha tanta excitação na voz de Paris que Aeron não pôde resistir.

     A pesar do perigo, girou. Queria lançar uma advertência, não eleve suas esperanças, mas não podia. Coisas mais estranhas tinham passado.

     Repentinamente, Paris se sacudiu, grunhiu.

     —Encontra um refúgio! Agora!

     Aeron sentiu algo quente e molhado deslizar por seus braços onde agarrava a cintura de Paris. Logo, um bombardeio de flechas perfuraram as asas de Aeron, rasgando a membrana. Seguiram os braços e as pernas, os músculos rasgados abertos, os ossos trincados. Ao estremecer-se de dor, apareceu a compreensão. Os Caçadores estavam efetivamente ali, e o tinham detectado. Provavelmente tinham estado observando e esperando por uma oportunidade como essa.

     Minha culpa, pensou. De novo. Começou a cair… cair… dando voltas e girando. Estrelando-se.

    

   Torin se reclinou em sua cadeira, as mãos enlaçadas atrás da cabeça, os pés pousados sobre o escritório. Tinha estado rondando por ali durante meses, mal saindo para comer, tomar banho ou, infernos, viver. Cameo não tinha vindo vê-lo desde a noite de sua volta, e possivelmente fosse o melhor. Não podia se concentrar quando estava perto e ele tinha mais trabalho sobre a bandeja do que nunca o tinha tido.

     Mantinha aos guerreiros bem sortidos, jogando com ações e bônus. Monitorava a área circundante por intrusos. Fazia todos os acertos das viagens. Procurava todas as pistas que podia sobre a caixa de Pandora, os artefatos ou os Caçadores. Estava procurando entre as notícias se por acaso aparecia qualquer sinal de avistamento de um homem com asas. Também conhecido como Galen. Como bem sabia Torin, Galen e Aeron eram os únicos guerreiros que possuíam os meios para voar.

     A Torin não importava muito seu trabalho, porque tinha tempo para fazer todos; ele nunca deixava a fortaleza. Ao fazê-lo possivelmente poderia acabar com toda a humanidade. Tão dramático, pensou secamente. Mas certo. Um toque de sua pele contra a de outro era tudo o que se necessitava para desencadear uma praga. Quão última tinha começado, graças aos Caçadores, tinha sido aqui em Budapeste. Ao menos tinha sido contida pelos médicos antes que pudesse fazer muito dano.

     Mas, OH, como desejava tocar em Cameo. Teria dado tudo por essa oportunidade. A imaginava em sua mente. Pequena, esbelta, esse comprido cabelo escuro, esses tristes olhos cinza.

     Ainda a desejaria se pudesse escolher a uma mulher? Se encontrou se perguntando pela milésima vez hoje. Ainda a desejaria se pudesse tocar a qualquer uma que quisesse? Iria ao povoado em qualquer momento? Como homem, sim, a desejava. Era bonita, inteligente, divertida se deixasse de lado sua voz suicida. Mas algo permanente? Simplesmente não sabia. Porque… seu olhar se moveu para o monitor da esquerda.

     Alguma ou outra vez vislumbraria a uma formosa mulher caminhando pelo povoado. Comprido cabelo negro, olhos exóticos que eram brilhantes em um momento e nublados no seguinte. Ela se detinha em seu caminhar, sorria, franzia o cenho, logo entraria em funcionamento. Quando o vento a acariciava, agitando seu cabelo, Torin captava a mínima insinuação de… orelhas bicudas? Não sabia se estava tendo alucinações ou não, a visão dessas orelhas o pôs duro como uma rocha. Tinha a estranha urgência de as lamber.

     Ela vestia uma camiseta que dizia “Nixie´s IAD House Ou´Fun”[14], e levava fone de ouvidos em seus ouvidos. O que era Nixie? Uma busca rápida no Google e supôs que, ela era alguma espécie de Imortal Depois do Anoitecer. Interessante. Porque não gostaria de nada mais que explorá-la depois da escuridão.

     Que tipo de música estaria escutando? A julgar pelo enérgico balanço de sua cabeça, era algo rápido e duro. De onde tinha saído? O que era ela? Deliciosa, apostaria…

     Desejando à estranha mulher que o tinha sacudido, voltou para as perguntas que o percorriam sobre Cameo. Se podia desejar a outra, não estava apaixonado por Cameo. E se não estava apaixonado por ela, era cruel estar se entretendo com ela? Acabaria lhe fazendo mal? Machucaria a ele?

     Nunca seria capaz de tocá-la, e tão apaixonada como era, alguma vez necessitaria a um homem que pudesse fazê-lo. Nunca antes tinha tido que se preocupar por estas coisas, porque nunca tinha estado com uma mulher. Nem sequer antes de sua posse. Então tinha estado muito ocupado, muito envolvido em seu trabalho. Talvez precisasse se unir ao “Trabalhadores Compulsivos Anônimos”, pensou secamente. Devia ser o único milenário de idade, virgem na história.

     Um de seus monitores cintilou, e lhe deu uma olhada detalhada. Nada fora do comum. Tampouco tinha nenhum sinal de sua morena de orelhas bicudas. Outra pergunta disparou em sua cabeça: Se Cameo não estivesse preocupada a respeito de seu demônio infligisse uma incalculável miséria sobre um humano, teria escolhido a outro homem com quem paquerar?

     Ante o pensamento dela com outro homem, não houve uma intensa quebra de onda de ciúmes, como deveria sentir um homem apaixonado. Está bem, então tinha mais confirmação. Tanto como gostava, tanto como a ansiava sexualmente, tanto como não podia resistir a ela quando entrava nesta sala, não a teria escolhido se as circunstâncias tivessem sido diferentes.

     Maldição. Que tipo de idiota era?

     A sua direita, houve um flash de luz azul. Torin girou para olhá-lo, com o temor formando redemoinhos se em seu estômago. Cronos.

     Absolutamente seguro, quando a luz se desvaneceu, o rei dos deuses apareceu de pé no meio da sala de Torin.

     —Olá novamente, Enfermidade. — disse essa voz imparcial. Uma toga branca pendurava de um dos enganosos ombros de frágil aparência, e se derramava até seus tornozelos. Em seus pés tinha sandálias de couro. O que sempre chocava a Torin eram as unhas curvas, com aparência de garras, dos pés do imortal. Simplesmente não encaixavam com o antigo mundo de nobreza do homem.

     —Meu senhor. —Torin não se levantou, como sabia que esperava Cronos. Este deus já tinha muito poder sobre ele e seus amigos. Assim conservaria o que pudesse. Mesmo isto, algo tão pequeno como isto. 

     —Esteve procurando os prisioneiros possuídos como ordenei?

     Torin o estudou mais intencionadamente. Tinha algo diferente no deus. Se via… mais jovem, talvez. Sua barba prateada não era tão grossa como sempre, e tinha nervuras de dourado misturado com seu cabelo branco. Se o celestial soberano tinha posto Botox e reflexos, deveria ter tido tempo para uma pedicure.

     —E bem?

     Espera. O que queria saber Cronos? OH, sim.

     —Assim é, alguns dos guerreiros os estiveram procurando.

     Um músculo palpitou na mandíbula do rei.

     —Não é suficiente. Quero que encontrem aos outros homens e mulheres possuídos o antes possível.

     Bem, Torin queria tocar pele com pele a uma fêmea sem matá-la, ou no caso de uma imortal, arruinando o resto de sua existência sem fim. Nem todos conseguiam o que queriam, não?

     —Tenho umas quantas ocupações entre mãos neste momento.

     —As desocupem.

     Como se fosse tão fácil.

     —Não importaria se tivesse todo o tempo do mundo. Alguns dos nomes foram apagados da lista, assim não há maneira de que seja capaz de encontrar a todos.

     Houve uma pausa. Logo,

     —Eu os tirei. Não necessita aqueles nomes.

     Está bem.

     —Por que?

     —Muitas perguntas, demônio, para tão pouca ação. Encontra aos possuídos ou sofre minha fúria. Isso é tudo o que precisa saber. Não estou te pedindo o impossível. Te dei os nomes que necessita. Agora o que devem fazer é encontrá-los. Podem identificá-los pelas tatuagens de mariposa em seus corpos. — No final, o tom do deus tinha sido seco. Quase… divertido.

     De novo, como se fosse tão fácil.

     —Por que mariposas, de toda forma? —grunhiu, sabendo que não faria nada bem em discutir. Ninguém era mais teimoso que Cronos. Mas também sabia que Cronos o necessitava para encontrar e conter Galen. O que não sabia ninguém, era por que o rei dos deuses não podia fazê-lo por ele mesmo. Cronos não era exatamente sociável.

     —Por várias razões.

     —Estou desocupando meu tempo, como ordenaram, assim terei o suficiente para dedicá-lo a escutar cada uma das razões.

     A mandíbula de Cronos se apertou.

     —Alguém considera a si mesmo mais útil do que realmente é, pelo que vejo.

     —Minhas desculpas. —Disse entre dentes— Sou mais baixo que baixo, um dom ninguém, desnecessário, inútil.

     Cronos inclinou a cabeça em reconhecimento.

     —Como meu mascote aprendeu tão rapidamente seu lugar, lhe darei uma recompensa. Deseja saber das mariposas. Foram os gregos quem lhes outorgaram as mariposas, meu filho.

     Torin assentiu rigidamente, sem se atrever a falar para não dissuadir ao deus deste benefício.

     —Antes de sua posse, estavam limitados no que podiam fazer, aonde podiam ir. Apanhados em um casulo, poderíamos dizer. Agora se olhe. — Agitou sua mão mostrando o corpo do Torin— Emergiu como algo escuro mas formoso. Isso é o por que teria escolhido esse engano, no final meus filhos. Bem… —Abriu a boca para dizer algo mais, se deteve, e logo sua cabeça se inclinou para um lado— Tem outro visitante. Da próxima vez que o visite, Enfermidade, espero resultados. Ou não me encontrará tão indulgente. — E então o deus partiu e alguém bateu na porta.

     Torin jogou uma rápida olhada ao monitor a sua esquerda. Cameo o saudou, como se seus prévios pensamentos a tivessem convocado. Empurrou Cronos e as advertências do deus à parte posterior de sua mente. Planejava ajudar ao rei, mas não saltaria quando o bastardo dissesse “salta”. Mascote, certamente.

     Com o corpo ainda preparado e devido à visão que tinha tido da “Orelhas lambíveis”, pressionou o botão que abria a porta. Cameo entrou, fechando a porta de madeira atrás dela com um determinante estalo. Ele girou em sua cadeira, a estudando com uma nova perspectiva. Seu aspecto era bonito, e a tensão zumbia dela. Mas isso era tudo. Tensão. A necessidade de liberação.

     Não, ela tampouco teria escolhido a ele, tampouco.

     —Me deixe te fazer uma pergunta. — disse, rodeando sua cintura com os dedos.

     Seus lábios oscilaram ao se aproximar dele, e se curvaram em um lento sorriso.

     —Está bem. — Ela provavelmente tinha intenção de soar rouca, sexy, mas a voz trágica só alcançou um “talvez-não-me-suicide-depois de-tudo”.

     —Por que eu? Poderia ter tido a qualquer homem.

     Seu rebolado seguiu até se deter. Logo seu sorriso mudou lentamente a um cenho franzido quando saltou sobre a beira de seu escritório, fora de seu alcance, com as pernas se balançando.

     —Realmente quer falar disto?

     —Sim.

     —Não será agradável.

     —O que o é, nestes dias?

     —Está bem, então. Você me entende, a meu demônio. A minha maldição.

     — Os outros também o fazem.

     Os dedos dela giraram em seu colo.

     —De novo, devo te perguntar se realmente quer ir ali. Especialmente já que poderíamos estar fazendo alguma outra coisa…

     Queria? Poderia alterar as boas coisas pelas que tinham passado. Prazer para ambos. Prazer que ele não conseguiria e não poderia conseguir, em nenhum outro lado.

     —Sim. Quero ir ali. — Idiota. Mas cada vez que via Maddox e Ashlyn, Lucien e Anya, Reyes e Danika, e agora Sabin e a Harpia, queria algo como isso para ele.

     Não é que pudesse o ter alguma vez. Tinha tentado uma vez, uns quatrocentos anos antes. Tudo o que tinha tido que fazer para chateá-lo era tirar as luvas, acariciar o rosto de sua amada, e logo observá-la morrer no dia seguinte, seu corpo destroçado pela enfermidade que lhe tinha dado.

     Não poderia passar por isso outra vez.

     Após, tinha se mantido afastado de propósito de todas essas fêmeas. Até de Cameo. Ela foi a primeira mulher que tinha olhado, realmente olhado, em muitos anos para contá-los.

     Seu olhar se separou dele.

      —Você está aqui. Nunca sai. Não o matarão em uma batalha. Me arrebataram o homem que amava, foi torturado por meus inimigos e enviado em pedaços. Não tenho que me preocupar disso com você. E eu gosto. Na verdade eu gosto.

     Mas não o amava, e o potencial de amor, o “para sempre”, o tipo de amor de “morrer sem você”, de todas as formas, não estava.

     E não estava isso ao mesmo tempo com o resto de sua vida?

     —Então… quer deixá-lo? —Perguntou brandamente.

     Ele jogou uma olhada o monitor de novo. Nenhum sinal de seu neném de orelhas bicudas.

     —Pareço estúpido?

     Uma gargalhada escapou dela, afugentando sua tristeza.

     —Bem. Continuaremos como até agora. Certo?

     —Certo. Mas o que acontecerá quando conhecer a um homem ao que possa amar?

     Ela mordeu o lábio inferior e deu de ombros.

     —Deixaremos. — não lhe fez a mesma pergunta. Exceto, é obvio, intercambiando “homem” por “mulher”. Ambos sabiam que nunca conheceria uma mulher que pudesse viver com ele em qualquer sentido.

     Um de seus computadores soou, captando sua atenção. Se endireitou, esquadrinhando até que encontrou a tela correta. O fôlego escapou entre seus dentes.

     —Santo inferno, consegui!

     —O que? —perguntou Cameo.

     —Encontrei Galen. E, merda, não vai acreditar onde está.

 

     —Não vai me deixar. — Sabin disse a Gwen. Depois, à suas irmãs, disse-lhes— Não vão separá-la de mim. —Elas tinham passado a última hora guardando suas coisas, e algumas das dele, agora estavam parados na entrada da fortaleza.

     Estavam prontas para partir, mas Gwen continuava se atrasando, “se recordando” de algo que tinha deixado no quarto dele.

     Ele sabia que as Harpias tinham intenção de levar a ela agora e para sempre. Justo diante dele, tinham falado a respeito de como não o queriam nunca mais ao redor de Gwen. Pensavam que Gwen estava quebrando muitas regras, se abrandando muito por um homem que nunca poderia pô-la em primeiro lugar em sua lista de prioridades. Ainda mais não gostavam que fizesse amor com ela fora, no exterior, onde qualquer um, inclusive um inimigo, poderia chegar furtivamente.

     Elas gostavam e apreciavam o que tinha feito para endurecer Gwen, isso tinha sido admitido a contra gosto, mas ainda o consideravam mau para ela. E não o bom tipo de mau.

     As ouvindo falar, pensando em estar sem ela, o estava deixando louco. Não podia estar sem ela. Não estaria sem ela. Não a perderia para suas irmãs e maldita fosse, seguro que não a perderia para sua guerra. Necessitava dela.

     —Faremos o que nos agrade. —disse Bianka, o desafiando com seu tom a contradizê-la de novo— Logo que Gwen encontre seus… o que seja que mencionou desta vez… iremos.

     —Já o veremos. — Seu telefone soou, mostrando uma mensagem. Franzindo o cenho, tirou o aparelho de seu bolso. Um texto de Torin.

     Galen em Budapeste. Com um exército. Se prepare.

     Depois Cameo apareceu correndo escada abaixo.

     —Ouviu? —Perguntou.

     —Sim.

     —O que? —perguntaram as Harpias. Inclusive apesar de estarem planejando ir, ainda se sentiam com direito de saber sobre seus assuntos. Imagine.

     —Provavelmente nunca se foi. —Cameo continuou como se não tivessem falado. Se deteve em frente a ele— Provavelmente esteve aqui todo o tempo, esperando, observando, aumentando suas tropas. E agora que somos a metade de nosso número…

     —Merda. — Sabin esfregou seu rosto com uma mão dura— Que melhor momento para nos castigar pelo que aconteceu no Egito. E sem deixar que nos esqueçamos de que quer a essas mulheres de volta, Gwen incluída.

     —Sim. Torin está alertando aos outros. —disse— Embora não se dirigem para cá, mas estão se entrincheirando no povoado.

     —Que infernos está passando? —Exigiu Bianca.

     —Os Caçadores estão aqui e preparados para a guerra. —lhe disse Sabin — Disseram que brigariam para mim, me ajudando a derrotá-lo. Bem, agora é sua primeira oportunidade, entretanto, tinha que resolver o que fazer com Gwen enquanto ele, eles? Estivessem fora. Se, se atreviam a levá-la enquanto não estivesse…

     Um grunhido saiu de sua garganta, fazendo cócegas em suas cordas vocais.

     E sim, o pensamento de deixar a um forte e capaz guerreiro atrás era estranho nele. Inclusive francamente ridículo. Especialmente já que ele tinha pensado em enviar Gwen à batalha desde o começo. Mas não ia mudar de parecer. De algum modo, de algum jeito, Gwen tinha se convertido na coisa mais importante em sua vida.

     A tinha deixado sozinha nos dias passados, tentando diminuir sua importância para ele, assim como de endireitar suas prioridades. Não tinha resultado. Tinha se tornado mais importante, e sua prioridade número um.

     Justo então Kane se apressou junto a eles. Levava o retrato de Galen, ainda quebrado, que Danika tinha pintado, uma metade em cada mão.

     —O que está fazendo com isso? — perguntou Sabin.

     —Torin quer que o feche sob chave. — foi a resposta— Por via das dúvidas.

     Abrindo caminho, Kaia agarrou Kane pelo braço, o detendo.

     —Como o obteve? Espero que saiba que vai pagar por rompê-lo, você bast… — O liberou com um grunhido e esfregou a palma— Como infernos, me deu um choque como esse?

     —Não tenho…

     —OH, Meu Deus! —Gwen baixou rapidamente os degraus, seu olhar fixo no retrato. Sua pele empalideceu, sua boca ficando aberta— Como o conhece?

     —O que ocorre? —Sabin cruzou a soleira para parar junto a ela. Envolveu um braço ao redor de sua cintura. Estava tremendo.

     O frio olhar de Taliyah passou de Gwen ao retrato, do retrato a Gwen. Também, estava empalidecendo, sua já pálida pele revelava profundas veias azuis.

     —Temos que ir. — disse, e pela primeira vez desde que Sabin a tinha conhecido, tinha emoção em seu tom. Terror. Preocupação.

     Bianka foi para frente e agarrou o pulso de Gwen.

     —Não diga uma palavra. Vamos daqui, vamos a casa.

     —Gwen. — disse Sabin, sustentando-a firmemente. Que infernos, estava passando?

     Uma luta começou, mas Gwen mal pareceu notá-lo.

     —Meu pai. — disse ela finalmente, as palavras tão silenciosas que ele teve que se esforçar para ouvir.

     —O que tem seu pai? —insistiu. Nunca antes tinha falado do homem, assim tinha assumido só que, quem quer que fosse, não era parte de sua vida.

     —Não gostam que fale sobre ele. Não é como nós. Mas como o obtiveram? Estava pendurado em minha sala no Alaska.

     —Espera. — Ele deu uma olhada ao retrato— Está dizendo…

     —Esse homem é meu pai, sim.

     Não. Não.

     —Isso não é possível. Olha-o mais de perto e verá que está equivocada. —Tem que estar equivocada. Por favor, tem que estar. Apertou seus ombros e a forçou a olhar a pintura.

     —Não estou equivocada. É ele. Nunca o conheci, mas estudei esta pintura toda minha vida. — Seu tom era nostálgico— É o único enlace que tenho com meu lado bom.

     —Impossível.

     —Gwen! —As Harpias gritaram como se fossem uma— Suficiente.

     Ela as ignorou.

     —Estou te dizendo que esse é meu pai. Por que? O que passa com você? E como obteve a pintura? Por que esta rasgada?

     Outra onda de negação estalou através dele, seguida rapidamente por um choque e mais lentamente pela aceitação. Com a aceitação veio a fúria. Tanta fúria, mesclada com o verdadeiro terror e preocupação que Taliyah tinha expressado. Galen era o pai de Gwen. Galen, seu maior inimigo, o imortal responsável pelos piores dias de sua longa, longa vida, era o fodido pai de Gwen.

     —Merda. — disse Kane— Merda, merda, merda. Isto é mau. Muito mau.

     Sabin apertou a mandíbula e fez seu melhor esforço para manter sua serenidade.

     —O retrato estava pendurado em sua sala? Este mesmo retrato?

     Ela assentiu.

     —Minha mãe me deu isso. O pintou faz anos, quando se deu conta que me levava. Queria que eu visse o anjo, que fosse diferente dele.

     —Gwen. — disse Kaia bruscamente, puxando sua irmã com toda a força— Lhe dissemos que se detivesse.

     Não o fez. Era como se as palavras estivessem deixando-a por sua própria vontade, reprimidas por muito tempo e se transbordando. E possivelmente, tendo aprendido a lutar, já não estava assustada de brigar pelo que desejava.

     —Tinha uma asa quebrada e se arrastou dentro de uma cova para sarar. Ele estava perseguindo um demônio disfarçado de humano, um demônio que entrou correndo nessa cova e tentou usá-la como escudo. Ele a salvou, se desfez do demônio. Atendeu-a, e ela dormiu com ele, inclusive embora ela odiasse o que ele era. Disse que não pôde evitá-lo, que sentiu esperança de um futuro com ele. Um futuro que de algum jeito tinha se convencido que queria. Depois, a mulher de cabelo escuro que vê aí chegou com uma mensagem, algo sobre vislumbrar um espírito, e teve que ir. Disse-lhe que esperasse, que voltaria por ela. Mas quando se foi, minha mãe recuperou seus sentidos, se deu conta que não queria ter nada a ver com um anjo e se foi. Ela é uma artista, e quando eu nasci pintou seu retrato com a mulher. A última visão que teve dele, ia ser a primeira que eu teria, me disse.

     Queridos Deuses.

     —Sabe quem é seu pai, Gwen? —perguntou.

     Finalmente seus olhos se separaram do retrato e os depositou sobre ele, a confusão nadando em suas profundidades.

     —Sim. Um anjo, como disse. Um anjo que seduziu minha mãe. Isso é pelo que sou da forma que sou. Mais fraca e menos agressiva.

     Ela já não era assim, mas agora não era o momento para apontá-lo.

     —Galen não é um anjo. —disse Sabin, seu desgosto era alto e claro— O homem ao que está olhando, chamando seu pai, é um demônio, o guardião da Esperança. Garanto que ele é a razão pela qual sua mãe experimentou essa falsa sensação de esperança de um futuro com ele e logo que se foi ela deixou de se comportar dessa maneira.

     Um forte ofego escapou dela, e sacudiu sua cabeça violentamente.

     —Não. Não, isso não pode ser. Se eu possuísse sangue de demônio, teria sido forte como minhas irmãs.

     —Sempre foi, só se nega a vê-lo. —Disse Bianka— Mamãe derrubou sua confiança, é minha hipótese.

     Sabin fechou seus olhos, depois os abriu. Por que tinha que ocorrer isto agora?

     —Esse homem é como eu, exceto por uma importante distinção. É o líder dos Caçadores. É o responsável pela violação daquelas mulheres. É o comandante dos homens que a capturaram. Está aqui, em Budapeste, e está desesperado por brigar. — Ao falar, se deu conta de seu engano. O deleite faiscando em seus olhos ante o conhecimento de que seu pai estava perto.

     Não fazia muito tempo, Sabin tinha considerado que os Caçadores a tinham plantado nessa cela para usá-la como isca para descobrir seus segredos e atraí-lo a sua morte. Tinha descartado esse pensamento imediatamente. Ainda o descartava, embora Dúvida estivesse gritando em sua cabeça, lançando outras possibilidades.

     Era mais perigosa que uma isca. Galen podia jogar a carta do pai para conseguir que ela traísse Sabin.

     Maldita seja isto!

     —Isso não pode ser verdade — repetiu Gwen, o deleite foi substituído por ceticismo ao olhar a suas irmãs— Nunca fui como vocês, apesar do que diga Bianka. Sempre fui muito suave. Como um anjo. Como meu pai poderia ser um demônio? Teria sido pior que você! Não é? Quero dizer… não posso… sabia algo disto?

     A ignorando, Kaia caminhou para frente, enfrentando ao rosto de Sabin, nariz com nariz.

     —Está mentindo. Tanto como desejamos sempre o contrário, seu pai não é um demônio. E certamente não está liderando a aqueles Caçadores. Se Gwen fosse metade demônio, teriamos sabido. Ela não teria… tem que haver algum tipo de engano. O pai de Gwen não é o líder de seu inimigo, assim nem sequer pense em machucá-la!

     O maldito pai de Gwen. As palavras ecoaram através de sua mente, embora quase não as pudesse processar. Qualquer futuro que ele tinha imaginado com Gwen estava provavelmente arruinado. Inclusive se ela fosse completamente inocente e não tivesse ajudado ao bastardo de seu pai, o qual sabia, Sabin planejava trancá-lo longe por toda a eternidade. Como poderia viver com o guerreiro que prendeu a seu pai?

     Além disso, a maioria das pessoas, não se voltavam contra sua família, sem importar as circunstâncias. Ele não o faria. Seus amigos, sua improvisada família, eram tudo para ele. Sempre tinha sido. E tinha que ficar dessa maneira.

     Sem importar o que sua mente gritasse, que não fizesse o que estava planejando.

     Gwen poderia não ter ajudado a seu pai, mas isso podia mudar a qualquer momento, agora que ela sabia quem era. Maldito Destino!

     —Possivelmente Kaia tem razão e você está equivocado. — disse ela esperançada, se agarrando a sua camiseta— Possivelmente…

     —Passei mil anos com esse homem, protegendo ao rei dos deuses nos céus. Passei uns quantos milhares mais o odiando com cada fibra de meu ser. Sei malditamente bem quem é.

     —Por que um demônio lutaria com os Caçadores? Por que quer encontrar a caixa que destruirá a todos se esta destruiria a ele também? Huh? Me diga isso!

     —Não sei como se salvará. Mas sei que ele é a razão pela que abrimos essa maldita caixa em primeiro lugar! Faria tudo, inclusive enviar a sua própria filha entre nós para nos foder. E desde nossa posse, enganou a esses humanos fazendo-os pensar que é um anjo. Assim é como foi capaz de dirigi-los.

     Ela passou uma mão pelo rosto, uma cópia dele.

     —Possivelmente tenha razão sobre ele, possivelmente esteja equivocado. De qualquer forma, eu não sabia. — Seus olhos estavam brilhantes, inclusive rodeados como estavam por apagadas olheiras— E eu não conspirei em seu contrário.

     Ele tomou uma estremecedora baforada de ar, então o liberou.

     —Sei que não o fez.

     —O que é então? Pensa que o ajudarei algum dia, agora que sei quem é? Não o farei. Nunca faria isso a você. Sim, irei como está planejado, —sua voz se quebrou ali— porque não confia em mim para brigar com você. Mas podem confiar em mim para manter seguros seus segredos.

     —Economize isso. — lhe disse ele— Não vai a nenhum lugar.

     E então foi atrás de suas asas.

    

   Um calabouço. Sabin a tinha prendido em um maldito calabouço. Pior ainda, a tinha prendido em um calabouço contigüo ao dos Caçadores, que gemiam, choravam e rogavam por serem libertados. E o tinha feito depois de lhe atar as asas. Depois que lhe tinha confiado seus segredos.

     —Sinto muito. — tinha dito, com verdadeiro remorso em sua voz— Mas isto é o melhor.

     Como se isso importasse agora.

     Gwen sabia que ele seria capaz de tudo com tal que vencesse sua guerra. Tinha sabido, o tinha odiado, mas ainda assim tinha começado a acreditar, bobamente, que seus sentimentos mudaram desde que a tinha conhecido. Tinha ficado com ela, em vez de ir com seus amigos a Chicago. Tinha lhe ensinado a chutar traseiros, dos grandes. Tinha lhe perguntado a respeito dos consortes das Harpias, por Deus santo. E então tinha decidido deixá-la para trás, e não sabia se era porque se preocupava com ela ou porque não confiava em suas habilidades.

     Agora sabia. Não lhe importava. Ele acreditava que seu pai era seu inimigo, portanto ela era seu inimigo.

     Era?

     Se Sabin estava certo e o homem no retrato era Galen, líder dos Caçadores, então Galen era certamente seu pai. Ela tinha passado dias, meses, anos, olhando fixamente esse mesmo retrato: os mesmos cabelos pálidos e olhos cor do céu, os mesmos ombros fortes e asas brancas. As mesmas costas largas e queixo cinzelado, pelos que ela passava seus dedos imaginando como pareceria uma pele verdadeira. Quantas vezes havia sonhado que ele vinha procurá-la, tomando-a em seus braços, rogando que o perdoasse por ter demorado tanto tempo em encontrá-la, e voando então aos céus com ela? Incontáveis. Agora ele estava perto… poderiam se encontrar …

     Não. Não haveria uma reunião feliz. Saber que ele era na realidade um demônio… que tinha machucado a pessoas… que queria matar Sabin… Sabin, a quem ela ansiava constantemente, mas que a tinha prendido na miséria como se ela não significasse nada para ele.

     Gwen girava em círculos, rindo amargamente. O chão era de terra e três das paredes eram feitas de pedra. Nada de mescla de rachaduras, só pedra lisa.

     A parede restante era feita de grossas barras de metal. Nem sequer tinha uma cama de armar para se deitar ou uma cadeira em que se sentar.

     O que foi a última coisa que disse antes de deixá-la neste buraco de porcaria? “Discutiremos isso quando voltar”

     Merda que o fariam.

     Um: ela não estaria aqui. Dois: ia quebrar a mandíbula dele com um murro, assim, lhe seria impossível voltar a falar jamais. E três: ia matá-lo. E sua irritação não era nada comparado com o da Harpia. Grasnava dentro de sua cabeça, exigindo represália. Como Sabin pôde lhe fazer isto? Como pôde tirar sua recém descoberta necessidade de vingança? Como pôde tê-la deixado aqui, depois da forma em que tinham feito amor?

     A traição de Sabin era um golpe mais duro que o recente descobrimento da maldade de seu pai.

     —Filho da puta! —grunhiu Bianka, caminhando com passos fortes de um canto ao outro. Grãos de areia escura voavam ao redor de suas botas— Tinha todas as nossas asas sujeitas, antes que me desse conta do que estava passando. Não deveria ter sido capaz de fazê-lo. Ninguém deve ser capaz de fazer isso.

     —Vou pendurá-lo com seus próprios intestinos. —Kaia golpeou o punho contra uma das barras, a qual se manteve imperturbável pois sua força era basicamente a de um humano, nestes momentos— Vou arrancar os membros dele, um por um. Vou alimentar a minha serpente com ele e deixar que se apodreça em seu estômago.

     —É meu. Eu me ocuparei dele. —O triste do assunto era que não queria que suas irmãs o castigassem. Queria fazê-lo ela mesma. Sim, isso era em parte. Além disso, apesar de tudo, inclusive de seu próprio desejo de mutilar e assassiná-lo, não queria vê-lo ferido. Tinha algo mais estúpido que isso? Enquanto ele a trancava, em seus olhos tinha brilhado, misturado com o arrependimento, o alívio, assim ele merecia tudo que lhe fizesse. Ele merecia tudo, menos debilidade da parte dela.

     Tinha lhe tomado um tempo unir as peças das razões para que ele sentisse alívio. Mas finalmente o tinha feito. Sabin tinha obtido o que desejava: Gwen não podia abandonar a fortaleza e não lutaria contra os Caçadores. Considerava seu desejo mais importante que a liberdade de Gwen, inclusive se tivesse que fazê-la passar pelo que seus mesmos inimigos tinham feito.

     Ela também golpeou seu punho contra a barra. O metal gemeu, ao mesmo tempo que se retorcia para trás.

     —Bom, eu vou a… hei, viram isso? —Assombrada, olhou seu punho. Tinha uma marca vermelha pelo impacto, mas os ossos estavam intactos. Tentativamente, golpeou a barra outra vez. Outra vez se dobrou— OH, vou sair daqui.

     Kaia a olhou com a boca aberta.

     —Como é possível? Eu também a golpeei, mas não cedeu.

     —Ele danificou nossas asas, drenando nossa força. — disse Taliyah. O que deve ter doído como o inferno— As de Gwen só as apertou até que a soltou nesta jaula. Ela está tão forte como sempre. Entretanto, me pergunto como soube que tinha que ir por nossas asas e por que foi tão gentil com as de Gwen.

     A primeira parte do comentário de sua irmã apagou um pouco de sua euforia.

     —Sinto muito. É minha culpa. Não foi minha intenção… eu acreditei… Eu sinto tanto. Eu o disse. Acreditei que poderia me ajudar a treinar esse ponto fraco.

     —Ele é seu primeiro amor. — disse Bianka surpreendendo-a— É compreensível.

     Agradecida como estava pela compreensão de sua irmã, Gwen se arrepiou ante suas palavras. “Primeiro”, implicava que haveriam muitos mais. Não gostava da idéia de estar com outro homem. Não gostava da idéia de beijar e tocar a alguém mais. Especialmente, posto que não tinha tido, nem de perto, suficiente de Sabin. Mas, amava-o?

     Não podia. Não depois disto.

     —Não me culpam?

     Suas irmãs se juntaram a seu redor e a abraçaram, e o amor que sentia por elas se inflamou. Sem dúvidas, era o melhor momento familiar que tinham tido jamais. Elas a apoiavam, sem importar que tivesse quebrado as regras e arruinado tudo ao monstro.

     Quando terminaram de se abraçar entre elas, Taliyah lhe deu um empurrão nas baixas costas e assinalou as barras com o queixo.

     —Faça-o de novo. Mais forte que antes.

     —É hora de fazer tremer este antro. — disse Kaia, aplaudindo.

     O coração de Gwen pulsava a toda velocidade enquanto obedecia, atirando seu punho contra o metal uma e outra vez. A barra se torceu e gemeu e se torceu um pouco mais.

     —Continua assim. —Kaia e Bianka respiraram ao uníssono— Está quase conseguindo!

     Pondo cada gota de sua fúria e frustração nos golpes, aumentou a velocidade, observando como seus punhos martelavam, se movendo tão rapidamente que via somente um borrão. Sabin teria suposto que era tão completamente fraca de força como de miolos que não tinha deixado nenhum guarda. Ou possivelmente todos os guerreiros estavam fora, lutando; só as mulheres e Torin ficaram na casa. Gwen não tinha visto muito do Senhor recluso durante sua estadia aqui, mas Sabin tinha mencionado que nunca saía da fortaleza, os monitores em sua antecâmara eram sua conexão com o mundo exterior

     Tinha alguma câmara por aqui? Provavelmente.

     Gwen não permitiu que isso a detivesse. Bum. Bum. Bum!

     Finalmente, a barra cedeu de tudo, deixando um pequeno espaço através do qual escorregar. Êxito, e se sentia condenadamente bem. Saíram uma de cada vez. Quando os Caçadores as viram fora da cela, se aferraram a seus próprios barrotes, desesperados.

     —Nos tirem daqui.

     —Por favor. Nos mostrem mais piedade, do que a que eles mostraram a vocês.

     —Não somos malvados. Eles são. Nos ajudem!

     As vozes lhe resultavam familiares. Tinha-as ouvido durante um ano de sua vida, o pior ano de sua vida. Caçadores. Perto. Machucar. Gwen sentiu a sua Harpia se apoderando dela, tudo desapareceu de sua vista, menos as cores vermelha e negra. Ferir. Destruir. Suas asas, sob a camiseta, revoavam grosseiramente.

     Estes homens lhe tinham roubado doze meses. Tinham violado a outras mulheres em frente a ela. Eles eram os malvados. Eram seus inimigos. Os inimigos de Sabin. Liderados por seu pai. Um homem que não era o anjo benevolente que ela sempre acreditou. Deveria matar a ele também. Tinha destruído todos os seus sonhos. Mas no momento de se imaginar indo por sua garganta, inclusive a Harpia retrocedia. Assassinar a seu próprio pai? Não…não.

     Com razão Sabin a tinha prendido.

     —Ajuda!

     O grito a trouxe de novo ao presente, a sua fúria. Por que Sabin não tinha matado ainda a estes bastardos? Tinham que ser assassinados. Tinha que matá-los. Sim, matar… matar…

     No fundo de sua mente, era consciente que suas irmãs tomavam pelos braços, mas estavam muito fracas para detê-la. Geralmente, tentava deter a si mesma. Desta vez não. Não mais. Estava aprendendo a aceitar a sua Harpia, não é?

     Começou a golpear o segundo jogo de barras, punhos martelando outra vez, lhe dando água na boca. Dentes afiados. Unhas estendidas. A visão dela deve tê-los assustado, porque os homens retrocederam, se afastando das barras.

     Inimigo… inimigo…

     No final, as barras caíram graças a seus cuidados e ela saltou dentro da cela com um chiado. Em um instante os homens estavam de pé, retrocedendo longe dela, no seguinte estavam no chão, imóveis. Mais… queria mais…

     Sua Harpia cantava feliz enquanto Gwen ofegava tentando recuperar o fôlego, quando uma grave voz masculina apanhou sua atenção.

     —…Aeron e Paris estão desaparecidos. Sabin, Cameo e Kane estão na cidade, William e Maddox têm às mulheres ocultas, as protegendo com suas vidas, assim sou o único por aqui e não posso tocá-la porque sou Enfermidade. Assim, me façam o favor de acalmá-la ou terei que fazê-lo e eu e vocês não gostarão de meus métodos.

     A voz profunda não lhe resultava conhecida. Bem. Alguém mais para destruir. Onde estava…seu olhar deu voltas pela habitação. Ou, melhor dizendo, corredor. OH, olhe ali. Três corpos em pé. Pareciam ser femininos, em vez de masculinos. Isso significava que teria gosto mais doce.

     Mais. Saiu da cela à espreita, decidida fazê-las cair como os Caçadores.

     —Gwen.

     Essa voz lhe resultava conhecida. Não provinha de seus pesadelos, mas igual não a deteve. Deu um murro à mulher na têmpora, ouviu um ofego, viu a silhueta voar para trás e golpear contra uma parede rochosa. Ao redor da mulher deve ter se levantado uma nuvem de pó, porque este encheu o nariz de Gwen 

     —Gwen, carinho, tem que se deter. —disse outra voz— Tem feito o mesmo em outra ocasião. Recorda?

     —Bom, o fez duas vezes, mas a vez a que nos referimos, esteve muito perto de nos matar e tivemos que te arrancar as asas das costas. —Uma terceira voz familiar— A hipnotizamos para ocultar a lembrança, mas está ali. Trata de recordar Gwennie. Bianka, qual era a condenada frase chave para fazê-la recordar?

     —Biscoito de rum e caramelo? Pastéis redondos de manteiga e amarelinha? Ou algo assim estúpido.

     As lembranças buliam… mais… e mais… pressionando por surgir e logo as sombras que os rodeavam se foram disseminando e a luz encheu tudo, brilhante. Tinha oito anos. Algo a tinha incomodado… uma prima tinha comido seu bolo de aniversário. Sim. Isso mesmo. Tinha rido enquanto o comia, zombando de Gwen depois de escapar do castigo por roubá-lo.

     As ataduras que mantinham a sua Harpia a raia tinham se quebrado em seu interior e o próximo que soube, a prima e suas próprias irmãs estavam a um passo da morte. A única razão pela qual sobreviveram foi que Taliyah, de algum jeito, tinha conseguido lhe arrancar as asas na briga.

     Tinha lhe levado semanas para que voltassem a crescer. Semanas que também tinham sido arrancadas da sua memória. Minha memória, grasnava a Harpia. Minha.

     Puta possessiva. A perda da memória era muito melhor que a alternativa, dizia-lhe uma parte racional de seu cérebro. A culpa teria me destruído.

     Elas estão fracas. Desta vez não poderão te fazer mal. Pode…

     —Deuses, quem teria dito que eu ia querer esse estúpido demônio de volta em sua vida?

     —Torin, cara, pode trazer Sabin? Ele é o único que pode acalmá-la sem lhe fazer mal.

     Sabin. Sabin. Retalhos de sua sede de sangue se desvaneceram, deixando espaço para que a consciência de Gwen se fizesse notar. Não quer matar a suas irmãs. As quer. Para dentro e para fora respirou, lento e compassadamente. Lentamente, as cores começaram a voltar, o negro e o vermelho a se dispersar. Paredes cinzas e piso marrom. O cabelo branco de Taliyah, o ruivo de Kaia e o negro de Bianka. Estavam um pouco maltratadas, mas com vida, graças ao céu.

     A compreensão lhe caiu em cima. O fez. Acalmou a si mesma sem matar a todos na habitação. Seus olhos aumentaram e, apesar do caos ao seu redor, a alegria a invadiu. Nunca antes lhe tinha passado. Cada vez que tinha perdido o controle aqui na fortaleza, Sabin tinha estado para acalmá-la com suas palavras. Possivelmente já não precisava temer a sua Harpia. Possivelmente, por uma vez, poderiam viver em harmonia. Mesmo sem Sabin.

     Essa idéia quase a pôs de joelhos. Não queria viver sem Sabin. Tinha planejado ir, sim, mas se fosse honesta teria que admitir que tinha esperado que ele fosse procurá-la, ou retornar por seus meios.

     —Está bem? —perguntou Bianka, tão surpresa como ela.

     —Sim. —Girou em volta evitando, de propósito, a cela dos Caçadores, e não encontrou rastros do homem que tinha estado falando — Onde está Torin?

     —Na realidade não está aqui. —fez notar Kaia— Estava nos falando por um alto-falante.

     —Então sabe que escapamos. —disse, agarrando o estômago e retrocedendo. O que aconteceria se vinha por elas? O que aconteceria se ela o matava para evitar que voltasse a prendê-la? Sabin nunca a perdoaria. Acreditaria sem dúvida nenhuma, e isso era muito a dizer, que ela tinha intenções de ajudar aos Caçadores. Espera, já não teme a sua Harpia, recorda? Os velhos costumes não eram fáceis de mudar.

     —Sabe. —respondeu Taliyah.

     —Sim, sei. —repetiu Torin.

     Kaia segurou Gwen pelos ombros para obrigá-la a se deter.

     —Não pode fazer nada porque não pode nos tocar.

     —De fato, posso lhes disparar. — lhes recordou a voz imaterial.

     Gwen tremeu. As balas não eram nada divertidas.

     —Vamos atrás de Ashlyn e Danika. — disse Kaia, sem lhe importar nem a audiência nem as ameaças de Torin.

     —Torin disse que estão resguardadas por Maddox e William. —lhes recordou Bianka— Iremos atrás deles também.

     A adrenalina ainda pulsava através de Gwen, mas essas palavras lhe gelaram o sangue.

     —Por que a elas? —As garotas eram doces e amáveis e não mereciam sair machucadas.

     —Vingança. Agora, vamos. —Bianka girou e subiu com passos pesados a escada para a parte principal da casa.

     —Não compreendo. — Gwen chamou aos gritos, com a voz trêmula— Como vingança?

     Kaia a soltou e girou também.

     —Sabin danificou nossas asas, assim agora nós danificaremos seu precioso exército. Quando outros guerreiros retornem e vejam que as mulheres desapareceram, como também seus amigos, se voltarão loucos.

     Não, pensou. Não.

     —Já disse. Sabin é meu. Eu me ocuparei dele.

     Ambas, Kaia e Taliyah a ignoraram e seguiram os passos de Bianka

     —Não tem que se preocupar. Talvez estejamos debilitadas, mas para isso servem as armas. —assinalou Kaia, sorrindo sobre seu ombro em direção a uma das câmeras de Torin— Não é verdade Tor – Tor?

 

     —Não as deixarei fazê-lo. — respondeu, sua voz tão dura como o aço.

     —Nos olhe. — a voz de Taliyah era mais fria que o gelo. Que par faziam os dois nesses momentos. Nenhum disposto a se dobrar.

     Gwen viu como suas irmãs desapareciam ao subir pela escada. Em direção para capturar às mulheres inocentes, a machucar a seu homem. Bom, não seu homem. Já não. Mas se deu conta que tinha que tomar uma decisão. Permitir que as coisas continuassem como estavam ou deter suas irmãs, talvez as ferir no processo, e tomar o assunto em suas próprias mãos.

     —Gwen. —chamou Torin, lhe provocando um sobressalto— Não pode permitir que o façam.

     —Mas as quero. —Sempre estiveram ali para mim. Tinham-na perdoado tão facilmente por revelar seus segredos. Inclusive tinham tentado protegê-la de suas próprias lembranças. Lhes fazer isto…

     —Os homens lutarão até a morte para proteger a essas mulheres. E se suas irmãs conseguem derrotá-los, o que é um grande “se” dado que não estão operando com toda sua capacidade, significará a guerra entre os Senhores e as Harpias.

     Sim, assim seria.

     —Dividirá aos guerreiros, porque tenho a suspeita de que Sabin escolherá a você. Isso nos fará vulneráveis aos Caçadores. Terão a vantagem. Se já não a tiverem. Não pude me comunicar com Lucien em todo o dia. Tampouco com Strider, Anya, ou nenhum dos outros que foram a Chicago. Não é assim como atuamos e temo que algo tenha passado com eles. Necessito que Sabin vá buscá-los, mas ele está preso aqui, lutando.

     O primeiro que lhe veio à mente? Esperava que os Senhores em Chicago estivessem bem. O segundo? Sabin, escolher a ela? Nem pensar.

     —Pôde ter tido minha ajuda, mas não confia em mim.

     —Confia em você. Só usou isso como pretexto para te proteger. Até eu sei e não sou tão próximo a ele. —Uma espessa pausa, a respiração ressoando— Bem, melhor que tome rapidamente uma decisão, porque suas irmãs estão, de fato, levando armas e se aproximam de seus objetivos.

    

   Sabin se escondeu nas sombras. Kane a sua esquerda, Cameo à direita; estavam carregados com armas suficientes para assaltar um povoado pequeno. Tristemente, isso podia não ser suficiente para a batalha que se aproximava.

     Os Caçadores estavam por todos os lados. Saindo das lojas, caminhando pelas calçadas, comendo nos cafés ao ar livre. Como moscas, pululavam e zumbiam e eram mais incômodos que a merda.

     Tinham mulheres de aparência normal, o vulto das facas e pistolas as delatavam. Homens altos e musculosos que pareciam recém saídos de uma guerra e ansiosos por se meter em outra estavam posicionados nos terraços dos edifícios, observando o acontecer da cidade. A seu lado, para consternação de Sabin, tinham crianças, em idades que iam dos oito até os dezoito anos. Sabin já tinha visto umaa destas crianças caminhar através de uma parede. Caminhar através dela, como se não tivesse estado ali.

     O que poderiam fazer os outros?

     Superavam-no em número e sabia. E inclusive tão depravado como era, também sabia que não poderia machucar aos meninos. Os Caçadores, muito provavelmente, tinham contado com isso. Uma Harpia poderia lhe ser muito útil nestes momentos.

     Seus dedos se apertaram ao redor da arma, seus ossos crispados. Não pense nisso. Tinha estado vigiando a cena durante um momento, tentando decidir, de riscar um plano. Em lugar de se sentir poderoso, se sentia mais impotente que nunca. Simplesmente não sabia o que fazer.

     O pior de tudo era que tinha deixado Gwen trancada. Ao que parecia, sim, ia pensar nisso depois de tudo, por conseguinte o esperava outra batalha em casa. Estúpido. Tinha deixado que sua preocupação por ela superasse seu sentido comum. Esse era o perigo de se abrandar por uma mulher. As emoções fodiam seus processos mentais, o faziam fazer coisas estúpidas. Mas não podia retornar com ela, se desculpar e lhe pedir ajuda. Tinha machucado suas irmãs. Leais e queridas como eram umas com as outras, nunca o perdoaria.

     Uma e outra vez tentou convencer a si mesmo que era melhor assim. Que tinha lutado contra Caçadores e saído ganhador antes dela e que poderia lutar contra eles e ganhar, depois dela. E de todas as maneiras, estava relacionada com Galen. Não podia confiar nas motivações de Gwen agora. Não podia confiar em que ela ajudasse a ele e não a sua família.

     Gwen poderia ser sua família. Franziu o cenho ante o pensamento tão caprichoso, e franziu o cenho ainda mais quando Duvida lhe replicou.

     “Não a merece. Não agora. Talvez, antes tampouco. Mas ela não te quereria de qualquer maneira, assim que isso é irrelevante”.

     —Se cale. — resmungou.

     Kane lhe deu um olhar de relance.

     —Seu demônio está te causando problemas?

     —Sempre.

     —Então, o que vamos fazer a respeito da situação atual? Só somos nós três.

     —Lutamos em piores condições. —Cameo falou e Sabin se crispou. Sua voz sempre tinha esse efeito sobre ele. Embora estranhamente, não o afetou tanto como em outras ocasiões. Possivelmente porque já se sentia miserável. Como pôde fazer isso a Gwen?

     Eu somente queria protegê-la.

     Pois bem, falhou.

     —Não, não o temos feito. —respondeu— Porque desta vez temos que nos assegurar que nenhuma criança saia machucada na briga.

     O dedo de Cameo se flexionou sobre sua arma.

     —Pois, temos que fazer algo. Não podemos deixá-los ali fora, soltos.

     Sabin voltou a estudar a multidão. Igualmente abarrotado, igualmente perigoso. Essas crianças… merda. Complicavam tudo. Hora de tomar uma decisão.

     —De acordo. Isto é o que faremos. Nos separaremo e iremos em diferentes direções, permanecendo entre as sombras, maldita seja, e nos encarregaremos dos adultos um por um. Matem sobre a marcha. Só… não deixem que os matem. Me façam um favor e… —suas palavras se detiveram abruptamente, seu olhar tinha caído sobre uns Caçadores vestidos com roupa de camuflagem que colocavam dois homens inconscientes dentro de sua caminhonete, no final da rua. Várias crianças os rodeavam, formando uma muralha.

     Cameo seguiu a direção de seu olhar e ofegou.

     —Esses são…

     O chão de terra sob Kane cedeu e este caiu dentro do buraco que ia se alargando.

     —Aeron e Paris? Merda. Sim. São eles.

     Sabin amaldiçoou baixo.

     —Mudança de planos. Matem a tantos homens dos que os rodeiam como lhes é possível, eu me ocuparei das crianças. Se puderem, arrastar Aeron e Paris de volta à fortaleza, eu os verei ali.

    

     Gwen tinha trancado suas irmãs.

     Sou tão mal como Sabin.

     Ela estava dentro da sala de Torin, de pé atrás dele, com os braços cruzados sobre o peito. Lhe dava as costas, como se não lhe preocupasse sua proximidade. Não o fazia. Mas ao menos, deveria ter temido uma bala no cérebro. Ela era uma Harpia, depois de tudo.

     —Acredito que cometi o maior engano de minha vida e é muito tarde para arrumá-lo.

     Se suas irmãs a perdoassem, e se ela perdoasse Sabin, eles ainda quereriam castigá-la por suas ações. OH, a quem estava enganando? Todos aos que amava—bom, algum tipo de atração, algumas vezes, no caso de Sabin—eram obstinados até a medula. Não haveria nenhum perdão.

     Seu olhar aterrissou sobre um dos monitores, que mostrava a suas irmãs. Elas estavam passeando, amaldiçoando e golpeando os barrotes em vão. Estavam sarando rapidamente, assim teria uns poucos dias antes que fossem capazes de rompê-los. E castigar a ela por traí-las, é obvio.

     O peito de Gwen se encolheu.

     Taliyah tinha apresentado uma grande luta e Gwen ainda levava as feridas. Tinha múltiplas navalhadas sobre as costelas e o pescoço. Não podia acreditar que realmente as tivesse golpeado, inclusive tão fracas como tinham estado. Toda sua vida, elas tinham sido o pináculo que tinha se esforçado por alcançar. Mais fortes, mais bonitas, mais elegantes. Melhores. Ela tinha comparado a si mesma constantemente com elas e sempre saía perdendo.

     Agora, aqui estava ela, uma guerreira até a medula. Se vencesse aos Caçadores, estariam orgulhosas dela?

     Sobre um dos monitores, Maddox e William passeavam, ambos carregados com muitas armas para contar. Ashlyn e Danika estavam atrás deles, retorcendo as mãos.

     —Estou preocupada. —podia se ouvir Danika dizer— O sonho que tive na noite passada … vi Reyes apanhado em uma caixa escura, seu demônio gritava, gritava e gritava pela liberação.

     Ashlyn esfregou seu arredondado ventre, suas feições pálidas.

     —Possivelmente deveríamos viajar a Chicago. Posso escutar, descobrir o que nos escondem e onde.

     —Não. —disse Maddox.

     —Boa idéia. —disse Danika falando por cima dele— Mas o que acontece com o que Torin nos disse? Os Caçadores estão aqui em Budapeste agora.

 

     —Melhor é se dirigir à cidade. —disse repentinamente Torin, atraindo sua atenção dos monitores, sua voz já não continha essa seca diversão—. Acabo de receber uma mensagem de texto de Sabin. Aeron e Paris estão feridos e estão sendo transladados em uma caminhonete, os caçadores estão se reunindo e Sabin está a ponto de iniciar uma batalha.

     O estômago de Gwen se encolheu dolorosamente.

     —Onde estão?   

     —Tenho um localizador nas células de Sabin e este indica sua posição a três quilômetros ao norte daqui. Sai pela porta de trás e baixa a colina. Não tome nenhum desvio e correrá diretamente para ele.

     —Obrigada.

     Ela necessitava armas. Montes e montes de armas. Uma imagem do móvel no armário de Sabin alagou sua mente. Perfeito! Girou sobre seus calcanhares, pronta para abandonar a sala de Torin.

     —OH, e Gwen.

     Ela se voltou, o olhando.

     Ele abriu um mapa dos bosques circundantes sobre a tela do computador mais afastado, uma linha vermelha destacava o caminho.

     —Há armadilhas aqui, aqui e aqui. Assim tome cuidado quando descer ou atacarão seus pontos fracos.

     —Obrigada.

     Sem outro olhar, correu para o quarto de Sabin. O móvel não estava fechado com chave, graças a suas irmãs que quase o tinham limpado. Só tinha uma pistola e uma faca. Ela tomou ambas as coisas. Não tinham tido tempo de treinar com uma semiautomática, mas o apontar e disparar não soava tão difícil.

     —Aqui vamos nós. —murmurou, batendo as asas freneticamente.

     Saiu da fortaleza e desceu correndo, sem jogar sequer uma olhada ao SUV estacionado na parte de trás. Em forma da Harpia, poderia chegar ali mais rápido.

     A dificultosa viagem de três quilômetros lhe levou menos de um minuto. E demorou tanto porque teve que esquivar as explosivas armadilhas dos Senhores. A cidade estava a transbordar de pedestres.

     Felizmente, com o borrão que ela era, ninguém a tinha descoberto ainda. Embora, se alguém a sentisse, olhou confuso como ela passava como uma brisa acariciante.

     Uma vez que alcançou seu destino continuou se movendo rapidamente, bebendo a cena com os olhos.

     Um grupo de militares rodeavam uma caminhonete aberta. Como Torin lhe tinha dito, tinha dois tipos inconscientes estendidos no interior. Três guardas se acocoravam ao seu lado, com as armas prontas, a fumaça flutuando desde seus canhões.

     Não tinha um condutor à frente. Estranho, pensou ela, até que se deu conta de que Kane estava atrás de um edifício e matava a qualquer um que se aproximasse do volante. O vidro frontal já estava quebrado, o sangue gotejando do volante. Quatro corpos estavam estendidos fora da porta aberta. Quando um Caçador se aproximou dele, Kane simplesmente trocou de localização e se ocultou, mantendo sua arma apontada à caminhonete.

     Onde estava Sabin?

     Por que os humanos não estavam gritando?

     Inclusive enquanto perguntava a si mesma, seu olhar caiu em uma menina pequena que tinha os braços estendidos. Uma suave voz sussurrou através da mente de Gwen: Calma. Ir para casa. Se esqueça de que vieram ao povoado. Se esqueça do que viu.

     Essa sedutora voz fazia com que Gwen quisesse fazer como lhe sugeria, as lembranças se desvanecendo, seu corpo já se voltando para a fortaleza. Possivelmente a tivesse obedecido completamente se não fosse por sua Harpia. O lado escuro de sua natureza grasnou e se ancorou dentro de sua mente, afogando a voz, lhe recordando seu objetivo.

     O que deveria fazer? E o que passava com todas as crianças que estava vendo de repente? Um deles, um menino pequeno, estava se movendo através do povoado mais rápido do que o fazia Gwen. A única razão de que o visse era que deixava um luminoso rastro de luz em sua esteira. Obviamente estava procurando os Senhores, e quando topou com um—Cameo, nesta ocasião—se deteve e começou a gritar.

     Franzindo o cenho, claramente reticente a lhe fazer mal, Cameo agarrou ao menino e lhe beliscou a carótida. Ele caiu igual como um tijolo. O suor gotejava por seu rosto, descendo por seu peito, empapando a camiseta e se pegando a seu corpo. Gwen nunca tinha visto a mulher guerreira tão incômoda e cansada.

     Mas ao menos uma pergunta tinha ficado respondida. As crianças estavam obviamente ajudando aos Caçadores. Houve um furioso grunhido atrás dela.

     —Saiam, saiam de onde estão. Não podem nos pegar e não podem pedir reforços. Temos a seus amigos. Nunca estiveram mais amadurecidos para a colheita.

     Gwen girou, outra voz gritava:

     —Por que não se entregam? Salve a vocês mesmos da humilhação de fracassar.

     —Clamam que não são demônios, bem, agora é o momento de prová-lo! Se entreguem a nós e nos dêem à garota. Nos permitam que encontremos uma maneira de tirar os demônios de seus corpos. Nos ajudem a devolver o mundo ao que foi uma vez, bom, correto e puro.

     —Possivelmente nos supliquem também o perdão, —se mofou um homem— se tivessem estado encerrados como deviam, a enfermidade nunca teria se introduzido no mundo e meu filho ainda estaria vivo.

     Wow, refletiu Gwen. Os Caçadores eram realmente fanáticos. Como se os Senhores fossem responsáveis por todos os males do mundo. Os humanos tinham livre-arbítrio. Os Caçadores também. Eles tinham escolhido encerrar Gwen. Tinham escolhido violar às mulheres de outros mundos. Isso convertia aos Caçadores em demônios e não mereciam piedade.

     Alguém gritou, atraindo a atenção de Gwen. Seus olhos se abriram desmesuradamente quando viu Sabin dançar através de um grupo de homens com duas adagas agarradas nas mãos. Seus braços se moviam com graça, deslizando-se através dos humanos com letal precisão. Um por um caíram a seu redor. Quase cada centímetro de sua roupa estava de um brilhante carmesim, como se tivesse cortes por todo o corpo. Esperava, que esse não fosse o caso. Esperava que o que levava fosse o sangue de seus inimigos.

     Gwen sentiu agora a familiar quebra de onda de sua Harpia tomando sua mente e corpo, sem nada que a retivesse. No princípio, experimentou seu instintivo medo. Então o medo se desvaneceu. Posso fazê-lo. O farei. Sua visão trocou a vermelho e negro, e a boca lhe fez água por provar esse doce néctar vermelho. Suas mãos doíam por ferir… principalmente.

     Justo antes de se converter completamente, ela pensou: Por favor, não faça mal a Sabin ou a seus amigos. Por favor, não faça mal as crianças. Por favor, leva a tantos como pode à fortaleza e os tranque. Isso é o que Sabin quereria.

     As asas bateram mais freneticamente que antes, Gwen saiu disparada para o adormecido menino que Cameo tinha derrubado—não a machuque, não a machuque, não a machuque—e transportou seu imóvel corpo com ela quando desceu em picado sobre as massas e bloqueou aos Caçadores, lhes fraturando as rótulas de modo que não poderiam ficar em pé e lhes golpeou com o punho nas têmporas.

     Depois de tudo, deveria ter trazido o SUV pensou, quando agarrou a outro dos inconscientes Caçadores em seu outro braço e se dirigiu para a fortaleza. Ela depositou sua carga em uma das celas dos calabouços e voltou para a luta. A viagem lhe levou um total de cinco minutos. Repetiu a ação dezesseis vezes antes de se dar conta que estava tremendo, reduzindo um pouco a marcha. Ao menos, a multidão, estava diminuindo.

     Sabin estava ainda em pé e Cameo estava as suas costas, cada um despachando as ameaças que lhes chegavam desde diferentes direções. Kane ainda tinha a arma apontada para a caminhonete.

     Aeron e Paris, pensou ela, caminhando para eles. Tinha que os tirar da região. Claramente estavam feridos e necessitavam urgentemente de ajuda. Mas um Caçador se interpôs em seu caminhou e ela impactou contra ele, perdendo a respiração quando saiu lançada para trás. Quando se golpeou, o fez contra peças quebradas de concreto que lhe cortaram as costas.

     Sabin despachou ao dele e esteve ao seu lado um momento depois, como se tivesse sabido exatamente onde estava todo o tempo apesar de sua velocidade, e a pôs em pé.

     —Torin me mandou uma mensagem de texto, me dizendo que estava aqui. Está bem? —pigarreou ele.

     A sensação de sua mão sobre ela… divino. Momentaneamente a fez se esquecer de onde estava e o que era o que estava fazendo. O suor e o sangue que brilhavam sobre ele o recordaram.

     —Sim. —pigarreou ela.

     Ela ofegava, estava cansada, acalorada, dolorida e tremendo.

     —Estou bem.

     Ele se cambaleou, passando uma mão pelo rosto como se quisesse clarear sua linha de visão. Ela nunca tinha visto o feroz e vibrante guerreiro tão perto do final de sua tolerância.

     —Pode pôr Aeron e Paris a salvo?

     Ao menos ele não estava tentando colocá-la de lado.

     —Sim.

     Isso esperava. Mas era o que queria, pôr Sabin e seus amigos a salvo.

     Sabin agarrou a semiautomática da parte de trás de sua cintura e a tirou.

     —Importa-se?

     —Absolutamente.

     —A cobrirei até a caminhonete. — lhe disse antes que ela pudesse agarrá-lo e partiu.

     Seguiu-lhe um rápido boom, boom, boom.

     Inclusive com os bloqueios, seus ouvidos eram sensíveis e os sons dessa arma de fogo a fizeram se encolher. De fato, sentiu o quente líquido jorrar de seus tímpanos. Felizmente, o sangue silenciou de algum jeito o volume.

     Uma vez mais, os corpos começaram a cair a seu redor. Gwen se moveu para a frente, advertindo que só ficava uma criança entre as massas. A menina mantinha aos cidadãos a raia. Gwen tinha prendido a vários meninos, embora os Caçadores tivessem pego a alguns deles e fugido. Que tipo de monstros traziam as crianças para à guerra?

     Quando alcançou a caminhonete, Sabin continuou disparando, embora já não ficasse nenhum caçador ao redor de veículo, os poucos restantes tinham se deslocado para se ocultar. Ou possivelmente tinham sido massacrados por Kane.

     Ela carregou a um guerreiro sobre cada ombro, quase se dobrando sob seu peso.

     Não tinha maneira de que ela fosse capaz de levar a ambos ao mesmo tempo.

     Ela deixou Aeron sentado tão brandamente como pôde e apertou seu aperto sobre Paris. Ele era o que mais sangrava.

     —Tenho que voltar. — disse ela, esperando que Sabin a ouvisse, e correu para as árvores.

     Sua viagem lhe levou um pouco mais, sua carreira se fez mais lenta. Finalmente, entretanto, alcançou seu destino.

     Resfolegando, depositou ao enorme e pesado guerreiro no vestíbulo da fortaleza. Torin devia tê-la visto vir e alertou Maddox e William, porque os homens tinham deixado sair às mulheres de seu esconderijo. Quando Ashlyn e Danika viram Paris, se adiantaram correndo.

     O temor brilhava nos olhos verdes de Danika.

     —Está…

     —Não. Está respirando.

     —O que está… —começou Ashlyn.

     —Não há tempo. Tenho que voltar para junto dos outros. — disse Gwen sem esperar resposta para voltar correndo à cidade.

     Sabin estava ainda na caminhonete, um grupo de Caçadores sustentavam agora escudos e estavam abrindo caminho para ele. Claramente tinham vindo preparados para algo. Ainda tremendo e fatigada além da imaginação, Gwen levantou Aeron e se pôs a correr.

     Antes que alcançasse a borda do bosque, uma bala lhe perfurou a coxa esquerda.

     Ela gritou, caindo ao chão. Aeron grunhiu, mas não despertou e o sangue saiu a fervuras dela. Maldição! Tinham-lhe acertado em uma artéria. O tremor se fez quase violento, mas ela ficou em pé. O negro entrava e saía de sua visão. Agüenta. Pode fazê-lo. Se urgiu a continuar para frente. Desta vez lhe levou dez minutos, mas alcançar a meta final nunca tinha sido tão doce.

     De novo, tanto Danika como Ashlyn estavam esperando-a, atendendo a Paris no vestíbulo enquanto Maddox e William lhe subministravam tudo o que necessitavam.

     Gwen deixou Aeron cair ao lado de seu amigo, muito fraca para ser gentil desta vez. Quando ela tropeçou com a porta, Danika lhe agarrou o braço.

     —Não pode voltar. Mal pode se sustentar.

     Ela se soltou de repente.

     —Tenho que ir.

     —Não pode fazê-lo. Desmaiará na colina.

     —Então conduzirei. — porque não tinha maneira de que ficasse aqui.

     Sabin estava ali fora, necessitava dela.

     —Não. —o tom de Danika era resistente— Conduzirei eu. Só me dê as chaves.

     —William. — Maddox o chamou.

     O guerreiro suspirou.

     —Já sei o que quer dizer. Suponho que conduzirei eu.

     Contudo, Danika se apressou. Ashlyn se adiantou e colocou dois dedos na base do pescoço de Gwen.

     —Seu pulso é muito rápido. —disse em um suspiro— Respira lentamente. Desta maneira. Inspira. Expira. Boa garota.

     Ela deve ter fechado os olhos porque o próximo que  soube foi que lhe tinham enfaixado a perna e William estava a seu lado, lhe agarrando a mão e urgindo-a para a porta.

     —Danie me deu as chaves. Se formos fazê-lo, façamos já.

     —Tomem cuidado. —lhes disse Ashlyn.

     Uma vez se acomodaram no SUV, William acelerou, queimando o asfalto através do bosque.

     Gwen foi lançada contra a porta, e golpeou a têmpora contra a janela. Isso deixaria uma marca, pensou vertiginosamente.

     —Pode com isso?

     —Sim. —disse ela, a palavra soou fraca, inclusive em seus próprios ouvidos.

     —Ei, escuta. Obrigado por trazer o Aeron e Paris para a casa. Anya os quer e acabaria devastada se fossem assassinados. Por muito que me irrite, quero sua felicidade.

     —Um prazer. — e uma dor.

     Quando alcançaram seu destino, a batalha já tinha terminado. Sabin, Kane e Cameo estavam sangrando abundantemente, reduzidos e quase derrubados, mas continuavam lutando com os atrasados.

     Vendo o SUV, saltaram se afastando do caminho. Gwen abraçou a si mesma quando William acelerou e passou por cima dos humanos.

     —Deuses, isto é divertido. —disse rindo.

     O veículo saltou uma, duas vezes antes de se deter, Gwen abriu a porta. Sabin saltou a seu lado e mergulhou nele. Os outros reclamaram o assento traseiro.

     —Vamos, vamos, vamos. — ordenou Sabin, e William queimou o asfalto uma vez mais. O braço de Sabin rodeou a cintura de Gwen, em um suave apertão.

     Agora que ele estava com ela, vivo, essa pouca energia que possuía se drenou completamente. Inclusive a Harpia estava estranhamente silenciosa.

     —Gwen. —disse Sabin, a preocupação tingindo seu tom— Gwen, pode me ouvir?

     Ela tentou responder, mas não podia formar as palavras. Nenhum som passava através do nó em sua garganta. De todas as formas, não sabia o que dizer. Ainda estava furiosa com ele, ainda queria o ferir pelo que lhe tinha feito, ainda queria gritar pela maneira em que ele tinha duvidado dela.

     —Gwen! Fica comigo, carinho. De acordo? Só fica comigo.

     William deve ter golpeado outro corpo porque Gwen voltou a saltar de um lado a outro. Ou possivelmente fosse Sabin que a estava sacudindo. Tinha duas bandas brancas de calor rodeando seus antebraços.

     —Fica comigo! É uma ordem.

     Lhe tinha salvado a vida, e ele pensava lhe dar ordens?

     —Vá… para o… inferno… —conseguiu lhe dizer, então a escuridão a reclamou e já não soube nada mais.

         

   Sabin pressionou seu pulso na boca de Gwen, afundando os dentes profundamente em sua veia. A sensação desses suaves lábios… essa quente sucção… Tinha o pênis tão duro que poderia se considerar uma arma perigosa. Esta era a segunda alimentação de Gwen e ela estivava sarando bem. Tinha se negado terminantemente a tomar de seu pescoço, embora tivesse recebido um melhor fluxo de sangue e tivesse se curado mais rapidamente. Pior ainda, se negava a lhe falar.

     Assim que ele tinha falado por ambos. Tinha-lhe dito que as crianças que tinha capturado estavam ainda presos, mas cômodos e a salvo. Disse-lhe que suas irmãs tinham escapado da masmorra fazia uma hora e que tinham tomado uma vez mais como residência o quarto ao lado do seu. Apesar da raiva que tinham sentido, estavam estranhamente tranqüilas.

     Assim como Dúvida, de fato.

     Tinha sabido que o demônio temia às Harpias. Sabia que o pequeno bode se retraía profundamente dentro de sua mente cada vez que Gwen se irritava. Mas agora o demônio permanecia em silêncio inclusive se ela não o estava. A assombrosa distância era tudo o que requeria agora. Quase parecia como se Dúvida, bem, duvidasse de si mesmo e sua habilidade para ganhá-la em uma batalha de vontades. Poética justiça, se perguntassem a Sabin.

     O demônio se voltava sobre Sabin cada vez que se aventurava a se afastar de Gwen, é obvio, e procurava constantemente outras vítimas ainda. Mas não Gwen, já não mais, e nunca se atrevia a dizer nada sobre ela. Depois da maneira em que ela tinha feito pedaços a aqueles Caçadores… O demônio também tinha deixado de tentar convencer Sabin de que não poderia tê-la, muito assustado de mexer com Gwen.

     Embora um pouco de aborrecimento da parte dela não teria sido nada mal. Tudo era preferível a esse tratamento silencioso.

     Sabin suspirou.

     Precisava tanto subir em um avião e procurar os guerreiros desaparecidos. Mas primeiro, tinha que se recuperar da batalha de ontem. Ele e os outros não fariam nenhum bem a ninguém neste momento. E mais, sabia que não podia dividir mais suas forças do que já o tinha feito. Os Caçadores estavam ainda em Budapeste, e teriam que tratar com esses caçadores antes que a fortaleza caísse ou as mulheres resultassem feridas.

     Essa manhã, Torin tinha fixado em um dos novos capturados um rastreador e o deixou escapar “acidentalmente”, seguindo todos seus movimentos desde seu computador e esperando que o bastardo os conduzisse ao lugar onde estavam ocultos os guerreiros.

     Embora esperar fosse difícil. Tinha tentado pedir às Harpias que fossem a Chicago, tinha prometido a elas uma fortuna, mas lhe tinham fechado a porta nos narizes. Ele sabia que elas não queriam dinheiro. Queriam que mandasse Gwen ao corno. Isso, entretanto, não podia fazê-lo.

     Amava-a. Inclusive mais que antes.

     Mais que a sua guerra, mais que seu ódio pelos Caçadores, amava-a. Assim como também—era a filha de Galen. Sabin tinha levado o demônio da Dúvida em seu interior, assim realmente tinha opinião a respeito. Gwen não ajudaria a seu pai. Não o faria.

     Sabin sabia do mais profundo de sua alma.

     E sim, também sabia que Gwen daria uma oportunidade a uma relação com seu pai para estar com ele, o qual era a razão pela qual precisava provar a Gwen que ele era agora sua família.

     Ela era a número um em sua vida. Não deveria tê-la aprisionado. Deveria ter acreditado nela, deveria lhe ter permitido lutar. Diabos, quase esteve perdido sem ela—e preferia perder a estar sem ela outra vez.

     A pressão de sua boca se suavizou, e então se separou dele. Estava sentado sobre um sofa que tinha trazido de seu dormitório—mais que a tomar de seu pescoço, Gwen tinha se negado a beber dele sobre a cama. Ela estava sentada em frente a ele no outro sofa que ele tinha confiscado por que também tinha se negado a sentar-se em seu colo.

     Seus lábios estavam, de um vermelho brilhante e inchados, como se tivesse sido beijada.

     —Obrigada. —murmurou ela.

     Obrigada— era sua primeira palavra desde que despertou de suas feridas esta manhã. Ele fechou os olhos, sorrindo quando a formosa voz se filtrou em sua cabeça.

     —Um prazer.

     —Estou segura disso. —disse secamente.

     Lentamente se elevaram suas pálpebras, abrindo-se. Ela não tinha se afastado à cama como tinha feito antes, mas permaneceu na cadeira, com as costas ligeiramente retas, jogando uma olhada por cima de seu ombro, com determinação palpitando nela. O temor o percorreu. O que, exatamente, era o que estava decidida a fazer? O abandonar?

     —Como estão Aeron e Paris?

     Precisava comprová-lo, não?

     —Sarando como ao resto de nós. Graças a você.

     —Graças a William. Eu me empurrei muito longe e não teria sido capaz…

     —Por causa de você. — se interpôs ele— Você fez mais, lutou com mais força, que ninguém que tenha visto antes. E não tinha razão para fazê-lo e todas as razões para não fazê-lo. Ainda assim, salvou a todos. Eu nunca serei capaz de te agradecer o bastante por isso.

     —Não quero seu agradecimento. —disse ela, as bochechas se avermelhando. Não de vergonha, nem de desejo. Mas sim… De aborrecimento? Por que deveria incomodá-la sua gratidão? Ela deixou escapar um estremecedor suspiro, o que pareceu acalmá-la.

     —Estou me curando, minha força já voltou quase por completo.

     —Sim.

     —O que quer dizer… que partirei. —sua voz se rasgou no final.

     E ali estava. Tinha suspeitado que estava se aproximando, mas contudo ficou devastado pelas palavras. Não pode me deixar, queria gritar. É minha. Agora e sempre. Mas ele, mais que ninguém, sabia as conseqüências de tentar controlar a tão feroz soldado.

     —Por que? —foi tudo o que conseguiu dizer.

     Bruscamente enganchou um cacho atrás de sua orelha.

     —Sabe o por que.

     —Me explique isso detalhadamente.

     Finalmente seus olhos deslizaram sobre ele. O fogo chispou em suas profundidades.

     —Quer ouvi-lo? Bem. Utilizou minha debilidade contra mim. Meus segredos. Feriu minha irmã, me obrigou a feri-las e as prendi para ir te salvar. Não confiou em mim e quase morre por isso. —Saltou ficando em pé, as mãos fechadas em punhos— Quase morre!

     De acordo, o pensamento de sua morte era o que mais a incomodava. O tinha mencionado duas vezes. A esperança revoou em seu interior, e Sabin deixou a cadeira e a puxou para a cama antes que ela tivesse tempo de piscar. Quando ela ricocheteou pelo impacto, ele a fixou com seu peso.

     Mais que lutar contra ele, fulminou-o com o olhar.

     —Poderia te quebrar o pescoço.

     —Sei. —Realmente, essa posição a deixava vulnerável. Deixava suas asas imóveis, o qual drenava sua força. Sua debilidade, a única que tinha usado antes contra ela. Não o faria mais. Girou sobre suas costas, colocando-a sobre ele.

     —Pensei que o estava fazendo por seu próprio bem. Não queria que lutasse. Não queria que lhe fizessem mal. Não queria que se enfrentasse com seu próprio pai.

     —Essa não é sua escolha.

     —Sei. —repetiu ele— Para ser honesto, o fiz por mim. Precisava saber que estava a salvo. Isso foi estúpido de minha parte. Estúpido e esteve mau. Não a deixarei para trás outra vez. É o melhor soldado que vi.

     Suas pernas se abriram se sentando escarranchada em sua cintura, colocando seu calor diretamente em cima de sua palpitante ereção.

     Ele grunhiu, agarrando seus quadris para mantê-la aí.

     —Já não posso confiar mais em você. —disse ela.

     —Pode. Pode confiar em mim. Você mais que ninguém.

     —Mentiroso! —o esbofeteou, o suficientemente forte para lhe sacudir o crânio. Sua bochecha explodiu de dor, mas não fez som algum, não respondeu nem a liberou. Só a encarou lentamente, preparado para algo que ela queria acrescentar. Merecia. A deixaria lhe arrancar a pele do corpo se isso arrumasse as coisas entre eles.

     —Agora duvido de tudo o que diz, algo que não fiz quando seu demônio passeava livremente por minha cabeça a cada oportunidade. Mais que isso, nunca acreditei que realmente confiasse em mim. Depois de tudo o que tem feito…

     —Eu também tenho debilidades. —as palavras o abandonaram com desesperada urgência, acalmando-a— Você me deu seus segredos. Agora deixa que lhe de os meus. Para te provar que confio em você, que nunca te deixarei para trás outra vez. —Não lhe deu oportunidade de responder— Enquanto guardava ao rei dos deuses, perdi um olho. Zeus me deu outro. Não posso ver grandes distancias como outros guerreiros.

     Enquanto falava, seus ombros se relaxaram um pouco. Seus dedos se curvaram em sua camiseta, amontoando o material e descendo desde seu estômago. Sua esperança se intensificou.

     —Poderia estar mentindo.

     —Você mesma disse. Não posso mentir. Me desvaneço se tento. É parte de minha maldição. —e outra debilidade.

     —Disse que não usaria meus segredos contra mim. Isso era uma mentira, mas não se desvaneceu.

     —Isso foi o que quis dizer então.

     Ela permaneceu em silêncio.

     —Sustento duas adagas enquanto luto por que tenho tendência a agarrar a meu oponente se tiver uma mão livre. Perdi dedos dessa maneira mais vezes das que posso contar. Se pode me desarmar de uma simples espada, poderá me vencer facilmente. —Nunca tinha dito essas coisas a ninguém. Nem sequer, a seus homens, embora, eles provavelmente o tivessem notado ao longo dos anos. Ainda, estava surpreso pelo fácil e desejoso que estava por compartilhá-lo com ela.

     —Eu… eu acredito que me dava conta disso. —Seu tom era mais suave, gentil— Durante as práticas.

     Encorajado, continuou.

     —Todo mundo é sensível em algum lugar, de algum jeito. É uma debilidade, um calcanhar de Aquiles. O meu é meu joelho esquerdo. A mais ligeira pressão pode me enviar ao chão. Isso é pelo que luto com meu corpo meio torcido.

     Ela piscou, como se estivesse revivendo suas lições práticas em sua mente, tentando julgar a verdade que ele clamava por si mesmo. Passaram uns poucos minutos em silêncio. Sabin se concentrou em respirar profundamente e inclusive, aspirou seu aroma pelo nariz.

     —Embora, para ser honesto, há uma debilidade que me destroça mais que nenhuma outra. Agora mesmo, e sempre, essa é você. —Sua voz caiu, rouca, intensa— Se ainda quer ir, me deixe. Mas saiba que eu irei com você. Tenta fugir, e a caçarei. Aonde vá, eu irei. Se decidir ficar e deseja que deixe de lutar não lutarei nunca mais com os Caçadores. Você é mais importante. Prefiro morrer que viver sem você, Gwendolyn.

     Ela estava sacudindo a cabeça, com a incredulidade lutando com a esperança em sua expressão.

     —Meu pai…

     —Não me importa.

     —Mas… mas…

     —Te amo, Gwen. Mais do que quis a ninguém mais. Mais do que quis a mim mesmo. — E ele queria muito a si mesmo, a maior parte do tempo. — Nunca pensei que encontraria a mim mesmo agradecendo a Galen por nada, mas o estou. Quase poderia o perdoar por todo o mal que cometeu porque te trouxe para o mundo.

     Ela lambeu os lábios, ainda vacilante para aceitar sua declaração.

     —Mas outras mulheres…

     —Nem sequer me tentam. Sou seu consorte. Não há nenhuma razão, inclusive o ganhar uma batalha, pela que daria as costas a ninguém mais. Prefiro perder a batalha que perder a você. Você é isso para mim. A única. A ferir me destrói. Agora sei.

     —Quero acreditar. Seriamente. —seu olhar desceu para seu peito, onde descansavam seus dedos. Esses dedos relaxaram seu aperto, inclusive riscaram umas linhas— Tenho medo.

     —Me dê tempo. Me deixe provar isso. Por favor. Não mereço uma segunda oportunidade, mas rogarei por uma. Tudo o que você desejar, algo que você…

     —O que desejo é você. —Seus olhos se encontraram com os dele, com as pupilas consumindo a íris— Está aqui, e está vivo, e isso é tudo o que parece me importar neste momento. Me deixe o ter. —Rasgou-lhe a camiseta na metade e baixou, sugando de repente um de seus mamilos com a boca— Não sei do futuro, mas sei que o necessito. Mostre que me quer para que o acredite. Mostre que me ama.

     As mãos de Sabin se enredaram em seu cabelo, e rodou sobre eles. A alegria o alagou. Alegria e surpresa, amor e quente desejo. Não lhe tinha devotado a definitiva declaração que ele tinha esperado, mas isto servia. Por agora.

     Tirou sua roupa, depois, tirou as suas. Logo ambos estiveram nus, pele quente contra pele quente. Ofegou de felicidade. Ela gemeu, arranhando profundamente seus ombros com as unhas.

     Sabin beijou o caminho para seus seios, passando a língua sobre cada um de seus mamilos, amassando seus seios, e continuando o rastro de beijos. Sua língua se afundou em seu umbigo, e ela tremeu, se retorcendo contra ele.

     —Agarre a cabeceira. —ordenou-lhe.

     —Q-q que?

     —A cabeceira. Agarre-a. Não a solte.

     Ela piscou ante a confusão, o aroma do desejo flutuando dela. Estava perdida no prazer, se afogando nisso, mas finalmente obedeceu. Ela arqueou a espalda, seus seios agora no ar, os mamilos duros como pequenas pérolas.

     —Sobe as pernas por cima de meus ombros. —pigarreou ele, alcançando a rodar um desses formosos mamilos entre seus dedos.

     Desta vez ela obedeceu sem vacilar, ofegando, tentando se esfregar contra ele. Quando ele sentiu seus calcanhares se cravando na parte baixa das costas, ele separou as úmidas dobras que guardavam o novo centro de seu mundo e afundou a cabeça para saboreá-la.

     Seu sabor era intoxicante. Aditivo. Rico e doce, a perfeição que ele recordava. Rodeou seus clitóris, lhe fazendo cócegas, enquanto afundava dois dedos em seu interior. Seus gemidos ecoaram através do quarto.

     —Não posso acreditar que resistisse a você, nem por um segundo.

     —Mais.

     —Já te disse quão formosa é? Quanto te amo?

     —Mais!

     Ele riu. Uma e outra vez a lambeu, sem deixar nunca seus cuidados com os dedos.

     Sua cabeça se movia de um lado a outro, os cachos cor morango voavam em toda direção, e seu corpo se retorcendo.

     —Mais. —cantarolava ela— Mais, mais, mais.

     Quando introduziu um terceiro dedo no jogo, imediatamente começou a ter espasmos, lhe segurando no interior, seus músculos se fechavam apertadamente. Ele chupou seus clitóris com força…longamente…levando-a a culminar.

     Só quando ela gritou seu nome, só quando ela se paralisou limpamente contra o colchão, ele a liberou.

     Avançou lentamente sobre seu corpo, o pênis começando a penetrar sua pequena vagem apertada.

     Mas não o fez. Ainda não.

     Suas pestanas piscaram se abrindo. Luminosas íris de cor âmbar o observavam, seus brancos dentes mordiscavam seu lábio inferior.

            —Não vou te ferir nunca mais. —jurou ele, e então a girou sobre seu estômago—. Me deixe lhe demonstrar isso.

     Ela ofegou, se elevando instantaneamente para voltar a pegar seu peito ao dela, mas ele a empurrou para baixo e aplanou seu peito nas costas dela, detendo o frenético bater de suas asas. Ela ficou imóvel.

 —Não tenha medo de mim, carinho. —Ele colocou suas mãos sobre as dela a seguir, cavando seu pênis entre suas nádegas, suas pernas por fora das dela. Ele estava ofegando, enviando um quente fôlego sobre seus ombros.

     —Devo a estas preciosas asas uma apropriada desculpa. —disse ele, levantando seu peso— Me permitirá tocá-las?

     Felizmente, ela não tentou apartá-lo outra vez. Embora deixasse de respirar. Ele ouviu o puxão disso em sua garganta. Incapaz de falar, ela assentiu.

     —Faz que se detenham. —disse ele— Por favor.

     Gradualmente, as asas se acalmaram.

     Polegada a polegada, cobriu cada delicada asa com um beijo. Estas eram suaves, como a seda e fria ao tato, o perfeito contraste para seu calor. Não tinha um só rastro de plumas, o que o surpreendeu. Eram quase translúcidas veias azuis entrelaçando-se de cima abaixo como rios de cristal.

     Justo nesse momento odiou a si mesmo pelo que lhe tinha feito. Como poderia ter ferido essas formosas asas, inclusive por um momento?

     —Sinto muito. —disse ele— Eu sinto muito. Não deveria tê-lo feito. Não há desculpa o bastante boa.

     —Eu…eu o perdôo. —As palavras eram roucas, ricas como o vinho— Entendo porque o fez. Eu não gosto que o fizesse, mas o entendo.

     —O farei por você, juro. Eu…

     —Te necessito dentro de mim. Agora. —Freneticamente moveu seu traseiro contra ele, procurando a cabeça de seu pênis— Me tem desesperada. Necessito mais.

     —Sim. Sim. —Espera. Reduz a velocidade— Já é fértil?

     —Não.

     Se apressou em retroceder. Sabin agarrou seus quadris e deslizou de repente até o punho. Ambos gemeram ao uníssono. Tão bom. Se sentia tão bem. Melhor que antes, mais quente, mais molhado. Mais completo. Eles estavam conectados, um só ser, fundidos juntos. Ela pertencia a ele e ele a ela.

     Se inclinando para baixo, pressionou o estômago a suas costas, alcançando e brincando com seus clitóris com uma mão e lhe amassando os seios com a outra, atacando todo possível ponto de prazer.

     Ela elevou seu corpo, se agarrando a cabeceira da cama outra vez e afundou profundamente seu pênis.

     Merda, ele não ia durar muito mais. Estava ao bordo, tinha estado ao bordo há dias. Mas uma e outra vez bombeou em seu interior, deslizando, deslizando, já não Sabin, só o homem de Gwen.

     Um grito reverberou de repente através do quarto e ela esteve uma vez mais capturada sob ele, o apertando. Igual a isso, Sabin se precipitou, o prazer o consumindo, o lavando em grandes cheiros e sensações.

     Ficaram assim para sempre, ainda unidos, antes de paralisar contra o colchão. Sabin rodou rapidamente a seu lado, não querendo esmagá-la com seu peso. Bom, não querendo esmagá-la de novo.

     Incapaz de liberá-la, inclusive por um segundo, a puxou para seu lado e ela se aconchegou com impaciência contra ele. Isto, decidiu, devia ser como o céu.

     —Com esta são duas vezes em que me perguntou se era fértil, o que me leva a acreditar que você pode ter filhos. —Disse ela entre ofegos, rompendo o silêncio com o rouco anúncio— Inclusive Ashlyn está grávida, embora eu supunha que ela estivesse assim antes que chegasse aqui. OH, espera. Galen ajudou a fazer a mim, então vocês podem se reproduzir.

     —Sim e sim, o filho de Ashlyn é de Maddox. As condições para a concepção têm que ser somente corretas, mas em efeito podemos gerar crianças. Estou seguro que tem lido historia de deuses deixando grávidas a humanas.

     —Sim, mas vocês não nasceram da maneira tradicional. —contou ela—. Você foi criado pelo próprio Zeus. Eu pensava que você tinha… já sabe… incubado… um soro de bebê.

     Soro de bebê? Teve que conter uma gargalhada.

     —Nós temos muitos hormônios, leucócitos e outros componentes necessários a maioria dos humanos. Esta é uma das razões que sejamos capazes de sarar tão rapidamente. A maioria dos corpos das fêmeas, não poderiam dirigir esse potente… soro, assim começam a combatê-los e os matam.

     —Acredita que eu poderia dirigi-lo?

     —Eu acredito que poderia dirigir tudo.

     Gradualmente relaxou contra ele. Possivelmente inclusive tinha sorrido.

     —Quer ter filhos alguma vez?

     Nunca o tinha exposto antes. Sua vida tinha sido muito turbulenta. Mas gostava do pensamento de criar um bebê com Gwen. Um bebê como ela, aumentando essa nova bênção em sua vida.

     —Sim. Algum dia, mas ainda não. Não até que seja seguro.

     Sua expressão era pensativa.

     —Segura. —Suspirou e mudou de tema— Não quero que deixe de lutar com os Caçadores, mas não sei, se eu ficarei com você.

     —Bastante justo. —Embora ele tivesse usado seu agonizante fôlego para a convencer de que ficasse. E não tinha mentido. A seguiria. Aonde quer que fosse, a seguiria. Se desfazer dele ia ser um fodido problema— Mas não espere que a veja partir e não faça nada.

     —Bom, ainda não tem que se preocupar disso. Primeiro, vou te ajudar a encontrar a seus amigos. Pode confiar em mim para fazer isso?

     —Sim. Poderia a descobrir abraçando a Galen e não duvidaria de você. —Disse ele com confiança. E era verdade. Gwen era a única coisa em sua vida da que nunca teria dúvidas.

     Uma risada borbulhou dela.

     —Isso teria que ver para acreditar. —Passou as pontas dos dedos por cima do seu peito— Tenho que falar com minhas irmãs.

     —Boa sorte com isso. —ele os capturou e os levou aos lábios.

     Outro suspiro.

     —Eu meio que esperava que elas partissem. Mas no mais profundo sabia que ficariam somente para me castigar pelo que lhes fiz.

     —Elas não lhe farão mal. — Ele não o permitiria.

     Ela entrelaçou suas mãos e lhe deu um suave apertão.

     —Como estão Danika e Ashlyn?

     —Agradecidas a você, preocupadas com os homens desaparecidos.

     Franzindo o cenho, Gwen se sentou, o cabelo caindo maravilhosamente pelas costas.

     —Vou tomar banho para clarear minha cabeça. Convocaria uma reunião com todo mundo aqui, digamos em… uma hora?

     Ele não perguntou por que desejava ter uma reunião, simplesmente confiou nela, como lhe disse que faria.

     —Considera-o feito.

    

   Gideon estava ficando louco lentamente. Tinha perdido o rastro do tempo e não sabia quanto tinha estado preso. Um dia? Dois? Um ano? Não tinha nenhuma fresta de luz a que se agarrar, nada que recordasse a si mesmo que tinha um mundo ali fora, um mundo ao que voltaria fosse como fosse.

     Primeiro, necessitava um pouco de paz e tranqüilidade para pensar em um plano de escapamento.

     Seu demônio, geralmente uma presença na parte de trás de sua mente, não tinha deixado de gritar no interior de sua cabeça. “Entrar, entrar, entrar”, gritava este, o que queria dizer, “Sair, sair, sair”. “Necessito escuridão, necessito escuridão”, soluçava, o que significava, “Necessito luz, necessito luz”. Mentira pensava que estava encerrado novamente na caixa de Pandora, incapaz de escapar, para sempre, abandonado.

     Aparentemente, os outros demônios pensavam o mesmo. Lucien gemia freqüentemente, embora Anya sempre estivesse ali para o acalmar. Reyes estava surpreendentemente tranqüilo. Murmurava o nome de Danika, e depois ficava calado durante horas. Amun grunhia e murmurava em voz baixa, como se pensasse que estava lutando com uma horda de demônios que Gideon nem sequer podia imaginar. Os segredos que deviam estar jogando por sua cabeça…

     Strider que tinha sido burlado e, portanto, tinha perdido neste jogo mental, golpeava constantemente a cabeça contra a parede, seu demônio provavelmente gritando, seu corpo definitivamente atormentado. Gideon só tinha visto ao guerreiro perder uma vez, faz centenas de anos, mas as conseqüências dessa perda estavam gravadas em sua memória. Nunca tinha visto um homem adulto se retorcer com tal força, as lágrimas caindo por seu pálido rosto, os olhos trocando à angústia pelo habitual orgulho, apertando com tanta força os dentes que o sangue emanava deles.

     Se concentre estúpido. Muitas vezes todo o grupo tinha tentando abrir as portinhas das janelas ou cortar as paredes de tijolo. Anya, a única que ainda tinha o uso de suas habilidades, silenciou o que faziam, tinha jogado tornados através da câmara, mas ela somente tinha ferido aos homens, não ao edifício. Tudo tinha sido fortificado e então reforçado, com feitiços? Até que sua prisão fosse aparentemente inquebrável.

     —Vou procurar de novo uma maneira de sair. —disse Anya. Ela era a mais calma do grupo, uma retorcida ironia, já que ela prosperava no caos. Houve um rangido de roupa, um gemido de Lucien, um arrulho de Anya e logo passos se arrastando.

     Gideon sempre tinha estado pouco disposto a se conformar com uma mulher, preferindo a variedade. Agora mesmo isso parecia estúpido. Ele não tinha a ninguém em quem pensar, desejar ou sonhar. Ninguém que o mantivesse focado, como Reyes. Ninguém que o consolasse, como tinha Lucien.

     Que mulher o deixaria a longo prazo?

     O que? Agora estava possuído por Dúvida?

     Golpe.

     —Sinto muito, murmurou Anya— A quem golpeei?

     —Necessito…—Strider ofegava ao respirar, de maneira baixa ao mesmo tempo que gritantemente, dolorido— Ajuda. Me ajude, por favor.

     —Logo. —prometeu Anya, então o arrulhou durante uns minutos. Mais passos.

     Golpe. Algo que se arrasta.

     —Bom, bom, bom. O que temos aqui? —retumbou uma voz que Gideon supunha eram dos ocultos alto-falantes. E não pertencia a ninguém que ele conhecesse. —É meu aniversário?

     A sala permaneceu estranhamente tranqüila, até que Anya retrocedeu precipitadamente até Lucien, seus saltos ressoando pelo chão.

     As luzes se acenderam, afugentando as sombras. Naquele momento, a doce paz reclamou Gideon. Piscou contra os pontos que lhe nublavam a visão, vendo seus amigos pela primeira vez em muito tempo. Lucien estava estendido no chão, sua cabeça descansando no colo de Anya enquanto a deusa o abraçava protetoramente. Reyes estava derrubado contra a parede, sorrindo estranhamente. Strider estava ao seu lado, agarrando o estômago, os joelhos apertados contra o peito, e Amun estava ao seu lado, acariciando sua cabeça, suas próprias feições veladas.

     Entretanto, não tinha sinal dos Caçadores. As janelas ainda estavam bloqueadas, a porta ainda estava fechada.

     —Me perguntou quem terá tropeçado com meu alarme silencioso. Embora, tive que me encarregar de seus amigos em Budapeste antes de poder voltar aqui. —uma cruel risada— Estivemos esperando que viessem aqui, inclusive desde que se publicou esse artigo. Vejo que desmentir a existência desta instalação teve o efeito desejado e os convenceu de que não podia se tratar de uma armadilha.

     Com a repentina tranqüilidade em sua mente, Gideon foi capaz de peneirar aquela voz através de seus arquivos mentais, e bingo. Esta pertencia a alguém que conhecia, depois de tudo. Dean Stefano. Segundo no comando dos Caçadores, só respondia a esse fodido doente, Galen. Stefano odiava Sabin por lhe roubar Dala; sua esposa; Dizia que Dala estaria viva se os Senhores e os demônios que hospedavam estivessem no inferno onde pertenciam.

     A maldade de Stefano não conhecia limites. Ele tinha enviado Danika, uma inocente, a lhes espiar, planejando utilizá-la para capturar, e torturar, aos Senhores um por um. Não é que seu plano tivesse funcionado. Mas ele a tinha enviado para dentro, e então tinha tentado voar a fortaleza com ela, ainda, dentro.

     O temor encolheu o estômago de Gideon, seguidos rapidamente pela raiva e apesar das palavras de Stefano jogaram raízes e se estenderam. Tinha que cuidar de seus amigos. Por fim o entendeu. Os Caçadores tinham estado em Budapeste. Tinham brigado, e tinham ganhado ou não estariam agora aqui. Sabin nunca os teria deixado escapar.

     Onde Sabin estava agora? Até que aparecesse a caixa, os Caçadores não deixariam de matar aos Senhores, acreditando que seus demônios escapariam e causariam mais problemas. O teriam feito prisioneiro? O teriam torturado? Ficar de pé resultou difícil, mas Gideon o fez. Cambaleando, mas conseguiu ficar direito. Todos exceto Strider fizeram o mesmo, estendendo suas armas, preparados para fazer o que fosse necessário apesar de suas enfermidades.

     —Venha aqui. —Reyes agitou seus dedos a modo de desafio—. O desafio.

     Stefano lançou outra gargalhada, esta de genuína diversão. —Por que deveria? Posso lhes privar da comida, ver como se consomem. Posso envenenar seu ar, e os ver sofrer. E posso fazer todas essas coisas sem tocar sequer em seus asquerosos corpos. — no final, sua voz tinha se endurecido, a impaciência gotejando nas bordas.

     —Deixa ir à mulher. —clamou Lucien— Ela não tem feito nada.

     —Diabos, não. —Anya negou a cabeça, seu pálido cabelo voando em cada direção— Fico aqui.

     —Que doce. —disse Stefano em tom zombador— Ela quer ficar com seu demônio. Bom, acredito que a levarei. Só por você, Morte. Embora não acredito que você goste do que lhe faça.

     Grunhindo, Lucien ficou de cócoras, se preparando para atacar. Sua semiautomática se levantou, apontando. Pronta. Ele parecia brutal e selvagem, a Morte em cada polegada. —Tenta-o.

     Então foi quando um menino, ao redor de onze anos, passou atravessando a parede mais afastada como se fosse um fantasma. Os olhos de Gideon se alargaram, sua mente voltando a passar a cena esperando processar o extraordinário sucesso.

     —Venha comigo. —disse o menino a Anya— Por favor.

     —Bonito truque. —Ela girou devagar, estendendo os braços— Envia um menino à guarida do leão. Uma covardia, não te parece? Realmente pensa que, seu pequeno mascote, pode me obrigar a fazer algo que não quero fazer?

     —Sim, posso. —respondeu o menino com total seriedade— Mas não há necessidade de recorrer à violência.

     Lucien empurrou Anya atrás dele, seus olhos brilhavam vermelhos, seus dentes estavam afiados e expostos. Ver o, em geral estóico guerreiro, ficar tão frenético era quase doloroso. O homem amava a sua mulher e morreria por ela. Realmente, preferiria morrer, antes de vê-la ferida.

     Furtivamente Gideon se moveu ao lado de Morte, inseguro sobre o que fazer, mas sabendo que não poderia ficar olhando passivamente. Mas realmente, quem tinha a maldade aqui? Os homens encerrados na caixa ou os homens que tinham enviado a um menino na metade da guerra?

     Reyes, Strider e Amun flanquearam Gideon pelo outro lado, formando um protetor muro ao redor de Anya.

     —Venha. —disse outra vez o menino, franzindo agora o cenho— Por favor. Não quero te ferir.

     —Não é maravilhoso? —Perguntou Stefano com uma gargalhada— Espero que vocês gostem dele, minha nova arma contra vocês. Não tinha planejado o usar ainda. Então tiveram que se aventurar no Egito e roubar minhas chocadeiras. Chocadeiras que encontrarei e voltarei a usar. Especialmente a que nosso amigo Sabin tanto favorece.

     —Encantado de o ver também, Stefano. —Disse Gideon, ignorando os insultos. Isso é assombrosamente “doente” inclusive para você.

     Uma pausa. Então, — Ahh, Mentiras. Um prazer, como sempre. Quão tedioso deve ser seu demônio. Mas tenho boas notícias para vocês. Encontramos uma maneira de tirar os demônios de seus corpos e colocá-los no interior de alguém mais. Alguém fraco, alguém que aceitará seu encarceramento pelo bem da humanidade. O qual é o que já temos feito a Sabin. Depois de que o derrotássemos, é obvio. Ele apresentou uma verdadeira batalha, Sabin, sim, mas no final calou. Justo como vocês.

     Diabos, não. Sabin não estava morto. Sabin não podia estar morto. Ele era muito viril, muito decidido. Mais que isso, sugar seus demônios e colocá-los em outro corpo não era possível. Não podia ser possível.

     —Não me acredita. —Riu novamente Stefano— Está bem. O fará quando acontecer a vocês. Além disso, por que acredita que seu amigo não está aqui, o salvando?

     Um temor que Gideon tinha se reservado. Não deixe que Stefano se faça com você. Está mentindo. Mais tarde pode…

     Gideon estrelou o punho na parede a sua direita. O pó voou a seu redor. Golpeou uma e outra vez, as lágrimas lhe queimando os olhos. Golpeou-o tantas vezes que seus ossos se estilhaçaram e seus músculos se rasgaram. Tinha passado centenas de anos com Sabin, tinha pensado passar mil mais.

     —Pobre Mentira. —Estalou Stefano— Sem um líder. O que fará agora?

     —Foda-se! —Gritou Gideon— O matarei. Fodidamente o matarei. —E o dizia com tudo o que tinha em seu interior, era a verdade, algo que ele planejava fazer, que queria fazer, que faria— Morrerá por minha mão, fodido bastardo!

     Quando as acaloradas palavras ecoaram a seu redor, seu demônio gritou, então veio a dor. A dor abriu caminho através de Gideon, lhe fazendo pedaços célula a célula. Sentindo como cada um de seus órgãos era esmigalhado, seus ossos arrebentando de suas uniões. Mentira se aferrava a seu crânio, derrubando-se a seus pés, procurando se agarrar a uma âncora, mordendo os dedos de seus pés quando a dor o conduziu à loucura. Mesmo assim isso não foi suficiente. O demônio deslizou através do resto dele, gritando, rasgando suas veias, deixando somente ácido atrás dele.

     Gideon caiu de joelhos, e se paralisou no chão. A adaga que tinha sustentado em sua mão boa patinou fora de seu alcance. Ele sabia. Permitir que suas emoções o alcançassem era sempre sua perdição. Por isso tinha aprendido a ocultar tudo o que sentia atrás do sarcasmo. Idiota! Stefano o derrotou agora. Seu inimigo tem a vantagem. Pode entrar aqui, te agarrar, te golpear, te cortar os membros e não há uma fodida coisa que possa fazer sobre isso.

     —O odeio… —clamou a voz em grito. Diabos. já tinha dito a verdade uma vez. Por que não outra? Dizer o que tanta vontade tinha tido de dizer durante muito tempo— Te odeio do mais profundo de minha alma.

     De novo, o demônio gritou. Gritou e gritou e gritou. Outra vez o atravessou a dilaceradora dor, fazendo-o pedaços.

     Abriu a boca para revelar outra verdade.

     —Men… tindo. —disse Amun com voz entrecortada— Ele está… mentindo… Sabin… vive.

     Essas eram as primeiras palavras que o Guardião dos Segredos tinha dito em séculos. Sua voz era bruta, como se sua laringe tivesse sido limpa com papel de lixa e passada por um triturador, cada palavra era igual a esfregar sal contra uma ferida.

     —Isso não sabe. —Bramou Stefano— Você não estava ali. Ele está morto, prometo-lhe isso.

     Gideon se endireitou. Apesar da agonia, a tortura de sua atual condição, se endireitou. Stefano lhe tinha mentido. O fodido bastardo lhe mentiu e ele tinha acreditado. Gideon, que podia cheirar uma mentira a mil pés de distância. Ele tinha pronunciado tantas, ao longo de sua vida, que as identificar era tão natural como respirar.

     Amun rugiu e caiu de joelhos ao lado de Gideon. As barreiras tinham sido abertas, ao que parecia, por uma palavra, depois uma frase, então toda uma história depois de outra se precipitou do guerreiro, tudo dito nas diferentes vozes de seus criadores. Ele falou de assassinatos, violações e abusos de todo tipo. Falou de ciúmes, cobiça e infidelidade. Incesto, suicídio e depressão.

     Nenhum dos crimes era dele, mas também poderiam tê-lo sido. Pertenciam às pessoas com as quais tinha se encontrado ao longo dos anos, os Caçadores aos que tinha drenado de lembranças, e eram tão claros para ele como se os tivesse vivido ele mesmo.

     Fechando os olhos com força, Amun esfregou as têmporas, se retorcendo, sem deixar de vomitar nunca o veneno. —Ele já não me amava, inclusive embora eu fizesse tudo por ele. —Sua voz era alta, igual à de uma mulher. Gideon pensou que ouviu um ofego pelos alto-falantes, mas não podia estar seguro. —Cozinhei e limpei e inclusive dormi com ele quando estava tão caído. Tudo o que lhe importava era sua preciosa guerra. Embora ele ainda encontrasse tempo para foder à puta de nossa vizinha, repetidas vezes. Me tratou como se fosse lixo!

     —Como está projetando essa voz? Essa é a voz de Dala. Como, maldito? —ladrou Stefano. Não houve resposta, só mais segredos de Dala. Gideon não tinha idéia de como os tinha descoberto o guerreiro.  —O cale! O cale agora mesmo!

     O menino pequeno saltou, assustado, antes de se precipitar para frente. Quando Lucien e Reyes o agarraram, seus braços se desvaneceram através dele, e ambos os guerreiros gritaram em agonia, o som da dor se mesclava com o de Gideon e com o de Amun. Ambos os homens caíram como pesos em um oceano, seus corpos se convulsionando como se acabassem de receber a sacudida de uma máquina de ressuscitação. Anya ficou de cócoras atrás deles, pronta para saltar para a frente se o menino tentasse tocá-los outra vez.

     Não podia deixar que o menino ferisse Amun dessa maneira, pensou Gideon, se obrigando a permanecer de pé. Ele estava instável, enjoado, ferido tão imperfeitamente que tinha lágrimas em seus olhos. Teve que se encurvar e agarrar o estômago para se impedir de vomitar. Com sua mão livre, agarrou a adaga e a sustentou em advertência. Mas realmente, como ia parar a alguém a quem não se podia agarrar?

     Anya estirou um braço para o moço, que agora se acocorava ao lado de Amun, a ponto de alcançar o interior de sua garganta. E fazer o que? Ela deteve a si mesma antes de tocá-lo.

     —Não o toque. —gritou ela. Diminutas chamas douradas se estenderam desde seus dedos, mas foram silenciadas, meros contornos. —Tenho poder neste reino e no outro. O toque, e arderá. Me acredite. Não vacilarei. Fiz coisas piores.

     Olhos marrons de cachorrinho lhe imploravam que entendesse, que o permitisse atuar como lhe tinham ordenado. Pobre menino. Seu braço estava se sacudindo e o remorso pulsava em potentes cheiros.

     —Há dois mentirosos no recinto, já vejo. —Disse Stefano— Não me importam que poderes tenha. Este menino é filho de um nigromante, capaz de viver e caminhar entre os mortos. Pode entrar em cada mundo a vontade e nada nem ninguém pode lhe tocar enquanto está no outro.

     —Eu durmo com um nigromante, idiota. O próprio Lucien pode caminhar entre os mortos. —Anya elevou o queixo, seus olhos azuis brilhando e cintilando ao mesmo tempo. Além disso, sou Anarquia e não tenho piedade. Que seu mascote se aproxime um pouco mais e me verá entrar em ação.

     Conhecendo-a como a conhecia, Gideon soube que estava fingindo. A mulher estava atuando por pura fanfarronice. Nunca seria capaz de fazer mal a um menino. Em casa, ela esfregava constantemente o ventre de Ashlyn e arrulhava ao bebê. Tia Anya vai te ensinar a roubar tudo o que seu pequeno coração deseje, estava acostumada a lhe dizer.

     Gideon se estirou, instável, a visão imprecisa e envolveu seus dedos ao redor de sua mão. —Eu não gostaria nada de me encarregar disto. —ele as arrumou para passar do nó em sua garganta.

     —Eu… eu… sim. —Lentamente as chamas morreram, e Anya assentiu. Tinha alívio em seus olhos. Ela foi e agarrou Lucien pelos ombros, o arrastando longe do menino. Amun ainda estava balbuciando. Stefano insistia em que o menino o fizesse calar.

     Quando ele se cambaleou sobre seus pés, Gideon encontrou o severo e decidido olhar do moço.

   —Eu não farei que o guerreiro se cale.

     Embora dissesse uma mentira, o menino pareceu entender o que ele queria dizer e assentiu. Lutando com a debilidade e a dor que o atravessava, Gideon se inclinou, colocando seus lábios no ouvido de Amun. E pela primeira vez em séculos, foi capaz de oferecer consolo sem ter que recorrer à verdade. —Está bem. Tudo vai estar bem. Todos vamos sair vivos daqui. Shh, shh, agora. Tudo vai bem.

     Gradualmente o retumbar da voz de Amun se desvaneceu até que ele simplesmente resmungou em voz baixa. Ele ainda agachava a cabeça, os olhos fechados, o corpo em posição fetal. Se balançando par frente e para trás.

     Um braço rodeou a cintura de Gideon e ele se voltou. A rápida ação fez que seu estômago desse um tombo e sua visão se obscurecesse momentaneamente antes de ver quem lhe tinha tocado. Anya. Quanto tempo mais poderia permanecer em pé? Quanto tempo mais poderia atuar como se estivesse preparado para correr?

     Seu aroma de morangos alagou seu nariz quando ela o puxou para endireitá-lo, e ele quase cai.

    —Estive pensando. Irei com o piralho por própria vontade. —disse ela em voz baixa. Para que Lucien não o escutasse?

     —Sim. —disse Gideon, inclusive quando sacudia sua cabeça em um não. Ele experimentou outra cãibra no estômago, os pontos nublando outra vez sua linha de visão.

     Ela cavou seu rosto, o atraindo para ela como se pensasse o beijar, realmente o beijou ligeiramente, então transladou os lábios a seu ouvido, ronronando. —Fora desta habitação, minha força poderia voltar completamente. Finalmente poderia acabar com o Stefano.

     Se Lucien despertasse e descobria o desaparecimento de Anya… Não, Gideon não podia permitir que seu amigo sofresse tal agonia.

     Quando se tratava de Lucien, Gideon não conseguiria sacudir culpa. Do início de sua posse, Lucien tinha sido como um irmão para ele, tomando sob sua asa, falando com Gideon quando se voltou muito selvagem. Ainda quando tinha chegado o momento de escolher entre Lucien e Sabin, Gideon tinha escolhido Sabin porque ele acreditava, com todo seu coração, que os Caçadores mereciam morrer pelo que tinham feito a Baden, o Guardião da Desconfiança. Ainda assim Lucien tinha desejado a paz. Gideon ainda acreditava, mas também sabia que Lucien tinha merecido algo melhor dele.

     É o momento de que deixe a seu homem. —anunciou Stefano— Não se preocupe, depois do que tenha feito com você deixarei que volte e conte tudo.

     —Vamos. —disse o menino, se levantando. Ele fez gestos a Anya com um movimento ondulante da mão. —A obrigarei se devo fazê-lo.

     Gideon tinha que detê-la. Mas como? Sua força estava ainda drenada, substituída por mais e mais dor. Logo estaria completamente incapacitado, incapaz de se levantar por si mesmo durante horas, dias possivelmente.

     Os outros, tampouco poderiam se encarregar de muito mais. Stefano enviaria as tropas, para submeter aos guerreiros pela força e separá-los? Ou deixariam aos guerreiros ali dentro para evitar que recuperassem seus poderes como Anya suspeitava? Não tinha importância, supôs ele. Tinha só uma maneira de comprar tempo e procurar a maneira de escapar.

     —Não quero que me leve em troca. Não quero que me pergunte isso. —disse Gideon. —Stefano, diga ao menino que agarre a Anya e me deixe.

     Houve uma pausa enquanto se interpretavam suas mentiras.

     —Não. —Ofegou Anya. Então, como se o trato não fosse suficiente para ela, agarrou ao Gideon pelos braços e o empurrou ao chão. Um chute, dois, diretos ao seu estômago. Incapaz de deter a si mesmo vomitou, uma e outra vez, até que não deixou nada. —Vê? Ele não está em condições de falar. Levará a mim, — disse ela com firmeza, —ou a ninguém.

     —Traga ambos. —disse Stefano, o regozijo em seu tom, como se isso fosse o que ele tivesse querido desde o começo.

     Depois de uma ligeira vacilação, o menino caminhou e entrou no corpo da Anya, desaparecendo da vista.  Possivelmente a tinha possuído, porque ela saiu caminhando da sala sem protestar. Santa merda.

     Quando o menino voltou um pouco depois, Gideon levantou a mão.

     —Não quero fazê-lo por mim mesmo.

     Isso ganhou um assentimento de cabeça.

     Gideon cambaleou até ficar em pé, com um último olhar atrás, abandonou seus amigos.

        

   Gwen estava surpreendida de ver suas irmãs na sala de áudio-visuais.

     —Grrr, a sala de entretenimento, o qual era o mesmo, a verdade. —quando entrou. Ficou igualmente surpreendida de que não saltassem do sofá e a esfaqueassem.

     Seu olhar foi à deriva sobre o resto dos assistentes. Quem a apoiaria, e quem não? Ashlyn, Danika e Cameo estavam sentadas na mesa mais afastada, duas cabeças inclinadas sobre cilindros de papel amarelo mexericando, enquanto uma escrevia no portátil. O lindo rosto de Ashlyn estava enrugado de concentração. Danika estava pálida e se via doente. Cameo estava franzindo o cenho.

     William, Kane e Maddox estavam desaparecidos e suspeitava que estariam na cidade, procurando algum Caçador atrasado. Em diagonal às mulheres, Aeron e Paris estavam jogando bilhar no fundo enquanto falavam de estratégias, a maioria das feridas já se desvaneceram. Bom, em Paris estavam mais desaparecidas. Era difícil dizê-lo em Aeron, desde que todo o corpo estava coberto de tatuagens.

     —Já te disse, vi-a. —disse Paris.

     —Desejos ou alucinações induzidas pela ambrósia. —replicou Aeron— Quando caímos, estava inconsciente. A viu de novo?

     —Não. Provavelmente se escondeu.

     Aeron foi desumano.

     —Fui amável com você neste assunto, Paris, e isso parece não ter feito nenhum bem. Tem que deixá-lo ir. Esta manhã interrogamos a alguns dos caçadores recém chegados. Não sabem nada sobre ela. Depois disso convocou Cronos, lhe perguntou se a tinha trazido de volta. E o que te disse?

     Colocando o bastão, Paris centrou o golpe em uma das bolas.

     —Sem um corpo, a alma murcha. Morre.

     Uma magra, escamosa… coisa estava se deslizando ao redor dos ombros de Aeron, se detendo na parte de cima da cabeça e lhe beijou a bochecha.

     —Te teria mentido o bom rei?

     —Sim!

     —Por que? Quer nossa ajuda.

     —Não sei. —grunhiu Paris.

     —O que é essa coisa? —Perguntou Gwen, ainda olhando fixamente à criatura que se enroscava ao redor de Aeron.

     Sabin, que tinha ficado atrás dela na soleira, fazendo arder a pele exposta com sua presença, tentando-a a perdoar e esquecer e se focar só no futuro, um futuro com ele, sorriu.

     —Essa é Legião. É um demônio e uma amiga. Aeron morreria antes de vê-la ferida, assim por favor, não o tente e não a pegue.

     Essa… coisa era uma menina? Não importa. Tem coisas a fazer. Os olhos de Gwen se ampliaram quando acabou de estudar aos ocupantes da sala. Torin apoiou um ombro contra a parede, tão longe de todo mundo como podia. Agarrou um monitor portátil nas enluvadas mãos, a atenção posta na pequena tela.

     Tinha-a apoiado, sabia. Uma coisa que tinha advertido, é que colocava aos amigos por cima de sua própria segurança.

     —Vai fingir que não estamos aqui? —Kaia estirou os braços por cima da cabeça, se espreguiçando como a um gatinho sem que lhe importasse.

     Sim. Não.

     —Hey. —Finalmente encontrando os olhares de suas irmãs, ofereceu-lhes um meio sorriso e um olá com a mão. Tinha passado a última hora pensando no que lhe dizer, se é que estavam interessadas em escutá-la. Não tinha lhe ocorrido nada. Uma desculpa não funcionaria por que não lamentava exatamente o que tinha feito.

     Taliyah se levantou, a expressão tão indecifrável como de costume. Se arrepiando, Sabin caminhou ficando na frente de Gwen.

     —Bem. — disse Taliyah, o ignorando— Já que não vai dizer nada do que aconteceu. Começarei eu. Uma pausa. Então…—Estou orgulhosa de você.

     —Q-q que? —Perguntou Gwen, com voz quebrada. Isso não era o que tinha esperado ouvir.

     Deu uma olhada ao redor do enorme corpo de seu guerreiro, sua irmã mais velha saiu uma vez mais à vista. Taliyah orgulhosa dela? Nada poderia tê-la surpreendido mais.

     —Fez o que tinha que fazer. —Taliyah cortou a distância entre elas e tentou afastar Sabin do caminho— É uma Harpia em todos os sentidos da palavra.

     Sabin não se moveu.

     Os gelados olhos de Taliyah deveriam ter congelado a qualquer.

     —Deixe-me abraçar a minha irmã.

     —Não.

     Gwen podia ver a tensão dos ombros, nas costas.

     —Sabin.

     —Não. —disse ele, sabendo o que queria— Isto poderia ser um truque. —então, acrescentou para Taliyah— Não vai fazer mal a ela.

     Bianka e Kaia se uniram a Taliyah, formando um semicírculo ao redor do guerreiro. Podiam tê-lo atacado, mas para surpresa de Gwen, não o fizeram.

     —Sério, deixe-nos abraçar a nossa irmã. —disse Kaia rigidamente. Que não se atrevesse a lhe causar mal corporal era… Um milagre— Por favor. —A última palavra foi oferecida a contra gosto.

     —Por favor, Sabin. — disse Gwen pousando as palmas abertas contra suas omoplatas.

     Ele respirou profundamente, deixando escapar o fôlego, como se tentasse captar o aroma da verdade.

     —Nada de truques. Ou senão. —Se fez a um lado e elas o ultrapassaram imediatamente.

     Três pares de braços rodeando Gwen.

     —Como já disse, estou incrivelmente orgulhosa de você.

     —Nunca vi a ninguém tão feroz.

     —A cor me surpreendeu. Me chutou o traseiro totalmente!

     Gwen estava congelada, o coração aturdido.

     —Não estão zangadas?

     —Diabos, não. —disse Kaia, então retificou.

     —Bom, possivelmente no princípio. Mas esta manhã, quando sopesávamos maneiras de te seqüestrar e nos vingar de Sabin, a vimos se alimentando dele. Nos fez nos dar conta que agora também é sua família, e passamos a raia. Nunca ameaça à família de uma Harpia, nunca, e nós sabemos melhor que ninguém.

     De acordo. Wow. O olhar de Gwen foi para Sabin, que estava olhando-a com fogo nos escuros olhos. Queria estar com ela, tinha dito. Deixaria a guerra por ela. Queria pô-la em primeiro lugar, fazê-la o topo das prioridades em sua vida. Confiava que não o trairia. Amava-a.

     Ela queria acreditar nele, queria lhe acreditar com tal desespero, mas não podia se arriscar. Não só por que a tinha prendido, se não por que, quando estava deitada na cama, se recuperando, tinha se dado conta que agora era uma arma, a arma que sempre tinha querido que fosse. Tinha provado a si mesma na batalha. Nunca mais voltaria a deixá-la para trás, não teria que se preocupar com ela. Que melhor maneira que conseguir o que queria seduzindo-a, em corpo e alma?

     Amava-a realmente? Isso é o que queria saber.

     Clamou que não se importaria se a encontrava abraçando a seu pai. Possivelmente essa fosse a verdade. Mas, se agora a amava, cresceria nele um dia o ressentimento por quem e o que era? Estenderia a ela seu ódio pelos Caçadores e seu líder? Se voltariam seus amigos sobre ele por trazer um inimigo a sua casa? Suspeitariam de cada uma de suas palavras e ações?

     Essas dúvidas não nadavam no interior de sua cabeça por causa do demônio. Eram delas.

     Todas delas. E não sabia como lutar com elas, inclusive embora quisesse desesperadamente estar com Sabin.

     Quando tinha estado na cidade, sangrenta e letal, o coração tinha se detido realmente, provando absolutamente que lhe pertencia. Que quadro tão feroz tinha apresentado. Qualquer mulher deveria estar orgulhosa de ter a um homem tão competente e forte a seu lado. Queria ser essa mulher. Então e sempre. Entretanto, carecia da confiança para agarrá-lo nos sonhos. O que era divertido se pensasse nisso. Fisicamente, nunca tinha sido tão forte.

     —Vou odiar te deixar. —disse Bianka, liberando-a, e dando um passo atrás.

     —Bom… —Agora a parte difícil— Então por que tentá-lo? Necessito-lhes aqui, na fortaleza, e ajudando Torin a proteger isto e os humanos.

     —E você onde vai estar? —Taliyah também a liberou, os olhos pálidos estudando o rosto de Gwen. Ao menos não tinham rechaçado a petição. Quadrou os ombros, a determinação correndo através dela.

     —Isto é em realidade por que os chamei a esta reunião. Poderia ter a atenção de todo o mundo, por favor?

     Chocou as mãos, esperando que os ocupantes da sala se voltassem para olhá-la.

     —Sabin e eu vamos a Chicago para procurar a seus desaparecidos amigos. Estiveram em silêncio, e acreditam que algo vai mal.

     Ante isso, Sabin piscou. Essa foi a única reação. Sabia que ele tinha estado esperando pela informação de Torin, mas imaginou que era melhor estar em marcha que estar alavancados aqui, sem fazer nada.

     —Me alegro que vão. —Disse Ashlyn— Não sei se alguém lhe disse isso, mas Aeron, Cameo e sim, sua irmã Kaia me levaram a cidade esta manhã. Ouvi algumas coisas.

     OH,OH. Ia haver alguns problemas na fortaleza.

     —Não deveria ter ido à cidade. Seu homem se zangará quando o descobrir. —Tinha visto Maddox com a mulher grávida só um par de vezes, mas uma vez tinha sido suficiente para lhe assegurar a feroz necessidade de protegê-la.

     Ashlyn ondeou uma mão no ar.

     —Sabia. Não podia me levar porque não posso ouvir conversações quando está comigo, assim que o compromisso era deixar ir com guardiães. Por outra parte, sabia que iria mais tarde às escondidas. De todas as maneiras, alguns dos Caçadores também estavam se dirigindo a Chicago. Têm-lhe medo, não estão seguros do que pode lhes fazer.

     Os caçadores, a temiam. A tinham atemorizado, enquanto tinha estado presa naquela pirâmide, mas ali não tinha nada que pudesse fazer realmente por eles. Já não estava indefesa. O pensamento a fez sorrir. Sabin, também, virtualmente brilhando com orgulho.

     Seu estômago revoou ante a visão, e o ar se esquentou nos pulmões. Quando a olhava dessa maneira, quase podia acreditar que realmente a amava e que faria tudo por ela. Se concentre no que tem nas mãos.

     —E os prisioneiros?

     —Ainda presos. —Encarando-a, Paris deixou o taco sobre o chão e se inclinou contra ele. Estava mais pálido do que o normal, linhas de estresse rodeavam os olhos.

     —Aeron e eu, como multifacetados que somos, assumimos seu…cuidado.

     —Eu ajudei. —Saltou Legião, a fêmea demônio.

     —Cuidado. Igual. Tortura. Sabin os tinha interrogado? Sabia que gostaria de fazê-lo, contudo, mal tinha deixado seu lado da batalha— As crianças…

     —Como já mencionei antes, já foram separados e transladados a quartos decentes. Estão assustados e não usaram os poderes que acredito que tenham. Ainda. Assim não estamos seguros do que estamos nos enfrentando. Mas o tiraremos dos adultos, não se preocupe. —disse Sabin.

     Paris assentiu com sombria determinação.

     —Farei quando voltarmos. Vou com você.

     Sabin e Aeron compartilharam um intenso olhar.

     —Vai ficar aqui. — Sabin o corrigiu— Todos vocês. Necessitamos tantos guerreiros aqui como podemos obter. Não sabemos quantos Caçadores ficaram para trás.

     —Mais que isso, Torin viu Galen na cidade. —Disse Cameo— Ainda não vimos rastro dele, o que poderia significar que está se ocultando, planejando golpear outra vez.

     Sabin se aproximou ao lado de Gwen e ancorou um forte braço ao redor de sua cintura. Ela não protestou. Embora na mente estivesse insegura, o corpo sabia que lhe pertencia.

     O aroma de limão encheu seu nariz, uma droga a que tinha ficado viciada.

     —Mas você, Paris… sua nova coisa favorita põe a todos em risco. Ficará aqui e conseguirá se limpar.

     Paris abriu a boca para protestar.

     —Torin pode se encarregar dos acertos de nossa viagem. — continuou Sabin, lhe cortando. Acariciou o braço dela, de cima para baixo, possivelmente inclusive sem se dar conta do que estava fazendo.

     —Terá que voar em classe turística. —Disse Torin—Desde que as crianças têm o jato nós sempre voamos na classe Charter nos Estados Unidos, com eles.

     —O que acontece se estão poluídos pelos Caçadores? Como conseguiremos que nossas armas passem pelos controles de segurança? Se nos colherem com tão sequer uma lâmina, seremos interrogados (uma perda de tempo) e presos.

     —Tenho recursos. —Sabin a beijou a têmpora—Me acredite. Estive fazendo isto por muito tempo. Não nos descobrirão.

     —Tragam Reyes e aos outros para casa a salvo. —Danika entrecruzou os dedos, como se estivesse dizendo uma prece— Por favor.

     —Por favor. —uniu Ashlyn.

     —E não se esqueça de Anya. —disse Kaia— Não imagino que tipo de problemas poderia criar.

     —Farei o melhor que possa. —disse Gwen, e estava convencida. Mas seria o melhor que pudesse fazer suficiente?

    

     —Me diga, o que faz uma deusa com um demônio?

     Anya olhou ao inimigo declarado de seu amante: Galen, o guardião do demônio da Esperança. Ocupava um lado da nova prisão e ela o outro. As largas asas brancas estavam pregadas nas costas, a parte superior dos arcos se elevando por cima dos ombros. Os olhos eram azuis como o céu, e quanto mais os olhava, mais teria jurado que via amaciadas nuvens brancas. Esses olhos estavam destinados a acalmá-la, a relaxá-la.

     Quão único conseguiam era chateá-la.

     Menino Fantasma a tinha “escoltado”—maldito menino que tinha tomado o controle de seu corpo como se  fosse o seu próprio—a esse pequeno, escasso infernal buraco e a deixou. Onde ela tinha esperado. E esperado. Sozinha, enraivecida. Agora sabia que os Caçadores a tinham deixado para seu líder—que tinha permanecido em Budapeste até que lhe tinha falado da generosidade daqui.

     Enquanto isso, entretanto, os gritos de Gideon faziam eco através das paredes—e com os gritos, as desdenhosas gargalhadas dos captores. Pobre Mentira. Se sentia um pouco culpada por lhe golpear antes. Teria contado alguns segredos?

     —Não tem resposta, preciosa?

     —Estou me divertindo, essa é.

     Tinham cometido o engano de deixá-la sem travas.

     Embora Menino Fantasma tivesse acompanhado Galen, é obvio. Aparentemente, era sua apólice de seguros. Bom, logo aprenderiam que deveriam ter um policial melhor. Sem esse estranho metal enjaulando-a, a força estava retornando. Logo, seria um pesadelo vivo. E eles sofreriam.

     Estaria Lucien se recuperando como ela? Anya odiava ser separada dele.

     Lentamente os lábios de Galen se curvaram com diversão.

     —É lutadora. Eu gosto. Lucien é um homem afortunado. Que um homem tão feio tenha capturado o coração de alguém como você não é nada mais e nada menos que um milagre.

     Inclusive a voz induzia à calma. Realmente, tudo nele parecia deliberadamente afiado para oferecer esperança, como a uma brilhante luz em uma habitação de escuridão e temor. O que não sabia é que Anya preferia a escuridão. Sempre o tinha feito.

 

     —Não é feio. —disse, passeando de um lado da parede à outra. Quanto mais permanecesse em movimento, menos seriam observadas suas ações, suspeitou— É honorável, carinhoso e maravilhosamente feroz.

     Uma tosse.

     —Mas é um demônio.

     Se deteve para arquear uma sobrancelha para ele.

     —Bom, sim. Como você.

     —Não. —Paciente Galen sacudiu a cabeça— Eu sou um anjo, enviado dos céus para limpar o mal da terra.

     —Há! —Voltou a ficar em movimento— Essa sim que é boa. Você acredita nessa própria imprensa, não é?

    —Não discutirei minhas origens com a puta de um demônio. —Não sabia se soava divertido ou tolerante— Agora, me diga que sabem os Senhores dos dois artefatos que permanecem desaparecidos.

     —Quem diz que estão desaparecidos? —mediu.

     Passaram vários batimentos do coração de silêncio.

     —Certo. Pelo que sabe, tenho um.

     Bastardo. Tinha?

     —Se eles tivessem os quatro, não estariam aqui, a minha mercê. Estariam procurando a caixa. Ou a teriam encontrado.

     Pôs os olhos em branco, embora tremesse interiormente.

     —Está seguro que tem piedade, anjo?

     Os ombros se elevaram em um encolhimento.

     —Está viva, não é verdade?

     Os saltos ressoaram contra o azulejo.

     —Mas então, estou segura que pensa que pode me usar de algum jeito.

     Cruzou os braços sobre o maciço peito, estirando o tecido da camiseta branca. As calças também eram brancas. Excessivo se perguntasse a Anya, mas independentemente disso, duvidava que quisesse indicações sobre moda de sua parte.

     —Estou me cansando de você, deusa. Possivelmente deveria ter trazido Morte.

     Isso queria dizer que preferia se divertir com a tortura de Lucien?

     —Olhe, direi isso a você, direi tudo o que quer saber, mas só se se desfizer do menino. Me incomoda. —Não queria que alguém tão jovem fosse ferido por sua mão.

     —Me desculpe se te dei a impressão de que sou tolo. —A boca de Galen se curvou em um meio sorriso— Fica.

     Tinha valido a pena tentá-lo. Hora do Plano B. Distração, depois fúria. Se não pudesse voar para ele, faria que voasse para ela. O moço não interferiria com o líder.

     —De todas as formas, por que odeia tanto aos Senhores? O que lhe têm feito?

     —A pergunta acertada seria esta: por que não deveria odiá-los? Me arruinaram. Portanto, os arruinarei primeiro. —Estendeu os braços, em um gesto de “é assim de simples”— Todos estes anos só fomos capazes de lhes ferir, muito temerosos de liberar os demônios. Se isso passasse, os deuses me amaldiçoariam de novo. Já fui advertido. —Sorriu ligeiramente— Mas estamos perto, muito perto de mudar isso. Qualquer dia saberei se o demônio da Desconfiança será capaz de se unir a minha mulher. Se for assim… Liderarei o exército mais poderoso que tenha visto neste mundo.

     —Seu estúpido servente parece pensar que utilizará aos mais fracos e os encerrará os afastando do bem deste mundo.

     Deu de ombros.

     —De onde terá tirado essa idéia?

     De acordo. Hora de rebobinar. Há dito que seria amaldiçoado de algum jeito se matasse aos Senhores e liberasse os demônios. Mas não, obviamente, se tivesse algum lugar onde armazenar esses demônios. O fato de arrebatar aos Senhores, entretanto, destruiria aos imortais. Destruiria—mataria—Lucien.

     Seu estômago se encolheu, e seu sangue correu frio.

     —Como fez para encontrar Desconfiança? Como capturou a um demônio enlouquecido? —Stefano já tinha afirmado que tiveram êxito em unir o demônio a outro corpo. Claramente, tinha mentido. Outra vez. Mas o fato de que tentassem fazer algo assim era espantoso.

     —A diferença de Amun, não sou o que derrama todos os meus segredos. —Disse Galen.

     —Bom, até que o faça, temo que não posso acreditar em você.

     Deu-lhe outro desses meio sorrisos.

     —Estou devastado, é obvio.

     Deus, o odeio! Se deu leves golpes no queixo com uma unha, como se estivesse profundamente pensativa. Tinha conseguido o distrair, e agora ia irritá-lo.

     —Vejamos, vejamos. Se fosse um covarde e ciumento demônio que pretende ser um anjo e quisesse encontrar e controlar um espírito diabólico, deveria… O que? Definitivamente, conseguir que outros me fizessem o trabalho sujo. Possivelmente, inclusive utilizar crianças —disse, lhe jogando um olhar de passada ao Menino Fantasma. Os olhos se alargaram enquanto os dele se entrecerravam. Estava conseguindo o enfurecer com o insulto, mas tinha feito mais que isso, se deu conta. Tinha encontrado a resposta. Como fosse, de algum jeito, um ou mais desses meninos mestiços eram capazes de encontrar um espírito de outro mundo. Possivelmente inclusive o próprio Menino Fantasma.

     —Lhe arrebatamos isso. —Disse, encontrando uma vez mais o olho de Galen— Evitando que os utilize. Ganhamos cada batalha contra você. Esta não será diferente. Até temos uma Harpia de nosso lado. Teve oportunidade de ouvir o que pode fazer uma Harpia?

     —Deveria calar a boca. —resmungou o “anjo”.

     Tinha-o. Excelente. Um homem emocional era um homem que cometia enganos.

     —E sabe o que é pior que uma Harpia? Cronos, o novo rei dos deuses. Quer sua morte. Sabia?

     Galen se endireitou.

     —Mente.

     —Faço-o? O Olho que Tudo Vê, o Olho que perdeu, teve uma visão. Nesta, o viu tentando assassinar Cronos. Agora está atrás de você. Não sei por que não o matou ele mesmo. Estou segura de que tem suas razões. Mas me acredite, fui seu objetivo. Não te deixará em paz até que tenha o que quer.

     Galen apertava a mandíbula ainda mais com cada palavra que ela dizia.

     —Nunca faria mal a um Titã.

     —Não o faria? Traiu aos seus melhores amigos.

     —Não eram meus amigos. — gritou, esmagando um punho na parede e estremecendo os alicerces.

     Esse é o caminho, menino grande.

     —Que pena que não se dessem conta antes disso. Mas não importa. Ainda conseguirão te vencer. Como o venceram cada vez que os desafiou. É ciência, depois de tudo. É o mais fraco.

     A fúria chispou dele, se disparando sob a pele.

     —Seu precioso Lucien não era o bastante forte para nos liderar, a nós, o exército de elite de Zeus. Nunca deveria ter estado no comando.

     —Assim em vez de o desafiar como um honorável soldado, o convenceu a abrir a caixa de Pandora depois contou aos deuses sua decisão de os trair? Formou um exército por você mesmo e tentou o deter. Não, isso não é covardia absolutamente.

     Ele deu dois passos para frente antes de se conter e se deter. As mãos fechadas em punhos.

     —Fiz o que tinha que fazer. Um bom soldado ganha por qualquer meio necessário. Só pergunte a seu amigo Sabin.

     Empurra-o mais, quase o tem.

     —Ah, mas como disse, não ganhou, não é? Inclusive embora soubesse o que Lucien e outros iam fazer, não foi capaz de detê-los e provar sua fraqueza. Perdeu. Fez que parecesse fraco. Foi condenado a hospedar a um demônio em seu interior como o fizeram os outros. Você, você, você. —riu— Que humilhante.

     —Basta!

     —Quer me golpear? —Riu outra vez, com crueldade— Será que o pequeno doce anjinho quer cortar a língua de Anya? O que pensariam então seus seguidores, hum? Mas estou segura que o viram muito pior. Ou sempre faz que Stefano dê as ordens, de modo que possa parecer piedoso?

     Durante um longo momento, olhou-a, silencioso, sem se lançar para ela como tinha esperado. Então, para sua surpresa, sorriu.

     —Stefano não está aqui, e não me sinto piedoso. Mas não se preocupe. Só te doerá um segundo. —Com isso, tirou um pequeno arco de entre as asas. Antes que tivesse tempo de esquivá-la, disparou duas flechas, propulsando-a para a parede atrás dela.

     Um atravessou o ombro esquerdo, a outra o direito, a ancorando à parede.

     A dor explodiu através dela, turvando a visão. O sangue caía em cascata pelos braços, tão quente que a queimava. O suor descendo pela sobrancelha e lábio superior, mas isso não a esfriou.

     O menino, notou distantemente, tinha empalidecido. O lábio inferior, tremia.

     —Acredito que é hora de que Lucien se una a nossa pequena festa. —Disse Galen— Verá tudo o que lhe faremos. A despir, tomar, te ferir. Veremos se é o bastante forte para te salvar, não é?

     —O toque. —conseguiu dizer entre os apertados dentes— E comerei seu coração em frente a você.

     Riu, e OH, como desprezava o som de sua diversão. Mas a risada foi cortada em seco quando fez erupção uma explosão e o edifício realmente se sacudiu.

     —Parece que a cavalaria está aqui. —disse Anya, sorrindo apesar da pulsação nos ombros— Sabia que os outros viriam por nós. Acredito que mencionei à Harpia, não é?

     Olhou-a, o primeiro início de pânico nos olhos, então voltou o olhar à porta.

     Outra explosão. Outra sacudida.

     —Isto não se acabou. Se luta para se soltar bem, —disse ao menino enquanto se dirigia para a saída— mas não a deixe sair desta sala.

    

   Embora Sabin e Gwen não tivessem sido descobertos por nenhum dos Caçadores ou registrados por Segurança, Duvida era o responsável por isso, tendo mantido a todo mundo a seu redor duvidando de tudo o que viam, o vôo aos Estados Unidos tinha sido duro, em cada sentido da palavra. Gwen tinha se aconchegado ao lado de Sabin, hora atrás de hora, e ele não tinha sido capaz de tocá-la do modo em que ansiava. E não o faria, não diante de testemunhas e não até que confiasse nele. Ganhar seu coração e confiança era a batalha mais importante de sua vida, e por uma vez tinha decidido não se precipitar nisso.

     Terei-a.

     Quando tinham descido do avião, Sabin, que estava acostumado a estar ao redor dos humanos, tendo-os contemplando sua altura e forte musculatura, não tinha gostado da maneira em que os homens tinham observado a sua mulher. O desejo tinha sido óbvio.

     Voltando-o louco. O que era o por que tinha permitido a Dúvida descer em picada à mente daqueles humanos e os encher de inseguranças sobre seu aspecto, seu valor na cama e por que tinha estado tentado a estalar em um dos famosos ataques violentos de Maddox. Tinha conseguido se controlar, mantendo a concentração na meta: a segura volta de seus amigos. Mas só porque Gwen não parecia ter notado os ofegos, as babantes bocas abertas, e as paradas em seco em seu caminho.

     Tinham se dirigido imediatamente à casa em que tinham ficado os guerreiros, uma casa a milhas de tudo e todos. Tinham jogado uma olhada, averiguando duas coisas: uma, os guerreiros não estavam ali e dois, os Caçadores não tinham estado ali e plantado pequenos presentes. Uma pena que não houvesse Caçadores, na opinião de Sabin. Estava preparado para a ação.

     Ele e Gwen tinham se carregado com armas, cada um agarrou uma boné para ocultar o cabelo e defender os rostos e dirigir-se ao único outro lugar ao que sabia que teriam ido seus amigos. Agora caminhavam pela rua na frente de uma fila de edifícios, e sabia que estavam perto das instalações de formação, mas… não podia encontrá-lo. Cada edifício se mesclava com o seguinte.

     E cada vez que os contava, perdia a conta dos números.

     Gwen se deteve e esfregou a parte de trás do pescoço, olhando para o céu.

     —Isto é desesperador. Estamos no lugar correto. Por que não podemos encontrá-lo?

     Ele suspirou. Possivelmente era hora de tirar as armas pesadas.

     Se o rei deus lhe respondesse por uma vez.

     —Cronos. —murmurou— Uma pequena ajuda seria encantadora. Quer que tenhamos êxito, não?

     Passou um momento, então outro. Não aconteceu nada.

     Estava a ponto de se dar por vencido quando de repente Gwen ofegou.

     —Olhe.

     Sabin seguiu o olhar, experimentando uma sacudida de surpresa. Ali, no terraço do edifício à direita, um edifício que Sabin tinha passado por cima uma e outra vez, estava o rei dos deuses. Parecia que o edifício tremia sob ele. O traje branco voando ao redor dos tornozelos. Depois de ser ignorado durante tanto tempo, Sabin tinha ajuda? E assim fácil?

     —Agora me deve uma, Dúvida e eu sempre as cobro. —Cronos desapareceu um segundo depois.

     Devia beneficiar a Cronos que Sabin ganhasse este dia. O deus deveria ter se contentado ajudando à causa, sem exigir favores em troca.

     —Quem era esse? —Perguntou Gwen— Como o tem feito? E acredita que meu… que Galen estará aí dentro?

     Sabin lhe explicou sobre Cronos.

     —Galen… não sei. E o que se estiver? Ainda quer fazê-lo?

     —Sim. —Esta vez não houve vacilação, embora tivesse um limite em seu tom.

     Estava lhe pedindo muito? Sabin não tinha pais. Os gregos o tinham criado já completamente formado. Como não tinha amor entre ele e os antigos deuses, não podia sequer começar a compreender como Gwen se sentia.

     —Estarei bem. — acrescentou, como se lesse seus pensamentos— Depois de tudo o que tem feito, tem que ser detido.

     No final, a voz tinha tremido. Sabin decidiu então no momento para intervir se Galen optasse por se unir a luta, o qual provavelmente não aconteceria já que o bastardo sempre se detinha e fugia, deixando que seus lacaios fizessem o trabalho sujo.

     Esperança colocava a si mesmo por cima de outros, e sempre o faria. Mas Sabin não queria que Gwen se lamentasse de nada; não queria que lhe culpasse mais à frente por suas ações—ou as dele, pensou com um nó no estômago.

     O tinha perguntado antes, mas desta vez não podia fazer nada para ajudar: O odiaria se fosse ele o único que derrotasse e retivesse a seu pai?

     A Sabin, só preocupavam duas coisas nesse momento: Gwen e a segurança de seus amigos. Nessa ordem.

     Ela seria o primeiro, agora e sempre. Nada mudaria isso.

     —Vamos fazê-lo. —Disse brandamente, e avançou para frente.

     —Antes que entremos aí. —disse, mantendo o passo a seu lado— Quero te dizer outra vez que te amo. Te amo tanto que me dói. Eu somente… queria que soubesse se por acaso passa algo.

     —Não vai passar nada. —Tropeçou, se detendo— Mas também te amo. Faço-o. Não o negarei mais. Entretanto, ainda não estou segura de você. Eu somente, não sei. Dúvida agora, parece meu mascote, e eu gosto assim. Seriamente. Eu somente…

     —Está bem. —Amava-o. Graças aos deuses, amava-o. Fez ela se deter e a puxou para seus braços, odiando as palavras, mas as entendendo, entretanto. Deveria ter acreditado nela. Desde o começo, deveria tê-la colocado em primeiro lugar.— Nos encarregaremos disso mais tarde. Prometo. Não quero que haja nenhuma preocupação agora mesmo em sua mente. As distrações podem fazer…

     —Que o matem. — terminou por ele, sorrindo— Prestei atenção a suas lições. —Envolveu amorosamente os braços ao redor de sua cintura, descansando a cabeça no oco do pescoço. O cabelo era suave contra a pele.

     —Tome cuidado aí dentro.

     Deuses, adorava esta mulher. Sua força, sua coragem, seu engenho.

     —Você também. Faça o que fizer, se mantenha a salvo. Me entendeu? —Disse com ferocidade— Estarei perdido sem você.

     —Farei. —Dedicou-lhe um meio estirado e divertido sorriso— Esse é depois de tudo, o código da Harpia.

     Beijou-lhe o cocuruto. Se elevou então para ele, os lábios inchados e vermelhos e não pôde resistir. Uniu suas bocas, a língua varrendo dentro da dela com um possessivo impulso. As mãos se levantando, enredando-se no cabelo, e ela gemeu.

     Ele tragou o som, saboreando-o, deixando que o enchesse. Aqui estava sua vida, em seus braços, tudo o que necessitava. Mas se obrigou a se separar.

     —Vamos. Quero terminar com isto de modo que você e eu possamos falar. Por que não vai pela porta principal, e eu tomarei a de trás. Cobriremos cada entrada, e nos encontraremos no centro.

     Com outro rápido beijo na sua boca, Sabin continuou para frente. O sol ardia brilhante, caindo fulminante sobre ele. Manteve o rosto para baixo, esperando não ser reconhecido se as câmaras estivessem escaneando a área.

     “Pode fazê-lo?”

     Sim.

     “E se falhar?”

     Não o farei.

     “E se Gwen resultar ferida?”

     Não o seria. Se asseguraria disso.

     —Apura o passo, preguiçoso. —Uma ligeira brisa acariciou o rosto quando Gwen passou a seu modo de super velocidade e o ultrapassou, as asas lhe dando uma velocidade que nunca poderia igualar.

     Entretanto, isso não o deteve de tentá-lo. Não queria que entrasse sozinha naquele edifício. Acelerou os passos e correu para a parte de trás. Ali encontrou uma grade com as pontas se estirando para o céu e arames eletrificados rodeando cada fita de seda. Em geral tomava seu tempo e desabilitava tais arames. Hoje, não tinha aquele luxo. Assim simplesmente subiu. As sacudidas que o atravessaram teriam matado a um humano. Eram dolorosos, detendo duas vezes seu coração, lhe tirando constantemente a respiração, mas contudo, não foi mais devagar. Vamos, vamos, cantarolou até que caiu ao chão. As botas golpearam o concreto, lhe sacudindo e então se pôs a correr, preparando as armas.

     Não lhe levou muito tempo alcançar o primeiro objetivo. Tinha três Caçadores sentados ao redor de uma mesa, à sombra de um guarda-sol. Não tinham sentido a sacudida do edifício? Pior para eles. Finalmente. A festa poderia começar.

     —…mijado as calças —riu um.

     —Deveria ter visto seu rosto quando empurrei os pregos sob as unhas. E quando lhe amputei as mãos… —mais risadas— Espero que continue em silêncio. Nunca me diverti tanto em minha vida.

     —Demônios. Merecem isso e mais.

     O coração de Sabin se afundou inclusive quando o demônio ronronava. “Quero jogar”, disse alegremente dúvida.

     Se divirta.

     Sem necessitar mais estímulo, o demônio saiu de sua mente e entrou na deles.

     “Os outros Senhores vão se zangar. Virão para você, farão que o pague. Tudo o que tem feito a seus irmãos farão isso a você”—magnificado por mil, estou seguro.

     Um dos homens se estremeceu.

     —Sabemos que os outros demônios virão por seus amigos quando tenham se curado da última batalha. Possivelmente devêssemos, não sei, fazer logo as malas.

     —Eu não sou um covarde. Ficarei aqui e farei o que seja necessário para extrair informação de nossos prisioneiros.

     “Com certeza, então será estripado como um peixe.”

     Agora o segundo conversador se estremeceu.

     —Uh, caras. Se acabou. Minha busca acaba de vibrar. Tropeçaram com um alarme. Alguém escapou ou estamos sob um ataque.

     Saltaram ficando de pé. Nenhum tinha notado ainda a Sabin.

     Silenciador. Preparado.

     Antecâmara carregada. Preparado.

     Em outro momento, chamaria a atenção para zombar deles por sua próxima morte e o desfrute de vê-los empalidecer. Agora, simplesmente disparou a um após o outro na nuca. Caíaram nas cadeiras, o que deixou as testas caindo contra o vidro da mesa de um golpe.

     Seguiu se movendo, girando na esquina. Um grupo de crianças estavam chapinhando ao redor de uma piscina. Um dos meninos estendeu uma mão, fazendo que a água se elevasse e se balançasse em cima dela.

     —Me lança isso. —implorou uma menina— Quero ver se pode passar meu escudo protetor.

     Com uma gargalhada, o menino lhe lançou a água. Não a tocou nenhuma só gota.

     Sabin tinha suspeitado que eles estivessem aqui, mas ainda o surpreendia vê-los. Apesar de suas estranhas capacidades, eram somente crianças. Como podiam os Caçadores utilizá-los para isto? Situá-los em tal perigo?

     Sabin substituiu uma das semiautomáticas com uma pistola de dardos tranqüilizadores. Não queria fazê-lo, mas era a melhor e mais segura, solução para todos os envolvidos. O que Gwen estava fazendo? Estava no interior? Ferida? Sem se deter, começou a lançar os dardos as crianças. Um por um, se afundaram na inconsciência. Tirou-os rapidamente fora da água e os estendeu à sombra, sem liberar nenhuma só vez as armas.

     Finalmente, estava preparado para entrar na casa. Para ajudar Gwen.

     —Você asqueroso animal! O que tem feito?

     Sabin girou. Um Caçador acabava de lhe apontar, disparando. Uma bala lhe impactou no ombro direito. Estremecendo-se, deixou sair uma ronda de seu Sig. Uma bala impactou no pescoço do caçador, a outra no peito. Este caiu, ofegando. Quando o crânio impactou contra o chão, deixou de ofegar. Sangrando, indiferente à dor, Sabin se precipitou ao interior do edifício, embainhando a de tranqüilizadores a favor da segunda semiautomática. Os Caçadores já sujavam o chão, imóveis.

     Gwen.

     O coração de Sabin se inchou com o orgulho. Talvez estivesse louco, mas realmente amava seu lado escuro. Era mágica em um campo de batalha.

     Seguiu o rastro dos corpos adultos atirados nos tortuosos corredores. Algumas das habitações eram dormitórios com múltiplos beliches, algumas eram salas-de-aula de estudo. Tinha diminutos escritórios e artesanatos nas paredes; cada peça mostrava um demônio sendo torturado. Inclusive tinha gestos. Um mundo perfeito é um mundo sem demônios. Quando os demônios se vão, não haverá enfermidade, não haverá morte. Não haverá maldade. Perdeu a alguém a quem amava? Já sabe a quem culpar.

     OH, sim. As crianças estavam sendo treinadas para odiar aos Senhores desde o nascimento. Fabulosos. Sabin fazia alguma má merda em sua vida, mas nunca ensinou a odiar a um inocente.

     —Bastardo! —Ouviu Gwen gritar, seguido por um uivo de dor.

     Incrementando a velocidade, Sabin seguiu o som, viu um homem curvado e agarrando a entreperna. Não sabia o que tinha acontecido e não se incomodou em se deter para perguntar. Simplesmente apontou seu Sig e disparou três rondas. Nenhuma feriu Gwen.

     Gwen se voltou, as garras nuas. Aquelas diminutas asas revoaram como loucas sob a camiseta. O olhar mortal  se desvaneceu quando se deu conta de quem permanecia ante ela.

     —Obrigada.

     —Não há de que.

     —Encontrei a seus amigos. Estão feridos, mas vivos. Liberei-os, mas dois estão desaparecidos. Gideon e Anya.

     Primeiro: Já os tinha encontrado e liberado? Sagrado Inferno. Era mais rápida e melhor do que inclusive tinha pensado. Segundo: Onde diabos estavam os outros? Encerrados?

     —Anya? —gritou— Gideon?

     —Sabin? Sabin é você? —Perguntou uma mulher da parte baixa do corredor. Anya— Já era malditamente hora. Estou aqui atrás. Com um guardião.

     Sabin olhou para Gwen justo quando três homens entraram na sala, as expressões selvagens.

     —Tem-nos? —perguntou.

     —Segue adiante. —Se enfrentou ao novo desafio— Vá por Anya.

     Pôs-se a correr. Teria deixado a qualquer de seus homens, e Gwen era melhor lutadora que todos eles, juntos, assim não duvidou de seu êxito. Nem Dúvida. O pensamento o fez sorrir.

     Quando se moveu, trocou uma pistola por uma lâmina. Quase estava sem balas. Felizmente, uma faca não precisava recarregar-se. Onde está, Anya? Chutou uma porta. Vazia. Os ombros se abriram caminhou através de outra, derrubando as dobradiças. Nada. Três habitações mais, e ali estava, olhando a um menino pequeno, os ombros manchados de sangue.

     O menino se voltou, com expressão decidida. Tinha algo… raro nele, como se não fosse tridimensional.

     —Sabin! —Quando Anya se lançou a um lado, o menino a seguiu rapidamente, estendendo um braço.

     —Tenho que mantê-la aqui. — disse, mas não soava feliz por isso.

     Sabin embainhou lentamente a faca e levou a mão para trás, curvando os dedos ao redor da pistola de tranqüilizadores.

     —Não o toque —lhe gritou Anya— e não deixe que toque a você. Cairá sem advertência.

     —Anya!

     Sabin reconheceu a voz como a de Morte, assim não se voltou quando se aproximaram os passos. Manteve o olhar sobre o menino, preparado para saltar sobre ele face à advertência de Anya se fosse novamente atrás da deusa.

     —Lucien! Fique atrás, bebê, mas me diga, está bem? —O rosto de Anya se iluminou em uma mescla de prazer e preocupação— Tenho que saber que está bem.

     —Estou bem. Você? OH, deuses. —Lucien chegou atrás dele e ofegou. Sabin podia sentir as ondas de fúria palpitando dele— Seus ombros.

     —É somente um pequeno arranhão. —Tinha fogo nas palavras, uma promessa de retribuição.

     Mantendo a mão atrás das costas, Sabin tirou a pistola de tranqüilizadores para Lucien— Não estou seguro se funcionará, mas vou deixar que você o faça. Gideon está ainda desaparecido. —O guerreiro tomou a arma sem uma palavra, e Sabin girou sobre os calcanhares.

     Continuou irrompendo nas habitações. Várias estavam acolchoadas. Uma estava cheia com computadores e outras tecnologias. Outra estava cheia com suficiente comida para toda uma vida. Baixando outro corredor se voltou, gritando o nome de Gideon. Essas habitações tinham fechaduras eletrônicas e identificações digitais. Com o coração pulsando acelerado, pressionou o ouvido a cada porta até que finalmente, bendito fosse ouviu um sussurro.

     Gideon.

     A urgência o alagou, pinçou na fresta do centro. Os músculos se esticaram, os ossos quase arrebentaram na união e a ferida lhe abriu de novo, mas trabalhou na borda até que o metal esteve o bastante aberto para se deslizar através dele. O primeiro que advertiu foi a quebrada e sangrenta forma atada com correias a uma maca. Uma doentia sensação de déjà vu o golpeou.

     Cruzou a distância, a bílis se elevando na garganta. As pálpebras de Gideon estavam inchadas, parecia como se tivesse rochas enterradas sob elas. As feridas coloriam cada parte do nu corpo. Muitos dos ossos estavam quebrados e se elevavam através da pele. As mãos tinham sido ambas amputadas.

     —Voltarão a crescer, juro aos deuses que voltarão a crescer. — sussurrou Sabin quando puxou as correias. Eram fortes. Muito fortes, realizadas em alguma espécie de estranho metal. Nem sequer podia as cortar com uma faca.

     —A chave. Não está aqui. —A voz de Gideon era tão débil, Sabin apenas a ouvia. Mas o guerreiro apontou para um gabinete com um gesto do queixo. Com segurança, tinha uma chave pendurando por aí.

     —Não me insulte…com isso.

     —Conserva a força, meu amigo. —Falou-lhe gentilmente, mas a raiva emanava através dele, o consumindo, se convertendo na única coisa que conhecia. Esses bastardos iam pagar por isso. Cada um deles e mil vezes mais. Também tinha que ser castigado, pensou. Tinha jurado que nunca deixaria que este tipo de coisa passasse a seus camaradas outra vez, entretanto, aí estavam, virtualmente revivendo o passado.

     Quando Gideon esteve livre, Sabin o agarrou gentilmente nos braços e o levou ao corredor. Strider estava em processo de dobrar a esquina, pálido, trêmulo e cambaleante. Quando o guerreiro jogou uma olhada ao vulto que carregava Sabin, deixou escapar um selvagem gemido.

     —Está…

     —Está vivo. —Apenas.

     —Graças aos deuses. Lucien tem Anya. Conseguiu disparar um tranqüilizador ao menino que a guardava. Reyes está em algum lugar na parte de trás. Stefano pediu reforços, mas nunca acreditará quem ficou.

     Nesse momento, não lhe importava.

     —Viu Gwen?

     —Sim. Baixando o corredor à direita. —Strider tragou— Estive te buscando. Me ocuparei de Gideon. Vá ajudar a sua mulher.

     O alívio se mesclou instantaneamente com a raiva quando Sabin entregou cuidadosamente Gideon.

     —Ocorreu algo a ela?

     —Só vá.

     Correu, os braços bombeando, suas pernas tremendo, até que alcançou a câmara onde a tinha deixado. Ainda estava ali, mas já não estava lutando com os Caçadores humanos. Estava lutando com seu pai.

     E estava perdendo.

     Adivinha quem ficou, tinha dito Strider. O bastardo tinha tido tempo de que lhe crescessem as bolas. Gwen estava dobrada, ofegando, sangrando, cambaleandoe cada vez que repartia golpes a destro e sinistro enquanto as pernas já não podiam sustentar seu peso. Galen tinha um longo chicote parecido a uma serpente. Não, não como a uma serpente. Era uma serpente. Vaiando, os dentes brilhando com veneno. E cada vez que Gwen conseguia cortar a cabeça da serpente, crescia outra em seu lugar.

     —Os grandes e fortes Senhores do Submundo, confiando em uma mulher. E eles me chamam covarde. —Se mofou Galen.

     —Não sou só uma mulher. —gritou Gwen— Sou uma Harpia.

     —Como se isso supusesse uma diferença.

     —Deveria. Também sou meio demônio. Não me reconhece? —Se aproximou apesar de que a serpente se equilibrou para ela e foi pelo coração do guerreiro.

     —Deveria? Todas as mulheres me parecem o mesmo. Putas asquerosas. —Esquivou-a espertamente, retirando o chicote dela e fazendo-a gritar antes de rachá-la outra vez. Desta vez, esta se enrolou ao redor do pulso. Deu outro puxão. Ela gritou uma vez mais. Caiu aos pés, todo o corpo se sacudindo.

     Sabin não podia suportar isso. Não podia deixar que o bastardo destruísse Gwen, sem importar o muito que, possivelmente, Gwen se ressentisse com ele por interferir.

     —Deixa-a em paz. Eu sou ao que quer. —Apertando os dentes, tirou várias adagas e as lançou todas exceto uma, que foi ao chicote, cortando o agarre em Gwen. Lançou a última em Galen, lhe dando no estômago. O guerreiro rugiu, caiu e Gwen cambaleou ficando em pé.

     Sabin saltou em frente, bloqueando-a quando Galen se acocorou.

     —Por fim está preparado para fazê-lo? Para admitir a derrota?

     Franzindo o cenho, Galen tirou a faca de seu estômago.

     —Acredita realmente que é o bastante forte para ser melhor que eu?

     —Já o fui. Temos aberto caminho através da maior parte de suas forças. —Estava sorrindo quando escamoteou e lhe apontou com seu Sig— Tudo o que fica é seu encarceramento. E isso não parece ser muito difícil de conseguir.

     —Se detenha. Só pare. —Gwen cambaleou parando diante dele, endireitando os ombros. Cambaleou, mas não caiu, o olhar fixo sobre Galen— Não quero que o derrotem até que ouça o que tenho a dizer. Esperei por este dia toda minha vida, sonhando te dizendo que eu sou a filha de Tabitha Skyhawk. Tenho vinte e sete anos, e acredito ter sido engendrada por um anjo.

     Galen riu quando se levantou, mas essa risada não pôde ocultar o estremecimento. Agora estava sangrando profusamente.

     —Se supõe que isso deve significar algo para mim?

     —Me diga isso você. Faz uns vinte e oito anos, dormiu com uma Harpia. —Disse Gwen— Tinha o cabelo vermelho e olhos marrons. Estava ferida. Curou-a. Então partiu, mas disse que voltaria.

     O persistente sorriso satisfeito se desvaneceu enquanto a estudava.

     —E? —Não soava como se lhe importasse, mas tampouco tentou escapar quando tinha claramente perdido a batalha.

     Todo o corpo de Gwen tremeu, e a raiva de Sabin se obscureceu.

     — E o passado tem modos de alcançar às pessoas, não é? Assim, surpresa. Aqui estou eu. —Estendeu os braços— Sua filha perdida.

     —Não. —Galen sacudiu a cabeça. Ao menos a diversão não voltou— Está mentindo. Eu teria sabido.

     —Por que não teve quem te anuncie o nascimento? —Agora foi Gwen quem riu, o som tingido com escuridão.

     —Não. —repetiu— Isso é impossível. Não sou pai.

     Atrás deles, a batalha estava terminada. Os gritos estavam se detendo, os grunhidos se desvaneceram.

     Não mais disparos. Não mais som de pegadas. Então, o resto dos Senhores, encheram a soleira da porta, cada um levando expressões de ódio e fúria. Cada um gotejando sangue. Strider ainda levava Gideon, como se temesse deixá-lo no chão.

     —Bom, bom, bom. Olhe a quem temos aqui. —Grunhiu Lucien.

     —Não é tão resistente sem um menino ao redor te defendendo, Esperança?—Riu Anya.

     —Esta noite jantarei seu negro coração. —Grunhiu Reyes.

     Sabin estudou o severo conjunto dos rostos de seus amigos. Esses guerreiros tinham sido torturados, e não iam deixar ir sua vingança. Tanto como simpatizava com essa idéia, não lhes deixaria o ter ainda.

     —Galen é nosso. —Disse-lhes Sabin— Fica à margem. Gwen?

    

     Gwen sabia o que Sabin estava lhe perguntando. Permitir aprisionar ao seu pai, ou deixar ir. Estava lhe deixando escolher para lhe provar seu amor como nenhuma outra coisa poderia tê-lo feito. Se só pudesse lhe dar o que queria.

     —Eu-eu não sei. —Disse a voz quebrada. Olhando atentamente naqueles olhos azul céu, olhos, com os que tinha sonhado uma vez, ficou novamente impactada com o conhecimento que seu pai estava ali, em frente a ela, que representava tudo o que tinha querido desde que era uma menina pequena e depois de adulta, enquanto tinha estado apanhada nessa cela no Egito. Quão freqüentemente tinha desejado ser abraçada e protegida?

     Não tinha sabido dela. Agora que sabia, a quereria? A queria com ele, como tinha desejado todos esses anos?

     Galen observou iradamente a quão guerreiros o contemplavam com olhar ameaçador.

     —Possivelmente falei muito cedo. Falemos, você e eu. Em particular. —Deu um passo adiante e se estirou para ela.

     Sabin grunhiu, e esse era o tipo de som que fazia uma besta antes de atacar.

     —Pode ir sim, se ela lhe permitir isso, mas não a tocará. Jamais.

     Durante vários segundos, pareceu como se Galen fosse discutir. Os Senhores certamente o estavam. Queriam a esse homem encadeado e não gostavam que Sabin lhe tivesse devotado a liberdade.

     —Nenhum filho meu escolherá estar com os Senhores do Submundo. —Galen estendeu a mão e fez um movimento com os dedos para ela. — Venha comigo. Vamos, chegaremos a nos conhecer um ao outro.

     Desejava realmente aprender sobre ela ou simplesmente esperava usá-la como outra arma contra seus odiados inimigos? A suspeita feria, e Gwen encontrou a si mesma agarrando a pistola de Sabin, o canhão apontando à cabeça de Galen.

     —Não importa o que aconteça, não vou a nenhum lado com você.

     Sabin o odiava. Esse homem tinha feito coisas cruéis. Continuaria fazendo coisas cruéis.

     —Mataria a seu próprio pai? —Perguntou Galen, agarrando o coração como se realmente tivesse ferido seus sentimentos.

     Em sua mente, estava de repente envolvendo os braços ao seu redor, sustentando-a perto, lhe dizendo o muito que a queria. Esperança. Isso é o que era, em seu peito, florescendo através de todo o corpo. Isso vinha dele? Ou de si mesma?

     —Me descartou e muito rápido. —gritou ela— Disse que não tinha tido filhos.

     —Estava simplesmente em choque. —Explicou-lhe pacientemente— Absorvendo as notícias. Depois de tudo, não é todos os dias que a um homem dá o precioso presente da paternidade.

     A mão tremia.

     —Sua mãe… Tabitha. Lembro dela. Era a visão mais formosa que inclusive já tinha visto ou tido nunca. A quis, instantaneamente, e queria mantê-la, mas me deixou. Nunca fui capaz de encontrá-la. Se tivesse sabido de você, teria desejado ter um lugar em sua vida.

     Verdade ou mentira? Elevou a mandíbula inclusive quando o braço caía. Possivelmente tinha algo bom nele. Possivelmente poderia ser salvado. Possivelmente não. Mas…

     —Vai.

     Se esticou por ela.

     —Vai. —Repetiu, uma lágrima quente escorregando pela bochecha.

     —Filha…

     —Eu te disse que vá!

     De repente as asas saltaram em movimento, se estendendo, rápido, muito rápido, batendo as asas, enviando rajadas de vendo ao redor deles. Antes que ninguém pudesse piscar, explodiu, através do teto e saiu do edifício.

    

   Incapaz de agüentar-se mais tempo, os outros guerreiros dispararam, inclusive tiraram as espadas. Alguém deve ter acertado, porque houve um uivo. Embora, não devesse tê-lo ferido muito, porque não caiu de retorno ao interior. Odiou a si mesma pelo alívio que sentiu.

     O som das fortes respirações encheu a habitação, misturado com murmúrios de maldições, passos apressados.

     —Outra vez não. — grunhiu Strider, deixando finalmente Gideon no chão— Por que tem feito isso, Sabin? Por que permitiu que fizesse isso? —Um segundo depois, o enorme guerreiro estava ao lado de seu amigo, se retorcendo em agonia.

     A vacilação de Sabin tinha dado a Galen a oportunidade para escapar, e o escapamento de Galen tinha significado a derrota dos Senhores. A derrota para Strider. Minha culpa, pensou. Só tinha provado que Sabin tinha razão. Não podia confiar em seu maior inimigo. Tinha vacilado em fazer o que era necessário.

     —Sinto muito. —Disse Sabin a seu amigo.

     Faria por ele. De algum modo, de alguma maneira. Se voltou, querendo o agarrar e lhe fazer escutar a desculpa. Em lugar disso ofegou.

     —Está sangrando.

     —Estou bem. Me curarei. Você, como está?

     Seu olhar a percorreu, tomando nota de cada ferida e corte. Um músculo pulsou sob seu olho.

     —Deveria ter lhe derrotado quando tive a oportunidade. Te fez mal.

     —Me curarei. —disse, pegando despreparado quando se lançou a seus braços— Sinto muito. Sinto muito. Poderá me perdoar?

     Grunhiu, inclusive quando a beijava no cocuruto.

     —Te amo. Não há nada a perdoar, carinho.

     —Sou débil. Deixei ir a seu maior inimigo. Eu…

     —Não, não, não. Não deixarei que se culpe por isso. Eu o deixei ir. —Agarrou-lhe o queixo— Agora me diga o que quero ouvir. O que preciso ouvir.

     —Eu também te amo.

     Fechou os olhos durante um momento, seu alívio era evidente.

     —Estaremos juntos para sempre.

     —Sim. Se você quiser.

     —Sim. Se você me aceitar.

     —O que quer dizer, se eu te aceitar? Você o disse, você é o primeiro em minha vida.

     —Sei. —As pestanas se levantaram lentamente e então o olhou com atenção, as lágrimas correndo agora livremente pelas bochechas— Entregou uma vitória por mim. Não posso acreditar que o fizesse.

     —Eu o daria tudo, tudo por ti.

     —Realmente me ama. O disse. Não deixarei que chegue a me odiar, não deixarei que a guerra se interponha entre nós.

     —Isso é o que a esteve preocupando? —Bufou— Carinho, poderia ter dito essas coisas.

     —Mas não teria acreditado. Pensava que ganhar era a coisa mais importante em sua vida.

     —Não. Essa é você.

     Sorriu-lhe radiantemente. Mas aquele sorriso se desvaneceu quando os murmúrios dos outros Senhores encheram os ouvidos, lhe recordando o que tinha feito. Ou não tinha feito.

     —Devia te ter dito que o encerrasse para sempre. Sinto muito, sinto muito. Tem que ser detido sei, mas no final, não podia lhe entregar eu mesma… não podia o deixar… sinto tanto. Agora vai causar inclusive mais problemas.

     —Está bem. Está bem. Nos encarregaremos disso. Demos um bom golpe em seu exército.

     —Não estou segura quanto bem nos fará isso. Galen encontrou Desconfiança. —Disse Anya— Está tentando colocar o demônio no interior do corpo de alguém, esperando criar um soldado imortal que possa controlar. Está muito seguro de seu êxito.

     Desconfiança, uma vez o melhor amigo de Sabin, recordou Gwen. Se Desconfiança estava ao lado de seu pai, seria Sabin capaz de fazer mal a qualquer corpo no que residisse? Sem importar o tipo de destruição que essa pessoa infligisse. Não queria que seu homem enfrentasse com o mesmo tipo de decisão que tinha tido que tomar.

     Sabin passou uma mão através do úmido cabelo.

     —Não sei o que faria. — disse como se tivesse lido seus pensamentos— Mas agora entendo quão difícil deve ter sido sua decisão. Se necessitar que esse bastardo seja livre para ser feliz, então permanecerá livre.

     —Hei. —murmuraram vários dos guerreiros atrás dele.

     —Nós temos algo a dizer sobre isso. —Grunhiu Reyes, pinçando nos bolsos dos Caçadores caídos.

     Gwen suspirou.

     —Aceitarei sua captura, sei que o farei. Vê-lo pela primeira vez foi muito surpreendente de digerir. Entretanto, não se preocupe. Da próxima vez o farei melhor.

     —Sim, mas me preocupar é o que melhor faço.

     —Já não. Me amar é o que faz melhor.

     —Essa é a verdade.

     —Vamos a casa. —disse apertando seu abraço— Temos algumas crianças que acalmar, artefatos que encontrar, Caçadores que matar e uma caixa que destruir. Depois de que me ame até me deixar sem fôlego, é obvio.

    

   Uma vez que estiveram em casa, as feridas curadas, foram capazes de fazer amor como animais selvagens. Depois, Gwen tinha muita energia para dormir. Se incorporou e começou a saltar na cama, desafiando Sabin a fazer algo como isso. Se apoiou contra o travesseiro da cama, observando-a através de divertidos e brilhantes olhos.

     Ela estalou a língua.

     —Se olhe. Só aí sentado, incapaz de seguir um pouco a corrente de uma menina que…Ahhhhh.

     Tinha derrubado suas pernas debaixo, fazendo-a cair de costas. Sorrindo abertamente, se lançou sobre ela.

     —Quem está caído agora, huh?

     Riu enquanto girava sobre ele, o cabelo caindo ao redor deles como uma cortina.

     —Não eu, isso seguro.

     —Vejamos o que posso fazer a respeito.

     E o fez.

     Muito tempo depois, se encontrou aconchegada ao seu lado, tendo problemas para respirar.

     —Assim, que é o que segue, huh? —perguntou mais feliz do que tinha estado alguma vez. Quem tinha pensado que Gwendolin a Tímida se ataria com o mais feroz Senhor do Submundo, lançando a si mesma em meio de uma guerra e desta forma?

     Ela não, isso era seguro.

     No momento, entretanto, as coisas estavam calmas. Todos os casais estavam a salvo, seguros e reunidos. As mulheres e Legião estavam encontrando novas casas para as crianças, tanto os que Gwen tinha capturado durante a batalha em Budapeste e os que tinham resgatado do Principal Caçador. Anya inclusive tinha um favorito, ao que chamava Menino Fantasma, e suspeitava que a deusa o colocaria com uma carinhosa família em Budapeste, onde poderia o vigiar.

     Torin estava procurando às pessoas na lista de Cronos, e os outros guerreiros estavam buscando maneiras de encontrar Galen e a Desconfiança. Gideon ainda estava se curando, isso levaria um tempo.

     Legião desaparecia periodicamente, e ambos, Paris e Aeron estavam atuando de forma estranha.

     —O que é o próximo para nós? —Perguntou Sabin— Bom, depois que meu coração comece a pulsar outra vez, vou avançar lentamente meu caminho descendo por seu corpo e…

     —Não. — disse com um sorriso, aplaudindo a mão para afastá-la quando lhe fez cócegas no estômago— Com os Caçadores.

     Ele se afundou mais profundamente no colchão, os braços apertados a seu redor.

     —Danika pensa que Galen vai tentar emparelhar Desconfiança com a mulher que viu no quadro com ele. Se tiver êxito, vai ser uma luta geral quando chegar o momento da próxima batalha. Eles não tentarão simplesmente nos ferir, irão por nossas cabeças. Quererão liberar a nossos demônios de modo que possam emparelhá-los com os novos anfitriões de sua escolha.

     Ela o tinha suspeitado, mas ainda estremecia.

     —Brilhante de meu… Galen, colocar um fragmento de seu melhor amigo no interior do corpo de seu inimigo.

     —Sim, mas não teria esperado nada menos do homem que te engendrou. Suas irmãs não terão que lutar com seus poderes ou algo, não é? Se for assim, possivelmente podemos convencê-las de que fiquem. —Sabin riscou corações ao longo da coluna— Ouvi que cada Harpia desenvolve algum tipo de habilidade depois de viver uns quantos séculos. Uma habilidade como a de viajar no tempo. Essa nos viria bem, isso é certo.

     —Só Taliyah. Pode mudar de forma, como fazia seu pai. —Conversar com ele sobre sua raça era algo fácil. Queria que Sabin soubesse dela.

     —Melhor inclusive. —Suspirou— Temos que encontrar os artefatos antes que Galen o faça. Se não, tiver encontrado algum. Esse chicote serpente… quanto mais o penso, mais me recorda à criatura que guardava a Jaula da Compulsão. A mesma espécie de criatura que supostamente guarda cada artefato. Como é o guardião de Esperança, não acredito que tenha nenhum problema para convencer inclusive a um monstro de que o ajude.

     —Se tiver um, o roubaremos. Quero dizer, tem uma Harpia e à deusa da Anarquia de seu lado. As probabilidades estão ao seu favor.

     Riu entre dentes.

     —Possivelmente você e eu possamos visitar o Templo dos Tácitos. Algo nos falou ali sobre Danika, o Olho Que Tudo Vê. Possivelmente, quem quer que seja ajudará a encontrar algo mais.

     Gwen passeou o dedo sobre o peito dele, amando o contraste dos tons das peles.

     —E se encontrarmos a essa gente cotada nos pergaminhos, podemos convencê-los de que nos ajudem. Não tem que se preocupar de que Dúvida cause problemas. Sabe que lhe darei uma surra.

     —Sabe. —lhe beijou a têmpora— Mas sim, farei algo, dentro do razoável, para ganhar esta guerra, incluindo convencer a criminosos que ajudei a encarcerar que me ajudem. E realmente, isso deveria ser fácil. Depois de tudo, convenci à Harpia, mais feroz de todas, a me entregar seu coração.

     —E faria tudo, dentro do razoável, para manter a essa Harpia feliz?

     —Como se não soubesse.

     —Sei? —Sorriu-lhe abertamente— Prova-o.

     —Será um prazer.

     Esteve de costas, imediatamente, no momento seguinte, rindo como uma colegial, o corpo e a alma de Sabin, justo como gostava.

 

 

                                                                     Gena Showalter

 


  

[1] Em inglês, pedras se pronuncia: Stones e ossos: Bones. Daí o equívoco de Sabin.

[2]Gorgona: Mitologia clássica, qualquer das três irmãs representadas com serpentes nos cabelos, asas, garras de bronze e olhos cujo olhar convertia a quem a olhasse em pedra. Medusa era a única Gorgona mortal.

[3]HHarpia ou Harpia, na mitología grega, formosas mulheres aladas conhecidas por roubar constantemente a comida de Fineo (rei cego da Tracia) antes que este pudesse come-la, como castigo de Zeus. Tradições posteriores as transformaram em criaturas maléficas, aladas e com garras afiadas.

[4] Planta medicinal clássica, da família das malváceas (Althaea officinalis), originária da Europa, e cuja raiz, de sabor adocicado, contém mucilagem e açúcar, sendo usada como corretivo e excipiente; altéia, malvaísco.

[5]Twinkies: doce feito com massa esponjosa recheada de creme por dentro.

[6]Lunchables: bandejinhas com múltiplas combinações de comida.

[7]Red Hots Candies: Caramelos de cor roxo e forma de coração com sabor de canela.

[8] Nota da revisora: tocar (ou gritar) como um sino.

[9] Água onde se ferve cinza e que é usada para branquear roupa; cenrada, coada, decoada, lixívia; água de barrela.

[10] São pedaços de queijo cobertos ou empanados e logo fritos com mais queijo ou diferentes temperos como ketchup em cima.

[11] Ferro curvo ou torto com que se podem abrir fechaduras; chave falsa.

[12] Fruta proveniente de árvore da família das ericáceas que mede entre 10 e 40 cm de altura, com folhas alternadas, ovaladas e serradas, flores solitárias de cor branca verdosa ou rosa pálido e frutos em bagos negros ou azulados.

[13] Jogo de palavras com Pé e Lobotomia. Extirpação dos pés. 

[14] Nixie´s IAD House O´Fun: Nixie é um personhagem da saga IAD Imortais Depois do Anoitecer de Kresley Cole. Quando um personagem aparece em outro livro ou filme se chama cameo, igual a guerreira Cameo.

  

                                                                                                   

 

 

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