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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O TESOURO DA TORRE / Franklin W. Dixon
O TESOURO DA TORRE / Franklin W. Dixon

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

  

                   Um demonio ao volante

Frank e Joe Hardy apertaram os punhos das motos enquanto fitavam horrorizados o carro que avançava na sua direcção, ziguezagueando pela estrada estreita.

- Vai bater-nos! É melhor subirmos por esta encosta. .. e depressa! - gritou Frank.

Os rapazes travaram com um chiar de pneus e apearam-se.

- Ajusta! - exclamou Joe, quando começaram a trepar pelo íngreme declive.

Com grande espanto deles, o desvairado condutor guinou subitamente para a direita e meteu por outra estrada, equilibrando-se sobre duas rodas. Os rapazes pensaram que o carro se ia voltar, mas este retomou a posição normal e desapareceu numa nuvem de pó.

- Uf! - desabafou Joe. - Vamos sair daqui antes que esse doido volte. Aquela estrada não tem saída, sabes?

Montaram nas motos e aceleraram até passarem o cruzamento. Foram em silêncio durante algum tempo, olhando a paisagem à sua volta.

Do lado direito, rochas e pedregulhos pareciam ir a despenhar-se até à água. Do lado oposto elevava-se uma parede rochosa, em saliências e reentrâncias. A estrada de pouco movimento era sinuosa e com largura apenas suficiente para dois carros.

- Não gostaria nada de cair por ali abaixo - observou Frank. - São trinta metros ou mais!

- É verdade - concordou Joe. - Ficaríamos em bocados mesmo antes de chegar ao fundo. - Depois sorriu: - Tem cuidado, Frank, ou os papéis do pai não serão entregues.

Frank apalpou o bolso do casaco para se certificar de que os importantes documentos que o senhor Hardy o incumbira de entregar estavam seguros. Aliviado por os sentir no lugar, Frank disse, a brincar:

- Depois da ajuda que demos ao pai no seu último caso, devíamos criar a firma Hardy & Filhos.

- E porque não? - retrucou Joe com um grande sorriso. - Ele não é um dos mais famosos detectives particulares do país? E nós não somos também brilhantes? - Depois, ficando sério, acrescentou: - Gostava imenso que conseguíssemos resolver um mistério sozinhos.

Frank e Joe eram estudantes do liceu de Bayport. Mas era sábado de manhã e, juntando o útil ao agradável, tinham saído para fazer o recado ao pai.

 

 

 

 

Os dois irmãos eram extraordinariamente parecidos, apesar de Frank, de 18 anos, ser alto e moreno e Joe, um ano mais novo, ter o cabelo loiro e os olhos azuis. Eram os únicos filhos de Fenton e Laura Hardy. A família vivia em Bayport, uma cidade pequena mas próspera, com 50 mil habitantes, situada na baía de Barmet, a quase cinco quilómetros do oceano Atlântico.

As motos deslizavam pela estrada estreita que contornava a baía e seguia até Willowville, que era o destino dos dois. Os rapazes contornaram mais uma curva e deparou-se-lhes uma longa e íngreme subida. A estrada era mesmo apertada e estava muito necessitada de grandes reparações.

- Quando chegarmos ao cimo da colina é mais fácil - observou Frank, desejoso de parar com os solavancos sobre o piso irregular. - De lá até Willowville a estrada está melhor.

Foi então que, sobrepondo-se ao barulho dos seus próprios motores, os dois rapazes ouviram o roncar de um carro que se aproximava por detrás a grande velocidade. Olharam de soslaio por cima do ombro.

- Parece o mesmo tipo que vimos antes! - berrou Joe. - Salve-se quem puder!

Os rapazes pararam imediatamente, encostaram o mais possível à berma e saltaram das motos, mantendo-se em posição de fugir ao perigo, se necessário.

O carro avançava como uma bala. No momento em que parecia que ia atingi-los, guinou repentinamente e ultrapassou-os a grande velocidade.

- Uf! Foi por pouco! - disse Frank, arquejando. O carro passara tão depressa que os rapazes não tinham conseguido tirar o número da matrícula, nem tão-pouco distinguir a cara do condutor. Mas viram nitidamente que ele tinha cabelo ruivo.

- Se o volto a encontrar, eu ... eu ... - tartamudeou Joe, demasiado excitado para concluir a ameaça.

- Deve andar a praticar para alguma corrida - observou Frank, mais calmo, quando o carro azul-escuro desapareceu na curva seguinte.

Os rapazes retomaram o caminho. Em breve avistaram Willowville em baixo, estendendo-se ao longo da baía, mas não havia vestígios do "corredor" apressado.

- A esta hora já percorreu metade do estado - disse Joe.

- A menos que tenha sido preso ou caído em algum precipício - acrescentou Frank.

Os rapazes chegaram a Willowville e Frank foi entregar os documentos a um advogado, enquanto Joe ficava de guarda às motos. Quando o irmão voltou, Joe sugeriu:

- E se tomássemos a outra estrada no regresso a Bayport? Não me apetece nada andar outra vez aos solavancos.

- Acho bem. Até podemos parar em casa de Chet. Chet Morton era um colega do liceu e vivia numa quinta a cerca de quilómetro e meio de Bayport. O seu grande orgulho era um carro amarelo-vivo a que ele chamava Queen. Todos os dias trabalhava nele para afinar o motor.

Frank e Joe tornaram pelo mesmo caminho durante alguns quilómetros, e depois meteram por uma estrada florestal, que levava àquela em que se situava a quinta dos Morton. De súbito, já perto da casa de Chet, Frank travou e espreitou para os arbustos, na vala funda que ladeava a estrada.

- Joe, aquele condutor maluco, ou qualquer outro, estampou-se!

No meio dos arbustos altos encontrava-se um carro azul completamente espatifado, voltado de rodas para cima, numa amálgama de ferros retorcidos.

- É melhor vermos se está alguém ali metido - disse Joe.

Os rapazes desceram com o coração a bater de inquietação. Que iriam encontrar?

Após observarem o carro e a área em redor concluíram que não havia vítimas.

- Talvez já tivesse acontecido há algum tempo - disse Joe.

Frank avançou e pôs a mão no motor.

- Joe, ainda está quente! O acidente ocorreu há pouco. Agora tenho a certeza de que é o carro do ruivo.

- Então, que lhe aconteceu? - perguntou Joe. - Estará vivo? Alguém o terá salvado?

Frank encolheu os ombros:

- Uma coisa é certa, alguém tirou as chapas de matrícula para evitar a identificação.

Os irmãos estavam completamente baralhados. Como não havia nada a fazer, subiram para a estrada e partiram. Dentro em pouco já se avistava a casa dos Morton, uma velha casa de campo, com um pomar atrás. Ao chegarem junto da casa viram Chet à entrada do celeiro.

- Olá! - gritou Joe.

Chet apressou-se a vir ao seu encontro. Era um rapaz gorducho que adorava comer e raramente não tinha uma maçã ou umas bolachas no bolso. O rosto redondo e sardento estava quase sempre sorridente, mas nesse dia os Hardy perceberam que algo estava errado. Ao pararem as motos, notaram que a expressão alegre do companheiro tinha desaparecido.

- O que se passa? - perguntou Frank.

- Estou em apuros - explicou Chet. - Vêm mesmo a tempo de me ajudar. Viram alguém a guiar o Queen!

Frank e Joe entreolharam-se com ar interrogativo.

- O teu carro? Não, não o vimos - respondeu Joe. - O que aconteceu?

- Foi roubado.

- Roubado?

- Sim. Fui agora à garagem buscá-lo, mas não estava lá - disse Chet, sucumbido.

- O carro não estava trancado?

- Isso é que é estranho. Estava trancado, embora a porta da garagem estivesse aberta. Não percebo como conseguiram levá-lo.

- Trabalho de profissional - comentou Frank. - Os ladrões de automóveis andam sempre com molhos de chaves. Chet, sabes quando isso aconteceu?

- Não pode ter sido há mais de um quarto de hora, que foi quando eu cheguei com o carro.

- Estamos a perder tempo! - exclamou Joe. - Vamos atrás do ladrão!

- Mas eu não sei para que lado foi - contrapôs Chet.

- Nós não o encontrámos, por isso deve ter ido na outra direcção - raciocinou Frank.

- Sobe para a minha moto, Chet - instou Joe, apressado. - O Queen não pode andar tão depressa como as nossas motos. Apanhamo-lo num instante!

- E só havia um pouco de gasolina no depósito - disse Chet excitado, montando atrás de Joe. - Talvez já tenha parado.

Em breve os rapazes desapareciam pela estrada em perseguição do ladrão do automóvel.

 

                   O assalto

O carro de Chet Morton era de um amarelo tão vivo que os rapazes estavam confiantes - não seria difícil ir-lhe no encalço.

- O Queen é muito conhecido em Bayport - observou Frank. - Devemos encontrar alguém que o tenha visto.

- Acho estranho - reflectiu Joe - que o ladrão levasse um carro assim. Os ladrões de automóveis costumam roubar os de marcas e cores vulgares, para se livrarem deles facilmente.

- É possível - sugeriu Frank - que o ladrão não tenha roubado o carro para o vender. Talvez tivesse de fugir à pressa, por qualquer razão, e então há-de abandoná-lo por aí.

- Olhem! - exclamou Chet, apontando para uma horta onde alguns homens estavam a trabalhar. - Talvez eles tenham visto o Queen.

- Vou perguntar-lhes - ofereceu-se Frank, parando a moto na berma da estrada.

Saltou a sebe e correu por entre as filas de pequenas plantas até ao primeiro homem.

- Por favor, viram um carro amarelo passar aqui na última hora? - perguntou Frank.

O velho lavrador endireitou-se e, encostando-se ao sacho, pôs a mão no ouvido.

- Como?

- Viram alguém passar aqui num carro amarelo-vivo? - repetiu Frank, mais alto.

O lavrador chamou os companheiros. Enquanto estes se aproximavam com todo o vagar, o velho tirou um pedaço de tabaco do bolso do fato-macaco e começou a mascar com gosto.

- Este rapaz quer saber se vimos um carro passar - disse, arrastando as palavras.

Os outros três, igualmente idosos, não responderam logo. Em vez disso pousaram os sachos e o pedaço de tabaco passou de mão em mão.

Frank estava desesperado.

- Por favor, respondam depressa. O carro foi roubado e estamos a tentar encontrar o ladrão.

- Ah sim? - interessou-se um deles. - Um carro veloz?

- Sim, amarelo-vivo - respondeu Frank.

Um dos lavradores tirou o chapéu e limpou a testa com um lenço.

- Parece-me - considerou sem pressa - que vi um carro passar aqui há pouco tempo.

- Amarelo?

- Não. Agora, que mo pergunta, não era amarelo, não. Era um camião de mercadorias, se bem me lembro.

Frank tentou esconder a sua impaciência.

- Por favor, algum dos senhores ...

- Era um carro no vinho, muito brilhante? - interrompeu o quarto membro do grupo.

- Não, era um carro velho, mas estava pintado de amarelo-vivo - explicou Frank.

- O meu sobrinho tinha um desses - observou o lavrador. - Sempre achei que não eram seguros.

- Não concordo contigo - disse um dos outros homens. - Todos os rapazes gostam de carros, por isso o melhor é deixá-los ter um em que possam trabalhar.

- Não, senhor! - retrucou o que era surdo. - Melhor mesmo é deixá-los trabalhar no camião da quinta. Assim não se metem em apuros! - Riu ruidosamente. - Bem, filho, parece que não ajudámos muito. Espero que encontres o malandro que roubou o teu carro.

- Obrigado - agradeceu Frank, já a voltar-se para se juntar aos outros rapazes. - Não consegui saber nada - explicou-lhes. - Vamos!

Perto de Bayport, viram um vulto a caminhar pela estrada à sua frente. Quando se aproximaram, o rosto de Frank animou-se, pois reconheceu Callie Shaw, uma companheira do liceu de Bayport. Frank saía muitas vezes com ela, pois preferia-a a qualquer outra das raparigas que conhecia.

Pararam junto de Callie, uma jovem bonita de olhos castanhos, muito expressivos. Debaixo do braço levava um embrulho um pouco amolgado e parecia aborrecida.

- Olá, Callie! O que se passa?- perguntou Frank. - Ao ver-te dir-se-ia que o teu último amigo partiu num foguetão para a Lua.

Callie sorriu, maliciosa.

- Como poderia eu pensar isso ao vè-los aparecer os três? Ou estão para levantar voo? - Depois o sorriso desvaneceu-se-lhe e mostrou o embrulho estragado: - Olhem para isto! Foi por tua culpa, Chet Morton!

O acusado engoliu em seco:

- Mi... minha culpa? Como é isso?

- Bem, a pobre senhora Wills, a velhinha amorosa que mora ali em baixo, está doente, e eu fiz-lhe um bolo.

- Que sorte tem a senhora Wills - disse Joe. - Callie, sinto-me terrivelmente doente.

Callie não lhe ligou.

- Aquele homem do carro passou aqui tão depressa que saltei para a berma da estrada e deixei cair o embrulho. Parece-me que o bolo se partiu.

- Que homem? - perguntou Joe.

- Aquele a quem o Chet emprestou o carro.

- Callie, é esse o homem que procuramos! - exclamou Frank. - Chet não lhe emprestou o carro. Ele roubou-lho!

- Oh! - exclamou Callie, aflita. - Que horror!

- Ele ia para Bayport? - perguntou Joe?

- Sim, e pela velocidade a que conduzia o pobre Queen, nunca mais o apanharão.

Chet resmungou:

- Agora lembro-me de que o indicador de gasolina não funcionava. O carro devia ter mais gasolina do que eu pensava. Não se sabe para onde esse homem vai levar o meu Queen.

- É melhor irmos à polícia - sugeriu Frank. - Callie, és capaz de descrever o homem?

- A imagem não era nítida, mas tinha cabelo ruivo.

- Cabelo ruivo! - bradou Frank. - Joe, achas que poderia ser o homem que nós vimos? O que espatifou o seu próprio carro?

Joe abanou a cabeça em ar de dúvida:

- Às vezes há milagres. Talvez não estivesse muito ferido e conseguisse chegar à casa do Chet.

- E desandar com o meu carro! - acrescentou Chet.

Frank deu um estalido com os dedos.

- Talvez o carro espatifado não lhe pertencesse...

- Queres dizer que também o roubou? - interrompeu Joe.

- Sim ... O que explica que ele estivesse ansioso por escapar.

- De que estão vocês a falar? - perguntou Callie.

- Telefono-te logo à noite e conto tudo - prometeu Frank. - Agora temos de ir depressa.

Os rapazes acenaram um adeus e arrancaram em direcção à cidade. Foram logo ter com Ezra Collig, o chefe da polícia de Bayport. Era um homem alto e forte, bem conhecido de Fenton Hardy e dos seus filhos. O chefe já pedira auxílio ao detective particular para resolver casos especialmente difíceis.

Quando entraram no gabinete do chefe da polícia, os rapazes encontraram-no a falar com três homens muito excitados. Um deles era Ike Harrity, o velho empregado da bilheteira da companhia deferryboats da cidade. Presente estava também o agente Con Riley. O terceiro era Oscar Smuff, um homem baixo e forte, que usava invariavelmente um fato aos quadrados e um chapéu de feltro mole. Autodenominava-se detective particular e tentava a todo o custo conseguir um lugar na polícia de Bayport.

- Smuff está outra vez a "armar" perante o chefe Collig - murmurou Joe, trocista, enquanto esperavam que este terminasse a conversa com eles.

Ike Harrity estava francamente assustado. Era um homem tímido, que se sentava num banco alto dentro da bilheteira, dia após dia, desde há muitos anos.

- Estava justamente a contar a receita da manhã - explicava ele numa voz alta e excitada - quando o sujeito entrou e me pôs um revólver em frente do nariz.

- Só um minuto - interrompeu o chefe Collig, voltando-se para os recém-chegados. - Em que posso ser-lhes útil, rapazes?

- Vim participar um roubo - disse Chet. - Levaram o meu carro.

- Oh! Mas era um desses carros malucos que o tipo conduzia - gritou Ike Harrity. - Um amarelo!

- Ah! - exclamou Oscar Smuff. - Uma pista! - E puxou imediatamente do lápis e do bloco de notas do bolso.

- O Queen! - bradou Chet, desanimado.

O chefe Collig bateu na secretária a pedir silêncio e interrogou:

- O que é que o Queen tem a ver com isto?

Chet explicou o que sabia e, por sua vez, o chefe repetiu a história de Harrity.

- Um homem apareceu na bilheteira dos barcos e tentou assaltar o senhor Harrity, mas surgiu um passageiro e o homem fugiu.

Quando Collig terminou, Frank contou-lhe o caso do carro azul espatifado perto da quinta dos Morton.

- Vou enviar alguns homens para lá.

O chefe premiu um botão e deu as suas ordens.

- Parece que o homem que roubou o carro de Chet e o que tentou assaltar a bilheteira são uma e a mesma pessoa - comentou Joe.

- Reparou na cor do cabelo do homem? - perguntou Frank ao senhor Harrity.

Smuff intrometeu-se:

- O que é que isso tem a ver com este caso?

- Pode ter muito que ver - respondeu Frank, evasivamente. - Qual era a cor do cabelo, senhor Harrity?

- Castanho-escuro e cortado à escovinha. Frank e Joe entreolharam-se perplexos.

- Tem a certeza de que não era ruivo? - insistiu Joe, pouco convencido.

O chefe Collig puxou a cadeira para se sentar.

- Onde pretendem chegar, rapazes? Têm alguma informação sobre esse homem?

- Disseram-nos que o homem que roubou o carro de Chet tinha cabelo ruivo. Uma amiga nossa viu-o.

- Então deve ter passado o carro a uma outra pessoa - concluiu Collig.

Nesta altura foi introduzido na sala um homenzinho baixo e nervoso. Era o passageiro que fora à bilheteira na altura da tentativa de assalto. Ezra Collig mandara chamá-lo.

O recém-chegado apresentou-se como Henry J. Brown, de Nova Iorque. Contou que ao dirigir-se à bilheteira vira um homem sair a correr com um revólver na mão.

- De que cor era o cabelo dele? - perguntou Frank, ansiosamente. - Lembra-se?

- Não reparei - respondeu o homem. - Tinha os olhos cravados na arma. Espere um momento ... Sim, tinha cabelo ruivo. Dava muito nas vistas, mas eu só dei por isso depois de ele saltar para o carro.

Oscar Smuff estava capaz de dar pulos:

- Diz que ele tinha cabelo ruivo. - E voltando-se para o senhor Harrity: - E o senhor diz que ele tinha cabelo escuro. Há qualquer coisa que não bate certo!

- E abanou a cabeça, confuso.

Os outros também não estavam melhor. Frank pediu então ao senhor Brown que explicasse exactamente quando notara que o homem tinha cabelo ruivo.

- Depois de o homem se inclinar no carro e levantar de novo a cabeça.

Frank e Joe trocaram um olhar. Seria possível que o cabelo ruivo fosse postiço e que o ladrão o tivesse voltado a pôr antes de o senhor Brown ter reparado? Os rapazes não adiantaram mais nada, pois o que menos queriam era que Smuff interferisse atrás desta pista.

Harrity e Brown começaram a discutir a cor do cabelo do ladrão e o chefe Collig acabou por ter de os chamará ordem.

- Vou lançar um alarme tanto por este assalto como pelo carro de Chet. Parece-me que não posso fazer mais nada por agora.

Sem desanimarem por não terem adiantado muito em relação ao ladrão, os dois irmãos saíram da esquadra com Chet Morton, decididos a continuar a investigar o caso.

- Esta noite falamos com o pai, Chet - prometeu Frank. - Talvez ele nos dê algumas sugestões.

- Espero bem que sim - respondeu o rapaz ao subirem para as motos.

Na mente de Frank e Joe havia um mesmo pensamento: talvez este mistério fosse o seu primeiro caso!

 

                         Uma Ameaça

- Estás quase um ás do volante" com a tua moto, Frank - disse Joe, quando iam a entrar na garagem de casa. - Até já tenho medo de competir contigo!

- Até já tens medo?! - Frank fingiu indignar-se-- Medo tenho eu, ao lado de um doido como tu!

- Então - apaziguou-o Joe - vamos admitir Que ambos somos muito bons!

- O certo é que o pai nos deu as motos em boa altura - considerou Frank.

- Sim - concordou Joe - e se nos tornarmos detectives por conta própria vamos precisar muito delas.

Os rapazes dirigiram-se a casa - A um lado ficava o velho celeiro, cujo primeiro andar fora convertido num ginásio e era usado depois das aulas e aos fins-de-semana por Frank, Joe e os amigos. A casa dos Hardy, na esquina da Rua Hugh com a Rua Elm, era uma casa antiga de pedra, no meio de um grande relvado com algumas árvores. Nessa altura havia flores pequeninas e em botão, despontando da relva fresca.

- Olá, mãe! - saudou Frank, abrindo a porta da cozinha.

A senhora Hardy, ainda nova, bonita e franzina, levantou os olhos da mesa onde preparava o jantar e sorriu.

Os filhos beijaram-na afectuosamente e Joe perguntou logo a seguir:

- O pai está lá em cima?

- Sim, querido, está no escritório.

O escritório de Fenton Hardy metia respeito. Comunicava com uma biblioteca que continha, além de livros, ficheiros diversos, registos de casos criminais e traduções de milhares de códigos.

Ao entrar, Frank e Joe cumprimentaram o pai.

- Informamos que a missão foi cumprida - anunciou Frank.

- Óptimo! - respondeu o senhor Hardy, ao mesmo tempo que os perscrutava com o olhar. - Diria que o vosso passeio envolveu mais embrulhadas do que o meu simples recado.

Frank e Joe tinham percebido cedo que era impossível esconder segredos do seu arguto pai. Para eles essa era uma das razões por que Fenton Hardy fora tão bem sucedido na polícia de Nova Iorque, antes de se estabelecer como detective particular em Bayport.

- Deparou-se-nos um caso muito interessante - começou Frank, contando de seguida toda a história desde o carro espatifado, que eles suspeitavam ter sido roubado, ao Queen e à tentativa de assalto à bilheteira dos barcos.

- Chet conta connosco para lhe descobrirmos o carro - acrescentou Joe.

Frank sorriu:

- Isto é, se a polícia não o encontrar primeiro.

O senhor Hardy ficou calado durante alguns segundos. Então disse com ar prazenteiro:

- Querem um conselho? Sabem que nunca os dou a não ser que mos peçam.

- Claro. Vamos precisar de muito auxílio - respondeu Joe.

O pai declarou que para ele o ângulo mais interessante do caso era o facto de o suspeito aparentemente usar uma ou mais cabeleiras como disfarce.

- Pode ter comprado pelo menos uma delas em Bayport, pelo que sugiro que passem por todas as lojas que vendem cabeleiras a ver o que descobrem.

Os rapazes olharam para o relógio que estava em cima da secretária e Frank animou-se:

- Ainda temos tempo para fazer um pouco de pesquisa antes de as lojas fecharem. Vamos!

Precipitaram-se ambos para a porta, mas logo estacaram. Não tinham a menor ideia dos sítios onde deveriam ir. Muito humildemente, Joe perguntou:

- Pai, sabe quais são as lojas que vendem cabeleiras?

Com um brilho divertido nos olhos, o senhor Hardy levantou-se da secretária, entrou na biblioteca e abriu uma gaveta do ficheiro com a etiqueta C-D. Um segundo depois retirava uma pasta grossa marcada DISFARCES: Fabricantes, distribuidores e lojas do mundo inteiro.

- Ena, não sabia que possuía tanta informação! - disse Joe.

O pai limitou-se a sorrir. Foi passando com a ponta dos dedos inúmeras fichas até que escolheu uma.

- Bayport - leu. - Bem, três destes lugares podem ser eliminados desde já, pois só vendem cabeleiras de senhora. Ora vejamos. Frank, vai buscar um papel e um lápis. Primeiro há a Schwartz - Loja de Máscaras e de Trajes. É na Avenida Renshaw, nº 79. Há também a Flint's, na Rua do Mercado, e mais uma: Irmãos Rubens, na Avenida Principal, do lado de cá da linha do comboio.

- A Loja de Máscaras é a mais próxima - disse Frank. - Vamos lá primeiro, Joe.

Entusiasmados, os rapazes foram buscar as motos e seguiram para o centro da cidade. Ao entrarem na loja, um homem baixo e forte, com ar bem disposto, veio ao seu encontro.

- Bem, chegam mesmo a horas - disse ele, olhando para um grande relógio antiquado, na parede.

- Ia fechar cedo porque chegou um grande carregamento hoje e nunca tenho tempo dentro das horas de serviço para desembalar a mercadoria e inventariá-la.

- O que cá nos traz não demora muito - sossegou-o Frank. - Somos filhos de Fenton Hardy, o detective, e gostaríamos de saber se vendeu recentemente uma cabeleira ruiva a um homem.

O senhor Schwartz abanou a cabeça.

- Há meses que não vendo nem alugo cabeleiras ruivas. Toda a gente procura loiras ou castanhas. Mas, sabe, nem costumo vender cabeleiras, alugo-as.

- Compreendo - respondeu Frank. - Estamos só a tentar descobrir um homem que usa uma cabeleira ruiva como disfarce. Pensámos que a poderia ter comprado ou alugado aqui e o senhor soubesse o seu nome.

O comerciante inclinou-se sobre o balcão.

- Esse homem de que falam ... podia ser um comediante . Talvez venha cá comprar-me uma cabeleira. Se assim for, eu aviso-os.

Os rapazes agradeceram-lhe e iam a sair quando ele os chamou:

- Esperem aí um momento!

Pensaram que o homem se tivesse subitamente lembrado de algo importante, mas tal não era o caso. Com um sorriso, o senhor Schwartz pediu-lhes que o ajudassem a abrir algumas das caixas que tinham chegado e a experimentar os fatos.

- Na fábrica nem sempre marcam bem os tamanhos - explicou ele. - Se puderem ficar alguns minutos para me ajudar, terei muito gosto em lhes pagar o biscate.

- Oh, não queremos nenhum dinheiro - disse Joe. - Na verdade, por mim até gostava de ver os seus fatos.

O dono da loja fechou a porta e depois conduziu os rapazes a um quarto nas traseiras. Estava atravancado com pilhas de caixas e por todo o lado se viam indumentárias variadíssimas e acessórios para actores. Frank e Joe perguntavam a si próprios como poderia o senhor Schwartz encontrar alguma coisa no meio de tal confusão.

- Aqui está o carregamento de hoje - disse o comerciante, apontando para seis caixas que estavam perto da entrada.

Começaram os três a abrir as caixas e foram retirando um manto de rei, uma tiara de rainha e um pequeno fato de capuchinho vermelho. Subitamente o senhor Schwartz anunciou:

- Aqui está um esqueleto marcado 38. Um de vocês não se importa de o experimentar?

Frank pegou no fato, abriu um enorme fecho de correr nas costas e meteu-se dentro dele. Ficava-lhe terrivelmente mal e as costelas pareciam penduradas, dando-lhe um ar ridículo.

- Pelos vistos destina-se a alguém mais gordo - observou, esticando o fato para os lados.

Nesse momento bateram à porta da frente. O senhor Schwartz não se mexeu para ir atender.

- Já fechei - disse. - Deixem bater.

Mas Frank teve uma ideia. Talvez o ladrão que usava cabeleiras fosse o freguês tardio, que vinha a esta hora de propósito, para evitar encontrar outras pessoas.

Sem dizer uma palavra, o rapaz dirigiu-se apressadamente para a porta da frente. Distinguiu um vulto parado em frente da porta, mas quem quer que fosse, ao ver surgir um esqueleto disforme aos saltos, desapareceu num abrir e fechar de olhos.

Nesse momento Frank tropeçou e estatelou-se no chão. O senhor Schwartz e Joe, ao ouvirem o estrondo, acorreram alarmados. Frank, dentro do fato de esqueleto, só conseguiu levantar-se com a ajuda deles.

Explicou-lhes então a razão por que tentara ir até à porta da frente e eles concordaram com o seu ponto de vista.

- Mas tu assustaste-o com esse fato - concluiu Joe, rindo. - Ele não vai voltar!

Os rapazes ficaram mais meia hora para acabar aquela tarefa e só depois se despediram e foram para casa.

- Na segunda-feira vamos às outras duas lojas que faltam - propôs Frank.

Na manhã seguinte, a família Hardy foi à missa e a seguir ao almoço Frank e Joe disseram aos pais que iam até casa de Chet Morton.

- Também fomos convidados a ficar para jantar - acrescentou Frank -, mas prometemos não vir tarde para casa.

Os rapazes foram buscar Callie Shaw, que também estava convidada. Alegre como sempre, ela montou atrás de Frank.

- Segura-te bem, Callie - preveniu Joe, a rir. - Frank é "danado" a conduzir.

Os jovens foram recebidos pela irmã de Chet, Iola, uma rapariga bonita de cabelo escuro; Joe Hardy achava-a a mais simpática do liceu e saía muitas vezes com ela.

Já tinha começado a escurecer, quando os cinco jovens se juntaram na cozinha para preparar o jantar. Chet, que adorava comer, assumiu a direcção, começando a distribuir tarefas pelos outros. Quando ele acabou, Joe perguntou desconfiado:

- E tu que vais fazer?

Ele sorriu com ar triunfante:

- Eu sou o provador-mor.

Os outros protestaram energicamente.

- Quem não trabuca não manduca - avisou-o Iola. Chet cedeu:

- Bem, apesar da vossa incompreensão, vou então preparar um manjar para todos. Que tal umas tostas de queijo com cogumelos ou tomate?

- Vamos a isso! - apoiaram os outros em coro e Chet lançou-se ao trabalho.

A casa da quinta tinha uma cozinha espaçosa como já ha poucas e, a um canto, junto de duas grandes janelas, estava uma mesa onde os jovens decidiram comer. Tinham acabado de se sentar quando o telefone tocou. Chet levantou-se e foi à entrada atender. Regressou à cozinha pouco depois, mas vinha de olhos esbugalhados.

- O que foi? - perguntou Iola.

- Eu ... Eu recebi uma ameaça! - gaguejou Chet.

- Ameaça?! - estranharam os outros em uníssono. - Como?

Chet estava tão assustado que mal podia falar, mas conseguiu explicar-lhes que um homem acabara de lhe dizer ao telefone: "Nunca encontrará o seu carro. E se não parar de tentar encontrar-me a mim e ao carro vai-lhe acontecer alguma!

- Eia! - gritou Joe. - Isto está a tornar-se sério! Callie e Iola fitavam Chet petrificadas. Frank, que ia falar, olhou pela janela que dava para o lado do celeiro. Por um instante pensou que não estava a ver bem. Mas não! Uma figura esgueirou-se sorrateiramente do celeiro e meteu pelo caminho que levava à estrada principal.

- Rapazes! - chamou à pressa. - Sigam-me!

 

                 Vermelho ou amarelo?

Quando os Hardy e Chet saíram da cozinha, o intruso já tinha desaparecido. Admitindo que tivesse metido pelos campos, os perseguidores espalharam-se em várias direcções. Joe continuou em frente e colou o ouvido ao chão, para tentar ouvir o som de passos, mas não ouviu nada. Quase logo os três juntaram-se para ponderar sobre o assunto.

- Pensas que era um ladrão? - perguntou Joe a Chet. - O que é que viria roubar?

- Não faço ideia - respondeu Chet. - Vamos dar uma olhadela.

- Pareceu-me que ele levava alguma coisa, mas não vi o que era - revelou Frank.

A porta do celeiro ainda não fora fechada, como era costume à noite. Os rapazes entraram e Chet acendeu as luzes para verem todos os cantos.

- Olhem! - gritou Frank subitamente. Apontou para o chão. Junto do telefone do celeiro estava uma cabeleira cinzenta.

- A cabeleira do intruso! - exclamou Joe.

- Parece que sim - concordou Frank. - Alguma coisa o deve ter assustado e, na pressa de fugir, deixou-a cair.

Frank apanhou a cabeleira e examinou-a minuciosamente.

- Não há marcas que a identifiquem. Mas estou a pensar noutra coisa: aquele homem telefonou daqui, Chet.

- Achas que foi ele que me ameaçou?

- É quase certo. Não é difícil fazer uma chamada para um telefone a partir da sua extensão.

- Lá isso é verdade, mas ... Chet não estava convencido.

- Queres dizer que o homem veio até aqui para usar este telefone e me ameaçar? Porquê?

Ambos os irmãos disseram que o homem não devia ter vindo só com aquela finalidade. Tinha de haver outra, mais importante.

- Temos de descobrir, Chet. Tu devias saber responder melhor do que qualquer de nós. O que é que há, ou havia, aqui no celeiro, que pudesse interessar à tal pessoa?

O rapaz coçou a cabeça, pensativo, enquanto olhava à sua volta.

-Não foram os animais - considerou devagar. - Nem o feno ou rações. - Subitamente Chet deu um estalinho com os dedos: - Talvez saiba a resposta. Esperem um pouco, rapazes.

Saiu do celeiro direito à garagem, donde voltou em poucos segundos.

- Já sei! - anunciou ele. - O homem veio cá buscar o pneu sobresselente para o carro.

- Desapareceu-te o que aí tinhas? - inquiriu Frank.

Chet assentiu com a cabeça e sugeriu que talvez o homem não estivesse muito longe.

- É capaz de estar para aí numa estrada secundária a mudar o pneu. Vamos procurar - instou-os ele.

Embora os Hardy pressentissem que seria uma busca inútil, concordaram em segui-lo. Cada um em sua moto, com Chet atrás de Joe, deram várias voltas, por uma estrada e por outra, cobrindo a zona exaustivamente, mas não viram nenhum carro parado.

- Nem sequer um indício de que algum condutor tenha saído da estrada para mudar um pneu - observou Frank. - Não há pegadas nem marcas de pneus.

- O sujeito devia ter alguém que o foi buscar - concluiu Chet suspirando.

- Anima-te, Chet - disse Frank ao regressarem a casa. - Esse pneu sobressalente pode tornar-se uma pista neste caso.

Quando entraram na cozinha, Callie e Iola mostraram-se ansiosas.

- O que foram fazer, saindo daqui sem uma explicação? - quis saber Callie com voz pouco segura.

- Sim, o que se passa? Assustaram-nos imenso - acrescentou Iola. - Primeiro, Chet recebe um telefonema ameaçador e depois saem os três de casa como loucos!

- Acalmem-se - disse Frank mansamente. - Vi um ladrão e fomos procurá-lo, mas só encontrámos isto! - Atirou a cabeleira cinzenta para cima de uma cadeira.

De repente Chet berrou:

- O meu petisco! Está no forno há tanto tempo que já está esturrado.

Iola riu-se, trocista:

-Vocês, os homens ... Pensas que Callie e eul deixávamos estragar aquele queijo? Pusemos o forno à temperatura ideal e não se queimou.

Chet parecia mais consolado ao sentar-se à mesa com os outros. Embora gracejassem muito durante a refeição, a conversa andou sempre em torno do carro desaparecido e do ladrão, que, evidentemente, usava disfarces de cabelo conforme lhe apetecia.

Frank e Joe perguntaram a Chet se podiam levar a cabeleira para a examinar mais pormenorizadamente. Poderia haver alguma marca nela que indicasse o fabricante ou o dono. Chet concordou prontamente.

Porém, quando o jantar terminou, Callie voltou-se para Frank em ar de desafio:

- Porque não examinam agora a cabeleira, senhores superdetectives? Gostaria de ver os vossos métodos extra-especiais.

- Lá por isso, é já! - aceitou Frank.

Foi buscar a cabeleira e colocou-a sobre a mesa da cozinha. Tirou uma pequena lupa do bolso e percorreu cuidadosamente cada centímetro do forro da cabeleira.

- Nada à primeira - concluiu.

O cabelo foi cuidadosamente examinado e afastado, madeixa por madeixa, para ver se havia alguma identificação, mas Frank não descobriu nada.

- Pelos vistos, não chegamos a parte nenhuma - disse, aborrecido. - Mas vou mostrá-la aos vários vendedores de cabeleiras da cidade.

A campainha do telefone veio interrompê-los e Iola foi atender. Chet ficou lívido e nervoso. Seria o mesmo homem que o ameaçara ainda há pouco? Que iria dizer agora?

Iola voltou à cozinha com um ar preocupado.

- É um homem para ti, Chet, mas não quis dizer o nome.

Tremendo visivelmente, Chet dirigiu-se sem pressa ao telefone. Os outros seguiram-no e escutaram.

- Sim, sou Chet Morton ... Não, não recuperei o carro.

Seguiu-se um longo silêncio em que só se percebia que o interlocutor falava rapidamente.

- Mas ... eu não tenho dinheiro - disse Chet por fim. - Bem, está bem, depois lhe digo.

Chet desligou e deixou-se cair na cadeira mais próxima. Os outros bombardearam-no com perguntas.

O rapaz, desalentado, suspirou profundamente antes de explicar:

- Posso recuperar o carro, mas o homem quer muito dinheiro pela informação do seu paradeiro.

- Mas que bom ires recuperar o carro! - exclamou Callie.

- Mas não tenho dinheiro - queixou-se Chet.

- Quem é o homem? - perguntou Frank. Seguiu-se um novo silêncio, mas agora intencional por parte de Chet. Por fim, olhando para o grupo expectante à sua frente, anunciou simplesmente:

- Smuff. Oscar Smuff!

Os presentes abriram a boca de espanto. Era o último nome que esperavam ouvir. O detective vendia a informação do paradeiro do carro de Chet!

- Olhem o fala-barato! E anda sempre a brincar aos polícias! - gritou Joe, indignado.

Chet contou que Smuff dissera que não estava a trabalhar devido à sua saúde, mas que tinha de viver e, portanto, qualquer informação que conseguisse como detective seria bem paga.

Frank encolheu os ombros.

- Bem, admitamos que Smuff tem as suas razões. Quanto quer ele pela informação, Chet?

- Quer vinte e cinco dólares.

- O quê? - bradaram os outros.

Após uma longa consulta, os jovens decidiram juntar as suas economias. O dinheiro que conseguissem apurar seria entregue a Oscar Smuff para que ele os conduzisse até ao carro de Chet.

- Mas que fique bem claro - advertiu Frank - que se não for o teu carro não lhe pagarás um centavo.

Chet ligou para casa do detective.

Tal como esperavam, ele resmungou perante a oferta de 10 dólares, mas acabou por aceitá-la. Disse que viria buscar os rapazes dentro de meia hora para os levar ao local.

Nesta altura chegaram o senhor e a senhora Morton. O pai de Chet e de Iola era um homem jovial e bem parecido, com a mesma constituição e aspecto que o filho. Era negociante de propriedades em Bayport e o trabalho na quinta era o passatempo que lhe ocupava [ todos os tempos livres.

A senhora Morton passava por uma irmã bastante mais velha da sua filha Iola, mas era igualmente bem disposta e divertida. Contudo, quando soube que o filho fora ameaçado, ficou preocupada.

- Vocês têm de ter muita cautela - avisou ela. - Pelo que tenho ouvido de Smuff, esse ladrão ruivo , pode facilmente levar-lhe a melhor. Cuidado!

Chet prometeu que estariam alerta.

- Boa sorte! - desejou Callie, quando Smuff buzinou lá fora. - E não venham tarde. Quero saber as novidades antes de ir para casa.

Frank, Joe e Chet não conseguiram que Smuff os informasse do sítio onde os levava. Este parecia gostar do papel que estava a desempenhar.

- Sabia que seria eu quem desvendaria este mistério - gabou-se ele.

Joe não resistiu à tentação de perguntar se Smuff ia conduzi-los ao ladrão, assim como ao carro. O detective corou embaraçado e admitiu que ainda não tinha pormenores suficientes para revelar com segurança a identidade do ladrão.

- Mas pouco me falta para apanhar o sujeito - asseverou aos rapazes.

Estes conseguiram manter-se sérios. Só esperavam que não fosse uma busca vã.

Vinte minutos mais tarde, Smuff entrou na vila de Ducksworth e dirigiu-se a um parque de carros usados. Parou e anunciou:

- Bem, cá estamos. Prepara-te para sacar "a massa", Chet.

Smuff acenou para o encarregado do parque e depois conduziu os rapazes por uma passagem estreita, entre filas incontáveis de carros até ao lugar onde estavam reunidos alguns carros do tipo do de Chet. Voltando à esquerda, o detective parou em frente de um carro vermelho-vivo.

- Aqui têm! - indicou Smuff, vitorioso, estendendo a mão direita para Chet. - O meu dinheiro, por favor.

Os rapazes olharam para o carro. Não havia dúvida de que era do mesmo modelo que o de Chet.

- O ladrão pensou que o podia disfarçar pintando-o de vermelho - explicou Smuff.

- Acha que foi realmente isso?-perguntou Frank, cordialmente.

Oscar Smuff franziu as sobrancelhas:

- De que outro modo se podia explicar então?

- Nesse caso, haverá tinta amarela debaixo da vermelha - continuou Frank. - Vamos certificar-nos.

Era evidente que Smuff não estava a gostar.

- Estás a duvidar de mim, é? - desafiou num tom desagradável.

- Toda a gente se pode enganar - rematou Frank. - Bem, Chet, vamos verificar.

O detective ficou a observar, com ar amuado, enquanto Frank tirava um canivete do bolso e começava a raspar a tinta vermelha do guarda-lama.

- Eh! - gritou Oscar Smuff. - Tem cuidado com esse canivete! O dono do parque não quer que lhe estraguem os carros!

Frank Hardy olhou para o detective:

- Sei o que faço. Já vi muitas vezes o meu pai raspar manchas de tinta. Do modo como o faz não se nota nada.

- Mas tu não és o teu pai. Toma cuidado! - resmungou Smuff.

Agindo o mais cuidadosamente possível, Frank retirou uma capinha de tinta vermelha de um canto onde praticamente não se notaria. À sua volta, tinha-se feito silêncio; reinava a expectativa. Então,tirando uma lanterna do bolso, o rapaz respirou fundo e apontou-a para o ponto de onde saíra a tinta.

 

                 A busca intensifica-se

Joe, inclinando-se por sobre o ombro do irmão, disse:

- Havia tinta azul-clara sob este vermelho e não amarela.

- Exacto - corroborou Frank, olhando Smuff fixamente.

- Estão a insinuar que este não é o carro de Chet? - perguntou o visado, corando. - Pois eu garanto que é e tenho a certeza.

- Oh, nós não dissemos que não era - emendou Joe, apressadamente.

Secretamente ansiava que aquele fosse o carro de Chet, mas a razão dizia-lhe que não era.

- Vamos tentar noutro sítio - disse Frank endireitando-se e dirigindo-se a um outro ponto do guarda-lama.

Mas tudo levava a crer que o carro fora azul-claro antes de lhe ser aplicada a camada vermelha.

- Bem, talvez o ladrão tenha aplicado azul e depois o vermelho - insistiu Smuff teimosamente.

- Vamos raspar um pouco mais fundo - propôs Frank. - Se o dono do parque objectar, pagaremos o custo da pintura do guarda-lama.

Mas, embora Frank tivesse raspado várias camadas de tinta, não conseguiu encontrar qualquer vestígio de amarelo.

Durante todo este tempo, Chet tinha andado em volta do carro, inspeccionando-o atentamente por dentro e por fora. Mesmo antes de Frank anunciar que tinha a certeza de que não era o carro que procuravam, já Chet estava convencido disso.

- O Queen tinha uma fenda comprida e fina no guarda-lama de trás, à direita - disse ele. - E o estofo tinha um pequeno rasgão junto da porta. Não me parece que o ladrão se tivesse dado ao trabalho de o mandar arranjar.

Chet não escondia a sua profunda decepção, mas estava satisfeito por os Hardy terem vindo com ele e terem ajudado a provar a verdade. Porém, Smuff não desistia assim tão facilmente do dinheiro:

- Vocês não provaram nada - contestou ele. - O dono do parque admitiu que este talvez fosse um carro roubado. O rapaz que lho vendeu disse que vivia numa quinta perto de Bayport.

Os três amigos foram apanhados de surpresa por esta informação, mas logo a seguir Frank lembrou:

- Vamos falar com o dono do parque a ver que mais ele nos pode dizer sobre a pessoa que lhe vendeu o carro.

O proprietário do parque cooperou, respondendo prontamente às perguntas que os Hardy lhe fizeram. O contrato revelou que o antigo proprietário do carro vermelho era Melvin Schuster de Bayport.

- Mas nós conhecêmo-lo! - exclamou Frank. - Anda no liceu de Bayport... ou pelo menos andava, pois a família mudou-se para longe. Essa foi provavelmente a razão por que vendeu o carro.

- Mas o senhor Smuff disse que o senhor suspeitava de que o carro era roubado - disse Joe.

O homem sorriu.

- Receio bem que tenha sido o senhor Smuff a meter-me essa ideia na cabeça. A pessoa em causa parecia ter muita pressa em se livrar do carro e vendeu-o barato. Por vezes, quando isso acontece, nós os vendedores ficamos sem saber se devemos assumir a responsabilidade de comprar o carro, pois pode ser propriedade roubada. Mas, na altura em que o senhor Schuster cá veio, pareceu-me que estava tudo em ordem e comprei-lhe o carro.

Frank afirmou que tinha a certeza disso e, depois de o vendedor descrever Melvin Schuster, não restavam dúvidas de que ele era o ex-proprietário.

Smuff ficou completamente derrotado. Sem dizer uma palavra dirigiu-se ao carro e os rapazes seguiram-no. O frustrado detective não falou durante todo o percurso até à quinta dos Morton e os rapazes, sentindo pena dele, abordaram outros assuntos e não voltaram a referir-se ao incidente do carro.

Quando os Hardy e Chet iam a chegar a casa dos Morton, as duas raparigas vieram ao seu encontro.

- Acharam-no? - perguntou Iola ansiosamente. Chet suspirou.

- Mais uma "história" de Smuff- disse aborrecido, enquanto devolvia o dinheiro que os amigos lhe tinham emprestado para ajudar a pagar ao pretenso detective.

Frank e Joe despediram-se e foram buscar as motos. Levaram-Callie a casa antes de seguirem para a sua própria casa.

Logo que as aulas terminaram, no dia seguinte, pegaram na cabeleira cinzenta e visitaram a loja de Schwartz. O dono assegurou-lhes que a cabeleira não provinha do seu estabelecimento.

- É muito barata - disse o homem desdenhosamente.

Frank e Joe visitaram ainda as outras duas lojas: a Flint's e a dos irmãos Rubens. Mas também nenhuma delas vendera aquele acessório. Além disso, há muito tempo que não atendiam qualquer cliente que desejasse uma cabeleira ruiva, ou que procurasse postiços de cores diferentes.

- As investigações de hoje foram um falhanço completo - contou Joe ao pai naquela noite. O famoso detective sorriu.

- Não se deixem desanimar - disse. - Acreditem que um pequeno êxito compensa cem pistas falsas.

Quando os rapazes se estavam a preparar para deitar, Frank animou-se ao pensar que o dia seguinte era um feriado escolar.

- Isso vai dar-nos horas e horas para trabalhar no caso - disse ele entusiasmado.

- É verdade. O que sugeres que façamos? - perguntou Joe, recuperando o alento.

Frank não tinha nada presente mas discutiram várias ideias até que optaram por uma que Joe propôs. Iriam reunir o seu grupo de amigos e, apoiados na teoria de que o ladrão não podia ter ido longe depois de a polícia estar alertada, os rapazes fariam uma busca exaustiva à área circundante.

- Vamos procurar em todos os sítios possíveis - concluiu Joe.

De manhã cedo, Frank pegou no telefone e fez chamada após chamada para "o grupo". Estavam incluídos, além de Chet Morton, Allen Hooper - a quem chamavam Biff devido à sua admiração por um parente distante que era jogador de boxe, cujo nome era Biff -, Jerry Gilroy, Phil Cohen e Tony Prito. Eram todos colegas no liceu de Bayport e dos melhores nas actividades desportivas.

Os cinco rapazes estavam desejosos de cooperar. Ficaram de se reunir na casa dos Hardy às nove horas. Entretanto, Frank e Joe estabeleceriam um plano de acção.

Logo que o pequeno-almoço terminou, os Hardy puseram o pai ao corrente do que pensavam fazer e perguntaram-lhe se ele tinha algumas sugestões sobre o modo de proceder à busca.

- Peguem num mapa - aconselhou Fenton Hardy. - Considerando a nossa casa como o centro de um círculo, dividam-no em fatias, como se fossem partir um bolo. Sugiro que trabalhem dois a dois.

Às nove horas, os irmãos Hardy já tinham a busca distribuída no mapa. O primeiro "recruta" a chegar foi Tony Prito, um rapaz vivo e com bom sentido de humor. Seguiu-se-lhe, pouco depois, Phil Cohen, que tinha um ar sossegado e inteligente.

- Podemos começar a trabalhar - disse Tony. - Trouxe uma das furgonetas do meu pai, que ele não vai utilizar hoje. - O pai de Tony trabalhava na fretagem. - Posso cobrir uma boa área com ela.

Frank sugeriu que Tony e Phil trabalhassem juntos.. Mostrou-lhes no mapa o círculo de que Bayport era o centro e que estava dividido em quatro secções iguais. [ - Vejam isto como se fosse um relógio - explicou! Frank, virando o mapa para eles. - Concordam em ficar com o quadrante "das nove ao meio-dia"?

- A mãe ofereceu-se para ficar em casa todo o dia, agindo como centro de recepção para os nossos relatórios - acrescentou Joe. - Telefonem de hora a hora.

- Combinado - assentiu Tony. - Anda, Phil, vamos embora!

Quando os dois rapazes estavam prontos a partir chegaram Biff e Jerry nas suas motocicletas. Biff, loiro e de pernas longas, tinha um andar muito elástico e percorria enormes distâncias em pouco tempo. Jerry, de estatura média, magro mas forte, era um excelente jogador de baseball.

À segunda equipa coube a secção do mapa que ficava entre as seis e as nove horas". Repetiram-lhes as instruções e eles saíram.

- Onde está Chet? - perguntou o senhor Hardy aos filhos. - Ele não vai também ajudar na busca?

- Deve ter-se deixado dormir. Chet tem fama de dorminhoco e tira proveito disso - gracejou Frank, sorrindo.

- Também pode estar a tomar um pequeno-almoço duplo - sugeriu Joe.

A senhora Hardy, que tinha ido até à porta da frente, anunciou:

- Lá vem ele. Aquele não é o carro do senhor Morton?

- Sim, é - confirmou Frank.

O pai de Chet deixou-o em frente da casa dos Hardy e o rapaz correu para a entrada.

- Bom dia, senhora Hardy. Bom dia, senhor Hardy. Olá, amigos! - cumprimentou alegremente.

- Desculpem o atraso. O meu pai tinha uns telefonemas a fazer antes de sair e eu receava que, vindo a pé, só cá chegasse amanhã.

- Tal como já afirmei - começou o senhor Hardy -, penso que deveriam trabalhar aos pares, mas vocês só são três para se ocuparem de duas fracções.

- O detective sorriu subitamente, como um rapazinho. - E se me juntasse a um de vós?

Frank e Joe olharam para o pai, deleitados.

- Está a falar verdade? - quase gritou Frank. - Escolho-o para meu parceiro.

- Tenho uma outra sugestão - disse o detective.

- Não vai levar-lhes mais de três horas a cobrir a área que escolheram e há uma secção adicional que acho que deveria ser inspeccionada.

- Qual? - perguntou Joe, cheio de curiosidade.

- Willow Grove. É um parque, mas tem muitas zonas em que o bosque se emaranha e constituem um bom lugar para esconder um carro roubado.

O senhor Hardy propôs que os rapazes levassem almoço e se juntassem para um piquenique em Willow Grove; depois fariam uma busca pelos arredores.

- Isto é, se até lá não tiverem encontrado o carro - concluiu, tão animado como os jovens.

- Vou preparar um almoço para todos vós - prontificou-se a mãe.

- Que bom! - exclamou Chet, entusiasmado. - A senhora arranja óptimos piqueniques.

Frank e Joe gostaram tanto do plano que decidiram logo que fariam o piquenique quer tivessem encontrado o carro antes da uma hora quer não. A senhora Hardy ficou de transmitir as notícias aos outros rapazes quando eles lhe telefonassem.

Chet e Joe partiram nas motos dos dois irmãos, tomando para si o quarto desenhado no mapa como sendo do meio-dia às três. O senhor Hardy e Frank encarregaram-se do último, "das três às seis".

As horas foram passando e os investigadores prosseguiam sempre alerta. Todas as garagens públicas e particulares, todas as estradas de pouco movimento e todos os pequenos bosques foram examinados sem detença. Não havia sinal do carro de Chet. Finalmente, à uma hora, Frank e o pai regressaram a casa e, uns momentos mais tarde, chegaram Joe e Chet. Um enorme almoço-piquenique foi instalado nas duas motos.

Quando os três rapazes chegaram ao seu destino tiveram de deixar as motos do lado de fora da sebe. Desataram os cestos da comida e levaram-nos para junto do lago, onde já se encontravam os companheiros.

- É pena não podermos nadar - observou Tony - mas esta água está muito fria.

Desembalaram rapidamente o farnel e reuniram-se em volta de uma das mesas de piquenique.

- Hum! Sanduíches de galinha! - gritou Chet avidamente.

Durante a refeição trocaram impressões sobre as investigações da manhã. Todos se tinham esforçado mas sem conseguirem encontrar nenhuma pista do carro roubado.

- O nosso trabalho não terminou - lembrou Frank. - Mas estou tão cheio que sugiro que descansemos um pouco antes de recomeçar.

Só Joe não aderiu à proposta e, enquanto os outros se deitavam na relva para dormir um pouco, ele resolveu tirar a limpo se os bosques à direita escondiam o carro roubado. Mesmo sem companhia, meteu-se pelo matagal dentro.

Procurou durante 20 minutos sem resultados. Estava quase a desistir, achando melhor esperar pelos outros, quando vislumbrou uma pequena clareira não muito à frente. Parecia ter sido parte de uma estrada abandonada.

Animado, continuou a "furar" através do mato denso. Aquela zona era baixa e o chão estava tão húmido que a certa altura Joe já se sentia mesmo molhado. Mas foi nesse momento que outra coisa excitou a sua curiosidade.

"Um pneu! Então talvez tenha estado aqui um automóvel" - pensou para com os seus botões. Embora não houvesse marcas de pneus na vizinhança. Também não havia pegadas. "Dá ideia que alguém atirou este pneu para aqui.

Lembrando-se das recomendações do pai sobre a necessidade de desenvolver a capacidade de observação, Joe aproximou-se e examinou o pneu.

"Estes desenhos - apeteceu-lhe gritar - parecem-me familiares."

Examinou-o melhor para se certificar e depois correu como pôde para junto dos outros.

- Encontrei uma pista! - gritou ele. - Venham todos!

 

                   A Mansão da Torre

Joe Hardy guiou o grupo até à zona de terreno molhado. Todos falavam ao mesmo tempo. Quando lá chegaram, Chet examinou o pneu e exclamou:

- Não há dúvida, é um dos pneus! Quando o ladrão colocou o novo deitou este fora.

- Talvez o Queen ainda esteja por perto! - sugeriu Frank. - Se calhar, o ladrão escolheu esta estrada para o esconder até poder fugir.

- É o lugar ideal - concordou Chet. - As pessoas que vêm a Willow Grove têm de estacionar junto do portão, por isso ninguém chega até aqui. Mas esta estrada velha liga à estrada principal. Vamos segui-la, rapazes!

Iniciaram nova busca, sem descurar nenhum pormenor e procurando mais indícios. Um pouco mais tarde, Frank e Chet, que iam à frente, gritaram simultaneamente:

- Aqui há um desvio! E há marcas de pneus!

De um dos lados havia uma estrada estreita, quase encoberta por ervas e arbustos baixos. Começava na estrada abandonada e avançava pelas profundezas do bosque.

Sem hesitação, Frank e Chet entraram pelo restolho. Mais adiante a estrada alargava e, serpenteando pelo meio de um espesso arvoredo, acabava numa ampla clareira.

Aí encontrava-se o carro de Chet Morton!

- O Queen] O meu "carrinho"! - gritou ele num rompante de euforia. - E com as suas chapas de matrícula!

O grito triunfante foi ouvido pelos outros rapazes, que se aproximaram a correr. A alegria de Chet não tinha limites. Examinou o carro com extremo cuidado, ignorando os amigos que se tinham acercado e o bombardeavam com perguntas e sugestões. Finalmente endireitou-se com um sorriso de satisfação.

- Não foi absolutamente nada danificado. Está prontinho a andar. O ladrão escondeu-o aqui e fugiu. Vamos, rapazes, subam. Há um passeio de borla até à estrada principal!

Antes de partirem, os Hardy examinaram as pegadas deixadas pelo ladrão.

- Usava ténis - fez notar Frank.

Ao ouvir isto Chet abriu a porta e olhou para dentro do carro.

- Queres dizer que usava os meus ténis. Desapareceram.

- Então levou os seus próprios sapatos na mão - observou Joe. - Muito esperto. Mas é pena. Isso exclui uma pista. Não podemos segui-lo pelas pegadas.

- Toca a andar - apressou Chet.

Saltou para o carro e pôs o motor a funcionar. Quase não havia espaço na clareira para fazer inversão de marcha, mas quando começou a avançar pelo desvio os rapazes aplaudiram e apressaram-se a subir para o carro.

Com guinadas constantes e aos solavancos, o carro meteu pela estrada abandonada e chegou à via principal num instante. Aí os rapazes mudaram para a furgoneta de Tony e para as motos e formaram uma parada até Bayport, com Frank e Joe à cabeça. Tencionavam ir à polícia anunciar o seu êxito ao chefe Collig.

- E espero que Smuff esteja lá - disse Chet, rindo, triunfante.

Contudo, quando os rapazes desceram a rua principal, emproados de satisfação, notaram que ninguém lhes prestava atenção e parecia haver um invulgar ar de mistério na cidade. As pessoas juntavam-se em pequenos grupos, gesticulando e falando com um ar muito sério.

Não tardaram a ver Oscar Smuff, que descia a rua com o sobrolho carregado. Joe gritou-lhe:

- Que se passa, detective? Já reparou que encontrámos o carro de Chet?

- Tenho coisas mais importantes com que me preocupar do que carros roubados ... Eh, como é isso? - O detective fitava-os agora boquiaberto pois a descoberta penetrara lentamente no seu espírito.

Os rapazes esperavam que Smuff os elogiasse, mas ele não o fez. Em vez disso, continuou:

- Tenho um grande mistério a desvendar. A Mansão da Torre foi assaltada!

A Mansão da Torre era quase um monumento de Bayport, embora poucas pessoas tivessem alguma vez obtido licença para a visitar. A admiração que o majestoso edifício despertava provinha apenas do seu aspecto exterior. Não obstante, a primeira coisa que muitos recém-chegados perguntavam era:

- De quem é aquela casa com as torres, na colina? Era uma imensa estrutura de pedra, de construção irregular, sobranceira à baía e visível a quilómetros de distância. Perfilava-se contra o céu como um velho castelo feudal, e essa semelhança era aumentada pelo facto de cada um dos extremos ser rematado por uma torre alta.

A imponente mansão, apenas com uma torre, fora mandada erigir pelo major Applegate, um reformado do exército, muito excêntrico, que fizera fortuna em hábeis negócios de propriedades.

Anos atrás tinha havido ali muitas festas e bailes. Com o tempo, porém, a família foi-se ramificando e muitos partiram, de modo que, actualmente, só Hurd Applegate e a sua irmã Adelia viviam na vasta e solitária mansão.

Hurd Applegate era um homem de cerca de 60 anos, alto e curvado, cuja vida parecia agora devotada à colecção de selos raros. Fora ele que, alguns anos antes, tinha mandado construir a outra torre da mansão, uma cópia da primeira.

A irmã, Adelia, era uma solteirona de idade indefinida. As senhoras elegantes de Bayport espantavam-se com os seus fatos de cores garridas e de um estilo que não lhe ficava bem. Hurd e Adelia Applegate tinham fama de serem imensamente ricos, ainda que levassem uma vida muito simples, com poucos criados, e nunca recebessem visitantes.

- Conte-nos isso do roubo - pediu Joe a Smuff. Mas o detective acenou evasivamente.

- Terão de descobrir vocês mesmos - retorquiu, afastando-se apressadamente.

Frank e Joe despediram-se dos amigos e regressaram a casa. À chegada, viram Hurd Applegate que vinha a sair, batendo com a bengala nos degraus, enquanto descia. Ouvindo as motos dos rapazes, voltou-se e lançou-lhes um olhar penetrante.

- Bom dia - cumprimentou numa voz desagradável, seguindo logo caminho.

- Deve ter vindo pedir ao pai que tome conta do caso - aventou Frank enquanto arrumavam as motos na garagem.

Os rapazes entraram em casa ansiosos por saber pormenores do roubo. Na entrada encontraram o pai.

- Ouvimos dizer que a Mansão da Torre foi assaltada - começou Joe.

O senhor Hardy acenou afirmativamente com a cabeça:

- Sim. O senhor Applegate esteve cá a contar-me isso. Quer que eu me encarregue do caso.

- Levaram muita coisa?

- Bem, suponho que não fará mal dizer-vos - admitiu o senhor Hardy, sorrindo. - O cofre da biblioteca dos Applegate foi aberto, O roubo foi de cerca de quarenta mil dólares, entre títulos de acções e valiosas jóias da família.

- Eia! Foi uma boa colheita! - exclamou Frank. - Quando é que isso aconteceu?

- Ou ontem à noite ou hoje de manhã. O senhor Applegate só se levantou às dez e entrou na biblioteca perto do meio-dia. Foi então que descobriu o roubo.

- Como é que o cofre foi aberto?

- Usando a combinação. Foi aberto por alguém que conhecia o segredo ou por um ladrão muito esperto que conseguiu detectar o som do mecanismo da fechadura. Vou para lá daqui a momentos. Hurd Applegate vem cá buscar-me.

- Gostava de ir consigo - disse Joe ansiosamente.

- E eu também - implorou Frank.

O senhor Hardy olhou para os filhos, bem disposto.

- Bem, se querem ser detectives, parece-me que é uma boa oportunidade de verem a investigação de um crime por dentro. Se o senhor Applegate não levantar objecções, podem vir comigo.

Alguns minutos mais tarde, um carro imponente, conduzido por um motorista, parou defronte da casa dos Hardy. Hurd Applegate estava sentado atrás, com o queixo apoiado na bengala.

Os três Hardy aproximaram-se. Quando o detective mencionou o pedido dos rapazes, Applegate resmungou um assentimento curto e chegou-se para a ponta do banco. Frank e Joe entraram atrás do pai e o carro dirigiu-se para a Mansão da Torre.

- Verdadeiramente, eu não preciso de um detective neste caso - lançou Applegate. - Não preciso mesmo nada. É tão evidente como o nariz no meio da cara. Sei muito bem quem roubou as coisas, só que não posso prová-lo.

- De quem suspeita? - perguntou Fenton Hardy.

- Só há um homem no mundo que poderia ter levado as jóias e os valores - Robinson!

- Robinson?

- Sim. Henry Robinson, o mordomo. Foi ele, tenho a certeza.

Os dois irmãos olharam um para o outro consternados. Henry Robinson, o mordomo da Mansão da Torre, era o pai de um dos seus melhores amigos - Perry Robinson, conhecido por Slim.

O facto de o pai dele ser acusado do roubo parecia-lhes absurdo. Tinham encontrado o senhor Robinson em várias ocasiões e consideravam-no uma pessoa simpática, de trato fácil e com elevados princípios.

- Não acredito que ele seja o culpado - murmurou Frank.

- Nem eu - concordou o irmão.

- O que é que o leva a suspeitar de Robinson? - perguntou o detective a Hurd Applegate.

- É a única pessoa, além de mim e da minha irmã, que alguma vez viu o cofre ser aberto. Pode ter percebido a combinação. Bastava ter mantido os olhos e os ouvidos abertos, e tenho a certeza de que o fez.

- É a única razão que tem para suspeitar dele?

- Não. Esta manhã pagou uma dívida de novecentos dólares no banco e sei que ainda há uns dias o seu crédito não ia além de cem dólares. Onde é que ele foi arranjar novecentos dólares tão subitamente?

- Talvez tenha uma boa explicação - sugeriu o senhor Hardy.

- Ah, claro. Terá certamente uma explicação! - retorquiu Applegate. - Mas terá de ser muito boa para me convencer.

O automóvel subia agora pelo caminho que conduzia à Mansão da Torre e pouco depois parava junto à entrada principal. O senhor Hardy e os dois filhos seguiram o excêntrico dono da casa. Frank e Joe sentiam-se curiosos, pois era a primeira vez que penetravam naqueles domínios. Mas pouco puderam observar, dado que Hurd Applegate não se deteve nem por instantes.

- Não se tocou na biblioteca desde a descoberta do roubo - disse ele encaminhando-se para lá.

O detective examinou o cofre aberto e tirou do bolso uma lente especial com que inspeccionou meticulosamente a fechadura. A seguir dirigiu-se a todas as janelas e portas à procura de impressões digitais.

Terminado o exame do local, pediu a Applegate que mostrasse os dedos sob uma luz forte, para ver bem as linhas. Por fim, abanou a cabeça.

- Um trabalho eficiente - observou. - O ladrão deve ter usado luvas. Todas as impressões digitais da sala parecem ser suas, senhor Applegate.

- É desnecessário procurar impressões digitais ou outras provas! - replicou o interlocutor num brado impaciente. - Foi Robinson, digo-lho eu!

- Talvez fosse boa ideia eu fazer-lhe algumas perguntas - sugeriu Fenton Hardy.

Hurd Applegate tocou a campainha para chamar um dos criados e mandou-o dizer ao mordomo que viesse imediatamente à biblioteca. O detective voltou-se para os filhos e explicou-lhes que era preferível eles esperarem na entrada.

- Pode ser menos embaraçoso para o senhor Robinson, deste modo - acrescentou em voz baixa.

Frank e Joe retiraram-se prontamente. Fora da sala encontraram o mordomo e o filho, Perry. O pai parecia calmo, embora de semblante pálido. Na ombreira da porta afagou o ombro de Slim.

- Não te preocupes - confortou-o. - Tudo se vai resolver. - E entrou na biblioteca.

Slim encarou os amigos:

- Tem de se resolver - exclamou ansioso. - O meu pai está inocente!

 

               Suspeito sem álibi

Frank e Joe estavam decididos a ajudar o amigo a provar que o pai não era culpado, pois partilhavam a sua convicção de que essa era a verdade.

- Claro que está inocente - sossegou-o Frank -, e vai conseguir ilibar-se, Slim.

- Mas as coisas estão bastante feias agora - lamentou-se o rapaz, pálido e abalado. - Se o senhor Hardy não apanhar o verdadeiro ladrão, receio que o meu pai seja inculpado.

- Todos sabem que o teu pai é uma pessoa honesta - declarou Joe, consolador. - Tem sido um empregado fiel. Até o senhor Applegate terá de admitir isso.

- Mas isso não o ajudará muito, se não conseguir ilibar-se da acusação. E o pai admite que conhecia a combinação do cofre, embora nunca a usasse, claro.

- Conhecia a combinação. - repetiu Joe, surpreso.

- Sim, aprendeu-a por acaso. Era tão simples que não se podia esquecer. Aconteceu assim: um dia, quando estava a limpar a lareira da biblioteca, o pai encontrou um pedaço de papel com números. Atentando melhor neles, concluiu que eram a combinação do cofre. A janela estava aberta e ele pensou que a brisa devia ter soprado o papelito para o chão. Então deixou-o na secretária.

- O senhor Applegate sabe disso?

- Ainda não, mas o pai vai dizer-lho agora. Embora possa ser pior para ele, vai contar a verdade ao patrão.

Da biblioteca chegava o murmúrio de vozes. Os tons ríspidos de Hurd Applegate sobrepunham-se ocasionalmente ao sussurrar da conversa. De repente os rapazes ouviram Henry Robinson elevar a voz, num tom enérgico:

- Não fui eu! Estou a dizer-lhe que não tirei esse dinheiro!

- Então onde arranjou os novecentos dólares com que pagou a dívida? - perguntou Applegate, com aspereza.

Silêncio.

- Onde os arranjou?

- Não posso dizer ao senhor nem a qualquer outra pessoa.

- Porque não?

- Arranjei o dinheiro honestamente - é tudo o que posso adiantar.

- Ai é?! - barafustou Hurd Applegate. - Quer-me convencer de que arranjou o dinheiro honestamente e, contudo, não pode explicar de onde provém! Uma bela história! Se conseguiu o dinheiro honestamente não deveria envergonhar-se de me dizer como.

- Não me envergonho. Apenas digo que não posso esclarecer melhor o assunto.

- Que coisa curiosa: desencantou novecentos dólares assim tão depressa. Ainda na semana passada estava em dificuldades, não estava? Até teve de pedir algum dinheiro avançado.

- É verdade.

- E depois, no dia do roubo, encontra-se subitamente na posse de novecentos dólares cuja proveniência não pode explicar.

A voz calma de Fenton Hardy interveio:

- É claro que não me quero intrometer nos seus assuntos particulares, senhor Robinson - disse -, mas seria melhor se esclarecesse esse assunto do dinheiro.

- Sei que é suspeito - respondeu o mordomo em tom firme. - Mas dei a minha palavra e não posso voltar atrás.

- Ainda por cima admite que sabe perfeitamente a combinação do cofre! - interrompeu Applegate. - Eu não sabia disso. Porque não mo disse?

- Não me pareceu importante.

- Então porque veio dizer-mo agora?!

- Não tenho nada a esconder. Se tivesse tirado os valores com certeza que não vinha dizer que conheço a combinação.

- É certo - concordou o senhor Hardy. - É um ponto a seu favor, senhor Robinson.

- Será? - inquiriu Hurd Applegate, com um certo cinismo. - Robinson é suficientemente esperto para inventar um truque como esse. Julga que, parecendo honesto, me convence que não poderia ter cometido o roubo. Uma boa manha, mas não chega. Há muitas provas que apontam a sua culpa e não vou protelar mais este assunto.

Pouco tempo depois, a voz de Applegate continuava:

- Esquadra da polícia? Está?... Esquadra da polícia?... Fala Applegate, Hurd Applegate ... Bom, encontrámos o homem do caso do roubo ... Sim, Robinson ... Também suspeitavam, era? Tal como eu, mas não tinha a certeza ... Mas ele inculpou-se praticamente com a sua própria história ... Sim, quero que o prendam ... Vêm imediatamente? Óptimo. Até já.

- Não vai mandar-me prender, senhor Applegate!

- gritou o mordomo alarmado.

- Porque não? Você é o ladrão!

- Talvez seja melhor esperar um pouco - interrompeu o detective. - Pelo menos até que haja provas mais conclusivas.

- De que outras provas precisamos, senhor Hardy?

- perguntou Applegate em tom sarcástico. – Se Robinson quiser devolver as jóias e as acções retirarei a queixa, mas é tudo.

- Não posso devolvê-las porque não as tenho - defendeu-se o acusado.

- Vai ter muito tempo para pensar - declarou Applegate. - Ficará na penitenciária muito tempo ... muito tempo.

Do outro lado da porta os rapazes escutavam com crescente agitação e consternação. O caso tivera uma viragem abrupta e trágica. Slim parecia estar a ir-se abaixo, pressionado por grande tensão.

- O meu pai está inocente - murmurava o rapaz uma vez e outra, apertando os punhos. - Sei que está. Não podem prendè-lo. Nunca roubou nada na sua vida!

Frank deu-lhe uma pancada amigável no ombro.

- Anima-te - aconselhou. - Parece desencoraja-dor agora, mas estou certo de que o teu pai conseguirá ilibar-se.

- Vou ... vou ter de dizer à mãe - balbuciou Slim. - Isto vai despedaçar-lhe o coração. E as minhas irmãs...

Frank e Joe acompanharam o amigo, seguindo por um longo corredor que conduzia à ala leste da mansão. Ali, num apartamento bem arranjado, mas escassamente mobilado, encontraram a senhora Robinson. Tinha um ar simpático e feições delicadas, mas era coxa. Estava sentada numa cadeira de braços perto da janela, não escondendo a sua ansiedade. As duas filhas, Paula e Tessie, gémeas de 12 anos, estavam a seu lado. Voltaram-se para a porta, na expectativa, quando os rapazes entraram.

- Que notícias trazes, filho? - perguntou a senhora Robinson, depois de ter cumprimentado os Hardy.

- Más notícias, mãe.

- Não vão ... não vão prendê-lo? - gritou Paula dando um salto para a frente.

Perry respondeu com a cabeça, sem poder articular palavra.

-Mas não podem! - protestou Tessie. - O pai nunca faria uma coisa dessas! É injusto!

Frank, olhando para a senhora Robinson, percebeu subitamente que ela estava quase a perder os sentidos. Deu um salto para a frente e amparou-a nos braços antes que caísse para o chão.

- Mãe! - chamou Slim aterrorizado, enquanto Frank a deitava num divã. Voltando-se para a irmã, o filho pediu: - Paula, traz os sais para ela cheirar e o remédio especial.

Perry explicou então que a excitação em demasia podia causar-lhe um desmaio.

- Não lhe devia ter contado isto do pai - censurou-se o rapaz.

- Teria de saber mais cedo ou mais tarde - disse Joe consolador.

Paula voltou com os sais e o remédio. A inalação fez a mãe recuperar a consciência e, a seguir, tomou o remédio. Recompôs-se completamente e pediu desculpa por tê-los preocupado.

- Foi um choque terrível saber que o meu marido foi preso - explicou ela -, mas com certeza que se pode fazer alguma coisa para provar a sua inocência.

Frank e Joe asseguraram-lhe que fariam tudo o que pudessem para encontrar o verdadeiro ladrão, porque também eram de opinião que o senhor Robinson não era o culpado.

Na manhã seguinte, quando os irmãos se estavam a vestir no quarto, Frank observou:

- Há muita coisa à volta deste caso que ainda não veio à superfície. Até é possível que o homem que roubou o carro de Chet tenha algo a ver com o roubo.

Joe concordou.

- Era um criminoso, isso é evidente. Roubou o carro e tentou assaltar a bilheteira. Porque não um outro roubo?

- Certo, Joe. Acabo de me lembrar de que ainda não inspeccionámos o Queen à procura de pistas. Vamos fazê-lo hoje mesmo.

Porém, o amigo não levou o carro para a escola nesse dia e os Hardy tiveram de dominar a sua curiosidade até acabarem as aulas e o treino de baseball. Mais tarde, quando a senhora Morton foi buscar Chet e Iola, Frank e Joe seguiram para casa deles.

- Eu procuro debaixo dos bancos - ofereceu-se Joe.

- E eu no porta-bagagens - disse Frank, que se dirigiu para a parte de trás do carro e levantou a tampa, começando a remexer no meio de farrapos, papéis e livros velhos. De repente deu um grito de vitória. , - Cá está! A melhor prova do mundo!

Joe e Chet correram para junto de Frank, que exibia uma cabeleira ruiva de homem.

-- Talvez esta cabeleira nos forneça uma pista! - disse Frank, excitado.

Examinaram-na mas não encontraram nada. Frank manifestou desejo de a mostrar ao pai. Embrulhou-a num lenço e guardou-a cuidadosamente num bolso interior. Chet conduziu os Hardy a casa. Calculando que o pai estaria no escritório, no andar superior, subiram a correr e entraram sem cerimónia.

- Pai, encontrámos uma pista! - gritou Joe, mas logo deu um passo atrás, embaraçado, ao verificar que havia mais alguém na sala.

- Desculpe! - disse Frank.

Iam retirar-se quando o visitante do senhor Hardy se voltou e reconheceram o seu amigo Perry Robinson.

- Sou só eu - mostrou-se Slim. - Não se vão embora.

- Olá Slim!

- Perry está a tentar lançar um pouco mais de luz sobre o roubo da mansão - explicou o detective. - mas que pista é essa de que estão a falar?

- Pode dizer respeito ao roubo - começou Frank.

- Refere-se ao homem ruivo. - E tirou a cabeleira do bolso ao mesmo tempo que contava onde a tinham encontrado.

O senhor Hardy discorreu rapidamente.

- Isso vem ligar os vários elos de uma mesma cadeia de provas: o homem com quem se cruzaram na estrada ao longo da costa espatifou o carro que ia a guiar; depois roubou o carro de Chet; e ainda pretendeu assaltar a bilheteira. Como falhou, foi tentar outro roubo na Mansão da Torre, onde foi mais bem sucedido.

- Parece-lhe realmente que a cabeleira nos pode ajudar a desvendar o caso da Mansão da Torre? - inquiriu Perry, cheio de esperança.

- É possível.

- Estava agora mesmo a contar ao vosso pai - continuou Slim - que vi um estranho a cirandar nos terrenos perto da mansão dois dias antes do roubo. Na altura não liguei e, com o choque da prisão do pai, tinha-me passado da ideia.

- Olhaste bem para ele? Podes descrevê-lo? - perguntou Frank, muito interessado.

- Infelizmente não posso. Foi ao entardecer. Estava sentado junto de uma janela, a estudar, e olhei para fora. Apercebi-me de um homem a andar por entre as árvores. Dali a nada, ouvi um dos cães a ladrar numa outra parte dos jardins. Logo a seguir vi alguém a correr pela relva. Pensei que fosse só um pedinte.

- Usava chapéu ou boné?

- Tanto quanto me lembro, era um boné. As roupas eram escuras.

- E não distinguiste a cara dele?

- Não.

- Só por si não adianta muito - considerou Fenton Hardy -, mas condiz com a ideia de Frank e de Joe de que o homem que roubou o carro de Chet ainda pode andar por Bayport.

O detective reflectiu durante alguns momentos em silêncio e, por fim, acrescentou:

- Vou colocar estes factos todos à consideração do senhor Applegate e também vou falar com as autoridades policiais. Acho que não possuem provas suficientes para manter o teu pai preso, Perry.

- E pode fazer com que o soltem? - interrogou o rapaz ansiosamente.

- É mais que certo. De facto, creio que o senhor Applegate está a começar a dar-se conta de que cometeu um erro.

- Seria maravilhoso voltar a ter o pai connosco - exultou Perry. - Claro que não será como era dantes para ele. Ficará sob uma nuvem de suspeita enquanto o mistério não for esclarecido. Suponho, aliás, que o senhor Applegate não lhe dará emprego, nem a ele nem a qualquer outro.

- Mais uma razão para nos apressarmos a esclarecer este assunto - concluiu Frank.

- Slim, faremos o possível por ajudar o teu pai - asseverou Joe calorosamente.

 

                 Uma pista importante

Na tarde do dia seguinte, quando regressavam a casa após as aulas, os dois irmãos repararam que havia uma aglomeração no vestíbulo dos correios. Todos olhavam para a vitrina das informações.

- Que se passará desta vez? - interrogava-se Joe, esgueirando-se por entre a multidão com a agilidade de uma enguia.

Frank foi-lhe no encalço. Porém, não chegaram até à frente, porque as pessoas aí já estavam muito comprimidas.

Esticando o pescoço, espreitaram por cima dos ombros que lhes barravam a passagem. O centro das atenções era um grande cartaz com a tinta ainda fresca. No cimo, ostentava em enormes letras:

 

       MIL DÓLARES DE RECOMPENSA

 

Por baixo, em caracteres um pouco mais pequenos, havia um texto com a explicação do que se pretendia, mas os Hardy tiveram de "furar um pouco mais para ficar em posição de ver o cartaz inteiro. ; Dizia o seguinte:

A recompensa será paga por qualquer informação que conduza à prisão do(s) implicado(s) no assalto à Mansão da Torre de onde foram roubadas jóias e títulos de acções de um cofre da biblioteca.

A recompensa era oferecida por Hurd Applegate.

- Mas isso quer dizer que a queixa contra o senhor Robinson deve ter sido retirada! - exclamou Joe.

-"Assim parece. Vamos ver se encontramos Slim.

Em redor deles, faziam-se comentários sobre o montante da recompensa e muitos diziam invejar o afortunado que revelasse a boa pista.

- Mil dólares! - ponderou Frank quando saíam dos correios. - É muito dinheiro, Joe.

- Também acho.

- E não há razão para não termos as mesmas hipóteses que qualquer outra pessoa.

- Suponho que o pai e a polícia estão excluídos da hipótese da recompensa, pois é seu dever encontrar o ladrão. Mas se nós o descobrirmos, podemos receber o dinheiro. Era uma boa soma para acrescentar aos nossos fundos.

- Vamos! Olha, ali está Slim!

Perry Robinson vinha na direcção deles. Parecia menos contristado do que na noite anterior e, quando avistou os amigos, a sua expressão animou-se.

- O pai está em liberdade - anunciou ele. - Graças ao vosso pai, a acusação foi retirada.

- Estou contente por ouvir isso! - apoiou-o Joe. - Já vimos que estão a oferecer uma recompensa.

- O vosso pai convenceu o senhor Applegate de que deve ter sido um estranho, porque foi trabalho de um profissional. O chefe Collig admitiu que não havia muitas provas contra o meu pai e soltaram-no. Foi um grande alívio. A minha mãe e as gémeas estavam doidas de preocupação.

- Não admira - comentou Frank. - E o que vai fazer o teu pai agora?

- Não sei - admitiu Slim. - Como era de esperar tivemos de sair da Mansão da Torre. O senhor Applegate disse que, embora tivesse retirado a acusação, não estava convencido de que o pai não tivesse nada a ver com o roubo e despediu-o.

- Que azar! Mas o vosso pai vai conseguir arranjar trabalho noutro lado - disse Frank, consolando-o.

- Não estou tão certo disso. Ninguém dá emprego a um homem suspeito de roubo. O pai fez duas ou três tentativas esta tarde, mas foi recusado.

Os Hardy ficaram silenciosos. Sentiam muita pena dos Robinson e estavam decididos a remover céus e terra para os ajudar, mas até ao momento pouco tinham conseguido.

- - Alugámos uma pequena casa fora da cidade - continuou Slim. - É barata, num bairro pobre, mas temos que nos remediar como for possível.

Frank e Joe admiravam Slim. Não havia falso orgulho nele. Enfrentava os factos como eles surgiam e tentava tirar o melhor partido deles.

- O pior é que, se o pai não arranja trabalho, terei de trabalhar a tempo inteiro.

- Mas, Slim ... terias de deixar a escola! - protestou Joe.

- Não posso evitá-lo. Eu não queria, pois estava a tentar conseguir uma bolsa de estudo. Mas ...

Os irmãos aperceberam-se do que significava para o amigo deixar a escola. Perry Robinson tinha muita força de vontade e sempre fora um dos 10 melhores alunos do seu ano. Pretendia continuar os estudos e ir para a universidade e os professores tinham-lhe predito uma brilhante carreira como engenheiro.

Agora, com a sucessão dos acontecimentos,, parecia que todas as suas ambições de conseguir um diploma de liceu e uma educação universitária iam ser lançadas por terra.

Frank pôs o braço em volta dos ombros de Slim.

- Coragem! - animou-o com um sorriso. - Joe e eu vamos esgaravatar este assunto até chegarmos ao fundo!

- É muito simpático da vossa parte - respondeu Slim, grato. - Não me esquecerei.

Tentou sorrir, mas era evidente que estava tremendamente preocupado. Engoliu em seco e meneou a cabeça tristemente.

Quando se afastou, não foi com o passo leve e descuidado que os Hardy associavam a Slim Robinson, com a sua natural bonomia.

- Que vamos fazer primeiro, Frank? - interrogou Joe.

- Seria bom arranjarmos uma descrição completa das jóias. Talvez o ladrão tentasse penhorá-las. Vamos visitar as casas de penhores e ver o que conseguimos descobrir.

- Boa ideia, mesmo que a polícia já o tenha feito, vale a pena. - Frank sorriu, satisfeito, mas logo mudou de expressão: - Achas que o senhor Applegate nos vai dar uma lista?

- Não precisamos de lha pedir. O pai deve ter essa informação.

- Vamos tirar isso a limpo já.

Quando os rapazes chegaram a casa encontraram o pai à sua espera.

- Tenho notícias para vocês - disse. - A vossa teoria de que o automóvel espatifado também era roubado confirmou-se. O chefe Collig telefonou-me agora para dizer que o verdadeiro dono foi identificado pelo número do motor. O carro pertence a um homem de Thornton.

- Óptimo. É mais um ponto contra o ladrão - declarou Joe.

Mas, logo a seguir, foi como um balde de água fria, quando pediram ao pai uma lista das jóias e também dos títulos das acções.

- Posso ceder-vos todas as informações que possuo - respondeu Fenton Hardy -, mas receio que não sejam muito úteis. E aposto que sei o que vão fazer.

- O quê?

- Correr as lojas de penhores para ver se alguma das jóias foi penhorada.

Os irmãos entreolharam-se surpreendidos.

- Já era de esperar- comentou Frank. O pai sorriu.

- Uma hora depois de ter sido chamado para tomar conta do caso já enviara uma descrição completa das jóias para todas as lojas de penhores da cidade. A descrição também foi enviada aos fabricantes de jóias e às lojas de penhores de outras cidades aqui perto, bem como à polícia de Nova Iorque. Aqui está um duplicado da lista, se a quiserem, mas vão perder tempo a visitar as lojas. Os comerciantes estão todos alerta.

Mecanicamente, Frank pegou na lista.

- E eu que pensava que era uma ideia brilhante!

- Mas é uma ideia brilhante, só que já foi usada antes. A maior parte dos roubos de jóias são assim descobertos, apanhando o ladrão quando ele tenta livrar-se das jóias.

- Bem - observou Joe, alquebrado-, parece-me que esse plano está arrumado. Anda, Frank. Vamos pensar noutro.

- Estão a tentar ganhar a recompensa? - inquiriu o detective, rindo.

- Sim. Aliás ... vamos ganhá-la.

- Espero que sim. Mas não me podem pedir que vos ajude mais. O caso também é meu. Por isso, a partir de agora somos rivais!

- Está combinado!

- Então, boa sorte! - Fenton Hardy, sorrindo bem disposto, voltou para a secretária.

Tinha um monte de relatórios de lojas e de agentes em vários pontos do estado, através dos quais tentara descobrir a pista das jóias e acções roubadas, mas em todos os casos o relatório fora o mesmo: não havia qualquer pista das jóias e acções roubadas da Mansão da Torre.

Quando os rapazes deixaram o escritório do pai, foram sentar-se nos degraus da porta das traseiras. Joe fincou os cotovelos nos joelhos e apoiou a cabeça nas mãos, desalentado.

- O que havemos de fazer? - murmurou.

- Não sei. O pai desmoralizou-nos mesmo.

- É verdade. Mas foi melhor assim. Poupou-nos imenso trabalho.

- Sim, podíamos andar por aí às voltas inutilmente - concordou Frank. - Parece que o pai está mais por dentro do caso ... pelo menos na cidade.

- Em que estás a pensar? - quis saber Joe.

- Devíamo-nos concentrar no campo. Começámos a perseguir o ladrão porque ele roubou o carro de Chet. Vamos retomar as buscas a partir daí. Vamos novamente a Willow Grove.

- E depois?

- O ruivo talvez tenha voltado ao bosque para ir buscar o carro de Chet e...

- Frank, és um génio! Pensas que o homem pode ter deixado rasto.

- Exactamente.

De novo fervilhando de entusiasmo, os irmãos gritaram para a senhora Hardy onde iam e partiram de moto. Apearam-se no mesmo sítio do piquenique e dirigiram-se à clareira isolada onde o carro estivera escondido.

Tudo parecia na mesma. Examinaram o solo cuidadosamente em busca de novas pegadas, mas não encontraram nenhumas. Porém, Joe apontou para umas marcas circulares de cerca de 15 centímetros, a intervalos regulares.

- São do tamanho de pegadas humanas -: observou - e não me lembro de as ter visto da outra vez.

- Eu também não - disse Frank. - Achas que o ladrão atou almofadas aos sapatos para não deixar pegadas?

- É uma hipótese ... Vamos ver onde nos conduzem.

Os rapazes seguiram as marcas circulares através do bosque. Não tinham andado muito quando os olhos se lhes iluminaram de excitação.

- Uma outra pista! - exclamou Joe. - E desta vez é de primeira!

 

                     Detectives rivais

- Talvez agora o pai nos queira do lado dele, se lhe mostrarmos isto - disse Frank, sorrindo.

- Espera aí - interrompeu Joe. - Pensava que agora éramos rivais e que tu e eu tínhamos de descobrir o mistério sozinhos, para ganharmos a recompensa.

Frank levantou então da terra um chapéu de homem, muito usado, e um velho casaco.

- Se pertencem àquele ladrão, penso que já ganhámos o dinheiro!

Apalpou os bolsos do casaco, mas estavam vazios.

- Por aqui não há pistas - continuou, menos satisfeito.

- Mas o chapéu tem uma etiqueta. É de uma loja de Nova Iorque - esclareceu Joe, sem desarmar.

- Óptimo, e o casaco também-acrescentou Frank-, da mesma loja. Bem, uma coisa é certa: se pertencem realmente ao ladrão, ele não os deixou intencionalmente. As etiquetas são uma denúncia muito perigosa.

- Deve ter-se assustado - concluiu Joe. - Se calhar, quando descobriu que o carro do Chet tinha desaparecido, achou melhor pôr-se a milhas e, com a pressa, esqueceu-se do casaco e do chapéu.

- O que eu quero saber - replicou o irmão - é se há cabelos ruivos nesse chapéu.

- Grande ideia! - exclamou Joe.

Levou o chapéu para um lugar onde a luz atravessava a folhagem das árvores e inspeccionou-o atentamente por dentro, quase o virando do avesso.

- Eia! Estamos cheios de sorte! - gritou, eufórico. Frank olhou para duas pequenas madeixas de cabelo ruivo. Tinham todo o ar de pertencer à cabeleira que os rapazes tinham encontrado.

- Pelos vistos temos de dizer ao pai - suspirou Joe. - Ele é que tem a cabeleira.

- Exacto.

Regressaram de imediato a casa, levando bem seguras as suas preciosas pistas. O senhor Hardy ainda estava no escritório quando os filhos chegaram. O detective levantou os olhos, francamente surpreendido por vê-los de volta tão cedo. Um relampejo quase imperceptível brilhou no seu olhar.

- O quê! Mais pistas? - admirou-se. - Vocês lançaram-se ao trabalho de alma e coração!

- Acertou. Temos mais pistas! - confirmou Frank, animado. Narrou a história e depôs o casaco e o chapéu sobre a mesa.

- Temos isto para lhe mostrar - rematou.

- Mas pensei que vocês os dois estavam a trabalhar neste caso como meus rivais.

- Para dizer a verdade - confessou Frank -, não sabemos o que fazer com a pista que encontrámos, porque ela conduz a Nova Iorque.

O senhor Hardy inclinou-se para a frente, sobre a secretária, quando Frank apontou para as etiquetas e para as duas madeixas de cabelo ruivo.

- E, além disso - prosseguiu Joe -, parece-me que a única maneira de provar que estas roupas pertencem ao ladrão é comparar estas madeixas com as da cabeleira ruiva. Frank e eu não temos a cabeleira.

Com um sorriso, o detective dirigiu-se aos seus ficheiros e retirou-a de lá.

- O chefe Collig deixou-a aqui. Comparando as madeixas, verificaram que condiziam perfeitamente.

Fenton elogiou os filhos:

- Vocês fizeram grandes progressos e por isso vou confiar-vos um pequeno segredo. Collig pediu-me que visse o que conseguia descobrir sobre a cabeleira, que ela não tinha nem o nome do fabricante.

- E descobriu alguma coisa? - perguntou Joe, ansioso.

Os olhos do pai brilharam de novo.

- Parece-me que os assistentes de Collig não investigaram a fundo. Seja como for, descobri que há um forro interior onde consta o nome do fabricante. Também é de Nova Iorque e estava mesmo a pensar em tomar um avião e ir lá falar com ele. Agora vocês deram-me um duplo incentivo para essa deslocação.

Frank e Joe sorriram de prazer, mas logo a seguir os rostos toldaram-se-lhes.

- O que se passa? - inquiriu o pai.

- Assim o pai vai resolver o caso sozinho - lamentou Joe.

- Nada disso - replicou o detective. - O mais provável é a pessoa que comprou a cabeleira não ter dado o nome. Por outro lado, o chapéu pode ter sido comprado há muito tempo e não me "cheira" que o vendedor se lembre de quem o comprou. O mesmo se passará com o casaco.

Os dois rapazes recobraram ânimo.

- Então o caso está longe de ser resolvido - disse Frank.

- Em qualquer caso, estas são todas boas pistas - considerou o senhor Hardy. - E há sempre a esperança de a loja não ser longe do local onde o suspeito vive. Embora seja uma possibilidade remota, não podemos dar-nos ao luxo de a ignorar. Vou levar estes artigos até à origem e ver o que posso fazer. Pode ter muita importância ou nenhuma. Não fiquem desapontados se eu voltar de mãos vazias. E não fiquem surpreendidos se eu regressar com alguma informação valiosa.

Com estas palavras, o detective atirou o casaco, o chapéu e a cabeleira para uma mala que já se encontrava aberta junto da sua mesa. Estava habituado a ser chamado, de repente, em missões estranhas e bastavam-lhe uns escassos minutos para ficar pronto a viajar.

- Não adianta muito partir agora - disse ele, olhando para o relógio. - Mas sairei logo de amanhã cedo. Entretanto vocês continuem de olhos abertos para descobrir mais pistas. Faltam muitas respostas antes de o caso ser dado por encerrado.

O senhor Hardy pegou em alguns papéis que estavam sobre a sua secretária, dando a entender que a entrevista tinha acabado. Os filhos deixaram o escritório mas estavam tão excitados que, quando se deitaram naquela noite, não conseguiam dormir.

- Esse ladrão deve ser muito esperto - murmurou Joe, depois de terem prolongado a conversa pela noite dentro.

- Quanto mais espertos os trapaceiros, mais depressa caem - respondeu Frank. - Se este sujeito já tiver cadastro, não levará muito tempo a apanhá-lo. Já ouvi o pai dizer que não há patifes espertos. Se fossem realmente espertos não eram patifes.

- Sim, isso parece lógico. E confirma que não se trata de um amador. Este sujeito é muito esquivo.

- Terá de se esquivar muito mais de agora em diante. Quando o pai encontra pistas, não desiste enquanto não apanha o homem.

- E não te esqueças de nós - emendou Joe bocejando. E com isto os rapazes adormeceram.

Quando desceram para tomar o pequeno-almoço, na manhã seguinte, Frank e Joe souberam que o pai tinha partido para Nova Iorque de manhã cedo. A mãe observou:

- Ficarei muito aliviada quando ele regressar! Estas missões às vezes revelam-se perigosas.

Acrescentou ainda que o marido prometera telefonar-lhe se não regressasse para jantar e completou a informação com um sorriso provocante:

- O pai disse que talvez tenha uma surpresa para vocês, se ficar em Nova Iorque.

A senhora Hardy recusou-se a levantar o véu do segredo mais uma pontinha que fosse. Os rapazes foram para as aulas, mas durante a manhã pouco conseguiram concentrar-se no estudo. Perguntavam-se como estaria Fenton Hardy a progredir na sua investigação em Nova Iorque e qual seria a surpresa.

Slim Robinson estava no liceu nesse dia, mas depois das aulas confidenciou aos amigos que ia deixar a escola para sempre.

- Não há outra maneira-desabafou. - O pai não me pode manter a estudar por mais tempo e devo ajudar a família. Amanhã vou começar a trabalhar num supermercado.

- Tu, que gostarias de ir para a universidade! - exclamou Frank. - É uma pena!

- Não posso evitá-lo - replicou Perry, franzindo a testa. - Considero-me cheio de sorte por ter prosseguido nos estudos tanto tempo. Agora é questão de desistir dos planos da universidade e estabelecer-me no mundo dos negócios. Tem uma vantagem: vou aprender o trabalho do supermercado desde a base. Começo no departamento de recepção. - Sorriu. - Talvez dentro de cinquenta anos seja o director da empresa!

- Serás bom em tudo o que fizeres - assegurou-lhe Joe. - Mas lamento que não possas ir para a universidade como pretendias. Não percas a esperança, Slim. Nunca se sabe o que pode acontecer. Talvez o ladrão que assaltou a Mansão da Torre seja descoberto depressa.

Frank e Joe queriam pôr Slim ao corrente das pistas que tinham conseguido no dia anterior, mas acudiu-lhes o mesmo pensamento: seria asneira levantar falsas esperanças. Por isso despediram-se e desejaram-lhe boa sorte. Perry tentou parecer alegre, mas o sorriso desvaneceu-se-lhe quando se afastou deles, seguindo pela rua abaixo.

- Sinto mesmo pena dele - disse Frank quando se dirigiam a casa. - Era tão aplicado e estava tão convencido de que poderia ir para a universidade.

- Temos mesmo de resolver o mistério do roubo da mansão - declarou o irmão.

Ao aproximarem-se de casa, estugaram o passo. E se descobrissem que o pai tinha voltado e já sabia a identidade do ladrão? Ou teria ficado em Nova Iorque? Estariam eles prestes a partilhar mais um dos seus segredos?

 

                 A investigação

Os dois irmãos começaram por entrar na garagem. Repararam que só ali estava o carro da senhora Hardy. O pai tinha levado o dele para o aeroporto e, pelos vistos, ainda não voltara.

- O pai não está em casa! - gritou Joe, exuberante. - Agora vamos saber qual é a surpresa. - Correndo para a cozinha chamou: - Mãe!

- Estou cá em cima, querido!

Os rapazes galgaram a escada a dois e dois e a mãe assomou à porta do quarto deles. Com um largo sorriso apontou para uma mala já feita sobre a cama de Frank. Ficaram confundidos.

A seguir, Laura Hardy tirou dois bilhetes de avião e algumas notas de dólar do bolso do vestido. Deu um bilhete e metade do dinheiro a cada um deles e explicou:

- O pai quer que vão ter com ele a Nova Iorque para o ajudarem no caso.

Frank e Joe ficaram momentaneamente sem fala, depois abraçaram-se à mãe:

- Que óptimo! - exclamou Joe. - Que surpresa! Frank olhou afectuosamente para a mãe.

- Esteve mesmo ocupada hoje, a arranjar os nossos bilhetes e o dinheiro. Gostaria que também fosse.

A senhora Hardy riu-se.

- Quando for a Nova Iorque passar o fim-de-semana quero divertir-me com vocês e não andar a correr as esquadras da polícia e os esconderijos dos ladrões - redarguiu. - Vou na próxima vez. Bem, vamos para baixo depressa. Preparei-vos uma refeição rápida. Depois vou levar os meus "filhos-detectives" ao aeroporto.

Menos de duas horas depois Frank e Joe encontravam-se no avião a caminho de Nova Iorque. Fenton Hardy esperava-os à chegada e levou-os para o hotel, onde lhes tinha marcado o quarto junto do seu. Só depois de fecharem a porta ele abordou o assunto do mistério.

- O caso assumiu um aspecto interessante e pode envolver muita pesquisa. Foi por isso que pensei que vocês podiam ajudar-me.

- Conte-nos o que aconteceu até agora - pediu Frank, sem poder conter-se por mais tempo.

O pai explicou-lhes que, logo que chegara à cidade, tinha ido aos escritórios da companhia que fabricara a cabeleira ruiva. Pediu para entregarem um cartão seu ao director e pouco depois foi recebido por ele.

- É porque o nome de Fenton Hardy é conhecido do Atlântico ao Pacífico! - exclamou Joe orgulhoso.

O detective piscou o olho ao filho e continuou a narrativa:

- "Há clientes nossos em apuros, senhor Hardy?", perguntou-me ele quando coloquei a cabeleira ruiva sobre a sua secretária. "Ainda não", disse eu. "Mas um deles pode vir a estar se eu conseguir descobrir quem comprou esta cabeleira. O director pegou nela, examinou-a cuidadosamente e franziu a testa. "Vendemos praticamente a uma clientela exclusiva, que pertence ao teatro. Espero que nenhum dos actores tenha feito algo de errado." "Pode dizer-me quem comprou esta cabeleira?", indaguei eu. "Só fazemos cabeleiras por encomenda", explicou ele. Tocou uma campainha ao lado da secretária e entrou um rapaz que levou uma mensagem escrita. "Pode ser difícil. Esta cabeleira não é nova. De facto, diria que foi fabricada há cerca de dois anos." "É muito tempo. Mas mesmo assim...", encorajei-o eu. Poucos minutos depois, um homem idoso e de óculos entrava no escritório, em resposta à chamada do director. "Aqui está Kauff-man", apresentou-o o director. "É o nosso perito. O que ele não souber sobre cabeleiras ninguém mais sabe." Depois, voltando-se para o homem, entregou-lhe a cabeleira ruiva e inquiriu: "Lembra-se dela, Kauffman? O homem olhou para ela com ar de dúvida. Depois, olhou vagamente para o tecto. "Cabeleira ruiva ... cabeleira ruiva...", murmurou, perscrutando a memória. "Com cerca de dois anos, não é?", acrescentou o director. "Quase. Eu diria ano e meio. Parece do tipo que usam os actores de comédia. Deixem-me pensar ... Não tem havido muitos dos nossos clientes a representar esses papéis no último ano e meio. Vejamos. Ora vejamos ..." O homem percorreu o escritório para trás e para diante, murmurando nomes. Subitamente parou, dando um estalo com os dedos. "Já sei! Deve ter sido Morley que comprou essa cabeleira ... É isso! Harold Morley. Estava a representar o reportório de Shakespeare com a companhia Hamlin. É muito esquisito com as cabeleiras. Têm de estar mesmo à medida. Lembro-me de que comprou esta porque veio cá há cerca de um mês encomendar outra igual." "Porque faria ele isso?", perguntei-lhe. Kauffman encolheu os ombros. "Não são assuntos meus. Muitos actores têm dois conjuntos de cabeleiras. Morley está agora no teatro O Crescente. Porque não vai visitá-lo?" "Vou lá, sim", respondi eu. E é isso exactamente o que vamos fazer, após uma pequena ceia - concluiu Fenton Hardy.

- Acha que esse actor é o ladrão? - interrogou Frank, admirado. - Como poderia andar de cá para lá, entre Bayport e Nova Iorque, tão depressa? Ele não tem estado a representar aqui na cidade todas as noites?

O senhor Hardy admitiu que também se sentia confundido. Tinha a certeza de que Morley não era o homem que usara a cabeleira no dia em que o carro de Chet fora roubado, pois a companhia de Shakespeare estava a representar há três semanas consecutivas em Nova Iorque. Era pouco provável, de qualquer modo, que o actor fosse ladrão.

Os três Hardy chegaram ao camarim de Morley meia hora antes de o pano subir. O detective apresentara o seu cartão a um porteiro com ar desconfiado à entrada do teatro, mas acabaram por ser conduzidos, ele e os filhos, ao camarim do senhor Morley. Era acolhedor, tinha uma carpete no chão, as paredes cobertas de fotografias e um vaso com uma linda planta na janela que dava para uma transversal.

Sentado em frente de um grande espelho, iluminado por uma fieira de lâmpadas de cada lado, viram um homem baixo e forte, quase completamente careca. Estava a aplicar diligentemente a maquilhagem no rosto. Sem se voltar, fixou os visitantes através do espelho e convidou-os a sentar-se. O senhor Hardy ocupou a única cadeira disponível e os rapazes sentaram-se no chão.

- Tenho ouvido falar em si, senhor Hardy - começou o actor, numa voz surpreendentemente cava, que contrastava comicamente com a sua estatura. - É um prazer conhecê-lo. A que devo a sua visita? É social ou profissional?

- Profissional.

Morley não interrompeu o que estava a fazer mas acrescentou distraidamente:

- Então diga lá do que se trata.

- Já alguma vez viu esta cabeleira? - perguntou-lhe o detective, pousando a cabeleira em frente dele.

Morley voltou-se finalmente e no seu rosto transparecia uma certa satisfação:

- Oh, não há dúvida que já a vi! - exclamou. - Foi o velho Kauffman, o melhor fabricante de cabeleiras do país, quem ma fez há cerca de ano e meio. Mas onde a encontraram? Pensei que nunca mais a voltaria a ver.

- Porquê?

- Foi roubada. Um patife qualquer entrou aqui uma noite, durante a representação, e esvaziou-me o camarim. A coisa mais descarada que já vi. Penetrou aqui enquanto eu estava no palco. Surripiou-me o relógio, dinheiro e um anel de diamantes que eu tinha deixado junto do espelho. Levou esta cabeleira e umas outras que estavam por aí. Sumiu-se. Ninguém o viu chegar ou partir. Deve ter entrado por aquela janela.

Morley descreveu tudo em frases curtas e rápidas e a sua sinceridade era visível.

- Todas as cabeleiras eram ruivas. Não me preocupei muito com as outras porque eram velhas. Mas desta eu precisava naquela altura. Kauffman fê-la especialmente para mim. Tive de mandar fazer outra. Afinal onde é que a encontraram?

- Bem, os meus filhos encontraram-na numa investigação que temos entre mãos. O malandro deixou-a cair e eu estava a tentar descobri-lo através dela.

Morley não perguntou mais nada.

- É tudo o que sei dizer-lhes - concluiu. - A polícia nunca descobriu quem me assaltou o camarim.

- Lamento. Bem, espero apanhá-lo de qualquer modo. Dê-me uma lista e a descrição dos artigos que ele lhe roubou. Talvez o consiga "caçar" através deles.

- De boa vontade - prontificou-se o actor, abrindo uma gaveta de onde tirou uma folha de papel que estendeu ao detective. - Eis a lista que dei à polícia quando fiz a participação. O número do relógio e tudo. Não mencionei as cabeleiras. Pensei que já não estariam em condições se alguma vez fossem encontradas.

O senhor Hardy dobrou o papel e guardou-o no bolso. Morley olhou para o relógio que estava ao lado do espelho e exclamou:

- Deus meu! O pano sobe dentro de cinco minutos e eu ainda não estou maquilhado. Desculpem, mas tenho de me despachar. Na minha profissão não podemos dizer "Estou quase pronto, é só um minuto."

Com uma tinta gordurosa voltou à tarefa de alterar o seu aspecto de acordo com a personagem que ia representar naquela noite. Os três Hardy despediram-se e saíram do teatro.

- Não tivemos muita sorte aqui - comentou Frank.

- A não ser quanto à jóia roubada a Morley - lembrou-lhe o pai. - Se a encontrarmos numa loja de penhores podemos chegar ao ladrão. E agora, filhos, gostariam de entrar no teatro pela porta da frente para ver a peça?

- Claro, pai - responderam ambos.

- Amanhã tentaremos descobrir o nome e a direcção do ladrão através do casaco e do chapéu? - quis saberJoe.

- Evidente - replicou o detective.

Os Hardy gostaram imenso da peça O Mercador de Veneza, em que Morley era Launcelot Gobbo, e riram deliciados com os seus gestos e palavras.

Na manhã seguinte, o detective e os filhos visitaram a loja em que tinham sido comprados o casaco e o chapéu do ladrão. Souberam que os feitios eram de há três anos atrás e que não havia processo de averiguar quem os tinha comprado.

- Esses artigos - acrescentou o chefe da secção de vestuário de homem - podem ter sido adquiridos mais recentemente numa loja de roupa em segunda mão.

Os Hardy agradeceram-lhe e retiraram-se.

- Toda esta viagem para nada - suspirou Joe.

O pai colocou a mão no ombro do rapaz.

- Um bom detective - admoestou-o com brandura - nunca suspira de desalento nem fica impaciente. Foram precisos anos de persistência para resolver certos casos famosos.

Depois sugeriu que o esforço seguinte fosse aplicado em pesquisa nos arquivos da polícia. Como Fenton Hardy fora noutros tempos membro daquela corporação de Nova Iorque, era-lhe permitido o acesso aos arquivos quando quisesse.

Frank e Joe acompanharam-no e lançaram-se ao trabalho. Antes de mais procuraram os criminosos de Nova Iorque que usavam disfarces. Destes, os Hardy leram os relatórios dos que eram magros e de estatura média. A seguir verificaram pelo telefone onde se encontravam eles à data dos acontecimentos de Bay-port. Aparentemente todos se encontravam longe, à excepção de um.

- Aposto que é o nosso homem! - exclamou Frank. - Mas onde está ele agora?

 

               Espera ansiosa

O suspeito, conforme foram informados, estava em liberdade condicional. Chamava-se John Jackley mas era conhecido por Jackley Cenoura porque usava uma cabeleira ruiva quando tinha sido preso da primeira vez.

- Ele vive mesmo em Nova Iorque e talvez já esteja em casa agora - instou Joe. - Vamos vê-lo.

- Calma, rapaz - segurou-o o pai. - Não me agrada deixar a mãe sozinha durante tanto tempo. Além disso, neste tipo de investigação, três detectives juntos dão demasiado nas vistas e alertam o criminoso. Esse Jackley pode ou não ser o nosso homem e, se for, talvez se revele perigoso. Quero que vocês apanhem o avião de volta a casa esta noite. Prometo-lhes que telefono para casa logo que o ladrão seja apanhado.

- Está bem, pai - responderam os filhos, obedientes, embora ficassem secretamente decepcionados por terem de se ir embora.

Quando chegaram a casa, Frank e Joe descobriram que a mãe tinha estado a trabalhar no caso de um modo completamente diferente - encarregara-se do aspecto humanitário.

- Fui visitar os Robinson para os animar um pouco - explicou ela. - Contei-lhes a vossa viagem a Nova Iorque e isso alegrou-os bastante. Na segunda-feira vou preparar uma perna de porco e fazer um bolo para vocês lhes levarem. A senhora Robinson não está bem e não pode cozinhar muito.

- É muito simpático da sua parte! - elogiou Frank, com admiração. - Eu vou lá.

Joe tinha uma partida de ténis.

- Eu farei o próximo recado - prometeu.

Na segunda-feira, durante um intervalo das aulas, Frank quase chocou com Callie Shaw no corredor.

- Olá! - cumprimentou ela. - Que grande problema ocupa o espírito do detective Hardy? Parece que deixaste fugir o chefe dos criminosos!

Frank franziu a testa.

- Antes fosse o caso-desabafou ele muito sério. Contou a Callie que tinha telefonado para casa a meio do dia. Esperava que o pai já tivesse comunicado a prisão do verdadeiro assaltante da casa dos Applegate e a consequente ilibação do senhor Robinson.

- Mas não há notícias, Callie, e estou preocupado- explicou, desanimado. - O pai pode estar em perigo.

- Compreendo. O que pensas que aconteceu?

- Bem, nunca se sabe. Quando se lida com criminosos ...

- Frank, não estás a pensar que o teu pai se deixou cair numa armadilha? - perguntou Callie, alarmada.

- Não, não estou pessimista. Talvez o pai não tenha voltado, simplesmente porque ainda não encontrou o homem que procurava.

- Bem, desejo sinceramente que o ladrão já esteja realmente preso - continuou Callie. - Mas, Frank, ninguém acredita que tenha sido o pai de Slim.

- Ninguém ... a não ser Hurd Applegate e as agências de emprego. Por isso, até encontrarem o homem que realmente roubou as coisas, o senhor Robinson está desempregado.

- Quero ir ver os Robinson um dia destes. Onde vivem agora?

Frank deu a morada a Callie, que ficou pasmada.

- Isto é num dos bairros mais pobres da cidade, Frank! Não sabia que os Robinson estavam em tão má situação.

- Estão sim e só irá piorar se o senhor Robinson não arranjar trabalho depressa. O que Slim ganha não chega para sustentar a família toda. Callie, e se viesses comigo ver os Robinson depois das aulas? A mãe vai mandar-lhes alguma comida e um bolo.

- É uma boa ideia - concordou Callie. Separaram-se à porta da sala de Álgebra.

Logo que acabaram as aulas, Frank e Callie saíram do edifício juntos. Primeiro passaram na casa dos Shaw para a rapariga deixar os livros.

- Acho que vou levar alguma fruta aos Robinson - lembrou-se Callie, enchendo rapidamente um cesto com laranjas, bananas e uvas.

Quando chegaram a casa dos Hardy, Frank indagou imediatamente da mãe se tinha chegado algum recado.

- Não, ainda não - respondeu ela.

Frank não quis pô-la ao par da sua preocupação a respeito do pai. Guardou a comida num saco e pegou na caixa do bolo em silêncio. Depois de chegarem à rua, confiou os seus cuidados a Callie.

- Parece realmente estranho não teres sabido nada - admitiu ela. - Mas olha, os Franceses dizem Pas de nouvelles, bonnes nouvelles, ou seja, não haver notícias já é bom sinal. Por isso não estejas tão ralado.

- Sigo o teu conselho - concordou Frank. - É desagradável parecermos tristes perante os Robinson.

- E muito mais se estás comigo - replicou Callie, fingindo-se zangada.

Tomaram um autocarro que se dirigia à parte da cidade onde viviam os Robinson. Foi uma viagem longa e as ruas iam-se tornando menos atraentes à medida que se afastavam para os arredores de Bayport.

- É lamentável - declarou Callie subitamente. - Os Robinson sempre estiveram acostumados a viver num sítio bonito! E agora têm de viver aqui! Oh, espero que o teu pai apanhe o homem que cometeu o roubo ... e depressa!

Os olhos dela brilhavam e, por um momento, parecia tão zangada que Frank se riu:

- Suponho que gostarias de ter o papel de juiz ou de jurado nesse julgamento.

- Dava-lhe cem anos de cadeia! - afirmou Callie, peremptória.

Quando chegaram à rua para onde os Robinson se tinham mudado, constataram que ainda era mais pobre do que tinham pensado. As pequenas casas estavam muito necessitadas de pintura e reparação. No meio da rua brincavam crianças quase andrajosas.

Na extremidade da rua ficava uma pequena casa que parecia acolhedora, apesar do ambiente que a rodeava. A vedação tinha sido consertada e o pátio apresentava-se cuidado.

- É aqui que vivem - apontou Frank.

- É a casa mais bem arranjada de toda a rua - comentou Callie, esboçando um sorriso.

Paula e Tessie vieram à porta quando eles bateram. As expressões das gémeas iluminaram-se de prazer ao reconhecerem os visitantes.

- Frank e Callie! - exclamaram. - Entrem.

Foram igualmente bem acolhidos pela mãe. Apesar de pálida e abatida, mantinha o domínio de si que já lhe tinham visto na Mansão da Torre.

- Não podemos demorar muito tempo - desculpou-se Callie. - Mas Frank e eu queríamos saber como estavam. E trouxemos algumas coisas para vocês.

Entregaram-lhes a fruta, a carne e o bolo. Enquanto as gémeas soltavam exclamações face à comida, os olhos da senhora Robinson encheram-se de lágrimas.

- Vocês são muito simpáticos - balbuciou emocionada. - Frank, diz à tua mãe que não sei como lhe agradecer.

Frank sorriu-lhe timidamente e ela continuou:

- Callie, apreciamos muito esta fruta. Obrigada.

- É um presente maravilhoso - acrescentou Paula. - Sabem que Perry foi mudado para um trabalho melhor ao fim de dois dias de estar no supermercado?

- Ai, sim? Isso é óptimo! - animou-se Frank. - O gerente não levou muito tempo a perceber como Slim é esperto, hem?

As gémeas riram, mas a mãe murmurou tristemente:

- Se ao menos o meu marido encontrasse trabalho! Como aqui ninguém lhe dá emprego, está a pensar em ir procurar noutra cidade.

- E deixar-vos aqui?

- Penso que sim. Não sabemos o que fazer.

- É tão injusto! - protestou Paula indignada. -O pai não teve nada a ver com esse miserável roubo e contudo tem de sofrer por isso!

A senhora Robinson perguntou, hesitante:

- Frank, o teu pai já descobriu alguma coisa?

- Não sei - admitiu Frank. - Não temos notícias do pai. Tem estado em Nova Iorque a seguir algumas pistas, mas até à data não nos disse nada.

- Mal nos atrevemos a esperar que ele consiga ilibar o meu marido. O caso é todo tão misterioso ...

- Já deixei de pensar nisso - declarou Tessie. - Se o mistério se resolver, óptimo. Senão, também não morreremos de fome. E o pai sabe que acreditamos nele.

- Sim. Penso que é inútil continuarmos a falar nisso - concordou a senhora Robinson. - Já esmiuçámos tanto o assunto que não há mais nada a dizer.

Assim, por acordo tácito, mudaram de assunto e, durante o resto do tempo, Frank e Callie contaram episódios da escola. A senhora Robinson e as raparigas convidaram-nos a ficar para jantar, mas Callie insistiu em ir-se embora. Quando estavam para partir, a senhora Robinson puxou Frank para o lado.

- Prometa-me uma coisa - pediu. - Informe-me logo que o seu pai chegue, isto é, se ele trouxer notícias.

- Farei isso, senhora Robinson - assentiu Frank. - Sei o que lhe deve custar a si e às gémeas esta espera.

- É horrível. Mas, com Fenton Hardy e os filhos a trabalhar no caso, tenho a certeza de que tudo se esclarecerá.

Callie e Frank mantiveram-se calados no caminho para casa. Tinham ficado profundamente impressionados com a mudança que o roubo da Mansão da Torre provocara na vida dos Robinson. Callie vivia a curta distância da casa dos Hardy e Frank acompanhou-a à porta.

- Até amanhã - despediu-se ela. - É verdade, Frank. E espero que tenhas boas notícias do teu pai.

O rapaz estugou o passo, quase correndo ansiosamente para casa. Joe veio ao seu encontro.

- Algum telefonema? Joe abanou a cabeça:

- A mãe está muito preocupada com o que pode ter acontecido ao pai.

 

                   Um intrometido

Passou outro dia inteiro e, como não houvesse ainda notícias do senhor Hardy, a mulher telefonou para o hotel em Nova Iorque. Foi informada de que o detective tinha deixado o hotel no dia anterior.

Sem alento e preocupados com o novo mistério do desaparecimento do pai, Frank e Joe mal conseguiram concentrar-se nos estudos.

Na manhã seguinte, quando a senhora Hardy os acordou, saudou-os com um grande sorriso.

- O vosso pai está em casa! - participou animada. - Está bem, mas vinha estafado. Está a dormir agora e, portanto, só vai contar-vos tudo depois das aulas.

Os rapazes estavam mortos por saber o resultado da viagem, mas foram obrigados a dominar a curiosidade.

- O pai devia estar muito cansado - observou Joe, quando a senhora Hardy foi para baixo preparar o pequeno-almoço. - De onde terá ele vindo?

- Provavelmente esteve a pé toda a noite. Quando está a trabalhar num caso esquece-se de dormir! Pensas que encontrou alguma coisa?

- Espero que sim, Frank. Gostaria que ele acordasse e nos contasse. Detesto ter de ir para as aulas sem saber nada.

Mas o senhor Hardy não acordou até os rapazes saírem de casa, embora eles tivessem "empatado" a ponto de se arriscarem a chegar atrasados.

Logo que as aulas terminaram, correram para casa como loucos.

Fenton Hardy encontrava-se na sala de estar e, quando os filhos entraram, ofegantes, sorriu abertamente. Parecia recuperado, após o longo sono, e era evidente que a viagem não fora infrutífera, porque mostrava um ar alegre.

- Olá, rapazes! Desculpem ter-vos causado preocupações, a vocês e à mãe.

- Conseguiu alguma coisa, pai? - perguntou Frank.

- Sim e não. Deixem-me começar pelo princípio: fui à casa onde Jackley Cenoura estava alojado. Embora parecesse ter um comportamento exemplar em liberdade condicional, decidi observá-lo por algum tempo e tentar travar amizade.

- Como é que fez isso?

- Ocupei um quarto na mesma casa e fingi ser um outro criminoso.

- Que bela ideia! - aplaudiu Joe. - E depois?

- O próprio Jackley estragou tudo. Envolveu-se num roubo de jóias e desapareceu da cidade. Felizmente ouvi-o fazer as malas e segui-o. A polícia andava atrás dele e não lhe era possível sair da cidade de avião ou de autocarro. Iludiu a polícia saltando para um comboio de mercadorias.

- E o pai continuou a segui-lo, não?

- Perdi-o por duas ou três vezes, mas consegui sempre voltar a encontrar-lhe o rasto. Saiu da cidade em direcção ao norte. Depois teve azar. Um detective dos caminhos de ferro reconheceu Jackley e a caça começou. Até essa altura limitara-me a seguir-lhe na peugada. Esperava ainda poder continuar o meu papel de outro fugitivo e ganhar a sua confiança, mas quando a perseguição começou a sério, tive de me juntar à polícia.

- E apanhou Jackley?

- Com muita dificuldade. A propósito, Jackley foi outrora empregado dos caminhos de ferro. Curiosamente, trabalhou a poucos quilómetros de Bayport. Conseguiu roubar uma vagoneta e escapou-se-nos. Mas não lhe valeu de muito, porque a vagoneta saltou da via numa curva e Jackley ficou gravemente ferido.

- Morreu? - perguntou Frank, rapidamente.

- Não, mas está no hospital e os médicos dizem que não têm muitas esperanças.

- Está sob prisão?

- Claro, por causa do roubo das jóias e também pelo assalto ao camarim do actor. Mas, provavelmente, não sobreviverá para responder a qualquer das acusações.

- Não descobriu nada que o ligasse ao roubo da mansão?

- Absolutamente nada.

Os rapazes ficaram desapontados e as suas expressões mostravam-no bem. Se Jackley Cenoura morresse sem confessar nada, o segredo do roubo da Mansão da Torre morreria com ele. O senhor Robinson poderia nunca vir a ser ilibado e teria de viver o resto dos seus dias sob o peso da suspeita.

- Falou com Jackley? - inquiriu Frank.

- Não consegui, ele não estava consciente.

- Então, é possível que nunca obtenha uma confissão dele ...

Fenton Hardy atalhou:

- Pode ser que consiga. Se Jackley recuperar a consciência e souber que vai morrer, talvez admita tudo. Tenciono ir vê-lo ao hospital para o interrogar sobre o roubo da Mansão da Torre.

- Está muito longe?

- Em Albany. Expliquei a minha missão ao médico e ele prometeu telefonar-me logo que Jackley esteja capaz de falar com alguém.

- O pai disse que ele costumava trabalhar perto daqui? - interrogou Joe.

- Foi, em tempos, empregado dos caminhos de ferro e conhece bem toda esta região. Mais tarde envolveu-se em roubos de vagões e, depois de sair da cadeia, tornou-se profissional. Suponho que voltou para aqui por esta área lhe ser tão familiar.

- Prometi telefonar à senhora Robinson - lembrou-se Frank. - Posso contar-lhe o que se sabe de Jackley?

- Acho que sim. Deve animá-la. Mas pede-lhe que não fale nisso a ninguém.

Frank fez a chamada e narrou parte da história do pai. A mulher do suspeito ficou pasmada, mas também aliviada com as notícias, e prometeu não divulgar a informação. Quando Frank desligou, soou a campainha da porta. Momentos depois, abria a porta ao "detective particular" Oscar Smuff.

- O teu pai está em casa? - perguntou ele.

- Sim. Entre. - Frank conduziu-o à sala de estar. Smuff, embora se considerasse um detective de primeira, tinha um grande respeito por Fenton Hardy. Pigarreou pouco à vontade.

- Boa tarde, Smuff - cumprimentou o senhor Hardy, de modo agradável. - Não quer sentar-se?

Oscar Smuff acomodou-se num sofá e olhou com ar embaraçado para os dois rapazes. O senhor Hardy acudiu logo:

- Se o seu assunto não for muito particular, gostaria que os meus filhos ficassem.

- Bem, creio que não faz mal - concordou Smuff. - Ouvi dizer que está a tratar do caso Applegate.

- Talvez.

- Esteve fora da cidade durante alguns dias - observou Smuff astutamente -, por isso deduzi que deve estar a trabalhar neste mistério.

- Muito perspicaz da sua parte, detective Smuff - disse o senhor Hardy, sorrindo para o visitante, mas com um relampejo de ironia nos olhos.

Este agitou-se na cadeira visivelmente inquieto:

- Eu também estou a investigar o caso. Pretendo ganhar a recompensa dos mil dólares, mas dividi-la-ia consigo. Gostaria de saber se descobriu algumas pistas.

O sorriso do senhor Hardy desvaneceu-se ao mesmo tempo que dizia secamente:

- Se estive fora, só a mim diz respeito. E se estou ou não a trabalhar no caso do roubo da Mansão da Torre também é só da minha conta. Terá de descobrir as suas próprias pistas, senhor Smuff.

- Bem, não fique ofendido, senhor Hardy - replicou o interlocutor. - Estou apenas ansioso por esclarecer este assunto e pensei que poderíamos trabalhar juntos. Ouvi dizer que estava com os polícias que perseguiram o criminoso Jackley Cenoura.

O senhor Hardy ficou visivelmente admirado. Não fazia ideia de que as notícias da captura de Jackley tivessem chegado a Bayport e muito menos que a sua própria participação nos acontecimentos fosse conhecida. A polícia local devia ter recebido a informação e Smuff conseguira apanhá-la de um modo qualquer.

- E então? - perguntou o senhor Hardy de modo casual.

- Jackley tinha algo a ver com o caso do roubo?

- Porque é que eu havia de saber?

- Não era nisso que estava a trabalhar?

- Como lhe disse, isso é só da minha conta. O detective Smuff parecia contristado.

- Estou a ver que não quer colaborar comigo, senhor Hardy. Faço tenção de ir ao hospital onde está Jackley e interrogá-lo sobre o caso. Como vê, não vou ficar quieto.

Os lábios do senhor Hardy crisparam-se e a sua expressão endureceu.

- Não pode fazer isso, homem. Ele está inconsciente. O médico não deixará que você o veja.

- Vou tentar. Jackley acabará por voltar a si e eu quero estar por perto. Há um avião às seis e basta-me sair de casa às cinco e meia para o apanhar. - Ao mesmo tempo bateu com a mão no peito, orgulhoso. - Os detectives podem quase saltar para dentro do avião no último momento, não é, senhor Hardy? Bem, vou falar com Jackley esta noite e pode ser que lhe telefone a contar o que ele disse. Veremos quem deslinda esta história.

- Faça como entender - rematou Fenton Hardy. - Mas não o aconselho a ir ao hospital. Vai estragar tudo. Jackley falará quando chegar a altura.

- Ah, então sempre é verdade! - exclamou Smuff triunfante. - Bem, eu vou para lá e hei-de conseguir uma confissão! - Com estas palavras, levantou-se, atravessou a sala e saiu.

 

                 Trabalho de equipa

Depois de Smuff ter partido, o senhor Hardy voltou a sentar-se com um ar muito contrariado.

- Aquele homem - desabafou - conduz as investigações de forma tão desajeitada que Jackley Cenoura se fechará como uma ostra, se ele chegar a abordá-lo.

Nesse momento, o telefone tocou. Os rapazes ficaram a escutar, na maior expectativa, enquanto o pai atendia:

- Está?... Ah, sim, doutor... Como? Jackley não deve resistir mais de vinte e quatro horas? E eu posso vê-lo?... Está bem... Obrigado. Boa tarde.

O detective pousou o auscultador e virou-se para os filhos.

- Vou tomar o avião das seis para Albany. Mas se Smuff também for, pode deitar tudo a perder. Jackley tem de ser interrogado primeiro pela polícia local e por mim.

- A que horas há outro avião depois do das seis? - perguntou Joe.

- Às sete.

- Então - continuou Frank, que já tinha percebido a ideia do irmão -, Smuff pode apanhar esse e só interrogará Jackley mais tarde. Anda, Joe, vamos ver o que se há-de fazer para ajudar o pai!

- Não se precipitem - avisou o pai.

- Não.

Frank saiu de casa e começou a descer a rua.

- Em que estás a pensar? - perguntou Joe ao chegarem à esquina.

- Temos de descobrir um modo de manter Smuff em Bayport até às sete horas.

- Mas como?

- Ainda não sei, mas há-de haver uma maneira. Não podemos permitir que ele entre pelo hospital dentro e faça o pai perder a oportunidade de obter uma confissão. Smuff é capaz de arruinar a investigação e o caso pode nunca mais ser resolvido.

- Tens razão.

Os irmãos caminharam em silêncio. Era claro que a situação era urgente, mas por mais que dessem voltas à imaginação não havia meio de descobrirem como impedir o detective Smuff de apanhar o avião das seis. Todas as ideias se desmoronavam.

- Vamos reunir o grupo - acabou por sugerir Joe. - Talvez eles façam alguma proposta melhor.

Os Hardy encontraram os amigos nos courts de ténis do liceu.

- Olá! - gritou Chet Morton quando viu Frank e Joe. - Vêm demasiado tarde para um jogo. Onde estiveram?

- Tivemos uma coisa muito importante para fazer - respondeu Frank - e, agora, precisamos do vosso auxílio.

- O que se passa? - indagou Tony Prito.

- Oscar Smuff está a tentar ganhar a recompensa dos mil dólares para conseguir ser aceite na polícia de Bayport. Mas, com isso, vai interferir num dos casos do pai - explicou Frank. - Não vos podemos dizer muito mais, mas o que interessa é que é preciso impedi-lo de tomar o avião das seis. Nós ... bem, nós queremos que apanhe só o das sete.

- E o que podemos nós fazer? - interessou-se Biff Hooper.

- Ajudem-nos a descobrir como manter Smuff em Bayport até às sete.

- Sem que o chefe Collig nos prenda! - interrompeu Jerry Gilroy. - Estás a falar a sério, Frank?

- Evidentemente. Se Smuff chegar a determinado sítio antes do pai arruinará a investigação. E devo acrescentar que isto tem que ver com Slim Robinson.

Chet Morton assobiou:

- Oh, oh! Estou a perceber. O roubo da Mansão da Torre. Se é isso, faremos com que o avião das seis parta daqui sem esse detective idiota. - Chet tinha um ferrete contra Smuff porque este denunciara-o uma vez por estar a nadar na baía fora de horas.

- Então o nosso problema - disse Phil solenemente - é empatar Smuff aqui sem nos metermos nós em apuros.

- Exacto.

- Bem - propôs Jerry Gilroy -, vamos pôr as cabeças a funcionar e arquitectar um plano.

Apresentaram várias ideias, cada qual mais ousada do que a anterior. Biff Hooper, mal contendo o riso, foi ao ponto de sugerir que raptassem Smuff, o atassem de pés e mãos e o metessem num barco à deriva na baía.

- Mais tarde iríamos salvá-lo - concluiu. A proposta era tão ridícula que os outros choraram a rir.

Phil Côhen deu a ideia de atrasarem o relógio do "homenzinho" uma hora. Esse plano, como Frank observou, era bom excepto por um pormenor: como mexer no relógio sem Smuff dar por isso?

- Podíamos mandar-lhe um aviso para não tomar o avião antes das sete - foi a vez de Tony Prito. - E assinávamos com uma caveira.

- É uma óptima ideia - aplaudiu Chet entusiasmado. - Vamos a isso!

- Esperem um momento - atalhou Frank. - Se Smuff descobrir quem o escreveu arranja-nos sarilho e podemos ser todos presos.

- Já sei! - gritou Joe subitamente, fazendo estalar os dedos. - Porque não pensei nisso antes? E é tão simples!

- Bem, diz lá - apressou Frank.

Joe explicou que, de vez em quando, Frank e ele iam à loja de fruta de Rocco e ficavam a substituí-lo enquanto o dono ia a casa tomar qualquer coisa, pois a loja ficava aberta à noite até às nove horas.

- A loja de Rocco fica muito perto da casa de Smuff e ele sabe que Frank e eu costumamos lá ir, por isso não vai estranhar se nos vir por lá. Sugiro que nos encontremos como por acaso perto da loja; depois, um após outro metemos conversa com Smuff e não o largamos. Talvez até consigamos que ele entre na loja. Sabem como ele gosta de comer.

- E que mal tem isso? - respigou Chet. - Por mim, vou convidá-lo a entrar e comprar-lhe uma maçã para a viagem.

- Um atraso de quinze minutos chega - disse Frank.

- Penso que é uma óptima ideia - apoiou Biff. - E tenho a certeza de que o senhor Rocco vai colaborar.

- Quem é que vai convencê-lo? - perguntou Phil.

- Isso é com Frank e Joe - respondeu Jerry. Rocco era um homem trabalhador, um imigrante italiano que ali se fixara alguns anos antes. Era uma pessoa simples e muito inteligente, que tinha grande admiração pelos Hardy.

O grupo dirigiu-se para a loja de fruta, mas só os Hardy entraram. Os outros espalharam-se para ficar à espreita de Smuff, que em breve sairia de casa. Cada um dos rapazes ensaiou o seu papel no plano traçado.

Frank e Joe encontraram Rocco a escolher laranjas.

- Buona será - cumprimentou. - Boa tarde. Que acham da mudança que fiz aqui?

- Está magnífico! - elogiou Frank calorosamente. - Novos expositores, melhores luzes. - Depois acrescentou: - Que diz o seu vizinho Smuff?

Rocco levantou as mãos num gesto enfastiado.

- Oh, esse homem! Ele põe eu doido. Diz eu cobro demasiado e eu devo voltar para o meu velho país.

- Não lhe ligue - aconselhou Joe. - Olhe, senhor Rocco, parece cansado. Porque não vai para casa por uma hora e Frank e eu tomamos conta da venda entretanto?

- Acham eu cansado? Minha mulher se preocupa. Então Rosa diz de fechar mais cedo. - Rocco suspirou. - Vocês são muito simpáticos. Eu faço o que dizem. Regresso às seis e meia. - Enquanto tirava o avental, pediu: - Preparei lixo no quintal para queimar. Vocês fazem isso?

- Com muito gosto.

Rocco mostrou-lhes então um incinerador no pátio e foi-se embora. Cinco minutos mais tarde ouviu-se um assobio na rua. Um sinal de Jerry! Frank e Joe foram até à porta da frente observar. Smuff estava a entrar no carro. Tal como tinham previamente combinado, Phil apressou-se a detê-lo.

O detective e o rapaz começaram a discutir e a esbracejar, mas este estratagema não resultou como queriam. A conversa demorou menos de dois minutos e Smuff pôs o carro a trabalhar.

- Frank - disse Joe-, tenho uma ideia. Vai atear o lixo. Vê lá se consegues fazer uma grande fogueira.

Sem mais explicações correu para a rua, mas Frank tinha percebido a ideia do irmão. Correu para o pátio e pegou fogo aos papéis que estavam no incinerador, em vários pontos diferentes. O lixo começou a arder vivamente.

Joe observava atentamente a cena; Smuff estava agora a ser interpelado por Biff e, entretanto, Chet dirigiu-se a ele para o persuadir a levar consigo alguma fruta para a viagem. O homem hesitou, mas depois abanou a cabeça e arrancou com o carro.

Só tinham passado 5 dos 15 minutos que eles pretendiam atrasá-lo! Joe reagiu imediatamente. Correndo para o meio da rua, levantou os braços em frente do carro.

- Venha depressa, Smuff! - gritou. - Há um incêndio no pátio de Rocco!

- Bem, apague-o. Estou com pressa! - replicou o detective com ar decidido.

- Quer dizer que deixa Bayport ficar reduzida a cinzas só porque está com pressa? - Joe fingiu-se indignado e deixou-se ficar especado diante do carro. Smuff não encontrou resposta, mas também não se mexeu. Joe concluiu então, dirigindo-se para o fundo da loja:

- Bem, Frank e eu vamos tratar disto sozinhos. Isto espicaçou o detective. Apercebeu-se de que podia perder uma oportunidade de se tornar um herói. Repentinamente fez marcha a trás e arrumou o carro ao pé da loja de fruta.

- Onde é o fogo? - gritou ele, quase chocando com Frank que vinha a chegar à porta da frente.

- O fogo ... é ... ali atrás ... no pátio - Frank fingiu-se ofegante. - Vá ver se é melhor ligar o alarme.

Smuff correu para as traseiras e saiu para o pátio. Por essa altura já os amigos dos Hardy se tinham juntado na loja perguntando, excitados, o que tinha acontecido.

- Frank! - gritou Smuff do fundo da loja. - Onde está Rocco? Arranjem-me um balde ... com água!

 

                       A confissão

- Rocco não está - respondeu Joe. - Há água num lavatório ali atrás. Acha que é de chamar os bombeiros?

- Não, eu trato disto - declarou Smuff. - Mas onde está um balde?

Frank correu para um cubículo no fundo da loja e descobriu um balde debaixo do lavatório. Encheu-o de água e passou-o ao detective, que correu para o pátio e o despejou sobre as chamas do incinerador. Estas assobiaram e crepitaram e, quase logo, extinguiram-se.

- Certas pessoas não têm juízo - comentou ele. - Quem se lembraria de acender um fogo e depois ir-se embora! Aposto que foi obra de Rocco! Quanto a vocês, tiveram de me chamar. Não lhes chega a coragem para apagar um simples fogo!

- Foi sorte o senhor estar por perto - observou Frank com um sorriso.

- Parece-me que sim - concordou Smuff. -- E o chefe Collig vai ouvir falar disto.

- Oh, por favor não lhe fale em nós - suplicou Joe, semicerrando os olhos para não deixar perceber o seu ar zombeteiro.

- Não é isso. "Oscar Smuff não é queixinhas." Quero dizer que Collig vai saber o que eu fiz. - O detective riu-se. - Mais um ponto a meu favor.

Mas, de repente, caiu em si e olhou para o relógio.

- Oh, não! - bradou. - Dez para as seis! Já não consigo apanhar o avião.

-- Que pena! - lamentou Frank, fingindo-se desolado. - Mas alegre-se, homem, há um avião para Albany às sete horas. Desejo-lhe boa sorte na sua entrevista.

Smuff saiu da loja a correr e desapareceu no carro. Os Hardy e os amigos desataram a rir e só pararam quando entrou na loja uma cliente. Nessa altura o grupo retirou-se, à excepção de Frank e Joe.

Rocco voltou às seis e meia e ficou satisfeito por se ter vendido tanta fruta na sua ausência.

- Vocês são melhor vendedores que Rocco. - E sorriu, bem disposto.

Os Hardy foram para casa contentes - tinham ganho o dia. O seu estratagema tinha resultado. O avião das seis partira sem Smuff e o pai podia chegar ao hospital e prosseguir o seu trabalho sem a interferência do irritante detective.

Fenton Hardy só regressou a casa na tarde seguinte. Quando os rapazes voltaram da escola encontraram-no muito bem-humorado.

- Resolveu o mistério? - inquiriu Joe, ansioso.

- Praticamente. Em primeiro lugar Jackley morreu.

- E confessou?

- Não estás a ser muito caridoso, Joe. Sim, confessou. Felizmente Oscar Smuff não apareceu enquanto Jackley estava a falar.

Frank e Joe entreolharam-se e o pai sorriu com ar cúmplice.

- Parece-me que vocês sabem mais do que aconteceu a Smuff do que querem dar a entender. Bem, de qualquer modo, a polícia de Albany e eu tivemos o campo livre. Vi Jackley antes de ele morrer e interroguei-o sobre o roubo da mansão.

- E ele admitiu tudo?

- Jackley disse que veio até Bayport com intenção de roubar. Roubou um carro, mas espatifou-o e, depois, levou o de Chet. Foi então que assaltou a bilheteira. Como não conseguiu o que queria resolveu deixar-se andar por aí mais alguns dias. A seguir foi à Mansão da Torre. Jackley entrou na biblioteca com luvas calçadas, abriu o cofre e tirou as jóias e as acções.

- E o que fez ele com o saque?

- E aí que quero chegar. Só ao saber que ia morrer é que confessou o roubo. Estas foram as suas palavras: " "Sim, tirei isso, mas não me atrevi a vender nada, por isso escondi as coisas. Podem recuperar tudo. Está na velha torre ... Mas não terminou. Perdeu os sentidos e nunca mais recuperou.

- Quando é que Smuff lá chegou? - perguntou Joe, cheio de curiosidade.

- Chegou quando Jackley já estava em coma - respondeu o senhor Hardy. - Sentámo-nos ambos à sua cabeceira, na esperança de que ele voltasse a si, mas morreu menos de uma hora depois. Jackley não chegou a dizer onde escondeu o produto do roubo na velha torre.

- Smuff sabe do que Jackley disse?

- Não.

- Se as coisas estiverem escondidas na torre dos Applegate, depressa as encontraremos!-exultou Frank.

- É verdade, a Mansão da Torre tem duas torres, a velha e a nova - lembrou Joe.

- Vamos investigar a velha primeiro.

- A história parece verosímil - observou o senhor Hardy. - Jackley não ganharia nada em mentir, ao morrer. Provavelmente entrou em pânico após ter cometido o roubo e escondeu-se na velha torre até poder escapar com segurança. Sem dúvida, decidiu esconder ali as coisas e arriscar-se a voltar lá mais tarde, quando o caso já estivesse esquecido.

Joe concordou:

- Por isso Jackley não podia ser descoberto através das jóias ou das acções. Não as tinha levado com ele - tèm estado na velha torre todo este tempo!

- Tentei que ele me dissesse em que parte da torre escondeu o espólio - continuou o detective -, mas ele morreu sem chegar a acrescentar mais qualquer coisa.

- Que azar! - disse Frank. - Mas não deve ser difícil encontrá-lo,agora que temos uma ideia de onde procurar. É natural que Jackley não tivesse tempo de o esconder muito cuidadosamente. Como a velha torre está desocupada há que tempos, as coisas estariam a salvo dos bisbilhoteiros.

Joe saltou da cadeira:

- Penso que devíamos ir fazer uma busca imediatamente. Talvez consigamos entregar, ainda esta tarde, as jóias e as acções ao velho Applegate e ilibar assim o senhor Robinson. Vamos?

- Deixo a busca a vosso cargo - disse o senhor Hardy com um sorriso -, para terem a satisfação de entregar os objectos roubados ao senhor Applegate. Parece-me que, de agora em diante, podem continuar a tratar do caso sem mim.

- Não teríamos ido muito longe se não tivesse sido o pai - declarou Frank.

- E eu não teria chegado até aqui sem vocês, por isso estamos quites. - O senhor Hardy sorriu abertamente. - Agora, boa sorte.

Quando os rapazes iam a sair do escritório, Frank voltou-se para trás:

- Obrigado, pai. Só espero que os Applegate não nos ponham na rua, quando pedirmos licença para ir rebuscar a velha torre. A verdade é que lá está um tesouro autêntico.

- Digam-lhes - aconselhou o detective - que tèm uma boa pista para procurar o sítio onde as coisas roubadas estão escondidas e eles deixar-vos-ão lá ir.

Joe entusiasmou-se:

- Frank, vamos receber a recompensa dos mil dólares ainda hoje!

Saíram a correr, confiantes em que estavam quase a desvendar o mistério do tesouro da torre.

 

                 Na velha torre

Quando os dois irmãos chegaram à Mansão da Torre, às quatro horas, a porta foi aberta pelo próprio Hurd Applegate. Alto, mas já um tanto curvado, mirou-os através dos óculos de lentes espessas. Na mão tinha uma folha de selos.

- Sim? - articulou secamente, aborrecido por ser incomodado.

- Lembra-se de nós, não lembra? - perguntou Frank, delicadamente. - Somos filhos do senhor Hardy.

- De Fenton Hardy, o detective? Ah ... sim. Bem, o que desejam?

- Gostaríamos de ir à torre velha, se não se importar. Temos uma pista relacionada com o roubo.

- Que tipo de pista?

- Temos provas que nos levam a crer que as jóias e os títulos foram escondidos pelo ladrão na torre velha.

- Ah, têm provas, hem! - O homem idoso mirou atentamente os rapazes. - Aposto que foi o patife do Robinson que vo-las deu. Escondeu as coisas e agora sugere-vos onde as poderão encontrar, para se ilibar.

Frank e Joe não tinham visto a questão por este ângulo e olharam para Hurd Applegate consternados. Por fim, Joe falou.

- O senhor Robinson não tem nada a ver com isto - protestou. - O verdadeiro ladrão foi encontrado e disse que os objectos roubados estavam escondidos na torre velha. Se nos deixar investigar, encontrá-los-emos.

- Quem é o verdadeiro ladrão?

- Preferíamos não lhe dizer enquanto não encontrarmos as jóias. Depois revelaremos toda a história.

O dono da casa tirou os óculos e limpou-os com o lenço. Olhou os rapazes em silêncio por alguns momentos e depois chamou:

- Adelia!

Do corredor escuro que desembocava na entrada chegou uma voz feminina:

- Que queres?

- Vem cá por um instante.

Ouviu-se um roçagar de saias e Adelia Applegate apareceu. Era uma mulher loira mas esmorecida, de feições finas, e as suas roupas, que deviam ter estado na moda 15 anos antes, tinham todas as cores do arco-íris, qual delas mais berrante.

- Que se passa? - perguntou ela. - Não me posso sentar para costurar um pouco sem que me interrompas, Hurd.

- Estes rapazes querem investigar a torre velha.

- Para quê? Vão fazer alguma.

Os Hardy já receavam que não lhes dessem o consentimento mas Frank explicou calmamente.

- Estamos a trabalhar para o detective Fenton Hardy, que é nosso pai.

- Pensam que encontrarão as jóias e as acções na torre - acrescentou Hurd Applegate.

- Ah, sim?-retorquiu a irmã com voz glacial. - E o que fariam as jóias e as acções na torre velha?

- Temos provas de que foi tudo escondido ali depois do roubo - repetiu Frank, cheio de paciência.

A senhora Applegate olhou para os rapazes com evidente desconfiança.

- Como se algum ladrão fosse tão estúpido que os escondesse na própria casa que assaltara! - contrariou ela peremptória.

- Estamos só a tentar ajudar-vos - afirmou Joe, cordialmente.

- Vão, então - admitiu a senhora Applegate com um suspiro. - Mas, mesmo que derrubem a velha torre, não encontrarão nada. É um disparate.

Frank e Joe seguiram Hurd Applegate através dos sombrios vestíbulos e corredores que conduziam à torre velha. Este afirmou-se inclinado a partilhar a opinião da irmã: a busca seria vã.

- De qualquer modo vamos tentar, senhor Applegate - insistiu Frank.

- Não me peçam ajuda. Tenho um joelho que me dói. De qualquer modo acabei de receber selos novos. Interromperam-me quando estava a escolhê-los. Tenho de ir acabar o meu trabalho.

Chegaram a um corredor onde a camada de pó era palpável. Aparentemente já não era usado há muito tempo: as paredes estavam nuas e não tinha qualquer peça de mobília. Na outra ponta havia uma pesada porta que não estava trancada. Quando Hurd Applegate a abriu, os rapazes entraram numa divisão quadrada. No centro havia um lanço de degraus de madeira com uma balaustrada muito ornamentada. A escada estreita, contornando um vão que parecia um poço, subia até ao telhado, cinco andares acima. Em cada andar havia uma abertura para um pequeno quarto.

- Aqui têm - anunciou o senhor Applegate. - Procurem o que quiserem, mas não encontrarão nada. tenho a certeza.

Com esta observação, deu meia volta e regressou ao corredor com a folha de selos ainda apertada na mão.

Os irmãos olharam um para o outro, perplexos.

- Não é muito encorajador - observou Joe.

- Nem merece que lhe devolvam as jóias - declarou Frank, encolhendo os ombros. - Vamos subir pela torre e iniciar a busca. Despachemo-nos.

Examinaram primeiro a escada poeirenta à procura de vestígios de um intruso, mas não viram nada suspeito.

- Parece estranho - comentou Frank. - Se Jackley aqui esteve recentemente, as suas pegadas ainda deviam cá estar. A julgar pelo pó, não vem ninguém à torre há pelo menos um ano.

- Talvez o pó se acumule mais depressa do que pensamos - sugeriu Joe. - Ou o vento que entra aqui o espalhe e alise.

A inspecção daquele andar da velha torre revelou que não havia nenhum lugar onde pudesse estar escondido o valioso espólio senão debaixo da escada. Procuraram sem resultado.

Os rapazes subiram ao primeiro piso e entraram na divisão à esquerda da escada. Estava tão vazia como a de baixo. Também aqui a poeira espessa e as janelas quase obscurecidas com teias de aranha sugeriam uma atmosfera de decadência, como se tivesse sido abandonado há muito.

- Aqui não há nada - disse Frank, após ter dado uma olhadela rápida. - Continuemos!

Prosseguiram a escalada. Após terem investigado todos os cantos, tiveram de admitir nova decepção.

O andar de cima era igual ao primeiro e ao segundo - vazio, sem vida, mergulhado no pó. Não havia sombra de qualquer esconderijo ou indicação de que alguém tivesse estado na torre recentemente.

- Não parece muito prometedor, Joe. Mas Jackley pode ter ido direito ao cimo da torre.

A busca continuou sem êxito até que só restava o telhado. Quando chegaram ao último patamar deram com um alçapão, por cima das cabeças. Frank abriu o trinco e puxou a porta, mas esta não se moveu.

- Eu ajudo - ofereceu-se Joe.

Juntos, os irmãos tentaram forçar a velha porta empenada. Subitamente ela cedeu e foi arrancada das dobradiças ferrugentas. Não contando com isso, os rapazes desequilibraram-se.

Frank caiu para trás e rolou pelas escadas abaixo.

Joe, com um grito, foi projectado por cima do corrimão para o vazio!

Frank agarrou-se à balaustrada evitando escorregar ainda mais. Vira o mergulho de Joe e, como num pesadelo, esperava ouvir a seguir o som aterrador da queda no rés-do-chão.

- Joe! - murmurou levantando-se, todo dorido - Oh,Joe ...

Estonteado,percebeu que não houvera barulho algum e apressou-se a espreitar pelo vão da escada. O irmão não estava inconsciente no fundo da torre. Em vez disso, conseguira agarrar-se à balaustrada no andar de baixo.

Frank soltou um grande suspiro de alívio e desceu a correr os degraus que os separavam para ajudar Joe a içar-se para a escada. Por fim, sentaram-se, ainda mal recuperados do susto e quase sem fala. Foi Joe quem começou a falar:

- Obrigado. Por momentos pensei que a minha carreira de detective iria acabar aqui!

- Parece-me que também tens de agradecer ao professor de Ginástica pelos truques que te ensinou na barra - observou Frank. - Deves ter-te agarrado àqueles postes numa fracção de segundo.

Então olharam para cima, com uma expressão meio maliciosa meio consternada.

- O senhor Applegate não vai gostar de saber que lhe estragámos a porta do alçapão - comentou Joe.

- Pois não. Vamos ver se conseguimos pô-la no lugar outra vez.

Voltaram a subir a escada e examinaram os estragos. Descobriram que as dobradiças se tinham soltado da madeira podre. Só substituindo a parte desfeita se poderia prender a porta no lugar.

- Antes de descermos - lembrou Joe, vamos ver o telhado. Pensámos que talvez as coisas estivessem lá escondidas, não foi?

Saíram para uma espécie de varanda estreita, protegida por um corrimão que contornava os quatro lados da torre. Não havia nada ali.

- A nossa única recompensa por tudo isto é uma boa vista de Bayport - queixou-se Joe, desconsolado.

Por baixo estendia-se a pequena cidade atarefada e para leste a baía de Barmet, cujas águas cintilavam ao cair da tarde.

- Tenho um palpite de que Jackley enganou o pai - reflectiu Frank devagar. - Há anos que ninguém entra nesta torre.

Os rapazes espraiaram a vista pela cidade durante um momento; depois olharam para baixo, para os terrenos que rodeavam a Mansão da Torre. Os vários telhados da casa ficavam muito abaixo e, defronte, erguia-se a silhueta da torre nova.

- Pensas que Jackley pode ter querido dizer a torre nova? - exclamou Joe, subitamente.

- O pai disse que ele mencionou a velha.

- Mas pode ter-se enganado. Até a nova parece velha. Vamos pedir ao senhor Applegate para investigarmos também a torre nova.

- Vale a pena tentar, mas receio que, quando lhe falarmos na porta do alçapão, ele diga que não.

Desceram pela abertura. Puseram a porta no lugar, fecharam-na e meteram o pequeno bloco de notas de Frank no lado estragado. A porta manteve-se no lugar, mas ambos sabiam que o vento ou a chuva a deslocariam facilmente.

Feito isto, apressaram-se a descer as escadas e seguiram o corredor até à porta principal da casa. Tossicaram para chamar a atenção.

Adelia Applegate espreitou por uma porta, inquiridora:

- Onde estão as jóias?

- Não as encontrámos - admitiu Frank. A senhora Applegate escarneceu:

- Bem vos disse! Que desperdício de tempo!

- Agora pensamos que as coisas roubadas talvez se encontrem escondidas na torre nova - acrescentou Joe, aproveitando a deixa.

- Na torre nova! - gritou Adelia Applegate.

- Absurdo! Suponho que agora também lá querem ir.

- Se não a incomodássemos muito ...

- Mas incomodam muitíssimo - bradou ela.

- Não quero ver rapazes a percorrer a minha casa fazendo investigações disparatadas. É melhor irem-se embora já e esquecerem todas essas fantasias.

A voz dela atraíra a atenção de Hurd Applegate, que saiu do escritório.

- Que se passa agora? - perguntou.

A irmã expôs-lhe a pretensão de Frank e Joe e, subitamente, o rosto dele iluminou-se num sorriso triunfante.

- Ah, então não encontraram nada! E pensavam que iam ilibar Robinson assim, sem nenhum custo.

- Ainda não foi desta, realmente - respondeu Frank.

- Estes rapazes têm a audácia - interrompeu Adelia Applegate - de querer ir investigar a torre nova.

Hurd Applegate fitou-os indignado.

- Bem, não podem! - reagiu. - Estão a gozar-me? - perguntou, ameaçando-os com o punho cerrado.

Frank e Joe olharam um para o outro e acenaram com a cabeça num acordo mudo. Teriam de revelar as razões por que pensavam que as coisas estavam na torre nova.

- Senhor Applegate - começou Frank-, a informação sobre o local onde as jóias e as acções estão escondidas provém do homem que as roubou. E não foi o senhor Robinson.

- O quê! Querem dizer que foi outra pessoa? E foi apanhado?

- Foi apanhado, mas agora está morto.

- Morto? O que aconteceu? - perguntou Hurd Applegate, excitado.

- Chamava-se John Jackley e já tinha um belo cadastro. O pai seguiu-lhe a pista e Jackley tentou escapar numa vagoneta. Teve um acidente e ficou gravemente ferido - explicou Frank.

- Onde obtiveram essa informação, afinal? - perguntou o senhor Applegate.

Frank narrou os factos tintim por tintim.

- E pensamos que Jackley pode ter-se enganado e escondido as coisas na torre nova - concluiu.

Hurd Applegate segurou o queixo, pensativo. Era evidente que estava impressionado com a história dos rapazes.

- Então esse Jackley confessou o roubo, hem?

- Admitiu tudo. Trabalhara aqui perto e conhecia bem a zona de Bayport. Permaneceu aqui na cidade durante alguns dias antes de cometer o roubo.

- Bem - admitiu Applegate devagar - se ele disse que escondeu as coisas na torre velha e elas não estão lá,devem estar na nova, como vocês dizem.

- Deixa-nos investigá-la? - perguntou Joe, ansiosamente.

- Sim. E eu vou ajudar. Estou tão ansioso por encontrar as jóias e as acções como vocês. Venham, rapazes!

Hurd Applegate conduziu-os através da casa em direcção à torre nova. Agora que ele estava bem disposto, Frank achou que era boa altura para lhe contar o acidente com a porta do alçapão mas, em todo o caso, ofereceu-se logo para pagar a reparação.

- Oh, não faz mal - foi a resposta calma. - Eu mando-a arranjar. De facto, Robinson... Ora, esqueci-me. Vou chamar um carpinteiro.

Não disse mais nada e apressou o passo. Frank e Joe sorriram. O velho Applegate nem sequer os tinha repreendido!

O proprietário da mansão abriu a porta que dava para a torre nova e entrou no corredor. Os dois irmãos, excitados, seguiram-no.

 

                 Um novo achado

As salas da torre nova tinham sido mobiladas logo a seguir à construção, mas só raramente, quando os Applegate tinham visitas, eram ocupadas - explicou o dono da casa.

Na primeira, Frank, Joe e o senhor Applegate não encontraram nada, embora procurassem cuidadosamente em airmários, secretárias, cómodas altas e sob as grandes peças de mobiliário. Até voltaram os colchões e as carpetes. Quando se convenceram de que as jóias não tinham sido escondidas ali, subiram até à sala seguinte. De novo, a investigação se revelou infrutífera.

Hurd Applegate, que era um homem temperamental, voltou à sua disposição anterior. A história dos rapazes convencera-o, mas, depois de terem procurado em todas as salas da torre, sem qualquer êxito, mostrou o seu descontentamento.

- É falso! - explodiu. - Adelia é que tinha razão. Fizeram troça de mim. E tudo por causa de Robinson!

- Não compreendo - desabafou Joe. - Jackley disse que escondeu as coisas na torre.

- Se o sujeito escondeu realmente as jóias e as acções numa das torres - disse Applegate -, alguém deve ter cá vindo buscá-las, talvez alguém que trabalhava com ele. Ou então Robinson encontrou as coisas logo depois do roubo e guardou-as para si.

- Tenho a certeza de que o senhor Robinson não faria isso - objectou Joe.

- Então onde arranjou os novecentos dólares? Expliquem isso. Robinson não quer explicar!

No regresso à parte habitada da mansão, Hurd Applegate insistiu na sua teoria. O facto de as coisas não terem sido encontradas serviu para convencê-lo de que Robinson estava de algum modo envolvido no caso.

- Provavelmente estava ligado a Jackley - teimou.

Frank e Joe voltaram a protestar que o ex-mordomo não andava com criminosos. Contudo, estavam confusos, desiludidos e alarmados. A busca apenas resultara numa maior implicação do senhor Robinson no mistério.

Já no corredor que ia dar à entrada principal, encontraram Adelia Applegate, que se mostrou triunfante quando os viu regressar de mãos vazias.

- Não te disse? - exclamou. - Hurd Applegate, deixaste que esses rapazes fizessem troça de ti!

Escoltou os Hardy até à porta da frente, enquanto o irmão, abanando a cabeça, perplexo, regressava ao escritório.

- Estragámos tudo, Frank - lamentou Joe ao dirigirem-se às motos. - Sinto que fizemos figura de parvos.

- Eu também.

Dirigiram-se para casa para contar ao pai as más notícias. Fenton Hardy ficou admirado ao ouvir dizer que as coisas roubadas não tinham aparecido em nenhuma das torres.

- Têm a certeza de que as revistaram bem?

- Centímetro a centímetro. Não havia vestígios dos objectos roubados e a julgar pelo pó acumulado na torre velha, diria que ninguém lá vai há muito tempo - respondeu Frank.

- Estranho - murmurou o detective. - Tenho a certeza de que Jackley não estava a mentir. Não ganhava absolutamente nada com isso. "Escondi tudo na velha torre" foram as suas últimas palavras. A que poderia estar a referir-se senão à velha torre da mansão? E porque disse ele tão exactamente velha torre? Como estava familiarizado com Bayport, provavelmente sabia que a mansão tem duas torres, a velha e a nova.

- É claro que pode acontecer que não tenhamos investigado o suficiente - observou Joe. - As jóias podem estar escondidas debaixo do chão ou por detrás de um painel amovível da parede e aí não investigámos.

- É a única explicação - concordou o senhor Hardy. - Ainda não estou convencido de que as jóias não estejam lá. Vou pedir a Applegate que permita uma nova busca às duas torres. E agora parece-me que a mãe quer que vão fazer um recado.

A senhora Hardy explicou o que pretendia e Frank e Joe voltaram a partir nas suas motos. Quando chegaram à zona comercial de Bayport, descobriram que a confissão de Jackley já se tinha tornado conhecida. A estação de rádio local tinha difundido a notícia nessa tarde e, por toda a parte, estavam pessoas a discuti-la.

Oscar Smuff caminhava pela rua com ar de quem atacaria a primeira pessoa que lhe mencionasse o assunto. Quando viu os Hardy ficou furioso.

- Bem - resmungou - ouvi dizer que recuperaram as coisas.

- Antes assim fosse - respondeu Frank tristemente.

- O quê! - gritou o detective animando-se. - Não as recuperaram? Pareceu-me ouvir dizer na rádio que Jackley contou ao vosso pai onde as escondeu.

- E contou. Mas como é que isso se soube?

- A porta do quarto de Jackley não esteve sempre fechada. Um doente que ia a passar ouviu a confissão e contou-a. Então afinal não encontraram o produto do roubo. Ah! Ah! Essa é boa! Jackley não disse que as coisas estavam escondidas na velha torre? De que precisam mais?

- Bem, não estavam lá! - ripostou Joe, irritado. - Jackley deve ter-se enganado.

- Jackley enganou-se! - continuou Smuff, cada vez mais satisfeito. - Quere-me parecer que ele troçou de vocês e do vosso pai!

Com estas palavras, o detective afastou-se pela rua fora, rindo-se sozinho.

Quando Frank e Joe voltaram para casa, o pai já tinha estado em contacto com Hurd Applegate e tinha-o convencido de que seria aconselhável fazer uma busca mais minuciosa às torres.

- Rapazes - disse -, vamos directamente para lá depois do jantar. Acho melhor não esperarmos até amanhã.

Às sete horas, o detective e os filhos apresentaram-se na Mansão da Torre. Hurd Applegate recebeu-os à porta.

- Deixo-o fazer esta busca - disse, conduzindo-os para a torre velha - mas estou convencido de que não encontrará nada. Já discuti o caso com o chefe Collig. Ele está inclinado para a hipótese de Robinson estar por detrás de tudo isto e eu tenho a certeza de que está.

- Mas como justifica a confissão de Jackley? - perguntou o senhor Hardy.

- O chefe diz que podia ser uma pista falsa.

Jackley deu-a para proteger Robinson, porque eles trabalhavam juntos.

- Sei que as coisas estão feias para Robinson - admitiu o senhor Hardy - mas quero examinar cuidadosamente as torres mais uma vez. Ouvi Jackley fazer a confissão e não acredito que estivesse a mentir.

- Talvez, talvez. Mas cá por mim acho que era uma pista falsa.

- Só me convenço se não encontrar nada dentro ou fora de qualquer das torres - declarou o detective, aborrecido.

- Bem, venham. Vamos a isso então - convidou Hurd Applegate, abrindo a porta que dava para a torre velha.

Ansiosamente, os quatro puseram-se ao trabalho. Começaram no cimo da velha torre. A sua investigação não deixou margem de dúvida: bateram em todas as paredes à procura de sons cavos que poderiam indicar esconderijos; os soalhos também foram examinados, tentando encontrar-se quaisquer sinais de que a madeira tivesse sido levantada. Contudo, as jóias e as acções não foram encontradas. Por fim, o grupo encontrou-se no rés-do-chão.

- Não nos resta senão ir à torre nova - comentou o senhor Hardy, brevemente.

- Tenho de descansar e comer qualquer coisa antes de continuarmos - disse Hurd Applegate fatigado.

Conduziu-os à sala de jantar, onde havia sanduíches e leite, e convidou-os a servirem-se. Mas, quando se sentaram, ele próprio só tomou leite e bolachas.

Após esta breve paragem, os Hardy e o dono da casa voltaram a sua atenção para a torre nova. Fizeram outra busca muito minuciosa. Bateram nas paredes e divisórias e examinaram os soalhos. Todas as peças de mobília foram passadas a pente fino. Nem um cabelo passaria despercebido ao detective e aos seus ajudantes.

Quando estavam a terminar a busca, sem ter encontrado as jóias, o senhor Hardy observou:

- Pelos vistos, Jackley não escondeu aqui os objectos roubados. E também não há indícios de que, caso ele o tenha feito, alguém mais viesse buscá-los.

- Quer dizer-perguntou Frank - que isso prova que o senhor Robinson não entrou cá?

- Exactamente.

- Talvez - concedeu, renitente, o senhor Applegate. - Mas isso não prova que ele não estivesse de acordo com o ladrão!

- Eu não vou ainda desistir desta busca - declarou o detective, categórico. - Talvez as coisas roubadas estejam escondidas fora da torre velha.

Mas já era tarde e seria difícil examinar devidamente o terreno à noite.

- Com a sua permissão, senhor Applegate, os meus filhos e eu voltaremos amanhã quando o Sol nascer para retomar o trabalho.

O proprietário deu o seu consentimento, acenando relutantemente com a cabeça, e o senhor Hardy virou-se então para Frank e Joe, animando-os:

- Devemos conseguir provar o nosso ponto de vista antes das aulas começarem.

Os rapazes, que não tinham tido tempo de preparar as lições, lembraram ao pai que uma justificação dele para o director do liceu lhes facilitaria a vida. O detective sorriu e, logo que chegaram a casa, escreveu um cartão seu para o director e a seguir mandou os filhos deitarem-se.

Frank e Joe tiveram a impressão que tinham acabado de fechar os olhos, quando viram o pai de pé, junto das suas camas.

- São horas de levantar, se querem ir comigo fazer a busca - anunciou.

Os rapazes piscaram os olhos, ensonados, e saltaram da cama. O duche acordou-os completamente e vestiram-se num ápice. A senhora Hardy já se encontrava na cozinha e o pequeno-almoço estava pronto. O Sol acabava de aparecer por cima da colina, ao longe. - O pequeno-almoço é quente, hoje - disse a mãe. - Está frio lá fora.

A ementa incluía doce de maçã quente, flocos de aveia, ovos escalfados sobre tostas e chocolate quente. O pequeno-almoço foi despachado quase em silêncio, para evitar demoras, e em menos de 20 minutos os três detectives estavam a caminho.

- Vejo que meteu pás no carro, pai - observou Frank. - Suponho que vamos cavar.

- Sim, se não dermos com as coisas roubadas nalgum sítio acima do solo.

Quando os Hardy chegaram à Mansão da Torre começaram a busca sem informar os Applegate, certos de que estes ainda se encontrariam a dormir. Tudo foi devidamente inspeccionado em redor das duas torres. Viraram os pedregulhos, rebuscaram o caramanchão à luz das lanternas e experimentaram todas as pedras das paredes da casa, tentando deslocá-las. Contudo, não acharam nada suspeito.

- "Cheira-me" que temos de cavar - concluiu Frank, por fim.

Começou por um canteiro na base da torre velha, onde tinham sido recentemente plantados alguns rebentos e empurrou a pá pela terra dentro. Encontrou um obstáculo. Excitado, Frank retirou pazadas de terra do local em questão. Passados alguns momentos, deu um grito de satisfação:

- Uma arca! Encontrei uma arca enterrada!

 

                 O mistério adensa-se

Retirando a terra com grande entusiasmo, Frank pôs a arca completamente a descoberto. Tinha cerca de 60 centímetros de comprimento, 15 de largura e 30 de altura.

- O tesouro! - gritou Joe, acorrendo ao local.

O senhor Hardy já estava junto de Frank, olhando, pasmado, para a descoberta deste. O rapaz retirou a arca do buraco e começou a levantar a tampa, que não tinha fechadura.

Todos sustiveram a respiração. Teriam os Hardy realmente descoberto as jóias e as acções roubadas aos Applegate? Frank atirou a tampa para trás.

Os três detectives olharam para o conteúdo, atónitos. Por fim, Joe recuperou a fala:

- Bolbos de flores em quantidade e nada mais!... Passado o primeiro choque de desapontamento,

Fenton Hardy e os filhos desataram a rir. Aquilo estava tão longe do que esperavam encontrar, que a situação agora lhes parecia ridícula.

- Bem, uma coisa é certa - observou Frank. - Não foi Jackley Cenoura quem enterrou esta arca. Mas quem seria?

- Eu posso responder a essa pergunta - afirmou uma voz por detrás deles.

Voltaram-se e deparou-se-lhes Hurd Applegate, de roupão e chinelos, caminhando na sua direcção.

- Bom dia, senhor Applegate - cumprimentaram os rapazes em coro e o pai acrescentou: - Já nos pusemos ao trabalho e, por momentos, pensámos que tínhamos encontrado os valores roubados.

Hurd Applegate ficou muito sério.

- Não encontraram as minhas acções, mas talvez tenham encontrado uma pista para chegar até ao ladrão. Foi Robinson quem enterrou essa arca cheia de bolbos. Deve ter feito o mesmo às jóias da Adelia e às minhas acções! Enterrou-as em qualquer parte, mas aposto que não foi aqui, nas nossas terras.

Frank, verificando que o homem não estava de bom humor naquela manhã, tentou desviar a conversa:

- Senhor Applegate - disse -, porque é que Robinson enterrou estes bolbos de flores aqui?

O proprietário da Mansão da Torre sorriu, desdenhoso:

- Esse homem é doido por flores invulgares e mandou vir isso da Europa. Os bolbos têm de ser conservados num lugar fresco e escuro durante vários meses, por isso decidiu enterrá-los. Está sempre a fazer coisas estranhas. Sabem o que tentou convencer-me a fazer? Construir uma estufa, aqui nestes terrenos, para cultivar toda a espécie de flores raras.

-- Isso parece um passatempo muito interessante - atalhou Joe.

- Interessante qual o quê! - ripostou o senhor Applegate. - Parece que não sabe quanto custa uma estufa. Além disso, cultivar flores raras ocupa muito tempo. Robinson já tinha muito que fazer sem se dedicar a obter margaridas grandes a partir das pequenas, selvagens, ou a transformar primaveras em orquídeas!

Frank assobiou.

- Se o senhor Robinson consegue fazer isso, é um génio!

- Génio! Deve estar a brincar! - contrariou Applegate. - Bem, continuem a cavar. Quero este mistério resolvido.

Combinaram que o senhor Hardy, com o seu aguçado poder de observação, investigaria o terreno em redor de ambas as torres e os rapazes cavariam em todos os pontos onde lhe parecesse que o solo tinha sido recentemente revolvido. A arca foi cuidadosamente colocada na mesma posição e tapada com a terra como antes.

- Aqui está um lugar onde poderão usar as pás - gritou o detective do outro lado da torre velha. Quando os rapazes se aproximaram, explicou: - Parece-me que foi um cão que escavou este sítio e provavelmente só encontrarão um osso, mas não devemos deixar nada para trás.

Foi a vez da pá de Joe bater no objecto que tinha sido enterrado. Tal como o pai profetizara, era apenas um osso. Os três Hardy voltaram então a sua atenção para a torre nova. Durante todo este tempo, Hurd Applegate tinha estado a observá-los em silêncio. Pelo canto do olho, os três percebiam-lhe uma certa satisfação no rosto. Pouco depois, o senhor Hardy olhou para o relógio ao mesmo tempo que apontava noutra direcção:

- Bem, rapazes, é a nossa última tentativa. Vocês têm de se lavar e ir para as aulas.

Não se deixando desmoralizar pelo insucesso que marcara as suas tentativas anteriores, Frank e Joe cavaram com afã. Desta vez descobriram outra pequena arca.

- Esta é pesada! - anunciou Frank, puxando-a para cima.

- Então talvez... talvez sejam os valores roubados! - exclamou Joe.

Até o senhor Applegate mostrou interesse, inclinando-se para levantar a tampa. A caixa continha vários sacos.

- As jóias! - gritou Joe.

- E aquele saco espalmado pode conter os títulos das acções! - acrescentou o irmão, entusiasmado.

Hurd Applegate pegou num dos sacos redondos e desatou o fio. O rosto ensombrou-se-lhe numa expressão de aborrecimento.

- Sementes! - bradou fora de si.

O senhor Hardy já agarrara no saco espalmado e parecia tão desapontado quanto o dono da casa.

- Catálogos de flores! - suspirou. - Têm o texto em várias línguas estrangeiras.

- Robinson estava sempre a mandar vir encomendas de todo o mundo - observou o patrão aborrecido. - Eu mandei-o destruí-las. Dava demasiada atenção a isso em vez de fazer coisas mais úteis. Suponho que enterrou os catálogos para que eu não pudesse encontrá-los. - Respirou fundo e continuou: - Bem, chegámos ao fim. Vocês não provaram nada, apesar de me revirarem a casa e as terras do avesso.

Os três detectives admitiram que isto era verdade, mas teimavam em alimentar duas esperanças: ilibar Robinson da acusação que pendia sobre ele e encontrar os valores roubados. Quando colocavam as pás no carro, o senhor Applegate convidou-os a entrarem na casa para se lavarem e comerem alguma coisa.

- Tenho a impressão de que os rapazes precisam de um segundo pequeno-almoço - acrescentou, enquanto os irmãos pensavam: "Às vezes, este Applegate não é tão mau como o pintam.

Aceitaram o convite e deliciaram-se com bolinhos folhados e mel. Depois, o pai levou-os ao liceu de Bayport.

Mal Frank e Joe se apearam, ouviram alguém chamá-los.

Voltando-se, viram Iola Morton e Callie Shaw.

- Olá, rapazes!

- Olá, raparigas!

- Souberam do que aconteceu hoje de manhã? - perguntou Callie.

- Não. Hoje não há aulas?... - sugeriu Joe, ansioso.

- Antes fosse ... - suspirou Callie. - Foi o senhor Robinson. Foi preso outra vez!

- Não!- Os Hardy fitaram Callie, fulminados pela notícia.

- Porquê? - inquiriu Frank.

Iola contou que Chet e ela tinham ouvido a notícia na rádio, de manhã. Tinham passado pela casa dos Robinson quando o pai os trouxera à escola, para saber mais pormenores.

- Parece que o chefe Collig acha que o senhor Robinson estava conivente com o ladrão, o tal Jackley, a quem o vosso pai arrancou a confissão. Por isso mandou-o prender. Pobre senhora Robinson! Não sabe o que fazer.

- E o senhor Robinson tinha finalmente conseguido emprego - disse Callie, inconsolável. - Vocês não podem fazer nada?

- Estamos a trabalhar no caso o melhor que sabemos - respondeu Frank, contando-lhes as investigações da véspera e daquela manhã. Nesse momento, a campainha tocou e tiveram de separar-se.

Frank e Joe estavam profundamente consternados com o que acabavam de ouvir. Ao almoço encontraram Jerry, Phil, Tony e Chet e discutiram os últimos acontecimentos.

- Isto é muito duro para Slim - observou Phil.

- É duro para toda a família - emendou Chet.

Os rapazes consideraram a situação sob vários prismas, tentando encontrar um modo de ajudar os Robin-son. Concluíram que só a descoberta das jóias e das acções livraria o pai do amigo das suspeitas renovadas.

- Isso significa que só há uma coisa a fazer - rematou Frank. - Temos mesmo de encontrar os objectos roubados!

Depois das aulas, Frank e Joe jogaram baseball apenas durante o tempo previsto e foram directamente para casa. Não estavam com disposição para mais actividades desportivas. Estava um dia tristonho e chuvoso, o que não lhes levantou o ânimo.

Frank, que estava inquieto, sugeriu por fim:

- Vamos passear um pouco.

- Boa, talvez nos ajude a clarificar as ideias - concordou Joe.

Avisaram a mãe de que só estariam de volta para jantar e partiram. Palmilharam quilómetros mas não se sentiram melhor. Curiosamente, no regresso, foram atraídos para a Mansão da Torre como que hipnotizados.

- Este lugar começa a obcecar-me - desabafou Joe, ao avançarem pela estrada em direcção à casa.

Subitamente, Frank agarrou o braço do irmão.

- Tive uma ideia. Quem sabe se Jackley, ao morrer, não estava confuso e se referiu a qualquer outro roubo que cometeu. Além disso, nos mistérios, as pessoas que parecem mais inocentes são quase sempre as mais suspeitas. Que provas temos de que os Applegate não engendraram uma intriga falsa? Podem ter as suas razões para dizer que as coisas foram roubadas do cofre. Não te esqueças de que o pai não encontrou senão as impressões digitais do senhor Applegate.

- Frank, talvez tenhas razão. Os Applegate às vezes são tão mesquinhos que nem custa a crer que estejam a tentar intrujar a companhia de seguros - disse Joe.

- Exactamente - concordou o irmão. - Por agora, vamos agir assim: fingimos que eles são os suspeitos e espiamos os seus movimentos.

De comum acordo, deixaram a estrada e desapareceram entre os arbustos que a ladeavam. Aproximaram-se cautelosamente do imponente edifício. A casa encontrava-se às escuras, com excepção de três quartos iluminados no primeiro andar.

- Qual é a tua ideia? - sussurrou Joe. - Descobrir alguma coisa que indique que os Applegate estão implicados no roubo?

- Sim. Talvez encontremos uma pista se conservarmos os olhos e ouvidos abertos.

Os rapazes continuaram em silêncio. Já estavam perto da mansão, do lado da velha torre. Nessa altura, não longe deles, ouviram passos no caminho de cascalho. Rapidamente, os dois irmãos esconderam-se por detrás das árvores. A medida que os passos avançavam, a expectativa deles crescia. Quem poderia ser? Um dos Applegate ou alguma outra pessoa?

Antes de chegarem a descobrir, os passos retrocederam e os investigadores saíram do seu esconderijo. Subitamente, um potente foco de luz incidiu em cheio sobre eles.

Provinha do último andar da torre velha!

 

               Uma descoberta espantosa

- Baixa-te! - ordenou Frank num murmúrio rouco, deitando-se ao comprido.

Joe atirou-se rapidamente para o chão, ficando de bruços junto do irmão.

- Achas que a pessoa que tinha a luz nos viu? - perguntou Frank.

- Talvez sim e talvez não. Nós baixámo-nos depressa.

A luz não voltou naquela direcção. Provinha de uma janela da torre, mas estava orientada para o lado oposto. Finalmente, apagou-se.

- Bom, e agora? - interrogou Joe. - Será de prosseguir a nossa investigação?

Frank opinou que, se o fizessem, poderiam meter-se em apuros. Mesmo que não os tivesse reconhecido, a pessoa da torre devia ter-se apercebido da sua presença.

- Gostaria de saber quem se encontrava na torre - continuou Joe. - Se calhar nem os Applegate sabem que lá está essa pessoa.

- Não deixes que a tua imaginação te arraste - aconselhou Frank, rindo-se mais descontraído.

Enquanto debatiam se ficavam ou abandonavam o local, o assunto foi resolvido por uma terceira personagem. De trás da torre saiu um enorme cão-polícia, ladrando furiosamente.

Aparentemente tinha farejado os irmãos e vinha no seu encalço.

Frank e Joe deram por si já a correr, mas de nada lhes valeu o esforço. Em poucos segundos, o animal cortou-lhes o caminho, rosnando ameaçadoramente.

- Estamos encurralados - reconheceu Frank. - Só espero que ele não resolva fincar-me uma perna.

Mansamente tentaram conquistar as boas-graças do cão, mas este nem os deixava mexer-se.

- Que fazemos agora? - perguntou Joe, aflito, vendo que a fera não se comovia e ladrava ferozmente.

- Esperamos que nos venham salvar - replicou Frank, resignado.

Em breve viram uma luz aproximar-se. O senhor Applegate apareceu e olhou para eles muito admirado.

- Não desistem, pois não? - observou. - O que andam a fazer? A cavar mais?

Os rapazes não encontraram resposta. Ficaram embaraçados, mas também aliviados, pois ele não suspeitava das suas verdadeiras intenções. O dono da mansão considerou o seu silêncio como prova de que a sua dedução estava certa e continuou:

- Eu não vou permitir que me estraguem mais a propriedade - resmungou. - Pedi este cão emprestado, o Rex, para afastar as pessoas. Se me quiserem falar, é melhor que telefonem primeiro e prenderei o Rex.

- Quem é que estava na torre, com a luz? - inquiriu Frank.

- A minha irmã. Convenceu-se de que é mais esperta que vocês e resolveu procurar ela os objectos roubados na torre velha, mas não os encontrou! - Frank e Joe reprimiram o sorriso quando ele continuou: - E depois a Adelia decidiu usar aquela luz e perscrutar as cercanias, pensando que poderíamos ter muitos visitantes curiosos, devido à publicidade. E, pelos vistos, apanhou-os a vocês.

Os Hardy riram.

- Sim, com a boca na botija - admitiu Frank. - Com a sua irmã e o Rex, o senhor Applegate não tem que se preocupar mais.

Frank e Joe despediram-se e encaminharam-se para a estrada. Desta vez o cão não os seguiu. Ficou junto do dono da mansão até os perderem de vista.

Enquanto estugavam o passo, Joe observou:

- Foi um dia cheio de acontecimentos excitantes, mas todos um fiasco.

- É verdade. Não foi nada compensador.

Ao jantar, riram-se com os pais, a propósito do seu encontro com o cão. Quando ficaram sérios, perguntaram ao pai se ele achava que os Applegate poderiam estar a encenar uma fraude, ao comunicarem o roubo.

- Claro que é uma hipótese - respondeu o detective -, mas os Applegate são ricos e não vejo para que iam meter-se em sarilhos. É preferível mantermos a ideia original de que alguém roubou as jóias e as acções e esse alguém foi Jackley.

Quando iam para o quarto, Frank propôs ao irmão:

- Amanhã é sábado e temos todo o dia livre. Que tal se apostarmos em resolver o mistério antes da noite?

- É uma grande ambição, mas aceito o desafio - replicou Joe com um sorriso.

Levantaram-se cedo e começaram logo a combinar como fazer as suas investigações.

- Penso que devíamos considerar um ângulo inteiramente diferente - sugeriu Joe.

- Qual? - perguntou Frank.

- O caminho de ferro.

Joe explicou a sua ideia: não tinham investigado os hábitos de Jackley Cenoura quando este trabalhava perto de Bayport; se conseguissem falar com alguém que o tivesse conhecido, poderiam encontrar uma nova pista que os conduzisse aos bens roubados.

- Boa ideia, Joe - concordou o irmão. - Vamos levar almoço e passar o dia a investigar. Para isso temos as motos.

- Óptimo.

O senhor Hardy saíra de madrugada e os filhos não o viram. Contaram o seu plano à mãe, que o achou excelente e se ofereceu logo para lhes preparar o farnel. Quando ficaram prontos já os esperavam duas caixas com um belo almoço de piquenique.

- Adeus e boa sorte! - despediu-se a senhora Hardy, acenando da porta de casa.

- Obrigado por tudo, mãe! - disseram os jovens detectives ao arrancarem.

Frank e Joe dirigiram-se, em primeiro lugar, à estação dos caminhos de ferro de Bayport, onde interrogaram o chefe da estação; descobriram que este só se encontrava ali há um ano e não conhecia Jackley Cenoura.

- Trabalhava num comboio de passageiros? - indagou.

- Julgo que não - respondeu Frank. - Creio que era na manutenção.

- Então aconselho-vos a irem até aos cruzamentos e entrevistarem os velhos guarda-linhas que continuam por lá. Ambos parecem conhecer todas as pessoas e casos relacionados com os caminhos de ferro nos últimos cinquenta anos. - E riu-se.

Os rapazes sabiam da existência de dois nós ferroviários a alguns quilómetros da cidade e dirigiram-se para lá. No primeiro informaram-nos que o guarda habitual estava em casa doente e o seu substituto nunca ouvira falar de nenhum Jackley. Frank e Joe seguiram caminho, esperando ter mais sorte.

No segundo encontraram o velho Mike Halley no seu posto. Tinha uns olhos azuis penetrantes e fitou-os atentamente durante uns segundos; depois, exclamou surpreendendo-os:

- São Frank e Joe Hardy, filhos do famoso detective Fenton Hardy.

- Conhece-nos?! - admirou-se Frank. - Devo confessar que não me lembro de já o ter visto antes.

- Pois não, nunca viu - respondeu o homem. - Mas eu, por princípio, fixo todas as caras que vejo nos jornais. Nunca se sabe quando haverá um acidente em que tenha de identificar alguém.

Os rapazes engoliram em seco, achando a ideia tenebrosa, e Frank indagou de Halley se se lembrava de um antigo empregado chamado Jackley Cenoura.

- Lembro-me de um Jackley, mas não lhe chamavam Cenoura, que eu saiba. No entanto deve ser o mesmo. Referem-se ao que foi para a cadeia?

- Esse mesmo.

- Já saiu da cadeia? - inquiriu o guarda-linha.

- Morreu - respondeu Joe. - O pai está a trabalhar num caso que tem relação com Jackley e nós estamos a tentar descobrir mais alguma coisa a seu respeito.

- Então o que devem fazer - aconselhou Halley - é ir até à linha da costa que sai de Bayport. Era aí que Jackley trabalhava. Andava geralmente na zona de Cherryville, que não é muito longe daqui. - E apontou para norte.

- Obrigadíssimo - disse Frank. - Deu-nos uma grande ajuda.

Os irmãos partiram de moto em direcção a Cherryville. Ao chegarem à vila, um polícia encaminhou-os para a estação, que distava cerca de 800 metros do centro. Ficava situada numa depressão, à beira da qual passava a nova auto-estrada. Para chegar até lá seguia-se por uma estrada paralela à linha, que descrevia uma curva muito larga.

O edifício principal era pequeno e quadrado e estava muito necessitado de pintura. Havia em redor outros igualmente em mau estado e via-se um velho depósito de água em madeira, que parecia prestes a desmoronar-se. A pouca distância, mas situado no lado oposto, erguia-se um novo depósito. Este era de metal pintado de vermelho e encontrava-se em melhores condições.

Frank e Joe estacionaram as motos e entraram na estação. Um homem em mangas de camisa e com uma viseira verde mexia-se atarefado por detrás do guichet da bilheteira.

- O senhor é o chefe da estação? - inquiriu Frank. O homem aproximou-se.

- Sou Jake: chefe da estação, empregado de bilheteira, carregador, agulheiro, porteiro ... É só dizerem e eu cá estou.

Então, rindo, Frank perguntou ao homem se tinha conhecido Jackley Cenoura.

- É claro que conheci - respondeu Jake. - Era um tipo esquisito. Umas vezes trabalhava como um doido e outras não fazia nada. Nunca queria que ninguém lhe desse ordens.

- Sabia que ele morreu há pouco tempo? - perguntou Frank.

- Não, não sabia - respondeu o chefe da estação. - Lamento que assim seja. Jackley não era mau tipo quando o conheci. Só andava em más companhias, se bem me lembro.

- Pode falar-nos de algumas características especiais que ele tivesse? - pediu Frank.

Jake coçou a cabeça acima da viseira. Por fim disse:

- Aquilo de que melhor me lembro é que parecia um macaco. Era muito ágil e subia e descia as escadas dos vagões de mercadorias com grande desembaraço.

Nessa altura ouviram um apito de comboio e o homem despediu-se apressadamente:

- Agora tenho de vos deixar, rapazes. Voltem noutra altura, quando eu não estiver tão ocupado. Tenho de ir fazer sinal a este comboio.

Os Hardy deixaram-no e Frank sugeriu que fossem almoçar e regressassem depois.

Encontraram um pequeno bosque perto da via férrea e encostaram as motos a uma grande árvore.

- Estou esfomeado - disse Frank, sentando-se à sombra e abrindo a sua lancheira.

- Mas que bom que isto é! - exclamou Joe pouco depois, ao trincar uma espessa sanduíche de carne assada.

- Se Jackley tivesse ficado a trabalhar nos caminhos de ferro - observou Frank, mordendo um ovo cozido -, teria sido melhor para todos.

- É verdade. Causou muito transtorno antes da sua morte - concordou Joe.

- E tem causado muito mais desde então, pelo modo como as coisas se têm embaraçado. Principalmente para os Robinson.

Ficaram os dois a olhar pensativamente para os carris, que brilhavam ao sol, estendendo-se a perder de vista. A escassas centenas de metros do local onde se encontravam, os Hardy viam ambos os depósitos de água: o de madeira, velho e estragado, em cuja escada já faltavam alguns degraus, e o de metal, empoleirado sobre pernas delgadas.

Frank ia trincando aos poucos uma sanduíche, mastigando-a lentamente. O contraste entre aquelas duas torres dera-lhe uma ideia mas, ao princípio, achou-a demasiado absurda; estava indeciso, sem saber se deveria mencioná-la ao irmão.

Então reparou que Joe também estava de olhos fixos na mesma direcção. Este levou um bolinho à boca e mordiscou-o distraidamente, parecendo hipnotizado por aquela visão.

Por fim, olharam um para o outro. Sabiam que estavam a pensar no mesmo.

- Duas torres ... - disse Frank, em voz baixa mas excitada.

- Uma velha e outra nova ... - murmurou Joe, igualmente tenso.

- E Jackley disse ...

- ... Que escondeu as coisas na velha torre.

- Ele trabalhava nos caminhos de ferro!

- Porque não?! - gritou Joe, pondo-se de pé num salto. - Porque não seria a esta velha torre que ele se referia? Costumava trabalhar por aqui.

- No fim de contas não disse a velha torre da mansão. Só falou de uma "velha torre".

- Frank, creio que encontrámos a verdadeira pista!

- Joe rejubilava. - O mais natural era que Jackley voltasse a rondar os seus sítios, após o roubo!

- Exactamente - concordou Frank.

- E quando descobriu que o carro de Chet tinha desaparecido, provavelmente pensou que a polícia lhe andava no encalço e decidiu esconder as coisas num lugar que conhecia bem e do qual ninguém suspeitaria - a velha torre, o depósito de água. Deve ser este o lugar!

 

               Novamente em perigo

O almoço, as motos, tudo foi esquecido! Com gritos de excitação, Frank e Joe correram ao longo da ravina que ladeava a via férrea.

Mas ao chegarem à sebe, que defendia as linhas do matagal que crescia dos lados, estacaram de repente. Na auto-estrada, uns metros acima deles, soaram fortes buzinadelas. Voltaram-se e logo reconheceram o condutor.

Era Smuff!

- Que azar! - exclamou Joe.

- Era a última pessoa que eu queria ver agora - comentou Frank, entredentes.

- Vamos livrar-nos dele depressa - instou Joe, impaciente.

Os rapazes deram meia volta e regressaram à estrada. Oscar Smuff já tinha saído do carro e vinha ao seu encontro.

- Encontrei-os - exclamou.

- Quer dizer que tem andado à nossa procura? - perguntou Frank, admirado.

O detective sorriu. Tentando parecer simpático, explicou-lhes que os seguira durante horas. Tinha-os visto partir de casa, nas motos, e quase os apanhara na estação de Bayport, para os voltar a perder. Contudo, o chefe da estação tinha-lhe revelado o destino que eles levavam e o aspirante a detective apressara-se a ir falar com Mike Halley, o guarda-linha.

- Ele informou-me que vos encontraria aqui - concluiu Smuff, com evidente satisfação.

- Mas porque nos procura? - quis saber Joe.

- Vim fazer-vos uma proposta. Tenho a chave do mistério de Jackley e dos valores roubados, mas preciso de alguém que me ajude nas buscas. Que tal? Se o velho Oscar vos confiar o segredo, ajudá-lo-ão?

Frank e Joe estavam boquiabertos com esta reviravolta nos acontecimentos. Seria verdade que o homem sabia algo importante? Ou estava apenas a armar em esperto para os levar a divulgar o que sabiam? De uma coisa os irmãos estavam certos: não queriam ter nada a ver com Oscar Smuff até terem investigado a velha torre.

- Obrigado pelo cumprimento - disse Frank, sorrindo. - Joe e eu também pensamos que somos bastante bons e alegra-nos ver que pensa o mesmo.

- Então trabalharão comigo? - perguntou Smuff, com os olhos a brilhar de entusiasmo.

- Não dissemos que sim nem que não - atalhou Frank, olhando para Joe, que se pusera atrás do detective, e abanava a cabeça vigorosamente. - Vamos fazer uma coisa, Smuff. Quando nós dois chegarmos a Bayport vamos ter consigo. Viemos aqui para almoçar e descansar.

A expressão de Smuff era de desapontamento. Mas não ia desistir assim tão depressa:

- Quando cheguei aqui vi-vos correr como loucos pelo carreiro. Chamam a isso descansar?

- Como estivemos muito tempo sentados a comer, as pernas ficaram dormentes - explicou Joe. - De qualquer modo, temos de nos manter em forma para a equipa de baseball do liceu.

Smuff parecia suspeitar de que estavam a troçar dele, mas acabou por dizer:

- Está bem, rapazes, se me contactarem no início da semana, prometo-vos uma grande surpresa. Vocês já provaram que não conseguem ganhar sozinhos a recompensa dos mil dólares, por isso podemos partilhá-la. Já admiti que, pela minha parte, também preciso de auxílio para resolver o mistériu.

Deu meia volta e dirigiu-se lentamente para o carro. Os Hardy acenaram em adeus até o perderem de vista para terem a certeza de que não regressaria. Depois correram para a linha, saltaram a sebe e só pararam junto do depósito de água.

- Oxalá tenhamos dado com o segredo - suspirou

Frank, entusiasmado.

- Ilibaremos o senhor Robinson ...

- Ganharemos a recompensa ...

- E o melhor é que o pai vai orgulhar-se de nós.

A decrépita estrutura ficara abandonada junto à linha. De perto parecia ainda mais estragada. Quando os rapazes viram a escada, em que faltavam muitas das travessas, duvidaram de que pudessem chegar ao cimo.

- Se Jackley subiu nós também o podemos fazer - declarou Frank, ainda ofegante. - Vamos? Começou a escalar os degraus de madeira apodrecida. Só tinha subido quatro quando ouviu um barulho alarmante.

- Cuidado! - gritou Joe, de baixo.

Frank agarrou-se mais acima no momento exacto em que o degrau cedeu sob o seu peso. Içou-se à força dos braços e cuidadosamente experimentou a travessa seguinte. Esta estava mais firme e aguentou-lhe o peso.

- Eh! - protestou Joe. - Não partas tudo. Eu também quero subir!

Frank foi avançando devagar e o irmão, entretanto, começou a segui-lo. Quando chegavam a um ponto em que faltavam degraus eram obrigados a subir a pulso. Por fim, Frank chegou ao cimo e esperou até que Joe estivesse mesmo debaixo dele.

- Há aqui um alçapão que dá para dentro do tanque - gritou Frank.

- Por amor de Deus, tem cuidado - avisou Joe.

- Não queremos mais acidentes com alçapões. Treparam cautelosamente para a cobertura do depósito, que balançou, pouco segura. Ambos se aperceberam do perigo que corriam.

- Não podemos desistir agora! - murmurou Frank, rastejando suavemente até chegar ao alçapão. Joe ia colado a ele. Destaparam a abertura e espreitaram para o interior da cisterna. Tinha cerca de dois metros de profundidade e uns três e meio de diâmetro.

Frank desceu devagar, agarrando-se à borda, até ter a certeza de que o chão não desabaria.

- Está bom - disse a Joe, que repetiu a mesma ginástica.

Estavam ansiosos, mas tiveram de deixar os olhos adaptar-se à escuridão. O lugar estava parcialmente coberto de lixo. Havia tábuas velhas, pedaços de carris, latas e barras de ferro, tudo empilhado de um modo desordenado. A primeira vista, não havia vestígios do espólio roubado aos Applegate.

- As jóias e as acções devem estar em algum sítio - declarou Joe. - Mas se Jackley realmente quis escondê-las, não as deixaria por aí à vista. Estão provavelmente debaixo de uma destas coisas.

Frank pegou na lanterna e começou a procurar afanosamente, deitando para o lado as latas velhas e os bocados de madeira meio apodrecida.

Já tinham rebuscado metade do espaço sem obter qualquer resultado, quando Frank fez incidir a lanterna sobre o lado mais distante. Notou que havia várias tábuas empilhadas numa desordem que não parecia natural.

- Joe - chamou Frank -, diria que estas tábuas não foram para aqui atiradas ao acaso. Parece que alguém as colocou assim deliberadamente, para esconder alguma coisa debaixo delas.

- Tens razão.

Tal como um cachorro atrás de um osso, Joe atirou-se para a frente. Apressadamente, retirou as tábuas.

Era mesmo um esconderijo e lá estava um saco. Um saco vulgar de sarapilheira, mas quando Joe o agarrou teve a certeza de que a busca das coisas roubadas aos Àpplegate tinha chegado ao fim.

- Deve ser isto! - rejubilou.

- O tesouro da torre! - Frank abafou um grito de alegria.

Joe chegou-se para a luz, por baixo da porta do alçapão.

- Despacha-te! Abre-o! - incitou Frank.

Com os dedos a tremer, Joe começou a desatar o fio que o fechava. Estava cheio de nós e enquanto Joe os desfazia, Frank mexia-se nervosamente.

- Deixa-me tentar - pediu, impaciente.

Por fim, depois de terem ambos lutado com os teimosos nós, o cordel soltou-se. Joe mergulhou uma das mãos no saco e retirou um bracelete antiquado com pedras preciosas, meio baças, incrustadas.

- As jóias!

- E os papéis?

Joe voltou a meter a mão no saco e apalpou um pacote grosso. Quando o puxou para fora, exclamaram em uníssono:

- Os títulos das acções!

De facto, os papéis presos com um elástico eram os títulos. O primeiro dos documentos tinha o valor de 1000 dólares e fora emitido pelo banco de Bayport.

- As acções do senhor Applegate! - gritou Frank, triunfante. - Joe, sabes o que isto significa? Resolvemos o caso!

Os irmãos olharam um para o outro, ainda incrédulos, e depois deram uma palmada nas costas um do outro, como vencedores.

- Conseguimos! - gritou Joe, esfusiante.

- E sem o velho Smuff - acrescentou Frank, sorridente.

- Agora o senhor Robinson está ilibado! - exclamou Joe. - É a melhor coisa de tudo isto.

- Tens razão.

Ficaram algum tempo a gozar a alegria da descoberta. Mas tinham de regressar a Bayport com o precioso saco.

- Tu desces primeiro, Frank - disse Joe. - Eu atiro-te o saco e depois desço também.

Pegou no saco e estava a pô-lo aos ombros quando ouviram um ruído no telhado da torre. Olharam para cima e deparou-se-lhes um homem de ar agressivo, mal barbeado, a fitá-los, zombeteiro:

- Alto aí! - ordenou.

- Quem é você? - perguntou Frank.

- Sou Johnny Vagabundo - respondeu o homem. - Estes são os meus domínios e tudo o que cá está me pertence. Não têm direito de estar no meu quarto e não podem levar nada daí. Obrigado por encontrarem o "cacau". Nunca pensei em procurá-lo.

Joe, dominando o primeiro choque, replicou:

- Pode cá dormir, mas isto é propriedade dos caminhos de ferro e as coisas que estão nesta torre não lhe pertencem a si. Agora desça a escada para nós partirmos.

- Então vão dar luta, hem? - reagiu o vadio, em tom ameaçador. - Isso é o que vamos ver!

E, sem cerimónia, fechou o alçapão e trancou-o por fora.

 

             A fuga e uma última reunião

- Deixe-nos sair! - bradou Frank para Johnny Vagabundo.

- Não ganha nada com isto! - gritou Joe.

O homem, por cima das cabeças deles, riu-se em tom escarninho.

- Pensam que sou parvo. Sei muito bem que estou em vantagem. Não tenho pressa de pôr as mãos nesse saco que encontraram na minha torre. Daqui a alguns dias também o poderei vender.

- Daqui a alguns dias?! - exclamou Joe, horrorizado. - Antes disso morreremos sufocados ou de fome.

Frank passou um braço por cima dos ombros do seu impulsivo irmão e sussurrou:

- Não acontecerá nem uma coisa nem outra, Joe. Não vai ser difícil fugir daqui. Se não pudermos sair pela porta, escapamos por um dos lados do tanque.

Joe acalmou e ficaram ambos calados. Isto pareceu preocupar o "carcereiro, que gritou para baixo:

- O que estão vocês a fazer? Não houve resposta.

- Está bem. Agora vou deixá-los, mas voltarei para tomar conta desse saco. Não tentem nada de engraçado ou pode sair-lhes caro. Daqui a uma hora volto a falar com vocês.

O homem esperou alguns momentos. Como não aconteceu nada, dirigiu-se à escada.

- Espero que ele não quebre os degraus todos - bichanou Joe, preocupado -, ou não conseguiremos descer.

De novo Frank o sossegou:

- Reparei que há um tubo metálico que vai cá de cima até ao chão. Se for necessário, poderemos deslizar por ele abaixo.

- Quanto tempo pensas que devemos esperar até tentar escapar? - perguntou Joe.

Antes de responder, Frank ponderou a situação. Como não conhecia os hábitos de Johnny Vagabundo, era impossível adivinhar o que ele ia fazer. Se não fosse longe, poderia interceptar-lhes a fuga e seria mau meterem-se com ele. Mas, de repente, Frank lembrou-se de que ele tinha dito que regressava dentro de uma hora. Devia estar a planear ir a algum sítio mais distante . dali, talvez para reunir uns comparsas para o ajudarem.

- Parece-me que se partirmos dentro de um quarto de hora estaremos a salvo - concluiu Frank.

Cada minuto lhes pareceu uma hora, até que decorreram os 15 minutos. Então os rapazes pegaram numa tábua e tentaram forçar a porta, mas ela não cedeu.

- O que vamos tentar a seguir? - perguntou Joe. Frank estava a examinar as bordas em volta da porta com a lanterna e apontou para um ponto em que a madeira parecia completamente apodrecida.

- Não deve ser difícil fazer aqui um buraco, Joe. Depois ponho-me às tuas cavalitas para chegar ao fecho e abri-lo.

Joe agarrou numa barra e enfiou a ponta aguçada entre o alçapão e a tábua ao lado. Ouviu-se um estalido e ele repetiu a manobra com mais força. A fenda alargou-se. Juntos empurraram a barra pelo buraco.

Em poucos minutos conseguiram abrir um buraco que deu para Frank, empoleirado nos ombros do irmão, passar o braço. Encontrou o fecho e abriu-o. Joe empurrou a porta para cima com uma tábua.

Estavam livres!

Frank içou-se pela abertura e chegou-se à beira do telhado. Olhou para baixo, mas o inimigo não estava à vista; de facto, não havia vivalma em redor.

- Temos o campo livre! - anunciou.

Os rapazes puseram em prática o seu plano para tirar os valores roubados da velha cisterna. Frank voltou até junto da porta e Joe deu-lhe o saco e depois saiu também para o telhado. O irmão mais velho desceu a escada tão depressa quanto pôde e o outro atirou-lhe o tesouro. Joe seguiu-o rapidamente.

- Era melhor despacharmo-nos a sair daqui! - aconselhou Frank, e ambos correram para as motos.

- Vamos dividir as coisas. Serão mais fáceis de transportar - sugeriu Frank, ofegante, quando lá chegaram.

Abriu o saco e deu a Joe o pacote dos títulos das acções. Este meteu-o cuidadosamente por dentro da camisa. Frank distribuiu as jóias pelos diferentes bolsos. Depois subiram para as motos e arrancaram em direcção a Bayport. Só se sentiram descansados quando já iam a vários quilómetros da sua prisão e, nessa altura, um sorriso iluminou-lhes o rosto.

- Não sei quem vai ficar mais surpreendido - Hurd e Adelia Applegate, ou o chefe Collig ...

- Acho que será o pai! - atalhou Frank.

- É isso. Tens razão - concordou Joe. - E a pessoa mais desapontada vai ser um tal Oscar Smuff!

- Que pista te parece que ele queria que seguíssemos?

- Oh, não devia ter nenhuma. Só queria pegar-se a nós para reclamar a glória para ele, no caso de encontrarmos o tesouro; sempre a ver se Ezra Collig lhe dá emprego na polícia.

- Para onde vamos agora levar as coisas? - interrogou Frank.

foram ponderando esta questão enquanto percorriam os últimos quilómetros e concluíram que, uma vez que Hurd Applegate tinha encarregado o pai de resolver aquele caso, deveria ser este a devolvê-los.

Meia hora mais tarde, os Hardy entravam em casa e surpreendiam os pais com a boa nova.

- É maravilhoso! Simplesmente maravilhoso! - gritou a senhora Hardy abraçando os filhos.

O pai sorria abertamente.

- Estou muito orgulhoso de vocês - afirmou, dando-lhes palmadas nas costas. - E pertence-vos a honra de dar a notícia aos Applegate.

- E o chefe Collig? - lembrou Frank. - Temos de apresentar queixa contra Johnny Vagabundo.

- E vamos convidar os Robinson a estar presentes quando dermos a notícia - acrescentou Joe.

O detective foi de opinião de que deveriam fazer uma grande reunião em casa dos Applegate com todas as pessoas envolvidas no mistério. Sugeriu que os rapazes tentassem convocar as pessoas para essa mesma noite.

Frank foi escolhido para transmitir a notícia a Hurd Applegate; mesmo pelo telefone, os outros ouviram o homem repetir, admirado:

- Nunca pensei que conseguissem!

Depois chamou bem alto a irmã e contou-lhe as boas novas.

- Adelia pede-me que vos diga que é a mulher mais aliviada de Bayport, porque este assunto nunca lhe agradou - continuou, dirigindo-se novamente a Frank.

Os Applegate concordaram prontamente em que se fizesse a reunião em sua casa e faziam questão de que o senhor Robinson lá estivesse. Fenton Hardy deveria falar com o chefe Collig para que o soltassem imediatamente.

- Isto vai ser esplêndido! - exclamou Frank ao jantar. - Mãe, tem que vir connosco.

- Eu gostaria imenso - respondeu a senhora Hardy. - Estou "em picos" para ouvir o que vão dizer os Applegate e o chefe Collig.

- E Chet também lá deve estar - disse Joe. - No fim de contas foi o carro dele que nos deu a pista para Jackley Cenoura.

Telefonaram a Chet, que aceitou o convite com um grito de satisfação e combinou encontrar-se com a família Hardy na Mansão da Torre.

- Há mais uma pessoa que não podemos deixar de fora - acrescentou Frank, piscando o olho - Oscar Smuff. Sempre quero ver a cara dele.

- Pelo menos deveríamos participar-lhe que o mistério está resolvido - disse Joe, trocista - para ele não continuar a seguir a tal pista.

Frank esperou que o pai acabasse de falar com Ezra Collig, que prometeu soltar o senhor Robinson imediatamente e levá-lo a casa dos Applegate. A seguir, telefonou ao detective Smuff. Não pôde resistir à tentação de o manter na expectativa e, por isso, apenas anunciou que ia haver uma reunião com todas as pessas que estavam envolvidas no caso.

Às oito horas, os carros começaram a chegar um após outro à Mansão da Torre. Quando a família Hardy entrou, encontrou lá todos os Robinson. As gémeas correram para Frank e Joe e abraçaram-nos; Slim e o pai apertaram-lhes calorosamente as mãos e o último balbuciou comovido:

- Nem sei como poderei agradecer o vosso empenho.

A pobre senhora Robinson tinha lágrimas nos olhos e a voz tremia-lhe:

- Não calculam o que isto significa para nós - disse simplesmente.

Oscar Smuff foi o último a chegar e instou-os logo a explicarem-lhe o que se passava. Frank e Joe esperavam divertir-se um pouco à custa dele, mas Tessie e Paula, incapazes de conter o seu entusiasmo, gritaram:

- Frank e Joe Hardy encontraram as jóias e as acções! São verdadeiros heróis!

Enquanto Frank e Joe coravam num misto de embaraço e orgulho, o detective Smuff mirava-os, descrente e atónito:

- Vocês! - quase gritou. - Então foram os Hardy que encontraram o tesouro?

Os outros acenaram afirmativamente com a cabeça e Slim exclamou:

- Isto significa que o meu pai está completamente ilibado.

- Mas ... e os novecentos dólares? - perguntou Smuff, desconfiado. - Que explicação dá o teu pai para isso?

O senhor Robinson endireitou-se.

- Lamento - declarou -, mas tenho de manter a minha promessa de guardar segredo sobre esse dinheiro.

Para espanto de todos, Adelia Applegate levantou-se e foi pôr-se ao lado do antigo mordomo.

- Eu digo-vos onde Robinson arranjou o dinheiro - anunciou em tom dramático. - Fui eu própria quem lho emprestou.

- Tu? - gritou o irmão, apanhado de surpresa.

- Exacto. Não te pedi conselho porque sabia que não ias concordar. Sabia que Robinson precisava do dinheiro e quase o forcei a aceitar o empréstimo, mas fi-lo prometer que não revelaria a ninguém onde o arranjara. Depois, quando sucedeu o roubo, fiquei sem saber o que fazer. Na verdade, tenho andado em tal tensão que até me sentia doente. Tão depressa tinha ímpetos de explicar tudo, como receava que não me acreditassem e fosse complicar mais a situação. Pus toda a esperança nos Hardy, cuja fama se revelou novamente merecida. Só não contei que o caso se ensarilhasse tanto mas, agora, estou muito contente por tudo se ter esclarecido.

Esta declaração de Adelia Applegate foi a maior surpresa para todos os presentes. O senhor Robinson levantou-se, apertou-lhe a mão e disse, em voz emocionada:

- Obrigado, senhora Applegate. Hurd Applegate pigarreou:

- Gostava de anunciar uma coisa. Querem fazer o favor de se sentarem?

Depois de todos se terem acomodado na grande sala, o proprietário da mansão continuou:

- A minha irmã Adelia e eu conversámos longamente a propósito deste caso. Este assunto do roubo deu-nos uma grande lição. De futuro não queremos continuar tão afastados das pessoas de Bayport. Resolvemos, portanto, ceder parte dos nossos terrenos - a parte do pequeno lago - para proporcionar um lugar onde possam fazer piqueniques e nadar.

- Sensacional! - exclamou Chet.

- Tenho a certeza de que todos vão apreciar muito isso - observou Laura Hardy.

- Ainda não terminei - continuou Hurd Applegate. - Desejo pedir publicamente desculpa ao senhor Robinson. Adelia e eu lamentamos profundamente os incómodos que lhe causámos. Robinson, se quiser voltar a trabalhar para nós, prometemos tratá-lo com o respeito que nos merece. Terá um razoável aumento do seu salário e já decidimos construir a estufa que deseja. Terá licença para cultivar todas as flores que quiser.

Os circunstantes continuavam pasmados e todos os olhares se voltaram para o senhor Robinson, que se levantou solenemente da cadeira e se dirigiu ao senhor Applegate para lhe apertar a mão.

- Não fico ressentido - afirmou. - De boa vontade retomarei o meu antigo lugar e, com a nova estufa, estou certo de que ganharei muitos prémios para si e para a senhora Applegate.

Sentando-se, por sua vez, o senhor Applegate acrescentou:

- Há só mais um assunto - a recompensa. Os mil dólares cabem a Frank e Joe Hardy, que desvendaram o mistério do tesouro da torre.

- Mil notas! - guinchou o detective Smuff, sem poder conter a sua frustração.

- Então, senhor Smuff, calma - repreendeu-o Adelia Applegate. - Mantenha a compostura aqui na Mansão da Torre.

- Mil notinhas - continuou Smuff, atordoado -, mil notinhas lindas ... e para dois rapazes do liceu! E um verdadeiro detective como eu ...

Era demasiado para ele. Meteu a cabeça entre as mãos e pôs-se a gemer. Frank e Joe não se atreviam a olhar um para o outro, pois só com grande dificuldade continham o riso.

- Sim, mil dólares - declarou Hurd Applegate. - Quinhentos para cada um.

Retirou dois cheques do bolso e entregou-os aos dois rapazes, que agradeceram radiantes. O senhor Applegate convidou então os presentes a passarem à sala de jantar, onde estava servida uma ceia frugal de sanduíches, bolos e bebidas frias.

Enquanto comiam, Frank e Joe foram felicitados pelas outras pessoas. Correspondiam com um sorriso, mas secretamente ambos lamentavam um pouco que o caso tivesse terminado. Esperavam que em breve surgisse outro mistério para desvendarem e, com efeito, assim veio a acontecer com O Segredo do Velho Moinho.

Mais tarde, a caminho de casa, o senhor Hardy perguntou aos filhos:

- Que vão vocês fazer com todo esse dinheiro?

- Pôr a maior parte dele no banco - respondeu Frank prontamente.

- Frank e eu já há muito que desejávamos ter um laboratório criminológico no segundo andar do celeiro e agora podemos fazê-lo - acrescentou Joe. - Concorda, pai?

O detective sorriu, acenando com a cabeça:

- Uma excelente ideia! 

 

                                                                                Franklin W. Dixon  

 

 

                      

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