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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O TIPO BRASILEIRO / França Júnior
O TIPO BRASILEIRO / França Júnior

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

França Júnior

 

 

 

 

COMÉDIA EM UM ATO
PERSONAGENS: TEODORO PAIXÃO (50 anos) MR. JOHN READ (40 anos) HENRIQUETA PAIXÃO (20 anos) HENRIQUE (29 anos) UM CRIADO
A cena passa-se no Rio de Janeiro. Época: Atualidade.


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ATO ÚNICO Sala elegantemente mobiliada em casa de Teodoro Paixão.
 
CENA I Henriqueta e Henrique.
 
HENRIQUETA (sentada à direita bordando em um bastidor e cantando) Alta noite, tudo dorme,  Tudo é silêncio na terra,  Nem sequer nos ares erra... 
 
HENRIQUE (entrando)  Bravo! bravo! Muito bem!
 
HENRIQUETA (levantando-se)  Quem é?!
 
HENRIQUE  Não te assustes, sou eu. Teu pai não está em casa?
 
HENRIQUETA  Saiu, mas não deve tardar. O que vieste aqui fazer?
 
HENRIQUE  O que vim aqui fazer? É que te amo, Henriqueta. 
 
HENRIQUETA  Mas não vês, Henrique, que esse amor é impossível.
 
HENRIQUE  Não repitas esta palavra.
 
HENRIQUETA  Conheces a mania de meu pai e sabes perfeitamente que desde o dia em que esse inglês... 
 
HENRIQUE (com raiva)  Esse inglês... Quando penso naquele maldito beef, sinto ímpetos de empunhar um facão e reduzi-lo a roupa velha. Olha, Henriqueta, está me parecendo que os nossos vão ter um fim muito trágico.
 
HENRIQUETA  Tu me assustas.
 
HENRIQUE  É o que te digo. Provoco o bretão, há uma grande água suja, sobrevêm complicações internacionais e eis aí armada uma nova questão anglo-brasileira.
 
HENRIQUETA  E tudo isto por minha causa?!
 
HENRIQUE  De que te admiras? Por causa de uma mulher derrubam-se impérios e baqueiam as maiores civilizações. Abre a história e lá verás se erro. O cerco de Troia durou 10 anos. Quem deu origem a essa página de sangue nos fastos da humanidade? Helena, uma mulher formosa e sedutora, como tu; que tinha uns olhos que despediam chamas, como os teus, e que o Criador vazara nos moldes da beleza ideal com esse primor artístico com que cinzelou-te o porte encantador. Eu não sou ainda teu marido, mas juro-te como bom carioca, nascido na antiga rua do Piolho e batizado na freguesia de São José, que esse Paris de fraque não há de alcançar o teu amor.
 
HENRIQUETA  O meu amor, nunca, dizes muito bem, porque o meu coração só pulsa por ti; mas infelizmente não sou senhora de meus atos e a vontade de meu pai vai-se cumprir.
 
HENRIQUE  Não se há de cumprir. A mania de teu pai pelo estrangeirismo não subirá ao ponto de comprometer a tua felicidade futura.
 
HENRIQUETA  O que queres? Para ele o estrangeiro é tudo; em sua opinião um brasileiro não presta para nada. Diz-me constantemente que os nossos compatriotas são indolentes, fúteis, sem educação; que esbanjam a fortuna dos pais, e que quando se veem surpreendidos pelo temporal da miséria, agarram-se a um casamento rico como o náufrago à tábua de salvação.
 
HENRIQUE  Mas isto é uma infâmia! Sou brasileiro, tenho vivido até aqui sob o aguaceiro da desgraça, mas minha alma, em suas santas expansões, jamais se deixou fascinar pelos tesouros que possuís.
 
HENRIQUETA  Eu te conheço, e no entretanto ele não sabe te compreender.
 
 
CENA II Os mesmos e Teodoro.
 
TEODORO (pelo fundo, com alegria)  Já abracei o homem; acaba de chegar neste instante! (Deparando com Henrique, à parte) Este pelintra em minha casa!
 
HENRIQUE  Como tem passado, Senhor Teodoro?
 
TEODORO  Vai-se vivendo.
 
HENRIQUE  Vem muito alegre, Senhor Paixão!
 
TEODORO  Como veio gordo, bonito, faces rosadas! Olha, Henriqueta, ao descer para o escaler perguntou-me logo em sua meia língua — como vai a sua Excelentíssima filha! E minha cavala está bem tratada?
 
HENRIQUETA (à parte)  Que bruto!
 
HENRIQUE  Ora, eis aí como se define um homem em dois traços. O último, sobretudo, é característico.
 
TEODORO  Eu já contava com a judiciosa reflexão. Se fosse um brasileiro, antes de informar-se da saúde da família... 
 
HENRIQUE (com intenção)  Da família?!
 
TEODORO  Sim, da família... havia de perguntar qual era o espetáculo da noite no Alcazar, que colarinhos se usavam, se já tínhamos companhia lírica e outras tantas futilidades.
 
HENRIQUE  Não sei de quem se trata, Senhor Teodoro; mas posso assegurar-lhe que nós brasileiros não somos tão maus como pensa.
 
TEODORO  Falo de Mr. John Read, engenheiro distinto, que acaba de chegar de uma viagem que foi fazer ao Norte a fim de melhor conhecer este país.
 
HENRIQUE  Dou-lhe os meus parabéns e há de permitir que me felicite por tão distinto hóspede.
 
TEODORO  E deve felicitar-se. E um bretão às direitas, sangue azul puríssimo e homem de vistas largas. Uma empresa importante o trouxe ao Brasil!
 
HENRIQUE  Ah!
 
TEODORO  É uma ideia de alta conveniência pública, de que os tais senhores brasileiros ainda não se lembraram.
 
HENRIQUE  Trata-se sem dúvida da liberdade do ventre?
 
TEODORO  Não, senhor, trata-se de uma ideia que só poderia germinar num cérebro maravilhosamente organizado. Mr. John Read pretende obter do governo um privilégio para encanar cajuadas em toda a cidade.
 
HENRIQUE  Assombroso! Se é exato que o caju possui altas virtudes medicinais, este homem vale por dez juntas de higiene pública.
 
TEODORO  Em três meses compromete-se ele a fazer esguichar caldo de caju de miríades de bicas, colocadas nos pontos principais desta capital. Conversando há dias com um engenheiro... brasileiro, disse-me este que duvidava da obra e que o homem era um visionário. Quer ver até onde chega a miséria desta terra?
 
HENRIQUE  Vejamos!
 
TEODORO  O homem ainda não obteve o privilégio e no entretanto já começam a fazer-lhe uma guerra de morte todos os confeiteiros e botequineiros da cidade. Que país! Não se pode ser estrangeiro aqui!
 
HENRIQUE  Engana-se, Senhor Paixão, brasileiro é que aqui não se pode ser.
 
TEODORO  Aposto que vem já com o lugar comum favorito: tudo está monopolizado!
 
HENRIQUE  Ainda não disse nada.
 
TEODORO  Se tudo está monopolizado é por inteligências superiores às nossas, por ilustrações que nunca havemos de ter...
 
HENRIQUE  E pelos inúmeros charlatães que cá vêm engodar-nos com cajuadas.
 
TEODORO  Observo-lhe, Senhor Henrique, que está em minha casa.
 
HENRIQUE  O Senhor Teodoro é o tipo do brasileiro. Não há país nenhum do mundo que não tenha orgulho de suas glórias, de suas instituições e de suas coisas. Desde a soberba Roma onde o súdito dos Césares dizia cheio de justa satisfação — civis romanus sum, até ao canto mais recôndito do globo, o patriotismo tem sido a virtude saliente de todas as classes sociais. O brasileiro desprestigia-se a si próprio, em todos os lugares, a cada momento, nas coisas mais insignificantes da vida e nos maiores acontecimentos dela.
 
TEODORO  Discursos! Discursos!
 
HENRIQUE  Apesar de já me ter observado que está em sua casa, peço-lhe que me ouça por alguns instantes. Saímos do colégio ignorando a nossa história; sabemos onde fica a França, a Inglaterra e a Rússia, mas raros são os que podem dizer os nomes das cidades principais do Brasil. No parlamento ninguém cita os luminosos precedentes do nosso passado, roídos pelas traças em solitários arquivos; em compensação porém invocam-se ali, a cada passo, as práticas inglesas e levantam-se soberbos pedestais a lord Derby, Pitt, Thiers, Guisot e a tantos outros luzeiros do velho mundo. A imprensa desprestigia os nossos literatos: quando uma vocação surge, ébria de esperanças, ou morre ignorada, tiritando no gelo da indiferença, ou sucumbe aos golpes da crítica invejosa e mordaz. Não há ninguém honrado no fastígio do poder: os estadistas assumem o governo, cheios de fé, e descem dos conselhos da coroa, feridos na probidade e trazendo no coração os gérmens da descrença. Se a dignidade da nação empenha-se em cruenta guerra, amesquinhamos as nossas vitórias perante o estrangeiro mandando escrever em todos os jornais do império que nos batemos com inimigos esfaimados, maltrapilhos e covardes. Não é tudo ainda, os guerreiros da rua do Ouvidor dão planos de campanha e, desrespeitando a dignidade do pavilhão nacional, abatem hoje o general que elevaram ontem, para elevarem outro que hão de abater amanhã.
 
TEODORO  Está provando, meu amigo, que é um brasileiro às direitas; tem discursado maravilhosamente. Estamos fartos de discursos, queremos a realidade.
 
HENRIQUE  A nossa indústria... 
 
TEODORO (zangado)  Ainda? (Senta-se e lê o jornal)
 
HENRIQUE  A nossa indústria definha, humilhada por nós mesmos. O brasileiro que monta um estabelecimento industrial trata logo de ocultar a nacionalidade dos seus produtos em pomposos rótulos estrangeiros. O senhor, por exemplo, detesta a cerveja brasileira; no entretanto vai beber, por dez tostões a garrafa, a cerveja que o rótulo afirma ser inglesa e que poderia saborear pela módica quantia de uma pataca. Envergonhamo-nos das tradições as mais populares que todos os povos civilizados respeitam como legados preciosos do passado. Vamos de dia em dia perdendo o tipo na família, nos hábitos, nos costumes, e finalmente até já começamos a prostituir a própria língua que falamos! O Senhor Teodoro é a personificação eloquente do que acabo de dizer. Mas o que é isto? Está lendo?
 
TEODORO  É verdade. Ora, ouça. "Grande exposição de camelos da Costa da África. Entrada 1$000."
 
HENRIQUE  Eis aí ainda uma prova do nosso pouco amor à pátria, e do maldito estrangeirismo que vai tudo invadindo. Camelos da Costa da África! Este país tem muito bons camelos, pode dizê-lo com orgulho, não há necessidade de ir mendigá-los ao estrangeiro.
 
TEODORO (com intenção)  Lá isso tem, é a pura verdade.
 
HENRIQUE  Talvez militasse no ânimo do expositor uma razão muito poderosa de economia.
 
TEODORO  Qual é?
 
HENRIQUE  É que o camelo da Costa da África pode passar muitos dias sem comer; os camelos do Brasil são os que mais comem.
 
TEODORO (levanta-se, à parte)  Patife! (Baixo a Henriqueta) Despeça-me este sujeito: não quero vê-lo mais aqui.
 
HENRIQUETA (baixo)  Mas meu pai... 
 
TEODORO (para Henrique)  Sinto não poder ouvi-lo mais, tenho que fazer. Ah! é verdade, aproveito a ocasião para dizer-lhe que minha filha vai casar com Mr. John Read. (Sai)
 
 
CENA III Henrique e Henriqueta.
 
HENRIQUE  Chama-se isto em bom português pôr-me no andar da rua.
 
HENRIQUETA  Tu mesmo és o culpado; por que falas-lhe sempre por aquele modo?
 
HENRIQUE  Eu ando cheio até aqui, (mostra a garganta) Henriqueta. Aborrece-me ver por toda a parte o desprestígio de tudo o que é nosso e sinto a bílis ferver-me nas faces quando vejo o gênio brasileiro encarnado em teu pai. Mas tratemos de nós, só de nós. O que nos resta agora fazer?
 
HENRIQUETA  Esquece-me; és moço e inteligente e ainda podes ser muito feliz.
 
HENRIQUE  Esquecer-te? Tu não me amas!
 
HENRIQUETA  Já não te disse que o meu coração só pulsa por ti?
 
HENRIQUE Então é necessário que esse inglês desapareça.
 
HENRIQUETA  Como?!
 
HENRIQUE  Diante de uma pistola, de um cólera-morbus, de uma febre amarela, de um tifo.
 
HENRIQUETA  Estás louco?!
 
HENRIQUE  É preciso que a todo o transe se levante uma barreira entre ti e o filho da Ilha Grande. Vê se achas um meio, anda, inspira-me.
 
HENRIQUETA  Queres porventura que te aconselhe um crime?!
 
HENRIQUE (batendo na testa)  Ah! Achei! Estamos salvos! (Sai correndo)
 
HENRIQUETA  Henrique! Henrique! O que iria ele fazer, meu Deus?!
 
 
CENA IV Henriqueta e Teodoro.
 
TEODORO  Já se foi aquele pelintra? Ora, graças a Deus! Olha para cá, menina; nada dos muxoxos costumados diante de teu noivo. Estuda um ar senhoril e compenetra-te da ideia de que vais ser a mulher de um inglês! Miss Henriqueta Paixão Read! Que nome! Tem o diabo do Paixão que desconcerta-lhe a harmonia estrangeira, mas enfim, se quiseres, podes tirá-lo.
 
HENRIQUETA  Não renego o nome de meus pais.
 
TEODORO  Não digo isso, mas esta maldita língua portuguesa é tão cheia de ãos, ãos, ãos, que nos assemelham, quando conversamos, a uma matilha de cães a ladrar.
 
HENRIQUETA  Ora, papai, "cá e lá más fadas há".
 
TEODORO  Minha filha, não há língua nenhuma no mundo tão burlesca e tão pouco significativa como a nossa. O inglês diz yess e sente-se na força do termo a resolução tomada, a convicção inabalável, o caráter do povo, enfim... Yess é uma palavra de pedra e cal. Quando o francês diz oui, quem não vê transparecer neste simples vocábulo a jovialidade, a alegria, a expansão generosa do povo do espírito? O alemão diz ya, e vê-se um povo aberto, franco e inteligente. O italiano... 
 
HENRIQUETA  Não há necessidade de vosmecê esgotar a sua lógica para demonstrar-me que a nossa língua nada significa. Dou-me por convencida.
 
TEODORO  Ainda bem. Lastimo, entretanto, que não fales as línguas dos povos cultos. Estiveste bem contra a minha vontade em um colégio dirigido por uma brasileira que apenas te ensinou a fazer tricô, bordados, marcas, crochê... futilidades em suma.
 
HENRIQUETA  Conheço a minha língua; não sou como muitas que estudam o francês, inglês, alemão, o que sei eu? em colégios estrangeiros e saem deles ignorando o português.
 
TEODORO  Meu pai também mandou-me educar em colégio brasileiro... Saí um perfeito burro... Se arranho uma ou outra palavra dos idiomas estrangeiros devo-o a mim mesmo e à sociedade que frequento. (Vendo o relógio) Duas horas. O inglês já deve vir subindo as escadas. Ele disse-me: "Às duas horras em ponto lá estarrei." E quando um inglês diz, cumpre.
 
 
CENA V Os mesmos e John.
 
JOHN  Mim pode entra?
 
TEODORO (com alegria)  Ei-lo, eu bem dizia.
 
JOHN (apertando com força a mão de Teodoro)  How do you do, sir?
 
TEODORO (à parte)
 
Irra.
 
JOHN (apertando com força a mão de Henriqueta)  Coma passa. Mim estar com muites saudades de voucê.
 
HENRIQUETA (à parte).  Que brutalidade!
 
JOHN  Coraçáu estar muite comprimida. Tres meses sem vê voucê, passa aborrecida, não pode viver dirreita.
 
TEODORO  Eu imagino; por toda a parte a imagem do objeto amado, nos raios da lua, na estrela que brilha no firmamento, nas flores.
 
JOHN  Oh! yess, very well.
 
TEODORO  No sol a dourar a crista das montanhas, no mar... 
 
JOHN  Oh! non, non, no mar mim estar passa muito bem; mim come roast beef e bebe port wine, sem recorda ferida de coraçáu. Quando estar em terra, lembra filha de voucê, e non pode mais bebe.
 
TEODORO  Avalio o quanto terá sofrido.
 
JOHN  Muite, mim estar bastante contente por ter viaja país de voucê.
 
TEODORO É muita bondade. Um país bárbaro, atrasado. (À Henriqueta) Menina, manda trazer cerveja. (Henriqueta sai pela direita)
 
 
 
CENA VI John, Teodoro e depois um Criado.
 
JOHN  Natureze aqui fica muite grandiose. Brasileira não sabe aproveita riqueza de Brasil; estar tudo preguiça. Não estar precisa planta neste terra: fuma e milha nasce nas telhadas; quem quer sustenta sua cavala de graça, manda bota em campo de Santa Ana.
 
TEODORO  É a pura verdade; nunca havemos de ser nada.
 
JOHN  Oh! non; voucê pode ainda ser muita.
 
TEODORO  Como achou o Norte?
 
JOHN  Beautiful! Mas não tem passa lá muite bem. Falta confortável de vida, que este terra não conhece. Mim quando vai p'ra Ingliterre, escreve uma livra, e há de mostra o que estar Brasil. Estar gosta um pouco de Pernambiúco, muite de Pará. Oh! Pará is very fine. Eu compra lá muite borracha, e leva uma carregamenta para Liverpool. Não estar muite querida d'Amazonas... 
 
TEODORO  Um deserto! Um ninho de crocodilos, cobras e mosquitos.
 
JOHN  Mim não tem lá carne para come. Estar lá muite tempa bastante doente.
 
TEODORO  E não me mandou dizer nada!
 
JOHN  Quase deixa ossos neste terra.
 
TEODORO  Então o que foi?
 
JOHN  Dar-me p'ra almoça e janta só caurubu, caurubu.
 
TEODORO  Deram-lhe urubu para comer?!
 
JOHN  Oh! yess, caurubu.
 
TEODORO  Que vergonha! O que não dirão deste país os estrangeiros! Urubu! Um pássaro grande, que come carniça?!
 
JOHN  Non, non, uma peixe.
 
TEODORO  Ah! pirarucu!
 
JOHN  Very well, saurucucu!
 
TEODORO  Mr. John, creia que me sobe o rubor às faces todas as vezes que vejo um estrangeiro da sua ordem aportar a estas malditas plagas.
 
JOHN  Não fala assim. Mim estar muite contenta, por exempla, de Bahia. Tem intestinas estragadas de vatapá, mas dá tudo por muite bem empregada.
 
TEODORO  E para que foi comer essas extravagâncias, que são um veneno para o estômago?
 
JOHN  Oh! não diz isso. Se vatapá estar venena, eu quer morre com o boca dentra de terrina. Mim leva muites saudades de Bahia p'ra Ingliterre: mulatines e crioulines canta lá laundus, que espreme curação de gente.
 
TEODORO  Este maganão!
 
JOHN  Laundu de Bahia faz bole com perna, vira cabeça, beiça treme e fica caída, arrepia cabela daqui. (Mostra a nuca) Mim estar muite incomodada com este coisa.
 
TEODORO  Uma música chula.
 
JOHN  Eu vem canta tode viage. Oh! tem piana aqui, eu vai canta laundu.
 
TEODORO (à parte)  Como são joviais estes ladrões!
 
JOHN (abrindo o piano e tocando)  Espera uma pouca, acerta desacompanhamenta. (Acompanhando) Very well. Mulatines dá caroce  Na pescoce, Aqui está tua cambau, Mete ferra do gilhadau,  Minha amada, No teu dengue cachorrau. Mim gosta de cor morrena,  Muite amena, Das bolinhas de mãe benta,
 
Desse cor que se coloca  No pipoca Do lada que non rebenta. Beautiful! Beautiful!
 
TEODORO  Bravo, muito bem. Que excelente voz!
 
JOHN  Mim aprende música em Ingliterre, e leva p'ra lá todes esses bonites coses.
 
TEODORO (gritando para dentro)  Ó menina, vem ou não esta cerveja?
 
JOHN  Não se incomoda; eu já tem bebe uma dúzia de garrafas: pode espera. (Entra um criado com uma bandeja com copos de cerveja e coloca-a na mesa. Batem na porta)
 
TEODORO (para o criado)  Vê quem é. 
 
(O criado sai)
 
JOHN (abanando-se)  Non pode suporta este calor.
 
CRIADO  Um senhor estrangeiro deseja falar-lhe.
 
TEODORO  Um estrangeiro?! Manda-o entrar. 
 
(O criado introduz Henrique)
 
 
CENA VII
 
Teodoro, John e Henrique.
 
HENRIQUE (com barbas e cabeleira postiças imitando um francês)  Non é aqui que morra Monsieur Theodore Passion?
 
TEODORO  Um seu criado, senhor; tenha a bondade de sentar-se.
 
HENRIQUE  Sans façon, Monsieur, non se encomode.
 
TEODORO  Ora, por quem é.
 
HENRIQUE  Je suis venu a sa case, monsieur, parce qu'on m'a dit que monsieur protege todos os estrangeiros que vêm ô Brésil. Eu já tem estado aqui cinco anos, e por toda a parte ouvi falar no nome de vossa senhorrie.
 
TEODORO  Oh, meu caro senhor, é muita bondade.
 
HENRIQUE  Eu vem agora diretamente de Lisbonne pour arranje um negócio com o governo e pede que vossa senhorie me concede sa valieuse protection. Je suis né à Paris, monsieur, dans la rue du Chateau Margot nº 100, foi baptisade no freguezie du Chateau La Rose, e ma famille demeure presantemente no travesse du Chateau La Pipe. Sou um francês de fine sociedade.
 
TEODORO  Está-se vendo, meu caro senhor, as suas maneiras, o seu todo... Poderei saber qual o negócio que o trouxe pela segunda vez ao Brasil?
 
HENRIQUE  Eu tem ideia de montar aqui um grande fabrique de pomade. Quase todos os brasileiros, senhor, são muite pomadistes e eu tem esperance de fazer beaucoup d'argent neste país. O senhor non acha?
 
TEODORO  Não sei; toda a ideia generosa e civilizadora que aqui aparece é recebida com o riso da incredulidade.
 
HENRIQUE  Eu me compromete, eu sozinha, a dar pomade a tout le monde. Já tem meus calcules todos feito. Se eu consegue arranjar ser pomadiste universal avec garantie du gouvernement, acaba de uma vez com pomade falsificade que se consume em tudo o Brésil.
 
TEODORO  Se o senhor conseguir acabar com o sebo de Holanda que nos impingem os taverneiros e os nossos mascates ambulantes... 
 
HENRIQUE  O senhor toca justamente no ponte que eu queria chegar. Mediante un processe que eu acaba de descobrir, eu pretende elevar o sebo de Holanda à altura de la plus superfine banha de urso dos fabriques de todo Europe.
 
TEODORO  Meu caro amigo, a minha humilde proteção está ao serviço de todos os estrangeiros inteligentes e laboriosos que aportam a este país. Hei de fazer todo o possível por apresentá-lo nos melhores círculos; farei com que toda a imprensa se ocupe de um hóspede tão ilustre, empenhar-me-ei enfim para que a sua ideia seja coroada do feliz resultado a que tem direito; mas digo-lhe desde já que conte com a inveja dos meus compatriotas, que são a gente mais levada do diabo deste mundo.
 
HENRIQUE  Não crê; brasileira goste de pomade, e eu ganhe dinheirro.
 
TEODORO (a John, que durante o diálogo tem lido o jornal) 
 
O que diz a isto, Mr. John? Ah! é verdade, tinha-me esquecido de apresentá-lo. Mr. John Read, industrioso como o senhor e uma das glórias da velha Inglaterra. (John inclina a cabeça)
 
HENRIQUE  Tem muite satisfaction de faire o seu conhecimento, senhor.
 
TEODORO  Tinha mandado vir cerveja quando o senhor entrou... Por favor, não façam cerimônia. (Bebem os dois, menos Henrique)
 
JOHN (depois de ter bebido)  Este cerveja estar muite ordinária.
 
TEODORO  Posso asseverar-lhe que é legítima inglesa.
 
JOHN  Non, quem vende engana a vouce.
 
HENRIQUE  Deixe-me ver, senhor; eu já tem tido um fabrique de cerveja no Suisse, e entende muite desta bebida. (Bebe) Monsieur Theodore a raison, muito bom cerveja inglesa. (À parte, com voz natural) É legítima marca barbante; uma pataca a garrafa. (Alto) O senhor non fume? (Oferece charutos a John)
 
JOHN  Obrigada; mim tem charutas. (Tira um charuto do bolso e fuma)
 
HENRIQUE  Não quer, senhor? (Dá um charuto a Teodoro, que aceita) Eu gosta muite de fumar destes cigarros.
 
TEODORO (fumando)  É um delicioso havana.
 
HENRIQUE  Eu não pode fumar que cigarros de Havana.
 
TEODORO  Está como eu. Este é magnífico! Não sei como se possa tragar charutos daqui.
 
HENRIQUE  Eu manda vir diretamente de Cubá. (À parte) Recebo-os da Bahia.
 
TEODORO  Mas dizia-lhe eu que toda a ideia grandiosa é recebida neste país à ponta de baioneta. Tem o senhor a prova eloquente disto em Mr. John Read.
 
HENRIQUE  Ah! o senhor também tem um ideia?
 
TEODORO  E que ideia! Um ideão! Encanar cajuadas em toda a cidade e dar-nos excelente caldo dessa deliciosa fruta a dois vinténs o copo.
 
HENRIQUE  Tiens, vraiment, que c'est bon ça! Mais c'est difficile pour encanar cajuades dans cette ville!
 
JOHN  Processa estar perfeitamente estudada. Mim pode explica a voucê, porque tem segreda que eu só conhece e mim estar arranja tudo muite bem.
 
HENRIQUE  Doit être un machinisme três complicade!
 
JOHN  Machinisma muito fácil. Mim coloca aparelha no Ponta de Caju. As cajus sáo colocadas em uma reservatória e daí conduz fruta perfeitamente madura por um roda a uma ponta dada! Neste ponta mim estar faze uma sistema de guilhotine, que logo que a caju presenta seu cabeça arranca o castanha em três tempos. O castanha separada da caju cai em uma tubo que vai ter a uma outra reservatória. Caju passa então por grandes cilindras, é espremida perfeitamente, retirada todo o calda, a bagaça fica para uma lada, e o líquida vai para uma caldeira, onde, por uma machinisma especial, entra o açúcar e água necessária para o tempera. Depois de fervida tudo isso, para não fica picada, passa para destilador, sai todos os porcarias de caju, e vai por uma tubo para o caixa matriz. Daí é distribuída em encanamentas de barro... 
 
HENRIQUE  Como dans la compagnie City Improvements?
 
JOHN  Oh! Yess.
 
HENRIQUE  Mais c'est une maravilhe. E precise entretante recomendar de botar sempre água no recipiente, que é para não deixar sair cheiro de caju.
 
TEODORO  É um ideão!
 
JOHN  Em cada esquina há um pilastra com um torneira e uma pequena caixão para mete dentro dele vendedor de caju. Cada cajuada custa duas vinténs.
 
HENRIQUE  Deve ser une empresa três lucrative.
 
TEODORO  É um negócio da China.
 
JOHN  Já tem minhas cálculos tudo feito. Rio de Janeiro tem quatracentas mil almas; desses quatracentas, cinquenta mil bebe caju. Cinquenta mil na razão de quarenta réis prefaz quantia de duas contas de réis por dia. Tem ainda mais. Ninguém bebe caju sem apresenta cartáo. Mim calcula emissão de dez contas de réis de cartáo por dia. Neste emissão com os cartáos que perde, o jura do dinheiro, cartáo que mim non paga, porque diz que é falsa, fica mais com uma conto de réis por dia; com as duas contos acima faz trez, e mim pode faze na fim de ana mil e tantas contos.
 
TEODORO  E então?!
 
HENRIQUE  Eu tem também autre idée, senhor, que me há de ainda tornar celébre dans tout le monde.
 
TEODORO  Só o Brasil nada inventa, nada descobre!
 
HENRIQUE  Eu, senhor, eu acaba de descobrir la direction du balon aéreostatique.
 
JOHN  Oh! non pode!
 
HENRIQUE  Eu vai comunicar ao senhor meu segrede, que é precise ainda estudar.
 
TEODORO  Até onde vão esses homens!
 
HENRIQUE  La direction du balon aérostati que, senhor, é o coisa mais facile deste mundo. Supóe vosmecê (Segurando na cabeça de John) que isto é o terra.
 
JOHN (com dignidade)  Minha cabeça non estar globe terraque. Si voucê quer demonstra ideia, segura em sua chapéu.
 
HENRIQUE  Non é precise zangar, senhor. (Segurando em seu chapéu). Supõe vosmecê que isto é o terra. Ora, senhor sabe que o terre está constantemente girando. O senhor quer ir au Chine, par exemple, não tem mais que sóbe cô balon a uma certe altura; fica lá parade, e esperra que o Chine passe. Quando vosmecê aviste o Chine desce tout de suite, e assim em muito pouco tempo pode viajar tout le monde.
 
TEODORO  É assombroso!
 
JOHN  Non póde! non póde!
 
TEODORO (à parte)  Vejamos agora os dois.
 
JOHN  Eu vai explica a voucê que non póde. Mim estar uma vez com a cabeça doenta, cidade todo anda à roda, e mim espera numa canto que meu porta passa para mete chave. Mim fica na mesma lugar, e porta non passe. Baláo não póde cai no Chine.
 
HENRIQUE  Vossa Senhoria há de ver.
 
JOHN (baixo a Teodoro)  Mim precisa fala em particular com voucê sobre previlegia de caju. O negócio há de ser decedida este semana.
 
TEODORO (a Henrique)  Monsiú, esta casa é sua, pode ficar aqui ou entrar; esteja como lhe aprouver.
 
HENRIQUE  Si eu encomode Vossa Senhorrie eu vai me embora.
 
TEODORO  Não, senhor, há de ficar para jantar conosco e dar-nos, todas as vezes que quiser, o prazer de sua amável companhia. Eu vou chamar minha filha. Fique aqui conversando com ela, enquanto trato um negócio importante com este senhor. (Gritando para dentro) Henriqueta? Ó Henriqueta?
 
HENRIQUE  É muite bondade de Vossa Senhorrie.
 
 
CENA VIII Os mesmos e Henriqueta.
 
HENRIQUETA  Meu pai chamou-me?
 
TEODORO (apresentando Henriqueta)  Minha filha.
 
HENRIQUE  Bon jour, mademoiselle, comment vous portez vous? O senhor tem uma filha trop interessante. (John lança um olhar de ciúme para Henrique)
 
TEODORO  Entretém este senhor, que nós já voltamos. (Sai com John)
 
 
CENA IX Henrique e Henriqueta.
 
HENRIQUETA (à parte)  O que hei de dizer a este mono? (Henrique vai pé ante pé examinar as portas) O que é isto, senhor?
 
HENRIQUE  Sciu!
 
HENRIQUETA (assustada)  Eu grito.
 
HENRIQUE  Sciu! (Segura na cintura de Henriqueta)
 
HENRIQUETA  Deixe-me.
 
HENRIQUE  Não te assustes, sou eu. (Tira as barbas)
 
HENRIQUETA  Henrique!
 
HENRIQUE  Sim, sou eu, o teu Henrique, disfarçado em francês pomadista. Teu pai recebeu-me de braços abertos, porque disse-lhe que tinha nascido na rua do Chateau Margot, vendi-lhe pomada por muito tempo, convidou-me para jantar e aqui instalou-me sem perguntarme sequer o nome.
 
HENRIQUETA  O que pretendes fazer agora?
 
HENRIQUE  Não sei em que acabará esta comédia; mas tenho fé que a minha ideia há de ser bem sucedida. Olha, Henriqueta, se eu te pedisse a mão na qualidade de francês?
 
HENRIQUETA  Nada conseguirias.
 
HENRIQUE  Pois bem, mas consigo, em todo o caso uma coisa.
 
HENRIQUETA  O que é?
 
HENRIQUE  Provocar o meu rival.
 
HENRIQUETA  Henrique, tu deliras!
 
HENRIQUE  Não, Henriqueta, estou em perfeito uso de razão. O inglês saiu daqui meio atravessado com a ideia de ficarmos a sós, eu aumentei ainda a aflição ao aflito, dizendo a teu pai que tu eras muito interessante. Não dou um segundo que o ousado bretão não esteja aqui de sentinela.
 
HENRIQUETA  Vai-te embora.
 
HENRIQUE  Daqui não sairei.
 
 
CENA X Os mesmos e John.
 
JOHN (dentro)  Mim já volta; só um instanta.
 
HENRIQUE  Aí vem o inglês. (Põe as barbas) Je vous adore, mademoiselle! (Ajoelha-se aos pés de Henriqueta e beija-lhe as mãos). Oh, je vaus aime! (Henriqueta procura esquivar-se)
 
JOHN (entrando)  Desafôra!
 
HENRIQUE  Qu'est ce que o senhor tem com isso?
 
JOHN  O que eu tem com issa?... Eu vai já te ensina. (Forma um soco)
 
HENRIQUE  Atira soco, patife. (John vai dar um soco, Henrique dá-lhe uma cabeçada que o lança ao chão. À parte) Esta é legítima brasileira.
 
HENRIQUETA  Meus senhores, por piedade!
 
JOHN  Deixa mim ensina francês. (Dá um outro soco que é correspondido com outra cabeçada)
 
HENRIQUETA  Meu pai? Meu pai?
 
 
CENA XI John, Henrique, Henriqueta e Teodoro.
 
TEODORO  O que é isto, senhores?!
 
JOHN  Mim encontra este francês aos pés de filha de voucê, mim vai dar-lhe um soco, e ele mete cabeça em mim.
 
HENRIQUE  Eu repele l'aggression, que senhor me faz; mais je suis un français de bone famille, eu desafia senhor para uma duelo.
 
JOHN  Mim aceita duelo.
 
TEODORO  Muito bem; procedem com a dignidade de estrangeiros ofendidos. Infelizmente não temos essas práticas. Mr. John, eu serei seu padrinho.
 
HENRIQUE  Au toque d'aragon eu estarrei no Matadouro com meus testemunhas.
 
HENRIQUETA (à parte)  Meu Deus!
 
JOHN  Mas mim ainda não sabe sua nome!
 
TEODORO  É verdade, o seu nome?
 
HENRIQUE  Ernesto Guillaume, membre de la societé higienique des parfumistes de Paris, president de l'Association du cosmetique bleu, sócio honoraire de la societé cheval de Bronze, condecorado com a orde de la fleur du thé de la Chine.
 
JOHN (sobressaltado)  Ernesto Guillaume? Voucê estar mora em Pariz?!
 
HENRIQUE (à parte)  O meu nome sobressalta o inglês! Aqui há mistério. (Alto) A Paris, senhor.
 
JOHN  Na rua de São Honoré?
 
HENRIQUE  Isso mesmo.
 
JOHN  Número vinte?
 
HENRIQUE  Número vinte. (À parte) Oh! a Providência! Parece-me que ela me guia os passos.
 
JOHN  Número vinte?
 
HENRIQUE  Eu já disse ô senhor que sim. (À parte) Vou já saber de tudo. (Alto) Eu conhece o senhor perfeitamente, senhor não me embace.
 
JOHN (baixo)  Cala sua boca, não me compromete.
 
HENRIQUE (à parte)  Bravo!
 
JOHN (para Teodoro e Henriqueta)  Mim precisa fala sozinha com este senhor.
 
TEODORO (à parte)  Aqui há grande mistério. (Sai Henriqueta. Teodoro finge que sai e fica a espreitar)
 
 
CENA XII Henrique, John e Teodoro.
 
HENRIQUE (à parte)  Vou dar por paus e por pedras, para chegar ao conhecimento disto. (Alto) Eu conhece o senhor muito bem.
 
JOHN  Não fala alta.
 
HENRIQUE  Há de falar, e diz que senhor é um grande tratante.
 
JOHN  Mas voucê não é dono de casa; mim não tem estada ainda em Pariz, mas dono de casa tem estada comigo em Liverpool.
 
HENRIQUE (à parte)  Que diabo de embrulhada!... (Alto) Eu já disse que conhece o senhor perfeitamente.
 
JOHN  Mim deve, senhor, mim não nega este grande dívida; mas mim paga.
 
HENRIQUE (à parte)  Oh, agora compreendo tudo! Dei por fatalidade o nome de uma casa comercial em Paris, onde este patife deve muito dinheiro. (Alto) Sim, senhor, sabe o senhor que je suis o irmon do dono deste case, e que vem diretamente au Brésil por cobrar este dívida. Quando je suis entré ici, foi por apanhar o senhor, e eu não sai daqui, sem dinheiro contade.
 
JOHN  Fala baixo. Escuta. Mim estar casa com este menina, ela traz muite dinheira de dote, eu arranja inda dinheira de brasileira com minha previlégio, e paga tudo a voucê.
 
TEODORO (à parte)  Que ouço!
 
HENRIQUE (à parte)  Ó tratante! (Alto) Eu não querro palavra de senhor, senhor já falta su palavra quando promete a meu irmon de pagar, e eu quero garantie.
 
TEODORO (à parte)  É impossível que eu não esteja sonhando.
 
JOHN  Que quer que eu faz?... 
 
HENRIQUE  Escreve no papel isso que senhor diz, e eu esperro.
 
JOHN  Non, mim não escreve nada.
 
HENRIQUE  Então bote pra cá dinheirro.
 
TEODORO (vindo à cena)  Não é necessário escrever, eu ouvi tudo.
 
JOHN  Oh!
 
HENRIQUE (à parte)  Obrigado, Senhora Dona Providência!
 
TEODORO  Saia desta casa, senhor.
 
JOHN  Voucê não tem nada com minha negocia particular com esta sujeito. Voucê me dar mão de sua filha, eu casa com ela. Mim estar home de bem.
 
TEODORO  Homem de bem! Você é um grandíssimo patife, que veio aqui enganar-me com cajuadas para apanhar o dinheiro da pequena.
 
JOHN  Espera uma pouca, eu quer fala.
 
TEODORO  Saia, já lhe disse.
 
JOHN  Arranja ao menos minha negocia, e mim fica muito contente com voucê.
 
TEODORO (como procurando um pau)  O que eu vou arranjar é um cacete para obrigá-lo a sair.
 
JOHN (à parte)  Mim foge amanhã de cidade, e fica livre de credor. (Toma a chapéu e sai correndo)
 
TEODORO (para Henrique)  E você também o que faz ainda aqui?
 
HENRIQUE  Mr. Theodore Passion, je demande la mam de mademoiselie Henriette.
 
TEODORO  O quê? Rua, rua, senhor. Nenhum de vocês me engoda mais.
 
HENRIQUE  Senhor non tem dirreito de me despede de sua casa sem consultar primeiro vontade de sa filhe.
 
TEODORO  Eu tenho o direito de lhe rachar até a cabeça agora mesmo.
 
HENRIQUE  Fala com mademoiseile, senhor. (Falando para dentro) Faz favor, mademoiseile. Mademoiselle Henriette?
 
 
CENA XIII Teodoro, Henriqueta e Henrique.
 
HENRIQUETA (à parte)  O que terá havido, meu Deus! 
 
HENRIQUE  Eu pede seu mão a seu pai, e precisa de seu consentimento, senhora.
 
HENRIQUETA  Se for do gosto de meu pai casar-me-ei com o senhor.
 
TEODORO  Nunca! Nesta casa não há de entrar mais tratante algum. Consinto no teu casamento com o Senhor Henrique. Quanto ao senhor, sumase.
 
HENRIQUE (tirando as barbas e com voz natural)  Muito obrigado, Senhor Teodoro Paixão.
 
TEODORO  Pois era o senhor?!
 
HENRIQUE  É verdade; um brasileiro, ainda quando nenhum préstimo tenha, serve ao menos para desmascarar um tratante. Receba calado esta lição, e aprenda a respeitar a terra das bananas e palmeiras, onde canta o sabiá. Deite-nos a sua bênção.
 
TEODORO (abençoando-os)  Deus os faça santos.
 
HENRIQUE  Merci, Mr. Theodore Passion.

 

 

                                                                  França Júnior

 

 

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