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Series & Trilogias Literarias
O dia já havia se tornado noite quando estávamos no campo de batalha. Sirius e Áries haviam cumprido sua promessa conosco. Ela não podia interferir diretamente, mas como já havia sido punida, que mal isso traria?
A espada em minha mão estava mais pesada que o normal, minhas mãos estavam geladas e tremendo, o pânico me tomava, em nossa frente milhares de soldados de várias raças estavam preparados para a luta, eles gritavam e batiam em seus escudos. Em número eles nos superavam, mas eu tinha em segredo o poder dos Regentes e o apoio deles.
Ewren segurou minha mão, ele a ergueu e a tocou com os lábios e sorriu para mim, aquele sorriso presunçoso como sempre me tirou todos os medos. Tinha certeza de que mesmo que tivesse que enfrentar todo o exército de Fairin sozinha, ele estaria ao meu lado e não me deixaria cair.
Eirien estava bem à nossa frente, seus cabelos voavam com a brisa e sua espada erguida brilhava contra a luz da Lua das Fadas. Aguardávamos ansiosos seu sinal, Arcádius estava no centro com Jocelinne e a segurava firmemente, com medo de que ela pudesse lhe fugir novamente.
– Fairin é meu! – Falei num rosnado. Hasan sorriu encarando-me.
– Não se eu o alcançar primeiro! – Disse ele sacando sua espada.
O grito de Eirien pode ser ouvido nos quatro cantos de Amantia quando ela nos mandou seguir em frente.
1
Amantia
Havia acabado de anoitecer quando vimos o céu de Amantia. Estávamos todos caindo em direção ao Mar quando Arcádius ergueu suas mãos e as moveu rapidamente, seu corpo começou a se escurecer e deformar mudando sua pele cor de avelã para uma espessa camada de penas negras e se transformou numa imensa ave de asas curvas e voou baixinho sobre o mar, caímos sobre ele, desajeitados e em posições estranhas. Me ajeitei rapidamente arrumando a saia de meu vestido e prendendo meus cabelos que ficaram completamente embolados. A noite estava escura, o vento frio soprava em meu rosto enquanto Arcádius voava baixo e suavemente, a lua minguante no céu não ajudava muito a nossa visão, Ewren, como o elfo negro que era, podia ver tudo claramente em qualquer situação. Seus olhos brilhavam prateados e estavam atentos à tudo em redor. Queria poder fazer meu cajado brilhar e acender uma luz, mas não queríamos chamar atenção desnecessária, ainda mais por que estávamos agora em território inimigo e desprotegidos.
Arcádius estava nos levando para algum lugar que ele julgava ser seguro, o que nós podíamos fazer era confiar e permanecer em silêncio para que não fossemos percebidos por nada nem ninguém, Amantia tinha ouvidos e olhos por todos os lados, tínhamos que evitar ao máximo nos expor para que Fairin não nos encontrasse antes do tempo. Jocelinne mantinha uma proteção em volta de nós para que Arcádius parecesse para quem o visse do chão, apenas uma ave voando baixinho na noite a caminho de seu ninho.
Serena dormia profundamente aparada por Hasan, Eirien ia apoiada em Amaterasu e dormia também, acho que na noite anterior ninguém havia conseguido dormir direito, ansiosos com o retorno para casa. Jocelinne, Ewren, Arcádius e eu estávamos alertas, observando tudo em volta com cautela, eu mantinha a espada de Nellena em minha mão, embora preferisse minha lança, a espada não precisaria de meus poderes para usá-la.
O vento começou a soprar mais forte, estava gelado demais quando alcançamos terra firme, o gelo foi aparecendo aos poucos sobre a terra escura. Estávamos em Lastar, tinha certeza disso, pois a neve aqui tinha um tom diferente, um branco hipnótico, era difícil desviar os olhos da neve que cobria as árvores queimadas pelo frio. Quase não via vida ali, um montinho de neve escondido pelas arvores poderia ser um Yeti descansado, ou apenas uma toca enterrada e escondida. Pouco a pouco a neve foi tomando conta de todo o cenário e logo chegaríamos aquele estranho abrigo de Arcádius, porém ele passou direto sem desviar para o norte como teria de fazer, continuou voando em linha reta e após alguns minutos chegamos ao mar novamente.
– Para onde acha que estamos indo? – Perguntei à Ewren quando vi que Arcádius não estava parando. – Ewren agora me segurava com força, como se pensasse que eu poderia desaparecer.
– Ele deve estar procurando o último lugar em que Fairin pensaria em nos procurar, ou onde ele já deve ter nos procurado quando sumimos com Serena e não encontrou ninguém... – Ewren estava sério, porém tranquilo. Eu não conseguia parar de pensar nas crianças em Evenox, em Lórien, Medras e em Ervie, sentia falta deles, mais ainda de Lórien pois era como estar indo para a batalha despida sem a presença dela, ela era como uma armadura para mim, estranho como em pouco tempo havia me apegado a ela, mas a considerava como minha melhor amiga agora, sentia-me mal por Serena, não era como se a tivesse deixado de lado, mas agora nós tínhamos um laço maior e não sentia que havia me afastado dela. Teríamos que fazer o melhor possível para que eles tivessem uma Amantia segura para voltar. Apertei o cabo da espada onde a bolinha de luz estava bem protegida, o poder que usaria para romper o lacre dos Doze Mundos e me separar para sempre de tudo que amava. Isso me dava motivação para dar o melhor de mim e não ter que usá-la, queria devolver aquele poder para Áries e dizer “Não foi necessário!” Isso sim me faria feliz. Ewren notou meu nervosismo, puxou minha mão e a beijou gentilmente.
– Ei, vai dar tudo certo! Se pensar muito sobre isso, vai ficar difícil se concentrar e pode acabar cometendo algum erro fatal. – Disse ele, sorri, ah se ele soubesse o que estava se passando em minha mente agora, fiquei muito feliz com o bloqueio que Áries havia me dado, assim ele nunca desconfiaria de meus planos alternativos. Só a ideia de nunca mais ver esses olhos novamente fez meu estômago embrulhar, segurei firme as lágrimas que estavam querendo rolar. Segurei seu rosto com as mãos e o beijei, ele pareceu surpreso mas correspondeu com vontade.
– Não dê ideias erradas a Hassan! – Sussurrou ele para mim, Hassan estava acordado, seu rosto estava corado e ele olhava discretamente para Serena em seu colo.
– Não é culpa minha ele estar assim, foi ela quem o beijou no carro, não eu! – Murmurei virando o rosto corada também e lembrando do atrevimento de Serena.
– Acho que ele está completamente apaixonado. – Disse Ewren tão baixo ao meu ouvido que sua boca fez cocegas em mim. – Ele nem pisca quando olha para ela.
– Talvez... – respirei fundo evitando sorrir, havia usado isso como argumento para conseguir ajuda de Áries, ela não iria querer ver o único filho sofrendo por amor. – Quando ele era Leonard, todas as vezes que Serena ia dormir lá em casa ele ficava por perto, se oferecia para lavar o prato dela quando ela jantava lá e ainda dava sua sobremesa para ela! Ele era meu irmãozinho e o máximo que ganhava dele eram puxões de cabelo e mordidas! – Resmunguei. – Acho que a paixão dele por Serena já é antiga.
– Acha? – Ewren ergueu uma sobrancelha – você é muito mais devagar do que eu imaginava, Leona! Se eu não tivesse dito sobre meus sentimentos por você quando achei que fosse morrer, você nunca teria percebido sozinha! – O encarei irritada, o poder que Ewren tinha de me irritar ainda estava lá, mas eu realmente nunca teria desconfiado que ele gostava de mim também.
Arcádius fez uma manobra rápida e quase nos derrubou, fazendo com que ficássemos em alerta novamente. Pouco depois pude ver para onde ele estava nos levando, um frio passou por minha espinha. A grama vermelha no chão abaixo de nós e o cheiro doce das pequenas flores vermelhas espalhadas pelo campo e bem próximas às ruinas do templo de fogo.
Arcádius fez uma leve inclinação e começou a descer aos poucos, rodeando as ruinas como se estivesse verificando repetidamente se estava realmente seguro por lá, todos acordaram quando sentiram que estávamos descendo, Eirien acordou coçando as orelhas de Amaterasu para que ela acordasse também.
Quando ele pousou e voltou a sua forma normal, Jocelinne foi erguendo suas mãos em direção às ruinas fazendo uma bolha gelatinosa cobrir uma grande extensão a nossa volta, quando a bolha cobriu tudo sem deixar nenhuma entrada descoberta, Arcádius bateu as palmas das mãos e o castelo começou a se refazer, as pedras em volta dele começaram a rolar em sua direção e se encaixar onde antes era o seu lugar, os vidros despedaçados pareciam se derreter e voltar a ser o que era, terra, água e pequenas porções de pedregulhos também se juntaram à massa cinzenta que se movia e ia cobrindo as rachaduras e buracos restantes, era como se o tempo estivesse voltando para o templo.
Quando estava tudo restaurado, um leve brilho avermelhado tomou conta do castelo e ele pareceu novo, recém construído, era magnífico! Parecia um castelo de um reino antigo. Atravessamos a ponte e entramos no templo, era ainda mais incrível por dentro! O chão era coberto por tapetes de diversos tons de vermelho e marrom e as paredes trabalhadas com pinturas de flores e plantas, deviam ser todas as espécies de plantas existentes em Amantia, pois nenhuma era igual a outra e os desenhos não se repetiam. A abóbada no meio do salão tinha vários símbolos coloridos e brilhantes pitados nela.
– Os símbolos de todas as famílias nobres de Amantia... – disse Jocelinne se aproximando de mim. No centro da Abóbada havia um vitral com uma imensa orquídea lilás.
– Acho que foi uma das melhores coisas que aconteceu em minha vida... – acabei falando isso alto, Jocelinne me olhou confusa. – Ah, ter pego aquele espelho de Moan na terra... – falei. Jocelinne ergueu uma sobrancelha.
– Acha bom estar em um mundo cheio das mais terríveis criaturas, ter um sangue amaldiçoado e estar sendo perseguida por um mago que deseja dominar os doze mundos só para manter seu amor por poder sob controle? – Perguntou ela olhando-me torto, seu sarcasmo era tão sutil que mal o percebi.
– Acho bom estar num mundo que me encaixo, que tem defeitos e problemas como todos os outros mundos tem, tenho um sangue amaldiçoado e se não fosse por ele não teria salvo Ewren... – Claro, se não fosse por mim talvez ele não tivesse se colocado em risco, mas mesmo se eu não existisse, haveria outra Arbarus com o sangue amaldiçoado rodando por aí e talvez ela não tivesse a mesma vontade de lutar que eu tinha. - As coisas mais terríveis que passamos servem para nos fortalecer! – Arcádius que estava ao nosso lado me escutando sorriu.
– Ela não tem nada a ver com suas filhas e netas, Jocelinne! Nem parecem que são da mesma família!
– O que quer dizer? – Perguntei.
– Nada de importante! – Disse ele rindo e acariciando minha cabeça. Odiava quando faziam isso, pareciam que estavam me tratando como criança que não precisava saber das conversas dos adultos.
Jocelinne nos mostrou todo o templo ele era muito aconchegante, era bem parecido com o castelo de Lotus Vale, só que menor e mais colorido.
– Ficaremos aqui enquanto decidimos o que fazer. – Disse Eirien enquanto íamos para a cozinha para preparar algo para comer. Estava sem ânimo para cozinhar, então usei meus poderes para fazer algo aparecer já que estávamos protegidos pela barreira que Jocelinne havia feito, então não achei que houvesse problema com isso.
– É bom não exagerar, Leona! – Disse Eirien preparando um chá. – Não sabemos o quão forte pode ser o poder de Fairin, ele pode nos detectar.
Quando voltamos com o lanche para a sala onde estavam todos reunidos, Arcádius começou a falar sobre sua estratégia, como deveríamos agir num primeiro momento.
– Bom, o primeiro passo é descobrir o que Fairin anda fazendo, temos que espionar o que ele já conseguiu para que possamos planejar com cuidado nossas estratégias contra ele e quem podemos colocar numa possível lista de aliados.
– Uma pergunta, por que ele precisa de um exército se o objetivo dele é se tornar o mais forte com o sangue amaldiçoado? – Perguntou Serena tirando as palavras de minha boca.
– É simples Serena, sem um exército, sem pessoas que o apoiem ele teria que usar seus poderes para destruir as pessoas que se opõe a ele para conseguir dominá-las através do medo. O objetivo de Fairin não é matar nem destruir, ele quer mandar! Ele quer ter o controle absoluto, ele é um garoto com uma fazenda de formigas. Se ele quebrar a fazenda de formigas e esmagá-las, o que vai restar para ele dominar? – Respondeu Arcádius – Se ele tiver um exército, significa que tem pessoas que apoiam sua causa, e assim mais pessoas acreditarão que ele está agindo por uma boa causa e o apoiarão.
– Então nós temos que fazer o mesmo, buscar pessoas que nos apoiem? – Perguntou Serena.
– Sim, temos que achar aqueles que ainda são fiéis a Eirien e reunir um exército para enfrentar Fairin, pois de qualquer forma teremos que derrotá-lo para destruir Veruza e a Maldição. – Respondeu ele.
– O que Fairin prometeu a eles? Como foi que ele convenceu tanta gente a ficar ao seu lado? Não consigo pensar em nada que ele possa ter dito que fizesse as pessoas o seguirem sem ele usar seus poderes para convencê-las! – Falei – Afinal, o reinado de Eirien era muito bom! As pessoas não tinham do que reclamar para aceitar um novo líder como ele! – Eirien olhou-me com ternura e suspirou.
– Eu fazia o melhor que podia, Leona, mas Fairin ainda está usando o corpo de Aeban e ele foi colocado no posto dele por meu pai, Narlevi, ele tinha uma aceitação melhor que eu, pois eu sou a primeira Rainha mulher de Amantia, para o povo daqui um homem é mais confiável e comanda com a cabeça e não com o coração. Só consegui que me aceitassem bem quando venci o gigante com um único golpe. – Disse Eirien.
– Mas Ruthar e Turiel morreram e Bargon apoiou Fairin para que ele assumisse o controle de Amantia, até onde o povo sabe, Eirien apenas desapareceu, devem achar que ela está em um dos outros doze mundos se escondendo de Arcádius. – Jocelinne falou. – Afinal, quase ninguém tem conhecimento sobre Fairin, se alguém se lembra dele, é como um mago do conselho que foi afastado, já Arcádius... – Ela o encarou.
– Então o primeiro passo é verificar o que foi feito por Fairin, depois nos mover atrás de quem é fiel à Eirien e à Amantia e lhes explicar o que está acontecendo. – Disse Arcádius aborrecido.
– Como provaremos que falamos a verdade? – Perguntei, meu coração pesou de repente – Bloqueei as mentes de todos nós para que Fairin não pudesse descobrir sobre as meninas... – ao falar delas senti um nó na garganta. Todos me olharam surpresos.
– Como fez isso? – Perguntou Jocelinne.
– Com o poder que Áries me deu... – não queria entrar em detalhes para que não perguntassem o que ofereci em troca de tal poder. – Ela me deu umas pílulas que ao ser ingeridas poderiam impedir qualquer um de ver a mente do outro.
– E como faremos se nos separarmos? Não poderemos ter a certeza de que alguém não está usando a aparência roubada para se infiltrar! – Eirien parecia nervosa. Todos ficaram pensativos, procurando uma solução.
– Tive uma ideia! – Gritou uma voz atrás de nós entrando pela porta principal. Assustados puxamos nossas armas.
– Lórien? – Falei. – O que está fazendo aqui? – Ela andou até mim e tocou minha testa com a sua. Não havia dado o remédio de Áries para ela, então pude ver suas últimas memórias. Depois que me mostrou as memórias ela mostrou a marca de Medras em seu dedo.
– Usei magia de Antares e me dividi em duas! – Disse ela sorrindo e me abraçando. – É temporário, leva cerca de três semanas para desaparecer, então como o tempo lá passa mais lentamente eu decidi que viria para cá ajudar vocês! Não queria perder a luta e vocês não poderiam viver sem minha genialidade! – Disse ela sorrindo.
– Então esse corpo que está usando... – Ewren começou.
– Sim, apenas um corpo de argila com uma mecha de cabelo minha! Teleportei um Summon para com parte de minha mente e com um pouco de meu cabelo para cá e de lá o controlei, aí fiz a magia para separar minha mente em duas! – Disse ela jogando os cabelos para trás.
– Então você está focada lá e aqui ao mesmo tempo? - Perguntei.
– Quase isso, eu separei minhas mentes, então só posso saber o que está acontecendo lá quando esse corpo se desmanchar e minha mente voltar ao outro por completo!
– Genial Lórien! – Falei apertando-a num forte abraço. Vi suas últimas memórias de Evenox, ela estava com Medras pouco antes de fazer a magia vi o beijo que ele deu nela como se fosse uma despedida, já que uma parte da mente dela estaria aqui, então ela sentiria falta dele, vi as menininhas no berço dormindo tranquilamente, isso me deixou ainda mais tranquila.
– Você disse que teve uma ideia para nos separarmos e voltar e nos identificarmos, certo? – Ewren perguntou parecendo aliviado também.
– Sim, tirei a ideia de Nellena! – Disse ela pegando minha espada e mostrando a marca na lâmina. – Serena, me dê sua espada! – Disse ela esticando a mão para que Serena lhe entregasse sua espada. Ela a entregou, quando Lórien uniu as duas, o desenho do Lobo e do Gato na lâmina se ascenderam e brilharam.
– Interessante, quando elas estavam juntas seus símbolos brilhavam! – Arcádius falou maravilhado pegando as espadas e olhando de perto.
– Mas corremos o risco de perder as armas, Lórien! – Disse Hassan que estava em silêncio observando tudo.
– Ah, eu disse que tirei a ideia daí, não que ia usá-la da mesma forma! – Lórien como sempre, delicada como um coice de mula.
– Então o que pretende fazer? – Ewren perguntou a ela tentando amenizar a grosseria dela.
– Simples, todos me deem as mãos! – Ela abriu a palma da mão no meio de nós, tocamos em sua mão um por um até formar um montinho. Ela sorriu enquanto marcas vermelhas e brilhantes se acenderam em nossos braços, senti uma dor terrível no meu braço direito, como se estivesse pegando fogo.
– Ah! Lórien! – Gritei olhando as três marcas vermelhas em meu braço, ardiam como se alguém tivesse me marcado com um ferro em brasa, e acho que era exatamente o que Lórien havia feito. Serena e Jocelinne também gritaram esfregando os braços, pouco a pouco a vermelhidão foi cedendo, dano lugar a três tatuagens claras, quase da cor da pele, com o formato das três luas de Evenox. Percebi isso pois uma estava parcialmente destruída.
– Agora juntem elas! – Disse Lórien unindo as mãos comigo, as tatuagens se acenderam e começaram a brilhar, um brilho prateado bem fraco, mas visível. Conforme os outros foram unindo as mãos o brilho foi aumentando, até ficar tão forte quando todos uniram as mãos que clareou a sala.
– Lórien! Você é um gênio! Não sei o que faria aqui sem você! – A abracei com força agradecendo mentalmente por ela estar aqui.
– Eu sei! Vocês não são nada sem mim! – Disse ela rindo e me apertando com força também, era um pouco menos doloroso estar em Amantia sem Lórien.
– Lórien, você não está com a mente blindada, e se você for pega? – Perguntou Hasan olhando-a desconfiado.
– É simples, eu vou me desmanchar, assim minha mente volta imediatamente ao meu corpo verdadeiro, igual ao que acontece com os Summons. – Respondeu ela revirando os olhos.
– Então o que temos que fazer agora é sair por aí e espionar, certo? – Perguntou Serena nos olhando confusa, ela e Hasan deviam estar se sentindo completamente deslocados do grupo, fiquei com pena deles, mas agora não era a hora de tentar animá-los.
– Então faremos isso quando estiver amanhecendo, pássaros não costumam voar a noite! – Arcádius nos lembrou, então teríamos algumas horas para descansar antes do amanhecer. Subimos até os quartos, Lórien e Eirien foram para o mesmo quarto, Serena subiu junto com Hasan, mas parou em frente à porta do quarto que eu havia entrado com Ewren.
– Acho melhor você ficar aqui! – Disse Ewren sorrindo para Serena, ela olhou discretamente para a porta ao lado e ficou corada. Ewren beijou minha testa e saiu. Já que íamos ficar sozinhas, arrastei Serena até o quarto em que Eirien e Lórien estavam, precisava enturmar Serena para que ela não se sentisse tão deslocada.
– Podemos entrar? – Perguntei abrindo um pouquinho a porta do quarto.
– Claro! – Eirien sorriu para nós e fez um gesto para que entrássemos. Lórien estava deitada numa cama toda largada.
– Então, Serena! – Disse ela se ajeitando para ficar de frente para nós. – O que está rolando entre você e Hasan! – Serena perdeu a cor do rosto e arregalou os olhos.
– Como assim? Não está rolando nada! Ele é um amigo de infância só isso! Eu só não sabia que ele era tão... – ela me encarou como se eu pudesse continuar a frase e achar as palavras para descrever Hasan.
– Tão diferente! – Respondeu Eirien. – Minha Jovem, você é como um livro aberto, é mais fácil de ler você do que Leona!
– Ela está com uma cara de apaixonada, não é? – Lórien estava implicando com ela como fez comigo a respeito de Ewren. Serena acabou se entregando, cobrindo o rosto e ficando ainda mais vermelha.
– Meu deus o que é que está acontecendo! – Disse ela soltando as mãos e olhando para a porta do quarto. – Eu nunca me senti assim! – Eu ri abraçando-a e a colocando sentada na cama ao lado de Lórien.
– Bem-vinda ao clube! – Falei ajeitando seus cabelos. Lórien sorriu e mordeu os lábios e passando os dedos sobre sua nova marca no dedo anelar.
– Medras é um amor, não sei por que nunca reparei nele antes. – Disse ela fechando os olhos. – Esse corpo se cansa mais facilmente que o verdadeiro, estou com tanto sono... – Ela bocejou e abraçou Serena e se atirou para trás, as duas caíram na cama como se já fossem amigas há séculos e agora brincavam juntas. Serena começou a contar as coisas que fazíamos quando éramos menores, o quanto aprontávamos e nunca éramos pegas.
– Vocês deveriam descansar! Os Summons gastam muita energia! - resmungou Eirien para nós, pela primeira vez a vi como uma senhora rabugenta e mandona.
Quando Serena, Eirien e Lórien pegaram no sono, voltei para o outro quarto e me sentei em uma cadeira perto da janela para observar o céu, porém estava nublado e a chuva havia começado a cair bem fina contra o vidro.
– Sem sono? – Ewren estava apoiado na porta olhando para mim.
– Na verdade estou com sono, só não estou conseguindo dormir. – Falei batendo de leve as pontas dos dedos no vidro frio, coloquei minha palma na janela e por um instante pude ver uma névoa em formato de uma mão cobrir a minha, puxei a mão do vidro e olhei novamente, não havia nada. Ewren veio até mim, me pegou no colo e me colocou na cama.
– O que vai fazer? – Perguntei assustada, o castelo estava cheio demais para ter qualquer contato com ele aqui, duvido que todos estariam dormindo tranquilamente. Ewren sorriu me encarando com seus olhos azul-prateado.
– Você só pensa coisas pervertidas, não é! – Ele deitou de frente para mim – feche os olhos. – Obedeci, pude sentir o calor de sua respiração bem próxima ao meu rosto, ele beijou minha testa e começou a cantar baixinho. Meu coração deu um pulo, sua voz fez todo meu corpo se arrepiar.
– Acho que não está ajudando... – falei apertando minha mão contra seu peito.
– Shiii, fique quieta se não, não vai ajudar! – Ele sussurrou e continuou a cantar baixinho.
– Espere... – pedi abrindo os olhos e segurando sua mão – Tem algo que estou querendo fazer desde o casamento de Lórien em Evenox... – beijei sua mão onde estava a marca dourada, como se a estivesse puxando para mim, então as marcas lilás de minha mão começaram a ficar alaranjadas e foram clareando até ficarem douradas. Ewren sorriu e me beijou, depois voltou a cantar baixinho. Ao fechar os olhos novamente me vi em um campo aberto cheio de flores e com o sol brilhando aquecendo minha pele, uma névoa começou a me cobrir desde os pés, ao chegar na cabeça, respirei fundo e adormeci.
Acordei com o cheiro de comida. Ewren não estava mais no quarto, levantei e olhei pela janela, ainda não havia clareado, a chuva havia estiado e as nuvens escuras já não cobriam mais o céu. Desci as escadas até onde os outros estavam reunidos para tomar café. Lórien e Serena estavam juntas, cochichando e dando risadinhas olhando para mim. Até imagino o que elas estavam pensando, já que Hassan também me olhava de canto de olho e Ewren estava sorrindo de lado como se fizesse de propósito para que todos pensassem no que devia ter acontecido. Meu rosto esquentou e isso só piorou a situação.
– Dormiu bem? – Perguntou Lórien beliscando minha bochecha.
– Como uma pedra, Lórien! – Murmurei enfiando um pedaço de pão na boca. Aparentemente, não era o único alvo de pensamentos errados essa manhã, Jocelinne estava com cara de quem não havia dormido e Arcádius sorria triunfante. Acho que Ewren só estava sorrindo por causa disso, para disputar algo invisível entre os pensamentos dos dois.
Tomamos café rapidamente e fomos para a sala, iríamos partir logo cedo, enquanto Sirius e Áries se erguiam preguiçosamente no céu.
– Vamos nos separar e voar por aí para ver o que descobrimos. Ewren, Leona Jocelinne e eu iremos invocar os Summons e sair, Hasan, Serena, Eirien e Lórien ficam aqui e façam a guarda, qualquer coisa de errado que acontecer vocês nos trarão de volta! – Disse Arcádius levantando-se de sua cadeira e pegando um colar com amostras. Amaterasu parecia incomodada. Lórien a encolheu e afagou suas orelhas.
– Amaterasu, fique na torre principal por favor, vigie a movimentação de lá de cima! – Amaterasu estava incomodada por que a deixarmos de lado. Afaguei sua cabeça.
– Quando eu precisar de você, eu vou te chamar está bom assim? – Falei para ela, que se alegrou e lambeu meu rosto.
– Vamos logo então! – Joceline tirou a fita que amarrava sua trança, era cheia de penas coloridas e pequenas bolinhas de pelos. Ela apertou uma das penas e uma grande ave vermelha de olhos apagados, Jocelinne transferiu sua mente, abrindo seus olhos cor de vinho para nós. Lórien ajeitou seu corpo em cima do sofá. Em seguida fiz a mesma coisa, escolhi uma pena menos chamativa, uma pena de cor roxa e marrom e fiz a ave aparecer, era um pássaro pequeno, comparado ao pássaro que Jocelinne havia escolhido.
Me preparei e depois de um suspiro, transferi minha mente abrindo os olhos no corpo do pequeno pássaro. Virei para trás e observei Ewren pegar meu corpo e o colocar numa poltrona, minha cabeça pendeu para o lado, ele arrumou meus cabelos e sorriu, senti meu pequeno coração de pássaro acelerar, os anos iriam se passar e mesmo assim não conseguiria acreditar que ele era meu. Ewren se virou para me encarar, dando aquele seu sorriso perverso, ele sentou no outro sofá e fez uma ave cinzenta aparecer de um pingente com uma pena prateada que estava em seu cabelo. Ele transferiu a mente e parou ao meu lado.
Arcádius foi o último a transferir a mente, achei que ele fosse apenas se transformar em um pássaro como havia feito antes, mas depois me dei conta de que se o fizesse e fosse capturado não teria escapatória, com os Summons era só se desfazer e voltar ao corpo.
– Leona, a área que você conhece melhor aqui em Amantia é Lotus Vale, então vá para aquela área e veja o que consegue descobrir por lá. Ewren, vá para o Castelo de Cristal, Jocelinne para a floresta dos elfos e veja o que aconteceu por lá sem a liderança de Ruthar e Arcádius, vá para Vintro! – Disse Eirien para nós. Ela ergueu os Braços, Ewren e eu subimos neles, Lórien pegou Arcádius e Jocelinne. Elas nos levaram até a porta do Templo.
– Vão com cuidado, não sejam pegos, por favor! Se não eles vão saber que estamos aqui e virão atrás de nós. – Disse Eirien num sussurro para nós dois. Abri as asas e voei livremente pelo céu, era uma sensação realmente incrível o vento passando por entre as penas, Ewren circulou em volta de mim, brincando e dando rasantes, ele não fazia ideia de quanto era difícil para mim controlar o voo já que eu fazia isso a menos tempo que ele. Ewren sabia que eu não conseguiria achar o caminho para Lotus Vale sozinha, voamos juntos até chegar perto o suficiente para que eu pudesse reconhecer a cidade de Lotus Vale Flutuando. Quando ele avistou a cidade, me deu uma bicada na cabeça como despedida e disparou em outra direção, desviei um pouco para a esquerda e fui em direção à cidade. Os sóis estavam nascendo, o calor se misturou com o vento frio da madrugada, dando uma sensação maravilhosa entre minhas penas delicadas.
Não parecia que havia mudado muita coisa no tempo que estive fora, A única diferença visível era a bandeira que tremulava com o vento presa ao mastro em cima da torre principal, antes era uma bandeira azul com a flor de Lis dourada, agora era uma bandeira vermelha com uma mão segurando uma serpente. Nunca havia visto aquele símbolo em nenhum dos livros da história de Amantia que Ewren e minha mãe me forçaram a ler.
Mãe, um nó se formou em minha garganta ao lembrar dela, tinha que continuar, tinha que vencer por ela, já que havia se sacrificado em vão, não podia perder para ele. Pairei sobre a central onde ficava a sala de Aeban e a circulei até pousar no para peito da sacada. A porta estava aberta, meus olhos varreram a sala num instante, o que vi lá dentro quase me fez desmanchar o pássaro e voltar ao meu corpo. Demétrius, Bargon e Guinn estavam conversando, Guinn estava sentado à mesa, Bargon no sofá e Demétrius de pé ao lado dos dois olhando para fora. Impossível, o vi morrer! Vi Ewren arrancar sua cabeça e ele se evaporar no ar! Meu coração batia tão rapidamente que podia escutar um zunido nos meus ouvidos.
– Tenho certeza de que eles se juntarão a nós em breve, Bargon. – Disse Guinn girando uma lâmina sobre um ponto no mapa em sua mesa. Me posicionei melhor no beiral para ver que local do mapa que estava circulado. – Eles ainda acham que Eirien pode voltar, os elfos de Górtia são muito fiéis a ela, mas eu lhes dei um prazo de dois meses para que se decidissem, ou estariam a favor ou contra nós. – Ele enterrou a faca no mapa, fazendo-me dar um pulinho, disfarcei cantando baixinho e mexendo nas asas com o bico. Demétrius virou os olhos em minha direção.
– Um cântaro roxo em Lótus vale? Deve ser um sinal de boa sorte! – Disse ele rindo vindo em minha direção.
– Eles não são muito dóceis, não vivem nessa região, deve ter sido trazido com a corrente de ar de ontem! – Disse Bargon me olhando de canto de olho e me ignorando. Olhei novamente para Guinn.
– Os Lobisomens e Vampiros também se recusam a se unir a nós, eles temem que “a sacerdotisa das águas” volte para Amantia e acabe com o poder deles! – Disse Guinn num tom de deboche. Eles estavam com medo de mim? Antes que pudesse perceber senti duas mãos me segurando, assustada, sacudi as asas tentando me soltar e piei alto. Demétrius segurava-me, mas não estava apertando, apenas queria me prender.
– Consegui pegá-lo! – Disse ele rindo.
– Largue esse bicho aí Demétrius! Você tem trabalho a fazer! Fairin ordenou que você encontrasse Pytia e a matasse, se lembra dela? Sua amiguinha traidora? – Bargon cuspiu as palavras como se fosse uma doença que ele queria se livrar. Traidor é você! Demétrius, porém, endureceu ao ouvir o nome de Pytia e ficou sério, me encarando, quando percebeu que eu havia parado de me debater ele passou os dedos em minha cabeça carinhosamente.
– Sabe por que gosto de animais? – Disse ele com sua voz rouca. – Eles não se importam se você é um monstro ou não, eles vão esperar até o último momento para reagir, até não terem mais tempo... – ele foi apertando suas mãos, senti que estava quase parando de respirar. Mas ele afrouxou. E mostrou seu sorriso de agulhas para mim, o mesmo sorriso que um dia me fez acreditar que ele era uma boa pessoa.
– Bargon já disse o que você tem que fazer, não é? O que está esperando para achar Pytia e acabar com ela? Fairin se irritar e acabar com você? Se eles voltarem para Amantia e a encontrarem, ela com certeza contará tudo para Arcádius e eles vão saber sobre a outra filha da Sacerdotisa ser a mais velha, isso se já não descobriram e estão usando o sangue dela nesse exato momento para virem mais fortes até nós! – Guinn esbravejou socando a mesa fazendo-a ceder aos seus pés e se desmanchar em uma pilha de farpas e pedaços de madeira. Sorri mentalmente e triunfante, ele não poderia usar o sangue de Serena, pois eu era a mais velha.
– Já estou indo! – Achei que Demétrius ia me soltar, mas ele apenas subiu no canto do parapeito, depois subiu no telhado da torre e saltou para a torre norte ainda me carregando, então pulou para fora da fortaleza em direção à floresta. Ele aterrissou suavemente, dobrando seus joelhos, sua grossa trança ruiva me acertou. Belisquei seu dedo com o bico para que me soltasse, mas ele apenas riu e me ajeitou nas mãos. Demétrius correu rapidamente entre as árvores, saltando grandes distancias até parar a beira de um lago e se sentar no chão. Novamente o belisquei, com força suficiente para tirar um pedaço da pele.
– Continua arisca comigo não é Leona! – Novamente meu coração se jogou contra minhas frágeis costelas enquanto eu tentava me soltar. Como ele sabia que era eu? – Curiosa para saber como eu sei que é você? Meu sangue vibra quando você está perto de mim, por causa do seu que eu tomei a força, se esqueceu? – Ele riu e me pôs no chão, mas sem me soltar. Ele segurou meu bico e o puxou para cima, um brilho avermelhado saiu de suas mãos. Ele me esticou até eu escutar pequenos estalos e sentir todo o corpo do Summon arder. – Agora fale comigo! – Disse ele me encarando. Olhei atordoada para meu reflexo na água. Estava em forma humana, ainda coberta por uma camada de penas que formavam um vestido, mas estava definitivamente em minha forma humana!
– O que é isso! O que você fez! – Esbravejei tentando me levantar do chão, mas minhas pernas não permitiam.
– Quando tomei seu sangue, roubei um pouco do seu poder também! É fraco, mas é bem útil! Não precisa se preocupar, quando você o desfizer ele vai voltar a ser pássaro! – Disse ele levantando meu queixo.
– O que você quer de mim agora? – Murmurei.
– Nada, só queria dizer que estou do seu lado agora! – O encarei desconfiada, vindo de Demétrius eu esperaria qualquer coisa, menos ajuda.
– Por que? – Novamente tentei me levantar, mas minhas pernas ainda estavam dormentes.
– Pois naquele dia, no castelo de Cristal quando Eirien ia me matar, mesmo depois de tudo que fiz para você, você ainda quis me poupar! – Ele sorriu mudando para uma forma mais humana, como na vez que o vi em Arcádia, seus olhos não estavam mais cinzentos, estavam em um tom de marrom quase dourado.
– Não me entenda mal, Demétrius! Eu só queria usar você para achar Arcádius! – Ele ergueu uma sobrancelha para mim.
– Sabe o que eu reparei? Você mente muito mal! Quando você mente, sua voz fica mais fina. Uma mudança quase imperceptível para um humano! – Ele sorriu. – Mas a minha audição é perfeita, posso escutar qualquer coisa que quiser! Por exemplo... – ele ficou em silêncio, fechou os olhos e virou o ouvido em direção à fortaleza. – Bargon e Guinn estão tramando me matar caso eu não volte com a cabeça de Pytia... – disse ele olhando novamente para mim.
– Não acredito em você! – Falei, tentei me levantar pela última vez, Demétrius revirou os olhos e segurou meu braço.
– Você fez um pássaro! Não um corpo humano, só tem energia suficiente para mover uma parte desse corpo e está usando essa energia na cabeça! Então pare de tentar sair! – Logo que ele falou isso, percebi que onde ele estava me segurando, não podia sentir nada, estava tudo dormente. – Estou falando a verdade, achei que vocês tivessem fugido de Amantia e que não voltariam, então mantive Moan escondida para não ser encontrada por Veruza ou dominada por ela. Ontem à noite senti que você havia voltado e me espalhei pelos céus procurando pelo esconderijo de vocês, até ontem ainda estava em dúvida se iria ou não contra Fairin. Mas eu vi uma coisa que me fez ter certeza do lado que eu estava. – Ele olhou para seu reflexo no lago e o sacudiu formando pequenas ondas.
– O que você viu? – Perguntei.
– Esperança... – ele me encarou com seus olhos castanhos, prendendo-me com seu olhar – comecei a chover em volta do templo ontem, você estava em uma das janelas e tocou o vidro com a mão, eu senti seu calor através do vidro, depois eu vi aquele elfo te colocar na cama e cantar para você dormir. No outro quarto vi sua irmã dormindo com aquela hibrida louca... – ele sorriu estreitando os olhos para mim.
– Ainda não acredito em você! Por que isso poderia fazer você mudar de ideia? – Perguntei.
– Como eu disse, esperança. Não é por que uma pessoa é má que ela não merece uma chance de ser feliz! Você não deu uma chance para ele? E ele era mau, talvez pior do que eu, e mesmo assim ele teve uma chance e a agarrou com unhas e dentes. – Disse ele serrando os punhos. – Eu te devo isso também, só me salvei aquele dia pois usei seus poderes para fazer aquele Summon.
– Olha... – comecei a dizer, mas ele segurou meu rosto e encostou seu rosto no meu. Vi ele em Lastar, entrando pela porta do esconderijo de Arcádius com algo nas mãos. Ele andou pelos corredores e entrou num quarto grande, alguém estava deitado numa cama do outro lado do quarto. De dentro da bolsa que carregava ele tirou um pote com um caldo e levou até a cama. A mulher se levantou e sentou encostada na cabeceira da cama ela era muito parecida com Serena, tirando os olhos amarelos e a pele mais clara, meio acinzentada. Quando ele lhe entregou o pote ela o colocou na cabeceira e puxou ele para um beijo. Quando ele começou a tirar suas roupas a memória se desfez.
– É Moan? – Perguntei, minha respiração ficou difícil e minha cabeça ficou pesada.
– Sim, estou mantendo ela escondida lá em Lastar bem longe de Fairin e Veruza, no esconderijo subterrâneo de Arcádius, se não acredita em mim, pergunte a ele! Ele sabe sobre nós, eu a levei para lá quando Fairin a feriu, ela não está se recuperando muito bem, o corte se abre todas as manhãs e cicatriza a noite. – Disse ele para mim. Não parecia estar mentindo.
– Por que fez tudo aquilo, por que tentou me matar? O que ele prometeu a você? – Perguntei me referindo a Fairin.
– Ele prometeu que não mataria Moan quando ela voltasse, quando ela o traiu e foi te buscar no outro mundo para te levar a Arcádius. Fairin falou que a perdoaria e não lhe faria mal, mas eu precisava ajudá-lo a pegar você. – Ele bufou e fechou os olhos, pelo visto havia sido enganado por Fairin também. – Ainda estava em dúvida quanto a ajudá-lo ou não pois se eu o ajudasse ele poderia curar Moan.
– Quando foi que ele a pegou, até onde eu sei, ela estava com Arcádius!
– Logo que vocês partiram, como não havia cumprido com minha missão, que era levá-la até ele, ele capturou Moan na Floresta das almas e a levou até lá. Veruza tirou uma lâmina negra de dentro de um baú em frente à um altar e esfaqueou sua própria filha, disse que ela morreria aos poucos, que eu poderia tentar qualquer coisa, mas ela morreria em poucos dias.
– E como ela está viva? – Perguntei, Demétrius abaixou a cabeça.
– Estou dando um pedaço de cristal da montanha azul todas as noites para ela, eu faço um pó com o cristal e lhe dou pela manhã, durante o dia ele cicatriza e melhora, mas na madrugada, volta a se abrir. É doloroso, ela diz que queima como ferida de unha de Vampiro. – Quando ele disse, lembrei da cicatriz em minhas costas, e de como parecia pegar fogo na hora.
– Então você precisa de mim para salvá-la e em troca vai ficar do nosso lado? – O olhei desconfiada.
– Estarei do lado de vocês mesmo se ela morrer, só para ter o prazer de rasgar a garganta de Fairin no final! – Rosnou ele. – Mas de qualquer forma, estarei lá com Moan esperando por vocês. – Ele se levantou e me ergueu do chão.
– Demétrius, uma última pergunta, por que querem que você mate a irmã de minha mãe? O que ela fez? – Perguntei.
– Ela os traiu também, quando descobriu que Veruza estava no corpo de sua filha ela ficou possessa, Pytia gritou com Veruza “Se minha filha não está mais aí dentro, seu corpo não vai pertencer a mais ninguém!” e tentou matar Veruza, Fairin não estava por perto! Pytia chegou a atravessar sua espada do peito de Veruza e fugiu quando achou que ela ia morrer, mas Fairin chegou a tempo de salvá-la, tirou a alma de Veruza do corpo de Belve e colocou sua alma em outro corpo.
– Então Veruza não está mais no corpo de Belve é isso?
– Não, não está... ela está no corpo de uma jovem morena de cabelos azuis, uma metamorfa, Brigith, acho que foi esse o nome que eles disseram... Eles a capturaram em Torre das nuvens semana passada...– disse ele pensativo – Bom, preciso ir achar Pytia, não posso me dar ao luxo de morrer agora! – Disse ele rindo. “Animalium discutiunt”! Falou ele baixinho em meu ouvido enquanto via meu corpo virar uma nuvem nas mãos de Demétrius.
2
O Conto
dos Sóis
Abri os olhos, todos estavam em volta de mim me observando, me senti claustrofóbica e tentei me sentar, mas fui impedida por Eirien que estava sentada embaixo de mim, estava com a cabeça sobre as pernas dela e ela acariciava minha cabeça.
– Leona, está tudo bem? – Ewren estava ajoelhado ao meu lado e esfregava meus pulsos. – O que aconteceu? – Notei que todos estavam esperando que eu falasse algo.
– O que houve? – Perguntei conseguindo me desvencilhar dos braços de Eirien e me sentei.
– Você demorou muito a voltar e começou a ficar gelada e com o pulso muito acelerado. – Ewren me respondeu tirando meu cabelo do rosto.
– Demétrius está vivo... – falei depois de alguns instantes de silêncio. Ewren mudou de cor, ficando vermelho e depois branco como um fantasma.
– Ele está do nosso lado! – Disse Arcádius se aproximando de mim.
– Como aquele bandido está do nosso lado Arcádius! Não, uma pergunta melhor, como ele está vivo? Eu arranquei sua cabeça! – Ewren estava bufando.
– Ele recebeu parte dos poderes de Leona quando tomou o sangue dela, então ele fez o mesmo que Lórien fez para vir ficar conosco. Não se arriscou mais sabendo que você queria a cabeça dele! – Arcádius estava falando de forma diferente, seu tom de voz macio havia sido substituído por uma voz séria e ameaçadora.
– Ele não é nosso inimigo, é como Black Jango, estava apenas sendo chantageado! Fairin usou Moan para obrigá-lo a me entregar. – Expliquei. Ewren me fuzilou com o olhar como se eu o tivesse traído. – Ele nos pediu ajuda para salvar Moan... – falei reduzindo a voz. Eirien também estava me olhando de canto de olho. – Descobri também que Pytia está sendo caçada por eles por tentar matar Veruza, e que Veruza saltou do corpo de Belve para o de Brigith, sinto muito tio... – falei baixinho quando vi a expressão de horror de Arcádius. – O que vocês conseguiram? – Perguntei tentando amenizar o clima. – Pelo que ouvi de Guinn e Bargon, eles não conseguiram aliança com os elfos de Górtia, nem com os vampiros e Lobisomens. – Contei o que havia ouvido para eles. – Demétrius partiu para encontrar Pytia... – Toda vez que falava o nome de Demétrius Ewren se irritava.
– Fairin está usando controle mental sobre os gigantes, eles têm a capacidade mental muito reduzida, então acabam sendo facilmente manipuláveis! – Disse Arcádius.
– Fairin está no Castelo de Cristal com Veruza e com Dymesia, porém o castelo está sendo protegido por duas barreiras mágicas e uma quantidade absurda de guardas minotauros. Pelo que ouvi por lá e pelas redondezas dos portos, Os abissais e os clãs dos caçadores ainda não se uniram a Fairin. – Ewren estava muito irritado.
– Os elfos da floresta de Górtia estão sem nenhum contato do lado de fora da floresta que está sendo protegida por uma Fênix Azul com cauda de fogo que fica circulando a cidade. Ela não me permitiu chegar perto, me incendiou assim que sobrevoei a barreira! – Disse Jocelinne. Pelo visto o humor dela não estava melhor que o de Ewren.
– O que faremos agora? – Perguntei.
– Vamos começar a reunir os que não estão a favor de Fairin, porém precisamos ser rápidos! Vamos nos dividir em dois grupos e tentar reunir o máximo de pessoas que pudermos. – Arcádius ficou pensativo – Vamos dividir os grupos assim: Serena, Leona, Hassan e Ewren em um grupo, vocês tentaram conseguir aliados no Mar das Tormentas, nas ilhas Monarcas e onde mais acharem que conseguirão ajuda.
– Ótimo! Louco para passear nas ilhas dos vampiros com duas mulheres de sangue amaldiçoado! – Ewren parecia mais sarcástico que o normal. Arcádius deu um suspiro.
– Eirien, Jocelinne, Lórien e eu iremos para as Florestas de Górtia e Gheshira e para Torre das nuvens, talvez de lá Aristes possa nos dar alguma informação útil. – Disse ele. – Tenho assuntos pendentes por lá.
Acenamos com a cabeça e saímos da sala.
– Onde ficam essas ilhas? – Perguntei enquanto íamos até o quarto no andar de cima, Ewren estava apertando meu braço, podia sentir seu pulso acelerado.
– São as ilhas dos vampiros. Ficam entre Edro e Vintro. – Respondeu ele rispidamente. Nós entramos no quarto e ele bateu a porta quando passou por ela. – Agora me explique como exatamente Demétrius está do nosso lado e como você soube disso! – Ele estava com os olhos prateados sem nem alterar sua aparência. Respirei fundo e contei tudo que havia acontecido a ele, sem deixar nenhum detalhe escapar. Ewren estava vermelho e respirando forte.
– Ewren, por que está com raiva de mim? – Perguntei pegando seu rosto e o virando para que pudesse me encarar.
– Não estou com raiva de você! – Ele falou de forma tão grosseira que me afastei.
– Você está com ciúme! Acha que eu sinto alguma coisa por ele por causa daquela vez em Arcádia, não é? – Soltei as palavras, ele me encarou e ficou com a expressão dura. – Serei para sempre sua... – repeti as palavras baixinho ainda olhando nos olhos dele e lhe mostrando as marcas douradas em minha mão que se misturavam às minhas próprias marcas agora douradas também. – Não foi o suficiente para você confiar em mim? E Karin, Nyumun e Asahi? – Ele suspirou e me abraçou com força. Depois de um longo tempo naquele abraço ele pegou meu rosto entre suas mãos.
– Me desculpe. – Disse ele me beijando, soa boca se moldou a minha, logo em seguida beijou minha testa. – É difícil para mim acreditar nele, eu lembro bem como você ficou toda bobinha perto dele, ele é um híbrido de incubo e sereiano também, isso dificulta as coisas...
– Então comece a acreditar! – Enrolei meus dedos em seus cabelos macios e o beijei, mas com vontade, como se ele fosse desaparecer e essa fosse a última chance que eu teria de sentir seu gosto. Ewren desceu suas mãos pelas minhas costas e me apertou gentilmente contra seu corpo.
– Ewren, Leona! – Lórien gritou atrás de nós, dando-me um susto tão grande que quase pude ver um unicórnio espiritual vindo para me buscar.
– Lórien! Juro por tudo que é mais sagrado que se me der outro susto desses eu te dou uma cela para você ir montada no Unicórnio espiritual para o outro mundo! – Falei através dos dentes com a mão no peito.
– O que você quer, sua chatinha! – Ewren perguntou, ele parecia um gato manso agora.
– Arcádius quer todos nós na sala antes de sairmos. – Disse ela mordendo os lábios e evitando rir.
Ao chegar na sala, estavam todos reunido em volta de um bolo coberto por algo que parecia ser creme batido.
– Aniversário de quem? – Perguntei olhando para todos.
– De Jocelinne! – Eirien estava com um sorriso alegre no rosto.
– Que idade? – Perguntou Serena curiosa.
– Quatro mil seiscentos e doze. – Jocelinne sorriu discretamente. Serena olhou assustada para ela. Depois olhou para mim, fiz um gesto com as mãos mostrando que depois lhe explicaria. Cantamos parabéns para ela, a canção não era muito diferente da que cantávamos na terra, como boa parte dos humanos de Amantia foram trazidos da terra, talvez eles tenham adaptado as festas de aniversário também.
– Que dia é hoje? – Quis saber.
– vinte e Cinco de outubro. – Respondeu Jocelinne comendo um pedaço do bolo.
– O mesmo dia em que o Sirius e Áries tomaram o céu, seu aniversário coincide com a data que eles subiram aos céus e se tornaram os Sóis e guardiões dos Doze mundos há pouco mais de dez mil anos atrás. – Disse Arcádius sorrindo.
– Como isso aconteceu? – Perguntei, Serena se sentou perto de mim para ficar de frente para ele e escutar a história, mas quem começou a contar foi Eirien.
– Meu bisavô, Haalin costumava me contar uma história para dormir... – ela puxou seus cabelos para frente do corpo e começou a trançá-los, seus olhos ficaram dourados e brilhantes – Na época que os humanos ainda eram poucos neste mundo, os portais eram quase impossíveis de serem abertos pois o círculo dos doze ainda não existia e era muito difícil pular de um mundo para outro.
Quando a Guerra dos gigantes contra os Magos metamorfos pela posse da costa de Edro começou, eles começaram a envolver todas as outras raças que já estavam espalhadas por Amantia e não tinham um lugar fixo para viver, ambos os lados prometendo dividir as terras e criar as cidades específicas para cada raça. Sislar, o principal conselheiro do Rei era um Metamorfo e apoiava a divisão das terras, mas ele estava a favor dos gigantes e achava aquelas terras ideais para eles. Porém Phorpus, que se intitulava o líder dos metamorfos queria tomar aquela região de qualquer maneira.
Nessa época o sol que iluminava os dias em Amantia era Antares, uma grande estrela de fogo vermelha, ele quase nunca descansava, as horas do dia eram longas demais e as noites curtas. No conselho do rei também haviam dois grandes Magos, um casal na verdade, A mulher Áries, era uma guerreira vinda da terra, embora não muito poderosa, era mestre em todos os tipos de armarias e suas habilidades superavam a de qualquer um em Amantia, ela era tão forte que podia derrotar um exército com apenas uma espada! Sua pele era branca como a neve e seus olhos negros como a noite, e seu marido Sirius, ele sim era o mestre dos mestres!
Seus poderes eram tão grandes que ele usava um lacre no peito para conter seu imenso poder, era um mago Salamandra, o primeiro de sua raça nascido em Amantia, seu amor por esse mundo só era menor do que o amor por Áries, ele tinha a pele avermelhada e olhos de fogo, eles eram os mais fortes de Amantia. – A descrição que Eirien fez deles dois era fiel ao que eram de verdade, ela continuou a contar – Um dia o rei, meu bisavô, se irritou com aquela disputa, com a guerra pelas terras que nunca acabava e mandou Sirius e Áries para o campo de batalha o poder dos dois juntos era forte demais para ser contido e logo conseguiram acabar com aquela guerra. Então, com ajuda de Sislar meu bisavô dividiu todas as terras de Amantia e a paz voltou a reinar, as cidades começaram a crescer e se desenvolver.
– Essa é a história que seu avô lhe contava? – Perguntou Serena confusa, Eirien sorriu.
– Não, eu me perdi nas histórias! – Disse ela dando uma risadinha e ficando corada. – Meu avô me contava que Antares algum tempo após essa guerra, mudou de cor ficando azul e logo após isso ele desapareceu, deixando Amantia na mais completa escuridão. Não havia nem a luz da lua e não sabiam mais quando era dia e quando era noite. Os vampiros e Aswangs começaram a devastar tudo, matavam todos e estavam dominando Amantia aos poucos.
Além de Amantia, tivemos notícias que dois dos Mundos já haviam sido sugados pelo buraco negro que Antares havia se tornado, uma das três luas de Evenox foi destruída por estrelas que estavam sendo puxadas, então Áries e Sirius tiveram a ideia de criar uma ligação entre os doze mundos para que pudessem entrar facilmente no décimo segundo mundo, Mogyin, o mundo dos espíritos e de lá eles lacrariam o buraco negro que havia se formado, o plano deles foi um sucesso, eles conseguiram fechar o buraco e salvaram os doze mundos que restaram. Mas ainda tinha o problema do sol, não havia nada que pudesse substituir o nosso sol. Dizem que lá em Mogyin eles ouviram uma voz que deu a eles o poder para se transformar em sóis, Áries se tornou uma grande estrela de Gelo e Sirius uma estrela de fogo.
E desde então eles guardam os doze mundos do círculo, mas sem nunca interferir na vida dos mundos, pois se assim o fizerem, perderão a chance de voltarem a suas formas humanas. – Eirien terminou a história, Serena estava chorando e Lórien também.
– Mas se houver alguém com o poder tão grande quanto o deles e aceitar a missão de guardar os doze mundos, eles voltarão a forma humana e viverão em Amantia novamente. – Completou Hasan, todos olhamos para ele surpresos. – O que é? Sou filho deles! Conheço a história de como chegaram lá!
– Desculpe, mas quantos anos a senhora tem, Eirien? – Perguntou Serena corando ao perceber o quanto fora indelicada.
– oito mil... algo por aí! Nasci dois mil anos depois de Aries e Sirius se transformarem nos sóis! – Respondeu ela sorrindo.
– Se a senhora tem essa idade... qual era a idade deles dois então?
– Uns doze mil, talvez mais ou menos... – Respondeu Hasan pensativo. Ficamos olhando-os de boca aberta.
– Bom, é muito divertido ficar aqui contando histórias, mas o tempo é curto e a sede por poder de Fairin é grande! – Disse Arcádius por fim, levantando-se e estendendo a mão para Jocelinne e Eirien. – Temos que ir! – Disse ele nos encarando. – Não se esqueçam do porquê que estão fazendo isso! – Ele foi em direção a porta seguido pelas três.
– Arcádius! Precisamos de uma data para nos encontrarmos novamente e colocar nossas informações e progressos em ordem! – Disse Hasan para Arcádius.
– Então nos encontraremos aqui em quinze dias! – Disse ele, meu estômago afundou, quinze dias até nos encontrarmos novamente só para contar as novidades, enquanto isso minhas filhas estavam com Medras, Ervie e parte da mente de Lórien! Novamente Arcádius se transformou em uma ave, Lórien correu até mim e me deu um forte abraço antes de correr de volta e subir no pássaro gigante. Eirien deu um forte e longo abraço em Ewren depois beijou suas bochechas.
– Nós veremos em breve! – Disse ela sorrindo, tanto para mim quanto para ele. Os quatro desapareceram no ar em direção ao Norte.
– Para onde vamos primeiro? – Perguntou Serena quando eles sumiram de vista.
– Para Lastar, ajudar Moan! De lá veremos para onde vamos. – Ewren inspirou e desviou o olhar. – Lembre-se que se ela não tivesse ido ao outro mundo e me dado o espelho eu não estaria aqui hoje... – falei.
– Vamos logo! Antes que me arrependa! – Disse ele abrindo as asas e me pegando no colo.
– Espere e eles dois? – Perguntei – Serena não pode usar seus poderes se não pode chamar atenção! – Hasan pigarreou e deu um sorriso de lado.
– Já vim preparado para tudo! – Ele assoviou baixo, o som saiu tremido e agudo fazendo minha cabeça doer. Pouco depois uma Sombra nos cobriu. Olhei para cima assustada.
– Ewren, o que é aquilo! – Perguntei engolindo em seco. Ewren encarava Hasan incrédulo.
– Uma Mantícora? Você vai mesmo voar nisso? – Perguntou ele para Hasan que sorria divertido. A criatura que veio até nós, era um leão do tamanho de Amaterasu, só que com enormes asas de dragão e uma cauda de escorpião com um ferrão ameaçador na ponta. Serena não parecia assustada, afagou a cabeça da criatura que pareceu gostar dela também.
– Esse era o bichinho de estimação de minha mãe enquanto vivia aqui, ela domesticou o Meow. – Disse Hasan montando na Mantícora e puxando Serena para cima.
– Meow? Isso lá é nome para esse bicho? – Disse olhando para ele ainda espantada.
– Amaterasu até vai, mas Feroz? – Respondeu Hasan rindo – Falta de criatividade! – Me encolhi lembrando que Ewren e Andros também criticaram o nome que havia colocado em Feroz.
– Vamos logo, não temos tempo a perder! – Disse Ewren abrindo suas asas e voando em direção ao oeste. – Devemos chegar a Lastar ao anoitecer se não ficarmos enrolando. – Ele estava muito irritado, não queria ver Demétrius novamente, pelo menos não vivo. Deixamos o templo de fogo para trás, voamos sobre o mar da tranquilidade. Não tinha nada de tranquilo nesse mar, as ondas batiam violentamente contra os corais e rochas e eram tão altas que mesmo na altura que estávamos voando, os ventos acabaram atrapalhando um pouco nosso voo.
– Vai continuar com essa cara feia? – Perguntei depois de um longo tempo em silêncio. Ewren trancou o maxilar, estava mais irritado do que eu tinha imaginado.
– Não tenho outra cara... – respirei fundo para não me irritar também. Tirei o pingente do pescoço e fiz meu cajado aparecer, tirei a fita que estava amarrando meu cabelo com cuidado para não soltar Amaterasu e a transformei numa ave como a que Arcádius havia se transformado, me desembolei dos braços de Ewren e saltei para cima dela com Amaterasu nos braços. Ia ignorá-lo para que pudesse pensar com calma, “Para o esconderijo em Lastar” passei as coordenadas à ave e passei o máximo de meu poder a ela, fazendo-a disparar na frente deles. Em pouco tempo já os havia perdido de vista, Ewren era rápido, mas não poderia me acompanhar se eu usasse meus poderes para aumentar a velocidade da ave.
– Dois podem jogar o mesmo jogo! – Disse ele pousando sobre a ave atrás de mim.
– O que? Como me alcançou? – Fiquei surpresa, ele havia ficado ainda mais mal-humorado, na certa achou que eu queria chegar antes deles para ver Demétrius, se tivesse pensado nisso antes, não teria saído na frente.
– Tenho os mesmos poderes que você, com a diferença de anos de prática, e talvez um pouco menos de energia... – disse ele tirando Amaterasu de meu colo e colocando-a perto da cabeça da ave. Ela pareceu se divertir, abriu a boca e sacudiu a língua para os lados enquanto o vento entrava em sua boca. Parei de passar energia para a ave, ela diminuiu a velocidade lentamente.
– Só queria me afastar um pouco para deixar você pensar... – falei ignorando-o.
– Não me leve a mal, Leona, só que se eu não gostar de uma pessoa, não espere que eu vire amiguinho dela de uma hora para outra, não sou de mudar de opinião sobre as pessoas... – disse ele sentando-se cruzando os braços e franzindo o cenho. Ele odiava Demétrius por tê-lo vencido em Vintro, sabia disso e não havia pedido para ele mudar de opinião sobre ele. Apenas precisávamos de o máximo de pessoas ao nosso lado, e querendo ou não, Demétrius era muito forte pois tinha o poder que absorveu de meu sangue.
– Só chegar lá e não o matar já é o suficiente, consegue fazer isso? Precisamos de toda a ajuda que conseguirmos, por elas Ewren! – O lembrei – Quero trazê-las para Amantia e não quero precisar... – quase soltei sem querer meus planos alternativos. Ewren me olhou desconfiado e estreitou os olhos.
– Precisar o que? – Perguntou segurando-me virando-me para ele. Hasan e Serena nos alcançaram no momento que ele ia perguntar novamente.
– Achei que ia perder vocês! – Disse Serena rindo. Ewren se ajeitou atrás de mim puxando-me para seus braços e me apertando.
– Se eu descobrir que você está escondendo algo de mim... – disse ele baixinho para que apenas eu ouvisse. – Se eu descobrir que você está planejando algo que vá lhe colocar em risco, eu não vou te perdoar nunca, entendeu? Lembre-se do que lhe disse em Evenox, não vou permitir que você se entregue por nós! – Sua respiração fez cócegas em meu pescoço e suas palavras lançaram um frio em minha espinha.
– Não se preocupe com isso, não pretendo desistir sem lutar! – Respondi agradecendo silenciosamente por ele desistir de perguntar sobre meus planos. Voamos em silêncio por muito tempo até avistarmos algo.
– Que ilhas são aquelas? – Perguntou Serena apontando um monte de terra e arvores a poucos metros de estávamos voando. As ilhas flutuavam numa parte em que o mar estava mais violento e as ondas mais alvoroçadas, havia algo brilhando em volta delas, como se fossem cercadas por água.
– São as ilhas flutuantes de Lópades. – Respondeu Ewren ficando de pé e observando. – Podemos parar lá para fazer um lanche! – Ele tocou a cabeça da ave fazendo-a desviar na direção das ilhas. Hasan também deu instruções a Meow para que ele nos seguisse. Ao chegarmos perto percebi que as ilhas eram cobertas por conchinhas e que as árvores na verdade eram plantas marinhas e o que parecia ser água em volta delas, era mesmo água! Eram aquários que estavam flutuando acima do mar. Os peixes coloridos nadavam de um lado para o outro, haviam polvos, estrelas do mar e pequenos crustáceos andando nas paredes de água que protegiam as ilhas.
– Não pode ser verdade! Eu estou sonhando, não é? – Serena esticou a mão para tocar na água, quando tocou ela foi sugada para dentro da barreira e não pude vê-la mais.
– Serena? – Chamei tocando a água também. Senti meu braço ser tragado para dentro da barreira e caí deitada em cima de Serena que estava de barriga para cima olhando para o alto de boca aberta. Para minha surpresa não estávamos dentro da água, mas dentro de uma barreira feita de água, a parte de dentro era seca, e parecia ser um aquário flutuante como a cidade de Cristal – Você está bem? – Perguntei levantando-me e tirando-a do chão. Ela moveu a cabeça afirmativamente e apontou um dedo para o alto. Olhei para onde ela estava apontando, no centro daquele estranho aquário cheio de pedras e conchinhas e plantas marinhas havia uma mandala como a que protegia Amantia e podia ser vista perfeitamente de Arcádia, só que a deste local era azul, e fazia tudo ter uma cor azulada. Ewren e Hasan apareceram atrás de nós pouco depois com Amaterasu no colo e um pequeno gato marrom, que supus ser Meow encolhido e transformado para não chamar atenção.
– O que é isso? – Perguntei olhando em volta sem acreditar no que estava vendo.
– É a ilha de Lópades, o lar dos Selkies. – Ewren começou a rir.
– O que são Selkies? – Serena tirou a pergunta de minha boca. Quando Ewren ia responder uma foca apareceu ao meu lado, ergueu sua pata e se transformou numa bela jovem de cabelos e olhos cinzentos, fazendo-me pular para o lado e me segurar em Hasan assustada, Serena fez o mesmo.
– Bem-vindos a Lópades! – Disse ela numa voz estranha, como se estivesse forçando a usar uma voz humana.
– Selkies são fadas condenadas a viverem como animais, elas têm poder para usar aparência humana por pouco tempo antes de voltarem a ser focas – explicou Hasan num sussurro. A foca-mulher se aproximou de Ewren e segurou sua mão.
– Gostaria de conhecer a nossa ilha? – Perguntou ela para ele.
– Tudo bem, nos viramos sozinhos! – Falei puxando-o em direção à uma pequena colina bem a nossa frente. Hasan e Serena nos seguiram sem entender nada. A ilha era muito bonita, parecia que estávamos num mergulho no fundo do mar só que sem a água.
– Focas não precisam viver no mar? – Perguntei.
– Durante a noite a água que fica presa nas barreiras retorna à ilha deixando apenas alguns locais secos. De noite isso aqui vira um aquário de verdade. – Ewren parecia estar se divertindo.
– Por que está rindo? – Perguntei.
– A cara que você fez quando a foca se transformou foi hilária! – Disse ele soltando uma gargalhada. Amarrei a cara para ele, Serena e Hasan estavam rindo também. Claro pois era muito normal uma foca virar gente! Resmunguei mentalmente.
– Não lembro de ter visto essa ilha nos mapas... – falei observando ao redor, a ilha estava cheia de selkies e algumas pessoas que estavam sentadas nas rochas conversando com as focas. Aquilo foi uma das coisas mais estranhas que vi em Amantia desde que cheguei aqui.
– Essa ilha é nova, tem menos de dois mil anos, foi sua mãe que a colocou aqui! – Disse Ewren sorrindo. – As selkies eram perseguidas lá embaixo para servirem de escravas, já que se alguém tomar sua pele de foca, elas não podem voltar a sua forma animal e ficam presas à pessoa que possuir sua pele.
– Que crueldade! – Serena as olhou com pena. – Nós não íamos parar para fazer um lanche? – Eu também achei que íamos fazer isso, mas logo após passarmos pelas colinas pude ouvir um som de água corrente muito forte. A poucos metros de onde estávamos havia uma cachoeira que descia até o mar como um escorregador de água.
– Um atalho! – Disse Hasan apontando para baixo.
– Nem pensar! Nem de brincadeira que eu vou descer por ali! – Serena deu um passo para trás.
– Isso vai entrar em um túnel submarino e sair na costa de Lastar... – Ewren estava com suas mãos sobre uma pedra que estava parcialmente submersa nas águas que corriam da cachoeira para o mar. Nesse momento tive uma ideia a “maneira Lórien” de pensar. Segurei firme Amaterasu nos braços, enrosquei meu braço livre ao redor da cintura de Serena, devíamos estar a uns oitenta metros acima do mar, as ondas lá embaixo pareciam suaves e calmas daqui de cima, então antes que perdesse a coragem, saltei para frente segurando Serena e Amaterasu firmemente.
– AHHHHHH EU VOU TE MATAR! – Gritou Serena agarrando-se a mim, comecei a rir feito louca enquanto erguia o cajado e nos colocava dentro de uma bolha que começou a rolar descontrolada cachoeira abaixo. Senti as patas de Amaterasu pisotearem meu rosto e minhas costas enquanto ela tentava desesperadamente subir em mim para se manter estável, porém sem sucesso, Serena continuava gritando até que a bolha tocou a superfície do mar, nesse instante fomos sugadas para baixo e uma forte corrente de água nos arrastou por algo que parecia ser um túnel feito de corais e esponjas.
Enquanto rolávamos pelas águas pude ver um grupo de sereianos nos observando assustados, na certa só estavam acostumados a ver Selkies utilizando esse túnel. Tentei olhar para a parte de trás do túnel, porém não vi nem Ewren nem Hasan nos seguindo. Será que não era assim que era para descer? Ou ele havia dito que era um atalho, mas na verdade era apenas uma brincadeira. Agora era tarde para pensar nisso. Serena colocou suas mãos na bolha, que parou de rolar de qualquer jeito e estabilizou-se deslizando suavemente pelo túnel.
– Você só pode ser louca, não é? Absorveu a loucura de Lórien enquanto esteve aqui? – Perguntou Serena olhando-me de canto de olho.
– Acho que sim, pouco antes de pular eu pensei “O que Lórien faria se estivesse aqui” – comecei a rir novamente.
– Estou gostando daqui! – Ela pegou Amaterasu no colo, que estava assustada e com os olhos arregalados olhando para fora da bolha, pouco depois tentou abocanhar um peixe que se aproximou de nós, mas a bolha que estava mantendo com meu poder resistia a seus dentes afiados.
– Eu também gosto daqui... – falei, agora a bolha havia feito uma leve inclinação e estávamos subindo em direção a superfície.
– O que pretende fazer quando chegar lá? – Não havia pensado nisso ainda. Demétrius estaria nos esperando para curar Moan, ele provavelmente usaria meu sangue para curá-la ou o sangue de Serena. Nem Hasan nem Ewren iriam gostar disso, mas não podia ir na frente deles para encontrá-los no esconderijo pois sabia que Ewren iria ficar com raiva de mim.
– Vamos esperar eles nos alcançarem lá fora para decidirmos juntos. – Falei. A bolha começou a acelerar conforme chegávamos a superfície, quando chegou bem perto, fomos atiradas para cima, para fora d’água e caímos na geleira onde mais algumas selkies brincavam juntas no gelo e pescavam. Fiz roupas quentes aparecerem em nós enquanto Amaterasu crescia para nos proteger de qualquer ameaça.
– Por que será que estão demorando tanto? – Também estava achando estranho a demora deles. Alguns selkies se aproximaram de nós.
– Está tudo bem com vocês? – Perguntou um jovem de cabelos curtos e espetados e olhos cinzentos.
– Está sim... – eles não pareciam ameaçadores, mas não devia confiar em ninguém, afinal Fairin podia estar em qualquer lugar ou ter espiões em qualquer lugar. – Apenas estou esperando meu Guardião e meu irmão. – Falei acendendo minhas marcas. – O selkie abaixou a cabeça como em uma reverência e se afastou sem virar de costas para nós. Pouco depois os outros que estavam brincando na neve perto de nós também se afastaram e voltaram para o mar.
– O que aconteceu? – Serena olhou para mim e prendeu a respiração. – Leona, por que suas marcas estão douradas? – Ela não tinha visto ainda dessa forma.
– Adotei as marcas da família Ascardian. – Respondi passando a mão carinhosamente sobre as marcas douradas em meu braço esquerdo. Serena ficou me encarando por um tempo, seu rosto ficou corado e ela desviou o olhar mordendo os lábios para evitar rir. – O que foi? – Perguntei tentando decifrá-la ela estava olhando as próprias marcas ainda verdes e ficou ainda mais vermelha, sabia que tinha algo haver com Hasan. Antes que ela pudesse responder, o mar cuspiu uma bolha que trazia Hasan, Ewren e Meow. Eles vieram até nos, Hasan estava rindo e tentando acalmar Meow em seu colo. Ele parecia um sol, sua pele tinha um leve brilho alaranjado como o de Sirius, mas eram os olhos negros e profundos de Áries.
– Não achei que você fosse ter coragem de pular! Normalmente é medrosa e tem medo de altura... – Ewren não perdia uma oportunidade para me importunar.
– Acho que baixou o espírito da Lórien em mim de repente... – falei brincando, Amaterasu me empurrou com a cabeça olhando para os lados.
– Devíamos ir logo até onde eles estão! – Hasan estava observando preocupado ao nosso redor. – Selkies são muito fiéis aos seus mestres, pode ser que hajam espiões por aqui... – disse ele tocando com a espada em Meow que voltou a crescer para sua aparência assustadora, ele movia sua cauda de escorpião como um radar, como se estivesse vigiando.
– Vamos... – Quando Ewren veio até mim para me pegar no colo o chão a nossa frente começou a vibrar. Uma Montanha de neve se ergueu diante de nós e esticou os braços alongando-os, o som era como de milhares de rochas se partindo e deslizando.
– Ahh... – Hasan Gemeu baixinho fazendo suas espadas aparecerem.
– Não creio no que estou vendo! – Ewren segurou a mim e serena e deu um salto para trás, Hasan fez o mesmo movimento, Amaterasu correu para longe em direção às verdadeiras montanhas seguida por Meow. Ewren ergueu uma barreira em volta de nós.
– Ewren, o que é isso? – Perguntei observando a montanha congelada se virar lentamente em nossa direção.
– Um Ymir. Não fazia ideia que eles ainda existissem em Amantia, todos os que vieram de Vegahn haviam sido exterminados!
– Vegahn? – Serena perguntou baixinho.
– O sétimo mundo do círculo, ele é um planeta totalmente coberto de gelo, de lá que vieram os Yetis, Ymirs e as Damas de gelo e muitos outros... – Respondeu Hasan, olhamos surpresos para ele.
– Como sabe de tudo isso? – Perguntei.
– Já estive nos Doze mundos Leona! – Respondeu revirando os olhos.
– Esqueço que você não é meu irmãozinho humano, Hasan, desculpe! – Falei bufando, Hasan começou a rir, tapei sua boca para que ele ficasse em silêncio. O Ymir virou sua cabeça gigante em nossa direção. Seus olhos pareciam faróis azuis brilhantes e em sua mão havia um porrete de Gelo do tamanho de uma torre de vigia de Lótus Vale.
– O que vamos fazer? – Perguntei tão baixo que não sabia se Ewren havia me escutado, ele demorou a responder.
– Temos que esperar para ver se ele vai sair, acho que não conseguiremos enfrentá-lo sozinhos... – Nesse momento o Ymir pareceu nos ver, pois olhou diretamente para onde estávamos e abriu a boca, ele inspirou com tanta força que a neve do chão foi sugada para dentro dela, logo em seguida ele soltou um urro tão alto e medonho, lançando uma forte nevasca de sua boca e quebrando a barreira de Ewren.
– Agora já era! – Disse Hasan erguendo a espada para cima e a transformando em um cetro. – Leona, Serena! Prendam ele no chão! – Gritou ele correndo em direção ao Ymir.
– Ficou louco volte aqui! – Gritei. Ewren segurou meu braço para impedir-me de correr atrás dele.
– As correntes Leona! – Ewren bateu com a palma da mão no chão e fez uma grossa corrente surgir do chão e prendê-lo. Serena e eu fizemos o mesmo, mas as correntes não iriam segurá-lo por muito tempo. Hasan se aproximou do Ymir e aumentou seu brilho, como se estivesse pegando fogo, a neve ao seu redor começou a derreter.
– Ele está tentando derreter o Ymir? – Perguntei.
– Acho que sim! – Ewren girou sua espada acima de sua cabeça e fez uma bola de fogo aparecer, atirando-a contra o Ymir, mas parecia não ter efeito.
– Hasan, isso não vai funcionar! – Gritei tentando usar o mínimo de energia possível para manter o monstro preso. Porém a corrente que Serena fez começou a ceder pois o Ymir não parava de se debater, causando fortes tremores. Seu braço gigante se soltou e ergueu o porrete de gelo do chão o girando na direção de Hasan.
– HASAN! – Gritei, soltei a corrente que mantinha presa com o meu cajado e o bati no chão com tanta força que uma rachadura se abriu na geleira, desequilibrando e derrubando o Ymir.
– Obrigado! – Disse Hasan voltando até nós – Não conseguiremos derrota-lo sozinhos! – Disse ele fazendo o gelo se solidificar e prender o Ymir deitado no chão. Ele se movia lentamente então tínhamos poucos minutos para decidir o que fazer.
– Se corrermos ele irá atrás de nós, e ele é imune a ataques mágicos! – Disse Ewren frustrado. – Nossos ataques com as espadas não farão nem cosquinhas nele, sua pele exterior é feita de gelo, se conseguíssemos derrete-la eu conseguiria facilmente arrancar-lhe a cabeça!
– Já sei! – Gritei – Serena faça uma barreira em volta de nós quando eu mandar ok? – Peguei a escama de dragão no meu pescoço e sorri.
– Ótimo! Vamos até ele Ewren! – Disse Hasan transformando seu cetro de volta numa espada e correndo em direção ao Ymir novamente seguindo Ewren. Fiz uma nuvem de fumaça negra me circular e em minha frente surgiu a silhueta de um imenso dragão, que aos poucos tomou forma. Seus olhos brancos e vazios estavam fixos em minha direção.
– Segure meu corpo quando eu cair e faça a barreira ao nosso redor, está bem? – Serena sacudiu a cabeça afirmativamente e abriu os braços esperando que eu caísse. Subi no focinho do summon do dragão e toquei minha testa em sua cabeça. Tomar aquele corpo foi a coisa mais estranha que fiz, ele era demasiado grande, demorei a tomar conta de todas as partes do corpo dele, minha mente se esticou tomando primeiro a cauda, as patas traseiras, logo em seguida as asas, as patas dianteiras e finalmente a cabeça. Abri os olhos, aos poucos comecei a enxergar, era como se tivesse adquirido visão de calor, tudo em minha frente era azulado e via o calor dos corpos ao meu redor.
Levantei-me pesadamente tentando controlar a cauda para que não acertasse a barreira de Serena e me movi em direção ao Ymir, que na minha visão de dragão era apenas uma massa azulada e fria, ele havia arrebentado as correntes e também se erguia pesadamente do chão. Agora ele era um adversário a minha altura, se eu ficasse de pé nas patas traseiras, ficaria maior que ele facilmente. O Ymir me viu e ignorou Ewren e Hasan, vindo em minha direção em passos largos e saltados com o porrete erguido, não sabia ainda como soltar fogo com o dragão, andei até ele também, girando minha cauda e fazendo-a passar de raspão em seu corpo branco gigante. Droga! A visão de um dragão não permitia que eu tivesse total controle das dimensões a minha volta. Vi a mão do Ymir se erguer em minha direção. Ewren e Hasan começaram a gritar, mas não podia distinguir ao certo o que estavam falando. Ao tentar prestar atenção neles, fui atingida por um golpe certeiro do Ymir na lateral de meu corpo e caí para o lado fazendo a terra tremer. Não senti dor, na verdade, apenas um desconforto, como se tivesse me desequilibrado e caído.
Ergui-me do chão com dificuldade, movendo minhas asas para que me ajudassem a ter equilíbrio e levantar. O Ymir moveu novamente sua mão no ar para me atingir novamente, não era uma criatura inteligente, estava ignorando de onde vinha minha energia que fazia o dragão se mover. “Dessa vez não, amiguinho! ” Pensei abrindo minha boca o máximo que pude e parando seu ataque com os dentes. Ele urrou tentando tirar o porrete de meus dentes, sem sucesso, ri por dentro pois minha força era muito maior que a dele. Apertei os dentes o máximo que pude fazendo o porrete de gelo se esfarelar em minha boca. Girei meu corpo rapidamente batendo com a cauda nas pernas do Ymir e derrubando-o no chão. Ewren voou até bem perto de mim e se segurou no longo chifre na lateral de minha cabeça.
– Leona, derreta sua pele externa para que possamos matá-lo! – Disse ele.
Explorei minha boca mentalmente, tentando descobrir como fazer aquilo, notei então que quando respirava, um gás se acumulava em minha boca, um liquido saído de um orifício em minha língua que estava evaporando com o calor de meu corpo e alguns de meus dentes eram feitos de pedras grossas e porosas. Fiz um atrito entre eles e notei que soltaram faíscas. Ri comigo mesma aprendendo a usar o poder do dragão. O Ymir começou a se erguer novamente. Abri minhas asas o máximo que pude e me ergui no ar, comecei a me sentir um pouco tonta e cansada então teria que ser rápida com isso. Fiquei acima do Ymir para poder acertá-lo completamente com o líquido inflamável de minha língua. Inspirei profundamente fazendo uma grande quantidade de líquido se acumular numa espécie de depósito embaixo de minha língua e espirrei em direção ao Ymir, encharcando-o com o líquido, quando este começou a evaporar em minha boca, fiz a fagulha, que imediatamente incendiou o jato de líquido que estava jogando contra o gigante de gelo, fazendo-o queimar em uma tocha azul e derreter todo o gelo que o cobria, deixando apenas uma fina camada de pelos chamuscados cobrindo-o. Ewren saltou de minha cabeça com a espada erguida caindo em cima do Ymir e partindo sua cabeça ao meio, ele caiu no chão fazendo um tremor tão intenso que uma onda ne neve quase varreu tudo ao nosso redor, então o sangue escuro e espesso dele começou a escorrer na neve.
Cai pesadamente no chão sobre a neve, exausta e com muito sono, como Lórien havia feito para lutar usando o dragão e depois voado por tanto tempo com ele sem se cansar? “Animalium discutiunt” Falei baixinho comigo mesma, sentindo minha mente se encolher e se soltar do corpo do dragão, desmanchando-o e voltando para meu próprio corpo.
3
Correntes
e alianças
Abri os olhos com dificuldade, minha vista ardia como se tivesse enchido os olhos de areia. Estava nos braços de Ewren voando sobre a neve indo em direção ao esconderijo subterrâneo de Arcádius.
– O que houve? – Perguntei sentindo meu corpo todo doer, Ewren começou a rir.
– Conseguimos matar o Ymir, graças a você, foi incrível! – Disse ele me dando um beijo na testa.
– Me sinto exausta, meu corpo todo dói... – resmunguei sentindo minhas costas doerem.
– Você não mediu a quantidade de energia necessária para mover o Summon do dragão, então esgotou toda sua energia para controlá-lo.
– Parecia tão fácil quando Lórien fez... – falei me esticando e segurando-me em seu pescoço. Parecia que meu corpo iria se desfazer a qualquer momento.
– Lórien embora tenha menos poder que você é muito habilidosa, ela é uma caçadora também! – Olhei incrédula para ele.
– Lórien é uma caçadora? – Perguntei. – Como assim uma caçadora?
– Ela foi treinada na academia de Ciartes e por Nellena, quando Nena ainda fazia parte do exército especial dos caçadores.
– Nunca imaginaria Lórien como uma caçadora. Ela não parece uma! – Embora quando estava indo para Vintro com ela, ela ficou parecida com uma verdadeira guerreira quando matou o bandido na estrada.
– Lórien já foi muito séria, ela era ainda mais séria que Arin, ela queria ser respeitada, pois todos a tratavam mal por ser híbrida.
– Afinal, o que tem de tão ruim em ser um híbrido? – Perguntei sem entender.
– Ser um híbrido significa que seus poderes são menores do que os que tem raça pura, as pessoas não levam fé em você se você for um híbrido. Lórien era muito ruim com seus poderes quando era criança, não sabia manipular a energia e fazia isso de forma descontrolada, mas ela era uma espadachim incrível. – Disse ele sorrindo.
– Mas o pai dela não era um mago?
– Sim, mas ele não conseguia fazê-la aprender a usar seus poderes. Quando ele se foi, ela ainda não havia aprendido a usar seus poderes. Foi muito difícil para ela, Lórien disse que nunca mais ia tentar usar seus poderes quando ele desapareceu.
– Então como ela é tão boa agora? – Perguntei imaginando como ela havia ficado tão habilidosa.
– Sua mãe a ensinou a usar seus poderes. Ela ensinou Lórien a separar suas habilidades físicas e mágicas para controlar melhor os poderes.
– Minha mãe foi alguém muito especial para todos por aqui... – disse num suspiro.
– Você também vai ser... – Disse Ewren apertando-me em seus braços. – Eirien me disse que você é a próxima sacerdotisa de Amantia, quando isso tudo acabar, quando estivermos todos juntos aqui você vai assumir o templo do castelo de cristal. – Quando ele disse isso o pânico se instalou dentro de mim que comecei a ficar sem ar.
– Não sei se conseguiria Ewren... – falei fazendo um grande esforço para respirar normalmente, ele começou a rir novamente, estava mais alegre hoje do que eu imaginava.
– Fique calma, ainda vai demorar um pouco para isso acontecer. – Ele bufou e apontou com o queixo para frente. – Chegamos! – Descemos devagar parando em frente à uma espécie de caverna esculpida no gelo. Amaterasu estava deitada na entrada da caverna como se estivesse nos aguardado ali.
– Fique aqui de olho menina, qualquer movimentação estranha no avise, está bem? – Ewren afagou suas orelhas e entrou na caverna.
– Não me lembro disso aqui! – Falei olhando o túnel de gelo por dentro, ele fazia uma leve inclinação para baixo. Serena e Hasan desceram e vieram andando lentamente atrás de nós, pareciam desconfiados de algo.
– Eles acham que pode ser uma armadilha. – sussurrou Ewren para mim. – Eu também acho que pode ser... – Eu o interrompi segurando seu braço.
– Arcádius disse que eles estão do nosso lado! Não há motivos para desconfiar deles! – Falei. Ewren revirou os olhos e continuou caminhando até chegarmos a uma porta de madeira no final do túnel. Bati algumas vezes e fiquei esperando alguém aparecer. Nada, bati novamente, e novamente, mas ninguém atendia, coloquei o ouvido na porta, não conseguia escutar nenhum som vindo lá de dentro.
– Devem ter morrido os dois, vamos embora! – Ewren segurou meu braço para sairmos.
– Ewren! Ela é minha irmã também! – Reclamei virando-me para porta, concentrei minha energia restante e derrubei a porta com um chute.
– Delicada... – disse Serena tapando a boca para não rir. Entrei passando por cima da porta caída e indo em direção ao salão. Não havia ninguém ali também, caminhei pelo corredor devagar tentando escutar algo, ao passar por uma porta pude escutar um som fraco de um lamento, um choro. Abri a porta e entrei sem pensar duas vezes, Moan estava sentada no chão perto da cama com a cabeça apoiada nela, ela estava sobre uma poça de sangue, ela estava ofegante, pálida.
– Moan! – Andei rapidamente até ela, erguendo-a do chão e a colocando sobre a cama novamente. – O que aconteceu? Onde está Demétrius?
– Ele saiu faz alguns minutos... – disse ela com dificuldade. – Sentiu tremores estranhos na terra e foi ver o que era... ele disse que vocês viriam, mas eu achei que não... – disse ela dando um sorriso amarelo, ele havia saído por causa de nossa luta com o Ymir. Levantei a blusa de Moan, ela estava encharcada de sangue, Serena chegou perto de mim trazendo uma toalha molhada, limpei o local onde estava ferido e me assustei ao ver o ferimento.
– Ewren? – O chamei olhando de canto de olho a ferida aberta na barriga de Moan. O ferimento estava negro e parecia que estava se expandindo.
– É um ferimento feita por uma adaga banhada em saliva de Aswangs... – disse ele olhando para o rosto assustado de Moan.
– Mas sangue de Aswang não tem propriedades curativas? – Perguntei.
– O sangue sim, a saliva não, é extremamente venenosa, não faço ideia de como ela ainda está viva.
– Ela é uma metamorfa, metamorfos são resistentes, mas não parece que vai continuar viva por muito tempo! – Hasan se aproximou e segurou a mão dela – Está ficando fria, o veneno já está tomando todo seu corpo.
– O que podemos fazer? – Serena estava com um olhar triste e sentou-se ao lado de Moan.
– Pode dar seu sangue a ela, e ela irá se curar! – Tomei um susto ao ver Demétrius ao meu lado, não o ouvi chegar, Ewren tampouco, soltou um rosnado baixo ao ver Demétrius seguras minha mão. – Por favor, peça a ela para dar seu sangue a Moan! – Serena nos encarou confusa.
– Vai funcionar se fizer isso, Serena! Já fiz o mesmo antes... – falei diminuindo minha voz. Sabia que só precisei usar meu Sangue para salvar Ewren por causa de Demétrius.
– Tudo bem, o que devo fazer? – Perguntou Serena encarando-me séria.
– Deixa que eu te ajudo! – Demétrius deu a volta na cama, mas Ewren o barrou.
– Eu faço, se afaste, não precisamos que você banque o espertinho e prove o sangue dela também! – Ewren estava com seus olhos vermelhos e encarava Demétrius de forma assustadora, Demétrius ergueu os braços em forma de rendição.
– Apenas faça logo! – Disse Demétrius sentando ao lado de Moan e a erguendo cuidadosamente colocando-a encostada ao seu corpo. Moan ficou pálida e apertou a madeira da cabeceira da cama com tanta força que a esmagou soltando farpas. Ewren passou sua garra na palma de Serena assim como Arin havia feito comigo no dia que testou meu sangue com o Waheela. Quando o sangue de Serena fez uma pequena poça em sua mão, Ewren a aproximou de Moan. Hasan pareceu nervoso então virou as costas e saiu do quarto em passos rápidos.
Moan bebeu o sangue e logo em seguida se encolheu apertando a mão de Demétrius com força, ela mordeu os lábios evitando chorar, seus olhos amarelos brilharam de uma forma assombrosa enquanto em seu pulso aparecia a marca prateada de uma corrente, a ferida em sua barriga começou a diminuir enquanto soltava um vapor espesso de cor marrom. Ewren afastou Serena cobrindo-lhe o rosto e vindo para perto de mim.
– Aquilo é a saliva de Aswang evaporando, pode causar lesões se for inalada. – Hasan apareceu na porta puxando Serena para fora com ele. Depois de alguns instantes tremendo e sentindo fortes dores Moan respirou fundo e fechou os olhos, caindo desacordada em cima da cama.
– O que houve? Ela está bem? – Perguntei me aproximando e verificando sua pulsação.
– Está sim, só desmaiou. – Ewren se aproximou de mim, ficando entre mim e Demétrius, como se esperasse que a qualquer momento ele me atacasse. – Agora já podemos ir, temos muito o que fazer! – Ewren agarrou meu braço e começou a me levar em direção à porta, Demétrius se colocou entre Ewren e a porta.
– Queria agradecer a vocês, e lhe pedir desculpas... – disse ele à Ewren. – Vou fazer tudo que estiver ao meu alcance para ajudar vocês! Vocês têm a minha palavra! – Disse ele curvando ligeiramente a cabeça para nós.
– Não quero suas desculpas, apenas sua lealdade já basta, mas se nos trair... – falei.
– Se nos trair, dessa vez eu vou garantir que dessa vez você não sobreviva, me entendeu? – Ewren falou num baixo rosnado enquanto empurrava Demétrius para fora do caminho com um esbarrão e ia em direção à porta.
– Encontrarei vocês mais para frente! Esperarei Moan recobrar a consciência primeiro. – Disse ele sorrindo de lado para mim e piscando. Ewren não viu mas senti seu corpo ficar tenso. Saímos pela porta principal em direção ao túnel.
– Serena e Hasan estão lá fora com Amaterasu. – Disse ele notando que eu estava procurando pelos dois.
– Agora temos que ir atrás de Aliados, temos pouco tempo, não sabemos se Fairin já começou a se mover atrás de Serena. – Disse Hasan, ele segurava a mão que Serena feriu para dar seu sangue a Moan.
– Agora ela tem uma Guardiã também! – Disse Ewren erguendo-me no colo. Amaterasu saltou para cima de mim encolhendo-se até ficar do tamanho de um filhotinho, Meow cresceu, Hasan e Serena montaram nele para partirmos.
– Para onde primeiro? – Perguntei.
– Vamos procurar pelos caçadores... Vivi muito tempo entre eles, talvez consigamos uma aliança com eles mais facilmente. – Ewren levantou voo em direção a costa de Edro.
– Não íamos para a Vila dos caçadores? – Perguntei.
– Vamos, mas quero tentar algo antes. – Disse ele, estava mal-humorado novamente.
– Ewren, você está bem?
– Estou ótimo, porque a pergunta? – O sarcasmo estava presente bem lá no fundo de sua resposta grosseira.
– Você está estranho... – coloquei as mãos em seu rosto, ele suspirou.
– Vamos descer na cidade da Brasas, fica próxima ao porto de jade. Descansaremos lá no porto essa noite e iremos de navio à Mantum ao amanhecer... Ouviu Hasan? – Disse ele um pouco mais alto. Olhei para trás, Hasan acenou com a cabeça.
– O que iremos fazer nessa cidade? – Quis saber, pelo que me lembrava dos mapas, cidade das Brasas era território de Salamandras.
– O mar da tranquilidade é terreno Neutro, Hasan pode voar tranquilamente por aqui, mas não poderá atravessar o mar das Tormentas voando, ele seria derrubado pelo bichinho de estimação de Lirien. – Lembrei-me do Kraken que destruiu no Navio de Banshee.
– Por que na outra vez que voamos por lá nada aconteceu e aconteceria agora? – Perguntei. Ewren sorriu de forma sinistra.
– Dessa vez nossa cabeça está a prêmio, nem eu sendo um guardião seria poupado, Fairin tem o controle sobre muitas criaturas malignas e não tem como saber se ele está controlando o Kraken de Lirien. Aquele bicho tem uma visão muito poderosa, mesmo se voássemos numa bolha de proteção ele nos enxergaria. – Explicou ele bufando – dentro de um navio dos que partem do Porto de Jade ele não poderia nos ver.
– O que tem de especial nesses navios que o impediria de nos ver lá dentro?
– Cristais de purificação! Os navios que partem do Porto de Jade normalmente têm o fundo forrado por esses cristais, os navios que estão lá foram os usados para capturar e levar os elfos negros até Mantum e de lá para a cidade de Crecência. Também foram os navios que levaram os humanos de Edro à Mantum... – Respondeu.
– Mas você não está se sentindo bem, não é? – Ewren baixou os olhos para mim, o brilho vermelho que tinha quando estava no esconderijo de Arcádius ainda estava em seus olhos. Passei minha mão suavemente pelo seu pescoço depois deslizei os dedos pelo seu rosto, seus lábios. Ele sorriu, seus olhos clarearam de volta ao azul e prateado.
– Você é a minha purificação, não preciso mais dos cristais enquanto estiver junto com você! – Disse ele dando-me um beijo na testa, sorri aliviada – Chegaremos à Edro ao entardecer.
Voamos em silêncio por um bom tempo, devia ser muito cansativo para Ewren ter que me carregar para todos os lados, pois ao descer em Edro no final da tarde ele começou a se alongar.
– Vai mesmo falar com os Salamandras primeiro? – Perguntou Hasan se aproximando de nós Ewren afirmou e começou a caminhar em direção aos portões da cidade aos alguns metros de nós. Serena enrolou seus braços em volta de mim e ficou ali, agarrada em mim e sorrindo com o rosto corado.
– O que houve? – Perguntei.
– Depois eu te conto! – Disse ela dando uma risadinha. Ewren ia falando algo com Hasan a nossa frente, os dois conversavam baixinho, Ewren olhou para trás direto para Serena e estreitou os olhos, voltando a falar com Hasan.
– O que será que estão falando? – Perguntei desconfiada que tramavam algo.
– Não faço ideia. – Disse Serena ficando corada novamente, lembro-me que na escola ela era mais envergonhada que eu, chegou até a passar mal quando um garoto que ela gostava se aproximou para falar com ela, nesse caso ela até que estava indo bem com Hasan. – É estranho, não é? Hasan era seu irmão Leonard, mas agora não é mais e ainda te chama de irmã, eu era sua amiga, mas que na verdade sou sua irmã e não sou irmã dele... – ela começou a tagarelar solhando para mim sorrindo.
– Serena, vai dar nó na cabeça assim! – Falei rindo. – Mas é estranho sim...
Ao chegarmos bem perto dos portões Ewren nos parou e fez um gesto para Hasan, ele se virou para Serena e pegou suas mãos.
– Ninguém em Amantia sabia que a Sacerdotisa dos Ventos tinha duas filhas, se virem Serena assim – disse ele apontando as marcas verdes no braço dela – não vão pensar coisas boas a nosso respeito, podem pensar que estamos tentando enganá-los!
– O que vamos fazer então? – Perguntou Serena olhando as marcas verdes e encolhendo os ombros. Hasan sorriu alegremente e assoprou as marcas do seu braço, que ficaram laranjas como as dele.
– É temporário, deve desaparecer ao amanhecer, mas vamos ficar pouco tempo, não é? – Disse ele olhando nervoso para a cidade.
– Sim, apenas quero falar com uns amigos aqui e saber se poderemos contar com eles. – Ewren bateu nos portões, peguei sua mão, Hasan e Serena ficaram atrás de nós, ela mal conseguia esconder o sorriso olhando as marcas em seu braço de cor diferente. Ewren também mudou sua aparência, seus cabelos ficaram prateados e as marcas douradas acenderam em sua pele. – Ah, quase ia esquecendo! – Disse ele pegando uma pulseira em seu bolso e colocando em meu braço direito. Era a pulseira que Sarya tinha me dado quando estava partindo para a Montanha das Cinzas com Medras e Lórien.
Os portões rangeram e se abriram lentamente, um guarda estava com as espadas erguidas enquanto o outro puxava os portões.
– O que querem aqui? – Perguntou o guarda de pele escura e olhos cinzentos. – Não estamos liberando a passagem de forasteiro nenhum! – Disse grosseiramente a nós empurrando o portão de volta, Ewren o segurou.
– Viemos falar com Balfir e Priha. – Falou Ewren para o guarda, ele olhou espantado de Ewren para mim e para a pulseira em meu braço, fez uma reverência liberando a passagem.
– Amaterasu? Fiquei aqui nos esperando, por favor? – Pediu Ewren a ela, que encolheu as orelhas e deitou no chão bufando. Fiquei com pena, mas ele devia saber o que estava fazendo.
– O que aconteceu aqui? – Perguntei baixinho a Ewren.
– Antes de ir para Evenox, vovó cedeu o trono a Ruthar e te fez a nova Sacerdotisa do templo de Cristal, que fica dentro do Castelo de Cristal. Por isso coloquei essa pulseira em você... – disse ele me dando um beijo na bochecha. – Você agora é uma das pessoas mais temidas de Amantia, pois eles ainda não sabem do que você é capaz, só sabem que é a quarta geração da mesma família a ser sacerdotisa de Amantia, e sabem que os poderes das Arbarus são meio que... incomuns. – Disse ele desviando o olhar.
– Como assim incomuns? – Perguntei.
– Não existem magas humanas com o mesmo nível de poder que vocês têm. Jocelinne já era considerada poderosa demais para uma humana.
– Mas é Áries? Ela era muito poderosa não era? Ela é humana também! – Falei começando a ficar nervosa e entrar em pânico.
– Áries é uma guerreira, perita em armas, não é uma maga! Embora tenha poderes que foram cedidos a ela quando virou um sol. – disse Hasan atrás de nós, me fazendo dar um pulo assustada.
A cidade era bem organizada, muito grande em comparação às outras que conheci antes, era do tamanho de Alamourtim, se não fosse maior. As casas e o comércio local eram todos construídos em pedras que pareciam ter sido esculpidas a mão, todas trabalhadas e desenhadas em padrões diferentes e únicos, nenhuma delas eram iguais as outras. As ruas tinham calçadas largas e algumas crianças brincavam tranquilamente aproveitando o pôr dos sóis. Hasan olhou para os sóis, seu olhar era triste.
– Queria que eles pudessem descer, que houvesse alguém para assumir o lugar deles como guardiões dos Doze Mundos. – Acho que ele pensou alto pois continuou a olhar para cima enquanto atravessávamos a cidade.
Ao chegarmos numa praça que parecia ser a central, Ewren nos guiou até um círculo no meio da praça, onde haviam mais guardas protegendo uma espécie de círculo de cristais pequenos. Ewren ergueu minha mão para os guardas, mostrando a pulseira, eles se afastaram abrindo caminho para nós. Ewren nos guiou para dentro do círculo de cristais alaranjados, que começaram a brilhar e uma plataforma transparente nos ergueu do chão indo em direção à uma massa brilhante no céu.
– O castelo dos governantes das Salamandras fica acima da cidade das brasas. – Explicou ele notando minha confusão. Olhei para baixo enquanto subíamos, Serena estava tão maravilhada quanto eu. A cidade lá embaixo agora recebia apenas luz de Sirius e parecia que estava mesmo em brasas, as marcas talhadas que vi nas pedras de todas as paredes, agora brilhavam em cor de fogo e a cidade inteira parecia que pegava fogo.
– É incrível! – Disse Serena se agarrando a mim para poder olhar melhor, ela tinha medo de altura.
– Parece um sonho, não é? – Falei sorrindo. Quando estávamos quase no topo ao olhar novamente a cidade, reparei que ela era no formato de uma estrela de seis pontas e que as estradas que formavam a estrela formavam também uma frase. Andei pelas bordas da plataforma tentando ler o que estava escrito.
– Do fogo fomos criadas e para essa terra trazidas depois, sobre ela agora andaremos, somos os guardiões das chamas e em nossos corações ardem as brasas de Ciartes. – Disse Hasan com sua voz macia, senti um arrepio quando ele disse a frase.
– O que significa? – Perguntei encarando-o.
– Essa foi a primeira cidade dos Salamandras. Meu pai a fundou quando esteve em Amantia e era conselheiro do Rei. – Disse ele olhando com ternura para a cidade. – Ele nasceu numa caverna nesse local. Sua mãe morreu atacada por Lobisomens, mas ele foi salvo por uma vampira que andava por aqui e levado para o castelo dos ossos nas ilhas Monarcas, foi criado por um mago vampiro chamado Marglan. – Não fazia ideia que Sirius havia sido criado por vampiros – Marglan deu o nome de Sirius a ele por causa da sua pele avermelhada e pelo fato dele queimar as pessoas que o tocavam. – Explicou ele sorrindo e aumentando seu próprio brilho.
– Nem sabia que existiam magos vampiros. – Falei distraída.
– Tem sim, são muito perigosos e também alguns dos habitantes mais antigos de Amantia, a eles também se deve ao fato de a população humana daqui ser tão pequena. – Disse Ewren apertando-me em um abraço. Ele estava muito preocupado com essa ida à ilha dos vampiros.
Quando a plataforma chegou bem alto no céu, atravessamos uma barreira que parecia ser um lago de fogo, não queimava, mas era muito quente aqui, usei rapidamente meus poderes para mudar minhas roupas para um vestido mais curto, até a altura dos joelhos e trancei meus cabelos para o lado, assim não sentiria tanto calor. Serena teve a mesma ideia, mas fez um coque em seus cabelos.
A plataforma encaixou no centro de um lago de águas cristalinas dentro de um jardim, porém de plantas estranhas de folhas amareladas e laranja e alguns cactos verdes com flores de cores muito vivas e bonitas, esse jardim tinha quatro caminhos de pedras, um deles levava ao castelo. Saímos da plataforma em direção ao pequeno castelo, Ewren não deixou eu ver para onde os outros caminhos seguiam. Quando tudo isso acabar eu volto aqui a passeio trazendo as bebês! Pensei sentindo um aperto no peito ao lembrar delas.
Os guardas abriram os portões para nós, o castelo era feito das mesmas pedras que agora brilhavam como brasas atingidas pelo brilho de Sirius, tive que tocar para me convencer que não eram brasas de verdade, para minha surpresa as pedras estavam mornas, mantendo aquele lugar absurdamente quente. Ewren e Hasan pareciam à vontade sem se preocupar com o calor, Serena e eu estávamos quase morrendo.
– Cuidado com o que dizem – disse Hasan baixinho para nós ao entrarmos na sala do trono – Salamandras se ofendem facilmente! – Disse ele pegando a mão de Serena. Ela sorriu e assentiu.
Ewren:
Entramos na sala do trono em passos largos, esperava que Balfir ou Priha estivessem na sala, mas nenhum deles estava lá, estava com pressa de sair da cidade antes do anoitecer, ia esquentar mais ainda e Leona já não parecia estar sentindo-se bem, passei o braço ao redor de sua cintura, ela sorriu e apoiou a cabeça em meu braço.
Pouco depois Balfir entrou na sala seguido por Mariah, ah! Isso seria problema na certa, Mariah já entrou na sala me encarando e abrindo um largo sorriso, ignorando totalmente Leona ao meu lado, havia esquecido como ela era, Mariah era a filha mais nova de Balfir que ele queria casar com Bargon, mas ele não aceitou por Mariah não ser uma mulher muito boa, embora fosse muito atraente, Mariah era má, chegava a ser cruel as vezes e por isso fiquei mais preocupado vendo-a entrar na sala. Ela não ia pensar duas vezes se quisesse ferir os sentimentos de Leona e não estávamos ali para arrumar briga.
– Ewren! – Balfir veio em nossa direção e apertou firmemente minha mão.
– Balfir! Quanto tempo! – O cumprimentei – Essa é minha esposa, Leona, Sacerdotisa das águas. – Ainda estava de mãos dadas com ela quando a apresentei assim, Leona ficou vermelha e seu coração disparou. Pude sentir seu pânico, mas ela o disfarçou perfeitamente, sorriu confiante surpreendendo-me.
– É um prazer conhecer o Governador dessas terras maravilhosas, a cidade é realmente fantástica! – Disse ela sorrindo. Queria lhe dar um beijo naquele momento pela perfeição que disfarçou seu nervosismo.
– É um prazer conhece-la Sacerdotisa das águas e espero que seja tão boa para Amantia como a Sacerdotisa dos Ventos foi! – Disse ele segurando a mão de Leona e a beijando.
– Tão boa sacerdotisa que Abandonou Amantia por ter uma filha de um homem comprometido, depois voltou e morreu! – Disse Mariah se aproximando e sorrindo para nós.
– Mariah! – Ralhou Balfir nervoso lhe dando um olhar significativo. – Sentimos muito por ela e quero que saiba que estamos ao seu lado para o que precisar.
– Tudo bem Balfir, agradeço sua consideração! – Leona deu um sorriso torto.
– Esses são Hasan e sua Esposa Serena. – Disse Ewren apontando Hasan atrás de nós. Hasan se aproximou e Balfir ficou espantado.
– Ele é idêntico à Sirius! – Disse Balfir aproximando-se de Hasan e o olhando bem de perto.
– Sou filho de Sirius, senhor. – Respondeu Hasan lhe estendendo a mão. Balfir o cumprimentou como se estivesse cumprimentando o próprio Sirius, admirando-o e sorrindo.
– O que andaram fazendo, Ewren, soube de algumas coisas ruins a respeito de vocês, de Eirien... Aparentemente o General Aeban está no trono da cidade de Cristal, isso está correto? Gostaria de saber por vocês o que está acontecendo por lá antes de tomar algumas decisões importantes. – Balfir encarava-me pensativamente.
– É uma longa história! Onde está Priha, Balfir? – Perguntei olhando em volta e sentindo a falta de sua companheira inseparável.
– Priha está de cama, meu amigo... – disse Balfir franzindo o cenho para a entrada da sala. – Ela adoeceu há pouco tempo, mas não melhora com nenhum tipo de remédio. Chamamos até as curandeiras do Castelo de Cristal que agora está sendo comandado por Aeban como lhe falei, mas elas não vieram... – disse ele pensativo – Talvez Aeban tenha ficado ofendido quando recusei enviar meu exército para que o apoiassem. – Foi exatamente o que suspeitava, Aeban se recusou a permitir que as curandeiras o visitassem para obrigar Balfir a se unir a ele, em troca ele curaria Priha. – Ewren, é melhor contar sua longa história para nós, Aeban também quer que entreguemos a Sacerdotisa das águas a ele, ele disse que ela é uma ameaça e que seus poderes podem destruir Amantia, então lhe pergunto novamente, o que andaram fazendo, amigos? – Perguntou Balfir estreitando os olhos, seu tom de voz já não era tão amigável como antes.
– É por isso mesmo que viemos, estamos aqui para lhe pedir ajuda, Balfir. Aeban tomou o trono de Eirien... E na verdade não é Aeban que está lá, mas sim Fairin, o irmão mais novo de Arcádius. Lembra-se deles?
– Arcádius não é aquele mago louco que está tentando tomar o controle de Amantia? – Perguntou Balfir confuso.
– Não senhor, Arcádius está tentando nos proteger de Fairin, que está fingindo ser Aeban para conseguir aliados e tomar o controle de Amantia e dos Doze mundos. Ele também fingia ser Arcádius para o fazer passar por um criminoso. – Respondeu Leona passando minha frente e assumindo a conversa. – Ele me quer, pois, o meu sangue pode dar a ele o poder que ele precisa para dominar os mundos do círculo. – As palavras delas foram como água gelada em minhas veias, poucos sabiam sobre a maldição e era muito arriscado falar sobre isso abertamente, ainda mais para alguém como Balfir, que também tinha uma quedinha por poder. Não tinha certeza se Balfir era uma pessoa em quem podíamos confiar tais informações.
– Isso que está dizendo é uma loucura, sabia? – Disse Mariah debochando de Leona.
– Sinto muito, mas é a mais pura verdade. Posso provar isso, basta me levar até onde Priha está! – Leona respondeu mantendo sua voz inalterada. Apertei sua mão com força, mas seu olhar me dizia “está tudo bem, confie em mim. ” Então com muita dificuldade, a soltei.
– Bem, se pode mesmo provar... – Balfir fez um movimento para que o seguíssemos, Ele era um salamandra corpulento, sua barba agora grisalha lhe dava uma aparência mais séria, porém ainda parecia o mesmo guerreiro teimoso que conheci séculos atrás. Hasan e Serena ficaram no salão com Mariah enquanto nos dirigíamos aos aposentos de Balfir, tive um péssimo pressentimento sobre isso. Andamos pelos corredores do castelo até uma escadaria para a torre principal.
– Priha é muito forte, mas ela adoeceu de repente e nada que tentamos a curou, nem mesmo sangue de Aswang que é quase um remédio para tudo! – Disse ele frustrado. – Ela está cada dia pior, já não se alimenta, não anda e nem se levanta mais. – Disse ele tristemente.
Entramos no quarto principal, estava muito quente e abafado lá. Leona respirou com dificuldade pois o ar estava úmido e pesado. Em cima de uma cama de pedra, Priha estava deitada coberta por várias camadas de cobertores e tremia, estava tão diferente da Salamandra que conhecia, ela era muito bonita e forte e agora estava com a aparência de uma anciã, sua pele estava enrugada e desidratada e seus olhos apagados.
– Prove que fala a verdade, Sacerdotisa das águas e terá a nossa lealdade e nossa ajuda para retomarem a Cidade de Cristal. – Disse ele. Leona se aproximou da cama e ajoelhou-se no chão ao lado de Priha. Ela abriu os olhos para Leona e tentou se afastar, assustada.
– Não se preocupe, não estou aqui para lhe fazer mal, vim apenas te ajudar! – Disse Leona erguendo a mão e mostrando-a a Balfir, puxou uma pequena adaga de sua bolsa e cortou a palma da mão. Balfir franziu o cenho e deu um passo para perto delas, o segurei pelo braço.
– Fique calmo, ela sabe o que está fazendo. – Falei. Leona tocou sua mão nos lábios murchos e secos de Priha que tentou tirar sua mão.
– Vai curar a senhora, acredite em mim! – Leona falou gentilmente ajudando Priha a erguer a cabeça, ela tomou o sangue fazendo uma estranha careta depois deitou novamente encolhendo-se na cama e choramingando baixinho. Balfir começou a ficar irritado e desconfiado da reação de Priha. Leona estava confiante ao lado de Priha e segurava suas mãos, massageando-as como se isso fosse fazer o efeito de seu sangue ser mais rápido. Priha deu um suspiro e caiu deitada na cama.
– Ewren... – Balfir começou a rosnar perto de mim, sua pele ficou ainda mais vermelha e começou a fumegar. Leona olhou para nós e sorriu, o que fez com que Balfir fosse até ela e a erguesse do chão pelo braço.
– O que você fez com ela? – Esbravejou ele sacudindo seus braços. A raiva começou a se espalhar por mim rapidamente, dei um passo na direção deles já com a mão no punho da espada, mas o olhar de Leona para mim, fez-me recuar.
– Eu a curei, senhor Balfir! – Disse ela soltando seus braços e estendendo a mão para Priha, que deu a mão a Leona e se levantou. Parecia que outra mulher havia tomado seu lugar, ela estava lá agora de pé ao lado de Leona, sua pele avermelhada estava como nova, seus olhos vermelhos e vivos brilhavam e seus cabelos cinza caiam escorridos pelos ombros. Ela sorria olhando-se satisfeita e perfeitamente saldável.
– Impossível! Você é uma humana! Não tem como ter esse tipo de poder em seu sangue! – Disse Balfir espantado olhando o corte na mão de Leona se fechando lentamente. – Como se sente meu amor? – Perguntou ele dirigindo-se a Priha e a apertando num abraço.
– Incrível! – Disse ela dando um largo sorriso.
– É realmente incrível esse poder! – Disse ele olhando para Leona de forma estranha. – Ele pode tornar uma pessoa mais forte também? – Era o efeito da maldição falando em seu subconsciente.
– É por isso que precisamos deter Fairin, se ele colocar as mãos no poder do meu sangue ele pretende dominar os doze mundos! – Leona respondeu rispidamente contornando-o e segurando minha mão novamente. Ela tremia muito.
– Entendo... – disse ele observando-nos. – como disse antes, podem contar conosco para qualquer coisa!
– Agradecemos de coração pela sua ajuda, sacerdotisa! – Disse Priha à Leona e a abraçou.
– Nos envie uma mensagem assim que partirem para a cidade de cristal e encontraremos com vocês lá! – Disse Balfir fazendo uma reverência. – Tem a minha palavra que lutaremos por Amantia ao lado de vocês!
– Muito obrigado! – Agradeci e saí do quarto seguido por Leona.
– Achei que ele fosse me matar quando ela demorou a levantar! – Disse ela com as mãos ainda tremendo. Virei-me para ela e a apertei em meus braços.
– Não se atreva a fazer isso novamente! – Disse ao seu ouvido, meu sangue ainda fervia, tive dificuldade em manter a cabeça de Balfir em cima dos ombros pela forma bruta que a segurou. – Se ele tivesse a machucado...
– Estamos tentando conseguir aliados, Ewren! Não se atreva a ter um surto psicótico agora! – Ela respondeu, pude ouvir o tom de brincadeira na sua voz, mas sabia que ela falava sério. – Karin, Asahi e Nyu! Não se esqueça por que estamos fazendo isso! Por elas e por todos aqui!
– Eu estou aqui por você também, então da próxima vez, deixa que eu falo está bem? – Falei dando um beijo em seu rosto e a levando novamente para a sala principal. Ouvi uma discussão e bufei. Mariah! Entramos na sala rapidamente a tempo de ver Serena com as espadas na Mão, Hasan a segurando e Mariah dando gargalhadas.
– O que houve aqui? – Perguntei me aproximando e tomando as espadas das mãos de Serena.
– Essa mocinha que não tem nada a ver com a sacerdotisa dos ventos se sentiu ofendida quando falei que ela não era nada para nós e que foi bom ela ter morrido, assim o templo da cidade de Cristal ficou vago para uma nova Sacerdotisa, mas pelo visto Eirien escolheu mal novamente. – Disse ela rindo debochada. Tive certeza que Leona ia matá-la.
– Ela pode não ter nada a ver com a sacerdotisa dos Ventos, mas Lupine foi minha mãe adotiva. – Hasan começou a falar, seus olhos ficaram num tom laranja quase dourado, ele parecia bastante irritado - Ela fez muito por Amantia e você pelo que sei Mariah Necconain, filha mais nova dos Governantes da cidade de Brasas, não é nada mais que uma mulher mimada e que sente prazer em perturbar as pessoas para tentar sentir-se superior e que nunca fez nada pelos outros, então antes de falar mal das pessoas realmente boas, repense suas próprias atitudes. – Disse Hasan, tenho certeza que ele entrou na mente dela, pois seus olhos estavam dourados enquanto ele a encarava. Senti vontade de aplaudir, mas isso poderia prejudicar nossa aliança. – Aliás, deveria agradecer à Leona, pois ela acabou de curar sua “mãe”! – Disse ele por fim, segurando os braços de Serena e a levando para fora do castelo. Mariah olhou para mim confusa e sorriu. Ainda não acabou?
– Ewren, então... A última vez que te vi ainda era solteiro, quando foi que se casou? Nem me convidou, não é? Que falta de consideração se casar e não chamar os amigos mais chegados! – Disse ela se aproximando e tocando em meu braço. Leona imediatamente segurou sua mão e a afastou gentilmente.
– Desculpe, Mariah por não convidarmos ninguém, nosso casamento foi muito íntimo, apenas nós dois tivemos o imenso prazer de presenciar! – Disse Leona a ela sorrindo maliciosamente. – Mas não se preocupe, quando os problemas acabarem, faremos uma festa para comemorar isso com todos os nossos amigos chegados! – Disse ela dando outro sorriso brilhante a Mariah.
– Ótimo! – Respondeu Mariah desconcertada, na certa achou que como Emma, Leona também cairia em sua provocação e perderia o controle. Na verdade, até eu achei que ela fosse fazer algo contra Mariah.
– Vamos Ewren? – Disse ela segurando minha mão e caminhando em direção ao jardim. A lua já estava surgindo quando saímos para fora do castelo. Hasan estava ainda tentando acalmar Serena na plataforma no centro do Jardim. Leona ficou em silêncio enquanto descíamos da plataforma e saíamos da cidade. Amaterasu saltitou alegremente em volta de nós quando chegamos no portão, fazendo a terra tremer ao nosso redor.
– Vamos para o porto de Jade agora! – Disse pegando-as no colo e levantando voo. Hasan e Serena nos acompanharam também em silêncio voando sobre Meow, que parecia notar o clima tenso e voou o mais silenciosamente que pode até chegarmos ao porto no início da noite.
4
Acorrentadas
Ao chegarmos no Porto, fomos direto para a estalagem à beira da praia que havia ficado uma vez enquanto esperava Medras, Lórien e Leona para irmos até o templo de fogo. Pedi dois quartos e fomos direto ao restaurante para comer, havia esquecido que não paramos para comer na ilha das Selkies, talvez o mal humor de Leona e Serena se desse pela falta de açúcar no sangue, afinal, Serena havia cedido parte dos poderes à Moan para curá-la e torna-la sua guardiã e Leona havia usado seu sangue para curar Priha.
Como imaginei, elas comeram o suficiente para alimentar quatro pessoas e ainda pediram sobremesa, mas as duas continuavam em silêncio, mal conversaram conosco durante o jantar e parecia que não iam falar tão cedo. Ao subir para os quartos, Hasan me parou no corredor enquanto as duas entravam no mesmo quarto e fechavam a porta atrás delas, Serena ainda nos olhou pela fresta da porta enquanto Amaterasu entrava de fininho no quarto com elas.
– Acho que elas estão chateadas pelo que aconteceu com Mariah... – disse Hasan olhando para a porta.
– Você acha? – Ri da ingenuidade dele. – Com certeza estão assim pelo que aconteceu!
– Acho que vocês dois precisam de um tempo a sós, não é? – Perguntou ele olhando-me de canto de olho. Acho que não ele não é tão ingênuo assim, é esperto até demais.
– Não é boa ideia te deixar sozinho com Serena, ainda podemos ter que usar o sangue dela... – Hasan começou a rir.
– Não tenho intenção de fazer nada, Ewren. Não agora! – Respondeu ele. – Sei o que pode estar em jogo aqui... mas eu conheço Leona melhor que você, pode não parecer, mas foram dezessete anos convivendo com ela, quando ela está com raiva ela fala, grita e faz escândalo. Mas quando ela fica em silêncio é um pouco pior... – disse ele fazendo uma careta.
– O que você sugere?
– Converse com ela, não a deixe passar a noite trancada com Serena, nunca saía coisa boa quando essas duas ficavam a sós por muito tempo! Prometo que vou me comportar com ela! – Disse ele colocando a mão sobre o peito. – Não me atreveria a colocar suas filhas ou Leona em risco por conta de meus desejos pessoais!
– Tudo bem! Se você diz... – bati na porta esperando que alguma delas a abrisse. Nada, nenhum barulho. – Leona? – Chamei.
– Vai dormir Ewren! – Disse ela lá de dentro. Respirei fundo, não estava em condições de quebrar a porta e arrastá-la a força, isso iria chamar atenção desnecessária. Usei meus poderes para destrancar a porta e entrei, Serena estava no banheiro e Leona sentada embaixo da janela com Amaterasu no colo.
– O que está fazendo? – Perguntou ela tirando Amaterasu do colo e levantando-se para me colocar para fora. Cobri sua boca e a joguei no ombro, saindo do quarto e acenando para Hasan. Ela se debateu e começou a ralhar enquanto entrava no outro quarto e a colocava em cima da cama.
– Você é minha esposa, não é? Quero que fique aqui comigo não trancada lá com a planejadora do mal! – Falei desenhando seu rosto com as pontas dos dedos. Ela levantou bufando e foi para o banheiro fechando a porta, esperei alguns minutos para entrar também. Ela estava deitada dentro da banheira com os cabelos amarrados no alto da cabeça por um coque e coberta por espuma.
– Por que não quer falar comigo? – Perguntei colocando a mão na água.
– Não disse que não queria falar com você! Apenas queria ficar sozinha um pouco, daqui a pouco eu vou lá! – Disse ela jogando água em mim, em outra ocasião teria entrado na banheira com ela, mas algo em sua expressão me fez mudar de ideia e desistir da brincadeira, ela estava triste, não, triste não parecia o sentimento certo, parecia frustrada com algo, não pude entender o porquê daquela expressão, afinal, ela não sabia de nada!
Fui até a sacada do quarto, havia ficado com o mesmo quarto de alguns meses atrás, que na verdade em Amantia já haviam se passado quase quatro anos desde que estive aqui. Sentei na espreguiçadeira e fiquei em silêncio admirando a lua, as estrelas pareciam menos brilhantes do que de costume, parecia que também estavam sofrendo com medo do que poderia acontecer. De modo algum poderia permitir que Fairin dominasse os doze mundos, não só por minhas filhas, mas por tudo que isso representava para todos nós. O sacrifício de muitos que deram suas vidas para ter um mundo seguro para que suas famílias vivessem em segurança.
Nellena, Lupine e até mesmo Arin, que morreram tentando fazer o que era certo, tentando nos manter em segurança. Agora eu sabia o que elas estavam sentindo quando deram suas vidas por nós, o medo de que nosso plano não funcionasse estava crescendo de forma assustadora, ainda mais por saber o que poderia acontecer se Leona resolver usar seus poderes contra Fairin. Sacudi a cabeça tentando tirar a imagem de Arin e Lupine se desmanchando de meus pensamentos. Não podia permitir que mais ninguém morresse por causa da sede por poder que Fairin tinha, e nem deixar que mais pessoas viessem após ele com a mesma sede.
Leona apareceu na sacada pouco tempo depois e se apoiou no parapeito em minha frente de costas para mim. Ela estava usando um vestido azul na altura dos joelhos e seus cabelos castanhos estavam soltos movendo-se suavemente com a brisa.
– Não vai falar comigo? – Perguntei, ela se virou para mim encarando-me com os olhos frios, foi a primeira vez que vi aquele tipo de olhar em seu rosto, me fez ter um pressentimento ruim.
– Quando foi que esteve com ela? – Leona perguntou sentando-se no parapeito e cruzando as pernas, minha surpresa só não foi maior que meu espanto. “Como ela sabia?”
– Como assim quando estive com ela? Ela estava no seu aniversário! Não se lembra? – Respondi.
– Você sabe do que estou falando... – ela falou lentamente e inspirando devagar. – Quando foi dormiu com ela Ewren! – Leona estava fuzilando-me com seus olhos.
– Não sei do que está falan... – antes que terminasse a frase as marcas em seu braço se acenderam, seus cabelos ficaram prateados e seus olhos dourados. A transformação dela com as novas marcas era tão magnifica que me fez esticar a mão para tocar em seu rosto, que agora estava a centímetros do meu.
– Se você vai começar a mentir para mim, escolha algo que dê para esconder! Eu vi como ela ficou quando chegou perto de você, do mesmo jeito que Banshee ficou quando estava no navio! – Novamente fiquei surpreso, ela é observadora! Não parecia que ela prestava atenção nas coisas a sua volta! Respirei fundo.
– Quando fui capturado por Fairin e Veruza, logo depois que mexeram em minha cabeça, eles me mandaram ir atrás de Belve e mandaram que eu a levasse até eles em Vintro. Belve era muito amiga de Mariah e eu sabia que elas estariam juntas. – Leona estava com uma cara realmente assustadora agora.
– Você disse que não conhecia Belve, ainda me perguntou quem era! – Disse ela se afastando.
– Não disse que não conhecia, disse que não sabia que era sua prima e aqui não é um mundo tão pequeno assim, existem pessoas com o mesmo nome! Sabia que era irmã de Emma, e no dia de seu aniversário eu achei o comportamento deles estranho pois eu a levei até ele e ela não parecia gostar dele, inclusive tentou sair do castelo de Vintro, mas foi impedida por Veruza... – nesse momento uma luz se acendeu em minha mente. – Ele havia me obrigado a levar Belve até lá para que Veruza saltasse de corpo!
– O que?
– Quando levei Belve até eles no Castelo em Vintro, foi para isso! Para tomar o corpo de Belve para Veruza! O corpo que ela estava usando devia estar em perigo...
– Volte a história para Mariah, Ewren! – Disse ela rispidamente.
– Mariah foi junto conosco para Vintro, porém Fairin disse que queria conversar a sós com Belve, eu os deixei sozinhos e voltei com Mariah para Edro. – Respondi sinceramente, não queria dar os detalhes para ela e torci para que ela não pedisse para que continuasse a falar. – Você já estava em casa, eles haviam apagado você de minha mente e Mariah embora seja uma pessoa desprezível não mentiu naquela hora, eu era solteiro quando estive com ela pela última vez. A única lembrança que eu tinha era a que eles colocaram em mim, seu rosto para que eu a levasse até eles quando a encontrasse... – Leona suspirou e sentou-se novamente no parapeito.
– “Pela última vez?” – Disse ela bufando. – Vou até o quarto de Serena, preciso ficar de olho neles! – Disse ela se levantando. Ela estava com ciúme de Mariah por isso estava irritada, queria rir mas isso a deixaria furiosa, tinha que lhe mostrar que ela era a única para mim agora e sabia como fazer isso.
– Hasan prometeu que ia se comportar. – Falei.
– O problema não é Hasan, ele com certeza sabe se controlar, mas não posso dizer o mesmo de Serena... – ela passou ao meu lado. A claridade da lua fazia sua pele parecer de porcelana, não resisti ficar ali só a admirando, a puxei para mim antes que saísse da sacada, derrubando-a sobre mim na espreguiçadeira, enrolei seus cabelos com uma mão enquanto com a outra a pressionava sobre mim. Pude sentir sua respiração se alterar enquanto beijava seu pescoço e traçava uma linha com minha língua de sua clavícula até sua boca.
– Achei que você fosse criar mais caso sobre isso se descobrisse a verdade, mas você está bem comportadinha... – falei baixinho enquanto deslizava minhas mãos por baixo de seu vestido sobre a pele macia de seus quadris, ela estava sem nada por baixo dele, corri minhas mãos pelo interior de sua coxa até o ponto onde queria chegar movendo meus dedos ali naquele ponto quente, ela fechou os olhos e gemeu. Ri por dentro, ela estava apenas me testando, testando a nossa nova condição de impossibilitados de trocar nossas memórias, Leona sabia quando eu mentia? Talvez eu fosse um livro aberto para ela.
– Foi antes de mim, não foi... – disse com dificuldade, usando o pouco de concentração que lhe restava para falar – não posso ficar com raiva por algo do passado... – ela respondeu ajeitando-se passando uma das pernas por cima de mim e prendendo-me com seus joelhos enquanto abria a carreira de botões de seu vestido. Fiquei a observando os abrir lentamente, quase como uma provocação à minha limitada paciência quando se tratava dela. Seus cabelos prateados ondulavam em volta de seus ombros nus enquanto ela tirava o vestido devagar provocando-me.
– Não se deve brincar com fogo sabia? – Falei pegando-a no colo e a levando de volta para dentro colocando-a em cima da cama e tirando minha calça. Ela mordeu os lábios, evitando um sorriso, adorava quando ela fazia isso pois deixava os ainda mais rosados. A beijei mordendo seus lábios e passando a língua por eles, ela acariciou meu pescoço com as pontas dos dedos enquanto colocava sua língua em minha boca e a enrolava na minha, minhas mãos passeavam por todo seu corpo, minha vontade tinha urgência em toma-la para mim, a penetrei lentamente enquanto sentia todo seu corpo vibrar em resposta ela me puxou contra seu corpo com força, riscando minhas costas com suas unhas, passando seus lábios em meu pescoço e o mordeu enquanto eu mudava meu ritmo em resposta às suas provocações. Ouvi seu riso baixinho.
– O que é engraçado? – Perguntei. Ela segurou meus braços saindo de meu aperto e num rápido movimento ficou sobre mim, sentando e fazendo suaves movimentos circulares com seu quadril. Eu os acompanhava com as mãos, sentindo seu corpo quente sobre o meu. Ela abaixou a cabeça gemendo alto e beijando meu peito senti meu corpo esquentar ainda mais e tremer enquanto chegava ao máximo de prazer, ela tremia sobre mim, seu corpo úmido pelo suor e um sorriso malicioso em seus lábios enquanto me encarava com aqueles olhos agora tão verdes como esmeraldas. Não tinha como resistir a ela, era como uma deusa que aparecia silenciosamente durante a noite para mim e desaparecia quando os sóis apareciam, ela era tudo que eu queria, tudo que desejava. Leona me beijou novamente, com menos urgência, com uma doçura que só ela tinha. Sua boca tão macia com sabor dela, ela deixou em meus braços e sorriu novamente, acariciando meu rosto com as postas dos dedos. Ela conseguiu me esgotar, como se tivesse absorvido toda minha energia.
– Senti sua falta! – Disse ela baixinho ao meu ouvido.
– Percebi... – falei provocando-a, seu rosto ficou vermelho. – Achei que isso fosse acabar depois de um tempo, mas acho que não vou perder a habilidade de te fazer corar, não é? – Perguntei.
– Acho que não... – ela fechou os olhos, passei o polegar sobre sua boca enquanto ela me dava um sorriso e adormecia.
– Desde a primeira vez que toquei em você, quando te peguei no colo quando ela apenas um bebê, percebi que você tinha um estranho poder sobre mim, aquela criancinha de alguns dias de vida já tinha a habilidade de dissipar a escuridão em mim e me trazer de volta para a luz. Acho que foi por essa habilidade de mudar o coração das pessoas que Eirien te fez a sacerdotisa das águas, a sua pureza, seu modo de passar por cima de tudo e de todos sem medir o tamanho dos obstáculos, sua alma é tão cristalina como a água... – falei baixinho para ela, sabia que não estava me ouvindo, mas ficaria gravado em seu subconsciente. A puxei para meus braços, para que não permitisse que nada de mal se aproximasse de seus sonhos.
Acordamos antes mesmo dos sóis nascerem, descemos para tomar café e encontramos com Hasan e Serena já sentados à mesa nos esperando. Serena estava emburrada e Hasan estava aparentemente tranquilo. Então não achei que fosse algo importante.
– Bom dia! – Disse Leona ao sentar-se à mesa com eles.
– Bom dia. – Apenas Hasan respondeu, Serena continuava de cara feia olhando pela janela do restaurante, Leona lançou a ela um olhar curioso.
Pedimos o café e comemos rapidamente para partir o mais rápido possível. Ao sair do restaurante, caminhamos até o final do porto com Amaterasu saltitando atrás de nós, ela era a única que parecia alegre naquela manhã, Leona havia ficado preocupada com o silêncio de Serena e Hasan agora parecia tenso e chateado com Serena. Ainda estava muito escuro do lado de fora, a névoa cobria grande parte do porto, principalmente a parte que estávamos indo, andamos até uma parte deserta no final do porto onde os Navios antigos estavam ancorados, as embarcações rangiam e balançavam suavemente com a maré, o que dava um ar sombrio a eles. Leona apertou meu braço com força.
– Eles parecem assombrados, não vamos ir até Edro neles, vamos? – Perguntou ela olhando assustada para os navios, sorri maldosamente.
– Não parecem assombrados, alguns deles são assombrados pelos fantasmas dos homens que saltaram no mar atrás das sereias... – falei baixinho ao seu ouvido enquanto puxava seu braço e subia pela rampa de acesso, sua pele se arrepiou e tenho certeza que lágrimas se acumularam nos cantos de seus olhos. – Você é muito medrosa quando se trata de fantasmas, sabia? – Ri enquanto ela dava um passo para trás.
– Leona morre de medo de fantasmas desde que era pequena! – Hasan segurou o braço dela, pois agora tentava voltar para trás.
– Por que? Ficavam contando histórias de fantasmas para ela? – Perguntei olhando de Hasan para Serena.
– Não... por que uma vez um fantasma me tirou de dentro de casa e me levou para o terreno vazio perto da escola de madrugada. – Leona respondeu ainda tremendo.
– Fantasmas não podem tocar em humanos, Leona! – Falei num tom de zombaria. Ela me encarou com seus grandes olhos assustados.
– Quando isso aconteceu? – Serena finalmente havia quebrado o silêncio e olhava para Leona assustada também.
– Foi quando eu tinha onze anos, eu estava dormindo quando senti alguém me levantar da cama e me carregar até a escola, não conseguia me mexer nem falar! – Leona havia ficado tão pálida que por um momento achei que ela fosse ter um ataque de pânico e fugir. – Eu não via o rosto do fantasma, mas era uma massa cinzenta sem forma que flutuava poucos centímetros acima do chão e tinha cheiro de ferrugem e alecrim. – O cabelo da minha nuca se arrepiou quando ela descreveu o fantasma.
– O que tinha nesse terreno que o fantasma te levou? – Perguntei.
– Um poço sem fundo, algumas crianças da escola haviam desaparecido ao entrar naquele terreno para pegar uma bola, daí todos diziam que elas haviam caído no poço.
– O que aconteceu depois?
– O fantasma queria me colocar dentro do poço, mas ele estava coberto por tábuas e uma massa de cimento. Então ele me soltou no chão e desapareceu... – disse ela, sua voz foi diminuindo até virar um sussurro quase inaudível. – Tive que caminhar até em casa no meio da madrugada!
– Aconteceu a mesma coisa comigo! – Serena estava com as mãos cobrindo a boca e um olhar apavorado gravado em seu rosto.
– Vocês sonharam isso sim! É normal gêmeos compartilharem sonhos, sabiam! – Falei rindo tentando acalmá-las e tentando ficar mais calmo também. Não era um fantasma e nem de longe um sonho, mas sim uma Venatrix enviada atrás delas. Hasan chegou a mesma conclusão que eu, pois estava com uma expressão angustiada.
– Sonho ou não, foi real demais! – Disse Serena indo até o convés do navio e olhando em volta.
– Não vou discutir isso, mas não foi um sonho! – Disse Leona frustrada por achar que não havíamos acreditado nela. Andei até o mastro central do Navio e o toquei com as mãos, usando meus poderes para restaurá-lo. Conforme minha energia passou por ele e o varreu com uma luz dourada, o navio ficou como novo, como se tivesse acabado de ser fabricado. As luzes dos lampiões foram acesas e o navio ficou iluminado. Serena arrastou Leona pelo braço em direção à cabine. Leona fez força para não entrar lá, ela estava realmente com medo.
– Vamos verificar se está tudo certo por aqui! – Serena andou em passos rápidos enquanto Leona tentava se soltar de seu aperto, aparentemente ainda estava com medo do navio. Depois que elas desapareceram atrás da porta Hasan segurou em meu braço.
– Acha que Fairin enviou uma Venatrix atrás de sua filha? – Perguntou ele olhando-me de canto de olho.
– Tenho certeza! Ele deve ter mandado uma Venatrix atrás de seu sangue, nos outros mundos. O poço era um portal em funcionamento. – Respondi. – Então Fairin sempre soube que Lupine poderia ter fugido, talvez em nenhum momento ele tenha acreditado que ela havia morrido!
– Ewren, se ele já imaginava que ela estivesse viva e mandou uma Venatrix atrás de qualquer um que tivesse seu sangue, por que quando Leona estava com você em Lótus vale na ida para casa, porque ele não tomou o sangue dela? – Perguntou ele.
– Não tenho certeza, mas acho que quando as Venatrix voltaram sem trazer ninguém, ele deve ter imaginado que as filhas dele com Lupine morreram, por isso que em Lótus Vale ele não usou o sangue dela, deve ter pensado que Leona era uma filha de Belve, por isso que ele ficou observando a marca dela! – Respondi, foi muita sorte que as Venatrix não conseguiram atravessar o portal com elas!
– Só tem uma coisa estranha, pelo que soube por Eirien, Leona nasceu quando Lupine já tinha mil seiscentos e poucos! A idade da Lua cheia não é aos dezoito?
– É sim, mas Lupine ficou trancada no templo de Dymesia desde que fez dezessete anos, lá dentro foi colocado um feitiço do tempo evitando que o tempo passasse. Assim, quando Lupine saiu do templo ela ainda tinha dezessete anos e o tempo do lado de fora passava normalmente, um dia dentro do templo equivalia a pouco mais de nove anos do lado de fora. Ela saiu do Templo e foi direto para Arcádia, e lá foi pega por Black Jango e Fairin, ele assumiu a aparência de Aeban e enganou ela. – Expliquei, Hasan bufou e foi até a popa do navio, ele moveu suas mãos fazendo o navio se preparar para zarpar, ouvi o som metálico da ancora sendo puxada. Hasan assoprou as velas do Navio, então um forte vento o fez partir em direção ao mar aberto.
– Ei, Hasan! – O chamei, ele estava no timão guiando o navio tranquilamente.
– O que?
– O que houve para Serena estar tão mal-humorada hoje quando acordamos, o que você fez? – Perguntei, o rosto de Hasan ficou corado e ele virou os olhos tentando não rir, mas ficou em silêncio e não me respondeu. – Não vai falar? Vou perguntar a ela então! – Disse me afastando e indo em direção as escadas.
– Não! Espere ai! Tudo bem, eu falo! – Ele respirou fundo.
– Estou esperando! – Falei.
– Não foi o que fiz, foi o que deixei de fazer! Ela ficou com ideias erradas na cabeça quando eu entrei no quarto e disse que Leona ficaria com você... – ele olhou em direção a cabine como se esperasse que elas estivessem ouvindo. – Ficou zangada comigo quando tentou me beijar e eu a afastei, acabei usando meus poderes para fazer ela dormir! Ela não queria sossegar então tive que fazer isso! – Tive que segurar para não rir. Não esperava que ela fizesse algo assim, afinal ela tinha um jeito tão meigo e doce, não achei que fosse realmente tentar atacar Hasan.
– Isso é algo inusitado! – Respondi ainda segurando o riso.
– Ela está magoada comigo, acha que não gosto dela! E vou te dizer que foi muito difícil afastá-la!
– Ela insistiu tanto assim? – Fiquei surpreso, achei que Leona estivesse brincando.
– Não, mas minha própria vontade era outra e foi muito difícil ignorá-la.
– É por causa da maldição! – Respondi. – O tempo de passá-la para frente está chegando para Serena, aí ela começa a se comportar de forma diferente, elas não percebem a própria mudança. – Emma veio aos meus pensamentos, ela era como Serena, só a conhecia assim, doce e gentil, mas ficou muito diferente ao completar dezoito anos.
– Nós saímos da terra em fevereiro, Serena não tinha feito dezoito ainda, nem ela nem Leona! – Hasan ainda se confundia com o tempo aqui.
– A maldição se adapta ao mundo que elas estiverem, Hasan! – Respondi.
– Temos que acabar com eles o quanto antes então! Não quero que Serena seja vítima dessa maldição também!
– Vamos fazer as coisas com calma, não podemos nos apressar nem nos atrasar, qualquer erro pode colocar tudo a perder! Devemos chegar à Edro ao amanhecer de amanhã se usar seus poderes para nos ajudar com os ventos.
– Entendi! – Seus olhos brilharam e o vento soprou ainda mais forte contra as velas. – Ewren, por que não podemos ir voando? Não seria bem mais rápido?
– Seria, mas voar é o mais obvio! Fairin deve ter colocado pessoas vigiando os céus! E se você for pego voando sobre um território sem permissão, vai chamar muita atenção!
– Outra pergunta... – Hasan era ainda mais curioso que Leona, se não soubesse que eram filhos de pais diferentes, diria que eram mesmo irmãos. – Se Jocelinne já está mais forte que Fairin, por que não irmos direto a ele e o matamos? – Talvez o tempo que passou longe de Aries e Sirius tenha o deixado com o raciocínio mais lento.
– Jocelinne está mais poderosa que Fairin, mas como vamos mata-lo com um exército de Gigantes, Trolls e várias outras criaturas o protegendo? Ela está mais forte que ele, mas sozinhos não podemos derrotar o exército que ele reuniu! – Expliquei. – Ele está se passando por bom e nos colocou como os ruins da história, se o matarmos sem explicações e Eirien voltar ao trono, vamos dar a certeza de que estávamos agindo pelas costas do povo e isso vai começar uma verdadeira guerra! Fairin não brinca em serviço, Hasan! Ele pensou em tudo para se proteger de nós!
– Ele foi muito esperto mesmo, assim ele teria a certeza de que vocês não o atacariam diretamente!
– Sim... bem, elas estão muito quietas, vou lá verificar! – Deixei-o sozinho guiando o navio e desci as escadas indo em direção à cabine. Amaterasu estava deitada na porta protegendo a entrada. Leona estava com tanto medo do navio assim? Entrei silenciosamente na cabine, a porta rangeu quando a empurrei para trás. Leona estava do outro lado da cabine sentada ao lado da cama com a espada na mão e olhos arregalados e cheios de lágrimas, Serena dormia tranquilamente numa cama que elas deviam ter feito aparecer ali.
– O que aconteceu? Por que está chorando? – Me aproximei dela, tirei a espada de suas mãos trêmulas e a abracei.
– Ouvi um barulho vindo do porão! – Sua voz estava trêmula.
– Ahh Leona! Não precisa ter medo de fantasmas! – Segurei sua mão e a levei em direção a porta, ela travou quando viu que ia levá-la para o porão do navio.
– Ewren eu não vou lá! – Sua voz saiu tremida e chorosa.
– Vai sim! Vamos juntos, não precisa ter medo, não tem nada lá, Leona! – Falei levando-a até as escadas de acesso ao porão do navio, ao chegar perto das escadas deu para ver um brilho turquesa vindo do portão.
– O que é isso? – Perguntou ela apertando meu braço com força.
– O brilho dos cristais de purificação! – O porão estava tomado por cristais de todos os tamanhos que brilhavam intensamente.
– É muito bonito... – ela estava vasculhando cada canto do navio com os olhos até parar em um ponto e ficar pálida como um fantasma. Segui a linha de seus olhos até encontrar o motivo de seu espanto. No canto mais distante da sala havia uma Loba branca de olhos vermelhos nos encarando.
– Neve? O que está fazendo aqui? – Fui até onde ela estava escondida e me abaixei ao lado dela, a Loba que era de Andros estava triste, abatida.
– É aquela loba de Andros? – Leona esticou o braço para tocar em Neve, que estava ainda mais amuada que antes.
– É sim, parece que fugiu de Lótus Vale e ficou escondida por aqui desde então! – A tirei do meio dos cristais com dificuldade, ela era grande e pesada, mas estava magra e leve demais. – Ela não vai resistir, está muito fraca. – Os olhos de Leona se encheram de lágrimas ao esfregar o focinho da loba, ela ganiu baixinho e deitou a cabeça sobre meu ombro.
– Vamos levá-la lá para cima! – Leona soltou a pata da loba que estava presa entre os cristais e fomos para o convés do navio.
– O que é isso? – Hasan veio até nós, colocamos a loba no chão do navio, Leona ficou sentada no chão com a cabeça de Neve em seu colo.
– Era a loba do ex-marido de Lórien, quando ele morreu ela ficou sozinha. – Explicou Leona.
– Acho que está morrendo... – Hasan olhou da loba para Leona e suspirou. – Você sempre levava animais que resgatava da rua para casa e Lupine sempre te mandava levá-los embora, aí você chorava e os escondia e tratava deles, eu te ajudava a escondê-los dela... – Hasan sentou ao lado dela e afagou Neve também, ela tentou mover a cauda como se estivesse abanando-a e lambeu a mão de Hasan.
– Ela gostou de você! – Falei dando um passo para trás e indo cuidar do timão já que estavam distraídos com a loba. Leona estava chorando de soluçar com a loba no colo, ela se apegava mais facilmente a animais do que a pessoas. Quando achei que a loba já estivesse morrendo, vi Hasan mover as mãos e tocar no focinho de Neve com a mão suja de sangue. O pelo de Neve começou a brilhar e ela dobrou de tamanho, ficando pouco menor do que Amaterasu, saltando do colo de Leona e correndo pelo convés alegremente. Leona estava sorrindo agora e abraçada em Hasan, o sorriso dela era tão radiante que podia fazer um coração partido se concertar facilmente.
– Agora tenho uma guardiã canina também! – Hasan falou brincando ao se aproximar para assumir o timão novamente. Desci até onde elas estavam brincando e abracei Leona.
– Quando chegarmos a Mantum, não use seus poderes para nada, a não ser que seja caso de vida ou morte, não mostre suas marcas, não deixe que saibam quem você é! Nossa cabeça está valendo ouro por aqui e não quero que se machuque, tudo bem? – Falei baixinho para ela. – Na cabeça de muitos, nós somos o inimigo, então até estarmos em locais seguros, não seja reconhecida! – Leona estava com o olhar vazio fitando o nada.
– Estou com um pressentimento estranho... – ela se desvencilhou de meus braços, se aproximou da beirada do navio e olhou as águas escuras do mar. Suas palavras fizeram minha pele se arrepiar. – Ewren, pode ir ver se a Serena está bem? Por favor? – Pediu ela olhando-me de canto de olho.
– Está bem, cuidado para não cair na água! – Falei lhe dando um beijo no rosto e me afastando. Quando estava passando pelo arco da passagem que leva a cabine, um forte solavanco fez o navio sacudir nos derrubando no chão.
– Batemos em quê, Hasan! – Gritei.
– Não batemos em nada! Algo bateu em nós! – Quando ele falou isso, Neve começou a rosnar e latir olhando para onde Leona deveria estar, mas não estava mais...
Leona:
A água estava muito gelada, nadei em direção à superfície. O mar estava calmo e os sóis já estavam aparecendo quando caí do navio no mar. Olhei em volta procurando por algo que o navio pudesse ter batido, mas não havia nada, nenhuma rocha ou embarcação menor. Tentei usar meus poderes para voltar ao navio, mas não consegui usá-los. Ewren apareceu na beirada e pareceu aliviado quando me viu na água.
– Isso não é hora de nadar! – Disse ele rindo.
– Me tira daqui! A água está muito gelada! – Falei batendo os dentes.
– Por que não usa seus poderes para subir a bordo? – Perguntou ele cruzando os braços.
– Não consigo usar meus poderes, parece que eles sumiram! – Respondi irritada. Ewren ficou pálido e virou de costas para pegar uma corda. Por que ele não usou seus poderes para me tirar da água? Senti algo passar raspando em minha perna. Olhei para baixo, mas não havia nada. É só sua imaginação! Está sentindo coisas! Falei para mim mesma fechando os olhos. Antes que Ewren pudesse voltar com a corda, algo puxou minha perna para baixo, não tive tempo de gritar, apenas tempo suficiente para prender o fôlego e ver duas sereias me levando para baixo, para o fundo do mar, minha cabeça estava começando a doer, não sabia por quanto tempo manteria o fôlego, estava sem minhas armas e não estava conseguindo usar meus poderes.
Sacudi a perna tentando me soltar, mas a Sereia me encarou com um olhar cruel, com os dentes de agulhas a mostra, um filme de Ami e Lirien devorando os bandidos do deserto me veio à mente e acabei soltando o resto do ar sem querer. Meu consolo é que talvez morreria afogada antes de ser devorada por elas. Elas pararam de descer e começaram a nadar em linha reta, numa velocidade assombrosa, fazendo um rastro de bolhas atrás de nós.
Era o fim, não estava mais conseguindo manter a respiração presa, iria começar a me afogar a qualquer momento quando a água salgada entraria em meus pulmões queimando tudo. Senti um frio em meu braço direito, onde a pulseira de cristais azuis que Sarya havia me dado estava. Ela estava brilhando. Quando não consegui mais segurar o folego, para meu espanto e surpresa, consegui respirar normalmente, como se estivesse do lado de fora da água! Ou estava morrendo e alucinando, ou estava realmente conseguindo respirar.
Tentei levantar a cabeça para ver para onde estavam me levando, meus olhos pousaram sobre uma imensa cidade submarina, haviam dez torres que circulavam a cidade totalmente construída em corais gigantes das mais variadas cores e formas e conchas tão grandes quando carros, milhares se sereias nadavam por lá.
As sereias não me levaram para a cidade como achei que aconteceria, ao invés disso desviaram para a esquerda e me levaram para uma espécie de campo de algas azuis onde mais duas sereias tão assustadoras quanto elas as aguardavam. Elas me colocaram sobre uma pedra, prendendo meus braços e pernas com estranhos pedaços de algas trançadas, eram muito resistentes, talvez mais resistentes que cordas normais. Queria falar, mas não conseguia, perguntaria por Lirien e Ami, talvez elas me soltassem se dissesse que os conhecia.
– Devemos chamá-lo aqui? Ou a levamos até ele? – Perguntou uma delas segurando uma adaga perigosamente perto de meu pescoço.
– A recompensa é grande, mas não atravessaria o Deserto dos Vermelhos nem por todo ouro de Amantia sem um guia! – Disse a outra.
– Já pararam para pensar por que ela ainda está acordada e nos encarando? – Uma delas estava me observando e notou que eu estava acordada. – Ela não está afogada! Impossível! É uma humana! Vocês capturaram a pessoa certa?
– Ela é igual a mulher da foto que Guinn nos mostrou! – Disse a que estava mais afastada, quando ela disse o nome de Guinn, meu estômago afundou. Eles já estavam atrás de nós aqui em Amantia!
– Acenda as marcas dela, Jojo! – Disse a loira à minha frente. A sereia que estava com a faca em meu pescoço tocou minha testa com o polegar fazendo uma leve pressão. Senti um incômodo no peito quando as marcas douradas acenderam e brilharam em mim. – Idiotas! Trouxeram a mulher errada! Ela deveria ter marcas roxas e não douradas! Ele nos avisou que tinha duas! – Ela parecia furiosa.
– O que faremos com ela? – Perguntou a Sereia chamada Jojo.
– Vamos comer! – Respondeu ela dando um sorriso sinistro para mim. Comecei a me debater e tentar me soltar, mas não conseguia nem mesmo falar! Pensei em Ewren, em minhas filhas usei toda minha força para tentar fazer meus poderes voltarem, mas nada que fazia parecia adiantar e dessa vez tinha a certeza de que ninguém viria me salvar. A sereia se aproximou de mim com as adagas na mão.
– Dividiremos igualmente! – Disse ela marcando minha perna com a Adaga fazendo uma linha fina de sangue subir na água. Seus olhos ficaram vermelhos, ela ergueu a adaga preparando o golpe, queria fechar os olhos, não queria ver o que ela ia fazer, mas meu corpo não respondia, meus olhos estavam travados na lâmina da adaga. Quando ela desceu o braço, um brilho prateado o fez separar do resto do corpo, fazendo a água em volta de nós ficar manchada com seu sangue, seu braço decepado caiu em cima de mim ainda segurando a adaga que perfurou novamente minha pele. Elas começaram a lutar com alguém, mas a água começou a ficar ainda mais cheia de sangue e não conseguia ver nada, só sentia o cheiro e o gosto metálico na boca. Logo em seguida algo cortou as algas e segurou meu braço, puxando-me de dentro da névoa de sangue que cobria aquele local, ela estava se dissipando nas águas, mas o cheiro ainda era muito forte.
– Já parou para pensar nas vezes que você quase morreu desde que pisou em Amantia pela primeira vez? – A voz de Demétrius me pegou de surpresa, olhei para ele que estava me levando em direção a cidade, fiquei assustada com sua aparência, sabia que ele era híbrido, mas não achei que fosse vê-lo transformado. Sua trança ruiva tinha cor ainda mais viva dentro da água, seus olhos estavam vermelhos, sua cauda longa e cinzenta era ainda maior que a de Lirien, porém dos lados cabeça saiam dois chifres negros com as pontas vermelhas que quase se uniam na frente de sua testa.
– Só você tentou me matar duas vezes! – Minha voz saiu normalmente agora. – Para onde está me levando? O navio está do outro lado! – Tentei soltar meu braço, mas ele apertou ainda mais e deu um sorriso para mim.
– Não vamos para o Navio, vamos falar com uma amiga minha no palácio dos Nove Dragões.
– Mas Ewren...
– Deixa ele sentir sua falta um pouquinho, vai fazer bem para ele! Não dizem que a distância aumenta o amor? – Disse ele rindo.
– Ele vai achar que você me sequestrou! – Respondi.
– Não vai não! Ele me disse que você sumiu no mar quando cheguei no Navio a alguns minutos, aí eu vim atrás de você! – Disse ele piscando para mim. – Te levar de volta inteira vai ser uma prova de lealdade!
– Por que estou conseguindo respirar aqui?
– Sacerdotisa das águas... – ele mexeu na pulseira em meu braço. – Jocelinne era a sacerdotisa do fogo, ela podia entrar no fogo sem se queimar como as salamandras, sua mãe podia se transformar em vento assim como os silfos, Mayra tem poder sobre a terra, e você tem poder sobre tudo que diz respeito às águas! – Ele riu novamente de mim.
– Como sabe tudo isso?
– Entrei na biblioteca particular de Fairin quando estava em Lótus vale, sei mais sobre você do que você mesma!
– Isso é assustador, sabia senhor perseguidor? – Ele novamente mostrou os dentes de agulha para mim. Entramos na cidade, Demétrius passou a mão sobre as marcas na minha testa e no meu braço fazendo-as desaparecer. A cidade era incrível, parecia um aquário natural, nadamos por caminhos largos que pareciam ser ruas até chegarmos a um palácio feito de corais vermelhos. Demétrius voltou a sua aparência “normal” antes de entrarmos pelas portas, os guardas tiraram as armas do caminho sem nem mesmo perguntar o que viemos fazer aqui, o que me deixou um tanto desconfiada de Demétrius.
O palácio era ainda mais incrível por dentro, ao passamos pela porta a água desapareceu, pelas janelas grandes dava para ver o mar e os sereianos nadando lá fora, e vários animais estranhos também, e muitos peixes das mais variadas formas, tamanhos e cortes.
– Que amiga você tem aqui no palácio? E como passou tão facilmente pelos guardas? – Perguntei olhando-o espantada, Demétrius segurou meu braço e me parou, tocou sua mão no alto da minha coxa. – Se não tirar a mão daí eu vou arrancar todos os seus dentes! – Disse num rosnado, ele revirou os olhos e me mostrou a mão suja de sangue. Olhei para o corte que a adaga da Sereia havia aberto em minha perna, não estava sentindo absolutamente nada até ele me mostrar.
– Já conhece esse Veneno, não é? É o mesmo das adagas de Ewren, as que ele tem foram um presente dessa minha amiga... – disse ele curando minha perna, arrumei o vestido e o sequei, agora meus poderes estavam de volta. – Não me leve a mal, mas prefiro elfas! Moan é a única humana diferente que conheço, ela é um doce e você parece mais um animal selvagem, não faço ideia do que aquele elfo viu em você! – Ele estava me olhando da cabeça aos pés.
– Desculpe. – Murmurei baixinho ainda envergonhada.
Não fomos para uma grande sala que havia no final do corredor, ao invés de entrarmos na sala, Demétrius me arrastou para uma escada em espiral em um corredor estreito. No topo da escada havia uma porta fechada, Demétrius bateu três vezes de maneira ritmada antes de entrar, quis ficar na porta, mas ele não deixou, arrastou-me para dentro junto com ele. Na cama no centro do quarto havia uma mulher deitada em uma cama em formato de concha aberta e um dossel pendurado no teto, aparentemente ela estava dormindo. Seus longos cabelos verdes e lisos caiam para fora da cama, sua pele também era azulada e ela se parecia um pouco com Ami, porém as tatuagens dessa mulher eram de cor jade.
– Misa... – Demétrius sentou na beirada da cama e chamou a mulher, sacudindo seus ombros de leve. – Misa! – Chamou novamente.
– Me deixa dormir mais um pouquinho! – Disse ela virando-se de lado e chutando Demétrius para fora da cama. Ele bufou, tirou o lençol que a cobria e puxou seus pés, derrubando-a da cama.
– ACORDA PRAGA DOS INFERNOS! VOCÊ TEM UMA CIDADE INTEIRA PARA GOVERNAR E QUER DORMIR ATÉ MEIO DIA? – Berrou ele fazendo-me pular contra a parede como um gato assustado, a mulher também teve a mesma reação que a minha.
– Praga dos infernos é você! Demônio! – Ela esbravejou jogando um travesseiro contra Demétrius, como se isso fosse machucá-lo.
– Obrigado! – Ele começou a rir e a levantou do chão.
– O que quer aqui? Perguntou ela esfregando os olhos e sentando-se novamente na cama. – Quem é essa, Demétrius? – Perguntou ela encarando-me com seus grandes olhos brancos.
– Essa é Leona, a sacerdotisa das águas. – Disse ele tranquilamente indo até um armário e pegando uma roupa para a mulher. – Filha de Lupine, lembra-se dela?
– Claro que me lembro, foi ela que fez a magia para que meu castelo ficasse sem água por dentro! – Misa sorriu para mim. – Como vai, Leona?
– Bem, na medida do possível! – Disse tentando sorrir calmamente.
– Bem? Acabei de te salvar de virar café da manhã? Você é muito otimista! – Demétrius conseguia ser mais implicante que Ewren.
– Soube que sua cabeça vale muito, por que alguém ia querer te devorar e perder a recompensa? – Perguntou ela de forma tão natural, como se fosse normal ser um prato da próxima refeição de alguém, esqueci que para eles, eu era uma refeição “normal”. Demétrius andou até mim e tocou em minha testa, fazendo as marcas se acenderem.
– As marcas dos Ascardian? Como você as têm? – Perguntou ela segurando minha mão e pousando seus olhos sobre a marca em meu dedo anelar.
– Ela é casada com o Ewren, Misa! – Ele respondeu antes que eu dissesse. Misa soltou minha mão e me encarou por um bom tempo.
– O que vieram fazer aqui, afinal! – Perguntou ela nos encarando, sua voz estava diferente, mais hostil do que antes.
– Como disse, acabei de salvá-la de virar refeição, e como estávamos perto, vim lhe pedir ajuda! – Respondeu Demétrius sentando novamente ao lado dela na cama.
– Ajuda em quê?
– Precisamos que você nos empreste a força dos exércitos de Tormentas, para podermos tirar Fairin do Castelo de cristal... – disse ele a ela, que parecia muito confusa, Demétrius tocou suas testas, lhe passando suas memórias.
– Não vou me meter na briga deles! – Disse ela encarando-me com os olhos vazios. – Foi a ancestral dela que arrumou isso, não venha querer me meter em coisas sem sentido!
– Vai pegar birra da moça por causa dele? – Demétrius estava quase rindo novamente sob o olhar frio de Misa.
– Não é apenas minha briga, é de todos nós! Ou você acha que ele vai tomar Amantia e os doze mundos e deixar os mares daqui em paz? – Falei. Ela se levantou e veio até mim parando a centímetros de meu rosto, ela era maior do que eu, mas a encarei do mesmo jeito, quando ela abriu a boca para me responder alguém abriu a porta do quarto e entrou.
– Ouvi vozes exaltadas! O que está acontecendo aqui, mãe? – A mulher que havia acabado de entrar era Amijad.
– Ami! – Disse sorrindo e a abracei. Ela pareceu confusa ao me ver aqui, mas me abraçou mesmo assim.
– Leona! Quando tempo não te vejo! Você desapareceu! Soube que está sendo caçada! – Era muita informação ao mesmo tempo.
– Estava em... – quase falei sem querer. - ... outro mundo com Ewren! – Falei baixinho.
– Amijad, você a conhece? – Perguntou Misa.
– Claro que sim! Foi ela que nos guiou pelo deserto dos vermelhos! Se não fosse ela e aquele elfo rabugento, não teríamos conseguido sobreviver ao deserto! – Disse ela sorrindo e mexendo em meus cabelos. Misa nos encarou por um instante e depois olhou para Demétrius, que ergueu uma sobrancelha para ela como se estivesse provocando-a, ela suspirou e por fim sentou-se na cama novamente.
– Você tem a minha palavra, os exércitos das Tormentas estarão à sua disposição a qualquer momento que precisar! – Disse ela pegando um pingente de seu colar e o colocando em minha pulseira. Era uma pequena escama brilhante e esverdeada.
– Bom, agora se nos dá licença, tenho que levar a sacerdotisa de volta! Seu guardião já sofreu demais! – Demétrius foi em direção à porta, o segui com Ami agarrada em meu braço.
– Obrigada, Misa! – Agradeci antes de sair do quarto. Ela apenas acenou com a mão e voltou a deitar.
– O que está fazendo aqui, Tio? – Perguntou ela a Demétrius.
– É uma longa história, minha queria! – Ele se virou para nós, deu um beijo em sua testa e sorriu. – Vamos precisar de toda ajuda possível, Ami! Se puder, vá até a cidade da Tempestade e faça com que o exército deles venha para cá e aguardem nossas ordens daqui! Está bem?
– Como vou fazer isso? – Perguntou ela.
– Você é mestre em convencer as pessoas! Estamos todos contando com você! – Ela sorriu e se afastou.
– Nos veremos mais tarde, Leona! – Disse ela sumindo de vista nos corredores do palácio. Descemos as escadas em espiral de volta ao corredor principal.
– Irmão da governante da cidade das Tormentas? – Perguntei olhando-o de canto de olho.
– Sim, Misannin é minha meia-irmã, temos o mesmo pai fui trazido para viver na cidade quando minha mãe morreu, mas Herijan, a esposa de meu pai não me suportava, então fui treinado com os guardas reais, assim podia viver no palácio e não ficar às vistas dela. Misa e eu sempre tivemos um relacionamento bom, como irmãos de verdade!
– Deu para notar! Mas por que ela ficou tão zangada comigo quando viu as marcas em meu braço? – Quando perguntei, Demétrius começou a rir.
– Ewren prometeu se casar com Misa quando ela era... mais jovem! – Disse ele disfarçando. – Depois que ele conseguiu o que queria, foi embora, a largou aqui e nunca mais apareceu. Logo depois Herijan a obrigou a se casar com um Lorde da cidade da tempestade. – Respirei fundo e mordi os lábios.
– Será que em todas as cidades que pararmos para conseguir aliados, vou encontrar uma mulher que Ewren dormiu para implicar comigo?
– Perdão por te desanimar, mas é bem provável! – Disse ele soltando uma gargalhada. – Ele viveu muitos séculos aqui antes de você aparecer! Não podia esperar algo diferente dele, aliás, de nenhum homem daqui!
– Eu sei! Só esperava não ter que encontrar com elas... é frustrante!
– Olha o lado bom, você é a mais bonita de todas as conquistas dele! – Disse ele sorrindo, se aquilo foi para me animar, piorou a situação.
– Como sabe que sou a mais bonita, conhece todas? – Minha voz saiu mais irritada do que pretendia. – Desde quando vocês dois se conhecem afinal?
– Não conheci todas, mas Jocelinne foi considerara a mais bela de Amantia e você é quase idêntica a ela! – Ele afagou minha cabeça gentilmente. – Talvez se Lupine nunca tivesse te levado de Amantia, tudo poderia ser diferente hoje!
– Demétrius? Como me achou tão rápido, quer dizer, quando estava presa pelas Sereias? – Perguntei tentando mudar o rumo da conversa, meu coração já estava se agitando cedo demais hoje.
– Já disse, nós temos uma conexão parecida com a que você tem com Ewren e aquela Waheela, eu vou sempre saber onde você está.
– Então Fairin também sabe onde estou?
– Ele tomou seu sangue enquanto você ainda era virgem?
– Não! – Respondi ficando corada.
– Então não pode te achar! Essa ligação que eu tenho com você só é estabelecida pelo sangue puro. Ele pode encontrar Jocelinne e Mayra facilmente pois tomou o sangue delas sem permissão como fiz com você, mas você ele não pode encontrar. Você só precisa evitar que ele descubra sobre suas filhas! – Disse ele diminuindo o passo, minha visão escureceu, senti um frio na espinha e uma raiva incontrolável tomou conta de mim. Tomei rapidamente uma de suas espadas e coloquei eu seu pescoço prendendo-o contra a parede.
– Como sabe disso, Demétrius! – Gritei. Ele me olhava assustado e com os olhos espantados.
– Abaixe essa espada, Leona! – Disse ele tentando soltar as mãos, mas havia o prendido contra parede usando meus poderes.
– Perguntei como sabe delas! – Gritei novamente tocando a espada em sua garganta. – Responda ou eu arranco a sua cabeça fora agora e vou sujar esse castelo com seu sangue! – O ameacei num rosnado. As marcas em meu braço haviam ficado vermelhas, me assustei e o deixei cair no chão, as marcas ficaram douradas novamente então as apaguei.
– Não sabia! – Disse ele tossindo e ficando de pé. – Só percebi uma mudança no seu poder quando esteve em Lastar, a única coisa que muda o poder de vocês dessa forma é a Maldição! Então supus que vocês fugiram para o outro mundo por isso! Falei agora para obter uma confissão indireta sua...
– Fairin perceberá também! – Falei encostando na parede e escorregando até o chão.
– Não, não vai perceber! Só notei a diferença por causa do seu sangue que tomei. Nem mesmo Moan percebeu diferença.
– Você falou para ela?
– Não falei para ninguém, nem pretendo falar nada! Já disse que estou com vocês! – Ele estendeu a mão para me levantar. – Temos que voltar logo, eles devem estar preocupados!
– Promete que não vai deixar ninguém saber delas? – Implorei segurando seu rosto, seus olhos estavam fixos nos meus, pude ver meu medo refletido em seus olhos.
– Prometo! Vou guardar o seu segredo até que Fairin não esteja mais estre os vivos! – Disse ele colocando a mão sobre seu coração. Me senti aliviada, havia sinceridade em suas palavras, se me enganasse faria questão de cortar sua cabeça eu mesma dessa vez.
Saímos do palácio em direção a saída da cidade rapidamente. Em outras circunstâncias teria andado pela cidade inteira olhando tudo e comprando coisas bonitas, mas essa não era a hora. “Quando tudo isso acabar, irei vir aqui com Lórien, Ewren e as meninas! ”
Segurei na mão de Demétrius enquanto ele me levava de volta ao navio.
5
Fantasmas
Demétrius não nadava tão rapidamente quanto as Sereias que me raptaram, mas estávamos bem perto do navio agora, podia sentir a presença de Ewren e Amaterasu.
– Não conte a ele que sei das suas filhas, tudo bem? – Demétrius falou após um longo tempo nadando em silêncio.
– Não vou contar.
– Já sabe o que vai fazer se não conseguirmos derrotá-lo? – Estávamos no mar, nas águas frias e mesmo assim suas palavras me deixaram com um frio terrível na barriga.
– Tenho um segundo plano... – Demétrius parou de nadar para poder me encarar.
– Espero que o seu segundo plano não seja se unir a ele!
_ meus planos não incluem traição, Demétrius! – Respondi friamente.
– Você é filha dele, talvez...
– Eu não vou me unir a ele! Não me julgue como uma pessoa que pode ser comprada com poder! – Ele me encarou por mais alguns instantes antes de subir a superfície. O navio estava parado no mesmo lugar nos esperando. Usei meus poderes para fazer uma escada e subir a bordo. Ewren estava nos esperando, ele me deu a mão e me puxou para um abraço.
– Você só arruma problemas, sabia! – Disse ele me apertando com força.
– Arrumei mais aliados também! – Respondi.
– Ela conquistou minha irmã dando algumas patadas nela! – Disse Demétrius rindo e sentando-se no chão.
Moan veio ao nosso encontro e sentou-se ao Lado de Demétrius também. Amaterasu veio até mim fazendo uma festa e abanando o rabo.
– Vamos até a cabine, tem que trocar essas roupas molhadas! – Ia dizer que podia fazer isso com meus poderes, mas Ewren me levou para a cabine antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Serena já não estava mais na cabine.
– Você está bem? – Perguntei a ele.
– Onde vocês estavam, o que aconteceu?
– Algumas Sereias me sequestraram para me entregar a Fairin, parece que ele e Guinn espalharam fotos de nós com o valor da recompensa. Elas desistiram de me entregar a ele pois eu parecia uma boa refeição, então Demétrius apareceu e matou elas. Depois fomos ao palácio dos nove Dragões pedir ajuda à irmã dele. – Resumi a história da melhor maneira que pude escondendo a parte das bebês.
– Misannin fez alguma coisa contra você? – Perguntou ele olhando-me preocupado.
– Não, ela não fez nada, só rosnou um pouquinho, mas a coloquei no lugar dela! – Respondi, Ewren ficou me encarando por um tempo, olhando bem fundo em meus olhos depois começou a rir. – Qual é a graça?
– Você é inacreditável, parece um animal selvagem, brigona, teimosa e quando alguém te provoca você apenas responde à altura!
– O que você esperava que eu fizesse? Batesse nelas porque você ficou com elas antes de mim? – Ele pareceu desconcertado.
– Talvez...
– É por isso que você odeia tanto o Demétrius? Achava que ele poderia fazer algo comigo por vingança ao que você fez com a irmã dele?
– Na verdade isso nunca passou pela minha cabeça! Mas faz sentido.
– Quando vocês se viram em Arcádia eu tinha certeza de que não o conhecia! Pelo jeito que ele falou com você.
– Leona, Amantia é um mundo bem menor que a terra! As pessoas aqui vivem muito, muito mesmo! Eu conheço quase todas as pessoas de Amantia e quase todos me conhecem, você e Serena que são as novidades desse mundo! Quanto a Demétrius, o conhecia de vista apenas, ele era guarda do Palácio dos nove dragões. Só soube que ele era irmão de Misa quando ela me falou.
– Entendo... – bufei desviando o olhar.
– Está chateada comigo por causa disso? – Ele segurou meu queixo com o polegar e o indicador e virou meu rosto para ele novamente.
– Claro que não, não tem porque eu estar chateada por isso.
– Me desculpe.
– Pelo que?
– Se eu tivesse tirado você da água com meus poderes na hora que você disse que não conseguia usar os seus, você não teria sido levada por elas.
– Foi bom, conseguimos mais ajuda! Sabia que essa Misa é mãe de Ami?
– Isso eu não sabia! – Ele ficou pálido de repente e soltou meu rosto.
– Relaxa, Ewren! Ela é filha de Castien, não é sua não! – Demétrius falou do outro lado da porta dando uma risada divertida.
– É feio ouvir a conversa dos outros sabia? – Respondi. Ewren parecia aliviado agora. – Vai continuar aí escutando a conversa? – Perguntei, ele ficou em silencio fingindo ter saído, fiz uma adaga longa aparecer em minha mão e a atirei contra a parede de madeira do navio, a lâmina atravessou a madeira e ouvi um barulho estranho do outro lado.
– Ficou louca? – Gritou ele – Você quase acertou minha cabeça!
– Sai daí ou eu mando Amaterasu fazer peixe frito para o almoço! – Gritei.
– Não tenho gosto bom, sou meio demônio também! – Disse ele bufando. Ouvi barulho de passos em direção a escada e sorri.
–Você fica assustadora as vezes, sabia? – Ewren passou os dedos no meu pescoço, lhe dei um beijo no queixo e ele me puxou pela cintura.
– Cadê Serena? – Perguntei afastando-me em direção à porta.
– Estava lá fora com Hasan! Ela acordou assustada na hora que o navio parou. – Ele puxou meu braço antes que eu chegasse à porta e me derrubou no chão prendendo-me com as pernas e segurando minhas mãos acima de minha cabeça.
– O que acha que está fazendo? – Perguntei.
– Não estou fazendo nada... – ele sussurrou mordendo de leve minha orelha, meu coração acelerou. O beijei enquanto soltava minhas mãos, quando tentei sair ele riu e mudou de aparência, seus cabelos prateados estavam roçando em meu pescoço, ele abriu as asas e as fez nos cobrir enquanto levantava meu vestido.
– Ewren, o que está fazendo? – Minha voz estava dura, senti algo errado com ele. Segurei seu rosto e o virei para mim, seus olhos estavam vermelhos e brilhantes.
– Já disse que não estou fazendo nada demais! – Sua voz estava mais grave ele me apertou com força contra o chão, lembrando-me de como ele havia ficado em Vintro. Rapidamente o abracei e criei uma bolha dourada ao nosso redor.
– Que a minha luz dissipe as trevas que se escondem em seu coração, que meu calor seja o suficiente para aquecer sua alma sombria... – Falei baixinho o prendendo com força em meus braços. Senti a energia fluir de mim para ele e passar por ele como se o estivesse purificando.
– O que está fazendo? – Perguntou ele para mim, sua voz estava normal e seus olhos prateados, quando ele se deu conta do que e estava acontecendo, afastou-se de mim fechando as asas, levantou-me do chão e me abraçou novamente. – Sinto muito! Não era para isso acontecer mais.
– Nós estamos em um navio cheio de cristais de purificação, não era para acontecer isso mesmo! – Resmunguei.
– Não subestime o poder maligno que o mar das tormentas tem! Até você é fortemente afetada por ele! – Disse ele para mim. Ouvimos um barulho de espadas se chocando vindo do convés e saímos apressados em direção a ele. Moan e Serena estavam gritando feito loucas com Hasan e Demétrius que estavam lutando ferozmente em cima do mastro central, Amaterasu latia desesperada em direção a eles, Meow e Neve também pareciam incomodados com a briga.
– O que está acontecendo afinal? – Perguntei a Moan.
– Eles simplesmente começaram a brigar! Sem motivo algum só sacaram as espadas e começaram a lutar! – Ela estava apavorada.
– Será que eles estão brincando? – Perguntou Serena olhando-os preocupada. Nesse momento Demétrius cortou uma corda da vela que fez um efeito chicote, Hasan pulou a tempo evitando que a corda o derrubasse. Uma densa neblina começou a rodear o navio e não permitia que víssemos nada.
– Dissipem! – Gritou Moan girando seu cajado, a neblina se afastou de nós, nos permitindo ver o que estava por trás da neblina. Eram fantasmas, muitos deles e vindos de todas as partes, muitos caminhavam sobre as águas e outros atravessavam as paredes no navio.
– Vieram tirar a paz daqueles que descansam, agora se juntarão a nós! – A voz melodiosa do fantasma mais próximo a nós ecoou em meus ouvidos, preferia enfrentar um Ymir novamente ao ficar perto daqueles fantasmas. Ewren sacou a espada.
– Isso não vai adiantar conta eles! – Gritou Moan aproximando-se de mim. – Essa perturbação vem deles, Leona! – Disse ela para mim.
– A espada não é para eles! – Disse ele a brandindo em nossa direção. Conseguimos escapar do seu golpe, seus olhos estavam brancos e apagados. Demétrius e Hasan saltaram do mastro no navio e pararam ao nosso lado para nos proteger de Ewren que brandia a espada violentamente contra nós. Amaterasu e neve estavam acuadas em um canto da proa do navio e Meow saiu voando assim que a névoa começou a aparecer.
– Essa sua Mantícora é tão covarde quanto um amigo que eu tenho! – Resmunguei para Hasan, mas seus olhos ficaram brancos também e Segurou Serena, que começou a gritar e se debater, Moan tentou ajudar enquanto eu segurava os ataques de Ewren, mas foi presa por Demétrius também.
– Moan, o que são esses fantasmas afinal? – Perguntei usando uma forte onda para varrer Ewren de perto de nós.
– São os fantasmas dos homens que morreram devorados pelas sereias, eles querem se vingar de todas as mulheres que não os impediram de se atirar ao mar! Por isso não estão fazendo nada contra eles!
– Como se mata um fantasma? – Perguntei, eles se aproximavam cada vez mais de nós.
– Ah sério gênio? Como se mata alguém que já está morto? – Fiquei sem saber se ela estava apenas debochando ou se era tão obvio que não precisava de resposta. Ewren se aproximou novamente, suas marcas acenderam e correntes apareceram no chão prendendo a nós três.
– Não estou conseguindo usar meus poderes com precisão!
– Nem vai conseguir, o mar das tormentas causa fortes interferências em nossos poderes! – Respondeu Moan.
– O que faremos então?
– Não sei! Nunca enfrentei fantasmas! – Demétrius se aproximou dela com a adaga na mão, seus olhos brancos e dentes de agulhas a mostra estavam mais assustadores do que estiveram antes.
– Precisamos de fogo de raposa! – Serena falou nos surpreendendo, olhamos para ela espantadas.
– Como sabe disso? – Perguntamos juntas
– Li num mangá uma vez... – respondeu ela, Moan revirou os olhos e bateu com a cabeça em forma de deboche, Serena ficou sacudindo as correntes tentando se soltar, porém Hasan segurou seu cabelo e colocou as garras em seu pescoço.
– NÃO TOQUE NELA, HASAN! – gritei batendo os pés no convés usando toda força que pude juntar com meus poderes reduzidos pelas correntes de prata. A pancada fez uma onda atingir o navio derrubando os três, mas os fantasmas não foram afetados por ela.
– Por favor, nos deixem ir! Não temos nada a ver com o incidente de vocês! – Moan começou a choramingar baixinho.
– Tive uma ideia! – Olhei para Amaterasu, se podia controlar os lobos de terra, talvez pudesse controlar minha guardiã. Usei toda minha concentração para liberar minha alma e alcançar Amaterasu no canto do navio, foi muito difícil tomar o corpo dela, vamos menina, me dê passagem ou todos nós morreremos aqui! Falei em pensamento para ela, foi como se ela tivesse me entendido e liberado seu corpo para mim, pude ver através de seus olhos e controlar seu enorme corpo de Waheela. Meu próprio corpo estava caído sobre Moan, Ewren e Demétrius se aproximavam de nós, saltei por cima das escadas e aterrissei em cima deles dois, derrubando-os com meu peso, logo em seguida dei uma cabeçada em Hasan, derrubando o também, ao abrir a boca de Amaterasu, pude soltar uma descarga elétrica no chão molhado do navio, evitando a parte que Serena e Moan se encontravam, assim eles não nos dariam mais trabalho. Pelo jeito, a possessão dos fantasmas era muito fraca, eles não tinham acesso total aos poderes dos possuídos.
– Vocês não vão escapar! – Disse o fantasma se aproximando rapidamente de meu corpo.
– Leona! Não deixe ele tomar seu corpo! – Gritou Moan assustada. Cori em direção a elas e quebrei as correntes com os dentes fortes de Amaterasu e voltei rapidamente ao meu corpo. Levantei-me tonta e transformei um dos cristais de purificação de meu colar em um espelho, cortei o dedo de serena e pinguei o sangue em sua superfície depois fiz o mesmo com meu sangue.
– O que está fazendo? Rápido Leona! – Serena estava apavorada olhando para Ewren, Hasan e Demétrius que estavam se levantando novamente com as armas nas mãos. Pressionei o vidro do espelho até que ele brilhasse e ficasse com a superfície mole.
– Vocês que ainda não puderam descansar, que permanecem presos aqui pela mágoa e tristeza, lhes dou passagem para o décimo segundo mundo, vão em paz e descansem agora, quando voltarem em outras vidas, sem rancor nem pendências, sejam felizes como não puderam ser nessa existência! Até a próxima vida! – Cantei para eles e ergui o espelho acima de minha cabeça. Um forte vento saiu do espelho formando um redemoinho acima de mim, puxando todos os espíritos para dentro dele, muitos começaram a aparecer de todas as partes, vindo das águas, da direção do porto e de todas as direções, parecia que toda minha energia estava sendo sugada para dentro daquele portal também.
Quando o último fantasma foi arrastado para dentro do espelho junto com a névoa, o espelho voltou a ficar sólido. O atirei no chão partindo-o em pedaços, transformei meu pingente em uma vassoura e varri os cacos para fora do navio. Soltei Moan e Serena, quando as soltei, senti um gosto metálico em minha boca e caí de joelhos no chão.
– Leona! – Moan me segurou antes que eu batesse no chão.
Serena:
Leona havia acabado de nos salvar da vingança dos fantasmas, ela estava com os braços erguidos, segurando o espelho que ainda brilhava fracamente, seus braços e pernas tremiam, seus olhos estavam gravados em uma expressão de angustia e medo. Sabia que ela tinha muito medo de fantasmas, mas ela enfrentou o medo de forma incrível.
Leona abaixou os braços e atirou o espelho no chão, fazendo-o se partir em mil pedaços, girou seu cajado nas mãos transformando-o em uma vassoura e varrendo os cacos para fora do navio. Amaterasu e Neve vieram até nós abanando as caudas enquanto Leona nos soltava das correntes. Moan, nossa meia irmã sorriu e a olhava admirada. Quando ela se virou para ir até onde Ewren e os outros estavam, uma linha de sangue apareceu no canto de sua boca, seus joelhos fraquejaram e ela caiu, Moan a segurou a tempo de impedir que ela tocasse o chão do navio.
– Serena, acorde eles rápido! – Moan estava assustada segurando Leona desacordada em cima de suas pernas dobradas. Senti um frio na boca do estômago ao ver minha irmã daquele jeito, parecia que ela tinha acabado de perder seus poderes, estava pálida e agora escorria sangue de sua boca e de seu nariz.
– Moan o que está acontecendo? O que houve com ela? – Perguntei assustada me aproximando delas e tocando o rosto frio de Leona. Amaterasu se aproximou, deitando ao lado de Leona e colocando seu focinho embaixo da mão de Leona e choramingava baixinho.
– Acorde eles, rápido Serena! – Gritou ela encarando-me. Corri até onde eles estavam e comecei a sacudir Hasan e Ewren.
– Acordem, vamos depressa! – Gritei, mas eles pareciam não me escutar. Usei os poderes que tinha para dar um choque neles, que imediatamente pularam do chão resmungando. Hasan olhava em volta assustado, procurando pelos fantasmas e Demétrius se levantou resmungando.
– Droga! O que aconteceu aqui! – Ralhou Ewren sentando-se no chão e olhando de mim para o local onde estavam Moan e Leona, quando viu Leona nos braços de Moan, seu rosto empalideceu.
– Ela ainda está viva... – Moan mal conseguiu falar. Ele correu na direção delas e tirou Leona dos braços de Moan a levando para dentro da cabine do navio seguidos por Amaterasu.
– O que houve aqui, Moan? – Perguntou Demétrius se aproximando de nós e olhando em direção à cabine.
– Ela abriu um portal para Mogyin e absorveu para dentro dele todos os fantasmas dos mortos de Amantia, TODOS! – Moan o encarava de olhos arregalados. – Demétrius ela fez todos os fantasmas serem arrastados para dentro do portal!
– Não... não tem como fazer isso, mulher! Pare de mentir! – Ele agora olhava espantado também para a cabine. – Não tem como ela ter feito isso, se ela abriu portais atravessando os doze mundos para os levar até lá, ela morreria antes que os fantasmas terminassem de passar! Cada alma enviada para lá...
– Isso gastaria toda a sua energia física e seus poderes, por isso ela desmaiou. – Disse Hasan segurando minha mão e me levando até a cabine. Ele abriu a porta e entrou. Leona estava desacordada sobre a cama, Ewren estava com uma mão em sua cabeça e outra em seu peito, um brilho dourado passava por ele como uma corrente até o corpo dela.
– Ewren... Ela vai ficar bem? – Perguntei me aproximando e me ajoelhando ao lado da cama, olhando para Leona. Ele não me respondeu, não tirava os olhos do rosto dela esperando alguma mudança. Depois de um longo tempo em silencio, tirando as mãos dela e segurou suas mãos. Nunca achei que fosse vê-lo tão assustado como agora, Leona não estava acordando, meu coração estava doendo, havíamos deixado tudo nas costas dela, nem nos esforçamos para tentar ajudá-la.
– Ela só precisa recuperar as energias! – Disse Demétrius entrando na cabine e se aproximando da cama, ele foi segurar o braço de minha irmã, mas Ewren o impediu afastando a mão de Demétrius dela.
– Confie em mim! – Ele estava encarando Ewren, mantendo o olhar firme. Quase dava para ver as faíscas entre eles. Demétrius estão pegou o braço dela virando-o para cima e pressionou uma das tatuagens de folhas douradas, elas ficaram vermelhas junto com a marca de sua testa e começaram a pulsar, aumentando e diminuindo o brilho conforme as batidas do coração dela.
– O que você fez? – Perguntei.
– Uma técnica abissal de recuperação. Por isso é tão difícil derrotar o exército dos Abissais! – Respondeu ele dando um sorriso maldoso. Leona começou a respirar rapidamente e apertou as mãos de Ewren que estavam sobre ela. Quando ela finalmente abriu os olhos, a tensão presente na cabine desapareceu.
– Você está bem? – Perguntei empurrando Demétrius para o lado e sentando na cama ao seu lado.
– Claro que estou! – Ela sorriu. – Não tem mais nenhum deles, não é? Quando comecei a juntá-los no portal, tive a ideia de pegar todos de Amantia, assim nunca mais veria um fantasma por aqui... – disse ela endireitando-se na cama e deitando sobre seu braço como se nada tivesse acontecido, fechando os olhos e dormindo novamente.
– Deixem ela dormir, enquanto as marcas não voltarem ao dourado, ela vai ficar fraca! – Demétrius me pegou pelo braço, e Hasan também, para deixarmos ela descansar, antes de passar pela porta vi Ewren dobrar os joelhos ao lado da cama e abraçar Leona, escondendo seu rosto nos braços dela. Fomos para a cozinha do outro lado do navio para preparar algo para comermos. Lórien estava lá, sentada à mesa com a comida preparada e servida.
– Quando foi que chegou aqui? – Perguntei assustada.
– Agora! – Disse ela comendo feliz algo que parecia ser uma torta de batata com carne.
– Por que está aqui? Não era pra estar com... – Antes que eu terminasse a frase, Hasan esticou o braço para ela, ela o encarou e sorriu.
– Bem esperto, achei que não fossem lembrar! – Ela tirou a manga de sua blusa do caminho, quando seus antebraços se aproximaram as três luas brilharam. – O que aconteceu por aqui? – Perguntou ela olhando nossas caras ainda um tanto assustadas. – Estávamos na torre das Nuvens quando vi uma quantidade absurda de fantasmas sobrevoando a cidade, Arcádius mandou que eu os seguisse pois achou aquilo incomum! – Explicou ela.
– Leona os enviou para Mogyin, ela enviou todos os fantasmas de Amantia para o mundo dos mortos. – Explicou Moan. Lórien engasgou com a torta e nos olhou espantada.
– Ela fez o que? Onde ela está? Ela está bem? – Lórien se levantou arrastando a cadeira.
– Ela está na cabine com Ewren... – ela nem esperou eu terminar de falar, saiu correndo na direção da cabine. Sentamos para comer em silêncio, não se ouvia um pio.
– Ela sempre fez isso, sempre se arriscava para proteger os outros, não importa se era maior do que a força dela, sempre se arriscava. – Hasan falou quebrando o silêncio.
– Ela fazia isso no campo também, quando estávamos com vovô, ela sempre se enfiava na floresta antes de nós para evitar que algum animal nos atacasse durante a noite, ela não mede suas brigas, apenas as enfrenta... – completei.
– Ela vai ficar bem, já disse! Não se preocupem. – Demétrius falou enquanto pegava um pedaço da torta e comia.
– Eles não estão preocupados com ela agora, Demus! – Disse Moan acariciando o rosto dele. – Ela pode acabar morrendo por tentar carregar todo o fardo sozinha. Leona sente que a culpa é dela por estarmos passando por esses problemas, por causa da maldição...
Ficamos em silêncio comendo as coisas que Lórien havia preparado ali, não faço ideia como havia feito tudo aparecer tão rápido. Pouco depois ela voltou seguida por Amaterasu e carregando Neve encolhida no colo.
– Eu vi meu irmão furioso quando Black J. matou Emma, ele ficou possesso de raiva, parecia um demônio... sem ofensa Demétrius – disse ela erguendo a mão para ele. – O vi ficar chateado, até mesmo triste quando mamãe morreu, mas nunca havia o visto com medo antes!
– Ele parecia muito perturbado quando a viu no chão! – Disse Hasan para ela.
– Ele está querendo que eu a leve para Evenox antes que ela acorde!
– Você vai levar? – Perguntei ficando nervosa, não sabia se conseguiria ficar aqui sem Leona por perto.
– Não posso fazer isso! Ela acordaria lá e o odiaria por tentar protegê-la assim contra a vontade dela e me odiaria por tê-la levado!
– Ela vai acordar em poucos minutos! – Disse Demétrius parecendo irritado. – Nem daria tempo de abrir um portal!
– Hasan, use seus poderes para chegarem logo ao outro lado! Essa massa de fantasmas pode ter consequências negativas, Fairin com certeza viu aquilo e pode enviar guardas atrás de vocês! Vão direto para a vila dos caçadores, estou voltando agora, preciso passar um relatório à Arcádius. – Lórien saiu da cozinha e foi para o convés, desaparecendo no ar segundos depois.
– Vou ver como eles estão! – Falei saindo de fininho da cozinha também. Hasan foi para o timão do navio, suas marcas laranja brilharam enquanto as velas se inclinavam e eram sopradas por um vento que ele trouxe. Entrei na cabine com Amaterasu em meu encalço, Ewren estava sentado ao lado de Leona escrevendo em um pequeno caderno de folhas amareladas e capa de couro.
– Ela já vai acordar! – Disse ele olhando de canto de olho as marcas no braço de Leona, que estavam pulsando num tom alaranjado e clareavam bem lentamente.
– Não queira manda-la de volta a Evenox, Ewren, ela nunca o perdoará se você fizer isso!
– Não vou mandar, não se preocupe com isso! – Disse ele entre os dentes. Parecia muito frustrado.
– O que foi?
– Se eu não tivesse decidido vir neste navio, se tivesse feito um outro novo, eles não teriam aparecido! Os fantasmas vieram por causa da energia que usei para restaurar o navio! – Ele cerrou os punhos.
– Se não tivéssemos vindo nesse navio, Neve teria morrido! Ewren, está tudo bem, você não conhece minha irmã como eu conheço! Ela sempre faz essas coisas, mas não se preocupe, ela é de ferro! – Sorri olhando as marcas de Leona, que agora pulsavam em dourado.
– Eu sei... – disse ele passando os dedos no rosto dela. – Mas... – antes que ele completasse o que ia dizer, Leona mordeu sua mão fazendo-o pular de susto.
– Pare de resmungar! Se estivesse lúcido teria feito o mesmo por nós, não é? – Disse ela abrindo os olhos e sentando-se apoiando as costas na cabeceira da cama.
– Na verdade eu nem pensaria nisso, mas usaria meus poderes para tirar todos do navio voando. – Respondeu ele. Leona ficou corada e virou o rosto para o lado.
– Nem pensei nisso!
– Eu sei, você sempre pensa nas coisas mais difíceis! Não sabe escolher o jeito mais fácil! – Resmungou ele. Pulei em cima da cama e a abracei apertado, meu coração martelava minhas costelas com tanta força que achei que ele pudesse sair.
– Não faça isso de novo! Se tivesse soltado a mim e a Moan, teríamos lhe ajudado!
– Tudo bem, me desculpem! Prometo pensar melhor na próxima vez!
– A verdade é que você não pensa direito quando está nervosa e faz a primeira coisa que lhe vem à mente, não é? – Ewren prendeu o cabelo dela para trás depois a tirava da cama.
– Quase isso! Se eu estiver com fome, também não consigo pensar direito! – Seu estômago roncou alto.
– Vamos lá comer alguma coisa então! Não posso deixar que chegue na vila dos caçadores e comece a falar bobagens! – Ewren não perdia uma oportunidade de implicar com ela. Fiquei na cabine com Amaterasu e Neve quando eles saíram, fiquei deitada olhando nos olhos daquele lobo gigante e senti um arrepio, algo estranho.
– Algo ruim vai acontecer, não é? – Falei coçando as orelhas de Neve, que havia subido na cama e estava deitada ao meu lado. Ela espirrou e continuou a me encarar. – Estou com medo! – Admiti para mim mesma. Hasan entrou na cabine fazendo-me pular de susto. Ele sentou na cadeira ao lado da cama e ficou olhando para mim.
– Não estava usando seus poderes para chegarmos rápido? – Perguntei
– Ewren assumiu o comando um pouquinho...
– Entendi. – Sentei na cama cruzando as pernas. – As coisas só vão piorar a partir de agora, não é? – Falei diminuindo minha voz.
– Acho que sim. Mas nossas chances são muito boas! – Disse ele sorrindo para mim, tentando me animar. Senti um calor quando ele prendeu meu olhar com aqueles olhos negros e brilhantes, virei o rosto para o lado, estava sem jeito e envergonhada por causa de seu olhar penetrante.
– Devíamos ir lá para fora ficar com eles! – Disse me levantando para sair. Ele segurou meu braço e antes que pudesse fazer qualquer movimento, Hasan me puxou colocando sua outra mão em meu rosto e me beijando. Não conseguia acreditar nisso! Se achava que estava sonhando e que a qualquer momento acordaria com o despertador para ir à escola e esse era o último minuto de sonho, antes que alguém me acordasse e o estragasse.
Já que eu vou acordar mesmo... o agarrei para que não se afastasse de mim e retribui o beijo. Seus lábios eram tão macios e quentes...
– Me desculpe! – Falei fechando os olhos e me afastando nervosa. Meu rosto estava muito quente.
– Não precisa se desculpar, estava apenas tomando de volta o beijo que me tomou aquele dia na terra... – respondeu ele sorrindo, tirando uma mecha de meu cabelo da frente do rosto.
– Foi meu primeiro beijo! – Falei, virando o rosto envergonhada, não achava que ele iria se lembrar disso! Ele ergueu uma sobrancelha e sorriu.
– Já que eu peguei esse de volta... – ele segurou meu queixo e entrelaçou seus dedos em meus cabelos, inclinando levemente minha cabeça para trás, traçando minha boca com o indicador, então segurou meu queixo e me beijou novamente, forçando minha boca a se abrir, traçando-a completamente com a língua e a enrolando na minha, o calor de seu corpo aumentou, fazendo meu coração bater cada vez mais rápido e descontrolado. Suas mãos seguravam meu rosto para que eu não pudesse me afastar, mas eu não tinha intenção de fazê-lo. Hasan deslizou uma mão pelo meu pescoço e beijou de leve o canto de minha boca depois a mordeu e prendeu meu lábio inferior com os seus. Coloquei minha mão debaixo de sua blusa enquanto ele me apertava em seus braços fortes. Quando ia tirar minha blusa, Amaterasu começou a rosnar e deu um latido alto e estridente, como se estivesse nos alertando que estávamos passando dos limites. Me afastei nervosa, mordendo os lábios, estava ofegante.
Hasan estava olhando dentro de meus olhos, com um sorriso sexy no rosto.
– Achei que você fosse quietinho... – falei por fim tentando fazer minha voz sair normalmente.
– Sou um híbrido de malvarmo e salamandra. Eu tenho a chama que arde o initerruptamente. Não tenho nada de quietinho! – Meu rosto ficou ainda mais vermelho enquanto dava um passo para trás, mas ele me impediu de sair segurando-me pela cintura. – Eu sempre fui apaixonado por você, sabia?
– Não fazia ideia! – Respondi sinceramente, afinal, Hasan e Leonard para mim eram duas pessoas totalmente diferentes.
– Quando tudo isso acabar, quero que você seja minha. Quero que se case comigo. – Disse ele calmamente ao meu ouvido encostando seu rosto no meu. – Quero que esteja comigo por que quer e não pela força que a maldição lhe impõe... – Ah! Se ele soubesse o quanto eu o queria!
– Vou pensar... – respondi mordendo os lábios para não rir e não mostrar minha alegria.
– Pense com carinho! – Disse ele beliscando meu pescoço com os lábios, o que fez uma corrente elétrica passar por meu corpo.
– Está tudo bem aqui? – Demétrius abriu a porta sem nem bater e saiu entrando. Hasan não se afastou de mim como imaginei que ele faria, muito pelo contrário, continuou na posição que estava com os lábios ainda em meu pescoço.
– Está tudo bem, Demétrius, já estamos indo lá para fora! – Respondeu Hasan, suas palavras fizeram cócegas em meu pescoço. Estava com tanta vergonha por ser pega com ele que teria corrido se Hasan não estivesse me segurando firmemente.
– Vamos logo! Se Leona tivesse entrado aqui no meu lugar ela estaria tendo um chilique agora! – Disse ele rindo e saindo pela porta. Hasan suspirou e pegou minha mão, levando-me para o convés. Moan e Leona estavam conversando sentadas nas escadas de acesso ao arsenal do Navio, Ewren estava no timão e Demétrius estava na no mastro principal fazendo a vigia.
– O que estavam fazendo lá? – Perguntou Leona quando me aproximei delas. Meu rosto esquentou enquanto eu tentava pensar em algo.
– Eu... Nós estávamos conversando, só isso! – Falei, isso pareceu mais suspeito do que imaginei.
– Sim, uma conversa não-verbal! – Disse Moan rindo levantando meu cabelo. Leona começou a rir também.
Os sóis estavam altos no céu, o calor de Sirius era maravilhoso em contraste com os salpicos gelados do mar em meu rosto. Amantia é um lugar tão perfeito, embora fosse lar das coisas mais assustadoras que pudesse imaginar. Quando Leona e Ewren foram me buscar na terra, depois que ela me passou suas memórias, quando lembrei de tudo que passamos juntas, quase chorei ao pensar que a esqueci. Fiquei tão feliz quando cheguei em Evenox com eles e descobri que realmente existia mais do que nossa tão solitária terra.
– Devemos chegar em Edro em menos de duas horas! – Disse Hasan se aproximando de nós. Novamente fui traída pelo acúmulo de sangue em minhas bochechas. Ele piscou ao passar por nós e foi brincar com Neve, para minha sorte, Leona estava distraída olhando para Ewren e não percebeu nada.
Chegamos em Edro pouco depois do meio dia do dia seguinte, poucas horas depois do que Ewren havia previsto que chegaríamos. O calor estava me incomodando bastante, quando desembarcamos do navio no porto meus olhos devem ter brilhado como dois faróis. A cidade portuária era tão linda!
– Porto das Ondinas. – Disse Hasan se aproximando de nós, Meow veio ao nosso encontro saltitando, parecia um gatinho comum agora.
– Temos que sair das vistas o mais rápido possível! – Ewren passou a nossa frente e foi andando em direção à uma rua estreita e sem movimento.
– Vamos direto para a Vila dos Caçadores? – Perguntei.
– Vamos sim, devemos chagar lá amanhã cedo, não podemos ir voando aqui, temos que ficar o mais escondido quanto for possível! Vamos pela floresta Azul, pela cidade das Pedras e ir em direção à floresta das Sombras. – Ewren explicou enquanto saíamos pelo portão lateral da cidade.
Ao nos afastarmos bastante da cidade, suficiente para que o mal pudéssemos vê-la, Leona bateu o pé no chão, fazendo que quatro lobos de terra aparecessem.
– O que é isso? – Perguntei tocando no animal de olhos apagados que estava em nossa frente.
– Para não cansarmos Neve nem Meow, mas vou com Amaterasu! – Disse Leona Montando nela e esticando a mão para que eu montasse com ela.
– Não é boa ideia Serena ir com você, Leona! Ela não vai conseguir dividir a energia! – Disse Hasan se aproximando e montando com ela. Ewren ficou vermelho mas virou o rosto e montou em um dos lobos, Moan, Demétrius e eu fizemos o mesmo. – Vou com você, assim posso dividir a energia, você ainda não está muito bem, não é
– Tudo bem... – ele a encarou dando um olhar significativo a Leona. Hasan segurou-se no pelo de Amaterasu enquanto Leona encostava-se nele e fechava os olhos. Os lobos de terra se ergueram no chão, sacudindo as cabeças e uivando. As marcas de Leona se apagaram e as de Hasan acenderam enquanto corríamos, ele estava dividindo seu poder com ela para que ela pudesse correr mais livremente com os lobos. Ewren parecia não estar gostando dos dois muito próximos, será que ele não entendia que Hasan só a via como irmã? Provavelmente não!
Continuamos a correr até o final da tarde, paramos dentro de uma floresta densa e escura ao anoitecer. Os lobos se desmancharam, Hasan estava segurando Leona no colo e a colocou sobre um cobertor pesado e grosso apoiado em Amaterasu, que não parecia estar nem um pouco cansada. Leona estava dormindo sobre ela tranquilamente, Moan sentou ao lado dela e Demétrius sumiu transformando-se numa nuvem de vapor, na certa iria verificar se estávamos em segurança aqui. Hasan fez uma pilha de lenha dentro de um círculo de pedras ele ergueu a mão, ela começou a pegar fogo, então ele atirou a chama na lenha e acendeu a fogueira.
– Vou pegar água para fazer o jantar. – Disse Ewren se afastando e desaparecendo no meio da floresta.
– Espera ai! Vou também! – Falei correndo atrás dele. Corri atrás de Ewren na floresta escura e andamos em silêncio até encontrar o rio um pouco mais a frente. Ewren pegou os caldeirões que carregava e os encheu de água.
– Você está bem? – Perguntei sem saber como puxar assunto com ele.
– Estou. – Respondeu ele secamente pegando os caldeirões e me entregando.
– Hasan me pediu em casamento hoje no navio... – falei, sabia que ele sentiu ciúme quando Hasan montou em Amaterasu com minha irmã. Ewren me olhou surpreso.
– O que respondeu?
– Não respondi! Fiquei tão nervosa que não consegui falar! – Respondi sorrindo me lembrando da maneira que Hasan tocou em mim e fiquei corada. – Não precisa ter ciúme de Leona, Ewren. Ela me passou todas as memórias dela, e deu para sentir a intensidade de todos os sentimentos que ela tem por você. – Ele continuava me encarando surpreso.
– Não tenho ciúmes...
– Sabe quais eram as memórias mais fortes dela? As que você estava presente! Acho que a favorita dela é do casamento de vocês... – falei com meu rosto corando. – É a memória mais colorida que ela tem. – O rosto dele se iluminou e o vi esconder um sorriso enquanto se virava de costas para mim.
– Ao amanhecer chegaremos à vila dos Caçadores, vou te dizer a mesma coisa que disse à sua irmã, não use seus poderes quando chegarmos lá até termos certeza de que são nossos aliados.
– Entendi! Pode deixar! – Voltamos até o local que tinham montado as barracas. Passei os olhos rapidamente pelo local, Leona estava dentro de uma das barracas, dormindo encostada em Amaterasu. Ewren colocou os caldeirões no fogo e Moan começou a colocar os ingredientes em um deles para preparar um ensopado.
Moan aparentemente era uma pessoa doce, gentil, tinha o olhar esperançoso. De vez em quando ela olhava para Demétrius de canto de olho e sorria discretamente, apenas Hasan e eu havíamos notado o comportamento dela. Pelas memórias de Leona, achei que ela fosse má, não! Má não, mas achei que fosse um pouco mais rabugenta. Jantamos o ensopado com um estranho pão escuro de sementes, embora já o conhecesse das memórias de Leona, era muito melhor em minha própria boca.
– Vou ficar de guarda durante a noite. – Disse Demétrius quando acabamos de comer e nos preparávamos para dormir.
– Não precisa, eu vou ficar de olho. – Ewren se levantou e desapareceu em cima da copa de uma árvore próxima à nos.
– Ele é maluco! – Disse Demétrius rindo e entrando na barraca com Moan.
– Eu ouvi isso, Demus! – Disse Ewren em tom de deboche. Entrei na barraca onde Leona estava dormindo, Hasan se deitou no outro lado da barraca em silêncio e dormiu imediatamente. Queria conversar, não estava com sono! Rastejei devagar até o lado da barraca que Hasan estava dormindo e coloquei minhas mãos geladas debaixo de sua blusa. Ele virou-se na minha direção espantado.
– O que está fazendo aqui? – Perguntou ele segurando minhas mãos e as afastando gentilmente.
– Estava com frio no lado de lá... – falei mordendo os lábios evitando um sorriso.
– Só deitar perto de Amaterasu. – Disse ele virando-se para o outro lado novamente. Bufei frustrada e continuei ao lado dele, o ouvi suspirar, se levantou e me pegou no colo colocando-me ao lado de Amaterasu e Leona. Amaterasu deu uma lambida em meu rosto.
– Vou voltar para lá quando você dormir! – Falei piscando para ele.
– Não vai não! – Ele segurou meu rosto e pressionou seus lábios em minha testa, fazendo as marcas verdes em meu braço se acenderem. Comecei a ficar sonolenta e meus olhos ficaram pesados e ardidos, como se tivesse jogado areia neles.
– Detesto essas minhas marcas, são de meu pai... – falei com a voz arrastada, distante.
– Eu amo a flor de lótus, ainda mais essa que você carrega! – Ele deslizou os dedos pelo meu rosto enquanto eu fechava os olhos e adormecia.
Acordei com Neve lambendo meu rosto, Hasan não estava mais dentro da barraca, Leona estava se levantando ao meu lado, seu cabelo estava completamente bagunçado, enrolado e meio grudento. Ela olhava feio para Amaterasu atrás dela.
– Sabe, bichinho, eu não sou um filhote que você precise lamber para manter limpo! – Reclamou Leona passando a mão sobre seu cabelo duro. Amaterasu espirrou e lhe deu outra lambida. Estávamos com cheiro de lobo molhado e baba.
– Quero ir tomar banho! – Resmunguei puxando minha roupa completamente babada.
– Também vou! – Disse Leona pegando roupas limpas e toalha, fiz o mesmo seguindo-a para fora da barraca.
– O que houve com vocês? – Perguntou Hasan assustado quando nos viu saindo da barraca.
– Parece que foram engolidas por um dragão e parcialmente digeridas! – Disse Demétrius se aproximando e tentando descolar o cabelo de Leona.
– Amaterasu deve ter sonhado que vocês eram filhotes dela e que precisavam de um banho! – Quando Moan disse isso o olhar de Leona ficou desfocado, olhando para o nada e sua boca se estreitou em uma fina linha, tenho certeza de que estava pensando em suas filhas.
– Onde está Ewren? – Perguntou Leona olhando em volta, também não o vi desde que foi fazer a guarda na noite anterior.
– Ele saiu e disse que não demorava, pediu para vocês não se afastarem de nós. – Demétrius nos olhou de canto de olho. – Mas vou pedir, por favor, se afastem até o rio, pois estão com cheiro de cachorro babado! – Hasan segurou o riso disfarçando-o com uma tosse falsa. Leona segurou meu braço e me arrastou com ela em direção ao rio, seu rosto estava corado. Andamos ao longo do rio que na noite anterior havia pego água com Ewren, a paisagem era tão bonita! Os sóis brilhavam refletidos nas águas do rio fazendo as pedras molhadas da margem parecerem espelhos, a grama verde ainda estava molhada com o orvalho da manhã, as árvores se espalhavam ao longo do rio com folhas avermelhadas e enfeitadas por pequenas frutas azuis.
Quando ia entrar no rio, Leona me puxou para trás de uma pedra, tapando minha boca, olhava fixamente para um ponto na outra margem.
– O que foi? – Perguntei num sussurro tirando sua mão com cheiro de cachorro de cima de mim.
– Ewren! – Falou ela tão baixo que tive que olhar para frente para ver do que se tratava. Ewren estava parado do outro lado do rio embaixo de uma árvore antiga, de galhos longos e floridos, as flores amarelas caiam em cascata ao redor da árvore, fazendo-a parecer uma espécie de santuário. Ele estava de pé em frente à uma pedra de ângulos retos e formato muito similar à uma lápide, ele segurava em suas mãos uma rosa de cor vinho.
– Essa é a floresta das sombras! – Disse Leona desviando o olhar de Ewren e olhando ao longe à pequena vila que estava situada em um vale cercada pela floresta. – Aquele é o túmulo de Emma... – disse ela com os olhos se enchendo de lágrimas. Antes que pudesse lhe dizer qualquer coisa ela correu rio acima tendo o cuidado para que ele não a visse. Segui seus movimentos silenciosamente até chegarmos em uma parte mais larga do rio. Leona entrou na água, a segui novamente.
A água estava tão fria que fez minha pele formigar, lavamos nossas roupas no corpo antes de as tirarmos e por fim lavar os cabelos totalmente colados de saliva canina. Leona estava virada para o outro lado evitando me olhar, quando vi de relance, seus olhos estavam vermelhos. Ela estava chorando? Fui até onde ela estava e segurei seus ombros a virando para mim.
– Leona? Por que está chorando? Fale comigo irmã... – falei baixinho para que ela entendesse que ainda podia contar comigo, que ainda éramos como antes. Seus olhos fitaram os meus por um longo tempo antes dela suspirar e falar.
– Aquele era o túmulo de Emma, da primeira esposa dele. – Disse ela soltando um doloroso suspiro.
– Ele estava apenas prestando homenagem, Leona! Não é como se ele ainda gostasse dela ou algo assim! – Leona virou o rosto para o lado limpando as lágrimas e rindo tristemente.
– Não é por isso que estou chorando, é por que eu sou uma pessoa horrível! – Ela sentou-se numa pedra e se encolheu dentro da água ficando apenas com o rosto para fora.
– Por que está dizendo isso? Você é maravilhosa! Não diga uma bobagem dessas de novo! – Vociferei segurando seu rosto e encarando-a.
– Eu fiquei imaginando... se ela ainda estivesse viva, ele não estaria comigo, eles teriam filhos agora e talvez eu tivesse voltado para casa em segurança e nunca o conheceria...
– Mas é normal pensar nessas coisas! Eu acho...
– É normal sentir alegria com a morte de alguém para que nossa própria felicidade esteja completa? – Ela me encarava novamente com os olhos cheios de lágrimas. Não pude responder apenas continuei tomando banho, ajudei ela a lavar os cabelos colados e tentei arrumar os meus também. Escutei passos entre as árvores e tentei ver o que era, mas antes que pudesse sair da água, um jovem estava parado entre as pedras da margem com uma besta nas mãos. Mergulhei novamente na água abafando um gritinho com as mãos.
– Quem é você? – Perguntou Leona tirando o pingente do pescoço. O rapaz era muito bonito, tinha pele branca e olhos verdes, cabelos negros espetados e um sorriso no rosto.
– Tayman, caçador da tribo... e vocês? – Ele estava com o rosto corado, mas não desviava o olhar de nós. Leona se irritou com ele e fez uma onda no rio derrubando-o das pedras para dentro da água, saímos rapidamente e colocamos as roupas limpas enquanto ele se recompunha.
– Por que estava nos observando? – Perguntei pegando minha espada e apontando para ele.
– Cuidado com isso mocinha! Pode se ferir! – Ele empurrou a espada com o dedo enquanto se levantava. – Não estava observando ninguém, apenas as encontrei aqui... o que é belo é para ser olhado, não é? – Disse ele sorrindo maliciosamente.
– Talvez queira que eu apague esse sorriso do seu rosto, não? – Leona pegou sua própria espada e se aproximou do jovem.
– Calma! Não acho que sejam inimigas! – Disse ele erguendo as mãos e dando um passo para trás.
– Conheço você! Estava com Sally no funeral de Nellena! – Disse Leona embainhando a espada novamente.
– Não a conheço, senhorita! Com certeza não esqueceria seu rosto perfeito! – Disse ele sorrindo novamente, porém seus olhos haviam perdido o brilho de antes.
– Eu sou a sacerdotisa das águas. – Disse Leona acendendo suas marcas. O sorriso do rapaz sumiu.
– Fairin matou minha mãe quando ela descobriu sobre a identidade falsa que ele usava! Ela ia contar para a sacerdotisa dos ventos sobre ele, mas um servo dele o alertou, ele mandou um vampiro matá-la. – Ele largou a besta no chão, tirou sua espada da cintura e se ajoelhou diante de Leona.
– Eu quero ajudar no que for preciso para destruí-lo! – Disse ele encarando-a com uma chama acesa em seus olhos.
– Como sabe que queremos destruí-lo? – Perguntou ela desconfiada.
– Se ele colocou meio mundo atrás de vocês, é porque algum perigo vocês representam para ele, ou pelo menos, para os planos dele! – Disse ele nos encarando. – Minha mãe morreu tendo sua fidelidade à Eirien e a sacerdotisa dos ventos. Então estou do lado de vocês também! – Ele piscou para mim, senti meu rosto corar.
Leona sorriu, parecia aliviada agora que sabia que ele estava ao nosso lado e não contra nós.
– Viemos para conseguir aliados entre os caçadores, creio que tenham pendências com Fairin também!
– Temos muitas! – Ele virou-se de costas para nós, alisando o fio da espada distraidamente.
– Onde está Sally e seu pai? – Perguntou Leona.
– Meu pai era um dos três líderes da tribo dos caçadores, ele foi para uma reunião na fortaleza de Lótus Vale e nunca mais voltou. Tenho certeza de que se recusou a ajudar Fairin e foi morto por ele! – Ele segurava firmemente a espada, sua raiva era visível. – Sally está com Mayra em Monte Azul.
– Bom, se ela está com vovó, creio que esteja em segurança! – Leona começou a andar em direção ao acampamento. – Estamos com alguns amigos e aliados aqui perto! Pode nos acompanhar? – Ela estava sorrindo, mas aquele olhar triste ainda estava presente.
– Com todo prazer! – Ele sorriu para nós e se virou para pegar a arma que havia deixado no chão.
Quando ergui meu pé do chão para dar um passo à frente, percebi uma sombra estranha acima de nós.
6
Memórias
e Ilusões
Leona também percebeu e virou-se rapidamente para olhar a estranha nuvem de mariposas que se aproximava de nós. Eu nunca havia visto esses bichos se comportando dessa maneira. Elas desciam em círculos do céu em nossa direção. Leona deixou as roupas que carregava caírem no chão e levou rapidamente a mão ao cajado, mas quando ela o ergueu algo como um choque a fez derrubá-lo.
– SERENA! CORRE! – Gritou ela virando-se novamente e agarrando meu braço correndo em direção às árvores. Antes mesmo que as alcançássemos a nuvem de insetos nos circulou e formaram uma coluna em nossa frente, transformando-se em um silfo alto loiro, que reconheci pelas memórias de Leona como Guinn. Antes que pudéssemos correr, ele nos segurou, quando sua mão tocou em meu braço, senti um frio terrível e algo amargo no fundo da garganta. O medo me tomou completamente, gritei o mais alto que pude, porém ele apenas riu.
– Dessa vez, nós vamos passear sem interferências! – Disse ele fazendo um círculo de fogo aparecer ao nosso redor. Olhei assustada para Leona, ela estava desacordada, Guinn usava uma estranha luva com garras metálicas que estavam enterradas no braço dela, o sangue gotejava do lugar que ele havia perfurado e a segurava para que não caísse no chão.
Não conseguia mais falar ou gritar, meus olhos estavam fixos em Leona, o círculo de fogo ao nosso redor era tão alto que não conseguia ver Tayman do lado de fora dele.
Quando o fogo se fechou acima de nós, senti como se o mundo estivesse me tragando para baixo com uma força tão grande que poderia me rasgar no meio se eu não me mantivesse encolhida. Aquele estranho estado durou alguns segundos antes que pudesse perceber que havíamos aparecido em outro lugar. Estávamos em uma sala ampla e clara, as paredes pareciam ser feitas de vidro ou cristal, O castelo de Eirien! Meu estômago afundou, Ewren havia dito que Fairin estava aqui com Veruza e Dymesia. Guinn jogou-me no chão enquanto colocava Leona presa em uma espécie de maca no centro da sala. Ele a prendeu com grilhões de prata nas pernas e braços e verificou se estava bem preso.
Depois foi até uma mesa no canto da sala onde haviam vários frascos estranho com líquidos coloridos e brilhantes que dançavam dentro dos frascos, eles pareciam vivos de certa maneira. Guinn pegou um frasco com um líquido coral, que se movia de forma diferente dos outros, parecia agressivo em comparação ao movimento dos outros. Ele levou o frasco até onde Leona estava, abriu sua boca e despejou o conteúdo do frasco. Não era bem um líquido, parecia mais com fumaça. Antes de tocar sua boca, a fumaça se espalhou por cima de seu rosto entrando também nos olhos e ouvidos de Leona. Guinn afastou-se rapidamente, Leona começou a contrair o corpo e as mãos como se estivesse tentando pegar algo em sua frente depois relaxou novamente, ficando com os olhos abertos e a respiração rápida.
– O que está fazendo com ela! – Levantei-me e fui para cima dela, porém ele segurou meus cabelos e me puxou para fora da sala.
– Aquilo não é um veneno, bom, para ela pode até ser... – Ele deu uma risada, parecia estar se divertindo.
– O que era aquilo? – Perguntei.
– São as memórias que Fairin tomou de Ewren quando o prendeu em Vintro. Aquelas são memórias do tempo que viveu com a garota humana! Claro que Fairin teve a brilhante ideia de acrescentar um pouco mais, colocou os pensamentos de Ewren se a garota não tivesse morrido... Como eles teriam vivido, fora as memórias em que ele matava, estuprava e torturava as mulheres das vilas que destruía com ajuda dos outros mercenários! – Disse ele dando outra gargalhada. – Acho que dessa vez, ela vai odiá-lo quando sair daqui! Se sair! – Ele me arrastou facilmente pelos corredores do castelo até um outro cômodo deixando-me ali no chão sentada e se dirigiu até a porta, mas ao invés de sair como achei que faria, ele ficou guardando a porta como se esperasse que eu tentasse fugir.
– Prendi a Leona na sala conforme o senhor me instruiu, já à coloquei na ilusão das memórias também! Em algumas horas ela deve estar pronta... – As palavras de Guinn fizeram gelo correr em minhas veias no lugar de meu sangue. Pronta para que?
A sala estava com as cortinas fechadas, estava um pouco escuro, mas ainda podia ver um pouco o espaço à minha volta. Meus olhos pousaram sobre três figuras no canto da sala, sentadas em um sofá, estavam me observando, Dymesia, uma mulher morena, que não conhecia nem pelas memórias de Leona e Fairin, ainda usando a aparência de Aeban. Ele sorriu ao me ver e se levantou.
– Finalmente! A espera por esse dia foi longa e cansativa demais! Já estava ficando sem paciência! – Disse ele aproximando-se de mim em passos largos. Automaticamente me espremi contra a parede tentando evitar que ele chegasse mais perto, porém ele segurou minhas mãos e ergueu-me do chão com um puxão. Ele tocou um dedo em minha testa acendendo minhas marcas verdes.
– Ela é dócil, quase domesticada, em comparação com a Leona que mais parece uma fera! – Disse ele rindo segurando-me e me apertando contra a parede. – Fez um ótimo trabalho com ela, Dym! – Ele abaixou meus braços prendendo-os em minhas costas e segurou meu rosto virando-o para o lado, puxou a gora rolê de meu vestido para baixo até a altura de meu ombro, ele se abaixou sobre mim e tocou seus lábios em meu pescoço.
– Se relaxar não vai doer tanto... – sua respiração gelada fez uma corrente de pavor passar por meu corpo. Tentei puxar meus braços, mas meu corpo estava congelado, paralisado de medo. Por cima de seu ombro vi Dymesia e a outra mulher sorrindo e cochichando baixinho, pareciam satisfeitas, na cabeça delas, Fairin seria indestrutível agora! O vi mudar de aparência, seu cabelo ficou prateado e um forte brilho vermelho estava aceso em suas marcas. Ele mordeu pouco acima de minha clavícula, não consegui evitar gritar, a dor foi intensa! Parecia que estava rasgando meu pescoço com os dentes, sangue escorreu manchando minha roupa enquanto ele cobria minha boca para que eu não gritasse mais. Sabia que estava chorando, meu rosto estava sendo lavado por minhas lágrimas enquanto ele enterrava cada vez mais profundamente os dentes pontiagudos em meu pescoço.
Parecia uma eternidade, o tempo parecia não passar. Estava ficando tonta e já não conseguia nem mais gritar. A dor descia em ondas por meu corpo, fazendo cada músculo do meu corpo se contrair dolorosamente. Por fim ele me soltou, deixando-me cair no chão quase sem forças e rouca. Ele me observava com os olhos vermelhos, eram um misto de confusão e fúria. Ele percebeu! Sorri por dentro sabendo que ele não conseguira o que queria, e não conseguiria, já que nossas memórias estavam blindadas e ele não sabia nada sobre as filhas de Leona.
Ele se virou na direção das mulheres sentadas o sofá. Dymesia estava com os olhos arregalados, fixos em mim, parecia assustada demais para se mover.
– Você disse que ela era a primogênita de Lupine! VOCÊ DISSE QUE ROUBOU A CRIANÇA CERTA! – Esbravejou ele furioso quebrando os objetos que estavam na mesinha perto de onde Dymesia e a mulher de pele morena estavam agora encolhidas e assustadas.
– Mas... eu tinha certeza... elas me disseram que era a primeira nascida! – Dymesia gaguejava olhando confusa de mim para Fairin.
– VOCÊ É UMA INUTIL! – Gritou ele a tirando de cima do sofá e a segurando pelo pescoço. Ela olhava apavorada para Guinn esperando que ele intervisse. Guinn apenas olhava com um sorriso monstruoso no rosto.
– Mate-a Fairin! Pessoas incompetentes devem pagar por seus erros com a vida inútil que desperdiçaram! – Disse ele maldosamente. Minha visão estava começando a embaçar quando olhei novamente para Fairin e Dymesia. Ela tentava segurar os braços dele, porém parecia um ratinho tentando lutar contra um tigre faminto. A expressão de terror gravada em seus olhos quando ela me encarou pela última vez foi algo que não tinha como explicar! Fairin segurou sua boca com as duas mãos e começou a abrir, a pele dela começou a rasgar.
O som era terrível, parecia com tecido novo rasgando, quando ouvi um estalo, como o som de ossos de galinha se separando nas juntas brancas, estava com os olhos fechados, tão apertados que doía. Não queria olhar, não queria ver o que sabia que havia acontecido ali. Ouvi o barulho do corpo batendo no chão e meus olhos se abriram sem que eu lhes ordenasse isso. Não havia comido nada no café da manhã, mesmo assim meu estômago se contraiu, fazendo-me pôr para fora o líquido biliar que havia em meu estômago. Dymesia estava caída no chão, parte de sua cabeça estava do lado do corpo e a outra metade ainda estava presa no pescoço por tiras de pele, nervos e veias parcialmente destruídas, sua língua estava enrolada para trás.
Fairin se voltou para mim, levantando-me do chão pelo pescoço. Suas mãos escorregaram em meu sangue.
– Espere! – A mulher morena pulou por cima do corpo e segurou no braço dele. – Não a machuque mais! A culpa não é dela! Mas você ainda pode usá-la como moeda de troca! – Ela encarava-o apertando seu braço com força.
– Do que está falando mulher! – Sua voz era como um trovão, fazendo a sala inteira vibrar com sua intensidade.
– Você ainda pode ter o sangue de uma filha de Leona! – Disse ela, Fairin me soltou novamente. Meu coração começou a bater rapidamente e meu pânico começou a crescer. Será que sabiam de algo?
– Não tenho paciência para esperar mais dezessete anos, Veruza! – Gritou ele batendo na parede atrás de mim.
– Não precisa esperar! – Disse ela dando um meio sorriso tão maligno quando seu olhar. – Só precisa engravidá-la, eu a levo para Vastrus! Você só precisará esperar alguns minutos depois de confirmar a gravidez e partirmos para lá! Volto de lá com a filha dela já adulta e se você quiser... – Ela acariciou o rosto dele com as pontas dos dedos. – Eu deixo Leona enterrada em qualquer lugar por lá mesmo! – Meu estômago continuava a se contrair cada vez mais forte, agora de medo novamente. Sabia que não poderia dizer nada sobre as filhas dela, se fizesse isso, mesmo que fosse para livrá-la do perigo, Leona me odiaria para o resto da vida.
– Vai ter que dar certo dessa vez! – Disse ele afastando-se. Veruza me olhou com nojo, tirou o lenço que estava em seu pescoço e o jogou para mim.
– O que vai fazer com essa? – Perguntou Guinn olhando para mim e sorrindo.
– Preciso de você para me ajudar com Leona! Temos que interromper o fluxo de memórias e tirá-la do transe. Se der tudo certo, depois pode fazer o que quiser com ela depois! – Respondeu Fairin saindo pela porta com Veruza ao seu encalço. Guinn olhou para mim erguendo uma sobrancelha.
– Até mais tarde! – disse ele piscando para mim e sumindo de vista. Fiquei sozinha na sala com o corpo de Dymesia, minha vista estava latejando e meu corpo inteiro doía. Eles haviam trancado a porta quando saíram, porém, ainda conseguia usar meus poderes. Peguei o lenço e pressionei contra meu pescoço, o ferimento já não sangrava mais, mas ainda doía muito. Usei meus poderes para abrir a tranca da porta. Eles já não estavam em parte alguma que eu pudesse os ver, talvez achassem que eu não representasse ameaça, ou poderiam me encontrar facilmente, por isso nem se importaram em me prender de verdade.
Andei cuidadosamente pelos corredores me apoiando nas paredes tentando encontrar o quarto que havia estado com Leona, não sabia o que fazer, mas não tinha como deixar que fizessem mal a ela.
Virei no corredor à esquerda e contei as portas, segurei a maçaneta da terceira porta, segurei o pingente do colar que Hasan havia me dado, fazendo-o transformar-se num cetro e entrei no quarto rapidamente. Era a porta errada! Estava em uma espécie de biblioteca particular, era pequena, devia ter uns vinte e cinco metros quadrados. Andei até o final da sala e olhei pela janela, lá fora estava muito claro ainda. Não devia ter se passado nem uma hora desde que chegamos aqui. Quando virei de costas para a saída notei algo brilhando numa brecha na parede de madeira lateral da sala.
Andei devagar, nas pontas dos pés e toquei na fresta, ali uma porta secreta se abriu, então cautelosamente entrei na sala. Meus olhos se encheram de lágrimas, Era uma sala estreita, não tinha mais que dois metros de largura, porém era tão longa quanto vários campos de futebol! Só sabia onde era o final pois havia do outro lado uma forte luz na última parede, com certeza era uma sala encantada dentro da biblioteca.
O brilho azul vinha de várias árvores imensas desenhadas nas paredes da sala. A maioria tinha nomes brilhantes e azuis e alguns nomes com fraco brilho vermelho. Em cima de cada árvore haviam desenhos das famílias que representavam. Atrás de mim, na parede maior havia uma árvore dourada com a maioria dos seus nomes em vermelho e apenas sete nomes ainda permaneciam dourados e um deles, o de Lórien, estava com um pequeno risco pontilhado e um nome com brilho branco bem fraquinho.
Não conseguia ler os nomes rosa e azul embaixo do pontilhado, porém li os dourados que estavam acesos. Embaixo do nome de Eirien e de um homem já falecido chamado Orion estavam os nomes de Bargon e Arin em vermelho e de Ewren e Yurin em dourado com uma linha os ligando ao nome de outro homem, Farahdox, meu coração acelerou, vasculhei as memórias que Leona havia me passado e até onde sabia, Farahdox era marido de Arin, olhei o nome dela que estava conectada a Noliah, esse nome também estava aceso em dourado, em baixo estava o nome de Lórien. Noliah e Farahdox estavam vivos? E quem era Yurin? Ao lado do nome de Ewren o nome de minha irmã estava aceso em dourado também, debaixo do nome deles, os nomes das bebês de Leona. Aquilo fez os cabelos de minha nuca se arrepiarem, Fairin não pode descobrir essa sala! Precisava encontrar um jeito de fechá-la para que ele não a encontrasse. Antes de sair, percorri os olhos por algumas das arvores.
Aparentemente as famílias mais antigas estavam no começo da sala gigante. Uma delas me chamou atenção, tinha o mesmo símbolo que eu tinha em minha testa. Corri até ela e olhei, a maioria dos nomes também estavam vermelhos, passei os olhos rapidamente pelos nomes que estavam acesos, vi o nome de Aristes e Arcádius e o de Fairin.
Embaixo do nome dele havia uma longa linha horizontal de nomes apagados e poucos acesos, isso incluía o meu e de Leona. Porém o que mais me chamou atenção foi a bagunça de nomes embaixo dos nomes de Fairin e Jocelinne, haviam linhas que os uniam as filhas deles e linhas laterais que unia o nome dele aos nomes de suas filhas. Aquilo fez meu estômago embrulhar novamente, precisava salvar Leona imediatamente do monstro que ele era! Embora já soubesse que Fairin era filho do mesmo pai de Arcádius e Aristes uma fina linha unindo o nome de Jocelinne e Shiban, que era o pai deles me chamou atenção.
Senti meus joelhos amolecerem e quase caí quando vi aquilo. Jocelinne também era irmã deles! Com tantas famílias em Amantia, ela tinha que ser justamente irã deles? Aquilo tinha que ser um erro! Corri os olhos pela sala procurando a orquídea brilhando em algum lugar. Ela estava do outro lado da sala poucos metros à frente de mim. Corri até ela, a arvore parecia ser o triplo do tamanho de todas as árvores dali, era simplesmente gigantesca, corri os olhos pelos nomes mais embaixo, mais novos, até encontrar o de Jocelinne abaixo de um nome em vermelho. “Jocelinne Arbarus Apollis” Novamente o pânico me tomou. Ela não poderia matar Fairin como estávamos planejando? Corri os olhos pela árvore uma última vez, vi os nomes de Emma, Evelyn, Belve e Nieve vermelhos embaixo do nome de Pitye e o mais estranho, embaixo do nome de Belve havia um nome em vermelho que não conseguia ler e outro nome, Tiena que estava aceso, embaixo desse nome, duas linhas rosas com nomes que ainda não podiam ser lidos iguais ao nome que estava embaixo do nome de Lórien.
Saí da sala e usei o resto do poder que tinha para criar uma pequena ilusão, assim ninguém acharia aquela sala novamente. Voltei ao corredor principal e dobrei a direita, já que havia errado o lado, pois não tinha contado as portas errado. Ouvi os gritos de Leona vindos de algum lugar no castelo e apressei meu passo, vou te achar, prometo!
Leona:
Estava vendo a mesma cena repetidas vezes, Ewren e Emma, felizes juntos com duas lindas menininhas loiras de olhos azuis no colo deles. EU não existia naquela realidade, apenas observava de longe, cansada de gritar para que ele olhasse em minha direção, porém não importa o quanto gritasse ele não me ouvia. O sorriso de Emma era mais do que simplesmente um sorriso feliz, era quase vitorioso! Por vezes durante aquela estranha ilusão, cheguei a pensar que aquilo era verdade, porém quando ela me encarava com aqueles olhos azuis cheios de maldade, sabia que deveria ser apenas um sonho terrível do qual não conseguia despertar.
Depois de um longo tempo observando a alegria deles, as imagens começaram a borrar até que algo diferente aconteceu. Ewren não estava mais ao lado de Emma, e sim rodeado de corpos de homens, mulheres e crianças mortas, dilacerados e ensopados de sangue.
Seus olhos vermelhos olhavam com prazer aquela cena terrível, seus lábios estavam retorcidos num sorriso agourento e medonho, não podia ser o meu Ewren! Ele estava segurando as adagas nas mãos, sua pele cinzenta e seus cabelos prateados estavam cobertos por sangue, até suas asas que estavam abertas estavam sujas e se curvavam para frente de forma assustadora, ele usava apenas uma parte de baixo de armadura de couro rasgada e ensopada de sangue e gordura.
Parecia o próprio anjo da morte, ele parecia me ver, seus olhos me encaravam agora num misto de satisfação e prazer, como se eu fosse o próximo alvo, não conseguia me mexer, estava paralisada de medo. Antes que ele me alcançasse, uma densa neblina o apagou de minhas o teto de vidro apareceu acima de mim, e o rosto de Ewren também. Ele estava me chamando, podia ouvir muito distante meu nome sendo chamado e sabia que era por ele. Dei um pulo enquanto tentava me afastar dele, assustada.
Ainda estava tentando acalmar meus pensamentos das lembranças que inundavam minha mente. Ewren estava de pé perto de mim soltando os grilhões de prata que me prendiam naquela cama. Sabia que meus olhos deviam estar inchados de tanto chorar e minha garganta ardia de tanto que havia gritado. Quando Ewren terminou de me soltar, eu sentei na beirada da maca olhei bem seus olhos prateados até perceber que era quem eu queria que fosse e o abracei tão apertado quanto pude, com medo de que fosse outra ilusão e que ele desaparecesse também ou que se tornasse aquilo que acabara de ver. Sua mão esquerda estava sobre meu rosto, enrolada em uma bandagem suja de sangue.
– Você está bem? – Perguntei com minha voz rouca, segurando sua mão ferida.
– Fairin nos deu um pouco mais de trabalho do que imaginamos enquanto o expulsávamos do palácio! – Disse ele sorrindo para mim.
– Jocelinne não conseguiu matá-lo? – Perguntei encarando-o confusa. Ele pareceu surpreso com minha pergunta, mas sacudiu a cabeça.
– Eles conseguiram escapar! Mas deixe isso de lado por enquanto, o que fizeram com você? – Perguntou ele segurando meu rosto cuidadosamente com as mãos.
– Eu... – não queria lhe dizer o que havia acabado de ver, não sei quanto tempo havia se passado, em minha cabeça pareciam dias. - ... Não sei dizer! – Falei por fim abaixando a cabeça, escondendo meu olhar, ele podia ler-me facilmente. Sem aviso ele ergueu meu rosto e me beijou. Não sabia se era efeito do que havia acabado de ver em minha mente, ou se era apenas o medo que estava sentindo, mas seus lábios estavam frios, diferentes e ao mesmo tempo iguais. Segurei seu rosto com as mãos, sua pele estava realmente muito fria.
Ele deve ter entendido meu gesto como se eu tivesse lhe dado um passe livre, pois tentou levantar meu vestido, foi como se algo gelado tivesse tocado em meu coração. Não é o Ewren! Abri meus olhos e puxei minhas pernas para cima chutando seu peito fazendo-o parar do outro lado da sala batendo contra a parede. Ele estava atordoado encarando-me com os olhos vidrados.
– O que foi isso, ficou louca? – Perguntou levantando-se. Segurei a barra da cama e quebrei o metal transformando-o numa longa espada. Meu sangue fervia de ódio.
– Isso que está fazendo é muito feio, sabia Fairin? – Falei erguendo a espada na direção dele e limpando a boca com as costas das mãos. Ele começou a rir.
– Como sabe que sou eu?
– Tive um pouco de tempo para conhecer esse corpo que você está usando para me enganar! Seria mais fácil se eu não o conhecesse tão bem assim... – ri, a raiva em mim era tão grande que meu corpo inteiro tremia.
– Pelo visto não deu para enganar você! – Disse ele voltando à forma de Aeban.
– Pare de usar o corpo dos outros! Me encare com sua verdadeira forma, covarde! – Gritei. Ele ergueu uma sobrancelha e sorriu.
– Como queira, minha doce menina! – Disse num tom debochado, ergueu as mãos e mudou sua aparência. Seus olhos mudaram de cor, ficando um amarelo e outro verde, sua pele ficou num pálido tom cinzento e os cabelos loiros caíram em cachos pelas suas costas, pareceria até um anjo, se eu não conhecesse o demônio que se escondia ali. Ergui a espada e saltei para cima dele para o atacar, mas fui pega por trás por Guinn. Ele derrubou minha espada enrolando as correntes de prata em meu pescoço.
– Como você pode? Elas eram suas filhas! Eu sou sua filha! – Gritei. – Você é um monstro! – Fazendo força para me soltar das mãos de Guinn que ria baixinho.
– Isso só é errado no mundo que você foi criada! – Disse ele virando o rosto para o lado como se eu o tivesse batido. – Aqui, relações como a nossa são bem comuns, principalmente para manter o sangue puro... – disse ele se aproximando e fazendo correntes prenderem minhas pernas no chão. Parecia que tinha lido meus pensamentos, pois ia chutá-lo novamente. – ... Até mesmo sua amada Eirien passou por isso! Ela foi obrigada a se casar com seu irmão para manter o sangue dos Ascardian puro! Mas ela traiu o marido dela, sabia? Com um dos guardas do palácio! Não acha estranho o amor dela pelo seu elfo ser maior do que o amor pelos filhos dela que matei? – Ele perguntou segurando firmemente meu rosto para que eu não desviasse o olhar.
– As avós costumam gostar mais de seus netos...
– HUMANAS! EIRIEN É UMA ELFA! – Gritou ele fazendo eu querer me afastar, mas Guinn ainda me segurava com força. – Elfos não tem sentimentos iguais dos humanos, eles não têm tanta afeição! Ewren é filho bastardo dela com um dos guardas, ela se apaixonou e traiu seu marido! – Ele tinha um sorriso debochado em seu rosto.
– É mentira! Você é louco! Quando Jocelinne pôr as mãos em você...
– E nem adianta sonhar com Jocelinne me derrotando, pois por mais forte que ela seja, ainda é minha irmã por parte de pai assim como Arcádius e Fairin! Se ela tentar me matar, vai acontecer o mesmo que aconteceu com sua mamãe! – Ele deu uma gargalhada, minha pele se arrepiou.
– É mentira! – Minha voz estava rouca. – Está blefando para tentar se salvar! – Ele riu novamente de minhas palavras.
– Pense bem, com o risco que corria dela tentar me impedir, por que acha que a deixei viva? – Perguntou ele olhando-me nos olhos. – Aqui, você não pode matar um irmão de sangue senão você morre! – Ele ergueu a manga da blusa que vestia e me mostrou uma marca como se estivesse queimado e estilhaçado parte de seu antebraço. – Eu tentei a matar, mas se o fizesse, estaria condenado! E se você matar um filho ou outro parente abaixo de você, você tem o poder drasticamente reduzido! Se eu tivesse matado Mayra ou Lupine, jamais conseguiria meu poder de volta para conquistar Amantia e os outros onze mundos! Por que acha que todas elas continuaram vivas depois que eu tirei o que precisava delas? Por que eu senti pena por serem do meu sangue? – Ele fez um som de zombaria – Se eu pudesse, teria as matado com minhas próprias mãos!
– Como você pode receber o amor que elas deram a você, achando que se tratava de outra pessoa e ainda assim não ter pelo menos um pouco de carinho por elas? – Perguntei, minha voz saiu ainda mais tremida e rouca, o que fez Guinn rir alto.
– Eu apaguei os sentimentos bons de mim, eles só atrapalham o julgamento correto!
– Cadê Serena? – Perguntei lembrando-me que ela havia sido trazida comigo.
– Infelizmente sua irmã não me serviu!
– O que fez com ela! Onde ela está! – Gritei desesperada.
– Calma, ela ainda está viva, enquanto você colaborar ela estará viva! – Disse ele tirando uma faca cintilante da cintura e a girando em minha direção. – Não posso te matar, mas posso torturar vocês, e Veruza, ela sim pode matar Serena facilmente! – Ele estalou os dedos, uma jovem morena de cabelos azuis claros entrou na sala, era Veruza no corpo de Brigith, ela estrava trazendo Serena que estava suja de sangue e com olhar apavorado.
– Solte-a! Por favor! Deixe ela ir embora! – Gritei tentando me soltar novamente em vão. Veruza a ergueu pelos cabelos e colocou uma faca em seu pescoço.
– Fairin, teria sido mais fácil eu ter matado todas elas! Desde Jocelinne até Lupine, se bem que ela fez isso de forma mais divertida! – Disse Veruza com uma expressão vazia em seu rosto.
– Cale a boca! Vadia mal-amada! – Gritei. Ela me olhou espantada, seu espanto virou raiva e colocou a faca novamente no pescoço de Serena, fazendo-me arrepender de minhas palavras.
– Pelo visto, essa é a única das suas filhas que se parece um pouquinho com você, Fairin! – Disse Guinn rindo, apertando meus braços um pouco mais. Estava me sentindo estranha, meu corpo pulsava de forma diferente, era uma raiva fora de controle eu nunca havia sentido tanta raiva. Queria atacar Veruza, arrancar sua cabeça.
– Você devia ter matado Jocelinne, devia ter apenas arrancado a cabeça dela quando teve a chance, se pouparia da vergonha de ser a mulher traída que perdeu o marido para uma humana qualquer, e que agora tem que suportar vê-lo se deitar com outras para conseguir um pouco da atenção dele, graças ao poder que você conseguiu para ele! – As palavras saiam de minha boca de forma maldosa, não queria dizê-las, na verdade queria, mas não com uma arma no pescoço de minha irmã. – Se você tivesse a matado e lutado para o colocar de volta no poder, talvez estaria feliz hoje ou talvez não, gente como você nunca fica feliz com nada... – Veruza tinha ódio no olhar, suas mãos tremiam com a espada afiada perigosamente perto do pescoço de Serena.
– Se Veruza a tivesse matado, eles saberiam que eu tramei por vingança! – Disse Fairin encarando-me de forma tão gentil que me senti enjoada, parecia estar defendendo Veruza, ou tentando acalmá-la.
– Agora, você vai cooperar com ele, ou eu mato ela! Motivos eu já tenho, pirralha de língua de trapos! – Veruza não parava de tremer, lágrimas escorriam de seus olhos.
– Ele pode ter todo o poder do mundo, mas nunca vai amar você! Ele acabou de confessar que não preserva nenhum sentimento bom! Como você acha que ele pode amar você? Sua mente doentia é tão ruim assim para acreditar que quando ele tiver o poder, ele vai voltar a te amar? Se um dia amou de verdade, claro! O que duvido muito! – Falei rindo, parecia que a voz não saía de mim. Veruza empurrou Serena contra o chão e deu um pulo em minha direção com a espada erguida, com o rosto lavado em lágrimas, mas não conseguiu chegar perto. Fairin puxou seu braço para o lado e lhe deu uma bofetada tão forte com as costas da mão que a fez girar e cair no chão encolhida. Ela ficou apavorada olhando-o com rancor.
– Olha o que você me fez fazer, Leona! – Disse ele calmamente segurando meu rosto, seus olhos amarelos me encaravam com raiva e ao mesmo tempo com admiração, senti mais raiva dele agora. – Se você quiser, eu posso te dar tudo! Só basta me pedir, apenas quero que me ajude... prometo até permitir que aquele elfo viva, se assim desejar! – As palavras de Fairin pulsavam em minha mente de forma perturbadora. Sabia o que havia nas entrelinhas, era uma ameaça se eu não o ajudasse.
– Eu nunca ficarei ao seu lado! – Gritei me contorcendo tentando de alguma forma alcançá-lo, mesmo sabendo que poderia morrer, queria matá-lo agora mesmo. Algo em mim não parecia certo!
– Não há nada de errado em se unir ao lado vitorioso, mas se não aceita... – ele assoprou meu rosto, uma névoa fina vermelha me atingiu, a princípio não senti nada diferente, ele fez um movimento com a cabeça para Guinn, pegou Veruza do chão e saiu da sala, deixando nós três ali. Correntes prenderam Serena no chão enquanto Guinn segurava uma mecha de meu cabelo ente os dedos.
– Você deveria ficar agradecida por ele deixar eu fazer isso... – sua voz era suave enquanto ele puxava meus braços e os prendia atrás de mim. Agora percebi o que aquela névoa havia feito, algo desligou em mim, não conseguia mais mover meu corpo, seu corpo estava perto demais – ... eu sou a parte dele que tem os sentimentos bons, que tirou de si por que o atrapalhava as vezes a tomar decisões, então me criou com uma boa dose de coisas boas... – disse ele sorrindo pressionando seus lábios no meu pescoço. – Nós compartilhamos a mesma mente, então tudo que vejo ele vai ver!
– Eu vou matar você, e vai doer, você vai pedir para morrer rápido! – Falei através dos dentes.
– Ahh, não seja assim! Prometo que vou ser mais gentil que ele seria, você pode até gostar se não lutar muito... – suas palavras fizeram cocegas em minha orelha. As correntes que me seguravam moveram-se abrindo minhas pernas, usei minha força para impedir, mas a prata dava choques em minha pele. Guinn deslizou sua mão pela curva de minhas costas.
– Deixe ela em paz! – Gritou Serena tentando se soltar também. Ela estava horrível, manchada de sangue que estava secando em seu vestido e seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar, mesmo assim a única coisa que eu sentia era uma raiva irracional. – Quando acabar aqui, te dou um pouco de atenção também! – Ele riu e piscou para Serena. Guinn tocou na marca em minha testa, acendendo-a e sorriu novamente.
– Quero que você veja essas marcas douradas brilhando quando eu te possuir, para você se lembrar que é de outro, mas ele não estava aqui para te salvar! – Disse ele colocando a mão por debaixo de meu vestido e puxando minha calcinha devagar. Não conseguia nem ao menos falar, queria morder seu pescoço e rasgar sua garganta com os dentes antes que ele pudesse tocar em mim, mas não conseguia me mover.
Sem a presença de Fairin meus sentimentos pareciam estar voltando, estava com medo agora, apavorada, não queria que Guinn tocasse em mim de forma alguma, porém, tive medo por elas, se fizesse algo errado e perdesse meus poderes não poderia protegê-las quando a hora chegasse. Serena se ergueu, ela me encarava, sabia o que ela ia fazer, ela ia falar, ia falar de Evenox e das crianças para que ele me deixasse em paz! Sacudi a cabeça discretamente. “Eu prefiro morrer do que entregá-las, Serena” movi os lábios para que ela entendesse. Ela fechou os olhos.
– Não toque nela! Por favor! – Gritou serena novamente sacudindo as correntes e fazendo muito barulho para que ele desviasse atenção de mim.
– Cale a boca menina! Já disse que cuido de você depois!
Quando se virou novamente para mim, um brilho muito intenso vindo das janelas do meio da sala fez com que ele fechasse os olhos e se afastasse de mim, nem as cortinas conseguiam amenizar a intensidade daquele brilho branco ofuscante, tive que cerrar meus olhos também, mesmo de costas minha vista ardia, um frio intenso tomou o ambiente.
– O que... – Guinn tentava proteger os olhos com os braços. Logo parte da parede da sala que estávamos se estilhaçou, pedaços de vidro voaram para todos os lados e pararem no ar como se estivessem flutuando.
– Áries! – Exclamou Serena alegremente vendo a mulher branca caminhando tranquilamente pela sala e indo até Guinn. Ele se ergueu rapidamente pegando a espada que estava caída perto de Serena e erguendo contra Áries. Ela estava magnífica! Seus cabelos curtos dançavam contra seus ombros estreitos, ela estava vestida com uma túnica branca leve de seda e segurava em suas mãos uma espada grande demais para ela, parecia desproporcional uma criatura de aparência tão frágil com aquela espada tão ameaçadora nas mãos. Ela a levantou na direção de Guinn, que preparou sua própria espada como defesa.
– Aries! Não faça isso! Apenas nos solte! – Gritou Serena para ela.
– Vocês não vão conseguir! É melhor que eu o faça logo! – Disse ela olhando com remorso para mim.
– Eu te dou minha palavra, só nos tire daqui, não se sacrifique atoa como minha mãe fez! Eu vou conseguir, te dou minha palavra Áries! – Falei, minha voz saiu baixa demais, mas ela escutou.
Os olhos negros e profundo de Áries nos fitaram por um instante. Ela então se abaixou na frente de Guinn, que parecia apavorado demais para reagir. Áries deu-lhe um peteleco na testa, de leve, ouvimos um estampido quando Guinn revirou os olhos e caiu para trás com o nariz sangrando. Cheguei a ouvir Áries murmurar um palavrão antes de dizer “forte demais! ” Quando ela se virou para Serena, comecei a vê-las embaçadas e escutei um forte zunido em minha cabeça, apenas fechei os olhos desejando que isso passasse.
Serena:
Áries se aproximou de mim, arrebentando as correntes com as pontas dos dedos e me ergueu do chão. Não havia nenhum tipo de emoção em seus olhos negros como o carvão, porém seus lábios cheios estavam contraídos em uma linha fina. Em seus braços brancos começaram a aparecer pequenas manchas douradas que pareciam se fechar lentamente em direção ao seu pulso “Droga! ” Murmurou ela indo até Leona que havia desmaiado pouco depois que Áries apareceu. Ela arrancou as correntes que a prendiam, embora fosse muito forte, ela era pequena demais para carregar Leona.
Áries abriu os braços fazendo um brilho a cobrir novamente, quando o brilho diminuiu, quase chorei ao ver sua aparência. Áries tinha assumido uma forma fantástica, longos cabelos louro-pálidos e brilhantes caiam em volta dela, estava alta, seus braços desenhados e fortes e a armadura brilhante que vestia me fez estreitar os olhos para vê-la. Ela me encarou com os olhos cor de gelo, virou-se para Leona e a segurou-a no colo e pegou meu braço também.
Paramos no buraco que Áries havia aberto ao entrar na sala. O dia havia se tornado uma noite escura e uma horda de gigantes e lobisomens se acumulavam ao redor do castelo, senti um frio agonizante passar em minha espinha ao ver um deles escalando o castelo para nos alcançar.
– O que vai fazer? – Perguntei agarrada em seus braços. Áries sorriu, seu sorriso fez uma outra onda de pânico me tomar. Ela contraiu as pernas e saltou com tanta força que fez minha cabeça doer com a pressão.
– Faça um ponto de aterrisagem, agora! – Disse ela. Movi minhas mãos rapidamente fazendo uma nuvem engrossar ao ponto de ficar como asfalto. Áries pisou nela apenas para tomar novo impulso e saltar. Ela olhava insistentemente as marcas douradas crescentes em seus braços.
– Não vai dar tempo! – Resmungou ela pousando em outra plataforma que fiz rapidamente antes que ela cobrasse.
Pousamos numa floresta de mata densa e escura, a única luz era a que vinha de Áries parada em minha frente colocando Leona no chão, senti o cheiro de terra úmida e folhas em decomposição misturando-se a terra e tornando-se parte do solo novamente. Leona abriu os olhos e olhou assustada para Áries.
– Você perguntou sobre o que aconteceria comigo se eu intervisse... E mesmo assim você permitiu que isso acontecesse sabendo que eu interviria! Era isso que você queria? – Aries parecia furiosa gritando com Leona.
– Eu... desculpe Áries! Eu pretendia me livrar sozinha! – Falou Leona tentando se levantar.
– Ele ia invadir o castelo com os outros para resgatar vocês! – mesmo O tom de voz mais baixo de Áries pareciam gritos estridentes. – Eu não tenho mais tempo! – Ela se virou para mim, minha alma parecia queimar com seu olhar. – Não se atreva a dizer não para ele! Diga para Hasan que o amo e que não se esqueça de mim! – Os olhos dela se encheram de lágrimas enquanto seu brilho aumentava.
– Não se preocupe, eu pretendia dizer sim! – Falei sorrindo para ela. – Vou cuidar bem dele, prometo! – Foram minhas últimas palavras para Áries. Um feixe de luz a atingiu fazendo-a desaparecer diante de nossos olhos deixando apenas um rastro luminoso até o céu. Leona se levantou e colocou as mãos em meu pescoço, curando a ferida e me erguendo do chão.
– Foi tudo culpa minha... se não tivesse me afastado demais no rio teria dado tempo deles nos ajudarem e talvez Guinn estivesse morto agora aí teríamos um a menos para nos preocupar! – Leona abaixou a cabeça e me abraçou forte chorando baixinho em meu ombro, misturando suas lágrimas às manchas de sangue em meu vestido.
– Agora já passou! – Falei tentando acalmá-la, parecia que havia voltado ao normal, o ódio que via nos olhos dela havia desaparecido. – Leona, estamos perto demais do castelo e o raio de luz de Áries denunciou nossa presença! Temos que sair daqui eles podem vir atrás de nós! – Falei.
– Sim, vamos! – Ela ergueu as mãos fazendo um grande lobo de terra aparecer, segurei-a enquanto ela transferia sua mente para guiá-lo– o que ela quis dizer com “Não se atreva a dizer não para ele”? – Perguntou ela enquanto corríamos floresta a dentro.
– Hasan me pediu em casamento. – Falei, só havia contado para Ewren.
– Então você não aceitou? – Perguntou ela com a voz surpresa já que seu rosto não esboçava nenhuma emoção, já que usava sua concentração em correr com o lobo.
– Pretendo responder logo! – Falei sentindo meu rosto corar. Leona parou abruptamente desfazendo o lobo de terra e voltando toda sua atenção ao seu corpo.
– Eles estão chegando perto de nós, posso sentir a presença de Demétrius quando ele se aproxima! – Ela bufou – Em poucos minutos devem estar aqui. Serena, vá com eles atrás de aliados, consigam o máximo que puderem. Fairin não tem nenhuma intenção de voltar atrás, ele vai fazer essa guerra de qualquer jeito, eu me unindo a ele ou não, ele precisa demonstrar poder nos derrotando para que o respeitem ou o temam! Assim que ele pretende dominar os doze mundos! Nosso poder só tornará as coisas mais simples para ele! – Disse Leona se arrumando como se fosse partir.
– Onde você vai? – Perguntei.
– Preciso falar com vovó Mayra e conseguir ajuda também! – Disse ela me dando um beijo no rosto.
– Não deveria esperar para que Ewren te acompanhe? – Perguntei. Ela virou o rosto para o lado, a vi corar, ela estava escondendo o olhar de mim. – Leona...
– Estou com pressa, Serena! – Disse ela amarrando os cabelos.
– Leona, eu preciso falar com você! Vi algo no castelo que você precisa saber!
– Quando nos encontrarmos com Eirien e os outros você me conta, está bem? – Ela bateu as palmas das mãos com força, transformando-se numa leoa de pelagem brilhante e desapareceu na floresta. Fiquei observando boquiaberta o rastro de luz que ela deixou para trás quando desapareceu. Fiquei sozinha, sentada no chão da floresta esperando os outros chegarem, não conseguia usar meus poderes ainda nem mesmo para fazer o pingente mudar, parece que Fairin havia tomado todo meu poder quando me mordeu. Levei as mãos ao pescoço, embora Leona tenha curado a ferida, ainda era dolorosa! Me sentia violada, como se tivesse perdido uma parte importante de mim, estava doendo no fundo da alma.
Leona me deixou em uma área mais fechada da floresta, assim seria mais fácil vê-los chegando, e mais difícil que outras pessoas me encontrassem. Não demorou muito para Moan me encontrar escondida encostada no tronco de uma árvore de galhos caídos e folhas baixas que formavam uma ótima proteção.
– Ela está aqui! – Disse Moan segurando meus braços e me puxando para fora da árvore. Hasan foi o primeiro que vi entre eles, seus olhos estavam em um vermelho vivo, quando me encarou eles voltaram à cor de carvão que tinham.
– Onde está Leona? – Ewren perguntou apreensivo seus olhos varreram toda a área ao nosso redor.
– Ela me deixou aqui, foi para Monte Azul procurar por vovó Mayra... – minha voz saiu fraca e tremida. Parecia que havia algo em minha garganta impossibilitando-me de falar.
– O que aconteceu com você? O que aconteceu lá no castelo? – Hasan estava preocupado olhando minhas roupas manchadas de sangue. Moan tocou em minha testa com o polegar e as marcas em meu braço acenderam com um brilho tão fraco que mal podia enxergar.
– Deem um tempo para ela se recuperar! – Disse Tayman aparecendo no meio dos outros e piscando para mim, Hasan o encarava com olhos semicerrados.
– Não... não temos tanto tempo assim! – Falei me levantando. Não queria contar para todos, apenas para Ewren, depois talvez contaria para Hasan. – Ewren, posso falar com você um instante? – Perguntei segurando seu braço.
– Preciso ir atrás de Leona! – Respondeu ele apreensivo olhando para longe.
– Mas você tem que saber de uma coisa! – Falei, queria que ele visse as lembranças da sala escondida com as árvores. Ele me encarou por um tempo e depois me afastou dos outros. Amaterasu nos seguiu com as orelhas abaixadas.
– Fale logo, preciso mesmo ir atrás dela! Ela não deveria ter ido sem mim!
– Eu preciso te mostrar o que vi numa sala escondida no castelo!
– Não tem como, Leona bloqueou nossas mentes não foi?
– Ela bloqueou nossas mentes de forma que os outros não possam tomar nossas memórias, mas não nos impede de passá-las para outra pessoa! – Falei. Ewren ergueu uma sobrancelha, talvez não tivesse sido boa ideia dizer isso a ele, talvez Leona estivesse evitando falar sobre isso para que ele não lhe pedisse para mostrar alguma coisa. Leona sempre tinha um plano escondido debaixo da manga, mesmo assim precisava mostrar a ele sobre as árvores dos nomes, mas nessa hora senti um frio na espinha, como se tivesse feito a escolha errada, não devia ter dito que era algo que eu precisava lhe mostrar, talvez fosse algo que Eirien não queria que ele soubesse, mas agora já era tarte, Ewren já tinha tocado minha testa com a sua e aguardava as memórias.
O momento que entrei na sala surgiu em minha mente em cores vivas e brilhantes, vi as árvores, os nomes em vermelho, os nomes rosados debaixo do nome de Lórien, o nome de Ewren e de Yurin embaixo do de Eirien e ao lado dos nomes de Ruthar e Arin. Logo depois a árvore de meu “pai” e pôr fim a árvore das Arbarus com os nomes das filhas deles e algo que não havia notado antes, um par de traços azuis embaixo de meu próprio nome, o que me fez tem um pequeno ataque de pânico. Quando fui fechar minha mente para que ele não visse além disso, foi como se ele tivesse tomado conta de minha cabeça, de meu espaço. Ewren viu a hora que Guinn nos sequestrou, quando prendeu Leona, viu tudo depois disso, até pouco antes de Leona se transformar e desaparecer. Finalmente ele me soltou, respirei com dificuldade, como se passar as memórias tivesse gastado o resto de minhas energias.
– O bloqueio só funciona até você deixar alguém entrar. – Disse ele, Ewren estava angustiado... não, não era essa a palavra certa, furioso talvez, tentando não demonstrar seus sentimentos, mas eles estavam lá, revirando-se no fundo daqueles olhos prateados.
– Eu... não sei o que dizer! – Falei.
– Se você lacrou a sala, não há perigo imediato de Fairin descobrir sobre as crianças, mas precisamos tirá-lo do castelo o quanto antes! Temos que tomar o castelo de cristal! – Fiquei o encarando para ter certeza de que ele havia visto tudo que vi, será que não tinha reparado no seu nome embaixo do de Eirien e o outro nome, o nome de seu pai aceso e do pai de Lórien também? Ele pareceu notar minha confusão e riu. – Eu sempre soube, Serena! Meu pai antes de ir embora me passou todas as suas memórias. Só nunca falei nada pois sabia que Arin fazia de tudo para que eu nunca descobrisse isso e quanto a Yurin, ela é minha irmã gêmea, ela está no oitavo mundo, Pollo, com meu pai. Ele a levou com ele, queria ter uma lembrança de Eirien e garantir nossa segurança mas ela não o deixou me levar também, quando meu avô descobriu sobre Eirien ter traído seu marido e descobriu que Yurin e eu éramos na verdade filhos dela, ele quis nos matar para não “sujar” sua linhagem. Foi por isso que Eirien subiu ao trono tão nova, ela matou o rei Nalrevi, seu pai e Orion, seu irmão e marido dela! – Ele contava tudo isso com tamanha tranquilidade que me deixou perplexa.
– Então por que Farahdox se casou com Arin? – Perguntei.
– Arin queria proteger Eirien, então ela e Aristes planejaram tudo para fingir que se apaixonou por Farahdox quando ele a treinava nas horas vagas da guarda do castelo. Eles se casaram e foram para Pollo, mas levaram Eirien também, com a desculpa que seria bom para as relações entre os mundos conhecerem membros da família real de Amantia. Eles passaram um longo tempo lá, assim Eirien pôde nos ter tranquilamente, quando voltaram a Amantia nos trazendo, Eirien disse ao Rei que nós éramos seus netos. – Ele riu. – Só que um dia eu falei uma bobagem e Orion descobriu tudo, ele correu e foi contar para o Rei, quando ele nos deu a sentença de morte e a punição de Eirien, ela puxou a espada e matou seu pai e Farahdox matou Orion para que ele não se vingasse de Eirien. Farahdox assumiu a culpa pelas mortes para que Eirien não fosse condenada pelo assassinato do rei, como ela era a única filha viva do Rei e seu filho mais velho, Ruthar não tinha experiência para assumir o trono ela o assumiu e para não causar desconfiança, baniu Farahdox de Amantia.
– Leona sabe disso? – Perguntei.
– Leona não sabe de nada disso, ainda, pretendia contar algum dia. Talvez contaria quando Eirien descobrisse que eu já sei de toda a verdade, ela pediu para Noliah os apagar de minha mente para que eu não sofresse pela ausência deles, nós tínhamos doze anos quando fomos separados, mas Noliah não o fez, ele só me pediu para ser forte e fingir que havia esquecido deles. Arin inventou a história de que ele havia morrido na batalha contra os gigantes e eu fingi acreditar. Foi Mayra que fez a história que Arin inventou se espalhar por Amantia, ela usou uma magia para espalhar a memória criada por Arin, para que não sofresse preconceito por ser um bastardo. – Ele riu, como se algo assim fosse o incomodar!
– É incrível o que as pessoas fazem por amor aos seus filhos, menos meu pai, ele é só mais um demônio pisando sobre todos para conseguir poder! – Falei sentindo as lágrimas escorrendo em meu rosto. Ewren as limpou.
– Você não teve tempo de dizer a ela sobre Jocelinne, não é?
– Não! Mas acho que ela sabe, ou pelo menos desconfia, por isso foi até Mayra e acho que foi sem esperar ninguém pois ela pretende matar Fairin para evitar que Jocelinne morra tentando fazer isso! – Falei olhando para o lado que os outros estavam. – Eu vi o ódio nos olhos dela, Ewren, ela estava com o olhar igual ao de Fairin! Fiquei com medo! Você sabe qual era a intenção dele passando as suas memórias para ela?
– Sei, ele queria fazê-la me odiar, queria fazer com Leona o mesmo que fizeram comigo séculos atrás. Eles iam escurecer o coração dela. Se ela se tornar uma maga negra, não tem volta, Fairin iria conseguir tudo que precisa dela, isso se Leona não o destruísse antes. Eu vou atrás dela, ela já matou Black Jango e isso já a prejudicou demais.
7
O Mundo
das sete luas
Ewren me segurou pelo braço e me levou de volta até onde os outros estavam.
– Vou atrás de Leona, vocês vão para a vila dos caçadores e consigam ajuda com eles, depois para as ilhas monarcas, irei até Vintro com Leona, acho que teremos ajuda lá também! – Disse ele. Tirando a blusa e abrindo as asas.
– Leona se transformou em uma leoa antes de partir, Ewren! – O avisei antes que ele levantasse voo e fosse atrás de Leona e tentasse encontrá-la.
– O que? – Moan estava me olhando com olhos arregalados, Ewren, Demétrius e Hasan também.
– Isso mesmo... – minhas palavras morreram sob o olhar surpreso deles.
– Não tem como, um mago humano não pode fazer isso! Por maior poder que tenha, esse tipo de transformação é restrito à Metamorfos ou híbridos de metamorfos!
– Preciso mesmo ir, vou verificar isso eu mesmo! – Disse Ewren saltado e desaparecendo no ar com Amaterasu encolhida em seus braços.
– Agora, pensando bem, quando ela começou a brigar com Veruza, Leona estava com o olho esquerdo amarelo... – falei.
– Impossível! – Disse Moan ainda encarando-me estarrecida.
– Ela é hibrida? – Perguntou Hasan parecendo confuso também. – Achei que era por causa da maldição que nenhuma nascia assim!
– E eu? – Perguntei encolhendo-me.
– Não, você com certeza não é uma hibrida, mas o estranho foi notarem isso só agora! – Disse Hasan se aproximando de mim e segurando carinhosamente minhas mãos.
– Leona estava muito furiosa quando o olho dela mudou de cor! Ela estava falando coisas para Veruza, nunca vi ela falar daquele jeito com ninguém! – Disse baixinho.
– Precisamos nos apressar, antes que eles venham atrás de nós aqui! Estamos em um lugar perigoso! – Falou Tayman erguendo a besta e carregando-a com uma flecha manchada.
– Vamos direto para a vila! – Disse Tayman indo na frente, seguido por Moan e Demétrius. Fiquei para trás com Hasan e neve.
– Onde está Meow? – Perguntei.
– Ele voa para longe quando sente perigo. – Disse ele segurando meu braço e me levando em direção ao rio.
– O que vai fazer? – Perguntei quando ele entrou no rio puxando-me para dentro da água. Ele segurou a gola de meu vestido manchada de sangue. Ficamos em uma parte da água que fiquei apenas com a cabeça para fora da água, a água batia na altura do peito de Hasan.
– O que você mostrou para ele? – Perguntou ele segurando meu rosto.
– Como sabe que eu mostrei algo a Ewren?
– Sou um Salamandra, Serena! Minha audição é quase perfeita, escutei vocês falando no início e novamente depois um longo silêncio.
– Quer que eu te mostre o que ele viu também? – Perguntei.
– Se você quiser me mostrar! – Acenei com a cabeça para que ele aproximasse seu rosto do meu, sabia que lhe mostrando as memórias das palavras que disse à sua mãe, seria o mesmo que dar minha resposta a ele. Senti um arrepio quando sua testa tocou na minha. Ele viu todas as memórias desde que fomos levadas ao castelo até a hora que chamei Ewren para lhe mostrar as memórias.
Depois que acabou, ele ainda continuou segurando meu rosto com suas mãos quentes, seus olhos estavam fechados e respirava rápido demais.
– Hasan? Você está bem? – Perguntei. Ele não me respondeu, apenas pegou um lenço e começou a limpar a mancha em meu pescoço. Ele abaixou a gola do vestido para ver a marca.
– Se estivesse perto na hora...
– Não foi culpa sua Hasan! Não comece com isso você também! Já basta Leona com esse desespero de se sentir culpada, não quero você com isso também! – Falei, as palavras saíram rápidas e atropeladas, mas nem assim consegui tirar um sorriso dele. Hasan tocou seus lábios nos meus e assoprou de leve minha boca, senti toda a energia que Fairin havia tomado de mim retornar. Ele desceu as mãos que estavam em meu rosto até minhas pernas e as deslizou para cima, puxando meu vestido no caminho e o tirou.
A água era tão cristalina que podia ver meu corpo dentro dela, porém ele tinha seus olhos fixos nos meus aqueles olhos eram como o mar, profundos demais para serem explorados, se não tivesse cuidado e mergulhasse mesmo assim, poderia me perder para sempre naquele olhar. Não sentia vergonha de que ele me visse assim, era como se nós nos conhecêssemos a vida inteira. Não resisti ficar apenas olhando, tinha que tocar, que sentir o gosto de sua boca novamente, tocar em seus cabelos macios e em seus braços fortes.
Hasan era cuidadoso demais comigo, mais do que gostaria que fosse, parecia que poderia quebrar nas mãos dele se me tocasse de forma errada. O puxei de volta para mim, mordendo de leve seus lábios e traçando o contorno de seu maxilar com a língua.
Escutei sua risada enquanto ele me apertava com força contra seu corpo e me beijava como fizera no navio. Ele acariciava meu corpo com as pontas dos dedos enquanto nossas línguas dançavam e se enrolavam numa melodia que só nos podíamos decifrar. O abracei apertado, com medo de que ele percebesse o erro que estávamos prestes a cometer e se desvencilhasse de mim. Porém isso não aconteceu, ele continuou ali, com os lábios em meu pescoço. Meu coração batia descontroladamente enquanto ele mantinha seu corpo quente junto ao meu, queria tirar sua calça, mas Hasan sorriu contra meus lábios e fez uma roupa aparecer em mim, virou-se de costas e me tirou do rio.
– O que? – Perguntei procurando a resposta em seu olhar divertido.
– Eu gosto de brincar com o fogo, de atiçar a brasa até que ela acenda a fogueira... – disse ele baixinho ao meu ouvido, respirei fundo tentando controlar a vontade louca que tive de bater nele.
– Posso recusar seu pedido de ontem! – Falei ameaçando.
– Não pode, você já aceitou! – Disse ele sorrindo ainda mais. Lembrei das últimas palavras que disse a Áries e ele as viu nitidamente em minhas memórias. – Prometi a Leona e Ewren que não faria nada até estarmos todos fora de perigo! – Falou por fim, segurando minha mão e indo em direção a trilha. Moan apareceu pouco depois entre os arbustos.
– Vamos logo! – Disse ela bufando, meu rosto corou quando ela apareceu. – Ah, me desculpem se atrapalhei! – Disse ela me lançando um olhar malicioso, o que me deixou ainda mais constrangida. A seguimos, encontramos Tayman e Demétrius à frente na trilha, neve ia na frente vigiando o caminho.
– Temos que ir depressa antes que Fairin chegue neles primeiro! – Disse Demétrius indo na frente.
Ewren:
Estava voando baixo com Amaterasu no colo, procurando pela presença de Leona pela floresta da Lua, estávamos perto demais de Alamourtim, era uma área arriscada demais para que eu fosse visto voando, então tive que descer. Talvez Leona já estivesse em Monte Azul a essa altura, Amaterasu pulou de meu colo e cresceu para que eu montasse.
– Está preocupada com ela também? – Perguntei, Amaterasu espirrou e sacudiu o focinho, ela parecia angustiada pois assim como eu, estava afastada demais de seu mestre. – Precisamos encontrá-la para impedir que ela faça alguma bobagem! – Falei enquanto montava e corríamos silenciosamente pela floresta escura. Precisávamos tirar Fairin do Castelo antes que ele descobrisse sobre a Sala dos Espíritos, assim que era chamada a sala das árvores com os membros das famílias de Amantia, nunca imaginei que a sala existia mesmo.
Eirien havia me falado dessa sala, quando eu era pequeno e vasculhava o castelo atrás dela, dizia que essa sala lhe mostrava parte de seu futuro, mas nunca fui capas de encontrá-la. Talvez só Sirius que a criou sabia onde ficava ou como entrar nela. Porém eles haviam deixado esse detalhe passar, como eles não sabiam que Jocelinne era irmã de Fairin? E Arcádius? Ele não sabia, se não, não a teria permitido absorver os poderes de Hasan para tentar destruir Fairin.
Talvez eu devesse fazê-lo, pedir o sangue de Hasan e matar Fairin e Veruza antes que mais pessoas se ferissem, antes que ele tentasse tocar novamente em Leona ou antes que ele as encontrasse. Queria o destruir com minhas próprias mãos. Ia dar a ordem a Amaterasu para voltar em direção ao castelo e ia tentar a sorte quando vi ao longe um brilho de luz roxa extremamente forte riscar os céus e formar uma nova mandala brilhante acima das nuvens, a luz vinha da direção que ficava Monte azul. O céu estava escurecendo rápido, já estava começando a anoitecer e aquela luz foi muito suspeita. Leona!
– Não temos tempo, Amaterasu! Não adianta irmos correndo achando que vamos encontrá-la no meio do caminho. Acho que ela teleportou para a cidade horas atrás! – Falei ficando de pé ao seu lado e formando um círculo em volta de nós, nos teleportando para a estrada que ficava mais próxima a cidade. O feixe de luz roxa mudou de cor, ficando azulado e começando a crescer. Era um portal! Estavam abrindo um portal e eu precisava saber quem iria partir nele, não tinha um bom pressentimento sobre isso.
Leona:
Corri pela floresta usando meus poderes para me guiar, não sabia onde ficava a cidade de Monte Azul, mas sabia que podia traçar uma linha para que me guiasse até lá, havia me transformado em uma leoa, já que era um animal grande e de aparência hostil que não chamaria tanta atenção correndo por aí. Talvez deveria ter escolhido um animal de floresta, não um de savana, mas já estava aqui e precisava correr! Encontrar vovó Mayra e ter algumas respostas e principalmente ajuda. Minhas patas tocavam suavemente o chão enquanto corria, parecia que estava usando pantufas, saltava por cima dos obstáculos e corria rapidamente cobrindo grandes distâncias sem me cansar. Sabia que Monte azul ficava a leste da cidade de Alamourtim e que ficava a dois dias de dirigível e oito de cavalgada. Demoraria tempo demais se fosse correndo, fiquei de pé voltando a minha forma humana e me preparei para teleportar. Sentia meu poder mais forte do que de costume, parecia que a energia fluía livremente através de meu corpo desde a hora que saí do castelo de Cristal. O círculo de luz me cobriu e senti aquela estranha sensação de estar sendo tragada por algo, torci para não parar muito longe de meu destino, já que nunca havia visto essa cidade.
Abri os olhos, estava no meio de uma vila cheia de canteiros de flores e ruas de pedras redondas e polidas, as casas eram pequenas e aconchegantes, cobertas por flores e heras que pareciam costurar as rachaduras nas paredes de pedras claras e desenhadas. Os telhados cobertos por folhas das arvores gigantes que cercavam toda a cidade, deixando-a com sombra a maior parte do dia, o vento batia naquelas arvores de mais de vinte metros de altura trazendo um suave perfume de eucalipto e lavanda. Olhando bem, percebi que todas as arvores eram unidas por pontes de corda e madeira, e elas haviam sido escavadas, de forma que se tornaram torres de vigia, na base de cada uma delas haviam portas largas e guardas as protegendo, seriam necessárias pelo menos cinquenta pessoas para abraçar uma arvore daquelas.
Não sabia qual era a casa de Mayra e a cidade, embora parecesse pequena e aconchegante, era muito grande! Rodei um pouco pelas ruas observando o movimento, só via humanos e alguns elfos, o que me surpreendeu muito. Era uma cidade muito pacífica e tranquila, algumas pessoas me olhavam com curiosidade enquanto fingia estar distraída no centro observando o comércio. Me afastei um pouco do centro da cidade e andei até uma praça quase vazia, me sentei em um banco afastado e fiquei olhando uma menina de aproximadamente oito anos brincando sozinha nos balanços, seus cabelos loirinhos balançavam enquanto ela ria balançando cada vez mais alto, parecia tão feliz, ela era loira como as filhas de Ewren e Emma das lembranças que Fairin havia me forçado a ver. Lágrimas vieram aos meus olhos ao lembrar de Nyumun, Asahi e Karin em Evenox, queria ir até lá e quebrar o círculo que unia os mundos, mas tinha certeza que cedo ou tarde Fairin conseguiria refazer o círculo e as acharia. Minha mãe tentou fugir, mas o seu destino a encontrou, assim como o meu iria atrás de mim enquanto vivesse. Estava com medo, teria que enfrentar Fairin e não contaria com ajuda de Jocelinne, eu precisava destruí-lo, não podia arriscar que ele as encontrasse! Vi as feridas no pescoço de Serena, ele não ligava para ninguém a não ser ele mesmo!
A menina que estava no balanço se virou e veio em minha direção, ela sentou ao meu lado e me encarou sorrindo.
– Me lembro de você! – Disse ela limpando as lágrimas no meu rosto. – Você e o elfo estavam comigo no dia que minha mãe foi embora para Mogyin, não é? – Ela me encarou com seus olhos castanhos e brilhantes.
– Sally? – Perguntei. Só agora dava para ter uma noção do tempo que havia se passado quando estivemos em Evenox, Sally era bem pequena quando a vi no funeral de Nellena, agora ela estava muito grande.
– Sim! Você se lembra! – Disse ela me abraçando apertado. – Vovó Mayra falou que você estava vindo para cá e mandou eu te esperar aqui! – Ela pegou minha mão e se levantou, andando em direção à saída da praça.
– Como ela sabia que eu estava vindo para cá? – Perguntei curiosa e desconfiada.
– Vovó sabe quando as pessoas vão chegar, ela sente na terra! – Ela deu um sorrisinho enquanto caminhávamos até uma rua mais afastada, ela estava me levando até uma casa antiga no final da rua, tão coberta por hera que quase não podia se ver a construção embaixo delas, a casa ficava bem próxima as árvores gigantes que circulavam a cidade. Estava ficando frio, o vento fazia as árvores se agitarem, o farfalhas das folhas parecia uma canção, o horizonte estava ficando mesclado com as cores do pôr do sol, as folhas que se soltavam das árvores formavam uma chuva marrom-dourada contra a cor púrpura do céu. No final da rua, a fumaça saía da chaminé da casa, senti um cheirinho de café e bolo saído do forno e as lágrimas voltaram aos meus olhos, lembrando de minha mãe. Entramos na casa, era como uma casa de bonecas, os móveis antigos de madeira perfeitamente polidos pareciam muito com móveis da casa de uma avó de verdade. Vovó estava na cozinha, não era fácil chamá-la de vovó, não tinha nenhuma ruga em seu belo rosto e nenhum fio de cabelo branco na cachoeira de cabelos castanhos que caiam por suas costas. Ela tirou um bolo do forno e colocou ao lado de um bule em cima da mesa.
– Sabia que ia chegar na hora do café da tarde! – Disse ela sorrindo para mim. Meu coração se apertou ainda mais e corri para abraçá-la, vovó tinha os mesmos olhos que minha mãe e a mesma forma de sorrir. Chorei quando ela afagou minhas costas carinhosamente.
– Sinto tanto a falta dela, vovó! – Falei entre os soluços.
– Pode chorar, sei que você teve que ser forte demais antes. As lágrimas são amargas, eu sei, mas mais amargas são aquelas que não derramamos! – Disse ela chorando também. Sentamos à mesa depois de um longo tempo abraçadas chorando, parecia que ela tinha varrido de meu coração todos os sentimentos negativos que tinha carregado até agora. Vovó cortou um pedaço do bolo de milho que tinha acabado de assar e serviu uma xícara de café para mim e outra para ela, para Sally ela serviu um pouco de chá de ervas.
– Sally, pode ir tomar seu chá na varanda? – Pediu vovó, Sally pegou o prato com bolo e seu chá e saiu pela porta da cozinha sem questionar.
– Vovó, tenho algumas perguntas para lhe fazer! – Falei comendo um pedaço do bolo.
– Pode perguntar o que quiser!
– Vovó... por que ela morreu sendo que a proteção de Amantia só impede irmãos de se matarem? – Perguntei.
– Sua mãe não morreu por causa da proteção, Leona. Ela morreu, pois, quando você usa aquele tipo de maldição contra um parente seu, toda sua energia é drenada de seu corpo. Sua mãe quando tentou criar o lacre para matar Arcádius estava sem energia por causa do que aquele monstro fez com ela uns dias antes! Estive no castelo quando foram ao templo de fogo, Eirien me contou o que havia acontecido. – Ela estava falando sobre a mordida que Fairin deu em minha mãe para sugar seus poderes. – Arin morreu com ela pois também passou toda sua energia para completar a maldição, ela sabia que Lupine estava fraca e não conseguiria com a quantidade de energia que tinha.
– Então se eu usar meus poderes para lacrar o poder de Fairin...
– Você só vai perder parte de seus poderes, a maior parte para ser sincera! – Explicou ela calmamente tomando uma xícara de café. Bebi meu também, feliz por depois de tanto tempo poder tomar um bom café.
– Eu vou destruí-lo vovó! – Falei encarando-a – Quero fazer isso por elas, por todos nós!
– Por que fala em destruí-lo assim? Você é como ele, por acaso? – Seu tom de voz me repreendendo me pegou de surpresa.
– Mas vovó! Ele merece ser castigado por tudo que fez! – Falei. Ela sacudiu a cabeça lentamente me olhando nos olhos.
– Quando você diz que quer destruí-lo dessa forma, como se essa fosse a única coisa que lhe importa, você não é diferente dele! Você não deve desejar destruí-lo, mas sim salvá-lo.
– Mas... – comecei a falar, mas ela ergueu a mão.
– Não é sobre o que ele merece, Leona! É sobre o que você está trazendo para si! Ele merece morrer, na verdade, a morte será quase um presente para alguém como ele, mas não quero que você tenha esses sentimentos negativos!
– Entendi vovó, desculpe! – Falei envergonhada.
– Às vezes, a morte é como um tiro de misericórdia em alguém que está sofrendo. – Disse ela olhando pela janela os últimos raios de sol desaparecendo. – Ou as vezes é a salvação que alguém precisa...
– Mas de qualquer forma, eu terei que fazer isso, vovó!
– Achei que você cuidaria de Veruza enquanto Jocelinne se acerta com Fairin.
– Jocelinne é irmã de Fairin, vovó! – Ela quase cuspiu o café quando falei. Ficou me encarando atordoada.
– Não está falando sério, não é? – Sua voz saiu tremida e assustada demais.
– Muito sério! – Ela fechou os olhos e respirou fundo. – Fairin conseguiu capturar a mim e a Serena hoje mais cedo. Quando ele descobriu que ela não era a mais velha, ele quis se passar por Ewren... bom, nós conseguimos escapar! – Não quis detalhar a fuga.
– Eu imagino! Sorte que conseguiu escapar então! – Disse ela nervosa. – Pelo menos Ewren fez algo certo com você, se tivesse passado sua maldição para frente, correríamos sérios riscos agora! – Ela sorriu parecendo aliviada, meu olhar fez com que ela colocasse a xicara em cima da mesa e cobrisse a boca. – Ah, eu não consigo acreditar! Por isso que vocês saíram de Amantia então! – Achei que ela fosse surtar.
– São lindas, vovó! Karin, Asahi e Nyumun! Assim que isso tudo acabar, você vai poder conhecê-las! – Falei.
– Três? – Perguntou ela ainda mais espantada, sorri e acenei com a cabeça. Não tinha como lhe mostras minhas memórias, peguei um guardanapo de pano na mesa e o cobri com as mãos lembrando do rostinho delas, transformando o guardanapo num porta-retratos com uma foto de minha mente. Vovó olhou a foto e deu um sorriso tão grande que senti meu coração esquentar, logo depois de ver a imagem ela a destruiu, transformando o porta-retratos em uma pilha de poeira e a assoprou.
– Sem risco de alguém descobrir... – disse ela percebendo minha expressão curiosa. – Onde estão agora?
– Em Evenox, com Medras, Lórien e Ervie. – Vovó franziu o cenho quando falei o nome de Ervie. – O que foi?
– Ervie foi embora de Amantia quando sua filha mais velha, Katherine morreu no início da gestação. Já sua filha mais nova morreu logo após nascer, ela saiu daqui desejando que minhas filhas fossem tomadas de mim também, Ervie me odiava! O pior é que o que ela me desejou realmente aconteceu, Pytia e Lupine estão mortas. – Senti frio na barriga com as palavras dela. – Bom, pessoas podem mudar!
– Estranho, minha mãe havia dito que as duas filhas dela morreram logo que nasceram!
– Lupine era muito jovem quando nos ouviu falando da maldição. Talvez não tenha guardado todos os detalhes.
– Voltando ao assunto, o que faremos quanto a Fairin? Mesmo que eu fizesse aquele lacre que minha mãe fez, não creio que poderia enfrentá-lo de frente, mal consigo me mexer quando ele me prende!
– É por causa da prata! – Disse ela bufando, só existia uma pessoa que sabia como neutralizar o efeito da prata em criaturas mágicas e ele não está mais em Amantia, ele usava uma pulseira que ele mesmo forjou que o impedia de ficar fraco em contato com a prata! Também é um guerreiro muito forte e poderia nos ajudar! – Disse ela abrindo um largo sorriso. – Eirien iria nos agradecer se o trouxéssemos de volta...
– Quem vovó? – Perguntei, a curiosidade e a angústia estavam me tomando.
– Farahdox!
– Farahdox está vivo? É o pai de Ewren, não é? Arin disse que ele estava morto! – Falei.
– Ele não morreu, teve que partir de Amantia... é uma longa história! – Disse ela.
– Como iríamos trazê-lo de volta? – Perguntei.
– Vamos até Pollo, vamos buscá-lo! – Ela se levantou da cadeira e foi em direção ao corredor da pequena casa. Fui atrás dela, passamos por um corredor estreito até um quarto confortável com móveis antigos e cheiro de flores e madeira. Na parede em frente a cama havia uma pintura com Mayra, Pytia e minha mãe, as três sorrindo felizes na pintura. Me aproximei e toquei a superfície da pintura.
– Ela era tão linda! – Falei. – Eu não gostava quando ela ia na escola para as reuniões. Os garotos ficavam babando quando ela passava e as professoras a tratavam mal por que achavam que ela havia tido a mim muito cedo, aí achavam que ela não me dava educação de forma correta, mas ela nunca ligava, sempre as tratava com todo respeito e educação, deixava as pessoas sem jeito! – Falei lembrando do tempo em que vivemos na terra.
– Ela foi educada por Eirien, viveu no castelo junto com a princesa Arin, então era quase uma princesa também! – Disse vovó pegando algumas coisas e colocando em uma bolsa. – Você podia ter trazido seus guardiões, Pollo é um muito, muito mais hostil que Amantia!
– É maior também, não é?
– Muito maior! É o segundo maior mundo do círculo, perdendo apenas para Saldazaris, o mundo dos ventos de onde os silfos vieram.
– Então como vamos achá-lo lá?
– Eu mantive contato com ele a pedido de Eirien, eles vivem numa montanha ao leste de Pollo. Mas temos que ser muito rápidas lá, temos que abrir um portal bem perto de onde estão para que não tenhamos surpresas aqui.
– Como o tempo passa lá? – Quando fiz essa pergunta, vovó me olhos com um ar preocupado, temendo que sua resposta me fizesse mudar de ideia.
– Pollo tem o tempo parecido com o da terra, um pouco mais lento, um dia em Pollo equivale a quase três meses aqui... – disse ela olhando-me de canto de olho.
– Então meia hora lá seriam dois dias aqui? – Perguntei.
– Exatamente. – Meu estômago se embrulhou.
– Como vamos convencê-los a vir em tão pouco tempo?
– Deixa isso comigo! – Ela me arrastou para o quintal dos fundos. – Sally? – A menina veio correndo até onde estávamos. – Nós vamos ter que sair por algumas horas, espero voltar ao amanhecer, mas se não estivermos de volta até o meio dia de amanhã vá para a casa de sua avó, está bem? – Perguntou ela à menina que parecia confusa.
– Tudo bem. – Disse ela inocentemente.
– Não é perigoso ela sair por aí sozinha? – Perguntei.
– Ela é filha da maior caçadora que Amantia já teve, e a casa da avó dela fica do outro lado da praça. – Explicou vovó arrumando algumas pedras redondas no fundo do quintal de modo que formassem um círculo. Depois que as pedras estavam colocadas e perfeitamente alinhadas, vovó andou ao redor do círculo tocando em cada uma delas com as mãos, elas começaram a trincar e das rachaduras apareceram luzes brilhantes, quando as cascas quebraram notei que eram bolas de cristal e não pedras, estavam apenas protegidas. Elas começaram a soltar pequenos raios que foram crescendo e se estendendo até que tocassem os raios da bola mais próxima, fechando o círculo com uma forte luz roxa brilhante.
– Um portal? – Perguntei.
– Sim, temos facilidade em abrir portais por causa do sangue metamorfo! – Disse ela sorrindo para mim, vovó pegou o pingente de seu pescoço e o transformou em um pequeno cetro de madeira. Ela começou a andar em volta do círculo tocando cada esfera com o cetro, elas cresceram e se uniram, formando uma bolha de vidro gigante que soltava raios para todas as direções.
– Como assim metamorfo, vovó! – Perguntei só me ligando agora no que ela havia falado.
– Ué! Não havia notado ainda? Você é hibrida como eu! – Disse ela dando uma gargalhada divertida por causa de minha cara de espanto. – Agora entendo o porquê somos híbridas! Se Mamãe é filha de um pai metamorfo, e nós somos filhas de um híbrido, havia uma pequena chance se sermos híbridas também!
Só então havia me lembrado do que Ewren disse sobre humanos não poderem mudar sua forma, e eu havia me transformado em uma leoa para vir até aqui.
– Como a senhora descobriu que eu era híbrida também?
– Seus olhos, o esquerdo está amarelo. Só híbridos tem olhos amarelos! – Disse ela piscando para mim. Isso explicaria a facilidade que tive para abrir o portal no espelho e mandar os fantasmas para o mundo dos mortos.
– Então Ewren... – comecei, mas vovó riu.
– Não, ele não é híbrido, é só um elfo mesmo, ele tem os dois olhos azuis, mas mantém um sempre com a visão mística para facilitar encontrar possíveis ameaças. Eirien também costumava fazer isso quando treinava. – Vovó abaixou os braços, parecia cansada.
– Precisa de ajuda? – Perguntei.
– Falta um pouco de energia para abrir o portal, não pareço, mas estou bem velha, sabe? – Disse ela esticando as costas.
– O que preciso fazer? – Falei me aproximando dela e da bola de vidro que soltava raios com maior frequência.
– Só basta você tocar na bola e mandar sua energia para ela! – Me aproximei com cuidado evitando a parte que soltava mais raios e toquei a superfície gelada da bola, minhas marcas acenderam e transferi minha energia para a bola, os raios se uniram no alto da bola que imediatamente soltou um feixe de luz lilás em direção ao céu.
– E agora? – Perguntei, aquela luz com certeza podia ser vista a quilômetros e certamente seria vista do castelo de cristal.
– Em poucos minutos a passagem se abrirá! – Falou ela puxando-me para longe da bolha que começou a ondular e brilhar novamente. Queria que Ewren estivesse aqui! Pensei me arrependendo de ter vindo na frente sem esperar que ele me alcançasse.
– Vai a algum lugar? – A voz de Ewren veio de trás das árvores no fundo do quintal de vovó.
– Estava esperando você chegar para partirmos! – Disse vovó a ele, que saía silenciosamente dentre as árvores com Amaterasu em seus calcanhares.
– Ewren! Achei que não viria! – Estava surpresa e envergonhada ao mesmo tempo. Ele se aproximou de mim, segurou minha mão e a beijou.
– Um guardião nunca se afasta! – Disse ele sorrindo para mim, fazendo meu coração pular alegremente, porém as lembranças que Guinn havia colocado em minha mente vieram das profundezas e me afastei automaticamente como se tivesse correndo perigo, minhas mãos estavam pousadas sobre o pingente e meu coração estava acelerado, o medo deve ter aparecido em meus olhos nessa hora. O olhar de Ewren quase fez meu coração se partir em pedaços, Serena deve ter contado para ele o que Guinn fez e meu gesto só provou que aquilo havia me atingido.
– Onde vão? – Perguntou ele à vovó ignorando meu gesto.
– Buscar seu pai em Pollo! – Disse vovó sem lhe dar nenhuma outra explicação.
– Bom! Vamos precisar da ajuda dele! – Disse Ewren como se ela não tivesse dito nada demais. – Já já te explico tudo! – Disse ele notando minha confusão, Amaterasu bateu o focinho em minhas costas e esfregou sua cabeça em mim como se pedisse um carinho, afaguei seu focinho enquanto levava lambeijos alegres dela.
– Não vou te deixar novamente! – Falei para ela se acalmar.
– Devia falar isso para mim também! – Disse Ewren olhando-me de lado, mostrei-lhe a língua e me virei para vovó.
– O portal se abriu! – Vovó falou pegando a sacola que estava nas mãos de Sally, nem havia notado que ela ainda estava ali, estava em silêncio abraçando a bolsa de vovó. – Não espere amanhecer como lhe falei antes, vá para a casa de sua vó agora mesmo! – Disse vovó para Sally, ela acenou com a cabeça e correu pela lateral da casa desaparecendo de nossas vistas em instantes. Amaterasu encolheu e pulou em meu colo.
– Vamos? – Segurei a mão de vovó.
– Vamos! – Disse ela puxando-me para a bolha brilhante e ondulante à nossa frente. A sensação de atravessar aquela bolha foi a mesma que entrar numa piscina cheia de geleia (não que eu já tenha entrado em uma piscina de geleia, mas a sensação deve ser a mesma) depois que passamos pela membrana da bolha, começamos a cair em um céu claro, olhei em volta e perdi o fôlego, três grandes luas no céu e outras quatro tão pequenas que cheguei a achar que fossem estrelas.
– Sete luas? – Perguntei a Ewren que havia aberto as asas e me segurava no colo, Amaterasu havia se enrolado em meus braços tão apertada que parecia uma bolinha de pelos. Vovó fez uma espécie de tapete aparecer embaixo de nós, Ewren pousou em cima do tapete e fechou as asas, sentia meu corpo pesado e minhas marcas se apagaram. Ewren acendeu suas marcas para ajudar vovó a descer o tapete até o chão.
Estávamos descendo na metade de uma montanha muito escura quando vovó bufou e sentou-se no tapete.
– Não vou conseguir nos levar até o topo! – Disse ela fazendo o tapete pousar numa parte plana da montanha. Quando tocamos o chão o tapete se desfez. Estava com dificuldade para respirar e mal conseguia ficar de pé com as costas esticadas.
– O que está acontecendo? – Perguntei.
– A gravidade daqui é mais forte do que em Amantia e Pollo possui uma resistência muito grande à magia, o que nos impede de usar nossos poderes livremente, por isso poupem energia para abrirmos o portal de volta! – Disse vovó.
– Estamos na montanha certa? – Perguntou Ewren à ela.
– Sim, o portal na minha casa está ligado diretamente à montanha que eles vivem bem longe das cidades grandes e vilarejos, Eirien me mantinha encarregada de receber notícias de Farahdox e Yurin sempre que possível. – Respondeu ela revirando a mochila atrás de alguma coisa.
– Yurin? – Perguntei erguendo uma sobrancelha.
– Minha irmã. – Ewren respondeu, como isso não foi suficiente para mim, ele segurou meu rosto e tocou sua testa na minha, passando-me suas memórias de infância, quando vivia no castelo com uma menina tão parecida com ele que podia dizer que era sua versão feminina.
– Quando pretendia me contar isso? – Perguntei encarando-o irritada.
– Logo... – ele coçou a cabeça e desviou o olhar.
– Achei que tivesse bloqueado nossas memórias para que Fairin não descobrisse sobre as bebês! – Meu nervosismo aumentou.
– Serena me disse que o bloqueio só funciona contra outras pessoas tomarem suas memórias, mas você ainda pode passá-las livremente para quem quiser! Ela testou isso me mostrando o que aconteceu no castelo! – Disse ele passando os dedos em meu rosto. Queria quebrar o contato visual, sentia-me horrível com o que havia acontecido, por não conseguir lutar contra Guinn, pelo que quase aconteceu, mas Ewren segurava meu rosto com as mãos agora.
– Ewren...
– Não tem que explicar nada para mim, você ficou em silêncio para protegê-las, não esperava menos de você! – Disse ele baixinho e me abraçou apertado, segurei as lágrimas com toda a força que pude, mas a gravidade do planeta as fez rolar pelo meu rosto. – Quanto ao que eles te mostraram... eu gostaria de ver! Se você quiser me mostrar, claro! – Ele pediu limpando minhas lágrimas com os polegares.
– Prefiro não mostrar...
– Achei! – Disse vovó vindo até nós com quatro frasquinhos pequenos nas mãos. – Isso vai ajudar a liberar nossos poderes aqui! – Disse ela entregando dois para mim e outro para Ewren. Eles tomaram o conteúdo dos frascos, abri um e tomei também, outro dei para Amaterasu, que desceu do meu colo e ficou em seu tamanho real, alongando-se e espirrando alegre. O pelo dela brilhava de forma estranha nesse mundo.
– Não temos tempo a perder! Lembrem-se que vinte e quatro horas aqui, terão passado mais de três meses em Amantia! – Disse vovó andando pela trilha da montanha.
– Pollo é o mundo dos lobos, bestas e humanos selvagens, foi aqui que surgiu a maldição da Licantropia. – Disse Ewren enquanto caminhávamos em direção às luzes no topo da montanha. – Humanos que vivem aqui são muito mais fortes que os humanos dos outros mundos. – Os uivos eram altos por todos os lados, os pelos de Amaterasu estavam arrepiados e os rosnados dela me davam medo.
– Então aqui que surgiram os lobisomens? – Perguntei.
– Sim.
– Deve ser terrível viver aqui! – Disse olhando para todas as luas no céu.
– ainda mais porque aqui só tem quatro horas de luz solar, o resto do tempo é noite, infestado de lobisomens. – Disse vovó olhando para a estrada atrás de nós. – Essa montanha tem uma proteção fraca que impede os lobisomens de alcançarem o topo dela, onde Farahdox e Yurin vivem.
– Embora cada raça tenha surgido em um mundo diferente, agora todos os mundos são habitados por todas as raças! Acho que não tem nenhum que seja habitado apenas por seres nativos. – Ewren explicou, teria perguntado mais sobre isso se não estivesse tão assustada com os uivos que vinham de todas as direções.
Amaterasu nos contornou e ficou andando atrás de nós com os olhos fixos na estrada.
– Nosso sangue está chamando atenção deles, Leona! – Disse vovó para mim. Temos que alcançar aquela marca antes que eles nos alcancem! – Olhei para trás, bem atrás de nós na trilha vários pares de olhos brilhantes se aproximavam.
– Por acaso não tem mundos pacíficos e cheios de coisas fofas, tipo unicórnios e fadas? – Minha voz saiu tremida, Ewren começou a rir.
– Tem, está na sua imaginação! – Disse ele tentando parecer tranquilo, mas estava na cara que estava tão preocupado quanto eu com os lobisomens se aproximando. O frio me preocupava ainda mais pois minhas mãos estavam começando a ficar dormentes e isso podia atrapalhar o manuseio das armas. – Existiu um mundo das fadas, mas foi destruído por Antares... – Ewren parecia querer manter-me distraída.
– São muitos! A barreira não vai aguentar todos eles! – Vovó falou para mim, Ewren tirou minha espada de sua bandoleira e me entregou.
– Esqueceu isso no acampamento. – Disse ele. As marcas da lâmina estavam acesas e brilhavam cada uma com uma cor diferente. Passei a mão sobre a lâmina, usando meus poderes para aumentá-la, ela ficou pesada, mas se usasse o truque que Medras me ensinou, seria fácil lutar usando-a.
– Odeio espadas, prefiro minha lança!
– Falou igualzinho a Medras agora, cheguei a ouvir a voz dele em minha mente! – Disse Ewren rindo, sacando sua própria espada e virando-se para trás. Amaterasu dobrou de tamanho e uivou para mostrar que estava ali também. – Vá direto para o topo, Mayra! – Ela acenou com a cabeça e continuou a subir.
– Ela não sabe pegar em arma nenhuma, não é? – Ela desapareceu na curva da estrada estreita atrás de nós.
– Não! – Ewren riu – ela era uma estudiosa! Nunca pegou em uma espada na vida.
Os lobisomens estavam bem próximos a nós agora, podia sentir o cheio de saliva e cachorro molhado. Eram muitos! Devia ter uns trinta pelo menos! Amaterasu saltou na frente derrubando os primeiros que chegavam, ela era o dobro do tamanho deles. Ewren girava a espada ansioso pelos próximos que viriam, seus olhos estavam vermelhos e havia um sorriso assustador em seu rosto, novamente as memórias que Guinn me passou vieram à minha mente, minha pele se arrepiou e tive que fazer força para não sair de perto dele. De repente um dos lobisomens que estava lutando para se soltar dos dentes de Amaterasu escapou e saltou em minha direção, estava distraída demais com meus pensamentos e quando o vi ele já estava perto demais!
Ewren girou a espada rapidamente arrancando a cabeça do lobisomem, fazendo-me largar a espada e me afastar dele, foi como se tivesse tomado um choque, minhas mãos estavam tremendo e minha vista estava embaçada. Peguei o pingente em meu pescoço, ainda tonta e o transformei rapidamente numa lança. Ataquei o outro lobisomem que saltou em nossa direção o rasgando no meio com a ponta maior da lança. Ewren estava parado olhando assustado para mim. Era como se eu não estivesse mais no controle do meu corpo.
Dei um salto e parei ao lado de Amaterasu, livrando-a dos lobisomens que a atacavam, eu simplesmente os fatiava sem me importar com o sangue que espirrava em mim e nela, manchando seu pelo branco e macio. Ouvia os ganidos deles quando tentavam me atacar, mas eram impedidos pela lança que brandia sem piedade. Cada um que matava fazia com que me sentisse mais estranha, mais sem controle sobre mim. Havia dado uma pausa, ao meu redor haviam corpos espalhados e muito sangue pelo chão, mas ainda escutava os uivos vindo do pé da montanha.
– Leona, temos que ir para o topo agora! – Ouvi a voz de Ewren atrás de mim, mas não me importei em olhar, apenas limpei o sangue das pontas da lança – Olhe para mim! – Gritou Ewren atrás de mim, o encarei, quando ele se aproximou ergui a lança para ele, queria abaixar os braços e ao mesmo tempo não queria, estava com medo dele!
Ele se aproximou mesmo assim empurrando a lança para o lado e tocou minha testa com a sua. Sabia que ele estava me pedindo para ver as memórias que havia me negado a passar para ele, teria que lhe mostrar ou teria sérios problemas com Ewren, então liberei as memórias. Vi Guinn prendendo-me na maca na sala do castelo de cristal, depois as memórias que ele havia me passado que se repetiam infinitamente em minha mente, todas elas. Ewren segurou meu rosto com as mãos e olhou dentro dos meus olhos.
– Eu estou aqui agora! Aquilo não existe, o que aconteceu, já passou! Não existe mais! Aquele Ewren não existe mais! – Ele me beijou enquanto apertava meus braços, senti o calor se seus lábios e seus sentimentos através daquele beijo. – Eu nunca te machucaria!
– Eles estão chegando! – Falei segurando a lança firmemente com as mãos. Amaterasu lambeu uma ferida em sua pata e se preparou para o próximo ataque. Quando os lobisomens se aproximaram, não tivemos tempo de os atacar, uma chuva de flechas incandescentes criou um campo de fogo em nossa frente, os urros e ganidos dos lobos selvagens se espalhavam pelo ar e subiam aos céus como um lamento coletivo enquanto eles queimavam.
Olhei para cima para ver de onde veio a chuva de flechas. Uma jovem sentada em uma pedra alguns metros acima de nós segurava uma besta, ela a armou novamente, colocando uma única flecha e a atirou para o alto, quando a flecha atingiu certa altura, ela brilhou e se espalhou em uma nova chuva de flechas incandescentes atingindo os lobos que ainda estavam vivos e agora tentavam fugir da montanha. Recolhi a espada de Nellena no chão e a guardei.
– Achei que nunca mais o veria! – Disse a jovem saltando da pedra e pousando suavemente em nossa frente, ela abraçou Ewren e sorriu.
– Não esperava ver você novamente também! – Disse ele rindo e a apertando num abraço.
– Vamos, papai está esperando por vocês! – Disse ela encarando-me por um instante e dando um meio sorriso para mim.
8
Alianças
Improváveis
Chegamos à casa no alto da montanha, ela havia sido totalmente esculpida na pedra, a porta era feita de pedra também e na parte de dentro havia uma grade feita em escamas de dragão. Antes de passar pela porta, usei meus poderes para me limpar, afinal, estava coberta por sangue de lobisomens, limpei Amaterasu também, deixando seu pelo branco e macio novamente. Ewren segurou minha mão e me levou para dentro da casa. A casa era pequena, mas muito confortável por dentro, uma lareira estava acesa do outro lado da sala, o único som que quebrava o silêncio era o crepitar das chamas na lareira.
Vovó Mayra estava sentada em um sofá no canto da sala próxima ao fogo e olhada o relógio em seu braço, ao seu lado havia um elfo muito bonito, os traços de seu rosto lembravam muito os de Ewren, mas tinha os olhos castanhos avermelhados e me olhava com curiosidade.
– Jocelinne? – Perguntou ele se levantando quando me viu.
– Não, Farah, essa é Leona, minha neta! Filha de Lupine. – Vovó explicou. Ele olhou novamente para mim surpreso.
– Quase gêmeas! – Disse ele se aproximando e apertando minha mão. – Ewren! – quando seus olhos passaram de mim para Ewren seus olhos brilharam, ele lhe deu um abraço apertado e nos mandou sentar.
– Leona, essa é minha filha, Yurin! – Disse ele mostrando a jovem que atravessou a sala e sentou ao lado de vovó.
– É um prazer! – Respondi sentindo meu rosto corar.
– Se tivesse visto ela lá fora fatiando os lobisomens, nunca a confundiria com Jocy! – Yurin tinha um sorriso divertido no rosto e me encarava com seus olhos azuis claros como o céu. – Gostei dela! Ela tem sangue frio! A última notícia que recebemos de Amantia foi sobre o casamento escondido de vocês, quando ouvi isso achei logo que fosse outra mimadinha de nariz empinado e frouxa igual a Emma! – Disse ela sorrindo e piscando para mim. Ewren a encarava perplexo. Yurin não parecia ter mais que dezesseis anos, seu corpo era atlético, porém não era muito desenvolvido, sua pele era morena clara como a de Ewren, seus cabelos castanho escuros batiam na cintura fina e seu sorriso era idêntico ao de Eirien.
– Yurin! Cuidado com a língua! – Farahdox falou com a voz mansa, mas chamado sua atenção.
– Tudo bem! – Falei, não me importava.
– Então vocês já sabem o que está acontecendo por lá? – Perguntou Ewren para eles.
– Sim, Mayra me adiantou da história passando-me suas memórias alguns instantes atrás! – Ele suspirou – Até um tempo atrás, tudo que sabíamos que Arcádius estava por trás de tudo, agora é Fairin e não Arcádius e é tudo muito pior do que imaginávamos...
– Precisamos tomar o castelo de cristal, a sala dos espíritos realmente existe lá, a irmã de Leona a encontrou! Se Fairin a descobrir ele vai até Evenox buscar minhas filhas que estão lá! – Disse Ewren para Farahdox e Yurin, fiquei olhando-o confusa.
– Que sala é essa? – Perguntei.
– A sala dos espíritos, mostra todas as vidas dos Doze Mundos, cada uma das árvores da vida de cada família que vive ou viveu neles, somente quando o último membro vivo de uma família morre, a árvore desaparece da sala, apagando completamente o registro sobre a existência daquela família. – Explicou Farahdox. Senti um frio na barriga quando ele disse isso.
– Era isso que Serena queria te mostrar, mas você saiu apressada! Karin, Asahi e Nyumun estão embaixo de nossos nomes nas árvores dos Ascardian e Arbarus. – Explicou Ewren para mim, fazendo-me sentir pior do que já estava.
– Três filhas? – Yurin estava de boca aberta olhando para Ewren. Ele sorriu e coçou a cabeça.
– Parece que tem alguma coisa no castelo de cristal que facilita a geração de gêmeos, não é? – Disse vovó dando um sorriso malicioso e pigarreando. – Bom, mas o maior motivo por estarmos aqui é que precisamos da sua ajuda, Farah! Preciso de uma pulseira daquelas para neutralizar o efeito da prata! - Farahdox fez uma careta ao ouvir o pedido de vovó.
– Posso conseguir, mas isso levaria alguns dias de Amantia! Aquele metal só é encontrado em Vegahn.
– Não podemos nos demorar aqui! – Disse Ewren olhando para o estranho relógio que vovó usava, já estamos aqui a quase uma hora e meia! – Farahdox se levantou e pegou uma espada que estava em cima da lareira, ela era grande e sua lâmina era grossa, parecia muito pesada, depois veio até mim e pegou minha espada.
– É a espada de Nellena? – Perguntou ele olhando-me com curiosidade.
– É sim... – falei lembrando da última vez que a vi com vida. – Mas não tenho muita habilidade com ela, prefiro lanças! – Falei notando que ele estava muito concentrado no punho da espada.
– Lanceira é? – Perguntou ele distraidamente olhando a espada –Tem uma energia estranha nela! – Disse ele tocando o punho da espada com as pontas dos dedos. Rapidamente a tirei dele com medo que descobrissem sobre o poder de Áries que estava escondido dentro dela. Seus olhos castanhos encontraram os meus. Parecia que ele sabia o que eu pretendia fazer e sorriu.
– Podemos contar com sua ajuda, Farahdox? – Perguntei ainda o encarando. Ele apertou firmemente minha mão e me mostrou aquele sorriso caloroso novamente.
– Claro que irei ajudá-los, nem precisava perguntar! Quando chegarem à Amantia, contem cinco dias e eu estarei lá! Acho que agora é a hora certa de voltar para casa! – Disse ele entregando a espada que pegou sobre a lareira para Ewren.
– Quase nove Anos nesse buraco de lobisomens! – Disse Yurin deixando-me ainda mais confusa.
– Só se passaram nove anos aqui? – Perguntei.
– Só nove? Só nove? – Ela parecia chocada com minha pergunta.
– Então, você não tem uma centena de anos a mais que eu! – Falei não conseguindo evitar uma gargalhada. O rosto de Yurin ficou vermelho e ela se levantou colocando a mão sobre a adaga presa em sua cintura. A abracei antes que ela a puxasse. – Que gracinha! Estava sofrendo em segredo por todos em Amantia serem alguns séculos mais velhos que eu, mas você não é! Não sabe como estou feliz com isso! – Falei apertando seu rosto, sua pele era tão macia que parecia ser de veludo. Ela suspirou e revirou os olhos, dando de ombros para minha infantilidade, mesmo mais nova, ainda assim ela era um palmo maior que eu.
– Está perdoada! – Disse ela passando a mão em meus cabelos e se afastando.
– Precisamos abrir o portal e voltar imediatamente, já se passaram sete dias em Amantia desde que pisamos aqui! – Disse vovó nervosa olhando para o relógio.
– Então dentro de quatro dias Arcádius nos esperará em Vintro no Templo de Fogo! – Lembrei.
– Vou com eles! – Disse Yurin nos seguindo quando saíamos pela porta. Farahdox olhava para ela preocupado, parecia estar com medo de se separar dela.
– Vou cuidar dela! – Falei encarando-o. Ele suspirou e assentiu com a cabeça. Apertou a mão de Ewren, de vovó e por fim me deu um abraço.
– Cuidado com o poder que você carrega, se usá-lo de maneira errada, você poderá acabar nos céus de Amantia no lugar de Sirius e Áries, então não se atreva a usá-lo em si pensando em derrotar Fairin com ele. – Sussurrou ele rapidamente e baixinho para que apenas eu escutasse.
– Não se esqueçam! Cinco dias! – Farahdox moveu uma pedra que estava ao lado de sua casa, embaixo dela encontrava-se uma espécie de espelho, ele tirou a espada que carregava em suas costas e tocou a superfície do espelho com ela.
– Uma conexão direta com Vegahn? – Perguntou vovó.
– Sim, mantemos contato com Noliah por aqui! Ele saiu de Vastrus no instante que pisou lá, com medo da passagem do tempo! É assustador aquele mundo! – Farahdox pisou na superfície do espelho e desapareceu alguns instantes depois num brilho ofuscante.
– Vamos modificar essa passagem para ir mais rápido para Amantia! – Disse vovó se aproximando do espelho. Segurei seu braço antes que ela o tocasse. Havia tido um pressentimento ruim sobre ele.
– Não... temos que sair daqui! Temos que atravessar o portal em outro lugar! Não podemos voltar à Monte Azul! – Falei.
– O que sugere então? – Perguntou vovó aceitando o que eu disse sem questionar.
– Temos que voar para leste... – falei, segurei a escama de dragão em meu pescoço, passei Amaterasu para o colo de Yurin. Ao invés de conjurar um summon como teria feito antes, me afastei deles o suficiente e apertei a escama contra meu corpo, transformando-me em um dragão. Sorri por dentro ao escutar os gritinhos histéricos de Yurin. Eles subiram em minhas costas, diferente de usar um summon, eu podia sentir tudo com mais facilidade.
Abri as gigantes asas e as bati, fazendo a grama seca em volta da casa ser arrancada do chão, levantei voo, me virei em direção ao leste e voei o mais rápido que pude ignorando os protestos de vovó com medo da velocidade que voava. A noite era simplesmente fantástica aqui, duas das sete luas eram vermelhas e brilhavam como se tivessem holofotes apontados em suas direções.
Procurei por outra montanha ou algum lugar alto que pudéssemos pousar, mas só havia o mar para o lado que decidi vir. Como não podia fazer nada ali, parei no ar e fiquei planando, não sabia se podia usar meus poderes nessa forma, então tentei fazer uma plataforma em nossa frente, meus poderes estavam bastante limitados e não conseguia fazer surgir coisas no nada, então fiz uma coluna de água vir do mar em nossa direção e a espalhei, formando uma espécie de torre, logo depois toquei com a ponta da cauda nela e fiz com que congelasse, eles desceram para torre de gelo devagar, logo depois voltei a minha forma humana e caí em pé na plataforma quase escorregando no gelo.
– E agora? – Perguntou vovó olhando desconfiada para o gelo sob seus pés. – A maré aqui é muito forte, vai derrubar essa torre em poucos minutos!
– Não estaremos mais aqui! – Falei tirando o último pingente de cristal de purificação de meu bolso e o transformando em um grande espelho redondo. O coloquei no chão e me ajoelhei sobre ele, pressionando minhas mãos contra o vidro de cristal. Vi meu olho esquerdo amarelo e o direito lilás no reflexo, o que me deixou um pouco incomodada então os fechei e passei toda minha energia para o espelho, imaginando um ponto nesse mesmo lugar se Abrindo em Amantia. Alguns minutos depois saí de cima do espelho no momento em que um forte vento saiu dele trazendo um doce perfume de flores silvestres, olhei para a superfície, meu reflexo havia desaparecido, no lugar dele via um campo florido coberto por todos os tipos de flores que podia se imaginar. A lua cheia fazia com que as flores parecessem de vidro brilhante.
– O campo das fadas em Vintro! – Disse Ewren olhando também.
– Vamos? – Perguntei segurando sua mão e saltando para dentro do portal aberto, vovó e Yurin saltaram também. Pouco depois o portal se fechou, senti minha energia voltar quase que instantaneamente. Ewren abriu as asas e me pegou antes que chegássemos ao chão, vovó fez um tapete aparecer novamente amortecendo a queda dela e de Yurin, que olhava espantada para Ewren.
– Também quero! – Disse ela olhando as asas dele, Ewren riu.
– Tem que pedir à sua sobrinha para fazer uma poção dessas para você! – Disse ele.
– Lórien sabe que você não é irmão dela? – Perguntei.
– Não, ela não sabe de nada ainda, nem Eirien sabe que eu sei! – Disse ele dando um meio sorriso.
– O que é?
– Ela vai pirar quando meu pai voltar. Aqui se passaram mais de mil e oitocentos anos desde que eles se foram.
– Sabe o que me lembrei agora?
– O quê? – Perguntou ele olhando-me com curiosidade enquanto pousávamos no meio do campo de flores.
– Você disse que não gostava de metamorfas! – Ewren começou a rir.
– Achei que tivesse lembrado de algo importante! – Disse ele ficando levemente corado.
– Como vai ser agora? – Perguntei provocando-o.
– Não gosto de metamorfas porque elas camuflam a verdadeira aparência! Mas te conheci humana, você não sabia que tinha poderes e muito menos que era hibrida, fora que você perdeu os poderes durante a gravidez, então sei que você nunca alterou sua aparência! – Ele explicou olhando para o outro lado. Passei os dedos entre os fios de meus cabelos e mudei a cor deles, de castanho claro para um azul Royal e os sacudi para os lados.
– E agora?
– Você fica linda de qualquer cor! Mas não mude, eu te amo do jeitinho que você é! – Disse ele dando um beijo em minha bochecha e tirando a cor azul que eu havia colocado nos cabelos, senti meu rosto esquentar, o empurrei para trás e fui para onde Yurin e vovó estavam sofrendo com o perfume das flores, que agora começava a me enjoar também.
– Vamos sair logo daqui! – Yurin parecia estar sufocando. Fiz uma bolha de ar fresco nos circular, todos pareceram instantaneamente aliviados, Amaterasu era a mais feliz com o ar fresco.
– Não faço ideia de como as fadas conseguem viver aqui! – Vovó resmungou.
Estávamos saindo do campo quando um troll apareceu pisoteando as flores e as esmagando com um porrete de madeira. Uma fada estava agarrada ao pescoço dele, tentando impedi-lo de destruir o campo. Virei-me para ir até lá, Ewren tentou me impedir.
– Ele vai acabar com o campo! – Falei enquanto me soltava das mãos dele, Ewren ia me seguir mas Yurin o segurou.
– Quero ver o que ela fará!
– Trolls são imunes a magia! – Disse ele para mim, apenas continuei andando em direção ao troll com minha lança nas mãos.
Chegando perto notei que a fada não estava agarrada ao pescoço dele, mas sim amarrada lá.
– Ei! Você! O que pensa que está fazendo? Isso é uma vila! – Gritei, o troll parou de esmagar as flores para me observar, sua aparência grotesca não me incomodava, apenas sua atitude.
– Saia do caminho, inseto! – Respondeu com sua voz gutural girando seu porrete em minha direção, ergui a lança e o despedacei sem fazer o mínimo de esforço.
– Perguntei o que está fazendo! Por que está destruindo a vila das fadas e por que tem uma presa em seu pescoço? – Perguntei novamente posicionando a lança e me preparando para algum ataque.
– Elas me incomodam! Voam sobre minha caverna a noite e montam armadilhas! São pestes com asas! – Berrou ele furioso.
– Solte-a! – Falei apontando a fada em seu pescoço.
– Não! Elas têm que pagar, estão me perturbando desde que fui trazido para cá! – Resmungou ele virando-se na defensiva para que não tomasse a fada que estava amarrada em seu pescoço como um pingente. Como se eu conseguisse alcançá-la! Ele era pelo menos três vezes mais alto que eu!
– Solte-a e volte para sua caverna! Eu mesma dou um corretivo nelas! – Falei transformando a lança em cajado e estendendo a mão para que ele me entregasse a fada. O troll encarou-me por um tempo, depois, de má vontade soltou a fada de seu pescoço e me entregou ela, saiu do campo resmungando.
– Se elas voltarem lá, incendeio este campo! – Esbravejou ele desaparecendo entre as árvores. Respirei fundo e olhei a fadinha em minhas mãos.
– Me lembro de você! Merry, não é? – Soltei os braços dela da fina corrente que a mantinha presa, ela se esticou, voou a alguns centímetros de mim e cresceu até ficar de minha altura.
– Olá sacerdotisa das águas, como vai? – Ela tinha um ar de quem havia acabado de ser pego numa travessura.
– Quero saber por quê estavam importunando o troll! – Ralhei com ela, que se encolheu e ficou mexendo em suas asas iguais a asas de borboleta, mas transparentes. Sua pele era quase translúcida e seus olhos brilhavam prateados contra a luz da lua.
– Nós tínhamos todo o espaço aqui! Quando a barreira caiu, perdemos muitos de nossos espaços para outras criaturas que trouxeram de Edro! É injusto! – Resmungou ela.
– Estranho! Sempre achei que fadas eram criaturas sábias e compreensivas! Mas acho que são apenas pestinhas desalmadas! – Falei. Ela me encarava perplexa.
– Somos muito compreensivas e sábias!
– Não parece! Todas as criaturas que foram trazidas para cá precisavam de espaço também! Injusto é vocês quererem ficar com todo o espaço e não dividir com quem precisa mais! Vocês têm muitas áreas de reserva! Deixem os outro em paz, eles só querem viver tranquilamente! Olhe ao seu redor! Olhe tudo o que ele destruiu só por causa da implicância de vocês! – Haviam algumas outras fadas escondidas nos observando. – Ele podia ter ferido ou matado muitas de vocês se nós não estivéssemos aqui! Aprendam a dividir e parem de importunar os outros! – Falei abaixando-me sobre a área que ele havia destruído. “Renove-se terra das flores” as flores que haviam sido esmagadas e destruídas tornaram-se pó, logo em seguida, novos brotos apareceram, as flores cresceram novamente ainda mais belas do que antes.
– Obrigada, sacerdotisa! – Disse ela se afastando.
– Não se atrevam a importunar as outras criaturas novamente! Ou vou ajudá-las a incendiar esse campo, ouviram! – Ameacei aos gritos, bem alto para que ouvissem e não voltassem a implicar com os outros.
– Achei que você fosse matar ele! – Disse Yurin se aproximando de mim.
– Tenho cara de que saio por aí matando todo mundo?
– Tem! – Respondeu ela rindo. – A primeira vez que te vi, você estava com cabelos prateados sujos de sangue matando uma quantidade absurda de lobos selvagens que passam a maldição da licantropia na mordida! A primeira impressão é que fica!
– Se fosse assim eu não estaria com seu irmão hoje, uma das primeiras coisas que ele fez foi ameaçar me vender aos vampiros! – Falei, Ewren suspirou e revirou os olhos.
– Foi uma brincadeira! Você caiu por que é... – Ele interrompeu a frase e mordeu os lábios para evitar rir.
– A brincadeira está divertida mas temos que ir até o Templo nos encontrar com Arcádius e os outros! Quanto tempo ficamos fora, vovó?
– Estamos na noite do oitavo dia! – Disse ela para mim.
– Temos três dias ainda... – vovó encolheu os braços e fechou os olhos. – Vovó? – Chamei aproximando-me dela. Ela fez um summon de um pássaro aparecer e transferiu sua mente, logo em seguida voou para longe sem nos dar explicações.
– Vamos procurar um lugar para acampar esta noite e amanhã partimos! – Disse Ewren pegando vovó no colo e andando em direção a floresta. Também queria sair do campo de flores, embora fosse muito bonito, o perfume me incomodava.
Entramos na floresta e montamos o acampamento perto do rio, vovó ainda estava inconsciente, não sabia para onde ela havia ido, então teríamos que esperar ela desfazer o summon para saber.
– O que será que ela foi fazer? – Perguntou Yurin olhando o corpo de vovó deitado perto da fogueira.
– Ela deve ter ido verificar alguma coisa! Ver se estava tudo bem em algum lugar... – Ewren olhava o corpo dela também, sua expressão era tensa, seu corpo não estava relaxado como era para estar, pelo menos nesse momento.
– Acha que pode ter acontecido algo ruim enquanto estivemos fora? – Perguntei.
– Temos que esperar ela voltar para saber, não devemos ficar imaginando coisas! – Ewren parecia tão tenso quanto vovó, ele se levantou, não aguentando mais ficar esperando por ela e foi pescar no rio com Amaterasu enquanto Yurin e eu ficamos tomando conta de vovó.
– Poderia me ensinar a usar a lança igual você usou em Pollo? – Perguntou ela olhando-me cheia de curiosidade.
– Não sou boa para ensinar as pessoas! Mas garanto que Medras, o marido de Lórien vai ficar muito feliz em ser seu professor, ele é um excelente professor! – Falei lembrando-me de Medras em Evenox com parte da mente de Lórien e minhas filhas. – Talvez ele ensine minhas filhas um dia! – Sorri com a ideia de vê-las brincando e aprendendo com eles.
– Estranho, normalmente as mães querem ver os filhos protegidos e longe de armas, você já está imaginando suas filhas lutando?
– É bom saber lutar, isso é uma forma de protegê-las! Prefiro que elas saibam se defender sozinhas do que dependerem sempre do pai ou de mim para ajudá-las! Nunca sabemos o que pode acontecer amanhã, então é preciso ser forte sempre. – Falei. Ewren apareceu de repente com alguns peixes limpos nas mãos e os colocou para assar, Amaterasu que havia saltado sobre meu colo, agora estava preparando o bote, mas o olhar de Ewren para ela a fez ficar encolhida em meu colo e desistir da ideia de roubar nosso jantar.
– Você é uma Waheela! Pode comer tudo que anda por essas florestas, mas quer roubar o nosso jantar? Vá caçar! – Disse ele apontando para a floresta, Amaterasu bufou e saiu do meu colo batendo as patas, crescendo e desaparecendo entre as árvores.
– Já passou muito tempo desde que ela saiu, será que não é bom chama-la de volta? – Toquei a testa de vovó, ela estava gelada e tremia um pouco.
– Traga ela, acho que o summon ficou preso em algum lacre espiritual! – Disse ele segurando o rosto de vovó, peguei suas mãos e falei “Mayra, animalium discutiunt” Vovó inspirou fundo e abriu os olhos, eles estavam vermelhos e assustados, ela sentou-se com dificuldade e me abraçou apertado, as lágrimas que escorriam de seus olhos caíam sobre meus ombros.
– Vovó! O que houve? – Perguntei.
– Ele está começando a agir, não está mais tão paciente! Você tinha razão, Leona! Se tivéssemos atravessado o portal no mesmo lugar, estaríamos todos mortos agora! – Ela limpou as lágrimas e me encarou.
– O que aconteceu lá? – Perguntei.
– A cidade está sendo incendiada! – Disse ela com sua voz trêmula. – Guinn estava lá, no quintal de minha casa esperando no portal! Ele ia nos pegar quando voltássemos, mas eles perceberam a energia de outro portal e descobriram que voltamos em outro local, furioso ele mandou os gigantes destruírem Monte Azul!
– E Sally? – Ewren perguntou, estava muito zangado, seus olhos estavam num tom de vermelho sangue.
– Por isso demorei, a encontrei escondida no porão de Nana, a guiei para fora da cidade por uma passagem nas árvores da guarda, ela ficou na entrada da floresta de Gheshira, disse que ia ficar na casa de caça de Nellena e nos esperar lá! Pode buscá-la Leona? – Perguntou ela encarando-me, seu olhar implorava por ajuda, devia minha vida a Nellena e não paguei a dívida.
– Já volto com ela! – Disse levantando-me com o cajado na mão.
– Não pode ir sozinha! Fairin não está mais jogando para perder, ele não vai arriscar perder você de vista novamente! – Disse Ewren apertando meu braço.
– Vou só buscá-la e voltarei rápido! Prometo! – Peguei o cajado e o bati no chão o mais forte que pude, fazendo uma torre de luz me cobrir.
Abri os olhos novamente, estava à alguns metros da base da árvore que ficava a casa de Nellena na floresta, era estranho eu ter parado tão longe, já que havia mentalizado a sala da casa. Sem demora, andei até lá e puxei a corda presa ao tronco da árvore. A escada de corda desenrolou e caiu perto de mim, subi os degraus com cuidado, não sabia se o tempo teria deixado as cordas podres, para meu alívio, elas estavam intactas.
Entrei na casa devagar, a porta rangeu ruidosamente quando a abri, resmunguei baixinho, estava muito escuro ali então fiz velas aparecerem por todos os lados, evitando usar mais poder do que o necessário.
– Sally? Está aí? – Chamei. A casa estava muito silenciosa, não parecia haver ninguém ali. Andei pelos cômodos, a casa se dividia em três andares circulares, no terceiro havia uma espécie de escada em espiral que levava até a copa da árvore. Subi até sair no alto de um observatório de vidro, como se fosse um globo de neve gigante. Sally estava deitada em um sofá com algo nas mãos coberta por uma colcha empoeirada, lagrimas manchavam seu rostinho sujo pelas cinzas da cidade incendiada e suas mãos frágeis estavam feridas. Andei até ela e tirei o porta-retratos de suas mãos, era uma foto dela abraçada com Nellena e seu pai. Senti um aperto no peito, a peguei no colo para sair logo dali, estava com uma estranha sensação de medo, algo parecia nos observar. Ela não acordou quando a tirei do sofá, continuava dormindo tranquilamente. Peguei o cajado para teleportar, mas não consegui como se tivesse algum bloqueio na casa que impedisse que teleportasse dali. Virei-me para as escadas e tomei um susto ao ver um par de olhos prateados me observando nas sombras.
– Veruza!
– Me reconheceu assim tão rápido? – Ela saiu das sombras aplaudindo lentamente – Sabia que vocês iriam ajudar essa menininha! – Disse ela olhando para Sally no meu colo – Você tem um coração nobre, um amor de menina que ajuda a todos, não é? Por isso que Eirien a colocou como a sacerdotisa das águas... – ela estava zombando de mim.
– Eu vou te matar, tenha certeza disso! – Falei apertando Sally em meus braços.
– Não pode usar poderes de teleporte aqui dentro menina arrogante! Nellena mantinha sua casa muito segura! E não vai fugir! Tenho contas a acertar com você, língua de trapos! – Disse ela dando um passo em minha direção.
– Fairin sabe que você está aqui? Que quer acabar com a última fonte de onde ele pode conseguir o poder que quer? – Perguntei debochando dela também, sua boca se estreitou numa linha fina.
– Só vou te dar uma lição! Vou te levar viva para ele ainda! E com certeza irei conquistá-lo novamente, farei com que ele me ame! – Não sabia se sentia raiva ou pena dela. Puxei o cajado e o transformei num machado longo e pesado, segurei o cabo com uma das mãos, deixando a outra ponta cair pesadamente no chão. – Vai mesmo me matar? – Ela riu sacando sua espada e se aproximando mais. – Se me matar, vai matar a filha de Aristes também, ela ainda está aqui comigo, só estamos partilhando o mesmo corpo! Pytia foi idiota o suficiente para matar Belve achando que ela não estava mais lá! Mas essa aqui é mais forte, ela luta, está gritando por socorro, com medo de eu te matar também! Escandalosa demais para o meu gosto! – Não podia machucar a filha de Aristes, ainda mais se houvesse uma chance de salvá-la e também não podia lutar com Sally nos braços.
– Eu disse que ia te matar agora? Vou te arrancar desse corpo primeiro! Mas agora não tenho tempo de brincar com você, por mais que seja tentador acabar com tudo isso agora! – Girei o machado fazendo-o passar a centímetros de Veruza e o atirei para trás de mim, estilhaçando a redoma de vidro que nos protegia, corri para a beirada da sala e pulei para fora da proteção, caindo rapidamente em direção à floresta. “Volte” chamei o cajado de volta, ele veio girando até mim, o peguei e antes que tocássemos o chão, consegui nos teleportar de volta à Vintro.
Caí deitada com Sally em cima de mim ao lado da fogueira acesa. Ela era pequena, mas seu peso quase tirou todo o ar de mim.
– Leona! O que houve? – Perguntou Yurin se levantando no tronco que estava sentada e tirando Sally do meu colo.
– Veruza sabia que vovó a tirou de Monte Azul e estava nos esperando lá! – Falei me levantando, sentindo uma dor terrível em minhas costelas. – Onde estão Ewren e vovó? – Perguntei.
– Sua vó está dormindo na barraca, parece que perdeu muita energia com o summon, Ewren saiu para procurar por Amaterasu que ainda não havia voltado! – Explicou ela. Pelo visto, eles tinham certeza de que eu voltaria com Sally. Levantei minha blusa, estava com uma mancha roxa no lado direito abaixo das costelas. Quando teleportei durante queda, apenas mudei o local que cairia, foi como se tivesse realmente caído da árvore com Sally no colo. Yurin olhava preocupada a mancha roxa.
– Não se preocupe, em alguns minutos vai sumir! – Falei tentando me ajeitar e ficando sem ar.
– Acho que ela foi envenenada, Leona! – Disse Yurin tocando seus lábios de leve na boca de Sally. – Parece veneno de sereiano! Temos que chamar meu irmão! – Ela pegou um pano e molhou na água quente e colocou no pescoço de Sally.
– Como sabe?
– Nos anos que fiquei em Pollo, acha que fiquei atoa vadiando? Eu treinei! Estudei, fiz coisas úteis! Mas meu pai não é muito bom com antídotos e poções... – ela era mesmo irmã dele, grossa como Ewren, ou até mais!
– Vou procurá-lo! Para onde ele foi? – Yurin apontou a floresta, me ergui com um pouco de dificuldade e andei na direção que ela havia apontado. Havia me afastado bastante da fogueira, mas estava com muita dificuldade de andar, meu peito doía quando respirava, já era para estar curada a essa altura. Levantei a blusa novamente para conferir a mancha, agora estava mais escura e minha roupa estava suja de sangue.
– O que é isso agora? – Me virei o máximo que pude, esticando meu braço até encontrar algo que não era para estar ali, toquei em algo gelado de metal e gemi, cobrindo a boca com as mãos, peguei um pedaço de uma raiz no chão e a mordi, respirei o mais fundo que pude e puxei aquele objeto. Uma pequena lâmina escura menor que meu punho estava cravado em minhas costas, a joguei no chão e usei meus poderes para me curar. Na certa Veruza deve ter atirado aquela lâmina para evitar que eu pudesse teleportar. Vi uma fraca luz vindo em minha direção pela floresta e me encolhi, ainda não estava recuperada o suficiente para lutar, mas iria fazer o possível. Levantei-me segurando na árvore, porém minha visão começou a ficar turva, me transformei em uma raposa e corri com muita dificuldade de volta à fogueira, seguindo o cheiro de vovó e Yurin.
Yurin quase me acertou com a espada quando cheguei perto dela.
– Por deus, Leona! Quer me matar de susto! – Gritou ela pegando-me no colo e me colocando ao lado de Sally. – O que é isso? – Sua mão estava suja de sangue e seu olhar estava assustado. Ainda estava em forma de raposa e não conseguia me transformar de volta.
Ewren apareceu entre as árvores com Amaterasu ao seu lado, ele segurava a lâmina que tirei das costas na mão.
– O que houve? – Ele passou os olhos em Sally, Yurin estava em sua frente, impedindo-o de me ver. – Onde está Leona? – Yurin deu um passo para o lado ele colocou a mão na cabeça quando me viu.
– Você não consegue ficar mais de uma semana sem me arrumar algum problema sério, não é? – Disse ele se aproximando e colocando as mãos sobre mim, ele começou a me curar, era tão quente, como estar em uma praia num dia quente de verão sentindo o calor do sol.
– É uma lâmina com saliva de Aswang? – Perguntou Yurin olhando a lâmina que Ewren havia deixado cair.
– Sim, Amaterasu a encontrou caída na floresta. – Disse ele me pegando no colo e acariciando meu focinho. – Já vai melhorar! Tua sorte é ter esse sangue amaldiçoado que aumenta sua capacidade de cura, foi por causa de uma ferida com uma lâmina dessa que Moan estava morrendo! – Disse ele para mim.
– E Sally? – Yurin apontou para a criança desfalecida em cima do cobertor, Ewren me colocou no chão, pegou um remédio que estava na bolsa de vovó e deu algumas gotas à Sally.
– Ela vai dormir, amanhã já vai estar melhor, o veneno não foi através de uma ferida, mas foi por algo que ela comeu, o risco é reduzido. – Yurin pegou Sally no colo e a levou para a barraca.
– Não estou com muito sono, mas acho melhor ir dormir! – Disse ela sumindo pela entrada da barraca, notei que ela se deitou e colocou Sally sobre seu braço e dormiu segurando-a.
– Você devia ir dormir também! – Ewren segurou minha cauda e a balançou, mudei de forma novamente, voltando a forma humana e me sentei em seu colo, aninhando-me em seus braços.
– Posso ficar aqui? – Perguntei colocando a cabeça em seu peito e fechando os olhos, ele riu e fechou os braços em volta de mim apertando-me de leve.
– Deve! – Senti seu queixo roçar no alto da minha cabeça – Quem atirou aquela lâmina? – Sabia que ele perguntaria, não ia demorar muito.
– Veruza... Não creio que ela tinha intenção de me levar para Fairin, acho que ela ia me matar! – Falei.
– Ela estava na casa de Nellena?
– Sim, sabia que iriamos buscar Sally.
– Por que não a matou, Leona! Era sua chance de acabar com tudo isso de uma vez! – Ele parecia frustrado, mas não estava realmente com raiva.
– E matar a filha de Aristes também? Eu não podia fazer isso, Ewren! – Respondi defendendo-me mesmo sabendo que aquela podia ser a única oportunidade de fazer aquilo sem envolver mais ninguém.
– Sacrifícios são necessários numa guerra! – Disse ele com a voz dura.
– Você me mataria se ela tomasse meu corpo?
– Nunca! – Respondeu sem pensar duas vezes apertando-me ainda mais, ele pareceu ainda mais aborrecido com essa pergunta.
– Então, nem sempre fazemos o que é certo, mesmo sabendo que podemos ter problemas por causa dessas escolhas mais tarde! É difícil escolher pelo certo quando ele nos afeta ou tira algo de nós!
– Você não conhecia a Brigith...
– Conheço Aristes, ele se arriscou para nos salvar, lembra? Abrindo o portal e nos mandando para Evenox? Ele sabe das meninas, e nunca disse nada para Fairin! Não é só por ela! É por ele também! E mesmo se fosse uma completa desconhecia ainda assim eu daria um jeito de ajudar! – Falei encarando-o. Ele puxou meu queixo para frente e me beijou.
– Você é diferente de tudo que há nesse mundo! – Disse ele aninhando-me novamente em seus braços.
Acordei no fim da madrugada deitada dentro de um ninho das asas de Ewren, ele estava dormindo profundamente, Amaterasu estava sentada perto de nós coçando suas orelhas. Levantei com cuidado para não o acordar e saí de perto dele.
– Ficou de guarda no segundo turno, menina? – Perguntei acariciando o focinho de Amaterasu, ela espirrou e bateu com o focinho de leve em meu ombro. Fui em direção ao rio para lavar o rosto e preparar o café, precisávamos sair logo de Vintro e ir ao encontro dos outros, agora Fairin estava agindo de forma mais agressiva e não podíamos ficar parados esperando seu próximo movimento. Yurin chegou por trás de mim e me empurrou dentro da água gelada do rio.
– EI! Ficou louca! – Gritei encolhendo-me dentro da água!
– Desculpe, achei que você estava criando coragem para entrar no rio! – Disse ela rindo e pulando dentro da água. Estávamos nadando quando na margem oposta apareceu uma mulher segurando um balde, ela havia ido no rio para pegar água.
– Uma alma? – Perguntou Yurin olhando a mulher com curiosidade.
– Sim... – lembrei-me do dia que estávamos procurando por Ewren, quando quis ajudar duas delas e não pude. Ela nos olhou espantada encheu o balde e se afastou, quando ia sumir na floresta um centauro apareceu, a mulher se assustou e derrubou o balde. Ele começou a gritar com ela, sua aparência era assustadora, ele era grande e tinha cabelos grossos e pesados, amarrados para trás o que fazia sua cara parecer estranhamente repuxada, o nariz achatado e olhos estreitos lhe davam aparência ainda mais selvagem. Ele tirou um chicote e começou a bater na mulher, rapidamente atravessei o rio e saí na outra margem, corri para perto dela e agarrei o chicote com a mão, tomando-o do centauro.
– Como se atreve a interferir no castigo que estava aplicando à minha escrava! – Berrou ele para mim.
– Ela deixou o balde cair porque se assustou com você, seu bruto, ignorante! – A levantei e curei os ferimentos que ele havia feito com o chicote.
– Uma feiticeira? Vai ser minha escrava também! – Ele pegou uma trompa feita de chifre e a tocou alto, o chão começou a vibrar, logo em seguida vários outros centauros apareceram, eles tinham cordas e chicotes nas mãos, na certa vieram para me capturar.
O centauro a minha frente puxou uma espada e a apontou para mim.
– Renda-se feiticeira ou a capturaremos de qualquer maneira! – Os outros centauros se aproximaram de nós, a mulher ficou atrás de mim escondendo-se com medo da espada. Queria rir, mas estava surpresa demais para isso. Amaterasu deve ter ido chamar Ewren, o que me deixou ainda mais angustiada, ele com certeza iria brigar comigo por sair sem chamá-lo novamente!
– Sinto muito, amigo, mas tenho uma missão para cumprir, não posso ser escrava! – Falei erguendo-me devagar com os braços erguidos em forma de demonstrar que não queria problemas, ele ergueu a espada e a brandiu em minha direção, antes que eu pudesse me mover ouvi um som de metal se partindo e o centauro se afastou de nós espantado. Yurin segurava sua espada apenas com uma mão no alto, a espada do centauro estava estilhaçada no chão perto de mim. Ela tinha um olhar divertido no rosto e um sorrisinho de lado.
– Não vai tocar na minha cunhada! Nem tive chance de implicar com ela ainda! – Disse ela girando a espada e apontando para o rosto dele. O centauro estava boquiaberto olhando para ela. Os outros que chegaram, dobraram suas patas dianteiras como se estivessem se ajoelhando, um deles tomou a trompa que o centauro que Yurin derrotou carregava e entregou para ela.
– Quem derrota um líder do clã cinzento tem o direito sobre seu exército! – Disse ele fazendo uma reverência. Yurin me deu uma rápida olhada e riu.
– Hum, obrigada, acho! Como é seu nome? – Perguntou ela segurando a trompa nas mãos.
– Galgren – disse ele afastando-se dela. – Sempre que precisar, basta tocá-la, não importa onde estivermos, nós iremos a seu encontro!
– Posso pedir qualquer coisa que queira também? – Perguntou ela olhando para a alma atrás de mim.
– Quaisquer desejos dentro de nossas possibilidades serão atendidos imediatamente!
– Libertem todas as escravas que tiverem, e as deixem livres entre seu povo, as que quiserem ficar, que fiquem, e as que quiserem partir, deixem que vão! – Ela o encarava séria.
– Assim será feito! – Disse ele colocando a mão sobre o peito como forma de lealdade. Eles ergueram o outro centauro que ainda estava atordoado sem entender o que havia acontecido e desapareceram entre as árvores a mulher me agradeceu silenciosamente e os seguiu. Poucos segundos depois Ewren apareceu com Amaterasu com a espada na mão.
– Estava cuidando de Sally quando Amaterasu apareceu... – ele olhava de mim para Yurin e dela para as marcas de cascos no chão. – O que aconteceu?
– Yurin tomou a liderança dos centauros! – Falei rindo.
– Eles são muito fortes, não tem como ela ter derrotado um deles! – Disse olhando-a desconfiado, Yurin revirou os olhos.
– Não usei nem metade da minha força para isso! Treinava em um mundo com a gravidade muito mais forte, seguro a espada aqui como se segurasse uma pena! Te derrotaria com as mãos presas às costas! – Disse ela para Ewren.
– Quer tentar? – Ele tinha um sorriso malicioso estampado no rosto. Yurin riu e ergueu a espada.
– Gente, não é hora para isso! – Falei pegando os dois pelos braços e andando de volta ao acampamento. – O importante é que temos mais aliados agora, queiram eles ou não! – Falei sorrindo com nossa grande conquista, nossa não, de Yurin!
9
Ilhas
Monarcas
Sally estava melhor essa manhã, suas feridas cicatrizadas e sua pele estava rosada novamente, ela parecia nova em folha. Ela tinha os olhos da mesma cor dos de Nellena, um verde vivo e brilhante e seus cabelos loiros estavam amarrados em uma trança longa. Ewren havia feito o café e estava sentando no tronco tombado da árvore, parecia de bom humor. A ferida em minhas costas já não doía tanto, apenas um pouco dolorida, mas nada que pudesse me atrapalhar.
– O que faremos hoje? – Perguntou Yurin se esticando e pegando um pouco do chá.
– Vamos até a praia, de lá iremos para Vintro nos encontrar com os outros e ver o que conseguimos! – Respondi engolindo com dificuldade aquele chá horroroso. – Ewren! Você é um mago também! Por que toma esse chá se ele é tão ruim? – Perguntei lembrando-me de que magos sentem o gosto ruim do chá de cascas.
– Não nasci mago, sinto o gosto normal! – Disse ele sorrindo para mim.
– Queria saber como é... – Olhei tristemente para a caneca com chá. Vovó também não o tomou, ela pegou água fervendo e fez outro chá, um que tinha um perfume doce, como canela e anis e me deu um pouco. Quando o tomei, senti meus olhos se encherem de lágrimas.
– Vovó! É delicioso! O que é isso? – Perguntei.
– O mesmo chá! Só que eu planto as árvores no meu quintal, tenho permissão das dríades para fazê-lo para mim desde que não as use como base para poções! – Disse ela observando as cascas moídas no saquinho de tecido. Sally saiu da barraca e sentou ao nosso lado, ela deu um tímido “bom dia” e depois tomou chá também. Seus olhos passaram por nós e pararam em Yurin, seu rosto ficou corado e ela sorriu alegremente.
– Você é igualzinha a ele! – Disse Sally sorrindo e indo se sentar ao lado de Yurin. Yurin estava distraída mas olhou de canto de olho para Sally e deu um meio sorriso, ela parecia tão doce assim.
– Somos gêmeos! – Disse ela passando o braço em volta de Sally.
Ewren olhava as duas depois encarou feio Yurin como se chamasse sua atenção mentalmente, Yurin abaixou a cabeça mas continuava sorrindo, “perdi alguma coisa? ”
Estávamos terminando de arrumar as coisas e já íamos partir quando uma forte luz azul cobriu os céus acendendo todas as mandalas que existiam, fazendo o céu parecer um planetário. Vovó estava com uma expressão muito assustada no rosto, Ewren, Yurin, Sally e eu não estávamos entendendo por que o olhar estranho dela.
– O que houve vovó? – Perguntei.
– Aristes bloqueou os teletransportes dentro de Amantia! Não podemos mais ir de um lugar para outro usando teletransporte, somente portais de outros mundos podem ser abertos agora!
– Por que ele faria isso? – Perguntou Ewren olhando desconfiado as marcas no céu.
– Veruza, deve ter ameaçado saltar de corpo e matar a filha dele! – Falei. – Ontem quando estive com ela, ela confirmou que Brigith estava viva. Deve estar usando isso para manipulá-lo.
– Se Aristes ficar contra nós, teremos um problema sério! – Disse Ewren cerrando os punhos.
– Não acredito que ele ficaria contra nós, deve estar apenas tentando proteger sua filha! – Segurei sua mão. – Vamos até a praia! Precisamos ir de navio até o outro lado então!
– São sete dias até contornarmos Vintro de navio, Leona! Mesmo revezando nossos poderes para ir mais rápido, chegaremos lá no mínimo em cinco dias. – Vovó estava muito nervosa.
– Não tem jeito! Eles terão que nos esperar! – Fiz os lobos gigantes de terra aparecerem, montamos e partimos em direção à praia. Ewren estava montado junto comigo, Yurin ia com Sally e vovó ia montada em Amaterasu. Sally estava sorrindo aninhada no colo de Yurin.
– Porque estava olhando feio para Yurin naquela hora? – Perguntei olhando de canto de olho o rosto de Ewren mudar de cor, ele suspirou e fechou os olhos.
– Nada com que você precise se preocupar! – Disse ele segurando-me contra seu corpo.
– Sally estava olhando tão vidrada para Yurin...
– Yurin é uma elfa, sua aura de luz atrai humanos, eles automaticamente sentem-se atraídos por ela.
– Até outras mulheres? – Perguntei olhando Sally aninhada nos braços de Yurin.
– Qualquer humano se sente atraído por elfos, principalmente as crianças, por que a alma delas é pura, menos os híbridos de humanos, esses não são atraídos por essa luz!
– Então isso não funciona comigo? – Ele deu um sorriso.
– Não!
– Isso é bom ou ruim? – Perguntei, Ewren apenas riu e ficou em silêncio.
Chegamos à praia pouco antes do meio dia, me sentia um pouco cansada, com pouca energia depois da longa corrida, Sally se afastou para recolher gravetos e lenha para acender uma fogueira e Ewren entrou no mar para pescar, vovó também se afastou de nós, só não sei para onde ela foi, fiquei sentada com Yurin esperando pelo almoço.
– Cansada? – Perguntou ela sentando-se ao meu lado.
– Um pouco... – tentei me alongar mas senti uma fisgada nas costas, o que fez eu me encolher. Yurin me puxou para o colo dela, deitando minha cabeça em suas pernas.
– Sou péssima em cura, meu pai não tinha nenhuma habilidade de cura para me ensinar! – Disse ela passando sua mão fria em meu rosto.
– Tudo bem, já vou ficar melhor! – Fiquei observando a praia, o céu azul-celeste parecia ter sido pintado à mão e estava cheio de círculos azuis brilhantes, o mar estava em um tom esmeralda e as águas brilhavam com as luzes de Sirius e Aries. Lembrei-me de Áries, agora ela estava presa aos céus sem poder pisar nos mundos, isso pelo menos até que alguém mais forte que os dois viesse e tomasse o lugar deles. Senti pena dela, pelo meu descuido ela teve que nos salvar.
– Mayra nos mantinha informados de quase tudo que acontecia em Amantia, ela nos falou sobre Ewren, sobre o que ele havia se tornado... – disse ela depois de alguns minutos de silêncio. – Por que você ficou com ele mesmo sabendo o que ele era?
– As pessoas mudam, Yurin! É preciso apenas dar uma chance!
– Mas nem sempre mudam para melhor! Você pensa em dar uma chance a Fairin? Quero dizer, se achar que ele merece uma segunda chance, você daria?
– Ele teve mais chances do que qualquer um e não mereceu nenhuma delas! – Falei através dos dentes, Yurin ficou sentada comigo acariciando minha cabeça como se fossemos amigas de uma vida. – Por que está aqui me confortando? – Minha pergunta soou ais rude do que eu havia imaginado.
– Eu gostei de você na hora que a vi em Pollo... não por que estava fazendo picadinho dos lobos selvagens de lá, mas pela sua garra, você não correu montanha acima com ela! – Yurin apontou com o queixo na direção em que vovó estava. – Você ficou lá para lutar ao lado de meu irmão mesmo sabendo o risco que corria! Quando vi aquilo, sabia que ele não tinha escolhido errado, você nunca o abandonaria, meu irmão era tudo para mim quando éramos pequenos! Não aceitaria alguém mais fraca que eu para estar ao lado dele! – Ela sorriu e piscou para mim.
– Obrigada, Yurin! Isso é muito importante para mim!
– Não precisa agradecer! Se você não fosse o que é, eu te mataria! – O sorriso sinistro que ela me deu foi a confirmação de que não era uma brincadeira.
Sally e Amaterasu voltaram com a lenha ao mesmo tempo que Ewren voltava com peixes e dessa vez trouxe para Amaterasu também.
Depois de almoçar, fui andar na beira da praia, molhar os pés. Precisávamos de um navio, ia criar um como Lórien faria se estivesse aqui, mas não queria andar de navio novamente. Talvez se me transformasse em um pássaro e voasse até Vintro carregando os outros. Era uma viajem longa demais para fazer isso. Senti uma forte vibração na água, uma estranha energia fluiu de mim para as águas.
– É melhor sair daí! – Disse Ewren tirando-me de perto da água e olhando para o mar de forma estranha.
– O que foi? – Perguntei.
– Uma energia muito forte está se manifestando no mar. – Ele pegou meu braço e me levou de volta a fogueira, estava com a espada na mão e não parava de olhar para trás enquanto andávamos. Sentimos uma vibração tão forte que mais parecia um terremoto, uma onda maior do que as que estavam quebrando na praia começou a se formar e tinha um entranho formato, parecia rasgar as águas e vinha em nossa direção.
– O que você fez? – Perguntou vovó olhando desconfiada para mim.
– Não fiz nada, juro! Só estava molhando os pés! - De repente algo grande, e azul saiu da água fazendo uma sombra cobrir a parte da praia que estávamos. Se Ewren não estivesse me segurando, eu teria caído no chão de joelhos. Ele era maior do que o dragão que Lórien e eu havíamos visto em Mantum, tinha escamas azuis em diversos tons diferentes, três caudas com ferrões enormes saindo delas, sua cabeça achatada e repleta de chifres escuros que pareciam formar um capacete, só sua cabeça era maior que Amaterasu em tamanho grande e suas barbatanas se tornaram asas assim que ele saiu da água, elas tinham uma cor rosada translúcida. Ele tinha dentes pontiagudos como agulhas e olhos cor de chumbo.
– Um dragão marinho! – Gritou vovó dando um passo para trás. Ewren e Yurin levantaram as espadas. O dragão fez um som agudo com a boca que os fez largas as espadas e cobrir as orelhas. Todos pareciam estar sendo afetados pelo som dele, menos eu, sentia algo gelado em meu braço, quando olhei o pingente que Misannin havia me dado estava brilhando na pulseira e pulsando. Dei um passo à frente, o dragão parou de emitir o som e ficou observando eu me aproximar. Estiquei a mão para tocá-lo, ele sacudiu as asas molhadas quase derrubando-me com o deslocamento de ar, depois abaixou-se colocando a cabeça na areia. Quando toquei sua cabeça com as mãos minhas marcas acenderam e o dragão fechou os olhos.
– Ele te aceitou como mestre? – Perguntou vovó se aproximando devagar. O dragão pareceu não se incomodar com sua aproximação.
– Acho que sim! – Respondi acariciando sua cabeça escamosa, era estranho, como tocar em um peixe gigante, as escamas eram maleáveis, porém muito resistentes.
– Podemos montar nele? – Perguntou Yurin subindo nele antes mesmo que eu tentasse o fazer. Ele não reagiu, apenas continuou parado sem se mover.
– Acho que isso foi um sim! – Respondi subindo em cima dele também. Ewren, Sally e vovó vieram depois, trazendo Amaterasu encolhida no colo. Segurei-me nos chifres em sua cabeça e falei para ele “Pode nos levar até Rompita? ” Ele não se moveu, continuava apenas bufando, mas estava parado.
– Você precisa mostrar a ele o lugar que quer ir, é um dragão do mar, não conhece nada além do mar, Leona! – Disse vovó se aproximando de mim. Toquei minhas mãos no alto de sua cabeça, fechei meus olhos e me conectei a sua mente, mostrando-lhe o lugar que gostaria de ir. O dragão levantou suas enormes asas e sua cabeça, quase me derrubando e se ergueu no céu, voando rapidamente e passando pelas nuvens escuras que cercavam e protegiam Vintro.
– Chegaremos em Rompita em dois dias se ele manter essa velocidade e pararmos apenas para descansar! Leona, passe sua energia para que ele não se canse tão rápido! – Disse Ewren se aproximando de mim e sentando-se ao meu lado na cabeça do dragão. Foi o que eu fiz, mantinha minha energia fluindo continuamente apara ele se manter nos céus sem se cansar.
– Queria tanto passar voando nos céus da terra com um desses! Seria um caos! – Falei rindo.
– Existem muitos deles por lá, só que a energia mágica da terra é pequena demais para que eles saiam do mar e eles não crescem tanto quanto os daqui, então eles vivem em águas profundas e se mantém por lá escondidos! São a maior causa de acidentes no triângulo das bermudas! – Disse Ewren sorrindo para mim. – Esses dragões de água são da terra, existem mais deles lá do que aqui! – Fiquei olhando para ele espantada.
– Eu tinha um bom motivo para ter tanto medo do mar! – Fiquei imaginando um dragão como esse afundando facilmente um navio...
Serena:
Havíamos parado para almoçar e estávamos descansando, Demétrius dormia no colo de Moan, já que havia passado a maior parte da noite anterior de guarda. Hasan estava em silêncio, parecia estar cochilando também, Neve estava à beira do rio brincando com as libélulas coloridas que voavam perto dela. Estávamos a algumas horas de caminhada da vila vermelha, na costa leste de Edro. Iríamos partir dali para as ilhas monarcas e depois ir o mais rápido possível até Rompita. Moan havia dito que Aristes bloqueou o teletransporte dentro de Amantia, por isso o céu estava repleto de círculos azuis com símbolos e palavras, teríamos que voar de volta a Rompita para nos encontrarmos com os outros em três dias.
Espero que Leona esteja bem! Sentia falta dela, estava angustiada com o que Guinn havia tentado fazer e como ela deve ter reagido ao se encontrar com Ewren, não sabia o que eles estavam fazendo e nem por que estavam demorando tanto a aparecer, mas tinha certeza de que eles estavam atrás de mais ajuda também.
– Acho que aquele brilho roxo que vimos aquele dia vindo das redondezas de Monte Azul era mesmo um portal! – Disse Moan notando minha angústia.
– O que me incomoda é quem possa ter passado por ele! – Respondi.
– Espero que seja mais ajuda, por que se não for... – ela ficou pensativa olhando para o nada. Hasan se levantou de repente e esticou as costas. Ele estava sem camisa, estava fazendo muito calor e conforme chegávamos mais perto de Vintro o calor aumentava.
Fiquei observando o desenho de seus músculos e os cabelos ruivos que caíam sobre seus ombros. Hasan estava me encarando com seus olhos negros e brilhantes, desviei o olhar envergonhada por ter sido pega o admirando, ele deu um largo sorriso e vestiu a camisa.
– Vamos partir? Temos pouco tempo agora, as ilhas monarcas são bem próximas à costa, mas não podemos entrar lá usando qualquer tipo de magia, aquelas ilhas são muito bem protegidas pelos poderes dos vampiros. – Disse Hasan me dando a mão para que me levantasse. Demétrius se levantou também, puxando Moan para cima e bocejou.
– Vamos chegar lá no fim da tarde se atravessarmos de navio. – Disse ele pegando suas espadas e indo em direção ao caminho estreito entre as árvores. Nós os seguimos em passos largos, teríamos que chegar lá o mais rápido possível, Hasan tentaria convencer Marglan a unir-se a nós pelo fato de ser filho de Sirius, Hasan estava convencido de que o afeto que o vampiro sentia por seu pai seria de grande ajuda agora.
A medida que saíamos da floresta e nos aproximávamos da vila vermelha, sentia que estava chegando em um paraíso tropical, as águas do mar eram tão azuis que parecia que o céu e o mar eram uma coisa só, haviam muitas palmeiras e árvores parecias com coqueiros com frutas vermelhas felpudas presas a elas e que exalavam um agradável perfume parecido com o de romãs. As conchas que encontrava na areia eram todas transparentes e mudavam de cor conforme a luz batia nelas.
Estávamos a caminho dessas ilhas faziam três dias, depois que conseguimos com muita dificuldade o apoio dos caçadores, passamos em uma de duendes que se recusaram a nos ajudar e ainda ameaçaram nos entregar a Fairin se não deixássemos a cidade, partimos direto para o litoral de Edro por outra rota afim de despistá-los caso realmente quisessem nos entregar.
A vila grande e muito bonita, as casas construídas com um tipo de bambu gigante, muito parecidas com a cada de Ervie em Evenox, elas eram afastadas umas das outras e havia uma larga rua de comercio mais no centro da vila, haviam todos os tipos de mercadorias, tecidos de todas as cores, temperos, medicamentos, carnes e animais e uma variedade enorme de frutas e verduras por todos os lados, os aromas se misturavam dando um ar único e especial aquele lugar. Haviam várias raças ali, até onde sabia, vila vermelha era um território neutro entre as florestas das dríades e as montanhas dos gigantes, era constantemente destruída por eles e precisava ser reconstruída periodicamente.
– Se essa vila é um lugar tão perigoso, por que eles não se mudam daqui? – Perguntei a Demétrius que estava mais próximo de mim.
– Não se abandona sua casa por causa de problemas, você os enfrenta até que eles acabem, mantém seu lar, mas nunca o abandona! – Disse ele sorrindo para mim, deixando-me surpresa com sua resposta. – Pessoas em Amantia estão acostumadas a lutar e são muito teimosas também! Não é qualquer gigante destruindo suas casas que as farão sair acovardadas! – Quase ri, eu com certeza iria embora.
Nós paramos em um ancoradouro perto da feira, haviam algumas embarcações menores ali, do tamanho de lanchas, não podíamos fazer um navio aparecer pois não devíamos chamar atenção com nossos poderes. Demétrius fez a negociação com o dono de um dos barcos. Moan estava guiando Neve em uma coleira como se estivesse levando um cachorro para passear, por mais estranho que possa parecer, aquela cena parecia quase normal.
Subimos a bordo da embarcação e partimos em direção as ilhas, o mar azul brilhante estava calmo, o barco ia rápido contra a maré com auxílio dos poderes de Hasan, Neve parecia estar se divertindo muito a bordo, aparentemente ela gostava muito de água.
– Sente falta da Terra? – Perguntou Moan sentando ao meu lado.
– Se eu disser que não, vai achar que sou louca? – Perguntei. Moan riu.
– Talvez... lá era tudo calmo, o perigo não vinha de todos os lados querendo seu sangue amaldiçoado que pode dar poder as pessoas!
– Não valia a pena ficar lá sem ela... – Me referia a Leona. – Ela era minha melhor amiga, e quando me esqueci dela, quando minha... mãe apagou minhas lembranças sobre ela para poder vir embora, eu não sabia o que estava acontecendo, mesmo com tudo que poderia querer ao meu redor, sentia um vazio, quando eu deitava para dormir eu ficava procurando uma explicação para aquilo, e ela nunca vinha.
– Então você não se importa de ficar rodeada de monstros, desde que esteja com sua irmã?
– Os mundos são diferentes, mas lá os monstros têm o rosto igual ao nosso, aqui você ainda pode julgar o perigo por sua aparência, lá não! – Respondi lembrando-me do dia em que Fairin apareceu, ele parecia um homem doce e gentil, um namorado de minha mãe que eu não sabia que existia. Dymesia não era minha mãe de verdade, mas me tratou com tanto carinho por tantos anos, e agora estava morta. Estava angustiada, sentia um nó na garganta ao me lembrar dela, o medo estampado em seu rosto segundos antes de morrer, havia algo naquele olhar, um pedido de desculpas talvez, pelo menos queria acreditar nisso, que no fim ela se arrependeu e que sentia algo por mim, que eu não era apenas uma moeda de troca para ela.
– Você está bem? – Perguntou Moan colocando as mãos em meus ombros e acariciando gentilmente minhas costas.
– Foi horrível vê-la morrer! Mesmo que não fosse minha mãe de verdade, doeu quando ela me entregou a ele sem pensar duas vezes, ela parecia tão boa...
– Fairin tem um poder fora do comum para convencer as pessoas a fazerem sua vontade! – Esquecia que Moan era minha meia irmã. Não estava acostumada a ter tantos familiares assim, mas sempre sentia algo estranho nela, como algo que não deveria estar ali, por vezes seu olhar era vazio como se não houvesse ninguém lá dentro.
– Ele é muito forte, não é? – Perguntei baixinho.
– Muito, principalmente depois que tomou o sangue de Lupine, sentia pena dela! Viveu uma mentira maior do que as outras! – Moan tinha uma expressão triste em seu rosto.
– Como assim?
– Fairin enganou Jocelinne com alguém que a amava, Mayra também, mas Aeban nunca gostou de Lupine! Ele mal tinha noção de sua existência, a viu poucas vezes no templo, ela era completamente apaixonada por ele. Fairin se aproveitou disso, matou Aeban e fingiu se interessar por ela, no final as outras tiveram amor de verdade que lhes foi roubado, mas Lupine não!
– Mas Moan, Arcádius e Jocelinne são irmãos! Eu vi no castelo de Cristal! Isso não é certo, não é?
– Serena, não é o sangue que faz você ter um laço com alguém, mas sim os seus sentimentos por esse alguém e os dela por você! Fairin tem o mesmo sangue que você e não pensou duas vezes em tomar seu sangue ou te usar como trunfo para prender Leona, que também é filha dele, minha mãe atravessou uma lâmina envenenada na minha barriga para que eu morresse devagar!
– Sinto muito, Moan, não havia pensado nisso! Mas teremos que contar a Jocelinne sobre isso...
– Eles não sabem sobre as árvores nem que são parentes, Hasan e Leona foram criados como irmãos e você convivia muito com eles, Leona é sua irmã, então, tecnicamente você é irmã de Hasan também, isso muda alguma coisa? – Olhei de lado para ele quando ela disse isso.
– Acho que não importa muito, não é? – Moan começou a rir novamente.
– Não, não importa! Acho que a única coisa que importa é o que você realmente sente! – Ela olhava distraída para Demétrius com aquele olhar vazio.
Ficamos conversando, nos distraindo boa parte do tempo até avistar algo fantástico no horizonte. Eram cinco ilhas unidas por grandes pontes de pedra, duas estavam dentro d’água e as outras flutuavam ao redor delas.
– Ilhas Monarcas. – Hasan sorriu para mim. Não sei porque mas senti um estranho arrepio passar por mim, sentia algo ruim, tinha impressão de que algo iria acontecer. Fui até ele e fiquei ao seu lado até chegarmos as ilhas.
Hasan segurou a minha mão, ele estava nervoso, podia ver em seus olhos, achei que só Ewren estava preocupado por vir até essas ilhas, mas Hasan parecia estar bem mais.
– Não sei se foi boa ideia ter trazido Serena para cá! Devíamos ter vindo sozinhos. – Disse ele à Demétrius.
– Talvez você não tenha pensado nisso antes por que era onde ela deveria estar! – Moan segurou a corrente de Neve enquanto desembarcávamos, ela estava eufórica, tentava soltar a corrente e pulava para os lados.
– Talvez seja melhor deixá-la no barco. – Disse Demétrius levando Neve até a cabine.
– Eu fico aqui também! – Disse Tayman olhando desconfiado para as ilhas.
– Um caçador com medo de vampiros? – Demétrius não perdia a oportunidade de implicar com alguém.
– Só não quero deixar neve sozinha, se ela arrebentar as correntes e fugir para a cidade, vai virar o jantar de alguém! – Disse ele entrando na cabine também.
As ilhas eram cheias de casas de pedras enormes, sem janelas, as portas eram estreitas e de madeira grossa e resinada, de forma que não devia entrar nenhuma luz lá dentro.
– Está tão deserto e silencioso por aqui... tem certeza de que tem alguém nessas ilhas? – Perguntei olhando as casas sinistras e as ruas desertas.
– São vampiros, Serena! Não saem à luz do dia, eles virariam pó! – Respondeu Hasan segurando uma risada.
– Vai incomodá-los na hora de descanso então?
– São mortos-vivos! Eles não têm descanso! – Moan respondeu andando lentamente atrás de mim.
As ruas ficavam mais estreitas à medida que subíamos para ilha menor que flutuava mais alto sobre as outras, as pontes de pedras que as uniam eram largas o suficiente para passar um caminhão. As pequenas cidades tinham um estranho cheiro de ferrugem e bolor, o que aumentava meu nervosismo. Estávamos a caminho do castelo no ponto mais alto da quinta ilha, o horizonte já começava a ficar avermelhado e minhas mãos tremiam.
– O poder deles que está fazendo você se sentir assim, mas não precisa se preocupar, vou proteger você! – Hasan sussurrou ao meu ouvido. Suas palavras conseguiram me manter calma até que pisamos na escadaria do castelo. Haviam guardas nos portões e nas torres do castelo com balestras apontadas para nós. Todos os guardas que estavam ali eram sereianos, dava para ver suas peles levemente azuladas por trás das peças de suas armaduras.
– Viemos falar com Marglan! – Hasan deu um passo à frente e aumentou o brilho de sua pele, era como olhar para um sol naquela cidade escura.
– Quem é você? – Perguntou um dos guardas colocando a mão sobre a espada.
– Digamos que sou neto dele! – Hasan respondeu ignorando o gesto hostil do guarda. – Dia a ele que o filho de Sirius e Áries está aqui para vê-lo. – Quando ele disse os nomes de seus pais o guarda largou a espada no chão e abriu os portões do castelo. Dentro dos primeiros portões havia uma grande cortina negra que dividia o hall do castelo, assim que os portões foram fechados a única claridade que havia era a que emanava de Hasan, eles abriram as cortinas e nos guiaram pelos largos corredores até um salão do outro lado do castelo. Era o único lugar onde haviam janelas, não janelas comuns, mas janelas enormes, todas tinham sacadas e diferente do resto do castelo as cores do crepúsculo faziam todo o salão parecer um quadro que estávamos dentro.
– Assim que escurecer por completo, o Mestre virá ao encontro de vocês! – Disse um guarda saído de uma escada escondida atrás de uma estante de livros. Aquele lugar me dava arrepios, estava angustiada demais em estar ali. Hasan me pegou pela mão e me levou até uma das sacadas, o mar tranquilo brilhava com o pôr dos sóis.
– Sinto que algo grande vai acontecer para eles! – Disse Hasan olhando para Áries no céu.
– Como assim?
– Acho que algo bom vai acontecer, tenho essa impressão quando olho para eles no céu! – Hasan sorriu e apertou minha mão, seu sorriso era quase tão brilhante quanto os sóis que agora desciam lentamente nas águas no mar.
– Hasan, por que você brilha? – Ele ergueu uma sobrancelha e riu – Bom, até onde eu sei os Salamandras podem incendiar coisas e pessoas e são imunes a fogo, mas você brilha...
– Sou filho de dois sóis! Tecnicamente eu sou uma estrela com corpo de um salamandra. – Disse ele tirando o cabelo que caía em meu rosto e o prendendo com uma presilha pequena em formato de um sol que ele havia acabado de fazer aparecer.
– Então você pode brilhar como eles? – Perguntei.
– Posso transformar os vampiros dessas ilhas em cinzas só com meu brilho! – Ele piscou para mim, por isso estava tão confiante de vir aqui, se quisesse poderia acabar com todos os vampiros sem fazer esforço algum! Ele me deu um beijo na testa e ficou observando até que os sóis desapareceram do céu e a primeira estrela apareceu, senti um calafrio na espinha ao ver os vampiros saindo das casas e andando pela cidade, muitos deles se transformavam e iam em direção ao continente. Outros vagavam pela cidade escura, poucas luzes foram acesas nas ruas.
– Estão indo atrás da refeição! – Disse Demétrius chegando por trás e me assustando.
– Ela já está apavorada, não precisa assustá-la ainda mais, Demétrius! – Resmungou Hasan passando o braço em volta de minha cintura e me levando em direção ao salão. – Quer voltar para o barco e esperar lá com Moan? – Perguntou ele para mim, olhei para fora e sacudi a cabeça negativamente com os olhos arregalados.
– Lá fora tem vários, aqui não! – Respondi olhando em volta, ainda não havia ninguém no salão escuro além de nós. A lareira do outro lado do salão incendiou-se de repente dando-me um susto tão grande que quase pulei para cima de Hasan, a luz do fogo clareou o ambiente, mas deixava um ar ainda mais sombrio ao local.
– Então, soube que o filho dos sóis estava aqui para me ver! – Uma voz antiga e gutural ecoou pelo salão arrepiando os cabelos da minha nuca.
– Marglan, Governante das Ilhas monarcas! – Hasan virou-se na direção da voz e me empurrou gentilmente para trás dele.
– Devo dar-lhes boas-vindas? – Perguntou o vampiro se aproximando de nós, ele era realmente assustador tinha aparência de um senhor de idade com longos cabelos cinzentos, seus olhos vermelhos passaram por cada um de nós, nos estudando, ele era pouco mais baixo que Hasan, mas ainda parecia muito perigoso. Duas mulheres estavam atrás dele, uma negra de longos cabelos crespos que usava um corpete vinho por cima de um vestido preto, ela tinha os olhos violeta e seus cabelos crespos desciam até seus ombros, estavam adornados com pequenas pedras presas em fios de ouro, ela tinha um olhar intenso, penetrante. A outra mulher era loira, usava roupas simples e haviam grilhões em seus pulsos e marcas roxas em seu pescoço e braços.
– É o lanche da madrugada! – Sussurrou Demétrius segundo meus olhos, tive pena dela, mas Hasan não deixava eu me mover.
– Vimemos como amigos, Marglan! – Disse Hasan dando um passo para frente.
– Sei por que estão aqui! Tenho ouvidos por toda Amantia! E já lhes adianto que não pretendo me unir a ninguém! – Respondeu ele com uma voz assombrosa. A mulher loira se encolheu para longe dele, mas a outra a fez se endireitar com um puxão nas correntes.
– Marglan, precisamos da sua ajuda! Fairin tem um exército muito forte, toda a ajuda que conseguirmos... – Hasan foi interrompido pelo vampiro que estendeu a mão.
– Já disse que não pretendo ajudar, não é minha luta, não me interessam os motivos por trás dela! Eirien nunca nos ofereceu nada e ainda por cima fomos isolados aqui por uma das magas com o sangue amaldiçoado! Quando os vampiros saem dessa ilha, seus poderes são reduzidos! Vocês ainda têm a coragem de vir aqui me pedir para colocar meu exército a sua disposição para lutar por elas? Eu não mandei que os matassem pois tenho um apreço por seu pai, nada além disso!
– Mas...
– Não vou ajudá-los, é a última vez que digo isso! Só não me uni a Fairin pois ele não me ofereceu nada que me interessasse em troca de minha ajuda! – Quando ele falou isso passei a frente de Hasan e o encarei.
– É o seu mundo também! Você vive aqui! Se Fairin conseguir o poder que quer, acha que ele vai deixar vocês em paz? Ele quer controlar tudo, quando alguém tem sede de controle ele não vai aceitar que ninguém descumpra suas regras, ele vai impor as vontades dele sobre todos vocês! O maior desejo dele é mandar em tudo! Não pense que vai estar livre dele só por ficar em cima do muro! – Falei. Estava bufando, irritada com as palavras dele. Marglan ergueu uma sobrancelha e me encarou com seus olhos vermelhos brilhantes.
– Você é uma das mulheres de sangue amaldiçoado, não é? – Perguntou ele dando alguns passos em nossa direção.
– Ela não é! – Hasan me puxou para o lado dele, sentia seu coração acelerado através da palma de sua mão.
– É sim, sinto o cheiro do poder no seu sangue! É mais fraco, então ela é mais nova, onde está a primogênita de Lupine? – Perguntou ele.
– Está longe daqui procurando por ajuda! – Respondi rispidamente.
– Aqui vocês não encontrarão ajuda nenhuma! Não adianta apelar para o sentimental de alguém que não se importa, minha jovem e bela dama! – Disse ele se aproximando ainda mais. A pele de Hasan estava começando a esquentar, apertei seu braço com força.
– Posso retirar a magia que os mantém isolados aqui se der sua palavra que não irão fazer mal as pessoas em Amantia! – Falei. Demétrius e Moan me olharam como se eu fosse louca.
– O que mais? – Ele deu um sorriso sinistro mostrando os dentes pontudos. A mulher que estava atrás dele soltou um estranho rosnado e o olhava irritada. Hasan parecia mais irritado do que ela, se eu não estivesse segurando o braço dele, provavelmente ele já teria pulverizado o vampiro à nossa frente e feito todos os guardas nos atacarem.
– Tem razão, não precisamos de sua ajuda! Vamos embora! – Hasan falou virando-se em direção a porta, mas eu o segurei.
– O que você quer? – Perguntei, o vampiro sorriu e olhou para a janela aberta, andou na direção dela lentamente.
– Se eu fosse mais jovem e tivesse mais poder, poderia dominar até os vampiros que estão fora dessas ilhas, mantendo a população de Amantia ainda mais segura de nós... – disse ele rodando uma pequena bolha de vidro nas mãos. – Venha comigo jovem dama, quero falar a sós com você! – Disse ele esticando a mão para mim.
– Ela não vai a lugar algum! – Hasan estava bufando agora e seus olhos estavam numa cor laranja e brilhantes. Por um instante achei que ele fosse perder o controle.
– Hasan, está tudo bem! Não posso deixar tudo nas mãos de Leona também! Confie em mim! – Falei soltando meu braço de suas mãos com dificuldade.
– Confio em você, nele não! – Afastei-me de Hasan, indo na direção que o vampiro estava. Ele fez um gesto com as mãos e as mulheres saíram relutantes. Saímos por uma das sacadas que tinha uma longa escada em espiral até o alto de uma torre. Os guardas fecharam a porta da sacada atrás de nós. Meu coração saltava contra minhas costelas e meu pânico aumentava a cada degrau que subia.
– Não precisa ficar tão nervosa assim! Sei do que um filho de Sirius é capaz de fazer, não me atreveria a machucá-la. Na certe ele destruiria minha casa e todos nessas ilhas e não valeria a pena ter conseguido isso! – Disse ele mostrando-me os dentes novamente. O topo da torre era uma espécie de observatório de astronomia, as paredes eram cobertas por mapas e desenhos e haviam alguns telescópios muito modernos nas janelas que eram protegidas da chuva por janelas finas de vidro muito limpos e polidos. Se não fossem a luz das velas nem desconfiaria que haviam vidros ali.
– Um dos meus passatempos, durar para sempre preso à uma ilha é algo muito tedioso! – Disse ele olhando pela janela.
– Pensei que vocês pudessem sair! – Respondi.
– Os outros vampiros podem, eu não, o lacre que diminui o poder deles é uma prisão para mim.
– Por que foi colocado em uma prisão?
– Fiquei do lado errado em uma briga, quando o lado que escolhi perdeu, sofri as consequências! – Disse ele encarando-me, não parecia estar mentindo. – Agora, primeiro peço que desfaça o lacre!
– Devo me preocupar em fazer isso? – Perguntei, estava nervosa, não devia ter dito que faria isso.
– Tem a minha palavra que não permitirei que eles façam mal a ninguém! – Claro que ele não permitiria, tinha alguém que poderia tornar a noite em dia e torrar todos eles! Não sabia bem como fazer isso, então olhei pela janela, mudei de aparência e forcei meus olhos a verem além do que havia para ser visto.
Aos poucos uma espécie de campo de energia lilás foi aparecendo, ele estava ao redor das ilhas. Eu tenho o mesmo sangue daquela que criou esse lacre! Ergui minhas mãos e fiz um movimento, como se estivesse rasgando aquele véu que cobria as ilhas, por um instante achei que nada tivesse acontecido, mas alguns segundos depois escutamos um barulho como de um trovão, durou por um longo tempo enquanto a barreira se partia em milhões de pedaços como vidro estilhaçado e caiam no mar. Marglan inspirou fundo e fechou os olhos.
– Agora... – ele esticou a mão para mim. Meu estômago afundou e meu coração batia rapidamente. – Já disse que não precisa se preocupar, não vou te machucar!
– Me dê a sua palavra que vai colocar seu exército à disposição de Eirien ou de Leona! – Falei, ele sorriu.
– Já tinha dado minha palavra, não confia em mim? – Perguntou ele encarando-me com curiosidade.
– Você me prometeu que se eu derrubasse a barreira, os vampiros não fariam mal as pessoas em Amantia! Não tínhamos dito nada sobre você nos ajudar ainda! – Retruquei semicerrando os olhos.
– Menina esperta! – Ele mostrou as presas num sorriso – Prometo deixar meu exército à inteira disposição de quem liderar a batalha contra Fairin! – Ele se aproximou de mim. – Tem a minha palavra! – Suspirei.
– Se você me enganar, que você queime pela eternidade sem nunca morrer, que seu corpo se consuma e se regenere, mas que o fogo nunca te consuma por inteiro! – Falei baixinho quando ele chegou perto o suficiente para ouvi meu sussurro. Uma marca negra apareceu em seu braço esquerdo, palavras que não reconhecia com um pequeno selo de uma orquídea.
– Caso eu ajude, que seja liberado dessa maldição que você acabou de me lançar! – Ele parecia furioso, estava tremendo e tinha os olhos fixos na marca em seu braço.
– Que assim seja! – Falei. Ele tirou o cabelo que estava cobrindo meu pescoço e segurou minhas costas para que eu não me afastasse. Não pode ser tão terrível quanto o que Fairin fez! Pensei tentando me animar. Senti as presas espetarem em meu pescoço, me arrependi de meus pensamentos, era mil vezes pior! As presas queimaram como brasas quando perfuraram minha pele, quando ele as tirou pareceu ainda pior, parecia que todo meu sangue fluía para o local que ele havia perfurado. Seus lábios estavam sobre a ferida enquanto ele sugava o sangue vorazmente. Não pude conter um grito de dor, era muito terrível, nunca imaginava algo que pudesse doer tanto assim. Ele cobriu minha boca para abafar o som. Quando me soltou meu corpo estava dormente, caí sentada no chão e me apoiei na parede. O vampiro estava rindo e olhando para as mãos, sua aparência havia mudado, parecia outra pessoa em minha frente! Ele estava mais jovem mas continuava com o olhar assustador de antes. Hasan derrubou a porta e entrou no observatório com a espada na mão. Ele me tirou do chão e apontou a espada para Marglan.
– Hasan, não! Está tudo bem! – Falei segurando seu braço com a espada erguida.
– Vocês têm minha Lealdade! – Disse Marglan transformando-se num morcego muito grande e quebrando os vidros do topo da torre e desaparecendo na noite.
– Não devia ter deixado você fazer uma idiotice dessas! – Disse ele olhando a marca em meu pescoço.
– Ele não vai nos trair!
– Como pode saber? – Perguntou ele olhando-me irritado.
– Eu o amaldiçoei! – Hasan parecia surpreso e assustado.
– Mexer com maldições é algo muito perigoso, Serena! – Hasan apertava meus braços e me olhava assustado.
– Ela vai desaparecer se ele manter a sua promessa e nos ajudar, não se preocupe... – falei deitando minha cabeça em seu ombro, me sentia tonta e fraca. – Ele não vai arriscar queimar pela eternidade! – Hasan bufou, me levantou no colo e desceu as escadas em direção ao salão onde Demétrius e Moan nos esperavam preocupados.
– Achei que ele tivesse te matado! – Disse Moan aproximando-se de mim.
– Achei que fosse morrer mesmo! – Respondi dando uma risadinha, mas Hasan não havia achado graça, estava rabugento demais e não queria saber de brincadeiras. Saímos do castelo, quando pisamos nas ruas da ilha, vários vampiros pararam para nos olhar. Hasan aumentou seu brilho de forma que tive que fechar os olhos para não sentir dor.
Os vampiros devem ter se afastado desesperados. Depois de quase meia hora de caminhada, senti seu brilho cessar, abri os olhos e estávamos no barco, Demétrius soltou as correntes e empurrou o barco em direção ao mar saltando para dentro em seguida. Olhei pela janelinha das portas que levavam à cabine, Neve estava cavando a porta desesperada para sair e Tayman dormia profundamente numa rede na cabine, Moan abriu a porta deixando-a solta pela embarcação, ela nos cumprimentou e deitou-se nos pés de Hasan.
Demétrius e Moan desapareceram na cabine, estavam em silêncio desde a hora que saímos do castelo. Hasan sentou no chão e se encostou à parede da cabine e respirou fundo, ainda me segurava nos braços.
– Pode me soltar agora! – Falei tentando sair de seu colo, mas ele me apertou com ainda mais força. Suas marcas se acenderam e um forte vento fez a vela da embarcação se soltar e o barco deu um solavanco para frente.
– Vai ficar aqui até que eu deixe você sair! – Disse ele colocando a cabeça em meu ombro e suspirando. – Você é louca! Quase me matou de susto, deu seu sangue a alguém que não era confiável e ainda usou uma maldição! Você é inacreditável, não sei qual das duas arruma mais problemas, você ou Leona! – Ele falou tão rápido que não sei como consegui entender tudo com clareza.
– Mas quando Veruza morrer a maldição vai desaparecer! Ai o poder que ele recebeu de meu sangue vai desaparecer! – Falei.
– Não, não vai! Quem disse isso para você?
– Ninguém, só achei que fosse isso...
– Não Serena! A maldição vai desaparecer, o sangue de vocês não será mais amaldiçoado e ninguém mais nascerá com a maldição, mas quem recebeu o poder continuará com ele! – Disse Hasan para mim.
– E então? – Perguntei.
– Só precisamos transformá-lo em cinzas quando isso acabar! – Ele deu um sorriso maligno. – Mesmo se ele perdesse os poderes ia fazer isso! Só pelo abuso dele! – Ele estava mais irritado do que imaginava.
– Me desculpe, agi sem pensar!
– Percebi! – Ele me beijou antes que pudesse me justificar. Fiquei em silêncio, sentada em seu colo e adormeci ali, no calor dos braços de Hasan.
10
Lótus
Branca
Quando abri os olhos de manhã sentindo o suave balanço do mar e achei estranho não termos chegado em terra ainda, estava deitada em uma cama numa cabine muito maior do que a da embarcação que adormeci e não vi ninguém por perto. Saí da cama devagar olhando tudo em volta, abri a porta devagar e fui em direção à porta pequena que levava ao convés, não estávamos mais em uma embarcação pequena, mas sim em um navio. Neve veio correndo em minha direção me cumprimentando com lambeijos e cabeçadas.
– Onde estão todos? – Perguntei para ela, Neve me empurrou em direção à uma porta do outro lado do navio, estavam todos na cozinha tomando café, menos Tayman que estava no timão do navio, ele sorriu e piscou para mim quando acenei para ele.
– Olha quem resolveu acordar! Elas têm o mesmo sono! – Disse Demétrius rindo e olhando para mim quando entrei na cozinha.
– Bom dia... – Senti meu rosto corar quando sentei à mesa, Hasan serviu chá e um pedaço de bolo para mim. – Quando foi que passamos para esse navio? – Perguntei antes que Moan ajudasse Demétrius nas piadinhas.
– Bom dia? Boa tarde! – Disse Demétrius rindo ainda mais. – Estamos fazendo um lanche!
– Não implique com ela Demétrius, Marglan retirou boa parte da energia dela! É normal ela querer dormir bastante! – Agradeci silenciosamente a Hasan.
– É o mesmo barco, Hasan o modificou! – Disse Moan rindo.
– Vamos direto para Rompita pelo mar, assim evitamos passar perto de Lótus Vale em terra, dessa forma a viajem é menor também! Vamos chegar a costa nordeste de Vintro depois de amanhã – disse ele piscando para mim.
– Como é ser mordida por um vampiro? – Perguntou Moan olhando-me curiosa.
– Doloroso! – Respondi sinceramente, ela riu.
– Dizem que vampiros podem ver suas memórias através do sangue que consomem! – Disse ela brincando com um pedaço de bolo em seu prato.
– Minha mente está bloqueada. Acho que ele não viu nada... – esperava que não tivesse visto mesmo, havia muito mais em jogo do que apenas lembranças. – Ele também é meu guardião agora? – Perguntei lembrando-me que Moan havia se tornando minha guardiã quando lhe dei meu sangue.
– Não, você não deu seu sangue a ele de livre e espontânea vontade com intenção de curá-lo ou salvá-lo, nem mesmo de criar um laço com ele, apenas deixou que ele o tomasse para se fortalecer, ele só pegou sua energia, mas não sua proteção! – Hasan respondeu, aparentemente ainda estava irritado com isso.
– Então quando a maldição desaparecer você ainda continuará sendo minha guardiã? – Perguntei à Moan, ela sorriu e acenou.
– Guardiões são Guardiões até a morte, Serena! Quando você salva alguém cedendo uma parte de você essa pessoa se torna sua guardiã. As antigas sacerdotisas costumavam fazer isso!
– Então isso não é por causa do sangue amaldiçoado? – Perguntei.
– Não! Para você ter uma ideia, Nellena era guardiã de Arin! Seu sangue amaldiçoado só facilita esse processo porque pode curar uma pessoa num estado de quase morte, Já Arin dividiu sua energia vital com Nellena, assim como as sacerdotisas faziam. Mas é algo muito difícil de se fazer, só uma pessoa com muito controle para fazer isso sem morrer no meio do processo! – Explicou ela pensativa.
– Como sabe disso? – Perguntei.
– Eu tenho a mesma idade de sua avó Mayra, e quando Arcádius me levou para o lado deles, ele me deu todas as suas memórias, se algo acontecesse a Leona era para mim revelar a verdade a ela.
– Você tem a idade de vovó Mayra? – Perguntei espantada olhando-a. – Desculpe, não faço ideia da idade dela! – Ri.
– Mayra deve ter uns três mil e poucos... – disse Demétrius pensativo.
– E você? – Perguntei a ele. Moan começou a rir.
– Ele tem a mesma idade de Ewren! Criancinha ainda! – Moan acariciou a cabeça dele. Olhei para Hasan, ele sabia que eu ia perguntar e começou a rir.
– O tempo no centro do círculo onde meus pais ficam não pode ser contado, então não faço a mínima ideia da idade que tenho, mas se fosse contar pelos dias de Amantia, teria por volta de mil e seiscentos! – Disse ele com um sorriso encantador no rosto. Já sabia como Leona se sentia sendo a mais nova de todos, era como ser uma criança no meio de adultos. A idade não importava, as aparências simplesmente nos enganam. Fomos para o convés e ficamos um bom tempo aproveitando a calor dos sóis de fim de tarde, a água salgada do mar salpicava em meu rosto e aliviava aos poucos aquele mal-estar que sentia desde o encontro com o vampiro nas ilhas que agora estavam bem atrás de nós.
– Será que eles estão bem? Será que conseguiram mais aliados? – Perguntei quando Hasan se aproximou de mim, Moan foi para o timão e Demétrius mergulhou no mar desaparecendo de vista.
– Estão bem sim! Daqui a dois dias nos encontraremos com eles no templo de fogo! – Disse Hasan tranquilizando-me.
– Como sabe que estarão lá? – Perguntei.
– Notícias ruins são muito mais rápidas que notícias boas! Se tivesse acontecido algo com eles, nós já saberíamos. – Respondeu ele traçando o contorno do meu rosto com os dedos.
– Por falar em notícias ruins... – Moan se aproximou e sentou-se perto de nós. – A cidade de Monte azul foi destruída por Guinnevere, não se sabe o porquê aquele maluco fez isso, mas a cidade foi completamente destruída. – Disse ela suspirando.
– Talvez tenha algo a ver com o portal que vimos antes! – Respondi.
– Talvez...
– Onde Demétrius foi? – Perguntou Hasan olhando o mar.
– Foi ao palácio submarino ver se Misa já conseguiu reunir os exércitos abissais. – Ela estava ansiosa.
– É pouco tempo, não acha? – Perguntei. – Quer dizer, pouco tempo para reunir esses exércitos! – Dessa ver Hasan e Moan sorriram ao mesmo tempo.
– Em Amantia, você pode reunir exércitos em poucas horas, Serena! Nada aqui é demorado como na terra, não estamos reunindo humanos e nem precisamos das armas que eles precisam.
– Aqui todos estão sempre preparados para uma boa luta! – Moan falou isso como se lutar fosse alguma espécie de passa tempo, como dançar ou montar um quebra-cabeças. Tayman estava ensinando neve a atacar alvos ao mesmo tempo que ele disparava flechas, fiquei nervosa no começo, pois ela corria mais rápido do que as flechas e chegava ao alvo primeiro, mas depois deixei de me preocupar, ela escutava o som produzido pela flecha em movimento e alterava sua rota dependendo do que escutava. Ficamos conversando e esperando Demétrius chegar até o anoitecer, cada hora que passava Moan ficava mais nervosa com a demora dele, até que ele chegou por volta da meia noite, estava com o braço e o peito ferido.
– O que aconteceu com você? – Perguntou Moan correndo na direção dele e usando seus poderes para curá-lo.
– Guinn quer mesmo encontrar sua irmã! – Disse ele olhando diretamente para mim. – Ele estava atacando o palácio dos dragões quando cheguei lá, estava furioso com a aliança dos Sereianos com a sacerdotisa das águas, ele estava tentando os fazer quebrar a aliança com Leona e queria obriga-los a se juntar a Fairin. – Disse ele tossindo um pouco e passando a mão em seus longos cabelos ruivos.
– Ele conseguiu fazer com que a aliança fosse quebrada? – Perguntei.
– Não, mas agora ele tem certeza de que estou contra eles! – Disse Demétrius sorrindo e abrindo a outra mão que estava ferida. Era um globo ocular, um olho acinzentado arrancado de alguém.
– De quem é esse olho? – Perguntei desviando o olhar.
– De Guinn, ele não é tão forte quanto imaginei que fosse! Conseguimos espantar todos os invasores e o palácio foi restaurado!
– Agora chega! Vem, vamos cuidar desses machucados! – Disse Moan nervosa, mas os ferimentos dele estavam se fechando sozinhos e rapidamente. Moan o levou para a cozinha e fechou a porta.
Hasan estalou os dedos, e os ventos ficaram um pouco mais fracos, fazendo o navio ir ainda mais devagar. Ele estava cansado, imaginei que não havia dormido direito.
Moan fez o jantar e nos chamou para comer, jantamos em silêncio, o ataque ao palácio havia deixado todos um pouco tensos. Depois da comida Moan saiu da cozinha me arrastando com ela.
– O que vai fazer? – Perguntei enquanto ela descia as escadas e entrava na sala onde deveria ser a dispensa do navio.
– Preciso que você converta isso aqui numa sauna! – Pediu ela segurando minhas mãos junto ao peito. – Odeio viajar pelo mar! A maresia deixa minha pele grudenta e isso me irrita, preciso de um banho de verdade e não tenho poder suficiente para fazer isso, já que esse navio foi criado por um mago! Quero um Ofurô também! – Disse ela olhando-me com cara de cachorrinho pidão.
– Posso tentar, mas não sei o que é um ofurô! – Respondi. Moan revirou os olhos e encostou sua testa na minha. Vi uma banheira grande de madeira e uma sauna. – Bom, vou tentar! – Falei, imaginei a sala como ela havia acabado de me mostrar, usei o cetro que Hasan havia me dado que estava em meu pescoço e consegui fazer o depósito se transformar em uma sala de banho, Moan sorriu e encheu a banheira de água quente, depois saiu pela porta e voltou com um frasco pequeno e despejou na água.
– Essência de plumeria! – Disse ela tirando a roupa e entrando na água, o perfume era muito bom. – Vai ficar aí? Entre também! – Ela jogou uma porção de água em minha direção, tirei a roupa timidamente e entrei na água com cuidado para não esbarrar nela, ela me encarava com seus olhos amarelos estreitos.
– Ainda dói? – Perguntei apontando a cicatriz grande e escura que a ferida que dei meu sangue para curar havia deixado nela. Moan tocou a barriga distraidamente, seus olhos estavam fixos em um ponto do outro lado da sala.
– Na verdade o que dói é o motivo pelo qual eu recebi essa cicatriz... – ela abaixou a cabeça e respirou fundo. O vapor e o perfume doce da sala começavam a me dar sono.
– Queria que tudo fosse diferente, já pensou se Fairin e Veruza fossem bons? Como seria? Nós seríamos irmãs e talvez não teríamos que lutar contra nosso pai para ter paz! – Falei.
– Se meus pais fossem bons, você não existiria! Nós não estaríamos nos divertindo agora numa sauna no porão de um Navio, você não estaria noiva do filho dos sóis pois ele não existiria para dar o poder dele a alguém que pudesse impedir nosso pai cruel de dominar os doze mundos... – disse ela dando uma risada tristonha.
– Então vamos torcer para acabar tudo bem, para podermos usar a piscina térmica escondida na sala da fortaleza de Lótus vale! – Falei rindo vasculhando as memórias de Leona.
– Não temos que esperar pela sorte, temos que lutar com toda nossa garra, fazer o melhor possível, para que nosso esforço seja reconhecido e consigamos desfrutar da vitória sem peso na consciência! – Respondeu ela passando a mão em minha cabeça.
Depois de um bom tempo murchando na água, Demétrius e Hasan estavam chamando do outro lado da porta.
– Está tudo bem aí? – Perguntou Demétrius, saí da água e me enrolei na toalha, Moan também. Saímos pela porta embrulhadas como dois rolinhos.
– Deram uma melhorada nessa parte do navio, não é? – Disse Tayman rindo. – Podemos...
– A vontade! – Falei entrando na cabine, Moan se vestiu e saiu.
– Vou fazer a guarda nas primeiras horas! Boa noite! – Disse ela saindo com Neve em seu encalço, nem vi de onde ela saiu, as vezes parecia mais um gato do que um lobo.
– Boa noite! – Respondi deitando-me na cama e fechando os olhos.
Nem percebi que estava dormindo até ser acordada por Hasan. A cabine estava escura e o balanço do navio estava suave, acho que foi isso que me fez dormir.
– Hasan? Está tudo bem? – Perguntei sentando me na cama e esfregando os olhos. Seus olhos estavam fixos nos meus.
– Não, não está tudo bem, estou incomodado até agora com o que aconteceu ontem! – Disse ele respirando fundo.
– Já te pedi desculpas... – toquei seu rosto com minha mão, ele fechou os olhos.
– Não vou deixar que isso aconteça novamente! – Ele falou baixinho tocando minha mão com os lábios. Minha pele formigava onde ele tocava.
– Por acaso isso é uma desculpa para justificar algo que você já queria fazer? – Perguntei, Hasan apenas deu um sorriso travesso.
– Talvez... – O calor que emanava dele estava maior do que de costume.
– Você vai me queimar, sabia? – Disse afastando-me dele, porém ele me segurou pela cintura com seus braços fortes e me puxou para seu colo beijando-me repentinamente deixando-me sem reação.
– A ideia é essa... – sussurrou ao meu ouvido enquanto passava a língua em meu pescoço, respirar ficou difícil já que meu coração batia tão forte que parecia um martelo contra minhas costelas. Hasan tirou a toalha que ainda estava enrolada em mim e me segurou apertada contra seu corpo quente.
– Hasan! – Eu queria impedi-lo e ao mesmo tempo não queria. Seu corpo era quente demais contra o meu, isso me dava uma sensação estranha e ao mesmo tempo maravilhosa, minha pele parecia gelo contra a dele, era tudo tão novo para mim e ao mesmo tempo algo tão esperado. Ele me beijou lentamente, queria saborear seu gosto, aproveitar cada segundo de seus lábios perdidos nos meus, sua língua enrolada na minha. Ele segurou meu queixo e o levantou, deitando-me na cama novamente e beijando todo meu corpo, seus lábios, sua língua quente contra meu corpo frio fazia-me arrepiar e tremer, suas mãos tocavam-me onde nunca ninguém havia tocado, seus beijos faziam minha pele queimar. Ele voltou à minha boca, e foi minha vez de lhe explorar, de lhe tocar, sentir seu corpo com minhas mãos, meus lábios gelados contra seu corpo tão doce, tão quente, seu cheiro era maravilhoso.
– Achei que você fosse quietinha... – disse Hasan numa risada enquanto eu mordia de leve seu peito e sentava em seu colo encaixando-o entre minhas pernas. Beijei-o novamente com intensidade, colocando minha língua em sua boca, tracei uma linha de sua nuca até suas costas com minhas unhas até senti-lo tremer sob meu toque.
– Nem de longe! – Respondi com a voz trêmula enquanto ele me girava num rápido movimento e me segurava conta o lençol macio da cama e deslizava seu corpo contra o meu, o senti me penetrar, senti uma onda de choque em meu corpo enquanto gemia de prazer e ouvia sua respiração acelerar. Não podia nem imaginar algo como aquilo, seu corpo se moldando perfeitamente ao meu, seu hálito doce na minha boca. Não conseguia ficar em silêncio, estava perdida em seus braços, calor contra frio, gelo e fogo se misturando em uma guerra sem fim...
– Eu queria ter você desde o dia que acordei em Evenox e te vi com meu eu verdadeiro pela primeira vez. Sabia que seria minha e de mais ninguém! – Sussurrou ele ao meu ouvido enquanto eu enrolava meus dedos em seus cabelos macios. Não lembrava como fazer minha voz sair, apenas o beijei novamente e acariciei seu corpo com as mãos.
– Não estou com sono ainda... – falei mordendo seu queixo e subindo novamente em seu colo.
– Que bom, porque eu perdi o sono também! – Hasan me puxou de volta para ele enquanto nos perdíamos novamente um no outro durante toda madrugada.
Acordei de manhã com muito calor, meu corpo estava dolorido e parecia meio solto, me estiquei cuidadosamente evitando acordar Hasan, que dormia tranquilamente embolado em mim. Meu rosto ficou corado, tive um súbito desejo de levantar correndo e me vestir, mas esse desejo desapareceu quando vi um sorriso em seu rosto e ele sussurrou meu nome baixinho. Passei minha mão fria sobre seu rosto e lhe dei um beijo no pescoço.
– Hora de acordar! – Falei baixinho traçando seu rosto com as pontas dos dedos, ele sorriu e abriu aqueles olhos negros para mim, me segurou pela cintura e me derrubou ao seu lado novamente.
– Tenho receio de acordar agora e ver que foi um sonho! – Disse ele dando um beijo na minha testa. Minhas marcas estavam brilhando, brancas e totalmente diferentes de antes.
– Acho que não é um sonho, minhas marcas mudaram de cor. – ele olhou os desenhos que as pétalas do lótus faziam em meu braço direito até a palma da minha mão e sorriu.
– Vai ter um sol laranja e brilhante bem aqui! – Disse ele segurando minha mão esquerda e beijando meu anelar.
– Igual a flor de lis dourada na mão da Leona? – Perguntei.
– Igual, só que mais bonita! – Disse ele sorrindo e se levantando para vestir a roupa, senti meu rosto esquentar novamente. – Qual problema? Você viu tudo isso e ainda beijou cada parte minha ontem, então está vermelha assim por que? – Ele estava com um olhar malicioso quando segurou meu rosto e me fez encará-lo.
– Vou me acostumar, pode deixar! – Respondi dando um sorriso e amarrando meu cabelo.
Hasan saiu primeiro da cabine, deixando-me sozinha para que pudesse me vestir tranquilamente. Ele havia mesmo me queimado, onde sua língua passou havia ficado uma linha vermelha que ardia levemente quando eu a tocava. Não consegui evitar que um sorriso se formasse em meu rosto, esperava que Leona não visse isso, ela com certeza iria querer me matar!
Saí da cabine silenciosamente, achei estranho ser tão cedo, já que havíamos “dormido” tão tarde. Quando cheguei ao convés notei terra a nossa frente, os penhascos eram lavados pelas fortes ondas, uma pedra afastada do penhasco unida ao continente por uma grande ponte de pedra chamou minha atenção.
– Aquilo é o templo de fogo? – Perguntei a Demétrius que estava de pé perto do timão do Navio. Ele me olhou de canto de olho e riu.
– É sim! – Ele não falou mais nada, estava mordendo os lábios para não rir.
– Nós não chegaríamos lá só amanhã? – Perguntei olhando-o confusa. Ele não conseguiu segurar mais, explodiu em uma gargalhada divertida enquanto se apoiava no timão.
– Hoje é amanhã, Serena! Pelo visto andaram tão ocupados na cabine que nem notaram que se passou um dia inteiro! – Disse ele para mim. Senti meu rosto esquentar e fechei os olhos.
– Estava apenas dormindo! – Gaguejei olhando em outra direção. Demétrius virou meu rosto e tocou um dedo em minha testa. As marcas brancas se acenderam em meu braço e ele sorriu maliciosamente.
– Dormindo não é! – Ele riu e olhou na direção do templo. – Não se preocupe, dormir é bom! Aí você acabou dormindo demais? – Ele riu novamente.
– Pare de implicar com ela Demus! – Moan se aproximou e passou os braços em volta de mim. – Ela não tem culpa! Hasan é um Salamandra, é muito difícil resistir à um salamandra ainda mais um como aquele! – Disse ela rindo e esfregando meu rosto com as mãos.
– O que quer dizer com isso, Mulher! – Demétrius quase soltava faíscas pelos olhos.
– Nada demais... – disse ela pensativa estreitando os olhos e sorrindo discretamente, teria me preocupado com isso se ela não tivesse piscado discretamente para mim. Tayman estava sentado no chão no navio com Neve e me olhava com uma expressão triste, chateada.
– Acho que ele ainda tinha esperanças que você não ficasse com Hasan! – Disse ela olhando-o com pena.
– Nunca dei esperanças a ele, então não me sinto culpada pela sua decepção! – Respondi.
– Nossa! Você não tem coração? – Demétrius me olhava com uma expressão debochada no rosto. Apenas sorri, já que não tinha nada a dizer sobre isso, fiquei com pena de Tayman, mas realmente não dei nenhum sinal de que tinha algum interesse nele.
Alguns minutos depois, Hasan fez a ancora do navio descer e subimos em um escaler para ir até a praia, o mar perto da praia estava agitado demais, neve pulou do barco e foi nadando até a praia, ela realmente gostava de água. Desembarcamos na praia e caminhamos até uma estrada estreita que subia por entre as pedras e rochas até a parte de trás do templo. Contornamos o templo devagar, observando cuidadosamente se não havia ninguém nos espionando.
O templo por fora ainda parecia em ruinas, Jocelinne havia colocado uma proteção em volta do templo para disfarçar sua aparência, mas se alguém se aproximasse o suficiente, poderia ver tudo restaurado através das janelas. Quando chegamos à porta do templo, tomei um susto tão grande que se estivesse sozinha teria fugido desesperada ladeira abaixo, um dragão azul de cabeça achatada estava deitado perto da entrada do templo e dormia profundamente dentro de uma bolha gigante de água.
– O que seria isso? – Perguntei afastando-me um pouco do animal.
– Um dragão marinho, pela cor das barbatanas é das fendas de Holon, um lugar muito profundo no Mar da Tranquilidade que ninguém pode entrar ou nadar na entrada delas, aquelas águas são ácidas, assim como a saliva desse dragão, ele mistura esse ácido com um jato de água fervente e consegue matar um gigante com um único ataque! – Demétrius se aproximou e tocou a bolha de água, o dragão se mexeu mas continuou adormecido. – É da sua irmã! – Disse ele rindo. – Ela parece gostar de animais exóticos!
– Leona não tem sorte com animais! – Falei lembrando-me de seus bichos que não tiveram sorte nas mãos dela.
Mesmo sendo de Leona, passei bem longe da bolha e abri a porta do templo, entramos devagar para ter certeza de que estava tudo bem. Jocelinne, Arcádius e Lórien estavam na cozinha preparando o almoço. Arcádius abriu os braços e sorriu quando nos viu chegando.
– Mayra sabia que chegariam na hora do almoço! Acabamos de chegar também! – Disse ele vindo até nós e me dando um forte abraço.
– Onde estão os outros? – Perguntei.
– Eirien, Yurin e Ewren estão conversando na biblioteca, Leona, Sally e Mayra estão dormindo no quarto lá em cima, eles chegaram ontem a noite aqui! – Disse ele suspirando aliviado.
– Yurin está aqui? – Perguntei surpresa.
– Sim, eles foram até Pollo buscá-la, mas quando nos juntarmos eles vão nos dar mais detalhes do que se passou.
– Como está Sally? – Tayman ainda parecia entristecido.
– Tay! – Disse uma voz suave atrás de nós. Uma menina estava sorrindo e olhando para Tayman, ela saltou em cima dele o espremendo num abraço.
– Como você está? – Perguntou ele passando a mão nos cabelos loiros dela.
– Estou bem! Tenho um monte de coisas para te contar! – Disse ela sorrindo, Tayman saiu da cozinha carregando a menina no colo.
– Vou ver minha irmã! – Falei, virei as costas e deixei os outros na cozinha com Arcádius. Passei por um corredor e ouvi vozes conversando, andei devagar e parei na porta da biblioteca, vi pelo buraco da fechadura Eirien abraçada a uma jovem muito bonita, as duas pareciam muito felizes em ter se reencontrado, Ewren estava em pé perto das duas e sorria, como ele já sabia de tudo, provavelmente era mais fácil para ele. Parecia que estávamos em um encontro de família para o aniversário de algum parente que víamos pouco. Senti alguém passar a mão em minhas costas e dei um pulo cobrindo a boca para não ser descoberta. Hasan estava de pé atrás de mim, rindo e sacudindo a cabeça.
– Que feio escutando conversa dos outros! – Cochichou para mim.
– Pior é assustar alguém ouvindo conversa dos outros! – Ralhei baixinho enquanto continuava pelo corredor e ia em direção aos quartos. Entrei no mesmo quarto que ficamos da última vez, Leona estava deitada em uma das camas e Mayra na outra, as duas dormiam tranquilamente. Sentei na cama ao lado de Leona, ela se mexeu um pouco mas continuou dormindo.
– Leona! – Chamei colocando a mão gelada por baixo da blusa nas costas dela, ela deu um pulo e Hasan começou a rir.
– Ela me acordava assim todas as manhãs para ir à escola! – Disse ele sentando na cama também, Leona nos olhava confusa, ainda não havia despertado totalmente.
– Isso lá é hora de acordar! – Disse Hasan a apertando em um abraço, senti uma nostalgia, estávamos os três juntos novamente, só faltava Lupine aparecer com uma tigela cheia de pipoca para ser exatamente como era antes, mas a verdade é que estávamos apenas na calmaria antes da tempestade...
– Mantive um dragão marinho voando por quase vinte horas sem descanso para chegar aqui na hora certa, estou exausta! – Disse Leona esticando-se e nos abraçando juntos. Senti seu corpo enrijecer por um instante antes dela fixar seus olhos na flor branca em minha testa e cobrir a boca, ela estava com os olhos arregalados.
– O que foi que vocês fizeram! – Ela estava vermelha e olhava de mim para Hasan, que tinha um sorriso descontraído no rosto.
– Está pedindo os detalhes? – Perguntei brincando.
– Perdão, não pude resistir! – Disse ele com um ar inocente, provocando Leona.
– Vocês são doidos! Muito mais que eu! – Disse ela revirando os olhos e caindo de volta no travesseiro.
– Achei que ela fosse surtar! – Disse à Hasan.
– Eu não sou sua mãe! Não estou aqui para te proibir de fazer o que quiser nem mesmo brigar com você se achar que fez algo errado! Sou sua irmã e sua melhor amiga! Amigas fazem merda, contam uma para outra e fica tudo bem! – Disse ela piscando para mim.
– Está tudo bem para você então? – Hasan puxou-me para seus braços e beijou minha testa.
– Se saírem de cima de mim, estará tudo maravilhoso! – Disse ela sarcasticamente tentando sair debaixo de nós.
Leona:
Hasan e Serena saíram de cima de mim, deixando que me levantasse, me levantei com cuidado, meu corpo inteiro doía por causa das horas em que mantive minha energia fluindo para o Lua, o nome que coloquei no dragão não combinava nada com ele, mas achei bonitinho mesmo assim. Não podia ficar com raiva deles dois, afinal, quando fiz o mesmo com Ewren, a reação de minha mãe me deixou muito chateada. Eles eram livres para fazer o que quisessem, o único problema é que não era a hora certa para Serena perder os poderes e passar a maldição para frente, assim como eu fiz.
Levantei e fiz um gesto para que saíssemos do quarto, já que vovó havia me ajudado com a energia para Lua, e estava exausta também. Talvez devesse pedir uma poção de restauração à Lórien.
Passei pela biblioteca e vi a porta entreaberta, Eirien, Ewren e Yurin estavam ali conversando alegremente. Por mais que quisesse participar, meu corpo doía demais, queria Lórien primeiro. Entrei na cozinha movida pelo maravilhoso aroma de carne assada e fui direto até Lórien, a abracei forte e dei um beijo em sua bochecha, ela devia estar confusa ou até mesmo chateada de Ewren ter guardado o segredo de Eirien por tanto tempo e não ter lhe contado nada. Ela já sabia para que eu estava ali, mal cheguei perto e ela ergueu o frasquinho para mim. O peguei e tomei numa única golada, então comecei a mexer em seu cabelo distraidamente.
– Diga-me, como se sente sendo na verdade, a sobrinha do seu irmão? – Perguntei lhe apertando mais ainda num abraço.
– Acho que é mais fácil aceitar ele como um tio! Irmãos costumam brigar muito, e nós nunca brigávamos, talvez eu já soubesse lá no fundo! – Disse ela com uma voz um pouco tristonha.
– Você ainda é minha cunhada favorita, está bem? Não conta pra Yurin! Ela me mataria, é muito mais forte que Ewren! – Falei rindo baixinho, Lórien riu também.
– Vou te mostrar uma coisa! – Disse ela segurando meu rosto, um de seus olhos ficou prateado e ela tocou minha testa com a sua, demorou um pouco de tempo até que começasse a ver alguma coisa. Medras estava sentado no ancoradouro da casa de Ervie, em duas cestas à sua frente estavam Karin e Nyumun, e em seu colo estava Asahi, pareciam um pouco maiores do que estavam quando saímos de lá, Asahi estava sorrindo para Lórien que estava atrás de Medras, ela tinha seus olhos azuis abertos e olhava intensamente para Lórien.
– Karin tem olhos verdes, Nyumun e Asahi tem olhos azuis, iguais aos do pai! – Disse Lórien para mim quando me soltou.
– Quando foi isso? – Perguntei, estava com tantas saudades, queria pegá-las em meus braços de novo, mas ainda não havíamos terminado por aqui, na verdade ainda ia começar...
– Agora mesmo! Medras estava se preparando para sair, para caçar e ela acordou! – Disse Lórien sorrindo.
– O almoço está pronto! – Berrou Jocelinne fazendo-nos pular para o canto assustadas, éramos todas loucas, talvez ser louca fosse uma herança genética também.
Ajudamos a arrumar a mesa enquanto os outros desciam até a cozinha. Demétrius entrou na cozinha seguido por Moan e encarou Yurin perplexo, algo no olhar dele fez meu estômago revirar incomodado, ele ficou parado por alguns segundos olhando para ela com aquela expressão indecifrável, mas estava com a boca parcialmente aberta, Yurin apenas o olhou de lado, quando Moan puxou o braço dele, Yurin deu um sorriso maldoso de lado e piscou para mim, ela estava com o rosto corado. Vovó vinha arrastando os pés, estava muito sonolenta ainda, nos sentamos em volta da mesa, a comida estava maravilhosa, minha boca estava cheia d’água com o cheiro de Batatas assadas com queijo, carne assada e molho. Vovó parou na porta depois que todos se sentaram à mesa e começou a contar.
– O que está fazendo? – Perguntou Jocelinne a ela.
– Contando, sem mim, seriam treze à mesa, isso dá azar, sorte de vocês que eu estou aqui! – Disse ela sentando-se ao lado de Moan.
Ewren serviu meu prato, colocando uma quantidade suficiente para alimentar feroz ou Amaterasu.
– O que é isso? – Perguntei olhando o prato envergonhada.
– Nem vem reclamar que coloquei muito, porque você come muito mesmo! – Disse ele rindo maldosamente para mim.
– Quando ela ficar gorda, não adianta reclamar! Você incentivou o espírito de glutão que existe nela! – Disse Hasan dando uma risada. – Quando estávamos na terra, ela comia duas pizzas sozinha! – Serena completou para eu ter motivos suficientes para me esconder debaixo da mesa.
– Serena, você está do lado de quem? – Perguntei sentindo meu rosto corar.
– Do lado que estiver ganhando, no momento, do Ewren! – Todos riram. Era divertido estar com eles, como uma reunião de família, só faltava Medras e as bebês aqui para ficar tudo completo.
Depois do almoço, levei comida para Amaterasu e Neve. Todos foram até a sala para levantar as conquistas ou derrotas.
Arcádius estava sentado no sofá de mãos dadas com Jocelinne.
– Antes que comecem a contar os planos... – Lórien foi até o centro e esticou o braço, mostrando a marca das luas. Todos nos unimos a ela, menos Moan, Tayman, Demétrius e Sally. As marcas prateadas formigaram e acenderam, fazendo com que a sala ficasse ainda mais clara.
– Ótimo! Todos ainda são os mesmos! Mas e esses outros aqui? – Perguntou ela apontando para os quatro que ficaram de fora.
– Olhe as mentes deles, assim saberemos quem são de verdade! – Disse Jocelinne, não parecia certo fazer isso logo depois da comida, deveriam ter feito antes, mas pensando bem, a comida me deixou mole e com preguiça, talvez eles estivessem assim também, se fossem espiões, seria mais difícil fugir agora.
Lórien olhou a mente de cada um deles, quando passou pela mente de Demétrius ela revirou os olhos e voltou até nós com o rosto corado.
– Estão limpos, ou quase... – disse ela olhando feio para Demétrius, ele riu, Moan o acotovelou e amarrou a cara. Sabia que era por causa da reação dele a Yurin, queria rir também, mas isso poderia deixar Moan ainda mais irritada.
– Eirien conseguiu que o clã das Dríades se unissem a nos, prometendo a elas que a Sacerdotisa das águas iria converter parte de Lastar em florestas não congeladas para que elas pudessem habitar! – Disse Arcádius iniciando o relatório. – Aristes me passou o comando da Torre das nuvens, os Metamorfos são leais à Eirien, então também poderemos contar com eles, mas não fomos bem recebidos pelos elfos de Gheshira, ao que parece, estão ao lado de Bargon. – Quando ele disse isso o rosto de Eirien ficou vermelho. Yurin a abraçou e esfregou seus braços confortando-a, ela parecia bem mais feliz do que antes dela chegar.
– Consegui ajuda dos Lobisomens e das bruxas do Oeste, parece que alguém mudou o coração de Fuuta, ela foi comigo até o líder das matilhas, que assumiu o lugar de Black Jango, Silistar, acho que foi esse o nome que ela disse, ele concordou em nos ajudar se Fuuta ficasse com ele. – Lórien segurou uma risada.
– Ela aceitou? – Perguntei.
– Digamos que Fuuta gosta dos peludos! – Disse ela rindo. – Não, sério, ela disse que não quer obedecer à metamorfo nenhum e disse que quer um lugar para a filha dela ter liberdade de verdade e não a falsa liberdade que Fairin prometeu. Ela sabe como funciona o coração dos que desejam muito o poder! – Disse Lórien pensativa sentando em silêncio e piscando para mim.
– Consigo invocar os Lich’s... – disse Jocelinne por fim.
– Conseguimos ajuda dos caçadores, dos Salamandras graças à Leona e dos Sereianos, Misannin colocou todos os exércitos dos mares à nossa disposição. – Disse Ewren depois de alguns momentos de silêncio.
– Fora os centauros que Yurin conquistou derrubando o líder deles com um golpe de espada! – Lembrei à Ewren. – E Farahdox, que nos mandou esperar cinco dias, ele viria com ajuda também! – Quando falei de Farah, os olhos de Eirien brilharam e um sorriso espontâneo tomou conta de seu rosto, deixando-a ainda mais linda.
– Conseguimos ajuda dos Vampiros, graças à Serena, ela fez a besteira de dar o sangue dela à Marglan! – Disse Hasan parecendo frustrado.
– O que? – Quase gritei. Todos estavam olhando espantados para Serena, que se encolheu atrás de Hasan.
– Ela o amaldiçoou também, caso não cumprisse com sua palavra e nos deixar na mão! – Hasan olhava feio para Serena escondida atrás dele.
– Você é louca? – Jocelinne gritou – Não se usa maldição contra alguém como ele!
– T-tudo bem, a maldição só se concretizará se ele não vier ao nosso auxílio!
– Serena, se a batalha acontecer de dia, como eles virão? Acha que ele pediria para os vampiros virarem pó? – Arcádius parecia tão frustrado quanto Hasan e Eu.
– Com isso não precisa se preocupar, só Aries estará no céu nessa hora! – Disse Hasan com um sorriso maldoso no rosto. – Gigantes ficam mais fracos no frio! – Acho que sou um gigante encolhido!
Arcádius deu um suspiro e olhou para cada um de nós.
– Nós precisamos tirá-lo rapidamente do castelo de cristal, serena achou a sala dos espíritos! – Disse Ewren para ele.
– A sala dos espíritos? Ela realmente existe? – Arcádius estava surpreso olhando para Serena.
– Sim, tem milhares de árvores genealógicas lá... – Arcádius andou até ela e segurou seu rosto.
– Pode me mostrar? – Perguntou ele encarando-a intensamente.
Serena olhou para Jocelinne, para mim e finalmente assentiu. Arcádius tocou em sua testa e ela lhe passou suas memórias. Vi a expressão tranquila dele passar para preocupada e depois para angustiado. Ele soltou Serena e sentou-se pesadamente no sofá ao lado de Jocelinne.
– O que foi? – Perguntou ela olhando-o preocupada.
– Se Fairin descobrir aquela sala, ele vai saber sobre as filhas de Leona. – Respondeu ele com a voz rouca.
– Onde fica essa sala? – Perguntou Eirien.
– Dentro da biblioteca de medicina, aquela que fica dentro da enfermaria. – Ele respirou fundo e olhou para Jocelinne. – Você não pode tentar matar Fairin, ele já tem o sangue de Serena, não é o que ele queria, mas já o deixou mais forte que você! – Disse Arcádius para ela, tentando omitir a parte sobre parentesco deles.
– Fora o fato de que se ela tentar matá-lo, ela vai morrer! – Disse Hasan esticando-se no chão ao lado de Serena.
– O que? Do que está falando? – Perguntou ela confusa.
– Hasan tem razão, Fairin, Arcádius e Aristes são seus irmãos, Jocelinne! – Ewren falou calmamente. Jocelinne começou a respirar com dificuldade e desmaiou, Arcádius a segurou e olhou feio para Hasan e Ewren.
– Muito obrigado! – Resmungou ele através dos dentes.
– Ela ia saber de um jeito ou de outro, melhor saber agora do que tentar matar Fairin achando que ele só está mais forte que ela e acabar como Lupine e Arin! – Demétrius não tinha sentimento algum para falar das pessoas, Moan o acotovelou novamente.
– Não se preocupe, ela não vai querer fugir de você só por isso! – Disse Mayra esticando-se na cadeira também. – Além de filha de Fairin, eu sou sobrinha também, que família mais unida! – Disse ela sarcasticamente, Jocelinne foi recobrando a consciência aos poucos, ela ainda parecia muito confusa, nos olhou e depois se retirou da sala rapidamente subindo as escadas para os quartos. Arcádius seguiu-a com os olhos, uma expressão entristecida havia tomado seu rosto.
– Então temos as bruxas, os salamandras, os vampiros, lobisomens, sereianos, metamorfos, dríades e centauros, contra os Yetis, Gigantes, elfos, silfos, Aswangs e todas as outras criaturas sombrias escondidas em Amantia.
– Eles estão com dois dos maiores exércitos, fora a grande quantidade de sombrios que se unirão à Fairin! – Demétrius bufou.
– Temos que tentar chegar à Fairin com o menor número de confrontos possível! – Disse Moan pensativa.
– Se estão contra nós já se mostram traidores! – Murmurou Eirien do outro lado da sala.
– A grande maioria não sabe a verdade, mãe, eles precisam de uma chance para entender o que está acontecendo! – Ewren falou.
– Mas até saberem a verdade, eles virão para cima de nós de qualquer maneira! – Concluiu Yurin.
– Agora que não temos mais a vantagem do poder de Jocelinne, o que faremos? – Perguntou Arcádius olhando distraidamente para as escadas.
– Eu vou tirar os poderes dele! – Falei. Todos olharam para mim como se eu tivesse dito uma grande bobagem.
– Como vai fazer isso! Você vai ter seu poder reduzido se tentar atacá-lo e se mesmo assim insistir, vai perder parte de seus poderes se conseguir destruí-lo ou retirar os poderes dele! – Disse vovó quase aos berros.
– De que vai me adiantar meus poderes se ele dominar tudo? Se ele encontrar Karin e conseguir o poder dela? Ele não vai nos poupar se conseguir o poder dela sem minha ajuda. Ele não vai poupar ninguém que possa tentar impedi-lo! Ele não está mais se importando, se ele conseguir o poder do sangue de Karin, ele vai poder nos matar facilmente, não o fez ainda por que precisa de meu poder! – Falei. – O dela, na verdade, mas ainda não sabe!
– Eu não vou deixar você enfrentá-lo sozinha! – Ewren falou num tom grave, quase como uma ameaça.
– Vai sim! Eu sou sua mestra não sou? Eu sei o significado dessa corrente! – Falei mostrando a corrente prateada que brilhava em seu braço – Li sobre o elo de um guardião com seu mestre, você não pode me impedir se eu quiser! E parece que essa é a única maneira!
– Eu posso enfrentá-lo sem correr qualquer risco! – Disse Hasan interrompendo-me.
– Você não vai fazer nada, Hasan! Seus pais interfeririam! Não vou pedir que as pessoas se sacrifiquem por nós! Nellena, Arin e minha mãe já morreram, Áries perdeu sua forma física por minha causa, ela ia matar Fairin, mas a impedimos! Não vou esperar mais ninguém morrer para tomar alguma atitude! – Falei levantando-me para sair da sala, sai sob o olhar profundamente zangado de Ewren. Amaterasu me seguiu para fora do templo e foi comigo até o início da floresta, onde sentei numa raiz grossa da árvore de flores vermelhas que ficava de costas para o templo. Fiquei ali em silêncio com Amaterasu apenas escutando o vento cantando contra as árvores, fazendo a grama vermelha dançar com um baixo farfalhar.
– Eles acham que não sou capaz, você acha isso também? Acha que vou ter medo? – Perguntei a ela depois de um longo tempo em silêncio. Amaterasu espirrou e colocou sua cabeça pesada em meu colo.
– Ninguém disse que você não é capaz! Eles só estão com medo de perder você também! Principalmente seu guardião, você o magoou muito, sabia? – Demétrius chegou em silêncio e sentou-se perto de mim.
– Ele quer sempre mandar em mim...
– Você sempre se machuca quando ele não está por perto, talvez ele pense que se deixar você enfrentar Fairin, você se machuque novamente, ou pior que isso. Ele já perdeu alguém e não está disposto a perder você também!
– Não posso deixar Fairin pegar minhas filhas! – Falei deixando as lágrimas escorrerem pelo meu rosto. Demétrius passou um braço ao redor de meus ombros.
– Nós vamos estar com você! Só precisa aceitar a nossa ajuda, nem suas filhas você conseguiria fazer sozinha então pare de ser tão orgulhosa e achar que precisa acabar com ele sozinha, isso não é pessoal! Ele não sacaneou só a sua família, me admira muito aquela bruxa ainda estar do lado dele depois de tudo que ele fez com ela!
– Tem gente que se contenta com pouco! – Disse Moan aproximando-se de nós e sentando ao meu lado também e me dando um lencinho.
– Obrigada... – falei limpando o rosto e respirando fundo.
– Não me agradeça ainda, quando tudo isso acabar, quero dormir uma noite inteira de sono profundo e reparador sem medo de morrer dormindo! – Moan suspirou e começou a rir.
– Você é mais doida que eu! – Falei.
– Nem de longe! – Disse ela sorrindo. Ewren e Lórien vinham também do templo até nós, Demétrius acendeu uma fogueira e ficamos todos em volta dela. Ewren sentou do outro lado com Lórien e ficava me encarando as vezes, acho que se ele pudesse, teria me dado uns tapas, mas seu modo favorito de me punir era ficar em silêncio e me mostrar o quanto eu estava errada deixando que pensasse no que fiz.
– Isso é para você Leona! Só não coloquei uma pena ainda, só você escolher uma, colocar na poção e beber! – Disse Lórien entregando-me um frasco com um líquido transparente dentro. – Poção de asas!
–Obrigada Lórien! – Sorri para ela e guardei o frasco no bolso de meu cinto.
– Então, algum plano para o que fazer agora? – Perguntou Lórien.
– Arcádius vai enviar recados a todos que aceitaram se unir a nós, em menos de sete dias estaremos tomando o castelo de cristal! – Disse Hasan aproximando-se com Serena também;
– Jocelinne se trancou no quarto com Arcádius, acho que ela não aceitou nada bem sobre ele ser meio irmão dela! – Disse Serena sentando-se abraçada com Hasan. Era estranho ver os dois juntos, ele era meu irmão e ao mesmo tempo não era, Serena era minha melhor amiga que na verdade era minha irmã...
– Uma hora ela vai aceitar! – Disse Moan colocando mais alguns gravetos no fogo. – Todos temos que aceitar nossas origens, para lutar pelo nosso destino, se não lutaríamos sem um sentido.
11
Alvorecer
Sombrio
As chamas crepitavam na fogueira a nossa frente, o ar gelado da noite trazia os aromas das folhas se decompondo no chão da floresta e o cheiro de terra úmida. O céu forrado de estrelas parecia ainda mais bonito essa noite, mas algo me incomodava, sentia um aperto incomum no peito. Ewren também parecia incomodado, disfarçando entre as pausas da animada conversa em volta da fogueira ele me encarava como se pudesse sentir a angustia que eu sentia, mas não sabia explicar, queria ir até ele e abraçá-lo e pedir desculpas, mas ia esperar nos recolhermos para isso.
Um estrondo no céu, como um trovão ininterrupto fez a terra tremer.
– O que foi isso? – Perguntei assustada ficando de pé. Um clarão no céu nos fez olhar ao mesmo tempo para o mesmo lugar. Um círculo gigante havia se aberto no céu, mostrando-nos um mundo coberto de neve, e milhares de bolas peludas brancas começaram a passar pelo portal voando em estanhas aves gigantes, passando por cima das florestas e indo em direção à Mantum.
– Um portal de Vegahn! Abriram um portal do mundo de gelo para cá, Fairin conseguiu aliados lá! – Disse Moan assustada agarrando o braço de Demétrius.
– São Yetis? – Perguntei.
– Sim, Yetis e Fermans, aves que se alimentam apenas de seres marinhos! – Disse Demétrius dando uma risada debochada. – Parece que ele já tem planos contra a aliança com os sereianos e contra os vampiros! – Demorou uns cinco minutos para o portal finalmente se fechar. Depois que ele se fechou, outro se abriu no céu ainda mais próximo de Mantum e desse começaram a sair monstros parecidos com arraias gigantes voando.
– Agora ficou um pouco mais sério! – Disse Moan mudando a cor de seus olhos e os estreitando.
– Sereianos de Evenox? – Perguntou Ewren.
– Sim... – disse ela olhando para nós preocupada. – Tem uma energia muito forte se aproximando do portal de lá para cá! – Disse ela encarando-me de modo estranho, comecei a sentir uma leve vertigem e tive dificuldade de respirar.
– Leona? – Lórien se levantou para vir até mim, mas antes que desse um passo ela virou os olhos para trás e caiu no chão desacordada.
– Lórien! – Gritei, Amaterasu deu um pulo ao meu lado e começou a rosnar com o pelo eriçado. Lórien estava no chão, caída em uma posição estranha, de repente seu corpo começou a ficar avermelhado num tom igual de barro molhado e se desmanchou.
– Ela está morrendo no outro mundo! – Disse Ewren colocando a mão no montinho de barro que havia sido Lórien minutos atrás. Automaticamente comecei a ir até o templo, queria me comunicar com Medras em Evenox e iria pedir ajuda a Arcádius, quando uma coluna de luz azul se acendeu no meio do caminho para o templo e apareceram algumas pessoas lá. Corri até eles reconhecendo Medras com dois rolinhos nos braços e Feroz que apoiava Lórien que estava segurando seu cetro na mão, ela caiu na grama quando nos viu.
– Medras! O que aconteceu! – Cheguei perto dele pegando as bebês de seus braços.
– Leona, sinto muito! Eu não estava perto delas! Eu não pude fazer nada! – Disse ele abaixando ao lado de Lórien e a segurando.
– Medras, onde está Karin! – Olhei as marquinhas douradas na testa de Nyumun e Asahi, Ewren se aproximou com Serena e tiraram as crianças do meu colo enquanto eu olhava sem reação para Lórien morrendo e Medras desesperado segurando-a.
– Ervie nos traiu, ela estava ao lado de Fairin o tempo todo, quando viu que deixei Lórien sozinha com as crianças ela a atacou pelas costas e desapareceu com Karin, me perdoe! Eu não devia ter deixado elas a sós! – Minha cabeça fazia um som estranho, um zumbido alto ecoava em meus ouvidos e parecia que minha visão estava manchada de vermelho.
– Serena, cure Lórien, por favor... – não sei como minha voz saiu, não conseguia escutar minhas próprias palavras. Pude ver Ewren esticar a mão em minha direção no exato momento em que fiz minha lança aparecer com o dobro de seu tamanho normal e segurei o pelo de Amaterasu. Escutei sua voz ao longe “Leona, não!” Mas a luz do teleporte já havia me coberto.
Apareci no pátio do castelo de cristal, haviam dois guardas na porta da entrada principal que tentaram me atacar assim que eu me aproximei. Amaterasu arrancou a cabeça de um deles enquanto eu girava a lança e partia o outro no meio, não sentia nada, nenhuma emoção e era como se meu corpo não fosse controlado por mim só queria achar Fairin e Ervie e arrancar suas cabeças por terem colocado suas mãos em minha filha. Montei em Amaterasu e corremos castelo adentro derrubando e matando todos os guardas em nosso caminho, minhas marcas douradas estavam em um tom vermelho sangue, em minha boca tinha um estranho gosto amargo enquanto eu corria e simplesmente eliminava qualquer obstáculo em meu caminho.
Não sabia onde eles estavam e não queria perder tempo vasculhando o castelo. Sabia o que Veruza faria, a levaria para algum dos mundos que o tempo passasse bem rápido e só traria minha filha de volta quando ela já estivesse na idade certa, para que Fairin pudesse roubar seu sangue, pensar nisso me deixou ainda mais furiosa.
– Encontre-os Amaterasu! – Pedi, seu pelo brilhou e ela começou a correr rapidamente até a escadaria estreita até a torre principal, subimos rapidamente, a porta da torre estava fechada por um lacre, desmontei dela e andei em direção a porta para abri-la.
– Olha quem apareceu, finalmente! – Disse Guinn entrando em meu caminho.
– Saia da minha frente, ou eu vou matar você! – Falei num baixo rosnado.
– Sabe, descobri uma coisa interessante... você já tem três filhas! E mesmo assim, aquele dia ficou em silêncio quando eu me aproximei de você... – ele andou em volta de mim lentamente com um sorriso no rosto, seu olho direito estava coberto por um tapa olho. Dei um passo à frente ignorando-o ele entrou na minha frente novamente com a espada erguida.
– Se tentar me impedir eu vou cumprir minha promessa e vou matar você... – ameacei erguendo a lança e encarando-o.
– Você queria que eu te tocasse? – Disse ele num tom de zombaria mexendo em meus cabelos, o ódio que sentia começou a pulsar como uma febre que começa a aumentar repentinamente. – Você queria que eu te possuísse, não é? Queria sentir o mesmo que as outras sentiram, não conseguiu resistir, é por isso que estava tão submissa! – Ele estava rindo. Estava achando que minha relutância em o atacar é por que eu tinha algum interesse nele.
Comecei a rir, antes que ele abrisse a boca novamente eu o ataquei, girando a lança que passou a milímetros de sua garganta, ele fez correntes de prata surgirem do chão e virem em minha direção, mas destruí as duas em um único ataque da lança. Ele encarava-me espantado, girei a lança novamente, mas quando ele pulou para meu lado tentando desviar, segurei o centro da lança transformando-a em uma adaga e com um rápido movimento deslizei a fina lâmina em sua garganta. Guinn caiu deitado no chão, cobrindo o corte com a mão tentando curá-lo. Sentei sobre seu peito prendendo seus braços com as pernas.
– Eu disse que ia te matar... Pena que não vai ser da maneira que eu gostaria, queria te fazer sofrer bastante, mas agora eu tenho muita pressa! – Falei segurando a adaga novamente e espetando-a debaixo do seu queixo até a outra ponta da lâmina perfurar o tapa olho que ele usava e fiquei observando-o cuspir sangue até que ele parou de tentar respirar e sua pele mudou de cor, ficando um tom marrom. Sua morte fez uma estranha onda de prazer invadir meu corpo. Fiquei de pé transformando a lâmina novamente em lança e removendo a magia que lacrava a porta.
Dentro da sala da torre vi Fairin com os braços erguidos sobre uma bolha prateada, Ervie segurava Karin e Veruza estava do outro lado da bolha enviando energia para ela.
– Você... como você teve a coragem de me trair? – Perguntei apontando um dedo a Ervie, ela me olhava espantada com Karin adormecida em seus braços, ela olhou assustada de mim para Fairin que também me olhava espantado.
– Por que não me disse que tinha três filhas? Podia ter me poupado da cena aquele dia! – Disse Fairin tentando desviar minha atenção do portal que abriam para tirar Karin de Amantia.
– Acha mesmo que ia dizer isso a você? – Gritei apertando a lança com as mãos.
– Onde está Guinn? – Perguntou ele olhando por cima do meu ombro e vendo o corpo de Guinn caído atrás de mim. – Ah, Leona! Não precisava disso! Mas vou te dar uma outra chance, junte-se a mim, eu prometo a você que não farei mal a ninguém que você ama! – Disse ele se afastando do portal e andando lentamente até mim com as mãos levemente erguidas. Não tirava os olhos de Ervie e Karin, a raiva pulsava em meus ouvidos, sentia um estranho desejo de retalhar todos naquela sala e tomar minha filha deles à força. – Você é perfeita! É a mais forte dentre todas da sua família e não tem pena de ninguém! Matou todos os meus guardas e até mesmo Guinn só para chegar até aqui e salvar sua filhinha! Então você não tem medo de enfrentar o que for para conseguir o que quer, você é igual a mim! – Disse ele esticando a mão e tocando meu rosto.
– Não pode estar falando sério! – Disse Veruza olhando-o espantada. Ele fez um movimento com a mão para que ela se calasse.
– Eu não vou me unir a você, eu vou destruir você! – Gritei, mas Veruza agora estava perto de Ervie com uma lâmina na mão aproximando-a de Karin. Ergui a lança, Fairin fez um escudo brilhante de energia aparecer, mas o destruí facilmente com o peso do golpe de minha lança e abri um corte que ia do braço de Fairin até sua cintura, porém foi superficial e não foi forte o suficiente para impedi-lo de se mover, ao mesmo tempo que eu o atacava, Amaterasu saltou por cima de meu ombro pulando em cima de Veruza. Foi como se tivesse perdido os sentidos, entrando em um modo automático, movi minhas mãos rapidamente fazendo uma proteção aparecer ao redor de Karin, o que fez uma corrente elétrica derrubar Ervie com um terrível choque.
Veruza mantinha Amaterasu afastada poucos milímetros de seu rosto com um bastão que estava prestes a ceder sobre o enorme peso de Amaterasu, Fairin assustado vendo a morte iminente de Veruza, transformou o próprio cajado em um dardo e o atirou conta Amaterasu, o dardo atravessou suas costelas ela ganiu e caiu para o lado contorcendo-se.
Alcancei Karin e a segurei com um braço enquanto virava-me para Fairin com a lança na mão, ele olhou em meus olhos, sabia que não sairia dali com vida, ignorei completamente seus poderes e ele parecia totalmente ser reação diante de mim, ergui a lança, iria atravessar a grossa lâmina da lança em seu peito e acabar com tudo aquilo de uma vez, porém Amaterasu deu um uivo fraco e dolorido distraindo-me, essa foi a brecha que ele ansiava para poder escapar.
Fairin segurou Veruza e saltou pela janela da torre desaparecendo na escuridão da noite. Ervie estava encolhida no chão segurando os joelhos e com lágrimas nos olhos, caminhei lentamente até ela segurando a lança firmemente na mão. Podia ver o medo em seus olhos, o pavor que ela tinha, não sentia nenhuma pena só queria arrancar-lhe a cabeça por ter me traído de forma tão cruel, tão suja!
– Você entregou minha filha para ele usá-la! – Gritei, minha voz saiu de mim como um trovão antes de uma tempestade, ela se encolheu ainda mais contra a parede, Karin começou a chorar em meu colo, assustada pelos meus gritos. – Uma criança, um bebê!
– Me desculpe! Por favor não me mate! – Implorou ela ajoelhando-se e colocando sua cabeça perto de meus pés. Afastei-me dela, meu corpo inteiro tremia a única coisa que me impedia de surtar e matar Ervie era o pequeno embrulhinho em meus braços, a salvo, ela estava a salvo! O ganido de Amaterasu fez uma onda de choque passar por meu corpo e uma dor terrível me consumiu como se eu estivesse morrendo. Prendi Ervie ao chão com correntes de prata, naquela posição ajoelhada que estava com a cabeça no chão, coloquei Karin ainda chorando assustada em um cesto que fiz aparecer no chão e o cobri com uma barreira e andei lentamente até Ervie.
– Não teve pena dela, de mim, de Lórien, por que eu teria pena de você? E por sua causa minha Guardiã está morrendo! – Gritei transformando a lança num machado e erguendo-o para o alto.
Ewren:
Havíamos chegado ao pátio do castelo de Cristal a poucos segundos e o cenário era assustador, corpos de soldados espalhados por todos os lados, partidos ao meio, alguns desmembrados e outros parcialmente rasgados a dentadas, meu estômago embrulhou ao imaginar Leona fazendo aquilo. Amaterasu e Leona abriram caminho do jeito mais difícil. Medras, Serena e eu seguimos o rastro de morte deixado por elas, Demétrius, Moan, Hasan e Yurin ficaram para trás, impedindo que os outros guardas nos alcançassem. Subi as escadas direto até a torre central, de lá que vinha a entranha energia maligna que sentíamos ao chegar no castelo.
A energia mais forte que sentia era essa energia maligna, a energia de Leona havia desaparecido junto com a de Karin. Ao chegar na sala principal da torre a cena me deixou preocupado, Guinn estava morto no chão perto da porta que levava para a sala de observação, entrei na sala correndo com a espada na mão e o que vi me deixou chocado. Leona estava com seus cabelos prateados manchados de sangue e suas marcas estavam em um tom grafite, quase mudando para o negro e já não tinham brilho algum, ela segurava um machado erguido sobre Ervie, Karin chorava em um cestinho coberto por uma barreira tão ofensiva que se eu a tocasse, provavelmente morreria e Amaterasu agonizava no chão perto de um portal parcialmente aberto.
A energia maligna que sentia vinha de Leona. Não é a minha Leona! Era para isso que Fairin havia passado minhas memórias para ela, ele queria uma arma!
– Leona! – Gritei saltando rapidamente para trás dela e segurando seus braços, impedindo-a de matar Ervie. Ela se soltou facilmente do meu aperto e girou o machado em minha direção, não podia pará-lo, apenas desviei rapidamente para o lado, os olhos de Leona estavam em um tom de vinho e ela tremia. Enquanto ela brandia o machado contra mim, distraída demais para perceber Demétrius chegar por trás dela e cravar suas garras em seu pescoço, ela ficou mole e soltou o machado, caindo de joelhos no chão.
– O que você fez? – Gritei com ele.
– Calma! É veneno de paralisia instantâneo, perde o efeito em alguns segundos! Seja rápido ou ela vai se levantar e tentar nos matar de novo! E garanto a você que dessa vez ela vai conseguir! – Disse ele para mim, olhando assustado as marcas de Leona passando para uma cor ainda mais escura, Serena andou até o cesto onde Karin estava.
– Cuidado, você pode morrer se tocar na barreira que ela fez! – Avisei, mas Serena nem ao menos olhou para mim, ela colocou suas mãos sobre a barreira, parecia que havia levado um choque, mas simplesmente cerrou os dentes, suas marcas brancas se acenderam e a barreira começou a ceder aos poucos até desaparecer completamente, ela pegou Karin no colo e se levantou.
– Saia daqui com ela antes que Leona recobre a consciência! – Disse Demétrius a ela, mas Serena revirou os olhos e veio em nossa direção.
– O que é que te acalma quando está nervoso? – Perguntou ela para mim enquanto encaixava Karin cuidadosamente nos braços de Leona e apertava levemente as duas juntas. A luz da orquídea verde de Karin aumentou quando ela foi colocada sobre Leona e começou a pulsar. As marcas de Leona começaram a mudar de cor, passando do grafite para o cinza e logo depois voltando ao lilás e retomando seu brilho, seus olhos aos poucos voltaram ao lilás também, até ficarem verdes e as marcas se apagarem, ela recobrou a consciência, quando viu Karin em seu colo começou a chorar abraçada nela.
– Mais um pouco, ela teria se tornado uma maga negra! Ai nem precisaríamos de Fairin para dominar Amantia, não ia sobrar nada para ele dominar depois que Leona destruísse os Mundos! – Disse Demétrius parecendo aliviado.
– Não está ajudando! – Ralhei. – Vá ajudar os outros a espantar os guardas! – Demétrius ergueu os braços e saiu pela porta.
– Muito obrigada! – Disse Ervie deitada de lado no chão aos prantos. Olhei-a e abracei Leona e Karin para me impedir de matá-la também.
– Não me agradeça, traidora! Só impedi que Leona a matasse pois ia perdê-la se deixasse ela te matar! – Cuspi as palavras enquanto ela se arrastava para longe de mim. – Medras! – Chamei, ele entrou pela porta segurando sua lança nas mãos. – Acha que ela merece perdão? – Perguntei debochando dela. Ervie apertou os joelhos novamente e se afastou de nós.
– Está mesmo me perguntando isso? Levei quase mil anos para conquistar sua irmã e ela quase a matou e ainda entregou sua filha para Fairin! – Disse ele olhando para Ervie com seus olhos vermelhos brilhando no escuro da sala, um sorriso sádico tomou seu rosto enquanto encarava Ervie. – Me acerto depois com Jocelinne, prometo!
– É toda sua! – Falei, Medras sorriu e arrastou Ervie que gritava por socorro para fora da sala. Leona entregou-me Karin e foi até Amaterasu, que estava choramingando baixinho no chão, Serena pegou a espada e destruiu o portal que Fairin quase havia aberto para fugir com minha filha. Leona segurou cuidadosamente a cabeça de Amaterasu, colocando a sobre seu colo ela segurou a lâmina de sua lança contra sua mão.
– Não vai conseguir curá-la com seu sangue, Leona, ela já é sua guardiã seu sangue não tem mais efeito no corpo dela! – Disse gentilmente me aproximando delas. – Sinto muito! – Falei tocando seu ombro, lágrimas começaram a descer de seus olhos enquanto ela afagava a cabeça de Amaterasu carinhosamente.
– E Serena? – Perguntou ela olhando para Serena, seus olhos estavam assustados como de uma criança vendo um bichinho morrer.
– Só adiantaria se ela tivesse o sangue puro ainda, aí transferiria a guardiã para ela. – Respondi. Leona fechou os olhos e abraçou Amaterasu.
– Me desculpe por te trazer comigo, menina boa! – Disse ela com a voz trêmula e o corpo frágil encolhido sobre o enorme corpo de sua guardiã. Amaterasu chiava baixinho, bolhas de sangue e ar saiam pelo seu nariz e boca enquanto ela lutava para respirar.
– Leona... – Serena tentou ajudá-la, mas eu a impedi.
– Um laço de um guardião com seu mestre é algo único, quando o guardião morre, o mestre sente como se uma parte de sua alma morresse também. – Expliquei a ela.
– O que acontece quando o mestre de um guardião morre então? – Perguntou ela encarando-me angustiada. Só de imaginar uma parte da vida dela cedida a mim desaparecendo, fez-me encolher.
– É algo que desejo nunca passar, não tem nem como descrever em palavras essa dor. – Leona estava em silêncio acariciando o focinho de Amaterasu.
– Eu estou aqui, vou estar aqui até o fim está bem? Menina linda e corajosa que me salvou tantas vezes! A única vez que você precisou de mim, eu não pude te salvar! – Disse ela chorando e deitando a cabeça na frente do focinho de Amaterasu, que lambeu-lhe o rosto marcando-o de sangue antes de dar um último e fraco uivo, seu pelo perdeu o brilho e ela diminuiu de tamanho, ficando do tamanho de um Waheela normal. Leona abraçou-a e começou a chorar ainda mais alto.
– O castelo e a cidade de Alamourtin foram completamente tomados! – Disse Yurin entrando na sala sorrindo, seu sorriso desapareceu ao ver Amaterasu no chão e Leona agarrada a ela.
– Levem Karin para um dos quartos lá de baixo e avisem aos que ficaram no templo sobre a ocupação do castelo. – Falei para elas, que saíram silenciosamente com a bebê no colo.
Aproximei-me lentamente de Leona e afaguei seus braços.
– Ela podia estar viva ainda Ewren, se não tivesse dado meu sangue a ela... – disse ela limpando os olhos – Ela me salvou tantas vezes, no fim eu não fiz nada, nem para amenizar sua dor, e ela lutou ao meu lado até o final! – Ela escondeu seu rosto com as mãos e eu a segurei, não sabia como reagir, como confortá-la.
– Vou pedir para que acendam a pira para ela! – Falei levantando-a, encolhendo Amaterasu e pegando-a no colo. Leona apenas balançou a cabeça e limpou os olhos novamente. Descemos devagar até o pátio, Medras e Demétrius haviam retirado todos os corpos espalhados pelo castelo e algumas serventes agora limpavam as manchas de sangue. Leona não tirava os olhos do corpo de Amaterasu até chegarmos à pedra no pátio principal, antes que pudesse colocá-la na pedra, Leona a tirou do meu colo.
– Não, prefiro fazer outra coisa! – Disse ela andando até a entrada lateral do castelo.
– O que vai fazer? – Perguntei.
– Quero enterrá-la igual enterrava meus bichinhos quando eles morriam! – Respondeu ela fazendo um pano aparecer e enrolando o pequeno corpinho nele. A peguei no colo, abri as asas e voei até a floresta, perto da cachoeira que descia do jardim do castelo. Coloquei Leona no chão, ela andou até uma clareira no meio da floresta, transformou seu pingente em uma pá e começou a cavar.
– Quantos bichos você teve? – Perguntei depois de vê-la cavar uma cova perfeitamente quadrada, ela deu um sorriso triste.
– Meus gatos sempre morriam atropelados ou envenenados. – Disse ela parando para olhar a profundidade da cova.
– Nunca tentou ter outro tipo de animal? – Perguntei.
– Oito gatos, três cachorros e um porquinho da índia! – Disse ela tornando a cavar.
– Todos morreram da mesma forma?
– Não, um dos cachorros fugiu, o porquinho da índia foi comido por um dos gatos, Pantufa, ele engasgou enquanto comia o porquinho e morreu também! – Isso era engraçado, teria rido se ela não estivesse tão abalada com tudo que havia acontecido.
– Depois disso você desistiu de ter animais, não foi? – Perguntei. Ela me olhou séria e se apoiou na pá.
– Ganhei uma caturrita de presente de Serena... – disse ela colocando o embrulho dentro do buraco e começando a cobri-lo com terra novamente. – Ela achou que um bichinho de gaiola não poderia ter o mesmo destino, mas eu odiava gaiolas...
– O que houve com a caturrita? – Perguntei vendo que ela havia ficado em silêncio.
– Eu a domestiquei, e deixava ela solta pela casa, ela só ia para a gaiola de noite. Um dia cheguei da escola com pressa, joguei minha mochila por cima do sofá da sala e corri para a cozinha para almoçar. Lá pelo final da tarde senti falta de cocota, esse era o nome dela, minha mochila estava pesada e cheia de livros, quando fui pegá-la notei um bolinho de penas debaixo da mochila.
– Você matou ela com uma mochilada? – Perguntei incrédulo com o azar dela. Leona me encarou com os olhos cheios de lágrimas.
– Hasan implica comigo até hoje, dizendo que fiz patê de caturrita... – ela terminou de tampar o buraco e se sentou ao lado do montinho de terra.
– Pelo menos você ainda tem Feroz, espero que ele esteja fora da sua maré de azar! – Falei tentando fazê-la rir. Leona abaixou a cabeça e começou a chorar novamente. Não podia acreditar que tinha realmente dito aquilo. Idiota! – Me desculpe, não foi isso que quis dizer, só queria te fazer sorrir! – Falei, ela encostou a cabeça em meu ombro, passou as mãos sobre o montinho de terra fazendo crescer uma pequena quantidade de grama e um brotinho de árvore.
– Um dia, aqui vai ter um Ipê bem bonito, e vou trazer Karin, Asahi e Nyumun para brincarem aqui! – Disse ela passando os dedos suavemente sobre as folhas novas do broto. – Adeus minha amiga peluda, que veio até mim e se foi muito rápido, mas que vai deixar uma pegada em meu coração... – sussurrou ela baixinho para a terra.
– Leona, temos que ir, os outros já devem estar no castelo! – Ela acenou com a cabeça, peguei-a no colo e voamos de volta ao castelo em silêncio, Leona olhava tristemente para baixo. Agora tínhamos pouco tempo até Fairin vir atrás de nós novamente.
– Me desculpe, você estava certo. Eu devia ter matado Veruza naquele dia em Gheshira! Se tivesse feito isso já estaríamos todos em paz e ela não teria morrido! – Disse Leona enquanto sobrevoávamos a torre leste do castelo. – No fim das contas eu sou mesmo igual a ele, não sou?
– Não diga uma bobagem dessas! Você não é o tipo de pessoa que sacrifica a vida dos outros para fazer a sua vontade. – Falei. – Não acredite nele, você não é igual a ele, nunca será!
– Me desculpe por dizer aquelas coisas a você, eu preciso de você ao meu lado, sem o seu apoio eu não sou nada! – Disse ela abraçando-me forte.
– Nós todos precisamos uns dos outros, mas não se subestime, o que você fez, talvez ninguém conseguiria fazer, até agora, nem Jocelinne, nem Mayra nem mesmo sua mãe conseguiram proteger suas filhas do modo que você fez!
– Elas estavam em desvantagem! Não sabiam que Fairin estava por trás disso! Eu sei.
– Mesmo assim! Nenhuma delas quis lutar ou ir a fundo para quebrar a maldição, e te garanto que teria sido bem mais fácil logo no começo quando Fairin não tinha todo esse poder! – Falei tentando fazê-la se sentir melhor, mas disse apenas a verdade.
Descemos na torre central e fomos direto para os quartos, o castelo estava limpo, sem danos como se nada nunca tivesse acontecido. Eirien, Yurin e Serena estavam em um dos quartos ninando as bebês, Lórien dormia na cama, estava cansada com um ferimento recém curado e parecia um pouco mais magra e abatida que o normal. Feroz estava deitado ao lado dos berços como se ainda os vigiasse, não resistiu ao ver Leona saltou sobre ela derrubando-a ao chão e colocou sua cabeça sobre seu peito.
– Também senti sua falta! – Disse ela com dificuldade coçando suas orelhas. Dei um tapinha em sua cabeça para que saísse de cima dela. Leona foi até Yurin que segurava Karin e abraçou as duas.
– Não sei o que teria feito se ele tivesse a levado embora! – Disse ela colocando o rosto junto ao rosto de Karin.
– As outras duas são parecidas com Ewren, essa se parece com você! – Disse Yurin para Leona.
– Nós não temos muito tempo, não é? – Serena olhava distraída pela janela.
– Ele vai estar aqui em poucos dias com o exército que reuniu. Trouxe um grande exército de Yetis, Fermans e Sereianos de Evenox. Isso vai complicar, agora eles estão em maior número e mais fortes que nós.
– Posso conseguir ajuda dos Venox! – Disse Hasan entrando no quarto.
– Os caçadores de Ciartes? – Perguntou Yurin surpresa. – Não acho que eles nos ajudariam! Dizem que os Salamandras de Ciartes mantinham humanos como escravos e que só os libertaram para que lutassem como Venox também!
– Eu sou um Salamandra também, filho de dois dos três sóis que regem o planeta deles, e eles tem um apreço muito grande por Metamorfos, se puder Levar Leona para Ciartes...
– Amantia e Ciartes não têm uma aliança a muitos séculos, Hasan, nós nunca mais fomos lá para manter a nossa amizade. A última vez que alguém da família real esteve lá foi quando Lórien estava treinando com os caçadores. Acredito que o rei até seja outro, eles eram os mais próximos à Grisela... – disse Eirien distraindo-se em seus pensamentos.
– Espera ai! Os mundos estão em dimensões diferentes, mas eram iluminados pelo mesmo sol? – Perguntou Leona começando a ficar confusa.
– Eles aparecem de formas diferentes para os mundos. – Respondi.
– O tempo em Ciartes é igual ao tempo em Amantia, estamos numa posição muito parecida, mas Ciartes tem um sol a mais! – Disse Hasan. – Lá é muito quente também.
– Não é uma boa ideia levar Leona para lá! – Protestei.
– Acha que deveríamos ir? – Perguntou Hasan diretamente à ela ignorando-me.
– Se não nos demorarmos... – disse ela desviando o olhar do meu quando a encarei. – Quanto mais ajuda melhor!
– Se é assim, posso conseguir ajuda dos elfos negros de Crecência também! – disse Medras escutando a conversa em silêncio atrás da porta.
– Então eu vou para Ciartes com Leona e Hasan! – Disse Yurin sorrindo, Eirien a olhou preocupada e respirou fundo.
– Não podemos esperar até amanhã? – Perguntei olhando a expressão de tristeza de Leona, mal havia reencontrado as bebês e já teria que se afastar novamente.
– Não temos tempo, Ewren, amanhã pode ser tarde demais! – Disse ela encarando-me, ela estava com um olho verde e outro amarelo.
– Vou abrir um portal! Estarei esperando vocês na torre sul. – Disse Hasan, ele deu um beijo em Serena e saiu do quarto, Yurin colocou Karin no berço e saiu atrás dele, Serena os olhava de canto de olho, quando viu que eu a estava olhando, ficou corada e baixou a cabeça.
– Vou para Crecência com Medras! – Falei. – Os outros fiquem no castelo e tomem conta de tudo por aqui.
– Pode deixar, cuidaremos de tudo! – Disse Lórien abrindo os olhos e dando um meio sorriso. Segurei o braço de Leona e a tirei do quarto.
– Ciartes é muito perigoso, Leona! Por favor tenha muito cuidado, os salamandras de lá são muito hostis e tem um temperamento forte, se ofendem com facilidade... – estava tentando lhe alertar, mas ela segurou meu rosto, ficou nas pontas dos pés e me beijou, senti o calor de seu corpo e a intensidade de seus sentimentos, era como um pedido de desculpas para mim.
– Eu sei! Eu vou ficar bem! Você também, se cuide e volte o mais rápido possível para o castelo e fique de olho nelas! Não deixe ele chegar aqui, está bem?
– Vou ficar com os dois olhos nelas, Fairin tem que se recuperar, ele não vai atacar enquanto estiver em desvantagem! – Falei dando-lhe um beijo na mão. – Não demore por lá, se não vai voltar de outra cor! – Ela acenou, Feroz saiu de mansinho do quarto quase arrastando-se com as patas dianteiras.
– Acho que ele quer ir comigo! – Disse ela olhando-o, antes ela teria pedido que Feroz fosse comigo e levaria Amaterasu, provavelmente foi isso que ela pensou também pois seus olhos se encheram de lágrimas.
– Fique aqui, bichinho! Cuide delas para mim! – Disse Leona coçando a cabeça dele e indo em direção à torre sul. Medras havia acordado Lórien e estava se despedindo dela. Serena apareceu na porta com Asahi no colo. Ela olhava distraída para o corredor.
– Acha que deveria me preocupar com Hasan e sua irmã? – Perguntou ela pegando-me de surpresa. Comecei a rir e abafei a risada com as mãos pois Asahi quase acordou. – Qual é a graça?
– Acho que deveria se preocupar com você, Serena! – Falei dando outra risada.
– Por que diz isso? – Perguntou ela olhando-me ar de espanto, deve ter achado que fosse alguma ameaça, era melhor ser direto, pois se ela fosse igual a irmã, passaria a noite inteira tentando dizer isso discretamente.
– Yurin não se interessa por homens! – Falei ela continuou me olhando confusa, tecnicamente Hasan não era um homem, revirei os olhos e respirei fundo. – Yurin gosta de mulheres, assim como eu gosto delas, entendeu? –Serena ficou ainda mais vermelha e cobriu a boca, uma mentira apenas para não deixa-la ainda mais nervosa.
– Tudo bem então! – Disse ela sem jeito sem saber onde esconder o rosto de tanta vergonha.
– Se ele te ama mesmo, nenhuma mulher no mundo, por mais atraente que seja, vai roubar a atenção dele como você! Não se preocupe! – Falei virando as costas e acompanhando Medras até o pátio central.
– Lórien está melhor? – Perguntei após constatar que ele parecia um pouco abalado. Medras apenas balançou a cabeça e continuou a olhar para frente enquanto caminhávamos em passos largos até o portão central. Conhecia Medras desde que entramos para o exército real, ele era do mesmo grupo que eu, quando fomos atacados pelos Trolls ele também estava lá e foi um dos poucos que resistiram por mais tempo ao escurecimento de sua alma. Podia dizer que o conhecia muito bem, até poderia considerá-lo um irmão.
– Pode falar, o que houve? Sabe que pode confiar em mim! – Falei.
– Lórien está grávida, quando voltei e a vi caída no chão ao lado dos berços e vi Ervie fugindo com os Sereianos...
– Está tudo bem agora! – Então foi por isso que ele estava tão nervoso.
– Até quando? – Ele tinha uma expressão de preocupação – Jocelinne não pode lidar com Fairin, ele vai vir atrás de Karin, e tem um exército muito maior e mais poderoso! – Podia ouvir a angústia em sua voz.
– Vai dar tudo certo, confio em Leona, ela com certeza tem um plano escondido, ela anda com uma bolha com o poder de Áries dentro da espada que era de Nellena. – Havia notado aquele poder no dia que voltamos para Amantia, o poder que vinha da espada aumentou repentinamente e eu a abri para olhar. Acho que ela nunca contou realmente com o poder de Jocelinne, a ideia dela desde o começo era lidar com seu pai sozinha. – Só espero que ela não faça nenhuma bobagem. – Abri as asas e voei ao lado de Medras em direção a floresta de Crecência.
12
Ciartes
Leona:
Quase corri até onde Hasan e Yurin estavam, estava nervosa sobre ir para outro mundo, mas era preciso então faria o meu melhor para conseguir mais aliados. A torre sul era a torre mais alta do castelo de cristal, saltei de dois em dois os degraus até o topo da torre e achei Hasan preparando um portal. Ele era bem mais rápido que Mayra ou Aristes abrindo o portal, as esferas de metal á estavam carregadas e giravam lentamente em volta do cilindro de vidro.
– Como você pode abrir um portal tão rápido? – Perguntei olhando-o desconfiada, Hasan deu um sorriso divertido.
– Sou um Salamandra, posso passar rapidamente para o mundo que me deu origem, os portais de lá facilitam a entrada dos filhos do fogo. – Ele voltou sua atenção para a brecha que o portal estava abrindo. Yurin estava distraída olhando pela janela da torre. Me aproximei dela ela sorriu e passou um braço ao redor dos meus ombros.
– Sinto muito pela sua guardiã! – Disse ela acariciando meu rosto. – Você está bem? – Perguntou.
– Não, mas vou ficar, prometo! – Falei olhando na direção da floresta onde havia enterrado Amaterasu, a floresta estava com um brilho diferente, como se algo bom estivesse crescendo ali.
– Às vezes apenas esperamos que fique tudo bem, que a situação melhore, mas muitas vezes nós temos que lutar muito para o final feliz aconteça, e ele não chega para todos! – Disse Yurin olhando para o céu.
– Espero que o nosso chegue, pois estamos sacrificando demais para chegar no final e perder!
– Muitas pessoas lutam a vida toda e deixam a vida sem aproveitar esse trabalho, mas na verdade elas não estavam fazendo por elas, mas sim pelos que deixaram para trás! – Hasan se aproximou e passou a mão em minha cabeça. – Estão prontas? – Perguntou ele dando-me a mão, acenamos com a cabeça e entramos no portal. Caminhamos tranquilamente por um longo túnel de luz que parecia ondular e girar ao redor de nós misturando cores e formas geométricas brilhantes.
– O que é isso? Por que não estamos caindo como sempre acontece? – Perguntei.
– Ciartes tem o tempo igual a Amantia, logo a linha entre eles é reta, sem maiores distorções. – Explicou Hasan olhando o túnel atrás de nós. Yurin parecia maravilhada, ela tinha um sorriso no rosto e tocava o teto do túnel com as mãos, quando ela o fazia seu corpo mudava de cor também.
– Não toque no túnel! – Disse Hasan puxando os braços dela. –Você pode ser sugada para o vão entre os mundos e se perder para sempre! – Ela arregalou os olhos e encolheu os braços lentamente afastando-se das paredes do túnel. – Yurin, posso te perguntar uma coisa? – Perguntou ele encarando-a enquanto caminhávamos.
– Qualquer coisa! – Disse ela estreitando os olhos.
– Escutei Ewren falando com Serena pouco depois de sairmos do quarto... ele disse que você gosta de mulheres, é verdade? – Eu fiquei os olhando de boca aberta, para Hasan por causa da forma direta que ele perguntou e para Yurin por causa do sorriso malicioso que ela carregava.
– É mentira, ele disse isso apenas para ela não ficar com ciúmes de mim. – Yurin mordeu os lábios. – Mas não fica se achando não, não tenho nenhum interesse em você! Não gosto de Salamandras, são estranhos! Prefiro híbridos... – disse ela virando os olhos. Hasan sacudiu a cabeça e riu.
– Não se preocupe com isso, não precisa dar nenhuma explicação, também não tenho nenhum interesse em você! – Eles estavam conversando tranquilamente como se eu não estivesse ali. Andamos em silencio pelo que pareceu ser uma vida até luz forte no final do túnel. Ainda era dia do outro lado, parecia ser por volta de três da tarde, pisamos em um terreno árido e cheio de pedregulhos, o ar era rarefeito, estava com um pouco de dificuldade de respirar e o calor era quase insuportável, Yurin parecia tranquila e Hasan mais ainda. Estávamos na metade de um morro, Hasan começou a subir, o túnel foi se fechando atrás de nós lentamente até seu brilho desaparecer por completo. Yurin segurou meu braço, notando minha dificuldade e me ajudou a subir. Ao chegar no topo do morro meu coração acelerou.
– Hasan, o que é aquilo? – Apontei para o alto, um planeta gigantesco cobria parte do céu, haviam anéis em volta dele, parecia muito com saturno.
– Aquele é Saldazaris, o mundo dos ventos. – Disse ele olhando para cima também. – É o único planeta dos doze mundos que você não gostaria de pôr o pé! – Ele deu uma piscadinha para mim.
– Acho que teria mais medo de ir parar em Mogyin! – Retruquei.
– Não é não, em Mogyin o tempo passa de forma suave, como na terra, e a guardiã das almas é muito gentil! Já Saldazaris, se você ficar por um dia inteiro lá, você envelhece instantaneamente e todos os que conhecer já estarão mortos, um dia em Saldazaris equivalem a quatorze mil anos em Amantia! – Explicou ele fazendo minha pele se arrepiar e meus olhos se encherem de lágrimas.
– Noliah pisou lá para estudar o planeta, só haviam se passado três horas que ele estava lá quando recebeu a notícia do casamento de Lórien com Andros, ele ficou desesperado, havia deixado Lórien com dez anos em casa. Daí acho que ele foi para Somnus e ficou preso lá pois havia passado seus poderes para Ewren. – Disse Yurin com a cabeça baixa.
– Como sabe de tudo isso? – Perguntei chocada.
– Meu pai mantém comunicação constante com Farah e com Mayra! – Explicou ela suspirando.
– Mas se ele conseguiu sair rapidamente de Saldazaris para Somnus, por que não voltou para Amantia? – Perguntei.
– Somnus, Saldazaris e Ciartes estão na mesma dimensão, estranhamente com tempos muito diferentes.
– Acho que isso foi culpa da espiral que prende os doze mundos! Se ela não existisse talvez o tempo seria igual nos doze mundos. – Hasan bufou. – Mesmo quando você faz algo bom, desencadeia algo ruim! Isso parece um clichê da magia, nada fica perfeito para ambos os lados, alguém sempre vai ser afetado!
– Assim como a maldição, beneficia Fairin e Veruza, mas prejudica incontáveis vidas e destinos! – Resmunguei.
– Não beneficiou a eles Leona, eles tiveram uma vantagem apenas, nada que é feito com fim de prejudicar alguém tem futuro! O mal sempre tem um fim, nem sempre esse fim é rápido e muitas vezes ele destrói muito antes de ser eliminado por completo! – Yurin sorriu e acariciou minha cabeça.
– Se não fosse com o intuito de acabar com a maldição eu não existiria, provavelmente nós dois não existiríamos, Ewren ainda seria mal, Eirien não teria oportunidade de ver sua filha de novo... Muitas coisas ruins aconteceram, mas houveram coisas boas também! – Ele virou para trás e sorriu. Respirei fundo evitando falar de coisas ruins que me lembrava, já que a lista era infinitamente maior que a de coisas boas.
– Por que aqui está dia? – Perguntei, mudando de assunto.
– Aqui tem três sóis, meus pais e Gálatas. Sirius e Áries nascem as seis aqui e se põe as oito da noite, eles devem ter acabado de se pôr, gálatas por outro lado só se põe as duas da manhã e retorna as quatro da tarde. Salamandras não precisam de muitas horas de sono, nós dormimos pouco!
– Então a noite em Ciartes só tem quatro horas?! Isso é pouco, deve ser terrível para dormir aqui! – Falei.
– É mais que suficiente para acontecerem as tragédias, Ciartes é mais infestado de Lobisomens, Lobos selvagens e vampiros do que Pollo, Somnus e Amantia. – Disse Yurin olhando com cautela a floresta atrás de nós.
– Quando os magos vieram dos outros mundos para cá, eles mudaram aos poucos a atmosfera do planeta, o deixando menos quente, antigamente era apenas um deserto gigante! – Explicou Hasan enquanto caminhávamos morro abaixo.
– Não pisaria aqui antigamente por nada! Um humano poderia facilmente fritar aqui! – Falei, Yurin bufou.
– Quando os sóis fizeram o círculo dos doze e os mundos foram ligados, os portais instáveis também aumentaram e ligaram os mundos aos outros. Quando comerciantes de Ciartes descobriram que podiam transitar facilmente por entre os mundos eles trouxeram humanos para cá para lhes servirem como escravos, porém quando outras raças começaram a invadir Ciartes, os humanos foram libertos pelo rei com a condição de que ajudassem a combater os monstros invasores e receberam terras para viverem pois já estavam adaptados e não queriam voltar aos seus mundos.
– Que horror! – Falei. – O preço da liberdade deles foi quase suas vidas então!
– Os Salamandras criaram uma academia trazendo os melhores mestres de todas as artes que poderiam ser usadas em batalhas e guerreiros mais fortes e habilidosos dos doze mundos para lecionar nessa academia e assim treinar os caçadores para se livrarem das feras, a Academia dos Caçadores Venox. Nellena, Ewren, Demétrius, Medras, Lórien... todos eles treinaram lá.
– Interessante, e onde fica essa academia? – Perguntei. Hasan olhou em volta e apontou para um vale não muito distante dali.
– Por coincidência o castelo fica bem perto do Vale Cinzento, estamos bem perto da cidade principal onde precisamos ir. – Disse Hasan, nem havia notado que já estávamos no terreno plano. Hasan deu uns passos mais à frente e assobiou alto, um som estranho foi ouvido ao longe, uma espécie de canto assustador de alguma ave. Poucos minutos depois, uma sobra apareceu sobre nós fazendo círculos no céu, olhei para cima e me espantei ao ver o tamanho da fênix que nos rodeava, devia ter cinco vezes o tamanho da que encontramos na montanha das cinzas. Suas penas não eram laranja-avermelhadas iguais às da fênix de Amantia, mas eram púrpuras e brilhantes, pareciam feitas de veludo. Ela baixou perto de nós, pousando suavemente, encarou Hasan com seus olhos cor de fogo e grasnou alto.
– Subam! – Disse ele montando nas costas da fênix e nos puxando para cima também, as penas dela realmente pareciam veludo, tinham um toque acetinado e suave mas o cheiro que saía do seu bico longo e amarelo me incomodava, era cheiro de enxofre e fumaça. Hasan afagou sua cabeça e lhe disse coordenadas na língua dos Salamandras, ela abriu as asas e voou. O calor era ainda pior voando, o que salvava era o vento do voo da fênix.
– Os salamandras daqui são muito interesseiros, não aceitam nada que não os beneficiem, tem que ter cuidado com a falsidade deles também! – Disse Hasan, isso me deixou ainda mais alerta.
– Para onde vamos? – Perguntou Yurin.
– Cidade do Sol, para o palácio de Hargas. Não estamos muito longe, o vale Cinzento é uma das primeiras barreiras que protegem a Cidade do Sol. – Hasan parecia apreensivo, olhava preocupado o deserto que havíamos alcançado.
– O que foi? – Perguntei olhando-o segurar o cabo da espada com os punhos cerrados.
– Em Ciartes tem muitos dragões, muitos mesmo! E não são mansos como os de Amantia, a diferença está apenas no tamanho, os daqui são do tamanho de lagartos, voam e atacam em bandos, são muito violentos em compensação ao tamanho. – Explicou ele olhando desconfiado para uma nuvem que se movia rápido em nossa direção.
– Aquela nuvem está muito rápida! – Disse Yurin.
– E contra o vento! – Fiquei de pé e olhei atentamente, eram dezenas de pequenos dragões voando rapidamente em nossa direção.
– Hasan? O que faremos com eles? – Perguntou Yurin ignorando sua espada. – Armas não farão a menor diferença aqui! – Ela olhava preocupada pela velocidade que eles vinham em nossa direção.
– Sacerdotisa das águas, você tem domínio sobre seu elemento sabia? Você poderia fazer nevar agora e espantaria eles! – Disse Hasan brincando comigo, fiquei de pé sobre a fênix usando energia para não desequilibrar, peguei o cajado em meu pescoço e senti uma diferença no meu poder.
– Parece que meu poder está mais fraco! – O Cajado parecia mais pesado em minha mão do que de costume.
– Você matou Guinn, tecnicamente era um parente seu, isso fez você perder um pouco de seus poderes, fora o fato de que Ciartes é um mundo muito resistente à Magia! – Explicou Hasan.
– Leona! – Yurin virou meu rosto, os dragõezinhos estavam perto demais de nós! Eles eram fofos, mas suas fileiras de dentes afiados fizeram-me resolver espantá-los de uma vez. Ergui o cajado para o céu e o girei até que uma espessa camada de nuvens cinzentas cobrisse os céus, um vento gelado começou a soprar fazendo com que as penas na fênix engrossassem sozinhas, ela ficou parecendo uma ovelha púrpura voadora, os pequenos dragões diminuíram sua velocidade e pareciam confusos com a repentina mudança de temperatura. Foi tão de repente que cheguei a me assustar, uma chuva grossa de flocos de neve nos atingiu, Hasan teve que aumentar sua temperatura pois a fênix se assustou com o frio e quase nos derrubou, os dragões ficaram atordoados e começaram a cair cobertos de neve.
– Tadinhos! – Falei olhando-os caindo daquela altura de encontro ao chão.
– Diz isso pois nunca tomou uma mordida de um deles! – Hasan falou aborrecido. – Quando treinava com meu pai no Deserto Palmaris, levei muitas mordidas deles até aprender a repeli-los com neve.
– Então por que não os espantou? – Perguntei irritada, não gostava de judiar de animais, ainda mais tão fofinhos.
– Estou com preguiça! Qual é a graça de ter um irmão mais velho e não deixar ele resolver os problemas para você? – Ele estava rindo.
– Tecnicamente você é meu irmão mais velho, Hasan! – Ralhei.
Ele apenas riu e voltou a olhar para frente.
– A cidade do Sol? – Perguntou Yurin apontando na direção de uma grande torre dourada a alguns quilômetros a nossa frente.
– Sim, mais alguns minutos e chegaremos lá! – Disse ele bastante animado, a neve caía deixando o dourado da torre um pouco sem vida. Mas o que me chamava a atenção não era a torre, no meio do caminho entre a Cidade do Sol rodeada por um deserto e o Vale Cinzento havia uma enorme árvore com folhas vermelhas e galhos que iam até o chão ela ficava na metade do caminho no deserto, longe floresta do Vale, a árvore era pelo menos cinco vezes maior que a torre da cidade, devia dar para vê-la quase do outro lado desse mundo.
– Que árvore é aquela Hasan? – Perguntei sem tirar os olhos dela. Ele nem olhou na direção que eu olhava para responder.
– É a árvore do fogo! Existem lendas de que dentro dela existe uma casa esculpida pelos primeiros salamandras. Dizem que dos ovos de um gigante lagarto de fogo nasceu uma mulher em forma humana, sua pele era avermelhada e seus olhos pareciam chamas e ela queimava tudo que tocava.
Ciartes era um grande mundo verde antes dela nascer, quando ela tocou os pés no solo, todas as plantas morreram fazendo Ciartes virar um grande deserto. A única planta sobrevivente foi aquela árvore, então a mulher cresceu protegida pelo poder da árvore. Porém ela se sentia muito só, já que as únicas criaturas que existiam eram as que se tornaram imunes ao seu fogo e não havia ninguém igual a ela. A árvore vendo o sofrimento e a solidão dela, resolveu lhe dar companhia de acordo com sua espécie única, com seus galhos fez os ossos, com suas folhas a carne e a pele e com sua seiva fervente fez o sangue, assim a primeira salamandra teve um companheiro semelhante a ela. Foi assim que dizem nasceram os Salamandras! – Hasan contou a história e eu estava de boca aberta escutando atentamente.
– Não conhecia isso! – Falei.
– Não tem em nenhum dos livros de Amantia, talvez eu devesse escrever isso! – Disse ele sorrindo. – Preparadas? Vamos descer! – A fênix começou a circular a área em volta da cidade, era tão grande, devia ter umas seis vezes o tamanho de Alamourtin, Hasan voou por cima dos muros da cidade, parando numa segunda parte também cercada no interior dela, lá dentro estava o castelo.
A fênix fez um som agudo e abriu as asas, ela estava pronta para partir, quando voou deixou cair algumas penas. Lembrei da poção de asas que Lórien havia me dado, peguei a poção e coloquei a pena dentro, ela dissolveu-se deixando a poção com a mesma cor da fênix.
– Bom, espero que funcione desta vez! – Falei respirando fundo e virando o frasco na boca. O gosto era horrível, parecia muito com óleo de rícino. Após tomar, senti uma sensação estranha, como se minhas costas queimassem e se esticassem, algo ardeu desde meu ombro direito até minha coxa esquerda.
– Será que funcionou desta vez? – Perguntei. Yurin foi para trás de mim e desabotoou o vestido. A ouvi sugar o ar, virei para encará-la, ela estava sorrindo.
– Tem uma fênix purpura nas suas costas! A cabeça dela está aqui! – Disse ela tocando meu ombro. – A cauda se perde mais para baixo...
–Agora façam o favor de se arrumarem! Se entrarmos na cidade com vocês vestidas assim, seremos presos na hora! – Eu olhei minhas roupas, ainda estava suja de sangue dos guardas que matei e de Amaterasu, se entrasse assim e com a lança nas mãos, seria considerada uma ameaça imediatamente, usei meu cajado para ficar limpa, mudar a roupa e arrumar os cabelos, vestindo-me com um vestido de seda preto na altura dos joelhos e um salto de verniz da mesma cor. Fiz o mesmo com Yurin, ela ficou como uma verdadeira princesa agora com um vestido dourado longo e uma pequena tiara com a flor de lis no meio de sua testa.
– Deixei a tatuagem aparecendo, assim caso aconteça alguma coisa, você sai voando! – Disse Yurin mordendo os lábios, fiquei na dúvida sobre o que ela disse a Hasan sobre não gostar de mulheres, mas fiz o que ela falou modificando as costas do vestido, fazendo-o ficar com apenas um colar de pérolas segurando a parte da frente.
– Não abaixem a cabeça, sempre os encare de cabeça erguida, eles são como os dragões, quando percebem fraqueza eles atacam! Mostre que não se sente intimidada por eles! – Explicou Hasan rapidamente enquanto entrávamos pelos portões da cidade. Acendi minhas marcas, joguei a trança para trás e o segui cidade a dentro.
Yurin andava atrás de mim como uma guarda costas, seus olhos varreram a cidade num instante, Hasan andava ao meu lado, com uma mão sobre a espada, eu estava maravilhada demais para ter qualquer reação de defesa, a cidade era linda! As construções eram perfeitas, todas nas cores dourado e laranja, parecia que eu estava andando dentro de uma caixa de joias, porém o brilho estava fraco já que nuvens espessas cobriam toda a região e a neve caía aqui, me senti dentro de um globo de neve perfeitamente trabalhado em ouro. Não havia ninguém do lado de fora das casas, o comércio estava fechado e apenas alguns guardas estavam do lado de fora, eles tremiam e estavam agarrados as suas armas, batiam os dentes, alguns estavam desmaiados.
– O que está acontecendo com eles? – Perguntei me aproximando de um deles que estava caído no chão tremendo.
– Nunca nevou em Ciartes! Na verdade, a temperatura aqui nunca desceu abaixo dos 30°C. Muitos salamandras não sabem usar suas habilidades de fogo! – Hasan me explicou.
– Ah! Eu sinto muito! – Falei, não estava sentindo frio nenhum. Movi meu cajado para o alto “Dissipem! Tragam de volta o calor a essas terras! ” Pedi baixinho. As nuvens desapareceram, o sol que ainda estava sobre nós, começava a inclinar-se na direção do horizonte. Em nossa direção vinham algumas pessoas vindas do castelo, eles estavam cercados de guardas por todos os lados. Hasan falou bem baixinho para que apenas eu escutasse.
– Coloque uma bolha de proteção em volta de você e Yurin, vou derreter a neve da cidade antes que haja problemas! – Obedeci, coloquei rapidamente uma barreira, Hasan se afastou alguns passos de nós, sua pele se acendeu como uma lâmpada incandescente de duzentos watts, o calor que veio dele foi tão intenso que me fez desejar a neve de volta. Virei na direção de Yurin e abri as asas pela primeira vez, nos escondendo dentro dela para que a luz não nos cegasse. Mesmo assim o brilho atravessou as penas de minhas asas e nos deixou dentro de um ninho púrpura. A luz desapareceu, abri as asas para que pudéssemos enxergar o que estava acontecendo, os guardas olhavam com espanto para Hasan, ao que parecia, sua luz não os afetava, muito pelo contrário, eles não ficaram incomodados com aquele clarão, estavam maravilhados. Um Salamandra que vinha no meio dos guardas deu um passo à frente sem tirar os olhos de Hasan.
– Foram vocês que trouxeram aquela coisa fria? – Sua voz grave como um trovão chegou a me assustar por um instante, mas não podia demonstrar medo, virei em sua direção e encolhi as asas sem fazê-las desaparecer, depois de usar summon de aves como treino, parecia bem fácil movimentá-las.
– Fui eu, senhor, sinto muito! Só estava tentando espantar os dragões que nos seguiam! – Ele desviou os olhos azuis que estavam fixos em Hasan e os pousou sobre mim, parecia ainda mais perplexo do que antes. Ele olhava espantado minhas asas, as marcas douradas e os cabelos prateados.
– Você tem um olho lilás e outro amarelo... é uma hibrida? – Perguntou ele aproximando-se de mim. Fiquei sem jeito com sua aproximação repentina, mas Hasan acenou discretamente com a cabeça para que eu respondesse.
– Sim, sou uma maga meio humana, meio metamorfa! – Respondi sem gaguejar, ele era alto e tinha o mesmo calor sufocante na pele que me alcançava mesmo a alguns centímetros de distância.
– E você é o filho dos sóis! Não é? – Perguntou ele olhando novamente para Hasan.
– Sim, me chamo Hasan. – Respondeu ele com uma reverência sutil. – Essa é minha irmã de criação, Leona, a sacerdotisa das águas de Amantia e esposa do filho mais velho da rainha Eirien, e essa é Yurin, filha mais nova da rainha. – Hasan nos apresentou, fizemos uma reverência semelhante a que Hasan fez e sorrimos.
– Rei Hargas Salomon quinto! – Ele nos fez uma reverência também.
– O que houve com o rei Gyliar? – Perguntou Hasan com um olhar desconfiado.
– Meu pai estava muito velho, ele foi descansar os ossos no deserto da sombra! – Disse o rei com uma expressão tristonha no rosto. – Mas não precisam ficar tristes! Vamos comemorar! Faz mais de mil e quinhentos anos que não temos visitas de Amantia! Quero conversar sobre uma nova aliança! – Ele deu um tapa forte nas costas de Hasan e o arrastou na frente, Yurin e eu os seguimos sem entender exatamente o que estava acontecendo.
– Nós que somos da família real e ele que vai ao lado do rei para tratar uma aliança? – Yurin parecia frustrada com o pouco caso que o rei fez de nós.
– Até onde eu sei, Salamandras são adoradores do Sol. – respondi o mais baixo que pude. – Hasan é filho de dois dos sóis que iluminam o mundo deles, acho que é normal essa adoração! – Falei. Yurin não estava convencida disso, ela ainda olhava feio para o Rei e Hasan à nossa frente, o rei parecia ser um guerreiro também, era alto e forte, tinha os cabelos ruivos espetados e olhos azuis tão claros que quase pareciam prateados. O palácio não era tão grande quanto imaginei que fosse, era menor que o castelo de cristal, mas não deixava de ser exuberante, as paredes douradas tinham pequenos desenhos trabalhados à mão em formato de sóis e raios e as cobriam do teto ao chão. Não haviam muitos guardas no interior do palácio, na verdade haviam poucos guardas mesmo do lado de fora.
– Por que tem tão poucos guardas por aqui? – Perguntei.
– Por que tem muitos caçadores guardando as redondezas da cidade, os guardas são só para manter a ordem, aqui ninguém se opõe a família real, eles são muito temidos e ao mesmo tempo muito respeitados... – Yurin estava explicando, mas parei de prestar atenção para olhar uma escultura que ficava na entrada de uma grande sala com o piso feito de mármore e contas negras. A estátua era um casal esculpido em uma pedra coral, eles estavam em uma posição muito incomum para estar no meio de um castelo as vistas de todos, o homem estava ajoelhado com as costas arqueadas para trás e segurava uma mulher que estava com as pernas em volta de sua cintura e segurava um globo de vidro cheio de areia acima de sua cabeça.
– São os primeiros salamandras! – Disse o rei virando-se para trás, notando meus olhos presos a estátua, ele fez um movimento com a mão para que o seguíssemos. Fiquei corada e desviei o olhar, andando novamente na direção deles, Yurin ria discretamente da minha cara envergonhada e me deu um tapinha no ombro.
– Não é um lugar apropriado para ter uma estátua daquelas! – Resmunguei baixinho.
– Por que não? – Yurin olhou-me confusa. – Não tem nada de errado na estátua ou no ato que elas estão representando, é muito natural! Afinal, são assim que os povos nascem, não é? A não ser que você saiba outra maneira mais fácil e menos divertida! – Ela deu um sorriso malicioso e mordeu os lábios novamente.
– Você é idêntica ao seu irmão, sabia? Tem certeza que não tem uma centena de anos? – Perguntei, ela riu e atravessou os arcos que levavam à uma sala belíssima, forrada com tapetes de cores fortes, as paredes aqui não eram douradas, mas sim vermelhas e polidas de forma que podia ver meu reflexo, as paredes pareciam espelhos vermelhos, aumentava a sensação de calor que já estava quase me sufocando.
Do outro lado da sala, ao lado do trono havia uma mulher, uma salamandra tão linda, seus cabelos loiros estavam presos num coque, ela estava tão bem vestida e penteada que me fez sentir uma maltrapilha, ela nos olhava desconfiada com seus olhos vermelhos e segurava carinhosamente sua barriga roçando os dedos sobre ela, devia estar bem perto de dar à luz, mas não mostrava nenhum sinal de cansaço ou incômodo. O rei se aproximou dela e falou algo, apontando para Hasan e depois para nós ela então ergueu uma sobrancelha e sorriu.
– Essa é minha esposa, rainha Sheriah! – Disse ele com um sorriso exuberante no rosto.
– Bem-vindos a Ciartes! – Disse ela com sua voz doce e melodiosa fazendo uma reverência, repetimos o gesto e agradecemos. Nos aproximávamos de onde ela estava, quando de repente duas crianças passaram correndo e quase nos derrubaram, era um menino ruivo forte e bem grande, muito parecido com o rei com os mesmos olhos azuis e vivos, ele passou correndo com uma espada de madeira na mão, correndo atrás de um menino menor e cabelos longos e loiros e olhos vermelhos, também parecido com o rei, mas com os olhos vermelhos da mulher que estava ao seu lado. Parecia que o menino ruivo estava querendo bater no menor.
– Ericko! Já disse para não bater em Kuran, ele só tem sete anos! Largue essa espada ou vou usá-la para esquentar você! – A rainha gritou tão alto que nos assustou, parecia uma voz do além gritando. – Me desculpem! Ericko é um pouco travesso! – Disse ela envergonhada pela atitude do filho e o fulminando com o olhar, o menino apenas sorriu de forma travessa e fixou os olhos em mim, nas asas.
– Deixa eles, mulher! Se Kuran não aprender a se defender será um fraco! – Deu para notar a preferência do rei pelo seu filho mais velho, era uma diferença de atenção visível.
– Não quero dois filhos brutos, Hargas... – murmurou a rainha virando-se e sentando na cadeira ao lado do trono, na certa ela apenas pensou alto.
– Mas então, quais motivos os trouxeram aqui? – Perguntou o rei sentando-se pesadamente ao trono.
– Estamos aqui para pedir ajuda, precisamos dos caçadores, estamos enfrentando um mago problemático em Amantia que quer dominar os doze mundos e precisamos de mais aliados! – Respondeu Hasan indo direto ao ponto. O rei ergueu uma sobrancelha e um sorriso de zombaria apareceu em seu rosto.
– Como assim um mago que quer dominar os doze mundos, não existe ninguém com poder para isso! Apenas seus pais, mas eles já são nossos guardiões e não permitiriam tal coisa! – Respondeu ele.
– Não, Fairin tem um poder semelhante ao deles. Ele conseguiu tal poder tomando o sangue amaldiçoado de uma família de magas...
– As Arbarus! – O rei cobriu a boca e encarava Hasan. – Eu imaginava que isso fosse alguma lenda ou uma mentira inventada por alguma bruxa ciumenta para prejudicar alguém! – Disse ele pensativo.
– Não foi uma mentira inventada por uma bruxa ciumenta, mas foi uma maldição lançada por uma bruxa ciumenta! – Disse Yurin.
– Mas então os meus caçadores não servirão de nada para vocês, serão massacrados por esse mago!
– Não serão não, Fairin não deve se arriscar diretamente no campo de batalha, só precisamos de mais gente para que eu possa alcançá-lo, ele convocou exércitos de Evenox e Vegahn, fora os que haviam se unido a eles em Amantia. – Respondi.
– Se ele já tem esse poder todo, por que ainda não usou seus poderes para conquistar os mundos? – Perguntou Sheriah, ela estava apreensiva segurando Kuran nos braços.
– Falta o sangue de uma geração para ele conquistar o poder que precisa para fazer isso, temos que matá-lo antes que ele consiga o poder da última geração! Hoje mais cedo ele quase escapou para Vastrus com minha filha para fazê-la crescer rápido e tomar seu sangue também! – Falei, Sheriah apertou Kuran em seus braços com um olhar solidário a mim.
– Que idade sua filha tem? – Perguntou a rainha.
– Menos de um mês. – Falei.
– Então vocês só precisam de nossa ajuda para atrasar as tropas de Fairin enquanto você o enfrenta, é isso? – Perguntou o rei encarando-me.
– Basicamente. – Respondi.
– E de onde vai tirar forças para matá-lo? – Perguntou ele olhando-me com curiosidade, estava me analisando, não parecia ameaçadora suficiente, nem forte o suficiente. Lembrei do momento que ia matar Ervie, segurei meu cajado e o transformei em uma lança, mudei minhas marcas para que se tornassem vermelhas novamente, para dar um ar ainda mais assustador, aproveitei minha recém descoberta condição de meio metamorfa e fiz meus cabelos ficarem vermelhos também. A sala brilhou com minhas marcas, o rei e a rainha me olhavam incrédulos.
– É quase uma maga negra... é bom que você não passe disso, minha jovem! Não queremos problemas com um mago negro novamente! – Disse o Rei, Kuran que estava no colo da rainha mordendo o dedo, havia o soltado e estava olhando para mim vidrado. Voltei ao normal e guardei o pingente.
– Posso contar com ajuda de vocês? – Perguntei.
– O que ganharemos com isso? – Perguntou o rei surpreendendo-me. O que ele queria?
– Fora manter sua liberdade, seu mundo em ordem e sem um maluco sem escrúpulos mandando em tudo? – Perguntou Yurin sarcasticamente.
– Vou direto ao meu ponto então! – Disse o rei se levantando e vindo até nós. – O que eu quero é uma aliança firme entre os dois mundos, um casamento ente a descendência do rei de Amantia e a minha...
– Sou muito velha para seus pirralhinhos! – Disse Yurin com os olhos arregalados, ela não simpatizava muito com os salamandras.
– Você não é filha do rei de Amantia, é filha de uma rainha e Eirien deve passar o trono para frente em breve...
– O que quer dizer? – Perguntei.
– Eu tenho dois filhos, e você uma filha...
– Não pediria para nenhuma delas casarem com alguém que elas não gostam. Sei como é casar com alguém por obrigação! – Disse lembrando de Lórien e Andros.
– Mas você não sabe se elas podem ou não gostar de um dos meus filhos! – Ele parecia ofendido, mas precisava da ajuda deles para protegê-las.
– Mas nada impede que um deles tentem conquistar uma delas, não impediria isso! – Eu estava com ciúmes de minhas filhas, elas não tinham nem um mês e eu não havia passado nem dois dias inteiros com elas sem preocupação, então não ia forçá-las a nada, mas ele não precisava saber disso agora!
– Eu preciso de uma garantia! – Disse ele estreitando os olhos.
– Calma, Hargas! Ela ainda nem curtiu muito as filhas, está com ciúmes! Com o tempo vai mudar de opinião, vai perceber os benefícios de uma aliança conosco! – Ela piscou para mim, não sabia ao certo se ela estava sendo solidária a mim ou tentando me comprar com uma falsa empatia. Resolvi apenas sorrir e aceitar em silêncio.
– Bom, aceitarei isso por enquanto! – Disse o Rei olhando-me de canto de olho.
– Então, temos que ir! Quando pode enviar os caçadores? – Perguntou Hasan segurando meu braço e de Yurin.
– Espere! Passem essa noite aqui, darei ordem para que um grupo de caçadores os acompanhem ao amanhecer! São meus convidados de honra e jantarão conosco! – Hargas sorriu e bateu palmas antes que pudéssemos falar alguma coisa e um grupo de serviçais apareceram e começaram a servir um grande banquete. Estava louca para voltar ao castelo, com medo de que Fairin voltasse enquanto não estivesse por lá e com mais medo ainda de voltar e encontrar todos mortos.
– Fique calma! – Disse Hasan ao meu ouvido. – Não é educado recusar um convite como esse ainda mais quando estamos formando uma aliança.
– Não é hora para perdermos tempo com isso! – Reclamei baixinho.
– Eirien está com elas, não se esqueça de quem ela é, não é à toa que Fairin precisa dos poderes de Karin para tomar Amantia e os doze mundos, não confunda a calma e a serenidade dela com fraqueza! – As palavras de Hasan soaram quase como um puxão de orelha, fiquei em silêncio resmungando por dentro e chingando-o já que não podia mais bater nele.
A mesa que serviram era muito grande, a quantidade de comida dava para alimentar umas duzentas pessoas tranquilamente, haviam vários pratos iguais e também muitos lugares com pratos e talheres sobrando, a princípio imaginei que fossem aparecer mais pessoas, porém ninguém mais veio.
Nunca me senti tão infeliz ao ver comida em toda minha vida, eram aqueles pratos estranhos, frios e crus que via em Amantia. Carnes, peixes e plantas estranhas e gosmentas. Hasan as comia tranquilamente mesmo estando acostumado a comidas humanas, para ele devia ser fácil comer aquilo. Yurin conseguiu facilmente se livrar do jantar, era uma elfa branca, e como tal era “vegetariana” ao conhecimento deles, mal sabiam que ela comia até um boi inteiro se colocassem na sua frente, mas sua repulsa a Salamandras se estendia a seus costumes e comidas também, ela só era educada o suficiente para não deixar aquilo transparecer.
– Come, parece sushi! – Disse Hasan mordendo os lábios para não rir.
– Se lembra daquela vez que mamãe nos levou no restaurante japonês em Icaraí? – Perguntei, o rosto de Hasan ficou vermelho e ele espetou suas unhas no braço para não rir alto. Eu tinha dez anos, naquele dia quando fui forçada contra minha vontade a ir no restaurante com eles, minha mãe enfiou um pedaço de sashimi em minha boca, ao sentir o gosto eu o cuspi no chão e peguei um pouco de wasabi achando que era algum doce para tirar o gosto ruim da boca, nunca paguei outro mico tão grande quanto aquele em toda minha vida.
– Use seus poderes para alguma coisa que te beneficie! – Disse Yurin num sussurro, Kuran e Ericko comiam desesperadamente como se não houvesse amanhã, olhei para Sheriah para ver a reação dela, ela nem ligava para eles, quando olhei para o rei, vi que ele comia como os filhos e pareciam estar disputando para ver quem comia mais.
– Não posso transformar a comida para algo que eu gosto, iria parecer desfeita! – Cochichei para ela.
– Não seja burrinha, Leona! Basta transformá-la quando já estiver dentro da sua boca! – Ela revirou os olhos e riu.
Fiz o que Yurin havia dito, espetei com o garfo um pedaço de peixe mole e frio em minha frente e respirei fundo, coloquei na boca tendo certeza de que não iria tocá-lo na língua antes de transformá-lo em um delicioso pedaço de churrasco. Fiquei aliviada ao morder e perceber que havia se transformado em churrasco, comi feliz depois disso, apreciando o livramento que meus poderes me proporcionaram mais uma vez.
– Estão gostando? – Perguntou a rainha para nós.
– Maravilhoso! – Respondi sorrindo, referindo-me ao mágico pedaço de bolo que estava comendo ao colocar aquelas ervas gelatinosas na boca, Hasan ainda evitava rir e Yurin estava em silêncio olhando o sol descendo devagar no horizonte.
– Vou pedir para mostrarem os quartos de vocês! – Disse a rainha chamando uma serva que esperava para retirar a mesa.
– Agradecemos a sua hospitalidade! – Falei me levantando e seguindo a moça, ela era humana também assim como vários servos.
– Sobrou tanta comida naquela mesa! Não entendo por que mandar preparar tanta comida para tão poucas pessoas! – Falei olhando discretamente para trás.
– O rei Hargas traz os moradores das ruas da cidade ao castelo todas as noites e permite que eles comam à mesa com o rei, ele só esperou vocês acabarem de comer pois o calor gerado por todos os salamandras poderia fazer você passar mal! Os humanos criados aqui estão acostumados com esse calor extremo, vocês não! – Disse ela dando um pequeno sorriso.
– Ah, entendo! – Respondi, pelo menos parecia que ele era um líder que se importava com o povo.
Yurin, Hasan e eu acabamos ficando em quartos separados.
– Qual seu nome? – Perguntei quando ela me deixou na porta de um dos quartos.
– Lou. – Respondeu ela curvando-se para sair.
– Obrigada Lou! Boa noite! – Falei, ela sorriu e se afastou. Quando ia fechar a porta do quarto senti alguém puxar minha roupa. Olhei para trás e fiquei surpresa ao ver Ericko me encarando com seus olhos vermelhos.
– Com licença, mas suas filhas são lindas iguais a senhora? – Ele perguntou deixando-me totalmente desconcertada e corada.
– Acho que uma delas se parece comigo, as outras devem ficar parecidas com Yurin...
– Como é o nome dessa que se parece com a senhora?
– Karin! – Respondi.
– Karin... Entendi, vou gravar esse nome, quando ela crescer eu vou a Amantia para conquistá-la tudo bem? – Perguntou ele ainda me encarando, ele estava sério, não parecia estar brincando.
– Que idade você tem Ericko? – Perguntei.
– Fiz doze ontem! – Disse ele sorrindo. Arrumei sua trança ruiva que estava bagunçada, na certa ele veio correndo atrás de mim. Ele era tão fofinho!
– Tudo bem, Ericko! Vou ficar feliz em receber você lá! – Falei – Mas para você se casar com Karin, vai ter que me derrotar primeiro! – Falei brincando, acariciando sua cabeça. Ele deu um sorriso alegre, mostrando as presas pequenas, mas pontiagudas. Perigoso, fofo e perigoso.
– Eu estou no terceiro ano da ACV! Vou treinar duro para conseguir isso, mas não vou machucar a senhora, um verdadeiro cavalheiro nunca coloca uma dama em perigo! – Disse ele virando-se para ir embora.
– Gostei de você, Ericko! Vai ser um líder incrível um dia! – Ele agradeceu e desapareceu no corredor antes que eu terminasse de dizer. O sol ainda não havia desaparecido no horizonte, o céu estava completamente vermelho, o quarto que estava ficava em um dos andares superiores do castelo e da janela dava para ver as areias em volta da cidade. Sentei na janela, ela era grande e larga como a da casa de Arin, mesmo com as pernas esticadas, não chegava nem na metade da janela. Fiquei olhando a imensidão do deserto e a luz que vinha do sol, sentia uma nostalgia, mas não sabia explicá-la.
– Bonito, não é? – Disse uma voz masculina, um brilho vermelho apareceu em minha frente deixando-me temporariamente cega.
13
Planos
Secretos
– Sirius? – Me surpreendi quando ele diminuiu seu brilho, estava sentando na janela em minha frente observando o deserto também.
– Trouxe Áries aqui uma vez, ela quase morreu com o calor, quando voltamos para Amantia ela passou uma semana sem falar comigo, pois eu havia insistido para ela vir mesmo sabendo que alguém como ela não poderia ficar muito tempo em Ciartes. – Disse ele olhando para o nada.
– Como assim alguém como ela, sou parte humana também, e estou odiando o calor, claro! Mas estou suportando-o bem! – Respondi. Sirius me encarou com uma sobrancelha erguida.
– Áries, uma humana? – Ele riu de mim. – Ela tem aparência humana para você?
– Não exatamente... quer dizer, ela parece albina, mas ainda assim... Bom quando ela nos salvou no castelo ficou com uma aparência bem diferente! – Falei.
– Áries não é humana! Ela é uma Malvarmo.
– O que é isso? – Perguntei.
– Uma espécie semelhante aos Ymir, mas numa forma mais humana. – Explicou ele.
– Mas Eirien disse que ela era da terra! – Falei.
– Ela nasceu em Vegahn, foi para terra ainda pequena, mas seus pais não conseguiam controlar a força dela e a levaram para Amantia, foi assim que a conheci! Eles apareceram no templo de fogo com uma criança branca como a neve com uma força assustadora que não conseguia conter. Eles a deixaram no templo e fugiram de volta a Vegahn. Eu tive que cuidar dela, o sacerdote daquele templo era um Arbarus também, Helon, esse era o nome dele, de meu mestre. Ele me ensinou a controlar meus poderes e ensinou Áries a controlar sua força. Foi ele que deu esses nomes a nós. – Disse ele. – Áries tinha o nome de Letícia na terra, eu não me lembro o nome que tive antes.
– Eram quase como irmãos então! – Falei.
– Quase... – ele riu.
– Qual é a graça?
– Eu a odiava! Áries era chata, respondona e muito grossa! Ela sempre me derrotava nos treinos, depois descobriu que podia invocar o gelo, ela vivia congelando o templo e eu detesto o frio, ela sabia e fazia de propósito para me irritar! – Disse ele rindo ainda mais.
– Então como foi que acabaram juntos?
– Dizem que os opostos se atraem! – Disse ele sorrindo. – Nós ficamos juntos no conselho do reino e acabamos começando a gostar um do outro aos poucos. – Ele olhava ternamente a marca azul em sua mão. – Nós nunca teríamos nos tornado os melhores sem alguém que nos guiasse pelo caminho certo.
– Então vocês foram discípulos de um parente meu? – Perguntei.
– Os Arbarus foram a primeira família humana a viver em Amantia, alguns partiram para Dartaris na época dos primeiros reis Élficos. Jocelinne é neta de Helon, por isso herdou o título de sacerdotisa do fogo.
– Então Jocelinne é mais velha que Eirien?
– Bem mais velha, uns mil e quinhentos anos mais ou menos!
– É bem como você disse aquela vez, tudo está conectado de forma tão estranha, mas tudo faz sentido no final, não é?
– Espero que faça! Queria muito estar com ela no dia em que Hasan se casar, sentados perto dele vendo tudo acontecer. Mas agora ela nunca mais poderá sair do centro do círculo... – Sirius suspirou.
– Eu sinto muito, Sirius! – Não tinha como me desculpar, nada que eu dissesse poderia fazer a situação de Áries mudar.
– Sei que sente, não precisa se culpar, você não se amarrou no castelo para ficar à mercê daquele maluco.
Ele ficou em silêncio olhando o sol desaparecer lentamente atrás das dunas. A noite foi finalmente surgindo revelando no céu uma grande lua verde e brilhante.
– Era isso que eu queria que ela visse quando a trouxe aqui! – Disse ele olhando-a. A lua era realmente fantástica, o brilho esverdeado cobriu tudo deixando o palácio amarelo esverdeado.
– É realmente incrível! – Falei.
– Sabe qual é a pior parte de ser o guardião dos doze mundos? É não poder fazer nada por eles, essa regra de não interferir se não perdemos nossa forma física! – Ele bateu na soleira da janela. – No começo era fantástico cuidar de tudo, é terrível ter todo o poder e nunca poder interferir, acho que é o pior castigo que alguém poderia ter! Viver eternamente vendo a felicidade dos outros em todos os mundos enquanto você os guarda, mas nunca poder ajudar ninguém que precisa, ver histórias incompletas sendo destruídas e ver a dor das pessoas sem poder ir até lá ajudar! Você não pode mais viver! E o pior, se você deixar seu posto e tentar matar alguém que não estava destinado a morrer naquele dia, hora, momento... você é preso por toda eternidade no centro do círculo. Áries estava disposta a isso, mas eu te agradeço por não ter permitido que ela o fizesse, ainda existe uma possibilidade de existir alguém mais poderoso que nós algum dia, essa pessoa só precisa aceitar ser o guardião dos doze mundos, assim nós trocaremos de lugar! Aries e eu voltaríamos para Amantia! – Ele olhava a lua, tinha esperança em seus olhos. De repente senti um arrepio com a ideia que tive, as lágrimas chegaram a brotar em meus olhos, mas as contive.
– Sirius! Já sei como acabar com Fairin e libertar vocês dois! Mas preciso de sua ajuda!
– Não ouviu a parte do “não interferir”? – Perguntou ele olhando-me surpreso.
– Acredite em mim! Eu sei o que estou fazendo! Áries me ajudou da mesma forma, mas com um objetivo diferente! Ela me deu parte de seu poder para que eu destruísse o círculo dos doze e todos os portais que ligasse os doze mundos depois que enviasse Hasan e os outros para um mundo seguro, assim Fairin ficaria preso à Amantia e não poderia dominar os doze mundos! – Contei meus planos alternativos a ele.
– Era um bom plano! Mas ainda assim sacrificaria Amantia. – Disse ele pensativo. – O que mudou agora?
– A ideia é matar dois coelhos com uma cajadada só, assim nem os habitantes de Amantia seriam prejudicados por Fairin e outro guardião tomaria o lugar de vocês! – Falei, senti um aperto no peito, mas tinha certeza de que o meu plano daria certo. Abri a empunhadura da espada e lhe mostrei a bolinha com o poder de Áries.
– Então você quer que eu te dê meu poder, você vai tomar nossos lugares na guarda dos doze mundos e usar a ausência da restrição dos seus poderes, matar Fairin e ficar presa no centro do círculo? – Perguntou ele, respirei fundo e acenei com a cabeça, deixando-o pensar que era esse meu objetivo.
– Exatamente!
– E se você nos trair? Der nossos poderes a ele e ajudá-lo a controlar os doze mundos? – Perguntou ele olhando-me desconfiado.
– Fairin cavou a própria cova, Sirius! Posso ter milhares de defeitos, mas nunca me uniria a alguém como ele! Só não o matei ontem à noite porque Karin corria perigo, era matá-lo ou deixá-la morrer! – Respondi.
– Ainda assim, você pode ser facilmente corrompida! – Sirius pressionou as marcas douradas em meu braço, elas ficaram vermelhas.
– É um risco que estou te pedindo para correr! – Falei olhando dentro de seus olhos.
– Tem que me prometer uma coisa antes! – Pediu ele.
– O que?
– No Mar da Tranquilidade, tem uma fenda gigantesca, chamada Fenda de Holon, onde nascem os dragões marinhos, aquelas águas são ácidas, mas lá dentro tem um bolsão de ar com um pequeno vale, dentro desse vale tem uma fonte de águas cristalinas, são as águas que deram origem as ondinas, por isso aquele lugar é tão bem guardado e ninguém nunca chegou lá!
– Se ninguém nunca chegou lá, como sabe que existe?
– São lendas, e as próprias ondinas entram em contradição quando são questionadas sobre a existência daquele lugar. Você é a primeira sacerdotisa das águas, nunca houve outra antes de você, isso quer dizer que você não será afetada pela acidez daquele lugar!
– Certeza disso? – Perguntei estreitando os olhos para ele.
– É apenas uma suposição, mas é um risco que estou pedindo para você correr! – Disse ele sorrindo maliciosamente. – Eu te dou meu poder, desde que entre lá, beba a água daquela fonte, assim seus poderes deverão se purificar.
– O que acontece se eu pegar água de lá?
– Não sei, como disse, ninguém que teve conhecimento do lugar se arriscou a ir, já que nem navios passam naquela região sem dissolverem nas águas. – Suspirei, isso não era nada animador, mas precisava arriscar, talvez ele estivesse certo sobre eu não ser afetada, já que os dragões nasciam lá.
– Me dê sua palavra que vai usar esse poder para destruir Fairin e nos libertar! – Pediu ele aproximando-se ainda mais de mim.
–Prometo! – Não menti, era essa minha intenção afinal.
– Áries vai me matar! – Disse ele suspirando. – Ela é muito ciumenta!
– É só dizer que é para ela viver ao lado do filho, talvez ela não te mate, mas me mate no dia em que nos revermos! – Respondi nervosa demais para pensar em algo bom para dizer, no fundo estava com medo de que Ewren também não gostasse disso, mas não estava fazendo nada com segundas intenções. Sirius segurou meu rosto e tocou seus lábios nos meus por um instante, era como tocar em um marshmallow que estava assando na brasa.
Do mesmo modo que Áries fez, Sirius puxou parte de meus poderes para fora, misturando-os com o seu. Uma bola de fogo que não queimava, flutuava a centímetros de meu rosto, ele pegou a bolinha com o poder de Áries e colocou dentro dela, a bola de fogo se expandiu, mas as cores dos poderes não se misturaram, ficaram apenas dançando juntos, eu pressionei a bola com ajuda de Sirius até que ela ficou do tamanho de uma bolinha de gude, ela pulsava de forma estranha como se estivesse me chamando.
– Não se esqueça da sua promessa! – Disse ele preparando-se para pular para fora da janela, segurei seu braço antes que ele pulasse e queimei a mão.
– Espere ai! Ia te pedir mais um favor! – Falei analisando a queimadura em minha mão.
– O que? Sei que sou irresistível, mas se for para dormir aqui com você esqueça! – Disse ele olhando-me de lado.
– Ah! Nunca pediria uma bobagem dessas! – Bufei. – Queria apenas pedir para que na hora que os exércitos se encontrarem no campo de batalha, você e Áries se retirassem do céu, para que os vampiros pudessem participar! – Falei.
– Se é só isso, tudo bem! – Disse ele saltando e desaparecendo num raio vermelho. Olhei o ponto em que ele havia desaparecido, me senti um pouco mal, como se tivesse feito algo muito errado, havia o enganado para conseguir seu poder!
Troquei de roupa, usando meus poderes fiz aparecer um pijama fino e curto, deitei na cama e fiquei olhando para o teto, ele era todo desenhado com raios e estrelas que brilhavam suavemente. As cores desse mundo eram muito vivas, mas era muito difícil se acostumar ao clima árido. A porta se abriu e alguém entrou e pulou em cima da cama, já estava sacando a espada que havia deixado do lado da cama.
– Por favor, né! Eu quero essa espada com os dentes! – Disse Yurin segurando minhas mãos passa evitar que eu a ferisse.
– O que está fazendo? Ficou louca? Poderia ter cortado sua cabeça fora! – Falei nervosa, com o coração quase saindo pela boca. Yurin começou a rir descaradamente debochando de mim e deitou a cabeça no travesseiro ao meu lado.
– Me poupe, Leona! Você não conseguiria nem me causar um arranhão! – Ela respirou fundo e esticou os braços fazendo todo seu corpo estalar, era mais exibida que o irmão.
– Odiando esse calor! Como podem haver humanos aqui? – Falei passando a mão na testa e limpando o suor.
– Não sinto, eu mudo minha temperatura facilmente! – Disse ela sorrindo. – Imaginei que você não devia estar muito bem com o calor, por isso vim!
– Imaginei isso, Hasan deve estar gostando do calor! – Resmunguei, quando éramos crianças ele odiava locais frios e adorava quando chegava o verão. Yurin chegou perto de mim, seu corpo estava frio, quase gelado, ela passou um braço em volta de mim, agora estava confortável, dava até para dormir um pouco!
– No começo achei que você não ia gostar de mim! – Falei quebrando o silêncio desconfortável do quarto.
– Não gostei, bati os olhos em você e lembrei de Emma, embora você não se pareça em nada com ela, você estava subindo a montanha, logo imaginei que ia fugir e deixar meu irmão lidar com os lobos sozinho. – A voz de Yurin era suave enquanto ela falava. – Achei que fosse outra covarde, mas quando viu que não daria tempo de subir, você passou a frente dele e virou um bicho contra os lobos! Nem se importava em ver se estava ferida ou não, apenas não queria deixá-los passar até onde Ewren estava, mesmo sem perceber você estava tomando conta dele, e isso me deixou aliviada! Ele não havia arrumado outro peso de papel!
– Obrigada, você é bem sincera! – Falei rindo.
– Sou sim! A sinceridade as vezes pode doer, mas é melhor uma dor passageira por algo que você sabe que é verdade, do que a dor que fica escondida para sempre dentro de você quando você descobre uma mentira ou coisas que alguém queria ocultar, mas que são de importância para você! – Disse ela baixinho, estava quase dormindo também. As palavras dela trouxeram lágrimas aos meus olhos, mas não poderia contar a ninguém meus planos, preferia correr o risco de que ficassem magoados comigo do que contar meus planos e falhar ou ser impedida de realizá-los.
– Você é um amor, Yurin!
– Eu apenas amo meu irmão, então tento ser sempre melhor para ficar ao lado dele, por isso treinei tão duro enquanto estive fora, sabia que ia voltar e encontrar com Ewren de novo! – Disse ela deitando a cabeça em minha mão e adormecendo, acabei fechando os olhos e dormindo também.
Acordei caindo da cama pesadamente no chão, alguém estava segurando meu pé e rindo.
– Hasan, eu vou te matar! – Resmunguei abrindo os olhos devagar, a claridade que vinha da janela era ofuscante. Hasan havia me derrubado da cama para me acordar e agora ele e Yurin riam de mim. – Estão adorando se divertir as minhas custas, não é? – Ralhei levantando-me e indo até o banheiro do quarto. Depois de lavar o rosto, prender o cabelo mudar a roupa, saí dali e fomos juntos até o salão do castelo. O rei nos aguardava em seu trono, ele sorria e segurava Kuran no colo.
– Bom dia meus amigos! Dormiram bem? – Perguntou ele com um sorriso grande demais no rosto para alguém que estava apenas dando um bom dia.
– Sim, descansamos bem! – Respondi. – Onde está a rainha e Ericko? – Perguntei olhando discretamente a sala e notando que ela não estava lá.
– Ah, Ericko partiu de manhã para a ACV, as aulas começaram faz duas semanas. Minha filha nasceu ontem à noite pouco depois do jantar! Elas estão descansando! – Disse ele com seu sorriso aumentando ainda mais. – Nós estamos de partida! – Disse Hasan a ele. – Não podemos nos demorar, corremos o risco de Fairin atacar o castelo sem a presença de Leona por lá! – Quando ele disse isso senti um frio na espinha, claro que ele estava falando aquilo por pois o rei poderia querer que comemorássemos com ele o nascimento de sua filha, mas tínhamos pressa.
– Prometo que voltaremos com presentes assim que isso tudo acabar! – Disse Yurin.
– O grupo de caçadores está esperando por vocês no Vale das Cinzas, no pátio da ACV. Não se esqueça de nossa Aliança, Sacerdotisa das águas! – Disse ele levantando-se sério e vindo até nós. Ele apertou minha mão com força, respondi a seu aperto firmemente mesmo sentindo meus dedos quase esmagados.
– Não vou esquecer! – Respondi lembrando de Ericko falando comigo ontem à noite. Viramos as costas e partimos em silêncio para fora do palácio. A cidade estava muito movimentada no começo da manhã, passando pelos portões que isolavam o palácio do resto da cidade pude ver as lojas e barracas. O comércio era bastante variado, vendia muitos objetos comuns na terra, até mesmo eletrodomésticos, legumes, verduras e frutas que eram da terra, com preços muito altos comparados a outros produtos estranhos que não reconheci. Mas era tudo muito organizado e limpo, dando inveja em qualquer feirante de Amantia.
– Quero voltar aqui algum dia! Mesmo o calor sendo terrível, gostei daqui! – Falei olhando uma loja com roupas infantis de tecidos finos com bordados delicados perfeitamente trabalhados a mão. Yurin agarrou meu braço e me puxou em direção ao portão.
– Sem enrolar, Leona! Credo, não pode ver uma loja! – Reclamou Hasan amarrando a cara. – Por isso que odiava ir no shopping com você e Serena!
– Aposto que se ela pedir para você vir conosco e passar o dia inteiro olhando bobagens você não vai se importar, não é? – Resmunguei, ele sorriu e estreitou os olhos.
Chegamos ao portão principal, os guardas fizeram uma reverência e os abriram para que pudéssemos passar. A fênix já aguardava Hasan do lado de fora. Desta vez eu não ia montada nela, estiquei os braços e abri as minhas asas que havia feito com uma das penas dela. Elas eram tão lindas! Quando o brilho dos sóis bateu nelas, suas cores ficaram ainda mais vivas. Yurin fez um bico e montou na fênix junto com Hasan. Voei ao lado deles, mas depois de alguns minutos não aguentei ficar tão devagar, voei mais rápido que eles, girando e dando gargalhadas. Agora sabia por quê Ewren gostava tanto de suas asas.
Cheguei ao Vale cinzento alguns minutos antes deles, sentei sobre o alto muro de pedras da cidade e fiquei ali observando-os vindo ao longe, olhei para a árvore do fogo e fiquei imaginando como seria entrar nela, o que poderia realmente ter lá dentro. Quando tudo isso acabar quero vir aqui com Ewren! Pensei.
– O que está fazendo aqui fora? Está matando aula? É de qual turma? Responde menina! – Gritou uma voz esganiçada atrás de mim. Uma salamandra baixinha, magrela e de óculos me observava com uma espécie de chicote na mão, aquilo me assustou um pouco.
– Desculpe, não sou daqui! – Respondi, ela me olhou de cima a baixo, viu a lança ao meu lado e minhas asas parcialmente abertas.
– Fugiu da aula de sobrevivência, não é? Que desculpa mais esfarrapada! Vamos levante-se! – Disse ela pegando o chicote e o estalando a centímetros do meu rosto, o som fez um arrepio percorrer meu corpo e minhas asas desapareceram, a lança também voltou a ser um pingente e meus poderes sumiram.
– O que a senhora fez? – Gritei frustrada me levantando, eu era quase duas cabeças de altura maior que ela, mesmo assim ela me enfrentou, puxou minha orelha e saltou do muro para dentro do pátio da escola, levando-me com ela. – Espere ai! Estou falando a verdade, eu sou a Sacerdotisa das águas, vim de Amantia ontem! – Falei. Ela parou de andar e olhou diretamente nos meus olhos.
– Prove! – Disse ela serrando os olhos. Segurei o pingente novamente, segurando o cajado e mudando a minha aparência. Ela olhou as marcas douradas em meu braço e em minha testa e ficou pálida.
– Ah, céus! Me desculpe! – Gaguejou ela com sua voz ficando ainda mais fininha e assustada.
– Tudo bem! – Tentei não parecer muito irritada, Hasan e Yurin pousaram no meio do pátio, a mulher os olhou com o mesmo olhar espantado.
– Vocês vieram buscar os caçadores, não é? – Perguntou ela para mim e andando na direção deles dois.
– Sim!
– Muito bem! O rei nos avisou de madrugada! Reunimos os melhores caçadores, alguns deles do V-9 e outros já formados para irem com vocês! – Disse ela nos guiando pelo pátio. A ACV era enorme! Queria entrar e ver como era, mas acho que passaria o dia inteiro ali para poder ver tudo.
– O que são aqueles prédios? – Perguntei quando passamos ao lado de dois prédios muito grandes, maiores do que todo o resto da Academia.
– São os dormitórios! O esquerdo é o masculino e o direito feminino.
– Por que são separados? – Perguntei, mas me arrependi da pergunta depois do olhar de Hasan, Yurin e da mulher.
– É um pouco óbvio, não é? – Yurin revirou os olhos e mordeu os lábios para não rir.
– Desculpe! Falei sem pensar! – Respondi. A mulher balançou a cabeça para os lados e andou em silêncio em nossa frente até um pátio onde havia um grande portão de ferro.
Ao atravessarmos o portão, nos deparamos com um grupo de aproximadamente duzentas pessoas, eram na grande maioria Salamandras, haviam alguns humanos, elfos e silfos também.
– Pessoas dos doze mundos vem para nossa academia treinar! – Disse a mulher para nós.
– Desculpe...
– Candace! – Disse a mulher.
– Candace, mas eles são poucos! – Uma mulher que estava mais próxima a nós me encarou feio.
– Não se trata de números aqui, moça, mas sim do poder de devastação que nós possuímos! – Respondeu ela girando um machado perigosamente perto de mim. – Dezoito anos de treinamento duro! Nós podemos com qualquer exército! – Disse ela, outra mulher apareceu e tocou no ombro dela.
– Calma Di! – A mulher tinha uma expressão suave, seus olhos fizeram uma onda de medo passar por mim. Ela tinha longos cabelos cinzentos que contrastavam com sua pele morena e olhos vermelhos.
– Conheço você? – Eu não resisti, me aproximei dela e toquei seu rosto. Ela segurou meu braço e se afastou um pouco do grupo, levando-me com ela. Hasan nos seguiu, ele tinha um olhar preocupado e segurava o punho da espada.
– Em outra vida me chamavam de Antares! – Disse ela abrindo um sorriso inacreditavelmente lindo. – Agora me chamam de Lay. Sou uma das professoras do ACV.
– Antares? O primeiro sol? – Perguntou Yurin encarando-a incrédula.
– Pode-se dizer que eu era o primeiro sol antes de morrer nos céus e nascer em Ciartes com esse corpo! – Respondeu Lay.
– Tenha certeza de que em Amantia não tem a metade das criaturas que têm por aqui! Até uns vinte dos nossos davam conta do que vocês querem enfrentar lá! Vai ser muito fácil com um número tão grande! – Disse a mulher irritadinha que Lay havia tentado acalmar.
– Não superestime seu grupo, Rile! Não estamos indo enfrentar invasores! Estamos indo lutar junto a um exército contra um mago extremamente poderoso! – Respondeu Lay a ela. – Inspetora, pode deixar tudo conosco agora, volte para a academia antes que alguém resolve se aproveitar de sua ausência! – A mulher baixinha de voz esganiçada acenou com a cabeça e desapareceu atrás dos portões.
Lay guiou o grupo por uma estrada de pedra entre as árvores de troncos cinzentos e folhas cor de chumbo da floresta que protegia a academia. Andamos até uma plataforma à uns duzentos metros da escola, na plataforma quatro grandes dirigíveis com seus balões de cor metálica e cabines de madeira estavam parados aguardando nossa chegada. Lay dividiu o grupo em quatro, eles entraram nos dirigíveis, nós também entramos e embora eu quisesse ir voando até o portal pois tinha um pouco de medo desses dirigíveis, achei melhor não ficar me exibindo por aí.
– Vamos subir! – Gritou Lay para os pilotos dos dirigíveis, os motores foram ligados, as bolsas de ar foram esvaziadas e o dirigível começou a subir. As hélices nos levaram para frente lentamente.
– Quanto tempo até o portal? – Perguntei.
– Aproximadamente quarenta Minutos! – Respondeu Hasan analisando a aeronave. Estava nervosa demais, queria chegar logo em casa e esperava que essa fosse a última partida que faria para outro mundo antes de derrotar Fairin. Precisava chegar logo e bolar um meio de proteger Karin, Asahi e Nyumun durante a batalha, pois Fairin poderia enviar alguém atrás delas enquanto estivéssemos distraídos lutando. Não conseguia nem imaginar Fairin pegando Karin entregando-a para Veruza que com certeza desapareceria de Amantia com ela.
– O que pretende fazer quando chegarmos lá? – Perguntou Yurin tirando-me de meus pensamentos.
– Preciso ir até as Fendas de Holon. Vou levar Lua comigo!
– Lua? – Hasan ergueu uma sobrancelha.
– Sim, meu dragão marinho, coloquei o nome dele de Lua. Sirius mandou eu ir até lá...
– Quando foi que você falou com meu pai? – Hasan parecia desconfiado.
– Ontem depois do jantar, ele veio conversar um pouco! – Falei.
– Conversar sobre o que? – Yurin se meteu na conversa também.
– Ah! Nada demais! – Agora os dois me olhavam desconfiados. – O fato é que preciso ir até lá, Sirius acha que posso mergulhar nas águas de Holon sem ser afetada pela acidez devido a minha condição de sacerdotisa das águas.
– Vai tentar entrar na fonte das ondinas? – Perguntou Yurin olhando-me como se eu fosse louca.
– Então existe mesmo?
– Claro que existe! Mas você vai é morrer! – Yurin balançou a cabeça. – Se eu disser para meu irmão...
– Você não vai dizer nada, Yurin! Eu preciso ir lá! Sirius disse que aquelas águas poderiam purificar meus poderes!
– Então é um risco necessário! – Disse Hasan apoiando-se no beiral da cabine do dirigível.
– Estou tão mal assim? – Perguntei. Hasan desviou o olhar quando perguntei. – Responde!
– Seu poder podia ser sentido do templo de fogo, Leona. Jocelinne não queria deixar que fossemos até você com medo de que morrêssemos, ela tinha certeza que estava tudo acabado! Foi Arcádius que nos mandou ir até o castelo e disse que você não tinha escurecido por completo ainda! A ordem era matar você se você tivesse destruído Fairin e Veruza. Não por ter matado eles, mas se tivesse feito isso do jeito que saiu do templo, você seria uma ameaça maior que eles para nós... – ele não queria olhar em meus olhos, mas tive certeza que aquelas eram palavras de Arcádius.
– Então não tem porque eu não ir até lá! – Falei por fim, sentindo um medo irracional me tomar, se eu piorasse, não iria distinguir amigos de inimigos. Lembro-me de atacar Ewren sem pensar duas vezes, mas podia ser qualquer um deles, Yurin, Serena, Hasan...
– Leona...
– Eu vou na frente, vou abrindo o portal, quando chegarem lá é só atravessar! – Falei subindo na proteção do dirigível e saltando para fora. Abri minhas asas e voei rapidamente, passando os outros três dirigíveis que estavam em nossa frente, senti muitos olhares em mim e ouvi muitos murmúrios, mas os ignorei.
Pousei exatamente onde o portal para Amantia havia se fechado, tirei um dos pingentes de cristal da minha pulseira e a transformei em uma esfera de vidro gigante, toquei as mãos nela e mentalizei o pátio do castelo de cristal. Uma bolinha de luz apareceu no centro da esfera e foi crescendo e pulsando até a tomar por completo, pouco depois a esfera começou a soltar raios e uma coluna de luz apareceu, do outro lado da esfera podia ver o pátio deserto do castelo. Poucos minutos depois, os dirigíveis pousaram, pouco a pouco os grupos foram desembarcando e entrando no portal guiados por Hasan e Lay. Yurin ficou para trás para entrar comigo depois que todos eles atravessassem. Os caçadores estavam muito bem armados com todos os tipos de armas que podia imaginar, desde balestras lanças de quatro pontas.
Quando todos terminaram de passar pelo portal, segurei a mão de Yurin e entrei. Diferente do portal que Hasan havia aberto na torre, o meu foi bem mais curto, alguns passos apenas e estávamos do outro lado no meio da multidão de caçadores no pátio do castelo. Estava tão fresquinho e agradável, alguns dos humanos do grupo sentiram até frio por estarem acostumados ao calor extremo.
– Peço desculpas por deixá-los agora, Hasan vai dar um jeito em tudo aqui! – Falei para Lay que estava tentando organizar os caçadores em fila, mas eles estavam muito curiosos com tudo e maravilhados com o castelo de cristal.
– Tudo bem! Nós nos viramos aqui! – Disse Lay, Hasan sabia que eu iria partir. Abri as asas e voei até o quarto em que as bebês estavam e entrei silenciosamente pela sacada. Lórien estava deitada na cama com Asahi no colo e lhe dava uma mamadeira, Serena estava de pé com Karin e Nyumun estava resmungando no berço.
– Já estão de volta? – Perguntou Serena olhando-me espantada.
– Sim! Voltamos o mais rápido que pudemos. – Respondi pegando Nyumun nos braços e brincando com ela. – Olá meu amor! Sentiu saudade? – Cochichei para ela. Serena me entregou uma mamadeira e eu dei a ela.
– E como foi lá? – Perguntou Lórien sentando-se encostada na cabeceira e ajeitando Asahi em seu colo.
– Conseguimos a ajuda deles, o pátio está cheio de caçadores Venox. – Respondi.
– Não acha que foi muito fácil? – Lórien parecia desconfiada.
– Não... O rei pediu uma aliança para poder nos ajudar!
– Que tipo de aliança? – Perguntou ela erguendo uma sobrancelha.
– Uma das minhas filhas em casamento para o príncipe Ericko. – Respondi.
– Ewren não vai gostar nada disso! – Ela deu uma risadinha. – Ele tem ciúme de tudo!
– O príncipe é um amorzinho! Mas não falei que concordava, falei que não impediria se um dos príncipes quisesse cortejar uma delas!
– Mas Ewren vai! – Lórien olhava carinhosamente para as menininhas.
– Falando nele, onde ele está? – Perguntei.
– Eles ainda não voltaram! – Disse Serena olhando feio pela janela.
– Ótimo! Assim consigo sair sem ele reclamar! – Falei. – Serena, Hasan está acomodando os caçadores! Não fique tão nervosa! – Falei, dei um beijo na testa de Nyumun e a coloquei de volta no berço com uma pontada de tristeza no peito.
– Onde vai? – Perguntou Lórien quando me aproximei para fazer um afago em Asahi.
– Nas fendas de Holon, preciso encontrar algo lá.
– Aquele lugar é muito perigoso Leona! – Ela segurou meu braço.
– Não vou demorar, Lórien, só preciso partir antes que Ewren chegue! – Falei indo até Serena e fazendo um carinho em Karin.
– Ir aonde antes que eu chegue? – Ewren me deu um susto tão grande que quase caí no chão.
– Ah! Ewren... – fiquei constrangida, não queria que ele tentasse ir atrás de mim. – Por favor fique aqui e tome conta delas! Preciso ir até as Fendas de Holon...
– Ficou louca? Aquelas águas são ácidas! Vai morrer se chegar lá! – Ewren quase gritou as palavras.
– Sirius me garantiu que não serei afetada pelas águas! – Respondi.
– Onde encontrou Sirius? – Perguntou ele olhando-me desconfiado, senti uma pontada de culpa, mas afinal não havia feito nada de errado.
– Em Ciartes, ele veio falar comigo sobre Áries e me disse para ir até Holon para purificar meus poderes. – Respondi.
– Então eu vou com você! – Disse ele segurando meus braços e me apertando num abraço, me senti mais culpada ainda por omitir parte dos fatos e sobre o poder deles e porque me deram seus poderes. Ewren ficaria furioso se soubesse o que eu iria fazer.
– Por favor, se Fairin aparecer enquanto eu estiver fora, quero que pelo menos você esteja aqui! Não pode entrar naquelas águas comigo! – Choraminguei fazendo um biquinho para ele.
– Mas eu posso entrar lá, Bom, pelo menos chegar perto! – Disse Demétrius que estava sentado na sacada.
– Se eu não posso ir, então ele vai com você! – Ewren estava me apertando mais do que o necessário para me manter perto dele.
– Desde quando são amiguinhos? – Perguntei olhando confusa de Demétrius para Ewren.
– Não somos amiguinhos, mas dei algumas provas de lealdade! Agora eu sou oficialmente da panelinha! – Respondeu Demétrius dando uma risada de zombaria.
– Não abusa! Ainda estou pensando se te mato ou não quando isso tudo acabar! – Ewren não parecia muito amigável. Revirei os olhos e resolvi aceitar a companhia de Demétrius.
– Estou indo! Quero voltar o mais rápido possível! – Falei andando até a sacada, Ewren segurou minha mão e me puxou de volta para ele e me beijou com tanta intensidade que o retribui apertando-o contra meu corpo. Lórien pigarreou e começou a zombar baixinho.
– O mundo não vai acabar hoje, gente! – Disse ela rindo.
– Não demore! – Disse ele quando finalmente me soltou passando a língua sobre meus lábios.
– Não vou! – Respondi. Tentei usar teleporte para a costa de Edro, mas não consegui.
– Vão ter que ir voando, aquele dia você quebrou o bloqueio de Aristes sobre o teleporte dentro de Amantia, mas parece que ele tornou a colocá-lo, nem Jocelinne conseguiu quebrá-lo dessa vez! – Disse Lórien para mim. Bufei e abri as asas púrpura, todos olharam surpresos para elas. Cheguei na sacada e assobiei alto contra o cristal azul que Misa havia me dado. Lua devia estar ao redor da cidade, pois um forte vento fez algumas coisas caírem no quarto quando ele se aproximou da janela. Demétrius pulou em cima dele. Voamos por cima do castelo e viramos a nordeste e voamos o mais rápido que pudemos.
14
Encontros
Devastadores
– O que foi que você fez para Ewren resolver confiar em você assim tão de repente? – Perguntei depois de um longo tempo em silêncio. Demétrius ficou tenso por um momento, depois suspirou.
– Enquanto os dois estavam fora, Veruza controlou a mente de um dos serviçais do castelo e a fez entrar no quarto para sequestrar Karin, eu estava na sacada e a vi saindo do quarto com a bebê, eu chamei várias vezes, quando ela não me respondeu percebi que ela estava sendo controlada por uma magia.
– Então você salvou Karin? – Perguntei.
– Pois é! – Disse ele rindo.
– Certeza que foi só isso? – Perguntei desconfiando de sua expressão nervosa.
– O resto da história é melhor não saber, mas não se preocupe! Não diz respeito a você ou as suas filhas! – Demétrius arrumou seus cabelos e continuou olhando para frente, mantinha o olhar fixo nele, sabia que isso era irritante, então ele ia dizer para que eu parasse de encará-lo.
– Demétrius...
– Ah! Já disse que não tem nada a ver com você, e sei que mulheres são fofoqueiras e não guardam segredos dos outros, então não te contaria de qualquer jeito! – Disse ele amarrando a cara.
– Demétrius! – Tive que prender uma risada, ele estava ficando nervoso com meu olhar fixo.
– Não vou falar nada! – Ele mexeu atrás dos chifres do dragão fazendo-o aumentar de velocidade, resolvi o deixar em paz.
Mantemos a velocidade até o anoitecer e chagamos bem perto do porto da Âncora, mas o dragão precisava descansar e eu também! Voar era muito mais cansativo do que passar energia para ser carregada, talvez amanhã iria montada em Lua. Descemos no final da floresta que ficava depois do vale do esqueleto para acampar ali. Fiz um acampamento aparecer e o protegi, acendi uma fogueira e me sentei ao lado dela, Demétrius havia saído para pescar enquanto eu arrumava as coisas. Podia ter trazido Feroz também, ele poderia esperar do lado de fora enquanto estava na água.
Demétrius estava demorando a voltar, Lua fez um som estranho e levantou sua cabeça, fazendo-me ficar toda arrepiada. Fiquei de pé e andei até ele e olhei na mesma direção que ele estava olhando, mas não via nada. Me afastei lentamente do acampamento em direção ao chiado na floresta, peguei meu pingente e fiquei esperando que algo acontecesse. Não havia nada ali na floresta, quando ia me virar para voltar a fogueira, um par de mãos me seguraram cobrindo minha boca e segurando minhas mãos para que eu não usasse o cajado, havia me derrubado no chão. A claridade da fogueira havia desaparecido, meu coração se jogava contra as costelas.
– Faça silêncio, não se mova! – Disse Demétrius tirando a mão de minha boca.
– Ficou maluco? Quer me matar? – Sussurrei, mas ele tapou minha boca novamente e virou-me para que eu pudesse olhar para cima. Vários Fermans de plumas brancas e brilhantes sobrevoavam a floresta, em cima deles haviam elfos montados observando a floresta. Eles fizeram uma volta e desapareceram na direção leste.
– Sorte a nossa que não são silfos, ou nós já teríamos sido encontrados! – Disse Demétrius me soltando.
– Você quase me matou de susto! – Resmunguei, meu coração ainda batia irregularmente. Voltamos até onde a barraca estava, Lua deitou um pouco afastado dela, mas ainda dentro dos limites da proteção que havia feito.
– Eu vou ficar acordado vigiando a noite, amanhã enquanto voamos até Holon, eu durmo em cima do seu bichinho! – Disse Demétrius piscando para mim. – Não podemos acender outra fogueira, corremos o risco de sermos vistos! – Explicou.
– Vai ficar bem? – Perguntei, Demétrius parecia bem cansado, ainda mais pois ele havia passado a noite passa de guarda cuidando das minhas filhas. Peguei o cajado e o bati sobre as brasas que haviam sobrado da fogueira, das brasas surgiram cinco raposas de cinzas com olhos em brasas que ficaram circulando em volta do acampamento.
– Elas vão ficar de guarda! Pode descansar também!
– Obrigado! – Disse ele entrando numa das barracas. Entrei na outra, fechei o zíper da porta e me deitei. Não estava com sono, mas estava muito cansada, queria ter deixado Ewren vir comigo, mas era melhor ele ter ficado no castelo junto com nossas filhas. O zíper da barraca se abriu, Demétrius entrou e sentou do outro lado da barraca.
– O que aconteceu? – Perguntei me levantando e olhando ele fechar o zíper da barraca.
– Nada, só não queria te deixar sozinha aqui! – Disse ele fazendo aparecer um saco de dormir do outro lado e entrando nele.
– Não tem problema, eu fico sozinha tranquilamente! – Respondi, estava me sentindo claustrofóbica com ele na barraca.
– O que você faria se estivesse prestes a magoar alguém que você sabe que te ama... você começou a gostar de outra pessoa e não sabe como dizer... não sou muito bom com sentimentos! – Disse ele.
– Do que está falando, Demétrius! – Falei me encolhendo sobre minha cama.
– Deixa de ser egocêntrica, menina! Não é de você que estou falando! – Ele revirou os olhos e apoiou a cabeça na mão. Fiquei corada e olhei para o outro lado.
– Tenho cara de conselheira matrimonial? Por que todos querem perguntar de coisas que não sei? – Falei deitando a cabeça sobre os braços e encarando-o.
– Talvez elas te perguntem por que você sabe falar o que elas precisam ouvir... Melhor deixar para lá! – Disse ele virando para o outro lado.
– Não quer voltar para sua barraca? – Perguntei.
– Prometi a Ewren que ficaria com os dois olhos em você, caso contrário eu perco a cabeça. – Respondeu ele.
– Não vai acontecer nada! Ninguém deve chegar perto com as raposas lá fora...
– Não são as raposas, o problema é você! – Disse ele virando-se novamente para me encarar. – Só as bruxas e magos negros podem invocar almas carregadoras ou serem dominados por elas. Isso pode acontecer inconscientemente enquanto você dorme, se uma tocar em você, suas marcas vão terminar de escurecer e não vai ser o Fairin que teremos que enfrentar! – Demétrius tinha um olhar assustador no rosto, meu estômago afundou, lembrei de quando Ewren estava me levando para a torre das nuvens, “ou você controla seus poderes ou eles a controlarão, se isso acontecer, você se torna má”
Agora isso fazia muito mais sentido.
– Se a fonte das Ondinas não existir, ou não funcionar comigo, se algo der errado durante a batalha... Demétrius, faça um favor para mim?
– Qual favor.
– Me mate! Não deixe que eu me transforme num monstro como ele! Por favor!
– A fonte vai estar lá! – Respondeu ele fechando os olhos.
– Mas se não estiver...
– Ela está! Nossas palavras têm poder, sabia? Se você crer que ela estará lá, ela vai estar! – Disse ele antes de adormecer.
– Então ela vai estar! – Falei baixinho colocando a cabeça sobre o travesseiro e dormindo.
Acordei sendo sacudida por Lua, ele arrancou a cobertura da barraca e estava com o focinho gelado em mim.
– Já vou! – Respondi com a voz rouca, havia tido um sonho terrível, estava no meio de todas as pessoas que conhecia, eles apontavam para mim e me chamavam de traidora...
– Vamos mulher! Sem enrolar! – Disse Demétrius segurando minha mão e me puxando da cama. Fiz o acampamento desaparecer, Demétrius me entregou uma garrafa térmica com café e alguns sanduiches.
– Onde conseguiu isso? – Perguntei enfiando metade de um sanduiche na boca.
– Fui ao porto pouco antes do sol nascer, assim podemos ir direto para Holon! – Demétrius acariciou o focinho de Lua e sentou-se enquanto esperava eu comer. Não estávamos longe de um pequeno lago, fui até ele para lavar o rosto, acabei entrando na água para tomar banho. Lua apareceu e começou a fazer sons estranhos e mover a cabeça como se quisesse que eu saísse logo dali, estávamos num lugar aberto e exposto demais, mesmo que Fairin não tivesse mais nenhum interesse em mim, ainda assim minha cabeça podia ser considerada um prêmio. Saí da água rapidamente e me vesti, logo depois Demétrius apareceu e subiu em Lua. Montei também, assim era só passar minha energia para ele para irmos o mais rápido possível até as Fendas de Holon.
– Não sei o caminho! – Falei.
– Deixa que eu cuido disso! – Demétrius mudou sua aparência e colocou a palma das mãos sobre os olhos de Lua, que soltou uma espécie de rosnado e abriu as asas, em pouco tempo á estávamos voando fora da floresta, por cima da cidade portuária e alcançando o mar.
– Você vai entrar lá comigo? – Perguntei.
– Não posso mergulhar naquelas águas, como disse à Serena, aquelas águas são acidas, eu desmancharia em minutos se ultrapassasse o limite das fendas.
– Estou com um mal pressentimento sobre isso! – E se Sirius tivesse me mandado até lá para que eu morresse?
Estava tão distraída em meus pensamentos que quase caí quando Lua fez um movimento brusco e mergulhou no mar a comando de Demétrius. Me segurei nos chifres de Lua enquanto ele nadava a uma velocidade muito maior do que quando estávamos voando.
– Um dragão marinho nada melhor do que voa! – Disse Demétrius rindo. Fiquei com medo de abrir a boca e engolir água, mas conseguia respirar tranquilamente debaixo d’água.
Já haviam se passado mais de meia hora que estávamos nadando, minha pele estava dormente e formigava pela velocidade que íamos. Demétrius não parecia estar incomodado, ele estava com sua aparência alterada, mesmo não sendo a primeira vez que o via assim, os chifres me assustavam um pouco.
Aos poucos, Lua foi reduzindo a velocidade até parar completamente, estávamos diante de um grande abismo escuro e cheio de dragões e criaturas marinhas assustadoras que nadavam perto ou dentro dela. Minha maior vontade era fugir dali imediatamente, mas tinha que fazer isso.
– Não posso passar daqui as águas aqui já estão mais ácidas! – Ele ergueu o braço e pude ver sua pele com marcas vermelhas. Olhei para minha própria e não havia nada de errado comigo, ainda.
– Tudo bem... – me arrisquei a falar, parecia que estava na superfície, como se estivesse apenas flutuando. – Vou tentar não demorar! – Falei.
– Vou ficar entre aqueles corais te esperando! – Disse ele apontando para uma floresta de corais onde haviam alguns navios destruídos, parecendo um cenário de filme de terror. Acenei com a cabeça e me segurei em Lua, ele entendeu meu gesto como um sinal para partir e mergulhou em direção as fendas.
Estávamos nadando cada vez mais fundo no abismo, olhei para cima assustada, não havia nenhuma luz, apenas a escuridão. De repente as escamas de lua começaram a brilhar, um brilho verde fosforescente e até bonito, mas seus dentes afiados também brilhavam, era como se sua pele tivesse se tornado translúcida, seria muito assustador se eu não soubesse que ele era manso.
Outras criaturas em volta de nós também brilharam, eles ignoravam completamente nossa existência. Porém em uma parte, comecei a sentir uma leve ardência em minha pele, minhas roupas começaram a se desmanchar, usei meus poderes para fazer aparecer algo que não se desmanchasse com aquelas águas, minhas marcas estavam brilhando como as escamas do dragão agora.
Chegamos à um ponto que não haviam mais criaturas aso nosso redor e Lua parecia estar tendo dificuldades de seguir adiante. Não estava enxergando nada, então tive a ideia de fazer uma bola de luz iluminar o fundo onde estávamos. Quando a bola de luz mergulhou e iluminou em volta de nós, tive uma súbita onda de pânico e um desejo enorme de chorar e fugir. Em nossa frente havia uma Fenda estreita no paredão de rochas e embaixo da fenda um enorme monstro marinho guardava a entrada, ele estava adormecido quando a luz o fez despertar. Só seus olhos eram maiores que Lua. Queria fugir, mas estava paralisada de medo, Lua se afastou de mim, subindo alguns metros acima e ficou descansando sobre uma rocha. Se ele não fugiu, talvez aquele monstro não significava uma ameaça, pelo menos não para ele.
Os olhos gigantes e brancos estavam fixos em mim, não sabia o que fazer agora, mas estava começando a subir lentamente, então usei meu cajado para fazer um pequeno peso e descer até a fenda. Se estou com medo, vou com medo mesmo! Quando fiz menção de me aproximar, o monstro se moveu rapidamente, enrolando-me numa espécie de tentáculo luminoso e me puxando para perto. Pronto! Agora eu vou morrer, tinha razão, Sirius me enviou para cá para morrer e pagar por ter deixado Áries sem sua forma física! Só podia ser isso! Meus braços estavam presos e não conseguia pensar de forma lógica para usar meus poderes e me livrar daquele monstro tão grande que fazia o Kraken de Lirien parecer um polvo.
Do alto dos olhos do monstro saíram pequenas antenas fininhas, ele as colocou sobre meus olhos. Num instante todas as memórias que tinha de Amantia passaram diante de meus olhos, mas a que ficou por mais tempo, foi a que Sarya me entregou a pulseira e me disse que eu era a sacerdotisa das águas. Pouco depois o monstro me soltou e voltou a dormir, meu corpo inteiro tremia e estava prestes a chorar. Como não conseguia nem me mover direito, usei meus poderes para me levar até a entrada daquela fenda. Ao passar por ela, senti uma paz tão grande, como nunca havia sentido em toda minha vida, foi como se nada mais fosse dar errado. Nadei por ela até uma curva nas pedras, até achar um bolsão de ar.
Lá dentro era tudo tão claro! A bola de luz que eu havia conjurado flutuava a alguns metros de altura acima de uma pequena ilha flutuante no meio do bolsão, o teto dali era coberto por plantas e flores estranhas de cores claras e brilhantes, pássaros vermelhos voavam em pequenos grupos e assobiavam alegremente enquanto faziam seu show aéreo. Nadei até a margem e pisei na ilha, a grama que a cobria era verdinha e macia, haviam pequenas árvores frutíferas em toda a extensão da ilha que não era maior que um campo de futebol. Bem no meio da ilha havia um laguinho e no centro do laguinho, uma coluna de pedras de vidro jorravam água.
– Bem-vinda, sacerdotisa das águas! – Disse uma voz atrás de mim quando me aproximei do laguinho.
– Sarya? – Olhei para a Ondina atrás de mim, ela sorriu.
– Sabia que você viria, estava esperando por você!
– É a fonte das ondinas, não é? – Perguntei olhando as pedras no centro do lago.
– É sim, agora você tem que provar que é digna de tomar aquela água! – Disse Sarya para mim, a olhei com estranheza. – Não achou que ia chegar, beber da nossa fonte de poder e sair, não é?
– Na verdade achei sim! – Respondi. Sarya pegou dos pássaros que estava pousado em um arbusto e o colocou na água do lago, para minha surpresa ele não afundou, ficou sobre a água como se a água estivesse congelada.
– O que é impuro não consegue andar sobre essas águas, para você conseguir tomar aquela água, você tem que estar aqui com boas intenções! Passou pela primeira barreira, que era o meu bichinho guardião, mas andar sobre essas águas...
– Eu tenho que conseguir! – Falei, não esperei ela terminar de falar e passei meu pé sobre as pedras que limitavam as águas do lago.
– Se você afundar, sem beber aquela água, você morre! – Disse ela para mim. A olhei incrédula. – Esse lago não tem fundo, vai cair no vazio dessas águas e seus poderes não funcionarão, assim vai se afogar! Está disposta a arriscar mesmo sabendo que pode não passar? – Ela me encarava. Eu não era uma pessoa pura e embora estivesse ali com boas intenções, não tinha certeza de que estava fazendo as escolhas corretas. – Para que você precisa entrar ali? – Perguntou ela ao ver minha relutância.
– Prometi a alguém que iria chegar aqui e beber aquela água. Estou prestes a me tornar uma maga negra, se não conseguir tomá-la, estarei colocando a vida de muitas pessoas em risco, então ou eu consigo, ou não vale a pena sair daqui com vida! – Falei, então ao invés de colocar um pé na água, coloquei minhas mãos na pedra e girei meu corpo por cima dela pulando com os dois pés sobre as águas.
Fechei os olhos quando meus pés tocaram a superfície fria das águas. Se fosse para morrer, que fosse rápido! Para minha surpresa eu só afundei até a cintura, o passarinho estava em pé nas águas ao meu lado então olhei para baixo, depois para Sarya. Ela começou a gargalhar quase rolando no chão.
– O que é engraçado? – Perguntei frustrada.
– Estava apenas testando você, se você teria medo ou não, mas você não desistiu! Parece que Eirien escolheu certinho a sacerdotisa das águas! Usei magia para fazer o passarinho não afundar! – Sarya ergueu os braços e desapareceu em uma nuvem de vapor. As pessoas em Amantia não sabiam a hora de brincar, francamente! Andei até o meio do lago e fiz uma concha com as mãos, peguei um pouco de água, respirei fundo e bebi, a água era adocicada.
Parecia que tinha estado doente por toda minha vida e que havia me curado agora. Todas as cicatrizes que tinha em meu corpo desapareceram, cada dor, cada sentimento ruim, parecia que tudo havia sido lavado por aquela água queria rir sem explicação. Fiz um frasco de vidro aparecer e o enchi com um pouco daquela água, Sarya não havia dito nada que eu não poderia pegar um pouco. Coloquei a garrafinha presa em minha roupa e saí da ilha, mergulhei na água em direção a fenda novamente e saí por ela. O monstro continuava adormecido lá. Bem acima de mim, Lua estava nadando em círculos como se estivesse irritado com minha demora. Quando ele me viu, nadou rapidamente em minha direção para que eu me segurasse nele, mal segurei em seus chifres e ele deu um solavanco para cima disparando para sair da fenda. O que havia acontecido com ele?
Saímos da fenda numa velocidade tão grande que causamos uma perturbação na água, vários corais e plantas ao nosso redor foram arrancados. Demétrius estava perto demais, ele parecia prestes a entrar na fenda, quando nos viu ele segurou em Lua me olhou de cima a baixo para ter certeza de que era eu mesma.
– O que aconteceu? Por que demorou tanto? – Perguntou ele angustiado olhando feio para mim.
– Demétrius, não passou nem uma hora desde que entramos lá! – Respondi.
– Se passaram dois dias, Leona! Estava quase entrando lá para recuperar seu corpo! – Respondeu ele. – Locais sagrados o tempo passa mais lentamente mesmo, mas eu realmente achei que você podia ter morrido! A fenda causou uma interferência, não podia sentir mais sua presença.
– Ninguém me disse isso! Temos que correr então! – Meu estomago estava se revirando ne tanto nervoso que eu sentia.
– Aconteceu algo em Alamourtim agora a pouco, os céus de Amantia ficaram negros de repente, como se os sóis tivessem desaparecido do céu e um grande exército alado passou voando por cima do mar!
– Está começando, Demétrius! Vamos rápido Lua! – Toquei em suas costas lhe passando o máximo de energia que pude. Lua disparou para frente, mas Demétrius o virou, fazendo-o desviar para a esquerda.
– O que está fazendo? – Perguntei.
– Mandei avisar ao exército abissal, eles estarão nos esperando na costa de Mantum! – Disse ele segurando minha mão e absorvendo um pouco de minha energia também. – Fique calma, ou vai fazer Lua passar mal com essa quantidade de energia! – Ele me encarava sério. – Achou a fonte, não é?
– Achei! Por que? – Perguntei.
– Olhe suas marcas! – Eu olhei, as marcas agora estavam nos dois braços, as marcas douradas dos Ascardian haviam desaparecido e dado lugar novamente as marcas verdes e a orquídea. Apenas a marca da minha aliança continuava lá.
– Pode me fazer seu guardião agora! – Disse ele sorrindo de lado.
– Por que você iria querer isso? – Perguntei olhando-o confusa.
– Eu roubei seu sangue aquela vez, isso me tornou seu inimigo, então meus poderes não aumentaram tanto, se você me der seu sangue e me transformar em guardião... ah, que se dane! Eu só quero ficar mais forte que Yurin! – Disse ele franzindo o cenho.
– Ela derrotou você? – Perguntei.
– Era isso que eu ia te dizer naquele dia, eu estou apaixonado por ela, mas ela disse que só ficaria comigo se eu conseguisse vencê-la!
– Quando isso aconteceu? – Perguntei.
– Depois que você saiu aquele dia no templo de fogo, eu falei com ela, ela me derrotou com apenas dois golpes! – Resmungou ele.
– E Moan?
– Ela sabe, disse que não vai desistir até eu ter certeza de que é isso que eu quero, sei que ela me ama, mas quando vi Yurin...
– Você tem certeza disso? – Perguntei sentindo muita pena de Moan.
– Yurin disse que nunca ficaria com alguém mais fraco que ela! – Ele parecia irritado com isso.
– Se você acha que isso vai fazer alguma diferença! – Respondi.
Demétrius sorriu.
– Vai me dar seu sangue? – Perguntou ele mostrando seus dentes de agulhas para mim.
– Se você nos trair, eu peço ajuda de Yurin para te matar! Vai por mim, ela consegue! – Falei bem séria.
– Por mim, tudo bem!
Demétrius me distraiu por tempo suficiente até chegarmos a costa de Mantum, Lua flutuava e nadava lentamente até a areia. Um exército de centenas de abissais nos aguardava lá com suas armaduras leves e azuis e longas espadas finas e curvadas. Sobre nós havia uma enorme lua cheia de cor levemente amarelada.
– Lua das fadas? Acho que estão conspirando a nosso favor! – Falei. Demétrius estava me encarando sério, estava aguardando que eu lhe desse meu sangue novamente.
Peguei meu pingente e o transformei em uma faca e cortei a palma da mão. Antes de lhe oferecer, respirei fundo e lhe perguntei.
– Promete que se acontecer algo, você vai ajudar a cuidar delas?
– Claro que sim! Somos amigos, não somos? Amigos cuidam uns dos outros! – Disse ele sorrindo. O sangue estava empoçado em minha mão e respingava sobre Lua, Demétrius segurou a concha que fiz com as mãos e tomou o sangue. Pouco depois a marca prateada da corrente apareceu em seu braço e ele sorriu.
– Obrigado! Não vai se arrepender! Prometo! – Disse ele descendo de Lua e andando até o exército na praia.
– E aí? – Perguntaram Ami e Lirien que estavam diante do exército ao lado de Misa. Um jovem quase idêntico a Lirien estava ao lado deles e sorria, ele tinha cabelos cinzentos e olhos quase brancos, mas marcas safira acesas sob a armadura que vestia.
– É Siorin, filho de Amijad e Lirien. – Sussurrou Demétrius quando notou que eu o observava. O jovem deu um aceno e sorriu para mim.
– Está na hora de colocar algumas cabeças para rolar! – Disse Misannin fazendo um som agudo com a boca. As águas do mar começaram a borbulhar e uma centena de dragões marinhos apareceram, os soldados montaram neles e aguardaram instruções.
– Vamos! – Gritei fazendo Lua abrir suas asas e levantar voo. Precisávamos ir rápido até Alamourtim, ergui cajado fazendo uma fina membrana com minha energia, assim quando os dragões passassem por ela, eles teriam sua força e energia aumentadas também.
Quando alcançamos a Vila das Cinzas, uma mancha escura vinha no céu atrás de nós. Estava me preparando para derrubar seja lá o que fosse que estivesse se aproximando, mas Demétrius me impediu.
– São os Salamandras! Quem vem lá é Balfir e Priha! – Disse ele para mim com um sorriso triunfante no rosto. Reduzimos a Velocidade para que eles nos alcançassem. Eles também vinham montados em dragões e pareciam muito animados.
– Olá, sacerdotisa das águas! Recebemos o chamado da rainha Eirien! – Disse Balfir – Parece que vamos chegar juntos! – Disse ele dando uma gargalhada divertida.
– Parece animado! – Falei.
– E estou! A séculos espero por uma boa batalha! – Disse soltando outra gargalhada, com um grunhido fez o seu dragão voar mais rápido e seguimos juntos em direção aos campos de Alamourtim, Priha voava ao seu lado numa armadura vermelha magnífica e os cabelos presos em uma trança, os casais daqui permaneciam unidos em qualquer situação. A única fonte de luz agora era a lua cheia que brilhava na escuridão que tinha tomado Amantia.
Ao passarmos por cima da floresta morta, avistei a cidade de Alamourtim do topo da montanha e a cidade de cristal flutuando acima dela. Quando ia partir de Amantia não tinha virado para trás, senão teria visto aquela visão espetacular, a lua deixava tudo muito mais bonito e ao mesmo tempo assustador.
– Para cima! – Gritou Balfir, Demétrius puxou o chifre de Lua para trás fazendo-o subir. Haviam gigantes abaixo de nós, mesmo que estávamos voando bem acima deles, ainda poderíamos ser acertados por seus porretes.
– Fairin já está aqui? – Perguntei olhando o exército que marchava na direção da cidade.
– Deve estar protegido no meio dos gigantes! – Disse Demétrius olhando para baixo.
Ao pé da montanha estavam o exército dos centauros, dos vampiros, Lobisomens, bruxas e dríades. Nós chegamos e os circulamos, pousando espalhados ao redor dos outros e nos misturando a eles.
Desci de Lua e corri na direção de Eirien e Ewren, eles estavam com Hasan, Yurin, Arcádius e Jocelinne.
– Onde estão os outros? – Perguntei chegando perto deles, Ewren me abraçou.
– Achei que não fosse voltar mais! – Disse ele tocando minha bochecha com o polegar.
– Serena, Lórien, Medras e Tayman ficaram lá para evitar que Fairin tente roubar Karin novamente.
– Garanto que ele vai tentar isso! – Disse Demétrius.
– Yurin, Demétrius! Por favor, vão até eles e fiquem protegendo o castelo! – Pedi. Demétrius acenou com a cabeça, Yurin fez cara feia e queria bater o pé, mas Eirien fez o mesmo pedido, e ela acabou cedendo. Demétrius pegou a mão de Yurin e montaram em Lua para subir até o castelo. Moan os olhava se afastar com um olhar tristonho. Ela foi para perto de Arcádius e ficou lá.
– Trouxe uma coisa para você! – Falei para Ewren, tentando me acalmar. O exército de Fairin se aproximava e o pânico estava começando a me tomar novamente, toda a tranquilidade que havia sentido na fonte tinha desaparecido. Peguei o frasco com a água que havia enchido na fonte das Ondinas, não sabia se ela faria efeito fora da Fenda de Holon, mas não custava tentar.
– O que é isso? – Ele olhou o frasco em minhas mãos.
– Água da fonte das Ondinas! – Respondi, ele olhou e sorriu.
– Vou ficar igual Farahdox se tomar isso? – Perguntou ele me encarando.
– Não sei se vai funcionar aqui fora! – Ele abriu e frasco e tomou a água. Seu olho prateado de repente ficou dourado, ele respirou fundo e mudou sua aparência. Quase chorei ao vê-lo transformado, antes quando ele o fazia, ficava com a pele acinzentada e olhos e cabelos prateados, agora seus cabelos estavam dourados assim como seus olhos e a pele bronzeada tinha um suave brilho.
– Não é mais um elfo negro! – Disse Eirien se aproximando de nós e o abraçando com força. Ela se virou para mim e me abraçou também. – Obrigada, Leona! – Disse ela me encarando com seus olhos dourados também.
– Não me agradeça ainda, Eirien! Falta um obstáculo ainda! – Disse apontando o exército diante de nós. – Farahdox ainda não chegou? – Perguntei.
– Ainda não! – Disse Eirien olhando o céu preocupada.
– Vai chegar a qualquer momento! Não se preocupe! – Ewren tentou tranquilizá-la. Eirien acenou com a cabeça e se colocou diante de todos nós. O exército do outro lado do campo se aproximava fazendo barulho, batendo em seus escudos e gritando.
– Sabem o que é aquilo? São todos os que viraram as costas para Amantia, são os que estão contra a verdade e apoiando alguém que quer acabar com a nossa paz! Mas não estamos aqui para destruí-los! Nós só temos um alvo! E se é preciso lutar com nossos irmãos para destruí-lo, nós faremos! Não tenham medo deles, mas vamos à luta sem raiva! O objetivo de vocês não é matá-los, mas abrir uma brecha para que possamos acabar com seu líder! Todos que estão contra nós serão perdoados se mostrarem arrependimento diante de nossas armas! – Eirien falava calmamente diante de nós, ela queria deixar bem claro que não era Amantia contra Amantia, mas sim Fairin contra todos nós. – Eles não podem chegar ao castelo, se não estaremos todos condenados! Então, não importa como, devemos proteger o que está lá dentro, assim protegeremos nosso mundo e os outros onze! Lutem não para matar, mas para proteger quem e o que é valioso para vocês! – Gritou ela, todos gritaram e ergueram suas armas. A espada em minha mão estava mais pesada que o normal, então a guardei na bainha e peguei minha lança.
– Não importa o que aconteça, por favor, não morra! – Pedi a Ewren. Ele segurou minha mão.
– Te peço o mesmo! – Ele respondeu beijando minha testa e sacando sua espada. Hasan se aproximou de nós e começou a rir.
– Fairin é meu! – Disse ele, tinha um olhar sádico e assustador no rosto que era sempre tão sereno e brincalhão.
– Não se eu o alcançar primeiro! – Respondi me posicionando ao lado de Ewren. Lua voltou e pousou atrás de nós, fez um som terrível sair de sua boca grande e cheia de dentes afiados, todos os outros dragões ao nosso redor também começaram a urrar. Avistei Fairin no meio deles, estava só. Veruza não estava em lugar nenhum.
– O desgraçado a escondeu para que não pudéssemos matá-la! – Disse Hasan.
– Não se preocupe com isso agora! – Falei.
– ATACAR! – Gritou Bargon que estavam ao lado de Fairin. O exército vinha correndo em nossa direção fazendo a terra tremer.
– VÃO! – Eirien gritou também e foi em direção aos gigantes com um grupo de caçadores. Ewren a acompanhou, montei em Lua e voei por cima do campo, Jocelinne se ergueu no céu como vi minha mãe fazer na batalha de Vintro, ela fez uma bolha azul com as mãos e ficava flutuando acima do campo de batalha. Sobre o nosso exército caia uma fina chuva brilhante azulada, aquilo não era proteção, ela estava dividindo seu poder com eles! Então era como eu imaginava que seria, Fairin era meu!
Voei sobre o campo com Lua, passei por cima dos gigantes, Lua jogava um jato de água ácida neles que os faziam derreter como papel higiênico molhado. Os caçadores que trouxemos de Ciartes pareciam ferozes, eles destruíam tudo que entrava em sua frente como gafanhotos sobre uma plantação, sem nenhuma piedade. Ouvia as espadas se chocando, as flechas pareciam chuva sobre ambos os lados. Amijad e Lirien também estavam no campo junto com seu filho, nunca soube que tinham um filho, ele usava uma longa espada diferente dos outros Sereianos e seus ataques eram precisos e muito hostis.
Em pouco tempo de batalha, muitos já haviam se ferido ou perdido suas vidas, era uma cena horrível de se ver e eu precisava acabar logo com isso.
Vários silfos e elfos alados começaram a ir em direção ao castelo. Assoviei alto fazendo os dragões marinhos os seguirem e os derrubarem, porém alguns conseguiram passar e estavam perto demais do castelo.
Um grande buraco brilhante se abriu no céu e dele saíram duas Fênix que lançaram bolas de fogo e queimaram os silfos que se aproximavam do castelo. Eram Farahdox e Noliah. Eles se aproximaram voando de mim.
– Leona! As coisas já estão quentes por aqui, não é? – Farahdox estava sorrindo com a espada na mão. – Pelo visto a pulseira para neutralizar prata nem foi necessária! – Disse ele me entregando a pulseira, que coloquei no braço para prevenir ela era de um material parecido com vidro.
– Está começando a esquentar! – Respondi olhando para Noliah. Quando olhei seu rosto tive uma surpresa tão grande que quase não podia acreditar ser real.
– Vovô Enzo? – O olhei incrédula.
– Olá Leona! Quem diria, não é? – Eu não estava entendendo mais nada.
– O que... como? – Perguntei. Era mesmo meu avô Enzo, que eu achava ser o pai de minha mãe. Estava com a mesma aparência, cabelo branco, olhos verdes, mas agora parecia mais forte que antes.
– Quando entrei em Saldazaris e percebi a passagem do tempo, escapei para Pollo e descobri uma passagem de lá para a terra, então acabei numa fazenda, lá uma senhora já de idade pensava que eu era seu marido falecido, acabei ficando por lá alguns dias. Foi aí que vi a Sacerdotisa dos ventos chegando com três crianças extremamente poderosas, ela modificou as memórias daquela senhora, dos filhos dela e de seus netos para que ela achasse que vocês eram parentes deles também, ela me deu algumas memórias também, não me reconhecia embora tenha sido meu aprendiz! Acabei ficando na terra e voltando para Pollo apenas para me comunicar com Farahdox. Aí treinei vocês com medo de que se tornassem uns fracotes! – Explicou ele dando uma gargalhada. Mais silfos e elfos tentavam entrar no castelo agora com Fermans os levando até lá!
– Deixe conosco! Se você não der um jeito em Fairin, isso vai continuar! – Disse Farahdox indo atrás deles. Uma chuva de flechas caiu sobre eles derrubando a maioria, Era Yurin em cima dos muros do castelo. Ela acenou para nós.
Comecei a circular novamente por cima do exército até avistar Fairin, ele estava entre um círculo de Trolls que o protegiam. Passei minha perna por cima de Lua e saltei de cima dele até o local em que Fairin estava. Ele me encarou e sorriu abrindo os braços de forma provocativa.
– Olhe ao seu redor, Leona! Veja o que está acontecendo! – Eu passei os olhos sobre os campos. – Mesmo com todos que vocês arrumaram contra mim, ainda estou vencendo! E Veruza não está aqui para você destruir! – Gritou ele dando uma gargalhada e erguendo a espada para mim. Ele tinha razão, eles estavam em maior vantagem e a qualquer momento poderiam vencer e tomar o castelo. – Eu te dei tantas chances! Mas você continuou com os perdedores!
Só havia uma coisa que eu podia fazer, senti o poder pulsar dentro de minha espada, a segurei firmemente enquanto ele se aproximava de mim.
15
Unicórnio
do trovão
Fairin veio até mim com a espada erguida, estava pronto para me matar, afinal, o poder que ele perderia me matando seria pouco, quase o que ele havia tomado de Serena e recuperaria facilmente com o poder de Karin, então acendi as minhas marcas e soltei minha lança no chão e abri os braços, ele parou perplexo e minha frente, seus olhos fixos na marca verde em minha testa.
– Eu posso dar o que você quer se os deixar em paz, se parar essa luta agora! – Falei.
– Que truque é esse? Não tente me enganar! – Gritou ele para mim.
– Eu tenho o poder dos regentes aqui comigo! Eles me deram para que eu o destruísse! – Falei ele deu um passo para trás. – Mas você é meu pai, não quero perder você também! – Ele ergueu uma sobrancelha. – É só fazer isso parar! Você quer controlar os mundos, não é? Você não quer destruir tudo! – Gritei. Ele me olhou desconfiando, andei até perto dele e coloquei a lança aos seus pés e me ajoelhei. Fairin começou a rir e me levantou pelo braço.
– Sabia que não me decepcionaria! – Disse ele passando os dedos em meus cabelos. Ele pegou seu cajado e o bateu no chão fazendo uma onda de fumaça vermelha varrer o campo de batalha, o seu exército começou a recuar imediatamente como se já aguardassem por esse sinal. Ele esperava que me unisse a ele?
– Quero seu perdão também! – Disse Moan se aproximando de nós. A olhei espantada, quando Fairin acenou com a cabeça e virou para falar com Bargon, apenas movi os lábios “O que está fazendo? ” Ela olhou em meus olhos, eram uma mistura de confusão, mágoa, medo e raiva. “Me diz você, traidora!” Ela respondeu.
– Me dê o poder, agora! – Ele pediu.
– Aqui não! Por favor! – Pedi o encarando com lágrimas nos olhos.
– Leona! O que está fazendo! Mate-o, vamos! – Gritou Ewren para mim. “Ewren, eu sinto muito! Por favor me perdoe! É para o bem de todos!” Apenas movi os lábios, Fairin passou um braço em volta de meus ombros e segurou Moan também. Um círculo de fogo nos cobriu. Pude ver os olhares confusos de Ewren e de Hasan enquanto desaparecíamos por trás daquele fogo.
Fairin me pôs no chão, estávamos numa praça deserta no meio de uma cidade abandonada. O cheiro de poeira e água suja estavam por todos os lados.
– Onde estamos? – Perguntei tentando parecer calma.
– Em Rompita. – Disse Fairin segurando minha mão. – Prove que está ao meu lado! Prove que não vai usar isso para me destruir! – Disse ele segurando meu rosto com as mãos, engoli em seco, tive que lutar contra minha vontade de cortar sua garganta, ele estava perto e isso seria fácil. Então ele tocou seus lábios nos meus, ele me beijou e apertou minha mão esquerda, sabia o que ele estava tentando fazer, ele queria destruir meu laço com Ewren, então usei minha concentração para fazer a marca em meu dedo desaparecer.
– O que foi isso? – Perguntei tentando manter minha voz normal e minha raiva sob controle, não podia matá-lo se não, não poderia cumprir minha promessa a Sirius.
– Só quebrando seu laço com o elfo, assim ele não vai mais querer se meter quando você for comigo para reivindicar o castelo de cristal! – Disse ele rindo, ele estava confiante de que já tinha a vitória. Moan estava nos olhando, ela parecia com raiva. Talvez tivesse mudado de lado novamente por causa de Demétrius.
Veruza apareceu saindo de dentro de uma das casas.
– O que está havendo aqui? – Perguntou ela olhando para Fairin e depois para mim. Seu olhar parecia doce, errado, logo depois aquela chama voltou Moan a segurou a arrastou perto da fonte seca no meio da praça.
– Não a machuque. – Disse Fairin calmamente como se não ligasse para o que acontecesse mais com ela.
– Não vou! – Disse Moan segurando Veruza, enrolou seus dedos nos cabelos azuis da moça e riu. – Mas ela é muito ciumenta! Ela pode tentar matar Leona antes que ela lhe dê o poder que você quer! – Moan havia realmente mudado de lado? Se tivesse, era algo mais a me preocupar.
– Com o poder dos regentes, não precisarei do poder da maldição! – Disse ele esticando as mãos para mim. Olhei para Veruza, ela estava com os olhos fechados e respirava com dificuldade, Moan a segurava com força e estava com os olhos completamente brancos. Achei que estivesse tentando retirar a alma de Veruza do corpo de Brigith, talvez não houvesse mudado de lado, mas sim me ajudando! Peguei a espada de Nellena, abri o cabo e tirei a bola vermelha com o poder de dentro dela. Fairin estendeu a mão, mas não a entreguei.
– Quero que me prometa que não vai fazer mal a eles! – Pedi.
– Prometo! – Disse ele sem pensar.
– O que você vai fazer com esse poder quando o absorver? – Perguntei.
– Eu vou ter os doze mundos aos meus pés! – Disse ele sem tirar os olhos da bolinha em minhas mãos.
– Você quer destruir os doze mundos?
– Claro que não, que tolice! O que iria restar para dominar se os destruísse?
– Então você vai guardar os mundos, se tornar uma espécie de guardião? – Ele estava tão obcecado pelo poder que estava caindo direitinho, Moan e Veruza pareciam perdidas em um transe, as duas estavam com os olhos brancos, aquilo me preocupou mais do que Fairin.
– Eu vou proteger os doze mundos e mantê-los livres das bobagens de seus governantes estúpidos e que não sabem tomar as decisões corretas! – Fairin parecia um cãozinho de olho na bola, porém me mataria quando percebesse que a bolinha não o levaria aonde queria ir e todo meu sacrifício seria em vão.
– Aceita esse Poder? Aceita guardar os doze mundos? – Perguntei.
– Aceito! – Disse ele tomando a bolinha da minha mão e a engolindo.
– O que? – Gritou Moan. – O que você fez! Fairin, NÃO!
– Sinto muito, mas foi necessário! – Falei. As Marcas negras no corpo de Fairin se tornaram alaranjadas e começaram a brilhar.
– O que... o que você fez comigo? – Urrou ele pegando a espada enfurecido percebendo o que tinha feito. Dei um passo para trás.
– Eu dei o poder que você queria! Agora você vai guardar os doze mundos por toda a eternidade, sem nunca interferir, é claro! – Falei dando um sorriso triunfante. Uma forte luz saiu de Fairin quando ele começou a gritar, ele esticou as mãos tentando me alcançar, pude ver a fúria em seus olhos um instante antes dele desaparecer em minha frente num rastro de luz até o céu.
– O que foi que aconteceu? – Perguntou Veruza olhando para mim.
– Eu lhe dei o poder dos sóis e fiz ele aceitar ser o guardião dos doze mundos, assim ele ocupará o lugar de Sirius e Áries como o Sol guardião dos Círculo dos Doze! Agora, quebre a maldição! – Falei pegando minha lança. Moan segurava Veruza e prendia seus braços.
– Leona, cuidado! Não é Moan! – Disse Brigith quando Moan puxou seus cabelos para trás. Moan começou a chorar e colocou uma faca no pescoço de Brigith.
– Não vou quebrar a maldição, nunca! Você tirou tudo de mim! – Gritava ela descontrolada.
– Moan, ficou louca? – Perguntei tentando me aproximar.
– Você tirou meu único amor! – Gritou ela. – Eu saltei para o corpo de Moan quando você estava fazendo essa besteira! Se tivesse percebido que era esse seu plano, eu teria te matado! – Gritou ela com lágrimas lavando seu rosto. – Teria saltado para seu corpo, mas você se purificou da lâmina de Aswang! Eu havia aberto uma brecha para tomar seu corpo! Assim ele ficaria feliz, mas você tinha que estragar tudo!
– Solte Brigith agora! – Gritei erguendo a lança para ela. Não queria brigar com Moan, sabia que podia tirar Veruza do corpo dela, só não sabia como. Veruza empurrou Brigith para o lado e caiu de joelhos no chão. Pouco depois uma chuva fina começou a cair, parecia estar caindo só sobre essa cidade.
– Você está bem? – Perguntei a ela.
– Estou... vou chamar ajuda! Papai consegue tirar a alma de Veruza dela! Só a mantenha ocupada até eu voltar! – Brigith se transformou em uma águia e desapareceu no céu.
Me aproximei dela com a lança em guarda. Ela saltou para cima de mim com uma faca na mão, consegui fazer correntes aparecerem e a prenderem no chão.
– Moan, sei que você está ai! Por favor resista!
– Cale a boca! Eu vou te matar! Eu devia ter matado todas vocês quando tive a chance! – Ela gritava enquanto tentava se soltar. A chuva parou e de uma das poças, Demétrius surgiu a andou até nós.
– Leona! O que houve? Onde estão Fairin e Veruza? – Perguntou ele olhando de mim para Moan. – Ewren disse que você nos traiu!
– Cuidado, não é Moan, é Veruza! – Falei quando ele se aproximou de nós.
– Cadê Fairin?
– O prendi no lugar de Sirius e Áries! – Falei.
– Então não era para Sirius e Áries terem aparecido aqui? – Ele olhava em volta procurando pelos dois.
– Me solte e me enfrente como mulher, sua covarde! – Ela estava ficando sem voz de tanto gritar e chorar, quando Demétrius se abaixou em sua frente e tocou seu rosto, A voz de Moan voltou ao normal. Ela soprou um pequeno fio de luz que envolveu seu pescoço e se transformou num anel de palavras “signatum in aeternum”
– Não adianta tirar a alma dela! Você tem que Matar o corpo que carrega a alma ou ela vai continuar a saltar! – Disse Moan entre lágrimas. – Era minha função desde o início, ser um corpo de reserva para ela! Minhas memórias são falsas, meus sentimentos... eu sou como Guinn, apenas uma cópia para proteger seu verdadeiro corpo!
– Moan, não diga bobagens! – Falei me abaixando perto dela também.
– Eu lacrei a alma dela dentro de mim, assim vocês podem acabar com isso de uma vez! – Disse ela começando a chorar.
– Não, Brigith disse que podemos tirar a alma dela, que você pode ser liberta! – Falei sentindo um aperto no coração.
– EU NÃO SOU UMA PESSOA DE VERDE! – Gritou ela me encarando. Só criei consciência própria por causa de Arcádius e de você... – disse ela olhando para Demétrius. – Então me faça um favor, estou bloqueando os poderes dela! Antes que ela tome o controle novamente me mate! Mate a alma dela que eu prendi! Foi para isso que derrotaram Fairin não foi? Quebre logo a maldição, por favor! Não deixe que meu sacrifício seja em vão... – Moan implorou de cabeça baixa. Demétrius ergueu seu rosto e a encarou.
– Leona, se afaste! – Disse Demétrius empurrando-me para trás e erguendo Moan. – Preciso de um momento aqui! – Disse ele sem tirar os olhos dos olhos de Moan. Me afastei um pouco deles e fiquei observando de longe, talvez Demétrius conseguiria convencê-la a tirar a alma de Veruza e a destruir. Ele a beijou, tirou a adaga de sua cintura e cortando a garganta de Moan.
– Demétrius NÃO! – Gritei correndo até eles. – O que você fez?
– Atendi o último pedido de um condenado... – disse ele olhando-a com pena.
– Não precisava ser assim! – Falei começando a chorar, tinha aceitado Moan como uma meia irmã.
– Eu sabia que ela era uma cópia de Veruza, se a alma de Veruza morresse, ia acontecer com o corpo de Moan o mesmo que aconteceu com Lórien quando Ervie a esfaqueou do outro lado. Ela ia simplesmente se desfazer, Veruza a esfaqueou com a lâmina de Aswang para poder marcar o próximo corpo que ela usaria para saltar, eu sabia disso e pedi que vocês a curassem pois se ela virasse guardiã de Serena, a consciência de Moan aumentaria e seria mais difícil Veruza tomar seu controle, assim quando ela finalmente tomasse conta do corpo de Moan, seria mais fácil dominá-la e acabar com ela... Moan não queria morrer como um boneco, como uma casca vazia, ela queria morrer como uma pessoa de verdade e que lutou até o final por algo que acreditava! A última coisa que ela fez por nós foi prender a alma de Veruza para que pudéssemos matá-la! – Disse ele.
– Mesmo sabendo disso você ficou com ela?
– Ela só passou para o seu lado por que criou consciência própria e sentimentos por mim e começou a acreditar que podia ter um destino diferente. Não tinha intenção de me apaixonar por Yurin, e foi isso que quase colocou tudo a perder. Veruza recuperou o controle de Moan quando ela me viu com Yurin aquele dia no templo! – Olhei para Moan no chão, o sangue havia empoçado em volta de seu corpo e ela ainda tentava respirar. O último traço de vida, quando a luz deixou seus olhos foi como se eu fosse atingida por uma lufada de ar, meu corpo ficou leve de repente, as marcas verdes em meu pulso se tornaram brancas.
– O que houve? – Perguntei.
– A Maldição foi quebrada. – Disse ele olhando para minha testa. – Agora você tem a marca dos Apollis, a lótus branca. – Quando ele falou isso eu comecei a chorar. Havíamos vencido, finalmente. Queria tanto que minha mãe estivesse aqui para sentir esse alívio que eu sentia, embora estivesse triste por Moan, estava feliz por tudo ter acabado.
Um par de luzes apareceu no céu e desceu até perto de onde estávamos. Olhamos enquanto Sirius e Áries tomavam suas formas “humanas” e se abraçavam e sorriam.
– Leona? – Sirius olhou confuso para mim. – Achei que você fosse usar o poder para destruir Fairin depois que tivesse aceitado se torna a guardiã! – Disse ele para mim.
– Você me disse que era quase como um castigo ficar olhando tudo lá de cima, sem poder nunca interferir! O que era maior castigo para Fairin do que saber que foi derrotado e ainda ter que cuidar dos doze mundos eternamente? – Falei.
– Mas isso quer dizer... enquanto ele não interferir ele ainda pode voltar! – Disse Sirius limpando o corpo de Moan com seus poderes e colocando-a sobre a pedra da fonte seca. – O sol ainda não reapareceu! – Disse ele encarando-me nervoso. Pensei em todos que haviam ficado no castelo. Quando ia me virar para ir até lá, senti um calor atrás de mim, e um brilho forte fez com que minha sombra se estendesse pela cidade.
– Você me enganou, mas pelo menos, eu posso me livrar de você agora sem piedade! – Disse a voz de Fairin atrás de mim, ele havia se tornado o guardião dos Doze mundos, mas ainda não estava preso ao centro, ele não havia interferido ainda e sabia que ele não iria até elas, ele se vingaria de todos tirando-me deles. Fairin puxou a espada em minha cintura e a atravessou em meu peito. – Sem a maldição, você é apenas uma híbrida mortal! – Disse ele ao meu ouvido, desaparecendo ao soltar a espada que agora estava atravessada em mim.
– NÃO! – Demétrius correu até mim e me segurou antes que eu caísse no chão. A dor era intensa demais, havia um gosto metálico em minha boca. – AH! Merda! – Gritou ele puxando a espada, mas eu não tive força nem para gritar.
– Demétrius, onde está Hasan, rápido diga! – Escutei a voz de Sirius, mas ela estava cada vez mais distante.
– Castelo de Cristal! – Houve mais dor quando Sirius me tirou do chão, uma coluna de luz brilhante e colorida nos cobriu, fechei os olhos por um instante. Quando os abri de novo, estava deixada no chão do pátio do castelo, havia gente demais em volta de mim e Sirius os mandava se afastar. Vi Ewren se aproximando de mim e tive vontade de chorar então apertei os olhos.
– Leona! Olhe para mim! Abre os olhos! – Disse sua voz doce, tão distante que mal podia ouvir.
– Me desculpe...
– Não fale nada, por favor só fique quietinha aqui até Hasan chegar! – Disse ele para mim, vi o brilho verde em suas mãos, ele estava tentando me curar, mas eu não conseguia sentir mais além de muito frio. O único calor que sentia era o de suas mãos.
– Cuida bem delas, Serena, Yurin e Lórien vão te ajudar! – Falei sem saber se ele estava escutando, seus olhos dourados estavam na ferida em meu peito. Sirius se aproximou e tentou ajudá-lo, o último rosto que vi antes de fechar os olhos foi o de Hasan, ele se aproximou devagar e segurou meu rosto.
– Não é hora de ir ainda... – disse ele mordendo sua mão e a trazendo para perto de mim.
Abri os olhos, estava de pé em um túnel de luz largo como aquele que atravessei com Hasan e Yurin para ir até Ciartes, olhei meu corpo, não havia nada de errado, estava perfeitamente bem, mas estava sozinha. Caminhei para o lado que havia mais luz ignorando o conselho de “não ande na direção da luz”. Comecei a reparar que no túnel haviam imagens passando, como se fosse toda minha vida em pequenos vídeos espalhados por suas paredes luminosas. Quando parei de andar para olhar um deles, escutei o som de algo se aproximando e olhei para o lado oposto do túnel.
– Amaterasu? – Era ela, vinha correndo para cima de mim, ela saltou sobre mim e me lambeu o rosto até que eu parasse de tentar afastá-la. – O que está fazendo aqui! Você morreu! – Falei. – Será que eu também morri? – Perguntei olhando novamente para meu corpo. Ela abaixou para que montasse nela, foi o que fiz. Amaterasu correu pelos túneis até chegar a um portal de madeira pintado de branco. Ela o atravessou correndo, estava em um mundo tão lindo! Era tudo calmo, a grama verdinha e macia, o sol morno brilhava no céu ao lado da lua e a brisa soprava suavemente contra meu rosto, mas não conseguia sentir nenhuma emoção.
– Onde estamos? – Perguntei me aproximando de uma imensa árvore igual a que tinha em Ciartes, porém essa era azul clara e tinha folhas prateadas, seus galhos pareciam cobrir uma área tão grande que para onde quer que eu olhasse haviam galhos cheios daquelas folhas prateadas. Ela estava completamente tomada por fios vermelhos emaranhados, cada um deles presos a uma folha e indo em direção ao espelho, outros fios conectados a uma folha, mas que iam para outro lado da árvore e se encontrava com outra folha. Mas nenhum deles estavam embolados.
Um dos fios vermelhos estava preso ao meu pulso. Eu o puxei, mas ele estava preso dos galhos da árvore e ia até suas raízes assim como os outros.
– O que é isso? – Olhei para raiz da árvore, ela estava plantada sobre um espelho gigante e nesse espelho havia uma escuridão, quando me aproximei e olhei mais de perto, vi onze planetas que desciam formando uma espiral.
– É o espelho das almas! – Disse uma voz feminina perto de mim.
– Quem é você? – Olhei em volta procurando a dona daquela voz. Não havia ninguém ali, só Amaterasu.
– Sou Ayrana, a guardiã de Mogyin! – Disse Amaterasu levantando-se nas patas traseiras e transformando-se numa mulher diante de meus olhos. – Desculpe, me transformei em algo que você conhecia para poder tirá-la do mosaico de memórias antes que você tocasse na parede e se perdesse no tempo! – Disse ela sentando-se no murinho em volta do espelho.
– Ayrana, o que houve? Eu morri? – Perguntei.
– Sim..., Mas ainda não é sua hora! Você foi atacada por um sol que não deveria interferir diretamente, mas parece que estão tentando te salvar lá! – Disse ela dando palmadinhas no murinho para que eu sentasse ao seu lado, andei até ela e sentei.
– O que é essa árvore? – Já que estava aqui, queria perguntar tudo!
– É a árvore dos espíritos, ela torna visível a ligação existente entre todas as almas nos mundos. Suas onze raízes se conectam aos onze mundos vivos do círculo, cada folha prateada representa uma vida em um dos mundos.
– E esses fios vermelhos? – Perguntei lhe mostrando o meu.
– Eles mostram a quem você está conectado, sua outra metade! – Disse ela segurando meu fio e o puxando delicadamente, quando ela o puxou o rosto de Ewren apareceu no espelho.
– Isso significa...
– Que desde antes de vocês nascerem, já estavam conectados, sempre estiveram! No começo as almas eram poucas, assim quando seus corpos morriam, elas se dividiam em duas, para suprir à quantidade de novas vidas. Mas o vazio que se formava em seus corpos na outra vida era grande demais, então elas foram unidas novamente por esses fios. Quando elas não se encontram em uma vida, quando se encontram com outras almas e não com suas metades, elas sofrem em silêncio até poderem se encontrar novamente! – Disse ela arrumando uma mecha de meu cabelo.
– Isso é muito bonito, e ao mesmo tempo triste! Então foi isso que Sirius quis dizer com “todas as vidas são conectadas”!
– Talvez! Sirius e Áries, são uma das primeiras almas a serem divididas, eles já viveram tantas vidas juntos. Talvez essa seja a última, depois eles devem querer descansar! Gosto quando eles estão aqui para conversar comigo! – Disse ela olhando para um campo florido do outro lado da árvore.
– O que tem lá? – Perguntei.
– As almas que descansam...
– Posso entrar lá? Queria tanto falar com minha mãe e Arin, com Nellena também!
– Não pode entrar lá, só pode ir até lá se sua outra metade estiver aqui também, você tecnicamente ainda está viva, lá é o campo dos mortos. Além do mais, Arin, Nellena e Lupine já retornaram! Quando as mandei na última vida, quando elas receberam esses nomes, eu disse que teriam uma vida difícil e regada de problemas, e se mesmo assim elas aceitassem descer, eu as mandaria uma última vez depois para viverem uma vida feliz ao lado das pessoas que elas deixaram para trás! Como elas aceitaram e eu já as mandei de volta! – Disse ela sorrindo para mim. Cobri a boca com as mãos e comecei a chorar. Ayrana segurou meus ombros carinhosamente e beijou minha cabeça. – Está quase na hora de você voltar! Cuide direitinho das almas que cuidaram tão bem de você para que você cumprisse o seu papel nessa vida! – Ouvi as palavras dela e assenti com a cabeça.
– Então eu consegui, não é? – Falei quando minha voz finalmente saiu.
– Não existe mais a maldição, vocês estão livres e Fairin já foi preso, agora ele cuida de nós mesmo que não queira, pois perdeu completamente a consciência e as lembranças por ter matado alguém que não devia morrer.
– Ayrana, o que você é, exatamente? – Perguntei.
– Não posso te dizer exatamente pois não sei explicar em palavras, mas eu me lembro vagamente da única vida que vivi lá embaixo, acho que fui uma das primeiras pessoas a andar sobre um dos mundos, Amantia, se não me engano, mas com certeza fui a primeira pessoa a morrer nos mundos criados depois da terra! Quando cheguei aqui e vi a beleza desse lugar e a grandiosidade, eu escolhi ficar! Assim comecei a cuidar das almas e das novas vidas que surgiam aqui e fazer com que encontrem seus caminhos!
– Você se arrepende dessa escolha? – Perguntei. Ela olhou pensativa para o espelho, depois para a árvore e para suas folhas prateadas.
– Não costumo me arrepender das escolhas que faço! – Ela sorriu novamente. – Eu posso ver tanto amor, tanta alegria, que nem mesmo todo o sofrimento que vejo consegue superá-lo. É muito gratificante ficar aqui e juntar as almas, ver a alegria quando elas se unem novamente... – enquanto ela falava sua voz ficava mais distante.
– O que está acontecendo? – Mal podia ouvir minha voz agora.
– Ainda nos veremos antes que essa vida termine! – Disse ela acenando para mim. Pisei sem querer na superfície do espelho e tudo em minha volta escureceu.
Ouvi o som de água corrente, a brisa gelada da noite em meu rosto, o cheiro de terra molhada e grama cortada. Abri os olhos devagar, a luz forte da lua quase me cegou. Sentei e olhei em volta, estava no jardim de minha casa na Montanha Nublada. Estava sozinha ali? Me levantei e andei até a casa, arrastei a porta de correr para o lado e entrei. A cozinha estava arrumada como sempre, passei pela sala e fui até o quarto, também não havia ninguém. Voltei para a cozinha e fiz algo para comer, parecia que estava a uma eternidade sem me alimentar. Depois fui até o quarto, escovei os dentes e fui até a varanda do quarto. Me sentei no parapeito e fiquei olhando para o vale abaixo de mim sem entender exatamente o que estava acontecendo comigo, parecia que aos poucos meus sentimentos iam voltando.
– Achei que não fosse acordar mais! – Disse uma voz muito familiar atrás de mim.
– Ewren! – Me virei e o abracei, abracei forte, queria sentir o máximo do seu cheiro, do seu calor. Ele segurou meu rosto e me beijou, como se fosse a primeira vez, parecia que nunca havia feito isso antes, fui tomada por uma onda de felicidade incontrolável e o apertei o máximo que pude contra mim.
– Acabou, não é? Agora você vai sossegar perto de mim? Chega de brincar de morrer, moça! – Disse ele traçando o contorno de minha boca com os dedos.
– Acabou! – Falei fechando os olhos e respirando fundo. Ewren segurou minha mão e me levou para o quarto, estava tudo diferente, mas ao mesmo tempo era o mesmo lugar!
O que estava diferente era a paz, a certeza de que agora estávamos seguros, que não havia mais maldição e que ninguém viria atrás de mim ou de minhas filhas novamente.
– Onde estão as meninas? – Perguntei.
– Com minha mãe e os outros no castelo de cristal. Te trouxe para cá hoje cedo, não sabia quando ia acordar! Os outros estavam sempre nervosos e angustiados, então resolvi tirar você de lá para acalmar os ânimos.
– Quanto tempo eu fiquei fora? – Perguntei lembrando-me que não havia se passado muito tempo desde que entrei em Mogyin e fiquei com Dauona.
– Quase seis Meses... – disse ele sorrindo tristemente.
– Não quero mais saber de viagens a outros mundos por um bom tempo! – Falei assustada pensando no tempo que passou. – Como elas estão?
– Muito grandes, bonitas e fortes, iguais a mãe delas! Yurin e Lórien cuidaram de você todos os dias e as mantinham perto de você!
– E Serena? – Perguntei.
– Se casou com Hasan dois meses atrás e foi para Vintro. Ela queria esperar você acordar, mas Áries disse que em Mogyin você não poderia sair até Ayrana ter a certeza de que sua alma estava curada e pronta para voltar... acabou que Hasan foi colocado no lugar de Fairin em Vintro, Medras ficou responsável por Lótus Vale.
– Onde estão Sirius e Áries?
– Eirien os colocou como governantes em Lastar, criaram uma cidade lá para os Malvarmos que vieram de Vegahn. Antes que você pergunte, meu pai está na cidade de Cristal também, Eirien aproveitou que ele apareceu durante a batalha para ajudar a todos e o absolveu pela morte do rei e de seu irmão. A cidade de Monte Azul também foi restaurada e sua avó está em casa com Sally e Tayman assumiu o comando dos caçadores.
– Entendi, então tudo acabou bem... – me sentia aliviada.
– Nem tudo acabou tão bem, Lirien e Amijad morreram na batalha aquele dia junto com muitos outros, o filho deles não aceitou ficar no lugar deles no palácio dos nove dragões e um tempo depois foi embora para Ciartes, disseram que ele vai lecionar na ACV. – Quando ele falou senti um nó na garganta, Lirien e Ami me ensinaram muita coisa e atenderam ao nosso chamado, eram verdadeiros amigos para nós.
– Quero ir até o castelo! Quero ver as meninas! – Falei tentando afastar as lágrimas.
– Amanhã! A essa hora elas estão dormindo, sei que você não vai aguentar e vai querer acordá-las. É muito difícil fazê-las dormir no horário certo! – Disse ele rindo.
– Amanhã então! – Concordei, agora não tinha mais pressa, podia aproveitar cada momento sem medo. Havia passado tanto tempo dormindo, mas estava com muito sono.
– O que é isso? – Ao deitar na cama, notei a marca de uma corrente prateada em meu braço.
– Hasan lhe deu seu sangue para te curar, era para você ter se curado imediatamente como aconteceu comigo, mas você morreu na hora que ele lhe deu o sangue. Sirius nos garantiu que você voltaria, só que sua alma já estava em Mogyin quando seu corpo se curou... Bom, agora você é guardiã de Hasan! – Respondeu ele traçando a corrente com as mãos.
– A sua desapareceu! – Eu segurei o braço dele e o girei procurando pela marca.
– Minha e de Demétrius! – Disse ele olhando-me feio. – Você morreu, Leona! O elo foi quebrado.
– Então os poderes que eu passei sumiram?
– Não, só o elo de mestre. Algo feito por um mago não se apaga nem com sua morte, isso serve para os poderes passados também!
– Falando em magos, e Jocelinne e Arcádius?
– Estão no templo de fogo. Arcádius é conselheiro da rainha novamente e Jocelinne voltou a ser a sacerdotisa do fogo.
– Fiquei com as marcas iguais às de Fairin... – falei olhando a marca branca em minha testa com um espelho.
– Eu posso dar um jeito nisso! – Ewren mudou sua aparência, seus olhos dourados eram incríveis. Ele beijou minha testa e as marcas mudaram, a flor de lis apareceu novamente e as marcas brancas de meu braço ficaram douradas.
– Obrigada! – Falei puxando-o pelos cabelos e o beijando. Queria tanto ficar com ele agora, me perder em seu corpo, em seu gosto, mas nada em mim respondia da forma que eu queria. Escutei sua risada enquanto eu bufava irritada.
– Você passou pelos outros mundos para chegar aqui novamente, seu sono é mais que normal, afinal seu corpo descansou e sua alma não. É como se você ainda estivesse naquele dia! – Disse ele brincando com meu cabelo. – Posso esperar mais alguns dias para ter você novamente! – Talvez eu que não pudesse esperar mais alguns dias!
– Ewren, por falar naquele dia, eu preciso de pedir desculpas! – Ele cobriu minha boca com a mão.
– Sirius me contou, Demétrius também. Sei o que você fez por nós! Não se preocupe em se desculpar.
– Mas eu me sinto tão culpada!
– Então não se sinta, sinta-se feliz pois fez uma coisa que ninguém mais teve coragem de fazer! – Deitem minha cabeça em seu braço, respirei fundo e sorri.
– Então não se importa se eu tirar um cochilo, não é?
– Não, mas duvido que seja um cochilo! – Disse ele rindo, meus olhos pesaram, adormeci antes mesmo de falar mais alguma coisa.
Acordei com o cheirinho de café, levantei ainda com preguiça e andei até a cozinha. Ewren estava de pé preparando alguma coisa que estava cheirando muito bem, seu cabelo estava trançado para trás, ele estava apenas usando um moletom, fiquei olhando a tatuagem em suas costas e o desenho de seus ombros, acabei sorrindo e ele se virou bem na hora, pegando-me olhando para ele.
– Acho que devia de chamar de bela adormecida a parir de agora! – Disse ele rindo e colocando uma caneca com café na mesa e um prato com panquecas.
– Acordei antes das nove! Não pode reclamar!
– Você dormiu mais três dias! Sério, você hiberna, não é? Não é uma híbrida, é uma ursa! – Disse ele zombando de mim, senti meu rosto esquentar.
– Você ainda é um chato! – Resmunguei.
– Por que está com o cabelo laranja? – Perguntou sentando em minha frente e tirando uma mecha de cabelo laranja do meu rosto. O fiz voltar ao normal e ignorei sua pergunta, havia sonhado que estava pintando o cabelo e não queria falar isso.
Depois que tomamos café, nos arrumamos e fomos até o lado de fora. Ewren nos cobriu com aquela coluna de luz, dei um tchau silencioso para a casa.
Aparecemos no jardim de Eirien, onde ela, Lórien, Medras, Yurin e Demétrius estavam tomando café. As menininhas também estavam ali, perto de Eirien sentadas em cadeirinhas e fazendo bagunça.
– Leona! – Lórien se levantou para me abraçar, ela estava com uma barrigona e um sorriso enorme no rosto!
– Lóri! Você está ótima! – Falei acariciando sua barriga e lhe dando um abraço. Cumprimentei a todos na mesa e corri para pegar as três no colo, as apertei e as enchi de beijos.
– Obrigada por tudo! – Sussurrei para elas lembrando-me das palavras de Dauona.
– Asahi e Nyumun ficaram totalmente elfas quando a maldição desapareceu! – Explicou Lórien vendo minha expressão de confusão ao vê-las diferentes. – Apenas Karin continuou híbrida! Meio humana, meio elfa! – Disse sorrindo.
Fiquei olhando aqueles rostinhos redondinhos, era quase como um troféu poder estar de volta depois de tudo que aconteceu, em suas testinhas brilhavam agora o símbolo da flor de lis verde.
Passamos o dia todo brincando no jardim, as três se davam muito bem e pareciam gostar de brincar entre si.
Ao final da tarde, Eirien veio para fora com Farahdox e os outros e trouxe um bolo. Eles já se aproximaram cantando parabéns Ewren coçou a cabeça e Yurin parecia irritada.
– Não se atreva a reclamar, ela matou um gigante com um golpe de espada! – Cochichou Ewren para Yurin, que arregalou os olhos e deu um sorriso parcial.
– Que dia é hoje? – Perguntei.
– Quatorze de maio, nosso aniversário! – Disse Yurin pegando um pedaço de bolo que Eirien havia cortado.
– Nosso aniversário também! – Disse Ewren para mi, deixando-me confusa.
– Como assim?
– Nos casamos no dia do meu aniversário. Só não te falei nada! – Disse ele rindo e me dando um pedaço de bolo.
– Parece que foi ontem! – Falei dando um pedacinho do recheio a Karin, era a única que ainda não havia cochilado.
Ao anoitecer, tivemos bastante trabalho para conseguir fazer as crianças dormirem, pela primeira vez Ewren e eu fizemos isso sozinhos para tentar recuperar um pouco do tempo perdido, acabei cochilando na cama com Nyumun no colo.
Acordei sentindo o vento frio da noite, Ewren estava voando para algum lugar comigo no colo.
– Aonde vamos? – Perguntei abrindo os olhos e olhando em volta.
– Já vai ver! – Disse ele descendo e pousando numa pedra no meio da cachoeira que conhecia muito bem.
– Uma comemoração? – Perguntei me segurando em seu pescoço e ficando de pé.
– Talvez... – ele me beijou. – Feliz aniversário, o primeiro de muitos a serem comemorados! – Disse ele contra meus lábios.
– Espero que sim! – Eu retribui seu beijo. Nunca havia me sentido tão feliz, tão segura e tão em casa em toda minha vida. Estava no lugar que tinha que estar e com quem eu queria estar pelo tempo que eu quisesse e nada podia nos atrapalhar agora.
Epílogo
Tempos
de paz.
De vez em quando acordava a noite com pesadelos do dia em que Fairin me “matou” e saia para andar pelo castelo, dessa vez fui até a torre sul e fiquei do lado de fora sentada observando o céu noturno, a brisa da noite e o perfume que ela trazia sempre me dava paz. Algo me incomodava muito desde que prendi meu pai no centro do círculo, Sirius havia me dito que era para eu ter usado o poder deles para matar Fairin, e não para bani-lo, assim eu havia despertado uma fúria maior do que podíamos imaginar, mas não conseguia tirar da cabeça o motivo disso ser ruim, afinal agora ele era obrigado a cuidar de todos nós e estava selado! Que mal podia haver nisso?
– Acordada de novo, rainha? – Perguntou Karin tirando-me de meus pensamentos, ela se aproximou sentando ao meu lado no parapeito da torre, seus cabelos castanhos e cacheados estavam enrolados num coque e os olhos azuis do pai brilhavam contra a luz da lua.
– Eu que pergunto, o que está fazendo acordada a essa hora? – Perguntei puxando-a para meu colo.
– Estou ansiosa, não consigo dormir! – Disse ela encostando a cabeça em meu ombro. – Papai disse que vai matar o rei e o filho dele se não for com a cara deles e depois vai dar uns tapas na senhora por ter me prometido sem ele saber! – Disse Karin querendo rir.
– Não prometi, disse só que não impediria que ele tentasse te conquistar! – Falei apertando-a em meus braços.
– Ela só tem quinze anos! – Disse Ewren se aproximando de nós. Seu humor não havia melhorado nada desde que recebeu a carta de Hargas dizendo que vinha com sua família para uma visita, assim conheceriam as filhas do rei. – Vá perturbar sua tia Yurin, ela não está dormindo também! – Disse ele a Karin, que lhe deu um beijo no rosto e desceu as escadas sem reclamar.
– Eles não vêm para um casamento, só para conhecer as meninas! – Protestei.
– Não devia ter feito algo assim sem me consultar, muito menos ter esquecido de me contar isso! – Eu segurei seu rosto e o beijei. – Não tente me comprar! – Ele estava realmente irritado. Sentou-se ao meu lado e ficou olhando para o céu, sentei em seu colo e comecei a desabotoar a blusa devagar.
– Não posso mesmo te comprar? – Perguntei puxando suas mãos para minha cintura.
– Talvez..., mas isso não muda o fato de ter feito coisa errada! – Disse ele me beijando e esquecendo um pouco a visita de amanhã.
No dia seguinte ao nosso aniversário quinze anos atrás, Eirien fez uma grande cerimônia de coroação. Ela passou o trono para Ewren, agora éramos os Rei e rainha de Amantia. Ela disse que estava velha e queria tempo para aproveitar suas netas. No mesmo dia Yurin e Demétrius se casaram. Fizeram uma festa grande cheia de pompas, ao contrário de Ewren, Yurin adorava uma festa, pouco depois tiveram um filho, Datani, que nasceu hibrido de Elfo e incubo era muito parecido com o pai, mas com os cabelos escuros e olhos iguais aos de Yurin.
Ewren e eu havíamos tido mais um filho, um menino, Susano, ele era um ano mais novo que as gêmeas, era muito arteiro e passava o dia todo implicando com as meninas.
Lórien e Medras também tiveram um casal de gêmeos, Lupinus e Nelin, agora já tinham quase a idade de Karin, Asahi e Nyumun, alguns meses mais velhos que Susano.
Mesmo com toda a tranquilidade, eu insisti que elas fossem treinadas por Medras, ele era um ótimo professor, eu achava que era melhor elas saberem se defender, já que não sabíamos o que o futuro poderia guardar e Ayrana não havia me dito nada sobre isso. Não permiti que fossem a ACV em Ciartes, o que deixou o rei muito decepcionado, mas ele não tirou minha razão de querer ficar ao lado delas depois de tudo que passamos. Apenas Susano, depois de muito esforço por parte de Ewren, aceitei que ele fosse para a ACV, ele voltava todos os fins de semana para ficar conosco no castelo e era um dos alunos mais avançados, queria terminar o mais rápido possível pois odiava o calor de Ciartes.
Quanto as trigêmeas, elas ficavam uma semana em Vintro, com Hasan e Serena, eles as treinavam também, mas com a chegada do filho dos dois, apenas Hasan os treinava agora, já que Nero dava muito trabalho a Serena. Outra semana elas ficavam no templo de fogo, e na outra em Lastar com Sirius e Áries, seus mentores favoritos. Aos fins de semana ficavam no castelo conosco, Eirien reclamava da ausência delas a semana toda, mas passava todo o tempo que podia mimando Susano, ele ficava cada vez mais agarrado com os avós. Eirien também havia aproveitado que não era mais a rainha e casou-se escondida com Farahdox, finalmente poderiam ficar juntos depois do tempo que passaram distantes.
Embora sempre houvesse alguma rixa ou problemas para resolver, estava tudo sempre muito calmo, sempre estávamos rodeados pelas pessoas que amávamos.
Mal havia amanhecido e todos já estavam de pé, fazendo preparações para a chegada da família real de Ciartes. Ewren não havia melhorado muito seu humor desde a noite passada, mas as meninas fizeram questão de animá-lo, dizendo que se Karin fosse embora, ele ainda teria Asahi e Nyumun! Claro que isso não deu muito certo, e só piorou ainda mais sua expressão.
– Seja simpático quando eles chegarem! – Falei arrumando a coroa dourada com formato de folhas sobre seu cabelo. Ele me encarava com aqueles grandes olhos azuis.
– Não consigo ser amiguinho das pessoas assim, Leona!
– Disse a mesma coisa de Demétrius, agora vocês estão sempre perto um do outro! – Lembrei.
– É outro caso! Ele não estava tentando tirar ninguém de mim.
– Ninguém está tentando tirar elas de você, só estão vindo para conversar! – Insisti, era difícil tirar algo de sua cabeça.
– Assim espero! – Disse ele segurando a espada. Tive dificuldade para soltar seus dedos dela. Estávamos aguardando a chagada deles no jardim de Eirien, havia deixado o cabelo de Susano crescer, ele estava tão bonito, como o pai, embora fosse o único da família que era completamente humano, mas havia herdado meus poderes assim como Karin, ele era um mago excelente e muito habilidoso, porém não perdia uma oportunidade de pregar peças nos outros. Nyumun e Asahi tinham apenas a força de Ewren e não haviam herdado meus poderes, o que muitas vezes provocava discussão entre os quatro.
– Estão chegando! – Disse Demétrius que estava sentado perto da cerejeira tirando um cochilo, feroz estava deitado em seu tamanho miniatura sobre o colo de Yurin, Mel estava entre os pais e parecia estar se divertindo muito com um livro que estava lendo, ela era um ano mais nova que seu irmão, Datani. Os guardas abriram a porta e Hargas entrou na frente, com um enorme sorriso no rosto e braços abertos pronto para um abraço. Ele chegou me prensando num abraço de urso e depois cumprimentou os outros.
– Ewren! Rei de Amantia! – Disse ele fazendo uma reverência.
– Hargas! Rei de Ciartes. – Ewren ficava assustador tentando ser simpático. Atrás de Hargas vieram Ericko, Kuran e Sheriah com uma jovem ruiva que não conhecia, mas devia ser a filha deles.
– Leona, como vai! – Disse ela me dando um abraço. – Essa é minha filha, Annie! – A menina fez uma reverência e sorriu.
Ericko cumprimentou Ewren, ele havia se tornando um adulto, muito bonito por sinal, tinha mantido a trança longa e ruiva, o que fazia lembrar de Sirius.
– Ele parece com tio Hasan! – Disse Karin olhando-o boquiaberta.
– Parece sim! – Cochichei.
– Então essa é Karin? – Perguntou Hargas se virando para Karin e a abraçando também. Os salamandras eram muito calorosos em seus cumprimentos, literalmente.
– A senhora não mentiu para mim aquele dia, ela é realmente linda, igual a mãe! – Disse Ericko dando um sorriso para Karin, até eu fiquei corada com aquele sorriso, o que fez Ewren ficar ainda mais carrancudo.
– Ah, obrigada! – Disse Karin segurando minha mão. Asahi e Nyumun reviraram os olhos e foram se sentar perto de Demétrius e ficaram junto com Mel debochando em secreto de Karin. Demétrius parecia ainda mais divertido com a cara de aborrecimento de Ewren e Yurin estava mordendo os lábios para não rir, sabia que ia sobrar para mim mais tarde!
– Mas a senhora disse que só poderia me casar com sua filha, se eu a derrotasse primeiro, lembra! – Disse ele encarando-me.
– Ah, eu disse brincando! – Falei.
– Agora vai ter que ganhar dele! – Disse Ewren por fim entregando-me a lança. Ericko já estava com a espada na mão, todos se afastaram dando espaço para nós. Demétrius agora dava gargalhadas.
– Sua vez também vai chegar, Demus! – Disse Ewren provocando-o referindo-se a Mel, Demétrius amarrou a cara.
– Estou enferrujada, não precisa disso! – Falei.
– Mãe, sem mentir! Você e o papai treinam todos os dias que eu sei! – Disse Nyumun acabando com minha farsa.
– Depois me acerto com você, menina! – Falei erguendo a lança e mudando minha aparência.
– Desculpe, mas não pretendo dar nenhuma chance de a senhora ganhar! – Disse Ericko sorrindo e girando a espada em minha direção. – Eu treinei muito para esse dia!
Depois de cinco minutos, fui desarmada e tive uma espada a centímetros de meu pescoço. Karin pareceu muito feliz com minha derrota, Ericko também. Hargas aplaudia o desempenho do filho e Sheriah não ligava muito, ela era a serenidade em pessoa. Apenas Ewren continuava de cara amarrada, agora era para mim. Acabou que depois de alguns minutos de conversa, Hargas pediu para ir até o templo de gelo em Lastar, queria conhecer os sóis que iluminaram seu mundo por anos.
Só os homens foram, fiquei com as meninas, Yurin, Sheriah e Annie, ela se deu muito bem com Asahi e Nyu e ficou falando o tempo todo de uma amiga humana muito forte que tinha na ACV. Sheriah agradeceu a hospitalidade e fez um brinde a nossa aliança, ela parecia feliz pelo fato de Ericko e Karin terem se gostado.
– Para mim o mais importante é que isso não seja feito por obrigação! – Disse ela para mim.
– Para mim também! – Respondi. – Como estão as coisas por lá?
– Tivemos problemas com alguns revoltosos um tempo atrás, ao que parecia eles queriam matar Hargas e tomar o controle de Ciartes, mas Ericko com um grupo de caçadores deu um jeito neles, as negociações não funcionaram como queríamos, as vezes a força física é necessária. – Disse Sheriah para mim.
– Verdade! – Falei, nós não tínhamos uma sintonia para conversar. Nyumun, Asahi e Annie acabaram ficando bastante amigas depois daquele dia juntas, isso facilitava bastante, pois ficamos conversando com elas também.
– Não deixei ele vencer, Ewren! Se é isso que está te deixando tão chateado! – Falei de noite depois que estávamos a sós no quarto. A família real de Ciartes havia partido no começo da noite, pois no outro dia Kuran e Annie teriam aula na ACV, Susano aproveitou a visita deles e foi junto com eles para Ciartes. Karin, Nyu e Asahi também já haviam sido levadas para Vintro por Eirien e Farahdox, era semana delas ficarem com Serena e Hasan.
– Ericko me deixou entrar em sua mente quando estávamos a sós em Lastar. Ele é muito justo, corajoso e honesto, diferente do aproveitador do pai deles. E já havia gostado de Karin quando você falou sobre ela em Ciartes. – Disse ele me encarando. – Ele não tem intenção de levá-la daqui, disse que quando eu permitir, vem para Amantia e ficará conosco o tempo que quisermos, mas ele resolveu partir porque disse que Karin é muito nova ainda! – Disse ele suspirando aliviado e me abraçando.
– E o outro, Kuran? Não sei nada sobre ele, apenas parece ser um pouco tímido! Asahi parecia interessada nele... – falei.
– Não entrei na mente dele, mas parece que ele já tem alguém de quem gosta em Ciartes, não parava de olhar para o nada enquanto conversávamos! – Disse ele puxando-me contra ele. Deitei minha cabeça em seu peito, aliviada. Ericko havia conquistado Ewren com essas palavras “muito nova ainda”. O tempo nos favorecia, sem pressa nos deixando aproveitar cada momento juntos.
– Ainda é para sempre? – Perguntei brincando com a marca dourada em seu anelar.
– Para sempre é pouco! – Ele respondeu beijando minhas mãos. – Eternamente, por todas as vidas, até que os mundos acabem... – Eu o beijei antes que terminasse de falar, abri minhas asas e nos enrolei nelas.
– Então até o fim dos mundos!
Emilly Amite
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