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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


O TRIBOFE / Artur Azevedo
O TRIBOFE / Artur Azevedo

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                   

 

 

Artur Azevedo

 

 

 

 

PERSONAGENS QUE ATRAVESSAM TODA A PEÇA: FRIVOLINA JUCA QUINOTA TRIBOFE FORTUNATA EUSÉBIO ERNESTINA GOUVEIA BENVINDA
PERSONAGENS EPISÓDICOS: A LIBERDADE CARMOSINA O TEMPO A IMPRENSA DONA BRANCA CAZUZA UMA SENHORA A VARÍOLA BARONESA DE Z. UMA VELHA A COMPANHIA GARGANO VISCONDESSA DE Y. A LEGALIDADE UMA COMPANHIA A COMPANHIA MARESCA OUTRA VELHA A COMPANHIA LAMBIASI A FEBRE AMARELA UM PROPRIETÁRIO ANACLETO O BARÃO BUG-JATGAL CASTELVECCHIO UM ESPECTADOR SOTERO UM SUJEITO CONDOR UM FILANTROPO UM VISITANTE VISCONDE DE A. UM SPORTMAN JOÃO CAETANO OUTRO FILANTROPO O COMENDADOR VIEIRA VISCONDE DE B. UM SOLDADO DA POLÍCIA FREI SATANÁS UM BANQUEIRO OUTRO VISITANTE AMBRÓSIO UM PASTOR DESIRÉ O DELEGADO MOTA VISCONDE DE C. UM CONQUISTADOR VISCONTI UM SENHORIO PINHEIRO O SECRETÁRIO UM GASPAR UM MALUCO BARÃO DE X. ZÉ OUTRO SPORTMAN OUTRO GASPAR UM ZANGÃO OUTRO GASPAR OUTRO ZANGÃO OUTRO GASPAR OUTRO UM MENINO O CÂMBIO UM CONDUTOR DE BONDE
Visitantes do panorama do Rio de Janeiro, vítimas de uma agência de alugar casas, compradores e vendedores de títulos, pessoas do povo, os Estados, membros do high-Iife, soldados de polícia, amadores de corridas, admiradores do Visconti, praças do Batalhão Tiradentes, etc.

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ATO I
 
QUADRO I O interior da rotunda em que se acha o panorama do Rio de Janeiro, na Praça 15 de Novembro. No centro, um duplo alçapão por onde os visitantes entram e saem. Um álbum, folhetos e binóculos. Cadeiras.
 
CENA I O Comendador, Eusébio, Dona Fortunata, Quinota, Benvinda, Juca, primeiro Visitante, segundo visitante, visitantes.
(Uns apreciam o panorama, outros conversam, outros escrevem as suas impressões no álbum dos visitantes. Cena muito animada)
CORO Oh! que belo panorama! Que trabalho! que primor! Ganhará dinheiro e fama O senhor comendador!
 
COMENDADOR Venham ver uma obra-prima Que louvores mil desperta! Ninguém dela se aproxima Sem ficar de boca aberta!
CORO Vejam, vejam como é bela! Desde França, está provado Que defronte desta tela Fica tudo estatelado!
CORO Oh! que belo panorama! etc.
EUSÉBIO (à família) Óia a ia das Cobra!
PRIMEIRO VISITANTE  Onde, senhor?
EUSÉBIO (apontando) Ali.
PRIMEIRO VISITANTE  Está enganado. Aquilo é a fortaleza de Villegaignon.
QUINOTA (a Dona Fortunata) Olhe, mamãe, aquela rua é que era o quintal das freiras da Ajuda.
 
JUCA (choroso) Eu quero i me embora!
 
DONA FORTUNATA Espera, menino! Não começa a reiná!
 
COMENDADOR (a Eusébio) Queira escrever as suas impressões neste álbum. (Dá-lhe o álbum)
 
EUSÉBIO Dê cá. (Toma o álbum, senta-se e escreve)
 
SEGUNDO VISITANTE (ao Comendador) Então? Está satisfeito?
 
COMENDADOR Por ora não posso dizer nada. E o primeiro dia de exposição.
 
SEGUNDO VISITANTE A inauguração do seu panorama não podia ter lugar em dia mais apropriado: primeiro de janeiro, a data do descobrimento desta bela terra, tão fielmente reproduzida pelo seu pincel.
 
COMENDADOR Ora aí está uma frase que o senhor podia ter escrito naquele álbum.
 
SEGUNDO VISITANTE Já lá está.
 
COMENDADOR Ah! bem! (Caindo numa cadeira) Estou cansadíssimo... E já vão sendo horas de fechar... Não tive hoje descanso um minuto!... Só o trabalho de receber os convidados!
 
EUSÉBIO (erguendo-se com o álbum na mão) Aqui está o que escrevi. (O comendador levanta-se) Puxei pelas ideia, mas não saiu grande coisa. (Chamando) Dona Fortunata... Quinota... Juca... Benvinda... Venham ouvi. (A família cerca-o) Estão todos?
 
A FAMÍLIA Estamos.
 
EUSÉBIO (lendo com ênfase) "Victor Meirelles, és de muita força!" (Ficam todos a espera do resto) Então? Que mais esperam?
 
QUINOTA O resto.
 
EUSÉBIO O resto? E só!...
 
TODOS Ora!
 
QUINOTA Por tão pouco não valia a pena.
 
COMENDADOR Naturalmente este senhor é homem de poucas palavras.
 
EUSÉBIO Ah, quem me dera tê o talento deste visitante que escreveu: "Victor Meirelles fez-se por si; honra aos seus mestres!"
 
COMENDADOR (tomando-lhe o álbum) A companhia é muito amável... mas já está escurecendo... são horas de fechar o panorama. 
 
(Efetivamente tem escurecido. Muitos visitantes saíram durante o diálogo. Outros saem agora apouco e pouco. Alguns apertam a mão ao comendador)
 
EUSÉBIO Eu fiquei por último, porque tenho que le dizê duas palavra.
 
COMENDADOR Estou às suas ordens, mas é melhor lá embaixo.
 
EUSÉBIO Não, sinhô. Há de sé aqui mesmo. Vosseoria não sabe quem eu sou, mas eu le digo.
 
COPLAS
 
I Sinhô, eu sou fazendeiro De São João do Sabará, E venho ao Rio de Janeiro De coisas grave tratá. Ora aqui está! Ora aqui está! Talvez leve um ano inteiro Na Capitá Federá!
 
II Apareceu um janota Em São João do Sabará; Pediu a mão de Quinota, E vei's' embora pra cá! Ora aqui está! Ora aqui está! Hei de achá esse idiota Na Capitá Federá!
 
Esta é minha muié. Dona Fortunata...
 
DONA FORTUNATA Uma sua serva. (Mesura)
 
COMENDADOR Folgo de conhecê-la, minha senhora. E esta moça? é sua filha?
 
EUSÉBIO Nossa.
 
DONA FORTUNATA Nome dela é Quinota... Joaquina... mas a gente chama ela de Quinota.
 
QUINOTA Cale-se, mamãe... O senhor não perguntou nada...
 
EUSÉBIO Muito estruida... Teve três professô... Não parece moça da roça.
 
COMENDADOR Sim?
 
EUSÉBIO Este é meu filho Juca... Tem cabeça, qué vê? Diz um verso, Juca!
 
JUCA Ora, papai!
 
DONA FORTUNATA Diz um verso, menino! Não ouve, teu pai tá mandando?
 
JUCA Ora, mamãe!
 
QUINOTA Diz o verso, Juca. Você parece tolo!
 
JUCA Não digo!
 
BENVINDA Nhô Juquinha, diga aquele de lá vem a lua saindo.
 
JUCA Eu não sei verso!
 
DONA FORTUNATA Diz o verso, diabo! (Dá-lhe um beliscão. Juca faz berreiro)
 
EUSÉBIO (tomando o filho e acariciando-o)
 
Tá bom, tão bom, não chora! (Ao comendador) Tá muito cheio de vontade... Ah! mas eu vou botá ele no colégio. Diz que o Gináso Nacioná é muito bom...
 
COMENDADOR Dizem.
 
Eusébio (a Juca) Então tu não qué dizê o verso?
 
COMENDADOR Deixe-o. Dirá quando chegar à casa.
 
EUSÉBIO A casa?! Ah! meu sinhô! isso é que há de sê difice! Nós não temo casa, e era justamente por isso que eu desejava falá a vosseoria.
 
COMENDADOR Ora essa!
 
EUSÉBIO Magine que nós cheguemo onte e procuremo cômados em todos os hoté. Nem um quarto desocupado! Quisemo alugá uma casa... Quá casa, seu compadre! No Rio de Janeiro não há uma casa pr'alugá! 
 
COMENDADOR (à parte) Mas que tenho eu com isso?
 
DONA FORTUNATA Esta noite... Ai, meu Deus! uma pessoa pra quê está guardada neste mundo!
 
COMENDADOR Que aconteceu?
 
QUINOTA Não contem!
 
EUSÉBIO Passemo a noite dentro de um bonde, que estava na Rua do Riachuelo, com as cortinas arriadas. Cada um de nós tomou conta de um banco.
 
DONA FORTUNATA A gente feito vagabundo!
 
QUINOTA Mamãe!... Que necessidade tem este senhor de saber?...
 
COMENDADOR Mas, afinal, que desejam de mim?
 
EUSÉBIO Eu le digo. Nós passemo inda agorinha por aqui e vimo este barracão.
 
COMENDADOR Diga "pavilhão".
 
EUSÉBIO Ué! Pavilhão não é bandeira?
 
COMENDADOR Se não quiser dizer "pavilhão" diga "rotunda".
 
EUSÉBIO Pois bem, passemo por esta rotunda, e proguntemo o que era. Nos disserum que era o panorama do Rio de Janeiro, e que só estava aberto de dia. Então me alembrei de vi falá a vosseoria pra me alugá durante a noite a... Cumo chama?
 
DONA FORTUNATA Catunda.
 
QUINOTA Rotunda.
 
EUSÉBIO Ora aí está.
 
COMENDADOR O senhor está doido! Aqui não há espaço!...
 
EUSÉBIO Ora! pra quem foi obrigado a passá a noite num bonde com a família!
 
COMENDADOR Não há espaço nem ar. O senhor não vê como faz calor aqui?
 
EUSÉBIO E verdade que estou suando em bica!
 
COMENDADOR E eu!
 
DONA FORTUNATA E eu!
 
QUINOTA E eu!
 
JUCA E eu!
 
BENVINDA E eu!
 
COMENDADOR Se querem continuar a conversar, vamos lá para baixo. Aqui já está muito escuro!
 
DONA FORTUNATA E tudo isto por causa daquele Seu Gouveia! Ah! se eu apanho ele!...
 
EUSÉBIO Ora! estava tão bão este cômado! Deste lado ficava eu e Dona Fortunata.
 
DONA FORTUNATA Não; se eu ficasse era ali do lado da barra, que deve ser mais fresco.
 
EUSÉBIO Tá bão... A gente não havia de brigá... Aqui do lado da Tijuca ficava Quinota e Benvinda... E Juca ficava ali.
 
COMENDADOR E podiam gabar-se de que todos os quartos tinham muito boa vista.
 
BENVINDA Nhanhã, olhe um passarinho!
 
QUINOTA E verdade! um passarinho!
 
DONA FORTUNATA Parece de verdade!
 
JUCA Eu quero o passarinho pra mim!
 
EUSÉBIO Cala a boca, menino!
 
JUCA (chorando) Eu quero o passarinho!
 
DONA FORTUNATA Deixa está... eu te sapeco quando chegá em casa!
 
EUSÉBIO Em casa! Então não é tão cedo que você sapeca ele!
 
COMENDADOR Mas observo-lhes que já não enxergamos um palmo adiante do nariz! Vamos embora!
 
EUSÉBIO Vamos! (Vai descendo)
 
COMENDADOR Não! Por aí é a entrada!
 
DONA FORTUNATA Ué! A gente não desce pra baixo pelo mesmo lugá por onde subiu pra cima?
 
COMENDADOR Esperem! Eu vou adiante! Chi! está escuro que nem um prego! Deixem-me riscar um fósforo. (Risca um fósforo e desce)
 
EUSÉBIO Desça, Dona Fortunata. (Dona Fortunata desce) Desce, Quinota. (Quinota desce) Desce, Juca.
 
JUCA (chorando) Eu quero o passarinho!
 
EUSÉBIO Ah! (Empurra-o. Juca desce. Sá ficam em cena Benvinda e Eusébio. Ela vai descendo e ele dá-lhe um beijo)
 
BENVINDA Ah! seu assanhado! 
 
(Desce. Eusébio desce. A cena fica vazia. Obscuridade completa. Música na orquestra. A coluna central do panorama transforma-se num grande ramilhete, de onde sai Frivolina, iluminada por um foco de luz elétrica)
 
 
CENA II Frivolina, um Espectador da plateia, o Ponto, Tribofe.
 
COPLA
 
De Aristófanes sou neta: Nasci na Grécia pagã; Sagrou-me um grande poeta; Sou graciosa e louçã. Troquei a sátira eterna Pela pilhéria moderna! Tenho exercitada a perna Nas delícias do cancã!
 
(Dança. Cessa a música, e extingue-se o foco de luz. Frivolina vem ao proscênio) Os senhores querem saber quem sou? Pois não me conhecem? Sou Frivolina, a musa das revistas de ano...
 
UM ESPECTADOR DA PLATEIA (erguendo-se indignado) Ora muito obrigado! Frivolina! Um personagem velho!
 
FRIVOLINA Como?
 
O ESPECTADOR Frivolina já apareceu noutra revista, que se intitulava Mercúrio... E o nome ficou... Por sinal que o deram a um animal de corridas.
 
FRIVOLINA Ora essa, meu caro senhor! Um dos autores do Mercúrio é o autor de O Tribofe; está, por conseguinte, no seu direito, servindo-se de um personagem que inventou.
 
O ESPECTADOR E uma imperdoável falta de novidade. Quem não tem imaginação não se mete a escrever revistas.
 
FRIVOLINA O senhor é um espectador impertinente!
 
O ESPECTADOR Exerço o meu direito de crítica. Vejo que a peça não tem originalidade. Hão de ver! não tarda por aí um ator disfarçado em espectador, a falar da plateia, como em todas as revistas!
 
FRIVOLINA Faz favor de não interromper o espetáculo?
 
O ESPECTADOR Vou me embora! Não fico aqui nem mais um minuto! Não quero assistir à representação de uma revista que se parece com outra! Isto é fazenda velha com rótulo novo! Minhas senhoras, meus senhores, deem uma lição a este autor... Façam como eu: retirem-se! Ah! Não fico eu!... (Sai)
 
FRIVOLINA Vão lá livrar-se de um maluco destes! Onde estava eu? (Ao ponto) Vamos! Diga!... Você fica parado a olhar para mim!
 
O PONTO É que eu já me não lembra onde estávamos!
 
FRIVOLINA Dê cá a peça. (Toma a peça, percorre-a com os olhos, e restitui-a ao ponto, marcando com o dedo) Olhe... aqui! Os senhores querem saber quem sou? Pois não me conhecem? Sou Frivolina, a musa das revistas de ano... Estamos em primeiro de janeiro... E tempo de começar a revista de 1891... Por onde principiar? perguntei aos meus botões, e os meus botões me responderam: Ora essa! inaugura-se hoje o panorama do Rio de Janeiro: aí tens tu o ponto de partida. Eis-me, pois, no panorama, à procura do compadre... Mas... poderei descobri-lo aqui? (Olhando para fora) Não me engano... aquele vulto... E uma forma humana... Agora reparo... Um velho, um naturalista que examina cuidadosamente umas pedras... Chamemolo! Psiu! Oh! doutor! doutor!...
 
A VOZ DE TRIBOFE Hein? É comigo?
 
FRIVOLINA Sim, senhor. Faz favor de vir até cá?
 
A VOZ  Lá vou. (Entra, saltando por cima da grade)
 
FRIVOLINA Que fazia ali o senhor?
 
TRIBOFE Estava examinando umas pedras encontradas aqui no Morro de Santo Antônio... Parece-me que descobri uma mina de ouro...
 
FRIVOLINA Não é o primeiro que diz que há neste morro uma mina... Mas vejo que não me enganei; o senhor é um naturalista...
 
TRIBOFE Naturalista viajante... Não é por me gabar, mas olhe que sou um sábio como não os há muitos na Rússia.
 
FRIVOLINA Ah! é russo? Nesse caso deve ter um nome acabado em off?
 
TRIBOFE Efetivamente. Chamo-me Triboff.
 
FRIVOLINA Triboff? Com dois ff?
 
TRIBOFE Sim, senhora.
 
FRIVOLINA Pois vai perder um.
 
TRIBOFE Um quê?
 
FRIVOLINA Um f. Vai perder um f e ganhar um e. O seu nome será Tribofe. Tri, tri, bo, bo, f, e, fe.
 
TRIBOFE Ora essa! E por quê?
 
FRIVOLINA Porque assim o quero. Deixarás de ser um sábio naturalista, e tomarás sucessivamente todas as fisionomias e personalidades do Tribofe. Farás em minha companhia a revista de 1891.
 
TRIBOFE Mas... quem é a senhora?
 
FRIVOLINA Frivolina, a musa das revistas de ano... Como uma fada, tenho a minha varinha de condão... Olha, vou fazer desaparecer essa guedelha e essas barbaças brancas. Quero-te jovem e lépido! Olha! (Bate-lhe com a varinha. Desaparecem os cabelos brancos e as barbas de Tribofe)
 
TRIBOFE Aí está como acontece a um naturalista uma coisa que nada tem de natural!
 
FRIVOLINA Estás pronto a acompanhar-me?
 
TRIBOFE Pronto! Mas que papel me reservas? Que vem a ser isso de tribofe?
 
FRIVOLINA Ouve...
 
RONDÓ RECITADO
 
Sabichão que se estafe e se esbofe, Desejoso de tudo saber, O novíssimo termo —tribofe — Em nenhum dicionário há de ver.
 
Com gíria de sport aplicá-lo Tenho visto, e somente indicar A corrida em que perde o cavalo Que por força devia ganhar;
 
Mas a tudo se aplica a palavra, Pois em tudo o tribofe se vê; Qual moléstia epidêmica lavra, E não há quem remédio lhe dê.
 
Na política há muito tribofe, Muito herói que não sente o que diz, E o que quer é fazer rega-bofe, Muito embora padeça o país.
 
Quem república ao povo promete E, mostrando-se pouco sagaz, No poder velhos áulicos mete, Faz tribofe, outra coisa não faz.
 
Quem só fala do seu patriotismo, E suspira por Dom Sebastião, Faz tribofe, pois Sebastianismo E tribofe sinônimos são.
 
O sujeito que muda de estado E na noiva não acha o melhor, Sofre um grande tribofe, coitado! Eu não sei de tribofe maior!
 
Literato que assina e publica Velhas coisas, mais velhas que a Sé, Um tribofe horroroso pratica, Outra coisa o tribofe não é.
 
No comércio, nas letras, nas artes, Há tribofe, tribofe haverá, Que o tribofe por todas as partes E por todas as classes irá!
 
Mas nenhum sabichão que se esbofe, Desejoso de tudo saber, O novíssimo termo —tribofe — Em nenhum dicionário há de ver.
 
TRIBOFE Mas, pelo que dizes, tribofe não é pessoa, é coisa...
 
FRIVOLINA E coisa, que será personificada por ti, ou antes, por nós.
 
TRIBOFE Não deites mais na carta! Vamos!
 
FRIVOLINA Vamos! (Dispõe-se a sair. Forte na orquestra. Mutação)
 
QUADRO II Corredor. Na parede uma mão pintada, apontando para a esquerda, e este letreiro: "Agência de alugar casas. Preço de cada indicação, 5$000, pagos adiantados." Um banco. A cena só tem um plano.
 
CENA I Vítimas, entrando furiosas da esquerda, depois Mota e Vieira.
 
CORO DE VÍTIMAS Que ladroeira! Que maroteira! Que bandalheira! Pasmado estou! Viu toda a gente Que o tal agente Cinicamente Nos enganou!
 
(Saem desesperados pela direita)
 
MOTA (entrando furioso da esquerda) Cinco mil-réis deitados fora! Cinco mil-réis roubados! Mas deixem estar que... (Vai saindo e encontra-se com Vieira, que entra da direita)
 
VIEIRA Que é isso, Seu Mota? Vai furioso!...
 
MOTA Se lhe parece que não tenho razão! Esta agência anuncia que indica onde há casas para alugar por cinco mil-réis...
 
VIEIRA Casas por cinco mil-réis? Barata feira!
 
MOTA Perdão! Indica por cinco mil-réis...
 
VIEIRA (sorrindo) Bem sei, e é isso justamente o que aqui me traz.
 
MOTA Pois volte, Seu Vieira, volte, se não quer que lhe aconteça o mesmo que me sucedeu, e tem sucedido a muita gente.
 
VIEIRA Mas que foi?
 
MOTA Indicaram-me uma casa no Morro do Pinto, com todas as acomodações que eu desejava... Você sabe o que é subir ao Morro do Pinto?
 
VIEIRA Não.
 
MOTA Então não pode fazer uma ideia! Subo ao Morro do Pinto, e encontro a casa ocupada!
 
VIEIRA Oh!
 
MOTA Volto aqui, faço ver que a indicação de nada me serviu, e peço que me restituam os meus ricos cinco mil-réis. Respondem-me que a agência não me restitui o cobre, porque não tem culpa de que a casa se tivesse alugado.
 
VIEIRA E não deram outra indicação?
 
MOTA Deram. Cá está. (Mostra um papelinho)
 
VIEIRA (à parte) Vou aproveitá-la.
 
MOTA Mas provavelmente vale tanto quanto a outra!
 
VIEIRA (depois de ler a indicação) Oh!...
 
MOTA Que é?
 
VIEIRA Esta agora não é má! Rua dos Arcos nº 100! Indicaram a casa em que eu moro!
 
MOTA Então? Quando lhe digo! Vamos embora! Não caia na asneira de lá subir!
 
VIEIRA Naturalmente. Este Rio de Janeiro está perdido!
 
 
CENA II Mota, Vieira, uma Senhora, depois um proprietário.
 
A SENHORA (saindo da direita) Um desaforo! uma pouca vergonha!...
 
MOTA Foi também vítima, minha senhora? 
 
A SENHORA Roubaram-me cinco mil-réis! 
 
VIEIRA Também (justiça se lhes faça!) eles nunca roubam mais do que isso!
 
A SENHORA Indicaram-me uma casa, vou lá, e encontro um tipo que me pergunta se eu quero um quarto mobiliado! Vou queixar-me...
 
MOTA Ao Bispo, minha senhora! queixemo-nos todos ao Bispo! 
 
(O proprietário vai atravessando a cena da direita para a esquerda e cumprimenta as pessoas presentes)
 
VIEIRA (embargando-lhe a passagem) Não vá lá! Não vá lá, meu caro senhor!... Olhe que lhe roubam cinco mil-réis!
 
O PROPRIETÁRIO Nada... eu não pretendo casa; o que eu quero é alugar a minha.
 
MOTA, VIEIRA e A SENHORA Ah! (Cercam-no)
 
A SENHORA Talvez não seja preciso ir a agência. Eu desejo uma casa.
 
VIEIRA E eu.
 
MOTA E eu.
 
A SENHORA Onde é a sua?
 
O PROPRIETÁRIO Se querem que eu indique, venham cinco mil-réis de cada um.
 
OS TRÊS  Hem?
 
O PROPRIETÁRIO Ora essa! Por que é que a agência há de cobrar e eu não?
 
MOTA A agência paga imposto, e, apesar dos pesares, é um estabelecimento legalmente autorizado...
 
O PROPRIETÁRIO Bem; como eu não sou um estabelecimento legalmente autorizado, dou a indicação por três mil-réis.
 
MOTA Guarde-a.
 
VIEIRA Dispenso-a.
 
A SENHORA Aqui tem os três mil-réis. A necessidade é tanta, que me submeto a todas as patifarias!
 
O PROPRIETÁRIO (muito calmo) Patifaria é forte... mas como a senhora paga...
 
A SENHORA Vamos!
 
O PROPRIETÁRIO A minha casa é na Praia Formosa.
 
MOTA e VIEIRA Que horror!
 
O PROPRIETÁRIO E um sobrado com janelas de peitoril. Os baixos estão ocupados por um açougue...
 
A SENHORA Oh! deve haver muitos mosquitos!
 
O PROPRIETÁRIO Mosquitos há em toda a parte. Sala, três quartos, sala de jantar, dispensa, cozinha, latrina na cozinha, água, gás, tanque para lavar e galinheiro.
 
A SENHORA Tem banheiro?
 
O PROPRIETÁRIO Terá, se o inquilino o fizer. A casa foi pintada e forrada há dez anos; está muito suja. Aluguel, duzentos mil-réis por mês; pagamento adiantado e carta de fiança, passada por negociante matriculado; trezentos mil-réis de posse e contrato por cinco anos... O imposto predial e de pena-d'água é pago pelo inquilino.
 
A SENHORA Com os três mil-réis que me roubou, compre uma corda e enforquese! (Sai)
 
MOTA (enquanto ela passa) Muito bem respondido, minha senhora!
 
VIEIRA Com efeito!...
 
O PROPRIETÁRIO Mas os senhores...
 
MOTA (tirando um apito do bolso)
 
Se diz mais uma palavra, apito!
 
O PROPRIETÁRIO Ora vá se catar! (Sai pela esquerda)
 
VIEIRA Que belo tipo de proprietário!
 
MOTA E há muitos assim! Vamos embora, Seu Vieira.
 
VIEIRA Vamos, Seu Mota. 
 
(Vão saindo pela direita, e entra Eusébio com a família; dão-lhes passagem)
 
MOTA Coitados! 
 
(Saem)
 
 
CENA III Eusébio, Dona Fortunata, Quinota, Juca, Benvinda.
 
EUSÉBIO Entra! É aqui!
 
DONA FORTUNATA Deixe-me arrespirá um bocadinho... Virge Maria! Quanta escada!
 
EUSÉBIO E ainda é no outro andá. Olhe! (Lendo) "Agência de alugar casas. Preço de cada indicação, cinco mil-réis, pagos adiantados."
 
DONA FORTUNATA Já não posso mais com esta história de casa!
 
QUINOTA É um inferno!
 
BENVINDA Uma desgraça memo!
 
EUSÉBIO Ainda assim, levantemo as mão para o céu por ter encontrado aquele cômado num cortiço da Rua dos Inválio. Oh! mas desta vez tenho esperança de arranjá casa! Diz que esta agência é muito séria. Vamo.
 
DONA FORTUNATA Eu não subo mais escada. Espero aqui.
 
EUSÉBIO Tudo fica. Eu vou e vorto. (Vai saindo)
 
JUCA (chorando e batendo o pé) Eu quero i com papai! eu quero i com papai!...
 
DONA FORTUNATA Pois vai, diabo!
 
EUSÉBIO Vem, vem, não chora, dá cá a mão! (Sai com o filho pela esquerda)
 
 
CENA IV Dona Fortunata, Quinota, Benvinda.
 
QUINOTA Mamãe, por que não se senta naquele banco?
 
DONA FORTUNATA Ah! É verdade! Não tinha arreparado... Estou moída! (Senta-se e fecha os olhos)
 
BENVINDA Sinhá vai dromi.
 
QUINOTA Deixa.
 
BENVINDA Nhanhã arreparou naquele moço que seguiu a gente?
 
QUINOTA Olha mamãe. 
 
(Dona Fortunata ressona)
 
BENVINDA Já está dromindo. Nhanhã reparou?
 
QUINOTA Reparei, sim.
 
BENVINDA Quando nós fumo naquela casa vê os quadro...
 
QUINOTA Sim, a Escola de Belas-Artes...
 
BENVINDA Ele entrou também... Pilhou toda a família descuidada, vendo aquela guerra do quadro grande... e me meteu esta carta na mão!
 
QUINOTA Uma carta! E tu ficaste com ela? Ah, Benvinda! (Pausa) É para mim?
 
BENVINDA Pois para quem havera de sê?
 
QUINOTA Dá cá. (Vai abrira carta e arrepende-se) Que asneira ia eu fazendo!
 
DUETINO
 
QUINOTA Eu gosto de Seu Gouveia; Com ele espero casar; O meu coração anseia Pertinho dele pulsar... Portanto, a epístola Não posso abrir! Sérios escrúpulos Devo sentir!
 
BENVINDA Não há que dizer! Aqui agora não vem... Abra a carta, a carta leia... Não digo nada a ninguém.
 
QUINOTA Não! não! a epístola Não posso abrir! Sérios escrúpulos Devo sentir!... Entretanto é verdade Que tenho tal ou qual curiosidade... Mamãe, Benvinda, Dormindo está?
 
(Dona Fortunata ressona)
 
BENVINDA Sim, e ela memo Respondeu já.
 
QUINOTA É feio! Mas que importa? Abro e leio! (Abre a carta)
 
JUNTAS
 
QUINOTA Eu sou curiosa! Não sei me conter! A carta amorosa Depressa vou ler!
BENVINDA É bem curiosa Não há que dizer! A carta amorosa Depressa vai ler!
 
QUINOTA (lendo a carta) "Minha bela mulata?"...
 
AMBAS  Ué!...
 
QUINOTA (lendo) "Minha bela mulata. Há cinco dias te sigo por toda a parte, e há três noites rondo a estalagem da Rua dos Inválidos onde tu moras. Vejo que és mucama de uma família do interior..." A carta é para ti. (Da a carta a Benvinda — à parte) Fui bem castigada.
 
BENVINDA Leia pra eu ouvi, nhanhã.
 
QUINOTA "Se queres ter uma posição mais independente, e uma casa mais confortável..."
 
BENVINDA Gentes!
 
QUINOTA "Estou às tuas ordens na Rua de Resende nº 180. Nada te faltará. Procura pelo Figueiredo."
 
BENVINDA (à parte) Rua de Resende nº 180. (Alto) Rasga essa carta, nhanhã! Veja que sem-vergonhice de home!... 
 
QUINOTA (rasgando a carta) Se papai soubesse...
 
BENVINDA (à parte) Figueiredo...
 
 
CENA V As mesmas, Eusébio e Juca.
 
EUSÉBIO Já tenho uma indicação.
 
DONA FORTUNATA (acordando) Ah! quase pego no sono! Temos casa?
 
EUSÉBIO Temos. Vamo à Praia Fermosa.
 
DONA FORTUNATA Ora graças!
 
EUSÉBIO Diz que o logá é aprazive, a casa muito boa... e tem a vantage de está pru cima de um açougue, o que qué dizê que nunca fartará carne. Vamo!
 
QUINOTA É muito longe?
 
EUSÉBIO É, mas tomemo o bonde ali na Rua Direita... Vamo!
 
JUCA Eu quero i com Benvinda!
 
DONA FORTUNATA Bem! vai com Benvinda, vai! É preciso muita paciença para aturar este demônio deste menino! 
 
(Saem todos)
 
BENVINDA (saindo por último com Juca pela mão) Figueiredo... Resende nº 180...
 
 
CENA VI Tribofe, Frivolina, vestida de homem, e o Proprietário.
 
FRIVOLINA Pode ir descansado, que a sua casa alugada.
 
TRIBOFE Mas olhe que o preço é muito exagerado...
 
O PROPRIETÁRIO Exagerado! Duzentos e cinquenta mil-réis! É de graça na época atual, creia que é de graça! (Apertando-lhes a mão) Mas adeus! Adeus!... tenho ainda que ir arranjar mandado de despejo contra uma viúva, minha inquilina, que há três meses não me paga o aluguel da casa. (Sai)
 
 
CENA VII Tribofe, Frivolina.
 
TRIBOFE (num tom de desabafo) Sabes que mais? Renuncio a isto de agência de alugar casas!
 
FRIVOLINA Por quê?
 
TRIBOFE Não é mau o negócio; é mesmo ótimo... Mas apanha-se muita descompostura... Chamaram-me hoje ladrão dezessete vezes!... Tive a pachorra de contá-las! O tribofe aqui é muito escandaloso. Eu preferia coisa em que não tivéssemos de especular com as necessidades públicas!
 
FRIVOLINA Pois mudemos de profissão! Vamos para o Encilhamento! A febre das companhias ainda dura, e há muito que tribofar por esse lado.
 
TRIBOFE Isso é verdade! Nestes últimos dias sido lançadas umas vinte empresas, e todas dão ágio.
 
COPLA
 
Tivemos a Frigorífica A “Mineira Pastoril”, E também a Gordorífica Industrial e Mercantil, Manufatora de Lenha, Produtos de Papelão; E muitas cuja resenha Seria uma amolação. Eu de ver já me não privo Em letras grandes até: Companhia do Olho-Vivo, Rói-a-Corda e Passa-o-Pé.
 
FRIVOLINA Ao Encilhamento!
 
TRIBOFE Ao Encilhamento!
 
(Saem. Mutação)
 
QUADRO III Na Rua Primeiro de Março. À esquerda parte do edifício da Bolsa e à direita parte do edifício do Correio.
 
CENA I Zangões, pessoas do povo, depois Companhias e Bancos, depois o Câmbio, depois Tribofe e Frivolina. 
 
(Ao erguer o pano há grande movimento em cena. Os compradores e vendedores de títulos cruzam-se em todos os sentidos)
 
CORO Que ajuntamento, Que movimento No Encilhamento Se faz notar! Toda esta gente Quer de repente, Rapidamente, Cobre apanhar!
 
(Entrada de oito Companhias, acompanhadas por oito Bancos)
 
AS COMPANHIAS Eis as novas Companhias, Que vão dar um dinheirão! Olhem pr'estas bizarrias! Vejam só que perfeição!
 
OS BANCOS Eis aqui os novos Bancos, Que vão dar um dinheirão!
 
Libras, dollars, marcos, francos Vamos ter em profusão!
 
(Entra o Câmbio a dançar, e coloca-se no meio dos Bancos e Companhias)
 
O CÂMBIO Mim ser o Câmbia! Bem alta estar... Mas desconfia Que vai baixar...
 
UMA COMPANHIA Deixa-te disso! És bom rapaz, E com certeza Não baixaras Ó companheiros, Sem mais tardar Em volta ao Câmbio Toca a dançar!
 
OS BANCOS e AS COMPANHIAS (dançando em redor do Câmbio) Eis aqui os novos Bancos, etc. Eis as novas Companhias, etc.
 
CORO GERAL Que ajuntamento! etc.
 
(Saem os Bancos, as Companhias e o Câmbio sempre a dançar. Continua o movimento no fundo do teatro. Entram Frivolina e Tribofe)
 
TRIBOFE Isto é que é vida! Já realizei meia dúzia de legítimos tribofes! Agora mesmo comprei a prazo quinhentas ações da Companhia Construtora de Cortiços Higiênicos, e não sei onde vá buscar dinheiro para pagá-las.
 
FRIVOLINA Vencido o prazo, ou as ações têm subido e pagas, ou têm baixado e róis a corda. Não serás o primeiro.
 
TRIBOFE Nem o segundo. 
 
FRIVOLINA Nem o último!
 
 
CENA II Tribofe, Frivolina, um maluco, figurantes.
 
TRIBOFE (ao maluco, que vem ao seu encontro) Que deseja? Crédito Móvel? Iniciadoras? Sorocabanas? Industrial dos Estados? Chopim? Araxá? Paris e Rio? Rio e Estados? Melhoramentos do Rio de Janeiro? Melhoramentos da Gávea? Melhoramentos de Santa Teresa? Melhoramentos do Maranhão? Melhoramentos da Lagoa e Botafogo? Melhoramentos...
 
O MALUCO (pondo-lhe a mão na boca) Basta!
 
FRIVOLINA Não quer papéis?
 
O MALUCO Nada, não gosto. Desejo apenas que os senhores me indiquem onde e como posso falar ao Chefe de Polícia.
 
TRIBOFE É muito simples. O senhor faz um rolo, eu apito, vem uma praça, agarra-o, e leva-o a presença dele.
 
FRIVOLINA Há um meio menos espetaculoso. E tomar ali mais adiante o bonde que passa na Rua do Lavradio, e dizer ao condutor que pare na porta da Polícia.
 
O MALUCO Prefiro esse meio.
 
TRIBOFE Vai queixar-se de alguém?
 
O MALUCO Não, senhor. O amigo não adivinha o que eu sou?
 
TRIBOFE Não.
 
O MALUCO Nem o senhor?
 
FRIVOLINA Nem eu.
 
O MALUCO Reparem bem. Este olhar desvairado... este ar espantado... este todo desconfiado...
 
TRIBOFE E essas rimas em ado... E um poeta!
 
FRIVOLINA Ou um idiota!
 
O MALUCO Um idiota? Quase que adivinhou... mas sou alguma coisa mais. Reparem bem.
 
FRIVOLINA Não há que ver: é maluco!
 
O MALUCO A-q-u-i-qui! adivinhou. (Com orgulho) Eu sou maluco! (Tribofe e Frivolina afastam-se) Oh! nada receiem... Sou um maluco manso... E tanto assim é, que venho em pessoa trazer ao chefe de polícia este ofício (mostra-o) do juiz municipal de Carangola, pedindo-lhe que me faça recolher ao Hospício.
 
FRIVOLINA Sim, é manso, mas pode de repente ficar furioso!
 
O MALUCO Se isso acontecer, o que não creio, cá trago uma camisola de força. (Mostra um embrulho) Oh! eu sou um maluco de muito juízo!
 
TRIBOFE Bom! vá, vá ter com o chefe de polícia, vá! Mas, antes disso, se quiser um pouco de Chopim ou de Araxá...
 
O MALUCO Está doido! Pois se eu lhe estou dizendo que sou um maluco de muito juízo! Passem bem, meus senhores. Lá estou no Hospício às ordens. (Sai)
 
FRIVOLINA Coitado!
 
TRIBOFE Qual! aquilo é plano... Não achou casa para alugar, e quer ir morar no Hospício.
 
(Frivolina e Tribofe afastam-se para o fundo, apregoando os seus papéis, e desaparecem)
 
 
CENA III
 
Gouveia, Ernestina, depois Pinheiro, figurantes.
 
GOUVEIA (entrando, a Ernestina, que o segue) Já te disse que não quero conversas aqui na praça... Tu me comprometes!... Il faut avoir du jouise.
 
ERNESTINA Je t'aime!
 
GOUVEIA Je sais que tu m'aimes, et moi aussi je t'aime... mais pas ici... Ici c'est pour les affaires!
 
ERNESTINA Eh bien! viens dîner aujourd'hui chez moi... chez ta p'tite Titine...
 
GOUVEIA J'irai.
 
ERNESTINA Si tu ne viens pas, j 'irai te chercher jusqu'au bout du monde!
 
GOUVEIA J'irai... attends-moi â cinq heures...
 
ERNESTINA Adieu, mon gros chien... ne me fais pas poser. (Sai)
 
GOUVEIA (consigo) Esta francesa é adorável... não choro uma boa dúzia de contos de réis que tenho gasto com ela... mas tem um grande defeito: é muito collante... Estas ligações têm os seus inconvenientes... Mas como acabar com isto?... Já me lembrei de dar um passeio a Minas, e voltar casado com aquela pobre Quinota, que tão queixosa deve estar de mim... Mas o casamento não será peior?... (Saindo) É bem bonita a Quinota!
 
PINHEIRO (entrando e encontrando-se com Gouveia) Oh! Gouveia! Que é isto?! Que chiquismo! Farol no dedo!... Bravo!... Vejo que as coisas têm te corrido às mil maravilhas!...
 
GOUVEIA (meio frio) Ah! és tu, Pinheiro? Sim... dizes bem... Tenho ganho para aí uns cobres...
 
PINHEIRO Este Encilhamento tem limpado a muita gente!
 
GOUVEIA Perdão, mas eu nunca fui sujo!
 
PINHEIRO Sujo não digo... mas, vamos lá! já te conheci pau-de-laranjeira... Por sinal que...
 
GOUVEIA Por sinal que uma vez te pedi cinco mil-réis... Fazes bem em lembrar-me.
 
PINHEIRO Eu não te lembrei coisa alguma.
 
GOUVEIA Aqui tens vinte: dou-te quinze de juros.
 
PINHEIRO Vocês do Encilhamento têm a esmola fácil, bem sei... mas... que diabo! guarda o teu dinheiro, e não o dês a quem to não pede. Fico apenas com os cinco mil-réis que te emprestei com muita boa vontade e sem juros. Quando precisares deles, vem buscá-los. Cá ficam.
 
GOUVEIA Oh! não hei de precisar, graças a Deus!...
 
PINHEIRO Homem, quem sabe! O mundo dá tantas voltas!
 
GOUVEIA Adeus! Vou subir a Rua do Ouvidor e tomar a minha caleça, que me espera no Largo de São Francisco.
 
PINHEIRO A tua caleça? Pois tens caleça? Ora o Gouveia! Adeus, Gouveia! (À parte) Está aqui, está visconde! 
 
(Desaparece. Gouveia vai saindo, e encontra-se com Eusébio, que entra, acompanhado pela família)
 
 
CENA IV Gouveia, Eusébio, Dona Fortunata, Quinota e Juca.
 
EUSÉBIO Oh! Seu Gouveia!... (Chamando) Dona Fortunata! Quinota!... 
 
(Cercam todos o Gouveia)
 
AS SENHORAS e JUCA Oh! Seu Gouveia! (Apertam-lhe a mão)
 
EUSÉBIO Seu Gouveia! (Abraça-o)
 
GOUVEIA (atrapalhado) Senhor Eusébio... Minha senhora... Dona Quinota... (À parte) Maldito encontro!
 
CANTO
 
EUSÉBIO e a Família
 
Seu Gouveia finalmente! Seu Gouveia apareceu! Seu Gouveia está presente! Seu Gouveia não morreu!
 
EUSÉBIO Andei por todas as ruas, Toda a cidade bati, E de ter notícias suas As esperança perdi!
 
QUINOTA Mas ao meu anjo da guarda Em sonhos dizer ouvi: Sossega que ele não tarda A aparecer por aí.
 
TODOS Seu Gouveia finalmente! Seu Gouveia apareceu! Seu Gouveia está presente! Seu Gouveia não morreu!
 
DONA FORTUNATA Ora, Seu Gouveia! o sinhô chegou lá na fazenda feito cometa, e começou a namorá Quinota. Pediu ela em casamento, veio se embora dizendo que vinha tratá dos papé, e nunca mais deu siná de si... Isto se faz, Seu Gouveia?...
 
QUINOTA Mamãe...
 
EUSÉBIO Como Quinota andava apaixonada, coitadinha! que não comia, nem bebia, nem dromia, nem nada, nós arresolvemo vi le procurá... porque le escrevi três carta que ficou sem resposta...
 
GOUVEIA Não recebi nenhuma.
 
EUSÉBIO Então entreguei a fazenda a Seu Borge, que é home em que a gente pode confiá, e aqui estemo!
 
DONA FORTUNATA O sinhô sabe que com moça de família não se brinca... Se Seu Eusébio não soubé sê pai, aqui estou que hei de sabê sê mãe!
 
QUINOTA Mamãe... tenha calma... Seu Gouveia é um moço sério...
 
GOUVEIA Obrigado, Dona Quinota... Sou realmente um moço sério, e hei de justificar plenamente o meu silêncio. Espero ser perdoado.
 
QUINOTA Eu há muito tempo lhe perdoei.
 
GOUVEIA (à parte) Está ainda mais bonita!
 
EUSÉBIO O sinhô pode se gabá de me tê feito passá por boas! Tamo no Rio de Janeiro vai fazê dois mês, e ainda não temo casa!
 
GOUVEIA Não têm casa?!
 
EUSÉBIO Não sinhô... Os hoté estão assim... (Sinal de que os hotéis estão cheios) e não há uma casa pra alugá... Uma agência me indicou um sobrado na Praia Fermosa, por cima de um açougue, mas o dono não quis alugá senão com contrato por cinco ano, ou então quinhento mi-rés por mês.
 
GOUVEIA E onde moram?
 
DONA FORTUNATA Não nos fale... Já moremo num bonde...
 
QUINOTA Mamãe!
 
DONA FORTUNATA Agora moremo numa estalage da Rua dos Inválio.
 
EUSÉBIO Oh, mas desta vez conto com a sua casa, Seu Gouveia.
 
GOUVEIA Um aposento de rapaz... E impossível! (À parte) E a francesa?
 
QUINOTA Para quem já morou num bonde...
 
GOUVEIA Descansem: há de se arranjar casa. Mas, ao que vejo, veio toda a família?
 
EUSÉBIO Toda!... Dona Fortunata... Quinota... o Juquinha...
 
JUCA A Benvinda...
 
EUSÉBIO Ah! é verdade! nos aconteceu uma desgraça!
 
DONA FORTUNATA Uma grande desgraça!
 
GOUVEIA Que foi? Ah! já sei... o senhor foi vítima do "conto-do-vigário"?
 
EUSÉBIO Não foi isso.
 
JUCA Foi a Benvinda que fugiu.
 
QUINOTA Cala a boca!
 
JUCA Fugiu com um home!
 
EUSÉBIO Cala a boca, menino!
 
JUCA Foi mamãe que disse!
 
DONA FORTUNATA Cala a boca, diabo!
 
EUSÉBIO O sinhô não se alembra da Benvinda?
 
DONA FORTUNATA Aquela mulatinha, cria da fazenda?
 
GOUVEIA Lembra-me.
 
EUSÉBIO Um dia de menhã, a gente acorda... precura...
 
DONA FORTUNATA Quedê Benvinda?
 
GOUVEIA Pode ser que a encontrem.
 
DONA FORTUNATA Mas em que estado, Seu Gouveia?
 
EUSÉBIO Antes ela tivesse casado com Seu Borge... Ele queria... Eu é que tirei da cabeça dele... Mas não fiquemo aqui... Temo muito que conversá, Seu Gouveia. Não quero que Dona Fortunata diga que eu não sei sê pai... Quero sabê se o sinhô está ou não está disposto a cumpri a sua palavra!
 
GOUVEIA Certamente. Se Dona Quinota ainda gosta de mim...
 
QUINOTA (baixando os olhos) Eu gosto...
 
GOUVEIA Agora estou em melhor posição. Mas vamos! Em caminho conversaremos. São contos largos. (À parte) Não passo pela Rua do Ouvidor com eles!
 
EUSÉBIO Vamo jantá.
 
GOUVEIA Ainda é cedo. Onde costumam jantar?
 
EUSÉBIO Nós jantemo todos os dia num hotezinho da Rua da Lampadosa.
 
GOUVEIA Hoje havemos de jantar no Múnchen. Vamos tomar um carro. (Dá o braço a Quinota)
 
DONA FORTUNATA (querendo separá-los) Mas...
 
EUSÉBIO Deixe... Isto aqui é moda. A senhora se alembre que não estamos em São João do Sabará.
 
JUCA Eu quero i na boleia!
 
DONA FORTUNATA Principia! Principia! Que menino, minha Nossa Senhora!
 
EUSÉBIO Tu vai mas é pra o colégio! Amenhã memo Seu Gouveia vai tratá disso.
 
GOUVEIA (saindo) Ainda me amas, Quinota?
 
QUINOTA Eu gosto muito do senhor. 
 
(Saem)
 
 
CENA V Frivolina, Tribofe, figurantes, depois Anacleto, depois Ambrósio.
 
FRIVOLINA O dia não tem sido mau!
 
TRIBOFE Esplêndido! (Vendo Anacleto, que passa chorando) Coitado! este com certeza saiu-se mal nalguma operação!
 
ANACLETO Engana-se... Venho do Hospital de São Sebastião...
 
FRIVOLINA Do hospital? Nesse caso, a operação foi cirúrgica.
 
ANACLETO Perdi um amigo... o meu melhor amigo...
 
FRIVOLINA Dizem que esse hospital é uma espécie de inferno de Dante...
 
TRIBOFE "Lasciate ogni speranza, ó voi che entrate!”
 
ANACLETO Vim agora de lá... Imaginem como fiquei quando me disseram que o meu pobre amigo foi enterrado anteontem. (Nisto vê Ambrósio, que entra, vestido de soldado de Polícia, com uma farda que mal lhe serve e um boné que lhe fica no alto da cabeça. Anacleto solta um grande grito e põe-se a tremer) Oh!...
 
FRIVOLINA e TRIBOFE Que é?
 
ANACLETO (sem poder falar) E um espectro... um fantasma... a sombra do meu amigo... vestido de soldado! (Recua e treme)
 
TRIBOFE Assentou praça no outro mundo!
 
AMBRÓSIO Anacleto! (Abre-lhe os braços)
 
FRIVOLINA Não tenha medo, que o defunto está vivo!
 
ANACLETO Ambrósio!... Tu não morreste?...
 
AMBRÓSIO Pois me supunhas morto?
 
ANACLETO Disseram-me hoje no hospital que tinhas sido enterrado anteontem.
 
TRIBOFE Você tem toda a certeza de que não morreu?
 
AMBRÓSIO (com energia) Toda! (Outro tom) Quem morreu foi um soldado de Polícia. Enterraram-no com a minha roupa, e deixaram-me a dele.
 
FRIVOLINA Por isso é que está tão curta!
 
AMBRÓSIO Ainda bem que te encontro. Ia para casa mudar de roupa antes que me prendessem por andar fardado. Vamos! tenho que te contar muitas coisas do Hospital de São Sebastião.
 
ANACLETO Este senhor acaba de me dizer que aquilo é um inferno de... Inferno de quê?
 
FRIVOLINA De Dante.
 
ANACLETO De Dante; é?
 
AMBRÓSIO Inferno, isso é; se de Dante não sei, porque não conheço. Vamos. Meus senhores!
 
TRIBOFE Adeus! a terra lhe seja leve.
 
FRIVOLINA Adeus, e parabéns... (Anacleto e Ambrósio saem) Aí está um homem feliz: foi ao Hospital do Caju, e voltou!
 
TRIBOFE Mas vê que dali o doente sai morto, mesmo quando escapa. E um túmulo... quero dizer: é um cúmulo! 
 
(Frivolina e Tribofe afastam-se para o fundo. Música na orquestra. Entra da direita a Febre Amarela, com preparos de viagem)
 
 
CENA VI Tribofe, Frivolina, ao fundo, a Febre Amarela, depois a Varíola.
 
A FEBRE AMARELA O tempo está refrescando. E tempo de me pôr a panos. Vou me embora. (Vai saindo; entra a Varíola, também com preparos de viagem) Oh! Varíola! chegas agora?...
 
A VARÍOLA É verdade, Febre Amarela!
 
A FEBRE AMARELA E eu parto.
 
A VARÍOLA Venho substituir-te. (Apertando-lhe a mão) Foste feliz?
 
A FEBRE AMARELA Felicíssima.
 
A VARÍOLA Que tal a Inspetoria de Higiene?
 
A FEBRE AMARELA Boa.
 
A VARÍOLA E a Intendência Municipal?
 
A FEBRE AMARELA Ótima!
 
VARÍOLA Ainda bem! Até a vista!
 
A FEBRE AMARELA Sê feliz. 
 
(Apertam-se as mãos, e saem, a Febre Amarela pela direita e a Varíola pela esquerda. Cessa a música)
 
 
CENA VII Tribofe, Frivolina, a Liberdade.
 
(A Liberdade entra, e Tribofe, Frivolina e os figurantes descem com ela ao proscênio)
 
A LIBERDADE Deixem-me respirar! Deixem-me respirar! Ah! como agora respiro ã vontade! Já não podia! Tantos meses de ditadura!... (Respirando) Ah!...
 
FRIVOLINA Quem é esta senhora que precisa tanto de ar?
 
TRIBOFE Não sei.
 
A LIBERDADE Eu sou a Liberdade!...
 
TODOS A Liberdade!...
 
TRIBOFE Não admira que não a conhecêssemos. Vossa excelência vende-se tão caro!
 
A LIBERDADE Estou satisfeita! muito satisfeita! satisfeitíssima!...
 
TODOS Por quê?
 
A LIBERDADE Acaba de ser promulgada a Constituição da República!
 
TODOS Ah!
 
A LIBERDADE Agora, cumpre aos brasileiros respeitá-la e engrandecê-la! (Aponta para o fundo. Música. Mutação)
 
 
QUADRO IV Apoteose à Constituição.
 
(Os personagens que estavam em cena afastam-se. Os Estados do Brasil, que apareceram com a apoteose, descem e formam posições plásticas em roda da Liberdade, que ocupa o centro da cena)
 
 
 
ATO II
 
QUADRO V No Largo de São Francisco de Paula.
 
CENA I Visconde de A., Visconde de B., Visconde de C., Barão de X., Viscondessa de Y., Baronesa de Z., membros do High-Life.
 
(Entram ruidosamente, trazendo cada um o seu diploma de cocheiro na mão)
 
CORO Pra evitar qualquer vexame Da Intendência Municipal, Fizemos todos o exame O belo exame legal! Aprovados fomos! Um diploma temos! Boleeiros somos! Bolear podemos! Clic! Clac! Clic! Clac!
 
VISCONDE DE A. Não acha, baronesa? Se eu algum dia cair na miséria, tenho ao menos esta profissão.
 
BARONESA DE Z. Naturalmente, visconde. 
 
VISCONDE DE B. Uma boa patacoada o tal exame! Uma cerimônia pro formula! A mim não me examinaram nada!
 
BARÃO DE X. Deixe-os lá, visconde. Ao menos, temos agora o direito de pisar os transeuntes sem que se possa atribuir o desastre à nossa imperícia!
 
VISCONDE DE B. Isso não é comigo, barão, porque eu, antes de ser banqueiro, fui cocheiro de tílburi.
 
BARÃO DE X. Então por que não aproveitaste o diploma?
 
VISCONDE DE B. Sei lá que fim levou!
 
VISCONDESSA DE Y (ao Visconde de C.) Visconde?
 
VISCONDE DE C. Viscondessa?
 
VISCONDESSA DE Y. Por que sua senhora, a viscondessa, não prestou também exame?
 
VISCONDE DE C. Porque não quero que se diga que minha mulher é uma cocheira.
 
BARONESA DE Z. Eu pouco me importa com os calem bours.
 
VISCONDESSA DE Y. E eu.
 
VISCONDE DE A. Bom! vou tomar a minha virória.
 
VISCONDE DE B. E eu o meu landó.
 
VISCONDE DE C. Os nossos carros estão todos juntos. Agora sim; convenham que o Largo de São Francisco tem agora um só europeu.
 
BARONESA DE Z. Foi-se o jardim... foi-se a grade... e José Bonifácio ficou mais desafrontado.
 
VISCONDESSA DE Y. Vamos?
 
TODOS Vamos! 
 
(Repetem o coro e saem)
 
 
CENA II Gouveia, Ernestina.
 
GOUVEIA Não, Ernestina, não! Decididamente é preciso acabar com isto!
 
ERNESTINA Não te largo um momento!
 
GOUVEIA Deixa falar-te com o coração nas mãos; esse casamento será a minha salvação!
 
ERNESTINA Não me fales em casamento, se não queres que eu tenha uma síncope!
 
GOUVEIA Os meus papéis baixaram todos de repente. Fiquei com as cartas na mão. Os recursos que eu possuía estão quase inteiramente esgotados. Bens de sacristão cantando vêm cantando vão!
 
COPLA
 
O bom tempo lá vai da fartura, Pois não ganho dez réis hoje em dia! Já vendi. Vê tu lá que amargura! O farol que no dedo trazia! O destino pregou-me uma peça... E segredo, mas vou revelá-lo: Deitei ontem no prego a caleça, Para dar de comer ao cavalo!
 
ERNESTINA Que me importa que estejas pobre? Não é o teu dinheiro que eu quero: é o teu amor!
 
GOUVEIA (à parte) Pois sim!
 
ERNESTINA (com lirismo) Vamos viver longe, muito longe daqui... Trabalharemos um para o outro!
 
GOUVEIA Eu conheço essa cantiga do teu amor e uma cabana. Filha, os tempos são positivos. Deixa-me tratar da vida, que a morte é certa... Tu pelo teu lado podes ser mais feliz com outro do que comigo...
 
ERNESTINA Outro?! Não! não quero outro!... Seguir-te-ei por toda a parte! Serei a tua sombra! Je t'aime! je t'aime!..
 
GOUVEIA Moi aussi, je t'aime; je te l'ai déjà dit un million defo is, mais... (Olhando para o bast'idor) Misericórdia!... Eles! (Foge)
 
ERNESTINA (acompanhando-o) Tu ne m'échapperas pas! (Sai correndo)
 
 
CENA III Dona Fortunata, Eusébio, Quinota.
 
DONA FORTUNATA (que é a primeira a aparecer) Olhe! Lá vai! E ele, é Seu Gouveia, com a mesma francesa com quem estava o outro dia no Eldorado, vendo a dança do ventre! (Correndo e gritando) Seu Gouveia! Seu Gouveia!
 
EUSÉBIO (indo agarrá-la pela saia) Ó senhora, não faça escândalo! Que maluquice de muié!
 
QUINOTA (abraçando o pai) Papai, eu sou muito infeliz!
 
EUSÉBIO Aqui está! é o que a senhora queria!
 
DONA FORTUNATA Aquilo é um desaforo que eu não posso admiti! O diabo do home é noivo de nossa filha, e anda por toda a parte c'uma pelintra!
 
EUSÉBIO Que pelintra, que nada! Não acredita, filha da minha bença! é uma prima dele... Coitadinha!... Chorando!... (Beija-lhe os olhos)
 
QUINOTA Eu gosto tanto daquele ingrato!
 
EUSÉBIO Ele também gosta de ti... e há de casá contigo.
 
DONA FORTUNATA (puxando Eusébio de parte) É preciso que você tome uma porvidência quaqué, Seu Eusébio... Senão, faço uma estralada!
 
EUSÉBIO (baixo) Fique descansada. Eu já sei onde mora essa francesa. Hoje memo, agora memo vou na casa dela. Vacês dua vão pra casa. Eu já vou.
 
QUINOTA Lá vamos para aquele forno!
 
EUSÉBIO Tem paciença, Quinota. Enquanto não se acha casa, a gente deve se contentá com aquele sote que Seu Gouveia arranjou... Aquilo sempre é mió que o cortiço.
 
DONA FORTUNATA Vamo, Quinota.
 
QUINOTA Não se demore, papai.
 
EUSÉBIO Não. 
 
(Leva-as até o bastidor, e voltando, vê pelas costas Benvinda, que entra pelo primeiro plano muito bem trajada, mas com certa exageração ridícula)
 
 
CENA IV Eusébio, Benvinda.
 
EUSÉBIO Olé! Que tentação! (Seguindo Benvinda) Psiu! Ó dona!... Dona!... (Benvinda volta-se) Benvinda!...
 
BENVINDA Oh!... (Assestando uma marquise) Viva! Como tem passado?...
 
EUSÉBIO A mulata de luneta, minha Nossa Senhora!... Este mundo tá perdido!...
 
BENVINDA (dando-se ares e sibilando os ss) Deseja alguma coisa? Estou as suas ordes.
 
EUSÉBIO Ah! ah! ah! que mulata prenóstica! Quem havera de dizê!... Vem cá, diabo, vem cá; me conta tua vida!...
 
BENVINDA (mudando de tom) Vancê não tá zangado comigo?
 
EUSÉBIO Eu não! Tu era senhora de teu nariz e eu sou home casado... Dona Fortunata, essa é que não te predoa... Tu podia tê saído de casa se despedindo da gente.
 
BENVINDA Vancês inda mora na estalage?
 
EUSÉBIO Não. Nos mudemo para um sote arranjado por Seu Gouveia... Paguemo sessenta mi-rés por inês.
 
BENVINDA Ah! Seu Gouveia sempre apareceu?
 
EUSÉBIO Apareceu, e tá tudo combinado... mas o diabo é uma francesa bonita que eu tenho de precurá para vê se desempede o moço, indas memo que eu tenha de gastá alguma coisa.
 
BENVINDA Sinhá? nhanhã? nhô Juquinha? tá tudo bom?
 
EUSÉBIO Tudo tá bom. Juquinha entrou pro internato do Ginaso Nacioná. Diz que é o mió colégio do Rio de Janeiro. E tu, mulata?
 
BENVINDA Eu deixei Seu Figueiredo, porque era um home muito enjoado.
 
EUSÉBIO Sei lá quem é Seu Figueiredo!
 
BENVINDA Hoje tou morando no Hoté Provençaux.
 
EUSÉBIO Eu sei; aquele no ponto dos bonde de Botafogo.
 
BENVINDA Esse memo. (Assestando a marquise) Se quisé aparecê, não faça cerimônia! (Sai gingando) Au revoir!
 
EUSÉBIO Ai, mulata!...
 
 
CENA V Eusébio, depois Juca, estudantes.
 
EUSÉBIO (que fica em cena a rir-se às gargalhadas, mas de repente se põe muito sério)
 
Quem teve a curpa foi eu... Ela era inocente... Mas que querem?... São fraquezas humana!... Quando me alembra que Seu Borge queria casá com ela... Antes tivesse casado... 
 
(Bulha. Atravessa a cena um grupo de estudantes, e entre eles Juca)
 
OS ESTUDANTES Viva a liberdade! Viva! Fora o vice-reitor! Fora!
 
EUSÉBIO Que é aquilo?! Oh! o Juca no meio daquele bando!... (Vai buscar o filho pela orelha. Os outros estudantes saem, dando vivas)
 
JUCA Ai! ai! ai!
 
EUSÉBIO Então que é isto, maroto?
 
JUCA Nós fizemo grève!
 
EUSÉBIO Grève! JUCA
 
Sim, sinhô, e demo uma vaia no vicereitô! Diz que o colégio vai ser fechado... Que bão!...
 
EUSÉBIO Já pra casa!
 
JUCA Não, sinhô, não deixo os meus companheiro! (Saindo a correr e a gritar) Viva a liberdade!...
 
EUSÉBIO Ah, tratante! Espera! (Quer correr e muda de resolução) Quá! eu não pego ele! Deixa está, cachorro, que tua mãe te ensina! Que mania de grève! Até as criança! A mulata, coitada, não me sai da cabeça! O que devo fazê é tratá de casá ela, ou co'Seu Borge ou co outro quarqué... Tenho um peso na consciença, porque fui eu que desencaminhei ela... Fraquezas humana.
 
 
CENA VI Eusébio, Sotero.
 
SOTERO (que entra cantando, e acompanhando-se à viola) Eu sou feliz quando tenho Uma fatia de pão, Um copinho de cachaça E uma viola na mão!
 
EUSÉBIO Olé! um patrício!  (Toma-lhe a viola e canta) Ó meu patrício, me diga... Quem pregunta qué sabê... Me diga donde é que veio, Me diga quem é vacê.
 
SOTERO Ah! é desafio?  (Tomando a viola e cantando) Meu nome chama Sotero, Venho de Minas Gerais; Sou boiadeiro de fama, Boiadeiro e nada mais.
 
EUSÉBIO (à parte) Não há que vê! Achei marido para a mulata!  (Toma a viola e canta)
 
Simpatizo com vacê, Por isso quero lhe dá Uma noiva bem bonita Para vacê se casá!
 
SOTERO (toma a viola e canta) Diz uma velha cantiga, Que eu aqui posso canta, Que não há nada mais pió Do que um home se casa.
 
EUSÉBIO (mesmo jogo de cena) Dou-lhe uma noiva bonita E dou-lhe um conto de réis; Se vacê topa, patrício, Vamo tratá dos papé.
 
SOTERO Home, isso é sério?
 
EUSÉBIO Sério. Eu nunca minto, memo na viola.
 
SOTERO Uma noiva bonita e um conto de rés?
 
EUSÉBIO Sim, sinhô.
 
SOTERO Quando a esmola é muita, o pobre desconfia. (Eusébio vai responder na viola. Sotero toma-lhe o instrumento)  Não! Diga sem viola!
 
EUSÉBIO Eu gosto de vacê, patrício... Simpatizo com a sua fisionomia. Perciso casá a pequena. Se não quisé, paciença; se quisé, aqui tem duzento mirés por conta. (Dá-lhe uma nota)
 
SOTERO Vamo vê a fazenda.
 
EUSÉBIO Agora não, porque tenho de i a um lugá com muita pressa. Mas logo, na boquinha da noite, me espere na Rua do Ouvidô, canto de Gonçarve Dia.
 
SOTERO (guardando a nota) Tá dito!
 
EUSÉBIO Então até logo, patrício!
 
SOTERO Até logo.
 
EUSÉBIO Não farte! (À parte) Vou à casa da francesa. (Sai)
 
SOTERO (só, tirando a nota da algibeira e examinando-a) Duzento mi-rés! E a primeira vez que tenho tanto dinheiro junto! Oh! que vejo! uma cabeça de boi... com dois grandes chifres!... Um... Pra longe o agouro! Guardo o cobre e lá não vou! (Cantando à viola) Meu pai foi sempre sorteiro, Meu avô sorteiro foi, E eu também de boiadeiro Não quero passar a boi...  (Sai)
 
 
CENA VII Tribofe, Frivolina, vestidos ambos de pelotares do Fronton Fluminense.
 
TRIBOFE Nova reforma do tribofe!
 
FRIVOLINA O Fronton Fluminense!...
 
COPLA
 
TRIBOFE Tantos, quinielas e pelotares! Temos um vocabulário novo!
 
FRIVOLINA Entre os joguinhos mais populares, Nenhum agrada tanto ao Zé Povo!
 
AMBOS No entanto, é bom Muita cautela Ter no jogar, Pois no Fronton Ganha a quiniela Que quer ganhar!
 
TRIBOFE E verdade! Um joguinho esplêndido para o tribofe! com uma pelota chamba um delantero pode arranjar uma boa maquia! Não há receio de que o zagueiro faça uma boleia! Que jogão! Mas desconfio que a Polícia qualquer dia mete o bedelho na cancha, e acaba com tudo aquilo!
 
FRIVOLINA Pois que acabe! Não nos há de faltai cm que empregar a nova atividade!
 
TRIBOFE Viste a notícia daqueles quinze mil contos fantásticos? Que bom tribofe!...
 
 
CENA VIII Tribofe, Frivolina, o ex-secretário, depois o Barão e Zé.
 
O EX-SECRETÁRIO (atravessando a cena) Não quero mais ser secretário! (Esbarra em Tribofe)
 
TRIBOFE Oh! o senhor não repara por onde anda?
 
O EX-SECRETÁRIO Desculpe-me Estou cego... Cego de raiva!... Briguei com meu tio e deixei de ser...
 
TRIBOFE Seu sobrinho?
 
O EX-SECRETÁRIO Não; seu secretário.
 
TRIBOFE Brigou por quê?... Isso em família é feio...
 
O EX-SECRETÁRIO Briguei por causa do barão... Ele aí vem. Não quero encontrar-me com semelhante criatura! (Sai)
 
(Entra Zé, acompanhado pelo Barão)
 
DUETINO
 
ZÉ Sabe tudo! 
 
BARÃO Eu sei tudo!
 
ZÉ Foi cascudo...
 
BARÃO Fui cascudo...
 
ZÉ Façanhudo!
 
BARÃO Façanhudo!
 
ZÉ É trombudo!
 
BARÃO Sou trombudo!
 
ZÉ Carrancudo!
 
BARÃO Carrancudo!
 
ZÉ Cabeçudo!
 
BARÃO Cabeçudo!
 
ZÉ Mas é coisa boa!...
 
BARÃO Coisa muito boa!...
 
ZÉ Não é tipo à-toa!
 
BARÃO Não sou, não!
 
ZÉ Tem uma coroa!
 
BARÃO De barão! (Bate num embrulho que traz na mão)
 
ZÉ Com esse ar sinistro...
 
BARÃO Com este ar sinistro...
 
ZÉ Vai ser bom ministro!
 
BARÃO Vou ser bom ministro!
 
AMBOS Oh! que ministro!... Pois que ao País Só fará bem Quem o nariz Sabe onde tem, A situação Há de salvar Hei de salvar! Novo Catão
 
Se há de mostrar Me hei de mostrar!
 
FRIVOLINA (ao Barão) Que leva aí o senhor com todo o cuidado? 
 
(O Barão, em vez de responder, consulta Zé com o olhar)
 
ZÉ Querem ver? (Ao Barão) Desembrulhe! (O Barão obedece) É a sua coroa.
 
BARÃO É a minha coroa!
 
ZÉ Embrulhe. (O Barão obedece) Ponha o embrulho debaixo do braço. (O Barão obedece) Agora, dance um sapateado! (O Barão obedece) Veem?! Faz tudo quanto eu quero! (O Barão continua a dançar) Basta! (O Barão fica imóvel)
 
FRIVOLINA Cáspite! E quem é o senhor?... (Zé diz-lhe um segredo) Ah! (Cumprimenta-o)
 
TRIBOFE Eu também quero saber! (Ouve o segredo de Zé) Oh! (Cumprimenta-o. Depois passa-lhe a mão pela cintura, e leva-o à parte) O senhor é que bem podia arranjar-me aí uma Metropolitana qualquer!
 
FRIVOLINA (com o mesmo jogo de cena) Eu queria uma concessão para demolir o Passeio Público e aproveitar o local para o estabelecimento de uma grande casa especial de kermesses.
 
ZÉ Depois falaremos.
 
FRIVOLINA Não se esqueça de mim: eu sou o Naparra.
 
TRIBOFE Eu chamo-me Uranga, e tenho uma vantagem, que me há de abrir as portas da fortuna: não nasci neste país de burros!
 
FRIVOLINA O que não impede que o façam deputado.
 
TRIBOFE (ao Barão) Mas o cidadão, sendo agora republicano, por que não larga essa coroa? 
 
(O Barão interroga Zé com o olhar)
 
ZÉ Pode responder.
 
BARÃO Não largo esta coroa porque sou muito honesto.
 
FRIVOLINA Que tem uma coisa com outra?
 
ZÉ Pois não perceberam? Ele chama-se Henrique e continua a ser barão porque, estando no governo, não quer Henrique ser.
 
TRIBOFE e FRIVOLINA Ah!
 
ZÉ Bom! Vá para a Rua Larga. Direitinho, hein?
 
BARÃO Sim senhor.
 
ZÉ Vá! (O Barão sai; Zé acompanha-o com a vista) E eu vou ali para o Diário, onde os senhores me encontrarão às suas ordens. Adeus.
 
FRIVOLINA e TRIBOFE Adeus! Não se esqueça de nós. (Zé sai)
 
TRIBOFE E se eu fundasse um jornal?
 
FRIVOLINA O Tribofe?
 
TRIBOFE Não; o título devia ser sério. A Opinião Pública, A Voz Pública... Uma coisa assim!... O Tribofe seria de portas adentro...
 
FRIVOLINA Não é má ideia. 
 
(Música na orquestra)
 
TRIBOFE Esta música... É ele, é o Câmbio... (Vendo o Câmbio que entra) Chi! como tem baixado!
 
O CÂMBIO Mim ser o Câmbia! Bem alta estar, Mas desconfia Que vai baixar! (Sai)
 
TRIBOFE Olha, queres saber de uma coisa? Desconfio que aquilo é também uma espécie...
 
FRIVOLINA De tribofe? Boa dúvida! Mas vê que são horas! Vamos ao Fronton!
 
TRIBOFE Vamos, e não nos esqueçamos de que o Tônio-Tônio vai ganhar a primeira quiniela! E preciso comprar cem pules!
 
FRIVOLINA Vamos! 
 
(Saem. Mutação)
 
 
QUADRO VI Na Rua do Conde. Cena curta. O fundo é formado pelo paredão do Morro de Paula Matos e o Chafariz do Lagarto.
 
CENA I Pessoas do povo, crianças, duas velhas.
 
CORO Caso jocoso, Misterioso Neste lugar Se faz notar! O dia todo Dinheiro a rodo Do paredão Rola no chão!
 
(Caem algumas moedas. Todos se atiram a elas e lutam para apanhá-las, à exceção das duas velhas)
 
PRIMEIRA VELHA Quem quiser que apanhe esse dinheiro! Eu não!
 
SEGUNDA VELHA Nem eu! Credo!
 
PRIMEIRA VELHA Essas moedas são malditas! Ninguém me tira da cabeça que é a fortuna do Sujo que morreu há dias.
 
SEGUNDA VELHA O Sujo?
 
PRIMEIRA VELHA Sim. Aquele homem da Cidade-Nova, que era podre de rico e não gastava um vintém em esmolas. Andava em mangas de camisa, de tamancos, e só comia no frege-moscas!
 
SEGUNDA VELHA Qual! não creia! gente assim não dá dinheiro nem mesmo depois de morta... E se ele não levou a fortuna consigo, como é que pode atirála lá de cima?
 
PRIMEIRA VELHA Não sei. O que sei é que essa é a opinião de muita gente.
 
SEGUNDA VELHA Talvez seja o espírita de O País...
 
PRIMEIRA VELHA Que espírita?
 
SEGUNDA VELHA O tal que ganhou muito dinheiro, e anda a distribuí-lo pelos pobres.
 
PRIMEIRA VELHA Por falar em País: vou lá buscar dez mil-reizinhos. Tenho n.º 358. Vamos juntas?
 
SEGUNDA VELHA Vamos. 
 
(Saem as duas velhas)
 
 
CENA II Pessoas do povo, crianças, Eusébio, muito janota, de braço dado a Ernestina.
 
EUSÉBIO Aqui está o Chafariz do Largato. Está sastifeita, madama?
 
ERNESTINA De onde cai o dinheiro?
 
EUSÉBIO Sei lá! isto não tem que vê! Que graça pode tê uns nicke caindo pelo paredão abaixo! Ói, cá está um! (Apanha um nickel e queima os dedos) Arre, que está quente!... (Gargalhadas) Uê! parece memo saidinho das cardeira de Pedro Botelho! Que viemo nós fazê aqui?
 
ERNESTINA Tu sabes que a curiosidade é o principal defeito das mulheres.
 
EUSÉBIO Esse defeito não é nada ó pé de suas colidade.
 
ERNESTINA Tu m'aimes toujours?
 
EUSÉBIO Já le disse que não me fale franciú se qué que lhe entenda! Eu só falo brasileiro!
 
ERNESTINA Gostas muito de mim?
 
EUSÉBIO Se gosto! Isso é coisa que se pregunte! A prova está no que se passou. Vou em sua casa le pedi pra deixá Seu Gouveia sossegado, e quem fica pelo beicinho sou eu! Fui buscá lã e saí tosqueado!
 
ERNESTINA Estás arrependido?
 
EUSÉBIO Eu arrependido não estou, porque a coisa não se pode dizê que não seje boa... Mas Dona Fortunata é que deve está furiosa! E então quando ela me vi assim todo janota, com esta roupa de arfaiate francês, feito monsiú da Rua do Ouvidô!... Chi!... Ah! madama! as muié nasceu para tormento dos home!
 
ERNESTINA Tormento? Oh! non!
 
COPLAS
 
ERNESTINA I Meu caro amigo, esta vida Sem a mulher nada val: E sopa desenxavida, Sem uma pedra de sal. Se a dor torna um homem triste, Tem ele cura, se quer; A própria dor não resiste Aos beijos duma mulher. Vê que a voz me treme! Oh! mon p'tit chéti! Je t'aime! je t'aime!
 
EUSÉBIO Oui!
 
II ERNESTINA Ao lado meu, queridinho, Serás ditoso e feliz; Terás todo o meu carinho, É o meu amor que to diz. Se tu me amas como eu te amo, Se respondes aos meus ais, Nada mais de ti reclamo, Não te peço nada mais! Vê que a voz me treme! etc.
 
 
EUSÉBIO Agora me diga, madama. Vacê está inteiramente curada de Seu Gouveia?
 
ERNESTINA Oh! foi um sonho que passou! Hoje só vivo de ti, por ti e para ti! A propósito: vamos à Rua do Ouvidor?
 
EUSÉBIO Fazê o quê?
 
ERNESTINA Quero mostrar-te na vitrine do Luís de Resende o tal colar de que te falei.
 
EUSÉBIO Quanto custa?
 
ERNESTINA Uma bagatela... um conto e oitocentos...
 
EUSÉBIO E... é uma bagatela. (À parte, enquanto Ernestina se afasta um pouco, examinando o paredão) Ela pensa que eu sou o Chafariz do Largo. O...
 
Gosta muito de mim, é verdade, mas em três dia já me custa perto de três conto... e agora o colá... Cuidado, Seu Eusébio!
 
ERNESTINA (voltando) Vamos, meu amor?
 
EUSÉBIO Vamo, madama! 
 
(Vão saindo e encontram Tribofe e Frivolina que entram disfarçados em garotos)
 
TRIBOFE (a Eusébio) "Meu amor", disse ela! Não acredites, ingênuo matuto! O amor naquela mulher é tribofe!
 
EUSÉBIO Tribofe vá ele!
 
ERNESTINA Oh! sale espèce de voyou! 
 
(Saem Eusébio e Ernestina)
 
 
CENA III Tribofe, Frivolina, figurantes.
 
TRIBOFE Pobre patinho! não lhe há de ficar uma pena!
 
FRIVOLINA Há de lhe ficar a pena de se ter deixado depenar. Deixa-os lá, e examinemos este extraordinário caso do Chafariz do Lagarto.
 
TRIBOFE Já reparaste que os chafarizes têm dado que falar? O das Marrecas demolido.
 
FRIVOLINA O da Carioca ameaçado...
 
TRIBOFE E este transformado em jardim de Danaé por uma chuva de ouro!
 
FRIVOLINA De ouro é um modo de dizer... Nickel... cobre...
 
TRIBOFE O que não impede que aqui estejamos convenientemente disfarçados em garotos. Tudo serve. (Rola dinheiro no paredão. Todos, inclusive Tribofe e Frivolina, se atiram às moedas, e lutam) Ora sebo! duzentos réis!...
 
FRIVOLINA Uma pratinha de cinco tostões... Não valia a pena por tão pouco.
 
UMA CRIANÇA  Ontem caiu muito dinheiro... Hoje nem por isso!
 
FRIVOLINA Mas que mistério será este?
 
 
CENA IV Os mesmos, um conquistador, depois um Pastor. 
 
O CONQUISTADOR (entrando descadeirado) Ai! ai! Ai!...
 
TRIBOFE Que é isso, ó amigo? Vem descadeirado?
 
O CONQUISTADOR Pudera!
 
FRIVOLINA De onde vem?
 
O CONQUISTADOR Ali do... (Gemendo) Ai!... morro!...
 
FRIVOLINA Morre? Qual! não morre, não!
 
TRIBOFE Percebeste mal; diz ele que vem ali do morro. Naturalmente encontrou alguma alma do outro mundo!
 
O CONQUISTADOR Não, senhor; encontrei um marido que me deu uma carga de pau, e ainda em cima me obrigou a passar re... (Sentindo uma pontada) Sebo!
 
TRIBOFE Cibo, quer o senhor dizer...
 
O CONQUISTADOR Sim, recibo... A dor é que me fez dizer sebo. Vou ali à bo... (Com a dor) Safa!
 
FRIVOLINA Vai à buçafa?
 
O CONQUISTADOR Tica. Vou à botica. (Sai)
 
FRIVOLINA De hoje em diante este sujeito observará melhor o nono mandamento da lei de Deus.
 
TRIBOFE Ah! minha amiga! nesta boa terra os mandamentos da lei de Deus são como as posturas municipais... Ninguém os respeita!
 
FRIVOLINA Então agora, com a Igreja separada do Estado!
 
O PASTOR (que tem entrado) Separada e muito bem separada! Foi uma grande medida política! Por isso jurei e juro que não volto ao júri apesar de ser jurado!
 
TRIBOFE Não volta? Por quê?
 
O PASTOR Por causa do Cristo. Enquanto houver um Cristo no júri, lá não vou!
 
FRIVOLINA Não quer encontrar-se com ele... Bom!
 
TRIBOFE Não o pode ver. Paciência!
 
O PASTOR Que quer dizer um ídolo da religião católica num país onde todas as religiões são livres? Já fiz um requerimento ao juiz, pedindo-lhe que mande retirar o Cristo do júri, e vou escrever a propósito uma série de artigos que, reunidos, darão um volume de quinhentas páginas! (Sai)
 
FRIVOLINA Oh, Cristo! olha pra isto!
 
 
CENA V Tribofe, Frivolina, figurantes, um condutor de bonde, que não fala, dois soldados de polícia.
 
(Atravessa a cena, correndo, o condutor de bonde, perseguido pelos dois soldados)
 
TRIBOFE Pega!
 
FRIVOLINA É um condutor de bonde!
 
TRIBOFE Que faria ele? (Segura um dos soldados) Ó camarada!
 
O SOLDADO Deixe-me! Quero pegá-lo!
 
TRIBOFE Basta o seu companheiro. Que fez ele?
 
O SOLDADO Falsificou nicolaus de duzentos réis. (Sai apitando) Pega!
 
TRIBOFE Aí está um condutor de bonde que com certeza não se esquecia de dar trocos aos passageiros.
 
FRIVOLINA Mas não me engano: é a Imprensa Fluminense que aí vem. (Entra a Imprensa Fluminense) Bom dia, minha senhora, como tem passado?
 
IMPRENSA Bem, obrigada.
 
 
 
CENA VI Tribofe, Frivolina, a Imprensa, figurantes, depois o Câmbio.
 
TRIBOFE Como a senhora está gorda!
 
IMPRENSA Que quer? Tudo tem aumentado.
 
FRIVOLINA Inclusive o preço das folhas diárias, que passou agora a três vinténs.
 
IMPRENSA A exceção das folhas da tarde e de O Tempo, o meu filho mais novo. Este pensou, e pensou muito bem, que quem não pode com o tempo não inventa modas.
 
TRIBOFE Exceção também do Jornal do Comércio, que já se vendia a tostão.
 
FRIVOLINA Devia subir a meia pataca, como antigamente.
 
IMPRENSA Nada! o Jornal do Comércio esforça-se por se parecer o menos possível com o que era. Americanizou-se!
 
TRIBOFE E que reportagem! Ainda o outro dia contou o que se tinha passado numa reunião secreta!
 
IMPRENSA A indiscrição é a primeira virtude de um jornal.
 
COPLA
 
Não mete uma lança na África Jornal que diz tão somente
 
O que sabe toda a gente, Isso é que não!
 
É mister dizer ao público O que o público não sabe; O desempenho lhe cabe Dessa missão.
 
De vez em quando até pode Aos leitores noticiar Casos que não se passaram, Nem nunca se hão de passar! Em compensação, o meu penúltimo filho, o Jornal do Brasil, faz o possível por se parecer com o antigo Jornal do Comércio.
 
TRIBOFE O que não impede que seja muito bem escrito
 
FRIVOLINA Ah! eu não perco a secção "Dia a dia", feita por um jornalista de muito talento.
 
IMPRENSA E de muita constância. Mas, afinal, que é isto de dinheiro no Chafariz do Lagarto?
 
TRIBOFE Algum filósofo... se não for algum doido... ou algum gaiato, que se diverte a atirar moedas lá de cima. Em todo o caso é um tipo que compra por cem ou duzentos mil-réis o prazer de ocupar a atenção pública durante três dias.
 
FRIVOLINA É barato!
 
IMPRENSA Eu vinha ver se valia a pena explorar este caso... mas não me cheira...
 
FRIVOLINA Amanhã já o povinho não se lembra de semelhante extravagância. 
 
(Música na orquestra)
 
TRIBOFE Outra vez esta música!... É ele!...
 
IMPRENSA Quem?
 
TRIBOFE e FRIVOLINA O Câmbio.
 
O CÂMBIO (atravessando a cena) Mim ser o Câmbia, Bem alta estar, Mas desconfia Que vai baixar... (Sai)
 
FRIVOLINA Chi! como baixou!...
 
IMPRENSA E há de baixar! Não sei onde iremos ter! Adeus! (Sai. Neste momento caem algumas moedas. Todos se precipitam sobre elas, mas entram algumas praças de Policia, e todos fogem. Mutação)
 
 
QUADRO VII No Derby Club. Ao fundo, em perspectiva, as arquibancadas atopetadas de gente.
 
CENA I
Primeiro Sportman, segundo Sportman, pessoas do povo.
 
CORO O grande prêmio vai correr! Todo este povo ansioso está Por saber Qual O animal Que ganhará! O felizardo quem será?...
 
PRIMEIRO SPORTMAN É agora o grande prêmio!
 
SEGUNDO SPORTMAN É agora. O diabo é que parece que vai chover. Que tens? Estás manquejando?
 
PRIMEIRO SPORTMAN Ora deixa-me! Fui ontem a uma soirée na Rua do Mattoso... Estávamos dançando uma quadrilha, e, no melhor da festa, no meio de um balancez, afunda-se o soalho, e nós, os dançantes, fomos todos ao porão!
 
SEGUNDO SPORTMAN Óh! diabo! a isso é que se pode chamar um balancez de maçadas!
 
PRIMEIRO SPORTMAN Que faz você agora?
 
SEGUNDO SPORTMAN Matriculei-me na Faculdade Livre de Direito. Não quero perder a ocasião de ser bacharel sem sair do Rio de Janeiro. Não posso estar longe do Derby, do jóquei, do Turfe do Hipódromo!
 
PRIMEIRO SPORTMAN
 
Mas para que quer você ser bacharel, você que não cuida senão no sport?
 
SEGUNDO SPORTMAN Ah! meu amigo! nesta terra o homem é o pergaminho!
 
PRIMEIRO SPORTMAN Já se foi esse tempo. Quer um conselho? Faça-se militar. A época dos bacharéis acabou.
 
SEGUNDO SPORTMAN É pena! agora que se criaram as Faculdades Livres... 
 
(Afastam-se passeando)
 
 
CENA II Gouveia, Dona Fortunata, Quinota, Juca, figurantes.
 
GOUVEIA Não está! Se estivesse, era nas arquibancadas.
 
QUINOTA Meu Deus! onde se meteria papai?
 
DONA FORTUNATA Tanto tempo sem pô o pé em casa! Eu bem não queria vi no Rio de Janeiro! Esta terra é a perdição dos home.
 
GOUVEIA (rindo-se) E das muié também.
 
QUINOTA (baixo) Seu Gouveia, não debique minha mãe!
 
JUCA Eu quero me sentá!
 
DONA FORTUNATA Não me enfurece mais do que eu já estou, diabo! Olha que tu apanha aqui memo! Vamo precurá Seu Eusébio!
 
QUINOTA Ah! mamãe, estou muito cansada. Vá vossemecê com Juquinha, que eu fico aqui com Seu Gouveia.
 
GOUVEIA (à parte) Santa simplicidade!
 
DONA FORTUNATA Tá bom... Fiquem, que nós vamo dá uma vorta... Anda, menino!
 
JUCA Eu quero me sentá!
 
DONA FORTUNATA Sentá onde? (Tomando-o pela mão) Anda! (Afastam-se)
 
 
CENA III Gouveia, Quinota, figurantes.
 
QUINOTA Como tudo isto é bonito! Que vida tão diversa da vida da roça! Entretanto, não quero viver aqui depois de casada.
 
GOUVEIA Por quê?
 
QUINOTA A vida fluminense é cheia de sobressaltos para as verdadeiras mães de família. Olhe papai, um homem de quarenta e tantos anos, e que teve até agora tanto juízo... Respirou o ar desta terra e perdeu a cabeça...
 
GOUVEIA Apanhou o micróbio da pândega!
 
QUINOTA Aqui há muita liberdade e pouco escrúpulo... Faz-se ostentação do vício e das grandezas... como se faz ostentação da caridade. Uma senhora ouve dictérios e impertinências em toda a parte aonde vai. Não se respeita ninguém. Seu Gouveia, esta sociedade está muito mal constituída!
 
GOUVEIA Não a supunha tão observadora nem tão instruída.
 
QUINOTA Eu sou roceira, mas não tão tola que não veja o mal onde ele se acha. O senhor, por exemplo... o senhor, se pensa que me engana, engana-se. Simpatizo muito com a sua pessoa, e tenho cá dentro um sentimento casto e desinteressado que julgo ser amor. Mas... conheço muito bem os seus defeitos, Seu Gouveia...
 
GOUVEIA Os meus defeitos?
 
QUINOTA Oh! são muitíssimos, e o menor deles não é querer aparentar uma fortuna que não existe. O jogo da Bolsa, que lhe tinha dado alguma coisa, tirou-lhe outra vez tudo.
 
GOUVEIA Perdão! restam-me quinhentas debêntures da Geral. E um grande papel!...
 
QUINOTA Não creia em libras esterlinas compradas a dez tostões. Desagradam-me, confesso, esses visíveis esforços que o senhor faz para iludir os outros. O melhor partido que o senhor tem a tomar...
e olhe que este é o conselho de sua noiva, isto é, da pessoa que mais o estima neste mundo... O melhor partido que o senhor tem a tomar é abrir-se com papai, e ir conosco para a fazenda, onde não lhe faltará ocupação. Papai precisa muito associar-se a um moço inteligente, nas suas condições. Sacrifique à sua tranquilidade o Encilhamento, as caleças, os passeios, os hotéis, os teatros, os clubs e as mulheres fáceis; case-se, faça-se agricultor, e sua esposa, que não será exigente e terá muito bom senso, todos os anos lhe dará licença para vir matar saudades daquilo a que o senhor chama o micróbio da pândega.
 
GOUVEIA Pois bem, aceito o seu conselho... mas quero esperar até o fim do ano. Tenho muita esperança nas debêntures da Geral...
 
QUINOTA Daqui até lá tem que viver de expedientes, e é isso que me entristece.
 
(Voltam Dona Fortunata e Juca)
 
GOUVEIA (à parte) Sim, senhor! pregou-me uma lição de moral mesmo nas bochechas!
 
 
CENA IV Os mesmos, Dona Fortunata, Juca.
 
DONA FORTUNATA Quá Seu Eusébio, quá nada!
 
JUCA Eu quero me sentá!
 
DONA FORTUNATA Começa!
 
GOUVEIA Ele tem razão. Vamos para a arquibancada. Havemos de encontrar lugares. 
 
(Saem)
 
 
CENA V Benvinda, figurantes, depois um Sujeito.
 
BENVINDA Nhanhã... sinhá... e nhô Juquinha. Pra falá minha verdade, tenho sodades deles... Eu passava uma vida de tanto sossego!
 
O SUJEITO (passando e acotovelando Benvinda) Adeus, fazenda!
 
BENVINDA (assestando a marquise) Vá passando o seu caminho e não bula com a gente.
 
O SUJEITO Tão zangada, meu Deus!
 
BENVINDA Que qué o senhô de mim?
 
O SUJEITO Pelo menos saber onde é que mora.
 
BENVINDA Moro na rua das casa.
 
O SUJEITO Não seja má. Bem sei que é no Hotel Provençaux.
 
BENVINDA Quem lhe disse?
 
O SUJEITO Ninguém. Fui eu que a vi na janela.
 
BENVINDA Pois não vá lá que eu não lhe arrecebo.
 
O SUJEITO Por que não me arrecebe, malvada?
 
BENVINDA Vou sê franca... Só arrecebo quem quisé me tirá desta vida. Não nasci pra isto... Quero vivê em família.
 
O SUJEITO Ah! coração! isso é que não pode ser! Hoje em dia não é possível viver em família!
 
BENVINDA Por quê?
 
O SUJEITO Por quê? Ainda perguntas, amor?
 
COPLAS
 
I Já não se encontra casa decente Que custa apenas uns cem mil-réis, E os senhorios constantemente O preço aumentam dos aluguéis! Anda o povinho muito inquieto E tem, pudera! toda a razão... Nem já se fala no tal projeto Do nosso amigo Lopes Trovão! Um cidadão nesta época Não pode andar amarrado...
A gente vê-se... e até logo... Vai cada um para o seu lado!
 
II Das algibeiras some-se o cobre Como levado por um tufão, Carne de vaca não come o pobre E qualquer dia não come pão. Fósforos, velas, couve, quiabos, Vinho, aguardente, milho, feijão, Frutas, conservas, cenouras, nabos... Tudo se vende pra um dinheirão! Um cidadão nesta época Não pode andar amarrado... A gente vê-se... e até logo... Vai cada um para o seu lado! Até o lixo, dona... Como se chama?
 
BENVINDA Mercedes.
 
O SUJEITO É um bonito nome. Até o lixo, Dona Mercedes! Nós dantes pagávamos dez tostões por mês a um homem que ia todos os dias buscá-lo à nossa casa. Agora somos obrigados a pagar o que quiser cobrar uma companhia que se organizou... Pois é passar sem ela! Quem é pobre não tem lixo.
 
BENVINDA Tenho sede. Venha pagá um copa de cerveja.
 
O SUJEITO Com muito gosto, mas da marca barbante, porque a estrangeira, que custava dez tostões, custa agora cinco patacas! 
 
(Saem)
 
O CÂMBIO (atravessando a cena da direita para a esquerda) Mim ser o Câmbia, Bem alta estar, Mas desconfia Que vai baixar... (Sai)
 
 
CENA VII Tribofe, depois Frivolina, figurantes.
 
(Tribofe entra disfarçado em bookmaker, rodeado de compradores, vendendo pules, recebendo dinheiro de uns e outros)
 
TRIBOFE Pois não! Cá esta! Aqui tem! (Vindo ao proscênio) Se dá um azar, azulo antes que me quebrem os ossos! Deus queira que não haja tribofe!
 
FRIVOLINA (entrando vestida de jóquei)
 
COPLAS
 
Mim estar um jóquei superfine Que aqui vem faz muita furor; Mim ganha cem libre esterline, Pois fica sempre vencedor! Lá no Ingliterre estar famose, E muito money mim ganhar, No haver jóquei mais ditose, Mim dá bastante que falar! Ouve dizer que brasileira Tribofes mil gosta de faz... Mim não se presta a bandalheira Porque estar muito bom rapaz!
 
CORO
 
Que belo jóquei! Que rapagão! O grande prêmio Ganha, verão!
 
TRIBOFE O diabo é que parece que desta vez é o tempo que faz tribofe! Vai chover!...
 
FRIVOLINA Mas há tempo para o grande prêmio. (Baixo) Vendeste muito?
 
TRIBOFE Muito, e com todo o sans façon, como se não se tratasse de coisa proibida. Estou bem armado!
 
FRIVOLINA Bravo! Vou montar! (Sai acompanhada por Tribofe)
 
 
CENA VIII Eusébio, Ernestina, figurantes, depois Dona Fortunata, depois Quinota, depois Gouveia, depois Juca.
 
EUSÉBIO Não; hoje, madama, você há de me deixá i pra casa. Dona Fortunata deve está furiosa!
 
ERNESTINA Pois bem, mas havemos de jantar no Dauri.
 
EUSÉBIO Oh, diabo! já chove! (Abre o guarda-chuva) É um guaceiro! (Começa a chover muito) Vamo por aqui... Minha Nossa Senhora!... Dona Fortunata!... (Foge pelo outro lado)
 
ERNESTINA (correndo atrás dele)
 
Eusébio! Eusébio!
 
DONA FORTUNATA (aparecendo) É ele! É ele! Com uma muié!... (Corre atrás de Eusébio)
 
QUINOTA (aparecendo) Mamãe! mamãe! (Corre atrás de Dona Fortunata)
 
GOUVEIA (aparecendo) Minhas senhoras! minhas senhoras!... (Corre)
 
JUCA (aparecendo a chorar) Mamãe! Quinota!... (Corre)
 
 
QUADRO VIII Chuva torrencial. Desfilada de gente a pé, a cavalo e de carruagem. Muito movimento.  
 
 
ATO III
 
QUADRO IX A pequena praça em frente à Escola de Belas-Artes. Ao centro, a estátua de João Caetano.
 
CENA I Tribofe, Frivolina, a estátua.
 
TRIBOFE (entrando) Aonde me trazes?
 
FRIVOLINA Para junto da estátua de João Caetano, inaugurada graças aos esforços do Vasques.
 
TRIBOFE Do Vasques? Conheço. Dizem que me pareço muito com ele.
 
FRIVOLINA É aqui que vamos passar em revista os acontecimentos teatrais do ano.
 
A ESTÁTUA E não imaginam o prazer que me dão com isso!
 
TRIBOFE (recuando assustado) A estátua fala!...
 
FRIVOLINA E um dos efeitos do meu poder de fada!
 
A ESTÁTUA Desde 1863 não sei o que se passa nos nossos teatros.
 
TRIBOFE Parece-me que o melhor é continuar a não saber: vai ter muitas decepções...
 
FRIVOLINA Desça do seu pedestal! Cá embaixo estará mais à vontade.
 
A ESTÁTUA Ora essa! esqueces-te de que eu sou de bronze?
 
FRIVOLINA Tem razão, mas tudo se arranja. (Agita a sua varinha. Forte na orquestra. A estátua anima-se; o corpo e a vestimenta de João Caetano tomam as cores naturais)
 
TRIBOFE Oh! prodígio!
 
JOÃO CAETANO (distendendo os membros) Ah! isto agora é outra coisa! (Salta do pedestal e vem ao Proscênio) Como me sinto leve!... Vamos lá! mostrem-me o que houve de mais notável nos nossos teatros durante o ano!
 
FRIVOLINA Atenção! lá vem o Tio Gaspar.
 
JOÃO CAETANO Que Tio Gaspar?
 
FRIVOLINA Dos Sinos de Corneville.
 
 
CENA II Os mesmos, Primeiro Gaspar, depois, sucessivamente, Segundo, Terceiro, Quarto, Quinto e Sexto Gaspar, depois mais quatro Gaspares.
 
PRIMEIRO GASPAR (entrando da direita) Germana estava fechada, Mas acaba de fugir!
 
SEGUNDO GASPAR (entrando da esquerda) Pela janela a malvada Se conseguiu evadir!...
 
TERCEIRO GASPAR (entrando da direita) Este pau quebro nas costas Daquele que a defender!
 
QUARTO GASPAR (entrando da esquerda) Muito embora, feito em postas, Eu cuide aqui de morrer!
 
QUINTO GASPAR (saindo de trás do pedestal da, estátua) Digue, digue, digue! Digue, digue, dom! Toca, toca, toca! Faze ouvir teu som!
 
SEXTO GASPAR (saindo da cúpula do ponto) Digue, digue, digue! Digue, dique, digue! Digue, digue, dom!... Toca, toca, toca! Faze ouvir teu som!
 
(Aparecem mais quatro Gaspares de diversos lados)
 
TODOS Digue, digue, digue, dom! Digue, digue, digue, dom!
 
JOÃO CAETANO Mas que é isto?! Os senhores são tantos?!
 
PRIMEIRO GASPAR Ah! senhor bailio... Este foi o ano dos Gaspares... Houve-os em todos os teatros, nacionais e estrangeiros, e para todos os gostos.
 
TRIBOFE E estão aqui todos os Gaspares?
 
PRIMEIRO GASPAR Todos. Só falta o que tinha sido deportado e voltou agora da Europa. 
 
(Os Gaspares saem cantando e dançando)
 
TRIBOFE Deixem lá! É muito Gaspar!
 
FRIVOLINA O que abunda não prejudica. Ah! vem aí o grande sucesso do ano: Frei Satanás!
 
 
CENA III Tribofe, Frivolina, João Caetano, Frei Satanás.
 
FREI SATANÁS (entrando) Meus senhores...
 
COPLA
 
FREI SATANÁS Eu sou Frei Sata, Satanás, Que aqui tem dado sota e ás!
 
TODOS Eu sou Frei Satã, Satanás, Ele é Frei Sata, Satanás, Que aqui tem dado sota e ás!
 
FREI SATANÁS Em poucos meses Mais de cem vezes Brilhou no palco a luz do gás. Mas sempre novo Parece ao povo Frei Sata, Sata, Satanás!
 
TODOS Eu sou Frei Sara, Satanás, Ele é Frei Sata, Satanás, Que aqui tem dado sota e ás! Em poucos meses etc.
 
(Sai Frei Satanás)
 
FRIVOLINA Este frade diabólico ainda uma vez veio provar que no teatro mais vale cair em graça do que ser engraçado.
 
JOÃO CAETANO Mas vejo que não me apresentam nenhuma peça nacional!
 
FRIVOLINA Nenhuma tivemos durante o ano... Isto é, houve duas revistas: O Grude, que aguou na primeira noite...
 
TRIBOFE Não falemos de coisas tristes!
 
FRIVOLINA ...e a Viagem ao Parnaso, que não fez sucesso.
 
TRIBOFE Pois eu gostei muito do Brandão. (Imita o ator Brandão na Viagem ao Parnaso) "Eu sou filho de Júpiter! O grande Apolo sou! Na ponta, na pontíssima Eternamente estou!"
 
FRIVOLINA Em compensação, tivemos três óperas brasileiras!
 
JOÃO CAETANO Três óperas brasileiras?! Bravo!...
 
FRIVOLINA Bug-Jargal, Carmosina e Condor. Ei-las!
 
CENA IV Tribofe, Frivolina, João Caetano, Bug-Jargal, Carmosina, Condor.
 
CANTO
 
AS TRÊS ÓPERAS Aqui estamos três óperas líricas, Nacionais, se nos fazem favor! Aqui estamos três óperas, cáspite! Bug-Jargal; Carmosina e Condor!
 
CARMOSINA Por bastante esbodegada Eu, coitada! De ninguém me fiz louvar! Uma peça mal montada, Mal cantada, Não se pode sustentar!
 
BUG-JARGAL Eu passei despercebido, Sem ruído; Não chamei as atenções, Porque estava mal sabido, Malvestido, Posto em cena aos trambolhões!
 
CONDOR Entre os mais ilustres nomes, Carlos Gomes Glória e fama goza aqui; Mas... que querem que eu lhe faça?... Foi desgraça Ter escrito O Guarani...
 
BUG-JARGAL O libreto meu é péssimo!
 
CARMOSINA Pois o meu não é melhor!
 
CONDOR O meu é mesmo um escândalo! O meu é muito pior!
 
AS TRÊS ÓPERAS Se nós tivéssemos Libretos que não fossem péssimos, Conseguir agradar talvez pudéssemos! 
 
(Saem dançando)
 
JOÃO CAETANO Coitadinhas! E não houve outras óperas novas?
 
FRIVOLINA Houve, sim, senhor: a Cavalleria Rusticana e a Dona Branca.
 
TRIBOFE Oh!... a Cavalleria Rusticana é um primor, que tem sido consagrado em quase toda a Europa!
 
FRIVOLINA E a Theodorini é uma Santuza esplêndida!
 
JOÃO CAETANO E a Dona Branca?
 
FRIVOLINA Coitada! Ela aí vem. Interrogue-a.
 
(Entra Dona Branca. O pequeno diálogo que se segue é meio cantado, com acompanhamento de orquestra)
 
CENA V Tribofe, Frivolina, João Caetano, Dona Branca.
 
DONA BRANCA Oh, sorte desgraçada! Oh, fado ímpio!
 
JOÃO CAETANO Que foi que aconteceu, minha senhora?
 
DONA BRANCA Passar não pude do primeiro ato!
 
JOÃO CAETANO Por quê? Por quê?
 
DONA BRANCA Assim o quis o público. As culpas tive que pagar da empresa!
 
TRIBOFE Muito tribofe a empresa havia feito!
 
DONA BRANCA Eu merecia ser mais bem tratada; De um poema de Garrett fui extraída, E um bom compositor me pós em música.
 
FRIVOLINA Chore na cama, que é lugar bem quente.
 
DONA BRANCA Isso é que vou fazer! Oh, sorte ímpia! (Sai)
 
TRIBOFE Na verdade, é uma sensaboria ser bonita, simpática, vir ao Rio de Janeiro, e não ser cantada!
 
JOÃO CAETANO Ou ser... e não passar do Primeiro Ato...
 
 
CENA VI Tribofe, Frivolina, João Caetano, Companhia Lambiasi, Companhia Gargano, Companhia Maresca.
 
AS TRÊS COMPANHIAS (entrando alegremente) Evviva! Evviva! Salute, signori miei!
 
CANTO
 
In questa bella città, Ove venute noi siamo, Si trova ospitalità E de nato guadagniamo!
 
FRIVOLINA Viva! Como vêm alegres!
 
TRIBOFE Ah! Isto sim!...
 
JOÃO CAETANO Com quem tenho a honra de falar?
 
AS TRÊS COMPANHIAS (falando no mesmo tempo) Siamo tre compagnie italiane di opere-comiche e di operette... La compagnia Lambiasi, la compagnia Gargano e la compagnia Maresca.
 
TRIBOFE Fale cada qual por sua vez.
 
COMPANHIA GARGANO Siamo tre compagnie italiane di opere-comiche e di operette: Io sono la compagnia Gargano!
 
COMPANHIA MARESCA Io sono la compagnia Maresca!
 
COMPANHIA LAMBIASI  Io sono la compagnia Lambiasi, ma me ne vado via, perche non c'è posto per tante compagnie! (Sai)
 
FRIVOLINA Sim, não há lugar para tantas.
 
TRIBOFE (à Companhia Gargano) Parlate voi.
 
COMPANHIA GARGANO lo sono la migliore compagnia italiana di opere-comiche e di operette che si sia presentata in questa città! Ho portato Una notie in Venezia.
 
COMPANHIA MARESCA Il mio repertorio è molto migliore. Ho portato I Granatieri!
 
COMPANHIA GARGANO Ho portato una notte in Venezia!
 
COMPANHIA MARESCA Ho portato lo zingaro barone!
 
COMPANHIA GARGANO Ho portato una notte in Venezia!
 
COMPANHIA MARESCA Ho portato Gasparone!
 
COMPANHIA GARGANO Ho portato... Una notte in Venezia!
 
COMPANHIA MARESCA Ho portato La guardia notturna!
 
COMPANHIA GARGANO Ho portato...
 
TRIBOFE (interrompendo-a) Una notte in Venezia?... Boa noite! 
 
(A Companhia Gargano foge)
 
COMPANHIA MARESCA Voglio farvi sentire un pezzo dei Granatiere.
 
COPLA
 
Generale, questo cor, Ahimè! Sará spento daí dolor, Perchè Schiavo egli é d'amor! — Un simpatico uffizial D'amar Mi s'impon; ma, general, Sposar Vorrei un caporal! —Ma al cor non si può commandar! Basta a me un caporal Gagliardo, pien di grazia e di valor; Che me fa inebriar la mente e il cor!
 
(A Companhia Maresca sai dançando)
 
 
CENA VII Tribofe, Frivolina, João Caetano, Desiré.
 
DESIRÉ (que entra, vestido de cozinheiro) Pobrezinha! vou matá-la com a minha companhia de opereta francesa!
 
TRIBOFE Encontrei hoje um dos artistas na Rua do Espírito Santo. Dei-lhe um nickel. Tomei-o por um mendigo.
 
JOÃO CAETANO Então também o senhor tem uma companhia de opereta?
 
DESIRÉ Sim, senhor.
 
FRIVOLINA E para onde vai ela?
 
DESIRÉ Para o Lucinda.
 
TRIBOFE Desaloja Sardou e Dumas Filho!...
 
DESIRÉ Ia para a Maison Moderne... mas o teatro não ficou pronto.
 
FRIVOLINA Que teatro?
 
DESIRÉ Parbleu! o teatro da Maison Moderne!
 
TRIBOFE Daqui a nada o Stadt Koblenz tem um circo!
 
DESIRÉ Cá está o menu.
 
JOÃO CAETANO O menu?
 
DESIRÉ Quero dizer, o repertório. E splendide! La Soupe a l'Oignon, pochade em um ato. Beefteck aux pommes, opereta em dois atos. Porção sortida, vaudeville em três atos. Uma pá do gelo, grande pièce à spectacle em quatro atos... Le...
 
FRIVOLINA (interrompendo-o) Silêncio! Vem aí um grande artista!
 
JOÃO CAETANO Quem?
 
FRIVOLINA O Visconti! E o grande acontecimento teatral de 1891! (Ouvem-se vozes) Ouçam como o povinho o aclama!...
 
 
CENA VIII Os mesmos, Visconti e muitos admiradores, que o trazem em triunfo.
 
CORO DE ADMIRADORES Eis o Visconti, famoso Talento descomunal, Que no gênero jocoso Não tem no mundo rival! Demos palmas ao gênio imortal!
 
(Ruidosa salva de palmas)
 
VISCONTI Do gosto fluminense O ideal sou eu!
 
Esta terra me pertence! Este povo é todo meu! Cheguei, cheguei, cheguei! Venci, venci, venci! Que bom povo aqui topei! Outro povo assim não vi!... Que bom povo aqui topou! Este povo é todo seu!
 
CORO Chegou, chegou, chegou! Venceu, venceu, venceu! Que bom povo aqui topou! Este povo é todo seu!
 
JOÃO CAETANO Mas, por fim de contas, quem é esta senhora?
 
VISCONTI Senhora, não senhor; senhor. Só me visto de mulher para trabalhar. Sou um excêntrico.
 
JOÃO CAETANO Mas em que consistem as suas excentricidades?
 
VISCONTI Canto cançonetas em falsete, imito o zumbido da mosca e toco piano de costas.
 
JOÃO CAETANO E é o primeiro acontecimento teatral do ano! Saia, saia de minha presença!...
 
VISCONTI Está doido!
 
JOÃO CAETANO Ah! não quer sair?... Pois vou atravessá-lo com a espada de Oscar, filho de Ossian! (Corre para ele. Visconti sai, correndo. João Caetano sai perseguindo-o)
 
CORO Salvemos o famoso Artista sem rival, Pois que o outro furioso Bem lhe pode fazer mal!
 
 
CENA IX Tribofe, Frivolina, João Caetano, Desiré, depois o câmbio.
 
TRIBOFE E a estátua? Vão dar por falta dela!
 
FRIVOLINA Não te incomodes! Olha! (Agita a varinha. Forte na orquestra. A estátua reaparece) Vês? Lá está João Caetano restituído ao seu glorioso pedestal!
 
(Música)
 
TRIBOFE É ele...
 
O CÂMBIO (entrando da esquerda) Mim ser o Câmbia, Bem alta estar, Mas desconfia Que vai baixar... (Sai pela direita)
 
FRIVOLINA Aonde irá ele a estas horas?
 
TRIBOFE Não sei... Vai na direção do Tesouro. E nós? Vamos cear?
 
FRIVOLINA Está dito!
 
TRIBOFE Ó Desiré, venha dai servir-nos uma ceia em dois atos... quero dizer... dois pratos.
 
FRIVOLINA Com música do maestro Chateau La-Pipe.
 
DESIRÉ Pronto! 
 
(Saem. Mutação)
 
 
QUADRO X A mesma cena do Quadro III, mas sem o mesmo movimento. De vez em quando passa alguém.
 
CENA I Castelvecchio, primeiro zangão, segundo zangão.
 
(Castelvecchio tem nas mãos uma balança e uma grande ruma de papéis)
 
CANTO
 
Castelvecchio e os Zangões. Infeliz Encilhamento, Quem te vê e quem te viu! Ouro, brilho e movimento, Tudo agora se sumiu! O fado te foi contrário, A sorte não te quis bem! És um campo solitário
 
Onde a desgraça nos tem? Quando a fortuna sorria, Tu foste um ninho de heróis... Encilhamento, hoje em dia Não vales dois caracóis!
 
CASTELVECCHIO (declamando) Vejam os senhores... Cantamos um terceto, porque no Encilhamento não há gente para um coro...
 
CASTELVECCHIO Vamos, vamos tratar da vida, se é que a isto se pode chamar vida! Há um mês que não faço para o bonde!
 
PRIMEIRO ZANGÃO Ninguém compra!
 
SEGUNDO ZANGÃO Ninguém vende!
 
PRIMEIRO ZANGÃO Vou almoçar; vens?
 
SEGUNDO ZANGÃO Vou. Ao menos valha-nos isso. 
 
(Saem)
 
CASTELVECCHIO (só) Que vou eu fazer de toda esta papelada?
 
 
CENA II Castelvecchio, Dona Fortunata, Quinota, Juca.
 
CASTELVECCHIO (dirigindo-se a Dona Fortunata) Minha senhora, quer talvez algumas das famosas debêntures...
 
DONA FORTUNATA Não, sinhô, Castelvecchio. (Mostrando a papelada e a balança) Na minha mão as encontra mais barato que noutra qualquer parte. Vendo-as a quinze mil-réis o quilo... e bem pesado.
 
DONA FORTUNATA Não, sinhô.
 
CASTELVECCHIO Em porção faço abatimento.
 
DONA FORTUNATA Já lhe disse que não quero, oh!...
 
CASTELVECCHIO Isto é um grande papel, minha senhora!
 
QUINOTA Não insista: perde o seu tempo. 
 
(Castelvecchio afasta-se)
 
CASTELVECCHIO (apregoando) Olha as debêntures da Geral! Faz-se abatimento em porção!
 
QUINOTA São os tais papéis em que Seu Gouveia tinha tanta fé... Veja que já são vendidos a peso!
 
DONA FORTUNATA Não me fala de Seu Gouveia... Há oito dia não nos aparece; é verdade!... Fez como teu pai, aquele maluco, que perdeu a cabeça e ninguém sabe onde se meteu! Felizmente tinha me deixado dinheiro para as despesa!
 
JUCA Eu quero andá!
 
DONA FORTUNATA Vamo, diabo de menino, vamo!... Que pena o colégio tê se fechado!... A gente não vai hoje pra casa sem tê encontrado um dos dois, ou Seu Eusébio ou Seu Gouveia.
 
QUINOTA Seu Gouveia, esse talvez esteja na Rua da Alfândega. Vamos por aqui. 
 
(Saem)
 
 
CENA III Ernestina, de braço dado a Cazuza.
 
CAZUZA Este lugar é muito perigoso! Tenho medo de encontrar titio, que anda sempre aqui pela Rua Direita.
 
ERNESTINA Mas eu é que já te não largo! Hás de ir comigo para casa!
 
CAZUZA Nada! E se lá estiver o tal Eusébio? O diabo do matuto esta manhã quase me vai ao pelo!
 
ERNESTINA Descansa... Ele lá não está, nem nunca mais lá irá.
 
CAZUZA (contente) Deveras?
 
ERNESTINA Está despedido.
 
CAZUZA Ah!
 
ERNESTINA De hoje em diante aquela casa é tua.
 
CAZUZA Oh!
 
ERNESTINA Oui... porque és tu que eu amo... é a ti que eu prefiro, a ti, que és moço e bonito!
 
CAZUZA Tenho apenas vinte anos.
 
ERNESTINA Vinte anos! Quem me dera a tua idade! Já fiz vinte e três. (À parte) Il y a longtemps!
 
COPLA
 
Vinte anos, quadra risonha, Da vida tímida flor, Idade em que mais se sonha, Formosa estação de amor! Por ti eu padeço e choro... Tem compaixão de meus ais! Querido, como te adoro!... E ao teu dinheiro inda mais...     (À parte)
 
CAZUZA Vamos para casa.
 
ERNESTINA Sim, mas pela Rua do Ouvidor. Quero passar pela casa do Farani. Estou namorando um par de bichas!
 
CAZUZA Hás de mostrar-mas. (À parte) Vou fazer-lhe uma surpresa!
 
ERNESTINA Vai adiante; olha que podemos encontrar teu titio.
 
CAZUZA Tens razão.
 
ERNESTINA (à parte) Ce serait dommage!
 
CAZUZA Espero-te parado defronte da vitrine... assim... como quem não quer a coisa... (À parte) Como esta mulher me ama!... 
 
(Sai. Entra Gouveia sem ver Ernestina, que vai saindo. Traz o fato velho, as botas rotas, a barba por fazer, um aspecto geral de miséria e de desânimo)
 
ERNESTINA (saindo, à parte) Oh! pauvre Gouveia! Il n'a plus le sou! (Sai)
 
 
CENA IV Gouveia, depois Pinheiro.
 
GOUVEIA (vindo ao proscênio) Ninguém acreditará que eu, ainda há seis meses, tivesse joias e carruagens, e hoje não tenha dinheiro nem crédito para comprar um par de botinas! Há oito dias não vou à casa de minha noiva, porque tenho vergonha de lhe aparecer neste estado! Malditas debêntures!
 
PINHEIRO (aparecendo) Oh, Gouveia, como vai isso?
 
GOUVEIA Mal, meu amigo, muito mal.
 
PINHEIRO Mas que quer isto dizer? Não pareces o mesmo! Tens a barba crescida, a roupa no fio... Desapareceu do teu dedo aquele esplêndido e escandaloso farol, e tens umas botas que parecem rir da tua esbodegação!
 
GOUVEIA Fala à vontade! Eu mereço os teus remoques.
 
PINHEIRO E dizer que no começo deste ano quiseste pagar com juros de trezentos por cento cinco mil-réis que eu te havia emprestado!...
 
GOUVEIA Por sinal que me disseste, creio, que esses cinco mil-réis ficavam às minhas ordens...
 
PINHEIRO E ficaram. (Tirando dinheiro do bolso) Cá estão eles. Mas como um par de botinas não se compra com cinco mil-réis, aqui tens vinte... sem juros. Pagarás quando puderes. (Dá-lhe dinheiro)
 
GOUVEIA Obrigado, Pinheiro! bem se vê que tens uma grande alma, e que não compraste debêntures!
 
PINHEIRO Achei que era muita mecha por dez réis. Adeus, Gouveia, aparece... Agora, que estás pobre, isso não te será difícil... (Sai)
 
 
CENA V Gouveia, depois Eusébio.
 
GOUVEIA (só) Como este tipo faz pagar caro os seus vinte mil-réis! Pode lá haver juro mais pesado! Ah! ele apanhou-me descalço... Enfim, vamos lá comprar as botinas! (Vai saindo, e encontra-se com Eusébio, que entra cabisbaixo) Oh! o Senhor Eusébio!...
 
EUSÉBIO Andava le precurando.
 
GOUVEIA (atrapalhado) Sim... eu... (À parte) Como está sentido! Vai falar-me de Quinota.
 
EUSÉBIO O sinhô vai ficá admirado. Hoje de menhã encontrei ela beijando um mocinho!
 
GOUVEIA Hein?
 
EUSÉBIO É levada do diabo! Eu não sei como o sinhô poude gostá dela!...
 
GOUVEIA Ora essa! a ponto de querer casar-me!
 
EUSÉBIO Home, dessa não sabia eu!... Mas olhe que era uma burrice!
 
GOUVEIA Custa-me crer que ela...
 
EUSÉBIO Pois creia! Beijando um mocinho, um pelintreca, Seu Gouveia! Beijo que se ouvia na rua! Veja o sinhô de que serviu gastá tanto dinheiro co'ela!...
 
GOUVEIA Sim, o senhor educou-a tão bem... ensinou-lhe tanta coisa...
 
EUSÉBIO (vivamente) Não, sinhô! Não ensinei nada! Ela já sabia tudo! O sinhô, sim! Se alguém ensinou foi o sinhô e não eu! (Passando) Beijando um mocinho, Seu Gouveia!...
 
GOUVEIA Dona Fortunata não viu nada?
 
EUSÉBIO Como é que havera de vê! Pobre Dona Fortunata! E a outra que se fique co'tá pilintreca! Eu lá não vorto!
 
GOUVEIA Não volta! Ora esta!
 
EUSÉBIO Não quero mais sabê dela!
 
GOUVEIA O senhor deve lembrar-se que é pai.
 
EUSÉBIO E uma rezão para não querê mais sabê daquele diabo! Ah! Seu Gouveia, se arrependimento sarvasse... Bom, eu andava le precurando pra me apadrinhá... Não me astrevo a entrá em casa sozinho despois de tantos dia de osença!
 
GOUVEIA Em casa?! Mas o senhor não me acaba de dizer que lá não volta porque Dona Quinota?...
 
EUSÉBIO Quem le falou de Quinota?
 
GOUVEIA Quem foi então que o senhor encontrou aos beijos?
 
EUSÉBIO A madama!
 
GOUVEIA Dona Fortunata?
 
EUSÉBIO (furioso) Minha muié!... O sinhô está doido!...
 
GOUVEIA Desculpe... é que, geralmente, o homem casado que se refere à sua esposa, diz "a madama". (Com uma ideia) Ah! Agora percebo! Foi a francesa!
 
EUSÉBIO Pois quem havera de sê!
 
GOUVEIA Nem me lembrava da existência dela! E eu que supus... Perdoa, Quinota, perdoa!... Vamos, vamos, Senhor Eusébio... Eu o apadrinharei, mas com uma condição: o senhor por seu turno me há de apadrinhar a mim, porque eu também não apareço à minha noiva há muitos dias.
 
EUSÉBIO Por quê?
 
GOUVEIA Em caminho tudo lhe direi. (À parte) Aceito o conselho de Quinota: abro-me! (Alto) Tenho ainda que comprar um par de botinas e fazer a barba.
 
EUSÉBIO Vamos, Seu Gouveia! 
 
(Saem)
 
 
CENA VI Tribofe, Frivolina, depois o câmbio, depois o delegado.
 
FRIVOLINA (entrando) Dissolvido o Congresso!
 
TRIBOFE (entrando) Suspensas as garantias!
 
FRIVOLINA A Capital em estado de sítio!
 
TRIBOFE A Praia Grande idem! Sim, senhor: isto é que é tribofe, e o mais são histórias! Menina, vamos comprar ações do Banco da República. É o conselho que me deu um dos membros da Junta Fiscalizadora.
 
FRIVOLINA Nada! é melhor ver em que param as modas. (Música)
 
TRIBOFE É ele! Já cá tardava!...
 
O CÂMBIO (entrando) Mim ser o Câmbia, Bem alta estar,
 
Mas desconfia Que vai baixar... (Sai)
 
FRIVOLINA Pois ele terá ainda a pretensão de baixar?
 
TRIBOFE Tudo baixa... à exceção do obituário... e...
 
FRIVOLINA Cala-te!
 
TRIBOFE Por quê?
 
FRIVOLINA É ele!
 
TRIBOFE Ele quem?
 
FRIVOLINA O terrível delegado da ditadura!
 
O DELEGADO (entrando, com um saco vazio na mão) Veem este saco? Está vazio...
 
TRIBOFE (à parte) Temos mágica!
 
O DELEGADO Está vazio, mas já esteve cheio!
 
FRIVOLINA De quê?
 
O DELEGADO De rolhas! Arrolhei tudo!...
 
COPLAS
 
I O delegado iracundo Da ditadura aqui está, Pronto a prender todo o mundo Da Gávea até Paquetá! Treme o moço e treme o velho, Vendo ao longe flamejar Meu apêndice vermelho, Minha prenda capilar!
 
I Nesta lida intemerata Alto valor mostrarei: Quando o barão disser: —Mata! - — Eu — Esfola! — bradarei! Por isso, folha por folha Eu há pouco percorri, E prontamente uma rolha Em cada boca meti! (Sai)
 
 
CENA VII Tribofe, Frivolina, o banqueiro.
 
TRIBOFE Olhem quem ele é! Venha cá, não tenha tanta pressa! Fale com os pobres!
 
FRIVOLINA Julguei que estivesse em viagem para as Európicas.
 
O BANQUEIRO Devia estar, mas não me deixaram partir...
 
TRIBOFE Por quê?
 
O BANQUEIRO Cá por coisas...
 
FRIVOLINA Que me diz de tudo isto?
 
O BANQUEIRO Não digo nada... As garantias estão suspensas... Não posso falar...
 
FRIVOLINA Que diabo! há coisas de que o povinho há de sempre falar, haja quantas ditaduras houver... Por exemplo: os direitos em ouro... o contrato das carnes...
 
TRIBOFE ...o pão em pílulas...
 
FRIVOLINA ...os barulhos da Estrada de Ferro...
 
O BANQUEIRO Nada! falemos da penhora do Consulado Português... do eclipse... do balão de onze metros que pegou fogo... (Arrependendo-se) Não! o balão já é um assunto político... (Consultando o relógio e dando um pulo) Oh! diabo! estou entre dez e as onze! Vou à Rua do Lavradio! (Sai correndo)
 
 
CENA VIII Tribofe, Frivolina, primeiro filantropo, segundo filantropo.
 
CANTO
 
PRIMEIRO FILANTROPO Tenho uma alma bem formada! Vou gastar alguns bons cobres, Pra que tenham feijoada Sete mil famílias pobres!
 
SEGUNDO FILANTROPO Vosmecê, meu amiguinho Esqueceu-se do toucinho; Mas à minha feijoada, Há de ver, não falta nada!
 
FRIVOLINA A feijoada dos fluminenses Deve ter todos os seus pertences.
 
TRIBOFE A carne-seca deve estar boa, E o belo paio ser de Lisboa!
 
FRIVOLINA Cabeça de porco Dá graça ao feijão... Banana cozida, Pimenta e limão!
 
TRIBOFE e FRIVOLINA Outra farinha não haja Senão a de Suruí, E no final não se esqueçam Do parati
 
OS QUATRO Outra farinha não haja etc.
 
PRIMEIRO FILANTROPO Venha, colega. Quero levá-lo a admirar a minha apoteose, que está na Sapataria Moncada.
 
FRIVOLINA Bravo! Vossa excelência tem uma apoteose em vida!
 
PRIMEIRO FILANTROPO Entendamo-nos. A minha apoteose é a apoteose de Hahnemann.
 
TRIBOFE Ann...
 
PRIMEIRO FILANTROPO A apoteose da Homeopatia! Uma tela que comprei por vinte contos de réis fortes.
 
SEGUNDO FILANTROPO Vinte contos fortes! Por quê?
 
PRIMEIRO FILANTROPO Por ser obra do Porto. Se mais pedissem, mais eu daria.
 
TRIBOFE O quadro é assim tão bom?
 
PRIMEIRO FILANTROPO Não sei se é bom; só sei que é grande, muito grande. Como já comprei por três contos um quadro deste tamanho (indica um quadro de dois palmos), não acho muito dar vinte, embora fortes, por um daquelas dimensões! Estou com vontade de pedir ao mesmo artista que me pinte agora a apoteose da Alopatia.
 
FRIVOLINA Mas veja se ele lhe arranja isso pela metade.
 
SEGUNDO FILANTROPO Ou se lhe paga em debêntures...
 
PRIMEIRO FILANTROPO Eu tenho por divisa não olhar a despesas!
 
TRIBOFE (apertando-lhe a mão) Toque! assim é que se responde!
 
FRIVOLINA Mas por que quer duas apoteoses tão contrárias?
 
PRIMEIRO FILANTROPO É porque tenho amigos que se tratam pela Homeopatia e amigos que se tratam pela Alopatia. Não quero que fique nenhum descontente. Ande dai, colega!
 
SEGUNDO FILANTROPO Vamos lá. 
 
(Saem os dois filantropos)
 
FRIVOLINA Já via tal apoteose. E um horror! Eu não a queria de graça!
 
TRIBOFE Nesse caso, e uma vez que é tão grande, por que não manda ele distribuí-la pela pobreza?
 
 
 
CENA IX Tribofe, Frivolina, O Tempo.
 
FRIVOLINA Olha O Tempo!
 
TRIBOFE Bravo! o Tempo novo e sem barbas!
 
O TEMPO Pois não se diz que os tempos estão mudados?
 
FRIVOLINA Mas como foi isto? Você escapou à rolha?
 
O TEMPO Aconteceu-me pior: fui suspenso!
 
TRIBOFE e FRIVOLINA Suspenso?!
 
O TEMPO Sim, meus amigos, e o meu eclipse coincidiu com o da lua. Entramos na penumbra quase ao mesmo tempo.
 
LUNDU
 
Meu Deus! Amigos meus, Suspenso fui, Ui! Olá! Que gente má! Pior não há, Nem haverá! Em prosa macia, De estilo pacato, Escrevi um artigo Patriota e sensato, Que não merecia Tanto espalhafato, Tão severo castigo Nem tão grande aparato! A liberdade da imprensa Morreu às mãos de um barão,
 
Pois uma folha é suspensa, E não se sabe a razão! Verão Que a suspensão Ser boa vai, Ai! Olé! Pois tenho fé Que tomo pé Co'este banzé! Sofri um vexame, Passei por suspeito, Mas de tudo isto espero Me utilizar com jeito... Tão bela reclame De certo aproveito, E já me considero Agora um jornal feito! A liberdade da imprensa etc.
 
Bom! Adeus! Quando quiserem, apareçam para jantar... Continuo a ter invariavelmente à minha mesa leitão e carneiro.
 
TRIBOFE São duas petisqueiras. Adeus! estimo que quanto antes saia da penumbra! 
 
(O Tempo sai)
 
FRIVOLINA São horas de fazermos também eclipse, Seu Tribofe. Está concluída a revista fluminense dos acontecimentos de 1891.
 
TRIBOFE Eu volto à minha personalidade de naturalista russo.
 
FRIVOLINA E eu aos intermúndios da fantasia!
 
AMBOS Minhas senhoras... meus senhores... Não faltem amanhã, às mesmas horas. 
 
(Cumprimentam e saem)
 
 
CENA X A Varíola, depois a Febre Amarela.
 
VARÍOLA (entrando da esquerda, com preparos de viagem) Já está muito calor... É tempo de me pôr ao fresco. (Vai saindo, e encontra-se com a Febre Amarela, que entra da direita, também com preparos de viagem) Oh, Febre Amarela! Chegas agora?
 
FEBRE AMARELA É verdade.
 
VARÍOLA E eu parto.
 
FEBRE AMARELA Venho substituir-te. (Apertando-lhe a mão) Foste feliz?
 
VARÍOLA Felicíssima!
 
FEBRE AMARELA Que tal a Inspetoria de Higiene.
 
VARÍOLA Boa.
 
FEBRE AMARELA E a Intendência Municipal?
 
VARÍOLA Ótima.
 
FEBRE AMARELA Ainda bem! Até a vista!
 
VARÍOLA Sê feliz! 
 
(Apertam-se as mãos e saem, a Febre Amarela pela esquerda e a Varíola pela direita)
 
 
CENA XI A Imprensa, depois a Legalidade.
 
(Entra a Imprensa com uma enorme rolha na boca. Cena muda. A Imprensa exprime por gestos que não pode falar. Desespera. Afinal vê a Legalidade, que entra, e lança-se-lhe nos braços)
 
A LEGALIDADE Pobre Imprensa!... Arrolhada!... Eu sou a Legalidade, e posso servirte de saca-rolhas. (Arranca-lhe a rolha da boca)
 
A IMPRENSA (furiosa) Tiranos! patifes! déspotas! velhacos! insolentes! Deixem estar que eu lhes vou mostrar para que presto!...
 
A LEGALIDADE Isso!... berra à vontade!
 
A IMPRENSA Vou soltar a língua aos quatro ventos! Tiranos! déspotas! criminosos! doidos! súcia de tratantes! (Sai, vociferando sempre)
 
A LEGALIDADE Aí vem a minha milícia! O Batalhão Tiradentes!...
 
(Entrada do Batalhão Tiradentes)
 
CORO Empunhando estas espadas, Demos toda a nossa vida Pela pátria estremecida, Ó camaradas! Arrojados e valentes, Neste instante de ventura Invoquemos a figura De Tiradentes!
 
(Evoluções. Mutação)
 
 
QUADRO XI Sala baixa e estreita na casa ocupada por Eusébio e sua família. Uma porta de cada lado da cena.
 
CENA I Dona Fortunata, depois o Senhorio.
 
(Ao levantar o pano ouve-se bater palmas)
 
DONA FORTUNATA (entrando da direita) Entre quem é.
 
O SENHORIO (entrando da esquerda) Sou eu, minha senhora. Cá está o recibo do mês passado. (Dá-lhe o recibo)
 
DONA FORTUNATA Já le esperava. O sinhô é infalive no dia premeiro. (Tira do bolso dinheiro e dá-lho)
 
O SENHORIO (depois de contar) Cem mil-réis. Está exato. (Guardando o dinheiro) Previno-a, minha senhora, que de hoje em diante à casa pagará mais dez mil-réis por mês.
 
DONA FORTUNATA O quê! Ainda um omento?! O sinhô tem omentado todos os mês!...
 
O SENHORIO Não a obrigo a ser minha inquilina. Há muito quem queira. Eu acho por esta casa cento e vinte cinco mil-réis a olhos fechados!
 
DONA FORTUNATA E até onde pode chegá! Uma casa destas cento e dez mi-réis!
 
O SENHORIO E dê-se por muito feliz. Passar bem, minha senhora! (Sai)
 
DONA FORTUNATA Adeus, Seu. O que vale é que é por pouco tempo.
 
 
CENA II Dona Fortunata, Juca, depois Quinota.
 
JUCA (entrando a correr) Mamãe! mamãe! Papai tá aí!
 
DONA FORTUNATA Tá ai?
 
JUCA Eu encontrei ele ali no canto, e ele me disse que viesse vê se vosmecê tava zangada, que se tivesse ele não entrava.
 
DONA FORTUNATA Aquele home é os meus pecado! Vai dizê a ele que não tou zangada.
 
JUCA Seu Gouveia tá junto co'ele.
 
DONA FORTUNATA Bem! venhum todos dois. (Uucasaz correndo) Quinota! Quinota!
 
A VOZ DE QUINOTA Senhora?
 
DONA FORTUNATA Vem cá, minha filha. Eu não ganho nada me encanzinando. Já tou velha; não quero me amofiná. (Entra Quinota) Quinota, teu pai vem aí, e para que ele não torne outra vez a se osentá de casa, amenhã de menhã vamos embora.
 
QUINOTA E Seu Gouveia?
 
DONA FORTUNATA Seu Gouveia também vem aí.
 
QUINOTA (contente) Ah!...
 
DONA FORTUNATA Não quero mais ficá numa terra onde os marido passa noites e noite fora de casa e os senhorio omenta os alugué todo os mês!
 
 
CENA III Dona Fortunata, Quinota, Juca, Eusébio, depois Gouveia.
 
JUCA Tá aí papai!
 
EUSÉBIO (da porta)
 
Posso entrá? Não temo briga?
 
QUINOTA Estando eu aqui, não pode haver brigas.
 
DONA FORTUNATA Sim, minha filha, tu é o anjo da paz.
 
QUINOTA (tomando o pai pela mão) Venha cá. (Tomando Dona Fortunata pela mão) Vamos! abracem-se!
 
DONA FORTUNATA (abraçando-o) Diabo de home véio sem juízo!
 
EUSÉBIO Raie, raie, Dona Fortunata! Raie, mas não se azangue!
 
DONA FORTUNATA Pai de filha casadeira!
 
EUSÉBIO Tá bom! tá bom! Pormeto me emendá! Mas deixe le dizê...
 
DONA FORTUNATA Não! não diga nada, não se defenda! E mió que as coisa fique como está!
 
JUCA Seu Gouveia tá no corredô!
 
QUINOTA Ah! (Vai buscar Gouveia pela mão. Gouveia entra manquetando)
 
EUSÉBIO Assim é que o sinhô me apadrinhou?
 
GOUVEIA Deixe-me! estas botinas novas fazem-me ver estrelas!
 
DONA FORTUNATA Seu Gouveia, le participo que amenhã de menhã estamo de viage.
 
EUSÉBIO Já conversei co'Seu Gouveia.
 
GOUVEIA (a Quinota) Eu abri-me...
 
EUSÉBIO Ele vai com a gente; não tem que fazê aqui. Tá na pindaíba, mas é o memo. Casa com Quinota e fica sendo administradô da fazenda. Arranjo outra coisa para Seu Borge.
 
QUINOTA Ah! papai! quanto lhe agradeço! (Beija-o)
 
JUCA A Benvinda tá aí.
 
TODOS A Benvinda!
 
DONA FORTUNATA A Benvinda! Não quero vê ela!... 
 
(Quinota vai buscar Benvinda, que entra, a chorar, vestida como no primeiro quadro)
 
 
CENA IV Os mesmos, Benvinda.
 
BENVINDA (de olhos baixos) Tou muito arrependida! Não valeu a pena!
 
DONA FORTUNATA Rua, sua desavergonhada!
 
EUSÉBIO Tenha pena da mulata!
 
DONA FORTUNATA Rua!
 
QUINOTA Mamãe, lembre-se de que eu mamei o mesmo leite que ela.
 
DONA FORTUNATA Este diabo não tem descurpa! Rua!...
 
GOUVEIA Não seja má, Dona Fortunata... Ela também apanhou o micróbio da pândega...
 
DONA FORTUNATA Pois bem... mas se não se comportá direito... Vai lá pra dentro! (Benvinda sai)
 
EUSÉBIO (baixo a Dona Fortunata) Há de casá co Seu Borge, que morre por ela... (À parte) E o boiadeiro suspendeu com os meus duzento mi-réis e não tomou nada!...
 
DONA FORTUNATA Vamo jantá!
 
TODOS Vamos! 
 
(Saem Juca, Eusébio e Dona Fortunata. Quinota vai saindo e Gouveia puxa-a pelo braço)
 
 
 
CENA V Gouveia, Quinota.
 
GOUVEIA E o couplet final?
 
QUINOTA As revistas de ano nunca terminam com um couplet, mas com uma apoteose. (Vindo ao proscênio) Minhas senhoras e meus senhores, o autor quis manifestar o seu respeito por dois brasileiros ilustres falecidos em 1891... (Apontando para o fundo) Benjamin Constant e Dom Pedro de Alcântara! 
 
(Mutação)
 
QUADRO XII Apoteose.

 

 

                                                                  Artur Azevedo

 

 

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